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O VAMPIRO QUE ME AMOU / Teresa Medeiros
O VAMPIRO QUE ME AMOU / Teresa Medeiros

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

O VAMPIRO QUE ME AMOU

 

As bolinhas geladas de neve ferroaram seus olhos. Inclinando respetuosamente sua cabeça, alcançou com uma mão tremente a tirar seu chapéu.

—Maldito seja.

O juramento ressentido, arrancado entre dentes em entonação tão familiar, sacudiu com

força a cabeça do Cuthbert erguendo-a. A incredulidade percorria através de suas veias, desembriagandole mais a fundo que uma explosão de ar ártico.

Quando Julian se incorporou, piscando neve de suas pestanas, o sorriso repugnante do Wallingford se desvaneceu. Cuthbert gritou com alegria e foi tropeçando para seu amigo, caindo de joelhos na neve. A pistola do Julian estava jogada no chão a doze polegadas de sua mão. Aparentemente, ainda não tinha conseguido fazer um disparo. Cuthbert meneou sua cabeça, maravilhando-se da fabulosa sorte de seu amigo.

—Não o entendo —cuspiu o marquês—. Teria jurado que acertei.

O padrinho do homem franziu o cenho, vendo-se igualmente desconcertado.

—Possivelmente se ferrou, meu lorde, ou possivelmente ele perdeu pé no momento antes de que disparassem.

Wallingford lhes olhou encolerizadamente, seu aristocrático lábio superior encrespado em um grunhido. Seu padrinho entreabriu os olhos nervosamente sobre seu ombro, simplesmente temendo que de alguma forma seria culpado desta catástrofe.

Os lábios do Julian se arquearam em um tímido sorriso.

—Sinto muito, companheiros. Sempre suportei melhor a minhas mulheres que a meu porto.

O sangue do Cuthbert se congelou novamente quando Wallingford lhe arrebatou a pistola restante a seu padrinho e apontou diretamente ao coração do Julian. Julian o contemplou com preguiçosa diversão, negando-se a ceder tanto como um estremecimento para a satisfação de seu inimigo. Cuthbert soube instintivamente que se Julian delatasse um indício de medo, se pronunciasse uma singela súplica por misericórdia, Wallingford dispararia a ambos sem o menor reparo, e subornaria ao diretor de pompas fúnebres para dizer que Cuthbert tinha elevado uma arma para ele depois de que o marquês tivesse matado a seu amigo.

Wallingford lentamente baixou a arma; Cuthbert exalou um suspiro de alívio.

A voz aveludada do marquês rangeu com desprezo.

—Desejará ter morrido neste momento, terminarei contigo, bastardo grosseiro. Assumindo que não te incomodaria em aparecer esta manhã, tomei a liberdade de comprar todos suas notas promissórias. —Tirou um maço de pagar de três polegadas de grossura do bolso de seu colete e se apoiou para sacudi-los ruidosamente diante do nariz do Julian—. Te tenho, Kane. Em corpo e alma.

A risada afogada do Julian se inchou em uma gargalhada completa.

—Temo que chegou tarde. O diabo ganhou esse pago em particular faz muito tempo.

Seu regojizo só enfureceu ao marquês ainda mais.

—Então só posso rezar para que ele venha a te cobrar muito em breve porque nada eu gostaria mais que verte toda eternidade te apodrecendo no inferno!

Wallingford girou sobre seus pés e partiu para a carruagem. Seus acompanhantes foram detrás dele, o diretor de pompas fúnebres estava visivelmente contrariado ao ser privado da oportunidade de praticar seu ofício.

—Um tipo mas bem de mau caráter, não? —queixou-se Cuthbert—. Crê que padece de gota ou dispepsia?

À medida que o feroz atraio dos arreios da carruagem diminuiu, Cuthbert e Julian ficaram sozinhos na quietude nebulosa do prado. Julian simplesmente sentado ali com um braço apoiado em seu joelho, contemplando o céu. Seu incomum silêncio enervou ao Cuthbert mais que os acontecimentos confusos de toda a manhã. Tinha crédulo na réplica engenhosa de seu amigo, o bordo cortante de seu engenho. Todo o tempo tinha havido muita tensão para que ele pensasse algo engenhoso que dizer.

Estava a ponto de esclarecê-la voz e tentá-lo de todos os modos quando uma sombra desolada de sorriso cruzou a cara do Julian.

—Apesar de meus melhores esforços, parece que não estou destinado a morrer em um campo de duelo com o sabor da mulher de outro homem ainda em meus lábios.

Cuthbert repôs a pistola em sua caixa e se meteu a caixa sob o braço antes de atirar do Julian lhe levantando.

—Não perca completamente a esperança. Possivelmente ainda possa falecer na prisão como devedor, de um persistente ataque de tuberculose.

Cuthbert se balançava ao redor para lhe apontar a direção correta quando notou o rasgão no fronte do capote negro do Julian.

—O que é isto? —perguntou, sabendo que seu amigo era muito mais cuidadoso sobre seu traje do que era sobre seus numerosos assuntos do coração.

Roçou seus dedos sobre a lã finamente tecida, desconcertado pelo rasgão denteado. Tinha ao redor de uma polegada de largura e os fios que rodeavam seu bordo estavam retorcidas e renegridas, quase como se estivessem chamuscadas.

Logo que tinha começado a mover um dedo através do buraco quando Julian apanhou sua mão em um agarre que foi ao mesmo tempo cortês e inflexível.

—A bala da pistola do marquês deveu que ter roçado meu casaco quando eu caí ao chão. Maldito homem! Se me tivesse dado conta disto antes, lhe teria feito romper uma dessas notas promissórias. Este casaco foi feito a medida pelo velho Weston —disse, referindo-se ao alfaiate favorito do rei—. Me custou quase cinco libras.

Cuthbert lentamente retirou sua mão, o brilho de advertência nos olhos escuros de seu amigo não lhe davam opção.

Julian lhe deu uma palmada no braço com um sorriso distendido suavizando sua expressão.

—Venha, Cubby, meu amigo, meus dedos estão quase congelados. Por que não compartilhamos uma agradável garrafa quente de porto para tomar o café da manhã?

Quando trocou de direção e começou a cruzar o prado, Cuthbert lhe seguiu com o olhar, duvidando de seus sentidos. Quase teria jurado…

Julian se deteve repentinamente e deu meia volta, seus olhos estreitando-se. Seu penetrante olhar escuro trocou de direção para um disco antigo que se inclinava ao bordo do prado a algumas jardas de distância com braços nodosos vestidos de geada de neve. Suas elegantes fossas nasais se crisparam, depois cintilaram, como se tivesse farejado algo particularmente tentador. Seus lábios retrocederam ante seus dentes e, por um instante fugaz, houve algo quase feroz em sua expressão, algo que fez ao Cuthbert afastar um passo dele.

—O que é? —sussurrou Cuthbert—. Tornou o marquês para nos rematar?

Julian vacilou por um momento, logo negou com a cabeça, o resplendor depredador em seus olhos desvanecendo-se.

—Não é nada, suponho. Simplesmente um fantasma de meu passado.

Estreitou os olhos lhe dando ao disco uma última olhada e continuou através do prado. Quando Cuthbert lhe alcançou, Julian se lançou ao estribilho do “The Girl I Left Behind Me” em um barítono tão puro que poderia fazer chorar aos anjos de inveja.

A mulher encolhida atrás do disco retrocedeu contra o largo tronco, seus joelhos voltando-se débeis. As notas da canção lentamente se desvaneceram, deixando-a só com o murmúrio da queda da neve e o batimento inseguro de seu coração nos ouvidos. Não pôde dizer se seu coração golpeava com terror ou excitação. Só sabia que não se havia sentido assim viva em quase seis anos.

Tinha saído às escondidas da casa ao amanhecer e lhe tinha dado ao condutor instruções de seguir ao marquês e seu séquito até o parque, rasgada entre a esperança de que as intrigas fossem verdadeiras e rezando para que não fossem. Mas tudo o que tinha conseguido era um espiono em torno dessa árvore e outra vez se converteu em uma olhos brilhantes de dezessete anos, deleitando-se no primeiro rubor torpe de amor.

Tinha contado cada passo que os duelistas deram como se marcassem os momentos finais de sua vida. Quando o marquês se girou com a pistola preparada, fazia todo o possível para não saltar de atrás da árvore e gritar uma advertência. Quando o disparo se ouviu e observou o vulto do adversário do marquês no chão, sujeitou-se com força o peito, segura de que seu coração se deteve.

Mas tinha começado a palpitar outra vez no momento em que ele se incorporou, sacudindo a frisada juba escura de sua cara. Ébria de alívio, esqueceu-se de seu próprio perigo até que quase foi muito tarde.

Tinha estado lhe seguindo com o olhar, com o coração em seus olhos, quando ele se deteve bruscamente e tinha trocado de direção com o corpo firme com essa graça tensa que ela recordava muito bem.

Agachou-se rapidamente de novo atrás da árvore, contendo o fôlego. Inclusive com o protetor tronco do disco entre eles, podia sentir seu olhar fixo penetrando suas defesas, sua inquisitiva carícia deixando-a tão vulnerável como o beijo com o que ele tinha roçado sua frente a última vez que se encontraram. Fechando fortemente seus olhos, tinha passado uma mão pela gargantilha de veludo que rodeava a coluna magra de sua garganta.

Depois ele se foi, sua voz desvanecendo-se em um eco, depois uma lembrança. Saiu escondida de atrás da árvore. Os grossos flocos de neve foram à deriva do céu, enchendo os rastros pulverizados e o oco onde seu corpo tinha jazido. Logo não haveria provas de que o duelo ilegal alguma vez tinha tido lugar.

Quase compadeceu a seu companheiro de cabelo loiro por sua ignorância. Tinha tido quase seis anos para aprender a abraçar o impossível, mas mesmo assim tinha tido que refrear um ofego aturdido quando essa forma magra se levantou de seu sepulcro de neve. Se a mão de seu companheiro não se detivesse, sabia exatamente o que teria encontrado o homem. Aquele dedo gordinho se teria movido em seu caminho através de capote, casaco, colete, e camisa, sem deter-se até passar roçando a pele imaculada sobre um coração que deveria ter sido feito pedaços pela bala da pistola do marquês

Porta Cabot ajustou o véu da aba que varria seu chapéu, um sorriso apenas perceptível curvando seus exuberantes lábios. Não lamentou nem um momento de sua excursão temerária. Tinha provado que os rumores eram mais que simples intrigas sem valor.

Julian Kane tinha voltado para casa. E se o diabo queria sua alma, então o velho patife teria simplesmente que brigar com ela para consegui-la.

 

—perdeste a cabeça por completo?

Uma alma mais delicada poderia haver-se acovardado para ouvir essa pergunta; especialmente se a fazia um espécime tão impressionante de homem e em um tom similar a um rugido; mas Porta se negou a tomá-lo como uma ofensa. Depois de tudo, não era como se seu cunhado tivesse o costume de lhe questionar sua prudência. Tão só o tinha feito duas vezes antes. Uma quando ela tinha esquecido a um vampiro de seiscentos anos durante um concerto de fagot em metade de uma velada musical de lady Quattlebaum, mantendo-o a raia com um arco de violino até que Adrian pudesse chegar com a mola de suspensão. A segunda foi no mês anterior quando ela tinha rechaçado, não a um, a não ser a dois nobres atrativos, ricos e jovens que estavam impacientes por convertê-la em sua prometida.

Se tivesse gritado levado pelo rancor em vez de pela preocupação, Porta se teria alarmado um pouco. Mas sabia que Adrian não tivesse podido querê-la mais se tivesse sido sua própria irmã em vez da de sua esposa.

Foi essa firme certeza a que lhe permitiu lhe olhar serenamente da poltrona brincalhona ante o lar enquanto se passeava acima e abaixo no salão de sua mansão do Mayfair, franzindo o cenho como um ogro e alisando o cabelo cor mel até que esteve tão arrepiado como a juba de um leão.

Ele girou sobre os calcanhares e a apontou com um dedo.

—Pode que esteja a ponto de perder a cabeça, mas eu ainda estou em posse de todas minhas faculdades mentais. E se crê, embora só seja por um instante que vou permitir que se ponha em perigo, está muito equivocada.

—Não penso me pôr em nenhum perigo —respondeu ela—. Agora que o encontrei, simplesmente quero ter uma conversaça civilizada com seu irmão.

Sua irmã maior Caroline se levantou do sofá de brocado para deslizar o braço pelo de seu marido. Com seu ventre levemente inchado por seu segundo filho, e o cabelo loiro recolhido atrás em um coque, deveria ter o aspecto de uma plácida Madonna. Mas o brilho de humor e inteligência de seus olhos cinzas desmentia a serenidade de seu olhar.

—Adrian tem razão, é muito arriscado. Acaso não recorda o que passou a última vez que tentou lhe ajudar? Esteve a ponto de morrer.

—Foi ele quem esteve a ponto de morrer —recordou Porta—. Eu lhe salvei.

Adrian e Caroline intercambiaram um olhar, mas Porta simplesmente apertou os lábios. Nunca lhe tinha contado a ninguém o que tinha acontecido exatamente naquela cripta quase seis anos antes. E não tinha intenções de fazê-lo agora.

—Sei que aconteceste muitas noites em vela preocupada com o Julián —disse Caroline—. Ambas o fizemos. Mas tem que pensar no perigo que supõe para ti.

—um pouco de perigo não te manteve separada do Adrian quando todo mundo acreditava que era um vampiro.

—Se por acaso o esqueceste, havia uma importante diferença. E pode que Julian nem sequer seja o vampiro que você recorda. Esteve desaparecido por mais de seis anos e três deles não soubemos absolutamente nada dele. Nenhuma carta, nenhuma palavra, nem um sussurro. Nem sequer entrou em contato conosco quando lhe mandamos uma nota lhe informando do nascimento da Eloisa. —Caroline lançou um carinhoso olhar à menina loira de bochechas rosadas que mastigava alegremente as borlas douradas das almofadas do sofá—. Tampouco o fez quando Adrian lhe notificou que sua mãe tinha morrido de tuberculose na Itália. Adrian e ele estavam tão unidos como só dois irmãos podem está-lo, por que razão ia cortar todos os laços se não fora por que tinha decidido deixar de procurar sua alma?

—Não sei —admitiu Porta—. Mas o único modo de averiguá-lo é lhe perguntando.

—E por que ia confiar em ti? —perguntou Adrian levantando uma sobrancelha—. Porque sempre gostou das garotas bonitas? Porque ainda fica nele algum resto de sentimento depois de viver tantos anos como um monstro? Uma faísca de humanidade?

Porta conteve a língua. Não havia palavras que explicassem o vínculo que sentia no coração desde sua época na cripta. E embora as houvesse, sabia que se limitariam a acusa-la de ter a romântica imaginação de uma jovenzinha.

Adrian apoiou um joelho ante a cadeira, obrigando-se a olhá-la. Os pais de Porta tinham morrido em um acidente de carruagem quando ela tinha tão só nove anos. Quando Caroline e ele se casaram, Adrian a acolheu de boa vontade em seu lar, sem ameaçá-la jamais envia-la com alguém tão horrível como o lascivo primo Cecil ou a insossa tia Marietta.

Cobriu-lhe as mãos com uma das seus com os olhos azuis esverdeados obscurecidos pela preocupação.

—Não estou completamente cego; sei que estiveste acumulando armas e te treinando em segredo durante anos para me ajudar a combater aos vampiros, mas esta não é sua batalha, pequena; é a minha.

Ela liberou as mãos.

—Tenho quase vinte e três anos, Adrian. Já não sou uma menina.

—Então possivelmente seja o momento de que comece a ter sentido comum em vez de te comportar como tal.

Porta teria preferido com muito seus gritos a seu tom tranqüilo e racional. levantou-se, erguendo-se em toda sua estatura e desejando ter posto um desses complicados chapéus para ser mais alta.

—Muito bem —disse serenamente—, se tiver que deixar de me comportar como uma menina, então já não necessito nem sua permissão nem sua aprovação para procurar a companhia de seu irmão.

Adrian se endireitou e a agarrou com cuidado pelos ombros, com uma súplica na voz que era mais inquietante que qualquer rugido.

—Esquece que nos últimos quinze dias morreram quatro mulheres? Ou que lhes tiraram até a última gota de sangue e que logo foram abandonadas para que se apodrecessem nos becos da Charing Cross e Whitechapel? Passei os últimos cinco anos controlando a quase todos os vampiros da cidade. Crê de coração que é pura casualidade que esses assassinatos ocorressem justo quando começaram os rumores de que Julian tinha voltado para Londres?

Lhe olhou de frente.

—Crê de coração que seu próprio irmão é capaz de cometer tais atrocidades?

Adrian a soltou e deixou cair os braços com impotência.

—Já não sei do que pode ser capaz. Já não o conheço absolutamente. Mas é meu irmão e é minha responsabilidade. Se alguém deve enfrentar-se a ele por esses assassinatos, vou ser eu. —Intercambiou outro cauteloso olhar com o Caroline—. Será o primeiro que faço amanhã.

—Pela manhã? —repetiu Porta—. Enquanto está dormido? Quando é mais débil e vulnerável?

Caroline emitiu um pequeno gemido de angústia, mas Porta não era capaz de deter-se.

—Sei exatamente o que acontece aos vampiros quando vais ver lhes pela manhã Adrian. Que armas vais levar? O crucifixo? As estacas? A mola de suspensão? Acabaste com muitos demônios com essa arma em concreto. Suponho que era inevitável que Julian sentisse algum dia sua espetada.

Adrian lhe aconteceu o dedo pela gargantilha de veludo que lhe cobria a garganta, com os olhos cheios de um pesar que o fazia parecer muito maior de seus trinta e cinco anos.

—Melhor que a ele sinta que você; ou qualquer outra mulher sinta a sua.

Enquanto cruzava a pernadas a habitação, Porta se voltou para o Caroline, esperando com desespero encontrar uma aliada em sua irmã. Depois de tudo não tinha ajudado ela ao Caroline a demonstrar que Adrian não era o vilão que todos acreditavam que era?

Mas Caroline simplesmente sacudiu a cabeça.

—OH, Porta, por que tem que fazer-lhe mais difícil do que já é? Se Adrian não se viu obrigado a destruir ao Duvalier para proteger  —disse referindo-se ao desumano vampiro que converteu ao Julian em vampiro lhe sugando a alma enquanto morria—, faz muito tempo que Julian tivesse podido recuperar sua alma. Não teria tido que ir em busca do vampiro que engendrou Duvalier. Adrian lutou sem desfalecer e durante muito tempo para salvar a seu irmão. Como crê que se sente agora, sabendo que é muito possível que tenha falhado? Sabendo que mulheres inocentes podem ter sofrido e morto por esse fracasso? —Agarrou a sua filha em braços e seguiu a seu marido fora do quarto lançando a Porta um último olhar de recriminação. Eloisa olhou por cima do ombro de sua mãe com seus olhos cinzas cheios de assombro.

Porta conteve um suspiro de frustração. Supôs que tinha sido muito inocente por sua parte esperar que sua família abrisse os braços e os corações para dar a bem-vinda a casa ao vampiro pródigo. Por isso sabia, era possível que Julian estivesse tão perdido como eles se temiam.

Mas um pequeno rincão de seu coração rechaçou a idéia, negava-se a acreditar que o homem que uma vez lhe tinha beliscado o nariz e a tinha chamado olhos brilhantes pudesse ter acabado com a vida dessas mulheres as arrojando logo a um beco como se fossem lixo.

Aproximou-se da janela, apartando as pesadas cortinas de veludo. A escassa luz do dia já começava a desaparecer deixando a larga rua banhada com o luminoso brilho da neve. Embora alguns flocos ainda voavam com o vento, as nuvens se dispersaram, deixando ver uma pálida lua em quarto crescente. Jogou uma olhada ao relógio de mármore da chaminé com uma crescente sensação de urgência. Ao Julian lhe estava esgotando o tempo e a ela também.

Se tinha que lhes demonstrar a todos que se equivocavam, ia ter que fazê-lo antes de que saísse o sol e Adrian começasse a procurar a seu irmão, possivelmente pela última vez.

Nesse momento ao Julian Kane não importava ser desalmado quase tanto como estar sóbrio. Seu passo vacilante se converteu em um rebolado, privado de sua elegância habitual pelo esgotamento e a fome.

Voltou do reverso os bolsos do casaco, solo para encontrá-los penosamente vazios. Possivelmente não deveria ter abandonado tão rapidamente ao Cuthbert nas escadas da casa de seu pai no Cavendish Square.

Cubby tinha estado jogando até o último mingau em cima das queridas azaleas do conde quando o ancião tinha aparecido a cabeça de uma janela com o gorro de dormir torcido e bramando:

—O que lhe tem feito agora a meu filho, Kane? Cuthbert era um bom menino até que começou a ir contigo. Feto de Satanás!

Julian tinha entregue cuidadosamente o vacilante vulto que era Cubby a um lacaio antes de tocar a asa do chapéu de castor para saudar o conde.

—boa noite para você também, milord.

O ancião lhe tinha ameaçado com um punho, com tanto vigor que Julian temeu que caísse pela janela e se rompesse a estúpida cabeça.

Estava sacudindo a cabeça ao recordá-lo, quando seus dedos enluvados se deslizaram por um buraco do forro de seda do bolso de seu casaco. Tirou um solitário xelim e o manteve em alto.

—Adrian sempre disse que eu tinha a sorte do muito mesmo diabo —murmurou.

Mas o diabo tinha sido muito desafortunado esse dia, pensou com desânimo. Se as circunstâncias tivessem sido diferentes, a velha cabra tivesse estado vigiando as portas do inferno, golpeando impacientemente com sua pata fendida no mesmo momento em que Wallingford tinha disparado sua pistola.

Era estranho, mas nesse momento em lugar do fedor do enxofre, tinha-lhe chegado um aroma celestial. Não era a primeira vez que lhe atormentava esse aroma em particular. A elusiva fragrância lhe tinha espreitado em um beco no Cairo, por cima dos exóticos aromas do cominho e a cúrcuma. Tinha entrado através de uma janela manchada de fuligem de uma água-furtada pariense fazendo que morresse de fome. E sobre um campo de batalha molhado pela chuva na Birmania enquanto as aletas de seu nariz ainda estavam alagadas pelo aroma do sangue e a fumaça, tinha-o cheirado no vento, uma fragrância tão querida e familiar que lhe tinha retorcido as vísceras ao lhe fazer desejar o lar que sabia que nunca ia poder ter.

Não era o aroma de gardênias e jasmim que as mulheres usavam tão freqüentemente lhe proporcionando consolo e sustento. Era o aroma de sabão de romeiro na doce pele inocente de uma jovem e a tentação mesclados em uma poção embriagadora. Era o aroma dos sedosos cachos escuros de uma moça acariciando sua bochecha enquanto se inclinava sobre ele para voltar as páginas de música do pianoforte antes de lhe favorecer com um sorriso malicioso.

Como tantas vezes antes, Julian se obrigou sem piedade a desterrar a imagem. Passando a moeda à outra mão, saiu de noite. Pode que não fora capaz de permitir-se mais que uma só mão de cartas, mas possivelmente pudesse enrolar a uma bonita mulher para que se compadecesse dele.

Levantou-se o pescoço do capote para proteger-se dos sorvetes flocos de neve, cruzou a rua e entrou em um dos casas de jogo clandestino de má reputação do Covent Garden aos que gostava de acudir.

Realmente Julian tinha a sorte do muito mesmo demônio. Menos de duas horas mais tarde, estava sentado na mesa depois de um montão de moedas que tinha ganho. Empregando uma mescla letal de encanto, astúcia, e habilidade, tinha conseguido converter aquele xelim em um brilhante montão de moedas e bilhetes de uma libra. Não era o bastante para evitar ao Wallingford e suas ameaças de lhe enviar ao cárcere de devedores durante mais de um dia, mas era o suficiente para assegurar-se de que não ia passar a noite sozinho.

Nem faminto.

Acariciou com cuidado o traseiro da beleza de cabelo e olhos negros que estava sentada sobre seus joelhos, obtendo um ciumento olhar da atrevida loira que levava sobre os ombros uma estola de arminho. Quando voltou a cabeça quase lhe enjoou o fedor da água de lavanda que ela estava acostumada usar para tirar o aroma do último jogador ao que tinha acompanhado ao piso de acima.

Enquanto os outros três homens da mesa olhavam sem poder ocultar suas expressões esperançadas, seus pálidos dedos golpearam as cartas com indolência, as abrindo em leque e as ensinando para descobrir outra mão ganhadora.

Um dos homens gemeu enquanto outro atirava suas cartas, aborrecido.

—Maldição Kane! Tem uma sorte verdadeiramente sobrenatural!

—Isso dizem —murmurou Julián enquanto os outros agarravam rapidamente seus chapéus de castor e suas fortificações, e abandonavam a mesa deixando nela o salário de mais de uma semana.

Julian se recostou na cadeira acariciando distraídamente o quadril da morena e estirando suas largas pernas. Olhou atentamente entre a neblina produzida pelos charutos e os puros, em busca de suas seguintes vítimas. A maioria dos clientes tinham esgotado seu crédito em estabelecimentos mais sérios como White´s e Boodle´S. Levavam com eles um evidente ar de desespero, similar ao que Julian tinha presenciado nos fumaderos de haxixe e ópio no Estambul e Bangkok. Estiravam os dedos e lhes brilhavam os olhos enquanto esperavam a seguinte mão. Não deveria ser muito complicado atrair a sua armadilha a um par de obesos comerciantes e ao filho bastardo de algum nobre empobrecido.

—por que não deixam as cartas e jogam comigo um puquinho, chefe? —cantarolou a morena, movendo-se sugestivamente em seu regaço.

A loira inclinou seu ombro para lhe servir um copo de porto da garrafa semivazia que estava em cima da mesa. Olhou-lhe movendo suas largas pestanas pintadas, pressionando seus grandes peitos contra os músculos de seu braço.

—Se jogar bem suas cartas, rei, podem nos obter às duas esta noite.

Julian se removeu na cadeira. Não se podia negar que a proposta era… estimulante, mas ainda não estava preparado para abandonar a mesa.

—Paciência, doçuras —disse—. Neste momento a sorte é minha única amante, e que me condenem se for deixá-la em uma cama fria e vazia quando ainda está quente e disposta. —Enquanto a loira lhe beliscava o lóbulo da orelha a modo de protesto, tranqüilizou a morena lhe plantando um comprido beijo em seus lábios pintados de vermelho.

Alguém se esclareceu a garganta.

Nesse som havia tal nota de desaprovação que Julián logo que pôde resistir o impulso de levantar a vista como um aluno pego em meio de uma travessura. Levantou a cabeça devagar para descobrir a uma mulher que estava de pé detrás da cadeira que tinha em frente.

Não, uma mulher não, uma dama, corrigiu-se a se mesmo percorrendo com o olhar a ajustado casaco de visom e o chapéu com uma pluma coroando um brilhante cabelo negro. Um volumoso ridículo de cetim, fortemente fechado com fitas, pendurava de seu braço. O delicioso corte e a qualidade de sua roupa contrastavam de modo alarmante com os lamentáveis ornamentos da maioria dos clientes do clube. Parecia estar rodeada de um halo que a protegia da fumaça dos charutos e das risadas estentóreas que enchiam o lugar. Julian podia notar, pela extremidade do olho, que outros homens a olhavam com curiosidade; uns com cautela e outros descaradamente predadores.

Já tinham visto por ali a mulheres de sua classe antes. Damas ricas com um apetite insaciável pelas grandes apostas. Já que não se permitia a entrada ao belo sexo nos clubes mais sérios que freqüentavam seus maridos, viam-se obrigadas a procurar satisfação em infernos como esse. Eram tão escravas do jogo que estavam dispostas a arriscar sua reputação e sua fortuna em uma caprichosa ronda aos jogo de dados ou voltando uma carta.

A maioria das vezes, a dama se jogava até a última moeda que trazia, ficando só uma forma de pagar suas dívidas. Por alguma razão, Julián não podia suportar a idéia de ver essa mulher obrigada a acompanhar a algum ufano jogador a uma das habitações de acima. Não podia agüentar a imagem dela com os joelhos separados e despojada desse ridículo chapéu por umas mãos torpes.

O véu sombreava seus olhos lhe proporcionando uma irresistível auréa de mistério. O único visível era uma bochecha com covinhas, um queixo bicudo que pressagiava uma cara em forma de coração, e um par de carnudos lábios, perfeitamente formados para ser beijados e outra série de prazeres mais ilícitos.

Apartou o olhar de sua boca com não pouca dificuldade, só para fixar-se na gargantilha de veludo que lhe rodeava o pescoço como um colar ajustado, uma garganta larga e cheia de graça em que um pulso quase invisível a simples vista, movia-se ao ritmo das palpitações do coração. Julian apartou seu faminto olhar antes de trair-se a si mesmo, bebeu um comprido gole de porto como pálido substituto do que de verdade ansiava.

—Poderia falar com você? —perguntou ela com sua rouca e rica voz.

Lhe dirigiu um preguiçoso olhar, mas antes de que pudesse responder, fez-o a morena.

—Devem lhes dirigir a ele como “sir”. É um cavalheiro, foi renomado cavalheiro pelo rei em pessoa. É um verdadeiro herói.

—Meu herói —ronronou a loira deslizando uma mão dentro da camisa e arranhando com suas unhas pintadas de vermelho os cachos de seu peito.

Aqueles encantadores lábios se franziram de desgosto. Ou com alguma outra emoção que Julian não pôde distinguir.

—Muito bem…sir. Perguntava-me se poderia falar com você —repetiu ela fazendo desaparecer a suas companheiras com seu tom depreciativo—. Em privado.

Era a proposição mais intrigante que tinha recebido em toda a noite. Ela devia estar procurando só a emoção do jogo. Tinha conhecido a muitas como ela antes, em quase todas as cidades do mundo. Mulheres possuídas por uma fome tão malvada como a sua. Mulheres que reconheciam e procuravam deliberadamente a criaturas como ele, cortejando ao perigo e à morte como se fossem os amantes melhor dotados.

Amaldiçoando em silencio a sua consciência disse:

—Temo-me que não posso ajudá-la, senhorita. Como vê, minha atenção já está… —Deslizou a mão do quadril da moréia até sua coxa— ocupada.

—Será melhor que voltem para sua elegante carruagem, milady —disse a morena—. Um grande lobo como este lhe comeria de um só bocado.

A empregada de cabelo dourado lhe rodeou o pescoço com os braços.

—O que precisa é uma mulher, não uma dama.

—Ou duas mulheres —respondeu a morena, obtendo uma risada gutural de sua companheira.

Tomando outro sorvo do porto para apagar seu pesar, Julian esperou a que a mulher se desse meia volta e fugisse na noite.

Entretanto, esses exuberantes lábios se curvaram no mais doce dos sorrisos.

—Lamento lhe privar de tão maravilhosa companhia, mas devo insistir.

Julian jogou uma olhada ao redor do clube, muito consciente de que seu intercâmbio começava a receber muito interesse.

—Este não é lugar para uma mulher como você. Por que não vai para casa antes de que desperte seu marido e se dê conta de que saiu escondido de sua cama? —Arqueou uma escura sobrancelha antes de lhe dirigir um frio olhar, que tivesse congelado ao mais duro dos homens—. Se se atrasar, temo-me que vai terminar arrependendo-se.

Ela levantou o queixo, apagando o sorriso.

—Está-me ameaçando, senhor?

—Se o preferir, pode tomar-lhe como uma advertência.

—E se dito não emprestar atenção a sua advertência?

—Então é que é você uma maldita estúpida —disse ele sem desculpar-se por sua linguagem.

—Não me partirei até que obtenha o que vim buscar. Deve-me você algo e vim cobrar —a revelação rachou um pouco sua calma, levou-se as mãos que lhe tremiam à cabeça, e tirou o chapéu.

Durante um segundo breve, Julian esteve quase agradecido de ser um vampiro porque lhe custou um esforço sobre-humano manter sua máscara de indiferença. Ela era, sem nenhum gênero de dúvidas, a mulher mais formosa que tinha visto em sua vida. Os cachos negros recolhidos em cima de sua cabeça estavam acompanhados de umas elegantes e arqueadas sobrancelhas e umas espessas pestanas emolduravam uns olhos do mesmo azul escuro que o mar Egeu a meia-noite. Os ossos delicados de sua cara se estreitavam no queixo e se alargavam nas bochechas. Umas bochechas que estavam bentas com uma cor natural, como se alguém tivesse pego uma pétala de rosa e tivesse depositado sua cor na acetinada pele. Possuía uma sofisticação natural que nenhum pó ou ruge do mundo podia igualar. Tinha a boca ligeiramente curvada para cima nas comissuras, o suficiente para que um homem se perguntasse se se estava rindo dele ou com ele.

E em quão único pôde pensar Julian enquanto se enfrentava a essa beleza feminina, era que lamentava que tirou o maldito chapéu. Sem o véu para ocultar seus olhos, seu olhar era muito franco. Muito provocador. Muito azul. Desesperado por evitar sua presença por motivos que nem sequer ele podia compreender, ficou em pé quase atirando à morena ao chão.

Fez girar o que ficava de porto no copo antes de levar-lhe aos lábios.

—Não pode você ser um de meus credores, querida, porque estou seguro de que me lembraria de estar em dívida com alguém tão encantadora como você —disse proporcionando à palavra uma inflexão que era impossível ignorar—. E se não ser você um de meus credores, então lhe sugiro que saia de meu caminho porque não lhe devo tanto como para lhe dedicar o dia.

Devolvendo o copo à mesa com um forte golpe, reclamou a mão da morena e deu um passo para a escada.

—Aí é onde se equivoca, senhor Kane. —Seus dedos deixaram de tremer, tirou-se a cinta de veludo borgoña e a lançou sobre a mesa como se fosse uma aposta que ele não pudesse negar-se a cobrir.

Julian ficou de pedra, hipnotizado pela visão dessa garganta cheia de graça. Uma garganta que deveria ter sido tão cremosa e impecável como o resto dela, mas que em troca estava assinalada com as tênues cicatrize de duas visíveis feridas agudas.

Quando levantou seu incrédulo olhar, encontrou-se com os desafiantes olhos azuis de Porta Cabot e soube que finalmente lhe tinha acabado a sorte.

 

Não a tinha reconhecido.

Julian Kane a tinha olhado diretamente, com o mesmo ardor em seus olhos escuros que a tinha obcecado em seus sonhos. Tinham passado cinco anos e só tinha deixado traslucir uma remota piscada de interesse. Ou foi contrariedade?

Aparentemente o tempo que estiveram juntos tinha significado tão pouco para ele, que apenas a recordou. E por que deveria?, pensou. Desde que se tinha ido provavelmente tinha tido dúzias —jogou um olhar amargo de soslaio à morena que seguia aderindose a sua mão— não, hordas de outras mulheres totalmente ansiosas de ajudá-lo a apaga-la de sua memória. Por que deveria recordar a uma difícil garota de dezessete anos, que se tinha ruborizado, tinha gaguejado e virtualmente se atirou sobre ele cada vez que estava em um quarto?

Quando a dor inicial passou, Porta teve que lutar contra o impulso de elevar-se em uma raiva gigantesca. Apesar de que se gabasse frente a Adrian de que já não era uma menina, quão único queria era arrojar seu encantador chapéu ao chão e lhe pisotear uma e outra vez.

—Olhos brilhantes? —murmurou Julian, sua bonita cara a estudou satisfeito de ver seu sobressalto e confusão.

—Não me chame assim —estalou, desprezando ao apelativo carinhoso. Se tratava de lhe beliscar o nariz, lhe ia morder os dedos.

Lançou-lhe um olhar irritado, como se advertisse pela primeira vez a sordidez do ambiente.

—Em nome de Deus, que faz neste inferno?

—Que melhor lugar para procurar um diabo perdido? —replicou ela.

Sua conversação começou a atrair público. Vários dos homens desse sujo lugar, olhavam-nos aproximando-se, quase como se farejassem sangue no ar.

—Se a dama deseja jogar... —convidou um tipo gigantesco com um nariz vermelho venoso e de mãos carnudas como um pernil— eu estou preparado para fazê-lo.

—Grande Jim está sempre preparado —grito outra pessoa, dando uma cotovelada ao homem mais próximo a ele—. Por isso uuufff! Acabou com doze mucosos e só dois deles são da pobre esposa.

Uma risada rouca acompanho suas palavras, mas não confundiu o significado delas. Quando Julian esticou sua mão morena e avançou para ela, Porta deu um passo para trás, sentindo um pequeno calafrio de alarme.

Ao parecer finalmente tinha conseguido sua atenção.

Seu andar foi suave e mortal como qualquer depredador. Antes que ela pudesse protestar, já tinha tomado sua mão em um punho apertado.

—Ai! —murmurou ela, tratando de afastar-se.

—Perdão —disse entre dentes, afrouxou seu punho mas negando-se a soltar sua mão—. Às vezes esqueço minha própria força.

Essa força foi completamente evidente quando a fez girar ao redor tão graciosamente, como se dançassem uma valsa através de uma sala de baile e a apoiou contra seu largo peito.

Quando lhes encararam, o grupo de homens pareciam estar agrupando-se rapidamente como uma matilha.

—Infelizmente não procura jogar moços. Busca-me  —interrompeu Julian.

Fechando as mãos brandamente sobre seus ombros e acariciando com o nariz seu cabelo, formulou, com melódica e estremecedora voz de barítono, um perfeito tom entre libertino e envergonhado.

—E não é uma dama. É minha esposa.

Os gemidos de simpatia ondearam pela multidão. Obviamente não era a primeira vez que uma esposa colérica tinha entrado em um clube, para arrastar a seu marido a casa. Os homens a olharam com um novo respeito, alguns deles inclusive tiraram suas boinas. Mas Porta se distraiu de tudo isto, pelo desconcertante comichão que o nariz do Julian provocava no lóbulo de sua orelha. Quase teria jurado que a cheirava.

Determinada a demonstrar que não era uma mulher incapaz ou estúpida como acreditava, resistindo o impulso de pisar fortemente sua impigem, girou para lhe dar um sorriso que deslumbrasse o lugar.

—Quando despertei, encontrei que te tinha ido de minha cama, e não podia deixar de me preocupar, querido —disse tocando o peitilho que aparecia na profunda V de seu colete—. Sei que me prometeu que a varíola francesa estava totalmente curada, mas a gente nunca é muito cuidadoso com essas chagas tão dolorosas

Os gemidos dos homens foram inclusive mais simpáticos esta vez. A morena ofegou pelo ultraje, logo tomou a mão da enfurecida loira. Ambas as mulheres se dirigiram rapidamente para a escada, lhe laçando ao Julian olhadas furiosas por cima do ombro.

Os olhos do Julian sei mantinham entrecerrados enquanto deslizava um braço ao redor da cintura de Porta, atraindo a metade inferior de seu corpo ruborizado contra ele. Agudamente consciente do corte perigosamente apertado de sua calça, ela tratou de mover-se tentando pôr distância entre eles, mas suas resistências só fizeram mais profunda o sorriso satisfeito dele.

—Sua preocupação é mais que enternecedora, meu amor —disse ele—. E que casualidade que tenha aparecido, justo quando me perguntava de onde viria minha próxima comida.

Seus lábios se separaram, lhe deixando entrever suas presas, como em brincadeira. Presas que só se alargavam e afiavam quando tinha fome. Ou estava excitado. Porta tragou com força. Possivelmente tinha sido imprudente ao tentá-lo. Se Adrian e Caroline tinham razão e ele tinha dado por perda a busca de sua alma, não seria mais que um desconhecido perigoso. E para ele, ela seria um bocado especialmente suculento.

Obrigou-se a lhe dar no peito outro tapinha de esposa, agudamente consciente dos duros músculos sob sua mão enluvada.

—Se desejas jogar outra mão de cartas, faz-o, apressarei-me em chegar a casa e despertar à criada para que te prepare um jantar de meia-noite.

A esquina de sua boca se curvou para cima aparecendo um conhecedor sorriso.

—Tolices, pequena. Acredito que despertaste um apetite, que só você pode satisfazer. —Suas largas e escuras pestanas descenderam quando se inclinou para ela. Muito tarde Porta se deu conta de que não tinha intenção de lhe beliscar o nariz.

Abriu a boca para protestar mas seus lábios já estavam sobre os seus, como o veludo fundido. Foi tal a comoção que tentou dar um puxão longe, mas uma poderosa mão em sua nuca não o permitiu, seus dedos fortes e seguros se elevaram entre seus cachos obrigando-a a aproximar-se dele, tal como um escravo a seu amo.

Atirando a cabeça brandamente para trás, arrasou suas inibições com delicadeza devastadora. Esfregou os lábios sobre os seus, então lambeu muito brandamente sua boca, encantando e seduzindo com cada golpe preguiçoso da língua. Beijava como um vampiro.

Porta se agarrou a seu colete, mas apesar disso podia sentir-se caindo para um escuro abismo, onde estaria só ele e a promessa que abrigava esse beijo. Logo que podia ouvir os uivos e assobios dos clientes do inferno rugindo em seus ouvidos.

Estaria feliz de jogar-se nesse abismo para sempre, se não tivesse sido pela repentina espetada que sentiu em seu lábio inferior. Não se deu conta de que tinha sido ferida por uma das presas do Julian, até que provou o sabor metálico do sangue em sua boca. Ele também o provou. Julian inalou tão profundamente que pareceu lhe roubar o ar dos pulmões. retiro-se de um puxão como se tivesse sido ela quem o mordesse.

As aletas de seu nariz se alargaram, suas pupilas se dilataram. Embora não movesse um músculo, seu corpo inteiro pareceu estar vibrando com algum tipo de fome primitiva.

Porta tocou com uma mão tremente os lábios. A luva branca se manchou com uma só gotinha de sangue. Julian fechou seus olhos brevemente. Quando os abriu outra vez, eram como quartzos duros e negros.

Um dos homens se esclareceu garganta, assinalando com o ombro para a escada.

—Você e a dama podem alugar algum dos quartos de acima por um xelim ou dois.

—Isso não será necessário —disse Julian sinceramente, envolvendo suas costas com seus braços como se fora o mais amante dos maridos—. Tenho descoberto que pelas coisas de grande valor, inclusive uma esposa, vale a pena esperar.

Ante as apreciativas risadas da multidão, reclamou seus lucros, incluindo a gargantilha de veludo de Porta, colocou seu casaco ao redor dos ombros. Antes que pudesse pronunciar alguma protesto, tinha-a tirado do casa de jogo clandestino de apostas e a introduzido na noite.

Guiada sob o possessivo agarre de Julian no cotovelo, Porta lutou por sujeitar o chapéu acomodando-lhe e tentando emparelhar suas largas pernadas.

Sua máscara de amável encanto tinha desaparecido, dando a sua mandíbula e perfil uma severidade impenetrável. Não podia parar de lhe jogar olhadas curiosas a esse perfil. Apesar dos excessos do vinho e das mulheres, que tinha presenciado no casa de jogo clandestino de apostas, estes não tinham deixado um só rastro em sua cara. O forte nariz aquilino, o corte sensual dos lábios cheios e o queixo partido, possuíam a mesma beleza Byroniana que ela recordava muito bem. Byron estava convertendo-se em pó em sua cripta do Nottinghamshire, já por quase dois anos, vítima de uma febre misteriosa e de seus próprios excessos, mas graças ao vampiro que tinha roubado a alma ao Julian, ficou-se congelado para sempre, no primeiro rubor poderoso da virilidade.

A neve finalmente tinha parado. O débil resplendor dos faróis velou seus olhos e lançou sombras sinistras sob seus maçãs do rosto salientes.

—aonde me leva? —demandou ela.

—A sua carruagem.

—Eu não tenho uma carruagem. Aluguei-o mas o condutor se negou a esperar nesta vizinhança depois do anoitecer.

—O que o faz muito mais inteligente que você, não te parece?

—Pode-me insultar tudo o que queira, mas não tenho intenção de saltar em um arranque de fúria.

—Então te conduzirei aonde pertence —disse imediatamente—. A casa.

Deteve-se, obrigando-os a parar bruscamente.

—Não posso permitir que faça isso.

Deu-se a volta para encará-la.

—por que não?

Abriu a boca, mas duvidou por um segundo comprido.

Ele levantou uma mão.

—Espera. Me permita adivinhar. Provavelmente não me darão a melhor das bem-vindas em casa de meu irmão. A fim de contas, que pai em seu são julgamento me quereria espreitando ao redor de sua indefesa menina? —burlou-se—. Adrian certamente me perseguiria com uma das sombrinhas do Caroline, antes de que pudesse abrir meus braços e cantarolar, Vêem aqui Eloisa e conhece tio Julian! Olhe, que pescoço tão bonito e pequeno tem!

—Então recebeu a carta que Caroline mandou quando Eloisa nasceu! —disse Porta em tom acusador—. Por que não respondeu alguma vez?

Encolheu-se de ombros.

—Possivelmente o fiz. Sabe que o correio pode ser notoriamente informal.

Entrecerrou os olhos, suspeitando que não era o correio o informal.

—Bom, foi bastante desconsiderado de sua parte, perguntávamo-nos sempre por seu paradeiro, depois de tanto tempo pensamos que tinha sido…

—Assassinado? —ofereceu quando ela vacilou. Em resposta a seu olhar recriminatório, suspirou—. Se não me permite te acompanhar a casa, então como sugere que me desfaça de ti? Acabo de te afastar do casa de jogo clandestino de apostas.

Porta acomodou seu chapéu e atou as fitas de raso reunindo todo o valor que pudesse para lhe dizer:

—Esperava poder te acompanhar a seu alojamento.

Tudos os rastros de humor desapareceram da cara do Julian deixando-o tão frio e impassível como alguém mascasse.

—Perdão, mas não acredito que isso seja conveniente. Chegou aqui sem minha ajuda, assumirei que pode voltar para casa da mesma maneira. —Dedico-lhe uma rígida reverência—. Boa noite, Senhorita Cabot. Transmite a meu irmão e sua família minhas saudações mais carinhosas.

Girou e começou a andar a grandes pernadas afastando-se como se tivesse toda a intenção de deixá-la parada completamente só nessa esquina, ainda envolta na essência calida a tabaco e especiarias que emanavam de seu casaco.

—Se não me levar a seu alojamento —disse ela—, simplesmente te seguirei.

Julian se deteve e girou. Enquanto vinha andando a pernadas para ela, Porta teve que resistir o assustador impulso de retroceder.

Deteve-se muito perto, seus olhos escuros a queimavam.

—Primeiro, intromete-se no mais sórdido dos lugares de apostas, como se fosse a sangrenta Rainha Isabel. Depois te oferece a acompanhar a um homem como eu, não, um monstro como eu, a seu alojamento? Tem cuidado sua reputação mulher? Sua vida?

—Não é minha vida a que me preocupa atualmente. É a tua.

—Eu não tenho uma vida, carinho. Só uma existência.

—Que poderia estar chegando rapidamente a seu fim, se não escutar pelo menos o que tenho que dizer.

Lançou um xingamento em fluido francês. Porta levantou o queixo, negando-se a ruborizar-se. Tinha ouvido xingamentos muito mais acalorados de lábios do Adrian, a maior parte deles em inglês.

Um homem passou e tropeçou com eles, fedendo a carne suja e genebra troca. Quando o olhar glutão de estranho se dirigiu aos seios de Porta, Julian mostrou os dentes e grunhiu, o som primitivo levantou cada cabelo de sua nuca. O homem se afastou torpemente até um farol onde lançou um olhar aterrorizado sobre o ombro.

—Ao parecer não sou a única besta que ronda as ruas em esta noite londrina —Julian se acariciou o queixo, lutando visivelmente com sua proposta—. Muito bem —disse finalmente—. Se insistir, levarei-te a meu alojamento. Mas só se prometer que me deixará em paz, uma vez me diga o que tenha vindo a dizer. —Sem esperar sua promessa, ofereceu-lhe o braço.

Ainda obcecada pelo eco desse grunhido, Porta vacilou por um segundo breve antes de descansar a mão enluvada na curva de seu braço.

Para surpresa de Porta a desvencilhada escada que levava a habitação alugada do Julian, no mais profundo do coração do Strand, levava-a para cima em vez de baixo. Esperava encontrá-lo habitando em algum porão luxuoso, muito mais parecido a sua câmara secreta na masmorra do Castelo do Trevelyan, lar de sua infância e da do Adrian.

Essa câmara tinha sido adornada com cachemira, seda a China e com móveis do Chippendale, numerosos bustos e pinturas, um conjunto do xadrez de mármore onde podia divertir-se enquanto transcorriam as horas de luz, quando não dormisse no recarregado ataúde de madeira que dominava o quarto.

Julian sempre tinha sido um vampiro que apreciava o conforto, desde que era um menino.

Pelo qual, foi um golpe a sua sensibilidade quando abriu a porta que coroava a escura escada para revelar uma estreita passagem, era pouco mais que uma água-furtada.

O quarto estava provido de uma banheira desvencilhada, uma cadeira andrajosa, e com uma velha mesa flanqueada por duas cadeiras, de costas à escada, tudo feito do pinheiro mais barato.

Um abajur aceso estava sobre a mesa, mandando sombras sobre a pintura que cobria as paredes. Desde não ser pelos lençóis de grosso braçadeira de luto negro que penduravam das janelas da água-furtada, ninguém teria adivinhado que havia um vampiro nessa residência. Em vez de um ataúde, uma cama de armação de ferro jazia em um rincão. Porta aceitou o convite tácito do Julian para precedê-lo no quarto, apartando os olhos da enrugada roupa de cama. Quando girou para encará-lo, ele fechou a porta e apoiou as costas contra ela, inspecionando-a com olhos pesados sob as pálpebras.

—Porta Cabot, como cresceste.

Advertiu em sua cautelosa voz, que estava agradado pelo que via, Porta se encolheu de ombros.

—Tinha que ocorrer forçozamente. Não podia permanecer sendo uma jovem ingênua apaixonada pela poesia do Byron, para sempre.

—Compaixão —murmurou Julian.

Abandonando seu posto na porta, dirigiu-a para a mesa. Depois de soprar o pó de um par de taças mau emparelhadas, verteu nelas um líquido de uma garrafa âmbar que estava sobre a mesa. Ofereceu-lhe uma delas, seus dedos largos e elegantes sustentavam a taça. Ela tomou e a levou ao nariz, cheirando o suspeito líquido vermelho como o rubi.

—Não se preocupe, é só porto —lhe assegurou, uma faísca da diversão flamejo em seus olhos—. Do porto barato. É tudo o que posso proporcionar atualmente.

Ela tomou um sorvo tentativo do vinho almiscarado.

—Quanto bebeste esta noite?

—Não o suficiente —disse e inclinando-se contra a mesa, tomou a taça de um gole profundo. Levantou a taça para ela em uma imitação de brinde.

—Espero que perdõe meu mau gênio. Interrompeu minha comida noturna e tendo a estar um pouco mal-humorado quando tenho fome.

Porta se engasgou com o porto, seus olhos que alargaram de horror.

—Essas mulheres no casa de jogo clandestino de apostas? Lhe foste comer isso?

Abriu a boca, mas evidentemente pensou melhor o que esteve a ponto de dizer e a fechou outra vez.

—Se me perguntar se ia matar as, a resposta é não, prefiro pensar nisso mais como um pequeno bocado saboroso. —Quando seus olhos só se alargaram ainda mais, suspirou—. Ali tão somente se encontra assado de vacino e sangue de açougue, isso é mais do que o estômago de um vampiro possa suportar. Quando viajava pelo mundo nos passados anos, fiz um descobrimento fascinante. Parece que em qualquer lugar que vou, há sempre mulheres dispostas, não, ansiosas, por me oferecer um sorvo pequeno de si mesmos. Tomo apenas o que necessito para sobreviver, e no processo… me certifico que elas conseguem o que necessitam.

Seu olhar se deteve sobre as cicatrizes pálidas na garganta de Porta.

—Já que foi a primeira mulher da que bebi, suponho que devo te agradecer por me ensinar essa lição.

Porta quase o odiou nesse momento. Odiou-o por tomar um ato nascido do desespero e a ternura e convertê-lo em algo sórdido e sujo. Como se esse insulto não fosse suficiente, ele deu um passo para ela, logo outro.

—Já não sou tão descuidado nem torpe como contigo. Aprendi a beber de outros lugares onde as cicatrizes não serão tão visíveis.

Levantou uma mão a sua garganta, as pontas de seus dedos acariciaram as marcas que ele tinha deixado nela, com uma ternura sedutora que a fez tremer.

—Existe uma pequena artéria especialmente suculenta por dentro da coxa da mulher, apenas mais abaixo de…

—Para! —gritou Porta, afastando a mão de um tapa—. Para, está sendo horrível! Sei exatamente o que trata de fazer e não o permitirei!

Afastou-se dela, elevando ambas as mãos em uma ridícula rendição.

—Alguma vez te espantou facilmente, não é assim Olhos Brilhantes?

Estava equivocado. Estava aterrorizada. Aterrorizada de maneira que seu pulso se acelerou sob a ponta de seus dedos. Aterrorizada do poder que seu toque ainda tinha sobre ela. Aterrorizada de que possivelmente não fora melhor que essas mulheres que estavam dispostas e ansiosas de satisfazer sua grande fome, enquanto que ele as satisfazia a elas.

Mas não era o único que tinha aprendido a como enganar nos anos que tinham passado. Sorriu-lhe, utilizando suas covinhas como sua melhor vantagem.

—Ódeio ferir sua vaidade legendária, mas não tenho intenção de correr para a porta simplesmente porque te mofe de mim. —desprendeu-se do casaco e o atirou sobre a cama, tirou-se o chapéu e o pôs com cuidado sobre a mesa, então começou a tirá-los luvas, um dedo cada vez. Quando escapou de seu casaco, uma das sobrancelhas do Julian se disparou acima, como se se perguntasse que objeto de vestir consideraria tirar depois. Mantendo as cintas de sua retícula serpenteado ao redor do pulso, sentou-se com cautela ao bordo da cadeira e tomou outro delicado sorvo de oporto.

—Seus grunhidos fingidos possivelmente impressionem ao tipo de mulheres do que estas acostumado a te acompanhar, mas francamente, eu os encontro um pouco aborrecidos.

A escura sobrancelha do Julian subiu ainda mais alto.

—Mendigo seu perdão, Senhorita Cabot. Confundi-te, obviamente, com essa menina encantadora que se pendurava deliciosamente de cada silaba minha.

—Temo-me que inclusive o mais encantado dos meninos deve crescer algum dia. Espero que não te desiluda saber que já não acredito em sereias, em duendes, nem em homens lobo.

—Mas ainda crê em mim.

Porta logo que conseguiu esconder seu sobressalto. Tinha desenvolvido um talento para ler as mentes, junto com seus outros escuros dons?

—Crê ainda na existência de vampiros —clarificou em aguda revelação.

—Tenho alguma eleição? Não, pois seu irmão gastou os últimos cinco anos afastando o pior deles fora de Londres.

—Bem, isso explicaria por que invadem os becos de Florênça e Madrid. —Franzindo o cenho, Julian se serviu outra taça de porto e se sentou em uma esquálida cadeira ao lado oposto da mesa.

—Adrian esteve descuidando, obviamente, seus deveres como guardião. Teria pensado que já te teria casado com algum visconde ou conde rico, a quem poderia dar ao menos meia dúzia de bebe, para te manter nessa creche a que pertence.

—saí faz vários anos já da creche e não tenho intenção de voltar. Pelo menos não por um muito comprido tempo. Assim, o que me diz? —disse, piscando para ele—. Enquanto viajava pelo mundo aprendendo como escravizar a débeis mulheres com seus poderes sedutores, não tropeçou com nada de seu interesse? Como, por exemplo, sua alma imortal?

Posou a taça sobre a mesa, tocando os bolsos de seu colete, como se o que estivesse procurando, uma luva ou uma gravata perdida, tivesse o poder de lhe devolver à humanidade.

—A maldita resultou ser escorregadia. Não tive a oportunidade de ver o vampiro e a oportunidade para me permitir romper sua garganta e chupar minha alma roubada fora dele se esfumou.

—Então, não encontraste ainda ao vampiro que engendrou Duvalier? Que herdou sua alma depois de que Duvalier fora destruído?

—Temo-me que não. A menos que se estejam alimentando, os vampiros são notoriamente fechados, ainda entre si mesmos —Porta franziu cenho. Algo em seu tom lhe fez suspeitar que não era totalmente honesto.

—Não encontrou sua alma, mas se encontrou tempo para te converter em um herói nos campos de batalha da Birmania? Levantou um ombro, em um encolhimento de ombros indiferente.

—Quão difícil é ser um herói quando a gente não pode morrer? Por que não devia me oferecer a dirigir cada ataque? Me mover furtivamente detrás de linhas inimizades e resgatar a cada soldado cansado? Não tinha nada a perder.

—A menos que o sol saísse.

Os lábios lhe deram um irônico sorriso.

—Era a estação da monção.

—Posto que o rei te ordenou cavalheiro, acredito que estava mais que impressionado com seus esforços.

—Os sonhadores deste mundo sempre procuram um herói. Suponho que o rei não é diferente de qualquer outro homem.

—Ou mulher —observou ela, encontrando seu olhar brevemente.

Julian se endireitou, cruzando os braços sobre o peito.

—Possivelmente é tempo que me diga exatamente o que buscas, Porta. Porque se for um herói, vieste ao lugar equivocado.

Desconcertada por seu impassível olhar, separou-se da cadeira e passeou para a janela. Apartando o véu de braçadeira de luto, esquadrinhou o beco fracamente iluminado. As sombras pareciam esconder caras ameaçadoras. Nenhum deles era mais perigoso que o homem que aguardava, não tão pacientemente, sua resposta.

Deu um olhar a seu reflexo no cristal, então deixou cair o braçadeira de luto e girou para encará-lo.

—Procuro um assassino

As cruéis palavras ficaram entre eles suspensas no ar, até que Julian jogou sua cabeça para trás com uma risada afável e disse:

—Então suponho que a fim de contas vieste ao lugar indicado, não crê?

 

Porta sentiu que o sangue abandonava sua cara.

—Então é verdade —aspirou, seus dedos mordendo o lustroso cetim.

—O que sou um assassino? O que tomei vistas humanas para poder sobreviver? Odeio jogar por terra a última das ilusões infantis que tinha a respeito de mim, carinho, mas nesse respeito não sou diferente de qualquer outro soldado da Armada de Sua Majestade.

Tomou um profundo fôlego para afirmar a voz.

—Não estava falando sobre batalhas. Estava falando a respeito dessas mulheres da Charing Cross e Whitechapel.

O brilho de diversão de seus olhos se desvaneceu. Franzindo o cenho perguntou:

—Que mulheres?

—As quatro mulheres que morreram desde que retornou a Londres. As quatro mulheres às que um desumano demônio lhes drenou até a última gota de sangue.

O cenho do Julian se fez mais profundo. Afastou-se dela, para a lareira de tijolos.

—Exatamente, quando tiveram lugar esses assassinatos?

—O primeiro foi faz uma quinzena, justo antes de que Adrian tivesse notícias de que você tinha sido visto em Londres. Os seguintes dois lhe seguiram muito pouco tempo depois. E faz três noites, uma quarta mulher foi encontrada em um beco detrás da Igreja Blessed Mary, seu corpo ainda estava quente quando a encontraram.

Olhou dentro da fria chaminé, cruzando suas mãos detrás das costas.

—Está completamente segura que as matou um vampiro?

—Sem a menor sombra de dúvida —lhe informou Porta, sua voz tremendo pela emoção contida—. E posso te assegurar que essas mulheres não estavam ansiosas por entregar-se ao beijo do vampiro, nem desejando converter-se em suas vítimas. Suas mãos estavam ensangüentadas, suas unhas rotas. Todas lutaram apaixonadamente e com valentia por suas vidas. —Embora sabia que era uma loucura, parecia que não podia evitar mover-se sigilosamente aproximando-se dele—. Foi você, Julian? Assassinou a essas pobres e indefesas criaturas?

Deu-se a volta e arqueou as sobrancelhas em sua direção.

—Crê-me capaz de tal crime e ainda assim me buscou esta noite? Por que te comportaria de forma tão temerária?

Como podia lhe explicar sua inabalável fé nele? Sua inquebrável crença de que não lhe faria mal? Nem sequer quando sabia exatamente do que era capaz.

—Não acreditei que me fizesse mal.

—Já te fiz mal. —O olhar de pesadas pálpebras se desviou para sua garganta, evitando seus olhos—. Ainda tem as cicatrizes para prová-lo.

Porta se levou os dedos às esvaídas marcas para aquietar o formigamento, desejando não ter renunciado a sua gargantilha na mesa de apostas. Sem ela, sentia-se exposta, nua.

Forçou-se a baixar a mão e levantar o queixo audazmente, para encontrar seu olhar.

—Vim aqui esta noite para me assegurar que não tinha matado a essas mulheres. Eu fui quem te manteve com vida nessa cripta faz tantos anos. Se tomou uma vida inocente, então sou tão responsável por isso como você.

Ele se aproximou, sua sombra caiu sobre ela. Sua voz era uma áspera melodia, perfeitamente afinada para atrair a uma mulher indistintamente ao prazer ou à condenação.

—Mas o que passa se efetivamente as matei eu? O que se as espreitei na noite, as assustando a cada passo, só esperando a que elas duvidassem ou tropeçassem para poder as fazer minhas? —Envolvendo as mãos ao redor do marco da janela detrás dela, baixou a cabeça, deslizando a bochecha contra a dela. Sua pele deveria ter estado fria, mas estava quente, ardendo com uma febre antinatural que ameaçava incinerar todas as defesas que possuía. Quando seus lábios abertos roçaram a tenra pele detrás da orelha, um calafrio primário, que tinha pouco que ver com o medo, percorreu-a. —O que me deteria de fazer o mesmo contigo?

—Isto —sussurrou ela, lhe pressionando contra o coração, afiada-a ponta de uma estaca que acabava de tirar.

Ficou tão quieto como uma estátua. Ela esperava que se afastasse bruscamente para poder começar a pensar em respirar novamente. Mas simplesmente estendeu os braços rendendo-se, seu sorriso tão letal como uma arma, como a estaca que ela tinha na mão.

—Se tiver vindo a terminar comigo, então acabemos com isso, parece-te? Meu coração, como bem sabe, olhos brilhantes, sempre foi teu, simplesmente bastava pedi-lo. Ou estacá-lo.

Tanto como queria acreditar nele, Porta suspeitava que lhe tinha devotado esse mesmo coração a uma multidão de mulheres, só para arrebatar-se o das mãos no mesmo instante que elas se atrevessem a tratar de alcançá-lo… ou à manhã seguinte depois de que despertassem em sua cama, enjoadas pela perda de sangue mas satisfeitas além das fantasias concebidas em seus sonhos mais selvagens.

—Se tivesse estado tão ansioso por esquecer como quer me fazer acreditar —replicou—simplesmente teria saído a dar um passeio à luz do sol.

Apesar de seu sorriso torcido, os olhos do Julian estavam extranhamente sombrios.

—Choraria por mim depois de minha morte? Rechaçaria a todos os homens que tratassem de ganhar seu coração e desperdiçaria sua juventude chorando sobre minha tumba?

—Não —replicou ela docemente—. Mas se um de meus mais ardentes pretendentes me obsequiasse um gato alguma vez, talvez consideraria chamá-lo como você.

—Talvez deveria te deixar algo mais para que me recorde. —Ignorando a pressão da estaca contra seu vulnerável esterno, inclinou-se ainda mais perto.

Enquanto o sedutor aroma do porto, sabão especiado e tabaco a envolvia, Porta sentiu que seus lábios se separavam e seus olhos começavam a fechar-se contra sua vontade. Essa era toda a distração que necessitava Julian. Em um só movimento impreciso e atordoante, estava sustentando a estaca deixando-a com as mãos vazias.

Enquanto se separava dela, levando-se sua sedutora fragrância com ele, Porta se reclinou contra o peitoril, separando-se de um sopro um cacho rebelde de seus olhos.

—Isso foi pouco esportivo por sua parte, não te parece?

Olhando-a sem poder acreditá-lo, sustentou a estaca em alto.

—Mais pouco esportivo que você me ameaçando me empalar com este pau bicudo?

Ela se encolheu de ombros, seu delicado suspiro pouco menos que arrependido.

—Uma dama tem todo o direito a defender-se a si mesma contra avanços não desejados. E contra criaturas da noite.

Aparentemente, não tinha argumento contra isto porque simplesmente apoiou a estaca sobre a mesa e começou a rebuscar dentro da bolsa. Sua mão emergiu com um dos frascos de delicada essência que se tornaram tão populares entre as jovens damas.

—OH, não me incomodaria com isso —disse Porta rapidamente enquanto retirava o plugue e llevava o frasco para seu nariz—. É só minha lavanda…

Fez uma careta de dor quando se afastou do conteúdo do frasco, apertando os dentes em uma involuntária careta.

Lhe colocou apressadamente o plugue ao frasco, lhe disparando um olhar acusador.

—Nada como um pingo de água bendita detrás das orelhas para alimentar as fantasias de um jovem.

Delicadamente pôs o frasco a um lado. Por suas sucessivas incursões dentro do suave interior, foi recompensado com uma estaca em miniatura não mais larga que uma pluma, uma adaga embainhada, três paus de couro de diversos tamanhos, e uma elegante pistola de faísca com surripio perlado apenas o suficientemente grande para conter uma só bala.

Estudando o mini arsenal esparso sobre a mesa, Julian sacudiu a cabeça.

—Preparada para qualquer eventualidade, verdade, querida?

Porta nem sequer tratou de ocultar seu sorriso.

—Deveria ver o que sou capaz de fazer com uma agulha de chapéu.

—Está cheia de surpresas, não é assim, espertinha? —Seu perplexo olhar fez uma lânguida viagem do ajustado corpo de seu vestido até os pequenos e delicados botas de cano longo—. Só me diga que outras armas tem escondidas ali debaixo?

—Mantén a distância e não terá que averiguá-lo.

—Tenho que assumir que meu irmão te recrutou para sua cruzada de caçar vampiros?

Ela baixou os olhos.

—Não exatamente. Bom, ao menos não ainda —se corrigiu—. Mas acredito que é só questão de tempo antes de que se de conta de que seria uma excelente aquisição.

Estudou-a com relutante admiração.

—E pensar que estava preocupado pelo que poderiam te fazer esses uvas sem semente no casa de jogo clandestino de apostas. Deveria ter estado preocupado pelo que você poderia lhes haver feito. —Passou a mão ao longo da estaca—. Ou a respeito do que poderia me fazer a mim.

Porta apartou o olhar dos compridos e elegantes dedos que envolviam a suave vara de madeira, ruborizando-se até a raiz do cabelo. —Se esta noite tivesse vindo a te cravar uma estaca, já seria pó.

—Ou eu teria o jantar para acompanhar o vinho. —Dado o brilho zombador em seus olhos, lhe fez impossível decidir se lhe estava fazendo uma brincadeira ou se a estava ameaçando.

Dedicou-lhe um alegre sorriso.

—Se estiver faminto, estarei mais que contente de correr até o açougue mais próximo a te trazer algum roast beef cru ou um lindo bolo de rins.

—Tenho algo um poquinho mais fresco em mente. —Seu olhar flertou com a garganta dela novamente—. Um pouco mais doce.

O sorriso dela se desvaneceu.

—Era isso o que estava procurando quando assassinou a essas mulheres?

—É isso o que crê?

—Não sei —confessou, dando-se volta para a janela apartando o bordo do crepón para escapar de seu penetrante olhar.

Um solitário homem estava aparecendo entre as sombras que envolviam o beco.

—OH, não —inspirou—. Não pode ser ele. Jurou-me que não viria até manhã pela manhã.

—O que acontece? —Instantaneamente alerta, Julian se deslizou detrás dela, fazendo que os pequenos cabelos de sua nuca se arrepiassem.

Olhou por cima de sua cabeça, ambos pendurando-se da janela só o suficiente, para permanecer invisíveis do beco. Os imponentes ombros que se distinguiam debaixo da capa que levava sobre o casaco o intruso, eram tão distintivos como o fortificação que sustentava em sua poderosa mão. Um fortificação que podia transformar-se em uma mortal estaca simplesmente com um destro giro do pulso.

—Meu irmão não é outra coisa que previzível —murmurou Julian, sua embriagadora voz muito perto do ouvido—. Suspeitava que só era questão de tempo antes de que me fizesse uma visita.

—Pode que esta não seja uma visita social —aventurou Porta ao tempo que ao Adrian lhe unia a larga, desajeitada e condenadamente familiar sombra de um segundo homem.

Alastair Larkin era um antigo guarda que tinha sido o melhor amigo do Adrian em Oxford. Os dois homens tinham estado separados durante anos e quando Caroline entrou em suas vidas os reuniu outra vez para que causassem estragos enquanto se cobravam vingança do Victor Duvalier, o vampiro que não só tinha roubado a alma do Julian mas também tinha assassinado ao primeiro amor do Adrian, Eloisa Markham. Larkin também era o sócio do Adrian em seu esforço de caçar vampiros… e o outro cunhado de Porta, o amoroso pai de seus sobrinhos gêmeos.

Enquanto os dois homens falavam brevemente, e prosseguiam para o edifício, suas sombras ainda penduravam abraçadas da parede, Porta se deu a volta para enfrentar ao Julian, posando uma mão contra seu peito.

—Não há tempo que perder, Temos que te tirar daqui, agora!

Cobriu a mão com a sua, completamente perplexo por sua urgência.

—Sua preocupação me comove, querida, mas realmente não há necessidade de tanto drama. O que pode fazer Adrian? Me dar um severo sermão por não escrever? Sabe perfeitamente que sempre fui um péssimo correspondente.

—Temo-me que não veio até aqui só para te dar um sermão —lhe informou com tom grave.

—Então, o que é o que deve fazer… me repudiar? Me privar de minha herança? Pode vê-lo entrando aqui muito indignado para anunciar, Já não é meu irmão! Está morto para mim!?

Quando Porta nem sequer se dignou a deixar ver um sorriso ante sua brincadeira, ficou muito quieto. Embora seu sorriso malicioso persistiu, já não chegava a brilhante escuridão de seus olhos.

—Assim que o sentido comum de meu irmão finalmente superou a sua sentimental devoção pelo dever de irmãos. —Levantou um ombro mostrando desinteresse—. Logo que posso culpá-lo, sabe. Deveria ter atravessado uma estaca em meu negro coração anos atrás, a primeira vez que Duvalier roubou minha alma. Nos teria evitado um montão de moléstias aos dois.

Porta o agarrou pelo braço e tratou de afastar o da janela.

—Não te dá conta? Temos que ir! Antes que seja muito tarde!

Parecia que estava a ponto de lhe beliscar o nariz.

—Já é muito tarde para mim, doçura. Assim por que não foge antes de que Adrian te dedique um sermão, também a ti? Não há necessidade de que te inquiete por mim. Dificilmente seja esta a primeira vez que enfrento a uma multidão conduzindo tochas.

Escutando uma nova animação, Porta voltou para a janela e levantou o crepón outra vez.

—Suspeito que essa seria a multidão conduzindo tochas —disse, apontando para o outro extremo do beco.

Um homem alto de nariz magro e com o lábio superior perpetuamente curvado em uma careta desdenhosa, tinha entrado em pernadas no beco, seguido ao menos por meia dúzia de desarrumados secuaces, alguns deles, efetivamente, levando tochas.

—Wallingford! —exclamou Julian, acrescentando um juramento quando viu que seu irmão e Larkin se moviam para interceptar aos recém chegados—. Tinha esperanças de que o bastardo me permitiria ao menos uma noite mais de liberdade antes de fazer que me metessem na prisão de devedores.

Lhe deu outro vivo puxão no braço.

—Possivelmente se não tivesse pescado lhe fazendo o amor a sua prometida no jantar de compromisso, teria estado em um estado de ânimo mais caridoso.

Julian levantou seu acusador olhar para ela.

—Estava no parque esta manhã, não é assim? Sabia que te tinha cheirado. —Puxou um dos saca-rolhas da massa de cachos empilhados sobre sua cabeça e o atraiu para seu nariz. Suas fossas nasais oscilaram como se outra vez estivesse bebendo de uma fragrância evasiva. O perfume de sua presa.

Gritos amortecidos se elevaram do beco enquanto os homens de abaixo deixavam de lado toda pretensão de sigilo. Para seu assombro, Julian caminhou para uma poltrona brincalhona e se afundou nele cruzando as largas pernas à altura dos tornozelos como se não tivesse intenção de mover-se dali pelo próximo século ou assim.

—O que pensa fazer? —demandou —. Só ficar aí sentado e esperar a que Adrian entre aqui acima e lhe crave uma estaca?

Tirou-lhe brilho a suas unhas contra o punho de sua camisa.

—Se isso lhe fizer feliz.

—E se Wallingford chegar até ti primeiro?

—A prisão de devedores não pode ser tão mal —disse alegremente—. Sempre está escuro e deveria haver suficiente comida.

A frustração de Porta finalmente se derramou convertendo-se em irritação.

—Para isto retornou a Londres? Porque estava cansado de provocar a homens que não podiam te matar para que desafiassem a duelo? Porque sabia que Adrian finalmente te encontraria e faria o que você não tiveste o valor de fazer?.

Em resposta, simplesmente a olhou, sem piscar igual a uma coruja ou algum outro predador noturno ainda mais perigoso.

—pensaste no que acontecerá comigo se ficar? —perguntou-lhe—. Você será destruído mas eu também estarei arruinada.

Um rastro de inquietação apareceu em seus olhos.

—Do que está falando?

—Se me encontrarem aqui nesta habitação alugada contigo —lhe respondeu, arriscando-se a lhe dar um olhar provocador à cama desordenada—. Minha reputação nunca sobreviveria.

Os olhos dele se estreitaram.

—Não parecia que te importasse um nada sua reputação quando faz só um momento entrou nesse casa de jogo clandestino de apostas.

—Ali ninguém me conhecia. Mas o Marquês do Wallingford é um homem muito poderoso e influente. Uma vez que faça correr a voz de que a cunhada do Visconde Trevelyan esteve envolta com o próprio irmão do Visconde, um desavergonhado vago irresponsável e notório libertino…

—Se esquece de demônio chupador de sangue —interpôs ele.

Continuou como se não tivesse falado.

—...Não vai haver nenhum rico Visconde ou Conde fazendo fila para pedir minha mão. Nem nenhuma meia dúzia de bebês para que me mantenham ocupada na creche. —suspirou, adotando o mesmo ar de trágica resignação que uma vez tinha usado para coagir ao Caroline para que lhe comprasse uma formosa parte de fita que realmente não podiam permitir-se—. Suponho que não ficará outra opção que me oferecer como amante de algum homem parecido ao Wallingford. Estou segura que seria um amo cruel e exigente, mas talvez com o tempo, possa aprender a lhe agradar.

Julian cruzou a habitação a uma velocidade surpreendente, lhe agarrando a mão. Enquanto atirava dela para a porta, lançou-lhe um olhar furioso por cima do ombro.

—Estou totalmente disposto a responder ante Deus por meus pecados, mas que me condenem se permitir que seja castigada esta noite por um crime que não tive o prazer de cometer.

Enquanto Julian se precipitava pelas escuras escadas, mantendo o implacável apertão a sua mão, Porta lutou para lhe manter o passo. Antes que pudessem chegar ao primeiro descanso, um forte golpe soou abaixo. Deteve-se, estirando-se para trás para que ela se equilibrasse antes de que chocasse contra ele. Pelo som de sua áspera respiração a causa do pânico, pôde ouvir o inconfundível ruído de botas sobre as escadas. Demoraram-se muito. Tinham-lhes talhado sua única via de escape.

Julian girou, arrastando-a para cima pela estreita e lhe ziguezagueante escada, passando a porta de sua habitação alugada. Para cima, vamos, acima foram até que finalmente irromperam, através de uma curvada porta de madeira, no telhado.

Um golpe de ar gelado açoitou os pesados cachos do cabelo de Porta tirando-os fora de suas forquilhas, lhe recordando que se deixou o chapéu, o casaco e todas suas armas na habitação do Julian, ficando a mercê dos elementos e dele. Ainda assim em vez de medo, um estranho arrebatamento de alegria corria através de suas veias.

Uma fina manta de neve pendurava das chaminés e os tetos inclinados. Brilhantes flocos dançavam a intermitente luz da lua, levados de um lado a outro pelos caprichos do vento. Embora lhe tinha jurado que tinha abandonado todas suas fantasias infantis, Porta não podia evitar sentir que tropeçou com um reino de fadas encantadas, que era de uma vez formoso e perigoso.

Quando era menina, tinha acreditado que esse reino estaria governado por um príncipe de cabelo dourado que a resgataria de qualquer ameaça. Entretanto aqui estava correndo através da noite da mão de um príncipe escuro que era muito provável que levasse tanto destruição como liberação.

Detiveram-se tropeçando no beiral. Com a neve formando uma capa que cobria a imundície e a fuligem, a cidade se estendia diante deles como os  parapeitos de um vasto castelo, o próximo telhado estava à distância de um salto impossível.

Os furiosos gritos e os trovões das pegadas se intensificaram. Em apenas uns segundos, os perseguidores do Julian estariam sobre eles.

Tiritando em seus braços no bordo desse profundo precipício, um nervoso risinho borbulhou na garganta de Porta.

—Por anos Adrian esteve ouvindo rumores sobre vampiros que possuem a concentração suficiente para transformar-se em morcegos. É uma pena que você não seja um deles.

Enquanto um impotente estremecimento a sacudia, Julian a atraiu para seus braços, usando seu corpo para protegê-la do vento. Apartou-lhe o cabelo dos olhos, olhando-a ferozmente.

—lhes diga que veio a me buscar, mas que já me tinha ido. Que deixei Londres para evitar a fúria do Wallingford e que não lhes incomodarei mais. Lhes diga que veio para tratar de me convencer para voltar para casa. Porque sabia que meu distanciamento do Adrian estava afetando a sua irmã e ao resto da família. Não será capaz de enganar ao Adrian, mas Wallingford te acreditará. Pode ser uma pequena atriz muito convincente quando quer.

Porta abriu a boca para protestar, logo a voltou a fechar, dando-se conta de que não ia servir de nada.

—Mas aonde irá? Como…? Retrocedeu, fazendo gestos para a estrelada extensão do céu noturno.

As comissuras de sua boca se curvaram para cima em um sorriso compungido.

—antes de que Adrian o destruíra, Duvalier me deu um importante conselho. Disse-me que seria um parvo a não ser abraçava meus escuros dons.

Para compartilhar o mais escuro e precioso desses dons, inclinou a cabeça para a dela. Ali, com a neve e a luz das estrelas envolvendo-os, com a presença do desastre caindo sobre eles calçando botas, beijou-a.

Não foi um intento sedutor arteramente desenhado para maximizar seu prazer. Esta vez tomou o que quis, o que ansiava. Sua língua varreu através de sua boca, reclamando-a, reclamando a toda ela, com uma paixão e um poder que ameaçava lhe arrancando a alma. Embora tivesse tido uma estaca em uma mão e uma pistola na outra, não poderia haver-se defendido contra tal avalanche de paixão. Tampouco tivesse querido fazê-lo.

Julian gemeu e ela se pendurou da parte dianteira de seu casaco, respondendo a esse canto de sereias com um profundo gemido, com uma voz que não reconheceu como a própria. Esse gemido se converteu em indefesa consternação quando ele arrancou sua boca da dela e a apartou gentilmente.

Seus olhos piscaram até abrir-se, bem a tempo para vê-lo dar a volta e mergulhar diretamente a um flanco do telhado. Antes que brotasse o grito que tinha apanhado na garganta, ele tinha desaparecido. Uma escura forma se elevou ultrapassando o telhado, precipitando-se para o céu noturno. Porta ficou ali parada com a boca aberta, olhando como voava em um gracioso círculo, para depois afastar-se batendo as asas para a forma de magra foice da lua em quarto crescente.

Tremendo pela impressão, pôs suas mãos ao redor da boca e gritou:

—Não coma a ninguém!

Pôde ter sido nada mais que um truque do vento mas quase poderia ter jurado que escutou a rica voz de barítono do Julian flutuar de retorno com uma nota transbordante de risada.

—Não me dê a lata.

Depois, a porta detrás dela se abriu com estrondo e não houve nada mais que pudesse fazer além de dar a volta e enfrentar à multidão que conduzia tochas e ao tormentoso cenho de seu cunhado.

 

—O que tenho que fazer para te manter a salvo dele? Te encerrar em um convento? Ao menos dessa forma não poderia pôr pé em chão sagrado. —Uma vez mais, Adrian estava riscando um sulco no elegante otapete Aubusson que cobria o chão da sala de desenho. A julgar pelas sombras que tinha debaixo dos olhos e o fato de que ainda usava as enrugadas calças, camisa e colete da noite anterior, parecia que não tinha podido dormir depois de ter trazido Porta de volta a casa.

—Possivelmente deveríamos ver se o primo Cecil ainda está procurando noiva no mercado, —ofereceu Caroline, referindo-se ao leitão parecido a um sapo que uma vez se ofereceu a dobrar o espírito de Porta com seus punhos.

Ambos, Adrian e Porta, deram-se a volta para olhá-la com horror. Pestanejou inocentemente para eles e acrescentou:

—Ou a tia Marietta poderia necessitar uma dama de companhia —se deram conta de que estava brincando. Sentou-se no sofá de brocado com a Eloisa sentada sobre seus joelhos. A pequena menina de cabelo de mel parecia estar em iminente perigo de tragá-las irracionalmente custosas pérolas que Adrian tinha dado a Caroline para seu terceiro aniversário.

O esvaído sol do entardecer penetrava através dos altos arcos das janelas da espaçosa habitação. Porta as tinha arrumado para postergar a discussão várias horas, primeiro fingindo um desvanecimento na carruagem de caminho a casa, logo alegando chorosamente estar exausta quando Adrian a tinha entregue aos braços do Caroline que a aguardava. Infelizmente, sua estratégia havia lhe tornado em contra. O atraso só lhe tinha dado ao Adrian tempo para convocar ao resto da família para que fossem testemunhas de sua desgraça.

A outra irmã de Porta, Vivienne, estava sentada em uma poltrona brincalhona de couro perto do lar, mantendo um olho vigilante sobre os loiros gêmeos de quatro anos que jogavam com soldados de madeira diante do acolhedor fogo. Nem sequer  ter dado a luz a dois brotos do demônio ao mesmo tempo, parecia ter alterado sua legendária compostura. De acordo à lenda familiar, quando a parteira lhe tinha entregue ao segundo bebê, simplesmente tinha murmurado,

—OH, deus! Pode lhe jogar um olhar a isto? —Enquanto, seu estóico marido se esparramou no tapete em um desmaio de morte.

Alastair Larkin, a quem todos tendiam a chamar simplesmente “Larkin” em reconhecimento a sua carreira anterior de guarda, estava sentado no braço da poltrona de sua esposa. Cada poucos minutos, estirava-se para tocar ausentemente seu cabelo dourado. Em vista de seus severos lábios e seu nariz de falcão, poderia haver algumas pessoas que se perguntassem como um homem tão corrente as tinha engenhado para capturar o coração de uma beleza como Vivienne Cabot. Até que viam a maneira em que seus inteligentes olhos marrons se acendiam cada vez que a olhava.

Porta levava um vestido matinal de um sóbrio tom verde que esperava que a fizesse ver-se adequadamente penitente. Uma gargantilha de veludo a jogo adornava sua garganta. Sentou-se em sua turca favorita com as mãos dobradas recatadamente sobre o regaço e olhou como Adrian reatava seu passeio.

—Julian é meu irmão —lhe recordou—. Deveria ter crédulo em mim para que me fizesse cargo da situação, não ir em alguma mal concebida missão própria.

—Sim confiei em ti para que te fizesse cargo da situação. Esse é precisamente o motivo pelo que estava preocupada.  Girou-se para enfrentá-la.

—Realmente acreditava que ia cravar lhe uma estaca no coração a meu irmão menor sem sequer lhe pedir permissão educadamente?

—Adrian… os meninos —lhe recordou Caroline, levando um dedo aos lábios.

Lhe lançando um frustrado olhar, Adrian caminhou a pernadas para a borla da aldrava que estava em uma esquina e lhe deu um forte puxão. Depois do que pareceu uma eternidade, seu muito velho mordomo Wilbury entrou em salão de desenho arrastando os pés. Com suas bochechas afundadas, suas costas encurvada e sua surpreendente quantidade de cabelo branco, parecia ter ao menos 275 anos.

—Wilbury, querido —disse Caroline—, importaria-te levar aos meninos e mantê-los ocupados por um momento?

—Isso seria o ponto culminante de meus anos dourados, Milady —respondeu com uma gelada educação—. A culminação do sonho de toda uma vida que quase tinha abandonado para me sentar a esperar pacificamente a que o Grim Reaper1 viesse e me relevasse de meus deveres terrestres.

Imune a seu sarcasmo, Caroline lhe sorriu com carinho.

—Obrigado, Wilbury. Estava segura que diria isso.

Arrastando os pés para a lareira, o mordomo murmurou em baixo.

—Simplesmente amo aos meninos, sabe. Simplesmente adoro aos pequenos e queridos mal educados, com suas mãos que tudo agarram e seus pequenos dedos pegajosos que sujam cada superfície recém lustrada da casa. —enquanto se inclinava para frente para a lareira, os gêmeos fizeram uma pausa em seu jogo para olhá-lo boquiabertos. Despindo seus bicudos e amarelados dentes em uma careta de sorriso, disse-lhes com a voz áspera:

—Vamos, meninos, venham. Levarei-os a cozinha a tomar um rico chocolate quente.

Com os olhos alargados pelo terror, os dois meninos saltaram e saíram correndo e chiando do salão. Wilbury se endireitou tudo o que suas encurvada costas lhe permitia, pondo os olhos em branco.

—Wilbuwy! —gritou Eloisa, baixando-se depressa do regaço de sua mãe e cambaleando-se através do salão. Envolvendo seus braços ao redor de uma das esquálidas pernas do mordomo, olhou-o para cima e bateu suas largas pestanas para ele.

—Eu querer chocolate!

Com um comprido e sofrido suspiro, elevou a gordinha menina em seus braços, provocando que cada um de seus anciões ossos rangesse em protesto. Ela se agarrou alegremente enquanto ele caminhava para a porta. Sua seca expressão nunca variou, mas quando passava ao lado de Porta lhe dedicou uma quase imperceptível piscada.

Ela se mordeu um sorriso, comovida de saber que ao menos tinha um aliado nessa casa. Wilbury sempre tinha sido partidário do Julian. Depois de que Duvalier tivesse convertido ao Julian em vampiro, Wilbury tinha sido o único em compartilhar o escuro segredo dos irmãos, ajudando ao Adrian a converter a cripta que Julian possuía na masmorra do castelo ancestral em uma antecâmara digna de um príncipe. Ganhou o carinho de Porta para sempre ao montar guarda na porta do salão de baile da mansão enquanto ela praticava brandindo uma estaca e disparando uma mola de suspensão em vez de dançar e conjugar verbos em francês. Também tinha varrido os fragmentos dos numerosos vasos e bustos que tinha quebrado com só um murmúrio de recriminação.

Adrian esperou a que sua filha estivesse definitivamente fora do alcance do ouvido antes de retornar sua atenção para Porta.

—Suponho que só posso me culpar a mim mesmo. Deveria ter sabido que nada bom sairia desse tua teimosia.

—Já não há necessidade de que se preocupe por isso —respondeu Porta prudentemente, embora a lembrança dos beijos do Julian fazia que sua garganta e seus lábios formigassem—. Tinham razão todo o tempo. Julian não é nem o homem… nem o vampiro… que eu recordava—. Baixou a cabeça, evitando deliberadamente o olhar agudo do Caroline. Embora ela e Vivienne eram mais próximas em idade, era Caroline a que sempre tinha sido capaz de ler em seu coração.

—O que te disse exatamente quando o confrontou sobre os assassinatos? —Larkin se inclinou para diante, não sendo capaz de guardar sua natural curiosidade por mais tempo. —Negou ter conhecimento a respeito deles ou confessou?

Não tinha feito nenhuma das duas coisas recordou Porta desalentada. O que significava que deliberadamente estava escondendo algo. Mas a quem estava tratando de proteger? A sí mesmo? Ou a alguém mais?

Embora detestava lhe mentir a sua família, enfrentou o olhar claro do Larkin com uma própria.

—Nunca tive a oportunidade de lhe perguntar. Temo-me que sua pequena improvisação de uma caçada de bruxas interrompeu meu interrogatório.

Larkin se acomodou para trás no braço da cadeira, podia-se apalpar sua decepção. Vivienne lhe aplaudiu o joelho e sorriu a sua irmã menor.

—Realmente não vejo por que fazem tanto escândalo. Quão único importa é que Porta está de retorno conosco… a salvo.

—Eu gostaria que permanecesse dessa forma —rebateu Adrian—. Mas não posso contar com isso enquanto Julian esteja rondando por aí.

—Disse-me que ia deixar Londres —disse Porta brandamente—. Que não voltaria a nos incomodar a nenhum de nós.

Uma sombra de aflição passou pelo rosto do Adrian, fazendo que seu próprio coração se encolhesse com remorso. Não tinha forma de saber se Julian havia dito a verdade ou se suas palavras tinham sido uma engenhosa artimanha para aparta-los de seu rastro. Nem sequer se tinha atrevido a lhe contar ao Adrian a forma em que tinha conseguido escapar, preferindo deixar que todos acreditassem que tinha usado sua força superior para montar-se em um das tuberías de deságüe do telhado para logo deslizar-se para baixo. Em todas suas batalhas, nenhum deles encontrou com um vampiro que verdadeiramente pudesse enfocar seu poder o suficiente para trocar de forma a de um morcego. Se Adrian se inteirava que seu irmão possuía este estranho dom, poderia considerar que representava uma ameaça ainda maior.

Adrian a surpreendeu quando se afundou fortemente no bordo da turca e percorreu com sua mão sua mandíbula sem barbear.

—Sei que provavelmente crê que estou reagindo exageradamente, mas quando te vi parada no bordo desse coberto com a cara tão pálida e o cabelo todo revolto…

—Pensou o pior —terminou ela.

Assentiu.

—Temi que tivesse bebido de ti outra vez. Que tivesse dado outro passo para te matar, ou pior ainda, te roubar a alma.

Sabendo que o que estava em perigo não era sua alma, a não ser seu coração, Porta enlaçou seu braço com o dele e lhe deu um apertão.

—Sinto te haver assustado assim. O que disse ao Wallingford era parcialmente certo. Só queria trazê-lo para casa. Por ti. —Não havia artifício no olhar que dirigiu a sua família—. Por todos nós.

Adrian ficou de pé, levantando-a com ele e depositando um gentil beijo sobre sua frente.

—Vivienne tem razão. Por agora a única coisa que importa é que você está em casa e a salvo. Preocuparemo-nos do resto mais tarde.

Enquanto se dirigia para a porta, Vivienne se levantou com um gracioso frufrú de saias.

—Vêem carinho —disse a seu marido—, melhor resgatar aos meninos das garras do Wilbury antes de que os encontremos assados em alguma parte.

—Não encerraram ao pobre Wilbury no armário a última vez que os deixamos sozinhos com ele? —perguntou Larkin.

—Não, essa foi a vez anterior. A última vez ele os encerrou no armário das vassouras, —respondeu-lhe enquanto seguia ao Adrian, saindo do salão.

Somente Caroline permaneceu sentada, olhando pensativamente as dançantes chamas do fogo. Porta se estava aproximando lentamente à porta quando sua irmã disse:

—Não tão rápido, espertinha.

Porta abriu muito os olhos adotando um muito estudado olhar inocente.

—Disse algo?

Carolina aplaudiu o sofá perto dela, seu sorriso igual de inocente.

—por que não se une a mim para manter um pequeno bate-papo?

Porta a agradou a contra gosto, afundando-se no sofá mas mantendo seu pétreo silêncio.

—Sabe —disse Caroline, jogando com o lenço com monograma de sua saia—, estive morrendo da curiosidade, mas em todos estes anos nunca te pressionei para que me contasse que aconteceu a cripta com o Julian. —Porta não pôde ocultar do todo seu olhar culpado. Tinha assumido que sua irmã lhe perguntaria sobre os fatos da última noite, não pelos acontecidos seis anos atrás—. Sempre admirei sua contenção. Não é um de seus rasgos mais típicos.

—Suponho que foi mais fácil para todos nós pretender que alguma vez ocorreu nada, verdade? —Os cândidos olhos cinzas do Caroline esquadrinharam seu rosto—. Mas nunca deixei de me perguntar se Julian tomou algo mais de ti nessa cripta além de seu sangue. Isso poderia explicar os sentimentos que vinculam a ele e sua óbvia relutância a te casar.

Porta podia manter a voz deliberadamente despreocupada mas não podia evitar que lhe subisse um forte rubor às bochechas. Estudou suas próprias mãos, desejando ter um lenço que espremer.

—Se suspeitava isso, por que não mandou a procurar um médico para que me examinasse?

—Adrian o sugeriu, mas eu me recusei a te submeter a tal indignidade. Para dizer a verdade, ambos creímos que já tinha sofrido suficiente à mãos de seu irmão.

Antes que Porta pudesse evitá-lo, uma frágil risada lhe escapou entre os lábios.

—Aprecio sua preocupação, Caro, mas posso te assegurar que nenhuma mulher jamais sofreu inmerecidamente à mãos do Julian Kane.

—Nem sequer agora? —rebateu Carolina, com seu olhar mais vigilante ainda que antes.

Já que não tinha resposta para isso, Porta se levantou e cruzou a pernadas o salão, com sua cabeça em alto e seus segredos ainda somente deles.

Essa noite, Porta se sentou dobrada sobre si mesmo no assento da janela de sua antecâmara do terceiro piso, olhando como se apagavam as luzes das janelas das casas uso Georgiano da cidade que se alinhavam ao outro lado do Mayfair Square. Justo no momento que o sino de uma igreja fazia soar uma só nota, o último abajur da praça se rendeu à escuridão, deixando-a a sós com a lua.

Abriu a janela, preferindo a fria corrente de ar ao entristecedor calor do fogo que crepitava no lar de tijolos. Embora as carruagens tinham aberto lamacentos sulcos sobre a larga pavimentação das ruas, a neve ainda congelava os tetos e os alargados braços dos ramos das árvores, fazendo-os brilhar com radiante luz. Uma fina névoa percorria com dedos fantasmagóricos as desertas ruas.

Envolveu-se melhor no xale de lã que usava sobre a camisola de fino algodão, seu faminto olhar esquadrinhando a noite. O dormido silêncio da casa a fazia sentir como se fosse a única pessoa acordada em todo mundo. Mas sabia que Julian estava ali fora em algum lugar, um prisioneiro da noite com todos seus perigos e tentações. Pelo que sabia, bem poderia estar nos braços de alguma outra mulher nesse momento, que nunca poderia ser para ele outra coisa que sua próxima comida.

Posou um de seus dedos sobre a grosa superfície de seu lábio inferior, recordando a pressão demandante da boca dele sobre a dela. Como a tinha beijado como se fora tanto sua salvação como sua condenação. Como a tinha envolto em seus braços tão apertada que nem sequer a mais furiosa rajada de vento poderia havê-los separado.

Mas ao final, tinham terminado separando-se. Lentamente baixou a mão. O que aconteceria o beijo do Julian realmente tivesse sido um beijo de despedida? O que se voltasse a vagar pelo mundo, exilando-se de todos os que alguma vez o tinham apreciado? E se não voltava a lhe ver alguma vez mais? De alguma forma a situação era ainda mais intolerável do que tinha sido antes. Com o tempo, inclusive poderia chegar a acreditar que esses momentos em seus braços tinham sido nada mais que um sonho, a febril alucinação de uma mulher destinada a passar sua vida desejando um homem que nunca poderia ter.

O vento gemia através das árvores por cima do pátio de abaixo, enviando um calafrio sobre sua pele. Estirou-se para fechar a janela, mas depois de um momento de dúvida a abriu inclusive mais.

—Vêem para casa, Julian —lhe sussurrou de noite—. Antes que seja muito tarde.

Julian penetrou através da janela da antecâmara de Porta, aterrissando sobre a ponta de seus pés com a silenciosa graça de um gato. Nesse momento deveria haver-se encontrado na metade de seu caminho para a França, navegando através do canal com um desorientado Cuthbert lhe seguindo.

Em troca passou o dia encolhido em um abandonado armazém na Charing Cross, esperando a que o pálido sol de inverno sumisse. Arrastou-se fora justo depois de que se elevasse a lua, abrindo-se caminho através das lotadas ruas do Fleet Street e the Strand onde algum dos secuaces do Wallingford podia estar ainda fazendo guarda esperando-o. Antes de dar-se conta, sua vagabundagem sem destino fixo o tinha levado até ao beco que havia detrás da mansão de seu irmão.

Entreteve-se no beco, retrocedendo novamente para as sombras quando Larkin tinha saído para colocar ao Vivienne e a um par de pequenos meninos faladores dentro da carruagem que os esperava. Observou pela janela iluminada quando Caroline se deslizava no estudo do Adrian e logo para o regaço deste para tratar de aliviar sua notável tensão com um carinhoso beijo. Quando os dois deixaram a habitação, de braço, Julian estudou a aposta cara de seu irmão, sabendo que ele era o responsável pelas novas linhas de tensão que havia nela. Adrian sempre esteve disposto a suportar cada carga que por direito tivesse sido do Julian.

Enquanto Wilbury fazia sua acostumada ronda pela casa, apagando os últimos dos abajures, Julian calculou seu tempo. Era fácil ser paciente quando a gente tinha uma eternidade para desperdiçar.

Ou assim o tinha acreditado até que se moveu sigilosamente para o frente da casa e viu porta sentada na janela de sua antecâmara. Estava olhando para o céu noturno com o queixo apoiado na mão, luzindo tão nostálgica como uma menina a que acabam de lhe dizer que o homem da lua tinha partido para encontrar climas mais ensolarados. Julian sabia que deveria lhe dizer adeus silenciosamente e desaparecer novamente nas sombras aonde pertencia.

Deixaria Londres. Os assassinatos se deteriam. E se passava o resto de sua vida acreditando o pior dele, Não seria isso o melhor para ela? deu a volta para ir-se.

Vêem para casa, Julian. Antes de que seja muito tarde.

Julian se congelou, seu incrível sentido da audição recolheu o eco das palavras que ela disse em um suspiro. Seu olhar se disparou de retorno à janela só para encontrá-la vazia.

—Por favor, me diga que a pequena parva lhe pôs o fecho —murmurou entre dentes. Mas inclusive desde sua vantajosa situação, podia ver que a janela estava entreaberta.

Ficou de pé ali por um comprido momento, mas duvidava que inclusive seu santo irmão pudesse ter resistido tão poderoso convite. Em um minuto seus pés estavam firmemente plantados no nevado chão. E ao seguinte se estava deslizando através da janela como um ladrão com a intenção de roubar algum tesouro inestimável.

Deslizou-se silenciosamente para a cama. O dossel que sustentavam os quatro postes estava drapeado de gaze pura, lhe dando a aparência da carpa de um sultão. Enquanto apartava essa brilhante cortina, não foi difícil imaginar-se à mulher que encontrou dormida ali regendo tanto sobre o harém de um homem como sobre seu coração.

Fazia um valoroso esforço para conter seus rebeldes cachos em um prolixo par de tranças, mas numerosos sedosos, e escuras mechas se escaparam para lhe arquear a cara. Dormia sobre suas costas com uma mão acomodada debaixo da ruborizada curva de sua bochecha. Um compungida sorriso curvou os lábios do Julian quando viu a estaca obstinada em sua outra mão.

—Essa é minha garota —murmurou enquanto um suave ronco escapava de seus lábios separados. Apesar da afeição que tinha pelas coisas corriqueiras, Porta sempre tinha tido uma veia prática.

Julian sabia que se elegia pressioná-la com suas demandas, a estaca seria certamente uma débil defesa. Só podia sentir-se agradecido de que ainda não se deu conta de que possuía outras armas que poderiam ser inclusive mais letais para seu coração.

Ao pouco tempo, seu desenvolvido sentido do olfato o traiu. Suas fossas nasais arderam quando se inclinou mais perto, permitindo a sí mesmo o proibido luxo de beber sua essência. Se não tivesse sido pelo aroma de corpos sujos e fumaça de charuto que havia no casa de jogo clandestino de apostas, poderia havê-la cheirado quando se aproximava e assim ter tido tempo de fugir pela saída do fundo do local. Ainda cheirava exatamente como a recordava… poda e doce como lençóis expostos ao vento em uma corda à luz do sol. Mesmo assim, debaixo dessa inocente fragrância de romeiro e sabão, podia-se sentir o irresistível almíscar de uma mulher, o elusivo perfume que por séculos tinha estado voltando loucos de desejo aos homens.

Tragou novamente sua própria saudade, brigando contra o impulso de afundar a cara contra sua garganta. Estava perigosamente faminto e seu atraente aroma fazia que se doesse por devorá-la em mais de uma forma.

De certa forma, tinha sido fácil manter-se a distância dela enquanto pretendia acreditar que ainda era uma pequena menina que sofria por um amor não correspondido. Tinha posto oceanos, moderados e a contínua conquista de outras mulheres entre eles, contentando-se deixando que suas lembranças dela o atormentassem.

Era ele a razão de que ela alguma vez se casou? Perguntou-se. Certamente, tinha perdido suficientes horas solitárias entre o crepúsculo e o amanhecer imaginando-lhe nos braços de outro homem, na cama de outro homem. E ainda assim aqui estava ela, ainda lutando com as cicatrizes de seu beijo na garganta como uma ardente marca. Não lhe escapava a ironia. Levava sua marca, mesmo assim nunca poderia reclamá-la para si mesmo novamente.

E por que não?

Julian ficou rígido. Essa arteira voz não lhe era estranha como tampouco suas escuras insinuações. Nem sequer estava surpreso de dar-se conta que a oleosa cadência era idêntica a do Victor Duvalier. Depois de tudo, tinha sido Duvalier quem o tinha convertido em vampiro. Duvalier o que se burlou dele, jurando que nunca conheceria um momento de paz ou satisfação até que deixasse de tentar ser um homem e abraçasse o fato de ser um monstro. Duvalier, quem tinha arrojado a Porta a seus braços nessa cripta, encorajando-o para saciar tanto sua fome como sua solidão ao arrancar a alma a ela e convertendo-a em sua eterna noiva.

A partir desse momento, a tentação não tinha perdido nada de seu encanto. Se tinha mudado em algo era para crescer mais forte, alimentada por intermináveis noites de alimentar-se sem nunca poder saciar seus apetites, tocando mas nunca sentindo verdadeiramente.

Sem poder resistir mais tempo sem tocá-la, deslizou a ponta de seus dedos sobre as pálidas cicatrizes de sua garganta. Um cenho bateu as asas em seu rosto. Seus lábios se separaram em um suave gemido que podia ser indicação de prazer ou dor.

Um selvagem quebra de onda de calor alagou sua virilha e sentiu que lhe cresciam as presas e se faziam mais afiados com temerária antecipação. Porta voltou o rosto para ele, murmurando um sonolento protesto quando ele, gentilmente atirava da estaca que tinha na mão.

Rendição.

O sedutor sussurro se entreteceu como seda nos sonhos de Porta, persuadindo a de baixar todas suas defesas. De soltar a última de suas armas e lhe dar a bem-vinda a envolvente escuridão com os braços abertos.

Já não estava sozinha na escuridão. Ele estava ali. Foi sua voz a que escutou, urgindo-a a confessar todos seus desejos secretos. Podia sentir a sí mesma perdendo-se no hipnótico poder desse sussurro, sentir seus membros fazerem-se mais pesados com cada respiração superficial, cada lânguido batimento do coração, de seu coração. Tinha que tê-la. Sem ela, morreria. Não sendo já capaz de resistir suas súplicas nem suas demandas, apartou-se o cabelo para trás com mão tremente e lhe ofereceu a garganta.

Porta se sacudiu, despertando, o sonho ainda parecia tão real que em parte esperava encontrar ao Julian ameaçador sobre ela, tendo despido já suas presas. Mas a única coisa ameaçadora era o dossel da cama. Levou uma mão à garganta para tocá-las cicatrizes, com um tremente suspiro escapando de seus pulmões. Que classe de perversa criatura era? O sonho deveria havê-la aterrorizado, não deixar seus peitos tensos e seu corpo doendo com desejo.

Pressionou sua outra mão contra o palpitante coração, dando-se conta de que estava vazia. A estaca devia haver lhe escorregado da mão enquanto estava revolvendo-se entre as roupas de cama. Não sabia se alguma vez poderia obrigar-se a utilizá-la contra Julian, mas ainda assim seu peso familiar lhe dava consolo.

Rodou para o flanco para procurar os lençóis. Então viu a estaca, colocada sobre o travesseiro que estava perto dela com a fita de cor borgoña que ela tinha colocado sobre as lucros do Julian no casa de jogo clandestino de apostas atada ao redor de sua longitude com um prolixo laço.

Perguntando-se se ainda estava sonhando, lentamente se sentou e passou seus trementes dedos sobre a fita de veludo. Seu olhar voou para a janela.

Agarrando a estaca, jogou as mantas para trás e correu para a janela. Estava fechada, mas não tinha o fecho deslocado, como se alguém a tivesse empurrado para fechá-la de fora. Uma impossível proeza já que não havia balcão, nem saliente, e nenhuma árvore a menos de dez pés de sua antecâmara. Abriu a janela de um empurrão, convidando ao sorvente ar a precipitar-se para o interior do calor abrasador da habitação. Alguém não só tinha fechado a janela, mas também também tinha avivado o fogo acrescentando um novo lenho.

Reclinou-se sobre o peitoril, procurando entre as sombras de abaixo algum rastro de movimento. Mas a noite com sua distante lua e brilhantes estrelas estava tão solitária como o tinha estado antes. Afundando-se no assento da janela, deu voltas à estaca entre suas mãos. Facilmente podia imaginar os hábeis dedos do Julian atando essa fita ao redor do mortífero comprido antes de deixá-lo descansar brandamente sobre seu travesseiro.

Estava destinado a ser um convite ou um presente de despedida? Uma promessa ou uma advertência?

Rendição, tinha-lhe sussurrado no sonho. Mas O que queria ele que rendesse? Seu coração? Suas esperanças? Sua alma? Levando a estaca ao peito, deu-se a volta para a lua e esperou o amanhecer.

À manhã seguinte Porta se arrastou para o salão de café da manhã, dissimulando um bocejo detrás da mão. Manteve-se vigiando a janela a maior parte da noite, finalmente cabeceando justo quando os primeiros raios do sol tinham aparecido sobre os telhados. Despertou duas horas depois, sentindo os músculos doloridos e rígidos, seus frios dedos ainda envoltos ao redor da estaca.

Tinha deslizado sua arma dentro do bolso desmontável da saia antes de baixar. Sabia que deveria mostrar ao Adrian, mas um pequeno rincão egoísta de seu coração queria mantê-la guardada a salvo fora da vista, só por um pouco mais de tempo. Poderia ser o último segredo que ela e Julian compartilhassem alguma vez.

Adrian estava sentado no lado mais afastado da mesa redonda com o Caroline a seu lado. A julgar pelos escuros círculos sob os olhos de ambos, não tinham dormido muito mais que ela. As expressões sombrias estavam em direto contraste com o deslumbrante brilho do sol piscando os olhos sobre a neve que ainda branqueava a terraço fora da alta janela francesa. A pequena Eloisa, que normalmente se entretinha lançando pequenas partes de papa de aveia ao Wilbury, estava chamativamente ausente. Larkin estava ajeitado na cadeira oposta ao Adrian, sua gravata médio desatada e seu cabelo castanho claro revolto como se se houvesse visto envolto em um vendaval invernal recentemente.

Não havia nem um só lacaio para atender os pratos que enchiam o elegante aparador de nogueira que pareciam não ter sido tocados. Enquanto Porta observava, Caroline cravou ausentemente seu ovo com um garfo de dois dentes mas não fez nenhum intento de tomar um bocado.

Seu desconcertada olhar varreu a mesa.

—Que demônios passa com vós? Parece como se alguém tivesse morrido.

—Assim é —respondeu Larkin com um tom contido, tirando uma rebelde mecha de cabelo dos olhos—. Houve outro assassinato ontem à noite na Charing Cross, este ainda mais brutal que os anteriores.

Porta caminhou a provas para apoiar-se no respaldo de uma cadeira, desejando que houvesse um lacaio. Não confiava em seus joelhos para sustentá-la.

Caroline se estirou para alcançar e apertar a mão do Adrian.

—Não pôde ter sido seu irmão. Escutou a Porta. Prometeu-nos que tinha deixado Londres.

Adrian sacudiu a cabeça, seus olhos igual de desolados que o resto de sua expressão.

—Poderia ser capaz de obter consolo desse fato se soubesse com certeza que já se partiu.

—Não o tem feito. —Desconsolada as palavras de Porta caíram no vazio deixado pelas dele, atraindo tudo os olhares da habitação por volta de sua cinzenta cara—. Veio a minha habitação ontem à noite enquanto estava dormindo. Deixou isto para mim. —procurando no bolso de sua saia, tirou a estaca e a apoiou sobre a mesa. O laço se desdobrou contra o engomado linho branco da toalha como uma fita de sangue seca.

Adrian o olhava em silêncio, um músculo de sua mandíbula saltava em um tic.

—Querido —sussurrou Caroline impotentemente, alcançando seu braço.

Evadindo seu agarre, empurrou a cadeira apartando a da mesa e se elevou em toda sua estatura. Começou a dar a volta à mesa mas antes de que pudesse alcançar a porta, Porta estava ali, lhe bloqueando o caminho.

—Não o faça! —advertiu-lhe ele, lhe afundando um dedo no peito—. Te quero como se fosse minha verdadeira irmã e te baixaria a lua do céu se pensasse que isso te faria feliz. Mas não posso te permitir que me impeça de fazer o que deve ser feito.

—Não quero te deter —respondeu. Uma arrepiante calma se derramou sobre ela, deixando-a piedosamente intumescida—. Quero te ajudar.

—Como? —perguntou preocupado.

—lhe oferecendo algo que ele não pode resistir.

—E exatamente o que seria isso?

Porta sentiu que seus lábios cheios tremiam com o mais sedutor e perigoso sorriso.

—Eu.

 

Vestígios de névoa se elevavam dos úmidos paralelepípedos. Mais cedo esse dia, uma gelada chuva tinha limpo os restos de neve das ruas, as deixando brilhantes debaixo do triste reflexo dos abajures da rua. As nuvens ainda penduravam baixas sobre os telhados e chaminés da cidade, fazendo que fora uma noite sem lua, perfeita para caçar.

Três figuras saíram da névoa… Uma mulher flanqueada por dois homens. Apesar de sua pequena estatura e do fato de que seus dois companheiros a ultrapassassem em altura por quase um pé, um observador casual poderia ter opinado que a mulher era a mais perigosa dos três. E nesse momento, teria tido razão.

Seus olhos azul escuro brilhavam com determinação debaixo do capuz de sua capa cinza pomba. Seus bem formadas quadris se balançavam com cada passo que dava de uma forma perigosamente próxima à arrogância. A inclinação de sua cabeça exsudava tanto confiança como propósito. Podia estar disposta a representar o papel de vítima, mas qualquer um suficientemente parvo para agarrar o anzol que ela oferecia, estaria-o fazendo sob seu próprio risco.

Quando chegaram às imediações dos bairros baixos que se levantaram justo detrás dos estábulos reais, Adrian se levou um dedo aos lábios e lhe indicou a Porta e Larkin que avançassem para um deserto beco. Os três se apinharam à sombra de um beiral sobressalente como qualquer outro vago que andava por ali tratando de fazer algo dano aproveitando a noite nebulosa e proibida.

Esta ilha de miséria entre a Charing Cross e o final do mercado, viria-lhe perfeitamente aos propósitos de qualquer vilão, vampiro ou mortal. Becos sinuosos e cale estreitas separavam as ruinosas choças das escuras ruelas que levavam nomes tão enganosamente exóticos como Ilhas do Caribe e As Bermuda. Mais de uma pobre mulher tinha sido arrastada a um desses escuros e desertos becos para não voltar a ser vista nunca mais.

—Está segura de que pode fazer isto? —perguntou-lhe Adrian a Porta, com o cenho franzido com preocupação.

—Só me observe —lhe respondeu, desabotoando-a parte de acima de sua capa para que o objeto de suave malha pendurasse solta sobre seus ombros.

Debaixo levava um vestido de noite tecido com um rico veludo granada da cor do sangue, com mangas recortadas e um sutiã com um profundo decote quadrado, mais adequado para uma cortesã que para a cunhada de um respeitável Visconde. Enganchou os polegares no engomado espartilho de baleias costurado ao sutiã e puxou para baixo para expor melhor as amplas curvas de seu busto.

Imediatamente Adrian a alcançou para voltá-lo para subir. Lhe deu um golpe nas mãos para que as retirasse.

Ele suspirou.

—Não posso acreditar que te tenha deixado me convencer para fazer isto. Sua irmã estava completamente em contra, sabe. Se sotaque que te ocorra algo mau, pedirá minha cabeça.

—E Vivienne pedirá meus… —começou Larkin, mas se deteve quando Adrian começou a tossir. Esclarecendo-a garganta, terminou—, bom, ela também pedirá minha cabeça.

Porta se ajustou as forquilhas e tirou alguns cachos das lustrosas tranças que tinha acomodadas no alto da cabeça, sabendo que inclusive um homem mortal não poderia resistir a uma mulher que se via como se acabasse de levantar-se da cama.

Embora seu coração estava pulsando tão forte que tinha medo de que eles o escutassem, lutou por manter as mãos firmes.

—Não há necessidade de que vós dois estejam alvoroçando para mim ao redor como um par de nervosas mamães galinhas. Os dois me estivestes treinando para brigar durante anos. Sempre soubemos que este dia chegaria.

—Mas não com o Julian como nosso adversário —lhe recordou Adrian brandamente.

Porta se mordeu os lábios para que adquirissem um pouco de cor, esperando que o fresco vento de janeiro colorisse um pouco suas pálidas bochechas.

—Então teremos que deixar de pensar nele como no Julian, verdade?, e começar a pensar nele como no desumano assassino no que se converteu.

Os dois homens intercambiaram olhadas preocupadas sobre sua cabeça, mas quando Larkin abriu a boca para falar, Adrian negou com a cabeça em forma de advertência.

Adrian apontou para um abandonado armazém mais abaixo nessa rua.

—Estaremos justo ali, Porta. Se parecer que está em problemas, de qualquer tipo, viremos correndo.

Aproximou-se, abrindo os braços para abraçá-la, mas Porta se afastou de ambos. Seus ossos se sentiam tão fracos como os do Wilbury. Temia que se um deles tão só a aplaudia no ombro, quebraria-se.

—Tem todo o necessário? —perguntou-lhe, colocando torpemente as mãos nos bolsos de seu casaco.

—Isso espero —disse ela, tirando do bolso secreto que lhe tinha costurado Vivenne na saia, a estaca que tinha deixado Julian sobre seu travesseiro. Antes de voltar a guardá-la dentro do bolso lhe tirou a cinta cor borgoña, para logo assegurar o laço de veludo ao redor da graciosa coluna de sua garganta, fazendo que fora um branco ainda mais tentador—. Mas estou segura de ter tudo o que ele necessita.

Aparecendo a cabeça fora do beco para espionar para ambos os lados da deserta rua, Larkin tirou uma pequena pistola de faísca do bolso de seu casaco e o passou.

—Se qualquer outro te abordar, só dispara ao ar.

—Ou a eles —disse Adrian amargamente.

Educadamente se deram a volta quando ela se levantou a prega adornada com volantes da saia para colocar a pistola na liga. Estremeceu-se ante o contato do frio aço contra sua pele nua.

—Quando te reconhecer, pode suspeitar que é uma armadilha —lhe advertiu Adrian.

—Duvido-o —lhe respondeu—. Dada sua colossal arrogância, provavelmente pense que só vim a lhe advertir de que você estava em caminho ou para ler poesia do Byron junto ao fogo.

Endireitou-se, o inflexível fulgor em seus olhos lhes disse que estava preparada. Adrian e Larkin intercambiaram um assentimento com a cabeça, logo a guiaram para a entrada do beco. Quando chegaram à rua, os três se foram em distintas direções como se acabassem de concluir uma sórdida entrevista. Adrian e Larkin se foram cambaleando para uma das ruelas, suas roucas risadas soando na noite, enquanto que Porta vagou em direção oposta, vacilando um pouco sobre os saltos de suas sapatilhas para parecer um pouco mais indefesa.

Embora sabia que solo lhes levaria uns minutos aos homens dá-la volta e escorrer-se no armazém que estava cruzando a rua, nunca se havia sentido tão absolutamente só em sua vida.

Durante cinco largos anos, consolou-se a se mesma com a noção de que Julian estava por aí fora na noite, adoecendo por ela igual a ela adoecia por ele. Despojada dessa ilusão, a noite se sentia tão vasta e fria como o céu sem lua. Não queria outra coisa que encolher-se mais em sua capa, mas em troca se sacudiu o objeto de cima deixando um ombro ao descoberto e levantou o queixo bem alto, despindo a vulnerável curva de sua garganta.

Passeou lentamente por ali, não querendo afastar-se muito do armazém. Tinham eleito o lugar deliberadamente porque estava a só uma quadra de onde duas das mulheres assassinadas tinham sido encontradas. Pegou um salto quando um marinheiro bêbado se cambaleou saindo de um dos becos justo em frente dela. Mas apenas lhe dedicou um olhar turvado, obviamente mais interessado em encontrar seu próximo copo de genebra que sua próxima mulher.

A névoa distorcia cada som, fazendo impossível distinguir se o fantasmagórico eco de uma risada ou uma furtiva pegada, provinham de uma quadra de distância ou justo detrás dela. Um fio de suor deslizou pela nuca. Sem advertência se deu a volta. A rua detrás dela estava vazia. Agora estava sendo perseguida pelo eco de suas próprias pegadas.

Negando com a cabeça ante seu próprio nervosismo, retornou a seu cometido passeio. Mas só tinha dado uns passos quando repentinamente os refreou. A menos de vinte pés de distância, uma alta figura encapuzada que levava uma capa negra se achava parada debaixo da luz que brindava o abajur da rua.

Porta sabia que ainda havia tempo para pedir ajuda. Ainda havia tempo para que Adrian e Larkin viessem correndo em seu resgate. Mas se soava o alarme muito logo, Julian poderia escapar. Encolheu-se por dentro dando-se conta de que um pequeno e patético rincão de seu coração, quase queria que pudesse obtê-lo.

Seus húmidos dedos escorregaram dentro do bolso de sua saia, fechando-se em torno da estaca. Sabia agora que não a tinha deixado sobre seu travesseiro como um presente de despedida, mas sim como uma provocação… uma provocação.

Forçou a seus pés a ficar em movimento. A figura debaixo da luz da rua ficou ali olhando-a… esperando, tão quieto, que se poderia ter jurado que nunca tinha experiementado a necessidade de respirar. Porta estava quase em cima quando alcançou sua capa e a deixou cair… revelando uma brilhante juba de cachos dourados.

O alívio de Porta foi tão intenso que boqueó sonoramente. Não era um homem a não ser uma mulher. E não qualquer mulher, súbitamente se deu conta, a não ser uma das mais encantadoras criaturas sobre a que alguma vez tivesse pousado os olhos. Sua deslumbrante cascata de cabelo loiro se complementada com um par de amadurecidos lábios cor rubi e hipnóticos olhos verdes. Seu tersa pele era misteriosamente lisa, fazendo impossível julgar sua idade. Seus pálidos e finos dedos estavam adornados com jóias… Uma cintilante esmeralda, um rubi em forma de lágrima e uma opala do tamanho de um pequeno ovo. Porta se perguntava que demônios estava fazendo nesse miserável lugar. Bem poderia ser a amante consentida de um nobre, mas tão descomunal beleza nunca poderia ser confundida com uma prostituta comum.

—Não deveria andar sozinha por aqui, Madame —lhe advertiu Porta, olhando por cima de seu ombro—. As ruas não são seguras esta noite.

—São-o alguma vez? —respondeu a mulher, olhando-a por cima de seu largo nariz.

Porta detectou um deixe cheio de diversão e uma musical indicação de acento francês em sua voz rouca.

—Provavelmente não nesta vizinhança. Tem uma carruagem e chofer esperando-a perto daqui?

—Não necessito uma carruagem. —A mulher olhou para a rua em ambas as direções, lhe permitindo a Porta admirar a assombrosa elegância de seu perfil—. Estou esperando a meu amante.

Porta piscou, tomada por surpresa tanto pela candura da mulher como por seu tom arrogante.

—É muito tarde —disse tentativamente—. Está segura de que ele virá?

Os cheios e vermelhos lábios da mulher se curvaram em um sorriso.

—OH, virá. Assegurei-me disso.

Dedicou-lhe a Porta um deslumbrante sorriso. Porta não pôde evitar ficar olhando-a, hipnotizada pelos olhos rasgados parecidos com os de um felino que tinha a mulher. Estava começando a se sentir como a cobra enroscada na cesta de um professor encantador de serpentes. Se a mulher começava a balançar-se, temia-se que ela faria o mesmo.

—Assim me diga por que uma pequena inocente pomba como você desafia as ruas esta noite? —perguntou a mulher—. Também estas esperando a seu amante?

Porta ficou rígida.

—Temo-me que não. Meu amor… —tropeçou com a palavra—….meu amante me traiu. Provou ser um falso.

Para sua surpresa, a mulher estirou uma mão branca como a neve com unhas cor carmesim e gentilmente lhe acariciou a bochecha.

—Pobre pequena pomba —cantarolou— Um amante me rompeu o coração uma vez. A dor foi tão forte como nada que houvesse sentido antes. Ansiei a morte.

Porta sentiu que seu próprio machucado coração saltava com compaixão.

—Realmente desejou morrer?

Os olhos da mulher se dilataram.

—Não minha morte, pequena. A dele. Senti-me muito melhor depois de lhe cortar o coração e me comer isso. Porta não pôde evitar ficar com a boca aberta, mas antes de que pudesse gritar, a mão da mulher se disparou fechando-se sobre sua garganta. Levantou porta separando seus pés do chão, fazendo que soltasse a estaca que tinha sujeita entre seus intumescidos dedos.

Os lábios cor rubi da mulher se separaram para revelar um par de presas.

—Se me permitir isso, querida, possivelmente possa pôr fim a seu sofrimento também.

—Prometeu-me que deixaríamos Londres —murmurou Cuthbert, agachando-se perto de onde Julian estava ajoelhado e lhe dirigindo um olhar acusador—. Deves golpeia a minha janela tarde na noite e me diz “abandona sua linda e quente cama e vêem comigo, Cubby. Traz um punhado das jóias de seu pai e poderemos passar o resto do inverno vadiando nas ensolaradas praias do sul da Espanha com umas deliciosas pequenas bailarinas de opera”. —Puxando a borda de seu chapéu de castor para cobrir suas orelhas já rosadas pelo frio, percorreu com a vista o escuro interior do desvão do armazém abandonado com olhos desconfiados—. Em vez disso arrasta a este miserável buraco do inferno onde qualquer vadio pode muito bem me cortar a bolsa, ou pior ainda, a garganta.

—Se não parar de te queixar —disse Julian ausentemente, olhando através da banguela buraco onde uma vez tinha havido um painel de vidro—, vou cortar te a língua.

Cuthbert fechou a boca, mas seu fôlego continuou escapando de seu nariz em pequenos bufos gelados, fazendo-o parecer um dragão indignado.

Julian suspirou e girou sobre um joelho para enfrentá-lo.

—Disse-te que tinha assuntos inconclusos em Londres. Assim que os regularize, juro-te que te encontrarei essa praia ensolarada e sua maldita bailarina de ópera.

—Seus assuntos inconclusos geralmente envolvem penetrar dentro da antecâmara de uma dama para devolver roupa interior desaparecida antes de que seu marido retorne a casa, não nos passar a metade da noite apinhados na Charing Cross, nos congelando em nossos fraques. —inclinou-se para diante para vigiar a rua debaixo deles, forçando ao Julian a agarrá-lo pela cauda de seu casaco para evitar que caísse de cabeça por isto janela é sobre o Wallingford? Está esse canalha envolto em alguma maldade? Encontraste a forma de chantageá-lo para que rompa suas notas promissórias?

—Isto é a respeito de pagar outra dívida. —A memória caprichosa do Julian conjurou uma visão de Porta acurrucada confidencialmente em sua cama. Só que nesta visão, ela abria seus olhos e seus braços e lhe davam a bem-vinda—. E não deixarei Londres até que não me assegure de que esta paga.

—Bom, só espero que este pouco característico ataque de escrúpulos não prove ser letal. Para nenhum dos dois. —Cuthbert se apóiou para trás sobre os quadris—. Que demônios estiveste fazendo desde que me deixou na casa de meu pai a outra noite? Me apoiando em sua impressionante atuação de antes no café, certamente não esteve comendo. Nunca tinha visto um homem comer cinco chuletas meio cruas de uma vez. —Sacudiu a cabeça com invejosa admiração—. Mas tenho que admitir que melhorou sua cor. Estava um poquinho pálido.

Julian murmurou algo evasivo. Ainda tinha tanta fome que até o grosso pescoço do Cubby estava começando a lhe parecer tentador.

—Uma vez que cheguemos a Madrid, possivelmente possamos…

—Shhhhhh! —Julian levantou a mão em sinal de advertência quando uma escura figura saía cambaleando-se de um dos becos de abaixo.

Mas só era um marinheiro ébrio procurando outro botequim. Em algum lugar na distância, os sinos da igreja começaram a soar indicando a meia-noite, seus elevados e puros tons pareciam desconjurado nesta perigosa esquina do inferno onde os farrapos de névoa flutuavam sobre a pavimentação como fumaça com aroma de enxofre. Julian entrecerróu os olhos quando outra figura emergia da névoa que acabava de tragar-se ao marinheiro.

—É uma mulher —disse Cuthbert.

—Posso vê-lo —estalo Julian, os nervos tensos até o ponto de ruptura.

A mulher encapuzada vagava pela rua como se não tivesse um destino definido em mente. Julian poderia ter pensado que estava bebida, mas não estava ziguezagueando nem cambaleando-se. Se fosse uma mulher ligeira de cascos brincando de correr para ganhar algumas moedas, tivesse-lhe sido bem singelo convencer ao marinheiro para que a acompanhasse a um dos becos próximos para um rápido acoplamento ou pôr a bola contra a parede, como o denominavam nos baixos recursos.

Sentiu algo da tensão escorrer-se de seus músculos quando esteve de frente ao armazém e se deu conta de que era viçosa e pequena, não alta e flexível. Mas seu alívio foi rapidamente substituído por uma emoção mais desconcertante. Havia algo penosamente familiar a respeito desse descarado balanço de quadris, nesses lustrosos cachos escuros acomodados no alto da cabeça e a desafiante inclinação da cabeça.

—Que… Maldita seja!… —soprou

Piscou rapidamente, esperando que a fome e a fadiga fossem a explicação para a visão de Porta Cabot escorrendo-se de suas fantasias para deslizar-se pelas úmidas e empedradas ruas da Charing Cross.

Apesar da sordidez a seu redor, bem poderia ter estado passeando pelo Hyde Park em um domingo ensolarado. Sua capa se escorregou descobrindo um de seus cremosos ombros, fazendo-a parecer ainda mais vulnerável. Quando o intenso olhar do Julian enfocou a cinta cor borgoña atada ao redor de sua pálida garganta, sentiu que sua boca ficava seca pela força com que as ânsias o embargaram.

—Não é um trajeto muito saudável para que tome uma jovem mulher —sussurrou Cubby—. Deveríamos intervir?

Isso era exatamente o que Julian desejava fazer. Queria saltar para ali abaixo e colocar um pouco de sentido comum dentro dessa tola cabecinha, algo que aparentemente seu irmão era incapaz de fazer. Mas algum instinto primitivo de sobrevivência o fez duvidar. Tinha desafiado ao Adrian e arriscado sua vida e sua reputação para buscá-lo no casa de jogo clandestino de apostas. Mas e se tinha interpretado o papel de vilão muito bem? e se sua fidelidade se trocou de bando? Não podia pensar em um anzol mais doce que pudesse utilizar seu irmão para atrai-lo fora de sua guarida.

Cuthbert apontou para a luz que estava na esquina.

—Ah, depois de tudo não há necessidade de preocupar-se. Deve haver ficado de encontrar-se com alguém.

Alguém que milagrosamente se materializou de repente. Alguém cuja esbelta graça fazia que parecesse que flutuasse inclusive quando não estava em movimento. Alguém que nesse momento se estava retirando o capuz da capa para revelar uma pele de alabastro, parecida com a de um anjo e uma brilhante juba de cabelo loiro.

Julian sentiu que o escasso alimento que tinha obtido das chuletas se convertia em água geada em suas veias.

—Deus querido —sussurrou, invocando o nome que já não tinha direito a usar.

Lutou por ficar de pé.

—Aonde vai? —demandou Cuthbert, suas costeletas estremecendo-se com alarme—. Não vais deixar me aqui sozinho, verdade?

Julian agarrou a seu amigo pelos ombros e sem esforço atirou dele até pôr o de pé. —Necessito sua ajuda, Cubby. Não te tivesse pedido que me acompanhasse esta noite se tivesse podido fazer isto sozinho. Mas temia que estivéssemos caindo em alguma espécie de armadilha. Necessito que faça o que sabe fazer melhor… cuidar minhas costas.

Arrastou ao Cuthbert ao bordo do desvão e assinalou um par de bolsas de areia que penduravam de uma viga próxima. Estavam pendurando justo acima das estilhaçadas portas de madeira que guardavam a entrada principal do armazém. Esse dia mais cedo, Julian tinha assegurado as cordas que as sustentavam em alto a uma cavilha próxima.

—Se alguém além de mim passar através dessas portas, quero que solte as cordas e deixe cair essas bolsas de areia sobre eles. Entendeu-me?

Cuthbert assentiu em silêncio, sua garganta muito torcida pelo pânico para poder falar.

—Muito bem! —Julian o aplaudiu no ombro, lhe brindando uma breve mas feio sorriso.

Depois se tinha ido, movendo-se tão rapidamente que Cuthbert tivesse jurado que seus pés não tocaram nenhuma só vez os degraus da escada que tinham subido para chegar ao desvão. Antes que Cuthbert pudesse fazer conjecturas sobre o que tinha visto, um débil chiado, prontamente encoberto, chegou-lhe da rua. Começou a mover-se para a janela mas o grito de um homem e o trovejar do som de pegadas correndo o detiveram.

Recordando a tarefa que Julian lhe tinha crédulo, tropeçou em seu caminho para a cavilha onde estava enroscada a corda. Apareceu a cabeça para o flanco, franzindo o cenho. Pisada vinham do lado equivocado. Não provinham da rua a não ser da planta baixa do armazém. Uma banda gelada lhe constrangeu o peito quando se deu conta que todo o tempo tinham estado compartilhando o esconderijo com alguém mais. Alguém que inclusive agora estava correndo para a mesma porta que Julian lhe tinha ordenado que guardasse.

Esticou-se para alcançar a corda, mas duvidou, esmigalhado pela indecisão. Não lhe havia dito Julian que soltasse os sacos de areia sobre qualquer que tratasse de passar através dessa porta? Não tinha especificado em que direção. Pisadas se estavam aproximando. Em uns poucos segundos mais, eles estariam na porta.

Antes de perder a compostura, Cuthbert lhe deu um decisivo puxão à corda, soltando a da cavilha e fazendo que as bolsas de areia caíssem em picada para o piso de abaixo.

Escutaram-se dois fortes golpes, gemidos afogados, e logo um silêncio de morte.

Encolhendo-se com uma tardia compaixão, Cuthbert olhou sobre o bordo do desvão. Na tênue luz, logo que pôde distinguir duas figuras escuras esparramadas pelo sujo chão de abaixo. Embora duvidava que o impacto pudesse ter matado a alguém, confiava em que por esses momento os dois não causariam problemas ao Julian… nem a ninguém mais. Sorriu e se esfregou as mãos para tirar o pó, bastante agradado por ter feito cair a dois gigantes como esses sem a ajuda do Julian.

Porta merecia que a comessem. Permitiu-se a se mesma consumir-se totalmente com a idéia de que Julian era uma assassino e um monstro e agora estava a ponto de ser devorada por uma bruxa chupasangue que deveria ter reconhecido como um vampiro a vinte passos de distância. Enquanto pendurava totalmente necessitada ante o mortal agarre pela criatura, como uma boneca rota apanhada nas mandíbulas de um mastim resmungão, encontrou estranho que nestes, os últimos momentos de sua vida, não estivesse sentindo terror mas sim mas bem uma aguda confusão por sua própria inépcia e um agridoce alívio por ter julgado tão absolutamente mal ao Julian.

A ponta de suas sapatilhas se precipitava para baixo tratando de alcançar a úmida pavimentação. A mulher agarrou um punhado de seus cachos encerrando-os em um punho lhe dando um forte puxão, que fez que sua cabeça caísse para um lado.

Quando enganchou uma de suas unhas pintadas de vermelho debaixo da fita de Porta preparando-se para arrancar-lhe para poder alcançar melhor a suave e vulnerável pele de sua garganta, Porta fechou os olhos com força. Não podia evitar perguntar-se se Julian sentiria saudades a seus olhos brilhantes quando estes se fechassem para sempre.

Esperou a que essas letais presas descendessem, a que essa vibrante, aguda agonia pintasse seu mundo da cor do sangue. Mas não ocorreu nada. Abriu seus olhos. A mulher ainda tinha a garra vermelha enganchada em sua fita. Suas presas ainda estavam brilhando a só umas polegadas da garganta de Porta. Mas o olhar faminto se transfigurou em outra coisa. Por algo que estava atrás do ombro direito de Porta.

Porta tirou vantagem da distração para retorcer-se em seus braços. Embora a poderosa mão ainda estava estendida sobre sua mandíbula, a pressão em sua garganta tinha afrouxado um pouco.

Um homem estava caminhando pela rua para elas. Não, não era um homem, Porta se deu conta repentinamente, seu coração pulsou com esperança.

Julian vinha andando sem pressas, saindo da névoa como se tivesse uma eternidade para resgatá-la, movia-se correntemente com graça masculina. Com a luz da luz acariciando amorosamente os ossos esculpidos de sua cara e o vento agitando sua escura juba, via-se como uma espécie de anjo condenado, jogado do paraíso por cometer um pecado que tinha sido incapaz de resistir. Nunca se tinha visto tão perigoso… ou tão formoso… como nesse momento. Porta cedeu ante seu captora, mordendo um soluço de alívio.

—Olá querida —disse ele enquanto se localizava frente a elas, sua voz baixa e sedosa.

Porta abriu a boca para lhe responder, mas antes de que pudesse fazê-lo, a mulher ronronou.

—Olá, meu amor. Chega bem a tempo para me acompanhar neste pequeno aperitivo.

 

Embora sua boca continuava aberta, Porta não poderia ter afogado uma palavra, embora sua vida dependesse disso.

Julián voltou seu desdenhoso olhar para ela.

—Um bocado tão pequeno é apenas digno de moléstia. Se fosse você, lançaria seu traseiro ao Támesis.

—Pensei que podíamos ficar com ela —Porta se estremeceu assim que a língua da mulher saiu para lhe dar uma lambida carinhosa em sua bochecha—. É tão encantadora e eu sempre quis uma gatinha.

A risada do Julián tinha um som cruel que ela nunca tinha ouvido de seus lábios.

—por que você gostaria de ficar a Valentine? Para afogá-la em uma cubeta quando deixar de te divertir jogar com ela?

Valentine.

A Porta não lhe pareceu justo que tão formoso nome pudesse pertencer a tão cruel criatura. Mas depois de tudo, não parecia rimar com o significado.

—me desculpem —pigarreou ela, sua garganta seguia seca—. Odeio interromper esta comovedora e pequena reunião, mas assumo…

—Silêncio! —assobiou Julián.

Porta se odiava por escoicear, mas o calor faiscante que sempre via em seus olhos quando ele a olhava se desvaneceu, deixando-os frios e inanimados. Juntou ligeiramente os lábios para deter o tremor, obrigada a contentar-se com um olhar desafiante

—Sempre soube que retornaria para mim —disse Valentíne, deleitando-se com uma nota de triunfo evidente.

—Retornar a ti? —soprou Julián—. Você é a que esteve me seguindo de uma parte a outra do mundo

—Só porque sabia que algum dia entraria em razão e te daria conta que estamos destinados a estar juntos.

O estômago de Porta começava a lhe incomodar. Não ajudava saber que ela tinha tido inumeráveis fantasias a respeito de lhe dizer essas mesmas palavras, preferentemente enquanto a embalava em seus braços e olhando fixamente a profundidade de seus olhos.

—Então, devo supor que esse dia finalmente chegou —O depreciativo olhar do Julián se posou nela—. Por que não deixa que a gatinha siga seu caminho para que possamos estar sozinhos?

—por que desperdiçar tão suculento bocado? Pensava que os dois podíamos compartilhá-la para celebrar nosso novo começo.

Porta chiou os dentes de novo ante a onda de dor que sentiu quando Valentine passou uma unha de sangue ao longo de sua garganta, lhe esculpindo uma ferida pouco profunda.

—Não —ladrou Julián. Ela sentiu um brilho de esperança, mas depois ele franziu o cenho, essa formosa boca se tornou mal-humorada—. Não estou de humor para compartilhar esta noite. Se for tê-la, então a quero toda para mim. Ela pode ser seu presente para mim.

Valentine soou sinceramente surpreendida.

—Mas você sempre foste tão melindroso sobre jantar humanos, querido. Tiveste uma mudança de coração?

—Como pode trocar algo que não tem? —murmurou Porta, renovando seus esforços de retorcer-se para escapar do apertão da mulher.

Valentine se encolheu de ombros.

—Muito bem. Se a quiser, é toda tua. Mas só se me deixar olhar.

Deu-lhe um forte empurrão a Porta, enviando-a aos braços do Julián como Duvalier o tinha feito na cripta fazia tantos anos. Mas então Porta não sabia que ele era um vampiro. Tinha pressionado seu corpo tremente ao dele como se ele fora sua salvação.

Envolveu-a em seus braços, arrastando-a para ele. Seu corpo estava ardendo com essa peculiar febre que ela reconhecia como fome. Fome dela.

Deu-lhe um calafrio quando seu próprio corpo a traiu com um perverso estremecimento ao sentir-se de novo em seus braços. Começou a brigar a sério, chutando-o com seus pés e golpeando-o com seus punhos até que ele se viu forçado a lhe torcer ambos os pulsos em suas costas para submetê-la. Embora ela duvidava que seu apertão lhe deixasse um cardeal, não havia um pingo de misericórdia nele. Bem poderia ter sido uma mosca necessitada retorcendo-se em uma pegajosa teia.

—Luta tudo o que queira, pequena —murmurou, sua sedutora amabilidade de algum jeito era mais cruel que toda a brutalidade do Valentine—. Só fará que sua rendição seja mais doce quando chegar.

Porta se afrouxou sobre ele, desprezando seu mais profundo medo. E se sucumbia a ele? E se nesse momento, quando penetrasse sua carne e a fizesse sua de novo, não sentisse desespero a não ser regozijo?

Suas escuras e exuberantes pestanas descenderam cobrindo seus olhos. apoiou-se sobre ela, os pontos mortais de suas presas já eram visíveis. O calor de sua boca arranhou sua garganta com uma carícia de amante, não de um monstro e Porta sentiu que sua resistência se fundia, lhe deixando só desejo e vergonha. Se ia morrer, por que não podia ser por sua mão, em seus braços?

Seus lábios separados se atrasaram sobre o pulso detrás de seu ouvido, fazendo de seu ligeiro sussurro algo mais que uma vibração.

—Talvez tenha que te dar uma pequena dentada, Olhos Brilhantes, mas quando te empurrar longe de mim, quero que corra como se o mesmo diabo te estivesse pisando nos talões.

Em um momento febril, Porta pensou que tinha imaginado suas palavras. Especialmente quando seus fortes e implacáveis dedos rasgaram a gargantilha e suas presas descenderam através da tenra carne de sua garganta.

—Espera —chiou agudamente Valentine, congelando-os a ambos onde estavam.

Esta vez não houve engano no conciso juramento que fez Julián por debaixo de seu fôlego.

Deslizando seus pulsos fora de seu repentino e pouco exigente apertão, Porta se moveu entre seus braços até que ambos enfrentaram ao Valentine. A mulher estava apontando com a escarlate ponta de seu dedo tremente para a garganta de Porta.

—O que é isso? —perguntou

Embora sabia que já era muito tarde, Porta se tocou com a mão as cicatrizes em sua garganta. O olhar acusador do Valentine se dirigiu a sua cara.

—Esta não é a primeira vez que provas o beijo de um vampiro, verdade?

—Talvez não —grunhiu Julián—. Mas posso te prometer que será o último —para sublinhar sua ameaça, agarrou um punhado de cachos de Porta e lhes deu um forte puxão.

—Auh —exclamou ela, lhe lançando um olhar de ódio por cima do ombro.

Valentine começou a lhes rodear com passo lento em um meio círculo, o bordo de sua capa fluía detrás dela como a cauda de encaixe do vestido de uma rainha. Seu olhar seguia fixa no rosto de Porta.

—por que não me disse que não foi nenhuma estranha em nossos costumes?

—Porque estava muito ocupada tratando de rasgar minha garganta —replicou Porta baixando sua mão, ensinando sua garganta e suas feridas.

Os hipnóticos olhos verdes da mulher se estremeceram.

—Ah, então a gatita tem garras depois de tudo. Melhor observar seus olhos, Julián.

Mas Julián estava observando ao Valentine, cada músculo dele estava rígido, cauteloso.

Porta instintivamente se encolheu contra ele quando a mulher a alcançou com uma mão e roçou as gemas de seus dedos sobre as cicatrizes, um toque quase suave.

—Quem te deixo essa marca? Quem é seu amo, gatinha?

Tendo tido suficiente intimidação dos vampiros por uma noite, Porta audazmente afastou a mão da mulher.

—Não tenho um amo e meu nome não é gatinha. É Porta. Mas pode ser Miss Cabot se o preferir.

Os olhos do Valentine se alargaram.

—Porta? —cuspiu o nome de sua boca como se fora o mais asqueroso dos venenos—. Você é Porta?

Julián gemeu antes de murmurar:

—Sabia que devia te haver comido quando tive a oportunidade.

Porta o ignorou, sua atenção estava fixa no Valentine.

—Como é que me conhece?

A mulher vampiro lançou suas mãos ao ar com uma dramática agitação.

—Como não te conhecer com o Julián aqui, constantemente murmurando seu nome em seus sonhos?

—Não o faça, Valentine! —advertiu Julián—. Não há nenhum benefício nisto.

A mulher continuou como se Julián não tivesse falado, seu lábio superior se curvou em um grunhido.

—Querida Porta. Doce Porta. Preciosa Porta. E logo esteve a época quando me fazia o amor e esquecia meu nome, mas não teve problemas para recordar o teu.

Porta a olhou boquiaberta um momento em perplexo silêncio, logo, voltando-se para o Julián se debateu entre beijá-lo ou golpeá-lo.

—Dizia meu nome? Quando lhe fazia o amor?

Seu rosto estava tão rígido que bem poderia haver-se esculpido de um diamante.

—Provavelmente me entendeu mal. Apenas te dediquei um pensamento enquanto estive fora. Você nunca foste para mim algo mais que uma menina apaixonada.

Valentine fez um cético ruído que soou claramente como uma versão francesa do Pppht!”

Embora Porte sabia que deveria retroceder ante o cruel látego de suas palavras, avançou um passo para aproximar-se o olhando o brilho de seus olhos.

—É por isso que permaneceu tanto tempo fora? Porque não podia suportar minha presença? O som de minha voz? —perguntou ela brandamente—. Meu aroma?

Ele fechou seus olhos por um instante, suas fossas nasais vibraram involuntariamente.

—Estive fora porque estava aliviado de estar livre de sua servil adoração. Encontrei que era uma carga e um espantoso aborrecimento.

—Bom —disse Valentine animadamente, detrás dela—. Então não te importará que prossiga com meus planos de rasgar sua preciosa e pequena garganta, verdade?

Antes que Porta reagisse à ameaça da mulher, Julián a arrastou para seus braços. Sustentou-a contra seu amplo peito, abrigando-a detrás da barricada de seus musculosos antebraços.

—Adverti-te que mantivera suas presas e suas garras encolhidas, Valentine.

—Ou você o que? —ronronou a mulher—. Me estacará? Empapará-me de azeite e me pegará fogo? Cortará minha cabeça e a preencherá com alho?

—Não me tente —grunhiu ele.

Ela franziu seus exuberantes e vermelhos lábios em uma bonita panela.

—De verdade não deveria fazer ameaças vãs, meu querido menino, quando ambos sabemos que não fará tal coisa —trocou seu desdenhoso olhar do Julián a Porta—. Pode ter seu coração, gatinha, mas eu sempre terei sua alma.

 

Durante sua larga vida, Julian se tinha enfrentado a vampiros, a inimigos sedentos de sangue de todos os tipos, a soldados ferozes, a maridos irados, para pôr fim a sua triste existência. Mas nunca conheceu um temor tão profundo como o que sentiu, quando Porta se separou devagar de seu abraço e lhe fez frente. Até com os sapatos de salto, logo que alcançava seu queixo, mas se dominou dando um passo atrás.

Seus olhos eram claros e brilhantes, sua expressão amável. Mas ele sabia que se lhe cravasse uma estaca nesse momento, então não teria ficado dele nada mais que uma capa de pó em seus sapatos.

—Assim é que foi em busca de sua alma e a encontrou.

Embora não foi uma pergunta, ele assentiu lentamente.

—Deixou a todo mundo que te quer esperando e preocupando-se durante mais de cinco anos. Enquanto estávamos passando todas essas noites sem dormir rezando por sua volta, você jogava na cama do vampiro que te converteu, como se fora quão único poderia restituir sua humanidade.

—Quando saí a procurar o vampiro que converteu ao Duvalier, quão último esperava encontrar era a uma mulher.

—Arrumado a que especialmente não uma tão bela. Se tivesse encontrado alguma arpía feia, de pernas arqueadas e velha, com uma verruga peluda em seu queixo pondo em perigo sua alma, então estou segura que não teria tido reparo em morder seu pescoço e rasgá-lo.

Lhe contemplando carinhosamente, Valentine suspirou.

—Meu Julian sempre foi um cavalheiro no que se refere às damas. Freqüentemente temi que essa fora sua perdição.

—Por uma vez, senhora, você está no certo —disse Porta brandamente, apartando os olhos de sua cara—. Para que vieste esta noite, Julian?. Encontrar com sua amante? Ou vais destruir a e reclamar sua alma a fim de que possa voltar para casa conosco? —Foi pura agonia observar como ela levantava o queixo e se tragava os últimos retalhos amargos de orgulho—. Por mim?

Embora lhe devia muito mais, tudo o que podia lhe dar era a verdade.

—Quis me assegurar de que os assassinatos se detiveram. Assim é que fui lhe dizer que deixava Londres. Soube que ela me seguiria, desejasse-o ou não.

Julian sentiu uma pontada de pena inesperada quando observou que tinha sido a causa de que o frio voltasse para os olhos de Porta. Já que nunca tinha procurado seu afeto deliberadamente, não tinha tido idéia que a jogaria tanto em falta quando se fora. Pela primeira vez em muito tempo, sentiu-se como o monstro que uma vez foi.

—Suspeitou que ela era o assassino todo o tempo?, E mesmo assim, deixou-me acreditar que tinha sido você? Por que faria tal coisa? Para protegê-la?

—Para te proteger. Se acreditava o pior de mim, então pensei que poderia ser mais fácil para ti deixar-me ir.

Uma corrente de emoções passou pela cara expressiva de Porta antes de que finalmente inclinasse a cabeça.

—Estava no certo. Tinha razão. Porque pelo que a mim respeita, você e você amante chupa-almas, podem ir direitos ao inferno.

Valentine deu umas palmadas como um menino na manhã de Natal.

—Ela nos dá sua bênção, querido! Não é surpreendente?

Sacudindo sua cabeça com repugnância, Porta se deu a volta afastando-se dele, cambaleando-se ligeiramente sobre suas pernas trementes.

Lutando contra uma labareda irracional de cólera, Julian se moveu tão velozmente que ela não pôde ocultar um coice de temor quando apareceu diretamente diante dela.

—Temo-me que não posso deixar que vá.

—Já o conseguiu —disse ela, com os olhos brilhantes de lágrimas—. Assim que te sugeriria que te levasse a sua preciosa Valentine e fugisse de Londres antes de que Adrian faça que uma flecha de mola de suspensão transpasse seu coração murcho e certa beleza sedenta de sangue herde sua alma miserável. Espero que o dois vivam felizmente para sempre. Ou é muito tarde para isso?

Cuidadosamente se separou do caminho dele, mas antes de que pudesse escapar, de novo lhe bloqueou o passo. Com desespero, tratou de agarrar seu braço.

—Por favor, Olhos Brilhantes, tem que me escutar.

Antes de que ele pudesse reagir, levantou o arena de sua saia e revelando a deliciosa puntilla da anágua, tirou uma pistola que tinha na liga, lhe apontando diretamente ao coração, martelou a pistola com um golpecito decisivo de seu polegar.

—Não volte a me chamar isso outra vez!

Ele pôs os olhos em branco.

—OH, infernos, Porta, afasta essa coisa! Não vais disparar me.

—OH, Não? —Sonriendo docemente, apertou o gatilho.

Julian se cambaleou para trás, a explosão troando em seus ouvidos. Apertando com força os dentes, sentiu uma onda abrasadora de dor, olhou para seu peito com incredulidade. A ferida já se estava curando, os bordos desiguais se estavam fechando, mas não tinha acerto o buraco enegrecido na cara seda de seu colete.

Recuperando o equilíbrio, fixou seu olhar incrédulo nela.

—Sabe, uma coisa é ameaçar cravando uma estaca no coração de um homem, mas arruinar um colete perfeitamente fino é grosseiro e sangrento!

—Pode-me enviar a conta do alfaiate —Soprou no canhão da pistola disparada antes de colocá-la novamente em seu liguero, então, assinalando ao Valentine, quem tinha estado olhando seu intercâmbio com deleite mau dissimulado, disse—: Ou possivelmente possa levá-lo a Duquesa da Escuridão para que o cerza com os dentes.

Com o peito e o temperamento ainda feridos, Julian lhe grunhiu, suas presas instintivamente alargadas. Esta vez ela não se moveu nenhuma polegada. Os olhos azuis se elevaram para ele, temendo que fizesse o pior.

—te afaste dela, Julian!

Ambos deram meia volta quando a voz dominante do Adrian retumbou através da noite. Movia-se saindo da névoa para eles, seu olhar fixo centrado no Julian e suas enérgicas mãos agarrando uma mola de suspensão de bom tamanho com uma seta letal inserida na ranhura. Exceto por uns quantos fios de prata tecidos através da dourado cor mel de seu cabelo, Adrian não tinha trocado um pingo da última vez que ele e Julian se viram cara a cara. Suas mãos sujeitavam firmemente a arma, seus olhos verdes azulados igual de resolvidos como quando jogavam a cavalheiros e soldados de meninos.

Alastair Larkin se moveu como uma sombra detrás dele, luzindo um cacho de cabelo brilhante em sua frente e arrastando ao Cuthbert, que olhava com acanhamento desde seu pescoço engomado.

—Tratei de detê-los, Jules —balbuciou Cubby—. Deixei cair os sacos de areia em suas cabeças e os nocauteie como me disse, mas se recuperaram antes de que os pudesse atar. Sempre me há dito que não sou capaz de lhe fazer um nó decente a minha gravata. Temo que possam ser loucos evadidos do Bedlam. Continuam dizendo tolices sem parar sobre monstros e serventes e vampiros. Quando ouvimos o disparo temi o pior e...

Larkin sacudiu ao Cubby, lhe sobressaltando.

Julian fez frente a seu irmão sem alterar-se, o vento da noite tinha despenteado seu cabelo. Desde o dia que Duvalier tinha roubado sua alma e lhe tinha convertido em vampiro, tinha sabido que este momento chegaria. Possivelmente Porta tinha tido razão todo o tempo. Possivelmente tinha retornado a Londres porque sabia que tinha chegado a um ponto ineludible.

Esperou a que ela deixasse de participar da trágica cena, lhe dando ao Adrian um disparo limpo. Mas para sua grande surpresa ela deu um passo diante dele, ficando a si mesmo entre seu coração e esse dardo letal.

—Ele não assassinou a essas mulheres, Adrian. Foi ela. Ela foi a que… —Porta começou a apontar um dedo acusador, mas sua voz rapidamente se desvaneceu.

O feixe de luz que emitia a luz estava vazio. Valentine tinha desaparecido tão rapidamente como tinha aparecido.

Porta ficou atônita, mas Julian não estava surpreso no mais mínimo por sua deserção. Valentine nunca teria sobrevivido mais de duzentos anos, até sobrevivendo um fatal encontro com a guilhotina depois da revolução francesa, sem possuir um instinto agudo para a autoconservación.

—Mas ela estava parada aqui mesmo faz só um segundo —disse Porta com impotência, voltando-se para o Adrian—. Não a viu? —dirigiu ao Larkin um olhar suplicante— Você a viu, verdade?

O olhar que Adrian lhe dirigiu foi terno e compassivo.

—Sei que tem fortes sentimentos por meu irmão, Porta, mas simplesmente não lhe pode proteger durante mais tempo.

—Tem absolutamente toda a razão. Tenho sentimentos muito fortes por ele. —Ela os enumerou com os dedos—. Lhe detesto. Desprezo-lhe. Repugna-me.

—A resposta pontual da senhora parece ser real —murmurou Julian entre dentes.

—Apesar de meus sentimentos —disse ela sucintamente, lhe dirigindo um olhar assassino sobre seu ombro—. Não lhe verei justiçado por delitos que não cometeu.

Adrian negou com a cabeça.

—Se esquece que sei que sempre te atraiu fazer teatro. Como posso estar seguro que esta não é simplesmente outra tática para lhe ajudar a escapar?

—OH, ela é sincera esta vez —lhe assegurou Julian—. Me disparou.

Adrian e Larkin intercambiaram um olhar incrédulo antes de dizer ao uníssono.

—Ela te disparou?

—Ela te disparou? —Cuthbert ecoou fracamente, estremecendo-se como um mocho aturdido.

—Diretamente ao coração —disse orgulhosamente—. Se tivesse estado vivo, estaria morto agora mesmo em lugar de não completamente.

—Estou segura que não sou a primeira mulher que te disparasse —disse Porta pela esquina de sua boca.

—Provavelmente estão fazendo fila para tal privilégio acima e abaixo no Covent Garden enquanto falamos. Como pode ver —disse ao Adrian—, já não precisa preocupar-se de que o sentimentalismo nuble meu bom julgamento.

Adrian avançou outro passo para eles, entrecerrando os olhos.

—Assim apesar de ter todas as provas em contra, pede-me que cria que Julian é inocente?

Uma risada amarga escapou de seus lábios.

—Simplesmente, o que quero que cria é que ele não é o vampiro que matou essas mulheres.

—O vampiro? —repetiu Cuthbert, sua cara redonda estava tão pálida que facilmente poderia ter sido confundido por um do não completamente mortos. Seus olhos frágeis lentamente giraram para trás em sua cabeça. deprimiu-se, e seu peso morto provocou que Larkin se cambaleasse sobre os joelhos.

—Tenho a sensação de que nunca teve tempo para lhe dizer a seu devoto amigo que foi um demônio chupasangue —disse Porta.

—Nunca perguntou —respondeu de forma concisa Julian, com um olhar preocupado ao Cuthbert—. Ele pensava que era o último em dormir.

—Se Julian não matou a essas mulheres, então —perguntou Adrian—, exatamente quem o fez?

—Sua amante —respondeu Porta, destilando gelo em cada sílaba.

—Ela já não é minha amante —disse Julian, mordendo as palavras com ferocidade—. Se o fosse, não teria comprado uma comissão no exército de Sua Majestade e teria chegado ao ponto de não voltar da Birmania para escapar dela.

Dando a volta por detrás do Adrian e sua mola de suspensão mortífera, Porta lhe fez frente, pondo as mãos em seus quadris bem proporcionados.

—Suponho que ela simplesmente encontrou seus encantos tão irresistíveis que decidiu te perseguir até os limites do mundo.

—É tão inconcebível? —Estendeu a mão para cavar sua bochecha, baixando a voz a fim de que só fora audível a seus ouvidos—. Houve um tempo no que você teria feito o mesmo.

Ele, descuidadamente, poderia ter matado seu amor por ele, mas ela não podia esconder completamente o espiono de desejo em seus olhos quando deslizou o polegar sobre a suavidade aveludada de sua bochecha.

Nesse momento Julian fez um descobrimento alarmante. Não queria terminar sendo unicamente um montão de pó em seus sapatos. Em algum rincão de seu sentimental coração, sempre tinha acreditado que, embora tivesse morrido sem recuperar sua alma e abandonada toda esperança de ir ao céu, ainda viveria para sempre, embora fora só em seu coração. Se deixava ao Adrian lhe destruir agora, ela provavelmente cuspiria em sua tumba.

—Sinto-o —murmurou ele.

—por que? —As lágrimas faiscaram em seus olhos—. Por romper o coração tolo de uma jovem?

—Por isso —Sem tomar-se tempo para considerar cuidadosamente as conseqüências, deslizou a mão de sua bochecha a sua nuca e a colheu com força em seus braços. Envolvendo o outro braço ao redor de sua magra cintura, arrastou-a a fim de que ambos ficassem frente a Adrian. Usar seu corpo vulnerável como um escudo foi a única forma que lhe ocorreu de protegê-los a ambos.

Adrian se equilibrou para eles.

Forçado a esgrimir sua única arma, Julian inclinou a cabeça para a garganta de Porta, deixando ao descoberta suas presas.

Resmungando um juramento, Adrian ficou congelado no lugar, enquanto Larkin observava as flechas que sustentava em suas mãos.

O corpo quente de Porta tremia contra o seu, mas Julian suspeitou que ela vibrava por raiva, não por medo.

—Deveria havê-la escutado —disse de forma desagradável—. Há um predador aí fora que é muito mais perigoso que eu. Seu nome é Valentine Cardew. Ela foi o vampiro que trocou ao Duvalier essa noite no maldito clube. Quando lhe destruiu, deixou todas as almas que tinha roubado assim como sua energia, em seu poder. E agora que ela sabe quem é Porta, não descansará até que esteja morta.

—Então, solta-a —implorou Adrian, seu olhar fixo afligido oscilando sobre a cara de Porta—. Me Deixe protegê-la.

O temperamento do Julian fez finalmente erupção.

—Você tem feito um bom trabalho até agora? Lhe dar permissão para percorrer sem acompanhante as ruas da cidade de noite fazendo uma visita aos casas de jogo clandestino e alojamentos de homens! Usando-a como ceva para o monstro e enviando-a a percorrer acima e abaixo os becos escuros como uma vulgar prostituta. Se a tivesse protegido como era sua obrigação, agora estaria casada com algum jovem conde agradável e teria esquecido meu sangrento nome!

—Deveria ser tão afortunada! —Porta corcoveou grosseiramente contra ele, mas só teve êxito em pressionar sua masculinidade exuberante contra seus quadris, uma posição que foi indubitavelmente muito mais dolorosa para ele que para ela—. Se por acaso o esqueceste, Adrian é meu cunhado, não meu pai. Sou perfeitamente capaz de me cuidar por mim mesma!

—OH, sim, isso é realmente evidente —respondeu secamente, fazendo uma careta de dor quando um de seus saltos golpeou sua tíbia.

—O que quer de mim? —perguntou Adrian ao Julian.

—Não se trata do que quero. Trata-se do que você necessita. E se quer ter qualquer esperança de proteger a Porta de Valentine, então vais necessitar me.

—Arrumamo-nos isso sem ti todos estes anos —Porta inspirou, contendo a respiração para afrouxar o abraço do Julian sob a suavidade sedutora de seus peitos—. Estou segura que encontraremos a maneira de continuar.

Adrian avançou outro passo para eles.

—por que Porta, Julian? Por que teria essa tua Valentine uma vingança particular contra Porta?

Porta, ainda entre seus braços, sentiu que todo o afã de luta saía dela drasticamente e conteve a respiração, esperando sua resposta.

Ele reduziu seu apertão com suavidade para converter-se em um pouco perigosamente próximo a um abraço.

—Porque Valentine não é só uma demente, a não ser uma demente ciumenta. E em algum momento, ela pôde ter a impressão equivocada que Porta e eu… que uma vez fomos… —vacilou, sua eloqüência usual lhe abandonando.

—OH, pelo amor de Deus —gemeu Porta—.Dispare a ele, ou dispare a mim, livra a um de nós dois da miséria.

Seu olhar fixo viajou entre sua cara e a do Julian, Adrian, lentamente, baixou a mola de suspensão. Porta imediatamente deu um puxão com força, liberou-se de seu agarre e tropeçou ao lado do Adrian. Ele envolveu um braço ao redor dela, cobrindo-a no refúgio de seu corpo.

Cuthbert deixou escapar um forte gemido e começou a mover-se, não dando ao Julian opção, lhe jogou em cima para ajudar ao Larkin, mas caiu a seus pés.

—Vamos, Cubby —disse fico Julian, sacudindo o pó da levita enrugada do Cuthbert—. Te deixaste sua pobre gravata toda torcida.

A névoa em seus olhos começou a dissipar-se, Cuthbert esbofeteou ao Julian com força e começou a jogar marcha atrás, tremendo com verdadeiro horror.

—Te aparte de mim, Diabo!

—lhe ia dizer isso Cubby. Estava esperando o momento correto.

—E quando teria sido? Depois de que me tivesse arrancado a garganta enquanto dormia?

Julian deu um passo involuntário para ele, suas mãos fechadas em punhos indefesos a seus lados.

—Nunca te teria machucado. É meu amigo.

—Não posso ter amizade com um demônio! Deveria ter escutado a meu pai. Ele estava no correto a respeito de todos vós. Vocês realmente são as hordas de Satã!

Com essas palavras malditas, Cuthbert se deu a volta e saiu correndo à rua a uma velocidade que Julian jamais tinha visto em toda sua vida.

Ele desviou seu olhar fixo implorante para Porta, mas ela simplesmente negou com a cabeça com repugnância e lhe voltou as costas, tropeçando quando o salto de seu sapato se entupiu. Amaldiçoou pelo baixo, e saltou o suficiente para livrar-se de ambos os sapatos, jogou-os em um beco, e se foi com os pés unicamente protegidos por suas meias.

—aonde crê que vai? —gritou Julian.

—A casa —disse rapidamente—. Onde tenho intenção de aceitar a proposta do primeiro homem que possa provar que ainda está em posse de sua alma. Ouvi que o marquês do Wallingford poderia estar no mercado para uma prometida nova.

Julian a seguiu com um olhar fixo, jurando brandamente.

Adrian se uniu a ele, a mola de suspensão agora apontava ao chão em lugar de seu coração.

—Estou contente de ver que não perdeste seu toque com as damas, irmão pequeno.

Manuseando o buraco na seda de seu colete, Julian lhe lançou um escuro olhar.

—Não estará surpreso quando se inteirar de que sou até mais popular com meu alfaiate.

Um golpe soou na porta do dormitório de Porta, suave mas persistente.

Sua única resposta foi amassar-se mais no assento junto à janela, subindo até o queixo a colcha com a que se envolto ao redor dos ombros. Fora da janela o primeiro reflexo avermelhado do amanhecer começava a apagar noite.

Ouviu um chiado suave quando se abriu a porta e foi fechada outra vez.

Sem dar a volta, disse:

—Hei-te dito alguma vez, que há momentos em que desejaria que fosse um vampiro, para que não pudesse entrar em meu quarto sem ser convidada?

—Não me ouviste? —perguntou Caroline, cruzando o quarto e sentando-se no lugar oposto do assento junto à janela—. As irmãs maiores são de longe mais capitalistas que os vampiros. Nem um alho ou um crucifixo mantém a distância quando entrometemos em seus assuntos.

Ela extraiu um lenço bordado com umas iniciais do sutiã do traje de noite e o ofereceu a Porta. Era o mesmo lenço que Adrian lhe tinha entregue a Caroline a primeira vez que se viram. Porta aceitou a oferta e se soou ruidosamente. De momento não tinha paciência para tais bobagens sentimentais.

Ela se deu ligeiros toques em seu nariz avermelhado.

—Agora que tive êxito em trazer para casa ao filho pródigo, não deveria estar celebrando-o muito bem? Ou ele se ofereceu como voluntário para mentir sobre o assunto?

—Não acredito que tivesse a oportunidade. Adrian esteve encerrado no estudo com ele a maior parte da noite.

—Por isso se escutava toda essa gritaria. Duvido que tenha ficado gesso no teto lá abaixo.

Caroline estendeu a mão e aplaudiu seu joelho através da colcha.

—Adrian me disse o que aconteceu na Charing Cross.

—OH, ele o fez? Disse-te também que enquanto estava pensando em seu irmão, Julian estava pulando na cama de uma fêmea que faz que Lucrecia Borgia pareça a Virgem María? Um vampira que não acerta a colocar sua alma em sua retícula?

Caroline inclinou a cabeça.

—Acredito que ele poderia ter feito menção disso. Larkin retorna esta noite depois do pôr-do-sol, assim é que podem discutir o que aconteceu a respeito dela.

—Bem —disse Porta energicamente—. Quanto mais logo ela se vá, mais logo poderá Julian retornar à vida que escolheu.

Caroline suspirou.

—Não trato de lhe desculpar, mas quando saiu de casa para ir em busca de sua alma, você foi pouco mais que…

—Não o faça! —advertiu Porta, lhe apontando com um dedo—. Se disser “menina” então vou ter tal acesso de raiva que o gritão Wilbury terá que me encerrar no armário das vassouras com os gêmeos.

—Pode-lhe culpar verdadeiramente por ir-se? O que tinha ele para te oferecer a parte que perigo e pena?

—O que está tratando de dizer? —Porta se retrocedeu para evitar as lágrimas—. Que foi nobre em sacrificar seu corpo em altares da vida dissoluta e a depravação? Que ele o fez tudo por mim?

—Sabia que não podia trocar o que era. Nem mesmo por ti.

—Ah, o problema não é esse, Caro. Uma vez que a encontrou, pôde ter trocado o que era. Por mim. Mas não o fez —negou com a cabeça, arrojando uma lágrima de sua bochecha—. Eu desperdicei todos estes anos acreditando que era o único que lhe poderia salvar, quando nunca quis realmente se salvar de tudo.

Caroline amavelmente acariciou uma mecha úmida de cabelo em sua bochecha.

—Possivelmente não acreditou que valesse a pena salvá-lo.

Assustada de desmoronar-se de novo sob o peso da simpatia de sua irmã, Porta apertou a colcha mais firmemente ao redor dos ombros e foi de novo a olhar para a janela.

—Possivelmente ele tinha razão.

Enquanto Caroline saía silenciosamente fora do quarto, Porta olhava as sombras da noite, tomando o último de seus sonhos de juventude nelas.

 

Porta se entreteve a propósito em seu dormitório até depois do meio-dia. Poderia haver se escondido ali indefinidamente, mas não quis que sua família pensasse que estava mortificada, ou pior ainda, consumindo-se pouco a pouco por seu coração quebrado. O sol finalmente tinha saído pontualmente várias horas atrás, soube que não teria que preocupar-se com topar-se com o Julian em algum lugar deserto. Depois de cinco anos de espera para que ele voltasse para casa, era ainda difícil acreditar que agora residiam sob o mesmo teto.

Baixou graciosamente a larga escada curvada, uma mão deslizando-se brandamente sobre o corrimão. Foi pura casualidade que tivesse eleito um dos trajes de noite da cor que mais lhe favorecia, era um vestido de seda do Spitalfields, da mesma rica cor azul de seus olhos. O faixa lhe baixava uns dez centímetros e o profundo decote em V de seu sutiã reduzia sua fina cintura e punha de relevo a curva exuberante de seus seios. Um delicado encaixe aparecia incitante pelo decote arredondado. Ela tinha trocado sua habitual gargantilha ajustada em favor de um cachecol de gaze japonesa branca, envolvendo-a ao redor de sua garganta duas vezes, de modo que seus extremos flutuassem detrás dela, semelhando as asas de um anjo.

Levou uma mão a seu cabelo. Não estava como se tivesse indicado a sua donzela a realização de um penteado excessivamente elaborado. Tinha requerido ao menos de trinta grampos enrolar a pesada massa de cabelo em cima de sua cabeça, deixando uma cascata de cachos para emoldurar seu rosto.

Posou um olhar no espelho de marco dourado que havia no vestíbulo, logo se deteve e deu marcha atrás, incapaz de resistir a tentação de beliscar-se até que apareceram um ramalhete de rosas frescas em suas bochechas. Por que não deveria esforçar-se em estar mais atrativa? Depois de tudo, uma senhorita nunca sabia quando podia aparecer um pretendente elegível.

Inclinou o queixo em várias direções olhando seu reflexo, quando uma figura cadavérica vestida com uma libre negra se materializou justamente detrás de seu ombro esquerdo.

—Wilbury! —exclamou ela, levando uma mão a seu coração palpitante—. Deve deixar de te aproximar inadvertidamente a mim desse modo. Se não tivesse reflexo no espelho, então teria jurado que foi um vampiro!

Embora a cara enrugada do mordomo tinha o semblante carrancudo acostumado, houve um movimento rápido inconfundível de regozijo em seus olhos remelados.

—ouviu você que o amo Julian chegou a casa?

Porta deu uma volta ao redor dele. Deu-se conta de que sabia que estava informada que Julian estava de retorno na mansão. A idade não tinha embotado a vista do brusco velho intrometido, seu ouvido, ou seu engenho. Provavelmente também sabia exatamente a que hora finalmente tinha deixado de chorar em seu travesseiro ontem à noite e foi à deriva em um sonho de encantamento.

—Tinha ouvido algum rumor ao respeito —disse ela polidamente— Devo supor que ele se jogou uma sesta na biblioteca?

Sem pronunciar uma só palavra, Wilbury levantou o braço e apontou com um dedo comprido e ossudo à porta da biblioteca. Unicamente teria necessitado uma foice e uma capa com capuz e poderia ter sido tomado pela morte mesma.

Tragando um nó de temor, Porta contemplou a alta porta de carvalho como se fora a porta de sua própria tumba. Ela não tinha planejado sentir uma tentação assim a primeira hora do dia. Mas possivelmente era justo o que necessitava. Depois de tudo, que melhor maneira de

provar a sua família e a si mesmo que finalmente estava livre do feitiço de sedução do Julian?

Sorriu ao Wilbury como se não tivesse nenhuma preocupação.

—Possivelmente somente deveria aparecer para me assegurar de que está descansando comodamente.

—Isso seria muito considerado de sua parte senhorita. —O mordomo lhe ensinou seus dentes amarelados com um rictus de morte no sorriso.

Porta deu dois passos indecisos para a porta, logo retrocedeu, com determinação decidiu informar ao Wilbury que tinha trocado de idéia e que o amo Julian possivelmente não deveria ser incomodado como mínimo no próximo século ou dois.

O mordomo se foi. De algum modo conseguiu deslizar-se afastando-se sem que lhe rangessem seus velhos ossos. Suspirando, Porta se voltou para a porta.

Tragando-as dúvidas, entrou silenciosamente na biblioteca, sujeitando a pesada porta e fechando-a atrás dela. Podia dar-se conta por que a habitação seria atraente para um vampiro na necessidade imperiosa de descansar o resto de um bom dia. A rica madeira de mogno escura revestia com painéis duas das paredes enquanto as outras duas estavam forradas do piso até o teto com prateleiras cheias de livros. O quarto tinha uma só janela estreita e suas cortinas opacas de veludo não só estavam fechadas, mas também presas cuidadosamente com alfinetes, sem dúvida tinha sido Wilbury. O que não seria obstáculo se a pequena Eloisa entrasse na biblioteca e acidentalmente as abrisse para dar entrada ao claro brilho do sol, não deixando vestígios de seu tio a não ser um ponto chamuscado no carmesim e ouro do tapete turco.

Quando seus olhos se acostumaram a tênue luz, Porta pôde discernir perfeitamente a forma magra de um homem que estava convexo desgarbadamente em um dos sofás cor borgoña que flanqueavam a fria chaminé. Avançou mais perto, seu coração dando inclinações bruscas a um ritmo excessivamente familiar.

Julian somente usava a camisa, as calças, e as meias. O pescoço da camisa estava aberto, revelando um arbusto de crespo cabelo escuro. Sua cabeça estava recostada sobre o braço arredondado do sofá e suas largas pernas musculosas estavam estiradas para frente. As pestanas escuras e sedosas descansavam sobre suas bochechas. Apesar da quietude antinatural de seu peito, parecia estar no mais profundo dos sonhos.

Porta sentiu que o coração lhe abrandava contra sua vontade. Ele já não era uma ameaça para ninguém. Sua sobrenatural força e os instintos de predador lhe podiam fazer quase invencível de noite, mas eram esses mesmos instintos os que lhe traíam com a saída do sol, lhe deixando tão vulnerável como um menino.

Perguntava-se se ainda sonhava. Se tinha passeado por prados ensolarados ou se as sombras da noite cobriam suas horas de sonho assim como também as de vigília.

Antes que pudesse deter-se, penteou para trás com os dedos a mecha de cabelo rebelde que sempre caía por sua frente. Ele se moveu e então jogou para trás a mão, consternada de quão facilmente tinha resumido sua recente indiferença. Resolutamente lhe deu as costas, decidindo lhe deixar com seus sonhos, ou o que quer que fossem.

Encontrava-se a meio caminho da porta quando ouviu algo detrás dela.

Lentamente trocou de direção. Os olhos do Julian estavam ainda fechados, sua cara em doce repouso. Mas a voz desafiante do Valentine pareceu ecoar através do acolhedor silêncio: Como não poderia saber quem é você, se Julian esteve constantemente murmurando seu nome em sonhos?

Porta vacilou, sabendo que seria a pior classe de parva se se atrasava. Julian se moveu outra vez, seus lábios movendo-se silenciosamente. Sua resistência desmoronando-se pelo peso da curiosidade, andou nas pontas dos pés de retorno ao sofá.

Um sorriso débil curvou nesse momento seus lábios.

—OH, querida —murmurou ele—. Seus lábios são mais doces que o vinho. me dê outro sorvo, quer?

Porta ficou sem fôlego. Ela deveria ter sabido que seus sonhos não conteriam algo tão insosso como um passeio romântico através de um prado iluminado pelo sol. Dirigiu um olhar furtivo à porta. Soube que deveria deslizar-se silenciosamente e sair da habitação, mas em lugar disso se encontrou apoiando-se mais perto do sofá, assim não se arriscava a perder-se nenhuma só palavra.

Uma risada afogada escapou dos lábios do Julian, enviando um tremor delicioso por debaixo de sua coluna vertebral.

—Você, pequena descarada, sabe que sempre sinto cócegas quando me beija aí.

Ela deslizou um olhar fixo e especulativo a todo o comprido de seu corpo musculoso, perguntando-se como era possível.

—OH, perfeito, anjo… justamente aí… Ahhhhhhhh um pouco… mais abaixo… —Seu suspiro se transformou em um gemido profundo.

A Porte lhe secou a boca. Abanou suas bochechas excitadas, perguntando-se como poderia fazer tanto calor na biblioteca se a chaminé estava apagada. Ainda pior, o calor pareceu pulverizar-se como mel derretido em seus peitos e seu ventre.

A voz do Julian se foi desvanecendo até converter-se em um murmúrio. Esquecendo-se completamente de seu precioso traje de noite, Porta se deixou cair de joelhos e se recostou sobre ele, esforçando-se em entender suas palavras.

Seus lábios quase tocavam sua orelha quando lhe murmurou:

— Meu anjo… minhadoce querida...

Ela conteve a respiração, agarrando forças para o momento em que o soltasse impulsivamente o nome do Valentine.

—…Porta minha desavergonhada curiosa.

Ela deu um puxão para trás a sua cabeça para encontrar-se ao Julian olhando-a para cima, seus olhos escuros cintilando com triunfo e travessura.

—Vá, diabo miserável! Estava acordado todo o tempo, não? —Tropeçando, agarrou rapidamente uma das almofadas decoradas com borlas do sofá e começou a lhe golpear com ele.

Julian levantou suas mãos para evitar os golpes, rindo em voz alta.

—Espero que não esteja armada. Adrian me emprestou esta camisa e me repugnaria devolver-lhe com um buraco negro sobre o coração.

—Deveria te disparar por te burlar de mim de uma maneira tão pouco cavalheiresca!

—E suponho que é cortês que uma senhora escute detrás das portas a um cavalheiro, especialmente se está dormindo?

Quando ele balançou suas largas pernas pelo bordo do sofá e ficou direito, Porta se deu conta de quão tola tinha sido ao acreditar que estava necessitado. Sua débil palidez fazia mais profundos os ocos sob seus maçãs do rosto e afiava o brilho de obsidiana de seus olhos. Com seu cabelo revolto e um par de covinhas patifes cortando totalmente suas bochechas, parecia a tentação mesma, um convite quase irresistível para pecar.

Movendo-se para trás longe dele, agarrou firmemente a almofada contra seu peito como se fora um escudo.

—Não dormia, e não escutava às escondidas. Estava aqui simplesmente… —Fez uma pausa, procurando freneticamente um álibi—. Vim em busca de um livro e pensei que não havia ninguém no sofá.

—Tem a impressão de que traguarei isso?

Lhe olhou com reprovação.

—Deveria ter sabido que te estava burlando de mim. Nenhuma mulher que tenha um pouco de moralidade se permitiria ser seduzida por tal bate-papo tolo e debulhado. Lábios mais doces que o vinho, efetivamente!

Ele golpeou ruidosamente seu coração com uma mão, fazendo uma falsa careta de dor.

—Fere-me, Porta. Uma coisa é disparar a um homem, e outra duvidar de suas habilidades para fazer o amor. —Para seu alarme, ele se levantou e começou a avançar brandamente para ela—. Está insinuando que não estaria totalmente emocionada se lhe dissesse que sua pele é tão suave e doce como nata fresca? —Percorreu com seu fixo olhar sua sensual boca—. Não te posso tentar para que me deixe te roubar um beijo, murmurando que seus lábios são como cerejas amadurecidas que estão pedindo ser… arrancadas?

Ignorando o formigamento traidor desses lábios, forçou-se a si mesmo a manter sua postura, mesmo que ele se deteve menos de um pé dela.

—Não, mas poderia desenvolver um desejo repentino e incontrolável pela fruta fresca.

Ele cavou sua bochecha em sua mão, amavelmente esquadrinhando a curva amadurecida de seu lábio inferior com a ponta de seu polegar. O brilho brincalhão tinha desaparecido de seus olhos, deixando-os curiosamente taciturnos.

—O que há sobre a fruta proibida? Encontraria-o igualmente tentador?

—Não se me estivesse sendo oferecida por uma serpente sem escrúpulos. —Apartando-se de sua carícia para ocultar o efeito inquietante que lhe produzia, disse—: Se tudo o que tem para oferecer a uma mulher é tal superexcitada tolice, então possivelmente tenha que recorrer a suas habilidades sobrenaturais.

Apesar da luz tênue, ela quase teria jurado que viu um brilho de dor genuína em seus olhos.

—É isso o que crê? Que a única forma de que possa atrair a uma mulher a minha cama atualmente seria tecendo alguma sorte de sortilégio profano sobre ela?

Ela se encolheu de ombros, estava tão nervosa por sua carícia que já não estava completamente segura do que acreditava.

—E por que não? Confessou nesse terraço que Duvalier te tinha animado a abraçar seus dons escuros. Se um vampiro verdadeiramente pode impor sua vontade na mente mortal como diz a lenda, então o que te poderia impedir que usasse esse dom em pobres mulheres ingênuas?

Pegou-a despreparada quando abruptamente ele girou sobre seus calcanhares e retornou à chaminé. Sua retirada foi quão último ela tivesse esperado e realmente não pôde deixar de sentir uma labareda traidora de desilusão.

Ele esteve parado comprido momento antes de girar-se lentamente para lhe fazer frente.

—Vêem aqui, Porta.

—Perdão?

Ele torceu seu dedo para ela, com um movimento preguiçoso e deliberado.

—Vêem para cá. Para mim.

Ela franziu o cenho, dando um passo para ele sem dar-se conta de que o estava fazendo.

—O que pensa que está fazendo?

Ele arqueou uma sobrancelha diabólicamente.

—Utilizo meus escuros poderes. Vêem mim, Porta. Agora.

Assustada ao precaver-se de que suas palavras não eram um convite a não ser uma ordem, Porta olhou fixamente seus olhos. Um fogo hipnótico parecia prender em suas profundidades, fascinando-a como a uma traça, girando impotentemente ao redor do que estava destinado a destrui-la.

A almofada escorregou de seus dedos e caiu ao chão. Sentiu um puxão irresistível como se em certa forma a tivesse pega a ele com um cordão invisível mas inquebrável. Em seguida estava deslocando-se em sua direção, pondo um pé diante do outro até que esteve diretamente diante dele.

—me toque —lhe ordenou, seus olhos ao vermelho vivo faltos de consciência e misericórdia.

Um pequeno tremor a percorreu, mas não poderia assegurar se se tinha produzido pelo medo… ou a antecipação.

—Por favor, Julian —murmurou—. Não faça isto.

Ele se inclinou para sua orelha, devolvendo seu sussurro com um próprio.

—Ponha suas mãos em mim.

Quase como se tivessem vontade própria, suas mãos se aproximaram do peito masculino. Tocou-lhe, abrindo os dedos para acariciar a masculina firmeza, os planos musculosos de seu peito através do magro tecido de sua camisa. Ele não fez nenhum movimento para tocá-la igualmente, agüentando rígido como uma estátua de mármore sob a carícia carinhosa de seu escultor. A mão direita vagou timidamente para o pescoço aberto de sua camisa, pele contra pele, carne contra carne. Carinhosamente, enredou seus dedos através dos cachos do pêlo de seu peito antes de trançar a mão ao redor da larga coluna de seu pescoço. As sensíveis pontas dos dedos sobre a pele tensa e bronzeada como cetim quente

Ela contemplou profundamente seus olhos, um indefeso cativo contra sua vontade. Nesse momento lhe teria devotado algo que lhe tivesse pedido, incluindo sua garganta. Mas soube antes de que ele falasse, que não era sua garganta o que queria.

—me beije. —Suas palavras não foram mais que o pequeno eco de um sussurro em sua mente, mas não podia negar-se, da mesma maneira que a maré não podia resistir o puxão inexorável da lua.

Atraindo sua cabeça para a dela, tocou seus lábios muito brandamente na esquina de sua boca. A fruta proibida nunca tinha tidoum sabor tão tentador… ou tão doce. Possivelmente se fechasse os olhos, pensou, de algum jeito poderia romper o feitiço malvado que ele exercia sobre ela.

Mas a escuridão só fez mais fácil render-se a ele, percorrer com beijos suaves como plumas o comprido da curva firme e cheia de seu lábio inferior, para sussurrar seu nome em um suspiro antes de fazer afundar mais a fricção deliciosa de seus lábios contra os seus.

Ele ainda não tinha feito nenhum movimento para devolver a carícia, obrigando-a a suportar toda a carga de lhe dar agradar. Sua pretendida indiferença só fez que ela estivesse mais determinada a obter uma resposta por sua parte. Recordando a intrepidez com a que ele tinha reclamado sua boca nesse telhado nevado, ela abriu os lábios e provou seu sabor com a língua.

Quando Porta lhe ofereceu a doçura tenra de sua boca aberta, Julian expressou com gemidos sua rendição. Passou-lhe os braços a seu redor, quase levantando-a do chão, em seu desespero por moldar suas curvas tentadoras nos planos duros, famintos de seu corpo.

Não sabia o que lhe havia possuído para fazer o primeiro movimento em um jogo no que não tinha esperança de ganhar, mas não podia deter as quebras de onda de triunfo que lhe queimavam através das veias enquanto ela se derretia em seus braços.

Tinha pensado seduzi-la, mas foi ele o que ficou enfeitiçado pela suave respiração de seus suspiros, o veludo quente de sua pele, o delicioso e doce mel de sua boca. Lhe tinha arrojado um feitiço sem necessidade de uma só palavra, lhe seduzindo com a promessa de prazeres que nenhum homem poderia resistir. Desejou-a mais que a qualquer mulher que tivesse saboreado, mais que a seu sangue, mais que à vida mesma.

Ele tinha passado cinco largos anos tratando de romper a atração que havia entre eles nessa cripta só para descobrir que estava forjada com cadeias inquebráveis. Já não era capaz para resistir até o final seu peso, Julian se tombou para trás no sofá, arrastando-a em cima dele. Ainda devorando sua boca, passou os dedos através de seu cabelo, pulverizando os grampos, até que os fios escuros se derramaram ao redor deles em uma nuvem sedosa.

Enquanto suas línguas se enredavam em uma canção mais velha que as palavras, suas mãos vagaram pelos contornos magros de suas costas. Desesperadamente quis desatar o espartilho incorporado a seu sutiã, para liberar a suavidade exuberante de seus peitos e poder tocá-los e saboreá-los. Seus dedos se mostraram hábeis para fazê-lo, mas o repentino fantasma de sua consciência lhe conteve. Consolou a si mesmo permitindo que suas mãos baixassem, deslizando-se agilmente sobre suas pequenas costas aproximando seus quadris.

Frustrado por seu agarre possessivo e a seda escorregadia de seu vestido, suas coxas se deslizaram, deixando-a montando escarranchado sobre ele. Enquanto ela se retorcia contra o abultamento palpitante de sua masculinidade, conduzido pelo cru instinto, Julian teve medo do perigo de estalar em chamas sem necessidade de tocha ou fogo. Mas se tal fogo lhe destruíria, então ele voluntariamente se envolveria a si mesmo em suas chamas e daria a bem-vinda a sua condenação.

Levantou seus quadris, fazendo mais funda essa fricção deliciosa até que sentiu a intensa vibração do gemido de Porta em sua garganta. Soube nesse momento que aquilo estava indo muito longe quando ela rodou debaixo dele de forma cativante no sofá da biblioteca de seu irmão.

Por estranho que pareça, foi o poder escuro e primitivo dessa imagem o que fez que seu beijo e seu abraço se suavizassem. Deslizou-lhe as mãos para trás e posou os lábios em seu pescoço, acariciando com o nariz a suave pele. Ela se derrubou em cima dele, descansando a bochecha contra seu peito.

Manteve-a perto, relutante a abandonar o calor de sua pele, o sussurro trêmulo de sua respiração contra sua garganta, o bendito batimento do coração de seu coração, todos os dons que ele tinha entregue quando perdeu sua alma.

Brincando meigamente com os fios sedosos do cabelo de sua nuca, ele murmurou:

— Porta?

—Hmmmmm? —murmurou ela.

—Tenho uma confissão que fazer.

Ela levantou sua cabeça para lhe contemplar, com os olhos brilhantes de desejo e os lábios úmidos com o rocio de seus beijos.

Tragando com uma aguda pontada de pesar, ele alisou um cacho vagabundo da bochecha e disse quedamente:

—Não fica nenhum poder de controle.

 

Porta piscou, a névoa de seus olhos se foi evaporando lentamente.

—O que quer dizer?

Lhe acariciou brandamente o cabelo.

—Não te enfeiticei, querida. Os vampiros não podem moldar aos mortais a sua vontade. Não é mais que um mito tolo.

Sentou-se de repente, levando-se toda aquela preciosa calidez e vida com ela.

—Não seja ridículo. Naturalmente que me enfeitiçaste! Se não o tivesse feito, nunca me teria comportado desse modo tão desavergonhado e libertino.

Ele sacudiu a cabeça.

—Temo-me que não foi mais que o poder da sugestão.

Lhe olhou durante vários segundos, logo ficou de pé rigidamente, sacudindo as rugas de sua saia. Com o cabelo solto, os lábios inchados por seus beijos, e a cor subida de seu pescoço e bochechas, parecia como se a tivesse violado. Em vez de lhe envergonhar como deveria, sua aparência desordenada só o fazia desejar atirá-la de costas sobre seu regaço e acabar o que tinha começado.

Se não tivesse confessado seu engano, idiota, podia ter sido tua. Reconhecendo essa voz melosa e untuosa, Julian se perguntou se alguma vez se livraria realmente do Duvalier.

Olhou-a com olhos cautelosos enquanto Porta enrolava seu cabelo solto em um tirante coque e o assegurava com os grampos que ficavam, os colocando em seu lugar com a suficiente força para fazer uma careta de dor.

Ele ficou de pé.

—Não estava tentando ser cruel, Porta. Muito preparado para meu próprio bem talvez, mas não cruel.

Evitando seus olhos, ela remeteu em seu lugar uma parte de laço que se saiu de seu sutiã.

—Estou segura de que há uma explicação perfeitamente lógica. Deve ter sido alguma forma de hipnotismo primitiva que aprendeu em suas viagens. ouvi freqüentemente de pícaros e enganadores empregando tais práticas em benefício próprio.

Ele capturou seu pulso e puxou para que lhe enfrentasse, negando-se a permitir que lhe despedisse —e a aqueles selvagens, ternos momentos de paixão que tinham compartilhado—tão facilmente.

—Possivelmente há uma explicação perfeitamente lógica. Possivelmente simplesmente te ofereci a liberdade de fazer o que nunca deixaste que querer fazer.

Ela levantou o olhar para ele, a dor em seus olhos em guerra com o desejo. Podia ver que ainda queria lhe tocar. Ainda desejava ardentemente o sabor de seus beijos, a sensação de suas mãos contra a pele.

—Se não é mais que uma brincadeira cruel —disse brandamente, tocando com uma mão a branda suavidade de sua bochecha—, então me temo que foi gasta a ambos.

Os olhos dela se agitaram fechados como se negasse a verdade de suas palavras incluso quando seus lábios se separaram para as confessar. Estava baixando a boca para a sua para aceitar essa confissão quando soou um golpe na porta.

Porta saltou afastando-se dele, avermelhando como se tivessem sido agarrados derrubando-se no canapé em flagrante delito em vez de só lhe roubando um beijo.

—Entre —respondeu, alisando suas saias e lhe dando a seu cabelo uma última palmada tremente.

Wilbury entrou sigilosamente na biblioteca, os lábios franzidos em uma panela áspera.

—Tem uma visita, senhorita Cabot. Receberá você esta tarde?

Ela franziu o cenho.

—Quem é?

—O Marques do Wallingford. —O mordomo falou cansativamente com o mesmo entusiasmo que podia ter tido anunciando ao Gengis Khan e suas hordas invasoras—. Assevera que quer assegurar-se de que não sofrestes nenhuma repercussão angustiosa depois de sua desafortunada “aventura” da outra noite.

—Que amável de sua parte —murmurou, furtando um olhar reflexivo ao cenho do Julian—. Por que não lhe faz passar à sala e chamas a Gracie para que nos traga algo? Possivelmente Caroline será o bastante amável para nos servir.

—por que não lhe faz vir aqui e eu sirvo? —sugeriu Julian, separando os lábios o suficiente para revelar a ameaça provocadora de uma presa.

—Pensando-o bem, Wilbury, por que não faz passar a nosso convidado à sala de música? As janelas dão à fachada oeste e não quereríamos desperdiçar nem um momento deste adorável sol invernal. —Porta ofereceu ao Julian um sorriso com covinhas—. Deveria esperar que a luz do sol me fizesse parecer sob uma luz mais favorável.

Olhou-a jogando faíscas.

—OH, não sei. Prefiro o modo em que te vê na escuridão. —E o modo em que te sinto, acrescentou seu olhar explicitamente ardente.

Quando Wilbury se despediu, Porta se apressou para a porta, voltando a cara ao Julian só quando esteve bem fora de seu alcance.

—Me ocorre que se ambos formos estar residindo sob o teto de seu irmão enquanto decidimos que fazer com sua amante...

—Antiga amante —disse entre dentes, cruzando os braços sobre o peito.

—… então talvez seria melhor se passasse a pensar em mim como sua irmã.

Julian se estremeceu.

—Preferiria com muito pensar em ti como na bela donzela de acima que me roubou o... coração quando tinha trinta anos.

—Bom, ao menos isso explica o que lhe ocorreu —replicou ela bruscamente—. Agora se fosse tão amável de me desculpar, senhor, deixarei-lhe com seus sonhos.

Passou rapidamente pela porta, sabendo perfeitamente que a única coisa que podia segui-la ao vestíbulo irepleto de luz era seu grunhido frustrado.

—Gostaria de outro beijo, milord? —Porta lhe ofereceu a elegante bandeja de chá do Sévres, um sorriso insosso se congelou em seus lábios.

O Marques do Wallingford se afogou com o chá, sua bastante proeminente noz do Adão oscilou na garganta.

—Perdão?

Quando Caroline lhe deu uma patada aguda no tornozelo, Porta sentiu que o calor alagava suas bochechas.

—Um pastel redondo, milord. Posso lhe tentar para que deguste outro pastel redondo?

—OH… bem, nesse caso… —Parecendo ainda dúbio, agarrou um pão-doce da bandeja.

Posando a bandeja no carrinho, Porta jogou um olhar à janela. Os implacáveis raios do sol estavam fluindo através da ampla janela saliente, iluminando cada defeito da bellísimamente arrumada sala de música, incluindo as entradas do marquês e a expressão desdenhosa que rondava seus lábios incluso quando sorria.

—Estou aliviado de ver que não sofreu nenhuma repercussão perniciosa atrás de sua pequena escapada a outra noite, senhorita Cabot. Tremo de pensar no destino que lhes poderia ter acontecido enquanto você estava procurando a esse... —o marquês se deteve e tentou esclarecer o grunhido em sua voz—. Me perdoe... tinha um pedaço de pão-doce entupido em minha garganta... enquanto estava procurando o irmão do visconde.

Caroline lhe lançou a Porta um olhar de cumplicidade.

—Nossa Porta sempre teve um coração terno. Não pode culpá-la por tentar trazer nossa ovelha negra de volta a casa.

—Não tenho outra coisa a não ser admiração por sua caridade cristã, querida —Wallingford honrou a Porta com um sorriso de lábios finos—. Mas algumas almas perdidas estão além da redenção e o melhor é as deixar à duvidosa misericórdia do diabo.

Depois de seu encontro com Julian na biblioteca, Porta deveria ter estado em cordial acordo com ele. O qual não explicava por que suas mãos estavam de repente tremendo com ira.

Antes que pudesse derramar o chá em seu regaço, levantou a taça até os lábios e tomou um delicado sorvo.

—Então só posso assumir que não ouviu as maravilhosas notícias?

Seu sorriso vacilou.

—Que notícias?

—Julian voltou para casa —disse, fingindo seu próprio sorriso ingênuo—. Depois de todos estes anos, finalmente voltou para amoroso seio de sua família!

Parecendo como se tivesse a bandeja de chá alojada em sua garganta, Wallingford ficou em pé pela metade, seu olhar se moveu rápida e muito brevemente para seu seio.

—Kane está aqui? Nesta casa? Neste mesmo momento?

—Não necessita você assobiar para chamar o oficial mais próximo, milord —. Porta devolveu a taça a seu pires—. Somos todos bem conscientes de que comprou todos suas notas promissórias.

—E estou segura de que meu marido estará mais que feliz de liquidar qualquer dívida em que seu irmão incorresse enquanto estava longe —acrescentou Carolina, ajudando-se com outra bolacha de chá.

O Marques se afundou no sofá, parecendo não muito agradado pela idéia.

—longe de minha intenção manchar esta encantadora ocasião com uma tosca conversação de comércio. Mas não posso evitar me questionar a sabedoria de permitir que um... um homem com a reputação do Kane resida sob o mesmo teto que uma jovem solteira e impressionável.

Porta arqueou uma sobrancelha.

—Mas não posso evitar me perguntar se sua prometida teria abraçado um ponto de vista tão cínico.

Inclusive a pobre luz, pôde ver a cara do Wallingford obscurecendo-se.

—Já que a senhorita Englewood e eu estamos atualmente separados, suas opiniões já não são de minha incumbência. É só minha experiência de que o melhor uso para a ovelha negra da maioria das famílias é fazê-la carne de cordeiro.

Porta se levantou bruscamente.

—Temo-me que devo lhe deixar aos cuidados de minha irmã, milord. Estou-me sentindo um pouco ruborizada e temo que possa estar agarrando uma febre de algum tipo.

—Nada contagioso espero? —expôs ele, tirando um lenço perfumado do bolso de seu colete e sustentando-o sobre seu nariz.

Intensamente consciente do olhar suspeito do Caroline, Porta lhe ofereceu um sorriso frio.

—Não é nada pelo que precise preocupar-se, milord. Pareço ser a única suscetível a esta particular indisposição.

Lhe fazendo uma graciosa reverência, saiu depressa da sala de música, esperando que pudesse encontrar um padre para a doença que sofria antes de que resultasse fatal para seu coração.

A noite invernal caiu severo e temprana, almentando a temperatura e deixando brilhantes beijos de geada nos cristais da janela do dormitório de Porta. Embora sabia que a escuridão liberaria o Julian para rondar pelos arredores da casa, não tinha intenção de permanecer prisioneira em sua própria habitação. Logo que Adrian enviasse mensagem de que Larkin tinha chegado, ela se reuniria com eles para discutir o futuro do Valentine. Ou a ausência do mesmo, pensou lúgubremente.

Com a inquietação crescendo, deixou a um lado o livro de poemas do Byron que tinha estado tentando ler e vagou para a janela. Depois de um único encontro com Julian tinha desejando as sombras, desejando a noite, desejando seu toque. Era apenas a primeira vez que seu beijo –ou seu toque– tinha aceso esta estranha ânsia, esta persistente agitação. Jogou um olhar ao relógio de bronze do suporte da chaminé. O delicado ponteiro de relógio de metal da hora já estava avançando lentamente por volta das sete.

Caminhou para a porta, entreabrindo os olhos para as escadas. Foi então quando captou o débil murmúrio grave de vozes de homens que vagavam do primeiro piso da casa.

Com as suspeitas crescendo, apressou-se para baixo pelas escadas, detendo-se jogar uma olhada da janela do patamar do segundo piso. O carro de cavalos do Larkin estava ainda estacionado no beco de detrás da casa, seu casal de baios sopravam baforadas de vapor no ar gelado.

Seus decididos passos a levaram por diante de um par de sobressaltados lacaios e direta à porta do estudo do Adrian. Puxou para abri-la sem incomodar-se em chamar.

Adrian estava apoiado em uma esquina de sua escrivaninha enquanto Larkin e Julian se sentavam nas poltronas de couro que o flanqueavam. Cada um dos homens tinha um charuto em uma mão e uma taça de porto na outra. Ao menos Adrian e Larkin tiveram o suficiente sentido para parecer gratamente culpados.

Porta fechou a porta atrás dela com um golpe contundente, pestanejando ante a névoa de fumaça que se abatia sobre a habitação iluminada por um abajur. Embora Larkin e Adrian imediatamente deixaram seus charutos por deferência a sua presença, Julian simplesmente tomou uma larga e preguiçosa imersão ao charuto, logo jogou uma cinta de fumaça que se curvou a seu redor como a mão de uma amante. Sua palidez na moda tinha dado passo a um brilho de saúde, o qual a fazia suspeitar que Wilbury fazia uma carreira tardia ao açougue.

—me perdoem por chegar tarde —disse fríamente—. Meu convite deve haver-se perdido em correios.

Adrian se sobressaltou.

—Por favor não te ofenda, Porta. Simplesmente não vimos razão para te causar mais angustia.

—Muito considerado por sua parte pensar em minha delicada sensibilidade. Possivelmente deveria me retirar a minhas habitações a imprensar algumas flores ou bordar uma amostra com algum sermão edificante nela.

—Não estou tratando de te despachar. Dado o que suportou a passada noite, só pensei que seria melhor se nos permitisse dirigir...

—Deixa-a ficar. —Descansando um lado de sua bota no joelho oposto, Julian apagou o charuto na sola da bota antes de lançá-lo para o fogo da lareira—. Ganhou o direito.

Enquanto Larkin se levantava com dificuldade de sua poltrona e a conduzia para ele, Porta deu ao Julian um assentimento de obrigado a contra gosto. Larkin colocou sua ampla forma contra o parapeito da janela, seu sagaz olhar viajava entre os dois.

Adrian posou sua taça na escrivaninha e se esfregou a mandíbula, parecendo como se desejasse estar em qualquer outro lugar do mundo.

—Julian nos estava explicando agora mesmo como chegou a ser... mm... Amigo desta mulher.

—Ela não é uma mulher —disse Porta com firmeza—. É um monstro.

Julian levantou uma sobrancelha em sua direção, sem lhe dar mais opção que lhe cortar pelo mesmo patrão. Ela baixou o olhar ao regaço, mas se negou a ruborizar-se.

Ainda olhando-a, tomou um generoso gole de seu porto.

—Como estava dizendo antes de que fôssemos interrompidos, quando me dirigi em primeiro lugar a Paris em busca do vampiro que tinha engendrado Duvalier, temo-me que não fui particularmente sutil em minhas pesquisas. O chefe supremo de nossa guarida era um tipo de temperamento bastante repugnante que odiava aos britânicos inclusive mais do que odiava aos mortais. Quando descobriu que estava procurando para destruir a um de minha própria classe para assim poder recuperar minha mortalidade, não tomou muito bem. Fez-me atar a uma estaca, empapado em azeite, e estava a ponto de me aproximar uma tocha quando Valentine se adiantou para rogar por minha vida.

Porta sorveu.

—Que caridoso por sua parte.

—Eu também o pensei assim nesse momento já que meu cabelo estava começando a abrasar-se —disse Julian secamente—. Por causa de que interveio em meu nome, acabaram por exila-l a da guarida e ambos tivemos escapar de Paris.

—Ao menos lhes tinham o um ao outro. —Porta se inclinou para ele com os olhos abertos pelo interesse—. Assim averiguou que ela tinha sua alma antes ou depois de que lhes fizessem amantes?

—Porta! —Adrian deixou cair sua cabeça entre as mãos com um grunhido enquanto Larkin acabava seu porto de um só gole e se girava para lhe jogar à janela um olhar de desejo.

Mas Julian enfrentou seu olhar sinceramente.

—Depois, temo-me. Quando teria parecido a maior das hipocrisias recompensá-la por me salvar destruindo-a.

—Esquecia que é um homem que sempre paga suas dívidas —disse brandamente—. Embora Wallingford possa estar em desacordo.

—Basta do passado —disse Adrian, ganhando um olhar aliviado do Larkin—. Estamos aqui esta noite para nos assegurar de que tenha um futuro. Se essa Valentine for tão feroz adversária, então por que fugiu a passada noite?

Julian soprou.

—Não sobreviveu todo este tempo sendo uma parva. É bem consciente de sua reputação como caçador de vampiros.

—Então possivelmente já tenha deixado Londres —ofereceu Larkin.

—Não lhe deixaria —disse Porta fracamente, mas com total convicção.

—E não deixará a Porta agora que sabe onde encontrá-la... ao menos não viva —acrescentou Julian gravemente—. Inclusive se pudéssemos encontrá-la e de algum jeito convencê-la para que partisse comigo, ela simplesmente deixaria detrás a um de seus serventes para que acabasse com Porta. Temos que capturá-la antes de que possa dar essas ordens.

—E se enviarmos a Porta longe? —sugeriu Adrian—. Posso as enviar a ela, a Carolina e a Eloisa ao castelo até que resolvamos este problema.

Porta ficou rígida.

—Não quero lhe dar a satisfação de fugir dela! É bastante humilhante que se impor para mim a outra noite.

—De todas formas ela somente a seguiria —apontou Julian.

Larkin se acariciou o estreito queixo.

—Se soubermos que vai vir por Porta, então por que não nos sentamos simplesmente e esperamos para fazer que se mova?

Julian negou com a cabeça.

—Porque é o suficientemente esperta para esperar sua oportunidade. Para uma criatura impulsiva, ela pode ser extraordinariamente paciente. Esperará até que relaxemos nosso guarda. E então será muito tarde.

—Além disso —disse Porta— temos que tira-la de seu esconderijo antes de que mate a mais mulheres inocentes.

Levantou-se para passear frente à chaminé, agudamente consciente dos olhos entrecerrados do Julian seguindo-a cada passo.

—Parece estar operando sob a ilusão de que Julian ainda alberga algum tipo de carinho sentimental por mim, o qual todos sabemos que é manifestamente incerto.

Embora a mandíbula do Julian se esticou, este sabiamente manteve seus pensamentos para si mesmo e tomou outro sorvo de porto.

—Se tão só pudéssemos encontrar algum modo de usar seu ciúmes como uma arma contra ela... —Porta se deu golpezinhos com um dedo no lábio inferior—. Estou pensando em algo que Duvalier disse justo antes de que encerrasse ao Julian e a mim naquela cripta, juntos.

Adrian intercambiou um olhar preocupado com o Larkin.

—Quase morre naquela cripta, céu. Não há necessidade de que reviva lembranças tão dolorosas.

—Seu irmão quase morre também —lhe recordou antes de voltar-se para o Julian—. Recorda o que Duvalier disse justo antes de me empurrar a seus braços? Disse que se tomava minha alma, poderia “desfrutar de minha companhia por toda a eternidade”.

—Como poderia esquecê-lo? Estava sugiriendo que fizesse de ti minha noiva eterna. —Julian girou o porto no fundo da taça, sua expressão era amarga—. Para um bastardo sedento de sangue, foi bastante romântico.

—E se fizermos que Valentine acredite que tem feito justo isso? —Porta tocou com uma mão o cachecol branco que rodeava sua garganta—. Ela já sabe que deixaste sua marca em mim. Assim, por que não faze-la acreditar que voltaste para Londres a acabar o que começou faz todos aqueles anos? Há algo que a enfureceria mais? Porque, seria como se lhe lançássemos água bendita na cara! —Embora fez um valoroso esforço, Porta não pôde ocultar por completo seu deleite ante a perspectiva.

—Pensei que estávamos tentando salvar sua vida, não incitá-la para que lhe mate mais rapidamente —apontou Larkin—. Enfurecê-la não a voltará mais perigosa?

—Talvez. Mas também a fará mais temerária e propensa a cometer enganos. Se crê realmente que Julian me escolheu sobre ela, não será capaz de esperar seu momento mais tempo. Sua paciência terá que chegar ao final.

—Como sua vida se der um só passo em falso —lhe recordou Adrian, seu cenho franzido-se fazia mais profundo.

Julian a olhou com igual cepticismo.

—Realmente crê que poderá te disfarçar como um vampiro com a suficiente convicção para enganar ao Valentine?

Porta se encolheu de ombros.

—por que não? os de sua classe caminham entre nós os mortais com cada posta de sol. Comem nossa comida. Bebem nosso vinho. Dançam com nossa música. Imitam nossa respiração. —Encontrou seu desafiante olhar com uma própria, sua voz se fez mais profunda com uma nota rouca—. Porque, inclusive fazem o amor conosco.

Esta vez Adrian procurou provas a garrafa de porto em vez de sua taça. Tomou um comprido trago antes de tender-lhe a um agradecido Larkin.

—Mas aos mortais é facil lhes enganar —replicou Julian brandamente, negando-se a liberá-la do hipnótico puxão de seu olhar—. São bastante peritos em ver somenteo que querem ver.

Pelo tempo de um batimento do coração, Porta esteve de volta na biblioteca outra vez. De volta em seus braços.

—Talvez isso é porque nos ensinam a acreditar em sereias e duendes e nobres príncipes em cavalos brancos antes de que cresçamos e tenhamos que deixar tais fantasias bobas atrás de nós.

—Valentine não é tola. Não só a terá que convencer de que te converti em um vampiro. Terá que faze-la acreditar que está apaixonada por mim.

—Isso não deveria ser muito difícil —a voz de Porta soou como um matiz muito brilhante e frágil, inclusive para seus próprios ouvidos—. Você mesmo há dito que sou uma atriz consumada.

Adrian suspirou, ficando visivelmente sem argumentos.

—Crê que este plano tem uma possibilidade de funcionar, Jules? Você conhece essa... mulher melhor que ninguém.

—Em todo o sentido da palavra —acrescentou Porta sem poder resistir.

Julian lhe jogo um olhar que teria acovardado a qualquer estranho que se encontrasse em um beco escuro.

—Há uma possibilidade de que possa funcionar.

Larkin se esclareceu garganta.

—E como vai inteirar se Valentine de que este transcendental acontecimento está tomando lugar? Devemos tirar um anúncio na Gazeta dos Não Mortos?

Julian olhou para o fogo, a posição de sua mandíbula era uma que Porta estava começando a conhecer muito bem.

—Pode que conheça um modo.

Todos lhe olharam espectadores.

—Adrian pode ter conduzido a todos os vampiros fora de Londres, mas não os conduziu fora da Inglaterra. Há uma florescente guarida deles vivendo em uma casa de campo no Colney, a menos de uma hora a cavalo da cidade.

—ouvi rumores sobre a existência de tal lugar —admitiu Adrian—. Suponho que deveria lhes haver devolvido a visita antes mas desde que Eloisa nasceu... —encolheu-se de ombros, simplesmente relutante a admitir que o nascimento de sua filha lhe tinha animado a proteger sua própria vida com mais cuidado.

—Tomei refúgio ali brevemente depois de que Cuthbert voltasse para casa de seu pai —disse Julian—. Seu senhor ganhou a mansão em uma aposta a um pobre bêbado que já tinha apostado o resto da fortuna familiar. Os vampiros são piores fofoqueiros que os mortais, já sabe. Se fizermos uma aparição ali, posso te prometer que Valentine ouvirá tudo sobre isso antes do amanhecer do dia seguinte.

—OH, estupendo! —exclamou Porta secamente—. Eu gosto tanto uma festa em uma casa de campo! Quando partimos?

—Não comecem a planejar em conjunto ainda —lhe advertiu Adrian—. Se crê que vou permitir que parta ao interior desse ninho de monstros toda sozinha...

—Ela não estará sozinha. —Julian se levantou de sua poltrona para unir-se a Porta, a nota de autoridade em sua voz dominou inclusive ao Adrian—. Estarei ali justo a seu lado.

Adrian lhe olhou desconfiadamente.

—Não foi você o que me manteve levantado até o amanhecer fazendo ampolas em meus ouvidos porque deixei que me persuadisse para usá-la como ceva?

—Ela não será a ceva esta vez. Eu o serei. Uma vez que Valentine se inteire que a traí, estará muito resolvida a minha destruição para preocupar-se com ninguém mais. —Tomou a mão de Porta aproximando-a ainda mais a ele—. E posso te prometer que levaria uma estaca através de meu próprio coração antes de deixar que ninguém, vivo ou não morto, danifique um só cabelo da cabeça de Porta.

Antes que Porta pudesse reagir a esse impressionante voto ou a natural sensação de ter os dedos entrelaçados com os seus, Adrian disse:

—Se esperas que dê a esta pequena aliança perversa minha bênção, vais ter que me dizer exatamente o que tenta fazer com nossa presa uma vez que a armadilha se fecha.

Porta conteve o fôlego, tentando fingir que seu futuro completo não dependia da resposta do Julian.

Ele esteve em silencio durante um comprido momento antes de dizer finalmente:

—Levarei-me isso longe daqui. Tão longe que nunca mais será capaz de ferir ninguém mais, eu... —deteve-se, seu agarre na mão de Porta se apertou até que foi quase doloroso—. A ninguém absolutamente.

Sentindo-se tão frágil como uma das pastorinhas Dresden que tinha cobiçado quando era uma menina, Porta tirou a mão da sua.

—Se me desculparem, cavalheiros, provavelmente deveria ir informar a minha irmã que estarei presente em uma festa em uma casa de campo amanhã de noite hospedada por um ninho de vampiros sedentos de sangue.

Depois de que a porta do estudo se fechasse atrás dela, Adrian negou com a cabeça, suas belas facções nubladas pela perplexidade e a ira.

—Que demônios está fazendo, Jules? Não posso entender sua resistência a destruir a esta criatura.

Julian se voltou para ele, seus olhos negros chamejantes.

—Bom, talvez nunca entendi sua resistência a me destruir! —girando sobre seus talcanhares, dirigiu-se à porta.

—Onde crê que vai? —exigiu-lhe Adrian, movendo-se para lhe bloquear o caminho.

—Fora —replicou Julian brevemente, negando-se a ceder nem sequer um centímetro ante seu irmão maior. Uma vez Adrian pôde havê-lo intimidado com um olhar de desaprovação, mas agora estavam cara a cara, iguais ambos em estatura e determinação.

—De verdade crê que é juízo?

—Não sei. Isso depende de se estiver aqui como seu convidado... ou como seu prisioneiro?

Quando a expressão resolvida do Julian não vacilou, Adrian se apartou a um lado a contra gosto, liberando-o para sair do estudo e da casa.

 

Julian caminhou pelas buliçosas ruas de Londres como se possuísse a cidade e a noite, fazendo fugir a seu passo a qualquer que se atrevesse a olhar seu rosto. Alguns, instintivamente, reconheciam um monstro ao vê-lo, enquanto que outros simplesmente entendiam que o melhor era não provocar a um homem que tinha nascido para ter privilégios e poder. Um homem que, depois de tudo, espreitava de noite com a perigosa graça de um predador.

Quando um empregado de cara gordinha golpeou seu ombro acidentalmente ao sair de seu escritório na rua Threadneedle, quão único Julian pôde fazer para não mordê-lo foi grunhir. Soube que deveria sentir-se contente quando a multidão começou a diminuir lentamente, mas a só idéia de toda essa gente chegando a seus lares, a seus quentes fogos e aos acolhedores braços de seus seres queridos, bastou para aguçar o fio de seu mau humor. Nem sequer contava com a companhia impassível do Cuthbert para animá-lo. A nota que tinha enviado a casa de seu amigo essa manhã cedo, tinha-lhe sido devolvida com o selo de cera intacto.

Embora caminhava pelas ruas livremente, sentia como se ainda arrastasse as cadeias da cripta a suas costas. Os insultos do Duvalier nunca tinham deixado de atormentá-lo.

—Decepciona-me, Jules. Esperava muito mais de ti. Não te agrada ser um vampiro, mas não é um homem tampouco.

Duvalier se tinha equivocado. Era tanto homem como vampiro, e estava condenado a sofrer as fomes de ambos os seres. Fomes que perfuravam um fossa de dor onde antes tinha residido sua alma cada vez que olhava a Porta, que acariciava a leitosa suavidade de sua pele, que provava a doçura proibida de seus lábios.

Teria se alegrado ao saber que, depois de todos estes anos, continuava faminto da carne e o sangue dela.

Alguém o empurrou por detrás e girou ao tempo que seus lábios se abriam em um grunhido involuntário.

Uma mulher estava de pé ali. Sua cara, bonita e sardenta, rodeada por um halo de cachos castanhos.

—Perdão, chefe. Minha mamãe sempre me dizia que eu era o suficientemente torpe para me tropeçar com meus próprios pés.

Embora seu casaco estava puído, a garota tinha tomado algum cuidado com sua aparência. Brilhantes círculos de ruge manchavam suas bochechas e tinha colocado uma flor murcha detrás de sua orelha.

—Não me tem feito nenhum dano, senhorita —assegurou rigidamente—. Estou seguro de que foi minha culpa.

Antes de que pudesse despedi-la, ela envolveu com audácia uma mão ao redor de seu antebraço.

—É uma amarga e fria noite, senhor. Pensei que possivelmente poderiam estar procurando algo mais suave que um tijolo ardente para esquentar sua cama.

Ela estava ao seu dispor. Julian podia vê-lo na inclinação curiosa de sua cabeça, no brilho apreciativo de seus olhos. Acreditava- um cavalheiro, não uma besta.

Não havia nada que lhe impedisse de aceitar sua oferta, nem escoltá-la a alguma estalagem próxima com lençóis estragados mas podas. Poderia cortejá-la com as mesmas bonitas palavras das que Porta se riu, e depois desfruta-la de qualquer maneira que escolhesse. Entretanto, não acreditava que depois de que suas carícias peritas tivessem apagado a lembrança das mãos ávidas e o suor de outros homens, a garota lhe custasse uma simples moeda.

Não podia tirar a sensação de que talvez, custaria-lhe algo muito mais prezado.

Ignorando uma selvagem pontada de arrependimento, tirou uma moeda do bolso de seu casaco e a pressionou dentro da mão dela.

—por que não toma isto e te esquenta com seu próprio fogo esta noite?

Inclinando seu chapéu para ela, começou a cruzar a rua, onde um açougueiro saía a fechar a porta de sua loja durante a noite.

Porta estava de retorno a cripta.

O aroma úmido da erosão da terra e a antiga decomposição encheu suas fossas nasais. Teria se paralisado de terror se Julian não tivesse estado ali. Se não a tivesse rodeado com seus fortes braços para acalmar seu tremor. Ele se tinha desfeito da mordaça e as sogas que Duvalier tinha utilizado para calá-la e sujeitá-la, devolvendo a sensibilidade a seus intumescidos pulsos com o roce de suas próprias mãos instáveis.

—por que Duvalier disse essas coisas terríveis? —perguntou, com um soluço afogado na garganta, enquanto envolvia os braços ao redor de sua cintura e pressionava a bochecha contra seu peito—. Por que disse que foste matar me?

Julian a empurrou fora de seus braços e se cambaleou para a esquina, voltando a cabeça e levantando uma mão para proteger seu rosto da luz do fogo.

—Duvalier tinha razão —resmungou—. Maldição, tem que te manter longe de mim!

Apesar da advertência, deu um passo para ele instintivamente.

—Mas, por que? Por que teria que escutar algo que esse miserável monstro diz?

—Pode que seja um monstro, Porta. Mas eu também o sou. —Devagar, levantou a cabeça e baixou a mão, expondo seu rosto à luz e ao olhar angustiada dela.

Porta se levou uma mão à boca, mas foi muito tarde para sufocar seu ofego horrorizado. A pele dele se achava tensa sobre os assombrosos ossos de sua cara, seus olhos vazios brilhavam com uma fome primitiva. Foi como se tudo o que era tivesse sido reduzido a sua mesma essência, deixando algo que resultava ao mesmo tempo formoso e terrível de contemplar. Enquanto o observava, hipnotizada por sua fera graça, seus dentes caninos se afiaram e alargaram, curvando-se em um par de presas desenhadas pelo Diabo com um propósito mortal.

—Adrian alguma vez foi um vampiro, certo? —inquiriu brandamente, sabendo já a resposta. Julian sacudiu lentamente a cabeça—. Sempre foi você.

Ele assentiu.

Distraiu-se da desagradável imagem de suas presas ao notar uma coisa ainda mais espantosa. Os bordos de sua camisa penduravam abertos a meio caminho de sua cintura, revelando uma figura conhecida marcada a fogo na pele de seu peito.

Com um chiado quebrado, Porta correu para ele. Riscou a linha do crucifixo queimado sobre sua carne, como se de algum jeito pudesse absorver sua dor através das gemas de seus dedos. Então, elevou os olhos chorosos até seu rosto.

—meu Deus, o que te tem feito?

Julian tragou, passando a língua sobre seus lábios secos em um intento inútil por umedecê-los. Sua voz se converteu em um eco rouco.

—Esgotou minha força com o crucifixo. Recusou-se a me deixar beber.

Lutou para afastar-se dela, mas perdeu o equilíbrio e caiu de joelhos, seu corpo sacudido por tremores incontroláveis.

Porta caiu de joelhos a seu lado.

—Está morrendo —sussurrou, sem ser capaz já de negar a assombrosa evidência.

Ele assentiu.

—Não fica… muito tempo. Estará a salvo uma vez que isto termine. Duvalier assegurará-se de nos descobrirem. —Um sorriso amargo curvou seus lábios—. O bastardo nunca pôde resistir… o expor suas obras. Vê essas algemas lá? —perguntou, indicando as cadeias oxidadas que pendiam de uns ganchos encaixados profundamente no muro de pedra—. Necessito que as use para me encadear à parede.

Retrocedeu um passo, incapaz de ocultar sua aversão.

—Como a uma espécie de animal?

—Sou um animal, Porta. Quanto mais rápido o aceite, mais segura estará.

Sacudiu a cabeça, sua voz foi estável apesar das lágrimas que percorriam suas bochechas.

—Não o farei. Não te deixarei encadeado para que morra de fome como um cão raivoso.

Ele fechou suas mãos sobre seus braços, seus dedos mordiam sua branda carne com a pressão de sua força.

—Maldição, moça, já me ouviste! Não sei quanto tempo mais posso confiar em não… Te machucar.

—Pode beber de mim —insistiu ela—. Só o suficiente para te manter com vida até que alguém venha por nós.

Fez um som estrangulado em sua garganta e ela entendeu por primeira vez que se tratava de muito mais que de um simples desejo de sangue.

—Não entende? Se me permito provar o primeiro sorvo de ti, não serei capaz de parar. Não até que seja muito tarde para os dois. —Levou sua mão à cara dela, seus dedos trementes acariciaram um cacho sujo sobre sua bochecha com ternura devastadora—. Por favor, Olhos Brilhantes, rogo-lhe isso…

Porta fechou seus olhos para bloquear seu olhar suplicante, sabendo o que tinha que fazer. Quando os abriu, foi capaz de lhe oferecer um sorriso através das lágrimas.

—por que, Julian? Sabe oque faria qualquer coisa por ti. O que fora.

Não fazendo caso à ameaça daquelas presas letais, ela cavou seu rosto entre suas mãos e pressionou a suavidade de seus lábios contra os dele…

Porta abriu os olhos para contemplar fixamente o dossel de sua cama, tanto seu corpo como seu coração, consumindo-se por uma dor melancólica. Por estranho que parecesse, quis inundar-se novamente no sonho. Retornar a aquela cripta e a seu velho fantasma. Essa garota tinha estado tão segura de si mesmo, disposta a sacrificartudo —inclusive sua vida—pelo formoso moço ao que tinha amado com tal inocência e paixão.

O sonho só tinha servido para lhe recordar que Julian uma vez tinha estado disposto a fazer o mesmo. Que ele teria terminado com sua vida, uma vida como uma casca desalmada sem esperança de salvação, antes de atrever-se a machucá-la. Rodou sobre seu flanco, abraçando o travesseiro contra seu peito em um intento vão por mitigar a dor de seu coração, e se perguntou o que tinha mudado. Que controle exercia a tal Valentine sobre ele?

Apertou seus olhos fechados, sabendo que seria muito mais inteligente desejar dormir sem sonhar. Mas antes de que seu desejo fosse concedido, as notas de uma distante melodia chegaram a seus ouvidos. Ainda sustentando o travesseiro, sentou-se, piscando com atordoamento. Havia seu sonho de algum modo evocado a outro fantasma do passado?

Tomando sua bata de seda do cabide de noite, desceu da cama e se aproximou da porta. Abriu-a pela metade esperando descobrir que a música existia nada mais que em sua desbocada imaginação. Mas fez que o murmúrio aumentasse —um agridoce arrulho meio doido pelos inquilinos de sua mansão de fantasia—.

Atando o cinturão de sua bata, apressou-se a baixar as escadas. Em lugar de acovardá-la, as sombras que cobriam os corredores desertos pareciam lhe dar a bem-vinda, tomando-a mais profundo em seu abraço com cada passo. A seguinte coisa que fez foi abrir com facilidade a porta do salão de música, ao tempo que seus sedentos sentidos bebiam das notas que derramava o magnífico pianoforte sob a janela.

Julian estava sentado frente ao instrumento, seus dedos dançavam sobre as teclas com a graça de um amante, produzindo uma resposta que era tão tenra como apaixonada. A luz do sol podia ser seu inimigo mortal, mas a luz da lua que entrava através da ampla janela saliente o adorava. Os raios chapeados beijaram a seda brilhante de seu cabelo e acariciaram seu forte perfil masculino, delineando-o em prata.

Tomou a Porta um momento incerto identificar que a peça que tocava era o primeiro compasso do “Réquiem” do Mozart, a única parte que o compositor tinha completado antes de sua trágica morte à idade de trinta e cinco anos. Tinha ouvido a peça interpretada nos muito altos órgãos de tubo de mais de uma catedral, mas jamais em piano, e nunca com tão profundo e atormentado sentimento. Sendo interpretado pelas mãos ardentes do Julian, não era difícil acreditar que o réquiem tinha sido encarregado, segundo as intrigas e a famosa lenda, por um misterioso estranho que tinha resultado ser um auguro da morte do próprio Mozart. Julian a tocava tanto como marcha triunfal como lamento —a canção de um homem que celebra e chora sua própria mortalidade antes de que sua voz seja silenciada para sempre—.

Vertia toda sua fome e paixão na peça, conduzindo-a a um final com uma ascensão dramática. A última nota pendurava no ar como os retumbos de um sino de catedral em uma ruidosa e fria meia-noite.

Quando seu eco se desvaneceu, Porta disse brandamente:

—Para ser um homem que proclama que sua alma pertence ao diabo, ainda toca como um anjo.

Não pareceu no mais mínimo impressionado ao encontrar a de pé na porta de entrada.

—É uma de minhas peças favoritas. Recorda as palavras que encontraram escritas nas márgens da partitura “Fac eas, Domine, de morte transire ad vitam”? —recitou. O latim surgia sem esforço de sua boca.

Porta não era tão fluída no idioma. Sempre tinha estado muito ocupada lendo sobre elfos e fadas para incomodar-se por temas tão tediosos.

—Deixa, OH, Senhor, que as almas —murmurou— entrem através da morte…à vida eterna.

—É uma pena, mas não pude lhe advertir ao pobre tipo que a vida eterna não é tão estupenda como se crê. Assim devias voltar as páginas de minha partitura, Olhos Brilhantes? —perguntou, seu sorriso retorcido lhe recordando as muitas horas felizes que tinha passado fazendo precisamente isso no Castelo Trevelyan, antes de que descobrisse que era um vampiro.

—Teria jurado que tocava de cor.

—Assim é —assentiu frente à folha de música aberta sobre o suporte—. Mas não estou muito acostumado a seguinte peça. Poderia necessitar uma mão mais…ou duas. —deslizou-se sobre o banco de mogno para lhe fazer espaço. Ao vê-la duvidar, acrescentou—. Como minha eterna prometida, não tem necessidade de te apegar a sua casta modéstia.

Incapaz de resistir ao brilhante desafio de seu olhar, Porta atravessou a habitação e se deslizou no banco a seu lado. Inclinou-se sobre ele para abrir a primeira página da peça, negando-se a apartar-se pudorosamente da pressão de sua coxa musculosa contra o seu ou o roce breve de seu cotovelo contra a suavidade de seu peito.

Ao observar suas hábeis mãos acariciar a dolorosamente sensível melodia do Beethoven sobre o teclado, foi muito fácil imaginar dançando sobre sua própria pele com a mesma destreza. Não pôde evitar perguntar-se qual sufocante canção poderia obter de seus lábios com esses compridos e aristocráticos dedos. Sentindo o rubor ir a suas bochechas, roubou um olhar a seu rosto, só para achá-lo olhando a ela em vez de à partitura.

Molesta por uma firme suspeita, voltou a folha de música, muito antes de que alcançasse o final da página. Ele continuou tocando sem perder-se nenhuma só nota.

Ela se esclareceu garganta com suficiente energia para ser ouvida sobre a ondulante passagem.

Os dedos do Julian se congelaram sobre o teclado, elevando a peça a uma altura discordante.

—OH, querida. Descobriu-me, certo? —O nariz dele acariciou seus desatados cachos ao tempo que se inclinava por volta de diante e sussurrava—. Deveria saber que sempre toco de cor. Inclusive no castelo. Só que nunca pude resistir à forma em que te inclina sobre mim ao dar volta às páginas ou ao perfume de seu cabelo.

Esta vez se afastou dele.

—por que, Julian Kane? De verdade que é um uva sem semente incorrigível! —esforçou-se por manter seus lábios apertados com severo desaprovação, mas não pôde evitar que se arqueassem nas comissuras.

Ele beliscou a ponta de seu nariz.

—Só quando se trata de ti, Porta Cabot.

Desejava acreditá-lo com tanta urgência que nem sequer protestou quando o olhar dele viajou de seu nariz a sua boca. Quando levantou brandamente seu queixo para expor a suavidade de seus lábios. Quando baixou sua cabeça, separando seus lábios ao acariciar os dela com a graça fluída da asa de uma mariposa.

—Tio Jules! Tio Jules!.

Separaram-se de um salto e se voltaram para mesmo tempo para encontrar-se com a Eloisa de pé na porta de entrada. Com os pés descalços e a camisola manchada de mel e geléia, parecia um anjinho sujo. Embora Porta sabia que devia estar agradecida pela oportuna interrupção, quis dar-se de patadas por deixar a porta entreaberta.

Antes que nenhum dos dois pudesse reagir, Eloisa correu através da habitação, rodando sobre os joelhos de Porta para saltar sobre o regaço do Julian.

Ao princípio, parecia completamente aturdido ao encontrar-se com um infante desconhecido que saltava acima e abaixo sobre seu regaço, mas então um sorriso maravilhado se estendeu por sua cara.

—Bom, você deve ser Eloisa! Reconheceria esses olhos em qualquer lugar. —Jogou uma olhada a Porta, claramente confundido—. Mas, como diabos sabe quem sou eu?

Porta tentou encolher-se de ombros, dando-se conta de que era muito tarde para evitar uma confissão de sua própria boca.

—Certamente não deveria me aventurar a tirar conjeturas. Embora talvez existe a possibilidade de que lhe tenha mostrado sua miniatura uma ou duas… ou cem vezes.

Para seu grande alívio, Eloisa puxou o pescoço da camisa dele nesse preciso momento, demandando sua atenção. Franzia o cenho diante de seu rosto com penetrante concentração, enrugando o nariz.

—Morde? —perguntou ele, olhando-a nervosamente.

—Só botões, borlas acolchonadas, pérolas e ao gatinho ocasionalmente. Mas os gatinhos revistam devolver a mordida, o qual a enfurece.

Eloisa alcançou a lhe golpear a bochecha com seus dedinhos.

—Bonito —cantarolou, um sorriso ampliava suas bochechas rechonchas.

Porta pôs-se a rir.

—Não deveria parecer tão horrorizado. Só prova que nenhuma mulher pode resistir a seus encantos.

—Exceto você —replicou ele, lhe dedicando um olhar irônico sobre os cachos dourados de sua sobrinha.

—Eloisa!

Esta vez era uma pálida Caroline quem se encontrava de pé na porta de entrada, com a babá da Eloisa situada detrás dela, retorcendo seu avental. Quando Caroline viu sua filha sobre o regaço do Julian, empalideceu um tom mais.

Atravessou a habitação, com a fita desatada de sua bata ondeando atrás dela, e a arrebatou de seus braços.

—É uma menina muito travessa, Ellie —repreendeu, enterrando o rosto nos cachos de sua filha—. Lhes deu à babá e a mamãe um susto terrível.

—Tio Jules! —Eloisa chiou, liberando seus braços do forte abraço de sua mãe, assim pôde alcançar ao Julian—. Bonito!.

—Tudo está bem, doçura. —Brindou-lhe um sorriso de afirmação—. Deixa que sua babá te leve de retorno à cama antes de que seus dedinhos se congelem.

Enquanto Julian olhava, aguardando, Caroline depositou a Eloisa a contra gosto nos braços da espectadora babá.

Enquanto a mulher se levava a pequena, que choramingava, Porta disse:

—A música possivelmente despertou. Foi minha culpa, não do Julian. Não devia ter deixado a porta aberta.

—E eu devai ter encontrado um passatempo mais tranqüilo para me entreter. É só que as horas entre o crepúsculo e o alvorada podem ser muito largas e solitárias. —Julian se deslizou fora do banco do piano e se elevou para confrontar a sua irmã, com um sorriso zombador jogando por sua boca—. Não tem de que preocupar-se, Caro. Um bocado assim de pequeno logo que satisfaria meu apetite por pouco tempo.

Depois de lhes fazer a ambas uma rígida reverência, saiu da estadia.

Caroline ficou de pé ali, à luz da lua, com o rosto inexpressivo.

—Sinto muito, Porta. Quando vi sua cama vazia, pensei…

—Sei o que pensou. E ele também.

Sem mais palavras, Porta passou ao lado de sua irmã e saiu da habitação, temendo já as largas e solitárias horas que passaria em sua própria cama vazia.

 

Porta se deteve no vestíbulo da mansão, na noite seguinte, contemplando seu reflexo no espelho com a mesma fascinação horrorizada que a um causaria uma aranha de jardim particularmente bela.

Quase se alegrou de que Adrian se levou ao Caroline e a Eloisa de volta à casa da cidade do Larkin e Vivienne para lhe economizar a sua esposa o ter que olhar a sua irmã menor embarcar-se em tão perigosa missão. Não estava segura de querer que algum membro de sua família fosse testemunha de sua espantosa transformação.

Tinha suavizado o rosado natural de suas bochechas sob uma capa de maquiagem cor marfim. A impecável máscara fazia que o vermelho escarlate de seus lábios e o escuro e gracioso arco de suas sobrancelhas fossem mais impressionantes. Tinha instruído a sua donzela para que alisasse seu cabelo para trás, longe de seu rosto, com um par de pentes de madrepérola, permitindo assim que os brilhantes cachos caíssem livremente por suas costas. O incomum estilo revelava a insinuação de um pico de viúva e os maçãs do rosto esculpidos, que normalmente se encontravam ocultos por uma suave mecha de cachos, fazendo-a luzir maior e mais sofisticada.

A impressionante brancura de sua cara e seu peito empoeirado fazia que o flamejante cetim negro de seu vestido parecesse mais decadente. Seu sutiã, artisticamente decorado, era muito baixo e sem mangas, e rodeava seu pescoço com uma graça parecida com a de um cisne, acentuada por seu colar de veludo negro.

Seus olhos resplandeciam com um entusiasmo febril, fazendo-a parecer uma desconhecida incluso para si mesmo. Curiosamente, nunca se tinha cuidado ou sentido mais viva.

—A morte te senta bem, querida.

Para ouvir aquele murmúrio masculino, Porta se voltou para encontrar ao Julian de pé justo atrás dela, com um inequívoco brilho de apreciação nos olhos. Não pôde evitar jogar uma olhada atrás ao espelho só para ser compensada com a inquietante e solitária imagem de si mesmo.

Devolveu sua atenção ao Julian, tratando de não tomar em conta quão distinto luzia com o branco gélido de sua camisa se sobressaindo das linhas elegantes de seu colete negro de seda e sua jaqueta de corte. Um par de calças cor marfim envolviam seus magros quadris, afiando-se abaixo até suas polidas Wellingtons de couro negro que brilhavam deslumbrantes.

Beliscou-lhe a impecavelmente atada gravata em um modo que esperava resultasse filial.

—Suponho que não estiveste dando conselhos ao Willbury sobre como aproximar-se sigilosamente às pessoas e assustá-la além do possível?

—Não seja ridícula. O desavergonhado e velho intrometido me ensinou tudo o que sei.

—Escutei isso! —A tremente voz chegou para ouvidos deles de uma habitação próxima.

Meneando a cabeça, Porta se voltou para espelho de novo.

—Quase penso que este estilo fica bem. Possivelmente tenho uma atração natural para o mal.

—Algo que suspeitei durante muito tempo —disse, com um inequívoco sinal de diversão na voz.

Ela se enredou um cacho ao redor do dedo.

—Unicamente está ciumento porque não pode contemplar seu próprio reflexo. Com uma cara tão bonita, estou segura de que estava acostumado a passar horas frente ao espelho antes de te converter em vampiro.

—Assim que te conheci, já nunca necessitei um espelho. Cada vez que olhava em seus olhos, via tudo o que precisava saber sobre mim.

Porta lançou um olhar assustado aonde deveria ter estado seu reflexo. Quando conseguiu reunir o valor suficiente para girar-se, ele colocou a mão dentro do bolso de seu casaco e tirou uma cristalina garrafa de perfume.

—Suponho que não é água bendita —aventurou enquanto ele retirava a delicada tampa. Um almiscarado aroma de orquídeas selvagens atacou seu nariz, a fragrância era tão rica e sensual que a fez sentir ébria com apenas inalá-la.

—Isto deveria ajudar a mascarar seu aroma. —Inclinou a garrafa para molhar a ponta de seu dedo indicador—. Se houver algo que um vampiro pode cheirar, é a um humano fresco.

—A que cheiro eu? —perguntou ela, genuinamente curiosa.

Ele aplicou um pouco de colônia no delicado oco de sua garganta, com as pestanas baixas para velar seus olhos.

—Cheira como pão-doces de amora recém assados, tão doces e brandos que não pode esperar para afundar seus dentes neles. —Com um toque ainda enérgico e impessoal, aplicou outra gota detrás de cada uma de suas orelhas—. Cheira como a luz do sol esquentando as pétalas de uma rosa em flor. —Usou um dedo para lubrificar audazmente a fenda entre seus peitos, suas fossas nasais flamejavam como se nem sequer o aroma predominante da colônia pudesse mascarar por completo sua essência—. Cheira como uma mulher… —levantou seu olhar ao seu—…que necessita um homem.

O que Porta necessitava nesse momento era um modo de fazer entrar ar em seus pulmões repentinamente vazios. Mas antes de que pudesse notá-lo, ele se tinha afastado para tomar sua capa a raias de um lacaio que esperava. Supôs que era bom que os serventes na casa do Adrian estivessem bem pagos por seu serviço e sua discrição.

Julian deslizou a capa sem mangas ao redor de seus ombros, suas mãos hábeis sujeitavam o broche sob seu queixo como se ela não fora maior que Eloisa.

—Se queremos ser convincentes esta noite, tem que me contemplar com adoração. —Seu olhar zombador percorreu sua cara—. Recordo que estava acostumado a ser bastante aficionada a isso.

—Suponho que posso fingir que é um syllabub particularmente suculento (pudim, prato medieval preparado a base de creme, vinho branco e suco de limão) —suspirou melancolicamente—. Como eu gosto de um bonito e espesso creme.

—Significa isso que possivelmente me dê uma dentada antes de que a noite termine?

Ela despiu seus dentes brancos.

Ele os estudou com olho crítico.

—Sei que isto não vem ao caso, mas de verdade tenta manter sua boca fechada esta noite.

Ela despiu seus dentes de novo, acrescentando um bufido.

—Isso foi mais convincente. —Ofereceu-lhe o braço—. Vamos, minha dama? O primeiro que um vampiro deve aprender é que nunca terá que desperdiçar um momento da noite.

Porta colocou as mãos mais profundamente dentro de seu manguito (pele para recobrir as mãos em forma de cilindro) e jogou um olhar furtivo ao Julian. Seu bom humor tinha desaparecido. Parecia ficar mais distante com cada volta das rodas da carruagem. Embora seus joelhos se roçavam cada vez que o veículo era sacudido por um sulco fresco, facilmente poderia ter estado ao meio mundo de distância em vez de estar compartilhando o assento estofado do carro com ela. Olhava fixamente pela janela os campos talhados de geada que brilhavam à luz da lua, seu perfil escuro lhe recordava que a noite era seu domínio e que ela entrava ali sob sua própria responsabilidade.

No momento em que a carruagem se deteve finalmente, a tensão entre eles tinha aumentado tanto que Porta quase se sentiu agradecida quando um dos mordomos apareceu para abrir de repente a porta da carruagem.

—nos deixe —ordenou Julian, fechando a porta na cara assustada do homem.

voltou-se para ela, o abajur da carruagem arrojava uma sombra sinistra sobre seus rasgos.

—Temo-me que não fui completamente honesto contigo.

—Seguro que brinca! —exclamou, levando uma mão ao peito com horror fingido. Sob a palma, podia sentir seu coração acelerando o ritmo.

Ele ignorou seu sarcasmo.

—Há algo que deveria saber antes de que entremos. Apesar de que amam infligir o caos sobre os mortais, aos vampiros adoram aderir-se a uma muito rígida hierarquia quando estão entre os de sua classe. —Tomou suas mãos entre as suas, a ampla gema do polegar acariciava sua sensível palma como se com isso abrandasse o impacto de suas palavras—. Se lhes queremos fazer acreditar que me entregaste sua alma de bom grau, não só serei seu amante esta noite. Serei seu amo.

Suas palavras enviaram um tremor inesperado por sua espinha dorsal. Foi assaltada por uma provocadora imagem de si mesmo de joelhos a seus pés, ofegando impaciente por render-se a sua vontade e obedecer cada ordem, pois sabia instintivamente que agradá-lo só lhe provocaria prazeres inexprimíveis a si mesmo.

Horrorizada por sua desbocada imaginação, disse:

—Quer dizer que devo me dirigir a ti como “Sua Majestade” ou como o “Chefe Mais Esplêndido de Meu Universo”?.

Seus lábios se curvaram contra sua vontade.

—”Meu senhor” deveria bastar. Mas me temo que os vampiros requererão uma patente evidencia de sua… submissão. —Liberando sua mão, alcançou seu casaco e tirou um grande aro de ouro unido a uma larga cadeia.

Ela franziu o cenho.

—Acredito que isso é um pouco grande para meu dedo.

—É porque foi desenhado para ajustar-se a seu pescoço.

Piscou para ele com incredulidade.

—Esperas que me ponha um colar? Como um dos cachorrinhos do Rei?

—Trata de não pensar nele como um colar. Pensa que é um... um...

Ela arqueou uma sobrancelha.

—Uma bola e uma cadeia?

Com sua paciência diminuindo claramente, estalou:

—Se for assim não é muito diferente ao que une à maioria dos casais mortais.

—É agradável saber que tem tão sentimental opinião sobre o matrimônio.

Ele se passou uma mão pelo cabelo com frustração.

—por que não pensa que é um espécie de cinturão de castidade de vampiros? Enquanto o tenha posto e eu tenha a única chave, nenhum outro vampiro pode te morder o pescoço.

—Seguro que isso é mentira. —Dobrou os braços sobre seu peito—. Não foi você quem me informou que havia outros lugares onde um vampiro pode beber? O que me diz da pequena e suculenta artéria que há na coxa da mulher, justo debaixo de...?

Julian calou seus lábios com dois dedos, seu olhar entreaberto que a animava a seguir por sua conta e risco. Ela o olhou airadamente um momento, logo levantou as mãos e tirou seu colar de veludo. Movendo-se com relutância sobre o assento, levantou o cabelo para expor seu pescoço.

A calma do Julian era tão absoluta que por um momento acreditou que escapuliu da carruagem quando lhe deu as costas. Olhou sobre seu ombro para encontrá-lo olhando a curva nua de sua garganta, seu rosto duro, mas seus olhos suavizados por um desejo inexpresavel. Compreendeu naquele momento que por penoso que fora para ela, devia ser duplamente difícil para ele.

Quando apartou o rosto, respirando entrecortadamente, quase esperou sentir o quente veludo de seus lábios roçando sua pele… justo antes de que suas presas se afundassem profundamente em sua carne sensível. Mas simplesmente deslizou o aro de ouro sobre sua garganta e o fechou.

Quando baixou sua cabeça e se voltou, deixava cair a diminuta chave de ouro no bolso de seu colete.

—Sempre tem um desses à mão —perguntou ela— no caso de te cruza com alguma mulher que queria escravizar?

Lhe brindou um escuro olhar.

—Consegui-o esta noite tão logo baixou o sol. Surpreenderia-te o que pode comprar aos vendedores chineses no porto.

Tocou com uma mão sua nova peça de joalheria. Embora o ouro tivesse sido golpeado até ser tão magro e delicado como um pedaço de pergaminho, sentiu-o tão pesado como o ferro. Especialmente quando Julian tomou o final da cadeia e o envolveu ao redor do pulso.

—Está preparada? —perguntou gentilmente.

—Sim, amo —replicou ela, lhe lançando um olhar mal-humorado.

Ele observou atentamente seu rosto.

—Não parece nem o mais mínimo carinhosa neste momento.

Agitou-lhe as pestanas e pôs olhos de cordeiro.

—Agora luz como se te fosses adoecer.

—Acredito que já o estou —resmungou enquanto ele abria a porta da carruagem e lhe oferecia sua mão.

Deslizou a mão na sua, sabendo muito bem que não poderia confessar que o colar e a cadeia se sentiam como a clara evidência da invisível cadeia que tinha preso seu coração ao dele do primeiro momento em que o tinha contemplado citando ao Byron no salão de seu irmão. Embora as fantasias de uma jovenzinha eram avassaladoras, logo descobriu que os desejos de uma mulher podiam ser duplamente perigosos.

A mansão chamada acertadamente Chillingsworth (tradução:digno de calafrio) surgiu na noite, um deteriorado montão de granite e pedra. A julgar pelo ar de decomposição que pendia sobre seu estado antes imponente, a fortuna da família tinha estado paralisando-se muito antes de que um primo imprudente perdesse a casa em uma ébria aposta com um vampiro.

Um véu andrajoso de nuvens rotas era atravessado pela luz da lua, separando-se justo o tempo suficiente para revelar uma fila de chaminés que se perfilavam contra o céu noturno como os dentes torcidos de um ancião. Cada janela da casa, inclusive as gretadas, tinha sido coberta com gaze negra, dando a sensação de que a casa mesma se lamentasse por seu perdido esplendor e reprovasse aos que tinham sido o bastante parvos para esbanjá-lo. Parecia a simples prova de que este lugar tinha sido abandonado pelos vivos e reclamado pelos não-mortos.

Enquanto Julian escoltava a Porta pelo atalho, a prega de sua capa se obstruiu na erva congelada que tinham permitido crescer através dos ladrilhos.

—Devo te advertir —disse ele—, que os vampiros não sempre se comunicam na mesma forma que os humanos. Grunhir, assobiar e beliscar são formas perfeitamente aceitáveis de expressar afeto a um companheiro.

—Que doce —murmurou ela, lhe apertando ainda mais o braço—. Um simples montão de balbuceios de bebê.

Estava quase na porta quando a deteve de súbito.

—Desde este ponto —sugeriu—, talvez seria melhor se caminhasse uns quantos passos detrás de mim.

Olhou-o fixamente durante uns segundos antes de entoar com doçura:

—Como deseja, meu senhor.

Um zombador sorriso diabólico curvou a comissura de sua boca.

—Poderia-me acostumar a isto.

—Não o faça —advertiu.

Deu uns passos, mas ela se manteve imóvel no lugar até que lhe deu um puxão gentil à cadeia. Suspirando, começou a caminhar detrás dele.

A porta principal da casa rangeu ao abrir-se sob o impulso de sua mão. Como o interior escuro o tragou tudo, ela se apressou a segui-lo, omitindo a consciência a imponente presencia a seu lado. Acompanhando-o passo a passo, contemplou através das sombras, esperando que seus olhos se habituassem à penumbra.

Quase gritou quando um tipo de olhos vazios saiu de um nada para tomar sua capa e seu manguito.

—Não sabia que os vampiros tivessem lacaios —murmurou ela enquanto o homem se levava seus acessórios, suas pálidas mãos acariciavam seu manguito como se fora um gato querido.

—Não têm —sussurrou Julian como resposta.

Porta abriu sua boca para lhe rebater mas o moço já tinha colocado sua capa ao redor de seus ombros ossudos, escapado pela porta e desaparecido na noite.

Enquanto Julian a conduziu dentro de uma cúpula e um comprido e profundo corredor, que devia ter servido alguma vez como salão de baile da mansão, rodeou-se com os braços rezando porque a débil luz ocultasse o muito humana arrepio que cobria seus braços.

moveu-se mais perto do Julian, sussurrando:

—Para ser criaturas que podem ser destruídas com fogo, os vampiros parecem extraordinariamente aficionados às velas.

As velas de cera de abelha ardiam por toda a lúgubre habitação em todo tipo de barras e se derramavam dos candelabros. Suas chamas dançavam em formas invisíveis e moldavam um manto de luz e sombra sobre as quase três dúzias de ocupantes do salão de baile. Porta se surpreendeu ao ver que a maioria dos vampiros simplesmente estavam ali de pé conversando ou reunidos ao redor de mesas jogando às cartas. Muitos deles pareciam mas bem aborrecidos tanto da noite como deles mesmos. No longínquo limite do salão de baile, um jogo de amplas escadas de mármore girava para cima caminho à galeria do segundo piso que rodeava a câmara.

Um quarteto desigual de vampiros se tombava sobre cadeiras em um canto, entoando seus instrumentos irregularmente, enquanto um tipo particularmente pálido com um nariz aquilino, de cabelo graciosamente encaracolado e uma covinha no queixo, apoiava atrevidamente um pé sobre o poeirento lar de mármore, entretendo a seus companheiros com uma espécie de oratória.

Sua voz sonora chegava a todos os rincões do salão de baile.

“Embora a noite foi feita para amar,

e o dia retorna muito logo,

não iremos nunca mais a passear

à luz da lua.”

Porta tropeçou diretamente com as costas do Julian.

—Mas, não é esse Lorde B...B...B…?

—Olá, Georgie —saudou Julian.

Quando o vampiro devolveu a saudação com um movimento ligeiramente efeminado de seus dedos, os olhos de Porta se alargaram.

—Quer dizer que os rumores eram certos? Lorde Byron realmente é um V...V...V...?.

—...vago insípido narcisista? Sim, isso me temo. E embora o tivesse acreditado impossível, é ainda mais aborrecido na morte do que foi em vida. Tenta imaginar a tortura de ter que escutá-lo desvairar dessa forma por toda a eternidade. É suficiente para lhe fazer a um desejar encaixar uma estaca no coração. Ou no dele…

Sacudindo a cabeça com desagrado, Julian se abriu passo através da audiência absorta do Byron. Porta ficou de pé contemplando ao legendário poeta até que Julian lhe deu um firme puxão à cadeia.

Apressando-se para alcançá-lo, murmurou:

—Tenho que confessar que esta reunião não é absolutamente o que esperava. Imaginava como uma reunião bacanal de libertinagem com virgens e gatinhos sacrificados em algum altar banhado de sangue.

Ele se girou para confrontá-la, sua voz baixa mas tinta de emoção.

—Não há necessidade de soar tão decepcionada. Os vampiros logo que têm lugar no mal, sabe? Se quer ver atos realmente meritórios de condenação eterna, deveria te unir ao exército de Sua Majestade ou visitar um dos clubes infernais no Pall Mall onde freqüentemente virgens soluçantes são sacrificadas à luxúria de nobres sem escrúpulos com muito dinheiro e muito pouca piedade. Os vampiros só destroem e matam para poder sobreviver. Os mortais o fazem pelo violento e selvagem prazer.

Ela deu um cauteloso passo para trás, perdendo o equilíbrio pela força de sua paixão.

—Briga de amantes? —A voz melódica se derramou sobre eles como seda líquida.

Um vampiro se materializou entre as sombras. Ia vestido com o estilo de um século atrás, com um calção curto e um hábito azul obscuro a française, com alfinetes de pescoço, botões botão de ouro brilhante e uma saia acampanada. Correntes extravagantes de encaixes caíam do pescoço e os punhos do elegante casaco. Embora não levava uma peruca empoeirada, seu comprido e liso cabelo dourado tinha sido preso em sua nuca em um acréscimo de veludo. Seus rasgos angélicos e seus brilhantes olhos azuis se teriam visto adequados no teto de alguma catedral florentina.

Julian executou uma profunda reverência.

—Querida, este é Raphael, nosso anfitrião da noite. Foi o suficientemente amável para me brindar sua hospitalidade quando retornei recentemente do Continente.

—Encantador lugar tem você aqui —murmurou ela torpemente, tratando de não olhar diretamente ao Raphael ou às descascadas fitas de seda que penduravam das paredes, as cascatas de cera derretida que gotejavam dos candelabros, as teias que adornava as aranhas de cristal, as folhas secas que se deslizavam pelo piso, os pardais que voavam entre os gretas expostas do teto, ou os espelhos deformantes que penduravam entre cada janela.

—Ainda mais encantado agora que você o agraciou com sua presença, minha senhora. —Raphael capturou sua mão e a levou até a boca. Em lugar de beijar seus nódulos, seus lábios úmidos roçaram a sensível pele do interior de seu pulso. Com a extremidade do olho, Porta olhou a boca do Julian apertar-se com desgosto.

—Bom, obrigado —replicou ela cortantemente, exibindo um sorriso de lábios finos. Ao sentir que uma de suas presas tocou sua carne, liberou a mão de seu apertão, aterrorizada de que sentisse seu pulso acelerado.

Ele contemplou seu rosto, uma careta de preocupação suavizava o corte sensual de seus lábios.

—Luz um pouco pálida, querida. Posso lhe oferecer algo de comer?

Ela tragou, mas antes de que pudesse dar uma resposta, Julian escorregou seu braço ao redor de sua cintura.

—Isso não será necessário. Jantamos antes de vir.

Raphael ainda a olhava fixamente, seus olhos entreabertos um pouco menos amáveis que antes.

—Alguma vez esqueço uma cara bela, sabe?, e quase juraria que vi a sua antes.

Julian jogou uma olhada ao redor como se queria assegurar-se de que ninguém escutava disimuladamente sua conversação, então se inclinou e murmurou algo ao ouvido do Raphael.

—Não! —exclamou o vampiro, seus olhos se aumentaram em dois sobressaltados poços azuis.

—De verdade —disse Julian com uma voz o bastante estridente para atrair aos vampiros que vadiavam ao redor das mesas de jogo no rincão—. E pode imaginar a irritação de meu irmão quando ela me rendeu voluntariamente seu corpo e sua alma.

Raphael aplaudiu as mãos belamente maricuradas, rindo-se com prazer.

—Roubou-lhe isso justo debaixo do nariz do caçavampiros, certo? Que assombroso golpe! Bom, pode estar seguro de que será a fofoca em cada estalagem da Inglaterra!

Julian meneou a cabeça modestamente.

O olhar do Raphael se atrasou sobre os cremosos montículos dos peitos de Porta que se divisavam pelo decote de seu vestido.

—Considerando sua história, como pode estar seguro de que ela não esconde ainda uma estaca ou um crucifixo aí dentro?

—OH, posso te prometer que foi revisão a fundo. Serei o único que realize estocadas esta noite. —Quando Julian lhe acariciou a nuca justo por cima do colar, Porta esperava que a pesada capa de pó pudesse dissimular seu abrasador rubor.

Raphael sorriu e a puxou do queixo como se fora um cachorrinho particularmente encantador.

—É muito calada, não? eu adoro uma mulher que sabe como manter sua boca fechada e suas pernas abertas.

Porta o atacou, seus dentes agressivos quase lhe morderam os dedos. Ele retrocedeu com surpresa.

Atendo-a cadeia ao redor do punho, Julian puxou-a até que estiveram nariz com nariz.

—Cuida suas maneiras —resmungou, despindo suas próprias presas—. Odiaria ter que te disciplinar em frente de outros.

Porta tinha esquecido que se encontravam a mercê de toda essa gente tão poderosa. antes de poder contê-lo, um grunhido lhe escapou dos lábios. Um pouco mais primitivo que um relâmpago formava um círculo ao redor deles, sacudindo seu corpo palpitante à vida com cada pulsado. de repente, era como se fossem as duas únicas criaturas na habitação, possivelmente no mundo inteiro.

Não sabia o que poderia ter ocorrido se os músicos não tivessem eleito esse preciso momento para começar a tocar seus instrumentos.

Quando vários casais se aproximaram da pista com impaciência, Julian afrouxou lentamente a tensão da cadeia.

—Dançamos?

—Como deseja, meu senhor —replicou ela, baixando suas pestanas para velar sua rebelde expressão.

Estendendo sua mão na estreiteza de sua cintura, conduziu-a longe do Raphael e dentro da valsa, deixando a seu anfitrião e cada um dos pressente lhes olhando atentamente com boquiaberta fascinação.

Enquanto giravam ao redor da pista ao ritmo dos altos tons de uma das peças mais alegres do Mozart, Porta se manteve tudo quão rígida seu possessivo abraço lhe permitia.

—Como deixou que me dissesse coisas tão horríveis?

—O que esperava que fizesse? Desafiá-lo a um duelo a morte?

—Como pôde você dizer coisas tão horríveis? Não tinha pensado que interpretaria seu papel de vilão com tanta convicção.

—Eu? O que me diz de ti? Eu sim sou um vilão. Você logo que estiveste fingindo ser um por uns quantos minutos e já está ladrando e grunhindo como uma espécie de cão raivoso.

Sacudiu a cabeça, fazendo que sua juba de cachos ondulasse a suas costas.

—Pensei que aos vampiros gostava disso em uma mulher.

Estreitou-a mais perto, tão perto que não havia escapatória à dura e faminta pressão de seus quadris contra os seus, antes de lhe grunhir ao ouvido.

—Nós gostamos.

Fez-a girar, sem lhe deixar mais opção que submeter-se a seu mando. A mesma noite que Duvalier a tinha seqüestrado, tinha sonhado dançando entre seus braços exatamente como agora. Em sua inocência, tinha acreditado que o baile talvez os conduziria a um intercâmbio de de palavras carinhosas sussuradas ou talvez a um beijo casto em um jardim iluminado pela lua. Jamais teria previsto este abandono selvagem que corria por suas veias, esta irresistível tentação de sucumbir a um baile ainda mais perigoso, um que tinha levado às mulheres ao êxtase e à ruína desde o começo dos tempos.

Levantou o queixo e encontrou seu olhar com valentia, ganhando confiança em cada passo. Possivelmente eram mais parecidos do que a nenhum dos dois gostariam de admitir. Viviam para a emoção do jogo, a pressa estimulante que acudia quando a frágil espera de seus destinos era perigosamente balançada entre suas mãos.

—Não deveríamos ficar por muito tempo —murmurou quedamente ao ouvido—. Raphael é um fofoqueiro desavergonhado sem uma onça de discrição. diz-se que foi quem informou ao Enrique VIII que Ana Bolena saía com quatro amantes que conspiravam para derrocá-lo. Não era verdade, é obvio, mas ainda assim o rumor lhe custou a cabeça a pobre Ana.

Quando se endireitou, Porta seguiu a direção de seu olhar. Seu anfitrião caminhava entre vários grupos, relatando o que acabava de testemunhar com um deleite que deixou aos homens sonrindo de satisfação e às mulheres murmurando detrás de seus leques. Ao parecer, os vampiros amavam um suculento bocado de escândalo tanto como os mortais. Logo, cada olhar do salão de baile se posou sobre eles. Porta não necessitou um espelho para saber que deviam formar um casal insólito.

Os olhos do Julian brilharam com triunfo.

—Acredito que nossa missão foi um êxito total. Pressinto que antes que o sol saia amanhã, Valentine se terá informado de tudo sobre nossa pequena e falsa união.

Uma rajada de vento irrompeu súbitamente no salão de baile, arrastando com isso um montão de trementes olhos seca. Porta levantou a vista por cima do ombro de Julian, agradecendo que o espesso pó sobre suas bochechas também ocultasse o modo em que o sangue abandonou seu rosto.

—Algo me diz que possivelmente não tenha que esperar tanto.

Ao tempo que os músicos e os bailarinos se detiveram de repente, Julian se voltou para descobrir a sua antiga amante de pé no alto das escadas.

 

—Maldita seja! —soltou Julian, enquanto Valentine baixava as escadas luzindo como um anjo, com seu cabelo loiro platino recolhido em um penteado alto sobre sua cabeça e a cauda de seu vestido branco neve flutuando detrás dela.

—Bom, desejávamos encontrá-la, não? —sussurrou Porta fracamente.

—Não, quando nos excedem em número e estamos em seu território —jogou uma olhada detrás deles, medindo o número de passos até a porta—. Tenho que te tirar daqui.

A régia presença do Valentine apartou aos outros bailarinos como se fora uma rajada de gelo do ártico. Porta tinha tentado esquecer-se do pasmosamente formosa que era, mas enquanto se aproximava deslizando-se para eles, com suas sapatilhas com jóias incrustadas logo que roçando o chão de mármore, Porta podia sentir que se encolhia até converter-se em um pequeno e feio duende.

Valentine se deteve diretamente diante deles, seu fixo olhar felino passando pela cadeia ao colar.

—O que é isto, mon cher? —perguntou ela, seu depreciativo olhar percorrendo a Porta—. Uma oferenda de paz? Aborreceste-te com os encantos da gatinha e disseste me deixar tê-la depois de tudo?

—Temo-me que não —respondeu Julian, enrolando a cadeia ao redor de seu punho e puxando Porta para seu lado—. Pelo contrário, decidi guardá-la para mim.

Valentine franziu seus exuberantes lábios vermelhos em um princípio de panela.

—Não precisa ser tão ambicioso. Se eu capturasse um mascote tão bonito, compartilharia-a contigo.

Ele bufou.

—Se você capturasse um mascote tão bonito, não ficaria nada para compartilhar uma vez que tivesse terminado com ela.

O ondulação suave da risada do Valentine pôs arrepiada a nuca de Porta.

—Conhece-me muito bem, verdade, carinho? Então, por que vieste aqui esta noite? Para suplicar meu perdão por te comportar tão abominablemente a ultima vez que nos vimos?

—Para ser perfeitamente honesto, não esperava te encontrar aqui. Acreditava que sempre te tinha considerado por cima de tudo… isto. —O elegante encolhimento de ombros do Julian de algum jeito conseguiu abranger ao Raphael e a seu grupo variado de convidados, a maioria dos quais estavam observando seu intercâmbio com uma inquietante combinação de malevolência e deleite.

Ela suspirou.

—Se tiver que sabê-lo, as noites foram muito largas e estive muito aborrecida e só sem ti. Raphael mantém um par de jovens e robustos servos encadeados escada acima que tem estado muito felizes de aliviar meu aborrecimento por algumas horas.

Porta não pôde resistir jogar uma olhada à cara do Julian, mas seguia estando tão impassível como uma peça de escultura de mármore.

—Se você quiser —continúo Valentine—, eles podem manter ocupada a sua gatitnha pelo resto da noite enquanto você e eu nos pomos ao dia.

Porta se aproximou ainda mais perto do Julian, que a olhou de esguelha lhe recordando que tivesse a boca fechada.

—Minha gatinha tem nome. Ou o esqueceste?

Valentine se golpeou os lábios com um pálido e magro dedo indicador.

—me deixe ver… era Penélope? Prudence? Prunella?

—por que não tenta com Porta? —incito Julian gentilmente.

—Ah sim… Porta. —Seu lábio superior se curvou em um sorriso de desprezo—. Seu nome é Porta. E ela é uma relíquia sentimental de sua juventude desperdiçada. Desejo que já tenha tomado o que necessitava da pequena moléstia. Julgando por sua palidez, está em perigo de beber da pobre criatura até deixá-la seca. —aproximou-se e lhe deu a Porta um tapinha como de irmã no braço—. Tem minha sentida simpatia, querida minha. Estou a par de quão insaciáveis podem ser os apetites do Julian. Todos seus apetites.

Igual a seus agudos palavras pulsaram um nervo sensível, Porta se mordeu o lábio tão forte que temeu que ia arruinar seu ardil ao fazê-lo sangrar.

Julian só ria.

—Não tem que preocupar-se por ela. Posso-te assegurar que agora compartilha esses apetites. Todos eles.

Era o turno do Valentine de parecer horrorizada.

—Certamente você não… Não quererá dizer que ela é…

—Assim é. —Seu sorriso era tão frio que Porta não se teria surpreso de ver gelo formando-se sobre seus lábios—. Ela é um dos nossos agora. —Envolveu um braço possessivo ao redor de sua cintura, atraindo-a para seus braços—. E é toda minha.

Não estava preparada para a primitiva emoção que correu através de sua alma ao escutá-lo reclamá-la tão atrevidamente. Por um perigoso momento, foi muito fácil acreditar que estava falando com o coração.

Valentine sacudiu a cabeça, simplesmente horrorizada.

—por que faria uma coisa tão absurda? Nem sequer matou a um humano antes, muito menos roubar uma alma.

Julian alargou a mão para percorrer com o reverso dos dedos a bochecha de Porta com a carícia de um amante.

—Possivelmente nunca encontrei antes uma digna de roubar. Uma tão audaz, terna e irresistivelmente doce. Que homem… ou vampiro não quereria passar uma eternidade em seus braços? —Fez seu cabelo a um lado e pressiono seus lábios contra o ponto maravilhosamente sensível justo detrás de sua orelha, enviando um estremecimento de abrandem agradar profundamente a seu ventre. Não teve que fingir seu ofego de prazer—. Ou em sua cama?

Valentine começou a balbuciar, abandonada por completo sua enjoativa compostura. Por um breve momento, Porta quase sentiu compaixão por ela. Quando finalmente recuperou a voz, esta tinha um feio vaio que não tinha estado ali antes.

—Ela poderá ser terna e doce mas nunca te agradará como eu o fiz. Fui amante de Imperadores e Reis? Passado um ano de sua vida no harém de um sultão, estudando milhares de diferentes técnicas para dar agradar a um homem?

—Eu sou o único homem ao que terá que lhe dar agradar. E te posso assegurar que está mais que preparada para a tarefa. —Deu-lhe um gentil puxão à cadeia, afastando a do Valentine—. Vêem carinho. Abandonemos este lugar enquanto a noite é ainda jovem.

Estavam na metade do caminho para a porta quando um terrível chiado retumbou através do salão de baile.

—Ela não pode te ter. Eu fui quem te resgatou da estaca em Paris. Pertence-me!

Porta se deteve, dando-a volta tão rapidamente que arrebatou o extremo da cadeia da mão do Julian. antes de que conseguisse alcançá-la, ela se lançou dando pernadas de volta através de salão de baile, arrastando o comprido da cadeia detrás dela. Enquanto ela se detinha frente a Valentine, vários dos vampiros que olhavam boquiabertos começaram a afastar-se delas.

—Sabe, Mademoiselle Cardew —disse ela—. Realmente não importa a quantos sultões serviu ou de que reis foi prostituta. Talvez conheça um milhar de técnicas diferentes para dar prazer a um homem, mas eu ainda posso lhe dar ao Julian algo que você nunca poderá.

Valentine sorriu com desprezo baixando seu nariz aristocrático para ela.

—E que poderá ser isso?

Porta fez uma respiração profunda.

—Meu amor. Você o terá salvado da estaca, mas foi meu amor o que o manteve vivo quando Duvalier tentou destrui-lo faz tantos anos. Isso significa que ele foi meu primeiro. E segue sendo meu. Você bem poderá possuir sua alma. —inclinou-se mais perto, arrojando as palavras da mulher de volta a seu lívida cara—. Mas eu sempre terei seu coração.

Embora Porte teria acreditado impossível que a pele de alabastro do Valentine ficasse mais branca, fez-o. Com um uivo de raiva, tirou de um puxão uma pequena garrafa de cristal de seu cinto. Arrancou o plugue com suas unhas carmesim e arrojou o conteúdo à cara de Porta.

Porta gritou e se aplaudiu a cara. Pelos gritos de horrorizado assombro e fortes lamentos que surgiram dos vampiros, tivesse esperado que sua carne se começasse a queimar e derreter até os ossos. Mas quando não sentiu muito mais que uma ardência, começou a baixar lentamente as mãos, pestanejando para tirá-la coisa de seus olhos.

Dirigiu ao Valentine um olhar de incredulidade, seu alívio tão real que não pôde evitar o início de um estalo de risada.

—Não sei por que estão fazendo todos tanto alvoroço. É só água!

Quando Porta se deu conta do que tinha feito, a frase “silêncio de morte” nunca tinha parecido mais adequada. Roubou um olhar a seu redor e tudo o que pôde ver foram olhos entrecerrándose até frestas hostis e lábios divididos para revelar o brilho mortal de presas. Dirigiu ao Raphael um olhar suplicante, mas a única resposta de seu até agora amigável anfitrião foi um vaio serpentino.

Então o verdadeiro clamor começou.

—Ele nos enganou.

—Ela é uma mortal.

—Acreditei que tinha cheirado algo doce.

—Logo que posso esperar a afundar meus dentes nisso.

—Terá que esperar seu turno como o resto de nós.

Os vampiros se fecharam a seu redor, formando um circulo que nem Julian poderia penetrar. E à cabeça estava Valentine, seus olhos verdes brilhando e seus lábios rubi exuberantes curvados em um sorriso triunfante.

—Porta! A água!

A voz profunda do Julian continha uma nota de mandato que era impossível de ignorar. Jogou uma olhada a seus goteantes mãos com desconcerto. Depois lhe chegou a inspiração e se sacudiu como se fora um cão molhado, arrojado gotas de água bendita a todas partes.

Valentine e os outros vampiros chiaram e retrocederam, protegendo seus olhos e rostos com suas mãos. O fedor de carne ardendo encheu o ar.

Essa era toda a distração que Julian necessitava. Passou aos agitados vampiros com um só salto, elevando a Porta de seus pés até tê-la em seus braços. Ela chiou e enlaçou por instinto os braços ao redor de seu pescoço enquanto ele flexionava os joelhos e saltava, mandando-os voando para a galeria.

Aterrissou em cócoras sobre seus pés, absorvendo o impacto do choque antes de que pudesse correr através dela. Gritos furiosos soaram através do salão de baile, abaixo.

Julian se retorceu sobre seus pés, seu frenético olhar procurando qualquer via de escape.

Seguindo a direção de seu olhar para a janela de cristal colorido no extremo longínquo da galeria, a boca de Porta se abriu.

—Certamente não tentasse… —se girou para olhar —.sabe que não posso me converter em um morcego, verdade?

—Estou desejando que não tenha que fazê-lo —disse severamente—. Só agarre-se a em mim como se sua vida dependesse disso. Porque muito bem poderia está-lo.

lhe dando muito pouca opção a respeito, arrancou em uma carreira de morte. Saíram disparados para a janela, suas largas pernadas comendo o comprido da galeria. Com sua choramingação crescendo até ser um lamento, Porta apertou os olhos e enterrou a cara contra sua garganta no preciso momento em que saltou e a janela explorou em um arco íris colorido de cristal feito pedacinhos.

 

Porta abriu os olhos e encontrou a um divino coro de querubins que cantavam debaixo dela. Estes se encarapitavam nas suaves e brancas nuvens de um celestial firmamento. Seus dedos pequenos e rechonchos tocavam as cordas de douradas liras.

—OH, amado Deus! —sussurrou—. Estou morta!

levou-se uma mão à boca. Talvez não era o momento mais oportuno para começar a blasfemar.

debaixo dela, os querubins sorriam satisfeitos, aprofundando as covinhas de suas rosadas bochechas.

Seu espírito podia residir em uma nuvem, em uma luminosa e pequena esquina do paraíso; mas, provavelmente, seu corpo estava convertido em um matagal de membros quebrados e retorcidos em algum esquecido pátio do senhorio do Chillingsworth.

Pelo menos Julian não estava sujeito ao sombrio final de morrer, pensou com um pequeno e melancólico suspiro. depois de enviá-la ao encontro com a morte, provavelmente tinha saltado sobre um pé, sacudido o pó de sua capa e retornado a Londres a por uma nova garrafa de porto e a outro jogo de farol.

Inexplicavelmente, incomodou-se com o bom humor dos querubins, e apartou o olhar bruscamente, longe deles.

—OH, amado Deus! —disse de novo, esta vez com um tom totalmente diferente.

Seus olhos lhe deram de presente uma imagem totalmente pagã. Uma criatura muito estranha, metade homem e metade cisne, parecia estar lutando com uma jovem e voluptuosa mulher, quase nua, em algum tipo de romântico avanço. Apesar de que a donzela grampeava os restos de sua arruinada túnica à altura de seus seios, seus lábios sorriam deslumbrantes em um sinal nada delicado de que realmente desfrutava da voraz atenção.

—OH, meu Deus! —murmurou Porta, obrigando-se a voltear a cabeça para absorver a impressão de seu ato amoroso. O calor alagou suas bochechas e outras partes menos respeitáveis de seu corpo, desejando o que não tinha.

O calor pareceu queimar os últimos vestígios de sua mente em espirais de densa fumaça. Nesse momento, precaveu-se de que sua primeira percepção era errônea, não flutuava sobre uma nuvem no firmamento, mas sim observava um descolorido mural, pintado em um teto abovedado por algum artista morto, certamente para muito tempo.

Os inocentes querubins estavam se localizados ao lado de vários personagens da mitologia grega, incluindo o Zeus, o ardiloso deus que se transformou em cisne para seduzir à confiada mas pouca disposta Leda.

Porta se sentou afundando-se na cama, assombrada ao dar-se conta, de repente, que vestia unicamente sua roupa interior de fina seda. Ao inclinar-se, o decote da camisola revelou uma alarmante porção de seios e ombros cremosos. Sua mão voou a seu pescoço para encontrar que o colar de ouro também tinha desaparecido. Ao parecer tinha sido liberada de suas roupas e das cadeias.

Alguém, também, tinha solto sua cabeleira dos pentes de prender cabelos e tinha limpo os pós de maquiagem de sua cara. Extranhamente, estremeceu-se mais ao imaginar as mãos do Julian limpar meigamente o pó de suas bochechas antes de que desatasse as baleias do espartilho de seu traje.

Um candelabro estava ao pé da cama, sua oscilante luz esclarecia pouco a penumbra da habitação. Embora as velas estavam elaboradas da mais fragrante cera de abelhas em vez de simples sebo, a maioria delas eram pouco mais que refugos. Uma teia cobria o deslustrado metal do candelabro, como um encaixe desfiado que flutuava ante o fôlego de um ser oculto. Chapeada-a luz da lua atravessava furtivamente os barrotes de uma janela localizada no canto mais afastado do quarto, debaixo dos beirais.

sobressaltou-se quando a porta se abriu e Julian entrou em aposento levando uma manta de lã sobre seu braço.

—Suponho que responderá a cada uma de minhas perguntas —disse, assegurando fortemente o decote de sua camisola—. Definitivamente não estou no céu ou você não estaria aqui.

—O Príncipe das Trevas a seu serviço, milady —disse enquanto varria o chão ao realizar uma exagerada reverência

O vento balançou seu cabelo e seus brilhantes olhos negros fizeram que representasse muito bem o papel adotado. O travesso duendezinho que tinha roubado seu traje também parecia ter feito o mesmo com a capa, colete e botas do Julian, já que só vestia uma camisa de linho e calças cor marfim. Seu lenço pendurava frouxamente ao redor de seu pescoço.

Ele sacudiu a manta com um despreocupado encolhimento de ombros.

—Acenderia um fogo na chaminé mas estou seguro que não é um de meus melhores talentos.

Porta entendia muito bem isso. Especialmente quando uma só faísca podia incinerá-lo.

Envolveu a manta ao redor de seus ombros enquanto ele se sentava em uma dourada e amaciada cadeira localizada aos pés da cama. Se o brilho do assento não estivesse descascando-se ou o cheio transbordando-se pelos braços, este tivesse podido passar por um trono apropriado.

—Onde estamos? —perguntou nervosa, observando as escuras esquinas da habitação.

—Acredito que isto é quão melhor temos para nos proteger por algumas horas. O Senhorio do Chillingsworth, felizmente, não é a única casa abandonada nesta paróquia. Julgando pelos lençóis que cobrem os móveis, os inquilinos desta casa podem planejar voltar algum dia. Espero isso mas com segurança não esta noite.

—Como conseguimos entrar?

—Através de uma janela quebrada. —Sorriu ao ver sua expressão—. Não ponha essa cara de medo. Posso te assegurar que entrar furtivamente em uma casa abandonada é o menor de meus pecados.

—Bem, certamente não discutirei essa afirmação. —Seus olhos se encontraram por um comprido momento mas foi Porta quem apartou primeiro o olhar.

—Supunha que os vampiros não podiam entrar em uma casa sem um convite? —Ele levantou suas Isso sobrancelhas é só quando há alguém no lugar.

Ela franziu o cenho.

—por que não recordo ter entrado nesta casa?

—Se não recordar quando roubamos um cavalo dos estábulos do Raphael e audazmente evitamos a nossos perseguidores, é porque te levava sobre meu regaço como um saco de batatas. Deprimiu-te.

Ela gemeu.

—Que embaraçoso! representei uma boa quantidade de desmaios em minha vida, mas nunca tinha sucumbido a um genuíno. —Espiou sob a manta para observar sua pouco convencional roupagem—. É muito estranha mas tampouco posso recordar a mudança de traje. É que acaso aconteceu em algum momento enquanto galopávamos através do baldio?

—Não, mas estas foram orvalhadas com água bendita e me cansei de ser queimado cada vez que me roçavam —atirou para cima os punhos de sua camisa revelando escuras marcas de queimaduras ao longo de seus musculosos antebraços.

—OH! —exclamou Porta, com genuína consternação. Teve que lutar com o absurdo desejo de ir a ele, de pressionar seus lábios contra sua pele ferida como uma forma de acalmar a dor.

Ele se encolheu de ombros.

—Curarão. Talvez não tão rapidamente como uma ferida de bala, é obvio, mas com o tempo o farão. —Enquanto se inclinava para trás e cruzava as largas pernas à altura dos tornozelos, perguntou—: Quando te precaveu de que sua roupa tinha desaparecido, temeu que minhas intenções fossem pouco honoráveis?

Porta imitou o tom de sua voz.

—Geralmente quando um homem rapta a uma mulher é por algum motivo infame.

—Tratava de salvar sua vida, não te obrigar a que te fugisse comigo a Gretna Green.

Ela inclinou sua cabeça, estudando-o por debaixo de suas pestanas.

—Pensei que possivelmente tinha decidido assentar seu lar comigo como seu gatinho.

—Se desejasse um mascote, conseguiria um cão. Suas garras não são tão afiadas e seu afeto é mais fácil de conseguir.

—Essa brincadeira foi muito injusta, não crê? Especialmente quando tive que passar a anterior parte de nossa fuga pega a seus calcanhares como um cachorro ansioso. —Levou a mão a seu pescoço—. Possivelmente se tomasse o colar e a cadeia teria uma forma de me ter em suas mãos.

—Não crê que a idéia não me tentou. Por um instante considerei te dizer que perdi a chave durante nossa arriscada carreira pela liberdade.

—Bem, logo que tivesse podido te arreganhar por seu descuido quando me burlei em todo momento na toca de uns coléricos e assassinos vampiros.

A queixada do Julian rangeu.

—Se queria ocasionar uma distração, seu plano foi um êxito total. Desejei, por um breve momento, te assassinar eu mesmo.

Porta baixou os olhos. Não recordava todos os detalhes de sua espetacular escapada, mas a sua mente veio a lembrança do preciso instante em que atravessou esse salão de baile para enfrentar-se com a anterior amante do Julian.

—O que foi o que a verdadeira Valentine lançou junto com a água bendita, ou não o era?

—Capturá-la não deve ser agora um grande desafio. Ela, provavelmente, esperará-me na soleira do Adrian quando conseguirmos chegar a casa. Esta noite, esteve absolutamente magnífica —adicionou Julian brandamente—. É a melhor atriz que tenha conhecido. Se não fosse tão cínico, tivesse acreditado cada palavra que lhe disse.

Ela levantou a cabeça para olhar o de frente aos olhos.

—Possivelmente é porque cada uma delas era certa.

 

Julián agarrou os braços da cadeira, rígido cada músculo de seu corpo.

Porta encolheu delicadamente um ombro, fazendo cair a manta ao momento.

—OH, tratei de não te amar, verdadeiramente o tentei. Desgostou-me apaixonadamente durante quase uma semana quando foi a primeira vez e tivo relativamente êxito em te odiar desde que descobri ao Valentine. Mas tenho medo que os velhos hábitos persistam, especialmente esses arraigados no terno coração de uma jovenzinha. Quando Valentine te reclamou esta noite, decidi que não ia render-me tão facilmente. Se ela quer brigar por ti, então eu também.

Desenredando suas largas pernas baixo ela, deslizou-se fora da cama e se levantou. lhe mostrando um sonho, uma de suas mais doces e escuras fantasias, a vela jogava sobre as dobras transparentes de sua camisola, despertando à vida uma rosada insinuação de mamilo e um tentador matagal de sombras entre suas bem proporcionados coxas.

Ele voltou sobre seus passos, escapando-se ao redor da cadeira e rechaçando-a como se fora a única com o poder de lhe destruir.

—O que crê que está fazendo, Porta? supunha-se que enlouqueceria de ciúmes ao Valentine, não que me enlouqueceria .

—esqueceste que se supõe que sou sua noiva eterna? E toda noiva merece uma noite de bodas, não?

Assinalou-a com o dedo, surpreso de que não estivesse muito estável.

—Se te puser um dedo em cima esta noite, não terei que me preocupar porque Valentine me destrua. Adrian o fará por ela.

Ela sorriu e se aproximou um passou mais para ele, ficando a seu alcance.

—Poderia merecer a pena.

apoiou-se direito na parede, apertando os dentes contra a selvagem corrente de desejo.

—Isso é o que temo.

Apoiando ligeiramente as mãos sobre seus ombros, ela ficou nas pontas dos pés e pressionou um beijo na parte inferior de sua mandíbula, a encantadora suavidade de seus seios roçando seu peito.

—Salvei-te nessa cripta —sussurrou—. Me deve isso.

—O sim —grunhiu—. Por isso me mantive longe de ti todos estes anos. Para recompensar sua bondade.

Contemplou-o, com os olhos compassivos e luminosos.

—Recorda o que passou?

—Como poderia esquecê-lo ? Quase lhe Mato.

—Não é assim como eu o recordo.

Desesperado por apagar a terna expressão de sua cara, agarrou-a pelos ombros e inverteu as posições, imobilizando-a contra a parede com a dureza de suas mãos, de seu corpo.

—Então, me deixe te refrescar a memória, anjo. Beijou-me. Depois me encadeou ao muro tal e como te tinha pedido que fizesse. Mas não o fez para te proteger. Fez-o para me ter a sua mercê. Assim é que me forçou a fazer o impensável.

—Não tinha opção. Estava morrendo.

—Então deveria me haver deixado morrer! —Enquanto o eco de seu grito se atenuava, afastou-se da parede e dela, apartando o cabelo da cara—. Com ou sem minha alma, como posso ser algo mais que um monstro depois do que te fiz?

Agarrou-o por braço, aproximando-o para ela.

—Fez tudo o que estava a seu alcance para me salvar. Fui eu quem te seduziu. Fui eu quem se sentou em seu regaço enquanto estava encadeado, beijei-te, toquei e utilizei todas as patéticas habilidades de minha ingênua disposição, aprendidas lendo acidentadas novelas góticas, para te seduzir, para que cravasse suas presas em minha garganta.

—Foi tão inocente! Não te deu conta do tipo de besta que estava a ponto de desatar.

—Pode que eu tenha sido inocente, mas não estúpida. Sabia exatamente o que custaria te salvar. E estava disposta a pagar o preço. —Negou com a cabeça inutilmente—. Nunca foi uma besta, Julián. Não te lembra? Rompeu essas cadeias. Arrancou-as da parede e veio detrás de mi. Mas não me matou. —Apesar das lágrimas brilhando em seus olhos, sua voz e seu olhar eram firmes—. E não me violou.

—Só porque te ofereceu voluntariamente. Se não o tivesse feito... —Deixou inacabado o brutal pensamento, recordando ainda o sabor do sangue em seus lábios, o horror que se arrastou sobre ele quando a luxúria e o desejo de sangue cessaram e a encontrou tombada debaixo dele, quieta e pálida.

—Teria-me tirado de qualquer maneira? É isso o que crê?

—Você não? —perguntou ele, recusando sobressaltá-la com seu olhar intransigente—. Meu único consolo foi o saber que não sofreria a vergonha de levar a meu menino—. Lhe escapou uma risada amarga—. Quem ia pensar que estaria agradecido de não poder criar vida, só morte?

Ela levantou o queixo.

—Fiz o que tinha que fazer e você também. Nunca o lamentei. Nem por um minuto.

—Pois bem, eu o lamentei cada minuto de cada dia e noite após. E minha maldição é seguir lamentando-o por toda a eternidade. —Agarrou-a pelos ombros e lhe deu uma forte sacudida—. Realmente pensa que recuperar minha alma limparia todos meus pecados? Tem alguma idéia do que tenho feito para sobreviver? Inclusive com minha alma, não seria mais digno para uma mulher como você que um imundo farrapo que esteve atirado na sarjeta todos estes anos!

Ela piscou, lentamente uma pergunta brotando em seus olhos.

—Não deixou ao Valentine conservar sua alma porque estava apaixonado por ela, verdade?

Embora cada vez se via mais desesperado, sua voz e seu agarre se suavizaram.

—Não, Meu deus me ajude, deixei-lhe minha alma porque estava apaixonado por ti. Sabia que nunca poderia ser digno de ti e acreditava que enquanto fosse um vampiro, nem sequer poderia tentá-lo. —Com uma mão roçou sua garganta, brandamente acariciando as cicatrizes que lhe tinha deixado ali—. Quando me abriu os braços na cripta, foi o presente maior que ninguém me tinha feito. Mas merecia muito mais de seu primeiro amante. Mais paciência, ternura... e prazer...

Cobriu a mão com a sua.

—Não é muito tarde, Julián. Ainda pode me dar o que me mereço.

—Não sei se posso —confessou com voz rouca—. Não confio em mim mesmo respeito a ti, Porta. Nunca o faço. Com outras mulheres, posso controlar mim... meus apetites antinaturais. Mas contigo... —Negou com a cabeça, seu corpo já começava a arder com uma selvagem e doce febre.

—Não tem porque confiar. Eu confio em ti o bastante pelos dois.

Com essa promessa, cavou a cara em suas mãos tal e como ela o tinha feito na cripta uns anos antes e pressionou seus lábios com os seus. Grunhindo sua rendição, Julián a agasalhou em seus braços e a arrastou dentro de seu abraço, sabendo que lhe levaria uma eternidade saciar completamente o anseio desesperado por seu beijo. Tratou de moderar sua fome com ternura, mas ela acolheu com agrado o ousado impulso de sua língua, enlaçando seus braços ao redor de seu pescoço e lhe devolvendo o beijo com uma feroz necessidade que igualava à sua.

Ainda havia uma parte selvagem dele que queria levantá-la contra a porta, empurrar a delicada camisola de seda sobre seus quadris, e tomá-la apaixonadamente mas não com mais delicadeza da que lhe tinha mostrado a primeira vez.

Mas ela acariciou seu cabelo com os dedos, domando-o com nada mais que seu toque e o sussurro de seu suspiro contra seus lábios. Em seus braços não se sentia como um monstro. Ela o fazia sentir como um homem.

Ainda saboreando a doçura derretida de sua boca, deslizou um braço sob seus quadris, levantando-a como se não pesasse mais que um menino. Enquanto a levava para a cama, ela envolveu com as pernas sua cintura, lhe arrancando um som afogado do fundo de sua garganta.

Deixou-a sobre a colcha de plumas, resistente a render-se a seu calor mas ansioso de devorá-la com os olhos. Enquanto se retirava tirando-a gravata e a camisa, observava-a, seus olhos brumosos à luz da vela, o rocio de seu beijo brilhando tenuemente em seus lábios separados. Ficou consternado ao encontrar uma lágrima pendendo das ligeiras e escuras pestanas.

—Não chore, Olhos Brilhantes, —disse ferozmente, agachando-se ao lado dela na cama e apartando a cristalina gota com seu polegar—. me dispare, me queime, crava uma estaca em meu coração se quiser, mas por favor não chore. Posso suportar algo exceto suas lágrimas.

—Só é que estive esperando por ti tanto tempo —sussurrou.

—Uma eternidade —acordou ele em voz baixa.

Ele ainda duvidava. Era muito maior que ela, muito mais forte. Tinha-a ferido uma vez e se sua natureza o levava a fazê-lo de novo, não haveria poder no inferno ou na terra que pudesse detê-lo. Mas não queria lhe causar dor. Desejava lhe dar agradar. Desejava usar cada precioso minuto da noite e cada arma ao seu dispor para levá-los a um êxtase estremecedor uma e outra vez. Desejava lhe fazer o amor até que gritasse seu nome e esquecesse o dela. Até que não houvesse nem um passado nem um manhã, só as intermináveis horas entre a meia-noite e o amanhecer.

Sua boca planejou sobre a sua, seus crus sentimentos afligidos pelo calor de seu corpo, a riqueza de seu perfume...sua mesma vitalidade. Podia ouvir seu coração pulsando, saborear a doçura de seu fôlego, cheirar sua excitação. Tinha vagado pelo mundo só para encontrar o mais potente dos afrodisíacos exatamente aqui em seus braços. Se o rechaçava em sua cama antes de que pudesse lhe roubar outro beijo, arruinaria-o para qualquer outra mulher.

Lhe acariciou o cabelo da nuca, frisando-o ao redor de seus dedos.

—Quando murmurava meu nome em seu sonho, Com o que estava sonhando?

—Com isto. —Descendeu sua boca sobre a dela, beijando-a com toda a dolorosa ternura que uma vez lhe tinha negado.

Porta gemeu quando a língua do Julián formou redemoinhos sobre seus lábios separados antes de entrar profundamente em sua boca. Beijou-a como se fora uma inocente e querida noiva a que terei que cortejar e persuadir antes de que se rendesse aos prazeres de seu toque. Sua boca se inclinava sobre a dela uma e outra vez, drogando-a com um espesso e doce prazer que fluiu como mel através de suas veias, inchando e endurecendo seus mamilos antes de surgir entre suas coxas.

—por que, Sr. Kane —resmungou quando lhe permitiu roubar uma pausa— trata você de me seduzir?.

—Disse-me que te desse o que te merecia —murmurou, o rico e hipnótico timbre de sua voz era sedutor—. E uma mulher tão bela como você merece ser seduzida ao menos três vezes em uma noite, possivelmente mais.

Enquanto essa ardilosa boca trabalhava a sua maneira da esquina de sua boca pela curva da mandíbula até o minúsculo pulso que pulsava na base de sua garganta, fechou os olhos e exalou um tremente suspiro. Nunca sonhou que pudesse estar tão agradecida de que ele fora uma criatura noturna.

Quando seus lábios roçaram sua garganta, um estremecimento quebrou seu poderoso corpo. Mas o sujeitou sob controle, beijou sua orelha e encheu as mãos com seus seios. Ela ofegou ante sua audácia, arqueou-se fora da cama a suas magistrais mãos. A habitação estava fria mas seu corpo estava ardendo, seu calor febril prendendo um fogo em resposta a sua carne.

Sua boca se fechou sobre um dos seios, lambendo as chamas incluso mais altas. Provocou ao imaturo e tenso mamilo com a língua até que a seda da camisola ficou úmida e aderida, então retrocedeu para sopro o tecido com delicadeza. Ela nunca tinha conhecido tal deliciosa tortura. Em vez de lhe pedir que se detivera, enredou suas mãos na seda pura de seu cabelo, animando-o. Atraiu o outro mamilo ao calor exuberante de sua boca, amamentando-o profunda e duramente até que pequenos e deliciosos calafrios de necessidade estalaram em seu ventre.

Um rouco gemido de protesto escapou de seus lábios quando ele se sentou em seus joelhos, escarranchado entre suas coxas. Ela abriu os olhos justo quando as mãos dele apanharam a seda da camisola. A delicada malha se rasgou como um pergaminho sob a força sobrenatural de suas mãos, deixando-a nua e vulnerável sob seu olhar.

Os olhos do Julián se deram um festim com o maravilhoso corpo de Porta banhado na luz da vela. Tinha estado quase cegado de fome e de desejo nessa cripta iluminada por tochas. Tinha caido sobre ela como a besta voraz que era nesse momento, sem logo que tomar-se tempo para apartar a saia e abrir de um puxão suas calças antes de cravar suas presas e a si mesmo profundamente em seu tenro e jovem corpo. Só em sua imaginação e nos incontáveis sonhos que lhe tinham enfeitiçado desde esse dia a tinha visto assim.

Ela era inclusive muito mais formosa que em sua fantasia mais febril. Os cachos escuros derramados através da colcha, emoldurando as ruborizadas bochechas, seus úmidos e separados lábios. Os seios cheios estavam amadurecidos e rosados por seus generosos cuidados. Seu olhar percorreu o corpo, passando pela esbelta cintura e a pequena e deliciosa covinha de seu umbigo para seus generosos quadris e o ninho de lustrosos cachos entre suas coxas.

Incapaz de resistir a tentação, estendeu seu comprido e magro corpo ao lado dela tocando-a ali, dividindo esses sedosos cachos e as delicadas pétalas de debaixo com apenas um dedo.

Porta tremeu sob seu toque. Nesse momento era seu gatinha, ronronando e retorcendo-se sob o roce magistral de sua mão. Apertou os olhos fechados quando seus compridos e aristocráticos dedos a tocaram inclusive mais habilmente que às teclas do pianoforte, lhe surrupiando uma melodia de gritos sufocados, gemidos e suspiros trementes de desejo. Quando parou de tocá-la, colocando-a no ponto mais alto de algum extraordinário precipício, nunca tinha sido tão consciente de sua própria mortalidade. Pensou que ia morrer.

Abriu os olhos, ofegando ao ver sua cara.

Julián não precisou ver-se refletido para saber que suas presas estavam totalmente estendidas, seus olhos brilhando com demoníaca luz. Elevou-os para sua cara, incapaz de esconder o que era ou sua fome apaixonada por ela.

—Precisa te alimentar? —sussurrou ela simplesmente, em vez de retroceder horrorizada tal e como ele temia que fizesse.

Um preguiçoso sorriso curvou os lábios dele.

—OH, tenho.

Então ele se deslizou para abaixo dela nas oscilantes sombras projetadas pelas velas.

Enquanto sua boca seguia o caminho que seus dedos forjaram, com delicioso cuidado de não arranhar sua delicada carne com suas presas, Porta se arqueou sobre a cama e ficou a seu cuidado. O golpe ágil de sua língua a transportou para um escuro e perigoso Éden onde eles poderiam dar um banquete com a fruta proibida sem ser desterrados do jardim. Ele era ambas as coisas, serpente e anjo, tentação e salvação, e ela sabia que não estaria satisfeito até que se rendesse a ele, em corpo e alma.

agarrou-se a seu cabelo enquanto o prazer pulsava através dela em ondas líquidas. Justo quando essas ondas a absorveram em um espasmo trêmulo de êxtase, ele utilizou seu comprido dedo com o espesso e cremoso néctar de sua rendição para riscar seu caminho profundamente dentro de seu próprio centro, prolongando seu êxtase durante uma deliciosa eternidade.

Quando finalmente seus olhos revoaram ao abrir-se, Julián se abatia sobre ela, tratando de ver sua cara.

—Por um momento me assustou. Pensei que poderia te haver desacordado outra vez.

Sorriu-lhe sonolenta e aturdida, seu corpo ainda tremendo com pequenas sacudidas secundárias de deleite.

—Não quero me perder nem um momento de esta noite. Não importa que travessura pecaminosamente carnal faça em meu corpo, nego-me a me desvanecer.

Arqueou uma sobrancelha malvada.

—É uma provocação?

—Suponho não posso te deter se escolher tomá-lo como tal —respondeu ela calmamente.

—Bem —respondeu, sentando-se sobre suas nádegas e alcançando a abertura dianteira de suas calças. Tal e como estava, logo que podiam contê-lo.

Porta colou sua mão sobre ele, sua coragem vacilando.

—É muito tarde para me comportar como uma ruborizada virgem e te pedir que apague as velas?

Seus olhos pesados tanto com desejo como com pesar, atraiu a mão dela para seus lábios, pressionando o mais tenro dos beijos em sua palma.

—Por ti, minha senhora, apagaria a mesma lua.

Porta quase lamentou sua petição quando se deslizou fora da cama e pelo atapetado para o candelabro, roubando um último olhar dela sobre seu ombro. Quando apagou as velas uma por uma, bebeu a graça fluída de seus movimentos, os músculos esculpidos de seu peito e as ondas de seu abdômen, sua boca ficou seca pelo desejo. Então a última vela piscou e a noite os acolheu em seu abraço. Estava surpreendida de que a escuridão só a encorajasse. Quando Julián retornou à cama e a seus braços, foi ela a que alcançou a parte frontal de suas calças.

estremeceu-se quando ela o liberou do tenso tecido, seus dedos timidamente rastreando sua longitude e largura. Na escuridão, parecia-lhe que continuaria para sempre.

Ela lançou um trêmulo riso.

—Não é estranho que doesse a primeira vez. Se não tivesse passado antes, quase juraria que foi impossível.

Descansou sua frente contra a dela.

—Doeu porque me comportei como um bárbaro que tinha posado os olhos em sua primeira mulher. Se tivesse estado cordato, faria coisas para fazê-lo um pouco mais…passível para ti.

Sua mão lhe envolveu, apertando brandamente, lhe provocando um gemido gutural das profundidades de sua garganta.

—me mostre.

Ela não teve que dizê-lo duas vezes. antes de que Porta pudesse recuperar o fôlego, ele se tinha despojado de suas calças e estavam nuas um em braços do outro.

—Julián?

—Mmmmm? —murmurou, utilizando sua ágil língua para provocar a um dos mamilos para um rígido pico.

—antes de continuar, tenho que fazer uma vergonhosa confissão.

—Pensei que era o único com permissão para fazer confissões vergonhosas.

Ela se sentou e abraçou um joelho contra seu peito, suas bochechas ardiam na escuridão. Ele seguiu, brandamente lhe acariciando o cabelo como um véu em sua cara.

—O que ocorre, Olhos Brilhantes? Está tão rosada como uma rosa.

Ela suspirou, amaldiçoando-se por esquecer que os vampiros tinham uma excepcional visão noturna.

—É sobre a cripta.

Ele se levantou silenciosamente. Tão silenciosamente que era possível dizer que não estava respirando pela primeira vez nessa noite.

—Se não poder continuar com isto pelo que fiz antes, entendo-o. Não quero te obrigar. Não sou tão monstruoso —disse depois de um comprido instante.

—Não vou mentir. Machucou-me. Mas houve mais. Essa…coisa que me fez antes com sua boca e suas mãos? Essa coisa que me fez sentir quando estava morrendo de prazer? —Duvidou—. Também o senti então. Quando me mordeu…quando você… —Se voltou a olhá-lo, sabendo que era impossível esconder-se dele, inclusive na escuridão—. Estava morto de medo, assustada de que realmente pudesse me matar. Mas por uns segundos, não estive segura de que me importasse.

Ele guardou um comprido silenciou.

—Eu tenho uma confissão ainda mais vergonhosa.

Porta fechou os olhos, sua garganta espessando-se com temor.

—Quero-te, Porta Cabot. —Cavando sua cara nas mãos, pôs os lábios contra os seus, beijando-a com uma dilaceradora ternura que lhe tirou o fôlego—. E tanto se for um vampiro ou um mortal, amarei-te para toda a eternidade.

Ela abriu seus braços e ele entrou neles, cobrindo-a como o tinha feito fazia uma vida naquele frio chão de pedra. Quando se afundaram na colcha de plumas, foi como se verdadeiramente nunca tivessem deixado essa cripta, como se nunca tivesse havido nenhuma outra mulher em seus braços ou em sua cama durante todas essas largas e solitárias noites.

Sentindo o peso dele contra sua coxa, Porta se estremeceu com escura antecipação, esperando que a atacasse bruscamente como o fez antes. Mas em lugar disso estendeu sua mão entre eles, acariciando-a e roçando-a como se tivesse toda a noite para prepará-la para o que viria. Esses pequenos e deliciosos calafrios de desejo começavam a tremer através dela outra vez e logo esteve ofegando de necessidade e sussurrando seu nome uma e outra vez em uma súplica ofegante de liberação. Enquanto seu polegar brandamente golpeava a viva brasa aninhada no nó de seus cachos inferiores, ela teve medo que fora quão única fora a estalar em chamas. Especialmente quando seus outros dedos faziam com ela ao mesmo tempo, lhe afundando primeiro um, logo dois de uma vez.

Floresceu sob o golpe rítmico de sua mão, com lágrimas de desejo pelo que ele podia lhe dar. Desejava arrastá-lo profundamente a seu interior e não deixar ir jamais.

—Por favor, Julián —gemeu, seus dedos não eram o suficientemente compridos para satisfazê-la—. OH, por favor...

Ele intercambiou seu peso, apartando suas coxas com os joelhos até que foi completamente vulnerável a ele. Só então se girou para ela. Ofegou quando esfregou sua suave e dura longitude entre suas pétalas lisas banhando-se no líquido néctar que tinha provocado desde seu mesmo centro. Esta foi uma tortura ainda mais deliciosa, uma que a fez retorcer-se e choramingar baixo ele.

—Está preparada para mim, anjo? —sussurrou roncamente, inundando-se nela com a grosa cabeça de sua vara.

Em resposta, ela envolveu seus braços e pernas ao redor dele e se arqueou sobre a cama, empalando-se em sua rígida longitude.

Julián se estremeceu, seu corpo golpeado por uma onda de pura sensação. Porta podia não ser virgem, mas estava tão apertada como se o fora. E tão injusto como era, o saber que era o único homem ao que alguma vez se entregou, atravessou-lhe com uma emoção selvagem.

Tinha pensado que antes estava perdido, mas agora estava perdido em seu calor escorregadio de veludo, no intoxicante perfume de sua excitação, no selvagem e doce abandono de sua rendição. Gostosamente teria arriscado a condenação eterna por provar este céu. retirou-se, logo se balançou de volta, dura e profundamente.

Enquanto Julián começava a deslizar-se dentro e fora dela com um ritmo hipnótico mais velho que o tempo, Porta se agarrou a suas costas, a exultação crepitando por suas veias. Assim era como sempre tivesse tido que ser entre eles. Sem distinguidos convencionalismos de uma sociedade contendo-os. Só essa paixão primitiva, tão poderosa e imperecível como ele.

Seus olhos vagaram abertos e contemplou por cima de seu ombro o mural do teto. Agora que estava sendo raptada por sua própria e amada besta, entendia a aturdida expressão nos olhos da Leda, o irrefletido êxtase em sua cara. Com cada capitalista impulso de seus quadris, Julián a levava a mesmo bordo de alguma doce loucura que ela era incapaz de resistir. Não sabia se poderia sentir-se outra vez completa sem ele movendo-se profundamente em seu interior.

Por isso foi como uma sacudida quando se deteve, completamente enterrado tão profundamente entre suas pernas que seu coração começou a pulsar ao mesmo tempo que o pulso batendo ali.

—O que ocorre? —sussurrou.

Ele baixou o olhar para ela. Inclusive na escuridão podia ver o brilho de suas presas, o apenas perceptível resplendor avermelhado de seus olhos.

—Tenho medo de que poderia te fazer se…quando perder o controle.

Aspirando profundamente, disse-lhe:

—Tranqüilo. Quero que me dê o que deu às outras mulheres quando lutava por sobreviver. E quero que tire de mim o que tirou delas.

Um estremecimento balançou o corpo dele.

—Não quero te fazer isso outra vez! Não me pode pedir isso ele retrocedeu.

—OH, não? —levantando a cabeça apanhou seu lábio inferior entre seus dentes e lhe deu um brusco mordisco.

Ele retrocedeu.

—Mordeste-me!

Ela piscou inocentemente.

—Não me dirá que essa dentada não é uma expressão perfeitamente aceitável de afeto?

—Entre vampiros!

—O que justamente é. —Enredou as mãos entre seu cabelo, seu agarre tão feroz como sua voz—. Se tivesse querido ao perfeito cavalheiro, posso te prometer que não teria havido escassez deles oferecendo-se a deitar-se comigo. Mas queria a ti. E não vou pedir te que seja menos do que é. Não por mim. Especialmente não por mim.

Com isso, girou a cara, deixando ao descoberto a pálida curva de sua garganta sob seu faminto olhar.

Grunhindo, foi para ela. Mas em vez de enterrar suas presas na garganta, abraçou-a e a levou de retorno contra a cabeceira, golpeando em seu interior com um ritmo constante que enviou ondas impressionantes de agradar até seu ventre. Tudo o que podia fazer era agarrar-se enquanto a montava dura, rápida e profundamente até que seu corpo esteve escorregadio de suor e quase insensível pelo prazer.

Mas não tão insensível como para não dar-se conta do calor febril de sua boca aberta raspando sua garganta ou o roce de suas presas enquanto reclamava o beijo que se negou antes. Sua boca se posou sobre seu pulso palpitante, sua língua dando golpecinhos saboreando a doçura salobre de sua pele.

Porta tremeu, embora não podia dizer se era de medo ou antecipação. Só sabia que sua fome era mais profunda e primitiva que a dele. Que ela ansiava sua rendição tanto como ele ansiava a sua.

Não teve que esperar muito tempo. Sem perder o ritmo, ele localizou entre eles a brasa ardente entre suas coxas e com um suave golpe de seu polegar o mundo inteiro estalou em chamas.

No momento exato que essas chamas a engoliram, suas presas perfuraram sua tenra carne. A dor foi fugaz, mas o prazer deu voltas sem parar, rompendo nela como ondas cegadoras. Sentiu-o surgir profundamente em seu interior e soube que estava em perigo de afogar-se igual a ela.

 

—Bem, isto foi inequivocamente passível —murmurou Porta depois de um momento, encolhendo-se nos braços do Julian e descansando sua bochecha contra seu peito. A luz da lua se transbordava sobre a cama, banhando seus membros entrelaçados em uma neblina de prata.

—Poderia encontrá-lo ainda mais passível se deixasse de me intimidar. —Ela podia escutar o tom de sua voz, quando, brandamente, acariciou com a gema do dedo os sinais de espetadas frescas em sua garganta—. A próxima vez vou pôr te umas algemas.

—Estremeço-me ao pensar que outras coisas más me faria se estivesse a sua mercê —disse ela, sabendo muito bem o que tinha feito.

—Ah, estremeceria-te —jurou, seu soriso rouco enviando um ondulação deliciosa de arrepio—. Toda a noite.

—Não sei por que está tão preocupado. Não me sinto débil, só um pouco bêbada.

—Porque tomei justo o sangue que necessito, até que possamos retornar a Londres e possa encontrar alimento. —Fez uma pausa—. Ou um agradável cachorrinho rechoncho.

Ela se apoiou em um cotovelo, boquiaberta de horror.

—Só brincava! Nunca me comi um cachorrinho. —Esperou até que se voltou a recostar em seus braços antes de dizer—: Os gatinhos são um tanto mais sensíveis e deliciosos.

Ela enrolou o cabelo de seu peito como castigo.

—Sabe, realmente não deveria me culpar de sucumbir à tentação. Não ouviste as velhas lendas? Os mortais sempre tiveram poderes sobrenaturais de persuasão sobre os vampiros. —deu-se a volta.

Ele alisou um cacho de sua bochecha, seu olhar ainda tinha brilhos de desejo.

—Quando isto acontece, sou tão débil e voluntarioso como um menino recém-nascido.

—De verdade? Bem, possivelmente deveríamos pôr essa afirmação a prova.

Não fazendo caso de seu protesto, ela escapou de seu abraço e escapuliu para o lado oposto da cama.

Agudamente consciente de seu olhar apreciativo que bebia as curvas de seu corpo nu iluminado pela luz da lua, colocou-se entre os travesseiros e estirando-se como um gato o apontou com o dedo.

—Vêem, Julian.

—Quer que venha a ti? —Rondou como um gato da selva, trazendo sua boca perto de seu ouvido antes de cochichar—: Ou em ti?

Ela ocultou um estremecimento de desejo com uma onda arrogante de mão.

—Ponha suas mãos sobre mim.

Esperou-o sustentando com a palma de suas mãos a brandura de seus peitos. Em troca, ele começou a arrastar as gemas dos dedos sobre cada polegada de sua pele de alabastro, deliberadamente evitando os globos pesados de seus peitos e o ninho úmido de cachos entre suas pernas. Acariciou e magreó até que cada nervo formigava e doía por mais. Girou sua cara longe dele e mordeu seu lábio, lutando por fingir indiferença.

—me beije —demandou quando já não pôde suportar outro segundo da doce tortura.

Suas mãos separaram brandamente suas coxas e ofegou quando ele pressionou o mais doce e profano de seus beijos em sua carne palpitante. arqueou-se na cama, suas unhas se cravaram em sinal de que a tinha levado a um ponto culminante tão rápido e feroz que a deixou tremendo como uma folha no vento.

Só então a cobriu com sua própria boca, alimentando-a com o gosto embriagador de seu próprio prazer.

Empurrou seus ombros, fazendo-o rodar de costas, logo se sentou escarranchado sobre ele, sacudindo a desordenada juba dos olhos.

—É um vampiro muito mau e rebelde, Julian Kane. Posso ver que isto vai tomar mais que só meus poderes de persuasão para te escravizar.

Ele enlaçou as mãos detrás da cabeça, com um sorriso tão malvado como a de um pirata.

—Pronta para romper as algemas, verdade?

Levantou seu queixo, sonrrindo tentadoramente encurvou os lábios.

—Não acredito as necessitar.

Quando ela esquivou sua cabeça para tocar com a ponta de sua língua um de seus rígidos mamilos, ele a observou cautelosamente.

—estiveste lendo morbidas novelas góticas outra vez?

Jogou-lhe um olhar travesso.

—Tenho medo, fiz circular algumas brincadeiras que encontrei escondidas entre as páginas de um dos livros da biblioteca do Adrian. Estou segura que se mortificaria se soubesse que me tropecei com eles. Mas você sempre me acusará de ser desavergonhadamente inquisitiva, verdade?

Baixou sua cabeça, o calor úmido de seus lábios passavam pelos músculos que moviam nervosamente seu abdômen. Ele tragou, sua voz soou de repente instável.

—Começo a acreditar que este é um de seus rasgos mais simpáticos.

Quando o envolveu com a brandura de seus lábios, ele se arqueou na cama com um gemido gutural, seu poderoso corpo era escravo de sua vontade. Porta só tomou mais profundo, determinada a mostrar de uma vez e para sempre que seus apetites podiam ser tão insaciáveis como os seus.

Porta era como uma boneca de trapo nos braços do Julian, cada músculo satisfeito pelo prazer. Estava quase dormida quando sentiu algo com força dar uma cotovelada persistente na brandura de seu traseiro.

Gemeu brandamente sem abrir os olhos, seu corpo por instinto rebolou mais perto.

—Pensei que você só foste seduzir-me três vezes em uma noite. Não seriam com esta... OH, não sei... sete? Dezenove?

Seu sussurro fumegante fez cócegas em seu ouvido.

—Seis e méio. Mas quem conta? Possivelmente eu deveria te haver advertido que há uma vantagem ao ser convertido em um vampiro quando é um homem jovem.

—Mmmmmm? E qual poderia ser?

Cavando a brandura de seus peitos nas mãos, brandamente esfregando seus polegares sobre seus mamilos se deslizou nela. Disse.

—Resistência.

Pela primeira vez em muito tempo, Julian se permitiu sonhar.

Estava de pé na igreja, já não desterrava a presença de Deus. A luz do sol corria pelas vidraças de cores, esquentando sua cara e cintilando na seda lustrosa dos cachos de Porta. Ela sorria, seus olhos azuis brilhantes que cintilam com amor e ternura. Usava uma gargantilha ao redor de sua garganta e um halo de botões de rosa brancos em seu cabelo, vendo-a como o anjo que era.

Seu olhar carinhoso foi à deriva para baixo, atrasando-se no crescido de seu ventre. A alegria alagou seu coração quando se deu conta que ela levava a um menino ou menina que lhe tinha dado.

Levantou sua cabeça para encontrar-se ao Adrian, também, radiante, orgulhoso. Caroline estava de pé ao lado de seu marido com a pequena Eloisa recostada em seus braços.

Quando Julian piscou os olhos à menina, ela aplaudiu com suas mãos rechonchudas e cantou.

—Tio Jules! Tio Jules!

A risada alegre de Porta soou como sinos em sua alma. Atraiu-a a seus braços, bebendo o resplendor da beleza de sua noiva antes de reclamá-la com um beijo sensível.

Quando os olhos de Porta se abriram, pensou que certamente estava sonhando. Este não era diferente de outras vezes quando tinha imaginado que despertava na cama do Julian.

Estava convexo ao lado dela, com os olhos fechados e sua larga perna posesivamente sobre a sua. Com a luz nacarada da alvorada que brilhava em seu corpo, era realmente puro músculo, magro e perfeitamente masculino, áspero onde ela era lisa, com força onde ela era suave. Rodou a seu lado e o estudo com prazer, contendo-se para fazer este último sonho seu enquanto pudesse.

A mecha habitual caiu sobre sua sobrancelha. Embora seus dedos ansiassem penteá-lo, tirou sua mão, não querendo arriscar-se a incomodá-lo neste momento estranho de paz. Um sorriso débil encurvou seus lábios esculpidos, desenhando as linhas a ambos os lados com assombroso alívio. Seu olhar foi mais abaixo, bebendo a largura impressionante de seu peito, seus quadris magros, os halos de fumaça que se elevam de sua pele.

Porta saiu disparada da cama, de repente acordada. Seu olhar alagado de pânico voou à janela para descobrir os primeiros raios da luz do sol que já se arrastavam através do pé da cama.

Atuando puramente por instinto, empurrou ao Julian violentamente, fazendo-o rodar limpamente pela cama.

Ele aterrissou no chão com um sonoro ruído.

—Que infernos…!?.

Tomou vários segundos localizar a manta. Apesar das estrelas geladas que se orvalhavam através dos cristais da janela, não lhe tinham dado nenhum uso de noite. Ela finalmente a encontrou no estribo da cama junto com os restos andrajosos de sua blusa camiseira. Jogou uma olhada desesperada à janela. O sol ia à deriva mais alto no horizonte, como dedos de ouro que lisonjeiam um rubor atrativo do céu. Não fazendo caso dos juramentos murmurados pelo Julian, sacudiu a manta sobre ele.

Ele se sentou, mas antes que pudesse jogar longe a manta e expor-se a aqueles raios desumanos, ela se lançou em cima dele, voltando-o para atirar ao chão e sentando-se escarranchado sobre sua cabeça.

—Sabe, realmente seria mais divertido para os dois sem a manta —disse finalmente, sua voz amortecida mas seca.

Ela se retirou lentamente, e empurrou sua cabeça sob a manta. Ele a observava tristemente, como um gato grande, de mau gênio ofendido por ser despertado de sua sesta.

—Dormimos até o alvorada! O sol se eleva. Começa a fumegar!

Esta vez seu juramento era tão mais profano como mais sucinto. Sem advertência, rodou longe dela, desaparecendo sob a cama e arrastando a manta com ele.

Ela vacilou durante um momento, não estava segura de como proceder, devagar baixou sua cabeça para olhar atentamente sob a cama. Julian ainda a fulminava com o olhar, seu cabelo desordenado cheio de pó. Por sorte a cama era bastante alta para servir como uma pequena cova escura e acolhedora.

—Passarão horas antes de que o sol descenda e sejamos capazes de viajar —disse ela, sentindo-se completamente miserável por sua parte—. O que devo fazer?

Agarrou um de seus pulsos e puxou, seu cenho se derreteu em um sorriso encantador.

—me fazer companhia.

Porta posou na borda da cama, passando uma de suas meias de seda pela luz da lua crescente.

—Poderia me haver dito antes que aquelas eram suas brincadeiras, não do Adrian.

Julian levantou seu cabelo e depositou um beijo sobre sua nuca, enviando um tremor de desejo fresco por toda sea espinha dorsal.

—por que o diz, isto foi mais divertido? Os comprei a um homem de classe alta quando cheguei a Oxford.

Eu os estudava um dia, tratando de entendê-los, quando ouvi que Adrian se aproximava. Escondi-os entre as páginas do primeiro livro que encontrei e me esqueci deles. Até que você tão generosamente me recordou sua existência.

—Pode ter esquecido onde os escondeu, mas obviamente não esqueceu o que viste. Ou que ao final aumentou. —Ela se levantou e caminhou sobre suas sapatilhas de pelica, abraçando-o. —por que, eu não sabia nada até que…—Ruborizando-se furiosamente, ficou nas pontas dos pés e sussurrou algo em seu ouvido antes de terminar sendo humanamente possível?

Levantando uma mão para acariciar uma de suas bochechas rosadas, ele sorriu abertamente.

—Não sou um humano, recorda?

Com o Julian para compartilhar, o dia não tinha sido tão mau como Porta temeu. logo que o círculo aceso do sol tinha escorregado sob o horizonte, ele tinha saído e tinha procurado um pouco de madeira para que ela pudesse fazer um fogo no lar de pedra. Também tinha encontrado umas batatas esquecidas no porão. Enquanto havia trazido água doce de fora, ela tinha assado as batatas com a pele para apaziguar os grunhidos de seu estômago. Por estranho que parecesse, com as pernas cruzadas e descalça diante do fogo e só com a camisa do Julian, enquanto a alimentava com partes de batata, tinha-a feito sentir-se tão mimada como uma rainha. Também tinha usado o fogo para esquentar e improvisar um banho para ambos.

É obvio uma vez que estiveram molhados e nus…

Porta suspirou tristemente e acariciou o voluntarioso cabelo que caía sobre sua sobrancelha, pouco disposto a confessar que seu idílio iluminado pela lua finalizava. Ela já colocava seu vestido, alisando as rugas como podia. A água bendita se secou sem manchá-lo muito.

Julian pôs seu lenço ao redor de seu pescoço. Usou-o para atrai-la para ele e lhe dar um persistente beijo antes de atá-lo brandamente como um cachecol improvisado que cobriria os sinais frescos de sua garganta.

—Adrian e Caroline estarão provavelmente frenéticos de preocupação. Se não te levar a casa logo, meu próprio irmão pode me desafiar com pistolas ao amanhecer. E ambos sabemos que séria desastroso.

—Uma vez que veja que estamos bem, provavelmente exigirá saber se suas intenções para mim são honráveis. —Embora Porte guardasse o tom de sua voz para enganar o custo da pergunta, não podia esconder a dúvida em seus olhos—. É assim?

Sua expressão sombria lhe recordou de novo o que tinha passado entre eles na cripta. De noite.

Acariciou seus ombros, olhando profundamente em seus olhos.

—Quando voltarmos a Londres, tenho a intenção de me tragar meu obstinado orgulho e pedir ajuda a meu irmão para capturar ao Valentine e recuperar o único presente digno de uma mulher como você.

—Sua alma? —sussurrou, logo que atrevendo-se a dizer as palavras em voz alta.

Ele sacudiu a cabeça, um sorriso pesaroso encurvo seus lábios.

—Não minha alma, anjo. logo que a arranque longe de Valentine, descida rendê-la a seu cuidado, junto com meu coração e o resto do que permanece de minha vida mortal.

Cegada pelas lágrimas, Porta lançou os braços ao redor de seu pescoço.

—Para um homem sem uma alma, é completamente romântico, Julian Kane.

Ele sepultou a cara em seu cabelo e brandamente esfregou suas costas.

—Então, adivinho que não te oporá quando insistir que chamemos a nossa primeira filha como você.

—Quer chamar a nossa primeira filha Porta?

Ele retrocedeu, piscando com fingida confusão.

—Porta? por que, eu teria jurado que seu nome era Prunella!

Porta ainda o repreendia por gracejá-la quando seguiram seu caminho através dos campos congelados para as luzes da próxima casa senhorial. Embora Julian a tinha abrigado e passava o braço sobre seus ombros, Porta estava sentindo falta penosamente de sua capa raiada e o manguito.

Enquanto ele desaparecia no interior da casa Senhorial de sólida pedra, ela ficou em cócoras detrás de um arbusto, seus dentes apertados ainda tocavam castanholas. Ele surgiu do estábulo coberto com palha, conduzindo a uma pequena égua garbosa arreada a um pequeno cabriolé igualmente garboso. O elegante carro de duas rodas tinha só espaço para dois.

Quando ele fechou suas mãos ao redor de sua cintura e a levantou facilmente ao assento acolchoado, ela sussurrou:

—Deixou uma nota que explique que só tomamos emprestado o cavalo e o carro e os devolveremos pela manhã?

Lançou-lhe um olhar entrecerrado.

—Para que necessito uma alma quando te tenho para ser minha consciência?

—Lamentaria ver-te recuperar sua alma só para ser enforcado pelo roubo de um cavalo. Wallingford estaria fora de si de prazer.

—Sempre somos tão pragmáticos, meu amor? —Subiu a bordo do cabriolé, colocando-se no assento ao lado dela—. logo que cheguemos com o Adrian, vamos despertar a um de seus criados de sua cama quente e lhe ordenar ao pobrezinho que devolva, tanto ao cavalo como o carro a nosso anônimo benfeitor.

Apesar de ter necessidade de cautela tanto como depressa, ele rechaçou seguir até que não teve remetido várias mantas de lã suaves ao redor dela, criando um acolhedor ninho. Guiou à égua pelo caminho até a estrada, então brandamente deu um toque com a vara nos flancos do cavalo para lhe lisonjear e lhe fazer trotar.

Porta riu de prazer quando os flocos gelados de neve começaram a cair do céu na luminosa noite. Julian passou um braço ao redor dela, levando-a para ele. Descansou sua cabeça contra seu ombro, incapaz de recordar quando se havia sentido tão feliz e cheia de esperança para o futuro. Sabia que havia perigos por diante, mas nesse momento se sentia completamente segura nos braços do homem que amava.

Tudo soava a música em seus ouvidos, o clipe-clop rangente dos cascos do cavalo, o tinido dos sinos das guarnições no ar gelado, o sussurro da neve caindo. Uma parte dela desejava que nunca alcançassem Londres, que seguissem simplesmente esse caminho para sempre.

Apesar de sua determinação de saborear a cada segundo, o balançar estável do carro e o puro prazer de estar encolhida nos braços do Julian, logo acalmou seu corpo esgotado e dormiu.

A seguinte vez que Porta se moveu e abriu seus olhos, Julian girava o cabriolé abaixo em

uma rua pavimentada com elegantes casa.

Ela bocejou e se estirou como um pequeno gato sonolento.

—Suponho que não vamos encontrar Adrian com um caráter muito afável.

Ele reduziu a marcha do cavalo a um passo.

—Só espero que me dê a possibilidade de lhe explicar antes de que saque de repente aquela mola de suspensão infernal.

—Não seja tolo. —Acariciou-lhe o joelho de forma alentadora—. Não se atreveria a te pegar um tiro sem me perguntar primeiro.

Jogou-lhe olhada divertida.

—Recorda que estou de seu lado, pequena mulher descarada e sanguinária.

—Pode começar agora mesmo —disse, inclinou a cara para lhe dar um beijo longo, persistente.

Quando se apartaram, nevava ainda mais forte. Porta franziu o cenho olhando o céu.

—Estes flocos de neve são maiores que os que vi alguma vez.

Julian tirou um floco de sua bochecha, logo esfregou os dedos, criando uma mancha negra, coberta de fuligem. Devagar, levantou seus olhos aos seus.

—Isto não é neve. É cinza.

Seu rosto ficou sério, retirou o braço e sacudiu a rédea da égua, dobrando seu passo. Porta se agarrou ao lado do cabriolé enquanto corriam até o final da esquina para a casa grande do Adrian. Quando se aproximaram da casa, ambos se deram conta que algo andava mal.

Terrivelmente mal.

Por que não havia casa, unicamente a silhueta do casco queimado contra o céu da noite.

 

As nuvens cinzas e as cinzas foram à deriva pelo ar, corrompendo a neve caída. O humazo da madeira carbonizada se abatia sobre as ruínas candentes da mansão. Aqui e lá as volutas da fumaça ainda se elevavam como fantasmas dos raios cansados e enegreciam as paredes. Um cavalinho de balanço estava situado a um lado entre os escombros, sua pintura brilhantemente colorida empolada e descascada. Porta olhou com intumescido horror como o segundo piso se derrubava inteiro pelo oco da escada em uma chuva de faíscas, sepultando, baixo ela, o magnífico piano.

Os cubos derrubados sujavam o pequeno quadrado de grama chamuscada diante da casa. Um carro com uma abandonada bomba de mão estava parado perto da esquina da rua, sua mangueira de couro se enroscava como uma serpente derrotada, prova indiscutível de que o corpo de bombeiros tinha chegado ou muito tarde ou se rendeu muito logo.

Os vizinhos do Adrian e vários criados chorosos se encolhiam juntos ao outro lado da rua, uns quantos ainda vestiam batas e gorros de dormir. Enquanto Porta descia do cabriolé, presa como a câmara lenta na bruma de um pesadelo, podia sentir o aguilhão de seus olhares compassivos.

Foi à deriva para a casa com o Julian movendo-se como uma sombra detrás dela.

—Porta!Porta!

O grito alegre a assustou tanto que quase chiou. Só podia permanecer em pé congelada no lugar quando Vivienne veio correndo para ela. Tinha estado tão hipnotizada pela visão da casa que ainda não tinha visto a carruagem do Larkin estacionado sob os ramos descarnados de um carvalho próximo.

Lançando seus braços ao redor do pescoço de Porta, Vivienne se pôs-se a chorar.

—Ah, Porta, estou tão contente que esteja bem! Estávamos aterrorizados por ti!

—Nós? —Porta sussurrou, igualmente aterrorizada de dar muito peso à palavra.

Vivienne agarrou sua mão e tratou de levá-la para o carro mas os pés de Porta permaneceram arraigados no caminho. Inconsciente de sua agonia, Vivienne manteve seu constante e fluído bate-papo.

—Assim que não soubemos nada de ti ou do Julian, tememos o pior. Tratei de lhes dizer a todos que as coisas resolveriam para bem porque quase sempre o fazem, mas então um dos criados do Adrian veio esmurrando nossa porta pouco antes da meia-noite para nos dizer que a casa estava ardendo. Tenho que admitir que quando chegamos e comprovei como eram de horríveis as coisas, quase perdi a fé eu mesma. Mas agora que está aqui, só sei que tudo vai a…—se acalmou, por fim se deu conta de que ainda puxava mas Porta não se movia.

—É Porta! —anunciou sobre seu ombro—. veio a casa!

Várias figuras surgiram da carruagem lentamente, os ramos de cima salpicavam com sombras suas caras.

Estava Larkin, seus olhos ainda mais sentimentais e cautelosos que de costume. Wilbury, com sua camisola de noite ondeando em volto de seu ossudo corpo como uma mortalha. E finalmente Adrian, aferrando-se ao Caroline como se nunca tivesse a intenção de deixá-la ir.

O alívio de Porta era tão penetrante que sentiu que os joelhos lhe afrouxavam. Julian a agarrou antes de que pudesse cair, sustentando-a direita até que encontrasse a força para manter-se em pé.

Brandamente, soltou-se dos braços, moveu-se para sua família, com a visão turvada por lágrimas de agradecimento. Estava quase em cima deles antes de dar-se conta de que suas caras estavam tão atormentadas que pareciam sombras deles mesmos. Era como se em lugar de um dia, uma vida inteira tivesse passado desde que ela lhes tinha visto por última vez.

Caroline ia vestida com sua camisola branca solta e lhe cobrindo os ombros o capote do Larkin, enquanto Adrian usava só calça, botas, e uma camisa manchada de fuligem que pendurava aberta sobre seu poderoso peito. Quando Porta se aproximou, nenhum deles fez um movimento para ela. Jogou um olhar desconcertado ao Larkin, mas simplesmente cruzou os braços sobre o peito e baixou seu olhar, estudando as ponteiras roçadas de suas botas.

Lançou um olhar ao Wilbury e encontrou uma visão ainda mais arrepiante que as ruínas profanadas da casa. O queixo do ancião tremia e os restos de lágrimas manchavam suas bochechas parecidas com o papel.

Apesar da suavidade nas mãos do Adrian quando acariciou o cabelo enredado de sua esposa, havia um olhar selvagem em seus olhos que Porta nunca tinha visto antes. A cara do Caroline estava absolutamente carente de qualquer expressão. Estava tão branca como a cara grafite de uma das bonecas da Eloisa.

Porta tocou brandamente a manga de sua irmã com uma mão que começava a tremer.

—Onde está Ellie, Caro? Está dormida na carruagem?

Caroline expulsou o fôlego com um estremecimento antes de levantar seus olhos sem vida a Porta.

—foi-se. levaram-se a Eloisa. levaram meu bebê.

Ao princípio, Porta pensou que o som desumano de pena e raiva tinha saído de sua própria garganta. Mas era Julian que tropeçou a uns metros deles e ficou olhando fixamente para a casa como se esta fora a tumba de cada um de seus sonhos.

—Seu plano deve ter sido um êxito espetacular —disse Adrian, sua voz ainda áspera pela fumaça que tinha inalado—. Obviamente teve êxito em conduzir Valentine a um frenesi cruel. Como bem sabe, os vampiros odeiam o fogo assim enviou a seus coroinhas para fazer o trabalho sujo por ela. Se Wilbury não tivesse cheirado a fumaça e dado o alarme, nos teríamos queimado todos até morrer em nossas camas. Quando Caroline se precipitou no quarto de meninos, era muito tarde. Eloisa não estava. Os bastardos a tinham pego.

Julian sacudiu a cabeça, sua própria voz quase tão rouca como a do Adrian.

—Jamais me ocorreu que ela viria detrás de ti. Era para mim a quem procurava. Eu deveria ter estado aqui… esperando-a. Ou havê-la destruído quando tive a oportunidade.

Caroline agarrou o braço de Porta através da manga do casaco do Julian.

—Onde estivestes os dois? Tememos que Valentine lhes tivesse tomado também.

Porta contemplou os ingênuos olhos azuis de sua irmã, sem saber que palavras dizer. Como poderia ela explicar que não era Valentine quem a tinha tomado, a não ser Julian? E não só uma vez, mas também numerosas vezes. Enquanto a pequena Eloisa estava sendo arrancada de sua cama por uns brutais estranhos e o único lar que alguma vez conheceu se derrubava a suas redor em chamas, ela e Julian tinham estadoencolhidos juntos no cabriolé, ainda ébrios pelo prazer dos beijos de cada um.

Media uma resposta quando Adrian brandamente transpassou ao Caroline ao Wilbury e a abordou. antes de que compreendesse o que pensava fazer, atirou do extremo do lenço do Julian, desenrolando o de sua garganta e revelando as marcas frescas da espetada para que todos o vissem.

Larkin lançou um juramento e Vivienne ofegou. Wilbury simplesmente inclinou a cabeça, seus remelentos olhos transbordavam pena. Caroline nem sequer piscou.

Foi um momento no que até a neve pareceu deter-se. Então Adrian se equilibrou sobre o Julian, fechando a distância entre eles em três pernadas. Antes que qualquer deles pudesse reagir, seu poderoso punho se estrelou na mandíbula de seu irmão.

Julian se cambaleou, mas não caiu. Tampouco se defendeu. Simplesmente estendeu seus braços para fazer um branco ainda maior para a ira de seu irmão. Porta duvidava que tivesse elevado uma mão para defender-se se Adrian tivesse recolhido um dos escombros carbonizados da madeira disseminada através do pátio e o tivesse levado direto a seu coração.

Antes que Adrian pudesse fazer justamente isso, tanto ela como Larkin lhe sujeitaram cada um deles agarrando um de seus braços. Ele poderia haver a sacudido de cima como se não fora mais fastidiosa que um mosquito, mas Porta sabia que nunca lhe faria mal deliberadamente.

—Bastardo! —cuspiu ao Julian, que se esforçava contra seu agarre—. Deveria ter sabido que não poderia manter suas presas ambiciosas ou suas avaras mãos fora dela!

—Não, Adrian! —gritou Porta, atirando ainda freneticamente de seu braço—. Não foi assim absolutamente! Não quis fazê-lo. Eu fui a que insistiu em que bebesse de mim.

Adrian girou para ela, se sacudindo e soltando do agarre pelo Larkin.

—por que, Porta? Estava próximo à morte outra vez? Ou simplesmente lhe acabou o oporto o qual bebe como se fosse água? —balançou-se para o Julian, sacudindo sua cabeça com repugnância—. Não lhe fez suficiente dano na cripta? Tinha que fazê-la vítima de seus malditos apetites outra vez? É que sua avareza, luxúria e egoísmo não conhecem nenhum limite?

Julian somente lhe olhou, sua cara quase tão inexpressiva como a do Caroline.

A própria cara do Adrian se encolheu. Seus punhos já não se apertavam com raiva, a não ser com impotência.

—É meu irmão pequeno, Jules. Amei-te antes de que fosse o suficientemente maior para engatinhar fora do berço e dar os primeiros passos detrás de meus calcanhares. E tenho feito tudo o que pude por te proteger e te salvar. Mas a que preço? A inocência de Porta? A vida de minha filha?

—Não te culpe, Adrian —disse Julian quedamente—. A piedade foi seu único pecado e estou seguro que Deus te perdoará por isso.

Porta lhe olhou com incredulidade quando se deu volta e começou a afastar-se de todos eles.

—Isto não é tua culpa, Julian —disse ela ferozmente, apressando-se detrás ele—. E Valentine não se atreverá a danificar um cabelo da cabeça da Eloisa enquanto crê que há uma possibilidade de que vás voltar com ela. Encontraremo-la. Traremo-la para casa juntos! —Ficando mais frenética com cada passo, agarrou-lhe por detrás da manga de sua camisa, tratando de lhe deter.

Ele se girou para ela, suas presas florescendo, seus olhos ardendo como brasas vivas na máscara selvagem que era sua cara. Retrocedeu em um salto antes de que pudesse deter-se.

—Não o vê, Porta? Adrian tem razão! Isto é exatamente sobre o que tratei que te advertir. Por isso me afastei de ti durante todos estes anos.

As lágrimas quentes começaram a derramar-se pelas bochechas dela.

—Mas confessou que em todo aquele tempo nunca deixou de me amar!

—Meu amor envenena tudo o que toco! Se lhe deixasse te destruiria, estaria ainda mais condenado do que já estou! —Apesar da violência de sua voz, alcançou a roçar meigamente uma lágrima de sua bochecha com a gema do polegar—. Deveria me haver deixado morrer naquela cripta.

Quando se deu a volta para afastar-se dela, Porta foi surpreendida ao sentir um fervente arrebatamento de fúria.

—Tem absolutamente razão. Sinto te haver mantido com vida. E sinto ter posado alguma vez os olhos em ti. Porque não houve um momento após no que tenha sido livre da carga de seu amor. E não respirei um só fôlego que não tenha estado envenenado por esse amor!

Ele só seguiu andando.

—Se for de minha vida esta vez, Julian Kane, não te incomode em voltar! Nunca mais!

Ele deteve suas pegadas, então se girou e caminhou com passos largos para ela. Agarrando-a rapidamente pelos ombros, deu-lhe um beijo selvagem que era tão amargo como doce, mediante uma vida de desejo e uma eternidade de arrependimento.

Depois se afastou a pernadas outra vez dela, abandonando-a com somente o gosto de seu beijo nos lábios e o fantasma de uma paixão que ela nunca poderia sentir outra vez.

Deu um passo hesitante detrás dele, mas foi detida pelo grito comovedor do Caroline.

—Deixe ir, Porta! Não podemudar o que é e trouxe somente angustia e desastre a esta casa. Desejo a Deus que nunca houvesse retornado! —Sua voz rompendo-se em um gemido de agonia, dobrou os joelhos, agarrando o estômago.

—Consegue a um doutor, Larkin! —gritou Adrian, engatinhando ao lado de sua esposa.

Porta se deteve totalmente no caminho, rasgada entre o sofrimento de sua irmã e o homem ao que amava. Retrocedeu com um olhar final ao Julian, agarrou rapidamente suas saias e correu para o Caroline.

Caindo sobre seus joelhos, apertou a mão gelada de sua irmã contra seu peito.

—Tudo irá bem, Caro. Encontraremos ao Ellie e a traremos para casa. Juro-o por minha vida.

Quando olhou para trás sobre seu ombro outra vez, a neve e a cinza caíam em um caminho vazio. Julian se tinha ido.

 

Cuthbert se encolheu mais profundamente em sua cama, suspirando com satisfação. Com um tijolo quente envolto em flanela para esquentar seus dedos e o pudim de Natal que tinha comido no jantar ainda esquentando sua barriga, estava desejando um comprido e acolhedor soninho nesta fria noite de inverno.

Bruscamente se sentou em cima da cama, a borla de seu gorro de dormir caía em cima de um de seus olhos. Possivelmente o peso da neve simplesmente tinha quebrado um ramo e esta golpeava contra o cristal. Só havia um modo de averiguá-lo, separou as cortinas da cama e a contra gosto deslizou seus pés ao frio chão de madeira.

Seu coração palpitava rapidamente quando se arrastou para a janela. A luz da luz projetava sombras peculiares sobre a parede, fazendo que até as formas familiares do guarda-roupa e lavabo brilhassem estranhas e proibidas. Estava junto à janela quando captou uma sombra pela extremidade do olho. Olhou a seu redor, mas tudo na habitação estava exatamente como tinha que estar.

Sacudindo a cabeça por sua própria imaginação, voltou para a janela. Julian estava colocado sobre o estreito suporte exterior, olhando-o diretamente.

Soltando um agudo chiado, Cuthbert tropeçou para trás. Pinçou dentro do encaracolado pescoço de sua camisa de dormir para agarrar a jóia que tinha obtido para tal situação. Rompendo a cadeia de um puxão desesperado, tirou de repente o crucifixo de prata e o empurrou para a janela.

Julian retrocedeu, soltando um repugnado assobio.

—Ah, Por Deus, Cubby —disse, o bastante forte para transpassar a janela—. Ponha essa coisa em uma gaveta e abre a maldita janela. Estou-me congelando o cu aqui fora.

Quando Cuthbert só acrescentou um gesto teatral, ele suspirou e fez rodar seus olhos.

—Não necessita o crucifixo de todos os modos. Não posso entrar no quarto a não ser que me convide.

—Ah —disse Cuthbert brandamente decepcionado, tanto por seu gesto dramático como pelas duas libras que tinha gasto para o crucifixo.

Obedientemente se aproximou e o deixou cair em uma gaveta do guarda-roupa antes de voltar para o peitorilda janela e abrir uma fresta.

—por que vieste aqui? Enviou-te seu amo?

Julian franziu o cenho.

— Meu amo?

—Já sabe… o Príncipe Escuro. Lúcifer. Belzebú.

Julian o olhou encolerizado.

—Embora suspeite que terei que conhecer dito cavalheiro mais logo do que eu gostaria, não estamos no mais amistoso dos términos agora mesmo.

—Então por que vieste?

—Se me convidar a entrar, direi-lhe isso.

Cuthbert o olhou com desconfiança.

—Como sei que isto não é somente um truque para que possa afundar suas presas em minha garganta e aspirar cada gota de sangue de meu pobre e necessitado corpo?

Julian colocou sua mão pela estreita abertura, e o agarrou pelo encaracolado pescoço de sua camisa de dormir aproximando-o para a janela até que estiveram nariz contra nariz.

—Porque seria muito mais rápido te arrastar para fora desta janela e deixar cair a ti e a suas histórias ao chão. Com todos os ossos quebrados, duvido que fosse capaz de lutar com força quando chupasse sua vida.

Quando Julian liberou a pressão que o afogava sobre sua camisa de dormir, Cuthbert disse com murcha cortesia:

—Muito bem. Por favor entra. Como diabos chegou até aqui? —perguntou-lhe, longe de acreditar que Julian tivesse subido pela cornija.

—Confia em mim, preferiria não sabê-lo —respondeu Julian, tirando-a neve dos ombros da camisa.

—O que aconteceu com seu casaco?

—O dava a uma bonita moça. Teria esperado menos de mim?

—Suponho que não.

Cuthbert apareceu à janela e olhou atentamente a ambas as direções da vazia rua.

—É afortunado, ninguém te viu chegar. Wallingford e seus guardas estiveram me seguindo a todas partes durante os passados dias.

—por que ?

—O que posso suspeitar, é que espera que atraia a seu lado e caiamos em sua armadilha e assim possa nos agarrar em algo que garantiria uma viagem à a prisão ou à forca. O rumor sustenta que está absolutamente furioso porque seu irmão pagou todas suas dívidas de jogo. Também está delirando com a idéia de que estas obcecado em alguma nova lascívia agora que vive sob o mesmo teto que a encantada e casta senhorita Porta Cabot.

Julian apartou seus olhos, sua cara fraca e severo.

—Bem, não tem que preocupar-se mais disso.

—E isso por que?, ela se tornou mais casta ou já não vive sob o mesmo teto?

Em lugar de responder, Julian simplesmente deu aos enrugados punhos de sua camisa um rápido e perfeito movimento para alisá-los.

—Ah, caramba —disse Cuthbert, sentando-se contra o batente—. Ela já não é casta e é por isso pelo que já não vive sob o mesmo teto. Por que não estou surpreso?

Ainda evitando seus olhos, Julian começou a rondar agitadamente ao redor do quarto. Quando se aproximou da cama, retrocedeu, as janelas do nariz se abriram, flamejando de aversão.

—Cristo, Cubby, do que é este horrível fedor? —Quando Cuthbert não respondeu, abriu as cortinas da cama para revelar uma réstia de alhos que pendiam do dossel.

Sob o fixo olhar de recriminação do Julian, Cuthbert os recuperou e os atirou pela janela à neve.

Voltou para encontrar-se ao Julian olhando fixamente o copo de água sobre a mesa ao lado da cama.

—Por favor, me diga que não é o que parece

—Ah, não —disse Cuthbert a toda pressa—. Só é água. Às vezes tenho sede em meio da noite e não quero baixar à cozinha em roupão.

—Sabe que se o fosse comer  —disse Julian em tom agradável—, provavelmente o teria feito durante a época em que bebia muito vinho naquele pequeno botequim em Florência e com aquela bailarina de opera em seu regaço. Teria sido muito mais fácil que te carregar sobre meus ombros e subir toda a colina até chegar a nosso hotel.

Cuthbert apagou um suspiro envergonhado.

—A verdade seja dita, Jules, te senti falta terrivelmente. Meu pai segue me arrastando a tardes musicais e lanches e sermões insuportavelmente largos sobre as vantagens físicas e espirituais da moderação.

Jules se estremeceu.

—Estou surpreso de saber que não estiveste rezando por uma morte rápida sob as presas do vampiro mais próximo.

—Li sua carta, já sabe. Sobre como te fez vampiro e o que aquele patife terrível do Duvalier te fez.

Jules o olhou com o cenho franzido pelo atordoamento.

—Como poderia havê-la lido? Foi devolvida com o selo intacto.

—Não quis que soubesse que a tinha lido assim derreti uma vela e o fechei. —tirou-se o gorro de dormir e começou a jogar com a borla, evitando os olhos de seu amigo—. Estava furioso e o que feriu meus sentimentos foi que aquele teu irmão e seu amigo me chamassem “servo”.

—Não seja ridículo! Não é um servo! Um servo é um mortal que de bom grau serve a um vampiro cuidando de sua pessoa durante as horas de luz. Faz recados e provê ao vampiro de recursos quando não tem… —Jules se acalmou quando Cuthbert martelou uma sobrancelha loira para ele—. Não importa.

Andou uns passos afastando-se, logo voltou, seus emotivos olhos escuros tão sérios e se desesperados como Cuthbert nunca os tinha visto.

—Não vim aqui esta noite porque necessitasse seu dinheiro, Cubby. Vim porque necessito sua ajuda. A vida de uma menina e meu futuro inteiro muito bem podem estar em jogo.

—Por acaso, isto ajudará a me pôr em um terrível perigo?

Jules cabeceou solenemente.

—Da pior classe.

—Arriscarei tanto vida mortal e possivelmente minha própria alma imortal?

—Tanto que tenho medo. Até podemos esperar uma destruição dolorosa e espantosa em mãos de meus inimigos.

Cuthbert se encolheu.

—Ah, bem. Entre escolher morrer de gota ou de velhice em minha acolhedora e quente cama. Ou assistindo outra conferência moderada com meu pai. —Ajustou seu gorro de dormir, colocando-o em um ângulo arrogante —. Quando nós partimos?

Era pouco depois do alvorada quando o médico finalmente saiu da habitação principal do Larkin na casa da cidade onde Adrian tinha levado a Caroline tão só umas poucas horas antes.

Adrian se separou da parede contra a que tinha encostado, seus olhos queimavam de esperança apesar de sua mandíbula sem barbear e a cara manchada. Larkin escorregou um braço que se estabilizou ao redor de Vivienne, que acabava de voltar de uma de suas numerosas viagens ao quarto de meninos para assegurar-se de que os gêmeos ainda estavam metidos em suas camas. Porta deu volta longe da janela ao final do corredor. Tinha estado olhando como o sol começava seu lento arrasto sobre o horizonte e perguntando-se se Jules estaria a salvo de seus mortais raios.

Adrian ainda usava a camisa manchada de fuligem e as botas cobertas de cinza.

—Como vai, doutor?

O Doutor McKinley era um homem baixo, forte, com um nariz de desprezo e olhos amáveis que muito bem poderiam cintilar em circunstâncias menos graves.

—Tenho medo que sua esposa tenha sofrido um choque severo. Mas tenho razões para acreditar que o bebê que leva está a salvo.

—A Deus Obrigado! —Adrian se apoiou contra a parede, apagando um estremecido suspiro de alívio. Passou uma tremente mão por seu despenteado cabelo—. Por favor me diga o que posso fazer por ela.

—Acredito que o bebê esta a salvo... ao menos por agora. Mas temo o que poderia passar se não encontrar aos bandidos que seqüestraram a sua filha.

—Ah, encontraremo-los —jurou Adrian, o olhar de seus olhos fez que o doutor desse um passo para trás.

—pôs-se você em contato com as autoridades? — perguntou o médico.

Trocando um olhar com o Adrian, Larkin limpou a garganta.

—Eu mesmo fui guarda, Doutor McKinley. Posso lhe assegurar que todas as autoridades apropriadas foram notificadas e que todo o humanamente possível será feito para devolver a minha sobrinha aos braços de sua mãe antes de que o sol se ponha.

—Posso vê-la? — perguntou Adrian, começando a adiantar-se.

O homem sustentou uma mão para refreá-lo, um movimento bastante valente considerando o imponente tamanho do Adrian.

—Ainda não. —Jogou uma olhada por cima do bordo metálico de seus óculos a cada um deles, seu olhar fixo finalmente se decidiu por Porta—. É você Porta?

Ela deu um passo adiante.

—Sou.

—Sua irmã deseja vê-la primeiro.

—A mim? Que coisa? —Porta não podia ocultar sua surpresa. Tinha assumido que Caroline só poderia culpá-la pelo que tinha passado. Sua irmã maior tinha perdoado suas muitas faltas e debilidades em todos os momentos de suas vidas, mas certamente até a bondade do Caroline não podia cobrir um pecado indiscutível como este.

Intercambiou um olhar desconcertado com o Adrian, mas ele só deu uma cabeçada cansada, alentadora respeitando os desejos de sua esposa.

Reunindo coragem, passou por diante do doutor e se deslizou no dormitório, com cuidado fechando a porta detrás dela.

Caroline jazia sobre a cama com uma das batas lavanda de Vivienne, apoiada sobre uma montanha de travesseiros. Sua cara pálida girou para a janela como se todas suas esperanças estivessem depositavam em começo do amanhecer.

Falou antes de que Porta o fizesse.

—Tenho medo de que a retenham em algum lugar escuro. Não gosta da escuridão, já sabe. Eu sempre lhe dizia que não tinha que ter medo, que os monstros não vivem na escuridão. — Girou seu olhar fixo da janela Porta, seus olhos tão claros e cinzas como o céu de alvorada—. Não deveria lhe haver mentido, verdade? Estava equivocada.

Porta sentou-se na cama, afundando-se a seu lado.

—Estava acostumado a me dizer o mesmo quando era pequena. Mas nunca te acreditei.

—Isso é porque quis acreditar que havia todo tipo de monstros aninhandos sob a cama, duendezinhos e espectros, trasgos, todos eles procurando à menina apropriada que romperia seu escuro encantamento e os deixaria em liberdade.

—Bem, obviamente não sou a menina apropriada. —Porta inclinou a cabeça, com a esperança de ocultar as lágrimas que fluíam de seus olhos.

Caroline espremeu seus cachos despenteados, recordando ambas o tempo no que só se tinham a uma à outra para refugiar-se.

—Não deveria haver dito aquelas coisas terríveis sobre o Jules. Ele pode ser um monstro mas é seu monstro e além não era meu problema.

Porta tomou a mão de sua irmã, tragando o nó de sua garganta.

—Tenho que te dizer o que aconteceu a cripta.

Caroline sacudiu a cabeça, um fantasma de sua risada velha e familiar, desenhou-se em seus lábios.

—Não, não o faça. Há segredos que só devem ser compartilhados entre a mulher e o homem ao que ama. Por isso estou preocupada, é que há uma coisa que tem que fazer por mim.

Porta deu um apertão feroz à mão do Caroline.

—O que seja. Sabe que faria tudo por ti.

Caroline cavou a bochecha de Porta com sua mão, articulando cada palavra como se fosse quão último pronunciaria.

—Traz meu bebê para casa.

Adrian e Larkin se elevavam sobre suas monturas pelo alto do Chillingsworth Manor quando Porta chegou montada na potra salpicada que Adrian lhe tinha agradável em seu vigésimo primeiro aniversário. Uzava um traje de montar azul escuro bem confeccionado e um robusto par de botas altas de bezerro. Tinha recolhido seu cabelo em um útil acréscimo de couro na nuca e coberto sua garganta com um cachecol de seda para ocultar as recentes mordidas.

Tal como tinha esperado, Adrian não tratou de exortá-la ou dissuadi-la. Tinham sido conscientes de que os tinha estado seguindo desde que deixaram os subúrbios de Londres. Se tivessem querido que cessasse de acompanhá-los nesta missão, o teriam feito faz muito tempo.

Em troca, simplesmente a dirigiu um largo olhar.

—Sabe por que estamos aqui, verdade? Temos que destruir a Valentine.

Ele não teve que terminar. Se destruíam a Valentine, então a alma do Jules voltaria para vampiro que a tinha roubado fazia mais de duzentos anos. Inclusive se Jules fosse capaz de localizar a tal criatura, o vampiro provavelmente seria tão capitalista que ele —ou ela —seria impossível de derrotar.

Porta olhou fixamente à frente, seu perfil não menos decidido que o seu.

—Jules tomou sua própria decisão quando fez votos de… —Tragou, fechando seus olhos brevemente—. Nosso objetivo é encontrar a Eloisa e levá-la a casa.

Adrian assentiu com aprovação antes de desatar a correia de uma mola de suspensão pequena mas mortal e um punhado de flechas de madeira de sua cadeira e dar-lhe. Ele e Larkin tinham passado a maior parte do dia visitando todos os arsenais, ferreiros, e o porto para substituir o punhado de armas antigas que tinham perdido no incêndio.

Porta deslizou a correia da mola de suspensão sobre seu ombro e sujeitou a bolsa das flechas ao cinturão de seu traje de montar, tinha praticado tantas vezes no deserto salão de baile da mansão que lhe era tão natural como respirar.

A casa Solar brilhava triste e desolada pelos reflexos com matizes dourados dos raios de sol da tarde. A luz do sol brilhava sobre a magra casca de neve que cobria o funda terraço e as chaminés derrubadas, mas ainda pioraria ao cair a penumbra que se cernerían sobre o lugar.

Antes que eles pudessem conduzir seus cavalos colina abaixo, o vento invernal lhes levou o som de ruídos de cascos. Deram-se volta para encontrar-se a outro cavaleiro galopando atrás deles.

Durante um atormentador momento, Porta logo que pôde respirar. Então viu o cabelo grisalho que coroava a cabeça do cavaleiro.

Larkin sacudiu sua cabeça incrédulo.

—Certamente isto é uma brincadeira.

Adrian deu uma olhada de acusação a Porta, mas ela só pôde encolher-se de ombros.

—Não tinha nem idéia de que me seguia.

Wilbury vinha sobre um dos melhores sementais do Adrian. Um dos mais fogosos e caros. O mordomo se encurvava sobre a cadeira, seu corpo ossudo se dobrava sob o peso de numerosas armas, incluindo um arco e bolsa de flechas, uma bandagem de couro com várias estacas de variadas longitudes, e uma espada que suspeitosamente se parecia com um trinchante de cozinha. Inclusive levava uma pistola de faísca antiga na cintura de seu, passado de moda curto calção. Apesar de sua tentativa de alarde, ainda luzia como se Sally in Our Alley (balada romântica escrita pelo Henry Tartaruga marinha, que trata sobre o amor por parte de um jovem de classe baixa a uma vizinha de beco chamada Rally) cavalgasse detrás de um carro fúnebre.

Colocou seus arreios ao lado de Porta, deixando-a ao passo.

—Você me chamou?

—Não, seguro que não o fiz —rompeu Adrian.—. perdeu a cabeça, ancião? Você deveria estar em casa, polindo a prata, não arriscando seus velhos e frágeis ossos cavalgado através  do campo sobre um cavalo que logo que foi montado.

—Em caso de que o tenha esquecido, não tenho prata para polir. Nenhuma casa para limpar. É por isso o que vim para lhe emprestar minha ajuda. Vivi uma vida larga e cheia, meu senhor. O que é quão pior poderia me passar?

Olhando sua forma cadavérica, Larkin reprimiu um sorriso.

—Poderiam lhe confundir com um de sua própria espécie e tratar de lhe fazer seu rei?

Wilbury lhe deu um olhar murcho.

—Com um pouco de boa fortuna e alguns disparos excelentes de sua parte, Sr. Larkin, até poderia viver para ver meus sessenta e quatro aniversários.

Os olhos do Larkin se alargaram de incredulidade enquanto Porta ocultou um repentino ataque de tosse detrás de sua luva de equitação.

Adrian o estudou com olhos semicerrados.

—Wilbury, você tinha ao menos sessenta quando eu usava calças curtas.

—Tolices —disse o mordomo com uma aspiração solene—. Só parecia mais velho porque você era mais jovem. E não tem que preocupar-se com que me interponha em seu caminho. Não é como se não soubesse me dirigir nestas situações. Posso lhe assegurar que tive mais de uma batalha em minha juventude.

Larkin soprou.

—Combater as multidões Normandas quando invadiram a Inglaterra, verdade?

Porta o alcançou e deu um apertão à mão nodosa do ancião.

—Considerarei uma honra montar a cavalo na batalha a seu lado, Wilbury.

—Obrigado, senhorita Porta —respondeu com igual seriedade—. Não teria vindo, mas estava preocupado pela senhorita Eloisa. Você vê, sou o único que é capaz de consolá-la quando se acorda de um pesadelo. Uma agradável taça de leite quente e uns versos da Sally in Our Alley e pelo geral se vai direto a dormir.

Porta piscou para afastar as lágrimas, esperando que Wilbury culpasse ao frio vento que açoitava através da ladeira.

—Estou segura de que você será uma enorme comodidade para ela quando a encontramos.

Adrian jogou uma olhada sobre seu ombro ao sol que se afundava rapidamente.

—Se formos, melhor ir agora antes de que os gêmeos apareçam sobre um par de poneis, agitando espadas de madeira.

Depois do descanso, alçaram seus monturas debaixo da colina, determinados a não esbanjar outro precioso minuto da luz do dia.

Assaltaram a casa como se fora um campo de batalha, rasgando cada parte de cortina de cada janela e alagando seus quartos poeirentos e abandonados corredores com a luz do sol invernal. Porta e Adrian procuraram nas câmaras de acima e apartamentos de cobertura qualquer sinal de entradas em escadas secretas ou passadiços, enquanto Larkin e Wilbury pentearam as cozinhas e porões, com as molas de suspensão preparadas.

Porta começou por um dormitório espaçoso no terceiro piso, logo se congelou ante os achados. Dois pares de algemas vazias de ferro enganchadas profundamente na parede. Ela se estremeceu, recordando como Valentine tinha devotado deixar aos ajudantes do Raphael mantê-la ocupada enquanto ela entretinha ao Jules. Julgando pelo forte aroma acobreado que havia no ar e as escuras manchas empapadas no piso de madeira, não duvidou que eles mantiveram a alguém as ocupando alguma que outra vez.

—O que é isto? —murmurou Adrian, passando detrás dela.

Ela sacudiu sua cabeça.

—Algo que preferiria não recordar.

Lhe deu um apertão consolador em seu ombro antes de começar a andar para o quarto seguinte.

Voltaram para salão de baile quando Larkin e Wilbury surgiam das estadias inferiores da casa, teias cobriam seu cabelo. Surpreendentemente, Wilbury luzia bastante natural com elas.

—Nada —Larkin aparentava uma expressão severa—. Nenhum vampiro. Nenhum coroinha. E o pior de tudo, nenhuma Eloisa. Nem sequer encontramos um ataúde onde um vampiro pudesse ocultar-se.

Porta franziu o cenho.

—Poderia existir uma cripta familiar em algum lugar das terras do senhorio?

Larkin sacudiu a cabeça.

—Tomei a liberdade de realizar uma visita ao antigo dono da propriedade hoje. Ele jurou que seus antepassados foram todos enterrados no cemitério do povo.

As sombras tinham começado a arrastar-se com o passar do quarto com a luz descolorida. Porta jogou uma olhada para as janelas ao outro extremo do salão de baile.

—O sol desce, Adrian. O que vamos fazer?

Ele emitiu um juramento angustiado.

—O que eu gostaria de fazer é queimar este maldito lugar e não deixar nada mais que um montão de cinzas onde uma vez esteve de pé.

—Sei que o quer, mas não podemos —disse Porta—. Não antes de que estejamos absolutamente seguros que não têm prisioneira a Eloisa em algum lugar dentro destas paredes.

—Há uma boa possibilidade de que Valentine soubesse que este seria o primeiro lugar onde viríamos a buscá-la —disse Larkin—. Se ela advertisse disto ao Raphael, nenhum vampiro voltaria a entrar por esta porta outra vez. Possivelmente nós deveríamos voltar para a casa da cidade —sugeriu a contra gosto—. Ela poderia ter enviado uma nota enquanto estivemos longe.

—Uma nota de resgate? —Adrian soprou—. E O que vai dizer? me traga a cabeça de seu irmão ou alguma vez verá sua menina viva outra vez?

—Bom, em realidade não poderia lhe levar a cabeça do Jules porque se a cortasse, converteria-se em pó —advertiu Larkin.

Adrian o olhou iradamente.

—Falava em sentido figurado.

—Não é sua cabeça o que quer de todos os modos —disse Porta com gravidade—. É seu coração.

Adrian rastelou uma mão por seu cabelo.

—Possivelmente deveria jogar uma última olhada aos porões eu mesmo antes de irmos. Só para aliviar minha mente.

—Ficarei aqui e guardarei vigilância —ofereceu Porta enquanto Larkin e Adrian se afastavam a passo rápido—. O porão seria o último lugar onde queremos ser apanhados se os vampiros voltam.

—Fico com você? —perguntou Wilbury, jogando um olhar de desejo por acompanhar aos homens.

Porta exibiu a mola de suspensão sobre seu ombro e pôs uma de suas flechas antes de lhe oferecer um seguro sorriso.

—Estarei bem, Wilbury. Poderiam necessitar a um moço jovem como você para romper uma porta ou mover uma pedra pesada.

Cabeceando com gratidão, apressou-se detrás dos homens, com uma jovem primavera em seu andar enquanto arrastava os pés. Porta se afundou sobre os degraus de mármore que conduziam até a galeria do segundo piso, agradecida em segredo no momento de isolamento.

Custava-lhe acreditar que fazia só duas noites ela tinha estado girando neste salão de baile nos braços do Jules. Era ainda mais difícil de acreditar que nunca poderia voltar a provar o prazer embriagador que ali tinha encontrado. Quase lamentava que ele não tivesse sido capaz de lhe fazer um menino. Com muito gosto teria abandonado a sociedade cheia de oprobio só por ter algo para recordá-lo. Um menino, possivelmente com uns olhos escuros e um sorriso diabólico. A imagem lhe enviou uma sacudida de crua dor a seu coração.

Levantou-se, repugnada com ela mesma por ser tão egoísta de ceder ao sonho de sustentar a seu próprio menino quando a pequena Eloisa estava ainda a mercê daqueles demônios. Rondou agitadamente ao redor do salão de baile, olhando os últimos raios de sol cruzar o ar. Incapaz de manter-se na opressão das sombras, tirou uma caixa de isca da saia de seu traje de montar e acendeu várias das velas dispersadas por toda parte do quarto.

Tomando sua mola de suspensão, inspecionou sua obra do pé da escada, outra vez viu os olhos do Jules olhando para ela à luz da vela, sentiu sua mão poderosa contra suas costas, impulsionando-a mais perto com cada mudança, cheio de graça de seus quadris, cada revolução dançando ao redor do piso do salão de baile. As folhas mortas se formaram redemoinhos sob seus pés com cada passo, um som rangente em contrapartida com os compasos em alta da valsa.

Quando Porta fechou seus olhos, quase teria jurado que ouviu de novo aquelas notas, indo à deriva em seus ouvidos com um eco fantasmal. Voltou sua cabeça a um lado, com tal desejo que tomou um minuto compreender que não ouvia uma valsa, mas se um arrulho. Um arrulho cantarolado por uma voz de uma soprano harmoniosa com um rastro de acento francês.

Devagar abriu seus olhos e se deu a volta.

Valentine estava no alto da escada tal e como ela a tinha visto aquela noite. Porta instintivamente levantou a mola de suspensão, e logo a baixou rapidamente. Já que meigamente dormida nos braços do Valentine estava Eloisa.

 

Porta procurou freneticamente o rosto de sua sobrinha sob a coroa de pendentes cachos de cor mel, dividida entre o horror e o alívio. A pequena boca da Eloisa estava franzida em um perfeito botão de rosa, suas bochechas ruborizadas com uma sombra de rosa suave. Sua garganta não tinha nenhuma marca, seu peito se elevou e baixou uniformemente sob o sutiã com volantes de sua camisola. Parecia estar viva e ilesa.

Porta desejou dar um golpe quando se deu conta que Valentine deve ter saído da única habitação onde ela e Adrian não tinham procurado. A habitação com as manchas repugnantes no chão e as algemas soltas na parede, algemas das que se poderia puxar ou retorcer para revelar uma câmara secreta ou um passadiço.

Seu dedo acariciou o atirador da mola de suspensão. Sábia que não tinha nenhuma esperança de conseguir um tiro limpo ao coração do Valentine, não enquanto estivesse usando a Eloisa como escudo humano.

Ellie era tão robusta como um pequeno ponei, mas os magros e pálidos braços da vampiro não mostraram nenhum sinal de tensão. Sua força sobrenatural provavelmente lhe permitia levar a um menino por horas sem sofrer muito mais que uma molesta contração de músculos.

—Uma vez tive um filho próprio, sabe? —disse Valentine brandamente, baixando o olhar para o rosto da Eloisa com um carinho arrepiante—. Uma menina muito parecida com esta.

—Que lhe ocorreu? Comeu-lhe isso?

Valentine lhe dirigiu um olhar de reprimenda.

—Claro que não. depois de ser atacada enquanto dava um passeio pela margem do Sena e me converter em vampiro, nunca a voltei a ver. Perguntei-me freqüentemente que terá sido dela. —Suspirou, seus imponentes olhos de cor esmeralda se cobriram com um toque de tristeza—. Suponho que leva comprido tempo morta.

Porta resistiu a sentir uma pontada de compaixão, sabendo que isso poderia adoecê-la.

—Se foi mãe alguma vez, então deve recordar como é sofrer de medo por um filho. Minha irmã está sofrendo neste momento, cada minuto é um pesadelo. —Plantou um pé no primeiro degrau, transladando um passo mais perto da Eloisa—. Se ficar um pouco de humanidade em ti, um pouco de misericórdia, por favor me entregue à menina e deixa retorná-la aos braços de sua mãe.

—Realmente desejaria poder fazê-lo —disse com um suspiro de pesar—. Especialmente posto que o pediste tão amavelmente. Mas me temo que sua irmã terá que continuar sofrendo até que Julian esteja de retorno em meus braços.

—Isso é algo que não posso te dar! Nem sequer sei onde está.

—Certamente não se cansou tão rápido de ti, verdade? esqueceste que conheço exatamente quão insaciável pode ser seu apetite sexual? Porque, a primeira vez que estivemos juntos, passou uma gloriosa semana completa antes de que sequer me deixasse sair da cama.

O estômago de Porta se apertou em um agonizante nó enquanto tentava desesperadamente não imaginar ao Julian lhe fazendo ao Valentine todas as coisas ternas e selvagens que tinha feito a ela.

—por que te abandonaria quando pode lhe dar a única coisa que eu alguma vez pude… seu amor?

Nos lábios do Valentine, a palavra soava como um epíteto. Eloisa se revolveu agitadamente em seus braços, sua frente se franziu em um cenho.

—Como poderia esperar que entendesse o amor de uma mãe por seu filho ou o amor de uma mulher por um homem? —demandou Porta, subindo outro degrau—. Tudo o que você entende é avareza, fome, luxúria e violência. O amor requer paciência, doçura e a vontade de sacrificar-se por um bem maior.

—O amor nada faz a não ser te fazer débil! Volta-te um objeto de compaixão e brincadeira… uma gemente e patética criatura com a mesma capacidade para viver que um verme que se retorce no chão depois de uma chuva copiosa do verão.

Porta sacudiu sua cabeça.

—Isso não é amor. É obsessão. O amor verdadeiro não te faz débil. Faz-te forte. Dá-te a coragem que necessita para suportar inclusive a noite mais solitária. —As pestanas da Elosia tinham começado a agitar-se. Porta se aventurou outro passo—. Eu estava acostumado a acreditar que apaixonar-se significava perder-se por um arrumado príncipe que nunca te deixaria. Mas agora sei que esse príncipe pode te amar tanto que sente que não tem outra opção que deixar ir.

Uma voz de homem divertida chegou desde atrás, acompanhada por uma ronda de secos aplausos.

—Bravo! Nunca tinha escutado uma atuação mais comovedora desde que enrolaram a Sarah Siddons para que voltasse de seu retiro e pisasse nos cenários do teatro Drury Lane uma última vez.

Antes que Porta pudesse sequer dar a volta, Eloisa abriu seus olhos, estirou seus pequenos e gordinhos braços para as portas francesas e gritou:

—Tíito Jules!, Tíito Jules!

 

Porta se girou lentamente para encontrar ao Julian justo de pé dentro das portas de vidro no extremo mais afastado do salão de baile. Estava vestido completamente de negro. Usava uma camisa negra com uma queda elegante de encaixe de meia-noite no pescoço e punhos e calças de montar negros metidos em um par de botas altas de couro. Nunca antes se pareceu tanto a um príncipe da noite.

—Se tivesse sabido que a Senhorita Cabot ia dar um de seus apaixonados discursos sobre a natureza sentimental do amor verdadeiro, teria metido um lenço adicional em meu bolso —disse, seu olhar frio e desafiante inclinando-se sobre ela como uma espada singularmente bela mas letal.

Antes que Porta pudesse avaliar simplesmente quanto dano tinha feito isso a seu coração, Valentine soltou uma risada amarga.

—Sabia que se ela estava aqui, você não podia estar muito longe. É muito fastidiosa a forma em que corre a seus pés como um cervo no cio.

—Não adule à jovenzinha, anjo. Sabe que corro aos pés de cada garota bonita como um cervo no cio… especialmente aos teus.

Eloisa estava começando a retorcer-se ansiosa, seus grandes olhos cinzas se enchiam de lágrimas de frustração. Choramingando e inquietando-se, arqueou as costas, obviamente querendo ser baixada ao chão para poder correr até seu arrumado tio.

Valentine chiou, as pontas de suas presas começando a mostrar-se.

—Sabia que deveria lhe haver dado umas gotas mais de láudano.

—lhe dê seu colar —resmungou Porta, aterrada de que a legendária paciência do Valentine estivesse a ponto de acabar-se.

Valentine posou seu olhar furioso nela.

—O que?

—Gosta de jogar com bagatelas brilhantes. Se lhe der seu colar, isso poderia distrai-la um pouquinho.

Valentine elevou uma sobrancelha arrogante.

—O sultão do Brunei me deu estas safiras. Tem alguma idéia de quanto custam?

—Não —respondeu Porta—, mas estou segura que ganhou cada pene de seu preço.

Os olhos do Valentine se entrecerrarão mas tirou o colar de seu pescoço e a contra gosto o entregou a Eloisa. Justo como Porta havia predito, sua sobrinha ficou encantada pelo cordão de gemas brilhantes. Em segundos estava encolhida de volta no oco do cotovelo de Valentine, chupando felizmente a pedra maior. Suas pálpebras começavam a cair outra vez, obviamente ainda sob o feitiço do láudano.

Estremecendo-se com repugnância, Valentine devolveu sua atenção ao Julian.

—Então deves implorar pela vida de sua sobrinha? Porque neste momento nada eu gostaria mais que ver-te de joelhos ante mim.

Julian se encolheu de ombros.

—A vida da mucosa significa pouco para mim. Mas te trouxe algo que acredito que encontrará muito mais saciável.

Deu um passo fora das portas. Reapareceu um breve momento depois, conduzindo a um homem por diante dele. Porta ficou sem fôlego quando reconheceu ao amigo do duelo no beco. As mãos do Cuthbert estavam atadas a suas costas e um tecido imundo tinha sido embutida entre seus lábios. Um de seus olhos estava quase inchado, fechado e rodeado por um feio machucado. O sangue ainda se escorria de seu lábio inferior partido. As aletas do nariz de Valentine cintilaram como se tivesse farejado um corte especialmente suculento.

Julian conduzia a seu cativo através do salão de baile. Sem dedicar a Porta mais de uma olhada, empurrou ao Cuthbert rudamente ao chão, ao pé das escadas. Descansando uma bota na parte baixa, esboçou ao Valentine uma reverência graciosa.

—Para o prazer de minha senhora.

Valentine inclinou a cabeça a um lado e estudou sua oferenda durante vários segundos.

—Está um pouco entrado em carnes para meu gosto, mas suponho que o sentimento é o que conta.

—Ellie! —Todos se giraram quando o grito do Adrian, de alegria e angústia, ressonou através do salão de baile.

Chegou correndo à habitação com o Larkin e Wilbury justo detrás, suas armas prontas para usar-se. Enquanto Julian parecia ligeiramente divertido por sua repentina aparição, Valentine não deixou trasluzir sequer um sobressalto de alarme. Não tinha por que. Não enquanto tivesse todas as cartas e a Eloisa.

Adrian tropeçou até deter-se vários pés das escadas, seu olhar desesperado se moveu rapidamente da Eloisa a Porta e finalmente ao Julian antes de retornar a Valentine.

—me dê a minha filha —demandou, elevando a mola de suspensão em suas mãos e apontando diretamente a sua formosa cara—. Agora.

—Ou o que fará? me disparar? Se eu fosse você, não faria nada que me sobressaltasse. Não quererá que deixe cair à menina, verdade? Uma queda por estas escadas de mármore provavelmente romperia seu pequeno pescoço frágil em dois.

Enquanto Porta subia centímetro a centímetro outro degrau, Adrian deixou escapar um som inarticulado através dos dentes apertados com raiva. Lentamente baixou a mola de suspensão.

—O que quer de nós?

Com o pé ainda descansando sobre as costas do Cuthbert, Julian abriu os braços de par em par.

—Não é óbvio? Quer o que cada mulher com uma cama vazia e um coração solitário quer. A mim.

Adrian cravou os olhos em seu irmão como se nunca antes lhe tivesse visto.

—perdeste o julgamento?

—Não, querido irmão, finalmente o recuperei. Duvalier tinha razão todo o tempo. por que deveria perder uma eternidade miserável me opondo a meu destino quando posso abraçá-lo? Por isso trousse ao Valentine esta pequena e saborosa oferta como prova de minha sinceridade. —Cuthbert grunhiu quando Julian apartou o pé dele e subiu o primeiro degrau—. E minha devoção imperecível.

Valentine parecia inclusive mais cética que Adrian.

—por que deveria acreditar uma palavra do que diz? Você e sua preciosa pequena Penélope já tentastes me enganar duas vezes.

Ele negou com a cabeça.

—Fui eu o que resultou enganado por meu ridículo amor com a jovenzinha. Depois de só uma noite entre seus braços, dava-me conta que não é nem a metade de mulher que é você. Ela nunca poderia me agradar igual.

Embora agora estava junto a Porta, levantava o olhar para  Valentine, com seus olhos escuros suavizados por um terno carinho que Porta reconhecia muito bem. Apartou a cara e se mordeu o lábio, sem saber se ria ou chorava.

—Foi verdadeiramente tão aborrecida? —perguntou Valentine, soando intrigada apesar de si mesmo.

Julian continuou ascendendo.

—Posso te assegurar que teria encontrado seus patéticos intentos por me agradar tão divertidos como eu. —Quando Valentine continuou lhe olhando com franca suspeita, acrescentou —Já a tinha tido uma vez antes, já sabe, quando era simplesmente uma moça. Esperava que tivesse tomado uns poucos amantes entre então e agora para melhorar suas habilidades, mas me temo que desperdiçou todo o tempo que estive ausente sonhando comigo como uma menina atordoada. Se quer sabê-lo, encontrei-a tão torpe e inepta como antes.

Porta aspirou de um puxão, seus pulmões ardiam como se houvesse inalando cristal esmerilhado.

—Filho da puta —sussurrou Adrian, vendo seus piores medos sobre a cripta finalmente realizados. Sua cara ficou branca, logo vermelha, levantou a mola de suspensão outra vez, não apontando a para o Valentine a não ser à costas de seu irmão.

Apesar de que não havia nada que Porta desejasse mais agora mesmo que arrebatar a arma das mãos do Adrian e disparar ao Julian por si mesmo, gritou:

—Não! —e se equilibrou sobre o Adrian.

Antes que pudesse alcançar o pé das escadas, ele ajustou sua pontaria e disparou, enviando o raio mortal zumbindo justo junto à orelha do Julian. incrustou-se no corrimão da galeria com um sonoro golpe seco.

Julian girou lentamente sobre si mesmo. Quando baixou o olhar para seu irmão, um sorriso fresca tocou seus lábios.

—É um pouco tarde para defender sua honra, não acha?

A cara do Adrian era uma máscara de angústia e fúria.

—Ela salvou sua vida nessa cripta! E assim é como a agradece...? Despojando-a de sua inocência? meu Deus, é um monstro,verdade?

—Isso é o que me chamam. —Descartando a seu irmão com um bufido de desprezo, Julian subiu os poucos últimos degraus para unir-se a Valentine no alto das escadas. Ela começava a lhe olhar sob uma nova luz.

Rondando detrás dela, fechou as mãos sobre seus ombros.

—Seu que diz, amor? por que não devolve a mucosa a meu irmão e assim você e eu finalmente poderemos estar sozinhos?

Valentine baixou o olhar a Eloisa, com um petulante cenho franzido enrugando sua frente.

—OH, não sei. Mas bem esperava que nos pudéssemos ficar com ela. Se me deixasse, ela poderia ser nossa própria filhinha. Os desconhecidos na rua se deteriam admirá-la e adorá-la, o qual só o faria tudo mais emocionante quando afundasse suas pequenas presas em suas gargantas.

Julian fez uma careta.

—Que idéia tão espantosa! Quem quer carregar com uma mucosa chorrona por toda eternidade?

Ela suspirou.

—Suponho que tem razão. Nunca poderíamos manter uma babá. Acredito que poderia devolvê-la —disse a contra gosto—. Mas só com uma condição.

Julian inclinou a cabeça para acariciar com o nariz sua orelha.

—Algo para ti, meu amor.

A voz dela se suavizou até um ronrono perigoso.

—Quero que mate a Prunella.

A cara do Julian ficou completamente em branco durante a quantidade exata de tempo que levou a coração de Porta começar a palpitar outra vez, logo se encolheu de ombros, como se Valentine tivesse pedido uma garrafa de perfume comprado a um vendedor de ruas ou um buquê furtado do horta de alguém.

—Muito bem. Se aceito matar a Porta, devolverá a mucosa a seu amoroso papai?

—Só se selar nosso pacto com um beijo.

Sorriu.

—Será um prazer para mim.

À medida que Julian girava a Valentine entre seus braços e baixava sua boca até a dela, Porta pensou que muito bem poderia lhe economizar o problema de matá-la. A julgar pela dor que atravessava seu coração, já se estava morrendo. Tudo o que ficava agora era recostar-se no chão do salão de baile e esperar a chegada do coveiro.

O beijo pareceu durar uma eternidade e quando Julian se separou de Valentine, Porta reconheceu o olhar entusiasmado muito bem.

—Feito. Fica satisfeita? —perguntou-lhe.

—Não, mas tenho a sensação de que o estarei muito em breve.

—OH, posso prometê-lo. —Deu a sua bochecha branca como a neve uma última carícia persistente antes de voltar-se para o salão de baile. —Vêem aqui, Porta, —ordenou, torcendo um dedo arrogante para ela tal como tinha feito na biblioteca do Adrian.

Ficou gelada nos degraus, encontrando impossível sequer contemplar o submeter-se à mercê deste cruel e cortante desconhecido. Mas quando seu olhar recaiu sobre a Eloisa, avançou para frente.

—Não —disse Adrian roncamente—. Não te deixarei fazê-lo.

—Não demore, amorzinho —disse Julian—. Posso recordar um tempo no que gostosamente te teria arrojado correndo a meus braços, como um cordeiro apaixonado.

Com seu olhar ainda fixo na terna inocência da cara dormida de Ellie, Porta subiu outro degrau, sentindo os pés como se se estivessem afundando em areias movediças.

Julian pôs os olhos em branco.

—Sempre foi uma romântica incurável. Ao melhor simplesmente precisa ser cortejada com algumas palavras sensíveis e poesia galante. —Cruzou os braços sobre o peito, olhando-a diretamente pela primeira vez desde que entrou no salão de baile—. O que é isso que meu poeta favorito escreveu uma vez? “Ela caminha na beleza como a noite de climas limpos e céus estrelados…”

Quando olhou fixamente às profundidades insondáveis de seus escuros olhos brilhantes, o coração de Porta se inchou de emoção. Escalou o seguinte degrau sem titubear, logo o seguinte. Ainda lhe olhando aos olhos, tirou-se o cachecol da garganta e a deixou escapar de entre seus dedos. Apesar das lágrimas que nublavam sua vista, sua voz soou clara e sincera.

—”E tudo o que é melhor de escuro e brilhante se encontra em seu aspecto e seus olhos.”

Então chegou à parte alta das escadas e Julian alargou a mão para ela. Foi para ele, confiando seu coração e sua vida a suas mãos tal como tinha feito todos esses anos antes na cripta.

Envolveu-a entre seus braços, deslizando-os ao redor de sua cintura desde atrás. Seu corpo já ardia enfebrecido, tão ardente que teve medo de que ambos pudessem estalar em chamas. Inclinou a cabeça, as mesmas pontas de suas presas rasparam a suavidade de sua garganta.

—Estou preparado para cumprir minha parte até o final —fez saber a Valentine, sua voz foi um grunhido fumegante na orelha de Porta—. Espero que você faça o mesmo.

Ela soltou um suspiro assediado.

—Se insistir. —Examinou aos homens que observavam impotentes do salão de baile de abaixo. Seu olhar finalmente se posou no Wilbury—. Envia ao velho.

Com mais pressa da que Porta teria acreditado possível, Wilbury saltou sobre a forma prostrada do Cuthbert e subiu correndo as escadas. Antes que Valentine pudesse resgatar seu colar de safiras do apertão da menina, ele tinha arrebatado a Eloisa dos braços e tinha deslocado rápida e ligeiramente de volta escada abaixo.

Adrian estava esperando ao pé das escadas para recolher a sua filha entre seus braços. Ela despertou só o suficiente para lhe dedicar um sorriso sonolento antes de descansar a cabeça em seu ombro. Adrian fechou os olhos com força e enterrou os lábios em seus cachos desgrenhados um comprido momento antes elevar seu olhar desesperado para Porta.

Lhe sorriu através das lágrimas, desejando que ele pudesse saber o que havia em seu coração nesse momento.

Então a mão implacável do Julian lhe urgiu a cabeça a um lado, dando-se acesso sem restrições à curva vulnerável de sua garganta. À medida que as presas descendiam, Valentine lhes devorava com o olhar, com suas próprias presas afiadas e brilhantes contra os lábios vermelho sangre, seus dedos curvando-se em garras.

Porta fechou os olhos, rezando para que sua fé não estivesse mal encaminhada. Justamente quando as presas estavam a ponto de perfurar sua pele, Julian levantou bruscamente a cabeça para olhar ao Valentine.

—por que não o faz você?

—Seriamente? —Seus olhos resplandeciam com deleite, aplaudiu com suas mãos cheias de joias—. Acreditava que você não gostava de compartilhar.

—Por ti, estou disposto a fazer uma exceção. Aqui. É toda tua. —Empurrou-a aos braços de Valentine, tal como Duvalier uma vez a tinha empurrado a seus braços.

Valentine a agarrou, suas mãos eram brutais onde Julian tinha sido tão dolorosamente terno. Agarrando um punhado do cabelo recolhido na nuca, puxou bruscamente da cabeça de Porta a um lado, tão atenta em devorar sua presa que nunca chegou a ver o Julian deslizando-se por detrás.

Em um segundo Valentine vaiava na orelha de Porta, e ao seguinte deixava escapar um gemido furioso à medida que as presas do Julian se afundavam profundamente em sua garganta. Seus membros ficaram rígidos, fazendo que Porta caísse de joelhos no mármore escorregadio.

Enquanto Julian desatava realmente à besta dentro dele por primeira e última vez, Porta desejou esconder a cara nas mãos, mas tudo o que pôde fazer foi boquear com assombro. Sua fúria era majestosa, seu poder de destruição terrível e irresistível. Não houve nem rastro de paixão ou desejo no ato, só selvageria e violência. Sugou até depois de ter acabado com a vida de Valentine, procurando sua própria alma com uma fome canina que já não seria negada.

Quando ela deixou de brigar, ficando frouxa em seu abraço, a cabeça dele se tornou para trás como se tivesse sido golpeado pela sacudida de um relâmpago. Porta soube que nunca esqueceria o aspecto de sua cara nesse momento. Era de uma vez agonia e êxtase, desespero e alegria, morte seguida pelo rubor milagroso da nova vida. Ele ficou sem fôlego, seu peito estremecendo-se à medida que seus pulmões desnutridos exigiam seu primeiro fôlego verdadeiro em quase uma década.

Porta se levantou lentamente, tão fascinada pela visão que não foi sequer consciente de que todas as portas acristaladas se abriam repentinamente ou de que os homens entravam no salão de baile através de cada arco e porta.

Poderia ter permanecido ignorante disso se o grito ensurdecedor do Wallingford não tivesse penetrado seu estupor.

—Solte a essa mulher, monstro! Olhem! Vos disse que lhe encontrariam aqui com esse companheiro Cuthbert. Primeiro ele reduz a cinzas a casa de seu irmão e agora isto! me dê essa pistola sangrenta, homem, antes que seja muito tarde!

No momento exato em que Valentine se desfazia em pó entre os braços do Julian, ouviu-se um disparo.

Um manto de silêncio caiu sobre o salão de baile. Julian baixou o olhar a sua camisa negra. Uma mancha até mais escura florescia ao longo da parte dianteira. Tocou com a mão a mancha, logo sustentou esta diante de seus olhos, piscando com maravilha ante o sangue que gotejava de seus dedos.

—Bem, estou condenado —sussurrou, elevando lentamente os olhos para encontrar os de Porta. Um sorriso dilacerador atravessou sua cara—. Ou possivelmente não.

Quando seus joelhos cederam, Porta se lançou através do patamar com um grito angustiado, interrompendo a queda com seus braços. Caíram juntos ao chão, com a cabeça do Julian embalada em seu regaço.

O caos estalou abaixo no salão de baile mas para Porta não existia nada mais que este momento, este homem. Pressionou a mão contra seu peito, contemplando o sangue que fluía entre seus dedos com necessitado horror.

Moveu o olhar para sua cara, assombrada pelas mudanças que tinham tido lugar ali. Havia rugas novas ao redor de seus olhos e as linhas que englobavam sua boca se feito mais profundas. Algumas fios perdidos de prata rajavam o cabelo escuro em suas têmporas. Esses inconfundíveis signos de mortalidade só lhe faziam mais formoso a seus olhos.

Seu fôlego escapou em um soluço.

—Maldito seja, Julian Kane! Se tenta morrer agora, a fúria de Valentine não será nada comparada com a minha. Por que, deixarei-lhes… lhes deixarei ler ao Byron em seu enterro!

Sua careta de dor se aprofundou.

—Sabe que odeio ao Byron.

—Sim, sei. Por isso soube exatamente o que foi fazer quando disse que era seu poeta favorito.

Sorriu para ela, com os olhos bebendo de sua cara.

—Essa é minha garota inteligente. —Aspirou um fôlego entrecortado que escapou num suspiro — É muito decepcionante, sabe. Desejava tanto envelhecer contigo.

—vamos envelhecer juntos! —disse Porta ferozmente, enredando os dedos em sua camisa—. vou comer tanto pudim de Natal e me pôr tão gorda como quero e brigarei com você por fumar. E vais pôr te cinza de barrigão e caprichoso e exigir saber onde escondi seu fumo. E ambos dançaremos nas bodas de nossos netos, embora lhes mortifique.

Julian subiu uma mão até sua bochecha, acariciando-a com dedos trementes.

—Nunca deveria te haver deixado. Quando penso sobre tudo o tempo desperdiçado…

—Então não me deixe agora —implorou, suas lágrimas começavam a cair como chuva.

—Por favor… —Sua voz se quebrava, descansou a frente contra da dele.

—Não chore, anjo —murmurou, urgindo-a a levantar a cabeça para poder encontrar seu olhar—. Fez exatamente o que te propôs fazer nessa cripta. Salvou-me. —Pressionou sua outra mão sobre a dela, obrigando-a a sentir cada pulsação milagrosa, trêmula de seu coração—. Chorará sobre minha tumba quando for? —perguntou roucamente.

—Cada dia —sussurrou, pondo o máximo empenho em sorrir através das lágrimas.

—E se um de seus pretendentes te der um gato, porá nele meu nome?

Ela assentiu, incapaz de falar absolutamente.

Lhe lançou o sorriso torcido que ela sempre tinha amado tanto, a faísca já desvanecendo-se de seus olhos.

—Esperava te entregar minha alma mas me temo que poderia necessitá-la lá onde vou. Mas não se preocupe, Olhos Brilhantes. Sempre terá meu coração.

Porta enterrou a cara contra seu peito, deixando escapar um gemido amortecido de agonia enquanto sentia esse coração deixar de pulsar sob sua mão.

 

As mulheres choravam.

Caroline e Vivienne se encolheram juntas sobre o banco de madeira com a Eloisa sentada entre elas mordiscando o colar de pérolas de sua mãe. Larkin se sentou ao outro lado de Vivienne, apertando sua mão para lhe oferecer todo o consolo que podia.

—Alguma vez sonhei que chegaria este dia, Fez-o você? —perguntou Caroline a sua irmã, tocando ligeiramente seu nariz rosado com o lenço bordado com seu monograma que sempre levava em seu sutiã.

Vivienne sacudiu a cabeça, seus grandes olhos azuis empanados em lágrimas.

—Meu único consolo está em saber que poderemos estar aqui para ela, para lhe oferecer orientação, conselho e consolo durante os difíceis dias por vir.

Caroline alcançou e aplaudiu sua mão.

— Nunca é fácil deixar ir a alguém que se ama.

Vivienne assentiu.

—Especialmente a alguém tão querido.

Mais impaciente a cada minuto, Eloisa se retorceu e subiu até ficar de pé sobre o banco. Cuspindo as pérolas, estudou os rostos sombrios de quão adultos estavam nos bancos de atrás com grave interesse.

Então um homem apareceu na soleira na parte posterior da igreja, sua alta e esbelta silhueta delineada pela luz do sol.

Rendo-se com júbilo, elevou seus pequenos e gordinhos braços para ele.

—Tiíto Jules!

Julian avançou dando pernadas com o passar do corredor, com um amplo sorriso em seu rosto. Elevou a Eloisa em seus braços, lhe plantando um beijo em sua rosada bochecha.

—Olá calabacita. Sentiu saudades a seu querido e velho tio?

Ela assentiu, reclinando a cabeça sobre seu ombro com um suspiro de satisfação.

—OH, Por Deus Santo —disse Caroline, pondo os olhos em branco—. Acaba de verte no café da manhã.

Julian se deu a volta fingindo uma recriminação.

—O que posso fazer, se for irresistível para as damas? Uma vez que provaram meus beijos, nunca voltam a ser as mesmas.

—Isso é o que me hão dito —respondeu Caroline com um sorriso.

Larkin tirou um relógio de bolso de seu colete, olhando-o com o cenho franzido.

—Não chega um pouco tarde? Começávamos a acreditar que tinha fugido do continente com alguma bailarina de opera.

—Tive que ficar e ajudar ao Wilbury a fiscalizar o polido do bolo. Em caso de que o tenha esquecido, devo a vida ao velho safado.

Larkin sacudiu a cabeça.

—Como poderia alguma vez esquecê-lo? Não tenho idéia em que estava pensando quando derrubou a Porta para um lado no patamar e começou a te golpear no peito. Resultou que era um truque que aprendeu em batalha quando era jovem. Graças a Deus Wallingford tinha a esse cirurgião à mão. Se não tivesse sido capaz de deter o sangramento e te costurar a ferida… —Embora deixou a frase sem terminar, uma breve frieza pareceu tocar o ambiente, quente pelo sol.

Um dos homens que estava no banco detrás deles se inclinou para diante, não estando satisfeito só escutando sua conversação.

—Ah, Wallingford! Escutei que estava bastante mal, sabem. Segue balbuciando uma e outra vez a respeito de certa classe de monstros chupasangue que rondam pelas ruas de Londres. Tiveram que encerrar ao pobre tipo no Bedlam, antes que pudesse fazer mal a alguém mais.

Larkin e Julian trocaram um olhar desapaixonado, incapazes de esconder por completo sua satisfação. O homem se foi.

—Segue jurando que Kane assassinou a alguma pobre mulher, embora não havia nenhum rastro de que se encontrasse o corpo. Wallingford não pôde sequer conseguir que os homens que estavam com ele essa noite atestassem a seu favor. Todos juram que havia pouca luz e que não viram nada até que Wallingford arrebatou a pistola da mão do oficial e começou a disparar. Temo-me que estará encerrado por um longo tempo. Mas eu opino que tem sorte de não haver sido pendurado por disparar a um homem inocente.

Enquanto o homem se sentava de volta no banco, Julian murmurou:

—Bom, ninguém me tinha chamado antes assim.

Jogou uma olhada para o altar na parte frontal da igreja, onde Adrian e Cuthbert esperavam pacientemente sua chegada. Não tinha sido capaz de escolher entre os dois, assim que lhes tinha pedido a ambos que estivessem com ele aquele dia.

Cubby brincava nervoso com sua gravata enquanto Adrian estava de pé erguido e alto, suas mãos unidas atrás de suas costas. Julian entregou a Eloisa, lhe dando aos cachos da menina uma sacudida afetuosa antes de caminhar para o altar.

Cubby o recebeu com um suspiro de alívio.

—Graças ao céu que estas aqui, Jules! Arrumei-me para converter esta maldita gravata em um enredo terrível.

Julian fez a um lado as mãos do Cubby gentilmente. Tomou sozinho dois hábeis movimentos converter a gravata em um firme nó.

—Aí tem. Vê-te como todo um cavalheiro. Seu pai estaria muito orgulhoso de ti.

Cuthbert lhe sorriu radiantemente. Seu lábio estava curado, somente uma contusão de cor amarrelo cítrico permanecia ao redor de um olho. Julian sacudiu a cabeça com pesar.

—De todas as coisas que tive que fazer quando era um vampiro…

Cubby rechaçou a desculpa.

—Não tem que dizer nada. Porque deixaria que voltasse a me golpear se isso significasse que não teria que assistir mas a esses sermões de patética moderação!

Dando a seu amigo uma última palmada no ombro, Julian tomou seu lugar ao lado do Adrian. Sem olhá-lo, Adrian perguntou:

—Hei-te dito ultimamente quão orgulhoso estou de ti?

Julian lhe dirigiu um duvidoso olhar.

—Não faz muito queria me cravar uma flecha de mola de suspensão no coração.

—Falhei, não?

—A propósito?

Adrian seguiu olhando fixamente para a frente, com um sorriso brincando em seus lábios lhe recordando ao Julian que embora sempre seriam irmãos, ainda havia alguns segredos que nenhum deles confessaria nunca.

—Deveria te haver pego um tiro por manter ao Wilbury postado para fora da antecâmara de Porta cada noite das três passadas semanas enquanto as admoestações eram publicadas. —Suspirou Julian—. Acreditava que antes sabia o que era uma eternidade.

—Estou surpreso de que não tentasse te escapulir pela janela de seu recamasse.

Julian lhe lançou um olhar feroz.

—Fiz-o. Mas sem asas, não é tão fácil como parece. Especialmente não com uma grande roseira plantada justo debaixo da janela. —esfregou-se o quadril, a carne lhe picando ao recordá-lo.

—Não foi você o que sempre dizia que alguem digna de ter, é digna de esperar por ela?

Julian talvez não tivesse estado inclinado a estar de acordo com seu irmão se a porta ao fundo da igreja não tivesse aberto nesse preciso momento. Conteve o fôlego, um ato que seguia sendo um milagre para ele.

Mas não tanto como o milagre que era a mulher da soleira, a mulher que tinha feito realidade cada um de seus sonhos.

Estava parado em uma igreja, já não estava banido da presença de sua família ou de Deus. A luz do sol fluiu através das janelas, enfraquecendo seu rosto, arrancando brilhos da seda acetinada dos cachos de Porta e do delicioso encaixe de Bruxelas de seu vestido.

Graças a ela, poderia dormir de noite e levantar-se para saudar o amanhecer. Poderia afastar-se do chouriço e pedir um bife de vitela assado até o osso. Poderia sentar-se com sua sobrinha no regaço e lhe ensinar como tocar as primeiras notas do Réquiem do Mozart no piano. A única coisa que se mantinha de seus solitários anos como vampiro, era sua insaciável fome por essa mulher.

Lhe sorriu, seus brilhantes olhos azuis faiscando com amor e ternura. Vestia uma gargantilha branca neve ao redor da garganta e um halo de brancos botões de rosa no cabelo, fazendo-a ver como o anjo que era.

Seu olhar carinhoso avançou descendendo. Ainda não levava a seu filho como o tinha feito em seu sonho, mas começando por essa noite planejou dedicar todo seu esforço a essa tarefa.

Sabia que devia esperar a que o bispo benzera sua união, mas já se sentia tão bento que não pôde esperar outro minuto para reclamar a sua noiva. Deixando ao Adrian e ao Cuthbert para que trocassem um desconcertado olhar, caminhou com amplas pernadas através do corredor, ignorando os pigarros de assombro que o seguiram.

Enquanto tomava a Porta em seus braços, o ondulação de sua alegre risada soou como sinos através de sua alma.

—Vá, Sr. Kane, não acredito que lhe esteja permitido beijar à noiva até depois de que prometa amá-la e protegê-la toda a vida.

Baixou o olhar para ela, percorrendo amorosamente cada querida e familiar curva de seu rosto. Tinha pensado que era bonita à luz das velas e da lua, mas com a luz do sol se revelou seu verdadeiro resplendor.

—Uma vida inteira não será o suficientemente larga para te amar. Disse-te, que já fora um vampiro ou um homem, amaria-te por toda a eternidade.

Pressionou os lábios contra sua frente.

—Minha querida… minha amada… meu anjo…

Ela se tornou para trás, lhe franzindo o cenho com os olhos entrecerrados.

—Se disser Prunella, talvez estaremos juntos uma vida inteira mas te prometo que farei que a sinta como uma eternidade.

—Minha querida… minha amada… meu anjo… —Beliscou a ponta de seu nariz, depois lhe deu um estremecedor e terno beijo nos lábios—. …meus Olhos Brilhantes.

 

                                                                                            Teresa Medeiros  

 

                      

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