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Lorraine era uma autora best seller mundialmente conhecida por seus romances, porém, uma reviravolta no mercado editorial faz seus grandes sucessos serem deixados nas prateleiras das livrarias. Desiludida e com raiva pela falta de criatividade e a falta de amor para recomeçar a escrever, vê em Jordan uma fuga, uma agradável escapatória.
Jordan é aquilo que Lorraine tanto descrevia em seus personagens. Um homem perfeito e que faria qualquer uma suspirar, inclusive ela.
Jordan e Lorraine formam o casal perfeito e o amor que emana deles deixa qualquer um com inveja. E assim tem sido os últimos seis anos de casados. Mas após um jantar com amigos, Lorraine desaparece. O que traz uma teia de mentiras e segredos à tona.
Sinais são deixados para trás, fazendo com que Jordan se torne o principal suspeito, mas será que o comportamento frio e amargo de Jordan o tornaria um péssimo marido, ou pior, um assassino?
Durante isso, pequenas passagens revelam que o casal perfeito tem grandes rachaduras, mas seria tudo verdade? Será que podemos confiar plenamente em apenas uma versão da história, ou confiar nos relatos escritos pela esposa desaparecida?
Seriam apenas coisas inventadas pela brilhante mente de uma escritora?
“Dentro de você deve existir algo que ninguém saiba.”
HORAS DEPOIS
JORDAN MATTIL
O aviso de proibido fumar grudado na parede não me impediu de retirar um cigarro do bolso e acendê-lo. Quem iria me culpar? Adquiri esse vício horrível de minhas noites sentado na garagem, evitando uma briga com Lorraine. Podíamos ser vistos como o casal perfeito por todos, mas isso não queria dizer que não brigávamos de vez em quando por eu deixar a toalha molhada na cama ou os sapatos espalhados no meio do quarto.
Fumei apenas metade do cigarro até que o policial saiu da pequena sala onde estava há mais de meia hora conversando com a detetive e chamou-me pelo nome. Por isso, apago-o no metal frio da lixeira, logo em seguida jogando-o dentro dela.
O policial anda calado ao meu lado, aquela pose imponente de oficial da lei. Aponta a sala da qual havia acabado de sair, do outro lado da mesa a detetive estava sentada. À sua frente, várias fotos do ocorrido desta noite. Muitas me faziam engolir em seco...
— Desculpe a demora, Sr. Mattil — diz indicando a cadeira em minha frente.
— Sem problemas — respondo com a voz embargada.
— Vamos ao primeiro ponto. Você e sua esposa tinham problemas? Tiveram alguma desavença?
“Naquela manhã não estava condenada, ou eu estava completamente errada em todos esses meses. "
DIA “X”
LORRAINE MATTIL
Vamos chamar de dia “X”, dia do meu sumiço, desaparecimento, dia onde o pânico assolou tão forte dentro de mim que era impossível respirar, onde a raiva e o ódio deram espaço para uma coisa sombria, uma coisa que só quem passa por isso sente. Não posso descrevê-lo, nem daria ao menos para começar, então por isso, vou chama-lo de dia “X”. E também por achar que você, que irá começar acompanhar os fatos merece um pouco de...mistério? Afinal, não é o mistério que torna tudo mais interessante?
Pois bem, o dia “X” começou como outro qualquer, nem mesmo você poderia suspeitar do que viria a seguir, acredito que ninguém um dia suspeitou, nem mesmo por um mísero segundo.
Eu sentia aguardando por mim, podia sentir sua respiração profunda enquanto corria em meio às árvores ou quando estava dentro de casa. Isso esperou por mim, esperou pelo momento mais oportuno, deve ter tido anos para analisar a melhor forma, anos para tornar seu plano perfeito.
Um dia me disseram que eu gostava de pintar uma cena bonita onde só existia horror, hoje posso até acreditar nisso, por que eu realmente criei meu próprio horror. Não me venha agora, que apenas começando com frases do tipo: “Pare com isso, você está imaginando coisas, está vendo filmes demais” ou até mesmo a mais clássicas de todas; “que absurdo isso nunca irá acontecer, você está completamente maluca.”
Em um pequeno segundo, pequeno mesmo eu realmente acreditei que deveria parar de pensar esse tipo de coisas, que isso não aconteceria...nunca, mas então...
Ouvi primeiro o barulho estranho, como se alguém arranhasse do outro lado da porta dos fundos, a fresta de luz na varanda não mostrava a sombra de ninguém.
Naquela noite em específico, o clima tinha mudado, como se Deus tivesse abandonado aquele pequeno pedaço de terra, o dia que começou até mesmo com um pouco de sol atravessando as nuvens, agora tinha formado uma névoa estranha perto do lago, você olhando da perspectiva de quem estava de fora, seria justificável, afinal o inferno estava chegando? Não sei, os dias passaram a se tornar confusos...enfim, a porta de madeira rangia baixinho. Naquele instante, pensei em algum tipo de arma, abandonei por um curto momento a poltrona na qual estava sentada com meu livro e corri pela cozinha, não me atrevi em acender uma luz sequer, isso teria me denunciado.
Abri a primeira gaveta pegando a primeira coisa afiada que meus dedos sentiram, o fino metal pontiagudo do picador de gelo brilhava com a luz bruxuleante que vinha da lareira no canto oposto.
A porta fez barulho novamente. Meus dedos apertaram com mais força o cabo, até mesmo deixando-os doloridos, engatinhei pela sala escura, me refugiando atrás da poltrona, segurando firme minha arma improvisada entre meus dedos, meus olhos estavam arregalados, olhando para todos os lados, querendo prever de onde ele viria.
Houve um pequeno clique, minha boca estava seca, minha respiração quase ausente e meus batimentos cardíacos tão erráticos que poderia facilmente ter uma parada cardiorrespiratória.
Estreito os olhos, mas não foi mais a porta dos fundos que chamou minha atenção e, sim, a possível sombra parada perto da escada. No fim, agarrei mais forte o picador e esperei pelo que viria.
CAPÍTULO TRÊS
JORDAN MATTIL
ANTES DE TUDO
Quando se fala sobre casamento, não há uma receita secreta e muito menos uma infalível. É questão de prática, erros versus redimir tais erros ou mais conhecido como ciclo vicioso. Porém, algumas perguntinhas podem ajudar a seguir um caminho mais ameno. Muitas vezes não precisa questioná-las em voz alta, mas fazer de uma maneira que você enxergue o outro por trás dessas perguntas.
Eu sabia que Lorraine sentia falta do seu emprego, sabia que ser apenas dona de casa não bastava para ela, sabia que sua alma voraz queria os holofotes, queria estar sendo bajulada e seguida, queria poder olhar as pessoas novamente com aquele ar de superioridade. Queria caminhar com seus saltos altos, se encontrar com amigos da profissão e esbanjar seus ganhos e feitos, ela era assim, e ser reduzida a quase nada, a uma vida comum deixava uma parte de si enlouquecida. Mesmo que ela sempre fizesse as coisas com sorriso no rosto, todos os dias o café da manhã era posto no mesmo horário, quando chegava do trabalho ela estava produzida e sorridente me aguardando com o jantar. Parecem coisas tolas, mas eram nossas coisas tolas, assim como nos finais de semana, eram apenas coisas que Loe e eu fazíamos. Até eu perceber o quão consumida pela raiva ela estava.
Meus olhos se abriram exatamente às seis da manhã, como em todos os outros dias, era a prática adquirida em anos morando na grande metrópole. Acordei muito antes de o despertador tocar, como de costume, minha mão escorregou de maneira mecânica pela cama à procura do corpo macio e quente de minha esposa. Se não fosse a reunião com os diretores do jornal e a obrigação de bajular meu chefe, eu com certeza não me daria ao trabalho de sair da cama. Viro de lado vendo a marca abandonada ao meu lado na cama, Loe devia estar lá embaixo. 06h04, quatro minutos pensando em maneiras de fingir que perdi o horário. Bufo de maneira cansada jogando as cobertas para o lado, começando minha higiene pessoal, minha rotina, visto a calça social, a camisa e por último a gravata. Pego minha pasta sobre o banco do closet e desço.
Na metade da escada já vejo a silhueta de Lorraine perambulando pela cozinha, seu cabelo está preso em um lindo rabo de cavalo no alto da cabeça, sua bunda grande envolta em uma legging apertada, sinal que tinha acordado mais cedo para correr, e quando vira, tenho a cena privilegiada de seus fartos seios na regata preta.
O sol se erguia acima das árvores em nosso jardim, fazendo sombras em algumas partes da casa, as cortinas estavam abertas, assim como as janelas, permitindo que a brisa fresca da manhã entrasse. Um dia comum, um dia comum em nossa rotina.
Lorraine fazia tudo em silêncio, devia estar remoendo nossa pequena confusão de ontem; diferente de mim, ela não esquecia uma briga tão fácil, seu temperamento era...complicado.
Caminho até ela, abraçando seu corpo por trás, sentindo-a enrijecer, mas logo amolece com minhas carícias em seu pescoço e beijos em sua bochecha.
— Bom dia.
— Bom dia. — observo a pequena ruga de desgosto que se forma no canto de sua boca.
— Ainda brava por ontem? — questiono me sentando em meu lugar à mesa.
— Não.
— Ótimo, pois foi uma briga completamente tola e, hoje teremos amigos entre nós. Por isso, não quero qualquer clima estranho. Você sabe o quanto é importante impressionar Peter e sua esposa, eles podem ser um pé no saco, mas são os pés no meu saco que pagam nosso conforto.
— Não há maneira de cancelar?
— Não, está em cima da hora — digo, depositando a xícara de café à minha frente, na mesa.
Apoio a mão em seu ombro por um breve instante — Cancele qualquer coisa que tenha inventado, tá?
E saio da cozinha.
A verdade é que as brigas se tornaram frequentes nos últimos anos, Lorraine não tinha aceitado bem nossa mudança, como disse ela queria esbanjar, queria continuar no meio dos holofotes mesmo ninguém ligando mais para ela e tirar isso dela tinha se tornado meu pecado mais grave.
Tínhamos encontrado uma casa à beira do lago Arbutus Lake, o tipo de lugar que eu aspirava em minha vida, era uma casa imponente, confortável e com todos os luxos que eu queria para mim e Lorraine, e mesmo depois de dois anos, ela continuava chamando-a de “a casa alugada” ou “a casa da qual havíamos alugado com o dinheiro da venda da dela”; minha esposa deveria amá-la, mas não foi isso que aconteceu. E isso fazia um de nós sempre estar meio raivoso, normalmente ela.
Eu era jornalista, e com toda a modernidade vindo como uma imensa onda de tsunami, eu era obrigado a acompanhar, fiz um excelente trabalho em Nova York, não tinha culpa que meu chefe viu em mim uma maneira de salvar a filial quase massacrada pela internet no Michigan, numa cidadezinha onde as pessoas ainda liam jornais, onde ainda faziam suas compras no mercadinho da esquina ou onde ainda preferiam andar a pé do que de carro. O problema é que tínhamos esse punhado da população e tínhamos a juventude tomando as ruas, onde para eles a informação tinha que ser rápida e constante. Preferindo utilizar 2,3 quilowatt-hora do que o ato de folhear o jornal.
Eu seria praticamente sócio proprietário do lugar, ganharia o dobro se obtivesse sucesso. Lorraine não poderia descontar sua raiva em mim, muito menos em minha tentativa de torná-la mais feliz ou de dar-lhe mais conforto. Se queria culpar, que culpasse a internet, os adolescentes inventores, os ambiciosos de TI ou qualquer departamento ligado a isso. Que culpe a economia, o azar, culpe todo o tipo de pessoas que não leem mais jornais, e sim seus tablets, celulares, todo tipo de informação instantânea do momento.
Culpe a modernidade!
Lorraine era escritora. Uma romancista aclamada pelos fãs nos anos noventa, seus livros eram o assunto top one de todos os dias, mas com o passar do tempo, vieram novos talentos, mulheres com sede de crescimento e inovação, os romances água com açúcar que ela tanto amava foram empilhando nas prateleiras das livrarias sendo substituídos por livros com cunho erótico e empoderamento feminino, as editoras que corriam atrás dela por qualquer mísero romance ou palavra que escrevia pararam de ligar. Lorraine não quis dar o braço a torcer para a modernidade, não quis entrar na onda da rapaziada que estava constantemente ligada — como disse — aos telefones celulares e todas aquelas parafernálias. Seu agente insistia para que ela abraçasse os novos métodos, que encarasse o fato de o livro ser totalmente digital como uma coisa inovadora e que alcançaria mais leitores. Mas Lorraine? Ah, Lorraine era como uma velha arcaica no corpo de uma mulher na faixa dos trinta!
Então, em um dia comum, Lorraine foi dispensada pela última editora, encerrando o contrato mais cedo, dando uma boa quantia pela quebra das cláusulas e deixando-a arquivar o romance que virava as noites escrevendo. Esse foi o período mais sombrio, Lorraine passou semanas vagando pela casa de meia e pijamas, ignorando o futuro, engavetando seu talento, chutando poltronas e soltando palavrões do nada, tomando sorvete às dez da manhã e tirando longos cochilos no meio do dia.
Por isso eu embrulhei nossa vida nova-iorquina com um brilhante laço, minha esposa e sua ambição e seu fracasso, somado com seu orgulho ferido, levando tudo para uma cidade pacata do Michigan, para Traversse City, onde poderia dar-lhe o tempo que precisava para lamber suas feridas e retornar ao mercado de trabalho ainda melhor. Que tudo ficaria bem, eu ainda não tinha percebido quão errado isso tinha sido.
Ou o quanto eu estava cansado de representar aquele papel.
***
Coloco a segunda garrafa de vinho com mais força que deveria no mármore, fazendo Lorraine se sobressaltar. Meu olhar encontra o seu e sorrio.
— Cabeça longe, amor?
Ela aumenta o sorriso retirando as luvas térmicas das mãos. — Acho que tenho um roteiro para um novo trabalho — diz em voz baixa.
— Perfeito, mais um motivo a se comemorar! Sabe como esse jantar é importante, não sabe? E você tem certeza que quer divulgar isso entre nossos amigos? Os dois últimos trabalhos não foram realmente para frente.
Ela faz um meneio com a cabeça, — Você tem razão, melhor deixar isso de lado. Nem sei o por que pensei em atrapalhar sua noite com uma coisa tão tola.
Pego sua mão e a garrafa dando-lhe um sorriso, levando até onde os nossos convidados estão. Na sala de estar, o fogo da lareira queima preguiçosamente, fiz questão de acender todas as luzes externas, fazendo o brilho amarelado chegar até a beirada do lago. Gosto de também de exibir o máximo de conforto que eu tinha conquistado, ainda mais quando um deles é meu sócio e chefe.
— Sua casa é incrível, Jordan — Denise comenta sorridente. — Você não acha, Peter?
— Impressionante meu amigo, está me deixando em uma situação embaraçosa com a patroa! — diz rindo.
— Que isso, como se você não enchesse sua mulher de mimos — comento.
Denise sorri, me analisando, não de maneira ruim, mas desejosa. Nada que levaria para frente, apenas um toque de curiosidade, pelo visto ela já tinha escutado o que todos diziam sobre minha vida com Lorraine, cidade pequena grandes fofocas. Para o povo pacato de Traversse City, Lorraine e eu erámos quase um exemplo. Casa perfeita, marido dedicado e carinhoso, esposa escritora e perfeita em tudo, eu também olharia com inveja se não vivesse debaixo desse teto. Se não conhecesse as rachaduras sob as vigas.
Encho novamente as taças com o vinho. Faço um brinde à nossa noite, tomando um gole da taça, sentindo o toque doce da bebida dançar em minha boca. A conversa transcorre normalmente, é claro que estou tentando impressionar meu chefe, quero que ele volte para Nova York ainda mais certo de sua decisão ao me propor sociedade, e Lorraine sabe que para que tudo saia perfeito, é importante que ela também faça sua parte com Denise, ou como gentilmente apelidei, a águia de Peter. Denise é como os olhos de Peter, enquanto ele se distrai com conversas bobas sua esposa nos esquadrinha a procura de um defeito, algo que dê comentários maldosos para despejar em seu marido quando estivessem indo embora.
Lorraine pede licença indo até a cozinha, deixo Peter falando sobre suas últimas viagens, um papo que duraria por minutos, fixando meus olhos em minha esposa. Ela prepara uma bandeja, vejo certo nervosismo em seu rosto, principalmente quando olha em direção ao relógio, mas ao perceber estar sendo observada, coloca de volta o resplandecente sorriso e volta para nós, servindo os convidados, respondendo aos elogios. Atuando seu papel.
Lorraine se ocupa perguntando sobre o filho de Denise e logo a tal pergunta retorna para nós.
— Vocês não desejam ter filhos?
— Não no momento...
— Com nossa mudança ainda não pensamos isso, estamos curtindo ter esses anos para nós, ainda mais morando em uma cidade tão pacata. Acho que ainda quero continuar mais uns anos assim — digo dando um singelo beijo na têmpora dela.
— E estão certos, desde que tivemos Ryan, Deus, nossa vida mudou radicalmente! — Denise desabafa sorrindo. — Amamos nosso filho, mas seria bem mais tranquilo voltar a vida à dois.
— Preciso admitir, que estou satisfeito assim, sem filhos.
— Eu também concordo, querido, para mim basta você — Lorraine comenta sorrindo.
— Quando irá voltar para os holofotes, Lorraine? Eu adorava seus livros! — Denise questiona.
Abalada com o pequeno toque em sua ferida, Lorraine se levanta rápido demais do sofá, até de maneira ríspida. — Desculpem, me esqueci do forno, — explica vendo meu olhar — não quero que nosso jantar queime.
— Esse assunto ainda é um pouco sensível para ela — digo de maneira baixa, retomando a conversa, levando para terrenos menos escorregadios.
Quando nos sentamos à mesa, estamos diante de um completo banquete, a carne e o peixe que Lorraine preparou estão suculentos, o aroma de temperos faz meu estômago reclamar por atenção. Assim como as batatas com legumes gratinados.
— Um brinde ao Jordan, que conseguiu fazer um jornal falido renascer das cinzas, enchendo nossos bolsos de dinheiro! Que conseguiu fazer os jovens colocarem novamente o jornalismo como uma das profissões de suas escolhas — Peter ri erguendo a taça.
— Ah, não foi nada demais, é chato ter os cabeças ocas espalhados pelo jornal, mas se você deixar a juventude te contagiar eles até tem algo a oferecer — digo
— Um brinde! — Denise diz erguendo a taça, onde nos juntamos.
— Ao Jordan que não quer ser pai, mas tem uma creche percorrendo o jornal — Peter caçoa rindo.
Longos minutos foram dedicados ao jantar e a tecer elogios a Lorraine pela refeição, outros a conversas sobre coisas fúteis, risadas, e então a sobremesa. Tudo como se houvesse um pequeno relógio nos levando a etapa seguinte.
Passava das dez da noite quando Denise sugere para irem embora. No hall, distribuo os casacos, concordando com uma reunião no final da próxima semana para ajeitar as coisas antes que Peter e Denise retornem para Nova York. Mais alguns elogios são falados, agradecimentos sobre essa noite e um novo jantar marcado, dessa vez em um restaurante tradicional da cidade. Há tantos elogios diferentes circulando quando fecho a porta de nossa casa, que sei que tudo correu perfeitamente bem.
Viro puxando o corpo de Lorraine para mim, beijo sua boca, mas ela se afasta, esboçando um sorriso de desculpas.
— Estou com enxaqueca, fiquei tão preocupada com o jantar. Ainda não estou certa se aquele remédio está realmente me ajudando em algo.
— Eu sabia que acertaria o meu pedido. E quanto sua medicação, você precisa toma-la no horário certo, aposto que tem tomado em qualquer momento.
Puxo sua cintura para mim, roçando um pouco em meu corpo, é sexy vê-la com aquela roupa e já que tudo correu perfeitamente bem, quero minha esposa. Porém, novamente ela se esquiva.
— Que porra! — digo bravo — Estou cansado das suas desculpas, sou seu marido, e se quero tocar seu corpo eu vou, entendeu?
Caminho enfurecido até a mesa, enchendo minha taça com o resto de vinho, sentando em frente a lareira. Afrouxo o nó da gravata, arrancando-a do pescoço.
— Jordan...
— Esqueça Lorraine, esqueça! — digo de maneira ríspida. — Você estragou o clima perfeito, achei que iria ser diferente essa noite, já que estava exibindo tantos sorrisos para o Peter.
— Eu não estava sorrindo para ele, estava fazendo o que me pediu. — Ela literalmente grita.
— Quer que eu o chame novamente, quer que deixe vocês dois à sós? Quem sabe Denise não me oferece o acalento que necessito.
Escuto seus passos vindo em minha direção, ela para em minha frente, o vestido que escolhi para ela essa noite demarcava seu corpo, suas curvas, deixando metade de suas coxas à mostra. Nada vulgar, mas extremamente sexy. Eu ainda tinha tesão por ela, Lorraine era linda, no início foi tudo que busquei. Porém, era um casamento falido, eu poderia estar com mulheres quentes, cheias de tesão e que me satisfizessem, satisfizessem minhas necessidades, coisas que Lorraine não fazia mais.
— Jordan, me olhe. — pediu.
Ela ergueu o vestido sentando sobre mim, apoiando as pernas uma em cada braço da poltrona, suas mãos habilidosas abrindo minha calça, segurando com firmeza meu pênis, masturbando-o para que ficassem cem por cento rígido.
Ataquei sua boca, soltando o coque perfeitamente arrumado que tinha feito, segurando firme seu cabelo enquanto fodia sua boca com minha língua, Lorraine jogou para o lado sua calcinha, fazendo meu pênis sentir sua umidade, mordi sua boca interrompendo o beijo, abaixando com força a alça fina do vestido, ignorando o barulho que o tecido fez ao ser judiado, libero o seio farto chupando-o com avidez, mordendo e gostando de ver a marca de minha boca ali, uma marca vermelha intensa, Lorraine rebola inconsciente em meu corpo, arqueando a cabeça para trás. Lambo e mordo seu corpo, deixo que uma de minhas mãos ocupe o lugar das suas, masturbando sua boceta enquanto sentia a glande entrar em sua vagina, investindo duro, segurando seu quadril subindo e descendo contra o meu, sentindo meu pênis ir ao fundo dela, seguro sua cabeça fazendo-a me encarar, encarar como erámos bons, suas bochechas estavam vermelhas, seu cabelo desalinhado, e nos seus olhos fúria.
— Chega!
— Deixe de besteira, você veio me procurar, sei que por detrás dessa fúria sem sentido você gosta — acuso entre uma estocada e outra.
O barulho de meu corpo se chocando duro contra ela foi a única coisa que permeava o silêncio na sala, além dos meus gemidos crus.
As unhas dela grudavam em meus braços, marcando minha pele, seus seios sacodiam violentamente para cima e para baixo com minhas investidas, um grito escapa de mim ao gozar, minhas pernas fraquejando do gozo potente e minha respiração irregular.
Levanto-me tirando o corpo dela do meu, deixando que ficasse sobre os próprios pés. Ela ajeita o vestido e então me empurra, irada, com violência. Tento contê-la, mas não consigo.
Ela grita, despejando anos de ira em cima de mim, enquanto eu tentava acalmá-la. Mas não tinha jeito, Lorraine esmurrava meu peito, dava tapas em meu rosto. Seguro seus ombros, os polegares fincados em seus braços, mandei que ela calasse a maldita boca, que parasse de agir como criança. Chacoalho-a com força, sentindo os seus dentes baterem uns contra os outros.
Vendo por um momento o medo brincar em seus olhos, solto seu corpo e ela cai no chão. Esfrego o rosto com as mãos.
— Sei que agiu impulsivamente, por isso é melhor subir — digo.
Lorraine passou a mão suavemente pelo rosto e subiu a escada. Sem dizer uma única palavra. Merda!
Coço a cabeça virando de uma vez o resto do vinho quente esquecido na taça ao meu lado.
CAPÍTULO QUATRO
JORDAN MATTIL
Quando fui me deitar, Lorraine estava virada de costas para a porta, pelo jeito que sua respiração subia e descia de maneira lenta indicava que já estava dormindo. Entro no banho deixando que a água tire de mim o suor do sexo, saio enrolado em uma toalha dando uma olhada em direção a cama. Lorraine permanece dormindo, entro no closet, visto uma samba-canção e uma camiseta branca voltando para o quarto, paro perto da cômoda, pego um dos remédios para enxaqueca jogando-o garganta abaixo.
Rolo na cama apagando o abajur, deixando o sono me vencer.
Meus olhos se abriram, respiro profundamente tirando um pouco da confusão do acordar, o barulho de conversas no andar debaixo chama minha atenção, ergo a cabeça olhando para meu lado, Lorraine não estava na cama, seu lugar estava frio e esquecido. Por um pequeno momento penso em voltar a dormir, provavelmente está vendo um de seus programas na TV, mas as conversas se tornaram mais altas e minha cabeça lateja dolorosamente.
Jogo as cobertas para o lado, calço o chinelo, descendo os primeiros degraus até ser interceptado pela luz forte em minha cara e o estalar de uma arma sendo destravada.
— O que está acontecendo aqui? — pergunto assustado, sustentando as mãos para o alto.
— Sr. Mattil?
— Lógico que sou eu, quem são vocês? — pergunto ainda cego pelo feixe de luz diretamente em meu rosto.
Sinto-me tonto, vejo bolinhas turvas em minha retina, me deixando quase cego.
— Pode abaixar, Cliven. Sr. Mattil, seu vizinho chamou a polícia, relatou que ouviu barulhos estranhos vindo de sua casa, coisas se quebrando.
— Impossível, eu estava dormindo, mesmo tendo tomado o remédio eu teria ouvido qualquer barulho, cadê Lorraine? — olho para o andar debaixo, na sala com cinco homens armados mais a mulher que falava comigo — Lorraine? — grito por minha esposa.
Eles se entreolham por um momento, a mulher se aproxima como se fosse confidenciar-me um segredo.
— Sr. Mattil, eu sou a detetive Vargas, há uma imensa marca de sangue na entrada de sua casa, uma provável cena de luta na sala. Sua esposa não estava aqui quando entramos, revistamos a casa. Há somente o senhor.
— Isso é impossível! Lorraine! — grito novamente descendo a escada, tirando os policiais de minha frente, andando até a cozinha, em cima do fogão uma chaleira estava esperando pelo chá, passando pela sala de jantar paro brutamente na porta. O tapete felpudo que Lorraine tanto amava estava brilhando com cacos de vidros, a poltrona perto da lareira que tínhamos feito sexo poucas horas antes, estava caída de lado e uma mancha de sangue se estendia dali até a porta da frente.
— Sr. Mattil, preciso fazer umas perguntas para o senhor.
— Você precisa achar minha esposa, onde ela está? — pergunto desesperado, imaginando as piores coisas, a mancha espalhada pela entrada era grande, Lorraine poderia estar realmente ferida, precisando de ajuda.
— Relate o que se lembra.
— Eu não me lembro de nada, estava dormindo, tivemos um jantar com amigos, ajudei minha esposa a ajeitar as coisas, fizemos amor e fomos dormir, antes de deitar tomei um de seus remédios para enxaqueca e acordei com vocês falando e obviamente minha esposa desaparecida.
— Entendo, qual foi o remédio que tomou? — questionou.
— Tonopan, não costumo tomar remédios, mas estava com uma dor de cabeça tão forte e Deus sabe como qualquer remédio me derruba.
— Vocês moram aqui há quanto tempo, Sr. Mattil?
— Quase dois anos.
— Vieram de onde?
— Nova York. — Olho para os homens vasculhando a casa — Isso é mesmo necessário? Não podemos partir logo para a hora que vão procurar minha esposa?
— Precisamos olhar a cena do crime, Sr. Mattil.
Ela apontou para o segundo andar como se pedisse permissão, confirmo acompanhando-a e dois policiais até em cima, vendo-os espiar dentro do banheiro de hóspedes, entrar no escritório de Lorraine, revirar alguns papéis em sua mesa à procura de algo.
— O senhor disse que trabalha no que mesmo?
— Eu não disse, sou jornalista. Lorraine é escritora.
— Um casal intelectual — diz um dos policiais.
Dou de ombros, ele só quis nos chamar de nerds com mais classe.
Eles entraram no quarto, a detetive foi diretamente na cômoda, pegando o frasco do remédio e enfiando em um saco transparente de evidências. O outro policial foi até o closet, passando a mão coberta por uma luva sobre as roupas, abrindo gavetas e caixas de joias e sapatos.
Fizeram a mesma coisa com o restante da casa, uma equipe coletava as provas no andar de baixo, retirando o sangue de Lorraine da entrada, espirrando uma solução por cima dos móveis, pelo ar.
— Podemos realmente começar a fazer alguma coisa para encontrar minha esposa?
A detetive Vargas para de analisar um porta-retratos com a foto de nosso casamento em cima da lareira para se voltar a mim.
Na fotografia, sorríamos tanto que chegava a ter covinhas em nossos rostos, eu de smoking, meu braço curvado ao redor de Lorraine, seus cabelos castanhos presos por uma coroa de flores, o véu escorrendo por sua lateral, os olhos brilhantes. Nos casamos na primavera, num dia profundamente azul, uma festa ao ar livre rodeados por lírios, que eram as flores preferidas dela naquela época, hoje são as azaléas. Depois de uma tarde inteira cumprimentando pessoas, comendo e bebendo, arrastei Lorraine para dentro do pequeno chalé que ficava nos fundos da propriedade, onde fizemos amor, pela primeira vez como marido e mulher.
— Sua esposa é linda. Quantos anos estão casados? — ela perguntou.
— Iremos fazer seis anos daqui a dois meses.
Eu estava impaciente, me sentia como um bicho preso em uma gaiola sem poder sair. Balançava-me de um pé ao outro, querendo fazer mais do que ficar respondendo perguntas, vendo aqueles policiais mexerem nas coisas sem se preocupar realmente onde minha mulher estava.
— O senhor precisará nos acompanhar até a delegacia; gostaria de dizer alguma coisa, estavam passando por um momento difícil na relação...tem algo a dizer? — diz analisando meu rosto.
— Nada, nos amamos.
Era uma completa mentira, mas eu duvidava que essa seria a última coisa no mínimo duvidosa a se dizer.
TEMOS UM CASO
DETETIVE VARGAS
— Você está exagerando na cafeína. — Acusa antes de desviar os olhos para o telefone.
Leonel estende outro copo imenso de café puro para mim. — Temos um caso interessante hoje, possível assassinato, porém, não temos o corpo.
— Ótimo — digo, não estava torcendo para a morte de ninguém, mas a única coisa que Traversse poderia nos dar era pequenas invasões de drogados ou mendigos, a cidade não era conhecida por seu alto índice de criminalidade.
— A central recebeu a ligação por volta das quatro horas da manhã — continuou meu colega. — Um vizinho escutou gritos e decidiu chamar a polícia. É do bairro grã-fino. Os dois policiais que chegaram primeiro na cena do crime encontraram sangue e nada de arma do crime. — Leonel atravessou alguns sinais vermelhos, não diminuindo a velocidade, deixando as luzes da viatura fazerem seu trabalho. — Ao que parece o marido da vítima está dentro da casa.
— Feminicídio? Está brincando?!
Leonel negou com a cabeça. Deixou seu café no porta-copos e colocou as duas mãos de volta no volante, ficando em silêncio por um momento.
— Odeio casos de feminicídio, você não vira para um caso de assassinato comum enfrentando perguntas do tipo “ela realmente sofreu ou estava procurando por isso?”. É como casos de estupro, as mulheres sempre estão no lugar errado, fazendo ou agindo da forma errada ou estão sendo vadias provocadoras, procurando pelo seu assassino, oferecendo seu corpo para que o maltratem, somos caluniosas.
— Segundo o que relataram, eles são novos na cidade, compraram a casa perto do lago há menos de dois anos.
— Quanta má sorte.
Solto um suspiro deixando minhas opiniões e repulsas para trás, ali eu era a detetive Vargas e como a constituição diz: inocente até que se prove blá-blá-blá...
Leonel atravessa o bairro luxuoso, parando atrás de outras duas viaturas, alguns moradores curiosos encaravam a casa de número 1600, como abutres esperando pela carnificina. A perícia tinha sido rápida, dois legistas já estavam arrumando as coisas para entrarem na casa, mas também, numa cidade pequena um caso grande como esse, logo traria o próprio prefeito para a cena de crime.
Passo pela fita amarela descendo alguns degraus, contornando a casa; era uma bela propriedade, os fundos davam acesso particular para o lago, como uma imensa piscina natural a seu dispor.
— Davi, certo? — ele se vira — Sou a nova detetive, detetive Vargas.
Ele fez um movimento quase imperceptível com o queixo, demonstrando sua indiferença. O cabelo grisalho, cortado estilo militar, usava grandes óculos de grau. Seu parceiro vestia calça jeans e uma camisa escrito POLÍCIA.
— Davi — Leonel apertou a mãos dos dois, endireitando os ombros — o que realmente temos aqui?
— Uma confusão.
— Vocês já entraram?
— Não subimos, mas logo de cara você já nota que a coisa foi feia.
Já estava caminhando em direção à casa, Leonel teve que correr para me alcançar. Mostramos os distintivos para o policial que aguardava o acesso à cena do crime. A porta dos fundos tinha pequenos arranhões na madeira vermelha, como se tivessem usado uma espécie de chave de fenda para abri-la, no momento estava escancarada.
— Cuidado por onde pisa.
Encaro o legista, seguindo seu dedo, dando de cara com uma imensa poça de sangue.
— Coloquem isso nos pés para não contaminar a cena. — O legista nos entrega luvas novas e protetores de sapato enquanto explica. — A vítima está ferida, há pegadas ensanguentadas indo em direção à sala e algumas para a cozinha, como se ela tivesse tentado fugir do seu agressor. Veja, as pegadas são pequenas, indicando que são de mulher. Na sala temos sinal de luta corporal e mais alguns respingos de sangue, respingos passivos indicando uma ferida sangrando. Está uma bagunça, com essa poça de sangue não podemos dizer ainda se tudo aconteceu aqui e ela correu para dentro de casa ou se aconteceu na sala e ela foi atingida fortemente tentando escapar.
— Como se o invasor estivesse dentro de casa e não fora — digo.
Ele dá de ombros, — Vocês não viram o mais estranho.
— Tem coisa mais bizarra que isso? — Cliven questiona.
— O marido está no andar de cima e nem sequer deu as caras.
Olho para o legista em minha frente, incrédula. Volto-me para a sala encarando a cena como um todo, parecia um daqueles desafios do jogo Detetive , um absurdo de provas, muitas apenas para bagunçar a cena como um todo, mas diferente do jogo, não tínhamos o corpo.
— E o corpo, alguma evidência?
— Nenhuma, olhando para a cena, tivemos uma luta violenta entre duas pessoas nessa sala. Há sinais de esguichos na parede perto da lareira, assim como a poltrona está revirada, o que indica que ela possivelmente tentou se proteger. Não houve tiroteio, o que foi relatado é barulho de gritos, alguns abafados. Por tanto eu logo arrisco dizer que foi crime de arma branca.
— Estamos falando de gritos de socorro e de um provável esfaqueamento e o marido está dormindo no andar superior? Tem coisa muito errada.
O legista deu de ombros.
— Vou falar com os hospitais, verificar com o pronto-socorro imediatamente.
— Você disse que tivemos uma luta...
— Se ela foi atingida por um golpe forte na cabeça, seu crânio deve estar fraturado, no mínimo com uma concussão, não posso afirmar que ainda esteja viva ou morta. — O legista indica as marcas de sangue. — O volume de sangue é o real perigo, ela perdeu bastante sangue, ela precisaria parar o sangramento e precisaria receber fluídos e provavelmente transfusão. Levantando uma hipótese de ela ainda estar viva, mesmo que tivesse sido carregada ou fugindo. Eu diria que temos cinco horas para encontrá-la, isso se não tiver uma intervenção médica.
— Mas as marcas são apenas essas? — questiono. — Ou foram limpas?
— Visivelmente apenas essas, vamos colocar sob o efeito do luminol em breve, acredito que seja mais provável que ela saiu sendo carregada, afinal quem toma uma boa bordoada no cérebro e sai caminhando pelos próprios pés? Teríamos vestígios ou ao menos marcas de um corpo arrastado pelo sangue ou até mesmo dela rastejando pelo chão.
— Cliven, passe a ordem para o rádio, o relógio está correndo precisamos localizar essa mulher, conseguir ajuda médica e depois descobrir o que realmente houve aqui. — Solto um suspiro pesado — eu vou lidar com a bela adormecida do marido.
CAPÍTULO SEIS
LORRAINE MATTIL
CINCO ANOS ANTES
Estou repleta de amor, como um vaga-lume apaixonado pelas estrelas. Tornei-me esposa, uma devotamente apaixonada. Vejo-me mudando o rumo das conversas entre meus amigos somente para dizer o nome dele ou o quanto ele me proporciona momentos felizes.
Quem diria que encontraria o amor da minha vida em uma fila de autógrafos? Pois é, bem coisa de livro, e lá estava ele, esperando atrás de uma leitora ávida pelo autógrafo em meu mais novo best seller . Acho que foi o sorriso que nos conectou imediatamente. Naquele dia eu não fui a única a notar a presença de Jordan ali, algumas mulheres mais jovens que eu sorriam abertamente, você poderia dizer que é por ser um dos poucos homens ali presentes, mas nesse lançamento em especial eu tinha escrito algo que foi um total desafio e surpresa para meus leitores. Então, foi uma grata surpresa ver alguns homens ali, mas Jordan, entre todos eles, computando seu número masculino, era o mais bonito. Nele havia uma elegância e uma descontração que não poderiam ser ignoradas.
Aos trinta e cinco anos, acreditava que sabia sobre a vida, era bem resolvida, uma boa profissional e que dentro das escolhas que fiz levava uma vida, se não feliz, pelo menos interessante e agradável.
Após sorrir e tirar fotos com algumas leitoras, vi pelo canto do olho que ele me analisava, sua mão grande e com pelos superficiais seguravam meu novo livro e por um momento eu desejei que ele lesse tudo, e fizesse exatamente o que meu mocinho faria no livro, por um instante entre flashes e mais flashes de câmeras, permiti meu cérebro bolar uma imagem sensual entre mim, ele e aquelas mãos.
— Posso? — perguntou dando a volta na mesa, passando o braço pela minha cintura.
Escritoras como eu nunca imaginam que as palavras descabidas que colocamos nos livros aconteçam na vida real, que as sensações que colocamos para nossas personagens sentirem podem ocorrer. Mas naquele momento, eu tive a sensação exata do que é um toque queimar em minha pele.
— Pode, claro. — Sorri para ele, logo em seguida para a câmera. — Obrigada por comprar meu novo livro.
— O prazer é todo meu — disse — Jordan Mattil.
Foi uma tarefa difícil abandonar os olhos de Jordan para autografar seu exemplar, mas a fila estava grande e eu sabia que logo meu agente estaria me apressando.
— Espero que goste da leitura.
A mão de Jordan segura o livro, prendendo meus dedos debaixo dos seus, olhando diretamente nos meus olhos com um sorriso encantador. E nesse pequeno instante eu já não me importava se estava em meu próprio lançamento ou que tivessem jornalistas colocados pela editora para um marketing melhor, eram todos gananciosos com sorrisinhos afetados e cúmplices.
A imensa questão ignorada ali, é que por trás de todos os sorrisinhos simpáticos e os agradecimentos sobre presença, o carinho e todo o blá blá blá comercial, aquilo estava fadado ao fracasso. Não meu livro, claro, mas para quem entrou na editora com o primeiro lançamento sendo de quase vinte mil cópias e hoje estar com pelo menos duas...bom, minha cabeça estava a prêmio. Novos talentos surgiam a todos os malditos instantes e, segundo meu agente, eu precisava de um tempo, precisava analisar o mercado de trabalho e me adequar a ele.
— Você está com cara de quem pretende fugir.
Arqueio a sobrancelha sorrindo, — Fugiria se pudesse, sentaria em um bar e tomaria uma imensa taça de vinho ou até fosse um pouco mais abusada e beberia logo uma tequila!
— Aceita fugir comigo?
E então, aí está. ELE.
O cara por quem faço todos os meus amigos escutarem diversas e diversas vezes, o cara que entrou em uma fila de autógrafo, roubou a autora de seu próprio lançamento para se enfiar em um bar qualquer em Nova York. Você descobre que esse cara que seria apenas uma noitada tem o mesmo ritmo que você e de repente você está na cama dele por diversas vezes, depois de um bom sexo com uma bandeja de panquecas e chocolate quente com chantilly, rindo de nada e a boca dele espalhada pelo seu corpo lhe dando vários níveis de prazer.
Eis que pensa, poderia viver assim o resto da minha vida, seria agradável, não?
Jordan era como um drinque forte. Eles sempre dão uma perspectiva falsa de ser bom em tudo, a sensação de anestesiar o mundo e as vozes irritantes, de transformar tudo em algo mais divertido e intenso e principalmente de acreditar que as coisas até se tornam mais fáceis com ele, eu só não percebi os efeitos colaterais disso no começo.
Com ele eu não me importava se não estivesse tentando retomar minha carreira ou se não me forçasse a passar as devidas horas em frente ao computador, se eu já não falava com meus leitores há um bom tempo ou que não publicava nada em meu blog ou até mesmo no bendito Instagram que meu agente tanto insistiu para que criasse. Nem mesmo me importava que algumas contas começassem atrasar pela falta de pagamento da editora ou que aos poucos outras autoras estivessem ocupando meu lugar, eu não me preocupava com isso.
Não me importava nem que meu último livro, aquele mesmo que Jordan roubou a cena no lançamento, tinha recebido resenhas cruéis e horríveis, nem mesmo que as vendas tenham despencado após um começo já inseguro de um falso best seller . E definitivamente não me importei quando a editora e meu agente me deram um pé na bunda, na verdade, eles utilizaram o termo “você não é mais vista como algo rentável, ou melhora sua forma de ver a carreira, se dedica nisso ou iremos cancelar nosso contrato”. Bom e cancelaram, semanas depois recebi caixas e caixas dos meus livros, todos aqueles que estavam empilhados nas prateleiras das livrarias. Lorraine Elliot foi esquecida e enterrada pelo mundo literário.
Mas realmente não me importei, eu tinha encontrado meu par, era até mesmo um tanto irracional o quanto Jordan era perfeito, descontraído e calmo, amoroso, inteligente, nada de homem porre. E tinha um belo pênis.
Nesse momento eu não me importei com nada disso, nada ou nenhum problema realmente chegava até mim, pois Jordan estava lá. Não fazia questão de marcar presença nas rodas de amigos, aos poucos eles foram se tornando chatos e desinteressantes. Nesse momento eu não tinha percebido que tinha aberto a mão de tudo, que tinha deixado tudo de lado.
Com os meses de relacionamento as coisas que não gostava foram empurradas para o fundo, talvez seja isso que mais gosto nele, o modo como me faz sentir, e eu me sentia naturalmente feliz e satisfeita. E agora era uma Sra. Mattil.
Erámos perfeitos, o tipo de casal que fazia os outros sentirem inveja, cometíamos loucuras juntos, sentávamos no meio da sala comendo fast-food vendo algum programa banal na televisão, dançávamos no meio da sala quando ele chegava muito empolgado do trabalho e Jordan sempre dizia: “Você é aquilo que sempre imaginei.”.
Passo meus dias pensando em coisas agradáveis que poderia fazer para ele, coisas que sei que o farão feliz, assim como ele faz por mim, desde comprar a cerveja que mais gosta, até mesmo ficar horas enfiada na cozinha, coisa que sinceramente detestava, para preparar o jantar que mais gostava ou que tinha escolhido para nós. Eu sei, isso tudo soa tão ridículo! Mas eu adoro, nunca soube que seria ridículo quando o cara certo chegasse, se fosse na época do Albert, eu com certeza teria mandado um grande e alto “vai se foder”, talvez seja por isso que terminamos antes mesmo de entrar em um terreno mais escorregadio no relacionamento.
E assim se passou um ano de casados, mesmo com todas as pessoas dizendo que não deveria me anular tanto por alguém, que relacionamentos era uma via de mão dupla dar e receber. As pessoas no fundo não sabiam de nada, estavam com inveja. Por isso, muitas amizades ficaram pelo caminho, éramos apenas eu e Jordan.
CAPÍTULO SETE
JORDAN MATTIL
MADRUGADA
Nossa conversa foi transferida para a delegacia local, bem típica de cidade pequena, um policial dormindo nos fundos, dois se empanturrando de rosquinhas e café. A detetive e seu comparsa me deixaram sozinho em uma salinha por uma meia hora, eu tinha certeza que estavam me observando do outro lado do vidro escuro, tentando traçar um perfil meu. Larguei-me sobre a cadeira e esperei.
— Você deseja ligar para alguém? Os pais de Lorraine? — perguntou a detetive entrando novamente na sala.
— Lorraine é órfã e não seria uma boa ideia acordar meu pai idoso essa hora, falando que minha esposa desapareceu, ele iria morrer de susto, literalmente. Ou poderia se envolver em um acidente dirigindo até aqui.
— Ele não mora por aqui?
— Não, por isso digo que um senhor de idade que vive em uma casa de repouso não deve receber esse tipo de notícia, muito menos de madrugada.
Tivemos esse tipo de conversa por mais duas vezes depois, perguntando se não tinha amigos para quem avisar. Coisa mais banal ligar para amigos perguntando se minha esposa apareceu ensanguentada na porta deles! Quando os policiais finalmente pararam de entrar e sair da salinha e se sentaram em minha frente, a detetive estava segurando um copo plástico de café nas mãos e uma pasta de papel pardo.
— Tudo bem, Jordan?
— Meio irracional responder sobre isso — digo.
— Eu compreendo. — Ela me lançou um olhar meio afetuoso só para pigarrear após e armar a postura na cadeira de ferro. — Qualquer informação que puder nos dar será muito valiosa.
— O que quiser.
— Certo, vamos começar eliminando as coisas, precisamos ter tudo exposto na mesa, o sangue na entrada de sua residência está sendo processado, se for realmente de sua esposa queremos pegar o culpado por isso em cheio, sem nenhuma manobra de fuga para ele.
Confirmo com um breve aceno, mecanicamente. Eu só queria descobrir onde Lorraine estava, se para isso tivesse que responder mil perguntas, então eu faria.
— Quero primeiro descartar você de todas as acusações para podermos seguir para o rumo correto, entende? Nada há com o que se preocupar.
— Tudo bem.
O que ela queria realmente dizer é: suspeitamos que você tenha surrado sua esposa a ponto de ela deixar uma boa e generosa mancha de sangue no piso de madeira, mas também que tenha sumido com o corpo antes que seu vizinho fofoqueiro tenha chamado a polícia. Ah, e não acreditamos que você não tenha ouvido nada.
— Vamos recolher algumas amostras de DNA para comparar com o que encontramos na casa, tudo bem com isso? Assim como um teste toxicológico.
— Claro.
— Também queremos examinar suas mãos, apenas coletando provas de resíduo de pólvora, pele, mas uma vez, apenas para...
— Vocês encontraram alguma coisa que prova que ela tomou um tiro? Minha esposa está morta? Vocês disseram que ela estava desaparecida!
— Sr. Mattil, por enquanto não podemos afirmar nada — interrompeu o outro policial.
— É somente protocolo.
Outro policial entrou na sala, examinando minhas mãos, raspando as palmas e o dorso, raspando o interior de minha bochecha com um cotonete. Coletando meu sangue.
Quando todos saíram da sala, apenas a detetive Vargas ficou comigo. — Tenho algumas perguntas para você.
Ela coloca um gravador digital na mesa de frente para mim.
Ela queria gravar uma única história, me amarrar aos fatos para que se desviasse um segundo sequer do que direi agora, a culpa recaia sobre mim. Eu deveria chamar um advogado, não é isso que as pessoas geralmente fazem nas séries policiais? Mas apenas confirmei com um gesto me aprumando na cadeira.
— Vocês se mudaram para Traversse há dois anos, correto?
— Sim.
— Lorraine trabalha? — perguntou
— Ela é escritora, mas está tirando um tempo para ela.
— Fantástico, posso até ter lido algo dela, quem sabe.
— É, infelizmente com o avanço da internet ela se perdeu em seu campo, Lorraine é uma escritora romântica a moda antiga, seus livros perderam espaço.
— Imagino que uma coisa dessas pode mexer muito com uma pessoa.
Dei de ombros — Talvez sim, ela tinha o hábito de não comentar muito sobre os problemas, ela tinha a filosofia que tudo se resolveria. Ela tem esse hábito — corrijo rapidamente — Lorraine não é uma pessoa sociável, pelo menos, não mais.
— Filhos? Não vi fotos de criança pela casa, nem mesmo de brinquedos ou algo típico.
— Não. Lorraine sempre achou que engravidar poderia atrapalhar sua vida profissional.
— Sinto um pequeno pesar ao ouvi-lo dizer isso.
Especulações.
Dou de ombros novamente.
— Sabe de algum hobbie de sua esposa, além de escrever? Mulheres ficam muito entediadas o dia inteiro em casa.
Lorraine sempre foi uma mulher que fazia de tudo um pouco, raramente se encontrava sem nada na mente ou de mãos tranquilas. Quando fomos morar juntos, ela estudava incessantemente os livros e sobre como melhorar seu talento, adorava inventar receitas e se exibir por isso. Minha esposa tinha um cérebro brilhante e explosivo, uma mulher voraz. Sua obsessão era surpreender os homens e deixar as mulheres com inveja. Adorava se aventurar, foi assim quando decidiu que iria aprender falar italiano sozinha para que fizéssemos uma viagem pela Itália, a mesma coisa quando decidiu que estava na hora de fazer outra faculdade, porém esse plano ela abandonou antes mesmo que terminasse o dia.
Acho que esse seu lado competitivo foi posto de lado, dentro de uma caixinha quando nos mudamos para Michigan, aqui não tinha a competição de cidade grande, onde estamos sempre em busca de estar melhor que os outros, fazer melhor e esbanjar melhor.
— Ela tinha hobbies, muitos — digo por fim. — Não era do tipo que ficava parada vendo filmes a tarde toda, Lorraine sempre estava em ação e mudava constantemente de opinião sobre isso.
— Alguma coisa suspeita andou acontecendo nos últimos dias? Você suspeita que ela tenha algum problema, ela chegou comentar sobre alguma situação fora do comum ou desejo estranho?
— Lorraine tinha muitas enxaquecas, quando tinha crises consumia muitas aspirinas, remédios para sanar dores de cabeça. Apesar de ser explosiva e do temperamento difícil, ela não iria fazer nada imoral ou irracional se é isso que está dizendo, Lorraine não era assim. Quanto a comportamento estranho, ela andava bastante nervosa, ansiosa até, mas sempre dizia que estava bem e eu acreditei.
— Vocês tinham amigos ou a sra. Mattil participava de alguma atividade com amigas, ela tinha alguma amiga na cidade?
Lorraine costumava fazer amizades e deixá-las de lado com uma frequência enorme.
— Temos amigos em comum, Lorraine não tinha amigas ou pessoas que estivesse em contato aqui em Traversse. Sempre eram amigos em comum ou nosso grupo seleto.
— Gostaria que nos desse o nome e números para contato desse grupo de amigos, eles podem ter alguma informação, nós mulheres temos o habito de nos abrirmos para alguém em especial.
— Tudo bem.
Assinei alguns papéis que enfiaram na minha cara, autorizações para rastrearem meu carro, cartões de crédito, celulares, saques em banco, assim como pediram contato de algumas pessoas do jornal também para montar meu álibi e de Peter e Denise que estavam horas antes conosco.
— Então, conte novamente o que aconteceu nessa noite, Sr. Mattil.
— Saí de casa por volta das sete horas, depois de tomar café da manhã com minha esposa, fui direto para o jornal onde fiquei até o meio-dia, almocei perto do trabalho com alguns colegas, já passei o contato deles para você. Um dia comum no trabalho, nada fora do normal, voltei para casa pouco depois das seis da tarde.
Vargas tirou os olhos de suas anotações, me encarando por um momento.
— Não posso dizer que ficar sentado nessa sala enquanto minha esposa está sei lá, desaparecida, morta, seja do meu agrado! Com que estamos lidando? Ficar me enchendo de perguntas é realmente necessário, não podem ao menos procurá-la?
— Sr. Mattil estamos espalhando a foto de sua esposa para a mídia, o celular de Lorraine está sendo monitorado, seus cartões estão rastreados. Até mesmo as listas de criminosos sexuais nas proximidades estão sendo revistas. O pessoal do laboratório está na sua casa enquanto conversamos, juntaremos todas as informações para continuarmos. E até mesmo a mídia iremos recorrer, se isso o deixar mais tranquilo.
Passo a mão pelo rosto respirando profundamente.
— Tem alguém que desejaria fazer mal a vocês? Você notou alguma movimentação estranha ao redor da casa? Vocês têm uma bela residência, mas é um pouco afastada de tudo, não é mesmo?
— Nada, não reparei nada, minha esposa não é do tipo de amizades fáceis como disse, mas não chega ser agressiva a ponto de quererem o mal dela.
Outra mentira. Lorraine era agressiva o suficiente para você querer dar umas boas palmadas nela. Lorraine não é hoje remotamente parecida com a mulher sensual e livre que eu me apaixonei, nesses cinco anos tinha sido uma transformação medonha de história romântica do livro dela para uma bem avessa onde entre quatro paredes ela tinha se tornado muito mais parecida com a bruxa má do que a princesa indefesa. Ela tinha se transformado em uma mulher com raiva e nem mesmo bons homens podem conter uma mulher com raiva.
— Ela era mandona, controladora, tentava impor regras a você? O modo que descreve sua esposa me leva a pensar que não era tão simples lidar com ela.
— Lorraine sempre está planejando o próximo passo ou até mesmo dez passos a sua frente, sempre vi isso como ossos do ofício, algo que trouxe de sua profissão para vida. Não nego que ela não era do tipo de mulher mansa, mas conseguia conter sua irritabilidade.
— Isso pode enlouquecer.
— Não crio atritos, meu pai me ensinou desde menino que nem sempre é bom criar atrito com as esposas, ele deve saber de algo, já que casou três vezes. E meu trabalho me obriga a ficar longe de casa por alguns dias, isso também ajuda quando ela está mais irritada.
— Esse tempo que o senhor passava longe de casa gerava discussões entre vocês?
— Tínhamos nossas brigas de vez em quando, mas quando há amor, superamos.
Olho para o relógio na parede oposta. Lorraine estava desaparecida por horas.
***
A polícia terminou com suas perguntas e me colocou em uma viatura por volta das nove, quase dez da manhã com a recomendação de descansar, minha casa ainda estava sendo vasculhada o que me deixou sem ter para onde ir. Fiz com que me levassem ao hotel no centro da cidade até que pudesse retornar para minha casa.
— Deus do céu, Jordan! — Peter praticamente invadiu meu quarto no hotel — podemos dar uma volta e procurar por Lorraine, não quer procurar por ela? Como tudo isso aconteceu?
— Parece inútil sair, onde eu procuraria por ela? No fundo do lago perto de nossa casa, sei tanto quanto você sobre onde Lorraine está.
— Isso é surreal!
— Eu sei, tinha uma mancha imensa de sangue na entrada de nossa casa, isso é tudo que encontraram de Lorraine.
— Onde ela pode estar? Estou com o estômago embrulhado só de imaginar o pânico que está sentindo!
— Fui acordado por policiais, estou sentindo como se tivesse entrado em uma espécie de universo paralelo — comento
— Fico imaginando acordar no meio da noite por policiais, sangue em minha porta e minha mulher desaparecida, não manteria a calma, acho que destruiria a delegacia se tivesse que ficar respondendo perguntas sobre Denise.
—Não tenho ideia do que deveria estar fazendo, não existe uma única coisa que já não tenha pensado. Minha esposa está desaparecida e a polícia tudo que me disse é que ligariam quando eu pudesse retornar para minha casa ou quando encontrassem algo relevante.
— Desculpe, isso tudo é tão maluco, horas antes estávamos sentados, jantando.
Peter sentou ao meu lado, colocou a mão em meu ombro.
— Pobre Lorraine — disse.
INVESTIGAÇÃO
LEONEL CLIVEN
ASSISTENTE DA DETETIVE
— A detetive me deixou encarregado da cena.
O legista desceu alguns degraus da escada dando um simples gesto em concordância.
— Eles tiveram uma luta aqui — disse por fim.
— O senhor e a senhora Mattil? — pergunto acompanhando o pensamento dele. — Uma luta por uma arma ou para se ver livre?
— Não posso afirmar que o senhor Mattil esteja envolvido, ainda preciso terminar de coletar as evidências e examiná-las, mas ela com certeza tentou lutar contra algo. Ela poderia ter tentado subir as escadas, mas tudo indica que o agressor veio desse ponto até ali — diz apontando para onde eu estava, perto das poltronas reviradas. — Ele a agarra, bate a cabeça dela contra... — O legista desce os últimos degraus analisando as pedras da lareira, analisa um pouco as cinzas deixadas pelo fogo. — A olho nu não temos marcas de sangue aqui, vou pedir para montarem as luzes e testar o luminol.
— Há marcas na porta lateral, o agressor poderia ter se esquivado pela casa escura até chegar aqui, surpreendendo-a.
— O modo como a poltrona caiu ou foi empurrada me faz crer que ela viu seu agressor chegando, seguindo sua teoria da porta, ela poderia ter ouvido a porta se abrir, teve alguns segundos para se preparar do ataque, ela não correu num primeiro instante, o que nos leva à poltrona. Ela tentou fugir do agressor quando ele estava perto o suficiente para atacá-la. Mais isso seria maluquice não? Se você olhar o ângulo da poltrona até a porta, ela conseguiria sair correndo escada acima, poderia até mesmo se trancar no quarto ou acordar o marido ou ligar para a polícia.
— A porta foi uma distração? Tipo estamos lidando com duas pessoas, uma fora causando distração e outra já dentro da casa? Olhe a poltrona, ela foi jogada em direção a escada e não como se alguém viesse da porta. — Comento
— Com licença, senhor. — Uma menina franzina parou de frente para o legista — Tirei amostras de quase todo lugar que vi sangue, também coletei uns respingos que estavam perto da porta. Posso verificar com você o tipo de sangue?
— Claro, mas ainda não tenho o tipo sanguíneo da vítima. — O legista encara o celular, confirmando que ninguém havia mandado nada.
Eu odiava o trabalho florense, mesmo que fosse necessário nesses casos. Em geral, esse tipo de trabalho era menos glamoroso que uma investigação. Não era como os seriados forenses que passavam na televisão. Os técnicos não desvendavam crimes apenas olhando a cena do crime como no CSI, não achavam provas do nada e saíam logo interrogando os bandidos e levando-os para cadeia.
O trabalho real era metade enfiados com caras em microscópicos e a outra metade em papeladas.
CAPÍTULO NOVE
LORRAINE MATTIL
NOITE DE NÚCPIAS
Secretamente estava na esperança que Jordan começasse nossa festinha assim que entramos no quarto, mas ele se serviu de uma bebida e foi para a varanda do quarto.
Durante o banho deixei minha mente vagar pelo dia de hoje, foi um casamento íntimo, no máximo cinquenta pessoas estavam ali, entre alguns familiares de Jordan e nossos amigos de trabalho ou do cotidiano. Não tinha usado um vestido tradicional, mas ele não deixou nem por um segundo de ser perfeito para aquela ocasião.
O pai de Jordan tinha virado muito mais que sogro, como meus pais não poderiam estar presente nesse dia, Glen fez questão de me levar até o pequeno altar que a cerimonialista tinha criado, por todo o pequeno caminho até Jordan, ele me encheu de elogios, sempre amoroso, dizendo o quanto ficava feliz por seu filho ter encontrado uma pessoa tão especial como eu... Realmente foi um dia de sonho, tudo muito simples, mas totalmente nosso.
Saio dos pensamentos, desligando o chuveiro, saio e me seco com pressa, louca para que Jordan me visse usando a camisola que tinha me dado de presente dois dias antes do casamento.
— Estava falando com quem? — pergunto encarando Jordan, desligar e devolver o celular para o bolso assim que nota que não está mais sozinho no quarto.
— Nada importante — responde. Ele caminha até mim, tirando a gravata só para jogá-la longe, me dá um beijo no rosto. — O quê? — questiona ao ver que ainda olho mal-humorada para ele.
— Segredinhos em nossa lua de mel?
Pode ser meio irracional esse ciúme, mas em vez do meu marido estar enchendo sua esposa de caricias e um bom sexo ele está no telefone?
— Qual o problema? — questiona ríspido — Vou deixar uma coisa bem clara, não suporto que me controlem, por tanto não faça isso. Nunca mais, entendeu?
Abro a boca para discutir, mas ele vem para cima de mim, encurralando meu corpo na cama, abrindo meu roupão, suas mãos grandes passando de minhas coxas até minha cintura, ficando as pontas dos dedos em minha pele, sua boca invadindo a minha. Seu beijo foi vigoroso, seco, com o seu sabor — não de álcool. Ele ainda não estava bêbado, mesmo que no fundo do beijo eu pudesse sentir o gosto amargo da bebida que tomou.
— Não consegui parar de pensar em você hoje — sussurrou ele no meu pescoço, sua mão deslizando pelo cetim de minha camisola. — E essa camisola ficou realmente incrível em você!
Soltei seu cinto e abri sua calça, descendo-a um pouco por sobre seu traseiro. Nossos corpos enroscando-se um no outro.
— Não me pareceu já que estava tão envolvido com quem estivesse conversando.
Aquela pequena pergunta mudou o clima.
— Esqueça isso pode ser?
Ele me afastou energicamente, me agarrou pelo cabelo e me virou de bruços. Soltei um grito de dor súbita, mas ele pareceu nem ouvir, forçou meu quadril a se erguer, deixando minha bunda totalmente exposta para si, forçando uma penetração por trás. Tentei me soltar, mas ele puxou minha cabeça na sua direção e continuou, com ainda mais força. Só levou uns cinco minutos. Ouvi seu grunhido ao gozar, depois ele saiu de dentro de mim, desceu da cama imediatamente e foi para o banheiro, batendo a porta com tanta violência que os vidros da varanda tremeram. Fiquei ali, deitada, eu ouvia meu coração bater forte no peito, ouvia o chuveiro sendo ligado e a torrente de água caindo no chão do box e fiquei ali, me sentindo o pior tipo de pessoa, nem mesmo me mexendo quando o barulho de água cessou ou quando a porta do banheiro se abriu e ele saiu, parando por alguns segundo em frente as nossas malas abertas deslizando uma cueca pelo corpo, a parte superior de seu corpo estava tensa, a pele úmida. Ele me segurou pela cintura ao deitar ao meu lado, me dando um susto.
— Você está bem? — perguntei depois de alguns minutos.
Ele enterrou o rosto no meu pescoço. — Aham. Só com raiva dessa desconfiança. É o dia do nosso casamento e você fica pensando asneiras?
— Você me machucou
Giro envolta em seus braços para olhá-lo com receio.
— Como?
— Você puxou meu cabelo, me tratou de maneira bruta.
Ele abriu um sorriso estranho e afagou minha cabeça. — Então me desculpe. Não gosta de um pouco de brutalidade? Antes de casarmos você adorava uma peripécia.
Considerei a questão. — Não dessa maneira, me senti usada, você não pareceu o mesmo cara, não pareceu nem um pouco o homem com quem eu casei.
Ele me soltou encarando meu rosto. — Toda mulher gosta de brutalidade — disse. — Então não seja mentirosa.
— Jordan!
Mas ele apenas riu e deu um beijo no alto de minha cabeça. Talvez estivesse brincando no final das contas, pensei, talvez não acreditasse no que disse.
Jordan e eu tínhamos o costume de representar papéis na hora do sexo, íamos desde fetiches comuns como se vestir de policial até mesmo de encenar histórias dentro do quarto, mas hoje não era o tipo de fantasia sexual que eu gostaria de experimentar novamente.
***
Na manhã seguinte tomamos café da manhã em um silêncio que considerei desconfortável. Jordan tinha preparado tudo com o hotel, um lindo café da manhã com todas as minhas coisas preferidas. Ele bebericava seu café lendo o jornal, mas me observava nas pequenas pausas entre os goles.
Eu estava com raiva, mas não sabia ao certo por que. Tinha esperado tanto por aquilo, pensando em como seria incrível e, no entanto, agora me pegava pensando que meu tolo coração tinha me passado uma enorme rasteira.
Pensei se minha raiva vinha apenas por ter me tratado mal no dia anterior ou se era um conjunto de tudo que tornou a noite passada um completo fracasso. “Mulheres gostam de brutalidade” eu poderia pensar diferente em outra ocasião, mas quando me despia para um homem eu queria ser tratada como a mais delicada flor, queria ser beijada, admirada, acariciada. Todas as mulheres querem, óbvio que não quero ter meu cabelo puxado como de uma boneca de pano esquecida na poltrona do quarto, muito menos que meu marido invada meu corpo daquela forma.
Suspiro pesadamente, — Está uma delícia — falo mais para quebrar o opressivo silêncio do que por outro motivo.
— Que bom que gostou. — Ele enche minha caneca com mais café. — E fico mais satisfeito ainda por não prolongar a confusão que você criou ontem, fiquei muito triste. Tudo isso devia ser simples, você irá jogar nosso casamento fora porque eu me recusei em dividir meus problemas do trabalho com você na nossa noite de núpcias? Acho bem banal, não?
— É, claro que é — digo engolindo em seco.
Ele assentiu com a cabeça, satisfeito.
— Termine seu café quero aproveitar o dia, já separei o que deve usar. Não quero você exibindo muito o corpo enquanto tomamos sol na beira da piscina, preste atenção em seus atos. Separei alguns passeios com o guia para fazer após o almoço.
Não respondi, continuei engolindo o café da manhã com o gosto amargo no fundo da boca.
CAPÍTULO DEZ
JORDAN MATTIL
UM DIA DESAPARECIDA
Pare de pensar, esvazie a cabeça!
Não consegui nada além de um cochilo agitado até perto do fim de tarde, e acordei com uma imensa dor de cabeça. Andei de um lado para o outro do quarto, eram como se meu corpo estivesse indo no sentido contrário, obedecendo comandos de outra pessoa. A polícia me deixou com direito temporário ao meu carro e meu notebook gentilmente inspecionado — tudo apenas formalidade — esse era seu discurso.
Havia dois carros de polícia no meu quarteirão, nossos poucos vizinhos circulavam por ali, minha casa tinha se tornado um monumento com aquela fita amarela da polícia cercando o perímetro. De longe vejo Tristan — o homem mais cristão que já conheci — e Joane, a solteirona da última casa. Quando Lorraine e eu nos mudamos, ela tinha sido bastante enfática ao fechar à porta depois de receber a segunda cesta de boas-vindas, seu sorriso falso descongelando no rosto, escorrendo como se fosse cera derretida. “Por que toda essa cordialidade fingida? Eles querem mesmo saber é da nossa vida, pelo menos uma coisa essa casa tem de bom, os vizinhos não são tão vizinhos assim!”, Lorraine não era especialmente gentil.
Uma batida no vidro me faz saltar, voltando para a realidade.
— Lamento ter te assustado — Joane diz alto com um sorriso no rosto.
Abro a porta do carro, saindo. — Joane.
— Jordan querido, saiba que se precisar de alguma coisa, pode e deve contar conosco, somos seus vizinhos.
— Obrigado — agradeci — Eu tenho que... — aponto para a porta.
— Estou totalmente em pânico, imagina se conseguiram arrastar para fora uma mulher tão forte como Lorraine, que tinha você como marido, eu que sou sozinha naquela casa... Oh, meu Deus, nem gosto de pensar nisso!
Eu não gostaria de pensar com quantos policiais ela tinha despejado esse discurso de mulher frágil.
— Lamento saber disso, — aponto novamente para minha porta. Viro-me antes que ela começasse novamente seu discurso desesperado de medo, passo pela faixa amarela da polícia respirando fundo antes de entrar.
De cara, uns passos depois da enorme porta da entrada, ainda era possível ver a mancha da poça de sangue, mesmo que tenha sido limpa, eu ainda conseguia ver a mancha da borda no piso de madeira, eu teria que trocar esses pisos. Se Lorraine retornasse seria mais um motivo para falar de minhas escolhas, mesmo que no fundo de mim saiba que se ela voltasse teria a desculpa perfeita para me acusar por anos. Afinal eu era o culpado por escolher uma casa afastada, por escolher uma cidadezinha cruel onde minha esposa foi brutalmente violada e machucada.
Já poderia sentir o veneno que Lorraine estaria guardando para mim, os quilos extras de culpa e sua maldade velada.
Um policial me acompanhou até o segundo andar, para dentro do meu quarto e do closet, permitindo que vasculhasse minhas coisas, aquilo me deixou tenso, ele provavelmente estava me julgando assim como cada mísera pessoa que estava cruzando meu caminho.
Enfio meia dúzia de combinações dentro de uma mala de viagem, seguido de perto pelo policial, sendo posto para fora de minha casa. Paro perto da porta novamente vendo que tem mais policiais transitando por ali, um estava examinando nossa lareira, outro no final do corredor olhando a maçaneta da porta que dava para o fundo da casa e outro seguindo com uma enorme maleta para fora, pela porta lateral.
— O senhor precisa ir agora. — O policial se colocou em minha frente.
— Quando eu poderei retornar?
— Esta ainda é a cena de crime, o senhor...
— Já entendi, estou indo!
Senti um surto de fúria momentâneo, por todos aqueles policiais estarem revirando minha casa e me dizer o que poderia ou não fazer o tempo todo.
Contorno o policial, batendo a porta atrás de mim, voltando para meu quarto de hotel.
***
No final da tarde, a delegacia estava um pequeno caos. Telefones tocavam, pessoas andavam de um lado para o outro. Uma mulher cujo nome não tinha gravado na mente estava ao meu lado, não fazia ideia de quanto tempo estava ali falando em minha cabeça.
—... será algo rápido, apenas para fazer com que as pessoas saibam mais sobre Lorraine, isso será importante, até mesmo se houver a chance de terem a avistado por aí. Será algo muito controlado. Geralmente em casos de desaparecimento onde o criminoso não tenha entrado em contato com os familiares levamos o caso a mídia, Jordan...Jordan?
Celebridade! Lorraine teria adorado isso, ser considerada mais do que realmente era, ela tinha um ego bastante inflado.
— Desculpe, mas estou entendendo o que você está querendo explicar, só me explique novamente como levar tudo isso a mídia fará com que essa pessoa entregue Lorraine ou então me explique, por que eu não estou entendendo direto, mas me parece que levar esse circo todo adiante faria o criminoso não só ficar mais cauteloso como se livrar logo da única coisa que o mantém preso a esse crime, no caso, minha esposa.
— Sr. é somente uma declaração — a policial diz — Compreendo seu desagrado.
— Sério, compreende mesmo? — retruco — Nenhuma notícia? — questiono.
— Uma equipe está indo verificar uma denúncia, uma mulher encontrou algo estranho na encosta do lago, estamos direcionando uma equipe para verificar se realmente é Lorraine ou apenas um engano.
— Então eu deveria ir, a declaração pode esperar.
A policial troca um olhar rápido com seu comparsa.
— Não tem outra resposta. Eu vou.
Tudo se torna um borrão, do momento que saímos da delegacia, entramos no carro até a encosta oposta ao lago. Atravessamos as árvores fechadas, pulando galhos quebrados e pedras pontiagudas, olhando por fora de tudo, seria o lugar perfeito para desovar um corpo. Um milagre que a mulher magra e loira tenha encontrado algo ali, ela não tem muito o tipo de corpo de quem faz grandes percursos de caminhada e nem mesmo de corrida.
Os policiais enfiam as mãos em luvas de látex revirando as folhas mortas e úmidas, procurando onde o cachorro farejava, há um montinho de roupas onde eles estão vasculhando, um dos policiais levanta a blusa, parece um suéter surrado, as mangas estão rasgadas, ele todo está cheio de terra.
— Sr. Mattil, seria melhor que se afastasse, por favor.
Ignoro completamente a policial, ela que vá se ferrar! Não consigo dizer se esse suéter é de Lorraine, está sujo e a falta de iluminação do lugar não ajuda em nada, nem mesmo consigo dizer se é de homem ou de mulher, pelo desgaste que a peça tem. Talvez, em algum dia do passado, tenha sido azul-claro, talvez. Ele estava embolado em algo branco encardido.
— Não é ela — anuncia então o policial — é apenas um saco de roupas descartadas, não tem vestígio aparentes de sangue, pode ser de algum drogado.
Solto a respiração de forma audível e a ponta de um sorriso de tranquilidade escapa em meu rosto. Não é Lorraine.
***
Tinha apenas parado onde a detetive tinha me deixado, os olhos fixos nas duas câmeras que estavam mirando em mim. Um cavalete ao meu lado exibia uma daquelas fotos que Lorraine tinha nas orelhas de seus livros, um sorriso plácido, até mesmo falso, encarando o nada.
Lorraine adoraria isso, esse pequeno espetáculo em torno de seu nome, ela poderia ter sido esquecida pelos leitores para comprar um de seus romances que enchiam meu porão, mas quando acontecia alguma coisa surreal, como uma poça de sangue surgir no meio de sua casa, bastaria para todos voltarem com bordões do estilo “Lorraine, estamos rezando por você” e “Amamos seus livros”.
—...Se alguém tiver alguma notícia sobre o paradeiro ou qualquer coisa relevante, basta ligar para o número disponível. Pedimos também para que todos os cidadãos fiquem em alerta.
Os noticiários mostrariam a mim, como marido de uma desaparecida, com os olhos vidrados, parecendo entediado diante desse circo todo, e na verdade estava. Onde ficariam me acusando, questionando se eu realmente tinha dado um fim à querida e esquecida autora de romances.
Esse era um dom especial de Lorraine: despertar o pior lado.
CAPÍTULO ONZE
LORRAINE MATTIL
QUATRO ANOS ANTES
Meu café esfriou em cima da mesa, uma pequena marca circular marrom fica gravada no tampo de minha mesa, mas estou numa posição confortável demais e com preguiça demais para me preocupar com isso ou sair em busca de mais café. Sentada aqui de manhã, os olhos fechados, o calor e a luz do sol nas pálpebras, sinto que poderia estar em qualquer lugar.
O notebook aberto, o insistente tracinho na tela em branco piscando, aguçando os fantasmas ao meu redor. Por mais que tente, parece que as palavras não irão sair, de nenhuma maneira.
Estava desistindo quando meus olhos focaram na janela em minha frente vendo uma sombra atrás de mim, perto da porta, viro de súbito vendo Jordan encostado na porta.
— Assustou-me.
Ele veio em minha direção. — Eu te chamei, por duas vezes, não gosto quando não me atende.
— Eu estava concentrada aqui — respondo.
Ele encara a tela do computador vendo o mesmo que já sabia: não tinha nada.
— Passou a manhã toda encarando uma tela vazia?
Ele teve um mal dia, seu corpo emanava calor e intensidade de sua ira. Jordan vinha chegando muito irritado ultimamente do trabalho. Isso me fazia querer ir para longe dele e aguardar que essa irritação passasse.
— Pensei que almoçaria com seus colegas, desculpe, eu desço e faço algo rapidinho.
— Tarde demais, não é mesmo? Preciso retornar ao escritório, vou comer na rua — diz marchando para fora.
***
Eu me recuso me tornar aquele tipo de mulher chata. Antes de casar fiz promessas a mim mesma: não seria do tipo que arrumaria um jeito para puni-lo ou ficaria com ciúmes insano ou até mesmo reclamando de atitudes machistas que os homens guardam dentro de si e despejam em cima de nos.
Ainda assim, este é meu aniversário e estou sozinha em nossa casa. O rosto manchado de lágrimas odiosas que escorreram sem minha permissão. Tudo porque recebi uma mensagem dele dizendo que estenderia um pouco a noite, mas no fundo podia ouvir as vozes masculinas e o barulho de copos sendo virados.
Eu poderia tolerar. Mas não vou! Ele tinha acreditado fielmente que isso passaria em branco e, por isso ele se sentia no direito de esquecer que dia é hoje, de inventar uma desculpa qualquer como foi no ano passado e nem mesmo enviar uma mensagem bonitinha dedicada a mim e sair para se embebedar com os colegas.
Pensar que ele irá se embebedar com um cartão de crédito vinculado à minha conta bancária também não me deixa menos azeda ou compassiva.
Estou na cozinha, abrindo a segunda garrafa de vinho, quando Jordan chega por trás, pousa as mãos nos meus ombros os aperta e diz: — Feliz aniversário, passou algumas horas, mas ainda é seu dia.
Apenas suspiro tomando um gole da bebida.
— Vamos lá, Lorraine, eu só precisava de um momento com meus amigos, sabe que sou péssimo para guardar datas.
Observo meu marido, às vezes ergo os olhos e vejo seu rosto contorcido por desgosto, tão instável! Certo dia ele me empurrou com força, lembro que bati as costas contra a mesma bancada que estou apoiada agora, perdendo o fôlego por alguns segundos, foi mais chocante do que dolorido. Ele pediu desculpas depois, culpou o stress do dia a dia e eu acreditei que estava cobrando-o demais...
— Babaca! — é o que penso em dizer, ou melhor, gritar diante sua cara, mas apenas me calo.
Ele me encara em silêncio, seu olhar indica que virei a grande vilã. Mas não estou tão disposta a enfrentar sua onda de ira.
— Talvez possamos recomeçar — digo descendo a alça de minha blusa. É. Sexo sempre parece resolver com ele.
Ele morde o lábio inferior, me lembrando muito do sexy Jordan que me apaixonei, me acompanha enquanto ando pela casa e vou tirando a roupa, e, assim que chegamos ao quarto, quando ele se deita sobre mim na cama, não percebe o quanto estou magoada, não percebe que há um toco de brutalidade em meu toque ou que meus gemidos soam de maneira falsa. Mas não faz mal, sou boa o bastante para fazê-lo acreditar que tudo está bem.
***
Um jantar, uma possível comemoração antecipada do que pode ser meu retorno para o mundo editorial. É um dia importante para mim.
É uma quinta-feira, ninguém está tão despreocupado para ficar uma noite longa em um bar qualquer do outro lado da cidade aguardando que meu marido apareça. Todos têm compromissos pela manhã. E, obviamente, todos já teriam ido embora se não estivéssemos esperando o possível aparecimento do meu marido. Cloe não para de olhar para o relógio em seu punho, George confere seu telefone de tempos em tempos. A conversa fiada que trocamos em meio a tudo isso se tornou mais mecânica para evitar o silêncio mordido do que qualquer outra coisa.
Não é como se Jordan fosse surgir com um sorriso constrangido no rosto, e com uma desculpa sobre trabalho, porque eu sei que ele não está mais no jornal.
Ele não aparece, não telefona. Esperamos mais alguns minutos, mas isso tudo é tão inútil.
— O trânsito estava horrível perto do centro — George diz com um sorriso amigável nos lábios.
— Tem certeza que ele não mandou nenhuma mensagem, esses celulares nos pregam peças!
Apenas sorrio, — Jordan deve ter uma boa desculpa, pelo menos eu espero.
Quando chego em casa do happy hour de comemoração, o táxi encosta no meio-fio e é como se tivesse no automático, espero que Jordan apareça descabelado e desalinhado, a gravata solta em torno do pescoço, a camisa aberta nos primeiros botões. Literalmente empurrando uma desculpa que cochilou ou até mesmo a clássica: que sentou por um pequeno instante para ver uma notícia e adormeceu.
Mas quando enfio a chave na fechadura e empurro a porta encontro a casa tomada pelo silêncio e escuridão. E já sei que não preciso fazer uma busca inútil a sua procura por que ele não está ali.
No dia seguinte, sim ele apenas deu o ar da graça no dia seguinte, enquanto passava o café. Surgiram as desculpas, dessa vez foi seu pai, isso poderia ser facilmente derrubado, bastava apenas uma ligação para a casa de repouso onde ele morava. Mas como toda boa esposa engoli suas desculpas, tecendo comentários de como foi a minha noite fracassada e como estava tudo bem. Afinal, família vinha sempre em primeiro lugar.
Ele me aperta, com seus braços fortes e me coloca sobre a bancada, em meio as xicaras de café. — Vou recompensá-la, sinto muito.
Então veio o sexo, com uma dose dupla da bebida mais forte.
CAPÍTULO DOZE
JORDAN MATTIL
DOIS DIAS DESAPARECIDA
São sete e pouco da manhã, faz frio do lado de fora. Estou acordado há algumas horas, não consegui dormir. Não durmo há três dias, exatamente. Odeio a insônia, ficar deitado na cama, o cérebro funcionando...será que era disso que Lorraine tanto reclamava?
Encho a garrafa térmica com café, jogando minha gravata por cima do ombro para mordiscar um pão torrado. Meu telefone vibra em cima de minha pasta, chamando minha atenção.
A respiração calma e baixa do outro lado da linha. — Sou eu. — Não há resposta, apenas a respiração confirmando que tem alguém ainda na linha. — Encontro com você no final do dia. Lugar de sempre.
Enquanto cruzo a cidade a caminho do meu trabalho, me preparo para as frases de falso apoio, a curiosidade de todos e até mesmo os olhares tortos, afinal, minha esposa estava desaparecida e eu era o suspeito — nada declarado, mas suspeito. E em vez de curtir ou sair como um maníaco a sua procura estava indo trabalhar.
Um garoto esbarrou em mim ao caminhar no corredor do jornal escrevendo uma mensagem de texto. Ele deu um passo para o lado sem erguer a vista, mas virou a cabeça após passar por mim, como se quisesse confirmar para seu subconsciente que era mesmo Jordan Mattil que havia passado por ele, não pela matéria incrível que tinha escrito nos últimos sete dias, mas pelo que estava estampado nos jornalecos pela cidade. Nem mesmo sendo um dos donos eu conseguia fazer a matéria não ser publicada, era ossos do ofício.
— Jordan, o que está fazendo aqui?
Deixo minha pasta sobre a mesa e o casaco no canto da porta. — O óbvio, trabalhando.
— Ninguém irá demiti-lo por não vir nesse momento — Fitz diz.
— Eu sei.
— Como você está aguentando? A matéria está passando todo dia nos noticiários, uma completa loucura — perguntou, sentando-se na cadeira vazia em frente à minha mesa, as mãos nos joelhos, como se estivesse preparado para sair correndo.
— Estou, apenas isso, não tem muito que fazer e pensar nisso mostra o quanto pareço um inútil.
— Acha que ela está...você sabe, todo mundo está questionando.
Balanço a cabeça.
— Andaram fazendo perguntas para o pessoal.
— Eles ficaram com uma pequena lista de contatos, não vejo como alguém que esteja nela possa querer mal de Lorraine. Investigar primeiro o marido, é o normal nesses casos.
— Isso chega a ser um absurdo, Jordan. Você nunca machucaria Lorraine, vemos o amor que tem por ela, eles estão loucos se estão supondo isso.
— É o protocolo. Tenho ouvido muito isso nos últimos dias. Mal sabe o quanto desejo que os policiais engulam essas desculpas.
Fitz veio em minha direção apertando meu ombro, solidarizando com meu momento e por um pequeno instante eu só desejei que ele fosse logo embora.
— Vou deixá-lo trabalhar. A polícia irá encontrá-la.
— Isso seria ótimo — esboço um sorriso querendo que ele saia logo de minha sala.
Fitz mantém seus olhos sobre mim um átimo a mais, depois suspira como afastando um pensamento.
E lá estava, depois de responder uns e-mails de trabalho, na página inicial estava a foto dela, Lorraine, a foto perfeita; junto, a manchete dizia: MORADORA DESAPARECIDA.
Desço a tela lendo a reportagem.
A polícia de Traversse, no Michigan está em busca de qualquer pista sobre o paradeiro de Lorraine Mattil, 35 anos. A Sra. Mattil foi vista pela última vez por seu marido e amigos, na noite de sexta-feira, por volta das onze horas. As evidências encontradas na residência dos Mattil, indicam que a Sra. Mattil foi atacada e levada à força.
Sequestro e possível homicídio estão sendo cogitados.
Lorraine Mattil tem 1,67 m, cabelos castanhos e olhos castanhos. Pede-se a qualquer um que tenha informações que entre em contato com a polícia de Traversse.
O celular vibrando em minha mesa faz minha atenção se afastar momentaneamente da tela do computador. Atendo no terceiro toque.
— Como isso aconteceu, Jordan?
A pergunta clássica que todos queriam saber. — Oi, pai...
— Caramba filho por que não recebi uma ligação sua no momento que ocorreu?
— Não estamos conseguindo encontrar Lorraine.
— O que a polícia tem falado?
— Eu não sei, tudo está tão confuso ainda.
Respiro profundamente escutando o monólogo que meu pai inicia do outro lado da linha. A notícia que Lorraine sumiu era oficial, tinha conseguido atingir os confins da Terra.
—...eu vou ficar com você.
— Não vai, não precisa e eu não estou pedindo isso, pai — acrescento tentando tornar minha negativa menos amarga. — Vou resolver isso, nos falamos em breve.
Meu pai mora em um asilo na pequena cidade em que cresci; uma vez por ano eu retornava para visitá-lo, geralmente ia com Lorraine no final do ano, passar as festas, mas nos dois últimos anos, com nossa mudança para Michigan, não tínhamos conseguido organizar as coisas a tempo.
Uma vez ela me questionou por não ser tão próximo de meu pai quanto demonstrei em nosso curto namoro e eu apenas respondi: — Nem todos são a definição de próximos ou não, somos família, isso basta.
CAPÍTULO TREZE
LORRAINE MATTIL
UM DIA QUALQUER ANTES DE TUDO
Muitas vezes não tenho vontade de ir a lugar nenhum, afinal, odeio essa cidade. Não sinto falta de trabalhar, não depois de ver meu agente e a equipe editorial rasgando meus contratos um por um, rompendo nossos acordos por eu não ter conseguido adequar meus romances para o que eles queriam, ou seja, em outros termos “agora que chegou sangue novo não precisamos mais de você!”. Eles ainda disseram que eu deveria retirar os exemplares que estavam sobrando no estoque para minha casa, e que os que estavam expostos seriam retirados com o tempo, caso ninguém comprasse.
Por isso, hoje eu só queria continuar sem pensar em nada. Ajudava o dia estar escuro e frio, acho que por morar tão perto do lago tornava as manhãs e os fins de tarde mais gélidos, mesmo que o sol estivesse brilhando no céu. Ajudava também estar chovendo sem parar, água torrencial escorrendo pelas imensas janelas da sala, com ventos que uivavam entre as árvores e arbustos próximos.
Esse era o segundo dia sozinha, sem receber nenhum aviso, recado ou telefonema de Jordan. Nem mesmo para avisar quando voltaria, se voltaria mais cedo ou se estava vivo, e então, na terça-feira, estava sentada na sala, a lareira acesa aquecendo o cômodo. Poucas luzes ligadas e tive a impressão de que alguém havia entrado na minha casa. Não fazia ideia do que me levava a pensar assim; a porta estava trancada com duas voltas na chave e as janelas bem fechadas, mas havia algo diferente. Tinha uma sensação diferente.
Deixei de lado minha taça de vinho, caminhando pela casa e ao fazer isso, ia verificando tudo, procurando o que é que estava fora do lugar. Nada, nenhum indício. Talvez eu estivesse imaginado aquilo, aquela presença, aquela sensação de que alguém estava ali, poderia ser muito vinho e a leitura que mexeu com minha imaginação, e até mesmo por estar passando os dias sozinha no meio do nada, já que o número de viagens que Jordan estava fazendo à trabalho tinham triplicado no último ano, nunca fui de admirar muito viver perto de florestas nem mesmo cercada de água.
Preparei o jantar e depois liguei para Jordan, que não atendeu, a ligação caindo direto na caixa postal. Assisti a um programa vazio na televisão. Então, lavei a louça e guardei tudo, coisas que se tornaram mecânicas com o passar do tempo, era como comer sempre a mesma refeição, não tinha tempero novo.
Perto da meia-noite desliguei a televisão e resolvi ir para a cama. De repente, a casa ficou dolorosamente sossegada sem aquele barulho. Fazia frio pela casa, mas não um frio comum, que você se enrola em cobertas e o corpo se acostuma, esse frio gelava a espinha. Verifiquei a porta da frente e a dos fundos, apagando as luzes por onde eu passava. Abri um pouquinho as cortinas da sala, e nisso pensei ter visto algo lá fora: um vulto, uma sombra atravessando as árvores e arbustos. Uma forma volumosa, como de um homem, estava de pé no espaço escuro perto do lago. Esperei que se movesse, para que meus olhos se adaptassem à escuridão e eu enxergasse o que era. Mas o vulto não se mexeu, e quanto mais eu estreitava os olhos para enxergar, mais eu me convencia de que era só um arbusto, uma árvore ou algo parecido ou até mesmo um animal, e que ficava com uma forma estranha no escuro, só isso.
Forcei meus batimentos cardíacos a se acalmarem, afinal, não era nada, e pensando nisso fechei a cortina me afastando rapidamente da janela, acendi a luz ao pé da escada e subi, me refugiando em meu quarto. Pensando em quão tola eu parecia agora, assustada por imaginar que tinha alguém rondando a casa.
CÍRCULO SEM FIM?
DETETIVE VARGAS
— Diga que você tem alguma pista?
— Ainda não, — Cliven economizou nas palavras — não sei se tenho, as coisas parecem não bater.
Suspiro olhando todas as fotos da cena, encaixando-as como um grande quebra-cabeça.
— Coller recebeu notícias dos hospitais. Todas as vítimas que deram entrada ontem estão registradas, e as únicas com indício de facada foi autoinduzida, disse que estavam namorando na bancada da cozinha.
— As pessoas ainda não perceberam que tem certos lugares que não foram feitos para sexo? Ninguém nunca assistiu aquele programa sobre as formas mais bizarras de morrer? — desabafo, vendo o sorriso de Cliven. — Foi confirmado que o sangue era de Lorraine Mattil — comento reclinando para trás com a cadeira.
— Alguma evidência contra o marido?
— Por enquanto não, o exame toxicológico deve chegar em breve, pedi urgência nesse caso. Estamos analisando as ligações recentes e seus e-mails, qualquer coisa que possa nos dar um rumo, mas basicamente todas as suas ligações são para a casa de repouso onde seu pai mora, confirmando sua versão, algumas para a esposa e muitas de trabalho. Também não há nenhuma movimentação diferente ou estranha nas contas.
— Irá chamar Sr. Mattil para outra declaração?
Estreito os olhos vendo meu ajudante sentar-se de maneira tensa em minha frente. — Você não gosta dele, né?
Ele coça a nuca, dando um sorriso bobo. — Achei que não tinha ficado tão óbvio, ele pode não ter nada que aponte diretamente para si, mas algo não me cheira bem. Leu o relatório que o legista fez?
— Sim, como disse, temos que esperar o exame toxicológico para realmente começar os apontamentos.
— Quando iremos começar a tratar isso com o verdadeiro nome? Assassinato?
— Não podemos afirmar nada ainda, quero encontrar essa mulher com vida, seja lá onde estiver. Não encontramos arma do crime, corpo, nada. Por isso devemos continuar com as investigações seguindo na perspectiva de desaparecimento ou sequestro.
— O vizinho que fez a ligação já está esperando na sala de interrogatório.
— Vamos falar com ele — digo me levantando.
— Olá, senhor Aperol, certo?
O homem confirma rapidamente, aprumando a postura na cadeira.
— Temos algumas perguntas sobre aquela noite, tudo bem?
— Sim, claro, mas eu já respondi para o outro policial.
Vejo Cliven tentando uma troca de olhar comigo. — Sr. Aperol, você trabalha com o quê?
— Trabalho para uma instituição católica, ajudo com as crianças, coisas do tipo.
— Entendo, você tem esposa, filhos? — questiono.
— Não, eu quis seguir o sacerdócio, mas acabei me envolvendo com uma mulher por um tempo.
— Sr. Aperol, pode relatar novamente o que ocorreu naquela noite?
— Eu estava vendo um programa de TV quando ouvi os gritos, achei por um momento que eram gatos ou cachorros de rua brigando, eram finos e distantes.
— Você relatou que foi até o jardim quando ouviu os gritos. Isso mesmo? — questiono dando uma olhada em seu último depoimento em minhas mãos.
— Ah, sim, bem quando eu ouvi novamente fui até meu jardim onde escutei coisas quebrando e o pedido de socorro.
— As casas são afastadas umas das outras, a casa do senhor fica do outro lado da rua, quase de frente para casa dos Mattil, correto? — ele confirma com a cabeça — O senhor viu alguma coisa estranha, além dos gritos? Alguém sair correndo, ou algo do tipo? Ou até mesmo a Sra. Mattil pedindo ajuda, machucada...
Ele se apruma novamente. — Não, como disse, eu liguei para a emergência.
— E quanto tempo demorou a ligar para a emergência? Qual foi o horário que escutou os gritos, saberia me dizer?
— Era bem tarde, e sim, liguei logo em seguida.
— Cliven, você me acompanharia um momento? Sr. Aperol, voltaremos em alguns minutos.
Ele olhou para mim e depois para meu ajudante, concordando por fim.
Espero Cliven fechar a porta atrás de si, entrando na saleta com visão para a sala de interrogatório. Onde paro de frente para o vidro, analisando a postura do interrogado.
— O que foi?
— Apesar de achar que nosso cara ali pode ser um tarado por pornografia e que não tem nada com o caminho de Deus, não acho ele um psicopata. Os psicopatas têm um padrão próprio, têm um comportamento cerebral diferente, você diz palavras como árvore, sofás, estupro, incesto. De uma pessoa comum, o lóbulo frontal reage; já o de psicopatas, é como se fossem as mesmas coisas, não esboçam reação, eles reagem para a morte como reagiriam por um jantar.
— Você é cheia de truques e teorias.
— O que importa é que esse cara não é nosso cara, duvido que tenha chegado perto o suficiente para causar algum mal para Sra. Mattil, no máximo se masturbar escondido atrás das cortinas. Mas vejo lacunas em seu depoimento.
— De que tipo?
— Ele disse no primeiro depoimento que ouviu gritos altos, pedidos de socorro. Que você não saia de casa para ajudar eu entendo, as pessoas correspondem mais a um grito de fogo do que um pedido de socorro. Se você seguir por essa linha de raciocínio, a ligação para a polícia foi feita cinquenta minutos depois do que ele alega ter realmente feito. Ou seja, a primeira coisa que o Sr. Aperol fez não foi ligar para a polícia.
— Mas você disse que ele não era o culpado. — Acusa Cliven.
— Sim, e não acredito que seja. Mas ele com certeza estava fazendo algo que não quer que seja descoberto.
— Podemos emitir um mandado para revistar a casa dele.
— Claro, voltando à linha de raciocínio, as casas são afastadas, tem um espaço razoável entre elas para que você não chame totalmente os outros moradores de vizinhos, portanto, como ele ouviu tão nitidamente um pedido de socorro, se como disse estava vendo TV e foram pedidos baixos? E levando em consideração a distância, sim, tem algo estranho.
— Você acha que ele não estava onde disse que estava?
— Pode ser, eu me preocuparia em colocá-lo na lista de possível tarado por pornografia. — Respiro fundo tentando alinhar tudo que estava pensando. — Sr. Mattil não disse que ele e a esposa tiveram relação antes de irem para a cama?
— Você não está supondo que Aperol estava vigiando os dois, tipo, espiando-os...
— Por enquanto não estou dizendo nada, mas quero verificar a chamada dele, peça para mandar a gravação para mim o quanto antes. E aí vemos o que realmente iremos fazer com nosso amigo ali.
Olho para o vidro vendo Sr. Aperol nos encarando, basicamente encarando o espelho.
— Voltamos ao mesmo ponto. — Cliven diz irritado.
— Por enquanto, por enquanto.
CAPÍTULO QUINZE
LORRAINE MATTIL
PEQUENO DESLIZE, QUEM NUNCA?
Cruzamo-nos a primeira vez em uma pequena comemoração sobre a mudança versus promoção de Jordan.
Naquela manhã levantei cedo, a cabeça girando repleta de histórias prontas para saltarem para fora. Finalmente eu voltaria a gastar minhas horas de frente para um computador, então, joguei as cobertas para o lado e me enfiei em meu escritório, não iria deixar a sensação esvair-se, remoendo se eu aproveitaria ou apenas a deixaria passar.
No fim daquela manhã mal acreditei o quanto as palavras fluíram e foi assim que escrevi um e-mail ao meu agente, contando sobre as possíveis ideias que surgiram.
Mas voltando ao principal, eu estava feliz e Jordan estava feliz por me ver sorridente e acessível. Ele gostava. Ele gostava de me ver mansa.
Lembro que fui ao pequeno bar montado do outro lado da sala pegar uma bebida quando nos encontramos; enquanto eu aguardava pelas bebidas, trocamos algumas palavras, ele não parava de encarar meu rosto, nada de olhares desviados para meu decote. Mas nem por isso seu olhar se tornou menos apelativo, tinha fogo queimando ali e ele sabia exatamente quem eu era.
Não seria apropriado, afinal, ele era o substituto de Jordan no cargo, não era nada apropriado.
Porém, não deixou de ser desejoso, quando estava saindo do banheiro horas depois de muitos olhares cruzados durante a pequena reunião, ele estava encostado na parede, olhando com um sorrisinho em minha direção.
— Isso não é certo — eu disse antes de passar os braços por trás de seu pescoço, sem esforço, graças ao salto alto das sandálias e lhe beijei a boca.
Eu tinha me tornado uma vadia, uma vadia sem nenhum escrúpulo.
Ele também retrucou algo na hora, mas nem me recordo, foi intenso demais, aquele verdadeiro puxa e empurra, aquecendo o meio de minhas pernas. Fazia um tempo que não sentia isso e, não queria abandonar tão cedo aquela sensação.
Na manhã seguinte, me senti culpada, a culpa me esganava como um assassino feroz, só que não foi o suficiente. Mesmo dizendo que seria a última vez e já que estaríamos indo para longe e que não tornaríamos mais a nos ver eu poderia aproveitar esses encontros. Lá estávamos novamente nos vestindo...
A questão é que não consigo continuar com isso, não consigo ser só esposa, fingir ser a esposa perfeita. Não dá para entender como outras mulheres conseguem. E isso me fazia questionar se tinha agido certo, se ao ser tomada pelos impulsos ao me casar com Jordan não estava apenas tentando fechar o buraco que havia dentro de mim, deixando que alguém me possuísse de maneira tão profunda... e agora eu estivesse sentindo tudo isso passar. Era maluquice?
Tudo vinha se tornando totalmente odioso, desde que meu agente rompeu por definitivo nosso contato, o que me fez escrever dúzias de e-mails nada educados em resposta, os arquivos que escrevi de forma tão inspirada foram todos excluídos, assim como as contas nas redes sociais encerradas, era hora de deixar isso de lado de vez.
Mas para Jordan Mattil a vida vinha sendo egoistamente feliz.
CAPÍTULO DEZESSEIS
JORDAN MATTIL
TRÊS DIAS DESAPARECIDA
A polícia não encontraria Lorraine. Esse foi o primeiro pensamento assim que abri os olhos naquela manhã.
Todos os cantos mais inóspitos e improváveis foram vasculhados, se ela estivesse viva ou morta, que apenas aparecesse.
Setenta horas desaparecida, talvez um pouco mais, o caso estava sendo noticiado em todas as emissoras e em alguns sites também. Tinha cruzado com repórteres ao ir para a delegacia ou em frente ao hotel onde estava ficando, todos sedentos por uma palavra minha, mas nenhum tinha.
Tudo que sabiam eram especulações, um vizinho que nunca nem mesmo disse um “olá” para nós tinha ouvido uma discussão acalorada e algumas coisas se quebrando. Era um testemunho falho, para começar.
“Ela parecia bem, normal quando foi se deitar. Estava de bom humor.” — foi isso que comentei quando me perguntaram como Lorraine estava na noite anterior, mas era apenas mais uma das mentiras. Lorraine não ficava feliz ou normal há muito tempo e eu tinha desistido de tentar entendê-la ou alterar seu humor. Ela gostava de me causar ciúmes, gostava de se exibir para outros homens e depois negar sexo para mim, foi por isso que brigamos naquela noite, eu estava cansado de ser atiçado e renegado pela minha esposa. Mas não contei isso para a polícia, lhes dei a versão bonita da história.
Lorraine tinha basicamente perdido a graça, aquela mulher sensual que eu me encantei tinha se tornado como uma folha de papel em branco, na frente dos outros era tudo que eu desejava, mas quando estava fora dos holofotes, a coisa era bem diferente.
Uma mulher disse dois dias depois que ela havia desaparecido que Lorraine estava caminhando em direção ao lago. O que novamente torna o testemunho falho. Lorraine odiava o lago, odiava morar na encosta de um e, isso eu sabia, ela sempre deixou muito claro ao gritar aos ventos que nunca iria escolher uma casa como aquela.
Quando entrei na delegacia senti como um gosto azedo e totalmente palpável na língua, todos estavam cientes disso, havia uma letargia corroendo o ar.
Paro em frente à máquina de café, vendo dois policiais conversando perto dali. Nada cientes que eu poderia escutar.
— Foi pelo rio. — Dizia um.
— Pensando por esse lado, se tiver sido esquartejada, o corpo vai muito mais longe.
— Seria uma sujeira desnecessária, onde ele iria fazer isso, não tinha mais vestígios de sangue pela casa.
— Sr. Mattil, venha comigo.
No exato momento que o policial Cliven chamou por mim, os dois panacas perceberam que tinham falado demais, indo rapidamente para longe dali.
— Bom dia, Sr. Mattil. — Detetive Vargas me cumprimenta.
— Bom dia, alguma notícia? — retruco assim que me sento.
— Infelizmente não, porém estamos analisando tudo.
A detetive Vargas parece competente, aparenta ser o tipo de policial que não deixaria um caso morrer sem solução engavetado por aí. Mas temos que realmente ver o que ela consegue sobre minha linda e volúvel esposa.
— O exame toxicológico chegou, você comentou que tomou Tonopan, certo?
— Sim, minutos antes de dormir. — Confirmo.
Estão testando meu álibi. Normal. Na verdade, meu álibi está totalmente entrelaçado neles, afinal, foram os policiais que me acordaram naquele dia.
— Havia uma superdosagem do remédio em seu organismo, quantos comprimidos tomou mesmo naquela noite?
— Um ou dois, não me recordo. Tonopan nem sempre tem um efeito rápido.
— Sr. Mattil, também foi encontrado uma dosagem regular de álcool. — Cliven diz.
— Compreensível, eu e Lorraine demos um jantar naquela noite. Servimos e bebemos vinho com nossos convidados.
Mantive meu olhar no policial, vendo que ele anotava algo em um caderninho, o gravador estava ligado como sempre no canto extremo da mesa.
— A soma desses dois fatos levou o senhor a ter um efeito “boa noite cinderela”, isso pode explicar o motivo de não ter ouvido os pedidos de socorro de sua esposa e nem mesmo a briga que ela teve com seu agressor.
Dou um pequeno aceno. O celular toca em meu bolso, o que me faz rapidamente enfiar a mão no bolso, silenciando a ligação.
— Não quer atender? — Cliven questiona.
— Não.
— E se for informações de sua esposa, Sr. Mattil.
Travo a mandíbula encarando os policiais à minha frente.
— Ou o senhor sabe onde ela está?
— Desculpe policial Cliven, achei que estava cooperando fielmente com a polícia. Você não acha que desejo que tudo isso acabe de uma vez? — retiro o aparelho do bolso exibindo a chamada perdida. — Trabalho como pode ver.
Explosão desnecessária, Jordan! Controle-se!
— Sr. Mattil.
Volto minha atenção para a detetive.
— Você também havia comentado que Lorraine era uma escritora conhecida, teria alguma pessoa que desejasse fazer mal a ela? Você sabia da recente comunicação dela com um antigo agente?
— Não e não. Lorraine tinha desistido da carreira, pelo menos foi isso que me contou quando nos instalamos aqui. Sua última tentativa não deu certo, o que a aborreceu e muito, por isso quando nos mudamos para Michigan, ela decidiu que seria o fim para seus dias como escritora.
A detetive retira uma folha, uma impressão do tal e-mail e desliza o papel pela mesa até mim. Passando os olhos rapidamente pela folha seria apenas um dos e-mails raivosos e impulsivos que Lorraine tinha mania de escrever e apagar com grande frequência, esse por algum motivo realmente chegou ao destino. Havia algumas palavras grifadas como: “Você acabou com minha vida”, “Vou contar a todos o que você realmente faz”, “Seu filho da puta egoísta” e “Quero meu dinheiro de volta”.
— Pelo visto Lorraine não tinha um bom relacionamento com esse agente, o senhor sabe algo sobre ele?
— Lorraine trabalhou com ele por anos, antes mesmo que eu entrasse em sua vida. Eles nunca se entenderam cem por cento. Vivia vendo algumas discussões entre eles, principalmente quando Lorraine fracassou em seu último livro, as discussões eram frequentes.
— Você alguma vez o viu, tem algum motivo para acreditar que ele faria mal a sua esposa ou que Lorraine tenha realmente contado algo dele para alguém que fizesse ficar com raiva e contra sua esposa?
Suspiro empurrando calmamente o papel com o e-mail em sua direção, — Não, detetive, eu nunca suspeitei. Nunca imaginei que um agente iria sair de Nova York para fazer algo contra minha esposa. Como disse, Lorraine não era uma pessoa muito chegada a comentar seus problemas. Ela simplesmente guardava-os para si.
— Minha mulher sempre procura meu apoio para seus problemas — o tal Cliven comentou, me olhando fixamente. — Você acredita que sua esposa não confiava ou se sentia segura para fazer tal coisa com você, sr. Mattil?
— Sorte sua e respondendo a sua pequena acusação, acredito que o fato de Lorraine ser jogada em um orfanato logo que nasceu, deixou um trauma em confiar cegamente nas pessoas, você a culparia? — digo simplesmente.
A detetive revirou mais alguns papéis na pasta. — Os cartões não foram usados, nenhum dinheiro transferido ou sacado no banco, não temos nenhuma movimentação. O celular foi deixado em casa na noite do desaparecimento, mas também não tinha nenhum registro suspeito. Nenhuma ligação estranha e nem mesmo uma ameaça. — Vargas fez uma pausa, olhando para mim, eu via um pouco de cansaço em seus olhos. Ela estava trabalhando de forma intensa, eu era bom em ler as pessoas. — Sr. Mattil, é como se sua esposa de uma hora para outra os últimos rastros dela tivessem virado fumaça.
Não ouvi uma pergunta, então não dei uma resposta.
— O que encontraram na cena de crime? — questiono após alguns segundos.
— Acredito que somos nós que deveríamos fazer as perguntas.
Esse policial Cliven não gostava de mim, estava se tornando óbvio.
— Cliven. — Vargas fez uma pequena repreensão.
— Desculpem, mas eu sou o marido que foi acordado pelos policiais, com uma arma apontada para meu rosto e uma cena de filme de terror em minha sala. Que vive sendo convidado para interrogatórios com o pretexto de serem apenas formalidade, enquanto a pessoa que realmente fez isso com minha esposa está transitando no meio de nós sem nenhum problema.
— Entendo, Sr. Mattil. — A detetive deu um pequeno sorriso. — As amostras coletadas na cena indicaram que o sangue é realmente de Lorraine Mattil, não foi encontrada nenhuma arma do crime, e as duas parciais de uma digital estão sendo processadas. Infelizmente ainda não temos um culpado.
— Um dia vocês terão? — questiono
A detetive troca um rápido olhar com o outro policial.
— Sem corpo, então ela está viva? Foi sequestrada? Mas eles não deveriam ligar pedindo por um resgate? — retruco novamente, demonstrando minha ansiedade.
— Ainda não podemos afirmar nada, Sr. Mattil.
Passo a mão pelo rosto, esperando que eles me dispensem.
— Sr. Mattil, sei que já perguntei sobre isso, mas casamento nem sempre é uma coisa boa. Quem aqui já não pensou em dar umas bofetadas nos companheiros, eu sei que já — Vargas diz com um sorriso cúmplice nos lábios, obviamente tentando criar um laço comigo. Ela era do tipo que fazia os acusados darem nós em seus próprios depoimentos. — O que estou querendo dizer é que se você não conhece ninguém que queria o mal dela...
— Não sei onde está querendo chegar, mas eu não matei minha mulher, eu não desapareci com ela. Eu sou a pessoa que mais quer que tudo isso seja finalmente resolvido. — Meu rosto se contrai. — Meu casamento não é perfeito, nunca foi, mas nunca planejaria o mal de minha mulher, nem mesmo quando descobri que ela tinha um caso com meu substituto em Nova York.
Eles trocam um olhar, surpresos. — Você está dizendo que Lorraine mantinha uma relação fora do casamento?
Tá, foi uma coisa impensada, agora eles poderiam pensar que eu matei Lorraine porque o pênis de Oliver Parker ficava se metendo nela.
— Não, estou respondendo seu questionamento sobre casamento ser difícil, sim, ele é.
— Você poderia dar o nome desse homem?
Puxo o papel de e-mail exposto na mesa e uma caneta, anotando o nome e sobrenome.
— Quando esse caso começou? — o outro policial questiona.
— Alguns meses antes de nos mudarmos para Michigan.
— Como descobriu sobre esse caso, sr. Mattil?
— A própria Lorraine me contou meses depois.
— Sra. Mattil teve algum contato com o... Sr. Parker, depois disso?
— Não que eu tivesse suspeitado — digo.
CAPÍTULO DEZESSETE
LORRAINE MATTIL
Você já planejou alguma coisa realmente na vida? Geralmente dizemos que tal coisa foi planejada, mas aquela ali veio de supetão. Pois é, eu planejava uma única coisa: engravidar.
Isso poderia pôr um fim na minha vida sem opções, um filho te ocupa, te faz ver as coisas de outra maneira, te faz ser outra coisa. Eu seria a Lorraine mãe.
Por alguns meses me peguei pensando e indo a alguns parquinhos olhar as babás com as crianças, as mães orgulhosamente empurrando os carrinhos de bebê até os bancos. Imaginava como seria ficar ali, sentada, brincando com uma fonte inesgotável de energia no colo.
Isso nunca aconteceu e não aconteceria, não só porque Jordan se transformou em um verdadeiro bicho feroz quando levantei esse assunto durante um jantar. Eu não poderia saber que ele não gostava da ideia de ter filhos.
Uma vez eu o enganei, deixei de tomar as pílulas por três meses, as jogava na privada quando ele saia para o trabalho, conversei com meu médico sobre o assunto, comecei tomar secretamente os medicamentos que ele indicou e fui para cama com meu marido. Mas não foi como todo mundo sabe que acontece, o sêmen não criou raízes dentro de mim.
O problema de ser estéril é que se torna algo que você não consegue esquecer, não quando todos em volta de você decidem engravidar ou quando você já está na faixa dos trinta ou quando todos os comerciais na televisão parecem conspirar contra você. Eu não era totalmente estéril, tinha uma baixa quantidade de óvulos saudáveis, mas sem que meu marido fizesse os devidos exames eu não poderia afirmar de quem vinha o erro, por isso me contentei com a ideia que isso nunca aconteceria. E parei de tentar e nem mesmo me dei ao trabalho de fazer mais exames ou o tratamento que meu médico indicou.
Jordan nunca ficou sabendo, por que lhe contaria? Seria mais uma coisa, um defeito na perfeita Lorraine que ele exibiria em minha cara com seu sorriso amargo.
Eu sucumbi um pouco a pequenas taças de vinho pelo dia, umas duas pela manhã, talvez mais uma perto do horário de fazer o jantar, comecei a ver como meu hobbie particular abrir todas as garrafas de vinho que tinha conseguido comprar para minha adega particular... eu não tinha mais uma carreira, e, mesmo que mentisse sobre isso dizendo que estava tudo bem, que fingisse que ocupava meu tempo com cursos e estudos sobre outras coisas, invejava quando entrava nas redes sociais e via as autoras sorridentes, com seus livros a tiracolo e fotos de sessões de autógrafos gigantescas. Maldito mundo do sexo, ele invadiu os livros como se fossem vermes comendo uma salada! O que fazia meu agente e a editora pensar que eu não valia mais a pena? Que meu trabalho não era tão bom ou melhor do que esses que acabaram de chegar?
“Hoje o mundo gira na tecnologia, Lorraine, as pessoas querem o rápido, o acessível. Por isso seus livros não se enquadram. Tenho certeza que se escrevesse algo mais atual, se focasse mais nos romances que estão surgindo a cada dia, você poderia retornar.”
Você me culparia por aliviar a pressão tomando um vinho?
Eu não poderia.
PISTAS E MAIS PISTAS
DETETIVE VARGAS
Tínhamos uma coisa extremamente grotesca na mídia: a síndrome da mulher branca desaparecida. Lorraine era exatamente isso: uma mulher branca, bonita, uma boa influência. Os repórteres caíram em cima como peixes atrás de minhocas.
A questão é que nem sempre a mídia ajuda nesses casos, eles a colocaram em um pequeno pedestal, colocando todos os focos em cima de Jordan Mattil, o marido que andava fugindo dos holofotes da mídia.
— Consegui o contato do tal agente. Mando uma intimação ou iremos passear por Nova York?
— Irei até ele, assim tenho o benefício da surpresa. — Cliven estava com a cara amarrada, desde que interrogamos Jordan Mattil. — Quero que fique na cidade, não tire os olhos do marido.
— Tudo bem.
— Temos que investigar todas as pontas soltas, será mesmo que esse agente viria até o interior de Michigan para matar Lorraine, por conta de um e-mail que foi enviado meses atrás? Temos também sobre o Sr. Parker, será que Lorraine manteve seu caso extraconjugal, será que ela tentou terminar o caso e o Sr. Parker ficou furioso e por isso veio pessoalmente resolver o caso?
— Tenho uma coisa para você, pode ser uma teoria, mas escute: Havia sinais de arrombamento na porta lateral da residência, vamos colocar o Sr. Parker na equação, ele fica revoltado com o término do caso, viaja até Michigan para confrontar Lorraine pessoalmente. O confronto sai do eixo, ele se enfurece e ataca a Sra. Mattil. Sumindo com o corpo no final...
— Tudo é questão de investigar e investigar mais ainda. Não temos corpo, não podemos levar o caso como homicídio, ele continua sendo um desaparecimento — digo soltando um suspiro audível. — Sinto que estamos correndo em círculos.
— Ou, Jordan Mattil descobriu que sua esposa continuava com o caso, a confrontou, ela pediu o divórcio e ele negou. Um típico “se eu não posso ter você, ninguém terá”. — Leonel especula.
***
O tempo suposto para encontrar Lorraine viva tinha se esgotado. Mesmo assim, não queria acreditar que ela estivesse morta, mesmo tendo todas as evidências que o caso rumaria a isso.
Olho para o painel do elevador conferindo o papel que Cliven tinha me dado e aperto o andar; eram quatro horas, as pessoas estariam sentindo aquele alvoroço típico de pré-saída do trabalho. Nunca tinha pesquisado a fundo a indústria editorial, mas vendo o prédio onde Marcus Willians tinha escritório, eu só conseguia imaginar que ele faturava uma quantia elevada de dinheiro com livros. Logo relembrei as palavras de Lorraine no e-mail, será que uma ameaça ao pequeno pedestal dele poderia mesmo ser suficiente para fazer algo contra a Sra. Mattil?
A minha breve pesquisa sobre o agente literário Marcus Willians revelou que ele trabalha nisso há vários anos, tem excelentes contatos, o que faz dele um dos agentes mais procurados de Nova York. Lorraine e Marcus trabalharam juntos por sete anos, antes que se casasse com Jordan Mattil. Criando uma pequena linha do tempo, Lorraine era uma das autoras mais aclamadas, seus livros vendiam como água, ganhou alguns prêmios de renome por seu talento.
Em algumas fotos dispostas no Google, Marcus aparecia em grande parte ao fundo, mas sempre perto de Lorraine, com rosto compenetrado de quem cuidava de uma pequena mina de dinheiro. Segundo manchetes e blogs tendenciosos, os dois últimos lançamentos de Lorraine deixaram a desejar, fazendo com que sua fama fosse de queridinha dos leitores e aficionados por livros de “autora best seller” para “apenas mais uma”. Quando Lorraine se casou com Jordan, seu nome foi ficando cada vez mais esquecido, seguindo a linha do tempo, seu agente e sua editora deram uma última chance para que ela retornasse ao mercado, porém não foi isso que aconteceu — o que houve realmente eu ainda não sabia —. Então, meses depois, a Sra. Mattil envia um e-mail furioso para seu agente, que não responde. Ou pelo menos, mesmo com o técnico de TI revirando o computador da Sra. Mattil, não encontramos uma resposta para tal.
Um som de sino me afasta dos pensamentos. Quinto andar. As portas do elevador se abrem, duas pessoas descem e eu sigo logo atrás. O piso de mármore reluzia sob a luz do dia, a recepcionista levantou os olhos do computador na recepção.
— Bom dia.
— Bom dia, — retiro o distintivo da cintura mostrando a ela — sou a detetive Vargas, estou aqui para falar com Marcus Willians.
Seu sorriso desaparece, um efeito normal quando encaram a polícia ou um detetive, estava acostumada com essa reação.
— Sente-se por favor. O Sr. Willians está em uma reunião, ele vai demorar uns dez minutos — disse indicando uma pequena área com cadeiras.
— Obrigada.
Cruzo o hall, havia uma porta de vidro fosco que levava ao escritório do Sr. Willians e uma indicando o banheiro, e nada além disso. Tinha uma decoração simples, móveis de bom gosto, mas nada que esbanjasse grana, poderia até ser um consultório médico. Eu confundiria facilmente se não houvesse uma placa imensa com o nome da agência e de Marcus Willians embaixo, em letras gigantes que pareciam folheadas a ouro.
Sento em uma das cadeiras confortáveis ao lado de uma parede de vidro que me dava uma excelente vista.
Não parecia que o tempo realmente tinha passado, mas a recepcionista se levantou, passou pela porta fechada, logo em seguida retornando. — O Sr. Willians vai ver você agora.
— Obrigada.
A recepcionista deixou que eu passasse segurando a porta aberta. Marcus estava sentado atrás de uma gigante mesa de vidro no centro da sala, em suas costas tinha porta-retratos e vários livros, como um pequeno monumento de todo seu trabalho, ali era seu portifólio para os clientes que entravam. O mesmo mármore que revestia o piso da recepção se estendia aqui, porém, o que tinha de simples e estéril no hall, aqui esbanjava elegância e dinheiro.
— Minha assistente disse que é da polícia, isso mesmo?
— Detetive Vargas — digo estendendo a mão.
Ele cumprimenta pegando minha mão por um segundo antes de soltá-la e indicar as cadeiras em frente à sua mesa. — Posso saber por que uma detetive está em meu escritório?
— Primeiramente agradeço por doar seu tempo, acredito que você pode me ajudar em um assunto.
— Então me diga, o que traria uma policial até meu escritório?
Abro a pasta que trouxe comigo, retirando uma foto de Lorraine Mattil, fornecida pelo marido. — Por acaso conhece essa mulher, Sr. Willians? — Ele não respondeu, e eu continuei. — Nesse momento venho buscando informações sobre essa mulher.
Eu não entregaria o ouro logo de cara, se comentasse que Lorraine estava desaparecida e possivelmente morta, nesse exato momento ele poderia ter tempo para alterar o seu depoimento e pedir pela presença de um advogado.
— Lorraine, era uma de minhas autoras, mas faz anos que não tenho me comunicado com ela. Sinto muito por seu desaparecimento, já encontraram o culpado? Acredito que não.
Astuto e, como eu disse anteriormente, a mídia nesses casos não ajuda. Eu tinha uma pequena chance de o caso não ter se alastrado na mídia, mas pelo visto os cães farejadores por desgraça tinham feito sua lição de casa, não era porque Lorraine não tinha mais o brilho sobre si que eles não poderiam aproveitá-lo.
— Estamos falando com todos que já tiveram contato com a Sra. Mattil, você algum dia foi para Michigan, Sr. Willians? — questiono. — O que fez na sexta-feira, dia quinze, por volta das onze da noite?
Ele abre um imenso sorriso — Desculpe decepcioná-la, mas eu nunca visitei Michigan, sou um homem bastante ocupado, detetive.
Retiro a cópia do e-mail de Lorraine, deslizando o papel sobre a mesa, até que ficasse à vista de Marcus. — Por acaso se lembra desse e-mail?
Marcus me encarou por um instante. — Devo pedir que um advogado me represente, estou sendo acusado de algo sem ao menos saber, detetive? Que me lembre, não recebi nenhuma intimação.
Marcus não era nem um pouco burro, ele sabia que poderia usar essa pequena visita contra mim, — Apenas perguntas de rotinas, Sr. Willians. O e-mail, já tinha visto antes?
— Sim.
— Então... o que houve, Lorraine enviou o e-mail e você não respondeu, ignorou os insultos grifados?
— Fiz exatamente isso. Olha, Lorraine não era uma pessoa paciente, era uma pessoa difícil. Quando sua carreira chegou ao fim ela não aceitou muito bem, por alguns meses vivia forçando situações que me colocassem em contato com ela. Até que recebi esse e-mail.
— Você está dizendo que Lorraine Mattil era uma pessoa controladora...do tipo que poderia tomar atitudes impensadas? — resumi.
— Lorraine tinha muito talento, mas no meu ramo, sangue novo surge todos os dias, tenho milhares de e-mails chegando com livros em potencial. Por mais que gostasse dela não poderia me indispor com meus contratantes por causa de uma autora com estrelismo. O mundo gira, detetive.
— Lorraine poderia não ser mais rentável para você, mas agora com seu sumiço, acredito que tem pessoas procurando por seus livros, quem está lucrando no final? — questiono.
— Mera especulação, detetive.
— Como conheceu a Sra. Mattil?
— Como todos os outros, eles entram em contato com a agência pedindo por nossos serviços, quando fechamos o contrato e analisei o que ela havia me enviado sabia que tinha potencial naquilo, falei com alguns contatos e o resto, bem, ela começou a ganhar fama.
— Sr. Willians, você tinha algum tipo de relacionamento extra com a Sra. Mattil?
Um sorriso se espalha por todo o rosto dele. — Detetive Vargas, está questionando se eu fiz sexo com Lorraine ou está insinuando que eu assedio minhas clientes para dar um espaço a elas?
— Você que está dizendo, Sr. Willians. — Comento.
O sorriso some do seu rosto e ele fica em silêncio por um momento.
— Acho que encerramos.
— Vou precisar de uma declaração oficial, Sr. Willians.
— Compreendo, quando tiver uma intimação oficial, poderemos conversar, no momento, por favor — diz indicando a porta atrás de mim.
CAPÍTULO DEZENOVE
LORRAINE MATTIL
Um MÊS ANTES DE SUMIR
Sinto certo desassossego. Ando pela casa, não consigo ficar parada, aquela sensação de que alguém esteve aqui enquanto eu dormia está mais forte. A casa parece diferente, como se as coisas tivessem sido tocadas, como se tivesse um cheiro estranho e peculiar, como se as coisas tivessem sido mudadas ligeiramente de lugar e, enquanto ando pelos cômodos, sinto como se houvesse outra pessoa aqui, o tempo todo se esquivando do meu campo de visão. Como uma sombra pesada sobre todos os cômodos, imprensada nas paredes.
Verifico as portas francesas que dão para o jardim, mas estão trancadas.
***
Dois dias se passaram sem essas horríveis sensações...Tudo bem. Era um bom sinal, não?
Aquele pequeno sentimento que alguém estava entrando em minha casa mudou as coisas, não me sentia mais segura, nem mesmo quando Jordan estava em casa, tudo piorava com ele em casa, na verdade.
Verifiquei a casa tantas vezes naquela tarde que estava cansada. O alívio que costumava vir com isso não veio, poderia facilmente estar alimentando o TOC, fazendo com que essas manias que querer me sentir segura me deixassem ainda mais louca. Estava iniciando o jantar quando aquela sensação de perseguição me tomou por inteira, o bife chiando na frigideira, assim como o barulho de folhas correndo pelo gramado do lado de fora. Todos os sons pareciam altos demais. Minha respiração começou a pesar dentro do meu corpo. Eu não o ouvi entrando, não ouvi o barulho do carro sobre os cascalhos da entrada. Só senti quando ele está perto demais de mim e, eu com a faca que cortava as verduras na mão, perto o suficiente de realmente machucá-lo.
SOMOS PECADORES
JORDAN MATTIL
QUINTO DIA DESAPARECIDA
Faziam cinco dias e seis noites do desaparecimento de Lorraine. E era o primeiro dia que eu pude finalmente voltar para minha casa.
— Tem certeza que ficará bem? — Peter deu uma olhada para mim — agitado, os lábios contraídos, deveria ser por estarmos parados exatamente onde minha esposa tinha despejado seu sangue pelo piso.
— Ficarei bem.
— Isso é estranho, não conseguiria ficar na casa onde tudo aconteceu.
Tenho vontade de revirar os olhos.
— É a minha casa. Estava cansado de ficar enfurnado em um quarto de hotel quando minha casa estava aqui disponível. Tudo é um pesadelo? Sim, mas não adianta evitar certas coisas.
Peter não fica mais à vontade com o que eu falo, troca constantemente o peso do corpo nas pernas.
— A polícia deu mais alguma informação? Denise e eu já demos nossos depoimentos.
— Agradeço por isso, e sinto muito que tenha atrasado o retorno de vocês para Nova York.
— Imagina, não se preocupe com isso. — Peter esboça um sorriso falho caminhando até a entrada — Tem certeza que ficará bem, pode nos ligar a qualquer momento.
— Obrigado novamente — abro a porta deixando que ele passe, fechando logo depois.
Sento no sofá, ligo a TV, deixando o volume baixo e, a primeira coisa que vejo é o rosto sorridente de Lorraine estampado.
— Que porra! — desligo a TV recostando a cabeça no sofá, fechando os olhos por um segundo.
As pessoas geralmente adoram falar, são compelidas automaticamente ao verem uma pequena brecha e isso estava muito frequente agora, elas foram compelidas a participarem do sumiço de Lorraine, onde a mídia explorava tudo com drama, fazendo sua audiência triplicar em horários considerados com baixo pico.
Eu prefiro meus monólogos e o fluxo de pensamentos constantes. Por isso, não me incomodo em ficar sozinho, sentado de frente para a mancha ainda aparente de onde minha esposa poderia ter sido supostamente morta. Não me incomodava ficar no silêncio, escutando os estalos que o piso de madeira fazia na varanda e o barulho de alguém se aproximando da porta lateral.
Meu corpo é posto em alerta, meus sentidos se aguçam, caminho pela casa em silêncio, literalmente me esgueirando pelas paredes, mas ao abrir a porta encontro apenas um vira-lata revirando os latões de lixo.
Sei que não deveria fazer o que estou prestes a fazer, é errado e se for visto por alguém posso me complicar, mas acabo agindo impulsivamente. Confirmo que não há ninguém na redondeza e nem mesmo espiando em alguma janela. Entro no carro dando partida, indo para onde eu mesmo disse que não poderia voltar mais.
— Pensei ter escutado que em hipótese nenhuma iriamos continuar com isso — diz assim que abre a porta.
Puxo seu corpo, puxando-a para dentro, seu rosto tem apenas um brilho amarelado do poste do outro lado.
— Eu fiquei preocupada, você não foi me encontrar! — exclama enquanto lambo e mordo seu pescoço, me afundando em seu cheiro, apertando o corpo de Donna contra o meu. Minhas mãos em suas costas, sua respiração fazendo um traço de arrepio por meu pescoço.
— Tudo tem sido um pesadelo, eu não poderia ficar ligando e me encontrando com você. Devia estar honrado o que disse em nosso último encontro, antes dessa loucura toda.
— Você precisa de apoio, eu entendo, e não do tipo que as pessoas tem de dado no momento.
Donna era uma linda mulher, um pouco mais baixa que Lorraine, seus cabelos eram loiros e ela tinha um corpo escultural, seios e bunda de tamanhos razoáveis, além de ser uma jornalista incrível. Conhecemo-nos no primeiro dia que assumi o jornal de Traversse, ela era uma das mais aplicadas e seu tino para matérias incríveis tinha trazido minha atenção para ela.
Eu tenho uma amante. Sim, isso é ruim.
Tivemos uma pequena conferência em Nova York, foi a primeira vez que me ausentei depois que Lorraine e eu nos mudamos para Michigan; eu estava tão contente por ter conseguido o que planejava, paramos por alguns minutos no bar do hotel que estávamos hospedados, pedimos alguns drinques e, bom...venho mantendo meu caso a pouco mais de um ano com Donna.
— Você poderia ter me ligado, somos colegas de trabalho, não ficaria suspeito. Horrível é ficar sem notícias e ver seu rosto estampado nas notícias sensacionalistas e todos cochichando sobre isso, estava me deixando maluca. Além, é claro, de quase ser chamada para prestar declarações. — Ela cruzou a sala deixando-me parado perto da porta — E só para avisar, a mensagem de “não conte para ninguém, não fale sobre nós”, pareceu muito mais uma ordem do que preocupação.
— Não fico tempo suficiente sozinho.
— Isso pode se virar contra mim.
— Por que está dizendo isso? — questiono encarando seus olhos.
— Eu sou sua amante, por Deus, não iria sumir com sua esposa, mas eu sou a vadia, Jordan! Somos da mídia, sabemos como eles agem, se descobrem que eu sou sua amante, uma amante que mora na mesma cidade que vocês, vivo e respiro debaixo do nariz de sua esposa, o que acha que eles fariam comigo? — ela solta uma gargalhada exagerada — Ah, Jordan, ele irão dançar sobre meu corpo, estourar champanhes e comemorar o ano novo.
— Por isso a mensagem. Está retrucando à toa.
Solto um suspiro sentando no sofá, vendo a expressão de raiva se transformar em algo doce. Donna era muito diferente de Lorraine, era dócil, mansa, amorosa. Enquanto Lorraine era tempestuosa, turrona e não poderia ser considerada uma pessoa totalmente fácil de conviver.
— Você está péssimo.
Seus cabelos longos caíam delineando seus seios na camisa apertada.
— Não é meu melhor dia.
Ficamos em silêncio, encosto minha cabeça para trás, fechando os olhos por um segundo. Sinto a mão dela se encaixar na minha, então o peso de uma das pernas do lado de minha coxa direita, depois a outra. Sua boca quente tocando de leve a minha.
— Ah, Donna.
— Você veio atrás disso, estou apenas saciando tua fome. — Sua boca se abre sobre a minha, a ponta da língua circula, pede passagem. — Estava tão preocupada com você, Jordan, tão... — ela pega minha mão, fazendo passar por seu corpo, mostrando que já não veste mais as partes de baixo de suas roupas, o que me faz abrir os olhos surpreso.
Venha me foder, é isso que ela quer!
Lorraine tinha mania de me olhar antes que eu a penetrasse, tinha mania de sorrir de modo atrevido. Donna não ficava em olhares, ela fazia e depois perguntava se era isso mesmo.
— Donna — digo queimando de desejo
— Precisamos acalmar os nervos, você me deve isso, você pediu que não comentasse sobre nosso caso para ninguém, eu obedeci como uma boa garota, seja meu bom garoto, Jordan. Me foda com força.
Suas mãos abriram minha calça, segurando firme meu pênis.
Sempre haveria a imagem de Lorraine, em algumas vezes isso aumentava meu tesão, a sensação de adrenalina.
Donna se aninhava mais em mim, questionando se a polícia estava vigiando minha casa, eu não sabia ao certo, mas me fez ficar pensando nisso. Pelo menos por poucos minutos, até que o corpo quente e úmido de Donna me acolhesse e ela sussurrasse: — Talvez ela tenha forjado isso tudo, talvez estejamos livres finalmente dela. E seremos apenas nós.
E então eu começasse a foder seu corpo de maneira tão descontrolada que fazia Donna sentar com força em meu pênis, sentindo-o tocar o fundo de sua vagina.
LOBO EM PELE DE CARNEIRO
LORRAINE MATTIL
Descobri do jeito que muita gente descobre hoje: por um descuido. Um e-mail, uma maneira sutil até.
Não foi algo pensado, não desconfiava de traições. Minha intenção era compensar o fato de eu ser uma pessoa um pouco difícil e rabugenta às vezes, queria fazer algo especial, algo que nos fizesse lembrar de como éramos no início. Assim, precisava verificar a agenda de trabalho dele em segredo, eu tinha que olhar.
Eu não era desconfiada, não pensava nisso nas horas vagas a ponto de revirar os bolsos do marido. Uma vez, atendi seu celular enquanto estava ocupado e Jordan ficou muito irritado, me acusando de não confiar nele, ele sempre perde um pouco a cabeça quando fica irritado.
Naquele dia ele tinha esquecido de desligar o computador antes de ir para o banho e como era contra trocarmos nossas senhas, eu não tinha como ver esse tipo de informação direto do meu celular, e eu só precisava dar uma pequena espiada. Era a oportunidade perfeita, então, fiz, anotei algumas datas, seria fácil depois combinar em segredo com Peter uma possível folga de duas semanas, quem sabe não poderíamos fazer a viagem que tanto esperava para a Itália?
Quando fechei a janela do navegador lá estava sua conta de e-mail, cedi a tentação como todo mundo faria, e então lá estava, aquilo que eu não estava procurando mais acabou brilhando como uma árvore de natal carregada de luzinhas. Uma mensagem enviada por donnagb@gmail.com. Não tinha assunto, estava em branco.
A curiosidade me tomou, depois de uma rápida olhada em direção ao banheiro, para confirmar que ele ainda demoraria alguns minutos, desci a tela que vi a conversa íntima sendo trocada. A resposta da mensagem enviada por ele algumas horas antes eram juras de um sexo selvagem e quente, daqueles que temos vergonha até em ler, promessas de deixá-lo tão cansado que não teria tempo para se lembrar dos “chiliques da esposa” — sim, ela descreveu dessa maneira.
Rolo o mouse vendo a mensagem enviada por Jordan, às quatro e meia da manhã, nessa hora eu estava dormindo ao seu lado, tinha sentido ele se levantar da cama, mas permaneci de olhos fechados na preguiça. Será que foi por isso que ele chegou tão voraz para cima de mim, buscando enlouquecido por sexo?
“Bom garoto” — isso soava tão sujo e nojento.
Li suas mensagens: havia dezenas, ali, expostas em sua caixa de e-mails, prontas para me mostrar o quanto eu tinha feito papel de trouxa. Descobri que o nome dela era Donna Gybord. Ele lhe dizia que ela era especial, que o fazia sentir assim, que não via a hora de ficar com ela, que não demoraria muito para que os dois ficassem juntos, que estava louco para tê-la disponível 24 horas por dia.
Não tenho palavras para descrever o que senti, fechei rapidamente os navegadores, sentando na beirada da cama ao escutar o chuveiro se fechar. Não demorou muito para que Jordan saísse com a toalha enrolada na cintura, me visse e sorrisse. Ele continuava tendo um belo sorriso, um belo sorriso de traidor filho da puta! O que eu fiz? Não confrontei, não, não poderia ser assim, fiquei sentada, furiosa com minha respiração pesada dentro de mim, minhas unhas maltratando a palma de minhas mãos, segurando as malditas lágrimas que brotavam em meus olhos.
Sinto um ódio intenso e súbito. Ele, por sua vez, se trocou, passou uma quantidade exagerada de perfume, separou uma camisa extra no closet, falou alguma coisa comigo — não prestei atenção apenas concordei quando seus lábios pararam de se mexer. — E então o pior, sua boca fechando-se sobre a minha, o nojo invadindo forte junto com a vontade de empurrá-lo.
Era assim que eu estava por dentro, poderia olhar por outra perspectiva e ver uma Lorraine se debatendo e socando cada parte miserável dele, socando tanto seu rosto traidor que ficaria roxo, marcado de hematomas, mas se mudasse de lado veria Lorraine deixando que seu marido traidor beijasse sua boca e apertasse seu seio por baixo da camisola. Para então sair do quarto com um sorriso um tanto estranho.
Como ele pôde? Como Jordan pôde fazer isso? Quem era realmente essa vadia? Qual é o problema dela? Veja a vida que tínhamos.
O ódio me inunda por dentro. Se eu visse aquela mulher agora, se visse a tal de Donna Gybord, arrancaria seus olhos à unha!
Quando Jordan chega naquela noite eu já estou deitada, o jantar no forno devido sua demora a chegar, a taça de vinho que bebi para manter o controle, está vazia sobre a mesinha de cabeceira do quarto. Escuto quando a porta da frente se abre, por um momento isso me deixa angustiada, mas escuto seus passos pesados e seu molho de chaves sendo jogados de qualquer maneira no pequeno aparador no corredor. Seus passos abafados no carpete da escada, então...vindo para o quarto.
— Você chegou mais tarde que o habitual — digo.
— Meu telefone acabou a bateria, não tive como te avisar.
— Por que não ligou da empresa?
Jordan faz uma pausa, me olhando com irritação. Ele não gosta de se explicar, não gosta de falar ou ter que explicar seus atos, mas sei que nesse momento ele vai mentir. E o pior sentimento é quando você sabe disso, sabe e simplesmente espera pela mentira. Sabe, espera e aceita a mentira.
— Acredito que não tenho que ficar contando meus passos para você, estou cansado, trabalhei o dia todo e estou com fome, quer mesmo que isso se vire contra você? — pergunta parado na entrada de seu closet, segurando a gravata nas mãos.
Então eu engulo a decepção e digo que está tudo bem, aceitando que o Jordan com o qual eu casei impulsivamente não é o mesmo homem ali na minha frente.
CAPÍTULO VINTE E DOIS
DETETIVE VARGAS
— Tem algo para mim? — pergunto deixando meu café na mesa, formando um círculo escuro da bebida debaixo do copo. Essa pergunta tem se tornado frequente e decepcionante.
— As duas parciais que encontramos não deram em nada, a única coisa que os peritos disseram é que possivelmente a pessoa tem uma cicatriz no dedo, uma falha na digital. Mas deu inconclusiva.
— Merda, tudo isso está se tornando uma grande merda — resmungo.
— Agendei como pediu um esclarecimento com Sr. Parker amanhã.
— Ótimo.
— Pedi a ficha criminal de Oliver Parker em Nova York, ele tem alguns delitos menores: beber em via pública, velocidade, mas nada tão cabeludo que nos colocasse com as mãos em seu pescoço. — Cliven deu de ombros.
— Lorraine Mattil tem se tornado uma pessoa extremamente intrigante. As pessoas têm visões diferentes dela, é como se a cada pessoa que questiono sobre ela, conhecesse uma mulher diferente a não ser uma coisa em comum: Lorraine não era o tipo de pessoa fácil.
— Temos que começar a pensar na hipótese que tudo tenha sido forjado? — Leonel questiona.
— Você viu a quantidade de sangue, uma pessoa normal não aguenta se ferir de tal maneira. E ela precisaria de um carro para sair com rapidez dali, seu carro continuou na garagem.
— Será que o Sr. Parker está envolvido nisso, um Romeu e Julieta?
— Vamos esperar por amanhã, quando pudermos tê-lo aqui — digo.
**
Oliver Parker foi levado diretamente a mim quando chegou, preferi fazer tudo em minha sala em vez de ir para a de interrogatório. Ofereci café e, quando aceitou, aproveitei para analisar a figura bem-apessoada em minha frente.
Oliver me parecia inquieto, ele sempre tinha as mãos em ação, seja passando pelo rosto ou no cabelo, seja ajeitando os primeiros botões da camisa ou tamborilando os dedos nos braços da cadeira. Era uma pessoa ansiosa ou a situação o deixava desconfortável?
Num primeiro momento, eu apenas peguei uma das pastas e depositei algumas fotografias de Lorraine Mattil em sua frente.
Ele ficou olhando fixamente para as fotos.
— Como deve saber, a Sra. Mattil está desaparecida — comecei.
— É, eu sei. — falou.
— Você a conhece, correto?
Ele pega uma foto e fica olhando para ela um momento. — Sim, eu conheço.
— O Sr. Mattil deu seu nome em uma das perguntas de rotina, mais precisamente contou sobre seu caso com a Sra. Mattil. Correto, Sr. Parker?
O advogado de Parker colocou a mão gentilmente contra seu braço, tomando a palavra. — Por acaso, meu cliente está sendo acusado de algo?
Exibo outro sorriso gentil. — De maneira nenhuma, é tudo parte de perguntas de rotina, como sabemos a Sra. Mattil está desaparecida e o nome do seu cliente foi citado em um momento.
— Eu tive relacionamento com Lorraine durante alguns meses. — Parker respondeu, recebendo uma olhada feia do advogado.
— Você não está sendo acusado de nada, Oliver, portanto, não precisa responder nada — o advogado retruca.
— Como disse, senhores, é apenas perguntas de rotina. Qualquer coisa que disser pode nos ajudar nesse caso e acho que não preciso realmente tornar isso oficial, né? Podemos nos ajudar para que a Sra. Mattil seja encontrada. Até mesmo se você tiver algo útil para nos dar.
— Claro.
— Que bom, continuando Sr. Parker, como conheceu a Sra. Mattil? — retomo as perguntas.
— Foi na festa da empresa.
— No dia que foi tomar posse do antigo cargo do Sr. Mattil?
— Isso mesmo — diz.
— E como foi, o que aconteceu? Ela chamou sua atenção, você sabia que ela era uma mulher casada?
— Ela era uma mulher linda, estava linda aquele dia, ficamos conversando enquanto esperávamos nossas bebidas, depois nos encontramos novamente no corredor, ela estava saindo do banheiro.
— “Era uma mulher linda”, a Sra. Mattil está desaparecida, ainda não a damos como morta, Sr. Parker.
Ele arregala os olhos por um momento, sua boca abre e fecha por duas vezes.
— O que meu cliente está querendo dizer é que naquela ocasião, ele relata um evento passado, normal falar no passado, detetive.
— Entendo.
— Olha, eu não tenho nada com o desaparecimento de Lorraine, não falava com ela desde que se mudou com o marido.
— Voltando àquele dia, como foi que começou o relacionamento de vocês? Vocês simplesmente começaram ali, na cara do marido dela, na festa de despedida dele?
— Sim, nós tivemos um envolvimento naquela noite. Depois ela marcou encontros, ela me ligava, na maioria das vezes quando o Jordan estava viajando a trabalho ou fazendo algo que o ocupasse o dia todo.
— Vocês se encontravam num motel?
— Não, geralmente era na casa dela, poucas vezes foram na minha casa.
— Bem arriscado isso, Jordan poderia ter pegado vocês em flagrante. — Comento.
Oliver não responde, mas vejo que se torna inquieto novamente, as mãos em movimento.
— Sr. Parker, você disse que o relacionamento de vocês começou quando foi ocupar o lugar do Sr. Mattil no jornal, mas isso não daria tempo de encontros, eles se mudaram logo em seguida, não foi?
— Detetive — retrucou o advogado.
— Estou apenas tentando encaixar os fatos na linha do tempo, pode responder, Sr. Parker?
— Jordan permaneceu ainda em Nova York por sete meses ou algo assim, eles tinham que ajeitar as coisas para a mudança e encontrar uma casa, pelo menos foi isso que ela disse.
— Quando o relacionamento de vocês chegou ao fim? Quem terminou ou não houve um término?
— Paramos de nos ver, logo em seguida ela se mudou, nunca mais nos falamos até hoje, quando fui procurado por vocês.
Faço um leve movimento com a cabeça. — Então não houve uma despedida real.
— Seguimos nossas vidas, ela poderia ficar comigo, mas amava o marido e eu não queria ficar num triangulo amoroso.
— Chega — diz o advogado apertando o ombro de seu cliente, como um pequeno alerta.
Anoto tudo no bloco.
— É só isso? Eu não sei se ajudei em alguma coisa.
— Sr. Parker onde estava na noite de sexta para sábado, dia 15?
— Detetive, por favor. — o advogado retruca.
Parker dá uma olhada rápida ao advogado, mas acaba respondendo. — Eu estava pedindo minha namorada em casamento, estávamos jantando na casa dos pais dela.
— Podemos precisar do depoimento dela para confirmar sua alegação, algum problema, Sr. Parker?
— Nenhum.
— Então isso é tudo, por enquanto. Obrigada por ter vindo.
Nos cumprimentamos com um aperto de mãos e ele saiu, acompanhado do advogado carrancudo. Sendo conduzidos por Cliven para fora da sala, até a área principal da delegacia.
CAPÍTULO VINTE E TRÊS
LORRAINE MATTIL
É sábado e Jordan está em casa. Não sei se fico contente ou nutro o ódio que sinto desde o dia da descoberta. Quando descobri sobre seus constantes encontros com Donna Gybord, soube junto que as viagens a trabalho muitas vezes não foram nada disso, e sim, desculpas para ele ficar transando com ela e nosso cartão de crédito.
Fico rondando pela casa, ocupando minha mente com organizações estúpidas. Bebo meu café encarando o lago enquanto Jordan fica deitado no quarto, lógico, não antes de dizer exatamente o que queria para o almoço: carne assada com batatas e vegetais e seu Merlot preferido para acompanhar.
Em dias como hoje, de sol, andar pela nossa ruazinha ladeada de árvores, toda ajeitadinha parecia perfeito. Se não fosse pelo fato que eu. odiava isso daqui com todas as minhas forças.
Quando volto, encontro Jordan sentado na bancada da cozinha acompanhado de seu computador. Ele estava de moletom, sem camisa. Observo por um instante os músculos dele se retesando sob a pele conforme ele se movimentava. Mesmo com ódio e querendo enforcá-lo com minhas mãos, ele era lindo.
Bato com uma força desnecessária as sacolas na mesa, assim como as chaves no pequeno aparador, fazendo com que ele se virasse com um pequeno sobressalto.
— Encontrou o que precisava? — pergunta fechando o computador e se levantando.
Ele sorri. Mentiroso, filho da puta, eu sinto muita vontade de gritar isso em sua cara!
— Como sempre — é o que respondo.
— O que aconteceu?
— Nada.
— Tomou seus remédios? — questiona com uma expressão estranha.
Mordo o lado interno da bochecha, mais uma vez querendo dar outra resposta além do meu sorriso. — Claro.
Ele balança a cabeça. — Esse corte não está tão feio — comenta me analisando.
— Sim. — É tudo que respondo.
— Eu não queria machucá-la, sabe disso...
Não, eu não sei. É o que gostaria de responder. Logo relembrando de suas palavras para sua amante “logo estarei com você”. Jordan tinha ficado ousado, estava se comunicando com ela dentro de casa, ligações no meio da noite. E ontem foi uma delas, eu perdi o controle, ataquei suas costas, sem dizer nada, mas ele foi mais rápido e mais forte. Hoje tudo que lembrava era que tinha voado para cima dele e que acordei com um corte em meus lábios. Ele comentou que o peguei desprevenido, que meu ataque o fez se defender onde empurrou meu corpo contra a escada e eu caí batendo a boca. Que o ataquei avisando que chamaria a polícia se ele não parasse de me perseguir, que estava completamente fora de mim.
Mas isso não era o que me lembrava ou forçava a me lembrar, eu tinha certeza que só o ataquei porque ele estava trocando juras com aquela vadia pelo telefone.
Como disse eu não me lembro, então, surgiram os remédios. Para controlar esses meus surtos, novamente, como ele disse.
A noite estou fechando as cortinas e Jordan está no banho, consigo ouvi-lo cantarolar sua versão horrível de uma música qualquer. Estou pronta para fechar as cortinas da sala quando vejo uma mulher dentro de um carro vermelho do outro lado da rua, está escuro não vejo muito bem os traços em seu rosto, eu sei que ela encara minha direção, sei que ela está olhando fixamente para mim, e é reciproco.
Inclinei-me para frente um pouco mais, o coração martelando no peito, para tentar ver melhor, mas eu sei que é ela.
Viro-me rapidamente pronta para atravessar o jardim da frente e bater no vidro exigindo que ela me olhe cara a cara. Mas Jordan aparece ao meu lado, tomando uma taça do vinho que eu trouxe no almoço.
Seguro o berro na garganta.
— Está tudo bem? — pergunta.
— Sim.
Viro novamente olhando para onde segundos antes o carro dela estava parado, mas ela tinha sumido.
— O que há com você?
— Nada — digo, fincando as unhas nas palmas de minhas mãos. — O jantar irá demorar, querido — digo de forma azeda, correndo escada acima para o quarto.
CAPÍTULO VINTE E QUATRO
DETETIVE VARGAS
— Sr. Mattil. Tenho coisas a lhe contar e outras a esclarecer, mas se sentir incomodado pode solicitar um advogado.
— Estou bem — alegou sentando-se na poltrona em nossa frente.
Jordan Mattil era do tipo indecifrável, era como um quadro complicado exposto em uma galeria, poderia ter vários significados em um só. Estava aos poucos chegando à conclusão que nem ele e nem mesmo Lorraine eram o que demonstravam ou o que fingiam ser por aí.
— Tenho informações para dar sobre Oliver Parker.
— Ele pareceu ser um cara bem tranquilo, longe de estar envolvido no desaparecimento de sua esposa. — Cliven diz.
— Então, Parker não é um suspeito.
Não era um questionamento, era como se soubesse que o pequeno caso de meses de sua mulher não tinha nada com isso, como se quisesse brincar com a polícia.
— Ele tem um álibi concreto. — Cliven comenta.
— E nem mesmo Marcus Willians, ambos estão fora de questão — digo.
— Bem, não sei o que esperam que eu diga, só desejo encontrar Lorraine.
— Nós também, Jordan — afirmo. — Falando sobre evidências, encontramos grande parte de sangue por aqui, assim como uma cena muito precisa de luta.
— Testamos várias teorias, Sr. Mattil. Uma delas é que sua esposa tenha conseguido escapar do agressor. Mas todas nos parece levar ao mesmo ponto.
— Você acredita que sua esposa poderia ter fugido, você uma pessoa com medo não iria nem mesmo olhar para trás? Levantamos esta hipótese quando nos contou sobre o caso de sua esposa. — Cliven abordou. — Mas o Sr. Parker está em outro relacionamento, inclusive noivo.
— Então fico feliz por ele, agora se está questionando que Lorraine fez tudo isso para ir atrás do seu amante ou se tinha outro caso, eu não posso responder, porque não sei. — Jordan responde calmamente.
— Não acredito, seria um circo e tanto para isso. Por que eu iria querer estampar meu rosto nos noticiários se estou fugindo, mesmo que estivesse com medo, as pessoas me reconheceriam — digo como se estivéssemos conversando sobre o jantar de domingo e não sobre a possível morte de sua mulher. — Ela saiu de casa com um possível ferimento sério e nem ao menos levou seus pertences, nem mesmo o celular ou o carro. São as primeiras coisas que uma pessoa pensa quando vai sair correndo.
— Estamos lidando com um caso de desaparecimento, porém com a quantidade de sangue presente aqui, os sinais de luta, estamos começando a ver de outro modo, Sr. Mattil. — Cliven diz.
— Já questionamos isso, mas... sejamos sinceros, seu casamento realmente ia bem, Jordan? — pergunto.
— Já disse, tivemos problemas, um deles vocês investigaram, de resto íamos muito bem.
— Problemas?
— Desentendimentos, Lorraine era uma pessoa explosiva, mas é de momento.
— Um momento de fúria assim poderia tirar qualquer um do sério... — Cliven continua seus ataques.
— Um desses desentendimentos foi na noite de sexta? — questiono.
— Não.
Torço os lábios.
— O seu vizinho jura que escutou gritos e pedidos de socorro.
— Não posso dizer que sim e nem que não, como disse no meu depoimento, tinha bebido com nossos amigos e minha esposa, transamos na mesma poltrona que estou sentado, será que ela gemeu tão alto a ponto de o vizinho a certa distância ouvir? Não sei, depois disso ela subiu, eu demorei mais uns minutos antes de subir. Tomei o remédio para enxaqueca e adormeci, e claro, Lorraine estava dormindo tranquilamente ao meu lado quando deitei.
— Então colocamos que ela perdeu o sono, desceu para preparar um chá, alguma coisa anormal nisso? — questiono.
— Não, Lorraine tinha problemas com insônia, por achar que alguém estava vigiando-a.
— Você não contou isso para nós.
— Lorraine tinha mania de perseguição, e não contei pois não é relevante, só é relevante a parte que minha mulher está desaparecida e ninguém consegue encontrá-la, detetive.
Cliven coça o queixo, sentando-se mais para frente. — Ela algum dia viu algo que realmente a incomodasse?
— Não sei dizer, apenas pediu que eu comprasse um calmante, ela geralmente tomava com chá quando tinha mais insônia, está junto com os outros remédios no quarto.
— Podemos dar uma olhada depois?
Jordan dá de ombros, ainda calmo.
— Sr. Jordan, também recebemos um relato que o senhor andou remexendo em algumas caixas em sua garagem, podemos dar uma olhada?
— Sim, como disse não tenho o que esconder, mesmo você acreditando que sim. E sim, sua denúncia está certa, eu estava colocando as caixas do outro lado da garagem, mas são coisas de nossa mudança que ainda não tomaram o lugar certo. Lorraine quem gostava de arrumar.
— Entendo, coisas para ocupar o tempo, o senhor nos acompanha? — digo levantando.
Jordan nos leva até a porta interna que dava para a garagem, acende a luz assim que desce os pequenos degraus, deixando que entrássemos e víssemos a ligeira bagunça dali. Devia ter umas vinte caixas, levaria um tempo para examinar tudo.
— Cliven, busque luvas para nós.
Como eu previa demorou uma hora e pouco até conseguirmos chegar à última caixa, basicamente eram coisas de decoração, algumas de temas festivos como, natal, ano novo. Outras eram utensílios velhos, mas a última tinha um objeto que chamou minha atenção. Quando revistamos a casa dos Mattil, encontramos dois notebooks, um da Sra. Mattil, outro de Jordan. Como ele usava o seu a trabalho, foi liberado mais cedo, mas o dela continuava em nossas mãos. Mas ali estava mais um, naquela caixa, escondido por algumas toalhas e coisas velhas, tinha outro notebook.
— O senhor conhece esse computador? — questiono girando o objeto para que Jordan dê uma olhada.
— Não, nunca vi. Lorraine tinha apenas aquele, pode ser algum antigo dela que não liga mais, não sei.
— Vamos levar para análise, se for realmente algo estragado devolveremos.
— Certo.
Abro o computador para dar uma olhada nele, está intacto, aparentemente não tem defeito nenhum, e ao levantar na direção da luz há três digitais imprensadas perto do mouse. Pego o kit de evidência, tirando uma amostra de cada digital, colocando no envelope de provas, e o computador em outro.
— Por enquanto é só isso, mas nos veremos novamente, Sr. Mattil.
Ele confirma com um gesto, nos acompanhando até a porta de entrada, fechando logo que saímos.
SURGEM MAIS PROVAS
DETETIVE VARGAS
— Achamos algo interessante.
Levanto o olhar encarando a policial Mendes e Cliven parados na porta de minha sala. — Digam logo.
— Tinha uma pasta denominada “trabalho” dentro da área de Lorraine Mattil, por um instante procuramos algo mais explícito, algo que estaria na nossa cara e peço desculpas por isso. Mas então decidimos revirar todo o computador em busca de algo, sabemos como temos manias de codificar os nomes das coisas para que ninguém descubra o que realmente é.
— Não enrole — retruco aflita.
— Dentro desta pasta tinha uma série de cópias, de e-mail de Jordan Mattil com Donna Gybord, ainda não sabemos quem ela é, mas o que me chamou mais atenção foram os e-mails camuflados que Lorraine enviava para essa tal Donna, e alguns são um tanto cabeludos. Assim como fotos, parecia que ela perseguia Dona Gybord.
— Resumindo?
— Resumindo, o senhor perfeitinho tinha uma amante, amante essa que ameaçou a Sra. Mattil e temos a prova.
— Me deixem ver isso agora!
E não parou por aí, tinha vários no mesmo sentido. Lorraine ameaçava Donna de fazer escândalos, ao mesmo tempo em que marcava sua presença perseguindo a tal amante.
— Ela perseguia Donna Gybord? Temos evidências disso?
— Podemos falar com pessoas próximas a ela, mas existe algumas fotos que indicam que sim, principalmente dos dois juntos, Jordan e Donna.
Encaro a policial Mendes surpresa. — Lorraine, sabia do caso, perseguiu os dois, o quanto você tem que ter de sangue frio para isso?
— Acho que a nossa pequena teoria dela ter fugido pode ser real? — Leonel pergunta.
— Em que investigação maluca nos metemos, isso que lhe pergunto.
— Tem mais esse daqui, porém, se esse e-mail realmente chegou ao conhecimento do Sr. Mattil, ele esteve mentindo, não só pelo seu caso, mas principalmente por saber que sua amante andava sendo perseguida pela esposa. Se fosse eu, contaria para ele, principalmente a parte da mulher louca me perseguindo.
Pego a folha que a policial estende. Dessa vez era um e-mail de
Donna para Jordan Mattil.
Devolvo a folha, mil coisas rondam minha mente.
— Está tão chocada quanto eu?
Olho para Mendes. — Temos que procurar mais pistas e intimar Donna Gybord para prestar esclarecimentos, parece que temos outro suspeito.
— Jordan Mattil é cumplice? — Cliven questiona.
— Até onde foi esse caso? — respondo com outra pergunta.
— Eu disse que não seria um desconhecido — falou Cliven. — Nunca é. De qualquer forma não sabemos o que aconteceu.
DONNA GYBORD
Jordan me acorda com um beijo. Tínhamos uma reunião logo cedo e se bem imaginava, estávamos atrasados. Ele sugeriu que tomássemos café na esquina do trabalho, um encontro casual, como sempre. Sempre nos encontrávamos ali e, era uma excelente desculpa, era próximo do trabalho. E eu adorava como a língua dele circulava o lábio buscando o chocolate esquecido da sobremesa.
Sentávamos juntos, perto da janela — no começo tinha receio da mulher dele nos encontrar, Jordan tinha me avisado que ela tinha alguns problemas, mas ele me tranquilizava, mas como dizia era um local normal de encontrar pessoas do trabalho constantemente e por estarmos trabalhando em uma matéria juntos não ficaria suspeito para quem olhasse. — Além do mais, Lorraine não costumava sair de casa, e quase nunca surpreendia o marido, foram poucas as vezes em que a vi querer mimar Jordan ou fazendo algo para ele.
No fundo, eu esperava ansiosa pelo dia em que ela decidiria surpreendê-lo bem depois das seis, ela veria o marido comigo e saberia no mesmo instante que ele não lhe pertencia mais. Não só pelos olhares diferentes que lançávamos um para o outro, mas porque quando o escritório ficava vazio Jordan me prensava em sua mesa e fodiamos ali mesmo, de maneira incontrolável demais para chegar até mesmo em minha casa ou no carro.
Jordan era um homem sedutor, amante nato e insaciado pela esposa fresca e fútil que tinha dentro de casa era apenas uma figura assumindo uma posição que seria minha. Ele logo pediria o divórcio. Tínhamos que aguardar o momento certo, seria bom se ela voltasse para Nova York sumindo com aquele seu amante, sim, Jordan me contou sobre as traições. Quem poderia trair um homem como Jordan?
Lorraine só ocupava um lugar que não era dela.
A AMANTE
DETETIVE VARGAS
Fizemos parecer que seria um testemunho simples, assim como alguns colegas de trabalho de Jordan Mattil enfrentaram, nada complicado. Quando Donna Gybord entrou na delegacia, logo soube que a loira alta e com um corpo escultural e uma expressão de esnobe, era ela.
Que me perdoem, sei que não devemos criar opiniões antes mesmo de sabermos mais sobre ela, mas Donna Gybord era o perfeito tipo de amante.
Só teria que descobrir se ela era apenas uma mulher que esquentava a cama de Jordan Mattil, traindo o código das mulheres ou era do tipo que faria qualquer coisa pelo seu amante. E até onde estava disposta a ir por ele.
— Donna Gybord? — pergunto com um sorriso plácido.
— Sim.
— Por favor, me acompanhe, sou a detetive Vargas, encarregada do caso. Serão apenas perguntas de rotina — digo caminhando em direção à sala de interrogatório, — mas caso se sinta, você sabe, caso queira, pode chamar pelo seu advogado.
Ela para por um segundo, encarando meu rosto, então diz: — Não, tudo bem.
Sim, esperta, todos eram muito espertos. Chamar um advogado era como se sentenciar parcialmente como culpado, sempre vemos que os culpados são os primeiros a se agarrarem nas tetas dos Doutores.
— Por favor, entre.
Deixo que ela se acomode na cadeira em minha frente. — Srta. Gybord, essas perguntas são apenas coisas de rotina, ok?
— Sem problemas, espero ajudar em algo.
Cliven, que está encostado na porta atrás de Donna, arqueia a sobrancelha.
— Donna, a quanto tempo conhece Jordan Mattil?
— Um ano e meio, o conheci quando ele se tornou chefe do jornal — diz calmamente, por enquanto.
Anoto no bloquinho mesmo que nosso interrogatório esteja sendo gravado. — O que você pode dizer dele, é uma boa pessoa?
— Sim, Jordan é uma pessoa calma, excelente chefe, todos o adoram.
— Srta. Gybord, você tem namorado, marido?
Ela me encara em dúvida, — Isso é necessário?
— Questões de rotina — digo novamente sorrindo.
— Não, sou solteira.
— Então quando começou a ter um relacionamento com o Sr. Mattil?
Ela engasga, olha para mim, vira-se olhando para Cliven em suas costas. — Eu... não estou entendendo, detetive.
— Simples, quando foi que o caso extraconjugal de vocês começou? — questiono expondo as fotos que Lorraine havia tirado dos dois, dos e-mails que ambos trocavam, que também estavam armazenados no computador encontrado na casa dos Mattil.
— Eu...
Aguardo, ela respira fundo, engolindo em seco.
— Pouco mais de um ano — responde por fim.
— Certo, temos alguns e-mails trocados por vocês, são bem picantes, mas são esses aqui os que me preocupam, Srta. Gybord. Poderia me explicar? — deslizo pela mesa os e-mails com ameaças dirigidas a Lorraine Mattil — Eu ficaria totalmente revoltada se a mulher do meu amante ficasse gritando na rua que eu era uma vadia. Eu teria me livrado dela, afinal, quero ele para mim. Estou correta, Srta. Gybord?
— Eu não troquei e-mails com Lorraine, não nos conhecíamos. Isso nunca existiu.
— Srta. Gybord, você não enviou esses e-mails, então o que seria isso, esse e-mail não é seu? Essas ameaças do tipo: “Me deixe em paz, você não soube segurar seu marido”, olha, realmente é ódio que vejo entrelaçado nessas palavras.
— Sim esse e-mail é meu, mas nunca troquei um e-mail com Lorraine — continua afirmando.
— Tudo bem. E quanto a esse com o Sr. Mattil? — puxo a folha com o e-mail impresso — “Jordan peça logo o divórcio, ela tentou me atropelar, ela sabe do nosso caso.” — encosto na cadeira encarando o rosto pálido dela. — Sabe, Srta. Gybord. São provas irrefutáveis. Você o ama, lógico, quer tê-lo somente para si, mas ele ter uma mulher não ajuda, não é mesmo? — acrescento.
— Teria que sumir com ela, Jordan não quis realmente terminar o casamento de anos para ficar com você, isso somado aos e-mails, ameaças e ao quase atropelamento. Nossa, devem ter revirado sua cabeça! — Cliven caminhou até a mesa, se curvando ao lado dela, — tudo isso é muito difícil, eu te entendo, a raiva consumiu seus atos, você foi até a residência deles, arrombou a porta da lateral, entrando de fininho na casa. Lorraine estava na poltrona, vocês brigaram feio, mas você saiu como a grande vencedora, né?
— O que você fez com o corpo de Lorraine? Você matou a Sra. Mattil, Donna Gybord? — interrompo meu colega questionando.
Vejo seu rosto cada vez mais pálido, como se fosse desmaiar a qualquer momento. Seus olhos estão arregalados e pelo modo como seus lábios estão entreabertos ela deve estar com a respiração irregular, tomada pelo medo de ter sido descoberta.
— Onde ela está? O que você fez com Lorraine Mattil?
— Eu quero meu advogado.
Cliven abre um sorriso conspiratório. — Claro.
CAPÍTULO VINTE E OITO
LORRAINE MATTIL
UMA SEMANA ANTES
Eu o empurro, irada, soco seu peito com violência. Ele tenta me conter, mas não consegue. Começo a gritar com ele, acusar sobre sua traição, acusá-lo de tudo, a dizer que não estava nem aí para seu emprego. Ele tentava me acalmar, olhava sempre por cima de meu ombro preocupado, imagino, com o que a recepcionista iria pensar, mas eu havia cruzado com ela saindo do prédio, assim como cruzei com a sorridente vadia dele perto do mercado. Ele segurou meus ombros, os polegares fincados em meus braços, eu teria marcas roxas no dia seguinte, Jordan mandou que eu me acalmasse, que parasse de agir como uma lunática. Ele me chamou de lunática, Jordan era bom em me transformar em monstro.
Ele me chacoalhou, com força; por um momento cheguei a achar que ia me bater.
— Você está alterada, Lorraine, não fala nada com nada! — disse até com doçura, mas suas palavras me apavoravam e eu não sabia dizer bem o porquê.
— JORDAN, NÃO ME TRANSFORME EM UMA LOUCA, EU SEI DE TUDO! — gritei socando novamente seu peito, um de meus socos pegou bem no meio de seu queixo.
Outro empurrão, minhas costas bateram contra a parede, tão rápido. A expressão em seu rosto enquanto eu estava com as costas coladas na parede, expressão de estar se controlando demais para não dar outro golpe, o quanto eu vi em seus olhos, o quanto ele queria isso. E então desgosto, como ele tem me olhado nesses últimos anos.
Em algum momento eu percebi, percebi que as coisas tinham saído errado e que, de repente, era o momento de deixar tudo para trás. Mas dentro de mim algo dizia “não é tão simples assim”.
**
Jordan não estava em casa à noite, estou do lado de fora da casa de Donna faz quinze minutos, em partes eu queria bater na porta, esmurrá-la na verdade. Eu sabia que eles estavam juntos, não só por causa do carro dele parado a pouca distância dali, não que ele tivesse mentido para mim e por isso eu o segui até aqui, mas eu sabia, simplesmente. Ele vinha e ia sem dar satisfações. Porém sempre estava com ela.
Será que era isso que ele desejava? Enlouquecer-me e então trazer a vadia da Donna Gybord para morar naquela casa? Será que ela iria ficar feliz comendo na mesa que eu fodi com Jordan? Ou iria aguentar bancar a esposa perfeita, porque, no início, ele era encantador, ah como era! Será que ela iria aguentar as porras dos jantares que ele inventava ou do sexo bruto quase como um abuso quando estava irritado demais?
Sinto nojo de relembrar daquela noite, quando chegou em casa cheirando a álcool, me encontrou e logo estava me apertando contra a parede, meus olhos arregalados, sentindo Jordan forte e musculoso atrás de mim, suas garras fincadas em meu corpo, puxando bruscamente minha calcinha para o lado machucando meu sexo ao enfiar dentro de mim. Quando ele acabou, me largou como se tivesse algum tipo de doença, como se fosse uma boneca inflável, limpou o pênis na toalha de rosto, deu um beijo em minha cabeça e diz: “Eu precisava disso”. Lembro também que sorri naquele momento, como se fosse a coisa mais normal, mesmo que meu corpo inteiro tremesse, que minhas pernas estivessem fracas e meu coração quase saindo pela boca.
Eu queria entrar naquela casa, agarrar aquele cabelo loiro, puxando-o para trás, fazendo-a cair. Queria que ela encarasse meu rosto enquanto eu segurava os dois lados de sua cabeça, pressionando no piso frio. Irracional, não? Eu queria socar a amante dele, mas também queria ver-me livre dele. Até que ponto ela era a vadia? Será que ela na realidade era tudo que precisava para sair, para ir embora de tudo isso? Como uma linda passagem de fuga que eu estava vendo por outro ponto?
Minha vista estava turva e meu nariz escorrendo. Olho para o lado vendo duas garrafas vazias de vinho jogadas no banco ao meu lado. Saio do carro ainda olhando para as luzes acessas da casa, talvez alguém tenha me visto à espreita do lado de fora. Ou será que eles estavam transando naquele momento?
Meus pés se enroscam me fazendo tropeçar e cair de joelhos no asfalto úmido. Sinto a ardência, sinto a dor de bater o osso diretamente no chão e começo a rir.
CAPÍTULO VINTE E NOVE
DETETIVE VARGAS
— Sabe uma coisa que detesto? Pessoas que gostam de esconder coisas, Sr. Mattil — digo olhando seu rosto.
Jordan era um homem que mentia. Até aquele momento, mesmo contra todas as evidências, eu acreditava que ela poderia estar viva em algum lugar, mas naquele momento, sabendo de todas as provas que Lorraine tinha guardado, eu soube que ela estava morta.
— Recebemos uma coisa esses dias, — coloco as fotos e e-mails de Lorraine para Donna e do e-mail de Dona para ele sobre a mesa. — Você também tinha um caso, só que o seu caso foi responsável pela morte de Lorraine Mattil.
— Não sei do que está falando.
Ele estava calmo, não demonstrava nem um pouco do desespero que Donna demonstrou quando o caso foi descoberto.
— Eu compreendo, sabe, não querer ser o vilão, tudo está sempre voltando para você, deixando você preso a nós. Porém você vem aqui e diz que Lorraine andava estranha, que era uma pessoa difícil, mas que seu casamento ia bem. O quão difícil ela era e o que significa ir bem para você e sua amante a matarem?
— Você não disse que estava traindo sua esposa, oportunidades não faltaram — Cliven alegou, batendo o dedo indicador em uma das fotos onde Jordan sorria satisfeito com Donna ao seu lado. Tudo que fez desde que Lorraine desapareceu foi mentir.
— Eu não fiz nada com minha esposa! Sim, tenho um caso, saiu do controle, eu iria terminar com Lorraine quando meus encontros com Donna se tornaram mais sérios, porém...não consegui. Eu fui um canalha? Fui, mas não sou responsável pelo que aconteceu com Lorraine, se vocês parassem de tentar morder meu rabo teriam tempo de sobra para encontrar quem fez isso.
— Você traía sua mulher apenas com Donna Gybord?
Eu o vi trincar os dentes.
— Nunca havia traído minha esposa.
— Sempre tem uma primeira vez. — Cliven o interrompeu. — Eu por exemplo nunca gostei muito de cerveja, mas veja só, hoje sempre tomo uma.
— Como estava dizendo, nunca tinha traído, foi apenas com Donna, por um momento eu pensei em me separar de Lorraine, mas eu a amava, da minha maneira. Não queria que nosso casamento terminasse e ela também tinha me traído. Não cheguei a comentar com Donna sobre estar desistindo do divórcio, mas eu estava desistindo.
— Olho por olho? — questiono. — Você falou com Donna Gybord depois que Lorraine desapareceu?
— Sim, pessoalmente uma vez.
— Se eu encontrasse minha amante enquanto minha esposa está lá fora desaparecida eu mesmo me entregava para a polícia. — Cliven diz.
— Não sou o culpado.
Meu celular fez um barulho. Depois outro. E outra vez.
Relutante pego no bolso vendo três mensagens da policial Mendes.
Lorraine Mattil encontrada, Lodge Pole CT, 2km da residência dos Mattil.
Não poderia sair antes de anunciar. — Sr. Mattil, você está preso como cúmplice de homicídio, encontramos o corpo de Lorraine Mattil. Acho que está na hora de chamar um advogado.
**
Dirijo concentrada e em silêncio. O fim de tarde brilhava em minha frente. Lodge Pole era a estrada que levava às casas perto do lago Arbutus Lake, tudo ali eram árvores robustas, algumas casas e a imensidão do lago. Não sabia como eles haviam encontrado o corpo de Lorraine Mattil, ou quem o encontrou, mas a ânsia de finalmente colocar meus olhos nela e poder levar a júri os culpados me fazia acelerar mais.
Cães policiais eram treinados para detectar o odor de decomposição e agora, passadas mais de cento e setenta horas que Lorraine Mattil desapareceu, encontrá-la viva não era mais uma opção.
— Quem desova o corpo da mulher perto de onde mora? — Leonel questiona quebrando o silêncio pela primeira vez.
Encaro a janela, olhando as árvores densas perto umas das outras, confirmando o que eu já sabia: não havia nada ali, era apenas uma mata densa, o lago, alguns resorts afastados e o condomínio grã-fino que os Mattil moravam.
A policial Mendes saiu do meio das árvores acompanhada do cão farejador, havia uma patrulha estacionada em minha frente, o policial estava sentado atrás do volante digitando em um laptop montado no painel.
— Um turista estava passeando com o cachorro quando a encontrou, bem, encontrou a cova. O cachorro era um labrador, o dono não entendeu porque ele se soltou da guia e saiu correndo em direção às árvores e começou a cavar, até que ele viu uma mão e ligou para nós.
— Labradores são cães caçadores, onde está esse turista agora? — questiono enfiando as mãos em luvas e entrando na mata com eles.
— Está sendo encaminhado para a delegacia, iremos pegar o testemunho dele. — Mendes relata. — Mesmo com o cão apontando, indicando que havia um corpo em decomposição, o fedor de cadáver tinha tomado o lugar. Acredito que o calor que tivemos durante os últimos dias e o fato dela estar enterrada, contribuíram para isso.
Ou seja, Lorraine Mattil se decompunha depressa.
— Há radares? Câmeras que possam ter filmado quem esteve aqui?
— Não, essa não é uma verdadeira estrada, então, não ligam muito para quem passa em alta velocidade por aqui.
Enquanto nos aproximávamos o cheiro ficava mais forte, como a policial Mendes disse, não era preciso um cachorro para saber que algo ruim tinha acontecido ali.
— Os carros de Jordan e Lorraine foram revistados, não encontraram nenhum vestígio de sangue ou algo que nos levasse a acreditar que o corpo foi transportado por eles — Cliven diz.
— Sim, mas não revistamos o carro da srta. Gybord.
Cliven concordou já tirando o celular do bolso. Donna Gybord ainda estava sob custódia na delegacia, portanto, não seria difícil averiguar seu carro e ela não poderia negar, nem mesmo com a presença de um advogado.
Passamos pela faixa de isolamento, se aproximando de uma espécie de cova aberta. Mendes apontou o feixe da lanterna para o interior dela.
— Meu Deus — espanta-se Cliven, dando um passo para trás com a mão na boca.
Deitada sobre a terra, encontrava-se o corpo de Lorraine Mattil, ela tinha sido espancada, os olhos estavam fechados e inchados, o corpo todo estava inchado e com uma coloração estranha por sua decomposição. O cabelo era um emaranhado de terra e sangue coagulado no couro cabeludo. Ela vestia uma calça de pijama manchada de sangue, além de uma camiseta, mas era impossível dizer que cor havia sido.
— E detetive, olhe isso — disse Mendes apontando a lanterna para o topo da cabeça de Lorraine, iluminando o cabo da arma que a matou, afundado em seu crânio.
— Uma faca?
— Um picador de gelo, é minha opinião, a ferida é profunda e circular. — disse o legista surgindo atrás de nós. — Eficiente e mais discreto que uma faca.
UM BELO DIA PARA MORRER
Lorraine Mattil estava deitada de olhos abertos no fundo de uma cova. O sangue que a mantinha viva durante sua vida se esvaía pela terra e iria alimentar os bichos. Passo a mão protegida por duas luvas grossas por seu rosto, fechando para sempre seus olhos. Assim não teria vestígio de terras nele e ela poderia aparentar estar em sono profundo. Era até poético.
Encarei de cima seu rosto brilhando sob a luz da lanterna, seu cabelo castanho estava úmido pelo sangue que escorria do ferimento e tinha marcas de tons diferentes de vermelho espalhados por seu corpo.
Permaneci imóvel por alguns minutos, com uma pá em uma das mãos, fiquei admirando o sangue escorrer do corpo dela. E mesmo depois da morte ela continuava sendo uma linda mulher, como Romeu disse para sua amada na obra de William Shakespeare: “A morte, que sugou-lhe o mel dos lábios, ainda não conquistou sua beleza.” — finalmente entendi o significado.
Ninguém ia ali, não havia nada atrativo naquele lugar, o fato de existir árvores densas e ser uma mata fechada não era todas as pessoas que se aventuravam. Por isso, eu não me preocuparia que ela fosse encontrada.
Em minha mente eu tinha que desfazer suas digitais, até não deixar nada que pudesse identificá-la, mas eu confiava em mim. Uso a pá finalmente para cobri-la com a terra, não foi um trabalho exemplar confesso, mas meu plano era muito bem cronometrado.
O CULPADO APARECE?
DETETIVE VARGAS
Logo pela manhã a delegacia estava sendo afogada por repórteres, óbvio que já havia vazado a informação sobre a identificação formal do corpo de Lorraine. Cliven foi o porta-voz da polícia, dizendo para os urubus que ainda não poderíamos dizer a causa da morte, — mesmo eu já tendo ideia que foi o picador de gelo cravado em seu crânio, — que agora nossa missão era prender os culpados.
Donna e Jordan continuam sob custódia da polícia. E mais uma série de interrogatórios aconteceria.
Jordan era o inimigo número um da mídia, ele tinha se tornado a pessoa mais odiada, passando de assassino da própria esposa para cúmplice ativo do crime. O mandado para revistar o carro de sua amante já tinha sido emitido e os legistas estavam analisando, assim como o restante das evidências. Era questão de horas para sabermos se tinha algo concreto ligando Donna Gybord à morte de Lorraine Mattil.
— Detetive? — Cliven chamou batendo na porta de minha sala.
— Sim, encontraram algo?
— O carro não tinha nada comprometedor, — no mesmo instante desanimei — porém, encontramos uma pequena mancha de sangue no fundo do porta-malas, e é de Lorraine. Examinamos os bancos, o chão, dentro do veículo estava tudo limpo, parece que alguém teve o trabalho de limpar o carro todo, mas se esqueceu do porta-malas.
— Então, Donna Gybord andou transportando alguém sangrando.
— Não encontramos DNA de Jordan Mattil dentro do carro, o que indica que não foi ele que levou o corpo de Lorraine até a mata. — Cliven diz.
— Donna agiu sozinha, Lorraine foi ferida na cabeça e ela estava de lado, dependendo de como estava posicionada, a quantidade de sangue pingando no post mortem 1 . — Comento.
— Tem mais algumas coisas interessantes: a mancha de sangue tem um risco, como se tivesse vazado para o porta-malas sem querer, o que bate com o fato dela ter sido enrolada em uma lona de polietileno para transporte ou em qualquer coisa. Senão, teríamos uma mancha muito maior no porta-malas. Porém essa lona não estava presente onde encontramos o corpo, nem mesmo no carro, o que indica que pode ter sido descartada em outro lugar, junto com o objeto usado para cavar aquela cova.
— Foi premeditado, o assassino escolheu aquele lugar, se você analisar não tem nada próximo dali, se não fosse aquele cachorro passaríamos meses, quem sabe quanto tempo para que descobríssemos o corpo. O que me leva a acreditar que o assassino cavou antes, ele planejou o assassinato, não foi uma coisa feita no calor do momento. — Puxo uma foto da cova onde Lorraine foi encontrada mostrando para Cliven. — é tudo muito simétrico, tudo extremamente calculado e sabia que ninguém iria ver ou andar por aqueles lados para descobrir uma cova.
— Sabemos que ela morreu em casa e foi levada até lá.
— Se ela fosse levada viva e enterrada ali, seria ainda mais difícil ter um caso concreto. — Assumo — Quanto ao corpo, o que os legistas estão dizendo?
— Parece que alguém bateu com alguma coisa no rosto dela, ela apanhou muito, o que confirma nossas suspeitas e a cena de luta na casa dos Mattil. Contusões e lacerações no rosto e braços, um ato que explica a quantidade de respingos de sangue que encontramos. — Cliven tirou as fotografias da pasta. — Múltiplas feridas com o picador, a pessoa que fez isso não estava de brincadeira.
— Como disse, foi totalmente intencional.
— Acho que está na hora de chamar Donna para depor novamente, isso foi encontrado com Lorraine, estava preso entre suas roupas, acredito que foi no momento da briga.
Pego entre meus dedos o saco de evidência vendo um berloque brilhar, forço minha memória, Donna Gybord usava uma pulseira junto com o relógio, mas... — É dela?
— Sim e o DNA no picador de gelo também é dela.
— Acho que vão ter que dispensar um advogado hoje. — Comento.
— Jordan Mattil também está com o seu advogado na outra sala.
— Era esperado. — Retruco com desgosto, — Traga Donna Gybord para mim.
Na mesa, em sacos plásticos para provas, estavam as evidências que tínhamos contra Donna Gybord.
— Srta. Gybord, encontramos algumas coisinhas suas, uma mancha de sangue em seu carro, assim como sua digital na arma do crime e eu pensei mesmo ter visto você com uma pulseira em nosso primeiro interrogatório, acredito que isso seja seu, o berloque que está faltando em sua pulseira — digo no exato momento que ela entra em minha sala com seu advogado.
Ambos trocam alguns olhares, vejo no rosto do advogado que ele está perplexo, não há como defender sua cliente.
Cliven puxou uma cadeira, sentando-se ao meu lado — Conte como matou a sra. Mattil.
— Eu não matei Lorraine, não sei o que é tudo isso, mas eu não a matei!
Pego a primeira evidência, a mais conclusiva de todas. — Conhece isso, Srta. Gybord?
— Sim, um picador de gelo, eu tenho um igual. Ele é vendido em lojas comuns, sabia?
Sorrio, — Interessante, porque suas digitais estão aqui e quando os policiais foram na sua casa não encontraram nenhum semelhante a este.
— Eu, eu...
— Srta. Gybord, temos e-mails com ameaças dirigidas a Lorraine Mattil, temos a arma do crime com boas digitais suas, por que não nos conta o que houve?
— Deixa-me resumir para você — Cliven interrompe, — você estava cansada de dividir Jordan Mattil com ela, como disse no e-mail estava ansiosa pelo divórcio, porém Jordan é um covarde, não pedia e isso foi cansando você. Ainda tem o fato de Lorraine persegui-la. Você entrou na casa dela, esperou um horário oportuno, vocês lutaram e você foi bem violenta.
— Eu não fui na casa dela, eu estava no centro, eu não matei Lorraine!
Donna estava completamente exaltada, um desespero típico de quem está sendo acusado pelos seus crimes.
— Esse berloque é seu? — questiono levantando o saco de prova.
Ela fica por um tempo encarando a prova em minha mão, dá uma olhada para seu advogado, mas tudo que ele faz é suspirar. — Sim, é meu.
— Isso estava preso entre a blusa e a roupa íntima da sr. Mattil.
— Eu não sei como isso foi parar com ela, mas eu nunca encontrei Lorraine, vocês têm que me escutar!
— Estamos escutando, srta. Gybord. E vou dizer como foi que isso foi parar com Lorraine: vocês lutaram, você bateu repetidas vezes nela, até que desferiu o golpe fatal. Mas você não foi qualquer assassina, você tomou cuidado para não deixar nenhuma evidência na casa dela, foi cuidadosa ao tirá-la de lá para prolongar as buscas e com todos os holofotes virados para o marido, você teve tempo de enterrá-la.
— Só não contava que o sangue vazaria em seu porta-malas, nem dos e-mails ou esse computador fossem aparecer. A Sra. Mattil foi minuciosa escondendo-o em sua garagem, sem seu marido ou você saberem. — Cliven continuou — E então, com o corpo enterrado, tudo que tinha que fazer era continuar com sua vida como se nada tivesse acontecido.
— Donna você encontrou com Jordan depois que matou Lorraine? — questiono.
— Não.
— Tem certeza? — reforço.
— Sim, eu estava enfurecida com Jordan por não se separar e não estávamos mais nos encontrando.
— Mesmo? — pergunto de forma irônica. — Por que Jordan Mattil disse que vocês se encontraram depois que Lorraine desapareceu, você voltou à cena do seu crime para seduzir o Sr. Mattil, agora que não havia mais nenhum empecilho para ficarem juntos?
— Decepcionante quando vocês não têm tempo de combinar os depoimentos, certo? Jordan era um canalha, traiu a esposa com você e agora está te entregando para a polícia. — Cliven diz — Diga-me Donna, Jordan sabia que você iria matar a mulher dele? Ele te ajudou a carregar o corpo dela para seu carro?
— Minha cliente não tem mais nada a declarar. — O advogado finalmente se intrometeu.
— Você está presa pelo homicídio de Lorraine Mattil. — Informo
Cliven se levantou algemando Donna Gybord, levando-a para fora da sala.
Do outro lado da delegacia, Jordan Mattil estava sentado na sala de interrogatório, nos aguardando. Solto a pasta na mesa de metal, produzindo um barulho agudo. — Jordan.
Ele apenas ergue o olhar, sem dizer uma palavra.
— Sua amante acaba de ser presa pelo assassinato de sua esposa; a questão é, Sr. Mattil, você ajudou Donna Gybord a matar Lorraine?
— Eu estava dormindo, tomei dois comprimidos para enxaqueca, tenho meu exame toxicológico comprovando. Quantas vezes tenho que dizer isso?
— Sim, Jordan, tem mesmo, obrigada — digo.
— Sabe, tudo isso não mostra um quadro muito bonito seu, Jordan. — Cliven diz — Já falamos sobre isso, tem mentiras e omissões para a polícia, por enquanto ainda podemos te ajudar, mas quando o caso for a júri, nada poderemos fazer.
— Não existe nada contra mim, o fato de ter uma amante? Isso já foi contestado, não é certo, mas eu não matei minha mulher, muito menos soube que Lorraine corria algum risco. Você não encontra uma mulher e fica supondo que ela irá matar sua esposa quando estivesse dormindo.
— A srta. Gybord sabia que você estava em casa, ela tinha ciência? — questiono. — Vocês combinaram a melhor hora, uma hora provável que você já estaria sob o efeito dos remédios?
— Isso é especulação. Vocês estão querendo estender uma culpa que não é do meu cliente. — O advogado defendeu.
Jordan coloca a mão no ombro de seu advogado, como se dissesse que estava tudo bem. — Sim, eu mandei uma mensagem que não iria encontrá-la por causa do jantar e outra dizendo que estava indo dormir.
Troco uma olhada com Cliven.
O advogado tira um celular descartável do bolso, passando para nós. — Esse é o aparelho que meu cliente usava para se comunicar com a srta. Gybord, como vocês podem ver, há duas mensagens durante aquela noite, assim como meu cliente disse, mensagens que avisam que ele estaria em casa e que iria tomar algum remédio para enxaqueca.
Pego o aparelho, revirando as mensagens, tinha muitas mensagens trocadas entre eles, desde cunho sexual até mensagens simples. Nenhuma que pudesse acusá-lo de nada, muito menos com algum tipo de código. E lá estavam, as duas mensagens que Jordan Mattil disse:
— Como vocês podem ver, não existe mensagem de Donna Gybord, mas como sabem esses dois sinais ao lado da mensagem do meu cliente indica que ela recebeu. Ou seja, ela tinha um relacionamento com Jordan Mattil, tinha ciência do que meu cliente iria fazer, foi fácil entrar e pegar Lorraine desprevenida.
— Isso não prova que seu cliente não está envolvido — diz Cliven.
— Desculpe policial, — o advogado coloca um sorriso no rosto — vocês não têm provas contra o meu cliente, o fato dele ter enviado mensagens para sua amante não é prova que esteve envolvido no crime. Todas as provas indicam que Donna Gybord é a verdadeira culpada, vocês estão forjando uma culpa baseado no relacionamento extraconjugal de Jordan, em nada mais. Estou errado? — questiona — Pelo que li, o relatório feito por você e pela policial que encontrou o corpo da Sra. Mattil, tem digitais, sangue no carro e ainda um objeto pessoal. Mas nada de Jordan Mattil. Há alguma coisa digna de nota? Meu cliente ficou à mercê de vocês durante um bom tempo, a verdadeira culpada está presa, assim, não vejo motivo de mantê-lo aqui. Podemos acabar logo com isso e deixar meu cliente ter paz para superar o luto pela perda da mulher?
Como não havia o que dizer, Jordan Mattil foi liberado.
MEU JOGO
JORDAN MATTIL
MEMÓRIAS
É a terceira vez que encontro com você aqui. Hoje você está meio descabelada e tem pequenas olheiras abaixo dos olhos. Você não tem dormido direito, como sempre anda com o computador e uns cadernos em mãos, imagino que seja por causa do trabalho. É velha demais para estudar.
Você é uma pessoa interessante, pode ser perfeita para meu jogo. É clássica, você é diferente das outras é mais atrativa e quando olha em direção à pequena janela do café, vejo como desafia os outros com os olhos, você daria um prazer a mais ao ser amaciada.
Em outro momento esperei que saísse do café e fui atrás, descobri que adora a livraria daqui perto, fica grandes momentos dentro, transitando pelas prateleiras, admirando uma coleção exata de livros. E anoto mentalmente outra coisa, você não parece ser fã da tecnologia, torce o canto da boca quando a atendente informa que o livro que está buscando só tem em formato digital.
Mais um ponto que torna você especial, eu também não gosto de toda essa tecnologia que os nerds produzem, baby.
Tenho que ter cuidado, não posso fazer um avanço descontraído, isso fez o jogo com a última sair errado e acabar mais cedo, mas com você não. Eu quero que ele dure, garanto que teremos grandes momentos.
Sua casa tem enormes janelas na sala e você tem um grande descuido de deixar as cortinas escancaradas. Não que eu reclame, mas teremos que alterar isso, colocar uma postura mais temerosa em você, fazer com que você não aprecie mais o fato de ficar com as janelas escancaradas, fazer com que prefira sempre estar com as cortinas fechadas. Eu cuidarei de você . Você se senta sozinha na sala, lê algo, mas perde um pouco a atenção para o que passa em sua tela plana. Ah e você fica entediada com facilidade. É como disse, sua sala tem enormes janelas de vidro e do outro lado da rua eu posso ver você. Já disse que adoro vê-la comendo? Sua boca se abre de forma deliciosa e eu imagino como será quando ela estiver engolindo meu pênis inteiro.
Sua rua é um lugar calmo, provavelmente eu poderia matar alguém aqui no meio, deixá-lo gritar enquanto quebro sua traqueia que ninguém iria me deter. Péssimo lugar, eu tenho que cuidar de você, na verdade, você está implorando por isso . Eu fui autorizado a entrar, fui autorizado por você.
Mas tem algo negativo, eu ainda não sei seu nome. Tinha duas opções: revirar sua caixa de correspondências ou então nos encontrarmos furtivamente em algum lugar. Quem sabe na livraria que você visita duas vezes por semana?
A maioria das pessoas diriam que sou perturbado, mas sou apenas intenso e sei que você dará conta, não dará?
**
Você é teimosa. Isso não é bom, mas eu vou ser gentil, ser aquilo que mais deseja, eu posso ser o que você quiser . Mas não poderá ser teimosa, nem mesmo tentar algo estúpido. Fazia alguns dias que eu seguia você, explorando sua vida. Eu sabia quando estava insatisfeita, tinha uma maneira engraçada de torcer os lábios. Ou quando estava contente, você era uma folha em branco que eu colocaria muitos tons nela.
E então teve aquele encontro repentino do lado de fora do café, eu me atrasei naquele dia, estava certo que não encontraria você, foi lá que tudo realmente começou, você estava acompanhada de um cara mais velho — poderia ser seu tio, quem sabe? — nos esbarramos, minha mão encostou na sua. Você me procurou depois, mas não teria conseguido me ver de onde eu decidi sentar. Eu gostava de permanecer longe dos olhos curiosos era mais fácil de observar, observar você.
Eu ouvi seu nome sendo chamado pelo cara: Lorraine. É um belo nome, ele combina com você.
E lá estava novamente, não é que você era uma escritora, ver seu rosto estampado em um banner na livraria foi totalmente surpreendente, eu estaria presente.
Foi fácil achar uma biografia sua quando eu descobri seu sobrenome. Você tinha mania de se esconder na aparência de perfeição e sabemos que você não chega nem perto, né? Mas, você é uma escritora nascida e criada em Nova York, você não tem família, foi deixada na porta de um orfanato quando nasceu, isso é triste e te faz colar nas pessoas com quem se relaciona e isso será bom para mim. Portanto, aquele cara que esteve com você no café cheio de sorrisos pode ser um problema para mim, já que descobrimos sobre sua família. Eu não gosto de complicações. Você não complicaria tudo, não é mesmo, Lorraine? Descobri também que adora vinhos, sempre que pode aumenta sua coleção particular, mesmo que a tome mais rápido do que junta dinheiro para comprar outra garrafa importada.
Pensei que tinha me enganado em relação a você, que não fosse tão especial. Mas eu não me engano, e quero me mostre aquilo que eu venho vendo, eu quero que retire essa máscara falsa que usa com as pessoas e me deixe ver seu interior pobre, por que eu sei que tem um...
Poucos homens estavam presentes no dia do seu lançamento, o público alvo com certeza eram mulheres. Você me notou, você foi fácil demais, confesso que fiquei um pouco decepcionado. Mas, então, você vendeu sua alma para mim Lorraine, vendeu, deu-a a mim de bom grado. Você queria ser minha e eu não diria não.
Mas a questão era, até onde você aguentaria, até onde proporcionaria um jogo interessante para mim? Se está se perguntando se sempre fui assim, posso dizer que não, talvez minha mãe tenha tornado tudo mais interessante. Vê-la buscando ajuda enquanto estava morrendo foi meu primeiro contato com o pânico que as pessoas sentem de seus medos se tornarem reais. Não me lembro porque minha mãe estava morrendo, mas quando ela pediu ajuda eu simplesmente fiquei parado na porta, vendo seu corpo agonizar, tremer, seus olhos me encararem decepcionados. Quer culpar alguém pelo que irá passar? Culpe minha mãe, ela me mostrou o quanto é divertido esse jogo.
**
Lágrimas de desespero percorrem seu rosto, bato a porta do quarto passando a chave, trancando-a ali dentro. — Você foi uma menina malvada, Lorraine.
Gosto de escutar seu desespero, saboreio cada pequena gota, ainda mais porque no dia seguinte você não se lembrará de nada, apenas que passou mal e teve uma enorme enxaqueca. Tadinha da minha Lorraine . Sorrio ao escutar seu choro contido. Deixo preparado o propranolol 2 , quem diria que um remédio para controle de hipertensão iria ser um bloqueador eficiente!
Sim, meu amor, eu estudei a fundo sobre isso, tenho anos de prática, precisava de um pequeno aliado contra você, não poderia brincar com você e deixá-la com medo de mim isso acabaria com meu jogo, você tinha que confiar em mim. Eu queria que, diferente das outras, você não temesse quando eu encostasse em você, nem que tentasse algo estúpido. Então, entrava meu coleguinha em campo, ele alteraria suas memórias, principalmente o lado emocional delas.
— Por favor, Jordan! Por favor...
Ah, o delicioso tom desesperado. Vou deixá-la aí por um dia. Então viro as costas e desço, sentando em nossa sala, tomando um gole da cerveja que tinha aberto enquanto vejo o esporte na televisão.
No dia seguinte, te acordei cedo, você ainda estava meio grogue, encarava a pequena mancha de sangue no travesseiro em completa confusão. — O que houve?
Fiz minha melhor cara de “homem decepcionado”, mostrando os machucados em meu braço e peito — foram fáceis de forjar —, onde você tinha me atingido. Sim, Lorraine você era tão frágil , sua mente era tão frágil que acreditava em tudo que eu dizia.
— Não acredito, Jordan, eu nunca machucaria você!
Quando fez a pequena menção de tocar em mim, me esquivei, escondendo como eu gostava de ver você quebrada. — Você bebeu demais ontem, Lorraine. Você não se lembra de nada? Ou do que falou?
E então eu contei, contei toda nossa história de terror, alterando um pouco ali e aqui. E finalmente nosso jogo começou.
**
Ela achou que eu estava bêbado. Achou que naquele momento que retornei para casa estava totalmente embriagado, seria totalmente compreensível, não é mesmo querida?
Quem diria que você conseguiria me enganar, mas você teve o que mereceu:
— Que tipo de erro? — questiono colocando a pasta em cima da mesa.
Você estava com mais medo do que o normal naquela tarde. E eu fiz minha voz permanecer neutra.
— Houve outra pessoa, eu tive um caso.
Você não me encarou quando disse aquilo. Sua puta! Você tinha sido uma puta, Lorraine ! E quando tentou me tocar eu senti nojo, eu queria surrar cada parte do seu corpo. Você deveria ter me deixado em paz naquele momento, deveria ter escutado o que disse, mas não, você começou a chorar, sendo fraca, você tinha se tornado fraca com o passar dos anos. Você estava acabando com toda a diversão, eu tinha que ficar inventando coisas diferentes, você estava estragando tudo.
— Já acabou Jordan, por favor, me escute.
Pego o copo na bancada da cozinha atirando contra você, o copo se espatifa acima de seu ombro, estourando na parede em suas costas, e parto contra você.
Você tinha que aprender uma lição e essa eu não apagaria de sua mente. Segurei você pelos braços, arrastando-a pela sala, jogando seu corpo contra a parede. O antebraço em seu pescoço, jogando meu peso contra sua garganta, sua boca se abrindo pedindo por ar, seus olhos lacrimejando de dor.
Não culparia você por se afastar então, principalmente por achar que eu estava embriagado e que poderia novamente ser castigada, como tinha prometido não apaguei a surra de sua mente, deixei ela bem fresca por sinal. Foi até mesmo interessante saber que mesmo depois do seu castigo você ficou, sim você não tentou nada estúpido como a outra, você simplesmente recuava quando estava perto, mas ficou. E tínhamos um papel a representar, eu precisava de contatos, e precisava que você fosse uma boa menina. E durante seis meses eu não encostei em você e você se esqueceu do medo. Seu erro foi esse .
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Descobri um outro tipo de medo, você se sentia insegura em nossa nova casa, você acreditava que tinha alguém observando. E tinha mesmo, eu. Você não reparava que quando ia fazer suas caminhadas matinais eu retirava suas coisas do lugar, trocava ou escondia alguns de seus pertences. No começo foi frustrante, você não percebia meus esforços, mas então, eu tive que viajar, bem, isso foi o que contei para você. Reservei um quarto em um resort perto de casa e paguei em dinheiro, não queria deixar a movimentação salva em nosso cartão.
Voltei aquela noite para casa, você entrou em pânico ao ver uma sombra em nosso quintal e, ali protegido pela escuridão da noite, eu assisti seu medo, vi seu novo bicho-papão ser criado.
Você chegou a se tornar tão paranoica com isso que verificava constantemente as fechaduras, eu sempre estive de olho, Lorraine. Você chegou ao ponto de quase me ferir e neste momento eu vi o quanto estava apavorada, mas meu jogo com você não estava me satisfazendo, bater ou surrar seu corpo não estava satisfazendo minhas necessidades, fazê-la tremer de medo por se sentir paranoica também foi perdendo a graça. E como tinha que controlar a dose da droga que injetava em seu corpo, as surras foram ficando tão esparsas que você parecia se sentir novamente segura comigo. Isso não era bom para mim, isso não era nada bom...
O que aconteceu? Donna Gybord, aconteceu. Ela era uma vadia, desde o primeiro dia que entrei no jornal percebi seus olhares, ela era bem mais mansa que você Lorraine, então, se tornou um refresco para minha decepção. Ela implorava para eu ser agressivo, você não acreditaria nas coisas imundas que ela dizia enquanto eu fodia seu corpo, diferente de você, que me fazia ter nojo ao encostar com todos os seus “não me toques”, Donna se refestelava com o que eu queria ou mandava que fizesse.
Será que você percebia que eu cheirava a puta todas as noites? Que eu olhava com decepção para você? Acho que não, e isso me magoou Lorraine, você me magoou .
Mais uma vez você estragou tudo, Lorraine, você estragou meu jogo, você estragou nossa brincadeira. Pôs tudo a perder. Sinto que precisamos tomar grandes decisões, Loe... está aí, não criei em todos esses anos um apelido para você, será importante no final eu acho. Loe, o que acha?
Você se esqueceu que sou silencioso, meus passos são macios e objetivos, por isso você não me verá chegando. Você não sente, não vê o meu reflexo. É uma vergonha estar furiosa, você é a culpada, foi você quem pediu por isso, então dessa vez, não tente se defender, não adianta agitar os braços, eu irei facilmente arrastar seu corpo pelo chão, por isso não lute. Você não desconfiou do meu plano, e ali com seu corpo apoiado no meu, suas pernas moles sobre as minhas, você não fala e eu entendo, fica difícil quando sua garganta está cheia com seu sangue. Há muito para absorver, mas logo você irá descansar eu prometo. O sol não nascerá por algum tempo, e eu a embalo, você não tenta mais enfiar as garras em mim, seu corpo vai ficando mole, letárgico a cada instante. Ficamos sentados em silêncio, poderia ficar assim por um bom tempo, mas aquele vizinho tarado ouviu você gritar quando estava colocando a prostituta que ele sempre fode no táxi. Por isso, eu preciso começar.
— Ah, Lorraine. Quer que acabe logo com isso?
Você engasga, encarando debilmente meu rosto. Vamos acabar logo com isso, pego o picador de gelo que trouxe da casa de Donna e ergo no alto, será apenas um golpe. Lágrimas saem de seus olhos, mas você já está sem força para lutar, fizemos uma excelente bagunça, terei que organizar isso para que o plano saia exatamente como desejo.
As coisas estão prontas, venho há semanas preparando tudo, na garagem há um computador com trocas de e-mails para Donna, você foi uma menina má, Lorraine . Ficou possuída quando descobriu que seu marido a traía e, por outro lado, Donna também não deixaria barato, como eu disse para você, ela é uma vadia!
Além disso, na última vez que fodi com Donna na casa dela, eu tive acesso à arma do seu crime, nada que uma bebida com bastante gelo e umas digitais de Donna, ela não desconfiou de nada, nem mesmo quando saí de madrugada de sua cama para acrescentar provas sobre seu futuro homicídio. Apenas derramar um pouco de seu sangue no porta-malas dela, eu conhecia Donna, ela nunca mexia no porta-malas, nem notaria a pequena mancha ali.
Foi tudo calculado, assim como seu lugar de descanso provisório, cavei sua cova uma semana antes, analisei o local, teria que demorar alguns dias para você ser encontrada, eu também teria que fazer minha parte.
Você deve estar se perguntando por que você, por que estou fazendo isso... bom, lembre-se, você me entregou sua alma, eu não pedi, você deu !
FIM DO JOGO
DETETIVE VARGAS
Fazia quase quatro semanas que tudo havia terminado, o corpo de Lorraine Mattil foi liberado para que a família, no caso seu marido, pudesse enterrá-la. Os repórteres, que antes pareciam urubus, tinham encontrado outra notícia de primeira página, mas, às vezes ainda tínhamos manchetes sobre o assassinato brutal de Lorraine Mattil, com ênfase que a culpada Donna Gybord estava presa aguardando julgamento.
Traversse City tinha se tornado pacata novamente, uma cidade onde o crime mais brutal era as invasões por bêbados e alucinados por drogas. Por isso, foi uma surpresa quando o advogado da Srta. Gybord entrou em meu escritório numa manhã de quarta-feira comunicando que sua cliente estava querendo falar comigo.
Eu tinha todo o direito de dizer que não, mas a curiosidade me tomou, Donna Gybord nunca confessou, nunca assumiu o crime contra Lorraine Mattil, sempre dizendo o quanto aquilo estava errado e que não havia matado a mulher de seu amante, mas as provas eram tão sólidas contra si que nem mesmo se ela jurasse pelo Papa seria absolvida.
Mas lá estava eu, sentada do outro lado da mesa de ferro, com meu crachá de visitante esperando que a guarda trouxesse Donna Gybord.
Quando a porta se abriu com um ruído agudo, Donna estava longe de ser aquela mulher que vi entrando na delegacia, seu cabelo preso em um rabo de cavalo mostrava um rosto pálido e com hematomas perto dos lábios, os olhos fundos como se não dormisse há meses. A guarda a coloca sentada em minha frente, prendendo as algemas dela na mesa.
— Tem dez minutos.
— Sem problemas — digo, vendo a guarda parar no fundo da sala, nos encarando. — Você me chamou, quero saber por qual motivo.
Donna me olha, respira fundo — Preciso que me escute.
— Você está bem? — questiono olhando melhor seus ferimentos.
— Sim, estou bem, não chamei você aqui para falar dos meus ferimentos. Eu quero que analise tudo de novo.
— Donna, o caso foi fechado, está nas mãos do júri agora.
— Não matei Lorraine. Eu estava no centro, pode verificar nas câmeras, não fui eu.
— Donna...
— Não, me escute. Eu não tive nada com isso, eu estava andando pelo centro quando Jordan enviou as mensagens avisando que ficaria com a mulher, foi ele, detetive Vargas, tem que acreditar em mim.
Coço a testa — Donna, não temos nada contra Jordan Mattil, não temos nenhuma pista que o coloque no local onde o corpo foi desovado, não tem DNA, ao contrário de você.
Uma lágrima escorre por seu rosto, mas ela logo limpa — Você precisa acreditar em mim, Jordan tinha acesso a minha casa, seria fácil para ele planejar tudo.
— O que leva você a acreditar que Jordan Mattil armou para você ser acusada? — questiono.
— Jordan tinha atitudes suspeitas, eu sempre passei por cima disso porque ele jogava a culpa na esposa, nas atitudes dela, para mim Lorraine era uma maluca que não queria ficar com ele, mas também não aceitava os pedidos de divórcio.
— Tempo acabou — anuncia a guarda.
— Por favor, detetive acredite em mim.
— Donna, a menos que você tenha algo que prove o que está falando, não tenho nada para fazer sobre isso, saiu de minhas mãos. Sinto muito — digo ao me levantar.
— E se eu puder fazê-lo falar? Eu posso, eu consigo — diz de maneira desesperada. — É perfeito não é, acusar a amante de matar a esposa.
— Se ele confessar o crime como você acredita, seria inocentada.
Donna apenas confirma com um gesto de cabeça, deixando que a guarda a levasse dali.
**
— Então como foi?
Deixo meu corpo cair sobre a cadeira, apertando ligeiramente o pescoço que continuava tenso, desde que saí da prisão. — Pode ser completamente insano, mas algo nas palavras dela me fizeram pensar.
— Não fique de segredos, conte logo — Cliven diz.
— Ela basicamente acusa Jordan Mattil de ter orquestrado tudo e de ter colocado a culpa nela.
— Eu nunca gostei dele mesmo, não me surpreenderia, aquele cara fede a psicopata. — Cliven retruca.
— Pode feder o quanto quiser para você, mas não temos nada, da última vez que tentamos acusá-lo de algo o advogado dele nos escorraçou e quase abriu um processo de indenização por danos morais contra nós, você não se lembra?
— Lembro bem, mas o que Donna Gybord disse exatamente?
— Ela alega estar no centro quando recebeu as mensagens dele, alega que Jordan poderia ter forjado tudo para culpá-la do crime, já que ele tinha acesso principalmente à casa dela.
— Meio insano, mas plausível, se você pensar que ele realmente tinha acesso.
— Meio? Falando em Jordan Mattil...
— Tudo na mesma, ele parece como um relógio, sai sempre no mesmo horário e vai ao trabalho, volta por volta das seis da tarde e não sai mais. Não podemos ficar em cima, pois não deve nada para nós, mas ele está ciente que um ou outro policial o mantém sob a vista.
Passo a mão no queixo tentando afastar esses pensamentos malucos que rodeiam minha cabeça.
— O que você pretende fazer?
— É maluquice minha acreditar que ela não está mentindo? Mesmo que tudo nos leve diretamente a ela? — encaro Leonel, notando que ele também ficou em dúvidas com o que Donna Gybord alegou. — Ela não tem o cheiro de uma assassina lunática, nem de alguém que estaria disposto a matar pelo amante. Não tem cara de ser aquelas mulheres que têm paixões doentias.
— Teremos que falar com a promotoria, e sabe que eles são carne de pescoço.
— Eu sei.
Promotoria, detetives e advogado de defesa entram no debate sobre isso ser insano. Donna Gybord está querendo apenas ganhar tempo antes do julgamento versus ela estar falando a verdade, mesmo que todas as provas indiquem que não. Se sim, Jordan Mattil, o marido que perdeu a esposa e chorou copiosamente em seu funeral, é um psicopata maníaco e verdadeiro culpado?
Foram horas de gritos, algumas acusações de um lado, outras vindo do outro e eu e Cliven no meio de tudo. Por fim, a promotoria aceitou colocar esse pequeno e frágil ponto de interrogação na questão, depois de assistir novamente todos os depoimentos gravados da srta. Gybord, assim como o vídeo da câmera de segurança do centro da cidade onde mostra Donna saindo de uma loja de bebidas e entrando em seu carro as vinte e três horas na noite de sexta e então a decisiva: uma câmera que todos acreditaram estar desligada, mas que no final estava filmando. Uma câmera estrategicamente posicionada na entrada do desvio que leva ao lago Arbutus Lake e que não filmou o carro de Donna Gybord passando por ali naquela noite.
A única filmagem naquela câmera de segurança que Donna Gybord aparece é dias depois que Lorraine já está desaparecida, ou seja, levando em consideração o estado de decomposição que o corpo de Lorraine Mattil tinha quando foi encontrado com a gravação da câmera de segurança torna impossível Donna só tê-la enterrado naquele dia. Então, como a mancha de sangue apareceu no carro de Donna Gybord?
“Ele tinha acesso à minha casa, foi ele” — a voz de Donna soa forte em minha mente naquele momento.
Com isso surgiram novas perguntas, milhões de questionamentos malucos e insanos e o principal: Jordan Mattil era realmente um psicopata frio que planejou não só a morte cruel de sua esposa como todos os detalhes para que a culpa recaísse sobre Donna Gybord?
— Essa escuta ficará escondida em seu corpo, onde gravará tudo que estará acontecendo naquela sala. Caso ele questione por que você está em uma sala especial, é simples: alegue seus machucados, que estão maltratando você dentro da prisão. Você concorda com esses termos, srta. Gybord? — pergunta o promotor.
— Sim.
— A guarda irá ficar do lado de fora, se ela estiver perto ele não falará nada para você, assim como tenho certeza que irá verificar que a sala não tenha câmeras nem nada que o comprometa. Se ele foi tão astuto para planejar tudo isso, não será tolo agora. — Cliven diz.
— Apele para seu ego, — comento, chamando atenção de Donna para mim — psicopatas tendem a engrandecer seu próprio ego, o fato de sair bem-sucedido nisso deve deixá-lo arrogante.
Donna Gybord respira fundo, fechando o macacão de detenta, dizendo que está pronta, enquanto nos retiramos indo para a sala ao lado.
— Você tem certeza que ele vem?
— Não, — respondo — mas acredito que sim.
— Como tem tanta certeza disso? — Cliven questiona.
— A mente de uma pessoa assim é anormal, eles sentem prazer em ver de perto o sofrimento dos outros, ainda mais infligido por eles. Quando Donna ligou pedindo que viesse vê-la, ele entrou no jogo de gato e rato. Tem que manter a aparência de marido em luto, mas parte dele está queimando para vê-la destruída. Ver o que ele causou.
— É um jogo.
— Sim, um maldito jogo sádico.
Pouco depois de quarenta minutos somos avisados que Jordan Mattil está na sala esperando por Donna, colocamos os fones nos ouvidos, iniciamos a gravação e esperamos.
DONNA: Obrigada por vir.
(pequeno gemido)
JORDAN: Não sei por que me chamou, eu não quero mais olhar para você.
DONNA: Jordan, olha o que estão fazendo comigo, eu não tive nada com a morte de Lorraine. Você sabe disso!
(risada baixa)
JORDAN: Não sei de nada.
DONNA: Você contaria se tivesse sido você? Tivemos um relacionamento por quase dois anos.
(silêncio)
JORDAN: Você merece isso. Que mente perturbada você tem, planejou matar minha esposa porque eu não quis mais assumir nada com você? E agora me chama implorando para me ver? Você quer pelo menos pedir desculpas?
DONNA: Ou você só precisava de mim para se livrar dela? Você é imundo, foi você, né?
(risos)
JORDAN : Ah, Donna, eu não vou cair nessa, sabe disso.
DONNA: Seu filho da puta cretino, você fica me encarando com esse seu sorrisinho perverso! Você matou sua mulher, Jordan, foi você! Queria que essa sala tivesse escutas e câmeras para gravarem bem sua cara!
(momento de silêncio)
JORDAN: Pretencioso de sua parte ficar numa sala comigo, algemada, sem câmeras e sem guarda. Acha mesmo que acredito nisso?
— Filho da puta é esperto! — Promotor sussurra.
— Se ele não fosse minha cliente não estaria passando por isso — retruca o advogado.
DONNA: Você é maluco, como pude ser tão idiota?
JORDAN: Você foi, estava sedenta por atenção, uma putinha louca por uma boa foda! Divertimo-nos juntos e você, afinal, fez um bem à causa.
DONNA: Você é completamente louco, como planejou isso? Como tem coragem de falar isso na minha cara? Eu vou falar que você é o culpado, eles têm que acreditar em mim!
(barulho de passos)
JORDAN: Como vão acreditar? Seu DNA, provas contra você. Você tornou tudo mais atrativo, sem você nada poderia acontecer.
DONNA: Como assim?
JORDAN: Você estava tão sedenta pela atenção que lhe dei, tão sedenta para que alguém amasse você, que nem mesmo se preocupou em saber quem era essa pessoa. Você viveu com aquilo que lhe dei, aceitou aquilo que falei. Você é burra, poderia ter facilmente se livrado e então eu teria que arrumar outra coisa para que tudo saísse do jeito que planejava, mas não. Achei que você sumiria depois de umas transas, então olha como foi conveniente para mim que você tenha ficado.
— Não acredito que estamos gravando uma confissão — Cliven disse incrédulo.
— Ele não disse ainda o que queremos, não podemos agir ainda — alerto.
DONNA: (choro) Você matou Lorraine?
JORDAN: Ah, querida, isso ainda importa? Tenho certeza que o júri não será tão bondoso com você. Donna, você estrangulou Lorraine, quebrando a traqueia dela, mutilou o corpo de minha esposa, encheu seu belo rosto de socos e contusões, fora tudo que causou ao corpo dela, quem diria que teria tanta força. Eu me sinto enganado, traído por você. (risada baixa) Não chore, você não deveria chorar quando foi tão cruel fincando o picador de gelo que me serviu uísque no crânio de minha mulher. No Michigan tem pena de morte?
(momento de silêncio e choro)
JORDAN: Sabe, eu adoro aqueles programas de investigação criminal, aprendemos muito com eles. E vejo de onde você tirou a ideia, é genial, de fato. Você queria sangue, mas não ao ponto de fazer muitas evidências, você queria que a casa contasse sua história. Um conflito entre verdade e mentira; a cena na minha sala de estar deixava óbvio que Lorraine não poderia aguentar muitas horas até que a polícia a encontrasse, o que fazia a atenção ir para hospitais, necrotérios, uma busca calculada por lugares próximos.
(silêncio)
JORDAN: Transformar o pobre marido em principal suspeito quando ele estava drogado no andar de cima, isso também foi cruel...
DONNA: E quanto ao seu DNA, como você fez isso?
JORDAN: Eu? Bom se eu tivesse feito... Camadas extras de roupas limpas e lavadas com alvejante, luvas esterilizadas, não precisaria me proteger tanto. E puxa, foi um susto quando aquela loira siliconada encontrou as mudas de roupas! O fato de ser marido de Lorraine ajudou, tínhamos acabado de transar em frente a lareira, bom, foi quase isso. Então, seria normal se ela tivesse meu sêmen, resíduos de pele por debaixo das unhas ou pelo corpo. (pausa) É tudo tão atrativo naqueles programas, você já assistiu? (pausa novamente) Lorraine morreria de qualquer forma, ela vinha ingerindo grandes quantidades de propranolol, isso teria a matado mesmo. Mas então ela surtou e se estivermos falando de como eu teria feito, eu teria que acabar com nosso joguinho mais cedo.
DONNA: As peças não se encaixam, acharam sangue em meu carro, mas naquela noite você não chegou perto dele. Como levou o corpo de Lorraine, como enterrou com todos os holofotes em você?
JORDAN: Isso é o que te perturba? O sangue no porta-malas foi de um pequeno frasco que guardei como lembrança e, sendo sincero, você não é do tipo que aguenta tomar vários drinques.
— Pronto, nós temos a confissão, não vamos deixar minha cliente suportar mais um segundo com esse maluco. — O advogado nos olha querendo uma posição nossa.
— Ele deu detalhes que não foram expostos no processo — o promotor diz me olhando.
— Esperem.
— Vamos acabar com isso. Eu sabia que esse verme era o culpado, deveria ser promovido depois disso! — Cliven retruca.
JORDAN: Sempre soube que morar perto do lago e cercado de árvores traria algum benefício.
(choro)
DONNA: Do que você está falando?
JORDAN: Você perguntou como tudo terminou, como ela chegou ao descanso final? Então, isso foi bem irritante, a cova já estava pronta, você foi espertar em armar tudo com muito cuidado e semanas antes...
DONNA: EU NÃO FIZ NADA!
JORDAN: Que seja, primeiro tive que deixá-la escondida no meio da floresta, bem perto de casa, foi um risco enorme. Os policiais ainda cercavam o local e confesso que eu ter que me afastar me deixou realmente receoso. O tarado do vizinho chamou bem mais cedo a polícia do que eu imaginei, se não tivesse sido por isso, ela estaria mais cedo na cova. O fato de Lorraine também ter sido uma puta traiçoeira ajudou, plantou sementes para que a polícia desconfiasse do seu amante, me deixando sair ileso. E, claro, também teve os e-mails que Lorraine escreveu durante um surto e outro enquanto estava drogada pelo propranolol. (risada) Eu planejei isso durante meses, nada iria sair errado.
DONNA: Eu tenho nojo de você, você é um monstro!
(risada)
JORDAN: Tadinha da Donna, ela transou com um monstro, o bicho-papão fodeu tão gostoso que ela gemia e pedia por mais, cada vez mais. A culpa não é minha se você nunca olhou realmente para mim.
— Cristo! — escuto um dos meus colegas dizer.
Olho para os homens ao meu lado e todos tinham a mesma expressão: horror. Aquele homem contava sobre um ato abominável como se tivesse contando um conto de fadas.
DONNA: Não quero escutar mais nada!
JORDAN: Você quer sim, o final é o melhor! Você sabia que o corpo depois da morte libera os próprios fluídos, com isso, mesmo sendo arrastada durante a noite pela mata, quando finalmente joguei seu corpo na cova Lorraine não se parecia nem um pouco com a foto sorridente e superior que a polícia tinha espalhado por todos os lugares... Então, bastou acrescentar o pingente que havia tirado de sua corrente, uns fios de seu cabelo retirados de sua escova do banheiro, entre os dedos fechados de minha esposa. E lá estava, cubro o corpo com terra, pedras e alguns galhos. Quando terminei, Lorraine tinha se tornado apenas mais um corpo.
— Vamos prender esse psicopata — digo.
Arrancamos os fones, indo até a sala onde Donna estava com Jordan e ao abrir a porta apontando minha arma para a cara dele, vi surpresa, ele realmente acreditou que sua confissão tinha ficado só entre eles, que só Donna saberia realmente a verdade.
— Jordan Mattil você está preso pelo assassinato de Lorraine Mattil, você tem o direito de permanecer calado, tudo que disser pode e será usado contra você no tribunal. Você tem direito a um advogado, se não tiver condições o estado designará um a você. Entendeu seus direitos? — Cliven reforça apertando as algemas nos pulsos de Jordan.
— Você foi engolido pelo seu ego, seu grande ego de psicopata — digo.
Ele exibe um sorriso traiçoeiro nos lábios. — Teria sido o crime perfeito. — Dá uma pequena olhada para Donna que ainda chorava amparada por seu advogado — Devia ter aumentado a cova.
A. K. Raimundi
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