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Este livro apresenta, com uma linguagem simplificada, os princípios que controlam o Universo. Hawking autor do bestseller 'Uma breve história do tempo' é um dos mais influentes pensadores de nosso tempo, escreve a respeito de sua busca para a descoberta da Teoria de Tudo, faz uma viagem através do espaço-tempo, leva o leitor a descobrir segredos do Universo e revela uma de suas mais emocionantes aventuras intelectuais enquanto procura 'combinar a teoria da relatividade de Einstein e a idéia das histórias múltiplas de Feynman em uma teoria unificada completa que descreverá tudo que acontece no Universo'.
BREVE HISTORIA DA RELATIVIDADE
Como Einstein formulou as bases das duas teorias fundamentais do século XX: a relatividade geral e a teoria quântica.
Albert ElNSTEIN, o descobridor das teorias especial e geral da Relatividade, nasceu no Ulm, Alemanha, em 1879, mas ao ano seguinte a família se deslocou a Munique, onde seu pai, Hermann, e seu tio, Jakob, estabeleceram um pequeno e não muito próspero negócio de eletricidade. Albert não foi um menino prodígio, mas as afirmações de que tirava muito más notas escolar parecem ser um exagero. Em 1894, o negócio paterno quebrou e a família se transladou a Melam. Seus pais decidiram que deveria ficar para terminar o curso escolar, mas Albert odiava o autoritarismo de sua escola e, ao cabo de poucos meses, deixou-a para reunir-se com sua família na Itália. Posteriormente, completou sua educação em Zurique, onde se graduou na prestigiosa Escola Politécnica Federal, conhecida como ETH, em 1900. Seu aspecto discutidor e sua aversão à autoridade não foi muito apreciado entre os professores da ETH e nenhum deles lhe ofereceu um posto de assistente, que era a rota normal para começar uma carreira acadêmica. Dois anos depois, conseguiu um posto de trabalho no escritório na Suíça de patentes em Berna. Foi enquanto ocupava este posto que, em 1905, escreveu três artigos que lhe estabeleceram como um dos principais cientistas do mundo e iniciou duas revoluções conceituadas revoluções que trocaram nossa compreensão do tempo, do espaço, e da própria realidade.
No final do século XIX, os cientistas acreditavam achar-se próximos a uma descrição completa da natureza. Imaginavam que o espaço estava cheio de um meio contínuo denominado o «éter». Os raios de luz e os sinais de raio eram ondas neste éter, tal como o som consiste em ondas de pressão no ar. Tudo o que faltava para uma teoria completa eram medições cuidadosas das propriedades elásticas do éter. De fato, avançando-se a tais medições, o laboratório Jefferson da Universidade do Harvard foi construído sem nenhum prego de ferro, para não interferir com as delicadas medições magnéticas. Entretanto, os desenhistas esqueceram que os tijolos avermelhados com que estão construídos o laboratório e a maioria dos edifícios de Harvard contêm grandes quantidades de ferro. O edifício ainda é utilizado na atualidade, embora em Harvard não estão ainda muito seguros de quanto peso pode sustentar o piso de uma biblioteca sem pregos de ferro que o sustentam.
No final do século, começaram a aparecer discrepâncias com a idéia de um éter que o enchesse todo, acreditava-se que a luz se propagaria pelo éter com uma velocidade fixa, mas que se um observador viajava pelo éter na mesma direção que a luz, a velocidade desta lhe pareceria menor, e se viajava em direção oposta a da luz, sua velocidade lhe pareceria maior.
Entretanto, uma série de experimentos não conseguiu confirmar esta idéia. Os experimentos mais cuidadosos e precisos foram os realizados pelo Albert Michelson e Edward Morley na Case School of Applied Science, em Cleveland, Ohio, em 1887, em que compararam a velocidade da luz de dois raios mutuamente perpendiculares. Quando a Terra gira sobre seu eixo e ao redor do Sol, o aparelho se desloca pelo éter com rapidez e direção variáveis. Mas Michelson e Morley não observaram diferenças diárias nem anuais entre as velocidades de ambos os raios de luz. Era como se esta viajasse sempre com a mesma velocidade com respeito ao observador, fosse qual fosse a rapidez e a direção em que este se estivesse movendo.
Apoiando-se no experimento do Michelson-Morley, o físico irlandês George Fitzgerald e o físico holandês Hendrik Lorentz sugeriram que os corpos que se deslocam pelo éter se contrairiam e o ritmo de seus relógios diminuiria. Esta contração e esta diminuição do ritmo dos relógios seria tal que todos os observadores mediriam a mesma velocidade da luz, independentemente de seu movimento em relação ao éter. (Fitzgerald e Lorentz ainda o consideravam como uma substância real). Entretanto, em um artigo publicado em junho de 1905, Einstein sublinhou que se não podermos detectar se nos movemos ou não no espaço, a noção de um éter resulta redundante. Em seu lugar, formulou o postulado de que as leis da ciência deveriam parecer as mesmas a todos os observadores que se movessem livremente. Em particular, todos deveriam medir a mesma velocidade da luz, independentemente da velocidade com que se estivessem movendo. A velocidade da luz é independente do movimento do observador e tem o mesmo valor em todas direções.
Isto exigiu abandonar a idéia de que há uma magnitude universal, chamada tempo, que todos os relógios podem medir. Em vez disso, cada observador teria seu próprio tempo pessoal. Os tempos de duas pessoas coincidiriam se ambas estivessem em repouso uma em relação à outra, mas não se estivessem deslocando-se uma em relação à outra.
Isto foi confirmado por numerosos experimentos, num dos quais se fez voar ao redor da Terra e em sentidos opostos dois relógios muito precisos que, ao retornar, indicaram tempos ligeiramente diferentes. Isto poderia sugerir que se queríamos viver mais tempo, deveríamos nos manter voando para o este, de maneira que a velocidade do avião se somasse a da rotação terrestre. Mas, a pequena fração de segundo que ganharíamos assim, perderíamos de sobras por culpa da alimentação servida nos aviões.
O postulado de Einstein de que as leis da natureza deveriam ter o mesmo aspecto para todos os observadores que se movessem livremente constituiu a base da teoria da relatividade, chamada assim porque supunha que só importava o movimento relativo. Sua beleza e simplicidade cativaram a muitos pensadores, mas também suscitaram muita oposição. Einstein tinha destronado dois dos absolutos da ciência do século XIX: o repouso absoluto, representado pelo éter, e o tempo absoluto ou universal que todos os relógios deveriam medir. Para muita gente, esta idéia resultou inquietante; perguntava-se se implicava que tudo era relativo, que não havia regras morais absolutas. Este desgosto perdurou ao longo das décadas de 1920 e 1930. Quando Einstein foi galardoado com o prêmio Nobel de Física em 1921, a citação se referiu a trabalhos importantes, mas comparativamente menores (respeito a outras de suas contribuições), também desenvolvidos em 1905. Não se fez menção alguma à relatividade, que era considerada muito controvertida. (Ainda recebo duas ou três cartas por semana me contando que Einstein estava equivocado). Não obstante, a teoria da relatividade é completamente aceita na atualidade pela comunidade científica, e suas predições foram verificadas em incontáveis aplicações.
Uma conseqüência muito importante da relatividade é a relação entre massa e energia. O postulado de Einstein de que a velocidade da luz deve ser a mesma para qualquer espectador implica que nada pode mover-se com velocidade maior que ela. O que ocorre é que se utilizarmos energia para acelerar algo, seja uma partícula ou uma espaçonave, sua massa aumenta, tornando-se mais difícil segui-la acelerando. Acelerar uma partícula até a velocidade da luz seria impossível, porque exigiria uma quantidade infinita de energia. A massa e a energia são equivalentes, tal como se resume na famosa equação de Einstein E=mc2. É, provavelmente, a única equação da física reconhecida na rua. Entre suas conseqüências houve o advertir que se um núcleo de urânio se fisiona em dois núcleos com uma massa total ligeiramente menor, liberará uma tremenda quantidade de energia.
Em 1939, quando se começava a vislumbrar a perspectiva de outra guerra mundial, um grupo de cientistas conscientes destas implicações persuadiram Einstein de que deixasse de lado seus escrúpulos pacifistas e apoiasse, com sua autoridade, uma carta ao presidente Roosevelt urgindo aos Estados Unidos a empreender um programa de investigação nuclear.
Isto conduziu ao projeto Manhattan e, por último, às bombas que explodiram sobre Hiroshima e Nagasaki em 1945. Algumas pessoas acusaram Einstein da bomba porque ele descobriu a relação entre massa e energia,- mas isto seria como acusar Newton dos acidentes de aviação porque descobriu a gravidade. O mesmo Einstein não participou do projeto Manhattan e ficou horrorizado pelo lançamento da bomba.
Com seus artigos revolucionários de 1905, a reputação científica de Einstein ficou bem estabelecida, mas até 1909 não foi devotado um posto na Universidade de Zurique, que lhe permitiu deixar o escritório na Suíça de patentes. Dois anos depois, transportou-se para universidade alemã de Praga, mas retornou a Zurique em 1912, desta vez a ETH. Apesar de que o anti-semitismo estava muito estendido em grande parte da Europa, inclusive nas universidades, ele converteu-se em uma figura acadêmica muito apreciada. Chegaram-lhe ofertas de Viena e de Utrecht, mas decidiu aceitar uma cargo de investigador na Academia Prussiana de Ciências em Berlim, porque lhe liberava das tarefas docentes. Deslocou-se a Berlim em abril de 1914 e pouco depois se reuniram com ele sua mulher e seus dois filhos. Entretanto, o matrimônio não funcionava muito bem, e sua família não demorou para retornar a Zurique. Embora visitando-os em algumas ocasiões, Einstein e sua mulher acabaram por divorciar-se. Mais tarde, Einstein se casou com sua prima Elsa, que vivia em Berlim. O fato de que passasse os anos de guerra como um solteiro, sem obrigações domésticas, poderia ser uma das razões pelas quais este período lhe resultou tão produtivo cientificamente.
Embora a teoria da relatividade encaixava muito bem com as leis que governam a eletricidade e o magnetismo, não resultava compatível com a teoria de Newton da gravitação. Desta lei segue que modificando-se a distribuição de matéria em uma região do espaço, a mudança do campo gravitacional deveria notar-se imediatamente em qualquer parte no universo. Isto não só significaria a possibilidade de enviar sinais com velocidade maior que a da luz (o qual está proibido pela relatividade), para saber o que significa instantâneo, também exigiria a existência de um tempo absoluto ou universal, que a relatividade tinha abolido em favor de um tempo pessoal.
Einstein já era consciente desta dificuldade em 1907, quando ainda estava no escritório de patentes da Berna, mas até estar em Praga em 1911 não começou a pensar seriamente nela. Deu-se conta de que há uma relação profunda entre aceleração e campo gravitacional. Alguém que se achasse no interior de uma caixa fechada, como por exemplo um elevador, não poderia dizer se esta estava em repouso no campo gravitacional terrestre ou se estava sendo acelerada por um foguete no espaço livre. (Naturalmente, isto se passava antes da época do Star Trek, pelo qual Einstein imaginou a gente em elevadores e não em naves espaciais). Mas, não podemos acelerar ou cair livremente muito tempo em um elevador sem que se produza um desastre.
Se a Terra fosse plana, tanto poderíamos dizer que a maçã caiu sobre a cabeça de Newton devido à gravidade, ou devido a Newton e a superfície da Terra estarem acelerando para cima. Não obstante, esta equivalência entre aceleração e gravidade não parecia funcionar para uma Terra esférica — já que observadores que estivessem nas antípodas deveriam estar acelerando-se em sentidos opostos, mas permanecendo de uma vez à mesma distância entre si.
Entretanto, com sua volta a Zurique em 1912, Einstein teve a idéia genial de que tal equivalência funcionaria se a geometria do espaço-tempo fosse curva em lugar de plana, como se tinha suposto até então. Sua idéia consistiu em que a massa e a energia deformariam o espaço-tempo de uma maneira ainda por determinar. Os objetos como as maçãs ou os planetas tentariam mover-se em linhas retas pelo espaço-tempo, mas suas trajetórias pareceriam curvadas por um campo gravitacional porque o espaço-tempo é curvo.
Com a ajuda de seu amigo Marcel Grossman, Einstein estudou a teoria das superfícies e os espaços curvados que tinha sido desenvolvida, anteriormente, por Georg Friedrich Riemann como um trabalho de matemática abstrata; a Riemann nem lhe tinha ocorrido que pudesse resultar relevante no mundo real. Em 1913, Einstein e Grossman escreveram um artigo conjunto em que propuseram a idéia de que o que consideramos forças gravitacionais são só uma expressão do fato de que o espaço-tempo está curvo. Todavia, devido a um engano de Einstein (que era muito humano e, portanto, falível), não puderam achar as equações que relacionam a curvatura do espaço-tempo com seu conteúdo de massa e energia. Einstein seguiu trabalhando no problema em Berlim, sem estorvos domésticos e quase sem ser afetado pela guerra, até que finalmente deu com as equações corretas em novembro de 1915. Tinha falado de suas idéias com o matemático David Hilbert durante uma visita à Universidade da Gotinga no verão de 1915, e este achou, independentemente, as mesmas equações uns poucos dias antes que Einstein. Porém, como mesmo Hilbert admitiu, o mérito da nova teoria correspondia por completo ao Einstein, já que sua tinha sido a idéia de relacionar a gravidade com a deformação do espaço-tempo. É um tributo ao estado civilizado da Alemanha daquele tempo que estas discussões e intercâmbios científicos pudessem seguir-se realizando quase sem estorvos incluso durante a guerra. É um contraste muito grande com a época nazista de vinte anos mais tarde.
A nova teoria do espaço-tempo curvado foi denominada relatividade geral, para distinguir a da teoria original sem gravidade, que ficou conhecida depois como relatividade espacial. Foi confirmada de maneira espetacular em 1919, quando uma expedição britânica à África ocidental observou, durante um eclipse, uma ligeira curvatura da luz de uma estrela ao passar perto do Sol. Isto constituía uma evidência direta de que o espaço e o tempo são deformados, e provocou a maior mudança em nossa percepção do universo desde que Euclides escreveu seus Elementos de Geometria por volta de 300 A. C.
Na teoria geral da relatividade de Einstein, o espaço e o tempo passaram a ser de um mero cenário passivo em que se produzem os acontecimentos à participantes ativos na dinâmica do universo. Isto conduziu a um grande problema que se manteve na fronteira da física com o passar do século XX. O universo está cheio de matéria, e esta deforma o espaço-tempo de tal sorte que os corpos se atraem. Einstein achou que suas equações não admitiam nenhuma solução que descrevesse um universo estático, invariável no tempo. Em vez de abandonar este universo perdurável, em que tanto ele como a maioria da gente acreditavam, trocou suas equações lhes acrescentando um término denominado a constante cosmológica, que curvava o espaço-tempo no sentido oposto, de maneira que os corpos se repeliam. O efeito repulsivo da constante cosmológica poderia cancelar o efeito atrativo da matéria, e permitir assim, uma solução estática para o universo. Esta foi uma das grandes oportunidades perdidas da física teórica. Se Einstein se ativesse às suas equações originais, poderia haver predito que o universo deve estar expandindo ou contraindo. Assim sendo, a possibilidade de um universo dependente do tempo não foi tomada seriamente em consideração até as observações dos anos 1920 no telescópio de 100 polegadas do Monte Wilson.
Estas observações revelaram que quanto mais longe se acham as outras galáxias, com maior velocidade se separam de nós. O universo está expandindo-se, e a distância entre duas galáxias quaisquer aumenta regularmente com o tempo. Este descobrimento eliminou a necessidade de uma constante cosmológica que proporcionasse uma solução estática para o universo. Anos depois, Einstein disse que a constante cosmológica tinha sido o maior engano de sua vida. Agora, parece que poderia não se tratar de um engano, depois de tudo: observações recentes, descritas no Capítulo 3, sugerem que poderia haver, em efeito, uma pequena constante cosmológica.
A relatividade geral trocou completamente a análise sobre a origem e o destino do universo. Um universo estático poderia existir sempre, ou ter sido criado há certo tempo em seu estado presente. Mas, se as galáxias estão separando-se, isto significa que no passado deveriam ter estado mais juntas. Faz uns quinze mil e milhões de anos, deveriam estar umas sobre as outras e a densidade deveria ter sido muito elevada. Este estado foi denominado «átomo primitivo» pelo sacerdote católico Georges Lemaitre, que foi o primeiro a investigar a origem do universo que atualmente denominamos Big Bang ou grande explosão inicial.
Parece que Einstein nunca tomou a sério a grande explosão. Aparentemente, pensava que o modelo singelo de um universo em expansão uniforme deixaria de ser válido se os movimentos das galáxias retrocedessem, e que as pequenas velocidades laterais destas teriam evitado chocarem-se umas com as outras. Pensava que o universo deveria ter uma fase prévia de contração e que teria ricocheteado para a presente expansão ao chegar a uma densidade relativamente moderada. Todavia, atualmente sabemos para que as reações nucleares no universo primitivo produzissem as quantidades de elementos ligeiros que observamos a nosso redor, a densidade seria ao menos de umas dez toneladas por centímetro cúbico, e que a temperatura deve ter alcançado os dez mil e milhões de graus. Além disso, observações do fundo de microondas indicam que a densidade chegou, provavelmente, a um trilhão de trilhões de trilhões de trilhões de trilhões de trilhões (1 seguido de 72 zeros) de toneladas por centímetro cúbico. Atualmente, também sabemos que a teoria geral da relatividade de Einstein não permite que o universo rebote de uma fase de contração à expansão atual. Como veremos no Capítulo 2, Roger Penrose e eu conseguimos demonstrar que a relatividade geral prediz que o universo começou com a grande explosão, de maneira que a teoria de Einstein implica que o tempo teve um começo, embora nunca gostou desta idéia.
Einstein foi ainda mais relutante em admitir que a relatividade geral prediga que o tempo se acabará nas estrelas, muito pesadas quando chegam ao fim de suas vidas e não produzam já suficiente calor para rebater a força de sua própria gravidade, que tenta comprimi-las. Einstein pensava que por sorte as estrelas alcançariam um estado final, mas sabemos hoje que nenhuma configuração pode representar o estado final das estrelas de massa superior a duas vezes a massa do Sol. Tais estrelas continuarão encolhendo-se até converter-se em buracos negros, regiões do espaço-tempo tão deformadas que a luz não pode escapar delas.
Penrose e eu demonstramos que a relatividade geral prediz que o tempo deixará de transcorrer no interior dos buracos negros, tanto para a estrela como para o desafortunado astronauta que caia em seu interior. Todavia, tanto o começo como o final do tempo seriam situações em que as equações da relatividade geral não estariam definidas assim, a teoria não poderia predizer a que conduziria a grande explosão. Alguns viram isto como uma indicação da liberdade de Deus para começar o universo na forma que quisesse, mas outros (incluído eu) acreditam que o começo do universo deveria ser governado pelas mesmas leis que o regem nos outros instantes. Fizemos alguns progressos para este objetivo, tal como veremos no Capítulo 3, mas, ainda não compreendemos por completo a origem do universo.
O motivo de que a relatividade geral deixe de ser válida na grande explosão inicial é sua incompatibilidade com a teoria quântica, a outra grande revolução conceitual do começo do século XX. O primeiro passo para a teoria quântica se deu em 1900 quando Max Planck, em Berlim, descobriu que a radiação de um corpo vermelho só era explicável se a luz pudesse ser emitida e absorvida em pacotes discretos, chamados quanta. Num de seus revolucionários artigos, escrito em 1905 quando trabalhava no escritório de patentes, Einstein demonstrou que a hipótese quântica de Planck poderia explicar o que se conhece como efeito foto elétrico, a maneira em que alguns metais desprendem elétrons ao serem iluminados. Este efeito constitui a base dos modernos detectores de luz e câmaras de Televisão, e foi por este trabalho que Einstein recebeu o prêmio Nobel de física.
Einstein seguiu trabalhando na idéia quântica durante o ano de 1920, mas ficou profundamente perturbado pelo trabalho de Werner Heisenberg em Copenhagen, Paul Dirac em Cambridge e Erwin Schrödinger em Zurique, que desenvolveram uma nova imagem da realidade chamada mecânica quântica. As partículas pequenas já não tinham uma posição e uma velocidade bem definidas, mas sim quanto maior fosse a precisão com que se determinasse sua posição, menor seria a precisão com que poderíamos determinar sua velocidade, e vice-versa. Einstein ficou escandalizado por este elemento aleatório e imprevisível nas leis básicas, e nunca chegou a aceitar por completo a mecânica quântica. Seus sentimentos se resumem em sua famosa frase: «Deus não joga o jogo de dados». A maioria dos demais cientistas, entretanto, aceitaram a validade das novas leis quânticas porque explicavam um amplo domínio de fenômenos que não ficavam descritos previamente, e por seu acordo excelente com as observações. Certas leis constituem a base dos modernos desenvolvimentos em química, biologia molecular e eletrônica, e o fundamento da tecnologia que transformou o mundo no último meio século.
Em dezembro de 1932, consciente de que Hitler e os nazistas chegariam ao poder, Einstein abandonou a Alemanha e quatro meses depois renunciou a sua cidadania, e passou os últimos vinte anos de sua vida no Instituto de Estudos Avançados de Princeton, em Nova Pulôver.
Na Alemanha, os nazistas orquestraram uma campanha contra a «ciência judia» e os muitos cientistas alemães de origem judia,- esta é, em parte, a razão pela qual a Alemanha não conseguiu construir a bomba atômica. Einstein e a relatividade foram os principais motivos de tal campanha. Quando lhe informaram da publicação de um livro titulado 100 autores contra Einstein, replicou: «por que cem? Se estivesse equivocado, bastaria um sozinho.» Depois da segunda guerra mundial, urgiu aos aliados a estabelecer um governo mundial que controlasse a bomba atômica. Em 1948, foi oferecida a presidência do novo estado do Israel, mas declinou-a. Em certa ocasião disse: «A política é para o momento, mas uma equação é para a eternidade». As equações de Einstein da relatividade geral constituem sua melhor lembrança e epitáfio, e deveriam durar tanto como o universo.
O mundo trocou muito mais nos últimos cem anos que em qualquer século precedente. A razão disso não foram as novas doutrinas políticas ou econômicas, a não ser os grandes desenvolvimentos auspiciados pelos progressos nas ciências básicas. Quem poderia simbolizar melhor que Einstein tais progressos?
A FORMA DO TEMPO
A relatividade geral de Einstein dá forma ao tempo. Como reconciliar isto com a teoria quântica?
O que é o tempo? É uma corrente que flui sem parar e leva nossos sonhos, como diz uma velha canção? Ou é como uma via de ferrovia? Possivelmente tenha anéis e ramificações, e possa seguir avançando e, ainda assim, retornar a alguma estação anterior da linha.
Um autor do século XIX, Charles Lamb, escreveu: «Nada me produz tanta perplexidade como o tempo e o espaço. E entretanto, nada me preocupa menos que o tempo e o espaço, já que nunca penso neles». A maioria de nós não se preocupa com o tempo e o espaço, seja o que seja,- mas todos nos perguntamos em alguma ocasião o que é o tempo, como começou e aonde nos leva.
Qualquer teoria científica séria, sobre o tempo ou qualquer outro conceito, deveria em minha opinião estar apoiada na forma mais operativa de filosofia da ciência: a perspectiva positivista proposta pelo Karl Popper e outros. Segundo esta forma de pensar, uma teoria científica é um modelo matemático que descreve e codifica as observações que realizamos. Uma boa teoria descreverá um amplo domínio de fenômenos a partir de uns poucos postulados singelos, e efetuará predições definidas que poderão ser submetidas a prova. Se as predições concordarem com as observações, a teoria sobrevive à prova, embora nunca se possa demonstrar que seja correta. Contrariamente, se as observações diferirem das predições, devemos descartar ou modificar a teoria. (No mínimo, isto é o que se supõe que ocorre. Na prática, a gente questiona freqüentemente a precisão das observações, a confiabilidade e o aspecto moral dos que as realizaram). Se adotarmos a perspectiva positivista, como eu faço, não podemos dizer o que é realmente o tempo. Tudo o que podemos fazer é descrever o que vimos que constitui um excelente modelo matemático do tempo e dizer a que predições conduz.
Isaac Newton nos proporcionou o primeiro modelo matemático para o tempo e o espaço em seus Principia Mathematica, publicados em 1687. Newton ocupou a cadeira Louisiana de Cambridge que eu ocupo na atualidade, embora naquela época não funcionava eletronicamente. No modelo de Newton, o tempo e o espaço constituíam um fundo sobre o qual se produziam os sucessivos, mas que não era afetado por eles. O tempo estava separado do espaço e era considerado como uma linha reta, ou uma via de trem, infinita em ambas as direções. O próprio tempo era considerado eterno, no sentido de que sempre tinha existido e seguiria existindo sempre. Muita gente acreditava que o universo físico tinha sido criado mais ou menos no estado presente faz tão somente uns poucos milhares de anos. Isto desconcertava alguns filósofos, como o pensador alemão Immanuel Kant. Se em efeito o universo tinha sido criado, por que se esperou tanto até a criação? Por outro lado, se o universo tinha existido sempre, por que já não ocorrera tudo o que tinha que ocorrer, quer dizer, por que a história não tinha terminado já? Em particular, por que o universo não tinha alcançado o equilíbrio térmico, com todas suas partes à mesma temperatura?
Kant denominou este problema «antinomia da razão pura», porque parecia constituir uma contradição lógica, não tinha solução. Mas, resultava uma contradição só dentro do contexto do modelo matemático newtoniano, em que o tempo era uma linha infinita, independente do que estivesse ocorrendo no universo. Entretanto, como vimos no Capítulo 1, em 1915 Einstein propôs um modelo matemático completamente novo: a teoria geral da relatividade. Nos anos transcorridos desde seu artigo, acrescentamos alguns refinamentos ornamentais, porém nosso modelo de tempo e de espaço segue -se apoiado nas propostas de Einstein. Este capítulo e os seguintes descreverão como evoluíram nossas idéias do artigo revolucionário de Einstein. Trata-se da história do êxito do trabalho de um grande número de pessoas, e me sinto orgulhoso de ter dado uma pequena contribuição a ela.
A relatividade geral combina a dimensão temporária com as três dimensões espaciais para formar o que se chama espaço-tempo. A teoria incorpora os efeitos da gravidade, afirmando que a distribuição de matéria e energia no universo deforma e distorce o espaço-tempo, de maneira que já não é plano. Os objetos tentam mover-se em trajetórias retilíneas no espaço-tempo, mas como este está deformado, suas trajetórias parecem curvadas: movem-se como se estivessem afetados por um campo gravitacional.
Uma tosca analogia da situação, que não devemos tomar muito ao pé da letra, consiste em imaginar uma lâmina de borracha. Podemos depositar sobre ela uma bola grande que represente o Sol. O peso da bola afundará ligeiramente a lâmina e fará que esteja curvada nas proximidades do Sol. Agora se rodamos pequenas bolinhas sobre a lâmina, não a percorrerão em linha reta, mas sim girarão ao redor do objeto pesado, como os planetas orbitam ao redor do Sol.
A analogia é incompleta porque nela tão somente está curvada uma seção dimensional do espaço (a superfície da lâmina de borracha), mas o tempo fica sem perturbar, como na teoria newtoniana. Mas, na teoria da relatividade, que concorda com um grande número de experimentos, o tempo e o espaço estão inextricáveis entrelaçados. Não podemos curvar o espaço sem envolver deste modo o tempo, portanto, o tempo adquire uma forma. Ao curvar o tempo e o espaço, a relatividade geral os converte em participantes dinâmicos do que ocorre no universo, em lugar de considerá-los como um mero cenário passivo em que ocorrem os acontecimentos. Na teoria newtoniana, em que o tempo existia independentemente de todo o resto, podia-se perguntar: que fazia Deus antes de criar o universo? Como disse São Agustin, não deveríamos brincar com estas questões, como o homem que disse «estava preparando o inferno para que pusessem perguntas muito complicadas». É uma pergunta séria que a gente se expôs ao longo de todas as épocas. Segundo São Agustin, antes que Deus fizesse o céu e a Terra não fazia nada absolutamente. De fato, esta visão resulta muito próxima às idéias atuais.
Na relatividade geral, o tempo e o espaço não existem independentemente do universo ou separadamente um do outro. Estão definidos por medidas efetuadas dentro do universo, como o número de vibrações de um cristal de quartzo de um relógio ou a longitude de uma cinta métrica. É facilmente concebível que um tempo definido deste modo, no interior do universo, deve ter tido um valor mínimo ou um valor máximo —em outras palavras, um começo ou um final—. Não teria sentido perguntar o que ocorreu antes do começo ou depois do fim, porque tais tempos não estariam definidos.
Claramente, seria importante decidir se o modelo matemático da relatividade geral predizia que o universo, e o próprio tempo, tivessem um começo ou um final. O prejuízo geral entre os físicos teóricos, incluindo o próprio Einstein, era que o tempo deveria ser infinito em ambas as direções; senão, seriam expostas questões embaraçosas sobre a criação do universo, que pareciam achar-se mais à frente do domínio da ciência. Conheciam-se soluções das equações de Einstein em que o tempo tinha um começo ou um final, todavia todas elas eram muito especiais, com um grau muito elevado de simetria. Acreditava-se que nos objetos reais que se paralisassem sob a ação de sua própria gravidade, a pressão ou os efeitos das velocidades laterais impediriam que toda a matéria caísse ao mesmo ponto e a densidade se fizesse infinita. Analogamente, se a expansão do universo retrocedesse, encontrar-se-ia que nem toda a matéria do universo emergiria de um ponto de densidade infinita. Tal ponto de densidade infinita se denomina uma singularidade e constituiria um começo ou um final do tempo.
Em 1963, dois cientistas russos, Evgenii Lifshitz e Isaac Khalatnikov, afirmaram ter demonstrado que todas as soluções das equações de Einstein, que possuem uma singularidade, deveriam ter uma distribuição muito especial de matéria e de velocidade. A probabilidade de que a solução que representa o universo tivesse esta disposição especial era virtualmente nula. Quase nenhuma das soluções que poderiam representar o universo possuiria uma singularidade com uma densidade infinita. Antes da etapa de expansão do universo, haveria uma fase de contração durante a qual toda a matéria foi se acumulando, mas, sem chegar a chocar consigo mesma, separando-se de novo na fase atual de expansão. Se este fosse o caso, o tempo seguiria para sempre, de um passado infinito a um futuro infinito.
Nem todos ficaram convencidos pelos argumentos de Lifshitz e Khalatnikov. Roger Penrose e eu adotamos uma perspectiva diferente, apoiada não no estudo de soluções detalhadas, porém, na estrutura global do espaço-tempo. Na relatividade geral, o espaço-tempo é curvado não só pelos objetos com massa, mas também pelo conteúdo em energia. Esta sempre é positiva, pelo qual confere ao espaço-tempo uma curvatura que desvia os raios de luz uns para os outros.
Consideremos agora o cone de luz correspondente a nosso passado, quer dizer, as trajetórias, no espaço-tempo, dos raios de luz de galáxias distantes que estão chegando no presente. Em um diagrama no qual o tempo corresponda ao eixo vertical e o espaço aos eixos perpendiculares a este, tais trajetórias acham-se no interior de um cone cujo vértice, ou ponta, acha-se em nós. À medida que vamos para o passado, baixando do vértice do cone, vemos galáxias de tempos cada vez mais anteriores. Como o universo expandiu-se e tudo estava muito mais próximo entre si, à medida que olhamos um futuro mais distante contemplamos regiões de densidade de matéria cada vez maior. Observamos um tênue fundo de radiação de microondas que se propaga para nós pelo cone de luz do passado e que procede de um tempo muito anterior, quando o universo era muito mais denso e quente que na atualidade. Sintonizando receptores às diferentes freqüências das microondas, podemos medir seu espectro (a distribuição da potência em função da freqüência) desta radiação. Achamos um espectro que é característico da radiação de um corpo com uma temperatura de 2,7 graus sobre o zero absoluto. Esta radiação de microondas não resulta muito adequada para descongelar uma pizza, mas o fato de que seu espectro concorde tão exatamente com o da radiação de um corpo a 2,7 graus indica que a radiação deve proceder de regiões opacas às microondas. Assim, podemos concluir que o cone de luz de nosso passado deve atravessar uma certa quantidade de matéria ao ir retrocedendo no tempo. Esta quantidade de matéria é suficiente para curvar o espaço-tempo de maneira que os raios de luz de tal cone do passado estejam curvados uns para os outros.
À medida que retrocedemos no tempo, as seções transversais do cone de luz de nosso passado alcançam um tamanho máximo e começam a diminuir de novo. Nosso passado tem forma de pêra.
Quando retrocedemos ainda mais para o passado, a densidade de energia positiva da matéria faz que os raios de luz se curvem uns para os outros mais fortemente. A seção transversal do cone de luz se reduzirá ao tamanho zero em um tempo finito. Isso significa que toda a matéria do interior de nosso cone de luz do passado está apanhado em uma região cuja fronteira tende a zero, portanto, não resulta muito surpreendente que Penrose e eu conseguíssemos demonstrar que no modelo matemático da relatividade geral, o tempo deve ter tido um começo que denominamos grande explosão inicial ou Big Bang). Argumentos análogos demonstram que o tempo teria um final, quando as estrelas ou as galáxias se paralisassem sob a ação de sua própria gravidade e formassem um buraco negro. Tínhamos esquivado a antinomia da razão pura de Kant eliminando sua hipótese implícita de que o tempo tinha sentido independentemente do universo. O artigo em que demonstrávamos que o tempo teve um começo ganhou o segundo prêmio de um concurso patrocinado pela Gravity Research Foundation em 1968, e Roger e eu compartilhamos a principesca soma de 300 dólares. Não acredito que os outros ensaios premiados aquele ano tenham tido um interesse muito duradouro.
Nosso trabalho suscitou reações diversas: incomodou muitos físicos, mas entusiasmou aos dirigentes religiosos que acreditavam em um ato de criação, para o qual viam aqui uma demonstração científica. Enquanto isso, Lifshitz e Khalatnikov ficaram em uma posição bastante embaraçosa. Não achavam argumentos contra os teoremas matemáticos que tínhamos demonstrado, porém, no sistema soviético não podiam admitir que se equivocaram e que a ciência ocidental tinha razão. Entretanto, salvaram a situação ao achar uma família mais geral de soluções com singularidade, que não eram especiais no sentido em que o eram suas soluções anteriores. Isso lhes permitiu afirmar que as singularidades, e o começo ou o final do tempo, eram um descobrimento soviético.
Muitos físicos seguiam rechaçando instintivamente a idéia de que o tempo tivesse um começo ou um final. Por isso, sublinharam que não se podia esperar que o modelo matemático constituíra uma boa descrição do espaço-tempo perto de uma singularidade. A razão é que a relatividade geral, que descreve a força gravitacional, é uma teoria clássica, como dissemos no Capítulo 1, a qual não incorpora a incerteza da teoria quântica que rege todas as outras forças as quais conhecemos. Esta inconsistência não tem importância na maior parte do universo nem durante a maior parte do tempo, porque a escala correspondente à curvatura do espaço-tempo é muito grande e a escala em que os efeitos quânticos começam a resultar relevantes é muito pequena. Mas, perto de uma singularidade ambas as escalas seriam comparáveis e os efeitos gravitacionais quânticos seriam importantes. Por isso, o que os teoremas de singularidade de Penrose e meu estabeleciam realmente era que nossa região clássica de espaço-tempo está limitada no passado, e provavelmente no futuro, por regiões em que a gravidade quântica é relevante. Para compreender a origem e o destino do universo, necessitamos uma teoria quântica da gravitação, que será o tema da maior parte deste livro.
As teorias quânticas de sistemas como os átomos, com um número finito de partículas, foram formuladas nos anos 1920 por Heisenberg, Schrödinger e Dirac. (Dirac foi outro de meus antecessores na cadeira de Cambridge, quando ainda não estava motorizada). Entretanto, deparavam-se com dificuldades quando estendiam-se as idéias quânticas aos campos de Maxwell, que descrevem a eletricidade, o magnetismo e a luz.
Podemos imaginar os campos de Maxwell como constituídos por ondas de diferentes longitudes (a distância entre duas cristas consecutivas da onda). Em uma onda, os campos oscilam de um valor a outro como um pêndulo.
Segundo a teoria quântica, o estado fundamental, ou estado de energia mais baixa de um pêndulo não é aquele em que está em repouso abaixo. Este estado teria, simultaneamente, uma posição e uma velocidade bem definidas, ambas de valor nulo. Isso constituiria uma violação do princípio de incerteza, que proibe a medição precisa simultânea da posição e da velocidade. A incerteza na posição, multiplicada pela incerteza no ímpeto (velocidade por massa) deve ser maior que uma certa quantidade, conhecida como constante de Planck —um número cuja escritura resulta muito larga, pelo qual utilizaremos para ele um símbolo ‘th’.
Assim, o estado fundamental ou estado de energia mais baixa de um pêndulo não tem energia nula, como esperava-se, mas sim, inclusive em seu estado fundamental, um pêndulo ou qualquer sistema oscilante deve ter uma certa quantidade mínima do que se denomina flutuações do ponto zero. Estas implicam que o pêndulo não apontará necessariamente para baixo, mas haverá uma certa probabilidade de achá-lo formando um pequeno ângulo com a vertical. Analogamente, inclusive no vazio ou estado de energia mais baixa, as ondas dos campos do Maxwell não serão exatamente nulas, porém terão um tamanho pequeno. Quanto maior for a freqüência (número de oscilações por minuto) do pêndulo ou da onda, maior será a energia de seu estado fundamental.
Cálculos das flutuações do estado fundamental dos campos de Maxwell e dos elétrons demonstraram que a massa e a carga aparentes do elétron seriam infinitas, contra o que indicam as observações. Entretanto, nos anos 1940, os físicos Richard Feynman, Julian Schwinger e Shin'ichiro Tomonaga desenvolveram um método consistente de eliminação ou «subtração» destes infinitos para ficar só com os valores finitos observados da massa e da carga. Ainda assim, as flutuações no estado fundamental seguiam causando pequenos efeitos que podiam ser medidos e concordavam com as predições. Alguns esquemas de subtrações parecidos conseguiam eliminar os infinitos no caso dos campos de Yang-Mills, na teoria proposta por Chen Ning Yang e Robert Mills. Tal teoria é uma extensão da teoria de Maxwell para descrever as interações de outras duas forças chamadas força nuclear forte e nuclear fraca. Todavia, as flutuações do estado fundamental têm efeitos muito mais sérios em uma teoria quântica da gravidade. De novo, cada longitude de onda teria uma certa energia no estado fundamental. Como não há limite inferior ao valor das longitudes de onda dos campos de Maxwell, em qualquer região do espaço-tempo haverá um número infinito de longitudes de onda e a energia do estado fundamental será infinita. Posto que a densidade de energia é, tal como a matéria, uma fonte de gravitação, esta densidade infinita de energia implicaria que no universo há suficiente atração gravitacional para curvar o espaço-tempo em um só ponto, o que evidentemente não aconteceu.
Poderíamos esperar resolver o problema desta contradição aparente entre a observação e a teoria dizendo que as flutuações do estado fundamental não têm efeitos gravitacionais, mas isso não funciona. Podemos detectar a energia das flutuações do estado fundamental no efeito Cachemira. Se tivermos um par de placas metálicas paralelas e muito próximas entre si, seu efeito é reduzir ligeiramente o número de longitudes de onda que cabem entre as placas com respeito ao número de longitudes de onda no exterior. Isso significa que a densidade de energia das flutuações do estado fundamental entre as placas, embora seguindo-se infinita, é inferior à densidade de energia no exterior das mesmas, em uma pequena quantidade. Esta diferença de densidade de energia dá lugar a uma força atrativa entre as placas, que foi observada experimentalmente. Como na relatividade geral as forças constituem uma fonte de gravitação, tal como o é a matéria, seria inconsistente ignorar os efeitos gravitacionais desta diferença de energia.
Outra possível solução do problema consistiria em supor que há uma constante cosmológica, como a introduzida por Einstein em seu intento de obter um modelo estático do universo. Se esta constante tivesse um valor infinito negativo, poderia cancelar exatamente o valor infinito positivo da energia do estado fundamental no espaço livre, mas esta constante cosmológica parece muito ad hoc e teria que ser ajustada com um grau extraordinário de precisão.
Felizmente, nos anos 1970 tirou o chapéu um tipo totalmente novo de simetria que proporciona um mecanismo físico natural para cancelar quão infinitos surgem das flutuações do estado fundamental. A super simetria constitui uma característica dos modelos matemáticos modernos, que pode ser descrita de diferentes maneiras. Uma delas consiste em dizer que o espaço-tempo tem outras dimensões adicionais além das que percebemos. Chamam-se dimensões do Grassmann, porque são expressas em números chamados variáveis de Grassmann em vez de números ordinários. Os números ordinários comutam, quer dizer, tanto faz a ordem em que os multipliquemos: 6 por 4 ou 4 por 6, mas as variáveis do Grassmann anti comutam: “x por e” é o mesmo que “-e pelo X”.
A super simetria foi utilizada pela primeira vez para eliminar os infinitos dos campos de matéria e do Yang-Mills em um espaço-tempo no qual tanto as dimensões ordinárias como as de Grassmann eram planas, em vez de curvadas. Mas, resultava natural estendê-la a situações em que ambos os tipos de dimensões fossem curvadas. Isto conduziu a diversas teorias denominadas super gravidade, com diferentes graus de super simetria Uma conseqüência da super simetria é que cada campo ou partícula deveria ter um «super sócio» com um SPIN superior ou inferior em meio a seu próprio SPIN.
As energias do estado fundamental dos bosones (nome dado em homenagem a S.N.Bose e Einstein), campos cujo SPIN é um número inteiro (Ou, 1, 2, etc) são positivas. E, as energias do estado fundamental dos fermiones (nome dado em homenagem a Enrico Fermi e Dirac), campos cujo SPIN é um número semi-inteiro (1/2, 3/2, etc), são negativas. Como nas teorias de super gravidade há o mesmo número de bosones que de fermiones, os infinitos de ordem superiores se cancelam.
Restava a possibilidade de subsistirem sem cancelarem-se alguns infinitos de ordens inferiores. Ninguém teve a paciência necessária para calcular se estas teorias eram na verdade completamente finitas. Brincava-se que um bom estudante demoraria uns duzentos anos em comprová-las e, como poderíamos estar seguros de que não tinha cometido nenhum engano na segunda página dos cálculos? Mesmo assim, por volta de 1985 a maioria dos especialistas acreditava que quase todas as teorias de super gravidade estariam livres de infinitos.
Então, de repente, a moda mudou. A gente começou a dizer que não havia motivo para esperar que as teorias de super gravidade não contivessem infinitos, significando resultados fatalmente errôneos teoricamente. Proclamou-se então, que a única maneira de combinar a gravidade com a teoria quântica, era uma teoria chamada teoria super simétrica de cordas. As cordas, como homologa-se na vida cotidiana, são objetos unidimensionais extensos: só têm longitude. As cordas desta teoria movem-se no espaço-tempo de fundo, e suas vibrações são interpretadas como partículas.
Se a cordas tiverem dimensões de Grassmann e dimensões ordinárias, as vibrações corresponderão à bosones e fermiones. Neste caso, as energias positivas e negativas do estado fundamental cancelariam-se mutuamente, de maneira que não haveria infinitos de nenhuma ordem. Disse-se que as supercordas eram a Teoria de Tudo.
Os futuros historiadores da ciência acharão interessante explorar a mudança de maré de opinião entre os físicos teóricos. Durante alguns anos, as cordas reinaram sem rivais e a super gravidade foi menosprezada como uma simples teoria aproximada, válida tão somente a baixas energias. As qualidades de «baixas energias» eram consideradas particularmente detestáveis, embora neste contexto baixas energias significavam que as partículas teriam energias de menos um milhão de trilhões das partículas em uma explosão do TNT. Se a super gravidade era tão somente uma aproximação de baixa energia, não pretenderia ser a teoria fundamental do universo. Em seu lugar, supunha-se que a teoria subjacente era uma das cinco possíveis teorias de supercordas. Mas qual destas cinco teorias descrevia nosso universo? E, como formular a teoria de cordas além da aproximação em que estas são representadas como superfícies com uma dimensão espacial e outra temporal, deslocando-se em um espaço-tempo plano? Não curvariam, por sorte, cordas no espaço-tempo de fundo?
Nos anos seguintes a 1985, cada vez mais evidenciou-se que a teoria de cordas não era a descrição completa. Para começar, advertiu-se que as cordas são tão somente um membro de uma ampla classe de objetos que podem estender-se em mais de uma dimensão. Paul Townsend, que, como eu, é membro do Departamento de Matemática Aplicada e Física Teórica de Cambridge, e a quem devemos muitos dos trabalhos fundamentais sobre estes objetos, deu-lhes o nome de «p-branas». Uma p-brana tem longitude em “p” dimensões, assim, uma p= 1 brana é uma corda, uma p = 2 branas é uma superfície ou membrana, e assim sucessivamente. Não há motivo algum para favorecer o caso das cordas, com p = 1, sobre os outros possíveis valores de p, deveríamos assim, adotar o princípio da democracia das p-branas: todas as p-branas são iguais.
Todas as p-branas obter-se-iam como soluções das equações das teorias de super gravidade em 10 ou 11 dimensões. Embora 10 ou 11 dimensões parecem nada ter a ver com o espaço-tempo de nossa experiência, a idéia era que as outras 6 ou 7 dimensões estão enroladas em um raio de curvatura tão pequeno que não as observamos, só somos conscientes das quatro dimensões restantes, grandes e quase planas.
Devo dizer que, pessoalmente, resisti acreditar em dimensões adicionais. Todavia, como sou um positivista, a pergunta «existem realmente dimensões adicionais?» não tem nenhum significado para mim. Tudo o que podemos perguntar é se os modelos matemáticos com dimensões adicionais proporcionam uma boa descrição do universo. Ainda não contamos com nenhuma observação que requeira dimensões adicionais para ser explicada. Existe a possibilidade de que observemos no Grande Colisor de Hadrons LHC (Large Hadron Collider), de Genebra. Entretanto, o que convenceu a muita gente, incluindo-me, de que deveríamos tomar seriamente os modelos com dimensões adicionais é a existência de uma rede de relações inesperadas, chamadas dualidades, entre tais modelos. Estas dualidades demonstram que todos os modelos são essencialmente equivalentes, ou seja, seriam tão somente aspectos diferentes de uma mesma teoria subjacente que foi chamada teoria M. Não considerar esta rede de dualidades como um sinal de que estamos em bom caminho seria como acreditar que Deus pôs os fósseis nas rochas para enganar Darwin sobre a evolução da vida.
Estas dualidades demonstram que as cinco teorias de supercordas descrevem a mesma física, e que também são fisicamente equivalentes à super gravidade Não podemos dizer que as supercordas sejam mais fundamentais que a super gravidade, ou vice-versa, mas sim que são expressões diferentes da mesma teoria de fundo, cada uma das quais resulta útil para cálculos em diferentes tipos de situações. Como as teorias de cordas não têm infinitos resultam adequadas para calcular o que ocorre quando umas poucas partículas de altas energias colidem entre si e se pulverizam. No entanto, não são muito úteis para descreverem como a energia de um grande número de partículas curva o universo ou forma um estado ligado, como um buraco negro. Para estas situações é necessária a super gravidade, que é basicamente a teoria de Einstein do espaço-tempo curvado com alguns tipos adicionais de matéria. Esta é a imagem que utilizarei principalmente no que segue.
Para descrevermos como a teoria quântica configura o tempo e o espaço, introduziremos a idéia de um tempo imaginário. Tempo imaginário soa à ficção científica, mas é um conceito matematicamente bem definido: o tempo expresso no que chamamos números imaginários. Podemos considerar os números reais, por exemplo, 1, 2, -3,5 e outros, como a expressão de posições em uma reta que se estende da esquerda à direita: o zero no centro, os números reais positivos à direita e os números reais negativos à esquerda.
Os números imaginários podem representar-se então como se correspondessem às posições em uma linha vertical: o zero seguiria estando no centro, os números imaginários positivos estariam na parte superior e os imaginários negativos na inferior. Sendo assim, os números imaginários podem ser considerados como um novo tipo de números perpendiculares aos números reais ordinários. Como é uma suposição matemática não necessita de uma realização física: não podemos ter um número imaginário de laranjas, nenhum cartão de crédito com um saldo imaginário. Suponhamos que os números imaginários
são somente um jogo matemático que nada tem que ver com o mundo real. Da perspectiva positivista, entretanto, não determinamos o que é real. Tudo o que podemos fazer é achar que modelos matemáticos descrevem o universo em que vivemos. O resultado de um modelo matemático que intervenha num tempo imaginário prediz não só efeitos que já observamos, assim como outros efeitos que ainda não pudemos observar, mas nos quais acreditamos por outros motivos, portanto, o que é real e o que é imaginário? A diferença está tão somente em nossas mentes?
A teoria clássica (quer dizer, não quântica) da relatividade geral de Einstein combinava o tempo real e as três dimensões do espaço em um espaço-tempo quadridimensional. Mas a direção do tempo real se distinguia das três direções espaciais,- a linha de universo ou história de um observador sempre transcorria em direção crescente do tempo real (quer dizer, o tempo sempre transcorria do passado ao futuro), porém podia aumentar ou diminuir em quaisquer das três direções espaciais. Em outras palavras, podia-se inverter a direção no espaço, mas não no tempo.
Assim sendo, como o tempo imaginário é perpendicular ao tempo real, comporta-se como uma quarta dimensão espacial, portanto, pode exibir um domínio de possibilidades muito mais rico que a via de trem do tempo real ordinário, que só pode ter um começo, um fim, ou ir em círculos. É neste sentido imaginário que o tempo tem uma forma.
Para contemplar algumas das possibilidades, consideremos um espaço-tempo com tempo imaginário que tenha forma de esfera, como a superfície da Terra. Suponhamos que o tempo imaginário corresponda aos graus de latitude. Então, a história do universo em tempo imaginário começaria no pólo Sul. Não teria sentido perguntar: «o que ocorreu antes do começo?». Tais tempos simplesmente não estão definidos, como não estão os pontos mais ao sul do pólo Sul. O pólo Sul é um ponto perfeitamente regular da superfície da Terra, e nele se cumprem as mesmas leis que em todos outros pontos. Sugerindo que, no tempo imaginário, o começo do tempo seria um ponto regular do espaço-tempo sujeito às mesmas leis do resto do universo. (A origem e a evolução quântica do universo serão descritas no capítulo seguinte).
Outro possível comportamento ilustra-se no caso que o tempo imaginário corresponde aos graus de longitude na Terra. Todos os meridianos (linhas da mesma longitude) cortam-se nos pólos Norte e Sul. Assim, neles o tempo se detém, no sentido que um incremento do tempo imaginário, ou dos graus de longitude, deixa-nos no mesmo ponto. Semelhante à maneira como o tempo real detém-se no horizonte de um buraco negro. Demo-nos conta de que esta detenção do tempo real e imaginário (ou os dois se detêm ou nenhum deles o faz) significa que o espaço-tempo tem uma temperatura, tal como descobrimos nos buracos negros. Os buracos negros não só têm uma temperatura, mas também se comportam como se tivessem uma magnitude denominada entropia. A entropia é uma medida do número de estados internos (maneiras como poderíamos configurar seu interior) que o buraco negro possuiria sem parecer diferente a um observador exterior, o qual só pode observar sua massa, rotação e carga. A entropia do buraco negro vem de uma fórmula muito singela que descobri em 1974. É igual à área do horizonte do buraco negro: há um bit de informação sobre o estado interno do buraco negro por cada unidade fundamental de área de seu horizonte. Indicando que há uma conexão profunda entre a gravidade quântica e a termodinâmica, a ciência do calor (que inclui o estudo da entropia). Sugerindo também, que a gravidade quântica pode exibir a propriedade chamada holografia.
A informação sobre os estados quânticos em uma região do espaço-tempo seria codificada de algum modo na fronteira de tal região, que tem duas dimensões menos. Algo parecido ocorre com os hologramas, que contêm uma imagem tridimensional em uma superfície bidimensional. Se a gravidade quântica incorporar o princípio holográfico, significa que podemos seguir a pista do que há dentro dos buracos negros. Isto é essencial para capacitar-nos predizer a radiação que sai deles. Caso contrário, não poderemos predizer o futuro em tão alto grau como acreditávamos. Trataremos esta questão no Capítulo 4. A holografia será tratada de novo no Capítulo 7. Parece que viveríamos em 3-branas—uma superfície quadridimensional (três dimensões espaciais mais uma temporal)— que é a fronteira de uma região de cinco dimensões, com as restantes dimensões enroladas em uma escala menor. O estado do universo em tal membrana codificaria o que está passando na região de cinco dimensões.
O UNIVERSO EM UMA CASCA DE NOZ
O universo tem múltiplas histórias, cada uma delas determinada por uma diminuta noz
“Poderia estar encerrado em uma casca de noz e me sentir rei de um espaço infinito...”
Shakespeare, Hamlet, segundo ato, cena 2
Possivelmente Hamlet queria dizer que apesar da limitação física dos humanos , nossas mentes podem explorar com audácia todo o universo e chegar onde os protagonistas do Star Trek temeriam ir, se os pesadelos nos permitirem isso.
É o universo realmente infinito, ou apenas muito grande? E, é perdurável ou só terá uma vida muito extensa? Como poderiam nossas mentes finitas compreender um universo infinito? Não é presunçoso questionarmos sequer este propósito? Arriscamo-nos a sofrer o destino de Prometeu, que segundo a mitologia clássica roubou o fogo de Zeus para que os humanos utilizassem-no. Como castigo por esta temeridade foi encadeado a uma rocha onde uma águia devorava-lhe o fígado?
Apesar de todas estas precauções, acredito que podemos e devemos tentar compreender o universo. Já temos feito notáveis progressos na compreensão do cosmos, particularmente nos últimos poucos anos. Embora não tenhamos uma imagem completa, talvez ela não estivesse longínqua.
É óbvio que o espaço se prolonga indefinidamente, sendo confirmado por instrumentos modernos, como o telescópio Hubble, permitindo-nos sondar as profundidades do espaço. Vemos milhares de milhões de galáxias de diversas formas e tamanhos. Cada galáxia contém incontáveis milhões de estrelas, muitas das quais rodeadas por planetas. Vivemos em um planeta que gira ao redor de uma estrela em um braço exterior da galáxia espiral da Via Láctea. O pó dos braços espirais impede-nos de ver o universo no plano da galáxia, porém, em cada lado destes temos faces cônicas de linhas com boa visibilidade mostrando-nos as posições das galáxias. Achamos que estão uniformemente distribuídas no espaço, com algumas concentrações e vazios locais. A densidade de galáxias decresce à distâncias muito grandes, talvez em virtude de serem tão longínquas e tênues que não as observamos. Por isso, sabemos, o universo se prolonga sem fim no espaço.
Embora o universo pareça ter o mesmo aspecto em qualquer parte, muda decididamente com o tempo. Isto não foi advertido até os primeiros anos do século XX. Até então, acreditava-se que o universo era essencialmente constante no tempo. Poderia ter existido durante um tempo infinito, mas isto parecia conduzir a conclusões absurdas. Se as estrelas estivessem radiando durante um tempo infinito, esquentariam todo o universo até sua temperatura. Inclusive de noite, todo o universo seria tão brilhante como o Sol, porque cada linha de visão terminaria em uma estrela ou em uma nuvem de pó aquecida até a temperatura das estrelas.
A observação, tão familiar, de que o céu noturno é escuro, é muito importante. Implica que o universo não existiu sempre no estado que o vemos hoje. Algo ocorreu, faz um tempo finito, que acendesse as estrelas, significando que a luz das estrelas muito distantes ainda não teve tempo de chegar. Isto explicaria porquê o céu não brilha a noite em todas direções.
Se as estrelas estivessem sempre aí, por que se acenderam de repente faz uns poucos milhares de milhões de anos? Que relógio lhes disse para brilharem? Como dissemos, isto intrigou a muitos filósofos, como Immanuel Kant, que acreditava que o universo sempre existiu. A maioria acreditava na idéia de que o universo tinha sido criado, mais ou menos em seu estado atual, faz tão somente uns poucos milhares de anos.
Entretanto, as observações de Visto Slipher e Edwin Hubble na segunda década do século XX começaram a desvelar discrepâncias em relação a esta idéia. Em 1923, Hubble descobriu que muitas tênues manchas luminosas, chamadas nebulosas, eram em realidade galáxias, grandes conjuntos de estrelas como o Sol, todavia a grande distância de nós. Para que nos pareçam tão pequenas e débeis, as distâncias tinham que ser tão grandes que a luz procedente delas teria demorado milhões ou inclusive milhares de milhões de anos para chegar até nós. Indicando que o começo do universo não foi produzido faz tão somente uns poucos milhares de anos.
A segunda coisa que Hubble descobriu era ainda mais surpreendente. Os astrônomos aprenderam que, mediante a análise da luz das outras galáxias, averiguamos se elas aproximam-se ou afastam-se. Ficaram, estupefatos, que quase todas as galáxias estão afastando-se. Além disso, quanto mais longe estão, com maior velocidade parecem estar afastando-se. Foi Hubble quem se deu conta das implicações espetaculares deste descobrimento: em grande escala, todas as galáxias estão afastando-se de todas as demais galáxias. O universo expande-se.
O descobrimento da expansão do universo foi uma das grandes revoluções intelectuais do século XX. Constituiu uma surpresa radical e modificou completamente as discussões sobre a origem do universo. Se as galáxias separam-se, estavam mais juntas no passado. A partir da taxa atual de expansão, avaliamos que, efetivamente, estiveram muito próximas umas das outras faz uns dez ou quinze mil e milhões de anos. Como mencionado no capítulo anterior, Roger Penrose e eu demonstramos que a teoria geral da relatividade de Einstein implica que o universo começou em uma tremenda explosão. Aqui estava a explicação de porquê o céu noturno é escuro: nenhuma estrela poderia brilhar mais de dez ou quinze mil e milhões de anos, o tempo transcorrido da grande explosão.
Acostumamo-nos à idéia de que os acontecimentos são causados por acontecimentos anteriores, os quais, por sua vez, são provocados por acontecimentos ainda mais anteriores. Esta cadeia de casualidade estira-se até o passado infinito. Mas, suponhamos que esta cadeia teve um começo. Admitamos que houve um primeiro acontecimento. Qual foi sua causa? Não é esta uma pergunta que muitos cientistas queriam tratar, mas sim tentavam evitá-la, pretendendo, como os russos, que o universo não tivera começo, ou ainda, que a origem do universo não pertence ao domínio da ciência, mas à metafísica ou a religião. Em minha opinião, esta posição não deveria ser adotada pelos verdadeiros cientistas. Se as leis da ciência se suspendessem no começo do universo, não falhariam também em outras ocasiões? Uma lei não é uma lei se só se cumprir às vezes. Deveríamos compreender o começo do universo a partir de bases científicas. Pode ser uma tarefa além de nossas capacidades, entretanto, ao menos deveríamos tentá-lo.
Em que pese os teoremas que Penrose e eu demonstramos, no qual o universo teria um começo, não davam muita informação sobre a natureza de tal início. Indicavam que o universo começou em uma grande explosão, um ponto em que todo o universo, e tudo o que contém, estava apertado em um só ponto de densidade infinita. Em tal ponto, a teoria geral da relatividade de Einstein deixaria de ser válida, pelo qual não pode ser utilizada para averiguar como começou o universo. Aparentemente, a origem do universo fica mais à frente do alcance da ciência.
Não é esta uma conclusão que deva alegrar aos cientistas. Como indicam os Capítulos 1 e 2, a razão pela qual a relatividade geral perde a validade diante da grande explosão é que não incorpora o princípio de incerteza, o elemento aleatório da teoria quântica que Einstein rechaçou da idéia de que Deus não joga o jogo de dados. Entretanto, todas as evidências indicam que Deus é um jogador impenitente. Podemos considerar o universo como um grande cassino, no qual os dados são lançados a cada instante e as roletas giram sem cessar. Rejeitar um cassino é um negócio muito arriscado, porque nos expomos a perder dinheiro cada vez que se lançam os dados ou a roleta gira. Em grande número de apostas, os lucros e as perdas dão em média um resultado previsível, embora não sendo o resultado de cada aposta particular. Os proprietários dos cassinos asseguram-se que a sorte medeie-se a favor deles. Por isso, são tão ricos. A única possibilidade de ganhar é apostar contra eles todo o dinheiro em uns poucos lançamentos de dados ou voltas da roleta.
O mesmo ocorre com o universo. Quando este é grande, como na atualidade, há um número muito elevado de lançamentos de dados, e os resultados se medeiam a algo previsível Por isso as leis clássicas funcionam nos sistemas grandes. Mas quando o universo é muito pequeno, como o era nos tempos próximos a grande explosão, só há um pequeno número de lançamentos de dados e o princípio de incerteza resulta muito importante.
Como o universo vai lançando dados para ver o que seguirá, não tem uma só história, como se poderia esperar, mas sim deve ter todas as histórias possíveis, cada uma delas com sua própria probabilidade. Deve haver uma história do universo em que o Belize ganhasse todas as medalhas de ouro nos Jogos Olímpicos, embora, possivelmente, a probabilidade disso seja muito baixa.
A idéia de que o universo tem múltiplas histórias pode soar ficção científica, porém, atualmente, é aceita como um fato científico. Formulada por Richard Feynman, que era um grande físico e uma grande personalidade.
Agora trabalhamos para combinar a teoria geral da relatividade de Einstein e a idéia de Feynman das histórias múltiplas em uma teoria unificada que descreva tudo o que ocorre no universo. Tal teoria nos permitirá calcular como se desenvolverá o universo se conhecermos como começaram as histórias. Todavia a teoria unificada não nos diz como começou o universo nem qual foi seu estado inicial. Para isso, necessitamos o que se chama condições de contorno, regras que nos dizem o que ocorre nas fronteiras do universo, nas bordas do espaço e o tempo.
Se a fronteira do universo fora um simples ponto normal do espaço e o tempo, atravessa-la-íamos e acharíamos que o território além dele também forma parte do universo. Ao invés disto, se o contorno do universo tivesse uma borda muito irregular, na qual espaço e tempo estivessem apertados e a densidade fosse infinita, resultaria muito difícil definir condições de contorno razoáveis.
Entretanto, um colega chamado Jim Hartle e eu nos demos conta de que há uma terceira possibilidade. Possivelmente o universo não tenha fronteiras no espaço nem no tempo. A primeira vista, isto parece entrar em flagrante contradição com os teoremas que Penrose e eu tínhamos demonstrado, que indicavam que o universo teria um começo, quer dizer, uma fronteira no tempo. Porém, como expliquei no Capítulo 2, há outro tipo de tempo, chamado tempo imaginário, que é ortogonal ao tempo real ordinário que sentimos passar. A história do universo no tempo real determina sua história no tempo imaginário, e vice-versa, mas os dois tipos de histórias podem ser muito diferentes. Em particular, no tempo imaginário não é necessário que o universo tivesse um começo. O tempo imaginário comporta-se em outra direção espacial. Assim, as histórias do universo no tempo imaginário podem ser representadas como superfícies curvadas, como, por exemplo, uma bola, um plano ou uma cadeira balanço, mas com quatro dimensões em lugar de dois.
Se as histórias do universo prolongassem-se até o infinito, como uma cadeira de balanço ou um plano, exporiam-nos o problema de especificar quais são suas condições de contorno no infinito. Evitamos ter que especificar uma condição de contorno se as histórias do universo em tempo imaginário fossem superfícies fechadas, como a superfície da Terra. A superfície terrestre não tem fronteiras nem borda. Não há notícias confiáveis de pessoas que tenham caído da Terra.
Se as histórias do Universo em tempo imaginário são efetivamente superfícies fechadas, tal como Hartle e eu propusemos, isto poderia ter conseqüências fundamentais para a filosofia e para nossa imagem de onde vamos. O universo estaria completamente auto contido; não necessitaria nada fora de si para lhe dar corda e pôr em marcha seus mecanismos, mas sim, nele, tudo estaria determinado pelas leis da ciência e por lançamentos de dados dentro do universo. Pode parecer presunçoso, mas é o que eu e muitos outros cientistas acreditam.
Inclusive se a condição de contorno do universo é a ausência de contornos, o universo não teria uma só história, mas, múltiplas, como o tinha sugerido Feynman. Em tempo imaginário, cada possível superfície fechada corresponderia uma história, e cada história no tempo imaginário determinaria uma história no tempo real. Haveria, pois, uma superabundância de possibilidades para o universo. O que seleciona, entre todos os universos possíveis, o universo particular em que vivemos? Constatamos que muitas das possíveis histórias do universo não passam pela seqüência de formar galáxias e estrelas, que resulta tão essencial para nosso desenvolvimento. Embora desenvolvessem seres inteligentes inclusive em ausência de galáxias e estrelas, isto parece muito improvável. Do mesmo modo que existimos como seres capazes de perguntar-se «por que o universo é como é?» já constitui uma restrição sobre a história em que vivemos.
Isto implica que nosso universo pertence à minoria de histórias que contêm galáxias e estrelas, o qual é um exemplo do que se conhece como princípio antrópico. Este princípio afirma que o universo seria mais ou menos como o vemos, porque se fosse diferente, não existiria ninguém para observá-lo. À muitos cientistas deslocam o princípio antrópico, porque tem aspecto muito impreciso e parece carecer de poder previsível. Mas, é possível dar-lhe uma formulação precisa, e resulta essencial na análise da origem do universo. A teoria M, descrita no Capítulo 2, permite um número muito grande de possíveis histórias do universo. A maioria delas não resulta adequada para o desenvolvimento de vida inteligente: ou correspondem à universos vazios, ou duram muito pouco tempo, ou estão muito curvadas, ou resultam insatisfatórias em um sentido ou outro. Segundo a idéia de Richard Feynman de múltiplos histórias, estas histórias desabitadas podem ter uma probabilidade grandemente elevada.
De fato, não nos importa realmente quantas histórias não contenham seres inteligentes. Só estamos interessados no subconjunto de histórias em que se desenvolva vida inteligente. Esta não tem porquê ser parecida com os humanos: pequenos extraterrestres verdes serviriam igualmente. A espécie humana não brilha muito por sua conduta inteligente.
Como exemplo do poder do princípio antrópico, consideremos o número de direções no espaço. É um fato de experiência comum que vivemos em um espaço tridimensional. Quer dizer, podemos representar a posição de um ponto no espaço mediante três números, por exemplo, latitude, longitude e altura sobre o nível do mar. Mas, por que o espaço é tridimensional? Por que não tem duas dimensões, ou quatro, ou qualquer outro número, tal como na ficção científica? Na teoria M, o espaço tem nove ou dez dimensões, porém, acredita-se que seis ou sete delas estão enroladas com raios de curvatura muito pequenos, e só ficam três dimensões grandes e relativamente planas.
Por que não vivemos numa história em que oito das dimensões estejam enroladas em raios pequenos, e haja tão somente duas dimensões observáveis? A um animal bidimensional resultaria muito difícil a digestão. Se o atravessasse um tubo digestivo, dividiria-o em duas e a pobre criatura cairia em pedaços. portanto, duas dimensões planas não bastam para algo tão complexo como a vida inteligente. Por outro lado, se houvesse quatro ou mais dimensão aproximadamente planas, a força gravitacional entre dois corpos cresceria mais rapidamente quando se aproximassem entre si. Isto significaria que os planetas não teriam órbitas estáveis ao redor de seus sóis: ou cairiam para o sol, ou escapariam para escuridão e frio exteriores.
Analogamente, tampouco seriam estáveis as órbitas dos elétrons nos átomos, de maneira que não existiria a matéria tal como a conhecemos. Assim, embora a idéia de múltiplas histórias admite em princípio qualquer número de dimensões relativamente planas, só as histórias com três destas dimensões poderão conter seres inteligentes. Só em tais histórias será formulada a pergunta de «por que o espaço tem três dimensões?».
A história mais singela do universo em tempo imaginário é uma esfera lisa, como a superfície da Terra, mas com duas dimensões a mais. Esta determina no tempo real uma história do universo, na qual este é homogêneo e se expande com o tempo. Nestes aspectos, comporta-se como o universo em que vivemos, mas sua taxa de expansão é muito rápida, e cada vez se acelera mais. A expansão acelerada denomina-se inflação, porque se parece com o crescimento cada vez mais rápido dos preços em algumas épocas.
Geralmente, considera-se que a inflação dos preços é indesejável, porém, no caso do universo a inflação resulta muito benéfica. A grande expansão suaviza as irregularidades que teria o universo primitivo. À medida que o universo se expande, empresta energia do campo gravitacional para criar mais matéria. A energia positiva da matéria é cancelada exatamente pela energia negativa da gravitação, de maneira que a energia total é nula.
Quando o tamanho do universo se duplica, as energias da matéria e da gravitação se duplicam, mas dois por zero segue sendo zero. Oxalá o mundo das finanças resultasse tão singelo!.
Se a história do universo em tempo imaginário fora uma esfera perfeitamente redonda, a história correspondente em tempo real seria um universo que seguiria expandindo-se indefinidamente de maneira inflacionária. Enquanto o universo se expande de forma inflacionária, a matéria não pode aglomerar-se para formar galáxias e estrelas, e portanto, não se desenvolveria vida, nem muito menos vida inteligente tal como a conhecemos. Assim, embora no tempo imaginário as histórias do universo correspondentes a esferas perfeitamente redondas são permitidas pela noção de múltiplas histórias, não resultam excessivamente interessantes. Em troca, as histórias em tempo imaginário sendo como esferas ligeiramente aplainadas no pólo sul são muito mais relevantes.
Neste caso, a história correspondente em tempo real se expandiria ao princípio de maneira acelerada, inflacionária. Todavia, depois a expansão começaria a frear-se, e formar-se-iam galáxias. Para que se desenvolvesse vida inteligente, o aplainamento no pólo Sul deveria ser muito ligeiro. Isto significaria que inicialmente o universo se expandiria muito. O nível recorde de inflação monetária teve lugar na Alemanha entre as guerras mundiais, quando os preços subiram milhares de milhões de vezes. Entretanto, a magnitude da inflação que ocorrida no universo é ao menos mil trilhões de trilhões de vezes esta quantidade.
Devido ao princípio de incerteza, não haveria só uma história do universo que contivera vida inteligente, mas sim tais histórias constituiriam, no tempo imaginário, uma família completa de esferas ligeiramente deformadas, cada uma das quais corresponderia no tempo real a uma história em que o universo se expande de maneira inflacionária durante um longo tempo, mas, não indefinidamente. Podemo-nos perguntar quais destas histórias permitidas são as mais prováveis. Resulta que as mais prováveis não são as histórias completamente lisas, e sim as que têm ligeiras protuberâncias e depressões. As rugas nas histórias mais prováveis são minúsculas: correspondem a perturbações de aproximadamente uma parte em cem mil. Embora tão pequenas, conseguimos observá-las como pequenas variações nas microondas procedentes de diferentes direções do espaço. O satélite COBE (Cosmic Background Explorer), lançado em 1989, conseguiu cartografar o conteúdo de microondas do firmamento.
As diferentes cores indicam diferentes temperaturas, mas o intervalo total do vermelho ao azul corresponde tão somente ao milésimo grau. Ainda assim, esta variação, entre as diferentes regiões do universo primitivo, é suficiente para que a atração gravitacional adicional das regiões mais densas detenha sua expansão e faça-as paralisar de novo sob sua própria gravidade para formar galáxias e estrelas. Sendo assim, em princípio, o mapa do COBE é como o plano de todas as estruturas do universo.
Quais serão os comportamentos futuros das histórias mais prováveis do universo compatíveis com a aparição de seres inteligentes? Há várias possibilidades, segundo a quantidade de matéria no universo. Se esta superar um certo valor crítico, a atração gravitacional entre as galáxias irá freando até detê-las. Então, começarão a cair de novo umas para as outras e se chocarão com um grande rangido (big crunch) que será o fim da história do universo em tempo real.
Se a densidade do universo for inferior ao valor crítico, a gravidade é muito fraca para deter a separação das galáxias. Todas as estrelas consumir-se-ão, e o universo será cada vez mais frio e vazio. E de novo, tudo chegará a um final, mas de uma maneira menos espetacular. De qualquer modo, o universo tem ainda uns quantos milhares de milhões de anos por diante.
Além da matéria, o universo contém o que se chama «energia do vazio», energia presente inclusive em um espaço aparentemente vazio. Segundo a famosa equação de Einstein, E = mc2, esta energia de vazio tem massa. Significando que exerce um efeito gravitacional sobre a expansão do universo. Mas, curiosamente, o efeito da energia do vazio é oposto ao da matéria. Faz com que a expansão vá freando, chega a detê-la e investi-la. Já a energia do vazio faz que a expansão se acelere, como ocorre na inflação. De fato, a energia do vazio atua como a constante cosmológica mencionada no Capítulo 1, que Einstein acrescentou às suas equações originais em 1917, quando se deu conta que não admitiam nenhuma solução que representasse um universo estático. Depois do descobrimento de Hubble da expansão do universo, esta motivação para acrescentar um término às equações desapareceu, e Einstein abjurou da constante cosmológica como um grande engano.
Entretanto, poderia não se tratar de um engano. Como dissemos no capítulo 2, sabemos agora que a teoria quântica implica que o espaço-tempo está cheio de flutuações quânticas. Em uma teoria super simétrica, as energias infinitas positiva e negativa das flutuações do estado fundamental das partículas de SPINs diferentes se cancelam mas, como o universo não se acha em um estado super simétrico, não cabe esperar que por sorte energias se cancelem tão exatamente que não fique uma pequena quantidade, finita, de energia do vazio. O surpreendente é que a energia do vazio seja tão próxima a zero, que não a detectamos até poucos anos. Isto seria outro exemplo do princípio antrópico: em uma história com maior energia do vazio não se formariam galáxias, de maneira que não conteriam seres que pudessem formular a pergunta: «por que é tão baixa a energia do vazio?».
Tentemos determinar as quantidades de energia da matéria e do vazio no universo a partir de diversas observações. Se representarmos os resultados em um diagrama com a densidade da matéria no eixo horizontal e a energia do vazio no eixo vertical, a linha de pontos indica a fronteira da região onde desenvolver-se-ia vida inteligente.
Observações de supernovas, amontoados, e o fundo de microondas eliminam regiões deste diagrama. Felizmente, estas três regiões têm uma intercessão comum. Se a densidade de matéria e a energia do vazio acham-se nela, significa que a expansão do universo começou a acelerar de novo, depois de um longo período freada. Parece que a inflação poderia ser uma lei da natureza.
Neste capítulo vimos como o comportamento da imensidão do universo seria compreendido a partir de sua história no tempo imaginário, que é uma esfera diminuta e ligeiramente aplainada É como a noz de Hamlet, mas esta noz codifica tudo o que ocorre no tempo real. Sendo assim, Hamlet tinha razão: poderíamos estar encerrados numa casca de noz e, ainda assim, sentirmo-nos reis de um espaço infinito.
PREDIZENDO O FUTURO
Como a perda de informação nos buracos negros pode reduzir nossa capacidade de predizer o futuro.
Os humanos sempre quiseram controlar o futuro, ou, ao menos, predizer o que ocorrerá. Por isso a astrologia é tão popular. Segundo ela, o que passa na Terra está relacionado com os movimentos dos planetas no firmamento. Isto é uma hipótese que podemos submeter à prova cientificamente, caso os astrólogos se comprometessem e formulassem predições definidas que se poderiam comprovar. Entretanto, com considerável astúcia, expressam sempre suas predições em términos tão vagos que aplicam-se a algo que ocorra. Nunca se pode demonstrar que predições como «suas relações pessoais intensificarem-se» ou «apresentar-se-á uma oportunidade financeiramente interessante» sejam errôneas.
Porém, o motivo real pelo qual a maioria dos cientistas não acredita em astrologia não é a presença ou a ausência de evidências científicas a respeito dela, mas resulta inconsistente com outras teorias que foram comprovadas experimentalmente. Quando Copérnico e Galileo descobriram que os planetas giram ao redor do Sol e não da Terra, e Newton formulou as leis que regem seus movimentos, a astrologia sucedeu extremamente impassível. Por que deveriam as posições dos planetas no firmamento vista da Terra, ter correlação alguma com as macro moléculas de um planeta menor que se auto-denomina vida inteligente? É isto que a astrologia quer que acreditemos. Para algumas das teorias descritas neste livro não há mais evidência experimental que para a astrologia, mas acreditam nelas porque são consistentes com teorias que superaram numerosas provas experimentais.
O êxito das leis de Newton e de outras teorias físicas conduziu à idéia do determinismo científico, que foi expressa pela primeira vez no começo do século XIX por um cientista francês, o marquês de Laplace. Laplace sugeriu que se conhecêssemos as posições e as velocidades de todas as partículas do universo em um instante, as leis da física permitir-nos-iam a predição de qual será o estado do universo em qualquer outro instante do passado ou do futuro.
Em outras palavras, se se cumprir o determinismo científico, poderíamos, em princípio, predizer o futuro e não necessitaríamos a astrologia. Naturalmente, na prática, inclusive algo tão simples como a teoria da gravitação de Newton conduz à equações que não resolvem exatamente para mais de duas partículas. Além disso, as equações apresentam freqüentemente uma propriedade conhecida como caos, segundo a qual uma pequena mudança na posição ou a velocidade em um instante dado pode conduzir a um comportamento completamente diferente em instantes posteriores. Como bem sabem os que viram o filme Jurassic Park, uma perturbação diminuta em um lugar pode provocar uma mudança importante em outro. O bater das asas de uma mariposa em Tokyo pode fazer que chova no Central Park de Nova Iorque. O problema é que a seqüência de acontecimentos não se repete. A segunda vez que a mariposa bater as asas, um amontoado de outros fatores, que também influenciarão o clima, serão diferentes. Esta é a razão pelas quais as predições do tempo resultem tão pouco confiáveis.
Embora, em princípio, as leis da eletrodinâmica quântica permitir-nos-iam calcular algo da química e da biologia, não obtivemos muito êxito na predição do comportamento humano a partir de equações matemáticas. Mas apesar destas dificuldades práticas, a maioria dos cientistas habituou-se à idéia de que, de novo em princípio, o futuro é previsível.
A primeira vista, o determinismo também parece ameaçado pelo princípio de incerteza, que estabelece que não podemos medir com precisão a posição e a velocidade de uma partícula simultaneamente. Quanto maior é a precisão com que medimos a posição, menor será a precisão com que determinamos a velocidade, e vice-versa. A versão de Laplace do determinismo científico sustentava que se conhecêssemos as posições e as velocidades das partículas em um instante dado, poderíamos determinar suas posições e velocidades em qualquer outro instante do passado e do futuro. Porém, como poderíamos sequer começar se o princípio de incerteza impede-nos conhecer com precisão as posições e as velocidades em um instante? Por melhores que sejam nossos ordenadores, se lhes introduzirmos dados imprecisos, obteremos predições também imprecisas.
Entretanto, o determinismo restabeleceu-se numa forma modificada em uma nova teoria denominada mecânica quântica, que incorporava o princípio de incerteza. Falando com certa impropriedade, diríamos que na mecânica quântica predizemos com precisão a metade do que esperaríamos predizer na perspectiva clássica de Laplace. Na mecânica quântica, uma partícula não tem uma posição ou uma velocidade bem definidas, mas seu estado pode ser representado mediante o que se chama a função de onda.
Uma função de onda é um número em cada ponto do espaço que indica a probabilidade de achar a partícula em tal posição. A taxa de variação da função de onda com a posição indica a probabilidade de diferentes velocidades da partícula. Algumas funções de onda têm um pico muito agudo em um ponto particular do espaço. Neste caso, a incerteza na posição da partícula é pequena. Mas, também podemos ver no diagrama que, neste caso, a função de onda muda rapidamente nas proximidades do ponto, para cima em um lado e para baixo no outro. Isto significa que a distribuição de probabilidade da velocidade se pulveriza em um domínio amplo de valores possíveis. Em outras palavras, a incerteza na velocidade é elevada. Consideremos como um trem contínuo de ondas. Agora há uma grande incerteza na posição, todavia a incerteza na velocidade é pequena. Por isto, a descrição de uma partícula mediante a função de onda não supõe uma posição e velocidade bem definidas, mas sim satisfaz o princípio de incerteza. Sabemos agora que a função de onda é tudo o que será bem definido. Nem sequer supomos que a partícula tem uma posição e uma velocidade que Deus conhece, mas que nos permanecem ocultas. As teorias de «variáveis ocultas» predizem resultados discrepantes das observações. Inclusive Deus está limitado pelo princípio de incerteza e não pode saber a posição e a velocidade, só a função de onda.
A taxa que a função de onda troca com o tempo vem dada pelo que se chama a equação de Schrödinger. Se conhecermos a função de onda em um instante, podemos utilizar a equação para calculá-la em qualquer outro instante, passado ou futuro, portanto, na teoria quântica ainda há determinismo, embora a uma escala reduzida. Em vez predizer as posições e as velocidades, só podemos predizer a função de onda. Esta nos permite predizer ou as posições ou as velocidades, mas não ambas com precisão. Portanto, na teoria quântica a capacidade de efetuar predições precisas é justamente a metade que na visão clássica de Laplace. Mesmo neste sentido restrito, ainda é possível sustentar que há determinismo.
Todavia, o uso da equação de Schrödinger para estudar a evolução da função de onda adiante do tempo (quer dizer, para predizer o que acontecerá instantes futuros) supõe, implicitamente, que o tempo flui com suavidade e indefinidamente. Certamente é assim na física newtoniana, na qual o tempo supõe-se absoluto, o que significa que cada acontecimento da história do universo está etiquetado com um número chamado tempo, e que a série de etiquetas temporárias se estende brandamente do passado infinito ao futuro infinito. Isto é o que chamaríamos a visão do tempo segundo o sentido comum, e é a visão que a maioria das pessoas, no fundo da mente, tem do tempo e inclusive a maioria dos físicos. Entretanto, em 1905, como vimos, o conceito de tempo absoluto foi destronado pela teoria especial da relatividade, em que o tempo não é já uma magnitude independente, a não ser em uma só direção mais em um contínuo quadridimensional chamado espaço-tempo. Na relatividade espacial, diferentes observadores que se movam com diferentes velocidades seguirão caminhos diferentes no espaço-tempo. Cada observador tem sua própria medida do tempo ao longo de seu caminho, e diferentes observadores medirão diferentes intervalos temporários sucessivos.
Assim, na relatividade espacial não há um único tempo absoluto que possa ser utilizado para etiquetar os acontecimentos. Entretanto, o espaço-tempo da relatividade espacial é plano, o que significa que nesta teoria o tempo medido por qualquer observador que se mova livremente aumenta brandamente no espaço-tempo desde menos infinito no infinito passado até mais infinito no futuro infinito. Podemos utilizar na equação de Schrödinger quaisquer destas medidas do tempo para estudar como evolui a função de onda. Na relatividade espacial, portanto, ainda temos a versão quântica do determinismo.
A situação é diferente na teoria geral da relatividade, na qual o espaço-tempo não é plano, mas curvado e distorcido por seu conteúdo em matéria e energia. Em nosso sistema solar, a curvatura do espaço-tempo é tão ligeira, pelo menos na escala macroscópica, que não interfere com nossa idéia usual do tempo. Nesta situação, ainda poderíamos utilizar esse tempo na equação de Schrödinger para obter a evolução determinista da função de onda. Entretanto, uma vez permitindo que o espaço-tempo esteja curvado, fica aberta a porta à possibilidade de que tenha uma estrutura que não admita um tempo que aumente continuamente para todos os observadores, como esperaríamos para uma medida temporária razoável. Por exemplo, suponhamos que o espaço-tempo fora como um cilindro vertical.
A altura no cilindro constituiria uma medida do tempo que aumentaria para cada observador e transcorreria desde menos infinito a mais infinito. Imaginemos, ao invés disso, que o espaço-tempo fora como um cilindro com uma asa (ou «buraco de verme») que se ramificasse e depois voltasse a juntar-se com o cilindro. Neste caso, qualquer medida do tempo apresentaria necessariamente pontos de estancamento onde a asa toca o cilindro: pontos em que o tempo se detém. Neles, o tempo não aumentaria para nenhum observador. Neste espaço-tempo, não poderíamos utilizar a equação de Schrödinger para obter uma evolução determinista da função de onda. Tomem cuidado com os buracos de verme, nunca se sabe o que pode sair deles.
Os buracos negros são os motivos que nos levam a acreditar que o tempo não aumentará para cada observador. O primeiro tratado sobre buracos negros apareceu em 1783. Um antigo catedrático de Cambridge, John Michell, apresentou o seguinte argumento. Se dispararmos uma partícula, como por exemplo, uma bala de canhão, verticalmente para cima, sua ascensão será freada pela gravidade e ao fim a partícula deixará de subir e começará a cair de novo. Entretanto, se a velocidade inicial para cima superar um certo valor crítico chamado velocidade de escapamento, a gravidade não será suficientemente intensa para deter a partícula, e esta escapará. A velocidade de escapamento vale 10 quilômetros por segundo para a Terra e 100 quilômetros por segundo para o Sol.
Estas duas velocidades de escapamento são muito maiores que a velocidade das balas de canhão reais, mas são pequenas em comparação com a velocidade da luz, que vale 300 000 quilômetros por segundo. Portanto, a luz pode escapar sem dificuldade da Terra e do Sol. Michell arguiu, entretanto, que haveria estrela cuja massa fora muito maior que a do Sol e tivesse velocidade de escapamento maior que a velocidade da luz. Não veríamos tais estrelas, porque a luz que emitissem seria freada e arrastada para trás pela gravidade da estrela. Seriam o que Michell chamou estrelas negras e hoje denominamos buracos negros.
A idéia de Michell das estrelas negras apoiava-se na física newtoniana, na qual o tempo é absoluto e segue fluindo aconteça o que acontecer. Portanto, não afetava a capacidade de predizer o futuro na imagem clássica newtoniana. Mas a situação é muito diferente na teoria geral da relatividade, em que os corpos com massa curvam o espaço-tempo.
Em 1916, pouco depois da primeira formulação da teoria, Karl Schwarzschild (que morreu pouco depois como conseqüência de uma enfermidade contraída no fronte russo na primeira guerra mundial) obteve uma solução das equações de campo da relatividade geral que representava um buraco negro. Durante muitos anos, o descobrimento de Schwarzschild não foi compreendido nem valorizado no que merecia. Mesmo Einstein nunca acreditou em buracos negros e sua atitude foi compartilhada pela maior parte da velha guarda da relatividade geral. Recordo minha visita a Paris para dar um seminário sobre meu descobrimento de que a teoria quântica implica que os buracos negros não são completamente negros. Meu seminário não teve muito eco porque naquele tempo quase ninguém em Paris acreditava nos buracos negros. Os franceses opinavam, além disso, que o nome, tal como o traduziam, (trou noír), tinha duvidosas conotações sexuais, e deveria ser substituído por asiré occlii, ou «estrela oculta». Entretanto, nem este nem outros nomes sugeridos conseguiram cativar a imaginação do público, terminando por buraco negro, que foi cunhado por John Archibald Wheeler, o físico americano que inspirou muitos dos trabalhos modernos neste campo.
O descobrimento dos quasares em 1963 surtiu uma explosão de trabalhos teóricos sobre buracos negros e intensas observações para detectá-los. Eis aqui a imagem que emergiu de tudo isto. Consideremos o que acreditam que seria a história de uma estrela com uma massa vinte vezes a do Sol. Tais estrelas se formam a partir de nuvens de gás, como as da nebulosa do Órion. À medida que nuvens se contraem sob a ação de sua própria gravidade, o gás se esquenta e ao final chega a temperatura suficientemente elevada para iniciar a reação de fusão nuclear que converte hidrogênio em hélio. O calor gerado neste processo produz uma pressão que sustenta a estrela contra sua própria gravidade e detém sua contração. Uma estrela permanecerá neste estado durante um longo tempo, queimando hidrogênio e radiando luz ao espaço.
O campo gravitacional da estrela afetará as trajetórias dos raios de luz procedentes dela. Risquemos um diagrama com o tempo no eixo vertical e a distância ao centro da estrela no eixo horizontal. Neste diagrama, a superfície da estrela está representada por duas linhas verticais, uma a cada lado do eixo. Expressemos o tempo em segundos e a distância em segundos-luz, a distância que percorre a luz em um segundo. Quando utilizamos estas unidades, a velocidade da luz é um, quer dizer, a velocidade da luz é um segundo-luz por segundo. Significando que longe da estrela e de seu campo gravitacional, a trajetória de um raio de luz neste diagrama fica representada por uma reta que forma um ângulo de 45 graus com a vertical. Entretanto, mais perto da estrela, a curvatura do espaço-tempo produzida por sua massa modificará as trajetórias dos raios luminosos e fará que formem com a vertical um ângulo mais pequeno.
As estrelas muito pesadas queimam o hidrogênio para formar hélio muito mais rapidamente que o Sol, até o ponto que podem esgotar o hidrogênio em tão somente centenas de milhões de anos. Depois disto, as estrelas enfrentam uma crise, queimando hélio e formando elementos mais pesados, como por exemplo, carbono e oxigênio, mas estas reações nucleares não liberam muita energia, de maneira que as estrelas perdem calor e diminui a pressão térmica que as sustenta contra a gravidade, portanto, contraem-se. Se sua massa for maior que umas duas vezes a massa solar, a pressão nunca será suficiente para deter a contração. Paralisar-se-ão ao tamanho zero e densidade infinita para formar o que chamamos uma singularidade. No diagrama do tempo em função da distância ao centro, à medida que a estrela se encolhe, as trajetórias dos raios luminosos procedentes da superfície emergirão com ângulos cada vez menores em relação à vertical. Quando a estrela alcança um certo raio crítico, a trajetória será vertical no diagrama, o que significa que a luz se manterá suspensa a uma distância constante do centro da estrela, sem escapar dela. Esta trajetória crítica da luz varre uma superfície denominada horizonte sucessivo, que separa a região do espaço-tempo, cuja luz, pode escapar e a região da qual não pode escapar. A luz emitida pela estrela depois de atravessar o horizonte sucessivo será devolvida para dentro pela curvatura do espaço-tempo. A estrela se converteu em uma das estrelas negras de Michell ou, em terminologia atual, em um buraco negro.
Como detectamos um buraco negro se dele não escapa nenhuma luz? A resposta é que um buraco negro exerce sobre os objetos circundantes a mesma força gravitacional que exercia o corpo que se paralisou. Se o Sol fosse um buraco negro e convertendo-se em tal sem perder massa alguma, os planetas seguiriam girando a seu redor como o fazem na atualidade.
Uma maneira de localizar buracos negros é, portanto, procurar matéria que gire ao redor do que parece um objeto compacto e invisível de grande massa, observou-se um certo número de tais sistemas. Possivelmente os mais impressionantes são os buracos negros gigantes que há no centro das galáxias e os quasares.
As propriedades dos buracos negros explicadas até aqui não suscitam grandes problemas com o determinismo. O tempo terminaria para um astronauta que caísse em um buraco negro e chocasse-se com a singularidade. Entretanto, na relatividade geral temos a liberdade de medir o tempo com diferentes ritmos em diferentes lugares, portanto, aceleraríamos o relógio do astronauta à medida que se aproximasse da singularidade, de maneira que ainda registrasse um intervalo infinito de tempo. No diagrama do tempo em função da distância, as superfícies de valor constante deste novo tempo se acumulariam perto do centro, por debaixo do ponto onde apareceu a singularidade. Mas no espaço-tempo aproximadamente plano a grande distância do buraco negro coincidiriam com a medida habitual do tempo.
Utilizaríamos esse tempo na equação de Schrödinger e calcularíamos a função de onda em tempos posteriores se a conhecêssemos inicialmente, assim, ainda teríamos determinismo. Convém sublinhar, entretanto, que em instantes posteriores uma parte da função de onda se acha no interior do buraco negro, onde ninguém observa do exterior, portanto, um observador precavido para não cair no buraco negro não retroagirá a equação de Schrödinger para trás e calculará a função de onda em momentos anteriores. Para isto, precisaria conhecer a parte dela que há no interior do buraco negro. Esta contém a informação do que caiu em seu interior. A quantidade de informação pode ser grande, porque um buraco negro de massa e velocidade de rotação determinadas pode ser formado a partir de um número muito elevado de diferentes conjuntos de partículas. Um buraco negro não depende da natureza do corpo cujo colapso o formou. John Wheeler chamou a esse resultado “os buracos negros não têm cabelos” confirmando as suspeitas dos franceses.
A dificuldade com o determinismo surgiu quando descobri que os buracos negros não são completamente negros. Tal como vimos no Capítulo 2, a teoria quântica implica que os campos não serão exatamente nulos nem sequer no que chamamos o vazio. Se fossem, teriam tanto um valor exato da posição zero e uma taxa de mudança ou velocidade que também valeria exatamente zero. Isto violaria o princípio de incerteza, que exige que a posição e a velocidade não estariam bem definidas simultaneamente. Portanto, haverá um certo grau do que se denomina flutuações do vazio (tal como o pêndulo do Capítulo 2 tinha que ter flutuações do ponto zero). As flutuações do vazio podem ser interpretadas de diversas maneiras que parecem diferentes, mas, que de fato são matematicamente equivalentes. De uma perspectiva positivista, temos a liberdade de utilizar a imagem que nos resulte mais útil para o problema em questão. Neste caso, resulta conveniente interpretar as flutuações do vazio como pares de partículas virtuais que aparecem conjuntamente em algum ponto do espaço-tempo, separam-se e depois encontram-se e aniquilam-se de novo uma com a outra. «Virtual» significa que estas partículas não são observadas diretamente, porém, seus efeitos indiretos podem ser medidos, e concordam com as predições teóricas com um alto grau de precisão.
Em presença de um buraco negro, um membro de um par de partículas cai ao mesmo, deixando livre ao outro membro, que escapa no infinito. A um observador longínquo parecerá que as partículas que escapam do buraco negro foram radiadas por ele. O espectro do buraco negro é exatamente o que esperaríamos de um corpo quente, com uma temperatura proporcional ao campo gravitacional no horizonte —a fronteira— do buraco negro. Em outras palavras, a temperatura do buraco negro depende de seu tamanho.
A temperatura de um buraco negro revestido de pouca massa valeria aproximadamente um milionésimo de grau sobre o zero absoluto, e a de um buraco negro maior seria ainda mais baixa, assim, qualquer radiação quântica de tais buracos negros ficaria completamente afogada pela radiação de 2,7 K remanescente da grande explosão quente: a radiação cósmica de fundo de que falamos no Capítulo 2. Seria possível detectar esta radiação para buracos negros menores e mais quentes, mas não parece que haja muitos a nosso redor. É uma lástima, já que se encontrasse um dariam-me um prêmio Nobel. Entretanto, há evidências observadas indiretas desta radiação, que provêm do universo primitivo. Como dissemos no Capítulo 3, acredita-se que em épocas anteriores de sua história o universo passou por uma etapa inflacionária durante a qual se expandiu com ritmo cada vez mais rápido. A expansão durante esta etapa seria tão rápida que alguns objetos se achariam muito longe de nós para que sua luz alcançasse-nos - o universo expandiu-se muito rapidamente, enquanto, a luz viajava para nós. Portanto, haveria no universo um horizonte como o dos buracos negros, que separaria a região cuja luz nos pode chegar daquela cuja luz não nos pode alcançar.
Argumentos muito parecidos indicam que este horizonte emitiria radiação térmica, tal como ocorre com o horizonte dos buracos negros. Aprendemos a esperar um espectro característico das flutuações de densidade na radiação térmica. No caso que consideramos, tais flutuações de densidade expandiram-se com o universo. Quando sua escala de longitude superou o tamanho do horizonte seguinte congelou-se, de maneira que na atualidade observamos pequenas variações na temperatura da radiação cósmica de fundo remanescente do universo primitivo. O que observamos destas variações concorda com as predições das flutuações térmicas com uma notável precisão.
Embora a evidência observada da radiação dos buracos negros é bastante indireta, todos os que estudaram o problema aceitam que se produz de acordo com outras teorias comprovadas experimentalmente; trazendo assim, conseqüências importantes para o determinismo. A radiação de um buraco negro elevará a energia, o qual significa que este perderá massa e encolherá. Disso se segue que sua temperatura aumentará e sua taxa de radiação crescerá. Ao final, a massa do buraco negro se aproximará de zero. Não podemos calcular o que acontece neste ponto, entretanto, a única resposta natural e razoável parece que o buraco negro acabe por desaparecer por completo. Se é assim, o que ocorre com a parte da função de onda e da informação que esta contém sobre o que caiu no buraco negro? Uma primeira conjetura seria que esta parte da função de onda, e a informação que transporta, emergiria quando o buraco negro desaparecesse. Entretanto, a informação não pode ser transportada gratuitamente, como advertimos quando recebemos a fatura Telefônica.
A informação necessita energia que a transporte, e nas etapas finais de um buraco negro fica pouca energia. A única maneira plausível em que a informação interior sairia seria emergir continuamente com a radiação, em lugar de esperar a etapa final. Todavia, na descrição em que um membro de um par de partículas virtuais cai no buraco negro e o outro membro escapa, não esperaríamos que a partícula que escapa esteja relacionada com a que caiu no interior, nem leve informação sobre ela. Portanto, pareceria que a única resposta é que a informação contida na parte da função de onda do interior do buraco negro desaparece.
Esta perda de informação teria conseqüências importantes para o determinismo. Para começar, observamos inclusive, que se conhecêssemos a função de onda depois do desaparecimento do buraco negro, não poderíamos retroagir à equação de Schrödinger para calcular a função de onda antes da formação do buraco negro. O que esta era dependeria em parte do fragmento da função de onda que se perdeu no buraco negro. Acostumamo-nos a pensar que conhecemos o passado com exatidão, na realidade, se se perder informação nos buracos negros, algo ocorreu.
Em geral, pessoas como os astrólogos e os que os consultam estão mais interessados em predizer o futuro do que ver o passado. A primeira vista, pareceria que a perda de uma parte da função de onda no buraco negro não impediria de predizer a função de onda no exterior deste. Porém, o resultado desta perda interfere com tais predições, tal como veremos se considerarmos um experimento mental proposto por Einstein, Boris Podolsky e Nathan Rosen nos anos 1930.
Imaginemos que um átomo radiativo decai e emite duas partículas em direções opostas e com SPINs opostos. Um observador que só olhe uma partícula não pode predizer gira para a direita ou para a esquerda. Todavia, se ao efetuar a medição observa que gira para a direita, com toda certeza pode predizer que a outra partícula gira para a esquerda, e vice-versa. Einstein pensou que isto demonstrava que a teoria quântica era ridícula, já que neste momento a outra partícula se poderia achar no limite da galáxia, mas mesmo assim, saberíamos instantaneamente como está girando. Porém, a maioria dos outros cientistas acreditam que era Einstein quem se confundia, e não a teoria quântica. O experimento mental de Einstein-Podolsky-Rosen não demonstra que possamos enviar informação com velocidade maior que a da luz. Isto seria ridículo. Não podemos escolher se a partícula que mediremos esteja girando para a direita, sendo assim, não podemos prescrever que a partícula do observador distante esteja girando para a esquerda.
De fato, este experimento mental descreve exatamente o que ocorre com a radiação do buraco negro. O par de partículas virtuais terá uma função de onda que prediz que os dois membros têm SPINs exatamente opostos. O que nós gostaríamos é predizer o SPIN e a função de onda da partícula saliente, coisa que obteríamos se pudéssemos observar a partícula que caiu no interior. Mas agora tal partícula se acha dentro do buraco negro, onde seu SPIN e sua função de onda não podem ser medidas. Portanto, não é possível predizer o SPIN nem a função de onda da partícula que escapa. Pode ter diferentes SPINs ou diferentes funções de onda, com várias probabilidades, mas não tem um único SPIN ou uma única função de onda, assim sendo, nosso poder de predizer o futuro ficaria ainda mais reduzido. A idéia clássica de Laplace, de que poderíamos predizer as posições e as velocidades das partículas, teve que ser modificada quando o princípio de incerteza demonstrou que não se media com precisão posição e velocidade de uma vez. Entretanto, ainda era possível medir a função de onda e utilizar a equação de Schrödinger para calcular sua evolução no futuro. Permitindo-nos predizer com certeza algumas combinações de posição e velocidade, que é a metade do que poderíamos predizer segundo as idéias de Laplace. Afirmamos com certeza que as partículas terão SPINs opostos, mas se uma partícula cai no buraco negro, não podemos efetuar nenhuma predição segura sobre a partícula restante. Isto significa que no exterior do buraco negro nenhuma medida será predita com certeza: nossa capacidade de formular predições definidas reduzir-se-iam a zero. Possivelmente, depois de tudo, a astrologia não seja pior que as leis da ciência na predição do futuro. Esta redução do determinismo deslocou a muitos físicos e sugeriram, portanto, que a informação do que há no interior de um buraco negro poderia sair de algum jeito. Durante anos, houve tão somente a esperança piedosa de que se acharia alguma maneira de salvar a informação. Mas, em 1996, Andrew Strominger e Cumrum Vafa realizaram um progresso importante. Decidiram considerar o buraco negro como se estivesse formado por um certo número de blocos constituintes, denominados p-branas.
Recordemos que uma das maneiras de considerar as p-branas é como folhas que se deslocam nas três dimensões do espaço e nas sete dimensões adicionais que não podemos observar. Em alguns casos, é possível demonstrar que o número de ondas nas p-branas é igual à quantidade de informação que esperaríamos que contivera o buraco negro. Se as partículas se chocarem com as p-branas, excitam nelas ondas adicionais. Analogamente, se ondas que se moverem em diferentes direções nas p-branas confluem em algum ponto, produzindo um pico tão grande que se rasgaria um fragmento da p-brana e partiria em forma de partícula. Portanto, as p-branas podem absorver e emitir partículas, como o fazem os buracos negros.
Podemos considerar as p-branas como uma teoria efetiva,- quer dizer, embora não precisamos acreditar que há realmente pequenas folhas que se deslocam em um espaço-tempo plano, os buracos negros poderiam comportar-se como se estivessem formados por folhas. A situação é parecida com o que ocorre com a água, formada por milhões de moléculas de H2O com interações complicadas, mas um fluido contínuo proporciona um modelo efetivo muito bom. O modelo matemático dos buracos negros formados por p-branas conduz a resultados análogos ao da descrição apoiada em pares de partículas virtuais, da qual falamos anteriormente. De uma perspectiva positivista, são modelos igualmente bons, ao menos para certas classes de buracos negros. Para elas, o modelo de p-branas prediz exatamente a mesma taxa de emissão que o de pares de partículas virtuais. Entretanto, há uma diferença importante: no modelo de p-branas, a informação do que cai no buraco negro fica armazenada na função das ondas das p-branas. Estas são consideradas como folhas em um espaço-tempo plano e, por isto, o tempo fluirá continuamente para frente, as trajetórias dos raios de luz não se curvarão e a informação nas ondas não se perderá, mas sairá do buraco negro na radiação das p-branas. Segundo o modelo das p-branas, podemos utilizar a equação de Schrödinger para calcular a função de onda em instantes posteriores. Nada se perderá e o tempo transcorrerá brandamente. Teremos determinismo completo no sentido quântico.
Todavia, qual destas descrições é correta? Perde-se uma parte da função de onda nos buracos negros, ou toda a informação volta a sair, como sugere o modelo das p-branas? Esta é uma das grandes pergunta da física teórica atual. Muitos investigadores acreditam que trabalhos recentes demonstram que a informação não se perde. O mundo é seguro, previsível e nada ocorrerá inesperadamente. Entretanto, não está claro que seja assim. Se se considera seriamente a teoria da relatividade geral de Einstein, permitir-se-á a possibilidade de que o espaço-tempo forme nós e se perca informação nas dobras. Quando a espaçonave Enterprise passou por um buraco de verme, ocorreu algo inesperado. Sei porque me achava a bordo, jogando pôquer com Newton, Einstein e Data. Tive uma grande surpresa. Vejam o que apareceu sobre meus joelhos!
PROTEGENDO O PASSADO
É possível viajar no tempo? Poderia uma civilização avançada retroceder no tempo e mudar o passado?
Meu amigo e colega Kip Thorne, com quem fiz muitas apostas, não é dos que seguem as linhas aceitas em física só porque outros também o fazem. Isto lhe deu coragem de ser o primeiro cientista sério a planejar a possibilidade prática das viagens no tempo.
É difícil especular abertamente sobre as viagens no tempo. Arrisca-se à acusação de malversação do dinheiro público em coisas tão extravagantes; ou ainda, receber petição para que estas investigações se mantenham secretamente para serem utilizadas em aplicações militares. Finalmente, como proteger-nos-íamos de alguém que tivesse uma máquina do tempo? Poderia mudar a história e dominar o mundo. Somente alguns são suficientemente amalucados para trabalharem em um tema tão politicamente incorreto nos círculos dos físicos, mas o dissimulamos utilizando termos técnicos que disfarçam a idéia de viajar no tempo.
A base de todas as discussões modernas sobre viagens no tempo é a teoria geral da relatividade de Einstein. Como vimos nos capítulos anteriores, as equações de Einstein convertem o espaço e o tempo em entidades dinâmicas, ao descrever como se curvariam e se distorceriam sob a ação da matéria e a energia do universo. Na relatividade geral, o tempo pessoal que alguém mede com seu relógio de pulso sempre aumenta, tal como ocorre na física newtoniana ou na relatividade espacial. Existe agora a possibilidade de que o espaço-tempo estivesse tão deformado que se separaria em uma espaçonave e retornaria antes de ter saído.
Isto ocorreria, por exemplo, se existissem os buracos de verme, os tubos de espaço-tempo mencionados no Capítulo 4 que conectam diferentes regiões do espaço-tempo. A idéia é fazer entrar nossa espaçonave na boca de um buraco de verme e sair pela outra boca em um lugar e um tempo diferentes.
Se existirem, os buracos de verme solucionariam o problema dos limites de velocidade no espaço: demoraríamos dezenas de milhares de anos ao cruzar a galáxia em uma espaçonave que viajasse com velocidade menor que a da luz, como exige a relatividade. Mas, por um buraco de verme, poderíamos ir ao outro lado da galáxia e estar de volta para jantar. Entretanto, é possível demonstrar que se existissem os buracos de verme poderíamos utilizá-los para retornar antes de ter saído, portanto, poderíamos fazer algo assim como retroceder no tempo e dinamitar o foguete na rampa de lançamento para impedir que nos lançassem ao espaço. Isto é uma variação do paradoxo dos antepassados: o que ocorre se retornarmos ao passado e matarmos nosso avô antes da concepção de nosso pai?
Naturalmente, trata-se somente de um paradoxo se acreditarmos que ao retornar ao passado teremos liberdade para fazer o que quisermos. Esse livro não entrará em discussões filosóficas sobre o livre-arbítrio, mas concentrar-se-á se as leis da física permitem que o espaço-tempo esteja suficientemente deformado para que corpos macroscópicos, como por exemplo, uma espaçonave, retorne a seu próprio passado. Segundo a teoria de Einstein, as naves espaciais viajam necessariamente com uma velocidade menor que a da luz e seguem no espaço-tempo o que se chama trajetórias temporárias. Assim, podemos formular a pergunta em termos mais técnicos: admite o espaço-tempo curvas temporárias fechadas?; quer dizer, que retornem a seu ponto de começo uma vez ou outra? Referirei a estes caminhos como «anéis temporários».
Tentemos responder esta pergunta em três níveis. O primeiro é a teoria da relatividade geral de Einstein, que supõe que o universo tem uma história bem definida e sem nenhuma incerteza. Segundo esta teoria clássica, temos uma descrição bastante completa. Como vimos, esta teoria não pode ser completamente correta, porque observamos que a matéria está sujeita à incerteza e flutuações quânticas.
Portanto, sugerimos a pergunta sobre as viagens no tempo a um segundo nível, o da teoria semi-clássica. Nela, consideramos que a matéria se comporta segundo a teoria quântica, com incerteza e flutuações, mas que o espaço-tempo está bem definido e é clássico. A descrição resulta menos completa, entretanto, temos ainda alguma idéia de como proceder.
Finalmente, há a teoria completamente quântica da gravitação, seja lá o que for. Nela, não só a matéria, assim como tempo e espaço são incertos e flutuam; e nem sequer temos como colocar a questão da possibilidade de viajar no tempo. A melhor coisa a fazer é perguntar como interpretariam suas medições os habitantes de regiões em que o espaço-tempo fora aproximadamente clássico e sem incertezas. Pensariam que houve uma viagem no tempo em regiões de gravitação intensa e grandes flutuações quânticas?
Começaremos com a teoria clássica: nem o espaço-tempo plano da relatividade espacial (relatividade sem gravidade) nem os primeiros espaço-tempos curvados que se conheceram permitem viajar no tempo. Entretanto, resultou autêntica comoção para Einstein que, em 1949, Kurt Gödel, do teorema de Gödel, descobrisse um espaço-tempo que descrevia um universo cheio de matéria em rotação, e que tinha anéis temporários em cada ponto.
A solução de Gödel exigia uma constante cosmológica, que pode existir ou não na natureza, porém, posteriormente, encontraram-se outras soluções que por sorte não requeriam tal constante. Um caso particularmente interessante corresponde a duas cordas cósmicas que se atravessam mutuamente a grande velocidade.
As cordas cósmicas não devem ser confundidas com as cordas da teoria de cordas, embora tenham alguma relação, tratam-se de objetos que têm longitude cuja seção transversal é minúscula. Sua existência é predita por algumas teorias de partículas elementares. Fora de uma corda cósmica, o espaço-tempo é plano. Entretanto, é um espaço-tempo plano que falta um setor circular, cujo o vértice se acharia na corda. A situação é parecida com um cone: tomemos um círculo de papel e lhe recortemos um setor, como uma porção de bolo, cujo vértice esteja no centro do círculo. Tiremos a peça que recortamos e peguemos entre si as bordas da peça restante, de maneira que obtenhamos um cone. Este representa o espaço-tempo ao redor de uma corda cósmica.
Observe-se que como a superfície do cone é a folha plana inicial (menos o setor circular que recortamos), ainda podemos chamá-la «plana» exceto no vértice. Mas, neste há uma curvatura, como o indica o fato de que um círculo esboçado a seu redor tem uma circunferência menor que a que teria um círculo do mesmo raio e o mesmo centro na folha plana original. Em outras palavras, um círculo ao redor do vértice é mais curto do que esperaríamos para um círculo daquele raio em um espaço plano, por causa do setor subtraído.
Analogamente, no caso de uma corda cósmica, a ausência do setor circular que foi eliminado do espaço-tempo plano corta os círculos ao redor da corda, mas não afeta o tempo nem a distância ao longo da mesma. Isto significa que o espaço-tempo que circunda uma só corda cósmica não contém anéis temporários, de maneira que nele não é possível viajar para o passado. Entretanto, se uma segunda corda cósmica se mover com relação à primeira, sua direção temporária será uma combinação das direções espaciais e temporal da primeira. Isto implica que o recorte do setor correspondente à segunda corda cortará não só as distâncias no espaço, mas também os intervalos temporários vistos por alguém que se desloque com a primeira corda. Se as cordas cósmicas se moverem uma em relação à outra com velocidades próximas a da luz, a economia de tempo ao redor de ambas as cordas seria tão grande que chegaria antes de ter saído. Em outras palavras, há anéis temporários que permitem viajar ao passado.
O espaço-tempo das cordas cósmicas contém matéria com densidade de energia positiva, sendo coerente com as leis da física que conhecemos. Entretanto, a deformação produzida pelos anéis temporários estende-se até o infinito no espaço e até o passado infinito no tempo. Assim, estes espaço-tempos incorporavam, desde sua criação, a possibilidade de viajar no tempo. Não há motivos para acreditar que nosso próprio universo fora criado com esse tipo de deformação, e não há evidências confiáveis de visitantes do futuro. (Deixando de lado a teoria da conspiração, segundo a qual os OVNI vêm do futuro, o governo sabe, mas, oculta-nos. Sua capacidade de ocultar informação não é tão boa assim). Portanto, suponho que no passado remoto não havia anéis temporários ou, com mais precisão, que existia no passado de uma superfície do espaço-tempo a que chamarei superfície “S”. Então, a pergunta é: Poderia uma civilização avançada construir uma máquina do tempo? Quer dizer, poderia modificar o espaço-tempo no futuro de S (por cima da superfície S no diagrama) de maneira que apareçam anéis temporários em uma região finita? Digo uma região finita porque qualquer civilização, por mais avançada que seja, presumivelmente, só pode controlar uma parte finita do universo.
Em ciências, achar a formulação adequada de um problema costuma ser a chave para resolvê-lo, e a questão que estamos examinando nos proporciona um bom exemplo disso. Para definir o que queremos dizer com máquina do tempo, retrocederei à alguns de meus primeiros trabalhos. A viagem no tempo é possível em uma região do espaço-tempo em que haja anéis temporários, caminhos que correspondem a movimentos com velocidade menor que a da luz, entretanto, devido à deformação do espaço-tempo, conseguem retornar à posição e ao tempo de onde partiram. Como suponho que no passado remoto não havia anéis temporários, deve haver o que chamo um «horizonte» de viagens no tempo, a fronteira que separa a região em que há anéis temporários da região onde não há.
Os horizontes de viagens no tempo seriam como os dos buracos negros. Assim como o horizonte de um buraco negro está formado pelos raios de luz que estão a ponto de cair nele, um horizonte de viagens no tempo está formado pelos raios de luz que estão a ponto de fechar-se sobre si mesmos. Tomo então como critério para a possibilidade de uma máquina do tempo o que chamo um horizonte finitamente gerado, ou seja, um horizonte formado por raios de luz que emergem de uma região demarcada. Em outras palavras, não vêm do infinito, nem de uma singularidade, mas, procedem de uma região finita que contém anéis temporários —o tipo de suposta região criaria a hipotética civilização avançada.
Ao adotar esta definição como aspecto característico de uma máquina do tempo, temos a vantagem de utilizarmos a maquinaria matemática que Roger Penrose e eu desenvolvemos para estudar singularidades e buracos negros. Inclusive sem utilizar as equações de Einstein, posso demonstrar que, em geral, um horizonte finitamente gerado conterá um raio de luz fechado-se realmente sobre si mesmo, quer dizer, um raio que retorne outra vez ao mesmo ponto. Cada vez que o raio retornasse, locomover-se-ia mais para o azul, de maneira que as imagens seriam cada vez mais azuis. As cristas das ondas de um pulso de luz se aproximariam cada vez mais entre si e a luz daria a volta em intervalos de tempo cada vez mais curtos. De fato, uma partícula de luz só teria uma história finita, em sua própria medida do tempo, mesmo que girasse indefinidamente em uma região finita sem se chocar com nenhuma singularidade de curvatura.
Podemos desinteressarmo-nos se uma partícula de luz completa sua história em um tempo finito. Mas, posso demonstrar que há caminhos correspondentes a velocidades menores que a da luz que também teriam uma duração finita. Seriam, por exemplo, as histórias de observadores presos em uma região finita antes do horizonte, girando cada vez mais rápido até chegarem à velocidade da luz em um tempo finito. De maneira que se uma formosa extraterrestre em um pires volante lhe convida a subir a sua máquina do tempo, vá com cuidado. Poderia cair em uma destas histórias repetitivas de duração finita.
Estes resultados não dependem das equações de Einstein a não ser da deformação que o espaço-tempo teria para produzir anéis temporários em uma região finita. Entretanto, podemos perguntar agora que tipo de matéria utilizaria uma civilização avançada para deformar o espaço-tempo, suficientemente, para construir uma máquina do tempo de tamanho finito. Pode ter densidade de energia positiva em qualquer parte, como no espaço-tempo da corda cósmica descrito anteriormente? O espaço-tempo de tal corda cósmica não satisfazia o requisito de que os anéis temporários estivessem em uma região finita. Todavia, poderíamos pensar que isto se devia tão somente a que as cordas cósmicas eram imensamente largas. Poderíamos imaginar a possibilidade de construir uma máquina do tempo finita utilizando anéis finitos de cordas cósmicas, com densidade de energia positiva em qualquer parte. É uma lástima defraudar a gente como Kip, que quer retornar ao passado, porém, não conseguiríamos com densidade de energia positiva em qualquer parte. Posso demonstrar que para construir uma máquina do tempo finita, necessita-se energia negativa.
Na teoria clássica, a densidade de energia é sempre positiva, de maneira que as máquinas do tempo de tamanho finito ficam descartadas neste nível. Todavia, a situação é diferente na teoria semi clássica, em que a matéria se comporta segundo a teoria quântica, mas o espaço-tempo está bem definido e é clássico. Como vimos, o princípio de incerteza da teoria quântica impõe que os campos sempre estão flutuando, inclusive em um espaço aparentemente vazio, e têm uma densidade de energia que é infinita. Portanto, devemos subtrair uma quantidade infinita para obter a densidade de energia finita que observamos no universo. Esta subtração pode deixar uma densidade de energia negativa, ao menos localmente. Inclusive em um espaço plano, podemos achar estados quânticos cuja densidade de energia seja localmente negativa embora a energia total seja positiva. Podemos nos perguntar se estes valores negativos fazem realmente o espaço-tempo disforme da maneira adequada para construir uma máquina do tempo finita, porém, deve ser assim. Como vimos no Capítulo 4, as flutuações quânticas implicam que inclusive o aparentemente vazio está cheio de pares de partículas virtuais que aparecem conjuntamente, deslocam-se, encontram-se e aniquilam-se mutuamente. Um membro do par de partículas virtuais terá energia positiva e o outro energia negativa. Em presença de um buraco negro, o membro de energia negativa pode cair neste e o de energia positiva consegue escapar ao infinito, aparecendo como radiação que se leva energia positiva do buraco negro. As partículas de energia negativa que caem em seu interior fazem o buraco negro perder massa evaporando-se lentamente, de modo que diminua seu tamanho.
A matéria ordinária com densidade de energia positiva tem efeito gravitacional atrativo e deforma o espaço-tempo sendo que os raios de luz se curvam os uns em volta dos outros —tal como a bola sobre a lâmina de borracha do Capítulo 2 sempre faz que às pequenas se curvem para ela, e nunca afastando-se dela.
Isto implica que a área do horizonte de um buraco negro só aumenta com o tempo, mas nunca reduzir-se. Para que o horizonte de um buraco negro se encolhesse, sua densidade de energia deveria ser negativa e deformar o espaço-tempo de maneira que os raios divergissem uns dos outros. Dei-me conta disso, pela primeira vez, quando estava indo pra cama pouco depois do nascimento de minha filha. Não direi quanto tempo faz, mas agora já tenho um neto.
A evaporação dos buracos negros demonstra que, a nível quântico, a densidade de energia pode ser às vezes negativa e deformar o espaço-tempo no sentido necessário para construir uma máquina do tempo. Imaginemos que uma civilização muito avançada conseguiu que a densidade de energia fora suficientemente negativa para construir uma máquina do tempo utilizável por objetos macroscópicos, como por exemplo, naves espaciais. Entretanto, há uma importante diferença entre o horizonte de um buraco negro, formado por raios que estão a ponto de escapar, e o horizonte de uma máquina do tempo, que contém raios de luz fechados que seguem girando indefinidamente. Uma partícula virtual que se movesse num destes caminhos fechados levaria sua energia do estado fundamental, vez ou outra, ao mesmo ponto. Esperaríamos que a densidade de energia fizesse-se infinita no horizonte —quer dizer, na fronteira da máquina do tempo, a região na qual podemos viajar ao passado. Isto se segue de cálculos explícitos em uns poucos espaço-tempos de fundo suficientemente simples que permitem fazer cálculos exatos. Isto significaria que uma pessoa ou uma sonda espacial que tentasse cruzar o horizonte para entrar na máquina do tempo seria fulminada por um estalo de radiação. Sendo assim, o futuro das viagens no tempo parece negro —ou deveríamos dizer “cegadoramente” branco?
A densidade de energia da matéria depende do estado em que se acha, de maneira que é possível que uma civilização avançada consiga que a densidade de energia na fronteira da máquina do tempo esteja finita, «congelando» ou eliminando as partículas virtuais que giram, uma vez ou outra, em anéis fechados. Não é claro, entretanto, que tal máquina do tempo seja estável: a menor perturbação, como a produzida por alguém que cruzasse o horizonte para entrar na máquina do tempo, poderia pôr de novo em circulação partículas virtuais e provocar um estalo. Esta é uma questão que os físicos deveriam discutir em liberdade sem ser ridicularizados. Inclusive, sabendo-se que é impossível a viagem no tempo, seria importante compreendermos porquê é assim.
Para responder definitivamente esta pergunta, consideremos as flutuações quânticas não só dos campos de matéria, mas também do próprio espaço-tempo. Poderíamos esperar que estas provocassem certa dispersão das trajetórias dos raios de luz e pusessem em questão o conceito de ordenação temporária. Em efeito, podemos considerar a radiação dos buracos negros como algo que escapa deles porque as flutuações quânticas do espaço-tempo fazem que o horizonte não esteja definido exatamente. Como ainda não dispomos de uma teoria completa da gravidade quântica, é difícil dizer que efeitos teriam as flutuações do espaço-tempo. Esperamos, entretanto, obtermos algumas indicações a respeito, mediante súmula de Feynman sobre histórias descrita no Capítulo 3.
Cada história será um espaço-tempo curvo com campos de matéria em seu interior. Como supõe-se que efetuemos a soma sobre todas as histórias possíveis, e não só sobre as que satisfazem umas equações determinadas, tal resultado incluiria espaço-tempos suficientemente deformados para permitir a viagem ao passado. Pergunta-se então: por que não há viagens no tempo em qualquer ponto? A resposta é que a escala microscópica têm lugar, efetivamente, para a viagem no tempo, mas não as observamos. Se aplicarmos a idéia de Feynman da soma de histórias a uma partícula, devemos incluir histórias em que esta vá mais rápido que a luz e inclusive retroceda no tempo. Em particular, haveria histórias em que a partícula giraria uma vez ou outra em anéis fechados no tempo e no espaço. Seria como o filme “Groundhog Day” (recebeu o título “O Feitiço do tempo” em português e em espanhol “El día de la marmota”) em que um jornalista tem que viver o mesmo dia várias vezes.
Não observamos diretamente as partículas correspondentes a estas histórias em anéis fechado, mas seus efeitos indiretos foram medidos em diversos experimentos. Um deles consiste em um pequeno deslocamento da luz emitida pelos átomos de hidrogênio, devido a elétrons que se movem em anéis fechados. Outro é uma pequena força entre placas metálicas paralelas de tal modo que haja ligeiramente menos histórias em anéis fechados que possam ser ajustados entre as placas, em comparação com a região exterior, outra interpretação equivalente do efeito Cachemira. Assim, a existência de histórias em anéis fechados é confirmada experimentalmente.
Poderia discutir-se se as histórias de partículas em anéis fechado têm algo que ver com a deformação do espaço-tempo, porque, afinal de contas, também ocorrem em espaço-tempos fixos, como por exemplo, um espaço plano. Recentemente encontrou-se que os fenômenos da física freqüentemente admitem descrições duais, igualmente válidas. Tão adequado dizer que uma partícula se move em anéis fechados sobre um espaço-tempo fixo dado, como que a partícula está fixa e o espaço e o tempo flutuam ao seu redor. É só uma questão de efetuarmos primeiro a soma sobre as trajetórias da partícula e depois a soma sobre os espaço-tempos curvados, ou vice-versa.
Parece, portanto, que a teoria quântica permite viajar no tempo a escala microscópica. Entretanto, isto não resulta muito útil para os objetivos da ficção científica, como retornar ao passado e matar ao avô. A pergunta é, pois: pode a probabilidade na soma sobre histórias ter um pico ao redor de espaço-tempos com anéis temporários macroscópicos?
Podemos investigar esta questão estudando a soma sobre histórias de campos de matéria em uma série de espaço-tempos de fundo que estejam cada vez mais próximos a admitir anéis temporários. Esperaríamos que quando aparecessem pela primeira vez anéis temporários ocorresse algo espetacular, e isto é o que se segue de um exemplo singelo que examinei com meu estudante Michael Cassidy.
O espaço-tempo da série que estudamos estão estreitamente relacionados com o que se chama o universo de Einstein, o espaço-tempo que Einstein propôs quando acreditava que o universo era estático e imutável no tempo, sem expandir-se nem contrair-se (ver o Capítulo 1). No universo de Einstein, o tempo transcorre do passado infinito ao futuro infinito. As direções espaciais, entretanto, são finitas e se fecham sobre si mesmo, como a superfície terrestre, porém, com uma dimensão a mais. Podemos imaginar esse espaço-tempo como um cilindro cujo eixo maior é a direção temporária e cuja seção transversal representa as direções espaciais.
Como o universo de Einstein não se expande, não corresponde ao universo em que vivemos, mas proporciona uma base conveniente para o estudo das viagens no tempo, porque é suficientemente singelo para que se possa efetuar a soma sobre as histórias. Esquecendo por um momento a viagem no tempo, consideremos a matéria em um universo de Einstein, que gira ao redor de um eixo. Se estivéssemos neste, permaneceríamos no mesmo ponto do espaço, tal como quando estamos de pé no centro de um carrossel para crianças. Todavia, se não estivéssemos no eixo, deslocaríamos-nos ao girar em seu redor e, quanto mais longe estivéssemos do eixo, mais rapidamente nos moveríamos. Analogamente, se o universo fora infinito no espaço, os pontos suficientemente distantes do eixo deveriam girar com velocidade superior a da luz. Entretanto, como o universo de Einstein é finito nas direções espaciais, há uma taxa crítica de rotação por debaixo da qual nenhuma parte do universo gira com velocidade superior a da luz.
Consideremos agora a soma sobre histórias de uma partícula em um universo rotatório de Einstein. Quando a rotação é lenta, há muitos caminhos que a partícula tomaria utilizando uma quantidade dada de energia. Assim, a soma sobre todas as histórias da partícula neste fundo tem uma amplitude elevada. Isto significa que a probabilidade deste fundo seria elevada na soma sobre todas as histórias de espaço-tempos curvados,- quer dizer, acharia-se entre as histórias mais prováveis. Entretanto, à medida que a taxa de rotação do universo de Einstein se aproximasse do valor crítico, em que a borda exterior se move com a velocidade da luz, só sobraria um caminho permitido classicamente para a partícula, ou seja, que corresponde à velocidade da luz. Significa que a soma sobre as histórias da partícula será pequena e, portanto, a probabilidade destes espaço-tempos de fundo será baixa na soma sobre todas as histórias de espaço-tempos curvados. Quer dizer, são os menos prováveis.
Que têm a ver os universos rotatórios de Einstein com as viagens no tempo e os anéis temporários? A resposta é que são matematicamente equivalentes a outros recursos que admitem anéis temporários. Estes outros recursos correspondem a universos que se expandem em duas direções espaciais, mas não na terceira direção espacial, que é periódica. Quer dizer, se avançarmos uma certa distância nesta direção, estaremos onde começamos. Todavia, cada vez que fazemos o circuito na terceira direção espacial, nossa velocidade na primeira ou a segunda direção recebe um impulso brusco.
Se o impulso for pequeno, não há anéis temporários. Porém, ao considerar uma seqüência de recursos com impulsos crescentes na velocidade, vemos que para um certo impulso crítico, aparecerão anéis temporários. Não surpreende que este impulso crítico corresponda à taxa crítica de rotação dos universos de Einstein. Como nestes espaço-tempos os cálculos da soma sobre histórias são matematicamente equivalentes, concluímos que sua probabilidade tende a zero à medida que se aproximam da deformação necessária para ter anéis temporários. Em outras palavras a probabilidade de ter uma curvatura suficiente para uma máquina do tempo está nula. Isto apóia o que chamei Conjetura de Amparo da Cronologia, mencionada ao fim do Capítulo 2: que as leis da física conspiram para impedir que os objetos macroscópicos viagem no tempo.
Embora os anéis temporários são permitidos pela soma sobre histórias, sua probabilidade é extremamente pequena. Apoiando-me em argumentos de dualidade que mencionei antes, avaliei que a probabilidade de que Kip Thorne pudesse retornar ao passado e matar a seu avô é menor que um dividido por um seguido de um trilhão de trilhões de trilhões de trilhões de trilhões de zeros.
Esta probabilidade é francamente pequena, mas se observarmos atentamente a foto de Kip, podemos ver uma ligeira difusão em sua borda: corresponde à ínfima possibilidade de que algum bastardo do futuro retorne e mate seu avô, de maneira que ele não exista realmente.
Como jogadores empedernidos, Kip e eu apostaríamos inclusive contra probabilidades como esta. O problema é que não apostamos um contra o outro, porque agora estamos os dois no mesmo bando. Além disso, eu nunca apostaria com ninguém mais, poderia vir do futuro e saber que é possível viajar no tempo. Podem-se perguntar se este capítulo forma parte de um relatório governamental sobre viagens no tempo. Poderia ser que não estivessem equivocados.
SERÁ NOSSO FUTURO COMO STAR TREK ou NÃO?
Como a vida biológica e eletrônica desenvolver-se-á em complexidade com um ritmo cada vez mais rápido.
O motivo pelo qual a série STAR TREK seja tão popular é que apresenta uma visão do futuro segura e reconfortante. Sou um entusiasta desta série, o que resultou fácil persuadir-me a participar de um episódio em que jogava pôquer com Newton, Einstein e o Comandante Data. Ganhei em todos mas, por desgraça, houve um alerta vermelho e não pude recolher o que tinha ganho.
Star Trek mostra uma sociedade muito avançada em relação à nossa em ciência, tecnologia e organização política (este último não é difícil). Do tempo passado até agora, houve grandes mudanças, porém, supõe-se que, no período mostrado na série, a ciência, a tecnologia e a organização da sociedade alcançaram um nível próximo à perfeição.
Quero questionar esta imagem e perguntar se a ciência e a tecnologia chegarão a alcançar um estado final estacionário. Nos dez mil anos transcorridos da última glaciação, em nenhum momento a espécie humana se achou em um estado de conhecimento constante e tecnologia fixa. Inclusive houve alguns retrocessos, como nas idades obscuras posteriores à queda do Império Romano, mas a população mundial, que constitui um indicador de nossa capacidade tecnológica de conservar a vida e nos alimentar, aumentou incessantemente, com poucas quedas como a devida à Peste Negra.
Nos últimos duzentos anos, o crescimento da população fez-se exponencial; quer dizer, a população cresce cada ano a mesma percentagem. Atualmente, a taxa de crescimento é de 1,9 por cento anual. Isto pode parecer pouco, mas significa que a população mundial duplica-se a cada quarenta anos.
Outros indicadores do desenvolvimento tecnológico recente são o consumo de eletricidade e o número de artigos científicos publicados, que também mostram crescimento exponencial, com tempos de duplicação menores que quarenta anos. Não há indícios de que o desenvolvimento científico e tecnológico vá frear-se e deter-se no futuro próximo —certamente não na época do Star Trek, que se supõe ocorrer em um futuro não muito longínquo. Porém, se o crescimento da população e o consumo de eletricidade seguem ao ritmo atual, no ano 2600 a população mundial estará tocando ombro a ombro, e o consumo de eletricidade fará que a Terra fique vermelho vivo (veja-a ilustração da página oposta).
Enfileirando-se todos os novos livros publicados, deveríamos-nos deslocar a cento e cinqüenta quilômetros por hora para mantermo-nos à frente da fileira. Naturalmente, no ano 2600 os novos trabalhos científicos e artísticos terão formato eletrônico, em vez de ser livros e revistas. Entretanto, se continuasse o crescimento exponencial, publicariam-se dez artigos por segundo em minha especialidade de física teórica, e não teria tempo de lê-los.
Claramente, o crescimento exponencial atual não pode continuar indefinidamente. Então, o que ocorrerá? Uma possibilidade é autodestruirmo-nos completamente provocando algum desastre, como por exemplo, uma guerra nuclear. Seria uma triste ironia que o motivo pelo qual não fomos contactados por extraterrestres fora que quando uma civilização alcança nosso estádio de desenvolvimento sucede instável e auto destrutiva. Porém, sou otimista. Não acredito que a espécie humana chegou tão longe só para eliminar-se a si mesmo quando as coisas começassem a ficar interessantes.
A visão de futuro apresentada no Star Trek —quer dizer, alcançando-se um nível avançado, mas, essencialmente estático— pode chegar a ser verdade no que se refere ao conhecimento das leis básicas que regem o universo. Como descreverei no capítulo seguinte, haveria uma teoria última e poderíamos descobri-la em um futuro não muito distante. Esta teoria última, se existir, determinaria se o sonho do Star Trek de viajar pelos atalhos das deformações do universo realizar-se-á. Segundo as idéias atuais, teremos que explorar a galáxia de uma maneira lenta e aborrecida, utilizando naves espaciais que viajam com velocidade menor que a da luz, mas, como ainda não temos uma teoria unificada completa, não podemos desprezar completamente as viagens por atalhos do espaço-tempo.
Por outro lado, já conhecemos as leis que se cumprem em todas as situações, salvo as mais extremas: as que governam a tripulação do Enterprise, se não a espaçonave mesma. Mesmo assim, não parece que tenhamos que alcançar um estado estático na aplicação de tais leis ou na complexidade dos sistemas que possamos produzir mediante elas. Esta complexidade, precisamente, será o objeto deste capítulo.
Os sistemas mais complicados que conhecemos são, quando muito, nossos próprios corpos. A vida parece haver-se originado nos oceanos primitivos que recobriam a Terra faz uns quatro milhões de anos. Não sabemos como se produziu este início. Poderia ser que as colisões aleatórias entre os átomos formassem macro moléculas capazes de auto reproduzir-se e juntar-se para formar estruturas mais complicadas. O que sabemos é que faz uns três bilhões quinhentos milhões de anos, a complicadíssima molécula do DNA (ou ADN) já tinha emergido.
O DNA é a base da vida na Terra. Tem uma estrutura de dupla hélice, como uma escada em caracol, descoberta por Francis Crick e James Watson no laboratório Cavendish de Cambridge em 1953. Os dois fios da dupla hélice estão unidos por pares de bases nitrogenadas, como os degraus de uma escada em caracol. Há quatro tipos de bases: citosina, guanina, timina e adenina. A ordem em que as diferentes bases se apresentam ao longo da escada em caracol contém a informação genética que permite que a molécula de DNA reuna em torno de si um organismo e auto reproduza-se. Quando o DNA faz cópias de si mesmo, produzem-se alguns enganos ocasionais na ordem dos pares de bases ao longo da espiral. Na maioria dos casos, estes enganos de cópia fazem que um novo DNA seja incapaz ou menos capaz de auto reproduzir-se, o qual significa que estes enganos genéticos, ou mutações, são convocados a desaparecer. Mas, em alguns casos, o engano ou mutação aumenta as possibilidades de sobrevivência e reprodução do DNA. Tais mudanças na informação genética serão favorecidas. Sendo assim, é como a informação contida na seqüência das bases nos ácidos nucléicos, evolui e aumenta gradualmente em complexidade.
Como a evolução biológica é basicamente um caminho aleatório no espaço de todas as possibilidades genéticas, foi muito lenta. A complexidade, ou número de bits de informação codificada no DNA, é, aproximadamente, igual ao número de pares de bases contidas na molécula deste ácido nucléico. Durante os primeiros dois milhões de anos, aproximadamente, a taxa de aumento da complexidade deve ter sido da ordem de um bit de informação cada cem anos. Nos últimos milhões de anos, a taxa de incremento de complexidade do DNA aumentou gradualmente até um bit por ano. Mas, faz seis mil ou oito mil anos, houve uma novidade muito importante: desenvolveu-se a linguagem escrita. Significando que a informação podia ser transmitida de uma geração a seguinte sem ter que esperar o processo muito lento de mutações aleatórias e seleção natural que a codifica na seqüência do DNA. O grau de complexidade aumentou enormemente. A diferença entre o DNA dos personagens e dos humanos poderia ser contida em uma novela singela, e a seqüência completa do DNA humano poderia escrever-se em uma enciclopédia de trinta volumes.
Maior importância ainda reveste o fato de que a informação dos livros pode ser atualizada rapidamente. A taxa atual com que o DNA humano está atualizando-se pela evolução biológica é de um bit por ano. Mas cada ano publicam-se duzentos mil novos livros, que supõem uma taxa de nova informação de aproximadamente um milhão de bits por segundo. Naturalmente, a maioria desta informação é lixo, mas mesmo assim, se só um bit por milhão é útil, isto supõe ainda uma rapidez cem mil vezes maior que a da evolução biológica.
A transmissão de dados através de médios externos, não biológicos, levou a espécie humana a dominar o mundo e a ter uma população exponencial crescente. Achamo-nos agora no começo de uma nova era, em que poderemos aumentar a complexidade de nosso registro interno, o DNA, sem esperar o lento processo da evolução biológica. Nos últimos dez mil anos não houve mudanças importantes no DNA humano, porém, é provável que possamos redesenhá-lo completamente nos próximos mil anos. Naturalmente, muita gente opina que a engenharia genética com humanos deveria ser proibida, mas é duvidoso que consigamos impedi-la. A engenharia genética de plantas e animais será permitida por razões econômicas, e cedo ou tarde alguém o tentará com humanos. A menos que tenhamos uma ordem totalitária mundial, alguém, em algum lugar, desenhará seres humanos melhorados.
Claramente, a criação de seres humanos melhorados produzirá grandes problemas sociais e políticos em relação aos humanos não melhorados. Não é minha intenção defender a engenharia genética humana como um desenvolvimento desejável, a não ser dizer que é provável que ocorra querendo ou não. Esse é o motivo pelo qual não acredito na ficção científica como Star Trek, onde dentro de quatrocentos anos seremos essencialmente igual somos hoje. Acredito que a espécie humana, e seu DNA, aumentarão rapidamente em complexidade. Deveríamos admitir esta possibilidade e considerar como reagir frente a ela.
De certa maneira, a espécie humana precisa melhorar suas qualidades mentais e físicas se tiver que tratar com o mundo crescentemente complicado ao seu redor e estar à altura de novas provocações como as viagens espaciais. Os humanos também precisam aumentar sua complexidade se quisermos que os seres biológicos se mantenham diante dos eletrônicos. Na atualidade, os ordenadores têm a vantagem da rapidez, mas ainda não mostram sinais de inteligência. Isto não é surpreendente, já que os ordenadores atuais são menos complicados que o cérebro de uma lombriga de terra, uma espécie não muito notável por seus dotes intelectuais.
Mas os ordenadores seguem o que se chama lei de Moore: sua velocidade e complexidade se duplicam a cada dezoito meses. É um dos crescimentos exponenciais que claramente não podem seguir indefinidamente. Entretanto, provavelmente continuará até que os ordenadores alcancem uma complexidade semelhante a do cérebro humano. Alguns afirmam que os ordenadores nunca mostrarão autêntica inteligência, seja qual for. Todavia, parece-me que se moléculas químicas muito complicadas funcionam nos cérebros e fazem-nos inteligentes, então, circuitos eletrônicos igualmente complicados conseguirão que os ordenadores atuem de maneira inteligente. E se chegarem a ser inteligentes, presumivelmente, desenharão ordenadores que tenham inclusive maior complexidade e inteligência.
Esse aumento de complexidade biológica e eletrônica prosseguirá indefinidamente, ou existe algum limite natural? Do lado biológico, o limite da inteligência humana foi estabelecido até o presente pelo tamanho do cérebro que passa pelo conduto materno. Como vi o nascimento de meus três filhos, sei quão difícil é que saia a cabeça. Mas espero que no século que acabamos de iniciar conseguiremos desenvolver bebês no exterior do corpo humano, de maneira que esta limitação ficará eliminada. Em última instância, entretanto, o crescimento do tamanho do cérebro humano mediante a engenharia genética encontrar-se-á com o problema de que os mensageiros químicos do corpo responsáveis por nossa atividade mental são relativamente lentos. O que significa que aumentos posteriores na complexidade do cérebro se realizarão às custas de sua velocidade. Podemos ser muito rápidos ou muito inteligentes, mas não ambas as coisas de uma vez. Mesmo assim, acredito que chegaremos a ser muito mais inteligentes que a maioria dos personagens de Star Trek, embora isto, em realidade, não seja muito difícil.
Os circuitos eletrônicos apresentam o mesmo problema de compromisso entre complexidade e velocidade que o cérebro humano. Neles, entretanto, os sinais são elétricos em vez de químicos, e se propagam com a velocidade da luz, que é muito mais elevada. Entretanto, a velocidade da luz já é um limite prático no desenho de ordenadores mais rápidos. Podemos melhorar a situação reduzindo o tamanho dos circuitos, mas em última instância, haverá um limite fixado pela natureza atômica da matéria. Mesmo assim, ainda fica um bom trecho de caminho por percorrer antes de chegar a esta barreira.
Outra maneira de aumentar a complexidade dos circuitos eletrônicos mantendo sua velocidade é copiar o funcionamento do cérebro humano. Este não tem uma só unidade central de processamento —CPU— que processe em série todas as instruções, a não ser milhões de processadores que trabalham em paralelo simultaneamente. Este processamento maciço em paralelo será também o futuro da inteligência eletrônica.
Caso que não nos auto destruirmos nos próximos séculos, é provável que nos disseminemos primeiro pelos planetas do sistema solar e a seguir pelos das estrelas próximas, mas não passará como no Star Trek ou Babylon 5, em que há uma nova raça de seres quase humanos em quase cada sistema estrelar. A espécie humana teve sua forma atual só durante uns dois milhões de anos dos quinze milhões de anos, aproximadamente, transcorridos da grande explosão inicial.
Portanto, inclusive se desenvolver vida em outros sistemas estelares, as possibilidades de encontrá-la em um estádio reconhecidamente humano são muito pequenas. É provável que qualquer vida extraterrestre que achemos seja muito mais primitiva ou muito mais avançada. Se for mais avançada, por que não se disseminou pela galáxia e visitou a Terra? Se tivessem vindo extraterrestres, seriam notados: seria mais como o filme Independence Day que como E.T.
Assim, como explicarmos a ausência de visitantes extra-terrestres? Poderia ser que uma espécie avançada conhecesse nossa existência, porém, deixaram-nos cozer em nosso molho primitivo. Entretanto, é duvidoso que seja considerada uma forma inferior de vida: preocupamo-nos de quantos insetos ou vermes esmagamos? Uma explicação mais razoável é que a probabilidade de que se desenvolva vida em outros planetas ou de que a vida chegue a ser inteligente seja muito baixa. Como afirmamos que somos inteligentes, possivelmente sem muita base para isso, tendemos a ver a inteligência como uma conseqüência inevitável da evolução. Entretanto, podemos nos questionar isto, já que não resulta claro que a inteligência tenha muito valor para a sobrevivência. As bactérias as arrumam muito bem sem inteligência, e sobreviverão a nós se nossa chamada inteligência leva-nos a exterminarmo-nos em uma guerra nuclear. Assim, pode ser que quando explorarmos a galáxia encontremos vida primitiva, mas não é provável que achemos seres como nós.
O futuro da ciência não será como a imagem reconfortante apresentada em Star Trek-. um universo povoado por muitas espécies humanóides, com uma ciência e uma tecnologia avançadas, porém, essencialmente estáticas. Acredito, em vez disso, que seguiremos nosso próprio caminho, com um rápido desenvolvimento em complexidade biológica e eletrônica. No presente século, que é até onde podemos aventurar predições com mais ou menos confiabilidade, não ocorrerão muitas destas coisas. Mas para o fim de milênio, se chegarmos a ele, a diferenças com Star Trek serão fundamentais.
OS NOVOS UNIVERSOS MEMBRANA
Vivemos em uma membrana, ou só somos hologramas?
Como prosseguirá no futuro nossa viagem por trás de novos descobrimentos? Culminaremos nossa busca de uma teoria unificada completa que governe o universo e tudo o que contém? De fato, como disse no Capítulo 2, talvez já tivéssemos identificado a Teoria de Tudo na teoria M. Pelo que sabemos até agora, esta não tem uma formulação única, mas, descobrimos uma rede de teorias aparentemente diferentes, todas as quais parecem aproximações em diversos limites a uma mesma teoria subjacente. A situação é semelhante, por exemplo, ao caso da gravitação, em que a teoria de Newton é uma aproximação à teoria da relatividade geral de Einstein no limite em que o campo gravitacional é pequeno. A teoria M é como um quebra-cabeças: é relativamente fácil identificar e encaixar as peças de suas bordas, quer dizer, estudar a teoria nos limites de menor importância. Embora tenhamos uma idéia bastante boa destes limites, no centro do quebra-cabeças da teoria M fica um buraco onde não sabemos o que ocorre. Não pretendemos ter achado realmente a Teoria de Tudo até que tenhamos completado este buraco.
O que há no centro da teoria M? Encontraremos dragões (ou um pouco tão estranho como eles), como nos mapas antigos das terras inexploradas? A experiência sugere que é muito provável que achemos fenômenos novos e inesperados quando estendermos o domínio de nossas observações em escalas mais reduzidas. No começo do século XX, compreendíamos o funcionamento da natureza em escalas da física clássica, que é adequada para distâncias que vão das separações interestelares até aproximadamente um centésimo de milímetro. A física clássica considerava a matéria como um meio contínuo com propriedades como a elasticidade e a viscosidade, entretanto, começaram a surgir evidências de que a matéria não é contínua, mas granular: está formada por pequenos blocos constituintes chamados átomos. A palavra átomo procede do grego e significa indivisível, porém, logo descobriu-se que os átomos são formados por elétrons que giram ao redor de um núcleo composto por prótons e nêutrons.
As investigações dos primeiros trinta anos do século XX em física atômica levaram nossa compreensão até escalas milionésimas de milímetro. Então, descobrimos que os prótons e os nêutrons são formados, por sua vez, por partículas ainda menores, chamadas quarks.
As investigações recentes em física nuclear e de altas energias conduziram a escalas um bilhão de vezes menores. Pareceria que poderíamos seguir indefinidamente, e descobrir novas estruturas a escalas cada vez mais reduzidas. Todavia, há um limite nesta série, tal como o há nas séries de bonecas russas no interior de outras bonecas russas.
Ao final, chega-se à boneca menor, que já não é possível abrir. Em física, a menor boneca é a chamada escala de Planck. Para sondar distâncias menores necessitaríamos partículas de energias tão elevadas que se encerrariam em buracos negros. Não sabemos exatamente qual é a longitude fundamental de Planck na teoria M, mas, poderia ser da ordem de um milímetro dividido por cem milhões de trilhões de trilhões. Os aceleradores de partículas capazes de sondar distâncias tão pequenas teriam que ser tão grandes como o sistema solar, e, portanto, não podemos construí-los, nem é provável que aprovarão no presente clima financeiro .
Entretanto, houve um novo desenvolvimento muito excitante segundo o qual poderíamos descobrir alguns dos dragões da teoria M de uma maneira mais fácil (e mais barata). Como expliquei nos Capítulos 2 e 3, na rede de modelos matemáticos da teoria M o espaço-tempo tem dez ou onze dimensões. Até muito recentemente, acreditávamos que as seis ou sete dimensões adicionais estariam enroladas num pequeno raio. Seria como com os cabelos.
Se observarmos um cabelo com uma lupa, veremos que tem um certo diâmetro, mas a simples vista parece uma linha muito fina, sem outra dimensão que a longitude. Um pouco parecido ocorreria com o espaço-tempo: às escalas humana, atômica ou inclusive da física nuclear, este pareceria quadridimensional e aproximadamente plano. Caso sondássemos em menores escalas utilizando partículas de energia muito elevada, veríamos que tem dez ou onze dimensões.
Se todas as dimensões adicionais fossem muito pequenas, seria muito difícil observá-las. Sugeriu-se, recentemente, que algumas das dimensões adicionais seriam comparativamente grandes ou inclusive infinitas. Esta idéia tem a grande vantagem (ao menos para um positivista como eu) de poder ser submetida a prova na próxima geração de aceleradores de partículas ou mediante medidas muito precisas do comportamento da força da gravidade a distâncias muito pequenas. Tais observações delatariam se a teoria está equivocada ou confirmar experimentalmente a presença de outras dimensões extensas.
A idéia de dimensões adicionais extensas é muito excitante para nossa busca do modelo ou teoria última. Implica que vivemos em um universo membrana, quer dizer, uma superfície ou membrana quadridimensional em um espaço-tempo de dimensionalidade mais elevada.
A matéria e as forças não gravitacionais, como por exemplo, a força elétrica, estariam confinadas em tal membrana. Assim, tudo o que não fora gravitação se comportaria como se estivesse em quatro dimensões. Em particular, a força elétrica entre um núcleo atômico e os elétrons que giram a seu redor diminuiria com a distância na forma adequada para que os átomos sejam estáveis frente a uma possível queda dos elétrons para o núcleo.
Isso concordaria com o princípio antrópico segundo o qual o universo está adequado para a existência de vida inteligente: se os átomos não fossem estáveis, não estaríamos aqui para observar o universo e nos perguntar por que é quadridimensional.
Ao contrário, a gravidade, em forma de curvatura do espaço, permearia todo o volume do espaço-tempo de dimensionalidade superior. Isso significaria que se comportaria de maneira diferente às outras forças que experimentamos: como a gravidade se disseminaria pelas dimensões adicionais, diminuiria com a distância mais rapidamente do que esperaríamos.
Se esta diminuição mais rápida da força gravitacional se estendesse a distâncias astronômicas, já teríamos notado seus efeitos nas órbitas dos planetas. De fato, estas resultariam instáveis, tal como o indiquei no Capítulo 3: os planetas cairiam ao Sol ou escapariam à escuridão e o frio interestelares.
Mas, isto não ocorreria se as dimensões adicionais terminassem em outra membrana não muito distante da nossa. Neste caso, a gravidade não poderia pulverizar-se livremente à distâncias maiores que a separação entre tais membranas e ficaria confinada efetivamente nelas, como ocorre com as forças elétricas, e, portanto, diminuiria com a distância na forma adequada para a estabilidade das órbitas planetárias.
Ao contrário, à distâncias menores que a separação entre as membranas, a gravidade variaria mais rapidamente. As minúsculas forças gravitacionais entre objetos pesados foram medidas com precisão no laboratório, porém, ainda não se detectaram efeitos atribuíveis à existência de membranas separadas menos de uns poucos milímetros. Atualmente, efetuam-se medições a distâncias mais curtas.
Nesta interpretação, viveríamos em uma membrana, mas haveria outra membrana «sombra» em suas proximidades. Como a luz estaria confinada nas membranas e não se propagaria no espaço entre elas, não veríamos o universo «sombra», mas notaríamos a influência gravitacional de sua matéria. Em nossa membrana, pareceria que tal influência é devida a fontes realmente «obscuras», no sentido de que a única maneira de detectar seria através de sua gravidade. De fato, para explicar a velocidade com que as estrelas giram ao redor do centro de nossa galáxia, deveria haver muito mais massa que a correspondente à matéria que observamos.
A massa que falta poderia proceder de algumas espécies exóticas de partículas, como as WIMP (weakly interacting massive particles) partículas volumosas interagindo debilmente ou axiones (partículas elementares muito ligeiras). Mas, também poderia constituir um indício da existência de um universo sombra que contivera matéria —e, possivelmente, humanos tridimensionais que se perguntam pela massa que parece faltar em seu universo para explicar as órbitas das estrelas sombras ao redor do centro da galáxia sombra.
Outra possibilidade, em vez de as dimensões adicionais terminarem em uma segunda membrana, talvez sejam infinitas, mas muito curvadas, em forma de cadeira de balanço. Lisa Randall e Raman Sundrum demonstraram que este tipo de curvatura atuaria como uma segunda membrana: a influência gravitacional dos objetos da membrana ficaria confinada nas vizinhanças desta em lugar de estender-se até o infinito nas dimensões adicionais. Tal como no modelo do universo membrana sombra, o campo gravitacional diminuiria com a distância em uma forma consistente com a estabilidade das órbitas planetárias e com as medidas de laboratório da força gravitacional, mas a distâncias curtas a gravidade variaria mais rapidamente.
Há, entretanto, uma diferença importante entre o modelo do Randall-Sundrum e o da membrana sombra. Os corpos que se movem sob a influência da gravidade produzem ondas gravitacionais, ondulações de curvatura que se deslocam no espaço-tempo à velocidade da luz. Tal como ocorre com as ondas eletromagnéticas da luz, as ondas gravitacionais deveriam transportar energia, predição que foi confirmada pelas observações efetuadas sobre o pulsar binário PSR 1913+16.
Se em efeito vivemos em uma membrana em um espaço-tempo com dimensões adicionais, as ondas gravitacionais produzidas pelo movimento dos corpos na membrana se propagariam nas restantes dimensões. Se houvesse uma segunda membrana sombra se refletiriam nela e ficariam agarradas entre ambas as membranas. Ao invés disso, se só houver uma membrana e as dimensões adicionais se prolongam indefinidamente, como no modelo do Randall-Sundrum, as ondas gravitacionais escapariam e drenariam energia de nosso universo membrana.
Isto pareceria violar um dos princípios fundamentais da física: a Lei de Conservação da Energia, que afirma que a quantidade total de energia permanece constante. Entretanto, esta violação seria tão somente aparente, devido nossa perspectiva dos acontecimentos estar restringida à membrana. Um anjo que pudesse ver as dimensões adicionais saberia que a energia total seguiria sendo a mesma, só que mais disseminada.
As ondas gravitacionais produzidas por duas estrelas que giram uma ao redor da outra teriam uma longitude de onda muito maior que o raio de curvatura da cadeira de balanço das dimensões adicionais. Isso significaria que estariam confinadas em uma vizinhança muito próxima à membrana —como a própria força gravitacional— e não se pulverizariam muito nas dimensões adicionais nem drenariam muita energia da membrana. Ao contrário, as ondas gravitacionais de longitude menor que a escala de curvatura das dimensões adicionais escapariam facilmente das proximidades da membrana.
As únicas fontes de quantidades significativas de ondas gravitacionais de pequena longitude de onda são, provavelmente, os buracos negros. Um buraco negro na membrana se estenderia como buraco negro nas dimensões adicionais. Se fosse pequeno, seria quase redondo: quer dizer, penetraria nas dimensões adicionais uma distância virtualmente igual a seu raio na membrana. Em troca, um buraco negro que fora grande na membrana se estenderia como um pastel redondo aplanado, quer dizer, ficaria confinado às proximidades da membrana e, portanto, seria muito menos grosso nas dimensões adicionais que seu raio na membrana.
Como expliquei no Capítulo 4, a teoria quântica implica que os buracos negros não são completamente negros, mas sim emitem partículas e radiação de todas classes, como o fazem todos os corpos quentes. As partículas e a radiação da luz serão emitidas ao longo da membrana, porque a matéria e as forças não gravitacionais como a eletricidade estão confinadas nela. Entretanto, os buracos negros também emitem ondas gravitacionais, que não estariam confinadas na membrana, também se propagariam nas dimensões adicionais. Se o buraco negro fora grande e aplanado, as ondas gravitacionais permaneceriam perto da membrana. Isso significaria que o buraco negro perderia energia (e, portanto, massa, segundo a relação E = mc2) com o ritmo que caberia esperar em um espaço-tempo quadridimensional. Portanto, evaporaria-se lentamente e se encolheria até reduzir-se por debaixo do raio de curvatura das dimensões adicionais. Alcançado este ponto, as ondas gravitacionais emitidas pelo buraco negro começariam a escapar livremente às dimensões adicionais. Para um espectador confinado na membrana, pareceria que o buraco negro —ou estrela negra, como as chamou Michell (veja o Capítulo 4)— emite radiação escura, que não pode ser observada diretamente na membrana mas cuja existência pode ser inferida da perda de massa do buraco negro.
Sendo assim, o estalo final de radiação da evaporação de um buraco negro pareceria menos potente do que é em realidade. Isto poderia ser uma razão de que não observamos explosões de raios gamma que possam ser atribuídas a buracos negros moribundos, embora outra explicação, mais prosaica, que não haja muitos buracos negros com massa suficientemente baixa para evaporar-se na idade atual do universo.
A radiação dos buracos negros dos universos membrana se deve às flutuações quânticas das partículas que entram e saem da membrana, mas esta estará sujeita por sua vez, como todas as outras coisas do universo, a flutuações quânticas. Tais flutuações provocariam a aparição e desaparecimento espontâneo de membranas. A criação quântica de uma membrana se pareceria em certo modo à formação de uma borbulha de vapor em água fervendo. A água líqüida está formada por milhares de milhões de moléculas de H2O unidas pela atração entre vizinhos próximos. À medida que a água se esquenta, as moléculas se deslocam mais rapidamente e ricocheteiam umas contra as outras com maior energia. Em algumas ocasiões, estas colisões dão às moléculas velocidades tão elevadas que algumas delas se liberam de seus enlaces e formam uma diminuta borbulha de vapor rodeada de água. Esta borbulha crescerá (ou se encolherá) de maneira aleatória à medida que novas moléculas do líqüido unem-se às do vapor (ou vice-versa). A maioria das borbulhas de vapor voltarão a paralisar no líqüido, mas algumas delas superarão um certo tamanho crítico por cima do qual é quase seguro que sigam crescendo. Estas borbulhas grandes em expansão são as que observamos quando a água ferve.
O comportamento dos universos membrana seria parecido. O princípio de incerteza permitiria que se formassem universos membrana a partir de nada, como borbulhas cuja superfície seria a membrana e cujo interior seria o espaço de dimensionalidade superior. As borbulhas muito pequenas tenderiam a paralisar-se de novo e a desaparecer, mas é provável que as que crescessem, por flutuações quânticas, por cima de um certo tamanho crítico seguissem crescendo. Pessoas que, como nós, vivessem na membrana (a superfície da borbulha) acreditaria que o universo expande-se. Seria como pintar galáxias na superfície de um globo e soprá-lo. As galáxias separariam-se, mas, nenhuma delas corresponderia ao centro da expansão. Esperemos que nenhuma agulha cósmica crave o globo!
Segundo a proposta de ausência de contornos descrita no Capítulo 3, a criação espontânea de um universo membrana teria, no tempo imaginário, uma história parecida com uma casca de noz: quer dizer, uma esfera quadridimensional, como a superfície da Terra, com duas dimensões a mais. A diferença essencial é que a casca de noz descrita no Capítulo 3 estava vazia: a esfera quadridimensional não era a fronteira entre um nada e as outras seis ou sete dimensões do espaço-tempo, que segundo a teoria M deveriam ter tamanhos muito menores que a noz. Na nova imagem dos universos membrana, ao contrário, a casca de noz estaria cheia: a história em tempo imaginário da membrana em que vivemos corresponderia a uma esfera quadridimensional que seria o limite de uma borbulha de cinco dimensões com as cinco ou seis dimensões restantes enroladas num raio muito pequeno.
A história da membrana no tempo imaginário determinaria sua história no tempo real. Neste, a membrana se expandiria de maneira acelerada inflacionária, como a descrita no Capítulo 3. A história mais provável de uma borbulha no tempo imaginário seria uma casca de noz lisa e perfeitamente redonda. Entretanto, esta corresponderia, no tempo real, a uma membrana que se expandiria indefinidamente de maneira inflacionária. Nela não se formariam galáxias e, portanto, não se desenvolveria vida inteligente. Em troca, as histórias que não fossem perfeitamente lisas e redondas no tempo imaginário teriam probabilidades menores, mas poderiam corresponder a um comportamento no tempo real em que a membrana teria em princípio uma etapa de expansão acelerada inflacionária, mas, que depois começaria a frear-se. Durante esta expansão desacelerada formar-se-iam galáxias e poderia desenvolver-se vida inteligente. Assim, segundo o princípio antrópico explicado no Capítulo 3, só as cascas de noz com ligeiras rugosidades poderiam ser observadas por seres inteligentes que se perguntassem por que a origem do universo não foi perfeitamente liso.
À medida que a membrana se expandisse, o volume do espaço de dimensão superior contido em seu interior cresceria. Ao final, haveria uma enorme borbulha rodeada pela membrana em que vivemos. Mas vivemos realmente em uma membrana? Segundo a idéia da holografia descrita no Capítulo 2, a informação sobre o que ocorre em uma região do espaço-tempo estaria codificada em sua fronteira. Portanto, possivelmente vivemos em um universo quadridimensional porque somos a sombra na membrana do que está ocorrendo no interior da borbulha.
Entretanto, de uma perspectiva positivista, não podemos nos perguntam o que é a realidade, uma membrana ou uma borbulha? Ambas são modelos matemáticos que descrevem observações, e temos a liberdade de utilizar o modelo que mais nos convenha. O que há fora da membrana? Há várias possibilidades:
Os modelos de universos membranas são um tema candente de investigação. São altamente especulativos, mas oferecem novos tipos de comportamento que podem ser submetidos a provas observadas e explicariam porquê a gravidade parece ser tão débil. Poderia ser que na teoria fundamental a gravidade fora muito forte, mas que sua disseminação nas dimensões adicionais nos fizesse parecer fracos as distâncias suficientemente grandes na membrana em que vivemos.
Uma conseqüência disso seria que a longitude de Planck, a distância mais curta a qual podemos sondar sem produzir um buraco negro, seria muito maior do que se segue da debilidade da gravidade em nossa membrana quadridimensional. A menor boneca russa, a longitude de Planck, poderia não ser tão pequena, depois de tudo, e poderia estar ao alcance dos futuros aceleradores de partículas. Inclusive já a poderíamos ter descoberto se os EUA não tivessem tido um ataque de avareza em 1994, quando cancelaram o SSC (Supercolisionador Supercondutor) embora já estivesse ao meio construir. Outros aceleradores de partículas estão sendo construídos atualmente, como o LHC (Largue Hadron Collider, Grande Colisionador do Hadrones) em Genebra. Com eles e outras observações como a radiação do fundo cósmico de microondas determinaríamos se vivemos ou não em uma membrana. Se for assim, será presumivelmente porque o princípio antrópico seleciona modelos membranas adequados entre o vasto zoológico de universos permitidos pela teoria M. Poderíamos, pois, parafrasear a Miranda de La Tempestade do Shakespeare:
“...felizes universos membrana, que albergam criaturas como esta!”
Stephen Hawking
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