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Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O VALOR DAS TRADIÇÕES / Paulo Coelho
O VALOR DAS TRADIÇÕES / Paulo Coelho

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

Contos do Alquimista

Volume IX

O VALOR DAS TRADIÇÕES

 

                   EXISTEM DOIS DEUSES

         Existem dois deuses.

         O deus que nossos professores nos ensinam, e o Deus que nos ensina.

         O deus sobre o qual as pessoas costumam conversar, e o Deus que conversa conosco.

         O deus que aprendemos a temer, e o Deus que nos fala de misericórdia.

 

         Existem dois deuses.

         O deus que está nas alturas, e o Deus que participa de nossa vida diária.

         O deus que nos cobra, e o Deus que perdoa nossas dívidas.

         O deus que nos ameaça com os castigos do inferno, e o Deus que nos mostra o melhor caminho.

 

         Existem dois deuses.

         Um deus que nos afasta por nossas culpas, e um Deus que nos chama com Seu amor.

 

                   TRES GOLPES PRECISOS

         - Como posso saber a melhor maneira de agir na vida? –perguntou o interessado discípulo ao mestre.

         O mestre pediu-lhe que construísse uma mesa.

         O discípulo cravava os pregos com três golpes precisos. Um prego, porém, estava mais difícil, e o discípulo precisou dar mais um golpe. O quarto golpe enterrou o prego fundo demais, e a madeira foi atingida.

         - Sua mão está acostumada com três marteladas – disse o mestre. – Você se acostumou com o que fazia, e perdeu a habilidade.

         “Quando qualquer ação passa a ser apenas um hábito, ela deixa de ter sentido, e pode terminar causando dano”. Cada ação é uma ação, e só existe um segredo: jamais deixe que o hábito comande seus movimentos.

 

                   CHAME OUTRO TIPO DE MÉDICO

         Um poderoso monarca chamou um santo padre – que todos diziam ter poderes curativos – para ajudá-lo com as dores na coluna.

         - Deus nos ajudará – disse o homem santo. – Mas antes vamos entender a razão dessas dores. Sugiro que sua majestade se confesse agora, pois a confissão faz o homem enfrentar seus problemas, e o liberta de muitas culpas.

         E o sacerdote começou a perguntar tudo sobre a vida do soberano, desde a maneira como tratava seu próximo até as angústias e aflições do seu reinado. A certa altura, aborrecido por ter que pensar em tantos problemas, o rei disse:

         - Não quero falar desses assuntos. Preciso de alguém que cure sem fazer perguntas.

         O sacerdote saiu e voltou meia hora depois com outro homem.

         - Eu acredito que a palavra pode aliviar a dor, e me ajudar a descobrir o caminho certo para a cura – disse. – Entretanto, o senhor não deseja conversar, e não posso ajudá-lo. Mas eis aqui quem o senhor precisa: meu amigo é veterinário. Não costuma conversar com seus pacientes.

 

                   ATRAVESSANDO A RUA

         Comenta o monge beneditino Steindl-Rast:

         “De manhã, devemos nos comportar como se fossemos atravessar uma rua: parar, olhar para os lados, e ir em frente. Antes de nos atirarmos à atividade frenética do dia, é importante parar. Isto nos permite refletir sobre nossas prioridades, as atitudes possíveis diante de um problema, as decisões que precisam ser tomadas. Em seguida, nós olhamos para os lados. Não adianta parar se não enxergarmos o que acontece à nossa volta. Refletir nossas decisões significa, também, considerar tudo o que está acontecendo em torno de nós. Finalmente, nós seguimos adiante. Não adianta parar e olhar para os lados se não temos um objetivo definido. Meditação e compreensão devem nos conduzir à ação, que nos permite mostrar, através do trabalho, a imensa glória de Deus.”

 

                    NÃO ACEITAR AS PEQUENAS FALTAS

         O mestre pediu aos seus discípulos que arrumassem comida. Estavam viajando, e não conseguiam se alimentar direito.

         Os discípulos voltaram no final da tarde. Cada um trazia o pouco conseguido através da caridade alheia: frutas já podres, pães duros, vinho azedo.

         Um dos discípulos, porém, trazia uma saca de maças maduras.

         - Sempre farei todo o possível para ajudara meu mestre e meus irmãos – disse ele, dividindo as maças com os outros.

         - Onde você arranjou isto? – perguntou o mestre.

         - Tive de roubá-las. Só queriam me dar alimentos velhos mesmo sabendo que pregamos a palavra de Deus.

         - Pois vá embora com suas maçãs, e não volte nunca mais – disse o mestre. – Os fins nunca justificam os meios, por mais nobres que sejam. Aquele que hoje rouba por mim, amanhã terminará roubando de mim.

 

                   O MESTRE NÃO ESGOTA O SABER

         Um discípulo perguntou a Firoz:

         - A simples presença de um mestre faz com que todo tipo de curioso se aproxime para descobrir algo de que se possa beneficiar. Isto não pode ser prejudicial e negativo? Isto não pode desviar o mestre do seu caminho, ou fazer com que ele sofra, porque não conseguiu ensinar o que queria?

         Firoz, o mestre sufi, respondeu:

         - A visão de um abacateiro carregado de frutas desperta o apetite de todos que passam por perto. Se alguém deseja saciar sua fome além da sua capacidade, termina comendo mais abacates que necessário, e passa mal. Entretanto, isto não causa nenhum tipo de indigestão ao dono do abacateiro.

         “O mesmo se passa com a busca. O caminho precisa estar aberto para todos; mas Deus de encarrega de colocar os limites de cada um.”

 

                   A PRISÃO ESTÁ EM NÓS

         Eis a origem do ditado “macaco velho não bota a mão em cumbuca.”.

         Na Índia, os caçadores abrem um pequeno buraco no coco, colocam uma banana dentro e enterram-no. O macaco se aproxima, pega a banana, mas não consegue tira-la – porque sua mão fechada não passa pela abertura. Em vez de largar a fruta, o macaco fica lutando contra o impossível até ser agarrado.

         O mesmo se passa em nossas vidas. A necessidade de ter determinada coisa – às vezes algo pequeno e inútil – faz com que terminemos prisioneiros dela.

 

                   REZANDO POR TODOS

         Um lavrador com a esposa doente chamou um sacerdote budista à sua casa. O sacerdote começou a rezar, pedindo que Deus curasse todos os enfermos.

         - Um momento – interrompeu o lavrador. – Eu pedi para que rezasse por minha esposa, e o senhor pede por todos os doentes.

         - Estou rezando por ela – contestou o monge.

         - Mas pede por todos. Pode terminar beneficiando o meu vizinho, que está doente também. E eu não gosto dele.

         - Você não entende nada de curas – disse o monge, afastando-se. – Ao rezar por todos, estou unindo minhas preces às milhares de pessoas que se encontram agora pedindo por seus doentes. Somadas, estas vozes chegam até Deus e beneficiam a todos. Divididas, elas perdem sua força, e não chega a lugar nenhum.

 

                   O DIABO TENTA ENGANAR BUDA

         O demônio disse para Buda:

         - Ser o diabo não é fácil. Quando falo, tenho de usar enigmas para que as pessoas não percebam a tentação. Sempre preciso parecer esperto e inteligente para que me admirem. Gasto muita energia para convencer uns poucos discípulos que o inferno é mais interessante. Estou velho, quero passar meus alunos para você.

         Buda sabia que aquilo era uma armadilha: se aceitasse a proposta, ele se transformaria em demônio, e o demônio viraria Buda.

         - Você acha que é divertido ser Buda – respondeu. – Pensa assim porque não tem idéia do que meus discípulos fazem comigo! Colocam em meus lábios palavras que não disse, cobram por meus ensinamentos, e exigem que eu seja sábio o tempo todo! Você jamais agüentaria uma vida como esta!

         O diabo ficou convencido de que trocar de papel era realmente um mau negócio, e Buda escapou à tentação.

 

                   A MENOR DAS CONSTITUIÇÕES

         Um grupo de sábios judeus reuniu-se para tentar criar a menor Constituição do mundo. Se alguém fosse capaz de definir – no espaço de tempo que um homem leva para equilibrar-se em um só pé – as leis que deviam reger o comportamento humano, este seria considerado o maior de todos os sábios.

         - Deus pune os criminosos – disse um.

         Os outros argumentaram que isto não era uma lei, mas uma ameaça. A frase não foi aceita.

         - Deus é amor – comentou outro.

         De novo, os sábios não aceitaram a frase, dizendo que ela não explicava direito os deveres da humanidade.

         Neste momento, aproximou-se o rabino Hillel. E, colocando-se num só pé, disse:

         - Não faça com seu próximo aquilo que você detestaria que fizessem com você. Esta é a lei. Todo o resto é comentário jurídico.

         E o rabino Hillel foi considerado o maior sábio do seu tempo.

 

                   A PEDRA QUE SOBRA

         Um dos grandes monumentos da cidade de Kyoto é um jardim zen, uma superfície de areia com 15 rochas.

         O jardim original tinha 16 rochas. Conta à lenda que, assim que o jardineiro terminou sua obra, chamou o imperador para contemplá-la.

         - Magnífico – disse o imperador. – É o mais lindo do Japão. E esta é a mais bela rocha do jardim.

         Imediatamente o jardim tirou do jardim a pedra que o imperador tanto apreciara, e jogou-a fora.

         - Agora, o jardim está perfeito – disse. – Não existe nada que se sobressaia, e ele pode ser visto em toda a sua harmonia.

“Um jardim, como a vida, precisa ser visto na sua totalidade. Se nos detivermos na beleza de um detalhe, todo o resto parecerá feio.”

 

                   APRENDA A CUIDAR DE SI

         O discípulo se aproximou do mestre:

         - Durante anos, busquei a iluminação – disse. – Sinto que estou perto, e quero saber como dar o próximo passo.

         - Um homem que sabe Deus sabe também cuidar de si mesmo. Omo você se sustenta? – perguntou o mestre.

         - Isto é apenas um detalhe. Tenho pais ricos, que me ajudam no meu caminho espiritual. Por causa disso, posso me dedicar inteiramente às coisas sagradas.

         - Muito bem – disse o mestre. – Então vou lhe explicar o próximo passo: olhar o sol por meio minuto.

         O discípulo obedeceu.

         Quando acabou, o mestre pediu que descrevesse o campo à sua volta.

         - Não consigo vê-lo. O brilho do sol ofuscou meus olhos.

         - Um homem que mantém os olhos fixos no sol termina cego. Um homem que apenas busca a luz, e deixa suas responsabilidades para os outros, jamais encontra o que está buscando – foi o comentário do mestre.

 

                   DA MONTANHA, COMPREENDI

         Um experiente explorador de uma montanha comenta:

         Eu subi uma das montanhas mais altas da minha terra e de lá pude ver o mundo que a cercava – narrou o explorador. – Enquanto eu estive ali, pude enxergar mais do que consigo dizer e compreendi mais do que sou capaz de exprimir.

         “Se”, entretanto, eu tivesse que definir melhor o que foram aqueles momentos no cume daquela montanha, eu diria: visto lá do alto, todas as coisas – rios, árvores, neve, erva – pareciam uma coisa só, e meu coração se encheu de alegria, por que eu era parte de tudo aquilo.

         Quando entendi isso, mesmo sozinho no alto de uma montanha, entendo que estava junto de todas as coisas desta Terra.”.

 

                   O ROSTO NA JANELA

         Nasrudin foi até a casa de um homem rico pedir dinheiro para obras de caridade.

         Um pajem veio abrir a portão.

         - Anuncie que o mullah Nasrudin está aqui e precisa d dinheiro para ajudar os outros – disse o sábio.

         O pajem entrou, e voltou minutos depois.

         - Meu senhor na está em casa.

         - Então, permita-lhe que eu lhe deixe um conselho, mesmo que ele não tenha contribuído para as obras de caridade. Da próxima vez em que não estiver em casa, peça-o para não deixar o seu rosto na janela – senão as pessoas podem achar que ele está mentindo.

 

                   COMO DESCOBRI O DOM DA CURA

         Durante uma de minhas palestras na Austrália, uma jovem se aproxima.

         “Quero lhe contar algo”, diz.

         “Sempre acreditei que tinha o dom da cura, mas nunca tive coragem de tentar com ninguém”. Até que um dia meu marido estava com muita dor na perna esquerda, não havia ninguém por perto para ajudar, e eu resolvi – morrendo de vergonha – colocar minhas mãos sobre sua perna e pedir que a dor passasse. Agi sem acreditar que seria capaz de ajudá-lo. De repente, escutei-o rezando: ‘Permite, Senhor, que minha mulher seja capaz de ser mensageira da Tua luz, de Tua força’, dizia ele. “Minha mão começou a esquentar, e as dores dele logo passaram.”

         “Depois perguntei por que havia rezado daquela maneira. Ele respondeu que não lembrava ter dito nada. Hoje sou capaz de curar graças àquelas palavras.”

 

                   DE JAPONESES E AMERICANOS

         Durante minha viagem ao Japão para promover O Diário de Um Mago, perguntei ao editor Masao Masuda por que os japoneses conseguiram conquistar mercados que antes eram dominados pelos americanos.

         - Muito simples – respondeu Masuda-san. – Os americanos têm uma idéia, trancam-se numa sala com pesquisas, tomam decisões, e gastam uma energia imensa para provar que estavam certos. Nós, japoneses, não queremos provar nada a ninguém: deixamos que cada ser humano manifeste suas necessidades, e procuramos soluciona-las. O resultado prático é que cada um termina comprando aquilo que já desejava antes.

         “Quem só deseja demonstrar que está certo, termina por agir errado.”

 

                   ESTOU FAZENDO O QUE POSSO

         Certo dia, a floresta pega fogo, e os animais saem correndo em busca de um lugar seguro. Enquanto foge, a macaca nota um passarinho voando em direção às chamas.

         - O que você está fazendo? – pergunta a macaca. – Não vê que a floresta incendiou-se?

         - Sim – responde p passarinho. – Mas estou levando algumas gotas de água no meu bico para apagar o fogo.

         - A macaca ri.

         - Passarinho burro e convencido. Como voe pode apagar aquele fogo com algumas gotas de água?

         - Sei que não posso. Mas, pelo menos, estou fazendo a minha parte e torcendo para que os outros percebam o meu esforço. Se todos ao animais seguirem o meu exemplo, nós conseguiremos dominar as chamas e salvar nossa floresta.

 

                   É MELHOR PREVENIR

         O mullah Nasrudin chamou o seu aluno preferido:

         - Vá pegar água no poço – ordenou Nasrudin.

         O menino preparou-se para fazer o que lhe fora pedido. Antes de partir, entretanto, levou um cascudo do sábio.

         - E não entre em contato com jogadores e pessoas vaidosas, senão terminará ofendendo a Deus!

         - Ainda nem saí de casa, e já recebi um cascudo! O senhor está me castigando por algo que não fiz!

         - Com as coisas importantes na vida, não se pode ser tolerante – disse Nasrudin ao aluno preferido. – De que adiantaria castiga-lo depois que já tivesse perdido sua alma?

 

                   O VALOR DAS TRADIÇÕES

         No ano de 1854, o presidente dos Estados Unidos fez a uma tribo do norte a proposta de comprar suas terras, oferecendo em contrapartida a concessão de uma outra reserva. O texto da resposta do chefe Seattle tem sido considerado, através dos tempos, um dos mais belos pronunciamentos a respeito da importância das tradições. Já li em algum lugar que tal resposta foi falsificada por um jornalista, mas isso não tira o valor do que foi dito, cujo conteúdo segue abaixo:

         “Como é que se pode comprar ou vender o céu, o calor da terra? Essa idéia nos parece estranha. Se não possuímos o frescor do ar e o brilho da água, como é possível vende-los? Cada pedaço desta terra é sagrado para meu povo. Cada ramo, cada punhado de areia do deserto, cada sombra de árvore, cada uma destas coisas é sagrada na memória do meu povo.”

         “Os mortos do homem branco esquecem sua terra de origem quando vão caminhar entre as estrelas. Nossos mortos jamais esquecem estas montanhas e vales, pois assim é o rosto de nossa Mãe. Somos parte da terra e ela faz parte de nós. As flores são nossas irmãs; o cervo, o cavalo, a grande águia são nossos irmãos. Os picos rochosos, os sulcos úmidos nas campinas, o calor do corpo do potro e o homem – todos pertencem à mesma família. Portanto, quando o Grande Chefe em Washington manda dizer que deseja comprar nossa terra, pede muito de nós.”.

         “O Grande Chefe diz que irá nos colocar em um lugar onde poderemos viver felizes. Ele será nosso pai e nós seremos seus filhos. Portanto, nós vamos considerar a sua oferta de comprar nossa terra. Mas isso não será fácil, porque essa água brilhante que corre nos riachos não é apenas água, mas o sangue de nossos antepassados. Se lhe vendermos a terra, eles podem esquecer que o murmúrio das águas é a voz dos nossos ancestrais, e as lembranças de tudo o que ocorreu enquanto vivemos aqui.”

         “Sabemos que o homem branco não compreende nossos costumes. Uma porção de terra, para ele, tem o mesmo significado que qualquer outra, pois é um forasteiro que vem à noite e extrai da terra aquilo de que necessita. A terra não é sua irmã, mas uma mulher atraente, e quando ele a conquista, prossegue seu caminho. Deixa para trás os túmulos de seus antepassados e não se incomoda. Retira da terra aquilo que seria de seus filhos e não se importa. A sepultura de seu pai e os direitos de seus filhos são esquecidos. Trata sua mãe, a terra, e seu irmão, o céu, como coisas ou enfeites coloridos. Seu apetite devorará a terra, deixando somente um deserto.”

         “Eu não sei, nossos costumes são diferente dos seus. A visão de suas cidades fere os olhos do homem vermelho. Talvez seja porque o índio é um selvagem e não compreenda. Não há lugar quieto na cidade do homem branco. Nenhum lugar onde se possa ouvir o desabrochar de folhas na primavera ou o bater das asas de um inseto. O ruído parece somente insultar os ouvidos. E o que resta da vida se um homem não pode ouvir o choro solitário de uma ave ou o debate dos sapos ao redor de uma lagoa, à noite? O que é o homem sem os animais? Se todos os animais se fossem o homem morreria de uma grande solidão de espírito. Pois o que ocorre com os animais, logo acontece com o homem. Há uma ligação em tudo.”

         “Tudo o que acontecer à terra, acontecerá aos filhos da terra. Se os homens cospem no solo, estão cuspindo em si mesmos. Isto sabemos: a terra não pertence ao homem, o homem pertence à terra. O homem não tramou o tecido da vida; ele é simplesmente um de seus fios. Tudo o que fizer ao tecido, fará a si mesmo.”

         “Mesmo o homem branco, cujo Deus caminha e fala como ele de amigo para amigo, não pode fugir desta realidade. De uma coisa estamos certos: nosso Deus é o mesmo Deus dele. A terra Lhe é preciosa, e feri-la é desprezar o Criador. É o final da vida e o início da sobrevivência.”

 

                   JÁ ESTAVA QUASE APRENDENDO

         Um homem que se dizia inspirado por Deus foi até uma pequena cidade e conseguiu um discípulo.

         - Você precisa mendigar para que possamos comer – disse.

         O discípulo obedeceu. Ao voltar com as esmolas, passou-as ao mestre, que comprou comida apenas para si.

         - Você precisa aprender a jejuar – justificou ele ao discípulo.

         Durante semanas, o mestre comia, e o discípulo jejuava – até que, uma bela tarde, terminou morrendo de fome. Os habitantes da cidade, revoltados, foram tomar uma satisfação.

         - Foi realmente uma pena – disse o falso mestre. Mas não tive o tempo necessário para ensiná-lo a viver sem comida. Quando já estava quase aprendendo, ele desistiu.

 

                   O CÉU E O INFERNO

         Um samurai violento, com fama de provocar briga sem motivo, chegou às portas do mosteiro zen e pediu para falar com o mestre. Sem titubear, Ryokan foi ao seu encontro.

         - Dizem que a inteligência é mais poderosa que a força – comentou o samurai. – Será que o senhor consegue me explicar o que é céu e inferno?

         Riokan ficou calado.

         - Viu? – bradou o samurai. – Eu conseguiria explicar isso com muita facilidade. Para mostrar o que é inferno, basta dar uma surra em alguém. Para mostrar o que é céu, basta deixar uma pessoa fugir, depois de ameaçá-la muito.

         - Não discuto com gente estúpida como você – comentou o mestre zen.

         O sangue do samurai subiu à cabeça. Sua mente ficou turva de ódio.

         - Isto é inferno – disse Ryokan, sorrindo.

         O guerreiro ficou desconcertado com a coragem do monge, e relaxou.

         - Isso é o céu – terminou Ryokan, convidando-o a entrar.

 

                   O JUMENTO NÃO MORRE EM VÃO

         Nasrudin resolveu procurar novas técnicas de meditação. Selou seu jumento e iniciou uma peregrinação pelo mundo: foi à Índia, à China, à Mongólia, conversou com todos os grandes mestres, mas nada conseguiu.

         Escutou falar que havia um sábio no Nepal. Viajou até lá, mas, quando subia a montanha para encontrá-lo, seu jumento morreu de cansaço. Nasrudin enterrou-o ali mesmo, e chorou de tristeza. Alguém passou e comentou:

         - Isso deve ser o túmulo de um santo, e você era seu discípulo. Na certa, está lamentando sua morte.

         - Não, é apenas o túmulo do meu jumento, que morreu de cansaço.

         - Não acredito – disse o recém-chegado. – Ninguém chora por um jumento morto. Isso deve ser um lugar santo, onde os milagres acontecem, e você está tentando escondê-lo.

         Por mais que Nasrudin argumentasse, não adiantou. O homem foi até a aldeia vizinha, espalhou a história de um grande mestre que realizava curas em seu túmulo, e logo os peregrinos começaram a chegar.

         Aos poucos, a notícia da descoberta do Sábio do Luto Silencioso se espalhou por todo o Nepal – e multidões acorreram ao lugar. Um homem rico foi até ali, achou que tinha sido recompensado, e mandou construir um imponente monumento onde Nasrudin enterrara seu mestre.

         Em vista disto, Nasrudin resolveu deixar as coisas como estavam. Mas aprendeu de uma vez por todas que, quando alguém quer acreditar numa mentira, ninguém lhe convencerá do contrário.

 

                   O PALÁCIO E A CHOUPANA

         O grande califa Alrum Al-Rachid resolver construir um palácio que marcasse a grandeza de seu reino. Reuniu as melhores obras de arte, desenhou os jardins, selecionou pessoalmente o mármore e os tapetes.

         Ao lado do terreno escolhido, havia uma choupana. Al-Rachid pediu ao seu ministro que convencesse o dono – um velho tecelão – a vendê-la para ser demolida.

         O ministro tentou, sem êxito. O velho disse que não queria desfazer-se dela.

         Ao saber da decisão do velho, o Conselho da Corte sugeriu que simplesmente o expulsassem do lugar.

         - Não – respondeu Al-Rachid. – Ela passará a fazer parte do meu legado ao meu povo. Quando virem o palácio, eles dirão: “ele foi um homem de grande sensibilidade”. E, quando virem a choupana, dirão: “ele foi justo, porque respeitou o desejo dos outros.”

 

                   PARECE MUITO ÓBVIO

         Perguntaram ao rabino Bem Zoma:

         - Quem é sábio?

         - Aquele que encontra sempre algo a aprender com os outros – disse o rabino.

         - Quem é forte?

         - O homem que é capaz de dominar a si mesmo.

         - Quem é rico?

         - O que conhece o tesouro que tem: seus dias e suas horas de vida, que podem modificar tudo o que acontece à sua volta.

         - Quem merece respeito?

         - Quem respeita a si mesmo e ao seu próximo.

         - Isso tudo são coisas óbvias – comentou um dos presentes.

         - Por isso são tão difíceis de serem observadas – concluiu o rabino.

 

                   O EXEMPLO VEM DAS CRIANÇAS

         Perguntaram a Dov Beer de Mezeritch:

         - Qual o melhor exemplo a seguir? O dos homens piedosos, que dedicam sua vida a Deus sem perguntar por quê? Ou o dos homens cultos, que procuram entender a vontade do Altíssimo?

         - O melhor exemplo é a criança – respondeu Dov Beer.

         - A criança não sabe nada. Ainda não aprendeu o que é a realidade! – foi o comentário geral.

         - Vocês estão muito enganados, porque ela possui quatro qualidades que nunca devíamos nos esquecer – disse Dov Beer, - Está sempre alegre sem razão. Está sempre ocupada. Quando deseja qualquer coisa, sabe exigi-la com insistência e determinação. Chora com todas as forças, mas basta uma palavra meiga, ou um novo desafio, que imediatamente pára de chorar. Uma criança sabe tudo o que é necessário para viver em harmonia com Deus.

 

                   O ESQUIADOR DESCONHECIDO

         Conheci Sophy Bunhan – autora de O Livro dos Anjos (The Book of Angels), com mais de 2 milhões de exemplares vendidos nos EstadosUnidos – em um encontro dos escritores em São Francisco, Califórnia.

         - Durante anos, duvidei da existência de anjos- diz ela. – Até que, em 1965, quando esquiava nos Alpes, perdi o controle e comecei a escorregar em direção a um precipício.

         Neste momento, um esquiador vestido todo de preto aproximou-se e me livrou da morte certa. Refeita do susto, virei-me para agradecer-lhe e vi que seus olhos estavam cheios de luz.

         “A partir deste momento, passei a ter certeza da existência de anjos e, desde então, nunca mais de ter uma ajuda inesperada num momento difícil.”

 

                   USAR OS DOIS BOLSOS

         Um discípulo comentou com o rabino Bouhnam:

         - O mundo material parece sufocar o mundo espiritual.

         - Sua calça tem dois bolsos – disse Bouhnam. – Escreva no direito: o mundo foi criado apenas para mim. No bolso esquerdo, escreva: eu não sou nada além de pó e cinzas.

         “Divida bem teu dinheiro nesses dois lugares. Quando vir a miséria e a injustiça, lembre-se de que o mundo existe apenas para que possa manifestar tua bondade, e use o dinheiro do bolso direito. Quando estiver tentado a adquirir coisas que não lhe fazem a menor falta, lembre-se do que está escrito no teu bolso esquerdo, e pense várias vezes antes de gasta-lo. Dessa maneira, o mundo material nunca sufocará o mundo espiritual.”

 

                   O SIGNIFICADO DAS BANANAS

         Um amigo meu resolveu passar algumas semanas num mosteiro do Nepal. Certa tarde, entrou num dos muitos templos do mosteiro, e encontrou um monge, sorrindo, sentado no altar.

         - Por que o senhor sorri? – quis saber.

         - Porque entendo o significado das bananas, disse o monge, abrindo a bolsa que carregava, tirando uma banana podre de dentro, e mostrando para meu amigo.

         - Esta é a vida que passou e não foi aproveitada no momento certo – disse. – Agora é tarde demais.

         Em seguida, tirou da bolsa uma banana ainda verde, mostrou-a, e tornou a guardá-la.

         - Esta é a vida que ainda não aconteceu. É preciso esperar o momento certo.

         Finalmente, tirou uma banana madura, descascou-a, e dividiu-a com meu amigo.

         - Esta é a vida no momento certo: o presente. Alimente-se com ele e viva-o sem medo e sem culpa.

 

                   ENCONTRO AUSTRALIANO

         No coquetel de abertura do Festival de Escritores de Melbourne, em 1993, na Austrália, eu me sentia bastante deslocado. Era a primeira vez que participava de um evento literário fora do meu país. Não conhecia ninguém, e resolvi ficar olhando uma parede com pôsteres com capas de livros dos escritores presentes. Ao lado da capa de The Alchemist (O Alquimista) estava outra bela capa, e me deu uma imensa vontade de conhecer o autor daquele livro.

         Outro convidado aproximou-se. Também sentia-se deslocado e aproveitou para puxar conversa comigo. Sem saber quem eu era, começou a elogiar longamente o cartaz com capa do meu livro. Meio encabulado, e querendo manter a conversa, perguntei se ele havia notado a outra bela capa que estava ao lado.

         “Obrigado”, respondeu ele. “Sou o autor deste livro.” Rimos muito da coincidência, quando também me identifiquei como o autor do livro cuja capa ele havia elogiado.

 

                                                                                Paulo Coelho  

 

                      

O melhor da literatura para todos os gostos e idades

 

 

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