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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O VINGADOR VIRTUAL / Marcia Ribeiro Malucelli
O VINGADOR VIRTUAL / Marcia Ribeiro Malucelli

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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Três anos antes da grande viagem.
Arquipélago de Fernando de Noronha; Pernambuco, Brasil.
Um homem sujo pelo excesso de poeira gritava ofegante no meio de homens mais sujos ainda. Tinha um papel de fax na mão. Gesticulava incessantemente enquanto corria atrás de seu chefe, o arqueólogo e professor da Universidade Federal do Pernambuco, Agrimon Mantas.
— Chefe?! Chefe?! Chefe?!
— O que foi Júlio? — perguntou o arqueólogo Agrimon ao vê-lo esbaforido.
— Chegou outro fax, chefe — e Júlio mostrou.
O arqueólogo Agrimon arrumou os fios de cabelo branco que estavam pendurados na face enrugada e leu:
— O quê?! — gritou descontrolado largando a lixa no chão. Correu pela areia macia da praia do americano no arquipélago de Fernando de Noronha entrando furioso no pequeno escritório do sítio arqueológico financiado pelo Banco Geral Suíço. Pegou o telefone e ligou para o Museu Aneslova de Felipe. — Gostaria de falar com o curador Felipe Aneslova.
— Um momento — falou a telefonista.
— Alguma novidade Agrimon? — atendeu Felipe Aneslova.
— A novidade é que vamos parar as escavações. Recebi outro fax do governo brasileiro dando essa ordem.
— Já te falei para não ligar para esse tipo de coisa. Seu trabalho se restringe a encontrar o Galeão do pirata Astúria e vender as relíquias que encontrarmos para o Transatlântico Colosso dos Mares.
— Mas foi um ultimato, Felipe. Se não encontrarmos um único vestígio de que o Galeão está lá, o governo fecha as escavações. E mais... Você sabia que aquele biólogo marinho brasileiro, membro do Green Peace, estava na nossa cola desde que chegamos aqui.
— Acalme-se! Eles não podem fazer nada.
— Os peixes e golfinhos estão nervosos. Não se alimentam direito. A pesca está suspensa, as ondas estão estranhamente cada vez maiores, e os caiçaras ainda dizem que o Galeão é amaldiçoado.
— Acalme-se Agrimon! Já falei! Isso é balela de pescador local.
— Para piorar, estamos sendo pressionados pelo governo russo. Eles têm pressa para que saiamos daqui e eu não sei o porquê.
— Agrimon, esqueça o governo brasileiro, o governo russo, o Green Peace, e os pescadores. Nós sabíamos que era uma corrida contra o tempo. Sabíamos que estávamos no Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha há mais de dois anos porque muito dinheiro do banqueiro e armador Anderson Vostovisova tem rolado por debaixo das barbas de muita gente. E tudo por causa daquele “carregamento”; então...
O arqueólogo Agrimon cortou a fala de Felipe.
— E se o carregamento também for uma lenda? E se o pirata e seu Galeão cheio de ouro também for uma lenda?
— Não são lendas!
— Está bem, Felipe — o arqueólogo Agrimon Mantas suspirou desanimado. — Os mergulhadores farão um último mergulho hoje. Se não conseguirmos encontrar nada, eu largo tudo — e Agrimon desligou.
Voltou para o sítio arqueológico instalado na praia do americano, antiga base dos Estados Unidos em Fernando de Noronha, durante a Segunda Guerra Mundial. E que agora se encontrava isolada da população caiçara.
— O que o Sr. Felipe falou chefe? — perguntou Júlio se aproximando. Tinha um andar característico das pessoas que tem as costas encurvadas pelos anos.
— Vamos tentar outra vez. Não tenho escolhas, Júlio — falou Agrimon desanimado.
— Mas um dos quatro mergulhadores já se machucou quando houve aquele abalo sísmico, chefe. Também tem chovido muito ultimamente.
— Não precisa ficar me lembrando dos riscos que estamos correndo. Fale aos mergulhadores que será a última vez.
Mal acabou de falar e um estrondo violento foi ouvido. Todos se olharam. Logo após, um silêncio mortal se propagou por todo arquipélago de Fernando de Noronha.
— O que foi isso, chefe?— perguntou Júlio ao arqueólogo Agrimon.
— Cuidado! — um dos mergulhadores gritou. — Tsunami!
— Um o quê?! — gritou Júlio.
E uma grande onda se levantou não muito longe da costa. Os olhos de todos se arregalaram. Uma ‘maré de terremoto’ é o que a palavra ‘tsunami’ significava em japonês, uma grande onda de calculados 20 metros de altura que remoía as águas do alto-mar.
— Segurem-se!!! — gritou arqueólogo Agrimon desesperado.
A inundação foi rápida, porém extremamente destrutiva. A força da grande onda arrancou as praias do ‘mar de dentro’ e do ‘mar de fora’. Emborcou os barcos. Jogou os pescadores e os mergulhadores para todos os lados. Arrancou a areia da praia para cima do comércio costeiro. Alagou os telhados das casas situadas na pequena aldeia de pescadores. Destruiu o sítio arqueológico.
Em meio a gritos e mortes de repente tudo cessou. A grande onda de água parecia ter sido sugada para o leito oceânico. Os pés do arqueólogo Agrimon afundaram na areia encharcada pela água salgada. Seus olhos se fixaram no estrago de dois anos de trabalho árduo. Ia sentar, ia chorar, quando viu um bando de golfinhos agitados, nadando em forma de círculo, sempre no mesmo local.
“Terá sido o tsunami?”, pensava ele, não compreendendo a agitação dos golfinhos nem dos peixes que pareciam querer indicar um local específico.
— O que há com vocês? O que estão fazendo? — perguntou o arqueólogo Agrimon como se os golfinhos e os peixes pudessem ouvi-lo, entendê-lo. O agito deles pareciam vozes, a responder suas questões. — Ali aonde? — e se virou quando os golfinhos e os peixes mostraram o local. Suas ideias se embaralharam. O arqueólogo Agrimon correu ainda todo molhado. Entrou no que sobrara do acampamento. Todos se olharam. Olharam o arqueólogo. Agrimon olhou-se no espelho também. Sentiu-se velho. — Preparem os equipamentos! Vocês iram mergulhar! — anunciou o arqueólogo Agrimon.
— O quê?! — gritaram os mergulhadores em uníssono.
— Vocês iram mergulhar.
— Enlouqueceu chefe? Essa onda... Essa onda gigante era um tsunami — falou o 1º mergulhador.
— Não quero saber.
— Não quer saber? Esse tipo de onda é um aviso que algo aconteceu no piso do mar — falou o 2º mergulhador.
— É isso mesmo, qualquer um sabe que houve algum tipo de maremoto em algum lugar — completou o 3º mergulhador.
— Acha que não sei o que provoca uma onda daquela? — enervou-se o arqueólogo Agrimon. — Já decidi! Vocês mergulharam 20 graus a oeste de onde estávamos trabalhando.
— Depois da praia do americano, chefe? — perguntou o 1º mergulhador, incrédulo.
— O IBAMA não proibiu escavações daquele lado, chefe? — relembrou o 2º mergulhador. — Acharam muitos peixes mortos.
— Além disso, nem mesmo um talher já foi encontrado naquele local — atiçou o 3º mergulhador.
— 20 graus a oeste! — afirmou o arqueólogo Agrimon, saindo. — E isso é uma ordem! — bateu a porta ao sair.
Agrimon Mantas tremeu todo quando chegou à praia molhada. Os quatro mergulhadores passaram por ele carregando o que restara do equipamento de mergulho.
— É bom que saiba o que está fazendo, chefe — falou o 4º mergulhador até então calado; iria seguir o trajeto indicado e mergulharia no grau exato que lhes havia sido dado.
Os quatro mergulhadores se separaram em duplas. Ficaram lá por volta de uma hora, a quase esgotar o oxigênio dos tanques, quando um novo abalo aconteceu.
O chão parecia ter se mexido.
— O que foi isso? — o 1º mergulhador escreveu na tábua de acrílico com caneta à prova de água:
— Não tenho a mínima ideia. Eu até nunca havia ouvido falar em abalos sísmicos aqui em Noronha — escreveu o 2º mergulhador como resposta.
Os dois se olharam apavorados, recomeçaram o trabalho sempre olhando em volta.
— A areia parece que está mais fina, não? — escreveu o 1º mergulhador após tocá-la. — Teria sido o tsunami?
— Sei, não. Parece-me que o piso do mar está cedendo — escreveu o 2º mergulhador ao tocar a areia também.
— Devemos estar loucos. Imaginando coisas — escreveu o 1º mergulhador.
— Já havia descido aqui antes? — escreveu o 2º mergulhador.
— Não. Nunca — escreveu o 1º mergulhador.
— Então como sabe que essa areia fina é alguma espécie de loucura? — escreveu o 2º mergulhador. — O que tem naquela pedra? — escreveu e apontou para um pequeno movimento que acontecia por debaixo de uma grande pedra à frente deles.
Os dois olharam para baixo, voltaram a se olhar sem compreender.
— Não sei, parece fumaça azulada — escreveu o 1º mergulhador.
— Fumaça?! Aqui embaixo?! — escreveu o 2º mergulhador.
— Já percebeu que os golfinhos não apareceram hoje? — escreveu o 1º mergulhador.
— Aquela onda enorme os espantou — escreveu o 2º mergulhador.
— Já descemos com chuvas torrenciais e eles sempre nos acompanharam. Além do mais aqui estava sempre cheio de golfinhos e peixes — escreveu o 1º mergulhador.
Os outros dois mergulhadores, que estavam mais afastados, se juntaram.
— O que é aquilo? — escreveu o 3º mergulhador, arregalando os olhos para a névoa azulada.
O 4º mergulhador, mais experiente, se aproximou da névoa azulada. Algo sobressaía atrás dela.
— Isso é um pedaço de aríete? — se questionou.
A equipe de quatro mergulhadores estava reunida na frente da cena que jamais sairia de suas vidas. Vários gritos haviam sido dados no cair daquela tarde de maio.
Os quatros mergulhadores haviam acabado de encontrar a proa do amaldiçoado Galeão do pirata Astúria.

 

 

 


 

 

 


Capítulo 1
21 de dezembro.
São Paulo, Capital.
O Condomínio Jardim das Flores estava todo iluminado. O Natal se aproximava e após exaustivas reuniões dos condôminos havia ficado decidido que as luzes natalinas atravessariam todos os quinze mil metros quadrados de jardins do condomínio, localizado em São Paulo, Capital.
O condomínio era constituído por três blocos. Os cinco amigos moravam no Bloco Jardim Azaléia. Fernando da Silva, o Fê, de 16 anos, morava no segundo andar. Melissa Jung, a Mel, de 16 anos e sua irmã Mariana Jung, a Mari, de 15 anos no sétimo andar. Eduardo Ferreira, o Dudu, de 17 anos, no décimo primeiro andar. E não esquecendo, Patrícia de Moura, a Pati, de 18 anos, no vigésimo terceiro andar, a cobertura do edifício.
Patrícia estudava numa escola interna na Suíça, aos cuidados de uma tia desde o assassinato de seus pais. O crime foi desvendado por Eduardo e o jovem policial Fabrício, sob o comando do Delegado José Liberato. Com muita lábia, Patrícia convenceu a tia a deixá-la viajar com os amigos Dudu, Mel, Mari e Fê no réveillon, no mais luxuoso Transatlântico do mundo, o Colosso dos Mares, que havia sido construído no Brasil.
Mariana e Melissa, aliás, ganhou a permissão para a tão sonhada primeira viagem sem os pais, pela metade. A mãe das garotas, Sandra Pii Jung bateu o pé e não deixou as garotas irem sem a companhia de um adulto responsável. Tinha certo receio da constante proximidade do casal de namorados – Eduardo e Melissa. O pai de Eduardo, Dr. João Vitor, concordou. Sabia que seu filho vinha ultrapassando os sinais. Todos os sinais. Incumbiu à empregada Berenice, a Berê, de acompanhá-los. Ela estava muito contente pelo presente que o Dr. João Vitor havia lhe dado. Berenice amava Eduardo como a um filho.
Eduardo era um garoto saudável, com uma verdadeira fissura por computadores. Para os amigos, Dudu era um expert, um gênio da informática. Para Melissa, a assiduidade dele nos computadores tirava seu sono. No fundo, achava que Eduardo queria se transformar num hacker. Ou até já era um deles. Havia outra preocupação com o namorado, sua própria irmã, Mariana que de um tempo para cá havia se apaixonado por ele, pelo namorado da irmã.
A confusão andava armada, a ponto de explodir.
Mas Melissa não se concentrava em namorados e irmãs desde quando começara a arrumar as malas. Sapatos e roupas encontravam-se por toda a parte. Pesados casacos de lã misturavam-se aos biquínis da moda. Roupas de festa, saídas de banho, cosméticos, dúzias de xampus. Mesmo contra o gosto do namorado Eduardo, que odiava vê-la de preto, ela havia recheado a mala com roupas escuras. Melissa era dark. Achava que o preto disfarçava suas curvas, acentuadas demais para ela.
As malas de Mariana também atravancaram o quarto dela, Mariana lotava a sua de roupas, livros, pendrives e um belo vestido de noite no qual queria impressionar Eduardo. Claro que Melissa não fora avisada daquilo.
Além das malas, Melissa, Mariana, Eduardo e Fernando só pensavam em estar no Porto de Suape, em Pernambuco, para encontrar Patrícia que vinha acompanhada de duas colegas de classe e de sua diretora da escola na Suíça, Sra. Tânia Yoshiviesk. Por uma coincidência do destino, o Sr. Leonardo Yoshiviesk, marido da diretora Tânia, era o responsável pelo projeto do Transatlântico Colosso dos Mares.
Leonardo Yoshiviesk era um competente engenheiro naval, retirado de sua aposentadoria para esse projeto. Melissa sentou-se no canto da cama e começou a ler um release da Internet sobre o Colosso dos Mares enquanto Mariana parecia falar sozinha no outro lado do quarto.
Melissa lembrava-se de ter visto na televisão, que o movimento de proteção mundial Green Peace vinha se manifestando em defesa dos golfinhos, que estavam morrendo desde quando um tsunami prejudicou o meio ambiente deles. Havia também muita pressão porque o Transatlântico iria navegar em terras protegidas de Fernando de Noronha. Nunca um navio daquele porte recebera autorização para chegar tão próximo da reserva marinha. Melissa também lia que o filho de armador, Anderson Vostovisova fora criado em meio a construções de navios. Desde então crescera desejando encontrar o Galeão e recriá-lo no que é hoje, um polêmico Transatlântico.
Tão polêmico, que nem mesmo a contratação do mais condecorado vice-almirante da Marinha brasileira, Paulo Sérgio de Almeida, conseguiu abafar insinuações sobre o passado tempestuoso do vice-almirante, e o fato do Transatlântico haver custado ao banqueiro e armador suíço, muito mais que os anunciados bilhões de dólares, financiados pelo seu próprio banco, o Banco Geral Suíço.
E parecia que Anderson não medira esforços e nem dinheiro para financiar a expedição que descobriu o Galeão espanhol do século XVI que o maldito pirata Astúria roubara.
Todas aquelas especulações mantiveram durante três anos, a imprensa ligada em tudo que se referia ao Transatlântico Colosso dos Mares.
— Até que não ficou feio... — divagava Mariana outra vez acordando Melissa de seus devaneios.
Mariana estava debruçada na janela de seu quarto falando da decoração de Natal no jardim do condomínio.
— Ãh? Quê? — acordou Melissa que arrumou seus longos e lisos cabelos negros.
— Como o quê? Tô falando do jardim.
— Ah! O jardim — e voltou-se para a mala.
Resolveu colocar alguns maiôs mais comportados. Pretos, como de costume. Muito diferente de Mariana, acostumada a roupas claras e de aspecto mais jovem.
— Já pensou se chover? — Mariana olhou as roupas de calor que Melissa guardava.
— Ãh? Quê?
— Perguntei “se chover”? Tá me ouvindo, Mel?
— Tô... Tô ouvindo.
— Tá nada. Deve tá pensando no Dudu e como vai ser lá no Transatlântico — diferiu seu veneno de irmã. —, sozinhos.
— Não começa Mari. Se a mamãe escutar e não me deixar ir à viagem, eu te arranco todos os fios do seu lindo cabelinho recentemente ‘mechado’ de loiro.
— Ué! Somos filhos de alemães com japoneses. Não tenho culpa que nasci mais loira que você, que tinge de preto.
— Chiii! Chega! Tá?
— Tá! — exclamou guardando um par de tênis numa lotada mala de viagem e arrastava para fora do quarto de Melissa quando se virou para ela. — Além do mais, mesmo que quisesse fazer algo, à chata da Berê vai tá lá dedurando a gente — continuou o ataque.
— A Berê recebe ordens.
— Tudo bem...
No fundo quem temia algo era ela mesma. Melissa sabia que Eduardo estava cada vez mais exigente no quesito carícias. O namoro ia bem, mas as insistentes pressões de Eduardo começavam a afastá-la dele. Para Melissa e sua maneira de encarar o amor, não poderia haver cobranças e nem avanços. E Mariana ali, dando sopa, começava a preocupar Melissa.
Sandra Jung apareceu na porta quebrando outra vez a corrente de discussões:
— As minhas meninas estão prontas? Vamos ao Shopping Center acabar as compras de Natal?
— Sim! — responderam em coro, animadas.
Saíram sem ouvir o telefone tocar.
— Elas não tão — Eduardo desligou o telefone.
— Tenta o celular — sugeriu Fernando passando mais uma leva de protetor solar no rosto jambo.
— Só na caixa postal — desligou após oito tentativas.
— Hoje à noite a gente fala com elas sobre o smoking.
— Cepá...
E Fernando estranhou aquele ‘Cepá’.
— Que tá te encanando?
— É a Melissa.
— “Melissa”? — estranhou Fernando se lambuzando mais uma vez. — Cê nunca chama a Mel de Melissa — riu.
— Cepá... Ela tá mais pra Melissa do que pra Mel.
— Brigaram?
— Todos os dias. O tempo todo.
— Cê tá forçando a barra, não tá?
— Não quero falar sobre isso — olhou o amigo se empanturrando de creme. — Para com isso Fê. Tá me dando nos nervos.
— Tenho que proteger minha pele.
— Deus já te deu pele protegida, Fê.
Fernando, filho do Adido Cultural africano Marco Silva e a perua brasileira Adriana Silva, seguia às riscas, as recomendações da mãe. Nem com Eduardo pegando no pé abandonava o filtro solar 70.
— Isso não quer dizer que não posso adquirir câncer de pele.
— “Adquirir”? Parece tua mãe falando… — e Eduardo se desligou do mundo. Ligou o velho e amigo notebook, para receber como sempre, suas notificações. — Ah... Mel... — escapou de seus pensamentos.
— É? Mel é? Faz algo e teu pai te esfola — prosseguia Fernando a falar.
— E a dona Sandra. E seu Paulo. E a Berê. E até a Mari — e Eduardo bateu com raiva na tecla do notebook após não ter conseguido conexão.
E Fernando olhou para o notebook dele.
— Fica aí dando mole e te limpam.
— Que Fê? — Eduardo espremeu o rosto.
— Os cartões...
— Tamo falando de Internet? — tentou Eduardo entender.
— É! Lá onde você fica.
— Não é onde eu fico. Isso é coisa de cracker.
— Cra... O quê?
— O pirata do mal. O terrorista da rede. O serial killer de bits.
— Cruzes, Dudu. Que maneira de falar.
— Não encana Fê. Isso é muito pra tua cabeça — riu. — Além do mais, sei me precaver dessa turma.
— Como? — Fernando nada compreendeu no sorriso cínico do amigo.
Alto e adorado pelas garotas, “Fernando” era um tanto lento no raciocínio até estar sob pressão. Mas já provara aos amigos que quando a coisa apertava até esperto, ele ficava.
— Não conta pra ninguém? — e viu Fernando fazer que “não” com um movimento de cabeça. — Eu ando fuçando umas páginas de hackers. Ando mergulhando nas marianas…
— Onde? — arregalou os olhos até deformar a face.
— ‘Marianas’ é como chamam a mais profunda área da Web. Entendeu? Por causa das Fossas Marianas, as mais profundas… E é onde o bicho pega. Grande parte do conteúdo é protegida por senhas, e quanto mais você descobre, mais fundo cê quer ir. E lá só se chega com programas específicos. Lá o indexador tipo Google não rola.
— Cruzes Dudu. Cê não consegue falar algo normal? — Fernando só ouviu Eduardo rir. — E se eles te pegarem?
— Não me pegam.
— E se pagarem? — completou Fernando já não muito certo da segurança do amigo.
— Fê, até posso não ser marginal como eles são, mas tenho meus métodos de entrar e sair sem ser visto. E olha que é pra poucos, porque a maioria que diz que entrou, não passou do Hidden Wiki.
Agora que Fernando não entendeu mais nada.
— A polícia diz que vai pegá-los.
— Pegar quem? Os crackers? — duvidou Eduardo. — O Hidden Wiki é um serviço oculto, acessado via rede Tor.
E Fernando desistiu.
— Ah! Tá bom! Só sei que se a polícia te pegar achando que é um deles, tá ferrado. Os policiais são bons.
— Cepá... Até podem ser, mas a polícia em geral não tá preparada pra esse tipo de gente. É preciso muito mais que força e armas para detê-los.
— E o que os detém, hacker Dudu? — brincou Fernando.
— Conhecer a psicologia do pensamento dos computadores — bateu com os dedos na sua própria cabeça.
— Ah... — Fernando aceitou a explicação como de costume.
Sua amizade com Eduardo Ferreira vinha desde a infância. Eduardo era brincalhão, do tipo palhaço mesmo. Cabelos negros, cacheados, corpo moldado em anos de capoeira, era o predileto das meninas da escola apesar de passar para Melissa a impressão do homem mais fiel do mundo.
Mariana tinha verdadeiros acessos de risos quando ele falava assim. Mariana fazia para irritá-lo e os dois brigavam o tempo todo.
Moravam todos no mesmo prédio, frequentavam o mesmo clube, estudavam na mesma Escola Monsenhor Hipólito Ibi.
Aliás, escola era uma coisa à parte para Eduardo, que apesar de ser extremamente inteligente, odiava estudar tudo o que não se referia aos computadores.
Depois de repetir o 1º ano do Ensino Médio, Eduardo que estudava na classe de Mariana, numa manobra arriscada, acessou os computadores da escola Monsenhor Hipólito Ibi e trocou sua nota de física, zoologia, botânica e química geral conseguindo ‘se levar’ para o 2º ano do Ensino Médio, apenas numa dependência de matemática. Os amigos ficaram boquiabertos e Mariana, que andava tão boa nos computadores quanto Eduardo, desconfiava dele.
Dr. João Vitor Ferreira em compensação, delirou. Daria a ele no Natal, um daqueles super Tablet e a tão sonhada viagem com Melissa.
Já Fernando, o belo Fê, filho da perua Adriana, que estudava no 3º ano do Ensino Médio com Melissa, foi aprovado em todas as matérias como ela, e o presente seria Patrícia de Moura.
Estariam juntos outra vez Dudu, Mel, Mari, Pati e Fê.
Capítulo 2
24 de dezembro.
São Paulo, capital.
— Ulalá! — exclamou Eduardo radiante. — O Tablet dos meus sonhos — falou ao abrir o presente e fazer voar papel para todos os lados na noite de Natal.
Berenice, para variar, correu para catar a sujeira que seu “bebê” fazia.
Todos estavam reunidos na casa do Dr. João Vitor, viúvo, que oferecera aos amigos e clientes uma ceia de Natal. Melissa, num provocante vestido de seda preto, como de costume, não desgrudava de Eduardo. Ele então considerava a noite perfeita para uma azaração. Mariana ficou de longe, só observando, com a cara amarrada a noite toda.
O jantar foi servido e Melissa aproveitou para se aproximar um pouco da irmã que não estava para muitos papos já algum tempo. Mariana começava a entrar atrasada na adolescência. Até seu estilo doce e suas cores pastéis de se vestir começava a mudar. Quando saía, Mariana colocava roupas decotadas, calças justas. Melissa até ficava com uma pontinha de ciúme ao ver Eduardo reparando nela.
Sabia que algo rolava ali.
— Gostou do presente? — perguntou Melissa para a irmã apontando o último modelo de smartphone.
— Não era o que eu esperava.
— E o que foi que você esperava? — Melissa não ouviu resposta. — Chiii! Tá difícil falar com você, né?
— Ótimo! Não fala comigo! — Mariana apontou para Eduardo. — Fica lá com seu namoradinho de nada.
— “Namoradinho de nada”? Vocês dois voltaram a brigar?
— Não briguei com o Dudu... Hoje não! Ainda!
Melissa fez uma careta como de quem desiste. Afastou-se quando Fernando se aproximou e encarou Mariana.
— Sabia que fiquei a tarde toda lendo umas coisas de Fernando de Noronha e a construção do Transatlântico?
— Quê Fê? — Mariana estava entretida em vigiar Melissa e Eduardo.
— Oh! — Fernando lia encantado o papel que desdobrara. — Em 1938, Getúlio fez um presídio político em Fernando de Noronha. Em 1942, a ilha, que é um arquipélago, porque são várias, entendeu? Virou território federal sob governo das forças armadas — leu. — E tinha até uma base norte-americana na Segunda Guerra Mundial. Maneiro, né?
“Dudu é fogo!” “Aposto que vai dar um jeito de visitar a cabine da Mel”, pensava Mariana sem prestar atenção em nada.
— Né? — Fernando acordou Mariana.
— Ainda tá falando do arquipélago? — girou os olhos.
— É! Tava... — Fernando desistiu de ler o prospecto turístico. — E tem mais. Sabe que um tsunami quase acabou com Fernando de Noronha três anos atrás?
— Você é muito “Dên Dên” pra acreditar nisso, Fê.
— ‘Den’ o quê?
— Ah! Tá bom. Vou dar aula no Natal — Mariana cruzou os braços. — Sabe o que é um tsunami, Fê?
— Sim... — e foi um ‘sim’ mais parecido com um ‘não’ num movimento de cabeça.
— Tsunami é um nome japonês pra uma onda gigante. E ela precisa de um terremoto debaixo da água pra podê levantar. E levanta Fê, porque se aproxima da praia, onde é raso. O Brasil não tem falhas geológicas como na Indonésia, que em 2004 quase foi dizimada. Ou como no Japão, em 2011. Então não tem sentido um...
— Sei o que é um tsunami. E além do mais, saiu no jornal, Mari. Eu lembro. Foi enorme.
— Isso foi coisa pra vender mais cara aquelas peças do tal navio pirata, Fê Dên Dên.
— E a gente não vai viajar então?
— Claro que vamo, Fê Dên Dên. A não ser que o piso do mar de Noronha teja mexendo por causa d’uma deterioração, né? — Mariana suspirou, resolvendo mudar de assunto e bem rápido. — A Pati e você ainda tão naquele estranho namoro virtual?
— Depois daquela vez que a gente ficou, ela voltou pra Suíça. Só deu pra namorar pelo computador. Espero que a minha Pati não tenha mudado de ideia.
Eduardo e Melissa se aproximaram.
— “Minha Pati?” Vá com calma, cara — alertou Eduardo se juntando. — Conhece a Pati. Ela não gosta de grude.
— Eu? Grude?
— Cê é o maior “bandeirosa” que eu conheço — riu Eduardo sempre se achando o tal quando o assunto eram mulheres.
— Bandeirosa? Eu?
E Eduardo se afastou no que viu a garrafa de vinho sendo aberta.
— Gosta dela, né? — falou Melissa tentando ajudar o amigo Fernando a escapar de Eduardo ou da implicante Mariana.
— Um bocado — sorriu o moreno e belo Fernando longe da marcação de Eduardo. — A Mari pode até me chamar de ‘Dên’ sei lá o quê, ou o Dudu dar uma de entendido naquilo, mas eu passei com 10 em todas as matérias.
— É verdade. A profa até falou que se pudesse dava onze... — olhou-o. — O que quis dizer com “uma de entendido naquilo”?
— Ahhh… — e Fernando deu meia-volta saindo.
— Fê? — Melissa agarrou-lhe pelo braço.
— Ai! Esquece que tem unha? — olhou seu braço com um fio de sangue. — Ai! Isso aqui é sangue? — arregalou os olhos.
— Fê?! — a voz dela se irritou.
— Ah... O Dudu vai me matar.
— Ele... Ele... ‘Entendido naquilo’ quer dizer...
— Quer dizer que ele entrou no computador da profa e alterou as notas dele.
Melissa sentiu que ia gritar. Não gritou porque viu Mariana a vendo. Melissa foi para a sacada envidraçada atrás de Eduardo. Mariana voltou a ficar emburrada num canto da sala. Não se conformava em ganhar um smartphone quando queria um Tablet igualzinho ao do Eduardo.
Já Eduardo viu Melissa chegando com cara de pouca vizinhança.
— Eita... Que foi que eu fiz?
— Já até sabe que fez algo, né?
Eduardo olhou Fernando, olhou Mariana, olhou Fernando e olhou Mariana para então se decidir que era Fernando o problema, no que Fernando nada discretamente escondeu o rosto com a mão achando que Eduardo não o podia ver.
— Cepá... Ele contou...
— Você enlouqueceu?
— Não grita!
— Como se arrisca assim, Dudu? — Melissa maneirou o tom da voz. — Cê pode ser expulso, ser preso, sei lá. Meu! Seu pai te mata.
— Cê tá realmente uma princesa neste vestido — falou Eduardo, cínico, chegando cada vez mais perto.
— Não muda de... — e um beijo dele na sua nuca fez as pernas se arrepiarem. E outro beijo e mais um. — Tá me deixando sem graça.
— E cê ainda é capaz de ficar sem graça? — beijou-lhe a nuca pela quarta vez.
Melissa arregalou os olhos para dentro da sala. Sabia que a sacada era envidraçada e que se via tudo o que acontecia lá fora.
— Cuidado!
— Com quem? Comigo? — brincou.
Melissa riu:
— É com você que devo ter cuidado, Dudu? — Melissa viu Eduardo tomar o último gole da taça de vinho que segurava. O vinho começava a roçar a garganta deixando-o tonto. — Não tá se achando muito adulto pra tomar tanto vinho?
— Sabe Mel… — prosseguia Eduardo. —, devia ter medo de me perder.
— Ah, é?
— É! Sou irresistível... — falou convencido beijando-lhe agora os ombros.
Eduardo roçava a rala barba. Dos ombros, alcançou a etiqueta do vestido de Melissa. “Lia” o modo de lavar, de passar, de torcer, de guardar. Melissa viajava. Seus olhos entravam e saíam das órbitas.
Dr. João Vitor viu a cena, ia chamar a atenção do filho, mas se distraiu com algo.
— Dudu? Não... — Melissa tentava se afastar dele.
Eduardo nem mais ouvia ela, nada, ninguém.
— Seu perfume... — sussurrava. — Adoro seu perfume Mel...
— Dudu não excede...
— Mel...
Eduardo beijava as costas de Melissa alcançando os botões. Abocanhou um deles e o puxou. A lingerie superior começou a subir e a sair do lugar de costume. Melissa sentiu um frio percorrer-lhe a espinha. O medo de que alguém visse o que faziam a tomou por completo.
— Que tá fazendo?
— Tô em missão impossível — cantarolava com o botão dela na boca.
Eduardo puxou tanto que a linha esgarçou. O botão soltou no mesmo momento que foi interrompido.
— Sr. Eduardo? — chamou Paulo Jung, pai de Mel.
— Ah... — Eduardo engoliu o botão.
Engasgou-se. Tossiu. Precisou ser tapeado. O Sr. Paulo Jung parecia ter tido gosto no que fez e o tapa que dera em Eduardo o fez cuspir o botão longe. Melissa estava branca. Pálida. Já nem sabia se tinha alguma cor. Todos correram para a sacada que ficou lotada.
— Já passou — sorriu Paulo Jung levantando as mãos e respondendo a todos. — Ele estava com problemas… — e o encarou furioso.
“Estava?”; pensou Eduardo engasgado.
O casal Paulo e Sandra Jung se despediu ali mesmo do Dr. João Vitor. O pai de Eduardo, assim como todos, não compreendeu o que aconteceu na sacada.
O casal Jung foi embora levando as filhas Mariana e Melissa.
Para Eduardo, a festa tinha terminado sem Melissa. Mas ele tinha ideias mais complexas para utilizar no Transatlântico, e não iria se irritar e perder a viagem. Foi para o quarto testar o novo Tablet antes que tivesse que responder às questões que o pai certamente faria.
Tinha tantos Aplicativos para instalar, configurar, alterar, que nem ligou para o fato de ter sido pego com a boca na “botija” ou no botão.
E também ia escrever algo no seu blog, no Twitter, no Facebook, nos grupos do Facebook, no LinkedIn, claro, andava procurando um emprego. Também entrar no Digg, no Badoo, no MSN, no Flick, no Google+, no Yahoo Bookmarks, Bebo, Delicious, Friend Feed, Live Journal, Newsvine, Reddit, Stumbleupon, Technorati e canais de IRC; tudo ao mesmo tempo.
E avisar o Foursquare que estava em Sampa.
E clicou. E enviou. E o Tablet nada fez. Dudu ficou estático, o Tablet novo havia dado tela preta.
“Trojan horse?” pensou.
Tentou fechar a conexão e o Tablet destravou.
Eduardo o colocou ao lado do travesseiro e uma impressão de que algo controlava remotamente seu Tablet, lhe tomou por completo. Teve mesmo a impressão de que a câmera o observava.
— Ulalá! Será que… — e o Tablet religou sozinho. — Ah!!! Que é isso? BO? NetBus? Até parece que ainda tô conectado — e verificou o WiFi piscando como louco. — Tô conectado?! — gritou desligando, ou ao menos tentando desligar, quando um sinal tipo apito avisou que um novo e-mail chegava, e continha um attach; um arquivo estava anexo.
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Os golfinhos estão morrendo. Precisamos atacá-los. Junte-se a nós nessa batalha.
Eduardo o leu rapidamente. Ficou sem entender quem atacou quem. Deletou o e-mail antes que o attach se abrisse e dentro houvesse algum tipo de vírus destrutivo.
— Meu? Spam no natal? — exclamou Eduardo. — Cepá os golpinhos precisam de ajuda, mas atacar… Hei?! — gritou ao ver a tela preta. — Vírus!!! — gritou Eduardo acordando seu pai.
Dr. João Vitor correu pelo extenso corredor do apartamento. Abriu a porta do quarto num rompante.
— Eduardo? — falou da porta vendo o filho quase quebrando a tela do Tablet de tanto bater os dedos nela. — Eduardo? — e Dr. João Vitor piscou várias vezes até desistir.
Ficou imaginando que o filho estivesse num daqueles jogos dos quais acessava na rede e jogava com uma turma cheia de apelidos, e que nunca se viram na vida. Saiu desistindo de entender.
Mas Eduardo tentava era controlar o computador quando a porta do pendrive abriu sozinho.
— Trojan?! — gritou.
Dr. João Vitor entrou novamente.
— Eduardo?! — quase gritou.
— É um Trojan horse, pai — desesperava-se.
— Um o quê? Um cavalo de tróia?
— É! É! — exclamou. — Sei lá qual...
— Mas quem está escondido dentro do cavalo?
— Cavalo? — Eduardo também não entendeu seu pai. — Ah! O Trojan? É que alguém tá dentro do meu Tablet, entendeu? Comandando ele remotamente. Tipo cliente e servidor.
— Deixa para lá, Eduardo — Dr. João Vitor estava cansado demais para traduções na noite de Natal.
Balançou a cabeça, fechou a porta e foi dormir.
— Um stealth? — estranhou Eduardo. — Mas quem me mandaria um vírus na noite de Natal? O IP é aleatório, ainda não frequentei nenhum Chat, nem... Ah... Tá... Visitei alguns... — e parou para pensar melhor apesar do cansaço. — Ah… Tá… Entrei na Deep Web… — sabia que havia feito algo errado.
E seu aplicativo de ‘Notas’ foi aberto pelo invasor, letras em tons de preto começaram a ser digitadas.
‘Boa noite, Eduardo!’, escreveu o hacker na tela do Tablet.
Eduardo perdeu a voz e arregalou os olhos.
— Que maneiro! Um guru! — exclamou extasiado.
‘Como sabe meu nome?’, escreveu Eduardo na tela do Tablet.
‘Sei seu nome. Sei seu IP. Sei a cor do seu cabelo, Eduardo. E sei a numeração da sua conta bancária ;-)’, escreveu o hacker na tela do Tablet.
Eduardo arregalou os olhos, agora para as duas últimas palavras. Provável que o hacker ou cracker, fosse quem fosse já sabia sua conta bancária, e principalmente, sua senha de acesso.
— Meu pai me mata se... — e mal teve tempo de pensar noutra coisa.
‘Por que tá me contando tudo isso?’, escreveu Eduardo na tela do Tablet.
‘Pra mostrar minha força’, escreveu o hacker na tela do Tablet.
‘Cepá… Por que precisa mostrar sua força pra mim?’, escreveu Eduardo na tela do Tablet.
‘Pra que saiba que somos iguais!’, escreveu o hacker na tela do Tablet.
‘Não sou igual a você. Não sou cracker’, escreveu Eduardo na tela do Tablet.
‘LOL! Eu sei o que cê vem fazendo, cara’, escreveu o hacker na tela do Tablet.
‘Quem é você?’, escreveu Eduardo na tela do Tablet.
‘The avenger!’, escreveu o hacker na tela do Tablet.
‘O vingador? É esse seu nickname?’, escreveu Eduardo na tela do Tablet.
‘Até um dia, Eduardo. May the force be with you!’, escreveu o hacker na tela do Tablet.
— “Que a força fique com você!” — traduziu Eduardo. — Ahhh!!! — e o Tablet deu um aviso sonoro de quase deixá-lo surdo. E o vingador se foi. — Que maneiro! Um guru no meu Tablet!
A manhã de Natal foi outra que invadira o quarto de Eduardo e ele ainda não havia ido dormir.
Capítulo 3
25 de dezembro.
Na delegacia de São Paulo, no bairro do Morumbi, o Delegado José Liberato, homem cordato e profissionalmente respeitado, arrancava os poucos cabelos brancos que teimavam em sobreviver na sua cabeça. Em pleno dia de Natal, lá estava ele a chamar seu fiel ajudante, o policial Rocha para mais um plantão. Aquele Natal, aliás, havia sido de muito trabalho para o Delegado e sua equipe visto que um caso intrincado caíra em suas mãos. Algo até então inédito na sua carreira. Estava a caçar um ladrão que não usava armas, não aparecia no local do crime e, portanto não deixava rastros. Era o que a mídia chamava de um hacker do mal.
Primeiramente precisaram explicar a Rocha e a toda a equipe o que era um hacker, depois explicar que o hacker do mal na verdade se chamava cracker, e depois, explicar que estava longe de ser um personagem de filme.
O Delegado José Liberato que era um homem plugado no mundo e que vinha aprendendo muito com os jovens, estudava as ações de um grupo de crackers que há três anos se especializaram em roubar bancos e instituições financeiras, principalmente compras com cartões de crédito pela rede. Compravam de tudo sempre dando números de cartões clonados, copiados de seus proprietários através de programas espiões que se auto instalavam no computador da vítima sem que elas soubessem; era o ‘Phishing’, um tipo de fraude que roubava de dados pessoais e financeiros das vítimas, pescando informações quando desavisados usuários abriam e-mails com fotos, links para sites, para filmes e belos slides, que na verdade permitiam que, enquanto eram executados, instalassem malwares e vírus de todos os tipos.
Isso quando não criava todo um site fake, falso, para que os que compravam os produtos lá vendidos nada recebiam, uma vez que tudo aquilo e os produtos também, eram falsos.
O grupo de crackers em questão auto intitulavam-se The avengers, ‘Os vingadores’, e era chefiado por um guru, um mestre dos hackers e crackers, com desenvolvimento em linguagem de programação de computadores e plataformas, e que vinha sendo investigado pelos agentes da Interpol.
Mesmo com toda a proteção de rede que os bancos financeiros possuíam esse grupo sempre conseguia ultrapassar as barreiras, as famosas firewall.
E justamente algumas dessas barreiras, haviam sido transpostas no Brasil.
Três das maiores instituições financeiras do país haviam sido atacadas no último ano, e o Ministério Público acionado pelo Departamento Central Nacional da Interpol aqui no Brasil, escolhera o melhor homem que a polícia já tivera na área cibernética, o jovem Fabrício Bernardes, sob a tutela do Delegado José Liberato.
— Onde está Fabrício? — falou o Delegado José Liberato ao policial Rocha que num dos vai e vem da porta, trazia café.
— Fabrício está de férias com a tia solteirona. Ela convidou-o para um tour pelo mundo e ele rapidamente aceitou.
— Pelo mundo? Logo agora? — voltou a falar o Delegado José Liberato, ressentido com a viagem do jovem e brilhante policial.
— Sabe delega, acho que o Fabrício estava querendo uma maneira de sair do Brasil, e assim esquecer a tal Melissa Jung. Ele vem sofrendo com aquele amor platônico desde quando a conheceu na investigação da morte dos pais da menina Patrícia.
José Liberato fez uma careta ao se lembrar.
— Mas a Interpol está lhe dando a oportunidade de uma vida. Ele não pode viajar logo agora.
— É isso aí — balançou a cabeça afirmativamente. — E por que ele não pode, delega? — caiu a ficha.
José Liberato fez outra careta. Não se conformava com a intimidade do fiel ajudante Rocha a lhe chamar de “delega”.
— Fabrício foi convocado pelo Mistério Público para assumir o caso dos hackers vingadores, ou algo assim.
— Uau, hein? Achei que nem o Fabrício entendia sobre esses hackers — concluiu Rocha.
— Se Fabrício não aceitar vai sobrar para nós. E esse caso não tem um método. Eles atacam sempre de madrugada, nunca voltam ao local do crime, no caso o site, e após roubar tudo ainda colocam uma assinatura.
— De madruga? Mas a tal Internet tem horário?
— Não…
— E os caras assinam sua ação?
— Sim… Você está mesmo entendendo Rocha? Assinam com um vírus letal. Quando o pessoal do banco chega no dia seguinte para trabalhar e acessam os arquivos infectados de onde eles copiaram dados, o vírus se alastra apagando tudo, inclusive suas ‘pegadas’.
— Tá querendo dizer que o cara deixa pegadas pra depois serem apagadas pela própria vítima?
— Sim.
— Por que, delega? — espantou-se.
— Pelo risco, Rocha. Pela pura excitação de correr riscos.
— Barbaridade! Que mais sabe sobre eles, delega?
— Sei que o grupo de hackers chama The avenger. E nas muitas vezes, os hackers, principalmente os muito jovens, têm um estranho prazer de escrever o português todo errado.
— E a Interpol? Não vai ajudar?
— Aqui no Brasil, não. Isso fica a nosso cargo, Rocha.
Rocha era um homem barrigudo, mas não gordo. Nem muito alto. Tinha a aparência de uma pessoa sincera e muito batalhadora. Humilde, não completara o ano do Ensino Médio. Nem por isso estancava ao menor sinal de desespero.
— Fico pensando... Numa época de Natal, onde os cartões de crédito são utilizados mais que queijo ralado em macarronada, eles devem fazer misérias, não delega?
— Como esfomeados deste banquete, Rocha.
— E o coitado só vai perceber que foi roubado quando a conta aterrissar no seu bolso.
— É. Só quando a fatura chegar ao seu bolso.
— Não há como prever onde vão atacar? O que estão querendo comprar? — divagava Rocha. O Delegado José Liberato ficava observando o pobre homem a pensar e pensar muito.
— Veja a lista.
— Pendrives, livros, bicicleta ergométrica... — lia o rol de coisas roubadas ultimamente. — Para que uma bicicleta dessas?
— Está tentando fazer um perfil psicológico do hacker pelo que ele compra, Rocha?
— Sim — respondeu ingenuamente.
— Esqueça! A Interpol tem gente especializada em perfis e nada entenderam — exclamou o Delegado com força. — Eles compraram quinze cuecas e quinze sutiãs. Compraram três câmeras digitais, dois smokings e dois vestidos de baile. Oito sapatos e oito sandálias, de todos os modelos, de todas as cores e de todas as numerações.
— Espertos! — sorriu Rocha encantado.
— E assim ninguém sabe seu sexo, sua idade, seu tamanho físico.
— Espertos! — saiu Rocha da sala do Delegado a ficar pensando.
Capítulo 4
26 de setembro.
A grande viagem.
O avião aterrissou pontualmente às 12h00min horas. Desceram Eduardo, Melissa, Mariana, Fernando e Berenice no Aeroporto Internacional de Guararapes, em Pernambuco.
Eduardo e Mariana caíram no mesmo táxi após sorteio. Foram brigando por causa do excesso de malas de Mariana até o Porto de Suape.
Mariana escondeu seu velho netbook dentro da mala de mão de Eduardo para não precisar carregar mais peso, enquanto Fernando e Melissa seguiram em outro táxi e Berenice num táxi, sozinha, tamanho era o volume das malas.
O Porto de Suape é considerado um porto modelo. Moderno, prático e bem localizado, com lojas de conveniência, de alimentação e de carros. Havia sido o porto escolhido pelo armador e banqueiro Anderson Vostovisova para lançar o maior empreendimento de sua companhia marítima, o Colosso dos Mares.
E o céu parecia se iluminar perante a chuva de fogos de artifícios em plena tarde ensolarada. Uma multidão se esparramava no embarcadouro de 800 metros construído especialmente para o lançamento do Transatlântico que partiria para uma viagem de 450 dias ao redor do mundo. Podendo transportar 4.444 passageiros e com 339 metros de comprimento de roda-a-roda, ou seja, de proa a popa, ele atingia uma velocidade de 35 nós extensão. O navio tinha seis metros a menos que o Queen Mary 2, mas era mais largo, com 56 metros, e mais alto; 72 metros.
Uma dúzia de manifestantes do Green Peace ainda estava por lá com faixas e cartazes que anunciavam a morte de peixes e golfinhos em Fernando de Noronha.
Ninguém sabia ao certo como as mortes aconteceram muito antes do tsunami. Mas com certeza, fora a rota do Transatlântico pelas águas de Fernando de Noronha que ainda provocavam discórdias. Os manifestantes do Green Peace fizeram até greve de fome para chamar atenção do governo.
O vereador de Pernambuco Arthur de Almeida, um dos homenageados do Transatlântico, não podia entender o porquê dos manifestos, toda papelada estava em ordem, inclusive últimos exames da água exigidos pelo governo.
Arthur liberou a passagem do Colosso dos Mares pelas águas do Parque Marinho.
Já a visitação ao Transatlântico havia sido aberta ao público durante três dias e agora se encerrava para o lançamento ao mar, do Transatlântico que pesava 70.000 toneladas. Seus pavimentos eram chamados de conveses ou cobertas, e possuíam 15 andares com 11 elevadores, sendo seis privativos aos passageiros.
O primeiro pavimento, a Coberta A, ou coberta das chaminés, ou ainda convés superior, ficava no ponto mais alto do Transatlântico. Era de onde se iniciava a contagem das cobertas. Lá também ficava a coberta dos barcos ou botes salva-vidas. Alinhados um a um, poderiam numa emergência, carregar mais de 100 pessoas cada. Tinha ainda um heliporto com um helicóptero e um piloto profissional.
Na Coberta B, abaixo da Coberta A, ficava o convés intermediário, onde havia sido instalada a ponte de comando.
Na Coberta C, ficava o convés dos esportes. Seis quadras de tênis, um mini campo de golfe, uma parede para escalada, e era de onde se poderia ter uma bela vista das duas chaminés do Transatlântico e do mar aonde navegariam.
Na Coberta D ou coberta do sol, ficava na proa. O banqueiro e armador Anderson mandara instalar um convés chamado de convés das homenagens, uma réplica da proa do amaldiçoado Galeão com peças retiradas resgatadas pelos arqueólogos.
Construção do século XVI, o Galeão espanhol ganhou fama após ter sido roubado pelo pirata Astúria. Após anos de perseguição, os espanhóis conseguiram afundar o Galeão com os piratas e seus comparsas ainda vivos. O Galeão desaparecera aos olhos de todos, em meio a um nevoeiro criado pela fumaça dos canhões. Desde então, ninguém conseguiu encontrar e resgatar as joias que ele continha. Diziam que quem se aproximasse dos destroços era engolido por uma onda gigante que cobria a embarcação, matando todos a bordo.
Mistificações a parte, a única verdade era a localização do Galeão em terras brasileiras.
Eduardo estava fascinado mais pelos noticiários sobre a empresa contratada para projetar e instalar computadores e softwares de última geração no Transatlântico, do que qualquer outra coisa sobre galeões. Entrara pela Internet, no sorteio que aconteceria, para conhecer os computadores e a sala de comando. Mariana também resolveu participar do sorteio. Melissa e Patrícia estavam interessadas em conhecer o solarium que ficava no chamado convés principal, onde além da piscina havia um convés de passeio anexo ao salão de baile.
O salão de baile era por sua vez, anexo a um dos maiores restaurantes do Transatlântico - o “Restaurant Ptolomis”.
Na Coberta E ficavam as cabines de luxo e eram chamadas de camarotes, ou camarotes da 1ª classe.
Na Coberta F ficavam as cabines da 2ª classe.
Na Coberta G ficavam as cabines da 3ª classe. Neste pavimento, haviam sido montadas várias lanchonetes e sorveterias.
Na Coberta H havia uma thermas, onde uma piscina de água quente em tamanho oficial brindava seus passageiros. A piscina era esvaziada em dias que não havia calmaria no mar, pois o balançar das águas poderia fazer ondas gigantescas dentro do convés fechado. Neste mesmo pavimento, havia um conjunto de saunas, salas de massagens, academia de ginástica e um sofisticadíssimo salão de beleza, além de 20 lojas.
Na Coberta I havia um Free shop, salões de jogos, discotecas, sala de aulas de danças, distribuídas através de horários alternativos para todas as idades. Berçários, escolinha para crianças, mais 35 lojas, salas de cine, bibliotecas, museu, sala de xadrez e atividades paralelas.
Na Coberta J, ficava a sala para fumantes de charuto. Na mesma Coberta J e na Coberta K, ficavam instaladas a tripulação e os escritórios dos capitães.
Na Coberta L ficavam vestiários e salas de jogos para a tripulação, como também a dispensa, a bomba de água potável, e o estacionamento dos carros. Também poderia se utilizar de um sofisticado canil com um veterinário e dois ajudantes.
Na Coberta M, na Coberta N e na Coberta O, encontravam-se toda a maquinaria do Transatlântico e as usinas de força.
Logo abaixo, vinha à quilha, o porão do Transatlântico.
A tripulação do Transatlântico era constituída de um vice-almirante, Paulo Sérgio de Almeida. Um homem bem apessoado que vivia da luxúria. Sempre mal visto por sua tripulação que costumava comandar com “mãos de ferro”.
Seu subordinado direto, o contra-almirante Raul Castro era um homem franzino, cansado com a estirpe de ser o segundo.
Seguindo a hierarquia, a capitã-tenente Bianca Nobre, era uma mulher de personalidade forte e traços suaves. Sempre querida por todos e com a melhor ficha da marinha vivendo naquele momento a melhor fase de sua carreira impecável.
O Transatlântico possuía ainda um capitão-tenente Laerte Dankovitch, competente profissional, agraciado com medalhas de honra ao mérito durante a Guerra do Golfo e que comandava um marujo-chefe, Apilam Vorkuta, e o marujo-foguista, Guilherme Rostaiov.
Também haviam marujos-mor, camareiras para a 1ª classe, mensageiros, arrumadeiras, garçons, cozinheiros, barmen e bartenders; e um chef de cozinha internacional - Mr. Fish.
O Transatlântico ainda tinha a Srta. Yara Ramalho trabalhando como promoter de festas, Dr. Saulo Lukashenko um cirurgião e clínico geral homenageado, o enfermeiro Vladmir Navarrayev, algumas enfermeiras, cirurgião dentista, veterinário e seus ajudantes de canil.
Fogos de artifício anunciavam que a escada com corrimão de nós trançados foi lentamente acionada para baixo a fim de que seus ilustres e inaugurais passageiros pudessem acessar o convés de embarque.
Era grande o fluxo de pessoas no local e Eduardo foi o último da turma a começar a subir com sua pesada bagagem de mão. Acabou por se enroscar na rede de nós de marinheiro.
— Ai!!! — gritou a moça de cabelos vermelho-feito-fogo logo atrás dele.
Eduardo amassara o pé dela com a mala que deixara cair.
— Desculpe! — falou sem olhar. — Me enrosquei.
— Não enxerga?
— Cepá... Queria que eu enxergasse pra trás?
— Ah! Metido a engraçadinho — e nem se preocupou em ajudá-lo.
Puxou as mãos de um homem que lhe ofereceu ajuda e saiu dali.
— Hei! Jovem! — exclamou uma senhora para Eduardo. — Pode dar licença? — tentava em vão, passar.
Eduardo se tocou e olhou para trás. Viu a escada lotada, olhou para cima e viu Mariana rindo dele. Olhou para os lados e viu os marinheiros que lhe sorriam, gentis. Sorriu sem graça. Quando chegou ao convés principal queria bater em Mariana que ainda ria.
— Vocês dois! — reclamou Melissa. — Já vão começar?
— Recomeçar, né? — corrigiu Fernando.
Eduardo sentiu que alguém o observava. Olhou agora para o convés acima de sua cabeça e viu a jovem ruiva, cabelos vermelho-feito-fogo, com quem se chocara na escada.
Ela o observava até demais, ele percebeu.
“Bonitinha”; pensou Eduardo.
— Apesar de mal educada — falou alto depois.
— Quem é mal educada? — questionou Melissa a olhar para cima.
Eduardo voltou a si. Embranqueceu. Esquecera Melissa ao seu lado.
— Ninguém... — tentando disfarçar o fora.
— Hei! — disse Mariana. — Que tá acontecendo lá embaixo?
Os quatro olharam para o cais salvando Eduardo de um rol de perguntas.
— Aquele é o vereador de Pernambuco — falou Melissa.
— Então é isso. O pessoal tá irritado porque alguns golfinhos tão morrendo pelo arquipélago Fernando de Noronha, desde a descoberta daquele navio antigo — explicou Mariana.
— Não entendi? — perguntou Eduardo.
— É que o vereador liberou a passagem do Transatlântico pelo arquipélago.
— Onde soube disso, Mari? — questionou Melissa.
— Tava num fanzine da Internet.
— Fanzine? Viu Dudu? Mais uma falando igual a você — falou Fernando olhando para baixo ainda. — Olha lá aquela mulher de cabelo cor-de-rosa — apontou. — Não é aquela atriz de novela mexicana?
— É aquela atriz megera da última novela. Ih... Ela é uma ‘star’. Chama Ana Claudia de Sá. É a garota propaganda desse Transatlântico — percebeu Mariana.
— Tá mais para ‘coroa’ propaganda — riu Fernando. — E quem vem com ela? — questionou.
— Interessado? — já começou Mariana a provocá-lo.
— Cê não relaxa, né? — reclamou Fernando. — Só queria saber quem é a loirinha.
— Tão procurando uma loirinha? Tão? — falou uma voz suave por trás dos quatro amigos debruçados no gradil do convés.
— Pati?! — gritou Melissa se jogando no seu pescoço.
— Pati?! — gritou Mariana se enroscando no outro lado da amiga.
— Pati?! — gritou Eduardo, se jogando sobre Patrícia, fazendo os quatro irem ao chão.
— Dudu! — disse Patrícia o desenroscando dela. — Cê não cresce, né? — disse Patrícia agora o abraçando.
Fernando esperava a chance de se jogar também, mas Eduardo o segurou após um tremendo cutucão.
— Já não te falei pra não dar bandeirosa, cara?
— Bandeirosa? Só ia cumprimentá-la — gesticulava.
— Babando? — disse Eduardo.
— Ôôô! Nem é tá.
As três amigas ainda estavam abraçadas quando Eduardo recomeçou a brincadeira se jogando em cima delas.
Outra vez os quatro caíram.
— Quer parar? — reclamou Mariana. — Tá amassando meu vestido novo.
— E aí Pati? Cadê sua escola? — questionou Eduardo sem se preocupar com Mariana e seu vestido.
— Só vieram duas amigas de quarto, a Beta e a Gigi — sorriu. — As irmãs Roberta e Giulia — explicou melhor.
— E a viagem de avião?
— Foi tudo bem com exceção da Gigi que ficou nervosa. A dona Tânia não quis saber de dar calmantes, ela é contra qualquer tipo de química.
— Quem é Tânia? — Fernando estava curioso.
— É a diretora da escola. Tânia Yoshiviesk. Ela é casada com o engenheiro russo que projetou esse Transatlântico — e sorriu. — Mas me conta? Como a dona Sandra deixou você vir Mel?
— Não sabe? A Berê veio junto — falou Mariana com uma cara emburrada.
— E dava pra deixá-la? — reclamou Eduardo.
Os cinco amigos riram e foram para a fila de cumprimentos onde começavam a distribuir os panfletos com a planta e os informativos sobre o Transatlântico. Na fila, esperando os comprimentos e apresentações, estavam o vice-almirante Paulo Sérgio de Almeida, o contra-almirante Raul Castro, a capitã-tenente Bianca Nobre e o capitão-tenente Laerte Dankovitch; Mariana e a turma liam os nomes nas plaquetas douradas presas ao impecável uniforme branco.
O vice-almirante Paulo Sérgio saiu da fila e de repente num alto-falante que tocava uma música suave passou a transmitir sua voz estridente:
— “Atenção Senhores passageiros. O computador acaba de sortear o passageiro Eduardo Ferreira que fará parte das fotos e da comemoração pela construção do Transatlântico. A homenagem irá se realizar ás dezoito horas de hoje, horário de verão, no convés de homenagens”.
— Hei?! — gritou Patrícia. — Que sorte Dudu!
— É! — ele mal pôde acreditar.
— Que horas mesmo? — se preocupou Berenice tentando ficar próxima à turma que fazia de tudo para se afastar dela.
— Em que cabine vai ficar Pati? — perguntou Fernando vendo a planta da localização.
— Aqui se fala camarote — respondeu Patrícia. — Camarote pra primeira classe, cabine pra segunda e terceira classes, e alojamento pros tripulantes.
— Que racismo... — Fernando balançava a cabeça.
Todos riram.
— Eu e a Mel vamos ficar no camarote de número 9 — foi Mariana completando.
— Oba! É em frente! — falou Patrícia. — Eu vou ficar no número 8.
— Eu vou ficar no número 3 — disse Fernando.
— Eu fico no número 5 e a Berê no número 7 — disse Eduardo ao levantar os olhos e verificar o comprido corredor atrás dele.
— Ih! O chefe fica na 1º classe, no camarote número 1.
— Chefe? — estranhou Mariana. — Tá falando do vice-almirante Paulo Sérgio, Fê?
— É!
— Ai! Fê! Como você é “Dên Dên”.
— Tudo é tão chique, hein? — falava Berenice mais atrás da turma ao sair do elevador.
Eduardo se virou para vê-la. Voltou-se com o corpo para frente muito rápido e se chocou com a moça ruiva, dessa vez a derrubando no chão.
— Oh! Desculpe... — esticou a mão para ajudá-la a se levantar.
— Milena! — correu a falar.
— Como? — perguntou Eduardo atordoado.
— Meu nome é Milena. Assim você fala: “Desculpe Milena!” — balançou o corpo com todo nervoso.
— Ah! — Eduardo deu um risinho nervoso quando sentiu as mãos geladas de Melissa nas suas costas. — Desculpe ‘Milena’ — e se desviou.
Milena percebeu que Melissa estava atrás dele. Desviou-se de toda a turma e a empregada no corredor, e entrou no camarote de número 18.
Melissa teve a impressão de que ela falara aquilo de ‘Desculpe Milena’ para se apresentar a Eduardo. Comentou com Mariana que também não havia gostado “da ruiva”.
— E o bandeirosa sou eu, né? — cochichou Fernando no ouvido de Eduardo após se despedir de todos.
Eduardo nada falou. Já estava atônito pelo encontro com Milena, para dar motivo para Melissa brigar. Entrou no camarote 5 e viu, à sua esquerda, cinco portas. Três pertenciam aos armários e duas escondiam um belíssimo banheiro de mármore rosa e branco carrara, adornado de aço escovado.
Também tinha uma grande cama revestida de couro preto na sua cabeceira e uma larga colcha florida. Eduardo se jogou sobre ela. Uma grande lareira de ferro, igual em todos os camarotes da 1ª classe, aquecia o ambiente.
Eduardo acabou dormindo mais do que queria e Berenice avisou a turma para que o deixasse descansar no que o Transatlântico fechou ao público, após a saída dos jornalistas.
Capítulo 5
Mais fogos de artifícios romperam o céu de Pernambuco às exatamente dezoito horas, horário de verão.
— Quê? — Eduardo olhou assustado para o relógio. — A fotografia. Eu esqueci.
Eduardo achou ter ouvido passos próximos a sua porta. Correu e abriu a porta. O corredor estava vazio.
“Acho que sonhei”, pensou.
Depois se deu conta que suas roupas estavam todas amassadas.
— Berêêê? — falou bem delicado ao interfone. — Oi? Tá cansadinha?
Os conveses estavam lotados, Eduardo teve de pedir muitas licenças a fim de conseguir chegar onde estavam fotografando. Eduardo gostava de se vestir de ‘mauricinho’, mesmo nunca admitindo aquilo. Não queria ser comprado ao metrossexual Fernando da Silva, a quem vivia pegando no pé pelo perfume e cremes excessivos.
Por isso mesmo pediu ajuda do pai na hora de compor a mala, vestindo naquele momento, calça de microfibra de seda salmão, camisa branca de pequeno colarinho e blazer fúcsia, em linho, impecavelmente cortado. Óculo espelhado Gucci adornando o belíssimo nariz e Eduardo era um MUST!
— “Colosso dos Mares”! Estamos todos aqui reunidos para fazer de uma foto, uma lembrança, perpetuada pelos anos que se seguirão. Nesta proa… — e o contra-almirante Raul Castro apontou. —, sentarão aqueles que como todos nós, um dia tiveram um sonho. O sonho de ver esse Transatlântico sair do papel.
— Êeee! — falavam e batiam palmas.
Eduardo viu os lábios da capitã-tenente Bianca repetir as falas de Raul. Não teve dúvidas de que aquele monólogo fora escrito por ela.
— Assim como onze tem sido o número de sorte do vice-almirante Paulo Sérgio de Almeida, onze serão os homenageados... — ia dizendo o contra-almirante Raul.
Patrícia, Fernando, Melissa e Mariana com Berenice ao lado, observavam as homenagens.
Patrícia estava muito feliz por ter reencontrado a turma do condomínio onde morara a vida toda. Após a morte de seus pais, as poucas lembranças de um laço familiar, que ainda permaneciam na sua cabeça, agora eram transferidas para os amigos.
Fernando, que namorava Patrícia virtualmente, deu um jeito de ficar ao seu lado sob fortes olhares de Berenice. Fernando aproveitava a chance de ter Eduardo bem longe.
Depois Patrícia concentrou sua atenção na proa, tentou assimilar o máximo que pôde da caricatura de cada um dos homenageados.
Na primeira banqueta, disposta em círculo, sentava o vice-almirante Paulo Sérgio de Almeida, um homem alto, de cabelos grisalhos e uma dentadura branca e saliente. Os cabelos eram um pouco espetados e se sobressaíam naquela cabeça pontuda. As pernas, compridas, pareciam ficar mais longas ainda, na bela roupagem branca que usava.
Na segunda banqueta, retirada para dar lugar a uma cadeira de rodas, sentava o engenheiro projetista do Transatlântico, o engenheiro Dr. Leonardo Yoshiviesk, um homem de idade bem avançada, velho mesmo. Tinha um pequeno cobertor verde nas pernas.
Na terceira banqueta sentava a esposa do eng.º, a Sra. Tânia Yoshiviesk, diretora da escola dela. Patrícia sempre achara Tânia estranha, branca feito papel. Tinha os cabelos castanhos, vestia calças largas e botinas para disfarçar a magreza, e não usava um só pingo de maquiagem no rosto desde quando a conhecera.
Na quarta banqueta sentava o dono do Banco Geral Suíço que financiara aquele colosso todo, o banqueiro e armador Anderson Vostovisova. Homem baixinho, gordo e atarracado. Tinha um copo de uísque na mão e uma garrafa ao lado.
Na quinta banqueta sentava o curador de obras de arte, Sr. Felipe Aneslova. Tinha um sorriso enigmático com seus dentes em perfeito alinhamento. Talvez houvesse sido esse o detalhe que mais sobressaía. Fora é claro, o fato de usar peruca.
Na sexta banqueta sentava o arqueólogo Agrimon Mantas, chefe responsável pela descoberta dos restos do Galeão. Era de idade avançada e possuía um olhar triste. Seus olhos não se despregavam do chão.
Na sétima banqueta sentava o vereador de Pernambuco, Arthur Cardoso. Um homem metido e arrogante. Patrícia o achou um tanto desajeitado naquele terno apertado para parecer mais magro, o que forçara todo seu corpo a ficar deformado. Tinha ainda, os olhos naturalmente arregalados e os cabelos acastanhados.
Na oitava banqueta sentava o Dr. Saulo Lukashenko, homem jovem e bem apessoado, acostumado a agradar as moças, contou a camareira Geraldina para Berenice, que já espalhou para a turma toda. Mas com um humor ácido que não lhe trazia muita simpatia.
Na nona banqueta sentava a Srta. Yara Ramalho, promoter e designer, responsável pela decoração e atividades do Transatlântico. Era uma mulher alta e corpulenta. “Muito bonita para os padrões masculinos”, pensou Patrícia como uma típica europeia.
Na décima banqueta sentaria a atriz Ana Claudia de Sá, ‘garota’ propaganda do Transatlântico. Patrícia já a havia visto na chegada.
E na décima primeira banqueta, sentava Eduardo Ferreira após sorteio. Ele estava radiante, Patrícia notou.
De repente um grito foi dado na multidão:
— Ah! Mil perdões pelo atraso! — exclamavam ao longe. — Essas camareiras... — reclamou a atriz Ana Claudia, afobada, chamando a atenção de todos.
Mariana imaginou que ela tinha meio quilo de maquiagem, por debaixo daqueles extravagantes óculos verde abacate e aquele horroroso chapéu azul anil, que escondiam os cabelos cor-de-rosa.
Ela era um arco-íris ambulante.
— “Por favor! Todos aos seus lugares!” — pediu o contra-almirante Raul ao alto-falante.
Todos se sentaram e várias fotos foram tiradas. Aplausos, champagne, euforia total, e as pessoas começaram a se dispersar. Mas se dispersaram para cima do arqueólogo Agrimon, que se sentiu sufocado, sendo retirado da multidão que queria saber sobre a história da descoberta do Galeão Astúria.
Felipe o levava dali dando a volta por detrás das banquetas.
Eduardo se distraiu ao ver o eng.º Leonardo se afastar na sua cadeira de rodas com a ajuda da esposa. Percebeu que o cirurgião havia saído, também.
— Bom tarde, jovem — falou um homem cabeludo e envelhecido. — Sou o curador Felipe Aneslova — e esticou as mãos para cumprimentar Eduardo. — Foi mesmo muita sorte o computador tê-lo sorteado.
— É! Foi sim — Eduardo levou um susto com sua chegada. Olhou para a proa. — Foi uma grande descoberta, né? — tentou ser gentil.
— Se não houvesse sido o nosso arqueólogo aqui — falou olhando para o outro homem que menos comunicativo, precisou do empurrão da filha Milena para que falasse.
“Bonitinha” lembrou-se Eduardo.
— Olá — falou ela por detrás do pai estendendo uma pequena e delicada mão rosada. — Eu sou Milena Mantas.
Eduardo a cumprimentou, mas sentiu algo estranho com o pai da moça. Não compreendeu como poderia um homem que faz uma das maiores descobertas do mundo, não estar feliz.
“Deve ser um homem simples”, pensou.
Felipe resolver arrastar o arqueólogo Agrimon quando viu a multidão se aproximar outra vez. Milena observava Eduardo com afinco e ele pensou mesmo que fosse morrer quando mais uma vez, uma mão gelada o tocou.
— Com problemas? — perguntou Melissa ao ter sido seguida por Patrícia, Mariana e Fernando, que a viram quase voar do convés acima da proa, ao ver Eduardo acompanhado.
Melissa nunca havia sentido tanto ciúme desde quando chegaram ao Transatlântico e conheceram “a ruiva”. Só não sabia que o ciúme tinha outro nome, se chamava insegurança.
Já Milena percebeu aquilo tudo, como também percebeu que Eduardo estava completamente sem ação.
Saiu sem pronunciar uma única palavra.
— Vamos tomar sorvete? Tem várias sorveterias... Deixa ver... Se não me engano… — Mariana olhou o panfleto nas mãos que continha a planta baixa do Transatlântico. —, ficam todas na Coberta G — e o silêncio dos outros quatro não foi quebrado. — Vamos? — insistiu Mariana.
— Ah! Sim — correu Fernando a falar puxando Patrícia que puxava Melissa que fuzilava Eduardo que nem se atreveu a olhá-la.
Uma mulher vestida de branco se aproximou dos cinco amigos.
— Eduardo Ferreira? — perguntou a capitã-tenente Bianca interrompendo a turma.
— Sim.
— Está sendo chamado no passadiço.
— Onde? — perguntaram os cinco amigos em uníssono.
A capitã-tenente Bianca até achou graça.
— É como chamamos a cabine de comando, que também tem o nome de ponte; ponte de comando — sorriu-lhe gentil.
— Ah! — lembrou-se Eduardo. — A visita aos computadores.
Fernando olhou para cima, a 1ª chaminé havia apitado.
— É o aviso que partiremos durante o jantar — explicou a capitã-tenente Bianca com a devida atenção.
— As chaminés não poluem? — questionou Patrícia.
— Somente uma chaminé funciona. A outra é decorativa e servem para guardarmos as cadeiras fora de uso. Temos muita preocupação com o ar e o meio ambiente.
— Isso é legal. Ultimamente ninguém se preocupa com a natureza; como se ela fosse autolimpante — e Mariana parou de falar. — Ué? Pensei que o Transatlântico fosse impulsionado a óleo e carvão. Não polui?
— Apenas nas grandes propulsões que se fazem necessárias, em navios que precisem atingir uma velocidade acima do normal. Nosso Transatlântico Colosso dos Mares é movido por energia atômica — explicou a capitã-tenente Bianca.
— Atômica? — perguntou Fernando.
— Uma turbina atômica é alimentada por urânio enriquecido, que fornece o calor necessário para transformar a água em vapor — olhou para os três. — Uma vez movido a vapor, a turbina tem no seu interior, uma grande peça chamada rotor, coberta por pequenas lâminas chamadas aletas. Ao penetrar na turbina, o vapor esbarra nas aletas e faz com que o rotor gire sobre seu eixo, produzindo a força motriz para a propulsão do Transatlântico — concluiu a capitã-tenente.
— E onde ela tá? — perguntou Mariana, mas Bianca não respondeu.
Eduardo e Melissa ficaram para trás.
Estavam a sós.
— Não gostei dela — Melissa foi logo falando.
— Da capitã? — tentou disfarçar.
— Tá se fazendo de besta, Dudu?
— Não...
— Deixa pra lá. Vamos nos encontrar na sorveteria, ok? — falou Melissa ao se afastar extremamente irritada.
Eduardo concordou, não poderia fazer nada diferente.
Outra vez percebeu que alguém o observava de longe. Seus olhos se chocaram com os olhos no convés acima dele. Percebeu os cabelos ruivos de Milena ser lançados de um lado para o outro pelo balanço do mar, pela corrente de ar, pelo simples jogar que seus dedos faziam aos erguê-los e soltá-los em seguida.
“Bonitinha”; pensou malandro ao vê-la debruçada.
Eduardo e a capitã-tenente Bianca subiram as escadas até alcançarem à ponte de comando.
Uma pancada se fez à porta.
— Entre! — falou uma voz autoritária. Eduardo entrou e um frio percorreu-lhe a espinha. — É o sistema de refrigeração do Transatlântico, jovem Eduardo.
— Pode me chamar de Dudu — se arrepiou. — Alguém se resfria de entrar e sair daqui todos os dias capitão?
— Todo o sistema de ar condicionado central assim como o índice de umidade a bordo é controlado pelos computadores.
— Isso aqui é uma maravilha... — Eduardo olhou em volta. — Apesar de que acho que falta alguma coisa, né? — brincou.
— O leme? — e o vice-almirante Paulo Sérgio sorriu.
Eduardo arregalou os olhos.
— Ulalá! Era pra me preocupar? — brincou novamente.
— Não, é claro que não — sorriu-lhe em retribuição. — Veja bem, jovem Eduardo, quer dizer Dudu, este aqui é o leme do Galeão Astúria — e mostrou uma pequena roda diminuta, quase escondida atrás do painel de controle.
Eduardo esperava algo muito maior, monstruoso mesmo.
— E um Transatlântico deste tamanho não tinha que ter um leme maior? Eu vi isso num filme.
O Vice-almirante Paulo Sérgio sorriu novamente.
— O timoneiro em pé na ponte de comando… — e mostrou um marujo de belíssimo uniforme branco com poás dourados nas alturas dos ombros. —, segura nas mãos a roda do leme. A missão do timoneiro consiste em manter a embarcação no rumo indicado. E quando o Transatlântico segue o seu curso, a posição permanece fixa e o leme não se move, mas quando o Transatlântico se desvia do rumo, é logo assimilado pela bússola — e mostrou o aparelho para Eduardo, que ficava na parte de cima de um pedestal onde o leme havia sido encaixado. — O timoneiro percebendo o acontecido, faz girar a roda do leme em sentido contrário para que volte ao rumo normal. Aqui usamos o piloto automático, ajustado ao mecanismo do rumo que o Transatlântico deve tomar. Tudo controlado pelos computadores.
— Que maneiro! — exclamou extasiado.
Paulo Sérgio sempre ficava feliz quando apresentava a ponte de comando a um sorteado.
— A propósito, hoje às vinte e três horas haverá uma ceia, um jantar em especial dado a mim. São os tripulantes que estão oferecendo, então não será aberto a todos. Há apenas alguns poucos convidados. Gostaria que fosse e se sentasse à minha mesa.
— Puxa! Seria uma honra tremenda, seu Paulo Sérgio.
— Gostaria de saber sobre mais alguma coisa? Alguma curiosidade? — apontou à sua volta.
Eduardo olhou, olhou, e seus olhos só olharam os computadores. Uma bela composição de hardwares por todos os cantos, contrastando com tantas peças antigas retiradas do Galeão Astúria.
— Os servidores e mainframes já são meus velhos conhecidos — se gabou. — Mas tô meio cansadão da viagem, dormi muito mal quando cheguei. Minha empregada veio comigo… — fez uma careta. —, e ela disse que desde pequeno minha pressão costuma cair em alto-mar. Acabei até me atrasando para as fotos.
— Então vá descansar até o jantar, jovem Dudu.
— Posso levar minha turma? Tamos em cinco mais a Berê.
— Bem... — fez Paulo Sérgio, a conta. — Gosto do número onze. Ele me tem trazido muita sorte — Eduardo não compreendeu. — Então serei eu, minha amiga Felícia, o sobrinho dela, vocês cinco, a Berê, e um casal de amigos. Ótimo! Serão onze na minha mesa.
— Que maneiro! — e Eduardo saiu acompanhado de Bianca.
O Transatlântico estava mais calmo. Já acomodados em seus camarotes, começaram a ir para as lojas e os tipos de entretenimentos.
— Aqui estamos — falou Bianca toda sorrisos na porta do camarote dele. — Até mais — e ela se foi.
Eduardo a olhou de lado. Tirou do bolso do blazer que usava o cartão magnético que abria a porta.
Olhou para o outro lado do corredor, um som ambiente tocava um suave jazz. As portas, todas trabalhadas em madeira de lei, forravam o aço. Eduardo enfiou novamente o cartão magnético na porta, havia se distraído com a decoração do corredor, com a música, com o ambiente.
— Não foi gentil comigo na proa, Eduardo.
Eduardo se assustou. Depois ficou com medo, parecia que toda vez que esbarrava em Milena, Melissa estava por perto.
— Cê foi embora — falou Eduardo ao se verem sozinhos. Mas Milena saiu outra vez, sem mais nada falar. — Garota estranha, meu — deu de ombros.
Entrou. Foi se trocar. Ia tomar sorvete com a turma, mas sua pressão caiu novamente.
Eduardo voltou a dormir.
Capítulo 6
— Acho que a visita lá na ponte de comando deve tá muito boa, mesmo — insinuou Mariana para provocar Melissa.
Patrícia deu um cutucão em Melissa por debaixo da mesa. Queria dizer, “não ligue para as provocações da Mari”. Mas Melissa estava mesmo cismada. O povo dizia que uma mulher tem sexto sentido. E se fosse verdade então, o sexto sentido de Melissa estava aguçado.
Ela farejava algo no ar.
Fernando estava terminando o sorvete quando enfim lembrou-se do rosto do rapaz que sentava à frente da mesa deles, desde quando chegaram lá na sorveteira.
Patrícia, Melissa e Mariana estavam de costas para a mesa.
— Policial Fabrício — falou em voz alta.
— Quê? — perguntaram as três em uníssono, acordando cada uma de suas ideias.
Fernando levantou e cumprimentou-o com a mão. Fabrício viu as três se virarem para ele.
— Que surpresa — falou Patrícia ao ver que ele estava muito bem acompanhado.
Apontou para a mesa deles e pediu que se sentassem todos juntos.
Mariana percebeu na hora que Patrícia havia se interessado pelo acompanhante de Fabrício. Mariana, porém, achava o loiro Fabrício muito mais bonito. Melissa quase engoliu a colher quando o viu sentar-se do seu lado, Eduardo tinha verdadeiro ciúme dele desde quando descobrira que Fabrício tinha uma quedinha por ela.
— Olá, Melissa — Fabrício sorriu seu melhor sorriso. Era bonito e inteligente. Tinha uma voz grossa e arrastada, e falava um português correto, que agradava aos ouvidos. — Mas que coincidência, né?
Patrícia cutucava Melissa para que visse o outro rapaz ao lado de Fabrício. Ele percebeu e se apresentou.
— Olá — esticou as mãos somente à Patrícia, deixando Fernando, de repente, em alerta. — Sou Diógenes Ribeiro.
— Diógenes? Já estudei sobre isso... É o cara que procurava um homem com uma lanterna, não é? — provocou Mariana para variar.
Diógenes girou os olhos.
— É o filósofo grego que procurava um verdadeiro homem, incorruptível, pelas ruas de Atenas, com uma lanterna — corrigiu Diógenes.
— O cara que achava que só pobre podia se redimir de seus pecados — voltou Mariana a falar.
— O “cara” — começou Diógenes a se irritar com ela. —, que achava que uma sociedade capitalista se constituía num pecado, e que só a abstinência total iria salvar-lhe as almas — devolveu na mesma moeda.
Patrícia ficou entusiasmada, adorava homens inteligentes. Talvez houvesse sido o motivo que prestava atenção em Fernando.
Mas Fernando era só inteligente e bonito. E Patrícia queria mais.
— Ele foi meu colega da faculdade — explicou Fabrício, apontando para Diógenes ao ver o interesse de Patrícia nele. — Somos formados em direito — sorria para Melissa que começou a desenvolver gastrite nervosa.
— Que tão fazendo aqui? — perguntou Mariana para Fabrício depois daquele vai e vem.
— Minha tia é uma mulher muito sozinha e me convidou para uma viagem ao redor do mundo. Como nunca tirei férias, resolvi acompanhá-la até a metade da Europa e depois voltar para a delegacia — depois Fabrício apontou para o colega. — O Di veio comigo.
— Pode me chamar de Di como fazem os amigos — Diógenes sorriu para Patrícia que jogou os cabelos loiros de um lado para outro.
Era seu toque de charme. De todas as mulheres.
— E como vai o Delegado José Liberato? — lembrou-se Melissa.
— Como sempre, com muitos problemas — respondeu. — Veio sozinha, Melissa? — Fabrício não conseguiu se segurar.
— Tá querendo dizer se o Dudu não veio na cola, policial Fabrício? — disparou Mariana seu fel.
— Ah! — reclamou Patrícia. — A Mari tá em forma, hein? — virou-se para Melissa que mal conseguia saber para onde o coração havia ido.
Já Fernando adorou o que Mariana fez. Gargalhou bem alto para provocar, tinha quer defender o amigo.
Mas as três o fuzilaram e Fernando engoliu a risada.
Depois Mariana prosseguiu:
— Você é polícia do que? — Mariana viu Fabrício parecendo não entendê-la. — Você lida com crimes virtuais?
Fabrício não gostou do que ouviu. Mariana o olhava como se soubesse algo.
— Como assim?
— Ah! Por nada. Ouvi no rádio do camarote que alguns hackers invadiram o site da www.attrition.org.
— O quê? — Fabrício achou graça. — Hackers derrubando o mais conhecido repositório de páginas hackeadas do mundo? Eu achei que o site não existia mais, que ninguém mais se interessava em ver e conhecer sites hackeados.
— E por que não iam querer? — Fernando acordou.
— Porque hoje a Deep Web tem tudo o que um criminoso precisa — Fabrício viu Fernando se encolher.
Aquela mensagem corporal o fez ficar alerta. Ele sabia quem era Eduardo Ferreira e o que costumava fazer com seu tempo livre.
— Tá por dentro, hein policial Fabrício?
— Nem tanto quanto você; percebo — Fabrício riu. — E me chame só de Fabrício, Mariana.
— Ah! Tá bom. Me chama de Mari, então.
— As meninas vão ao jantar hoje? — perguntou Diógenes tentando voltar ao papo.
— Que jantar? — questionou Patrícia interessadíssima.
— Foram poucos os convidados... — explicou Diógenes a ficarem conversando até o final da tarde.
Já Eduardo levou um susto com a campainha do interfone que simplesmente disparara ao seu lado. Entrou em desespero naquela escuridão. Não se lembrava de onde estava. Não recordava da distribuição do quarto. Deu um grito ao derrubar o copo no chão e este espatifar-se.
— Que saco! — se arrastou pelo camarote e encontrou o interruptor de luz na parede. — Alô! — correu para atender.
— Sr. Eduardo Ferreira? — perguntou uma voz masculina na linha.
— É ele!
— Aqui é o mensageiro — se apresentou. — O vice-almirante Paulo Sérgio de Almeida pediu que o chamasse meia hora antes do jantar.
— Brigado! — e desligou. — Jantar? — e viu que havia perdido o sorvete. — Saco! Saco! Saco!
Capítulo 7
Se vestir bem nos jantares dos restaurantes, que serviam à 1ª classe era essencial. Exigiam mulheres de vestidos longos e homens de smokings para os jantares de gala. Eduardo interfonou para os camarotes 3, 7, 8 e 9.
Não havia ninguém.
Já o salão se encontrava lotado quando Eduardo entrou de smoking. A capitã-tenente Bianca usava uma jaqueta e uma longa saia branca, que faziam parte do uniforme da tripulação. Com a mesma toalete, estava à promoter Yara Ramalho que se aproximou e apresentou seus préstimos ao ilustre convidado do vice-almirante Paulo Sérgio, em meio a uma música tipo casamento das tias dele.
Eduardo achou aquilo tudo ‘maneiro’.
Melissa se aproximou e parou ao lado dele.
— Aonde tava até agora?
— Dormindo. Tive um sono esquisito — percebeu que Melissa estava usando um vestido longo e preto para variar.
Não gostou, mas também não comentou.
— Deve ser o calor daqui que te abaixa a pressão — Melissa se referiu ao tempo quente do nordeste.
— Olá, Dudu... — foi a vez de Mariana se aproximar.
Ela sim, com um vestido rosa para lá de insinuante fez Eduardo escorregar os olhos para o lugar mais próximo do pescoço dela, e lá ficar até ser beliscado por Melissa. Eduardo sorriu incomodado para Melissa e para Mariana, tendo certeza que a ‘cunhada’ se vestia muito melhor que a namorada.
O salão havia sido todo decorado com o tema ‘fundo do mar’ e a música era dos anos 70. As cores passavam por todas as nuanças de verde, seguia-se assim, o cardápio.
Terrinas de peixe ensopado, trutas a pouché, peixe ensopado em molho de mostarda branca. Lagostins embebidos em óleo e alho ferventes, mexilhões à provençal, camarões.
— Boa noite, vice-almirante Paulo Sérgio — falou Eduardo, educado, ao se aproximar da mesa.
— Oh! — exclamou o vice-almirante Paulo Sérgio ao lado de uma Senhora sorridente e bem vestida, emaranhada em belíssimos colares de pérolas. — Jovem Dudu, não é? — e o vice-almirante Paulo Sérgio correu a fazer as apresentações. — Esta é a Srta. Felícia Bernardes, uma amiga de muitos anos.
— Boa noite Eduardo Ferreira! — exclamou uma voz grave e masculina por detrás dele, cortando a apresentação de Paulo Sérgio.
Eduardo que acabara de se sentar, virou-se para ver quem o chamara com tanta pompa.
— Não acredito! — falou Eduardo, perplexo.
— Se conhecem? — perguntou a Sra. Felícia, também sentada à mesa.
— Sim titia — foi Fabrício quem respondeu.
Eduardo olhou para Melissa e depois para ele, que ainda o encarava.
— Veio fazer a guarda do Transatlântico, policial Fabrício? — perguntou Eduardo com ironia.
— Não Eduardo. Estou passeando com minha tia — apontou para Felícia, não entrando no jogo dele.
— A polícia em São Paulo tá perdendo alguma coisa? — falou Eduardo, outra vez irônico.
Fabrício não gostou, o ar se carregou, e a Srta. Felícia tratou de desanuviar o ambiente.
— Não sabia que conhecia meu sobrinho, meu jovem.
— A gente se conheceu no começo do ano, dona Felícia — Melissa que estava calada até então, foi quem respondeu.
— Ah! Você é a garota que tomou sorvete com meu sobrinho Fabrício hoje à tarde.
— Tia? — recriminou Fabrício para Felícia arregalando os olhos para a tia que arregalou os olhos dela também.
Melissa sentiu que a sua gastrite virava ulcera.
Já Eduardo deu um pulo da cadeira a deixando cair. Saiu da mesa esbarrando em Fernando na porta do salão.
— Que foi Dudu? — perguntou Fernando ao amigo olhando para frente e tendo a resposta. — Ah! Tá falando do policial meio advogadozinho?
— Saco! Mil vezes saco! — exclamou Eduardo com força, olhando para a mesa que Patrícia e Mariana sentavam com Melissa.
— É porque ainda não viu o cara da lanterna, que veio com o policial Fabrício.
Eduardo acordou naquela frase.
— Cê também sabia que o Fabrício tava aqui?
— Hoje à tarde, na sorveteria. Eles tavam lá.
— E a Melissa conversou com ele?
— É... Conversou... Por quê?
— É por que... Acredita que o Fabrício ligou dezenas vezes pro celular da Melissa, depois da gente ter resolvido aquele lance dos computadores?
— Ela te contou? — ergueu a sobrancelha.
— Pirou, Fê? Acha que ela ia me contar? Eu rastreei o celular dela pela Internet.
— Puxa Dudu… — e Fernando até ia falar o quanto estava chocado com Eduardo, quando Eduardo se virou, e viu que Paulo Sérgio acabava de receber os outros dois convidados que completariam os onze na sua mesa.
Eduardo foi embora deixando Fernando sozinho em choque.
— Com licença — Eduardo voltou a se sentar sem trocar uma única palavra com Melissa que só olhava o prato.
Já Milena estava encantadora naquele vestido longo e vermelho, fazendo seus cabelos ruivos sobressaírem ainda mais. Ela e o pai eram o novo ‘casal’ esperado, já que o casal Yoshiviesk havia desistido de ir ao jantar de gala.
Fernando se sentou ao lado de Patrícia, que se sentou ao lado de Mariana, que se sentou ao lado de Fabrício, que se sentou ao lado de Melissa, que se sentou ao lado de Eduardo, que se sentou ao lado de Felícia, que se sentou ao lado de Milena, que se sentou ao lado do arqueólogo Agrimon, que se sentou ao lado do vice-almirante Paulo Sergio, fechando os onze convidados na mesa redonda de Paulo Sérgio de Almeida.
— Cadê seu amigo, Fabrício? — Patrícia era toda interesse.
— Ah... — Fabrício olhou para a tia não dar outro fora. — Ele se resfriou.
— Tadinho! Deve ter sido o sorvete gelado da tarde, né?
Eduardo bufou e Melissa quis matar Patrícia no pisão que lhe deu.
— Moram aonde? — questionou Felícia ao arqueólogo e sua filha mudando a linha do assunto.
— Aqui em Pernambuco, mesmo — sorriu Milena, sedutora. — Já esteve no nordeste antes?
— Já estive no carnaval da Bahia dois anos atrás — falou Felícia Bernardes.
— A Bahia é toda nossa história — falava Milena. — Suas ladeiras, sua cor, seu sabor, seu cheiro... — explicava enquanto garçons finamente trajados serviam bebidas pelo salão.
Eduardo aceitou uma taça de vinho branco da bandeja enquanto todos ouviam Milena.
— Experimente o rose, Eduardo — cortou ela, sua explanação sobre o nordeste. Foi uma voz encantadora aos ouvidos de qualquer mortal. — É uma especialidade da região — completou.
— Ulalá... — deixou Eduardo, escapar a palavra, com a taça de vinho ainda presa na bandeja. — Quero dizer… Ulalá Seu garçom... Bonito uniforme... — completou Eduardo ainda virado para o garçom que nada entendeu sobre o elogio.
Eduardo trocou o vinho branco pelo rose olhando Melissa de lado. Melissa por sua vez, se virou imediatamente para Fabrício e pediu-lhe que pegasse uma taça de vinho para ela. Se quisesse provocar Eduardo, conseguira. Ele quis quase arrancar Fabrício da cadeira pelo colarinho do smoking que usava.
Milena também parecia se divertir, foi o que Eduardo pensou ao vê-la rindo do fora dele.
Depois que tudo se acalmou, ele até queria olhar para Milena, mas Melissa parecia querer devolver com um olhar para Fabrício. Eduardo não sabia o que fazer, se matava Fabrício ou morria nas mãos de Melissa. E ainda tinha Mariana naquele vestido decotado, rosa, observando todos, observando Fabrício.
Aquilo Eduardo não aceitaria.
“E como ela tá linda de rosa”; ficou Eduardo atônito se vendo elogiar a cunhada.
Muitos outros assuntos haviam sido ditos na mesa enquanto Patrícia vasculhava o salão. Mas Diógenes não havia sido convidado como dissera ou não comparecera.
“Bem feito”, pensou Fernando tendo Patrícia só para ele.
Já Mariana estava quieta à maneira dela, observando cada movimento de Eduardo separado de Milena pela cadeira de Felícia.
Alguns pratos começaram a ser servidos no bufê e os convidados de todas as mesas se levantaram. Ficou na mesa do vice-almirante Paulo Sérgio, apenas Agrimon, Milena e Eduardo. Ele aproveitou para olhar Milena discretamente. Pelo menos achou que estava sendo.
— Vou derreter — brincou Milena graciosa.
— Desculpa — Eduardo se recompôs.
— Ficou bem neste smoking — sussurrou Milena.
— Ficou bem neste vestido — sussurrou Eduardo antes de sair e se servir da mesa de frutos do mar.
Voltaram os onze a se sentarem e jantarem alegremente. Fabrício estava discreto, não provocando Eduardo ao tentar falar com Melissa. Sabia que mais cedo ou mais tarde aconteceria.
Já Melissa estava colocando fogo pelas ventas apesar de Eduardo estar se controlando. Ela imaginava que ele estava enciumado com a presença de Fabrício e por isso a provocando com a ruiva.
“Deve ser isso!”, pensou.
As horas passavam lentamente naquele jantar de gala e todos os assuntos haviam sido discutidos, mesmo que superficialmente. Os dez até que se entrosavam animadamente. Menos o pai de Milena. O arqueólogo Agrimon Mantas mantinha-se numa distância considerável do mundo, alienado mesmo. Patrícia e Eduardo já haviam percebido desde a hora da homenagem da proa. Ficaram sem saber se era realmente de sua personalidade.
Milena também percebia o estado do pai, ficava tensa, nervosa com aquela atitude. Conversava, sempre o observando, chamando-o às vezes para o assunto levantado, e apenas um sorriso sem graça o arqueólogo Agrimon dava. Ele só prestou atenção mesmo, quando um rapaz de pele bronzeada, se aproximou da mesa do vice-almirante Paulo Sérgio quebrando o silêncio do grupo fechado, e se dirigiu até Milena.
— Gostaria de dançar, Milena? — perguntou o rapaz de pele bronzeada.
— Por que não? — concordou Milena se levantando rapidamente para dançar.
— Quem é ele? — perguntou Mariana.
— Seu nome é Luiz Arcanjo filho. Seu pai é um dos maiores artistas plásticos do nordeste — respondeu o vice-almirante Paulo Sérgio.
Eduardo fez uma careta que dessa vez não conseguiu disfarçar a tempo. Olhou para Melissa, depois olhou para Mariana, e depois para Fernando que dizia ‘bandeirosa’ com os lábios.
Agradeceu calado, porém por Mariana não ter dado um de seus palpites fora de hora.
— Com licença — falou Melissa ao se levantar. Eduardo tentou segurá-la. — Vou dar uma volta — falou para ele num tom de ordem.
Eduardo largou o braço de Melissa sem muita vontade de ter largado e encarou Fabrício que só os observava. Milena, na área reservada para se dançar, viu Melissa sair da mesa com Mariana indo atrás. Gostou do que viu e sorriu satisfeita. Eduardo em compensação mal respirava, saiu da mesa e acabou por optar em ir para o convés perto da piscina, dar um tempo.
— Noite linda! Não é, Eduardo? — falou Milena assim que ele chegou.
— Pisaram teus pés?
Milena deu uma larga gargalhada.
— Não...
Eduardo viu uma pequena medalhinha pendurada no pescoço dela.
— Cê tá no 2º ou 3º ano do Ensino Médio?
— Sou alguns anos mais velha que você, Eduardo.
— Por que diz isso? — Eduardo não entendeu.
— Já terminei o Ensino Médio. Dou aulas pra crianças excepcionais sobre história da arte. Hei?! — gritou Milena de repente, assustando-o.
— Que foi? — perguntou Eduardo a não ver nada e nem ninguém.
Nem percebeu que o Transatlântico estava parado nas águas do arquipélago de Fernando de Noronha
— Uma mulher, eu acho. Que absurdo! Jogando lata de cerveja no mar. Temos latas de lixo no Transatlântico!!! — berrou em seguida.
— Que maneiro! — e Eduardo percebeu que estava encantado pela figura de Milena. — Você é uma daquelas ativistas?
— Tá falando do quê? — pareceu ficar nervosa.
— Uma dessas do tipo Green Peace que tavam lá no Porto, que lutam contra armas atômicas, lixo... — olhou Milena sem responder.
— Não… não sou…
— Cepá… Não entendo porque eles agem assim. Se jogando no chão, se amarrando e tal. É tudo tão hard.
— Por que severo? Se o Green Peace não fizer algo que choque, como vai chamar atenção da população e da mídia para os problemas do mundo? Problemas que causamos à natureza e só vai reverter a nós.
— Puxa! Nunca pensei assim... — Eduardo olhou em volta. — Sabe por que o Transatlântico parou?
— Isso é coisa daquele irresponsável do Arthur.
— Tá falando do vereador? — Eduardo achou estranho a intimidade com que Milena o tratou.
Ela por sua vez nem percebeu.
— Tô falando do vereador, sim. Ele quis que o jantar de gala fosse com o Transatlântico parado aqui, em Noronha, para se exibir, para exibir sua força política.
— E nós não podíamos tá aqui, né? Por causa da Marinha que não permite. Né?
— Não é só isso. Um navio libera excremento, água suja e...
— Hei! Calma gata! Não acredito que eles vão fazer isso aqui. Acho que o seu Paulo Sérgio, um homem do mar, se preocupa com as tais limpezas que os navios fazem e a gente tanto houve falar.
Milena ficou o encarando, Eduardo até se sentiu mal com a maneira que ela o olhava. Ela então se virou e se debruçou sobre o gradil, olhando a água bater no casco do navio.
— São lindos, não?
Eduardo olhou para baixo também.
— Os golfinhos que tão nadando? São sim — Eduardo viu que os olhos de Milena brilhavam. — Sabe que tem um cientista chamado Laurence Doyle que estuda sinais alienígenas estudando os golfinhos?
— Como é que é? — Milena achou graça.
— Sério! — sorriu também. — Em 1995, ele tava ajudando alguns especialistas em golfinhos a categorizar uns tipos de assobios, e eles usaram o tal método que diz que é exclusivo das telecomunicações. O método se baseia numa forma matemática que analisa qualquer sequência de símbolos; DNA, números, letras, fonemas, palavras ou até frases. E se relaciona, basicamente, aos ‘0 e 1’ da computação, necessários para codificá-la. Então se algum alienígena se comunicar através dos ‘0 e 1’...
— Você entende muito disso?
— Computação? Bem... Digamos que sou capaz de fazer alguns estragos — riu com gosto.
Os olhos de Milena brilharam. Ela então voltou a se virar outra vez e apontou para baixo.
— Ficou interessante, né? — Milena mostrou a proa e o convés com peças resgatadas do Galeão Astúria.
Eduardo se virou para a proa, percebeu que ela mudara de assunto.
— Ah! É! Desde quando cheguei que quis saber o que é aquele monstro pendurado lá?
— Monstro? — Milena riu. — Tá falando da carranca de madeira na proa? — Eduardo concordou com a cabeça. Milena riu e explicou. — Aquilo se chama aríete. É uma imagem entalhada que os navegantes usavam para afastar os espíritos maus dos mares. Na verdade era pra abalroar navios inimigos quando se lançavam uns sobre os outros. Aríete é o nome de uma antiga máquina de guerra que servia pra abater muralhas.
— Brigado professora de história da arte — sorriu Eduardo.
— O aríete pertencia ao Galeão Astúria. Meu pai que achou.
— Deve ser legal esse negócio de arqueologia, e antropologia, e tudo mais... Sabe? Você descobrir a história de um povo. O que comia, como dormia, seus ossos e como morreram...
— Eles nos obrigaram a devolver tudo — Milena parecia estar falando com seus pensamentos. — Tanto dinheiro, tanto trabalho... Só desgraças.
— Quê?
— Tá começando a esfriar Eduardo. Vou entrar... — e começou a ir embora.
— Quantos anos você têm, Milena? — Eduardo segurou-a pelos braços.
O som das ondas do mar batendo no Transatlântico era música aos ouvidos.
— Alguns anos depois dos 20 — riu.
Eduardo se aproximou dos lábios dela até que se tocaram. Milena afastou Eduardo, que estava totalmente desorientado com o que fizera.
— Sua namorada vai... — e Milena não pôde terminar de falar.
— Socorro!!! — alguém gritou dentro do salão do restaurante.
Ecoou por todo Transatlântico.
— Que foi isso? — perguntou Eduardo.
— Socorro!!! — ouviram outra vez.
Eduardo correu sendo seguida por Milena. Eles encontraram a confusão armada no salão do Restaurant Ptolomis, onde Paulo Sérgio de Almeida jazia em cima de seu prato de comida. Tinha o rosto engraçado, causado pela sujeira que o mousse de mexilhões fizera.
Eduardo olhou para os lados, a cena lhe pareceu correr em câmera lenta. Viu o arqueólogo Agrimon Mantas se levantando da mesa em choque, viu o médico Saulo se aproximar com a maleta, viu Felícia desmaiar nos braços de Fabrício. Viu Melissa agarrada a Mariana, viu Patrícia gritando nos braços de Fernando. Viu a capitã-tenente Bianca correr na direção da mesa, viu o tal Arcanjo agarrar Yara e a tirar dali aos prantos, viu a morte exalar do corpo do vice-almirante Paulo Sérgio.
O jantar de gala acabara aos exatamente dois minutos do dia 27 de dezembro.
Capítulo 8
27 de dezembro.
— O quê?! — gritou o segundo na hierarquia, o contra-almirante Raul Castro.
A reunião havia sido providenciada nos aposentos do vice-almirante Paulo Sérgio, a câmara de número 1, nome dado ao camarote ou cabine dos comandantes de um Transatlântico.
Estavam lá, Raul, Bianca, Dr. Saulo, Fabrício, Eduardo, Melissa, Mariana, Patrícia, Fernando e Milena. Agrimon e Felícia haviam sido dispensados.
Já Melissa achava que Milena não parecia desgrudar de Eduardo um só minuto.
— Você tem certeza absoluta, Dr. Saulo?
— Bem... Não posso fazer autópsias no Transatlântico, contra-almirante Raul. São regras marítimas. Mas ele morreu de envenenamento alimentar — falou o Dr. Saulo Lukashenko, convicto.
— Contra-almirante Raul? — falou Mariana de repente ao olhar para a escrivaninha aberta. — Tem uma carta aqui pro Senhor.
— Pra mim? Mas esse é o aposento do vice-almirante Paulo Sérgio.
— Aqui diz: “Ao contra-almirante Raul”.
— O que significa isso? — falou Raul alterado para a carta que lia. — Uma rescisão de contrato com a empresa de computadores?
— Por que rescindir um contrato com computadores que funcionam tão bem? — perguntou Bianca.
— A assinatura é mesmo dele — o contra-almirante Raul confirmou. — Aqui diz: “Eu Paulo Sérgio de Almeida, rescindo o contrato com a empresa de computadores e depois me despeço dos amigos...” — e parou. — Foi um suicídio?! — gritou Raul.
Um mal estar se instalou na câmara de número 1.
— Por que um homem realizado se suicidaria? — questionou o policial Fabrício.
— Puxa… — falou Fernando. —, eu tava do lado dele e não vi ninguém suicidar ele.
— Ai, Fê. Fica quieto! — pediu Mari.
— Contra-almirante Raul?! Contra-almirante Raul?! — gritava alguém pelos corredores.
— O que são esses gritos? — Raul abriu a porta e foi atropelado por um marujo que quase passa por cima de seu corpo. — O que significa isso, marujo-chefe Apilam?
— Siga-me, contra-almirante Raul. Vai ter que ver com seus próprios olhos — falou Apilam Vorkuta.
O contra-almirante Raul seguiu o marujo-chefe Apilam. Os outros foram atrás até chegarem ao convés principal. Depois foram ao convés de esportes até alcançar o convés intermediário. Corriam Eduardo, Raul, Patrícia, Melissa, Mariana, Apilam, Milena, Fernando, Bianca e Fabrício sem ao menos se perguntarem o porquê.
O marujo-chefe Apilam se dirigiu para a ponte de comando e Eduardo sentiu o estômago embrulhar. Achou que tinha corrido muito rápido. Teve medo, não soube do quê. Quando chegaram à ponte de comando, a confusão era geral. Mas não eram os dois marujos-foguistas nem o timoneiro que haviam se rebelado, eram os chips.
Eduardo arregalou os olhos. Mariana atrás dele, também. Raul se adiantou e olhou o painel de controle sem compreender o que via. Foi empurrado pela Capitã-tenente Bianca que também nada entendeu.
Os dois se olharam.
— O som foi abaixado! — falou o timoneiro para o contra-almirante Raul, erguendo o volume do rádio.
“Bzz!” fazia o som infernal.
— O que é isso?! — gritou o contra-almirante Raul, aturdido.
Eduardo tinha os olhos pregados na mesa de comando. Tentou andar alguns passos, cambaleou e todos se olharam. As flechas do piloto automático se desviaram umas das outras.
— Cuidado!!! — gritou Raul para o timoneiro.
O pequeno leme se descontrolou, escapou das mãos hábeis do timoneiro girando feito louco. O Transatlântico começou a tombar para bombordo e o timoneiro tentava a toda força segurar o Transatlântico inclinado para o lado esquerdo da embarcação.
Pratos e copos se deslocaram das mesas dos restaurantes. Os vidros rolaram pelo piso, as portas bateram, os quadros caíram no chão. A piscina transbordou invadindo os salões.
Pessoas caíram de suas camas, pessoas rolaram pelos corredores, pessoas se machucaram. Histeria geral por todo o Transatlântico. Bianca e Milena caíram uma sobre a outra, imprensaram o Dr. Saulo que desmaiou no impacto. Patrícia foi empurrada para um canto pelo peso de Melissa e Mariana sobre o dela. Fernando tentou se arrastar para estibordo, para o lado oposto ao que o Transatlântico tombava. Fabrício foi atrás de Mariana ao vê-la bater a cabeça e começar a sangrar.
— Mari?! — gritava Melissa desesperada.
— Calma!!! — gritou Fabrício perante o barulho intenso.
As luzes se apagaram, a música parou, e gritos emergiram de todos os pavimentos do grande Transatlântico.
Eduardo alcançou o computador, digitou algo tentando entender o painel de controle. Fabrício chegou ao lado dele e os dois se comunicaram naquele olhar que deram entre si.
Um homem vindo do porão vestindo uniforme invadiu a cabine, era capitão-tenente Laerte Dankovitch, assistente de Raul.
— Tente liberar o lastro!!! — gritou o capitão-tenente Laerte. — Coloque peso para boreste!!!
— Não sabemos o que está acontecendo!!! — gritava Bianca também. — Parece que o Transatlântico está tombando!!!
— Olha a onda!!! — apontou Fernando, aturdido.
Todos olharam para frente quando uma enorme imagem tomou conta da proa; um tsunami, uma gigantesca onda que se levantou sobre o Colosso dos Mares fazendo a água invadir o teto da ponte de comando, escorrer pelos vidros, instalar o pânico.
— O computador lá embaixo!!! — gritava o capitão-tenente Laerte perante o ensurdecedor som do mar. — O computador nada avisou?! — tentava falar e se agarrar ao mesmo tempo.
Eduardo não respondia a ninguém, estava em duelo com os computadores, tentando desesperadamente fazer seus dedos serem rápidos.
— Desgraçado!!! — proferiu Eduardo descontrolado olhando Fabrício entender o mesmo que ele entendeu.
Uma nova onda cobriu o Transatlântico.
Eduardo e Fabrício caíram da cadeira. Tentaram se erguer depois fazendo seus smokings encharcarem, ficarem pesado. Eduardo tentou pegar outra vez a velocidade do raciocínio do computador, mas a tela era consumida aos poucos, as letras já não eram digitadas.
O computador já não obedecia e Eduardo largou o teclado.
— Dudu?! — gritou Patrícia. — Que tá acontecendo?!
— Vírus! — falou Eduardo como que para si mesmo, como que para Fabrício entender que nada mais podia ser feito.
E ele concordara.
— O quê?! — perguntou Raul aturdido, não concordando com nada. — Isso não pode estar acontecendo!!!
Mais um chacoalho e todos foram ao aço novamente. O lastro começou a se encher e as flechas se sobrepuseram novamente. O Transatlântico alcançou o prumo e estabilizou.
Todos se olharam assustados ao ver o Transatlântico parado.
— Alguém destruiu todos os computadores do Transatlântico — e Eduardo se virou para mais de meia dúzia de rostos assustados. —, com um vírus!
Fabrício outra vez concordou.
Capítulo 9
A manhã demorou em chegar e Eduardo passou quase todo o fim da madrugada vomitando. Tinha o estômago frágil quando se encontrava em perigo eminente. Estava olhando o teto de seu camarote, o de número 5, quando uma leve batida se fez na porta.
Demorou também em atender. Não tinha vontade de falar com ninguém.
— Dudu? — insistiu uma voz delicada do outro lado. — Tá acordado?
— Oi Mel… — abriu enfim a porta. Eduardo viu que Mariana também estava esperando no corredor. — Você tá legal? — perguntou Eduardo para Mariana.
— Minha cabeça dói um pouco — falou Mariana.
— Pode nos acompanhar? — emendou Melissa.
Eduardo seguiu as duas até o camarote de número 9. Algumas portas ao longo do corredor abriram e fecharam. Todos estavam muitos assustados. Apenas o gerador de emergência havia sido ativado. Com os computadores destruídos pelo vírus, a turbina atômica havia ficado desativada. Os motores do Transatlântico estavam parados até a energia gerada através de caldeiras movidas a petróleo, funcionassem.
O contra-almirante Raul precisava conduzi-los até algum porto, já que em águas de Fernando de Noronha era proibido ancorar.
— Pensei que não quisesse falar comigo? — falou Eduardo seguindo Melissa.
— É que... Queria pedir desculpas, Dudu.
— Não, Mel. Eu que preciso me desculpar. Fui infantil ontem à noite.
— Tem sido infantil há muito tempo, Dudu.
Eduardo se aproximou, ia dar um beijo.
— Não vou ficar aqui pra vê isso — Mariana se incomodou.
Eduardo e Melissa se olharam.
Mariana entrou na cabine e fechou a porta.
— Que tá acontecendo?
— O navio…
— Não com o navio Dudu.
— Não tá acontecendo nada.
— Com a Mari…
— Ahhh Cepá… — e não completou. — Tô me sentindo inútil por não deter aquele vírus — falou bruscamente.
— A culpa não foi sua, Dudu.
— Não admito isso. Ele foi mais inteligente.
— Ele? — questionou Melissa confusa.
— Ele! O tal hacker que colocou aquele vírus no computador enquanto nos preocupávamos com a morte do seu Paulo Sérgio.
— Hacker colocando vírus em navios?
— Sabe o que eu acho Mel? Acho que tão tentando passar a ideia de suicídio do seu Paulo Sérgio, igual o caso do pai da Pati. Se bem que dessa vez, foi premeditado — afirmou Eduardo balançando a cabeça.
— Do que tá falando? Meu! Dudu... Agora tudo que acontece com a gente cê põe ideia na cabeça?
— Cepá... Pode ter sido... Premeditado.
— Premeditado como?
— Sabe o que é um vírus? É um programa de computador. Isso é pra poucos, Mel! — exclamou nervoso. — Um QI alto e meticulosamente destrutivo. Um Cracker! E seja lá quem fez ou mandou alguém fazer esse vírus, fez premeditado, né?
— Chiii! Acho que cê tá bravo é com o tal vírus.
Eduardo nem quis discutir e suspirou.
— Sabe por que o Fabrício tá aqui?
— Não vai começar de novo, vai?
— Não... Não é isso. É que o cara... Cepá... Passou a ideia que ele entendia tudo o que eu entendia, entendeu?
— Que?
— E o que é mais estranho é que não tinha um firewall nos computadores da ponte de comando. Uma parede de fogo, não teria permitido a entrada de estranhos.
— Esquece isso, Dudu. Vamo toma café?
— É tudo que quero — retribuiu o carinho a beijando intensamente.
Mas foi um beijo esquisito. Eduardo sentia-se um verdadeiro crápula por ter beijado Milena na piscina, ou por ter achado Mariana mais bonita que ela. Ficou achando que estava pirando. Começou a descer suas mãos sem ao menos se lembrar de onde estava. Acariciava Melissa, desabotoando seu vestido.
— Não, Dudu. Não posso — olhou o corredor vazio. — Vou chamar a Mari — e o empurrou, fechando a porta.
Eduardo não acreditou naquilo. Voltou cabisbaixo para seu camarote a fim de pegar a chave e entrou tendo um choque.
Alguém entrara enquanto estivera no corredor com Melissa. Alguém arrancara o lençol da cama, os travesseiros e as flores do vaso. E suas roupas estavam espalhadas pelo chão do camarote.
Abriu o armário, procurou entre suas meias e pegou seu Tablet. Procurou uma conexão Wi-Fi, mas os computadores devem ter desligado tudo.
Eduardo colocou o Tablet de volta no armário e correu até a Coberta I. Lá, procurou a sala de jogos e entrou sem ser visto. Provável as câmeras de segurança também estavam desligadas.
Ligou um dos Videogames ali, e selecionou ‘Adicionar Texto’. Enviou uma mensagem inserindo os respectivos gamertags, e selecionou ‘Adicionar’. Enviou para sua turma de jogos, e pediu q eu algum gamer ali replicasse aquela mensagem para a Capitania dos Portos.
O Webmaster que cuidava do Site da capitania dos Portos arregalou os olhos para a tela que lia. Tentou rastear o e-mail para saber se era alguma brincadeira, mas o gamer era um hacker e simulou uma interferência para que o webmaster não rasteasse o host dele.
— Dudu?! — gritou Melissa, acenando, assim que ele acabara de pisar no solarium vindo da Coberta E.
Eduardo andava devagar, pois sentia o piso molhado. Olhou para a proa logo abaixo se lembrando da imagem de onze pessoas a tirar fotos nas banquetas do convés das homenagens e paralisou.
— Cepá…
— Que houve? — perguntou Melissa se erguendo da poltrona e também olhando para baixo.
— Não sei. Lembrei-me da foto de ontem... — Eduardo completou. — Aquela onda enorme... Eu pensei que destruiria o Transatlântico.
— Eu também tive medo, Dudu. Mas isso aqui é um colosso. Venha, vamos comer alguma coisa — Melissa puxou Eduardo. — Sabe que a camareira Geraldina contou pra Berê, que seu Paulo Sérgio consultou uma numeróloga, e que onze era o número de sorte dele?
— Cepá... Ele também me disse isso — Eduardo começava a duvidar daquilo.
Milena voltava da mesa de doces quando viu o casal de namorados, Eduardo e Melissa, entrarem no salão de café. Tinha certeza que eles a tinham visto. Já Mariana parecia estar sempre de alerta e viu que Eduardo estava sem graça. Berenice tomava café com eles e Eduardo foi atrás de Melissa pegar café. Viu de longe que o arqueólogo Agrimon Mantas havia acordado tarde e acabava de entrar no salão de café. Parecia assustado, até meio transtornado; Eduardo não soube definir.
Milena ajudou o pai sentar-se à mesa e não percebeu que Eduardo a observava. Milena começou a discutir e o pai se levantou e saiu. Milena correu para fora atrás do pai.
— Eduardo? — chamou uma voz conhecida por detrás dele.
Eduardo acordou do torpor no meio do salão com a xícara de café esfriando.
— Ah! Bom dia, contra-almirante Raul.
— Podemos conversar sobre o que fez ontem nos computadores?
— Não fiz nada...
— Espero não ter problemas no futuro com você, Eduardo.
— Eu já disse que não fiz nada...
— Não? E o que sabe sobre o desaparecimento do técnico de computadores?
— Quem? — Eduardo não compreendeu. — Tá dizendo que o técnico sumiu aqui dentro?
O contra-almirante Raul piscava nervoso quando falava.
— Hoje à noite haverá um baile a máscaras no Transatlântico. Nada sairá do programado.
— Baile? Não temos nem Wi-Fi.
E Raul se aproximou tanto que Eduardo teve que recuar um passo atrás.
— Espero que nenhum convidado resolva atrapalhar a festa nem os computadores que ainda funcionam. Fui claro? — e o contra-almirante Raul foi embora.
Eduardo voltou para a mesa, abismado com o contra-almirante Raul.
— Meu! O cara acha que tô envolvido.
— Que? — foi unânime; Patrícia, Fernando, Melissa, Mariana e Berenice.
— O cara acha que foi... — lembrou-se das notas alteradas na escola e do que andava fazendo. Olhou Berenice, olhou Fernando e Berenice novamente. Se aquilo chegasse aos ouvidos de seu pai, ele já era. — Ah... Cepá… Tão escondendo algo de nós.
— Quê? — falou agora só Berenice. — E que negócio é esse de vírus que as meninas falaram?
— Nada Berê — olhou para o fundo do salão sentindo a respiração falhar. — Não gosto daquele Raul — falou Eduardo. — Ele... Ah! Tá bom. Vou contar. Ele disse que eu mexi nos computadores, que o técnico dos computadores sumiu, que tamos sem Wi-Fi, e que vão fazer um baile pra alegrar a galera. ‘Fui claro?’.
E Fernando correu para erguer o smartphone tentando um pontinho de conexão.
— Não viu que ele disse sem Wi-Fi, Fê Dên-Dên?
— Não enche Mari… — e Fernando continuava fazendo malabarismo com o corpo atrás de um pontinho.
E Mariana virou os olhos.
— E agora?
— Cepá…
— Olhou pra fora, Dudu? — apontou Patrícia para o vidro do salão. — Aquilo lá é a arquipélago de Fernando de Noronha, e tamos vendo essa vista desde ontem no jantar de gala.
— O Transatlântico tá parado desde ontem? — questionou Fernando olhando para os lados, vendo o salão de café vazio.
— Temos que avisar o Dr. João Vitor que não vamos chegar no dia marcado — lembrou-se Berenice.
— “No System!” — avisou Melissa sobre seu celular.
— Phreacker! — exclamou Eduardo para Mariana que se engasgou com o café.
— Do que tão falando os esquisitos, hein? — ficou Fernando, nervoso.
— Tô falando que os computadores do Transatlântico foram retirados do ar por um vírus colocado pelo tal cracker — disse Eduardo.
— Que também é phreacker — emendou Mariana. — Um hacker especializado em comunicações; inclusive as celulares — olhou a irmã lhe olhando. — Que é Mel? Não sabia que tem aparelhos que interceptam os sinais digitais dos celulares e podem mudar a voz eletronicamente ou simplesmente desativá-los?
— Posso perguntar onde aprendeu tão rápido, tudo isso, Mari?
— Meu querido, Eduardo — Mariana chamou-o de uma maneira diferente. — Frequentei a mesma escola que você, krililik.
‘Krililik’ era o estranho apelido de Eduardo na Rede Internet.
— Cê tá dizendo o que com isso?
— Dudu… — Berenice via mais uma briga para acontecer entre os dois.
— Tá bom! Tá bom! — olhou Eduardo para Berenice. — Vou me controlar... — olhou Mariana lhe olhando e Eduardo não gostou de como foi olhado; aquilo foi diferente. — Cepá... Seja lá quem cortou as comunicações. Ou fez isso através do vírus de ontem ou o tal hacker ainda tá no Transatlântico.
— Ou o vírus de ontem é morfo e explode uma ordem de cada vez — completou Mariana outra vez.
Agora foi a vez de Eduardo ficar abismado com ela.
— Mari! Mari! Mariana!
— Vírus? Hacker no Transatlântico? Morfo? Só eu não entendi os esquisitos? — falou Fernando. — E eu que sou o Dên Dên? Oh! — ergueu as sobrancelhas. — Se tamos sem telefone, não posso usar o cartão de crédito nos fliperamas? — perguntou Fernando apavorado.
— Por que o tal hacker que você falou, ia querer nos deixar parado em alto-mar, Dudu? — Melissa tentou entender.
— É mesmo. Por que tamos parados aqui? — emendou Patrícia.
— E por que disse “o tal”, Eduardo? — Berenice tinha suas dúvidas, também.
— Porque é “o tal”, no masculino. Não existem hackers mulheres, Berê.
— É? — perguntou Mariana fuzilando Eduardo. — Até o mundo cibernético é machista?
Eduardo cortou o assunto.
— Acho que o contra-almirante Raul quer fazer o baile pra distrair os passageiros — Eduardo olhou para os quatro amigos. Depois Eduardo olhou para Berenice que estava distraída. — Acho que ele não quer contar o que tá acontecendo...
Os cinco amigos se olharam.
Comunicaram-se naquele olhar.
— Berê? — pediu Mariana. — O que é aquele doce roxo? — apontou já se levantando.
— Acho que é batata. A camareira disse que o chefe de cozinha, um tal de Mr. Fish, é ganhador de prêmios internacionais...
E as duas saíram da mesa a se perder pelo salão.
— Até que a Mariana foi rápida dessa vez — falou Patrícia impressionada.
— Vamos falar antes que elas voltem. É o seguinte... — aproveitou Eduardo para falar. — Durante o baile vamos dividir tarefas. Eu e a Mariana vamos tentar ir até a ponte de comando e entender que vírus foi aquele. Melissa e Fernando vão até os alojamentos dos tripulantes localizarem o tal técnico de computadores sumido, e a Patrícia vai chamar as duas amigas dela, Beta e Gigi, e revolucionar o salão de baile com alguma atividade que chame a atenção de todos, para que possamos escapar sem perceberem nossa falta.
— Como assim? — cortou Melissa.
— Como assim o quê? Escapar! Fugir!
— Como assim?
— Assim como, Mel? Tá me confundindo.
— E isso é uma boa ideia? — foi à vez de Patrícia atrapalhar os pensamentos dele.
— Cepá... Temos outra alternativa pra entender o que tá acontecendo?
Berenice retornou com Mariana que receberia suas coordenadas mais tarde. Terminaram o café e foram todos para o convés de esportes.
O minicampo de golfe tinha sua grama artificial encharcada. Eduardo avistou Milena, o pai Agrimon, e Felipe, sentados no convés do heliporto, onde o piloto fazia a manutenção de um pequeno helicóptero.
— Uma partida? — falou uma menina loira ao se aproximar de Fernando. — Sou Lorena de Sá, mas me chame de Lorê — esticou as mãos graciosamente.
— Eu sou Fernando. Quer dizer... Fê — sorriu já de raquete na mão. — Mas já vou dizendo que tô enferrujado! — falou Fernando bem alto, tentava fazer ciúme para Patrícia, que só procurava Diógenes com os olhos, e o encontrando chegando com Fabrício.
Foi a vez de Eduardo ficar nervoso ao ver Luiz Arcanjo chegar acompanhado de uma menina mais nova, que se apresentou para Mariana como sendo Marcella Arcanjo, que provável havia sido incumbida de se aproximar de Mariana, para que Luiz Arcanjo se aproximasse de Mariana, que Eduardo tinha ciúme.
Ele sabia que tinha problemas.
Eduardo também viu Mariana olhar atentamente para Fabrício; agora odiava o policial duplamente.
Tânia se sentou no último banco, Eduardo resolver apagar tudo e ir atrás do que achava ser uma pista quente.
— Oi.
— Olá Eduardo — respondeu Tânia.
— Não a vi no jantar do seu Paulo Sérgio.
— Não nos sentimos muito bem naquela noite.
— Ah! — Eduardo disfarçou. — Foi triste, né?
— Foi triste, sim. Mesmo com todas as precauções, o vice-almirante Paulo Sérgio morreu.
— Ele tomava precauções? Cepá… Era por isso o aríete do Galeão na proa?
Tânia riu.
— Está bem informado, não? Sim... É verdade. O aríete é uma peça supersticiosa para os que vivem no mar e do mar, também. Mas Paulo Sérgio não queria ter trazido tudo.
— Como assim?
— É conhecido no meio marítimo, à história sobre o Galeão espanhol roubado pelo pirata Astúria, e sobre quem tentasse encontrá-lo. Dizem que uma maldição foi rogada e uma morte trágica, teria quem se aproximasse dele — olhou um lado e outro. — Meu marido me contou que houve acidentes estranhos no sitio arqueológico — ela olhou para Eduardo. — Você está bem, meu jovem? — e não deu tempo de Tânia falar mais nada.
Eduardo desmaiou. Acordou e viu a atriz Ana Claudia maquiladíssima e a diretora Tânia sem maquiagem alguma debruçadas sobre ele.
Elas eram contrastantes.
— Não vem comendo direito, né? — já foi Berenice brigando no que se aproximou deles.
— Não dormiu bem? — foi a vez de Felipe ao tentar erguer Eduardo do chão.
— Tô bem... Acho... — falou duvidoso. Olhou para si mesmo, olhou para cima e viu que o arqueólogo Agrimon o observava atentamente. Eduardo cambaleou outra vez. — Acho que vou me trocar... — sentiu-se úmido do chão.
— A gente vai tomar sorvete. Você vem depois? — perguntou Melissa.
Eduardo estancou o passo.
— A gente quem?
— Chiii! Para com isso, Dudu. A gente... — Melissa apontou para Fernando, Mariana e Patrícia ao lado dela. —, nós quatro.
— Ah! — Eduardo saiu sozinho do tombadilho, mas chegou ao camarote número 5 acompanhado de Milena, que o seguiu. — Que susto!!! — gritou olhando para os lados. Tinha pavor que Melissa o visse. — Como chegou tão rápido?
— Conheço a planta do Transatlântico — Milena viu Eduardo erguer a sobrancelha como quem aceita a explicação. — A propósito, hoje à noite no baile... Vá sem máscaras, Eduardo — sorriu ao vê-lo cada vez mais próximo. — Se me entende.
Eduardo entendia, entendia que ela estava se aproximando dele, da boca dele, dos lábios dele quando foi interrompido.
— Podemos conversar jovem Eduardo? — falou o capitão-tenente Laerte.
Eduardo saltou do chão.
— Sim... — ele viu Milena ir embora sem nada falar.
— Ouvi dizer que passou mal.
— Ulalá! A notícia corre rápido. O que é isso na sua mão Capitão? — viu uma sacola que escorria um líquido vermelho.
— Seu Tablet! — disse Laerte com uma voz grossa. — Está banhado em sangue de galinha.
— Sangue do quê?
— Bem que Mr. Fish reclamou que suas galinhas haviam sumido.
— Ga… — e não prosseguiu. — E como sabe que é meu?
— Tem seu nome gravado na bolsa de couro — Laerte apontou.
— Mas eu não guardo meu Tablet nessa bolsa de viagem — Eduardo colocou a mão no meio do sangue e tentou ligá-lo. — Eca! Que nojo! Hei? Isso aqui é um netbook de tela virada e... — e parou de falar. — Que sotaque é esse seu?
— Somos russos! — o capitão-tenente Laerte falou num tom estranho. Virou-se para ir embora e voltou. — Deveria ter mais cuidado, meu jovem.
Eduardo não gostou do que extraiu daquela frase. Laerte foi embora o deixando paralisado lá. Era a segunda vez que falavam com segundas intenções.
Fora o fato que passava mal e dormia o tempo todo. Começou a desconfiar de algo errado com a saúde dele.
Voltou a olhar o netbook encharcado.
— Ulalá! Como o netbook da Mariana foi parar na minha bolsa de couro? — olhou em volta e voltou a olhar a sacola. — Aquela bagunça toda... É isso! — exclamou para si mesmo. — Alguém mexeu no armário atrás do meu Tablet.
Trocou-se e interfonou para o camarote 3, 7, 8 e 9 não encontrando ninguém. Havia muita interferência nas ligações.
“Mas por que o computador da Mariana tava aqui?”, pensava.
Depois cedeu a tentação e interfonou para o camarote de Fabrício. A tia Felícia havia dito que ele dormia. Eduardo desligou e tratou de arrumar a fantasia que Berenice escolhera para ele na cadeira. Mas outra vez uma tontura tomou conta dele. Acabou dormindo fora de hora, outra vez.
Capítulo 10
Rocha entrou feito um tsunami na sala do Delegado José Liberato. Derrubando papéis, cadeiras e copos de cima da mesa.
— Delega... — conseguiu falar nem soube como, segurava na mão um papel de fax que tremia o tempo todo.
— Que significa isso, Rocha?
— O Colosso... O Colosso dos Mares, o Transatlântico que Fabrício está viajando. O Departamento Central Nacional da Interpol aqui no Brasil recebeu do webmaster da Capitania dos Portos, um e-mail de um hacker dizendo que um cracker havia colocado um vírus nos computadores do Transatlântico e o danificado — sentou-se extasiado. — O que é um cracker, mesmo?
— Um hacker do mal. Se é que hacker do bem hackeando seja uma coisa do bem — o Delegado José Liberato fez uma careta. — Telefone já para lá.
— O Transatlântico está sem comunicação. E pior. O e-mail falava sobre o assassinato do vice-almirante Paulo Sérgio.
— Consiga a lista dos passageiros, Rocha.
O policial Rocha saiu e voltou meia hora depois.
— Aqui está.
O Delegado José Liberato leu, leu, leu e levou um susto.
— Eduardo Ferreira? Melissa e Mariana Jung? Fernando Silva, Patrícia... Fabrício... — olhou para Rocha. — Por que não estou gostando disso?
— Então não vai gostar disso, também, delega. O navio tá parado em águas proibidas de Fernando de Noronha e a Interpol disse que ninguém pode mexer nele.
O silêncio foi incomodativo.
Capítulo 11
Já era bem tarde da noite quando o Delegado José Liberato chegou para conversar com as famílias dos garotos, que tão bem conhecia desde a morte trágica dos pais de Patrícia na cobertura onde moravam. Havia sido um belo trabalho de sua equipe em conjunto aos cinco amigos, no desvendar do crime. José Liberato se achava no dever de contar a eles o que acontecia no Colosso dos Mares, mesmo sabendo que traria angustia, mesmo sabendo que era confidencial.
A campainha tocou primeiramente onde o Delegado mais tinha intimidade, no décimo primeiro andar do bloco Jardim Azaléia.
— Pois não... O quê? — Dr. João Vitor espremeu a vista e arrumou os cabelos. Seu rosto estava amassado do sofá. — Delegado José Liberato? A portaria não me avisou nada.
— É que mandei não avisar, Dr. João Vitor — respondeu o Delegado.
— Ah! — exclamou sem compreender. — Por favor, entre! Aceita um... Sei lá, talvez um café?
— Vou ser breve, Dr. João Vitor. Gostaria depois dessa nossa conversa, que me acompanhasse como médico, ao apartamento dos pais das meninas Jung e dos pais do menino Fernando.
— Está me assustando, Delegado.
— O Colosso dos Mares foi retirado do ar por um vírus nos computadores de bordo. Está parado em águas de Fernando de Noronha e o Departamento Central Nacional da Interpol aqui no Brasil, por algum motivo que não me foi passado, não quer que vaze para a imprensa o que está acontecendo por lá.
— Eduardo levou seu Tablet. Vou passar um e-mail para ele...
— O vírus está interferindo nas comunicações por satélite.
Dr. João Vitor caiu na poltrona novamente:
— Berenice vai cuidar deles... Meu Deus! Tenho certeza... — foi só o que disse ao se levantar e comunicar os outros pais.
O condomínio veio abaixo, literalmente.
Capítulo 12
28 de dezembro
Já passava da meia-noite e o baile à fantasia havia começado quando Eduardo entrou no salão do Restaurant Ptolomis. Agora tinha certeza que estava doente ou coisa pior acontecia com ele.
Coincidentemente, a música diminuíra de volume no mesmo instante. Procurou os amigos com os olhos e não conseguia localizá-los entre tanta gente ali.
— Boa noite, Dudu — chegou Tânia vestida de bruxa. — Gostei do traje!
— Sou grego — brincou Eduardo.
— A sua roupa é um himation, uma peça retangular, feita em lã, e com uma dimensão para ser usada de qualquer maneira. Por exemplo… — pegou ele pelo braço. —, poderia ser usada sobre a túnica longa até os pés, ou ficava largada sobre o corpo nu, presa num dos ombros, deixando o outro descoberto. Usada pelos espartanos em sinal de austeridade ou por Sócrates em sinal de economia.
Eduardo admirou sua inteligência. Despediu-se de Tânia e ficou a observar o salão.
Milena estava fantasiada de odalisca ao lado do armador Anderson Vostovisova vestido de pirata, no bar. Ela ameaçou se aproximar, mas Eduardo recuou a deixando uma fera. Ele voltou a procurar a turma, mas não os via.
Eduardo então viu o banqueiro e armador sozinho depois que Milena saiu. Resolveu se aproximar e começar por ele a descobrir alguma coisa sobre ela.
— Oi, seu Anderson. Conhece a Milena?
— A moça? É bonita, não? — e Anderson muito bêbado, apontou para Milena. — Conheço-a desde os cinco anos — Anderson quase não conseguia ficar sentado. — Agrimon e eu éramos amigos. Ele também é russo. Nem parece, né? — soluçou. — Um bom arqueólogo russo, apesar dos pesares.
— Por que “apesar dos pesares”?
— Eu, Leonardo, Felipe, Tânia, e Agrimon trabalhávamos juntos. Mas Agrimon é um arqueólogo de campo, foi ele quem descobriu os destroços do Galeão Astúria e sua proa. Meu dinheiro... Sabe? Tudo pela ganância do meu dinheiro...
— Desculpe… — Eduardo sorriu sem graça. —, não tô entendendo.
— Todos mortos pelo Astúria.
Agora Eduardo percebeu que havia algo errado e não era o tal vírus. Não imaginava que o armador se pusesse a falar tanto.
— Cepá… Tá falando da maldição do pirata?
— É... Os piratas... Como eu — apontou para sua fantasia.
— Ah... — Eduardo percebeu que Anderson enchia o copo de uísque novamente.
— Meu dinheiro... Tanto dinheiro... Os mergulhadores — falou de uma maneira diferente. —, morreram todos, uns após os outros, pela vingança do pirata Astúria... — e Anderson agarrou Eduardo pela fantasia. — Nunca diga que eu disse. Nunca! Nunca! Vou morrer se elas souberem!
— Calma, seu Anderson. “Elas” quem?
— As piratas... Não conte nada a elas! As piratas vão me matar. Vou morrer...
— Piratas? Isso não é lenda?
— Não! Não! Foram as piratas, as piratas...
— Não vou contar... Eu... Não entendi nada mesmo — Eduardo riu confuso com que Anderson dizia.
Anderson passou o lenço no suor ao se afastar levando o copo de uísque, cheio outra vez.
— Olá, Dudu — falou a voz de Mariana vestida de noiva.
— Que susto!
— Que foi?
— Ah! Você tá bonitinha...
— Obrigada! — sorriu como Eduardo nunca havia visto Mariana sorrir.
Ele deixou de comentar. Mesmo porque não sabia o que acontecia com ele ultimamente.
— Cepá... — olhou um lado. — Cepá... — olhou o outro.
— Você tava onde, Dudu? — Mariana viu o armador Anderson se afastando deles e Eduardo para lá de confuso.
— Eu preciso te contar uma coisa chata, Mari. Seu netbook... Quer dizer... Entraram no meu camarote e tentaram roubar meu Tablet, só que levaram o teu, que não sei como foi parar na minha sacola.
— Meu velho e amigo netbook? — arregalou os olhos. — Ah... É porque eu escondi no táxi. Tava muito pesado pra carregar e eu sabia que você não ia ser gentil se eu pedisse.
— Ah! — Eduardo girou os olhos.
— Puxa! Meu pai vai ficar uma fera comigo. Ele disse pra eu não trazer — olhou em volta. — Por que alguém ia querer destruir teu Tablet, Dudu?
— Não sei... Juro que não sei — olhou em volta também. — Ué! Cadê a Mel?
— A Mel e o Fê vão esperar sua chance e sair pra procurar o técnico — e parou de falar. — Dudu? — ele se virou. — A Mel mandou avisar que quer um tempo.
— Um o quê?
— Ela tá chateada com você.
— Eu não vou dar tempo nenhum pro Fabrício se aproximar dela — ficou nervoso. — Ahhh! Depois eu vejo isso. Agora vou atrás da Pati e das amigas dela.
Milena voltou a observar Eduardo de longe. Por mais duas vezes tentou se aproximar, mas Eduardo fugia o tempo todo. Milena então deu a volta dando de frente com ele.
Eduardo deu meia volta, mas ainda teve tempo de ouvi-la.
— Vai continuar a fingir que não existo?
Eduardo se virou e deu de encontro com Patrícia.
— Dudu? — chegou Patrícia vestida de colombina, salvando Eduardo. — Onde tava? Deixa apresentar minhas amigas? Elas já sabem um pouco de português.
As duas amigas estavam vestidas à francesa.
— Oi! Sou a Beta — e a primeira amiga esticou uma mão fina e macia.
— Sou a Gigi — falou a segunda amiga.
Eduardo percebeu que Milena não gostou de ter sido excluída da apresentação.
Afastou-se dos quatro ali.
— Viu o Fê? — questionou Eduardo ao ouvido de Patrícia.
— Ele tá vestido de vampiro tentado dar um pouco de sangue a aquela ‘apagada’ da Lorena de Sá — desfiou seu fel.
— Ulalá! — Eduardo achou graça, mas não comentou.
Fernando adoraria saber aquilo.
— Vamos começar nossa festinha particular, Dudu... — sussurrou Patrícia. — Tenho uma ideia... — cochichou algo que Eduardo classificou como uma ideia maneira.
Depois Eduardo escreveu um bilhete para Mariana e pediu que Patrícia entregasse. Ele então convidou as irmãs Roberta e Giulia para circular pelo salão. De braço dados com elas, ia por em prática a ideia de Patrícia.
Os três passaram por Luiz Arcanjo vestido com uma original fantasia de anjo, pelo vampiro Fernando e a apagada Lorena, e alcançavam à pista de dança. Eduardo também viu Melissa vestida de Carmem Miranda, ao lado de Fabrício vestido de Batman, conversando animadamente. Eduardo quis voar em cima dela, dele, do salão todo. Quase se esquece do trato com Patrícia.
Chacoalhou a cabeça tentando desviar os pensamentos assassinos e foi falar com o DJ para tocar uma música em especial. Sabia que a mãe e o pai de Melissa e Mariana, haviam se conhecido numa festa ao som de Tina Tunner. Pensou que a chance de recuperar a atenção de Melissa.
“Simply the best” de Tina Tunner invadiu o salão. Era tudo o que Eduardo Ferreira precisava.
Os jovens se levantaram e foram todos para a pista que diminuíra a intensidade das luzes. Eduardo se chacoalhava todo dentro do pouco pano grego que usava e a música se arrastava quando Tina Turner gritou: “Simply the best”; Eduardo sabia ser.
Insinuava-se para cima das garotas francesas deslizando pelo salão. Seus bíceps ficaram a mostra, seu sorriso perfeito, seus cabelos em movimento. Suas pernas se anunciavam, diziam: “Cheguei!” “Simplesmente o melhor!”.
Todos começaram a aplaudir a performance e Eduardo se deliciava.
O salão delirava com a brincadeira. Felipe vestido de fantasma batia palmas, Fernando chacoalhava Lorê vestida de camponesa, Tânia ria perante o show. O vereador Arthur vestido de Hitler acompanhava com o corpo a balançar, Felícia vestida de dama das camélias, Mariana de noiva, Berenice de sininho. Diógenes vestido de homem das cavernas e Patrícia dançavam juntos, sorridentes, perante o embalo. Enquanto Yara vestida de índia brincava com os garçons vestidos de pierrôs, obrigando-os a dançarem também.
Braços para o alto fazendo seus cabelos cacheados se deslocarem pelo movimento pedindo que a luz se chegasse a ele, pedindo passagem à euforia. Bianca vestida de cigana ficou a sorrir encantada, ao lado de Raul vestido de Al Capone.
Milena tentava a todo custo arrastar Luiz Arcanjo pelo salão. Eduardo era o centro das atenções, o único, o tal, “Oh! You're the best!!!”.
Fabrício observava a tortura de Melissa, imóvel. Ela traduzia a música “Toda vez que você me abandona, eu começo a perder o controle. Você está se afastando com meu coração e minha alma; Eu consigo sentir você mesmo quando estou sozinha, Oh, baby, não abandone...”; e Melissa sofria.
A música era perfeita e Eduardo se movia, se contorcia, era puro frenesi. “Você é simplesmente o melhor, melhor do que todo o resto” cantava.
E o resto era resto.
— “Oh! You're the best!!!” — gritava Tina Turner pela última vez.
A música terminara e todos aplaudiram mais uma vez. Eduardo aproveitou e fugiu para encontrar Mariana no convés do heliporto.
A noite era clara e Milena o seguiu. Quando chegou lá, não pensou duas vezes ao empurrá-lo dentro da piscina.
Eduardo perdeu o equilíbrio, mergulhou e emergiu.
— Ficou louca?! — gritou de lá de dentro. Milena gargalhava e Eduardo saiu da piscina, com suas vestes lhe colando. — Por que fez isso?
— Isso o que?— ria com charme.
— Isso! — se mostrou charmoso, também. — Isso que cê perguntou se eu gostei... — ambos riram.
Aproximaram-se e se afastaram.
Eduardo voltou a se aproximar.
— Ai!!! — gritou perigosa. — Você tá gelado!
— É mesmo? — a imprensou no gradil do convés, quase caindo os dois.
— Jovem Eduardo? — falou o capitão-tenente Laerte por detrás dos dois.
Eduardo cerrou os olhos ao reconhecer a voz.
— Vai sempre fazer isso?
— Pode vir até a Coberta A? — falou com uma voz decidida. — Lhe esperam lá.
— “Lá”? — olhou Milena o olhando sem nada entender.
Eduardo ajeitou-se nas vestes molhadas e o seguiu temeroso. Viu dois marujos-mor em pé ao lado de um cobertor verde esticado no chão. O contra-almirante Raul, a capitã-tenente Bianca, Felipe Aneslova e o Doutor Saulo também se encontravam lá.
Eduardo viu o arqueólogo Agrimon Mantas um pouco atrás. Ficou sem graça e se afastou de Milena que percebeu. Um dos marujos-mor levantou o cobertor verde para que todos levassem um susto. O corpo do engenheiro Leonardo Yoshiviesk tinha a dor estampada em seu rosto.
— Oh! — exclamou a capitã-tenente Bianca.
O pescoço de Leonardo estava virado para o degrau da escada de onde provavelmente caíra.
— Por que me chamaram aqui? — perguntou Eduardo de repente, se vendo perdido ali.
— Queríamos saber o que você queria com ele? — perguntou o contra-almirante Raul irritado com Eduardo.
— Cepá... Não tô entendendo... Tô? — Eduardo pegou das mãos de Laerte o bilhete encontrado ao lado do morto. — “Encontre-me no convés do heliporto. Dudu!” — ele leu ao arregalar os olhos. — Foi o bilhete que escrevi pra minha amiga Mari. A Pati ia entregar... — Eduardo olhou para todos. — Eu juro!
— Você mal chegou e começou a provocar encrencas, não meu jovem?
— Não tô... Não tô... — virou às costas e foi embora nervoso. — Droga! Eu tô é encrencado — e estava mesmo ficando encrencado por todos os lados.
Foi atrás de Mariana e a turma.
Capítulo 13
A bela Carmem Miranda e o vampiro mais desligado do mundo acabavam de entrar na Coberta J, onde ficavam os tripulantes. Era Fernando e Melissa fazendo sua parte no jogo. Ela até teve um pouco de trabalho para se livrar de Fabrício sem que ele desconfiasse, lutando com seus pés doendo no sapato alto.
Os dois haviam tocado todas as campainhas dos camarotes até esgotar a Coberta J, e como não havia ninguém resolveram descer até a Coberta K, onde as camareiras descansavam, e lá procurarem e perguntarem a Geraldina sobre o técnico de computadores.
Geraldina que adorava falar conversou com todas as amigas. Uma delas disse que a última vez que viu um rapaz de cabelos pretos, carregando várias peças de computadores foi na tarde do dia 26, próximo ao helicóptero, enquanto ela limpava as cadeiras guardadas na primeira chaminé. Fernando perguntou o porquê de o técnico ter ido até o helicóptero e Melissa deu a opção mais acertada; ele ia fugir quando alguém mudou seus planos.
Depois foram até o convés superior enquanto os alto-falantes tocavam “Rolling in the deep”, de Adele.
A noite começava a esfriar. Melissa se encolheu de frio. Fernando ia tirar a capa para dar a ela quando teve a impressão de ter visto no mar, algo que não lhe pareceu normal.
— Viu aquilo?
— Aquilo o quê, Fê?
Ele apontou para o alto-mar.
— Aquilo!
Melissa olhou o mar, em volta e não viu nada a não ser uma névoa azulada.
— Não tô vendo nada — Melissa ia chegar perto da escada quando ela e Fernando se depararam com o corpo de Leonardo estendido na escada.
Recuaram quando viram muita gente em volta dele. Melissa também viu o contra-almirante Raul brigando com Eduardo. Ia descer até ele quando Fernando puxou Melissa para trás, para que não pudessem ser vistos.
O arqueólogo Agrimon ouviu passos. Virou-se e viu que alguém usando capa preta estava escondido atrás da primeira chaminé. Ela e Fernando se levantaram e voltaram para onde haviam saído. Quando passaram pela chaminé Fernando começou a cheirar algo no ar.
— Sentiu?
— Tá resfriado?
— Sei não... Tá sentido esse cheiro?
— Tamos parados. Deve ser cheiro do mar...
— Não! Tô falando desse cheiro… — e apontava aleatoriamente, tentando sentir algo no ar.
— Que cheiro Fê? Tá me deixando nervosa.
— Sei não... Cheiro de sangue.
— Sangue, Fê? Que mania que você tem com sangue, Meu!
— É sangue Mel — Fernando pegou a cabeça dela e apontou para o chão. Havia uma trilha de sangue saindo de dentro da portinhola da chaminé de número 1.
— Vai! — Melissa apontou o mandando fazer algo, e Fernando engoliu seco.
Depois criou coragem, ou quase isso, e abriu a portinhola. A cabeça morta do técnico de computadores pendeu para fora da chaminé de número 1.
— Ahhh!!! — Fernando se apavorou e correu.
— Fê? Aonde vai? — Melissa empurrou a cabeça do técnico de computadores para dentro, fechou a portinhola e correu atrás dele.
Melissa chegou ao solarium vinda pela popa. Ainda viu Eduardo passar e entrar para a Coberta D. Viu que Milena foi atrás dele, mas ele a dispensou.
Eduardo atravessava os corredores a passos largos. Chegava ao seu camarote de número 5 em estado de choque. Tentou achar o cartão magnético na fantasia que usava e percebeu que perdera não sabia aonde.
“A piscina” se lembrou.
— Ai!!! — gritou Eduardo. — Que susto Milena!
— Anda com medo do quê, Eduardo?
Eduardo ia fugir outra vez quando foi a vez de Milena sentir o perfume de Melissa se aproximando. Agarrou-o pelo pescoço e beijou-o no que a forma do corpo de Melissa se moldou atrás deles.
— Seu cartão, Dudu — falou Melissa com uma voz carregada. — Tava boiando na piscina.
— Mel... — tentou Eduardo falar. — Não é o que cê tá pensando... — e largou Milena com força. Melissa saiu correndo. — Mel?! — gritou Eduardo atrás dela ainda ouvindo a risada cínica de Milena ficando para trás.
Eduardo correu pelo corredor até dar de encontro com Fernando.
— Afinal qual ‘M’ tá interessado? ‘M’ de Milena, ‘M’ de Melissa ou ‘M’ de Mariana? — insinuou Fernando bravo com o amigo no final do corredor.
Eduardo não respondeu. Engoliu aquela braveza do amigo sabendo que andava errando e muito com ele próprio.
Afastou-o da sua passagem e correu atrás de Melissa.
— Mel? Por favor... — Melissa corria e ele também, atrás dela quando alcançaram à Coberta C. — Mel?! Por favor, Mel?! Melissa, não é o que cê tá pensando.
— Não me chame de Melissa?! — gritou.
— E como cê chama afinal?
— Cala a boca?!
— Pare de gritar! Cê não tá entendendo.
— Entendendo o que?! Tô cega agora?! — gritava chorando ao empurrá-lo e sumir das vistas dele, que não foi atrás dela.
Eduardo ficou sozinho na escada, molhado, com frio. Olhou-se. Nada podia fazer naquele estado. Nem sabia ao certo o que fazia. Andava confuso, com a roupa rosa de Mariana ainda na memória, com Fabrício se chegando em Melissa, e uma louca Milena na cola dele, que nem ele sabia o por que.
Resolveu voltar ao camarote e tomar um banho quando outro grito ecoou na noite.
— Socorro!!! — uma voz feminina ecoava por todas as cobertas do Transatlântico.
— Mari? — Eduardo se apavorou ao achar que era a voz dela.
— Socorro!!! — voltou a ecoar.
— Homem ao Mar!!! — completaram ao longe.
Eduardo correu outra vez.
— Homem ao Mar!!! — gritou outro marujo logo que Eduardo aportou no convés.
— Dudu? — olhou Melissa apavorada para ele. — Cadê a Mari?
O olhar de apavorado dele entregou todos os sentimentos dele naquele momento.
Melissa realmente não soube o que pensar.
O alto-falante havia sido desligado por causa do tumulto que se formou na ponte de comando. Muitos passageiros desesperados atrás de notícias de entes queridos, perdidos e dispersados durante o baile a fantasia.
— Ai que horror!!! — gritava Felícia que quando havia saído do salão para respirar um pouco de ar fresco, viu um corpo cair ao mar. — Ai que horror, meu Deus.
Eduardo voltou a olhar Melissa que se abraçou nele. Ambos tiveram medo de saber quem caiu. O capitão-tenente Laerte, juntamente com a capitã-tenente Bianca tentavam acalmar todos na proa.
— Homem a boreste!!! — gritou outro marujo com um binóculo de infravermelho na ponta da proa do Transatlântico.
Mais dois marujos se aproximaram da proa e jogaram cada um, uma boia salva-vidas dentro do mar.
Mais à direita da proa, outros três marujos jogaram boias também.
— Por favor, se afastem!!! — gritava o marujo Apilam Vorkuta, chefe dos marujos-mor.
Estava desesperado, tentando afastar todos os que se agrupavam em volta.
— Algo puxou minha boia!!! — gritou um dos marujos.
— Vá devagar!!! — gritou Apilam. — Estamos todos muito tensos?!
— Soltou?! — falou um dos marujos-mor, em pânico.
— Tente de novo!!! — berrava o marujo chefe. — Tentem mais uma vez!!!
Os marujos recolheram as boias e as lançaram novamente. A expectativa crescia a cada momento. As pessoas se procuravam. Estavam todos muito bêbados, e as fantasias se confundiam. Eduardo viu Melissa, Mariana, Patrícia com Fernando e Berenice juntos e ficou sossegado; eles também sossegaram quando o viram também.
— Isso que dá esses jovens beberem tanto — falou uma hóspede.
— Eles bebem e fazem isso — respondeu a outra.
Eduardo ficou ali, ouvindo e pensando. Largou a turma com Berenice e entrou no salão, se aproximando de Felícia, que estava um pouco mais controlada.
— A Senhora “as” viu?
— O quê? — Felícia parou de chorar.
— Era uma ou duas? — Eduardo perguntou bruscamente.
— O quê? — perguntou Felícia, outra vez sem compreender.
Virou-se para o sobrinho Fabrício que se aproximava.
— Quantas? — insistiu Eduardo.
Felícia esticou os olhos o máximo que pôde.
— Algum problema, tia Felícia? — Fabrício foi logo questionando a ela olhando Eduardo.
Eduardo abaixou os olhos; tentou disfarçar.
— Não, Fabrício querido — falou Felícia, quase sem voz, de tanto que gritara. — Dudu ia pegar umas gotas de analgésico para minha dor de cabeça — ela viu Eduardo a encarar. — “Duas” gotas, Eduardo — e voltou a afirmar. — “Duas!”.
Eduardo se afastou e retornou ao convés das homenagens. Sorriu de lado. Entendeu o que Felícia quis dizer com “duas”. Entendeu que o desaparecido no mar, era o armador e banqueiro Anderson Vostovisova e que ‘duas piratas’ o havia empurrado.
— Acendam um tiro!!! — ordenou o contra-almirante Raul para o marujo chefe, Apilam no convés.
Todos olharam para cima quando um clarão rosado se fez nos céus dos mares do Fernando de Noronha. Era a mesma cor que manchava a água.
— Homem a 25º de boreste!!!
— Minha boia se enroscou em alguma coisa!!!
— Estou vendo um corpo grande!!! Peguei!!!
— Tragam insulina!!! — gritou o Dr. Saulo Lukashenko.
Eduardo desceu ao convés das homenagens, onde o resgate acontecia.
— É o Sr. Anderson Vostovisova! — exclamou o médico ao ver o corpo chegar ao convés. — Está morto!
O enfermeiro Vladmir chegou com uma caixa de isopor, contendo frascos de insulina e o Dr. Saulo olhou para Eduardo que tinha um olhar esbugalhado para o corpo vestido de pirata que acabara de ser erguido. A confirmação só o deixou com mais dor de estômago.
Eduardo olhou para a proa do Colosso dos Mares. A mesma proa em que onze personagens haviam sido homenageados.
Mariana desceu até o convés das homenagens após retirarem o corpo do banqueiro. Eduardo estava sentado no chão com a roupa de grego, quase seca.
— Eu procurei você — falou nervosa.
— Deu tudo errado.
— O Fê e a Mel acharam o técnico de computadores.
— Ulalá! Então vamos falar com ele...
— Morto!
— Quê?
— A Mel acha que o técnico ia fugir quando alguém o matou.
— E alguém tentou destruir meu Tablet... — Eduardo divagava.
— Ai, Dudu! Tô com medo.
Melissa, Patrícia, Fernando e Berenice chegaram ao convés também. Os seis se olharam, olharam em volta. Os marujos corriam, conversavam alguma coisa, faziam caretas de pavor; era pânico geral.
— O que tá acontecendo, agora? — se atreveu Fernando a perguntar. — O que tá acontecendo?! — quase explodiu, arrancando a capa de vampiro.
Gritos voltaram a ecoar no Colosso dos Mares.
— Patrícia? — chamou Fabrício por detrás dos seis, acompanhado de Diógenes. — Você me acompanha? — falou o policial com carinho.
Todos se olharam e foram todos, os que seguiram Fabrício até a Coberta H.
A piscina que funcionava como uma thermas estava cheia e alguns passageiros que mal sabiam o que acontecia a usavam alegremente. Havia banhos a vapor de origem finlandesa à temperatura de 60°C a 80ºC, o que provocou um bafo de ar quente em todos ao entrarem.
— Que cheiro de gás — falou Fernando.
— Esse teu nariz tá a toda, né? — falou Melissa.
Havia uma sauna por detrás dos salões de massagens e alguns marujos levavam uma maca para lá. Os amigos se olharam e se perguntaram: “Agora quem?”.
Patrícia quebrou o encanto e perguntou:
— Agora quem?
— Tânia! — Fabrício lhe respondeu.
— Ela morreu?
— Tânia tomou muitos calmantes — explicou Fabrício.
— Estranho… — lembrou-se Mariana. —, a Pati disse que ela era contra calmantes; lembra Pati?
— É verdade. A Gigi pediu calmante para podê viajar de avião pra cá e ela não deu.
Foi Fabrício quem respondeu.
— Talvez Dona Tânia tenha ficado arrasada ao saber sobre a morte do marido Leonardo e...
— E veio tomar uma sauna, policial Fabrício? — questionou Eduardo saindo de lá, e arrastando Fernando com ele.
Foram retirar as fantasias que ainda usavam sob o olhar inquisidor de Fabrício Bernardes que não o segurou nem respondeu àquilo.
Capítulo 14
— Dá licença?
— Pode entrar Eduardo! — exclamou o enfermeiro Vladmir após baterem na porta do consultório médico.
Eduardo entrou vestindo uma calça jeans lavada a pedra e uma camiseta branca com um tênis branco. Estava igual à Fernando que achou maneiro estar vestido com a mesma roupa.
— Pode me chamar de Dudu. Esse é meu amigo Fê.
— Olá Fê — Vladmir pegou uma maleta de cima da mesa.
— Por que mandou me chamar?
— Venham aqui! — e uma rajada de frio tomou conta deles. — Ouvi dizer por aí que você tá encrencando com o contra-almirante Raul por causa dos computadores.
— Cepá... — Eduardo olhou para Fernando que lhe devolveu o olhar.
Fernando não sabia que o amigo estava encrencando com algo. Não ficou surpreso, porém.
— Mas não foi por causa do ‘problema’ computadores que te chamei. Eu ouvi o que falou para a Srta. Felícia. Eram ‘quantas’ as pessoas mortas? Ou eram ‘quantas’ as pessoas que o mataram, que você perguntava?
Agora Fernando ficou surpreso.
— Não sei do que tá falando — Eduardo arregalou os olhos.
— Eu fiz uma autópsia no Sr. Anderson Vostovisova.
— Enfermeiros fazem autopsias?
— O tipo de enfermeiro que eu sou, fazem.
Eduardo e Fernando deram um passo para trás instintivamente.
— Do que é que ele tá falando, Dudu? — perguntou Fernando confuso.
— E o que descobriu enfermeiro que pode fazer autópsia? — perguntou Eduardo enfim.
— Que o que matou o Sr. Anderson Vostovisova foi à âncora — explicou o enfermeiro. — Na hora da queda ele se enganchou na unha da âncora, e deve ter ficado assim alguns minutos, porque o corte foi se aprofundando aos poucos, como quem vai dilacerando um pedaço de carne, bem lentamente.
— Ele tava bêbado — respondeu Eduardo.
— Estranho de qualquer forma. Ele não tinha tanto álcool assim no seu interior — emendou o enfermeiro Vladmir. — Para uma pessoa que bebe socialmente ou nunca bebe às vezes, basta um gole para fazer um grande estrago, mas para um alcoólatra, necessita-se até vários dias para que se pudesse perder o equilíbrio, cair enroscado, não gritar de dor, e não pedir socorro.
— Então eu tinha razão... — Eduardo paralisou. — Acho que vamos tomar café — e Eduardo pegou Fernando pelo braço para irem embora.
— Hei? Esperem... — o enfermeiro Vladmir abriu uma das gavetas e o nariz de Fernando denunciou algo outra vez. Um cheiro de formol que tomou conta do ambiente. — Eu queria mostrar isso — Vladmir mostrou. — O veneno que matou Paulo Sérgio estava nos alimentos. Se ele se matou, então pegou um vidrinho com o veneno, derramou sobre o mexilhão que comia, e faleceu na frente de todos.
— Eu tava sentado no lado dele — apontou Fernando mal conseguindo tirar os olhos do corpo costurado que Vladimir expunha. — Não vi quando ele fez... Hei!? O corpo se moveu? — arregalou os olhos para Eduardo e Vladimir que lutavam para ficar em pé.
— Foi o navio... — e todos os vidros de formol na prateleira balançaram seus líquidos.
— Ahhh!!! — gritaram os três inclinando, jogados ao chão, arrastados para o fim da sala.
E o Transatlântico realmente inclinou.
Os corpos caíram de cima da gaveta. A porta começou a se fechar. Sons ensurdecedores tomaram conta do navio.
— O que... Que barulho é esse?
— É o metal do navio.
— O que?! — Eduardo e Fernando foram uníssonos.
— Ele está adernando.
— O quê?! — agora foi um berro daqueles.
Os vidros se espatifaram ao chão. A luz se extinguiu e a luz de emergência foi acionada. Um som de metal oco se estendeu por todo o Transatlântico. Era o som das quilhas inclinando, saindo da água, fazendo o Colosso dos Mares, tombar.
— Segurem a porta!!! — gritou o enfermeiro Vladmir. — É uma comporta, a prova d’água. O Transatlântico a trava automaticamente quando um deslocamento ocorre, para se evitar o sinistro, o vazamento.
— Vamos morrer sufocados aqui!!!
— Pegue a cadeira!!! — falou o enfermeiro Vladmir. — Quebre uma das pernas!!!
Eduardo se arrastou até a cadeira, arrancando a perna e encaixando-a na porta que teimava em fechar.
— Me ajuda Fê!!!
— Tô tentando...
O Transatlântico balançou para o outro lado, foi tudo muito rápido. Fernando e o enfermeiro Vladmir largaram a porta ao serem projetado para trás. O som ensurdecedor que a chaminé emitiu, chegara até eles.
— O que significa isso agora?
Eduardo olhou em volta, percebeu que os odores da sala haviam se dividido em dois. Uma parte cheirava a formol, a outra parte cheirava a gás.
— Isso é gás? — perguntou Eduardo ao ver Fernando fazer uma careta com o nariz.
— É gás, sim — respondeu Fernando. — Senti esse cheiro lá na sauna.
Bum! O Transatlântico balançou novamente agora por uma grande explosão.
— Socorro!!! — gritaram os três ao voarem pelo ar para então se chocarem com o outro lado do freezer.
Eduardo se levantou, se arrastou e chegou até a porta conseguindo empurrá-la. O enfermeiro Vladmir pegou a maleta e os três saíram do consultório.
— Pra onde vai, enfermeiro Vladmir? — perguntou Fernando aturdido, enquanto corriam.
— Eu vou ver se precisam de mim. Dr. Saulo nunca está onde se precisa.
Eduardo e Fernando correram também. Viram o caos quando chegaram ao convés superior. Esbarraram em muita gente que corria sem rumo de um lado para o outro, agora sabendo nitidamente que estavam com problemas.
Eduardo procurou desesperado por Melissa, mas só viu Milena chorando ao lado do pai dentro do salão de festas.
— Jovem Eduardo?
— Ah... Não... — Eduardo reconheceu a voz; era Laerte.
— Pode vir até aqui um momento?
Eduardo e Fernando foram atrás dele. Desceram para a Coberta da 1º classe onde dois marujos vestidos de bombeiros, afastavam a todos que estavam em volta do camarote de número 20.
— E agora? Que cheiro é esse? — perguntou Eduardo ao nariz do amigo.
Fernando agora sentiu um cheiro que lembrava carniça.
Havia água pelo chão. Bianca e outras pessoas estavam sendo retiradas às pressas do camarote 20.
— Afastem-se!!! — gritou o marujo-chefe Apilam. — O gás!!! — e gritou se jogando em cima de Fernando, que levou Eduardo junto, que caiu em cima de Yara, que derrubou Fabrício, que acabava de se aproximar da pequena multidão.
Bum! Foram todos ao chão na explosão feita pelo excesso de gás dentro do camarote de número 20.
— Que foi isso agora? — perguntou Fernando aturdido.
— Uma explosão! — exclamou o contra-almirante Raul com tanta pompa que pecou pelo excesso.
— Não diga... — emendou Eduardo nervoso.
— Podemos entrar? — Fabrício levantou-se e esperou a resposta afirmativa do capitão-tenente Laerte.
Fabrício então entrou no camarote 20 destruído, seguido por Fernando que também entrou.
Depois Eduardo, Bianca, Laerte, Apilam e Raul.
Eduardo viu uma névoa escura, tentou enxergar na escuridão que se fez dentro do camarote, tentou entender o que acontecia ali. Uma grande massa corporal estava escura e retorcida junta a lareira a gás, que havia explodido.
— São os restos do Sr. Felipe Aneslova — respondeu o capitão-tenente Laerte atrás dele.
Eduardo se virou rapidamente para todos ali dentro e gritou:
— Não!!! — e saiu correndo.
— Dudu?! — correu Fernando atrás dele.
— Eduardo? Espere? — também Fabrício foi atrás dele.
Eduardo estancou no corredor. Olhou para Fernando e Fabrício.
— 1, 2, 3, 4, 5... — Eduardo viu os dois o olhando. — Na proa das homenagens... — e todos perderam o equilíbrio caindo no chão molhado do corredor.
— Está querendo dizer que…
E Bum! Outra explosão fez todos irem ao chão.
— Mas o que... O que foi isso agora?! — gritou Fabrício no chão.
— O Transatlântico se deslocou por causa de um movimento no fundo do piso do mar... — explicou o capitão-tenente Laerte se aproximando. — Como na noite do vírus.
— Movimento no piso do mar? — perguntou Fernando. — Eita!!! A Mariana falou, “A não ser que o piso do mar de Noronha teja mexendo, né?”.
Laerte prestou mais atenção nele.
— Não poderíamos ter previsto isso? — perguntou Yara, que também se levantou do chão.
— Tamos sem computador — falou Eduardo.
— Coisa de cracker? — Fabrício não se conteve. — Então eles vieram?
— Quem veio?
— Por que não avisaram a Interpol? — Fabrício se descontrolou com Laerte o pegando pelo colarinho impecavelmente passado.
— Hei!?! Meu jovem! — dois marujos seguraram Fabrício.
— Ou o problema estava aqui? Hein?! — gritou Fabrício agora com Eduardo.
— Que tá olhando?! — foi a vez de Eduardo se descontrolar. — Não tá pensando que fui eu que...
— Não sou eu quem está acostumado a invadir os computadores dos outros!!! — Fabrício berrou antes de Eduardo terminar a frase.
— Que te faz achar que eu invadi?! — berrou de volta.
— Não sabe fazer outra coisa!
— Olha aqui, seu policialzinho metido. Quem fez estrago aqui não é pouca coisa. Cepá, quanto mais um sistema operacional estiver aberto para ser invadido, mais rápido o hacker vai achar falhas para serem corrigidas. Quem destrói tudo é cracker.
— Ah! Veja só! Que gracinha de ensinamento. Pois saiba você que esse lance de ‘hacker do bem’ só funciona se a empresa, dona do computador, trabalhar junto. Fora isso, é invasão!
— Por favor, jovens — tentava Laerte, acalmar a situação.
— Pois acho que tem dedo sujo teu — Fabrício espumava de raiva.
— Olha aqui policial galinha...
— Ga... O quê?! — Fabrício quase explodiu.
— Galinha! Galinha! Porque o bom galinha sabe mapear o pasto.
— Ah... Está falando da Mel, não?
— Não chama minha namorada assim!!! — Eduardo lançou saliva.
— Hei!?! Jovens! Chega! Acalmem-se todos! — tentava Laerte sem sucesso.
— Cepá… Não se preocupem... Acalmem-se todos! O super policial galinha vai resolver tudo — provocou Eduardo levando uma testada de Fabrício, que o alcançou no meio do corredor, ainda preso pelos dois marujos pelos braços. — Ahhh!!! — caiu no chão.
— Dudu?! — gritou Fernando o levantando do chão. — Cê tá bem cara?
Eduardo afastou-se de Fernando e só fuzilou Fabrício ainda preso pelos marujos. Subiu para o outro andar até chegar à coberta da piscina e inclinou-se no gradil olhando as onze banquetas na proa e falou para si mesmo.
— 1, 2, 3, 4, 5 na proa das homenagens... — e sua voz se perdeu no ar.
Capítulo 15
29 de dezembro
A explosão da cabine do curador Felipe, a de número 20, foi ouvida por todo o arquipélago de Fernando de Noronha. Os agentes da Interpol não conseguiram impedir a entrada de dois repórteres na ilha, escondidos. Eles estavam na praia do americano, antigo acampamento dos arqueólogos até a descoberta do Galeão Astúria. Eles filmaram o Transatlântico quando a explosão se fez. Um rombo a boreste do Colosso dos Mares agora estava registrado na película que esconderam rapidamente.
A manhã avançou e a tarde se foi. A noite chegou para todos os passageiros do Transatlântico, e Fernando teve a ideia de querer nadar um pouco quando Patrícia perdeu a paciência com ele.
— Ai! — Fernando sentiu o braço avermelhar.
— Agora cada vez que cê falar besteira, eu te belisco, Fê.
Mariana teve um acesso de riso.
— Ah! O Fê vai acabar a viagem, danificado.
— Mari... — chamou Melissa, sua atenção.
Eduardo que havia rodado um bocado pelo navio, sentava numa cadeira ao lado dos quatro. Não estava de muita conversa depois da discussão com Fabrício. Também queria fazer umas perguntas ao Dr. Saulo, mas não o encontrou.
— Venha! Vamos comer — se levantou e todos o seguiram até o restaurante.
— O que vamos comer? — Fernando olhou em volta e viu o restaurante desativado.
— Não vamos comer — falou Eduardo um pouco mais distante.
— Meu? Enlouqueceu? Chama a gente pra...
— O que ele tá fazendo lá? — apontou Patrícia para Eduardo, cortando a fala de Fernando.
— E eu sei? — Melissa respondeu já sem muita paciência.
Melissa e Mariana seguiram Eduardo que sumia atrás da porta que levava ao extenso corredor, que levava à cozinha.
Patrícia e Fernando as seguiram.
— Aonde vamo Dudu se não vamo comer?
— Vamo descer até a maquinaria do Transatlântico, Mari.
— E tamos indo lá por quê?
Agora Eduardo não respondeu.
— Como sabia onde fica esse lugar Dudu? — Melissa já enervava com o namorado, ex, ela já não sabia. — Dudu? — ele não respondeu — Dudu?! — gritou estremecendo as paredes.
— Eu vi — Eduardo parou e voltou a andar.
— Viu? — ela segurou-lhe pelo braço com força. — Viu o que Dudu?
— Vi a planta do Transatlântico. No computador do Fabrício.
Os quatros se olharam cada um a sua maneira.
— O computador dele tava aonde? Aberto? Em exposição na escola coisa assim? Ah... Não Né? Deixa ver... Você hackeou outra vez!
— Não. Eu briguei com ele. Depois fui até a cabine dele e... Sim! Quebrei a senha do notebook dele atrás de uma coisa que ele falou. Então encontrei o projeto do Transatlântico.
— “Atrás de uma coisa que ele falou”? — repetiu Patrícia não gostando agora do que ela própria pensou.
— Acho que o Fabrício tá aqui trabalhando, Pati.
— Que neura Dudu! Você não larga do pé dele.
— E você o defende, não Mel?! — explodiu.
— Os dois... — Patrícia se colocou entre os dois quando à frente deles, um marujo-foguista estava com as mãos sujam, consertando uma torneira. — Hei?! — ela chamou sua atenção.
— Hei! Olá! — Guilherme Rostaiov tinha um estranho sotaque. — Sou chefe dos equipamentos. O que querem aqui?
— Eu sou Dudu — Eduardo começou a se apresentar. — E essa é a Mel... E essa é a Mari, essa é a Pati, e esse é o Fê — foi apontando.
Fernando olhou em volta e o que viu foi uma enorme construção de aço, onde seis turbinas a vapor produziam energia depois que os computadores travaram toda a infraestrutura atômica. Seu espaço, no conjunto, ocupava três andares de pavimentos e um grande motor, sugava o ar para o convés superior, ventilando assim, o ar do porão por um escape chamado cachimbo.
Patrícia sentiu o calor gerado naquela coberta, sentiu o suor lhe escorrer pela testa.
— É daqui que vem o gás? — perguntou Mariana. — A explosão no 20º camarote foi a gás, né?
— Sim, o vice-almirante Paulo Sérgio usava gás para aquecer todas as lareiras, porque tinha verdadeiro pavor de que um acidente fizesse escapar urânio daquela usina — riu Guilherme. — Essa coisa de explosão a gás, num Transatlântico, acontece uma em um milhão.
— Mas aconteceu, né? — questionou Melissa.
— O pior foi à morte do vice-almirante Paulo Sérgio — Guilherme fez uma careta que distorceu toda sua face. — Já pensou? Morrer por causa de um mexilhão estragado?
— O que um mexilhão estragado pode causar de tão grave? — não entendeu Fernando.
— Lá na Rússia criam-se mexilhões. Eles usam certos produtos neles. Paulo Sérgio andava nervoso e tomava muitos remédios. Nunca se devem misturar alguns tipos de medicamentos quando se come esse tipo de mexilhão. Podem até matar.
— Sangue de galinhas? Mexilhões? — falou Eduardo baixinho ao olhar para os amigos.
Patrícia cutucou Melissa, que cutucou Mariana, e as três perceberam que seus pés estavam encharcados de água. Em alguma parte daquele Transatlântico, houve estragos ainda maiores.
— Chefe? — chamou um marujo-foguista se aproximando deles. — O gás voltou a escapar!
Guilherme pegou um pano sujo de óleo e muito fedido, enrolando alguma coisa. Desenrolou o pano e Eduardo e Fernando jogaram o corpo para trás para se afastar do odor.
— O que é isso? — perguntou Fernando.
— Linóleo de acetato oxigenado. Um produto químico, experimental, que ateia fogo quando chega numa certa temperatura. Isso faz surgir uma combustão, se já existe um acúmulo de no mínimo 30 cm3 de gás, contido em 20 cm3 de oxigênio. Estava banhado nesta estopa, por detrás da calefação.
Fernando arregalou os olhos novamente.
“O cheiro da sauna”; lembrou-se.
— Tivemos que tirar de dentro de todos os canos da parede, com um aspirador de desentupimento, para que não explodissem os camarotes que ficam embaixo, na 2º classe e mais abaixo na 3º classe — e Guilherme fechou o pano.
— Quer dizer que a explosão poderia ter destruído o Transatlântico todo? — perguntou Patrícia.
— Sim, se a janela não tivesse sido arrancada — Guilherme saiu se despedindo.
— Viu? — Eduardo começou a ficar agitado.
— “Viu?” — repetiu Mariana no que se afastaram.
— Não falei?
— Falou o que Dudu? — Patrícia se sentiu realmente perdida.
— 1, 2,3, 4, 5 na proa homenageada.
— Quê?! — gritaram Melissa, Patrícia e Fernando.
— Tá falando que os cinco mortos faziam parte da lista de homenageados? — Mariana foi a única quem entendeu.
— Sempre admirei você Mari... — escapou da boca de Eduardo. E o silêncio foi mortal. Nem Mariana retrucou depois do elogio. Eduardo pigarreou perante o fora e prosseguiu. — Cepá... Provável que o cracker e o assassino são a mesma pessoa e que tirou tudo isso das Marianas — Eduardo só olhava Mariana. — Lá ensinam você a montar bombas, a fabricar armas químicas... Mergulhador como esse assassino é, ele teve acesso a isso tudo.
— Mergulhador? Cê tá delirando, Dudu? — falou Melissa empurrando todo mundo para sair dali.
— Quem é o assassino, Dudu? — questionou Mariana mais calma que a irmã.
— O cracker, Mari! É claro!
— Dudu... — Fernando deu o toque final. — Parece que não é só bits que o serial killer tá matando, né?
— Ai! Chega! — Patrícia já não tinha mais paciência com nada. — Meu! Isso tá indo muito rápido. Explica melhor Dudu.
— Não... Vamo dormir antes que a Berê enlouqueça com mais uma das nossas escapadas. Amanhã é outro dia — e Eduardo começou a subir a escada de volta.
Todos o seguiram extremamente confusos.
Capítulo 16
“É o cracker”, balbuciava ainda dormindo. Eduardo suava o pijama.
“Pai? Mãe?”, prosseguia confuso, febril.
“Os peixes tão morrendo…” delirava.
Um clarão se formou à sua volta, e Eduardo participava de um estranho pesadelo.
A terra em que pisava se desmanchava ao caminhar. Chovia muito e o cheiro da água salgada invadia sua narina. Eduardo sentiu-se leve, deslocado, perdido. Olhou para frente, não reconheceu a praia em que estava. Olhou para trás, homens vestindo roupas de mergulho iam se desmanchando pela praia, perdendo braços e pernas.
Eduardo ainda delirava quando deu um pulo da cama.
— O helicóptero!!! — gritou acordando no escuro.
Jogou-se para cima da mesinha tentando encontrar o botão do abat-jour. A luz se fez e Eduardo olhava o redor suado, apavorado com tudo que sonhou.
Vestiu as calças sobre o pijama curto, nem se lembrando de calçar-se. Disparou para os conveses acima chegando ofegante no primeiro convés. Olhou para o helicóptero e abriu a porta.
Alcançou o rádio do helicóptero, mas ele estava mudo.
— A tormenta danificou os cabos submarinos que transmitem as ligações ao longo do trajeto — Dr. Saulo apontou para o mar.
Eduardo sobressaltou com a presença dele. Não percebeu estar sendo seguido, vigiado.
— Eu não... Não o vi chegar Doutor...
— Sou silencioso.
“Silencioso?”; Eduardo teve medo do que pensou.
— Eu... — Eduardo olhou em volta. — Mas os cabos submarinos levam através dos satélites, ondas de rádio e TV, Doutor, mas deveriam ir pelo ar, as ondas de rádio do helicóptero.
— Já vi que é entendido em eletrônica. Já eu não entendo nada — Dr. Saulo deu de ombros enquanto saía. — Pergunte então ao piloto.
— E cadê ele? Será que não tá morto também?
Dr. Saulo caiu em sonora gargalhada e parou de andar.
— Estão matando os passageiros, Eduardo? — falou com cinismo.
— Cepá... Não percebeu ainda, Doutor? — devolveu-lhe no mesmo tom.
Eduardo se virou e foi embora.
— Até… — a voz de Saulo se perdeu ali.
Eduardo teve a curiosidade de olhar para trás e viu que Saulo o olhava intensamente. Virou para frente e viu a proa molhada de orvalho. Uma estranha névoa azulada começava a tomar conta do tombadilho. Eduardo voltou a olhar para cima e o médico havia desaparecido.
Olhou para o lado e levou um susto.
— Sinistro como se aproxima Milena.
— Por favor... Não brigue comigo… Tô tão delicada...
— Tá o quê?
— Setubal era tão amigo de papai…
— Quem é Setubal?
— O piloto.
— Ah… — e Eduardo não prosseguiu com aquilo, não tinha na verdade motivos para brigar com Milena. Ele sim era o único culpado por tudo o que acontecia entre ele e Melissa. — Venha! Te levo até teu camarote.
Os corredores estavam vazios. Os dois chegaram ao convés em silêncio. Melissa e Mariana pareciam ainda dormir.
— Entra? — falou Milena, carinhosa na sua porta. — Vai me odiar por isso, Eduardo? — o puxava para dentro.
Eduardo não soube o que responder. Milena aproximou de seus lábios. Os dois se beijaram. Depois suas mãos começaram a correr pelas pernas dele.
— Eu não... — tentou ele fugir mais uma vez. — Sei que... Cepá... Acho que é você que vai me odiar por isso... — e Eduardo saiu fechando a porta.
Milena mal pôde acreditar quando se viu sozinha no seu camarote em plena madrugada.
Capítulo 17
30 de dezembro
Mariana olhou para os lados no salão de refeições. Estava apenas ela, Melissa, e Fernando. Patrícia, Berenice e Eduardo dormiam. Apesar de ainda ser cedo, todos os passageiros conhecidos estavam lá tomando café da manhã.
Viu Diógenes, Fabrício e sua tia Felícia. Roberta e Giulia, amigas de Patrícia. O vereador Arthur, o artista plástico Arcanjo e sua irmã Marcella. A extravagante atriz Ana Claudia de Sá e sua filha Lorena. E viu ainda a promoter Yara tentando falar com o arqueólogo Agrimon que não desgrudava da filha Milena, que tinha a cara mais emburrada que já vira.
Já Melissa estava tão perdida em pensamentos que não viu Patrícia sentar-se a seu lado.
— Gosta dele, né? — Patrícia interrompeu os pensamentos de Melissa.
— Chiii! Gosto um bocado.
— Não falo do Dudu, falo do Fabrício.
— Ai! Patrícia! Era só o que faltava agora.
— Ué! Não falta nada nessa viagem.
— Ele é... Ele é...
— Mais bonito? — Patrícia viu Melissa não responder. — Mais inteligente? — também nenhuma resposta. — Mais velho? — Patrícia viu Melissa lhe olhar de lado. — É isso que te encanta, né? Te falei que homens mais velhos são...
— Não Pati. Não tenho problemas com ‘pais’ — e Melissa viu Patrícia recuar. — Ah! Perdão amiga. Que insensível que eu sou... É só que... Sabe? Quando não tá dando certo fica complicado o cara com quem ficamos, ser nosso amigo — olhou Eduardo de longe. — Nosso melhor amigo...
— Relaxa Mel...
— E se eu não fizer as exigências que ele me pede? E se eu perdê-lo pra outra garota mais “light”? Daquelas... Cê sabe... Que fazem sexo por diversão... — Melissa se controlava para não chorar.
— Então será melhor assim. Então o Dudu não te amava como você é merecedora. Então, então, então... Esqueça Mel. Relaxa... Dá um tempo pra cê mesma, que ele volta como cê acha que deve ser.
As duas se abraçaram.
Mariana se levantou e saiu sem ver que Melissa agora chorava baixinho. Mariana percebeu que Yara se dirigia ao solarium. Achou que era uma oportunidade e tanto.
— Tá fazendo uma tarde bonita, né? — Mariana sentou-se ao lado da promoter.
— É — respondeu Yara um tanto vaga.
— Por que será que ninguém tá se divertindo? Quero dizer... Quem não perdeu ninguém, né?
Yara olhou Mariana a achando a menina mais vil e insensível que conhecera. Mas estava acostumada a garotas assim. Nada falou sobre isso.
— A piscina tá quase vazia... Também... Choveu ontem… — Mariana percebeu que Yara não estava para muitos papos. Olhou em volta e viu a capitã-tenente Bianca no convés de cima. Resolveu trocar de vítima. — Até… — Mariana se despediu e antes de avisar Patrícia ou Melissa do que ia fazer, seguiu a capitã-tenente Bianca até a Coberta K.
Bianca entrou em alguns camarotes, carregando uma prancheta na mão. Depois Bianca foi até sua própria cabine e não se demorou muito por lá. Mariana esperou ela sair e entrou.
A decoração não diferia da maioria do Transatlântico, mas o que chamou sua atenção foi um computador ligado na Internet. Mariana chamou o programa que ia mostrar as últimas ações de Bianca e a tela endoidou:
— Vírus? O que eu fiz? — Mariana resetou o computador. Ele ligou de novo. — Um vírus morfo? — estranhou que os programas agora funcionassem. — Isso é um emulador de vírus! — exclamou em voz alta. Depois saiu da cabine de Bianca correndo para encontrar Patrícia, Melissa e Fernando. Entrou no restaurante quase cuspindo a frase. — Cês não vão acreditar...
— Mari? Aonde cê tava? — brigou Melissa.
— Eu descobri algo fora de série — falava quase sem voz. — Eu segui a Bianca até seu camarote, quer dizer cabine, e descobri algo no computador dela.
— Ah! — exclamou Fernando. — Lá vem outra aluna do Dudu.
— Não sou aluna dele — Mariana se queimou. — Sou tão boa quanto ele, se quer saber. Cê que é um newbie, Fê.
— Sou um o quê?! — Fernando quase grita. — Ela me xingou! Ela me xingou! Não me xingou? — olhou Patrícia o olhando.
— A Mari só disse que cê é noob, newbie, Entendeu? Não? Ela disse que cê é um novato, iniciante na NET Fê... — Patrícia ria.
Mas Mariana disparou:
— O Dudu tinha razão. O tal cracker, phreacker, ou seja, lá o que ele é, colocou um vírus pra destruir tudo que pudesse fazer o Transatlântico se movimentar. Mas ele nos quer aqui, exatamente aqui, em Fernando de Noronha.
— Meu! Por que diz isso?
— Porque ele também colocou um emulador pra falsificar um ataque de vírus a certos arquivos, Pati.
— O que é um emulador? — foi a vez de Melissa.
— Um programa que simula um ataque de vírus, mas na verdade não faz nada ao computador. Só ao dono do computador — Mariana riu. —, que fica em estado de choque. Conheço um emulador que diz que o HD tá sendo inundado e até um barulho de água, a gente escuta. Diz que o HA vai ser centrifugado e tal. O cara enlouquece. Mete o dedo no botão e… — gargalhava. —, reseta a máquina.
— Como cê pode achar graça na desgraça dos outros, Mari? — falou Melissa indignada com sua irmã.
— Deixa pra lá, Mel — Mariana se divertia.
— E por que o cracker faria isso, Mari? — tentou Patrícia entender.
— Talvez ainda precise que certos comandos na rede de computadores do Transatlântico, funcionem. Talvez pra fugir, talvez pra fazer coisas que ainda vão acontecer conosco.
Os quatro ficaram imaginando que mente perversa comandava suas vidas naquele Transatlântico.
Capítulo 18
Um toque seco se fez à porta do camarote de Eduardo, que havia voltado a dormir. E Eduardo dormia porque sua comida estava sempre sendo carregada de sonífero, o ar da sua cabine estava contaminado, e até a água que saía do chuveiro dele tinha sido programado para fazê-lo dormir.
Eduardo agora sabia.
Outro toque e mais outro, e ele sobressaltou-se perante o chamado. Olhou em volta, abriu a porta e viu Laerte parado.
— Ai! Seu Laerte... — esfregou os olhos. — Tenho até medo de perguntar...
— Desculpe jovem Eduardo, mas acho que dessa vez só você pode me seguir.
Eduardo nem perguntou, tirou o cartão da porta, trancou-a e seguiu o capitão-tenente Laerte, de shorts e chinelo. Bocejava tanto que sua mandíbula estalou. Ambos chegaram à cozinha onde se ouvia um choro miúdo. Havia sangue por toda a parte. Um homem jazia morto no chão.
— Quem é ele? — Eduardo sentiu o estômago se embrulhar para presente.
— Mr. Fish!
Eduardo olhou para todos. Lembrou-se do famoso nome da cozinha internacional que Berenice comentara uma vez; um mestre na arte do cozinhar, um homem de feições nipônicas e idade avançada.
Havia uma faca suja de sangue ao lado do corpo morto.
— O que ele tava fazendo?
— Se suicidando, Eduardo — falou o Dr. Saulo com deboche, por detrás dele.
— Cepá… Ainda trabalha no navio? — Eduardo rebateu. — Ou você só aparece quando tem cadáver?
— Chame a Adelaide! — falou o capitão-tenente Laerte para outro ajudante de cozinheiro sem se preocupar com o diálogo.
Já o Dr. Saulo só riu, parecendo se divertir com tudo aquilo.
Eduardo achava que ele devia ser um ex-agente da KGB ou coisa assim. Ficou com um pé atrás em relação a ele, dali por diante.
— O capitão-tenente Laerte me chamou? — perguntou uma moça pequena e atarracada pelo excesso de gordura que lhe sobrava por todos os lados, e que se chamava Adelaide.
— Pode repetir o que começou relatar pouco tempo atrás, Adelaide?
— Os banheiros ficam bem em frente à entrada da anti-copa, e se vê tudo o que se passa do lado de fora. Eu tava no banheiro quando vi um vulto pequeno, rápido, de mulher.
— Como sabe que foi de mulher? — perguntou o capitão-tenente Laerte.
— Por causa da voz — confirmou Adelaide, convicta.
— Pode reconhecê-la?
— Não era uma voz conhecida — pigarreou. — Ela entrou na cozinha feito uma tormenta. Lá não tinha ninguém além do Mr. Fish. Ela tava nervosa. Tava gritando. Jogando panelas no chão.
— Então Mr. Fish parecia conhecê-la?
— Acho que sim — falou Adelaide espremendo o rosto. — Ela dizia algo... — olhou e outro. — Não que eu tivesse interessada em ouvir, né? — olhou um e outro. — Algo do tipo - “Você olhou pra ela que eu vi”. Ou foi algo do tipo - “Você olhou que eu vi. Ninguém me contou”.
— Poderia precisar a que horas foi isso, Adelaide? — questionou Dr. Saulo levantando do chão, arrancando as luvas descartáveis.
— Não tava olhando no relógio, Doutor, mas tínhamos acabado de voltar das mesas. E isso acontece sempre num ritual. Mais ou menos quarenta minutos atrás.
— Muito obrigado, Adelaide — falou o capitão-tenente Laerte, a devolvendo a seus afazeres.
— Acha que Mr. Fish estava traindo alguém? — falou o Dr. Saulo, logo em seguida.
Eduardo se tocou.
— Por que fui chamado afinal de contas?
— Por causa disso — e o capitão-tenente Laerte lhe entregou um pacote fechado.
Eduardo abriu e encontrou oito pendrives dentro. Teve um sobressalto e ficou a imaginar o que continham.
— Não posso fazer nada, meu. Todos os computadores tão destruídos e o meu Tablet sumiu.
— Menos aquele — Laerte apontou para o canto da cozinha. — Era para uso exclusivo de Mr. Fish.
— Tão querendo dizer que havia um computador em rede com o Transatlântico, mas não em rede com todo o Transatlântico?
— Dá para traduzir? — brincou Dr. Saulo ao ver Eduardo falar confuso.
— Traduza também como o computador do cozinheiro escapou à ação do vírus, Eduardo? — foi Fabrício quem entrou naquele momento desestabilizando o já desestabilizado Eduardo.
— Não sei. Talvez tenha sido proposital, porque pra se montar uma rede é necessário que se amarre todos os computadores, pra que possa se comunicar entre si, não importa a distância física; e isso cê sabe né policial que conhece o pasto onde pasta?
Fabrício não respondeu àquilo.
— Você quebrou minhas senhas, Eduardo?
— Cê percebeu, foi?
Fabrício tirou o sorriso do belo rosto.
— Não. Não percebi. Você é bom.
Eduardo ficou sem saber se aquilo foi um elogio ou uma pegadinha.
— Cepá... Uhm... Cê também é bom...
— Por que o computador escapou ao vírus? — Laerte tentava entender algo em meio a briga de ‘hackers’.
— Coloca-se um firewall com acesso através de senha de segurança e isso evita intrusos, como hackers, crackers e etc. — explicava Eduardo olhando Fabrício lhe olhar. — Às vezes por descuido ou economia deixam de fora algum computador que ninguém achava importante na arquitetura cliente-servidor. Como o computador do cozinheiro.
— Então foi a própria proteção de firewall que disparou o vírus por toda rede do Transatlântico? — questionou Fabrício.
— Isso!
— E o que salvou o computador do vírus foi ser apenas o ‘computador do cozinheiro’? — questionou Laerte apontando.
— Isso! — explicou Eduardo sentando e teclando no computador do cozinheiro Mr. Fish. — E sabe o que mais? O computador do cozinheiro foi utilizado pelo cracker pra inserir o vírus, e assim não ser destruído também.
— Mas como, se ele estava fora da rede? — questionou Fabrício.
— Muito bom, policial, entendeu rapidinho.
— Ele estava fora do cliente-servidor, mas tinha permissão de usuário?
Eduardo não gostou daquela inteligência toda. Afinal ele era um policial.
— Por isso cê tá aqui, né Fabrício? Tá trabalhando pra Interpol.
— Você fez exatamente o quê no meu computador Eduardo?
— Além de saber que cê tem os projetos do Transatlântico e que não viajava com sua tia solitária?
Fabrício outra vez não respondeu àquilo.
— Então o cracker era o cozinheiro? — perguntou Dr. Saulo não querendo que a briga ali continuasse.
Eduardo olhou para a poça de sangue e respondeu.
— Um pouco tarde pra perguntarem a ele, não acha Doutor?
— Não estou achando graça em você garoto. Abra os arquivos e só.
— Os arquivos tão fechados em códigos de acesso. Não sei abrir porque não sou hacker — Eduardo olhou Fabrício. — Quer tentar?
— Não me desafie Eduardo!
— Isso quer dizer que não pode abri-los? — quis Laerte, saber afinal.
— Não, a menos que eu saiba suas senhas ou tivesse trazido algumas “receitas de bolo”.
— Que acredito nada tenha haver com algo comestível, não? — o capitão-tenente Laerte estava muito nervoso.
— Não! — respondeu Eduardo e Fabrício uníssonos. — Receitas de bolo são programas feitos por outros hackers pra ensinar invasões — Eduardo riu com gosto ao ver fabricou lhe olhar. — O que? São distribuídas free na Internet.
— Numa internet submersa não é Eduardo?
— Se é o que tá dizendo? — não podia ser o mais cínico.
— Pode tentar algumas senhas chaves? — arriscou Fabrício.
Eduardo iluminou-se.
— Cepá... As pessoas escolhem as suas senhas usando algo perto delas; é automático. O mês que nasce, datas importantes, o número da casa, placa do auto... Algo que não possam esquecer. No caso de Mr. Fish, se suas receitas são tão importantes para ser premiado, então... — Eduardo e Fabrício começaram a olhar tudo a volta deles.
— Os livros? — arriscou Fabrício.
— Os talheres da sorte? — arriscou um cozinheiro.
— Quantos são?
— Ele sempre usava 11 facas, nada menos nada mais.
— Onze também era o número da sorte do Vice-almirante Paulo Sérgio… — relembrou Eduardo digitando. — Não... — acabou de digitar. — Deve ser uma mistura de números e palavras...
— Pimenta! — exclamou o Dr. Saulo numa careta. Eduardo, Fabrício e Laerte olharam para ele com interesse. — Todos vieram reclamar para mim que a comida tinha muita pimenta.
— Pimenta... — não funcionou.
— Ele usava outros temperos, também.
— Tá... — digitou Eduardo. — Coentro, noz moscada, sal, açafrão mais o número 11 — Eduardo digitava. — Ulalá! — e os códigos se abriram.
Os cozinheiros riram perante a façanha de Eduardo.
— Açafrão — e o Doutor riu. — Eu nunca havia sentido esse gosto — relembrou.
— O que está vendo? — perguntou Laerte se aproximando da tela.
— Receitas, gastos, contas bancárias... Por que não usava um Tablet ao invés desses três volumes? — perguntou Eduardo inserindo o primeiro pendrive do pacote.
— O que é isso?
— Um emulador! Alguém teve o trabalho de gravar um programa de emulação de vírus num pendrive e trazer pro Transatlântico.
— O que é um emulador?
— Um falsificador de... — e Eduardo colocou o segundo pendrive. Levou apenas quinze segundos para que tudo se apagasse e a tela desligasse de repente na presença dos três. — Maneiro! — exclamou Eduardo, extasiado. — Eu nunca havia visto um vírus rápido assim...
— Agora era um vírus? — perguntaram Fabrício e Laerte, um após o outro.
— Cepá... E ele acabou de destruir o computador do tal Fish.
Fabrício saiu e Laerte o seguiu. Já o Dr. Saulo ficou observando Eduardo que olhava o chão ainda ensanguentado.
“Sangue de galinhas!” “Mexilhões!”; pensava Eduardo ao perceber dois marujos levando o corpo do cozinheiro embora.
O salão para o café estava cheio quando Eduardo entrou. Não parecia que todos sabiam do acontecido.
— Dudu? — gritou Melissa quase saltando sobre as mesas para encontrá-lo. — Aonde você tava até agora? — perguntou nervosa. — Interfonei várias vezes.
— Tava dormindo.
— Com quem? — falou Melissa se alterando.
Eduardo fez uma cara de indignação.
— Como “com quem”? — espremeu o rosto.
— Cê me entendeu. Não se faça de bobo.
— Eu não tô me sentido bem, tá? Vamos sair daqui, Mel — e pegou a mão dela.
— Isso não é justo, Dudu — largou-se da mão dele. — Só porque acho que não é hora pra me entregar, isso não é justo...
— Do que cê tá falando Mel?
Melissa foi embora, o largando sozinho e confuso. Eduardo se retirou do salão irritado. Milena, que os observava de longe, sorriu satisfeita com o investimento de cem pratas que pagou para a faxineira contar para a camareira Geraldina, contar a Berenice, que contou a Melissa, que viram Eduardo sair do quarto de Milena.
Já Eduardo alcançou a piscina. Respirou profundamente ao chegar ao solarium, e percebeu que a névoa azulada do dia anterior agora estava mais densa. Mal se via o arquipélago ou mesmo o alto mar.
— O que tá acontecendo, Dudu? — perguntou Melissa não se segurando e voltando para brigar com ele.
— Não sei do que tá falando...
— Eu pensei que tivéssemos um compromisso.
— Olha! Mel! Desculpa isso tudo... Sei que tá parecendo uma grande confusão...
— Confusão? Eu vi você falar com aquela garota ou diria ‘mulher’? — falou Melissa se referindo a Milena. — Ninguém me contou Dudu. Eu vi.
Aquela frase fez Eduardo se lembrar de Mr. Fish.
— Meu! É isso! Se Mr. Fish não tava traindo, então... — falou em voz alta.
— Mr. Fish não tava o que? Não fuja do assunto... — e Melissa segurou o braço dele.
Eduardo ficou a observar seu braço nas mãos dela.
— Perdão Mel... — a puxou e a beijou intensamente. — Cê tem razão… Precisamos de um tempo… — e se foi. E voltou. Um cheiro de peixe morto invadiu o tombadilho. — Não tô querendo parecer o Fê, mas que cheiro é esse?
Eduardo e Melissa se debruçaram no gradil para olhar para baixo, quando uma música ensurdecedora invadiu todos os alto-falantes do Transatlântico, e distraiu a atenção dos dois.
— Ulalá! É “Come With Us!” do Chemical Brothers? Minha ‘old’ predileta.
— E por que tão tocando essa música tão alta? — Melissa viu Eduardo arregalar os olhos.
— Cepá... — Eduardo olhava em volta e a névoa azulada agora tomava conta do tombadilho todo. — Não é a música... É a minha música...
— Como é que é?
— Meu Tablet... Tão tocando meu Tablet pra eu saber que tão com meu Tablet... — e um estrondo se fez.
Um som tão ensurdecedor que sobressaiu a música.
Mariana na porta do salão se espremeu perante o barulho. O Transatlântico chacoalhou rapidamente demorando em entrar no prumo.
— Socorro!!! — gritavam todos pelos conveses.
A água da piscina pulou para fora invadindo o salão de festas numa onda gigantesca.
— Marujo?! — gritou Laerte da ponte de comando vendo um deles tombar.
O marujo foi ao mar, Eduardo também o viu cair.
— Socorro!!! — gritou Roberta escorregando escadas abaixo.
Todos se encolhiam pelo som ensurdecedor, pela água que invadia tudo, e outro balanço forte fez Milena ser arremessada longe. A proa do Transatlântico emborcou. Afundou e voltou. A onda gigantesca que levantou cobriu o Transatlântico.
— Onda a boreste!!!
E o Transatlântico foi engolido outra vez pela fúria das águas quando Milena foi outra vez ao chão, desacordada, sangrando. A água havia a arrastado por metros e Melissa correu a ver a moça caída. Melissa arrastou Milena pelo chão até o seu pai, o arqueólogo Agrimon aparecer e a ajudar carregar.
Milena sangrava sem parar e Melissa e Agrimon a levavam para dentro do salão.
— Força a bombordo!!! — gritavam ao longe.
O Transatlântico era grande e pesado e os motores não respondiam ao comando.
Eduardo escorregou caindo dentro da piscina vazia. A água que saiu da piscina voltou e cobriu-o. Eduardo nadou até a escada e saiu se arrastando pelo tombadilho ensopado.
Com a roupa molhada e pesada alcançou o gradil. Tentou se agarrar a ele, mas a força do mar era arrebatadora.
— Ahhh!!! — gritou Eduardo ao ser jogado de um lado para outro quando o Transatlântico pendeu para bombordo.
— Dudu?! — gritavam Berenice e Mariana da porta envidraçada do salão.
‘Come With Us!’ dos Chemical Brothers continuava a tocar quando um novo levante do mar se fez.
A água salgada invadiu o salão, arremessando Berenice contra uma coluna de mármore. Tudo foi inundado. Pratos, toalhas de mesa, guarnição.
— Toda força a boreste!!! — os marujos tentavam driblar o mar que se movia debaixo para cima, que desregulavam as agulhas, que impediam seu rumo normal.
Uma mulher foi ao mar. Foram seguidas por dois marujos que também caíram dos conveses superiores. Eduardo conseguiu se aproximar do gradil novamente. Tentou enxergar as pessoas caídas no mar. Correu a pegar as boias e as jogar, mas o Transatlântico tombava sobre o mar.
Eduardo desequilibrou-se e acabou sem acesso não conseguindo que seu corpo voltasse ao prumo.
— Não!!! — gritou ao perder o equilíbrio; foi sua vez de ir ao mar.
— Dudu?! — gritou Mariana ao vê-lo cair. — Me ajudem!!! — gritava desesperada, ao sair detrás dos vidros do salão e correr para o convés.
Laerte correu a acudi-la.
— Lancem os botes salva-vidas!!!
— Desça o bote número 1!!! — gritou Apilam para o marujo ajudante dentro da cabine.
O marujo tentou todos os botões, mas encontravam-se travados pelo vírus.
— Volta aqui Dudu!!! — gritava Mariana. — Dudu?! — gritava agarrada por Laerte que não conseguia trazê-la de volta.
Fernando tentava agarrar Patrícia e Melissa, que queria ir atrás de Mariana. E Fernando precisou de tanta força que Arcanjo precisou segurar Melissa, também.
— Aonde ele tá? — falava Mariana desesperada para todo mundo. — Aonde tá o Dudu, seu Laerte?
Mais quatro boias salva-vidas haviam sido lançadas. Jogadas a esmo em meio à névoa azulada que encobria cada vez mais o tombadilho.
— Cadê os botes?! — questionava Laerte para o marujo Apilam.
— Estão emperrados!!!
Apilam caiu e bateu a cabeça ficando desacordado. Outro marujo veio a seu socorro, mas foi arrastado para o mar e desapareceu nas ondas.
— Entrem todos!!! — gritava o contra-almirante Raul para quem ainda estava lá fora.
— Vamos Srta. Mariana!!! — gritava Laerte.
— Não!!! — tentava desesperada achar Eduardo, agarrada ao gradil.
— Os botes?! — insistiu Laerte, outra vez, aos gritos. — Soltem os botes manualmente!!!
Um bote desceu sem controle e se lançou ao mar, perdido.
— Por que se soltou?! — gritou um marujo para outro marujo.
— Eu não sei!!! — berrava para ser ouvido.
Bum! Uma bomba preparada para detonar os turcos, os mecanismos de descida dos botes, havia sido acionada explodiu. Um após o outro, os botes explodiram a bombordo.
Da praia do americano, em Fernando de Noronha, a Interpol viu o fogo invadir o Transatlântico; e tudo sob o som de ‘Come With Us!’, dos Chemical Brothers que no Tablet de Eduardo tocava.
Apilam que acordava viu mais seis marujos caírem no mar perante a explosão. Cristais foram destroçados, vigias foram arrancadas e vidros lançados a distâncias jamais imaginadas. A água invadia pouco a pouco uma das laterais dos acarpetados corredores da 2º classe. As pessoas se jogavam ao chão, se jogavam umas sobre as outras, se jogavam do Transatlântico.
— Fechem as portas!!! — gritava Raul. — Pelo amor de Deus, mantenham a calma!!! — tentava segurar a todos até ser derrubado também.
Eduardo voltou a si. Percebera que estava no mar e entrou em pânico. Viu fogo por toda a extensão e pensou no pior. Estava sem ar, precisava ir à tona e não via como.
Estudou a largura do Transatlântico, de roda-a-roda. O fogo se alastrava e Eduardo olhou em volta percebendo que ali era fundo demais.
Uma névoa azulada se misturava de tempos em tempos às imaculadas águas cristalinas de Fernando de Noronha e Eduardo ainda pôde ver um movimento do piso do mar.
Parecia que a areia era sugada para dentro, para o centro da Terra.
“Os peixes tão morrendo...”; ecoava na sua imaginação.
O jeans encharcado dificultava seus movimentos. Eduardo tirou a cabeça da água e em desespero total buscou o ar. Se agarrou como pôde ao bote salva-vidas que boiava. O único bote que não explodira.
— Socorro!!! Seu Laerte?! Socorro!!!
— Dudu?! — Mariana dependurada no gradil, o escutou.
Os movimentos do mar cederam e o Transatlântico balançava lentamente tentando parecer se acertar, estabilizar.
— Homem ao mar!!! — gritou o capitão-tenente Laerte. — Joguem um cabo!!! Prenda-o!!! — ordenou.
— Não conseguimos!!!
E Eduardo sumiu das vistas deles afundando outra vez.
— Cadê o menino?! — alguém gritou.
— Homem ao mar!!! Homem ao mar!!! Homem ao mar!!! — gritavam por todos os lados.
— Dudu?! — berrou Mariana, Melissa, Patrícia, Fernando e Berenice no que Fabrício passou por eles, por Laerte, pelos marujos, e agarrou a corda que em seu corpo amarrou se lançando nas águas revoltas.
— Fabrício?! — gritou agora Melissa e Felícia.
Fabrício ainda viu Eduardo com o resto de ar que tinha afundando cada vez mais pelo movimento do mar que o sugava para o fundo. Fabrício agarrou-o, e amarrá-lo ao cabo de corda trazida não foi um movimento muito fácil.
— Homem ao mar!!!
— Lancem o bote!!! — e o bote desceu dessa vez sem empecilho.
— Icem o bote!!! — gritaram também ao ver Fabrício e Eduardo dentro.
O bote começou a ser içado, era grande e pesado e precisou mais de dez homens para amarrar o cabo ao cilindro do cabrestante da âncora e assim puxá-lo manualmente, pois os molinetes estavam bloqueados.
— Precisamos salvar esse bote!!! — gritava Raul perto das âncoras.
— Agora está preocupado com o bote, não é mesmo?! — e Laerte foi para o gradil, onde Eduardo e Fabrício estavam sendo resgatados.
Mariana se lançou sobre o pescoço de Eduardo antes que pudesse agradecer a Fabrício, que olhou os dois abraçados, quando foi abraçado pela tia que chorava.
Eduardo e Fabrício foram enrolados por cobertores e levados para dentro do salão destruído sem trocarem uma única silaba.
Cadeiras viradas pelo chão. Molhadas, rasgadas, destruídas e Milena ferida num canto. Eduardo estava com hipotermia. Berenice colocou na sua boca um termômetro, sua temperatura não se normalizava.
— Tome! — ofereceu Melissa a Eduardo uma xícara com bebida quente. — Vai lhe fazer bem! — havia retirado o pouco de café que ainda continha na garrafa que não quebrou.
Depois Melissa se levantou e ofereceu uma xícara a Fabrício que olhou Eduardo o olhando. Eduardo então olhou em volta mais uma vez tremendo muito. Localizou quem queria e largou a xícara, que foi ao chão, quebrar-se.
— Dudu? — perguntou Mariana assustada com as atitudes dele.
Eduardo correu o salão enrolado aos cobertores e se lançou em cima do vereador Arthur.
— Seu desgraçado!
O corpo do vereador foi ao chão, estatelado. Todos pararam para ver a cena.
— Socorro! — o empolado tentava se livrar de Eduardo.
— Cê sabia que haveria novo deslocamento!!! — berrou descontrolado. — Cê sabia... — e Eduardo socava-o sem perdão. — O Green Peace tava lá no Porto, né?! Sabia que o piso tava descolando e os peixes tavam morrendo!!! — gritava.
Fabrício correu a soltá-lo.
— Pare com isso Eduardo!
— Me larga, Fabrício!!! — berrava Eduardo descontrolado, avançando novamente sobre o vereador. — Me deixa socar o corrupto!!! — lançava suas pernas de capoeirista pelo ar.
— Eu não sabia que seria nessas proporções...
— Mentira!!! — desajustou-se Eduardo por completo.
— Pare Eduardo! — tentava Fabrício que caiu no chão junto com ele.
— Dudu! — falou Mariana se aproximando. — Vá com calma!
— Calma? — Eduardo entoava em alto som. — Esse idiota vem liberando embarcação após embarcação, sabendo que todos os movimentos de ondas na superfície, deslocam um pouco do piso do mar, lá embaixo eu não sei por quê.
— E como você sabe disso? — perguntava Fabrício atônito.
— Tava no e-mail... “Os peixes tão morrendo”. Depois que eu vi o fundo do mar eu entendi — encarou-o. — Tão morrendo porque o piso tá se deteriorando.
— Hei?! — Fernando lembrou-se de algo. — Cê também já sabia disso, né Mari? Lembra o que falou no jantar de Natal pra mim?
— Fê! Fica quieto, tá? — Mariana começou a se descontrolar.
— Mas eu recebi o e-mail depois do jantar de Natal — Eduardo ficou a tentar entender.
— Não! Não! A Mari me disse que o tsunami não podia ter acontecido a menos que o piso do mar de Noronha tivesse “mexendo por causa de uma deterioração, né?”; você disse — Fernando tremia por tudo que vivia.
— Fui eu quem te mandei o e-mail, Dudu — Mariana se entregou. — Eu copiei de um site nas marianas, sobre o piso do mar e os peixes. Mas na hora não acreditei naquela bobagem. Só quis te encher o saco.
— O site dos hackers do The avenger? — falou Eduardo atônito. — Cê invadiu um site de hacker, Mari?
— Eu...
— Louca?! — gritaram Eduardo e Fabrício ao mesmo tempo.
— Eu não sou…
— É! É! Porque eles foram atrás de mim depois. Porque rastrearam meu IP no que cê enviou.
— Eu...
E Eduardo se voltou a Arthur outra vez:
— Então os hackers sabiam sobre os peixes? — só Eduardo falou agora.
— Ora, vamos, Eduardo — falava Arthur sendo levantado por Raul. — Sabe tão bem quanto eu que fui induzido a esconder sobre isso.
— Induzido? Cê é um...
— Eu sou um político, Eduardo! — cortou-o. — Você sabe tanto quanto eu que recebo ordens dos que nos financiam. Você queria que eu fizesse o quê? Tivesse ido aos jornais e contasse que ninguém mais poderia navegar nos mares de Fernando de Noronha? O xodó do Brasil?
— Muitas pessoas vão morrer se o piso ceder de vez. Paulo Sérgio sabia, não sabia? Foi isso o que uma parte do vírus destruiu, né? O cracker queria chamar a atenção do Transatlântico, do povo brasileiro, mas precisou destruir suas pegadas. Devia tá tudo lá, no computador destruído do Mr. Fish — e Eduardo tentou socá-lo sendo agarrado por Fabrício outra vez.
— Ora vamos, o que é um desastre ecológico? Algumas casinhas inundadas? Alguma cidadezinha de pescador destruída?
— Esse cara tá pedindo pra apanhar né?
— Está sim! — concordou Fabrício.
— Ora vamos! — insinuava Arthur arrogante. — É pouco, perante os milhões de dólares que correm sobre um Transatlântico.
E Fabrício largou Eduardo que girou o corpo e derrubou Arthur.
— Ahhh?! — gritos e confusão.
— Dudu?! — e Berenice correu para controlá-lo.
— Você devia tá cuidando dos interesses do povo, da minoria.
— Utopia, Eduardo? Andou lendo Platão na escola? — e o vereador caiu numa irritante gargalhada. — Sabe que sou um empresário da política. E como tal, faço política.
Eduardo sentiu seu sangue lhe subir a cabeça outra vez, sentiu um calor incontrolável, sentiu que Fabrício não mais o deteria, e Arthur caiu sangrando o nariz com o novo giro de pernas de Eduardo.
— O tsunami só veio para piorar, Eduardo — enfim falou o arqueólogo Agrimon, tristemente num canto do salão em choque.
— Pai! — falou Milena ainda zonza. — Não!
Um silêncio caiu pelo salão.
— Foi através daquele tsunami que descobriu a proa, Sr. Agrimon Mantas? — perguntou Fabrício mais atrás dele.
O arqueólogo Agrimon arregalou os olhos, mas continuou com a cabeça baixa. Depois se retirou deixando Milena nos braços de Marcella, que tinha a cabeça dela no colo.
Capítulo 19
— Eduardo?! Espere! — gritou Fabrício atrás dele.
— Dá pra ter uma noção do estrago? — Eduardo estancou. — A gente não vai sobreviver, né?
— Foi grande, mas acredito que seja recuperável. Como nossos camarotes não foram atingidos — falou quando se aproximou. —, e só os camarotes da 2º classe foram atingidos, então podemos nos juntar na primeira classe.
— Foram os botes salva-vidas que explodiram? — Eduardo voltou a andar.
— Sim — respondeu Fabrício o acompanhando.
— Por que um bote caiu sem explodir? Será que o assassino pretendia escapar?
— Assassino?
— Como a gente chama o cracker que fez tudo isso? — Eduardo viu Fabrício outra vez não responder. — Mas cê sabe de tudo, não sabe?
— Só o que a Mari me contou.
— A Mari… — e Eduardo perdeu a voz. — Cepá… Não vou querer ouvir.
— Não é nada disso Eduardo.
— Não? Ou cê também tinha o número do cel da Mari nos seus arquivos?
— Você realmente não está entendendo…
— Tô! Cê é um agente da Interpol.
— Não devia sair falando isso Eduardo.
Eduardo parou de andar. Nem perguntou o porquê de Mariana ter contado algo para ele ou ele ter dito aquilo, mas percebeu o quanto Mariana o interessava, talvez mais que Melissa até aquele momento.
E o ciúme de ouvi-lo pronunciar aquele ‘Mari’ doeu mais que as ‘Mel’ ditas pelo policial bonito.
— Tá interessado nela?
— Traduza ‘nela’ Eduardo? — Fabrício viu Eduardo sentir que sua boca queria falar, mas que seus ouvidos tinham medo do que iam ouvir. — Não. Não estou interessado em Mariana — foi Fabrício quem respondeu.
Eduardo gelou ao vê-lo ir embora sabendo o que ele próprio não sabia. Que estava interessado na ‘hacker’ Mariana.
— Sempre que perguntamos sobre a usina atômica, eles desconversam — falou Eduardo fazendo Fabrício parar os passos.
— “Eles” quem?
— Já viu quanto sotaque estranho? Quanto sotaque russo? Com a Interpol envolvida? — Eduardo viu Fabrício encará-lo. — Meu! Esse cracker deve ter feito estrago por lá, né? Digo, na Rússia.
— Também pensei isso.
— Traduz você ‘isso’, Fabrício? Porque pra mim os russos tão aqui pra capturar o cracker — olhou o piso molhado no que ergueu os pés do chão. — Meu! Nem que tenha que passar por cima de tudo e de todos, vou...
— Eu vou ajudar você!
Eduardo só teve tempo de arregalar os olhos. Deixou de lado as brigas por Melissa e Mariana e nada argumentou.
As camareiras viram os dois passarem em direção as escadas e recomeçaram o serviço. Eduardo e Fabrício chegaram ao porão e atravessaram um imenso corredor de tubos superaquecidos, tentando andar por pisos inundados. Ouviram vozes adiante e recuaram, ficando na espreita. Não conseguiram entender muito bem o que os russos falavam, mas estavam todos muito nervosos, se exaltando cada vez mais, discutindo uma direção a tomar.
Eduardo e Fabrício deram à volta por trás da grande usina de vapor e viram uma porta blindada com um homem armado, vestindo roupa de descontaminação. Na parede estava escrito: “Nível B”; Fabrício pensou o pior.
Eduardo olhou e viu um interfone ao lado do homem armado. Recuou e noutro interfone chamou o nível “B”. Havia muita interferência quando o homem vestindo roupa de descontaminação atendeu.
— Apilam tá chamando! — exclamou Eduardo e desligou.
O homem vestindo roupa de descontaminação ficou a olhar o aparelho desligado. Ficou na dúvida se deveria deixar o posto. Retirou a roupa e se dirigiu para o final do corredor de onde eles haviam saído.
— Temos que ser rápidos... — falou Fabrício baixinho.
Os dois vestiram roupas de descontaminação ali penduradas e Eduardo escolheu a roupa que o homem armado usava encontrando no bolso um papel meio gordurento cheio de números. Aproximou-se do controle da porta e digitou os seis primeiros dígitos.
— Abriu? O computador daqui tá sem vírus?
No abrir do compartimento da usina, uma rajada de gás de nitrogênio embaçou os capacetes das roupas.
— YOU ENTER IN THE CN5! — dizia a voz metálica no mais perfeito inglês. Eduardo traduziu, entendeu que havia entrado na CN5, seja lá o que significava aquilo. — ENTER YOUR CODE!
— Códigos? — Eduardo tentou novamente os números escritos no papel gorduroso. Uma luz amarela acendeu no que eles entraram. — Isso aqui parece uma usina atômica…
Cinco silos redondos, lacrados com sistema de segurança computadorizada, estavam no meio da sala.
— Será que os silos têm urânio? — preocupou-se Fabrício. — Isso é contra lei!
— Por que diz isso?
— Por causa das roupas.
Eduardo viu que o computador na mesa estava funcionando.
— Computadores sem vírus!
Os dois olharam para dentro dos silos, viram em meio ao nitrogênio líquido que abaixava a temperatura, uma névoa azulada se espalhando.
— O que será essa coisa azulada?
— Sei não, Fabrício. Mas antes do barco emborcar, havia uma névoa azulada em volta do navio. E também quando eu caí no mar, eu vi essa névoa na água e ela não se misturava — Eduardo se virou rapidamente. Sentiu o seu coração disparar quando alguém bateu na porta da outra sala. — E agora? Como vamos sair daqui?
— Também não sei — Fabrício olhou em volta, viu o computador. — Tenta alguma coisa — apontou.
— Deixe-me ver. Planilhas de custos... Ulalá! Como isso aqui é caro. Manutenção, peças de reposição, contas, peças de computadores... — estranhou. — Muito interessante... Lista de suprimentos... — e uma nova pancada na porta. — Saco! — praguejou nervoso.
— Anda rápido, Eduardo. Temos que sair daqui.
— Calma!
Eduardo pensou, pensou e teve uma ideia que Fabrício tinha de concordar, era de gênio. Conseguiu alcançar os controles da porta e acionou o alarme contra incêndio. O homem armado do lado de fora deu um salto do chão. A campainha disparara na sua cabeça. Ele correu para buscar auxílio. Eduardo e Fabrício deram alguns segundos, saíram, arrancaram as roupas as colocando no lugar correto e sumiram, sem deixar rastros.
Capítulo 20
Um novo grito ecoou por todo o Transatlântico. Um grito de dor, de perda. Um gosto sutil pela morte. Eduardo e Fabrício haviam acabado de alcançar a Coberta F, na 2º classe. Havia muitas faíscas. Fios que se espalhavam por metros de carpete molhado e um calor intenso que subia pelas paredes atingindo o teto de gesso que descolava.
Milena estava no chão quando Eduardo chegou. Ele mal conseguiu separar os gritos da visão. O arqueólogo Agrimon Mantas jazia morto. Tinha seu globo ocular saltado para fora. Sua língua enrolada, não cabia mais no perfeito encaixe. Seu corpo todo cheirava a réstia.
Marcella chorava de dor ao lado do arqueólogo Agrimon. Ela tentou salvá-lo e acabou se queimando. Dr. Saulo tentava apaziguá-la com pomadas. Arcanjo chorava, nem parecia tão adulto.
Já Felícia cuidava da pobre órfã Milena.
O marujo Guilherme, Apilam e o capitão-tenente Laerte agarravam com mãos fortes, protegidas por luvas, um cabo grosso de cor amarela que se trançava em idas e vindas sobre o corpo morto do arqueólogo Agrimon.
Eduardo olhou em volta, percebeu, enfim, que uma linha era seguida.
— Vamos todos morrer! — exclamou Eduardo com voz carregada de emoção. Chegou por trás dele, Berenice, Fernando, Melissa, Mariana, Patrícia, Roberta, Giulia, Raul, Yara, Bianca, Saulo, Diógenes, Arthur, Ana Claudia e Lorena para se juntar a Milena, Felícia, Apilam, Guilherme, Marcella, Arcanjo, Guilherme, Fabrício e Laerte, que ficaram a escutar também. — Vamos pagar por um crime do passado — disse Eduardo no que olhares haviam sido trocados, denuncias haviam sido feitas.
O corpo do arqueólogo Agrimon foi enfim erguido sobre ombros fortes.
— Não!!! Paizinho querido!!! — gritava Milena desesperada para o homem velho que estava sendo carregado.
— Milena, não — tentou Arcanjo acalmá-la.
— Paizinho!!! Volta!!! — e Milena foi segura pelo Dr. Saulo. — Volta paizinho!
— Acho que o Agrimon andava arrasado com a venda das peças do Astúria — Raul não teve um mínimo de compaixão.
— Tá achando que ele se suicidou? — foi Fernando quem levantou a questão.
— Não foi suicídio! — o enfermeiro Vladmir quebrou o silêncio. — Eu fiz autópsias no Paulo Sérgio. Em todos eles.
— Autópsias?! — gritou Raul. — Está agindo contra as regras das leis marítimas.
— O assassino também, contra-almirante Raul! — exclamou Patrícia nervosa.
— Assassino? Mas o Sr. Anderson não caiu do Transatlântico? — perguntou Ana Claudia, confusa.
— Ou foi empurrado? — propôs Mariana.
— Eu vi duas mulheres perto dele. Antes de ele cair. Mas estava muito longe para identificá-las — falou Felícia. — Depois eu ouvi um grito atrás de mim. Virei-me e me distrai. Então elas sumiram — Fabrício recriminou a tia com um olhar, temia por sua segurança. — Foi o que o Dudu me perguntou com “duas”. Ele perguntou se eu vi “duas” mulheres com Arnaldo.
Todos olharam Eduardo que se encolheu.
— Cepá... — Eduardo também olhou para todos. — É que o seu Anderson falou que “elas” iam matá-lo se soubessem que ele havia me contado... As duas piratas, algo assim.
— Não poderia ter sido coincidência, Eduardo? — questionou Milena ainda atordoada.
— Acredita em coincidências, Srta. Milena? — insinuou Melissa.
Ambas se fuzilaram.
— E o Sr. Leonardo? Ele não caiu das escadas? — perguntou Arcanjo assustado.
— Tamos morrendo em ordem. Como nos sentamos naquela proa — falou Eduardo.
— Tá dizendo que os seis morreram porque sentaram na proa de homenagem?
— Não! Não é porque sentaram. É porque tavam lá.
— Está querendo dizer então que os seis homenageados foram assassinados? — a capitã-tenente Bianca falou pela primeira vez desde que chegou.
— Sim. Os seis. E em ordem.
— Desculpe Dudu — falou Patrícia. —, mas não tem lógica.
— É isso mesmo, Eduardo — completou o Dr. Saulo. — E onde entram o técnico, o cozinheiro e o piloto?
— E como o Doutor sabe que o técnico foi assassinado? — foi à vez de Fernando falar algo que fizesse sentido.
— E a carta do seu Paulo Sérgio? E o vírus de computador? E a explosão a gás da lareira? — perguntava Marcella ainda dolorida.
— Alguém contou a Marcella sobre a carta? — cochichou Mariana para Melissa que não soube responder.
— E quem é o próximo homenageado? — Diógenes também fazia perguntas.
— O vereador Arthur! — e o contra-almirante Raul quase mata o grande homem do coração.
Arthur arregalou os olhos para todos e para Eduardo em especial. Ficou imaginando se não era ele o assassino.
— Os marujos espanhóis do século 16 diziam que “quem vai ao mar aprende a rezar”. Acho que não é uma ideia de toda ruim, não? — falou Apilam.
— Não vamos mais nos separar, então — propôs Yara nervosa.
— Guilherme? — chamou Fabrício. — O que aconteceu à usina se estamos à deriva total?
Um ar pesado se instalou perante o corredor e Guilherme olhou para Yara como previra Fabrício.
— Não sei do que está falando, jovem Fabrício? — respondeu Guilherme ao suar.
— Sabe meu nome e não sabe do que falo? Falo da usina atômica, é claro.
O homem pareceu respirar profundamente e buscou Yara com um olhar, novamente.
— O que está insinuando... — o contra-almirante Raul ia falar.
— Chega! — quase grita Yara a olhar Fabrício. Depois soltou os ombros como quem relaxa. — Meu nome é Yara Staushicovsky e não Yara Ramalho. Sou russa! E estou aqui a trabalho.
— Trabalho? Russos no Brasil a trabalho? — tentava Patrícia entender.
— Pensei que a KGB estivesse desativada? — Fabrício falou antes de todos.
— E está jovem Fabrício — confirmou Yara. — Somos do Serviço Secreto. Fomos talhados para essa missão porque somos fluente em línguas — apontou.
— Eu não sabia que távamos sendo assassinados por russos — falou Fernando.
— Não estamos matando ninguém! — respondeu Yara nervosa. — Estamos morrendo também!
— Por que tá contando tudo isso? Vamos morrer? — Fernando lançou outra das suas pérolas.
— Ai! Fê! Cê não tá assistindo a sessão da tarde.
— Ô... Mari... — e parou de falar. — Que cheiro é esse?
— Os antigos Transatlânticos como caravelas e galeões tinham um cheiro próprio - suor, esgoto e alcatrão — falou a capitão Bianca.
— Cigarros?
— Não. As madeiras que revestiam seu casco eram vedadas com cordas embebidas em alcatrão.
— E por que tá cheirando esgoto aqui também?
— A água do mar se acumula no espaço entre o porão e a quilha; mesmo quando a bomba esvazia os porões.
— E isso se traduz que há água nos porões? — falou Melissa. — Vamos afundar?
— O que é aquela usina CN5, Dona Yara? — Eduardo não deixou passar em branco o que tinha dúvidas.
— Contamination Nível 5! E não é uma usina, é um container de segurança para o transporte dos silos. Mas não sei o que carregam. Não tivemos acesso ao conteúdo.
— Resgatam algo que não conhecem? — e Mariana viu Eduardo lhe olhando.
Ele recuou sem graça e o capitão-tenente Laerte Dankovitch o salvou.
— A missão toda era muito sigilosa. Estávamos no Brasil há muito tempo procurando um carregamento russo da época da Segunda Guerra Mundial, colocada estrategicamente para atacar a base americana em Fernando de Noronha. Depois da Perestróica, documentos secretos caíram nas mãos de inescrupulosos. Tínhamos então que resgatar esses silos antes que a imprensa mundial soubesse. Só não nos foi comunicado seu conteúdo.
— Então resolveram tirar esses silos do Brasil fazendo vidas inocentes correr riscos — Fabrício estava indignado.
— Sim. Pareceu-nos que um Transatlântico turístico, em um tour pelo mundo fosse o disfarce perfeito e seguro.
— Então tem o Galeão do pirata Astúria do século 16, o carregamento de silos russos da Segunda Guerra Mundial e o Transatlântico Colosso dos mares?
— Exato!
“Alguma coisa muito grande está lá embaixo”; pensaram todos sem dizer.
Capítulo 21
31 de dezembro
Muitos passageiros tiveram que ser remanejados. Como o próprio pensamento do contra-almirante Raul que ainda queria dar uma festa de réveillon. Havia um rombo muito grande a bombordo, lateral esquerda do Transatlântico. Discotecas, salões de beleza, parques; tudo desativado. A energia seria economizada e apenas três refeições seriam feitas em apenas dois restaurantes localizados na Coberta F. Todos os mais próximos aos homenageados haviam decidido não mais se afastarem um dos outros.
Já era manhã do dia 31 e tudo estava na mais calmaria possível. Eduardo procurava com Mariana, computadores escondidos ao longo de todo o Transatlântico. Os dois se olhavam de vez em quando, se esbarravam de vez em quando, e de vez em quando desejavam mais que ficar se olhando e se esbarrando.
Por algum motivo ficavam tímidos até não conseguirem mais se falar até o final da tarde quando num último esbarrão Eduardo segurou o braço de Mariana, que olhou seu braço sendo seguro por ele. Eduardo não sabia o que falar, não sabia o que fazer com o coração explodindo na garganta. O cheiro de Mariana, a roupa colorida e agora insinuante, os cabelos loiros, os olhos puxados.
Tudo o encantava.
A voz dela, a inteligência dela, ela, os lábios dela que tocou com seus lábios. Ambos recuaram de olhos arregalados. Mariana tocou seus próprios lábios, a saliva de Eduardo ainda estava lá, quente, sensual.
Ambos voltaram a se olhar e desviar tal olhar.
Foram embora após nada encontrarem.
Também nenhum navio ou qualquer espécie de embarcação se aproximavam deles e isso intrigava a turma. Como poderiam estar ali sem comunicação, à deriva e ninguém fazia nada.
Felícia passava as tardes no camarote de Marcella que ainda sentia muitas dores pela queimadura, para depois dormir no mesmo camarote com a capitã-tenente Bianca e a agente secreta Yara, que se oferecera para cuidar de Milena que andava cabisbaixa, chocada pela morte do pai.
Fabrício, Diógenes e Luiz Arcanjo ficariam num camarote e Eduardo e Fernando noutro.
Berenice se apertaria com Melissa, Mariana e Patrícia.
Já as irmãs Roberta e Giulia ficaram noutro camarote, enquanto Ana Claudia e a filha Lorena continuariam no mesmo camarote, depois que a Star Ana Claudia deu um escândalo.
Laerte dividiria o seu camarote com Apilam, e o Dr. Saulo dividiria com o enfermeiro Vladmir.
Raul e Arthur ficariam cada um com seu camarote.
Quando a noite chegou, não houve comemorações. Todos se recolheram após um singelo chá com biscoitos. A tripulação assim como os passageiros buscavam informações com o capitão-tenente Laerte, já que o contra-almirante Raul havia sido excluído e poupado enquanto buscava soluções. Eduardo sabia que sua falta não seria sentida se Bianca e Laerte estivessem à frente do Transatlântico.
Yara resolveu se levantar e levou um susto ao esbarrar numa das alunas suíças, Giulia, no convés principal.
Ela parecia estar zonza.
— O que foi jovem Giulia? — perguntou Yara enfim, assustando a moça.
Giulia arregalou os olhos ao ser interpelada pela agente secreta russa.
— Ãh! Nada... — respondeu confusa.
— Quantas vezes já lhe disseram que as drogas é um caminho só de ida, minha jovem?
Giulia teve medo do que ela faria. Contar aos pais era castigo na certa. Nem o internato na Suíça havia resolvido o problema.
— Eu... — Giulia tinha os olhos vermelhos de quem ultrapassara os limites da sanidade.
— Prometa-se jovem Giulia, que vai buscar ajuda quando voltar?
Nesse momento passaram por ela Roberta e Marcella. Yara não gostou do que viu, Marcella era má, foi a sensação que a experiente agente russa tinha desde o começo da viagem. E como agente experiente sabia que era Marcella quem vendia drogas.
Yara olhou para trás e viu que as três moças estavam indo embora, olhou para frente, para o vazio Restaurant Ptolomis, e resolveu entrar. A luz rareava, segundo após segundo e Yara viu uma sombra. Agachou-se por detrás de uma mesa e ficou na escuta tentando adivinhar de quem era a sombra desenhada nas paredes de vidro jateado. Quando algo caiu no chão, a sombra se assustou e saltou por sobre o balcão. Era ágil, leve e muito pequena. Yara olhou em volta e viu algo brilhando no chão. Agachou-se para pegar o objeto que brilhava perto de uma enorme coluna, que havia se soltado do teto, e agora estava sobre o corpo do vereador Arthur.
— Socorro!!! — ela berrou.
Outro pedido de socorro voltou a ecoar por todo o Transatlântico fazendo muitos saltarem de suas camas, descalços, de pijama. Felícia foi a primeira a chegar, ficou imóvel perante a tragédia.
— Oh, meu Deus! Ainda estamos morrendo? — perguntou derramando uma lágrima, abraçada ao sobrinho Fabrício que acabava de entrar.
Capítulo 22
Já Eduardo ouviu gritos e passos no corredor após sair de seu camarote. Olhou em volta e não viu Fernando. Foi direto ao camarote de Berenice, Melissa, Mariana e Patrícia, mas elas também não estavam lá. Eduardo não sabia nada sobre o ocorrido com o vereador. Também foi ao camarote do Dr. Saulo e do enfermeiro Vladmir, mas ninguém estava lá. Eduardo então ouviu um grande ruído vindo das cobertas abaixo dele. Desceu as escadas até encontrar estilhaços miúdos no chão do corredor da Coberta K. Mais vidros eram arremessados de dentro do escritório do contra-almirante Raul. Dessa vez os estilhaços chegaram a seus pés.
— Idiota!!! — gritou uma voz masculina dentro do escritório.
Eduardo escondeu-se na curva do corredor. Tudo estava confuso naquele Transatlântico. E pensar um pouco mais que o habitual, vinha salvando sua vida desde que iniciara aquela viagem.
— Eu devia era ter matado você! — gritava agora uma voz feminina.
Eduardo se esticou, não reconheceu nenhuma das duas vozes. De repente ouviu passos no corredor. Ficou com medo.
— Droga! — Eduardo correu degraus acima numa velocidade extraordinária. Teve a sensação que estar sendo seguido por muitos. Mal conseguia respirar.
Alguém gritou em dialeto russo. Era uma voz masculina. Eduardo não soube traduzir.
“Laerte?” “Guilherme?” “Apilam?” “Saulo?” “Vladmir”, pensava Eduardo a cada curva, a cada degrau que vencia.
Eduardo percebeu que eles se aproximavam e obrigou seu corpo a dar 180º e se lançar no corredor da Coberta F, a coberta da 2º classe.
— Ai!!! — Eduardo gritou de susto. — O quê... O quê... O que tá fazendo aqui Milena?
— Papai me disse que foi o tremor que os matou.
Eduardo arregalou os olhos e ficou sem entender.
— Do... Do que tá falando? Que tremor? Matou quem?
— Os quatro mergulhadores da Interpol que haviam sido mandados pra ajudar papai nas escavações — Milena estava gélida. — Felipe no começo desviava o assunto. Depois foi aos poucos contando pro papai, que os russos procuravam uma arma biológica nas águas de Fernando de Noronha.
— Por que... Por que tá contando... — Eduardo lembrou-se de repente de Fernando e suas pérolas.
Mas Milena estava branca, esquisita mesmo.
— Os mergulhadores acharam o aríete do Galeão depois de um tsunami — ela prosseguiu. — Um tsunami provocado pelo maremoto que descolou o piso do mar. Um maremoto causado pela tal arma biológica — e chorou.
“Arma biológica...” “Arma biológica...” “Arma biológica...”; ecoava por todo Eduardo que olhava em volta atônito e ninguém parecia ter dado falta deles.
— Foi horrível, Eduardo — ela terminou de falar e Eduardo tinha tanto medo de estar com ela quanto quando Melissa o pegava olhando Mariana.
— Eu... Eu... Sinto muito...
— Eu e papai fomos a um lugar secreto, em Pernambuco. Uma semana depois do descobrimento. Fomos visitar um dos mergulhadores que ainda tava vivo.
— “Que ainda tava vivo”?
— Ele havia perdido as mãos, os pés, um pulmão, a visão. Morreu um mês depois.
— Cruzes! O que houve?
— A Segunda Guerra Mundial acabou e então veio a Guerra Fria que persistiu até 1990, quando a OTAN e o Pacto de Varsóvia, declararam não serem mais inimigos e surgiram acordos para se reduzir os arsenais, tanto bélicos como nucleares. Tudo foi arquivado e os silos contendo as armas biológicas foram esquecidos em Fernando de Noronha — e apontou para os pés como quem aponta para o fundo do mar.
— Tá falando que os russos criaram uma arma biológica que afina a areia e faz o chão do mar ceder?
— Sim. Era pra não deixar os navios americanos saírem de Noronha quando eles atacassem a base aqui instalada.
— Meu...
— Estavam em guerra, né? Além de tudo, o produto também é radioativo, Dudu.
Eduardo estava atordoado com o que Milena falava, mais ainda como foi chamado.
— Por que não contou pra polícia?
— E adiantaria? Eles já tinham tudo esquematizado. Pagaram o vereador Arthur pra retirarem daqui tudo escondido.
— Mas os russos não têm culpa, Milena. Isso foi na guerra. A guerra é suja, mas acabou. Eles só tavam tentando diminuir o estrago — Eduardo olhou Milena. — Não é isso? — olhou Milena que não respondeu. — Ah! Cê não podia falar pra polícia porque teu pai era russo, né? Não podia falar e acabar sendo confundida como sendo um deles.
— Sabe Dudu... — ela voltou a chamá-lo sem muita cerimônia. — Acho que o assassino veio vingar algum mergulhador...
— Cepá... Todos mortos... Pela vingança do pirata Astúria! — completou Eduardo lembrando o que o armador Anderson falara. Olhou um lado e outro. — Vamo! Vamo sair daqui!
Capítulo 23
01 de janeiro
A madrugada chegou e Milena arrumava a sua cama. Estava cansada, com muito sono, mas feliz de ter contado tudo o que sabia a Eduardo. Desde a morte de seu pai que não fazia mais de uma noite, um delicioso descanso. Horas de saudades batiam no seu coração.
“Se os russos descobrirem...”, pensava Milena, temendo pela sua vida.
Yara bateu na porta, queria ajudar Milena de alguma forma.
— Não precisa se preocupar Srta. Yara. Eu tomei o calmante que o Dr. Saulo me deu, e tô só um pouco sonolenta.
— Eu também tomei uns calmantes do Dr. Saulo, minha jovem, mas eu quero te ajudar.
— Obrigada. Você e a Srta. Felícia tem sido tão carinhosa comigo.
Yara ouviu quando a porta do camarote ao lado bateu.
— Será o jovem Eduardo ou o jovem Fernando? — falou se sentindo um tanto zonza.
— O que foi? — sobressaltou-se, Milena.
— Ãh? Ouvi um barulho no camarote ao lado. É o dos jovens, não?
— Eu vou ver.
— Não, Milena! — exclamou Yara. — Pode ser perigoso.
— Vamos juntas então — respondeu Milena.
— Nossa! — falou Yara quase caindo. — Acho que exagerei no calmante.
— Vamos! — levou-a para dentro de seu camarote. — Deite-se! — encostou-a no sofá.
Yara não ouviu Milena que saiu para averiguar se estava tudo bem com Eduardo e Fernando.
A porta estava entreaberta. Havia sons lá dentro. Milena esticou a vista e viu a perna de um homem que usava uniforme. O homem se virou para a porta e Milena ficou apavorada de ter sido vista. Correu após arrancar os chinelos e foi em direção as escadas. Sentiu tonturas pelos calmantes, pelas emoções vividas, desmaiou sendo socorrida por Fabrício que passava por ali.
Capítulo 24
Eduardo resolveu descer até o CN5 e tirar as últimas dúvidas. Passos e ele estancou. Depois teve a impressão de ter visto uma imagem se refletir no espelho da parede do corredor que atravessava. Recuou para olhar. Olhou para trás. Nada viu. Voltou-se para frente e no espelho, só a sua imagem refletia de alguém que o seguia.
— Que droga! — e Eduardo correu. Um acesso bloqueado após a explosão do camarote de Felipe o obrigou a recuar. Estancou assustado novamente ao ver um vulto negro que disparara atrás dele. — Não!!! — gritou quase sem voz. — Socorro!!! — e Eduardo viu que o vulto negro era pequeno, ágil, assustador. Ele tropeçou. Projetou-se para frente. Um zumbido se fez quando caiu no chão. Não teve tempo de ver o que era. Levantou-se e correu. Virou para sua esquerda. Uma flecha acertara o papel de parede na altura dos olhos. — Socorro!!! — e Eduardo correu novamente fazendo uma curva quando outra flecha passou-lhe bem junto ao ouvido. Eduardo voou escadas abaixo. Caiu. Rolou degraus a contar. — Socorro!!! — e saiu na Coberta I. Não queria ir para o porão, mas não tinha alternativas. — Socorro!!! — gritava Eduardo enquanto corria. Uma flecha caminhou paralelo. Estourou o líquido que guardava na ponteira. Eduardo ficou cego momentaneamente. Quando tentou formar uma imagem, ela ficou distorcida. — Não!!! Socorro!!! — Eduardo sentiu seu corpo balançar, amolecer.
O veneno na ponteira da flecha atingira sua corrente sanguínea. As paredes se aproximaram, foi a sensação que teve. As paredes lhe avançavam e gritavam com ele.
Eduardo sentiu-se nonsense, delirando pela ação do veneno.
— Vai morrer! — falava o vulto negro.
— Soco... — Eduardo olhou para trás, a figura se duplicava, triplicava, virava quatro.
Vozes mais a sua frente fizeram o vulto negro o atacar novamente. Eduardo correu totalmente desorientado e chocou-se com uma parede. O sangue invadiu sua têmpora.
— Vai morrer como todos os outros! — insistiu o vulto negro.
— Soco... Soco... — Eduardo alcançou uma escada. — Socorro... — escorregou degraus para baixo.
Os degraus da escada eram de metal. Eduardo bateu a cabeça várias vezes. Desmaiou e acordou perante o impacto. Estancou no frio do chão. Ainda pôde ouvir risadas.
O vulto negro estava muito próximo. Eduardo se arrastou para depois se lançar mais degraus abaixo. Seu braço se projetou no ar, ele estava na ponte que ligava um lado da usina de vapor a outra. Vozes sobressaltadas se fizeram abaixo do seu corpo. Eduardo não tinha mais força para fugir. Um estampido foi a última coisa que ouviu.
“Um tiro?”, e Eduardo desmaiou.
Capítulo 25
02 de janeiro
Eduardo abriu os olhos enfim. Passara a madrugada sob observações do Dr. Saulo. Sentiu-se zonzo ao lado de tanta gente. Na pequena sala da enfermaria estavam Milena, Ana Claudia, Lorena, Arcanjo, Marcella, Felícia, Fabrício, Diógenes, Melissa, Mariana, Fernando, Patrícia, Berenice, Roberta e Giulia. Ainda os tripulantes Raul, Laerte, Apilam, Guilherme, Bianca e o enfermeiro Vladmir.
— Bom dia Eduardo — falou Laerte, feliz, ao vê-lo despertar.
— O que... — tentou falar.
Seus olhos giraram 360º.
— Você ainda está sob o efeito dos reagentes, jovem Eduardo — explicou o enfermeiro Vladmir.
— Foi muita sorte que Melissa e Laerte o encontrasse a tempo — disse à capitã-tenente Bianca.
Eduardo achou que a capitã-tenente Bianca estava escondendo algo.
— O enfermeiro Vladmir tirou uma amostra de seu sangue Dudu e descobriu o veneno — relatou Mariana.
— Curare — falou Milena tentando se aproximar dele.
Melissa por diversas vezes teve vontade de afastá-la dali, mas desistiu de todas sob observação de Fabrício.
— Que maravilha! Coisa de índio! — falou Fernando, encantado com a inusitada viagem. — Ai!!! — gritou pelo beliscão de Patrícia.
— Não falei que ele terminava a viagem defeituoso — emendou Mariana.
— Onde tá o outro? — falou Eduardo ao passar a mão pelo braço enfaixado.
— Outro quem? — perguntaram quase todos.
— Cadê o Dr. Saulo? — Eduardo tentou se levantar. — Eu ouvi uma discussão dele com uma mulher. Ela dizia que devia o ter matado antes.
— Saulo foi morto a tiros, pela arma da agente secreta Yara — falou Milena. — Seu Laerte o encontrou no chão do escritório do contra-almirante Raul.
— Mas a voz feminina não parecia ter sotaque russo.
— Yara se suicidou logo depois. Tomou uma dose de calmantes. Milena disse que ela contou que Dr. Saulo havia dado calmantes a ela — completou o enfermeiro Vladmir.
— Não acredita que o Dr. Saulo era o assassino, Eduardo? — perguntou o capitão-tenente Laerte desconfiado da careta que Eduardo fez.
— Ele matou meu pai... — e Milena se pôs a chorar.
Melissa a olhou de lado. Não conseguia ter pena dela não sabia por quê.
— Pobre menina — falou Felícia para Milena que desatou a chorar.
Aquela frase ecoou por todo o corpo de Eduardo. Algo muito, mas muito grande mesmo deu um volta dentro de suas ideias.
— Eu poderia dormir um pouco? — falou Eduardo para todos já fechando os olhos.
— Por favor, saiam todos. O jovem Eduardo precisa realmente descansar — e a capitã-tenente Bianca se virou para o enfermeiro Vladmir que também ia sair. — É melhor não deixar o Eduardo sozinho.
O enfermeiro Vladmir esperou fecharem a porta e começou a arrumar sua maleta.
— Enfermeiro Vladmir? — falou Eduardo numa voz carregada de emoção.
— Oh! Eduardo? Eu achei que estivesse dormindo?
— Quem morreu primeiro? Saulo ou Yara?
— O Dr. Saulo.
— Então Yara, dopada de calmantes, conseguiu gritar com o Dr. Saulo, quebrar um montão de coisas no escritório, e fugir sem ser pega, pra então se suicidar? É um bocado de suicídio, né?
— Uhm… — o enfermeiro Vladmir ficou olhando pela escotilha.
Um olhar bem distante.
— Pensa como eu, enfermeiro Vladmir? Que Saulo não era o assassino de Paulo Sérgio, Leonardo, Tânia, Anderson, Felipe, Agrimon e nem Arthur. Ele era sim, a vítima de número oito? Yara a vítima de número 9?
— Minha nossa! — o enfermeiro Vladmir exclamou se jogando sentado, esparramado na cadeira. — Vai começar tudo de novo?
— Não! Tá na hora de terminar o jogo — Eduardo sorriu cínico. —, afinal só falta eu e aquela escandalosa atriz.
Final
03 de janeiro
As ondas pareciam mais suaves que seda e o Transatlântico as cortava como quem pedia passagem. Estava colossal em seu retorno ao Porto de Suape, puxado por um rebocador.
Muitos foram os que nada compreenderam sobre o pesadelo que entrou em suas vidas, triste a história dos que não retornariam mais.
— Recebemos através de sinais de luz, uma mensagem que diz que o Departamento Central Nacional da Interpol aqui no Brasil nos espera no Porto — falou o capitão-tenente Laerte para Eduardo que tomava um refrigerante com o enfermeiro Vladmir na copa.
— Ótimo — foi só o que Eduardo respondeu.
— Jovem Eduardo... — tentou Laerte falar.
— Não quero falar sobre isso, capitão-tenente Laerte. Doeu muito fazer o que eu fiz.
— Entendo — Laerte se virou para sair e deu de encontro com Melissa que adentrava na copa.
— Laerte? Espere! Vou com você — e o enfermeiro Vladmir saiu deixando o casal sozinho.
— Temos mesmo que falar tudo aquilo que o Fabrício falou? — questionou Melissa.
— Se a gente não quiser se envolver num acidente diplomático, vamo ter que pela primeira vez — deixou Eduardo bem claro no pigarro que deu. —, concordar com o Fabrício.
— Ai, Dudu. Só cê, mesmo — Melissa riu e prosseguiu. — Eu tava falando com a Mari e... Sei lá, às vezes a Mari é mais adulta do que eu e...
— “E”? O que ela disse? — agora Eduardo teve medo.
— Ela gosta de você.
Eduardo sentiu que ia morrer da morte que escapou de morrer.
— Mel...
— Não fala Dudu. Não fala... — Melissa então puxou uma cadeira e se sentou. Usava um vestido clarinho que Eduardo interpretou como um sinal de paz. — A Mari disse pra nós dois repensarmos o que aconteceu com a gente. Pensar em todas as besteiras que fizemos e ficarmos numa boa.
“Ficarmos numa boa... Ficarmos numa boa... Ficarmos numa boa...”; aquilo soou dolorido.
— Mel... Eu... Só eu fiz besteira, Mel. Com você, com a Mari, cepá… até com a Milena. Cepá, comigo — e se levantou. — Talvez mais com a Mari...
— Vamos colocar uma pedra em tudo?
— Uma pedra não ajuda. É preciso que eu repense tudo, nós... Entende? E tem, também, esse tal medo da transformação em homem. Acho que vem perturbando minha cabeça.
— Não é isso Dudu. É que acho que ainda não é hora pra gente... Entende? Transar.
— Eu achei que você indo pra faculdade… Sei lá... Cepá… fosse me esquecer. Tive medo de perdê-la e... Entende? Eu gosto dela…
E Melissa parou de respirar.
— Gosta dela?
— Gosto dela…
E Melissa chorou. Eduardo ia falar, fez até um movimento, mas Melissa pediu que ele nada falasse.
Eduardo olhou um lado, outro, e ela.
— Sabe o que eu acho? — sorriu Melissa como antigamente — Que cê e a Mari ainda vão brigar muito.
— Mel... Eu...
— Não fala — e o beijou.
Um beijo dolorido; fadado a terminar.
Fernando entrou naquela hora, Eduardo e Melissa quase saltaram cada um para uma parede oposta achando que era a Berenice.
— Ops! — exclamou Fernando saindo e voltando. — O Delegado José Liberato vai tá lá no Porto pra pegar os hackers — explicou.
— Crackers, Fê. Os hackers são legais.
— Ah! Então tá então — e fez que se foi, não indo.
— Como soube Dudu? — Melissa fez um carinho em Eduardo.
— É isso mesmo... — reiterou Fernando ainda na porta. — Tu não disse que não existia hackers mulheres?
— Cepá... Sabe? Quando a rede começou, a maioria eram homens. E eles ficaram tão espertos que viraram hackers. Aí as mulheres chegaram e tomaram conta da rede, e acabaram ficando entendidas, também — Eduardo riu ao olhar Melissa com carinho. — O mundo tá de ponta cabeça, mesmo.
Melissa achou graça e os três foram para o convés principal esperar os pais que já haviam desembarcado de manhã no aeroporto.
Depois ela se virou para Eduardo.
— Cê vai dizer a ela?
— Vô!
Melissa sentiu dor no que ouviu. E foi uma exclamação forte.
— Meu... Eu fiquei esse tempo todo com medo da Mari gostar de você e… — seus olhos nipônicos brilharam. —, e em nenhum momento me preocupei que era cê que gostava dela, né?
— Mel...
— Ah... Dudu...
— Não... — colocou um dedo nos lábios de Melissa que se encheram de lágrimas.
Fernando também chorou muito ao saber que veria a mãe e o pai outra vez. Sentiu que havia renascido no dia do aniversário dele. Foi só o Transatlântico lançar ancora e os tombadilhos foram lotados por repórteres, ávidos de notícias. A porta do salão de baile foi aberta no mesmo momento que uma multidão gritou de euforia.
— Por favor! Por favor! — tentava a capitã-tenente Bianca acalmar os jornalistas brasileiros e internacionais que vieram para cobrir a maior tragédia turística.
O contra-almirante Raul tentou falar:
— Eu não tenho muito a dizer a não ser que a Companhia Marítima Anderson Vostovisova está consternada com tudo o que aconteceu e vai pagar... — e não conseguiu terminar.
A Interpol ancorada pela polícia federal brasileira começou a empurrar todos para fora, e um levante de revolta se iniciou no salão do convés principal do Transatlântico.
— Por favor, silêncio — tentava a capitã-tenente Bianca mais uma vez.
Fabrício estava sentado na última fileira de mesas, tinha o rosto coberto por um boné. Observava os agentes da Interpol, amigos dele, trabalharem. Diógenes era um deles, um agente da Interpol que estivera infiltrado entre os russos por um tempo.
Fabrício adorava ser um policial. Saiu daquela baderna e encontrou Eduardo e Melissa a observar o mar.
— Eduardo? — chamou Fabrício. Melissa sorriu para os dois e percebeu que queriam conversar. Saiu para procurar Berenice, Fernando, Mariana e Patrícia. Eduardo se levantou e foi até o gradil. O Delegado José Liberato havia vindo pessoalmente buscar a guru cracker Milena. — O coração é algo muito engraçado — falou Fabrício como quem falava para si mesmo.
Eduardo sorriu apenas, não queria entrar no tema “Mel” depois dele próprio saber que Mariana sempre esteve em seus sonhos. Muito menos queria entender o porquê de Milena ser uma cracker fria, assassina, e cruel.
— Ela vai ficar bem? — Eduardo mostrou Milena sendo algemada.
— Sim. Você sabe que José Liberato é um cara legal. Milena vai pagar suas dividas com a sociedade, mas José Liberato vai cuidar dela.
— É… Eu sei…
Milena olhou para cima e avistou Eduardo na proa, deixou uma lágrima escorrer. Eduardo recuou, não quis vê-la nem quando mandou o contra-almirante Raul dar ordem de prisão a ela, por ser a autoridade maior dentro do Transatlântico. Também não quis vê-la quando Laerte, Apilam e seus homens algemaram seus comparsas - Arcanjo filho e Marcella, hackers, crackers e phreakers do grupo The avenger.
Os três presos haviam sido colocados no camarote da capitã-tenente Bianca para serem vigiados até chegarem ao Porto.
José Liberato avistou Eduardo e Fabrício na proa e fez-lhes um sinal de cabeça. O carro com Milena, Arcanjo filho e Marcella, partiu. Rocha que estava no Transatlântico a pegar depoimentos se encontraria com eles mais tarde.
— Ainda não me disse como soube que Milena era a cracker assassina, Eduardo?
— Até Milena mandar Marcella me matar, eu não sabia, não — respondeu Eduardo. — Ou se desconfiava, nunca quis acreditar.
— Marcella fez o que?
— Era ela vestida de ninja mandando aqueles dardos com veneno indígena para cima de mim.
— O Diógenes, que era agente da Interpol aqui, comigo… — explicou Fabrício. —, prendeu a Geraldina e a Adelaide, ladras internacionais. Pode ser que tenham levado um extra da Milena para roubar as baterias, celulares ou o que fosse para que não houvesse comunicação alguma.
Eduardo prosseguiu:
— O técnico de computadores, Mr. Fish e o piloto não faziam parte da lista da cracker assassina. Ou seja, não faziam parte da lista de assassinatos de Milena — concluiu Eduardo. — Eram apenas algumas arestas que precisavam ser aparadas.
— Mas por que morreram?
— O técnico era hacker do grupo The avenger, liderado pela guru Milena. Ele ia se mandar antes do desastre e precisou ser eliminado. Mr. Fish era outro hacker — contou Eduardo. — Ele que trouxe as galinhas que estragaram o netbook da Mari. “Eu vi conversando com ela, ninguém me contou”, a cozinheira Adelaide ouviu Milena falar. Milena teve de liquidar Mr. Fish ao ver ele se queixar de algo pra Marcella. Foram Marcella e Milena que jogaram o corpo de Anderson no mar. “Duas piratas” como disse sua tia Felícia — Eduardo olhou para Fabrício. — Foi Mr. Fish, também, quem escolheu os mexilhões russos que davam reação, que provocavam envenenamento alimentar ao reagir com o medicamento que o arqueólogo Agrimon colocou na comida de Paulo Sérgio; aliás, o único com tal oportunidade na mesa. Acredito que Agrimon chantageou Leonardo e Tânia pra não comparecerem no jantar de gala e assim tomar seus lugares.
— E o piloto?
— O piloto morreu, acho, porque ia dar com a língua nos dentes ou porque ia fugir com o tal técnico.
— Que triste tudo isso não? — e Fabrício se virou para ir embora.
— Fabrício? — Eduardo o chamou e Fabrício parou de costas para ele. — Obrigado. Por me salvar no mar.
Fabrício só sorriu.
— Você e Melissa?
— Demos um tempo.
— Isso significa que...
— Isso não significa nada. Ela não é minha propriedade.
Houve um breve silêncio.
— Isso significa que...
— Talvez signifique que já não precisa mais de agendas secretas no seu computador.
Fabrício ergueu tanto as sobrancelhas que teve medo de encarar Eduardo. Ficou imaginando se além de endereços e plantas do Transatlântico ele também tenha lido a pasta ‘poesias’.
Melissa voltou com Mariana, Patrícia, Berenice, Fernando e Rocha. Sentaram todos os oito ao longo das banquetas no convés das homenagens para ouvir Eduardo.
— Sei lá, Meu! Eu devia ter desconfiado desde o começo que tinha algo errado comigo; eu dormia o tempo todo. A Berenice dizia que eu tinha pressão baixa, ficava mareado em alto mar e tal, mas depois comecei a desconfiar que cepá… alguém me quisesse fora da jogada — olhou para todos. — Depois o lance do netbook danificado que quando descobriram que era da Mari e não meu, sumiram com meu Tablet e qualquer outro do Transatlântico. Imagina o trabalhão que tiveram né? Porque meu... Quem não tem um gadget hoje em dia?
Fernando se olhou, olhou todos e se olhou. Seja lá o que for aquilo que Eduardo falou, ele tinha que ter.
— E os outros Dudu? Morreram por quê?
— 1º Paulo Sérgio, porque construiu o Transatlântico e queria a tal proa do Galeão — Eduardo ia explicando.
— Leonardo? — começaram a perguntar um por um.
— 2° Leonardo, porque construiu o Transatlântico e projetou a proa deixando Paulo Sérgio entusiasmado.
— Tem mais — explicou Rocha lendo o relatório da Interpol. —, o engenheiro Leonardo construiu a máquina e os silos que levavam a arma biológica russa. Ele era um jovem espião duplo durante a Segunda Guerra Mundial.
— E Tânia, Dudu?
— 3° Tânia, porque sabia demais, porque ela era cúmplice nas ideias de Leonardo. Foi ela quem intermediou a venda de todas as peças pro Transatlântico.
— Meu! O que a minha escola não vai dizer? — Patrícia fez uma careta.
— Anderson?
— 4° Anderson, porque financiou tudo isso e comprou o silêncio do vereador Arthur; o 5° a morrer. Anderson também morreu por não ter contado sobre o carregamento perigoso no fundo do mar, que resultou no câncer e morte de todos os mergulhadores.
— Felipe?
— 6° Felipe, porque era o curador das obras. Ele queria porque queria as peças do Galeão mesmo sabendo do carregamento. Ele nunca contou a Agrimon e a equipe dos riscos que corriam.
— Mas Agrimon sentou na proa como homenageado?
— Aí que tá o grande equívoco — explanava Eduardo. — Ele não fazia parte da lista de alvos a serem mortos, e Milena até teve sorte, entre aspas, porque se alguém desconfiava dela até aquele momento, mudou de ideia. Um assassino não ia matar seu próprio pai. Não amando ele como Milena o amava. Agrimon sofreu o único acidente verdadeiro do Transatlântico ao ser eletrocutado nos cabos de alta voltagem, no piso encharcado d’água. Depois sua morte reforçou a contagem e ele foi o 7° a morrer.
— A Interpol também falou que o arqueólogo Agrimon Mantas estava morrendo de câncer. O mesmo câncer causado aos mergulhadores por causa do carregamento das armas biológicas — emendou Rocha.
— E o piso?
— Alguns técnicos da Universidade Federal de Pernambuco, a USP e a Interpol estão lidando com o problema. Aposto que conseguiram resolver — falou Rocha outra vez olhando Berenice mais do que o normal. E Berenice arrumou os cabelos rapidamente, achava Rocha um gordinho muito interessante. — Ainda fazendo bolo de laranja com cobertura de açúcar?
— Ah... Você, digo, Senhor, policial.
— Rocha...
— Ah! O policial Rocha se lembra?
— Me lembro? Não, não. Apenas não esqueci.
Patrícia, Melissa, Mariana, Fernando, Dudu e Fabrício se olharam. Patrícia, Melissa e Mariana riram discretamente após se cutucarem.
— E o Dr. Saulo, Dudu? — perguntou Fernando quebrando o romance no ar.
— 8° Saulo, foi morto por Ana Claudia, por ciúme. Eles eram amantes. O capitão-tenente Laerte me contou. Milena deu sorte com isso também, pois se livrou de matá-lo.
— O delega mandou expedir um mandato de prisão contra a atriz Ana Claudia, mas já procuraram por todo o Transatlântico e ninguém a viu — Rocha sorria outra vez para Berenice.
Berenice completou:
— A camareira Geraldina me contou que foi por causa de uma atriz que o Dr. Saulo abandonou a esposa e a filhinha recém-nascida. Na hora nem me toquei.
— Que mau gosto — pronunciou-se Patrícia.
— Mas ele também era um homenageado, Dudu.
— Sim, o Dr. Saulo era russo. Foi trazido ao Brasil para cuidar dos mergulhadores. Acho que ele deu um jeito de adiantar a morte deles e calá-los.
— E quando Milena percebeu isso, se aproveitou do fato para envolver Yara — emendou Fabrício.
— Exato! — exclamou Eduardo. — A 9° a morrer foi Yara. A Milena viu Ana Claudia matando Saulo. Ela tava me seguindo e me viu lá na hora da discussão. De certa forma, eu era uma testemunha ocular que a livraria.
— E Yara?
— Milena a matou primeiro pra reforçar a maldição dos homenageados. Também porque ela era uma agente russa que não denunciou a existência das armas. Acho que Milena acreditava que todos eles sabiam o que continham nos silos.
— E também porque ia escapar da suspeita uma vez que estava dormindo pelos calmantes do Dr. Saulo — lembrou-se Fabrício. — Eu caí como patinho quando a encontrei desmaiada no chão do convés, e levei-a ao seu camarote, com Yara já morta lá.
— E você, Dudu? — questionou Mariana. — Por que tava na lista?
Eduardo olhou para Melissa antes de continuar.
— Quando cheguei aqui, ela deve ter tido acesso a lista de passageiros e me sorteou pra as homenagens.
— “O vingador!” — lembrou Patrícia.
— É isso mesmo! Mari andou invadindo sites hackers, como o site do The avenger na Deep Web, bem lá no fundo. E eu também, sem que ela soubesse de mim e eu dela — Eduardo olhou Mariana cabisbaixa. O coração de Eduardo doeu naquele momento. — Quando Mari me enviou a cópia do e-mail, Milena rasteou meu IP e disparou um Trojan, para ler o conteúdo do meu Tablet.
— Mas teu Tablet não é novo? Você não ia nesses sites no computador antigo? — tentou Fernando, entender.
— É! Claro! Mas no Natal recebi um bocado de e-mails com neve caindo e músicas de fundo que acionaram um B.O., um Back Orifice, o Trojan horse. Quando Milena teve oportunidade de invadir meu Tablet, achou o e-mail sobre os peixes morrendo que a Mari me mandou. Então se mostrou como sendo o guru do The avenger.
— Por isso que o delega falou que os tais hackers haviam comprado dois vestidos de baile e dois smokings com cartão de crédito clonado — lembrou-se Rocha.
— Um vestido pra Milena e outro pra Marcella, um smoking pro pai e outro pro Arcanjo — falou Mariana. — Que espertinha, né?
Eduardo prosseguiu após suspirar. Mariana se assustou com aquilo. O suspiro foi para ela, por causa dela.
— Hoje em dia existem centenas de programas SPLOITS que tem a finalidade de quebrar seguranças, senhas e etc. Isso faz com que qualquer garoto ‘absolutamente normal’, e que apenas tenha mais um pouco de conhecimento que os usuários comuns, invadam computadores pessoais ou até de empresas. Eles usam receitas de bolo deixadas pelos verdadeiros crackers. Mas em nível de hacker e crackers, são débeis.
— Eduardo, você me assusta cara — riu Fabrício.
— Sabem — Eduardo olhou em volta. —, não acho certo o que ela fazia ao invadir sistemas e roubar coisas, quebrar cartões de crédito e tal, mas pra ela sua vingança tinha algum sentindo — divagou. — Depois acho que Milena me odiou ao querer um amor impossível. Porque nem eu sei quem amo mesmo... — Mariana e Melissa sentiram aquela frase; Fabrício também. — Sei não, acho que também fui culpado o tempo todo. No fundo eu queria me castigar perdendo você, Melissa — olhou-a no que ela derramou uma única lágrima.
— Dudu... Eu...
— Não Mel — Eduardo fez um movimento que calou Melissa e todos ali.
Mariana sabia que havia uma chance para ela, que ia ser difícil enfrentar a irmã, o ex-amor entre eles, mas com Melissa interessada em Fabrício, Fabrício sempre interessado nela, e ela ali, a irmã mais nova, apaixonada pelo namorado da irmã mais velha.
“Que confusão”; ficou em seus pensamentos.
Eduardo a olhou parecendo saber de tudo aquilo. Sentiu-se em frenesi, com vontade de terminar aquela cena beijando a bela Mariana. Balançou a cabeça tentando não pensar aquilo naquele momento, no momento em que Melissa e Mariana se olharam, sorriram e se perdoaram sobre qualquer coisa, mesmo que soubessem que iam chorar as pitangas quando voltassem, a São Paulo porque sabiam acima de tudo que eram irmãs e amigas.
— “Os onze homenageados” e “O vingador virtual” — falou Rocha. — Dá um roteiro de filme, não dá? — todos riram.
A paz parecia que ia voltar a reinar, em meio aos casais, alguns recém-formados.
Todos se levantaram e começaram a levar suas coisas de mão, as de Mariana pesavam como de costume e dessa vez Eduardo estava lá para ajudá-la.
— Ah... Brigada Dudu... — e Mariana viu Eduardo paralisado. — Não vamo esperar chegar a São Paulo, né? — e se lançou em Eduardo aos beijos, fadados a não terminar.

 

 

                                                   Marcia Ribeiro Malucelli         

 

 

 

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