Criar uma Loja Virtual Grátis
Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


OPERAÇÃO ZELADORES DO TEMPO M. R. Malucelli
OPERAÇÃO ZELADORES DO TEMPO M. R. Malucelli

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT 

 

 

Series & Trilogias Literarias

 

 

 

 

 

 

Burj Al Arab Hotel; Dubai, Emirados Árabes Unidos.
25° 8’ 28” N e 55° 11’ 8” E.
27 de setembro; 07h44min.
Sean Queise apertou a campainha da suíte real do Burj Al Arab, o hotel ‘sete estrelas’ de Dubai; um emirado dos Emirados Árabes Unidos. Foi recebido pelo opulento grego Zenon Kanapokolo, criado e secretário da não menos opulenta grega, Aagje Papadopoulos. E tudo isso depois de atravessar o átrio de colunas forradas de ouro da suíte duplex de 238 m2, e subir ao segundo andar da suíte, já no 25° andar do mais opulento hotel construído sobre uma ilha artificial de 280 metros, 919 ft, fora da praia de Jumeirah, conectado com a ilha principal por uma ponte curvada particular, que mantinham os dois juntos.
Era muita opulência.
— Pois não? — perguntou em grego o grande secretário Zenon Kanapokolo ao abrir a porta dupla.
— Depois de ficar encantado com tanto amarelo no átrio dessa suíte, a encantadora Senhorita ouro poderia me receber?
Zenon até quis refutar, mas se controlou como um fiel secretário deveria se controlar.
— Na sala de TV, Sr. Queise — Zenon Kanapokolo apontou para trás dele, para uma sala tão amarela quantos todos os metros por onde já passara.
“Sala de TV?”, pensou Sean ao ver que a sala era do tamanho de seu quarto no Burj Al Arab andares abaixo, e que não era os dos menores em que já estivera.
O sofá era para aproximadamente 20 pessoas e ele dava a volta na sala, onde a TV ficava tão adornada no centro de cortinas, que mal se via sua imagem. O tapete também fazia tantos losangos que sua vista se enganava com o piso.
Sean ficou a ver o secretário lhe observando.
— Tem certeza mesmo que ela quer ver-me?
— Confesso que também não entendi tal convite Sr. Queise, visto que se odeiam publicamente.
— Eu odeio muita gente publicamente, Kanapokolo. Ela é só mais uma... — sorriu cínico.
O secretário se virou e sumiu ele nem podia imaginar para onde; Sean sentiu-se pequeno perante tanta opulência. Teve medo não soube do que. E não gostou das sensações que vinham com aquele medo.
A Silicio Company era a maior produtora de zeólitas, que por sua vez, eram compostos de alumínio e silício, aluminossilicatos, com alto grau de ordenação a nível microscópico. Ela vinha a anos abastecendo o mercado com sílica cada vez mais acessível, barateando os computadores como final de linha. Computadores como os da Computer Co. de Sean Queise e de tantas outras concorrentes. Contudo, naqueles últimos tempos a Silicio Company vinha mudando sua maneira de agir, deixando o mercado sob atenção; a Silicio Company queria algo mais além do que fabricar sílica, ela queria o rico e lucrativo mercado de produção de chips.
E foi então que o duelo entre gigantes começou a alcançar a mídia especializada.
Sua proprietária, Aagje Papadopoulos, assim como Sean Queise, assumira cedo a empresa de seus pais. Syrtys Papadopoulos, pai de Aagje, que nunca mediu palavras e ataques a Sean e aos concorrentes, queria deliberadamente roubar o lugar de destaque que a Computer Co. de Sean Queise sempre tivera, e o mercado coorporativo ficou aguardando preços menores advento dos duelos que persistiam naqueles últimos meses.
A Computer Co. havia entrado de cabeça no ‘cloud computing’ e a necessidade de chips cada vez mais potentes era inevitável para seus mainframes; aquilo exigia investimentos altos que não trariam barateamento de custo tão iniciais. Mas a Silicio Company prometia baixo custo interessando a M.S.Comput, a maior concorrente da Computer Co. naquele momento o que provocou Sean a explodir, a ir público duvidar daquilo, dos baixos custos. E com a Silicio Company querendo uma fatia desse mercado, ele se viu entre acirradas disputas judiciais para reafirmar sua escolha como hegemonia na hora de vendas, que já começavam a balançar desde a morte de seu pai Fernando Queise.
Sean Queise, com então vinte e quatro anos, estava abalado com a morte de seu pai, com a possibilidade de seu posto de empresário autossustentável ser-lhe retirado pela concorrência, e a autoestima zerada por um mercado que exigia dele forças que se extinguiam dia a dia. Sean sabia que para todos, ele não passava de um jovem que sentia que faltava pouco para desistir daquela luta.
O secretário Kanapokolo voltou depois de minutos infindáveis. Sean começava achar que toda aquela ‘reunião’ com a maior produtora de silício do mundo era um engodo.
— Melitzanosalata, tzatziki, e taramosalata, respectivamente, patê de berinjela, de alho e ovas de peixe — falou Zenon Kanapokolo depositando ali uma bandeja. Sean o olhou com interesse após voltar a si. — Nós gregos achamos que não é aconselhável beber de estômago vazio, Sr. Queise — completou Kanapokolo oferecendo uma taça de bebida. Sean voltou a olhá-lo com interesse, a olhar o que lhe era servido na taça colorida. Zenon Kanapokolo prosseguiu no silêncio dele. — Ouzo! — apontou para a bebida. — Pronuncia-se ‘Uso!’. É uma bebida grega transparente produzida a partir da fermentação da casca de uva, aromatizado com anis. Teor alcoólico por volta de 44%.
— Quero saber até quando vou ficar aqui conversando com você, Kanapokolo? Porque se percebeu não vim até Dubai para ficar conversando com você.
— Não nos damos bem, Senhor. É visível. Não quer dizer que eu não deva ser gentil.
— Para mim chega! — Sean se levantou numa velocidade só.
— Kanapokolo?! — o grito de uma mulher ecoou por toda a opulência ali presente.
Sean percebeu que Zenon Kanapokolo não gostou do grito. O secretário sumiu por uns dois minutos e voltou com o interfone nas mãos.
— Sim, sim... Traga champagne Dom Pérignon Rose — Kanapokolo só viu Sean erguer o sobrolho. — Sim! Vintage! Sim! 1990! — Kanapokolo olhou Sean o olhando. — Ela também sabe saborear bebidas, Sr. Queise.
“Também?”; Sean só pensou aquilo.
E o secretário foi e voltou milhares de vezes no tocar ininterruptos da campainha da suíte real com o modo todo dele de andar, trazendo e levando coisas. Sean viu toalhas irem e voltarem intactas. Também alguns travesseiros que constavam de uma lista de escolhas até que o champagne chegou.
Kanapokolo entrou e saiu do quarto enfim, anunciando:
— Ela vai vê-lo! — apontou para o quarto.
— Ver-me aonde?
— Ela vai vê-lo, Sr. Queise! — Kanapokolo continuava a apontar para a porta dupla do quarto.
Sean se locomoveu nem soube como. Entrou no quarto sentindo que as sensações voltavam; sensações e flashes que lhe perseguiam naqueles meses tumultuados, de muito trabalho, de meses de dor, saudade e luto.
E os flashes eram intensos. Algo ia acontecer com ele, com alguém próximo. Talvez uma intuição de morte que se aproximava. Respirou profundamente e continuou a caminhar.
O quarto era absurdamente rico e decorado. A cama redonda tinha um dossel até o teto e móveis estilo Chipandelle. Um grande espelho dourado chamou-lhe a atenção, se não pela ostentação, pela imagem que refletia nele; a imagem de um jovem Sean Queise, cansado, triste, estranhamente fora de foco.
Sean até achou que toda sua vida perdera o foco.
Atravessou tudo aquilo para chegar ao banheiro de rico mármore, que percebeu ser o único lugar habitado. Lá, uma mulher branca, de negros cabelos agora úmidos, dentes alvos, rosto iluminado e bem desenhado em seus perfeitos quarenta e quatro anos, com insinuantes olhos azuis; e que o observava de dentro da espaçosa banheira jacuzzi.
— Não é uma reunião de negócios, é? — Sean perguntou no que ela se mexeu e mostrou dois pares de seios fartos explodindo na espuma da banheira.
Aagje Papadopoulos achou mesmo que homem lindo Sean Queise vinha se tornando, desde a última vez em que o vira. Loiro, com cabelos que se enrolavam vez ou outra emoldurando a pele brilhante, deixando os olhos azuis se seguirem na busca. Lábios grossos, 1.82, corpo atlético; ele era belo em seus completos vinte e quatro anos.
Ela, Aagje, também era bela. Sean que nunca havia a visto pessoalmente ficou impactado. Não a imaginava tão bonita assim.
— Champagne? — ela ofereceu uma taça usando um tom carregado, ele diria ‘grego’.
Sean se inclinou para pegar a taça. Suas mãos se tocaram até ele sentir todo seu corpo ser tomado por flashes de labaredas que tomaram conta do ar, da terra batida onde ele pisava, das pessoas mortas, espalhadas para todos os lados.
— Ahhh! — voltou a si com os olhos arregalados.
— Aconteceu algo Sean Queise?
Ele olhou para os lados percebendo estar no banheiro tomado pelos sais perfumados.
— Ãh? Não... — olhou o champagne na mão trêmula. — Ele era um monge beneditino da Abadia de Hautville perto de Reims, na França — falou numa velocidade só.
— Quem?
— O vinho... — olhou-a. — O vinho já estava sendo feito na região de Champagne, antes de Pierre nascer — Sean não quis comentar a visão que teve, nem a sensação da morte próxima.
— “Pierre”? — Aagje Papadopoulos pareceu não entender.
— Dom Pérignon deixou o seu legado para o mundo quando morreu em 1716; sua famosa frase ‘Eu vejo estrelas!’ foi pronunciada sobre o seu primeiro gosto de champagne.
— Interessante! — sorriu ela magnificamente.
Sean tinha que admitir, toda aquela opulência também era magnifica.
Ergueu a taça e brindou:
— Senhorita…
Aagje sorriu:
— Fez boa viagem Sean Queise?
— Catorze horas de voo? Só pelas Emirates Airlines mesmo.
Ambos riram.
— Ehhh... Eles são luxuosos, não?
— Gosta disso, não Srta. Papadopoulos? — respondeu com outra pergunta olhando em volta o excesso de cetins, veludos e folheados a ouro.
Ela só ficou observando Sean da cintura para baixo. Ele também percebeu aquilo. E não sabia o que pensar realmente daquilo. Bebeu toda a taça não se lembrando dos dizeres proféticos de Zenon Kanapokolo, em não tomar nada alcoólico com o estômago vazio. Porque até acharia mais tarde que foi o efeito da bebida que começava a deixá-lo estranho, que o fez ter tantas sensações.
— Mais? — Aagje olhou a taça dele vazia.
— Achei que havia sido convidado para um ‘café da manhã de negócios’, Senhorita — olhou a garrafa de champagne voltar a ser mergulhada no balde de cristal lotado de gelo.
— Mas vamos...
— “Vamos?”
— Tomar café...
Sean voltou a olhar em volta.
— E vamos tomar café depois de abrir uma garrafa de 15 mil dólares as oito da amanhã?
Aagje gargalhou insinuante se erguendo de tal forma que os dois bicos duros e salientes dos seus seios explodiram para fora da espuma cheirosa, dos sais perfumados que penetravam na narina dele.
Sean não perdeu aquilo como de costume.
— Não! Claro que não! O café fica para depois que acordarmos Sean Queise.
Sean riu.
— Estou acordado Senhorita. Acredite!
Aagje gargalhou com gosto.
E era belo o seu sorriso.
— Eu quis dizer que o café fica para depois da garrafa de 15 mil dólares, do almoço de 30 mil dólares, da tarde de compras de 550 mil dólares, e é claro, da noite das arábias que vou precisar depois de tanta emoção, para então chegar ao café da amanhã.
Sean riu agora sem saber ao certo se sabia por que ria.
— Ah... “Café da manhã”? É... Devo mesmo ter entendido errado...
Aagje riu, com mais gosto ainda, se inclinando para servir sua taça agora. Outra vez os seios teimaram a sair da banheira.
— O que você quer de mim Srta. Papadopoulos? — Sean agora foi frio.
— O que tem a me oferecer?
— Além de uma noite das arábias? — Sean se incomodou com Aagje gargalhando com gosto redobrado. — O que quer de mim, que as concorrentes já não tenham fornecido?
— “Concorrentes”? Que pena... Vamos falar de negócio? O prazer acabou?
— Um pouco... — Sean foi mais sério e frio do que Aagje queria, no que leu os pensamentos dela.
Aagje Papadopoulos então se levantou deixando Sean sem reação. Aquilo ele não previra, não lera no que ela ergueu-se com toda sua opulência, e que não era pouca, de dentro da banheira deixando as espumas de alta qualidade o alcançar.
Ela então se encaminhou nua até ele, até muito perto dele.
— Quero sua ajuda para produzir zeólitas.
— “Zeólitas”? Wow! Vamos produzir um vulcão?
Aagje riu com gosto novamente. Gostava dele, tinha que admitir.
— Adoro seu cinismo Sean Queise.
— Não vai gostar Senhorita quando souber que ele é só uma máscara.
— E o que esconde?
— Um ‘Sean Queise’ que não vai gostar de conhecer — respondeu um Sean próximo.
Aagje sentiu-se velha de repente, trabalhando demais, procurando a morte em cada trabalho. Sem tempo para festas e frivolidades tornou-a uma mulher tão frívola quanto sua vida se tornara.
O observava há muito tempo; Sean Queise e sua beleza. Também seus negócios certeiros, sua maneira de fazer dinheiro desde cedo, sua inteligência também. Aquilo sim a interessava. Agora mais do que nunca após vê-lo de tão perto.
“É mesmo lindo”; deixou seus pensamentos viajarem pelo éter, por Universos paralelos que se cruzavam feito cordas de um violino, alterando a música do Universo.
E Sean podia ouvi-los, lê-los, todos os pensamentos que por lá vagavam, entrando e saindo da nossa realidade cósmica, como fonte de energia elétrica, atravessando as quatro dimensões onde vivemos. Ele também não sabia como e quando começara a ler pensamentos no éter, nem quando conseguira atingir tais subpartículas atômicas que a física quântica começava a provar. Mona Foad nunca explicara com certeza no que ele se tornara no que se permitira deixar tornar-se. E Mona era uma incógnita para ele também.
Mona seu equilíbrio, sua mestra, sua amiga.
— Não, Sean Queise… — Aagje fez Sean voltar à realidade. —, não vamos produzir vulcões, vamos produzir zeólitas artificiais.
— Já se produzem zeólitas artificiais.
— Não para os propósitos que almejo.
— E almeja o que? Criar zeólitas que possam produzir chips que com o tempo deformem?
— Do que está falando? — virou-se nua para ele. — Acha que vou criar algo que com o tempo comprometa seu funcionamento?
— É um pensamento interessante. Tenho outros. Quer conhecer?
— Estou aberta aos seus pensamentos, Sean Queise. Dvocevkis...
— Como é que é?
— Dvocevkis! Aberta a todas as possibilidades! — traduziu.
Sean agora gargalhou.
— Wow! — olhou-a nua. — Imagino que esteja... — e Sean alertou-se outra vez no que Aagje deu mais alguns passos nus em sua direção. — Por favor, Senhorita. Se vista! Não estou muito a fim de conversar com você assim.
— Minha nudez lhe incomoda?
— Você me incomoda. Vestida ou não.
A volumosa Aagje riu, mas foi um pouco mais tensa que antes.
— Zeólitas são compostos de alumínio e silício, aluminossilicatos, encontradas em terrenos com alto índice de vulcanismo...
— Sei o que são! — cortou a fala dela. — Tenho uma bela e fogosa geóloga me ensinando o tempo todo.
Aagje sabia que ele falava de Kelly Garcia, sua sócia, ex-secretária; não passou despercebido de suas fontes que a sócia era geóloga, que era apaixonada por ele, ele por ela.
— Ótimo que saiba o que são zeólitas, Sean Queise, porque as quero produzir para o mundo, a fim de me tornar a maior produtora delas.
— Achei que a Silicio Company já fosse a maior produtora de zeólitas. O que houve? Estão falindo?
Aagje agora visivelmente mais tensa se aproximou. Sean sentiu seu corpo pedir para tocar os seios que colaram em sua roupa. Ela até não podia ter o mesmo dom paranormal que ele, mas não imaginava que Sean se interessara por ela naquele momento. E ele se estranhara por aquilo, porque entre uma concorrência e outra, entre uma disputa e outra pública ou não, ele nunca tivera a oportunidade de vê-la. Syrtys Papadopoulos nunca permitira que a mídia em geral conhecesse sua filha, e Aagje seguiu as regras após a morte do pai, pouco ou nunca aparecendo em público.
— Disse que tenho o melhor silício do mundo, e ‘terei’ — frisou. —, os melhores chips do mundo, com ou sem a Computer Co.. Porque sou a melhor, Sean Queise. Sempre fui e sempre serei. Falir não faz parte do meu vocabulário.
Sean se afastou dela limpando a espuma e a água que o ensopava. Estava desgostando daquilo, dela, de ter atravessado o oceano.
— Se não fosse o belo hotel e a paisagem ao redor diria que minha viagem a Dubai foi um engodo — se dirigiu a porta para sair.
— Aonde vai? — ela não gostou de não vê-lo responder. — Eu sei sobre o novo chip — e Sean parou de andar. — Sei que a Computer Co. está desenvolvendo um novo chip que terá maior clock, mas consumirá a mesma quantidade de energia que seu antecessor — parecia que ela havia lhe chamado a atenção.
— E? — continuou e costas.
— Sei que a iniciativa de aumentar o número de núcleos do processador é um modo de melhorar seu desempenho, ao mesmo tempo em que reduz o consumo de eletricidade.
— E?
Aagje riu.
— ‘E’ que ele poderia ter até 16 núcleos em processo de 32 nanômetros, o que é bem mais avançado.
E Sean virou-se nervoso.
— Aonde quer chegar com essa conversa insólita?
— Sei que você está desenvolvendo o novo chip para aguentar a pressão do cloud computing.
— Não é segredo que a Computer Co. embarcou na cloud computing, Srta. Papadopoulos, com softwares de edição de textos, planilhas eletrônicas, correio eletrônico e agendas, desenvolvidos para que fossem usados online...
— Processo interessante o seu, Sean Queise — foi a vez de ela cortar-lhe a fala. — É sabido que a Computer Co. cresceu após desenvolver um satélite de observação espião para a Polícia Mundial comandada pelo nórdico Sr. Roldman, um homem da espionagem.
“Espionagem?”, agora Sean a temeu mesmo. Ela sabia algo mais sobre Spartacus, talvez sobre ele.
— Do que é...
— Eu também soube que a Computer Co. foi alavancada, diria, após alugar banco de dados a corporações escusas, de espionagens escusas — ria Aagje ao vê-lo transtornado, parando outra vez para ouvi-la. —, para depois se lançar ao mercado oferecendo técnicas de armazenamento estáveis sendo o hacker que é — ela sentiu que Sean quis mais que calar-se. Ele se virou e ameaçou sair outra vez. — O problema é, e sempre será o controle que o fornecedor passa a ter sobre as informações no cloud computing, não Sean Queise? — cortou-lhe o andar; provável a paz. — Segurança é uma questão controversa para os observadores de cloud computing.
— Do que está falando afinal; porque não vim até aqui para..
E Aagje cortou-lhe a fala:
— Sei que cria um Sistema Operacional que age como um convidado em uma máquina virtual, um sistema operacional VM, que por sua vez se baseia em um sistema de monitor de conversação que permite aos usuários executar programas, como acessar satélites espiões.
— Nunca permitiria criar sistemas para que invadissem nada.
— Não é o que dizem.
— Quem ‘dizem’?
— ‘Quem dizem’ que você é um hacker habilidoso, um Black hat sem mais o controle de seu pai; o único, diria, que ainda podia fazê-lo tomar rumos.
— Não sou um Black hat! — Sean sorriu cínico, já notadamente nervoso.
— Seu pai não pensava assim, pensava?
— Meu pai... — e teve que respirar fundo para controlar-se. — Meu pai nunca duvidou de mim, Senhorita. Nunca me vigiou apesar do mercado...
— Mas não é desse pai que falo, ehhh?
Agora Sean voltou os passos que se distanciaram dela e agarrou-a pelo braço úmido, fazendo os seios nus balançarem em sua direção. Aagje riu e Sean sentiu que realmente perdia o controle da situação.
— Cuidado! — foi uma exclamação forte, a dele. — Porque não estou aqui para ser uma de suas brincadeirinhas caras. Porque não estou aqui para ficar me ajoelhado como as concorrentes, porque sei que será difícil calcular de antemão como esses riscos de produção aumentarão os custos para o cliente, mas reafirmo o baixo custo que isso terá no futuro. E porque não estou aqui para...
— Não entende que ninguém quer esperar futuros Sean Queise? Porque o futuro não existe?
— A Computer Co. zela por seus produtos! — Sean a largou em total descontrole. Da maneira como ela mudava o assunto, como o motivava. — Não posso dar baixos preços pelo o que custa caro se não num futuro próximo que não existe Senhorita. E de coisas caras você parece ser entendida, não?
— Eu posso!
— Pode o que? Fabricar a baixo custo? Não vai conseguir!
— Desmotivando os concorrentes? — gargalhava com gosto. — Não sabia que era assim que trabalhava…
— Sabe muito bem como eu trabalho porque não perde a chance de cheirar qualquer odor que eu deixo para trás.
— Ehhh! Sei sim como trabalha. Criando mainframes onde dados ficam soltos nas nuvens, para invadir satélites.
— “Soltos”? — Sean sabia que realmente deveria ter medo dela.
— Captados por hackers Black hats que mergulham cada vez pela Web, lhe afundando Sean Queise… — sorriu. — Black hats acostumados a controlar computadores nas nuvens, soltos, para permitir serem captados por espiões psíquicos da Poliu — devolveu.
“Espiões psíquicos...”, Sean se moveu para longe dela.
Algo naquilo não estava certo. Sabia que ela falava era de seus dons paranormais, que ele acessava e controlava computadores no éter, de que nada adiantaria um diálogo amistoso porque ela não o chamaria até ali se não tivesse cartas nas mangas. Arrependeu-se realmente de ter atravessado o oceano.
Abriu a porta para sair.
— Pouco antes de os conspiradores entrarem, foram ouvidos no céu trombetas e o clamor de armas — a voz dela soou estranha de repente. —, o Sol esteve sombrio e gotas de sangue caíram com a chuva enquanto milhares de estátuas choravam…
Ele se virou e ela estava embaçada, fora de foco, como ele a pouco se vira na imagem do espelho do quarto. Aagje transmitia as muitas profecias de Ovídio em Metamorfoses, predizendo o iminente destino de César, profecias como ela acabara de citar. Sean sentiu-se mal, ficou a imaginar o destino da Computer Co. ao sair dali, talvez o dele também.
Sean saiu e bateu a porta.
— Volte aqui?! — gritaram de dentro, como numa ordem por detrás da porta fechada.
Mas Sean não voltou. E não voltou porque já atravessava todo o quarto luxuoso, de dossel até o teto, da cama benfeita e perfumada, de lingerie ali a esperando sobre a cadeira Chipandelle, a espera do corpo nu e opulento que ele desejou naquele momento. Porque desejou voltar atrás, arrastá-la para a cama de muitas sedas, participar da tarde de compras de 550 mil dólares, de ser a atração das mil e uma noites.
Balançou a cabeça não entendendo como se deixava levar por aquilo e saiu do quarto encontrando o secretário aposto na porta do quarto, em meio aos muitos gritos que sucederam sua saída.
— Ela deve estar precisando de você... — Sean foi cínico.
Zenon Kanapokolo só olhou ele seguir por todo o trajeto e sair da suíte real para seu destino.
Porque as setas do tempo que guiavam o destino de Sean Queise foram modificadas naqueles últimos momentos.

 

 

 


 

 

 


1
São Paulo, capital; Brasil.
25 de outubro; 17h00min.
Sean aterrissou no Aeroporto Internacional de Cumbica, em São Paulo, Brasil. Seus olhos demoraram a entender o que aquela cena significava. Lá no saguão, sua sócia Kelly Garcia, sua secretária Renata Antunes, sua mãe Nelma Queise, sua irmã Ana Claudia Queise, a mídia em peso e Oscar Roldman, ali, do lado de sua mãe, que chorava. Com a morte de seu pai no que pareceu um assalto, seis meses atrás na Transilvânia, Romênia, a mídia até dera um tempo às muitas denuncias de atos de hackerismo, em que muitas vezes seu nome fora envolvido, e envolvido pela Poliu, Policia Intercontinental Unida, uma secreta corporação de inteligência que trabalhava nos bastidores. E Poliu se traduzia em Mr. Trevellis, que não fazia aquilo por diversão, porque tentava derrubá-lo onde mais Sean Queise temia, no concorrido mercado de commodities.
Flashes vindos de todos os lados quase o cegaram, não entendendo se aquilo tudo era para ele. Sean voltou a olhar para os lados respondendo que sim, aquilo tudo era para ele.
— Sean?! — gritou Kelly abraçando-o de um lado e a irmã Ana Claudia do outro.
— Meu filho! — foi a exclamação de Nelma Queise em meio às lágrimas que se seguiram, que o alertaram.
E sua mãe chorava em meios aos disparos das câmeras fotográficas enlouquecidas, que não cessavam.
— Meu Deus... — Sean mal respirava. — O que... O que é isso?
— Como o que é isso?! — gritou Nelma descontrolada.
— Calma Nelma... — a voz suave de Oscar para com ela deixou Sean em alerta máximo.
“Calma Nelma...” “Calma Nelma...” “Calma Nelma...”, soava por todo seu corpo.
Sean não acreditava que Oscar Roldman vinha tentando se aproximar de sua mãe após a morte de seu pai Fernando; aquilo lhe doía mais que tudo. Sean ainda teve tempo de ver Oscar dar ordens ao celular quando homens apareceram de todos os lados, empurrando a mídia para longe do saguão lotado, levando o burburinho que se seguia para longe.
— Eu não estou entendendo... Que loucura é essa? — Sean ainda via de longe os jornalistas captando fotos que já pipocavam por toda Internet.
— Você esteve quase um mês sem se comunicar, patrãozinho! — Kelly viu que Sean a olhava assustado. — E isso se repete mais uma vez. Como queria que nós ficássemos? — aquilo soou realmente como uma bronca.
— Quase um mês… — mal conseguiu falar. — Do que está falando Kelly?
— Ficou uma semana catatônico com a morte de seu pai, Sean querido — a voz de Oscar sibilava nele. — E agora fica um mês sem se comunicar…
— Como queria que ficássemos? — voltou Kelly a questionar.
— Do que é que está falando?! — o tom da voz subiu e a sócia sabia que aquilo não era bom.
Ambos vinham ano após não tentando se aprumar, fosse profissionalmente, com a Computer Co. exigindo a alma deles, fosse sentimentalmente, com os dois sofrendo pelo amor não correspondido. Porque Sean se guiava pela premissa que não podia amar Kelly, que a decisão de quase ficarem noivos foi uma manobra para acalmá-la, acalmar os sentimentos dela por ele, de não perdê-la.
No fundo Sean sabia que a amava que tinha medo de perdê-la para outro homem, de vê-la desistir dele, do amor que ele não conseguia aceitar. E nem Sean nem Kelly entendiam o porquê daquilo, o porquê dele não amá-la a amando tanto. Para Kelly era o abismo etário, a distancia de 14 anos entre eles. Ou ainda, fosse o fato de Sean não saber ao certo se era um Queise ou um Roldman. Ou ainda o fato de Sean saber que tinha dons paranormais que não o permitiam ser igual.
— Está há quase um mês sem se comunicar! — Kelly tentou mais uma vez.
— Um… — e a ficha pareceu cair. — Hei! Espere aí! — levantou os braços para o ar. — Eu saí ontem de Dubai.
— “Ontem”? — Ana Claudia, Nelma, Renata e Kelly foram uníssonas.
— O hotel disse que você havia feito check-out duas horas depois de fazer check-in, e descera nervoso pedindo um carro, com a mala na mão, indo para o aeroporto e não voltando mais — Nelma se enervava.
— Só que você só chegou hoje, Sean — foi a irmã Ana Claudia quem completou.
Aquilo derrubou Sean.
— Como “hoje”? — olhou um e outro e Kelly. — Eu saí ontem... — olhou um e outro e Kelly novamente. — Tinha que chegar hoje de manhã, não? — mas não houve resposta.
E Oscar o encarou.
— O que houve Sean?
Ele percebeu o ‘querido’ fora da frase.
— Tomei o voo 6171 que me trouxe... Mas que loucura é essa Kelly? — abria os braços extremamente nervoso, com a face dura dela para com ele.
— Não sei! Fale você patrãozinho!
Sean fuzilou Kelly pela maneira como ela falava com ele.
— O Senhor tomou o voo 6171 ontem Sr. Queise — a secretária Renata arriscou falar algo.
— Exato! Cheguei a Dubai dia 27 de setembro, de manhã depois de 14 horas de voo, e me irritei o suficiente para voltar no mesmo dia, acho que até no mesmo voo que me levou. A comissária perguntou se queria chá e torradas... — e Sean parou. — Eu aceitei o chá...
— “Chá”? — questionou Ana Claudia.
— Não se lembra de nada, Sean querido?
Sean acordou naquela frase.
— Eu saí ontem de Dubai, dia 27 de setembro. Peguei um voo que faria escalas em Londres. A comissária me serviu chá.
— Mas ontem foi dia 24 de outubro, Sean Queise — a voz de Renata não se diluiu.
— Hoje é dia 25 de outubro, Sean querido — completou Oscar para um Sean em choque. — Você esteve sumido durante quase um mês.
— Sem contato! — Kelly voltou a martelar.
“Quase um mês! Sem contato!”.
— Eu... Eu não... — Sean começava a ter dores de cabeça. — Há algo errado, não?
— Vamos para casa! — Nelma deu a ordem se virando.
— Que casa? — Sean foi cruel.
Nelma estancou o passo iniciado.
— A nossa!
Kelly se virou e foi embora. Não queria mesmo participar daquilo.
— Não moro com você, mãe — Sean esperou Kelly se distanciar. — Saí do Brasil lhe dizendo isso mais uma vez.
— Saiu não! Fugiu do Brasil para ajustar negócios da Computer Co. com aquela grega destrambelhada sem minha ordem.
Sean lembrou-se da opulência na banheira, do sexo que pedia passagem, das visões de pessoas mortas.
Sentiu que ia apagar.
— Sean... — Ana Claudia o segurou.
— Eu fui a Dubai resolver negócios da Computer Co. — ele a olhou assustado. —, porque se não sabe, dependemos das zeólitas da família Papadopoulos.
— Não me tire do sério mais do que já tem feito, Sean! Vamos embora! — voltou Nelma a se virar e andar alguns passos.
— Não entro mais naquela casa... — e parou. — Ele tem sofrido...
— Chega!!! — e o gritou dela ecoou por todo aeroporto. Nelma voltou todos os passos já percorridos e socou-o no peito. — Não quero mais falar sobre isso!!! — gritou descontrolada e o socou novamente em meio ás lágrimas que ainda rolavam. — Não quero mais você e essa sua mania de ver mortos por todos os lados!!!
Aquilo o feriu de todas as maneiras.
— Estamos falando do meu pai que sofre e você...
— Cale-se!!!
— Vou para meu flat! — Sean se impôs.
— Vai para onde eu mandar!
— Você não manda em mim mãe!
— Mando em tudo, inclusive em você!
Desde a morte de seu pai que sua mãe se intrometia cada vez mais nos negócios da Computer Co., não o permitindo ter acesso há muitas coisas.
— Nelma... — a voz de Oscar outra vez soou suave.
Sean nem acreditou ouvi-lo falando daquele jeito.
Odiou-o.
— Renata pode me levar? — Sean estava em choque.
— Senhor... — e Renata viu Sean a fuzilando. — Claro Senhor!
Sean pegou o notebook que carregava nos ombros e a mala de mão.
— Sean?! — ainda gritou Nelma.
— Agora não, Nelma — Oscar a segurou e Sean se foi. — Depois eu converso com ele.
— Sean está me fugindo ao controle, Oscar — Nelma viu Ana Claudia e Oscar se olharem cada um a sua maneira. — E você sabia tão bem quanto eu que Sean era especial, que ele viria especial porque teria os mesmos dons paranormais que sua família tivera — Nelma não teve pena de ver Oscar sentir-se sem chão, e Ana Claudia o olhar de lado com o ‘coração na mão’. — E aquela Mona maldita... — e Nelma parou encarando Oscar. — Eu disse que um dia Sean ia descobrir sobre seus poderes diferenciados, sobre o que Fernando e Trevellis fizeram no passado para a Computer Co. chegar aonde chegou… — e Nelma chegou bem perto dele. —, e que ele iria descobrir aquilo feito no passado — virou-se novamente e foi embora.
“Descobrir aquilo feito no passado”, foi a vez de Oscar ficar com o coração na mão.
“Descobrir aquilo… Descobrir aquilo… Descobrir aquilo…”; Sean seguia Renata para fora do aeroporto com aquela frase chegando ecoada até ele.
Mas ‘aquilo’ o quê, ele não sabia.
— Que dia... Que dia é hoje, Renata? — foi o que perguntou no bater da porta do carro.
— Dia 25 de outubro, Senhor.
— Onde eu estive quase um mês?
— Não sei Senhor — ela o olhou de lado não sabendo ao certo se ele falava com ela.
O trajeto até o flat foi feito em total silêncio, Sean ficou relembrando sua mãe, sua irmã ali e Oscar; e também Kelly. Também tinha Kelly na vida dele.
— Ela estava descontrolada... — Sean nem soube por que falou aquilo com a funcionária.
— A Srta. Garcia sofreu com sua ausência, Sr. Queise. Ela vem sofrendo com sua ausência todo esse tempo — escorregou um olhar para ver que ele agora a olhava. — Sinto!
Sean nem soube como respirou ao ouvir aquilo, ao saber que Kelly o amava, que sempre o amara, que ele nunca lutou por aquele amor, todo esse tempo.
— Eu não queria que tivesse sido assim — e Sean até sabia que Renata agora nada falaria, que ela sabia que sua posição não permitiria que falasse.
Buzinas e faróis e movimentação; o trânsito se intensificava e Sean estava absorto. Ele olhou Renata de lado.
— Acredita em premonições, Renata? — rompeu o silêncio. — O homem prevendo algo antes do tempo?
— Fala de sua amiga Mona Foad, Senhor?
— Acho que falo...
— Tenho medo dessas coisas.
— Tem medo de mim, Renata?
— Não... — A secretária foi pega de surpresa. — Não Senhor.
Sean olhou-a com uma cara até então desconhecida para ela. Renata o via realmente afetado com tudo aquilo.
— Se disséssemos a um homem de duzentos anos atrás, que conversaríamos com outros de nós no outro lado do planeta através de um aparelho sem fio qualquer, que localizaríamos ruas através de coordenadas enviadas por satélites num toque de dedo numa tela de vidro, que diríamos a uma máquina o que fazer e ela faria, ou que construiríamos e levaríamos ao espaço algo que... — Sean olhou o movimento do trânsito. —, ele diria que estamos loucos, não Renata? Que premonições eram coisas do diabo?
— É... Diriam. Mas hoje podemos tudo isso, não Senhor?
Sean encostou a cabeça no encosto do banco. Estava cansado de tudo, talvez da vida que tudo podia, de poder tudo, de tudo o que o poder lhe trazia.
— Não Renata. Não podemos tudo. Porque não podemos prever algo antes do tempo.
— Não?
— Segundo o filósofo Martin Heidegger, um ‘ente’, uma realidade objetiva, é uma espécie de quadro vazio em que se desenrola sua existência. Porque onde o tempo passa a ser seu próprio ser do Dasein, que em si mesmo, é temporalidade e temporalização.
— Senhor... — Renata se repetiu jurando que não o estava entendendo, que talvez a morte do pai o tivesse atingido.
Sean achou graça dos pensamentos dela, os que chegaram até ele.
— Em sua obra O Ser e o Tempo, Heidegger procurava pensar o ser, cuja verdade se revelava como o tempo, diferentemente do filósofo Merleau-Ponty que se afastou do modelo husserliano de uma fenomenologia da razão, onde dizia o filósofo Husserl, que as evidências fundamentais relativas ao tempo deviam ser apreendidas imediatamente se tornando evidentes, a partir da apreensão intuitiva dos dados das situações temporais — olhou Renata lhe olhando enquanto dirigia. —, porque nada nem nenhum conhecimento era realmente conhecido, porque como podia o conhecimento pôr como existente algo que nele não estava direta e verdadeiramente dado? — olhou Renata com os olhos femininos agora vidrados, pregados no volante. Sean outra vez tentou se recordar da viagem só conseguindo lembrar-se da comissária servindo-lhe chá depois que acordou. — Sabe por que Renata? Porque a essência da priori do tempo é ser uma continuidade de situações de um ‘agora’, de um instante criador, um ‘ponto-original’, como dizia, nas situações temporais em geral. Se o tempo é, pois uma subjetividade absoluta, então ele não poderia existir, nem prevê-lo, nem eu nem ninguém.
— Senhor... — Renata ia arriscar-se a falar mais, mas achou que todos aqueles anos dele e seu envolvimento com aquela ex-espiã psíquica da Poliu, Mona Foad a fizeram mestra dele. Se os dons que ouvira falar, Sean tinha desde a infância, desde antes do nascimento, e se não foram modificados por Mona que o preparou para prever sim, tudo. — Tenho medo disso, Senhor... — ela sabia, porém que seu patrão Sean Queise não era mais o mesmo após a perda do pai.
Sean leu os pensamentos dela, outra vez.
— O tempo também era subjetivo no filósofo Immanuel Kant, anterior à experiência, porque é possível concebê-lo sem acontecimentos, não sendo possível conceber os acontecimentos; então sem acontecer antes não há como se prever antes do tempo, correto? Nem eu nem ninguém, correto? — olhou Renata esperando que ela dissesse algo, mas ela nem saberia como começar. — Os filósofos dizem que na perspectiva kantiana, do idealismo subjetivo, o conhecimento deixa de ser o reflexo ou a representação da realidade na consciência, para tornar-se a construção do objeto pelo sujeito, correto? — e ele sabia que Renata nada falaria. — Mas mesmo assim os druidas podiam ler o futuro no voo dos pássaros, Renata… — e pássaros voaram não muito longe dali. —, na forma com as nuvens se formavam… — olhou para cima. —, em como as raízes das árvores se torciam — olhou para baixo.
Sean ficou imaginando por que não se lembrava de ficar quase um mês desaparecido.
“Onde eu estive?”, soou em seus pensamentos.
Renata o viu envolver-se em silêncio total outra vez e outra vez sair dele sozinho.
— Léon Denis, um filósofo espírita e um dos principais continuadores do espiritismo após a morte de Allan Kardec, revelou na obra No Invisível, que os sonhos em suas variadas formas, têm uma causa única: a emancipação da alma... — olhou Renata o olhando. —, que esta se desprende do corpo carnal durante o sono e se transporta a um plano mais ou menos elevado do Universo, onde percebe, com o auxílio de seus sentidos próprios, os seres e as coisas desse plano, de um plano quadrimensional — e Sean viu Renata outra vez olhá-lo, agora mais confusa que antes. — E que não devíamos ter medo porque para um paranormal, a premonição é como um dom, um dom especial atingido na quarta dimensão por aqueles quem têm missões específicas aqui na Terra — e olhou-a. — Devia ter medo de mim, Renata...
Dessa vez ela nem se quer o olhou.
2
Flat de Sean Queise; São Paulo, capital.
23° 33’ 31” S e 46° 39’ 44” W.
26 de outubro; 07h19min.
O telefone tocou estridente ao lado de sua cama no flat onde morava. Sean abriu os olhos percebendo que dormira horas desde a chegada ao aeroporto, que não sonhara.
E o telefone não dava trégua até ele querer atender.
— O que você quer agora Kelly? — foi frio ao perceber que era o número particular da mesa dela na Computer Co..
— Acho bom você guardar suas garras para enfrentar seus erros ao invés de me atacar.
— “Meus erros”?
— O sistema de cloud computing da Computer Co. foi atacado.
Sean arregalou os olhos azuis vendo flashes confusos de um incêndio onde uma mulher bonita sorria-lhe. Pela fração de segundos que durou a visão, Sean teve sensação de que era Aagje Papadopoulos, para então vê-la em meio às chamas que o rodeava, que invadiam o quarto do flat.
Sean saltou da cama e se viu em meio a um incêndio, um de grandes proporções. Desligou o telefone e tudo sumiu. Sean correu e ligou o notebook acionando o Google. Palavras aleatórias sobre Aagje Papadopoulos, mas nenhuma imagem ou incêndio relacionado a ela.
Sean não entendeu a associação outra vez e olhou o quarto confuso. Trocou-se e saiu sabendo que podia prever o tempo, de qualquer um, e que devia ter medo dele mesmo.
Computer Co. House’s; São Paulo, capital.
23° 36’ 19” S e 46° 41’ 45” W.
26 de outubro; 09h36min.
— Ele chegou Renata? — perguntou Kelly duas horas depois de confrontar Sean pelo telefone.
— Sim, Srta. Garcia — Renata olhou Kelly grudada nela. — Há uma meia hora.
— E ele não veio falar comigo? — Kelly viu Renata não sabendo o que falar. — Algum telefonema para ele?
— 237!
— Quantos?
— Dela...
— “Dela”? — Kelly só teve tempo de arregalar os olhos.
— 237 telefonemas da mesma mulher que liga há quase um mês, Srta. Garcia.
— Quer dizer-me algo, Renata?
— Não Senhorita — Renata trabalhou achando que trabalhava.
Kelly não esperou saber de outras fontes. Adentrou tão rápido na sala da cobertura da Computer Co. House’s que Sean se assustou.
— Bom dia... — Sean teve duvida se seria.
— Bom dia para você, Sean — foi a frieza em pessoa.
Sean teve a certeza de não ser um ‘bom dia’, o dia inteiro. Voltou a digitar achando que como Renata, trabalhava.
— Como passou a noite?
— Como você passaria se soubesse que ficou quase um mês fora do ar?
Os dois se encararam.
— Confuso, imagino.
— É... Confuso...
— Já se inteirou do ataque?
— Não. Onde está Gyrimias?
— Não sei. Você o mandou de férias.
— Eu mandei? Disse que me esperasse aqui até eu voltar de Dubai.
— Olha... Não sei o que você fez esse quase um mês, mas você ligou o dispensando, mandando-o tirar férias, passando por cima de minhas ordens.
— Desde quando as ordens que dou devem passar por você primeiro?
— Achei que fosse sua sócia aqui.
— Por que está falando dessa maneira comigo?
— De que maneira? Ainda sou a mesma. Já você, não sei...
Sean a olhou com cuidado.
— Está com ciúme, Kelly?
— Deveria?
— Já percebeu que nossas conversas ultimamente são sempre perguntas feitas de respostas?
— Jura Sean? Achei que fossem respostas feitas de perguntas — ela viu Sean a olhar com interesse. — Você tem 237 ligações perdidas — apontou para o telefone fora do gancho, que Sean se esquecera de recolocar.
“Droga!” Sean fez uma careta que ela não viu.
— Você não é o mesmo desde a morte de seu pai.
Sean soltou um suspiro longo.
— Não queria que eu continuasse igual, queria?
— Queria!
— Mas não sou mais o mesmo, Kelly! Nunca mais vou ser!
— Não sei o que aconteceu com o Sr. Fernando àquela noite, na Transilvânia, mas sei que algo aconteceu com você, Sean.
Sean levantou-se a fazer a cadeira provocar um som agudo no mármore.
— Não se atreva mais a falar nesse assunto.
— E vamos falar sobre qual assunto mesmo?
— Basta Kelly!
— Ahhh! ‘Basta Kelly’ — repetiu-o. — Aonde eu perdi você, Sean? — tentou tocá-lo no rosto.
— Nunca me teve — afastou-se magoado, a magoando. E ele sabia que a magoara.
— Sean… — Kelly fechou os olhos sentindo vontade de chorar.
Virou-se para sair.
— Eu não queria falar isso...
Ela se virou para ele e Sean sentou-se virando o corpo para o computador, outra vez fingindo trabalhar.
— Por que não sinto um pingo de sinceridade no que acabou de falar?
— Porque toda minha vida virou de ponta cabeça desde a morte de meu pai!!! — explodiu levando a cadeira no chão. — O mercado não acredita mais em mim e Trevellis faz, e ele faz Kelly, tudo que pode para me derrubar. Provocando invasões aos cloud computing da Computer Co., para me expor... E minha mãe... — e parou sem saber por que parou, sem querer ter parado, tremendo. —, minha mãe querendo mandar em mim, na Computer Co., em você — e Sean viu que ela ficou incomodada.
Porque sabia que sua mãe dava ordens a ela.
— Sua mãe só se preocupa com você, com seu bem-estar, com…
— Ela está dormindo com Oscar, na cama de meu pai.
— Ele é teu pai, Sean.
— Não é!!! — gritou com tanta raiva que todas as gavetas abriram e fecharam, janelas escancararam e o fino voil das cortinas se lançaram no espaço deixando Kelly apavorada. — Nunca mais entendeu?! — e Sean já estava ao lado dela, apertando o braço dela mais apavorada ainda ao ver como ele se movimentara tão rápido para então ele a soltar no que leu os pensamentos dela. — Nunca... Nunca mais...
Mas Kelly estava realmente apavorada com aquilo tudo.
— Você me machucou, Sean... — se tocou.
— Você me machuca, Kelly! Fazendo perguntas das quais não sei responder, das quais não quero responder. Está bem?!
— Então vá se preparando e gastando toda sua paranormalidade aqui, agora, porque sua mãe tem um rol de perguntas a fazer-lhe.
Sean não gostou do que ouviu e Kelly abriu a porta e saiu. Passou por Renata que nem se atreveu a perguntar algo, para então Sean abrir a porta sem tocá-la, arrebentando-a contra a parede da sala, passando por Renata que outra vez não se atreveu a perguntar nada, indo atrás de Kelly que andava a passos largos, batendo o salto no mármore.
— Que tipo de rol? — agarrou-a mais uma vez pelo braço.
— Ai?! — gritou ela. — Está me machucando Sean!
— Que tipo Kelly? — ele não se controlava mais.
Sean Queise não era mais o mesmo.
— Do tipo 36° 40’ N e 25° 40’ E!
Sean arregalou os olhos azuis ao fazer contas.
— Santorini?
— Sim! Eu fui verificar as coordenadas 36° 40’ N e 25° 40’ E, no satélite de observação, Sean; o que Spartacus fazia sobre Santorini, na Grécia, durante seu sumiço de quase um mês?
— Spartacus... O satélite... Ele estava...
— Ele lhe vigia!
Sean arregalou os olhos azuis novamente. Ou Spartacus havia o seguido até lá ou Sean direcionara o satélite para Santorini, na Grécia, e não lembrava. Agora não era questão de não querer, ele simplesmente não tinha respostas àquilo.
Kelly entrou na sala dela e Sean ficou lá, paralisado, sem ao menos se desculpar pelo braço tocado com força.
3
Computer Co. House’s; São Paulo, capital.
23° 36’ 19” S e 46° 41’ 45” W.
27 de outubro; 09h58min.
Já era quase dez horas e Kelly ainda não havia ido até sua sala. Sean sabia que não fora um bom dia como o anterior, e que talvez não fosse um bom dia aquele também. A sócia estava enciumada, provável nervosa com o sumiço dele, e ele descontrolado. Mas Sean não sabia que havia sumido, passara a noite toda tentando entender o que acontecera e não encontrou nada a não ser um check-in no aeroporto de Dubai com saída para o Brasil escala em Londres, e ele nele.
Levantou-se a abriu a porta de comunicação com a secretária Renata respirando fundo, pronto para andar até a sala da sócia e encará-la.
Mas não foi só ela quem estava ali.
— Você... — foi só o que conseguiu falar, porque seu mundo acabava de desabar.
Na sala da secretária Renata, Kelly e Aagje Papadopoulos.
Ele não sabia para qual das três olhava.
— 237! — foi o que Renata exclamou.
Sean voltou a olhar as três.
— Como é que é?
— 237 ligações, Sean Queise — foi a vez de Aagje Papadopoulos repetir Renata. — Nenhuma resposta.
Sean olhou Renata e Kelly se lembrando do número ‘237’ nem percebendo a intimidade de como era chamado.
— Eu... Eu andei ocupado.
As três nada responderam e somente Aagje sorriu por debaixo do grande chapéu azul que usava, e que combinava com a saia azul, a blusa azul, a bolsa azul, os sapatos azuis e joias azuis que lhe adornavam os dez dedos. E os olhos azuis dela também brilharam ao vê-lo.
Kelly encarou Sean que entendeu tudo com ou sem o dom paranormal.
“Droga!”
— Ãh... Marcamos uma reunião, Srta. Papadopoulos? — Sean tentou encontrar o fio da meada.
— Tentamos! — Aagje foi categórica.
— Ah... — Sean agora não olhou para nenhuma das três. Apontou a porta de sua sala e a opulenta Aagje Papadopoulos caminhou a fazer o salto tilintar no ouvido de Kelly Garcia, que percebeu que Sean Queise não a olhava, que sabia que ele sabia que era ela o motivo do seu ciúme.
Sean fechou a porta no que Aagje entrou. Respirou profundamente e voltou a abrir a porta e pedir café ainda sem encarar Renata e Kelly, paralisadas no mesmo lugar, voltando a fechar a porta em choque.
— Você foi embora do Burj Al Arab… — Aagje foi logo dizendo. —, e não se comunicou mais.
Ele a olhou sem entender. Não entendia a presença dela ali. O repentino interesse dela ali.
— Eu... Eu andei ocupado — olhou em volta meio que perdido.
— Sua secretária havia dito que você ainda não havia retornado.
Ele voltou a olhá-la confuso.
— Eu... Eu andei ocupado.
— Já falou isso.
— Eu... Falei... — sentou-se na cadeira apontando a cadeira à frente de sua mesa. — Você... Voltou a Santorini?
— Quando?
— Depois...
— Depois que você foi educadamente embora?
Sean percebeu a ironia.
— Sim.
— Não. Fiquei mais uns dez dias no Burj Al Arab. Por quê?
— Ãh... Por nada!
“36° 40’ N e 25° 40’ E”; ecoou por todo ele sem parar.
— Bonita cobertura. Opulenta! — exclamou Aagje fazendo um charme.
Sean voltou a olhá-la com interesse. Havia algo errado com Aagje Papadopoulos, mais magra talvez, mais bela talvez.
— É... — Sean olhou as pernas cruzadas na saia que ficou curta com tal posição. Renata entrou com o café na mão o servindo e ele a olhou. — Era para serem dois cafés, Renata — Renata olhou Aagje de cima sem respondê-lo. — Ouviu-me? — a voz de Sean perdeu-se. Renata deu a volta e ameaçou sair. Sean ficou extasiado com o comportamento da secretária. — Renata?
Ela bateu a porta e Aagje caiu em sonora gargalhada.
— Viu como ela desejou matar-me? — riu Aagje. — Aposto que mataria se tivesse chances... — se divertia vendo Sean a olhando assustado. — Não se faz mais empregado como antes, não Sean Queise? — ela viu Sean não saber o que responder, nem de gostar da intimidade com seu nome na frase. Olhou a xicrona de café dele esfriando. — Eu tomo! — pegou a xicrona dele. — Sabe que para uma grega o café é uma mania tão intensa quanto a brasileira?
— Não...
— Pode ser tomado forte, como o seu — Aagje o encarou o devorando com aquele olhar e Sean se encolheu. — Ou feito à maneira árabe com muito pó sedimentado no fundo da xícara. Sua amiga Mona Foad o toma assim, não? — ela viu Sean se preocupando com a presença dela ali. — Ou ainda como no calor intenso do verão grego... — ele abriu a boca, mas ela não o deixou falar. — Gelado, como um frappé, batido puro, com leite, com um licor doce ou com sorvete de creme, que vem sempre acompanhado de um copo de água. Porque com o café na mesa os gregos ficam horas conversando ou jogando gamão ou...
— O que quer de mim? — cortou a alegria dela.
— Joga gamão?
— Não jogo, Senhorita. Não gosto de jogos.
Aagje gargalhou. Entendeu o recado.
— Pois deveria Sean Queise — levantou-se tirando o chapéu e o depositando no sofá atrás deles, sumindo para fora da sala, invadindo a sacada ajardinada que expunha toda a Marginal Pinheiro àquela hora da manhã.
Sean suspirou nervoso e levantou-se indo atrás dela.
— Por que minha mãe não gosta de você, Srta. Papadopoulos?
— Sua mãe não gosta de ninguém! — foi cruel. — Não gosta de você, não gostava de seu pai. Provável nem goste de Oscar Roldman! — Aagje foi cruel outra vez.
Cruel e um pouco íntima.
Sean arregalou os olhos azuis e quis esbofeteá-la. E voltou a arregalar os olhos naquele querer, porque nunca quis esbofetear ninguém.
Aagje Papadopoulos se virou como quem se prepara para ir embora.
— Ou talvez minha mãe não goste de você pelo o que você é — Aagje parou de andar pela provocação dele. — Porque “uma grande riqueza é uma grande escravidão”.
— Quem disse isso? — Aagje se virou para ele. — O filósofo Lucius Annaeus Sêneca? — ela viu Sean impactado com seu conhecimento filosófico. Ela deu uma grande risada e se aproximou tanto que grudou nele. — O mesmo Sêneca, Sean Queise, quem disse “O tempo revela a verdade”? Ou o mesmo Sêneca quem disse “É preciso dizer a verdade apenas a quem está disposto a ouvi-la”?
— O mesmo Sêneca, Senhorita, quem disse “A maldade bebe a maior parte do veneno que produz” — sorriu cínico. — Então vou voltar a perguntar; o que quer de mim?
— O que quero provável não vai me dar... — Aagje se aproximou. — Não depois de me conhecer, Sean Queise — e Aagje agarrou seu rosto o beijando tão forte que Sean assimilou mais que o gosto da pasta de dente dela.
E os lábios dela eram diferentes. Havia algo ali, nela, com ela, com o mundo ao redor.
Ela o soltou ao vê-lo em choque.
— O que... O que... — Sean tentava entender o que perdeu naquele beijo.
— Dvocevkis! Como eu disse; aberta a todas as possibilidades... — se virou ameaçando ir realmente embora. — Venha me procurar em Santorini quando decidir — piscou maliciosa da porta envidraçada.
Sean a encarou ainda afetado pelo beijo.
— Não tenho nada com você ou com sua empresa. Não vou a Grécia.
— Seu pai tinha!
— Meu pai não tinha...
— Trabalhos inacabados, Sean Queise.
— Tenho vinte e quatro anos, Srta. Papadopoulos. Desde os dezessete anos, desde que assumi a Computer Co. nada sei de trabalhos inacabados com você ou seu pai. A única coisa que conheço de você é sua maneira pouco ortodoxa de tentar roubar-me contratos desde quando assumiu o poder de sua empresa.
— Pois acredite Sean Queise, tem algo inacabado comigo... — Aagje se aproximou tanto dele que ele teve de recuar.
— Você é louca — a olhou de cima a baixo.
— Pois louca ou não, eu sinto muito se só depois da morte de seu pai, há seis meses, que percebeu que o mundo desabara por sua cabeça — irritou-se. — Por isso enfrente a realidade que Fernando Queise e Trevellis tinham um trabalhinho sujo com Syrtys.
E tudo aquilo sem nenhum ‘Senhor’ na frase.
— Trevellis... — Sean ficou confuso, nervoso. — Trevellis não... — nervoso e confuso ao mesmo tempo. Seu pai e Mr. Trevellis juntos era inadmissível; juntá-los ao difamado Syrtys Papadopoulos era para preocupá-lo muito mais. Ficou tão confuso que outra vez não sentiu a aproximação dela. Só se deu conta quando Kelly gritou o nome dele e ele acordou preso aos lábios de Aagje Papadopoulos novamente. Flashes de segundos em que ele não estava ali. — Eu... Eu... — Sean olhou Kelly ao lado dele em meio as risadas sarcásticas de Aagje que ia embora.
Sean voltou a olhar Kelly assustado. Havia saído dele, estado noutro lugar, frações de segundos. Ficou olhando Kelly ir embora também para só então o som da movimentada Marginal Pinheiros chegar ao seu tímpano.
Sean chacoalhou os dedos nos ouvidos.
Achou que estava enlouquecendo.
Computer Co. House’s; São Paulo, capital.
23° 36’ 19” S e 46° 41’ 45” W.
27 de outubro; 18h46min.
As teclas não cessaram naquele fim de tarde. Sean se arriscava como sempre. Ele havia prometido durante o enterro do pai Fernando Queise que nunca mais invadiria computadores, que não se envolveria com a Poliu e seus agentes secretos, e que se afastaria do controle do satélite de observação Spartacus o qual todos sabiam, ele usava como pontes para suas invasões. Mas algo muito mais complexo que invasões havia acontecido com ele. E não se tratava de viagens astrais em que a alma saía do corpo pelo éter, quase sempre em busca do espírito de Sandy Monroe, sua suicida ex-noiva. Nem era atrás de falcatruas interplanetárias da corporação de inteligência chamada Poliu e seus agentes espiões psíquicos, treinados para invadir mentes, se comunicar com alienígenas, controlar nações. Era algo mais intenso, mais dele, de sua essência, de uma essência que precedia a existência; era algo genético.
Sean tremeu ao completar tal pensamento.
Como nem Kelly e nem Renata localizavam o refúgio de Gyrimias Leferi nas Ilhas Cayman, e era só isso o que sabia sobre a tal ‘viagem de férias’, Sean tomou-se de coragem e invadiu seus próprios mainframes.
Um aviso sonoro explodiu nos escritórios da Poliu. Sean percebeu a falha. Não se importou com aquilo, porém. De alguma forma sabia que Mr. Trevellis estava lá, observando seu ataque. Sorriu o cínico que era e conseguiu as contas bancárias de Gyrimias usadas num hotel, deixando na portaria um simples ‘Retorne!’. Depois prosseguiu atrás de informações que gerassem uma ligação entre seu pai Fernando Queise e Syrtys Papadopoulos, pai de Aagje, mas nada encontrou.
Sean encostou-se ao espaldar da poltrona e recordou seu pai naquela rua úmida, recordou o tiro e a sensação de que ele conhecia quem o matou.
Talvez alguém em comum.
— Aagje Papadopoulos não falaria tudo aquilo se não soubesse de algo — Sean usou de toda sua técnica, com ou sem permissão de Mr. Trevellis. Invadiu as ‘nuvens’ atrás de documentos até então nunca abertos. — Ela tem cartas na manga... Tem que ter... — digitava e digitava. — Ou como Aagje Papadopoulos saberia sobre as nuvens prontas para um ataque de convidados em máquinas virtuais? Como ela saberia sobre acessar dados com a mente?
“Captada por espiões psíquicos...” soou a voz dela em suas lembranças.
— Deus... Ela não poderia saber... — Sean girou a cadeira a ficar olhando o teto, a deixar o canal de invasão aberto. — E se não... Não, não pode ser... Tem que ser algo diferente. Ela tem que ter recebido a informação truncada. Ela não podia saber o que só eu... — olhou em volta. — Ou alguém mais sabe fazer... — Sean ficou nervoso.
Quase um mês ‘fora do ar’, uma coordenada de Spartacus em Santorini, e ela sabendo sobre ele acessar dados pela mente.
“Droga!”
E um sinal sonoro avisou que alguém na Poliu estava on-line nos mainframes. Eles sabiam que Sean estava lá, abrindo arquivos e também nada faziam.
— E agora isso? O que significa isso, Trevellis? — falou com a tela do notebook. — Desde quando a Poliu não fecha a conexão que eu invado? — o cursor piscava esperando nova entrada de dados.
“Trevellis e meu pai?”, pensava Sean olhando a tela.
E o mesmo aviso sonoro também soara ao lado do grande Mr. Trevellis. De pele jambo, olhos esverdeados e invejável inteligência e astucia, ele era conhecido e temido por todos os agentes do mundo, inclusive agentes de Oscar Roldman, Polícia Mundial.
Mr. Trevellis não era homem de perder um caso, de não usar pessoas e dinheiro, muito dinheiro para atingir seus objetivos de poder; nem os mistérios do Universo se mantinham intactos se aquilo lhe propusesse algum lucro. E muitos Mister e Mistress haviam passado pela chefia da Poliu, nada ninguém como Trevellis.
Mr. Trevellis e Sean se admiravam tanto quanto se odiavam. A perseguição a Sandy foi a maneira que Mr. Trevellis encontrou de controlar Sean Queise, de desestabilizá-lo. Ambos não sabiam que o desfecho daquela noite seria fatídica. Sean machucou-se, e pôs-se a machucá-lo, a machucar e desestabilizar a Poliu com seus dons computacionais desenvolvidos pelo pai Fernando, que Mr. Trevellis sabia, fora ele quem ensinara a Sean. Os mesmos dons de hackers que Sean usava agora atrás de arquivos bancários nas Ilhas Cayman, que acenderam na tela da Poliu, porque Mr. Trevellis sabia que Sean conseguiria chegar até ali.
Já Sean leu aquilo sem acreditar no que lia. Achou que seu coração parara frações de segundos ao perceber uma conta clandestina da Computer Co. numa ilha fiscal como aquela. Só podia ter algo haver com seu pai e suas atitudes desesperadas para não deixar a Computer Co. falir, de mantê-la sempre acima das expectativas, sempre no mercado altamente competitivo.
“Eu disse que um dia Sean ia descobrir sobre seus poderes diferenciados, sobre o que Fernando e Trevellis fizeram no passado para a Computer Co., chegar aonde chegou”; soou sua mãe em suas lembranças.
Sean se desconectou dos mainframes que a Computer Co. alugava à Poliu e entrou em terreno mais instável; arquivos da Polícia Mundial, comandada pelo inteligente Oscar Roldman. Mas seus dedos pararam sem ordem. O medo de encontrar enfim documentos que comprovassem que ele era filho de Oscar, que ele era o bastardo que Mr. Trevellis o afirmava ser, infestavam seus sonhos desde menino.
Dores de cabeça fizeram Sean apertá-la.
Sean fechou de vez todos os canais de comunicação em seus mainframes. Ia desligar a rede quando uma notícia na Internet chamou-lhe a atenção, uma notícia da Reuters News e um mapa com o local de um acidente aéreo com um avião da Emirates Airlines com destino à Londres, Inglaterra, fazendo escala em Santorini, Grécia; voo 5674, dia 27 de setembro.
“27 de setembro?”; sentiu cada pelo do corpo arrepiar-se.
— “Segundo a Reuters, a aeronave caiu ainda em uma área do deserto dos Emirados Árabes Unidos” — Sean leu. — “A agência de notícias France Press entrevistou um dos responsáveis pela direção de segurança aéreo dos Emirados Árabes Unidos, que segundo ele, havia muita gente a bordo do avião. Eles estavam fazendo todo o possível para se aproximarem, mas o avião estava em chamas. O combustível ainda queimava e temiam uma explosão em breve” — terminou de ler em meio a gritos que ecoaram por toda cobertura.
Sean ergueu-se em choque no que ao redor de sua mesa plasmou-se um deserto sem fim. Ele olhou em volta, não estava mais na cobertura, estava em meio a corpos e labaredas, braços e pernas deslocados do corpo, crianças que gritavam em chamas, espíritos já desencarnados, em desespero, sem entender que morria.
— Ahhh!!! — Sean caiu de joelhos no frio mármore carrara de sua sala.
Olhou para os lados, sua mesa, cadeiras, obras de arte e o site aberto, no cair da noite fria, do coração disparado. Engoliu a seco a visão vista e se levantou sentindo o perfume dos sais de banho de Aagje Papadopoulos invadirem sua narina, sua memória, seu corpo.
“Labaredas”; lembrou-se da visão no banheiro do Burj Al Arab.
Sean ia ter que colocar seu orgulho de lado, enfrentar o ciúme de Kelly, o poder de sua mãe, e ir à Ilha de Santorini se quisesse descobrir. Mas o telefonema a seguir trazia outros planos para o fim daquela noite. Sua mãe Nelma Queise o chamava à sua casa.
Sabia que não ia ser uma reunião amigável.
Mansão dos Queise; São Paulo, capital.
23° 34’ 12” S e 46° 40’ 20” W.
27 de outubro; 21h00min.
A mansão dos Queise estava iluminada. Toda ela. Sean parou o carro observando aquilo. Fazia tempo que não a via, a casa de sua infância, da vida com os pais e a irmã Ana Claudia, da felicidade, das descobertas do amor, das perdas dele, dela, Sandy Monroe. Do noivado, da desavença, das acusações da Poliu, do roubo de peças de Spartacus. E as duvidas dele, Sean. Memórias de briga, de fuga de Sandy correndo ao andar de cima, dele correndo atrás dela, escorregando, ela se trancando no quarto, dele não chegando a tempo, dela tirando a vida com um tiro fatal.
— Ahhh!!! — gritou ao ver que havia saído do corpo, ido ao passado, ao seu passado.
Olhou para o lado, no carro antes vazio e Sandy estava lá, olhando-o. Sean arregalou os olhos azuis em meio ao olhar perdido dela.
“Sandy” Sean levantou a mão e a imagem dela sumiu.
Sean sentiu medo, havia algo mais na presença dela ali, nas suas saídas do corpo, nas suas visões de morte, no seu dom.
A campainha tocou apenas uma vez.
— Achei que fosse usar sua chave — sua mãe Nelma Queise foi direta ao abrir a porta.
— Nem sabia que já tive uma... — brincou sabendo que nenhuma brincadeira iria aliviar o ambiente.
— Entre Sean — ela abriu a porta na sua totalidade.
Sean atravessou o hall de entrada e olhou para o escritório antes usado por seu pai Fernando, na extremidade direita do grande hall de mármore negro.
Uma dor apertou-lhe o peito.
— Ana Claudia?
— Na casa de uma amiga — olhou Sean olhando em volta. — Venha! — falou sua mãe sumindo para a ampla sala que se prosseguia no corredor da entrada, na extremidade esquerda da casa sem ao menos dar-lhe um beijo, um abraço.
Mas Sean estava mais que olhando o entorno, estava paralisado; um Fernando sofrido, de cabelos bancos em desalinho o olhava assustado.
— Pai... — soou baixinho dos lábios secos pela emoção. Sua mãe quase sumia de sua vista quando ele a seguiu sem voltar a olhar para trás. E foi ao entrar que Sean sentiu que não seria um jantar amigável; Oscar Roldman estava sentado no meio da sala, noutro extremo Kelly Garcia. — Achei que...
— Precisamos conversar — foi Oscar quem tomou a dianteira.
— Achei que íamos jantar? — Sean se virou para a mãe ignorando Oscar e Kelly.
— Vamos jantar!
— Achei que íamos jantar a sós — Sean encarou Nelma em desafio.
Oscar não gostou do ver o clima esquentar. Desde a morte de Fernando que ele não conseguia se comunicar com Sean. Não que durante sua vida toda tivesse sido fácil tal tarefa, mas ficava cada vez mais difícil uma linha de comunicação entre ambos.
— Se você preferir... — Oscar encarou Sean.
— Eu não tenho que preferir nada — Sean foi puro fel.
— Não Sean — Kelly chamou-lhe a atenção.
Ele a odiou por aquilo.
— Um vinho do porto? — sua mãe tentou quebrar o gelo que até teria funcionado se um quinto elemento não tivesse entrado na sala.
— Trevellis? — agora Sean sentiu toda sua segurança desabar.
— Olá ‘filho de Oscar’ — gargalhou após ver Sean, Oscar e Nelma se incomodarem.
— É um convidado, Mr. Trevellis — foi sua mãe quem falou. — Não estrague isso.
“Convidado?”, Sean achou difícil de assimilar.
— Achei que você fosse a última pessoa a pisar na minha casa desde a morte de Sandy — Sean descompensava.
— Eu sei! Fernando havia me proibido de voltar aqui desde então — Mr. Trevellis foi debochado ao sentar-se esparramado no sofá livre, brilhando os olhos esverdeados que contrastavam com a pele jambo.
Kelly e Oscar ocupavam também cada um, um sofá.
— Percebo que a morte de meu pai mudou muita coisa por aqui — Sean falou encarando Oscar que se incomodou, agora sozinho.
— Um vinho? — foi Kelly que tentou amenizar algo que jamais se amenizaria.
— Por que essa reunião? — falou Sean enfim quando os cinco ali estavam servidos.
— Conseguiu driblar o ataque? — Mr. Trevellis foi direto.
— “Ataque”? — sua mãe e Oscar foram uníssonos.
Sean olhou Kelly que lhe devolveu o olhar.
“Não fui eu”; pareceu falar.
— Não foi um ataque. Foi apenas um erro de senhas.
— Achei que seu cloud computing havia sido hackeado — Mr. Trevellis abriu um charuto.
A sala foi invadida por uma fumaça tênue e pesada tanto quanto seus componentes.
— Infelizmente, quase todo o sistema de computador pode ser hackeado, Trevellis. Mas não se preocupe ninguém pode invadir os dados da Poliu — o encarou, sentindo-se dono da situação.
Mr. Trevellis gargalhou com gosto, entendeu que Sean sabia que ele sabia de sua invasão. Sean percebeu aquilo. Ficou na duvida se ainda tinha o controle da conversa.
— Que senhas erradas foram essas, meu filho?
— Algum funcionário não autorizado, mãe. Deve ter entrado com algum dado e o programa o brecou. Como veio de dentro da Computer Co., os mainframes não estavam preparados para essa atitude, então os mainframes entenderam como um ataque... — e Sean encarou Mr. Trevellis. —, interno.
Ele percebeu que as atenções se voltaram para ele.
— Não me olhe assim ‘filho de Oscar’ — riu Mr. Trevellis. — Não invadi a Computer Co.. Isso é sua praia.
Sean se incomodou.
— Por que está insinuando que meu filho invade a Computer Co., Trevellis?
— Ah, não, Nelma — Mr. Trevellis baforou longamente. — Longe de mim insinuar algo.
Sean odiou-se por ter deixado ser pego. Irritar Mr. Trevellis estava ficando perigoso.
Nelma não se deu por vencida:
— E como sabe que foi um funcionário da Computer Co.?
— Porque ninguém de fora conseguiria tal acesso, mãe — Sean olhou um, olhou outro; olhou os quatro. — Sou bom no que faço — desafiou a Polícia Mundial e a Poliu numa jogada só.
— Claro que é. Fernando era bom no que ensinava — Mr. Trevellis desafiava.
Sean ergueu-se do sofá totalmente transtornado. Nelma não gostou das insinuações de Mr. Trevellis e encarou Oscar que não queria ter sido encarado.
— Chega Trevellis... — soou dele enfim.
— Chega por que, Oscar amigo velho? Nós dois sabemos que Fernando era um hacker habilidoso na década de sessenta — ria Mr. Trevellis com gosto. —, com aqueles computadores monstruosos e...
— Chega Trevellis! — agora Oscar se enervou.
Mr. Trevellis riu com gosto novamente sabendo que aquilo mostrava a Sean que seu pai realmente prestara serviços a Poliu, provável, servicinhos inacabados. E Sean viu Mr. Trevellis e Oscar lhe olhando de maneiras tão ambíguas que lhe escapou o pensamento de ambos.
“Droga!”; pensou Sean.
— Vamos... — Nelma anunciou e todos se levantaram após o serviço estar à mesa.
“Sean” soou uma voz fraca pela sala.
Sean sentiu toda sua pele arrepiar-se, gelar, perder o controle da temperatura. Ele viu o fantasma de seu pai dizendo-lhe algo. Mas seus lábios estavam roxos, flácidos, sem voz.
Tremeu sob a observação de Kelly que não o perdia de vista.
— O que quer comigo Trevellis? — Sean foi ao ataque, no meio do corredor entre as salas.
Mr. Trevellis parou para observá-lo. Nelma, Kelly e Oscar também. Os cinco se olharam no espaço pequeno. Mr. Trevellis voltou a andar, entrou na espaçosa sala de jantar e sentou-se sem cerimônia; e sem responder.
“Sean” voltou a soar uma voz.
Sean olhou para trás de sua cadeira. Só a parede e um quadro de Van Gogh; o preferido de seu pai. Olhou de novo para frente e a sala sumira, todos sumiram. Sean estava numa rua pouco iluminada, úmida e alguém o seguia; podia sentir, ver seus pés afundando na poça fria, úmida como a noite. Estava com medo, muito medo, alguém se aproximava. Sean tocou o frio ferro do poste ao lado. Olhou sua mão e ela estava molhada.
Acordou no que Kelly esbarrou a perna dela na dele.
Sean voltou à sala sem saber o que acontecera, onde estivera, que rua mal iluminada era aquela e Mr. Trevellis entregava algo a ele. Ele esticou a mão para pegar e viu que ela estava molhada, que havia se molhado na viagem astral. Arregalou os olhos e recuou a mão antes que percebessem. Secou-a e pegou das mãos de Mr. Trevellis um Tablet ligado; havia um vídeo sendo exibido.
Apesar de estar sem som, Sean sentiu sons de gritos ecoarem em seus ouvidos. Mas não havia gritos no vídeo exibido. Somente Sean Queise e Aagje Papadopoulos conversando numa sala de banho.
Ele reconheceu a opulência do Burj Al Arab, dos seios nus de Aagje Papadopoulos.
— Belo par de seios, não ‘filho de Oscar’? — Mr. Trevellis foi sarcástico.
— Trevellis! — exclamou Oscar cada vez mais desconfortável com tudo aquilo.
Já Sean só escorregou os olhos para o lado. Kelly esticava a vista para enxergar o que acontecia.
— Estava me filmando? — Sean desligou a tela.
— Estava filmando Aagje Papadopoulos. Não imaginava que você estaria na filmagem — gargalhou Mr. Trevellis.
Sean voltou a se incomodar com os fortes olhares da sócia e sua mãe. E ainda tinha ela, sua mãe, a vigiá-lo.
“Droga!”; pensou outra vez sem dizer.
— Ah! Devo então mudar o sentido da pergunta, não Trevellis? — Sean sorriu cínico. — Estava filmando Aagje?
— “Aagje”? Estão tão íntimos assim?
— Não me irrite Trevellis! — Sean cerrou os dentes para falar aquilo.
— Então não vou irritá-lo moleque. Fernando fez um acordo com Syrtys Papadopoulos — Mr. Trevellis foi direto como até então não fora; e não parecia se importar muito com os sentimentos de Sean.
Mas Sean procurou Oscar antes de cruzar os olhos com a mãe.
— Que tipo de acordo?
— Não sabemos Sean querido... — Oscar respondeu mesmo assim.
Sean não queria ter ouvido aquilo, aquela maneira de ser chamado.
— Como sabem sobre o acordo? Hackearam algo? — Sean desafiava Mr. Trevellis.
Mr. Trevellis gostava dele. No fundo desejara ter tido um filho assim; no fundo invejava Oscar Roldman, no que os cinco sentados à mesa sentiram a friagem que se sucedeu.
— Nossa! — exclamou Nelma se levantando e indo a outro lugar. — Acho que há alguma janela aberta... — soou longe.
Sean encarou Kelly e ela não o olhou. Ele sabia que a friagem vinha do ‘além-sala’.
— O acordo apareceu quando o testamenteiro chegou Sean — Nelma voltou à sala de jantar sentindo frio novamente. — Havia contratos da Computer Co. de antes de você assumir, e que tinham ordens explícitas para não serem interrompidos no caso de morte.
— Eu conheço o testamento de meu pai. Não havia essa clausula.
— Ela estava guardada na Polícia Mundial.
— Meu pai... Meu pai... — aquilo caiu com uma bomba. — Pediu-lhe para guardar algo? — encarou Oscar que respondeu com um olhar para Nelma. Sean teve medo daquele olhar. Ficou achando que talvez fosse Oscar quem dera algo a Fernando para guardar, cuidar. Odiou-se. — Que tipos de contratos meu pai teria com... — Sean juntou forças. —, com Syrtys Papadopoulos, Trevellis?
— Não sabemos! — Mr. Trevellis foi firme.
— Deus... — Sean não se situou. — Meu pai nunca me disse que havia contratos inacabados...
— Seu pai não falava muito — Nelma o cortou.
— Com você! — desafiou-a. — Comigo ele teria falado.
— Mas não falou! — Mr. Trevellis também sentiu prazer em feri-lo.
Sean tremeu por frações de segundos, e a sala escureceu e clareou. Buscou o teto tentando ver se as lâmpadas estavam acessas. Quando abaixou a vista não estava na sala outra vez, estava no escritório de seu pai, com o cofre aberto, com seu pai guardando algo, um papel amarelado, sob a mira de Syrtys Papadopoulos e Mr. Trevellis. Sean se se aproximou deles, do papel amarelado, das escritas nele e nada mais fez.
— Sean? — Kelly fez Sean voltar antes de conseguir ter lido o papel amarelado. — Aconteceu algo?
Mas Sean havia realmente descompensado. Estava triste, minado espiritualmente, com aquilo que acreditou ter no papel, no que pouco viu no papel amarelado. E odiou Aagje Papadopoulos, odiou Mr. Trevellis; se odiou.
Aquilo começava a enervá-lo.
— Meu pai... Droga! Meu pai nunca falou sobre contratos inacabados... De nenhum contrato que não deveria ser interrompido — nada falou sobre a visão. — Meu pai nunca colocaria a Computer Co. em situação duvidosa, nem assinaria contratos contra a lei com um homem notoriamente conhecido como um negociante inescrupuloso; negociante que já desafiara a Poliu com a venda de armas ilícitas e falsificadas, para então ir a mídia e denunciar uma ‘suposta’ corporação de inteligência envolvida com o tráfico de materiais, que comprovam a vida alienígena antes mesmo da extinção dos dinossauros — Sean se virou para Mr. Trevellis que o odiou.
E a cadeira de Mr. Trevellis arranhou o piso.
— Olha aqui seu moleque...
Mas Sean não lhe deu chances.
— E também sei que Syrtys Papadopoulos colocou a Polícia Mundial em situações embaraçosas, quando se propôs revelar um ‘laranja’ dele próprio, Syrtys; um ‘laranja agente’ dentro da Polícia Mundial.
Oscar Roldman e Mr. Trevellis perceberam que Sean fazia mais do que devia em suas horas vagas.
— Do que está falando Sean? — mas Nelma alertou-se.
Contudo sua pergunta ficou no vácuo porque Mr. Trevellis voltou a se sentar.
— A Poliu jamais foi enganada, ‘filho de Oscar’.
— Trevellis... — Oscar ia falar.
— Cale-se Oscar! — agora Mr. Trevellis estava no limite.
— O que foi Trevellis? Nervoso porque mês passado chegou às listas de ufologia que uma sociedade secreta julgava ter provas que a Terra era comandada por visitantes...
— Cale-se você também!!! — Mr. Trevellis explodiu apontando para Sean.
— Não grite na minha... — Nelma ia falar.
— Cale-se você... — e Mr. Trevellis só tentou gritar com Nelma quando todas as portas da casa bateram.
E eram muitas.
Mr. Trevellis fuzilou Sean imaginando se fora ele quem fizera aquilo, se podia fazer aquilo, bater as portas.
Mas Sean sabia que não fora ele.
— O que foi Trevellis? Com medo?
— Você... Você...
— Eu o que? Posso bater portas? Apagar luzes? — e as luzes se apagaram.
— Sean! — exclamou Nelma nervosa. — Não faça mais isso!
— Não fiz nada mamãe...
E a luz voltou para então Mr. Trevellis ver que Sean o olhava, dizendo que não fora realmente ele quem apagou as luzes. Mr. Trevellis se virou em choque caminhando até perto de uma mesa de canto apagando nervoso o charuto, enterrando-o no cinzeiro de cristal. Depois pegou o casaco de veludo grosso que usava e sumiu da sala indo embora. A última porta que bateu foi ele quem atentou contra o batente.
Nelma só fuzilou Sean que só tinha Oscar em seu raio de visão; Oscar e a alma atormentada de seu pai Fernando atrás dele, encarando Oscar que sabia da sua presença, porque também tinha dons paranormais. Sean se virou e foi o próximo a ir embora. Não queria mais jantar, não queria mais saber sobre os segredos da Computer Co., não queria mais enfrentar sua mãe e Oscar ali, na casa dele, não queria mais ver Kelly lhe encarando nem ver o pai morto usando os cabelos brancos em desalinho, batendo portas e apagando luzes com o pouco de luz que tinha.
4
Computer Co. House’s; São Paulo, capital.
23° 36’ 19” S e 46° 41’ 45” W.
28 de outubro; 10h23min.
O salto do sapato de Kelly Garcia vibrava por toda a extensão que separava a sala dela da dele. A manhã já começara na Computer Co. House’s e a porta da sala de Sean Queise foi a próxima a estremecer.
— Kelly... — Sean sobressaltou, já não conseguia se conectar com o mundo em que vivia.
— Pediu uma passagem para a Grécia? — desafiou-o com o que pareceria ser sua passagem nas mãos dela.
Sean só a olhou. Renata entrou logo depois já quase sem cor na face. Sean percebeu que ela não conseguira esconder sua viagem a tempo.
— Pode ir, Renata — ele a liberou do show que se processaria ali.
— Ia me avisar?
— Bom dia para você também, Kelly querida — Sean se virou e voltou a trabalhar.
— Ia me avisar da viagem?
— Precisava?
— Pensei que fossemos sócios.
— Pensou?
— Não faça isso, Sean...
— Isso o quê, Kelly? — Sean levantou-se e abriu as janelas da ajardinada sacada na cobertura da Computer Co. House’s.
O dia prometia ser quente.
— “Isso o quê...” “Isso o quê...” Fugir de mim, Sean.
Sean sentiu o impacto daquelas palavras. Gostava dela, muito. Talvez mais do que deveria.
— Eu... — girou o pescoço nervoso. — Não estou fugindo — voltou a se sentar. — Vou à Grécia a negócios.
— Sem mim?
— Queria ir?
— Primeiro Dubai em segredo. E agora...
Sean cortou-lhe a fala.
— Não estive em Dubai em segredo. Você, minha mãe e toda Computer Co. sabiam que eu ia lá, e que eu...
Mas Kelly cortou-lhe a fala também.
— E depois? Um sumiço de quase um mês? E agora? O que vai fazer na Grécia, Sean? Sumir outra vez?
— Sabe que é escasso o número de estudos de pesquisa que reportam o uso de zeólitas naturais provenientes da América do Sul?
— Como é que é? Vamos investir em zeólitas?
— Sim.
— Sou geóloga, Sean. Conheço os zeólitos, zeólitas ou zeolites, do termo grego zein — falou num jogo.
— Wow! Perfeita como sempre, Kelly querida!
— Por que o deboche? Por que a Grécia, Sean?! — gritou.
— Não grite comigo, Kelly! Não lhe dei esse direito!
— Seus negócios se cruzam com os de Aagje Papadopoulos? É isso?
— Meus negócios se cruzam com os de Syrtys Papadopoulos, que se não percebeu eu não sabia existir. É isso!
— Eu também não sabia. Quando fui ser assistente da Martha, secretária de seu pai, não tive acesso aos negócios dele. Compramos zeólitas da Silicio Company como todo mundo, todo mundo compra porque são os maiores...
— Não a estou culpando de esconder nada, Kelly.
— E mesmo assim não confia em mim?
— Ah... Deus... — abaixou a cabeça. — O que eu fiz para que nossa relação fosse assim?
E Kelly chorou antes mesmo de responder àquilo. Sabia que não devia, que sua posição ali era outra, que era uma profissional, mas todas suas forças sumiram com o sumiço dele. Sean sentiu dor naquelas lágrimas, sentiu dor no que leu no éter, também sentiu dor na sua dor. Ficou sem saber o que fazer, falar. Teve vontade de largar tudo, de dizer que faria tudo por ela, de amá-la.
Não fez nada daquilo.
— Não quero brigar com você Sean — ela o viu olhar-lhe de lado. Ela sabia que ele sabia que havia mais. — Vou com você. Vai me deixar ir?
— É minha sócia, não é?
— Sou! — e Kelly Garcia segurou o rosto dele nas mãos.
Sean sentiu-se pequeno, confortável, seguro. Há muito tempo não sentia segurança. Kelly acariciou-o; o rosto. Sean voltou a sentir-se pequeno, protegido. Ela parecia ter os dons paranormais dele.
— Ah... Kelly — e ele a beijou com carinho, que retribuía aquele amor beijando-a com mais que gratidão.
Porque ele sempre a amara, a desejara, a afastara. Porque a Computer Co. primeiro, sempre a empresa primeiro. Parou de beijá-la se sentindo incomodado.
Kelly percebeu.
— Queria poder voltar no tempo... — soou da boca feminina, perfeita.
— “Voltar no tempo”? Por quê?
— Consertar coisas... — Kelly sentou-se o olhando e Sean teve medo de ouvir as tais coisas. — Podemos voltar Sean? No tempo?
— E o que é o tempo, Kelly? “Se ninguém me perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei” — e o silêncio. — Entre os grandes autores da história da Filosofia Medieval, Aurelius Augustinus, mais conhecido como Santo Agostinho era quem refletia o conceito de tempo que para ele não existia.
— Como pode o tempo não existir? E o que corre nos relógios? O que são as horas?
— Esse é o grande problema, não Kelly? Porque para Santo Agostinho que se perguntava como pode o presente ‘ser’, dado que, passado e futuro ‘não são’, nós somos o que fazemos, que capturamos em lembranças. Porque o tempo é só um vestígio de eternidade — Sean sorriu e Kelly o olhou.
— Eu te amo Sean.
— Eu também Kelly. Se bem que a meu modo.
Kelly se levantou com o resto de brio que tinha. Sabia que não podia mais insistir. Abriu a porta, mas a porta se fechou. Ela voltou a abrir a porta e a porta voltar a se fechar.
— Isso é um pedido para que eu fique Sean?
— Na obra Física, Aristóteles escreveu sobre o problema do tempo e sua relação com o movimento, a mudança, o número e a medida, sendo que o tempo era só o número de um movimento segundo o antes e o depois — Sean viu Kelly se virar para ele, dar três longos passos e parar ao lado dele. — O problema para Aristóteles, Kelly era que ele observava que o tempo foi e não é mais, mas vai ser o que ainda não é — sorriu para Kelly que lhe sorriu. —, porque as partes do tempo são umas passadas e outras futuras, nenhuma existe, e no entanto, o tempo ainda sim é uma coisa divisível — e Sean foi beijado.
Um beijo retribuído, de trocas de energias e líquidos e lágrimas, um beijo doloridamente sentido por ambos, pelo casal que se amava, se bem que cada um a seu modo.
— Não posso ir.
— O que? — Sean achou que não ouviu direito.
— Não posso. Você sabe que não posso.
— Minha mãe?
— Ela me colocou no meu lugar ontem. Antes de você chegar ao jantar.
— Eu sinto por isso. Eu assumi a Computer Co. Ela me pertence. Meu pai me deu-a não importando o que ela achou disso.
— Ela é sua mãe. A Computer Co. dá-lhe direitos de voto; ela tem investimentos aqui.
Sean olhou-a com um olhar que ela não soube traduzir.
— Estou viajando a noite para Santorini, Kelly. Queira ela ou não. Se quiser me acompanhar esperarei mais um dia para que você consiga seu visto. Eu já tinha visto não sei por que.
Kelly alertou-se.
— Você tinha visto para a Grécia?
— Renata diz que sim — ele voltou a trabalhar e Kelly se virou confusa sem a compreensão do que perdeu naquela conversa, do que não entendeu. — Gyrimias? — foi a última pergunta dele.
— Chega a tarde.
— Peça para ele vir a minha sala quando chegar.
— Sean, eu...
— Tenha um bom dia, Kelly — digitava sem olhá-la.
Sean só ouviu o click da porta agora se fechando.
Computer Co. House’s; São Paulo, capital.
23° 36’ 19” S e 46° 41’ 45” W.
28 de outubro; 15h15min.
Quando a porta se abriu, uma cabeça pequena, num rosto magro adornado por óculos de metal fino emoldurando, apareceu.
— Senhor?
— Gyrimias? Entre!
Gyrimias entrou receoso com o motivo que lhe trouxe ao Brasil novamente.
— Eu até me questionei, Senhor; parcelado minhas duvidas. O Senhor havia sido claro!
Sean só o olhou.
— “Havia”?
— Sim. Não volte ao Brasil sob-hipótese alguma.
Sean arregalou os olhos azuis.
— Como é que é?
Gyrimias buscou a cadeira para sentar. Secou o suor com a manga do jaleco bordado ‘Computer Co.’ na lapela.
— Foi o Senhor quem ligou para mim dando-me ordens expressas para sair em férias para as Ilhas Cayman. Não entendi bem o porquê daquela sua visita àquela hora, mas mandou-me fazer as malas e partir e ficar esperando novas ordens.
— “Visita àquela hora”?
— Eu me assustei quando ouvi suas ordens primárias, mas o Senhor mandou-me às Ilhas Cayman atrás de contas secretas da Computer Co. e a Poliu — Gyrimias viu Sean sentir medo do que ouviu. E Sean havia arregalado tantos os olhos azuis que Gyrimias tentou entender a deformação do rosto bonito. — Não se lembra disso, Senhor?
— Prossiga...
— O Senhor me disse que estava saindo da suíte de Aagje Papadopoulos no Burj Al Arab desconfiado que o Senhor Syrtys Papadopoulos e Mr. Trevellis haviam envolvido seu pai, Senhor Fernando Queise, numa enrascada.
— Deus... — Sean nada lembrava. — O que houve comigo?
— Tem algo mais... — Gyrimias ficou na duvida se respondia a outra pergunta. — Algo, Senhor.
Sean esperou o pior.
— Prossiga...
— O Senhor estava nervoso, falando aos gritos; nervoso com a Senhorita Aagje Papadopoulos e o comportamento dela, algo que ela queria e que o Senhor não acreditava existir.
— “Não acreditava existir”? As tais zeólitas baratas?
— Não... Algo com o comportamento delas, com elas, eu acho. O Senhor gritava muito, dizia que as duas estavam lhe enganando.
— “Duas”? Que duas Gyrimias? — Sean estava com o coração acelerado.
— Não sei Senhor. “Com o comportamento delas”? “Com elas”? Achei que falava de duas, Senhor.
— Deus... Prossiga Gyrimias!
— Não sei como prosseguir Senhor. É só isso! Algo haver, não entendi muito bem, porque o Senhor estava extremamente nervoso como disse, mas escreveu sobre isso, sobre elas.
— Eu escrevi sobre elas? Escrevi onde?
— Não sei... Um telegrama, acho.
— E o que eu poderia ter escrito num telegrama sobre Aagje Papadopoulos e outra ‘ela’?
— Parcelado, Senhor... Não sei Senhor... — e Gyrimias realmente estancou o que ia falar.
— Prossiga Gyrimias! — agora soou como ordem.
— Parcelado meu desentendimento, disse também que para completar aquela insanidade toda, a Senhora Mona Foad Almeida estava envolvida, que Mr. Trevellis foi inescrupuloso como sempre, que a Poliu faria tudo para ter o material de volta, e que no fundo o Senhor Oscar Roldman sabia sobre eles, e que ainda era provável que o agente da Poliu foi morto porque sabia onde os alienígenas estavam.
“Foi morto porque sabia onde os alienígenas estavam”; Sean realmente percebeu que algo havia acontecido durante o lapso de tempo de quase um mês.
— Deus... Que agente morto? Seria o laranja que trabalhava para Syrtys? Sabiam sobre que alienígenas? Eu sabia e esqueci? — Sean viu Gyrimias o olhando. — Mas... Deus... O que houve comigo? Como posso ter falado tanta insanidade se não... O que quer dizer ‘com o comportamento delas’? E quem são ‘elas’, Gyrimias? E por que não pensei nada disso até chegar ao Burj Al Arab?
— Não sei Senhor — o olhou. — Como assim não pensou? — e Gyrimias viu que Sean falava algo baixinho, que ele falava sozinho, que estava embranquecido. — Senhor? — Gyrimias levantou-se e serviu-lhe água gelada. — O Senhor está bem?
— Onde eu estive Gyrimias? — olhou-a apavorado.
— Ah... Não sei Senhor. Posso investigar se quiser.
— Eu não localizei em meus cartões de crédito nenhum gasto com passagens, hotéis, alimentação ou telefonemas. Não imagino como sobrevivi quase um mês sem comer ou dormir em algum lugar — Sean viu Gyrimias olhar para os lados procurando uma forma delicada de falar. — Só me lembro de ter saído de Dubai nervoso, no voo 5588 para fazer escala em Londres, porque queria falar algo com Oscar e depois seguir para o Brasil.
— Falar com o Senhor Oscar Roldman? O quê Senhor?
— Não sei... Não sei... Mas cheguei a dois dias, vindo de Londres no voo 6171 para São Paulo. E só me lembro do chá servido pela comissária, avisando que chegamos a São Paulo.
— Eu verifiquei tudo o que podia como a Senhorita Kelly Garcia me mandou...
— “Kelly mandou”? — Sean cortou-o.
— Disse-me que foi... — Gyrimias sentiu-se confuso de repente.
— Prossiga Gyrimias! Já não sei se no final das contas devo temer minha mãe ou Kelly controlando minha vida.
— A Senhorita Kelly Garcia disse que a Polícia Mundial conseguiu imagens suas, Senhor, no aeroporto de Londres, Inglaterra como disse, há dois dias, voo 6171, com destino a São Paulo, Brasil — Gyrimias viu Sean perdendo a cor de novo. — Imagens no Echelon, porém mostram que o Senhor foi visto chegando a Londres, Inglaterra, dois dias atrás, vindo de Santorini, Grécia no voo 8901, e partindo no voo 6171 para São Paulo, Brasil, Senhor.
— “Grécia”? Eu parti de Santorini para Londres e então para cá? — lembrou-se das coordenadas de Spartacus. — Estive quase um mês em Santorini, Gyrimias?
— Não sei dizer. Fora as informações vindas da Polícia Mundial, não encontrei nem um e-mail, SMS, Chat, rádio; uma única imagem sua. E Spartacus, Senhor, desligou-se durante esse tempo — Gyrimias viu Sean arregalar tanto os olhos que deformou outra vez o rosto bonito. — E se o satélite de observação Spartacus se desligou Senhor, e não foi ordens vindas dos mainframes, então foi porque recebeu ordens suas... — parou milésimos de segundos. —, vindas de sua mente.
Sean caiu o corpo para trás na poltrona que balançou. Ele havia desligado o satélite de observação com a força do pensamento.
— Oscar soube?
— Sim. Mas enviou ordens para que ninguém soubesse.
— Oscar escondeu o fato de Spartacus estar inoperante da própria Polícia Mundial?
— Parcelo que sim — Gyrimias esperou e esperou mais alguma coisa, mas Sean saíra do ar olhando as paredes da cobertura.
Ele se retirou o deixando lá, com seus pensamentos e o dia terminou naquela angustia.
O filósofo Jean Paul Sartre tinha razão, a busca pela verdade era realmente angustiante, nauseante; talvez saber a verdade, também.
5
Santorini, Grécia.
29 de outubro; 12h23min.
“Se ninguém me perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei. Porém, atrevo-me a declarar, sem receio de contestação, que, se nada sobreviesse, não haveria tempo futuro, e se agora nada houvesse, não existiria o tempo presente”, soou Santo Agostinho agora em lembranças. Porque Sean sabia que seu passado escondia algo, que era esse passado oculto quem guiava as setas de seu tempo presente, e que era esse passado oculto quem ditaria as setas de seu tempo futuro, e se ele ainda teria um.
Sean Queise chegou ao Aeroporto Internacional Elefthérios Venizélos, na Grécia e de lá tomou outro voo para o aeroporto de Santorini. Se ele podia realmente desligar o satélite de observação Spartacus só com um pensamento, então ele desligou seu rastreamento a partir dele. Um apito sonoro estourou na Poliu, na Polícia Mundial e na Computer Co. simultaneamente; Mr. Trevellis, Oscar Roldman e Kelly Garcia receberam juntos a notícia que ele havia saído ao controle. Sean sorriu o cínico que era. Sabia que o satélite de observação Spartacus não o estava seguindo momentaneamente.
Outra vez.
E começava a gostar do poder que adquiria.
Santorini também conhecida como Thera ou Thira, T??a em grego, é uma ilha vulcânica localizada no sul do Mar Egeu, cerca de 200 km a sudeste da Grécia continental. Era a maior ilha de um pequeno arquipélago circular que leva o mesmo nome.
Sean chamou um táxi ali parado.
— Para onde Senhor?
— O que me propõe? — foi a resposta ao motorista.
— Smaragdi Hotel, Senhor?
— Por que não?
O táxi partiu.
— O Smaragdi Hotel é construído em uma das praias mais populares daqui de Santorini, Perivolos. Vai gostar.
— “Perivolos”?
— Conhecida lá fora como ‘Black Beach’, é uma praia com pedras pretas, que atrai milhares de turistas todos os anos. O hotel fica ao longo da praia que começa a partir de Perissa e termina em St. George. O Senhor vai encontrar muitas tabernas, restaurantes, bares e lojas.
Ele só ergueu o sobrolho satisfeito. A vista do mar ao longo do trajeto era realmente maravilhosa. Sean fez o check-in e subiu para o quarto. Adorou a cama de madeira escura e flores belas sobre ela, do piso de mosaicos de lajotas escuras, das paredes brancas, da vista para o paraíso. E havia algo no ar, um cheiro de peixe. Apesar da fome, antes conectou o notebook ao Wi-Fi e procurou no Echelon qualquer comunicação que envolvia seu nome naquele quase um mês; e-mails, fotos, conversas telefônica por celular, rádio, pelo o que fosse. Só encontrou uma movimentação nervosa de agentes da Poliu e a Polícia Mundial atrás dele. Como havia dito Gyrimias, nada que respondesse a pergunta de sua vida, do por que tomar o voo 8901 da Grécia a Londres.
“Onde eu estive?”, olhou para fora vendo que o entardecer na baía de Santorini era realmente algo fora do comum, como tudo o que vivia naquele momento.
O telefone do hotel tocou. Alguém estava oferecendo-lhe um drink à beira da piscina.
“Alguém?”; Sean nem precisava de dons paranormais para responder àquilo. Jogou uma jaqueta por cima da camisa polo amarela que usava e desceu.
Os olhos de Aagje Papadopoulos eram da cor do mar. Ela mirou a polo amarela, a calça de brim branca, todo o corpo dele. Sean viu que o interesse dela ficava abaixo do equador dele. Realmente era uma surpresa aquele interesse todo dela nele. Em todos os anos de cruzamentos que a Computer Co. teve com a Silicio Company, nunca Sean sentira o interesse de Aagje Papadopoulos por ele, nem sabia da existência dela era bem verdade. Ela era apenas ‘a filha de Syrtys’.
— Sabia que o nome ‘Santorini’ foi-lhe dado pelo Império Latino, no século XIII, Sean Queise? — ela o viu sentar-se sem nada falar após ela lhe indicar a cadeira vazia. — E sabia que é uma referência a Santa Irene? — Aagje usava um vestido azul da cor dos diamantes que voltava a usar. — Antes disso ele era conhecido como Kalliste, ‘a mais bela’, ou como estrongilídeos, ‘a circular’, ou ainda como Thera. O nome de Thera foi reavivado no século XIX, como o nome oficial da ilha e sua principal cidade, mas ficou Sta. Irene ou o nome coloquial de Santorini.
Sean percebeu que ela dispensara os chapéus, o que tornava o cabelo negro preso por uma fita azul como os olhos, como o mar, como o vestido curto que mostrava as roliças pernas, torneadas, prendendo a atenção dele.
Voltou a si e sorriu.
Ela devolveu o sorriso mostrando agora a cadeira livre ao lado dela. Ele levantou-se e sentou-se ao lado dela sem argumentar, havia dois drinks enfeitados por guarda-chuvas de papel à frente dele.
— Banana? — estranhou o drink.
— Hortelã, banana, suco de limão e açúcar. Depois a famosa aguardente grega Ouzo 12.
— Wow! — Sean bebeu num gole só.
Aagje adorou aquilo. Eles se olharam. Mediram-se.
— Fez uma boa viagem, Sean Queise?
— Como sabia que eu viria? — Sean percebeu a intimidade.
— Não sabia... — viu Sean lhe sorrir cínico. — Sério! Soube só quando aterrissou.
— E o que quer aqui? — Sean olhou a piscina do hotel não muito cheia. — Também está de férias?
— “Férias”? Achei que vinha a negócios.
— “Vinha”? — ele viu Aagje não entendendo o jogo de palavras. Olhou para os lados e todos os olhavam. — Wow! Você deve ser famosa — Sean a provocou.
— Por que achou que não?
— Não sei... — Sean riu. — Nunca ninguém lhe fotografou, soube da sua existência, porque seu pai nunca permitiu — o interesse de Aagje foi interrompido quando ele a esperou parar de observá-lo e os olhos azuis de ambos se encontraram. Ela sorriu cínica. Ele também. — Qual era o negócio que meu pai e seu pai tinham? Zeólitas?
— Direto! Gosto disso!
— Não vai gostar tanto assim...
Ela gargalhou com gosto. E como era lindo aquele sorriso escandaloso.
— Fernando Queise e Syrtys Papadopoulos tinham um negócio intermediado pela Poliu, que envolvia muito mais que a fabricação de minhas zeólitas.
Sean sentiu seu coração abrir numa ferida.
— Que negócio?
— Não sei. Já lhe havia dito isso.
— E como posso terminar o ‘servicinho’ que cobra da Computer Co. se não sei que serviço se trata?
— Estou de mãos atadas, Sean Queise. Só sei que a Silicio Company investiu toda sua fortuna em algo que não tenho acesso. E vai perder tudo se não fechar a torneira que pinga...
— Sua torneira, Senhorita...
— O que? Sua mãe não lhe disse?
— Minha mãe não me disse o que? — Sean sentiu-se perdido de repente ao lado da opulenta Aagje Papadopoulos.
— Você também tem uma torneira pingando. A Computer Co. está bem ‘mal das pernas’ desde a morte de seu pai.
Sean engoliu aquilo. Dinheiro nunca fora seu forte. Ele criava, Kelly gerenciava as contas.
— Kelly teria...
— Teria o quê? Lhe dito? Ehhh... Não sabe que sua mãe manda nela?
Sean não gostou de vê-la cortar suas frases. Nem que ela soubesse mais do que ele. Sentiu-se desconfortável com o que achou que viria. Levantou-se do lado dela e preferiu a cadeira à frente.
Se Aagje ficou desgostosa nada demonstrou.
— Trevellis?
— Nada sabe sobre o negócio ou estaria despreocupado.
— E ele estaria preocupado por que... — foi sarcástico.
— Porque a Poliu tem uma torneira aberta também, Sean Queise.
— Pare com a intimidade.
— Como quer que lhe chame? Senhor? — riu gostando de vê-lo incomodado. — Porque perto dos meus quarenta e quatro anos, você é um menininho.
Sean respirou fundo e tentou manter o foco.
— O que acha que seja essa torneira? Algum tipo de chantagem?
— Não, sei. Só sei que consta em meus arquivos um alto investimento e quero dar fim a ele, mas não consigo porque não sei onde estão os tais investimentos.
“Ilha Cayman”; soou em seus pensamentos.
— Algum pensamento a fim de dividir Sean Queise? — Aagje o viu com o pensamento longe. — Porque se não percebeu e deve ter percebido, estamos enrascados e em breve, falidos — ela viu Sean a encarar, virar o pescoço nervoso e esperar ela prosseguir. — O que é estranho não?
— Traduza ‘estranho’!
— Você, um hacker habilidoso e nada conseguir saber sobre tal contrato.
— Já disse que não sabia que meu pai e Trevellis tinham ‘acordos’ — preferiu aquela palavra.
— “Acordos”? — riu. — Ehhh! E me parece que não sabia dos acordos porque nunca quis invadir os pensamentos dele.
Sean sentiu o chão abrir-lhe. Havia algo de errado com Aagje Papadopoulos e não era pelo fato dela ter preferido a intimidade. Tentou não entregar o jogo, não naquele momento.
— Meu pai jamais faria algo errado.
— Por que acha que Syrtys faria?
Sean gargalhou com força.
— Ah! Não me venha com essa, Senhorita. Sou um hacker habilidoso, lembra? Conheço as falcatruas de seu pai e a Poliu.
Aagje ergueu as costas como quem se incomoda.
— Syrtys...
— Seu pai chantageava a Poliu há algum tempo, Senhorita, porque descobriu que a Poliu esteve envolvida num acobertamento alienígena.
— Um o quê? — disparou uma risada tão alta que os poucos ali na piscina o olharam.
— Por favor, Senhorita. Ao contrário de você, não gosto de chamar atenções.
Ela recuou nervosa.
— Syrtys não faria...
— Faria! Fez! E foi um acobertamento feito por Trevellis com uma sociedade secreta em que, digamos assim, Syrtys exigiu participar, e a qual faziam serviços para uma comunidade alienígena que está na Terra desde o cretáceo — Sean disparou.
Aagje primeiro parou de respirar, depois olhou um lado e outro e enfim caiu em sonora gargalhada.
— “Cretáceo”? Sabe um pouco de história Sean Queise? O cretáceo é...
— Na escala de tempo geológico, Senhorita — e Sean cortou a graça dela. —, o Cretáceo ou Cretácico é o período da era Mesozóica do éon Fanerozóico que está compreendido entre 145 milhões e 500 mil e 65 milhões e 500 mil anos atrás, aproximadamente — sorriu cínico.
— Como você é ridículo, Sean Queise — ria a mostrar os alvos dentes a fazer os peitos pularem do decote do estreito vestido tubo azul.
— Sou? — riu cínico. — Pois saiba você, Senhorita azul, dourada, que cor tenha ou use, que eles, os alienígenas, estão aqui sim, há muito tempo, fazendo algo que faz Trevellis tremer só de pensar no que eles são capazes de fazer — e ele viu Aagje parar de rir, algo que parecia estar a fazendo pensar. E Sean captou tais pensamentos, confusos a início. — Algum pensamento a fim de dividir Aagje?
Ela ergueu o sobrolho não percebendo como fora chamada.
— O que está fazendo?
Ele ergueu o sobrolho devolvendo-lhe.
— Nada!
Ela sabia que ele havia feito algo. Que lera seus pensamentos. Perguntou-se quantos ele leu; quais. Porque ela sabia também que a Silicio Company estava envolvida com uma entidade secreta que venerava alienígenas. E também sabia que quando seu amigo fiel Gameliel Siaraferas lhe falara, ela não acreditara.
“Alienígenas do cretáceo?”, foi o que Aagje pensou.
— Eu não sei do que está falando — foi o que Aagje respondeu.
— Não sabe? Ok! Então me deixe ver se eu sei — Sean se aproximou a assimilar o perfume doce dela mesmo com as cadeiras distantes. — Nossos pais fizeram um acordo em algo no qual não sabemos, intermediado pela Poliu que nada sabe, envolvendo a Polícia Mundial que nunca se envolve, protegendo e venerando alienígenas que ninguém acredita existir, e morreram sem nada nos dizer.
Aagje sentiu o perfume dele também.
— Ehhh! Sean Queise... ‘Morreram sem nada nos dizer’.
Sean arregalou os olhos azuis. Algo voltou a explodir dentro dele.
— Está dizendo que... Não... Você acha que... — e não teve coragem de terminar nenhuma das frases.
— Que foram assassinados? Nunca se questionou isso?
Sean sentiu que a cabeça ia explodir. Levantou da cadeira sentindo tudo girar. A rua escura, úmida, alguém que o seguia.
— Ele sabia que eu estava lá... — soou de sua boca.
— Como é que é? — Aagje viu Sean em pé, em choque.
— Meu pai...
— Seu pai? Seu pai sabia que você estava lá aonde?
— Ele estava atrás de meu pai, mas também sabia que eu estava lá...
— “Ele”? Quem estava atrás de seu pai, Sean Queise? Não estou...
— Era meu pai na rua escura e úmida... Sendo seguido... — e Sean sentiu seu mundo ruir, caiu sentado mais em choque ainda.
— Você viu seu pai sendo seguido?
— Na noite de sua morte eu o vi correndo de algo. A polícia arquivou o caso como latrocínio, que ele havia sido baleado após um assalto malsucedido. Mas havia alienígenas, demônios envolvidos em tudo aquilo. E ele me viu, me viu ali.
— Viu quem lhe viu?
— Dois dias atrás... No jantar de minha mãe... Minha mão molhou... — e olhou para sua mão.
— Sua mão molhou? “Dois dias atrás”? — Aagje olhou para os lados perdida. — Seu pai não morreu há seis meses? — Aagje riu sem entender por que ria. — Você saiu de si? Conseguiu voltar ao passado? — a ficha parecia ter caído.
Sean a encarou de supetão.
— O que sabe sobre mim, Senhorita? — Sean estava nervoso. — Por que sabe tanto sobre mim?
Ela brilhou os olhos azuis.
— É visto que está cansado, Sean Queise — foi a vez de ela levantar-se chamando o garçom que chegou neles tão rápido que Sean mal diluiu a cena. — A viagem longa, o calor do mediterrâneo... — o garçom esticou-lhe uma conta que ela assinou. — Venho às 22 horas buscar-lhe para jantar — e sua mão foi segura por Sean que lhe tirou a conta assinada.
— Não gosto que paguem minhas contas.
— Gosto de pagar pelo que tenho.
— Você não me tem.
— Ainda! — sorriu Aagje voltando a dar a conta assinada para o garçom que sumiu.
“Ainda?”, Sean não gostou daquele sorriso, daquela força toda dela, nela, sobre ele.
Algo ele sentiu por ela. Uma estranha, ali na piscina, e ele sentia algo por ela. Sean levantou-se, foi embora e entrou no hall que levava ao seu quarto sumindo das vistas dela, que gostou afinal da conversa.
— Proveitosa... — falou sozinha por alguns minutos.
Mas ela não ficou sozinha por muito tempo, o fiel guardião Zenon Kanapokolo se aproximou da mesa dela.
— Conseguiu?
— Ainda não!
— Acha que...
— Não acho nada!
— Não! Quero saber se acha que ele desconfia de você?
— Cale-se! Ele também lê pensamentos — Aagje olhava a janela do quarto dele onde Sean os observava escondido.
— Você acaba de vender sua alma a eles.
— Não seja ridículo. Digamos só que a emprestei.
— Sabe que nunca vou entender isso, não?
— Não espero mesmo que entenda — Aagje riu com gosto e se foi.
Zenon levantou os olhos em direção a janela de Sean Queise e o odiou. Achava que ela estava arriscando mais que seus dons paranormais e sua alma aceitando fazer aquilo. Os dois se foram e Sean ficou lá, olhando-os da janela, não entendendo muito bem o que ouviu o que pareceu ouvir dos pensamentos que ali chegaram. Quis, mas não entendeu. Virou-se para o além-mar e se perdeu na imensidão, em meio às ideias que lhe atormentavam desde pequeno, desde um jovem Sean Queise com dons de mover objetos, de fazê-los sumir e reaparecer noutro lugar, de brincar desde criança fazendo balanços e gangorras mover-se sem que ninguém as tocasse, sem que ele as tocasse, com medo de ser descoberto, identificado, rotulado como esquisito, diferente.
Mas Sean havia sido preparado para muito mais que captar pensamentos no éter. Era realmente diferente, especial, com especialidades desenvolvidas pela espiã psíquica Mona Foad, nos porões da Poliu, que criava e desenvolvia agentes psíquicos, atrás de pluralidade, multiversos, alienígenas.
— Mona... — soou da sua boca. — Em que monstro me tornou?
Vilarejo de Imerovigli, Santorini; Grécia.
29 de outubro; 21h03min.
Mas não era bem a companhia de Aagje Papadopoulos quem Sean Queise queria naquela noite. Ele tinha uma coordenada um pouco diferente de 36° 40’ N e 25° 40’ E, dada por Spartacus a Kelly Garcia, porém próxima a 36° 25’ 59.58” N e 25° 24’ 58.67” E; The Church on the Skaros Rock, uma península rochosa que praticamente se projetava para fora, para o azul do Mar Egeu. Localizada na encosta vulcânica íngreme da Villa Imerovigli, fora nos dias anteriores, fora um majestoso castelo, e agora costumava ser o principal local de congregação cristã em Santorini até o início da década de 1800.
Já o mar todo se tomou de uma tonalidade azul marinho quando Sean chegou lá usando roupas simples, jeans e camisetas; estava a passeio. Desligou a moto trail alugada antes da chegada nervosa de Aagje Papadopoulos ao hotel dele, não o encontrando lá.
Porque foi para cima de Zenon que ela foi.
— Culpa sua! — exclamou nervosa erguendo a barra do vestido que se arrastava no chão do hotel. — Você devia o ter vigiado Zenon!
— Eu disse que o satélite de observação já não o rastreia.
— Dane-se aquele satélite! Você e a sala vermelha deveriam...
— A ilha é pequena, Aagje. Logo saberei...
— Ehhh!!! — Aagje berrou entrando no carro novamente deixando Zenon falando sozinho.
Zenon ficou com o coração apertado odiando Sean Queise mais ainda.
Já Sean sentava-se na moto trail desligada à entrada da igreja, vendo ao longe quatro grandes navios transatlânticos acesos com turistas do mundo inteiro. Estava próximo ao portão de ferro que contava histórias, de construção tipicamente grega como a cor da cúpula da Skaros Rock, tão azul quanto o mar à frente.
Um homem gordo, com poucos cabelos e usando óculos de lentes esverdeadas se aproximou dele. Sean havia marcado por e-mail um encontro com o Dr. Nikiforus Theodorákis, Ph.D em entropia do tempo. Dr. Nikiforus também era um estudioso da vida alienígena.
O calor grego o fazia suar e ele secou o suor com um lenço guardado na calça de linho branca antes de cumprimentar Sean que o conhecia das suas listas de ufologia.
— Grande Sean Queise! — exclamou o homem suado, mostrando uma intimidade que apesar de nunca ter sido real era muito bem assentada no mundo virtual.
— Grande Nikiforus Theodorákis! — Sean devolveu-lhe o afetuoso comprimento de mãos.
— Aproveito para agora que nos conhecemos pessoalmente dar-lhe meus pêsames por seu pai. Disse-lhe várias vezes que o admirava.
Sean sentiu o coração abrir.
— Obrigado...
— O que faz perdido em Santorini, Sean? — Nikiforus olhou o horizonte.
— Fico grato de saber que nunca me vira.
Nikiforus fez uma careta.
— Eu deveria ter entendido a piada? — riu.
Sean riu também.
— Vamos passear? Não sei quanto tempo vou estar aqui sem ser denunciado.
— Está fugindo de alguém?
Sean olhou a imensidão.
— Sim...
Nikiforus mais nada falou sobre a perseguição.
— O que quis dizer por nunca lhe ver?
— Já nos conhecíamos pessoalmente?
Nikiforus o olhou de lado.
— Bebeu Sean?
Sean riu novamente.
— Não. Até precisava — sentou-se no banco oferecido por Nikiforus. Ambos deram as costas para o Mar Egeu. — Eu estive aqui em Santorini.
Nikiforus o olhou sem entender.
— Quando?
— Eu cheguei e saí de Dubai no mesmo dia, 27 de setembro. Provável que cheguei aqui em Santorini no dia 28.
— E por que não me procurou?
— Foi isso o que eu vim lhe perguntar. Eu lhe procurei?
— Está brincando ou o que? — Nikiforus riu.
— Spartacus... — e Sean olhou Nikiforus o olhando de uma forma diferente. — Você conhece, não? Meu satélite? — Nikiforus nada falou. — Conhece claro. Você o usa tanto quanto eu.
Nikiforus voltou a olhá-lo agora já não tanto receptivo.
— Aonde quer chegar Sr. Queise?
— Wow! “Senhor”? Onde foi parar nossa amizade?
— Em algum lugar de sua frase anterior.
Sean o olhou com interesse. Durante os anos que se comunicava com o Dr. Nikiforus, Sean o havia hackeado. Sabia que ele fora um dos mais conceituados físicos da Poliu e que agentes da corporação de inteligência chamada Poliu o chamavam de ‘Senhor’ para irritá-lo, para enfatizar sua pouca idade, para debochar dela.
Sean levantou-se e ficou a vislumbrar a beleza da noite grega.
— Ok... Vou tentar ser claro com o que posso.
— Agradecerei! — Nikiforus foi frio.
Sean percebeu.
— Aparentemente Spartacus ‘diz’ que eu estive em Santorini durante quase um mês, mas ele se desligou logo após. E eu não sei por que o desliguei porque não o desliguei com meus dedos — Sean viu que Nikiforus nada falara.
Sorriu comedido sabendo o que aquele silêncio significava. Tentou ler os pensamentos do Dr. Nikiforus, mas ele os bloqueou. Sean voltou a rir comedido. Sabia que ele havia o bloqueado porque podia bloquear. Mona também o ensinara. Ele também fora uma cria do grupo de espiões psíquicos que Mr. Trevellis montara na Poliu.
— Pode continuar... — foi só o que Nikiforus falou.
Sean não soube como.
— Acontece que durante quase um mês fiquei sem me comunicar com minha família, com a Computer Co. e sumi das comunicações dos mainframes que controlam Spartacus.
— Que lhe rastreiam — Nikiforus cortou Sean.
— Sim... Que me rastreiam — os olhos de Sean brilharam. — E como físico sabe que isso é impossível; é impossível que o satélite de observação deixe de me rastrear a menos que o GPS interno dele, que seu relógio fosse danificado ou coisa assim, porque nem minha mente pode deixar de fazê-lo funcionar.
— Achei que nada fosse impossível para você. Digo... em relação às máquinas.
— Não brinque comigo.
— O que quer de mim? Saber se você esteve comigo nesse tempo?
— Não acha estranho eu ter estado aqui, em Santorini, onde você mora?
— Eu soube que você esteve quase uma semana em estado catatônico após a morte de seu pai, sem ou quase nenhuma reação a estímulos. Soube que sua mãe teve que chamar especialistas.
— Nada do que passei afetou minha memória, Doutor. Apenas tenho quase um mês apagados da minha mente.
— E não é a mesma coisa?
— Acordei duas horas antes de chegar ao Brasil quando a comissária do voo 6171, vindo de Londres me ofereceu chá. Antes disso, só minha saída da suíte de Aagje Papadopoulos, no Burj Al Arab dia 27 de setembro. Nesse intervalo, nada, nenhuma memória.
— Talvez você...
— Talvez nada. Não há uma única marca em mim de tortura; não fiquei preso ou qualquer coisa do gênero. Se eu tivesse tido algum tipo de transtorno catatônico outra vez, o satélite de observação teria me rastreado mesmo assim, como faz comumente. Só não imagino como posso ter ficado quase um mês fora do ar, fora do alcance de Spartacus e de qualquer movimentação de outros satélites, que sei que existem, e que sei que me rastreiam — Sean se levantou extremamente nervoso passando as mãos pelos cabelos loiros em desalinho.
— O que quer com um físico que estuda desordem e caos, em vias de se aposentar, Sean? — Nikiforus viu Sean o olhar de uma forma que não conseguiu traduzir de imediato. E sabia fazê-lo. — Você sabe, não Sean?
Sean olhou o infinito.
— Eu sei muitas coisas...
Nikiforus riu; tinha que rir.
— Você sabe que trabalhei para Mr. Trevellis com os espiões psíquicos, que eu era responsável por parar o tempo metaforicamente para Mona Foad e seus pupilos ler as mentes.
“Parar o tempo...” “Parar o tempo...” “Parar o tempo...” soava intermitente.
Sean não sabia o que pensar daquilo, parecia que não sabia tantas coisas assim.
— Por que me recebeu Nikiforus?
— Já disse que admirava seu pai.
— O conheceu quando ele trabalhava para Trevellis?
Nikiforus ergueu-se em choque.
— Seu pai nunca trabalhou para...
— Não me engane! Sabe que não pode!
— Sei! — e foi uma exclamação forte.
Nikiforus sabia que Mona Foad o havia desenvolvido. Foi tão contra que foi ele próprio, Nikiforus Theodorákis quem contou a Fernando Queise o que a espiã psíquica da Poliu, Mona Foad fazia com os dons de seu filho após o suicídio de Sandy Monroe.
— Quando o conheci nas listas de ufologia como um dos especialistas em entropia, em setas do tempo, eu me interessei por você, mas não havia muita coisa a seu respeito fora da vida catedrática — Sean viu Nikiforus o olhar. — Imaginei que você devia ter muito a esconder — completou.
— E então você me hackeou.
Sean gargalhou e se virou para ele.
— É o que eu faço de melhor, Doutor, porque como disse Trevellis, meu pai me preparou para ser um Queise.
— O que está fazendo aqui, Sean? Poderia ter me perguntado tudo isso por e-mail. Eu responderia mesmo assim.
— Responderia, mas não seria a mesma coisa.
— Por que eu poderia mentir num e-mail?
— Eu sei que pode me bloquear, Dr. Nikiforus. Apesar de Mona amiga nunca haver me falado sobre você, apesar de não ter conseguido encontrar seu nome nos arquivos sobre espiões secretos da Poliu, apesar de tudo isso e muito mais, eu sei que você é importante para Trevellis, para a Poliu e era importante para o meu pai num negócio escuso que tinha com Syrtys Papadopoulos — e antes que Nikiforus falasse algo, Sean completou. —, e sei que está envolvido nos meus ‘quase um mês’ de sumiço até o pescoço, Doutor.
Nikiforus deu uma risada morna e limpou a calça de linho branca a fim de ir embora.
— Tenha uma boa noite Sean...
Mas Sean não ia dar-lhe chances para aquilo.
— Quando Einstein descobriu que a velocidade da luz parecia ser a mesma para todos os observadores, independentemente do modo como se movia, ele foi conduzido à teoria da relatividade, segundo a qual tínhamos de abandonar a ideia de que havia um tempo absoluto único; ‘metafórico’ como disse — Sean viu que Nikiforus parou de andar. — Ao invés disso, cada observador teria a sua própria medida de tempo registrada pelo seu relógio, e os relógios de pessoas diferentes não coincidiriam uns com os outros. Deste modo, o tempo tornou-se um conceito mais relativo ao observador que o media, mais pessoal, discutido desde os antigos filósofos… — Nikiforus permaneceu de costas para Sean. — Quando Einstein tentou unificar a gravidade com a mecânica quântica, foi preciso introduzir a noção de tempo imaginário, não foi? Um tempo imaginário, metafórico, que não distingue as direções no espaço, que se permite ir para o norte, voltar para trás e ir para o sul, provando que o modo que permite se avançar no tempo imaginário também faz as setas do tempo se desorientar, também os levar para trás.
— “Os levar para trás”? Quer dizer voltar no tempo? Aonde quer chegar Sean? — Nikiforus permaneceu de costas.
— Stephen Hawking se perguntava de onde vem esta diferença entre o passado e o futuro? Por que nos lembramos do passado, mas não do futuro?
— Só podemos lembrar-nos do passado Sean, mesmo o passado não existindo.
— Tem razão; não existe passado. Santo Agostinho disse que só nossa memória, nosso palácio das memórias é que podem armazenar o passado, e só lá o passado existe. E que não existem lembranças do que não existe.
— E nada que não podemos localizar espacialmente, existe — Nikiforus completou se virando para ele. — E também não podemos lembrar-nos do futuro porque ele ainda não foi criado.
— Mas Hawking disse em seu livro Uma breve história do tempo, que mesmo as leis da física não distinguindo entre tempo para trás e para frente, há pelo menos três setas do tempo que distinguem realmente o passado do futuro; a seta termodinâmica onde está o sentido do tempo em que a desordem ou entropia aumenta, a seta psicológica onde está o sentido do tempo em que nos lembramos do passado e não do futuro, e a seta cosmológica onde está o sentido do tempo em que o Universo se expande em vez de se contrair.
— Insisto... Aonde quer chegar Sean?
— São as Equações de Campo de Einstein, não são Dr. Nikiforus? Era nisso que meu pai trabalhava? Era nisso que os mainframes da Computer Co. iriam servir Trevellis?
— Já disse e repito. Seu pai jamais serviria a Mr. Trevellis.
— Então quem são ‘eles’ para quem Aagje Papadopoulos vendeu sua alma? — Sean foi mais direto ainda.
— Você está cansado, Sean. É jovem, têm trabalhado muitos nesses anos todos e a morte prematura de seu pai lhe atingiu...
— Morris Ketchum Jessup, professor de astronomia passou muito tempo estudando as ruínas Maias e Incas, e chegou a conclusão que tais construções só poderiam ser erguidas com a ajuda de tecnologia superior ou alienígena — falou num fôlego só.
Nikiforus caiu em gargalhada. Sabia onde Sean ia chegar. Não se deixou ser pego.
— Vá embora Sean... — e começou a descer as escadas. — Aproveite as belas paisagens e conheça uma grega... As gregas não são mulheres, são deusas.
— The case for the UFO, O caso dos UFOs é o primeiro de quatro livros sobre o tema escrito por Jessup, mesclando ciência e pseudociência. No livro Jessup pedia que seus leitores pressionassem seus representantes políticos exigindo investigações sobre a teoria do campo unificado, problema que Albert Einstein enfrentou durante os seus últimos vinte e quatro anos de vida, e que segundo Jessup tal teoria poderia explicar a incógnita da força propulsora dos UFOs. É nisso que você trabalhava para meu pai e Syrtys? UFOs?
Nikiforus virou-se para ele totalmente transtornado. Subiu os degraus com tanta força para sua idade que todo seu rosto avermelhou-se.
— Eu não tenho a mínima ideia de onde tira essas ideias malucas, Sr. Queise. Não foi da minha mente porque como percebeu sei bloqueá-la de suas leituras. E sei bloqueá-las porque como também sabe, fui um grande admirador de Mona Foad que costuma agraciar seus amigos e pupilos com ensinamentos milenares... Por isso repito! Vá descansar! — e se foi.
Sean sentiu-se triste ao ver o Dr. Nikiforus indo embora. Sabia que em alguma coisa estava certo, certo em todas aquelas coisas que pescava no éter.
— Diz a lenda que o castelo medieval de Skaros, nunca foi conquistado durante os seus 600 anos de existência — Aagje assustou Sean que não sabia se ela tinha ouvido ou não algo. Ele olhou para os lados assustado procurando Nikiforus, mas só viu Zenon o encarando. Sean se virou e outra vez seus olhos azuis deram de encontro com os azuis olhos de Aagje Papadopoulos, vestida para um baile de gala. — Pensei que tínhamos um jantar, Sean Queise?
— “Tínhamos”?
— Tínhamos... — Aagje sorriu sem entender se Sean estava sendo ou não gentil.
— Ainda podemos ter? — ele prosseguiu. — Ou o horário é impróprio para...
— Não! — exclamou quase de imediato. — É claro que ainda é cedo...
Sean e Zenon sabiam que era tarde. Mas nada discutiram.
— Aqui? — sorriu ele charmoso apontando a imensidão.
— Aqui não... — sorriu ela com o mesmo nível de charme.
Zenon virou os olhos, sabia que Sean a estava levando embora. Já Sean sorriu cínico para Aagje Papadopoulos apontando a moto trail. Ela riu achando que ele estava brincando, mas ele voltou a apontar a moto. Aagje começou a achar a noite excitante; afinal usava um vestido de oito mil euros, sapatos Chloe de cinco mil euros, bolsa Fendi e todas as joias azuis que havia achado no cofre; e eram muitas.
Sean Queise se divertia com as confluências de pensamentos de Zenon e Aagje. Sabia que o fim de noite aquilo lhe traria enxaquecas, mas não sabia mais como controlar aquilo que considerava uma torneira aberta, pingando, diferente das torneiras financeiras de seus pais. Deu alguns passos, ligou a moto e mal acreditou quando o corpo quente e abundante dela colou em suas costas. Sentiu atração pelas pernas roliças, que foram expostas pelo vestido que subiu até quase a cintura para ela poder sentar.
Ele sorriu cínico para Zenon pelo canto dos olhos e Zenon o odiou mais. Sean deu partida e Aagje agarrou-lhe pela cintura. Ele ficou pensando que talvez não tivesse sido uma boa ideia quando o perfume doce dela lhe atingiu por completo, na noite que parecia iluminar tudo por onde passavam.
Os espaços eram estreitos e cheios de curvas. Casas e mais casas brancas, uma pregada à outra, entrecortadas por infinitas escadarias.
— Nunca andei de moto trail antes — falou ela de repente fazendo Sean voltar à realidade.
— Confesso que nunca levei uma mulher para andar de moto usando vestido de oito mil euros — e Sean gostou de Aagje gargalhar alto.
Ela ficou pensando se ele havia lido seus pensamentos ou ele conhecia mais de moda do que ela supunha.
— Sean Queise… — soou dela.
De qualquer forma Sean Queise a estava encantando com ou sem a metade de sua idade.
— Aonde vamos? — foi a vez dele cortar os pensamentos dela, que fungou profundamente o pescoço dele. Sean só a olhou de lado sem saber o que pensar daquilo. Na duvida nada falou. — Esquerda ou direita? — foi só o que disse.
— Vamos para a Villa Imerovigli.
— Mas estamos em Imerovigli, não? — e o pescoço dele foi novamente fungado. Sean sentiu um frenesi acontecer dentro dele. Riu apenas, se afastando dos lábios dela que lhe colaram a nuca. — Aonde vamos exatamente, Senhorita?
— Astra Hotel.
— Já estou hospedado como sabe.
— E a Villa de Imerovigli é um bocado longe de seu hotel, não Sean Queise? — ela viu Sean só a olhar de lado. — Não se preocupe. Vamos só jantar lá! — soou como uma ordem apontando para frente. — A vista é maravilhosa.
— Ok... — ele não ia discutir, a vista era maravilhosa vista de qualquer lugar.
A moto fez curvas e mais curvas sinuosas em meio a promessa de aproximação dos lábios dela outra vez no pescoço dele. Sean sabia que a partir da terceira investida, haveria confusão.
— Pare ali! — apontou ela. — Hotel Astra!
Ambos desceram contrastando um do outro. E não era só na idade, Aagje contrastava no todo. Ele entrou com ela no restaurante e foram levados a uma mesa reservada.
— Deus... — soou da boca dele encantado pela beleza do lugar, pela imensidão que se abria no terraço do restaurante.
— Lindo, não? Astra significa ‘estrelas’ em grego. Quando você janta aqui, no alto do mundo, nesse terraço que parece dependurar-se sobre o mar, rodeado por luzes cintilantes da ilha que refletem na bruma da noite, você... — e Aagje pegou Sean a olhando. Ele recuou nervoso olhando o restaurante cheio de turistas; talvez moradores também. — Seduza-me Sean Queise.
Sean ergueu o sobrolho.
— Como é que é?
— Peça algo exótico para comermos.
Sean não soube o que responder. Agradeceu o cardápio que estava alguns segundos parados ao seu lado e sorriu sem graça para o metrie que aguardou o pedido.
— Ah...
— Vamos lá, Sean Queise. Uma das características mais agradáveis da Ilha de Santorini é a sua cozinha. Santorini é famosa pelas suas saborosas iguarias, como as ervilhas, as berinjelas brancas fritas, tomate bola, bolas de courgette, kalamari cozido e tomates secos ao Sol.
— Seduza-me você então, Srta. Papadopoulos — entregou-lhe o cardápio. — Convença-me de tais iguarias.
Ela riu com gosto.
— Está bem! Está bem! — riu. — Vamos de trufas brancas! — falou ela para o metrie. — Para beber, Sean Queise? — foi a próxima questão. E Aagje olhou Sean a olhando. Ele recuou outra vez. — Essa! — apontou ela para o cardápio sem comentar. O metrie se retirou e não demorou a voltar com uma caixa aveludada onde estava uma bela garrafa com flores desenhadas no vidro. — É uma edição limitada de champagne Perrier Jouet 2000 Art Nouveau — anunciou Aagje vendo-a ser colocada no gelo.
— Imagino o preço.
— Não imagine Sean Queise — a rolha estourou ecoando pelo salão lotado. — 4,166 Euros por garrafa.
— Quatro mil?
— Uma bagatela — piscou insinuante.
— E sua bolsa custou quanto?
Aagje se divertia. Levantou a belíssima bolsa de couro chinchila e zibelina e o encarou.
— Esta é uma Fendi Selleria; 40 mil euros.
— Você é louca...
Aagje quis responder àquilo. Não o fez. Trufas foram servidas.
— A Trufa Branca que come custa 4.800 Euros por cada libra... — continuou a provocá-lo.
Sean só a olhou com o garfo parado no ar. Também foram a atenção novamente do salão do restaurante.
— Sabia que a história da trufa se inicia em tempos antigos, de fato, bíblicos, Senhorita? Há testemunhos de sua presença na dieta dos Sumérios e no tempo do Patriarca Joh, por volta de 1700-1600 a.C..
Aagje gostou da participação dele.
— Ehhh! Para os Gregos a trufa era um fruto tão precioso que merecia a cidadania a quem inventava novas receitas. Plutarco criou a hipótese que a trufa nascia da combinação de água, calor e raios, e todo o mundo antigo lhe atribuía excepcionais poderes afrodisíacos.
— Afrodisíacos... — Sean sorriu sem graça. — Me diga Srta. Papadopoulos... Você só consegue terminar um dia após gastar o que pobres mortais levam alguns anos para conseguir?
O sarcasmo respingou para todos os lados. Aagje não ia deixar barato.
— Só o caro, Sean Queise. O bom, o caro, o perfeito — olhou Sean de cima em baixo.
E ele a desejou.
— Leve-me!
Foi a vez de Aagje sentir seu corpo umedecer-se.
— Levá-lo?
— Amanhã então?
— Amanhã? — Aagje estava realmente sem entender.
— Conhecer a região já que Santorini é antro culinário — ele sorriu cínico. — Pena que a Regione di Piemonte, lar de trufas caríssimas fica um pouco longe — tomou um gole do champagne, piscando para ela.
— Ehhh... — Aagje tinha que admitir. Ele valia o quanto lhe custava. — Meu iate estará à disposição.
— Ah! — gargalhou. — Nada como ter amigos influentes — Sean sorriu o cínico que era.
Aagje percebeu que Sean não era de dar ponto sem nó. Ele queria algo dela.
“O quê?”, pensou.
— Santorini é essencialmente o que resta de uma enorme explosão vulcânica, que destruiu o que era anteriormente uma única ilha — mudou o assunto. —, e que levaram à criação do atual geológica caldeira abaixo. Foi, segundo documentários, durante o êxodo, que o mar se abriu para a passagem de Moisés e claro, coincidiu com a tal erupção do Vulcão Santorini...
— Entendo... — Sean falou por falar deliciando-se com o champagne.
— No quarto lado, a lagoa é separada do mar por outra pequena ilha chamada Therasia, onde a lagoa se funde com o mar em dois lugares — apontou Aagje. — A água no centro da lagoa é cerca de 400 m de profundidade, tornando-se um porto seguro para todos os tipos de transporte.
— Entendo... — Sean ficou olhando o mar espumante, iluminado pelos caríssimos transatlânticos lotados àquela época, bebendo muito. — Já leu Alice Através do Espelho e O Que Ela Encontrou Por Lá?
Aagje estranhou a mudança repentina de assunto.
— ‘Alice’? De Lewis Carroll.
— Tirando toda a polêmica que envolve o escritor Carroll, como a fascinação dele por fotografar meninas, ele foi um exímio matemático, e como sabe escreveu dois livros de sucesso mundiais; Alice no País das Maravilhas em 1865 e Alice Através do Espelho e O Que Ela Encontrou Por Lá, em 1871.
— Interessante — não soube o que mais falar.
Mas Sean adorou ler seus pensamentos.
— Mas o fato que me faz falar dele era o seu trabalho como matemático. Porque Carroll escreveu uma cena onde A Rainha oferecia a Alice um salário para que ela se tornasse sua dama de honra. O salário incluía uma dose de geleia de marmelada todo o dia de ontem e o dia de amanhã. Alice se mostrou confusa porque o ‘ontem’ já passou e o ‘amanhã’ ainda está por vir. Ela pensou então, que se vivemos no presente, ela nunca teria a geleia — Sean gostou de olhá-la; Aagje. — A Rainha então diz que isso ocorre quando se vive para trás, e que no começo a gente sempre ficava um pouco confusa. E Alice refuta que ‘viver para trás!’ ela nunca tinha ouvido falar. A Rainha então completa que há uma grande vantagem nisto, que é o fato de que a memória funciona em ambas as direções. E Alice continua tentando entender porque dizia que tinha certeza de que a memória dela só funcionava em uma direção, para trás, porque para frente não funcionaria já que não conseguiria lembrar-se de coisas antes que elas tivessem acontecido. Então volta a Rainha e diz que só uma memória ruim se lembra de apenas das coisas do passado.
Aagje riu.
— Você não é muito novinho para saber tanto — bebeu o caro champagne.
Sean também riu.
— Não sou novinho para um monte de coisa Senhorita.
Aagje o amou. Novinho ou não.
— Ehhh... E o que só funciona em uma direção, Sean Queise nenhum um pouco novinho para um monte de coisas? — se divertia. — Uma memória ruim?
— Não, Senhorita. Não são memórias ruins, são ‘setas do tempo’, mudando suas direções... — Sean realmente sentiu que as feições de Aagje mudaram. Pena que nada se perdeu no éter. — A Rainha também falava sobre um mensageiro que estava preso, na prisão, sendo punido. O julgamento seria ‘quarta que vem’ e o crime, obviamente, viria por último.
— “Setas do tempo”? Invertendo tudo? Ou ainda sim é uma memória ruim? — riu.
— E o que é a memória, Senhorita?
— Uma agenda que nos lembra das coisas? Uma memória realmente boa, que nos permita lembrar as coisas do futuro — riu.
— Mas será que gostaríamos de nos lembrar do futuro? A vida não seria insuportável se não houvesse a incerteza do amanhã?
— Ehhh... Vamos ter uma madrugada filosófica?
Sean também gostou dela. Algo naquele momento mágico que o perturbaria dali em diante.
— Vamos... Porque o filósofo Leibniz acreditava que o tempo era uma sucessão de eventos ligados por uma cadeia de causalidade. E talvez ninguém tenha se atrelado tanto a causalidade com David Hume, filósofo escocês do século XVIII, que acreditava que a relação causal entre dois eventos decorria apenas do fato de nos habituarmos a vê-los numa dada ordem temporal; o hábito Srta. Papadopoulos. Daí a ilusória ideia de que toda consequência é precedida de uma causa. Porque Hume trabalhava o tempo assim, defendendo que os racionalistas davam demasiada importância à razão e que os empiristas defendiam de forma parcial a experiência sensível. Os dados dessa experiência são como a água, e a nossa razão é como o vaso que vai dar forma a essa água. Assim, a razão dá forma aos dados dos sentidos que vão depois ser a nossa experiência — Sean viu Aagje sorrindo, encantada com tanto conhecimento sendo ‘tão novinho’. — E essa sensibilidade recebe os dados e o entendimento, porque a nossa razão é que molda essa informação, que é a forma dada pelo espaço e pelo tempo.
— O tempo... — soou dos lábios sensuais de Aagje Papadopoulos com mais força que deveria.
Sean entendeu aquilo. Só não sabia o que entendeu.
— Já o filósofo Immanuel Kant, dizia que existem condições na nossa razão que influenciam todas as nossas experiências. Tudo o que vemos, é visto primeiro como “fenômeno no tempo e no espaço”. Segundo Kant, o tempo e o espaço eram as duas formas de intuição do homem. E ele colocava entre aspas que estas duas formas na nossa consciência eram anteriores a qualquer experiência. Isso significava que podíamos saber antes de percebemos alguma coisa, que a veríamos como fenômeno no tempo e no espaço, que o tempo e o espaço pertencem à própria condição humana.
— Explique-me algo, Sean Queise... Se cientificamente a memória só trabalha em uma direção, a seta do passado, como então eu poderia me recordar do que estaria por vir?
— Déjà vu! — Sean viu que a gargalhada de Aagje chamou todas as atenções para ela e o decote brilhante no vestido caro. Olhou-a com empenho ao prosseguir. — Déjà vu é uma expressão francesa para ‘já visto’, estranha sensação de que já vimos tal cena, que já vivemos algo, que já estivemos em tal lugar; assim por diante. Muitos cientistas discordam, mas minha amiga Mona diz que Déjà vu é igual às experiências pré-cognitivas, aquelas experiências onde alguém tem a sensação de que sabe exatamente o que vai acontecer e em seguida a situação acontece.
— E acontecem?
— Acredite! Se Mona amiga falar, acontece.
— Desculpe-me! Tenho medo dessas coisas — sorriu encantadora.
Sean se lembrou de Renata e seus medos.
— Mona dizia que a pré-cognição virava Déjà vu quando uma experiência era prevista, contudo não era registrada na hora. Mais tarde, quando a experiência se tornava uma realidade objetiva e a pessoa subjetiva passava por ela, de repente lembrava-se que já a conhecia. Para o filósofo Henri Bergson isso era intuição, apreensão imediata da realidade por coincidência com o objeto, o principal caminho para o conhecimento, que vem através de percepções extra-sensoriais, paranormalidade. Segundo ele, nada é menos do que o momento presente, se entendermos por isso o indizível instante que separa o passado do futuro.
— Fala de Bergson, o filósofo espírita?
— Filosofia da religião, Senhorita — corrigiu-a. — Não sei se podemos chamá-lo de espírita, mas talvez o fato dele viver em Paris na época de Alan Kardec, influenciou sua temática. Bergson tentou compreender o tempo real, o conceito de espírito e memória, a relação corpo-espírito, provas positivas da existência do espírito independentemente do corpo físico, a imortalidade da alma e, sobretudo o papel da intuição, como o modo de conhecimento espiritual por excelência. Dizia que havia coisas que só a inteligência era capaz de procurar, mas que por si mesma nunca acharia. E essas coisas só o instinto as acharia, mas nunca as procurava, então as lembranças não se encontrariam localizadas no cérebro, mas no espírito. Em outras palavras, a maioria das experiências Déjà vu, nada mais são do que incidentes pré-cognitivos esquecidos no espírito.
— Ehhh... “Incidentes pré-cognitivos esquecidos no espírito”.
— Sim... Incidentes pré-cognitivos esquecidos; paranormalidade — foi a vez de Sean lembrar-se da banheira, do Burj Al Arab, dos sais perfumados, das pessoas em chamas e Aagje nelas.
Voltou a si nervoso para então ver Aagje o olhando por detrás do corpo de cristal, do champagne que borbulhava.
— Por que tanta informação sobre intuição e memória, Sean Queise? O que lhe incomoda?
“Sean?”, alertou-o.
— Incomodo algum, Aagje Papadopoulos…
Os dois se olharam, mediram, desviaram olhares irmãos, enquanto o restaurante em peso os olhava.
— Devemos ser a sensação do momento... — a voz dela chegou até Sean que a olhou se levantar, parar ao lado dele; e antes que ele falasse algo, Aagje lhe invadiu suas calças com mãos macias a tocar-lhe.
— Você... — e Sean foi beijado com tanta força que todo o redor sumiu.
Um calor que tomou conta do seu corpo, alma, espaço.
— Ehhh Sean... Ehhh... Ehhh... — Aagje tocava-lhe sem limites, toda sua mão a tomar-lhe o sexo.
Sean sentiu tesão, perda de espaço, coerência.
— Não... Não... Não faça isso — segurou-a pela mão com tanta força que sentiu a dor que lhe provocou.
— O que foi? — falou Aagje olhando o vergão criado. — Por que me machuca?
— Enlouqueceu?
— Por quê? Por que estou lhe bolinando em público?
— Você é louca... Não lhe dou...
— Não me dá o que?! — gritou. — Direitos?! Como os que não dão a Kelly Garcia?
— Não fale... Não se atreva...
— O que é Sean Queise? Remorso por não tocar na secretariazinha ou ainda procura o fantasma da noiva suicida no corpo de outras mulheres?
Sean perdeu a cabeça. Esbofeteou-a até sentir que flashes lhe cegavam. Acordou olhando Aagje lhe olhando do outro lado da mesa, sentada do outro lado da mesa.
— O que houve Sean Queise? — Aagje parou a trufa branca que comia no ar.
— Eu... — olhou para um lado. — Eu... — olhou outro lado com o restaurante lhe olhando. — Eu...
— Você?
— O que houve?
— “O que houve”? — Aagje riu servindo-se de outra trufa branca após lavá-la de limão. — Perguntei primeiro.
— Eu a esbofeteei?
Aagje parou o garfo no ar novamente.
— Você fez o que?
— Eu a esbofeteei?! — gritou atordoado.
O restaurante outra vez os olhou.
— Ehhh... Não! — Aagje olhou para os lados outra vez. — Acho que não... — riu sem entendê-lo e Sean olhou-a de lado. Não entendeu o porquê da visão, o porquê dos flashes que agora o tomavam sem controle. — Deveria?
— O que? — Sean voltou a si.
— Você deveria me esbofetear, Sean Queise?
— Eu...
— Você? — ela riu voltando a comer.
Sean sentiu-se mal. Algo acontecia. Talvez pensamentos dela, desejos íntimos que se realizavam em outra dimensão. Dimensão que Sean parecia atingir em flashes.
— Eu... Eu...
— Você quer Sean?
Sean acordou novamente com aquela pergunta.
— Quero o que?
— Esbofetear-me? — ela viu Sean erguer o sobrolho. — Não sei, nunca tive isso — Aagje ria com gosto. — Bofetões, chicotes, ser arrastada pelos cabelos...
— Basta Papadopoulos...
Aagje gargalhava ao vê-lo sem graça.
— Quantos anos têm Sean?
Ele percebeu de novo como fora chamado, com a intimidade a que fora chamado.
— Tenho vinte e quatro anos; como sabe.
Ela ria cada vez mais, encantada com a beleza do homem jovem, vestido de camiseta branca revelando músculos definidos.
— Ehhh... O fato de eu ter quase o dobro de sua idade faz diferença para você?
— Basta Papadopoulos!
— Mas quanto ao bofetão... — ela foi um charme só.
— Basta Papadopoulos! — Sean sentiu-se sem graça.
Aagje gargalhava a riso solto. Chamou o garçom num estalar de dedos. Literalmente.
— Deixe-me perguntar, Sean... Se não veio a negócios nem veio me esbofetear, então o que veio fazer aqui?
— Saber o que fez comigo durante quase um mês.
Aagje se divertia a rir aos bocados até ficar séria.
— Como é que é?
— Porque devo ter sido obrigado a apagar todas as informações do meu cartão de crédito antes que Oscar investigasse, não?
— “Obrigado a apagar”? Você apagou que informações? Do que está falando?
— Saí do seu quarto no Burj Al Arab no dia 27 de setembro e fiz check-out decidido a voltar ao Brasil. Meu cartão American Express Card disse que comprei uma passagem para o voo 5588 de Dubai para o Brasil, fazendo escala em Londres. E meu cartão American Express Card também me disse que depois comprei uma passagem de Dubai para a Grécia, voo 5674. Mas meu cartão American Express Card também disse que não embarquei em nenhum dos dois voos dia 27 de setembro, já que meu nome não constava no rol de pessoas mortas.
— “Mortas”? De que diabo está dizendo?
— Estou dizendo que todas as pessoas do voo 5674 que saíram de Dubai com destino a Grécia morreram. Todas menos eu que não embarquei — Sean viu Aagje sem entender nada, leu seus pensamentos.
Ficou na duvida se seu feeling havia sumido. Era verdadeiro seu espanto.
— E não embarcou por quê?
— Ah! Aí é que está! Eu embarquei Senhorita.
— Mas disse que...
— Eu sei que embarquei. Que estive no voo 5674 que caiu.
— Sabe? Como assim ‘sabe’?
— Porque sei!
— Mas você sobreviveu, não?
— Sim!
— E do que estamos falando afinal?
— Estamos falando que eu tomei o voo 5674 saído de Dubai com destino a Grécia. O voo que caiu e eu não estava lá. Quase um mês depois eu tomei o voo 8901 saído da Grécia com destino a Londres, e lá fiz escala para o Brasil no voo 6171. Agora... Explique-me os quase um mês sumido de um voo em que eu deveria ter morrido.
Aagje ainda o olhava.
— “Quase um mês sumido de um voo em que eu devia ter morrido?” Não entendi, entendi? E onde esteve nesse vácuo de tempo?
Sean gargalhou.
— Diga-me você.
— Eu? Acha o que? Que o mantive dopado? Acorrentado em algum lugar?
— Manteve?
Aagje riu.
— Você pirou ou sei lá o que. Eu não sei o que fez esse tempo todo...
— “E o que é o tempo? Quem o poderá apreender, mesmo só com o pensamento, para depois nos traduzir por palavras o seu conceito? E que assunto mais familiar e mais batido nas nossas conversas do que o tempo? Quando dele falamos, compreendemos o que dizemos? Compreendemos também o que nos dizem quando dele nos falam. O que é o tempo? Se ninguém me perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei”.
Aagje piscou, piscou e piscou.
— Por que estamos falando agora de filosofia da Idade Média?
— Não sei Senhorita. Como disse a Kelly, Santo Agostinho se defrontou com isso, com as dificuldades principais ao falar sobre o tempo; não podemos apreendê-lo, pois o tempo nos escapa, não conseguimos medi-lo, e também não podemos percebê-lo.
— E o que é o tempo, Sean? — foi toda atenção.
— “Agora está claro e evidente para mim que o futuro e o passado não existem”
— É verdade...
— “E que não é exato falar de três tempos – passado, presente e futuro”.
— É verdade…
— “Mas seria talvez justo dizer que os tempos são três, isto é, o presente dos fatos passados, o presente dos fatos presentes, o presente dos fatos futuros”
— É verdade... — e ela o quis amar.
— “Porque estes três tempos estão na mente e não os vejo em outro lugar. O presente do passado é a memória. O presente do presente é a visão. O presente do futuro é a espera”.
— Você é lindo... — escapou da boca de Aagje no que Sean acabou de citar Santo Agostinho.
Ele a encarou. Segundos intermináveis em que se sentiram incomodados por estarem ali.
— Aagje... Eu…
— Não Sean. Sou eu quem vai voltar a perguntar... Por que tudo isso?
— Porque preciso saber onde eu estive nesse quase um mês.
Ela gostou de como fora chamada.
— E acha que eu sei? É isso?
— Pensei que sabia! É isso!
— Sinto... Só sei que você saiu do Burj Al Arab e não respondeu as minhas... Quantas mesmo? Sua secretária fez questão em falar... Ehhh! Sim! 237 chamadas não atendidas — riu.
Sean não acreditava naquilo. Havia algo errado com ela, com ele, com tudo a sua volta, com o tempo que não existia. E Aagje teimava em se parecer diferente; mais magra, mais bela, mais atrevida do que antes. Afinal ela emprestara sua alma.
Ela chamou o metrie outra vez.
— Vai abrir outro champagne de 15 mil dólares? — foi frio.
— Gostaria?
— Minha companhia não vale o investimento?
Aagje gargalhou gostando da sua frieza. Sean começava a ficar cada vez mais interessante aos olhos dela.
— Amanhã vamos ver as jazidas de zeólitas. Preparo o helicóptero e você me encontra no píer da Marina Vlichada — e Aagje não percebeu que Sean a olhava assustado.
“Deus…”, soou dele, porque Aagje Papadopoulos estava em chamas, sentada à sua frente no restaurante, bebendo champagne.
Sean chacoalhou a cabeça nervoso com o que via. Aagje voltou ao normal na visão dele enquanto falava algo em grego com o metrie que voltou e que escapou à sua tradução. Nem seus pensamentos ele conseguia captar. Havia acontecido algo naquele quase um mês que mudaram a concepção de seus dons paranormais. Como os flashes nonsense que se sucediam desde então.
O metrie foi e voltou com mais uma garrafa ricamente desenhada.
— Estranho... Sonhos, memórias... Precisamos delas, Sean?
— Sem dúvida, somos aquilo que somos porque temos memória, Senhorita — ele não entendia o que vira. — Sem ela não seríamos nada. Não nos lembraríamos das nossas ligações afetivas, de nossa história, de nossos costumes e de nossa língua. Mas a memória é ingrata com o passado. Quando se vive de memórias, das lembranças do que já vivemos, com quem já vivemos, trazemos ingratidão com o que vivemos no presente, com quem vivemos no presente...
— Ehhh? Você é ingrato com Kelly Garcia quando se lembra de Sandy Monroe?
Agora realmente Sean se levantou deixando a cadeira cair. Sentiu todo seu corpo descompensar. Ele sabia que Aagje Papadopoulos havia tido prazer em formular tal pergunta.
Fuzilou-a com um olhar e se virou largando o guardanapo em cima da mesa.
— Boa noite! — e se foi.
— Hei?! Hei?! — todos olharam para ela. — Aonde pensa que vai bêbado assim? Volte aqui Sean! Volte aqui!!! — berrou Aagje ao vê-lo se afastando cada vez mais. Todos se olharam perante a cena. — O que foi?! — gritou para o salão lotado e depois para Sean. — O que foi Sean Queise?! Falei alguma mentira?!
Sean atravessava o salão sob a bela noite iluminada. Foi agarrado com tanta força no que ela chegou até ele que as unhas dela entraram na pele dele.
— Ahhh... — se virou irado.
Não soube se explicar como ela chegara nele tão rápida.
— Volte para o jantar! — ordenou ela.
— Você não manda em mim!
— Volte para o jantar!!! — berrou fazendo o salão todo voltar-se para eles.
— Me deixe em paz! — e tentou ir embora ao que foi agarrado de novo.
Aagje dessa vez agarrou e largou o braço dele.
— Você não entende mesmo, não? Você não vai mais ter paz, Sean Queise! Nunca mais!
— Você é patética, Aagje Papadopoulos. Com todas essas joias, essa riqueza, essa... essa... essa opulência... — e se calou no que a mão dela acertou-lhe o rosto.
Foi a vez dele ser esbofeteado. Dessa vez de verdade. E ele só a olhou com os olhos arregalados. Torcendo para ter coragem de revidar.
— Você vai comigo amanhã visitar as zeólitas porque tem algo de muito errado nisso tudo. Algo errado e faz muito, muito tempo. E vai porque estou me arriscando para defender o que tenho o que você tem. E não ache que é pela riqueza. Acredite! Tudo o que fiz até agora, o que aceitei fazer até agora, tudo isso... — abriu os braços. — Tudo isso é pelo pouco de lembrança que me sobrou dos que amo; ao contrário do que você sente pelas pessoas, pelos seus pais, pelas pessoas que lhe amam, Senhor Sean Queise — e se foi.
Sean ficou vendo Aagje Papadopoulos se afastar em chamas. Todo o corpo dela, da cabeça aos pés. Ele realmente não entendia o que significava aquele Déjà vu. Saiu do salão do restaurante em choque com o que vira, ouvira. Saiu a odiando, odiando odiá-la. Sentiu uma tristeza profunda por Aagje, pelo pai Fernando, por Sandy. Chegou ao átrio pensando na vida, no passado, no presente, no futuro como que de repente tivesse passado a acreditar naquelas separações.
— Kelly... Kelly... — foi só que soou de sua boca entristecida.
Sean acionou o motor da moto trail e partiu ainda em choque.
Vilarejo de Imerovigli, Santorini; Grécia.
29 de outubro; 23h52min.
— Venha me buscar no Astra Hotel! — Aagje chamou Zenon pelo celular tremendo de raiva.
Aagje estava nervosa quando o carro chegou. Não havia levantando uma única vez os olhos para encarar o salão. Pagara a conta e saíra.
— Vamos embora de carro ou vai voltar à sala vermelha?
— Não posso ir embora... Não ainda. Prepare o helicóptero para amanhã. Vou ter que dar um fim nisso tudo com o Sr. Queise ou não.
— Sabe que não pode... Sabe que não tem força para plasmar...
— Cale-se! Tenho que resolver isso com ou sem ele.
— Mas eles foram claros conosco. Sem saber o que o Sr. Queise fez...
— Cale-se!
— Calar-me? Você é a maior interessada em saber o que aconteceu a você…
— Cale-se!!! Cale-se!!! Cale-se!!! — Aagje gritou descontrolada.
Zenon Kanapokolo nada mais falou. E sabia que não deveria ter falado. Mas ao contrário dos costumeiros acessos de gritos e palavrões dela que viriam após tamanho descontrole, ela permaneceu calada. Porque Aagje estava tão pensativa que ela própria se estranhou.
Zenon a olhou diversas vezes pelo espelho retrovisor. Ela estava absorta. Ambos não viram a moto de Sean estacionada no caminho, lá esperando eles passarem.
Foi um longo olhar o dele ao vê-los se afastando em sentido a praia. Sean voltou ao Astra Hotel e fez check-in. Aagje tinha razão, ele estava muito bêbado para voltar à praia negra. Abriu a porta do quarto e bateu-a para então cair em prantos deixando seu corpo escorregar até o chão e lá ficar por horas sabendo que era ingrato com Kelly, com Sandy e com ele mesmo.
As lágrimas caíam e o relógio trocava os minutos. Sean o encarava, o relógio, e as horas passando. O relógio que trocava os números, o som do mar que batia nas rochas ao longe, o movimento das estrelas.
Sean olhou em volta, o relógio e o trocar dos números, o movimento da Lua, das Luas. Arregalou os olhos azuis se erguendo em choque. Havia duas Luas entrando pela janela aberta. Sean olhou em volta mais uma vez, o relógio já não trocava os números, o som não chegava a ele, o ar já não tinha odor e seus lábios não sentiam o sabor das lágrimas salgadas que lhe molhavam o rosto.
Ele olhou em volta uma, duas, dez vezes; tudo estava lá e não estava. Porque não havia cama, porque agora estava presa ao teto. Seus lábios penderam pelo fato, e ele olhou o céu visto da janela, agora invertida. Então a janela de ponta cabeça, com o teto embaixo e o piso em cima, as Luas no chão, os navios no céu.
Sean riu não sabendo por que ria.
Olhou-se; seus dedos estavam invertidos. A ponta da unha colava a carne e os ossos estavam expostos. Sean arregalou os olhos azuis chacoalhando a mão achando que lhe faltava oxigenação quando algo escorria de seu rosto. Sean olhou-se devagar, com medo. Preso a seus cabelos pedaços de neurônios e duas Luas a lhe iluminar.
Tudo estava confuso, sem sentido, invertido; quarto, mãos, olhos parados no tempo e no espaço.
Sean se olhou no espelho.
— Alice... O Que Ela Encontrou Por Lá?
6
Trafalgar Square, Londres; Inglaterra.
30 de outubro; 09h00min.
O Reino Unido amanheceu com o céu nublado. Marcava 8° graus. Sean Queise chegou ao Aeroporto Internacional Gatwick, em Londres com a roupa do corpo e o notebook pendurado no ombro. Puxou o capuz do moletom que usava por baixo das roupas Armani que Kelly Garcia sempre colocava em sua mala.
Fazia muito frio.
O táxi o deixou na praça que desde 1805 celebrava a Batalha de Trafalgar, uma vitória da Marinha Real Britânica nas Guerras Napoleônicas. Ali ficava o escritório particular do todo poderoso homem da Polícia Mundial; o nórdico Oscar Roldman. Lucy, a fiel secretária, companheira de labutas inimagináveis abriu a porta para Sean entrar sem anunciá-lo.
Oscar sentiu que seu coração parara.
— Sean?
Lucy só sorriu para ele. Sean devolveu o sorriso e ela fechou a porta saindo.
— Oscar...
— Ah... — Oscar olhou perdido para os lados. — Sente-se!
— Obrigado... — e Sean pôde sentir naquele momento, nas poucas palavras ditas, no pouco que captou da sala quase escura senão pelos três abat-jour acesos, que Oscar o amava, que sentia dor durante todos aqueles anos que Fernando pudera dar a ele o amor enorme que ele também sentia enquanto que ele nunca pudera.
Sean não soube o que falar. Preferiu não fazê-lo.
— Você está... — Oscar não entendia o silêncio. Viu Sean olhar para um lado, depois para outro. — Sean... Eu...
— Eu me lembrei de onde estive esse quase um mês.
— Lembrou? Como assim, ‘lembrou’?
— Podemos comer algo? — Sean olhou em volta sentindo-se mal por estar ali. — Eu não dormi o dia todo de ontem...
— Ah... Claro! Um café na rua? — Oscar levantou-se
Sean estava estático.
— Eu vi no espelho...
Oscar parou de andar sem saber se ele mudara de assunto.
— O que você viu?
— Tudo ao contrário; o saguão, o aeroporto, as pessoas, as malas, o desastre.
“Saguão... aeroporto... pessoas... malas... desastre...”; tudo soou estranho para Oscar Roldman que nada entendeu.
Ele abriu a porta da sala.
— Eu posso Oscar. Atravessá-lo... — Sean se ergueu da cadeira mecanicamente. — Os espelhos... — e saiu pela porta que Oscar havia aberto.
Oscar paralisou, de olhos arregalados, tentando entender que espelhos Sean atravessara. Ficou na duvida se Sean sabia sobre as experiências da Poliu, sobre a Operação Zeladores do tempo. Temeu o que duvidava.
Lucy os viu sair sem nada falar. Torceu para que a conversa não magoasse o patrão que já tanto sofrera, e o frio colheu-os de supetão no que chegaram à rua. Oscar se escondeu para debaixo da pele do casaco que usava e Sean se encolheu no capuz do moletom.
Oscar tentou uma aproximação,
— Vamos a Duncannon Street, Charing Cross. Há um pub quentinho lá — suspirou profundamente no que Sean manteve-se absorto. — Onde está hospedado?
— Club Quarters; aqui na Trafalgar Square mesmo — mentiu, não queria convites dele para se hospedar em sua casa.
— Como queira!
Porque Sean não queria envolvimentos. Queria, mas não queria. Abaixou a cabeça nervoso com o que pensava. Chegaram ao Pub Breadline Cafe. Sentaram-se na última mesa quase fora da vista da rua. Oscar pediu dois ‘Full English Fry-up’. Os pratos chegaram; ovos, bacon, salsichas, pão frito, feijão cozido e cogumelos.
Sean começou a comer e disse:
— Eu estive no voo 5674 que caiu em Dubai.
Oscar parou o garfo com feijão no ar.
— “No voo”? “Que caiu em Dubai”?
— Sim.
— Que voo?
— O voo que saiu de Dubai dia 27 de setembro.
— Mas como? Você chegou a São Paulo.
— Quase um mês depois?
— Como é que é? Fala do voo que segundo a Reuters caiu numa área do deserto dos Emirados Árabes Unidos? — olhou Sean o olhando. — Morreram todos naquele voo, Sean — Oscar ergueu o sobrolho.
— O voo 5674 da Emirates Airlines com destino à Grécia comunicou que as 17h00min uma pane nos motores os desligaram. Então eles desapareceram dos radares até descobrirem dois dias depois os destroços no deserto.
— E como você escapou?
Sean voltou a olhar para os lados nervoso.
— Eles pediram a torre do aeroporto para fazer um pouso de emergência num aeroporto desativado à frente deles, mas a torre disse que não havia aeroporto desativado algum na rota deles. Mas havia, e o avião pousou numa pista vazia. Foi a pior aterrissagem que fiz na vida, mas o piloto salvou a todos.
— “Salvou”? Sean... Meu Deus... O que está dizendo?
— Estou dizendo que fomos levados a um saguão. O saguão estava cheio, e havia realmente muita gente lá. Malas, crianças, movimentação. Então uma mulher parou ao meu lado e esperou-me olhá-la. Ela então disse que me esperavam. Eu perguntei quem me esperava e ela disse ‘Ele’. Eu não sabia bem o que acontecia e a segui. Atravessei a mala do notebook nas costas e carreguei minha mala de mão. Fui encaminhado pelo saguão lotado; homens de todas as idades, mulheres, crianças e... — e parou.
— “E”? Quem mais?
— Não sei defini-los.
— “Defini-los”?
— Gente... Gente diferente, Oscar. Ao contrário...
— Meu Deus, Sean. Gente ao contrário?
— Invertida, Oscar. Como num espelho.
“Como num espelho”, Oscar arregalou os olhos até ter toda sua face deformada pelo medo.
Deixou-o continuar, porém.
— Eu fui levado a um elevador; eram quatro, e o meu era o mais apertado. E havia colchões atrás de mim.
— “Colchões”? Elevador acolchoado você quer dizer?
— Sim. Acolchoado, apertado, aconchegante. Os místicos dizem que sonhar com colchões significa felicidade próxima. Restabelecimento de alguém na família que esteja doente.
— “Doente”, Sean? — ambos sabiam que se referiam aos mortos, a Fernando Queise. — Meu Deus... — soou da boca de Oscar Roldman.
— Cheguei ao que o elevador mostrava ser o 30° andar. Não sei... Acho que o 30° andar significa o quase um mês que fiquei no saguão... Esperando...
— Esperando o que?
— Não sei... Eu entrei no elevador com a mulher, mas ela não estava mais lá quando a porta se abriu. Então saí num corredor que deu para uma ala grande, com vários ambientes, parecendo ser outro saguão de aeroporto. Havia mais mulheres, crianças. Não me pareciam conhecidas ou algo assim — tomou outra xícara de café. —, eu segurei a mala de mão com força e continuei a caminhar.
— Sean...
Mas Sean pediu para continuar.
Oscar permitiu.
— Havia vários salões, várias alas de espera; pareciam-me ser aquilo mesmo, alas de espera.
— E você não encontrou nenhum companheiro de viagem?
— Do avião?
— Do avião que diz que desceu.
— Não. Ninguém conhecido, já disse. Só aquelas pessoas, aqueles invertidos...
Oscar olhou em volta, seu feeling avisava que estavam sendo vigiado.
— Estamos…
— Já percebi também — Sean cortou seus pensamentos.
— Quem nos segue? — Oscar viu Sean buscar o espelho do pub, havia outro pub lá dentro. Sean teve medo, dentro do espelho havia invertidos os olhando. — Quem no segue, Sean? — Oscar percebeu Sean olhando o espelho.
— Provável que as mesmas coisas que me fizeram lembrar-me de tudo. As que me fizeram enxergar dentro do espelho.
— “Fizeram”? “Dentro do espelho”?
— Preciso continuar a explicar para que entenda quem são eles... Essas coisas invertidas...
— Então sabe o que são eles?
— Posso continuar? — Sean viu Oscar só conseguir mexer a cabeça num movimento afirmativo. — Eu caminhei pelas alas, salões, o que quer que fosse aquilo, até perguntar onde estava. Ninguém me respondia. Havia som, muito som em volta. Barulho; entende? Mas ninguém falava, se falava ou falava comigo — sorriu nervoso. — Eu era um estrangeiro ali; um alienígena — Sean ficou imaginando se Oscar acreditava nele. Suspirou e foi em frente. — Eu senti de repente que alguém mais me vigiava. Como agora. Eu procurava quem, mas não o sentia. Então continuei andando, andando até que as pessoas começaram a sorrir para mim, e eu senti que elas me conheciam, aquelas mulheres me conheciam. E comecei a me preocupar com aquilo. Perguntei onde eu estava, e duas mulheres, uma jovem na casa dos vinte anos e outra mais velha, por volta de cinquenta anos, mas elas sorriram tímidas e se foram. Eu realmente comecei a desgostar daquilo quando alguém esbarrou em mim a fazer o notebook ser lançado para minhas costas. A dor da pancada do peso do computador me deixou sem ar e quando eu procurei quem me empurrara só ouvi ‘procure-a que ela o levara a ele’.
— Meu Deus... Sean você esteve quase um mês desaparecido, pode ter sido sequestrado, mantido drogado...
— Não fui drogado Oscar! — fuzilou-o. — Mas vai achar que estou — riu nervoso e foi à vez de Oscar fixá-lo. — Eu vi uma grande fila para se entrar no que parecia uma sala, uma sala vermelha. Eu me misturei rapidamente à fila no que ela começou andar e havia uma terceira mulher ali, também por volta de vinte anos, parada à porta observando todos. Ela tinha os braços curtos e me sorriu. E eu perguntei ‘É você quem vai me guiar?’; mas ela arregalou os olhos no susto. Disse que eu não poderia estar vendo-a para então se recompor numa velocidade tremenda, e sorrir dizendo que sim, era ela, e que me mandou segui-la com um sorriso no rosto, um lindo rosto... Como o rosto de Sandy... — Sean viu Oscar sem mover um só músculo no rosto. — Eu a acompanhei mesmo sentindo que ela não era Sandy, que ela plasmava aquele rosto, o amor que eu sentia por ela... — e escorregou um olhar para o lado. — E então saí do que parecia naquele momento ser um antigo parque de diversões, ou uma grande e antiga exposição, cheia de luzes, não sei; eu já não estava na fila da sala vermelha. E havia muito barulho, muita gente, muitos brinquedos e um edifício que ia e vinha.
— “Que ia e vinha”... Traduza Sean?
— Ele ia e vinha, Oscar. Materializava-se e sumia para então se materializar novamente — Sean viu Oscar acomodar as costas no espaldar da cadeira do pub e levar um tempo para perceber que o café esfriara. — Ela então começou a ficar nervosa, a mulher sem braços quem eu seguia — Sean prosseguiu. — Ela começou a me puxar, dizendo que não podia deixar-me levar a ele. Era urgente, urgente, eu sumir dali, que o mundo estava acabando e só eu poderia ajudá-lo há parar o tempo sobrevivendo. E que ela tinha que dar um jeito, e quando eu a encarei novamente, não era mais a mulher jovem, sem braços e sim Aagje Papadopoulos; era ela quem dizia não poder me levar até ele.
“Aagje”; foi só o que Oscar conseguiu pensar.
— Ela era parecida com Aagje Papadopoulos, mas era mais jovem, mais magra. Talvez Aagje tivesse sido assim quando mais jovem; não sei. Eu ia dizer que a conhecia, que ela era Aagje Papadopoulos, mas ela sorriu e me mandou segui-la. Mas eu queria saber quem era ele a quem iam me levar, e o porquê do edifício estar sumindo. Eu realmente não entendia por que o tempo precisava ser parado. Então tentei me largar dela, da presença dela, mas ela era diferente.
— ‘Diferente’ como?
— Não sei. Era como se ela não pertencesse aquilo tudo, mas eu pertencesse a ela. Então eu me desesperei... Pensei em correr, sei lá, mas não conseguia modificar meus passos. Eu estava lá a seguindo; e ela era forte espiritualmente. Eu sentia que ela dominava minha alma, e aquilo começou a me irritar.
— Sua alma... — escapou dele.
— Depois enfim chegamos a um edifico verde, todo espelhado, sem uma única janela. Eu quis saber o que estava acontecendo? O porquê daquilo? Ela então me agarrou, me beijou e me enterrou para dentro dela numa velocidade que mal me lembro de ter tirado a roupa — Sean só viu Oscar erguer o sobrolho. — Ali mesmo Oscar, na porta do edifício verde espelhado que ia e vinha.
“Espelhado”; pensou Oscar engolindo todas as outras palavras, até o sexo explícito.
— Eu fiquei atordoado. Ela então voltou a me puxar, dizendo que agora ele ia matá-la por aquilo. Eu perguntei ‘ele’ quem? Mas ela disse que ele a mataria se soubesse que ela invadiu-me que eu a invadi. E então ela se virou e eu corri. Corri Oscar. Corri sem que pudesse ganhar velocidade. Eu só consegui atravessar a rua larga e me esconder atrás de um banco enterrado numa calçada almofadada. Era tudo acolchoado, como o elevador e eu não conseguia entender aquilo — Sean olhou Oscar sem nada dizer. Continuou, contudo. — De repente eu a vi de novo, do outro lado da rua me procurando, a mulher parecida com Aagje. Eu me desesperei e voltei a correr quando um som de algo atravessando o ar se fez no céu, e eu vi o avião que havia aterrissado conosco levantar voo sem mim. Eu entrei em pânico e fiquei furioso. Eles haviam me feito de idiota, me levando para lá e para cá, falando coisas sem nexo, se mostrando invertidos, tudo para me enganar, porque eles queriam me tirar do avião que levantava voo sem mim. E eu corri, corri, corri tentando voltar para os salões, para as salas de espera, até chegar ao elevador para alcançar o primeiro saguão e pedir explicações do por que do avião levantar voo sem mim, e o avião explodiu.
— Meu Deus, Sean querido...
— Eu fui lançado longe por sobre cadeiras, pessoas, malas. Eu levantei atordoado e cheguei até a janela envidraçada destruída do saguão, e vi o deserto, o vi em chamas, caindo os pedaços na areia do deserto. E ninguém gritou, Oscar. Nenhuma criança daquele voo. Só uma grande explosão que avermelhou o céu, o deserto e todos os lugares por onde caiu — Sean se moveu agitado. — Eu saí correndo do saguão ganhando as areias. Corri e corri já não olhando para trás, invadindo a terra quente, encontrando pessoas em chamas, pedaços de gente por todos os lados. Malas, pele, tecido e sangue voando sobre mim — e Sean encarou Oscar. — Eu nunca tive tanto medo, tanta duvida na minha vida.
— Sean... O avião... Quero dizer, o voo 5674 caiu em... Meu Deus... Os destroços, quero dizer, foram encontrados os corpos dos cinquenta passageiros e cinco tripulantes. Se você estivesse no voo teria...
— Morrido? — Sean só o olhou. — Tomei aquele voo, Oscar. O cartão confirmou que fiz reservas naquele voo.
— E como se lembrou disso tudo? — Oscar o olhou firmemente.
— Não sei. Mas sei que estive em algum lugar do além-tempo, Oscar. Um mês perdido no 30° andar. Onde deve haver muito mais que filas para uma sala vermelha, mais que gente invertida dentro do espelho — olhou Oscar olhando as pessoas do pub invertidas no espelho.
Balançou a cabeça nervoso.
— Em que espelho viu isso?
— No Astra hotel...
— O que fazia em Santorini, Sean?
Aquilo soou como um aviso para ele. Oscar sabia de algo. Talvez sobre sua visita ao Dr. Nikiforus Theodorákis.
— Ela também estava em chamas.
— Quem?
— Aagje Papadopoulos.
— Ela estava no voo 5674?
— Não sei Oscar. Como diria Sócrates; ‘Só sei que nada sei’ — ele viu Oscar o olhar. — Você sabe o que acontece num espelho, Oscar?
— Vemos nossas imagens...
— Vemos nossas imagens invertidas — cortou a fala dele. — Tudo oposto, do outro lado.
— Que outro lado, Sean?
— Do lado da outra dimensão, Oscar. Porque eu fui levado a outra dimensão, Oscar; acredite ou não.
— O edifício espelhado que ‘ia e vinha’... — calou-se. — Meu Deus Sean querido... Como... — olhou em volta. — Há alguma coisa aqui, Sean...
— Pode sentir, não Oscar? Dentro dos espelhos?
— O que está fazendo? — ele encarou Sean nervoso.
— Lendo sua mente.
— Pare com isso, Sean!
— E sabe por que posso ler sua mente, Oscar?
— Porque aquela maluca da Mona...
— Porque ela desenvolveu em mim um dom paranormal genético.
Oscar sentiu que ia sofrer dali em diante.
— Sabia que minha família era paranormal, não Sean querido? — Oscar disparou. — Um estranho poder que acompanha todos nós — olhou Sean o olhando. — Sem exceção.
— Deus... Por quê? Por que você... Por que minha mãe... — e abaixou a cabeça.
Mas Oscar outra vez alterou-se com alguma coisa que os rodeavam, com algo que estava ali, os vigiando.
— O que é isso, Sean?
— São eles.
— Por que eles estão aqui?
— Não sei. Mas sei que alguém atravessa as realidades paralelas, Oscar. Outras dimensões que se chocam com a nossa por vezes permitindo as trocas.
— Sean, a Polícia Mundial e a Poliu já estiveram atrás dos tais multiversos. Nossos cientistas, os cientistas da Poliu. Não conseguimos provar que existem Universos paralelos, realidades paralelas, uma quarta dimensão que permite atravessá-las.
— Psychomanteum! — exclamou com força. Oscar agora paralisou sentindo mesmo tudo nele paralisar. — Sabe o que significa psychomanteum, não Oscar? Desgraçado! Você sabia... — estava em choque.
— Não se atreva a falar comigo assim! — Oscar se ergueu da cadeira, olhou o redor e voltou a se sentar. — Não me desafie Sean!
— Desafiá-lo? — queria era poder sumir dali. — E vou conseguir? Conseguir atravessar seus pensamentos, todos os dons paranormais dentro de você — os dois se encararam. — Droga, Oscar! Os gregos tinham razão, então? Porque acreditavam que sob determinadas circunstâncias, poderíamos interagir com os espíritos dos mortos usando um espelho de observação. Por isso construíram os Oráculos dos Mortos ou Psychomanteum, onde ficavam em privação sensorial necessária na preparação para o processo de visão por quase um mês sem comida, num complexo subterrâneo para então serem levados a uma sala onde havia um imenso caldeirão de bronze polido, que preenchido com água, formava uma superfície refletora, um espelho, onde podiam conversar com os mortos — Sean respirou pesado.
— Eu nada sei sobre o psychomanteum, nada sei sobre oráculo algum. A busca de informações junto a pessoas mortas era um costume muito antigo, já documentado na passagem da Odisseia onde o espírito do falecido adivinho Tirésias, foi evocado mediante elaborado ritual. Não sei por que duvida de...
— Incrivelmente nos anos 50, Sotiris Dakaris, um arqueólogo grego, redescobriu o local, que foi atribuído a um complexo subterrâneo — cortou a fala dele. —, com corredores e câmaras que conduziam finalmente ao lugar onde as aparições eram vistas. Dentro dele, havia um enorme caldeirão de bronze que quando altamente polido e enchido com água, se tornava altamente reflexivo — Sean encarou Oscar olhando os espelhos do Pub. — Como pode desdizer-me? Como? Os ‘oráculos dos mortos’ ficavam, em geral, em locais longínquos e de difícil acesso, por onde era possível entrar no mundo dos mortos; na Grécia Antiga, o mais célebre de todos era o necromanteion de Éfira, na Tesprótia, uma região do Épiro — olhou um lado e outro do pub no vai-e-vem dos muitos por ali. — Não é incrível que o necromanteion se situasse próximo aos rios Aqueronte e Cocito, nomeados de acordo com os míticos como os rios do mundo subterrâneo de Hades, Deus do inferno?
— Já disse que não sei do que está falando.
— É... Nunca sabe... Mas você mesmo disse que a Polícia Mundial andou procurando, não Oscar? Procurando os outros de nós vivendo em outros mundos através dos espelhos.
“Espelhos... Espelhos... Espelhos...”; aquilo soou perturbador. Oscar temia que Sean chegasse às respostas antes da pergunta. Temeu por sua segurança como temeu por Fernando naquela noite. Eles brigaram, mas Fernando insistiu em ir, em tirar as duvidas, em ser morto na Transilvânia.
Aquilo tudo chegou a Sean que se calou. E se calou com medo do que não diluiu daquilo.
— Ele... — Sean olhou Oscar com medo de se entregar, de entregar o que acabara de ler no éter. — Ele sempre soube, não Oscar? — mas Sean cortou a resposta que viria. — Trevellis sempre soube. Ele conhece os outros de nós, as passagens para outras dimensões, Oscar. Em algum lugar, ele descobriu as passagens para uma dimensão paralela através dos espelhos, onde vivem os que zelam pelo tempo.
— “Zelam pelo tempo”? Meu Deus, meu filho...
Mas Sean não se deixou abater.
— Zeladores do tempo, Oscar, uma cidade inteira onde o tempo não passa. Eu me lembro... Deus... Quantas vezes olhei naquele aparelho e a hora era mesma...
— Que “aparelho”? Que “cidade inteira”?
— Não sei... No prédio verde espelhado que ia e vinha... Lá tinha um relógio, mas que era diferente. E havia alguém ao meu lado, ali, numa sala vermelha, no prédio verde espelhado.
— Havia uma sala vermelha no prédio que ia e vinha?
— Não. Mas ela estava ligada ao prédio de alguma forma.
— Sean...
— Não estou louco, Oscar. Ainda não. Mas eu sei que havia alguém la no prédio verde. Achei que fosse Aagje Papadopoulos, mas eu não a via... Então eu perguntei por que a hora não passava. E uma voz feminina respondia: ‘há tal hora tal coisa vai acontecer’, e a hora no aparelho, no momento exato, mudava, e era a hora estipulada. Então eu olhava para o céu, mas ele parecia diferente. Não conseguia me comunicar com Spartacus. Era como se ele não estivesse lá.
— O satélite de observação não estava lá? Na Grécia?
— Talvez eu não estivesse lá na hora estipulada.
— ‘Estipulada’ para o quê? — Oscar nunca havia visto Sean tão confuso.
— Não sei. Já disse que não sei? Acho que foi durante o quase um mês que desapareci.
— Por que foi a Grécia, Sean?
— Já parou para pensar o quanto somos ignorantes dessa vida, Oscar? O quanto realmente nada sabemos? Quantos mistérios nos escapam à compreensão? Achei que Nikiforus Theodorákis pudesse me dizer, mas ele só me trouxe mais duvidas.
— Perguntei o que foi fazer na Grécia, Sean? Realmente!
— Sabia que meu pai estava trabalhando com Trevellis e nada me disse. Sabia que meu pai e Trevellis estavam trabalhando com Nikiforus Theodorákis e nada me disse. Sabia quem meu pai, Trevellis, Nikiforus estavam trabalhando para Syrtys Papadopoulos e nada me disse. Por que Oscar?
Oscar só o olhava.
— Seu pai nada me disse, também. Pediu-me para guardar um documento que o testamenteiro leu e só.
— E você aceitou de bom agrado a guardar um documento que não conhecia?
— Eu devia favores a ele.
Sean sentiu-se mal. Ele era o favor devido.
— Vou voltar a Santorini — Sean esperou Oscar falar algo. — Sinto que tenho algo inacabado com Aagje Papadopoulos.
— Inacabado quanto?
— “Porque agora vemos por espelho em enigma, mas então veremos face a face: agora conheço em parte, mas então conhecerei como também sou conhecido”; 1 Coríntios 13:12 — Sean outra vez esperou e Oscar dessa vez nada falou. — O apóstolo Paulo reporta-se aos mistérios de Deus, não Oscar, àquilo que sabemos muito pouco ou aquilo que ele nos quis revelar e não nos revelou? Por isso é que nós o vemos como que por espelhos, em enigmas, em partes. ‘Mas quando chegarmos ao céu o conheceremos de uma forma mais abrangente e mais compreensível, assim como ele nos conhece a nós’ — olhou em volta. — Então eu vou atrás de você, Oscar. Quando eu compreender tudo, eu vou atrás de você — apontou nervoso para ele. — E vou cobrar-lhe respostas às muitas duvidas — levantou-se e foi embora.
Oscar sabia que aquela conversa realmente não chegara ao fim.
Ele o conhecia como ninguém.
7
Vilarejo de Imerovigli, Santorini; Grécia.
31 de outubro; 07h10min.
O dia raiava quando o tilintar de copos o acordou. Sean abriu os olhos demorando a entender onde estava. Um perfume doce invadiu o ar e ele se levantou assustado, nu, procurando as roupas que tirara quando chegou de Londres, quando um novo som de vidro e porcelana veio da sacada.
— Acordou? — soou uma voz feminina do lado de fora do quarto.
Sean se cobriu com um lençol e invadiu a amanhã perfeita que se anunciava.
— O que...
— Não sabia que dormia nu Sean Queise.
Sean arregalou os olhos azuis para Aagje Papadopoulos sentada à mesa pronta para o café da manhã na sacada de seu quarto, comendo uma torrada.
— O que... — olhou em volta perdido, Santorini era belo de manhã. — O que faz aqui?
Ela olhou em volta também.
— Sabia que eles aqui no Astra Hotel servem as refeições em sua sacada privativa se você pedir? — lambeu o dedo encarando o corpo dele.
— Como... — Sean olhou em volta.
— Como eu soube que voltou? — ela riu em meio a imagem do mar azul, iluminado pela manhã era deslumbrante. Sean olhou-a o olhando; ele, não o mar azul. — Belo dorso — provocou-o.
Sean se olhou. Réguas de músculo bem definidos o moldavam. Ele jogou o lençol sobre seu corpo parecendo um grego da antiguidade.
Aagje gostou mais ainda do que viu.
— O que quer comigo Srta. Papadopoulos?
— O que quero provável não vai me dar — serviu-se de chá o deixando sem graça. — Não depois de me conhecer, Sean Queise... — Aagje o encarou lambendo novamente os dedos de geleia de uva. Sean ficou excitado com o que não queria. Encolheu-se mais ainda no lençol. — Vamos, vamos tomar café. Ou chá. O que prefere? — ela viu Sean sentar-se sem nada falar, nada pedir. Na mesa chá de frutas, geleia de todas as cores e sabores, sucos dos mais diversos e finos doces açucarados enrolados nos guardanapos de linho. — Sobre aqueles seu quase um mês de sumiço, fiquei pensando... Onde ficou, Sean Queise?
Sean estranhou que ela não perguntara nada sobre onde ele estivera ontem. Estava ali servindo café da manhã a ele como se nada tivesse acontecido; a briga. Ela estava estranha, tinha que admitir.
— Poderia saber se estive aqui se estive aqui aquele quase um mês?
— Você acordou, não? — gargalhou debochada.
Sean começou a ficar nervoso.
— Poderia?
— Sim. Como pode perceber nada me escapa.
Ele percebeu.
— Deus... Eu tomei um voo de Dubai para cá dia 27 de setembro. Por quê?
— Não tenho a mínima ideia.
— O que fazia em Dubai quando me chamou?
— Em Dubai? — Aagje nem parou um pouco para pensar. — Está brincando? O maior shopping do mundo? Doze mil lojas?
— Deus...
Ela gargalhou. Sean não entendeu por que a achou realmente diferente.
— Enfim... — limpou a geleia que escorreu da boca carnuda coberta por batom vermelho cintilante. — Eu continuei em Dubai mais um tempo então se veio a Santorini deve ter sido atrás daquele maluco perturbado.
Aquilo o alertou.
— “Maluco perturbado”?
— Conhece o semanal ‘Alien grego’?
— ‘Alien grego’ é um jornal ufológico.
— Sim. Muito lido, aliás. Lido por gente que não tem mais nada a fazer na vida, escrito por quem não tem ou não dá valor a sua vida.
Sean só a olhou.
— Conhecia o homem que falava comigo na Skaros Rock?
— Falava? Quem falava com você? — Aagje procurou em volta num deboche e Sean achou que talvez ela não o tenha visto com ele. — Ehhh... Você falou com Nikiforus Theodorákis, o editor chefe do ‘Alien grego’, não? Acredita mesmo nisso, Sean Queise?
— E no que eu acredito é da sua conta?
Aagje riu; nervosa, porém.
— Alienígenas gregos?
— Erich Von Däniken na sua Odisseia dos Deuses sugere uma investigação exaustiva sobre os deuses gregos serem de fato seres alienígenas que chegaram à Terra milhares de anos atrás. A evidência arqueológica e os escritos dos antigos, incluindo os do filósofo Aristóteles, provam que esses deuses cruzaram com humanos, realizando experimentos genéticos, e que foram criadas míticas criaturas, como Centauros e Cyclops; filhos de Èquidna — ele viu Aagje brilhar os olhos para ele. E eles eram extremamente azuis. Ela então encheu uma xícara com chá de frutas vermelhas e lhe ofereceu. — Prefiro café! Forte!
Ela sorriu, pegou outra xícara e o serviu perante as exclamações.
— Os deuses gregos eram uma maneira do povo de explicar o inexplicável na vida de uma pessoa, Sean Queise; deuses descritos como homem perfeito — e seus olhos pousaram nas réguas de músculos dele; Sean sentiu-se mais desconfortável ainda, nu, enrolado num lençol. — Segundo a mitologia grega, havia um tempo quando grandes eventos ocorreram e os deuses se envolveram nos assuntos humanos.
“Um tempo... Um tempo... Um tempo...”; soou por todo o seu redor.
Sean sentiu-se mal, saindo do corpo, invadindo as dimensões paralelas.
— Ah... — se inclinou tanto na cadeira que quase desmaiou.
“Você está bem?”, soou de muito longe.
Sean olhou Aagje embaçada.
— Estou...
Aagje passou queijo fundido na torrada que também ofereceu.
— Veja Sean Queise… — a voz dela se firmou. —, deuses como personagens que têm muitas semelhanças com as pessoas dentro de uma sociedade, são sempre seres poderosos, capazes de poderes sobre-humanos, mas, no entanto, criam-se mitos de personagens cheios de fragilidades humanas, de falhas. Nossos seres mitológicos não são alienígenas, posso garantir.
— Pode? Então esqueça os gregos. Comece então pelos mitos sumérios, Srta. Papadopoulos, a primeira grande cultura de 6.000 anos atrás, que gerou os babilônicos, persas, assírios e, através de todas as posteriores ‘civilizações inteligentes avançadas’ que identificaram, nós homens, como híbridos, seres de experiência genética dos que aqui chegaram para povoar a Terra — Sean olhou Aagje com gosto. — ‘Mitos’?
Aagje sorriu.
— Está bem! Está bem! Você fala dos Sumérios, Maias, e Incas. Mas cretáceo? — voltou a tomar mais chá. — Você falou de uma entidade chegada aqui na Era Cretáceo — riu. — Não é forçar demais?
— Há pegadas e também impressões de mãos na terra batida e seca datando pelo carbono como da Era Cretácea. Explique-me? — Sean viu Aagje sorrir e dar de ombros e o fez maravilhosamente; ele achou. — Syrtys Papadopoulos havia contratado um agente da Poliu para descobrir exatamente isso...
— Eu sei sobre o agente da Poliu que Syrtys contratou! — Aagje foi enérgica ao cortar a fala dele.
Sean só a olhou.
— Sabe então muito mais do que diz?
— Talvez... — o olhou com afinco. — Talvez...
— Eu sei o quanto essa palavra lhe parece imprópria, Senhorita, mas se não aprender a dividir algo comigo não vai mais conseguir outras bolsas daquelas.
Aagje se virou para o infinito.
— Vá se trocar!
— Não tenho roupa. Ela sumiu como pôde ver — apontou para o lençol.
— Mandei a roupa que viajou para a lavanderia.
Sean ergueu-se furioso.
— Não pode mandar em mim como...
— Um grupo de paleontologistas gregos descobriu um muro de pedra de 23 mil anos, o mais antigo do país, em uma gruta da Tessália, centro do país — Aagje percebeu que Sean voltava a sentar-se lentamente. — A idade do muro, provavelmente um dos mais antigos do mundo, foi estabelecida através de um processo de detecção por luminescência óptica — ela viu Sean esperando mais. — A datação corresponde ao período mais frio da última época glacial, o que indica que foi construído pelos habitantes paleolíticos para se proteger do frio.
— “Do frio”?
Aagje riu.
— O que? Acha que eles estavam a se proteger de algo mais, Sean Queise? Alienígenas do cretáceo?
Sean não se deu ao trabalho de entrar na dela.
— Onde fica a gruta?
— A gruta está localizada nos arredores de Kalambaka, fica perto dos penhascos sobre os quais se encontram os célebres mosteiros de Meteora.
— Mosteiros... — e Sean foi ao chão de olhos cerrados.
“Sean?!”, gritou Aagje longe.
Sean sentiu as labaredas consumindo suas pernas. Abriu os olhos e pessoas gritavam com as mãos estendidas para ele; e ele também estava caído, num deserto em chamas, em meio a muita dor. Mas havia algo mais agora. Alguém estava ao lado dele, em pé, vivo, mostrando tudo aquilo. Sean quis virar-se, ver quem estava ali. Não conseguiu. Uma dor forte na cabeça o fez desmaiar no sonho e acordar em Santorini.
Abriu os olhos novamente e estava no chão da sacada do Astra Hotel, com Aagje sobre ele lhe perguntando se estava bem.
— Eu... — Sean olhou em volta.
O chão frio era seu único apoio.
— Você está bem? — a voz de Aagje ainda estava metálica.
— Eu... — Sean não a enxergava direito. —, preciso do meu... — acenou para o quarto.
— Venha! Levante-se! — Aagje ajudou-o a levantar-se sabendo que Sean estava incomodado pelo desmaio, por estar nu enrolado num lençol. Ela o levou para dentro e o colocou na beirada da cama macia. Quis arrancar-lhe o lençol, deitar-se sobre ele, abraçá-lo, beijá-lo, consumi-lo. Balançou a cabeça e não fez nada daquilo. Pegou uma garrafa de água mineral na geladeira e serviu-o. — Tome! Água faz bem nesse calor.
— Preciso... — olhava para o quarto meio que perdido. Sean suava em demasiado. Sabia, no entanto que o calor vinha de outra dimensão. — Preciso...
— Do que precisa afinal?
— Meu notebook... — Sean apontou e Aagje o largou na beirada da cama. Ela abriu o armário e Sean ainda pôde ver suas roupas passadas e penduradas. Não gostou do que viu. Eram as roupas que havia deixado no Smaragdi Hotel, em Perivolos. Ele agora sabia, Aagje Papadopoulos mandava nele. — Meu notebook está na mala.
Ela se virou e pegou-o.
— O que quer? — ela o viu ligar o notebook e acessar o Google.
— Eu lhe disse que o voo que saiu de Dubai caiu, não?
— O voo que só você sobreviveu?
— Eu não estava nele.
— Mas disse que...
— Eu disse que tomei o voo 5674 saído de Dubai, mas ele aterrissou de emergência num aeroporto e depois levantou voo novamente e eu não estava nele.
— E onde você estava?
— Não sei... Não sei... Juro! Mas sei que desci daquele voo. Estava vivo, olhando as pessoas... Deus... Elas morriam... — Sean procurava informações sobre o voo. — Veja! — girou a tela para que ela visse. — Há algumas notícias de um acidente aéreo de um voo que saiu de Dubai pelo Aeroporto Internacional de Dubai, Emirados Árabes Unidos para o Aeroporto Elefthérios Venizélos, na Grécia dia 27 de setembro. Eu não entendi quando avisaram pelo alto-falante que íamos fazer uma aterrissagem de emergência na Grécia, mais especificamente no Aeroporto Internacional Eleftherios Venizelos em Atenas. O pânico foi tanto que só percebi que aquilo, aquele deserto onde pousamos, estava longe de parecer a Grécia quando saímos do avião.
— Aqui diz que a aeronave caiu ainda em uma área do deserto dos Emirados Árabes Unidos. Não entendi... Não disse que havia vindo a Santorini?
— Eu disse que havia vindo a Grécia. Como sabe que vim a Santorini?
Aagje o olhou de lado.
— Disse...
— Não! Você disse que eu vim conversar com Nikiforus Theodorákis.
— Está bem! Qual o sentido da desconfiança?
— Nem Spartacus disse onde eu estava. Porque sei que Kelly acessou o satélite de observação e não descobriu nada.
— Também tentei e não descobri nada.
— Tentou? Também tentou Kelly? Achou que ela seria uma boa aquisição em sua rede de informações?
— Chega! — Aagje não gostou para onde a conversa estava sendo levada, Sean chegaria a Spartacus mais cedo ou a mais tarde, e também nela.
— O que há Srta. Papadopoulos? Então é seu ‘secretariozinho’ que anda roubando informações?
— Chega! Já disse! — e Aagje se levantou da cama pegando a bolsa para ir embora.
— Eu vi braços e pernas deslocados de seus corpos, mulheres e crianças gritando em chamas, almas que sofriam ainda presas a corpos que sofriam.
— Não fale dessa maneira — Aagje sentiu-se mal.
— Então pode ver que saber que Spartacus está sendo invadindo é o menor dos meus problemas agora, Senhorita.
Aagje parou sem olhá-lo.
— Elas estavam... estavam... — Aagje tomou-se de coragem. — As crianças estavam...
— Desencarnando!
Aagje cerrou os olhos. Aquilo era demais para ela. Ela ainda não estava recuperada.
— Eu vou... Peço a você uma hora para chegar ao meu... Ao meu iate e me trocar. Aguardo você na Marina Vlichada. De lá vamos pegar um helicóptero. Ele vai nos deixar em uma estrada próxima aos mosteiros. Eu não sei onde você esteve esse quase um mês, Sean Queise, mas sei que Fernando Queise, Syrtys Papadopoulos e a Poliu financiavam os arqueólogos naquela gruta da Tessália — abriu a porta e saiu.
Sean não entendeu o porquê dela sempre chamar o pai de ‘Syrtys’, mas uma coisa entendeu, ela parecia achar que mandava nele.
Marina Vlichada, Santorini; Grécia.
31 de outubro; 13h00min.
Quando a lancha que trazia a emperiquitada Aagje Papadopoulos chegou Sean Queise estava tendo uma sincope ao lado do fiel Zenon, que não abriu a boca uma única vez para falar-lhe desde que ali chegou.
— Aonde pensa que vamos? — disparou ao vê-la tão produzida; Sean até pensou estar sendo enganado e levado a outro lugar.
— Desculpe-me. Meus empregados não encontravam essa roupa na lavanderia.
— Ah! E você não tinha mais nenhuma disponível entre as três mil separadas para o dia de hoje?
— Por que o mau humor?
— Por quê? Por quê? Não sei. Nossa... Diga-me você!
— Não! Diga-me você?
— Ok! Digo! Estou aqui a mais de cinco horas, Aagje e não estou a passeio.
— Ehhh? E está aqui por quê? — Aagje virou-se do jeito que chegou e entrou no helicóptero. — Ou acha que é fácil fazer o que faço?
Sean olhou-a, olhou Zenon. Sentiu algo errado. Mas bufou tanto que sentiu que pôs todo o oxigênio do pulmão para fora. Estava furioso demais para dizer, também, como ela estava lindamente vestida com ele não sabia com qual estilista.
O helicóptero levantou voo, ganhou altura rapidamente. Sean estava maravilhado com a ilha. Havia tetos brancos e azuis e escadarias desenhadas por toda encosta. Também viu que eles ganharam o mar e saíram de Santorini para ir em direção ao centro da Grécia. Olhou seu tablet, Spartacus esperava a entrada de dados.
— Aonde vamos? — Sean perguntou a Zenon.
— 40° 9’ 26” N e 24° 19’ 35” E, Senhor — anunciou ele com voz metálica.
Sean estranhou o som da voz dele, mas digitou as coordenadas no GPS do tablet. Spartacus anunciava 40° 9’ 26” N e 24° 19’ 35” E; centro-norte da Grécia para girar até 39° 42’ 51” N e 21° 37’52” E.
Ele ergueu o sobrolho, Spartacus não obedeceu as ordens dos mainframes. Sean voltou a digitar 40° 9’ 26” N e 24° 19’ 35” E e Spartacus alertou-o fixando-se em 39° 42’ 51” N e 21° 37’52” E, novamente. Havia algo ali perto de aonde eles iriam, avisando-o.
“O quê?”; pensou olhando Aagje ao lado dele, absorta.
— Onde fica Tessália?
— Tessália é uma periferia da Grécia.
— “Periferia”?
— Periferias são divisões nacionais da Grécia. Existem nove no continente e quatro grupos de ilhas; e que ainda são subdivididas em 51 prefeituras.
— Entendo...
— É na Tessália que o apóstolo Paulo dedicou duas de suas importantes epístolas, I e II, aos Tessalonicenses; ambas falando da volta de Jesus Cristo.
— Paulo e os enigmas dos espelhos, não?
Aagje olhou Sean com interesse.
Ele se esquivou do olhar dela e ela não insistiu.
— Há pouco mais de seiscentos anos, um monge da península do Monte Athos fundou no noroeste da Tessália um mosteiro. O penhasco sobre o qual se alçou ao retiro ortodoxo passou a ser conhecido por ‘meteoros’, que em grego significa ‘suspenso no ar’ — voltou a olhar Sean que desviou o olhar. Aagje ficou triste. — Vai gostar dos mosteiros, Sean Queise. A vista é de tirar o fôlego — o helicóptero costeou o mar a fim de penetrar no seu interior. — Veja a sua esquerda... — apontou Aagje para o além-mar. —, aquelas são as ruínas do Mosteiro de Pantokrator, um dos muitos que acabaram por serem abandonados ao longo dos últimos trezentos anos — e o helicóptero voltou aos penhascos.
A imagem era surreal.
— Wow! Quantos?
— Mosteiros? Em ‘Meteora’ existem seis mosteiros. O maior pico em que se localiza um mosteiro tem 549 metros — apontou. — O menor, 305 metros — apontou. — Dos seis mosteiros, quatro são masculinos e dois são de monjas.
— Os primeiros monges eram eremitas, não? Costumavam a se estabelecer em cavernas no século XI.
Aagje escorregou os olhos para Sean. Ele estava se tornando perigoso.
— Sim. No final do século XI e início do século XII, formou-se um estado monástico rudimentar centrado à volta da Igreja de Theotakos ou ‘mão de Deus’, que até hoje existe. Os monges eremitas procuravam refúgios seguros à ocupação otomana e encontraram nos rochedos inacessíveis de Meteora um refúgio ideal como aquele... — Aagje voltou a apontar. — O Mosteiro de Roussanou, como vê, a nordeste da Planície da Tessália, perto do Rio Peneios e dos Montes Pindo — e o helicóptero se aproximou de uma construção incrustada no pico do rochedo.
Era realmente de tirar o fôlego.
— Podemos descer lá?
— Com o helicóptero? Não vejo como. Os mosteiros foram construídos no topo de rochedos de arenito. O acesso aos mosteiros era feito por guindastes e apenas em 1920 foram construídas escadas de acesso. Embora a gente sempre veja caminhantes subirem lentamente a estrada que serpenteia os rochedos a partir do pequeno povoado de Kastraki — apontou. — Embaixo, os montes e vales são revestidos com florestas fechadas com a presença de animais selvagens como lobos.
Sean percebeu que as coordenadas do GPS do helicóptero atingiram 39° 42’ 51” N e 21° 37’52” E. Era a mesma coordenada que Spartacus travou. E Sean estava tão absorto que não viu os olhos de Aagje brilharem intensamente.
— Por quê? — escapou da boca dela sem que Sean tivesse percebido. O helicóptero deu mais um rasante e tudo parecia surreal. Ela prosseguiu em falar apesar do barulho ensurdecedor do helicóptero. — Foram construídos mais de 20 mosteiros, mas hoje em dia apenas existem seis; Roussanou é o mais belo... — a voz de Aagje ficava cada vez mais longe, metálica, estranha.
Sean a olhou de lado, Aagje estava embaçada, como se ela fosse um desenho rabiscado.
Chacoalhou a cabeça e a imagem se firmou.
“Deus...” nada comentou.
Os penhascos se desenhavam por todos os lados.
— Surreal a imagem, não? — a voz dela chegou até ele.
— Sim...
— E do lado oposto — Aagje voltou a apontar. — Veja... Algumas formações rochosas que caem como muralhas a pique sobre o solo. Há grudadas a ela estruturas de madeira e restos de escadas em decomposição. Veja... Veja... Aquilo são eremitérios.
— “Eremitérios”?
— Sim, grutas desertas que há algumas décadas eram habitadas por monges que nesse cenário austero e despojado buscavam a mortificação — olhou-o com carinho. — Consegue entender, Sean Queise? Isolados do mundo, perseguindo a plenitude espiritual?
“Grutas, eremitérios, psychomanteum”; soou em suas lembranças não sabendo o porquê da associação.
— Os monges eremitas acreditavam que havia subentendida numa célebre fórmula de São João Clímaco, uma fórmula para se alcançar o nirvana, o que definia no século VII um monge como ‘uma violação permanente da natureza e uma recusa dos sentidos’ — Aagje olhou Sean com interesse. Ela sabia que havia mais que interesse no seu olhar.
Já Sean teve medo do que ‘viu’ ela pensar. Sean estranhou-a, ela gostava dele de uma maneira diferente da que antes sentia. Sean duvidou de seu feeling naquele momento. Ou ela estava diferente ou era ele.
— E aquilo? — Sean apontou.
— Há alguns velhos trilhos, sobreviventes dos tempos medievais, que ligam os mosteiros por entre as ravinas e vales na topografia fantástica de Meteora. São caminhos que contornam toda a área, em meio à estrada asfaltada que vem desde Kalambaka; depois segue até o Mosteiro de Agios Stefanos... — e a voz de Aagje começou a voltar a ficar metálica.
Sean viu que ela voltava a ficar embaçada também; ‘fora de foco’.
Chacoalhou a cabeça e ficou imaginando se estava estressado, impactado com a perda do pai, com a aproximação de Oscar e sua mãe e ela mandando na Computer Co. que já não era mais dele quanto supunha. Talvez ele estivesse vivendo uma ilusão todos aqueles anos. Kelly, a empresa, sua função, seu cargo em pouca idade, e sua pouca idade em meio a tantas responsabilidades. E a Poliu e suas pressões, suas perseguições. Se afinal Mr. Trevellis estava envolvido com sua vida desde o seu nascimento.
“Filho de Oscar...”; soou a voz debochada de Mr. Trevellis nos ouvidos que já não ouviam o redor. Pois já não havia mais a voz da bela Aagje que falava sem parar, nem o rotor do helicóptero, nem a música de fundo de quando saíram. Só vozes; muitas. Conversas, e risos; e choros de crianças, muitos.
Sean olhou para os lados. Estava num saguão. Arregalou os olhos levantando-se de supetão percebendo que havia realmente se levantado, que já não sentava no helicóptero. Olhou-se sem entender como saíra do corpo nem entendeu por que usava a roupa que saíra do Burj Al Arab após a discussão com Aagje Papadopoulos na banheira de sais caros, perfumados. Mas era mesmo um saguão, o mesmo saguão conhecido. Sua mala de viagens estava com ele, seu notebook ao lado. Sean se tocou, procurou o tablet, ele funcionava. Sean tentou digitar algo, mas os números não se moviam. Sean olhou para cima, para o painel eletrônico do saguão de aeroporto em questão; ele se movia para trás.
— O tempo... — soou da boca que não entoava som. Sean girou em torno de si mesmo; girou, girou, e girou, mas nenhum som. Sean viu as mulheres, os lábios das mulheres, e dos homens, e os lábios que se moviam, lábios de todos que o rodeavam, do som que não chegava. — Erro temporal? — tentou entender.
Acordou com um grito seco de Aagje. Sean voltou ao corpo, ao helicóptero, ao acidente. O helicóptero girava cada vez mais rápido. Algo havia atingido o rotor de cauda e o piloto não conseguia o ajuste do aparelho. Aagje se agarrava a maçaneta em meio a gritos quando a lataria direita bateu numa encosta. Sean e Aagje foram lançados para o lado contrário do helicóptero.
— Ahhh!!! — gritaram uníssonos no momento em que o helicóptero girando descontrolado chocou-se com o que Sean julgou serem os rochedos de arenito que Aagje havia mostrado.
Uma coluna de fumaça tomou conta de todo o aparelho que perdia altitude cada vez mais rápido.
— Sean?! — gritava Aagje desesperada.
— Segure-se!!! — gritou Sean puxando-a com força e amarrando-a ao cinto.
Mas Aagje viu que Zenon estava desmaiado.
— Não!!! — Aagje soltou-se e levantou.
— Não!!! — berrou Sean a puxando. — Vamos cair!!! — e o aparelho tocou as copas das árvores se enroscando aos galhos dilacerados até o chão.
Sean sentiu o impacto da queda no que sua cabeça foi contra o metal do helicóptero, sua vista se banhou de sangue pelo supercílio aberto e um talo se abriu na sua face direita no que foi cuspido para fora do helicóptero. Tentou se erguer das ferragens, mas caiu. Sua perna esquerda estava presa pelo banco que foi cuspido também e se entortou.
Um cheiro de combustível o alertou.
“O tempo...”, alguém falava não muito longe dali.
O helicóptero soltava faíscas do painel onde o piloto Zenon jazia sobre ele, em meio a muito sangue. Num jogo de corpo Sean se soltou dos fios e do resto do banco que o prendia, e entrou em meio as ferragens alcançando o piloto Zenon. Sean puxou a cabeça dele para trás e vermes saíram dos olhos, da boca, de outros muitos orifícios.
— Ahhh!!! — Sean saiu atordoado do aparelho para a mata destruída. Zenon parecia estar morto há muito mais tempo. — Aagje?! Aagje?! — gritou a procura dela que havia sido cuspida do helicóptero retorcido assim como ele. Faíscas de curto-circuito iniciavam um fogo que tomou rapidamente conta do lado esquerdo do aparelho. Sean sentiu que o banco havia feito mais que prendê-lo, a coxa de sua perna esquerda estava ferida, perdendo sangue. Deu poucos passos e foi ao chão sentindo um repuxo, sentindo uma dor incontrolável. — Aagje?! Aagje?! Aagje?! — arrastava-se tentando ir para cada vez mais longe do helicóptero sem ver onde o corpo de Aagje estava. — Aagje?! — gritava em busca dela se arrastando pela relva úmida tentando localizá-la. — Aagje?! Pode me ouvir?! Aagje?! Aagje?!
— Sean... — soou de muito longe.
Sean ergueu-se, correu e caiu; a dor era insuportável. Levantou-se e a encontrou distante quando foi ao chão, com muita dor.
— Ahhh!!! — levantou-se e se arrastou para então encontrar o corpo dela ensanguentado caído no chão. — Meu Deus... Você está bem? — segurou o rosto sujo de sangue.
— Acho... Acho que machuquei meu ombro.
Sean viu que havia mais que um machucado no ombro dela, todo o rosto de Aagje Papadopoulos tinha pequenos cortes que drenavam sangue.
— Venha! Rápido! Vou colocá-la naquele canto e vou voltar ao helicóptero antes que ele exploda.
— Não! — agarrou-o. — Não me deixe aqui!
— Não vou deixá-la. Vou só pegar... — e uma nova explosão os lançou ao chão.
Sean sobre ela, ambos desmaiados.
O fogo levantou uma labareda vista por olhos atentos. Mas não antes que espiões psíquicos avisassem Mr. Trevellis que um helicóptero com dois passageiros iria cair ali perto do mosteiro, e que não haveria sobreviventes.
8
Mosteiro Roussanou, Meteora; Grécia.
02 de novembro; 10h30min.
— Sabia que desde suas origens, essa montanha santa hospedou místicos e mestres espirituais cujos escritos foram recolhidos no século XVIII numa célebre antologia, a Filocalia, e que influenciou profundamente o mundo ortodoxo, ‘filho de Oscar’?
Sean abriu os olhos azuis naquela célebre chamada. Olhou e Mr. Trevellis estava ao seu lado, rodeado de outros cinco personagens, lhe olhando.
— Onde... — e Sean voltou a dormir.
Mr. Trevellis e seus cinco agentes o deixaram dormir. Os agentes viraram o corredor e Erianthia Agasias pegou o braço de Gameliel Siaraferas que vinha da escadaria interna. Erianthia tinha as feições de Aagje Papadopoulos e Gameliel às feições de Zenon Kanapokolo.
— Sean vai ficar bem? — Erianthia havia esperado todos saírem do quarto de Sean Queise.
— Você esteve no quarto dele?
— Não.
— E por que pergunta?
— Só quero saber se Sean está bem.
— Não sei se ele está bem, não estive na reunião. Além do que sabe tudo sobre ele, sempre foi a mais grudada nele.
— Não fale assim. Sou uma profissional.
— Desculpe-me, Erianthia. Só quis dizer que sempre esteve mais conectada no Sr. Queise do que os outros de nós.
— Sean já não permite tantas conexões assim. Mona Foad fez algo diferente com ele, algo que não tive tempo de aprender — Erianthia passou a mão no rosto machucado sentindo dor.
— Devia se tratar. Não consigo entender como a queda realmente lhe machucou.
— Cale-se Gameliel! Já disse que, para todos, eu caí na escadaria. Além do mais...
— “Além do mais”, nada lhe machuca Erianthia.
— Não fale assim!
— Vamos lá, Erianthia... Não quero discutir porque tenho que ter minha mente aberta para hoje à noite. Se você quer saber se o Sr. Queise vai ficar bem, se você quer ficar bem, procure um médico para ele, um especial.
Gameliel se virou para ir. Sentiu que de alguma forma perdera Erianthia Agasias para Sean Queise.
— Vai viajar hoje à noite, Gameliel? — ela ainda o chamou, antes dele desaparecer no corredor.
— Sim. Eu e Ophelie vamos tentar 1901 outra vez.
— A data de 1901 está fechada, Gameliel. Por que Mr. Trevellis insiste?
— Não sei Erianthia. Mr. Trevellis está cada vez mais irredutível. Ele só acredita no que o Dr. Nikiforus Theodorákis lhe disse.
— Nikiforus é um maluco perturbado. Quando todos vão perceber isso?
— Maluco ou não, só o Dr. Nikiforus Theodorákis pode ensinar o Sean Queise a viajar...
— Já disse que Sean não consegue… — Erianthia se alterou. —, que não tem feeling para isso.
— Então tudo o que nós dois fizemos até agora estará perdido, minha querida. Toda essa operação estará perdida — e o resto da voz de Gameliel se perdeu pelo corredor.
Erianthia ficou vendo Gameliel e seu andar caracteristicamente torto, se perder pelos corredores estreitos e extensos do mosteiro, se perdendo em meio ao som do piso de madeira velha, oca, que estalava sob seus passos.
Mosteiro Roussanou, Meteora; Grécia.
02 de novembro; 19h00min.
Quando Sean voltou a abrir os olhos muitas horas haviam se passado. Ele não sonhara, não sentira frio ou calor. Estava em choque com alguma coisa que lhe devorava o coração, que o fazia saber que havia algo de muito errado ali. Em volta dele, os mesmos cinco personagens de antes.
Somente Mr. Trevellis não estava lá.
— Você está bem Sr. Queise? — perguntou Pallas, um dos homens.
— Um pouco... — Sean tentou se erguer.
Uma jovem mulher de braços curtos, Nympha, se esforçou para arrumar um travesseiro nas suas costas. Sean teve a sensação de que a conhecia.
— Onde estou?
— Mosteiro Roussanou — ela disse.
— Achei que fosse impossível descer... — e Sean viu os cinco o olharem. Sean sentiu-se mal na presença deles, com sono. — Como eu cheguei aqui?
— Encontramos você ferido na floresta — respondeu Baco, um jovem ruivo, de pequena estatura, mais parecendo ser anão.
— Como sabiam que eu estava ferido na floresta? — ninguém respondeu. — Que pergunta idiota a minha, não? São agentes da Poliu — e Sean foi novamente olhado pelos cinco. E os cinco se viraram para sair. — Onde ela está? — insistiu e somente Nympha, a jovem de braços curtos, foi a única a parar de andar para então prosseguir. Sean captou aquilo. — Onde ela está Senhorita? — Sean se dirigiu a ela.
Os outros quatro olharam para ela. Nympha se incomodou.
— Não sei do que está falando Sr. Queise.
“Senhor?”, Sean tinha certeza que aquilo era a Poliu.
— E vocês alguma vez ficam sem saber o que alguém quer dizer? — Sean sabia que os cinco sentiram um pouco daquela ironia. Viraram para ir embora e abriram a porta. — Onde está Aagje?! — Sean subiu o tom de voz.
— Quem? — Phemie, a mais velha se alertou.
— É visto que o Sr. Queise precisa descansar — Ophelie, a terceira mulher do grupo, jovem como Nympha, empurrou Phemie sem que ela se movesse.
— Por que perguntou sobre ela, Sr. Queise? — Phemie, a mais velha quis saber.
Sean começou a não gostar daquilo.
— Como assim por que perguntei? Ela estava comigo quando o helicóptero caiu.
— Que helicóptero Sr. Queise? — perguntou Pallas.
Sean não gostou realmente. Eles eram espiões psíquicos da Poliu; podiam saber, podiam sentir, nada escapavam deles.
— Que helicóptero Sr. Queise? — voltou Nympha, a jovem de braços curtos, perguntar.
— O que talvez me trouxe aqui?
— Não vimos helicóptero algum em nossos radares.
— Onde está Aagje Papadopoulos?
— Ele está falando da milionária em que Erianthia trabalhava? — Baco, o de pequena estatura, mais parecendo ser anão, perguntou ali.
— Sim. Acho que sim — Pallas respondeu.
— “Trabalhava”? Quem é ‘Erianthia’? O que está acontecendo aqui? — Sean se sentiu perdido.
— A mulher que falou, essa tal Aagje Papadopoulos, ela está morta! — Nympha teve prazer em falar aquilo.
— O que?! Deus... Ela estava... Ela estava... Não... — Sean entrou em pânico. — Não... não... Ela não estava tão ferida — e os cinco se olhavam tentando entender o pensamento de Sean que sentiu sono outra vez. — Parem com isso... Não quero dormir... — e os cinco o olhavam tentando realmente entender aquilo. — Onde ela está? — Sean sentiu que ia apagar novamente. — Eu a quero ver.
— Ver quem? — perguntou Ophelie.
— Aagje... — Sean estava em choque. — O corpo dela ainda está aqui não?
— O corpo dela nunca esteve aqui, Sr. Queise.
— Como é que é? Onde está Trevellis? Por que ele levou o corpo de Aagje? Ele a está escondendo de mim?
— Temo que esteja realmente se sentindo mal, Sr. Queise. O corpo de Aagje Papadopoulos nunca chegou até aqui em cima porque foi levado pela polícia local quando o encontraram.
— “Polícia local”? Vocês não a resgataram? Trouxeram-me e a deixaram lá?
— “Lá”? — Nympha olhou assustada Phemie, a mais velha. — Por que não conseguimos ler os pensamentos dele?
— Porque ele não permite — foi sua resposta.
“Ler os pensamentos dele?”; agora Sean teve medo do que ouviu.
— Mas ele é como nós, não é? — Ophelie quis saber.
Phemie, a mais velha se enervava com as perguntas. Sabia que aquilo ia cair mais cedo ou mais tarde na cabeça dela.
— Não Ophelie... — Phemie encarou Sean que não gostou de ser encarado. —, ele é diferente.
Sean só ergueu o sobrolho.
— Diferente como? — Baco quis saber.
Phemie ia responder, mas Sean agarrou-a pelo braço no jogo de corpo que deu da cama usando uma camisola branca.
— Onde está Aagje Papadopoulos?
Ela encarou-o de muito perto.
— Morta, Sr. Queise! — se desvencilhou da mão forte dele. — Há um mês!
— Há um... Há um... — Sean a soltou sentindo dor, sem saber se ouvira direito, sentindo que o chão lhe faltava, o ar também. — O que? Mas como... Há quanto tempo estou aqui?
— O tempo... — soou da boca nervosa de Baco.
Sean o olhou. Havia algo ali, naquela frase entrecortada.
— Está conosco há dois dias, Sr. Queise — respondeu Phemie novamente.
Sean arregalou os olhos azuis sentindo mais dor.
— Dois... Por que não estou entendendo?
— Não sei o que está acontecendo aqui, Sr. Queise, mas vou lhe tirar suas duvidas. Chegou sozinho a...
— Eu não estava sozinho!!! Aagje estava comigo no helicóptero!!! — berrava descontrolado.
— Não há nenhum helicóptero, Sr. Queise!!! — berrou Nympha também descontrolada.
— Eu vim de... — engoliu a saliva com dificuldades. — O aparelho caiu... Não... não pode ser... — Sean olhou cada um dos cinco. — Eu a salvei...
— Salvou quem?
— Aagje Papadopoulos.
Os cinco realmente nunca se viram em tamanha confusão.
— Senhor... Só houve uma queda, a queda do helicóptero aqui na Meteora que matou a Srta. Aagje Papadopoulos e seu piloto Zenon Kanapokolo dia 28 de setembro.
“28 de setembro... 28 de setembro... 28 de setembro...”; imagens de Aagje em chamas tomaram a orbe dele.
Sean sentia que não ia gostar da vida dali em diante.
— O fogo alertou o Vilarejo de Bardin e a polícia local foi acionada. Quando os encontraram, tudo estava em chamas e os dois mortos — completou Baco, o anão.
— Ahhh... — Sean foi ao chão.
— Senhor? — Ophelie ia ajudá-lo, mas Phemie não deixou.
Os outros a olharam novamente.
— Não... não... não pode ser. Ontem... Quando caímos... — Sean se tocou. — Vejam... Eu prendi a perna no banco do helicóptero quando ele bateu no rochedo e caiu... — apontou para a cicatriz que se formava na coxa esquerda. — Bati o rosto nas ferragens e sangrou — se tocou. — Não estou enlouquecendo.
— “Ontem”? — os cinco se olharam.
— O Senhor estava perdido, desorientado na floresta e machucado no rosto e na perna — falou Pallas.
— O Senhor foi captado por nossos alarmes já que nós, espiões psíquicos, não o mentalizamos — falou Baco.
— O Senhor estava desidratado, com a... — ia Ophelie falar.
— Caímos!!! — gritou Sean descontrolado. — Eu, Zenon Kanapokolo e Aagje Papadopoulos!!! Eu machuquei meu rosto e... — e a porta se abriu para Aagje Papadopoulos entrar no seu quarto, viva, gozando de saúde. — Ah! Graças a Deus... — Sean saltou da cama abraçando-a. — Eu disse... Eu disse que você estava viva, mas ninguém... — Sean sentiu que Aagje não se movia. — Eu disse... eu disse... — e Sean largou-a perante sua frieza. — O que há com você?
— Volte a se deitar Sr. Queise! É visto que precisa descansar! — disse Erianthia.
— Senhor? — Sean piscou mais de uma vez. — Como é que é?
— Ele disse que Aagje Papadopoulos estava viva — Nympha foi categórica com Erianthia.
Sean olhou os cinco agentes lhe olhando.
— Qual é a de vocês? Não estão vendo que ela está viva? — apontava nervoso para a mulher parada na frente dele. Eles se olharam e Sean olhou Aagje. — Fale Aagje... Fale para eles como sobreviveu?
— Quem está chamando de ‘Aagje’, Sr. Queise? — Baco quis saber.
— Chega Baco! — Erianthia chamou-lhe a atenção começando a se preocupar. Não era para todos os outros agentes saberem. — Acho que o Sr. Queise está debilitado, Nympha, Baco, Phemie, Pallas e Ophelie. Vamos deixá-lo dormir um pouco mais — falou Erianthia.
— “Dormir”? Do que está falando, Aagje?
— Por que ele está a chamando de Aagje, Erianthia? — Baco a confrontou.
— “Erianthia”? — agora Sean se sentiu perdido. — Por que ele a chamou de ‘Erianthia’?
Erianthia se esticou e deu um passo em sua direção.
— Eu sinto realmente se duvida de nós, Sr. Queise, mas Aagje e seu secretário Zenon que pilotava, morreram dia 28 de setembro quando o helicóptero da família Papadopoulos caiu — voltou ela a confirmar.
Sean não entendeu aquela frase, aquela frase saindo da boca dela.
Riu nervoso.
— O que está acontecendo aqui?! — berrou com a opulenta mulher a sua frente que todos chamavam de ‘Erianthia’.
— Não sei o que está ‘acontecendo aqui’, Sr. Queise. Mas se pode perceber somos agentes da Poliu — Erianthia foi o mais convincente que conseguiu. Viu Sean arregalar os olhos, dar passos de ré totalmente desorientado, cair sentado na cama ainda vestindo a camisola branca, as feridas, a incompreensão. — E essa é nossa família, Sr. Queise! — apontou a Senhorita Agente Erianthia, a mulher que Sean acreditava ser Aagje Papadopoulos. — E eu sou a Senhorita Agente Erianthia Agasias.
“O tempo...”, soou nonsense em meio a flashes de Aagje em chamas que tomaram conta de sua orbe novamente.
Sean sentiu que ia apagar. Quis até.
Aagje/Erianthia prosseguiu sem dó, porém.
— Sou espiã psíquica da Poliu! — ela completou.
Sean Queise caiu em gargalhada. Olhou um e outro e voltou a olhar Aagje/Erianthia parando de respirar. Olhou os outros cinco o olhando. Entendeu, contudo o porquê do sono; estavam lhe analisando.
— Vocês são... Vocês são... — e Sean paralisou no que Zenon entrou pela porta.
— E esse é Gameliel Siaraferas! — apontou Aagje/Erianthia para o jovem que acabava de entrar. — Ele é um dos nossos.
E um no na garganta de Sean Queise se fez.
— Mas que palhaçada é essa?! — Sean elevou a voz indo para cima dela, mas seu corpo foi lançado sobre a cama e lá ficar paralisado, catatônico, preso por uma força até então desconhecida.
Sean sentiu toda dor possível. Ele havia sido enganado pela Poliu. Abaixou os olhos querendo muito mais que só ter abaixado os olhos mareados.
— Está o machucando! — Nympha se enervou com Aagje/Erianthia no que viu Sean preso pela força de Erianthia.
— Solte-o Erianthia! — ordenou Phemie.
Aagje/Erianthia ainda o olhou com gosto, com gosto de o ver dominado. Sean caiu na cama no que ela o soltou. E ele levou minutos para se recuperar da extraordinária força psíquica dela, para voltar a querer falar, respirar, viver.
— Por quê? — foi só o que conseguiu falar.
Zenon/Gameliel olhou Aagje/Erianthia, Aagje/Erianthia olhou Zenon/Gameliel e Sean olhou os dois.
Gameliel com talvez 23 anos, magro, olheiras salientes e corpo esguio feito pau-de-vara, tremia.
— Porque somos espiões psíquicos da Poliu — falou Aagje/Erianthia com gosto novamente.
Sean sentiu o prazer com que a Senhorita Agente Erianthia falou aquilo. E ela sabia que ele lhe permitira sentir aquilo, que seu coração batia mais rápido que o permitido, que sua raiva estava a ponto de explodir.
Ele desmaiou para desespero dos agentes.
— Erianthia?! — gritou Phemie furiosa.
E Aagje/Erianthia só olhou o corpo dele desmaiado.
9
Mosteiro Roussanou, Meteora; Grécia.
03 de novembro; 17h57min.
Quando Sean voltou a acordar não podia negar, Aagje Papadopoulos ou a Senhorita Agente Erianthia Agasias era bela. E ela estava com toda a sua opulência sentada à sua frente o olhando.
— Há quanto tempo está aí?
Ela olhou no relógio de pulso e piscou os olhos azuis.
— Aqui as horas demoram a passar.
Foi a resposta fria que Sean teve.
Odiou-a.
— Deus... Deus... Era você no Burj Al Arab, era você no Astra Hotel... Era você quando voltei de Londres? Você... Você... — olhou em volta. — Como? Como pôde?
— Pude o quê? Obedecer a ordens?
Sean arregalou os olhos azuis tremendamente nervoso.
— Você...
— Eu?
— Pare com isso!!! — gritou Sean no que ela se calou. — Onde está Trevellis?
— Ocupado!
— Quero que ele me dê explicações!
— Ninguém vai dar!
— Como é que é? — Sean olhou em volta sentindo-se claustrofóbico no que dessa vez Erianthia não respondeu. — Posso sair ou sou algum tipo de prisioneiro? — ele outra vez não ouviu respostas.
Erianthia então se levantou e deu o que lhe parecia ser uma muda de roupa para que ele vestisse. Sean ergueu-se de camisola branca ainda se sentindo tonto. Pegou a muda de roupa das mãos dela e ficou olhando ela voltar a se sentar e o olhar. Depois foi a vez dele olhar em volta; havia uma cama de madeira antiga e bons e macios lençóis onde deitara, dois travesseiros e uma mesa lateral com um copo de água tampado; somente.
A janela estava fechada. Sem cortinas, lustres, enfeites. Mais que aquilo, a agente da Poliu sentada numa cadeira o observando.
“Droga!”
— Posso me trocar Senhorita Agente Erianthia Agasias? — ele viu que ela continuou a olhá-lo. — Ahhh... — Sean voltou a olhar em volta começando a achar que ela não ia sair dali. Engoliu o resto das perguntas e começou a se vestir por debaixo da camisola branca que usava.
Erianthia o observava, cada linha de expressão, cada movimento do peito inflado de oxigênio, cada régua de músculo que mostrou ao ficar de cuecas no retirar da camisola.
Os olhos dos dois se cruzaram e Sean vestiu a calça de tecido fino, marrom, amarrada na cintura. Amarrou-a com força quando percebeu que era exatamente na linha do equador que Erianthia se fixava mais. Sean não acreditou naquilo, fosse Aagje ou a Senhorita Agente Erianthia, ela fazia para irritá-lo.
Os olhos dele voltaram a se cruzar no que as réguas do dorso musculoso, malhado passaram ser de interesse dela. Ele colocou a camisa larga e branca de botões e os olhos azuis de ambos se cruzaram pela terceira vez. No chão um par de sapatos que mais pareciam pantufas e Sean a olhou como quem diz ‘Pronto!’.
Ela nada esboçou. Levantou-se e abriu a porta. Sean girou os olhos e a seguiu sem muitas opções. A odiava tanto que se uma faísca passasse por perto ele explodiria.
“Droga!” voltou a pensar.
— Que lugar é esse? — falou enfim.
— Não escutou quando lhe disseram ontem? — Erianthia o olhou de lado e Sean só ergueu o sobrolho. — Mosteiro Roussanou! — voltou a responder friamente. — O mosteiro é habitado por monjas.
— Mas o mosteiro é aberto, não?
— Uma área apenas. A Poliu utiliza a outra. Claro que para não causar nenhum transtorno à vida monástica, há uma disciplina de horários rigorosos que organizam o problema de convivência entre as monjas e os turistas. As áreas abertas aos visitantes correspondem geralmente aos pátios e jardins interiores, às igrejas e aos museus existentes em alguns dos cenóbios. No museu do Mosteiro de Roussanou, podemos ver uma coleção de cruzes esculpidas em madeira e com incrustações de prata, manuscritos de cânticos do século XV e manuscritos dos evangelhos em seda do século XVI.
— Posso ver?
Erianthia parou.
— Ver?
— Wow! Fico feliz em saber que não conseguiu ler meus pensamentos — ele viu Erianthia só o olhar. — A vista, Senhorita agente. Posso ver a vista ou ela não faz parte do pacote turístico? — Sean esperou e ela titubeou alguns segundos e só. Virou-se e andou o resto do corredor de piso de madeira antiga para então descer uma longa escadaria em caracol. Atingiram novamente um corredor e Erianthia abriu uma porta que dava para uma pequena e estreita sacada de madeira, incrustada na rocha. — Deus... — os olhos dele se encheram de uma vista deslumbrante. — Sob as nuvens...
— Literalmente.
Sean olhou os enormes rochedos escarpados que os rodeavam, olhou o espaço e a dimensão daquelas estalagmites gigantes voltadas para o céu. O mosteiro se encontrava entre ravinas e vales incrustados em fantástica topografia da Meteora.
— Isso tudo aqui é fantástico...
— Antigamente os monges recorriam a escadas de corda suspensas ou a elevadores de cabrestantes, ainda hoje operacionais e utilizados para fazer subir cargas pesadas.
— Fantástico… — Sean assimilou, a saída dali seria difícil. Fora os caminhos dentro do mosteiro que deveriam ser de complicado trajeto, do lado de fora apenas uma ponte os mantinham conectados com o mundo exterior. — “Um grupo de paleontologistas gregos descobriu um muro de pedra de 23 mil anos aqui perto” — Sean repetiu a fala de Aagje Papadopoulos.
Erianthia Agasias o olhou de lado.
— E você não acredita nisso Sr. Queise? O muro cobre dois terços da entrada da gruta, lugar onde os paleontologistas escavam há 25 anos, talvez não fossem para se proteger... Talvez a estivessem utilizando como uma passagem — ela viu que Sean também a olhou de lado. — A gruta estava lacrada. Também não se pergunta por que ela foi lacrada, Sr. Queise?
— Você mesmo disse que a gruta foi construída...
— Para barrar uma entrada, talvez? — Erianthia foi mais fria que antes. — Os habitantes paleolíticos da gruta podiam estar se defendendo do tempo, Sr. Queise.
— Ou de alienígenas que lá encontraram.
Erianthia dessa vez não se recuperou a tempo. Aqueles ínfimos segundos de paralisação foram suficientes. E nem a risada debochada que se seguiu fez Sean mudar de ideia; ela sabia de algo não importava qual identidade trajasse.
— Alienígenas? — riu ela, porém entrando para o corredor novamente. — Você é mesmo insano, Sr. Queise — começou a descer outra escada, para cada vez mais embaixo sabendo que Sean a estava aceitando muito rápido.
Sean deu uma última olhada na imensidão e fechou a porta que dava para a velha sacada. Entrou e desceu atrás dela que sumia da sua vista.
— Insana é se fazer passar por alguém que morreu, que morreu comigo.
— Estava demorando — ela foi puro cinismo.
— Como pôde fazer isso?
— Não sei do que está falando Sr. Queise.
Sean apertou seu braço até Erianthia fazer uma careta de dor.
— Vai me lançar longe outra vez?
— Você quer?
— Quero é saber por que você estava comigo quando o helicóptero caiu.
— Não sei nada sobre queda alguma — largou-se da mão que a segurava.
— Chega!!!
— Chegou aqui perdido na floresta.
— Você me levou naquele helicóptero!!! — voltou a apertar o braço dela.
— Está gritando e me machucando... — Erianthia esperou Sean aliviar seu braço, dessa vez, sozinho. — Já disse que não sei nada sobre helicóptero algum. Fiz-me passar por Aagje Papadopoulos sob ordens da Poliu no Burj Al Arab, na Computer Co. em São Paulo, e durante aquele jantar do Astra Hotel que você saiu após o show que deu.
— Mentira! Esteve no meu quarto do Astra Hotel quando eu voltei de Londres, na sacada que serve cafés particulares, porque me convidou para ir no seu helicóptero, que caiu comigo.
— Já disse...
— Chega!!! Chega!!!
— Está maluco, perturbado! Nunca estive em quarto algum! — e Erianthia se soltou dele.
— Falou sobre a gruta da Tessália... No quarto... Depois que voltei de Londres...
Mas Erianthia não esperou ele divagar mais, desceu o que ele calculou serem cinco andares até sentir um cheiro de abóbora invadir o ar. Sean sentiu fome, gostou de estar vivo apesar de tudo.
Ficou vendo a Senhorita Agente Erianthia andando na sua frente. Sentia com todo seu conhecimento paranormal que havia algo errado em tudo aquilo. Ele estivera com ela na volta de Londres, ela o fora ver no hotel, ele estava na marina a esperando, ela procurara aquele vestido e demorara, tomaram juntos o helicóptero pilotado por Zenon, pelo mesmo Zenon que morrera com ela, e Sean outra vez estava e não estava naquele acidente.
Havia muitas perguntas na sua cabeça naquele instante, nada parecido ao sobressalto do encontro que seu corpo teve com os seios extremante fartos, toda a opulência de Erianthia Agasias, quando ela se virou para ele num rompante.
— Ahhh...
— Por que está me olhando assim? — ela quis saber.
— Lhe incomoda? — desafiou-a ainda em choque.
Erianthia se virou e outra vez ameaçou deixá-lo sozinho. Dessa vez Sean a seguiu um pouco mais rápido, entrando numa sala medieval em toda a concepção da palavra; construção, mesa, cadeiras, redor. Lá estavam os seis outros espiões psíquicos comendo. Eles olharam Sean entrar com Erianthia e ver que ela apontou para ele, uma mesa lateral com pratos, talheres e um grande caldeirão. Dentro carne desfiada e abóbora. Ao lado, arroz branco, salada completa e frutas. Do outro lado, muito vinho.
O cheiro realmente era muito bom. Sean encheu um copo de vinho e esvaziou. Encheu outro e tomou tudo. Voltar a encher novamente.
— Nós gregos achamos que não é aconselhável beber de estômago vazio...
Sean gelou no que Zenon/Gameliel falou aquilo. Phemie o percebeu parado de costas para todos.
— Sirva-se, Sr. Queise — falou Phemie ao lado de Erianthia.
— Essa é Phemie Pakalus… — Erianthia mostrou a Senhora na casa dos 50; a mais velha deles. —, ela é nossa espiã psíquica sênior — Erianthia prosseguiu ao mostrar que Phemie era uma mulher obesa, de cabelos loiros platinados presos num coque que meio que se desmanchavam. Sean teve medo dela, da figura dela ao olhá-lo com ímpeto. — Phemie está aqui desde a época de Mona Foad — Erianthia gostou de ter completado a apresentação.
Aquilo sim o alertou. Mona amiga e um mosteiro cheio de espiões psíquicos no centro da Grécia. Por que aquilo lhe escapara aos seus hackeamentos, não sabia.
— Essa é Ophelie Lennus Kappas… — Erianthia apontou para uma jovem mulher bonita, magra, com espinhas no rosto, na faixa dos vinte e dois anos; os óculos dela caíam pelo suor. — Espiã psíquica da Poliu.
— Por que me enganaram?
— Enganamos? — Baco quis saber.
— Esse é Baco Bakogiannis — correu Erianthia a apontar para o jovem com talvez 28 anos, de corpo atarracado, que parecia anão. Os cabelos ruivos e encaracolados o faziam lembrar uma criança crescida. — Espião psíquico da Poliu.
Sean ia falar, mas conteve-se. A raiva que sentia dela era maior.
— Essa é Nympha Zarvos… — Erianthia apontou para a jovem de 20 anos que tinha os braços curtos causados evidentemente pela talidomida; ela tinha os dentes alvos e sorria para Sean com gosto. —, também espiã psíquica.
Ela gingou o corpo e Erianthia não gostou daquilo. Erianthia a olhou e ela recuou na graça. Já Sean tinha a sensação de conhecê-la.
— Esse é Pallas Marangakis, espião psíquico e nosso team leader — ela apontou agora para o membro masculino mais velho, na casa dos 40 talvez.
O rosto de Pallas era muito bonito e seus olhos brilhavam intensamente. Cabelos compridos e cheios de tranças inclinou a cabeça como que num cumprimento de respeito a Sean. Ele podia dizer naquele momento que foi no único em quem sentiu confiança.
— Essa é nossa família! — Erianthia terminou não incluindo a apresentação de Gameliel.
— Parece que a querida Erianthia em esqueceu… — Gameliel ficou com mais ódio de Sean Queise. — Sou Gameliel Siaraferas, espião psíquico.
Sean nada comentou e ninguém, mas ninguém mesmo deixou uma única dobra na pele acontecer. Nada se moveu nos rostos frios deles. Sean errara, sentiu medo de todos os sete ali presentes. Respirou profundamente e serviu-se de comida. E servir-se foi fácil, saber onde sentar-se é que era.
Nympha apontou para a cadeira vazia ao lado dela.
— Obrigado — mas Sean preferiu o pior, sentou-se do lado de Erianthia Agasias que parou o garfo no ar. Ele gostou de vê-la incomodada e Erianthia o viu a olhando. Voltou a comer em silêncio. Sean também. A comida não era de todo mal. — O que fazem aqui?
Os sete se olharam.
— Vai saber em breve, Sr. Queise — respondeu Phemie Pakalus.
— Chame-me de Sean.
Phemie olhou todos.
— Estamos acostumados a falar seu nome assim.
— Não gosto do ‘Senhor’. Tenho 24anos.
— Está bem... Sean.
— O que fazem aqui então, Phemie?
Phemie olhou o team leader Pallas, era ele quem tomava decisões, inclusive responder ou não.
E Pallas tomou a decisão mais difícil.
— Nós mentimos.
Erianthia olhou Pallas com susto.
— O que? — Sean não se situou.
— Mentimos quando dissemos sobre o helicóptero.
— Pallas! — Erianthia exclamou com força.
Team leader ou não, ele também não podia tomar decisões muito bruscas.
— Então... — Sean olhou Erianthia olhando Pallas que só olhava Sean.
— A coisa de um mês e pouco, recebemos um aviso psíquico que um helicóptero com três passageiros iria cair.
— “Três passageiros”?
— Sim.
— Quando?
— Dia 28 de setembro. Mas quando chegamos lá, havia um incêndio e apenas dois corpos sem vida, levados pelo resgate.
— “Dois corpos”? — Sean sabia que tinha mais. — E no que mentiram?
— Dia 29 de setembro voltamos a receber um aviso psíquico que um helicóptero com três passageiros iria cair, mas quando chegamos lá não havia nenhum helicóptero caído.
— Deus...
— Então dia 30 de setembro voltamos a receber um aviso psíquico que um helicóptero com três passageiros iria cair, e outra vez chegamos lá e não havia nenhum helicóptero caído.
— Então dia 01 de novembro?
— Então dia 01 de novembro, 02 de novembro, 03 de novembro, 04 de novembro, 05 de novembro, ininterruptamente até dia 24 de outubro, recebíamos avisos psíquicos que um helicóptero com três passageiros iria cair, mas quando chegávamos lá não havia nenhum helicóptero caído.
Sean teve medo do que ia ouvir.
— Então dia 25 de outubro?
— Cedeu! Nenhum aviso até anteontem dia 31 de outubro, quando um aviso psíquico que um helicóptero com três passageiros iria cair, e somente você foi encontrado ferido, sem nenhum acidente de helicóptero, ou helicóptero capaz de machucá-lo.
“25 de outubro?”, Sean sabia que aquilo significava sua chegada a São Paulo.
Teve realmente medo de estar ali.
— Eu caí Pallas, caí com o helicóptero. Éramos três passageiros; eu, Aagje Papadopoulos e Zenon Kanapokolo — Sean olhava Erianthia de cabeça baixa. — Éramos três no helicóptero, não Senhorita Agente Erianthia? — ele sabia que só ela poderia responder àquilo.
— Ainda estamos tentando procurar rastros no éter, mas não encontramos — foi Phemie, a mais velha, quem completou. — Não sabemos como chegou até aqui, Sr. Queise já que não havia helicóptero caído. Apenas você ferido.
Erianthia começou a ficar agitada e Phemie levantou-se acionando o tablet dele, mostrando a tela do Google.
Sean leu em choque:
— Eu não... Eu não... Não havia nada no Google.
— E não havia porque aqui diz que a notícia da morte dela há um mês, só foi divulgada há dois dias. Porque a Silicio Company tinha um negócio com a M.S.Comput que não seria completado com a morte de Aagje Papadopoulos.
— “Dois dias”? — Sean caiu sentado novamente. — Quando eu cheguei não? — olhou um e outro. — Deus... — Sean lembrou-se de Aagje Papadopoulos e seu sorriso, seus seios volumosos saindo da água de sais perfumados que voltavam em flashes, e que talvez nunca tivesse sido Aagje, porque era Erianthia, ou talvez nem fosse; Sean nada mais entendia. — Ela estava comigo naquele helicóptero... Eu estava naquele helicóptero, Pallas... — e tocou seu rosto direito a procura da cicatriz que ali ficara quando a porta voltou a se abrir.
— Como consegue, ‘filho de Oscar’? — foi a gota de água.
Sean revoltou-se com a entrada repentina de Mr. Trevellis no refeitório. E todo o tamanho dele o incomodava.
— Consigo o quê?
— Conversar com mortos? — Mr. Trevellis pegou um prato rindo.
Um silêncio só rompido por ele.
— Não sou eu quem filma mortos no Burj Al Arab.
Mr. Trevellis agora gargalhou com força a colocar muita abóbora no seu prato.
— É verdade.
— Seu desgraçado... Você sabia? Sabia que Aagje estava morta e mandou sua Senhorita Agente Erianthia lá, se passar por ela... Você não é gente!
— E você é gente, filho de Oscar?! Conversando com mortos?! — berrava descontrolado. Ophelie e Gameliel precisaram se erguer para evitar que a fúria de Mr. Trevellis não saísse do limite. — Porque não me agradou nada jantar com você naquela casa onde Fernando vaga! — exclamou com raiva.
— Acalme-se Mr. Trevellis! — Phemie tentava manter o controle.
“Fernando vaga... Fernando vaga... Fernando vaga...”; Sean só conseguia ouvir aquilo.
— Você... Você... — Sean não conseguia terminar a frase, porque então Mr. Trevellis também sentira a friagem, a presença de seu pai ali, vagando.
“Fernando vaga... Fernando vaga... Fernando vaga...”; soava e soava.
Sean olhou Erianthia lhe olhando, olhou Mr. Trevellis rindo, olhou Phemie e Pallas agitado com o que Mr. Trevellis fizera, com que o sempre fazia para com o jovem Sean Queise, e Sean voltou a olhar Erianthia lhe olhando.
“Fernando vaga... Fernando vaga... Fernando vaga...”; aquilo não parava de soar quando a voz de Mr. Trevellis o atingiu novamente.
— Acredita nisso? — Mr. Trevellis comia não sentindo remorso. — Em desastres que não acontecem ‘filho de Oscar’?
— Não me chame assim!!! — Sean se enervava.
— Como consegue, ‘filho de Oscar’? Como consegue realmente conversar com os mortos?
E o mármore colorido, de filetes de ouro duplicava, se multiplicava, tomava conta do refeitório medieval, da banheira de mármore caro, dos cinco espiões psíquicos, de Sean, e de uma mulher bela e opulenta, não muito diferente de Erianthia Agasias, mais gorda talvez, rindo nua numa banheira, para então os seis espiões e Sean voltarem ao refeitório medieval vendo Mr. Trevellis comer tranquilamente.
— Deus... — Sean não acreditou no que ele próprio fez.
— Incrível! Incrível! — Nympha, Ophelie e Baco estavam eufóricos pela viagem instantânea ao Burj Al Arab, se olhavam o tempo todo sem entender como conseguiram sair tão rápido.
Sean olhou todos, olhou Erianthia, olhou todos.
— Vocês... Ela... Vocês duas... Deus... Aquela no Burj Al Arab era a verdadeira Aagje? — foi a pergunta de Sean a todos, aos cinco espiões menos Gameliel, que estavam realmente em choque, porque nunca haviam viajado fora da sala vermelha, nem sabido que Sr. Queise podia viajar daquela maneira, que ele podia levá-los a viajar com ele.
— Viu ‘filho de Oscar’? — gargalhava Mr. Trevellis. — Você só precisa de um pouco de estimulo para funcionar.
Sean sentiu-se tonto, confuso, enjoado ‘com e como’ funcionava. A abóbora, os sais perfumados, tudo ali. Desabou no chão sem que Erianthia piscasse uma única vez, sob fortes olhares de todos os cinco, menos Gameliel, que a acharam parecida demais com a morta Aagje Papadopoulos.
10
Mosteiro Roussanou, Meteora; Grécia.
04 de novembro; 08h07min.
Sean abriu os olhos azuis e viu que usava a mesma roupa dada dia anterior. E Erianthia Agasias estava lá outra vez, na cadeira à frente de sua cama, lhe observando.
— Não vamos conseguir muita coisa se vai ficar desabando cada vez que se lembra de algo, Sr. Queise — falou irritada.
“Droga!” Sean a odiou, mas nada respondeu.
— Ficaram todos muito entusiasmados com você. Eles nunca viajaram além da sala vermelha.
— “Viajaram”? Eu deveria estar com medo, não?
— Deveria! Porque na verdade ninguém viajou, você trouxe o Burj Al Arab até aqui.
Sean não esperava aquela reposta. Ele mesmo disse a Renata para ter medo dele.
— Como eu pude trazer o Burj Al Arab?
— Não sei. Responda você a mim.
— Foi algo do tipo...
— Do tipo o que? — Erianthia riu e Sean levantou-se da cama. Ela se alertou parando de rir. — Acalme-se Sr. Queise ou vou ser obrigada a lhe derrubar outra vez.
— Quero ir embora!
— Ehhh? Acha que está num daqueles hotéis sete estrelas, Sr. Queise? Fazendo check-out com... — e Erianthia parou no que Sean chegou nela tão rápido que ela não acreditou quando foi arrancada da cadeira pelo braço e carregada até a porta, que se abriu sem tocarem nela, e fora dela, e por todo o corredor. — Está maluco, perturbado?! — tentava ser desvencilhar dele que a puxava apertando cada vez mais a mão no braço dela sem conseguir se concentrar, derrubá-lo psiquicamente. — Ai!!! Está me machucando!!! — berrou.
— Vou fazer mais que isso Senhorita Agente Erianthia! — e Sean a arrastava aos trancos.
E foi aos trancos que ela e ele desceram a escada de caracol apertada até o segundo andar, abaixo do quarto dele.
— Ai!!! — Erianthia gritou cada degrau tentando colocar os pés no chão, mas eles estavam suspensos pela força empregada. Os dois avançaram com o lufar gelado que os tomou de supetão na sacada de madeira antiga. Sean imprensou a opulenta Erianthia na parede em meio ao nada, acima de tudo. — O que vai fazer?! — gritou ela. — Jogar-me?!
— Quem sabe você não morre?! — berrou também. — Ou quem sabe você e todos aqui já não estão mortos?!
— Está maluco?! Insano?! Solte-me!!! — Erianthia tentava se soltar, quase por sobre das poucas e delicadas balaustres de madeira antiga que os protegiam da morte. — Me solte Sr. Queise!!!
— Quer mesmo?!
Erianthia olhou para baixo. Viu que ele não estava em seus melhores momentos.
— Vai me matar?!
— Você já está morta, Senhorita Agente Erianthia Agasias!
— Não! Não! Você está insano!
— Insano?! — gritou. — Converso com mortos, lembra?
— Não estou morta!
Sean a puxou e a imprensou contra a parede, com o corpo másculo que ela desejou em meio a tudo que via, vivia.
— E o que sabemos sobre a vida após a morte, Senhorita Agente Erianthia?! E como sabemos isso?! Ou melhor, dizendo, perguntando, argumentando ou que quer que seja?! — gritava sem parar. — Podemos saber algo sobre a vida após a morte?! Heráclito e seu ‘tudo flui, tudo está em movimento e nada pode durar para sempre’?! Ou Platão e sua imortalidade da alma no Fédon, no seu mundo das ideias?!
— Está maluco!!! Está maluco!!!
— Maluco?! Irracional?! Ou podemos desenvolver novos métodos de investigação racionais adequadas para a questão da vida após a morte?!
— Pare de gritar! Está maluco!
— Não estou maluco!!! — berrou. — Estou enlouquecendo por sua causa!!! — e se aproximou a roubar o ar dela. — E você está morta!!!
— Eu não estou...
— Então se não está morta, me responda Senhorita Agente espiã psíquica... — as bocas quase se tocaram. — Quem era a mulher rindo na banheira se não foi você quem me recebeu no Burj Al Arab?! Como eu conversei com Aagje Papadopoulos naquela banheira?! E maldição, como estive com ela no helicóptero se ela já estava morta e não era você?! Foi psychomanteum?!
— Eu... Eu... — Erianthia sentiu que a boca que desejara a boca dele, secara.
Queria falar, mas não conseguia.
— Foi psychomanteum?! — berrou Sean descontrolado.
— Eu... Eu... — Erianthia o olhava em choque.
Ela nunca previra aquilo, as ações dele nunca foram de levar alguém ao limite, ao perigo.
— Como?! Como?! Como?! — ele chacoalhava-a sem perdão com a vista do precipício se moldando nela. — Fale algo mais complexo que ‘eu’ Erianthia!!!
— Eu...
— Você o que?! Droga!!! Droga!!! Droga!!! Você o que?!
— Eu sou uma Zeladora do tempo!!! — berrou Erianthia já não conseguindo mais.
Sean a largou até o chão da sacada. E o chão da sacada era estreito para os dois ali, para tantas perguntas e respostas, para o alto do mundo.
— Você... Você o que...
Ela levantou-se sem ainda conseguir engolir saliva.
— Eu sou uma Zeladora do tempo!
Sean arregalava os olhos sentindo que ia desabar novamente. Olhou em volta. Achou que não era uma boa ideia fazer aquilo ali.
— Me tira daqui... — foi só o que falou antes de desabar.
Erianthia dessa vez foi rápida o suficiente para segurá-lo e trazê-lo para dentro. Acionou mentalmente os outros seis espiões psíquicos para ajudá-la.
E eles não gostaram do que souberam quando lá chegaram.
Mosteiro Roussanou, Meteora; Grécia.
04 de novembro; 10h26min.
— Enlouqueceu ou o que?! — gritou Phemie. — Não podia falar sobre nós Zeladores!
— Não grite comigo! — Erianthia tremia muito. — Eu não tive alternativa! Ele estava quase me soltando de lá de cima.
— Sr. Queise jamais iria... — Gameliel nem terminou a frase.
— Ele ia, Gameliel! Acredite!
— Sr. Queise nunca matou nem uma mosca — retrucou Phemie novamente.
— Ele ia!!! Ele ia!!! — berrava Erianthia descontrolada. — Eu sei!!!
— Se você não previu atitudes dele, que ele ia arrastá-la como disse, que ele arrastou e você nem conseguiu derrubá-lo, então não diga que ele ia jogá-la assim com toda essa certeza — emendou Baco.
— Ehhh!!! — Erianthia berrou mais descontrolada ainda.
Os sete estavam ali, na sala vermelha, sem saber o que fazer.
— Vamos ter que contar a ele sobre você ter se passado por Aagje Papadopoulos, Erianthia — falou Baco. — Ou aquele telegrama vai dificultar tudo.
— Não fale sobre esse telegrama Baco — chamou Pallas a atenção dele.
— Então Erianthia se passou por ela? — Nympha explodiu.
Erianthia olhou Gameliel, ele não podia ter contado nada.
— Por isso ele dizia que a tal Aagje estava viva? — foi a vez de Ophelie.
— Não! — Erianthia olhou um. — Não! Não! — Erianthia buscou o olhar de Gameliel que teve medo que descobrissem que ele estava naquilo como diria Sean, ‘até o pescoço’. — Não podemos deixar o Sr. Oscar Roldman saber. A Polícia Mundial não pode ser culpada por...
— Você passou dos limites, não Erianthia? — Phemie mandou bala.
Erianthia olhou Gameliel outra vez que fugiu àquele olhar. Ela temeu que Phemie tivesse tirando alguma informação de Gameliel, já que dela ninguém conseguiria tirar nada, ler nada. E Erianthia sabia que Gameliel era muito solitário e via em Phemie uma mãe/amiga.
— Eu acho... — Phemie deu uma pausa. —, que mediante nossas dificuldades em atingir 1901 e a facilidade com que Sean faz essas viagens pela malha quadrimensional, que talvez fosse proveitoso que ele participasse.
— Não! — Erianthia se revoltou novamente. — Não e não! — olhou um e outro. — Sean não pode viajar no tempo...
— E o que é o tempo, Erianthia? O tempo só existe em uma quarta dimensão.
Erianthia ficou ouvindo Phemie falar.
— Por que Erianthia? — Ophelie que pouco falava também se intrometeu. — Por que sempre o defende dessa maneira?
— Como é que é?
— É isso mesmo — Nympha também se excedeu. — Você o guarda numa caixa de vidro e não divide ele conosco.
— Do que é que está falando sua incompleta?
— Erianthia! — Phemie chamou-a atenção. — O que é isso? Você nunca...
— Ehhh!!! — ela gritou saindo da sala vermelha.
Todos os seis se olharam. Ficaram, cada um a sua maneira pensando se talvez aqueles anos todos mentalizando Sean Queise, perseguindo sua mente pelo éter a mando da Poliu, não tenham interferindo no julgamento de Erianthia Agasias em relação a ele, Sean Queise.
Gameliel ia atrás dela.
— Gameliel! — exclamou Phemie com tanta força que ele paralisou. — Você sabe de algo?
— Não... — fechou sua mente.
— Somos bons no que somos, Gameliel e é por isso que não conseguimos tirar informações uns dos outros, mas sabe o quanto a ‘Operação Zeladores do tempo’ é importante para nós, e sabe tão bem quanto qualquer um de nós que se essa operação não der certo vamos ficar ‘órfãos’, sem a Poliu para nos custear — Phemie esperou Gameliel se virar e olhar para ele. — Não a deixe estragar isso.
— Pela família! — falou Baco.
— Pela família! — falou Nympha e Ophelie.
— Pela família! — falou Pallas e Phemie.
— Pela família... — completou Gameliel tristemente.
Erianthia do lado de fora da sala vermelha fechou os olhos. Não gostou do que ouviu. Não podia deixar Sean viajar nem podia dizer por que ele não podia viajar. Saiu dali antes que alguém saísse da sala e a visse lá, os ouvindo. Foi direto ao quarto dele, mas Sean não estava lá. Erianthia se desesperou não podia voltar à sala vermelha, não podia ir atrás de Mr. Trevellis, não conseguia se conectar a Sean.
— Sean? Sean? Sean? — chamava para o corredor vazio. — Era só o que me faltava — saiu à procura dele. Correu até a sacada, mas não havia ninguém lá. Cedeu a tentação e olhou para baixo. — Menos mal... — e Erianthia entrou de novo no corredor dando de cara com ele.
— Ficou mesmo achando que eu saltaria?
— Ehhh... — ela engoliu a saliva com força. — Achei! — ela viu Sean nada falar e dar a volta, e voltar a caminhar pelo corredor. — Onde estava?
— Por aí...
— “Por aí”? Não pode andar ‘por aí’, Sr. Queise.
— Por que me chamou de ‘Sean’?
— Quê?
— Me chamou de Sean.
— Eu nunca lhe chamei assim — se virou para andar mais rápido que ele.
— Onde está indo Senhorita Agente Erianthia?
— Comer! Ou acha que espiões psíquicos não têm fome? Ou ache talvez que nos alimentamos de orgone — gargalhava.
Sean ficou atrás dela o tempo todo. Erianthia percebeu que ia ser difícil se livrar dele. Entrou na cozinha e foi direto ao armário. Pegou uma xícara, alguns condimentos e começou a se servir. Terminou e sentou-se na beirada da cadeira sem trocar uma palavra.
— O que está tomando?
— Vinagre e sal.
— Wow! Você é esquisita.
— Sou?
Sean tirou a xícara das mãos de Erianthia e experimentou sob fortes olhares dela.
— Ahhh... Por que está tomando isso salgado? Sua pressão vai subir, não?
— A ideia é essa.
— Quer que a pressão suba? — e Sean não ouviu respostas. — SQM? — arriscou Sean. — Sério isso? Sensação de Quase Morte? — ela e viu confirmar no que ela o olhou. — Procurando a morte, Senhorita? — perguntou tomando novamente a estranha bebida.
— Você também não a procura, Sean?
Sean engoliu a resposta a seco.
— Talvez... — Sean a esperou o olhar e devolveu a bebida. —, porque o termo ‘SQM’ foi talhado pelo Dr. Moody, o mesmo quem criou uma câmara chamada psychomanteum — ela desse vez não o olhou. —, inspirada nas antigas técnicas utilizadas por 2500 anos, no Oráculo dos Mortos no Ephyra, aqui na Grécia — e tirou novamente a bebida da mão dela que nada falou ou olhou. — Então o visitante do Psychomanteum muitas vezes experimentava o contato com seus entes queridos através de técnicas — bebeu. —, que o levassem a uma quase-morte.
— “Quase-morte”? Estamos falando de mortos, Sr. Queise? — riu com gosto no trocadilho.
— Falo que de quem mais? — sorriu cínico a deixando de sobreaviso. — A sala de meditação espelhada, chamada de psychomanteum, foi desenvolvida pelo Dr. Raymond Moody, um psiquiatra que a utilizava para meditações em casas de repouso, para ajudar os pacientes e famílias na abordagem da morte até perceber que eles se comunicavam com os mortos, realmente.
Erianthia gargalhou.
— Você é cômico Sr. Queise.
— Sou? — riu vendo que Erianthia se alertou com ele novamente. — Psychomanteum ou espírito-espelho era um processo antigo grego que usava espelhos para ajudar as pessoas a entrar em reconexão emocional com os entes queridos perdidos. O quarto utilizado para o psychomanteum era equipado com um espelho e uma cadeira reclinada à meia-luz. A função do espelho é até hoje, desconhecida.
— Sean... — foi irônica.
— Não gosto quando me chama de ‘Sean’, me faz lembrar que já lhe conheço.
— Ehhh... — ela riu e levantou-se, saiu da cozinha o deixando lá, com a bebida que chamava a morte.
Sean girou os olhos e foi atrás dela.
— Aonde vamos agora?
— Eu não vou a nenhum lugar. Você vai voltar para seu quarto. Precisa descansar Sr. Queise.
— Não faço outra coisa desde que me trouxeram aqui.
— Não lhe trouxemos. Você veio.
— Eu caí aqui!
— Ehhh... — Erianthia gargalhou e Sean começou a se irritar com aquela alegria toda.
Seguiu-a sem muita opção. Já havia dado mil voltas nos vários corredores, encontrado várias portas fechadas e imaginado andares que não faziam parte do mosteiro; provável nem sabiam o que a Poliu fazia com a parte alugada.
— Que lugar era aquele de onde saiu?
Agora Erianthia entendeu que era ele quem a seguia.
— Sala vermelha.
— E por que ela é chamada assim? — ele andava na cola de Erianthia que à frente dele, não respondeu. — Eles fazem o que nessa sala vermelha, Senhorita Agente?
— Viagens astrais. Pela malha quadrimensional.
— Os sete juntos?
— Precisam ser cinco, Sr. Queise — parou para olhá-lo. — Cinco mentalizadores controlando o tempo e um viajante — ela o olhou de cima a baixo.
Sean não entendeu o porquê.
— Como eles conseguem viajar?
Ela voltou a andar.
— Como consegue viajar?
Sean foi pego de surpresa pela pergunta.
— Não sei. Há muito que parei de me perguntar ‘por que, por que, por que’ — olhou Erianthia e nada conseguiu, achou incrível como não conseguia ler os pensamentos dela. Nos últimos anos aquilo se tornara trivial. — Como diria Sócrates... “Só sei que nada sei”.
— Percebo que gosta de filosofia, não Sr. Queise? Já ouviu falar na Navalha de Ockham?
— Gosto de filosofia, Srta. Senhorita Agente Erianthia, e sei que Guilherme de Ockham foi um filósofo inglês nos idos 1300; um empirista que escreveu a obra Pluralitas non est ponenda sine neccesitate.
— Ehhh! “Entidades não devem ser multiplicadas além do necessário” — Erianthia sabia que o que Sean dissera era dúbio, subliminar. Teve medo dele. — Em 1324, Ockham foi chamado diante ao Papa para prestar contas pelas suas ideias pouco ortodoxas, e por pertencer a um grupo chamado ‘Os Espirituais’, uma ala extremista da Ordem Franciscana que se opunha à opulência da Igreja.
“Opulência...”; soou com dor por todo ele.
— Uma entidade secreta, Senhorita Agente?
— Ehhh! Ao contrário de Platão e seu mundo das ideias, Ockham, como empirista, defendia a experimentação como fonte do conhecimento em contrapartida de que, o verdadeiro conhecimento só poderia ser obtido pelo uso da razão pura, como Hume.
— O Universo das ideias de Platão... — Sean parou, olhou para os lados e tocou a parede. Não havia nada lá, nenhum passado. Depois voltou a segui-la. — Platão escreveu que o homem somente poderia apreciar e tocar os objetos e coisas… — Erianthia olhou Sean que recuou a mão da parede. —, mas deveria se lembrar de que este não era um Universo real.
— “Universo real”? Deveria estar com medo? — riu.
— Não sei, Senhorita. Mas é sobre isso que Platão escreveu no conto O Mito da Caverna, do livro A República; “Figura-te agora o estado da natureza humana, em relação à ciência e à ignorância, sob a forma alegórica que passo a fazer. Imagina os homens encerrados em morada subterrânea e cavernosa que dá entrada livre à luz em toda extensão. Aí, desde a infância, têm os homens o pescoço e as pernas presos de modo que permanecem imóveis e só veem os objetos que lhes estão diante”.
— Ehhh! Platão escreve sobre pessoas acorrentadas numa caverna de costas para a entrada, onde só são capazes de ver as sombras projetadas pelo mundo externo na parede da caverna, e por isso acreditam que estas sombras são as coisas reais e que não há nada além da caverna.
— E algo é real, Senhorita?
— Não sei Sr. Queise. O que sentiu quando tocou a parede agora a pouco?
Sean não soube o que responder, o que realmente responder. Os dois se olharam. Erianthia retomou o controle e voltou a andar. Sean sabia que perdera mais uma oportunidade de invadi-la.
Ela era mais perigosa que julgara.
— Aonde vamos realmente chegar com as aulas de filosofia que tanto gosto, Senhorita?
— Filolau de Tarento, 480-400 a. C.; ele tinha um sistema cosmológico onde acreditava que existia uma anti-Terra.
— “Anti-Terra”?
— Ehhh! Uma Terra e uma anti-Terra em movimentos síncronos e opostos, e também em movimentos síncronos do tipo ‘lado-a-lado’.
— E essa anti-Terra seria como?
— Invertida! — exclamou parando, o fazendo se chocar com ela, e não gostar do que ouviu; porque Sean teve medo do que ouviu. — Na cosmologia de Filolau… — prosseguiu ela. —, os componentes do Universo pertenciam a dois grupos, apenas, o dos limitadores e o dos ilimitados. Em um fragmento ele diz; “A natureza do Universo foi harmonizada a partir de ilimitados e de limitadores, e não apenas o Universo como um todo, mas também tudo o que nele existe”.
— Quem são os “limitadores e ilimitados”?
— Ninguém sabe ao certo quem são os limitadores e ilimitados, mas certamente aplicavam-se a coisas como terra, água, ar, fogo, espaço e tempo. Esses componentes básicos, como dizia, eram sujeitos à harmonia, um processo de mútuo ajustamento entre coisas dessemelhantes, de diferente espécie e de ordem desigual.
— “Ordem desigual”? Desordem e caos! Entropia do tempo.
— Ehhh! Gosto da sua inteligência Sr. Queise.
— E sendo uma espiã psíquica da Poliu, a conhece como ninguém, não Senhorita Agente?
Ela só o olhou e prosseguiu:
— Muito pouco chegou até nós sobre Filolau, nossa única fonte é Diógenes Laércio. Mas Filolau acreditava que, no centro do Universo, encontrava-se fogo e que a Terra era apenas um de seus astros; a Terra, ao fazer um movimento circular em volta desse fogo central, dava origem ao dia e à noite. Insano, não Sr. Queise? Enxergar tudo isso 400 anos antes de Cristo? — Erianthia voltou a andar após se virar para observá-lo; da cabeça aos pés. — Além da nossa Terra em oposição à anti-Terra, havia outros oito corpos celestes que se moviam no céu; dez ao todo. Incrível!
— A astronomia está enredada nos antigos. Incrível são os Sumerianos, por exemplo, que habitavam a Mesopotâmia por volta de 3000 a.C., e exerciam sua atividade astronômica tendo em vista a Astrologia. Assim, a principal Deusa dos Sumerianos, Inanna, que significa ‘Rainha dos Céus’ era associada ao planeta Vênus, que não tinham instrumentos para enxergar.
— Ehhh! É verdade que o filósofo grego Anaximandro de Mileto, 610-547, também concebeu os planetas como sendo rodas de fogo girando em torno da Terra. E tantos outros filósofos. Contudo Filolau de Tarento acreditava na existência de um fogo base-central, representando o centro de seu Universo esférico, fogo esse que era envolvido por dez esferas concêntricas correspondendo aos astros então conhecidos, sendo que na décima delas estavam situadas as estrelas.
— Eu estive pensando...
— Cuidado, Sr. Queise. O pensamento pode também gerar doenças.
— “Doenças”? — Sean achou graça, achou que era para achar.
Ficou tentado decifrar tudo aquilo, aquela precisão toda, já que a mente dela era fechada para ele.
— Ehhh! Filolau, Sr. Queise, acreditava neste décimo planeta, o antichton ou anti-Terra, que ficava sempre oculto para os terráqueos e situado do outro lado do Sol. Mas não se esqueça de que para Filolau, esse Sol visível era reflexo de um fogo central invisível, invertido.
“Invertido... Invertido... Invertido...”, soou por todo ele.
— Quem é você Senhorita Agente Erianthia? — Sean viu somente Erianthia sorrir abrindo a porta do quarto para que ele entrasse. — Quem são os Zeladores do tempo? — Sean parou na porta.
— “Nunc et seminibus si tanta est copia, quantam enumerare aetas animantum non queat omnis, quis eadem natura manet, quae semina rerum conicere in loca quaeque queat simili ratione atque huc sunt coniecta, necesse est confiteare esse alios aliis terrarum in partibus orbis et uarias hominum gentis et saecla ferarum”.
— Não sei latim — provocou-a.
— Nem tudo é perfeito, não Sr. Queise?
— Não... — Sean não sabia o que sentir por ela naquele momento.
Achou-a linda, porém.
— Titus Lucretius Carus, Sr. Queise, no célebre poema De Rerum Natura, identificava certa superstição, do latim ‘religio’, com a noção de que os deuses e seus poderes sobrenaturais criaram o nosso mundo, ou de alguma forma interferiram com as nossas ações. Titus argumentava contra o medo de tais deuses, demonstrando através de observações e argumentos lógicos que as operações do mundo, podiam ser explicadas inteiramente em termos de fenômenos naturais, os movimentos regulares, mas sem propósito e interações de átomos minúsculos no espaço vazio. Admitia a pluralidade dos mundos, de que não estávamos sozinhos nesse Universo, que para os primeiros filósofos gregos, como Anaximandro era indeterminado, infinito — e passou por ele para ir embora.
— Quem são os Zeladores, Erianthia?
Ela parou na forma como foi chamada. Na intimidade da forma como foi chamada.
Ainda de costas anunciou:
— O mosteiro segue regras que seguimos. O jantar é as 18h00min. As dezoito em ponto, eu estarei sentada à sua frente quando acordar, Sr. Queise.
— Por que acha que vou... — e Sean desabou na porta do seu quarto.
Erianthia Agasias se virou para trás com um sorriso no canto da boca, adorando saber que ia carregá-lo para a cama outra vez.
Mosteiro Roussanou, Meteora; Grécia.
04 de novembro; 15h08min.
Erianthia Agasias chegou atrasada a mentalização das quinze horas. Os portais se abriram e ela não estava lá. Quando entrou na sala vermelha o buraco estava se fechando. Os cinco voltaram a si muito nervosos e Phemie estava no chão, com sua energia psíquica totalmente consumida.
— Ainda dá tempo... — e Erianthia parou de falar ao ver Phemie notadamente com a pele afetada. — O que houve? — olhou-a assustada.
— Havia fogo, Erianthia... Fogo — Phemie a olhou de uma maneira que Erianthia não gostou.
— Não pode nos deixar aqui sozinhos — Gameliel estava notoriamente irritado.
— Nunca se atrasou — Baco completou.
— Estamos perdendo força quando sua força é usada com ele — Nympha se exaltou.
— Acho que não foi uma boa ideia trazê-lo aqui — falou Pallas enfim.
— Você não... — Erianthia arregalou os olhos para Gameliel no que leu seus pensamentos. — Você contou a eles?
— Não tive escolha...
— Você contou a eles?! — gritou Erianthia tão forte que toda a sala vermelha estremeceu.
— Como você conseguiu Erianthia? — Baco quis tocá-la e ela esquivou-se. — Como pôde Erianthia? Isso é totalmente fora dos padrões psíquicos.
— Erianthia sempre esteve longe dos padrões — soou Gameliel.
— Cale-se! — Erianthia o fuzilou e Gameliel passou a não mais encará-la. — Não vou falar sobre isso! — tremia. — Nunca mais!
— Nunca mais, mas continua gastando forças com ele — Nympha a desafiava.
— Ia deixar ele ferido na floresta?! — vociferou.
— Você o feriu! — Ophelie exclamou com força.
— Eu não fiz nada daquilo!
— Você o feriu, Erianthia. Testando sua força nele — Ophelie a desafiava como nunca até então.
— O feriu e o desejou! — exclamou Nympha enciumada.
— Cale-se incompleta! — Erianthia humilhou Nympha por aquilo.
— Hei?! Hei?! — Phemie se ergueu com dores, segurando Erianthia que ela agora sabia, não tinha como ser segurada. — Vamos nos acalmar Erianthia? Nympha? Gameliel? — incluiu-o. — Não sei que acidente é esse nem como vocês fizeram, mas vamos nos acalmar — depois se virou para Erianthia que derretia cada átomo de Nympha que começava a ter dores de cabeça. — Saber sobre sua atual situação nos é confusa, Erianthia. Não estávamos preparados para isso.
— Somos todos esquisitos, Phemie. Por que a ironia?
— Não estou sendo irônica, Erianthia. Mas nos é difícil entender no que se tornou. E como conseguiu se tornar nisso — apontou para toda ela.
— Você... — Erianthia mal conseguia falar passando Gameliel pelo seu contato visual. — Como pôde contar? Você era meu amigo.
— Era? Era?! Eu não contei nada!!! — gritava Gameliel descontrolado. — Fui obrigado!
Erianthia o olhou nervosa. Gameliel estava diferente; com ciúme, talvez.
Nympha cercou Erianthia.
— Você mudou quando o viu pessoalmente, não? Mentiu para nós, nos iludiu com essa coisa que se...
— Não seja ridícula, Nympha!
— Erianthia... — Ophelie ia falar.
— Não vou ter que ouvir isso, Ophelie.
— Você fez algo mais que... — e Nympha voou longe se chocando com a parede no que Erianthia só ergueu o braço.
— Erianthia!!! — agora Phemie gritou nervoso. — Não sabemos ao certo no que você se tornou, mas não pode testar essa força em nós.
— Acho melhor contar-nos o que houve! — Pallas se aproximou de Erianthia. — Contar exatamente o que houve com você, e quando.
Erianthia buscou Gameliel de cabeça baixa outra vez.
— Não posso!
— Por quê? — Baco quis saber.
— Porque o Sr. Oscar Roldman não permitiria.
— Mas não é a Polícia Mundial quem nos financia, Erianthia. É a Poliu! — e Pallas sentiu-se mal com o que Erianthia falou. — Não é a Poliu quem nos financia?
— O que disse? — Phemie parou no que ajudava Nympha a se levantar.
— Como assim ‘o que disse’? — Baco se agitou.
— Do que está falando Phemie? — Nympha mal conseguiu falar.
Houve agitação na sala vermelha.
— Mas a Poliu... — Phemie olhou Erianthia confusa. — Não foi Mr. Trevellis quem...
— Somos espiões psíquicos da Poliu… — Erianthia olhou todos de uma maneira diferente. —, mas somos pagos pela Computer Co. — olhou um e outro em choque. — Ou pelo menos éramos.
Baco, Phemie, Nympha, Pallas, Ophelie, e até Gameliel a olharam confusos.
— Como é que é? É o Sr. Queise quem nos...
— Não! — exclamou Erianthia nervosa. — Era o Sr. Fernando Queise quem nos financiava. Para que nunca permitíssemos que o Sr. Queise chegasse até aqui.
— Por que não conseguimos entender? — Baco quis saber.
— É? Por que não? — Nympha também quis saber.
— Então era o Sr. Fernando Queise quem nos financiava para irmos ao astral bagunçar as viagens de seu filho? Isso é imaturo! — Ophelie estava muito nervosa.
— Ele devia ter seus motivos — foi só o que Erianthia falou.
— Motivos desde quando o Sr. Queise começou a ser desenvolvido por Mona? — perguntou Baco.
— Isso! — exclamou Gameliel parecendo ter entendido algo. — Por isso que...
— Chega Gameliel! — Erianthia voltou a se alterar. — Perdão, Phemie, Ophelie, todos... Não posso falar nada além.
— Não Erianthia! Precisamos saber se era o Sr. Fernando Queise quem nos financiava.
— Não posso realmente Phemie, responder a isso.
Uma nova agitação se fez ali.
— Calma... Calma... — Phemie voltou a olhar Erianthia. — Só quero saber uma coisa; o Sr. Queise vai nos ajudar?
— Não sei Phemie. Não tenho ordens para forçá-lo.
— Nossa... — Pallas sentiu-se confuso. — O que vamos fazer se ele não ajudar a manter os espelhos?
— Minha Sta. Irene... Minha Sta. Irene... — Ophelie começou a se desesperar.
— Erianthia... — Phemie tomou forças para aquele momento. — Sabe o quanto é importante mantermos os alienígenas fora daquele espelho, não?
— Perdão, Phemie! Recebo ordens! — Erianthia foi enfática.
— E nós?
— Recebem ordens minha! — Erianthia foi enfática e categórica.
— Quando chegou aqui, Erianthia, trazida por Mona Foad, você tinha projetos... — Phemie falava calmamente.
Erianthia arregalou os olhos.
— Sean não pode saber que Mona me trouxe...
— ‘Sean’? — Nympha provocou-a. — Perceberam como ela o chama de Sean?
— Nympha! — Phemie chamou-a a atenção como já fizera com Erianthia; sabia que a presença dele ali ia gerar aquilo, que Nympha se interessara por ele em suas viagens astrais, assim como outras espiãs psíquicas.
— Nada de ‘Nympha’, Phemie — Nympha estava nervosa. — Não vê? Erianthia está o deturpando, mexendo com suas ideias, com seu corpo.
— Eu... — Erianthia olhou Phemie que se alertou com aquilo. — Sean... — olhou Nympha de lado. — Sean vai jantar comigo hoje a noite.
— Vai sair com ele? Sair do mosteiro? — Pallas se adiantou preocupado.
— Sim.
— Mas nunca nesses últimos... — e Nympha foi brecada pela mão forte de Phemie. — O que é?! — Nympha gritou com Phemie. — Ela não vê que é velha para ele... Ahhh!!! — e gritou ao ser esbofeteada, lançada outra vez para o outro lado da sala vermelha caindo no chão atordoada, sem que nada nem ninguém a tivesse tocado.
— Nympha?! — Baco e Ophelie correram para ajudá-la, vendo que nenhum deles estava perto o suficiente para tê-la esbofeteado.
— O que houve Nympha? — perguntou Pallas.
— Não sei... — Nympha olhou Baco, olhou Ophelie e Pallas. — Alguém... — Nympha olhou todos. — Alguém me bateu.
— Bateu? — perguntou Baco.
— Bateu? — perguntou Ophelie.
— Bateu? — perguntou Gameliel, também.
Nympha olhava um e outro. Jurava que não viu quem a esbofeteou. Mas Gameliel olhou para Erianthia que não se moveu do lugar.
— Onde vai levá-lo? — Phemie, a velha espiã psíquica quis saber em meio ao tumulto criado por Nympha.
— Ao Mosteiro Hotel — respondeu vendo o ciúme de Gameliel florescer mais.
Ficou triste pelo amigo.
— Sta. Irene... Você... O que você fez? — Phemie começava e receber as informações que Erianthia lançava a ela.
— Fez o que? — Baco se alertou. — O que ela fez agora?
Gameliel olhou Erianthia em alerta.
— Ela... — Phemie buscava forças para fechar a mente depois daquilo. — Como pôde aceitar?
— Ordens!
— Sta. Irene… — Phemie sentou-se sentindo a pele ainda queimando.
— O que ela fez, Phemie? O que Erianthia fez, Phemie? — Pallas se alterava. — Que inferno Phemie! Não podemos nos brecar assim. Não é saudável ficar nos brecando.
— Recebo ordens, Pallas! — a velha espiã abriu a porta da sala vermelha para sair. — Deveria se lembrar de que também! — e saiu para seu quarto a fim de fazer um curativo.
Erianthia não se deixou ser levada pela situação, também saiu sem ir atrás de Phemie, sem explicar a Pallas o que permitiu Phemie ler em sua mente. Tinha algo a fazer e sabia que não ia ser coisa fácil.
Há três anos não saía do mosteiro por ela mesma.
Mosteiro Roussanou, Meteora; Grécia.
04 de novembro; 20h00min.
Quando Sean acordou, estava nu, na cama, sob fortes olhares de Erianthia. Ele saltou nervoso da cama tentando se cobrir com algo, mas não havia nada lá. Nem lençóis, nem cobertores, nem travesseiros.
Só ela, calmamente, o olhando.
— Por que fez isso? — cobriu-se com as mãos.
— Isso o quê?
— Não seja ridícula! Por que me deixou assim?
— Assim como? — Erianthia foi cínica. — Não sabia que dormia nu Sr. Queise…
Sean arregalou os olhos azuis até deformar a face. E ele a deformou.
“Nu... nu... nu...”; soou em Sean o deixando tonto.
Havia algo errado e ele começava a achar que ela perdia a graça.
— Vamos Sr. Queise! — Erianthia levantou-se. — Vamos jantar fora!
Sean olhou em volta atordoado.
— “Fora”? — olhou um lado e outro. — Claro! Vou nu... — e se virou atônito para o lado. Uma cadeira que não estava ali, estava ali. — A cadeira... — havia uma muda de roupa em cima dela. — Fez apport? — Sean não sabia o que fazer com ela, com a situação, com ela ali o olhando nu. Erianthia não respondeu e voltou a se sentar. Já Sean só tinha uma certeza, não queria desabar outra vez. Deu alguns passos atordoados e alcançou as roupas sob fortes olhares de Erianthia, que não perdia um único músculo de seu alcance. — Posso me trocar? Eu perguntei se posso... Droga! — e Sean engoliu a seco o fato da calça e a camisa Armani ali em cima da cadeira ser igual a que Kelly Garcia comprara para ele, mais que pelo fato de ter que se trocar na frente dela. — Dizem que os fenômenos de apport, ou de transferência de objetos através do material pelo éter vêm acompanhados de fenômenos poltergeist, Senhorita Agente.
— Não é tão fácil assim dizer o que seja um fenômeno poltergeist, Sr. Queise, a não ser o mito de que tais fenômenos observados seriam provocados por fantasmas, espíritos de desencarnados, por duendes, demônios ou outros seres incorpóreos.
— “Seres incorpóreos”? Como alienígenas?
Erianthia gargalhou.
— Ehhh... Como alienígenas — olhou-o com um interesse cada vez maior. — Mas não sou alienígena, não se preocupe.
— Não. Não me preocupo. Por que me preocuparia?
Erianthia gostou de tê-lo ali, se vestindo, sob seu controle.
— Hoje uma grande parcela de parapsicólogos atribui a determinadas pessoas vivas, a origem dos tais fenômenos de poltergeist. Tais indivíduos, denominados epicentro, seriam dotados de excepcional faculdade psicocinética.
— Wow! “Excepcional faculdade psicocinética”? Como os espiões psíquicos da Poliu? — Sean viu que dessa vez Erianthia não esboçou um único movimento. — Há um caso interessante ocorrido no Paraguai onde tudo se movia numa fazenda. E não eram somente os movimentos, as coisas sumiam e reapareciam em outros lugares; camas, botijões de gás, cadeiras e até um caminhão — Sean terminou de se vestir e olhou Erianthia lhe olhando como o costume. — Que energia tão poderosa poderia ter a força de teletransportar um caminhão, Senhorita Agente?
Erianthia ergueu-se sem responder àquilo. Dirigiu-se até a porta e se virou para ele.
— Não gostou da camisa escolhida Sr. Queise?
Sean se olhou. Viu que não estava mais com a camisa que usava. Que ela havia voltado para a muda de roupa na cadeira, dobrada.
— Como... — sentiu-se nonsense.
Erianthia gostou do peito viril dele.
— Belo dorso! — ia tocá-lo e Sean recuou. — Se vista! — Erianthia não gostou da fuga dele. — Não vão achar graça em seu peito musculoso, Sr. Queise, ao sair daqui.
Sean só ergueu o sobrolho. Colocou pela segunda vez a camisa que jurara não entender como ela saíra do seu corpo.
— Aonde vamos?
— Kalambaka! A vila fica no sopé das montanhas. Vai gostar! É uma cidade grega localizada na Prefeitura de Trikala.
— Por que está me levando lá?
— Meteora Hotel, um restaurante ‘american buffet’.
— Perguntei por que está me levando lá, Senhorita Agente Erianthia?
Ela não gostava de como era chamada.
— Porque o que quero provável não vai me dar... — se aproximou tanto que sentiu o lufar dele. — Não depois de me conhecer, Sr. Queise.
Sean arregalou os olhos azuis a deformar tudo outra vez. Havia realmente algo de muito errado com aquela mulher, com o mosteiro, com frases ditas, pessoas e imagens vistas; provável com seu passado, presente e futuro.
Mosteiro Roussanou, Meteora; Grécia.
04 de novembro; 23h52min.
Todos os mosteiros de Meteora eram acessíveis por estradas. Um carro os esperava após descerem uma grande escadaria. Sean achou o vale, os penhascos, inusitados tarde da noite. E tinha que admitir valeu a pena esperar a Senhorita Agente Erianthia Agasias se trocar e vê-la de vestido longo, de um azul marinho discreto e pouco justo, e com cintura e seios abundantes, opulentos.
Erianthia nunca ligara muito para seu corpo, mas ter Sean ali lhe dava vontade de estar bela, viva, o olhando sem dó, com interesse, durante todo o trajeto. Já Sean não se lembrava de ter conhecido uma mulher que o ‘secasse’ tanto. Nem Kelly era tão indiscreta.
Chegaram ao Meteora Hotel pouco cheio àquela hora e Erianthia sentiu-se tonta ao entrar. Achou que Sean não havia percebido. Ela estava fraca espiritualmente ao sair do mosteiro, ao se afastar por tanto tempo da sala vermelha.
— Passando mal por ter esquecido sua bolsa Fendi Selleria de 40 mil euros, Senhorita Agente? — Sean não a perdoou.
Mas Erianthia não cedeu a tentação, continuou calada até o metrie os levarem para uma mesa afastada e entregar o menu.
— Prefere escolher Sr. Queise?
— Por quê? Ia pedir ervilhas, berinjelas brancas fritas, tomate bola, bolas de courgette, kalamari cozido e tomates secos ao Sol? Ou vai pedir trufas brancas? Ou talvez uma edição limitada de champagne Perrier Jouet 2000 Art Nouveau? Ou quem sabe um champagne Dom Pérignon Rose Vintage servido com melitzanosalata, tzatziki, e taramosalata? — Sean viu que Erianthia não tirou os olhos do menu. — Ahhh!!! — Sean explodiu.
Os poucos casais no restaurante os olharam. Erianthia chamou o metrie e pediu tudo aquilo que Sean falara, tudo ao mesmo tempo.
“Droga!”, ele sabia que ela o desafiava.
O champagne Dom Pérignon Rose Vintage chegou.
— Como... — Sean estava sem ação. — Como conseguiu se passar por Aagje Papadopoulos?
— Técnica milenar que nos foi passada através de sociedades secretas ao longo de muitos séculos — debochou Erianthia o olhando.
Sean tomou toda a taça. Sabia que ela o desafiava agora falando de Mona amiga. E Erianthia ficou o olhando, esperando mais.
Ele sentiu-se sem ação outra vez, perdido em divagações, dúvidas.
— Vocês são parecidas?
— Sim. Como pode ver...
Sean lembrou-se de Aagje, sua opulência nua.
Odiou Erianthia.
— Gameliel?
— Gameliel é diferente de Zenon, como saberia se o tivesse conhecido.
— Eu o conheci. Morto no helicóptero.
— Sabia que existe técnicas paranormais que fazem uma pessoa acreditar estar vendo outra, Sr. Queise?
— O filósofo Immanuel Kant achava que nas grandes questões filosóficas, a razão operava fora dos limites daquilo que o homem podia conhecer. Por outro lado, era inerente à razão humana, a necessidade de colocar tais questões... — olhou para os lados, para cima e para ela. — Por que fez isso comigo? O que lhe fiz para fazer isso comigo, Senhorita Agente Erianthia? — Sean nada ouviu, mas Erianthia o amou. — Estava a mando dele, não? A mando de Trevellis? — ele viu Erianthia o olhar; cada detalhe. — Ele queria saber o que eu sabia e você se aproveitou da morte de Aagje para aquilo, não foi?
— Todos usam o que...
— Hipócrita! — foi o que Sean exclamou a deixando com suas dores; e não eram poucas.
— Não me julgue sem me...
— Sem o que? Conhecer-lhe? E o que é você? Monstro?
— Está se excedendo... — Erianthia olhou para os lados começando a se sentir drenada.
— Você... Deus... Por isso a gruta? Por isso me falou dela, de Nikiforus, do jornal ufológico? Aagje Papadopoulos nunca soube sobre a gruta, sobre a lista de ufologia, sobre... — e Erianthia só o olhava. — Pare de me olhar! — Sean explodiu. — Droga! Droga! Droga!
Os antepastos chegaram.
— Obrigada! — Erianthia agradeceu ao metrie.
Sean não tirava os olhos dela.
— Por que você foi ao Burj Al Arab se passar por ela? Por que se permitiu se expor daquela maneira? Nua?
Erianthia ergueu o sobrolho e o garçom olhou os dois.
— Não era eu na primeira vez que foi ao Burj Al Arab.
— Mentira! Conta esta história para seu patrão Trevellis, não para mim. Era você, nas duas vezes — Sean viu Erianthia ficar agitada. — E me diga... Quantas vezes você fez aquilo? Você foi à São Paulo, à Computer Co., me beijou na sacada... — e Sean viu um brilho acontecer nela, em toda ela. — Você é um monstro!
Erianthia dispensou o metrie.
— Você é que é um monstro, Sr. Queise. Não se iluda. Fiz o que fiz conectada a Gameliel, já você... — respondeu enfim.
Sean ergueu o rosto do prato.
Encarou o garçom que se distanciava.
— Eu fiz o que?! — cerrou os dentes. — Você invadiu minha vida, meus negócios, meu... Você me tocou no Astra Hotel, não foi? E eu lhe esbofeteei de verdade não foi?! — gritou.
Erianthia lembrou-se do calor que emanava dele; dele todo.
— Não!
— Mentira! Você foi ao Astra Hotel, jantou comigo, me tocou.
— Não fiz nada disso!
— Voltou depois que cheguei de Londres, me serviu café na sacada, convidou-me para ir de helicóptero...
— Não fiz nada disso!
— Fez!!! Fez!!! — berrava descontrolado fazendo os poucos casais ali jantando, lhes olharem. — Ahhh!!! — mal conseguia respirar de tanto ódio. — Mas Aagje já estava morta, não?! — berrou.
— Sean...
— Não fale meu nome! Você não tem moral alguma!
— Você desejou estar no helicóptero com ela! — Erianthia partiu para o ataque.
— Eu o que? Eu o que?! Você é um monstro!
— Você voltou no tempo e tomou o helicóptero que caiu, Sr. Queise!
— Voltei no que monstro?!
— Monstro é você! Você! Você voltou no tempo; e voltou, e voltou, e voltou.
— Isso é...
— Lembra Sr. Queise? Dia 28 de setembro, dia 29 de setembro, 30 de setembro, 01 de outubro, 02 de outubro...
— Chega!!! — Sean sentiu que ia desabar de novo. — Eu... Eu... Eu não... Isso é loucura...
— Você no fundo sentia-se culpado por não ter a salvado dia 28 de setembro, dia em que ela morreu!
— Está louca? Louca... Eu não sabia que ela existia...
— Sabia!
— Não sabia!!!
— Sabia! Você pode saber, Sr. Queise! Psychomanteum! Conversa com os mortos! — e Erianthia viu Sean erguer-se da cadeira e ficar tentando localizá-la em meio às chamas do voo 5674 que tomaram conta do restaurante. — Feche isso! — ordenou ela.
Sean não sabia o que havia aberto, se havia aberto algo. Olhou em volta e as chamas tomavam conta de tudo.
— Eu…
— Feche isso Sr. Queise! — ordenou ela novamente.
Sean estava atordoado, com vontade de desmaiar. O fogo sumiu e Sean caiu na cadeira sem saber o que fez exatamente. Erianthia jogou gelo dentro do guardanapo de tecido e se levantou molhando a testa dele que suava além do normal.
— Eu... — Sean olhou em volta sentindo-se enjoado, com vontade de vomitar. — Deus... — contorceu-se sobre o próprio estômago. — O que eu sou... — e chorou olhando Erianthia lhe olhar. — Não vai me responder, não é? — e Erianthia não sabia o que responder. — Jean Paul Sartre dizia que não bastava dar sinais de sofrimento, era preciso sofrer — Sean viu Erianthia o olhar com atenção. — Já leu A Náusea Erianthia? Do filósofo Sartre? “A Náusea, tímida como uma aurora. Mas, nesse momento, não havia música, estava eu melancólico e sossegado. Todos os objetos que me cercavam pareciam feitos da mesma matéria que eu, duma espécie de sofrimento ruim. O mundo era tão feio, fora de mim, tão feios aqueles copos sujos em cima das mesas, e as manchas escuras no espelho”
— O que você tem?
— Saudade! Dor! Náusea! Medo! Muito medo... Mas Sartre dizia que não se deveria ter medo. Porque quando uma pessoa quer compreender uma coisa coloca-se em frente dela, sozinha, sem auxílio, de que nada serviria todo o passado do mundo porque depois a coisa desapareceria, e o que se tinha compreendido desapareceria com ela — chorava.
— Do que tem medo Sean?
— Medo de não consertar os erros, Senhorita!!! — gritou em lágrimas.
Depois tirou o gelo do guardanapo e passou-o no rosto. Erianthia esperou ele se acalmar.
E houve um breve silêncio entre eles, entre toda aquela incongruência.
— Você achou que pudesse salvá-la quando a viu em chamas — Erianthia tomou seu champagne calmamente.
Sean só girou os olhos tentando deglutir aquilo.
— Eu a vi em chamas — Sean olhou um lado e outro do restaurante. Seus olhos buscavam algo, um ponto de equilíbrio. — Na banheira do Burj Al Arab. Dia 27 de setembro.
— Você a viu nas chamas do helicóptero?
— Não. Havia outro acidente. O do avião que me tirei.
— Mas Aagje Papadopoulos não estava no voo 5674.
Algo o alertou.
— Então era você a mulher que nós vimos nua na banheira?
— Nós?
— Nós!? — berrou. — Eu e a câmera de Trevellis?!
— Já disse que não.
— Era você na banheira quando levei os espiões para viajar no Burj Al Arab?
— Já disse que não.
— Mas eu não vi Aagje. Eu vi você.
— Você viu Aagje Papadopoulos!
— Não vi!!!
— Não grite mais Sr. Queise!
Sean chacoalhava a cabeça atordoado.
— Era a Aagje ‘original’ quem eu visitei no Burj Al Arab?
— Sim!
— Como? Como? Trevellis me entregou o tablet. Disse que ela estava morta.
— Ela estava viva quando você foi ao Burj Al Arab, Sr. Queise, porque vocês já se conheciam.
— Pare de me enlouquecer! Já disse que não a conhecia pessoalmente. Nunca vi Aagje Papadopoulos em uma disputa e outra... Deus... Eu vi os mortos do voo 5674 no banheiro do Burj Al Arab... Eu não vi nada dela... Nada da morte dela no helicóptero que não viajei porque ela morreu antes de me levar.
— Mas você foi! No helicóptero que caiu! Você bloqueou!
“Você bloqueou!” “Você bloqueou!” “Você bloqueou!”; ecoou.
Sean teve medo do que ela falou.
— O helicóptero... Eu bloqueei... Você que é um monstro!
— Cale-se! — se impôs Erianthia. — Você viu Aagje no Burj Al Arab, viu que ela morreria. Então você entrou naquele helicóptero dia seguinte em Santorini. A sala vermelha recebeu a mentalização. Havia três passageiros no helicóptero; você, Aagje e Zenon. E o helicóptero caiu com vocês três. Aagje e Zenon morreram e você não. E como não conseguiu salvá-la, você voltou o tempo, entrou no helicóptero, viajou com ela novamente, a salvou do acidente, mas ela morreu. E então você voltou o tempo, entrou no helicóptero, viajou com ela novamente, a salvou do acidente, mas ela morreu...
— Não! Não! Não!
— Ehhh! Ehhh! O destino dela estava traçado, fechado, mas você voltou o tempo, entrou no helicóptero, viajou com ela novamente, a salvou do acidente, e...
— Cale-se!!!
— Não Sr. Queise! Você voltou o tempo, entrou no helicóptero, viajou com ela novamente, a salvou do acidente, mas ela morreu dia 28 de setembro, dia 29 de setembro, 30 de setembro, 01 de outubro, 02 de outubro...
— Louca!
— Dia 03 de outubro, 04 de outubro, 05 de outubro...
— Louca!!!
— Não sou louca! Você tentou e tentou... Dia 06 de outubro, 07 de outubro, 08 de outubro, 09 de outubro...
— Insana! Está dizendo que eu caí? E como saí de lá?
— 10 de outubro, 11 de outubro, 12 de outubro...
— Chega! — olhava para um lado. — Chega! — olhava para o outro lado. — E acha que voltei o tempo como? Assim? — estalou os dedos. — Voltando o tempo assim? — e Sean voltou a estalar os dedos.
— Sim Sr. Queise!
— Louca! Louca! E por que acha então que eu desisti de salvá-la? Hein?
— Porque eu interferi em suas ‘voltas’.
Agora Sean perdeu a voz.
“Porque eu interferi... Porque eu interferi... Porque eu interferi...”, Sean não entendia o que acontecia.
— Eu disse a Zenon que tinha que acabar com aquilo, com suas idas e vindas no tempo tentando salvar Aagje Papadopoulos.
— Você disse... Você disse... Você fez o que?
— Plasmei o helicóptero e fui ao Astra hotel lhe buscar. Entramos no helicóptero e caímos há poucos dias. A sala vermelha recebeu nova mentalização sobre a queda do helicóptero, mas eu não podia deixar que me vissem. Então quando lá chegaram, só você estava caído, ferido, sem o helicóptero porque ele era uma plasmagem.
— Caiu comigo? — Sean sentiu todo seu corpo amolecer. — Deus... Você caiu... Como? Eu voltei ao Brasil dia 24 de outubro. Nós caímos há três dias... Eu... Eu voltei a tentar salvá-la?
— Sim! Então caí com você! Por isso Zenon estava morto, com vermes saindo dele.
— Cale-se! — Sean ficou imaginando como ela sabia. — Você é insana...
— Você vai voltar no tempo, e voltar, e voltar...
— Não... Não... Eu não posso voltar o tempo. Não sei voltar o tempo.
— Sabe! Mas não vai conseguir salvá-la como não salvou Sandy Monroe.
— Cale-se!!! Cale-se!!! Cale-se!!! — berrava desesperado a fazer todas as veias do pescoço saltarem. — Não faça isso comigo... — chorou no meio do restaurante que os olhava. — Deus... — Sean escondeu o rosto e Erianthia, a intocável Erianthia, a fria Senhorita Agente Erianthia sentiu naquele momento o que nunca previra; gostava realmente dele. — O que são... — Sean enxugava as lágrimas. — Por que não estou entendendo?
— Porque ninguém nunca lhe explicou! Porque Sr. Fernando Queise nunca permitiu que explicássemos.
— Nunca permitiu... — Sean agora sentiu sua garganta fechar, tentando lembrar-se como respirar. — Meu pai... Meu pai fez o quê?
— Nunca permitiu que você soubesse o que realmente a família Roldman era capaz de fazer. Porque seu pai Fernando Queise aceitou tudo, até você não ser filho dele — Erianthia o viu tentando respirar, perdendo a cor. — E aceitou suas brincadeiras de infância, de quando ficava sozinho no parque se divertindo, movendo brinquedos, rindo e falando com quem não estava lá, com mortos Sr. Queise. Porque seu pai permitiu que você crescesse com os mais diversos dons, permitindo que se tornasse hacker, que invadisse computadores, que enfrentasse até a Poliu. Mas quando Mona Foad começou a lhe ensinar, a lhe desenvolver, o Sr. Fernando Queise se desesperou. Explodiu com o Sr. Oscar Roldman e sua família a qual chamava de ‘esquisita’, e propôs a Mr. Trevellis a criação da sala vermelha, para podemos lhe vigiar pela malha quadrimensional — ela viu Sean a olhar agora sem cor. — Por que a filosofia Bhagavad-Gita e todo seu ensinamento védico dizem que quando o discípulo está pronto o mestre aparece.
Ele a encarou em choque.
— Você é o... É o mestre?
— Sim.
— Deus... Para que um mestre? Eu tenho... — e teve medo de continuar. — Tenho mais coisas bloqueadas?
— Coisas como a morte de seu pai que você viu?
— Ahhh... — Sean chorou novamente a lembrar-se da rua escura, do poste gelado, do orvalho que molhou sua mão, por alguém seguir seu pai, matá-lo, por saber que Oscar sabia que ele iria lá; ‘lá’ ele não soube decifrar aonde. Olhava Erianthia e o restaurante, e Erianthia de novo. Não queria se ver tão sensível, tão atingido. Queria sumir, mas precisava ficar. Entender, entender-se, perdoar seu pai. — Disse no mosteiro...
— Alguns espiões sabem que me fiz passar por Aagje Papadopoulos e Gameliel por Zenon Kanapokolo no Burj Al Arab, na segunda vez que lhe fiz ir ao Burj Al Arab. Ninguém sabe que me plasmei com você naquele helicóptero.
— Por que fez tudo isso? O que Trevellis queria saber para lhe obrigar a plasmar o Burj Al Arab inteiro?
— Algo sobre o documento.
— Que documento? O documento amarelado que meu pai escondeu com Syrtys Papadopoulos o vendo esconder?
— O documento que mina o dinheiro da Poliu.
— Desgraçados! Hipócritas! Todos vocês!
— Seu ataque...
— Meu ataque o quê?! — vociferou; tomou todo o champagne num gole só enchendo a taça uma, duas, três e esvaziando tudo. — Por favor? — chamou o metrie. — Não se preocupe com a conta. Sou rico o suficiente para pagar seu champagne especial — ele viu Erianthia só brilhar os olhos perante o cinismo. — Quando Trevellis plasmou o Burj Al Arab, Senhorita Agente Erianthia?
— Depois que saiu da suíte de Aagje Papadopoulos. Ele os estava gravando. Acreditava que você sabia sobre o investimento do Sr. Fernando Queise e Syrtys Papadopoulos.
— Mas por que fazer isso ainda dia 27 de setembro? Não disse que eu viajei para Santorini, que eu e Aagje caímos dia 28... Deus... — aquilo quase não saía de sua boca. — Deus... Essa... Essa sala vermelha... Vocês fazem mais que me vigiar pela malha quadrimensional, não?
— Sim! Somos Zeladores do tempo.
— E meu pai sabia?
— Não! Mr. Trevellis aproveitou o financiamento e começou um novo projeto. Nós, os Zeladores.
— E o que é um Zelador do tempo?
— Somos um grupo especial de espiões psíquicos que a Poliu vinha desenvolvendo há alguns anos.
Sean sentiu que o peito se espremia. Era muita informação. O champagne chegou e ele mal esperou o metrie oferecer-lhe um copo de degustação. Tomou-o todo pedindo que enchesse mais.
Depois o dispensou com um movimento de mão.
— “Um grupo especial”?
— Quero dizer que podemos controlá-lo, Sr. Queise. O tempo...
— Não... Mona não pode controlar o tempo.
— Pode!
— Não... Não... Se ela pudesse... Se ela...
— Teria salvado Sandy Monroe? Ou teria ajudado você salvar Aagje Papadopoulos? Seu pai?
Sean sentiu que ia explodir, que toda sua autoestima explodia ali.
— Montauk? Deus... Aquilo existiu? Al Bielek, Ph.D em Física por Harvard disse que a Operação Montauk e o Experimento Filadélfia eram monitorados por um consórcio de alienígenas originários dos sistemas estelares de Orion, Sirius e Alfa Centauro — ele prosseguiu mesmo com ela de costas. — Mas os alienígenas não eram confiáveis.
Erianthia caiu em gargalhada.
— Ehhh! Alienígenas outra vez? Você que é insano Sr. Queise.
— Sou?
— E não ehhh? Al Bielek acreditava em fendas temporais criadas para permitir a entrada dos discos voadores em nossa dimensão, possibilitando uma invasão.
Sean não deixou se levar por ela, pelo corpo perfeito dela nem todas as loucuras dela.
“Ou seria as minhas?”
— Deixemos os alienígenas para depois, Senhorita Agente, e também suas risadinhas sarcásticas. As listas de ufologia há muito já haviam falado sobre o ‘Operação Montauk’, ou o que Mona amiga chamava de ‘Controle de mentes’, uma alucinada operação para se viajar no tempo, algo tão complexo como conduzir o ser humano e a sua alma ao ponto zero de referência, para facilitar a viagem no tempo separando a mente do corpo — Sean já previra aquilo; Erianthia nada falou. — “Os espiões psíquicos pensavam e a energia vibracional aumentava... A informação era enviada para uma rede de cristais de energia livre organizados num círculo. Então, qualquer um dos pensamentos era amplificado e num período de tempo, um buraco abria-se no quarto. O buraco tinha entre cinco a seis metros de largura e grande o suficiente para se passar um caminhão através dele”.
— A Operação Montauk não era nada disso. Ele foi desmontado em 1983, depois de um acidente provocado por Duncan Cameron Jr., Sr. Queise.
— As listas dizem que Al Bielek advertiu na época que a desativação pode ter sido uma farsa, que talvez a Operação Montauk talvez ainda estivesse ativa noutro lugar...
— “Noutro lugar”?
— Noutra dimensão, Senhorita, outra dimensão que se choca conosco de tempo em tempos fazendo Terra e anti-Terra, assim como prédios verdes espelhados, irem e virem.
Aquilo a alertou.
— Não somos ‘Montauk’, Sr. Queise.
— Não... São monstros...
— Ehhh... — Erianthia ergueu as costas como quem tenta manter a compostura.
— O que eu fiz durante aquele quase um mês, Senhorita Agente Erianthia?
— Não sabemos, e como percebeu, não conseguimos penetrar seus pensamentos.
— O que? Você se plasma numa morta, plasma um hotel, um helicóptero e um piloto morto há um mês e não consegue penetrar meus pensamentos?
— Sabe disso tão bem quanto nós.
— Sei... Claro... E achou que se transformando em Aagje Papadopoulos ia conseguir arrancar algo de mim? — ele ficou esperando, mas Erianthia não respondeu. — Eu não sei como saí do helicóptero vivo, mas saí vivo da explosão daquele avião, Senhorita Agente Erianthia, e eu gostaria de saber por quê.
— Não fui eu.
— E você pode?
— Sim.
— Deus... — Sean sentiu medo dela. — Mona... — Sean não quis pensar que Mona amiga se recusara a salvar Sandy do tiro fatal, que podia ter evitado a morte dela. — Por que Trevellis teme os alienígenas do cretáceo?
Erianthia percebeu que ele mudara o assunto.
— Já disse que não sei sobre alienígenas...
— Não minta para mim! — exclamou com força. — Você e aqueles monstros naquela sala vermelha fazem algo insano demais, para não acreditar que alienígenas estão envolvidos com isso tudo.
Erianthia se viu na berlinda. Sabia que não podia mais fugir pelo bem dele, dela.
— Os alienígenas o queriam Sr. Queise — e Erianthia pareceu mesmo tirar um peso de suas costas.
— Você e aqueles... — Sean parou sem saber o que ela falara. — O que você disse?
— Eu e Gameliel acreditamos que os alienígenas o tiraram do voo 5674 porque precisam de você vivo tanto quanto a Poliu precisa.
— Você é... — Sean tentou entender, mas realmente era difícil entender.
Deixou-a falar.
— Eu e Gameliel não havíamos divido essas informações com a sala vermelha até hoje. Precisei contar a Phemie o que desconfiávamos.
— Wow! E eu devia perguntar por que passou a acreditar em alienígenas há milésimos de segundos atrás?
— Algo aconteceu, Sr. Queise. Algo aconteceu em 1901 e Mr. Trevellis está desesperado para alcançar essa data através da sala vermelha. E seja lá o que aconteceu em 1901, tem haver com os alienígenas do cretáceo que o salvaram porque precisam de você vivo.
Sean arregalou os olhos azuis até não poder mais. Olhou em volta com medo que ouvissem tudo aquilo e caiu na risada.
— Ah... Senhorita... — e voltou a rir e encará-la. E havia algo em Erianthia, algo que como disse, a milésimos de segundos não estava ali. — Está brincando não?
— Pareço estar?
Sean voltou a rir, olhar para os lados e voltar a olhá-la.
— 1901? O que aconteceu em 1901? — insistiu Sean.
— Não sei...
— Sabe!
— Não sei!
— Sabe!!! — berrou ele.
— Não sei!!! — berrou ela.
— Ahhh!!! — explodiu olhando os poucos que agora ali jantavam, os olhando. — O que aconteceu no voo... O que foi aquilo? Deus... Uma experiência alienígena?
— Não! Sua experiência, Sr. Queise! Está se testando, se desenvolvendo.
— Do que está falando, sua louca? Você acabou de dizer que os alienígenas... — e algo passou por sua cabeça.
De repente tudo pareceu fazer sentido, mas o que tinha sentido em tudo aquilo ali, ele não sabia.
— Entendeu não Sr. Queise?
Ele olhou Erianthia em choque.
— Eu... Eu sabia que ia morrer? Déjà vu?
— Sim. Déjà vu, Sr. Queise. Sabemos o que vai acontecer e desligamos, e então quando acontece nos parece uma sensação de já ter sabido aquilo — ela viu Sean a olhando, sentindo-se muito mal. — Não sei em que momento aconteceu, Sr. Queise, mas você sabia sim. Tem dons para isso. E os alienígenas estavam lá, lhe vendo fazer aquilo, vendo você se testar.
— O Burj Al Arab... Tudo tem haver com o Burj Al Arab... — ele a olhou em choque. — Algo haver com o corredor dourado do Burj Al Arab... — Sean ficou atordoado achando que bebera demais, que talvez os gregos tivessem razão em não beber com o estômago vazio.
Erianthia só o olhou divagar. Ficou com receios que ele descobrisse aquilo antes da hora. Como Oscar, temeu que ele chegasse às respostas antes de formular as perguntas. E se ele o fizesse, então tudo estaria perdido; os espiões, ela, a Terra toda.
Já Sean enfiou o garfo na ervilha captando aquilo; e colocou a ervilha na boca sem sentir muito bem o que mastigava, engolia, consumia.
“Droga!” explodiu dentro dele.
— Por que não posso responder perguntas que não fiz, Senhorita? — Sean estava tão calmo, tão centrado que Erianthia teve medo dele. Algo acontecera rápido dentro dele. — E, por favor... Prive-me de suas ironias e risadinhas sarcásticas, não sou um cínico como Diógenes de Sínope, não saio pelas ruas atrás das verdades que temo.
Erianthia olhou-o, olhou o restaurante, olhou-se. Estava cansada, com dores ainda presas ao seu perispírito, com medo de que tudo aquilo escapasse dela, do controle dela.
Sean aquilo não captou.
— Os alienígenas precisam de você vivo — continuou Erianthia. — E quando os alienígenas desceram o avião no aeroporto desativado, que obviamente foi plasmado por você, você escapou do controle deles.
— Deus... Deus... Deus... Você é tão louca quantos todos os espiões psíquicos da Poliu. Porque também devo ser maluco tendo lembranças de um desastre do qual não participei; participei, mas não participei. Porque eu tenho uma perna esquerda machucada e uma cicatriz no lado direito do rosto pela queda de um helicóptero que nunca estive... Estive, não estive, e estive para deixar de estar.
— Você se machucou de verdade. Na primeira queda com Aagje ao visitarem as zeólitas, no dia seguinte que saiu do Burj Al Arab e veio para a Grécia; e chegando aqui, foi com Aagje Papadopoulos de helicóptero...
— Chega!!! — berrou. — Eu voltei ao Brasil! Kelly não me viu ferido, com cicatrizes de quedas e mais quedas — olhou um lado e outro. — Ela teria visto a cicatriz — tocou-se no rosto. — Teria cuidado de mim...
O salão que se esvaziava parou para olhá-los e Erianthia não esperou mais nenhum berro dele.
— Há lugares que vamos Sr. Queise, quando na quase-morte! Não é céu nem inferno, não é purgatório nem posto de triagem.
— Os oráculos dos mortos ficavam em locais longínquos e de difícil acesso... Entre os rios Aqueronte e Cocito...
— Entre as dimensões, pelas onze dimensões espaço-temporais.
— Spartacus... — Sean ia falar. Desistiu. — Ele me confundiu quando... — a mente de Sean ia fundir. Sentiu a cabeça a ponto de realmente explodir. Erianthia o observava tentando captar tais pensamentos. — É claro! Como fui idiota. São as Equações de Campo de Einstein. O Dr. Nikiforus mentiu para mim, disse que eu estava cansado... Era nisso que meu pai trabalhava, que a Computer Co. trabalhava junto a Syrtys, era nisso que os mainframes da Computer Co. iriam servir Trevellis. Os ataques ao cloud computing eram... Deus... O desgraçado queria me avisar.
— “Avisar”?
— Trevellis queria me avisar sem que Oscar Roldman ou a Polícia Mundial e talvez até a própria Poliu soubesse. Mas me avisar sobre o quê? O que há nos meus mainframes que minha mente bloqueou? Informações sobre oráculos? Sobre alienígenas do cretáceo? Sobre minha morte? — Sean olhou Erianthia Agasias olhando-o com gosto. — Sabe o que ganhamos da ciência durante os séculos do domínio da óptica, Senhorita Agente? Da termodinâmica, onde se encaixa a entropia do tempo? Do eletromagnetismo? Ensinamentos considerando a matéria e a energia como entidades contínuas? Pois Einstein em 1907 equiparou o movimento em queda livre a movimento inercial, para o qual as leis da relatividade especial deveriam ser igualmente válidas, o ‘princípio da equivalência’, prevendo o fenômeno da dilatação gravítica do tempo — riu sem querer rir; confuso, cansado. — De uma energia que armazena energia potencial gravítica, que consiste na energia armazenada nesse corpo como consequência da sua posição; tempo, tempo, tempo — olhou-a. — Era sobre isso que Trevellis queria me avisar... Sobre o tempo... Eu devia ter medo de mim, Senhorita Agente Erianthia, porque na verdade nunca saí de Dubai. O Sean que viajou era o Sean duplo, o Sean que devia viajar, mas eu não estava no voo 5674 que caiu porque me tirei de lá, porque deixei outro de mim lá, fiz apport de mim para outra dimensão e quem viajou foi meu duplo, não?
— Sim, Sr. Queise — foi o que Erianthia completou àquela confusão toda.
Sean arregalou os olhos azuis outra vez.
Erianthia agora não sabia por que.
— Hipócrita! — cerrou os dentes. — Você estava lá!
— “Lá”? — Erianthia riu nervosamente agora sabendo por que. — Seja explícito se vai...
— Vou! Vou odiá-la cada segundo de minha vida, Senhorita Agente Erianthia — Sean se ergueu da cadeira sabendo que Erianthia sentiu dor naquilo. —, porque Nikiforus disse que havia trabalhado para Mr. Trevellis com os espiões psíquicos, que ele era responsável por parar o tempo metaforicamente para Mona e seus pupilos lerem as mentes.
— Você está...
— Estou o quê?! — berrava cada vez mais descontrolado fazendo Erianthia alertar-se para algo, alguém ali.
— Sente-se Sr. Queise!
— Você não manda em mim!
— Sente-se!
— Você sabia onde eu estive esse quase um mês porque estava comigo lá, Senhorita Agente Erianthia, noutra dimensão, com os invertidos, nos saguões do edifício verde espelhado que ia e vinha.
— Sente-se Sr. Queise! Está se excedendo! Já disse que me fiz passar por Aagje Papadopoulos. Que Mr. Trevellis queria saber onde esteve. Já disse que...
— Você estava no edifico comigo! Enterrando-me para dentro de você! E Trevellis não podia saber que fazia aquilo!
— Sente-se!!! — berrou para o restaurante vazio no que todo o restaurante vazio se tomou de labaredas e corpos que gritavam. — Feche isso! Feche... — e parou em pânico. Havia mais que corpos rastejando pelo restaurante. — Eles estão aqui... Eles estão aqui Sr. Queise — arregalou os olhos azuis.
— Sim Senhorita; aos montes, dentro dos espelhos, dentro do edifício verde espelhado onde você me vigiava.
— Feche isso!!! Já disse que não nunca estive em edifício algum. Que só usei sua alma Sr. Queise, e ela não vale muita coisa.
— Você não é gente...
— Você também não! — e Erianthia também arrastou cadeira a fazer um som agudo perpetuar pelo restaurante.
E foi ela quem abandonou o prato inacabado e se dirigiu para fora do restaurante do hotel. Sean ficou lá em choque, querendo morrer o que não permitiram que morresse, o que talvez ele não se permitira morrer. Chamou o metrie ainda em choque e pagou a conta com os documentos que ela lhe devolvera, documentos com que viajara no helicóptero plasmado com a morta Aagje Papadopoulos.
Tudo era muito insano.
Sean saiu de lá sentindo que não conhecia enfim 1% dos mistérios da vida.
Os dois voltaram ao Mosteiro Roussanou em silêncio. Sean se dirigiu para seu quarto em choque, totalmente conectado aos muitos mundos, aos mundos plurais, aos outros dele mesmo. Estava tão triste que não percebeu que dessa vez havia voltado ao mosteiro acompanhado, acompanhado além de Erianthia que não o procurou mais. Sean estava levando o fantasma de Sandy Monroe, que ficou lá em pé, ao lado da cama dele enquanto ele dormia, vestindo um vestido de chiffon branco, manchado pelo sangue que escorria da têmpora ferida, aberta pelo projétil que ali ainda se encontrava.
11
Mosteiro Roussanou, Meteora; Grécia.
05 de novembro; 09h00min.
Quando Sr. Queise acordou Erianthia Agasias estava lá, sentada na cadeira como de costume, a observá-lo. Sean olhou-a. Não acreditou na coragem da agente após tamanha discussão de se sentar à sua frente. Levantou-se e paralisou. Sentiu que todo seu equilíbrio emocional se rompera naquele momento. O fantasma de Sandy Monroe o olhava também.
— Você abriu alguma porta, Sr. Queise — falou Erianthia.
— Tire-a... Tire-a daqui...
— Não fui eu quem a trouxe.
Sean a fuzilou com um olhar.
— Tire-a daqui, Erianthia!!!
— De nada vai adiantar gritar comigo. São seus poderes, Sr. Queise; não meus.
— É esse maldito lugar! São os malditos espiões psíquicos, monstros...
Erianthia levantou-se de supetão:
— Você até pode não se achar um ‘cínico’, Sr. Queise, mesmo sabendo que o é. Mas seu escárnio não me atinge — e o deixou lá no que a porta se abriu e se fechou sem que ela a tocasse.
Ele ficou lá, com a ex-noiva ficando cada vez mais embaçada, com o projétil ainda dependurado em meio ao sangue escuro, fétido. Sean chorou sem saber naquele momento em que monstro ele também se tornara.
Mosteiro Roussanou, Meteora; Grécia.
05 de novembro; 09h30min.
Os espiões psíquicos tomavam o café. Sean entrou com a roupa da noite anterior amassada após o sono pesado e o fantasma de Sandy Monroe ao lado. Ele procurou Erianthia Agasias com um olhar a localizando-a no final da mesa grande, de madeira envelhecida. Erianthia só correu os olhos de lado e os voltou para sua xícara de café, forte, em choque.
Sean lembrou-se dela na cobertura da Computer Co., do beijo, da opulência do corpo usado. Odiou-a. Depois ficou nervoso ao ver que ninguém via o fantasma de Sandy ao seu lado, não com os poderes que tinham. Só o silêncio de Erianthia indicava ao contrário. Ela a via, a via com ele. Ele a odiou outra vez.
Nympha se levantou e parou ao lado dele percebendo a frieza de Erianthia, achando que talvez tivesse uma chance.
— Com fome? — Nympha era toda atenção para com ele. Mas atenção era o que ele não queria naquele momento. — Venha... — ela o empurrou com os ombros. — Hoje temos batatas doces...
Mas Sean não se conformava de ver Sandy ali e ninguém vê-la.
— Bom dia, ‘filho de Oscar’! — Mr. Trevellis se divertia.
Sean se ergueu da cadeira que se sentava, pedindo mesmo que Sandy se materializasse. Mas ela ficou agitada de alguma forma, toda sua imagem se deformou e a lembrança da bela se tornou num horrendo monstro.
“Sandy” Sean sentiu, a culpa pela morte dela.
Ele buscou o olhar de Erianthia que o olhava com interesse. Ambos ficaram imaginando que fora o outro quem fizera aquilo, mas Sean sabia no fundo que não. Mr. Trevellis era a causa da força destruidora dela, da imagem dela; talvez de seu perispírito.
— Eu disse ‘bom dia’ ‘filho de Oscar’! — gargalhava Mr. Trevellis de costas para ele ainda parado de frente aos espiões que o observavam.
— Vai ser Trevellis... — Sean não esperou ele se virar para ele. — Para você! — e tudo se abriu.
As paredes se afastaram uma das outras e os copos, xícaras, pratos e talheres sumiram com a mesa do café da manhã. Mr. Trevellis sentiu que algo provocara aquilo. Virou-se calmamente para Sean que o observava em uma rua escura, úmida, mal iluminada.
— Onde estamos ‘filho de Oscar’?
— Tem razão, Trevellis. Nada como um incentivo para me fazer funcionar.
E tiros atravessaram Mr. Trevellis que caiu ao chão ferido.
— Ahhh... — Mr. Trevellis mal conseguia respirar.
A dor era tão grande que seus olhos esverdeados saltaram da órbita. Toda sua pele jambo, outrora brilhante, perdeu o brilho. Mr. Trevellis do chão, caído, o olhava.
E ambos sentiam o orvalho os molhando.
“Dói Trevellis? A morte lhe provoca dores?” falava um Sean metálico, distante.
Mr. Trevellis queria falar, respirar, sentir os dedos que paralisaram. No chão, o orvalho havia feito poças, ao seu lado o corpo de Fernando Queise caído, sangrando, morrendo.
— Ahhh!!! — Mr. Trevellis voltou ao refeitório com a xícara de café derramando o líquido no chão no que todo seu corpo tremia.
— Mr. Trevellis? — correu Ophelie. — O Senhor está bem?
Mr. Trevellis tremia sem controle. Mal conseguia respirar, voltar a sentir os dedos das mãos.
Olhou Sean furioso e Sean saiu do refeitório sem comer, sob o ódio de Mr. Trevellis e sob fortes olhares de Erianthia, Gameliel, Pallas e Phemie, os mais fortes espiritualmente, que também viram chocados o que ele teve prazer em mostrar ao astuto Mr. Trevellis.
Erianthia foi a única a ir atrás dele.
— Sr. Queise? Sr. Queise? — Erianthia chamou-o mais de uma vez. — Sr. Queise? Como fez aquilo? Como conseguiu levar Mr. Trevellis ao passado e ainda nos mostrar aquilo sem nos levar?
— Não sei do que está falando — e apertou o passo, andando pelo escuro corredor de piso de madeira envelhecida.
Havia tomado a decisão de ir embora dali com ‘1901’ engasgado ou não no tempo dos espiões psíquicos.
— Sabe que não pode ir embora.
— Pare de ler minha mente.
— Sr. Queise, espere. Por favor. Precisa nos ajudar.
— Pare de me seguir! — e Sean estancou a fazendo bater de encontro ao corpo dele.
Seus corpos se concentraram e desconcentraram numa velocidade extraordinária. Sean sentiu uma transferência de energia nunca sentida. Erianthia idem, segundos a se olharem para então Sean retomar o passo.
— Você... Você não… — Erianthia estava paralisada. — Não pode ter conseguido.
— “Conseguido”, o que? O que foi que eu consegui? — Sean andava cada vez mais rápido.
— Você atravessou?
— O espelho? — estancou.
Erianthia outra vez se chocou com ele.
Começava a ficar atordoada.
— Você atravessou o espelho sozinho?! — gritou.
— Hei?! Não te dou o direito de gritar comigo!
— Você enlouqueceu ou o que?
— Do que é que está falando?
— Você atravessou o espelho, Sr. Queise?
— Não! Eu apenas vi dentro dele. Outra dimensão, com estrangeiros, Senhorita Agente Erianthia; alienígenas.
— Alienígenas...
— Alienígenas invertidos.
Erianthia não acreditava no que ele tinha sido capaz.
— Ehhh... Não acredito... Ehhh... Você enxergou num espelho o que levamos cinco anos tentando? Porque nós tentamos Sr. Queise. Tentamos durante cinco anos enxergar os alienígenas, que são nossas cópias invertidas.
Sean estacou sem que dessa vez os dois se chocassem.
— “Nossas cópias invertidas”?
— Eles não têm imagens, Sr. Queise. Usam as nossas.
— “As nossas”?
— Acredite Sr. Queise, não vai querer ver suas imagens originais.
— Deus... Você é insana... — e se virou para voltar ao quarto. — Tudo isso aqui é insano — abria e fechava os braços vendo Erianthia o seguindo, o deixando mais nervoso ainda. — Pare de me seguir!
— Eu vou com você!
— E aonde eu vou, Senhorita? — estancou fazendo bater no seu peito viril.
— Não acho boa ideia continuar fazendo isso, Sr. Queise.
Sean também a desejou. Achou até estar ficando louco. Virou-se agora um pouco mais afetado que antes.
— Droga! — explodiu com as mãos abertas. — Pare de me seguir!
— Já disse que vou com você ver o Dr. Nikiforus!
Sean não parou, nada falou. Só arregalou os olhos. Não conseguia mais fechar sua mente para ela. Algo acontecera naquela viagem, algo que Sean permitiu que eles lessem sua mente.
— Quem viu?
Erianthia tentou entender a perguntar.
— “Viu”?
— Quem viu a rua onde meu pai estava morrendo, Erianthia?
— Eu, Gameliel, Pallas e Phemie.
— E isso me afeta como?
Ela lia seus pensamentos numa velocidade extraordinária.
— O que você fez?
Sean se virou para ela.
— Essa era a minha pergunta, Erianthia.
— Não sei. Desbloqueou-nos de alguma forma.
— Droga! Eles vão saber que eu saí daqui?
— Vão!
— Nympha também?
— Sim.
De Nympha Sean tinha medo.
— E vão saber tudo o que penso?
— Vão!
— Droga! — teve medo de falar o que pensou, teve medo até de pensar. — Posso?
— Sim...
Sean sentiu medo dela. Havia pedido para ficar sozinho, se trocar, reunir o pouco de documentos que ela devolvera do acidente do helicóptero que não teve. Erianthia parou no corredor, deu meia volta e foi se trocar, tentar fazer alguns contatos adormecidos naqueles últimos anos. Tinha que ter apoio para saírem dali, para desafiar o poder de Mr. Trevellis e a Poliu.
Sean abriu a porta do quarto e Sandy Monroe estava lá.
— Deus... — ele não sabia como prosseguir. Deu um passo atrás e viu o corredor vazio, deu um passo adiante, entrou e fechou a porta, ficado ali escorado nela, com medo de entrar no quarto, enfrentar a noiva morta. Mas ela estava diferente, não havia mais sangue no vestido de chiffon branco nem no rosto iluminado que lhe sorria. De alguma forma Sandy não parecia estar sofrendo naquele momento. — Perdão... — foi só o que conseguir falar.
“Venha meu amor...” ela esticou uma mão elétrica, iluminada como ela.
Sean abaixou a guarda.
— Perdão Sandy... Eu te amava tanto.
“Eu sei meu amor” e Sandy o puxava, para cada vez mais perto da cama.
— Sandy...
“Não! Sente-se meu amor... Deixe-me sentir seu cheiro...”, e Sandy cheirou Sean, todo seu rosto, seu pescoço, seu tórax viril no que ela desabotoava a camisa, a afastava, a mordia, o lambia.
— Sandy?
“Não Sean... Não...” — e Sandy tornava-se atrevida, como o era quando viva.
Sean sentiu-se nonsense, ele via mortos, conversava com eles, permitia ser tocado. E as mãos de Sandy tornavam cada vez mais elétricas no que ela deitou Sean e se deitou sobre ele.
— Não Sandy... — Sean recuou. Havia algo errado ali, no peso dela, na mão que abria suas calças, que o deixava nu, exposto à boca que o engoliu. — Ahhh... Não Sandy... Não... O que está fazendo?
“Ah! Sean... Como eu esperei por isso”.
E Sean viu o corpo nu da noiva morta, o corpo que se movia freneticamente, que Sean enterrou.
— Ahhh... Sandy... Isso é insano... Insano... — e Sean viu Sandy sorrir satisfeita pelo sexo quente, pelo corpo perfeito e quente, pelo ato libidinoso, compassado dele entrando e saindo dela, do corpo da noiva que o amava ao lado da noiva morta que os observava. — Sandy?! — Sean gritou no que se arrancou de dentro dela, e o cabelo dela escureceu, seus seios ficaram rígidos, tomados de uma cor ainda não vista por ele, e meio braço curto desde a nascença apareceu. — Nympha? Ahhh... Nympha? — e Sean viu Erianthia adentrar violentamente o quarto, o vendo nu com Nympha nua na cama dele, e Sean de olhos arregalados para a noiva em pé, com sangue escorrendo da têmpora. — Não é o que está pensando... — foi só o que falou para Erianthia ainda parada na porta dele.
Erianthia então abriu a porta em toda sua totalidade e ficou lá, ereta, rígida, dando uma ordem a Nympha que a captou. Nympha deu então uma gargalhada metálica e se aproximou para beijar Sean que recuou, escondido por mãos trêmulas, que nunca tinha visto tal paranormalidade capaz de se fazer passar por outra pessoa, com todas as memórias de outra pessoa.
Sean abaixou os olhos e ambas saíram. Sean levantou os olhos e Sandy sumira.
Sean chorou.
Mas não ficou com muito tempo para remoer nada, estava pronto e vestido em apenas três minutos, tentando imaginar se Erianthia ainda iria ajudá-lo a sair dali, quando foi a vez de Gameliel abrir a porta do quarto, entrar e trancar a porta por detrás dele.
— Você é uma plasmagem?
— Sou o quê?
Sean girou os olhos totalmente descontrolado com o que houvera.
— O que faz aqui Zenon?
— Sabe que meu nome é Gameliel.
— É! Fiquei sabendo depois.
Gameliel viu que a conversa não ia ser das mais fáceis.
— Não vai magoá-la, vai?
— Como é que é? — Sean sabia que ele lia sua mente agora. Resolveu não mentir. — Não... Não vou. Acho que não vou.
Gameliel abaixou a cabeça olhando o chão.
— Menos mal...
Sean só o olhou. Odiou-se por ele não ter como ler a mente deles.
— O piloto era você, não Gameliel?
Ele o olhou lendo sua mente.
— Na plasmagem do helicóptero? Não. Zenon estava morto. O que viu foram ecos do passado, Sr. Queise.
Sean não soube o que falar; se tocou no rosto. Havia uma cicatriz no lado direito provocada pela queda do helicóptero que não caiu. Realmente não entendia aquilo.
— Ele tinha vermes nos orifícios — Sean caiu sentando na cama. — Como conseguiram plasmar?
— Já disse que não plasmei nada. Aquele era o corpo morto de Zenon. E foi ideia de Erianthia me fazer passar por Zenon Kanapokolo no Burj Al Arab.
— Não quero saber como conseguiu se fazer passar por Zenon Kanapokolo — Sean cortou sua fala. — Quero saber como Erianthia e você plasmaram o Burj Al Arab.
Gameliel não soube o que responder.
— Não sei...
— Consegue ler minha mente, Gameliel?
— Há... Há algumas coisas que ainda tem força para bloquear.
Sean gostou de ouvir aquilo.
— Quero saber por que Erianthia disse que precisam de cinco mentalizando na sala vermelha e um viajando, se ela viajou com você ao Burj Al Arab? Quem mais estava mentalizando na sala vermelha, Gameliel, para que você pudesse ter ido viajar? — Sean olhou-o e Gameliel quase ruiu. — Porque sei que Phemie anda doente, que não conseguiu viajar naquele dia.
— Quem… quem…
— Nympha!
— Ela lhe contou?
— Ela deixou escapar.
— Mas quando…
— Isso não interessa. Quem era a quinta mentalizando naquele dia Gameliel? — e agora Sean não viu um único músculo se mover no rosto dele. — Eu sei que Mona amiga não faria aquilo, então quem mais mentalizava, Gameliel?
— Baco, Nympha, Ophelie, Phemie, e Pallas.
— Não minta para mim Gameliel! — se enervou. — Vocês precisam de cinco e Phemie não estava lá. — Sean viu Gameliel se assustar. — Quem mais mentaliza?
— Baco, Nympha, Ophelie, Phemie e Pallas.
— Gameliel… Não abuse de minha paciência porque sei que Trevellis não tem dons paranormais ou não poderia estar no comando da Poliu, que proíbe ‘dons’ de assumir algo. Então vou perguntar outra… — e Sean parou com algo explodindo dentro dele. — Deus… Ela pode mentalizar e viajar ao mesmo tempo? Como eu fiz agora a pouco?
— Erianthia não tem muita força, sozinha. Ela precisa ir toda.
Sean teve medo dela, de Gameliel, dele próprio.
— “Ir toda”? Mas se ela vai toda então quem mais... — cerrou os olhos azuis. — Vá embora! — apontou para a porta com medo de ouvir a resposta.
Gameliel permaneceu parado.
— Não vai machucá-la, vai? Porque todos nós temos buracos no coração, Sr. Queise.
Sean o olhou sem entender.
— “Buracos”?
— Erianthia perdeu o marido e a filhinha de seis meses num acidente de carro, cinco anos atrás. O carro foi totalmente destruído debaixo de um caminhão, mas ela não sofreu um único arranhão. Ela nunca se perdoou.
Sean só o olhou.
— “Cinco anos”? Ela disse que tentam há cinco anos... Então ela havia parado de trabalhar antes do acidente?
— Sim.
— Como aconteceu?
— Antes de contar preciso perguntar algo.
Sean girou os olhos.
— O que quer saber?
— Sabe que podemos bloquear nossos pensamentos, não Sr. Queise?
— Sim... Vocês podem...
— Já percebeu que liberou os seus? Foi por que abriu os portais para Mr. Trevellis?
— Não sei Gameliel... Talvez...
Gameliel ficou a pensar algo e Sean irritar-se com a demora daqueles pensamentos.
— Então sabe que não podemos ler as mentes dos outros espiões. Então percebe que não podemos ao certo saber o que houve porque Erianthia não fala muito. Que ela foi trazida na época de Mona Foad para integrar a equipe. Que somos muitos jovens e...
— Basta Gameliel! Seja mais específico, por favor.
— Sabe que temos nossas habilidades psíquicas adquiridas ainda na infância?
— Sei... Ainda na infância... — Sean não quis entrar naquela questão.
— Então é porque sabe que fomos crianças ‘problemas’, às vezes tratadas como esquizofrênicas, e que sofremos muito, Sr. Queise — Gameliel se virou para sair e voltou vendo que Sean também sofria, que muitas vezes se achou aquilo mesmo, um problema a seu pai, que lhe aceitou. — Erianthia era alcoólatra desde a adolescência por causa de um pai omisso, só preocupado com sua irmã Aagje.
Sean mal teve tempo de arregalar os olhos.
— Aagje... Erianthia e Aagje eram irmãs?
— Gêmeas!
— Eu não sabia que Syrtys Papadopoulos... — Sean caiu sentado. — Ele nunca permitiu que... — olhou Gameliel em choque. — Por isso as joias e a opulência. Ela tinha acesso ao iate e as joias...
Gameliel esperou Sean terminar suas divagações e prosseguiu:
— Erianthia fora rejeitada por Syrtys Papadopoulos por causa de seus dons; drogas, álcool e inúmeras tentativas de suicídio faziam parte da vida dela até conhecer seu marido, um agente da Poliu; agente Rupert Agasias.
— Agasias… — repetiu mecanicamente.
— Erianthia foi trazida para cá e seu desenvolvimento ajudou-a a superar as crises e eles se casaram — Gameliel prosseguiu sem perceber as duvidas de Sr. Queise. — Após o nascimento da filhinha deles, Erianthia voltou a piorar, a sair de si, perder o rumo, ficar dias desaparecida.
— Deus... — Sean arregalou os olhos azuis, entendeu como Syrtys conhecia seu pai, através da Poliu, através de Mona, através dos espiões psíquicos, através de muita coisa que os levavam à sala vermelha, criada para controlar filhos problemas.
— Depois da morte de seu marido e filha, Erianthia havia desaparecido. Mas quando voltou para o mosteiro, Erianthia passava horas se concentrando, viajando, em busca deles, para pedir-lhes perdão... — e Gameliel parou vendo que Sean também tinha ‘buracos’ — Gameliel voltou a abrir a porta e tirar Sean de seus pensamentos. — Se for fazer algo por Erianthia, os procure Sr. Queise; permita que ela peça perdão aos quatro — e Gameliel saiu de vez.
Mosteiro Roussanou, Meteora; Grécia.
05 de novembro; 11h11min.
Quando Mr. Trevellis invadiu o quarto dele com três agentes armados e Nympha em sua cola, Sean Queise já havia desaparecido. Mr. Trevellis fuzilou Nympha que tinha certeza que os pensamentos dele ainda estavam ali. Fora Erianthia quem deixou os pensamentos deles ali plasmados, para poderem ter tempo de fugir; ela realmente controlava mais que o tempo.
Vilarejo de Imerovigli, Santorini; Grécia.
05 de novembro; 11h11min.
Erianthia Papadopoulos Agasias e Sean Queise conseguiram com um amigo dela um helicóptero de verdade, que os levara para Santorini, Vilarejo de Imerovigli. Conseguiram roupas e dinheiro com outro amigo e depois alugaram um carro ainda com ajuda de outro amigo da agente, e Sean não quis saber mais nada. Estava enciumado dela ter sido casada, de ainda os procurar, e de ter tantos amigos disponíveis.
Ele ainda viu o Astra Hotel ao passarem por ele, e Erianthia gostou de vê-lo lembrando-se de Aagje, dela; não entendeu se das duas. Ela sabia que Gameliel contara sobre seu passado, ficou satisfeita em vê-lo com ciúme, porque odiou Nympha e aquele atrevimento. Quando ambos chegaram a uma casa na estrada de Thira, no alto do Vilarejo de Imerovigli, Sean desceu do carro percebendo que Erianthia lutava para afastar os pensamentos dele dos espiões psíquicos. Sean também percebeu que a porta foi aberta no que ameaçou tocar a campainha.
Olhou Erianthia o olhando.
— Ele sabe que estamos aqui — foi o que respondeu à pergunta que ele não fez. Sean entrou seguida dela que fechou a porta ao passarem. Numa sala escura, logo à entrada, um homem estava sentando numa cadeira de tecido velho, com pontas rasgadas, morto.
— Deus… — Sean impactou com aquilo.
Virou-se para Erianthia.
— Não tinha como explicar para você.
— Deus... — Sean olhou Nikiforus morto, olhou-a e voltou a olhar Nikiforus morto. — Quando... Quando...
— Já tem um tempo.
— O que? — olhou-o. — Quanto tempo?
— Não sei. Não sou médica.
Sean se virou para ela furioso.
— Por que não me disse que Nikiforus estava morto? Por que me deixou vir aqui Senhorita Agente Erianthia?
— Ninguém sabe que ele morreu Sr. Queise.
— Mas você sabia.
— Eu não tinha como falar para você. Já disse. Não consigo descobrir como ele morreu.
Sean se aproximou do corpo gelado do Doutor.
— Deus... E agora?
— Agora faça o que viemos fazer aqui.
Sean se ergueu do lado do corpo que azulava rapidamente achando não ter escutado direito.
— Como é que é?
— Conversa com os mortos, não Sr. Queise?
Sean arregalou os olhos azuis.
— Como é que é?!
— Eu disse para perguntar a ele o quer saber! — Erianthia se enervou apontando o cadáver.
Sean olhou o cadáver apontado, olhou Erianthia e olhou o cadáver de Nikiforus outra vez.
— Está brincando, não?
— Sente-se Sr. Queise. Sem tocar em nada ou suas digitais estarão no boletim policial expedido daqui a duas horas.
Sean ergueu o sobrolho mais ainda.
— Claro, Alice, o mensageiro que está preso terá seu julgamento quarta passada e o crime, obviamente, virá por último.
Erianthia não gostou da brincadeira. Sentou-se esperando ele fazer a parte dele, para então olhar Sean olhando algo apavorado. Ela virou para trás por extinto. Os espelhos da sala estavam todos pintados de tinta preta. Ela se virou para Sean e o viu procurando mais espelhos, encontrando o da sala e o do corredor, também pintados por tinta preta espessa.
— Por que ele fez isso, Sr. Queise?
Sean não sabia se queria saber.
— Não sei, Senhorita. Quem sabe se você me explicar eu lhe respondo?
Ela o olhou de supetão.
— Acha que sei?
— Acho que sabe de muita coisa, não? — Sean olhou o corpo azulado de Nikiforus Theodorákis.
— Já disse que não sei como ele morreu nem por que pinta seus espelhos de preto — Erianthia voltou a sentar-se esperando ele falar com o morto. Sean girou os olhos. — Ehhh!!! Está bem! — berrou Erianthia. — O Dr. Moody dizia que os melhores materiais para a visualização dos mortos pareciam ser os espelhos, especialmente espelhos refletidos em outros espelhos porque aparecem invertidos e confundem nossas percepções normais. Os espelhos escuros são úteis também porque refletem somente aquilo que está em sua total profundidade.
— Você sabia sobre os psychomanteum...
— Ele tinha medo de vê-los — Erianthia voltou a apontar o cadáver.
— “Vê-los”? Quem Nikiforus via nos espelhos? Os invertidos?
— Alienígenas! Ele publicou sobre eles no numero 11 do seu jornal maluco.
— Deus... Por que não me falou isso?
— E o que ia acrescentar?
— Talvez evitasse muitas coisas.
— Estranho que sua lista de ufologia nunca tenha dito sobre isso — ela viu Sean escorregar-lhe um olhar de lado. — Ehhh... Ela pediu-lhe para você não mais participar, não?
— Não fale dela. Kelly é importante para mim.
— Ela manda em você. Como sua mãe.
— Cale-se! — Sean viu Erianthia rir e cruzar as pernas no sofá da sala escura onde Nikiforus ‘aguardava’ a sessão. Olhou-a em choque com tudo aquilo. — O que pensa que está fazendo?
— Esperando você se comunicar com ele — Erianthia apontou Nikiforus. — Ou ainda não disse que os policiais serão avisados sobre um cadáver que cheira? — olhou o celular. — Daqui à uma hora e cinquenta e um minutos?
Sean girou os olhos nervoso.
— O que dizia o jornal número 11?
— Sinto muito! Não tenho memória fotográfica, Sr. Queise. Pergunte a ele — apontou-o de novo.
— Pare de apontar para ele, está bem? Está me dando nos nervos estar aqui falando com um morto e uma morta — e Sean a viu o olhando de uma maneira que não traduziu. — Não pense que já não passou pela minha cabeça, Senhorita Agente.
Ela riu sarcástica.
— Querendo se livrar de mim, Sr. Queise?
— Não me dê chances...
— Ehhh... — ela engoliu o sarcasmo.
Sean se aproximou do cadáver tomando coragem. Sentou-se no sofá à frente dele, a olhar os olhos esbugalhados de Nikiforus. Voltou a levantar-se e os abaixou sentindo a pele fria, rígida. Lembrou-se do pai, de Sandy, de como doía tais perdas. E Sean levantou-se pegando alguns objetos da decoração e os colocando em cima da mesa de centro, voltadas para Nikiforus.
Depois viu Erianthia só o observando.
— O quê? Imagino que se você irá tentar contatar um ente querido em espírito, a área do Psychomanteum deve ter ao menos alguns objetos... — e parou. — As fotos e os objetos especiais que foram frequentemente usados ou tiveram um significado especial para esta pessoa, são especialmente úteis para...
— Está bem Sr. Queise! — ela ergueu uma mão e ele parou. — Vamos ao que interessa — apontou o cadáver outra vez.
Sean não gostou daquilo.
— Deus... Mona dizia que a comunicação com os outros mundos, todos eles, se davam no inconsciente, que estava enraizado na nossa mente desde os primeiros homens evolutivos, desde os pré-históricos, que provável, era assim que se comunicavam. Nós é que perdemos a técnica durante a evolução.
— E ela está lá, Sr. Queise, as respostas estão em algum lugar da nossa mente. Mentalmente expressamos o contato com o ‘outro mundo’ e formulamos as perguntas. Quem pergunta exercita seu inconsciente e este exercício se transforma numa mensagem, que requer uma resposta por parte do próprio inconsciente. Acredite, há comunicações com os mortos, que ficam registradas no éter...
Sean a olhou com interesse.
— Já tentou?
Erianthia olhou-o nervosa.
— Não...
— Por quê?
— Não vou falar sobre isso, Sr. Queise.
— Ótimo! E vamos falar sobre o que?
— Sobre o quê, não. Sobre quem... — e Erianthia voltou a apontar o cadáver azulado de Nikiforus Theodorákis. Sean olhou em volta e viu que o dia raiava para então anoitecer e raiar de novo. Ergueu-se em choque e olhou o relógio da parede que girava ao contrário; e o Sol se pôs e voltou e se recolher para se por e se recolher, e voltar a nascer. Sean impactou ao ver Nikiforus levantar-se da cadeira, andar de um lado a outro de ré, sentar-se e levantar; e comer e voltar a comida no prato. — Estamos recuando no tempo... — falou Erianthia ao seu lado.
Sean teve medo do que ela fazia, e o Dr. Nikiforus ia e vinha fazendo tudo ao contrário, de traz para frente, voltando no tempo até que sentou na poltrona usando a roupa em que o visitara na church, na madrugada do dia 29 de outubro.
Nikiforus então se virou para ele e falou com uma voz rouca, quase inaudível.
— Ahhh... — Sean impactou, mas não conseguiu ouvi-lo.
— Se concentre Sr. Queise — Erianthia o olhava com calma. Sean teve vontade de se levantar, sumir dali, largar toda aquela insanidade, mas algo lhe brecava. — Vamos Sr. Queise. Emissão de socorro é selo de culpa.
Sean arregalou os olhos azuis para ela não gostando daquilo. Ele não era culpado da morte de Nikiforus.
“Ou era?”, olhou Nikiforus ainda falando baixinho.
Sean se concentrou e o som se firmou.
— Tempo... Rápido... Dor... Fantasmas... Penas... — soava da boca de Nikiforus.
Sean sentiu-se tonto, sentindo que havia alguém mais ali. Talvez a alma de Nikiforus.
Teve medo de desabar.
“Se concentre em Nikiforus...” soou da boca de uma Erianthia metálica.
E Sean se concentrou.
— Pois bem... — Nikiforus se virou para Sean.
— Ahhh! — Sean viu que agora Nikiforus o olhava, sentindo-se insano em meio a tudo aquilo.
— A coisa ficou assim... Quando o planeta estava se formando, após a explosão de Tiamat, Sr. Queise, chegaram aqui alienígenas; viajantes, pesquisadores, mercenários... Eu não sei o que eram, mas trouxeram seus animais de estimação.
— “Estimação”?
— Sim. E aqui se instalaram, numa Terra primitiva, talvez parecida com o planeta deles. Não sei por quais cargas da água eles não voltaram, ou não conseguiram voltar, mas com o passar do tempo foram ficando cada vez mais atrevidos e copulando com os animais que por aqui viviam, e que também copularam com os que trouxeram, surgindo e se transformando em monstros, alguns sobrevivendo a muitas catástrofes... — parou de falar. Sean escorregou os olhos para Erianthia achando que ele era o maluco perturbado que ela havia lhe dito, mas a voz de Nikiforus voltou a se fazer. — E a coisa ficou assim... Através da evolução tão bem explicada por Charles Darwin o homem macaco chegou ao homem como conhecemos, após tantas cópulas com os alienígenas. O que nos remete a ‘somos a imagem e semelhança dos deuses’, dos deuses alienígenas, Sr. Queise?
— Wow! — Sean arregalou os olhos azuis.
— Não, Sr. Queise. Não sou maluco. Como também não é e não gosta de ser chamado assim.
Sean parou e olhou para Erianthia o olhando. Ficou na duvida se ouvia aquilo ou apenas imaginava. Ela apontou para Nikiforus e Sean se virou para ele outra vez.
— Prossiga! — foi o que Sean exclamou.
Nikiforus prosseguiu:
— Pois bem... A coisa ficou assim... Os homens começaram a se desenvolver, agora com a fórmula certa e ameaçaram os alienígenas que não sei por que não saíram daqui, e ainda tiveram que se esconder dos humanos, que digamos, ficaram uma mercadoria melhor que eles.
— Invertidos?
— Não, Sr. Queise. Originais. Nós somos os invertidos deles e convenhamos, ficamos melhor que eles.
— Você deve estar brincando...
— Já olhou dentro do espelho, não Sean? — Nikiforus viu Sean o observar. — Os viu, não Sean? Os originais de nós invertidos? — perguntava Nikiforus.
— Está dizendo que os alienígenas são os originais do espelho, invertidos de nós invertidos deles? Vamos lá, Dr. Nikiforus me dê mais que isso.
Nikiforus ergueu-se da cadeira e começou a andar e comer, e arrumar a sala tudo em marcha ré, para trás, vivo. Sean escorregou os olhos para Erianthia e a viu o olhando.
Ela voltava mais ainda no tempo.
— Pois bem... A coisa ficou assim — Nikiforus voltou a se sentar e falar. — Em 1901 um empregado das patentes começou a roubar informações de Albert Einstein. Ele descobriu algo anos depois, alguma coisa que talvez Einstein não tenha conseguido.
— O que?
— Uma maneira de tirá-los do espelho através do tempo, da entropia do tempo.
— E então...
— Então desde 1901, às vezes, eles escapam.
— ‘Escapam’ do espelho?
— Sim, provocando desgraças pelo mundo.
Sean se virou para Erianthia e viu o espelho.
— Erianthia...
Ela se virou e viu o reflexo de Nikiforus nele para depois ver seu reflexo e o de Sean. Erianthia se virou para Sean em choque.
Os ‘invertidos’ originais estavam lá.
— Não que precisamos dos invertidos para nos destruir, não é? — Nikiforus recomeçou a falar.
— É... — Sean olhava Erianthia assustada. — Dr. Nikiforus... — se virou para ele. — O que afinal Trevellis, meu pai e Syrtys faziam?
— Tentavam criar energia para os foguetes, naves, UFOs, o que seja, pudesse levá-los de volta.
— Mas eles não foram embora ou meu pai não conseguiu?
— Eles até tentaram, mas os alienígenas descobriram você e seus dons paranormais, e perceberam que havia uma maneira toda nova de voltar ao seu planeta animalesco como a Terra que encontraram aqui.
— Que maneira?
— Não sabemos.
— Mas Trevellis pretendia mandá-los embora, não?
— Não!
— “Não”? Por que Trevellis não quer se livrar dos alienígenas? — Sean olhou Erianthia.
Ela só balançou o ombro e foi Nikiforus quem respondeu:
— Não sei dizer...
Sean achou que aquilo soou falso, vindo de um Nikiforus morto ou não.
— Está bem. Então Trevellis não quer se livrar dos alienígenas porque fez um acordo com eles?
— Não sei dizer...
— Mas se não for isso, se Trevellis não... — Sean ficou confuso. — Trevellis quis me avisar sobre o tempo, sobre a entropia do tempo. Então é porque precisa dos alienígenas para algo... — Sean olhou Nikiforus. — Me diga Doutor... Como acha que os alienígenas fariam isso? Como iriam embora nessa ‘maneira toda nova’?
— Já disse; não sei. Achamos inicialmente que seria viajando. É isso que os malucos de Mr. Trevellis fazem.
— “Achamos”? Quem ‘achamos’?
— Seu pai e eu.
Sean quis saber qual deles. Teve medo de perguntar.
— Você disse “fazem”? Os que os ‘malucos fazem’? Viajam pelo tempo?
— É uma possibilidade.
— Como Erianthia Agasias plasmando Aagje Papadopoulos? — olhou-a o olhando.
Ela só sorriu-lhe cínica.
— Então você a conheceu? — Nikiforus percebeu algo que não via, mas viu Sean Queise se virar assustado para ele. — Eu a vi na church com aquele seu velcro Gameliel, mas percebi pelas roupas que usava que ela se passava por sua irmã Aagje.
— Por que não me disse?
— Sr. Queise... Não imagina o quanto tento não me meter com Erianthia Agasias. Além do mais Aagje Papadopoulos e Zenon Kanapokolo já estavam mortos pelos alienígenas.
Sean o olhou arregalado.
— Mortos... — Sean sentiu-se mal. — Mortos pelos...
— Então, como disse, quando vi Erianthia Agasias nas roupas de Aagje Papadopoulos, que convenhamos, só podia ser coisa da cabeça de Trevellis fazer aquilo… — Nikiforus prosseguiu sem ouvi-lo. — Imaginei que não devia me meter com aquilo, porque Trevellis queria saber o que tinha na sua cabeça para fazer os alienígenas desistir de viajar.
— Na minha cabeça? Como assim? Os alienígenas desistiram de viajar por que havia algo na minha cabeça? Uma ideia?
— Não sei...
— Trevellis acha que a resposta está no ‘quase um mês’ em que sumi?
— Exato!
— E o que tem na minha cabeça para que os alienígenas desistissem da energia dos UFOs?
— Algo que domina Sr. Queise, algo que passou a dominar. Viajando para frente e para trás; talvez tanto para trás, para trás o suficiente para refazer algo.
— Deus... Eu refiz algo?
— E é esse algo que refaz, que a sala vermelha refaz, que os alienígenas também querem refazer.
“Consertar erros...”; soou a voz da bela Kelly Garcia em seus pensamentos naquele instante.
— E vão viajar como? Em alguma fenda espaço-temporal de Al Bielek suponho?
— Não. Pela outra dimensão, uma que vem custando muito dinheiro da Poliu.
“Pela outra dimensão?”, Sean queria ter realmente entendido aquilo.
— Então como... Deus... Você disse sobre um cara que descobriu algo que Einstein não descobriu... — Sean olhava o infinito para então se virar para Erianthia. — As setas do tempo! — Sean voltou a olhar Erianthia o olhando com interesse. — A sala vermelha vai mirar 1901 para tentar pegar o cara que permitiu os alienígenas mudarem de ideia, não? Que os fizeram mudar de ideia porque alguém viu que eu teria ideias na cabeça no futuro. Isso é nonsense. Nada pode alterar o passado.
— Agora sei o que Mr. Trevellis teme tanto em você Sean. E o que seu pai Fernando tanto admirava — Nikiforus viu Sean o olhar. — Sua inteligência, Sean. E os dons paranormais da família de Oscar Roldman.
Sean sentiu-se outra vez a ponto de desabar. Erianthia teve que usar de toda sua força espiritual para manter Sean ali, conectado.
— Volte Sr. Queise! Concentre-se! — ordenou ela.
Sean achava difícil.
— E... Eu deveria perguntar outra vez ‘como’, não? — Sean ainda conseguiu perguntar a Nikiforus observando Erianthia lhe ajudando.
— Não é “como”? É ‘como’! Já tentamos de tudo e não conseguimos... E você faz brincando.
Sean o olhou de uma maneira vaga. ‘Brincando’ na era bem a expressão correta.
— A sala vermelha e os cinco. Por que cinco se... — e Sean viu Nikiforus se levantar e acelerar para frente. — Não faça isso!!! — gritou com Erianthia.
— Não sou eu! — exclamou Erianthia em seu total controle.
E Nikiforus, a noite, o dia, a alimentação, o vai e vem, tudo corria rapidamente. Nikiforus voltava para o futuro.
— Já disse para parar!!!
— Não grite comigo! Já disse que não sou eu! — perdendo o tal controle.
Sirenes e gritos vieram de todos os lados. Sean ergueu-se do sofá em choque olhando Nikiforus morto, azulado sob forte movimentação de policiais entrando e saindo da sala, recolhendo digitais, passando luminol em tudo; e Sean e Erianthia estavam ali, no meio deles, sem que eles os vissem ali.
— Como... — Sean só esboçou aquela palavra e desabou.
Erianthia Papadopoulos Agasias havia usado toda sua força para que o tempo não permitisse que fossem vistos.
12
Vilarejo de Imerovigli, Santorini; Grécia.
07 de novembro; 07h07min.
Sean acordou assustado no mesmo quarto do Astra Hotel. Estava nu, enrolado pelos lençóis macios. Lá, no canto esquerdo, o espelho uma vez atravessado, na mesa o notebook ligado, no armário as roupas passadas; na varanda o dia raiava.
O tilintar de copos e xícaras fizeram seu coração disparar. Ele olhou em volta segurando o lençol, aturdido, confuso.
— Acordou? — soou uma voz feminina lá de fora. Sean teve medo de sair e ver Aagje Papadopoulos o esperando para o café. O medo de que tudo aquilo tivesse sido um sonho tomou-lhe por completo. Andou poucos passos e encarou a mesa colocada para dois; na mesa chá de frutas, geleia de todas as cores e sabores, sucos dos mais diversos e finos doces açucarados enrolados nos guardanapos de linho. — Gosta de dormir nu, Sr. Queise? — provocou-o.
Ele respirou pesado e pesado sentou-se na cadeira sabendo que aquela era Erianthia Agasias e que ela o despira mais uma vez.
Começava a desgostar daquilo.
— Por que fez isso?
— Tirar-lhe a roupa?
Sean sentiu mal.
— Trazer-me para o Astra Hotel.
— Para onde eu o traria? É o hotel mais próximo.
— A mesa... — Sean olhou em volta. — A mesa é a mesma.
Erianthia o olhou.
— Impressão sua.
— A mesa é a mesma!!! — gritou apontando para a mesa colocada.
— Não grite...
— O que você fez?!
— Eu não fiz nada.
— Você voltou no tempo? — Sean ergueu-se nervoso. — É a mesma imagem?
— Santorini sempre a tem.
— Cale-se!!! — berrou nervoso, suando. — Me trouxe para o mesmo dia em que acordei... Deus... Quando voltei de Londres? Ontem?
— Eu não sei...
— Ontem?! Diga!!! Você voltou o tempo?! — ele viu Erianthia só o olhar. — Desgraçada! Você voltou o tempo... Eu já fui ao mosteiro?
— Você deve estar mesmo muito ruim.
— Eu já fui ao mosteiro?! Depois que derrubou o maldito helicóptero plasmado fingindo ser Aagje, sua irmã gêmea? — Sean mal conseguia respirar. Tocou-se, a cicatriz do lado direito de seu rosto estava lá. — Isso quer dizer que Nikiforus está vivo?
— Sr. Queise...
— Nikiforus Theodorákis está vivo?!
— Não!!! — berrou também. — Já disse que ele morreu logo após você tê-lo encontrado na church.
— Ahhh!!! — Sean mergulhou a cabeça nas mãos. — Por que faz isso comigo? Por que me... — e parou quando entendeu algo. — Você gosta daqui; por quê?
Erianthia não gostou daquilo. Ele a invadiu de alguma forma.
— Não sei do que está falando.
— Passou sua lua de mel aqui — disparou.
Erianthia não teve tempo de se recuperar, ergueu-se furiosa da cadeira.
— O que pensa que está fazendo?
Sean olhou-a sem saber o que fez.
— Você morava em Santorini quando o agente Rupert veio trabalhar no mosteiro. Vocês se conheceram aqui nesse hotel, nesse quarto; quando ele se hospedou nesse quarto. Você quis passar sua lua de mel aqui nesse quarto — se aproximou mais dela na mesa com o dorso nu, enrolado no lençol como antes fizera. — E você e esse quarto estão conectados de alguma forma.
— Cale-se você!
— Por que armou aquela baboseira toda aqui? É por isso que consegue ir e voltar no tempo?
— Mandei se calar! — Erianthia ergueu o sobrolho a quase fazer os olhos saltarem das órbitas. — Ninguém... — engoliu a seco. — Nunca...
— Ninguém nunca soube?
— Você... — ela arregalou os olhos. — Você está lendo minha mente, Sr. Queise?! — vociferou.
— Lendo sua alma... Que não vale muita coisa...
Ela não acreditou naquilo. Sean fizera algo. Algo fizera Sean fazer aquilo.
“O quase um mês?”, se perguntou em pensamento.
Sean só a olhou.
— Rupert era... Era... — Erianthia não conseguiu falar.
— O melhor agente de Trevellis.
Ela o fuzilou com um olhar a fazer os olhos azuis ficarem mais azuis ainda.
— Especial Sr. Queise! Para mim!
Sean olhou para os lados nervoso. Nem a beleza da ilha de Santorini o fazia acalmar.
— Por que eu disse a Gyrimias que era provável que o agente da Poliu foi morto porque sabia onde os alienígenas estavam?
— Como é que é?
— Por quê?! Por quê?!— berrou descontrolado. — E como os policiais chegaram ao corpo morto de Nikiforus se nós ainda estávamos lá?!
— Incrível o que o tempo faz não Sr. Queise?
— Mexeu no tempo para que nós ainda pudéssemos ver a chegada dos policiais minutos depois que saímos?
— Ehhh!
— E quer me convencer que não mexeu no tempo para me trazer aqui, Senhorita Agente Erianthia? E quer me convencer que não mexeu no tempo que fez Nikiforus ‘voltar a morrer’, Senhorita Agente Erianthia?! E quer me convencer que eu não fiz algo indo ao Brasil falar para Gyrimias, algo que eu não podia saber a menos que não mexesse... Não mexesse... No tempo?! — berrou a fazer a saliva espumar.
— Ehhh!!! — gritou para toda ilha ouvir.
E muitos ouviram.
— Deus... Nós somos insanos!
— Obrigada, Sr. Queise. Sabe como ninguém como é gentil quando as pessoas nos chamam assim.
Sean ergueu as costas como se algo o tivesse atingido. E o atingiu.
— Deus... Deus... Como pôde... Como pôde ter feito... Deus... — tremia todo tentando raciocinar. — Pode voltar no tempo e evitar...
— Acha que eu estaria chorando a perda de minha filha se pudesse? A perda do meu marido, meu grande amor? De meu pai? De minha irmã se pudesse evitar?!
Sean quis sumir dali. Queria tanto voltar o tempo, trazer o seu pai de volta, refazer erros, se apaixonar por Kelly antes dela, de Sandy. Erianthia viu a confluência dos pensamentos com dificuldades. Temeu o que aconteceu ali.
— Quando Albert Einstein apresentou a Teoria Geral da Relatividade ele provou que o tempo não era absoluto, daí o conceito de tempo imaginário. E o tempo era um conceito relativístico variável, onde em cada ponto do Universo a passagem do tempo não era igual — olhou-a. — Esqueceram-se de apresentar a ele coisas como vocês, espiões psíquicos.
Erianthia sentiu-se atingida por Sean de todas as maneiras. Demorou alguns segundos para ela se recompor.
— Sabe por que a Operação Montauk foi cancelada, Sr. Queise?
— A lista... — encheu os pulmões. — A Internet toda conta sobre um incidente que fez provocar seu cancelamento.
— A Operação Montauk, dizem, foi criada em 1940 para a decodificação de ondas magnéticas emitidas pelo cérebro humano, captadas por paranormais sensitivos ou médiuns. Em tese, os sensitivos veriam o que os emissores pensariam. Em 1973, a operação entrou numa fase chamada ‘Cadeira Montauk’ que iria permitir que agora as conexões fossem humanas e máquinas. Computadores, Sr. Queise… — olhou-o. —, e os paranormais sensitivos emitiriam ondas a fim de projetarem seus pensamentos, que dizem, conseguiram que formas espectrais se moldassem.
— “Dizem”? — provocou-a.
— Dizem... Formas espectrais feitas de orgone.
— “Orgone”? — Sean arregalou os olhos. — O orgone é a energia descoberta pelo psicanalista Wilhelm Reich que acreditava qualquer ser possuir, até alienígenas, e que a utilizou com finalidades clínicas ou, dizia, os UFOs se moviam com orgone...
— Essas imagens de orgone tomaram vida, Sr. Queise.
— Materializaram pensamentos?
— Ehhh! Materializando matéria do nada — tomou mais uma xícara de chá fazendo Sean perder a paciência com a calma dela. — Depois disso, ‘dizem’ eles começaram a mexer com fendas espaciais, indo ao passado e futuro, viajando entre datas e eventos, mudando muita coisa.
— Para pior. Não me lembro de vivermos num paraíso.
— Cuidado, Sr. Queise. Não sabe do que a Poliu é capaz nem o que vem sendo desenvolvido naquela sala vermelha.
— Afinal por que a Operação Montauk foi cancelada, Senhorita?
— A mesma lenda diz que em 1983, um pesquisador de nome Duncan Cameron Jr. libertou um monstro que ele havia projetado de seu inconsciente, e tal criatura destruiu a operação.
— “Um monstro”? Deixe-me adivinhar? Ele saiu do espelho? — ele viu Erianthia Papadopoulos Agasias sorrir mais cínica do que ele era. — Deus... — voltou a olhar a imensidão. — O que vamos fazer agora?
— Voltar a São Paulo.
— “São Paulo”?
— Sim. Há algo nos seus mainframes que precisa investigar.
— Investigo meus mainframes daqui.
— Não, Sr. Queise. São alguns mainframes da Computer Co. que necessitam investigação.
Sean arregalou os olhos azuis. Sabia do que ela falava.
— Está falando do... Leu minha mente?
— Não. Mas Mr. Trevellis sabe sobre os mainframes que mantêm desconectados de seus mainframes por controladores SCSI independentes ou redundantes, locais ‘tampão’, temporários, em que seus mainframes usam durante a transmissão de dados de um dispositivo ou componente para outro, agindo como um convidado em uma máquina virtual.
E Sean não acreditou no que ouviu. Era realmente ela, Erianthia Agasias no Burj Al Arab, nua na banheira.
Sean caiu de costas na cadeira.
— Meu pai... Ele nunca... — Sean olhou Erianthia sentindo dor. — Meu pai nunca falaria a Trevellis, e eu nunca permitiria... — Sean olhou Erianthia com lágrimas nos olhos. — Há quanto tempo a sala vermelha penetrava os pensamentos de meu pai?
— Algum tempo...
— O feitiço virou contra o feiticeiro?
— Ehhh!
— Pois então viram que eu mantinha sob segredo da própria Computer Co., mainframes que se comunicavam com Spartacus e não previram sua morte?
— Nem tudo pode ser previsto, Sr. Queise. É uma ironia dizer-lhe isso podendo ver do que somos capazes, mas nem tudo nos é permitido.
Sean olhou a imensidão agora sentindo dor.
— Acredita em Deus, Srta. Erianthia? Numa força acima de tudo e todos, num Deus que nos protege, nos guia, nos ilumina? Que diz quando devemos morrer...
— Ehhh... Eu só quero acreditar, Sr. Queise, que essa força ‘Deus’ mantém minha filhinha feliz, porque eu vivo no inferno todos os dias pela falta dela.
Sean se virou para ela sentindo que o ‘buraco’ dela era maior que o dele.
— Os meus mainframes... O cloud computing... — Sean não teve coragem de olhá-la. — A Computer Co. estava investindo pesado nessa nova tecnologia. Tecnologia ameaçada pelos chips instáveis de Papadopoulos que mantinham negócios escusos com meu pai... — e enterrou a cabeça nas mãos. — Foi meu pai quem me incentivou a usá-los... As zeólitas de seu pai Syrtys Papadopoulos.
— Por quê?
— Não sei que droga é essa. Só sei que meu pai não faria nada escuso se não tivesse sido obrigado a fazer por minha causa.
— Acha que os alienígenas quando descobriram o que você podia fazer, colocaram Syrtys Papadopoulos, Fernando Queise e Mr. Trevellis em desvantagem?
— Não sei... Não sei... — esfregava a cabeça com força. — Minha cabeça dói quando penso — olhou para o céu. — Só sei que algo aconteceu naquela noite, na noite que meu pai foi morto na Transilvânia por algo que eu fiz, que ia fazer, não sei... Algo que não encontro rastros, que não encontro respostas, que não sei o que é.
— A sala vermelha nada conseguiu — olhou. — Nem com você...
— E como não conseguiram?
— Não temos respostas para tudo. Já disse. Mr. Trevellis ainda acha que escondemos algo. Nos mantém em eterna vigilância.
— Que vocês driblam. Como voltar no tempo... — ele viu Erianthia voltar a brilhar os olhos sem responder. — Sabia que Trevellis filmou Aagje viva no Burj Al Arab?
Erianthia voltou a brilhar os olhos.
— Ehhh!
— Você sabia?
— Ele fizera aquilo mais para me manter na linha do que provocá-lo, Sr. Queise.
— Você ser parecida com Aagje eu entendo, mas porque incluir Gameliel?
— Já disse que podemos materializar o que queremos, como Nympha na sua cama...
Sean cortou a sua fala.
— Eu já disse que não era o que...
E Erianthia cortou a fala dele.
— Chega Sr. Queise! Não vamos mais falar nisso.
— Foi você quem...
E Erianthia cortou a fala dele mais uma vez.
— Zenon Kanapokolo foi um passo fácil de executar; além do mais você não conhecia o verdadeiro Zenon, que não é parecido com Gameliel.
— Então quando fui de helicóptero ao... Era o verdadeiro Zenon quem pilotava o helicóptero que caiu, morreu; um mês depois tinha vermes... Deus... Vocês são monstros.
— É o que ganho por ter lhe ajudado?
— Me ajudado? Em que? Virou minha vida de ponta cabeça desde que...
Erianthia ficou aguardando, nem se deu ao trabalhado de pensar o que ele pensava ter visto, já que não conseguia penetrar nos pensamentos dele como antes.
— “Desde que”, Sr. Queise? — e Erianthia cortou a fala dele outra vez.
Sean sentou-se enrolado nos lençóis, a observando o observar. Merleau-Ponty tinha razão, incrível como os olhares diziam tanto. Sean se serviu de café, açúcar e canela. Comeu geleia com bolo de laranja e ficou a olhando outra vez.
— Você fez apport com minhas roupas as enviando para a Primeira Guerra Mundial ou estão passadas no armário após mandá-las à lavanderia? — ela esperou ele olhar para dentro do quarto. — No armário? — ele nem a olhou.
Entrou e encarou o mesmo armário de quando chegara de Londres. Sentiu-se mal com aquilo. Trocou-se voltando com uma calça Armani de linho clara e uma camiseta branca básica.
— Sua sócia o veste muito bem.
— Gosto de mulheres de bom gosto — olhou Erianthia parando de olhá-lo e o encarando. — E Kelly é a mulher perfeita — olhou Erianthia o olhando de uma maneira inédita.
E Erianthia só o olhava; intensamente. Sean não se deu por atingido. Acabou o café e partiu para o suco de amoras, depois laranja até enrolar fatias de lombo defumado e queijo gruiere e comê-los a encarando. E ambos gostaram daquilo.
Mesmo conhecendo sua atual condição, Erianthia desejava o devorar como nunca devorara homem algum. Havia algo com Sean que ela não conseguia decifrar, um appeal sexual muito forte que a fazia desejá-lo. E nem toda a frieza que Sean exalava, que afastava as pessoas, podia afastá-la dele. Porque a própria Erianthia não sabia ao certo quando prestara atenção nele. Estava casada, feliz, quando Mona Foad deu-lhe algo inédito para fazer; trocar informações com um pupilo dela, alguém especial que ela vinha preparando. Como Mona não podia dizer quem era seu ‘pupilo’, ela insistira que ela o seguisse no éter toda vez que o tal pupilo viajasse pelo astral. Erianthia se conectou tanto que bastava Sean sonhar que ela estava lá, ao lado dele, sem enxergá-lo, porém.
Era uma névoa iluminada que ela não conseguia decifrar.
Havia uma dor muito grande nele, algo que fazia todos seus perispírito deformar no éter, Erianthia se esforçava para vê-lo, para colocar um ‘rosto’ naquela alma que viajava sempre junto, a ajudá-lo. E Erianthia se tornou tão perfeita em seus poderes que Mona Foad mesmo após o desligamento da Poliu, por motivos que ela nunca soubera ao certo quais foram, deu-lhe de presente outros poderes que nunca soubera existir, com a premissa de que nunca revelaria a ninguém, e com a promessa que continuaria a ajudar seu pupilo a se desenvolver. Mas o tal pupilo lhe escapava à compreensão quando atingia o éter, saía de seu controle, e Erianthia o perdia por vezes não conseguindo cumprir o que prometera quando se descobrira grávida. Erianthia ficou tão feliz que até esqueceu-se do pupilo de Mona, de Mona e de seus próprios poderes. Havia um equilíbrio tão grande na sua vida problemática que ela se desligou do mundo.
— Quando engravidei, experimentei um equilíbrio até então desconhecido. Mas quando minha filhinha nasceu, tudo mudou outra vez e mudou para pior. Eu comecei a sentir-me mal, saindo do corpo sem controle; eu não conseguia mais controlar meus poderes — Erianthia falou do nada vendo Sean olhá-la. — Comecei a ter alucinações, a entrar em transe. Quando tentava me aproximar dela eu provocava pirogênese, exteriorizava e transformava minha energia humana em energia térmico-calorífica provocando fogo espontâneo — olhou Sean que não entendia o porquê dela falar aquilo. — Rupert corria e apagava o fogo. Sempre. Mas eu comecei a ter medo de me aproximar dela, de queimá-la... Minha nossa... — enfiou agora ela a cabeça no meio das mãos e chorou.
Sean ficou sem ação. Captou no ar todos os pensamentos anteriores de Erianthia e sentiu que sua respiração falhava. Era como se Erianthia em algum momento parasse de respirar, como se alguma vez ela tivesse morrido. Ficou atônito sem saber ao certo o que vira para então ver outra coisa mais assustadora ainda. Viu Erianthia a seu lado, no éter, durante várias passagens de sua vida.
E as visões foram muitas naquele instante.
— Meu Deus! Era você quem Mona havia preparado para me... Para me... Pare me desenvolver?
— Ehhh... Seu mestre, eu não disse? Mas eu não sabia quem era você. Mona dizia ‘meu pupilo’ e eu nunca via seu rosto. Você era sempre embaçado, confuso; talvez pela dor que deformava seu perispírito. Quando eu engravidei, me desliguei de você, de Mona, do mundo. Ehhh... Eu era feliz pela primeira vez na vida... — Erianthia enxugou as lágrimas e Sean voltou a sentir que o coração dela não batia normalmente. — Eu sinto muito se lhe abandonei, Sr. Queise. Eu falhei com Mona e meus dons paranormais começaram a se bagunçar mais ainda, como quando eu não os tinha desenvolvido.
— Você não teve culpa... — falou sem saber o que falava.
— Não! Você não entende. Tudo virou de ponta-cabeça. Era inconsciente e incontrolável. Eu entrava num ambiente e tudo começava a se mover de lugar. Eu cheguei a tirar uma cadeira onde Nympha se sentava no refeitório e fazê-la aparecer no meio da cozinha. A cozinheira deu um grito e quando todos correram a cadeira de Nympha estava lá. Tudo ficava tenso ao meu redor.
— Você sempre teve problemas com Nympha?
— Acha que ela o seduziu para me atingir?
— Eu... — Sean teve medo de responder àquilo.
— Não Sr. Queise. A coisa era mais complexa. Uma vez pedras começaram a cair dentro dos quartos do último andar, precisamos interditar porque estava perigoso ficar lá. Mr. Trevellis se revoltou quando Mona recusara-se a me ajudar alegando que ele a enganara em algo, mas ele obrigou-me a ficar nas cavernas, até que meu poder fosse controlado. Eu consegui me controlar após por fogo na caverna e Rupert exigir minha volta. Então eu voltei e comecei a... — ela enterrou a cabeça nas mãos e voltou a chorar.
Sean esperou por mais.
— Começou?
— Tudo que fica no éter. Memórias, pensamentos, atitudes. Nada escapava. Eu ouvia vozes passadas, pensamentos futuros — olhou-o. — Eu não queria mais ouvir, ver, sentir, mas nada era apagado, perdido. Tudo ali, e eu captava. Eu não dormia, não comia, não cuidava da minha filha. Estava enlouquecendo em meio a chamas que iam e vinham sem meu controle.
“Em meio a chamas que iam e vinham sem meu controle...”; aquilo soou forte para Sean.
— Eu escutava tudo, Sr. Queise; todos, os que foram os que estavam aqui, os que iam. Até que... — Erianthia respirou profundamente. — Comecei a absorver as feições de todos; corpos, atitudes, pensamentos, sentimentos, gostos... — olhou Sean a olhando. — e me transformava na pessoa a ‘olhos vistos’ — Erianthia Papadopoulos Agasias levantou-se até a beirada da sacada olhando o infinito da Ilha de Santorini; e ela parecia infinita. — Quando Mr. Trevellis descobriu que eu podia me transformar em alguém, plasmar sua imagem mesmo que por segundos obrigou-me a voltar à sala vermelha. Eu me recusei e Mr. Trevellis partiu para cima de Rupert dizendo que era ele quem me obrigava a não obedecer. Ele negou, mas Mr. Trevellis não acreditou. Então Rupert me obrigou, disse que toda a carreira dele dependia de minhas atitudes.
— Quem Trevellis queria que você... — e Sean teve medo de continuar a pergunta.
Erianthia teve tanto medo em responder, tanto quanto ele.
— Eu comecei a beber, a me drogar; eu não queria aquela vida para mim...
— Quem Trevellis obrigou você a ser Erianthia?
— Não entende? Em seis meses eu estava enlouquecendo, não conseguindo mais que três minutos de plasmagem.
— Quem, Erianthia?! — Sean subia a voz.
— Mas Mr. Trevellis queria mais, mais, mais...
Sean teve medo daquela parada.
— Quem Trevellis queria?
Erianthia o olhou.
— Queria me transformar em Sandy Monroe.
Sean arregalou os olhos azuis, paralisado, sentado, em choque.
— Deus... Ele não... Não! Ele não! Não... — Sean olhou-a. — Ele não pediu para você ser Sandy... — lembrou-se de Nympha em sua cama, do corpo quente. — Trevellis obrigou você ser Sandy nas visões de Mona?
— Quer dizer ‘fazer Sandy fazer algo’ para Mona ver? — ela viu Sean ter medo do que ouviu, arregalar os olhos em choque, e chorar. — Mr. Trevellis queria atingi-lo.
— Conseguir me tirar do controle de Spartacus...
— Ehhh! Tudo se resume ao satélite de observação.
Sean riu nervoso.
— Tudo sempre se referiu ao satélite de observação, Senhorita. Trevellis é um louco. Nunca aceitou que Oscar desse o controle do satélite de observação a mim, e meu pai apoiou todas as minhas loucuras por amor, não?
— Percebe o quanto é importante a ‘sala vermelha’ para nós? — Erianthia abaixou a cabeça. — É só o que conhecemos como família já que a nossa nunca nos aceitou como somos. Tenho quarenta e quatro anos e tudo o que conheço por família está ali, Sr. Queise.
— Entendo sua posição, Erianthia.
— Não sei se entende, Sr. Queise, ou se virá a entender, mas eu bebia muito até já não conseguir me concentrar, me conectar aos outros espiões. Um dia, eu e Rupert brigamos e eu peguei minha filhinha e saí de carro. Rupert me interceptou já próximo à praia e me fez levá-lo. Nós começamos a discutir e eu apaguei, quando acordei estávamos debaixo das rodas de um caminhão num lado do carro. O outro lado havia se separado; toda a lataria foi aberta ao meio. E do outro lado, Rupert e nossa filhinha morta. Eu voltei a apagar e só voltei quase um mês depois de um coma.
— Quase um mês?
— Dizem que é o tempo necessário para que uma alma não se perca para sempre. Por isso os gregos preparavam...
— Quase um mês... — Sean teve medo do que ouviu.
Erianthia o olhou com interesse. Levantou-se e ficou atrás dele. Ele sentiu-se mal de repente com ela parada atrás dele se aproximando.
— Consegue ver, Sr. Queise? — falou próximo seu ouvido.
Sean assimilou todo o perfume dela sentindo que agora era ele quem apagava, entorpecido pelo aroma, pela presença dela.
— Erianthia...
— A imensidão... — sussurrava atrás dele.
Sean olhou para frente e tudo começou a balançar. Era como se toda a paisagem estivesse em uma onda, subindo e descendo, inclinando mais e mais e mais.
— Eu...
— Consegue senti-la? A bruma das águas?
— Não faça...
— Consegue? Tocar a areia quente no final da tarde? Tocar o orvalho da madrugada fria? O calor que emana dos corpos unidos?
Sean sentiu-se tocado, nos seus lugares mais proibidos; coração, alma, pensamentos, sexo.
— Ahhh... — impactou. A mão macia, quente o tocava com gosto, com delicadeza, sem pudor. — Ahhh... Ahhh... — Sean se excitava cada vez mais, cada vez que a mão ia e vinha, subia e descia em movimentos cadenciados, complexos. — Não... Pare de... Você não pode...
— Não posso?
— Não pode...
— Não posso?
— Pare! — Sean segurou-a com força, com força que sabia não era a desejada. Mas as mãos de Erianthia o atingiram novamente. — Ahhh... — Sean teve lembranças, lembranças de Kelly, agora ela. — Pare... — desabou sonhando com Kelly em seu flat, em quantas vezes a desejou ali dentro, a sua presença, nos pés que caminhavam para ele, para perto dele, para então tocá-lo, beijá-lo. E Sean também a tocou, tocou Kelly como sempre desejara. Tocou e massageou-a até todo o perfume do corpo dela se transferir ao dele, que excitado não conseguia mais recusar o corpo da sócia, amiga, amante. — Ahhh... Kelly... Kelly querida... — e os cabelos dela escuros, entrelaçados nos dedos viris que escorregaram pelo ombro, pelos seios desejados, pela cintura fina, bem tratada, pelo sexo úmido que o desejara há anos. Tudo se movimentava na imagem que balançava, balançava, balançava. Sean esticou as mãos tentando tocá-la, alcançá-la, e Kelly sorriu-lhe, inclinando o rosto delicado, belo que esperava que Sean a beijasse. Sean abriu os olhos a ver-se beijando Erianthia massageando seu sexo. Ele a empurrou. — Como... Como se atreve? Como pode ser tão...
— Má? — foi cínica, maravilhosamente cínica. Sean entrou para o quarto sentindo as pernas moles. Sentindo que no fundo queria estar beijando a bela Senhorita Agente Erianthia, fazendo amor com ela. Ela entrou atrás dele querendo mais. Sean teve medo do que quis também. — Fique nu! — ordenou ela.
— Não se atreva a tirar minha roupa outra vez!
— Tire-a! — Erianthia exclamou forte, mas Sean começou a tirar, sim, as roupas do armário e jogar na mala. — Ou quer que eu fique nua, Sr. Queise? — voltou a provocá-lo. — Quer que eu retorne a seu noivado? — ela viu Sean estancar. — Quer vestir-me com vestido branco de chiffon também? Fazer um coque e... Ahhh!!! — e Erianthia foi ao chão.
Sean havia a esbofeteado. Como sempre quisera.
— Você não é gente... — ele chorava. — Nenhuma de vocês...
— Ehhh... — Erianthia o amou naquele instante.
E odiou-se pelo que fez, pela dor que provocara, mas o amou de uma maneira que poucos podem amar. Sean voltou a jogar roupas dentro da mala e Erianthia as devolveu no armário, intactas como já estiveram. Sean a fuzilou e arrancou-as do cabide jogando em cima da cama para as verem no local de novo. Ele as jogou e ela voltou-lhes, e ele outra vez jogou-as e Erianthia voltou-lhe no armário.
— Não mexa no tempo!!! — berrou descontrolado vendo suas camisas sumirem da cama onde as jogava. Erianthia gargalhava excitada e Sean de repente se tocou de algo. Suas roupas estavam secas, como que gastas pelo uso, para onde Erianthia as havia retornado. — Quanto ‘tempo’ voltou no tempo? — engoliu a saliva a seco vendo suas camisas envelhecidas.
— Percebeu então? Quando volto o tempo ele se acelera mais rapidamente no final.
— Nunca vou entender, não?
— Ehhh! — foi fria.
— Ao concluir a segunda parte da sua Fenomenologia da percepção, Merleau-Ponty como tantos outros também, sentiu necessidade de descrever o tempo então confinado ao plano puramente psicológico, e passá-lo por experiências pré-lógicas ou mágicas onde todas as obscuridades do mundo seriam esclarecidas — se aproximou tanto que Erianthia nem precisou tocá-lo para senti-lo próximo. — O fisiológico e o psíquico reintegrados à existência, compondo um mundo transcendente em si e imanente em nós. Não são dois momentos abertos à alternativas Senhorita Agente Erianthia, mas dois momentos de um único fenômeno; somos o tempo — olhou em volta. — Então se você voltou no tempo... — olhou em volta novamente. —, a sala vermelha ainda não nos captou aqui.
— Provável... Mas não por muito tempo. Como eu disse, ele corre mais rápido no final do processo, se acomodando — apontou para o armário. — Como suas camisas...
Sean sentou-se afetado na cadeira de costas para ela e digitou algo no notebook para então se levantar.
— Partimos hoje a noite para o Brasil. Sei lá como vai fazer, mas preciso estar lá... — ele a viu o olhando, olhando abaixo de seu equador. Não acreditou naquilo. — Vou a São Paulo desconectar os mainframes da Computer Co.. Vou dar uma lição na Poliu e em seus invertidos como nunca tiveram.
Erianthia só o olhou.
Como de costume.
13
Computer Co. House’s; São Paulo, capital.
23° 36’ 19” S e 46° 41’ 45” W.
08 de novembro; 20h34min.
São Paulo que havia amanhecido nublado ainda tinha resquícios de chuva miúda caída durante todo o dia. Como os horários de voos não bateram, Sean tomou um ‘chá’ de aeroportos até voar a noite para o aeroporto de Guarulhos, na capital de São Paulo com ela. O táxi que levava Sean Queise e Erianthia Papadopoulos Agasias à Computer Co. levantou água da poça. E mais uma. E mais uma. A Marginal Pinheiros estava lenta como de costume. Sean estava tão entretido em seu mundo de pensamentos que não viu Erianthia o desejando mais uma vez.
Porque ela até cumprira o que ele pedira. Dormiu noutro quarto do Astra Hotel e no que os primeiros raios de Sol saíram, voaram para a Itália voando depois sem escalas para o Brasil com a ajuda de amigos de infância dela; amigos influentes, ricos. Ficou imaginando a vida de Erianthia e Aagje com um pai déspota como Syrtys. Ficou imaginando se elas eram gêmeas idênticas, ou só parecidas já que não as conhecia realmente, nem o porquê de Syrtys tentar esconder Aagje da mídia. Talvez as atitudes e os dons de Erianthia fizeram-no temer que Aagje fosse atingida como a irmã.
A ignorância nunca era o melhor remédio para os bens dotados, para os especiais.
Quando o táxi parou na frente da Computer Co. House’s, Sean desceu quase se esquecendo de que ela não era uma imagem plasmada. E Erianthia não gostou de ser esquecida lá. Sean atravessou os ricos saguões de mármore carrara, e Kelly foi avisada que Sean chegara acompanhado de uma mulher. Aquilo não a agradou, fosse quem fosse a tal mulher.
— Sean? — ela abriu a porta do escritório dele na cobertura e encontrou Sean já sentado na sua mesa digitando alucinadamente no computador. — Sean? — insistiu Kelly agora encarando a mulher que julgava ser Aagje Papadopoulos. Erianthia a encarava também. Conhecia muito bem Kelly Garcia dos sonhos de Sr. Queise. E eram sonhos ‘complexos’. — Patrãozinho? — Kelly acordou Sean. Ela sabia que o irritaria. — Você chegou?
— Já tinha me visto antes? — voltou a digitar.
Erianthia não se moveu, mas Kelly a odiou por aquilo.
— Quando chegou Sean? Estamos abarrotados de serviço, trabalhando dois turnos, tentando saber no que afinal nos metemos Sean? Sean? Sean?
— Droga... — Sean girou os olhos e voltou a digitar sem responder a mais nada, estava nervoso sem conseguir acessar seus mainframes.
E Kelly deu a volta na mesa dele.
— O que é essa cicatriz no lado direito de seu rosto?
— Nada! — Sean se tocou, lembrou-se do helicóptero plasmado.
Achou-se insano; como tudo o que fazia. Voltou a digitar sem responder.
— “Nada”? O que ela faz aqui? — apontou para trás.
— Ela não é ela.
Kelly o olhou sem entender.
— Como é que é? — mas ela não ouviu respostas. — Por favor, Sean... Responda-me... — ela só o viu parar de digitar, escorregar os olhos nervosamente e voltar a digitar. — Por que faz isso comigo, Sean?
Sean fechou os olhos sentindo o quanto gostava dela.
— Perdão Kelly... — soou de sua boca.
Kelly naquele ‘perdão’ acreditou. Queria o abraçar-lhe, beijar-lhe com toda sua paixão, mas aquela mulher, aquela mulher de cabelos negros, olhos azuis, seios volumosos não se encaixava em sua imagem de felicidade. Kelly a odiou e Erianthia só ergueu o sobrolho absorvendo tudo aquilo.
— Sean…
— Droga!!! — berrou ele se erguendo furioso da cadeira ao ler a tela do computador. Kelly e Erianthia se alertaram. Ela mais que Kelly que não previra aquilo. — Quem trocou minhas senhas?! — berrou furioso ainda com Kelly.
— Eu não sei... — Kelly mal teve tempo de responder.
— Quem?!
— Não sei! Não grite comigo, Sean! Não sabia que suas... — apontou para a mesa.
— Ahhh!!! — explodiu andando furioso, abrindo a porta sem a tocar, mas numa violência que a fez atentar contra o batente.
Renata levantou-se por instinto no momento em que ele passou por ela feito um furacão.
— Senhor...
Mas Sean andava a passos largos, atravessando o corredor, saindo pela porta contra incêndio, descendo os degraus em duplas, alcançando três andares abaixo da cobertura, invadindo corredores movimentados aonde funcionários iam e vinham, o vendo passar por eles sem trocar uma única palavra. Sean adentrou no laboratório de Gyrimias Leferi após alguns ‘Olá!’ para trás.
— Quem trocou minhas senhas?
Gyrimias escorregou os óculos do rosto.
— Quem trocou o quê, Senhor?
— Minhas senhas!
Cinco cientistas levantaram da mesa central, onde vários chips estavam sendo montados, e voltaram para suas mesas aguardando nova ordem de Gyrimias que digitava algo em seu notebook.
— As senhas estão liberadas, Senhor.
— As senhas de ‘meus’ mainframes, Gyrimias.
Agora Gyrimias teve medo.
— Parcelado... Oh! Ele descobriu?
— Traduza ‘ele’, Gyrimias. Ultimamente não estou bom em charadas.
Gyrimias engoliu aquilo a seco olhando os cinco jovens cientistas o olhando. Gyrimias então se levantou da mesa central e sentou-se na impecável mesa de trabalho. Digitou, digitou e escorregou os óculos no suor que banhava o rosto magro e nerd.
— Eu...
— Você?
— Parcelado o que vejo... Não consigo acessar Spartacus Senhor.
Sean só deu dois passos e caiu sentado no banquinho outrora ocupado. Esticou um cotovelo, outro e enterrou a cabeça após um assovio de dor que fez Gyrimias tremer.
— O que eu fiz Gyrimias?
— Parcelado... — se olhou. — Não sei Senhor.
— Meu pai morreu por causa disso, Gyrimias — olhou vários chips pré-montados na mesa central. — E eu não pude fazer nada por isso.
— Pretendia... Parcelado o que penso, Senhor... Pretendia fazer o que?
— Nunca ter começado.
Gyrimias só estalou os dedos e os cinco jovens cientistas saíram.
— O que começou Senhor? — Gyrimias se viu sozinho com um Sean estático.
— Eu tenho certeza que meu pai nunca soube, que Oscar nunca soube, que Trevellis ou a Poliu nunca souberam... — Sean olhou o fiel amigo e funcionário esperando o resto da frase. — Eles nunca souberam, Gyrimias.
— Senhor...
— Mas eles sim. Os alienígenas sabiam. Subestimei todos aqueles contatos ufológicos que tive no passado que não existe, Gyrimias — riu pesado. — Subestimei a vontade que eles parecem possuir, todos os recursos anos luz à nossa frente, toda a maldita tecnologia que desenvolveram esses séculos, para então criar algo que tirou a vida de meu pai, de Sandy e de... — e parou olhando Gyrimias. — E vai tirar a vida de Kelly, de minha mãe, de você, da Terra.
Gyrimias não gostou da inclusão do planeta em tal premonição; nem a dele.
— Parcelado... Não... Por inteiro... Estamos falando do que, Senhor?
— Quando eu o mandei às Ilhas Cayman, queria que você conseguisse acessar fundos que meu pai tinha investido lá. Não era uma segunda caixa. Meu pai jamais faria algo escuso. Deus... Deus... Agora percebo que não sou filho dele — olhou Gyrimias com lágrimas nos olhos. —, que sou filho de Oscar Roldman, o todo poderoso articulador da Polícia Mundial.
— O que fez Senhor?
Sean mergulhou a cabeça nas mãos novamente e chorou.
— Eu construí uma máquina para viajar no tempo.
Gyrimias achou que não tinha entendido. Olhou Sean chorando, enxugando as lágrimas, olhando para um lado e outro até esticar os olhos.
— Fez o que Senhor?
— Eu a criei, Gyrimias. Não uma ‘máquina’ propriamente dita, mas eu criei uma maneira de fazer o satélite de observação Spartacus viajar no tempo — e se levantou do banquinho deixando Gyrimias à sua frente; estupefato.
— Senhor...
— Não, Gyrimias. Eu pedi para você — riu. — ou ia pedir para você roubar o dinheiro que meu pai tinha guardado nas Ilhas Cayman porque sabia que Trevellis ia exigir esse dinheiro de volta quando soubesse o que eu fiz, que eu fiz Spartacus enxergar o passado que fica no éter... — e chorava.
Gyrimias sabia que não estava entendendo nada.
— “Enxergar o passado que fica no éter”? E uma máquina pode isso?
— Não. Mas eu posso. Controlando a máquina.
Gyrimias realmente sabia que realmente não estava entendendo realmente nada.
— E como Mr. Trevellis iria conseguir isso do Senhor?
— Meu pai foi obrigado a desviar dinheiro da Computer Co., para construir uma tecnologia capaz de criar energia para fazer UFOs viajarem, e parece que nesse ponto meu pai era tão insano quanto eu. Mas ele também não teve coragem de minar a empresa e desviou parte do desvio para assegurar que a Computer Co. não fosse ‘quebrar’.
— Parcelado a boa ação do Senhor Fernando, o que quer dizer com ‘UFOs viajarem’, Senhor?
— UFOs Gyrimias, que querem voltar a seu planeta após chegaram à Terra no cretáceo, trazendo uma ordem de alienígenas monstros que se adaptaram como sabe pela história, numa Terra primitiva, já habitada por dinossauros não muito diferentes deles. Mas sua morada não era aqui… — apontou para o ar. —, acredito que não respirassem ar.
— Mas por que chegaram há tanto tempo, Senhor, e só querem voltar agora? O mundo vai acabar?
— Não sei Gyrimias. Não sei. Mas algo aconteceu algo que os fizeram desejar ir embora.
— E onde estavam Senhor? Esconderam-se na Terra Oca?
— Não... Acredito que estão escondidos numa Terra paralela, ainda dentro da nossa dimensão. Que se cruzam de tempos em tempos, como as cordas de um violão quando ajuntadas pelo tocador.
— Fala da Teoria das Cordas? A teoria que completaria a ‘Teoria de Tudo’ de Albert Einstein?
— Sim, Gyrimias. Sim.
— Mas o que criou em Spartacus pode gerar tal energia para essa viagem?
— Não. O que fiz com Spartacus é algo paranormal.
— Não entendi.
Sean ficou inerte por segundos.
— Fico pensado, Gyrimias, como a Computer Co. faria isso?
— “Isso”? Mudamos de assunto, visto. Ah... Fala da energia para UFOs viajarem?
— Imagino que de alguma forma usariam o orgone de Wilhelm Reich. Dizem que o convencimento de Reich de que todos os seres emitem essa bioenergia, esse orgone, foi tão grande que ele construiu algo que chamou de ‘Cloudbuster’, um método natural para restaurar pulsação energética atmosférica. Dizem que ele estava convencido que o orgone era a energia certa para se usar na propulsão de UFOs.
— Cruzes!
— De qualquer forma Gyrimias… — suspirou. —, eu não imaginava o que acontecia na época de gerência de meu pai. Comecei a trabalhar aqui quando Spartacus começou a ser desenvolvido.
— Mas então...
— Então, que a morte de meu pai me afetou, Gyrimias. Eu queria poder voltar no tempo e fotografar a morte dele, saber quem o esperava naquele maldito beco escuro e úmido, na Transilvânia. Eu queria saber quem matou meu pai porque no éter não encontrava rastro de maldade alguma.
— Parcelado... — e Gyrimias nada mais falou, caiu com as mãos na mesa central, para então a cabeça acompanhá-la.
Gyrimias ficou lá vendo o mundo por outra objetiva, literalmente.
— Deus... Quando Trevellis souber que usava Spartacus para dilatar o tempo durante um curto espaço de tempo, capaz de enxergar, fotografar; gravar sons e imagens do passado, do futuro... Ele virá para cima de mim com toda sua força.
— Senhor... O que... Como faria isso?
— A velocidade é uma maneira de saltar no tempo, Gyrimias, mas a força da gravidade, na Teoria da Relatividade Geral, como Einstein sugeriu faz com que o tempo escoe mais devagar. Devagar, Gyrimias... Devagar... Como Erianthia...
— Quem Senhor?
— Dvocevkis...
— Não entendi.
— ‘Aberta a todas as possibilidades’ — Sean gargalhou. — Tem algo errado com ela, Gyrimias. E não é o fato dela ser agente da Poliu — olhou Gyrimias o olhando. — E Mona amiga sabia. Sempre soube o que ela era...
— Parcelado quem conheço... Quem é Erianthia, Senhor?
— Erianthia Papadopoulos, irmã de Aagje; gêmea pelo que parece. E Syrtys Papadopoulos sabia sobre os dons paranormais psíquicos dela e a quis de alguma forma brecá-la, talvez como meu pai. Provável que quando chamaram Mona para resolver o ‘problema’, Syrtys de alguma forma se envolveu com a Poliu, a Polícia Mundial e a Computer Co..
— E como perdeu toda essa informação? Vira e mexe suas listas estão cheias delas, das teorias de conspiração, Senhor.
— É! As listas sempre souberam Gyrimias. Eu as subestimei também. A pedido de Kelly deixei de frequentá-las... Perdi-me entre tanta informação. Mas não, Gyrimias. Não é teoria... Os colisteiros estão sempre plugados em tudo o que envolve as várias teorias de conspiração de fenômeno extraterrestre, e existem alegações sobre experiências secretas como teletransporte, viagem no tempo, contato com extraterrestres, e controle mental como a Operação Montauk realizado em Camp Hero, Montauk, Nova York ou a Operação Zeladores do Tempo idealizado pela Poliu nos mosteiros de Meteora, Grécia.
— “Zeladores do tempo”?
— Sim, Gyrimias. Espiões psíquicos capazes de invadir o espaço quadrimensional ao dilatar o tempo, e pará-lo, metaforicamente, escoando lento, para ela fazer apport. E ela faz apport até dela mesma.
— Mas apports são frequentemente associados com atividades de demônio, Senhor. Caem pedras do céu, coisas somem, incêndios aparecem do nada...
— E Erianthia faz tudo isso — Sean riu. — E através do apport deixa o tempo mais lento... — foi a cada mesa onde os cientistas da Computer Co. estavam e desligou seus computadores. — Ela então consegue se mover por entre os planos quadrimensionais e se tira do lugar, se move, se troca; destrói sua própria aparência para então projetar-se em outro lugar. Assim... — fazia mímicas. —, continuamente... Uma imagem atrás da outra, dilatando o tempo, se plasmando em outros também — Sean viu Gyrimias o olhando como se tivesse se transformado em algo absurdo. — Não estou louco, Gyrimias. Ainda não...
— Mr. Trevellis sabia que o Senhor sabia?
— Ele não sabe Gyrimias. Ou sabe! Porque sabia sobre as nuvens... — respirou profundamente. — Só não sei como a sala vermelha e os espiões psíquicos também nunca souberam o que eu fazia com Spartacus — Sean achou graça de seus pensamentos. — Provável que estejam sabendo nesse momento já que sua mente, Gyrimias, sempre foi aberta — voltou a rir. — Que pena! Adoraria estar pessoalmente vendo a cara de Trevellis sabendo disso nesse momento — gargalhava.
— E Mr. Trevellis saberia o que? O que acabou de entrar nas minhas informações? — apontou para cabeça tremendo.
— Sabe o que eu te disse até agora, Gyrimias? Esqueça! Tenho algo muito maior para dizer-lhe — ele viu Gyrimias teve realmente medo de algo muito maior que ele fotografando o passado. — Deixe-me explicar... Syrtys Papadopoulos conseguia passe verde com meu pai e a Poliu, porque colocou um espião dentro da Poliu, Nympha Zarvos, que contou-lhe sobre uma sala vermelha onde espiões psíquicos haviam conseguindo descobrir alienígenas vindo à Terra, na época do cretáceo, e Syrtys forçou Trevellis a fazer o que ele queria; e Syrtys deve tê-lo chantageado muito a fim de se livrar da filha problema, Erianthia Papadopoulos, a deixando por lá. Por isso Nympha odiava Erianthia, porque Erianthia descobriu sobre ela ser o laranja de Syrtys.
— Cretáceo... — e Gyrimias não continuou porque Sean pediu-lhe silêncio. — Prossiga Senhor... Parcelado tudo...
Sean só tomou fôlego.
— Esses alienígenas seriam os tais dinossauros que conhecemos ou até igual, ou transformaram algo que já estava aqui nos dinossauros que conhecemos.
— E como...
— Espere Gyrimias! Espere! Esses alienígenas estiveram aqui até que começaram a nos construir; engenharia alienígena.
— Somos os tais híbridos que suas listas de ufologia tanto falam.
— Mais ou menos.
— Continue...
— A sala vermelha descobriu que os alienígenas ficavam presos nos espelhos, aprisionados por algumas entidades secretas que nos auxiliam aos longos de muitos séculos, talvez os gregos ou egípcios alienígenas.
— Não estou entendendo. Como alienígenas do tamanho de dinossauros podem estar aprisionados num espelho?
— Os espelhos são apenas trancas. Por detrás ou dentro deles está ‘uma outra’ dimensão.
— Portais? Os espelhos são portais, Senhor? E essas entidades secretas os aprisionam lá?
— Exato!
— E essas entidades secretas?
— Secretas!
Gyrimias quis ter entendido.
— Então quando disse que era provável que o agente da Poliu foi morto porque sabia onde os alienígenas estavam, esse agente sabia sobre os alienígenas do espelho?
— Sim!
— Mas... Cretáceo Senhor?
— Em 1938, o geólogo Wilbor G. Burroughs anunciou ter descoberto dez pegadas humanas perfeitas, com cinco dedos semelhantes aos pés humanos atuais. Elas mediam 23,73 x 10,25 cm e foram encontradas ao norte de Mount Vernon, nos Estados Unidos. A descoberta dataria do período Carbonífero, cerca de 250 milhões de anos atrás.
— Parcelado o que penso, humanos e dinossauros juntos, Senhor?
— Não eram humanos propriamente ditos, Gyrimias. Eram os invertidos alienígenas que são como nós, ou quase como nós se não fossem invertidos; monstruosamente invertidos. Acredito que eles só tomem nossa aparência exata quando saem do espelho.
— “Saem do espelho”? — Gyrimias soava frio. — Parcelado Senhor... Que medo... Mas e os alienígenas dinossauros?
— Aí que está a grande confusão. Acho que a sala vermelha compreendeu errada àquelas imagens, informações truncadas ao longo de anos e anos e anos que viraram lendas e mitos. Alguns cientistas divulgam a ideia de que o homem das cavernas apareceu muito antes do que a ciência prediz, então quando os primeiros desenhos rupestres colocando homens caçando dinossauros foram encontrados, deviam significar mais do que diziam. Também a 70 milhões de anos a.C., foram encontradas pegadas humanas fósseis na região da Valdecevilla, na Rioja, Espanha.
— E o que é a ‘sala vermelha’?
— Espiões psíquicos da Poliu, crias de Mona amiga, financiados por meu pai Fernando, por ordem de Trevellis, e com cinco paranormais dando suporte a uma viajante do tempo que plasma um futuro que ainda não existe.
Agora Gyrimias impactou.
— Plasmar Senhor?
— Elisabeth d'Espérance... — Sean olhou Gyrimias. — Elisabeth d'Espérance ou Mme. D'Espérance foi uma médium inglesa de efeitos físicos, ela começou na infância a ver espíritos que circulavam pela velha mansão em que vivia. Ela foi desacreditada, porque ninguém via o que ela via — Sean olhou em volta em busca de um ponto de referência, para ele e sua vida. — Entre os 13 e os 14 anos de idade, o fenômeno voltou e dificultou a convivência com a mãe que a julgava louca. O pai então a levou em suas viagens e Mme. D'Espérance viu um velho galeão atravessar o navio do pai. Outra vez ninguém acreditou nela. Quando retornou aos estudos, teve dificuldade de terminar um trabalho onde não conseguia escrever nada. Na manhã seguinte, ao acordar, encontrou o trabalho pronto, com a sua letra, inexplicavelmente. Com a perda dos pais e uma série de problemas domésticos, a saúde da médium foi se abalando até que ela conheceu o Prof. Friedrich Zöllner. Então ela começou um grupo de estudos onde passou a produzir ectoplasma.
— Ectoplasma Senhor? Voltamos a falar de plasmar algo?
— Não só algo, Gyrimias, mas Mme. D'Espérance reproduzia formas humanas, plasmava rostos e corpos inteiros, o que lhe tornou um perigo.
— Parcelado, Senhor, isso é perigoso como?
— Mme. D'Espérance adoeceu gravemente após um acidente em 1893 quando um pesquisador presente a uma materialização, ‘agarrou’ um espírito a fim de provar a fraude. A súbita desmaterialização do espírito deixou sequelas no corpo da médium.
— Então se tocarmos algo plasmado Senhor, ele poderá matar-nos?
— Não sei Gyrimias...
— O Senhor Oscar Roldman também está envolvido com essa sala que plasma algo?
— Oscar e toda sua família PSI. Porque sei que quando Erianthia e Gameliel viajaram, era necessário que houvesse outro elemento capaz de dar suporte a eles já que vi a velha Phemie doente demais para ficar participando de viagens. O que eles não sabiam era que havia mais um espião psíquico ali dentro.
Gyrimias arregalou os olhos enquanto pensava; e ele pensava rápido. Sentiu realmente que tudo aquilo fazia sentindo agora.
— E parcelado tudo o que não entendi, ou entendi, Senhor, o tal espião psíquico era um espião seu? Contratado para saber tudo isso?
— Sim, Gyrimias — Sean gargalhou. — Eu não iria ao Burj Al Arab sem respaldo — ficou feliz em saber que Gyrimias Leferi o entendia como ninguém. — Eu sabia que havia um mosteiro, espiões psíquicos, meu pai envolvido em algo que envolvia uma documento amarelado, e que Trevellis o forçava por causa de uma chantagem. Só não sabia que eles podiam plasmar toda aquela minha viagem e fazer-me esquecer.
— E o fizeram esquecer?
— Se eu não me lembro… — deixou no ar e sentou-se à frente do notebook acionando todos os programas quebradores de senhas, sem êxito.
— O que está procurando no Google, Senhor?
— Não sei. Nascimentos, falecimentos; 1896 ou 1901. O que temos aqui? — olhava. — Vejamos... Erianthia disse que toda vez que a sala vermelha marcava 1901, as setas do tempo apontavam para 1896.
— O que aconteceu nessas datas? — Gyrimias viu Sean pensativo com o que lia na tela do Google. — O que achou Senhor?
— Algo confuso, Gyrimias — olhou-o. — Em 1896, o escritor H. G. Wells usou o fenômeno de espelhamento para escrever seu livro A História de Plattner, que contava a história de um homem que acidentalmente se lançara a uma distância curta na quarta dimensão, essa mesma quarta dimensão onde Erianthia se move. Lá ele encontrou um mundo esverdeado povoado por fantasmas de humanos mortos; quando voltou para casa, ele se tornou sua própria imagem no espelho, com seu coração batendo do lado direito de seu peito.
— Cruzes Maria! — Gyrimias o olhou com interesse.
— Em 1901, Joseph Conrad escreveu Os Herdeiros, sobre humanos quadrimensionais destituídos de consciência que assumem o controle do Planeta Terra.
— Por que está me falando isso, Senhor?
— Os espiões psíquicos buscam 1901, mas eles sempre caem em 1896. De alguma forma, Gyrimias, alguém de alguma forma, pensou nessa possibilidade... — olhou em volta. — E alguém, alguém Gyrimias, coloca essas datas para informar algo, alguém — Sean esticou as costas outra vez sentindo-se atingido. Talvez pela verdade. — Deus... Nikiforus falava sobre uma quarta dimensão enquanto morria... Será que foi ele quem preparou essas datas para avisar algo sobre o tempo? Algo haver sobre os livros? Sobre histórias de viajantes quadrimensionais?
Gyrimias não o entendeu. Achou que não o entendeu.
— E o tempo é quarta dimensão?
— Não, Gyrimias. Falo de longitude, latitude e comprimento e tempo, sim, mas falo de uma dimensão ortogonal, uma quarta dimensão mais sinistra.
— Sinistra quanto, Senhor? — Gyrimias conhecia física, mas ainda esperava entender tudo aquilo. — A geometria cartesiana escolhe arbitrariamente direções ortogonais através do espaço que se constituem em ângulos retos entre si.
Sean tentou desanuviar-lhe os pensamentos.
— Três dimensões ortogonais do espaço são conhecidas como comprimento, largura e altura, Gyrimias e, portanto, a quarta dimensão é a direção no espaço que está em ângulo reto com estas três dimensões observáveis. Em 1827 o matemático Möbius percebeu que uma viagem pela quarta dimensão poderia transformar um objeto em sua própria imagem espelho. Então você poderia usar a quarta dimensão para transformar um sapato direito em um sapato esquerdo.
— Mas o transformaríamos ou o plasmaríamos em mais um?
— Boa questão Gyrimias. Boa! — sorriu-lhe. — Só sei que Mme. D'Espérance ainda chegou a fazer inúmeros apports de plantas e flores vivas e inteiras, pela quarta dimensão.
— Então a quarta dimensão é o principio do cubismo? Os cubistas tentavam retratar todos os lados de um objeto de uma só vez, como se vistos da quarta dimensão. É assim que Pablo Picasso pintava — e Gyrimias se propôs a imaginar ele e sua imagem espelhada num plano quadrimensional.
— Sim. Uma das ideias instrumentais no desenvolvimento do cubismo era que a quarta dimensão, poderia fornecer um ponto de vista para observar as formas não distorcidas de objetos e... — e parou. — Droga! Se ao menos eu tivesse conseguido ler aquele documento amarelado nas mãos de Trevellis, que Trevellis estava destruindo antes de eu chegar ao jantar da minha casa.
Gyrimias olhou-o com interesse.
— Como sabe que ele destruiu se não havia chegado, Senhor? — Gyrimias viu Sean só o olhar. — Ah! Assim... — olhou em volta imaginando os segredos de tudo, segredos que nunca teria tido chance de conhecer se não por sua amizade com Sr. Queise.
— E fico pensando. Será que podemos concertar erros, Gyrimias? Será possível eu retornar àquele jantar, chegar antes de chegar e ler o documento que meu pai guardou na frente de Syrtys e Trevellis destruiu? — Sean tinha ferimentos no rosto.
Andava cansado e estressado.
Gyrimias duvidou de sua sanidade por alguns instantes.
— Aonde se feriu, Senhor?
— Num acidente que não tive — Sean olhou Gyrimias em letargia. — Não estou insano Gyrimias. Já disse que ainda não... — Sean se absteve de brigas.
— Senhor...
— Com quantos anos uma criança precisa ter para entender esses livros, Gyrimias? — voltou a digitar algo no Google.
— “Entender” Senhor? — ele suspirou. — Diz tirar ideias disso tudo?
— Sim...
— Parcelado o que conheço de uma criança hoje, talvez seis anos, Senhor?
— Mas com seis anos ele não faria muita coisa, não Gyrimias? Teria que ter uma formação acadêmica para criar algo tão destrutivo que...
— “Criar algo”?
— Com, digamos, 21 anos, Gyrimias. Com mais de 20 anos ele já teria condições de fazer algo. Então ele nasceu 21 anos antes de A História de Plattner ser publicada, e teria 23 anos quando leu Os Herdeiros. E isso nos dá um intervalo entre 1879 a 1901. Mas a sala vermelha se direciona exatamente a 1901, e cai sempre em 1896, então ele nasceu em 1879 para em 1896...
— Albert Einstein nasceu 1879, Senhor. Ele se formou em 1901 e, em razão de sua postura independente na época de estudante, teve grande dificuldade para conseguir emprego como assistente de professores e cientistas, conseguindo trabalhar no final de 1901, como examinador no Escritório de Patentes da Suíça.
— Nikiforus havia dito que em 1901 um empregado das patentes começou a roubar informações de Albert Einstein. Ele havia descoberto algo anos depois, alguma coisa que talvez Einstein não tenha conseguido concretizar.
Gyrimias ficou pensativo. Sean o olhou, Gyrimias estava embaçando, com estantes de madeira escura atrás dele; calhamaços de papéis, escrivaninhas de carvalho, janelões de vidro opaco, um cheiro úmido e homens de terno e gravata, com seus bigodes impecáveis. Havia uma luz tênue onde os poucos homens sentados às suas mesas, trabalhavam e Sean girou os olhos para vê-los.
— Ahhh!!! — deu um grito e cambaleou no banquinho.
— Senhor Sr. Queise? — socorreu Gyrimias antes dele cair. E Sean mal conseguia falar. — Senhor? O que houve?
— Ahhh... Eu vi... Eu vi... Eu vi...
— Senhor? Está bem? O Senhor viu o que?
Sean arregalou os olhos azuis para o cientista da Computer Co..
— Eu vi Einstein!
Dessa vez Gyrimias se calou.
Computer Co. House’s; São Paulo, capital.
23° 36’ 19” S e 46° 41’ 45” W.
08 de novembro; 22h56min.
Sean adentrou sua sala após passar Renata que não o olhou. Ele viu Erianthia olhando-o com interesse. Depois viu Kelly calada. Olhou Erianthia lhe olhando e olhou Kelly sem mover-se.
— Precisamos conversar sobre o que a sala vermelha viu em 1896 — falou Sean. Erianthia continuou a olhá-lo. — Vai continuar a ficar me olhando? — ele alterou-se. Erianthia nada respondeu. — Deus... Não vê? Einstein não estava errado. As partículas, quero dizer, nenhuma partícula pode ser mais rápida, andar mais rápido que a velocidade da luz, mas o espaço pode; a malha espacial anda mais rápido que a velocidade da luz porque escoa para outra dimensão... — Sean viu que Kelly não se movia. —, se expandindo até... — e deu dois passos parando à frente do notebook para ver que o relógio não passava; sentiu medo do que pensou. — O que você fez?
— Ela ficou me olhando.
— E ser olhado por alguém é perturbador, não? — Sean andou até a sua mesa. — Libere o tempo. Preciso falar com Kelly.
— Não posso!
Sean não acreditou no que ouviu. Virou-se para ela sentada na cadeira o olhando.
— Libere Kelly!
— Já disse que não posso.
— Libere...
— Não fui eu! — Erianthia olhou-o nervosa. — Foi ele! — apontou para Sean Queise.
Sean ergueu-se de supetão impactando ao vê-lo, ao se ver. E não entendeu muito bem o que via.
— O que... — Sean olhou-a.
— Eu nos tirei da Computer Co..
Sean arregalou os olhos azuis.
— Você... — olhou em volta. — Não estou na... Não estou na...
— Não!
Sean olhou para os lados confuso. Havia outro Sean Queise ali, e ele não estava invertido.
— Ele é...
— Seu invertido.
— Mas...
— Somos bilaterais, Sr. Queise. Ao menos nossa imagem no espelho.
Sean arregalou os olhos azuis ao ver que o corte provocado no rosto direito ao cair do helicóptero com Aagje e Zenon, estava no lado esquerdo do rosto do Sean Queise ali parado com Kelly.
— Mas eu vi no espelho do Astra Hotel... Meus dedos estavam invertidos do encaixe... Meus neurônios... Não... Não... Não pode ser... — Sean viu que Erianthia Papadopoulos Agasias não o entendeu e não gostou daquilo. — Deus... — soou de sua boca. — Kelly?
— Está na Computer Co.?
— A deixou com aquela coisa?! — gritou com Erianthia apontando para eles. — Kelly?! Kelly?! — berrou para uma Kelly paralisada na cadeira.
— Ela não pode ouvi-lo, Sr. Queise. Já disse que não estamos...
— Cale-se!!! Me leve de volta!
— Não!
— Me leve de volta! — segurou no braço de Erianthia.
— Não faria isso se fosse você, Sr. Queise! — advertiu Erianthia.
— Sua... — mas Sean não pareceu ouvi-la. — Ahhh!!! — foi lançado longe, longe Sean não soube quanto. Rolou, rolou e rolou até parar num chão de areia quente. Ergueu-se na mesma velocidade se vendo no meio do desastre do avião que não viajou. Pessoas eram incineradas vivas; braços e pernas soltas do encaixe. Sons de gritos, explosão, e mais gritos. — Onde... Onde... Onde estamos?
— Numa área do deserto dos Emirados Árabes Unidos.
Um assovio metálico de uma turbina ainda em movimento se tornou forte.
— Corra!!! — e Sean saiu em disparada em meio aos mortos, angustia e fogo. Erianthia também correu a levantar areias e tudo foi pelos ares novamente. Sean sentiu seu corpo soltar-se pela força da gravidade alterada. Foi lançado sobre pedaços e material em chamas. Rolou, rolou e rolou outra vez. — Ahhh!!! — tentou se levantar e se viu preso pela coxa num pedaço de banco do avião. De repente o acidente do voo 5674 passou a fazer sentindo. — Ahhh!!! — sentiu que ia desabar, suas mãos estavam queimadas. Sean viu Erianthia indo embora novamente. — Tire-me daqui...
— Não fui eu quem lhe trouxe.
— Cale-se Erianthia!!! Tire-me daqui!!! — ele viu Erianthia começar a ir para cada vez mais longe. — Aonde você vai?! — Sean viu que Erianthia passava pelas chamas e ele viu Aagje naquele momento; achou ter visto. — Deus... Por que você está em chamas? — sentiu o calor lhe subir as pernas. — Ahhh!!! — queimou-se novamente.
— Enquanto continuar fazendo isso vai morrer no acidente que não morreu — dizia Erianthia cada vez mais longe.
Sean sentia-se se queimando. Correu com dor na coxa esquerda a sentir que mal conseguia enxergar em plena fumaça, cheiro de carniça, morte.
— Erianthia?! — não a enxergava mais. — Erianthia?! Onde você está?!
— Liberte-se, Sean Queise. Liberte-se de suas culpas.
— Ahhh!!! — Sean queimava-se em tudo a sua volta. — Erianthia?! Tire-me daqui!!!
— Saia... — soou muito longe.
— Ahhh!!! — e Sean caiu no saguão, em meio a sua mala, seu notebook e a mulher ao seu lado que acudia um homem ferido, caído no chão. Sean ergueu-se sentindo as mãos doendo, a coxa esquerda sangrando. Olhou-se, havia sangue em todo seu corpo, no meio das queimaduras. — Ahhh!!! — mal conseguia tocar-se. — O que... Por que estou ferido?
— Porque o voo 5674 caiu e você estava nele.
— Não... Não... Não estava.
— Estava Sr. Queise. O avião tentou aterrissar, foi de bico no chão levantando areia, partindo a aeronave em pedaços, cuspindo passageiros e comissários na areia, em meio a pedaços da fuselagem quando você fez apport e se tirou da areia em chamas.
— Não... Não... Não...
— Sim Sr. Queise. Você plasmou uma pista de pouso para o avião aterrissar, plasmou um saguão inteiro onde pessoas se protegeram das chamas, salvando-as. E se salvou.
— Eu... Eu... Salvei-me? Salvei quantos?
— Poucos; pela grandeza do desastre, poucos.
— E como... Como posso estar aqui de novo?
— Porque seu invertido saiu do espelho. Tudo está bagunçado na sua vida Sr. Queise.
— Ahhh!!! — tocou-se. — É a plasmagem não? Ela pode ferir-nos?— ele viu Erianthia só o olhar. — Leve-me de volta! Não vê que isso dói?
Erianthia se virou para ele.
— Leve-se!
— Sabe que não posso! Que não consigo!
— Leve-se!
— Pare com isso!!! — sentou-se no chão do saguão lotado com pessoas feridas, doentes, algumas faltando pedaços, indo e vindo. — Eles estão mortos?
— Sim!
— Deus... — Sean se olhou, olhou em volta, olhou Erianthia o olhando. — Isso é insano... — Sean sentia o ambiente pesado. Não havia ar, nada era tocável. Sentiu-se nonsense novamente. — Por que sua invertida não escapou? — falou no que ela se aproximou dele o olhando. — Ou não escapou porque talvez você esteja morta, não Erianthia? Ou talvez você seja a invertida dela, de Aagje.
— Está duvidando de minha lealdade, Sr. Queise? — e Erianthia se aproximou erguendo o rosto sujo de Sean empurrando algo para dentro da boca dele.
— Ahhh... — Sean quis vomitar e não conseguiu, beijou o chão sentindo que algo se embrulhava no estômago. — “Lealdade”? — seu estômago dobrou-se e Sean vomitou. — O que me deu... O que me deu para engolir? — voltou a vomitar.
— Nada!
— Hipócrita! Colocou algo na minha boca!
— Preciso que seu invertido adoeça.
Sean vomitou novamente.
— Também fiquei...
— Mas fica mais fácil carregar só um, Sr. Queise. Preciso arranjar um meio de voltar lá.
— “Lá”? Ele não saiu da Computer Co.? — se dobrou novamente. — Ahhh... Por que meu invertido ainda não nos encontrou? Não sabe? — foi pura ironia.
— Estou bloqueando.
— Monstro... — Sean girou os olhos de dor caído no chão de um saguão de mortos.
— Sem movimentos bruscos ou ele vai nos encontrar.
Sean a olhou atravessado.
— Posso sofrer Senhorita? Dá-me esse direito? — ele sabia que Erianthia nada responderia. — Leve-me! Por favor!
— Você a ama, não?
Sean ergueu os olhos azuis do piso do saguão do aeroporto que começava a ter nuances de mármore carrara.
— Sim... — Sean estava na cobertura outra vez. Sozinho. Olhando-se ao lado de Kelly que conversava animadamente com seu invertido. Erianthia então apareceu, passou por ele, e voltou a se sentar e olhá-lo, na mesma cadeira de antes na mesma posição que Kelly a havia visto. — Como consegue ser tão fria? — Erianthia não se deu ao trabalho de responder e Sean balançou a cabeça ajoelhado, sentindo dor nas mãos queimadas, incoerência na cabeça. — Por que Kelly não me vê? — Sean sentia dor.
— Porque o Sean Queise invertido deve ser mais interessante.
Sean olhou Erianthia com o som da voz suave de Kelly chegando aos seus ouvidos. Ela estava feliz. Uma felicidade que ela não conhecia; talvez uma felicidade que ele não conhecia. Sean então viu seu invertido sorrir, levantar a mão, tocar os cabelos dela, se aproximar, cheirá-los.
Sean cerrou os olhos. Ele era seu invertido mesmo.
— Ele é um monstro! — exclamou o Sean Queise original tão alto que Kelly acordou.
Ela olhou um Sean Queise próximo, a ponto de beijá-la. Escorregou os olhos e viu outro Sean Queise, ajoelhado, olhando-a.
— Sean?
— Você... — o Sean Queise invertido alertou-se ao se virar para trás e ver um Sean sujo, rasgado, com as mãos sangrando.
Os dois se encararam. O Sean Queise original viu sua ferida invertida no rosto dele outra vez.
— O que... O que... — Kelly mal conseguia respirar perante o susto.
— Saia Kelly! — falou o Sean Queise original se levantando.
Mas o Sean Queise invertido a segurou.
— Não Kelly querida. Fique atrás de mim — o Sean Queise invertido puxou-a para trás dele. — Não sabemos o que está acontecendo.
— “Kelly querida”? — Kelly olhou um Sean Queise, olhou outro Sean Queise.
— Saia, Kelly! — voltou a falar o Sean Queise original; sujo, ferido, sangrando. — Ele não sou eu.
— Sean... — Kelly olhou um. — Sean... — olhou outro. — O que está acontecendo aqui?
O Sean Queise invertido abraçou-a.
— Tire as mãos dela! — o Sean Queise original cerrou os dentes em meio a dor que sentia. Mas o Sean Queise invertido agarrou-a tão rápido que seus lábios praticamente a engoliram. — Tira as mãos dela, monstro!!! — o Sean Queise original partiu para cima dele sendo jogado longe. — Ahhh!!! — Sean não se lembrava de sentir tanta dor. — Ahhh!!! — suas mãos estavam muito feridas.
Erianthia ergueu-se ao vê-lo passar por ela, rolando. Sean ia se erguer também, mas seu invertido se projetou tão rápido que foi ele quem o ergueu do chão.
— Ahhh!!! — o Sean Queise original sentiu suas queimaduras sendo tocadas. — Ahhh!!! — a dor era demais.
— Sean?! — Kelly gritava não sabendo ao certo afastar quem de quem.
Mas o Sean Queise original com um golpe de joelho nocauteou o estômago do Sean Queise invertido que se retorceu. Depois o Sean Queise original enroscou suas pernas no pescoço dele e laçou o Sean Queise invertido o derrubando. Mas o Sean Queise invertido tinha uma força igual. Pegou o Sean Queise original e socou-o, socou-o, socou-o.
— Sean?! Sean?! Sean?! — berrava Kelly para um para outro. — Parem os dois!!!
O Sean Queise original a olhava entre um soco e outro:
— Você não pode estar falando sério...
Kelly o olhou.
— Com tempo para ironias patrãozinho? — correu ao telefone. — Seguranças?! Aqui na cobertura já!!! — e a própria Kelly foi arrastada pelo cabelo pelo Sean Queise invertido. — Ahhh!!! — berrou até o outro lado da cobertura.
— Largue-a!!! — o Sean Queise original se levantou e sentiu-se chocando com algo.
Havia algo os separando deles, um grande espelho no meio da sua cobertura. Ou seu invertido havia atravessado, ou Sean já não estavam ali. Arregalou os olhos para Erianthia e os seguranças invadiram a sala de Sean de armas em punhos.
— Sr. Queise? — Sr. Abreu o segurança, impactou nas feridas dele.
O Sean Queise original olhou Kelly e o Sean Queise invertido no espelho.
— Não!!! — Sean tocava cada parte do espelho procurando uma fenda, uma maneira de atravessá-lo. — Kelly?!
Kelly o via, passando a mão em algo que não via. Via-se, sim, nas mãos de um Sean até pouco tempo atrás atencioso, carinhoso, flexível. O Sean Queise original enfiou a mão na goela com queimadura ou não. Tentava vomitar algo que Erianthia deu. O Sean Queise invertido dentro do espelho tentava evitar que algo atingisse sua goela. Sem saber o que é que estava acontecendo com ele, retorceu-se com ânsia de vômito.
— Enlouqueceu? — Erianthia levantou-se de supetão. — Não pode fazer movimentos bruscos ou a plasmagem se desfaz Sr. Queise.
— Plasmagem sua!!! — gritou o Sean Queise original com ela em meio a seguranças agora paralisados momentaneamente por Erianthia que se levantou da cadeira.
— Plasmagem nossa Sr. Queise. Porque sabe que poderá adoecer mais ainda se rompê-la bruscamente.
— Cale-se Erianthia!!! Cale-se!!!
— O que é Sean? — o Sean Queise invertido ria do outro lado do espelho. — Não está gostando de me conhecer? O seu outro eu?
— Você não existe... — e o Sean Queise original tentou vomitar de novo.
— Já falei para não fazer isso! — Erianthia estava nervosa.
Mas Sean passou a ter vontade de vomitar sem querer. E mais uma vez, e mais uma vez, e mais uma vez.
— Essa... Essa coisa está se desmanchando... — e tentou vomitar. — Isso na minha boca. Tire isso da minha boca Erianthia...
— Eu tiro! — e o Sean Queise invertido atravessou o espelho e estancou tão próximo dele, que o Sean Queise original jurava estar respirando o mesmo ar.
E o Sean Queise original foi beijado por ele mesmo. A sua pele roçava na pele dele.
— Ahhh... — o Sean Queise original tentava se desvencilhar, mas a força empregada era a mesma recebida de volta em meio a língua dele girando na dele. — Ahhh... Não... — tentava escapar.
— O que é? Estou tentando tirar — gargalhava o Sean Queise invertido agarrando a cabeça do Sean Queise original e o beijando outra vez.
— Está... A língua em mim... — e tentou vomitar no que os lábios o beijavam.
E o Sean Queise invertido voltou a tomar a boca dele, o céu da boca com mais força ainda girando a língua dentro da boca dele. O Sean Queise original empurrou-o não soube com que forças e ele voltou para bem perto.
— Não pode se livrar de mim aqui, Sean. Sou você.
— Aqui não existe.
— E como existimos no que não existe, Sean? — o Sean Queise invertido desafiou-o. O Sean Queise original não entendeu nada daquilo. Ou entendeu tudo. O invertido agarrou-o e Sean desvencilhou-se dele. — O quê? Meu beijo não lhe agrada? — o Sean Queise invertido se divertia. — Vamos então ver o que a sócia tem a me oferecer? — e o Sean Queise invertido largou o Sean Queise original que foi ao chão voltando para dentro do espelho.
Sean virou-se desesperado para Erianthia.
— Procure água!!! Procure água!!! Jogue água na tomada!!! — gritou correndo para tomada da parede.
— O que?
— O que nada!!! Nada de o quê!!! — berrava o Sean Queise original descontrolado. — Eu preciso levar um choque!!!
— SQM? Ehhh... E eu sou a maluca com meu copo de vinagre e sal?
— Preciso sair de mim... — falava com o resto de força que seu corpo queimado, socado e sangrando, permitia naquele momento. — Deus... Minha alma deve controlá-lo melhor.
— Mas ele também sairá de si.
— Ele não é minha alma, Erianthia!!! — berrava. — Ele não é meu duplo-etéreo!!! É outro de mim noutra dimensão!!!
— Ele também tem alma, Sr. Queise!
Kelly gritou e Sean arregalou os olhos azuis vendo que ela nada fazia.
— Qual é seu problema, Erianthia?!
— E por que acha que tenho algum Sr. Queise? — e tudo voltou.
O tempo, o espelho inexistente, os beijos entre os ‘Sean’, os seguranças, os socos, a felicidade de Kelly, o saguão, a coxa esquerda ferida, as mãos queimadas, a turbina em chamas, a explosão. O Sean Queise original se viu vindo da sala de Gyrimias, atravessando o corredor de uma Renata muda, abrindo a porta, entrando na sua sala, vendo Kelly sentada à frente de Erianthia a odiando, a beleza dela.
O Sean Queise original arregalou os olhos e por segundos se viu, eles dois originais na mesma cobertura da Computer Co. House’s.
— Ahhh!!! — Sean caiu com a cabeça nos travesseiros macios do Astra Hotel.
Ele fechou os olhos não acreditando naquilo.
— Eu não tive alternativa... — Erianthia tremia toda sentada na cadeira à frente dele. Sean se virou e a encarou. — Era o único lugar seguro para trazer-lhe.
— Kelly... — mal teve forças para falar.
Nem sabia se teria coragem para ouvir.
— Ela não vai mais passar por aquilo.
— Deus... — fechou e abriu os olhos. — O que foi… O que foi aquilo?
— Eles são monstruosos, Sr. Queise. Muitos se confundiram aos dinossauros.
Sean a viu tremendo. Havia algo naquela frase que Sean não entendeu de imediato. Sabia que eles não eram os dinossauros.
“Então de que monstros ela fala?”, pensou.
Quis, mas não entendeu.
— Deus... O que foi que eu fiz?
— Não foi você — foi só o que ela conseguiu responder dessa vez.
Sean se olhou sem as feridas nas mãos, olhou sua coxa esquerda e havia uma cicatriz. Girou os olhos e olhou o hotel, e se tocou, agora na face direita, a marca também estava lá. Algo acontecera na queda do voo 5674, algo acontecera na queda do helicóptero, isso ele não duvidava.
— Por que... Por que não me deixou nu dessa vez?
— Queria?
Sean não esperava tal resposta, nem porque fez tal pergunta.
— Eu...
Ela se levantou da cadeira e Sean viu que o lençol de baixo sumira. Impactou. Viu que só o colchão estava abaixo dele. A olhou sem entender e o lençol de cima sumira. Sean voltou a impactar. Outra vez nada falou, nada perguntou.
Erianthia se aproximou dele e tocou-lhe o rosto.
— Esbofeteie-me! — ela pediu.
Sean só ergueu o sobrolho.
— Você merece? — e Sean sentiu Erianthia tocar-lhe as calças. — Ahhh... — Sean mal acreditou nas mãos que lhe tocaram por cima do tecido.
Não recuou, nem a impediu de largá-lo. Erianthia se encheu de coragem e toda sua pele se iluminou. Seus cabelos se soltaram do coque e escorregaram no ombro que Sean alcançou com a boca, beijando-a. Seus olhos se cruzaram e Sean ajoelhou-se na cama, com Erianthia permanecendo em pé; paralisada.
Ambos se mediram, se desejaram.
Ele sentiu sua camisa abrir. Botão por botão até ela fazer apport dela. Como não sabia bem fazer aquilo desabotoou o vestido dela no manual. Erianthia sorriu com graça e Sean beijou o canto da boca que sorriu. Ela o olhou de perto ainda em choque pela aproximação. Sean sentiu que toda sua roupa havia sido tirada. Sentiu-se nonsense, nu, na presença dela. Erianthia não se sentia tão tímida assim. Inclinou-se e beijou-lhe o dorso nu, um lado, o outro, um lado e outro, descendo. Sean a seguia com o olhar. Erianthia parou e ficou a olhá-lo também. Com gosto. Ele ergueu-se e tirou-lhe o vestido que foi ao chão para então sua boca acomodar um seio, outro seio, opulentos, da agente que se plasmava em Kelly, que voltava a ser Erianthia, que se plasmava em Sandy, e que voltava a ser Erianthia.
Sean impactou naquilo; naquilo tudo. Ele já não sabia quem desejava naquele momento. Só desejou que ela não fizesse mais nenhuma plasmagem ou aquilo ia desmoronar. Erianthia o inclinou o deitando no colchão puro, macio, iluminado pela Lua brilhante. Sean esperava por mais. E Erianthia só se inclinou. Sean mal teve tempo de se recuperar quando agora ele invadiu-a.
— Ehhh... Sean...
Sean a olhou em êxtase como se o mundo tivesse parado. Talvez tivesse. Erianthia partiu para o movimento, agora o dela. Ele pertencia a ela e Erianthia dominou-o com prazer. Mãos, pensamentos; tudo utilizado. Sean gemia e ela o beijava, cada canto, cada curva ainda inexplorada. Suor, perfume, tudo assimilado.
— Erianthia...
— Não... Não fale... — e tudo sumiu.
Colchão, quarto, Grécia. Sean se viu nu, encaixado a ela numa rua deserta, acolchoada, de fronte a um prédio verde espelhado que ‘ia e vinha’. Sean tentou falar, mas não conseguiu. Erianthia não o ouvia, não o via; só gemia. Ele olhou para um lado, para outro enquanto todo seu corpo sentia o prazer daquele corpo perfeito, quente, opulento, grande.
De repente tudo escureceu, clareou, escureceu e voltou a clarear até cegá-lo.
— Ahhh!!! — gritou entre dor e prazer.
Sean viu luzes estroboscópicas em meio a um túnel de luz que atravessava a rua acolchoada como se fizesse parte e não fizesse. Sentiu que nada mais fazia sentido naquele momento mágico. Que o prazer do corpo quente, úmido de Aagje, de Erianthia ou quem quer que ela fosse naquele momento o dominava, dominavam suas emoções, seus corpos, os de dentro os de fora os de outra dimensão.
Sentiu-se saindo de si, indo e voltando a lugares; pessoas, luzes, cores, cheiros. Ele voltava ao Astra Hotel, saía, e voltava para dentro dela num passo alucinado, cadenciado, molhado. Atordoava-se enquanto o prazer corria por todo seu corpo que era movimentado para dentro e para fora, para dentro e para fora, para dentro e para fora.
Sons de música e vozes fora da realidade quadrimensional, porém o alertaram. Havia alguém ali; muitos. Sean abriu os olhos, havia voltado ao Astra Hotel sendo observado por ‘seis anões’ num túnel de luzes neon.
Desabou desacordado numa cama fria do mosteiro sem ter tempo de matar a Senhorita Agente Erianthia Papadopoulos Agasias.
E ele a queria ter matado se ela estivesse ali.
14
Mosteiro Roussanou, Meteora; Grécia.
11 de novembro; 09h27min.
Sean acordou agora no seu quarto do mosteiro três dias depois. Levantou-se nu olhando em volta, furioso.
Correu para a porta, mas estava trancada.
— Erianthia?! — berrou a socando. — Abra essa porta!!! — se jogou contra ela, uma, duas, três vezes até sentir o ombro doer, sangrar pela madeira velha que enterrara uma lasca na pele dele. — Droga! — afastou-se da porta sentindo dor, manchando o chão de sangue. — Erianthia?! — voltou a berrar quando a porta abriu.
Sean não sabia como agir.
— Oscar usou de bons genes — foi o que Mr. Trevellis falou ao vê-lo nu.
Sean se escondeu como pôde sob fortes olhares de Nympha e Baco que adentraram com ele. E Nympha o rodeava o deixando com mais ódio ainda.
— Onde ela está! — Sean estava furioso com Mr. Trevellis.
— Sua roupa?
— Erianthia!!! — berrou.
— Ocupada — Mr. Trevellis sorriu ao baforar o charuto cubano.
Sean cerrou os olhos sentindo que o ar não subia. E não era pelo ar carregado de fumo.
— Me dê uma roupa. Ao contrário de quando com Erianthia não gosto de ficar nu na sua presença.
Mr. Trevellis não gostou de ouvir aquilo, de saber que os dois se envolveram mais do que o permitido. Também não estava gostando de ver Nympha rodeando Sean Queise.
— Não escutou mocinha? — Mr. Trevellis sorriu. — Ele não gosta de ficar nu na nossa presença — e Nympha e Baco sumiram dali atrás de uma muda de roupa para ele. Sean fechou os olhos e os abriu com raiva. — Achou o que ‘filho de Oscar’? Que conseguira desligar os mainframes e me deixar nas mãos daquelas coisas abomináveis? — Mr. Trevellis viu Sean voltar a fechar e abrir os olhos sentar-se pesado na beirada da cama. — Ou achou que ela o amava?
Sean agora o encarou mais furioso do que antes sem responder. Mr. Trevellis gargalhou o rodeando, o deixando mais descontrolado ainda. Depois se virou e entregou-lhe algo, um pacote pardo.
— O que é isso?
— Echelon!
Sean teve medo do pacote entregue.
— Fotos? — Sean não entendeu.
— Fotos suas no aeroporto de Dubai, dia 27 de setembro.
— Você disse que não havia informações alguma no Echelon.
— Menti!
— Faz isso o tempo todo, não Trevellis?
— Não me desafie ‘filho de Oscar’.
— Já falei para não me chamar assim — cerrou os dentes começando a se descontrolar. Mr. Trevellis esperou ele olhar as fotos, mas Sean nem se quer as tocou. — Eu sei que tomei o voo 5674 da Emirates Airlines com destino à Grécia. Que eu plasmei toda uma pista de aterrissagem, que me tirei do voo em chamas, que machuquei minha coxa esquerda no que caí preso ao banco — e Sean viu que Mr. Trevellis não estava gostando daquilo. —, e sei que os alienígenas me viram fazer aquilo para então terem ideias novas de como sair da Terra.
— Seu moleque atrevido!
Nympha entrou com uma muda de roupa. Saiu ao ver o olhar de Mr. Trevellis para com ela. Sean se vestiu em choque, não viu Mr. Trevellis admirando sua inteligência.
No fundo Mr. Trevellis sempre quis ter um filho daquele.
— Erianthia disse que o apport acontece quando o tempo se torna lento no espaço quadrimensional... Quando o espaço tridimensional se curva... — Sean encarou Mr. Trevellis. — Como o tempo se tornou lento a ponto de descer um avião lotado?
— Até parece que não sabe a resposta — Mr. Trevellis só o olhou com sua tez de cor jambo, brilhante pelo suor escorrido.
— Erianthia me disse que os alienígenas haviam me salvado porque eu era necessário a eles, vivo, mas na verdade fui eu quem deixou o tempo lento para que eu pudesse fazer apport de mim mesmo — Sean se divertia. — E sabe por que os alienígenas estavam lá me observando, Trevellis? — e Mr. Trevellis só o olhava. — Para me dizer metaforicamente que fiz algo em Spartacus capaz de levá-los embora.
Agora Mr. Trevellis se irritou.
— Vai entrar naquela sala vermelha, ‘filho de Oscar’ — falou bem próximo. —, e vai viajar para 1901 para evitar que aquele velho decrépito entregue os planos de Spartacus àquelas abominações.
— Que velho?
— O que matou seu pai que não soube obedecer minhas ordens.
— Meu pai não é nenhum…
— Seu pai? — Mr. Trevellis foi cruel.
Sean o odiou por aquilo, por tudo aquilo.
— Meu pai jamais fez ‘acordos’ Trevellis. O lodo sempre é moldado em suas mãos.
Mr. Trevellis gargalhou com força e vontade.
— Se engana ‘filho de Oscar’, porque você também pode ser enganado ‘filho de Oscar’, porque Fernando sabia que se os alienígenas tivessem os planos do satélite de observação você não conseguiria...
— É sempre ele, não Trevellis? É sempre Spartacus.
— É sempre o satélite de observação, sim. Por que achou que não fosse, ‘filho de Oscar’?
— Cale-se!!! — Sean cerrou os punhos, mas nada fez dessa vez.
Mr. Trevellis caiu em nova sonora gargalhada.
— Me diga ‘filho de Oscar’? Como se sente sabendo que Fernando Queise trabalhava para nós? — e Mr. Trevellis nem teve tempo de prever aquilo, Sean acertou-lhe um soco no movimento rápido que fez. E ele o fez muito rápido. — Ahhh?! — Mr. Trevellis se chocou com a parede atrás dele e Sean olhou-se com duvidas se havia se movido na malha quadrimensional ao socar Mr. Trevellis sem se virar.
Mr. Trevellis ficou de costas para ele num misto de dor e medo. Sean ia rápido demais com aquilo. Talvez nem ele, nem Oscar, e talvez nem Mona houvessem previsto aquilo.
— Vamos, Trevellis. Fale! — desafiou-o.
— Como se moveu tão rápido se não saiu do lugar ‘filho de Oscar’?
Sean cerrou os olhos. Não havia sido impressão. Ele não havia mesmo se movido dali.
— Não sei do que está falando — agora o encarou.
— Conseguiu falar com os mortos, não foi Sean? Nikiforus nunca foi confiável, nem morto.
Sean só sorriu e Mr. Trevellis passou por ele, abriu a porta e saiu batendo- a na saída. Sean ficou ali, sozinho, pensando, pensando, pensando. Pensando que talvez tenha realmente feito algo errado com sua vida no passado.
Teve medo dele próprio.
Mosteiro Roussanou, Meteora; Grécia.
11 de novembro; 11h11min.
Sean adentrou na sala vermelha dia onze do onze, às onze e onze, não imaginando como ela era. Mas ela não era nada. Só uma sala com paredes vermelhas, desbotadas, um dia bem pintadas. No centro cinco cadeiras em forma de círculo; ocupadas e Erianthia no centro.
Erianthia não levantou o rosto do ponto vermelho pintado no piso de borracha branca. Parecia mais um alvo do que outra coisa. E ela era seu alvo. Sean fez questão que ela captasse seu ódio por ela. Mas nada moveu nela, porém. Ele tinha que admitir, ela era uma agente da Poliu e eles sabiam recrutar como ninguém.
Odiou-a. Odiou-se também por se envolver tanto com eles.
Nas cinco cadeiras Baco, Nympha, Pallas, Ophelie e Gameliel, que escorregava os olhos para vê-lo de segundo em segundo.
— O que está acontecendo aqui?
— O que acha ‘filho de Oscar’? — gargalhou Mr. Trevellis respondendo por Gameliel. — Estamos viajando no tempo.
Sean impactou ao ver o espelho atrás da cadeira de Gameliel, mas foi Mr. Trevellis quem ele voltou a encarar.
E os dois se enfrentaram com olhares.
— Fazem apport de algo mais que si mesmos?
— Vamos juntos com o que quisermos levar — respondeu Erianthia. — Pela malha quadrimensional.
— Não vou com você mais a lugar algum se é essa a intenção.
— Eu vou com você Sean! — correu Nympha a falar.
Erianthia só a olhou e Nympha devolveu-lhe o olhar. Sean não gostava daquela disputa. Porque na verdade foi Nympha quem ele contratou para vigiar o mosteiro, a mesma dupla, tripla que Syrtys contratou para saber sobre a sala vermelha.
— Vou com você, Sr. Queise — ofereceu-se Gameliel.
— Como?
— Não haverá transferência propriamente dita já que não sei fazer apport de mim — falou Gameliel.
— Não entendi? Você estava no Burj Al Arab.
— É Erianthia quem nos plasma Senhor — Gameliel olhou-a. —, como no Burj Al Arab... Só ela pode realmente viajar. Então ela pode plasmar-me e levar-me com você, e eu ainda ficaria aqui. Então metaforicamente, você me verá e estarei ao seu lado se isso ajudar.
— Sem nunca ter saído daqui?
— Sim.
— Deus...
Erianthia nada falou e Sean encarou Mr. Trevellis. Sabia que a resposta estava na presença dele ali.
— É a entropia do tempo, Trevellis? Erianthia pode me levar usando os cinco anões controlando as setas do tempo?
— Não nos chame assim Sr. Queise. Não gostamos da intimidade — Baco enfim falou.
Sean estava nervoso de mais, olhou um lado e outro e mais perguntas saltaram aos olhos dele.
— Vocês podem interagir... Vocês podem interferir no passado plasmado ou não?
— Não! — exclamou Baco.
— Sim! — exclamou Phemie ali, mas não participando.
— Phemie?! — Baco chamou-a a atenção.
— Não temos mais nada a perder Baco — Phemie estava abalada com algo.
Sean tinha razão, ela estava doente.
— Enfim poderemos matar nosso avô, Trevellis?
— É o que parece, não ‘filho de Oscar’? — respondeu Mr. Trevellis.
— Deus... Quem vocês querem matar?
— Alguém quem vai nos destruir por causa de uma descoberta — falou Phemie.
— Phemie... — voltou Baco a reclamar.
Mas a velha Phemie não parecia se importar com mais nada.
— Fala do cara que trabalhou com Albert Einstein nas patentes?
Mr. Trevellis se iluminou.
— Nikiforus contou-lhe?
— Eu vi Einstein. Estive no escritório de patentes. Senti que alguém lá me viu, me observou, sabia da minha presença lá porque estou contando isso aqui.
Mr. Trevellis achou que não entendeu, mas entendeu logo depois.
— Está dizendo que algum de nós nos traiu, ‘filho de Oscar’?
— Gostaria que fosse você, Trevellis. Para ter motivo de mandar você para a cadeia.
Mr. Trevellis gargalhou alto, nervosamente alto.
— Mato quem me trair, bastardo. Não se iluda comigo.
Sean só ergueu o sobrolho e Nympha se incomodou alertando Erianthia já que todos os outros ‘anões’ não podiam se invadir.
— Então Halph Rohan já sabe que sabemos sobre ele? — Baco começou a ficar preocupado.
— Quem é Halph Rohan? — Sean olhou um e outro.
— Nós nunca fomos pegos, Sr. Queise — Phemie o olhou da cadeira onde se sentava. — Não devia ter se deixado ser pego.
— Eu não sei quem é Halph Rohan, mas estou dizendo que alguém sabia que eu ia lá. Ele ficou sentado na escrivaninha dele me encarando, me esperando — Sean viu os oito se olharem, e depois Mr. Trevellis só olhar para Erianthia. Mas ela também nada sabia sobre aquilo. — O quê? Achando-me esquisito? Não sou eu quem estou reunido aqui, pronto para matar alguém no passado para que no futuro algo não seja feito — foi a vez de Sean desafiar cada um e Mr. Trevellis abriu a porta para sair. — Ou poderíamos ter matado Hitler naquele passeio? — disparou Sean ao homem jambo. — Estamos falando em consertar o mundo, não Trevellis? Foram mais de 29 planos elaborados para assassinar Adolf Hitler e você nada fez? Mas não, não é Trevellis? Não podemos interferir no mundo a menos que o mundo tente interferir na Poliu, não é Trevellis?! — gritou.
— Você vai morrer, ‘filho de Oscar’?! — esticou o dedo em sua direção. — Você, sua mãe, sua irmã e tudo que ama nesse maldito mundo se não fizer algo!!! — berrou em resposta. — E ao contrário de você, eu não quero ver minhas filhas mortas?!
— Suas filhas já estão mortas, Trevellis. Quando se tornaram suas filhas.
Mr. Trevellis foi para cima dele sendo seguro por Phemie, Baco, Ophelie e as outras três cadeiras ocupadas por Nympha, Pallas e Gameliel, até o enorme Mr. Trevellis parar. E ele parou bem perto de Sean que não moveu um único músculo do lugar.
— Não pense que o mundo gira em seu entorno, seu bastardo; porque não gira. Você não está ‘por cima da carne seca’ como diria seu pai nem é ‘a bola da vez’ como diria seu outro pai. Ainda sou quem sou, ‘filho de Oscar’. Cuidado comigo! — e Mr. Trevellis soltou-se dos braços de todos, e abriu a porta novamente para ir embora.
— Sabe que preciso conversar com Nikiforus — Sean sentiu todo seu sangue ferver, cada litro dele. — Que ainda há algo que ele não falou.
Mr. Trevellis estancou agora do lado de fora, com a porta semiaberta. Virou-se num pé só para todos que voltaram a se sentar em suas cadeiras, e entrou de novo na sala vermelha, fechando a porta atrás de si totalmente controlado.
— Continue ‘filho de Oscar’.
Foi a vez de Sean invejá-lo; seu autocontrole.
— “Um grupo de paleontologistas gregos descobriu um muro de pedra de 23 mil anos” — soou da boca de Sean alertando Mr. Trevellis.
Sean percebeu que Mr. Trevellis, Erianthia e os seis espiões psíquicos entenderam aquilo. Havia muito mais ali e ele ia pagar um preço alto para descobrir.
— Ophelie? — Mr. Trevellis foi até perto deles olhando Sean.
— Sim, Mr. Trevellis?
— Conseguem uma conexão com Nikiforus Theodorákis antes de irem a 1901?
— Sim — Ophelie olhou todos.
— Faça! — e Mr. Trevellis saiu de vez.
Ophelie olhou Sean o olhando. Ela apontou o centro vermelho no meio das cinco cadeiras para que ele fosse até lá e Erianthia saiu do centro.
— Saia! — Erianthia deu a ordem e Pallas se levantou saindo com Phemie. Sean a viu sentando numa das cinco cadeiras. — Acomode-se, Sr. Queise.
Sean a viu concentrar-se com os outros quatro já concentrados ele não soube no quê. Contudo, a resposta não tardou a chegar. Sean só pisou no círculo vermelho e arrepiou-se dos pés a cabeça.
— Ahhh!!! — saltou. — Escutou? Escutou? Escutou? — perguntava a cada um que olhava.
Nenhum deles respondeu.
“Sean...”; soou novamente.
Sean se arrepiou, olhou um e outro e o espelho ao fundo para então todas as paredes se abrirem e um grande espelho de 360° tomar conta da sala vermelha.
A sala vermelha era um grande espelho.
— Nonsense... — e algo o roçou. Sean impactou novamente. Olhou cada um dos cinco. — Você me tocou? Foi você Erianthia? Você Ophelie? Baco? Pallas? Gameliel? Nympha? — os cinco não se moveram. Sean começou a desgostar daquilo. Estava em pé, no meio de cinco cadeiras ocupadas por espiões psíquicos capazes de teletransportar um elefante para dentro da sala espelhada. E algo voltou a esbarrar em seu braço. — Ahhh... — Sean olhou para eles. — Algo me tocou! — mas nenhum movimento por parte dos cinco. Sean sabia que estava sozinho; por si. Fechou os olhos e os abriu e se viu na casa de Nikiforus Theodorákis. Fechou os olhos e os abriu novamente para se ver na sala vermelha com cinco cadeiras ocupadas. Respirou profundamente e voltou a fechar os olhos e os abrir para ver-se à frente de Nikiforus sentado na poltrona com um copo de água e uma cápsula de comprimido na mão. — Ahhh!!! — Sean impactou voltando a sala vermelha. Os cinco estavam de cabeças baixas, respirando fraco, compassado, sem moverem-se. Sean fechou os olhos e abriu para ver que Nikiforus ia tomar o veneno. Seu instinto foi gritar, correr, pedir auxílio aos cinco paralisados ali na sala vermelha, mas diferentemente do que acreditava iria fazer ele agarrou a mão de Nikiforus, que o olhou de olhos arregalados, tez embranquecida, em choque. — Não faça isso!
— Você... — Nikiforus olhou para um lado. — Você... — olhou para outro.
— Vai morrer! — falou Sean.
Nikiforus olhou Sean Queise, olhou em volta, olhou Sean Queise e olhou o comprimido que toda noite tomava para dormir numa mão sendo segura por um Sean que ele jurava, não vira entrar.
Sean ficou ainda o olhando, segurando-lhe a mão que estancava o ato de Nikiforus tomar o remédio.
— Ele ia... Ele ia... Matar-me? — Nikiforus balbuciava.
— Não tenha duvida. Halph Rohan irá matá-lo — Sean viu Nikiforus mal conseguindo respirar pelo susto, pelo medo. Ele diria que idem. — A polícia vai estar aqui, daqui a três dias, para a autópsia do seu corpo em decomposição.
Nikiforus arregalou mais ainda os olhos. Sentiu-se tonto.
— O que... O que... Como?
— Preciso que fale Dr. Nikiforus. Não posso lhe salvar da morte, mas você pode evitar a morte de outros — Sean viu Nikiforus voltar a arregalar os olhos para um Sean Queise nítido, palpável. — Por favor! — Sean soltou enfim a mão dele.
Nikiforus olhou para os lados sem saber o que fazer. Decidiu fazer o certo, o que se propusera a fazer quando abandonou a Poliu; salvar vidas.
— A coisa é mais ou menos assim, Sean... — pigarreou ainda nervoso. — Halph Rohan era um exímio matemático auxiliar de Albert Einstein no escritório de patentes, e que auxiliava o físico em mais do que ele supunha. E lendo e relendo muitas das anotações dele, descobriu como viajar no tempo curvando o espaço quadrimensional antes mesmo que Albert Einstein o tenha percebido. Porque como sabe Albert Einstein no seu final de vida e muitos anos antes, vinha se dedicando a uma fórmula que pudesse unir todas as forças; a fraca, a forte, o eletromagnetismo e claro, a gravidade.
— Teoria Unificada do Tudo.
— Sim... O que nos leva a pensar; Deus existe? Quando Albert Einstein disse que Deus não jogava dado, ele queria dizer que essa ciência quântica é capaz de comprovar sua existência ou trazer mais razões para a dúvida.
— Acho que como diz David Hume, temos que saber separar a fé da razão, Doutor...
— E o que é a fé, não Sean? — Nikiforus olhou em volta sem respostas. — Enfim... A coisa ficou assim... Entre uma viagem e outra Halph Rohan, que não conhecia a fé, deu de encontro com seu invertido e tudo saiu do controle. Para não morrer, ele fez um acordo interessante para si próprio. Viveria eternamente, o que percebemos funcionou, e em troca dessa imortalidade, e muito, mas muito dinheiro mesmo, ele conseguiria destruir os projetos de Spartacus.
Sean impactou naquilo.
— Mas por quê?
— Porque os alienígenas sabiam que curvar o espaço não seria suficiente para que os monstros que são, conseguissem sair da dimensão paralela a nossa. Uma dimensão onde foram presos pelos mesmos homens que eles geraram. Sociedades secretas que se revezam na tentativa de manter o equilíbrio do universo. Todos eles.
— Essas sociedades são?
— Secretas!
Sean já havia ouvido aquilo.
— “Um grupo de paleontologistas gregos descobriu um muro de pedra de 23 mil anos” — Sean achou graça. — Então algumas cavernas da Meteora são entradas, portais para as dimensões paralelas? Algum tipo de Psychomanteum? — ele viu Nikiforus o olhar de uma forma intrigante. — Eu descobri isso no quase um mês em que sumi, não foi? E eu sumi depois do helicóptero cair e não o voo 5674 porque desse também havia escapado um dia antes. Então me teletransportei para algum lugar que me ajudou a plasmar aquele helicóptero, mas diferentemente de mim não conseguia salvar Aagje Papadopoulos nem Zenon Kanapokolo. Depois por algum motivo desisti das plasmagens e tomei o voo 8901 para Londres para contar a Oscar, mas acabei sendo levado para o Brasil, pelo voo 6171 por Erianthia, que fez apport de mim porque alguém tentava me matar e ela não conseguia descobrir quem... Deus! Quem, Nikiforus? Quem tentava me matar e por quê?
— Não sei dizer. Talvez seja o mesmo quem implantou esse comprimido aqui; Halph Rohan.
— Mas Halph Rohan não estava mais agindo com os alienígenas? Porque os alienígenas só me observavam, para ver do que eu era capaz — Sean teve um sorriso de Nikiforus como resposta. — Deus... — Sean olhava em volta. — Spartacus! Sempre Spartacus. O que Halph Rohan quer com o satélite de observação Nikiforus?
— Ele sabia que seu pai e a Computer Co. investiriam como sabe, muito tempo, dinheiro, cientistas, e você na construção do satélite de observação, porque sabia que você poderia modificá-lo a ponto dele não só observar as estrelas e o Universo profundo, como poderia se aprofundar para observar a Terra, os terráqueos, e todas suas almas.
— Deus... — Sean temeu saber que Mr. Trevellis e toda a sala vermelha os escutavam.
— E Halph Rohan e os alienígenas queriam que tal investimento quádruplo, você, a Computer Co., a Polícia Mundial, e a Poliu se voltassem para o estudo de uma maneira que os fizesse sair de sua enclausura, os espelhos.
— Quádruplo?
— Sim Sean. Porque Mr. Trevellis investiu muito em você.
— Ahhh... — e Sean sentiu que apagava alertando Erianthia que abriu os olhos se iluminando toda, todo seu corpo, alertando Mr. Trevellis que os via da sua de controle ao lado da sala vermelha.
Sean voltou a se focar em Nikiforus e voltou à casa dele que o viu ficar tomado de rabiscos para então voltar se firmar.
— Incrível Sean... Seu pai temia exatamente isso que você se tornou.
Sean não queria falar sobre aquilo, não naquele momento.
— Mona amiga avisou que Sandy... — Sean teve medo de prosseguir. — Que Sandy ia vender os projetos dos espelhos de energia do satélite de observação Spartacus ao mercado negro. Era Halph Rohan?
— Sandy Monroe ou não, ou intuito não era os espelhos, Sean Queise. Era o satélite inteiro em mãos do mercado negro e claro, Spartacus não seria da Polícia Mundial que investiu anos de árduo trabalho para concebê-lo. E isso incluía você, já que convenhamos, Spartacus não seria a arma que é hoje se você Sean, ‘você’ não tivesse o concebido.
— Onde vamos chegar com isso, Nikiforus? — Sean sentiu-se arrasado.
— Vamos ver... Fica assim... Quando Sandy Monroe falhou, Halph Rohan ainda a mando dos alienígenas teve que então ir atrás de Fernando Queise, e Oscar Roldman, e Mr. Trevellis, porque os três e acredite, foram os três, que investiram o que sobrou de suas fortunas na obtenção de uma energia capaz de construir uma força que por sua vez seria capaz de movimentar os UFOs para que eles pudessem ir embora sem tirar sua vida.
“Os três... os três... os três...” “Sem tirar sua vida...”, Sean teve medo de estar ali.
— Deus... Por que Oscar nunca me disse que a Poliu esteve envolvida na construção de Spartacus?
— Porque Oscar Roldman um dia já foi da Poliu.
Sean riu nervoso. Sabia que Oscar havia feito parte da Poliu, mas como não era um ‘mister’, de família aristocrática, não podia comandá-la.
— Oscar preparou Trevellis? Foi Oscar quem preparou Trevellis para o comando da Poliu quando saiu para comandar a Polícia Mundial? Por isso a Poliu tão envolvida com os espiões psíquicos — Sean ficou tonto sabendo que Nikiforus não ia responder àquilo. — Sempre achei que a neura de Trevellis comigo e Spartacus eram os meus poderes paranormais, muitos mais que meus poderes computacionais — riu nervoso. — Mas como entrou a Computer Co. nessa confusão toda? Meu pai conheceu minha mãe antes de Oscar não?
— Fernando me perguntou isso uma vez — ele viu Sean só erguer o sobrolho, sentir dor mesclada a saudade que sentia de seu pai. — E eu respondi que não era a Computer Co. nem Nelma Queise.
— Era eu?
— Seus dons, Sean Queise, que nasceu um Roldman em meio a todo esse poder.
Sean sentiu-se tonto. Lutou para prosseguir, outra vez não quebrar tal ‘conexão’, como diria Mr. Trevellis.
— Mas meu pai nunca... — espremia a cabeça pela dor provocada por estar ali.
— Nunca permitiu. Nunca permitiu que Mr. Trevellis ou Oscar Roldman usassem seus poderes. É por isso que sabemos hoje que Halph Rohan não conseguiu isso também, não foi?
— Imagino o ódio de Halph Rohan para com meu pai, que investiu mais dinheiro ainda na sala vermelha para me proteger.
Nikiforus pigarreou.
— Então a coisa ficou assim... Como os alienígenas não conseguiram que seu projeto de energia para os UFOs também fosse concretizado pela Computer Co., pela Polícia Mundial, pela Poliu e pela Silicio Company de Syrtys Papadopoulos que entrou nessa de gaiato, meio forçado mesmo, porque sua filha Erianthia, gêmea de Aagje começou a desenvolver poderes. Syrtys, que havia colocado alguém na Poliu acabou por descobrir os espiões psíquicos no mosteiro, e achou que ia tirar proveito da situação se livrando de sua filha problema. Mas acabou por se envolver em mais do que queria, acabou sendo morto, assim como sua filha Aagje e o fiel secretário; e Halph está atrás de você agora.
— Meu pai morreu nas mãos de Halph Rohan?
— Provável — Nikiforus olhou o remédio que ia tomar ao lado da mesa.
— Meu Deus... Oh! Meu Deus... O que eu fiz?
— Você não fez nada. Não sabia que fazia algo. Não se esforçou o bastante naquilo que não conhecia; só isso.
— Podia então, não? Podia não ter criado Spartacus e criado a força que os levaria de volta para o mundo deles. Deus... É triste pensar que não podemos voltar no tempo, consertar erros... — Sean ficou tão pensativo que sentiu mesmo que ia desabar.
— Seja lá o que fez ou que não fez Sean, acho bom retornar ao mosteiro, encarar a sala vermelha e 1901, e se livrar, você, de Halph Rohan, antes que ele descubra que Spartacus é capaz de viajar no tempo.
— Não posso. Não posso afetar o passado. Livrar-me de Halph Rohan significa alterar a vida de muitos com quem ele teve algum contato. Ele era casado, teve filhos, netos...
— Sean... — riu agora ele, nervoso. — Não estamos falando de uma ou dez vidas alteradas, estamos falando da Terra e seus bilhões de vidas alteradas se esses alienígenas invertidos escaparem dos espelhos. Porque algo aconteceu em 1901 e Mr. Trevellis está desesperado para alcançar essa data, e seja lá o que aconteceu em 1901 tem haver com os alienígenas do cretáceo que o salvaram porque precisam de você vivo.
Sean engoliu aquilo a seco. Encostou-se no espaldar do sofá sem saber o que falar pensar, agir. Mr. Trevellis ficou vendo Sean Queise e Nikiforus Theodorákis nos espelhos na sala de controle, onde observava e também gravava tudo o que acontecia na sala vermelha, e apesar de Sean ter sumido do ponto vermelho pintado no chão, sua imagem e toda sua ação se passava nos espelhos como um filme projetado.
Mr. Trevellis estava maravilhado com o ‘filho de Oscar’.
— Erianthia é a única que viaja e os leva com ela. Ela disse que os espiões não conseguem ficar muito tempo no passado por isso são apenas projeções. Então Erianthia é a peça chave. Mas por quê? Por que só agora ela é a peça chave? Por que não tentaram... — olhou em volta. — Por que não conseguiram mudar o passado antes?
— O passado é evento fechado. Paradoxos deste tipo surgem quando o viajante tenta mudar o passado, o que é obviamente impossível. Mas isso não impede que alguém se torne parte do passado.
“Alguém se torne parte do passado... Alguém se torne parte do passado... Alguém se torne parte do passado...” soou apavorantemente.
Mas Sean se deu conta de algo mais.
— Há quanto tempo estou aqui?
— E o que é o tempo Sean? — Nikiforus olhou para os lados para ver que o relógio funcionava a contento.
Sean e ele acharam tudo nonsense.
— A filósofa brasileira Marilena Chauí dizia que as narrativas míticas, a cosmogonia de Hesíodo, tentaram explicar o mundo através de genealogias de pai e mãe divinos, e suas histórias tinham sempre uma preocupação com o tempo; ‘Chronos’. Um tempo longínquo, fabuloso e imemorial, diferente de tudo o que existisse no presente onde a cosmologia afirma que “Nada vem do nada e ao nada volta”. Seria mesmo Doutor? Um elemento primordial da natureza que a forma ‘Physis’, que embora imperecível, dá origem a todos os seres do mundo com as mais variadas formas? — Sean voltou a olhar em volta. — Nikiforus... Eu preciso perguntar... — sentiu fortes dores na cabeça. — Qual delas eu fui visitar no Burj Al Arab? Aagje ou Erianthia? — Sean viu Nikiforus rir e toda sala se mesclar. — Ahhh!!! — caiu sentando no meio da sala vermelha com medo, tremendo, molhado de suor.
Sean viu os cinco o olhando.
Teve medo deles, dele próprio.
— Aconselho que vá para seu quarto, Sr. Queise — a voz de Erianthia Papadopoulos Agasias feriu-lhe. — Tome um banho, coma algo e durma! — esperou Sean olhá-la do chão, sabendo que foi ela quem interrompeu aquela resposta. — Amanhã você e Gameliel viajam a 1901! — e Erianthia Papadopoulos Agasias se virou saindo da sala.
A Sean Queise restou olhá-la partir.
15
Mosteiro Roussanou, Meteora; Grécia.
12 de novembro; 08h00min.
“Einstein: Deus não joga dado”
“Einstein: Deus não é Malicioso”
“Bohr: Einstein pare de dizer a Deus o que ele deve fazer”; soou em seus sonhos.
Sean Queise acordou com o ruído de sua porta envelhecida. E não foi quem ele esperava que adentrasse seu quarto no início daquela manhã quem adentrou.
— Oscar? — ele saltou da cama agora com lençóis.
— Eu queria lhe dizer...
— Não diga! — Sean esticou a mão que se pudesse o calaria. — Por favor!
— Não posso Sean querido — os olhos de Oscar brilharam.
Sean não conseguiu entender seu pensamento. Brecava instintivamente Oscar Roldman.
— Diga... — soou quase rouco de sua boca.
— Seu pai nunca soube.
Sean engoliu a seco sua própria curiosidade.
— “Nunca soube”?
— Fui eu quem desviou o dinheiro da Computer Co..
Sean agora realmente temeu mesmo continuar aquilo.
— Eu deveria perguntar por quê?
— Eu devia isso a ele.
— Deus... — Sean caiu sentado. — Eu...
— Não! Não adianta mais, Sean querido. Fernando morreu defendendo meu filho.
Sean sentiu que uma adaga atravessara seu peito.
O ar demorou a entrar.
— Oscar... — ele pediu para Oscar parar de falar. Não conseguia respirar. Amava tanto seu pai Fernando. — Isso não é justo...
— Eu e Fernando tínhamos um acordo mudo — Oscar esperou Sean olhá-lo. —, e a Computer Co. se incluía nisso.
— Traduza ‘nisso’?
— Quando os investimentos da Computer Co. começaram a ser afetadas pelo alto investimento na obtenção da energia biomolecular para os UFOs, seu pai, a Poliu e a Silicio Company começaram a entrar no vermelho. Fernando já tinha uma segunda conta longe dos olhos de seu financeiro para manter isso tudo aqui. Então ele pedira-me que fizesse de tudo para que você não perdesse a empresa; como Fernando estava aposentado e você no comando, se a Computer Co. falisse, você perderia mais que dinheiro, perderia todo crédito profissional no mercado como um moleque irresponsável que não soubera administrar sua fortuna. Então não tive alternativas a não ser desviar dinheiro através de seu cloud computing.
— Você... Era você quebrando minhas senhas?
— Eu invadi seus mainframes, Sean.
— Meus... Está me dizendo que teve ajuda de dentro?
— Ela te ama!
Sean ergueu-se furioso para então cair sentado em choque.
— Kelly ajudou-lhe a roubar dinheiro da Computer Co.?
— Quando eu a convenci que era para seu bem.
— Deus... — Sean olhou o entorno desejando não estar ali. — Kelly...
— Ela te ama — voltou Oscar a falar.
Sean sentiu-se mal. Ela sempre o amara. Talvez mais que ele supunha. Percebeu que Kelly arriscou-se a perder tudo se Nelma Queise descobrisse, se o próprio descobrisse.
Sentiu-se mal por não amá-la tanto assim.
“Consertar erros...”, soou em todo seu corpo.
— Ela temeu que você a odiasse como Sandy...
Aquilo sim doía. Não quis comentar.
— Vou viajar amanhã a 1901! — encarou-o.
— Eu sei.
Sean se deu conta de repente.
— Você chegou... — olhou-o sem mais nada falar. — Você já estava aqui?
— Sim...
— Por quê? Deus... Eu sei o porquê, não Oscar?
— Sabe! Os cinco na sala vermelha, para que Gameliel viajasse ao Burj Al Arab. Porque ele realmente viajou, porque Erianthia realmente pode levar qualquer um a viajar, porque ela é... — e parou. —, especial — e Oscar Roldman deu as costas e saiu.
Queria que Sean o tivesse detido, feito mais perguntas, dito que o amava. Oscar cerrou os olhos e chorou com toda sua idade, com toda sua posição no meio do corredor do mosteiro enquanto Mr. Trevellis só o olhava. Do lado de dentro do quarto, Sean sabia o que acontecia por detrás das paredes envelhecidas. Ele viu Oscar e Mr. Trevellis se olharem, nada falarem para então Mr. Trevellis dar duas pancadas de amigo no ombro de Oscar e saírem dali em silêncio, irem para outro andar.
“Eu sei o porquê, não Oscar?” “Eu sei o porquê, não Oscar?” “Eu sei o porquê, não Oscar?”; soava pelas paredes.
Foi a vez de Sean ir até o chão e chorar. E ele chorou muito sabendo que Oscar Roldman tinha poderes para viajar.
Mosteiro Roussanou, Meteora; Grécia.
12 de novembro; 19h00min.
Ninguém veio vê-lo mais, nada, nenhum convite, e a tarde que teimava em não passar. O que passava eram as ideias de Sean; e ele teve muitas ideias que não queria pensar. Recusou-se, porém a pensar a visitar o passado, o que não existia. Nos primeiros raios de Lua estava lá, no refeitório, onde sabia iria encontrar Erianthia sozinha. Ela arregalou os olhos ao vê-lo entrar e fechar a porta atrás de si ficando encostada nela como que evitando que alguém entrasse.
— Eu não tive alternativa — foi só o que Erianthia falou voltando a tomar seu café forte.
— Qual das ‘alternativas’? A de se fazer passar por sua irmã morta, a de me levar ao quarto do Astra Hotel outra vez e outra vez, ou ainda a de permitir que os seis anões nos vissem trepando?
— Sean... — Erianthia não gostou do tom de voz nem de como seu amor acabara de ser colocado.
Queria evitar um confronto.
— Como teve coragem?! — berrou Sean não evitando confronto algum. — Como pôde dividir nossos corpos com aqueles... — Sean girou os olhos descontrolado. — Como pode ser tão fria, Erianthia? Seu pai tinha razão. Você é um monstro — e Sean girou 360° no bofetão que Erianthia lhe deu, sem que a percebesse ter saído da cadeira. E ela estava na cadeira, tomando café, lhe olhando, sentindo dor na mão que o esbofeteou. Ela assim como ele fizera com Mr. Trevellis, se deslocara na malha quadrimensional sem que o tempo fosse atingido. — Os alienígenas sabem que eu posso viajar no tempo através de Spartacus, que eu fiz algo com o satélite de observação que me permite fazer o que acabou de fazer ao me esbofetear. E eles me observaram naquele acidente aéreo... — soou da boca de um Sean Queise em choque. — E isso porque já fiz isso outras vezes sem saber... — ele viu Erianthia Papadopoulos Agasias e toda sua opulência só o olhar com os olhos azuis ainda a brilhar pelo ato de esbofeteá-lo, pelo ato de ter gostado de esbofeteá-lo. — Eles não queriam me matar nem me salvar, porque sabiam que eu me salvaria... — girou os olhos a quase deslocá-los. —, porque sabiam que você estava lá Erianthia... — Sean viu que ela continuaria sem falar. —, porque sabiam que você era capaz de alterar o tempo caso eu falhasse, sabiam que você era capaz de me salvar enquanto eu controlava Spartacus com a força da mente caso eu falhasse, mas você sabia que eu não falharia, não?! Porque estava sempre grudado em mim, não?! — berrou. — E sabe por quê?! — berrou outra vez. — Porque os alienígenas a conheciam Erianthia a ponto de tentar matar Rupert e sua filha para que ele não falasse!!!
— Não é verdade! Rupert não... Não é verdade!
— Você é cria deles, não?
Erianthia agora gargalhou.
— Eu? Uma alienígena?
— Não... Não... — os olhos de Sean brilharam. — Você sabe que não, não é isso não Erianthia? Porque você é filha de Syrtys Papadopoulos e sempre soube que era uma criança especial, e Mona, que já não sei se é tão minha amiga assim, percebeu isso quando seu pai lhe trouxe aqui, sabendo sobre a sala vermelha porque pagava Nympha para lhe contar tudo, como sobre os invertidos. E Mona também sabia, porque ela logo soube quando lhe conheceu que os invertidos haviam-na treinado, na melhor concepção da palavra.
— Você é ridículo! Eu nunca vi nenhum alienígena!
— Viu!!! Viu!!! Via!!! Durante os deslocamentos que fazia pelo tempo desde criança... Ahhh!!! — bufava, engolia a saliva com dificuldades e voltava a bufar. — Arrisco a dizer que você teletransportava seu iate por mais que águas azuis!
— Ehhh!!! — gritou Erianthia ao odiou por aquilo, porque odiava seu pai também por odiá-la, por colocá-la em castigos dolorosos toda vez que se descontrolava, porque ela teletransportava seu pai e o iate e a mansão, e carros e todos durante o jantar para o Egito, para Roma, para Paris, para o Brasil.
Syrtys olhava em volta e toda sua mesa e comida opulenta havia sido teletransportada por Erianthia que queria perturbá-lo, desafiá-lo, feri-lo para então vê-los, os alienígenas escapando dos espelhos. E ela realmente contou tudo aquilo a Mona Foad, alertando toda uma Poliu recém-assumida por Mr. Trevellis, um aristocrático e estrategista preparado pelo poderoso e paranormal Oscar Roldman.
Mais que nunca, Sean entendeu porque Mr. Trevellis sempre o quis prepará-lo para aquilo.
— Mas uma criança cresce e para de ver monstros no armário, não é Erianthia? — Sean prosseguiu entre o palácio de suas memórias. — Você ficou crescida, sem acreditar neles e eles a perderam; literalmente. Então...
Erianthia se moveu.
— “Então”?
— Então você começou a desenvolver todas as habilidades da mesma maneira como Mona lhe ensinara a me desenvolver... À distância! — ele viu Erianthia gargalhar novamente, mas não se deu por vencido. — Eu fiquei pensando...
— Ehhh... Você pensa? — gargalhou.
Sean não se deu por vencido outra vez.
— Erianthia envelheceu, casou-se, teve uma filha; será que perdeu o controle de seus poderes? Livrou-se dos castigos paternos? Dos invertidos? — ele viu Erianthia parar de rir. — Não... A menina, a jovem, a mulher Erianthia se desenvolvia; e ela sabia que se desenvolvia... Ela quis desenvolver seus poderes sob ordens de Mona que sabia que pedras caíam que incêndios aconteciam, que você se teletransportava, teletransportava coisas, fazia apport — Sean ainda via Erianthia o olhar com interesse sem abrir a boca. Prosseguiu. — Foi para se vingar da Poliu, não Erianthia? Para agradar Mona, porque Mona também enganou a Poliu mais de uma dúzia de vezes, não foi? — respirou pesado e Erianthia sorriu cínica e só. — Mas os invertidos não a livraram como supunha. Eles não a ‘deixaram em paz’ quando você casou se acertou na vida — Sean se aproximou dela, e Erianthia só o olhava sem saber ao certo aonde Sean chegaria. — E sabe por quê? Porque eles me viram no éter, Erianthia. Viram o que você havia feito, comigo; você e Mona e muitos outros espiões que Mona amiga usou para me desenvolver.
— Eu nunca...
— Não me interrompa!!! — berrou descontrolado. Erianthia engoliu o resto da frase a seco. — E sabe o que mais Erianthia?! — Sean descontrolava-se. — Eles foram pelo caminho mais curto. Foram atrás de meu pai, dos meus pais, e de quebra a Poliu, que está sempre com um pé grudado em mim. Viram Spartacus, meus dons na computação, meus dons paranormais herdados da família Roldman, viram o dinheiro e a influência dos Queise, a posição privilegiada dos ‘Mister’, da Poliu, da inteligência e poder da Polícia Mundial. E como podem, giraram o tempo até encontrar a pessoa que viria dar um jeito de interromper todo esse fluxo para chegar a mim; Halph Rohan que suponho não está tão caquético quanto Trevellis supõe.
Erianthia Papadopoulos Agasias o olhou com temor.
— Sean...
— Eu o quê Senhorita Erianthia? Era eu o tempo todo que Halph Rohan queria alcançar?
— Sean... — tentou mais uma vez.
— Você foi preparada por eles. Os monstros do armário, do espelho, que habitam o imaginário de muitos — arregalou os belos olhos azuis. — E em que imaginário me coloca, Erianthia? Os que criou na clausura? Nas muitas vezes que se viu enclausurada nas cavernas pelos castigos de Syrtys? De Trevellis?
— Eu estava casada! Rupert me amava! Eu não precisava daquilo. Mas a Poliu voltava e voltava e voltava a me enclausurar naquelas...
— Ahhh! Sim. As cavernas... São elas, não Erianthia? Os psychomanteum! — Sean viu Erianthia arregalar os olhos. Havia a atingido como nunca. — São as cavernas em que você era obrigada a ficar para desenvolver seus poderes, porque a Poliu queria aqueles poderes, os poderes que se comunicavam com os alienígenas, que te ensinavam a escoar o tempo para que eles pudesse sair dessa Terra. E foi nas cavernas que você descobriu as passagens, as passagens para outras dimensões que você acessava deixando o tempo lento, escoando, porque os alienígenas nunca quiseram ir embora não Erianthia?! Eles queriam era uma Terra como o a que encontraram aqui, uma Terra que eles constroem em realidades paralelas em quartas dimensões.
Erianthia caiu em gargalhada
— Você é insano Sr. Queise. Nunca percebeu isso?
— Percebi Senhorita Agente Erianthia, percebi que movia todos os brinquedos do parque enquanto conversava com mortos, que movimentavam todos os brinquedos do parque para que eu brincasse.
Erianthia calou-se.
— Eu o amei... — foi o que conseguiu logo após. — Como pode ser ingrato?
— “Ingrato”? Eu? Eu o enganado?
— Eu não...
— Enganou-me!!! E sabe por que as coisas não batiam? Porque Spartacus perdeu meu rastreamento, porque realmente estive quase um mês em Santorini, em algum lugar do éter, numa outra Santorini.
— Você não podia ter lembrado! Não há lembranças onde o tempo para!
— Mas eu me lembrei, não Erianthia?! Eu me lembrei de que você foi atrás de mim pelos corredores ricamente decorados do Burj Al Arab, após brigar com sua irmã. Eu telefonei muito nervoso para Gyrimias achar a maldita conta nas Ilhas Cayman porque ‘elas’ haviam me enganado, algo com o comportamento ‘delas’ — e Sean saiu de lá.
— Sean?! Sean?! Sean volte aqui!!!
Sean a deixou aos gritos. Subiu a escada em caracol, atravessou todo o amplo corredor do andar superior, entrou no seu quarto e Erianthia estava lá.
— Ah! Esqueci-me do apport... — e ele foi tirado da porta e jogado sobre a cama. Erianthia estava descontrolada. — Louca! Vá embora... — e Erianthia o beijou. — Solte-me! — e a empurrou para então levantar-se, chegar até a porta e ser lançado sobre a cama. — Pare com isso!!! — se levantou e chegou até a porta sendo lançado para cima da cama, nu. — Erianthia?! — Sean quis amá-la em meio às lembranças de já tê-la amado, em meio ao ódio de já tê-la amado, com tesão pela maneira como ela o tratava, tirava suas roupas.
— Por que não o faz? — Erianthia desafiou-o.
Sean impactou. Ela voltava a ler sua mente. Erianthia aproximou-se mais do corpo dele. Sean excitou-se porque sabia o que ela faria. E ela chegou tão rápido no seu sexo que ele nem teve tempo de respirar.
— Ahhh! — todo seu corpo pediu-a. — Ahhh... Ahhh... Ahhh...
Erianthia Papadopoulos Agasias era rápida, precisa, certeira com o corpo dele em suas mãos, que Sean sentiu-se a ponto de se entregar. Mal entendeu como ela lhe girou sobre a cama e o lençol foi erguido, retirado. Ele se virou e enterrou-se nela.
Adrenalina pura eram seus corpos, queda vertiginosa, êxtase total.
— Já disse que Oscar teve bons genes? — Mr. Trevellis não perdeu a chance da ironia.
Sean impactou. Arregalou os olhos nu, com ela nua, ele dentro dela, sob fortes observações de Mr. Trevellis atrás deles, os observando após a porta ser aberta em silêncio.
Sean se virou para Erianthia e só disse:
— Faça!
E Erianthia girou o tempo.
Sean viu sua infância passar-lhe rapidamente pelos olhos. Invadiram inventos, descobertas, desenvolvimentos: Invenção do CCD em 2009; Existência de três famílias de ‘quarks’ na natureza em 2008; Magnetorresistência gigante em 2007; Anisotropia de forma de corpo negro presente na radiação cósmica de fundo em 2006; Teoria quântica de coerência óptica em 2005; Liberdade assintótica na teoria da interação forte em 2004; Teoria dos supercondutores e super-fluídos em 2003; Detecção dos neutrinos cósmicos em 2002; Rascunho do genoma humano em 2000; Livros digitais em 1998; Clonagem em 1997; Descoberta da superfluidade no hélio-3 em 1996; Detecção do neutrino em 1995; Desenvolvimento da técnica de difração de nêutrons em 1994; Primeiro microscópio eletrônico em 1986; CD-ROM em 1984; Ônibus espacial em 1981; Microcomputador em 1977; Descoberta dos Pulsares em 1974; Realidade virtual em 1972; Holografia em 1971; Internet em 1969; Transplante do coração em 1967; Quark em 1961; Laser em 1960; Satélite artificial em 1957; Pager em 1956; Momento magnético do elétron em 1955; Estrutura do DNA em 1953; Transistor em 1947; Princípio de exclusão de Pauli em 1945; Ressonância Magnética em 1944; Walkie-talkie em 1943; Energia nuclear em 1942; Avião a jato em 1941; Segunda Guerra Mundial em 1939 e uma grande profusão de explosões.
Para então prosseguir com a Radiação Cósmica em 1936; Radar em 1935; Computador analógico em 1930; Teoria do Big Bang em 1929; Antibióticos em 1928; Princípio da incerteza em 1927; Ondas de matéria em 1926; Estrutura de átomos e suas radiações em 1922; Gripe Espanhola em 1918; A Primeira Guerra Mundial em 1914 e mais explosões.
E então a Estrutura do átomo em 1913; Núcleo atômico em 1911; Telégrafo sem fio em 1909; Automóvel em 1908; Cromossomos em 1907; Primeiro voo do avião de Santos Dumont em 1906; Teoria da relatividade em 1905; Radioatividade espontânea em 1903; Mecânica quântica em 1900.
Mas o tempo não parou ali. Sean e Erianthia se viram voltando mais. Dirigível em 1900; Sociologia científica em 1897; Raios X em 1895.
A sala vermelha em peso, Oscar Roldman e Mr. Trevellis só esperaram que Sean e Erianthia tivessem tomado a decisão correta.
16
Paris, França.
1889.
Sean Queise acordou atordoado. Erianthia Papadopoulos Agasias estava em seus braços. Ambos nus numa rua pouco movimentada do final do século XIX. Uma coisa ele podia admitir. Nunca tivera uma aula prática de história.
Nem que estivesse nu nela.
— Venha! — correu a levantá-la do chão ainda em choques. — Precisamos de roupas.
— Sean... — Erianthia estava tonta pelo esforço empreendido.
Ele parou e sorriu-lhe, amparando-a pela rua.
Casas em uma rua de pedras parecia ser uma opção. Sean e ela foram nus, escondidos de tempos em tempos até Sean saltar por sobre uma portinhola de madeira e alcançar os fundos de uma casa com roupas no varal. Não era muito, ainda lhes faltariam sapatos, luvas e chapéu de época.
Erianthia olhou em volta.
— Alcançamos a Suíça de 1901? Vimos experiências na viagem — tentava vestir por sobre uma meia-calça grossa uma complexa saia com muitos babados, e que deixavam sua nádega arrebitada.
— Não sei... Eu também vi a descoberta do Raios X em 1895, mas não me lembro de já ter visto fotos da Suíça do começo do século 20 — Sean viu Erianthia se debatendo com os babados da blusa amassada que lhe trouxera.
— Se viajamos, então estamos no espelho.
— Que espelho?
— Quando viajamos, nos teletransportamos para dentro dos espelhos da sala vermelha. Nossas imagens ficam ali sendo transmitidas como num filme projetado.
— A sala vermelha nos está vendo?
— Provável!
— Então Trevellis... Ele sabe tudo o que Nikiforus me falou ontem?
— “Ontem”?
Sean girou os olhos nervoso, para ele fora ‘ontem’.
— Sabem tudo. Mr. Trevellis, os espiões psíquicos e Oscar Roldman que esteve o tempo todo lá.
Sean não acreditou naquilo.
— Não entendo por que Oscar estava esse tempo todo no mosteiro e não veio falar comigo.
— Há muitos segredos com Oscar Roldman, Sean. Oscar Roldman é um grande segredo para nós também.
— Eu deveria saber do que está falando, não Erianthia?
— Deveria!
Sean teve medo daquilo, dela, dele próprio.
— Fique aqui — Sean se aproximou da casa deixando Erianthia atrás de uma construção que lhe lembrava um banheiro externo.
A casa tinha três andares, onde se destacava as janelas do sótão. Tinha uma cor rosada, tipicamente Art Nouveau. Sean se aproximou, olhava dentro da residência pelo vidro bisotado sem entender algo ou entender qualquer coisa. Tudo se movimentava sem que ele pudesse entender como; pratos, copos, talheres e panelas se moviam no ar sem que ele pudesse ver alguém as movimentando.
Sean abriu a porta da cozinha e ela se fechou. Sean abriu e a porta não cedia. Ele arregalou os olhos e abriu a porta num rompante fazendo-a bater contra a parede. Entrou o mais rápido que podia sabendo que algo a fechara. E ele teve medo do que pensou da cozinha que tinha cheiro de comida denunciando um fogão com legumes sendo cozidos, mas ninguém ali.
“Ou estão?”; pensou atônito.
Sean saiu da cozinha por um corredor extenso de madeira no chão e paredes com estranhos quadros antigos com homens usando cartola; cartolas novas para seus proprietários. Mais adiante uma sala muito espaçosa e coisas sendo movimentadas outra vez. Havia alguém ali as movimentando, mas Sean não a via.
Ele entendeu que a casa era habitada, mas seus moradores não se faziam presentes.
— Isso não está certo... — soou de sua boca sem que os moradores ouvissem. Um jornal foi aberto no ar, alguém se sentava no sofá lendo-o. Sean não o via, mas via o charuto chegar à altura de uma boca. Não gostou daquilo, algo estava muito errado com aquela viagem. Ele procurou mais alguns aposentos encontrando um quarto de onde tirou de um robusto armário de madeira entalhada, roupas, sapatos, luvas, cartola e chapéus femininos que ele acreditava não precisarem no momento já que aparentemente ninguém os via, já que aparentemente ele não via ninguém. — Estamos com problemas — anunciou Sean no que saiu da casa e encontrou Erianthia ainda onde havia deixado.
— Ehhh! Estamos sim... — Erianthia apontou para longe, para o que parecia ser uma construção conhecida. — Estamos realmente com problemas — e Erianthia viu Sean se virar e arregalar os olhos. — A torre foi construída como o arco de entrada da Exposição Universal de 1889 pelo engenheiro Gustave Eiffel, e Sean ela está sendo acabada.
— Estamos na França... — soou da boca de um Sean confuso, olhando a Torre Eiffel pela metade. — O projeto começou em 1884, mas a construção começou só em 1887 e terminou 26 meses mais tarde em 1889.
— O que vamos fazer?
— Não sei. Deus... Não sei.
— E qual é o outro problema?
Sean se virou para ela.
— A casa está habitada, mas eu não os vejo.
— Como assim não os vê?
— Estão invisíveis para mim. Tudo o que é material se move; panelas, jornais, charutos, mas eu não vejo quem os toca, os lê.
— Estranho... Isso nunca aconteceu. Será que é porque estão mortos? Mortos no passado?
Sean suspirou profundamente perante tais perguntas.
— Tome! Se vista com isso! — entregou-lhe uma muda de roupas complementares. — No momento não somos vistos, mas temos que estar preparados se de repente passarmos a sermos vistos — Sean olhava em volta, os postes de luz e em volta novamente.
— O que estamos procurando afinal?
— Não sei...
— O que houve?
— A casa é rica.
— E?
Ele a olhou com medo no olhar.
— O limite era 1879. Halph Rohan nasceu em 1879, Erianthia. Fizemos algo errado.
— Como assim?
— Não há telefone nessa casa. Veja no poste. Alexander Graham Bell inventou o telefone em 1876. Eles teriam um telefone — olhou em volta novamente. —, e as casa da rua teriam telefone Erianthia porque já estamos em 1889, e porque já que estão terminando a Torre Eiffel para exposição de 31 de Março de 1889.
— E o telefone é importante por quê?
— Porque nos prova que estamos num lugar diferente do que devíamos estar. Um lugar que não precisam ter telefone.
— Estamos fora da Suíça, com pessoas invisíveis, com disparidades de datas e coisas. Isso nunca aconteceu à sala vermelha. Acredito que Mr. Trevellis acha que nós estamos em 1901.
— Trevellis não ia nos levar a 1901.
— Como assim ‘não ia’?
— Já disse que Trevellis queria interromper 1879, Erianthia. Quando Halph Rohan nasceu. Tenho até medo de pensar se a Poliu não queria ‘cortar o mal pela raiz’.
— O que quer dizer com isso?
— Albert Einstein também nasceu em 1879, Senhorita.
Erianthia Papadopoulos Agasias arregalou os olhos.
— Não entendo... — e tentava mesmo entender o que lhe escapara.
— Não pode ajustar o tempo, não é Erianthia?
— Sempre que tentávamos 1901 as setas se ajustavam para 1896. Não sei por que estamos em 1889, Sean — Erianthia olhou em volta sentindo-se tonta.
— Venha! — Sean a pegou pelo braço. — Vamos procurar um lugar para dormir.
— Mas se ninguém nos vê por que não entramos num hotel simplesmente?
— Porque não acredito que exista um hotel aqui, nem em nenhum outro lugar.
— Do que está falando?
— Venha! Vamos! Tenho a impressão que logo alguém nos verá. Tem algo errado com essa Paris.
— Que tipo de erro? Por que não consigo ler sua mente?
— Nem eu consigo ler a sua — ele viu Erianthia o olhar confusa. — Vamos... Vamos nos esconder...
Sean e Erianthia andaram por ruas estreitas, muitas vezes suja e escura. Não havia esgoto em toda sua extensão, mas um odor de podre por vezes chegava ao olfato. Casas de comércio começaram a se aproximar. Eles estavam se aproximando do centro de Paris.
Sean baseava-se em suas aulas de geografia, história, do History Channel, até uma grande avenida ajardinada, com grandes copas de árvores e seus muitos postes de ferro se desenhar à sua frente.
— Aqui é a Champs Elysées! — anunciou Sean. — Os Campos Elíseos, o reino dos mortos na mitologia grega, onde jaziam as almas virtuosas.
Erianthia o olhou, olhou a larga avenida com o Arc de Triomphe du Carrousel ao fundo.
— Mas se não estamos numa Paris normal, então por que o arco?
— Não sei... Não sei... — Sean olhou mais adiante. — Vê as carruagens vindo?
— Sim.
— Mas não vemos os cavalos que as puxa, nem os cocheiros, nem os passageiros.
Uma carruagem passou por eles. E mais outra e mais outra ainda. O som era característico.
— Estranho! — Erianthia olhava o movimento. — Se há alguém na carruagem, eles podem nos ver?
— Não sei...
Eles atravessaram o calçamento de pedras. Havia cheiros, perfumes, sons diversos e a sensação de não estarem sozinhos.
Uma chuva fina começou a cair e uma profusão de guarda-chuvas pretos se abriu ao redor. Erianthia impactou, começava a não gostar de não ter acesso aquilo, ao entorno. Nunca havia ficado sem controle de uma ação, de uma investida. A Poliu sempre a preparara para tudo, para todos. Ela ficou imaginando se a Poliu realmente conhecia tudo. Também viu algo que se destoava da paisagem de repente.
Sean a puxou e ela não se moveu.
— Erianthia... — Sean seguiu seu olhar. Havia um grande espelho estacionado no meio da Champs-Elysees.
— O que significa aquilo, Sean?
— Eu não sei... — ele viu Erianthia o olhar com firmeza. — Juro que não sei — e Erianthia voltou a olhar o espelho. E Erianthia fez mais que olhar. — Hei? Aonde vai? — Sean a segurou; tentou segurá-la. Erianthia não o conseguia ouvir. Sean a chamava e ela caminhava em meio a carruagens sem cavalos e muitas poças de água. — Erianthia? — Sean tentava segurá-la, mas uma força descomunal ela tinha. — Erianthia?! — ela o arrastava preso a ela. — Não!!! Erianthia?!
Erianthia não o ouvia, só ouvia Sean a chamar dentro do espelho. Sean não viu alternativa a não ser largá-la, correr à frente dela e dar um giro de pernas que destruiu o espelho, que se espatifou em meio a larga avenida de pedras.
— Ehhh... — Erianthia sentiu-se tonta tombando agora ela no chão. Sean a levantou e atravessaram a avenida a quase serem atropelados. — Você... — olhou-o.
— Eu?
— Você me... — Erianthia olhou o espelho quebrado no meio da avenida. — Você me chamava — e ameaçou desmaiar.
Sean arregalou os olhos azuis. Não gostou de ter ouvido aquilo.
— Vamos, Erianthia! — levantou-a. — Deixe orientar-me... Se isso é uma Paris plasmada talvez o que foi reconstruído aqui tenha algum sentido e direção. O norte então está para lá... — apontou.
— Aonde... Aonde vamos? — caminhava amparada por ele.
— Desde o período de ocupação romana na cidade que complexos sistemas de túneis e cavernas existem no subsolo de Paris, resultantes de séculos de exploração de pedreiras.
— Aonde vamos, Sean?
— Às Catacumbas de Paris!
Erianthia só ergueu o sobrolho.
Mosteiro Roussanou, Meteora; Grécia.
13 de novembro.
Oscar Roldman olhou Mr. Trevellis que olhou Oscar de esguio ao verem tudo o que se passava pelos espelhos da sala vermelha, onde cinco espiões psíquicos estavam em transe.
Oscar saiu da sala e Mr. Trevellis girou os olhos nervoso, indo atrás dele.
— Você não fez aquilo, fez Trevellis? — soou da boca de Oscar Roldman no momento que Mr. Trevellis entrou fechando a porta atrás dele.
— Fiz o que, Oscar amigo velho?
Oscar sentiu todo seu sangue ferver.
— Você sabia que Sean viajaria sem sua autorização. Sabia que ele faria tal viagem sem a sala vermelha só para contrariá-lo, porque sabia que Sean podia viajar sem a maldita sala vermelha, porque ele sabia sobre as catacumbas!!! — berrou.
— Não se altere, amigo velho.
— Sean sabe sobre as catacumbas, Trevellis?
— Não pode saber! Ninguém sabe. Nem a sofisticada sala vermelha.
— Mona... A desgraçada pode saber.
— Mona Foad jamais diria algo a Sean.
— “Não diria”?
Mr. Trevellis não gostou do que pensou.
— Sean não pode saber sobre os alienígenas presos nas catacumbas, Oscar a menos que soubesse sobre o telegrama, e ninguém além de você, eu, Fernando e Syrtys sabíamos sobre o telegrama.
— Se Sean souber que eu estive envolvido esse tempo todo... Que Fernando ajudou a Poliu a trancar aqueles monstros nas catacumbas. Que eu, você, Fernando e Syrtys nos juntamos para mantermos aqueles...
— Basta Oscar! Se começarmos a pensar a sala vermelha vai conseguir saber o que lutamos a vida toda para brecar. Vão saber o que nos propomos a esconder nossa vida toda.
— Sean... — Oscar enterrou a cabeça nas mãos.
— Não se preocupe. Seu filho não pode saber o que fizemos.
— Desgraçado! Eu também financiei tudo isso aqui para ajudá-lo, para ajudar Fernando. Não é justo, Trevellis! Traga meu filho de volta! — soou como uma ordem.
— Não posso...
— Não quer! — Oscar interrompeu-o. — Traga Sean de volta, Trevellis!
— Já disse que não posso. Se Sean não conseguir deter Halph Rohan nada disso aqui vai existir Oscar. Provável nem seu amor por Nelma — Mr. Trevellis viu Oscar arregalar os olhos. — E sabe por quê? Porque Halph Rohan está planejando nos destruir antes, antes de nascermos.
— Ele não pode. Sean tem que nascer para fornecer Spartacus aos alienígenas — Oscar ouviu Mr. Trevellis gargalhar. E Oscar teve medo daquela gargalhada. — Não é esse o plano, não Trevellis?
— Não, Oscar querido. Seu filho já tem o que os alienígenas querem.
— Como assim? — ele viu a calma de Mr. Trevellis acendendo um charuto cubano. — Como assim, Trevellis? O que Sean fez?
— Criou algo nesses últimos sete meses que permite Spartacus se mover na malha quadrimensional.
— Como... Como assim?
— Não sei ‘como assim’, porque a inteligência de Sean está acima de minha compreensão, mas Sean podia ver o passado, o passado que seus poderes lhe brecam. Ainda brecam. E não sei mesmo até quando.
Oscar Roldman o encarou nervoso.
— Sean queria o que com o satélite?
— Ver o assassinato de Fernando.
Oscar caiu outra vez na cadeira.
— E ele viu?
— Viu! E me mostrou... — soou baixinho da sua boca.
— O que disse? Acho que não quero ouvir o que disse.
— Amigo velho... — Mr. Trevellis gargalhou com todo seu peso jambo na poltrona onde se sentava a fumar até paralisar todo seu brilho na testa suada.
E ergueu-se tão rígido que o suor começou a pingar no chão da sala.
— O que houve? — Oscar percebeu tal paralisação. — O que houve Trevellis?! — gritou.
Mr. Trevellis esticava os olhos verdes a deformar todo o rosto jambo.
— Ele leu!
— “Leu”?
— Não pode ser, pode?
— Por Deus… O que Sean leu, Trevellis?
— Sean não podia ter lido o documento amarelado pelo tempo, o telegrama dentro do documento. Eu o destruí na casa de Nelma antes daquele jantar.
— Sean leu o que, Trevellis?! — berrou.
— Já disse que Sean não... — e o próprio Mr. Trevellis paralisou outra vez a baforada no ar contra sua vontade. — Ele conseguiu. O desgraçado conseguiu.
— “Conseguiu”? Fotografar o passado? Voltar ao passado e ler o documento que você destruía antes do jantar? Antes de ele próprio chegar?
— Sim... Não... Talvez ele tenha feito apport e voltado à casa de Nelma antes de chegar lá... — os olhos de Mr. Trevellis brilharam. — Mona sabia o que fazia com Sean, ela sabia do que ele seria capaz e a desgraçada o preparou...
— O que está acontecendo Trevellis?
— Sean conseguiu ler o documento em que eu, você, Fernando e Syrtys nos responsabilizávamos por manter o segredo de esconder os alienígenas nas catacumbas da França, enquanto tentávamos criar um meio de levar as naves com eles fora daqui. E Halph Rohan foi atrás de Fernando e o matou porque ele provavelmente não falou. Deve ter ido atrás de Syrtys antes, sua filha Aagje e o secretário também. O pior é que o telegrama... Estava lá no cofre.
Oscar teve medo do que ouviu, de ver Mr. Trevellis falando aquilo, com medo.
— Se Sean ler o telegrama, Trevellis...
— Eu sei! Não vamos existir!
— Sean não faria isso.
— Do jeito que ele me odeia, provável eu não vou existir — gargalhou nervoso. — O que nos remete ao nosso maior problema; Halph Rohan e suas viagens quadrimensionais — prosseguiu Mr. Trevellis.
— Meu Deus Trevellis. Do que está falando agora?
— Estou falando da vida que Halph Rohan vive noutra dimensão, uma dimensão plasmada onde ele mudou tudo a seu favor e nós, Oscar, nós e os telefones não existimos. E se você não existe já percebeu que Sean também não.
Oscar arregalou os olhos.
— Sean está... Sean está...
— Seu filho está noutra dimensão. Invisível a todos. Numa anti-Terra que Halph Rohan tem ajudado a mudar.
— Meu Deus... Como... Meu Deus... Por isso Sean não enxerga as pessoas?
— Sim.
— Como vamos trazê-lo?
— Não tem como trazê-lo. Ele precisa eliminar Halph Rohan ou ninguém quem nos conhece ou nada do que conhecemos, aqui ou lá, vai existir.
— Mas se Sean está numa Terra plasmada, paralela, como vai conseguir matar Halph Rohan?
— Nikiforus já lhe respondeu isso, Oscar amigo velho — Mr. Trevellis gargalhou com toda sua vontade.
Oscar não entendeu de imediato.
Arregalou os olhos depois, entendendo.
— Sean vai se tornar... Não... — Oscar caiu sentado tentando digerir tudo aquilo.
Mr. Trevellis saiu rindo, baforando o charuto, voltando a entrar na sala vermelha. Precisava acompanhar o ‘filho de Oscar’.
17
Paris, França.
1889.
Sean atravessou com Erianthia a Zona de Pigalle no Boulevard de Clichy, a Paris dos brilhos, das noites do recém-inaugurado Moulin Rouge, construído a fim de atrair a elite parisiense para a região de Montmartre, um bairro marginalizado na época, frequentado por Henri de Toulouse-Lautrec que pintava suas bailarinas e seus boêmios. E o brilho do moinho vermelho deu ideias a ele que os confirmava numa França de 1889, nessa ou noutra dimensão, plasmada ou não.
Eles andaram um pouco até Place Denfert-Rochereau, uma ampla praça, para encontrar uma entrada de teto baixo, no que parecia ter sido uma saída de esgoto e estava habitada. Sean e Erianthia viram a fogueira e movimentos de copos, garrafas de vidro e cobertores, mas outra vez as pessoas não eram vistas. O chão estava sujo, cheio de água parada e o odor era forte.
Sean começava realmente a desgostar daquilo.
— Aonde vamos ficar?
— Mais para dentro.
Erianthia só o olhou.
Sean e ela andaram mais metros adentro das catacumbas. Um frio começou a atingi-los.
— Sean...
— Eu sei...
Erianthia o olhou com interesse. Não conseguiu ler seus pensamentos. Nenhum deles mais.
— O que é aqui, Sean?
Ele a olhou de lado ainda a puxando cada vez mais e mais para dentro das catacumbas. Erianthia calculou já terem percorrido uns três quilômetros.
— Chega Sean! — exclamou parando. — Tenho o dobro de sua idade e não vou aguentar dar mais um passo.
— Só mais um pouco... — pegou o braço dela novamente.
— Não! — e novamente Erianthia largou-se dele. — Não até você me dizer onde estamos indo e por quê.
Sean parou de andar e virou-se para ela. A achou linda naquelas vestes.
— Está linda... — escapou de sua boca.
— Sean...
— Desde 1867 que as Catacumbas de Paris estão abertas ao público. Graças a isso existem vários mapas daquela área disponíveis na Internet.
— Catacumbas que você estudou.
Sean riu.
— Os parisienses chamam toda a rede de túneis como ‘catacumbas’, mas o nome oficial é ‘Ossuaire Municipal’, e embora o cemitério cubra apenas uma fração dos subterrâneos, fazem parte da ‘les carrières de Paris’ ou ‘pedreiras de Paris’.
— Por que isso Sean?
— Durante a ocupação nazista de Paris, os alemães construíram bunkers e casamatas nas suas galerias. Nos nossos dias, a parte dos subterrâneos ocupada pelo ossuário, continua reservada aos turistas, mas com a necessidade de reforço do subsolo para segurança das edificações, uma média de 5 km da rede de túneis existente tem sido bloqueada anualmente por estruturas de concreto.
— Mas não há nada bloqueado agora.
— Não. E tenho certeza que Halph Rohan também descobriu isso — mostrou.
— Por que isso Sean? Por que você estudou as catacumbas ‘nos nossos dias’?
— Por causa disso! — apontou para desenhos nas paredes. — As paredes de todo o sistema de túneis de Paris são cobertas de inscrições e grafitis que datam desde o século XVIII. Alguns muito mais antigos.
Erianthia Papadopoulos Agasias se aproximou a fim de vê-los.
— O que são esses hieróglifos? — olhou Sean e voltou a olhar os hieróglifos. — Há desenhos desses nas cavernas de Meteora... — e parou de falar. — Os alienígenas do cretáceo... — Erianthia arregalou os olhos para Sean.
— Em três de junho de 1968, William Meister e Francis Shape descobriram pegadas de 32,5 x 11,25 cm calçadas próximo a Delta, no Estado de Utah, USA, que esmagaram um trilobita no momento em que foram impressas — Sean devolveu o olhar que Erianthia lhe deu. — O trilobita está extinto a 240 milhões de anos, Erianthia — Sean riu ao ver agora Erianthia o olhando assustada. — O que mais lhe dá medo, Erianthia? Um trilobita vivo na hora da pegada feita ou uma pegada sendo feita no Cretáceo?
— Você nunca esteve fora da realidade, não Sean? A Poliu tem razão, Mr. Trevellis tem razão. Você é muito inteligente. Inteligente e perigoso — ela o viu só a olhando. — E não é só a sua inteligência para os computadores, nem os seus poderes paranormais herdados; é toda sua maneira de pensar, agir.
— De ‘agir’?
— Como sabia sobre essa entrada de esgoto numa praça de 1889? Há mapas na Internet?
— Não...
— Onde Sean? Nos mainframes da Poliu?
— Meus mainframes! — ele viu Erianthia o olhar. Sean então apontou para esquerda. — E sabe mais o que sei? Mais adiante está a ‘Crypte du Sacellum’. Para esse lado a ‘Lampe Sepulcrale’; e no outro extremo a ‘Fontaine de la Samaritaine’.
— Sean...
Ele virou bruscamente para ela.
— Segundo a Teoria de Bell, existe não-localidade na natureza, e isso acontece porque quando a física quântica foi descoberta no início da década de 20 para explicar os átomos e a radiação, ela propôs que quando algo acontece para uma partícula, a outra partícula sente, o que se propaga instantaneamente para a outra; princípio da ‘dualidade onda-partícula’. Ou seja, a teoria quântica parece funcionar de maneira ‘não-local’.
— No interior de qualquer sistema lógico, por mais rigidamente estruturado que esteja, sempre se pode descobrir contradições, eu sei, mas a matemática só funciona porque a física é conservativa, porém toda lei conservativa está sujeita a algum tipo de localidade.
— Mas o ‘local’ não existe Erianthia.
— Como vamos a um lugar que não existe?
Sean riu.
— Meu invertido já me perguntou isso.
— São eles? Os invertidos?
— Não. São as Terras invertidas, as anti-Terras, plasmadas. Como essa — apontou para o redor. — E tudo o que acontece é porque tem que acontecer. É porque o que acontece a uma partícula acontece a outra, não dependendo de sua localidade. Provável nem da dimensão onde existe.
— Ehhh... Somos programas computacionais pré-programados.
— Por que acha que não, querida Erianthia? A teoria do funcionamento de uma das forças fundamentais da natureza é a força que liga as menores partículas da matéria entre si; os quarks. Einstein provou, é o que nos reforça o conceito de que tudo é pré-determinado. A influência dos quarks sobre os acontecimentos físicos faz pensar em coisas manipuladas pré-prontas para acontecer; chame de livre-arbítrio ou chame de Matrix.
Erianthia enfim entendeu. Achou que enfim entendeu.
— Não voltamos no tempo, não Sean?
— Sim. Voltamos. Mas não estamos na Terra, Erianthia. Não na Terra como conhecemos. Estamos numa outra dimensão onde há uma Paris antiga, onde alienígenas do cretáceo vivem escondidos. Uma Terra criada pelos alienígenas que inteligentemente Halph Rohan tomou para ele. E agora, outra vez os alienígenas do cretáceo estão presos, tentando voltar não a Terra nossa, mas ao planeta deles, tentando se livrar de vez das prisões e dos que os aprisionam e isso, Erianthia, era o que os alienígenas queriam há muito tempo. Ir embora de vez.
— Porque nas catacumbas da nossa Terra eles também estão aprisionados.
— Exato! ‘Aprisionados’, anos após anos. Diria até séculos após séculos. E meu pai Fernando sabia.
— Ehhh! Foi você quem nos trouxe aqui, Sean. Exatamente aqui, 1889, não Sean?
— Exato mais uma vez, querida Erianthia.
— Esse tempo todo...
— Eu estive no controle.
Erianthia caiu sentada e precisava se sentar para deglutir tudo aquilo.
— Você sabia que era realmente Aagje no Burj Al Arab?
— Não. Claro que não. Eu nunca havia visto Aagje Papadopoulos antes. Só vim entender o que acontecia quando você me levou a São Paulo, e tudo aquilo me aconteceu, para então eu ler o que Trevellis destruía no cofre de meu pai antes do jantar — olhou em volta sabendo que Erianthia nada entendera. — Kelly e o invertido, as queimaduras, o espelho, o prédio verde espelhado indo e vindo... Naquele momento tudo ficou tão claro...
Erianthia ficou tentando ver a tal claridade. Para ela, Sean era tão confuso quanto dizer que ela não estava na Paris do século retrasado.
— E onde estivemos esse tempo todo atrás de Halph Rohan? Eu e Gameliel viajando com a sala vermelha? Quando as setas nos lançavam a 1896?
— Na Terra invertida. Aqui... — apontou para trás, para o infinito. — Sob as ordens da Poliu.
— Está dizendo que todos... Gameliel, Baco, Pallas, Nympha, Ophelie e Phemie sabiam?
— Não. Oscar e Trevellis conseguiram esconder da sala vermelha. Mas claro, não conseguiram esconder de Nympha que passava a mim e Syrtys informações digamos ‘privilegiadas’.
— Nympha? Mas como ela conseguia? A paranormalidade de Nympha não é... — e Erianthia parou. — Ehhh! Mona! — e Erianthia parou outra vez. — Mona Foad me enganava sentadinha na poltrona de Lisboa — riu. — Por quê?
— Pelo mesmo motivo que Oscar, Trevellis e também meu pai fizeram.
— Salvar você!
— É duro ser enganada, não Erianthia querida? — Sean se agachou a procura de galhetas. Bateu algumas pedras ali, umas contra as outras, e fez uma fogueira; e um calor bom os tomou. E Erianthia precisava do calor para voltar ao normal. Houve mais um breve silêncio. — Sabe quando uma criança produz bolhas de sabão ao assoprá-las? Assim se cria Terras paralelas, Erianthia. Dimensões feitas bolhas de sabão. E quando atravessamos as dimensões trocamos de bolhas, assim Erianthia — fez um movimento com os dedos. —, sem sentirmos.
— Por isso não matamos nosso avô.
— Exato! Faça o que fizermos não poderemos atingir o passado original.
— Mas se não podemos matar nosso avô e correr o risco de não nascermos então não podemos matar Halph Rohan.
— Perfeito Erianthia. É visto que também entendeu isso.
— Então de nada adianta estarmos aqui?
Sean a olhou.
— De nada adianta, Erianthia. Se quisermos matá-lo...
— E se quisermos matá-lo?
— Então teremos que voltar à Paris original, Erianthia... E levá-lo conosco já que ele se esconde aqui, nessa Terra paralela.
— Mas lá também é passado. Não podemos matá-lo.
— Não. A menos que nos tornemos passado.
“Nos tornemos passado.... Nos tornemos passado... Nos tornemos passado...”; Erianthia teve medo do que faziam pela primeira vez.
Nunca havia visto aquilo, nunca havia pensado no que faziam, no real perigo que causavam ao equilíbrio da Terra, do Universo.
— Eu sinto muito Sean. Por ter envolvido você.
Sean sentiu um rombo dentro de si.
— Agora não é hora para sentimentos. Precisamos que todos os cinco espiões psíquicos nos mandem a Paris de 1901, Erianthia. Com ou sem seu arrependimento. Precisamos interromper Halph Rohan antes que ele conheça Einstein na Suíça.
Mosteiro Roussanou, Meteora; Grécia.
13 de novembro; 23h00min.
“Antes que ele conheça Einstein...” “Antes que ele conheça Einstein...” “Antes que ele conheça Einstein...” atravessou a malha quadrimensional chegando à sala vermelha.
Gameliel, Baco, Pallas, Nympha, e Ophelie se olharam. Cada um em sua cadeira, cada um ainda conectados em Erianthia.
— Você nos traiu Nympha! Como pôde? — Ophelie estava em choque com o que ouvira.
— Dinheiro! Minha família precisava de dinheiro.
— Dinheiro Nympha?! — explodiu Baco. — Eles a expulsarão!
— É! Expulsarão! Mas estavam se rastejando com a grana que eu lhes dava.
— Você os está comprando Nympha?
— Não é da sua conta Gameliel. Você nunca quis ter nada além de Erianthia.
— Cale-se Nympha... — Phemie estava cansada, mas ela estava lá, dando suporte. Toda sua pele envelhecia a olhos vistos e ela mais parecia uma ânsia. — Agora de nada vai adiantar.
— O que há com você Phemie?
— Estou cansada querido Pallas, cansada.
— O que faremos? — perguntou Baco.
— Precisamos continuar...
— Sim! Prosseguiremos conforme nossos planos! — Gameliel foi categórico. — Quando Erianthia e o Sr. Queise voltarem, vamos nos reunir e dar um fim em você aqui Nympha.
— É! Não a queremos mais aqui! — Baco estava irritadíssimo.
— Vamos Gameliel... Vamos Baco... Vamos todos! Voltemos aos dois! — e Phemie exigiu que se concentrassem.
Os cinco voltaram a se concentrar e a imagem de Sean e Erianthia num túnel escuro e lúgubre, se projetou na parede espelhada.
Catacumbas de Paris, França.
1889.
Sean se aproximou mais da fogueira. Até podia ser que estivessem numa Terra paralela, plasmada, mas ambos sentiam frio. Quando a noite caiu, ambos sentiram também fome e cansaço.
— Seria arriscado sairmos à procura do que comer?
— Não podemos sair Erianthia. Por que não plasma algo para comer?
Erianthia espremeu os olhos azuis.
— Engraçadinho... — ela viu rindo, se divertindo mesmo. — Por que não podemos sair, Sean? — ela viu Sean ficar nervoso com as perguntas. E ele estava na duvida se Erianthia podia ou não ler mentes noutra dimensão. Mas era esse o motivo de Erianthia se descontrolar. Não podia se adiantar a nada, nem a Sean. — Por que não podemos sair, Sean?
— Porque ele vai nos encontrar.
— Quem vai nos encontrar? Halph Rohan? Mas ele tem 10 anos, não tem?
— Não é Halph Rohan quem eu espero.
— Espera? Espera?! — gritou. — Estamos esperando alguém?
— Sim.
Erianthia e toda a sala vermelha se agitaram.
Oscar e Mr. Trevellis idem.
— Quem esperamos, Sean?
— Não posso dizer.
— Quem esperamos Sean?! — berrou.
— Não vou dizer!
— Sean?!
— A sala vermelha vai saber.
Erianthia arregalou os olhos até o azulado deles se perder na imensidão da fogueira apagada pelo lufar gelado que a apagou.
— Ahhh!!! — gritaram ambos.
— O que... Ehhh... — e algo lufava no seu pescoço.
Erianthia não se recordava de ter tido tanto medo quanto naquele momento.
— Não se altere, Erianthia. Não vai gostar de se alterar. Acredite!
Outro lufar quente se deu próximo ao corpo dela.
— Sean... Quem...
— ‘O quê’ seria mais apropriado à sua pergunta.
Erianthia arregalou os olhos sem que ninguém visse.
— Alienígenas... — Erianthia teve certeza de que os conhecia. — Ehhh... — e Erianthia teve medo.
Algo, alguma coisa estava ali, com eles, nas catacumbas de uma Paris plasmada. E Erianthia tinha medo do que já conhecia.
— Preciso de algo! — falou Sean de repente com alguém.
Erianthia se agitou. Espremeu os olhos com medo de abri-los. Nada falou.
— O QUE QUER DE NÓS? — soou metálico, cavernoso, pelas paredes de pedra.
— Podem enxergar o passado, o presente e o futuro. Sabem quem eu sou e o que fiz, não é?
Vários lufares se fizeram. Sean os temeu também. Os alienígenas estavam nervosos. Talvez pensando em algo.
— O QUE QUER DE NÓS? — repetiram.
— A pergunta é o que vocês querem de mim?
Uma risada metálica atravessou as paredes das catacumbas. Apavorando os moradores da entrada que correram abandonando a fogueira, garrafas, a sopa, os cobertores. Erianthia se encolhia cada vez mais sem saber o que fazer. Na duvida não fez nada.
— E O QUE QUEREMOS DE VOCÊ?
— Vingança!
Outra risada se fez.
— VINGANÇA PARA COM QUEM?
— Vingança de quem os aprisiona, do homem que os aprisionou metade aqui metade na Terra.
“Metade aqui metade na Terra...” apavorou Erianthia, os espiões psíquicos, Oscar e Mr. Trevellis.
Até Mona Foad sentiu medo sentada em sua poltrona em Lisboa. Porque ela estava lá, concentrada nele.
— Porque sei que querem ir embora!
— AHHH!!! — e um grito gutural os ensurdeceu momentaneamente.
Sean ficou com um zumbido no ouvido por alguns segundos.
— Vingança por não estarem nem aqui nem lá. Por não voltarem à sua terra pátria, presos em espelhos.
— AHHH!!! — outro grito alcançou as ruas úmidas pela chuva fria e muitos por lá correram apavorados. — O QUE QUER DE NÓS?!
— Quero sua ajuda para enxergar! — Sean foi categórico.
— NÃO PODEMOS!
— Quero sua ajuda para enxergar! — foi firme e categórico.
— VAI TER QUE RETORNAR PARA ISSO!
— Quero a ajuda de vocês para enxergar! — foi o mais firme e categórico que conseguiu.
— VAI TER QUE SE TORNAR PARTE!
— Quero a ajuda de vocês para...
— AHHH!!! — outro grito o fez ensurdecer.
Sean temeu que sua ideia talvez não tenha sido a das melhores, que ele talvez não tenha entendido direito, que era só um moleque atrevido, com ideias avançadas, se metendo num mundo de poderes e espionagens, mas tudo começou a brilhar. Pontos que começaram a se iluminar, e se multiplicar, e se fechar até que imagens de bitmaps começaram a se fazer.
— Ahhh... — e Sean os enxergou quando a imagem atingiu 1080 bmp.
E Sean preferiu nunca os ter visto tamanha deformidade, tamanha inversão que eles eram.
Seu estômago embrulhou.
Erianthia continuava de olhos fechados, mas de mente e ouvidos abertos. Ouviu algo se arrastando para longe dela. Abriu os olhos para ver Sean vomitar.
Teve medo do que significava aquele vômito.
18
Paris, França.
1889.
“Paradoxos deste tipo só surgem quando o viajante tenta mudar o passado, o que é obviamente impossível. Mas isso não impede que alguém se torne parte do passado...”; soou Nikiforus nas lembranças de Sean Queise.
Ele estava deitado ao lado de Erianthia após passar mal.
— Você está bem?
Sean olhou em volta sem saber ao certo o que responder.
— Venha… — ergueu-se de repente.
— Aonde vamos Sean?
— Em 1871, membros da Comuna de Paris mataram um grupo de monarquistas em uma das câmaras das Catacumbas.
— O que?
Sean sorriu-lhe e Erianthia não entendeu a mudança.
— Aqui está frio. Vamos voltar a Avenue Des Champs-Elysees, 75008. O ‘lendário’ Hotel Lancaster acaba de ser construído em 1889. É lá também que está a La Patisserie Gloppe. Até conseguirmos viajar para Suíça não é má ideia comermos uns doces — Sean viu Erianthia o olhar com numa careta. — O que foi? Não fiz itinerário. Eu conheço a pâtisserie do óleo sobre tela pintado por Jean-Georges Beraud. Você não? — inclinou o pescoço num charme.
Erianthia achou graça de sua inteligência, de seu gosto por filosofia e obras de artes. Ambos saíram de lá agora vendo enfim os ‘miseráveis’ de Paris na entrada do esgoto. Erianthia olhou Sean que a olhou. Ele mandou-a ser mais rápida na maneira como a empurrava. Agora corriam riscos ao serem vistos e Paris não parecia dormir àquela hora da noite.
— Por que tanta agitação? — Erianthia estava maravilhada com as mulheres e homens que passavam por eles. As roupas engraçadas, de bumbum arrebitado, os chapéus e luvas, e os homens com seus costumes perfeitos e suas cartolas brilhantes. — Por que estamos os vendo, Sean? — Erianthia era empurrada cada vez mais.
— Porque eles permitiram.
— Quem permitiu? Os alienígenas?
— Sim...
— Mas como? Disse que não podíamos na Terra paralela... — e Erianthia estancou no meio da Avenida Champs-Elysees. — Nós...
— Nós voltamos à Terra! — foi a resposta de Sean.
Erianthia arregalou os olhos. Olhou para um lado, para Sean, para outro lado e para Sean novamente.
— Estamos na Paris de 1889? A verdadeira Paris de 1889?
— Sim... — Sean parava em frente da La Patisserie Gloppe, do que para ele só fora uma pintura no museu.
E por dentro havia toda a magia da época. Uma grande parede espelhada entremeadas por madeira mais clara que o costume. Mais adiante um grande balcão e suas vitrines lotadas de doces.
— Por que tanta agitação de carruagens e pessoas lá fora?
— A Exposition Universelle de Paris para o que a Torre Eiffel foi construída, aconteceu em 1889, antes teve a exposição de 1855, 1867 e a de 1878; a própria torre foi erguida para celebrar o centenário da Revolução Francesa de 1789 na exposição.
Mulheres, homens e até crianças àquela hora da noite circulavam pela Paris. Sean pegou Erianthia olhando as grandes paredes espelhadas.
— Paris estará mais cheia?
— Vinte e oito milhões de visitantes, Senhorita. A exposição de 1889 foi uma Exposição Universal que ocorreu de 06 de março a 31 de outubro. O Palácio das Belas Artes e o Palácio das Artes Liberais; casas chinesas, templos maias, pavilhões indianos, mesquitas e inúmeros pavilhões de colônias europeias na época. A próxima só ocorreria em 1900 e 1937.
— Então se estamos na Terra, Sean... Essas pessoas todas, refletidas nos espelhos...
Sean acompanhou seu olhar.
— Elas também correm riscos, Erianthia.
Ela o olhou de uma forma evasiva. Sean pediu alguns doces em francês.
— Como vamos pagar? — falou-lhe em inglês baixinho para depois ver Sean dar algumas moedas ao homem que os atendeu.
Ela desistiu de fazer perguntas. Parecia que Sean invertia o jogo que dizia não gostar de jogar. Ele leu seu pensamento. Voltavam a Terra, antiga ou não, agora faziam parte dela. Não contou aquilo a Erianthia ou aquela informação chegaria à sala vermelha.
No entanto Erianthia deu sinais de cansaço.
— Cansada?
— Sim. E se os espiões psíquicos ainda estão conectados em nós, então devem estar cansados também.
— Nunca ficaram tanto tempo conectados?
— Não.
— E como o tempo funciona para vocês, Erianthia? Na sala vermelha?
— Lento quando o controlamos. Mas nossos corpos se esgotam. Como suas roupas no armário.
Sean olhou em volta, uma Paris nostálgica se instalou nele.
— Kelly quis controlar o tempo, voltá-lo — falou do nada ao sentarem-se com roupas amassadas e um tanto sujas numa mesa mais ao fundo, comendo.
— Voltar no tempo para quê?
— Consertar erros... — Sean a olhou de uma forma complexa.
Erianthia quis falar, mas não soube como. Seus pensamentos atravessaram as barreiras do tempo. Gameliel, Baco, Nympha, Ophelie, Phemie e Pallas entenderam. Mr. Trevellis também. Ele ficou de sobreaviso com Erianthia Papadopoulos Agasias, de sobreaviso para o que ela falaria dali em diante.
19
Mosteiro Roussanou, Meteora; Grécia.
14 de novembro, 08h00min.
Oscar havia ido dormir e Mr. Trevellis anunciou aos espiões que toda sala vermelha também iria descansar.
— Retornamos na hora do almoço? — foi a pergunta de Phemie.
— Sim!
E todos saíram antes de Phemie.
— Não! — e Mr. Trevellis segurou o braço de Phemie que achou que já estava dispensada.
Estava envelhecida, com a pele desidratada.
— Por que isso? — apontou Mr. Trevellis e Phemie escondeu o braço na manga que puxou.
— É melhor não nos perguntarmos mais nada Mr. Trevellis — e suspirou profundamente. — Precisa de algo, Mister?
— Sabe que não posso permitir que ela conte a Sean.
Phemie leu seus pensamentos. Alertou-se com o que leu.
— Entendo Mister!
— Não sei se entende Phemie, mas Erianthia não pode contar a ele sobre ‘consertar erros’. Nem a ele nem a Oscar.
— O que pretende? Ah... — Phemie leu seus pensamentos novamente. — Mas é arriscado, Mr. Trevellis.
— Arriscado para quem?
— Para ambos.
— Sinto realmente por isso, mas Sean vai ter que ficar por lá!
— Entendo! — arregalou a velha face.
— Amanhã, no tempo deles! Quando a conexão dos cinco se fecharem. Traga-a de volta!
— Mr. Trevellis... — Phemie ia tentar argumentar.
— Traga-a de volta!
— Entendo! — foi o que disse ao sair.
Phemie estava velha para aquilo, cansada mesmo. Ela atravessou o longo corredor de madeira e subiu dois andares até seus aposentos. Estava entristecida por entregar tantos anos àquela operação e não alcançar o brilho que um dia Mona Foad vira em seus espiões. Nem o brilho nem a verdadeira forma para que tudo aquilo fora criado.
Mona Foad os havia recrutado. Eram jovens gregos com passagens em sanatórios e casas de adoções. Suas famílias, na incompreensão, os abandonaram, os tacharam como loucos, os internaram. Phemie era a mais afetada. Afetada até mais que Erianthia. Havia desde criança, passado por muitos sanatórios, participado de muitas experiências e levado muitos eletrochoques. Sua fala ficara comprometida até a puberdade, quando móveis sumiam de onde estava e reaparecia logo após. Phemie então teve a felicidade de ter conhecido Nikiforus, o professor a ‘adotou’ e começou testes com a paranormalidade dela. A deu carinho e compreensão. Ela estava triste pela morte dele, mas tinha que continuar. Porque Mona Foad também a tinha dado orientação e carinho e ela devia aquilo a ela, à manutenção de uma Operação chamada Zeladores do tempo, paranormais que buscavam seus doppelgänger em realidades paralelas, quando o tempo escoava devagar.
E Phemie nunca duvidou da capacidade de Mona Foad em conseguir aquilo.
Phemie suspirou e abriu a porta de seu quarto. Não era surpresa o que viria ao abrir a porta de seu quarto e entrar nele visto que ele sempre ia depois da sala vermelha lhe pedir orientações. Só Phemie não compreendeu de imediato o que viu. Dois Gameliel a olhando; Gameliel e seu doppelgänger. Ela correu até a porta, mas ela estava na porta, outra Phemie, envelhecida como ela, a olhando. Phemie se virou e só olhou Gameliel. Ela não sabe para qual dos dois, mas caiu de imediato, morta no chão.
Um Gameliel olhou o corpo morto com lágrimas nos olhos, e o outro Gameliel, seu doppelgänger, olhou a doppelgänger de Phemie com um brilho no olhar invertido.
Hotel Lancaster, Avenue Des Champs-Elysees.
Paris; França.
1889.
O hotel situado perto do Champs-Elysées, o Hotel Lancaster era um casarão exclusivo transformado em hotel, onde o luxo era desde a época, sinônimo de um padrão inédito de serviços. Sean e Erianthia entraram pelos arcos da entrada em meio a turistas do mundo todo.
— O que está fazendo? — Erianthia viu Sean se esquivar ao adentrar no hotel lotado. Sean não respondeu e ela odiava não conseguir ler sua mente. — Acabaram as moedas que pegou dos miseráveis?
— Não tem graça, Erianthia — Sean estava nervoso.
— Aonde vamos?
— Quando estive aqui ‘no futuro’ havia um fitness center com sauna, localizado no oitavo andar, oferecendo vistas magníficas de Montmartre e os telhados de Paris. Agora não sei o que tem lá. Espero mesmo que seja um depósito onde possamos passar a noite.
— Ehhh... O opulento Sean Queise vai dormir num depósito?
Sean não entendeu a ironia. Não quis entender. Preferiu a escada para chegarem ao último andar. Entre uma escapada e outra chegaram num quarto com coisas abarrotadas; lençóis, travesseiros, fronhas do mais puro linho, um perfume suave de lavanda. E como chegaram praticamente com a noite entrando na madrugada fria e chuvosa, o hotel caiu em silêncio e eles se deitaram sobre muitos e suaves cobertores.
Tinha que admitir que foi melhor do que ficar nas catacumbas. Sean sabia que mais cedo ou mais tarde Halph Rohan os encontraria, e lá não era a sua melhor opção.
Erianthia acabou de montar uma cama e encarou Sean se vendo no espelho encostado num canto da parede oposta.
— O que houve Sean?
— “Sempre acreditamos que os OVNIs fossem projeções nossas; ora, ao que parece, nós é que somos projeções deles”.
— Quem disse isso?
— C. G. Jung.
— E por que se lembrou disso?
— Acredita em coincidências, Erianthia? As usa para explicar tudo àquilo que não tem resposta? — ela nada falou e Sean prosseguiu. — Pois saiba que a maioria dos humanos a usam; a coincidência... — voltou a se olhar no espelho. — Jung chamou de fenômenos sincronísticos, ou sincronicidade, os acontecimentos que não podem ser considerados casuais. Mas mesmo assim, Jung conceituou essas ‘coincidências significativas’ e que ‘aparentemente’ não possuem uma explícita conexão.
— Aonde quer chegar?
— Doppelgänger.
— “Doppelgänger”? O que é isso?
— Você sabe Erianthia, porque Mona os estudava.
— Não sei do que está falando.
— Sabe! Um doppelgänger é um mito germânico em que uma cópia, imita em tudo a pessoa copiada, até mesmo suas características internas mais profundas, suas coincidências — e se aproximou dela. — E eu sei das experiências que a Poliu vem fazendo anos a fio, com sua sala vermelha, atrás dos doppelgänger.
— Você está maluco! Nunca estivemos...
— Em algumas tradições, ao se ver um doppelgänger próprio significa um presságio de morte, um sinal de morte iminente, pois a lenda reza que a pessoa está vendo a sua própria alma projetando-se para fora do corpo, para assim embarcar para o plano astral.
— Enlouqueceu.
Sean prosseguiu a observando.
— Os doppelgänger do folclore não projetam nenhuma sombra, acredita-se que o doppelgänger somente é visível para quem o tem, e mesmo em tal circunstância ele só pode ser visto espiritualmente, pois ele não tem reflexo no espelho ou na água ou qualquer superfície física, portanto, se a lenda estiver correta, não estaríamos podendo ver os invertidos nos espelhos porque eles são nossos doppelgänger.
— A viagem pelo tempo lhe afetou, Sean. Sabemos que vemos os invertidos...
— Há quem diga que o doppelgänger assume o negativo da pessoa para passar um conselho enganoso, mal-intencionado de modo a convencer a pessoa a fazer coisas cruéis ou simplesmente coisas que ela não faria naturalmente plantando ideias na mente de sua vítima, ou até comparecer perante amigos e parentes, causando confusão. Ahhh... Chamaríamos isso de plasmagens? — riu.
— Está falando de bipolaridade. Os médicos dizem que é um mau funcionamento da junção temporo-parietal, uma região do cérebro responsável pela integração de várias sensações; táteis, visuais e de posicionamento do corpo.
— Andou pesquisando, Senhorita agente?
Erianthia não gostou de ouvir aquilo.
— Por que isso agora? Por que me chamar de agente se estou aqui lhe ajudando?
— Porque os espelhos são portais de onde os invertidos saem. Não são nossas projeções, Erianthia. Você melhor do que ninguém sabe como eles são e você quer me enganar.
— Sempre foi a minha projeção que te incomodava, não?
— Parece-me que é minha vez de perguntar do que está falando, Erianthia?
— O que? Não lê mais pensamentos? — Erianthia viu Sean a encarar friamente. Erianthia tentava virar o jogo. Ficou na tentativa; Sean se esquivara do toque da mão dela em seu rosto. — Não me deseja mais? — ele só lhe deu um olhar frio. — Não faça isso, Sean. Eu não mereço.
— Você não o ‘que’? Não merece?
— Não matei minha irmã.
— Você a viu no espelho, toda a sala vermelha viu o desfecho daquele dia.
— Sean... — tentou adverti-lo do passo que ia dar.
— O que é Erianthia? Com medo da verdade? Você que conhece cada segundo de todo mundo?
— Não se atreva Sean.
— Você me viu no Burj Al Arab com Aagje, viu-a nua falando comigo, viu...
— Chega!!! — berrou a fazer pessoas no corredor parar e se olhar.
— Está louca? Quer que nos encontre no armário?
— É você... Você está me provocando...
— Estou lhe mostrando o que tenta não enxergar...
— Chega!!! — cortou a frase novamente.
— Que droga, Erianthia! Mas que droga! Não vê o que fez? O que se permite fazer por causa da Poliu?
— A Poliu é tudo o que tenho. Foi ela quem me acolheu quando meu pai me expulsou de casa. E por quê? E por quê?! Porque eu era especial, como você. E diferente de seus pais, de seus dois pais, que lhe apoiam, protegem e o tudo o mais, minha irmã, minha própria irmã me denunciou ao meu pai.
— Era sua irmã, Erianthia...
— Invejosa!
— Fria!
— Eu sabia, sempre soube que vocês tinham uma química.
— Do que está falando sua louca! Quantas vezes já lhe disse que nunca a conheci, que seu pai as escondia...
— Você cansou de ir lá, em Santorini, no astral.
— Está louca...
— Não estou!!! — Erianthia berrou a outra vez fazer pessoas pararem para ouvir de onde vinham os gritos. — Você sempre soube tudo o que ia acontecer.
Sean gargalhou nervoso.
— Não sei do que está falando.
— Você se apaixonou por ela, Sean. Há muito tempo.
— Não sei do que está falando Erianthia. Sou apaixonado por Kelly há muito tempo.
— Kelly é algo carnal, Sean, que você trava no astral para não amá-la. Aagje era puro éter, Sean. Ela era como eu, como você; não se engane. Ela o vigiava no éter também. E vocês se conheciam do astral sim!!! — gritou a última palavra.
Flashes enlouquecidos, salpicados de luzes estrobofóbicas o cegaram. Aagje e seus olhos azuis penetrantes, seus seios empinados na espuma cara e o mármore da cara suíte do Burj Al Arab, chamas e gritos de dor que o levaram ao chão, de joelhos, atordoado.
— Aagje era... Aagje era paranormal? Como nós?
— E meu pai não a odiou!!! — berrava descontrolada — E sabe por quê?! Porque ele a tinha sob seu julgo?! Fazendo que ela lesse a mente de seus concorrentes, um passo a frente de todos. E Aagje permitia isso!!!
— Pare de gritar Erianthia!
~— Não?! Não?! Porque Aagje gostava da opulência que meu pai dava a ela, enganando o mundo!!!
— Por isso Syrtys... Por isso ele a escondeu? — Sean sentiu dor, sentiu algo que nunca sentira.
Havia sido enganado.
— Não tenho pena de você... — Erianthia grunhiu de dentes cerrados ao vê-lo cair ajoelhado. — Você sempre me olhou com Aagje no pensamento. Você a via no astral e Aagje apagava isso de sua memória quando você voltava ao corpo.
Sean a odiou.
— Como pode ser tão fria? Você matou sua irmã a deixando morrer Erianthia.
— Fria? Ela teve o que mereceu. Ela se matou quando se envolveu fisicamente com você. E ao contrário do pensa, eu a avisei com 15 anos que íamos, aos 44... — e parou nervosa. —, que ela ia morrer se, se envolvesse com os Queise.
“Que íamos, aos 44...” “Que íamos, aos 44...” “Que íamos, aos 44...” ecoava sem perdão.
Sean arregalou tantos os olhos que teve medo de respirar.
— E parece que nem ela nem meu pai escutaram meu aviso.
— Como pode... Como pode ver o futuro que não existe?
— Nascemos com nosso futuro programado, Sr. Queise — falou extremamente nervosa. —, mesmo com o direito de mudá-lo pelo livre-arbítrio, e nisso Santo Agostinho concordava — ela virou-se para o lado ajeitando o travesseiro.
Sean não sabia o que dizer, pensar, fazer ou falar. Estava em choque. Tudo era tão confuso, tão filosófico. E naquele momento, desejou como Boécio, a consolação da filosofia para enfrentar o que era sua vida, o que sua vida programada o fazia viver. Escorregou até alcançar o chão, encostar-se a alguns cobertores macios e ficar lá pensando, olhando Erianthia de costas, confuso com tudo aquilo.
Ela então jogou o lençol que a cobria e ameaçou sair.
— Aonde vai?
— Comer! Tenho fome.
— Não pode circular pelo hotel. Mulheres não circulavam sozinhas pelos hotéis em 1889.
— Ótimo! Então vá a cozinha e traga algo para eu comer.
— Não vou a lugar algum.
— Tenho fome! Tenho fome! Tenho fome! — falava Erianthia.
Sean não acreditou naquilo. Ela realmente não era a mimada Aagje Papadopoulos, mas era a autoritária Erianthia Papadopoulos, e dava sinais de tirá-lo do sério.
— O que quer que eu faça? Vá para a cozinha e prepare uns lanches?
— Não seja irônico, Sr. Queise. Um copo de leite e biscoito resolve. Devia ter isso naquela época. Hoje...
— Quem fala em ironia...
— Ehhh... Eu vou! — e abriu a porta.
— Não! — Sean deu um pulo. — Não faça isso de novo!
Erianthia desconfiou de algo e Sean só balançou o pescoço nervoso. Saiu sem dessa vez discutir o que a fez desconfiar mais ainda de algo maior. Porque Sean tinha medo de que seus pensamentos, do que achava estar pensando a atingisse, atingisse a sala vermelha. Não podiam deixá-los saber o que ele sabia.
Alcançou o corredor a passos largos e decididos. Desceu a escada observando o redor, impressionado com a quantidade de espelhos que havia ali. Molduras douradas, algumas adornadas de prata, belíssimos quadros e um hóspede passou por ele já no terceiro andar. Sean o cumprimentou com uma contida abaixada de cabeça. Estava nervoso, ampliando horizontes, se arriscando. Outro hóspede passou com duas crianças. Sean só escorregou os olhos para ver os dois meninos gêmeos. Um deles virou para trás, e Sean não gostou do brilho no olhar dele.
Uma sensação de erro, de engano, tomou-lhe de supetão.
“Gêmeos... Gêmeas… Gêmeos... Gêmeas...”; soava intermitente em seu interior sem que ele entendesse aquilo.
Ele olhou para trás novamente e o homem com as duas crianças havia sumido. Sean balançou o pescoço nervoso.
“Que íamos, aos 44...” “Que íamos, aos 44...” “Que íamos, aos 44...”; foi a vez de ecoar em suas memórias, em seu palácio de passados guardados.
— O que Erianthia queria dizer com ‘íamos’? Se Aagje morreu aos 44 então ela também vai morrer? — falava sozinho.
O átrio estava calmo, Sean outra vez encheu-se de coragem e atravessou-o a passos largos. Um funcionário prestou atenção nele, amassado, um pouco démodé. Sean leu o pensamento dele. Apavorou-se arrependido de ceder aos caprichos dela, uma agente da Poliu, uma espiã psíquica cria de Mona amiga. Uma amiga que Sean já não julgava tanto assim. Alguns hóspedes adentraram os arcos um tanto alcoolizados, vindos do provavelmente recém-inaugurado Moulin Rouge, e o funcionário correu para atendê-los. Sean suspirou aliviado abrindo a primeira porta que encontrou não sabendo ao certo onde estava, para onde ia. E respirou aliviado novamente ao perceber que não era seguido e teria que encontrar outra maneira de voltar ao oitavo andar que não fosse pelo átrio principal agora apinhado de hóspedes.
Mais algumas portas e um perfume conhecido se fez, Sean viu a cozinha ocupada por uma cozinheira e dois ajudantes.
— Bonne nuit Monsieur. Que je peux être utile? — a cozinheira se adiantou.
Sean traduziu para um ‘Boa noite, Senhor! No que posso ser útil?’
— Bonne nuit, Mme! Est-ce que je pourrais avoir.
— Oui Monsieur.
— Merci beaucoup!
Sean ficou esperando que ninguém mais aparecesse. Depois ficou a pensar se talvez não tivesse sido interessante que alguém tivesse aparecido porque impactou nas duas mãos direitas que lhe ofereciam duas xícaras de chá com limão. Arregalou os olhos azuis para a cozinheira dupla, uma um tanto invertida.
— Doppelgänger... — soou da boca que por pouco não foi atacada pelo líquido quente que foi jogado sobre ele. Sean se abaixou numa jogada de corpo e na rasteira que se seguiu derrubou as duas Senhoras, sendo que uma, não entendia bem o que via. A cozinheira invertida só tocou a cozinheira original e ela morreu na hora. — Ahhh!!! — Sean só teve tempo de gritar pelo susto e já partir com a cozinheira invertida em seu encalço. Jogou-se pela primeira porta que encontrou para voltar a impactar com o salão de baile abarrotado de invertidos saindo dos espelhos. — Deus... Deus... Deus... — corria, escorregava, e se levantava para voltar a cair; levantou-se e se jogou na próxima porta sabendo que se olhasse no espelho seu invertido nada simpático apareceria.
E não era hora de acertar contas com seu doppelgänger.
Sean passou pelo que lhe pareceu um elevador de metal dourado. Não se arriscou a entrar nele com todos aqueles espelhos nas paredes. Começou a entender os espelhos pintados do Dr. Nikiforus Theodorákis. Subiu engolindo dois, três degraus até chegar ofegante, quase sem ar no oitavo andar, e entrar tão rápido no depósito que Erianthia jurou que ele fez aquilo sem abrir a porta.
— Sean? — o suor e os olhos esbugalhados dele a alertaram. — O que houve Sean? Fomos descobertos? — Erianthia só o via lhe olhando, com todo seu medo exposto no rosto bonito. Sean tentava respirar, falar, fugir e voltar a respirar. Andou até a janela e voltou à porta e voltou à janela. — Sean? O que houve Sean?
— Como nos comunicamos com a sala vermelha? — falou de uma vez só.
Aquilo a alertou.
— Por quê?
Sean só esticou a face para trás e Erianthia abriu a porta devagar para ver um corredor lotado de pessoas duplicadas; várias delas.
— Os inver...
Mas Sean tapou-lhe a boca.
— Enlouqueceu?
O coração de Erianthia batia rápido.
— Aconteceu!
Sean meteu a cabeça no corredor apinhado de doppelgänger e voltou a olhá-la.
— Você sabia que isso aconteceria?
— Mona disse... Mona disse...
— O que Mona disse Erianthia? — perdia a paciência.
— Ela disse a Phemie que se ficássemos... Se ficássemos muito tempo conectados, nossos invertidos teriam a chance de ultrapassar os espelhos.
— Deus... Deus... E agora?
— Sean... Preciso lhe falar...
— Não. Não. Precisamos sair daqui — empurrou-a para alcançar o final do depósito que era de bom tamanho.
— Sean... Preciso lhe contar...
Mosteiro Roussanou, Meteora; Grécia.
14 de novembro; 13h00min.
“Preciso lhe contar...” “Preciso lhe contar...” “Preciso lhe contar...”; ecoava pela sala vermelha sem que ninguém a ouvisse. Mr. Trevellis e Oscar estavam sozinhos quando ecoou aquelas palavras. Os dois se olharam e Erianthia e Sean estavam desconectados da Poliu, do futuro.
Baco, Pallas, Nympha e Ophelie choravam a morte de Phemie, e o desaparecimento de Gameliel após encontrarem muito sangue no seu quarto. A Poliu havia colocado a segurança do mosteiro em nível máximo. E Oscar se desesperava sem saber como auxiliar Sean, como trazê-lo de volta.
Mas Mr. Trevellis estava irredutível, não podiam trazer Sean até ele eliminar o futuro de Halph Rohan ou toda a Terra correria perigo. Oscar sabia que Mr. Trevellis tinha intuitos mais nobres que a salvação humana. A ele só interessava a Poliu, a grande corporação de inteligência.
Hotel Lancaster, Avenue Des Champs-Elysees.
Paris; França.
1889.
Sean e Erianthia conseguiram descer pela janela larga do depósito do oitavo andar do Hotel Lancaster, e escalaram a parede sul coberta por gramíneas, nas quais se agarravam pouco a pouco. A saia de grandes babados de Erianthia também não fora de grande ajuda e nem a calça do costume de Sean, instrumento para rappel. Correram como puderam para o mais longe que podiam, no que os pés tocaram a rua úmida da madrugada, sabendo que não era o Hotel Lancaster o foco dos invertidos, era toda a Paris de 1889, e que provável toda Paris estava sendo invadida por alienígenas do cretáceo naquele momento.
— Vamos! Precisamos dar um jeito de ir à Suíça.
— Como faremos isso, Sean?
— Não sei... Não sei... — Sean tentava tomar fôlego. — O que aconteceu, Erianthia?
Ela estava apavorada com tudo aquilo.
— Você pediu para vê-los, não? Você e sua ideia de catacumbas.
— Eu devia brigar e responder à altura, mas não estou conseguindo parar para se quer pensar num jeito de brigar.
Erianthia virou os olhos.
— Mas foi isso que os fez sair dos espelhos, não foi? — estancou Erianthia na rua úmida e escura tentando fazer suas pernas pararem de latejar. — Foi por isso que nos fez tornar parte do passado, Sr. Queise?
— Por que me chamou assim?
— Porque estou brava se não percebeu! — Erianthia se voltou para ele com a face cansada.
— O que quer dizer ‘parte do passado’?
— Ehhh! Como se não soubesse, não Sr. Queise?
— Pare de me chamar assim.
— Ehhh!!! — berrou aos quatro cantos.
Sean sentiu algo errado. Mais errado do que já sentira. Olhava para os lados atordoado tendo a sensação que a população de Paris duplicava e não era para a ‘Exposition Universell’ de 1889.
— Eu tomei o voo 5674 saído de Dubai com destino à Grécia — Sean olhou a rua úmida de um lado. — O voo que caiu e eu não estava lá — Sean olhou o outro lado da rua úmida. — Quase um mês depois eu tomei o voo 8901 saído da Grécia com destino a Londres, e lá fiz escala para o Brasil no voo 6171...
— Do que está falando?
— Gyrimias disse que fui a sua sala ordenar-lhe que fosse as Ilhas Cayman sendo que eu acabara de desligar o telefone no corredor do Burj Al Arab.
— Como é que é?
— Eu estava no corredor do Burj Al Arab quando liguei para ele, mas... — Sean parou de falar com medo do que pensou e Erianthia percebeu. — Kelly queria consertar erros... — Sean voltou a olhar para um lado da rua úmida. — Consertar erros... — olhou para o outro lado. — Consertar erros... — e encarou Erianthia.
Ela entendeu, Sean entendeu, Mr. Trevellis entendeu na sala vermelha com a precária visão que os quatro espiões e mais uma cadeira ocupada, projetavam na tela após a conexão ser refeita.
— Era Aagje o tempo todo, não Erianthia? — Sean estava ali, na visão deles. — Foi por causa dela que eu provoquei toda essa confusão?
— Não, Sean — respondeu uma Erianthia também projetada na sala vermelha. — Você fez tudo ao alcance para salvá-la em seus dons paranormais premonitórios, mas o seu futuro Sean, o seu futuro programado já estava escrito por Halph Rohan.
Mr. Trevellis não viu alternativa a não ser trazer Erianthia de volta. Ele só deu apenas dois passos e orientou os ‘quatro anões’, e mais uma cadeira ocupada naquele momento.
— Traga-a!
E uma malha geométrica, de perpendiculares esverdeadas se desenhou no chão da sala vermelha, nas paredes, nos espelhos, em toda a Paris de 1889. Sean viu todo o chão se quadricular sob seus pés, sob os pés de Erianthia e toda uma Paris antiga.
— O que...
Os dois se olharam se distanciando.
— Sean?! — gritou Erianthia no chão da sala vermelha. — Não!!!
Sean se viu sozinho na rua úmida, escura, com todo o piso as casas e o céu se quadriculando num desenho geométrico, sem renderização.
— Nonsense... — soou da sua boca.
E o Sol nasceu, e uma carruagem passou por ele. O cavalo e seu cocheiro estavam inacabados. Sean se olhou, sua pele, seus dedos tudo intacto. Sean olhou em volta e os pássaros eram feitos de rabiscos, as lojas que abriam, e se fechavam, e abriam para então fecharem suas portas com pessoas entrando e saindo, e entrando e saindo. E o Sol, e a Lua, e o Sol, e a Lua, tudo correndo rápido, em meio a rabiscos, em meio ao tempo que corria; e tudo eram rabiscos inacabados.
Sean sentiu frio, sentiu calor, sentiu frio e calor novamente. E chovia, nevava e fazia calor, e fazia frio e as folhas caíam e voltava a chover no Sol que nascia e se punha, que nascia e se punha, que nascia e se punha. Sean estava sendo acelerado no tempo, pelo tempo, pela malha quadrimensional.
Sons desconexos então começaram a se firmar. Sean sentiu um odor forte fazê-lo voltar a sua infância, algo que o retornava a infância. Olhou para cima e cheiro de pólvora o alertaram; havia uma comemoração e fogos de artifício explodiam na Paris de noite caída. Sean percebeu que havia vivido ali, numa Paris de 1889, provável noutro corpo, com outra identidade.
Sean voltou a sentir frio se encolhendo para dentro da roupa amassada, úmida, desatualizada; démodé.
— Deus... — arregalou os olhos entendendo a comemoração, ele havia alcançado 1900, a virada do século, os fogos comemorativos de um Réveillon e uma Paris que adentrava o século 20.
20
Mosteiro Roussanou, Meteora; Grécia.
14 de novembro; 18h18min.
Erianthia adentrou furiosa na sala contigua à sala vermelha.
— Enlouqueceu Trevellis?!
— Olha como fala comigo! — Mr. Trevellis se ergueu furioso com todo seu tamanho e poder.
— Você perdeu a chance de qualquer autoridade! Comigo ou com quem for!
— Não me desafie! Pouco me importa sua real condição!
— Você é insano Trevellis! No fim das contas o insano é você!
— Erianthia... — tentou Oscar falar.
— Não Sr. Oscar Roldman! Não! Sabe melhor que todo mundo o quanto me esforço e me esgoto para estar aqui, plasmada, a fim de ajudar Sean, a fim de consertar meus erros. E o que esse faz? — Erianthia apontou para Mr. Trevellis que ficou mais furioso ainda. — Me tira da conexão com ele!
— Não tivemos alternativa, Erianthia — Oscar tentava ser paciente. — Você ia falar para ele antes que ele passasse o telegrama.
— E sabe bem que sem o telegrama não estaríamos aqui!!! — gritou Mr. Trevellis.
— Seus gritos não funcionam comigo! — exclamou Erianthia alterada.
— Não?! Não?! Sabe que sem o telegrama não brecaremos Halph Rohan!!!
— Eu não ia falar!
— Ia!!! — agora Mr. Trevellis se excedeu.
— Ehhh!!! — gritou Erianthia se deixando cair no sofá.
— E agora? — Oscar tinha medo da resposta.
— Agora está por ele conseguir ou não — Erianthia se ergueu abrindo a porta.
— Aonde vai? — a voz de Mr. Trevellis ainda era arrogante.
— Tentar uma nova conexão com a sala vermelha.
— Não pode! Phemie e Gameliel estão mortos.
Erianthia se virou com a tez em choque. Olhou Oscar e voltou a olhar Mr. Trevellis.
— Os invertidos...
— Os invertidos deles! Seus doppelgänger! — explodiu Mr. Trevellis.
— Não sabemos o que houve, mas encontramos espelhos no quarto de Gameliel. De alguma forma ele usou espelhos da sala vermelha para se comunicar com seus invertidos, e a coisa deve ter saído ao controle — Oscar viu Erianthia pensativa. — Por que Gameliel faria isso Erianthia? — Oscar completou, mal sabendo como se mantinha.
Erianthia pensou muito antes de responder.
— Ciúme!
— Mas ele sabia sobre você. Sua condição de espírito evoluído.
— Gameliel nunca entendeu como eu consegui voltar. Até eu não entenderia se Mona Foad não me tivesse preparado para voltar, quando soube sobre o acidente que eu previra aos 15 anos... — e Erianthia parou de falar sentindo-se mal.
Toda sua face empalideceu e ela sentiu que todas suas juntas formigavam.
Oscar também percebeu aquilo. Só não estava preparado, ele, para o que viria logo após. Um calor subiu pelo chão e chamas tomaram conta de Erianthia, que se incendiou como Sean a vira no restaurante do Astra Hotel.
Oscar e Mr. Trevellis impactaram sem ao menos conseguirem falar algo.
— Sean nunca conseguiu ler seus pensamentos?
— Que pensamentos, Sr. Oscar Roldman? — Erianthia ainda estava em chamas. — Não os tenho mais. Sou o que sou, o que pode ver no que me tornei porque me plasmei. Sean, que só conseguia captar aquilo que eu deixava no éter para ser captado, diria que Descartes tinha razão, nos separamos em corpo e mente. E perdemos a ‘mente’, os pensamentos, Sr. Oscar Roldman, quando somos somente espírito — soou a voz metálica.
— Meu Deus! — Oscar estava impactado com a bela Erianthia em chamas. — Nunca vou entender os segredos Dele. Sua maneira de governar o mundo.
— O mundo não existe, Sr. Oscar Roldman. Não se pode compreender o que não existe.
Oscar não quis discutir aquilo. Sua religião, sua fé não podia ser abalada, não quando seu filho precisava da proteção Dele.
Mr. Trevellis que não se abalava nem com a imagem dela daquele jeito, nada falou.
— O que temos de fazer então Erianthia?
— Esperar Sr. Oscar Roldman! Rezar a Deus e esperar e rezar mais; muito mais. Sean está por conta própria, desafiando as leis de uma natureza incompreensível — e o espírito evoluído Erianthia saiu da sala, ainda em chamas.
Oscar só ficou olhando Mr. Trevellis agora de costas, calado, fora de seu costume.
21
Paris, França.
1900.
Paris estava às escuras. Um blackout acontecia às vésperas da troca de século. E era mais que o século, que trocava. Sean sentia que algo estava acontecendo à sua volta.
Ele era seguido.
Mesmo nas primeiras aplicações de eletricidade na iluminação noturna com um grande chafariz luminoso instalado, as luzes rarearam na Rue Royale. Sean estava sem chapéu, amassado e molhado. Sabia que não podia continuar em ruas largas e cheias como aquela. Não teve alternativa a não ser adentrar por ruas estreitas e vazias. E a sensação da rua escura e úmida voltava em suas lembranças, em seu palácio de memórias.
Provável que o mesmo assassino de seu pai, estava a sua espreita.
Sean olhou para os lados, havia entrado numa rua mais estreita ainda, de postes de ferros e luzes fracas. Não se sentia seguro em fazer aquilo sem Erianthia, sentia-se mais perdido ainda. E não era a perda de coordenadas, era uma perda muito mais profunda, muito mais filosófica. Uma filosofia que mal compreendia a morte, a perda, o tempo que nos passa, nos leva. Algo ermo, imanente à condição humana. Quase um solipsismo, uma doutrina filosófica segundo a qual a única realidade do mundo é o próprio eu, só, desacompanhado, solitário. Solidão que surge com o nascimento e se esvaece com a morte que a filosofia não salva, como talvez Boécio tenha buscado.
Sean suspirou. As ruas estavam enevoadas, seus pés pisavam em poça uma vez ou outra. Um frio de fim de ano tomava conta da Paris de 1900 e seus pés acabaram por atolar.
— Droga! — exclamou nervoso.
Um som o alertou. Ele era realmente seguido.
“Quem?”, se perguntou.
Sean sabia que chegara num ponto sem retorno, precisava avisar Oscar, seu pai Fernando, o dois pais. Precisava se avisar, avisar Aagje e Erianthia, avisar a Poliu. Ele sabia agora de tudo, da compreensão máxima de que a vida era uma grande incógnita.
Parou de andar chorando, não acreditando no que acabara de entender; Aagje e Erianthia estavam mortas, e ele amara uma das duas.
“Qual das duas?”; sofria.
Outro som o tirou de suas lamurias, era algo muito mais real do que queria acreditar. Halph Rohan o encarava na rua escura.
— Você... — Sean mal conseguiu falar.
— Eu! — sua voz era oca. — E você sabia o tempo todo.
Sean ficou tentando entender.
— E o que é o tempo, Halph? Esquema temporal, onde o movimento da consciência é descrito em três momentos distintos? A impressão originária, a retenção e a proteção desenvolvido por Husserl ou a relação entre tempo a ser postulada por Heidegger, onde a dualidade essência/existência foi superada?
— Você fala demais Sr. Queise. A sua vida existe sem você.
— Conceito errado, Halph. O conceito de Dasein ou ser-aí de Heidegger, já se refere ao tempo na existência humana. Para ele, o tempo não é uma coisa, está na consciência, coexiste com o passado e o futuro. Deveria ter aprendido mais com eles do que acreditar em monstros no espelho.
— Morra Sr. Queise! — e Halph sacou um revolver que brilhou na pouca iluminação. Sean só teve tempo de se desviar do tiro, da mesma arma que matou seu pai Fernando, que fez Mr. Trevellis tombar de dor na sua viagem astral.
Rápido, Sean correu como nunca o fizera, ouvindo os passos metálicos de Halph que o acompanhavam.
As ruas ficavam cada vez mais enlameadas e frias, estreitas. Sean não tinha certeza se a sala vermelha o via, o auxiliava de alguma forma; se de alguma maneira ele seria resgatado por Erianthia e seus espiões psíquicos. Ele só sabia que ia morrer se não conseguisse voltar ao século XXI.
Outro tiro passou raspando por sua cabeça. Sean foi ao chão sentindo dor no pescoço e suas mãos se encheram de um líquido vermelho. Talvez o tiro não tivesse sido tão de raspão assim.
— Deus... — soou de sua boca agora úmida do orvalho do chão. Sean estava caído, ouvindo passos dos pés que enxergava turvo. Ao lado dele seu pai Fernando, caído, lhe olhando. Seus olhos estavam com petéquias, alguém terminara de matá-lo por um estrangulamento. Era Halph, o mesmo que o seguia. — Dois... — foi o número que escapou da boca de Sean que roxeava, que morria.
E Sean morria entendendo tudo, porém. Era o invertido dele, o doppelgänger de Halph Rohan quem o seguia pela Paris de 1900, então havia ainda o verdadeiro Halph Rohan solto, vivo, atrás de outros objetivos; objetivos que atravessariam o século XXI.
Os fogos de artifício do Réveillon o atingiram novamente, a virada prosseguia. Foi na distração que Sean escapou, escapou nos sons ensurdecedores ao longo da França que adentrava no século XX, no século das descobertas e das grandes invenções.
E ele ia revolucionar tudo com sua Teoria da Relatividade, Albert Einstein; Sean precisava assegurar que isso aconteceria.
Corria zonzo pela dor do tiro, pela dor de ver seu pai morrer mais uma vez, alcançando uma grande construção de pé direito alta. Era bela e formosa, mas não a reconheceu de imediato. Até receou ter mudado de lugar, mas os sons de fogos ainda o situavam no Réveillon de Paris de 1900. Depois se lembrou do lugar, era o La Bourse du Commerce, com seu pórtico ladeado de quatro colunas coríntias. As ruas agitadas e cheias de trânsitos de seu tempo o confundiram.
Sons de cascos de cavalos o alertaram. Sean não pensou outra vez e saltou para trás de uma grande carruagem que levava animados parisienses e turistas até a Gare Saint Lazare. Estava a salvo momentaneamente apesar de acreditar que o invertido de Halph Rohan que ele libertara das catacumbas podia senti-lo, cheirá-lo e localizá-lo aonde quisesse.
Sean Queise desceu totalmente tonto, cambaleando pela Rue de Rome através dos Distritos 8 e 17. E foi na altura do encontro da Rue de Rome com a Rue de Constantinople que ele avistou um conjunto de pequenos hotéis baratos e também a Pharmacie Rousseau, localizada no número 54, onde ele invadiu atrás de medicamentos. Não tinha muita coisa que ele julgava adiantar, mas se abasteceu do que conhecia.
Agradeceu-se por nunca ter faltado a uma aula de química do Professor Mariolani.
Depois entrou num dos blocos laterais onde subiu degraus apinhados de prostitutas. As mulheres o assediavam na passagem; sujo, úmido e com dor ele já não tinha certeza se fugir delas era um negócio acertado. Deixou-se ser levado por uma mão áspera, porém quente que lhe deu abrigo, champagne e pão de broa. Também água morna numa banheira de porcelana encardida, mas que aliviou sua cabeça que latejava terrivelmente.
Sean adormeceu nos braços da mulher estranha após um curativo no pescoço e algo que bebeu trazido da pharmacie sem nunca ter sentido tal sabor.
22
Paris, França.
01 de janeiro de 1900.
Sean acordou com um falatório logo abaixo de sua janela. Mas antes abriu os olhos para se ver num quarto úmido, de paredes desbotadas e grandes varais com roupas atravessando sua pouca extensão. Ergueu-se rápido e voltou mais rápido ainda aos travesseiros com a tontura que se seguiu.
— Droga... — soou baixinho.
Engoliu a seco a saliva que se fez e tentou mais uma vez erguer-se, com sucesso dessa vez.
Uma mulher estranha o observava sentada numa cadeira. Tinha a pele judiada e os cabelos maltratados. Sua roupa transparecia o quanto já fora remendada.
— Vous allez bien, Monsieur? — falou um francês puro, mostrando alguns dentes careados.
Sean traduziu para ‘Você está bem, Senhor?’
— Oui...
— Avez-vous faim?
“Fome?”
— Oui...
Ela se levantou e serviu um copo generoso de vinho barato e algum resto de carne assada que Sean devorou com gosto.
— Você não é daqui? — prosseguiu falando em francês.
— Não...
— De onde?
— De um país... da América do Sul.
— Não conheço nada além de Paris. Se bem que já fui a Corse, uma prainha deserta na...
— Em que ano estamos Mme?
A mulher se assustou com a interrupção. Também com a educação. Poucos homens eram educados com ela.
— Como assim?
— Em que ano estamos?
— 1900! Comemoramos ontem...
Mas Sean saltou da cama. Recuou tonto, mas se ergueu.
— Preciso ir a Suíça. Einstein só chegará em 1914, mas Halph Rohan deve estar lá... tramando algo...
A mulher pouco entendeu daqueles nomes.
— “Suíça”?
— Aonde tem um telégrafo?
— Um o quê?
— Ah! O cinematógrafo de Lumière, uma máquina de filmar e projetar, há ‘cinco anos atrás’, Madame, em 1895. Depois o telégrafo sem fio, que inaugurou uma época revolucionária no campo das comunicações ano passado, 1899, e enfim a publicação de A interpretação dos sonhos de Freud, assim como a recapitulação da história da sociologia do século anterior por Emile Durkheim, porque somente a França poderia fornecer o lar apropriado para a nova ciência, somente a França agrupava as inovações da ordem social pós-revolucionária com a contínua tradição intelectual da racionalidade Cartesiana, somente a França para fazer as grandes mudanças — sorriu para mulher estranha. — E claro, o filme de George Méliès sobre a nova exposição universal de Paris de 1900, inaugurada em 15 de abril pelo Presidente francês Emile Loubet, e que vai transformar em espetáculo o progresso e a técnica, através de viagens simuladas.
Depois de tudo e não entender nada, ela falou:
— Fala daquela exposição que vai...
Mas Sean alcançou a janela sem respondê-la, a deixando mais confusa ainda.
Depois voltou e se sentou à sua frente.
— Gosta de história, Mme?
— Oui! — seu rosto iluminou-se. — Algumas comadres...
— Não. Não essas histórias. Em 1832 um negociante quase arruinado, Charles-Louis Havas, considerado o fundador da imprensa era francês de origem húngara, e se instalou em Paris num escritório de traduções de jornais estrangeiros, ao qual deu o nome de ‘Correspondente Havas’; e Havas teve êxito. Então em 1835 mudou o nome ‘correspondente’ para ‘agência’. Havas percebeu que a rapidez era fundamental e por isso instalou a sua agência próxima de uma agência de correios, o que lhe dava uma vantagem inicial sobre seus competidores. Então como estratégia, utilizou os mais modernos meios técnicos de comunicação, como o telégrafo óptico e elétrico posteriormente, para a reprodução de seus espaços e recebimento, e envio das notícias, e se tornaria a atual Agence France-Presse — Sean a viu continuando a olhá-lo sem entender. — Sabe onde fica? Essa agência Havas?
— Oui! O que quer lá?
— Consertar erros...
— Ah... — ela realmente esperou que ele falasse mais, num sotaque estranho, mas Sean cambaleou e sentou-se na beirada da cama do quarto pequeno e úmido.
— Paul Tilich em seu livro A Coragem de Ser descreve três tipos de ansiedade, as quais são consideradas existenciais no sentido em que pertencem à existência como tal, e não a um estado anormal da mente como na ansiedade neurótica e psicótica — achou graça dele mesmo. — Define a angústia como o estado do ser em que se tem consciência de seu possível não-ser. E é essa angústia de finitude, de quem está na angústia, que está em desamparo que ele define esses três tipos: a angústia do destino e da morte, a angústia de vacuidade e insignificação e a angústia de culpa e condenação. Nem Jean Paul Sartre nem Albert Camus saberiam dizer como a angústia lhe consome, porque não faz ideia de como a culpa lhe devora, Madame.
— Você é jovem e belo para sentir culpa.
Sean achou graça novamente.
— Pardon! Je suis nouveau ici... — Sean viu a mulher traduzir ‘Perdão! Sou novo aqui’; ele se tomou de coragem. — Tem mais daquele vinho?
— Posso conseguir com as meninas.
— S’il vous plaît!
Ela voltou com um copo cheio de vinho.
— Vous allez bien? — se repetiu.
— Sim, Mme. Estou Ótimo! Pensando com clareza. O que me leva a questionar se meu pai, Oscar e Trevellis estavam realmente juntos nisso tudo, porque se estavam também me questiono o porquê de precisar contratar Sandy para me desestabilizar — Sean viu a mulher nada falar, voltar à cadeira e se acomodar. — Será que eles queriam me deter, Mme? E se quisessem, era porque sabiam de algo, não? E como sabiam de algo se eu ainda não tinha feito? Era porque alguém contou, não? Mas como alguém contou algo que eu faria se eu ainda não tinha feito? Porque fui eu quem contou a eles que faria algo, não? — Sean viu que a mulher só ficava o olhando, provável imaginando que jovem démodé e bonito era aquele. — Conhece o paradoxo das bolas, Mme? Não, claro que não conhece — riu com gosto se aproximando dela. — Mas uma bola de bilhar passa através de um buraco de minhoca. Ao sair da abertura, atinge ela mesma, como era no passado, impedindo, assim, sua entrada no buraco de minhoca, mas... — sorriu-lhe agora. — ‘Mas’, nada! É aí que está a grande jogada deles, e vai ser uma grande jogada, porque os alienígenas nunca quiseram destruir Spartacus. Não porque eu vou me ocupar com ele, mas porque vou me ocupar com o aparelho de teletransporte que transformarei o satélite de observação Spartacus, para que o satélite permita a viagem deles pelo tempo... — ria totalmente fora de si. — Entendeu? — voltou a rir. — Não, claro que não entendeu... — se divertia. — Vamos! — se levantou mais uma vez vendo a cicatriz exposta na coxa esquerda. Achou-se nonsense não importava o século. — Você me leva até a Havas e eu lhe dou algum dinheiro.
— Que dinheiro? Você não tem nenhum?
— Como?
— Está nu Monsieur. Não percebeu?
— Ahhh... Claro... Já devia ter me acostumado a isso, não? — riu e a mulher voltou a não entender. — Consegue-me algumas roupas?
— Posso costurar. Sou boa costureira.
Sean se levantou e foi outra vez à janela, observando o ir e vir dos parisienses do nouveau siècle.
— Precisaremos de roupas melhores, Mme.
— Para isso precisaremos de dinheiro.
— Sim. Muito dinheiro.
— E que dinheiro é esse, Monsieur?
— Plasmado.
— Ah! É de outro país? — iluminou-se.
Sean teve que rir outra vez ao voltar a olhá-la.
— Não. Será francês mesmo.
23
Paris, França.
15 de abril de 1900.
Paris era a ‘Cidade das luzes’ mesmo de manhã. Sean estava encantado com a Paris cultural do despertar do século. Andavam a pé pela Champ de Mars. Ela usando um vestido um pouco melhor acabado e ele uma roupa comprada de segunda mão; dinheiro plasmado.
— Paris... — soou encantado. — Sabe que serão 40 milhões de visitantes, 205 dias de exposições, 83.000 expositores? — Sean olhou a mulher ao seu lado lhe olhando. — Automóveis Benz, Daimler, Ford, Fiat, Peugeot, Renault, Michelin e os guias-mapa que mais pareciam obras de arte... — e Sean parou de andar.
— Você é esquisito Monsieur.
— Sean...
— O quê?
— Meu nome é Sean.
— Ah! O meu é Margot.
— Prazer Madame Margot.
Ela o achou tão lindo quanto o local.
— Lindo não? “L’Exposition de Paris 1900!” — Margot apontou para o cartaz exposto na parede. — Se bem que prefiro ao vivo — apontou para uma grande Fonte de água.
Sean não acreditou quando se viu numa ponte caminhando para a exposição. Uma praça ampla, com uma grande construção branca de arcos e uma fonte de água luminosa. Era a primeira vez que faziam uso da eletricidade para iluminar ambientes externos.
Aquilo era emoção demais.
— Palácio da Eletricidade e Chateau d’água; pena termos que esperar 76 anos pelo telefone móvel, não Margot? Eu remeteria tal foto para... — e paralisou. — Deus... — Sean viu Margot o observando. — A exposição foi aberta em 15 de abril de 1900 e prolongou-se até o dia 12 de novembro de... — e parou.
— Ce qui s’est passé?
— O tempo... Está correndo de novo... — Sean pegou o panfleto da parede lendo a planta baixa da exposição.
Sean olhou Margot fascinada com o redor. Estranhou o fato dela não ter percebido que saíram de sua casa a pouco tempo atrás, primeiro de janeiro; só um dia após o Réveillon, e agora já estarem em abril, 15 de abril.
“O que fizemos esse tempo todo?” “Por que Margot não percebe o tempo passar?”.
Sean olhou em volta.
“O que há de errado?”
— Aonde vamos Monsieur Sean? — ela se virou para ele.
— Leve-me a “Avenue de L’Alma’, Mme Margot; nada mais sugestivo, não acha? — ele viu Margot não achar nada. — A Avenue de L’Ama está entre a Avenue Montaigne e a Avenue Marceau, Madame — apontou para frente.
— Oui! C’est fantastique! Um Monsieur estranho como você pagou-me um almoço lá semaine dernière.
— Um ‘Monsieur estranho’ como eu? Pagou-lhe um almoço ‘semana passada’? — Sean viu Margot sorrir encantada com tudo. Começou a achar que não haveria de haver dois Messieurs estranhos como ele. Ficou a imaginar se Halph Rohan estava à sua frente. — Como chegamos lá? — Sean apontou para os países expositores.
— Pelo anexo da Qai D’orsay. Atravessaremos a Pont de L’Alma e logo veremos o Palais des Congrés; atrás fica o Restaurant onde comemos.
Sean atravessou a ponte pensativo.
— Havia na exposição... Há na exposição — corrigiu-se mais uma vez. —, exposições do mundo inteiro — olhou a planta baixa novamente parando no meio da ponte sobre o Rio Sena. — Belgique, Noryege, Alemagne, Espagne, Monaco, Suede, Grece... Você vai na frente e eu te encontro lá.
— “Lá”?
— No Restaurant.
— Comment? Eu vou na frente? Você vai... — e Margot parou de reclamar ao ver cinco mil francos em mãos.
Arregalou tanto os olhos que deformou a face mal tratada.
Sean sorriu-lhe com charme.
— Vai haver mais se estiver me esperando aqui, daqui a quatro horas Mme Margot — Sean olhou o relógio no poste. — Preste atenção Margot. Hoje é dia 15 de abril, 09h00min. Voltarei as 13h00min; está bem?
— Não demore então, Monsieur Sean. Porque está confuso. Veja! Os jogos Olímpicos já começaram. Hoje é dia 15 de agosto.
Sean sorriu-lhe confuso, sabia que o tempo não estava mais correndo a contento. Olhou agora a Torre Eiffel sem a certeza se encontraria Margot lá.
— Enchanté! — beijou-lhe a mão e correu. Precisava alcançar a Agence Havas e voltar a ‘Grece’ da exposição, ainda na exposição; Halph Rohan o estaria esperando lá, ele tinha certeza.
Sean conseguiu alcançar o centro da agitada Paris e enviar um telegrama à Poliu do ano 1900, na suíte 12 do Flagler’s Royal Palm Hotel, o mais luxuoso resort de Miami Beach. O telegrama estava endereçado a Mr. Howgerv, homem forte da Poliu na América do Norte do começo do século passado, que estava se preparando para a inauguração da Collins Bridge.
Flagler’s Royal Palm Hotel, Miami; USA.
15 de agosto de 1900.
Estava quente naquela manhã, Mr. Howgerv havia acertado enfim o nó da gravata no espelho. Era um homem robusto, de bigode robusto sob um nariz proeminente, tristemente de família. Também só conseguiu fechar apenas um botão do smoking porque a também barriga familiar não permitia mais que aquilo.
A campainha da porta de sua suíte 12 tocou e o mensageiro entrou após um de seus agentes abrir a porta. O mensageiro lhe entregou um documento ‘Urgent!’ e saiu. Mr. Howgerv ainda teve tempo de abrir o voil da janela e apreciar a vista. Abriu uma champagne e dispensou os agentes ali. Um documento ‘Urgent!’ não era para ser lido com ninguém por perto. Talvez no futuro a expressão ‘For your eyes only!’ tivesse essa sina.
Mr. Howgerv amassou o envelope do Flagler’s Royal Palm Hotel e jogou-o no lixo. Desdobrou o longo telegrama e tomou meia taça quando todo o líquido foi expulso de sua boca no que o cuspiu longe. Ele caiu sentado, molhado, tremendo achando que teria um enfarte após ler o que leu. Levantou-se e foi até a janela agora fazendo mais que olhar a bela Miami florescendo no novo século.
Mr. Howgerv teve medo da vida.
Paris, França.
15 de novembro de 1900.
Também Sean mal acreditou no que fizera, nos segredos que sua vida se tornaria depois daquilo. Ficou imaginando Platão e sua reminiscência, se realmente voltamos a um novo corpo após o término deste trazendo de outras vidas, do mundo das ideias, informações de outras vidas vividas, ou se voltamos vazio como uma folha em branco, onde todo o conhecimento se baseava em dados da experiência empírica como dizia John Locke.
Sean só esperava mesmo, com toda sua fé, ter entendido o que leu na visão remota que deu a sua casa. E Mr. Trevellis havia errado, Sean não leu o telegrama na noite do jantar, ele voltou ao dia em que seu pai Fernando, Oscar, Mr. Trevellis e Syrtys guardaram um telegrama que havia sido enviado à Poliu do ano 1900 por Sean Queise, guardado junto ao documento sobre os alienígenas do cretáceo, no cofre do escritório da mansão Queise.
Sean correu até à exposição naquilo que julgou serem quatro horas de afastamento, mas a feira de exposições já havia acabado.
— Droga! Estamos em novembro... — ele ainda tentou em vão descobrir onde havia sido montada as exposições dos países, a Grece, mas tudo havia sido desmanchado; lá só a Torre Eiffel e o tiro que o derrubou no chão. — Ahhh!!! — Sean sentiu que sua perna havia sido atingida. Olhou-se do chão e viu a coxa esquerda sangrando na cicatriz que ganhara. Sean achou-se mais uma vez nonsense. — Apesar da reminiscência de Platão, parece que nossa vida também se baseia no empirismo de Locke, não? — Sean viu Halph Rohan e o invertido dele, seu doppelgänger lhe olhando-o.
— Você achou o que Sr. Queise? Que podia me deter contando-lhe o que iria acontecer? — sorriu um Halph cínico e verdadeiro.
— Tem que admitir que foi uma jogada de mestre, não? Um telegrama a mim mesmo? — riu Sean ferido.
E Halph Rohan deu dois passos, engatilhou o revolver e atirou novamente.
Contudo Sean sentiu que o projétil saíra do tambor. Pôde ver a explosão, o movimento que rasgava o ar, o dissociar do metal de chumbo que lentamente não chegou nele porque o tempo parou, pareceu parar.
O doppelgänger de Halph se assustou com o que viu.
— Ele parou... — o Halph Rohan invertido apontou nervoso para Sean que tinha na mira o projétil próximo a sua cabeça, parado entre as dimensões, sem atingi-lo.
— Cale-se! — gritou o Halph Rohan original disparando mais uma e outra vez e as balas parando uma após a outra, em fila, na mira de Sean Queise que mirava Halph Rohan.
Os olhos do Halph Rohan original brilharam para os olhos de Sean que brilharam de volta.
— Você achou o que Halph Rohan? Que podia me deter de contar-me o que iria acontecer? — sorriu um Sean cínico.
— Seu moleque atrevido! Eu vou... — e o Halph Rohan original foi ao chão pela pancada que Margot deu com uma barra de ferro na cabeça dele.
Os projéteis caíram no chão sem atingir Sean e o doppelgänger invertido de Halph Rohan, correu pelas ruas de Paris, alcançando dali duas quadras um espelho que estava no meio da rua, jogando-se e desaparecendo dentro dele, fazendo transeuntes gritarem pelo pavor da cena inusitada.
O doppelgänger invertido de Halph Rohan e o espelho sumiram.
Já Sean mal acreditava em ver Margot lhe olhando, tremendo com uma barra de ferro nas mãos suja de sangue.
— Madame Margot...
— Eu vim aqui todos os dias, Monsieur Sean, de todos os meses, mas nunca o encontrava — ela o ajudou a levantá-lo. — Eu não quis parecer que sumi.
— Deus... — Sean sentiu-se tonto pelo excesso do sangue derramado pela coxa que doía muito. — Eu... Merci beaucoup, Mme!
— De rien Monsieur, cela a été un plaisir — Margot sorriu-lhe.
Parecia melhor vestida, melhor tratada. Até perfumada estava. Sean tirou mais, muito mais notas do bolso conforme sua vontade as plasmava. Ele mentiu para Erianthia, podia ter plasmado uma pizza nas catacumbas, e pagou Margot que agradeceu e agradeceu. Sean se abraçou nela e ambos correram dali, deixando lá caído o corpo do verdadeiro Halph Rohan. Mas correr era doloroso, ambos logo sentiram que não iam chegar muito longe daquela maneira.
— Preciso de sua ajuda, Margot.
— Oui Monsieur!
— Tenho que sair daqui, chegar à Suíça ou a relatividade jamais será descoberta.
— Nunca entendo o que fala, Monsieur Sean. Mas vou lhe ajudar.
Sean lhe deu mais notas de franco francês.
— Quero que compre uma casa e tenha um negócio. Costure, Margot.
— Oui Monsieur! Oui! — Margot em choque aceitou o agradecimento de Sean que tombou para ser socorrido por ela outra vez.
— Merci, Margot...
— Não vamos conseguir chegar a lugar nenhum com Monsieur sangrando. Vamos para um...
— Não! Não posso parar, Margot.
— Mas acho que o matei — olhou para trás. — O Monsieur estranho...
— Acredite! Ele está vivo o suficiente para matar meu pai no futuro.
— Mon Dieu! Ele vai matar seu pai?
— Sim. Preciso eliminá-lo antes.
— Mas por que não voltamos Monsieur Sean e o matamos...
— Não! Tenho que eliminá-lo na Suíça, no escritório de patentes antes que Einstein chegue lá para trabalhar em 1914.
— Mas Monsieur...
— Não Margot. Halph Rohan nunca poderá conhecê-lo.
— Quem? Oui! Oui! Nunca vou entendê-lo.
Os dois andavam por uma Paris ainda cheia de gente. Mulheres e homens bem vestidos que circulavam ao redor deles sem entender o casal abraçado. Mas Sean deixava um rastro de sangue que em breve seria seguido.
— Ainda estamos em novembro, não?
— Por que se preocupa tanto com o tempo?
— O tempo é um vestígio de eternidade, Mme.
Ela gostava de como era chamada, com a educação que era chamada. De como ele a chamava.
— Não, Monsieur Sean. Estamos em fevereiro.
— 1901?
Margot achou graça da pergunta.
— Sim. Fevereiro de 1901, Monsieur Sean.
Sean achou graça foi de como era chamado. Ficou lembrando-se de seu passado e como era chamado de ‘Senhor’ por todos mesmo quando ainda muito jovem. Ficou lembrando-se da pressão de assumir uma empresa tão grande, tão influente. De como sua infância foi tumultuada pelo excesso de trabalho de seu pai e o quanto carregava aquele excesso até hoje. A Computer Co., a família, os funcionários, a sua juventude minada pela responsabilidade precoce.
Sean sentia dor, sentia saudade, sentia falta de Kelly; também de Erianthia e Aagje. Sentia-se confuso, com seu coração perturbado desde a morte de Sandy. Sean sentia, também, que ‘apagava’ nos braços de Margot que o ajudava, que o procurara todos aqueles meses, que para ele não passara de horas.
Sean ficou com medo do tempo.
— E o que é o tempo? Como medi-lo? — Sean viu que Margot já não falava, não se expressava. Eram somente rabiscos de uma Margot que o segurava por ruas rabiscadas que já não pertenciam a sua orbe. — E o que é o tempo, Deus? — Sean era pura filosofia. — “Precedeis, porém, todo o passado, alteando-Vos sobre ele com a vossa eternidade sempre presente. Dominais todo o futuro porque está ainda para vir. Quando ele chegar, já será pretérito” — e nevou, e choveu e nevou e o Sol brilhou sob as palavras de Santo Agostinho. — “Vós, pelo contrário, permaneceis sempre o mesmo, e os Vossos anos não morrem... Todos os Vossos anos estão conjuntamente parados, porque estão fixos, nem os anos que chegam expulsam os que vão, porque estes não passam” — e nevou e choveu, e o Sol esquentou para então ventar, chover e nevar. — “Quanto aos nossos anos, só poderão existir todos, quando já todos não existirem. Os Vossos anos são como um só dia, e o Vosso dia não se repete de modo que possa chamar-se cotidiano, mas é um perpétuo hoje, porque este Vosso hoje não se afasta do amanhã, nem sucede ao ontem” — Sean sentiu-se cansado. — “O Vosso hoje é a eternidade. Por isso gerastes co-eterno o vosso Filho, a quem dissestes: ‘Eu hoje te gerei’. Criastes todos os tempos e existis antes de todos os tempos” — e voltou a nevar com as ruas embranquecendo. — Não é concebível um tempo em que possa dizer-se que não havia tempo, não Deus? — e Sean olhou para o lado uma última vez e Margot era velha, decrépita demais para ajudá-lo. Desfez-se em pó no que Sean caiu numa rua de asfalto.
E Paris estava asfaltada, com trilhos de metal a atravessar-lhe, uma Avenue des Champs-Elysees com carros a circular. Buzinaço, pessoas e neve, que o Sol derreteu para voltar a nevar.
“Sean, meu filho?” a voz de seu pai Fernando Queise chegou até ele, vindo de um tempo longínquo.
— Deus... O que é o tempo? — Sean arregalou os olhos azuis para o carro Peugeot Type 150 de 1914. — “Porém, atrevo-me a declarar, sem receio de contestação, que, se nada sobreviesse, não haveria tempo futuro, e se agora nada houvesse, não existiria o tempo presente”.
Mas não foi só Santo Agostinho quem atravessou os anos pensando o tempo, foi todo um tempo, toda uma Paris mergulhada na Primeira Grande Guerra.
Sean viu carros de refugiados em meio uma Paris chique, de mulheres de saias longas, mais discretas e chapéus mais adornados, muitos, de gosto duvidoso quando um som chegou até ele; eram belgas. Famílias inteiras fugidas, sofridas. Havia agitação e tristeza no ar da guerra que estava frio. Sean sentiu que apesar do tempo lhe atravessar suas dores atravessou com ele.
Sua perna ainda sangrava e era provável que Halph Rohan estava atrás dele tão vivo quanto ele, com uma contusão na cabeça. Ficou parado tentando se situar, tentando entender a grande construção à sua frente. Buscou placas, qualquer identificação. Uma praça lhe deu a informação; aquela era a Universitè Sorbonne. Estava no Quartier Latin, lado esquerdo do Sena. Sean não tinha muita certeza de como era na época, mas em sua última visita à Paris, havia muitos bistrôs por ali.
Tinha fome, frio, sono.
Sean conseguiu carona numa carroça lotada. Ninguém percebeu que ele estava outra vez démodé para o ano, com uma calça suja de sangue. Alcançou a Galeries Lafayette decorada para a visita do Rei George V e a Rainha Maria. Agora se situou numa Paris próxima ao evento, 18 de Abril de 1914; sabia estar ente a Rue de La Chaussée D’antin e a Igreja da Santíssima Trindade.
“1914!”; Sean teve medo do que pensou.
Sabia que sua ida a Suíça falhara, mas precisava descansar, alcançar um lugar seguro para dormir já que para ele o tempo não era o mesmo.
Mosteiro Roussanou, Meteora; Grécia.
19 de novembro.
Oscar Roldman adentrou o quarto de Erianthia quando ela acabava de voltar de sua viagem astral.
— Você... Sean está bem?
— Está vivo. Se isso lhe bastar — Erianthia levantou-se da cama cansada.
Oscar não acreditou no que ouviu. Na frieza com que as palavras lhe foram ditas.
— Sean está onde se o tempo não corre igual?
— Paris de 1914.
— Paris está em guerra?
— Sean acaba de chegar lá. Galeries Lafayette.
— Onde ele estava?
— Não sei. O perdi no réveillon de 1900 e agora ele apareceu ferido em 1914.
— “Ferido”? Sean não conseguiu ir a Suíça?
— Não sei. Já disse que não estava concentrada nele. Fica difícil atravessar o tempo sem a sala vermelha, e esses dias foram difíceis.
— Trevellis quer trazer Mona Foad.
Erianthia sentiu medo no que ouviu. Porém, era a única a ter forças para ajudar Sean voltar.
— “Trevellis quer trazer”? Mona não quer vir?
— Ela está receosa com o que vai encontrar aqui.
— E o que... — e Erianthia parou o que ia dizer.
Oscar também não se fez de rogado. Virou-se e saiu do quarto de Erianthia, no mosteiro, na Meteora, na Grécia do ano vigente, com um sorriso tão cínico quanto Sean daria.
24
Paris; França.
18 de Abril de 1914.
Sean viu a noite de Paris escurecer de uma maneira inédita. Mas havia algo errado ali; ainda havia algo errado com o tempo. Atravessou a rua escura. Estava parado ali por perto por um bom tempo, esperando o comércio fechar quando a imagem de Mona se fez e desfez no meio da rua. Sean teve medo daquilo; daquilo e do odor que se aproximava.
Sabia que não estava só.
Ficou atônito tentando encontrar algo para se defender e um braço rasgou o ar avançando sobre seu rosto. Sean foi ao chão pelo soco desferido por um Halph Rohan original.
— Não é rápido para mim, Sr. Queise.
Mas Sean foi rápido sim, no giro de pernas que derrubou Halph Rohan da fenda temporal e o trouxe, fazendo sua cabeça e depois o corpo todo atingir o piso da Paris de 1914 em com força.
— Ehhh!!! — gritou Erianthia indo ao chão tonta, no meio do corredor do mosteiro sob as vista de Mr. Trevellis, Oscar, Baco, Nympha, Pallas, Ophelie e Mona Foad, que acabara de chegar.
— Erianthia?! — correu Baco a acudi-la.
— Não!!! — gritou Mona. — Por Allah! Ele está concentrado nela.
— “Ele”? — Oscar teve medo daquilo.
E a imagem de Mona Foad foi a próxima. Mona mal conseguia se firmar. Sua imagem ia e vinha para susto de Mr. Trevellis.
— Mona? — chamou Oscar.
— Halph Rohan está sugando Erianthia — Mona apontou para Erianthia que começava a virar rabiscos como Sean já vira Paris em suas viagens.
— Façam algo!!! — gritou Mr. Trevellis a cair no chão desacordado.
Ophelie e Nympha arregalaram os olhos para o corpanzil jambo no chão de madeira envelhecida e Oscar olhou Mona.
— Ele ia atrapalhar! — foi a própria Mona quem deixou claro quem o derrubara. Depois Mona se concentrou em Erianthia. — Volte Erianthia! Tenha força!
— Ehhh!!! — gritava uma parte de Erianthia desaparecendo do mosteiro.
— Por Allah! — Mona arregalou os olhos para a imagem de Erianthia que a olhava.
— Por que Erianthia se rabiscou e voltou a se formar, Mona? — Oscar teve medo do que achou que aconteceu. — Mona? Quem é... — e apontou para a imagem de Erianthia que outra vez rabiscou-se para então se firmar, e ir ao chão desmaiada. Oscar olhou Erianthia no chão, tonta. — Aquela era...
— Aquela era Aagje! — falou uma Mona firme. — Ela é a ligação de Sean com esse mundo, e Halph Rohan está vindo para cá, para o mosteiro, através do espírito de Aagje que sofre no limbo — Mona anunciou num pânico jamais sentido. —, e Halph Rohan vai tentar destruir Erianthia para alcançar Aagje e destruir Sean assim.
— Destruir Aagje? Mas ela não está... — e Oscar não conseguiu calar-se com o olhar e a força psíquica de Mona Foad.
Oscar viu Erianthia outra vez em rabiscos no chão do piso do mosteiro da Meteora, viu Erianthia, viu Aagje e viu Erianthia sorrindo-lhe. Havia algo ali que Oscar não entendeu.
“Ou entendi?”; se perguntou.
— Não deixe Halph Rohan vir para cá, Erianthia! — foi o que Oscar exclamou.
Mona olhou Oscar naquela ordem.
— Como se pudéssemos detê-lo Sr. Oscar Roldman… — Erianthia cerrou os dentes nervosa.
Mas Oscar achava que podia sim, detê-lo.
— Todos para a sala vermelha! — Oscar deu a ordem. — Agora!!!
Nympha, Ophelie, Pallas e Baco se viraram para ajudar Erianthia.
— Não!!! — Nympha gritou apontando para Erianthia que ficava quase transparente.
— Droga! — Mona correu, entrou na sala vermelha, sentou-se na cadeira e os espelhos se abriram. Mona sumiu se materializando na Paris de 1914, na frente de Sean e Halph Rohan que lutavam corpo a corpo no chão úmido.
Sean só a olhou. Mas Halph Rohan fez mais, se ergueu e se jogou dentro da imagem de Mona a fim de atravessar os anos.
— Ahhh!! — gritou Baco e Ophelie ao ver o rosto de Halph Rohan atravessar o espelho da sala vermelha para onde estavam levando o corpo rabiscado e inacabado de Erianthia, e avançar sobre Mona sentada em transe numa das cadeiras.
Mas Sean pegou Halph Rohan pelos os pés puxando-o de dentro da alma de Mona, que gritou para acabar desacordada no chão da sala vermelha, na Meteora, para onde voltara sob os fortes olhares de um Oscar apavorado, de uma Erianthia que tremia, a ver um Mr. Trevellis sem conseguir falar absolutamente nada após acordar.
Já Halph Rohan foi outra vez ao chão úmido da Paris de 1914 para então Sean jogá-lo contra a parede feito boneco. Sean fugiu enquanto Halph, tonto se ergueu para sumir e aparecer na frente dele se chocando com Sean.
— Ahhh!!! — e os dois foram ao chão em luta livre, corpo a corpo, sob socos novamente.
Halph, mais forte do que Sean supunha que ele fosse, deu-lhe um soco de mão cheia na coxa ferida.
— Ahhh!!! — Sean sentiu que todas as dores já sentidas até então em sua vida em nada pareciam com aquilo. Toda sua musculatura retesou enquanto Halph correu a desaparecer, aparecer no beco e voltar para onde deixara Sean, agora com uma arma nas mãos, já mirando Sean quando esse se virou com toda força, a que ainda tinha e levantou-se correndo, caindo e levantando e caindo. Um projétil atingiu a parede atrás dele, do lado dele, nele. — Ahhh!!! — Sean foi ao chão com a perna esquerda outra vez ferida. Arrastou-se tentando alcançar a rua, a multidão, sentindo muita dor, odiando-se por não ter tentado chegar a Galeries com o movimento ainda de gente na rua. Outro tiro e Sean abaixou-se. Mais dois tiros e Halph Rohan parou para recarregar a arma. Sean correu, caiu e correu outra vez. Não sabia mais onde estava, toda sua orbe se embaçou e suas mãos lotaram-se de sangue da perna que segurava na fuga alucinada. — Erianthia?! — gritou. Cavalos adiante fizeram seus cascos atravessarem o silêncio da noite junto ao tiro ouvido. Os cavalos se agitaram e a carruagem se descontrolou. Sean ainda teve tempo de se jogar na calçada e não ser atropelado já que mais tiros se faziam atrás dele, e Sean se arrastava mais que corria. — Erianthia?! Erianthia?! Erianthia?! — gritava desesperado.
Erianthia sentiu-se tonta outra vez. Todo seu corpo rabiscava-se perante Oscar na sala vermelha.
— Sean... — sua boca soava sons metálicos.
— Erianthia?! Socorro!!! — implorava Sean nos espelhos da sala vermelha onde Erianthia, Oscar, Mona, Ophelie, Baco, Pallas, e Nympha, os sete, sentavam-se em torno do sinal vermelho no piso.
— Vá! — Oscar deu a ordem a Erianthia.
— Não!!! Vai Baco! — gritou Mona nervosa. — Precisamos da força de Erianthia aqui para trazermos Sean...
Erianthia olhou Oscar, que olhou Mona, e voltou a olhar Oscar.
— Vá Erianthia! — ordenou Oscar outra vez. — Eu sento aqui duplo! — Oscar desafiou Mona Foad ao sentar-se em meio aos espiões psíquicos que não acreditaram que Oscar Roldman tivesse aquela força quando dois Oscar Roldman se fizeram ali.
Mr. Trevellis sorriu satisfeito com o amigo velho e Erianthia não esperou mais nada. Sumiu da sala, das vistas, dos espelhos que não conseguiam captar Paris de 1914, enquanto Mona Foad se satisfazia por fazer Oscar Roldman participar da vida do filho, enfim.
Sean caía no chão toda vez que se levantava. Mas foi ao chão agora pelo pedaço de madeira que lhe atingiu as pernas; as duas.
— Ahhh!!! — Sean mudou o foco de visão os planos de visão e os dois pés perderam o piso voando pelos ares, para então seu corpo atingir o colchão macio do Astra Hotel. Sean se ergueu atônito, mancando, rodeando o quarto, o colchão macio onde caíra. — Grécia? — Sean girava em torno dele mesmo a sentir o sangue pingar no piso do hotel que rabiscava que ganhava contornos Art Nouveau, sons noturnos.
Sean voltava a Paris de 1914 na mira da arma de Halph Rohan.
— O que Sr. Queise? Viajando?
Sean entendeu naquela hora que ele podia, que ele Sean Queise sempre pôde fazer aquilo. Viu-se por segundos saindo da suíte do Burj Al Arab nervoso, indo a Computer no Brasil dando a ordem a Gyrimias na sala dele, e voltando aos corredores dourados do Burj Al Arab, com duas mulheres atrás, Aagje e Erianthia, vendo-o fazer aquilo, aquela viagem pelo tempo.
Arregalou os olhos.
— Deus... — soou da sua boca; de alguma forma ele também era um Zelador do tempo.
Halph Rohan disparou a arma e o piso tomou-se de neve, de um frio cortante e sons de sinos e ele arregalou os olhos no que as vacas o derrubaram.
— Ahhh!!! — as vacas passavam por cima dele quando Halph se ergueu furioso com a vista; havia um pasto amplo, nele havia neve, com o piso branco em que Sean corria com dificuldades. Ele atirou e Sean foi ao chão nevado sem que o projétil lhe atingisse. — Sr. Queise?! — gritou Halph Rohan cada vez mais descontrolado correndo atrás de um Sean Queise que afundava na neve sentindo a perna ceder.
Outro projétil e mais um, e Sean mesclou tudo. Havia fumaça no ar, neve por onde corria, um piso de madeira e bancos, sons de vacas mugindo e pessoas esperando um trem em que Sean se jogou para dentro. Halph Rohan deu um salto e entrou no trem, também.
Sean se arrastava pelos corredores apinhados, nervoso com a data.
— Que ano? — perguntava para um. — Que ano? — perguntava para outro. — Que ano estamos? — todos se assustavam com Sean, com suas roupas ensanguentadas, sujas de neve, cheirando água parada de uma Paris de 1914. — Em que ano estamos?! — gritou Sean pela última vez a dois homens.
— 1902! — respondeu Erianthia lhe observando.
Sean arregalou os olhos azuis para a arma apontada para a cabeça dela.
— O que Sr. Queise? — ria Halph Rohan debochado lambendo o rosto de uma Erianthia pouco nítida. — Ah! Não sabia que eu sabia sobre sua nova namoradinha esquisita?
Mas Sean também viu Sandy Monroe atrás de Halph Rohan que beijava uma Erianthia embaçada, incomodada, ‘esquisita’.
— Achou mesmo que podia me deter? — voltou Halph Rohan a questioná-lo.
— Achei? — respondeu Sean com cinismo.
E todos os quatro se transferiram para a sala vermelha; Sean Queise, Erianthia Papadopoulos, o fantasma de Sandy Monroe e Halph Rohan, para o susto de Baco, dos dois Oscar, Mona, Nympha, Ophelie, Pallas e Mr. Trevellis juntos no mesmo espaço temporal estancados pela chegada deles à sala vermelha.
Halph Rohan então apertou o gatilho na cabeça de Erianthia, mas não havia arma, ela estava nas mãos de Mona Foad que sorria satisfeita.
— Apport... — soou da grande boca de Mona Foad no meio do circulo da sala vermelha.
— Não!!! — gritou Halph se queimando do fogo gerado por Erianthia que se agarrou nele indo ambos ao chão da sala vermelha em chamas, que acionou sprinklers de última geração no antigo mosteiro da Meteora.
Sean entendeu naquele momento o quanto Erianthia era esquisita para então ver um caminhão que se aproximava, e também ver o carro de uma Erianthia alcoolizada, em discussão com o agente Rupert, a filhinha de Erianthia na cadeirinha e o caminhão os atravessando após Erianthia ter colocado fogo no próprio carro.
— Não!!! — gritou Sean se rabiscando na sala vermelha molhada, sumindo, voltando ao trem suíço, ano 1902 entendendo que Erianthia havia morrido com Rupert e sua filha antes mesmo do caminhão os atingir.
Berna, Suíça.
1902.
A linha de trem de Wilderswill para Schynige Platte estava em operação há quase 120 anos, desde 1893. Sean Queise corria pelo piso de madeira do trem. Passava por um, por três, por cinco vagões até saltar no vácuo se jogando para fora do trem, caindo no gramado coberto pela neve com o trem a toda velocidade. Seu corpo rolou, rolou, rolou até se erguer ferido, sangrando, correndo pelas ruas da suíça alemã; Albert Einstein havia assegurado uma posição como examinador no Escritório de Patentes da Suíça no centro de Berna.
Um homem passeava com a família em uma charrete. Sean saltou para dentro ameaçando o homem com algo que ele não identificou de imediato.
— Nada vai acontecer se não gritar!!! — berrou Sean com uma arma na mão, a mesma que Ralph atirara nele, que matara seu pai. A mulher e as duas crianças também se calaram no susto do homem sujo, ferido, em fuga. — Só preciso chegar a... — olhou para os lados. — Está anoitecendo?
— O que? — o homem, sua mulher e as duas crianças não entendiam o que ele falava.
Quando Sean se tocou, falou em alemão.
— Está anoitecendo?! — gritou nervoso em alemão fazendo os olhos azuis brilharem na intensidade.
— Sim...
— Droga!!! — gritou. — Droga! Droga! Leve-me a 49, Kramgasse — e o homem não discutiu. Chegaram lá após o que julgou duas horas de puro terror. Sean tinha medo que Halph Rohan aparecesse do nada, que rasgasse o ar literalmente, que os atacasse e a charrete parou. — É a segunda janela à esquerda, no segundo andar — falou um Sean em choque.
— A luz está acesa, Herr.
Sean olhou o homem na charrete começar a ficar rabiscado para então ver Mona concentrada sentada na sala vermelha ao lado de Oscar, ao lado de Baco, ao lado de Pallas, ao lado de Ophelie, ao lado de Nympha, ao lado de um segundo Oscar, para então não ver mais ninguém lá e voltar a ver o rosto assustado do homem na charrete.
Sean percebeu que Halph Rohan havia fugido do controle dos espiões psíquicos, provavelmente armado no que olhou sua mão e a arma já não estava ali, com ele.
— Nonsense... — foi só o que conseguiu falar.
Saltou mancando, caindo, voltando a levantar para ver a charrete fugir. Sean correu para a casa de Albert Einstein a fim de avisá-lo, mas voltou a encontrar Halph Rohan apontando-lhe uma arma, a mesma.
Sean só teve de piscar e o projétil rasgou-lhe o ombro direito. Ele foi ao chão sob os gritos distantes de Erianthia.
“Sean?!”, gritava alguém distante.
Sean procurou, mas não a viu. Viu Halph Rohan que parecia ter escutado, também. Apontava para um lado, para outro, mas nada encontrava. Sean ainda tentou se levantar, mas a força da gravidade falou mais forte.
— Você não vai conseguir Sr. Queise! — vociferava Halph. Sean ainda tentou, mas voltou a cair sob os olhares dos componentes nos espelhos da sala vermelha, sob o olhar de Halph Rohan na Suíça de 1902. — Eu disse que não vai conseguir Sr. Queise. E sabe por quê? Porque vou matar Albert Einstein quando ele sair para trabalhar. E Albert Einstein vai morrer para que eu possa assumir tudo o que ele fez — riu.
— Wow... — Sean riu, também.
Mais pela dor que pelo ato de rir.
— Admita Sr. Queise! Você falhou!
— Falhei? — Sean ergueu o sobrolho cansado, adoecido pelas ações, pelas ações nonsense que vivera, que se permitira viver.
— Vamos Sr. Queise! Admita! — gargalhava Halph Rohan. — Você falhou!
— Falhei? — repetiu um Sean cínico e a cidade de Berna acelerou.
Neve, chuva, Sol, e neve e calor e frio. Ventos que cortavam os dias gelados e chuva e calor que derretiam a neve do chão da Rua Kramgasse. Halph Rohan outra vez girava e girava em volta dele próprio tentando entender o que Sean fazia.
— Pare com isso!!! — berrou Halph nervoso vendo Albert Einstein entrar e sair de casa e várias vezes se seguindo, 1902, 1903, 1904, 1905, sem que ele conseguisse sair do lugar, sem que conseguisse matá-lo. — Pare com isso, já disse!!! — Halph atirou em Sean, mas nada saiu do tambor da arma. Halph Rohan chacoalhou-a sob a neve que caía, sob a chuva, o Sol, e a neve e o calor e o frio, e ventos que cortavam os dias gelados, e chuva e calor que derretiam a neve do chão da Rua Kramgasse de novo. — Eu vou matá-lo ‘filho de Oscar’!!! — berrava um Halph Rohan que envelhecia aos olhos de um Sean Queise que morria.
E tudo se transformava; 1906, 1907, 1908, 1909 e toda a arquitetura, decoração, provável o vestuário dos homens e mulheres que passam pela Rua Kramgasse. Neve, chuva, Sol, e neve e calor e frio, e ventos e chuva e calor que derretia a neve do chão da Rua Kramgasse.
Sean só olhava o redor e mais neve e calor e frio, ventos que cortavam os dias gelados, e chuva e calor que derretiam a neve do chão da Rua Kramgasse até a própria cidade de Berna se modificar, ganhar contornos de cidade grande, ar carregado e som de vozes entrecortadas em meio ao buzinaço, e luzes que enfeitavam a Paris que se mesclava a Suíça, que se mesclava a Paris, que se mesclava a Suíça que voltava a ser Paris de hoje com o decrépito Halph Rohan a ter uma companhia no mínimo inusitada.
Sean olhou-o e Halph Rohan ainda teve tempo de se virar e ver seu destino. Monstros do cretáceo o aguardavam às portas das Catacumbas; ‘Crypte du Sacellum’, ‘Lampe Sepulcrale’, ‘Fontaine de la Samaritaine’ e todas mais.
— Ahhh!!! — o grito de Halph Rohan atravessou as dimensões.
Sean fechou os olhos aos pés da Senhorita Agente Erianthia Papadopoulos Agasias, que acabava de deixar ao seu lado passaportes preparados pela Polícia Mundial.
A ‘Police’ e as ‘Ambulanciers paramédicaux’, após receberam o chamado para um turista ferido por ladrões às portas das Catacumbas do ano vigente.
FINAL
Avenue Des Champs-Elysees, 75008; Paris, França.
25 de novembro do ano vigente.
Sean abriu os olhos após sentir um suave aroma de café misturado a brioches com muito queijo gruyère em cima. Erianthia sorria-lhe da mesa onde tomava café, esperando ele acordar da medicação aplicada por ela após o resgate.
— Estou...
— Vivo! — e levantou-se para perto dele.
— Deus... Nunca vou entender, não?
— Provável não — e o beijou.
Sean sentiu aquele beijo como uma despedida.
— Onde... — olhou em volta tentando se erguer.
— ‘Lendário’ Hotel Lancaster. Sabia que ele foi construído em 1889?
Sean riu sentindo dor.
— Margot?
— Viveu enquanto viveu.
— Deus... Eu a vi desmanchar-se ao meu lado.
— Mas ela não estava lá. Aquilo eram resquícios do tempo.
— O que houve com ela?
— Ela fez o que lhe pediu. Comprou uma casa, montou um negócio; Maison de Couture Margot.
Sean sorriu, ficou um tempo sem ter o que falar e Erianthia o observava com gosto.
E ela estava mais linda, mais iluminada.
— Seu rosto está... — ele teve medo de continuar a frase.
Erianthia pegou a mão dele e acariciou seu rosto. Ele sentiu a pele úmida, nova que ela tinha. Ela caminhou sua mão até seu seio que Sean quis engolir.
— Halph Rohan? — Sean tirou sua mão.
Ela se afastou dele.
— Morto.
— Einstein?
— Vivo! Enquanto viveu!
— Deus... Meu pai?
Erianthia se afastou mais ainda e foi abrir as cortinas de fino voil branco. Sean chorou na entrada da claridade. Sabia que não podia mudar a morte do pai; nem de Sandy. Provável nem da filhinha e do marido de Erianthia. Dela própria, de Aagje.
— Por que não estamos no Astra Hotel? Por que não fez apport? — Sean olhou em volta.
— Porque não posso mais.
Erianthia abaixou a cabeça.
— Quando eu saí do Burj Al Arab... — Sean tomou-se de forças e Erianthia esticou os olhos para uma Paris moderna. — Você me seguiu?
Ela voltou seu olhar para a cama, para Sean na cama.
— Ehhh…
Sean sentiu toda sua pele arrepiar-se.
— Os acidentes estavam trocados não? Era Aagje naquela banheira. Ela desobedeceu sua premonição sobre os 44 anos, não aceitando como você era, como ela própria era. Então eu fiz apport de mim, me teletransportei até a Computer Co. muito bravo, dei ordens a Gyrimias para ir as Ilhas Cayman e voltei ao Burj Al Arab para ir com ela, no dia seguinte, visitar as zeólitas onde o helicóptero preparado por Halph Rohan caiu e matou Zenon e ela própria, onde ganhei essa cicatriz no rosto direito; na primeira queda — tocou-se novamente. — Mas eu não morri, por isso ninguém me achou nos escombros, porque fiz outra vez apport de mim mesmo.
— Ehhh... — foi só o que Erianthia disse.
— Então saí de Santorini para Londres, para contar a Oscar do acontecido. Peguei coincidentemente o voo 5674 que vinha de Dubai com escala na Grécia para seguir até Londres, e Halph Rohan outra vez tentou matar-me. Então o avião apresentou problemas e começou a cair, eu plasmei a pista e ele aterrissou, provável de nariz na areia, fazendo sua fuselagem romper-se e todos os passageiros serem cuspidos de lá. Eu então plasmei um saguão, com pessoas vivas se cuidando e mortas esperando, esperando quase um mês para sua alma seguir caminho — Sean se ergueu da cama, sentiu o repuxo na coxa esquerda ferida, com curativos e antibióticos de ponta. Passou a mão no rosto, na face direita, a cicatriz estava lá. — Por que Trevellis queria saber por que eu desapareci Erianthia? Por que Trevellis a fez voltar ao Burj Al Arab com Gameliel? Foi porque Trevellis nunca fez isso não? Foi você, para seu deleite, plasmando as ideias de Trevellis, fazendo-o achar que ele queria aquilo.
— Não... não... Eu só queria salvar Aagje... Queria que você voltasse para...
— E eu fui quantas vezes ao Burj Al Arab Erianthia?! — se alterava. — Quantas?
Erianthia arregalou os olhos.
— Eu só queria salvar minha irmã... Como não consegui salvar minha filhinha...
— Deus... Erianthia. Quantas vezes você...
— Eu precisava terminar Sean. Não entende? — chorava. — Consertar meus erros.
— “Voltar”? Eu sabia, não? O tempo todo eu sabia?
— Sim, Sean. Você sabia que éramos irmãs, e sabia que não éramos gêmeas, mas sabia que éramos parecidas. E você se sentiu arrasado pela morte de Aagje que tentava vezes e vezes voltar a suíte do Burj Al Arab, e fazer você ver que cairiam. Mas você escapava sempre e sempre ela morria.
— Deus... ‘Há tal hora tal coisa ia acontecer’ e a hora no aparelho, no momento exato, mudava, era a hora estipulada... — Sean sentou-se aturdido na cama da suíte do Hotel Lancaster. — Imagino a raiva do verdadeiro Trevellis quando eu descobri, quando saí do Burj Al Arab irado com você Erianthia, com Trevellis, com Mona, com a Poliu e mandei Gyrimias tirar todo o dinheiro antes que... Antes que Trevellis descobrisse o que fiz com Spartacus, porque no saguão, eu descobri o que me aconteceu, descobri sobre os alienígenas do cretáceo e provável descobri sobre o telegrama. Mas tudo se apagou no que você girou o tempo, como as camisas que envelheciam. E o tempo correu mais no final e se acomodou. Então eu apareci em São Paulo, quase 30 dias depois — olhou Erianthia cada vez mais iluminada. — Que pena, não Erianthia? Pena que eu não entendi quando vi Aagje incendiada na banheira de sais perfumados.
— Nosso destino estava traçado.
— É! O destino de duas irmãs morrerem aos 44 anos de um fogo tão diferente um do outro.
— O destino é algo estranho mesmo, não Sean? Sou cinco anos mais velha que Aagje, e morri cinco anos antes dela, e ambas morremos aos 44 anos.
— No desastre com o caminhão; você se incendiou durante a discussão e matou Rupert, sua filha e você própria antes mesmo de se chocar com o caminhão?
Erianthia abaixou a cabeça.
— Ehhh...
— Mas você voltou, como um espírito evoluído.
— Ehhh! Para consertar erros...
— Deus...
— E Mr. Trevellis colocou-me de volta na sala vermelha após me contar sobre o telegrama enviado à Poliu de 1900.
Sean teve medo daquilo, dela, dele próprio.
— Mas mesmo eu me avisando no telegrama tudo o que passaria, eu caí; Aagje se feriu, resistiu por um tempo porque eu a salvei da explosão, a que morreu o piloto, seu secretário Zenon, que foram captados pelos espiões no mosteiro, mas que vieram a falecer e eu não. Então Halph Rohan tinha que fazer outra coisa...
— Ehhh!
— Então Halph Rohan matou meu pai que foi àquele encontro na Transilvânia porque no telegrama eu não avisei sobre sua morte — olhou-a. — Mas eu avisei. Avisei na agência Havas para que meu pai não fosse àquele encontro. Avisei Oscar e Trevellis que meu pai iria, e Oscar havia dito que pediu para ele não ir, mas meu pai Fernando não acreditou no que o telegrama guardado desde 1900 avisava — engoliu a saliva a seco. — Deus... Isso é nonsense.
— Sinto Sean, mas Ralph o queria morto, queria Spartacus e já não precisava de você. Ia barganhar com os alienígenas sem sua presença — e sorriu um sorriso iluminado. — Só não era hora de você morrer.
Erianthia sorriu brilhando e Sean viu algo que não vira antes. Algo que talvez ele realmente não tenha escrito.
— O que eu disse naquele telegrama, Erianthia? Será que no passado escrevi realmente a mesma coisa que escrevi no futuro, Alice?
Ela se assustou com a questão.
— Sean… Eu…
— Por que meu pai, Oscar e Trevellis não poderiam me mostrar o telegrama? Dizer-me o que fazer?
— Para que não soubesse...
— O que eu escrevi?! — berrou descontrolado.
Ela suspirou profundamente.
— Escreveu sobre a viagem a Paris de 1889, as catacumbas, Halph Rohan e seu doppelgänger em 1901, e a morte de Albert Einstein. Que você ia tentar salvá-lo — Erianthia só piscou. — Louis Bourdaloue tinha razão Sean, nada existente é mais precioso que o tempo, pois ele é o preço da eternidade.
— Basta Erianthia! Diga o que mais eu escrevi naquele maldito telegrama?
Erianthia olhou o belo quarto onde estavam.
— Escreveu que a morte de seu pai aconteceria numa rua escura, escreveu que a morte de Syrtys e Aagje Papadopoulos estariam ligadas a esse homem por causa de alienígenas que estavam aqui desde o cretáceo, e pediu que a Poliu de 1900 se comunicasse no futuro com um homem chamado ‘Mr. Trevellis’, que investigaria os alienígenas de todos os tempos; e escreveu que o tempo sempre foi indefinível em palavras — Erianthia olhou Sean em choque.
— Por que não acredito que seja só isso? Por quê? Por que Erianthia?! O que mais eu escrevi; Erianthia?! — berrou.
Erianthia sorriu se iluminado outra vez. Sentou-se calma e corretamente na cadeira e voltou a sorrir.
— Chico Xavier foi bem feliz em sua meditação Sean, a questão mais aflitiva para o espírito no Além é a consciência do tempo perdido...
E Sean gritou:
— Ahhh!!! — e gritou porque sentiu que todo seu peito era comprido. Seus olhos se fecharam e ele voltou a gritar. — Ahhh!!! — gritou mais uma vez no que abriu os olhos com o coração acelerado, a boca seca, o corpo dolorido. Estava sentado num sofá feito para aproximadamente 20 pessoas e ele dava a volta na sala. A TV ficava tão adornada no centro de cortinas e mais cortinas que mal se via sua imagem e o tapete fazia tantos losangos que sua vista se enganava com o piso. — Eu... Eu...
“O tempo sempre foi indefinível em palavras, Sean...” “O tempo sempre foi indefinível em palavras, Sean...” “O tempo sempre foi indefinível em palavras, Sean...”, ecoava a voz de Erianthia.
Sean Queise arregalou os olhos para ver um homem parado à sua frente.
— Desculpe-me Sr. Queise. Temo ter demorado tanto que adormeceu, pelo visto.
— Dormi? — Sean viu outra vez a sala de cortinas e mais cortinas que mal se via sua imagem e o tapete fazia tantos losangos que sua vista se enganava com o piso.
— Não dormiu?
Naquele momento Sean percebeu que a alma dele ficou quase um mês com ela, recuperando-se, que Erianthia se tornara um espírito evoluído pelos dons paranormais que possuíra em outras encarnações, que voltara para consertar erros. Erros que Aagje nunca entendeu porque nunca soube que a irmã morrera, que voltara.
— Ah... ‘Consertar erros!’; será que posso também?
— Sr. Queise está bem?
— Você é...
O homem piscou duas vezes antes de responder.
— Zenon Kanapokolo, Senhor — ele viu Sean calar-se para um homem que nunca tinha visto antes, porque o verdadeiro Zenon nunca lhe fora apresentado. Zenon então saiu e sumiu de suas vistas para retornar com uma bandeja adornada. — Nós gregos achamos que não é aconselhável beber de estômago vazio. Então trouxe Melitzanosalata, tzatziki, e taramosalata, respectivamente, patê de berinjela, de alho e ovas de peixe para acompanhar a Ouzo! — Zenon Kanapokolo apontou para a bebida. — Pronuncia-se ‘Uso’. É uma bebida grega transparente produzida a partir da fermentação da casca de uva, aromatizado com anis. Teor alcoólico por volta de 44%.
“Wow!”, Sean sentia que se coração disparara de tal forma que não conseguia mais estabilizá-lo.
— Ah... Que dia é hoje?
— “Dia”? — Zenon voltou a piscar algumas vezes. — Vejamos... 27 de setembro, Senhor.
Sean engoliu a seco tal resposta.
— Zenon... — Sean balançou o pescoço sentindo tudo travado. — Se percebeu não vim até Dubai para ficar conversando com você… — Sean mal sabia o que falava.
— Entendo Senhor — e o secretário sumiu mais uma vez, agora por uns dois minutos e voltou com o interfone nas mãos. — Sim... sim... Trago champagne Dom Pérignon Rose. Sim... Vintage. Sim... 1990! — Zenon Kanapokolo olhou Sean o olhando. — Ela também sabe saborear bebidas, Sr. Queise.
Sean dessa vez nada objetou. Nenhum único pensamento. E o secretário foi e voltou milhares de vezes no tocar ininterruptos da campainha da suíte real com o modo todo dele de andar, trazendo e levando coisas.
Sean viu toalhas irem e voltarem intactas. Também alguns travesseiros que constavam de uma lista de escolhas até que o champagne chegou.
Zenon Kanapokolo entrou e saiu do quarto enfim, anunciando:
— Ela vai vê-lo — apontou para o quarto.
— Ver-me...
— Ela vai vê-lo, Sr. Queise — continuava a apontar para a porta dupla do quarto.
Sean entrou na suíte não mais sentindo tais sensações. Nenhuma sensação ou flash que lhe perseguiram no passado que nunca existiu.
— Santo Agostinho tinha razão... — soou da sua boca ao adentrar na sala de banho ricamente decorada. Lá, uma mulher branca, de negros cabelos agora úmidos, dentes alvos, rosto iluminado e bem desenhado em seus perfeitos quarenta e quatro anos, com insinuantes olhos azuis, e que o observava de dentro da espaçosa banheira jacuzzi. — Não é uma reunião de negócios, é? — Sean teve vontade de voltar a perguntar no que ela se mexeu e mostrou dois pares de seios fartos explodindo na espuma da banheira.
Aagje Papadopoulos viu que homem lindo Sr. Queise vinha se tornando desde a última vez em que o vira no astral. Loiro, com cabelos que se enrolavam vez ou outra emoldurando a pele brilhante deixando os olhos azuis se seguirem na busca. Lábios grossos, 1.82, corpo atlético; Sean era belo mesmo com a cicatriz que lhe rasgava a face direita.
Ela, Aagje Papadopoulos, também era bela.
— Champagne? — ela ofereceu uma taça.
Sean se inclinou para pegar a taça. Suas mãos se tocaram até ele sentir todo seu corpo ser tomado por flashes de labaredas tomando conta do ar, da terra agora lotada de vegetação e um assovio ensurdecedor do motor de um helicóptero em chamas.
“Sr. Queise? Sr. Queise?”
Sean voltou a si, Aagje o observava com afinco, do equador para baixo a bem dizer; e Sean arriscaria dizer ‘como de costume’.
Riu sem que Aagje entendesse aquilo.
— O que quer de mim, Senhorita? — ele percebeu que ela gostou do que ouviu, de como ouviu. — É que... Eu achei que havia sido convidado para um ‘café da manhã de negócios’ — olhou a garrafa de champagne voltar a ser mergulhada no balde de cristal lotado de gelo.
— Mas vamos...
— “Vamos”?
— Tomar café...
Sean voltou a olhar em volta.
— E vamos tomar café depois de abrir uma garrafa de 15 mil dólares as oito da amanhã?
Aagje Papadopoulos gargalhou insinuante se erguendo de tal forma que os dois bicos duros e salientes dos seus seios explodiram para fora da espuma cheirosa, dos sais perfumados que penetravam na narina dele.
Sean virou os olhos com calma atrás da câmera. Olhou-se no espelho, e a cicatriz ainda estava no rosto bonito.
“Droga!”
— Pensei que ia me mostrar suas zeólitas? — soou da sua boca em choque.
Foi a vez de Aagje se assustar.
— Quem paga para me vigiar?! — ela alterou o timbre de voz.
Sean pressentiu briga.
— Ninguém. Sabe tão bem quanto sua irmã Erianthia Agasias, agente da Poliu, que posso ler pensamentos.
Aagje arregalou os olhos nervosa. Ela sabia. Sabia que Sean era especial como elas, como Erianthia Papadopoulos.
— Conhece... Conhece minha irmã?
— Não. As filhas de Syrtys Papadopoulos sempre foram incógnitas para mim.
Aagje gargalhou nervosa.
— Mas sabe que Erianthia é uma agente da Poliu, casada com outro agente da Poliu.
— Da Poliu, sei tudo — Sean encarou a câmera que os gravava e teve prazer de dizer aquilo.
Prazer também, de saber que Mr. Trevellis o gravava.
— Vai perceber com o tempo que sou melhor que ela, Sr. Queise.
— Sabia que todos os grandes filósofos, em todas as épocas, pensaram o tempo, a concepção do tempo? Que todos os pensadores tentaram entendê-lo, Srta. Papadopoulos?
— O tempo... — soou metálico na voz dela.
Sean não se deixou levar.
— Anaximandro de Mileto acreditava que o princípio dos seres era o ilimitado. Na refutação de Hipólito, ele disse que para Anaximandro a natureza era sem idade e sem velhice, portanto, sem tempo. Para Parmênides o tempo era um processo mental de nossa percepção e o tempo mesmo não existia. Seu discípulo, Zenon de Eleia, chegou a criar o famoso paradoxo do corredor Aquiles e a tartaruga.
— Por que está me dizendo isso?
— Acredita se eu disser que não sei? Que não sei as respostas aos enigmas do mundo? — e olhou-se no espelho, ele e sua cicatriz. — Mas sei, porém, que Tales também era de Mileto, um filósofo que disse: “Deus é o mais antigo dos entes, porque ele é por si mesmo. O mundo é isto, que de mais belo existe, porque ele é a obra de Deus. O espaço é aquilo, que de maior existe, porque ele contém tudo. A mente é isto, que de mais rápido existe, porque ela corre através de tudo. A necessidade é o que há de mais forte, porque ela tudo rege. O mais sábio é o tempo, porque ele descobre tudo” — sorriu-lhe magnificamente.
— Você é esquisito, Sr. Queise. Jovem, bonito e esquisito. Só espero que minha irmã Erianthia não lhe choque quando a conhecer.
— Conhecer? Sua irmã? Não! Não faço questão alguma.
— Ótimo! Não quero falar nela, então. Talvez até falemos, mas depois do café...
— Ah... O café depois do champagne caro... — riu consigo mesmo.
— Sim... — seu sorriso iluminou-se. — O café fica para depois da garrafa de 15 mil dólares, do almoço de 30 mil dólares, da tarde de compras de 550 mil dólares, e é claro, da noite das arábias que vou precisar depois de tanta emoção para então chegar ao café da amanhã — ela viu Sean rir agora sabendo por que ria. — Amanhã então, Sr. Queise?
Sean voltou a si.
— “Amanhã”?
— As zeólitas, Sr. Queise.
— Não. Não iremos ver as zeólitas, Senhorita.
— Não vamos?
— Não. O médium Chico Xavier disse que apesar de ninguém poder voltar atrás e fazer um novo começo, nós podemos começar agora e fazer um novo fim.
— Como é que é?
— Se eu puder... Se estiver ao meu alcance, ao alcance da Computer Co. fazer negócios com a Silicio Company, então faremos.
— Sem cogitar? — estranhou Aagje.
— Seu pai Syrtys Papadopoulos está morto, mas ele tinha negócios com meu pai, Senhorita, que morreu sem me contar sobre os negócios inacabados de ambos. Então vamos descobri-los e apenas prosseguir... — sorriu encantador.
— Ehhh... — Aagje jurava que não entendia mais nada. Nunca soube de negócios inacabados de seu pai que morrera meses antes, como o pai de Sr. Queise que morrera há tão pouco tempo.
Mas o equador dele era para lá de interessante. Porque ela o conhecia do astral, de onde visitava com Erianthia sua irmã nos poucos momentos de paz entre elas duas. E tinha que admitir que Sr. Queise era extremamente charmoso para ela começar uma briga logo no primeiro encontro.
— Vamos? — Sean apontou para a porta.
— “Vamos”? Aonde vamos?
— O quê? Está brincando, Senhorita? Dubai? Doze mil lojas?
Aagje gargalhou com gosto ao se levantar nua da banheira esticando a mão para Sean dar-lhe uma toalha atrás dele. Sean não fez de rogado, deu-lhe a tolha sem perder um único movimento da mulher quarentona, para lá de interessante.
— Posso lhe perguntar algo, Sr. Queise? — enrolou-se na toalha e se aproximou tanto que as roupas de Sean umedeceram. — A alma... Ela é eterna?
Sean suspirou encostando-se à parede também úmida. Por segundos viu Erianthia no corpo de Aagje; desviou o pensamento que pensou.
— Em Santo Agostinho, a alma é a sede das capacidades humanas de compreensão; os tempos só existem na mente e a eternidade não é tempo infinito, mas existência sem limite.
Aagje ficou apaixonada pelas palavras, por ele.
— Sabe que sou ‘Dvocevkis’, não Sr. Queise? — Aagje olhou Sean lhe olhando. — Aberta a todas as possibilidades? — traduziu.
— Pois eu não sei se estou tão aberto assim Srta. Papadopoulos, já que amo Kelly Garcia.
— Uma pena... Tenho como mudar suas ideias?
Sean agora gargalhou com vontade.
— Também não sei se ideias se mudam Senhorita, mas vou fazer o possível para entretê-la numa terra de mil e umas noites — sorriu cínico.
— Ehhh... — Aagje Papadopoulos sorriu satisfeita e o puxou largando-o em seguida no mais puro charme.
Aagje passou por ele indo para o quarto se vestir e Sean foi atrás dela no quarto cruzando o espelho embaçado da sala de banho.
— Alice... — Sean olhou o rosto que não mais tinha cicatrizes ou marcas. — O que ela também encontrou por lá?
E se foi atrás dela, no quarto de cama redonda com dossel até o teto e móveis estilo Chipandelle.
Os lençóis macios os esperavam.

Burj Al Arab Hotel; Dubai, Emirados Árabes Unidos.
25° 8’ 28” N e 55° 11’ 8” E.
27 de setembro; 07h44min.
Sean Queise apertou a campainha da suíte real do Burj Al Arab, o hotel ‘sete estrelas’ de Dubai; um emirado dos Emirados Árabes Unidos. Foi recebido pelo opulento grego Zenon Kanapokolo, criado e secretário da não menos opulenta grega, Aagje Papadopoulos. E tudo isso depois de atravessar o átrio de colunas forradas de ouro da suíte duplex de 238 m2, e subir ao segundo andar da suíte, já no 25° andar do mais opulento hotel construído sobre uma ilha artificial de 280 metros, 919 ft, fora da praia de Jumeirah, conectado com a ilha principal por uma ponte curvada particular, que mantinham os dois juntos.
Era muita opulência.
— Pois não? — perguntou em grego o grande secretário Zenon Kanapokolo ao abrir a porta dupla.
— Depois de ficar encantado com tanto amarelo no átrio dessa suíte, a encantadora Senhorita ouro poderia me receber?
Zenon até quis refutar, mas se controlou como um fiel secretário deveria se controlar.
— Na sala de TV, Sr. Queise — Zenon Kanapokolo apontou para trás dele, para uma sala tão amarela quantos todos os metros por onde já passara.
“Sala de TV?”, pensou Sean ao ver que a sala era do tamanho de seu quarto no Burj Al Arab andares abaixo, e que não era os dos menores em que já estivera.
O sofá era para aproximadamente 20 pessoas e ele dava a volta na sala, onde a TV ficava tão adornada no centro de cortinas, que mal se via sua imagem. O tapete também fazia tantos losangos que sua vista se enganava com o piso.
Sean ficou a ver o secretário lhe observando.
— Tem certeza mesmo que ela quer ver-me?
— Confesso que também não entendi tal convite Sr. Queise, visto que se odeiam publicamente.
— Eu odeio muita gente publicamente, Kanapokolo. Ela é só mais uma... — sorriu cínico.
O secretário se virou e sumiu ele nem podia imaginar para onde; Sean sentiu-se pequeno perante tanta opulência. Teve medo não soube do que. E não gostou das sensações que vinham com aquele medo.
A Silicio Company era a maior produtora de zeólitas, que por sua vez, eram compostos de alumínio e silício, aluminossilicatos, com alto grau de ordenação a nível microscópico. Ela vinha a anos abastecendo o mercado com sílica cada vez mais acessível, barateando os computadores como final de linha. Computadores como os da Computer Co. de Sean Queise e de tantas outras concorrentes. Contudo, naqueles últimos tempos a Silicio Company vinha mudando sua maneira de agir, deixando o mercado sob atenção; a Silicio Company queria algo mais além do que fabricar sílica, ela queria o rico e lucrativo mercado de produção de chips.
E foi então que o duelo entre gigantes começou a alcançar a mídia especializada.
Sua proprietária, Aagje Papadopoulos, assim como Sean Queise, assumira cedo a empresa de seus pais. Syrtys Papadopoulos, pai de Aagje, que nunca mediu palavras e ataques a Sean e aos concorrentes, queria deliberadamente roubar o lugar de destaque que a Computer Co. de Sean Queise sempre tivera, e o mercado coorporativo ficou aguardando preços menores advento dos duelos que persistiam naqueles últimos meses.
A Computer Co. havia entrado de cabeça no ‘cloud computing’ e a necessidade de chips cada vez mais potentes era inevitável para seus mainframes; aquilo exigia investimentos altos que não trariam barateamento de custo tão iniciais. Mas a Silicio Company prometia baixo custo interessando a M.S.Comput, a maior concorrente da Computer Co. naquele momento o que provocou Sean a explodir, a ir público duvidar daquilo, dos baixos custos. E com a Silicio Company querendo uma fatia desse mercado, ele se viu entre acirradas disputas judiciais para reafirmar sua escolha como hegemonia na hora de vendas, que já começavam a balançar desde a morte de seu pai Fernando Queise.
Sean Queise, com então vinte e quatro anos, estava abalado com a morte de seu pai, com a possibilidade de seu posto de empresário autossustentável ser-lhe retirado pela concorrência, e a autoestima zerada por um mercado que exigia dele forças que se extinguiam dia a dia. Sean sabia que para todos, ele não passava de um jovem que sentia que faltava pouco para desistir daquela luta.
O secretário Kanapokolo voltou depois de minutos infindáveis. Sean começava achar que toda aquela ‘reunião’ com a maior produtora de silício do mundo era um engodo.
— Melitzanosalata, tzatziki, e taramosalata, respectivamente, patê de berinjela, de alho e ovas de peixe — falou Zenon Kanapokolo depositando ali uma bandeja. Sean o olhou com interesse após voltar a si. — Nós gregos achamos que não é aconselhável beber de estômago vazio, Sr. Queise — completou Kanapokolo oferecendo uma taça de bebida. Sean voltou a olhá-lo com interesse, a olhar o que lhe era servido na taça colorida. Zenon Kanapokolo prosseguiu no silêncio dele. — Ouzo! — apontou para a bebida. — Pronuncia-se ‘Uso!’. É uma bebida grega transparente produzida a partir da fermentação da casca de uva, aromatizado com anis. Teor alcoólico por volta de 44%.
— Quero saber até quando vou ficar aqui conversando com você, Kanapokolo? Porque se percebeu não vim até Dubai para ficar conversando com você.
— Não nos damos bem, Senhor. É visível. Não quer dizer que eu não deva ser gentil.
— Para mim chega! — Sean se levantou numa velocidade só.
— Kanapokolo?! — o grito de uma mulher ecoou por toda a opulência ali presente.
Sean percebeu que Zenon Kanapokolo não gostou do grito. O secretário sumiu por uns dois minutos e voltou com o interfone nas mãos.
— Sim, sim... Traga champagne Dom Pérignon Rose — Kanapokolo só viu Sean erguer o sobrolho. — Sim! Vintage! Sim! 1990! — Kanapokolo olhou Sean o olhando. — Ela também sabe saborear bebidas, Sr. Queise.
“Também?”; Sean só pensou aquilo.
E o secretário foi e voltou milhares de vezes no tocar ininterruptos da campainha da suíte real com o modo todo dele de andar, trazendo e levando coisas. Sean viu toalhas irem e voltarem intactas. Também alguns travesseiros que constavam de uma lista de escolhas até que o champagne chegou.
Kanapokolo entrou e saiu do quarto enfim, anunciando:
— Ela vai vê-lo! — apontou para o quarto.
— Ver-me aonde?
— Ela vai vê-lo, Sr. Queise! — Kanapokolo continuava a apontar para a porta dupla do quarto.
Sean se locomoveu nem soube como. Entrou no quarto sentindo que as sensações voltavam; sensações e flashes que lhe perseguiam naqueles meses tumultuados, de muito trabalho, de meses de dor, saudade e luto.
E os flashes eram intensos. Algo ia acontecer com ele, com alguém próximo. Talvez uma intuição de morte que se aproximava. Respirou profundamente e continuou a caminhar.
O quarto era absurdamente rico e decorado. A cama redonda tinha um dossel até o teto e móveis estilo Chipandelle. Um grande espelho dourado chamou-lhe a atenção, se não pela ostentação, pela imagem que refletia nele; a imagem de um jovem Sean Queise, cansado, triste, estranhamente fora de foco.
Sean até achou que toda sua vida perdera o foco.
Atravessou tudo aquilo para chegar ao banheiro de rico mármore, que percebeu ser o único lugar habitado. Lá, uma mulher branca, de negros cabelos agora úmidos, dentes alvos, rosto iluminado e bem desenhado em seus perfeitos quarenta e quatro anos, com insinuantes olhos azuis; e que o observava de dentro da espaçosa banheira jacuzzi.
— Não é uma reunião de negócios, é? — Sean perguntou no que ela se mexeu e mostrou dois pares de seios fartos explodindo na espuma da banheira.
Aagje Papadopoulos achou mesmo que homem lindo Sean Queise vinha se tornando, desde a última vez em que o vira. Loiro, com cabelos que se enrolavam vez ou outra emoldurando a pele brilhante, deixando os olhos azuis se seguirem na busca. Lábios grossos, 1.82, corpo atlético; ele era belo em seus completos vinte e quatro anos.
Ela, Aagje, também era bela. Sean que nunca havia a visto pessoalmente ficou impactado. Não a imaginava tão bonita assim.
— Champagne? — ela ofereceu uma taça usando um tom carregado, ele diria ‘grego’.
Sean se inclinou para pegar a taça. Suas mãos se tocaram até ele sentir todo seu corpo ser tomado por flashes de labaredas que tomaram conta do ar, da terra batida onde ele pisava, das pessoas mortas, espalhadas para todos os lados.
— Ahhh! — voltou a si com os olhos arregalados.
— Aconteceu algo Sean Queise?
Ele olhou para os lados percebendo estar no banheiro tomado pelos sais perfumados.
— Ãh? Não... — olhou o champagne na mão trêmula. — Ele era um monge beneditino da Abadia de Hautville perto de Reims, na França — falou numa velocidade só.
— Quem?
— O vinho... — olhou-a. — O vinho já estava sendo feito na região de Champagne, antes de Pierre nascer — Sean não quis comentar a visão que teve, nem a sensação da morte próxima.
— “Pierre”? — Aagje Papadopoulos pareceu não entender.
— Dom Pérignon deixou o seu legado para o mundo quando morreu em 1716; sua famosa frase ‘Eu vejo estrelas!’ foi pronunciada sobre o seu primeiro gosto de champagne.
— Interessante! — sorriu ela magnificamente.
Sean tinha que admitir, toda aquela opulência também era magnifica.
Ergueu a taça e brindou:
— Senhorita…
Aagje sorriu:
— Fez boa viagem Sean Queise?
— Catorze horas de voo? Só pelas Emirates Airlines mesmo.
Ambos riram.
— Ehhh... Eles são luxuosos, não?
— Gosta disso, não Srta. Papadopoulos? — respondeu com outra pergunta olhando em volta o excesso de cetins, veludos e folheados a ouro.
Ela só ficou observando Sean da cintura para baixo. Ele também percebeu aquilo. E não sabia o que pensar realmente daquilo. Bebeu toda a taça não se lembrando dos dizeres proféticos de Zenon Kanapokolo, em não tomar nada alcoólico com o estômago vazio. Porque até acharia mais tarde que foi o efeito da bebida que começava a deixá-lo estranho, que o fez ter tantas sensações.
— Mais? — Aagje olhou a taça dele vazia.
— Achei que havia sido convidado para um ‘café da manhã de negócios’, Senhorita — olhou a garrafa de champagne voltar a ser mergulhada no balde de cristal lotado de gelo.
— Mas vamos...
— “Vamos?”
— Tomar café...
Sean voltou a olhar em volta.
— E vamos tomar café depois de abrir uma garrafa de 15 mil dólares as oito da amanhã?
Aagje gargalhou insinuante se erguendo de tal forma que os dois bicos duros e salientes dos seus seios explodiram para fora da espuma cheirosa, dos sais perfumados que penetravam na narina dele.
Sean não perdeu aquilo como de costume.
— Não! Claro que não! O café fica para depois que acordarmos Sean Queise.
Sean riu.
— Estou acordado Senhorita. Acredite!
Aagje gargalhou com gosto.
E era belo o seu sorriso.
— Eu quis dizer que o café fica para depois da garrafa de 15 mil dólares, do almoço de 30 mil dólares, da tarde de compras de 550 mil dólares, e é claro, da noite das arábias que vou precisar depois de tanta emoção, para então chegar ao café da amanhã.
Sean riu agora sem saber ao certo se sabia por que ria.
— Ah... “Café da manhã”? É... Devo mesmo ter entendido errado...
Aagje riu, com mais gosto ainda, se inclinando para servir sua taça agora. Outra vez os seios teimaram a sair da banheira.
— O que você quer de mim Srta. Papadopoulos? — Sean agora foi frio.
— O que tem a me oferecer?
— Além de uma noite das arábias? — Sean se incomodou com Aagje gargalhando com gosto redobrado. — O que quer de mim, que as concorrentes já não tenham fornecido?
— “Concorrentes”? Que pena... Vamos falar de negócio? O prazer acabou?
— Um pouco... — Sean foi mais sério e frio do que Aagje queria, no que leu os pensamentos dela.
Aagje Papadopoulos então se levantou deixando Sean sem reação. Aquilo ele não previra, não lera no que ela ergueu-se com toda sua opulência, e que não era pouca, de dentro da banheira deixando as espumas de alta qualidade o alcançar.
Ela então se encaminhou nua até ele, até muito perto dele.
— Quero sua ajuda para produzir zeólitas.
— “Zeólitas”? Wow! Vamos produzir um vulcão?
Aagje riu com gosto novamente. Gostava dele, tinha que admitir.
— Adoro seu cinismo Sean Queise.
— Não vai gostar Senhorita quando souber que ele é só uma máscara.
— E o que esconde?
— Um ‘Sean Queise’ que não vai gostar de conhecer — respondeu um Sean próximo.
Aagje sentiu-se velha de repente, trabalhando demais, procurando a morte em cada trabalho. Sem tempo para festas e frivolidades tornou-a uma mulher tão frívola quanto sua vida se tornara.
O observava há muito tempo; Sean Queise e sua beleza. Também seus negócios certeiros, sua maneira de fazer dinheiro desde cedo, sua inteligência também. Aquilo sim a interessava. Agora mais do que nunca após vê-lo de tão perto.
“É mesmo lindo”; deixou seus pensamentos viajarem pelo éter, por Universos paralelos que se cruzavam feito cordas de um violino, alterando a música do Universo.
E Sean podia ouvi-los, lê-los, todos os pensamentos que por lá vagavam, entrando e saindo da nossa realidade cósmica, como fonte de energia elétrica, atravessando as quatro dimensões onde vivemos. Ele também não sabia como e quando começara a ler pensamentos no éter, nem quando conseguira atingir tais subpartículas atômicas que a física quântica começava a provar. Mona Foad nunca explicara com certeza no que ele se tornara no que se permitira deixar tornar-se. E Mona era uma incógnita para ele também.
Mona seu equilíbrio, sua mestra, sua amiga.
— Não, Sean Queise… — Aagje fez Sean voltar à realidade. —, não vamos produzir vulcões, vamos produzir zeólitas artificiais.
— Já se produzem zeólitas artificiais.
— Não para os propósitos que almejo.
— E almeja o que? Criar zeólitas que possam produzir chips que com o tempo deformem?
— Do que está falando? — virou-se nua para ele. — Acha que vou criar algo que com o tempo comprometa seu funcionamento?
— É um pensamento interessante. Tenho outros. Quer conhecer?
— Estou aberta aos seus pensamentos, Sean Queise. Dvocevkis...
— Como é que é?
— Dvocevkis! Aberta a todas as possibilidades! — traduziu.
Sean agora gargalhou.
— Wow! — olhou-a nua. — Imagino que esteja... — e Sean alertou-se outra vez no que Aagje deu mais alguns passos nus em sua direção. — Por favor, Senhorita. Se vista! Não estou muito a fim de conversar com você assim.
— Minha nudez lhe incomoda?
— Você me incomoda. Vestida ou não.
A volumosa Aagje riu, mas foi um pouco mais tensa que antes.
— Zeólitas são compostos de alumínio e silício, aluminossilicatos, encontradas em terrenos com alto índice de vulcanismo...
— Sei o que são! — cortou a fala dela. — Tenho uma bela e fogosa geóloga me ensinando o tempo todo.
Aagje sabia que ele falava de Kelly Garcia, sua sócia, ex-secretária; não passou despercebido de suas fontes que a sócia era geóloga, que era apaixonada por ele, ele por ela.
— Ótimo que saiba o que são zeólitas, Sean Queise, porque as quero produzir para o mundo, a fim de me tornar a maior produtora delas.
— Achei que a Silicio Company já fosse a maior produtora de zeólitas. O que houve? Estão falindo?
Aagje agora visivelmente mais tensa se aproximou. Sean sentiu seu corpo pedir para tocar os seios que colaram em sua roupa. Ela até não podia ter o mesmo dom paranormal que ele, mas não imaginava que Sean se interessara por ela naquele momento. E ele se estranhara por aquilo, porque entre uma concorrência e outra, entre uma disputa e outra pública ou não, ele nunca tivera a oportunidade de vê-la. Syrtys Papadopoulos nunca permitira que a mídia em geral conhecesse sua filha, e Aagje seguiu as regras após a morte do pai, pouco ou nunca aparecendo em público.
— Disse que tenho o melhor silício do mundo, e ‘terei’ — frisou. —, os melhores chips do mundo, com ou sem a Computer Co.. Porque sou a melhor, Sean Queise. Sempre fui e sempre serei. Falir não faz parte do meu vocabulário.
Sean se afastou dela limpando a espuma e a água que o ensopava. Estava desgostando daquilo, dela, de ter atravessado o oceano.
— Se não fosse o belo hotel e a paisagem ao redor diria que minha viagem a Dubai foi um engodo — se dirigiu a porta para sair.
— Aonde vai? — ela não gostou de não vê-lo responder. — Eu sei sobre o novo chip — e Sean parou de andar. — Sei que a Computer Co. está desenvolvendo um novo chip que terá maior clock, mas consumirá a mesma quantidade de energia que seu antecessor — parecia que ela havia lhe chamado a atenção.
— E? — continuou e costas.
— Sei que a iniciativa de aumentar o número de núcleos do processador é um modo de melhorar seu desempenho, ao mesmo tempo em que reduz o consumo de eletricidade.
— E?
Aagje riu.
— ‘E’ que ele poderia ter até 16 núcleos em processo de 32 nanômetros, o que é bem mais avançado.
E Sean virou-se nervoso.
— Aonde quer chegar com essa conversa insólita?
— Sei que você está desenvolvendo o novo chip para aguentar a pressão do cloud computing.
— Não é segredo que a Computer Co. embarcou na cloud computing, Srta. Papadopoulos, com softwares de edição de textos, planilhas eletrônicas, correio eletrônico e agendas, desenvolvidos para que fossem usados online...
— Processo interessante o seu, Sean Queise — foi a vez de ela cortar-lhe a fala. — É sabido que a Computer Co. cresceu após desenvolver um satélite de observação espião para a Polícia Mundial comandada pelo nórdico Sr. Roldman, um homem da espionagem.
“Espionagem?”, agora Sean a temeu mesmo. Ela sabia algo mais sobre Spartacus, talvez sobre ele.
— Do que é...
— Eu também soube que a Computer Co. foi alavancada, diria, após alugar banco de dados a corporações escusas, de espionagens escusas — ria Aagje ao vê-lo transtornado, parando outra vez para ouvi-la. —, para depois se lançar ao mercado oferecendo técnicas de armazenamento estáveis sendo o hacker que é — ela sentiu que Sean quis mais que calar-se. Ele se virou e ameaçou sair outra vez. — O problema é, e sempre será o controle que o fornecedor passa a ter sobre as informações no cloud computing, não Sean Queise? — cortou-lhe o andar; provável a paz. — Segurança é uma questão controversa para os observadores de cloud computing.
— Do que está falando afinal; porque não vim até aqui para..
E Aagje cortou-lhe a fala:
— Sei que cria um Sistema Operacional que age como um convidado em uma máquina virtual, um sistema operacional VM, que por sua vez se baseia em um sistema de monitor de conversação que permite aos usuários executar programas, como acessar satélites espiões.
— Nunca permitiria criar sistemas para que invadissem nada.
— Não é o que dizem.
— Quem ‘dizem’?
— ‘Quem dizem’ que você é um hacker habilidoso, um Black hat sem mais o controle de seu pai; o único, diria, que ainda podia fazê-lo tomar rumos.
— Não sou um Black hat! — Sean sorriu cínico, já notadamente nervoso.
— Seu pai não pensava assim, pensava?
— Meu pai... — e teve que respirar fundo para controlar-se. — Meu pai nunca duvidou de mim, Senhorita. Nunca me vigiou apesar do mercado...
— Mas não é desse pai que falo, ehhh?
Agora Sean voltou os passos que se distanciaram dela e agarrou-a pelo braço úmido, fazendo os seios nus balançarem em sua direção. Aagje riu e Sean sentiu que realmente perdia o controle da situação.
— Cuidado! — foi uma exclamação forte, a dele. — Porque não estou aqui para ser uma de suas brincadeirinhas caras. Porque não estou aqui para ficar me ajoelhado como as concorrentes, porque sei que será difícil calcular de antemão como esses riscos de produção aumentarão os custos para o cliente, mas reafirmo o baixo custo que isso terá no futuro. E porque não estou aqui para...
— Não entende que ninguém quer esperar futuros Sean Queise? Porque o futuro não existe?
— A Computer Co. zela por seus produtos! — Sean a largou em total descontrole. Da maneira como ela mudava o assunto, como o motivava. — Não posso dar baixos preços pelo o que custa caro se não num futuro próximo que não existe Senhorita. E de coisas caras você parece ser entendida, não?
— Eu posso!
— Pode o que? Fabricar a baixo custo? Não vai conseguir!
— Desmotivando os concorrentes? — gargalhava com gosto. — Não sabia que era assim que trabalhava…
— Sabe muito bem como eu trabalho porque não perde a chance de cheirar qualquer odor que eu deixo para trás.
— Ehhh! Sei sim como trabalha. Criando mainframes onde dados ficam soltos nas nuvens, para invadir satélites.
— “Soltos”? — Sean sabia que realmente deveria ter medo dela.
— Captados por hackers Black hats que mergulham cada vez pela Web, lhe afundando Sean Queise… — sorriu. — Black hats acostumados a controlar computadores nas nuvens, soltos, para permitir serem captados por espiões psíquicos da Poliu — devolveu.
“Espiões psíquicos...”, Sean se moveu para longe dela.
Algo naquilo não estava certo. Sabia que ela falava era de seus dons paranormais, que ele acessava e controlava computadores no éter, de que nada adiantaria um diálogo amistoso porque ela não o chamaria até ali se não tivesse cartas nas mangas. Arrependeu-se realmente de ter atravessado o oceano.
Abriu a porta para sair.
— Pouco antes de os conspiradores entrarem, foram ouvidos no céu trombetas e o clamor de armas — a voz dela soou estranha de repente. —, o Sol esteve sombrio e gotas de sangue caíram com a chuva enquanto milhares de estátuas choravam…
Ele se virou e ela estava embaçada, fora de foco, como ele a pouco se vira na imagem do espelho do quarto. Aagje transmitia as muitas profecias de Ovídio em Metamorfoses, predizendo o iminente destino de César, profecias como ela acabara de citar. Sean sentiu-se mal, ficou a imaginar o destino da Computer Co. ao sair dali, talvez o dele também.
Sean saiu e bateu a porta.
— Volte aqui?! — gritaram de dentro, como numa ordem por detrás da porta fechada.
Mas Sean não voltou. E não voltou porque já atravessava todo o quarto luxuoso, de dossel até o teto, da cama benfeita e perfumada, de lingerie ali a esperando sobre a cadeira Chipandelle, a espera do corpo nu e opulento que ele desejou naquele momento. Porque desejou voltar atrás, arrastá-la para a cama de muitas sedas, participar da tarde de compras de 550 mil dólares, de ser a atração das mil e uma noites.
Balançou a cabeça não entendendo como se deixava levar por aquilo e saiu do quarto encontrando o secretário aposto na porta do quarto, em meio aos muitos gritos que sucederam sua saída.
— Ela deve estar precisando de você... — Sean foi cínico.
Zenon Kanapokolo só olhou ele seguir por todo o trajeto e sair da suíte real para seu destino.
Porque as setas do tempo que guiavam o destino de Sean Queise foram modificadas naqueles últimos momentos.

 


https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/8_OPERA_O_ZELADORES_DO_TEMPO.jpg

 


1
São Paulo, capital; Brasil.
25 de outubro; 17h00min.
Sean aterrissou no Aeroporto Internacional de Cumbica, em São Paulo, Brasil. Seus olhos demoraram a entender o que aquela cena significava. Lá no saguão, sua sócia Kelly Garcia, sua secretária Renata Antunes, sua mãe Nelma Queise, sua irmã Ana Claudia Queise, a mídia em peso e Oscar Roldman, ali, do lado de sua mãe, que chorava. Com a morte de seu pai no que pareceu um assalto, seis meses atrás na Transilvânia, Romênia, a mídia até dera um tempo às muitas denuncias de atos de hackerismo, em que muitas vezes seu nome fora envolvido, e envolvido pela Poliu, Policia Intercontinental Unida, uma secreta corporação de inteligência que trabalhava nos bastidores. E Poliu se traduzia em Mr. Trevellis, que não fazia aquilo por diversão, porque tentava derrubá-lo onde mais Sean Queise temia, no concorrido mercado de commodities.
Flashes vindos de todos os lados quase o cegaram, não entendendo se aquilo tudo era para ele. Sean voltou a olhar para os lados respondendo que sim, aquilo tudo era para ele.
— Sean?! — gritou Kelly abraçando-o de um lado e a irmã Ana Claudia do outro.
— Meu filho! — foi a exclamação de Nelma Queise em meio às lágrimas que se seguiram, que o alertaram.
E sua mãe chorava em meios aos disparos das câmeras fotográficas enlouquecidas, que não cessavam.
— Meu Deus... — Sean mal respirava. — O que... O que é isso?
— Como o que é isso?! — gritou Nelma descontrolada.
— Calma Nelma... — a voz suave de Oscar para com ela deixou Sean em alerta máximo.
“Calma Nelma...” “Calma Nelma...” “Calma Nelma...”, soava por todo seu corpo.
Sean não acreditava que Oscar Roldman vinha tentando se aproximar de sua mãe após a morte de seu pai Fernando; aquilo lhe doía mais que tudo. Sean ainda teve tempo de ver Oscar dar ordens ao celular quando homens apareceram de todos os lados, empurrando a mídia para longe do saguão lotado, levando o burburinho que se seguia para longe.
— Eu não estou entendendo... Que loucura é essa? — Sean ainda via de longe os jornalistas captando fotos que já pipocavam por toda Internet.
— Você esteve quase um mês sem se comunicar, patrãozinho! — Kelly viu que Sean a olhava assustado. — E isso se repete mais uma vez. Como queria que nós ficássemos? — aquilo soou realmente como uma bronca.
— Quase um mês… — mal conseguiu falar. — Do que está falando Kelly?
— Ficou uma semana catatônico com a morte de seu pai, Sean querido — a voz de Oscar sibilava nele. — E agora fica um mês sem se comunicar…
— Como queria que ficássemos? — voltou Kelly a questionar.
— Do que é que está falando?! — o tom da voz subiu e a sócia sabia que aquilo não era bom.
Ambos vinham ano após não tentando se aprumar, fosse profissionalmente, com a Computer Co. exigindo a alma deles, fosse sentimentalmente, com os dois sofrendo pelo amor não correspondido. Porque Sean se guiava pela premissa que não podia amar Kelly, que a decisão de quase ficarem noivos foi uma manobra para acalmá-la, acalmar os sentimentos dela por ele, de não perdê-la.
No fundo Sean sabia que a amava que tinha medo de perdê-la para outro homem, de vê-la desistir dele, do amor que ele não conseguia aceitar. E nem Sean nem Kelly entendiam o porquê daquilo, o porquê dele não amá-la a amando tanto. Para Kelly era o abismo etário, a distancia de 14 anos entre eles. Ou ainda, fosse o fato de Sean não saber ao certo se era um Queise ou um Roldman. Ou ainda o fato de Sean saber que tinha dons paranormais que não o permitiam ser igual.
— Está há quase um mês sem se comunicar! — Kelly tentou mais uma vez.
— Um… — e a ficha pareceu cair. — Hei! Espere aí! — levantou os braços para o ar. — Eu saí ontem de Dubai.
— “Ontem”? — Ana Claudia, Nelma, Renata e Kelly foram uníssonas.
— O hotel disse que você havia feito check-out duas horas depois de fazer check-in, e descera nervoso pedindo um carro, com a mala na mão, indo para o aeroporto e não voltando mais — Nelma se enervava.
— Só que você só chegou hoje, Sean — foi a irmã Ana Claudia quem completou.
Aquilo derrubou Sean.
— Como “hoje”? — olhou um e outro e Kelly. — Eu saí ontem... — olhou um e outro e Kelly novamente. — Tinha que chegar hoje de manhã, não? — mas não houve resposta.
E Oscar o encarou.
— O que houve Sean?
Ele percebeu o ‘querido’ fora da frase.
— Tomei o voo 6171 que me trouxe... Mas que loucura é essa Kelly? — abria os braços extremamente nervoso, com a face dura dela para com ele.
— Não sei! Fale você patrãozinho!
Sean fuzilou Kelly pela maneira como ela falava com ele.
— O Senhor tomou o voo 6171 ontem Sr. Queise — a secretária Renata arriscou falar algo.
— Exato! Cheguei a Dubai dia 27 de setembro, de manhã depois de 14 horas de voo, e me irritei o suficiente para voltar no mesmo dia, acho que até no mesmo voo que me levou. A comissária perguntou se queria chá e torradas... — e Sean parou. — Eu aceitei o chá...
— “Chá”? — questionou Ana Claudia.
— Não se lembra de nada, Sean querido?
Sean acordou naquela frase.
— Eu saí ontem de Dubai, dia 27 de setembro. Peguei um voo que faria escalas em Londres. A comissária me serviu chá.
— Mas ontem foi dia 24 de outubro, Sean Queise — a voz de Renata não se diluiu.
— Hoje é dia 25 de outubro, Sean querido — completou Oscar para um Sean em choque. — Você esteve sumido durante quase um mês.
— Sem contato! — Kelly voltou a martelar.
“Quase um mês! Sem contato!”.
— Eu... Eu não... — Sean começava a ter dores de cabeça. — Há algo errado, não?
— Vamos para casa! — Nelma deu a ordem se virando.
— Que casa? — Sean foi cruel.
Nelma estancou o passo iniciado.
— A nossa!
Kelly se virou e foi embora. Não queria mesmo participar daquilo.
— Não moro com você, mãe — Sean esperou Kelly se distanciar. — Saí do Brasil lhe dizendo isso mais uma vez.
— Saiu não! Fugiu do Brasil para ajustar negócios da Computer Co. com aquela grega destrambelhada sem minha ordem.
Sean lembrou-se da opulência na banheira, do sexo que pedia passagem, das visões de pessoas mortas.
Sentiu que ia apagar.
— Sean... — Ana Claudia o segurou.
— Eu fui a Dubai resolver negócios da Computer Co. — ele a olhou assustado. —, porque se não sabe, dependemos das zeólitas da família Papadopoulos.
— Não me tire do sério mais do que já tem feito, Sean! Vamos embora! — voltou Nelma a se virar e andar alguns passos.
— Não entro mais naquela casa... — e parou. — Ele tem sofrido...
— Chega!!! — e o gritou dela ecoou por todo aeroporto. Nelma voltou todos os passos já percorridos e socou-o no peito. — Não quero mais falar sobre isso!!! — gritou descontrolada e o socou novamente em meio ás lágrimas que ainda rolavam. — Não quero mais você e essa sua mania de ver mortos por todos os lados!!!
Aquilo o feriu de todas as maneiras.
— Estamos falando do meu pai que sofre e você...
— Cale-se!!!
— Vou para meu flat! — Sean se impôs.
— Vai para onde eu mandar!
— Você não manda em mim mãe!
— Mando em tudo, inclusive em você!
Desde a morte de seu pai que sua mãe se intrometia cada vez mais nos negócios da Computer Co., não o permitindo ter acesso há muitas coisas.
— Nelma... — a voz de Oscar outra vez soou suave.
Sean nem acreditou ouvi-lo falando daquele jeito.
Odiou-o.
— Renata pode me levar? — Sean estava em choque.
— Senhor... — e Renata viu Sean a fuzilando. — Claro Senhor!
Sean pegou o notebook que carregava nos ombros e a mala de mão.
— Sean?! — ainda gritou Nelma.
— Agora não, Nelma — Oscar a segurou e Sean se foi. — Depois eu converso com ele.
— Sean está me fugindo ao controle, Oscar — Nelma viu Ana Claudia e Oscar se olharem cada um a sua maneira. — E você sabia tão bem quanto eu que Sean era especial, que ele viria especial porque teria os mesmos dons paranormais que sua família tivera — Nelma não teve pena de ver Oscar sentir-se sem chão, e Ana Claudia o olhar de lado com o ‘coração na mão’. — E aquela Mona maldita... — e Nelma parou encarando Oscar. — Eu disse que um dia Sean ia descobrir sobre seus poderes diferenciados, sobre o que Fernando e Trevellis fizeram no passado para a Computer Co. chegar aonde chegou… — e Nelma chegou bem perto dele. —, e que ele iria descobrir aquilo feito no passado — virou-se novamente e foi embora.
“Descobrir aquilo feito no passado”, foi a vez de Oscar ficar com o coração na mão.
“Descobrir aquilo… Descobrir aquilo… Descobrir aquilo…”; Sean seguia Renata para fora do aeroporto com aquela frase chegando ecoada até ele.
Mas ‘aquilo’ o quê, ele não sabia.
— Que dia... Que dia é hoje, Renata? — foi o que perguntou no bater da porta do carro.
— Dia 25 de outubro, Senhor.
— Onde eu estive quase um mês?
— Não sei Senhor — ela o olhou de lado não sabendo ao certo se ele falava com ela.
O trajeto até o flat foi feito em total silêncio, Sean ficou relembrando sua mãe, sua irmã ali e Oscar; e também Kelly. Também tinha Kelly na vida dele.
— Ela estava descontrolada... — Sean nem soube por que falou aquilo com a funcionária.
— A Srta. Garcia sofreu com sua ausência, Sr. Queise. Ela vem sofrendo com sua ausência todo esse tempo — escorregou um olhar para ver que ele agora a olhava. — Sinto!
Sean nem soube como respirou ao ouvir aquilo, ao saber que Kelly o amava, que sempre o amara, que ele nunca lutou por aquele amor, todo esse tempo.
— Eu não queria que tivesse sido assim — e Sean até sabia que Renata agora nada falaria, que ela sabia que sua posição não permitiria que falasse.
Buzinas e faróis e movimentação; o trânsito se intensificava e Sean estava absorto. Ele olhou Renata de lado.
— Acredita em premonições, Renata? — rompeu o silêncio. — O homem prevendo algo antes do tempo?
— Fala de sua amiga Mona Foad, Senhor?
— Acho que falo...
— Tenho medo dessas coisas.
— Tem medo de mim, Renata?
— Não... — A secretária foi pega de surpresa. — Não Senhor.
Sean olhou-a com uma cara até então desconhecida para ela. Renata o via realmente afetado com tudo aquilo.
— Se disséssemos a um homem de duzentos anos atrás, que conversaríamos com outros de nós no outro lado do planeta através de um aparelho sem fio qualquer, que localizaríamos ruas através de coordenadas enviadas por satélites num toque de dedo numa tela de vidro, que diríamos a uma máquina o que fazer e ela faria, ou que construiríamos e levaríamos ao espaço algo que... — Sean olhou o movimento do trânsito. —, ele diria que estamos loucos, não Renata? Que premonições eram coisas do diabo?
— É... Diriam. Mas hoje podemos tudo isso, não Senhor?
Sean encostou a cabeça no encosto do banco. Estava cansado de tudo, talvez da vida que tudo podia, de poder tudo, de tudo o que o poder lhe trazia.
— Não Renata. Não podemos tudo. Porque não podemos prever algo antes do tempo.
— Não?
— Segundo o filósofo Martin Heidegger, um ‘ente’, uma realidade objetiva, é uma espécie de quadro vazio em que se desenrola sua existência. Porque onde o tempo passa a ser seu próprio ser do Dasein, que em si mesmo, é temporalidade e temporalização.
— Senhor... — Renata se repetiu jurando que não o estava entendendo, que talvez a morte do pai o tivesse atingido.
Sean achou graça dos pensamentos dela, os que chegaram até ele.
— Em sua obra O Ser e o Tempo, Heidegger procurava pensar o ser, cuja verdade se revelava como o tempo, diferentemente do filósofo Merleau-Ponty que se afastou do modelo husserliano de uma fenomenologia da razão, onde dizia o filósofo Husserl, que as evidências fundamentais relativas ao tempo deviam ser apreendidas imediatamente se tornando evidentes, a partir da apreensão intuitiva dos dados das situações temporais — olhou Renata lhe olhando enquanto dirigia. —, porque nada nem nenhum conhecimento era realmente conhecido, porque como podia o conhecimento pôr como existente algo que nele não estava direta e verdadeiramente dado? — olhou Renata com os olhos femininos agora vidrados, pregados no volante. Sean outra vez tentou se recordar da viagem só conseguindo lembrar-se da comissária servindo-lhe chá depois que acordou. — Sabe por que Renata? Porque a essência da priori do tempo é ser uma continuidade de situações de um ‘agora’, de um instante criador, um ‘ponto-original’, como dizia, nas situações temporais em geral. Se o tempo é, pois uma subjetividade absoluta, então ele não poderia existir, nem prevê-lo, nem eu nem ninguém.
— Senhor... — Renata ia arriscar-se a falar mais, mas achou que todos aqueles anos dele e seu envolvimento com aquela ex-espiã psíquica da Poliu, Mona Foad a fizeram mestra dele. Se os dons que ouvira falar, Sean tinha desde a infância, desde antes do nascimento, e se não foram modificados por Mona que o preparou para prever sim, tudo. — Tenho medo disso, Senhor... — ela sabia, porém que seu patrão Sean Queise não era mais o mesmo após a perda do pai.
Sean leu os pensamentos dela, outra vez.
— O tempo também era subjetivo no filósofo Immanuel Kant, anterior à experiência, porque é possível concebê-lo sem acontecimentos, não sendo possível conceber os acontecimentos; então sem acontecer antes não há como se prever antes do tempo, correto? Nem eu nem ninguém, correto? — olhou Renata esperando que ela dissesse algo, mas ela nem saberia como começar. — Os filósofos dizem que na perspectiva kantiana, do idealismo subjetivo, o conhecimento deixa de ser o reflexo ou a representação da realidade na consciência, para tornar-se a construção do objeto pelo sujeito, correto? — e ele sabia que Renata nada falaria. — Mas mesmo assim os druidas podiam ler o futuro no voo dos pássaros, Renata… — e pássaros voaram não muito longe dali. —, na forma com as nuvens se formavam… — olhou para cima. —, em como as raízes das árvores se torciam — olhou para baixo.
Sean ficou imaginando por que não se lembrava de ficar quase um mês desaparecido.
“Onde eu estive?”, soou em seus pensamentos.
Renata o viu envolver-se em silêncio total outra vez e outra vez sair dele sozinho.
— Léon Denis, um filósofo espírita e um dos principais continuadores do espiritismo após a morte de Allan Kardec, revelou na obra No Invisível, que os sonhos em suas variadas formas, têm uma causa única: a emancipação da alma... — olhou Renata o olhando. —, que esta se desprende do corpo carnal durante o sono e se transporta a um plano mais ou menos elevado do Universo, onde percebe, com o auxílio de seus sentidos próprios, os seres e as coisas desse plano, de um plano quadrimensional — e Sean viu Renata outra vez olhá-lo, agora mais confusa que antes. — E que não devíamos ter medo porque para um paranormal, a premonição é como um dom, um dom especial atingido na quarta dimensão por aqueles quem têm missões específicas aqui na Terra — e olhou-a. — Devia ter medo de mim, Renata...
Dessa vez ela nem se quer o olhou.
2
Flat de Sean Queise; São Paulo, capital.
23° 33’ 31” S e 46° 39’ 44” W.
26 de outubro; 07h19min.
O telefone tocou estridente ao lado de sua cama no flat onde morava. Sean abriu os olhos percebendo que dormira horas desde a chegada ao aeroporto, que não sonhara.
E o telefone não dava trégua até ele querer atender.
— O que você quer agora Kelly? — foi frio ao perceber que era o número particular da mesa dela na Computer Co..
— Acho bom você guardar suas garras para enfrentar seus erros ao invés de me atacar.
— “Meus erros”?
— O sistema de cloud computing da Computer Co. foi atacado.
Sean arregalou os olhos azuis vendo flashes confusos de um incêndio onde uma mulher bonita sorria-lhe. Pela fração de segundos que durou a visão, Sean teve sensação de que era Aagje Papadopoulos, para então vê-la em meio às chamas que o rodeava, que invadiam o quarto do flat.
Sean saltou da cama e se viu em meio a um incêndio, um de grandes proporções. Desligou o telefone e tudo sumiu. Sean correu e ligou o notebook acionando o Google. Palavras aleatórias sobre Aagje Papadopoulos, mas nenhuma imagem ou incêndio relacionado a ela.
Sean não entendeu a associação outra vez e olhou o quarto confuso. Trocou-se e saiu sabendo que podia prever o tempo, de qualquer um, e que devia ter medo dele mesmo.
Computer Co. House’s; São Paulo, capital.
23° 36’ 19” S e 46° 41’ 45” W.
26 de outubro; 09h36min.
— Ele chegou Renata? — perguntou Kelly duas horas depois de confrontar Sean pelo telefone.
— Sim, Srta. Garcia — Renata olhou Kelly grudada nela. — Há uma meia hora.
— E ele não veio falar comigo? — Kelly viu Renata não sabendo o que falar. — Algum telefonema para ele?
— 237!
— Quantos?
— Dela...
— “Dela”? — Kelly só teve tempo de arregalar os olhos.
— 237 telefonemas da mesma mulher que liga há quase um mês, Srta. Garcia.
— Quer dizer-me algo, Renata?
— Não Senhorita — Renata trabalhou achando que trabalhava.
Kelly não esperou saber de outras fontes. Adentrou tão rápido na sala da cobertura da Computer Co. House’s que Sean se assustou.
— Bom dia... — Sean teve duvida se seria.
— Bom dia para você, Sean — foi a frieza em pessoa.
Sean teve a certeza de não ser um ‘bom dia’, o dia inteiro. Voltou a digitar achando que como Renata, trabalhava.
— Como passou a noite?
— Como você passaria se soubesse que ficou quase um mês fora do ar?
Os dois se encararam.
— Confuso, imagino.
— É... Confuso...
— Já se inteirou do ataque?
— Não. Onde está Gyrimias?
— Não sei. Você o mandou de férias.
— Eu mandei? Disse que me esperasse aqui até eu voltar de Dubai.
— Olha... Não sei o que você fez esse quase um mês, mas você ligou o dispensando, mandando-o tirar férias, passando por cima de minhas ordens.
— Desde quando as ordens que dou devem passar por você primeiro?
— Achei que fosse sua sócia aqui.
— Por que está falando dessa maneira comigo?
— De que maneira? Ainda sou a mesma. Já você, não sei...
Sean a olhou com cuidado.
— Está com ciúme, Kelly?
— Deveria?
— Já percebeu que nossas conversas ultimamente são sempre perguntas feitas de respostas?
— Jura Sean? Achei que fossem respostas feitas de perguntas — ela viu Sean a olhar com interesse. — Você tem 237 ligações perdidas — apontou para o telefone fora do gancho, que Sean se esquecera de recolocar.
“Droga!” Sean fez uma careta que ela não viu.
— Você não é o mesmo desde a morte de seu pai.
Sean soltou um suspiro longo.
— Não queria que eu continuasse igual, queria?
— Queria!
— Mas não sou mais o mesmo, Kelly! Nunca mais vou ser!
— Não sei o que aconteceu com o Sr. Fernando àquela noite, na Transilvânia, mas sei que algo aconteceu com você, Sean.
Sean levantou-se a fazer a cadeira provocar um som agudo no mármore.
— Não se atreva mais a falar nesse assunto.
— E vamos falar sobre qual assunto mesmo?
— Basta Kelly!
— Ahhh! ‘Basta Kelly’ — repetiu-o. — Aonde eu perdi você, Sean? — tentou tocá-lo no rosto.
— Nunca me teve — afastou-se magoado, a magoando. E ele sabia que a magoara.
— Sean… — Kelly fechou os olhos sentindo vontade de chorar.
Virou-se para sair.
— Eu não queria falar isso...
Ela se virou para ele e Sean sentou-se virando o corpo para o computador, outra vez fingindo trabalhar.
— Por que não sinto um pingo de sinceridade no que acabou de falar?
— Porque toda minha vida virou de ponta cabeça desde a morte de meu pai!!! — explodiu levando a cadeira no chão. — O mercado não acredita mais em mim e Trevellis faz, e ele faz Kelly, tudo que pode para me derrubar. Provocando invasões aos cloud computing da Computer Co., para me expor... E minha mãe... — e parou sem saber por que parou, sem querer ter parado, tremendo. —, minha mãe querendo mandar em mim, na Computer Co., em você — e Sean viu que ela ficou incomodada.
Porque sabia que sua mãe dava ordens a ela.
— Sua mãe só se preocupa com você, com seu bem-estar, com…
— Ela está dormindo com Oscar, na cama de meu pai.
— Ele é teu pai, Sean.
— Não é!!! — gritou com tanta raiva que todas as gavetas abriram e fecharam, janelas escancararam e o fino voil das cortinas se lançaram no espaço deixando Kelly apavorada. — Nunca mais entendeu?! — e Sean já estava ao lado dela, apertando o braço dela mais apavorada ainda ao ver como ele se movimentara tão rápido para então ele a soltar no que leu os pensamentos dela. — Nunca... Nunca mais...
Mas Kelly estava realmente apavorada com aquilo tudo.
— Você me machucou, Sean... — se tocou.
— Você me machuca, Kelly! Fazendo perguntas das quais não sei responder, das quais não quero responder. Está bem?!
— Então vá se preparando e gastando toda sua paranormalidade aqui, agora, porque sua mãe tem um rol de perguntas a fazer-lhe.
Sean não gostou do que ouviu e Kelly abriu a porta e saiu. Passou por Renata que nem se atreveu a perguntar algo, para então Sean abrir a porta sem tocá-la, arrebentando-a contra a parede da sala, passando por Renata que outra vez não se atreveu a perguntar nada, indo atrás de Kelly que andava a passos largos, batendo o salto no mármore.
— Que tipo de rol? — agarrou-a mais uma vez pelo braço.
— Ai?! — gritou ela. — Está me machucando Sean!
— Que tipo Kelly? — ele não se controlava mais.
Sean Queise não era mais o mesmo.
— Do tipo 36° 40’ N e 25° 40’ E!
Sean arregalou os olhos azuis ao fazer contas.
— Santorini?
— Sim! Eu fui verificar as coordenadas 36° 40’ N e 25° 40’ E, no satélite de observação, Sean; o que Spartacus fazia sobre Santorini, na Grécia, durante seu sumiço de quase um mês?
— Spartacus... O satélite... Ele estava...
— Ele lhe vigia!
Sean arregalou os olhos azuis novamente. Ou Spartacus havia o seguido até lá ou Sean direcionara o satélite para Santorini, na Grécia, e não lembrava. Agora não era questão de não querer, ele simplesmente não tinha respostas àquilo.
Kelly entrou na sala dela e Sean ficou lá, paralisado, sem ao menos se desculpar pelo braço tocado com força.
3
Computer Co. House’s; São Paulo, capital.
23° 36’ 19” S e 46° 41’ 45” W.
27 de outubro; 09h58min.
Já era quase dez horas e Kelly ainda não havia ido até sua sala. Sean sabia que não fora um bom dia como o anterior, e que talvez não fosse um bom dia aquele também. A sócia estava enciumada, provável nervosa com o sumiço dele, e ele descontrolado. Mas Sean não sabia que havia sumido, passara a noite toda tentando entender o que acontecera e não encontrou nada a não ser um check-in no aeroporto de Dubai com saída para o Brasil escala em Londres, e ele nele.
Levantou-se a abriu a porta de comunicação com a secretária Renata respirando fundo, pronto para andar até a sala da sócia e encará-la.
Mas não foi só ela quem estava ali.
— Você... — foi só o que conseguiu falar, porque seu mundo acabava de desabar.
Na sala da secretária Renata, Kelly e Aagje Papadopoulos.
Ele não sabia para qual das três olhava.
— 237! — foi o que Renata exclamou.
Sean voltou a olhar as três.
— Como é que é?
— 237 ligações, Sean Queise — foi a vez de Aagje Papadopoulos repetir Renata. — Nenhuma resposta.
Sean olhou Renata e Kelly se lembrando do número ‘237’ nem percebendo a intimidade de como era chamado.
— Eu... Eu andei ocupado.
As três nada responderam e somente Aagje sorriu por debaixo do grande chapéu azul que usava, e que combinava com a saia azul, a blusa azul, a bolsa azul, os sapatos azuis e joias azuis que lhe adornavam os dez dedos. E os olhos azuis dela também brilharam ao vê-lo.
Kelly encarou Sean que entendeu tudo com ou sem o dom paranormal.
“Droga!”
— Ãh... Marcamos uma reunião, Srta. Papadopoulos? — Sean tentou encontrar o fio da meada.
— Tentamos! — Aagje foi categórica.
— Ah... — Sean agora não olhou para nenhuma das três. Apontou a porta de sua sala e a opulenta Aagje Papadopoulos caminhou a fazer o salto tilintar no ouvido de Kelly Garcia, que percebeu que Sean Queise não a olhava, que sabia que ele sabia que era ela o motivo do seu ciúme.
Sean fechou a porta no que Aagje entrou. Respirou profundamente e voltou a abrir a porta e pedir café ainda sem encarar Renata e Kelly, paralisadas no mesmo lugar, voltando a fechar a porta em choque.
— Você foi embora do Burj Al Arab… — Aagje foi logo dizendo. —, e não se comunicou mais.
Ele a olhou sem entender. Não entendia a presença dela ali. O repentino interesse dela ali.
— Eu... Eu andei ocupado — olhou em volta meio que perdido.
— Sua secretária havia dito que você ainda não havia retornado.
Ele voltou a olhá-la confuso.
— Eu... Eu andei ocupado.
— Já falou isso.
— Eu... Falei... — sentou-se na cadeira apontando a cadeira à frente de sua mesa. — Você... Voltou a Santorini?
— Quando?
— Depois...
— Depois que você foi educadamente embora?
Sean percebeu a ironia.
— Sim.
— Não. Fiquei mais uns dez dias no Burj Al Arab. Por quê?
— Ãh... Por nada!
“36° 40’ N e 25° 40’ E”; ecoou por todo ele sem parar.
— Bonita cobertura. Opulenta! — exclamou Aagje fazendo um charme.
Sean voltou a olhá-la com interesse. Havia algo errado com Aagje Papadopoulos, mais magra talvez, mais bela talvez.
— É... — Sean olhou as pernas cruzadas na saia que ficou curta com tal posição. Renata entrou com o café na mão o servindo e ele a olhou. — Era para serem dois cafés, Renata — Renata olhou Aagje de cima sem respondê-lo. — Ouviu-me? — a voz de Sean perdeu-se. Renata deu a volta e ameaçou sair. Sean ficou extasiado com o comportamento da secretária. — Renata?
Ela bateu a porta e Aagje caiu em sonora gargalhada.
— Viu como ela desejou matar-me? — riu Aagje. — Aposto que mataria se tivesse chances... — se divertia vendo Sean a olhando assustado. — Não se faz mais empregado como antes, não Sean Queise? — ela viu Sean não saber o que responder, nem de gostar da intimidade com seu nome na frase. Olhou a xicrona de café dele esfriando. — Eu tomo! — pegou a xicrona dele. — Sabe que para uma grega o café é uma mania tão intensa quanto a brasileira?
— Não...
— Pode ser tomado forte, como o seu — Aagje o encarou o devorando com aquele olhar e Sean se encolheu. — Ou feito à maneira árabe com muito pó sedimentado no fundo da xícara. Sua amiga Mona Foad o toma assim, não? — ela viu Sean se preocupando com a presença dela ali. — Ou ainda como no calor intenso do verão grego... — ele abriu a boca, mas ela não o deixou falar. — Gelado, como um frappé, batido puro, com leite, com um licor doce ou com sorvete de creme, que vem sempre acompanhado de um copo de água. Porque com o café na mesa os gregos ficam horas conversando ou jogando gamão ou...
— O que quer de mim? — cortou a alegria dela.
— Joga gamão?
— Não jogo, Senhorita. Não gosto de jogos.
Aagje gargalhou. Entendeu o recado.
— Pois deveria Sean Queise — levantou-se tirando o chapéu e o depositando no sofá atrás deles, sumindo para fora da sala, invadindo a sacada ajardinada que expunha toda a Marginal Pinheiro àquela hora da manhã.
Sean suspirou nervoso e levantou-se indo atrás dela.
— Por que minha mãe não gosta de você, Srta. Papadopoulos?
— Sua mãe não gosta de ninguém! — foi cruel. — Não gosta de você, não gostava de seu pai. Provável nem goste de Oscar Roldman! — Aagje foi cruel outra vez.
Cruel e um pouco íntima.
Sean arregalou os olhos azuis e quis esbofeteá-la. E voltou a arregalar os olhos naquele querer, porque nunca quis esbofetear ninguém.
Aagje Papadopoulos se virou como quem se prepara para ir embora.
— Ou talvez minha mãe não goste de você pelo o que você é — Aagje parou de andar pela provocação dele. — Porque “uma grande riqueza é uma grande escravidão”.
— Quem disse isso? — Aagje se virou para ele. — O filósofo Lucius Annaeus Sêneca? — ela viu Sean impactado com seu conhecimento filosófico. Ela deu uma grande risada e se aproximou tanto que grudou nele. — O mesmo Sêneca, Sean Queise, quem disse “O tempo revela a verdade”? Ou o mesmo Sêneca quem disse “É preciso dizer a verdade apenas a quem está disposto a ouvi-la”?
— O mesmo Sêneca, Senhorita, quem disse “A maldade bebe a maior parte do veneno que produz” — sorriu cínico. — Então vou voltar a perguntar; o que quer de mim?
— O que quero provável não vai me dar... — Aagje se aproximou. — Não depois de me conhecer, Sean Queise — e Aagje agarrou seu rosto o beijando tão forte que Sean assimilou mais que o gosto da pasta de dente dela.
E os lábios dela eram diferentes. Havia algo ali, nela, com ela, com o mundo ao redor.
Ela o soltou ao vê-lo em choque.
— O que... O que... — Sean tentava entender o que perdeu naquele beijo.
— Dvocevkis! Como eu disse; aberta a todas as possibilidades... — se virou ameaçando ir realmente embora. — Venha me procurar em Santorini quando decidir — piscou maliciosa da porta envidraçada.
Sean a encarou ainda afetado pelo beijo.
— Não tenho nada com você ou com sua empresa. Não vou a Grécia.
— Seu pai tinha!
— Meu pai não tinha...
— Trabalhos inacabados, Sean Queise.
— Tenho vinte e quatro anos, Srta. Papadopoulos. Desde os dezessete anos, desde que assumi a Computer Co. nada sei de trabalhos inacabados com você ou seu pai. A única coisa que conheço de você é sua maneira pouco ortodoxa de tentar roubar-me contratos desde quando assumiu o poder de sua empresa.
— Pois acredite Sean Queise, tem algo inacabado comigo... — Aagje se aproximou tanto dele que ele teve de recuar.
— Você é louca — a olhou de cima a baixo.
— Pois louca ou não, eu sinto muito se só depois da morte de seu pai, há seis meses, que percebeu que o mundo desabara por sua cabeça — irritou-se. — Por isso enfrente a realidade que Fernando Queise e Trevellis tinham um trabalhinho sujo com Syrtys.
E tudo aquilo sem nenhum ‘Senhor’ na frase.
— Trevellis... — Sean ficou confuso, nervoso. — Trevellis não... — nervoso e confuso ao mesmo tempo. Seu pai e Mr. Trevellis juntos era inadmissível; juntá-los ao difamado Syrtys Papadopoulos era para preocupá-lo muito mais. Ficou tão confuso que outra vez não sentiu a aproximação dela. Só se deu conta quando Kelly gritou o nome dele e ele acordou preso aos lábios de Aagje Papadopoulos novamente. Flashes de segundos em que ele não estava ali. — Eu... Eu... — Sean olhou Kelly ao lado dele em meio as risadas sarcásticas de Aagje que ia embora.
Sean voltou a olhar Kelly assustado. Havia saído dele, estado noutro lugar, frações de segundos. Ficou olhando Kelly ir embora também para só então o som da movimentada Marginal Pinheiros chegar ao seu tímpano.
Sean chacoalhou os dedos nos ouvidos.
Achou que estava enlouquecendo.
Computer Co. House’s; São Paulo, capital.
23° 36’ 19” S e 46° 41’ 45” W.
27 de outubro; 18h46min.
As teclas não cessaram naquele fim de tarde. Sean se arriscava como sempre. Ele havia prometido durante o enterro do pai Fernando Queise que nunca mais invadiria computadores, que não se envolveria com a Poliu e seus agentes secretos, e que se afastaria do controle do satélite de observação Spartacus o qual todos sabiam, ele usava como pontes para suas invasões. Mas algo muito mais complexo que invasões havia acontecido com ele. E não se tratava de viagens astrais em que a alma saía do corpo pelo éter, quase sempre em busca do espírito de Sandy Monroe, sua suicida ex-noiva. Nem era atrás de falcatruas interplanetárias da corporação de inteligência chamada Poliu e seus agentes espiões psíquicos, treinados para invadir mentes, se comunicar com alienígenas, controlar nações. Era algo mais intenso, mais dele, de sua essência, de uma essência que precedia a existência; era algo genético.
Sean tremeu ao completar tal pensamento.
Como nem Kelly e nem Renata localizavam o refúgio de Gyrimias Leferi nas Ilhas Cayman, e era só isso o que sabia sobre a tal ‘viagem de férias’, Sean tomou-se de coragem e invadiu seus próprios mainframes.
Um aviso sonoro explodiu nos escritórios da Poliu. Sean percebeu a falha. Não se importou com aquilo, porém. De alguma forma sabia que Mr. Trevellis estava lá, observando seu ataque. Sorriu o cínico que era e conseguiu as contas bancárias de Gyrimias usadas num hotel, deixando na portaria um simples ‘Retorne!’. Depois prosseguiu atrás de informações que gerassem uma ligação entre seu pai Fernando Queise e Syrtys Papadopoulos, pai de Aagje, mas nada encontrou.
Sean encostou-se ao espaldar da poltrona e recordou seu pai naquela rua úmida, recordou o tiro e a sensação de que ele conhecia quem o matou.
Talvez alguém em comum.
— Aagje Papadopoulos não falaria tudo aquilo se não soubesse de algo — Sean usou de toda sua técnica, com ou sem permissão de Mr. Trevellis. Invadiu as ‘nuvens’ atrás de documentos até então nunca abertos. — Ela tem cartas na manga... Tem que ter... — digitava e digitava. — Ou como Aagje Papadopoulos saberia sobre as nuvens prontas para um ataque de convidados em máquinas virtuais? Como ela saberia sobre acessar dados com a mente?
“Captada por espiões psíquicos...” soou a voz dela em suas lembranças.
— Deus... Ela não poderia saber... — Sean girou a cadeira a ficar olhando o teto, a deixar o canal de invasão aberto. — E se não... Não, não pode ser... Tem que ser algo diferente. Ela tem que ter recebido a informação truncada. Ela não podia saber o que só eu... — olhou em volta. — Ou alguém mais sabe fazer... — Sean ficou nervoso.
Quase um mês ‘fora do ar’, uma coordenada de Spartacus em Santorini, e ela sabendo sobre ele acessar dados pela mente.
“Droga!”
E um sinal sonoro avisou que alguém na Poliu estava on-line nos mainframes. Eles sabiam que Sean estava lá, abrindo arquivos e também nada faziam.
— E agora isso? O que significa isso, Trevellis? — falou com a tela do notebook. — Desde quando a Poliu não fecha a conexão que eu invado? — o cursor piscava esperando nova entrada de dados.
“Trevellis e meu pai?”, pensava Sean olhando a tela.
E o mesmo aviso sonoro também soara ao lado do grande Mr. Trevellis. De pele jambo, olhos esverdeados e invejável inteligência e astucia, ele era conhecido e temido por todos os agentes do mundo, inclusive agentes de Oscar Roldman, Polícia Mundial.
Mr. Trevellis não era homem de perder um caso, de não usar pessoas e dinheiro, muito dinheiro para atingir seus objetivos de poder; nem os mistérios do Universo se mantinham intactos se aquilo lhe propusesse algum lucro. E muitos Mister e Mistress haviam passado pela chefia da Poliu, nada ninguém como Trevellis.
Mr. Trevellis e Sean se admiravam tanto quanto se odiavam. A perseguição a Sandy foi a maneira que Mr. Trevellis encontrou de controlar Sean Queise, de desestabilizá-lo. Ambos não sabiam que o desfecho daquela noite seria fatídica. Sean machucou-se, e pôs-se a machucá-lo, a machucar e desestabilizar a Poliu com seus dons computacionais desenvolvidos pelo pai Fernando, que Mr. Trevellis sabia, fora ele quem ensinara a Sean. Os mesmos dons de hackers que Sean usava agora atrás de arquivos bancários nas Ilhas Cayman, que acenderam na tela da Poliu, porque Mr. Trevellis sabia que Sean conseguiria chegar até ali.
Já Sean leu aquilo sem acreditar no que lia. Achou que seu coração parara frações de segundos ao perceber uma conta clandestina da Computer Co. numa ilha fiscal como aquela. Só podia ter algo haver com seu pai e suas atitudes desesperadas para não deixar a Computer Co. falir, de mantê-la sempre acima das expectativas, sempre no mercado altamente competitivo.
“Eu disse que um dia Sean ia descobrir sobre seus poderes diferenciados, sobre o que Fernando e Trevellis fizeram no passado para a Computer Co., chegar aonde chegou”; soou sua mãe em suas lembranças.
Sean se desconectou dos mainframes que a Computer Co. alugava à Poliu e entrou em terreno mais instável; arquivos da Polícia Mundial, comandada pelo inteligente Oscar Roldman. Mas seus dedos pararam sem ordem. O medo de encontrar enfim documentos que comprovassem que ele era filho de Oscar, que ele era o bastardo que Mr. Trevellis o afirmava ser, infestavam seus sonhos desde menino.
Dores de cabeça fizeram Sean apertá-la.
Sean fechou de vez todos os canais de comunicação em seus mainframes. Ia desligar a rede quando uma notícia na Internet chamou-lhe a atenção, uma notícia da Reuters News e um mapa com o local de um acidente aéreo com um avião da Emirates Airlines com destino à Londres, Inglaterra, fazendo escala em Santorini, Grécia; voo 5674, dia 27 de setembro.
“27 de setembro?”; sentiu cada pelo do corpo arrepiar-se.
— “Segundo a Reuters, a aeronave caiu ainda em uma área do deserto dos Emirados Árabes Unidos” — Sean leu. — “A agência de notícias France Press entrevistou um dos responsáveis pela direção de segurança aéreo dos Emirados Árabes Unidos, que segundo ele, havia muita gente a bordo do avião. Eles estavam fazendo todo o possível para se aproximarem, mas o avião estava em chamas. O combustível ainda queimava e temiam uma explosão em breve” — terminou de ler em meio a gritos que ecoaram por toda cobertura.
Sean ergueu-se em choque no que ao redor de sua mesa plasmou-se um deserto sem fim. Ele olhou em volta, não estava mais na cobertura, estava em meio a corpos e labaredas, braços e pernas deslocados do corpo, crianças que gritavam em chamas, espíritos já desencarnados, em desespero, sem entender que morria.
— Ahhh!!! — Sean caiu de joelhos no frio mármore carrara de sua sala.
Olhou para os lados, sua mesa, cadeiras, obras de arte e o site aberto, no cair da noite fria, do coração disparado. Engoliu a seco a visão vista e se levantou sentindo o perfume dos sais de banho de Aagje Papadopoulos invadirem sua narina, sua memória, seu corpo.
“Labaredas”; lembrou-se da visão no banheiro do Burj Al Arab.
Sean ia ter que colocar seu orgulho de lado, enfrentar o ciúme de Kelly, o poder de sua mãe, e ir à Ilha de Santorini se quisesse descobrir. Mas o telefonema a seguir trazia outros planos para o fim daquela noite. Sua mãe Nelma Queise o chamava à sua casa.
Sabia que não ia ser uma reunião amigável.
Mansão dos Queise; São Paulo, capital.
23° 34’ 12” S e 46° 40’ 20” W.
27 de outubro; 21h00min.
A mansão dos Queise estava iluminada. Toda ela. Sean parou o carro observando aquilo. Fazia tempo que não a via, a casa de sua infância, da vida com os pais e a irmã Ana Claudia, da felicidade, das descobertas do amor, das perdas dele, dela, Sandy Monroe. Do noivado, da desavença, das acusações da Poliu, do roubo de peças de Spartacus. E as duvidas dele, Sean. Memórias de briga, de fuga de Sandy correndo ao andar de cima, dele correndo atrás dela, escorregando, ela se trancando no quarto, dele não chegando a tempo, dela tirando a vida com um tiro fatal.
— Ahhh!!! — gritou ao ver que havia saído do corpo, ido ao passado, ao seu passado.
Olhou para o lado, no carro antes vazio e Sandy estava lá, olhando-o. Sean arregalou os olhos azuis em meio ao olhar perdido dela.
“Sandy” Sean levantou a mão e a imagem dela sumiu.
Sean sentiu medo, havia algo mais na presença dela ali, nas suas saídas do corpo, nas suas visões de morte, no seu dom.
A campainha tocou apenas uma vez.
— Achei que fosse usar sua chave — sua mãe Nelma Queise foi direta ao abrir a porta.
— Nem sabia que já tive uma... — brincou sabendo que nenhuma brincadeira iria aliviar o ambiente.
— Entre Sean — ela abriu a porta na sua totalidade.
Sean atravessou o hall de entrada e olhou para o escritório antes usado por seu pai Fernando, na extremidade direita do grande hall de mármore negro.
Uma dor apertou-lhe o peito.
— Ana Claudia?
— Na casa de uma amiga — olhou Sean olhando em volta. — Venha! — falou sua mãe sumindo para a ampla sala que se prosseguia no corredor da entrada, na extremidade esquerda da casa sem ao menos dar-lhe um beijo, um abraço.
Mas Sean estava mais que olhando o entorno, estava paralisado; um Fernando sofrido, de cabelos bancos em desalinho o olhava assustado.
— Pai... — soou baixinho dos lábios secos pela emoção. Sua mãe quase sumia de sua vista quando ele a seguiu sem voltar a olhar para trás. E foi ao entrar que Sean sentiu que não seria um jantar amigável; Oscar Roldman estava sentado no meio da sala, noutro extremo Kelly Garcia. — Achei que...
— Precisamos conversar — foi Oscar quem tomou a dianteira.
— Achei que íamos jantar? — Sean se virou para a mãe ignorando Oscar e Kelly.
— Vamos jantar!
— Achei que íamos jantar a sós — Sean encarou Nelma em desafio.
Oscar não gostou do ver o clima esquentar. Desde a morte de Fernando que ele não conseguia se comunicar com Sean. Não que durante sua vida toda tivesse sido fácil tal tarefa, mas ficava cada vez mais difícil uma linha de comunicação entre ambos.
— Se você preferir... — Oscar encarou Sean.
— Eu não tenho que preferir nada — Sean foi puro fel.
— Não Sean — Kelly chamou-lhe a atenção.
Ele a odiou por aquilo.
— Um vinho do porto? — sua mãe tentou quebrar o gelo que até teria funcionado se um quinto elemento não tivesse entrado na sala.
— Trevellis? — agora Sean sentiu toda sua segurança desabar.
— Olá ‘filho de Oscar’ — gargalhou após ver Sean, Oscar e Nelma se incomodarem.
— É um convidado, Mr. Trevellis — foi sua mãe quem falou. — Não estrague isso.
“Convidado?”, Sean achou difícil de assimilar.
— Achei que você fosse a última pessoa a pisar na minha casa desde a morte de Sandy — Sean descompensava.
— Eu sei! Fernando havia me proibido de voltar aqui desde então — Mr. Trevellis foi debochado ao sentar-se esparramado no sofá livre, brilhando os olhos esverdeados que contrastavam com a pele jambo.
Kelly e Oscar ocupavam também cada um, um sofá.
— Percebo que a morte de meu pai mudou muita coisa por aqui — Sean falou encarando Oscar que se incomodou, agora sozinho.
— Um vinho? — foi Kelly que tentou amenizar algo que jamais se amenizaria.
— Por que essa reunião? — falou Sean enfim quando os cinco ali estavam servidos.
— Conseguiu driblar o ataque? — Mr. Trevellis foi direto.
— “Ataque”? — sua mãe e Oscar foram uníssonos.
Sean olhou Kelly que lhe devolveu o olhar.
“Não fui eu”; pareceu falar.
— Não foi um ataque. Foi apenas um erro de senhas.
— Achei que seu cloud computing havia sido hackeado — Mr. Trevellis abriu um charuto.
A sala foi invadida por uma fumaça tênue e pesada tanto quanto seus componentes.
— Infelizmente, quase todo o sistema de computador pode ser hackeado, Trevellis. Mas não se preocupe ninguém pode invadir os dados da Poliu — o encarou, sentindo-se dono da situação.
Mr. Trevellis gargalhou com gosto, entendeu que Sean sabia que ele sabia de sua invasão. Sean percebeu aquilo. Ficou na duvida se ainda tinha o controle da conversa.
— Que senhas erradas foram essas, meu filho?
— Algum funcionário não autorizado, mãe. Deve ter entrado com algum dado e o programa o brecou. Como veio de dentro da Computer Co., os mainframes não estavam preparados para essa atitude, então os mainframes entenderam como um ataque... — e Sean encarou Mr. Trevellis. —, interno.
Ele percebeu que as atenções se voltaram para ele.
— Não me olhe assim ‘filho de Oscar’ — riu Mr. Trevellis. — Não invadi a Computer Co.. Isso é sua praia.
Sean se incomodou.
— Por que está insinuando que meu filho invade a Computer Co., Trevellis?
— Ah, não, Nelma — Mr. Trevellis baforou longamente. — Longe de mim insinuar algo.
Sean odiou-se por ter deixado ser pego. Irritar Mr. Trevellis estava ficando perigoso.
Nelma não se deu por vencida:
— E como sabe que foi um funcionário da Computer Co.?
— Porque ninguém de fora conseguiria tal acesso, mãe — Sean olhou um, olhou outro; olhou os quatro. — Sou bom no que faço — desafiou a Polícia Mundial e a Poliu numa jogada só.
— Claro que é. Fernando era bom no que ensinava — Mr. Trevellis desafiava.
Sean ergueu-se do sofá totalmente transtornado. Nelma não gostou das insinuações de Mr. Trevellis e encarou Oscar que não queria ter sido encarado.
— Chega Trevellis... — soou dele enfim.
— Chega por que, Oscar amigo velho? Nós dois sabemos que Fernando era um hacker habilidoso na década de sessenta — ria Mr. Trevellis com gosto. —, com aqueles computadores monstruosos e...
— Chega Trevellis! — agora Oscar se enervou.
Mr. Trevellis riu com gosto novamente sabendo que aquilo mostrava a Sean que seu pai realmente prestara serviços a Poliu, provável, servicinhos inacabados. E Sean viu Mr. Trevellis e Oscar lhe olhando de maneiras tão ambíguas que lhe escapou o pensamento de ambos.
“Droga!”; pensou Sean.
— Vamos... — Nelma anunciou e todos se levantaram após o serviço estar à mesa.
“Sean” soou uma voz fraca pela sala.
Sean sentiu toda sua pele arrepiar-se, gelar, perder o controle da temperatura. Ele viu o fantasma de seu pai dizendo-lhe algo. Mas seus lábios estavam roxos, flácidos, sem voz.
Tremeu sob a observação de Kelly que não o perdia de vista.
— O que quer comigo Trevellis? — Sean foi ao ataque, no meio do corredor entre as salas.
Mr. Trevellis parou para observá-lo. Nelma, Kelly e Oscar também. Os cinco se olharam no espaço pequeno. Mr. Trevellis voltou a andar, entrou na espaçosa sala de jantar e sentou-se sem cerimônia; e sem responder.
“Sean” voltou a soar uma voz.
Sean olhou para trás de sua cadeira. Só a parede e um quadro de Van Gogh; o preferido de seu pai. Olhou de novo para frente e a sala sumira, todos sumiram. Sean estava numa rua pouco iluminada, úmida e alguém o seguia; podia sentir, ver seus pés afundando na poça fria, úmida como a noite. Estava com medo, muito medo, alguém se aproximava. Sean tocou o frio ferro do poste ao lado. Olhou sua mão e ela estava molhada.
Acordou no que Kelly esbarrou a perna dela na dele.
Sean voltou à sala sem saber o que acontecera, onde estivera, que rua mal iluminada era aquela e Mr. Trevellis entregava algo a ele. Ele esticou a mão para pegar e viu que ela estava molhada, que havia se molhado na viagem astral. Arregalou os olhos e recuou a mão antes que percebessem. Secou-a e pegou das mãos de Mr. Trevellis um Tablet ligado; havia um vídeo sendo exibido.
Apesar de estar sem som, Sean sentiu sons de gritos ecoarem em seus ouvidos. Mas não havia gritos no vídeo exibido. Somente Sean Queise e Aagje Papadopoulos conversando numa sala de banho.
Ele reconheceu a opulência do Burj Al Arab, dos seios nus de Aagje Papadopoulos.
— Belo par de seios, não ‘filho de Oscar’? — Mr. Trevellis foi sarcástico.
— Trevellis! — exclamou Oscar cada vez mais desconfortável com tudo aquilo.
Já Sean só escorregou os olhos para o lado. Kelly esticava a vista para enxergar o que acontecia.
— Estava me filmando? — Sean desligou a tela.
— Estava filmando Aagje Papadopoulos. Não imaginava que você estaria na filmagem — gargalhou Mr. Trevellis.
Sean voltou a se incomodar com os fortes olhares da sócia e sua mãe. E ainda tinha ela, sua mãe, a vigiá-lo.
“Droga!”; pensou outra vez sem dizer.
— Ah! Devo então mudar o sentido da pergunta, não Trevellis? — Sean sorriu cínico. — Estava filmando Aagje?
— “Aagje”? Estão tão íntimos assim?
— Não me irrite Trevellis! — Sean cerrou os dentes para falar aquilo.
— Então não vou irritá-lo moleque. Fernando fez um acordo com Syrtys Papadopoulos — Mr. Trevellis foi direto como até então não fora; e não parecia se importar muito com os sentimentos de Sean.
Mas Sean procurou Oscar antes de cruzar os olhos com a mãe.
— Que tipo de acordo?
— Não sabemos Sean querido... — Oscar respondeu mesmo assim.
Sean não queria ter ouvido aquilo, aquela maneira de ser chamado.
— Como sabem sobre o acordo? Hackearam algo? — Sean desafiava Mr. Trevellis.
Mr. Trevellis gostava dele. No fundo desejara ter tido um filho assim; no fundo invejava Oscar Roldman, no que os cinco sentados à mesa sentiram a friagem que se sucedeu.
— Nossa! — exclamou Nelma se levantando e indo a outro lugar. — Acho que há alguma janela aberta... — soou longe.
Sean encarou Kelly e ela não o olhou. Ele sabia que a friagem vinha do ‘além-sala’.
— O acordo apareceu quando o testamenteiro chegou Sean — Nelma voltou à sala de jantar sentindo frio novamente. — Havia contratos da Computer Co. de antes de você assumir, e que tinham ordens explícitas para não serem interrompidos no caso de morte.
— Eu conheço o testamento de meu pai. Não havia essa clausula.
— Ela estava guardada na Polícia Mundial.
— Meu pai... Meu pai... — aquilo caiu com uma bomba. — Pediu-lhe para guardar algo? — encarou Oscar que respondeu com um olhar para Nelma. Sean teve medo daquele olhar. Ficou achando que talvez fosse Oscar quem dera algo a Fernando para guardar, cuidar. Odiou-se. — Que tipos de contratos meu pai teria com... — Sean juntou forças. —, com Syrtys Papadopoulos, Trevellis?
— Não sabemos! — Mr. Trevellis foi firme.
— Deus... — Sean não se situou. — Meu pai nunca me disse que havia contratos inacabados...
— Seu pai não falava muito — Nelma o cortou.
— Com você! — desafiou-a. — Comigo ele teria falado.
— Mas não falou! — Mr. Trevellis também sentiu prazer em feri-lo.
Sean tremeu por frações de segundos, e a sala escureceu e clareou. Buscou o teto tentando ver se as lâmpadas estavam acessas. Quando abaixou a vista não estava na sala outra vez, estava no escritório de seu pai, com o cofre aberto, com seu pai guardando algo, um papel amarelado, sob a mira de Syrtys Papadopoulos e Mr. Trevellis. Sean se se aproximou deles, do papel amarelado, das escritas nele e nada mais fez.
— Sean? — Kelly fez Sean voltar antes de conseguir ter lido o papel amarelado. — Aconteceu algo?
Mas Sean havia realmente descompensado. Estava triste, minado espiritualmente, com aquilo que acreditou ter no papel, no que pouco viu no papel amarelado. E odiou Aagje Papadopoulos, odiou Mr. Trevellis; se odiou.
Aquilo começava a enervá-lo.
— Meu pai... Droga! Meu pai nunca falou sobre contratos inacabados... De nenhum contrato que não deveria ser interrompido — nada falou sobre a visão. — Meu pai nunca colocaria a Computer Co. em situação duvidosa, nem assinaria contratos contra a lei com um homem notoriamente conhecido como um negociante inescrupuloso; negociante que já desafiara a Poliu com a venda de armas ilícitas e falsificadas, para então ir a mídia e denunciar uma ‘suposta’ corporação de inteligência envolvida com o tráfico de materiais, que comprovam a vida alienígena antes mesmo da extinção dos dinossauros — Sean se virou para Mr. Trevellis que o odiou.
E a cadeira de Mr. Trevellis arranhou o piso.
— Olha aqui seu moleque...
Mas Sean não lhe deu chances.
— E também sei que Syrtys Papadopoulos colocou a Polícia Mundial em situações embaraçosas, quando se propôs revelar um ‘laranja’ dele próprio, Syrtys; um ‘laranja agente’ dentro da Polícia Mundial.
Oscar Roldman e Mr. Trevellis perceberam que Sean fazia mais do que devia em suas horas vagas.
— Do que está falando Sean? — mas Nelma alertou-se.
Contudo sua pergunta ficou no vácuo porque Mr. Trevellis voltou a se sentar.
— A Poliu jamais foi enganada, ‘filho de Oscar’.
— Trevellis... — Oscar ia falar.
— Cale-se Oscar! — agora Mr. Trevellis estava no limite.
— O que foi Trevellis? Nervoso porque mês passado chegou às listas de ufologia que uma sociedade secreta julgava ter provas que a Terra era comandada por visitantes...
— Cale-se você também!!! — Mr. Trevellis explodiu apontando para Sean.
— Não grite na minha... — Nelma ia falar.
— Cale-se você... — e Mr. Trevellis só tentou gritar com Nelma quando todas as portas da casa bateram.
E eram muitas.
Mr. Trevellis fuzilou Sean imaginando se fora ele quem fizera aquilo, se podia fazer aquilo, bater as portas.
Mas Sean sabia que não fora ele.
— O que foi Trevellis? Com medo?
— Você... Você...
— Eu o que? Posso bater portas? Apagar luzes? — e as luzes se apagaram.
— Sean! — exclamou Nelma nervosa. — Não faça mais isso!
— Não fiz nada mamãe...
E a luz voltou para então Mr. Trevellis ver que Sean o olhava, dizendo que não fora realmente ele quem apagou as luzes. Mr. Trevellis se virou em choque caminhando até perto de uma mesa de canto apagando nervoso o charuto, enterrando-o no cinzeiro de cristal. Depois pegou o casaco de veludo grosso que usava e sumiu da sala indo embora. A última porta que bateu foi ele quem atentou contra o batente.
Nelma só fuzilou Sean que só tinha Oscar em seu raio de visão; Oscar e a alma atormentada de seu pai Fernando atrás dele, encarando Oscar que sabia da sua presença, porque também tinha dons paranormais. Sean se virou e foi o próximo a ir embora. Não queria mais jantar, não queria mais saber sobre os segredos da Computer Co., não queria mais enfrentar sua mãe e Oscar ali, na casa dele, não queria mais ver Kelly lhe encarando nem ver o pai morto usando os cabelos brancos em desalinho, batendo portas e apagando luzes com o pouco de luz que tinha.
4
Computer Co. House’s; São Paulo, capital.
23° 36’ 19” S e 46° 41’ 45” W.
28 de outubro; 10h23min.
O salto do sapato de Kelly Garcia vibrava por toda a extensão que separava a sala dela da dele. A manhã já começara na Computer Co. House’s e a porta da sala de Sean Queise foi a próxima a estremecer.
— Kelly... — Sean sobressaltou, já não conseguia se conectar com o mundo em que vivia.
— Pediu uma passagem para a Grécia? — desafiou-o com o que pareceria ser sua passagem nas mãos dela.
Sean só a olhou. Renata entrou logo depois já quase sem cor na face. Sean percebeu que ela não conseguira esconder sua viagem a tempo.
— Pode ir, Renata — ele a liberou do show que se processaria ali.
— Ia me avisar?
— Bom dia para você também, Kelly querida — Sean se virou e voltou a trabalhar.
— Ia me avisar da viagem?
— Precisava?
— Pensei que fossemos sócios.
— Pensou?
— Não faça isso, Sean...
— Isso o quê, Kelly? — Sean levantou-se e abriu as janelas da ajardinada sacada na cobertura da Computer Co. House’s.
O dia prometia ser quente.
— “Isso o quê...” “Isso o quê...” Fugir de mim, Sean.
Sean sentiu o impacto daquelas palavras. Gostava dela, muito. Talvez mais do que deveria.
— Eu... — girou o pescoço nervoso. — Não estou fugindo — voltou a se sentar. — Vou à Grécia a negócios.
— Sem mim?
— Queria ir?
— Primeiro Dubai em segredo. E agora...
Sean cortou-lhe a fala.
— Não estive em Dubai em segredo. Você, minha mãe e toda Computer Co. sabiam que eu ia lá, e que eu...
Mas Kelly cortou-lhe a fala também.
— E depois? Um sumiço de quase um mês? E agora? O que vai fazer na Grécia, Sean? Sumir outra vez?
— Sabe que é escasso o número de estudos de pesquisa que reportam o uso de zeólitas naturais provenientes da América do Sul?
— Como é que é? Vamos investir em zeólitas?
— Sim.
— Sou geóloga, Sean. Conheço os zeólitos, zeólitas ou zeolites, do termo grego zein — falou num jogo.
— Wow! Perfeita como sempre, Kelly querida!
— Por que o deboche? Por que a Grécia, Sean?! — gritou.
— Não grite comigo, Kelly! Não lhe dei esse direito!
— Seus negócios se cruzam com os de Aagje Papadopoulos? É isso?
— Meus negócios se cruzam com os de Syrtys Papadopoulos, que se não percebeu eu não sabia existir. É isso!
— Eu também não sabia. Quando fui ser assistente da Martha, secretária de seu pai, não tive acesso aos negócios dele. Compramos zeólitas da Silicio Company como todo mundo, todo mundo compra porque são os maiores...
— Não a estou culpando de esconder nada, Kelly.
— E mesmo assim não confia em mim?
— Ah... Deus... — abaixou a cabeça. — O que eu fiz para que nossa relação fosse assim?
E Kelly chorou antes mesmo de responder àquilo. Sabia que não devia, que sua posição ali era outra, que era uma profissional, mas todas suas forças sumiram com o sumiço dele. Sean sentiu dor naquelas lágrimas, sentiu dor no que leu no éter, também sentiu dor na sua dor. Ficou sem saber o que fazer, falar. Teve vontade de largar tudo, de dizer que faria tudo por ela, de amá-la.
Não fez nada daquilo.
— Não quero brigar com você Sean — ela o viu olhar-lhe de lado. Ela sabia que ele sabia que havia mais. — Vou com você. Vai me deixar ir?
— É minha sócia, não é?
— Sou! — e Kelly Garcia segurou o rosto dele nas mãos.
Sean sentiu-se pequeno, confortável, seguro. Há muito tempo não sentia segurança. Kelly acariciou-o; o rosto. Sean voltou a sentir-se pequeno, protegido. Ela parecia ter os dons paranormais dele.
— Ah... Kelly — e ele a beijou com carinho, que retribuía aquele amor beijando-a com mais que gratidão.
Porque ele sempre a amara, a desejara, a afastara. Porque a Computer Co. primeiro, sempre a empresa primeiro. Parou de beijá-la se sentindo incomodado.
Kelly percebeu.
— Queria poder voltar no tempo... — soou da boca feminina, perfeita.
— “Voltar no tempo”? Por quê?
— Consertar coisas... — Kelly sentou-se o olhando e Sean teve medo de ouvir as tais coisas. — Podemos voltar Sean? No tempo?
— E o que é o tempo, Kelly? “Se ninguém me perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei” — e o silêncio. — Entre os grandes autores da história da Filosofia Medieval, Aurelius Augustinus, mais conhecido como Santo Agostinho era quem refletia o conceito de tempo que para ele não existia.
— Como pode o tempo não existir? E o que corre nos relógios? O que são as horas?
— Esse é o grande problema, não Kelly? Porque para Santo Agostinho que se perguntava como pode o presente ‘ser’, dado que, passado e futuro ‘não são’, nós somos o que fazemos, que capturamos em lembranças. Porque o tempo é só um vestígio de eternidade — Sean sorriu e Kelly o olhou.
— Eu te amo Sean.
— Eu também Kelly. Se bem que a meu modo.
Kelly se levantou com o resto de brio que tinha. Sabia que não podia mais insistir. Abriu a porta, mas a porta se fechou. Ela voltou a abrir a porta e a porta voltar a se fechar.
— Isso é um pedido para que eu fique Sean?
— Na obra Física, Aristóteles escreveu sobre o problema do tempo e sua relação com o movimento, a mudança, o número e a medida, sendo que o tempo era só o número de um movimento segundo o antes e o depois — Sean viu Kelly se virar para ele, dar três longos passos e parar ao lado dele. — O problema para Aristóteles, Kelly era que ele observava que o tempo foi e não é mais, mas vai ser o que ainda não é — sorriu para Kelly que lhe sorriu. —, porque as partes do tempo são umas passadas e outras futuras, nenhuma existe, e no entanto, o tempo ainda sim é uma coisa divisível — e Sean foi beijado.
Um beijo retribuído, de trocas de energias e líquidos e lágrimas, um beijo doloridamente sentido por ambos, pelo casal que se amava, se bem que cada um a seu modo.
— Não posso ir.
— O que? — Sean achou que não ouviu direito.
— Não posso. Você sabe que não posso.
— Minha mãe?
— Ela me colocou no meu lugar ontem. Antes de você chegar ao jantar.
— Eu sinto por isso. Eu assumi a Computer Co. Ela me pertence. Meu pai me deu-a não importando o que ela achou disso.
— Ela é sua mãe. A Computer Co. dá-lhe direitos de voto; ela tem investimentos aqui.
Sean olhou-a com um olhar que ela não soube traduzir.
— Estou viajando a noite para Santorini, Kelly. Queira ela ou não. Se quiser me acompanhar esperarei mais um dia para que você consiga seu visto. Eu já tinha visto não sei por que.
Kelly alertou-se.
— Você tinha visto para a Grécia?
— Renata diz que sim — ele voltou a trabalhar e Kelly se virou confusa sem a compreensão do que perdeu naquela conversa, do que não entendeu. — Gyrimias? — foi a última pergunta dele.
— Chega a tarde.
— Peça para ele vir a minha sala quando chegar.
— Sean, eu...
— Tenha um bom dia, Kelly — digitava sem olhá-la.
Sean só ouviu o click da porta agora se fechando.
Computer Co. House’s; São Paulo, capital.
23° 36’ 19” S e 46° 41’ 45” W.
28 de outubro; 15h15min.
Quando a porta se abriu, uma cabeça pequena, num rosto magro adornado por óculos de metal fino emoldurando, apareceu.
— Senhor?
— Gyrimias? Entre!
Gyrimias entrou receoso com o motivo que lhe trouxe ao Brasil novamente.
— Eu até me questionei, Senhor; parcelado minhas duvidas. O Senhor havia sido claro!
Sean só o olhou.
— “Havia”?
— Sim. Não volte ao Brasil sob-hipótese alguma.
Sean arregalou os olhos azuis.
— Como é que é?
Gyrimias buscou a cadeira para sentar. Secou o suor com a manga do jaleco bordado ‘Computer Co.’ na lapela.
— Foi o Senhor quem ligou para mim dando-me ordens expressas para sair em férias para as Ilhas Cayman. Não entendi bem o porquê daquela sua visita àquela hora, mas mandou-me fazer as malas e partir e ficar esperando novas ordens.
— “Visita àquela hora”?
— Eu me assustei quando ouvi suas ordens primárias, mas o Senhor mandou-me às Ilhas Cayman atrás de contas secretas da Computer Co. e a Poliu — Gyrimias viu Sean sentir medo do que ouviu. E Sean havia arregalado tantos os olhos azuis que Gyrimias tentou entender a deformação do rosto bonito. — Não se lembra disso, Senhor?
— Prossiga...
— O Senhor me disse que estava saindo da suíte de Aagje Papadopoulos no Burj Al Arab desconfiado que o Senhor Syrtys Papadopoulos e Mr. Trevellis haviam envolvido seu pai, Senhor Fernando Queise, numa enrascada.
— Deus... — Sean nada lembrava. — O que houve comigo?
— Tem algo mais... — Gyrimias ficou na duvida se respondia a outra pergunta. — Algo, Senhor.
Sean esperou o pior.
— Prossiga...
— O Senhor estava nervoso, falando aos gritos; nervoso com a Senhorita Aagje Papadopoulos e o comportamento dela, algo que ela queria e que o Senhor não acreditava existir.
— “Não acreditava existir”? As tais zeólitas baratas?
— Não... Algo com o comportamento delas, com elas, eu acho. O Senhor gritava muito, dizia que as duas estavam lhe enganando.
— “Duas”? Que duas Gyrimias? — Sean estava com o coração acelerado.
— Não sei Senhor. “Com o comportamento delas”? “Com elas”? Achei que falava de duas, Senhor.
— Deus... Prossiga Gyrimias!
— Não sei como prosseguir Senhor. É só isso! Algo haver, não entendi muito bem, porque o Senhor estava extremamente nervoso como disse, mas escreveu sobre isso, sobre elas.
— Eu escrevi sobre elas? Escrevi onde?
— Não sei... Um telegrama, acho.
— E o que eu poderia ter escrito num telegrama sobre Aagje Papadopoulos e outra ‘ela’?
— Parcelado, Senhor... Não sei Senhor... — e Gyrimias realmente estancou o que ia falar.
— Prossiga Gyrimias! — agora soou como ordem.
— Parcelado meu desentendimento, disse também que para completar aquela insanidade toda, a Senhora Mona Foad Almeida estava envolvida, que Mr. Trevellis foi inescrupuloso como sempre, que a Poliu faria tudo para ter o material de volta, e que no fundo o Senhor Oscar Roldman sabia sobre eles, e que ainda era provável que o agente da Poliu foi morto porque sabia onde os alienígenas estavam.
“Foi morto porque sabia onde os alienígenas estavam”; Sean realmente percebeu que algo havia acontecido durante o lapso de tempo de quase um mês.
— Deus... Que agente morto? Seria o laranja que trabalhava para Syrtys? Sabiam sobre que alienígenas? Eu sabia e esqueci? — Sean viu Gyrimias o olhando. — Mas... Deus... O que houve comigo? Como posso ter falado tanta insanidade se não... O que quer dizer ‘com o comportamento delas’? E quem são ‘elas’, Gyrimias? E por que não pensei nada disso até chegar ao Burj Al Arab?
— Não sei Senhor — o olhou. — Como assim não pensou? — e Gyrimias viu que Sean falava algo baixinho, que ele falava sozinho, que estava embranquecido. — Senhor? — Gyrimias levantou-se e serviu-lhe água gelada. — O Senhor está bem?
— Onde eu estive Gyrimias? — olhou-a apavorado.
— Ah... Não sei Senhor. Posso investigar se quiser.
— Eu não localizei em meus cartões de crédito nenhum gasto com passagens, hotéis, alimentação ou telefonemas. Não imagino como sobrevivi quase um mês sem comer ou dormir em algum lugar — Sean viu Gyrimias olhar para os lados procurando uma forma delicada de falar. — Só me lembro de ter saído de Dubai nervoso, no voo 5588 para fazer escala em Londres, porque queria falar algo com Oscar e depois seguir para o Brasil.
— Falar com o Senhor Oscar Roldman? O quê Senhor?
— Não sei... Não sei... Mas cheguei a dois dias, vindo de Londres no voo 6171 para São Paulo. E só me lembro do chá servido pela comissária, avisando que chegamos a São Paulo.
— Eu verifiquei tudo o que podia como a Senhorita Kelly Garcia me mandou...
— “Kelly mandou”? — Sean cortou-o.
— Disse-me que foi... — Gyrimias sentiu-se confuso de repente.
— Prossiga Gyrimias! Já não sei se no final das contas devo temer minha mãe ou Kelly controlando minha vida.
— A Senhorita Kelly Garcia disse que a Polícia Mundial conseguiu imagens suas, Senhor, no aeroporto de Londres, Inglaterra como disse, há dois dias, voo 6171, com destino a São Paulo, Brasil — Gyrimias viu Sean perdendo a cor de novo. — Imagens no Echelon, porém mostram que o Senhor foi visto chegando a Londres, Inglaterra, dois dias atrás, vindo de Santorini, Grécia no voo 8901, e partindo no voo 6171 para São Paulo, Brasil, Senhor.
— “Grécia”? Eu parti de Santorini para Londres e então para cá? — lembrou-se das coordenadas de Spartacus. — Estive quase um mês em Santorini, Gyrimias?
— Não sei dizer. Fora as informações vindas da Polícia Mundial, não encontrei nem um e-mail, SMS, Chat, rádio; uma única imagem sua. E Spartacus, Senhor, desligou-se durante esse tempo — Gyrimias viu Sean arregalar tanto os olhos que deformou outra vez o rosto bonito. — E se o satélite de observação Spartacus se desligou Senhor, e não foi ordens vindas dos mainframes, então foi porque recebeu ordens suas... — parou milésimos de segundos. —, vindas de sua mente.
Sean caiu o corpo para trás na poltrona que balançou. Ele havia desligado o satélite de observação com a força do pensamento.
— Oscar soube?
— Sim. Mas enviou ordens para que ninguém soubesse.
— Oscar escondeu o fato de Spartacus estar inoperante da própria Polícia Mundial?
— Parcelo que sim — Gyrimias esperou e esperou mais alguma coisa, mas Sean saíra do ar olhando as paredes da cobertura.
Ele se retirou o deixando lá, com seus pensamentos e o dia terminou naquela angustia.
O filósofo Jean Paul Sartre tinha razão, a busca pela verdade era realmente angustiante, nauseante; talvez saber a verdade, também.
5
Santorini, Grécia.
29 de outubro; 12h23min.
“Se ninguém me perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei. Porém, atrevo-me a declarar, sem receio de contestação, que, se nada sobreviesse, não haveria tempo futuro, e se agora nada houvesse, não existiria o tempo presente”, soou Santo Agostinho agora em lembranças. Porque Sean sabia que seu passado escondia algo, que era esse passado oculto quem guiava as setas de seu tempo presente, e que era esse passado oculto quem ditaria as setas de seu tempo futuro, e se ele ainda teria um.
Sean Queise chegou ao Aeroporto Internacional Elefthérios Venizélos, na Grécia e de lá tomou outro voo para o aeroporto de Santorini. Se ele podia realmente desligar o satélite de observação Spartacus só com um pensamento, então ele desligou seu rastreamento a partir dele. Um apito sonoro estourou na Poliu, na Polícia Mundial e na Computer Co. simultaneamente; Mr. Trevellis, Oscar Roldman e Kelly Garcia receberam juntos a notícia que ele havia saído ao controle. Sean sorriu o cínico que era. Sabia que o satélite de observação Spartacus não o estava seguindo momentaneamente.
Outra vez.
E começava a gostar do poder que adquiria.
Santorini também conhecida como Thera ou Thira, T??a em grego, é uma ilha vulcânica localizada no sul do Mar Egeu, cerca de 200 km a sudeste da Grécia continental. Era a maior ilha de um pequeno arquipélago circular que leva o mesmo nome.
Sean chamou um táxi ali parado.
— Para onde Senhor?
— O que me propõe? — foi a resposta ao motorista.
— Smaragdi Hotel, Senhor?
— Por que não?
O táxi partiu.
— O Smaragdi Hotel é construído em uma das praias mais populares daqui de Santorini, Perivolos. Vai gostar.
— “Perivolos”?
— Conhecida lá fora como ‘Black Beach’, é uma praia com pedras pretas, que atrai milhares de turistas todos os anos. O hotel fica ao longo da praia que começa a partir de Perissa e termina em St. George. O Senhor vai encontrar muitas tabernas, restaurantes, bares e lojas.
Ele só ergueu o sobrolho satisfeito. A vista do mar ao longo do trajeto era realmente maravilhosa. Sean fez o check-in e subiu para o quarto. Adorou a cama de madeira escura e flores belas sobre ela, do piso de mosaicos de lajotas escuras, das paredes brancas, da vista para o paraíso. E havia algo no ar, um cheiro de peixe. Apesar da fome, antes conectou o notebook ao Wi-Fi e procurou no Echelon qualquer comunicação que envolvia seu nome naquele quase um mês; e-mails, fotos, conversas telefônica por celular, rádio, pelo o que fosse. Só encontrou uma movimentação nervosa de agentes da Poliu e a Polícia Mundial atrás dele. Como havia dito Gyrimias, nada que respondesse a pergunta de sua vida, do por que tomar o voo 8901 da Grécia a Londres.
“Onde eu estive?”, olhou para fora vendo que o entardecer na baía de Santorini era realmente algo fora do comum, como tudo o que vivia naquele momento.
O telefone do hotel tocou. Alguém estava oferecendo-lhe um drink à beira da piscina.
“Alguém?”; Sean nem precisava de dons paranormais para responder àquilo. Jogou uma jaqueta por cima da camisa polo amarela que usava e desceu.
Os olhos de Aagje Papadopoulos eram da cor do mar. Ela mirou a polo amarela, a calça de brim branca, todo o corpo dele. Sean viu que o interesse dela ficava abaixo do equador dele. Realmente era uma surpresa aquele interesse todo dela nele. Em todos os anos de cruzamentos que a Computer Co. teve com a Silicio Company, nunca Sean sentira o interesse de Aagje Papadopoulos por ele, nem sabia da existência dela era bem verdade. Ela era apenas ‘a filha de Syrtys’.
— Sabia que o nome ‘Santorini’ foi-lhe dado pelo Império Latino, no século XIII, Sean Queise? — ela o viu sentar-se sem nada falar após ela lhe indicar a cadeira vazia. — E sabia que é uma referência a Santa Irene? — Aagje usava um vestido azul da cor dos diamantes que voltava a usar. — Antes disso ele era conhecido como Kalliste, ‘a mais bela’, ou como estrongilídeos, ‘a circular’, ou ainda como Thera. O nome de Thera foi reavivado no século XIX, como o nome oficial da ilha e sua principal cidade, mas ficou Sta. Irene ou o nome coloquial de Santorini.
Sean percebeu que ela dispensara os chapéus, o que tornava o cabelo negro preso por uma fita azul como os olhos, como o mar, como o vestido curto que mostrava as roliças pernas, torneadas, prendendo a atenção dele.
Voltou a si e sorriu.
Ela devolveu o sorriso mostrando agora a cadeira livre ao lado dela. Ele levantou-se e sentou-se ao lado dela sem argumentar, havia dois drinks enfeitados por guarda-chuvas de papel à frente dele.
— Banana? — estranhou o drink.
— Hortelã, banana, suco de limão e açúcar. Depois a famosa aguardente grega Ouzo 12.
— Wow! — Sean bebeu num gole só.
Aagje adorou aquilo. Eles se olharam. Mediram-se.
— Fez uma boa viagem, Sean Queise?
— Como sabia que eu viria? — Sean percebeu a intimidade.
— Não sabia... — viu Sean lhe sorrir cínico. — Sério! Soube só quando aterrissou.
— E o que quer aqui? — Sean olhou a piscina do hotel não muito cheia. — Também está de férias?
— “Férias”? Achei que vinha a negócios.
— “Vinha”? — ele viu Aagje não entendendo o jogo de palavras. Olhou para os lados e todos os olhavam. — Wow! Você deve ser famosa — Sean a provocou.
— Por que achou que não?
— Não sei... — Sean riu. — Nunca ninguém lhe fotografou, soube da sua existência, porque seu pai nunca permitiu — o interesse de Aagje foi interrompido quando ele a esperou parar de observá-lo e os olhos azuis de ambos se encontraram. Ela sorriu cínica. Ele também. — Qual era o negócio que meu pai e seu pai tinham? Zeólitas?
— Direto! Gosto disso!
— Não vai gostar tanto assim...
Ela gargalhou com gosto. E como era lindo aquele sorriso escandaloso.
— Fernando Queise e Syrtys Papadopoulos tinham um negócio intermediado pela Poliu, que envolvia muito mais que a fabricação de minhas zeólitas.
Sean sentiu seu coração abrir numa ferida.
— Que negócio?
— Não sei. Já lhe havia dito isso.
— E como posso terminar o ‘servicinho’ que cobra da Computer Co. se não sei que serviço se trata?
— Estou de mãos atadas, Sean Queise. Só sei que a Silicio Company investiu toda sua fortuna em algo que não tenho acesso. E vai perder tudo se não fechar a torneira que pinga...
— Sua torneira, Senhorita...
— O que? Sua mãe não lhe disse?
— Minha mãe não me disse o que? — Sean sentiu-se perdido de repente ao lado da opulenta Aagje Papadopoulos.
— Você também tem uma torneira pingando. A Computer Co. está bem ‘mal das pernas’ desde a morte de seu pai.
Sean engoliu aquilo. Dinheiro nunca fora seu forte. Ele criava, Kelly gerenciava as contas.
— Kelly teria...
— Teria o quê? Lhe dito? Ehhh... Não sabe que sua mãe manda nela?
Sean não gostou de vê-la cortar suas frases. Nem que ela soubesse mais do que ele. Sentiu-se desconfortável com o que achou que viria. Levantou-se do lado dela e preferiu a cadeira à frente.
Se Aagje ficou desgostosa nada demonstrou.
— Trevellis?
— Nada sabe sobre o negócio ou estaria despreocupado.
— E ele estaria preocupado por que... — foi sarcástico.
— Porque a Poliu tem uma torneira aberta também, Sean Queise.
— Pare com a intimidade.
— Como quer que lhe chame? Senhor? — riu gostando de vê-lo incomodado. — Porque perto dos meus quarenta e quatro anos, você é um menininho.
Sean respirou fundo e tentou manter o foco.
— O que acha que seja essa torneira? Algum tipo de chantagem?
— Não, sei. Só sei que consta em meus arquivos um alto investimento e quero dar fim a ele, mas não consigo porque não sei onde estão os tais investimentos.
“Ilha Cayman”; soou em seus pensamentos.
— Algum pensamento a fim de dividir Sean Queise? — Aagje o viu com o pensamento longe. — Porque se não percebeu e deve ter percebido, estamos enrascados e em breve, falidos — ela viu Sean a encarar, virar o pescoço nervoso e esperar ela prosseguir. — O que é estranho não?
— Traduza ‘estranho’!
— Você, um hacker habilidoso e nada conseguir saber sobre tal contrato.
— Já disse que não sabia que meu pai e Trevellis tinham ‘acordos’ — preferiu aquela palavra.
— “Acordos”? — riu. — Ehhh! E me parece que não sabia dos acordos porque nunca quis invadir os pensamentos dele.
Sean sentiu o chão abrir-lhe. Havia algo de errado com Aagje Papadopoulos e não era pelo fato dela ter preferido a intimidade. Tentou não entregar o jogo, não naquele momento.
— Meu pai jamais faria algo errado.
— Por que acha que Syrtys faria?
Sean gargalhou com força.
— Ah! Não me venha com essa, Senhorita. Sou um hacker habilidoso, lembra? Conheço as falcatruas de seu pai e a Poliu.
Aagje ergueu as costas como quem se incomoda.
— Syrtys...
— Seu pai chantageava a Poliu há algum tempo, Senhorita, porque descobriu que a Poliu esteve envolvida num acobertamento alienígena.
— Um o quê? — disparou uma risada tão alta que os poucos ali na piscina o olharam.
— Por favor, Senhorita. Ao contrário de você, não gosto de chamar atenções.
Ela recuou nervosa.
— Syrtys não faria...
— Faria! Fez! E foi um acobertamento feito por Trevellis com uma sociedade secreta em que, digamos assim, Syrtys exigiu participar, e a qual faziam serviços para uma comunidade alienígena que está na Terra desde o cretáceo — Sean disparou.
Aagje primeiro parou de respirar, depois olhou um lado e outro e enfim caiu em sonora gargalhada.
— “Cretáceo”? Sabe um pouco de história Sean Queise? O cretáceo é...
— Na escala de tempo geológico, Senhorita — e Sean cortou a graça dela. —, o Cretáceo ou Cretácico é o período da era Mesozóica do éon Fanerozóico que está compreendido entre 145 milhões e 500 mil e 65 milhões e 500 mil anos atrás, aproximadamente — sorriu cínico.
— Como você é ridículo, Sean Queise — ria a mostrar os alvos dentes a fazer os peitos pularem do decote do estreito vestido tubo azul.
— Sou? — riu cínico. — Pois saiba você, Senhorita azul, dourada, que cor tenha ou use, que eles, os alienígenas, estão aqui sim, há muito tempo, fazendo algo que faz Trevellis tremer só de pensar no que eles são capazes de fazer — e ele viu Aagje parar de rir, algo que parecia estar a fazendo pensar. E Sean captou tais pensamentos, confusos a início. — Algum pensamento a fim de dividir Aagje?
Ela ergueu o sobrolho não percebendo como fora chamada.
— O que está fazendo?
Ele ergueu o sobrolho devolvendo-lhe.
— Nada!
Ela sabia que ele havia feito algo. Que lera seus pensamentos. Perguntou-se quantos ele leu; quais. Porque ela sabia também que a Silicio Company estava envolvida com uma entidade secreta que venerava alienígenas. E também sabia que quando seu amigo fiel Gameliel Siaraferas lhe falara, ela não acreditara.
“Alienígenas do cretáceo?”, foi o que Aagje pensou.
— Eu não sei do que está falando — foi o que Aagje respondeu.
— Não sabe? Ok! Então me deixe ver se eu sei — Sean se aproximou a assimilar o perfume doce dela mesmo com as cadeiras distantes. — Nossos pais fizeram um acordo em algo no qual não sabemos, intermediado pela Poliu que nada sabe, envolvendo a Polícia Mundial que nunca se envolve, protegendo e venerando alienígenas que ninguém acredita existir, e morreram sem nada nos dizer.
Aagje sentiu o perfume dele também.
— Ehhh! Sean Queise... ‘Morreram sem nada nos dizer’.
Sean arregalou os olhos azuis. Algo voltou a explodir dentro dele.
— Está dizendo que... Não... Você acha que... — e não teve coragem de terminar nenhuma das frases.
— Que foram assassinados? Nunca se questionou isso?
Sean sentiu que a cabeça ia explodir. Levantou da cadeira sentindo tudo girar. A rua escura, úmida, alguém que o seguia.
— Ele sabia que eu estava lá... — soou de sua boca.
— Como é que é? — Aagje viu Sean em pé, em choque.
— Meu pai...
— Seu pai? Seu pai sabia que você estava lá aonde?
— Ele estava atrás de meu pai, mas também sabia que eu estava lá...
— “Ele”? Quem estava atrás de seu pai, Sean Queise? Não estou...
— Era meu pai na rua escura e úmida... Sendo seguido... — e Sean sentiu seu mundo ruir, caiu sentado mais em choque ainda.
— Você viu seu pai sendo seguido?
— Na noite de sua morte eu o vi correndo de algo. A polícia arquivou o caso como latrocínio, que ele havia sido baleado após um assalto malsucedido. Mas havia alienígenas, demônios envolvidos em tudo aquilo. E ele me viu, me viu ali.
— Viu quem lhe viu?
— Dois dias atrás... No jantar de minha mãe... Minha mão molhou... — e olhou para sua mão.
— Sua mão molhou? “Dois dias atrás”? — Aagje olhou para os lados perdida. — Seu pai não morreu há seis meses? — Aagje riu sem entender por que ria. — Você saiu de si? Conseguiu voltar ao passado? — a ficha parecia ter caído.
Sean a encarou de supetão.
— O que sabe sobre mim, Senhorita? — Sean estava nervoso. — Por que sabe tanto sobre mim?
Ela brilhou os olhos azuis.
— É visto que está cansado, Sean Queise — foi a vez de ela levantar-se chamando o garçom que chegou neles tão rápido que Sean mal diluiu a cena. — A viagem longa, o calor do mediterrâneo... — o garçom esticou-lhe uma conta que ela assinou. — Venho às 22 horas buscar-lhe para jantar — e sua mão foi segura por Sean que lhe tirou a conta assinada.
— Não gosto que paguem minhas contas.
— Gosto de pagar pelo que tenho.
— Você não me tem.
— Ainda! — sorriu Aagje voltando a dar a conta assinada para o garçom que sumiu.
“Ainda?”, Sean não gostou daquele sorriso, daquela força toda dela, nela, sobre ele.
Algo ele sentiu por ela. Uma estranha, ali na piscina, e ele sentia algo por ela. Sean levantou-se, foi embora e entrou no hall que levava ao seu quarto sumindo das vistas dela, que gostou afinal da conversa.
— Proveitosa... — falou sozinha por alguns minutos.
Mas ela não ficou sozinha por muito tempo, o fiel guardião Zenon Kanapokolo se aproximou da mesa dela.
— Conseguiu?
— Ainda não!
— Acha que...
— Não acho nada!
— Não! Quero saber se acha que ele desconfia de você?
— Cale-se! Ele também lê pensamentos — Aagje olhava a janela do quarto dele onde Sean os observava escondido.
— Você acaba de vender sua alma a eles.
— Não seja ridículo. Digamos só que a emprestei.
— Sabe que nunca vou entender isso, não?
— Não espero mesmo que entenda — Aagje riu com gosto e se foi.
Zenon levantou os olhos em direção a janela de Sean Queise e o odiou. Achava que ela estava arriscando mais que seus dons paranormais e sua alma aceitando fazer aquilo. Os dois se foram e Sean ficou lá, olhando-os da janela, não entendendo muito bem o que ouviu o que pareceu ouvir dos pensamentos que ali chegaram. Quis, mas não entendeu. Virou-se para o além-mar e se perdeu na imensidão, em meio às ideias que lhe atormentavam desde pequeno, desde um jovem Sean Queise com dons de mover objetos, de fazê-los sumir e reaparecer noutro lugar, de brincar desde criança fazendo balanços e gangorras mover-se sem que ninguém as tocasse, sem que ele as tocasse, com medo de ser descoberto, identificado, rotulado como esquisito, diferente.
Mas Sean havia sido preparado para muito mais que captar pensamentos no éter. Era realmente diferente, especial, com especialidades desenvolvidas pela espiã psíquica Mona Foad, nos porões da Poliu, que criava e desenvolvia agentes psíquicos, atrás de pluralidade, multiversos, alienígenas.
— Mona... — soou da sua boca. — Em que monstro me tornou?
Vilarejo de Imerovigli, Santorini; Grécia.
29 de outubro; 21h03min.
Mas não era bem a companhia de Aagje Papadopoulos quem Sean Queise queria naquela noite. Ele tinha uma coordenada um pouco diferente de 36° 40’ N e 25° 40’ E, dada por Spartacus a Kelly Garcia, porém próxima a 36° 25’ 59.58” N e 25° 24’ 58.67” E; The Church on the Skaros Rock, uma península rochosa que praticamente se projetava para fora, para o azul do Mar Egeu. Localizada na encosta vulcânica íngreme da Villa Imerovigli, fora nos dias anteriores, fora um majestoso castelo, e agora costumava ser o principal local de congregação cristã em Santorini até o início da década de 1800.
Já o mar todo se tomou de uma tonalidade azul marinho quando Sean chegou lá usando roupas simples, jeans e camisetas; estava a passeio. Desligou a moto trail alugada antes da chegada nervosa de Aagje Papadopoulos ao hotel dele, não o encontrando lá.
Porque foi para cima de Zenon que ela foi.
— Culpa sua! — exclamou nervosa erguendo a barra do vestido que se arrastava no chão do hotel. — Você devia o ter vigiado Zenon!
— Eu disse que o satélite de observação já não o rastreia.
— Dane-se aquele satélite! Você e a sala vermelha deveriam...
— A ilha é pequena, Aagje. Logo saberei...
— Ehhh!!! — Aagje berrou entrando no carro novamente deixando Zenon falando sozinho.
Zenon ficou com o coração apertado odiando Sean Queise mais ainda.
Já Sean sentava-se na moto trail desligada à entrada da igreja, vendo ao longe quatro grandes navios transatlânticos acesos com turistas do mundo inteiro. Estava próximo ao portão de ferro que contava histórias, de construção tipicamente grega como a cor da cúpula da Skaros Rock, tão azul quanto o mar à frente.
Um homem gordo, com poucos cabelos e usando óculos de lentes esverdeadas se aproximou dele. Sean havia marcado por e-mail um encontro com o Dr. Nikiforus Theodorákis, Ph.D em entropia do tempo. Dr. Nikiforus também era um estudioso da vida alienígena.
O calor grego o fazia suar e ele secou o suor com um lenço guardado na calça de linho branca antes de cumprimentar Sean que o conhecia das suas listas de ufologia.
— Grande Sean Queise! — exclamou o homem suado, mostrando uma intimidade que apesar de nunca ter sido real era muito bem assentada no mundo virtual.
— Grande Nikiforus Theodorákis! — Sean devolveu-lhe o afetuoso comprimento de mãos.
— Aproveito para agora que nos conhecemos pessoalmente dar-lhe meus pêsames por seu pai. Disse-lhe várias vezes que o admirava.
Sean sentiu o coração abrir.
— Obrigado...
— O que faz perdido em Santorini, Sean? — Nikiforus olhou o horizonte.
— Fico grato de saber que nunca me vira.
Nikiforus fez uma careta.
— Eu deveria ter entendido a piada? — riu.
Sean riu também.
— Vamos passear? Não sei quanto tempo vou estar aqui sem ser denunciado.
— Está fugindo de alguém?
Sean olhou a imensidão.
— Sim...
Nikiforus mais nada falou sobre a perseguição.
— O que quis dizer por nunca lhe ver?
— Já nos conhecíamos pessoalmente?
Nikiforus o olhou de lado.
— Bebeu Sean?
Sean riu novamente.
— Não. Até precisava — sentou-se no banco oferecido por Nikiforus. Ambos deram as costas para o Mar Egeu. — Eu estive aqui em Santorini.
Nikiforus o olhou sem entender.
— Quando?
— Eu cheguei e saí de Dubai no mesmo dia, 27 de setembro. Provável que cheguei aqui em Santorini no dia 28.
— E por que não me procurou?
— Foi isso o que eu vim lhe perguntar. Eu lhe procurei?
— Está brincando ou o que? — Nikiforus riu.
— Spartacus... — e Sean olhou Nikiforus o olhando de uma forma diferente. — Você conhece, não? Meu satélite? — Nikiforus nada falou. — Conhece claro. Você o usa tanto quanto eu.
Nikiforus voltou a olhá-lo agora já não tanto receptivo.
— Aonde quer chegar Sr. Queise?
— Wow! “Senhor”? Onde foi parar nossa amizade?
— Em algum lugar de sua frase anterior.
Sean o olhou com interesse. Durante os anos que se comunicava com o Dr. Nikiforus, Sean o havia hackeado. Sabia que ele fora um dos mais conceituados físicos da Poliu e que agentes da corporação de inteligência chamada Poliu o chamavam de ‘Senhor’ para irritá-lo, para enfatizar sua pouca idade, para debochar dela.
Sean levantou-se e ficou a vislumbrar a beleza da noite grega.
— Ok... Vou tentar ser claro com o que posso.
— Agradecerei! — Nikiforus foi frio.
Sean percebeu.
— Aparentemente Spartacus ‘diz’ que eu estive em Santorini durante quase um mês, mas ele se desligou logo após. E eu não sei por que o desliguei porque não o desliguei com meus dedos — Sean viu que Nikiforus nada falara.
Sorriu comedido sabendo o que aquele silêncio significava. Tentou ler os pensamentos do Dr. Nikiforus, mas ele os bloqueou. Sean voltou a rir comedido. Sabia que ele havia o bloqueado porque podia bloquear. Mona também o ensinara. Ele também fora uma cria do grupo de espiões psíquicos que Mr. Trevellis montara na Poliu.
— Pode continuar... — foi só o que Nikiforus falou.
Sean não soube como.
— Acontece que durante quase um mês fiquei sem me comunicar com minha família, com a Computer Co. e sumi das comunicações dos mainframes que controlam Spartacus.
— Que lhe rastreiam — Nikiforus cortou Sean.
— Sim... Que me rastreiam — os olhos de Sean brilharam. — E como físico sabe que isso é impossível; é impossível que o satélite de observação deixe de me rastrear a menos que o GPS interno dele, que seu relógio fosse danificado ou coisa assim, porque nem minha mente pode deixar de fazê-lo funcionar.
— Achei que nada fosse impossível para você. Digo... em relação às máquinas.
— Não brinque comigo.
— O que quer de mim? Saber se você esteve comigo nesse tempo?
— Não acha estranho eu ter estado aqui, em Santorini, onde você mora?
— Eu soube que você esteve quase uma semana em estado catatônico após a morte de seu pai, sem ou quase nenhuma reação a estímulos. Soube que sua mãe teve que chamar especialistas.
— Nada do que passei afetou minha memória, Doutor. Apenas tenho quase um mês apagados da minha mente.
— E não é a mesma coisa?
— Acordei duas horas antes de chegar ao Brasil quando a comissária do voo 6171, vindo de Londres me ofereceu chá. Antes disso, só minha saída da suíte de Aagje Papadopoulos, no Burj Al Arab dia 27 de setembro. Nesse intervalo, nada, nenhuma memória.
— Talvez você...
— Talvez nada. Não há uma única marca em mim de tortura; não fiquei preso ou qualquer coisa do gênero. Se eu tivesse tido algum tipo de transtorno catatônico outra vez, o satélite de observação teria me rastreado mesmo assim, como faz comumente. Só não imagino como posso ter ficado quase um mês fora do ar, fora do alcance de Spartacus e de qualquer movimentação de outros satélites, que sei que existem, e que sei que me rastreiam — Sean se levantou extremamente nervoso passando as mãos pelos cabelos loiros em desalinho.
— O que quer com um físico que estuda desordem e caos, em vias de se aposentar, Sean? — Nikiforus viu Sean o olhar de uma forma que não conseguiu traduzir de imediato. E sabia fazê-lo. — Você sabe, não Sean?
Sean olhou o infinito.
— Eu sei muitas coisas...
Nikiforus riu; tinha que rir.
— Você sabe que trabalhei para Mr. Trevellis com os espiões psíquicos, que eu era responsável por parar o tempo metaforicamente para Mona Foad e seus pupilos ler as mentes.
“Parar o tempo...” “Parar o tempo...” “Parar o tempo...” soava intermitente.
Sean não sabia o que pensar daquilo, parecia que não sabia tantas coisas assim.
— Por que me recebeu Nikiforus?
— Já disse que admirava seu pai.
— O conheceu quando ele trabalhava para Trevellis?
Nikiforus ergueu-se em choque.
— Seu pai nunca trabalhou para...
— Não me engane! Sabe que não pode!
— Sei! — e foi uma exclamação forte.
Nikiforus sabia que Mona Foad o havia desenvolvido. Foi tão contra que foi ele próprio, Nikiforus Theodorákis quem contou a Fernando Queise o que a espiã psíquica da Poliu, Mona Foad fazia com os dons de seu filho após o suicídio de Sandy Monroe.
— Quando o conheci nas listas de ufologia como um dos especialistas em entropia, em setas do tempo, eu me interessei por você, mas não havia muita coisa a seu respeito fora da vida catedrática — Sean viu Nikiforus o olhar. — Imaginei que você devia ter muito a esconder — completou.
— E então você me hackeou.
Sean gargalhou e se virou para ele.
— É o que eu faço de melhor, Doutor, porque como disse Trevellis, meu pai me preparou para ser um Queise.
— O que está fazendo aqui, Sean? Poderia ter me perguntado tudo isso por e-mail. Eu responderia mesmo assim.
— Responderia, mas não seria a mesma coisa.
— Por que eu poderia mentir num e-mail?
— Eu sei que pode me bloquear, Dr. Nikiforus. Apesar de Mona amiga nunca haver me falado sobre você, apesar de não ter conseguido encontrar seu nome nos arquivos sobre espiões secretos da Poliu, apesar de tudo isso e muito mais, eu sei que você é importante para Trevellis, para a Poliu e era importante para o meu pai num negócio escuso que tinha com Syrtys Papadopoulos — e antes que Nikiforus falasse algo, Sean completou. —, e sei que está envolvido nos meus ‘quase um mês’ de sumiço até o pescoço, Doutor.
Nikiforus deu uma risada morna e limpou a calça de linho branca a fim de ir embora.
— Tenha uma boa noite Sean...
Mas Sean não ia dar-lhe chances para aquilo.
— Quando Einstein descobriu que a velocidade da luz parecia ser a mesma para todos os observadores, independentemente do modo como se movia, ele foi conduzido à teoria da relatividade, segundo a qual tínhamos de abandonar a ideia de que havia um tempo absoluto único; ‘metafórico’ como disse — Sean viu que Nikiforus parou de andar. — Ao invés disso, cada observador teria a sua própria medida de tempo registrada pelo seu relógio, e os relógios de pessoas diferentes não coincidiriam uns com os outros. Deste modo, o tempo tornou-se um conceito mais relativo ao observador que o media, mais pessoal, discutido desde os antigos filósofos… — Nikiforus permaneceu de costas para Sean. — Quando Einstein tentou unificar a gravidade com a mecânica quântica, foi preciso introduzir a noção de tempo imaginário, não foi? Um tempo imaginário, metafórico, que não distingue as direções no espaço, que se permite ir para o norte, voltar para trás e ir para o sul, provando que o modo que permite se avançar no tempo imaginário também faz as setas do tempo se desorientar, também os levar para trás.
— “Os levar para trás”? Quer dizer voltar no tempo? Aonde quer chegar Sean? — Nikiforus permaneceu de costas.
— Stephen Hawking se perguntava de onde vem esta diferença entre o passado e o futuro? Por que nos lembramos do passado, mas não do futuro?
— Só podemos lembrar-nos do passado Sean, mesmo o passado não existindo.
— Tem razão; não existe passado. Santo Agostinho disse que só nossa memória, nosso palácio das memórias é que podem armazenar o passado, e só lá o passado existe. E que não existem lembranças do que não existe.
— E nada que não podemos localizar espacialmente, existe — Nikiforus completou se virando para ele. — E também não podemos lembrar-nos do futuro porque ele ainda não foi criado.
— Mas Hawking disse em seu livro Uma breve história do tempo, que mesmo as leis da física não distinguindo entre tempo para trás e para frente, há pelo menos três setas do tempo que distinguem realmente o passado do futuro; a seta termodinâmica onde está o sentido do tempo em que a desordem ou entropia aumenta, a seta psicológica onde está o sentido do tempo em que nos lembramos do passado e não do futuro, e a seta cosmológica onde está o sentido do tempo em que o Universo se expande em vez de se contrair.
— Insisto... Aonde quer chegar Sean?
— São as Equações de Campo de Einstein, não são Dr. Nikiforus? Era nisso que meu pai trabalhava? Era nisso que os mainframes da Computer Co. iriam servir Trevellis?
— Já disse e repito. Seu pai jamais serviria a Mr. Trevellis.
— Então quem são ‘eles’ para quem Aagje Papadopoulos vendeu sua alma? — Sean foi mais direto ainda.
— Você está cansado, Sean. É jovem, têm trabalhado muitos nesses anos todos e a morte prematura de seu pai lhe atingiu...
— Morris Ketchum Jessup, professor de astronomia passou muito tempo estudando as ruínas Maias e Incas, e chegou a conclusão que tais construções só poderiam ser erguidas com a ajuda de tecnologia superior ou alienígena — falou num fôlego só.
Nikiforus caiu em gargalhada. Sabia onde Sean ia chegar. Não se deixou ser pego.
— Vá embora Sean... — e começou a descer as escadas. — Aproveite as belas paisagens e conheça uma grega... As gregas não são mulheres, são deusas.
— The case for the UFO, O caso dos UFOs é o primeiro de quatro livros sobre o tema escrito por Jessup, mesclando ciência e pseudociência. No livro Jessup pedia que seus leitores pressionassem seus representantes políticos exigindo investigações sobre a teoria do campo unificado, problema que Albert Einstein enfrentou durante os seus últimos vinte e quatro anos de vida, e que segundo Jessup tal teoria poderia explicar a incógnita da força propulsora dos UFOs. É nisso que você trabalhava para meu pai e Syrtys? UFOs?
Nikiforus virou-se para ele totalmente transtornado. Subiu os degraus com tanta força para sua idade que todo seu rosto avermelhou-se.
— Eu não tenho a mínima ideia de onde tira essas ideias malucas, Sr. Queise. Não foi da minha mente porque como percebeu sei bloqueá-la de suas leituras. E sei bloqueá-las porque como também sabe, fui um grande admirador de Mona Foad que costuma agraciar seus amigos e pupilos com ensinamentos milenares... Por isso repito! Vá descansar! — e se foi.
Sean sentiu-se triste ao ver o Dr. Nikiforus indo embora. Sabia que em alguma coisa estava certo, certo em todas aquelas coisas que pescava no éter.
— Diz a lenda que o castelo medieval de Skaros, nunca foi conquistado durante os seus 600 anos de existência — Aagje assustou Sean que não sabia se ela tinha ouvido ou não algo. Ele olhou para os lados assustado procurando Nikiforus, mas só viu Zenon o encarando. Sean se virou e outra vez seus olhos azuis deram de encontro com os azuis olhos de Aagje Papadopoulos, vestida para um baile de gala. — Pensei que tínhamos um jantar, Sean Queise?
— “Tínhamos”?
— Tínhamos... — Aagje sorriu sem entender se Sean estava sendo ou não gentil.
— Ainda podemos ter? — ele prosseguiu. — Ou o horário é impróprio para...
— Não! — exclamou quase de imediato. — É claro que ainda é cedo...
Sean e Zenon sabiam que era tarde. Mas nada discutiram.
— Aqui? — sorriu ele charmoso apontando a imensidão.
— Aqui não... — sorriu ela com o mesmo nível de charme.
Zenon virou os olhos, sabia que Sean a estava levando embora. Já Sean sorriu cínico para Aagje Papadopoulos apontando a moto trail. Ela riu achando que ele estava brincando, mas ele voltou a apontar a moto. Aagje começou a achar a noite excitante; afinal usava um vestido de oito mil euros, sapatos Chloe de cinco mil euros, bolsa Fendi e todas as joias azuis que havia achado no cofre; e eram muitas.
Sean Queise se divertia com as confluências de pensamentos de Zenon e Aagje. Sabia que o fim de noite aquilo lhe traria enxaquecas, mas não sabia mais como controlar aquilo que considerava uma torneira aberta, pingando, diferente das torneiras financeiras de seus pais. Deu alguns passos, ligou a moto e mal acreditou quando o corpo quente e abundante dela colou em suas costas. Sentiu atração pelas pernas roliças, que foram expostas pelo vestido que subiu até quase a cintura para ela poder sentar.
Ele sorriu cínico para Zenon pelo canto dos olhos e Zenon o odiou mais. Sean deu partida e Aagje agarrou-lhe pela cintura. Ele ficou pensando que talvez não tivesse sido uma boa ideia quando o perfume doce dela lhe atingiu por completo, na noite que parecia iluminar tudo por onde passavam.
Os espaços eram estreitos e cheios de curvas. Casas e mais casas brancas, uma pregada à outra, entrecortadas por infinitas escadarias.
— Nunca andei de moto trail antes — falou ela de repente fazendo Sean voltar à realidade.
— Confesso que nunca levei uma mulher para andar de moto usando vestido de oito mil euros — e Sean gostou de Aagje gargalhar alto.
Ela ficou pensando se ele havia lido seus pensamentos ou ele conhecia mais de moda do que ela supunha.
— Sean Queise… — soou dela.
De qualquer forma Sean Queise a estava encantando com ou sem a metade de sua idade.
— Aonde vamos? — foi a vez dele cortar os pensamentos dela, que fungou profundamente o pescoço dele. Sean só a olhou de lado sem saber o que pensar daquilo. Na duvida nada falou. — Esquerda ou direita? — foi só o que disse.
— Vamos para a Villa Imerovigli.
— Mas estamos em Imerovigli, não? — e o pescoço dele foi novamente fungado. Sean sentiu um frenesi acontecer dentro dele. Riu apenas, se afastando dos lábios dela que lhe colaram a nuca. — Aonde vamos exatamente, Senhorita?
— Astra Hotel.
— Já estou hospedado como sabe.
— E a Villa de Imerovigli é um bocado longe de seu hotel, não Sean Queise? — ela viu Sean só a olhar de lado. — Não se preocupe. Vamos só jantar lá! — soou como uma ordem apontando para frente. — A vista é maravilhosa.
— Ok... — ele não ia discutir, a vista era maravilhosa vista de qualquer lugar.
A moto fez curvas e mais curvas sinuosas em meio a promessa de aproximação dos lábios dela outra vez no pescoço dele. Sean sabia que a partir da terceira investida, haveria confusão.
— Pare ali! — apontou ela. — Hotel Astra!
Ambos desceram contrastando um do outro. E não era só na idade, Aagje contrastava no todo. Ele entrou com ela no restaurante e foram levados a uma mesa reservada.
— Deus... — soou da boca dele encantado pela beleza do lugar, pela imensidão que se abria no terraço do restaurante.
— Lindo, não? Astra significa ‘estrelas’ em grego. Quando você janta aqui, no alto do mundo, nesse terraço que parece dependurar-se sobre o mar, rodeado por luzes cintilantes da ilha que refletem na bruma da noite, você... — e Aagje pegou Sean a olhando. Ele recuou nervoso olhando o restaurante cheio de turistas; talvez moradores também. — Seduza-me Sean Queise.
Sean ergueu o sobrolho.
— Como é que é?
— Peça algo exótico para comermos.
Sean não soube o que responder. Agradeceu o cardápio que estava alguns segundos parados ao seu lado e sorriu sem graça para o metrie que aguardou o pedido.
— Ah...
— Vamos lá, Sean Queise. Uma das características mais agradáveis da Ilha de Santorini é a sua cozinha. Santorini é famosa pelas suas saborosas iguarias, como as ervilhas, as berinjelas brancas fritas, tomate bola, bolas de courgette, kalamari cozido e tomates secos ao Sol.
— Seduza-me você então, Srta. Papadopoulos — entregou-lhe o cardápio. — Convença-me de tais iguarias.
Ela riu com gosto.
— Está bem! Está bem! — riu. — Vamos de trufas brancas! — falou ela para o metrie. — Para beber, Sean Queise? — foi a próxima questão. E Aagje olhou Sean a olhando. Ele recuou outra vez. — Essa! — apontou ela para o cardápio sem comentar. O metrie se retirou e não demorou a voltar com uma caixa aveludada onde estava uma bela garrafa com flores desenhadas no vidro. — É uma edição limitada de champagne Perrier Jouet 2000 Art Nouveau — anunciou Aagje vendo-a ser colocada no gelo.
— Imagino o preço.
— Não imagine Sean Queise — a rolha estourou ecoando pelo salão lotado. — 4,166 Euros por garrafa.
— Quatro mil?
— Uma bagatela — piscou insinuante.
— E sua bolsa custou quanto?
Aagje se divertia. Levantou a belíssima bolsa de couro chinchila e zibelina e o encarou.
— Esta é uma Fendi Selleria; 40 mil euros.
— Você é louca...
Aagje quis responder àquilo. Não o fez. Trufas foram servidas.
— A Trufa Branca que come custa 4.800 Euros por cada libra... — continuou a provocá-lo.
Sean só a olhou com o garfo parado no ar. Também foram a atenção novamente do salão do restaurante.
— Sabia que a história da trufa se inicia em tempos antigos, de fato, bíblicos, Senhorita? Há testemunhos de sua presença na dieta dos Sumérios e no tempo do Patriarca Joh, por volta de 1700-1600 a.C..
Aagje gostou da participação dele.
— Ehhh! Para os Gregos a trufa era um fruto tão precioso que merecia a cidadania a quem inventava novas receitas. Plutarco criou a hipótese que a trufa nascia da combinação de água, calor e raios, e todo o mundo antigo lhe atribuía excepcionais poderes afrodisíacos.
— Afrodisíacos... — Sean sorriu sem graça. — Me diga Srta. Papadopoulos... Você só consegue terminar um dia após gastar o que pobres mortais levam alguns anos para conseguir?
O sarcasmo respingou para todos os lados. Aagje não ia deixar barato.
— Só o caro, Sean Queise. O bom, o caro, o perfeito — olhou Sean de cima em baixo.
E ele a desejou.
— Leve-me!
Foi a vez de Aagje sentir seu corpo umedecer-se.
— Levá-lo?
— Amanhã então?
— Amanhã? — Aagje estava realmente sem entender.
— Conhecer a região já que Santorini é antro culinário — ele sorriu cínico. — Pena que a Regione di Piemonte, lar de trufas caríssimas fica um pouco longe — tomou um gole do champagne, piscando para ela.
— Ehhh... — Aagje tinha que admitir. Ele valia o quanto lhe custava. — Meu iate estará à disposição.
— Ah! — gargalhou. — Nada como ter amigos influentes — Sean sorriu o cínico que era.
Aagje percebeu que Sean não era de dar ponto sem nó. Ele queria algo dela.
“O quê?”, pensou.
— Santorini é essencialmente o que resta de uma enorme explosão vulcânica, que destruiu o que era anteriormente uma única ilha — mudou o assunto. —, e que levaram à criação do atual geológica caldeira abaixo. Foi, segundo documentários, durante o êxodo, que o mar se abriu para a passagem de Moisés e claro, coincidiu com a tal erupção do Vulcão Santorini...
— Entendo... — Sean falou por falar deliciando-se com o champagne.
— No quarto lado, a lagoa é separada do mar por outra pequena ilha chamada Therasia, onde a lagoa se funde com o mar em dois lugares — apontou Aagje. — A água no centro da lagoa é cerca de 400 m de profundidade, tornando-se um porto seguro para todos os tipos de transporte.
— Entendo... — Sean ficou olhando o mar espumante, iluminado pelos caríssimos transatlânticos lotados àquela época, bebendo muito. — Já leu Alice Através do Espelho e O Que Ela Encontrou Por Lá?
Aagje estranhou a mudança repentina de assunto.
— ‘Alice’? De Lewis Carroll.
— Tirando toda a polêmica que envolve o escritor Carroll, como a fascinação dele por fotografar meninas, ele foi um exímio matemático, e como sabe escreveu dois livros de sucesso mundiais; Alice no País das Maravilhas em 1865 e Alice Através do Espelho e O Que Ela Encontrou Por Lá, em 1871.
— Interessante — não soube o que mais falar.
Mas Sean adorou ler seus pensamentos.
— Mas o fato que me faz falar dele era o seu trabalho como matemático. Porque Carroll escreveu uma cena onde A Rainha oferecia a Alice um salário para que ela se tornasse sua dama de honra. O salário incluía uma dose de geleia de marmelada todo o dia de ontem e o dia de amanhã. Alice se mostrou confusa porque o ‘ontem’ já passou e o ‘amanhã’ ainda está por vir. Ela pensou então, que se vivemos no presente, ela nunca teria a geleia — Sean gostou de olhá-la; Aagje. — A Rainha então diz que isso ocorre quando se vive para trás, e que no começo a gente sempre ficava um pouco confusa. E Alice refuta que ‘viver para trás!’ ela nunca tinha ouvido falar. A Rainha então completa que há uma grande vantagem nisto, que é o fato de que a memória funciona em ambas as direções. E Alice continua tentando entender porque dizia que tinha certeza de que a memória dela só funcionava em uma direção, para trás, porque para frente não funcionaria já que não conseguiria lembrar-se de coisas antes que elas tivessem acontecido. Então volta a Rainha e diz que só uma memória ruim se lembra de apenas das coisas do passado.
Aagje riu.
— Você não é muito novinho para saber tanto — bebeu o caro champagne.
Sean também riu.
— Não sou novinho para um monte de coisa Senhorita.
Aagje o amou. Novinho ou não.
— Ehhh... E o que só funciona em uma direção, Sean Queise nenhum um pouco novinho para um monte de coisas? — se divertia. — Uma memória ruim?
— Não, Senhorita. Não são memórias ruins, são ‘setas do tempo’, mudando suas direções... — Sean realmente sentiu que as feições de Aagje mudaram. Pena que nada se perdeu no éter. — A Rainha também falava sobre um mensageiro que estava preso, na prisão, sendo punido. O julgamento seria ‘quarta que vem’ e o crime, obviamente, viria por último.
— “Setas do tempo”? Invertendo tudo? Ou ainda sim é uma memória ruim? — riu.
— E o que é a memória, Senhorita?
— Uma agenda que nos lembra das coisas? Uma memória realmente boa, que nos permita lembrar as coisas do futuro — riu.
— Mas será que gostaríamos de nos lembrar do futuro? A vida não seria insuportável se não houvesse a incerteza do amanhã?
— Ehhh... Vamos ter uma madrugada filosófica?
Sean também gostou dela. Algo naquele momento mágico que o perturbaria dali em diante.
— Vamos... Porque o filósofo Leibniz acreditava que o tempo era uma sucessão de eventos ligados por uma cadeia de causalidade. E talvez ninguém tenha se atrelado tanto a causalidade com David Hume, filósofo escocês do século XVIII, que acreditava que a relação causal entre dois eventos decorria apenas do fato de nos habituarmos a vê-los numa dada ordem temporal; o hábito Srta. Papadopoulos. Daí a ilusória ideia de que toda consequência é precedida de uma causa. Porque Hume trabalhava o tempo assim, defendendo que os racionalistas davam demasiada importância à razão e que os empiristas defendiam de forma parcial a experiência sensível. Os dados dessa experiência são como a água, e a nossa razão é como o vaso que vai dar forma a essa água. Assim, a razão dá forma aos dados dos sentidos que vão depois ser a nossa experiência — Sean viu Aagje sorrindo, encantada com tanto conhecimento sendo ‘tão novinho’. — E essa sensibilidade recebe os dados e o entendimento, porque a nossa razão é que molda essa informação, que é a forma dada pelo espaço e pelo tempo.
— O tempo... — soou dos lábios sensuais de Aagje Papadopoulos com mais força que deveria.
Sean entendeu aquilo. Só não sabia o que entendeu.
— Já o filósofo Immanuel Kant, dizia que existem condições na nossa razão que influenciam todas as nossas experiências. Tudo o que vemos, é visto primeiro como “fenômeno no tempo e no espaço”. Segundo Kant, o tempo e o espaço eram as duas formas de intuição do homem. E ele colocava entre aspas que estas duas formas na nossa consciência eram anteriores a qualquer experiência. Isso significava que podíamos saber antes de percebemos alguma coisa, que a veríamos como fenômeno no tempo e no espaço, que o tempo e o espaço pertencem à própria condição humana.
— Explique-me algo, Sean Queise... Se cientificamente a memória só trabalha em uma direção, a seta do passado, como então eu poderia me recordar do que estaria por vir?
— Déjà vu! — Sean viu que a gargalhada de Aagje chamou todas as atenções para ela e o decote brilhante no vestido caro. Olhou-a com empenho ao prosseguir. — Déjà vu é uma expressão francesa para ‘já visto’, estranha sensação de que já vimos tal cena, que já vivemos algo, que já estivemos em tal lugar; assim por diante. Muitos cientistas discordam, mas minha amiga Mona diz que Déjà vu é igual às experiências pré-cognitivas, aquelas experiências onde alguém tem a sensação de que sabe exatamente o que vai acontecer e em seguida a situação acontece.
— E acontecem?
— Acredite! Se Mona amiga falar, acontece.
— Desculpe-me! Tenho medo dessas coisas — sorriu encantadora.
Sean se lembrou de Renata e seus medos.
— Mona dizia que a pré-cognição virava Déjà vu quando uma experiência era prevista, contudo não era registrada na hora. Mais tarde, quando a experiência se tornava uma realidade objetiva e a pessoa subjetiva passava por ela, de repente lembrava-se que já a conhecia. Para o filósofo Henri Bergson isso era intuição, apreensão imediata da realidade por coincidência com o objeto, o principal caminho para o conhecimento, que vem através de percepções extra-sensoriais, paranormalidade. Segundo ele, nada é menos do que o momento presente, se entendermos por isso o indizível instante que separa o passado do futuro.
— Fala de Bergson, o filósofo espírita?
— Filosofia da religião, Senhorita — corrigiu-a. — Não sei se podemos chamá-lo de espírita, mas talvez o fato dele viver em Paris na época de Alan Kardec, influenciou sua temática. Bergson tentou compreender o tempo real, o conceito de espírito e memória, a relação corpo-espírito, provas positivas da existência do espírito independentemente do corpo físico, a imortalidade da alma e, sobretudo o papel da intuição, como o modo de conhecimento espiritual por excelência. Dizia que havia coisas que só a inteligência era capaz de procurar, mas que por si mesma nunca acharia. E essas coisas só o instinto as acharia, mas nunca as procurava, então as lembranças não se encontrariam localizadas no cérebro, mas no espírito. Em outras palavras, a maioria das experiências Déjà vu, nada mais são do que incidentes pré-cognitivos esquecidos no espírito.
— Ehhh... “Incidentes pré-cognitivos esquecidos no espírito”.
— Sim... Incidentes pré-cognitivos esquecidos; paranormalidade — foi a vez de Sean lembrar-se da banheira, do Burj Al Arab, dos sais perfumados, das pessoas em chamas e Aagje nelas.
Voltou a si nervoso para então ver Aagje o olhando por detrás do corpo de cristal, do champagne que borbulhava.
— Por que tanta informação sobre intuição e memória, Sean Queise? O que lhe incomoda?
“Sean?”, alertou-o.
— Incomodo algum, Aagje Papadopoulos…
Os dois se olharam, mediram, desviaram olhares irmãos, enquanto o restaurante em peso os olhava.
— Devemos ser a sensação do momento... — a voz dela chegou até Sean que a olhou se levantar, parar ao lado dele; e antes que ele falasse algo, Aagje lhe invadiu suas calças com mãos macias a tocar-lhe.
— Você... — e Sean foi beijado com tanta força que todo o redor sumiu.
Um calor que tomou conta do seu corpo, alma, espaço.
— Ehhh Sean... Ehhh... Ehhh... — Aagje tocava-lhe sem limites, toda sua mão a tomar-lhe o sexo.
Sean sentiu tesão, perda de espaço, coerência.
— Não... Não... Não faça isso — segurou-a pela mão com tanta força que sentiu a dor que lhe provocou.
— O que foi? — falou Aagje olhando o vergão criado. — Por que me machuca?
— Enlouqueceu?
— Por quê? Por que estou lhe bolinando em público?
— Você é louca... Não lhe dou...
— Não me dá o que?! — gritou. — Direitos?! Como os que não dão a Kelly Garcia?
— Não fale... Não se atreva...
— O que é Sean Queise? Remorso por não tocar na secretariazinha ou ainda procura o fantasma da noiva suicida no corpo de outras mulheres?
Sean perdeu a cabeça. Esbofeteou-a até sentir que flashes lhe cegavam. Acordou olhando Aagje lhe olhando do outro lado da mesa, sentada do outro lado da mesa.
— O que houve Sean Queise? — Aagje parou a trufa branca que comia no ar.
— Eu... — olhou para um lado. — Eu... — olhou outro lado com o restaurante lhe olhando. — Eu...
— Você?
— O que houve?
— “O que houve”? — Aagje riu servindo-se de outra trufa branca após lavá-la de limão. — Perguntei primeiro.
— Eu a esbofeteei?
Aagje parou o garfo no ar novamente.
— Você fez o que?
— Eu a esbofeteei?! — gritou atordoado.
O restaurante outra vez os olhou.
— Ehhh... Não! — Aagje olhou para os lados outra vez. — Acho que não... — riu sem entendê-lo e Sean olhou-a de lado. Não entendeu o porquê da visão, o porquê dos flashes que agora o tomavam sem controle. — Deveria?
— O que? — Sean voltou a si.
— Você deveria me esbofetear, Sean Queise?
— Eu...
— Você? — ela riu voltando a comer.
Sean sentiu-se mal. Algo acontecia. Talvez pensamentos dela, desejos íntimos que se realizavam em outra dimensão. Dimensão que Sean parecia atingir em flashes.
— Eu... Eu...
— Você quer Sean?
Sean acordou novamente com aquela pergunta.
— Quero o que?
— Esbofetear-me? — ela viu Sean erguer o sobrolho. — Não sei, nunca tive isso — Aagje ria com gosto. — Bofetões, chicotes, ser arrastada pelos cabelos...
— Basta Papadopoulos...
Aagje gargalhava ao vê-lo sem graça.
— Quantos anos têm Sean?
Ele percebeu de novo como fora chamado, com a intimidade a que fora chamado.
— Tenho vinte e quatro anos; como sabe.
Ela ria cada vez mais, encantada com a beleza do homem jovem, vestido de camiseta branca revelando músculos definidos.
— Ehhh... O fato de eu ter quase o dobro de sua idade faz diferença para você?
— Basta Papadopoulos!
— Mas quanto ao bofetão... — ela foi um charme só.
— Basta Papadopoulos! — Sean sentiu-se sem graça.
Aagje gargalhava a riso solto. Chamou o garçom num estalar de dedos. Literalmente.
— Deixe-me perguntar, Sean... Se não veio a negócios nem veio me esbofetear, então o que veio fazer aqui?
— Saber o que fez comigo durante quase um mês.
Aagje se divertia a rir aos bocados até ficar séria.
— Como é que é?
— Porque devo ter sido obrigado a apagar todas as informações do meu cartão de crédito antes que Oscar investigasse, não?
— “Obrigado a apagar”? Você apagou que informações? Do que está falando?
— Saí do seu quarto no Burj Al Arab no dia 27 de setembro e fiz check-out decidido a voltar ao Brasil. Meu cartão American Express Card disse que comprei uma passagem para o voo 5588 de Dubai para o Brasil, fazendo escala em Londres. E meu cartão American Express Card também me disse que depois comprei uma passagem de Dubai para a Grécia, voo 5674. Mas meu cartão American Express Card também disse que não embarquei em nenhum dos dois voos dia 27 de setembro, já que meu nome não constava no rol de pessoas mortas.
— “Mortas”? De que diabo está dizendo?
— Estou dizendo que todas as pessoas do voo 5674 que saíram de Dubai com destino a Grécia morreram. Todas menos eu que não embarquei — Sean viu Aagje sem entender nada, leu seus pensamentos.
Ficou na duvida se seu feeling havia sumido. Era verdadeiro seu espanto.
— E não embarcou por quê?
— Ah! Aí é que está! Eu embarquei Senhorita.
— Mas disse que...
— Eu sei que embarquei. Que estive no voo 5674 que caiu.
— Sabe? Como assim ‘sabe’?
— Porque sei!
— Mas você sobreviveu, não?
— Sim!
— E do que estamos falando afinal?
— Estamos falando que eu tomei o voo 5674 saído de Dubai com destino a Grécia. O voo que caiu e eu não estava lá. Quase um mês depois eu tomei o voo 8901 saído da Grécia com destino a Londres, e lá fiz escala para o Brasil no voo 6171. Agora... Explique-me os quase um mês sumido de um voo em que eu deveria ter morrido.
Aagje ainda o olhava.
— “Quase um mês sumido de um voo em que eu devia ter morrido?” Não entendi, entendi? E onde esteve nesse vácuo de tempo?
Sean gargalhou.
— Diga-me você.
— Eu? Acha o que? Que o mantive dopado? Acorrentado em algum lugar?
— Manteve?
Aagje riu.
— Você pirou ou sei lá o que. Eu não sei o que fez esse tempo todo...
— “E o que é o tempo? Quem o poderá apreender, mesmo só com o pensamento, para depois nos traduzir por palavras o seu conceito? E que assunto mais familiar e mais batido nas nossas conversas do que o tempo? Quando dele falamos, compreendemos o que dizemos? Compreendemos também o que nos dizem quando dele nos falam. O que é o tempo? Se ninguém me perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei”.
Aagje piscou, piscou e piscou.
— Por que estamos falando agora de filosofia da Idade Média?
— Não sei Senhorita. Como disse a Kelly, Santo Agostinho se defrontou com isso, com as dificuldades principais ao falar sobre o tempo; não podemos apreendê-lo, pois o tempo nos escapa, não conseguimos medi-lo, e também não podemos percebê-lo.
— E o que é o tempo, Sean? — foi toda atenção.
— “Agora está claro e evidente para mim que o futuro e o passado não existem”
— É verdade...
— “E que não é exato falar de três tempos – passado, presente e futuro”.
— É verdade…
— “Mas seria talvez justo dizer que os tempos são três, isto é, o presente dos fatos passados, o presente dos fatos presentes, o presente dos fatos futuros”
— É verdade... — e ela o quis amar.
— “Porque estes três tempos estão na mente e não os vejo em outro lugar. O presente do passado é a memória. O presente do presente é a visão. O presente do futuro é a espera”.
— Você é lindo... — escapou da boca de Aagje no que Sean acabou de citar Santo Agostinho.
Ele a encarou. Segundos intermináveis em que se sentiram incomodados por estarem ali.
— Aagje... Eu…
— Não Sean. Sou eu quem vai voltar a perguntar... Por que tudo isso?
— Porque preciso saber onde eu estive nesse quase um mês.
Ela gostou de como fora chamada.
— E acha que eu sei? É isso?
— Pensei que sabia! É isso!
— Sinto... Só sei que você saiu do Burj Al Arab e não respondeu as minhas... Quantas mesmo? Sua secretária fez questão em falar... Ehhh! Sim! 237 chamadas não atendidas — riu.
Sean não acreditava naquilo. Havia algo errado com ela, com ele, com tudo a sua volta, com o tempo que não existia. E Aagje teimava em se parecer diferente; mais magra, mais bela, mais atrevida do que antes. Afinal ela emprestara sua alma.
Ela chamou o metrie outra vez.
— Vai abrir outro champagne de 15 mil dólares? — foi frio.
— Gostaria?
— Minha companhia não vale o investimento?
Aagje gargalhou gostando da sua frieza. Sean começava a ficar cada vez mais interessante aos olhos dela.
— Amanhã vamos ver as jazidas de zeólitas. Preparo o helicóptero e você me encontra no píer da Marina Vlichada — e Aagje não percebeu que Sean a olhava assustado.
“Deus…”, soou dele, porque Aagje Papadopoulos estava em chamas, sentada à sua frente no restaurante, bebendo champagne.
Sean chacoalhou a cabeça nervoso com o que via. Aagje voltou ao normal na visão dele enquanto falava algo em grego com o metrie que voltou e que escapou à sua tradução. Nem seus pensamentos ele conseguia captar. Havia acontecido algo naquele quase um mês que mudaram a concepção de seus dons paranormais. Como os flashes nonsense que se sucediam desde então.
O metrie foi e voltou com mais uma garrafa ricamente desenhada.
— Estranho... Sonhos, memórias... Precisamos delas, Sean?
— Sem dúvida, somos aquilo que somos porque temos memória, Senhorita — ele não entendia o que vira. — Sem ela não seríamos nada. Não nos lembraríamos das nossas ligações afetivas, de nossa história, de nossos costumes e de nossa língua. Mas a memória é ingrata com o passado. Quando se vive de memórias, das lembranças do que já vivemos, com quem já vivemos, trazemos ingratidão com o que vivemos no presente, com quem vivemos no presente...
— Ehhh? Você é ingrato com Kelly Garcia quando se lembra de Sandy Monroe?
Agora realmente Sean se levantou deixando a cadeira cair. Sentiu todo seu corpo descompensar. Ele sabia que Aagje Papadopoulos havia tido prazer em formular tal pergunta.
Fuzilou-a com um olhar e se virou largando o guardanapo em cima da mesa.
— Boa noite! — e se foi.
— Hei?! Hei?! — todos olharam para ela. — Aonde pensa que vai bêbado assim? Volte aqui Sean! Volte aqui!!! — berrou Aagje ao vê-lo se afastando cada vez mais. Todos se olharam perante a cena. — O que foi?! — gritou para o salão lotado e depois para Sean. — O que foi Sean Queise?! Falei alguma mentira?!
Sean atravessava o salão sob a bela noite iluminada. Foi agarrado com tanta força no que ela chegou até ele que as unhas dela entraram na pele dele.
— Ahhh... — se virou irado.
Não soube se explicar como ela chegara nele tão rápida.
— Volte para o jantar! — ordenou ela.
— Você não manda em mim!
— Volte para o jantar!!! — berrou fazendo o salão todo voltar-se para eles.
— Me deixe em paz! — e tentou ir embora ao que foi agarrado de novo.
Aagje dessa vez agarrou e largou o braço dele.
— Você não entende mesmo, não? Você não vai mais ter paz, Sean Queise! Nunca mais!
— Você é patética, Aagje Papadopoulos. Com todas essas joias, essa riqueza, essa... essa... essa opulência... — e se calou no que a mão dela acertou-lhe o rosto.
Foi a vez dele ser esbofeteado. Dessa vez de verdade. E ele só a olhou com os olhos arregalados. Torcendo para ter coragem de revidar.
— Você vai comigo amanhã visitar as zeólitas porque tem algo de muito errado nisso tudo. Algo errado e faz muito, muito tempo. E vai porque estou me arriscando para defender o que tenho o que você tem. E não ache que é pela riqueza. Acredite! Tudo o que fiz até agora, o que aceitei fazer até agora, tudo isso... — abriu os braços. — Tudo isso é pelo pouco de lembrança que me sobrou dos que amo; ao contrário do que você sente pelas pessoas, pelos seus pais, pelas pessoas que lhe amam, Senhor Sean Queise — e se foi.
Sean ficou vendo Aagje Papadopoulos se afastar em chamas. Todo o corpo dela, da cabeça aos pés. Ele realmente não entendia o que significava aquele Déjà vu. Saiu do salão do restaurante em choque com o que vira, ouvira. Saiu a odiando, odiando odiá-la. Sentiu uma tristeza profunda por Aagje, pelo pai Fernando, por Sandy. Chegou ao átrio pensando na vida, no passado, no presente, no futuro como que de repente tivesse passado a acreditar naquelas separações.
— Kelly... Kelly... — foi só que soou de sua boca entristecida.
Sean acionou o motor da moto trail e partiu ainda em choque.
Vilarejo de Imerovigli, Santorini; Grécia.
29 de outubro; 23h52min.
— Venha me buscar no Astra Hotel! — Aagje chamou Zenon pelo celular tremendo de raiva.
Aagje estava nervosa quando o carro chegou. Não havia levantando uma única vez os olhos para encarar o salão. Pagara a conta e saíra.
— Vamos embora de carro ou vai voltar à sala vermelha?
— Não posso ir embora... Não ainda. Prepare o helicóptero para amanhã. Vou ter que dar um fim nisso tudo com o Sr. Queise ou não.
— Sabe que não pode... Sabe que não tem força para plasmar...
— Cale-se! Tenho que resolver isso com ou sem ele.
— Mas eles foram claros conosco. Sem saber o que o Sr. Queise fez...
— Cale-se!
— Calar-me? Você é a maior interessada em saber o que aconteceu a você…
— Cale-se!!! Cale-se!!! Cale-se!!! — Aagje gritou descontrolada.
Zenon Kanapokolo nada mais falou. E sabia que não deveria ter falado. Mas ao contrário dos costumeiros acessos de gritos e palavrões dela que viriam após tamanho descontrole, ela permaneceu calada. Porque Aagje estava tão pensativa que ela própria se estranhou.
Zenon a olhou diversas vezes pelo espelho retrovisor. Ela estava absorta. Ambos não viram a moto de Sean estacionada no caminho, lá esperando eles passarem.
Foi um longo olhar o dele ao vê-los se afastando em sentido a praia. Sean voltou ao Astra Hotel e fez check-in. Aagje tinha razão, ele estava muito bêbado para voltar à praia negra. Abriu a porta do quarto e bateu-a para então cair em prantos deixando seu corpo escorregar até o chão e lá ficar por horas sabendo que era ingrato com Kelly, com Sandy e com ele mesmo.
As lágrimas caíam e o relógio trocava os minutos. Sean o encarava, o relógio, e as horas passando. O relógio que trocava os números, o som do mar que batia nas rochas ao longe, o movimento das estrelas.
Sean olhou em volta, o relógio e o trocar dos números, o movimento da Lua, das Luas. Arregalou os olhos azuis se erguendo em choque. Havia duas Luas entrando pela janela aberta. Sean olhou em volta mais uma vez, o relógio já não trocava os números, o som não chegava a ele, o ar já não tinha odor e seus lábios não sentiam o sabor das lágrimas salgadas que lhe molhavam o rosto.
Ele olhou em volta uma, duas, dez vezes; tudo estava lá e não estava. Porque não havia cama, porque agora estava presa ao teto. Seus lábios penderam pelo fato, e ele olhou o céu visto da janela, agora invertida. Então a janela de ponta cabeça, com o teto embaixo e o piso em cima, as Luas no chão, os navios no céu.
Sean riu não sabendo por que ria.
Olhou-se; seus dedos estavam invertidos. A ponta da unha colava a carne e os ossos estavam expostos. Sean arregalou os olhos azuis chacoalhando a mão achando que lhe faltava oxigenação quando algo escorria de seu rosto. Sean olhou-se devagar, com medo. Preso a seus cabelos pedaços de neurônios e duas Luas a lhe iluminar.
Tudo estava confuso, sem sentido, invertido; quarto, mãos, olhos parados no tempo e no espaço.
Sean se olhou no espelho.
— Alice... O Que Ela Encontrou Por Lá?
6
Trafalgar Square, Londres; Inglaterra.
30 de outubro; 09h00min.
O Reino Unido amanheceu com o céu nublado. Marcava 8° graus. Sean Queise chegou ao Aeroporto Internacional Gatwick, em Londres com a roupa do corpo e o notebook pendurado no ombro. Puxou o capuz do moletom que usava por baixo das roupas Armani que Kelly Garcia sempre colocava em sua mala.
Fazia muito frio.
O táxi o deixou na praça que desde 1805 celebrava a Batalha de Trafalgar, uma vitória da Marinha Real Britânica nas Guerras Napoleônicas. Ali ficava o escritório particular do todo poderoso homem da Polícia Mundial; o nórdico Oscar Roldman. Lucy, a fiel secretária, companheira de labutas inimagináveis abriu a porta para Sean entrar sem anunciá-lo.
Oscar sentiu que seu coração parara.
— Sean?
Lucy só sorriu para ele. Sean devolveu o sorriso e ela fechou a porta saindo.
— Oscar...
— Ah... — Oscar olhou perdido para os lados. — Sente-se!
— Obrigado... — e Sean pôde sentir naquele momento, nas poucas palavras ditas, no pouco que captou da sala quase escura senão pelos três abat-jour acesos, que Oscar o amava, que sentia dor durante todos aqueles anos que Fernando pudera dar a ele o amor enorme que ele também sentia enquanto que ele nunca pudera.
Sean não soube o que falar. Preferiu não fazê-lo.
— Você está... — Oscar não entendia o silêncio. Viu Sean olhar para um lado, depois para outro. — Sean... Eu...
— Eu me lembrei de onde estive esse quase um mês.
— Lembrou? Como assim, ‘lembrou’?
— Podemos comer algo? — Sean olhou em volta sentindo-se mal por estar ali. — Eu não dormi o dia todo de ontem...
— Ah... Claro! Um café na rua? — Oscar levantou-se
Sean estava estático.
— Eu vi no espelho...
Oscar parou de andar sem saber se ele mudara de assunto.
— O que você viu?
— Tudo ao contrário; o saguão, o aeroporto, as pessoas, as malas, o desastre.
“Saguão... aeroporto... pessoas... malas... desastre...”; tudo soou estranho para Oscar Roldman que nada entendeu.
Ele abriu a porta da sala.
— Eu posso Oscar. Atravessá-lo... — Sean se ergueu da cadeira mecanicamente. — Os espelhos... — e saiu pela porta que Oscar havia aberto.
Oscar paralisou, de olhos arregalados, tentando entender que espelhos Sean atravessara. Ficou na duvida se Sean sabia sobre as experiências da Poliu, sobre a Operação Zeladores do tempo. Temeu o que duvidava.
Lucy os viu sair sem nada falar. Torceu para que a conversa não magoasse o patrão que já tanto sofrera, e o frio colheu-os de supetão no que chegaram à rua. Oscar se escondeu para debaixo da pele do casaco que usava e Sean se encolheu no capuz do moletom.
Oscar tentou uma aproximação,
— Vamos a Duncannon Street, Charing Cross. Há um pub quentinho lá — suspirou profundamente no que Sean manteve-se absorto. — Onde está hospedado?
— Club Quarters; aqui na Trafalgar Square mesmo — mentiu, não queria convites dele para se hospedar em sua casa.
— Como queira!
Porque Sean não queria envolvimentos. Queria, mas não queria. Abaixou a cabeça nervoso com o que pensava. Chegaram ao Pub Breadline Cafe. Sentaram-se na última mesa quase fora da vista da rua. Oscar pediu dois ‘Full English Fry-up’. Os pratos chegaram; ovos, bacon, salsichas, pão frito, feijão cozido e cogumelos.
Sean começou a comer e disse:
— Eu estive no voo 5674 que caiu em Dubai.
Oscar parou o garfo com feijão no ar.
— “No voo”? “Que caiu em Dubai”?
— Sim.
— Que voo?
— O voo que saiu de Dubai dia 27 de setembro.
— Mas como? Você chegou a São Paulo.
— Quase um mês depois?
— Como é que é? Fala do voo que segundo a Reuters caiu numa área do deserto dos Emirados Árabes Unidos? — olhou Sean o olhando. — Morreram todos naquele voo, Sean — Oscar ergueu o sobrolho.
— O voo 5674 da Emirates Airlines com destino à Grécia comunicou que as 17h00min uma pane nos motores os desligaram. Então eles desapareceram dos radares até descobrirem dois dias depois os destroços no deserto.
— E como você escapou?
Sean voltou a olhar para os lados nervoso.
— Eles pediram a torre do aeroporto para fazer um pouso de emergência num aeroporto desativado à frente deles, mas a torre disse que não havia aeroporto desativado algum na rota deles. Mas havia, e o avião pousou numa pista vazia. Foi a pior aterrissagem que fiz na vida, mas o piloto salvou a todos.
— “Salvou”? Sean... Meu Deus... O que está dizendo?
— Estou dizendo que fomos levados a um saguão. O saguão estava cheio, e havia realmente muita gente lá. Malas, crianças, movimentação. Então uma mulher parou ao meu lado e esperou-me olhá-la. Ela então disse que me esperavam. Eu perguntei quem me esperava e ela disse ‘Ele’. Eu não sabia bem o que acontecia e a segui. Atravessei a mala do notebook nas costas e carreguei minha mala de mão. Fui encaminhado pelo saguão lotado; homens de todas as idades, mulheres, crianças e... — e parou.
— “E”? Quem mais?
— Não sei defini-los.
— “Defini-los”?
— Gente... Gente diferente, Oscar. Ao contrário...
— Meu Deus, Sean. Gente ao contrário?
— Invertida, Oscar. Como num espelho.
“Como num espelho”, Oscar arregalou os olhos até ter toda sua face deformada pelo medo.
Deixou-o continuar, porém.
— Eu fui levado a um elevador; eram quatro, e o meu era o mais apertado. E havia colchões atrás de mim.
— “Colchões”? Elevador acolchoado você quer dizer?
— Sim. Acolchoado, apertado, aconchegante. Os místicos dizem que sonhar com colchões significa felicidade próxima. Restabelecimento de alguém na família que esteja doente.
— “Doente”, Sean? — ambos sabiam que se referiam aos mortos, a Fernando Queise. — Meu Deus... — soou da boca de Oscar Roldman.
— Cheguei ao que o elevador mostrava ser o 30° andar. Não sei... Acho que o 30° andar significa o quase um mês que fiquei no saguão... Esperando...
— Esperando o que?
— Não sei... Eu entrei no elevador com a mulher, mas ela não estava mais lá quando a porta se abriu. Então saí num corredor que deu para uma ala grande, com vários ambientes, parecendo ser outro saguão de aeroporto. Havia mais mulheres, crianças. Não me pareciam conhecidas ou algo assim — tomou outra xícara de café. —, eu segurei a mala de mão com força e continuei a caminhar.
— Sean...
Mas Sean pediu para continuar.
Oscar permitiu.
— Havia vários salões, várias alas de espera; pareciam-me ser aquilo mesmo, alas de espera.
— E você não encontrou nenhum companheiro de viagem?
— Do avião?
— Do avião que diz que desceu.
— Não. Ninguém conhecido, já disse. Só aquelas pessoas, aqueles invertidos...
Oscar olhou em volta, seu feeling avisava que estavam sendo vigiado.
— Estamos…
— Já percebi também — Sean cortou seus pensamentos.
— Quem nos segue? — Oscar viu Sean buscar o espelho do pub, havia outro pub lá dentro. Sean teve medo, dentro do espelho havia invertidos os olhando. — Quem no segue, Sean? — Oscar percebeu Sean olhando o espelho.
— Provável que as mesmas coisas que me fizeram lembrar-me de tudo. As que me fizeram enxergar dentro do espelho.
— “Fizeram”? “Dentro do espelho”?
— Preciso continuar a explicar para que entenda quem são eles... Essas coisas invertidas...
— Então sabe o que são eles?
— Posso continuar? — Sean viu Oscar só conseguir mexer a cabeça num movimento afirmativo. — Eu caminhei pelas alas, salões, o que quer que fosse aquilo, até perguntar onde estava. Ninguém me respondia. Havia som, muito som em volta. Barulho; entende? Mas ninguém falava, se falava ou falava comigo — sorriu nervoso. — Eu era um estrangeiro ali; um alienígena — Sean ficou imaginando se Oscar acreditava nele. Suspirou e foi em frente. — Eu senti de repente que alguém mais me vigiava. Como agora. Eu procurava quem, mas não o sentia. Então continuei andando, andando até que as pessoas começaram a sorrir para mim, e eu senti que elas me conheciam, aquelas mulheres me conheciam. E comecei a me preocupar com aquilo. Perguntei onde eu estava, e duas mulheres, uma jovem na casa dos vinte anos e outra mais velha, por volta de cinquenta anos, mas elas sorriram tímidas e se foram. Eu realmente comecei a desgostar daquilo quando alguém esbarrou em mim a fazer o notebook ser lançado para minhas costas. A dor da pancada do peso do computador me deixou sem ar e quando eu procurei quem me empurrara só ouvi ‘procure-a que ela o levara a ele’.
— Meu Deus... Sean você esteve quase um mês desaparecido, pode ter sido sequestrado, mantido drogado...
— Não fui drogado Oscar! — fuzilou-o. — Mas vai achar que estou — riu nervoso e foi à vez de Oscar fixá-lo. — Eu vi uma grande fila para se entrar no que parecia uma sala, uma sala vermelha. Eu me misturei rapidamente à fila no que ela começou andar e havia uma terceira mulher ali, também por volta de vinte anos, parada à porta observando todos. Ela tinha os braços curtos e me sorriu. E eu perguntei ‘É você quem vai me guiar?’; mas ela arregalou os olhos no susto. Disse que eu não poderia estar vendo-a para então se recompor numa velocidade tremenda, e sorrir dizendo que sim, era ela, e que me mandou segui-la com um sorriso no rosto, um lindo rosto... Como o rosto de Sandy... — Sean viu Oscar sem mover um só músculo no rosto. — Eu a acompanhei mesmo sentindo que ela não era Sandy, que ela plasmava aquele rosto, o amor que eu sentia por ela... — e escorregou um olhar para o lado. — E então saí do que parecia naquele momento ser um antigo parque de diversões, ou uma grande e antiga exposição, cheia de luzes, não sei; eu já não estava na fila da sala vermelha. E havia muito barulho, muita gente, muitos brinquedos e um edifício que ia e vinha.
— “Que ia e vinha”... Traduza Sean?
— Ele ia e vinha, Oscar. Materializava-se e sumia para então se materializar novamente — Sean viu Oscar acomodar as costas no espaldar da cadeira do pub e levar um tempo para perceber que o café esfriara. — Ela então começou a ficar nervosa, a mulher sem braços quem eu seguia — Sean prosseguiu. — Ela começou a me puxar, dizendo que não podia deixar-me levar a ele. Era urgente, urgente, eu sumir dali, que o mundo estava acabando e só eu poderia ajudá-lo há parar o tempo sobrevivendo. E que ela tinha que dar um jeito, e quando eu a encarei novamente, não era mais a mulher jovem, sem braços e sim Aagje Papadopoulos; era ela quem dizia não poder me levar até ele.
“Aagje”; foi só o que Oscar conseguiu pensar.
— Ela era parecida com Aagje Papadopoulos, mas era mais jovem, mais magra. Talvez Aagje tivesse sido assim quando mais jovem; não sei. Eu ia dizer que a conhecia, que ela era Aagje Papadopoulos, mas ela sorriu e me mandou segui-la. Mas eu queria saber quem era ele a quem iam me levar, e o porquê do edifício estar sumindo. Eu realmente não entendia por que o tempo precisava ser parado. Então tentei me largar dela, da presença dela, mas ela era diferente.
— ‘Diferente’ como?
— Não sei. Era como se ela não pertencesse aquilo tudo, mas eu pertencesse a ela. Então eu me desesperei... Pensei em correr, sei lá, mas não conseguia modificar meus passos. Eu estava lá a seguindo; e ela era forte espiritualmente. Eu sentia que ela dominava minha alma, e aquilo começou a me irritar.
— Sua alma... — escapou dele.
— Depois enfim chegamos a um edifico verde, todo espelhado, sem uma única janela. Eu quis saber o que estava acontecendo? O porquê daquilo? Ela então me agarrou, me beijou e me enterrou para dentro dela numa velocidade que mal me lembro de ter tirado a roupa — Sean só viu Oscar erguer o sobrolho. — Ali mesmo Oscar, na porta do edifício verde espelhado que ia e vinha.
“Espelhado”; pensou Oscar engolindo todas as outras palavras, até o sexo explícito.
— Eu fiquei atordoado. Ela então voltou a me puxar, dizendo que agora ele ia matá-la por aquilo. Eu perguntei ‘ele’ quem? Mas ela disse que ele a mataria se soubesse que ela invadiu-me que eu a invadi. E então ela se virou e eu corri. Corri Oscar. Corri sem que pudesse ganhar velocidade. Eu só consegui atravessar a rua larga e me esconder atrás de um banco enterrado numa calçada almofadada. Era tudo acolchoado, como o elevador e eu não conseguia entender aquilo — Sean olhou Oscar sem nada dizer. Continuou, contudo. — De repente eu a vi de novo, do outro lado da rua me procurando, a mulher parecida com Aagje. Eu me desesperei e voltei a correr quando um som de algo atravessando o ar se fez no céu, e eu vi o avião que havia aterrissado conosco levantar voo sem mim. Eu entrei em pânico e fiquei furioso. Eles haviam me feito de idiota, me levando para lá e para cá, falando coisas sem nexo, se mostrando invertidos, tudo para me enganar, porque eles queriam me tirar do avião que levantava voo sem mim. E eu corri, corri, corri tentando voltar para os salões, para as salas de espera, até chegar ao elevador para alcançar o primeiro saguão e pedir explicações do por que do avião levantar voo sem mim, e o avião explodiu.
— Meu Deus, Sean querido...
— Eu fui lançado longe por sobre cadeiras, pessoas, malas. Eu levantei atordoado e cheguei até a janela envidraçada destruída do saguão, e vi o deserto, o vi em chamas, caindo os pedaços na areia do deserto. E ninguém gritou, Oscar. Nenhuma criança daquele voo. Só uma grande explosão que avermelhou o céu, o deserto e todos os lugares por onde caiu — Sean se moveu agitado. — Eu saí correndo do saguão ganhando as areias. Corri e corri já não olhando para trás, invadindo a terra quente, encontrando pessoas em chamas, pedaços de gente por todos os lados. Malas, pele, tecido e sangue voando sobre mim — e Sean encarou Oscar. — Eu nunca tive tanto medo, tanta duvida na minha vida.
— Sean... O avião... Quero dizer, o voo 5674 caiu em... Meu Deus... Os destroços, quero dizer, foram encontrados os corpos dos cinquenta passageiros e cinco tripulantes. Se você estivesse no voo teria...
— Morrido? — Sean só o olhou. — Tomei aquele voo, Oscar. O cartão confirmou que fiz reservas naquele voo.
— E como se lembrou disso tudo? — Oscar o olhou firmemente.
— Não sei. Mas sei que estive em algum lugar do além-tempo, Oscar. Um mês perdido no 30° andar. Onde deve haver muito mais que filas para uma sala vermelha, mais que gente invertida dentro do espelho — olhou Oscar olhando as pessoas do pub invertidas no espelho.
Balançou a cabeça nervoso.
— Em que espelho viu isso?
— No Astra hotel...
— O que fazia em Santorini, Sean?
Aquilo soou como um aviso para ele. Oscar sabia de algo. Talvez sobre sua visita ao Dr. Nikiforus Theodorákis.
— Ela também estava em chamas.
— Quem?
— Aagje Papadopoulos.
— Ela estava no voo 5674?
— Não sei Oscar. Como diria Sócrates; ‘Só sei que nada sei’ — ele viu Oscar o olhar. — Você sabe o que acontece num espelho, Oscar?
— Vemos nossas imagens...
— Vemos nossas imagens invertidas — cortou a fala dele. — Tudo oposto, do outro lado.
— Que outro lado, Sean?
— Do lado da outra dimensão, Oscar. Porque eu fui levado a outra dimensão, Oscar; acredite ou não.
— O edifício espelhado que ‘ia e vinha’... — calou-se. — Meu Deus Sean querido... Como... — olhou em volta. — Há alguma coisa aqui, Sean...
— Pode sentir, não Oscar? Dentro dos espelhos?
— O que está fazendo? — ele encarou Sean nervoso.
— Lendo sua mente.
— Pare com isso, Sean!
— E sabe por que posso ler sua mente, Oscar?
— Porque aquela maluca da Mona...
— Porque ela desenvolveu em mim um dom paranormal genético.
Oscar sentiu que ia sofrer dali em diante.
— Sabia que minha família era paranormal, não Sean querido? — Oscar disparou. — Um estranho poder que acompanha todos nós — olhou Sean o olhando. — Sem exceção.
— Deus... Por quê? Por que você... Por que minha mãe... — e abaixou a cabeça.
Mas Oscar outra vez alterou-se com alguma coisa que os rodeavam, com algo que estava ali, os vigiando.
— O que é isso, Sean?
— São eles.
— Por que eles estão aqui?
— Não sei. Mas sei que alguém atravessa as realidades paralelas, Oscar. Outras dimensões que se chocam com a nossa por vezes permitindo as trocas.
— Sean, a Polícia Mundial e a Poliu já estiveram atrás dos tais multiversos. Nossos cientistas, os cientistas da Poliu. Não conseguimos provar que existem Universos paralelos, realidades paralelas, uma quarta dimensão que permite atravessá-las.
— Psychomanteum! — exclamou com força. Oscar agora paralisou sentindo mesmo tudo nele paralisar. — Sabe o que significa psychomanteum, não Oscar? Desgraçado! Você sabia... — estava em choque.
— Não se atreva a falar comigo assim! — Oscar se ergueu da cadeira, olhou o redor e voltou a se sentar. — Não me desafie Sean!
— Desafiá-lo? — queria era poder sumir dali. — E vou conseguir? Conseguir atravessar seus pensamentos, todos os dons paranormais dentro de você — os dois se encararam. — Droga, Oscar! Os gregos tinham razão, então? Porque acreditavam que sob determinadas circunstâncias, poderíamos interagir com os espíritos dos mortos usando um espelho de observação. Por isso construíram os Oráculos dos Mortos ou Psychomanteum, onde ficavam em privação sensorial necessária na preparação para o processo de visão por quase um mês sem comida, num complexo subterrâneo para então serem levados a uma sala onde havia um imenso caldeirão de bronze polido, que preenchido com água, formava uma superfície refletora, um espelho, onde podiam conversar com os mortos — Sean respirou pesado.
— Eu nada sei sobre o psychomanteum, nada sei sobre oráculo algum. A busca de informações junto a pessoas mortas era um costume muito antigo, já documentado na passagem da Odisseia onde o espírito do falecido adivinho Tirésias, foi evocado mediante elaborado ritual. Não sei por que duvida de...
— Incrivelmente nos anos 50, Sotiris Dakaris, um arqueólogo grego, redescobriu o local, que foi atribuído a um complexo subterrâneo — cortou a fala dele. —, com corredores e câmaras que conduziam finalmente ao lugar onde as aparições eram vistas. Dentro dele, havia um enorme caldeirão de bronze que quando altamente polido e enchido com água, se tornava altamente reflexivo — Sean encarou Oscar olhando os espelhos do Pub. — Como pode desdizer-me? Como? Os ‘oráculos dos mortos’ ficavam, em geral, em locais longínquos e de difícil acesso, por onde era possível entrar no mundo dos mortos; na Grécia Antiga, o mais célebre de todos era o necromanteion de Éfira, na Tesprótia, uma região do Épiro — olhou um lado e outro do pub no vai-e-vem dos muitos por ali. — Não é incrível que o necromanteion se situasse próximo aos rios Aqueronte e Cocito, nomeados de acordo com os míticos como os rios do mundo subterrâneo de Hades, Deus do inferno?
— Já disse que não sei do que está falando.
— É... Nunca sabe... Mas você mesmo disse que a Polícia Mundial andou procurando, não Oscar? Procurando os outros de nós vivendo em outros mundos através dos espelhos.
“Espelhos... Espelhos... Espelhos...”; aquilo soou perturbador. Oscar temia que Sean chegasse às respostas antes da pergunta. Temeu por sua segurança como temeu por Fernando naquela noite. Eles brigaram, mas Fernando insistiu em ir, em tirar as duvidas, em ser morto na Transilvânia.
Aquilo tudo chegou a Sean que se calou. E se calou com medo do que não diluiu daquilo.
— Ele... — Sean olhou Oscar com medo de se entregar, de entregar o que acabara de ler no éter. — Ele sempre soube, não Oscar? — mas Sean cortou a resposta que viria. — Trevellis sempre soube. Ele conhece os outros de nós, as passagens para outras dimensões, Oscar. Em algum lugar, ele descobriu as passagens para uma dimensão paralela através dos espelhos, onde vivem os que zelam pelo tempo.
— “Zelam pelo tempo”? Meu Deus, meu filho...
Mas Sean não se deixou abater.
— Zeladores do tempo, Oscar, uma cidade inteira onde o tempo não passa. Eu me lembro... Deus... Quantas vezes olhei naquele aparelho e a hora era mesma...
— Que “aparelho”? Que “cidade inteira”?
— Não sei... No prédio verde espelhado que ia e vinha... Lá tinha um relógio, mas que era diferente. E havia alguém ao meu lado, ali, numa sala vermelha, no prédio verde espelhado.
— Havia uma sala vermelha no prédio que ia e vinha?
— Não. Mas ela estava ligada ao prédio de alguma forma.
— Sean...
— Não estou louco, Oscar. Ainda não. Mas eu sei que havia alguém la no prédio verde. Achei que fosse Aagje Papadopoulos, mas eu não a via... Então eu perguntei por que a hora não passava. E uma voz feminina respondia: ‘há tal hora tal coisa vai acontecer’, e a hora no aparelho, no momento exato, mudava, e era a hora estipulada. Então eu olhava para o céu, mas ele parecia diferente. Não conseguia me comunicar com Spartacus. Era como se ele não estivesse lá.
— O satélite de observação não estava lá? Na Grécia?
— Talvez eu não estivesse lá na hora estipulada.
— ‘Estipulada’ para o quê? — Oscar nunca havia visto Sean tão confuso.
— Não sei. Já disse que não sei? Acho que foi durante o quase um mês que desapareci.
— Por que foi a Grécia, Sean?
— Já parou para pensar o quanto somos ignorantes dessa vida, Oscar? O quanto realmente nada sabemos? Quantos mistérios nos escapam à compreensão? Achei que Nikiforus Theodorákis pudesse me dizer, mas ele só me trouxe mais duvidas.
— Perguntei o que foi fazer na Grécia, Sean? Realmente!
— Sabia que meu pai estava trabalhando com Trevellis e nada me disse. Sabia que meu pai e Trevellis estavam trabalhando com Nikiforus Theodorákis e nada me disse. Sabia quem meu pai, Trevellis, Nikiforus estavam trabalhando para Syrtys Papadopoulos e nada me disse. Por que Oscar?
Oscar só o olhava.
— Seu pai nada me disse, também. Pediu-me para guardar um documento que o testamenteiro leu e só.
— E você aceitou de bom agrado a guardar um documento que não conhecia?
— Eu devia favores a ele.
Sean sentiu-se mal. Ele era o favor devido.
— Vou voltar a Santorini — Sean esperou Oscar falar algo. — Sinto que tenho algo inacabado com Aagje Papadopoulos.
— Inacabado quanto?
— “Porque agora vemos por espelho em enigma, mas então veremos face a face: agora conheço em parte, mas então conhecerei como também sou conhecido”; 1 Coríntios 13:12 — Sean outra vez esperou e Oscar dessa vez nada falou. — O apóstolo Paulo reporta-se aos mistérios de Deus, não Oscar, àquilo que sabemos muito pouco ou aquilo que ele nos quis revelar e não nos revelou? Por isso é que nós o vemos como que por espelhos, em enigmas, em partes. ‘Mas quando chegarmos ao céu o conheceremos de uma forma mais abrangente e mais compreensível, assim como ele nos conhece a nós’ — olhou em volta. — Então eu vou atrás de você, Oscar. Quando eu compreender tudo, eu vou atrás de você — apontou nervoso para ele. — E vou cobrar-lhe respostas às muitas duvidas — levantou-se e foi embora.
Oscar sabia que aquela conversa realmente não chegara ao fim.
Ele o conhecia como ninguém.
7
Vilarejo de Imerovigli, Santorini; Grécia.
31 de outubro; 07h10min.
O dia raiava quando o tilintar de copos o acordou. Sean abriu os olhos demorando a entender onde estava. Um perfume doce invadiu o ar e ele se levantou assustado, nu, procurando as roupas que tirara quando chegou de Londres, quando um novo som de vidro e porcelana veio da sacada.
— Acordou? — soou uma voz feminina do lado de fora do quarto.
Sean se cobriu com um lençol e invadiu a amanhã perfeita que se anunciava.
— O que...
— Não sabia que dormia nu Sean Queise.
Sean arregalou os olhos azuis para Aagje Papadopoulos sentada à mesa pronta para o café da manhã na sacada de seu quarto, comendo uma torrada.
— O que... — olhou em volta perdido, Santorini era belo de manhã. — O que faz aqui?
Ela olhou em volta também.
— Sabia que eles aqui no Astra Hotel servem as refeições em sua sacada privativa se você pedir? — lambeu o dedo encarando o corpo dele.
— Como... — Sean olhou em volta.
— Como eu soube que voltou? — ela riu em meio a imagem do mar azul, iluminado pela manhã era deslumbrante. Sean olhou-a o olhando; ele, não o mar azul. — Belo dorso — provocou-o.
Sean se olhou. Réguas de músculo bem definidos o moldavam. Ele jogou o lençol sobre seu corpo parecendo um grego da antiguidade.
Aagje gostou mais ainda do que viu.
— O que quer comigo Srta. Papadopoulos?
— O que quero provável não vai me dar — serviu-se de chá o deixando sem graça. — Não depois de me conhecer, Sean Queise... — Aagje o encarou lambendo novamente os dedos de geleia de uva. Sean ficou excitado com o que não queria. Encolheu-se mais ainda no lençol. — Vamos, vamos tomar café. Ou chá. O que prefere? — ela viu Sean sentar-se sem nada falar, nada pedir. Na mesa chá de frutas, geleia de todas as cores e sabores, sucos dos mais diversos e finos doces açucarados enrolados nos guardanapos de linho. — Sobre aqueles seu quase um mês de sumiço, fiquei pensando... Onde ficou, Sean Queise?
Sean estranhou que ela não perguntara nada sobre onde ele estivera ontem. Estava ali servindo café da manhã a ele como se nada tivesse acontecido; a briga. Ela estava estranha, tinha que admitir.
— Poderia saber se estive aqui se estive aqui aquele quase um mês?
— Você acordou, não? — gargalhou debochada.
Sean começou a ficar nervoso.
— Poderia?
— Sim. Como pode perceber nada me escapa.
Ele percebeu.
— Deus... Eu tomei um voo de Dubai para cá dia 27 de setembro. Por quê?
— Não tenho a mínima ideia.
— O que fazia em Dubai quando me chamou?
— Em Dubai? — Aagje nem parou um pouco para pensar. — Está brincando? O maior shopping do mundo? Doze mil lojas?
— Deus...
Ela gargalhou. Sean não entendeu por que a achou realmente diferente.
— Enfim... — limpou a geleia que escorreu da boca carnuda coberta por batom vermelho cintilante. — Eu continuei em Dubai mais um tempo então se veio a Santorini deve ter sido atrás daquele maluco perturbado.
Aquilo o alertou.
— “Maluco perturbado”?
— Conhece o semanal ‘Alien grego’?
— ‘Alien grego’ é um jornal ufológico.
— Sim. Muito lido, aliás. Lido por gente que não tem mais nada a fazer na vida, escrito por quem não tem ou não dá valor a sua vida.
Sean só a olhou.
— Conhecia o homem que falava comigo na Skaros Rock?
— Falava? Quem falava com você? — Aagje procurou em volta num deboche e Sean achou que talvez ela não o tenha visto com ele. — Ehhh... Você falou com Nikiforus Theodorákis, o editor chefe do ‘Alien grego’, não? Acredita mesmo nisso, Sean Queise?
— E no que eu acredito é da sua conta?
Aagje riu; nervosa, porém.
— Alienígenas gregos?
— Erich Von Däniken na sua Odisseia dos Deuses sugere uma investigação exaustiva sobre os deuses gregos serem de fato seres alienígenas que chegaram à Terra milhares de anos atrás. A evidência arqueológica e os escritos dos antigos, incluindo os do filósofo Aristóteles, provam que esses deuses cruzaram com humanos, realizando experimentos genéticos, e que foram criadas míticas criaturas, como Centauros e Cyclops; filhos de Èquidna — ele viu Aagje brilhar os olhos para ele. E eles eram extremamente azuis. Ela então encheu uma xícara com chá de frutas vermelhas e lhe ofereceu. — Prefiro café! Forte!
Ela sorriu, pegou outra xícara e o serviu perante as exclamações.
— Os deuses gregos eram uma maneira do povo de explicar o inexplicável na vida de uma pessoa, Sean Queise; deuses descritos como homem perfeito — e seus olhos pousaram nas réguas de músculos dele; Sean sentiu-se mais desconfortável ainda, nu, enrolado num lençol. — Segundo a mitologia grega, havia um tempo quando grandes eventos ocorreram e os deuses se envolveram nos assuntos humanos.
“Um tempo... Um tempo... Um tempo...”; soou por todo o seu redor.
Sean sentiu-se mal, saindo do corpo, invadindo as dimensões paralelas.
— Ah... — se inclinou tanto na cadeira que quase desmaiou.
“Você está bem?”, soou de muito longe.
Sean olhou Aagje embaçada.
— Estou...
Aagje passou queijo fundido na torrada que também ofereceu.
— Veja Sean Queise… — a voz dela se firmou. —, deuses como personagens que têm muitas semelhanças com as pessoas dentro de uma sociedade, são sempre seres poderosos, capazes de poderes sobre-humanos, mas, no entanto, criam-se mitos de personagens cheios de fragilidades humanas, de falhas. Nossos seres mitológicos não são alienígenas, posso garantir.
— Pode? Então esqueça os gregos. Comece então pelos mitos sumérios, Srta. Papadopoulos, a primeira grande cultura de 6.000 anos atrás, que gerou os babilônicos, persas, assírios e, através de todas as posteriores ‘civilizações inteligentes avançadas’ que identificaram, nós homens, como híbridos, seres de experiência genética dos que aqui chegaram para povoar a Terra — Sean olhou Aagje com gosto. — ‘Mitos’?
Aagje sorriu.
— Está bem! Está bem! Você fala dos Sumérios, Maias, e Incas. Mas cretáceo? — voltou a tomar mais chá. — Você falou de uma entidade chegada aqui na Era Cretáceo — riu. — Não é forçar demais?
— Há pegadas e também impressões de mãos na terra batida e seca datando pelo carbono como da Era Cretácea. Explique-me? — Sean viu Aagje sorrir e dar de ombros e o fez maravilhosamente; ele achou. — Syrtys Papadopoulos havia contratado um agente da Poliu para descobrir exatamente isso...
— Eu sei sobre o agente da Poliu que Syrtys contratou! — Aagje foi enérgica ao cortar a fala dele.
Sean só a olhou.
— Sabe então muito mais do que diz?
— Talvez... — o olhou com afinco. — Talvez...
— Eu sei o quanto essa palavra lhe parece imprópria, Senhorita, mas se não aprender a dividir algo comigo não vai mais conseguir outras bolsas daquelas.
Aagje se virou para o infinito.
— Vá se trocar!
— Não tenho roupa. Ela sumiu como pôde ver — apontou para o lençol.
— Mandei a roupa que viajou para a lavanderia.
Sean ergueu-se furioso.
— Não pode mandar em mim como...
— Um grupo de paleontologistas gregos descobriu um muro de pedra de 23 mil anos, o mais antigo do país, em uma gruta da Tessália, centro do país — Aagje percebeu que Sean voltava a sentar-se lentamente. — A idade do muro, provavelmente um dos mais antigos do mundo, foi estabelecida através de um processo de detecção por luminescência óptica — ela viu Sean esperando mais. — A datação corresponde ao período mais frio da última época glacial, o que indica que foi construído pelos habitantes paleolíticos para se proteger do frio.
— “Do frio”?
Aagje riu.
— O que? Acha que eles estavam a se proteger de algo mais, Sean Queise? Alienígenas do cretáceo?
Sean não se deu ao trabalho de entrar na dela.
— Onde fica a gruta?
— A gruta está localizada nos arredores de Kalambaka, fica perto dos penhascos sobre os quais se encontram os célebres mosteiros de Meteora.
— Mosteiros... — e Sean foi ao chão de olhos cerrados.
“Sean?!”, gritou Aagje longe.
Sean sentiu as labaredas consumindo suas pernas. Abriu os olhos e pessoas gritavam com as mãos estendidas para ele; e ele também estava caído, num deserto em chamas, em meio a muita dor. Mas havia algo mais agora. Alguém estava ao lado dele, em pé, vivo, mostrando tudo aquilo. Sean quis virar-se, ver quem estava ali. Não conseguiu. Uma dor forte na cabeça o fez desmaiar no sonho e acordar em Santorini.
Abriu os olhos novamente e estava no chão da sacada do Astra Hotel, com Aagje sobre ele lhe perguntando se estava bem.
— Eu... — Sean olhou em volta.
O chão frio era seu único apoio.
— Você está bem? — a voz de Aagje ainda estava metálica.
— Eu... — Sean não a enxergava direito. —, preciso do meu... — acenou para o quarto.
— Venha! Levante-se! — Aagje ajudou-o a levantar-se sabendo que Sean estava incomodado pelo desmaio, por estar nu enrolado num lençol. Ela o levou para dentro e o colocou na beirada da cama macia. Quis arrancar-lhe o lençol, deitar-se sobre ele, abraçá-lo, beijá-lo, consumi-lo. Balançou a cabeça e não fez nada daquilo. Pegou uma garrafa de água mineral na geladeira e serviu-o. — Tome! Água faz bem nesse calor.
— Preciso... — olhava para o quarto meio que perdido. Sean suava em demasiado. Sabia, no entanto que o calor vinha de outra dimensão. — Preciso...
— Do que precisa afinal?
— Meu notebook... — Sean apontou e Aagje o largou na beirada da cama. Ela abriu o armário e Sean ainda pôde ver suas roupas passadas e penduradas. Não gostou do que viu. Eram as roupas que havia deixado no Smaragdi Hotel, em Perivolos. Ele agora sabia, Aagje Papadopoulos mandava nele. — Meu notebook está na mala.
Ela se virou e pegou-o.
— O que quer? — ela o viu ligar o notebook e acessar o Google.
— Eu lhe disse que o voo que saiu de Dubai caiu, não?
— O voo que só você sobreviveu?
— Eu não estava nele.
— Mas disse que...
— Eu disse que tomei o voo 5674 saído de Dubai, mas ele aterrissou de emergência num aeroporto e depois levantou voo novamente e eu não estava nele.
— E onde você estava?
— Não sei... Não sei... Juro! Mas sei que desci daquele voo. Estava vivo, olhando as pessoas... Deus... Elas morriam... — Sean procurava informações sobre o voo. — Veja! — girou a tela para que ela visse. — Há algumas notícias de um acidente aéreo de um voo que saiu de Dubai pelo Aeroporto Internacional de Dubai, Emirados Árabes Unidos para o Aeroporto Elefthérios Venizélos, na Grécia dia 27 de setembro. Eu não entendi quando avisaram pelo alto-falante que íamos fazer uma aterrissagem de emergência na Grécia, mais especificamente no Aeroporto Internacional Eleftherios Venizelos em Atenas. O pânico foi tanto que só percebi que aquilo, aquele deserto onde pousamos, estava longe de parecer a Grécia quando saímos do avião.
— Aqui diz que a aeronave caiu ainda em uma área do deserto dos Emirados Árabes Unidos. Não entendi... Não disse que havia vindo a Santorini?
— Eu disse que havia vindo a Grécia. Como sabe que vim a Santorini?
Aagje o olhou de lado.
— Disse...
— Não! Você disse que eu vim conversar com Nikiforus Theodorákis.
— Está bem! Qual o sentido da desconfiança?
— Nem Spartacus disse onde eu estava. Porque sei que Kelly acessou o satélite de observação e não descobriu nada.
— Também tentei e não descobri nada.
— Tentou? Também tentou Kelly? Achou que ela seria uma boa aquisição em sua rede de informações?
— Chega! — Aagje não gostou para onde a conversa estava sendo levada, Sean chegaria a Spartacus mais cedo ou a mais tarde, e também nela.
— O que há Srta. Papadopoulos? Então é seu ‘secretariozinho’ que anda roubando informações?
— Chega! Já disse! — e Aagje se levantou da cama pegando a bolsa para ir embora.
— Eu vi braços e pernas deslocados de seus corpos, mulheres e crianças gritando em chamas, almas que sofriam ainda presas a corpos que sofriam.
— Não fale dessa maneira — Aagje sentiu-se mal.
— Então pode ver que saber que Spartacus está sendo invadindo é o menor dos meus problemas agora, Senhorita.
Aagje parou sem olhá-lo.
— Elas estavam... estavam... — Aagje tomou-se de coragem. — As crianças estavam...
— Desencarnando!
Aagje cerrou os olhos. Aquilo era demais para ela. Ela ainda não estava recuperada.
— Eu vou... Peço a você uma hora para chegar ao meu... Ao meu iate e me trocar. Aguardo você na Marina Vlichada. De lá vamos pegar um helicóptero. Ele vai nos deixar em uma estrada próxima aos mosteiros. Eu não sei onde você esteve esse quase um mês, Sean Queise, mas sei que Fernando Queise, Syrtys Papadopoulos e a Poliu financiavam os arqueólogos naquela gruta da Tessália — abriu a porta e saiu.
Sean não entendeu o porquê dela sempre chamar o pai de ‘Syrtys’, mas uma coisa entendeu, ela parecia achar que mandava nele.
Marina Vlichada, Santorini; Grécia.
31 de outubro; 13h00min.
Quando a lancha que trazia a emperiquitada Aagje Papadopoulos chegou Sean Queise estava tendo uma sincope ao lado do fiel Zenon, que não abriu a boca uma única vez para falar-lhe desde que ali chegou.
— Aonde pensa que vamos? — disparou ao vê-la tão produzida; Sean até pensou estar sendo enganado e levado a outro lugar.
— Desculpe-me. Meus empregados não encontravam essa roupa na lavanderia.
— Ah! E você não tinha mais nenhuma disponível entre as três mil separadas para o dia de hoje?
— Por que o mau humor?
— Por quê? Por quê? Não sei. Nossa... Diga-me você!
— Não! Diga-me você?
— Ok! Digo! Estou aqui a mais de cinco horas, Aagje e não estou a passeio.
— Ehhh? E está aqui por quê? — Aagje virou-se do jeito que chegou e entrou no helicóptero. — Ou acha que é fácil fazer o que faço?
Sean olhou-a, olhou Zenon. Sentiu algo errado. Mas bufou tanto que sentiu que pôs todo o oxigênio do pulmão para fora. Estava furioso demais para dizer, também, como ela estava lindamente vestida com ele não sabia com qual estilista.
O helicóptero levantou voo, ganhou altura rapidamente. Sean estava maravilhado com a ilha. Havia tetos brancos e azuis e escadarias desenhadas por toda encosta. Também viu que eles ganharam o mar e saíram de Santorini para ir em direção ao centro da Grécia. Olhou seu tablet, Spartacus esperava a entrada de dados.
— Aonde vamos? — Sean perguntou a Zenon.
— 40° 9’ 26” N e 24° 19’ 35” E, Senhor — anunciou ele com voz metálica.
Sean estranhou o som da voz dele, mas digitou as coordenadas no GPS do tablet. Spartacus anunciava 40° 9’ 26” N e 24° 19’ 35” E; centro-norte da Grécia para girar até 39° 42’ 51” N e 21° 37’52” E.
Ele ergueu o sobrolho, Spartacus não obedeceu as ordens dos mainframes. Sean voltou a digitar 40° 9’ 26” N e 24° 19’ 35” E e Spartacus alertou-o fixando-se em 39° 42’ 51” N e 21° 37’52” E, novamente. Havia algo ali perto de aonde eles iriam, avisando-o.
“O quê?”; pensou olhando Aagje ao lado dele, absorta.
— Onde fica Tessália?
— Tessália é uma periferia da Grécia.
— “Periferia”?
— Periferias são divisões nacionais da Grécia. Existem nove no continente e quatro grupos de ilhas; e que ainda são subdivididas em 51 prefeituras.
— Entendo...
— É na Tessália que o apóstolo Paulo dedicou duas de suas importantes epístolas, I e II, aos Tessalonicenses; ambas falando da volta de Jesus Cristo.
— Paulo e os enigmas dos espelhos, não?
Aagje olhou Sean com interesse.
Ele se esquivou do olhar dela e ela não insistiu.
— Há pouco mais de seiscentos anos, um monge da península do Monte Athos fundou no noroeste da Tessália um mosteiro. O penhasco sobre o qual se alçou ao retiro ortodoxo passou a ser conhecido por ‘meteoros’, que em grego significa ‘suspenso no ar’ — voltou a olhar Sean que desviou o olhar. Aagje ficou triste. — Vai gostar dos mosteiros, Sean Queise. A vista é de tirar o fôlego — o helicóptero costeou o mar a fim de penetrar no seu interior. — Veja a sua esquerda... — apontou Aagje para o além-mar. —, aquelas são as ruínas do Mosteiro de Pantokrator, um dos muitos que acabaram por serem abandonados ao longo dos últimos trezentos anos — e o helicóptero voltou aos penhascos.
A imagem era surreal.
— Wow! Quantos?
— Mosteiros? Em ‘Meteora’ existem seis mosteiros. O maior pico em que se localiza um mosteiro tem 549 metros — apontou. — O menor, 305 metros — apontou. — Dos seis mosteiros, quatro são masculinos e dois são de monjas.
— Os primeiros monges eram eremitas, não? Costumavam a se estabelecer em cavernas no século XI.
Aagje escorregou os olhos para Sean. Ele estava se tornando perigoso.
— Sim. No final do século XI e início do século XII, formou-se um estado monástico rudimentar centrado à volta da Igreja de Theotakos ou ‘mão de Deus’, que até hoje existe. Os monges eremitas procuravam refúgios seguros à ocupação otomana e encontraram nos rochedos inacessíveis de Meteora um refúgio ideal como aquele... — Aagje voltou a apontar. — O Mosteiro de Roussanou, como vê, a nordeste da Planície da Tessália, perto do Rio Peneios e dos Montes Pindo — e o helicóptero se aproximou de uma construção incrustada no pico do rochedo.
Era realmente de tirar o fôlego.
— Podemos descer lá?
— Com o helicóptero? Não vejo como. Os mosteiros foram construídos no topo de rochedos de arenito. O acesso aos mosteiros era feito por guindastes e apenas em 1920 foram construídas escadas de acesso. Embora a gente sempre veja caminhantes subirem lentamente a estrada que serpenteia os rochedos a partir do pequeno povoado de Kastraki — apontou. — Embaixo, os montes e vales são revestidos com florestas fechadas com a presença de animais selvagens como lobos.
Sean percebeu que as coordenadas do GPS do helicóptero atingiram 39° 42’ 51” N e 21° 37’52” E. Era a mesma coordenada que Spartacus travou. E Sean estava tão absorto que não viu os olhos de Aagje brilharem intensamente.
— Por quê? — escapou da boca dela sem que Sean tivesse percebido. O helicóptero deu mais um rasante e tudo parecia surreal. Ela prosseguiu em falar apesar do barulho ensurdecedor do helicóptero. — Foram construídos mais de 20 mosteiros, mas hoje em dia apenas existem seis; Roussanou é o mais belo... — a voz de Aagje ficava cada vez mais longe, metálica, estranha.
Sean a olhou de lado, Aagje estava embaçada, como se ela fosse um desenho rabiscado.
Chacoalhou a cabeça e a imagem se firmou.
“Deus...” nada comentou.
Os penhascos se desenhavam por todos os lados.
— Surreal a imagem, não? — a voz dela chegou até ele.
— Sim...
— E do lado oposto — Aagje voltou a apontar. — Veja... Algumas formações rochosas que caem como muralhas a pique sobre o solo. Há grudadas a ela estruturas de madeira e restos de escadas em decomposição. Veja... Veja... Aquilo são eremitérios.
— “Eremitérios”?
— Sim, grutas desertas que há algumas décadas eram habitadas por monges que nesse cenário austero e despojado buscavam a mortificação — olhou-o com carinho. — Consegue entender, Sean Queise? Isolados do mundo, perseguindo a plenitude espiritual?
“Grutas, eremitérios, psychomanteum”; soou em suas lembranças não sabendo o porquê da associação.
— Os monges eremitas acreditavam que havia subentendida numa célebre fórmula de São João Clímaco, uma fórmula para se alcançar o nirvana, o que definia no século VII um monge como ‘uma violação permanente da natureza e uma recusa dos sentidos’ — Aagje olhou Sean com interesse. Ela sabia que havia mais que interesse no seu olhar.
Já Sean teve medo do que ‘viu’ ela pensar. Sean estranhou-a, ela gostava dele de uma maneira diferente da que antes sentia. Sean duvidou de seu feeling naquele momento. Ou ela estava diferente ou era ele.
— E aquilo? — Sean apontou.
— Há alguns velhos trilhos, sobreviventes dos tempos medievais, que ligam os mosteiros por entre as ravinas e vales na topografia fantástica de Meteora. São caminhos que contornam toda a área, em meio à estrada asfaltada que vem desde Kalambaka; depois segue até o Mosteiro de Agios Stefanos... — e a voz de Aagje começou a voltar a ficar metálica.
Sean viu que ela voltava a ficar embaçada também; ‘fora de foco’.
Chacoalhou a cabeça e ficou imaginando se estava estressado, impactado com a perda do pai, com a aproximação de Oscar e sua mãe e ela mandando na Computer Co. que já não era mais dele quanto supunha. Talvez ele estivesse vivendo uma ilusão todos aqueles anos. Kelly, a empresa, sua função, seu cargo em pouca idade, e sua pouca idade em meio a tantas responsabilidades. E a Poliu e suas pressões, suas perseguições. Se afinal Mr. Trevellis estava envolvido com sua vida desde o seu nascimento.
“Filho de Oscar...”; soou a voz debochada de Mr. Trevellis nos ouvidos que já não ouviam o redor. Pois já não havia mais a voz da bela Aagje que falava sem parar, nem o rotor do helicóptero, nem a música de fundo de quando saíram. Só vozes; muitas. Conversas, e risos; e choros de crianças, muitos.
Sean olhou para os lados. Estava num saguão. Arregalou os olhos levantando-se de supetão percebendo que havia realmente se levantado, que já não sentava no helicóptero. Olhou-se sem entender como saíra do corpo nem entendeu por que usava a roupa que saíra do Burj Al Arab após a discussão com Aagje Papadopoulos na banheira de sais caros, perfumados. Mas era mesmo um saguão, o mesmo saguão conhecido. Sua mala de viagens estava com ele, seu notebook ao lado. Sean se tocou, procurou o tablet, ele funcionava. Sean tentou digitar algo, mas os números não se moviam. Sean olhou para cima, para o painel eletrônico do saguão de aeroporto em questão; ele se movia para trás.
— O tempo... — soou da boca que não entoava som. Sean girou em torno de si mesmo; girou, girou, e girou, mas nenhum som. Sean viu as mulheres, os lábios das mulheres, e dos homens, e os lábios que se moviam, lábios de todos que o rodeavam, do som que não chegava. — Erro temporal? — tentou entender.
Acordou com um grito seco de Aagje. Sean voltou ao corpo, ao helicóptero, ao acidente. O helicóptero girava cada vez mais rápido. Algo havia atingido o rotor de cauda e o piloto não conseguia o ajuste do aparelho. Aagje se agarrava a maçaneta em meio a gritos quando a lataria direita bateu numa encosta. Sean e Aagje foram lançados para o lado contrário do helicóptero.
— Ahhh!!! — gritaram uníssonos no momento em que o helicóptero girando descontrolado chocou-se com o que Sean julgou serem os rochedos de arenito que Aagje havia mostrado.
Uma coluna de fumaça tomou conta de todo o aparelho que perdia altitude cada vez mais rápido.
— Sean?! — gritava Aagje desesperada.
— Segure-se!!! — gritou Sean puxando-a com força e amarrando-a ao cinto.
Mas Aagje viu que Zenon estava desmaiado.
— Não!!! — Aagje soltou-se e levantou.
— Não!!! — berrou Sean a puxando. — Vamos cair!!! — e o aparelho tocou as copas das árvores se enroscando aos galhos dilacerados até o chão.
Sean sentiu o impacto da queda no que sua cabeça foi contra o metal do helicóptero, sua vista se banhou de sangue pelo supercílio aberto e um talo se abriu na sua face direita no que foi cuspido para fora do helicóptero. Tentou se erguer das ferragens, mas caiu. Sua perna esquerda estava presa pelo banco que foi cuspido também e se entortou.
Um cheiro de combustível o alertou.
“O tempo...”, alguém falava não muito longe dali.
O helicóptero soltava faíscas do painel onde o piloto Zenon jazia sobre ele, em meio a muito sangue. Num jogo de corpo Sean se soltou dos fios e do resto do banco que o prendia, e entrou em meio as ferragens alcançando o piloto Zenon. Sean puxou a cabeça dele para trás e vermes saíram dos olhos, da boca, de outros muitos orifícios.
— Ahhh!!! — Sean saiu atordoado do aparelho para a mata destruída. Zenon parecia estar morto há muito mais tempo. — Aagje?! Aagje?! — gritou a procura dela que havia sido cuspida do helicóptero retorcido assim como ele. Faíscas de curto-circuito iniciavam um fogo que tomou rapidamente conta do lado esquerdo do aparelho. Sean sentiu que o banco havia feito mais que prendê-lo, a coxa de sua perna esquerda estava ferida, perdendo sangue. Deu poucos passos e foi ao chão sentindo um repuxo, sentindo uma dor incontrolável. — Aagje?! Aagje?! Aagje?! — arrastava-se tentando ir para cada vez mais longe do helicóptero sem ver onde o corpo de Aagje estava. — Aagje?! — gritava em busca dela se arrastando pela relva úmida tentando localizá-la. — Aagje?! Pode me ouvir?! Aagje?! Aagje?!
— Sean... — soou de muito longe.
Sean ergueu-se, correu e caiu; a dor era insuportável. Levantou-se e a encontrou distante quando foi ao chão, com muita dor.
— Ahhh!!! — levantou-se e se arrastou para então encontrar o corpo dela ensanguentado caído no chão. — Meu Deus... Você está bem? — segurou o rosto sujo de sangue.
— Acho... Acho que machuquei meu ombro.
Sean viu que havia mais que um machucado no ombro dela, todo o rosto de Aagje Papadopoulos tinha pequenos cortes que drenavam sangue.
— Venha! Rápido! Vou colocá-la naquele canto e vou voltar ao helicóptero antes que ele exploda.
— Não! — agarrou-o. — Não me deixe aqui!
— Não vou deixá-la. Vou só pegar... — e uma nova explosão os lançou ao chão.
Sean sobre ela, ambos desmaiados.
O fogo levantou uma labareda vista por olhos atentos. Mas não antes que espiões psíquicos avisassem Mr. Trevellis que um helicóptero com dois passageiros iria cair ali perto do mosteiro, e que não haveria sobreviventes.
8
Mosteiro Roussanou, Meteora; Grécia.
02 de novembro; 10h30min.
— Sabia que desde suas origens, essa montanha santa hospedou místicos e mestres espirituais cujos escritos foram recolhidos no século XVIII numa célebre antologia, a Filocalia, e que influenciou profundamente o mundo ortodoxo, ‘filho de Oscar’?
Sean abriu os olhos azuis naquela célebre chamada. Olhou e Mr. Trevellis estava ao seu lado, rodeado de outros cinco personagens, lhe olhando.
— Onde... — e Sean voltou a dormir.
Mr. Trevellis e seus cinco agentes o deixaram dormir. Os agentes viraram o corredor e Erianthia Agasias pegou o braço de Gameliel Siaraferas que vinha da escadaria interna. Erianthia tinha as feições de Aagje Papadopoulos e Gameliel às feições de Zenon Kanapokolo.
— Sean vai ficar bem? — Erianthia havia esperado todos saírem do quarto de Sean Queise.
— Você esteve no quarto dele?
— Não.
— E por que pergunta?
— Só quero saber se Sean está bem.
— Não sei se ele está bem, não estive na reunião. Além do que sabe tudo sobre ele, sempre foi a mais grudada nele.
— Não fale assim. Sou uma profissional.
— Desculpe-me, Erianthia. Só quis dizer que sempre esteve mais conectada no Sr. Queise do que os outros de nós.
— Sean já não permite tantas conexões assim. Mona Foad fez algo diferente com ele, algo que não tive tempo de aprender — Erianthia passou a mão no rosto machucado sentindo dor.
— Devia se tratar. Não consigo entender como a queda realmente lhe machucou.
— Cale-se Gameliel! Já disse que, para todos, eu caí na escadaria. Além do mais...
— “Além do mais”, nada lhe machuca Erianthia.
— Não fale assim!
— Vamos lá, Erianthia... Não quero discutir porque tenho que ter minha mente aberta para hoje à noite. Se você quer saber se o Sr. Queise vai ficar bem, se você quer ficar bem, procure um médico para ele, um especial.
Gameliel se virou para ir. Sentiu que de alguma forma perdera Erianthia Agasias para Sean Queise.
— Vai viajar hoje à noite, Gameliel? — ela ainda o chamou, antes dele desaparecer no corredor.
— Sim. Eu e Ophelie vamos tentar 1901 outra vez.
— A data de 1901 está fechada, Gameliel. Por que Mr. Trevellis insiste?
— Não sei Erianthia. Mr. Trevellis está cada vez mais irredutível. Ele só acredita no que o Dr. Nikiforus Theodorákis lhe disse.
— Nikiforus é um maluco perturbado. Quando todos vão perceber isso?
— Maluco ou não, só o Dr. Nikiforus Theodorákis pode ensinar o Sean Queise a viajar...
— Já disse que Sean não consegue… — Erianthia se alterou. —, que não tem feeling para isso.
— Então tudo o que nós dois fizemos até agora estará perdido, minha querida. Toda essa operação estará perdida — e o resto da voz de Gameliel se perdeu pelo corredor.
Erianthia ficou vendo Gameliel e seu andar caracteristicamente torto, se perder pelos corredores estreitos e extensos do mosteiro, se perdendo em meio ao som do piso de madeira velha, oca, que estalava sob seus passos.
Mosteiro Roussanou, Meteora; Grécia.
02 de novembro; 19h00min.
Quando Sean voltou a abrir os olhos muitas horas haviam se passado. Ele não sonhara, não sentira frio ou calor. Estava em choque com alguma coisa que lhe devorava o coração, que o fazia saber que havia algo de muito errado ali. Em volta dele, os mesmos cinco personagens de antes.
Somente Mr. Trevellis não estava lá.
— Você está bem Sr. Queise? — perguntou Pallas, um dos homens.
— Um pouco... — Sean tentou se erguer.
Uma jovem mulher de braços curtos, Nympha, se esforçou para arrumar um travesseiro nas suas costas. Sean teve a sensação de que a conhecia.
— Onde estou?
— Mosteiro Roussanou — ela disse.
— Achei que fosse impossível descer... — e Sean viu os cinco o olharem. Sean sentiu-se mal na presença deles, com sono. — Como eu cheguei aqui?
— Encontramos você ferido na floresta — respondeu Baco, um jovem ruivo, de pequena estatura, mais parecendo ser anão.
— Como sabiam que eu estava ferido na floresta? — ninguém respondeu. — Que pergunta idiota a minha, não? São agentes da Poliu — e Sean foi novamente olhado pelos cinco. E os cinco se viraram para sair. — Onde ela está? — insistiu e somente Nympha, a jovem de braços curtos, foi a única a parar de andar para então prosseguir. Sean captou aquilo. — Onde ela está Senhorita? — Sean se dirigiu a ela.
Os outros quatro olharam para ela. Nympha se incomodou.
— Não sei do que está falando Sr. Queise.
“Senhor?”, Sean tinha certeza que aquilo era a Poliu.
— E vocês alguma vez ficam sem saber o que alguém quer dizer? — Sean sabia que os cinco sentiram um pouco daquela ironia. Viraram para ir embora e abriram a porta. — Onde está Aagje?! — Sean subiu o tom de voz.
— Quem? — Phemie, a mais velha se alertou.
— É visto que o Sr. Queise precisa descansar — Ophelie, a terceira mulher do grupo, jovem como Nympha, empurrou Phemie sem que ela se movesse.
— Por que perguntou sobre ela, Sr. Queise? — Phemie, a mais velha quis saber.
Sean começou a não gostar daquilo.
— Como assim por que perguntei? Ela estava comigo quando o helicóptero caiu.
— Que helicóptero Sr. Queise? — perguntou Pallas.
Sean não gostou realmente. Eles eram espiões psíquicos da Poliu; podiam saber, podiam sentir, nada escapavam deles.
— Que helicóptero Sr. Queise? — voltou Nympha, a jovem de braços curtos, perguntar.
— O que talvez me trouxe aqui?
— Não vimos helicóptero algum em nossos radares.
— Onde está Aagje Papadopoulos?
— Ele está falando da milionária em que Erianthia trabalhava? — Baco, o de pequena estatura, mais parecendo ser anão, perguntou ali.
— Sim. Acho que sim — Pallas respondeu.
— “Trabalhava”? Quem é ‘Erianthia’? O que está acontecendo aqui? — Sean se sentiu perdido.
— A mulher que falou, essa tal Aagje Papadopoulos, ela está morta! — Nympha teve prazer em falar aquilo.
— O que?! Deus... Ela estava... Ela estava... Não... — Sean entrou em pânico. — Não... não... Ela não estava tão ferida — e os cinco se olhavam tentando entender o pensamento de Sean que sentiu sono outra vez. — Parem com isso... Não quero dormir... — e os cinco o olhavam tentando realmente entender aquilo. — Onde ela está? — Sean sentiu que ia apagar novamente. — Eu a quero ver.
— Ver quem? — perguntou Ophelie.
— Aagje... — Sean estava em choque. — O corpo dela ainda está aqui não?
— O corpo dela nunca esteve aqui, Sr. Queise.
— Como é que é? Onde está Trevellis? Por que ele levou o corpo de Aagje? Ele a está escondendo de mim?
— Temo que esteja realmente se sentindo mal, Sr. Queise. O corpo de Aagje Papadopoulos nunca chegou até aqui em cima porque foi levado pela polícia local quando o encontraram.
— “Polícia local”? Vocês não a resgataram? Trouxeram-me e a deixaram lá?
— “Lá”? — Nympha olhou assustada Phemie, a mais velha. — Por que não conseguimos ler os pensamentos dele?
— Porque ele não permite — foi sua resposta.
“Ler os pensamentos dele?”; agora Sean teve medo do que ouviu.
— Mas ele é como nós, não é? — Ophelie quis saber.
Phemie, a mais velha se enervava com as perguntas. Sabia que aquilo ia cair mais cedo ou mais tarde na cabeça dela.
— Não Ophelie... — Phemie encarou Sean que não gostou de ser encarado. —, ele é diferente.
Sean só ergueu o sobrolho.
— Diferente como? — Baco quis saber.
Phemie ia responder, mas Sean agarrou-a pelo braço no jogo de corpo que deu da cama usando uma camisola branca.
— Onde está Aagje Papadopoulos?
Ela encarou-o de muito perto.
— Morta, Sr. Queise! — se desvencilhou da mão forte dele. — Há um mês!
— Há um... Há um... — Sean a soltou sentindo dor, sem saber se ouvira direito, sentindo que o chão lhe faltava, o ar também. — O que? Mas como... Há quanto tempo estou aqui?
— O tempo... — soou da boca nervosa de Baco.
Sean o olhou. Havia algo ali, naquela frase entrecortada.
— Está conosco há dois dias, Sr. Queise — respondeu Phemie novamente.
Sean arregalou os olhos azuis sentindo mais dor.
— Dois... Por que não estou entendendo?
— Não sei o que está acontecendo aqui, Sr. Queise, mas vou lhe tirar suas duvidas. Chegou sozinho a...
— Eu não estava sozinho!!! Aagje estava comigo no helicóptero!!! — berrava descontrolado.
— Não há nenhum helicóptero, Sr. Queise!!! — berrou Nympha também descontrolada.
— Eu vim de... — engoliu a saliva com dificuldades. — O aparelho caiu... Não... não pode ser... — Sean olhou cada um dos cinco. — Eu a salvei...
— Salvou quem?
— Aagje Papadopoulos.
Os cinco realmente nunca se viram em tamanha confusão.
— Senhor... Só houve uma queda, a queda do helicóptero aqui na Meteora que matou a Srta. Aagje Papadopoulos e seu piloto Zenon Kanapokolo dia 28 de setembro.
“28 de setembro... 28 de setembro... 28 de setembro...”; imagens de Aagje em chamas tomaram a orbe dele.
Sean sentia que não ia gostar da vida dali em diante.
— O fogo alertou o Vilarejo de Bardin e a polícia local foi acionada. Quando os encontraram, tudo estava em chamas e os dois mortos — completou Baco, o anão.
— Ahhh... — Sean foi ao chão.
— Senhor? — Ophelie ia ajudá-lo, mas Phemie não deixou.
Os outros a olharam novamente.
— Não... não... não pode ser. Ontem... Quando caímos... — Sean se tocou. — Vejam... Eu prendi a perna no banco do helicóptero quando ele bateu no rochedo e caiu... — apontou para a cicatriz que se formava na coxa esquerda. — Bati o rosto nas ferragens e sangrou — se tocou. — Não estou enlouquecendo.
— “Ontem”? — os cinco se olharam.
— O Senhor estava perdido, desorientado na floresta e machucado no rosto e na perna — falou Pallas.
— O Senhor foi captado por nossos alarmes já que nós, espiões psíquicos, não o mentalizamos — falou Baco.
— O Senhor estava desidratado, com a... — ia Ophelie falar.
— Caímos!!! — gritou Sean descontrolado. — Eu, Zenon Kanapokolo e Aagje Papadopoulos!!! Eu machuquei meu rosto e... — e a porta se abriu para Aagje Papadopoulos entrar no seu quarto, viva, gozando de saúde. — Ah! Graças a Deus... — Sean saltou da cama abraçando-a. — Eu disse... Eu disse que você estava viva, mas ninguém... — Sean sentiu que Aagje não se movia. — Eu disse... eu disse... — e Sean largou-a perante sua frieza. — O que há com você?
— Volte a se deitar Sr. Queise! É visto que precisa descansar! — disse Erianthia.
— Senhor? — Sean piscou mais de uma vez. — Como é que é?
— Ele disse que Aagje Papadopoulos estava viva — Nympha foi categórica com Erianthia.
Sean olhou os cinco agentes lhe olhando.
— Qual é a de vocês? Não estão vendo que ela está viva? — apontava nervoso para a mulher parada na frente dele. Eles se olharam e Sean olhou Aagje. — Fale Aagje... Fale para eles como sobreviveu?
— Quem está chamando de ‘Aagje’, Sr. Queise? — Baco quis saber.
— Chega Baco! — Erianthia chamou-lhe a atenção começando a se preocupar. Não era para todos os outros agentes saberem. — Acho que o Sr. Queise está debilitado, Nympha, Baco, Phemie, Pallas e Ophelie. Vamos deixá-lo dormir um pouco mais — falou Erianthia.
— “Dormir”? Do que está falando, Aagje?
— Por que ele está a chamando de Aagje, Erianthia? — Baco a confrontou.
— “Erianthia”? — agora Sean se sentiu perdido. — Por que ele a chamou de ‘Erianthia’?
Erianthia se esticou e deu um passo em sua direção.
— Eu sinto realmente se duvida de nós, Sr. Queise, mas Aagje e seu secretário Zenon que pilotava, morreram dia 28 de setembro quando o helicóptero da família Papadopoulos caiu — voltou ela a confirmar.
Sean não entendeu aquela frase, aquela frase saindo da boca dela.
Riu nervoso.
— O que está acontecendo aqui?! — berrou com a opulenta mulher a sua frente que todos chamavam de ‘Erianthia’.
— Não sei o que está ‘acontecendo aqui’, Sr. Queise. Mas se pode perceber somos agentes da Poliu — Erianthia foi o mais convincente que conseguiu. Viu Sean arregalar os olhos, dar passos de ré totalmente desorientado, cair sentado na cama ainda vestindo a camisola branca, as feridas, a incompreensão. — E essa é nossa família, Sr. Queise! — apontou a Senhorita Agente Erianthia, a mulher que Sean acreditava ser Aagje Papadopoulos. — E eu sou a Senhorita Agente Erianthia Agasias.
“O tempo...”, soou nonsense em meio a flashes de Aagje em chamas que tomaram conta de sua orbe novamente.
Sean sentiu que ia apagar. Quis até.
Aagje/Erianthia prosseguiu sem dó, porém.
— Sou espiã psíquica da Poliu! — ela completou.
Sean Queise caiu em gargalhada. Olhou um e outro e voltou a olhar Aagje/Erianthia parando de respirar. Olhou os outros cinco o olhando. Entendeu, contudo o porquê do sono; estavam lhe analisando.
— Vocês são... Vocês são... — e Sean paralisou no que Zenon entrou pela porta.
— E esse é Gameliel Siaraferas! — apontou Aagje/Erianthia para o jovem que acabava de entrar. — Ele é um dos nossos.
E um no na garganta de Sean Queise se fez.
— Mas que palhaçada é essa?! — Sean elevou a voz indo para cima dela, mas seu corpo foi lançado sobre a cama e lá ficar paralisado, catatônico, preso por uma força até então desconhecida.
Sean sentiu toda dor possível. Ele havia sido enganado pela Poliu. Abaixou os olhos querendo muito mais que só ter abaixado os olhos mareados.
— Está o machucando! — Nympha se enervou com Aagje/Erianthia no que viu Sean preso pela força de Erianthia.
— Solte-o Erianthia! — ordenou Phemie.
Aagje/Erianthia ainda o olhou com gosto, com gosto de o ver dominado. Sean caiu na cama no que ela o soltou. E ele levou minutos para se recuperar da extraordinária força psíquica dela, para voltar a querer falar, respirar, viver.
— Por quê? — foi só o que conseguiu falar.
Zenon/Gameliel olhou Aagje/Erianthia, Aagje/Erianthia olhou Zenon/Gameliel e Sean olhou os dois.
Gameliel com talvez 23 anos, magro, olheiras salientes e corpo esguio feito pau-de-vara, tremia.
— Porque somos espiões psíquicos da Poliu — falou Aagje/Erianthia com gosto novamente.
Sean sentiu o prazer com que a Senhorita Agente Erianthia falou aquilo. E ela sabia que ele lhe permitira sentir aquilo, que seu coração batia mais rápido que o permitido, que sua raiva estava a ponto de explodir.
Ele desmaiou para desespero dos agentes.
— Erianthia?! — gritou Phemie furiosa.
E Aagje/Erianthia só olhou o corpo dele desmaiado.
9
Mosteiro Roussanou, Meteora; Grécia.
03 de novembro; 17h57min.
Quando Sean voltou a acordar não podia negar, Aagje Papadopoulos ou a Senhorita Agente Erianthia Agasias era bela. E ela estava com toda a sua opulência sentada à sua frente o olhando.
— Há quanto tempo está aí?
Ela olhou no relógio de pulso e piscou os olhos azuis.
— Aqui as horas demoram a passar.
Foi a resposta fria que Sean teve.
Odiou-a.
— Deus... Deus... Era você no Burj Al Arab, era você no Astra Hotel... Era você quando voltei de Londres? Você... Você... — olhou em volta. — Como? Como pôde?
— Pude o quê? Obedecer a ordens?
Sean arregalou os olhos azuis tremendamente nervoso.
— Você...
— Eu?
— Pare com isso!!! — gritou Sean no que ela se calou. — Onde está Trevellis?
— Ocupado!
— Quero que ele me dê explicações!
— Ninguém vai dar!
— Como é que é? — Sean olhou em volta sentindo-se claustrofóbico no que dessa vez Erianthia não respondeu. — Posso sair ou sou algum tipo de prisioneiro? — ele outra vez não ouviu respostas.
Erianthia então se levantou e deu o que lhe parecia ser uma muda de roupa para que ele vestisse. Sean ergueu-se de camisola branca ainda se sentindo tonto. Pegou a muda de roupa das mãos dela e ficou olhando ela voltar a se sentar e o olhar. Depois foi a vez dele olhar em volta; havia uma cama de madeira antiga e bons e macios lençóis onde deitara, dois travesseiros e uma mesa lateral com um copo de água tampado; somente.
A janela estava fechada. Sem cortinas, lustres, enfeites. Mais que aquilo, a agente da Poliu sentada numa cadeira o observando.
“Droga!”
— Posso me trocar Senhorita Agente Erianthia Agasias? — ele viu que ela continuou a olhá-lo. — Ahhh... — Sean voltou a olhar em volta começando a achar que ela não ia sair dali. Engoliu o resto das perguntas e começou a se vestir por debaixo da camisola branca que usava.
Erianthia o observava, cada linha de expressão, cada movimento do peito inflado de oxigênio, cada régua de músculo que mostrou ao ficar de cuecas no retirar da camisola.
Os olhos dos dois se cruzaram e Sean vestiu a calça de tecido fino, marrom, amarrada na cintura. Amarrou-a com força quando percebeu que era exatamente na linha do equador que Erianthia se fixava mais. Sean não acreditou naquilo, fosse Aagje ou a Senhorita Agente Erianthia, ela fazia para irritá-lo.
Os olhos dele voltaram a se cruzar no que as réguas do dorso musculoso, malhado passaram ser de interesse dela. Ele colocou a camisa larga e branca de botões e os olhos azuis de ambos se cruzaram pela terceira vez. No chão um par de sapatos que mais pareciam pantufas e Sean a olhou como quem diz ‘Pronto!’.
Ela nada esboçou. Levantou-se e abriu a porta. Sean girou os olhos e a seguiu sem muitas opções. A odiava tanto que se uma faísca passasse por perto ele explodiria.
“Droga!” voltou a pensar.
— Que lugar é esse? — falou enfim.
— Não escutou quando lhe disseram ontem? — Erianthia o olhou de lado e Sean só ergueu o sobrolho. — Mosteiro Roussanou! — voltou a responder friamente. — O mosteiro é habitado por monjas.
— Mas o mosteiro é aberto, não?
— Uma área apenas. A Poliu utiliza a outra. Claro que para não causar nenhum transtorno à vida monástica, há uma disciplina de horários rigorosos que organizam o problema de convivência entre as monjas e os turistas. As áreas abertas aos visitantes correspondem geralmente aos pátios e jardins interiores, às igrejas e aos museus existentes em alguns dos cenóbios. No museu do Mosteiro de Roussanou, podemos ver uma coleção de cruzes esculpidas em madeira e com incrustações de prata, manuscritos de cânticos do século XV e manuscritos dos evangelhos em seda do século XVI.
— Posso ver?
Erianthia parou.
— Ver?
— Wow! Fico feliz em saber que não conseguiu ler meus pensamentos — ele viu Erianthia só o olhar. — A vista, Senhorita agente. Posso ver a vista ou ela não faz parte do pacote turístico? — Sean esperou e ela titubeou alguns segundos e só. Virou-se e andou o resto do corredor de piso de madeira antiga para então descer uma longa escadaria em caracol. Atingiram novamente um corredor e Erianthia abriu uma porta que dava para uma pequena e estreita sacada de madeira, incrustada na rocha. — Deus... — os olhos dele se encheram de uma vista deslumbrante. — Sob as nuvens...
— Literalmente.
Sean olhou os enormes rochedos escarpados que os rodeavam, olhou o espaço e a dimensão daquelas estalagmites gigantes voltadas para o céu. O mosteiro se encontrava entre ravinas e vales incrustados em fantástica topografia da Meteora.
— Isso tudo aqui é fantástico...
— Antigamente os monges recorriam a escadas de corda suspensas ou a elevadores de cabrestantes, ainda hoje operacionais e utilizados para fazer subir cargas pesadas.
— Fantástico… — Sean assimilou, a saída dali seria difícil. Fora os caminhos dentro do mosteiro que deveriam ser de complicado trajeto, do lado de fora apenas uma ponte os mantinham conectados com o mundo exterior. — “Um grupo de paleontologistas gregos descobriu um muro de pedra de 23 mil anos aqui perto” — Sean repetiu a fala de Aagje Papadopoulos.
Erianthia Agasias o olhou de lado.
— E você não acredita nisso Sr. Queise? O muro cobre dois terços da entrada da gruta, lugar onde os paleontologistas escavam há 25 anos, talvez não fossem para se proteger... Talvez a estivessem utilizando como uma passagem — ela viu que Sean também a olhou de lado. — A gruta estava lacrada. Também não se pergunta por que ela foi lacrada, Sr. Queise?
— Você mesmo disse que a gruta foi construída...
— Para barrar uma entrada, talvez? — Erianthia foi mais fria que antes. — Os habitantes paleolíticos da gruta podiam estar se defendendo do tempo, Sr. Queise.
— Ou de alienígenas que lá encontraram.
Erianthia dessa vez não se recuperou a tempo. Aqueles ínfimos segundos de paralisação foram suficientes. E nem a risada debochada que se seguiu fez Sean mudar de ideia; ela sabia de algo não importava qual identidade trajasse.
— Alienígenas? — riu ela, porém entrando para o corredor novamente. — Você é mesmo insano, Sr. Queise — começou a descer outra escada, para cada vez mais embaixo sabendo que Sean a estava aceitando muito rápido.
Sean deu uma última olhada na imensidão e fechou a porta que dava para a velha sacada. Entrou e desceu atrás dela que sumia da sua vista.
— Insana é se fazer passar por alguém que morreu, que morreu comigo.
— Estava demorando — ela foi puro cinismo.
— Como pôde fazer isso?
— Não sei do que está falando Sr. Queise.
Sean apertou seu braço até Erianthia fazer uma careta de dor.
— Vai me lançar longe outra vez?
— Você quer?
— Quero é saber por que você estava comigo quando o helicóptero caiu.
— Não sei nada sobre queda alguma — largou-se da mão que a segurava.
— Chega!!!
— Chegou aqui perdido na floresta.
— Você me levou naquele helicóptero!!! — voltou a apertar o braço dela.
— Está gritando e me machucando... — Erianthia esperou Sean aliviar seu braço, dessa vez, sozinho. — Já disse que não sei nada sobre helicóptero algum. Fiz-me passar por Aagje Papadopoulos sob ordens da Poliu no Burj Al Arab, na Computer Co. em São Paulo, e durante aquele jantar do Astra Hotel que você saiu após o show que deu.
— Mentira! Esteve no meu quarto do Astra Hotel quando eu voltei de Londres, na sacada que serve cafés particulares, porque me convidou para ir no seu helicóptero, que caiu comigo.
— Já disse...
— Chega!!! Chega!!!
— Está maluco, perturbado! Nunca estive em quarto algum! — e Erianthia se soltou dele.
— Falou sobre a gruta da Tessália... No quarto... Depois que voltei de Londres...
Mas Erianthia não esperou ele divagar mais, desceu o que ele calculou serem cinco andares até sentir um cheiro de abóbora invadir o ar. Sean sentiu fome, gostou de estar vivo apesar de tudo.
Ficou vendo a Senhorita Agente Erianthia andando na sua frente. Sentia com todo seu conhecimento paranormal que havia algo errado em tudo aquilo. Ele estivera com ela na volta de Londres, ela o fora ver no hotel, ele estava na marina a esperando, ela procurara aquele vestido e demorara, tomaram juntos o helicóptero pilotado por Zenon, pelo mesmo Zenon que morrera com ela, e Sean outra vez estava e não estava naquele acidente.
Havia muitas perguntas na sua cabeça naquele instante, nada parecido ao sobressalto do encontro que seu corpo teve com os seios extremante fartos, toda a opulência de Erianthia Agasias, quando ela se virou para ele num rompante.
— Ahhh...
— Por que está me olhando assim? — ela quis saber.
— Lhe incomoda? — desafiou-a ainda em choque.
Erianthia se virou e outra vez ameaçou deixá-lo sozinho. Dessa vez Sean a seguiu um pouco mais rápido, entrando numa sala medieval em toda a concepção da palavra; construção, mesa, cadeiras, redor. Lá estavam os seis outros espiões psíquicos comendo. Eles olharam Sean entrar com Erianthia e ver que ela apontou para ele, uma mesa lateral com pratos, talheres e um grande caldeirão. Dentro carne desfiada e abóbora. Ao lado, arroz branco, salada completa e frutas. Do outro lado, muito vinho.
O cheiro realmente era muito bom. Sean encheu um copo de vinho e esvaziou. Encheu outro e tomou tudo. Voltar a encher novamente.
— Nós gregos achamos que não é aconselhável beber de estômago vazio...
Sean gelou no que Zenon/Gameliel falou aquilo. Phemie o percebeu parado de costas para todos.
— Sirva-se, Sr. Queise — falou Phemie ao lado de Erianthia.
— Essa é Phemie Pakalus… — Erianthia mostrou a Senhora na casa dos 50; a mais velha deles. —, ela é nossa espiã psíquica sênior — Erianthia prosseguiu ao mostrar que Phemie era uma mulher obesa, de cabelos loiros platinados presos num coque que meio que se desmanchavam. Sean teve medo dela, da figura dela ao olhá-lo com ímpeto. — Phemie está aqui desde a época de Mona Foad — Erianthia gostou de ter completado a apresentação.
Aquilo sim o alertou. Mona amiga e um mosteiro cheio de espiões psíquicos no centro da Grécia. Por que aquilo lhe escapara aos seus hackeamentos, não sabia.
— Essa é Ophelie Lennus Kappas… — Erianthia apontou para uma jovem mulher bonita, magra, com espinhas no rosto, na faixa dos vinte e dois anos; os óculos dela caíam pelo suor. — Espiã psíquica da Poliu.
— Por que me enganaram?
— Enganamos? — Baco quis saber.
— Esse é Baco Bakogiannis — correu Erianthia a apontar para o jovem com talvez 28 anos, de corpo atarracado, que parecia anão. Os cabelos ruivos e encaracolados o faziam lembrar uma criança crescida. — Espião psíquico da Poliu.
Sean ia falar, mas conteve-se. A raiva que sentia dela era maior.
— Essa é Nympha Zarvos… — Erianthia apontou para a jovem de 20 anos que tinha os braços curtos causados evidentemente pela talidomida; ela tinha os dentes alvos e sorria para Sean com gosto. —, também espiã psíquica.
Ela gingou o corpo e Erianthia não gostou daquilo. Erianthia a olhou e ela recuou na graça. Já Sean tinha a sensação de conhecê-la.
— Esse é Pallas Marangakis, espião psíquico e nosso team leader — ela apontou agora para o membro masculino mais velho, na casa dos 40 talvez.
O rosto de Pallas era muito bonito e seus olhos brilhavam intensamente. Cabelos compridos e cheios de tranças inclinou a cabeça como que num cumprimento de respeito a Sean. Ele podia dizer naquele momento que foi no único em quem sentiu confiança.
— Essa é nossa família! — Erianthia terminou não incluindo a apresentação de Gameliel.
— Parece que a querida Erianthia em esqueceu… — Gameliel ficou com mais ódio de Sean Queise. — Sou Gameliel Siaraferas, espião psíquico.
Sean nada comentou e ninguém, mas ninguém mesmo deixou uma única dobra na pele acontecer. Nada se moveu nos rostos frios deles. Sean errara, sentiu medo de todos os sete ali presentes. Respirou profundamente e serviu-se de comida. E servir-se foi fácil, saber onde sentar-se é que era.
Nympha apontou para a cadeira vazia ao lado dela.
— Obrigado — mas Sean preferiu o pior, sentou-se do lado de Erianthia Agasias que parou o garfo no ar. Ele gostou de vê-la incomodada e Erianthia o viu a olhando. Voltou a comer em silêncio. Sean também. A comida não era de todo mal. — O que fazem aqui?
Os sete se olharam.
— Vai saber em breve, Sr. Queise — respondeu Phemie Pakalus.
— Chame-me de Sean.
Phemie olhou todos.
— Estamos acostumados a falar seu nome assim.
— Não gosto do ‘Senhor’. Tenho 24anos.
— Está bem... Sean.
— O que fazem aqui então, Phemie?
Phemie olhou o team leader Pallas, era ele quem tomava decisões, inclusive responder ou não.
E Pallas tomou a decisão mais difícil.
— Nós mentimos.
Erianthia olhou Pallas com susto.
— O que? — Sean não se situou.
— Mentimos quando dissemos sobre o helicóptero.
— Pallas! — Erianthia exclamou com força.
Team leader ou não, ele também não podia tomar decisões muito bruscas.
— Então... — Sean olhou Erianthia olhando Pallas que só olhava Sean.
— A coisa de um mês e pouco, recebemos um aviso psíquico que um helicóptero com três passageiros iria cair.
— “Três passageiros”?
— Sim.
— Quando?
— Dia 28 de setembro. Mas quando chegamos lá, havia um incêndio e apenas dois corpos sem vida, levados pelo resgate.
— “Dois corpos”? — Sean sabia que tinha mais. — E no que mentiram?
— Dia 29 de setembro voltamos a receber um aviso psíquico que um helicóptero com três passageiros iria cair, mas quando chegamos lá não havia nenhum helicóptero caído.
— Deus...
— Então dia 30 de setembro voltamos a receber um aviso psíquico que um helicóptero com três passageiros iria cair, e outra vez chegamos lá e não havia nenhum helicóptero caído.
— Então dia 01 de novembro?
— Então dia 01 de novembro, 02 de novembro, 03 de novembro, 04 de novembro, 05 de novembro, ininterruptamente até dia 24 de outubro, recebíamos avisos psíquicos que um helicóptero com três passageiros iria cair, mas quando chegávamos lá não havia nenhum helicóptero caído.
Sean teve medo do que ia ouvir.
— Então dia 25 de outubro?
— Cedeu! Nenhum aviso até anteontem dia 31 de outubro, quando um aviso psíquico que um helicóptero com três passageiros iria cair, e somente você foi encontrado ferido, sem nenhum acidente de helicóptero, ou helicóptero capaz de machucá-lo.
“25 de outubro?”, Sean sabia que aquilo significava sua chegada a São Paulo.
Teve realmente medo de estar ali.
— Eu caí Pallas, caí com o helicóptero. Éramos três passageiros; eu, Aagje Papadopoulos e Zenon Kanapokolo — Sean olhava Erianthia de cabeça baixa. — Éramos três no helicóptero, não Senhorita Agente Erianthia? — ele sabia que só ela poderia responder àquilo.
— Ainda estamos tentando procurar rastros no éter, mas não encontramos — foi Phemie, a mais velha, quem completou. — Não sabemos como chegou até aqui, Sr. Queise já que não havia helicóptero caído. Apenas você ferido.
Erianthia começou a ficar agitada e Phemie levantou-se acionando o tablet dele, mostrando a tela do Google.
Sean leu em choque:
— Eu não... Eu não... Não havia nada no Google.
— E não havia porque aqui diz que a notícia da morte dela há um mês, só foi divulgada há dois dias. Porque a Silicio Company tinha um negócio com a M.S.Comput que não seria completado com a morte de Aagje Papadopoulos.
— “Dois dias”? — Sean caiu sentado novamente. — Quando eu cheguei não? — olhou um e outro. — Deus... — Sean lembrou-se de Aagje Papadopoulos e seu sorriso, seus seios volumosos saindo da água de sais perfumados que voltavam em flashes, e que talvez nunca tivesse sido Aagje, porque era Erianthia, ou talvez nem fosse; Sean nada mais entendia. — Ela estava comigo naquele helicóptero... Eu estava naquele helicóptero, Pallas... — e tocou seu rosto direito a procura da cicatriz que ali ficara quando a porta voltou a se abrir.
— Como consegue, ‘filho de Oscar’? — foi a gota de água.
Sean revoltou-se com a entrada repentina de Mr. Trevellis no refeitório. E todo o tamanho dele o incomodava.
— Consigo o quê?
— Conversar com mortos? — Mr. Trevellis pegou um prato rindo.
Um silêncio só rompido por ele.
— Não sou eu quem filma mortos no Burj Al Arab.
Mr. Trevellis agora gargalhou com força a colocar muita abóbora no seu prato.
— É verdade.
— Seu desgraçado... Você sabia? Sabia que Aagje estava morta e mandou sua Senhorita Agente Erianthia lá, se passar por ela... Você não é gente!
— E você é gente, filho de Oscar?! Conversando com mortos?! — berrava descontrolado. Ophelie e Gameliel precisaram se erguer para evitar que a fúria de Mr. Trevellis não saísse do limite. — Porque não me agradou nada jantar com você naquela casa onde Fernando vaga! — exclamou com raiva.
— Acalme-se Mr. Trevellis! — Phemie tentava manter o controle.
“Fernando vaga... Fernando vaga... Fernando vaga...”; Sean só conseguia ouvir aquilo.
— Você... Você... — Sean não conseguia terminar a frase, porque então Mr. Trevellis também sentira a friagem, a presença de seu pai ali, vagando.
“Fernando vaga... Fernando vaga... Fernando vaga...”; soava e soava.
Sean olhou Erianthia lhe olhando, olhou Mr. Trevellis rindo, olhou Phemie e Pallas agitado com o que Mr. Trevellis fizera, com que o sempre fazia para com o jovem Sean Queise, e Sean voltou a olhar Erianthia lhe olhando.
“Fernando vaga... Fernando vaga... Fernando vaga...”; aquilo não parava de soar quando a voz de Mr. Trevellis o atingiu novamente.
— Acredita nisso? — Mr. Trevellis comia não sentindo remorso. — Em desastres que não acontecem ‘filho de Oscar’?
— Não me chame assim!!! — Sean se enervava.
— Como consegue, ‘filho de Oscar’? Como consegue realmente conversar com os mortos?
E o mármore colorido, de filetes de ouro duplicava, se multiplicava, tomava conta do refeitório medieval, da banheira de mármore caro, dos cinco espiões psíquicos, de Sean, e de uma mulher bela e opulenta, não muito diferente de Erianthia Agasias, mais gorda talvez, rindo nua numa banheira, para então os seis espiões e Sean voltarem ao refeitório medieval vendo Mr. Trevellis comer tranquilamente.
— Deus... — Sean não acreditou no que ele próprio fez.
— Incrível! Incrível! — Nympha, Ophelie e Baco estavam eufóricos pela viagem instantânea ao Burj Al Arab, se olhavam o tempo todo sem entender como conseguiram sair tão rápido.
Sean olhou todos, olhou Erianthia, olhou todos.
— Vocês... Ela... Vocês duas... Deus... Aquela no Burj Al Arab era a verdadeira Aagje? — foi a pergunta de Sean a todos, aos cinco espiões menos Gameliel, que estavam realmente em choque, porque nunca haviam viajado fora da sala vermelha, nem sabido que Sr. Queise podia viajar daquela maneira, que ele podia levá-los a viajar com ele.
— Viu ‘filho de Oscar’? — gargalhava Mr. Trevellis. — Você só precisa de um pouco de estimulo para funcionar.
Sean sentiu-se tonto, confuso, enjoado ‘com e como’ funcionava. A abóbora, os sais perfumados, tudo ali. Desabou no chão sem que Erianthia piscasse uma única vez, sob fortes olhares de todos os cinco, menos Gameliel, que a acharam parecida demais com a morta Aagje Papadopoulos.
10
Mosteiro Roussanou, Meteora; Grécia.
04 de novembro; 08h07min.
Sean abriu os olhos azuis e viu que usava a mesma roupa dada dia anterior. E Erianthia Agasias estava lá outra vez, na cadeira à frente de sua cama, lhe observando.
— Não vamos conseguir muita coisa se vai ficar desabando cada vez que se lembra de algo, Sr. Queise — falou irritada.
“Droga!” Sean a odiou, mas nada respondeu.
— Ficaram todos muito entusiasmados com você. Eles nunca viajaram além da sala vermelha.
— “Viajaram”? Eu deveria estar com medo, não?
— Deveria! Porque na verdade ninguém viajou, você trouxe o Burj Al Arab até aqui.
Sean não esperava aquela reposta. Ele mesmo disse a Renata para ter medo dele.
— Como eu pude trazer o Burj Al Arab?
— Não sei. Responda você a mim.
— Foi algo do tipo...
— Do tipo o que? — Erianthia riu e Sean levantou-se da cama. Ela se alertou parando de rir. — Acalme-se Sr. Queise ou vou ser obrigada a lhe derrubar outra vez.
— Quero ir embora!
— Ehhh? Acha que está num daqueles hotéis sete estrelas, Sr. Queise? Fazendo check-out com... — e Erianthia parou no que Sean chegou nela tão rápido que ela não acreditou quando foi arrancada da cadeira pelo braço e carregada até a porta, que se abriu sem tocarem nela, e fora dela, e por todo o corredor. — Está maluco, perturbado?! — tentava ser desvencilhar dele que a puxava apertando cada vez mais a mão no braço dela sem conseguir se concentrar, derrubá-lo psiquicamente. — Ai!!! Está me machucando!!! — berrou.
— Vou fazer mais que isso Senhorita Agente Erianthia! — e Sean a arrastava aos trancos.
E foi aos trancos que ela e ele desceram a escada de caracol apertada até o segundo andar, abaixo do quarto dele.
— Ai!!! — Erianthia gritou cada degrau tentando colocar os pés no chão, mas eles estavam suspensos pela força empregada. Os dois avançaram com o lufar gelado que os tomou de supetão na sacada de madeira antiga. Sean imprensou a opulenta Erianthia na parede em meio ao nada, acima de tudo. — O que vai fazer?! — gritou ela. — Jogar-me?!
— Quem sabe você não morre?! — berrou também. — Ou quem sabe você e todos aqui já não estão mortos?!
— Está maluco?! Insano?! Solte-me!!! — Erianthia tentava se soltar, quase por sobre das poucas e delicadas balaustres de madeira antiga que os protegiam da morte. — Me solte Sr. Queise!!!
— Quer mesmo?!
Erianthia olhou para baixo. Viu que ele não estava em seus melhores momentos.
— Vai me matar?!
— Você já está morta, Senhorita Agente Erianthia Agasias!
— Não! Não! Você está insano!
— Insano?! — gritou. — Converso com mortos, lembra?
— Não estou morta!
Sean a puxou e a imprensou contra a parede, com o corpo másculo que ela desejou em meio a tudo que via, vivia.
— E o que sabemos sobre a vida após a morte, Senhorita Agente Erianthia?! E como sabemos isso?! Ou melhor, dizendo, perguntando, argumentando ou que quer que seja?! — gritava sem parar. — Podemos saber algo sobre a vida após a morte?! Heráclito e seu ‘tudo flui, tudo está em movimento e nada pode durar para sempre’?! Ou Platão e sua imortalidade da alma no Fédon, no seu mundo das ideias?!
— Está maluco!!! Está maluco!!!
— Maluco?! Irracional?! Ou podemos desenvolver novos métodos de investigação racionais adequadas para a questão da vida após a morte?!
— Pare de gritar! Está maluco!
— Não estou maluco!!! — berrou. — Estou enlouquecendo por sua causa!!! — e se aproximou a roubar o ar dela. — E você está morta!!!
— Eu não estou...
— Então se não está morta, me responda Senhorita Agente espiã psíquica... — as bocas quase se tocaram. — Quem era a mulher rindo na banheira se não foi você quem me recebeu no Burj Al Arab?! Como eu conversei com Aagje Papadopoulos naquela banheira?! E maldição, como estive com ela no helicóptero se ela já estava morta e não era você?! Foi psychomanteum?!
— Eu... Eu... — Erianthia sentiu que a boca que desejara a boca dele, secara.
Queria falar, mas não conseguia.
— Foi psychomanteum?! — berrou Sean descontrolado.
— Eu... Eu... — Erianthia o olhava em choque.
Ela nunca previra aquilo, as ações dele nunca foram de levar alguém ao limite, ao perigo.
— Como?! Como?! Como?! — ele chacoalhava-a sem perdão com a vista do precipício se moldando nela. — Fale algo mais complexo que ‘eu’ Erianthia!!!
— Eu...
— Você o que?! Droga!!! Droga!!! Droga!!! Você o que?!
— Eu sou uma Zeladora do tempo!!! — berrou Erianthia já não conseguindo mais.
Sean a largou até o chão da sacada. E o chão da sacada era estreito para os dois ali, para tantas perguntas e respostas, para o alto do mundo.
— Você... Você o que...
Ela levantou-se sem ainda conseguir engolir saliva.
— Eu sou uma Zeladora do tempo!
Sean arregalava os olhos sentindo que ia desabar novamente. Olhou em volta. Achou que não era uma boa ideia fazer aquilo ali.
— Me tira daqui... — foi só o que falou antes de desabar.
Erianthia dessa vez foi rápida o suficiente para segurá-lo e trazê-lo para dentro. Acionou mentalmente os outros seis espiões psíquicos para ajudá-la.
E eles não gostaram do que souberam quando lá chegaram.
Mosteiro Roussanou, Meteora; Grécia.
04 de novembro; 10h26min.
— Enlouqueceu ou o que?! — gritou Phemie. — Não podia falar sobre nós Zeladores!
— Não grite comigo! — Erianthia tremia muito. — Eu não tive alternativa! Ele estava quase me soltando de lá de cima.
— Sr. Queise jamais iria... — Gameliel nem terminou a frase.
— Ele ia, Gameliel! Acredite!
— Sr. Queise nunca matou nem uma mosca — retrucou Phemie novamente.
— Ele ia!!! Ele ia!!! — berrava Erianthia descontrolada. — Eu sei!!!
— Se você não previu atitudes dele, que ele ia arrastá-la como disse, que ele arrastou e você nem conseguiu derrubá-lo, então não diga que ele ia jogá-la assim com toda essa certeza — emendou Baco.
— Ehhh!!! — Erianthia berrou mais descontrolada ainda.
Os sete estavam ali, na sala vermelha, sem saber o que fazer.
— Vamos ter que contar a ele sobre você ter se passado por Aagje Papadopoulos, Erianthia — falou Baco. — Ou aquele telegrama vai dificultar tudo.
— Não fale sobre esse telegrama Baco — chamou Pallas a atenção dele.
— Então Erianthia se passou por ela? — Nympha explodiu.
Erianthia olhou Gameliel, ele não podia ter contado nada.
— Por isso ele dizia que a tal Aagje estava viva? — foi a vez de Ophelie.
— Não! — Erianthia olhou um. — Não! Não! — Erianthia buscou o olhar de Gameliel que teve medo que descobrissem que ele estava naquilo como diria Sean, ‘até o pescoço’. — Não podemos deixar o Sr. Oscar Roldman saber. A Polícia Mundial não pode ser culpada por...
— Você passou dos limites, não Erianthia? — Phemie mandou bala.
Erianthia olhou Gameliel outra vez que fugiu àquele olhar. Ela temeu que Phemie tivesse tirando alguma informação de Gameliel, já que dela ninguém conseguiria tirar nada, ler nada. E Erianthia sabia que Gameliel era muito solitário e via em Phemie uma mãe/amiga.
— Eu acho... — Phemie deu uma pausa. —, que mediante nossas dificuldades em atingir 1901 e a facilidade com que Sean faz essas viagens pela malha quadrimensional, que talvez fosse proveitoso que ele participasse.
— Não! — Erianthia se revoltou novamente. — Não e não! — olhou um e outro. — Sean não pode viajar no tempo...
— E o que é o tempo, Erianthia? O tempo só existe em uma quarta dimensão.
Erianthia ficou ouvindo Phemie falar.
— Por que Erianthia? — Ophelie que pouco falava também se intrometeu. — Por que sempre o defende dessa maneira?
— Como é que é?
— É isso mesmo — Nympha também se excedeu. — Você o guarda numa caixa de vidro e não divide ele conosco.
— Do que é que está falando sua incompleta?
— Erianthia! — Phemie chamou-a atenção. — O que é isso? Você nunca...
— Ehhh!!! — ela gritou saindo da sala vermelha.
Todos os seis se olharam. Ficaram, cada um a sua maneira pensando se talvez aqueles anos todos mentalizando Sean Queise, perseguindo sua mente pelo éter a mando da Poliu, não tenham interferindo no julgamento de Erianthia Agasias em relação a ele, Sean Queise.
Gameliel ia atrás dela.
— Gameliel! — exclamou Phemie com tanta força que ele paralisou. — Você sabe de algo?
— Não... — fechou sua mente.
— Somos bons no que somos, Gameliel e é por isso que não conseguimos tirar informações uns dos outros, mas sabe o quanto a ‘Operação Zeladores do tempo’ é importante para nós, e sabe tão bem quanto qualquer um de nós que se essa operação não der certo vamos ficar ‘órfãos’, sem a Poliu para nos custear — Phemie esperou Gameliel se virar e olhar para ele. — Não a deixe estragar isso.
— Pela família! — falou Baco.
— Pela família! — falou Nympha e Ophelie.
— Pela família! — falou Pallas e Phemie.
— Pela família... — completou Gameliel tristemente.
Erianthia do lado de fora da sala vermelha fechou os olhos. Não gostou do que ouviu. Não podia deixar Sean viajar nem podia dizer por que ele não podia viajar. Saiu dali antes que alguém saísse da sala e a visse lá, os ouvindo. Foi direto ao quarto dele, mas Sean não estava lá. Erianthia se desesperou não podia voltar à sala vermelha, não podia ir atrás de Mr. Trevellis, não conseguia se conectar a Sean.
— Sean? Sean? Sean? — chamava para o corredor vazio. — Era só o que me faltava — saiu à procura dele. Correu até a sacada, mas não havia ninguém lá. Cedeu a tentação e olhou para baixo. — Menos mal... — e Erianthia entrou de novo no corredor dando de cara com ele.
— Ficou mesmo achando que eu saltaria?
— Ehhh... — ela engoliu a saliva com força. — Achei! — ela viu Sean nada falar e dar a volta, e voltar a caminhar pelo corredor. — Onde estava?
— Por aí...
— “Por aí”? Não pode andar ‘por aí’, Sr. Queise.
— Por que me chamou de ‘Sean’?
— Quê?
— Me chamou de Sean.
— Eu nunca lhe chamei assim — se virou para andar mais rápido que ele.
— Onde está indo Senhorita Agente Erianthia?
— Comer! Ou acha que espiões psíquicos não têm fome? Ou ache talvez que nos alimentamos de orgone — gargalhava.
Sean ficou atrás dela o tempo todo. Erianthia percebeu que ia ser difícil se livrar dele. Entrou na cozinha e foi direto ao armário. Pegou uma xícara, alguns condimentos e começou a se servir. Terminou e sentou-se na beirada da cadeira sem trocar uma palavra.
— O que está tomando?
— Vinagre e sal.
— Wow! Você é esquisita.
— Sou?
Sean tirou a xícara das mãos de Erianthia e experimentou sob fortes olhares dela.
— Ahhh... Por que está tomando isso salgado? Sua pressão vai subir, não?
— A ideia é essa.
— Quer que a pressão suba? — e Sean não ouviu respostas. — SQM? — arriscou Sean. — Sério isso? Sensação de Quase Morte? — ela e viu confirmar no que ela o olhou. — Procurando a morte, Senhorita? — perguntou tomando novamente a estranha bebida.
— Você também não a procura, Sean?
Sean engoliu a resposta a seco.
— Talvez... — Sean a esperou o olhar e devolveu a bebida. —, porque o termo ‘SQM’ foi talhado pelo Dr. Moody, o mesmo quem criou uma câmara chamada psychomanteum — ela desse vez não o olhou. —, inspirada nas antigas técnicas utilizadas por 2500 anos, no Oráculo dos Mortos no Ephyra, aqui na Grécia — e tirou novamente a bebida da mão dela que nada falou ou olhou. — Então o visitante do Psychomanteum muitas vezes experimentava o contato com seus entes queridos através de técnicas — bebeu. —, que o levassem a uma quase-morte.
— “Quase-morte”? Estamos falando de mortos, Sr. Queise? — riu com gosto no trocadilho.
— Falo que de quem mais? — sorriu cínico a deixando de sobreaviso. — A sala de meditação espelhada, chamada de psychomanteum, foi desenvolvida pelo Dr. Raymond Moody, um psiquiatra que a utilizava para meditações em casas de repouso, para ajudar os pacientes e famílias na abordagem da morte até perceber que eles se comunicavam com os mortos, realmente.
Erianthia gargalhou.
— Você é cômico Sr. Queise.
— Sou? — riu vendo que Erianthia se alertou com ele novamente. — Psychomanteum ou espírito-espelho era um processo antigo grego que usava espelhos para ajudar as pessoas a entrar em reconexão emocional com os entes queridos perdidos. O quarto utilizado para o psychomanteum era equipado com um espelho e uma cadeira reclinada à meia-luz. A função do espelho é até hoje, desconhecida.
— Sean... — foi irônica.
— Não gosto quando me chama de ‘Sean’, me faz lembrar que já lhe conheço.
— Ehhh... — ela riu e levantou-se, saiu da cozinha o deixando lá, com a bebida que chamava a morte.
Sean girou os olhos e foi atrás dela.
— Aonde vamos agora?
— Eu não vou a nenhum lugar. Você vai voltar para seu quarto. Precisa descansar Sr. Queise.
— Não faço outra coisa desde que me trouxeram aqui.
— Não lhe trouxemos. Você veio.
— Eu caí aqui!
— Ehhh... — Erianthia gargalhou e Sean começou a se irritar com aquela alegria toda.
Seguiu-a sem muita opção. Já havia dado mil voltas nos vários corredores, encontrado várias portas fechadas e imaginado andares que não faziam parte do mosteiro; provável nem sabiam o que a Poliu fazia com a parte alugada.
— Que lugar era aquele de onde saiu?
Agora Erianthia entendeu que era ele quem a seguia.
— Sala vermelha.
— E por que ela é chamada assim? — ele andava na cola de Erianthia que à frente dele, não respondeu. — Eles fazem o que nessa sala vermelha, Senhorita Agente?
— Viagens astrais. Pela malha quadrimensional.
— Os sete juntos?
— Precisam ser cinco, Sr. Queise — parou para olhá-lo. — Cinco mentalizadores controlando o tempo e um viajante — ela o olhou de cima a baixo.
Sean não entendeu o porquê.
— Como eles conseguem viajar?
Ela voltou a andar.
— Como consegue viajar?
Sean foi pego de surpresa pela pergunta.
— Não sei. Há muito que parei de me perguntar ‘por que, por que, por que’ — olhou Erianthia e nada conseguiu, achou incrível como não conseguia ler os pensamentos dela. Nos últimos anos aquilo se tornara trivial. — Como diria Sócrates... “Só sei que nada sei”.
— Percebo que gosta de filosofia, não Sr. Queise? Já ouviu falar na Navalha de Ockham?
— Gosto de filosofia, Srta. Senhorita Agente Erianthia, e sei que Guilherme de Ockham foi um filósofo inglês nos idos 1300; um empirista que escreveu a obra Pluralitas non est ponenda sine neccesitate.
— Ehhh! “Entidades não devem ser multiplicadas além do necessário” — Erianthia sabia que o que Sean dissera era dúbio, subliminar. Teve medo dele. — Em 1324, Ockham foi chamado diante ao Papa para prestar contas pelas suas ideias pouco ortodoxas, e por pertencer a um grupo chamado ‘Os Espirituais’, uma ala extremista da Ordem Franciscana que se opunha à opulência da Igreja.
“Opulência...”; soou com dor por todo ele.
— Uma entidade secreta, Senhorita Agente?
— Ehhh! Ao contrário de Platão e seu mundo das ideias, Ockham, como empirista, defendia a experimentação como fonte do conhecimento em contrapartida de que, o verdadeiro conhecimento só poderia ser obtido pelo uso da razão pura, como Hume.
— O Universo das ideias de Platão... — Sean parou, olhou para os lados e tocou a parede. Não havia nada lá, nenhum passado. Depois voltou a segui-la. — Platão escreveu que o homem somente poderia apreciar e tocar os objetos e coisas… — Erianthia olhou Sean que recuou a mão da parede. —, mas deveria se lembrar de que este não era um Universo real.
— “Universo real”? Deveria estar com medo? — riu.
— Não sei, Senhorita. Mas é sobre isso que Platão escreveu no conto O Mito da Caverna, do livro A República; “Figura-te agora o estado da natureza humana, em relação à ciência e à ignorância, sob a forma alegórica que passo a fazer. Imagina os homens encerrados em morada subterrânea e cavernosa que dá entrada livre à luz em toda extensão. Aí, desde a infância, têm os homens o pescoço e as pernas presos de modo que permanecem imóveis e só veem os objetos que lhes estão diante”.
— Ehhh! Platão escreve sobre pessoas acorrentadas numa caverna de costas para a entrada, onde só são capazes de ver as sombras projetadas pelo mundo externo na parede da caverna, e por isso acreditam que estas sombras são as coisas reais e que não há nada além da caverna.
— E algo é real, Senhorita?
— Não sei Sr. Queise. O que sentiu quando tocou a parede agora a pouco?
Sean não soube o que responder, o que realmente responder. Os dois se olharam. Erianthia retomou o controle e voltou a andar. Sean sabia que perdera mais uma oportunidade de invadi-la.
Ela era mais perigosa que julgara.
— Aonde vamos realmente chegar com as aulas de filosofia que tanto gosto, Senhorita?
— Filolau de Tarento, 480-400 a. C.; ele tinha um sistema cosmológico onde acreditava que existia uma anti-Terra.
— “Anti-Terra”?
— Ehhh! Uma Terra e uma anti-Terra em movimentos síncronos e opostos, e também em movimentos síncronos do tipo ‘lado-a-lado’.
— E essa anti-Terra seria como?
— Invertida! — exclamou parando, o fazendo se chocar com ela, e não gostar do que ouviu; porque Sean teve medo do que ouviu. — Na cosmologia de Filolau… — prosseguiu ela. —, os componentes do Universo pertenciam a dois grupos, apenas, o dos limitadores e o dos ilimitados. Em um fragmento ele diz; “A natureza do Universo foi harmonizada a partir de ilimitados e de limitadores, e não apenas o Universo como um todo, mas também tudo o que nele existe”.
— Quem são os “limitadores e ilimitados”?
— Ninguém sabe ao certo quem são os limitadores e ilimitados, mas certamente aplicavam-se a coisas como terra, água, ar, fogo, espaço e tempo. Esses componentes básicos, como dizia, eram sujeitos à harmonia, um processo de mútuo ajustamento entre coisas dessemelhantes, de diferente espécie e de ordem desigual.
— “Ordem desigual”? Desordem e caos! Entropia do tempo.
— Ehhh! Gosto da sua inteligência Sr. Queise.
— E sendo uma espiã psíquica da Poliu, a conhece como ninguém, não Senhorita Agente?
Ela só o olhou e prosseguiu:
— Muito pouco chegou até nós sobre Filolau, nossa única fonte é Diógenes Laércio. Mas Filolau acreditava que, no centro do Universo, encontrava-se fogo e que a Terra era apenas um de seus astros; a Terra, ao fazer um movimento circular em volta desse fogo central, dava origem ao dia e à noite. Insano, não Sr. Queise? Enxergar tudo isso 400 anos antes de Cristo? — Erianthia voltou a andar após se virar para observá-lo; da cabeça aos pés. — Além da nossa Terra em oposição à anti-Terra, havia outros oito corpos celestes que se moviam no céu; dez ao todo. Incrível!
— A astronomia está enredada nos antigos. Incrível são os Sumerianos, por exemplo, que habitavam a Mesopotâmia por volta de 3000 a.C., e exerciam sua atividade astronômica tendo em vista a Astrologia. Assim, a principal Deusa dos Sumerianos, Inanna, que significa ‘Rainha dos Céus’ era associada ao planeta Vênus, que não tinham instrumentos para enxergar.
— Ehhh! É verdade que o filósofo grego Anaximandro de Mileto, 610-547, também concebeu os planetas como sendo rodas de fogo girando em torno da Terra. E tantos outros filósofos. Contudo Filolau de Tarento acreditava na existência de um fogo base-central, representando o centro de seu Universo esférico, fogo esse que era envolvido por dez esferas concêntricas correspondendo aos astros então conhecidos, sendo que na décima delas estavam situadas as estrelas.
— Eu estive pensando...
— Cuidado, Sr. Queise. O pensamento pode também gerar doenças.
— “Doenças”? — Sean achou graça, achou que era para achar.
Ficou tentado decifrar tudo aquilo, aquela precisão toda, já que a mente dela era fechada para ele.
— Ehhh! Filolau, Sr. Queise, acreditava neste décimo planeta, o antichton ou anti-Terra, que ficava sempre oculto para os terráqueos e situado do outro lado do Sol. Mas não se esqueça de que para Filolau, esse Sol visível era reflexo de um fogo central invisível, invertido.
“Invertido... Invertido... Invertido...”, soou por todo ele.
— Quem é você Senhorita Agente Erianthia? — Sean viu somente Erianthia sorrir abrindo a porta do quarto para que ele entrasse. — Quem são os Zeladores do tempo? — Sean parou na porta.
— “Nunc et seminibus si tanta est copia, quantam enumerare aetas animantum non queat omnis, quis eadem natura manet, quae semina rerum conicere in loca quaeque queat simili ratione atque huc sunt coniecta, necesse est confiteare esse alios aliis terrarum in partibus orbis et uarias hominum gentis et saecla ferarum”.
— Não sei latim — provocou-a.
— Nem tudo é perfeito, não Sr. Queise?
— Não... — Sean não sabia o que sentir por ela naquele momento.
Achou-a linda, porém.
— Titus Lucretius Carus, Sr. Queise, no célebre poema De Rerum Natura, identificava certa superstição, do latim ‘religio’, com a noção de que os deuses e seus poderes sobrenaturais criaram o nosso mundo, ou de alguma forma interferiram com as nossas ações. Titus argumentava contra o medo de tais deuses, demonstrando através de observações e argumentos lógicos que as operações do mundo, podiam ser explicadas inteiramente em termos de fenômenos naturais, os movimentos regulares, mas sem propósito e interações de átomos minúsculos no espaço vazio. Admitia a pluralidade dos mundos, de que não estávamos sozinhos nesse Universo, que para os primeiros filósofos gregos, como Anaximandro era indeterminado, infinito — e passou por ele para ir embora.
— Quem são os Zeladores, Erianthia?
Ela parou na forma como foi chamada. Na intimidade da forma como foi chamada.
Ainda de costas anunciou:
— O mosteiro segue regras que seguimos. O jantar é as 18h00min. As dezoito em ponto, eu estarei sentada à sua frente quando acordar, Sr. Queise.
— Por que acha que vou... — e Sean desabou na porta do seu quarto.
Erianthia Agasias se virou para trás com um sorriso no canto da boca, adorando saber que ia carregá-lo para a cama outra vez.
Mosteiro Roussanou, Meteora; Grécia.
04 de novembro; 15h08min.
Erianthia Agasias chegou atrasada a mentalização das quinze horas. Os portais se abriram e ela não estava lá. Quando entrou na sala vermelha o buraco estava se fechando. Os cinco voltaram a si muito nervosos e Phemie estava no chão, com sua energia psíquica totalmente consumida.
— Ainda dá tempo... — e Erianthia parou de falar ao ver Phemie notadamente com a pele afetada. — O que houve? — olhou-a assustada.
— Havia fogo, Erianthia... Fogo — Phemie a olhou de uma maneira que Erianthia não gostou.
— Não pode nos deixar aqui sozinhos — Gameliel estava notoriamente irritado.
— Nunca se atrasou — Baco completou.
— Estamos perdendo força quando sua força é usada com ele — Nympha se exaltou.
— Acho que não foi uma boa ideia trazê-lo aqui — falou Pallas enfim.
— Você não... — Erianthia arregalou os olhos para Gameliel no que leu seus pensamentos. — Você contou a eles?
— Não tive escolha...
— Você contou a eles?! — gritou Erianthia tão forte que toda a sala vermelha estremeceu.
— Como você conseguiu Erianthia? — Baco quis tocá-la e ela esquivou-se. — Como pôde Erianthia? Isso é totalmente fora dos padrões psíquicos.
— Erianthia sempre esteve longe dos padrões — soou Gameliel.
— Cale-se! — Erianthia o fuzilou e Gameliel passou a não mais encará-la. — Não vou falar sobre isso! — tremia. — Nunca mais!
— Nunca mais, mas continua gastando forças com ele — Nympha a desafiava.
— Ia deixar ele ferido na floresta?! — vociferou.
— Você o feriu! — Ophelie exclamou com força.
— Eu não fiz nada daquilo!
— Você o feriu, Erianthia. Testando sua força nele — Ophelie a desafiava como nunca até então.
— O feriu e o desejou! — exclamou Nympha enciumada.
— Cale-se incompleta! — Erianthia humilhou Nympha por aquilo.
— Hei?! Hei?! — Phemie se ergueu com dores, segurando Erianthia que ela agora sabia, não tinha como ser segurada. — Vamos nos acalmar Erianthia? Nympha? Gameliel? — incluiu-o. — Não sei que acidente é esse nem como vocês fizeram, mas vamos nos acalmar — depois se virou para Erianthia que derretia cada átomo de Nympha que começava a ter dores de cabeça. — Saber sobre sua atual situação nos é confusa, Erianthia. Não estávamos preparados para isso.
— Somos todos esquisitos, Phemie. Por que a ironia?
— Não estou sendo irônica, Erianthia. Mas nos é difícil entender no que se tornou. E como conseguiu se tornar nisso — apontou para toda ela.
— Você... — Erianthia mal conseguia falar passando Gameliel pelo seu contato visual. — Como pôde contar? Você era meu amigo.
— Era? Era?! Eu não contei nada!!! — gritava Gameliel descontrolado. — Fui obrigado!
Erianthia o olhou nervosa. Gameliel estava diferente; com ciúme, talvez.
Nympha cercou Erianthia.
— Você mudou quando o viu pessoalmente, não? Mentiu para nós, nos iludiu com essa coisa que se...
— Não seja ridícula, Nympha!
— Erianthia... — Ophelie ia falar.
— Não vou ter que ouvir isso, Ophelie.
— Você fez algo mais que... — e Nympha voou longe se chocando com a parede no que Erianthia só ergueu o braço.
— Erianthia!!! — agora Phemie gritou nervoso. — Não sabemos ao certo no que você se tornou, mas não pode testar essa força em nós.
— Acho melhor contar-nos o que houve! — Pallas se aproximou de Erianthia. — Contar exatamente o que houve com você, e quando.
Erianthia buscou Gameliel de cabeça baixa outra vez.
— Não posso!
— Por quê? — Baco quis saber.
— Porque o Sr. Oscar Roldman não permitiria.
— Mas não é a Polícia Mundial quem nos financia, Erianthia. É a Poliu! — e Pallas sentiu-se mal com o que Erianthia falou. — Não é a Poliu quem nos financia?
— O que disse? — Phemie parou no que ajudava Nympha a se levantar.
— Como assim ‘o que disse’? — Baco se agitou.
— Do que está falando Phemie? — Nympha mal conseguiu falar.
Houve agitação na sala vermelha.
— Mas a Poliu... — Phemie olhou Erianthia confusa. — Não foi Mr. Trevellis quem...
— Somos espiões psíquicos da Poliu… — Erianthia olhou todos de uma maneira diferente. —, mas somos pagos pela Computer Co. — olhou um e outro em choque. — Ou pelo menos éramos.
Baco, Phemie, Nympha, Pallas, Ophelie, e até Gameliel a olharam confusos.
— Como é que é? É o Sr. Queise quem nos...
— Não! — exclamou Erianthia nervosa. — Era o Sr. Fernando Queise quem nos financiava. Para que nunca permitíssemos que o Sr. Queise chegasse até aqui.
— Por que não conseguimos entender? — Baco quis saber.
— É? Por que não? — Nympha também quis saber.
— Então era o Sr. Fernando Queise quem nos financiava para irmos ao astral bagunçar as viagens de seu filho? Isso é imaturo! — Ophelie estava muito nervosa.
— Ele devia ter seus motivos — foi só o que Erianthia falou.
— Motivos desde quando o Sr. Queise começou a ser desenvolvido por Mona? — perguntou Baco.
— Isso! — exclamou Gameliel parecendo ter entendido algo. — Por isso que...
— Chega Gameliel! — Erianthia voltou a se alterar. — Perdão, Phemie, Ophelie, todos... Não posso falar nada além.
— Não Erianthia! Precisamos saber se era o Sr. Fernando Queise quem nos financiava.
— Não posso realmente Phemie, responder a isso.
Uma nova agitação se fez ali.
— Calma... Calma... — Phemie voltou a olhar Erianthia. — Só quero saber uma coisa; o Sr. Queise vai nos ajudar?
— Não sei Phemie. Não tenho ordens para forçá-lo.
— Nossa... — Pallas sentiu-se confuso. — O que vamos fazer se ele não ajudar a manter os espelhos?
— Minha Sta. Irene... Minha Sta. Irene... — Ophelie começou a se desesperar.
— Erianthia... — Phemie tomou forças para aquele momento. — Sabe o quanto é importante mantermos os alienígenas fora daquele espelho, não?
— Perdão, Phemie! Recebo ordens! — Erianthia foi enfática.
— E nós?
— Recebem ordens minha! — Erianthia foi enfática e categórica.
— Quando chegou aqui, Erianthia, trazida por Mona Foad, você tinha projetos... — Phemie falava calmamente.
Erianthia arregalou os olhos.
— Sean não pode saber que Mona me trouxe...
— ‘Sean’? — Nympha provocou-a. — Perceberam como ela o chama de Sean?
— Nympha! — Phemie chamou-a a atenção como já fizera com Erianthia; sabia que a presença dele ali ia gerar aquilo, que Nympha se interessara por ele em suas viagens astrais, assim como outras espiãs psíquicas.
— Nada de ‘Nympha’, Phemie — Nympha estava nervosa. — Não vê? Erianthia está o deturpando, mexendo com suas ideias, com seu corpo.
— Eu... — Erianthia olhou Phemie que se alertou com aquilo. — Sean... — olhou Nympha de lado. — Sean vai jantar comigo hoje a noite.
— Vai sair com ele? Sair do mosteiro? — Pallas se adiantou preocupado.
— Sim.
— Mas nunca nesses últimos... — e Nympha foi brecada pela mão forte de Phemie. — O que é?! — Nympha gritou com Phemie. — Ela não vê que é velha para ele... Ahhh!!! — e gritou ao ser esbofeteada, lançada outra vez para o outro lado da sala vermelha caindo no chão atordoada, sem que nada nem ninguém a tivesse tocado.
— Nympha?! — Baco e Ophelie correram para ajudá-la, vendo que nenhum deles estava perto o suficiente para tê-la esbofeteado.
— O que houve Nympha? — perguntou Pallas.
— Não sei... — Nympha olhou Baco, olhou Ophelie e Pallas. — Alguém... — Nympha olhou todos. — Alguém me bateu.
— Bateu? — perguntou Baco.
— Bateu? — perguntou Ophelie.
— Bateu? — perguntou Gameliel, também.
Nympha olhava um e outro. Jurava que não viu quem a esbofeteou. Mas Gameliel olhou para Erianthia que não se moveu do lugar.
— Onde vai levá-lo? — Phemie, a velha espiã psíquica quis saber em meio ao tumulto criado por Nympha.
— Ao Mosteiro Hotel — respondeu vendo o ciúme de Gameliel florescer mais.
Ficou triste pelo amigo.
— Sta. Irene... Você... O que você fez? — Phemie começava e receber as informações que Erianthia lançava a ela.
— Fez o que? — Baco se alertou. — O que ela fez agora?
Gameliel olhou Erianthia em alerta.
— Ela... — Phemie buscava forças para fechar a mente depois daquilo. — Como pôde aceitar?
— Ordens!
— Sta. Irene… — Phemie sentou-se sentindo a pele ainda queimando.
— O que ela fez, Phemie? O que Erianthia fez, Phemie? — Pallas se alterava. — Que inferno Phemie! Não podemos nos brecar assim. Não é saudável ficar nos brecando.
— Recebo ordens, Pallas! — a velha espiã abriu a porta da sala vermelha para sair. — Deveria se lembrar de que também! — e saiu para seu quarto a fim de fazer um curativo.
Erianthia não se deixou ser levada pela situação, também saiu sem ir atrás de Phemie, sem explicar a Pallas o que permitiu Phemie ler em sua mente. Tinha algo a fazer e sabia que não ia ser coisa fácil.
Há três anos não saía do mosteiro por ela mesma.
Mosteiro Roussanou, Meteora; Grécia.
04 de novembro; 20h00min.
Quando Sean acordou, estava nu, na cama, sob fortes olhares de Erianthia. Ele saltou nervoso da cama tentando se cobrir com algo, mas não havia nada lá. Nem lençóis, nem cobertores, nem travesseiros.
Só ela, calmamente, o olhando.
— Por que fez isso? — cobriu-se com as mãos.
— Isso o quê?
— Não seja ridícula! Por que me deixou assim?
— Assim como? — Erianthia foi cínica. — Não sabia que dormia nu Sr. Queise…
Sean arregalou os olhos azuis até deformar a face. E ele a deformou.
“Nu... nu... nu...”; soou em Sean o deixando tonto.
Havia algo errado e ele começava a achar que ela perdia a graça.
— Vamos Sr. Queise! — Erianthia levantou-se. — Vamos jantar fora!
Sean olhou em volta atordoado.
— “Fora”? — olhou um lado e outro. — Claro! Vou nu... — e se virou atônito para o lado. Uma cadeira que não estava ali, estava ali. — A cadeira... — havia uma muda de roupa em cima dela. — Fez apport? — Sean não sabia o que fazer com ela, com a situação, com ela ali o olhando nu. Erianthia não respondeu e voltou a se sentar. Já Sean só tinha uma certeza, não queria desabar outra vez. Deu alguns passos atordoados e alcançou as roupas sob fortes olhares de Erianthia, que não perdia um único músculo de seu alcance. — Posso me trocar? Eu perguntei se posso... Droga! — e Sean engoliu a seco o fato da calça e a camisa Armani ali em cima da cadeira ser igual a que Kelly Garcia comprara para ele, mais que pelo fato de ter que se trocar na frente dela. — Dizem que os fenômenos de apport, ou de transferência de objetos através do material pelo éter vêm acompanhados de fenômenos poltergeist, Senhorita Agente.
— Não é tão fácil assim dizer o que seja um fenômeno poltergeist, Sr. Queise, a não ser o mito de que tais fenômenos observados seriam provocados por fantasmas, espíritos de desencarnados, por duendes, demônios ou outros seres incorpóreos.
— “Seres incorpóreos”? Como alienígenas?
Erianthia gargalhou.
— Ehhh... Como alienígenas — olhou-o com um interesse cada vez maior. — Mas não sou alienígena, não se preocupe.
— Não. Não me preocupo. Por que me preocuparia?
Erianthia gostou de tê-lo ali, se vestindo, sob seu controle.
— Hoje uma grande parcela de parapsicólogos atribui a determinadas pessoas vivas, a origem dos tais fenômenos de poltergeist. Tais indivíduos, denominados epicentro, seriam dotados de excepcional faculdade psicocinética.
— Wow! “Excepcional faculdade psicocinética”? Como os espiões psíquicos da Poliu? — Sean viu que dessa vez Erianthia não esboçou um único movimento. — Há um caso interessante ocorrido no Paraguai onde tudo se movia numa fazenda. E não eram somente os movimentos, as coisas sumiam e reapareciam em outros lugares; camas, botijões de gás, cadeiras e até um caminhão — Sean terminou de se vestir e olhou Erianthia lhe olhando como o costume. — Que energia tão poderosa poderia ter a força de teletransportar um caminhão, Senhorita Agente?
Erianthia ergueu-se sem responder àquilo. Dirigiu-se até a porta e se virou para ele.
— Não gostou da camisa escolhida Sr. Queise?
Sean se olhou. Viu que não estava mais com a camisa que usava. Que ela havia voltado para a muda de roupa na cadeira, dobrada.
— Como... — sentiu-se nonsense.
Erianthia gostou do peito viril dele.
— Belo dorso! — ia tocá-lo e Sean recuou. — Se vista! — Erianthia não gostou da fuga dele. — Não vão achar graça em seu peito musculoso, Sr. Queise, ao sair daqui.
Sean só ergueu o sobrolho. Colocou pela segunda vez a camisa que jurara não entender como ela saíra do seu corpo.
— Aonde vamos?
— Kalambaka! A vila fica no sopé das montanhas. Vai gostar! É uma cidade grega localizada na Prefeitura de Trikala.
— Por que está me levando lá?
— Meteora Hotel, um restaurante ‘american buffet’.
— Perguntei por que está me levando lá, Senhorita Agente Erianthia?
Ela não gostava de como era chamada.
— Porque o que quero provável não vai me dar... — se aproximou tanto que sentiu o lufar dele. — Não depois de me conhecer, Sr. Queise.
Sean arregalou os olhos azuis a deformar tudo outra vez. Havia realmente algo de muito errado com aquela mulher, com o mosteiro, com frases ditas, pessoas e imagens vistas; provável com seu passado, presente e futuro.
Mosteiro Roussanou, Meteora; Grécia.
04 de novembro; 23h52min.
Todos os mosteiros de Meteora eram acessíveis por estradas. Um carro os esperava após descerem uma grande escadaria. Sean achou o vale, os penhascos, inusitados tarde da noite. E tinha que admitir valeu a pena esperar a Senhorita Agente Erianthia Agasias se trocar e vê-la de vestido longo, de um azul marinho discreto e pouco justo, e com cintura e seios abundantes, opulentos.
Erianthia nunca ligara muito para seu corpo, mas ter Sean ali lhe dava vontade de estar bela, viva, o olhando sem dó, com interesse, durante todo o trajeto. Já Sean não se lembrava de ter conhecido uma mulher que o ‘secasse’ tanto. Nem Kelly era tão indiscreta.
Chegaram ao Meteora Hotel pouco cheio àquela hora e Erianthia sentiu-se tonta ao entrar. Achou que Sean não havia percebido. Ela estava fraca espiritualmente ao sair do mosteiro, ao se afastar por tanto tempo da sala vermelha.
— Passando mal por ter esquecido sua bolsa Fendi Selleria de 40 mil euros, Senhorita Agente? — Sean não a perdoou.
Mas Erianthia não cedeu a tentação, continuou calada até o metrie os levarem para uma mesa afastada e entregar o menu.
— Prefere escolher Sr. Queise?
— Por quê? Ia pedir ervilhas, berinjelas brancas fritas, tomate bola, bolas de courgette, kalamari cozido e tomates secos ao Sol? Ou vai pedir trufas brancas? Ou talvez uma edição limitada de champagne Perrier Jouet 2000 Art Nouveau? Ou quem sabe um champagne Dom Pérignon Rose Vintage servido com melitzanosalata, tzatziki, e taramosalata? — Sean viu que Erianthia não tirou os olhos do menu. — Ahhh!!! — Sean explodiu.
Os poucos casais no restaurante os olharam. Erianthia chamou o metrie e pediu tudo aquilo que Sean falara, tudo ao mesmo tempo.
“Droga!”, ele sabia que ela o desafiava.
O champagne Dom Pérignon Rose Vintage chegou.
— Como... — Sean estava sem ação. — Como conseguiu se passar por Aagje Papadopoulos?
— Técnica milenar que nos foi passada através de sociedades secretas ao longo de muitos séculos — debochou Erianthia o olhando.
Sean tomou toda a taça. Sabia que ela o desafiava agora falando de Mona amiga. E Erianthia ficou o olhando, esperando mais.
Ele sentiu-se sem ação outra vez, perdido em divagações, dúvidas.
— Vocês são parecidas?
— Sim. Como pode ver...
Sean lembrou-se de Aagje, sua opulência nua.
Odiou Erianthia.
— Gameliel?
— Gameliel é diferente de Zenon, como saberia se o tivesse conhecido.
— Eu o conheci. Morto no helicóptero.
— Sabia que existe técnicas paranormais que fazem uma pessoa acreditar estar vendo outra, Sr. Queise?
— O filósofo Immanuel Kant achava que nas grandes questões filosóficas, a razão operava fora dos limites daquilo que o homem podia conhecer. Por outro lado, era inerente à razão humana, a necessidade de colocar tais questões... — olhou para os lados, para cima e para ela. — Por que fez isso comigo? O que lhe fiz para fazer isso comigo, Senhorita Agente Erianthia? — Sean nada ouviu, mas Erianthia o amou. — Estava a mando dele, não? A mando de Trevellis? — ele viu Erianthia o olhar; cada detalhe. — Ele queria saber o que eu sabia e você se aproveitou da morte de Aagje para aquilo, não foi?
— Todos usam o que...
— Hipócrita! — foi o que Sean exclamou a deixando com suas dores; e não eram poucas.
— Não me julgue sem me...
— Sem o que? Conhecer-lhe? E o que é você? Monstro?
— Está se excedendo... — Erianthia olhou para os lados começando a se sentir drenada.
— Você... Deus... Por isso a gruta? Por isso me falou dela, de Nikiforus, do jornal ufológico? Aagje Papadopoulos nunca soube sobre a gruta, sobre a lista de ufologia, sobre... — e Erianthia só o olhava. — Pare de me olhar! — Sean explodiu. — Droga! Droga! Droga!
Os antepastos chegaram.
— Obrigada! — Erianthia agradeceu ao metrie.
Sean não tirava os olhos dela.
— Por que você foi ao Burj Al Arab se passar por ela? Por que se permitiu se expor daquela maneira? Nua?
Erianthia ergueu o sobrolho e o garçom olhou os dois.
— Não era eu na primeira vez que foi ao Burj Al Arab.
— Mentira! Conta esta história para seu patrão Trevellis, não para mim. Era você, nas duas vezes — Sean viu Erianthia ficar agitada. — E me diga... Quantas vezes você fez aquilo? Você foi à São Paulo, à Computer Co., me beijou na sacada... — e Sean viu um brilho acontecer nela, em toda ela. — Você é um monstro!
Erianthia dispensou o metrie.
— Você é que é um monstro, Sr. Queise. Não se iluda. Fiz o que fiz conectada a Gameliel, já você... — respondeu enfim.
Sean ergueu o rosto do prato.
Encarou o garçom que se distanciava.
— Eu fiz o que?! — cerrou os dentes. — Você invadiu minha vida, meus negócios, meu... Você me tocou no Astra Hotel, não foi? E eu lhe esbofeteei de verdade não foi?! — gritou.
Erianthia lembrou-se do calor que emanava dele; dele todo.
— Não!
— Mentira! Você foi ao Astra Hotel, jantou comigo, me tocou.
— Não fiz nada disso!
— Voltou depois que cheguei de Londres, me serviu café na sacada, convidou-me para ir de helicóptero...
— Não fiz nada disso!
— Fez!!! Fez!!! — berrava descontrolado fazendo os poucos casais ali jantando, lhes olharem. — Ahhh!!! — mal conseguia respirar de tanto ódio. — Mas Aagje já estava morta, não?! — berrou.
— Sean...
— Não fale meu nome! Você não tem moral alguma!
— Você desejou estar no helicóptero com ela! — Erianthia partiu para o ataque.
— Eu o que? Eu o que?! Você é um monstro!
— Você voltou no tempo e tomou o helicóptero que caiu, Sr. Queise!
— Voltei no que monstro?!
— Monstro é você! Você! Você voltou no tempo; e voltou, e voltou, e voltou.
— Isso é...
— Lembra Sr. Queise? Dia 28 de setembro, dia 29 de setembro, 30 de setembro, 01 de outubro, 02 de outubro...
— Chega!!! — Sean sentiu que ia desabar de novo. — Eu... Eu... Eu não... Isso é loucura...
— Você no fundo sentia-se culpado por não ter a salvado dia 28 de setembro, dia em que ela morreu!
— Está louca? Louca... Eu não sabia que ela existia...
— Sabia!
— Não sabia!!!
— Sabia! Você pode saber, Sr. Queise! Psychomanteum! Conversa com os mortos! — e Erianthia viu Sean erguer-se da cadeira e ficar tentando localizá-la em meio às chamas do voo 5674 que tomaram conta do restaurante. — Feche isso! — ordenou ela.
Sean não sabia o que havia aberto, se havia aberto algo. Olhou em volta e as chamas tomavam conta de tudo.
— Eu…
— Feche isso Sr. Queise! — ordenou ela novamente.
Sean estava atordoado, com vontade de desmaiar. O fogo sumiu e Sean caiu na cadeira sem saber o que fez exatamente. Erianthia jogou gelo dentro do guardanapo de tecido e se levantou molhando a testa dele que suava além do normal.
— Eu... — Sean olhou em volta sentindo-se enjoado, com vontade de vomitar. — Deus... — contorceu-se sobre o próprio estômago. — O que eu sou... — e chorou olhando Erianthia lhe olhar. — Não vai me responder, não é? — e Erianthia não sabia o que responder. — Jean Paul Sartre dizia que não bastava dar sinais de sofrimento, era preciso sofrer — Sean viu Erianthia o olhar com atenção. — Já leu A Náusea Erianthia? Do filósofo Sartre? “A Náusea, tímida como uma aurora. Mas, nesse momento, não havia música, estava eu melancólico e sossegado. Todos os objetos que me cercavam pareciam feitos da mesma matéria que eu, duma espécie de sofrimento ruim. O mundo era tão feio, fora de mim, tão feios aqueles copos sujos em cima das mesas, e as manchas escuras no espelho”
— O que você tem?
— Saudade! Dor! Náusea! Medo! Muito medo... Mas Sartre dizia que não se deveria ter medo. Porque quando uma pessoa quer compreender uma coisa coloca-se em frente dela, sozinha, sem auxílio, de que nada serviria todo o passado do mundo porque depois a coisa desapareceria, e o que se tinha compreendido desapareceria com ela — chorava.
— Do que tem medo Sean?
— Medo de não consertar os erros, Senhorita!!! — gritou em lágrimas.
Depois tirou o gelo do guardanapo e passou-o no rosto. Erianthia esperou ele se acalmar.
E houve um breve silêncio entre eles, entre toda aquela incongruência.
— Você achou que pudesse salvá-la quando a viu em chamas — Erianthia tomou seu champagne calmamente.
Sean só girou os olhos tentando deglutir aquilo.
— Eu a vi em chamas — Sean olhou um lado e outro do restaurante. Seus olhos buscavam algo, um ponto de equilíbrio. — Na banheira do Burj Al Arab. Dia 27 de setembro.
— Você a viu nas chamas do helicóptero?
— Não. Havia outro acidente. O do avião que me tirei.
— Mas Aagje Papadopoulos não estava no voo 5674.
Algo o alertou.
— Então era você a mulher que nós vimos nua na banheira?
— Nós?
— Nós!? — berrou. — Eu e a câmera de Trevellis?!
— Já disse que não.
— Era você na banheira quando levei os espiões para viajar no Burj Al Arab?
— Já disse que não.
— Mas eu não vi Aagje. Eu vi você.
— Você viu Aagje Papadopoulos!
— Não vi!!!
— Não grite mais Sr. Queise!
Sean chacoalhava a cabeça atordoado.
— Era a Aagje ‘original’ quem eu visitei no Burj Al Arab?
— Sim!
— Como? Como? Trevellis me entregou o tablet. Disse que ela estava morta.
— Ela estava viva quando você foi ao Burj Al Arab, Sr. Queise, porque vocês já se conheciam.
— Pare de me enlouquecer! Já disse que não a conhecia pessoalmente. Nunca vi Aagje Papadopoulos em uma disputa e outra... Deus... Eu vi os mortos do voo 5674 no banheiro do Burj Al Arab... Eu não vi nada dela... Nada da morte dela no helicóptero que não viajei porque ela morreu antes de me levar.
— Mas você foi! No helicóptero que caiu! Você bloqueou!
“Você bloqueou!” “Você bloqueou!” “Você bloqueou!”; ecoou.
Sean teve medo do que ela falou.
— O helicóptero... Eu bloqueei... Você que é um monstro!
— Cale-se! — se impôs Erianthia. — Você viu Aagje no Burj Al Arab, viu que ela morreria. Então você entrou naquele helicóptero dia seguinte em Santorini. A sala vermelha recebeu a mentalização. Havia três passageiros no helicóptero; você, Aagje e Zenon. E o helicóptero caiu com vocês três. Aagje e Zenon morreram e você não. E como não conseguiu salvá-la, você voltou o tempo, entrou no helicóptero, viajou com ela novamente, a salvou do acidente, mas ela morreu. E então você voltou o tempo, entrou no helicóptero, viajou com ela novamente, a salvou do acidente, mas ela morreu...
— Não! Não! Não!
— Ehhh! Ehhh! O destino dela estava traçado, fechado, mas você voltou o tempo, entrou no helicóptero, viajou com ela novamente, a salvou do acidente, e...
— Cale-se!!!
— Não Sr. Queise! Você voltou o tempo, entrou no helicóptero, viajou com ela novamente, a salvou do acidente, mas ela morreu dia 28 de setembro, dia 29 de setembro, 30 de setembro, 01 de outubro, 02 de outubro...
— Louca!
— Dia 03 de outubro, 04 de outubro, 05 de outubro...
— Louca!!!
— Não sou louca! Você tentou e tentou... Dia 06 de outubro, 07 de outubro, 08 de outubro, 09 de outubro...
— Insana! Está dizendo que eu caí? E como saí de lá?
— 10 de outubro, 11 de outubro, 12 de outubro...
— Chega! — olhava para um lado. — Chega! — olhava para o outro lado. — E acha que voltei o tempo como? Assim? — estalou os dedos. — Voltando o tempo assim? — e Sean voltou a estalar os dedos.
— Sim Sr. Queise!
— Louca! Louca! E por que acha então que eu desisti de salvá-la? Hein?
— Porque eu interferi em suas ‘voltas’.
Agora Sean perdeu a voz.
“Porque eu interferi... Porque eu interferi... Porque eu interferi...”, Sean não entendia o que acontecia.
— Eu disse a Zenon que tinha que acabar com aquilo, com suas idas e vindas no tempo tentando salvar Aagje Papadopoulos.
— Você disse... Você disse... Você fez o que?
— Plasmei o helicóptero e fui ao Astra hotel lhe buscar. Entramos no helicóptero e caímos há poucos dias. A sala vermelha recebeu nova mentalização sobre a queda do helicóptero, mas eu não podia deixar que me vissem. Então quando lá chegaram, só você estava caído, ferido, sem o helicóptero porque ele era uma plasmagem.
— Caiu comigo? — Sean sentiu todo seu corpo amolecer. — Deus... Você caiu... Como? Eu voltei ao Brasil dia 24 de outubro. Nós caímos há três dias... Eu... Eu voltei a tentar salvá-la?
— Sim! Então caí com você! Por isso Zenon estava morto, com vermes saindo dele.
— Cale-se! — Sean ficou imaginando como ela sabia. — Você é insana...
— Você vai voltar no tempo, e voltar, e voltar...
— Não... Não... Eu não posso voltar o tempo. Não sei voltar o tempo.
— Sabe! Mas não vai conseguir salvá-la como não salvou Sandy Monroe.
— Cale-se!!! Cale-se!!! Cale-se!!! — berrava desesperado a fazer todas as veias do pescoço saltarem. — Não faça isso comigo... — chorou no meio do restaurante que os olhava. — Deus... — Sean escondeu o rosto e Erianthia, a intocável Erianthia, a fria Senhorita Agente Erianthia sentiu naquele momento o que nunca previra; gostava realmente dele. — O que são... — Sean enxugava as lágrimas. — Por que não estou entendendo?
— Porque ninguém nunca lhe explicou! Porque Sr. Fernando Queise nunca permitiu que explicássemos.
— Nunca permitiu... — Sean agora sentiu sua garganta fechar, tentando lembrar-se como respirar. — Meu pai... Meu pai fez o quê?
— Nunca permitiu que você soubesse o que realmente a família Roldman era capaz de fazer. Porque seu pai Fernando Queise aceitou tudo, até você não ser filho dele — Erianthia o viu tentando respirar, perdendo a cor. — E aceitou suas brincadeiras de infância, de quando ficava sozinho no parque se divertindo, movendo brinquedos, rindo e falando com quem não estava lá, com mortos Sr. Queise. Porque seu pai permitiu que você crescesse com os mais diversos dons, permitindo que se tornasse hacker, que invadisse computadores, que enfrentasse até a Poliu. Mas quando Mona Foad começou a lhe ensinar, a lhe desenvolver, o Sr. Fernando Queise se desesperou. Explodiu com o Sr. Oscar Roldman e sua família a qual chamava de ‘esquisita’, e propôs a Mr. Trevellis a criação da sala vermelha, para podemos lhe vigiar pela malha quadrimensional — ela viu Sean a olhar agora sem cor. — Por que a filosofia Bhagavad-Gita e todo seu ensinamento védico dizem que quando o discípulo está pronto o mestre aparece.
Ele a encarou em choque.
— Você é o... É o mestre?
— Sim.
— Deus... Para que um mestre? Eu tenho... — e teve medo de continuar. — Tenho mais coisas bloqueadas?
— Coisas como a morte de seu pai que você viu?
— Ahhh... — Sean chorou novamente a lembrar-se da rua escura, do poste gelado, do orvalho que molhou sua mão, por alguém seguir seu pai, matá-lo, por saber que Oscar sabia que ele iria lá; ‘lá’ ele não soube decifrar aonde. Olhava Erianthia e o restaurante, e Erianthia de novo. Não queria se ver tão sensível, tão atingido. Queria sumir, mas precisava ficar. Entender, entender-se, perdoar seu pai. — Disse no mosteiro...
— Alguns espiões sabem que me fiz passar por Aagje Papadopoulos e Gameliel por Zenon Kanapokolo no Burj Al Arab, na segunda vez que lhe fiz ir ao Burj Al Arab. Ninguém sabe que me plasmei com você naquele helicóptero.
— Por que fez tudo isso? O que Trevellis queria saber para lhe obrigar a plasmar o Burj Al Arab inteiro?
— Algo sobre o documento.
— Que documento? O documento amarelado que meu pai escondeu com Syrtys Papadopoulos o vendo esconder?
— O documento que mina o dinheiro da Poliu.
— Desgraçados! Hipócritas! Todos vocês!
— Seu ataque...
— Meu ataque o quê?! — vociferou; tomou todo o champagne num gole só enchendo a taça uma, duas, três e esvaziando tudo. — Por favor? — chamou o metrie. — Não se preocupe com a conta. Sou rico o suficiente para pagar seu champagne especial — ele viu Erianthia só brilhar os olhos perante o cinismo. — Quando Trevellis plasmou o Burj Al Arab, Senhorita Agente Erianthia?
— Depois que saiu da suíte de Aagje Papadopoulos. Ele os estava gravando. Acreditava que você sabia sobre o investimento do Sr. Fernando Queise e Syrtys Papadopoulos.
— Mas por que fazer isso ainda dia 27 de setembro? Não disse que eu viajei para Santorini, que eu e Aagje caímos dia 28... Deus... — aquilo quase não saía de sua boca. — Deus... Essa... Essa sala vermelha... Vocês fazem mais que me vigiar pela malha quadrimensional, não?
— Sim! Somos Zeladores do tempo.
— E meu pai sabia?
— Não! Mr. Trevellis aproveitou o financiamento e começou um novo projeto. Nós, os Zeladores.
— E o que é um Zelador do tempo?
— Somos um grupo especial de espiões psíquicos que a Poliu vinha desenvolvendo há alguns anos.
Sean sentiu que o peito se espremia. Era muita informação. O champagne chegou e ele mal esperou o metrie oferecer-lhe um copo de degustação. Tomou-o todo pedindo que enchesse mais.
Depois o dispensou com um movimento de mão.
— “Um grupo especial”?
— Quero dizer que podemos controlá-lo, Sr. Queise. O tempo...
— Não... Mona não pode controlar o tempo.
— Pode!
— Não... Não... Se ela pudesse... Se ela...
— Teria salvado Sandy Monroe? Ou teria ajudado você salvar Aagje Papadopoulos? Seu pai?
Sean sentiu que ia explodir, que toda sua autoestima explodia ali.
— Montauk? Deus... Aquilo existiu? Al Bielek, Ph.D em Física por Harvard disse que a Operação Montauk e o Experimento Filadélfia eram monitorados por um consórcio de alienígenas originários dos sistemas estelares de Orion, Sirius e Alfa Centauro — ele prosseguiu mesmo com ela de costas. — Mas os alienígenas não eram confiáveis.
Erianthia caiu em gargalhada.
— Ehhh! Alienígenas outra vez? Você que é insano Sr. Queise.
— Sou?
— E não ehhh? Al Bielek acreditava em fendas temporais criadas para permitir a entrada dos discos voadores em nossa dimensão, possibilitando uma invasão.
Sean não deixou se levar por ela, pelo corpo perfeito dela nem todas as loucuras dela.
“Ou seria as minhas?”
— Deixemos os alienígenas para depois, Senhorita Agente, e também suas risadinhas sarcásticas. As listas de ufologia há muito já haviam falado sobre o ‘Operação Montauk’, ou o que Mona amiga chamava de ‘Controle de mentes’, uma alucinada operação para se viajar no tempo, algo tão complexo como conduzir o ser humano e a sua alma ao ponto zero de referência, para facilitar a viagem no tempo separando a mente do corpo — Sean já previra aquilo; Erianthia nada falou. — “Os espiões psíquicos pensavam e a energia vibracional aumentava... A informação era enviada para uma rede de cristais de energia livre organizados num círculo. Então, qualquer um dos pensamentos era amplificado e num período de tempo, um buraco abria-se no quarto. O buraco tinha entre cinco a seis metros de largura e grande o suficiente para se passar um caminhão através dele”.
— A Operação Montauk não era nada disso. Ele foi desmontado em 1983, depois de um acidente provocado por Duncan Cameron Jr., Sr. Queise.
— As listas dizem que Al Bielek advertiu na época que a desativação pode ter sido uma farsa, que talvez a Operação Montauk talvez ainda estivesse ativa noutro lugar...
— “Noutro lugar”?
— Noutra dimensão, Senhorita, outra dimensão que se choca conosco de tempo em tempos fazendo Terra e anti-Terra, assim como prédios verdes espelhados, irem e virem.
Aquilo a alertou.
— Não somos ‘Montauk’, Sr. Queise.
— Não... São monstros...
— Ehhh... — Erianthia ergueu as costas como quem tenta manter a compostura.
— O que eu fiz durante aquele quase um mês, Senhorita Agente Erianthia?
— Não sabemos, e como percebeu, não conseguimos penetrar seus pensamentos.
— O que? Você se plasma numa morta, plasma um hotel, um helicóptero e um piloto morto há um mês e não consegue penetrar meus pensamentos?
— Sabe disso tão bem quanto nós.
— Sei... Claro... E achou que se transformando em Aagje Papadopoulos ia conseguir arrancar algo de mim? — ele ficou esperando, mas Erianthia não respondeu. — Eu não sei como saí do helicóptero vivo, mas saí vivo da explosão daquele avião, Senhorita Agente Erianthia, e eu gostaria de saber por quê.
— Não fui eu.
— E você pode?
— Sim.
— Deus... — Sean sentiu medo dela. — Mona... — Sean não quis pensar que Mona amiga se recusara a salvar Sandy do tiro fatal, que podia ter evitado a morte dela. — Por que Trevellis teme os alienígenas do cretáceo?
Erianthia percebeu que ele mudara o assunto.
— Já disse que não sei sobre alienígenas...
— Não minta para mim! — exclamou com força. — Você e aqueles monstros naquela sala vermelha fazem algo insano demais, para não acreditar que alienígenas estão envolvidos com isso tudo.
Erianthia se viu na berlinda. Sabia que não podia mais fugir pelo bem dele, dela.
— Os alienígenas o queriam Sr. Queise — e Erianthia pareceu mesmo tirar um peso de suas costas.
— Você e aqueles... — Sean parou sem saber o que ela falara. — O que você disse?
— Eu e Gameliel acreditamos que os alienígenas o tiraram do voo 5674 porque precisam de você vivo tanto quanto a Poliu precisa.
— Você é... — Sean tentou entender, mas realmente era difícil entender.
Deixou-a falar.
— Eu e Gameliel não havíamos divido essas informações com a sala vermelha até hoje. Precisei contar a Phemie o que desconfiávamos.
— Wow! E eu devia perguntar por que passou a acreditar em alienígenas há milésimos de segundos atrás?
— Algo aconteceu, Sr. Queise. Algo aconteceu em 1901 e Mr. Trevellis está desesperado para alcançar essa data através da sala vermelha. E seja lá o que aconteceu em 1901, tem haver com os alienígenas do cretáceo que o salvaram porque precisam de você vivo.
Sean arregalou os olhos azuis até não poder mais. Olhou em volta com medo que ouvissem tudo aquilo e caiu na risada.
— Ah... Senhorita... — e voltou a rir e encará-la. E havia algo em Erianthia, algo que como disse, a milésimos de segundos não estava ali. — Está brincando não?
— Pareço estar?
Sean voltou a rir, olhar para os lados e voltar a olhá-la.
— 1901? O que aconteceu em 1901? — insistiu Sean.
— Não sei...
— Sabe!
— Não sei!
— Sabe!!! — berrou ele.
— Não sei!!! — berrou ela.
— Ahhh!!! — explodiu olhando os poucos que agora ali jantavam, os olhando. — O que aconteceu no voo... O que foi aquilo? Deus... Uma experiência alienígena?
— Não! Sua experiência, Sr. Queise! Está se testando, se desenvolvendo.
— Do que está falando, sua louca? Você acabou de dizer que os alienígenas... — e algo passou por sua cabeça.
De repente tudo pareceu fazer sentido, mas o que tinha sentido em tudo aquilo ali, ele não sabia.
— Entendeu não Sr. Queise?
Ele olhou Erianthia em choque.
— Eu... Eu sabia que ia morrer? Déjà vu?
— Sim. Déjà vu, Sr. Queise. Sabemos o que vai acontecer e desligamos, e então quando acontece nos parece uma sensação de já ter sabido aquilo — ela viu Sean a olhando, sentindo-se muito mal. — Não sei em que momento aconteceu, Sr. Queise, mas você sabia sim. Tem dons para isso. E os alienígenas estavam lá, lhe vendo fazer aquilo, vendo você se testar.
— O Burj Al Arab... Tudo tem haver com o Burj Al Arab... — ele a olhou em choque. — Algo haver com o corredor dourado do Burj Al Arab... — Sean ficou atordoado achando que bebera demais, que talvez os gregos tivessem razão em não beber com o estômago vazio.
Erianthia só o olhou divagar. Ficou com receios que ele descobrisse aquilo antes da hora. Como Oscar, temeu que ele chegasse às respostas antes de formular as perguntas. E se ele o fizesse, então tudo estaria perdido; os espiões, ela, a Terra toda.
Já Sean enfiou o garfo na ervilha captando aquilo; e colocou a ervilha na boca sem sentir muito bem o que mastigava, engolia, consumia.
“Droga!” explodiu dentro dele.
— Por que não posso responder perguntas que não fiz, Senhorita? — Sean estava tão calmo, tão centrado que Erianthia teve medo dele. Algo acontecera rápido dentro dele. — E, por favor... Prive-me de suas ironias e risadinhas sarcásticas, não sou um cínico como Diógenes de Sínope, não saio pelas ruas atrás das verdades que temo.
Erianthia olhou-o, olhou o restaurante, olhou-se. Estava cansada, com dores ainda presas ao seu perispírito, com medo de que tudo aquilo escapasse dela, do controle dela.
Sean aquilo não captou.
— Os alienígenas precisam de você vivo — continuou Erianthia. — E quando os alienígenas desceram o avião no aeroporto desativado, que obviamente foi plasmado por você, você escapou do controle deles.
— Deus... Deus... Deus... Você é tão louca quantos todos os espiões psíquicos da Poliu. Porque também devo ser maluco tendo lembranças de um desastre do qual não participei; participei, mas não participei. Porque eu tenho uma perna esquerda machucada e uma cicatriz no lado direito do rosto pela queda de um helicóptero que nunca estive... Estive, não estive, e estive para deixar de estar.
— Você se machucou de verdade. Na primeira queda com Aagje ao visitarem as zeólitas, no dia seguinte que saiu do Burj Al Arab e veio para a Grécia; e chegando aqui, foi com Aagje Papadopoulos de helicóptero...
— Chega!!! — berrou. — Eu voltei ao Brasil! Kelly não me viu ferido, com cicatrizes de quedas e mais quedas — olhou um lado e outro. — Ela teria visto a cicatriz — tocou-se no rosto. — Teria cuidado de mim...
O salão que se esvaziava parou para olhá-los e Erianthia não esperou mais nenhum berro dele.
— Há lugares que vamos Sr. Queise, quando na quase-morte! Não é céu nem inferno, não é purgatório nem posto de triagem.
— Os oráculos dos mortos ficavam em locais longínquos e de difícil acesso... Entre os rios Aqueronte e Cocito...
— Entre as dimensões, pelas onze dimensões espaço-temporais.
— Spartacus... — Sean ia falar. Desistiu. — Ele me confundiu quando... — a mente de Sean ia fundir. Sentiu a cabeça a ponto de realmente explodir. Erianthia o observava tentando captar tais pensamentos. — É claro! Como fui idiota. São as Equações de Campo de Einstein. O Dr. Nikiforus mentiu para mim, disse que eu estava cansado... Era nisso que meu pai trabalhava, que a Computer Co. trabalhava junto a Syrtys, era nisso que os mainframes da Computer Co. iriam servir Trevellis. Os ataques ao cloud computing eram... Deus... O desgraçado queria me avisar.
— “Avisar”?
— Trevellis queria me avisar sem que Oscar Roldman ou a Polícia Mundial e talvez até a própria Poliu soubesse. Mas me avisar sobre o quê? O que há nos meus mainframes que minha mente bloqueou? Informações sobre oráculos? Sobre alienígenas do cretáceo? Sobre minha morte? — Sean olhou Erianthia Agasias olhando-o com gosto. — Sabe o que ganhamos da ciência durante os séculos do domínio da óptica, Senhorita Agente? Da termodinâmica, onde se encaixa a entropia do tempo? Do eletromagnetismo? Ensinamentos considerando a matéria e a energia como entidades contínuas? Pois Einstein em 1907 equiparou o movimento em queda livre a movimento inercial, para o qual as leis da relatividade especial deveriam ser igualmente válidas, o ‘princípio da equivalência’, prevendo o fenômeno da dilatação gravítica do tempo — riu sem querer rir; confuso, cansado. — De uma energia que armazena energia potencial gravítica, que consiste na energia armazenada nesse corpo como consequência da sua posição; tempo, tempo, tempo — olhou-a. — Era sobre isso que Trevellis queria me avisar... Sobre o tempo... Eu devia ter medo de mim, Senhorita Agente Erianthia, porque na verdade nunca saí de Dubai. O Sean que viajou era o Sean duplo, o Sean que devia viajar, mas eu não estava no voo 5674 que caiu porque me tirei de lá, porque deixei outro de mim lá, fiz apport de mim para outra dimensão e quem viajou foi meu duplo, não?
— Sim, Sr. Queise — foi o que Erianthia completou àquela confusão toda.
Sean arregalou os olhos azuis outra vez.
Erianthia agora não sabia por que.
— Hipócrita! — cerrou os dentes. — Você estava lá!
— “Lá”? — Erianthia riu nervosamente agora sabendo por que. — Seja explícito se vai...
— Vou! Vou odiá-la cada segundo de minha vida, Senhorita Agente Erianthia — Sean se ergueu da cadeira sabendo que Erianthia sentiu dor naquilo. —, porque Nikiforus disse que havia trabalhado para Mr. Trevellis com os espiões psíquicos, que ele era responsável por parar o tempo metaforicamente para Mona e seus pupilos lerem as mentes.
— Você está...
— Estou o quê?! — berrava cada vez mais descontrolado fazendo Erianthia alertar-se para algo, alguém ali.
— Sente-se Sr. Queise!
— Você não manda em mim!
— Sente-se!
— Você sabia onde eu estive esse quase um mês porque estava comigo lá, Senhorita Agente Erianthia, noutra dimensão, com os invertidos, nos saguões do edifício verde espelhado que ia e vinha.
— Sente-se Sr. Queise! Está se excedendo! Já disse que me fiz passar por Aagje Papadopoulos. Que Mr. Trevellis queria saber onde esteve. Já disse que...
— Você estava no edifico comigo! Enterrando-me para dentro de você! E Trevellis não podia saber que fazia aquilo!
— Sente-se!!! — berrou para o restaurante vazio no que todo o restaurante vazio se tomou de labaredas e corpos que gritavam. — Feche isso! Feche... — e parou em pânico. Havia mais que corpos rastejando pelo restaurante. — Eles estão aqui... Eles estão aqui Sr. Queise — arregalou os olhos azuis.
— Sim Senhorita; aos montes, dentro dos espelhos, dentro do edifício verde espelhado onde você me vigiava.
— Feche isso!!! Já disse que não nunca estive em edifício algum. Que só usei sua alma Sr. Queise, e ela não vale muita coisa.
— Você não é gente...
— Você também não! — e Erianthia também arrastou cadeira a fazer um som agudo perpetuar pelo restaurante.
E foi ela quem abandonou o prato inacabado e se dirigiu para fora do restaurante do hotel. Sean ficou lá em choque, querendo morrer o que não permitiram que morresse, o que talvez ele não se permitira morrer. Chamou o metrie ainda em choque e pagou a conta com os documentos que ela lhe devolvera, documentos com que viajara no helicóptero plasmado com a morta Aagje Papadopoulos.
Tudo era muito insano.
Sean saiu de lá sentindo que não conhecia enfim 1% dos mistérios da vida.
Os dois voltaram ao Mosteiro Roussanou em silêncio. Sean se dirigiu para seu quarto em choque, totalmente conectado aos muitos mundos, aos mundos plurais, aos outros dele mesmo. Estava tão triste que não percebeu que dessa vez havia voltado ao mosteiro acompanhado, acompanhado além de Erianthia que não o procurou mais. Sean estava levando o fantasma de Sandy Monroe, que ficou lá em pé, ao lado da cama dele enquanto ele dormia, vestindo um vestido de chiffon branco, manchado pelo sangue que escorria da têmpora ferida, aberta pelo projétil que ali ainda se encontrava.
11
Mosteiro Roussanou, Meteora; Grécia.
05 de novembro; 09h00min.
Quando Sr. Queise acordou Erianthia Agasias estava lá, sentada na cadeira como de costume, a observá-lo. Sean olhou-a. Não acreditou na coragem da agente após tamanha discussão de se sentar à sua frente. Levantou-se e paralisou. Sentiu que todo seu equilíbrio emocional se rompera naquele momento. O fantasma de Sandy Monroe o olhava também.
— Você abriu alguma porta, Sr. Queise — falou Erianthia.
— Tire-a... Tire-a daqui...
— Não fui eu quem a trouxe.
Sean a fuzilou com um olhar.
— Tire-a daqui, Erianthia!!!
— De nada vai adiantar gritar comigo. São seus poderes, Sr. Queise; não meus.
— É esse maldito lugar! São os malditos espiões psíquicos, monstros...
Erianthia levantou-se de supetão:
— Você até pode não se achar um ‘cínico’, Sr. Queise, mesmo sabendo que o é. Mas seu escárnio não me atinge — e o deixou lá no que a porta se abriu e se fechou sem que ela a tocasse.
Ele ficou lá, com a ex-noiva ficando cada vez mais embaçada, com o projétil ainda dependurado em meio ao sangue escuro, fétido. Sean chorou sem saber naquele momento em que monstro ele também se tornara.
Mosteiro Roussanou, Meteora; Grécia.
05 de novembro; 09h30min.
Os espiões psíquicos tomavam o café. Sean entrou com a roupa da noite anterior amassada após o sono pesado e o fantasma de Sandy Monroe ao lado. Ele procurou Erianthia Agasias com um olhar a localizando-a no final da mesa grande, de madeira envelhecida. Erianthia só correu os olhos de lado e os voltou para sua xícara de café, forte, em choque.
Sean lembrou-se dela na cobertura da Computer Co., do beijo, da opulência do corpo usado. Odiou-a. Depois ficou nervoso ao ver que ninguém via o fantasma de Sandy ao seu lado, não com os poderes que tinham. Só o silêncio de Erianthia indicava ao contrário. Ela a via, a via com ele. Ele a odiou outra vez.
Nympha se levantou e parou ao lado dele percebendo a frieza de Erianthia, achando que talvez tivesse uma chance.
— Com fome? — Nympha era toda atenção para com ele. Mas atenção era o que ele não queria naquele momento. — Venha... — ela o empurrou com os ombros. — Hoje temos batatas doces...
Mas Sean não se conformava de ver Sandy ali e ninguém vê-la.
— Bom dia, ‘filho de Oscar’! — Mr. Trevellis se divertia.
Sean se ergueu da cadeira que se sentava, pedindo mesmo que Sandy se materializasse. Mas ela ficou agitada de alguma forma, toda sua imagem se deformou e a lembrança da bela se tornou num horrendo monstro.
“Sandy” Sean sentiu, a culpa pela morte dela.
Ele buscou o olhar de Erianthia que o olhava com interesse. Ambos ficaram imaginando que fora o outro quem fizera aquilo, mas Sean sabia no fundo que não. Mr. Trevellis era a causa da força destruidora dela, da imagem dela; talvez de seu perispírito.
— Eu disse ‘bom dia’ ‘filho de Oscar’! — gargalhava Mr. Trevellis de costas para ele ainda parado de frente aos espiões que o observavam.
— Vai ser Trevellis... — Sean não esperou ele se virar para ele. — Para você! — e tudo se abriu.
As paredes se afastaram uma das outras e os copos, xícaras, pratos e talheres sumiram com a mesa do café da manhã. Mr. Trevellis sentiu que algo provocara aquilo. Virou-se calmamente para Sean que o observava em uma rua escura, úmida, mal iluminada.
— Onde estamos ‘filho de Oscar’?
— Tem razão, Trevellis. Nada como um incentivo para me fazer funcionar.
E tiros atravessaram Mr. Trevellis que caiu ao chão ferido.
— Ahhh... — Mr. Trevellis mal conseguia respirar.
A dor era tão grande que seus olhos esverdeados saltaram da órbita. Toda sua pele jambo, outrora brilhante, perdeu o brilho. Mr. Trevellis do chão, caído, o olhava.
E ambos sentiam o orvalho os molhando.
“Dói Trevellis? A morte lhe provoca dores?” falava um Sean metálico, distante.
Mr. Trevellis queria falar, respirar, sentir os dedos que paralisaram. No chão, o orvalho havia feito poças, ao seu lado o corpo de Fernando Queise caído, sangrando, morrendo.
— Ahhh!!! — Mr. Trevellis voltou ao refeitório com a xícara de café derramando o líquido no chão no que todo seu corpo tremia.
— Mr. Trevellis? — correu Ophelie. — O Senhor está bem?
Mr. Trevellis tremia sem controle. Mal conseguia respirar, voltar a sentir os dedos das mãos.
Olhou Sean furioso e Sean saiu do refeitório sem comer, sob o ódio de Mr. Trevellis e sob fortes olhares de Erianthia, Gameliel, Pallas e Phemie, os mais fortes espiritualmente, que também viram chocados o que ele teve prazer em mostrar ao astuto Mr. Trevellis.
Erianthia foi a única a ir atrás dele.
— Sr. Queise? Sr. Queise? — Erianthia chamou-o mais de uma vez. — Sr. Queise? Como fez aquilo? Como conseguiu levar Mr. Trevellis ao passado e ainda nos mostrar aquilo sem nos levar?
— Não sei do que está falando — e apertou o passo, andando pelo escuro corredor de piso de madeira envelhecida.
Havia tomado a decisão de ir embora dali com ‘1901’ engasgado ou não no tempo dos espiões psíquicos.
— Sabe que não pode ir embora.
— Pare de ler minha mente.
— Sr. Queise, espere. Por favor. Precisa nos ajudar.
— Pare de me seguir! — e Sean estancou a fazendo bater de encontro ao corpo dele.
Seus corpos se concentraram e desconcentraram numa velocidade extraordinária. Sean sentiu uma transferência de energia nunca sentida. Erianthia idem, segundos a se olharem para então Sean retomar o passo.
— Você... Você não… — Erianthia estava paralisada. — Não pode ter conseguido.
— “Conseguido”, o que? O que foi que eu consegui? — Sean andava cada vez mais rápido.
— Você atravessou?
— O espelho? — estancou.
Erianthia outra vez se chocou com ele.
Começava a ficar atordoada.
— Você atravessou o espelho sozinho?! — gritou.
— Hei?! Não te dou o direito de gritar comigo!
— Você enlouqueceu ou o que?
— Do que é que está falando?
— Você atravessou o espelho, Sr. Queise?
— Não! Eu apenas vi dentro dele. Outra dimensão, com estrangeiros, Senhorita Agente Erianthia; alienígenas.
— Alienígenas...
— Alienígenas invertidos.
Erianthia não acreditava no que ele tinha sido capaz.
— Ehhh... Não acredito... Ehhh... Você enxergou num espelho o que levamos cinco anos tentando? Porque nós tentamos Sr. Queise. Tentamos durante cinco anos enxergar os alienígenas, que são nossas cópias invertidas.
Sean estacou sem que dessa vez os dois se chocassem.
— “Nossas cópias invertidas”?
— Eles não têm imagens, Sr. Queise. Usam as nossas.
— “As nossas”?
— Acredite Sr. Queise, não vai querer ver suas imagens originais.
— Deus... Você é insana... — e se virou para voltar ao quarto. — Tudo isso aqui é insano — abria e fechava os braços vendo Erianthia o seguindo, o deixando mais nervoso ainda. — Pare de me seguir!
— Eu vou com você!
— E aonde eu vou, Senhorita? — estancou fazendo bater no seu peito viril.
— Não acho boa ideia continuar fazendo isso, Sr. Queise.
Sean também a desejou. Achou até estar ficando louco. Virou-se agora um pouco mais afetado que antes.
— Droga! — explodiu com as mãos abertas. — Pare de me seguir!
— Já disse que vou com você ver o Dr. Nikiforus!
Sean não parou, nada falou. Só arregalou os olhos. Não conseguia mais fechar sua mente para ela. Algo acontecera naquela viagem, algo que Sean permitiu que eles lessem sua mente.
— Quem viu?
Erianthia tentou entender a perguntar.
— “Viu”?
— Quem viu a rua onde meu pai estava morrendo, Erianthia?
— Eu, Gameliel, Pallas e Phemie.
— E isso me afeta como?
Ela lia seus pensamentos numa velocidade extraordinária.
— O que você fez?
Sean se virou para ela.
— Essa era a minha pergunta, Erianthia.
— Não sei. Desbloqueou-nos de alguma forma.
— Droga! Eles vão saber que eu saí daqui?
— Vão!
— Nympha também?
— Sim.
De Nympha Sean tinha medo.
— E vão saber tudo o que penso?
— Vão!
— Droga! — teve medo de falar o que pensou, teve medo até de pensar. — Posso?
— Sim...
Sean sentiu medo dela. Havia pedido para ficar sozinho, se trocar, reunir o pouco de documentos que ela devolvera do acidente do helicóptero que não teve. Erianthia parou no corredor, deu meia volta e foi se trocar, tentar fazer alguns contatos adormecidos naqueles últimos anos. Tinha que ter apoio para saírem dali, para desafiar o poder de Mr. Trevellis e a Poliu.
Sean abriu a porta do quarto e Sandy Monroe estava lá.
— Deus... — ele não sabia como prosseguir. Deu um passo atrás e viu o corredor vazio, deu um passo adiante, entrou e fechou a porta, ficado ali escorado nela, com medo de entrar no quarto, enfrentar a noiva morta. Mas ela estava diferente, não havia mais sangue no vestido de chiffon branco nem no rosto iluminado que lhe sorria. De alguma forma Sandy não parecia estar sofrendo naquele momento. — Perdão... — foi só o que conseguir falar.
“Venha meu amor...” ela esticou uma mão elétrica, iluminada como ela.
Sean abaixou a guarda.
— Perdão Sandy... Eu te amava tanto.
“Eu sei meu amor” e Sandy o puxava, para cada vez mais perto da cama.
— Sandy...
“Não! Sente-se meu amor... Deixe-me sentir seu cheiro...”, e Sandy cheirou Sean, todo seu rosto, seu pescoço, seu tórax viril no que ela desabotoava a camisa, a afastava, a mordia, o lambia.
— Sandy?
“Não Sean... Não...” — e Sandy tornava-se atrevida, como o era quando viva.
Sean sentiu-se nonsense, ele via mortos, conversava com eles, permitia ser tocado. E as mãos de Sandy tornavam cada vez mais elétricas no que ela deitou Sean e se deitou sobre ele.
— Não Sandy... — Sean recuou. Havia algo errado ali, no peso dela, na mão que abria suas calças, que o deixava nu, exposto à boca que o engoliu. — Ahhh... Não Sandy... Não... O que está fazendo?
“Ah! Sean... Como eu esperei por isso”.
E Sean viu o corpo nu da noiva morta, o corpo que se movia freneticamente, que Sean enterrou.
— Ahhh... Sandy... Isso é insano... Insano... — e Sean viu Sandy sorrir satisfeita pelo sexo quente, pelo corpo perfeito e quente, pelo ato libidinoso, compassado dele entrando e saindo dela, do corpo da noiva que o amava ao lado da noiva morta que os observava. — Sandy?! — Sean gritou no que se arrancou de dentro dela, e o cabelo dela escureceu, seus seios ficaram rígidos, tomados de uma cor ainda não vista por ele, e meio braço curto desde a nascença apareceu. — Nympha? Ahhh... Nympha? — e Sean viu Erianthia adentrar violentamente o quarto, o vendo nu com Nympha nua na cama dele, e Sean de olhos arregalados para a noiva em pé, com sangue escorrendo da têmpora. — Não é o que está pensando... — foi só o que falou para Erianthia ainda parada na porta dele.
Erianthia então abriu a porta em toda sua totalidade e ficou lá, ereta, rígida, dando uma ordem a Nympha que a captou. Nympha deu então uma gargalhada metálica e se aproximou para beijar Sean que recuou, escondido por mãos trêmulas, que nunca tinha visto tal paranormalidade capaz de se fazer passar por outra pessoa, com todas as memórias de outra pessoa.
Sean abaixou os olhos e ambas saíram. Sean levantou os olhos e Sandy sumira.
Sean chorou.
Mas não ficou com muito tempo para remoer nada, estava pronto e vestido em apenas três minutos, tentando imaginar se Erianthia ainda iria ajudá-lo a sair dali, quando foi a vez de Gameliel abrir a porta do quarto, entrar e trancar a porta por detrás dele.
— Você é uma plasmagem?
— Sou o quê?
Sean girou os olhos totalmente descontrolado com o que houvera.
— O que faz aqui Zenon?
— Sabe que meu nome é Gameliel.
— É! Fiquei sabendo depois.
Gameliel viu que a conversa não ia ser das mais fáceis.
— Não vai magoá-la, vai?
— Como é que é? — Sean sabia que ele lia sua mente agora. Resolveu não mentir. — Não... Não vou. Acho que não vou.
Gameliel abaixou a cabeça olhando o chão.
— Menos mal...
Sean só o olhou. Odiou-se por ele não ter como ler a mente deles.
— O piloto era você, não Gameliel?
Ele o olhou lendo sua mente.
— Na plasmagem do helicóptero? Não. Zenon estava morto. O que viu foram ecos do passado, Sr. Queise.
Sean não soube o que falar; se tocou no rosto. Havia uma cicatriz no lado direito provocada pela queda do helicóptero que não caiu. Realmente não entendia aquilo.
— Ele tinha vermes nos orifícios — Sean caiu sentando na cama. — Como conseguiram plasmar?
— Já disse que não plasmei nada. Aquele era o corpo morto de Zenon. E foi ideia de Erianthia me fazer passar por Zenon Kanapokolo no Burj Al Arab.
— Não quero saber como conseguiu se fazer passar por Zenon Kanapokolo — Sean cortou sua fala. — Quero saber como Erianthia e você plasmaram o Burj Al Arab.
Gameliel não soube o que responder.
— Não sei...
— Consegue ler minha mente, Gameliel?
— Há... Há algumas coisas que ainda tem força para bloquear.
Sean gostou de ouvir aquilo.
— Quero saber por que Erianthia disse que precisam de cinco mentalizando na sala vermelha e um viajando, se ela viajou com você ao Burj Al Arab? Quem mais estava mentalizando na sala vermelha, Gameliel, para que você pudesse ter ido viajar? — Sean olhou-o e Gameliel quase ruiu. — Porque sei que Phemie anda doente, que não conseguiu viajar naquele dia.
— Quem… quem…
— Nympha!
— Ela lhe contou?
— Ela deixou escapar.
— Mas quando…
— Isso não interessa. Quem era a quinta mentalizando naquele dia Gameliel? — e agora Sean não viu um único músculo se mover no rosto dele. — Eu sei que Mona amiga não faria aquilo, então quem mais mentalizava, Gameliel?
— Baco, Nympha, Ophelie, Phemie, e Pallas.
— Não minta para mim Gameliel! — se enervou. — Vocês precisam de cinco e Phemie não estava lá. — Sean viu Gameliel se assustar. — Quem mais mentaliza?
— Baco, Nympha, Ophelie, Phemie e Pallas.
— Gameliel… Não abuse de minha paciência porque sei que Trevellis não tem dons paranormais ou não poderia estar no comando da Poliu, que proíbe ‘dons’ de assumir algo. Então vou perguntar outra… — e Sean parou com algo explodindo dentro dele. — Deus… Ela pode mentalizar e viajar ao mesmo tempo? Como eu fiz agora a pouco?
— Erianthia não tem muita força, sozinha. Ela precisa ir toda.
Sean teve medo dela, de Gameliel, dele próprio.
— “Ir toda”? Mas se ela vai toda então quem mais... — cerrou os olhos azuis. — Vá embora! — apontou para a porta com medo de ouvir a resposta.
Gameliel permaneceu parado.
— Não vai machucá-la, vai? Porque todos nós temos buracos no coração, Sr. Queise.
Sean o olhou sem entender.
— “Buracos”?
— Erianthia perdeu o marido e a filhinha de seis meses num acidente de carro, cinco anos atrás. O carro foi totalmente destruído debaixo de um caminhão, mas ela não sofreu um único arranhão. Ela nunca se perdoou.
Sean só o olhou.
— “Cinco anos”? Ela disse que tentam há cinco anos... Então ela havia parado de trabalhar antes do acidente?
— Sim.
— Como aconteceu?
— Antes de contar preciso perguntar algo.
Sean girou os olhos.
— O que quer saber?
— Sabe que podemos bloquear nossos pensamentos, não Sr. Queise?
— Sim... Vocês podem...
— Já percebeu que liberou os seus? Foi por que abriu os portais para Mr. Trevellis?
— Não sei Gameliel... Talvez...
Gameliel ficou a pensar algo e Sean irritar-se com a demora daqueles pensamentos.
— Então sabe que não podemos ler as mentes dos outros espiões. Então percebe que não podemos ao certo saber o que houve porque Erianthia não fala muito. Que ela foi trazida na época de Mona Foad para integrar a equipe. Que somos muitos jovens e...
— Basta Gameliel! Seja mais específico, por favor.
— Sabe que temos nossas habilidades psíquicas adquiridas ainda na infância?
— Sei... Ainda na infância... — Sean não quis entrar naquela questão.
— Então é porque sabe que fomos crianças ‘problemas’, às vezes tratadas como esquizofrênicas, e que sofremos muito, Sr. Queise — Gameliel se virou para sair e voltou vendo que Sean também sofria, que muitas vezes se achou aquilo mesmo, um problema a seu pai, que lhe aceitou. — Erianthia era alcoólatra desde a adolescência por causa de um pai omisso, só preocupado com sua irmã Aagje.
Sean mal teve tempo de arregalar os olhos.
— Aagje... Erianthia e Aagje eram irmãs?
— Gêmeas!
— Eu não sabia que Syrtys Papadopoulos... — Sean caiu sentado. — Ele nunca permitiu que... — olhou Gameliel em choque. — Por isso as joias e a opulência. Ela tinha acesso ao iate e as joias...
Gameliel esperou Sean terminar suas divagações e prosseguiu:
— Erianthia fora rejeitada por Syrtys Papadopoulos por causa de seus dons; drogas, álcool e inúmeras tentativas de suicídio faziam parte da vida dela até conhecer seu marido, um agente da Poliu; agente Rupert Agasias.
— Agasias… — repetiu mecanicamente.
— Erianthia foi trazida para cá e seu desenvolvimento ajudou-a a superar as crises e eles se casaram — Gameliel prosseguiu sem perceber as duvidas de Sr. Queise. — Após o nascimento da filhinha deles, Erianthia voltou a piorar, a sair de si, perder o rumo, ficar dias desaparecida.
— Deus... — Sean arregalou os olhos azuis, entendeu como Syrtys conhecia seu pai, através da Poliu, através de Mona, através dos espiões psíquicos, através de muita coisa que os levavam à sala vermelha, criada para controlar filhos problemas.
— Depois da morte de seu marido e filha, Erianthia havia desaparecido. Mas quando voltou para o mosteiro, Erianthia passava horas se concentrando, viajando, em busca deles, para pedir-lhes perdão... — e Gameliel parou vendo que Sean também tinha ‘buracos’ — Gameliel voltou a abrir a porta e tirar Sean de seus pensamentos. — Se for fazer algo por Erianthia, os procure Sr. Queise; permita que ela peça perdão aos quatro — e Gameliel saiu de vez.
Mosteiro Roussanou, Meteora; Grécia.
05 de novembro; 11h11min.
Quando Mr. Trevellis invadiu o quarto dele com três agentes armados e Nympha em sua cola, Sean Queise já havia desaparecido. Mr. Trevellis fuzilou Nympha que tinha certeza que os pensamentos dele ainda estavam ali. Fora Erianthia quem deixou os pensamentos deles ali plasmados, para poderem ter tempo de fugir; ela realmente controlava mais que o tempo.
Vilarejo de Imerovigli, Santorini; Grécia.
05 de novembro; 11h11min.
Erianthia Papadopoulos Agasias e Sean Queise conseguiram com um amigo dela um helicóptero de verdade, que os levara para Santorini, Vilarejo de Imerovigli. Conseguiram roupas e dinheiro com outro amigo e depois alugaram um carro ainda com ajuda de outro amigo da agente, e Sean não quis saber mais nada. Estava enciumado dela ter sido casada, de ainda os procurar, e de ter tantos amigos disponíveis.
Ele ainda viu o Astra Hotel ao passarem por ele, e Erianthia gostou de vê-lo lembrando-se de Aagje, dela; não entendeu se das duas. Ela sabia que Gameliel contara sobre seu passado, ficou satisfeita em vê-lo com ciúme, porque odiou Nympha e aquele atrevimento. Quando ambos chegaram a uma casa na estrada de Thira, no alto do Vilarejo de Imerovigli, Sean desceu do carro percebendo que Erianthia lutava para afastar os pensamentos dele dos espiões psíquicos. Sean também percebeu que a porta foi aberta no que ameaçou tocar a campainha.
Olhou Erianthia o olhando.
— Ele sabe que estamos aqui — foi o que respondeu à pergunta que ele não fez. Sean entrou seguida dela que fechou a porta ao passarem. Numa sala escura, logo à entrada, um homem estava sentando numa cadeira de tecido velho, com pontas rasgadas, morto.
— Deus… — Sean impactou com aquilo.
Virou-se para Erianthia.
— Não tinha como explicar para você.
— Deus... — Sean olhou Nikiforus morto, olhou-a e voltou a olhar Nikiforus morto. — Quando... Quando...
— Já tem um tempo.
— O que? — olhou-o. — Quanto tempo?
— Não sei. Não sou médica.
Sean se virou para ela furioso.
— Por que não me disse que Nikiforus estava morto? Por que me deixou vir aqui Senhorita Agente Erianthia?
— Ninguém sabe que ele morreu Sr. Queise.
— Mas você sabia.
— Eu não tinha como falar para você. Já disse. Não consigo descobrir como ele morreu.
Sean se aproximou do corpo gelado do Doutor.
— Deus... E agora?
— Agora faça o que viemos fazer aqui.
Sean se ergueu do lado do corpo que azulava rapidamente achando não ter escutado direito.
— Como é que é?
— Conversa com os mortos, não Sr. Queise?
Sean arregalou os olhos azuis.
— Como é que é?!
— Eu disse para perguntar a ele o quer saber! — Erianthia se enervou apontando o cadáver.
Sean olhou o cadáver apontado, olhou Erianthia e olhou o cadáver de Nikiforus outra vez.
— Está brincando, não?
— Sente-se Sr. Queise. Sem tocar em nada ou suas digitais estarão no boletim policial expedido daqui a duas horas.
Sean ergueu o sobrolho mais ainda.
— Claro, Alice, o mensageiro que está preso terá seu julgamento quarta passada e o crime, obviamente, virá por último.
Erianthia não gostou da brincadeira. Sentou-se esperando ele fazer a parte dele, para então olhar Sean olhando algo apavorado. Ela virou para trás por extinto. Os espelhos da sala estavam todos pintados de tinta preta. Ela se virou para Sean e o viu procurando mais espelhos, encontrando o da sala e o do corredor, também pintados por tinta preta espessa.
— Por que ele fez isso, Sr. Queise?
Sean não sabia se queria saber.
— Não sei, Senhorita. Quem sabe se você me explicar eu lhe respondo?
Ela o olhou de supetão.
— Acha que sei?
— Acho que sabe de muita coisa, não? — Sean olhou o corpo azulado de Nikiforus Theodorákis.
— Já disse que não sei como ele morreu nem por que pinta seus espelhos de preto — Erianthia voltou a sentar-se esperando ele falar com o morto. Sean girou os olhos. — Ehhh!!! Está bem! — berrou Erianthia. — O Dr. Moody dizia que os melhores materiais para a visualização dos mortos pareciam ser os espelhos, especialmente espelhos refletidos em outros espelhos porque aparecem invertidos e confundem nossas percepções normais. Os espelhos escuros são úteis também porque refletem somente aquilo que está em sua total profundidade.
— Você sabia sobre os psychomanteum...
— Ele tinha medo de vê-los — Erianthia voltou a apontar o cadáver.
— “Vê-los”? Quem Nikiforus via nos espelhos? Os invertidos?
— Alienígenas! Ele publicou sobre eles no numero 11 do seu jornal maluco.
— Deus... Por que não me falou isso?
— E o que ia acrescentar?
— Talvez evitasse muitas coisas.
— Estranho que sua lista de ufologia nunca tenha dito sobre isso — ela viu Sean escorregar-lhe um olhar de lado. — Ehhh... Ela pediu-lhe para você não mais participar, não?
— Não fale dela. Kelly é importante para mim.
— Ela manda em você. Como sua mãe.
— Cale-se! — Sean viu Erianthia rir e cruzar as pernas no sofá da sala escura onde Nikiforus ‘aguardava’ a sessão. Olhou-a em choque com tudo aquilo. — O que pensa que está fazendo?
— Esperando você se comunicar com ele — Erianthia apontou Nikiforus. — Ou ainda não disse que os policiais serão avisados sobre um cadáver que cheira? — olhou o celular. — Daqui à uma hora e cinquenta e um minutos?
Sean girou os olhos nervoso.
— O que dizia o jornal número 11?
— Sinto muito! Não tenho memória fotográfica, Sr. Queise. Pergunte a ele — apontou-o de novo.
— Pare de apontar para ele, está bem? Está me dando nos nervos estar aqui falando com um morto e uma morta — e Sean a viu o olhando de uma maneira que não traduziu. — Não pense que já não passou pela minha cabeça, Senhorita Agente.
Ela riu sarcástica.
— Querendo se livrar de mim, Sr. Queise?
— Não me dê chances...
— Ehhh... — ela engoliu o sarcasmo.
Sean se aproximou do cadáver tomando coragem. Sentou-se no sofá à frente dele, a olhar os olhos esbugalhados de Nikiforus. Voltou a levantar-se e os abaixou sentindo a pele fria, rígida. Lembrou-se do pai, de Sandy, de como doía tais perdas. E Sean levantou-se pegando alguns objetos da decoração e os colocando em cima da mesa de centro, voltadas para Nikiforus.
Depois viu Erianthia só o observando.
— O quê? Imagino que se você irá tentar contatar um ente querido em espírito, a área do Psychomanteum deve ter ao menos alguns objetos... — e parou. — As fotos e os objetos especiais que foram frequentemente usados ou tiveram um significado especial para esta pessoa, são especialmente úteis para...
— Está bem Sr. Queise! — ela ergueu uma mão e ele parou. — Vamos ao que interessa — apontou o cadáver outra vez.
Sean não gostou daquilo.
— Deus... Mona dizia que a comunicação com os outros mundos, todos eles, se davam no inconsciente, que estava enraizado na nossa mente desde os primeiros homens evolutivos, desde os pré-históricos, que provável, era assim que se comunicavam. Nós é que perdemos a técnica durante a evolução.
— E ela está lá, Sr. Queise, as respostas estão em algum lugar da nossa mente. Mentalmente expressamos o contato com o ‘outro mundo’ e formulamos as perguntas. Quem pergunta exercita seu inconsciente e este exercício se transforma numa mensagem, que requer uma resposta por parte do próprio inconsciente. Acredite, há comunicações com os mortos, que ficam registradas no éter...
Sean a olhou com interesse.
— Já tentou?
Erianthia olhou-o nervosa.
— Não...
— Por quê?
— Não vou falar sobre isso, Sr. Queise.
— Ótimo! E vamos falar sobre o que?
— Sobre o quê, não. Sobre quem... — e Erianthia voltou a apontar o cadáver azulado de Nikiforus Theodorákis. Sean olhou em volta e viu que o dia raiava para então anoitecer e raiar de novo. Ergueu-se em choque e olhou o relógio da parede que girava ao contrário; e o Sol se pôs e voltou e se recolher para se por e se recolher, e voltar a nascer. Sean impactou ao ver Nikiforus levantar-se da cadeira, andar de um lado a outro de ré, sentar-se e levantar; e comer e voltar a comida no prato. — Estamos recuando no tempo... — falou Erianthia ao seu lado.
Sean teve medo do que ela fazia, e o Dr. Nikiforus ia e vinha fazendo tudo ao contrário, de traz para frente, voltando no tempo até que sentou na poltrona usando a roupa em que o visitara na church, na madrugada do dia 29 de outubro.
Nikiforus então se virou para ele e falou com uma voz rouca, quase inaudível.
— Ahhh... — Sean impactou, mas não conseguiu ouvi-lo.
— Se concentre Sr. Queise — Erianthia o olhava com calma. Sean teve vontade de se levantar, sumir dali, largar toda aquela insanidade, mas algo lhe brecava. — Vamos Sr. Queise. Emissão de socorro é selo de culpa.
Sean arregalou os olhos azuis para ela não gostando daquilo. Ele não era culpado da morte de Nikiforus.
“Ou era?”, olhou Nikiforus ainda falando baixinho.
Sean se concentrou e o som se firmou.
— Tempo... Rápido... Dor... Fantasmas... Penas... — soava da boca de Nikiforus.
Sean sentiu-se tonto, sentindo que havia alguém mais ali. Talvez a alma de Nikiforus.
Teve medo de desabar.
“Se concentre em Nikiforus...” soou da boca de uma Erianthia metálica.
E Sean se concentrou.
— Pois bem... — Nikiforus se virou para Sean.
— Ahhh! — Sean viu que agora Nikiforus o olhava, sentindo-se insano em meio a tudo aquilo.
— A coisa ficou assim... Quando o planeta estava se formando, após a explosão de Tiamat, Sr. Queise, chegaram aqui alienígenas; viajantes, pesquisadores, mercenários... Eu não sei o que eram, mas trouxeram seus animais de estimação.
— “Estimação”?
— Sim. E aqui se instalaram, numa Terra primitiva, talvez parecida com o planeta deles. Não sei por quais cargas da água eles não voltaram, ou não conseguiram voltar, mas com o passar do tempo foram ficando cada vez mais atrevidos e copulando com os animais que por aqui viviam, e que também copularam com os que trouxeram, surgindo e se transformando em monstros, alguns sobrevivendo a muitas catástrofes... — parou de falar. Sean escorregou os olhos para Erianthia achando que ele era o maluco perturbado que ela havia lhe dito, mas a voz de Nikiforus voltou a se fazer. — E a coisa ficou assim... Através da evolução tão bem explicada por Charles Darwin o homem macaco chegou ao homem como conhecemos, após tantas cópulas com os alienígenas. O que nos remete a ‘somos a imagem e semelhança dos deuses’, dos deuses alienígenas, Sr. Queise?
— Wow! — Sean arregalou os olhos azuis.
— Não, Sr. Queise. Não sou maluco. Como também não é e não gosta de ser chamado assim.
Sean parou e olhou para Erianthia o olhando. Ficou na duvida se ouvia aquilo ou apenas imaginava. Ela apontou para Nikiforus e Sean se virou para ele outra vez.
— Prossiga! — foi o que Sean exclamou.
Nikiforus prosseguiu:
— Pois bem... A coisa ficou assim... Os homens começaram a se desenvolver, agora com a fórmula certa e ameaçaram os alienígenas que não sei por que não saíram daqui, e ainda tiveram que se esconder dos humanos, que digamos, ficaram uma mercadoria melhor que eles.
— Invertidos?
— Não, Sr. Queise. Originais. Nós somos os invertidos deles e convenhamos, ficamos melhor que eles.
— Você deve estar brincando...
— Já olhou dentro do espelho, não Sean? — Nikiforus viu Sean o observar. — Os viu, não Sean? Os originais de nós invertidos? — perguntava Nikiforus.
— Está dizendo que os alienígenas são os originais do espelho, invertidos de nós invertidos deles? Vamos lá, Dr. Nikiforus me dê mais que isso.
Nikiforus ergueu-se da cadeira e começou a andar e comer, e arrumar a sala tudo em marcha ré, para trás, vivo. Sean escorregou os olhos para Erianthia e a viu o olhando.
Ela voltava mais ainda no tempo.
— Pois bem... A coisa ficou assim — Nikiforus voltou a se sentar e falar. — Em 1901 um empregado das patentes começou a roubar informações de Albert Einstein. Ele descobriu algo anos depois, alguma coisa que talvez Einstein não tenha conseguido.
— O que?
— Uma maneira de tirá-los do espelho através do tempo, da entropia do tempo.
— E então...
— Então desde 1901, às vezes, eles escapam.
— ‘Escapam’ do espelho?
— Sim, provocando desgraças pelo mundo.
Sean se virou para Erianthia e viu o espelho.
— Erianthia...
Ela se virou e viu o reflexo de Nikiforus nele para depois ver seu reflexo e o de Sean. Erianthia se virou para Sean em choque.
Os ‘invertidos’ originais estavam lá.
— Não que precisamos dos invertidos para nos destruir, não é? — Nikiforus recomeçou a falar.
— É... — Sean olhava Erianthia assustada. — Dr. Nikiforus... — se virou para ele. — O que afinal Trevellis, meu pai e Syrtys faziam?
— Tentavam criar energia para os foguetes, naves, UFOs, o que seja, pudesse levá-los de volta.
— Mas eles não foram embora ou meu pai não conseguiu?
— Eles até tentaram, mas os alienígenas descobriram você e seus dons paranormais, e perceberam que havia uma maneira toda nova de voltar ao seu planeta animalesco como a Terra que encontraram aqui.
— Que maneira?
— Não sabemos.
— Mas Trevellis pretendia mandá-los embora, não?
— Não!
— “Não”? Por que Trevellis não quer se livrar dos alienígenas? — Sean olhou Erianthia.
Ela só balançou o ombro e foi Nikiforus quem respondeu:
— Não sei dizer...
Sean achou que aquilo soou falso, vindo de um Nikiforus morto ou não.
— Está bem. Então Trevellis não quer se livrar dos alienígenas porque fez um acordo com eles?
— Não sei dizer...
— Mas se não for isso, se Trevellis não... — Sean ficou confuso. — Trevellis quis me avisar sobre o tempo, sobre a entropia do tempo. Então é porque precisa dos alienígenas para algo... — Sean olhou Nikiforus. — Me diga Doutor... Como acha que os alienígenas fariam isso? Como iriam embora nessa ‘maneira toda nova’?
— Já disse; não sei. Achamos inicialmente que seria viajando. É isso que os malucos de Mr. Trevellis fazem.
— “Achamos”? Quem ‘achamos’?
— Seu pai e eu.
Sean quis saber qual deles. Teve medo de perguntar.
— Você disse “fazem”? Os que os ‘malucos fazem’? Viajam pelo tempo?
— É uma possibilidade.
— Como Erianthia Agasias plasmando Aagje Papadopoulos? — olhou-a o olhando.
Ela só sorriu-lhe cínica.
— Então você a conheceu? — Nikiforus percebeu algo que não via, mas viu Sean Queise se virar assustado para ele. — Eu a vi na church com aquele seu velcro Gameliel, mas percebi pelas roupas que usava que ela se passava por sua irmã Aagje.
— Por que não me disse?
— Sr. Queise... Não imagina o quanto tento não me meter com Erianthia Agasias. Além do mais Aagje Papadopoulos e Zenon Kanapokolo já estavam mortos pelos alienígenas.
Sean o olhou arregalado.
— Mortos... — Sean sentiu-se mal. — Mortos pelos...
— Então, como disse, quando vi Erianthia Agasias nas roupas de Aagje Papadopoulos, que convenhamos, só podia ser coisa da cabeça de Trevellis fazer aquilo… — Nikiforus prosseguiu sem ouvi-lo. — Imaginei que não devia me meter com aquilo, porque Trevellis queria saber o que tinha na sua cabeça para fazer os alienígenas desistir de viajar.
— Na minha cabeça? Como assim? Os alienígenas desistiram de viajar por que havia algo na minha cabeça? Uma ideia?
— Não sei...
— Trevellis acha que a resposta está no ‘quase um mês’ em que sumi?
— Exato!
— E o que tem na minha cabeça para que os alienígenas desistissem da energia dos UFOs?
— Algo que domina Sr. Queise, algo que passou a dominar. Viajando para frente e para trás; talvez tanto para trás, para trás o suficiente para refazer algo.
— Deus... Eu refiz algo?
— E é esse algo que refaz, que a sala vermelha refaz, que os alienígenas também querem refazer.
“Consertar erros...”; soou a voz da bela Kelly Garcia em seus pensamentos naquele instante.
— E vão viajar como? Em alguma fenda espaço-temporal de Al Bielek suponho?
— Não. Pela outra dimensão, uma que vem custando muito dinheiro da Poliu.
“Pela outra dimensão?”, Sean queria ter realmente entendido aquilo.
— Então como... Deus... Você disse sobre um cara que descobriu algo que Einstein não descobriu... — Sean olhava o infinito para então se virar para Erianthia. — As setas do tempo! — Sean voltou a olhar Erianthia o olhando com interesse. — A sala vermelha vai mirar 1901 para tentar pegar o cara que permitiu os alienígenas mudarem de ideia, não? Que os fizeram mudar de ideia porque alguém viu que eu teria ideias na cabeça no futuro. Isso é nonsense. Nada pode alterar o passado.
— Agora sei o que Mr. Trevellis teme tanto em você Sean. E o que seu pai Fernando tanto admirava — Nikiforus viu Sean o olhar. — Sua inteligência, Sean. E os dons paranormais da família de Oscar Roldman.
Sean sentiu-se outra vez a ponto de desabar. Erianthia teve que usar de toda sua força espiritual para manter Sean ali, conectado.
— Volte Sr. Queise! Concentre-se! — ordenou ela.
Sean achava difícil.
— E... Eu deveria perguntar outra vez ‘como’, não? — Sean ainda conseguiu perguntar a Nikiforus observando Erianthia lhe ajudando.
— Não é “como”? É ‘como’! Já tentamos de tudo e não conseguimos... E você faz brincando.
Sean o olhou de uma maneira vaga. ‘Brincando’ na era bem a expressão correta.
— A sala vermelha e os cinco. Por que cinco se... — e Sean viu Nikiforus se levantar e acelerar para frente. — Não faça isso!!! — gritou com Erianthia.
— Não sou eu! — exclamou Erianthia em seu total controle.
E Nikiforus, a noite, o dia, a alimentação, o vai e vem, tudo corria rapidamente. Nikiforus voltava para o futuro.
— Já disse para parar!!!
— Não grite comigo! Já disse que não sou eu! — perdendo o tal controle.
Sirenes e gritos vieram de todos os lados. Sean ergueu-se do sofá em choque olhando Nikiforus morto, azulado sob forte movimentação de policiais entrando e saindo da sala, recolhendo digitais, passando luminol em tudo; e Sean e Erianthia estavam ali, no meio deles, sem que eles os vissem ali.
— Como... — Sean só esboçou aquela palavra e desabou.
Erianthia Papadopoulos Agasias havia usado toda sua força para que o tempo não permitisse que fossem vistos.
12
Vilarejo de Imerovigli, Santorini; Grécia.
07 de novembro; 07h07min.
Sean acordou assustado no mesmo quarto do Astra Hotel. Estava nu, enrolado pelos lençóis macios. Lá, no canto esquerdo, o espelho uma vez atravessado, na mesa o notebook ligado, no armário as roupas passadas; na varanda o dia raiava.
O tilintar de copos e xícaras fizeram seu coração disparar. Ele olhou em volta segurando o lençol, aturdido, confuso.
— Acordou? — soou uma voz feminina lá de fora. Sean teve medo de sair e ver Aagje Papadopoulos o esperando para o café. O medo de que tudo aquilo tivesse sido um sonho tomou-lhe por completo. Andou poucos passos e encarou a mesa colocada para dois; na mesa chá de frutas, geleia de todas as cores e sabores, sucos dos mais diversos e finos doces açucarados enrolados nos guardanapos de linho. — Gosta de dormir nu, Sr. Queise? — provocou-o.
Ele respirou pesado e pesado sentou-se na cadeira sabendo que aquela era Erianthia Agasias e que ela o despira mais uma vez.
Começava a desgostar daquilo.
— Por que fez isso?
— Tirar-lhe a roupa?
Sean sentiu mal.
— Trazer-me para o Astra Hotel.
— Para onde eu o traria? É o hotel mais próximo.
— A mesa... — Sean olhou em volta. — A mesa é a mesma.
Erianthia o olhou.
— Impressão sua.
— A mesa é a mesma!!! — gritou apontando para a mesa colocada.
— Não grite...
— O que você fez?!
— Eu não fiz nada.
— Você voltou no tempo? — Sean ergueu-se nervoso. — É a mesma imagem?
— Santorini sempre a tem.
— Cale-se!!! — berrou nervoso, suando. — Me trouxe para o mesmo dia em que acordei... Deus... Quando voltei de Londres? Ontem?
— Eu não sei...
— Ontem?! Diga!!! Você voltou o tempo?! — ele viu Erianthia só o olhar. — Desgraçada! Você voltou o tempo... Eu já fui ao mosteiro?
— Você deve estar mesmo muito ruim.
— Eu já fui ao mosteiro?! Depois que derrubou o maldito helicóptero plasmado fingindo ser Aagje, sua irmã gêmea? — Sean mal conseguia respirar. Tocou-se, a cicatriz do lado direito de seu rosto estava lá. — Isso quer dizer que Nikiforus está vivo?
— Sr. Queise...
— Nikiforus Theodorákis está vivo?!
— Não!!! — berrou também. — Já disse que ele morreu logo após você tê-lo encontrado na church.
— Ahhh!!! — Sean mergulhou a cabeça nas mãos. — Por que faz isso comigo? Por que me... — e parou quando entendeu algo. — Você gosta daqui; por quê?
Erianthia não gostou daquilo. Ele a invadiu de alguma forma.
— Não sei do que está falando.
— Passou sua lua de mel aqui — disparou.
Erianthia não teve tempo de se recuperar, ergueu-se furiosa da cadeira.
— O que pensa que está fazendo?
Sean olhou-a sem saber o que fez.
— Você morava em Santorini quando o agente Rupert veio trabalhar no mosteiro. Vocês se conheceram aqui nesse hotel, nesse quarto; quando ele se hospedou nesse quarto. Você quis passar sua lua de mel aqui nesse quarto — se aproximou mais dela na mesa com o dorso nu, enrolado no lençol como antes fizera. — E você e esse quarto estão conectados de alguma forma.
— Cale-se você!
— Por que armou aquela baboseira toda aqui? É por isso que consegue ir e voltar no tempo?
— Mandei se calar! — Erianthia ergueu o sobrolho a quase fazer os olhos saltarem das órbitas. — Ninguém... — engoliu a seco. — Nunca...
— Ninguém nunca soube?
— Você... — ela arregalou os olhos. — Você está lendo minha mente, Sr. Queise?! — vociferou.
— Lendo sua alma... Que não vale muita coisa...
Ela não acreditou naquilo. Sean fizera algo. Algo fizera Sean fazer aquilo.
“O quase um mês?”, se perguntou em pensamento.
Sean só a olhou.
— Rupert era... Era... — Erianthia não conseguiu falar.
— O melhor agente de Trevellis.
Ela o fuzilou com um olhar a fazer os olhos azuis ficarem mais azuis ainda.
— Especial Sr. Queise! Para mim!
Sean olhou para os lados nervoso. Nem a beleza da ilha de Santorini o fazia acalmar.
— Por que eu disse a Gyrimias que era provável que o agente da Poliu foi morto porque sabia onde os alienígenas estavam?
— Como é que é?
— Por quê?! Por quê?!— berrou descontrolado. — E como os policiais chegaram ao corpo morto de Nikiforus se nós ainda estávamos lá?!
— Incrível o que o tempo faz não Sr. Queise?
— Mexeu no tempo para que nós ainda pudéssemos ver a chegada dos policiais minutos depois que saímos?
— Ehhh!
— E quer me convencer que não mexeu no tempo para me trazer aqui, Senhorita Agente Erianthia? E quer me convencer que não mexeu no tempo que fez Nikiforus ‘voltar a morrer’, Senhorita Agente Erianthia?! E quer me convencer que eu não fiz algo indo ao Brasil falar para Gyrimias, algo que eu não podia saber a menos que não mexesse... Não mexesse... No tempo?! — berrou a fazer a saliva espumar.
— Ehhh!!! — gritou para toda ilha ouvir.
E muitos ouviram.
— Deus... Nós somos insanos!
— Obrigada, Sr. Queise. Sabe como ninguém como é gentil quando as pessoas nos chamam assim.
Sean ergueu as costas como se algo o tivesse atingido. E o atingiu.
— Deus... Deus... Como pôde... Como pôde ter feito... Deus... — tremia todo tentando raciocinar. — Pode voltar no tempo e evitar...
— Acha que eu estaria chorando a perda de minha filha se pudesse? A perda do meu marido, meu grande amor? De meu pai? De minha irmã se pudesse evitar?!
Sean quis sumir dali. Queria tanto voltar o tempo, trazer o seu pai de volta, refazer erros, se apaixonar por Kelly antes dela, de Sandy. Erianthia viu a confluência dos pensamentos com dificuldades. Temeu o que aconteceu ali.
— Quando Albert Einstein apresentou a Teoria Geral da Relatividade ele provou que o tempo não era absoluto, daí o conceito de tempo imaginário. E o tempo era um conceito relativístico variável, onde em cada ponto do Universo a passagem do tempo não era igual — olhou-a. — Esqueceram-se de apresentar a ele coisas como vocês, espiões psíquicos.
Erianthia sentiu-se atingida por Sean de todas as maneiras. Demorou alguns segundos para ela se recompor.
— Sabe por que a Operação Montauk foi cancelada, Sr. Queise?
— A lista... — encheu os pulmões. — A Internet toda conta sobre um incidente que fez provocar seu cancelamento.
— A Operação Montauk, dizem, foi criada em 1940 para a decodificação de ondas magnéticas emitidas pelo cérebro humano, captadas por paranormais sensitivos ou médiuns. Em tese, os sensitivos veriam o que os emissores pensariam. Em 1973, a operação entrou numa fase chamada ‘Cadeira Montauk’ que iria permitir que agora as conexões fossem humanas e máquinas. Computadores, Sr. Queise… — olhou-o. —, e os paranormais sensitivos emitiriam ondas a fim de projetarem seus pensamentos, que dizem, conseguiram que formas espectrais se moldassem.
— “Dizem”? — provocou-a.
— Dizem... Formas espectrais feitas de orgone.
— “Orgone”? — Sean arregalou os olhos. — O orgone é a energia descoberta pelo psicanalista Wilhelm Reich que acreditava qualquer ser possuir, até alienígenas, e que a utilizou com finalidades clínicas ou, dizia, os UFOs se moviam com orgone...
— Essas imagens de orgone tomaram vida, Sr. Queise.
— Materializaram pensamentos?
— Ehhh! Materializando matéria do nada — tomou mais uma xícara de chá fazendo Sean perder a paciência com a calma dela. — Depois disso, ‘dizem’ eles começaram a mexer com fendas espaciais, indo ao passado e futuro, viajando entre datas e eventos, mudando muita coisa.
— Para pior. Não me lembro de vivermos num paraíso.
— Cuidado, Sr. Queise. Não sabe do que a Poliu é capaz nem o que vem sendo desenvolvido naquela sala vermelha.
— Afinal por que a Operação Montauk foi cancelada, Senhorita?
— A mesma lenda diz que em 1983, um pesquisador de nome Duncan Cameron Jr. libertou um monstro que ele havia projetado de seu inconsciente, e tal criatura destruiu a operação.
— “Um monstro”? Deixe-me adivinhar? Ele saiu do espelho? — ele viu Erianthia Papadopoulos Agasias sorrir mais cínica do que ele era. — Deus... — voltou a olhar a imensidão. — O que vamos fazer agora?
— Voltar a São Paulo.
— “São Paulo”?
— Sim. Há algo nos seus mainframes que precisa investigar.
— Investigo meus mainframes daqui.
— Não, Sr. Queise. São alguns mainframes da Computer Co. que necessitam investigação.
Sean arregalou os olhos azuis. Sabia do que ela falava.
— Está falando do... Leu minha mente?
— Não. Mas Mr. Trevellis sabe sobre os mainframes que mantêm desconectados de seus mainframes por controladores SCSI independentes ou redundantes, locais ‘tampão’, temporários, em que seus mainframes usam durante a transmissão de dados de um dispositivo ou componente para outro, agindo como um convidado em uma máquina virtual.
E Sean não acreditou no que ouviu. Era realmente ela, Erianthia Agasias no Burj Al Arab, nua na banheira.
Sean caiu de costas na cadeira.
— Meu pai... Ele nunca... — Sean olhou Erianthia sentindo dor. — Meu pai nunca falaria a Trevellis, e eu nunca permitiria... — Sean olhou Erianthia com lágrimas nos olhos. — Há quanto tempo a sala vermelha penetrava os pensamentos de meu pai?
— Algum tempo...
— O feitiço virou contra o feiticeiro?
— Ehhh!
— Pois então viram que eu mantinha sob segredo da própria Computer Co., mainframes que se comunicavam com Spartacus e não previram sua morte?
— Nem tudo pode ser previsto, Sr. Queise. É uma ironia dizer-lhe isso podendo ver do que somos capazes, mas nem tudo nos é permitido.
Sean olhou a imensidão agora sentindo dor.
— Acredita em Deus, Srta. Erianthia? Numa força acima de tudo e todos, num Deus que nos protege, nos guia, nos ilumina? Que diz quando devemos morrer...
— Ehhh... Eu só quero acreditar, Sr. Queise, que essa força ‘Deus’ mantém minha filhinha feliz, porque eu vivo no inferno todos os dias pela falta dela.
Sean se virou para ela sentindo que o ‘buraco’ dela era maior que o dele.
— Os meus mainframes... O cloud computing... — Sean não teve coragem de olhá-la. — A Computer Co. estava investindo pesado nessa nova tecnologia. Tecnologia ameaçada pelos chips instáveis de Papadopoulos que mantinham negócios escusos com meu pai... — e enterrou a cabeça nas mãos. — Foi meu pai quem me incentivou a usá-los... As zeólitas de seu pai Syrtys Papadopoulos.
— Por quê?
— Não sei que droga é essa. Só sei que meu pai não faria nada escuso se não tivesse sido obrigado a fazer por minha causa.
— Acha que os alienígenas quando descobriram o que você podia fazer, colocaram Syrtys Papadopoulos, Fernando Queise e Mr. Trevellis em desvantagem?
— Não sei... Não sei... — esfregava a cabeça com força. — Minha cabeça dói quando penso — olhou para o céu. — Só sei que algo aconteceu naquela noite, na noite que meu pai foi morto na Transilvânia por algo que eu fiz, que ia fazer, não sei... Algo que não encontro rastros, que não encontro respostas, que não sei o que é.
— A sala vermelha nada conseguiu — olhou. — Nem com você...
— E como não conseguiram?
— Não temos respostas para tudo. Já disse. Mr. Trevellis ainda acha que escondemos algo. Nos mantém em eterna vigilância.
— Que vocês driblam. Como voltar no tempo... — ele viu Erianthia voltar a brilhar os olhos sem responder. — Sabia que Trevellis filmou Aagje viva no Burj Al Arab?
Erianthia voltou a brilhar os olhos.
— Ehhh!
— Você sabia?
— Ele fizera aquilo mais para me manter na linha do que provocá-lo, Sr. Queise.
— Você ser parecida com Aagje eu entendo, mas porque incluir Gameliel?
— Já disse que podemos materializar o que queremos, como Nympha na sua cama...
Sean cortou a sua fala.
— Eu já disse que não era o que...
E Erianthia cortou a fala dele.
— Chega Sr. Queise! Não vamos mais falar nisso.
— Foi você quem...
E Erianthia cortou a fala dele mais uma vez.
— Zenon Kanapokolo foi um passo fácil de executar; além do mais você não conhecia o verdadeiro Zenon, que não é parecido com Gameliel.
— Então quando fui de helicóptero ao... Era o verdadeiro Zenon quem pilotava o helicóptero que caiu, morreu; um mês depois tinha vermes... Deus... Vocês são monstros.
— É o que ganho por ter lhe ajudado?
— Me ajudado? Em que? Virou minha vida de ponta cabeça desde que...
Erianthia ficou aguardando, nem se deu ao trabalhado de pensar o que ele pensava ter visto, já que não conseguia penetrar nos pensamentos dele como antes.
— “Desde que”, Sr. Queise? — e Erianthia cortou a fala dele outra vez.
Sean sentou-se enrolado nos lençóis, a observando o observar. Merleau-Ponty tinha razão, incrível como os olhares diziam tanto. Sean se serviu de café, açúcar e canela. Comeu geleia com bolo de laranja e ficou a olhando outra vez.
— Você fez apport com minhas roupas as enviando para a Primeira Guerra Mundial ou estão passadas no armário após mandá-las à lavanderia? — ela esperou ele olhar para dentro do quarto. — No armário? — ele nem a olhou.
Entrou e encarou o mesmo armário de quando chegara de Londres. Sentiu-se mal com aquilo. Trocou-se voltando com uma calça Armani de linho clara e uma camiseta branca básica.
— Sua sócia o veste muito bem.
— Gosto de mulheres de bom gosto — olhou Erianthia parando de olhá-lo e o encarando. — E Kelly é a mulher perfeita — olhou Erianthia o olhando de uma maneira inédita.
E Erianthia só o olhava; intensamente. Sean não se deu por atingido. Acabou o café e partiu para o suco de amoras, depois laranja até enrolar fatias de lombo defumado e queijo gruiere e comê-los a encarando. E ambos gostaram daquilo.
Mesmo conhecendo sua atual condição, Erianthia desejava o devorar como nunca devorara homem algum. Havia algo com Sean que ela não conseguia decifrar, um appeal sexual muito forte que a fazia desejá-lo. E nem toda a frieza que Sean exalava, que afastava as pessoas, podia afastá-la dele. Porque a própria Erianthia não sabia ao certo quando prestara atenção nele. Estava casada, feliz, quando Mona Foad deu-lhe algo inédito para fazer; trocar informações com um pupilo dela, alguém especial que ela vinha preparando. Como Mona não podia dizer quem era seu ‘pupilo’, ela insistira que ela o seguisse no éter toda vez que o tal pupilo viajasse pelo astral. Erianthia se conectou tanto que bastava Sean sonhar que ela estava lá, ao lado dele, sem enxergá-lo, porém.
Era uma névoa iluminada que ela não conseguia decifrar.
Havia uma dor muito grande nele, algo que fazia todos seus perispírito deformar no éter, Erianthia se esforçava para vê-lo, para colocar um ‘rosto’ naquela alma que viajava sempre junto, a ajudá-lo. E Erianthia se tornou tão perfeita em seus poderes que Mona Foad mesmo após o desligamento da Poliu, por motivos que ela nunca soubera ao certo quais foram, deu-lhe de presente outros poderes que nunca soubera existir, com a premissa de que nunca revelaria a ninguém, e com a promessa que continuaria a ajudar seu pupilo a se desenvolver. Mas o tal pupilo lhe escapava à compreensão quando atingia o éter, saía de seu controle, e Erianthia o perdia por vezes não conseguindo cumprir o que prometera quando se descobrira grávida. Erianthia ficou tão feliz que até esqueceu-se do pupilo de Mona, de Mona e de seus próprios poderes. Havia um equilíbrio tão grande na sua vida problemática que ela se desligou do mundo.
— Quando engravidei, experimentei um equilíbrio até então desconhecido. Mas quando minha filhinha nasceu, tudo mudou outra vez e mudou para pior. Eu comecei a sentir-me mal, saindo do corpo sem controle; eu não conseguia mais controlar meus poderes — Erianthia falou do nada vendo Sean olhá-la. — Comecei a ter alucinações, a entrar em transe. Quando tentava me aproximar dela eu provocava pirogênese, exteriorizava e transformava minha energia humana em energia térmico-calorífica provocando fogo espontâneo — olhou Sean que não entendia o porquê dela falar aquilo. — Rupert corria e apagava o fogo. Sempre. Mas eu comecei a ter medo de me aproximar dela, de queimá-la... Minha nossa... — enfiou agora ela a cabeça no meio das mãos e chorou.
Sean ficou sem ação. Captou no ar todos os pensamentos anteriores de Erianthia e sentiu que sua respiração falhava. Era como se Erianthia em algum momento parasse de respirar, como se alguma vez ela tivesse morrido. Ficou atônito sem saber ao certo o que vira para então ver outra coisa mais assustadora ainda. Viu Erianthia a seu lado, no éter, durante várias passagens de sua vida.
E as visões foram muitas naquele instante.
— Meu Deus! Era você quem Mona havia preparado para me... Para me... Pare me desenvolver?
— Ehhh... Seu mestre, eu não disse? Mas eu não sabia quem era você. Mona dizia ‘meu pupilo’ e eu nunca via seu rosto. Você era sempre embaçado, confuso; talvez pela dor que deformava seu perispírito. Quando eu engravidei, me desliguei de você, de Mona, do mundo. Ehhh... Eu era feliz pela primeira vez na vida... — Erianthia enxugou as lágrimas e Sean voltou a sentir que o coração dela não batia normalmente. — Eu sinto muito se lhe abandonei, Sr. Queise. Eu falhei com Mona e meus dons paranormais começaram a se bagunçar mais ainda, como quando eu não os tinha desenvolvido.
— Você não teve culpa... — falou sem saber o que falava.
— Não! Você não entende. Tudo virou de ponta-cabeça. Era inconsciente e incontrolável. Eu entrava num ambiente e tudo começava a se mover de lugar. Eu cheguei a tirar uma cadeira onde Nympha se sentava no refeitório e fazê-la aparecer no meio da cozinha. A cozinheira deu um grito e quando todos correram a cadeira de Nympha estava lá. Tudo ficava tenso ao meu redor.
— Você sempre teve problemas com Nympha?
— Acha que ela o seduziu para me atingir?
— Eu... — Sean teve medo de responder àquilo.
— Não Sr. Queise. A coisa era mais complexa. Uma vez pedras começaram a cair dentro dos quartos do último andar, precisamos interditar porque estava perigoso ficar lá. Mr. Trevellis se revoltou quando Mona recusara-se a me ajudar alegando que ele a enganara em algo, mas ele obrigou-me a ficar nas cavernas, até que meu poder fosse controlado. Eu consegui me controlar após por fogo na caverna e Rupert exigir minha volta. Então eu voltei e comecei a... — ela enterrou a cabeça nas mãos e voltou a chorar.
Sean esperou por mais.
— Começou?
— Tudo que fica no éter. Memórias, pensamentos, atitudes. Nada escapava. Eu ouvia vozes passadas, pensamentos futuros — olhou-o. — Eu não queria mais ouvir, ver, sentir, mas nada era apagado, perdido. Tudo ali, e eu captava. Eu não dormia, não comia, não cuidava da minha filha. Estava enlouquecendo em meio a chamas que iam e vinham sem meu controle.
“Em meio a chamas que iam e vinham sem meu controle...”; aquilo soou forte para Sean.
— Eu escutava tudo, Sr. Queise; todos, os que foram os que estavam aqui, os que iam. Até que... — Erianthia respirou profundamente. — Comecei a absorver as feições de todos; corpos, atitudes, pensamentos, sentimentos, gostos... — olhou Sean a olhando. — e me transformava na pessoa a ‘olhos vistos’ — Erianthia Papadopoulos Agasias levantou-se até a beirada da sacada olhando o infinito da Ilha de Santorini; e ela parecia infinita. — Quando Mr. Trevellis descobriu que eu podia me transformar em alguém, plasmar sua imagem mesmo que por segundos obrigou-me a voltar à sala vermelha. Eu me recusei e Mr. Trevellis partiu para cima de Rupert dizendo que era ele quem me obrigava a não obedecer. Ele negou, mas Mr. Trevellis não acreditou. Então Rupert me obrigou, disse que toda a carreira dele dependia de minhas atitudes.
— Quem Trevellis queria que você... — e Sean teve medo de continuar a pergunta.
Erianthia teve tanto medo em responder, tanto quanto ele.
— Eu comecei a beber, a me drogar; eu não queria aquela vida para mim...
— Quem Trevellis obrigou você a ser Erianthia?
— Não entende? Em seis meses eu estava enlouquecendo, não conseguindo mais que três minutos de plasmagem.
— Quem, Erianthia?! — Sean subia a voz.
— Mas Mr. Trevellis queria mais, mais, mais...
Sean teve medo daquela parada.
— Quem Trevellis queria?
Erianthia o olhou.
— Queria me transformar em Sandy Monroe.
Sean arregalou os olhos azuis, paralisado, sentado, em choque.
— Deus... Ele não... Não! Ele não! Não... — Sean olhou-a. — Ele não pediu para você ser Sandy... — lembrou-se de Nympha em sua cama, do corpo quente. — Trevellis obrigou você ser Sandy nas visões de Mona?
— Quer dizer ‘fazer Sandy fazer algo’ para Mona ver? — ela viu Sean ter medo do que ouviu, arregalar os olhos em choque, e chorar. — Mr. Trevellis queria atingi-lo.
— Conseguir me tirar do controle de Spartacus...
— Ehhh! Tudo se resume ao satélite de observação.
Sean riu nervoso.
— Tudo sempre se referiu ao satélite de observação, Senhorita. Trevellis é um louco. Nunca aceitou que Oscar desse o controle do satélite de observação a mim, e meu pai apoiou todas as minhas loucuras por amor, não?
— Percebe o quanto é importante a ‘sala vermelha’ para nós? — Erianthia abaixou a cabeça. — É só o que conhecemos como família já que a nossa nunca nos aceitou como somos. Tenho quarenta e quatro anos e tudo o que conheço por família está ali, Sr. Queise.
— Entendo sua posição, Erianthia.
— Não sei se entende, Sr. Queise, ou se virá a entender, mas eu bebia muito até já não conseguir me concentrar, me conectar aos outros espiões. Um dia, eu e Rupert brigamos e eu peguei minha filhinha e saí de carro. Rupert me interceptou já próximo à praia e me fez levá-lo. Nós começamos a discutir e eu apaguei, quando acordei estávamos debaixo das rodas de um caminhão num lado do carro. O outro lado havia se separado; toda a lataria foi aberta ao meio. E do outro lado, Rupert e nossa filhinha morta. Eu voltei a apagar e só voltei quase um mês depois de um coma.
— Quase um mês?
— Dizem que é o tempo necessário para que uma alma não se perca para sempre. Por isso os gregos preparavam...
— Quase um mês... — Sean teve medo do que ouviu.
Erianthia o olhou com interesse. Levantou-se e ficou atrás dele. Ele sentiu-se mal de repente com ela parada atrás dele se aproximando.
— Consegue ver, Sr. Queise? — falou próximo seu ouvido.
Sean assimilou todo o perfume dela sentindo que agora era ele quem apagava, entorpecido pelo aroma, pela presença dela.
— Erianthia...
— A imensidão... — sussurrava atrás dele.
Sean olhou para frente e tudo começou a balançar. Era como se toda a paisagem estivesse em uma onda, subindo e descendo, inclinando mais e mais e mais.
— Eu...
— Consegue senti-la? A bruma das águas?
— Não faça...
— Consegue? Tocar a areia quente no final da tarde? Tocar o orvalho da madrugada fria? O calor que emana dos corpos unidos?
Sean sentiu-se tocado, nos seus lugares mais proibidos; coração, alma, pensamentos, sexo.
— Ahhh... — impactou. A mão macia, quente o tocava com gosto, com delicadeza, sem pudor. — Ahhh... Ahhh... — Sean se excitava cada vez mais, cada vez que a mão ia e vinha, subia e descia em movimentos cadenciados, complexos. — Não... Pare de... Você não pode...
— Não posso?
— Não pode...
— Não posso?
— Pare! — Sean segurou-a com força, com força que sabia não era a desejada. Mas as mãos de Erianthia o atingiram novamente. — Ahhh... — Sean teve lembranças, lembranças de Kelly, agora ela. — Pare... — desabou sonhando com Kelly em seu flat, em quantas vezes a desejou ali dentro, a sua presença, nos pés que caminhavam para ele, para perto dele, para então tocá-lo, beijá-lo. E Sean também a tocou, tocou Kelly como sempre desejara. Tocou e massageou-a até todo o perfume do corpo dela se transferir ao dele, que excitado não conseguia mais recusar o corpo da sócia, amiga, amante. — Ahhh... Kelly... Kelly querida... — e os cabelos dela escuros, entrelaçados nos dedos viris que escorregaram pelo ombro, pelos seios desejados, pela cintura fina, bem tratada, pelo sexo úmido que o desejara há anos. Tudo se movimentava na imagem que balançava, balançava, balançava. Sean esticou as mãos tentando tocá-la, alcançá-la, e Kelly sorriu-lhe, inclinando o rosto delicado, belo que esperava que Sean a beijasse. Sean abriu os olhos a ver-se beijando Erianthia massageando seu sexo. Ele a empurrou. — Como... Como se atreve? Como pode ser tão...
— Má? — foi cínica, maravilhosamente cínica. Sean entrou para o quarto sentindo as pernas moles. Sentindo que no fundo queria estar beijando a bela Senhorita Agente Erianthia, fazendo amor com ela. Ela entrou atrás dele querendo mais. Sean teve medo do que quis também. — Fique nu! — ordenou ela.
— Não se atreva a tirar minha roupa outra vez!
— Tire-a! — Erianthia exclamou forte, mas Sean começou a tirar, sim, as roupas do armário e jogar na mala. — Ou quer que eu fique nua, Sr. Queise? — voltou a provocá-lo. — Quer que eu retorne a seu noivado? — ela viu Sean estancar. — Quer vestir-me com vestido branco de chiffon também? Fazer um coque e... Ahhh!!! — e Erianthia foi ao chão.
Sean havia a esbofeteado. Como sempre quisera.
— Você não é gente... — ele chorava. — Nenhuma de vocês...
— Ehhh... — Erianthia o amou naquele instante.
E odiou-se pelo que fez, pela dor que provocara, mas o amou de uma maneira que poucos podem amar. Sean voltou a jogar roupas dentro da mala e Erianthia as devolveu no armário, intactas como já estiveram. Sean a fuzilou e arrancou-as do cabide jogando em cima da cama para as verem no local de novo. Ele as jogou e ela voltou-lhes, e ele outra vez jogou-as e Erianthia voltou-lhe no armário.
— Não mexa no tempo!!! — berrou descontrolado vendo suas camisas sumirem da cama onde as jogava. Erianthia gargalhava excitada e Sean de repente se tocou de algo. Suas roupas estavam secas, como que gastas pelo uso, para onde Erianthia as havia retornado. — Quanto ‘tempo’ voltou no tempo? — engoliu a saliva a seco vendo suas camisas envelhecidas.
— Percebeu então? Quando volto o tempo ele se acelera mais rapidamente no final.
— Nunca vou entender, não?
— Ehhh! — foi fria.
— Ao concluir a segunda parte da sua Fenomenologia da percepção, Merleau-Ponty como tantos outros também, sentiu necessidade de descrever o tempo então confinado ao plano puramente psicológico, e passá-lo por experiências pré-lógicas ou mágicas onde todas as obscuridades do mundo seriam esclarecidas — se aproximou tanto que Erianthia nem precisou tocá-lo para senti-lo próximo. — O fisiológico e o psíquico reintegrados à existência, compondo um mundo transcendente em si e imanente em nós. Não são dois momentos abertos à alternativas Senhorita Agente Erianthia, mas dois momentos de um único fenômeno; somos o tempo — olhou em volta. — Então se você voltou no tempo... — olhou em volta novamente. —, a sala vermelha ainda não nos captou aqui.
— Provável... Mas não por muito tempo. Como eu disse, ele corre mais rápido no final do processo, se acomodando — apontou para o armário. — Como suas camisas...
Sean sentou-se afetado na cadeira de costas para ela e digitou algo no notebook para então se levantar.
— Partimos hoje a noite para o Brasil. Sei lá como vai fazer, mas preciso estar lá... — ele a viu o olhando, olhando abaixo de seu equador. Não acreditou naquilo. — Vou a São Paulo desconectar os mainframes da Computer Co.. Vou dar uma lição na Poliu e em seus invertidos como nunca tiveram.
Erianthia só o olhou.
Como de costume.
13
Computer Co. House’s; São Paulo, capital.
23° 36’ 19” S e 46° 41’ 45” W.
08 de novembro; 20h34min.
São Paulo que havia amanhecido nublado ainda tinha resquícios de chuva miúda caída durante todo o dia. Como os horários de voos não bateram, Sean tomou um ‘chá’ de aeroportos até voar a noite para o aeroporto de Guarulhos, na capital de São Paulo com ela. O táxi que levava Sean Queise e Erianthia Papadopoulos Agasias à Computer Co. levantou água da poça. E mais uma. E mais uma. A Marginal Pinheiros estava lenta como de costume. Sean estava tão entretido em seu mundo de pensamentos que não viu Erianthia o desejando mais uma vez.
Porque ela até cumprira o que ele pedira. Dormiu noutro quarto do Astra Hotel e no que os primeiros raios de Sol saíram, voaram para a Itália voando depois sem escalas para o Brasil com a ajuda de amigos de infância dela; amigos influentes, ricos. Ficou imaginando a vida de Erianthia e Aagje com um pai déspota como Syrtys. Ficou imaginando se elas eram gêmeas idênticas, ou só parecidas já que não as conhecia realmente, nem o porquê de Syrtys tentar esconder Aagje da mídia. Talvez as atitudes e os dons de Erianthia fizeram-no temer que Aagje fosse atingida como a irmã.
A ignorância nunca era o melhor remédio para os bens dotados, para os especiais.
Quando o táxi parou na frente da Computer Co. House’s, Sean desceu quase se esquecendo de que ela não era uma imagem plasmada. E Erianthia não gostou de ser esquecida lá. Sean atravessou os ricos saguões de mármore carrara, e Kelly foi avisada que Sean chegara acompanhado de uma mulher. Aquilo não a agradou, fosse quem fosse a tal mulher.
— Sean? — ela abriu a porta do escritório dele na cobertura e encontrou Sean já sentado na sua mesa digitando alucinadamente no computador. — Sean? — insistiu Kelly agora encarando a mulher que julgava ser Aagje Papadopoulos. Erianthia a encarava também. Conhecia muito bem Kelly Garcia dos sonhos de Sr. Queise. E eram sonhos ‘complexos’. — Patrãozinho? — Kelly acordou Sean. Ela sabia que o irritaria. — Você chegou?
— Já tinha me visto antes? — voltou a digitar.
Erianthia não se moveu, mas Kelly a odiou por aquilo.
— Quando chegou Sean? Estamos abarrotados de serviço, trabalhando dois turnos, tentando saber no que afinal nos metemos Sean? Sean? Sean?
— Droga... — Sean girou os olhos e voltou a digitar sem responder a mais nada, estava nervoso sem conseguir acessar seus mainframes.
E Kelly deu a volta na mesa dele.
— O que é essa cicatriz no lado direito de seu rosto?
— Nada! — Sean se tocou, lembrou-se do helicóptero plasmado.
Achou-se insano; como tudo o que fazia. Voltou a digitar sem responder.
— “Nada”? O que ela faz aqui? — apontou para trás.
— Ela não é ela.
Kelly o olhou sem entender.
— Como é que é? — mas ela não ouviu respostas. — Por favor, Sean... Responda-me... — ela só o viu parar de digitar, escorregar os olhos nervosamente e voltar a digitar. — Por que faz isso comigo, Sean?
Sean fechou os olhos sentindo o quanto gostava dela.
— Perdão Kelly... — soou de sua boca.
Kelly naquele ‘perdão’ acreditou. Queria o abraçar-lhe, beijar-lhe com toda sua paixão, mas aquela mulher, aquela mulher de cabelos negros, olhos azuis, seios volumosos não se encaixava em sua imagem de felicidade. Kelly a odiou e Erianthia só ergueu o sobrolho absorvendo tudo aquilo.
— Sean…
— Droga!!! — berrou ele se erguendo furioso da cadeira ao ler a tela do computador. Kelly e Erianthia se alertaram. Ela mais que Kelly que não previra aquilo. — Quem trocou minhas senhas?! — berrou furioso ainda com Kelly.
— Eu não sei... — Kelly mal teve tempo de responder.
— Quem?!
— Não sei! Não grite comigo, Sean! Não sabia que suas... — apontou para a mesa.
— Ahhh!!! — explodiu andando furioso, abrindo a porta sem a tocar, mas numa violência que a fez atentar contra o batente.
Renata levantou-se por instinto no momento em que ele passou por ela feito um furacão.
— Senhor...
Mas Sean andava a passos largos, atravessando o corredor, saindo pela porta contra incêndio, descendo os degraus em duplas, alcançando três andares abaixo da cobertura, invadindo corredores movimentados aonde funcionários iam e vinham, o vendo passar por eles sem trocar uma única palavra. Sean adentrou no laboratório de Gyrimias Leferi após alguns ‘Olá!’ para trás.
— Quem trocou minhas senhas?
Gyrimias escorregou os óculos do rosto.
— Quem trocou o quê, Senhor?
— Minhas senhas!
Cinco cientistas levantaram da mesa central, onde vários chips estavam sendo montados, e voltaram para suas mesas aguardando nova ordem de Gyrimias que digitava algo em seu notebook.
— As senhas estão liberadas, Senhor.
— As senhas de ‘meus’ mainframes, Gyrimias.
Agora Gyrimias teve medo.
— Parcelado... Oh! Ele descobriu?
— Traduza ‘ele’, Gyrimias. Ultimamente não estou bom em charadas.
Gyrimias engoliu aquilo a seco olhando os cinco jovens cientistas o olhando. Gyrimias então se levantou da mesa central e sentou-se na impecável mesa de trabalho. Digitou, digitou e escorregou os óculos no suor que banhava o rosto magro e nerd.
— Eu...
— Você?
— Parcelado o que vejo... Não consigo acessar Spartacus Senhor.
Sean só deu dois passos e caiu sentado no banquinho outrora ocupado. Esticou um cotovelo, outro e enterrou a cabeça após um assovio de dor que fez Gyrimias tremer.
— O que eu fiz Gyrimias?
— Parcelado... — se olhou. — Não sei Senhor.
— Meu pai morreu por causa disso, Gyrimias — olhou vários chips pré-montados na mesa central. — E eu não pude fazer nada por isso.
— Pretendia... Parcelado o que penso, Senhor... Pretendia fazer o que?
— Nunca ter começado.
Gyrimias só estalou os dedos e os cinco jovens cientistas saíram.
— O que começou Senhor? — Gyrimias se viu sozinho com um Sean estático.
— Eu tenho certeza que meu pai nunca soube, que Oscar nunca soube, que Trevellis ou a Poliu nunca souberam... — Sean olhou o fiel amigo e funcionário esperando o resto da frase. — Eles nunca souberam, Gyrimias.
— Senhor...
— Mas eles sim. Os alienígenas sabiam. Subestimei todos aqueles contatos ufológicos que tive no passado que não existe, Gyrimias — riu pesado. — Subestimei a vontade que eles parecem possuir, todos os recursos anos luz à nossa frente, toda a maldita tecnologia que desenvolveram esses séculos, para então criar algo que tirou a vida de meu pai, de Sandy e de... — e parou olhando Gyrimias. — E vai tirar a vida de Kelly, de minha mãe, de você, da Terra.
Gyrimias não gostou da inclusão do planeta em tal premonição; nem a dele.
— Parcelado... Não... Por inteiro... Estamos falando do que, Senhor?
— Quando eu o mandei às Ilhas Cayman, queria que você conseguisse acessar fundos que meu pai tinha investido lá. Não era uma segunda caixa. Meu pai jamais faria algo escuso. Deus... Deus... Agora percebo que não sou filho dele — olhou Gyrimias com lágrimas nos olhos. —, que sou filho de Oscar Roldman, o todo poderoso articulador da Polícia Mundial.
— O que fez Senhor?
Sean mergulhou a cabeça nas mãos novamente e chorou.
— Eu construí uma máquina para viajar no tempo.
Gyrimias achou que não tinha entendido. Olhou Sean chorando, enxugando as lágrimas, olhando para um lado e outro até esticar os olhos.
— Fez o que Senhor?
— Eu a criei, Gyrimias. Não uma ‘máquina’ propriamente dita, mas eu criei uma maneira de fazer o satélite de observação Spartacus viajar no tempo — e se levantou do banquinho deixando Gyrimias à sua frente; estupefato.
— Senhor...
— Não, Gyrimias. Eu pedi para você — riu. — ou ia pedir para você roubar o dinheiro que meu pai tinha guardado nas Ilhas Cayman porque sabia que Trevellis ia exigir esse dinheiro de volta quando soubesse o que eu fiz, que eu fiz Spartacus enxergar o passado que fica no éter... — e chorava.
Gyrimias sabia que não estava entendendo nada.
— “Enxergar o passado que fica no éter”? E uma máquina pode isso?
— Não. Mas eu posso. Controlando a máquina.
Gyrimias realmente sabia que realmente não estava entendendo realmente nada.
— E como Mr. Trevellis iria conseguir isso do Senhor?
— Meu pai foi obrigado a desviar dinheiro da Computer Co., para construir uma tecnologia capaz de criar energia para fazer UFOs viajarem, e parece que nesse ponto meu pai era tão insano quanto eu. Mas ele também não teve coragem de minar a empresa e desviou parte do desvio para assegurar que a Computer Co. não fosse ‘quebrar’.
— Parcelado a boa ação do Senhor Fernando, o que quer dizer com ‘UFOs viajarem’, Senhor?
— UFOs Gyrimias, que querem voltar a seu planeta após chegaram à Terra no cretáceo, trazendo uma ordem de alienígenas monstros que se adaptaram como sabe pela história, numa Terra primitiva, já habitada por dinossauros não muito diferentes deles. Mas sua morada não era aqui… — apontou para o ar. —, acredito que não respirassem ar.
— Mas por que chegaram há tanto tempo, Senhor, e só querem voltar agora? O mundo vai acabar?
— Não sei Gyrimias. Não sei. Mas algo aconteceu algo que os fizeram desejar ir embora.
— E onde estavam Senhor? Esconderam-se na Terra Oca?
— Não... Acredito que estão escondidos numa Terra paralela, ainda dentro da nossa dimensão. Que se cruzam de tempos em tempos, como as cordas de um violão quando ajuntadas pelo tocador.
— Fala da Teoria das Cordas? A teoria que completaria a ‘Teoria de Tudo’ de Albert Einstein?
— Sim, Gyrimias. Sim.
— Mas o que criou em Spartacus pode gerar tal energia para essa viagem?
— Não. O que fiz com Spartacus é algo paranormal.
— Não entendi.
Sean ficou inerte por segundos.
— Fico pensado, Gyrimias, como a Computer Co. faria isso?
— “Isso”? Mudamos de assunto, visto. Ah... Fala da energia para UFOs viajarem?
— Imagino que de alguma forma usariam o orgone de Wilhelm Reich. Dizem que o convencimento de Reich de que todos os seres emitem essa bioenergia, esse orgone, foi tão grande que ele construiu algo que chamou de ‘Cloudbuster’, um método natural para restaurar pulsação energética atmosférica. Dizem que ele estava convencido que o orgone era a energia certa para se usar na propulsão de UFOs.
— Cruzes!
— De qualquer forma Gyrimias… — suspirou. —, eu não imaginava o que acontecia na época de gerência de meu pai. Comecei a trabalhar aqui quando Spartacus começou a ser desenvolvido.
— Mas então...
— Então, que a morte de meu pai me afetou, Gyrimias. Eu queria poder voltar no tempo e fotografar a morte dele, saber quem o esperava naquele maldito beco escuro e úmido, na Transilvânia. Eu queria saber quem matou meu pai porque no éter não encontrava rastro de maldade alguma.
— Parcelado... — e Gyrimias nada mais falou, caiu com as mãos na mesa central, para então a cabeça acompanhá-la.
Gyrimias ficou lá vendo o mundo por outra objetiva, literalmente.
— Deus... Quando Trevellis souber que usava Spartacus para dilatar o tempo durante um curto espaço de tempo, capaz de enxergar, fotografar; gravar sons e imagens do passado, do futuro... Ele virá para cima de mim com toda sua força.
— Senhor... O que... Como faria isso?
— A velocidade é uma maneira de saltar no tempo, Gyrimias, mas a força da gravidade, na Teoria da Relatividade Geral, como Einstein sugeriu faz com que o tempo escoe mais devagar. Devagar, Gyrimias... Devagar... Como Erianthia...
— Quem Senhor?
— Dvocevkis...
— Não entendi.
— ‘Aberta a todas as possibilidades’ — Sean gargalhou. — Tem algo errado com ela, Gyrimias. E não é o fato dela ser agente da Poliu — olhou Gyrimias o olhando. — E Mona amiga sabia. Sempre soube o que ela era...
— Parcelado quem conheço... Quem é Erianthia, Senhor?
— Erianthia Papadopoulos, irmã de Aagje; gêmea pelo que parece. E Syrtys Papadopoulos sabia sobre os dons paranormais psíquicos dela e a quis de alguma forma brecá-la, talvez como meu pai. Provável que quando chamaram Mona para resolver o ‘problema’, Syrtys de alguma forma se envolveu com a Poliu, a Polícia Mundial e a Computer Co..
— E como perdeu toda essa informação? Vira e mexe suas listas estão cheias delas, das teorias de conspiração, Senhor.
— É! As listas sempre souberam Gyrimias. Eu as subestimei também. A pedido de Kelly deixei de frequentá-las... Perdi-me entre tanta informação. Mas não, Gyrimias. Não é teoria... Os colisteiros estão sempre plugados em tudo o que envolve as várias teorias de conspiração de fenômeno extraterrestre, e existem alegações sobre experiências secretas como teletransporte, viagem no tempo, contato com extraterrestres, e controle mental como a Operação Montauk realizado em Camp Hero, Montauk, Nova York ou a Operação Zeladores do Tempo idealizado pela Poliu nos mosteiros de Meteora, Grécia.
— “Zeladores do tempo”?
— Sim, Gyrimias. Espiões psíquicos capazes de invadir o espaço quadrimensional ao dilatar o tempo, e pará-lo, metaforicamente, escoando lento, para ela fazer apport. E ela faz apport até dela mesma.
— Mas apports são frequentemente associados com atividades de demônio, Senhor. Caem pedras do céu, coisas somem, incêndios aparecem do nada...
— E Erianthia faz tudo isso — Sean riu. — E através do apport deixa o tempo mais lento... — foi a cada mesa onde os cientistas da Computer Co. estavam e desligou seus computadores. — Ela então consegue se mover por entre os planos quadrimensionais e se tira do lugar, se move, se troca; destrói sua própria aparência para então projetar-se em outro lugar. Assim... — fazia mímicas. —, continuamente... Uma imagem atrás da outra, dilatando o tempo, se plasmando em outros também — Sean viu Gyrimias o olhando como se tivesse se transformado em algo absurdo. — Não estou louco, Gyrimias. Ainda não...
— Mr. Trevellis sabia que o Senhor sabia?
— Ele não sabe Gyrimias. Ou sabe! Porque sabia sobre as nuvens... — respirou profundamente. — Só não sei como a sala vermelha e os espiões psíquicos também nunca souberam o que eu fazia com Spartacus — Sean achou graça de seus pensamentos. — Provável que estejam sabendo nesse momento já que sua mente, Gyrimias, sempre foi aberta — voltou a rir. — Que pena! Adoraria estar pessoalmente vendo a cara de Trevellis sabendo disso nesse momento — gargalhava.
— E Mr. Trevellis saberia o que? O que acabou de entrar nas minhas informações? — apontou para cabeça tremendo.
— Sabe o que eu te disse até agora, Gyrimias? Esqueça! Tenho algo muito maior para dizer-lhe — ele viu Gyrimias teve realmente medo de algo muito maior que ele fotografando o passado. — Deixe-me explicar... Syrtys Papadopoulos conseguia passe verde com meu pai e a Poliu, porque colocou um espião dentro da Poliu, Nympha Zarvos, que contou-lhe sobre uma sala vermelha onde espiões psíquicos haviam conseguindo descobrir alienígenas vindo à Terra, na época do cretáceo, e Syrtys forçou Trevellis a fazer o que ele queria; e Syrtys deve tê-lo chantageado muito a fim de se livrar da filha problema, Erianthia Papadopoulos, a deixando por lá. Por isso Nympha odiava Erianthia, porque Erianthia descobriu sobre ela ser o laranja de Syrtys.
— Cretáceo... — e Gyrimias não continuou porque Sean pediu-lhe silêncio. — Prossiga Senhor... Parcelado tudo...
Sean só tomou fôlego.
— Esses alienígenas seriam os tais dinossauros que conhecemos ou até igual, ou transformaram algo que já estava aqui nos dinossauros que conhecemos.
— E como...
— Espere Gyrimias! Espere! Esses alienígenas estiveram aqui até que começaram a nos construir; engenharia alienígena.
— Somos os tais híbridos que suas listas de ufologia tanto falam.
— Mais ou menos.
— Continue...
— A sala vermelha descobriu que os alienígenas ficavam presos nos espelhos, aprisionados por algumas entidades secretas que nos auxiliam aos longos de muitos séculos, talvez os gregos ou egípcios alienígenas.
— Não estou entendendo. Como alienígenas do tamanho de dinossauros podem estar aprisionados num espelho?
— Os espelhos são apenas trancas. Por detrás ou dentro deles está ‘uma outra’ dimensão.
— Portais? Os espelhos são portais, Senhor? E essas entidades secretas os aprisionam lá?
— Exato!
— E essas entidades secretas?
— Secretas!
Gyrimias quis ter entendido.
— Então quando disse que era provável que o agente da Poliu foi morto porque sabia onde os alienígenas estavam, esse agente sabia sobre os alienígenas do espelho?
— Sim!
— Mas... Cretáceo Senhor?
— Em 1938, o geólogo Wilbor G. Burroughs anunciou ter descoberto dez pegadas humanas perfeitas, com cinco dedos semelhantes aos pés humanos atuais. Elas mediam 23,73 x 10,25 cm e foram encontradas ao norte de Mount Vernon, nos Estados Unidos. A descoberta dataria do período Carbonífero, cerca de 250 milhões de anos atrás.
— Parcelado o que penso, humanos e dinossauros juntos, Senhor?
— Não eram humanos propriamente ditos, Gyrimias. Eram os invertidos alienígenas que são como nós, ou quase como nós se não fossem invertidos; monstruosamente invertidos. Acredito que eles só tomem nossa aparência exata quando saem do espelho.
— “Saem do espelho”? — Gyrimias soava frio. — Parcelado Senhor... Que medo... Mas e os alienígenas dinossauros?
— Aí que está a grande confusão. Acho que a sala vermelha compreendeu errada àquelas imagens, informações truncadas ao longo de anos e anos e anos que viraram lendas e mitos. Alguns cientistas divulgam a ideia de que o homem das cavernas apareceu muito antes do que a ciência prediz, então quando os primeiros desenhos rupestres colocando homens caçando dinossauros foram encontrados, deviam significar mais do que diziam. Também a 70 milhões de anos a.C., foram encontradas pegadas humanas fósseis na região da Valdecevilla, na Rioja, Espanha.
— E o que é a ‘sala vermelha’?
— Espiões psíquicos da Poliu, crias de Mona amiga, financiados por meu pai Fernando, por ordem de Trevellis, e com cinco paranormais dando suporte a uma viajante do tempo que plasma um futuro que ainda não existe.
Agora Gyrimias impactou.
— Plasmar Senhor?
— Elisabeth d'Espérance... — Sean olhou Gyrimias. — Elisabeth d'Espérance ou Mme. D'Espérance foi uma médium inglesa de efeitos físicos, ela começou na infância a ver espíritos que circulavam pela velha mansão em que vivia. Ela foi desacreditada, porque ninguém via o que ela via — Sean olhou em volta em busca de um ponto de referência, para ele e sua vida. — Entre os 13 e os 14 anos de idade, o fenômeno voltou e dificultou a convivência com a mãe que a julgava louca. O pai então a levou em suas viagens e Mme. D'Espérance viu um velho galeão atravessar o navio do pai. Outra vez ninguém acreditou nela. Quando retornou aos estudos, teve dificuldade de terminar um trabalho onde não conseguia escrever nada. Na manhã seguinte, ao acordar, encontrou o trabalho pronto, com a sua letra, inexplicavelmente. Com a perda dos pais e uma série de problemas domésticos, a saúde da médium foi se abalando até que ela conheceu o Prof. Friedrich Zöllner. Então ela começou um grupo de estudos onde passou a produzir ectoplasma.
— Ectoplasma Senhor? Voltamos a falar de plasmar algo?
— Não só algo, Gyrimias, mas Mme. D'Espérance reproduzia formas humanas, plasmava rostos e corpos inteiros, o que lhe tornou um perigo.
— Parcelado, Senhor, isso é perigoso como?
— Mme. D'Espérance adoeceu gravemente após um acidente em 1893 quando um pesquisador presente a uma materialização, ‘agarrou’ um espírito a fim de provar a fraude. A súbita desmaterialização do espírito deixou sequelas no corpo da médium.
— Então se tocarmos algo plasmado Senhor, ele poderá matar-nos?
— Não sei Gyrimias...
— O Senhor Oscar Roldman também está envolvido com essa sala que plasma algo?
— Oscar e toda sua família PSI. Porque sei que quando Erianthia e Gameliel viajaram, era necessário que houvesse outro elemento capaz de dar suporte a eles já que vi a velha Phemie doente demais para ficar participando de viagens. O que eles não sabiam era que havia mais um espião psíquico ali dentro.
Gyrimias arregalou os olhos enquanto pensava; e ele pensava rápido. Sentiu realmente que tudo aquilo fazia sentindo agora.
— E parcelado tudo o que não entendi, ou entendi, Senhor, o tal espião psíquico era um espião seu? Contratado para saber tudo isso?
— Sim, Gyrimias — Sean gargalhou. — Eu não iria ao Burj Al Arab sem respaldo — ficou feliz em saber que Gyrimias Leferi o entendia como ninguém. — Eu sabia que havia um mosteiro, espiões psíquicos, meu pai envolvido em algo que envolvia uma documento amarelado, e que Trevellis o forçava por causa de uma chantagem. Só não sabia que eles podiam plasmar toda aquela minha viagem e fazer-me esquecer.
— E o fizeram esquecer?
— Se eu não me lembro… — deixou no ar e sentou-se à frente do notebook acionando todos os programas quebradores de senhas, sem êxito.
— O que está procurando no Google, Senhor?
— Não sei. Nascimentos, falecimentos; 1896 ou 1901. O que temos aqui? — olhava. — Vejamos... Erianthia disse que toda vez que a sala vermelha marcava 1901, as setas do tempo apontavam para 1896.
— O que aconteceu nessas datas? — Gyrimias viu Sean pensativo com o que lia na tela do Google. — O que achou Senhor?
— Algo confuso, Gyrimias — olhou-o. — Em 1896, o escritor H. G. Wells usou o fenômeno de espelhamento para escrever seu livro A História de Plattner, que contava a história de um homem que acidentalmente se lançara a uma distância curta na quarta dimensão, essa mesma quarta dimensão onde Erianthia se move. Lá ele encontrou um mundo esverdeado povoado por fantasmas de humanos mortos; quando voltou para casa, ele se tornou sua própria imagem no espelho, com seu coração batendo do lado direito de seu peito.
— Cruzes Maria! — Gyrimias o olhou com interesse.
— Em 1901, Joseph Conrad escreveu Os Herdeiros, sobre humanos quadrimensionais destituídos de consciência que assumem o controle do Planeta Terra.
— Por que está me falando isso, Senhor?
— Os espiões psíquicos buscam 1901, mas eles sempre caem em 1896. De alguma forma, Gyrimias, alguém de alguma forma, pensou nessa possibilidade... — olhou em volta. — E alguém, alguém Gyrimias, coloca essas datas para informar algo, alguém — Sean esticou as costas outra vez sentindo-se atingido. Talvez pela verdade. — Deus... Nikiforus falava sobre uma quarta dimensão enquanto morria... Será que foi ele quem preparou essas datas para avisar algo sobre o tempo? Algo haver sobre os livros? Sobre histórias de viajantes quadrimensionais?
Gyrimias não o entendeu. Achou que não o entendeu.
— E o tempo é quarta dimensão?
— Não, Gyrimias. Falo de longitude, latitude e comprimento e tempo, sim, mas falo de uma dimensão ortogonal, uma quarta dimensão mais sinistra.
— Sinistra quanto, Senhor? — Gyrimias conhecia física, mas ainda esperava entender tudo aquilo. — A geometria cartesiana escolhe arbitrariamente direções ortogonais através do espaço que se constituem em ângulos retos entre si.
Sean tentou desanuviar-lhe os pensamentos.
— Três dimensões ortogonais do espaço são conhecidas como comprimento, largura e altura, Gyrimias e, portanto, a quarta dimensão é a direção no espaço que está em ângulo reto com estas três dimensões observáveis. Em 1827 o matemático Möbius percebeu que uma viagem pela quarta dimensão poderia transformar um objeto em sua própria imagem espelho. Então você poderia usar a quarta dimensão para transformar um sapato direito em um sapato esquerdo.
— Mas o transformaríamos ou o plasmaríamos em mais um?
— Boa questão Gyrimias. Boa! — sorriu-lhe. — Só sei que Mme. D'Espérance ainda chegou a fazer inúmeros apports de plantas e flores vivas e inteiras, pela quarta dimensão.
— Então a quarta dimensão é o principio do cubismo? Os cubistas tentavam retratar todos os lados de um objeto de uma só vez, como se vistos da quarta dimensão. É assim que Pablo Picasso pintava — e Gyrimias se propôs a imaginar ele e sua imagem espelhada num plano quadrimensional.
— Sim. Uma das ideias instrumentais no desenvolvimento do cubismo era que a quarta dimensão, poderia fornecer um ponto de vista para observar as formas não distorcidas de objetos e... — e parou. — Droga! Se ao menos eu tivesse conseguido ler aquele documento amarelado nas mãos de Trevellis, que Trevellis estava destruindo antes de eu chegar ao jantar da minha casa.
Gyrimias olhou-o com interesse.
— Como sabe que ele destruiu se não havia chegado, Senhor? — Gyrimias viu Sean só o olhar. — Ah! Assim... — olhou em volta imaginando os segredos de tudo, segredos que nunca teria tido chance de conhecer se não por sua amizade com Sr. Queise.
— E fico pensando. Será que podemos concertar erros, Gyrimias? Será possível eu retornar àquele jantar, chegar antes de chegar e ler o documento que meu pai guardou na frente de Syrtys e Trevellis destruiu? — Sean tinha ferimentos no rosto.
Andava cansado e estressado.
Gyrimias duvidou de sua sanidade por alguns instantes.
— Aonde se feriu, Senhor?
— Num acidente que não tive — Sean olhou Gyrimias em letargia. — Não estou insano Gyrimias. Já disse que ainda não... — Sean se absteve de brigas.
— Senhor...
— Com quantos anos uma criança precisa ter para entender esses livros, Gyrimias? — voltou a digitar algo no Google.
— “Entender” Senhor? — ele suspirou. — Diz tirar ideias disso tudo?
— Sim...
— Parcelado o que conheço de uma criança hoje, talvez seis anos, Senhor?
— Mas com seis anos ele não faria muita coisa, não Gyrimias? Teria que ter uma formação acadêmica para criar algo tão destrutivo que...
— “Criar algo”?
— Com, digamos, 21 anos, Gyrimias. Com mais de 20 anos ele já teria condições de fazer algo. Então ele nasceu 21 anos antes de A História de Plattner ser publicada, e teria 23 anos quando leu Os Herdeiros. E isso nos dá um intervalo entre 1879 a 1901. Mas a sala vermelha se direciona exatamente a 1901, e cai sempre em 1896, então ele nasceu em 1879 para em 1896...
— Albert Einstein nasceu 1879, Senhor. Ele se formou em 1901 e, em razão de sua postura independente na época de estudante, teve grande dificuldade para conseguir emprego como assistente de professores e cientistas, conseguindo trabalhar no final de 1901, como examinador no Escritório de Patentes da Suíça.
— Nikiforus havia dito que em 1901 um empregado das patentes começou a roubar informações de Albert Einstein. Ele havia descoberto algo anos depois, alguma coisa que talvez Einstein não tenha conseguido concretizar.
Gyrimias ficou pensativo. Sean o olhou, Gyrimias estava embaçando, com estantes de madeira escura atrás dele; calhamaços de papéis, escrivaninhas de carvalho, janelões de vidro opaco, um cheiro úmido e homens de terno e gravata, com seus bigodes impecáveis. Havia uma luz tênue onde os poucos homens sentados às suas mesas, trabalhavam e Sean girou os olhos para vê-los.
— Ahhh!!! — deu um grito e cambaleou no banquinho.
— Senhor Sr. Queise? — socorreu Gyrimias antes dele cair. E Sean mal conseguia falar. — Senhor? O que houve?
— Ahhh... Eu vi... Eu vi... Eu vi...
— Senhor? Está bem? O Senhor viu o que?
Sean arregalou os olhos azuis para o cientista da Computer Co..
— Eu vi Einstein!
Dessa vez Gyrimias se calou.
Computer Co. House’s; São Paulo, capital.
23° 36’ 19” S e 46° 41’ 45” W.
08 de novembro; 22h56min.
Sean adentrou sua sala após passar Renata que não o olhou. Ele viu Erianthia olhando-o com interesse. Depois viu Kelly calada. Olhou Erianthia lhe olhando e olhou Kelly sem mover-se.
— Precisamos conversar sobre o que a sala vermelha viu em 1896 — falou Sean. Erianthia continuou a olhá-lo. — Vai continuar a ficar me olhando? — ele alterou-se. Erianthia nada respondeu. — Deus... Não vê? Einstein não estava errado. As partículas, quero dizer, nenhuma partícula pode ser mais rápida, andar mais rápido que a velocidade da luz, mas o espaço pode; a malha espacial anda mais rápido que a velocidade da luz porque escoa para outra dimensão... — Sean viu que Kelly não se movia. —, se expandindo até... — e deu dois passos parando à frente do notebook para ver que o relógio não passava; sentiu medo do que pensou. — O que você fez?
— Ela ficou me olhando.
— E ser olhado por alguém é perturbador, não? — Sean andou até a sua mesa. — Libere o tempo. Preciso falar com Kelly.
— Não posso!
Sean não acreditou no que ouviu. Virou-se para ela sentada na cadeira o olhando.
— Libere Kelly!
— Já disse que não posso.
— Libere...
— Não fui eu! — Erianthia olhou-o nervosa. — Foi ele! — apontou para Sean Queise.
Sean ergueu-se de supetão impactando ao vê-lo, ao se ver. E não entendeu muito bem o que via.
— O que... — Sean olhou-a.
— Eu nos tirei da Computer Co..
Sean arregalou os olhos azuis.
— Você... — olhou em volta. — Não estou na... Não estou na...
— Não!
Sean olhou para os lados confuso. Havia outro Sean Queise ali, e ele não estava invertido.
— Ele é...
— Seu invertido.
— Mas...
— Somos bilaterais, Sr. Queise. Ao menos nossa imagem no espelho.
Sean arregalou os olhos azuis ao ver que o corte provocado no rosto direito ao cair do helicóptero com Aagje e Zenon, estava no lado esquerdo do rosto do Sean Queise ali parado com Kelly.
— Mas eu vi no espelho do Astra Hotel... Meus dedos estavam invertidos do encaixe... Meus neurônios... Não... Não... Não pode ser... — Sean viu que Erianthia Papadopoulos Agasias não o entendeu e não gostou daquilo. — Deus... — soou de sua boca. — Kelly?
— Está na Computer Co.?
— A deixou com aquela coisa?! — gritou com Erianthia apontando para eles. — Kelly?! Kelly?! — berrou para uma Kelly paralisada na cadeira.
— Ela não pode ouvi-lo, Sr. Queise. Já disse que não estamos...
— Cale-se!!! Me leve de volta!
— Não!
— Me leve de volta! — segurou no braço de Erianthia.
— Não faria isso se fosse você, Sr. Queise! — advertiu Erianthia.
— Sua... — mas Sean não pareceu ouvi-la. — Ahhh!!! — foi lançado longe, longe Sean não soube quanto. Rolou, rolou e rolou até parar num chão de areia quente. Ergueu-se na mesma velocidade se vendo no meio do desastre do avião que não viajou. Pessoas eram incineradas vivas; braços e pernas soltas do encaixe. Sons de gritos, explosão, e mais gritos. — Onde... Onde... Onde estamos?
— Numa área do deserto dos Emirados Árabes Unidos.
Um assovio metálico de uma turbina ainda em movimento se tornou forte.
— Corra!!! — e Sean saiu em disparada em meio aos mortos, angustia e fogo. Erianthia também correu a levantar areias e tudo foi pelos ares novamente. Sean sentiu seu corpo soltar-se pela força da gravidade alterada. Foi lançado sobre pedaços e material em chamas. Rolou, rolou e rolou outra vez. — Ahhh!!! — tentou se levantar e se viu preso pela coxa num pedaço de banco do avião. De repente o acidente do voo 5674 passou a fazer sentindo. — Ahhh!!! — sentiu que ia desabar, suas mãos estavam queimadas. Sean viu Erianthia indo embora novamente. — Tire-me daqui...
— Não fui eu quem lhe trouxe.
— Cale-se Erianthia!!! Tire-me daqui!!! — ele viu Erianthia começar a ir para cada vez mais longe. — Aonde você vai?! — Sean viu que Erianthia passava pelas chamas e ele viu Aagje naquele momento; achou ter visto. — Deus... Por que você está em chamas? — sentiu o calor lhe subir as pernas. — Ahhh!!! — queimou-se novamente.
— Enquanto continuar fazendo isso vai morrer no acidente que não morreu — dizia Erianthia cada vez mais longe.
Sean sentia-se se queimando. Correu com dor na coxa esquerda a sentir que mal conseguia enxergar em plena fumaça, cheiro de carniça, morte.
— Erianthia?! — não a enxergava mais. — Erianthia?! Onde você está?!
— Liberte-se, Sean Queise. Liberte-se de suas culpas.
— Ahhh!!! — Sean queimava-se em tudo a sua volta. — Erianthia?! Tire-me daqui!!!
— Saia... — soou muito longe.
— Ahhh!!! — e Sean caiu no saguão, em meio a sua mala, seu notebook e a mulher ao seu lado que acudia um homem ferido, caído no chão. Sean ergueu-se sentindo as mãos doendo, a coxa esquerda sangrando. Olhou-se, havia sangue em todo seu corpo, no meio das queimaduras. — Ahhh!!! — mal conseguia tocar-se. — O que... Por que estou ferido?
— Porque o voo 5674 caiu e você estava nele.
— Não... Não... Não estava.
— Estava Sr. Queise. O avião tentou aterrissar, foi de bico no chão levantando areia, partindo a aeronave em pedaços, cuspindo passageiros e comissários na areia, em meio a pedaços da fuselagem quando você fez apport e se tirou da areia em chamas.
— Não... Não... Não...
— Sim Sr. Queise. Você plasmou uma pista de pouso para o avião aterrissar, plasmou um saguão inteiro onde pessoas se protegeram das chamas, salvando-as. E se salvou.
— Eu... Eu... Salvei-me? Salvei quantos?
— Poucos; pela grandeza do desastre, poucos.
— E como... Como posso estar aqui de novo?
— Porque seu invertido saiu do espelho. Tudo está bagunçado na sua vida Sr. Queise.
— Ahhh!!! — tocou-se. — É a plasmagem não? Ela pode ferir-nos?— ele viu Erianthia só o olhar. — Leve-me de volta! Não vê que isso dói?
Erianthia se virou para ele.
— Leve-se!
— Sabe que não posso! Que não consigo!
— Leve-se!
— Pare com isso!!! — sentou-se no chão do saguão lotado com pessoas feridas, doentes, algumas faltando pedaços, indo e vindo. — Eles estão mortos?
— Sim!
— Deus... — Sean se olhou, olhou em volta, olhou Erianthia o olhando. — Isso é insano... — Sean sentia o ambiente pesado. Não havia ar, nada era tocável. Sentiu-se nonsense novamente. — Por que sua invertida não escapou? — falou no que ela se aproximou dele o olhando. — Ou não escapou porque talvez você esteja morta, não Erianthia? Ou talvez você seja a invertida dela, de Aagje.
— Está duvidando de minha lealdade, Sr. Queise? — e Erianthia se aproximou erguendo o rosto sujo de Sean empurrando algo para dentro da boca dele.
— Ahhh... — Sean quis vomitar e não conseguiu, beijou o chão sentindo que algo se embrulhava no estômago. — “Lealdade”? — seu estômago dobrou-se e Sean vomitou. — O que me deu... O que me deu para engolir? — voltou a vomitar.
— Nada!
— Hipócrita! Colocou algo na minha boca!
— Preciso que seu invertido adoeça.
Sean vomitou novamente.
— Também fiquei...
— Mas fica mais fácil carregar só um, Sr. Queise. Preciso arranjar um meio de voltar lá.
— “Lá”? Ele não saiu da Computer Co.? — se dobrou novamente. — Ahhh... Por que meu invertido ainda não nos encontrou? Não sabe? — foi pura ironia.
— Estou bloqueando.
— Monstro... — Sean girou os olhos de dor caído no chão de um saguão de mortos.
— Sem movimentos bruscos ou ele vai nos encontrar.
Sean a olhou atravessado.
— Posso sofrer Senhorita? Dá-me esse direito? — ele sabia que Erianthia nada responderia. — Leve-me! Por favor!
— Você a ama, não?
Sean ergueu os olhos azuis do piso do saguão do aeroporto que começava a ter nuances de mármore carrara.
— Sim... — Sean estava na cobertura outra vez. Sozinho. Olhando-se ao lado de Kelly que conversava animadamente com seu invertido. Erianthia então apareceu, passou por ele, e voltou a se sentar e olhá-lo, na mesma cadeira de antes na mesma posição que Kelly a havia visto. — Como consegue ser tão fria? — Erianthia não se deu ao trabalho de responder e Sean balançou a cabeça ajoelhado, sentindo dor nas mãos queimadas, incoerência na cabeça. — Por que Kelly não me vê? — Sean sentia dor.
— Porque o Sean Queise invertido deve ser mais interessante.
Sean olhou Erianthia com o som da voz suave de Kelly chegando aos seus ouvidos. Ela estava feliz. Uma felicidade que ela não conhecia; talvez uma felicidade que ele não conhecia. Sean então viu seu invertido sorrir, levantar a mão, tocar os cabelos dela, se aproximar, cheirá-los.
Sean cerrou os olhos. Ele era seu invertido mesmo.
— Ele é um monstro! — exclamou o Sean Queise original tão alto que Kelly acordou.
Ela olhou um Sean Queise próximo, a ponto de beijá-la. Escorregou os olhos e viu outro Sean Queise, ajoelhado, olhando-a.
— Sean?
— Você... — o Sean Queise invertido alertou-se ao se virar para trás e ver um Sean sujo, rasgado, com as mãos sangrando.
Os dois se encararam. O Sean Queise original viu sua ferida invertida no rosto dele outra vez.
— O que... O que... — Kelly mal conseguia respirar perante o susto.
— Saia Kelly! — falou o Sean Queise original se levantando.
Mas o Sean Queise invertido a segurou.
— Não Kelly querida. Fique atrás de mim — o Sean Queise invertido puxou-a para trás dele. — Não sabemos o que está acontecendo.
— “Kelly querida”? — Kelly olhou um Sean Queise, olhou outro Sean Queise.
— Saia, Kelly! — voltou a falar o Sean Queise original; sujo, ferido, sangrando. — Ele não sou eu.
— Sean... — Kelly olhou um. — Sean... — olhou outro. — O que está acontecendo aqui?
O Sean Queise invertido abraçou-a.
— Tire as mãos dela! — o Sean Queise original cerrou os dentes em meio a dor que sentia. Mas o Sean Queise invertido agarrou-a tão rápido que seus lábios praticamente a engoliram. — Tira as mãos dela, monstro!!! — o Sean Queise original partiu para cima dele sendo jogado longe. — Ahhh!!! — Sean não se lembrava de sentir tanta dor. — Ahhh!!! — suas mãos estavam muito feridas.
Erianthia ergueu-se ao vê-lo passar por ela, rolando. Sean ia se erguer também, mas seu invertido se projetou tão rápido que foi ele quem o ergueu do chão.
— Ahhh!!! — o Sean Queise original sentiu suas queimaduras sendo tocadas. — Ahhh!!! — a dor era demais.
— Sean?! — Kelly gritava não sabendo ao certo afastar quem de quem.
Mas o Sean Queise original com um golpe de joelho nocauteou o estômago do Sean Queise invertido que se retorceu. Depois o Sean Queise original enroscou suas pernas no pescoço dele e laçou o Sean Queise invertido o derrubando. Mas o Sean Queise invertido tinha uma força igual. Pegou o Sean Queise original e socou-o, socou-o, socou-o.
— Sean?! Sean?! Sean?! — berrava Kelly para um para outro. — Parem os dois!!!
O Sean Queise original a olhava entre um soco e outro:
— Você não pode estar falando sério...
Kelly o olhou.
— Com tempo para ironias patrãozinho? — correu ao telefone. — Seguranças?! Aqui na cobertura já!!! — e a própria Kelly foi arrastada pelo cabelo pelo Sean Queise invertido. — Ahhh!!! — berrou até o outro lado da cobertura.
— Largue-a!!! — o Sean Queise original se levantou e sentiu-se chocando com algo.
Havia algo os separando deles, um grande espelho no meio da sua cobertura. Ou seu invertido havia atravessado, ou Sean já não estavam ali. Arregalou os olhos para Erianthia e os seguranças invadiram a sala de Sean de armas em punhos.
— Sr. Queise? — Sr. Abreu o segurança, impactou nas feridas dele.
O Sean Queise original olhou Kelly e o Sean Queise invertido no espelho.
— Não!!! — Sean tocava cada parte do espelho procurando uma fenda, uma maneira de atravessá-lo. — Kelly?!
Kelly o via, passando a mão em algo que não via. Via-se, sim, nas mãos de um Sean até pouco tempo atrás atencioso, carinhoso, flexível. O Sean Queise original enfiou a mão na goela com queimadura ou não. Tentava vomitar algo que Erianthia deu. O Sean Queise invertido dentro do espelho tentava evitar que algo atingisse sua goela. Sem saber o que é que estava acontecendo com ele, retorceu-se com ânsia de vômito.
— Enlouqueceu? — Erianthia levantou-se de supetão. — Não pode fazer movimentos bruscos ou a plasmagem se desfaz Sr. Queise.
— Plasmagem sua!!! — gritou o Sean Queise original com ela em meio a seguranças agora paralisados momentaneamente por Erianthia que se levantou da cadeira.
— Plasmagem nossa Sr. Queise. Porque sabe que poderá adoecer mais ainda se rompê-la bruscamente.
— Cale-se Erianthia!!! Cale-se!!!
— O que é Sean? — o Sean Queise invertido ria do outro lado do espelho. — Não está gostando de me conhecer? O seu outro eu?
— Você não existe... — e o Sean Queise original tentou vomitar de novo.
— Já falei para não fazer isso! — Erianthia estava nervosa.
Mas Sean passou a ter vontade de vomitar sem querer. E mais uma vez, e mais uma vez, e mais uma vez.
— Essa... Essa coisa está se desmanchando... — e tentou vomitar. — Isso na minha boca. Tire isso da minha boca Erianthia...
— Eu tiro! — e o Sean Queise invertido atravessou o espelho e estancou tão próximo dele, que o Sean Queise original jurava estar respirando o mesmo ar.
E o Sean Queise original foi beijado por ele mesmo. A sua pele roçava na pele dele.
— Ahhh... — o Sean Queise original tentava se desvencilhar, mas a força empregada era a mesma recebida de volta em meio a língua dele girando na dele. — Ahhh... Não... — tentava escapar.
— O que é? Estou tentando tirar — gargalhava o Sean Queise invertido agarrando a cabeça do Sean Queise original e o beijando outra vez.
— Está... A língua em mim... — e tentou vomitar no que os lábios o beijavam.
E o Sean Queise invertido voltou a tomar a boca dele, o céu da boca com mais força ainda girando a língua dentro da boca dele. O Sean Queise original empurrou-o não soube com que forças e ele voltou para bem perto.
— Não pode se livrar de mim aqui, Sean. Sou você.
— Aqui não existe.
— E como existimos no que não existe, Sean? — o Sean Queise invertido desafiou-o. O Sean Queise original não entendeu nada daquilo. Ou entendeu tudo. O invertido agarrou-o e Sean desvencilhou-se dele. — O quê? Meu beijo não lhe agrada? — o Sean Queise invertido se divertia. — Vamos então ver o que a sócia tem a me oferecer? — e o Sean Queise invertido largou o Sean Queise original que foi ao chão voltando para dentro do espelho.
Sean virou-se desesperado para Erianthia.
— Procure água!!! Procure água!!! Jogue água na tomada!!! — gritou correndo para tomada da parede.
— O que?
— O que nada!!! Nada de o quê!!! — berrava o Sean Queise original descontrolado. — Eu preciso levar um choque!!!
— SQM? Ehhh... E eu sou a maluca com meu copo de vinagre e sal?
— Preciso sair de mim... — falava com o resto de força que seu corpo queimado, socado e sangrando, permitia naquele momento. — Deus... Minha alma deve controlá-lo melhor.
— Mas ele também sairá de si.
— Ele não é minha alma, Erianthia!!! — berrava. — Ele não é meu duplo-etéreo!!! É outro de mim noutra dimensão!!!
— Ele também tem alma, Sr. Queise!
Kelly gritou e Sean arregalou os olhos azuis vendo que ela nada fazia.
— Qual é seu problema, Erianthia?!
— E por que acha que tenho algum Sr. Queise? — e tudo voltou.
O tempo, o espelho inexistente, os beijos entre os ‘Sean’, os seguranças, os socos, a felicidade de Kelly, o saguão, a coxa esquerda ferida, as mãos queimadas, a turbina em chamas, a explosão. O Sean Queise original se viu vindo da sala de Gyrimias, atravessando o corredor de uma Renata muda, abrindo a porta, entrando na sua sala, vendo Kelly sentada à frente de Erianthia a odiando, a beleza dela.
O Sean Queise original arregalou os olhos e por segundos se viu, eles dois originais na mesma cobertura da Computer Co. House’s.
— Ahhh!!! — Sean caiu com a cabeça nos travesseiros macios do Astra Hotel.
Ele fechou os olhos não acreditando naquilo.
— Eu não tive alternativa... — Erianthia tremia toda sentada na cadeira à frente dele. Sean se virou e a encarou. — Era o único lugar seguro para trazer-lhe.
— Kelly... — mal teve forças para falar.
Nem sabia se teria coragem para ouvir.
— Ela não vai mais passar por aquilo.
— Deus... — fechou e abriu os olhos. — O que foi… O que foi aquilo?
— Eles são monstruosos, Sr. Queise. Muitos se confundiram aos dinossauros.
Sean a viu tremendo. Havia algo naquela frase que Sean não entendeu de imediato. Sabia que eles não eram os dinossauros.
“Então de que monstros ela fala?”, pensou.
Quis, mas não entendeu.
— Deus... O que foi que eu fiz?
— Não foi você — foi só o que ela conseguiu responder dessa vez.
Sean se olhou sem as feridas nas mãos, olhou sua coxa esquerda e havia uma cicatriz. Girou os olhos e olhou o hotel, e se tocou, agora na face direita, a marca também estava lá. Algo acontecera na queda do voo 5674, algo acontecera na queda do helicóptero, isso ele não duvidava.
— Por que... Por que não me deixou nu dessa vez?
— Queria?
Sean não esperava tal resposta, nem porque fez tal pergunta.
— Eu...
Ela se levantou da cadeira e Sean viu que o lençol de baixo sumira. Impactou. Viu que só o colchão estava abaixo dele. A olhou sem entender e o lençol de cima sumira. Sean voltou a impactar. Outra vez nada falou, nada perguntou.
Erianthia se aproximou dele e tocou-lhe o rosto.
— Esbofeteie-me! — ela pediu.
Sean só ergueu o sobrolho.
— Você merece? — e Sean sentiu Erianthia tocar-lhe as calças. — Ahhh... — Sean mal acreditou nas mãos que lhe tocaram por cima do tecido.
Não recuou, nem a impediu de largá-lo. Erianthia se encheu de coragem e toda sua pele se iluminou. Seus cabelos se soltaram do coque e escorregaram no ombro que Sean alcançou com a boca, beijando-a. Seus olhos se cruzaram e Sean ajoelhou-se na cama, com Erianthia permanecendo em pé; paralisada.
Ambos se mediram, se desejaram.
Ele sentiu sua camisa abrir. Botão por botão até ela fazer apport dela. Como não sabia bem fazer aquilo desabotoou o vestido dela no manual. Erianthia sorriu com graça e Sean beijou o canto da boca que sorriu. Ela o olhou de perto ainda em choque pela aproximação. Sean sentiu que toda sua roupa havia sido tirada. Sentiu-se nonsense, nu, na presença dela. Erianthia não se sentia tão tímida assim. Inclinou-se e beijou-lhe o dorso nu, um lado, o outro, um lado e outro, descendo. Sean a seguia com o olhar. Erianthia parou e ficou a olhá-lo também. Com gosto. Ele ergueu-se e tirou-lhe o vestido que foi ao chão para então sua boca acomodar um seio, outro seio, opulentos, da agente que se plasmava em Kelly, que voltava a ser Erianthia, que se plasmava em Sandy, e que voltava a ser Erianthia.
Sean impactou naquilo; naquilo tudo. Ele já não sabia quem desejava naquele momento. Só desejou que ela não fizesse mais nenhuma plasmagem ou aquilo ia desmoronar. Erianthia o inclinou o deitando no colchão puro, macio, iluminado pela Lua brilhante. Sean esperava por mais. E Erianthia só se inclinou. Sean mal teve tempo de se recuperar quando agora ele invadiu-a.
— Ehhh... Sean...
Sean a olhou em êxtase como se o mundo tivesse parado. Talvez tivesse. Erianthia partiu para o movimento, agora o dela. Ele pertencia a ela e Erianthia dominou-o com prazer. Mãos, pensamentos; tudo utilizado. Sean gemia e ela o beijava, cada canto, cada curva ainda inexplorada. Suor, perfume, tudo assimilado.
— Erianthia...
— Não... Não fale... — e tudo sumiu.
Colchão, quarto, Grécia. Sean se viu nu, encaixado a ela numa rua deserta, acolchoada, de fronte a um prédio verde espelhado que ‘ia e vinha’. Sean tentou falar, mas não conseguiu. Erianthia não o ouvia, não o via; só gemia. Ele olhou para um lado, para outro enquanto todo seu corpo sentia o prazer daquele corpo perfeito, quente, opulento, grande.
De repente tudo escureceu, clareou, escureceu e voltou a clarear até cegá-lo.
— Ahhh!!! — gritou entre dor e prazer.
Sean viu luzes estroboscópicas em meio a um túnel de luz que atravessava a rua acolchoada como se fizesse parte e não fizesse. Sentiu que nada mais fazia sentido naquele momento mágico. Que o prazer do corpo quente, úmido de Aagje, de Erianthia ou quem quer que ela fosse naquele momento o dominava, dominavam suas emoções, seus corpos, os de dentro os de fora os de outra dimensão.
Sentiu-se saindo de si, indo e voltando a lugares; pessoas, luzes, cores, cheiros. Ele voltava ao Astra Hotel, saía, e voltava para dentro dela num passo alucinado, cadenciado, molhado. Atordoava-se enquanto o prazer corria por todo seu corpo que era movimentado para dentro e para fora, para dentro e para fora, para dentro e para fora.
Sons de música e vozes fora da realidade quadrimensional, porém o alertaram. Havia alguém ali; muitos. Sean abriu os olhos, havia voltado ao Astra Hotel sendo observado por ‘seis anões’ num túnel de luzes neon.
Desabou desacordado numa cama fria do mosteiro sem ter tempo de matar a Senhorita Agente Erianthia Papadopoulos Agasias.
E ele a queria ter matado se ela estivesse ali.
14
Mosteiro Roussanou, Meteora; Grécia.
11 de novembro; 09h27min.
Sean acordou agora no seu quarto do mosteiro três dias depois. Levantou-se nu olhando em volta, furioso.
Correu para a porta, mas estava trancada.
— Erianthia?! — berrou a socando. — Abra essa porta!!! — se jogou contra ela, uma, duas, três vezes até sentir o ombro doer, sangrar pela madeira velha que enterrara uma lasca na pele dele. — Droga! — afastou-se da porta sentindo dor, manchando o chão de sangue. — Erianthia?! — voltou a berrar quando a porta abriu.
Sean não sabia como agir.
— Oscar usou de bons genes — foi o que Mr. Trevellis falou ao vê-lo nu.
Sean se escondeu como pôde sob fortes olhares de Nympha e Baco que adentraram com ele. E Nympha o rodeava o deixando com mais ódio ainda.
— Onde ela está! — Sean estava furioso com Mr. Trevellis.
— Sua roupa?
— Erianthia!!! — berrou.
— Ocupada — Mr. Trevellis sorriu ao baforar o charuto cubano.
Sean cerrou os olhos sentindo que o ar não subia. E não era pelo ar carregado de fumo.
— Me dê uma roupa. Ao contrário de quando com Erianthia não gosto de ficar nu na sua presença.
Mr. Trevellis não gostou de ouvir aquilo, de saber que os dois se envolveram mais do que o permitido. Também não estava gostando de ver Nympha rodeando Sean Queise.
— Não escutou mocinha? — Mr. Trevellis sorriu. — Ele não gosta de ficar nu na nossa presença — e Nympha e Baco sumiram dali atrás de uma muda de roupa para ele. Sean fechou os olhos e os abriu com raiva. — Achou o que ‘filho de Oscar’? Que conseguira desligar os mainframes e me deixar nas mãos daquelas coisas abomináveis? — Mr. Trevellis viu Sean voltar a fechar e abrir os olhos sentar-se pesado na beirada da cama. — Ou achou que ela o amava?
Sean agora o encarou mais furioso do que antes sem responder. Mr. Trevellis gargalhou o rodeando, o deixando mais descontrolado ainda. Depois se virou e entregou-lhe algo, um pacote pardo.
— O que é isso?
— Echelon!
Sean teve medo do pacote entregue.
— Fotos? — Sean não entendeu.
— Fotos suas no aeroporto de Dubai, dia 27 de setembro.
— Você disse que não havia informações alguma no Echelon.
— Menti!
— Faz isso o tempo todo, não Trevellis?
— Não me desafie ‘filho de Oscar’.
— Já falei para não me chamar assim — cerrou os dentes começando a se descontrolar. Mr. Trevellis esperou ele olhar as fotos, mas Sean nem se quer as tocou. — Eu sei que tomei o voo 5674 da Emirates Airlines com destino à Grécia. Que eu plasmei toda uma pista de aterrissagem, que me tirei do voo em chamas, que machuquei minha coxa esquerda no que caí preso ao banco — e Sean viu que Mr. Trevellis não estava gostando daquilo. —, e sei que os alienígenas me viram fazer aquilo para então terem ideias novas de como sair da Terra.
— Seu moleque atrevido!
Nympha entrou com uma muda de roupa. Saiu ao ver o olhar de Mr. Trevellis para com ela. Sean se vestiu em choque, não viu Mr. Trevellis admirando sua inteligência.
No fundo Mr. Trevellis sempre quis ter um filho daquele.
— Erianthia disse que o apport acontece quando o tempo se torna lento no espaço quadrimensional... Quando o espaço tridimensional se curva... — Sean encarou Mr. Trevellis. — Como o tempo se tornou lento a ponto de descer um avião lotado?
— Até parece que não sabe a resposta — Mr. Trevellis só o olhou com sua tez de cor jambo, brilhante pelo suor escorrido.
— Erianthia me disse que os alienígenas haviam me salvado porque eu era necessário a eles, vivo, mas na verdade fui eu quem deixou o tempo lento para que eu pudesse fazer apport de mim mesmo — Sean se divertia. — E sabe por que os alienígenas estavam lá me observando, Trevellis? — e Mr. Trevellis só o olhava. — Para me dizer metaforicamente que fiz algo em Spartacus capaz de levá-los embora.
Agora Mr. Trevellis se irritou.
— Vai entrar naquela sala vermelha, ‘filho de Oscar’ — falou bem próximo. —, e vai viajar para 1901 para evitar que aquele velho decrépito entregue os planos de Spartacus àquelas abominações.
— Que velho?
— O que matou seu pai que não soube obedecer minhas ordens.
— Meu pai não é nenhum…
— Seu pai? — Mr. Trevellis foi cruel.
Sean o odiou por aquilo, por tudo aquilo.
— Meu pai jamais fez ‘acordos’ Trevellis. O lodo sempre é moldado em suas mãos.
Mr. Trevellis gargalhou com força e vontade.
— Se engana ‘filho de Oscar’, porque você também pode ser enganado ‘filho de Oscar’, porque Fernando sabia que se os alienígenas tivessem os planos do satélite de observação você não conseguiria...
— É sempre ele, não Trevellis? É sempre Spartacus.
— É sempre o satélite de observação, sim. Por que achou que não fosse, ‘filho de Oscar’?
— Cale-se!!! — Sean cerrou os punhos, mas nada fez dessa vez.
Mr. Trevellis caiu em nova sonora gargalhada.
— Me diga ‘filho de Oscar’? Como se sente sabendo que Fernando Queise trabalhava para nós? — e Mr. Trevellis nem teve tempo de prever aquilo, Sean acertou-lhe um soco no movimento rápido que fez. E ele o fez muito rápido. — Ahhh?! — Mr. Trevellis se chocou com a parede atrás dele e Sean olhou-se com duvidas se havia se movido na malha quadrimensional ao socar Mr. Trevellis sem se virar.
Mr. Trevellis ficou de costas para ele num misto de dor e medo. Sean ia rápido demais com aquilo. Talvez nem ele, nem Oscar, e talvez nem Mona houvessem previsto aquilo.
— Vamos, Trevellis. Fale! — desafiou-o.
— Como se moveu tão rápido se não saiu do lugar ‘filho de Oscar’?
Sean cerrou os olhos. Não havia sido impressão. Ele não havia mesmo se movido dali.
— Não sei do que está falando — agora o encarou.
— Conseguiu falar com os mortos, não foi Sean? Nikiforus nunca foi confiável, nem morto.
Sean só sorriu e Mr. Trevellis passou por ele, abriu a porta e saiu batendo- a na saída. Sean ficou ali, sozinho, pensando, pensando, pensando. Pensando que talvez tenha realmente feito algo errado com sua vida no passado.
Teve medo dele próprio.
Mosteiro Roussanou, Meteora; Grécia.
11 de novembro; 11h11min.
Sean adentrou na sala vermelha dia onze do onze, às onze e onze, não imaginando como ela era. Mas ela não era nada. Só uma sala com paredes vermelhas, desbotadas, um dia bem pintadas. No centro cinco cadeiras em forma de círculo; ocupadas e Erianthia no centro.
Erianthia não levantou o rosto do ponto vermelho pintado no piso de borracha branca. Parecia mais um alvo do que outra coisa. E ela era seu alvo. Sean fez questão que ela captasse seu ódio por ela. Mas nada moveu nela, porém. Ele tinha que admitir, ela era uma agente da Poliu e eles sabiam recrutar como ninguém.
Odiou-a. Odiou-se também por se envolver tanto com eles.
Nas cinco cadeiras Baco, Nympha, Pallas, Ophelie e Gameliel, que escorregava os olhos para vê-lo de segundo em segundo.
— O que está acontecendo aqui?
— O que acha ‘filho de Oscar’? — gargalhou Mr. Trevellis respondendo por Gameliel. — Estamos viajando no tempo.
Sean impactou ao ver o espelho atrás da cadeira de Gameliel, mas foi Mr. Trevellis quem ele voltou a encarar.
E os dois se enfrentaram com olhares.
— Fazem apport de algo mais que si mesmos?
— Vamos juntos com o que quisermos levar — respondeu Erianthia. — Pela malha quadrimensional.
— Não vou com você mais a lugar algum se é essa a intenção.
— Eu vou com você Sean! — correu Nympha a falar.
Erianthia só a olhou e Nympha devolveu-lhe o olhar. Sean não gostava daquela disputa. Porque na verdade foi Nympha quem ele contratou para vigiar o mosteiro, a mesma dupla, tripla que Syrtys contratou para saber sobre a sala vermelha.
— Vou com você, Sr. Queise — ofereceu-se Gameliel.
— Como?
— Não haverá transferência propriamente dita já que não sei fazer apport de mim — falou Gameliel.
— Não entendi? Você estava no Burj Al Arab.
— É Erianthia quem nos plasma Senhor — Gameliel olhou-a. —, como no Burj Al Arab... Só ela pode realmente viajar. Então ela pode plasmar-me e levar-me com você, e eu ainda ficaria aqui. Então metaforicamente, você me verá e estarei ao seu lado se isso ajudar.
— Sem nunca ter saído daqui?
— Sim.
— Deus...
Erianthia nada falou e Sean encarou Mr. Trevellis. Sabia que a resposta estava na presença dele ali.
— É a entropia do tempo, Trevellis? Erianthia pode me levar usando os cinco anões controlando as setas do tempo?
— Não nos chame assim Sr. Queise. Não gostamos da intimidade — Baco enfim falou.
Sean estava nervoso de mais, olhou um lado e outro e mais perguntas saltaram aos olhos dele.
— Vocês podem interagir... Vocês podem interferir no passado plasmado ou não?
— Não! — exclamou Baco.
— Sim! — exclamou Phemie ali, mas não participando.
— Phemie?! — Baco chamou-a a atenção.
— Não temos mais nada a perder Baco — Phemie estava abalada com algo.
Sean tinha razão, ela estava doente.
— Enfim poderemos matar nosso avô, Trevellis?
— É o que parece, não ‘filho de Oscar’? — respondeu Mr. Trevellis.
— Deus... Quem vocês querem matar?
— Alguém quem vai nos destruir por causa de uma descoberta — falou Phemie.
— Phemie... — voltou Baco a reclamar.
Mas a velha Phemie não parecia se importar com mais nada.
— Fala do cara que trabalhou com Albert Einstein nas patentes?
Mr. Trevellis se iluminou.
— Nikiforus contou-lhe?
— Eu vi Einstein. Estive no escritório de patentes. Senti que alguém lá me viu, me observou, sabia da minha presença lá porque estou contando isso aqui.
Mr. Trevellis achou que não entendeu, mas entendeu logo depois.
— Está dizendo que algum de nós nos traiu, ‘filho de Oscar’?
— Gostaria que fosse você, Trevellis. Para ter motivo de mandar você para a cadeia.
Mr. Trevellis gargalhou alto, nervosamente alto.
— Mato quem me trair, bastardo. Não se iluda comigo.
Sean só ergueu o sobrolho e Nympha se incomodou alertando Erianthia já que todos os outros ‘anões’ não podiam se invadir.
— Então Halph Rohan já sabe que sabemos sobre ele? — Baco começou a ficar preocupado.
— Quem é Halph Rohan? — Sean olhou um e outro.
— Nós nunca fomos pegos, Sr. Queise — Phemie o olhou da cadeira onde se sentava. — Não devia ter se deixado ser pego.
— Eu não sei quem é Halph Rohan, mas estou dizendo que alguém sabia que eu ia lá. Ele ficou sentado na escrivaninha dele me encarando, me esperando — Sean viu os oito se olharem, e depois Mr. Trevellis só olhar para Erianthia. Mas ela também nada sabia sobre aquilo. — O quê? Achando-me esquisito? Não sou eu quem estou reunido aqui, pronto para matar alguém no passado para que no futuro algo não seja feito — foi a vez de Sean desafiar cada um e Mr. Trevellis abriu a porta para sair. — Ou poderíamos ter matado Hitler naquele passeio? — disparou Sean ao homem jambo. — Estamos falando em consertar o mundo, não Trevellis? Foram mais de 29 planos elaborados para assassinar Adolf Hitler e você nada fez? Mas não, não é Trevellis? Não podemos interferir no mundo a menos que o mundo tente interferir na Poliu, não é Trevellis?! — gritou.
— Você vai morrer, ‘filho de Oscar’?! — esticou o dedo em sua direção. — Você, sua mãe, sua irmã e tudo que ama nesse maldito mundo se não fizer algo!!! — berrou em resposta. — E ao contrário de você, eu não quero ver minhas filhas mortas?!
— Suas filhas já estão mortas, Trevellis. Quando se tornaram suas filhas.
Mr. Trevellis foi para cima dele sendo seguro por Phemie, Baco, Ophelie e as outras três cadeiras ocupadas por Nympha, Pallas e Gameliel, até o enorme Mr. Trevellis parar. E ele parou bem perto de Sean que não moveu um único músculo do lugar.
— Não pense que o mundo gira em seu entorno, seu bastardo; porque não gira. Você não está ‘por cima da carne seca’ como diria seu pai nem é ‘a bola da vez’ como diria seu outro pai. Ainda sou quem sou, ‘filho de Oscar’. Cuidado comigo! — e Mr. Trevellis soltou-se dos braços de todos, e abriu a porta novamente para ir embora.
— Sabe que preciso conversar com Nikiforus — Sean sentiu todo seu sangue ferver, cada litro dele. — Que ainda há algo que ele não falou.
Mr. Trevellis estancou agora do lado de fora, com a porta semiaberta. Virou-se num pé só para todos que voltaram a se sentar em suas cadeiras, e entrou de novo na sala vermelha, fechando a porta atrás de si totalmente controlado.
— Continue ‘filho de Oscar’.
Foi a vez de Sean invejá-lo; seu autocontrole.
— “Um grupo de paleontologistas gregos descobriu um muro de pedra de 23 mil anos” — soou da boca de Sean alertando Mr. Trevellis.
Sean percebeu que Mr. Trevellis, Erianthia e os seis espiões psíquicos entenderam aquilo. Havia muito mais ali e ele ia pagar um preço alto para descobrir.
— Ophelie? — Mr. Trevellis foi até perto deles olhando Sean.
— Sim, Mr. Trevellis?
— Conseguem uma conexão com Nikiforus Theodorákis antes de irem a 1901?
— Sim — Ophelie olhou todos.
— Faça! — e Mr. Trevellis saiu de vez.
Ophelie olhou Sean o olhando. Ela apontou o centro vermelho no meio das cinco cadeiras para que ele fosse até lá e Erianthia saiu do centro.
— Saia! — Erianthia deu a ordem e Pallas se levantou saindo com Phemie. Sean a viu sentando numa das cinco cadeiras. — Acomode-se, Sr. Queise.
Sean a viu concentrar-se com os outros quatro já concentrados ele não soube no quê. Contudo, a resposta não tardou a chegar. Sean só pisou no círculo vermelho e arrepiou-se dos pés a cabeça.
— Ahhh!!! — saltou. — Escutou? Escutou? Escutou? — perguntava a cada um que olhava.
Nenhum deles respondeu.
“Sean...”; soou novamente.
Sean se arrepiou, olhou um e outro e o espelho ao fundo para então todas as paredes se abrirem e um grande espelho de 360° tomar conta da sala vermelha.
A sala vermelha era um grande espelho.
— Nonsense... — e algo o roçou. Sean impactou novamente. Olhou cada um dos cinco. — Você me tocou? Foi você Erianthia? Você Ophelie? Baco? Pallas? Gameliel? Nympha? — os cinco não se moveram. Sean começou a desgostar daquilo. Estava em pé, no meio de cinco cadeiras ocupadas por espiões psíquicos capazes de teletransportar um elefante para dentro da sala espelhada. E algo voltou a esbarrar em seu braço. — Ahhh... — Sean olhou para eles. — Algo me tocou! — mas nenhum movimento por parte dos cinco. Sean sabia que estava sozinho; por si. Fechou os olhos e os abriu e se viu na casa de Nikiforus Theodorákis. Fechou os olhos e os abriu novamente para se ver na sala vermelha com cinco cadeiras ocupadas. Respirou profundamente e voltou a fechar os olhos e os abrir para ver-se à frente de Nikiforus sentado na poltrona com um copo de água e uma cápsula de comprimido na mão. — Ahhh!!! — Sean impactou voltando a sala vermelha. Os cinco estavam de cabeças baixas, respirando fraco, compassado, sem moverem-se. Sean fechou os olhos e abriu para ver que Nikiforus ia tomar o veneno. Seu instinto foi gritar, correr, pedir auxílio aos cinco paralisados ali na sala vermelha, mas diferentemente do que acreditava iria fazer ele agarrou a mão de Nikiforus, que o olhou de olhos arregalados, tez embranquecida, em choque. — Não faça isso!
— Você... — Nikiforus olhou para um lado. — Você... — olhou para outro.
— Vai morrer! — falou Sean.
Nikiforus olhou Sean Queise, olhou em volta, olhou Sean Queise e olhou o comprimido que toda noite tomava para dormir numa mão sendo segura por um Sean que ele jurava, não vira entrar.
Sean ficou ainda o olhando, segurando-lhe a mão que estancava o ato de Nikiforus tomar o remédio.
— Ele ia... Ele ia... Matar-me? — Nikiforus balbuciava.
— Não tenha duvida. Halph Rohan irá matá-lo — Sean viu Nikiforus mal conseguindo respirar pelo susto, pelo medo. Ele diria que idem. — A polícia vai estar aqui, daqui a três dias, para a autópsia do seu corpo em decomposição.
Nikiforus arregalou mais ainda os olhos. Sentiu-se tonto.
— O que... O que... Como?
— Preciso que fale Dr. Nikiforus. Não posso lhe salvar da morte, mas você pode evitar a morte de outros — Sean viu Nikiforus voltar a arregalar os olhos para um Sean Queise nítido, palpável. — Por favor! — Sean soltou enfim a mão dele.
Nikiforus olhou para os lados sem saber o que fazer. Decidiu fazer o certo, o que se propusera a fazer quando abandonou a Poliu; salvar vidas.
— A coisa é mais ou menos assim, Sean... — pigarreou ainda nervoso. — Halph Rohan era um exímio matemático auxiliar de Albert Einstein no escritório de patentes, e que auxiliava o físico em mais do que ele supunha. E lendo e relendo muitas das anotações dele, descobriu como viajar no tempo curvando o espaço quadrimensional antes mesmo que Albert Einstein o tenha percebido. Porque como sabe Albert Einstein no seu final de vida e muitos anos antes, vinha se dedicando a uma fórmula que pudesse unir todas as forças; a fraca, a forte, o eletromagnetismo e claro, a gravidade.
— Teoria Unificada do Tudo.
— Sim... O que nos leva a pensar; Deus existe? Quando Albert Einstein disse que Deus não jogava dado, ele queria dizer que essa ciência quântica é capaz de comprovar sua existência ou trazer mais razões para a dúvida.
— Acho que como diz David Hume, temos que saber separar a fé da razão, Doutor...
— E o que é a fé, não Sean? — Nikiforus olhou em volta sem respostas. — Enfim... A coisa ficou assim... Entre uma viagem e outra Halph Rohan, que não conhecia a fé, deu de encontro com seu invertido e tudo saiu do controle. Para não morrer, ele fez um acordo interessante para si próprio. Viveria eternamente, o que percebemos funcionou, e em troca dessa imortalidade, e muito, mas muito dinheiro mesmo, ele conseguiria destruir os projetos de Spartacus.
Sean impactou naquilo.
— Mas por quê?
— Porque os alienígenas sabiam que curvar o espaço não seria suficiente para que os monstros que são, conseguissem sair da dimensão paralela a nossa. Uma dimensão onde foram presos pelos mesmos homens que eles geraram. Sociedades secretas que se revezam na tentativa de manter o equilíbrio do universo. Todos eles.
— Essas sociedades são?
— Secretas!
Sean já havia ouvido aquilo.
— “Um grupo de paleontologistas gregos descobriu um muro de pedra de 23 mil anos” — Sean achou graça. — Então algumas cavernas da Meteora são entradas, portais para as dimensões paralelas? Algum tipo de Psychomanteum? — ele viu Nikiforus o olhar de uma forma intrigante. — Eu descobri isso no quase um mês em que sumi, não foi? E eu sumi depois do helicóptero cair e não o voo 5674 porque desse também havia escapado um dia antes. Então me teletransportei para algum lugar que me ajudou a plasmar aquele helicóptero, mas diferentemente de mim não conseguia salvar Aagje Papadopoulos nem Zenon Kanapokolo. Depois por algum motivo desisti das plasmagens e tomei o voo 8901 para Londres para contar a Oscar, mas acabei sendo levado para o Brasil, pelo voo 6171 por Erianthia, que fez apport de mim porque alguém tentava me matar e ela não conseguia descobrir quem... Deus! Quem, Nikiforus? Quem tentava me matar e por quê?
— Não sei dizer. Talvez seja o mesmo quem implantou esse comprimido aqui; Halph Rohan.
— Mas Halph Rohan não estava mais agindo com os alienígenas? Porque os alienígenas só me observavam, para ver do que eu era capaz — Sean teve um sorriso de Nikiforus como resposta. — Deus... — Sean olhava em volta. — Spartacus! Sempre Spartacus. O que Halph Rohan quer com o satélite de observação Nikiforus?
— Ele sabia que seu pai e a Computer Co. investiriam como sabe, muito tempo, dinheiro, cientistas, e você na construção do satélite de observação, porque sabia que você poderia modificá-lo a ponto dele não só observar as estrelas e o Universo profundo, como poderia se aprofundar para observar a Terra, os terráqueos, e todas suas almas.
— Deus... — Sean temeu saber que Mr. Trevellis e toda a sala vermelha os escutavam.
— E Halph Rohan e os alienígenas queriam que tal investimento quádruplo, você, a Computer Co., a Polícia Mundial, e a Poliu se voltassem para o estudo de uma maneira que os fizesse sair de sua enclausura, os espelhos.
— Quádruplo?
— Sim Sean. Porque Mr. Trevellis investiu muito em você.
— Ahhh... — e Sean sentiu que apagava alertando Erianthia que abriu os olhos se iluminando toda, todo seu corpo, alertando Mr. Trevellis que os via da sua de controle ao lado da sala vermelha.
Sean voltou a se focar em Nikiforus e voltou à casa dele que o viu ficar tomado de rabiscos para então voltar se firmar.
— Incrível Sean... Seu pai temia exatamente isso que você se tornou.
Sean não queria falar sobre aquilo, não naquele momento.
— Mona amiga avisou que Sandy... — Sean teve medo de prosseguir. — Que Sandy ia vender os projetos dos espelhos de energia do satélite de observação Spartacus ao mercado negro. Era Halph Rohan?
— Sandy Monroe ou não, ou intuito não era os espelhos, Sean Queise. Era o satélite inteiro em mãos do mercado negro e claro, Spartacus não seria da Polícia Mundial que investiu anos de árduo trabalho para concebê-lo. E isso incluía você, já que convenhamos, Spartacus não seria a arma que é hoje se você Sean, ‘você’ não tivesse o concebido.
— Onde vamos chegar com isso, Nikiforus? — Sean sentiu-se arrasado.
— Vamos ver... Fica assim... Quando Sandy Monroe falhou, Halph Rohan ainda a mando dos alienígenas teve que então ir atrás de Fernando Queise, e Oscar Roldman, e Mr. Trevellis, porque os três e acredite, foram os três, que investiram o que sobrou de suas fortunas na obtenção de uma energia capaz de construir uma força que por sua vez seria capaz de movimentar os UFOs para que eles pudessem ir embora sem tirar sua vida.
“Os três... os três... os três...” “Sem tirar sua vida...”, Sean teve medo de estar ali.
— Deus... Por que Oscar nunca me disse que a Poliu esteve envolvida na construção de Spartacus?
— Porque Oscar Roldman um dia já foi da Poliu.
Sean riu nervoso. Sabia que Oscar havia feito parte da Poliu, mas como não era um ‘mister’, de família aristocrática, não podia comandá-la.
— Oscar preparou Trevellis? Foi Oscar quem preparou Trevellis para o comando da Poliu quando saiu para comandar a Polícia Mundial? Por isso a Poliu tão envolvida com os espiões psíquicos — Sean ficou tonto sabendo que Nikiforus não ia responder àquilo. — Sempre achei que a neura de Trevellis comigo e Spartacus eram os meus poderes paranormais, muitos mais que meus poderes computacionais — riu nervoso. — Mas como entrou a Computer Co. nessa confusão toda? Meu pai conheceu minha mãe antes de Oscar não?
— Fernando me perguntou isso uma vez — ele viu Sean só erguer o sobrolho, sentir dor mesclada a saudade que sentia de seu pai. — E eu respondi que não era a Computer Co. nem Nelma Queise.
— Era eu?
— Seus dons, Sean Queise, que nasceu um Roldman em meio a todo esse poder.
Sean sentiu-se tonto. Lutou para prosseguir, outra vez não quebrar tal ‘conexão’, como diria Mr. Trevellis.
— Mas meu pai nunca... — espremia a cabeça pela dor provocada por estar ali.
— Nunca permitiu. Nunca permitiu que Mr. Trevellis ou Oscar Roldman usassem seus poderes. É por isso que sabemos hoje que Halph Rohan não conseguiu isso também, não foi?
— Imagino o ódio de Halph Rohan para com meu pai, que investiu mais dinheiro ainda na sala vermelha para me proteger.
Nikiforus pigarreou.
— Então a coisa ficou assim... Como os alienígenas não conseguiram que seu projeto de energia para os UFOs também fosse concretizado pela Computer Co., pela Polícia Mundial, pela Poliu e pela Silicio Company de Syrtys Papadopoulos que entrou nessa de gaiato, meio forçado mesmo, porque sua filha Erianthia, gêmea de Aagje começou a desenvolver poderes. Syrtys, que havia colocado alguém na Poliu acabou por descobrir os espiões psíquicos no mosteiro, e achou que ia tirar proveito da situação se livrando de sua filha problema. Mas acabou por se envolver em mais do que queria, acabou sendo morto, assim como sua filha Aagje e o fiel secretário; e Halph está atrás de você agora.
— Meu pai morreu nas mãos de Halph Rohan?
— Provável — Nikiforus olhou o remédio que ia tomar ao lado da mesa.
— Meu Deus... Oh! Meu Deus... O que eu fiz?
— Você não fez nada. Não sabia que fazia algo. Não se esforçou o bastante naquilo que não conhecia; só isso.
— Podia então, não? Podia não ter criado Spartacus e criado a força que os levaria de volta para o mundo deles. Deus... É triste pensar que não podemos voltar no tempo, consertar erros... — Sean ficou tão pensativo que sentiu mesmo que ia desabar.
— Seja lá o que fez ou que não fez Sean, acho bom retornar ao mosteiro, encarar a sala vermelha e 1901, e se livrar, você, de Halph Rohan, antes que ele descubra que Spartacus é capaz de viajar no tempo.
— Não posso. Não posso afetar o passado. Livrar-me de Halph Rohan significa alterar a vida de muitos com quem ele teve algum contato. Ele era casado, teve filhos, netos...
— Sean... — riu agora ele, nervoso. — Não estamos falando de uma ou dez vidas alteradas, estamos falando da Terra e seus bilhões de vidas alteradas se esses alienígenas invertidos escaparem dos espelhos. Porque algo aconteceu em 1901 e Mr. Trevellis está desesperado para alcançar essa data, e seja lá o que aconteceu em 1901 tem haver com os alienígenas do cretáceo que o salvaram porque precisam de você vivo.
Sean engoliu aquilo a seco. Encostou-se no espaldar do sofá sem saber o que falar pensar, agir. Mr. Trevellis ficou vendo Sean Queise e Nikiforus Theodorákis nos espelhos na sala de controle, onde observava e também gravava tudo o que acontecia na sala vermelha, e apesar de Sean ter sumido do ponto vermelho pintado no chão, sua imagem e toda sua ação se passava nos espelhos como um filme projetado.
Mr. Trevellis estava maravilhado com o ‘filho de Oscar’.
— Erianthia é a única que viaja e os leva com ela. Ela disse que os espiões não conseguem ficar muito tempo no passado por isso são apenas projeções. Então Erianthia é a peça chave. Mas por quê? Por que só agora ela é a peça chave? Por que não tentaram... — olhou em volta. — Por que não conseguiram mudar o passado antes?
— O passado é evento fechado. Paradoxos deste tipo surgem quando o viajante tenta mudar o passado, o que é obviamente impossível. Mas isso não impede que alguém se torne parte do passado.
“Alguém se torne parte do passado... Alguém se torne parte do passado... Alguém se torne parte do passado...” soou apavorantemente.
Mas Sean se deu conta de algo mais.
— Há quanto tempo estou aqui?
— E o que é o tempo Sean? — Nikiforus olhou para os lados para ver que o relógio funcionava a contento.
Sean e ele acharam tudo nonsense.
— A filósofa brasileira Marilena Chauí dizia que as narrativas míticas, a cosmogonia de Hesíodo, tentaram explicar o mundo através de genealogias de pai e mãe divinos, e suas histórias tinham sempre uma preocupação com o tempo; ‘Chronos’. Um tempo longínquo, fabuloso e imemorial, diferente de tudo o que existisse no presente onde a cosmologia afirma que “Nada vem do nada e ao nada volta”. Seria mesmo Doutor? Um elemento primordial da natureza que a forma ‘Physis’, que embora imperecível, dá origem a todos os seres do mundo com as mais variadas formas? — Sean voltou a olhar em volta. — Nikiforus... Eu preciso perguntar... — sentiu fortes dores na cabeça. — Qual delas eu fui visitar no Burj Al Arab? Aagje ou Erianthia? — Sean viu Nikiforus rir e toda sala se mesclar. — Ahhh!!! — caiu sentando no meio da sala vermelha com medo, tremendo, molhado de suor.
Sean viu os cinco o olhando.
Teve medo deles, dele próprio.
— Aconselho que vá para seu quarto, Sr. Queise — a voz de Erianthia Papadopoulos Agasias feriu-lhe. — Tome um banho, coma algo e durma! — esperou Sean olhá-la do chão, sabendo que foi ela quem interrompeu aquela resposta. — Amanhã você e Gameliel viajam a 1901! — e Erianthia Papadopoulos Agasias se virou saindo da sala.
A Sean Queise restou olhá-la partir.
15
Mosteiro Roussanou, Meteora; Grécia.
12 de novembro; 08h00min.
“Einstein: Deus não joga dado”
“Einstein: Deus não é Malicioso”
“Bohr: Einstein pare de dizer a Deus o que ele deve fazer”; soou em seus sonhos.
Sean Queise acordou com o ruído de sua porta envelhecida. E não foi quem ele esperava que adentrasse seu quarto no início daquela manhã quem adentrou.
— Oscar? — ele saltou da cama agora com lençóis.
— Eu queria lhe dizer...
— Não diga! — Sean esticou a mão que se pudesse o calaria. — Por favor!
— Não posso Sean querido — os olhos de Oscar brilharam.
Sean não conseguiu entender seu pensamento. Brecava instintivamente Oscar Roldman.
— Diga... — soou quase rouco de sua boca.
— Seu pai nunca soube.
Sean engoliu a seco sua própria curiosidade.
— “Nunca soube”?
— Fui eu quem desviou o dinheiro da Computer Co..
Sean agora realmente temeu mesmo continuar aquilo.
— Eu deveria perguntar por quê?
— Eu devia isso a ele.
— Deus... — Sean caiu sentado. — Eu...
— Não! Não adianta mais, Sean querido. Fernando morreu defendendo meu filho.
Sean sentiu que uma adaga atravessara seu peito.
O ar demorou a entrar.
— Oscar... — ele pediu para Oscar parar de falar. Não conseguia respirar. Amava tanto seu pai Fernando. — Isso não é justo...
— Eu e Fernando tínhamos um acordo mudo — Oscar esperou Sean olhá-lo. —, e a Computer Co. se incluía nisso.
— Traduza ‘nisso’?
— Quando os investimentos da Computer Co. começaram a ser afetadas pelo alto investimento na obtenção da energia biomolecular para os UFOs, seu pai, a Poliu e a Silicio Company começaram a entrar no vermelho. Fernando já tinha uma segunda conta longe dos olhos de seu financeiro para manter isso tudo aqui. Então ele pedira-me que fizesse de tudo para que você não perdesse a empresa; como Fernando estava aposentado e você no comando, se a Computer Co. falisse, você perderia mais que dinheiro, perderia todo crédito profissional no mercado como um moleque irresponsável que não soubera administrar sua fortuna. Então não tive alternativas a não ser desviar dinheiro através de seu cloud computing.
— Você... Era você quebrando minhas senhas?
— Eu invadi seus mainframes, Sean.
— Meus... Está me dizendo que teve ajuda de dentro?
— Ela te ama!
Sean ergueu-se furioso para então cair sentado em choque.
— Kelly ajudou-lhe a roubar dinheiro da Computer Co.?
— Quando eu a convenci que era para seu bem.
— Deus... — Sean olhou o entorno desejando não estar ali. — Kelly...
— Ela te ama — voltou Oscar a falar.
Sean sentiu-se mal. Ela sempre o amara. Talvez mais que ele supunha. Percebeu que Kelly arriscou-se a perder tudo se Nelma Queise descobrisse, se o próprio descobrisse.
Sentiu-se mal por não amá-la tanto assim.
“Consertar erros...”, soou em todo seu corpo.
— Ela temeu que você a odiasse como Sandy...
Aquilo sim doía. Não quis comentar.
— Vou viajar amanhã a 1901! — encarou-o.
— Eu sei.
Sean se deu conta de repente.
— Você chegou... — olhou-o sem mais nada falar. — Você já estava aqui?
— Sim...
— Por quê? Deus... Eu sei o porquê, não Oscar?
— Sabe! Os cinco na sala vermelha, para que Gameliel viajasse ao Burj Al Arab. Porque ele realmente viajou, porque Erianthia realmente pode levar qualquer um a viajar, porque ela é... — e parou. —, especial — e Oscar Roldman deu as costas e saiu.
Queria que Sean o tivesse detido, feito mais perguntas, dito que o amava. Oscar cerrou os olhos e chorou com toda sua idade, com toda sua posição no meio do corredor do mosteiro enquanto Mr. Trevellis só o olhava. Do lado de dentro do quarto, Sean sabia o que acontecia por detrás das paredes envelhecidas. Ele viu Oscar e Mr. Trevellis se olharem, nada falarem para então Mr. Trevellis dar duas pancadas de amigo no ombro de Oscar e saírem dali em silêncio, irem para outro andar.
“Eu sei o porquê, não Oscar?” “Eu sei o porquê, não Oscar?” “Eu sei o porquê, não Oscar?”; soava pelas paredes.
Foi a vez de Sean ir até o chão e chorar. E ele chorou muito sabendo que Oscar Roldman tinha poderes para viajar.
Mosteiro Roussanou, Meteora; Grécia.
12 de novembro; 19h00min.
Ninguém veio vê-lo mais, nada, nenhum convite, e a tarde que teimava em não passar. O que passava eram as ideias de Sean; e ele teve muitas ideias que não queria pensar. Recusou-se, porém a pensar a visitar o passado, o que não existia. Nos primeiros raios de Lua estava lá, no refeitório, onde sabia iria encontrar Erianthia sozinha. Ela arregalou os olhos ao vê-lo entrar e fechar a porta atrás de si ficando encostada nela como que evitando que alguém entrasse.
— Eu não tive alternativa — foi só o que Erianthia falou voltando a tomar seu café forte.
— Qual das ‘alternativas’? A de se fazer passar por sua irmã morta, a de me levar ao quarto do Astra Hotel outra vez e outra vez, ou ainda a de permitir que os seis anões nos vissem trepando?
— Sean... — Erianthia não gostou do tom de voz nem de como seu amor acabara de ser colocado.
Queria evitar um confronto.
— Como teve coragem?! — berrou Sean não evitando confronto algum. — Como pôde dividir nossos corpos com aqueles... — Sean girou os olhos descontrolado. — Como pode ser tão fria, Erianthia? Seu pai tinha razão. Você é um monstro — e Sean girou 360° no bofetão que Erianthia lhe deu, sem que a percebesse ter saído da cadeira. E ela estava na cadeira, tomando café, lhe olhando, sentindo dor na mão que o esbofeteou. Ela assim como ele fizera com Mr. Trevellis, se deslocara na malha quadrimensional sem que o tempo fosse atingido. — Os alienígenas sabem que eu posso viajar no tempo através de Spartacus, que eu fiz algo com o satélite de observação que me permite fazer o que acabou de fazer ao me esbofetear. E eles me observaram naquele acidente aéreo... — soou da boca de um Sean Queise em choque. — E isso porque já fiz isso outras vezes sem saber... — ele viu Erianthia Papadopoulos Agasias e toda sua opulência só o olhar com os olhos azuis ainda a brilhar pelo ato de esbofeteá-lo, pelo ato de ter gostado de esbofeteá-lo. — Eles não queriam me matar nem me salvar, porque sabiam que eu me salvaria... — girou os olhos a quase deslocá-los. —, porque sabiam que você estava lá Erianthia... — Sean viu que ela continuaria sem falar. —, porque sabiam que você era capaz de alterar o tempo caso eu falhasse, sabiam que você era capaz de me salvar enquanto eu controlava Spartacus com a força da mente caso eu falhasse, mas você sabia que eu não falharia, não?! Porque estava sempre grudado em mim, não?! — berrou. — E sabe por quê?! — berrou outra vez. — Porque os alienígenas a conheciam Erianthia a ponto de tentar matar Rupert e sua filha para que ele não falasse!!!
— Não é verdade! Rupert não... Não é verdade!
— Você é cria deles, não?
Erianthia agora gargalhou.
— Eu? Uma alienígena?
— Não... Não... — os olhos de Sean brilharam. — Você sabe que não, não é isso não Erianthia? Porque você é filha de Syrtys Papadopoulos e sempre soube que era uma criança especial, e Mona, que já não sei se é tão minha amiga assim, percebeu isso quando seu pai lhe trouxe aqui, sabendo sobre a sala vermelha porque pagava Nympha para lhe contar tudo, como sobre os invertidos. E Mona também sabia, porque ela logo soube quando lhe conheceu que os invertidos haviam-na treinado, na melhor concepção da palavra.
— Você é ridículo! Eu nunca vi nenhum alienígena!
— Viu!!! Viu!!! Via!!! Durante os deslocamentos que fazia pelo tempo desde criança... Ahhh!!! — bufava, engolia a saliva com dificuldades e voltava a bufar. — Arrisco a dizer que você teletransportava seu iate por mais que águas azuis!
— Ehhh!!! — gritou Erianthia ao odiou por aquilo, porque odiava seu pai também por odiá-la, por colocá-la em castigos dolorosos toda vez que se descontrolava, porque ela teletransportava seu pai e o iate e a mansão, e carros e todos durante o jantar para o Egito, para Roma, para Paris, para o Brasil.
Syrtys olhava em volta e toda sua mesa e comida opulenta havia sido teletransportada por Erianthia que queria perturbá-lo, desafiá-lo, feri-lo para então vê-los, os alienígenas escapando dos espelhos. E ela realmente contou tudo aquilo a Mona Foad, alertando toda uma Poliu recém-assumida por Mr. Trevellis, um aristocrático e estrategista preparado pelo poderoso e paranormal Oscar Roldman.
Mais que nunca, Sean entendeu porque Mr. Trevellis sempre o quis prepará-lo para aquilo.
— Mas uma criança cresce e para de ver monstros no armário, não é Erianthia? — Sean prosseguiu entre o palácio de suas memórias. — Você ficou crescida, sem acreditar neles e eles a perderam; literalmente. Então...
Erianthia se moveu.
— “Então”?
— Então você começou a desenvolver todas as habilidades da mesma maneira como Mona lhe ensinara a me desenvolver... À distância! — ele viu Erianthia gargalhar novamente, mas não se deu por vencido. — Eu fiquei pensando...
— Ehhh... Você pensa? — gargalhou.
Sean não se deu por vencido outra vez.
— Erianthia envelheceu, casou-se, teve uma filha; será que perdeu o controle de seus poderes? Livrou-se dos castigos paternos? Dos invertidos? — ele viu Erianthia parar de rir. — Não... A menina, a jovem, a mulher Erianthia se desenvolvia; e ela sabia que se desenvolvia... Ela quis desenvolver seus poderes sob ordens de Mona que sabia que pedras caíam que incêndios aconteciam, que você se teletransportava, teletransportava coisas, fazia apport — Sean ainda via Erianthia o olhar com interesse sem abrir a boca. Prosseguiu. — Foi para se vingar da Poliu, não Erianthia? Para agradar Mona, porque Mona também enganou a Poliu mais de uma dúzia de vezes, não foi? — respirou pesado e Erianthia sorriu cínica e só. — Mas os invertidos não a livraram como supunha. Eles não a ‘deixaram em paz’ quando você casou se acertou na vida — Sean se aproximou dela, e Erianthia só o olhava sem saber ao certo aonde Sean chegaria. — E sabe por quê? Porque eles me viram no éter, Erianthia. Viram o que você havia feito, comigo; você e Mona e muitos outros espiões que Mona amiga usou para me desenvolver.
— Eu nunca...
— Não me interrompa!!! — berrou descontrolado. Erianthia engoliu o resto da frase a seco. — E sabe o que mais Erianthia?! — Sean descontrolava-se. — Eles foram pelo caminho mais curto. Foram atrás de meu pai, dos meus pais, e de quebra a Poliu, que está sempre com um pé grudado em mim. Viram Spartacus, meus dons na computação, meus dons paranormais herdados da família Roldman, viram o dinheiro e a influência dos Queise, a posição privilegiada dos ‘Mister’, da Poliu, da inteligência e poder da Polícia Mundial. E como podem, giraram o tempo até encontrar a pessoa que viria dar um jeito de interromper todo esse fluxo para chegar a mim; Halph Rohan que suponho não está tão caquético quanto Trevellis supõe.
Erianthia Papadopoulos Agasias o olhou com temor.
— Sean...
— Eu o quê Senhorita Erianthia? Era eu o tempo todo que Halph Rohan queria alcançar?
— Sean... — tentou mais uma vez.
— Você foi preparada por eles. Os monstros do armário, do espelho, que habitam o imaginário de muitos — arregalou os belos olhos azuis. — E em que imaginário me coloca, Erianthia? Os que criou na clausura? Nas muitas vezes que se viu enclausurada nas cavernas pelos castigos de Syrtys? De Trevellis?
— Eu estava casada! Rupert me amava! Eu não precisava daquilo. Mas a Poliu voltava e voltava e voltava a me enclausurar naquelas...
— Ahhh! Sim. As cavernas... São elas, não Erianthia? Os psychomanteum! — Sean viu Erianthia arregalar os olhos. Havia a atingido como nunca. — São as cavernas em que você era obrigada a ficar para desenvolver seus poderes, porque a Poliu queria aqueles poderes, os poderes que se comunicavam com os alienígenas, que te ensinavam a escoar o tempo para que eles pudesse sair dessa Terra. E foi nas cavernas que você descobriu as passagens, as passagens para outras dimensões que você acessava deixando o tempo lento, escoando, porque os alienígenas nunca quiseram ir embora não Erianthia?! Eles queriam era uma Terra como o a que encontraram aqui, uma Terra que eles constroem em realidades paralelas em quartas dimensões.
Erianthia caiu em gargalhada
— Você é insano Sr. Queise. Nunca percebeu isso?
— Percebi Senhorita Agente Erianthia, percebi que movia todos os brinquedos do parque enquanto conversava com mortos, que movimentavam todos os brinquedos do parque para que eu brincasse.
Erianthia calou-se.
— Eu o amei... — foi o que conseguiu logo após. — Como pode ser ingrato?
— “Ingrato”? Eu? Eu o enganado?
— Eu não...
— Enganou-me!!! E sabe por que as coisas não batiam? Porque Spartacus perdeu meu rastreamento, porque realmente estive quase um mês em Santorini, em algum lugar do éter, numa outra Santorini.
— Você não podia ter lembrado! Não há lembranças onde o tempo para!
— Mas eu me lembrei, não Erianthia?! Eu me lembrei de que você foi atrás de mim pelos corredores ricamente decorados do Burj Al Arab, após brigar com sua irmã. Eu telefonei muito nervoso para Gyrimias achar a maldita conta nas Ilhas Cayman porque ‘elas’ haviam me enganado, algo com o comportamento ‘delas’ — e Sean saiu de lá.
— Sean?! Sean?! Sean volte aqui!!!
Sean a deixou aos gritos. Subiu a escada em caracol, atravessou todo o amplo corredor do andar superior, entrou no seu quarto e Erianthia estava lá.
— Ah! Esqueci-me do apport... — e ele foi tirado da porta e jogado sobre a cama. Erianthia estava descontrolada. — Louca! Vá embora... — e Erianthia o beijou. — Solte-me! — e a empurrou para então levantar-se, chegar até a porta e ser lançado sobre a cama. — Pare com isso!!! — se levantou e chegou até a porta sendo lançado para cima da cama, nu. — Erianthia?! — Sean quis amá-la em meio às lembranças de já tê-la amado, em meio ao ódio de já tê-la amado, com tesão pela maneira como ela o tratava, tirava suas roupas.
— Por que não o faz? — Erianthia desafiou-o.
Sean impactou. Ela voltava a ler sua mente. Erianthia aproximou-se mais do corpo dele. Sean excitou-se porque sabia o que ela faria. E ela chegou tão rápido no seu sexo que ele nem teve tempo de respirar.
— Ahhh! — todo seu corpo pediu-a. — Ahhh... Ahhh... Ahhh...
Erianthia Papadopoulos Agasias era rápida, precisa, certeira com o corpo dele em suas mãos, que Sean sentiu-se a ponto de se entregar. Mal entendeu como ela lhe girou sobre a cama e o lençol foi erguido, retirado. Ele se virou e enterrou-se nela.
Adrenalina pura eram seus corpos, queda vertiginosa, êxtase total.
— Já disse que Oscar teve bons genes? — Mr. Trevellis não perdeu a chance da ironia.
Sean impactou. Arregalou os olhos nu, com ela nua, ele dentro dela, sob fortes observações de Mr. Trevellis atrás deles, os observando após a porta ser aberta em silêncio.
Sean se virou para Erianthia e só disse:
— Faça!
E Erianthia girou o tempo.
Sean viu sua infância passar-lhe rapidamente pelos olhos. Invadiram inventos, descobertas, desenvolvimentos: Invenção do CCD em 2009; Existência de três famílias de ‘quarks’ na natureza em 2008; Magnetorresistência gigante em 2007; Anisotropia de forma de corpo negro presente na radiação cósmica de fundo em 2006; Teoria quântica de coerência óptica em 2005; Liberdade assintótica na teoria da interação forte em 2004; Teoria dos supercondutores e super-fluídos em 2003; Detecção dos neutrinos cósmicos em 2002; Rascunho do genoma humano em 2000; Livros digitais em 1998; Clonagem em 1997; Descoberta da superfluidade no hélio-3 em 1996; Detecção do neutrino em 1995; Desenvolvimento da técnica de difração de nêutrons em 1994; Primeiro microscópio eletrônico em 1986; CD-ROM em 1984; Ônibus espacial em 1981; Microcomputador em 1977; Descoberta dos Pulsares em 1974; Realidade virtual em 1972; Holografia em 1971; Internet em 1969; Transplante do coração em 1967; Quark em 1961; Laser em 1960; Satélite artificial em 1957; Pager em 1956; Momento magnético do elétron em 1955; Estrutura do DNA em 1953; Transistor em 1947; Princípio de exclusão de Pauli em 1945; Ressonância Magnética em 1944; Walkie-talkie em 1943; Energia nuclear em 1942; Avião a jato em 1941; Segunda Guerra Mundial em 1939 e uma grande profusão de explosões.
Para então prosseguir com a Radiação Cósmica em 1936; Radar em 1935; Computador analógico em 1930; Teoria do Big Bang em 1929; Antibióticos em 1928; Princípio da incerteza em 1927; Ondas de matéria em 1926; Estrutura de átomos e suas radiações em 1922; Gripe Espanhola em 1918; A Primeira Guerra Mundial em 1914 e mais explosões.
E então a Estrutura do átomo em 1913; Núcleo atômico em 1911; Telégrafo sem fio em 1909; Automóvel em 1908; Cromossomos em 1907; Primeiro voo do avião de Santos Dumont em 1906; Teoria da relatividade em 1905; Radioatividade espontânea em 1903; Mecânica quântica em 1900.
Mas o tempo não parou ali. Sean e Erianthia se viram voltando mais. Dirigível em 1900; Sociologia científica em 1897; Raios X em 1895.
A sala vermelha em peso, Oscar Roldman e Mr. Trevellis só esperaram que Sean e Erianthia tivessem tomado a decisão correta.
16
Paris, França.
1889.
Sean Queise acordou atordoado. Erianthia Papadopoulos Agasias estava em seus braços. Ambos nus numa rua pouco movimentada do final do século XIX. Uma coisa ele podia admitir. Nunca tivera uma aula prática de história.
Nem que estivesse nu nela.
— Venha! — correu a levantá-la do chão ainda em choques. — Precisamos de roupas.
— Sean... — Erianthia estava tonta pelo esforço empreendido.
Ele parou e sorriu-lhe, amparando-a pela rua.
Casas em uma rua de pedras parecia ser uma opção. Sean e ela foram nus, escondidos de tempos em tempos até Sean saltar por sobre uma portinhola de madeira e alcançar os fundos de uma casa com roupas no varal. Não era muito, ainda lhes faltariam sapatos, luvas e chapéu de época.
Erianthia olhou em volta.
— Alcançamos a Suíça de 1901? Vimos experiências na viagem — tentava vestir por sobre uma meia-calça grossa uma complexa saia com muitos babados, e que deixavam sua nádega arrebitada.
— Não sei... Eu também vi a descoberta do Raios X em 1895, mas não me lembro de já ter visto fotos da Suíça do começo do século 20 — Sean viu Erianthia se debatendo com os babados da blusa amassada que lhe trouxera.
— Se viajamos, então estamos no espelho.
— Que espelho?
— Quando viajamos, nos teletransportamos para dentro dos espelhos da sala vermelha. Nossas imagens ficam ali sendo transmitidas como num filme projetado.
— A sala vermelha nos está vendo?
— Provável!
— Então Trevellis... Ele sabe tudo o que Nikiforus me falou ontem?
— “Ontem”?
Sean girou os olhos nervoso, para ele fora ‘ontem’.
— Sabem tudo. Mr. Trevellis, os espiões psíquicos e Oscar Roldman que esteve o tempo todo lá.
Sean não acreditou naquilo.
— Não entendo por que Oscar estava esse tempo todo no mosteiro e não veio falar comigo.
— Há muitos segredos com Oscar Roldman, Sean. Oscar Roldman é um grande segredo para nós também.
— Eu deveria saber do que está falando, não Erianthia?
— Deveria!
Sean teve medo daquilo, dela, dele próprio.
— Fique aqui — Sean se aproximou da casa deixando Erianthia atrás de uma construção que lhe lembrava um banheiro externo.
A casa tinha três andares, onde se destacava as janelas do sótão. Tinha uma cor rosada, tipicamente Art Nouveau. Sean se aproximou, olhava dentro da residência pelo vidro bisotado sem entender algo ou entender qualquer coisa. Tudo se movimentava sem que ele pudesse entender como; pratos, copos, talheres e panelas se moviam no ar sem que ele pudesse ver alguém as movimentando.
Sean abriu a porta da cozinha e ela se fechou. Sean abriu e a porta não cedia. Ele arregalou os olhos e abriu a porta num rompante fazendo-a bater contra a parede. Entrou o mais rápido que podia sabendo que algo a fechara. E ele teve medo do que pensou da cozinha que tinha cheiro de comida denunciando um fogão com legumes sendo cozidos, mas ninguém ali.
“Ou estão?”; pensou atônito.
Sean saiu da cozinha por um corredor extenso de madeira no chão e paredes com estranhos quadros antigos com homens usando cartola; cartolas novas para seus proprietários. Mais adiante uma sala muito espaçosa e coisas sendo movimentadas outra vez. Havia alguém ali as movimentando, mas Sean não a via.
Ele entendeu que a casa era habitada, mas seus moradores não se faziam presentes.
— Isso não está certo... — soou de sua boca sem que os moradores ouvissem. Um jornal foi aberto no ar, alguém se sentava no sofá lendo-o. Sean não o via, mas via o charuto chegar à altura de uma boca. Não gostou daquilo, algo estava muito errado com aquela viagem. Ele procurou mais alguns aposentos encontrando um quarto de onde tirou de um robusto armário de madeira entalhada, roupas, sapatos, luvas, cartola e chapéus femininos que ele acreditava não precisarem no momento já que aparentemente ninguém os via, já que aparentemente ele não via ninguém. — Estamos com problemas — anunciou Sean no que saiu da casa e encontrou Erianthia ainda onde havia deixado.
— Ehhh! Estamos sim... — Erianthia apontou para longe, para o que parecia ser uma construção conhecida. — Estamos realmente com problemas — e Erianthia viu Sean se virar e arregalar os olhos. — A torre foi construída como o arco de entrada da Exposição Universal de 1889 pelo engenheiro Gustave Eiffel, e Sean ela está sendo acabada.
— Estamos na França... — soou da boca de um Sean confuso, olhando a Torre Eiffel pela metade. — O projeto começou em 1884, mas a construção começou só em 1887 e terminou 26 meses mais tarde em 1889.
— O que vamos fazer?
— Não sei. Deus... Não sei.
— E qual é o outro problema?
Sean se virou para ela.
— A casa está habitada, mas eu não os vejo.
— Como assim não os vê?
— Estão invisíveis para mim. Tudo o que é material se move; panelas, jornais, charutos, mas eu não vejo quem os toca, os lê.
— Estranho... Isso nunca aconteceu. Será que é porque estão mortos? Mortos no passado?
Sean suspirou profundamente perante tais perguntas.
— Tome! Se vista com isso! — entregou-lhe uma muda de roupas complementares. — No momento não somos vistos, mas temos que estar preparados se de repente passarmos a sermos vistos — Sean olhava em volta, os postes de luz e em volta novamente.
— O que estamos procurando afinal?
— Não sei...
— O que houve?
— A casa é rica.
— E?
Ele a olhou com medo no olhar.
— O limite era 1879. Halph Rohan nasceu em 1879, Erianthia. Fizemos algo errado.
— Como assim?
— Não há telefone nessa casa. Veja no poste. Alexander Graham Bell inventou o telefone em 1876. Eles teriam um telefone — olhou em volta novamente. —, e as casa da rua teriam telefone Erianthia porque já estamos em 1889, e porque já que estão terminando a Torre Eiffel para exposição de 31 de Março de 1889.
— E o telefone é importante por quê?
— Porque nos prova que estamos num lugar diferente do que devíamos estar. Um lugar que não precisam ter telefone.
— Estamos fora da Suíça, com pessoas invisíveis, com disparidades de datas e coisas. Isso nunca aconteceu à sala vermelha. Acredito que Mr. Trevellis acha que nós estamos em 1901.
— Trevellis não ia nos levar a 1901.
— Como assim ‘não ia’?
— Já disse que Trevellis queria interromper 1879, Erianthia. Quando Halph Rohan nasceu. Tenho até medo de pensar se a Poliu não queria ‘cortar o mal pela raiz’.
— O que quer dizer com isso?
— Albert Einstein também nasceu em 1879, Senhorita.
Erianthia Papadopoulos Agasias arregalou os olhos.
— Não entendo... — e tentava mesmo entender o que lhe escapara.
— Não pode ajustar o tempo, não é Erianthia?
— Sempre que tentávamos 1901 as setas se ajustavam para 1896. Não sei por que estamos em 1889, Sean — Erianthia olhou em volta sentindo-se tonta.
— Venha! — Sean a pegou pelo braço. — Vamos procurar um lugar para dormir.
— Mas se ninguém nos vê por que não entramos num hotel simplesmente?
— Porque não acredito que exista um hotel aqui, nem em nenhum outro lugar.
— Do que está falando?
— Venha! Vamos! Tenho a impressão que logo alguém nos verá. Tem algo errado com essa Paris.
— Que tipo de erro? Por que não consigo ler sua mente?
— Nem eu consigo ler a sua — ele viu Erianthia o olhar confusa. — Vamos... Vamos nos esconder...
Sean e Erianthia andaram por ruas estreitas, muitas vezes suja e escura. Não havia esgoto em toda sua extensão, mas um odor de podre por vezes chegava ao olfato. Casas de comércio começaram a se aproximar. Eles estavam se aproximando do centro de Paris.
Sean baseava-se em suas aulas de geografia, história, do History Channel, até uma grande avenida ajardinada, com grandes copas de árvores e seus muitos postes de ferro se desenhar à sua frente.
— Aqui é a Champs Elysées! — anunciou Sean. — Os Campos Elíseos, o reino dos mortos na mitologia grega, onde jaziam as almas virtuosas.
Erianthia o olhou, olhou a larga avenida com o Arc de Triomphe du Carrousel ao fundo.
— Mas se não estamos numa Paris normal, então por que o arco?
— Não sei... Não sei... — Sean olhou mais adiante. — Vê as carruagens vindo?
— Sim.
— Mas não vemos os cavalos que as puxa, nem os cocheiros, nem os passageiros.
Uma carruagem passou por eles. E mais outra e mais outra ainda. O som era característico.
— Estranho! — Erianthia olhava o movimento. — Se há alguém na carruagem, eles podem nos ver?
— Não sei...
Eles atravessaram o calçamento de pedras. Havia cheiros, perfumes, sons diversos e a sensação de não estarem sozinhos.
Uma chuva fina começou a cair e uma profusão de guarda-chuvas pretos se abriu ao redor. Erianthia impactou, começava a não gostar de não ter acesso aquilo, ao entorno. Nunca havia ficado sem controle de uma ação, de uma investida. A Poliu sempre a preparara para tudo, para todos. Ela ficou imaginando se a Poliu realmente conhecia tudo. Também viu algo que se destoava da paisagem de repente.
Sean a puxou e ela não se moveu.
— Erianthia... — Sean seguiu seu olhar. Havia um grande espelho estacionado no meio da Champs-Elysees.
— O que significa aquilo, Sean?
— Eu não sei... — ele viu Erianthia o olhar com firmeza. — Juro que não sei — e Erianthia voltou a olhar o espelho. E Erianthia fez mais que olhar. — Hei? Aonde vai? — Sean a segurou; tentou segurá-la. Erianthia não o conseguia ouvir. Sean a chamava e ela caminhava em meio a carruagens sem cavalos e muitas poças de água. — Erianthia? — Sean tentava segurá-la, mas uma força descomunal ela tinha. — Erianthia?! — ela o arrastava preso a ela. — Não!!! Erianthia?!
Erianthia não o ouvia, só ouvia Sean a chamar dentro do espelho. Sean não viu alternativa a não ser largá-la, correr à frente dela e dar um giro de pernas que destruiu o espelho, que se espatifou em meio a larga avenida de pedras.
— Ehhh... — Erianthia sentiu-se tonta tombando agora ela no chão. Sean a levantou e atravessaram a avenida a quase serem atropelados. — Você... — olhou-o.
— Eu?
— Você me... — Erianthia olhou o espelho quebrado no meio da avenida. — Você me chamava — e ameaçou desmaiar.
Sean arregalou os olhos azuis. Não gostou de ter ouvido aquilo.
— Vamos, Erianthia! — levantou-a. — Deixe orientar-me... Se isso é uma Paris plasmada talvez o que foi reconstruído aqui tenha algum sentido e direção. O norte então está para lá... — apontou.
— Aonde... Aonde vamos? — caminhava amparada por ele.
— Desde o período de ocupação romana na cidade que complexos sistemas de túneis e cavernas existem no subsolo de Paris, resultantes de séculos de exploração de pedreiras.
— Aonde vamos, Sean?
— Às Catacumbas de Paris!
Erianthia só ergueu o sobrolho.
Mosteiro Roussanou, Meteora; Grécia.
13 de novembro.
Oscar Roldman olhou Mr. Trevellis que olhou Oscar de esguio ao verem tudo o que se passava pelos espelhos da sala vermelha, onde cinco espiões psíquicos estavam em transe.
Oscar saiu da sala e Mr. Trevellis girou os olhos nervoso, indo atrás dele.
— Você não fez aquilo, fez Trevellis? — soou da boca de Oscar Roldman no momento que Mr. Trevellis entrou fechando a porta atrás dele.
— Fiz o que, Oscar amigo velho?
Oscar sentiu todo seu sangue ferver.
— Você sabia que Sean viajaria sem sua autorização. Sabia que ele faria tal viagem sem a sala vermelha só para contrariá-lo, porque sabia que Sean podia viajar sem a maldita sala vermelha, porque ele sabia sobre as catacumbas!!! — berrou.
— Não se altere, amigo velho.
— Sean sabe sobre as catacumbas, Trevellis?
— Não pode saber! Ninguém sabe. Nem a sofisticada sala vermelha.
— Mona... A desgraçada pode saber.
— Mona Foad jamais diria algo a Sean.
— “Não diria”?
Mr. Trevellis não gostou do que pensou.
— Sean não pode saber sobre os alienígenas presos nas catacumbas, Oscar a menos que soubesse sobre o telegrama, e ninguém além de você, eu, Fernando e Syrtys sabíamos sobre o telegrama.
— Se Sean souber que eu estive envolvido esse tempo todo... Que Fernando ajudou a Poliu a trancar aqueles monstros nas catacumbas. Que eu, você, Fernando e Syrtys nos juntamos para mantermos aqueles...
— Basta Oscar! Se começarmos a pensar a sala vermelha vai conseguir saber o que lutamos a vida toda para brecar. Vão saber o que nos propomos a esconder nossa vida toda.
— Sean... — Oscar enterrou a cabeça nas mãos.
— Não se preocupe. Seu filho não pode saber o que fizemos.
— Desgraçado! Eu também financiei tudo isso aqui para ajudá-lo, para ajudar Fernando. Não é justo, Trevellis! Traga meu filho de volta! — soou como uma ordem.
— Não posso...
— Não quer! — Oscar interrompeu-o. — Traga Sean de volta, Trevellis!
— Já disse que não posso. Se Sean não conseguir deter Halph Rohan nada disso aqui vai existir Oscar. Provável nem seu amor por Nelma — Mr. Trevellis viu Oscar arregalar os olhos. — E sabe por quê? Porque Halph Rohan está planejando nos destruir antes, antes de nascermos.
— Ele não pode. Sean tem que nascer para fornecer Spartacus aos alienígenas — Oscar ouviu Mr. Trevellis gargalhar. E Oscar teve medo daquela gargalhada. — Não é esse o plano, não Trevellis?
— Não, Oscar querido. Seu filho já tem o que os alienígenas querem.
— Como assim? — ele viu a calma de Mr. Trevellis acendendo um charuto cubano. — Como assim, Trevellis? O que Sean fez?
— Criou algo nesses últimos sete meses que permite Spartacus se mover na malha quadrimensional.
— Como... Como assim?
— Não sei ‘como assim’, porque a inteligência de Sean está acima de minha compreensão, mas Sean podia ver o passado, o passado que seus poderes lhe brecam. Ainda brecam. E não sei mesmo até quando.
Oscar Roldman o encarou nervoso.
— Sean queria o que com o satélite?
— Ver o assassinato de Fernando.
Oscar caiu outra vez na cadeira.
— E ele viu?
— Viu! E me mostrou... — soou baixinho da sua boca.
— O que disse? Acho que não quero ouvir o que disse.
— Amigo velho... — Mr. Trevellis gargalhou com todo seu peso jambo na poltrona onde se sentava a fumar até paralisar todo seu brilho na testa suada.
E ergueu-se tão rígido que o suor começou a pingar no chão da sala.
— O que houve? — Oscar percebeu tal paralisação. — O que houve Trevellis?! — gritou.
Mr. Trevellis esticava os olhos verdes a deformar todo o rosto jambo.
— Ele leu!
— “Leu”?
— Não pode ser, pode?
— Por Deus… O que Sean leu, Trevellis?
— Sean não podia ter lido o documento amarelado pelo tempo, o telegrama dentro do documento. Eu o destruí na casa de Nelma antes daquele jantar.
— Sean leu o que, Trevellis?! — berrou.
— Já disse que Sean não... — e o próprio Mr. Trevellis paralisou outra vez a baforada no ar contra sua vontade. — Ele conseguiu. O desgraçado conseguiu.
— “Conseguiu”? Fotografar o passado? Voltar ao passado e ler o documento que você destruía antes do jantar? Antes de ele próprio chegar?
— Sim... Não... Talvez ele tenha feito apport e voltado à casa de Nelma antes de chegar lá... — os olhos de Mr. Trevellis brilharam. — Mona sabia o que fazia com Sean, ela sabia do que ele seria capaz e a desgraçada o preparou...
— O que está acontecendo Trevellis?
— Sean conseguiu ler o documento em que eu, você, Fernando e Syrtys nos responsabilizávamos por manter o segredo de esconder os alienígenas nas catacumbas da França, enquanto tentávamos criar um meio de levar as naves com eles fora daqui. E Halph Rohan foi atrás de Fernando e o matou porque ele provavelmente não falou. Deve ter ido atrás de Syrtys antes, sua filha Aagje e o secretário também. O pior é que o telegrama... Estava lá no cofre.
Oscar teve medo do que ouviu, de ver Mr. Trevellis falando aquilo, com medo.
— Se Sean ler o telegrama, Trevellis...
— Eu sei! Não vamos existir!
— Sean não faria isso.
— Do jeito que ele me odeia, provável eu não vou existir — gargalhou nervoso. — O que nos remete ao nosso maior problema; Halph Rohan e suas viagens quadrimensionais — prosseguiu Mr. Trevellis.
— Meu Deus Trevellis. Do que está falando agora?
— Estou falando da vida que Halph Rohan vive noutra dimensão, uma dimensão plasmada onde ele mudou tudo a seu favor e nós, Oscar, nós e os telefones não existimos. E se você não existe já percebeu que Sean também não.
Oscar arregalou os olhos.
— Sean está... Sean está...
— Seu filho está noutra dimensão. Invisível a todos. Numa anti-Terra que Halph Rohan tem ajudado a mudar.
— Meu Deus... Como... Meu Deus... Por isso Sean não enxerga as pessoas?
— Sim.
— Como vamos trazê-lo?
— Não tem como trazê-lo. Ele precisa eliminar Halph Rohan ou ninguém quem nos conhece ou nada do que conhecemos, aqui ou lá, vai existir.
— Mas se Sean está numa Terra plasmada, paralela, como vai conseguir matar Halph Rohan?
— Nikiforus já lhe respondeu isso, Oscar amigo velho — Mr. Trevellis gargalhou com toda sua vontade.
Oscar não entendeu de imediato.
Arregalou os olhos depois, entendendo.
— Sean vai se tornar... Não... — Oscar caiu sentado tentando digerir tudo aquilo.
Mr. Trevellis saiu rindo, baforando o charuto, voltando a entrar na sala vermelha. Precisava acompanhar o ‘filho de Oscar’.
17
Paris, França.
1889.
Sean atravessou com Erianthia a Zona de Pigalle no Boulevard de Clichy, a Paris dos brilhos, das noites do recém-inaugurado Moulin Rouge, construído a fim de atrair a elite parisiense para a região de Montmartre, um bairro marginalizado na época, frequentado por Henri de Toulouse-Lautrec que pintava suas bailarinas e seus boêmios. E o brilho do moinho vermelho deu ideias a ele que os confirmava numa França de 1889, nessa ou noutra dimensão, plasmada ou não.
Eles andaram um pouco até Place Denfert-Rochereau, uma ampla praça, para encontrar uma entrada de teto baixo, no que parecia ter sido uma saída de esgoto e estava habitada. Sean e Erianthia viram a fogueira e movimentos de copos, garrafas de vidro e cobertores, mas outra vez as pessoas não eram vistas. O chão estava sujo, cheio de água parada e o odor era forte.
Sean começava realmente a desgostar daquilo.
— Aonde vamos ficar?
— Mais para dentro.
Erianthia só o olhou.
Sean e ela andaram mais metros adentro das catacumbas. Um frio começou a atingi-los.
— Sean...
— Eu sei...
Erianthia o olhou com interesse. Não conseguiu ler seus pensamentos. Nenhum deles mais.
— O que é aqui, Sean?
Ele a olhou de lado ainda a puxando cada vez mais e mais para dentro das catacumbas. Erianthia calculou já terem percorrido uns três quilômetros.
— Chega Sean! — exclamou parando. — Tenho o dobro de sua idade e não vou aguentar dar mais um passo.
— Só mais um pouco... — pegou o braço dela novamente.
— Não! — e novamente Erianthia largou-se dele. — Não até você me dizer onde estamos indo e por quê.
Sean parou de andar e virou-se para ela. A achou linda naquelas vestes.
— Está linda... — escapou de sua boca.
— Sean...
— Desde 1867 que as Catacumbas de Paris estão abertas ao público. Graças a isso existem vários mapas daquela área disponíveis na Internet.
— Catacumbas que você estudou.
Sean riu.
— Os parisienses chamam toda a rede de túneis como ‘catacumbas’, mas o nome oficial é ‘Ossuaire Municipal’, e embora o cemitério cubra apenas uma fração dos subterrâneos, fazem parte da ‘les carrières de Paris’ ou ‘pedreiras de Paris’.
— Por que isso Sean?
— Durante a ocupação nazista de Paris, os alemães construíram bunkers e casamatas nas suas galerias. Nos nossos dias, a parte dos subterrâneos ocupada pelo ossuário, continua reservada aos turistas, mas com a necessidade de reforço do subsolo para segurança das edificações, uma média de 5 km da rede de túneis existente tem sido bloqueada anualmente por estruturas de concreto.
— Mas não há nada bloqueado agora.
— Não. E tenho certeza que Halph Rohan também descobriu isso — mostrou.
— Por que isso Sean? Por que você estudou as catacumbas ‘nos nossos dias’?
— Por causa disso! — apontou para desenhos nas paredes. — As paredes de todo o sistema de túneis de Paris são cobertas de inscrições e grafitis que datam desde o século XVIII. Alguns muito mais antigos.
Erianthia Papadopoulos Agasias se aproximou a fim de vê-los.
— O que são esses hieróglifos? — olhou Sean e voltou a olhar os hieróglifos. — Há desenhos desses nas cavernas de Meteora... — e parou de falar. — Os alienígenas do cretáceo... — Erianthia arregalou os olhos para Sean.
— Em três de junho de 1968, William Meister e Francis Shape descobriram pegadas de 32,5 x 11,25 cm calçadas próximo a Delta, no Estado de Utah, USA, que esmagaram um trilobita no momento em que foram impressas — Sean devolveu o olhar que Erianthia lhe deu. — O trilobita está extinto a 240 milhões de anos, Erianthia — Sean riu ao ver agora Erianthia o olhando assustada. — O que mais lhe dá medo, Erianthia? Um trilobita vivo na hora da pegada feita ou uma pegada sendo feita no Cretáceo?
— Você nunca esteve fora da realidade, não Sean? A Poliu tem razão, Mr. Trevellis tem razão. Você é muito inteligente. Inteligente e perigoso — ela o viu só a olhando. — E não é só a sua inteligência para os computadores, nem os seus poderes paranormais herdados; é toda sua maneira de pensar, agir.
— De ‘agir’?
— Como sabia sobre essa entrada de esgoto numa praça de 1889? Há mapas na Internet?
— Não...
— Onde Sean? Nos mainframes da Poliu?
— Meus mainframes! — ele viu Erianthia o olhar. Sean então apontou para esquerda. — E sabe mais o que sei? Mais adiante está a ‘Crypte du Sacellum’. Para esse lado a ‘Lampe Sepulcrale’; e no outro extremo a ‘Fontaine de la Samaritaine’.
— Sean...
Ele virou bruscamente para ela.
— Segundo a Teoria de Bell, existe não-localidade na natureza, e isso acontece porque quando a física quântica foi descoberta no início da década de 20 para explicar os átomos e a radiação, ela propôs que quando algo acontece para uma partícula, a outra partícula sente, o que se propaga instantaneamente para a outra; princípio da ‘dualidade onda-partícula’. Ou seja, a teoria quântica parece funcionar de maneira ‘não-local’.
— No interior de qualquer sistema lógico, por mais rigidamente estruturado que esteja, sempre se pode descobrir contradições, eu sei, mas a matemática só funciona porque a física é conservativa, porém toda lei conservativa está sujeita a algum tipo de localidade.
— Mas o ‘local’ não existe Erianthia.
— Como vamos a um lugar que não existe?
Sean riu.
— Meu invertido já me perguntou isso.
— São eles? Os invertidos?
— Não. São as Terras invertidas, as anti-Terras, plasmadas. Como essa — apontou para o redor. — E tudo o que acontece é porque tem que acontecer. É porque o que acontece a uma partícula acontece a outra, não dependendo de sua localidade. Provável nem da dimensão onde existe.
— Ehhh... Somos programas computacionais pré-programados.
— Por que acha que não, querida Erianthia? A teoria do funcionamento de uma das forças fundamentais da natureza é a força que liga as menores partículas da matéria entre si; os quarks. Einstein provou, é o que nos reforça o conceito de que tudo é pré-determinado. A influência dos quarks sobre os acontecimentos físicos faz pensar em coisas manipuladas pré-prontas para acontecer; chame de livre-arbítrio ou chame de Matrix.
Erianthia enfim entendeu. Achou que enfim entendeu.
— Não voltamos no tempo, não Sean?
— Sim. Voltamos. Mas não estamos na Terra, Erianthia. Não na Terra como conhecemos. Estamos numa outra dimensão onde há uma Paris antiga, onde alienígenas do cretáceo vivem escondidos. Uma Terra criada pelos alienígenas que inteligentemente Halph Rohan tomou para ele. E agora, outra vez os alienígenas do cretáceo estão presos, tentando voltar não a Terra nossa, mas ao planeta deles, tentando se livrar de vez das prisões e dos que os aprisionam e isso, Erianthia, era o que os alienígenas queriam há muito tempo. Ir embora de vez.
— Porque nas catacumbas da nossa Terra eles também estão aprisionados.
— Exato! ‘Aprisionados’, anos após anos. Diria até séculos após séculos. E meu pai Fernando sabia.
— Ehhh! Foi você quem nos trouxe aqui, Sean. Exatamente aqui, 1889, não Sean?
— Exato mais uma vez, querida Erianthia.
— Esse tempo todo...
— Eu estive no controle.
Erianthia caiu sentada e precisava se sentar para deglutir tudo aquilo.
— Você sabia que era realmente Aagje no Burj Al Arab?
— Não. Claro que não. Eu nunca havia visto Aagje Papadopoulos antes. Só vim entender o que acontecia quando você me levou a São Paulo, e tudo aquilo me aconteceu, para então eu ler o que Trevellis destruía no cofre de meu pai antes do jantar — olhou em volta sabendo que Erianthia nada entendera. — Kelly e o invertido, as queimaduras, o espelho, o prédio verde espelhado indo e vindo... Naquele momento tudo ficou tão claro...
Erianthia ficou tentando ver a tal claridade. Para ela, Sean era tão confuso quanto dizer que ela não estava na Paris do século retrasado.
— E onde estivemos esse tempo todo atrás de Halph Rohan? Eu e Gameliel viajando com a sala vermelha? Quando as setas nos lançavam a 1896?
— Na Terra invertida. Aqui... — apontou para trás, para o infinito. — Sob as ordens da Poliu.
— Está dizendo que todos... Gameliel, Baco, Pallas, Nympha, Ophelie e Phemie sabiam?
— Não. Oscar e Trevellis conseguiram esconder da sala vermelha. Mas claro, não conseguiram esconder de Nympha que passava a mim e Syrtys informações digamos ‘privilegiadas’.
— Nympha? Mas como ela conseguia? A paranormalidade de Nympha não é... — e Erianthia parou. — Ehhh! Mona! — e Erianthia parou outra vez. — Mona Foad me enganava sentadinha na poltrona de Lisboa — riu. — Por quê?
— Pelo mesmo motivo que Oscar, Trevellis e também meu pai fizeram.
— Salvar você!
— É duro ser enganada, não Erianthia querida? — Sean se agachou a procura de galhetas. Bateu algumas pedras ali, umas contra as outras, e fez uma fogueira; e um calor bom os tomou. E Erianthia precisava do calor para voltar ao normal. Houve mais um breve silêncio. — Sabe quando uma criança produz bolhas de sabão ao assoprá-las? Assim se cria Terras paralelas, Erianthia. Dimensões feitas bolhas de sabão. E quando atravessamos as dimensões trocamos de bolhas, assim Erianthia — fez um movimento com os dedos. —, sem sentirmos.
— Por isso não matamos nosso avô.
— Exato! Faça o que fizermos não poderemos atingir o passado original.
— Mas se não podemos matar nosso avô e correr o risco de não nascermos então não podemos matar Halph Rohan.
— Perfeito Erianthia. É visto que também entendeu isso.
— Então de nada adianta estarmos aqui?
Sean a olhou.
— De nada adianta, Erianthia. Se quisermos matá-lo...
— E se quisermos matá-lo?
— Então teremos que voltar à Paris original, Erianthia... E levá-lo conosco já que ele se esconde aqui, nessa Terra paralela.
— Mas lá também é passado. Não podemos matá-lo.
— Não. A menos que nos tornemos passado.
“Nos tornemos passado.... Nos tornemos passado... Nos tornemos passado...”; Erianthia teve medo do que faziam pela primeira vez.
Nunca havia visto aquilo, nunca havia pensado no que faziam, no real perigo que causavam ao equilíbrio da Terra, do Universo.
— Eu sinto muito Sean. Por ter envolvido você.
Sean sentiu um rombo dentro de si.
— Agora não é hora para sentimentos. Precisamos que todos os cinco espiões psíquicos nos mandem a Paris de 1901, Erianthia. Com ou sem seu arrependimento. Precisamos interromper Halph Rohan antes que ele conheça Einstein na Suíça.
Mosteiro Roussanou, Meteora; Grécia.
13 de novembro; 23h00min.
“Antes que ele conheça Einstein...” “Antes que ele conheça Einstein...” “Antes que ele conheça Einstein...” atravessou a malha quadrimensional chegando à sala vermelha.
Gameliel, Baco, Pallas, Nympha, e Ophelie se olharam. Cada um em sua cadeira, cada um ainda conectados em Erianthia.
— Você nos traiu Nympha! Como pôde? — Ophelie estava em choque com o que ouvira.
— Dinheiro! Minha família precisava de dinheiro.
— Dinheiro Nympha?! — explodiu Baco. — Eles a expulsarão!
— É! Expulsarão! Mas estavam se rastejando com a grana que eu lhes dava.
— Você os está comprando Nympha?
— Não é da sua conta Gameliel. Você nunca quis ter nada além de Erianthia.
— Cale-se Nympha... — Phemie estava cansada, mas ela estava lá, dando suporte. Toda sua pele envelhecia a olhos vistos e ela mais parecia uma ânsia. — Agora de nada vai adiantar.
— O que há com você Phemie?
— Estou cansada querido Pallas, cansada.
— O que faremos? — perguntou Baco.
— Precisamos continuar...
— Sim! Prosseguiremos conforme nossos planos! — Gameliel foi categórico. — Quando Erianthia e o Sr. Queise voltarem, vamos nos reunir e dar um fim em você aqui Nympha.
— É! Não a queremos mais aqui! — Baco estava irritadíssimo.
— Vamos Gameliel... Vamos Baco... Vamos todos! Voltemos aos dois! — e Phemie exigiu que se concentrassem.
Os cinco voltaram a se concentrar e a imagem de Sean e Erianthia num túnel escuro e lúgubre, se projetou na parede espelhada.
Catacumbas de Paris, França.
1889.
Sean se aproximou mais da fogueira. Até podia ser que estivessem numa Terra paralela, plasmada, mas ambos sentiam frio. Quando a noite caiu, ambos sentiram também fome e cansaço.
— Seria arriscado sairmos à procura do que comer?
— Não podemos sair Erianthia. Por que não plasma algo para comer?
Erianthia espremeu os olhos azuis.
— Engraçadinho... — ela viu rindo, se divertindo mesmo. — Por que não podemos sair, Sean? — ela viu Sean ficar nervoso com as perguntas. E ele estava na duvida se Erianthia podia ou não ler mentes noutra dimensão. Mas era esse o motivo de Erianthia se descontrolar. Não podia se adiantar a nada, nem a Sean. — Por que não podemos sair, Sean?
— Porque ele vai nos encontrar.
— Quem vai nos encontrar? Halph Rohan? Mas ele tem 10 anos, não tem?
— Não é Halph Rohan quem eu espero.
— Espera? Espera?! — gritou. — Estamos esperando alguém?
— Sim.
Erianthia e toda a sala vermelha se agitaram.
Oscar e Mr. Trevellis idem.
— Quem esperamos, Sean?
— Não posso dizer.
— Quem esperamos Sean?! — berrou.
— Não vou dizer!
— Sean?!
— A sala vermelha vai saber.
Erianthia arregalou os olhos até o azulado deles se perder na imensidão da fogueira apagada pelo lufar gelado que a apagou.
— Ahhh!!! — gritaram ambos.
— O que... Ehhh... — e algo lufava no seu pescoço.
Erianthia não se recordava de ter tido tanto medo quanto naquele momento.
— Não se altere, Erianthia. Não vai gostar de se alterar. Acredite!
Outro lufar quente se deu próximo ao corpo dela.
— Sean... Quem...
— ‘O quê’ seria mais apropriado à sua pergunta.
Erianthia arregalou os olhos sem que ninguém visse.
— Alienígenas... — Erianthia teve certeza de que os conhecia. — Ehhh... — e Erianthia teve medo.
Algo, alguma coisa estava ali, com eles, nas catacumbas de uma Paris plasmada. E Erianthia tinha medo do que já conhecia.
— Preciso de algo! — falou Sean de repente com alguém.
Erianthia se agitou. Espremeu os olhos com medo de abri-los. Nada falou.
— O QUE QUER DE NÓS? — soou metálico, cavernoso, pelas paredes de pedra.
— Podem enxergar o passado, o presente e o futuro. Sabem quem eu sou e o que fiz, não é?
Vários lufares se fizeram. Sean os temeu também. Os alienígenas estavam nervosos. Talvez pensando em algo.
— O QUE QUER DE NÓS? — repetiram.
— A pergunta é o que vocês querem de mim?
Uma risada metálica atravessou as paredes das catacumbas. Apavorando os moradores da entrada que correram abandonando a fogueira, garrafas, a sopa, os cobertores. Erianthia se encolhia cada vez mais sem saber o que fazer. Na duvida não fez nada.
— E O QUE QUEREMOS DE VOCÊ?
— Vingança!
Outra risada se fez.
— VINGANÇA PARA COM QUEM?
— Vingança de quem os aprisiona, do homem que os aprisionou metade aqui metade na Terra.
“Metade aqui metade na Terra...” apavorou Erianthia, os espiões psíquicos, Oscar e Mr. Trevellis.
Até Mona Foad sentiu medo sentada em sua poltrona em Lisboa. Porque ela estava lá, concentrada nele.
— Porque sei que querem ir embora!
— AHHH!!! — e um grito gutural os ensurdeceu momentaneamente.
Sean ficou com um zumbido no ouvido por alguns segundos.
— Vingança por não estarem nem aqui nem lá. Por não voltarem à sua terra pátria, presos em espelhos.
— AHHH!!! — outro grito alcançou as ruas úmidas pela chuva fria e muitos por lá correram apavorados. — O QUE QUER DE NÓS?!
— Quero sua ajuda para enxergar! — Sean foi categórico.
— NÃO PODEMOS!
— Quero sua ajuda para enxergar! — foi firme e categórico.
— VAI TER QUE RETORNAR PARA ISSO!
— Quero a ajuda de vocês para enxergar! — foi o mais firme e categórico que conseguiu.
— VAI TER QUE SE TORNAR PARTE!
— Quero a ajuda de vocês para...
— AHHH!!! — outro grito o fez ensurdecer.
Sean temeu que sua ideia talvez não tenha sido a das melhores, que ele talvez não tenha entendido direito, que era só um moleque atrevido, com ideias avançadas, se metendo num mundo de poderes e espionagens, mas tudo começou a brilhar. Pontos que começaram a se iluminar, e se multiplicar, e se fechar até que imagens de bitmaps começaram a se fazer.
— Ahhh... — e Sean os enxergou quando a imagem atingiu 1080 bmp.
E Sean preferiu nunca os ter visto tamanha deformidade, tamanha inversão que eles eram.
Seu estômago embrulhou.
Erianthia continuava de olhos fechados, mas de mente e ouvidos abertos. Ouviu algo se arrastando para longe dela. Abriu os olhos para ver Sean vomitar.
Teve medo do que significava aquele vômito.
18
Paris, França.
1889.
“Paradoxos deste tipo só surgem quando o viajante tenta mudar o passado, o que é obviamente impossível. Mas isso não impede que alguém se torne parte do passado...”; soou Nikiforus nas lembranças de Sean Queise.
Ele estava deitado ao lado de Erianthia após passar mal.
— Você está bem?
Sean olhou em volta sem saber ao certo o que responder.
— Venha… — ergueu-se de repente.
— Aonde vamos Sean?
— Em 1871, membros da Comuna de Paris mataram um grupo de monarquistas em uma das câmaras das Catacumbas.
— O que?
Sean sorriu-lhe e Erianthia não entendeu a mudança.
— Aqui está frio. Vamos voltar a Avenue Des Champs-Elysees, 75008. O ‘lendário’ Hotel Lancaster acaba de ser construído em 1889. É lá também que está a La Patisserie Gloppe. Até conseguirmos viajar para Suíça não é má ideia comermos uns doces — Sean viu Erianthia o olhar com numa careta. — O que foi? Não fiz itinerário. Eu conheço a pâtisserie do óleo sobre tela pintado por Jean-Georges Beraud. Você não? — inclinou o pescoço num charme.
Erianthia achou graça de sua inteligência, de seu gosto por filosofia e obras de artes. Ambos saíram de lá agora vendo enfim os ‘miseráveis’ de Paris na entrada do esgoto. Erianthia olhou Sean que a olhou. Ele mandou-a ser mais rápida na maneira como a empurrava. Agora corriam riscos ao serem vistos e Paris não parecia dormir àquela hora da noite.
— Por que tanta agitação? — Erianthia estava maravilhada com as mulheres e homens que passavam por eles. As roupas engraçadas, de bumbum arrebitado, os chapéus e luvas, e os homens com seus costumes perfeitos e suas cartolas brilhantes. — Por que estamos os vendo, Sean? — Erianthia era empurrada cada vez mais.
— Porque eles permitiram.
— Quem permitiu? Os alienígenas?
— Sim...
— Mas como? Disse que não podíamos na Terra paralela... — e Erianthia estancou no meio da Avenida Champs-Elysees. — Nós...
— Nós voltamos à Terra! — foi a resposta de Sean.
Erianthia arregalou os olhos. Olhou para um lado, para Sean, para outro lado e para Sean novamente.
— Estamos na Paris de 1889? A verdadeira Paris de 1889?
— Sim... — Sean parava em frente da La Patisserie Gloppe, do que para ele só fora uma pintura no museu.
E por dentro havia toda a magia da época. Uma grande parede espelhada entremeadas por madeira mais clara que o costume. Mais adiante um grande balcão e suas vitrines lotadas de doces.
— Por que tanta agitação de carruagens e pessoas lá fora?
— A Exposition Universelle de Paris para o que a Torre Eiffel foi construída, aconteceu em 1889, antes teve a exposição de 1855, 1867 e a de 1878; a própria torre foi erguida para celebrar o centenário da Revolução Francesa de 1789 na exposição.
Mulheres, homens e até crianças àquela hora da noite circulavam pela Paris. Sean pegou Erianthia olhando as grandes paredes espelhadas.
— Paris estará mais cheia?
— Vinte e oito milhões de visitantes, Senhorita. A exposição de 1889 foi uma Exposição Universal que ocorreu de 06 de março a 31 de outubro. O Palácio das Belas Artes e o Palácio das Artes Liberais; casas chinesas, templos maias, pavilhões indianos, mesquitas e inúmeros pavilhões de colônias europeias na época. A próxima só ocorreria em 1900 e 1937.
— Então se estamos na Terra, Sean... Essas pessoas todas, refletidas nos espelhos...
Sean acompanhou seu olhar.
— Elas também correm riscos, Erianthia.
Ela o olhou de uma forma evasiva. Sean pediu alguns doces em francês.
— Como vamos pagar? — falou-lhe em inglês baixinho para depois ver Sean dar algumas moedas ao homem que os atendeu.
Ela desistiu de fazer perguntas. Parecia que Sean invertia o jogo que dizia não gostar de jogar. Ele leu seu pensamento. Voltavam a Terra, antiga ou não, agora faziam parte dela. Não contou aquilo a Erianthia ou aquela informação chegaria à sala vermelha.
No entanto Erianthia deu sinais de cansaço.
— Cansada?
— Sim. E se os espiões psíquicos ainda estão conectados em nós, então devem estar cansados também.
— Nunca ficaram tanto tempo conectados?
— Não.
— E como o tempo funciona para vocês, Erianthia? Na sala vermelha?
— Lento quando o controlamos. Mas nossos corpos se esgotam. Como suas roupas no armário.
Sean olhou em volta, uma Paris nostálgica se instalou nele.
— Kelly quis controlar o tempo, voltá-lo — falou do nada ao sentarem-se com roupas amassadas e um tanto sujas numa mesa mais ao fundo, comendo.
— Voltar no tempo para quê?
— Consertar erros... — Sean a olhou de uma forma complexa.
Erianthia quis falar, mas não soube como. Seus pensamentos atravessaram as barreiras do tempo. Gameliel, Baco, Nympha, Ophelie, Phemie e Pallas entenderam. Mr. Trevellis também. Ele ficou de sobreaviso com Erianthia Papadopoulos Agasias, de sobreaviso para o que ela falaria dali em diante.
19
Mosteiro Roussanou, Meteora; Grécia.
14 de novembro, 08h00min.
Oscar havia ido dormir e Mr. Trevellis anunciou aos espiões que toda sala vermelha também iria descansar.
— Retornamos na hora do almoço? — foi a pergunta de Phemie.
— Sim!
E todos saíram antes de Phemie.
— Não! — e Mr. Trevellis segurou o braço de Phemie que achou que já estava dispensada.
Estava envelhecida, com a pele desidratada.
— Por que isso? — apontou Mr. Trevellis e Phemie escondeu o braço na manga que puxou.
— É melhor não nos perguntarmos mais nada Mr. Trevellis — e suspirou profundamente. — Precisa de algo, Mister?
— Sabe que não posso permitir que ela conte a Sean.
Phemie leu seus pensamentos. Alertou-se com o que leu.
— Entendo Mister!
— Não sei se entende Phemie, mas Erianthia não pode contar a ele sobre ‘consertar erros’. Nem a ele nem a Oscar.
— O que pretende? Ah... — Phemie leu seus pensamentos novamente. — Mas é arriscado, Mr. Trevellis.
— Arriscado para quem?
— Para ambos.
— Sinto realmente por isso, mas Sean vai ter que ficar por lá!
— Entendo! — arregalou a velha face.
— Amanhã, no tempo deles! Quando a conexão dos cinco se fecharem. Traga-a de volta!
— Mr. Trevellis... — Phemie ia tentar argumentar.
— Traga-a de volta!
— Entendo! — foi o que disse ao sair.
Phemie estava velha para aquilo, cansada mesmo. Ela atravessou o longo corredor de madeira e subiu dois andares até seus aposentos. Estava entristecida por entregar tantos anos àquela operação e não alcançar o brilho que um dia Mona Foad vira em seus espiões. Nem o brilho nem a verdadeira forma para que tudo aquilo fora criado.
Mona Foad os havia recrutado. Eram jovens gregos com passagens em sanatórios e casas de adoções. Suas famílias, na incompreensão, os abandonaram, os tacharam como loucos, os internaram. Phemie era a mais afetada. Afetada até mais que Erianthia. Havia desde criança, passado por muitos sanatórios, participado de muitas experiências e levado muitos eletrochoques. Sua fala ficara comprometida até a puberdade, quando móveis sumiam de onde estava e reaparecia logo após. Phemie então teve a felicidade de ter conhecido Nikiforus, o professor a ‘adotou’ e começou testes com a paranormalidade dela. A deu carinho e compreensão. Ela estava triste pela morte dele, mas tinha que continuar. Porque Mona Foad também a tinha dado orientação e carinho e ela devia aquilo a ela, à manutenção de uma Operação chamada Zeladores do tempo, paranormais que buscavam seus doppelgänger em realidades paralelas, quando o tempo escoava devagar.
E Phemie nunca duvidou da capacidade de Mona Foad em conseguir aquilo.
Phemie suspirou e abriu a porta de seu quarto. Não era surpresa o que viria ao abrir a porta de seu quarto e entrar nele visto que ele sempre ia depois da sala vermelha lhe pedir orientações. Só Phemie não compreendeu de imediato o que viu. Dois Gameliel a olhando; Gameliel e seu doppelgänger. Ela correu até a porta, mas ela estava na porta, outra Phemie, envelhecida como ela, a olhando. Phemie se virou e só olhou Gameliel. Ela não sabe para qual dos dois, mas caiu de imediato, morta no chão.
Um Gameliel olhou o corpo morto com lágrimas nos olhos, e o outro Gameliel, seu doppelgänger, olhou a doppelgänger de Phemie com um brilho no olhar invertido.
Hotel Lancaster, Avenue Des Champs-Elysees.
Paris; França.
1889.
O hotel situado perto do Champs-Elysées, o Hotel Lancaster era um casarão exclusivo transformado em hotel, onde o luxo era desde a época, sinônimo de um padrão inédito de serviços. Sean e Erianthia entraram pelos arcos da entrada em meio a turistas do mundo todo.
— O que está fazendo? — Erianthia viu Sean se esquivar ao adentrar no hotel lotado. Sean não respondeu e ela odiava não conseguir ler sua mente. — Acabaram as moedas que pegou dos miseráveis?
— Não tem graça, Erianthia — Sean estava nervoso.
— Aonde vamos?
— Quando estive aqui ‘no futuro’ havia um fitness center com sauna, localizado no oitavo andar, oferecendo vistas magníficas de Montmartre e os telhados de Paris. Agora não sei o que tem lá. Espero mesmo que seja um depósito onde possamos passar a noite.
— Ehhh... O opulento Sean Queise vai dormir num depósito?
Sean não entendeu a ironia. Não quis entender. Preferiu a escada para chegarem ao último andar. Entre uma escapada e outra chegaram num quarto com coisas abarrotadas; lençóis, travesseiros, fronhas do mais puro linho, um perfume suave de lavanda. E como chegaram praticamente com a noite entrando na madrugada fria e chuvosa, o hotel caiu em silêncio e eles se deitaram sobre muitos e suaves cobertores.
Tinha que admitir que foi melhor do que ficar nas catacumbas. Sean sabia que mais cedo ou mais tarde Halph Rohan os encontraria, e lá não era a sua melhor opção.
Erianthia acabou de montar uma cama e encarou Sean se vendo no espelho encostado num canto da parede oposta.
— O que houve Sean?
— “Sempre acreditamos que os OVNIs fossem projeções nossas; ora, ao que parece, nós é que somos projeções deles”.
— Quem disse isso?
— C. G. Jung.
— E por que se lembrou disso?
— Acredita em coincidências, Erianthia? As usa para explicar tudo àquilo que não tem resposta? — ela nada falou e Sean prosseguiu. — Pois saiba que a maioria dos humanos a usam; a coincidência... — voltou a se olhar no espelho. — Jung chamou de fenômenos sincronísticos, ou sincronicidade, os acontecimentos que não podem ser considerados casuais. Mas mesmo assim, Jung conceituou essas ‘coincidências significativas’ e que ‘aparentemente’ não possuem uma explícita conexão.
— Aonde quer chegar?
— Doppelgänger.
— “Doppelgänger”? O que é isso?
— Você sabe Erianthia, porque Mona os estudava.
— Não sei do que está falando.
— Sabe! Um doppelgänger é um mito germânico em que uma cópia, imita em tudo a pessoa copiada, até mesmo suas características internas mais profundas, suas coincidências — e se aproximou dela. — E eu sei das experiências que a Poliu vem fazendo anos a fio, com sua sala vermelha, atrás dos doppelgänger.
— Você está maluco! Nunca estivemos...
— Em algumas tradições, ao se ver um doppelgänger próprio significa um presságio de morte, um sinal de morte iminente, pois a lenda reza que a pessoa está vendo a sua própria alma projetando-se para fora do corpo, para assim embarcar para o plano astral.
— Enlouqueceu.
Sean prosseguiu a observando.
— Os doppelgänger do folclore não projetam nenhuma sombra, acredita-se que o doppelgänger somente é visível para quem o tem, e mesmo em tal circunstância ele só pode ser visto espiritualmente, pois ele não tem reflexo no espelho ou na água ou qualquer superfície física, portanto, se a lenda estiver correta, não estaríamos podendo ver os invertidos nos espelhos porque eles são nossos doppelgänger.
— A viagem pelo tempo lhe afetou, Sean. Sabemos que vemos os invertidos...
— Há quem diga que o doppelgänger assume o negativo da pessoa para passar um conselho enganoso, mal-intencionado de modo a convencer a pessoa a fazer coisas cruéis ou simplesmente coisas que ela não faria naturalmente plantando ideias na mente de sua vítima, ou até comparecer perante amigos e parentes, causando confusão. Ahhh... Chamaríamos isso de plasmagens? — riu.
— Está falando de bipolaridade. Os médicos dizem que é um mau funcionamento da junção temporo-parietal, uma região do cérebro responsável pela integração de várias sensações; táteis, visuais e de posicionamento do corpo.
— Andou pesquisando, Senhorita agente?
Erianthia não gostou de ouvir aquilo.
— Por que isso agora? Por que me chamar de agente se estou aqui lhe ajudando?
— Porque os espelhos são portais de onde os invertidos saem. Não são nossas projeções, Erianthia. Você melhor do que ninguém sabe como eles são e você quer me enganar.
— Sempre foi a minha projeção que te incomodava, não?
— Parece-me que é minha vez de perguntar do que está falando, Erianthia?
— O que? Não lê mais pensamentos? — Erianthia viu Sean a encarar friamente. Erianthia tentava virar o jogo. Ficou na tentativa; Sean se esquivara do toque da mão dela em seu rosto. — Não me deseja mais? — ele só lhe deu um olhar frio. — Não faça isso, Sean. Eu não mereço.
— Você não o ‘que’? Não merece?
— Não matei minha irmã.
— Você a viu no espelho, toda a sala vermelha viu o desfecho daquele dia.
— Sean... — tentou adverti-lo do passo que ia dar.
— O que é Erianthia? Com medo da verdade? Você que conhece cada segundo de todo mundo?
— Não se atreva Sean.
— Você me viu no Burj Al Arab com Aagje, viu-a nua falando comigo, viu...
— Chega!!! — berrou a fazer pessoas no corredor parar e se olhar.
— Está louca? Quer que nos encontre no armário?
— É você... Você está me provocando...
— Estou lhe mostrando o que tenta não enxergar...
— Chega!!! — cortou a frase novamente.
— Que droga, Erianthia! Mas que droga! Não vê o que fez? O que se permite fazer por causa da Poliu?
— A Poliu é tudo o que tenho. Foi ela quem me acolheu quando meu pai me expulsou de casa. E por quê? E por quê?! Porque eu era especial, como você. E diferente de seus pais, de seus dois pais, que lhe apoiam, protegem e o tudo o mais, minha irmã, minha própria irmã me denunciou ao meu pai.
— Era sua irmã, Erianthia...
— Invejosa!
— Fria!
— Eu sabia, sempre soube que vocês tinham uma química.
— Do que está falando sua louca! Quantas vezes já lhe disse que nunca a conheci, que seu pai as escondia...
— Você cansou de ir lá, em Santorini, no astral.
— Está louca...
— Não estou!!! — Erianthia berrou a outra vez fazer pessoas pararem para ouvir de onde vinham os gritos. — Você sempre soube tudo o que ia acontecer.
Sean gargalhou nervoso.
— Não sei do que está falando.
— Você se apaixonou por ela, Sean. Há muito tempo.
— Não sei do que está falando Erianthia. Sou apaixonado por Kelly há muito tempo.
— Kelly é algo carnal, Sean, que você trava no astral para não amá-la. Aagje era puro éter, Sean. Ela era como eu, como você; não se engane. Ela o vigiava no éter também. E vocês se conheciam do astral sim!!! — gritou a última palavra.
Flashes enlouquecidos, salpicados de luzes estrobofóbicas o cegaram. Aagje e seus olhos azuis penetrantes, seus seios empinados na espuma cara e o mármore da cara suíte do Burj Al Arab, chamas e gritos de dor que o levaram ao chão, de joelhos, atordoado.
— Aagje era... Aagje era paranormal? Como nós?
— E meu pai não a odiou!!! — berrava descontrolada — E sabe por quê?! Porque ele a tinha sob seu julgo?! Fazendo que ela lesse a mente de seus concorrentes, um passo a frente de todos. E Aagje permitia isso!!!
— Pare de gritar Erianthia!
~— Não?! Não?! Porque Aagje gostava da opulência que meu pai dava a ela, enganando o mundo!!!
— Por isso Syrtys... Por isso ele a escondeu? — Sean sentiu dor, sentiu algo que nunca sentira.
Havia sido enganado.
— Não tenho pena de você... — Erianthia grunhiu de dentes cerrados ao vê-lo cair ajoelhado. — Você sempre me olhou com Aagje no pensamento. Você a via no astral e Aagje apagava isso de sua memória quando você voltava ao corpo.
Sean a odiou.
— Como pode ser tão fria? Você matou sua irmã a deixando morrer Erianthia.
— Fria? Ela teve o que mereceu. Ela se matou quando se envolveu fisicamente com você. E ao contrário do pensa, eu a avisei com 15 anos que íamos, aos 44... — e parou nervosa. —, que ela ia morrer se, se envolvesse com os Queise.
“Que íamos, aos 44...” “Que íamos, aos 44...” “Que íamos, aos 44...” ecoava sem perdão.
Sean arregalou tantos os olhos que teve medo de respirar.
— E parece que nem ela nem meu pai escutaram meu aviso.
— Como pode... Como pode ver o futuro que não existe?
— Nascemos com nosso futuro programado, Sr. Queise — falou extremamente nervosa. —, mesmo com o direito de mudá-lo pelo livre-arbítrio, e nisso Santo Agostinho concordava — ela virou-se para o lado ajeitando o travesseiro.
Sean não sabia o que dizer, pensar, fazer ou falar. Estava em choque. Tudo era tão confuso, tão filosófico. E naquele momento, desejou como Boécio, a consolação da filosofia para enfrentar o que era sua vida, o que sua vida programada o fazia viver. Escorregou até alcançar o chão, encostar-se a alguns cobertores macios e ficar lá pensando, olhando Erianthia de costas, confuso com tudo aquilo.
Ela então jogou o lençol que a cobria e ameaçou sair.
— Aonde vai?
— Comer! Tenho fome.
— Não pode circular pelo hotel. Mulheres não circulavam sozinhas pelos hotéis em 1889.
— Ótimo! Então vá a cozinha e traga algo para eu comer.
— Não vou a lugar algum.
— Tenho fome! Tenho fome! Tenho fome! — falava Erianthia.
Sean não acreditou naquilo. Ela realmente não era a mimada Aagje Papadopoulos, mas era a autoritária Erianthia Papadopoulos, e dava sinais de tirá-lo do sério.
— O que quer que eu faça? Vá para a cozinha e prepare uns lanches?
— Não seja irônico, Sr. Queise. Um copo de leite e biscoito resolve. Devia ter isso naquela época. Hoje...
— Quem fala em ironia...
— Ehhh... Eu vou! — e abriu a porta.
— Não! — Sean deu um pulo. — Não faça isso de novo!
Erianthia desconfiou de algo e Sean só balançou o pescoço nervoso. Saiu sem dessa vez discutir o que a fez desconfiar mais ainda de algo maior. Porque Sean tinha medo de que seus pensamentos, do que achava estar pensando a atingisse, atingisse a sala vermelha. Não podiam deixá-los saber o que ele sabia.
Alcançou o corredor a passos largos e decididos. Desceu a escada observando o redor, impressionado com a quantidade de espelhos que havia ali. Molduras douradas, algumas adornadas de prata, belíssimos quadros e um hóspede passou por ele já no terceiro andar. Sean o cumprimentou com uma contida abaixada de cabeça. Estava nervoso, ampliando horizontes, se arriscando. Outro hóspede passou com duas crianças. Sean só escorregou os olhos para ver os dois meninos gêmeos. Um deles virou para trás, e Sean não gostou do brilho no olhar dele.
Uma sensação de erro, de engano, tomou-lhe de supetão.
“Gêmeos... Gêmeas… Gêmeos... Gêmeas...”; soava intermitente em seu interior sem que ele entendesse aquilo.
Ele olhou para trás novamente e o homem com as duas crianças havia sumido. Sean balançou o pescoço nervoso.
“Que íamos, aos 44...” “Que íamos, aos 44...” “Que íamos, aos 44...”; foi a vez de ecoar em suas memórias, em seu palácio de passados guardados.
— O que Erianthia queria dizer com ‘íamos’? Se Aagje morreu aos 44 então ela também vai morrer? — falava sozinho.
O átrio estava calmo, Sean outra vez encheu-se de coragem e atravessou-o a passos largos. Um funcionário prestou atenção nele, amassado, um pouco démodé. Sean leu o pensamento dele. Apavorou-se arrependido de ceder aos caprichos dela, uma agente da Poliu, uma espiã psíquica cria de Mona amiga. Uma amiga que Sean já não julgava tanto assim. Alguns hóspedes adentraram os arcos um tanto alcoolizados, vindos do provavelmente recém-inaugurado Moulin Rouge, e o funcionário correu para atendê-los. Sean suspirou aliviado abrindo a primeira porta que encontrou não sabendo ao certo onde estava, para onde ia. E respirou aliviado novamente ao perceber que não era seguido e teria que encontrar outra maneira de voltar ao oitavo andar que não fosse pelo átrio principal agora apinhado de hóspedes.
Mais algumas portas e um perfume conhecido se fez, Sean viu a cozinha ocupada por uma cozinheira e dois ajudantes.
— Bonne nuit Monsieur. Que je peux être utile? — a cozinheira se adiantou.
Sean traduziu para um ‘Boa noite, Senhor! No que posso ser útil?’
— Bonne nuit, Mme! Est-ce que je pourrais avoir.
— Oui Monsieur.
— Merci beaucoup!
Sean ficou esperando que ninguém mais aparecesse. Depois ficou a pensar se talvez não tivesse sido interessante que alguém tivesse aparecido porque impactou nas duas mãos direitas que lhe ofereciam duas xícaras de chá com limão. Arregalou os olhos azuis para a cozinheira dupla, uma um tanto invertida.
— Doppelgänger... — soou da boca que por pouco não foi atacada pelo líquido quente que foi jogado sobre ele. Sean se abaixou numa jogada de corpo e na rasteira que se seguiu derrubou as duas Senhoras, sendo que uma, não entendia bem o que via. A cozinheira invertida só tocou a cozinheira original e ela morreu na hora. — Ahhh!!! — Sean só teve tempo de gritar pelo susto e já partir com a cozinheira invertida em seu encalço. Jogou-se pela primeira porta que encontrou para voltar a impactar com o salão de baile abarrotado de invertidos saindo dos espelhos. — Deus... Deus... Deus... — corria, escorregava, e se levantava para voltar a cair; levantou-se e se jogou na próxima porta sabendo que se olhasse no espelho seu invertido nada simpático apareceria.
E não era hora de acertar contas com seu doppelgänger.
Sean passou pelo que lhe pareceu um elevador de metal dourado. Não se arriscou a entrar nele com todos aqueles espelhos nas paredes. Começou a entender os espelhos pintados do Dr. Nikiforus Theodorákis. Subiu engolindo dois, três degraus até chegar ofegante, quase sem ar no oitavo andar, e entrar tão rápido no depósito que Erianthia jurou que ele fez aquilo sem abrir a porta.
— Sean? — o suor e os olhos esbugalhados dele a alertaram. — O que houve Sean? Fomos descobertos? — Erianthia só o via lhe olhando, com todo seu medo exposto no rosto bonito. Sean tentava respirar, falar, fugir e voltar a respirar. Andou até a janela e voltou à porta e voltou à janela. — Sean? O que houve Sean?
— Como nos comunicamos com a sala vermelha? — falou de uma vez só.
Aquilo a alertou.
— Por quê?
Sean só esticou a face para trás e Erianthia abriu a porta devagar para ver um corredor lotado de pessoas duplicadas; várias delas.
— Os inver...
Mas Sean tapou-lhe a boca.
— Enlouqueceu?
O coração de Erianthia batia rápido.
— Aconteceu!
Sean meteu a cabeça no corredor apinhado de doppelgänger e voltou a olhá-la.
— Você sabia que isso aconteceria?
— Mona disse... Mona disse...
— O que Mona disse Erianthia? — perdia a paciência.
— Ela disse a Phemie que se ficássemos... Se ficássemos muito tempo conectados, nossos invertidos teriam a chance de ultrapassar os espelhos.
— Deus... Deus... E agora?
— Sean... Preciso lhe falar...
— Não. Não. Precisamos sair daqui — empurrou-a para alcançar o final do depósito que era de bom tamanho.
— Sean... Preciso lhe contar...
Mosteiro Roussanou, Meteora; Grécia.
14 de novembro; 13h00min.
“Preciso lhe contar...” “Preciso lhe contar...” “Preciso lhe contar...”; ecoava pela sala vermelha sem que ninguém a ouvisse. Mr. Trevellis e Oscar estavam sozinhos quando ecoou aquelas palavras. Os dois se olharam e Erianthia e Sean estavam desconectados da Poliu, do futuro.
Baco, Pallas, Nympha e Ophelie choravam a morte de Phemie, e o desaparecimento de Gameliel após encontrarem muito sangue no seu quarto. A Poliu havia colocado a segurança do mosteiro em nível máximo. E Oscar se desesperava sem saber como auxiliar Sean, como trazê-lo de volta.
Mas Mr. Trevellis estava irredutível, não podiam trazer Sean até ele eliminar o futuro de Halph Rohan ou toda a Terra correria perigo. Oscar sabia que Mr. Trevellis tinha intuitos mais nobres que a salvação humana. A ele só interessava a Poliu, a grande corporação de inteligência.
Hotel Lancaster, Avenue Des Champs-Elysees.
Paris; França.
1889.
Sean e Erianthia conseguiram descer pela janela larga do depósito do oitavo andar do Hotel Lancaster, e escalaram a parede sul coberta por gramíneas, nas quais se agarravam pouco a pouco. A saia de grandes babados de Erianthia também não fora de grande ajuda e nem a calça do costume de Sean, instrumento para rappel. Correram como puderam para o mais longe que podiam, no que os pés tocaram a rua úmida da madrugada, sabendo que não era o Hotel Lancaster o foco dos invertidos, era toda a Paris de 1889, e que provável toda Paris estava sendo invadida por alienígenas do cretáceo naquele momento.
— Vamos! Precisamos dar um jeito de ir à Suíça.
— Como faremos isso, Sean?
— Não sei... Não sei... — Sean tentava tomar fôlego. — O que aconteceu, Erianthia?
Ela estava apavorada com tudo aquilo.
— Você pediu para vê-los, não? Você e sua ideia de catacumbas.
— Eu devia brigar e responder à altura, mas não estou conseguindo parar para se quer pensar num jeito de brigar.
Erianthia virou os olhos.
— Mas foi isso que os fez sair dos espelhos, não foi? — estancou Erianthia na rua úmida e escura tentando fazer suas pernas pararem de latejar. — Foi por isso que nos fez tornar parte do passado, Sr. Queise?
— Por que me chamou assim?
— Porque estou brava se não percebeu! — Erianthia se voltou para ele com a face cansada.
— O que quer dizer ‘parte do passado’?
— Ehhh! Como se não soubesse, não Sr. Queise?
— Pare de me chamar assim.
— Ehhh!!! — berrou aos quatro cantos.
Sean sentiu algo errado. Mais errado do que já sentira. Olhava para os lados atordoado tendo a sensação que a população de Paris duplicava e não era para a ‘Exposition Universell’ de 1889.
— Eu tomei o voo 5674 saído de Dubai com destino à Grécia — Sean olhou a rua úmida de um lado. — O voo que caiu e eu não estava lá — Sean olhou o outro lado da rua úmida. — Quase um mês depois eu tomei o voo 8901 saído da Grécia com destino a Londres, e lá fiz escala para o Brasil no voo 6171...
— Do que está falando?
— Gyrimias disse que fui a sua sala ordenar-lhe que fosse as Ilhas Cayman sendo que eu acabara de desligar o telefone no corredor do Burj Al Arab.
— Como é que é?
— Eu estava no corredor do Burj Al Arab quando liguei para ele, mas... — Sean parou de falar com medo do que pensou e Erianthia percebeu. — Kelly queria consertar erros... — Sean voltou a olhar para um lado da rua úmida. — Consertar erros... — olhou para o outro lado. — Consertar erros... — e encarou Erianthia.
Ela entendeu, Sean entendeu, Mr. Trevellis entendeu na sala vermelha com a precária visão que os quatro espiões e mais uma cadeira ocupada, projetavam na tela após a conexão ser refeita.
— Era Aagje o tempo todo, não Erianthia? — Sean estava ali, na visão deles. — Foi por causa dela que eu provoquei toda essa confusão?
— Não, Sean — respondeu uma Erianthia também projetada na sala vermelha. — Você fez tudo ao alcance para salvá-la em seus dons paranormais premonitórios, mas o seu futuro Sean, o seu futuro programado já estava escrito por Halph Rohan.
Mr. Trevellis não viu alternativa a não ser trazer Erianthia de volta. Ele só deu apenas dois passos e orientou os ‘quatro anões’, e mais uma cadeira ocupada naquele momento.
— Traga-a!
E uma malha geométrica, de perpendiculares esverdeadas se desenhou no chão da sala vermelha, nas paredes, nos espelhos, em toda a Paris de 1889. Sean viu todo o chão se quadricular sob seus pés, sob os pés de Erianthia e toda uma Paris antiga.
— O que...
Os dois se olharam se distanciando.
— Sean?! — gritou Erianthia no chão da sala vermelha. — Não!!!
Sean se viu sozinho na rua úmida, escura, com todo o piso as casas e o céu se quadriculando num desenho geométrico, sem renderização.
— Nonsense... — soou da sua boca.
E o Sol nasceu, e uma carruagem passou por ele. O cavalo e seu cocheiro estavam inacabados. Sean se olhou, sua pele, seus dedos tudo intacto. Sean olhou em volta e os pássaros eram feitos de rabiscos, as lojas que abriam, e se fechavam, e abriam para então fecharem suas portas com pessoas entrando e saindo, e entrando e saindo. E o Sol, e a Lua, e o Sol, e a Lua, tudo correndo rápido, em meio a rabiscos, em meio ao tempo que corria; e tudo eram rabiscos inacabados.
Sean sentiu frio, sentiu calor, sentiu frio e calor novamente. E chovia, nevava e fazia calor, e fazia frio e as folhas caíam e voltava a chover no Sol que nascia e se punha, que nascia e se punha, que nascia e se punha. Sean estava sendo acelerado no tempo, pelo tempo, pela malha quadrimensional.
Sons desconexos então começaram a se firmar. Sean sentiu um odor forte fazê-lo voltar a sua infância, algo que o retornava a infância. Olhou para cima e cheiro de pólvora o alertaram; havia uma comemoração e fogos de artifício explodiam na Paris de noite caída. Sean percebeu que havia vivido ali, numa Paris de 1889, provável noutro corpo, com outra identidade.
Sean voltou a sentir frio se encolhendo para dentro da roupa amassada, úmida, desatualizada; démodé.
— Deus... — arregalou os olhos entendendo a comemoração, ele havia alcançado 1900, a virada do século, os fogos comemorativos de um Réveillon e uma Paris que adentrava o século 20.
20
Mosteiro Roussanou, Meteora; Grécia.
14 de novembro; 18h18min.
Erianthia adentrou furiosa na sala contigua à sala vermelha.
— Enlouqueceu Trevellis?!
— Olha como fala comigo! — Mr. Trevellis se ergueu furioso com todo seu tamanho e poder.
— Você perdeu a chance de qualquer autoridade! Comigo ou com quem for!
— Não me desafie! Pouco me importa sua real condição!
— Você é insano Trevellis! No fim das contas o insano é você!
— Erianthia... — tentou Oscar falar.
— Não Sr. Oscar Roldman! Não! Sabe melhor que todo mundo o quanto me esforço e me esgoto para estar aqui, plasmada, a fim de ajudar Sean, a fim de consertar meus erros. E o que esse faz? — Erianthia apontou para Mr. Trevellis que ficou mais furioso ainda. — Me tira da conexão com ele!
— Não tivemos alternativa, Erianthia — Oscar tentava ser paciente. — Você ia falar para ele antes que ele passasse o telegrama.
— E sabe bem que sem o telegrama não estaríamos aqui!!! — gritou Mr. Trevellis.
— Seus gritos não funcionam comigo! — exclamou Erianthia alterada.
— Não?! Não?! Sabe que sem o telegrama não brecaremos Halph Rohan!!!
— Eu não ia falar!
— Ia!!! — agora Mr. Trevellis se excedeu.
— Ehhh!!! — gritou Erianthia se deixando cair no sofá.
— E agora? — Oscar tinha medo da resposta.
— Agora está por ele conseguir ou não — Erianthia se ergueu abrindo a porta.
— Aonde vai? — a voz de Mr. Trevellis ainda era arrogante.
— Tentar uma nova conexão com a sala vermelha.
— Não pode! Phemie e Gameliel estão mortos.
Erianthia se virou com a tez em choque. Olhou Oscar e voltou a olhar Mr. Trevellis.
— Os invertidos...
— Os invertidos deles! Seus doppelgänger! — explodiu Mr. Trevellis.
— Não sabemos o que houve, mas encontramos espelhos no quarto de Gameliel. De alguma forma ele usou espelhos da sala vermelha para se comunicar com seus invertidos, e a coisa deve ter saído ao controle — Oscar viu Erianthia pensativa. — Por que Gameliel faria isso Erianthia? — Oscar completou, mal sabendo como se mantinha.
Erianthia pensou muito antes de responder.
— Ciúme!
— Mas ele sabia sobre você. Sua condição de espírito evoluído.
— Gameliel nunca entendeu como eu consegui voltar. Até eu não entenderia se Mona Foad não me tivesse preparado para voltar, quando soube sobre o acidente que eu previra aos 15 anos... — e Erianthia parou de falar sentindo-se mal.
Toda sua face empalideceu e ela sentiu que todas suas juntas formigavam.
Oscar também percebeu aquilo. Só não estava preparado, ele, para o que viria logo após. Um calor subiu pelo chão e chamas tomaram conta de Erianthia, que se incendiou como Sean a vira no restaurante do Astra Hotel.
Oscar e Mr. Trevellis impactaram sem ao menos conseguirem falar algo.
— Sean nunca conseguiu ler seus pensamentos?
— Que pensamentos, Sr. Oscar Roldman? — Erianthia ainda estava em chamas. — Não os tenho mais. Sou o que sou, o que pode ver no que me tornei porque me plasmei. Sean, que só conseguia captar aquilo que eu deixava no éter para ser captado, diria que Descartes tinha razão, nos separamos em corpo e mente. E perdemos a ‘mente’, os pensamentos, Sr. Oscar Roldman, quando somos somente espírito — soou a voz metálica.
— Meu Deus! — Oscar estava impactado com a bela Erianthia em chamas. — Nunca vou entender os segredos Dele. Sua maneira de governar o mundo.
— O mundo não existe, Sr. Oscar Roldman. Não se pode compreender o que não existe.
Oscar não quis discutir aquilo. Sua religião, sua fé não podia ser abalada, não quando seu filho precisava da proteção Dele.
Mr. Trevellis que não se abalava nem com a imagem dela daquele jeito, nada falou.
— O que temos de fazer então Erianthia?
— Esperar Sr. Oscar Roldman! Rezar a Deus e esperar e rezar mais; muito mais. Sean está por conta própria, desafiando as leis de uma natureza incompreensível — e o espírito evoluído Erianthia saiu da sala, ainda em chamas.
Oscar só ficou olhando Mr. Trevellis agora de costas, calado, fora de seu costume.
21
Paris, França.
1900.
Paris estava às escuras. Um blackout acontecia às vésperas da troca de século. E era mais que o século, que trocava. Sean sentia que algo estava acontecendo à sua volta.
Ele era seguido.
Mesmo nas primeiras aplicações de eletricidade na iluminação noturna com um grande chafariz luminoso instalado, as luzes rarearam na Rue Royale. Sean estava sem chapéu, amassado e molhado. Sabia que não podia continuar em ruas largas e cheias como aquela. Não teve alternativa a não ser adentrar por ruas estreitas e vazias. E a sensação da rua escura e úmida voltava em suas lembranças, em seu palácio de memórias.
Provável que o mesmo assassino de seu pai, estava a sua espreita.
Sean olhou para os lados, havia entrado numa rua mais estreita ainda, de postes de ferros e luzes fracas. Não se sentia seguro em fazer aquilo sem Erianthia, sentia-se mais perdido ainda. E não era a perda de coordenadas, era uma perda muito mais profunda, muito mais filosófica. Uma filosofia que mal compreendia a morte, a perda, o tempo que nos passa, nos leva. Algo ermo, imanente à condição humana. Quase um solipsismo, uma doutrina filosófica segundo a qual a única realidade do mundo é o próprio eu, só, desacompanhado, solitário. Solidão que surge com o nascimento e se esvaece com a morte que a filosofia não salva, como talvez Boécio tenha buscado.
Sean suspirou. As ruas estavam enevoadas, seus pés pisavam em poça uma vez ou outra. Um frio de fim de ano tomava conta da Paris de 1900 e seus pés acabaram por atolar.
— Droga! — exclamou nervoso.
Um som o alertou. Ele era realmente seguido.
“Quem?”, se perguntou.
Sean sabia que chegara num ponto sem retorno, precisava avisar Oscar, seu pai Fernando, o dois pais. Precisava se avisar, avisar Aagje e Erianthia, avisar a Poliu. Ele sabia agora de tudo, da compreensão máxima de que a vida era uma grande incógnita.
Parou de andar chorando, não acreditando no que acabara de entender; Aagje e Erianthia estavam mortas, e ele amara uma das duas.
“Qual das duas?”; sofria.
Outro som o tirou de suas lamurias, era algo muito mais real do que queria acreditar. Halph Rohan o encarava na rua escura.
— Você... — Sean mal conseguiu falar.
— Eu! — sua voz era oca. — E você sabia o tempo todo.
Sean ficou tentando entender.
— E o que é o tempo, Halph? Esquema temporal, onde o movimento da consciência é descrito em três momentos distintos? A impressão originária, a retenção e a proteção desenvolvido por Husserl ou a relação entre tempo a ser postulada por Heidegger, onde a dualidade essência/existência foi superada?
— Você fala demais Sr. Queise. A sua vida existe sem você.
— Conceito errado, Halph. O conceito de Dasein ou ser-aí de Heidegger, já se refere ao tempo na existência humana. Para ele, o tempo não é uma coisa, está na consciência, coexiste com o passado e o futuro. Deveria ter aprendido mais com eles do que acreditar em monstros no espelho.
— Morra Sr. Queise! — e Halph sacou um revolver que brilhou na pouca iluminação. Sean só teve tempo de se desviar do tiro, da mesma arma que matou seu pai Fernando, que fez Mr. Trevellis tombar de dor na sua viagem astral.
Rápido, Sean correu como nunca o fizera, ouvindo os passos metálicos de Halph que o acompanhavam.
As ruas ficavam cada vez mais enlameadas e frias, estreitas. Sean não tinha certeza se a sala vermelha o via, o auxiliava de alguma forma; se de alguma maneira ele seria resgatado por Erianthia e seus espiões psíquicos. Ele só sabia que ia morrer se não conseguisse voltar ao século XXI.
Outro tiro passou raspando por sua cabeça. Sean foi ao chão sentindo dor no pescoço e suas mãos se encheram de um líquido vermelho. Talvez o tiro não tivesse sido tão de raspão assim.
— Deus... — soou de sua boca agora úmida do orvalho do chão. Sean estava caído, ouvindo passos dos pés que enxergava turvo. Ao lado dele seu pai Fernando, caído, lhe olhando. Seus olhos estavam com petéquias, alguém terminara de matá-lo por um estrangulamento. Era Halph, o mesmo que o seguia. — Dois... — foi o número que escapou da boca de Sean que roxeava, que morria.
E Sean morria entendendo tudo, porém. Era o invertido dele, o doppelgänger de Halph Rohan quem o seguia pela Paris de 1900, então havia ainda o verdadeiro Halph Rohan solto, vivo, atrás de outros objetivos; objetivos que atravessariam o século XXI.
Os fogos de artifício do Réveillon o atingiram novamente, a virada prosseguia. Foi na distração que Sean escapou, escapou nos sons ensurdecedores ao longo da França que adentrava no século XX, no século das descobertas e das grandes invenções.
E ele ia revolucionar tudo com sua Teoria da Relatividade, Albert Einstein; Sean precisava assegurar que isso aconteceria.
Corria zonzo pela dor do tiro, pela dor de ver seu pai morrer mais uma vez, alcançando uma grande construção de pé direito alta. Era bela e formosa, mas não a reconheceu de imediato. Até receou ter mudado de lugar, mas os sons de fogos ainda o situavam no Réveillon de Paris de 1900. Depois se lembrou do lugar, era o La Bourse du Commerce, com seu pórtico ladeado de quatro colunas coríntias. As ruas agitadas e cheias de trânsitos de seu tempo o confundiram.
Sons de cascos de cavalos o alertaram. Sean não pensou outra vez e saltou para trás de uma grande carruagem que levava animados parisienses e turistas até a Gare Saint Lazare. Estava a salvo momentaneamente apesar de acreditar que o invertido de Halph Rohan que ele libertara das catacumbas podia senti-lo, cheirá-lo e localizá-lo aonde quisesse.
Sean Queise desceu totalmente tonto, cambaleando pela Rue de Rome através dos Distritos 8 e 17. E foi na altura do encontro da Rue de Rome com a Rue de Constantinople que ele avistou um conjunto de pequenos hotéis baratos e também a Pharmacie Rousseau, localizada no número 54, onde ele invadiu atrás de medicamentos. Não tinha muita coisa que ele julgava adiantar, mas se abasteceu do que conhecia.
Agradeceu-se por nunca ter faltado a uma aula de química do Professor Mariolani.
Depois entrou num dos blocos laterais onde subiu degraus apinhados de prostitutas. As mulheres o assediavam na passagem; sujo, úmido e com dor ele já não tinha certeza se fugir delas era um negócio acertado. Deixou-se ser levado por uma mão áspera, porém quente que lhe deu abrigo, champagne e pão de broa. Também água morna numa banheira de porcelana encardida, mas que aliviou sua cabeça que latejava terrivelmente.
Sean adormeceu nos braços da mulher estranha após um curativo no pescoço e algo que bebeu trazido da pharmacie sem nunca ter sentido tal sabor.
22
Paris, França.
01 de janeiro de 1900.
Sean acordou com um falatório logo abaixo de sua janela. Mas antes abriu os olhos para se ver num quarto úmido, de paredes desbotadas e grandes varais com roupas atravessando sua pouca extensão. Ergueu-se rápido e voltou mais rápido ainda aos travesseiros com a tontura que se seguiu.
— Droga... — soou baixinho.
Engoliu a seco a saliva que se fez e tentou mais uma vez erguer-se, com sucesso dessa vez.
Uma mulher estranha o observava sentada numa cadeira. Tinha a pele judiada e os cabelos maltratados. Sua roupa transparecia o quanto já fora remendada.
— Vous allez bien, Monsieur? — falou um francês puro, mostrando alguns dentes careados.
Sean traduziu para ‘Você está bem, Senhor?’
— Oui...
— Avez-vous faim?
“Fome?”
— Oui...
Ela se levantou e serviu um copo generoso de vinho barato e algum resto de carne assada que Sean devorou com gosto.
— Você não é daqui? — prosseguiu falando em francês.
— Não...
— De onde?
— De um país... da América do Sul.
— Não conheço nada além de Paris. Se bem que já fui a Corse, uma prainha deserta na...
— Em que ano estamos Mme?
A mulher se assustou com a interrupção. Também com a educação. Poucos homens eram educados com ela.
— Como assim?
— Em que ano estamos?
— 1900! Comemoramos ontem...
Mas Sean saltou da cama. Recuou tonto, mas se ergueu.
— Preciso ir a Suíça. Einstein só chegará em 1914, mas Halph Rohan deve estar lá... tramando algo...
A mulher pouco entendeu daqueles nomes.
— “Suíça”?
— Aonde tem um telégrafo?
— Um o quê?
— Ah! O cinematógrafo de Lumière, uma máquina de filmar e projetar, há ‘cinco anos atrás’, Madame, em 1895. Depois o telégrafo sem fio, que inaugurou uma época revolucionária no campo das comunicações ano passado, 1899, e enfim a publicação de A interpretação dos sonhos de Freud, assim como a recapitulação da história da sociologia do século anterior por Emile Durkheim, porque somente a França poderia fornecer o lar apropriado para a nova ciência, somente a França agrupava as inovações da ordem social pós-revolucionária com a contínua tradição intelectual da racionalidade Cartesiana, somente a França para fazer as grandes mudanças — sorriu para mulher estranha. — E claro, o filme de George Méliès sobre a nova exposição universal de Paris de 1900, inaugurada em 15 de abril pelo Presidente francês Emile Loubet, e que vai transformar em espetáculo o progresso e a técnica, através de viagens simuladas.
Depois de tudo e não entender nada, ela falou:
— Fala daquela exposição que vai...
Mas Sean alcançou a janela sem respondê-la, a deixando mais confusa ainda.
Depois voltou e se sentou à sua frente.
— Gosta de história, Mme?
— Oui! — seu rosto iluminou-se. — Algumas comadres...
— Não. Não essas histórias. Em 1832 um negociante quase arruinado, Charles-Louis Havas, considerado o fundador da imprensa era francês de origem húngara, e se instalou em Paris num escritório de traduções de jornais estrangeiros, ao qual deu o nome de ‘Correspondente Havas’; e Havas teve êxito. Então em 1835 mudou o nome ‘correspondente’ para ‘agência’. Havas percebeu que a rapidez era fundamental e por isso instalou a sua agência próxima de uma agência de correios, o que lhe dava uma vantagem inicial sobre seus competidores. Então como estratégia, utilizou os mais modernos meios técnicos de comunicação, como o telégrafo óptico e elétrico posteriormente, para a reprodução de seus espaços e recebimento, e envio das notícias, e se tornaria a atual Agence France-Presse — Sean a viu continuando a olhá-lo sem entender. — Sabe onde fica? Essa agência Havas?
— Oui! O que quer lá?
— Consertar erros...
— Ah... — ela realmente esperou que ele falasse mais, num sotaque estranho, mas Sean cambaleou e sentou-se na beirada da cama do quarto pequeno e úmido.
— Paul Tilich em seu livro A Coragem de Ser descreve três tipos de ansiedade, as quais são consideradas existenciais no sentido em que pertencem à existência como tal, e não a um estado anormal da mente como na ansiedade neurótica e psicótica — achou graça dele mesmo. — Define a angústia como o estado do ser em que se tem consciência de seu possível não-ser. E é essa angústia de finitude, de quem está na angústia, que está em desamparo que ele define esses três tipos: a angústia do destino e da morte, a angústia de vacuidade e insignificação e a angústia de culpa e condenação. Nem Jean Paul Sartre nem Albert Camus saberiam dizer como a angústia lhe consome, porque não faz ideia de como a culpa lhe devora, Madame.
— Você é jovem e belo para sentir culpa.
Sean achou graça novamente.
— Pardon! Je suis nouveau ici... — Sean viu a mulher traduzir ‘Perdão! Sou novo aqui’; ele se tomou de coragem. — Tem mais daquele vinho?
— Posso conseguir com as meninas.
— S’il vous plaît!
Ela voltou com um copo cheio de vinho.
— Vous allez bien? — se repetiu.
— Sim, Mme. Estou Ótimo! Pensando com clareza. O que me leva a questionar se meu pai, Oscar e Trevellis estavam realmente juntos nisso tudo, porque se estavam também me questiono o porquê de precisar contratar Sandy para me desestabilizar — Sean viu a mulher nada falar, voltar à cadeira e se acomodar. — Será que eles queriam me deter, Mme? E se quisessem, era porque sabiam de algo, não? E como sabiam de algo se eu ainda não tinha feito? Era porque alguém contou, não? Mas como alguém contou algo que eu faria se eu ainda não tinha feito? Porque fui eu quem contou a eles que faria algo, não? — Sean viu que a mulher só ficava o olhando, provável imaginando que jovem démodé e bonito era aquele. — Conhece o paradoxo das bolas, Mme? Não, claro que não conhece — riu com gosto se aproximando dela. — Mas uma bola de bilhar passa através de um buraco de minhoca. Ao sair da abertura, atinge ela mesma, como era no passado, impedindo, assim, sua entrada no buraco de minhoca, mas... — sorriu-lhe agora. — ‘Mas’, nada! É aí que está a grande jogada deles, e vai ser uma grande jogada, porque os alienígenas nunca quiseram destruir Spartacus. Não porque eu vou me ocupar com ele, mas porque vou me ocupar com o aparelho de teletransporte que transformarei o satélite de observação Spartacus, para que o satélite permita a viagem deles pelo tempo... — ria totalmente fora de si. — Entendeu? — voltou a rir. — Não, claro que não entendeu... — se divertia. — Vamos! — se levantou mais uma vez vendo a cicatriz exposta na coxa esquerda. Achou-se nonsense não importava o século. — Você me leva até a Havas e eu lhe dou algum dinheiro.
— Que dinheiro? Você não tem nenhum?
— Como?
— Está nu Monsieur. Não percebeu?
— Ahhh... Claro... Já devia ter me acostumado a isso, não? — riu e a mulher voltou a não entender. — Consegue-me algumas roupas?
— Posso costurar. Sou boa costureira.
Sean se levantou e foi outra vez à janela, observando o ir e vir dos parisienses do nouveau siècle.
— Precisaremos de roupas melhores, Mme.
— Para isso precisaremos de dinheiro.
— Sim. Muito dinheiro.
— E que dinheiro é esse, Monsieur?
— Plasmado.
— Ah! É de outro país? — iluminou-se.
Sean teve que rir outra vez ao voltar a olhá-la.
— Não. Será francês mesmo.
23
Paris, França.
15 de abril de 1900.
Paris era a ‘Cidade das luzes’ mesmo de manhã. Sean estava encantado com a Paris cultural do despertar do século. Andavam a pé pela Champ de Mars. Ela usando um vestido um pouco melhor acabado e ele uma roupa comprada de segunda mão; dinheiro plasmado.
— Paris... — soou encantado. — Sabe que serão 40 milhões de visitantes, 205 dias de exposições, 83.000 expositores? — Sean olhou a mulher ao seu lado lhe olhando. — Automóveis Benz, Daimler, Ford, Fiat, Peugeot, Renault, Michelin e os guias-mapa que mais pareciam obras de arte... — e Sean parou de andar.
— Você é esquisito Monsieur.
— Sean...
— O quê?
— Meu nome é Sean.
— Ah! O meu é Margot.
— Prazer Madame Margot.
Ela o achou tão lindo quanto o local.
— Lindo não? “L’Exposition de Paris 1900!” — Margot apontou para o cartaz exposto na parede. — Se bem que prefiro ao vivo — apontou para uma grande Fonte de água.
Sean não acreditou quando se viu numa ponte caminhando para a exposição. Uma praça ampla, com uma grande construção branca de arcos e uma fonte de água luminosa. Era a primeira vez que faziam uso da eletricidade para iluminar ambientes externos.
Aquilo era emoção demais.
— Palácio da Eletricidade e Chateau d’água; pena termos que esperar 76 anos pelo telefone móvel, não Margot? Eu remeteria tal foto para... — e paralisou. — Deus... — Sean viu Margot o observando. — A exposição foi aberta em 15 de abril de 1900 e prolongou-se até o dia 12 de novembro de... — e parou.
— Ce qui s’est passé?
— O tempo... Está correndo de novo... — Sean pegou o panfleto da parede lendo a planta baixa da exposição.
Sean olhou Margot fascinada com o redor. Estranhou o fato dela não ter percebido que saíram de sua casa a pouco tempo atrás, primeiro de janeiro; só um dia após o Réveillon, e agora já estarem em abril, 15 de abril.
“O que fizemos esse tempo todo?” “Por que Margot não percebe o tempo passar?”.
Sean olhou em volta.
“O que há de errado?”
— Aonde vamos Monsieur Sean? — ela se virou para ele.
— Leve-me a “Avenue de L’Alma’, Mme Margot; nada mais sugestivo, não acha? — ele viu Margot não achar nada. — A Avenue de L’Ama está entre a Avenue Montaigne e a Avenue Marceau, Madame — apontou para frente.
— Oui! C’est fantastique! Um Monsieur estranho como você pagou-me um almoço lá semaine dernière.
— Um ‘Monsieur estranho’ como eu? Pagou-lhe um almoço ‘semana passada’? — Sean viu Margot sorrir encantada com tudo. Começou a achar que não haveria de haver dois Messieurs estranhos como ele. Ficou a imaginar se Halph Rohan estava à sua frente. — Como chegamos lá? — Sean apontou para os países expositores.
— Pelo anexo da Qai D’orsay. Atravessaremos a Pont de L’Alma e logo veremos o Palais des Congrés; atrás fica o Restaurant onde comemos.
Sean atravessou a ponte pensativo.
— Havia na exposição... Há na exposição — corrigiu-se mais uma vez. —, exposições do mundo inteiro — olhou a planta baixa novamente parando no meio da ponte sobre o Rio Sena. — Belgique, Noryege, Alemagne, Espagne, Monaco, Suede, Grece... Você vai na frente e eu te encontro lá.
— “Lá”?
— No Restaurant.
— Comment? Eu vou na frente? Você vai... — e Margot parou de reclamar ao ver cinco mil francos em mãos.
Arregalou tanto os olhos que deformou a face mal tratada.
Sean sorriu-lhe com charme.
— Vai haver mais se estiver me esperando aqui, daqui a quatro horas Mme Margot — Sean olhou o relógio no poste. — Preste atenção Margot. Hoje é dia 15 de abril, 09h00min. Voltarei as 13h00min; está bem?
— Não demore então, Monsieur Sean. Porque está confuso. Veja! Os jogos Olímpicos já começaram. Hoje é dia 15 de agosto.
Sean sorriu-lhe confuso, sabia que o tempo não estava mais correndo a contento. Olhou agora a Torre Eiffel sem a certeza se encontraria Margot lá.
— Enchanté! — beijou-lhe a mão e correu. Precisava alcançar a Agence Havas e voltar a ‘Grece’ da exposição, ainda na exposição; Halph Rohan o estaria esperando lá, ele tinha certeza.
Sean conseguiu alcançar o centro da agitada Paris e enviar um telegrama à Poliu do ano 1900, na suíte 12 do Flagler’s Royal Palm Hotel, o mais luxuoso resort de Miami Beach. O telegrama estava endereçado a Mr. Howgerv, homem forte da Poliu na América do Norte do começo do século passado, que estava se preparando para a inauguração da Collins Bridge.
Flagler’s Royal Palm Hotel, Miami; USA.
15 de agosto de 1900.
Estava quente naquela manhã, Mr. Howgerv havia acertado enfim o nó da gravata no espelho. Era um homem robusto, de bigode robusto sob um nariz proeminente, tristemente de família. Também só conseguiu fechar apenas um botão do smoking porque a também barriga familiar não permitia mais que aquilo.
A campainha da porta de sua suíte 12 tocou e o mensageiro entrou após um de seus agentes abrir a porta. O mensageiro lhe entregou um documento ‘Urgent!’ e saiu. Mr. Howgerv ainda teve tempo de abrir o voil da janela e apreciar a vista. Abriu uma champagne e dispensou os agentes ali. Um documento ‘Urgent!’ não era para ser lido com ninguém por perto. Talvez no futuro a expressão ‘For your eyes only!’ tivesse essa sina.
Mr. Howgerv amassou o envelope do Flagler’s Royal Palm Hotel e jogou-o no lixo. Desdobrou o longo telegrama e tomou meia taça quando todo o líquido foi expulso de sua boca no que o cuspiu longe. Ele caiu sentado, molhado, tremendo achando que teria um enfarte após ler o que leu. Levantou-se e foi até a janela agora fazendo mais que olhar a bela Miami florescendo no novo século.
Mr. Howgerv teve medo da vida.
Paris, França.
15 de novembro de 1900.
Também Sean mal acreditou no que fizera, nos segredos que sua vida se tornaria depois daquilo. Ficou imaginando Platão e sua reminiscência, se realmente voltamos a um novo corpo após o término deste trazendo de outras vidas, do mundo das ideias, informações de outras vidas vividas, ou se voltamos vazio como uma folha em branco, onde todo o conhecimento se baseava em dados da experiência empírica como dizia John Locke.
Sean só esperava mesmo, com toda sua fé, ter entendido o que leu na visão remota que deu a sua casa. E Mr. Trevellis havia errado, Sean não leu o telegrama na noite do jantar, ele voltou ao dia em que seu pai Fernando, Oscar, Mr. Trevellis e Syrtys guardaram um telegrama que havia sido enviado à Poliu do ano 1900 por Sean Queise, guardado junto ao documento sobre os alienígenas do cretáceo, no cofre do escritório da mansão Queise.
Sean correu até à exposição naquilo que julgou serem quatro horas de afastamento, mas a feira de exposições já havia acabado.
— Droga! Estamos em novembro... — ele ainda tentou em vão descobrir onde havia sido montada as exposições dos países, a Grece, mas tudo havia sido desmanchado; lá só a Torre Eiffel e o tiro que o derrubou no chão. — Ahhh!!! — Sean sentiu que sua perna havia sido atingida. Olhou-se do chão e viu a coxa esquerda sangrando na cicatriz que ganhara. Sean achou-se mais uma vez nonsense. — Apesar da reminiscência de Platão, parece que nossa vida também se baseia no empirismo de Locke, não? — Sean viu Halph Rohan e o invertido dele, seu doppelgänger lhe olhando-o.
— Você achou o que Sr. Queise? Que podia me deter contando-lhe o que iria acontecer? — sorriu um Halph cínico e verdadeiro.
— Tem que admitir que foi uma jogada de mestre, não? Um telegrama a mim mesmo? — riu Sean ferido.
E Halph Rohan deu dois passos, engatilhou o revolver e atirou novamente.
Contudo Sean sentiu que o projétil saíra do tambor. Pôde ver a explosão, o movimento que rasgava o ar, o dissociar do metal de chumbo que lentamente não chegou nele porque o tempo parou, pareceu parar.
O doppelgänger de Halph se assustou com o que viu.
— Ele parou... — o Halph Rohan invertido apontou nervoso para Sean que tinha na mira o projétil próximo a sua cabeça, parado entre as dimensões, sem atingi-lo.
— Cale-se! — gritou o Halph Rohan original disparando mais uma e outra vez e as balas parando uma após a outra, em fila, na mira de Sean Queise que mirava Halph Rohan.
Os olhos do Halph Rohan original brilharam para os olhos de Sean que brilharam de volta.
— Você achou o que Halph Rohan? Que podia me deter de contar-me o que iria acontecer? — sorriu um Sean cínico.
— Seu moleque atrevido! Eu vou... — e o Halph Rohan original foi ao chão pela pancada que Margot deu com uma barra de ferro na cabeça dele.
Os projéteis caíram no chão sem atingir Sean e o doppelgänger invertido de Halph Rohan, correu pelas ruas de Paris, alcançando dali duas quadras um espelho que estava no meio da rua, jogando-se e desaparecendo dentro dele, fazendo transeuntes gritarem pelo pavor da cena inusitada.
O doppelgänger invertido de Halph Rohan e o espelho sumiram.
Já Sean mal acreditava em ver Margot lhe olhando, tremendo com uma barra de ferro nas mãos suja de sangue.
— Madame Margot...
— Eu vim aqui todos os dias, Monsieur Sean, de todos os meses, mas nunca o encontrava — ela o ajudou a levantá-lo. — Eu não quis parecer que sumi.
— Deus... — Sean sentiu-se tonto pelo excesso do sangue derramado pela coxa que doía muito. — Eu... Merci beaucoup, Mme!
— De rien Monsieur, cela a été un plaisir — Margot sorriu-lhe.
Parecia melhor vestida, melhor tratada. Até perfumada estava. Sean tirou mais, muito mais notas do bolso conforme sua vontade as plasmava. Ele mentiu para Erianthia, podia ter plasmado uma pizza nas catacumbas, e pagou Margot que agradeceu e agradeceu. Sean se abraçou nela e ambos correram dali, deixando lá caído o corpo do verdadeiro Halph Rohan. Mas correr era doloroso, ambos logo sentiram que não iam chegar muito longe daquela maneira.
— Preciso de sua ajuda, Margot.
— Oui Monsieur!
— Tenho que sair daqui, chegar à Suíça ou a relatividade jamais será descoberta.
— Nunca entendo o que fala, Monsieur Sean. Mas vou lhe ajudar.
Sean lhe deu mais notas de franco francês.
— Quero que compre uma casa e tenha um negócio. Costure, Margot.
— Oui Monsieur! Oui! — Margot em choque aceitou o agradecimento de Sean que tombou para ser socorrido por ela outra vez.
— Merci, Margot...
— Não vamos conseguir chegar a lugar nenhum com Monsieur sangrando. Vamos para um...
— Não! Não posso parar, Margot.
— Mas acho que o matei — olhou para trás. — O Monsieur estranho...
— Acredite! Ele está vivo o suficiente para matar meu pai no futuro.
— Mon Dieu! Ele vai matar seu pai?
— Sim. Preciso eliminá-lo antes.
— Mas por que não voltamos Monsieur Sean e o matamos...
— Não! Tenho que eliminá-lo na Suíça, no escritório de patentes antes que Einstein chegue lá para trabalhar em 1914.
— Mas Monsieur...
— Não Margot. Halph Rohan nunca poderá conhecê-lo.
— Quem? Oui! Oui! Nunca vou entendê-lo.
Os dois andavam por uma Paris ainda cheia de gente. Mulheres e homens bem vestidos que circulavam ao redor deles sem entender o casal abraçado. Mas Sean deixava um rastro de sangue que em breve seria seguido.
— Ainda estamos em novembro, não?
— Por que se preocupa tanto com o tempo?
— O tempo é um vestígio de eternidade, Mme.
Ela gostava de como era chamada, com a educação que era chamada. De como ele a chamava.
— Não, Monsieur Sean. Estamos em fevereiro.
— 1901?
Margot achou graça da pergunta.
— Sim. Fevereiro de 1901, Monsieur Sean.
Sean achou graça foi de como era chamado. Ficou lembrando-se de seu passado e como era chamado de ‘Senhor’ por todos mesmo quando ainda muito jovem. Ficou lembrando-se da pressão de assumir uma empresa tão grande, tão influente. De como sua infância foi tumultuada pelo excesso de trabalho de seu pai e o quanto carregava aquele excesso até hoje. A Computer Co., a família, os funcionários, a sua juventude minada pela responsabilidade precoce.
Sean sentia dor, sentia saudade, sentia falta de Kelly; também de Erianthia e Aagje. Sentia-se confuso, com seu coração perturbado desde a morte de Sandy. Sean sentia, também, que ‘apagava’ nos braços de Margot que o ajudava, que o procurara todos aqueles meses, que para ele não passara de horas.
Sean ficou com medo do tempo.
— E o que é o tempo? Como medi-lo? — Sean viu que Margot já não falava, não se expressava. Eram somente rabiscos de uma Margot que o segurava por ruas rabiscadas que já não pertenciam a sua orbe. — E o que é o tempo, Deus? — Sean era pura filosofia. — “Precedeis, porém, todo o passado, alteando-Vos sobre ele com a vossa eternidade sempre presente. Dominais todo o futuro porque está ainda para vir. Quando ele chegar, já será pretérito” — e nevou, e choveu e nevou e o Sol brilhou sob as palavras de Santo Agostinho. — “Vós, pelo contrário, permaneceis sempre o mesmo, e os Vossos anos não morrem... Todos os Vossos anos estão conjuntamente parados, porque estão fixos, nem os anos que chegam expulsam os que vão, porque estes não passam” — e nevou e choveu, e o Sol esquentou para então ventar, chover e nevar. — “Quanto aos nossos anos, só poderão existir todos, quando já todos não existirem. Os Vossos anos são como um só dia, e o Vosso dia não se repete de modo que possa chamar-se cotidiano, mas é um perpétuo hoje, porque este Vosso hoje não se afasta do amanhã, nem sucede ao ontem” — Sean sentiu-se cansado. — “O Vosso hoje é a eternidade. Por isso gerastes co-eterno o vosso Filho, a quem dissestes: ‘Eu hoje te gerei’. Criastes todos os tempos e existis antes de todos os tempos” — e voltou a nevar com as ruas embranquecendo. — Não é concebível um tempo em que possa dizer-se que não havia tempo, não Deus? — e Sean olhou para o lado uma última vez e Margot era velha, decrépita demais para ajudá-lo. Desfez-se em pó no que Sean caiu numa rua de asfalto.
E Paris estava asfaltada, com trilhos de metal a atravessar-lhe, uma Avenue des Champs-Elysees com carros a circular. Buzinaço, pessoas e neve, que o Sol derreteu para voltar a nevar.
“Sean, meu filho?” a voz de seu pai Fernando Queise chegou até ele, vindo de um tempo longínquo.
— Deus... O que é o tempo? — Sean arregalou os olhos azuis para o carro Peugeot Type 150 de 1914. — “Porém, atrevo-me a declarar, sem receio de contestação, que, se nada sobreviesse, não haveria tempo futuro, e se agora nada houvesse, não existiria o tempo presente”.
Mas não foi só Santo Agostinho quem atravessou os anos pensando o tempo, foi todo um tempo, toda uma Paris mergulhada na Primeira Grande Guerra.
Sean viu carros de refugiados em meio uma Paris chique, de mulheres de saias longas, mais discretas e chapéus mais adornados, muitos, de gosto duvidoso quando um som chegou até ele; eram belgas. Famílias inteiras fugidas, sofridas. Havia agitação e tristeza no ar da guerra que estava frio. Sean sentiu que apesar do tempo lhe atravessar suas dores atravessou com ele.
Sua perna ainda sangrava e era provável que Halph Rohan estava atrás dele tão vivo quanto ele, com uma contusão na cabeça. Ficou parado tentando se situar, tentando entender a grande construção à sua frente. Buscou placas, qualquer identificação. Uma praça lhe deu a informação; aquela era a Universitè Sorbonne. Estava no Quartier Latin, lado esquerdo do Sena. Sean não tinha muita certeza de como era na época, mas em sua última visita à Paris, havia muitos bistrôs por ali.
Tinha fome, frio, sono.
Sean conseguiu carona numa carroça lotada. Ninguém percebeu que ele estava outra vez démodé para o ano, com uma calça suja de sangue. Alcançou a Galeries Lafayette decorada para a visita do Rei George V e a Rainha Maria. Agora se situou numa Paris próxima ao evento, 18 de Abril de 1914; sabia estar ente a Rue de La Chaussée D’antin e a Igreja da Santíssima Trindade.
“1914!”; Sean teve medo do que pensou.
Sabia que sua ida a Suíça falhara, mas precisava descansar, alcançar um lugar seguro para dormir já que para ele o tempo não era o mesmo.
Mosteiro Roussanou, Meteora; Grécia.
19 de novembro.
Oscar Roldman adentrou o quarto de Erianthia quando ela acabava de voltar de sua viagem astral.
— Você... Sean está bem?
— Está vivo. Se isso lhe bastar — Erianthia levantou-se da cama cansada.
Oscar não acreditou no que ouviu. Na frieza com que as palavras lhe foram ditas.
— Sean está onde se o tempo não corre igual?
— Paris de 1914.
— Paris está em guerra?
— Sean acaba de chegar lá. Galeries Lafayette.
— Onde ele estava?
— Não sei. O perdi no réveillon de 1900 e agora ele apareceu ferido em 1914.
— “Ferido”? Sean não conseguiu ir a Suíça?
— Não sei. Já disse que não estava concentrada nele. Fica difícil atravessar o tempo sem a sala vermelha, e esses dias foram difíceis.
— Trevellis quer trazer Mona Foad.
Erianthia sentiu medo no que ouviu. Porém, era a única a ter forças para ajudar Sean voltar.
— “Trevellis quer trazer”? Mona não quer vir?
— Ela está receosa com o que vai encontrar aqui.
— E o que... — e Erianthia parou o que ia dizer.
Oscar também não se fez de rogado. Virou-se e saiu do quarto de Erianthia, no mosteiro, na Meteora, na Grécia do ano vigente, com um sorriso tão cínico quanto Sean daria.
24
Paris; França.
18 de Abril de 1914.
Sean viu a noite de Paris escurecer de uma maneira inédita. Mas havia algo errado ali; ainda havia algo errado com o tempo. Atravessou a rua escura. Estava parado ali por perto por um bom tempo, esperando o comércio fechar quando a imagem de Mona se fez e desfez no meio da rua. Sean teve medo daquilo; daquilo e do odor que se aproximava.
Sabia que não estava só.
Ficou atônito tentando encontrar algo para se defender e um braço rasgou o ar avançando sobre seu rosto. Sean foi ao chão pelo soco desferido por um Halph Rohan original.
— Não é rápido para mim, Sr. Queise.
Mas Sean foi rápido sim, no giro de pernas que derrubou Halph Rohan da fenda temporal e o trouxe, fazendo sua cabeça e depois o corpo todo atingir o piso da Paris de 1914 em com força.
— Ehhh!!! — gritou Erianthia indo ao chão tonta, no meio do corredor do mosteiro sob as vista de Mr. Trevellis, Oscar, Baco, Nympha, Pallas, Ophelie e Mona Foad, que acabara de chegar.
— Erianthia?! — correu Baco a acudi-la.
— Não!!! — gritou Mona. — Por Allah! Ele está concentrado nela.
— “Ele”? — Oscar teve medo daquilo.
E a imagem de Mona Foad foi a próxima. Mona mal conseguia se firmar. Sua imagem ia e vinha para susto de Mr. Trevellis.
— Mona? — chamou Oscar.
— Halph Rohan está sugando Erianthia — Mona apontou para Erianthia que começava a virar rabiscos como Sean já vira Paris em suas viagens.
— Façam algo!!! — gritou Mr. Trevellis a cair no chão desacordado.
Ophelie e Nympha arregalaram os olhos para o corpanzil jambo no chão de madeira envelhecida e Oscar olhou Mona.
— Ele ia atrapalhar! — foi a própria Mona quem deixou claro quem o derrubara. Depois Mona se concentrou em Erianthia. — Volte Erianthia! Tenha força!
— Ehhh!!! — gritava uma parte de Erianthia desaparecendo do mosteiro.
— Por Allah! — Mona arregalou os olhos para a imagem de Erianthia que a olhava.
— Por que Erianthia se rabiscou e voltou a se formar, Mona? — Oscar teve medo do que achou que aconteceu. — Mona? Quem é... — e apontou para a imagem de Erianthia que outra vez rabiscou-se para então se firmar, e ir ao chão desmaiada. Oscar olhou Erianthia no chão, tonta. — Aquela era...
— Aquela era Aagje! — falou uma Mona firme. — Ela é a ligação de Sean com esse mundo, e Halph Rohan está vindo para cá, para o mosteiro, através do espírito de Aagje que sofre no limbo — Mona anunciou num pânico jamais sentido. —, e Halph Rohan vai tentar destruir Erianthia para alcançar Aagje e destruir Sean assim.
— Destruir Aagje? Mas ela não está... — e Oscar não conseguiu calar-se com o olhar e a força psíquica de Mona Foad.
Oscar viu Erianthia outra vez em rabiscos no chão do piso do mosteiro da Meteora, viu Erianthia, viu Aagje e viu Erianthia sorrindo-lhe. Havia algo ali que Oscar não entendeu.
“Ou entendi?”; se perguntou.
— Não deixe Halph Rohan vir para cá, Erianthia! — foi o que Oscar exclamou.
Mona olhou Oscar naquela ordem.
— Como se pudéssemos detê-lo Sr. Oscar Roldman… — Erianthia cerrou os dentes nervosa.
Mas Oscar achava que podia sim, detê-lo.
— Todos para a sala vermelha! — Oscar deu a ordem. — Agora!!!
Nympha, Ophelie, Pallas e Baco se viraram para ajudar Erianthia.
— Não!!! — Nympha gritou apontando para Erianthia que ficava quase transparente.
— Droga! — Mona correu, entrou na sala vermelha, sentou-se na cadeira e os espelhos se abriram. Mona sumiu se materializando na Paris de 1914, na frente de Sean e Halph Rohan que lutavam corpo a corpo no chão úmido.
Sean só a olhou. Mas Halph Rohan fez mais, se ergueu e se jogou dentro da imagem de Mona a fim de atravessar os anos.
— Ahhh!! — gritou Baco e Ophelie ao ver o rosto de Halph Rohan atravessar o espelho da sala vermelha para onde estavam levando o corpo rabiscado e inacabado de Erianthia, e avançar sobre Mona sentada em transe numa das cadeiras.
Mas Sean pegou Halph Rohan pelos os pés puxando-o de dentro da alma de Mona, que gritou para acabar desacordada no chão da sala vermelha, na Meteora, para onde voltara sob os fortes olhares de um Oscar apavorado, de uma Erianthia que tremia, a ver um Mr. Trevellis sem conseguir falar absolutamente nada após acordar.
Já Halph Rohan foi outra vez ao chão úmido da Paris de 1914 para então Sean jogá-lo contra a parede feito boneco. Sean fugiu enquanto Halph, tonto se ergueu para sumir e aparecer na frente dele se chocando com Sean.
— Ahhh!!! — e os dois foram ao chão em luta livre, corpo a corpo, sob socos novamente.
Halph, mais forte do que Sean supunha que ele fosse, deu-lhe um soco de mão cheia na coxa ferida.
— Ahhh!!! — Sean sentiu que todas as dores já sentidas até então em sua vida em nada pareciam com aquilo. Toda sua musculatura retesou enquanto Halph correu a desaparecer, aparecer no beco e voltar para onde deixara Sean, agora com uma arma nas mãos, já mirando Sean quando esse se virou com toda força, a que ainda tinha e levantou-se correndo, caindo e levantando e caindo. Um projétil atingiu a parede atrás dele, do lado dele, nele. — Ahhh!!! — Sean foi ao chão com a perna esquerda outra vez ferida. Arrastou-se tentando alcançar a rua, a multidão, sentindo muita dor, odiando-se por não ter tentado chegar a Galeries com o movimento ainda de gente na rua. Outro tiro e Sean abaixou-se. Mais dois tiros e Halph Rohan parou para recarregar a arma. Sean correu, caiu e correu outra vez. Não sabia mais onde estava, toda sua orbe se embaçou e suas mãos lotaram-se de sangue da perna que segurava na fuga alucinada. — Erianthia?! — gritou. Cavalos adiante fizeram seus cascos atravessarem o silêncio da noite junto ao tiro ouvido. Os cavalos se agitaram e a carruagem se descontrolou. Sean ainda teve tempo de se jogar na calçada e não ser atropelado já que mais tiros se faziam atrás dele, e Sean se arrastava mais que corria. — Erianthia?! Erianthia?! Erianthia?! — gritava desesperado.
Erianthia sentiu-se tonta outra vez. Todo seu corpo rabiscava-se perante Oscar na sala vermelha.
— Sean... — sua boca soava sons metálicos.
— Erianthia?! Socorro!!! — implorava Sean nos espelhos da sala vermelha onde Erianthia, Oscar, Mona, Ophelie, Baco, Pallas, e Nympha, os sete, sentavam-se em torno do sinal vermelho no piso.
— Vá! — Oscar deu a ordem a Erianthia.
— Não!!! Vai Baco! — gritou Mona nervosa. — Precisamos da força de Erianthia aqui para trazermos Sean...
Erianthia olhou Oscar, que olhou Mona, e voltou a olhar Oscar.
— Vá Erianthia! — ordenou Oscar outra vez. — Eu sento aqui duplo! — Oscar desafiou Mona Foad ao sentar-se em meio aos espiões psíquicos que não acreditaram que Oscar Roldman tivesse aquela força quando dois Oscar Roldman se fizeram ali.
Mr. Trevellis sorriu satisfeito com o amigo velho e Erianthia não esperou mais nada. Sumiu da sala, das vistas, dos espelhos que não conseguiam captar Paris de 1914, enquanto Mona Foad se satisfazia por fazer Oscar Roldman participar da vida do filho, enfim.
Sean caía no chão toda vez que se levantava. Mas foi ao chão agora pelo pedaço de madeira que lhe atingiu as pernas; as duas.
— Ahhh!!! — Sean mudou o foco de visão os planos de visão e os dois pés perderam o piso voando pelos ares, para então seu corpo atingir o colchão macio do Astra Hotel. Sean se ergueu atônito, mancando, rodeando o quarto, o colchão macio onde caíra. — Grécia? — Sean girava em torno dele mesmo a sentir o sangue pingar no piso do hotel que rabiscava que ganhava contornos Art Nouveau, sons noturnos.
Sean voltava a Paris de 1914 na mira da arma de Halph Rohan.
— O que Sr. Queise? Viajando?
Sean entendeu naquela hora que ele podia, que ele Sean Queise sempre pôde fazer aquilo. Viu-se por segundos saindo da suíte do Burj Al Arab nervoso, indo a Computer no Brasil dando a ordem a Gyrimias na sala dele, e voltando aos corredores dourados do Burj Al Arab, com duas mulheres atrás, Aagje e Erianthia, vendo-o fazer aquilo, aquela viagem pelo tempo.
Arregalou os olhos.
— Deus... — soou da sua boca; de alguma forma ele também era um Zelador do tempo.
Halph Rohan disparou a arma e o piso tomou-se de neve, de um frio cortante e sons de sinos e ele arregalou os olhos no que as vacas o derrubaram.
— Ahhh!!! — as vacas passavam por cima dele quando Halph se ergueu furioso com a vista; havia um pasto amplo, nele havia neve, com o piso branco em que Sean corria com dificuldades. Ele atirou e Sean foi ao chão nevado sem que o projétil lhe atingisse. — Sr. Queise?! — gritou Halph Rohan cada vez mais descontrolado correndo atrás de um Sean Queise que afundava na neve sentindo a perna ceder.
Outro projétil e mais um, e Sean mesclou tudo. Havia fumaça no ar, neve por onde corria, um piso de madeira e bancos, sons de vacas mugindo e pessoas esperando um trem em que Sean se jogou para dentro. Halph Rohan deu um salto e entrou no trem, também.
Sean se arrastava pelos corredores apinhados, nervoso com a data.
— Que ano? — perguntava para um. — Que ano? — perguntava para outro. — Que ano estamos? — todos se assustavam com Sean, com suas roupas ensanguentadas, sujas de neve, cheirando água parada de uma Paris de 1914. — Em que ano estamos?! — gritou Sean pela última vez a dois homens.
— 1902! — respondeu Erianthia lhe observando.
Sean arregalou os olhos azuis para a arma apontada para a cabeça dela.
— O que Sr. Queise? — ria Halph Rohan debochado lambendo o rosto de uma Erianthia pouco nítida. — Ah! Não sabia que eu sabia sobre sua nova namoradinha esquisita?
Mas Sean também viu Sandy Monroe atrás de Halph Rohan que beijava uma Erianthia embaçada, incomodada, ‘esquisita’.
— Achou mesmo que podia me deter? — voltou Halph Rohan a questioná-lo.
— Achei? — respondeu Sean com cinismo.
E todos os quatro se transferiram para a sala vermelha; Sean Queise, Erianthia Papadopoulos, o fantasma de Sandy Monroe e Halph Rohan, para o susto de Baco, dos dois Oscar, Mona, Nympha, Ophelie, Pallas e Mr. Trevellis juntos no mesmo espaço temporal estancados pela chegada deles à sala vermelha.
Halph Rohan então apertou o gatilho na cabeça de Erianthia, mas não havia arma, ela estava nas mãos de Mona Foad que sorria satisfeita.
— Apport... — soou da grande boca de Mona Foad no meio do circulo da sala vermelha.
— Não!!! — gritou Halph se queimando do fogo gerado por Erianthia que se agarrou nele indo ambos ao chão da sala vermelha em chamas, que acionou sprinklers de última geração no antigo mosteiro da Meteora.
Sean entendeu naquele momento o quanto Erianthia era esquisita para então ver um caminhão que se aproximava, e também ver o carro de uma Erianthia alcoolizada, em discussão com o agente Rupert, a filhinha de Erianthia na cadeirinha e o caminhão os atravessando após Erianthia ter colocado fogo no próprio carro.
— Não!!! — gritou Sean se rabiscando na sala vermelha molhada, sumindo, voltando ao trem suíço, ano 1902 entendendo que Erianthia havia morrido com Rupert e sua filha antes mesmo do caminhão os atingir.
Berna, Suíça.
1902.
A linha de trem de Wilderswill para Schynige Platte estava em operação há quase 120 anos, desde 1893. Sean Queise corria pelo piso de madeira do trem. Passava por um, por três, por cinco vagões até saltar no vácuo se jogando para fora do trem, caindo no gramado coberto pela neve com o trem a toda velocidade. Seu corpo rolou, rolou, rolou até se erguer ferido, sangrando, correndo pelas ruas da suíça alemã; Albert Einstein havia assegurado uma posição como examinador no Escritório de Patentes da Suíça no centro de Berna.
Um homem passeava com a família em uma charrete. Sean saltou para dentro ameaçando o homem com algo que ele não identificou de imediato.
— Nada vai acontecer se não gritar!!! — berrou Sean com uma arma na mão, a mesma que Ralph atirara nele, que matara seu pai. A mulher e as duas crianças também se calaram no susto do homem sujo, ferido, em fuga. — Só preciso chegar a... — olhou para os lados. — Está anoitecendo?
— O que? — o homem, sua mulher e as duas crianças não entendiam o que ele falava.
Quando Sean se tocou, falou em alemão.
— Está anoitecendo?! — gritou nervoso em alemão fazendo os olhos azuis brilharem na intensidade.
— Sim...
— Droga!!! — gritou. — Droga! Droga! Leve-me a 49, Kramgasse — e o homem não discutiu. Chegaram lá após o que julgou duas horas de puro terror. Sean tinha medo que Halph Rohan aparecesse do nada, que rasgasse o ar literalmente, que os atacasse e a charrete parou. — É a segunda janela à esquerda, no segundo andar — falou um Sean em choque.
— A luz está acesa, Herr.
Sean olhou o homem na charrete começar a ficar rabiscado para então ver Mona concentrada sentada na sala vermelha ao lado de Oscar, ao lado de Baco, ao lado de Pallas, ao lado de Ophelie, ao lado de Nympha, ao lado de um segundo Oscar, para então não ver mais ninguém lá e voltar a ver o rosto assustado do homem na charrete.
Sean percebeu que Halph Rohan havia fugido do controle dos espiões psíquicos, provavelmente armado no que olhou sua mão e a arma já não estava ali, com ele.
— Nonsense... — foi só o que conseguiu falar.
Saltou mancando, caindo, voltando a levantar para ver a charrete fugir. Sean correu para a casa de Albert Einstein a fim de avisá-lo, mas voltou a encontrar Halph Rohan apontando-lhe uma arma, a mesma.
Sean só teve de piscar e o projétil rasgou-lhe o ombro direito. Ele foi ao chão sob os gritos distantes de Erianthia.
“Sean?!”, gritava alguém distante.
Sean procurou, mas não a viu. Viu Halph Rohan que parecia ter escutado, também. Apontava para um lado, para outro, mas nada encontrava. Sean ainda tentou se levantar, mas a força da gravidade falou mais forte.
— Você não vai conseguir Sr. Queise! — vociferava Halph. Sean ainda tentou, mas voltou a cair sob os olhares dos componentes nos espelhos da sala vermelha, sob o olhar de Halph Rohan na Suíça de 1902. — Eu disse que não vai conseguir Sr. Queise. E sabe por quê? Porque vou matar Albert Einstein quando ele sair para trabalhar. E Albert Einstein vai morrer para que eu possa assumir tudo o que ele fez — riu.
— Wow... — Sean riu, também.
Mais pela dor que pelo ato de rir.
— Admita Sr. Queise! Você falhou!
— Falhei? — Sean ergueu o sobrolho cansado, adoecido pelas ações, pelas ações nonsense que vivera, que se permitira viver.
— Vamos Sr. Queise! Admita! — gargalhava Halph Rohan. — Você falhou!
— Falhei? — repetiu um Sean cínico e a cidade de Berna acelerou.
Neve, chuva, Sol, e neve e calor e frio. Ventos que cortavam os dias gelados e chuva e calor que derretiam a neve do chão da Rua Kramgasse. Halph Rohan outra vez girava e girava em volta dele próprio tentando entender o que Sean fazia.
— Pare com isso!!! — berrou Halph nervoso vendo Albert Einstein entrar e sair de casa e várias vezes se seguindo, 1902, 1903, 1904, 1905, sem que ele conseguisse sair do lugar, sem que conseguisse matá-lo. — Pare com isso, já disse!!! — Halph atirou em Sean, mas nada saiu do tambor da arma. Halph Rohan chacoalhou-a sob a neve que caía, sob a chuva, o Sol, e a neve e o calor e o frio, e ventos que cortavam os dias gelados, e chuva e calor que derretiam a neve do chão da Rua Kramgasse de novo. — Eu vou matá-lo ‘filho de Oscar’!!! — berrava um Halph Rohan que envelhecia aos olhos de um Sean Queise que morria.
E tudo se transformava; 1906, 1907, 1908, 1909 e toda a arquitetura, decoração, provável o vestuário dos homens e mulheres que passam pela Rua Kramgasse. Neve, chuva, Sol, e neve e calor e frio, e ventos e chuva e calor que derretia a neve do chão da Rua Kramgasse.
Sean só olhava o redor e mais neve e calor e frio, ventos que cortavam os dias gelados, e chuva e calor que derretiam a neve do chão da Rua Kramgasse até a própria cidade de Berna se modificar, ganhar contornos de cidade grande, ar carregado e som de vozes entrecortadas em meio ao buzinaço, e luzes que enfeitavam a Paris que se mesclava a Suíça, que se mesclava a Paris, que se mesclava a Suíça que voltava a ser Paris de hoje com o decrépito Halph Rohan a ter uma companhia no mínimo inusitada.
Sean olhou-o e Halph Rohan ainda teve tempo de se virar e ver seu destino. Monstros do cretáceo o aguardavam às portas das Catacumbas; ‘Crypte du Sacellum’, ‘Lampe Sepulcrale’, ‘Fontaine de la Samaritaine’ e todas mais.
— Ahhh!!! — o grito de Halph Rohan atravessou as dimensões.
Sean fechou os olhos aos pés da Senhorita Agente Erianthia Papadopoulos Agasias, que acabava de deixar ao seu lado passaportes preparados pela Polícia Mundial.
A ‘Police’ e as ‘Ambulanciers paramédicaux’, após receberam o chamado para um turista ferido por ladrões às portas das Catacumbas do ano vigente.
FINAL
Avenue Des Champs-Elysees, 75008; Paris, França.
25 de novembro do ano vigente.
Sean abriu os olhos após sentir um suave aroma de café misturado a brioches com muito queijo gruyère em cima. Erianthia sorria-lhe da mesa onde tomava café, esperando ele acordar da medicação aplicada por ela após o resgate.
— Estou...
— Vivo! — e levantou-se para perto dele.
— Deus... Nunca vou entender, não?
— Provável não — e o beijou.
Sean sentiu aquele beijo como uma despedida.
— Onde... — olhou em volta tentando se erguer.
— ‘Lendário’ Hotel Lancaster. Sabia que ele foi construído em 1889?
Sean riu sentindo dor.
— Margot?
— Viveu enquanto viveu.
— Deus... Eu a vi desmanchar-se ao meu lado.
— Mas ela não estava lá. Aquilo eram resquícios do tempo.
— O que houve com ela?
— Ela fez o que lhe pediu. Comprou uma casa, montou um negócio; Maison de Couture Margot.
Sean sorriu, ficou um tempo sem ter o que falar e Erianthia o observava com gosto.
E ela estava mais linda, mais iluminada.
— Seu rosto está... — ele teve medo de continuar a frase.
Erianthia pegou a mão dele e acariciou seu rosto. Ele sentiu a pele úmida, nova que ela tinha. Ela caminhou sua mão até seu seio que Sean quis engolir.
— Halph Rohan? — Sean tirou sua mão.
Ela se afastou dele.
— Morto.
— Einstein?
— Vivo! Enquanto viveu!
— Deus... Meu pai?
Erianthia se afastou mais ainda e foi abrir as cortinas de fino voil branco. Sean chorou na entrada da claridade. Sabia que não podia mudar a morte do pai; nem de Sandy. Provável nem da filhinha e do marido de Erianthia. Dela própria, de Aagje.
— Por que não estamos no Astra Hotel? Por que não fez apport? — Sean olhou em volta.
— Porque não posso mais.
Erianthia abaixou a cabeça.
— Quando eu saí do Burj Al Arab... — Sean tomou-se de forças e Erianthia esticou os olhos para uma Paris moderna. — Você me seguiu?
Ela voltou seu olhar para a cama, para Sean na cama.
— Ehhh…
Sean sentiu toda sua pele arrepiar-se.
— Os acidentes estavam trocados não? Era Aagje naquela banheira. Ela desobedeceu sua premonição sobre os 44 anos, não aceitando como você era, como ela própria era. Então eu fiz apport de mim, me teletransportei até a Computer Co. muito bravo, dei ordens a Gyrimias para ir as Ilhas Cayman e voltei ao Burj Al Arab para ir com ela, no dia seguinte, visitar as zeólitas onde o helicóptero preparado por Halph Rohan caiu e matou Zenon e ela própria, onde ganhei essa cicatriz no rosto direito; na primeira queda — tocou-se novamente. — Mas eu não morri, por isso ninguém me achou nos escombros, porque fiz outra vez apport de mim mesmo.
— Ehhh... — foi só o que Erianthia disse.
— Então saí de Santorini para Londres, para contar a Oscar do acontecido. Peguei coincidentemente o voo 5674 que vinha de Dubai com escala na Grécia para seguir até Londres, e Halph Rohan outra vez tentou matar-me. Então o avião apresentou problemas e começou a cair, eu plasmei a pista e ele aterrissou, provável de nariz na areia, fazendo sua fuselagem romper-se e todos os passageiros serem cuspidos de lá. Eu então plasmei um saguão, com pessoas vivas se cuidando e mortas esperando, esperando quase um mês para sua alma seguir caminho — Sean se ergueu da cama, sentiu o repuxo na coxa esquerda ferida, com curativos e antibióticos de ponta. Passou a mão no rosto, na face direita, a cicatriz estava lá. — Por que Trevellis queria saber por que eu desapareci Erianthia? Por que Trevellis a fez voltar ao Burj Al Arab com Gameliel? Foi porque Trevellis nunca fez isso não? Foi você, para seu deleite, plasmando as ideias de Trevellis, fazendo-o achar que ele queria aquilo.
— Não... não... Eu só queria salvar Aagje... Queria que você voltasse para...
— E eu fui quantas vezes ao Burj Al Arab Erianthia?! — se alterava. — Quantas?
Erianthia arregalou os olhos.
— Eu só queria salvar minha irmã... Como não consegui salvar minha filhinha...
— Deus... Erianthia. Quantas vezes você...
— Eu precisava terminar Sean. Não entende? — chorava. — Consertar meus erros.
— “Voltar”? Eu sabia, não? O tempo todo eu sabia?
— Sim, Sean. Você sabia que éramos irmãs, e sabia que não éramos gêmeas, mas sabia que éramos parecidas. E você se sentiu arrasado pela morte de Aagje que tentava vezes e vezes voltar a suíte do Burj Al Arab, e fazer você ver que cairiam. Mas você escapava sempre e sempre ela morria.
— Deus... ‘Há tal hora tal coisa ia acontecer’ e a hora no aparelho, no momento exato, mudava, era a hora estipulada... — Sean sentou-se aturdido na cama da suíte do Hotel Lancaster. — Imagino a raiva do verdadeiro Trevellis quando eu descobri, quando saí do Burj Al Arab irado com você Erianthia, com Trevellis, com Mona, com a Poliu e mandei Gyrimias tirar todo o dinheiro antes que... Antes que Trevellis descobrisse o que fiz com Spartacus, porque no saguão, eu descobri o que me aconteceu, descobri sobre os alienígenas do cretáceo e provável descobri sobre o telegrama. Mas tudo se apagou no que você girou o tempo, como as camisas que envelheciam. E o tempo correu mais no final e se acomodou. Então eu apareci em São Paulo, quase 30 dias depois — olhou Erianthia cada vez mais iluminada. — Que pena, não Erianthia? Pena que eu não entendi quando vi Aagje incendiada na banheira de sais perfumados.
— Nosso destino estava traçado.
— É! O destino de duas irmãs morrerem aos 44 anos de um fogo tão diferente um do outro.
— O destino é algo estranho mesmo, não Sean? Sou cinco anos mais velha que Aagje, e morri cinco anos antes dela, e ambas morremos aos 44 anos.
— No desastre com o caminhão; você se incendiou durante a discussão e matou Rupert, sua filha e você própria antes mesmo de se chocar com o caminhão?
Erianthia abaixou a cabeça.
— Ehhh...
— Mas você voltou, como um espírito evoluído.
— Ehhh! Para consertar erros...
— Deus...
— E Mr. Trevellis colocou-me de volta na sala vermelha após me contar sobre o telegrama enviado à Poliu de 1900.
Sean teve medo daquilo, dela, dele próprio.
— Mas mesmo eu me avisando no telegrama tudo o que passaria, eu caí; Aagje se feriu, resistiu por um tempo porque eu a salvei da explosão, a que morreu o piloto, seu secretário Zenon, que foram captados pelos espiões no mosteiro, mas que vieram a falecer e eu não. Então Halph Rohan tinha que fazer outra coisa...
— Ehhh!
— Então Halph Rohan matou meu pai que foi àquele encontro na Transilvânia porque no telegrama eu não avisei sobre sua morte — olhou-a. — Mas eu avisei. Avisei na agência Havas para que meu pai não fosse àquele encontro. Avisei Oscar e Trevellis que meu pai iria, e Oscar havia dito que pediu para ele não ir, mas meu pai Fernando não acreditou no que o telegrama guardado desde 1900 avisava — engoliu a saliva a seco. — Deus... Isso é nonsense.
— Sinto Sean, mas Ralph o queria morto, queria Spartacus e já não precisava de você. Ia barganhar com os alienígenas sem sua presença — e sorriu um sorriso iluminado. — Só não era hora de você morrer.
Erianthia sorriu brilhando e Sean viu algo que não vira antes. Algo que talvez ele realmente não tenha escrito.
— O que eu disse naquele telegrama, Erianthia? Será que no passado escrevi realmente a mesma coisa que escrevi no futuro, Alice?
Ela se assustou com a questão.
— Sean… Eu…
— Por que meu pai, Oscar e Trevellis não poderiam me mostrar o telegrama? Dizer-me o que fazer?
— Para que não soubesse...
— O que eu escrevi?! — berrou descontrolado.
Ela suspirou profundamente.
— Escreveu sobre a viagem a Paris de 1889, as catacumbas, Halph Rohan e seu doppelgänger em 1901, e a morte de Albert Einstein. Que você ia tentar salvá-lo — Erianthia só piscou. — Louis Bourdaloue tinha razão Sean, nada existente é mais precioso que o tempo, pois ele é o preço da eternidade.
— Basta Erianthia! Diga o que mais eu escrevi naquele maldito telegrama?
Erianthia olhou o belo quarto onde estavam.
— Escreveu que a morte de seu pai aconteceria numa rua escura, escreveu que a morte de Syrtys e Aagje Papadopoulos estariam ligadas a esse homem por causa de alienígenas que estavam aqui desde o cretáceo, e pediu que a Poliu de 1900 se comunicasse no futuro com um homem chamado ‘Mr. Trevellis’, que investigaria os alienígenas de todos os tempos; e escreveu que o tempo sempre foi indefinível em palavras — Erianthia olhou Sean em choque.
— Por que não acredito que seja só isso? Por quê? Por que Erianthia?! O que mais eu escrevi; Erianthia?! — berrou.
Erianthia sorriu se iluminado outra vez. Sentou-se calma e corretamente na cadeira e voltou a sorrir.
— Chico Xavier foi bem feliz em sua meditação Sean, a questão mais aflitiva para o espírito no Além é a consciência do tempo perdido...
E Sean gritou:
— Ahhh!!! — e gritou porque sentiu que todo seu peito era comprido. Seus olhos se fecharam e ele voltou a gritar. — Ahhh!!! — gritou mais uma vez no que abriu os olhos com o coração acelerado, a boca seca, o corpo dolorido. Estava sentado num sofá feito para aproximadamente 20 pessoas e ele dava a volta na sala. A TV ficava tão adornada no centro de cortinas e mais cortinas que mal se via sua imagem e o tapete fazia tantos losangos que sua vista se enganava com o piso. — Eu... Eu...
“O tempo sempre foi indefinível em palavras, Sean...” “O tempo sempre foi indefinível em palavras, Sean...” “O tempo sempre foi indefinível em palavras, Sean...”, ecoava a voz de Erianthia.
Sean Queise arregalou os olhos para ver um homem parado à sua frente.
— Desculpe-me Sr. Queise. Temo ter demorado tanto que adormeceu, pelo visto.
— Dormi? — Sean viu outra vez a sala de cortinas e mais cortinas que mal se via sua imagem e o tapete fazia tantos losangos que sua vista se enganava com o piso.
— Não dormiu?
Naquele momento Sean percebeu que a alma dele ficou quase um mês com ela, recuperando-se, que Erianthia se tornara um espírito evoluído pelos dons paranormais que possuíra em outras encarnações, que voltara para consertar erros. Erros que Aagje nunca entendeu porque nunca soube que a irmã morrera, que voltara.
— Ah... ‘Consertar erros!’; será que posso também?
— Sr. Queise está bem?
— Você é...
O homem piscou duas vezes antes de responder.
— Zenon Kanapokolo, Senhor — ele viu Sean calar-se para um homem que nunca tinha visto antes, porque o verdadeiro Zenon nunca lhe fora apresentado. Zenon então saiu e sumiu de suas vistas para retornar com uma bandeja adornada. — Nós gregos achamos que não é aconselhável beber de estômago vazio. Então trouxe Melitzanosalata, tzatziki, e taramosalata, respectivamente, patê de berinjela, de alho e ovas de peixe para acompanhar a Ouzo! — Zenon Kanapokolo apontou para a bebida. — Pronuncia-se ‘Uso’. É uma bebida grega transparente produzida a partir da fermentação da casca de uva, aromatizado com anis. Teor alcoólico por volta de 44%.
“Wow!”, Sean sentia que se coração disparara de tal forma que não conseguia mais estabilizá-lo.
— Ah... Que dia é hoje?
— “Dia”? — Zenon voltou a piscar algumas vezes. — Vejamos... 27 de setembro, Senhor.
Sean engoliu a seco tal resposta.
— Zenon... — Sean balançou o pescoço sentindo tudo travado. — Se percebeu não vim até Dubai para ficar conversando com você… — Sean mal sabia o que falava.
— Entendo Senhor — e o secretário sumiu mais uma vez, agora por uns dois minutos e voltou com o interfone nas mãos. — Sim... sim... Trago champagne Dom Pérignon Rose. Sim... Vintage. Sim... 1990! — Zenon Kanapokolo olhou Sean o olhando. — Ela também sabe saborear bebidas, Sr. Queise.
Sean dessa vez nada objetou. Nenhum único pensamento. E o secretário foi e voltou milhares de vezes no tocar ininterruptos da campainha da suíte real com o modo todo dele de andar, trazendo e levando coisas.
Sean viu toalhas irem e voltarem intactas. Também alguns travesseiros que constavam de uma lista de escolhas até que o champagne chegou.
Zenon Kanapokolo entrou e saiu do quarto enfim, anunciando:
— Ela vai vê-lo — apontou para o quarto.
— Ver-me...
— Ela vai vê-lo, Sr. Queise — continuava a apontar para a porta dupla do quarto.
Sean entrou na suíte não mais sentindo tais sensações. Nenhuma sensação ou flash que lhe perseguiram no passado que nunca existiu.
— Santo Agostinho tinha razão... — soou da sua boca ao adentrar na sala de banho ricamente decorada. Lá, uma mulher branca, de negros cabelos agora úmidos, dentes alvos, rosto iluminado e bem desenhado em seus perfeitos quarenta e quatro anos, com insinuantes olhos azuis, e que o observava de dentro da espaçosa banheira jacuzzi. — Não é uma reunião de negócios, é? — Sean teve vontade de voltar a perguntar no que ela se mexeu e mostrou dois pares de seios fartos explodindo na espuma da banheira.
Aagje Papadopoulos viu que homem lindo Sr. Queise vinha se tornando desde a última vez em que o vira no astral. Loiro, com cabelos que se enrolavam vez ou outra emoldurando a pele brilhante deixando os olhos azuis se seguirem na busca. Lábios grossos, 1.82, corpo atlético; Sean era belo mesmo com a cicatriz que lhe rasgava a face direita.
Ela, Aagje Papadopoulos, também era bela.
— Champagne? — ela ofereceu uma taça.
Sean se inclinou para pegar a taça. Suas mãos se tocaram até ele sentir todo seu corpo ser tomado por flashes de labaredas tomando conta do ar, da terra agora lotada de vegetação e um assovio ensurdecedor do motor de um helicóptero em chamas.
“Sr. Queise? Sr. Queise?”
Sean voltou a si, Aagje o observava com afinco, do equador para baixo a bem dizer; e Sean arriscaria dizer ‘como de costume’.
Riu sem que Aagje entendesse aquilo.
— O que quer de mim, Senhorita? — ele percebeu que ela gostou do que ouviu, de como ouviu. — É que... Eu achei que havia sido convidado para um ‘café da manhã de negócios’ — olhou a garrafa de champagne voltar a ser mergulhada no balde de cristal lotado de gelo.
— Mas vamos...
— “Vamos”?
— Tomar café...
Sean voltou a olhar em volta.
— E vamos tomar café depois de abrir uma garrafa de 15 mil dólares as oito da amanhã?
Aagje Papadopoulos gargalhou insinuante se erguendo de tal forma que os dois bicos duros e salientes dos seus seios explodiram para fora da espuma cheirosa, dos sais perfumados que penetravam na narina dele.
Sean virou os olhos com calma atrás da câmera. Olhou-se no espelho, e a cicatriz ainda estava no rosto bonito.
“Droga!”
— Pensei que ia me mostrar suas zeólitas? — soou da sua boca em choque.
Foi a vez de Aagje se assustar.
— Quem paga para me vigiar?! — ela alterou o timbre de voz.
Sean pressentiu briga.
— Ninguém. Sabe tão bem quanto sua irmã Erianthia Agasias, agente da Poliu, que posso ler pensamentos.
Aagje arregalou os olhos nervosa. Ela sabia. Sabia que Sean era especial como elas, como Erianthia Papadopoulos.
— Conhece... Conhece minha irmã?
— Não. As filhas de Syrtys Papadopoulos sempre foram incógnitas para mim.
Aagje gargalhou nervosa.
— Mas sabe que Erianthia é uma agente da Poliu, casada com outro agente da Poliu.
— Da Poliu, sei tudo — Sean encarou a câmera que os gravava e teve prazer de dizer aquilo.
Prazer também, de saber que Mr. Trevellis o gravava.
— Vai perceber com o tempo que sou melhor que ela, Sr. Queise.
— Sabia que todos os grandes filósofos, em todas as épocas, pensaram o tempo, a concepção do tempo? Que todos os pensadores tentaram entendê-lo, Srta. Papadopoulos?
— O tempo... — soou metálico na voz dela.
Sean não se deixou levar.
— Anaximandro de Mileto acreditava que o princípio dos seres era o ilimitado. Na refutação de Hipólito, ele disse que para Anaximandro a natureza era sem idade e sem velhice, portanto, sem tempo. Para Parmênides o tempo era um processo mental de nossa percepção e o tempo mesmo não existia. Seu discípulo, Zenon de Eleia, chegou a criar o famoso paradoxo do corredor Aquiles e a tartaruga.
— Por que está me dizendo isso?
— Acredita se eu disser que não sei? Que não sei as respostas aos enigmas do mundo? — e olhou-se no espelho, ele e sua cicatriz. — Mas sei, porém, que Tales também era de Mileto, um filósofo que disse: “Deus é o mais antigo dos entes, porque ele é por si mesmo. O mundo é isto, que de mais belo existe, porque ele é a obra de Deus. O espaço é aquilo, que de maior existe, porque ele contém tudo. A mente é isto, que de mais rápido existe, porque ela corre através de tudo. A necessidade é o que há de mais forte, porque ela tudo rege. O mais sábio é o tempo, porque ele descobre tudo” — sorriu-lhe magnificamente.
— Você é esquisito, Sr. Queise. Jovem, bonito e esquisito. Só espero que minha irmã Erianthia não lhe choque quando a conhecer.
— Conhecer? Sua irmã? Não! Não faço questão alguma.
— Ótimo! Não quero falar nela, então. Talvez até falemos, mas depois do café...
— Ah... O café depois do champagne caro... — riu consigo mesmo.
— Sim... — seu sorriso iluminou-se. — O café fica para depois da garrafa de 15 mil dólares, do almoço de 30 mil dólares, da tarde de compras de 550 mil dólares, e é claro, da noite das arábias que vou precisar depois de tanta emoção para então chegar ao café da amanhã — ela viu Sean rir agora sabendo por que ria. — Amanhã então, Sr. Queise?
Sean voltou a si.
— “Amanhã”?
— As zeólitas, Sr. Queise.
— Não. Não iremos ver as zeólitas, Senhorita.
— Não vamos?
— Não. O médium Chico Xavier disse que apesar de ninguém poder voltar atrás e fazer um novo começo, nós podemos começar agora e fazer um novo fim.
— Como é que é?
— Se eu puder... Se estiver ao meu alcance, ao alcance da Computer Co. fazer negócios com a Silicio Company, então faremos.
— Sem cogitar? — estranhou Aagje.
— Seu pai Syrtys Papadopoulos está morto, mas ele tinha negócios com meu pai, Senhorita, que morreu sem me contar sobre os negócios inacabados de ambos. Então vamos descobri-los e apenas prosseguir... — sorriu encantador.
— Ehhh... — Aagje jurava que não entendia mais nada. Nunca soube de negócios inacabados de seu pai que morrera meses antes, como o pai de Sr. Queise que morrera há tão pouco tempo.
Mas o equador dele era para lá de interessante. Porque ela o conhecia do astral, de onde visitava com Erianthia sua irmã nos poucos momentos de paz entre elas duas. E tinha que admitir que Sr. Queise era extremamente charmoso para ela começar uma briga logo no primeiro encontro.
— Vamos? — Sean apontou para a porta.
— “Vamos”? Aonde vamos?
— O quê? Está brincando, Senhorita? Dubai? Doze mil lojas?
Aagje gargalhou com gosto ao se levantar nua da banheira esticando a mão para Sean dar-lhe uma toalha atrás dele. Sean não fez de rogado, deu-lhe a tolha sem perder um único movimento da mulher quarentona, para lá de interessante.
— Posso lhe perguntar algo, Sr. Queise? — enrolou-se na toalha e se aproximou tanto que as roupas de Sean umedeceram. — A alma... Ela é eterna?
Sean suspirou encostando-se à parede também úmida. Por segundos viu Erianthia no corpo de Aagje; desviou o pensamento que pensou.
— Em Santo Agostinho, a alma é a sede das capacidades humanas de compreensão; os tempos só existem na mente e a eternidade não é tempo infinito, mas existência sem limite.
Aagje ficou apaixonada pelas palavras, por ele.
— Sabe que sou ‘Dvocevkis’, não Sr. Queise? — Aagje olhou Sean lhe olhando. — Aberta a todas as possibilidades? — traduziu.
— Pois eu não sei se estou tão aberto assim Srta. Papadopoulos, já que amo Kelly Garcia.
— Uma pena... Tenho como mudar suas ideias?
Sean agora gargalhou com vontade.
— Também não sei se ideias se mudam Senhorita, mas vou fazer o possível para entretê-la numa terra de mil e umas noites — sorriu cínico.
— Ehhh... — Aagje Papadopoulos sorriu satisfeita e o puxou largando-o em seguida no mais puro charme.
Aagje passou por ele indo para o quarto se vestir e Sean foi atrás dela no quarto cruzando o espelho embaçado da sala de banho.
— Alice... — Sean olhou o rosto que não mais tinha cicatrizes ou marcas. — O que ela também encontrou por lá?
E se foi atrás dela, no quarto de cama redonda com dossel até o teto e móveis estilo Chipandelle.
Os lençóis macios os esperavam.

 

 

                                                   Marcia Ribeiro Malucelli         

 

 

 

                          Voltar a serie

 

 

 

 

                                                  

O melhor da literatura para todos os gostos e idades