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45

Confirmação

Como dizia o ditado, era chão que não acabava mais. A estrada era tão tediosa quanto qualquer engenheiro civil poderia torná-la, mas isso não tinha sido culpa de ninguém. O mesmo com a terra. Brown e Holbrook sabiam agora por que os Montanheses tinham se tornado Montanheses. Pelo menos lá havia o que olhar. Eles poderiam dirigir mais rápido, mas levava tempo até aprender as características deste monstro; eles raramente ultrapassavam os oitenta. Isso lhes garantia olhares venenosos de cada motorista ao longo da I-90, especialmente os caminhoneiros, que consideravam a oitava maravilha do mundo a ausência de um limite de velocidade na região leste de Montana, e os advogados — só podiam ser advogados — em carros esportivos alemães que passavam zunindo pelo caminhão dos Montanheses.

Aquilo também estava sendo trabalho árduo. Os dois estavam cansados depois da fase de preparativos. Todas as semanas de esforço para providenciar o caminhão, misturar os explosivos, moldar as balas e fazer o carregamento do caminhão. Tudo fora feito com pouquíssimas horas de sono, e não havia nada mais tedioso do que dirigir por uma interestadual no Oeste. Seu primeiro pernoite foi num motel em Sheridan, logo depois da divisa com Wyoming.

Chegar até lá, depois de seu primeiro dia dirigindo aquele caminhão maldito, quase acabara com eles, especialmente depois de atravessar a conexão entre a I-90 e a I-94 em Billings. Eles sabiam que o caminhão de cimento se manteria na pista com a mesma firmeza que um porco no gelo, mas a experiência real excedera seus piores pesadelos. Acabaram acordando depois das oito na manhã seguinte.

O motel era uma espécie de parada de caminhoneiros que abrigava motoristas de todos os tipos de veículos, desde carros particulares até jamantas interestaduais. O refeitório serviu um café da manhã farto, atacado por uma matilha de homens de modos rudes e algumas mulheres que não ficavam atrás.

A conversa dominante era previsível.

— Devem ter sido uns putos de turbante — opinou um caminhoneiro barrigudo com tatuagens nos antebraços carnudos.

— Acha mesmo? — perguntou Ernie Brown do fundo do balcão, esperando ter uma noção do que pensava esse povo.

— Quem mais iria atrás de pirralhos? Filhos da puta! — disse o caminhoneiro, voltando sua atenção para as panquecas de amoras.

 

— Se a TV estava certa, aqueles dois tiras fizeram jus ao salário — anunciou outro caminhoneiro, este de uma companhia leiteira. — Cinco tiros bem na cabeça. Pô!

— E quanto ao sujeito que protegeu a entrada, sozinho contra seis homens com fuzis? Com uma pistola. Derrubou três deles, talvez quatro. Esse aí morreu como um verdadeiro homem da lei americano. — Ele levantou os olhos de suas panquecas. Esse tinha um carregamento de gado. — Ele mereceu seu lugar no Valhala, pode ter certeza.

— Ei, eles eram federais, homem — disse Holbrook, mastigando sua torrada.

— Eles não são heróis. Que tal...

— É melhor parar por aí, camarada — avisou o homem do caminhão de leite.

— Não quero ouvir. Havia vinte, trinta crianças naquele lugar.

Outro motorista se manifestou.

— E aquele crioulo, mandando ver com seu fuzil? Putz, igualzinho a como a gente fazia na Divisão Blindada para a Segunda de Happy Valley. Eu não me importaria de pagar uma cerveja para o garoto, talvez apertar a mão dele.

— Você foi do Esquadrão Aéreo da Divisão Blindada? — perguntou o homem do caminhão de leite, dando as costas para seu café da manhã.

— Charlie, Primeira da Sétima — Ele se virou para mostrar o emblema da Primeira Divisão Aérea em seu casaco de couro.

— Gary Owen, meu irmão! Delta, Segunda da Sétima — Ele se levantou do balcão e caminhou para apertar a mão do homem. — Onde você ficava baseado?

— Em Seartle. O caminhão de peças mecânicas lá fora é meu. Estou seguindo para St. Louis. Gary Owen. Deus, como é bom ouvir isso de novo.

— Sempre que eu passar por aqui...

— Pode apostar. Temos irmãos enterrados lá adiante em Little Big Horn.

Sempre faço uma pequena prece por eles quando passo ali.

— Porra! — Os dois homens apertaram as mãos novamente. — Mike Fallon.

— Tim Yeager.

Os dois Montanheses não tinham vindo ao refeitório apenas para fazer seu desjejum. Aqueles eram seu tipo de gente. Durões individualistas. Tiras federais como heróis? Que merda era aquela?

— Rapaz, espero que esse tal Ryan descubra quem esteve por trás desse negócio — disse o das peças mecânicas.

— Ele é ex-fuzileiro — replicou o do caminhão de gado. — Não é um deles. É um de nós. Finalmente.

— Acho que você tem razão. Alguém vai ter de pagar por essa, e espero que ele tenha as pessoas certas para fazer a cobrança.

— Putamente certo — concordou o do caminhão de leite de seu lugar no balcão.

— Bem, é hora de metermos o pé na estrada — disse Ernie Brown, levantando. Os outros apenas acenaram com as cabeças antes de retornarem ao seu debate informal.

 

— Se você não estiver se sentindo melhor amanhã, vai procurar um médico, e tenho dito! — asseverou a mulher.

— Oh, eu vou melhorar.

Mas esse protesto saiu como um gemido. Ele se perguntou se essa era a gripe de Hong Kong ou alguma coisa assim. Não que soubesse a diferença.

Quase ninguém sabia, e isso incluía os médicos. O que um médico lhe diria?

Descanso, líquidos, aspirina, o que ele já estava fazendo. Ele tinha a impressão de ter sido enfiado num saco e espancado com bastões de beisebol, e a viagem não havia ajudado. Ninguém gostava de viajar. Todos gostavam de estar em outro lugar, mas chegar lá sempre era um pé no saco naquela região. Ele se permitiu cair no sono, torcendo que a esposa não ficasse preocupada demais.

Estaria se sentindo melhor pela manhã. Essas coisas sempre acabavam desaparecendo. Ele tinha uma cama confortável e um controle remoto de TV.

Enquanto não precisasse se mover, não sentira dor... não muita. Não podia piorar. Então iria melhorar. Sempre melhorava.

 

Quando as pessoas alcançavam uma certa posição, seu trabalho jamais terminava. Elas podiam fugir, mas então o trabalho as alcançava, onde quer que estivessem, e o único problema era o quanto custava levar o trabalho até elas.

Esse era o caso de Jack Ryan e Robby Jackson.

Para Jack foram os discursos que Callie Weston preparara — ele voaria no dia seguinte para o Tennessee, depois para o Kansas, depois para o Colorado, depois para a Califórnia, e finalmente de volta a Washington, chegando às três da manhã no que seria o maior dia de eleição especial na história dos Estados Unidos. Mais de um terço das cadeiras que haviam sido esvaziadas pelo tal Sato seriam preenchidas por esta eleição, e o restante seria feito nas duas semanas seguintes. Então, ele teria um Congresso completo com o qual trabalhar, e talvez, apenas talvez, pudesse começar a trabalhar de verdade. Política pura avultava-se em seu futuro imediato. Na semana seguinte teria de planejar como aprimorar duas das burocracias mais poderosas do governo: Defesa e Tesouro.

As outras seriam revistas em seguida.

Como estava ali com o presidente, o almirante Jackson obtinha informações por intermédio do gabinete do J-2, o chefe do departamento de informação do Pentágono, para conduzir o relatório diário dos eventos mundiais. Levou cerca de uma hora apenas para examinar os materiais.

— Que está acontecendo, Rob? — perguntou Jack.

 

O presidente não estava fazendo uma pergunta amistosa sobre como estava sendo a semana do amigo; ele queria saber a situação do planeta inteiro. O J-3

levantou as sobrancelhas.

— Por onde quer que eu comece?

— Escolha um lugar — sugeriu o presidente.

— Certo. Mike Dubro e o grupo Ike ainda estão tomando rumo norte na direção da China, e isso a uma boa velocidade. Graças ao bom tempo e a um mar calmo, estão viajando a uma média de 25 nós. Isso antecipa em algumas horas sua estimativa de chegada. Os exercícios prosseguem no estreito de Formosa, mas agora ambos os lados estão se mantendo em suas respectivas costas. Parece que o conflito acalmou um pouco dos dois lados. O secretário Adler deve estar lá agora, conversando com eles.

Oriente Médio. Estamos observando o exército da URI conduzir exercícios, também. Seis divisões pesadas, mais divisões adicionais e aéreas.

Nossos homens no local dispararam Predators e estão observando com todo cuida...

— Quem autorizou isso? — inquiriu o presidente.

— Eu — replicou Jackson.

— Autorizou a invasão do espaço aéreo de outro país?

— J-2 e eu estamos conduzindo isto. Você quer que saibamos o que eles pretendem fazer e quais são as suas potencialidades, não quer?

— Sim, preciso disso.

— Bom. Diga-me o que fazer e deixe que eu me preocupe com o como, combinado? O Predator é um mecanismo invisível . Ele se autodestrói se sair do nosso controle ou se os caras que o dirigem não gostarem de alguma coisa, e nos concede dados excelentes em tempo real que não poderíamos obter através de satélites, ou mesmo através de J-STARS, e não temos um desses sobre o local no momento. Mais alguma pergunta, presidente?

— Touché, almirante. Como parecem estar suas condições?

— Melhores do que a avaliação de nosso serviço de informação fez parecer.

Ninguém ainda entrou em pânico, mas isto está começando a atrair a nossa atenção.

— E quanto ao Turcomenistão? — perguntou Ryan.

— Tudo indica que estão tentando realizar as eleições, mas isso é informação antiga e é tudo que sabemos no lado político. A situação geral ali está calma no momento. Os satélites mostram tráfego intenso através das fronteiras... principalmente comercial, pelo menos é o que o pessoal do serviço de informação acha.

— Alguém está de olho nas disposições das tropas iranianas... droga, URIanas, na fronteira?

— Não sei. Posso checar. —Jackson fez uma anotação. — Próximo tópico: localizamos a Marinha indiana.

 

— Como?

— Eles não estão fazendo segredo. Mandei que eles mandassem um par de Orions de Diego Garcia. Eles localizaram nossos amigos a uma distância de 480 quilômetros, por emissões eletrônicas. Estão em alto-mar, a cerca de 640

quilômetros de sua base. E, a propósito, isso os coloca diretamente entre Diego e a entrada do Golfo Pérsico. Nosso adido de Defesa irá visitá-los amanhã para perguntar o que estão querendo. Provavelmente não dirão muita coisa.

— Se não disserem, acho que talvez o próprio embaixador Williams precise telefonar para eles.

— Boa ideia. E esse é o resumo das notícias de hoje, a não ser que queira saber também as fofocas. — Robby empurrou seus documentos para o lado. — Que tal os teus discursos?

— O tema é o bom senso — reportou o presidente.

— Em Washington?

 

Adler não estava completamente feliz. Ao chegar a Pequim, descobrira que o momento não era adequado. Seu avião chegara no que se revelara uma noite de sábado — cortesia do fuso horário. Em seguida, fora informado de que os ministros importantes estavam fora da cidade, fazendo de conta que não viam importância na batalha aérea que ocorrera no estreito. Isso, pelo menos, daria a Adler uma chance de se recuperar da viagem antes de uma reunião importante.

Ou pelo menos foi isso que lhe disseram.

— Que grande prazer receber o senhor! — disse o ministro das Relações Exteriores, segurando a mão do americano e guiando-o até seu gabinete particular. Lá dentro, outro homem os aguardava. — O senhor conhece Zhang Han San?

— Não. Como vai o senhor, ministro? — perguntou Adler, segurando também a mão dele. Então é assim que ele se parece.

As pessoas tomaram seus lugares. Adler estava sozinho. Além dos dois ministros da República Popular da China, estava presente uma tradutora-intérprete, uma mulher no começo da casa dos trinta.

— A sua viagem foi agradável? — inquiriu o ministro das Relações Exteriores.

— Vir ao seu país é sempre agradável, mas gostaria que o voo fosse mais rápido — admitiu Adler.

— Os efeitos da viagem sobre o corpo sempre são consideráveis, e o corpo, por sua vez, afeta a mente. Espero que o senhor tenha tido algum tempo para se recuperar — considerou o ministro das Relações Exteriores. — É vital que as discussões importantes, especialmente em momentos desagradáveis, não sejam prejudicadas por complicações externas.

 

— Estou bem repousado — assegurou-lhes Adler. Ele havia dormido bastante. O único problema é que ele não tinha certeza de onde seu corpo achava que estava. — E os interesses da paz e da estabilidade nos compelem a fazer sacrifícios ocasionais.

— É a mais pura verdade.

— Ministro, os eventos infelizes da última semana atormentaram o meu país — disse o secretário de Estado aos anfitriões.

— Por que esses bandidos tentam nos provocar? — acrescentou o ministro das Relações; Exteriores. — Nossas forças estão conduzindo exercícios, apenas isso. E eles derrubaram dois aviões nossos. Todos os tripulantes estão mortos.

Eles têm famílias. Isto é muito triste, mas espero que vocês tenham notado que a República Popular não retaliou.

— Notamos isso com gratidão.

— Os bandidos atiraram primeiro. Também sabem disso.

— Não estamos certos quanto a esse aspecto. Um dos motivos para eu ter vindo aqui é a incerteza sobre os fatos — replicou Adler.

— Ah.

Será que os surpreendera?, ponderou o secretário de Estado. Era como um jogo de cartas, embora a diferença fosse que você nunca sabia o valor das cartas em sua mão. Um flush ainda batia um straight, mas a carta estava sempre de face para baixo, mesmo para o seu dono. Neste caso, ele tinha mentido, mas enquanto o outro lado pudesse suspeitar qual fosse a mentira, eles não sabiam com certeza, e isso afetava o jogo. Se eles achassem que ele sabia, eles iriam dizer uma coisa. Se eles achassem que ele não sabia, eles iriam dizer outra.

Neste caso, eles achavam que ele sabia, mas não tinham certeza. Ele acabara de dizer-lhes o contrário, o que poderia ser uma mentira da verdade. Vantagem, América. Adler pensara a esse respeito durante toda a viagem.

— Vocês disseram publicamente que o outro lado fez o primeiro disparo.

Têm certeza disso?

— Absoluta — assegurou-lhe o ministro das Relações Exteriores.

— Perdão, mas e se o disparo foi feito por um dos seus pilotos abatidos?

Como saberíamos?

— Nossos pilotos estavam sob ordens rígidas de disparar apenas em autodefesa.

— Essa é uma orientação racional e prudente para os seus homens. Mas no calor de uma batalha... ou mesmo de uma situação tensa, enganos acontecem.

Nós mesmos tivemos esse problema. Os aviadores geralmente são impulsivos, em particular os jovens e orgulhosos.

— Isso não é válido também para o outro lado? — acrescentou o ministro das Relações Exteriores.

— Decerto — admitiu Adler. — O problema é justamente esse. E é dever de pessoas como nós assegurarmos que situações dessa natureza não ocorram.

 

— Mas eles sempre nos provocam. Eles pretendem obter a simpatia da América, e tememos que, com essa situação, tenham conseguido.

— Perdão?

— O seu presidente Ryan falou sobre duas Chinas. Há apenas uma China, secretario Adler. Pensei que essa questão havia sido acertada há muito tempo.

— Foi um erro semântico da parte do presidente, um detalhe linguístico — replicou Adler, reduzindo a importância da observação. — O presidente possui muitas qualidades, mas ele ainda precisa aprender sobre as nuanças da diplomacia, e um jornalista aproveitou-se dessa fraqueza. Foi apenas isso. Não foram feitas alterações em nossa política para com esta região.

Mas Adler deliberadamente não disse nossas políticas, e usou não foram feitas em vez de não pretendemos fazer . Havia momentos em que ele achava que poderia ter feito uma fortuna como redator de apólices de seguro.

— Erros linguísticos como esses podem ser vistos como mais do que simples erros — replicou o ministro das Relações Exteriores.

— Não esclareci nossa situação nesta questão? Vocês lembrarão que ele estava respondendo a um incidente deveras infeliz, no qual vidas americanas foram perdidas, e ao procurar as palavras certas para usar, escolheu palavras que têm um sentido em nossa linguagem, e outro na sua.

Isto ia ser bem mais fácil do que ele esperara.

— Vidas chinesas também foram perdidas.

Zhang, Adler percebeu, estava ouvindo com muita atenção, mas não emitia uma palavra sequer. No contexto ocidental, isso fazia dele um adido, um assistente técnico, presente ali para assistir seu ministro numa questão de interpretação da lei. Ele não tinta tanta certeza de que a regra se aplicava neste caso. Era mais provável que fosse o extremo oposto. Se Zhang fosse o que o americano pensava que ele era, e se Zhang era esperto o bastante para suspeitar que o americano seguiria essa linha de raciocínio... então por que diabos ele estava aqui?

— Sim, e várias outras, com pouco propósito e muita tristeza. Espero que o senhor entenda que o nosso presidente encara coisas assim seriamente.

— De fato, e lamento não ter lembrado de dizer mais cedo que recebemos com horror a notícia sobre o atentado à sua filha. Confio no senhor para transmitir ao presidente Ryan nossa mais sincera simpatia para com ele neste momento, vítima de um ato tão inumano. Diga-lhe que estamos muito felizes por sua filha não ter sofrido nenhum mal.

— Agradeço em nome dele. Transmitirei suas palavras.

O ministro das Relações Exteriores fora obrigado a recuar duas vezes em seguida. Adler tinha uma boa vantagem. Lembrou-se que seus interlocutores consideravam-se mais espertos e ardilosos que todo mundo. Adler prosseguiu: — Meu presidente é um homem sentimental — admitiu. — Essa é uma característica americana. Ele considera que seu maior dever é proteger todos os nossos cidadãos.

— Então o senhor precisa falar com os rebeldes em Taiwan. Acreditamos que foram eles que destruíram o avião de passageiros.

— Mas com que propósito fariam uma coisa como essa? — perguntou Adler, ignorando a parte realmente surpreendente. Teria sido um vacilo? Falar com Taiwan. A República Popular da China estava pedindo que fizesse isso?

— Com o propósito de fomentar este incidente, é óbvio. Para brincar com os sentimentos pessoais do seu presidente. Para obscurecer as questões realmente concernentes entre a República do Povo e nossa província rebelde.

— Acha realmente isso?

— Sim, achamos — assegurou-lhe o ministro das Relações Exteriores. — Não queremos ter hostilidades. Coisas assim são um desperdício de pessoas e recursos, e temos grandes preocupações com nosso país. A questão de Taiwan será decidida em seu devido tempo. Contanto que os Estados Unidos não interfiram — acrescentou.

— Como já lhe disse, ministro, não fizemos alterações em nossa política.

Tudo que almejamos é a restauração da paz e da estabilidade — disse Adler, a coisa importante sendo a manutenção indeterminada do status quo, que decididamente não era parte do plano de jogo da República Popular.

— Então nossos países estão de acordo.

— Vocês não objetarão contra nossas operações navais? O ministro das Relações Exteriores suspirou.

— O mar é livre para a passagem inocente de todos. Não estamos na posição de dar ordens aos Estados Unidos da América, assim como vocês não estão na posição de dar ordens à República Popular. O movimento das suas forças concede a impressão de que influenciarão os eventos locais, e nós faremos comentários formais a esse respeito. Mas no interesse da paz — prosseguiu num tom de voz a um só tempo paciente e cauteloso —, não objetaremos com força demais, especialmente se isso encorajar os rebeldes a cessarem suas provocações.

— Seria útil saber se os seus exercícios navais terminarão em breve. Isso seria um gesto favorável.

— As manobras de primavera prosseguirão. Elas não ameaçam ninguém, conforme a sua presença naval mais intensa vai averiguar com clareza. Não pedimos que aceitem a nossa palavra. Deixe nossos atos falarem por nós.

Também seria bom que nossos primos rebeldes reduzissem suas atividades.

Talvez o senhor possa falar com eles sobre isso?

Novamente? Então o ministro das Relações Exteriores não fizera essa sugestão por um deslize.

— Se exigem isso, sim, eu teria o maior prazer em somar minha voz e a de meu país em sua busca pela paz.

— Valorizamos os bons funcionários dos Estados Unidos e confiamos em que o senhor será um árbitro honesto nesta ocasião, em vista do fato de que, lamentavelmente, vidas americanas foram perdidas nesse incidente trágico.

O secretário Adler bocejou.

— Oh, perdoe-me.

— Viajar é uma maldição, não é verdade? — Essas palavras vieram de Zhang, falando pela primeira vez.

— Com toda certeza — concordou Adler. — Por favor, permitam-me consultar meu governo. Acho que nossa resposta ao seu pedido será favorável.

— Excelente — observou o ministro das Relações Exteriores. — Não queremos tornar isso um precedente. Espero que o senhor entenda, mas em vista das circunstâncias particulares, a sua ajuda será bem-vinda.

— Pela manhã provavelmente terei uma resposta para os senhores — prometeu Adler, levantando-se. — Perdoem-me por prolongar o seu dia de trabalho.

— Dever é dever, para todos nós.

Scott Adler retirou-se, tentando adivinhar o que era exatamente essa bomba que caíra em cima dele. Ele não tinha certeza como ganhara o jogo de cartas, e percebeu que não tinha nem mesmo certeza de qual fora o jogo.

Decerto não transcorrera conforme o esperado. Aparentemente ele vencera, e vencera com facilidade. A postura do outro lado fora mais acomodada do que a que ele adotaria, se estivesse em seu lugar.

 

Alguns chamavam isso jornalismo de talão de cheques, mas não era uma prática nova, e não era onerosa. Todo jornalista experiente contava com pessoas para as quais poderia ligar, pessoas que, mediante uma taxa modesta, checavam coisas. Não era, de forma alguma, ilegal pedir um favor a um amigo. As informações raramente eram sigilosas — e neste caso era um registro público. O único problema era que os escritórios nem sempre estavam abertos aos domingos.

Um burocrata de nível médio no escritório da secretaria estadual de Maryland chegou de carro em seu escritório em Baltimore, usou seu cartão-passe para entrar no estacionamento, e então entrou e destrancou o número certo de portas até uma sala de arquivos. Encontrando o gabinete certo, abriu uma gaveta e encontrou um arquivo. Deixou um marcador na gaveta e carregou o arquivo até a copiadora mais próxima. Fez cópias de todos os documentos em menos de um minuto, e em seguida colocou tudo de volta em seus devidos lugares. Missão cumprida, caminhou de volta até seu carro e seguiu para casa.

Ele fazia isso com tanta frequência que tinha uma máquina de fax em casa. Em dez minutos enviou todos os documentos. Em seguida, descartou-os na lixeira.

Por este serviço receberia quinhentos dólares. Ele cobrava adicional nos fins de semana.

 

John Plumber começou a ler os documentos mesmo antes da transmissão ser completada. Com toda certeza, um Ryan, John R, estabelecera uma microempresa na época em que Holtzman lhe dissera. O controle da empresa fora entregue a Zimmer, Carol, quatro dias depois (houvera um fim de semana no meio do caminho), e essa empresa agora possuía uma 7-Eleven na zona sul de Maryland. A diretoria da empresa consistia em Zimmer, Laurence; Zimmer, Alisha; e uma outra criança, e todos os acionistas tinham o mesmo sobrenome.

Ele reconheceu a assinatura de Ryan nos documentos de transferência. O trabalho jurídico fora realizado por uma firma em Washington — uma firma grande, ele também conhecia esse nome. Houvera algumas manobras tortuosas, mas inteiramente legais, para tornar a transação isenta de impostos para a família Zimmer. Não havia mais documentos a esse respeito. Na verdade, ele não precisava de mais nada.

Ele também tinha outros documentos. Plumber conhecia o registro no MIT, e soubera na noite anterior, também via fax, que a mensalidade escolar e as despesas de acomodação para Peter Zimmer eram pagas por uma fundação particular, os cheques emitidos e assinados por um parceiro na mesma firma jurídica que criara a microempresa para a família Zimmer. Ele até mesmo tinha uma cópia da matrícula. Com toda certeza, ele estava matriculado em análise de sistemas, e permaneceria em Cambridge para um estágio no laboratório de mídias eletrônicas do MIT. A não ser notas medíocres nos cursos básicos de literatura — até o MIT queria que seus alunos tivessem cultura literária, mas evidentemente Peter Zimmer não tinha queda para a poesia —, o garoto era nota dez.

— Então é verdade.

Plumber recostou-se em sua cadeira giratória e examinou sua consciência.

Por que eu deveria confiar em vocês? Vocês são repórteres, repetiu para si mesmo.

Assim como os ricos não têm o hábito de dizer que pagam poucos impostos, os jornalistas não costumam comentar em voz alta o maior problema de sua profissão. Na década de 60, um homem chamado Sullivan acionara o New York Times por difamação, afirmando que o jornal não estivera inteiramente correto em seus comentários. Mas o jornal argumentara que, na ausência de malícia, o engano não era realmente culpável, e que o interesse do público em manter-se informado sobre os acontecimentos da nação sobrepunha-se à proteção de um indivíduo. E a corte concordara com o jornal.

Tecnicamente, isso deixou a porta aberta para processos e as pessoas ainda abriam processos contra a imprensa, e às vezes até venciam. Quase com a mesma frequência com que um coelho escapa de uma águia.

A decisão da corte fora necessária, pensou Plumber. A Primeira Emenda garantia liberdade de imprensa, e a razão para isso era que a imprensa era a primeira e — sob muitos aspectos — única guardiã da liberdade na América. As pessoas mentiam o tempo todo. Especialmente as pessoas no governo, mas outras, também, e o trabalho na imprensa era colher os fatos — a verdade — das pessoas, de modo que elas pudessem fazer suas próprias escolhas.

Mas havia uma armadilha embutida na licença de caça que a Suprema Corte emitira. A imprensa podia destruir pessoas. Na sociedade americana, havia recursos contra praticamente cada ação imprópria, mas os jornalistas tinham proteções equivalentes às já desfrutadas pelos reis; afinal, para todos os efeitos, sua profissão estava acima da lei. Para todos os efeitos, também, a profissão esforçava-se para manter essa condição. Admitir erros não era apenas um convite a receber processos jurídicos. Era também uma forma de enfraquecer a fé do público em sua profissão. E assim os jornalistas jamais admitiam erros quando não precisavam, e quando precisavam, as retificações quase nunca recebiam o mesmo destaque que as asserções iniciais, incorretas.

Havia exceções ocasionais, mas todos sabiam que elas eram exceções.

Plumber vira sua profissão mudar. Havia arrogância demais, e pouca percepção do fato de que o público a quem eles serviam não mais confiava neles — e isso magoava Plumber. Ele se considerava merecedor de confiança.

Ele se considerava um descendente profissional de Ed Murrow, em cuja voz todos os americanos tinham aprendido a confiar. E era assim que devia ser. Mas não era, porque a profissão não podia ser policiada de fora, e jamais seria novamente digna de confiança se não fosse policiada de dentro. Os jornalistas atacavam todas as outras profissões — medicina, direito, política — quando elas não alcançavam o nível de responsabilidade profissional que ninguém tentava impor-lhes e que eles mesmos não buscavam por conta própria. Faça o que eu mando, não faça o que eu faço era algo que não podia ser dito a uma criança de seis anos, mas que se tornara a definição do comportamento dos jornalistas. E se a situação piorasse, o que iria acontecer?

Plumber considerou sua situação. Ele poderia aposentar-se quando bem entendesse. A Columbia convidara-o mais de uma vez a ser professor-adjunto de jornalismo... e ética, porque ele era uma voz confiável, uma voz racional, uma voz honesta. Uma voz velha, acrescentou para si mesmo. Talvez a última voz?

Mas no fim tudo se resumia à consciência de um único homem, às ideias inculcadas por pais há muito mortos, e professores cujos nomes haviam sido esquecidos. Ele precisava ser leal a alguma coisa. Se ele queria ser leal à sua profissão, então teria de ser leal aos seus fundamentos. Contar a verdade doa a quem doer. Ele pegou o telefone.

— Holtzman — respondeu o jornalista, porque essa era a linha profissional em sua casa em Georgetown.

— Plumber. Fiz algumas checagens. Tudo indica que você estava certo. — Certo. E agora, John?

— Preciso fazer isso sozinho. Vou dar-lhe a exclusiva na cobertura impressa.

— Isso é generoso, John. Obrigado — reconheceu Bob.

— Ainda não gosto muito de Ryan como presidente — acrescentou Plumber, um pouco defensivamente, percebeu o outro. Isso fazia sentido. Ele não podia parecer que fazia aquilo para obter favores.

— Você sabe que a questão não é essa. Foi por causa disso que falei com você a respeito. Quando será? — perguntou Bob Holtzman.

— Amanhã à noite, ao vivo.

— Que tal sentarmos para conversar um pouco? Essa vai ser uma grande matéria para o Post. Quer dividir os créditos da matéria?

— Amanhã à noite eu talvez esteja atrás de outro emprego — observou Plumber com uma risadinha triste. — Certo, faremos isso.

 

— E então, o que isso significa? — perguntou Jack.

— Eles não se importam com nada que estamos fazendo. E quase como se quisessem que ficássemos com o porta-aviões ali. Eles requisitaram que eu fosse até Taipé e de lá retornasse a Pequim...

— Diretamente?

O presidente estava atônito. Voos diretos concediam aparência de legitimidade ao governo da República da China, ou Taiwan. Um secretário de Estado americano iria voar de Pequim para Taipé e retornar, e um secretário de Estado só fazia isso entre capitais de países soberanos. Disputas menores eram deixadas a enviados especiais que portavam algum poder, mas nem de perto o mesmo status.

— Sim, isso também me surpreendeu — replicou Adler pelo canal codificado. — Em seguida, os cães que não ladraram: uma objeção à sua gafe sobre as duas Chinas durante a coletiva, e a questão comercial nem mesmo chegou a mostrar sua cara feia. Eles estão sendo muito dóceis para pessoas que derrubaram um avião com mais de cem passageiros.

— E seus exercícios navais?

— Darão prosseguimento a eles, mas praticamente nos convidaram a observar o quanto são rotineiros.

O almirante Jackson estava ouvindo no viva-voz.

— Sr. secretário? Aqui é Robby Jackson.

— Sim, almirante?

— Eles encenaram uma crise, nós movemos um porta-aviões, e agora eles dizem que nos querem por perto, estou entendendo direito?

— Exatamente. Eles não sabem o que sabemos, pelo menos acho que eles não sabem... mas, para ser sincero, não estou certo se isso importa neste momento.

— Alguma coisa está errada — disse o J-3 prontamente. — Terrivelmente errada.

— Almirante, acho que você pode estar correto nesse sentido também.

— Próximo passo? — perguntou Ryan.

— Acho que vou para Taipé amanhã de manhã. Não posso escapar dessa, correto?

— Concordo. Mantenha-me a par de tudo, Scott.

— Sim, presidente. A linha ficou muda.

— Jack... ou melhor, presidente, estou com um enorme sinal vermelho piscando na minha frente.

Ryan franziu o cenho.

— Terei de bancar o político amanhã também. Estarei voando às... — Ele checou sua agenda. — Sairei da Casa às 6:50, para falarem Nashville às oito e meia. Precisamos de uma avaliação sobre isso com o máximo de urgência.

Merda. Adler lá fora, eu na estrada, e Ben Goodley não tem experiência bastante para isto. Quero você lá, Rob. Se houver ramificações operacionais, você ficará à frente da situação. Os Foleys. Arnie no lado político. Precisamos de um bom especialista em China...

 

Adler se acomodava em sua cama nos aposentos VIP da embaixada. Ele passou os olhos em suas anotações, tentando descobrir o ângulo. Pessoas cometiam erros em todos os níveis. A crença geral de que altos oficiais eram grandes jogadores nem em sonho correspondia à realidade. Eles cometiam erros. Eles faziam deslizes. Eles adoravam ser espertos.

Viajar é uma maldição, disse Zhang. Suas únicas palavras. Por que nesse momento e por que essas palavras? Era tão óbvio que Adler não tinha entendido na hora.

 

— Bedford Forrest, hem? — disse Diggs, preparando-se para degustar seu cachorro-quente.

— O melhor comandante de cavalaria que já tivemos — disse Eddington.

— Perdoe-me, professor, se demonstro menos entusiasmo pelo cavalheiro — observou o general. — O filho da puta foi o fundador da Ku Klux Klan.

— Nunca disse que o homem era astuto politicamente, senhor, e não defendo seu comportamento, mas se já tivemos um homem melhor como comandante de cavalaria não aprendi seu nome — replicou Eddington.

— Ele nos pegou lá — precisou admitir Hamm.

— Stuart era superestimado, às vezes petulante, e muito sortudo. Nathan tinha o Fingerspitzengefühl e sabia como tomar decisões em voo técnico.

Receio que tenhamos de esquecer suas outras falhas.

As discussões sobre História entre altos oficiais do Exército poderiam durar horas, como vinha acontecendo com essa, que vinha sendo tão calorosa quanto qualquer debate universitário. Diggs viera bater papo com o coronel Hamm, e então descobrira-se envolvido na milionésima encenação da Guerra Civil. Milionésima?, questionou-se Diggs. Não, muito mais que isso.

— E quanto a Grierson? — perguntou Diggs.

— Seu ataque foi uma obra de arte, mas ele não o concebeu realmente, lembre-se disso. Na verdade, acho que seu melhor trabalho foi como comandante do 10°.

— Agora está falando a minha língua, Dr. Eddington.

— Veja como os olhos do chefe acenderam. Você...

— Exatamente! Você tinha esse regimento até pouco tempo. Preparado e avançar! — acrescentou o coronel da Guarda da Carolina.

— Você até conhece o lema do nosso regimento? — Talvez esse sujeito fosse realmente um historiador sério, ainda que admirasse aquele racista, pensou Diggs.

— Grierson montou aquele regimento a partir do nada, usando principalmente soldados analfabetos. Ele teve de educar seus próprios oficiais, e eles fizeram todos os trabalhos sujos no Sudoeste, mas foram eles que derrotaram os apaches... e só fizeram uma droga de filme sobre eles. Tenho pensado em escrever um livro sobre o assunto quando me aposentar. Ele foi nosso primeiro soldado de deserto, e desenvolveu todas as técnicas muito rapidamente. Ele conhecia ataque profundo, sabia como travar as lutas. E depois que entrava numa, ia até o fim. Fiquei feliz em ver aquele padrão de regimento retornar.

— Coronel Eddington, retiro o que pensei. — Diggs levantou sua cerveja em saudação. — É isso que significa a cavalaria!


46

Epidemia

Teria sido melhor retornar na segunda de manhã, mas para isso seria preciso acordar as crianças cedo demais. Jack Júnior e Sally precisavam estudar para testes, e era preciso fazer alguns preparativos para Katie. Camp David fora uma experiência tão diferente que retornar para casa era como voltar de férias, e a retomada da rotina causaria um certo choque. Assim que a Mansão Executiva apareceu nas janelas do helicóptero, rostos e humores mudaram. A segurança fora imensamente aumentada. A contagem de corpos em torno do perímetro estava muito diferente, o que era também uma lembrança do quanto era indesejável este lugar e a vida que levavam aqui. Ryan saltou primeiro, saudou um fuzileiro e levantou os olhos para a face sul da Casa Branca. Foi como um tapa na cara. Bem-vindo de volta à realidade. Depois de ver sua família em segurança lá dentro, o presidente Ryan tomou a direção oeste, rumo ao seu gabinete.

— Muito bem, o que está acontecendo? — perguntou a van Damm, que também não tivera algo que pudesse ser chamado de fim de semana, mas pelo menos ninguém estava tentando matar a ele ou à sua família.

— A investigação ainda não apurou muita coisa. Murray diz para sermos pacientes, que as coisas estão acontecendo. É um bom conselho, Jack, simplesmente continue tocando a bola para frente — comentou o chefe de gabinete. — Você tem um dia cheio amanhã. O país está olhando favoravelmente para você. Momentos como esse sempre despertam uma certa simpatia e...

— Arnie, não estou indo atrás de votos para mim mesmo, lembra? É bom que as pessoas simpatizem mais comigo depois que alguns terroristas atacaram minha filha, mas, bem, eu não quero olhar as coisas nesses termos — observou Jack, sua raiva retornando depois de dois dias de alívio. — Se algum dia eu pensei em continuar neste trabalho, a semana passada me curou.

— Bem, sim, mas..

— Mas o cacete! Arnie, quando tudo já estiver dito e feito, o que levarei deste lugar? Um espaço nos livros de História? Quando eles forem escritos, já estarei morto, e não estarei por perto para me importar com que os historiadores dirão, estarei? Tenho um amigo historiador que diz que tudo em História é na verdade nada mais do que a aplicação de ideologia ao passado... e de qualquer modo, não estarei por perto para ler. A única coisa que quero levar daqui é a minha vida e as vidas da minha família. É só. Se alguém mais quiser a pompa e a circunstância desta porra de prisão, então que venha desfrutar isso. Já estou de saco cheio — concluiu POTUS amargo, seu temperamento intempestivo completamente de volta. — Farei o trabalho, pronunciarei os discursos e tentarei fazer alguma coisa útil, mas nada disso valerá nada, Arnie. Com toda certeza do mundo, não valerá o fato de minha filha ter sido atacada por nove terroristas. Só tem uma coisa que você deixa para trás neste planeta. Os seus filhos. Tudo o mais, droga, é deturpado por outras pessoas segundo as suas necessidades, exatamente como as notícias.

— Os últimos dias foram muito duros, e...

— E quanto aos agentes que morreram? E quanto às famílias deles? Eu tive um belo descanso de dois dias. Eles, com toda certeza, não tiveram. Estou ficando tão acostumado com este trabalho que quase não penso neles. Mais de cem pessoas trabalham com afinco para que eu esqueça disso. E deixo que façam! E importante que eu não me preocupe com coisa assim, certo? Em que devo me concentrar? Dever, Honra, Nação ? Qualquer um que possa fazer isso e consiga desligar sua humanidade não merece este lugar, e é nisso que estou me tornando.

— Terminou ou quer que eu mande trazer uma caixa de Kleenex para você?

Por um breve momento o presidente pareceu realmente disposto a esmurrar van Damm. Arnie prosseguiu: — Aqueles agentes morreram porque escolheram trabalhos que consideravam importantes. Soldados fazem a mesma coisa. Que há com você afinal, Ryan? Como você acha que se dirige um país? Acha que é tudo movido a pensamentos bons? Nem sempre você foi tão estúpido. Já foi fuzileiro. Já fez serviços para a CIA. Naquela época tinha colhões. Tinha um trabalho. Você não foi recrutado, lembra? Você foi voluntário, admita ou não. Sabia que era possível que isto acontecesse. E agora está aqui. Quer fugir da raia? Muito bem, fuja. Mas não venha me dizer que isto não vale a pena. Não venha me dizer que isto não importa!

Van Damm saiu furioso do gabinete, sem sequer dar-se ao trabalho de fechar a porta.

Ryan não sabia o que fazer. Sentou-se à sua mesa. Havia as pilhas usuais de papel, organizadas cuidadosamente por uma equipe que jamais dormia. Aqui estava a China. Aqui estava o Oriente Médio. Aqui estava a índia. Aqui estavam as informações avançadas sobre os principais indicadores financeiros.

Aqui estavam projeções políticas para as 161 vagas no Congresso que seriam decididas em dois dias. Aqui estava um relatório sobre o incidente terrorista.

Aqui estava uma lista dos nomes dos agentes mortos, e debaixo de cada um a lista de esposas e maridos, pais e filhos, e no caso de Don Russell, netos. Ele conhecia todos os rostos, mas Jack precisava admitir que não lembrava de todos os nomes. Eles haviam morrido para proteger sua filha, e ele nem sabia seus nomes. Permitira .e desfrutar de conforto artificial... e esquecer. Mas aqui estavam todas as preocupações e responsabilidades de volta, em sua mesa, à espera, e ele não teria como fugir. Levantou e caminhou até a porta, virando à esquerda na direção do escritório do chefe de gabinete, passando por agentes do Serviço Secreto que tinham ouvido a briga, provavelmente trocado olhares e decerto desenvolvido seus próprios pensamentos, que agora ocultavam.

— Arnie? — Sim, presidente?

— Desculpe.

 

— Certo, meu bem — gemeu o homem.

Ele iria ver o médico no dia seguinte, pela manhã. Ele não melhorara nem um pouco. Quando muito, tinha piorado. Sentia dores de cabeça cruciantes, e isso apesar de dois comprimidos de Tylenol extraforte a cada quatro horas. Um pouco de sono poderia fazer-lhe bem, mas sentia dificuldade em adormecer.

Apenas a exaustão permitia-lhe uma hora de sono aqui, outra ali. O simples ato de se levantar para ir ao banheiro requeria alguns minutos de esforço concentrado, o suficiente para que sua esposa se oferecesse para ajudar, mas, não, um homem não precisava de uma escolta em momentos como esse. Por outro lado, ela tinha razão. Ele precisava ver um médico. Teria sido mais sensato ter feito isso no dia anterior. Assim, estaria se sentindo melhor agora.

 

Tinha sido fácil para Plumber, pelo menos no lado operacional. O cofre de armazenamento de fitas era do tamanho de uma biblioteca pública respeitável, e era fácil achar o que se queria. Ali, na quinta prateleira, estavam três caixas de fitas formato Beta. Plumber pegou-as, removeu as fitas, e as substituiu por virgens. Colocou as três fitas em sua valise. Vinte minutos depois, estava em casa. Tinha ali, para sua conveniência, um aparelho Betamax profissional.

Tocou as fitas da primeira entrevista, apenas para ter certeza, apenas para confirmar o fato de que as fitas não tinham sido danificadas. E, realmente, estavam perfeitas. Guardou as fitas num lugar seguro.

Em seguida, John Plumber rascunhou seu comentário de três minutos para a transmissão noturna do dia seguinte. Seria uma matéria levemente crítica sobre a presidência Ryan. Passou uma hora trabalhando nisso; ao contrário da safra atual de jornalistas televisivos, Plumber gostava de alcançar uma certa elegância em sua linguagem, tarefa que cumpria com facilidade devido ao seu bom conhecimento gramatical. Imprimiu o Comentário e o leu em voz alta, porque sentia mais facilidade em editar e detectar erros numa folha de papel do que numa tela de computador. Satisfeito, copiou o texto para um disquete, que mais tarde seria usado no estúdio para gerar uma cópia para o teleprompter. Em seguida, compôs outro comentário com o mesmo tamanho geral (acabou ficando algumas palavras mais curto), e também o imprimiu. Plumber dedicou um pouco mais de tempo a esse texto. Se ele seria seu canto de cisne profissional, então deveria ser feito a contento, e este jornalista, que escrevera alguns obituários de muitas pessoas — algumas que admirava, outras não —, queria que o seu próprio fosse perfeito. Satisfeito com a redação final, imprimiu-a também, enfiando as páginas em sua valise, junto com as outras.

Esse texto não foi copiado para disquete.

 

— Acho que eles terminaram — disse o sargento.

A imagem obtida pelo Predator mostrava as colunas de tanques retornando para seus acampamentos, escotilhas abertas nas torretas, tripulantes visíveis e quase todos fumando. O exercício correra bem para o exército URIano recém-constituído, e agora os tanques trafegavam pela estrada em formação perfeita.

O major Sabah havia passado tanto tempo olhando por sobre o ombro desse homem que achava que agora deviam estar falando com menos formalidade. Tudo fora rotineiro. Rotineiro demais. Ele esperava — ou melhor, torcia — que o novo vizinho de seu país precisasse de mais tempo para integrar as forças militares dos antigos Irã e Iraque, mas a semelhança das armas e doutrinas trabalhara a seu favor. Mensagens de rádio transcritas aqui e em STORM TRACK sugeriam que o exercício estava concluído. A cobertura televisiva da UAV também dizia isso, e confirmação era importante.

— Engraçado... — observou o sargento, para sua própria surpresa.

— O que é engraçado? — perguntou Sabah.

— Com licença, senhor. — O suboficial se levantou e caminhou até um armário de canto, do qual extraiu um mapa, que trouxe até seu posto de trabalho. — Não há uma estrada ali. Veja, senhor. — O sargento desdobrou o mapa, comparou as coordenadas com as exibidas na tela — o Predator dispunha de seu próprio satélite global de posicionamento (GPS) e dizia automaticamente aos seus operadores onde ele estava — e cutucou a seção direita do papel. — Está vendo? — perguntou o sargento.

O major kuwaitiano alternou seu olhar entre o mapa e o monitor. No monitor, havia uma estrada agora. Mas isso podia ser explicado facilmente.

Uma coluna de uma centena de tanques converteria praticamente qualquer superfície numa espécie de estrada de areia socada, e isso acontecera ali.

Mas antes não houvera uma estrada ali. Os tanques haviam-na criado durante as últimas horas.

— Isso é uma mudança, major. O Exército iraquiano sempre trafegou através de estradas.

 

Sabah assentiu. Era tão evidente que ele não vira. Embora nativo do deserto, e supostamente experiente em viajar por ele, em 1991 o Exército iraquiano contribuíra para a destruição mantendo-se dependente de estradas, porque seus oficiais sempre pareciam perder-se em espaços abertos. Isso não era tão absurdo quanto parecia — o deserto era essencialmente tão desprovido de marcos quanto o mar. Essa opção tornara os movimentos do exército iraquiano previsíveis, o que jamais era bom numa guerra, e concedera às forças aliadas a chance de se aproximar de direções inesperadas.

Isso acabara de mudar.

— Acha que eles também têm satélites de posicionamento, senhor? — perguntou o sargento.

— Não poderíamos esperar que permanecessem burros para sempre, meu filho.

 

O Presidente Ryan beijou a esposa a caminho do elevador. As crianças ainda não estavam acordadas. Uma espécie de trabalho o aguardava. Outra espécie fora deixada para trás. Hoje não haveria muito tempo para ambas, mas alguns esforços seriam realizados nesse sentido. Ben Goodley estava esperando no helicóptero.

— Aqui estão os comentários de Adler sobre sua viagem a Teerã — disse o conselheiro de Segurança Nacional, passando-lhe os papéis. — E também o relatório sobre Pequim. O grupo de trabalho se reunirá às dez para discutir a situação. A equipe de SNIE irá reunir-se em Langley hoje à tarde.

— Obrigado. —Jack apertou o cinto de segurança e começou a ler. Arnie e Callie subiram a bordo e ocuparam seus assentos à frente.

— Alguma ideia, presidente? — perguntou Goodley.

— Ben, você é quem deveria me dar ideias, lembra?

— E se eu lhe disser que isso não faz muito sentido?

— Essa parte eu já sei. Você cuida dos telefones e dos fax hoje. Scott deve estar em Taipé neste momento. Envie-me prontamente tudo que chegar.

— Sim, senhor.

O helicóptero decolou. Ryan mal notou isso. Sua mente estava no trabalho, por mais tedioso que fosse. Price e Raman estavam com ele. Havia mais agentes no 747, e mais ainda à sua espera em Nashville. A presidência de John Patrick Ryan prosseguia, quisesse ele ou não.

 

Este país podia ser pequeno, insignificante, um pária na comunidade internacional — não devido a nada que tivesse feito, exceto talvez prosperar, mas devido ao seu vizinho maior e menos próspero, a oeste —, mas ele possuía um governo eleito, e isso devia ser levado em conta pela comunidade das nações, especialmente aquelas que também tinham governos eleitos pelo povo.

A República Popular da China nascera pela força das armas — bem, a maioria dos países nasciam assim, recordou a si próprio o secretário de Estado e logo depois massacrara milhões de seus próprios cidadãos (ninguém sabia o número exato, ninguém estava muito interessado em descobrir). Em seguida, lançara-se num programa de desenvolvimento revolucionário (o Grande Salto para a frente ), que redundara num fracasso ainda maior do que a normal, mesmo para as nações marxistas; e lançara-se a outra reforma interna (a Revolução Cultural) que viera depois de alguma coisa chamada de campanha das Cem Flores, cujo propósito real fora evidenciar dissidentes potenciais para eliminação posterior nas mãos de estudantes cujo entusiasmo revolucionário pusera em risco a cultura chinesa — eles tinham chegado perto de destruí-la inteiramente, em favor do Livrinho Vermelho. Depois surgira mais uma reforma, a suposta mudança do marxismo para outra coisa. Esta nova revolução estudantil — desta vez contra o sistema político existente — fora ceifada com tanques e metralhadoras às vistas de telespectadores do mundo inteiro. Apesar de tudo isso, o resto do mundo estava inteiramente disposto a permitir que a República Popular da China massacrasse seus primos em Taiwan.

Isso chamava-se realpolitik, pensou Scott Adler. Alguma coisa semelhante resultará num evento chamado Holocausto, um evento ao qual seu pai sobrevivera, com um número tatuado no braço para provar. Mesmo seu próprio país possuía oficialmente uma política de uma-única-China, embora o acordo tácito fosse de que a República Popular da China não atacaria a República da China — e se fizesse isso, então a América poderia simplesmente reagir. Ou talvez não.

Adler era diplomata de carreira, formado em Cornell e na faculdade de direito e diplomacia Fletcher na Universidade Tufts. Ele amava seu país. Fora frequentemente um instrumento da política dos EUA, e agora descobria-se com a própria voz dos EUA em assuntos internacionais. Mas o que ele costumava ter para dizer não era muito justo, e em momentos como este, imaginava se poderia estar fazendo as mesmas coisas que haviam sido feitas, sessenta anos antes, por outros formados de Fletcher, inteligentes e instruídos, que, depois que tudo tinha passado, perguntaram-se como haviam sido tão cegos em não ver o que estava se aproximando.

— Possuímos fragmentos, na verdade alguns pedaços bem grandes, do míssil que se alojou na asa. Ele definitivamente pertence à República Popular da China — disse o ministro da Defesa da República da China. — Permitiremos que seus técnicos examinem os fragmentos e façam seus próprios testes para confirmar isso.

— Obrigado. Discutirei isso com o meu governo.

 

— Então permitiram um voo direto de Pequim para Taipé — este era o ministro das Relações Exteriores. — Eles negarão qualquer responsabilidade pelo incidente com o Airbus. Confesso que não vejo um padrão racional nesse comportamento.

— Estou satisfeito pelo fato de que tenham exprimido interesse apenas na restauração da estabilidade regional.

— Muita gentileza deles — disse a Defesa. — Depois de a terem abalado deliberadamente.

— Isto causou-nos um grande prejuízo econômico. Mais uma vez, os investidores estrangeiros ficaram nervosos, e com a saída de seu capital, nós enfrentamos algumas pequenas dificuldades. O senhor acha que o plano deles era esse?

— Ministro, se esse fosse o caso, por que me pediram que voasse diretamente para cá?

— Alguma forma de subterfúgio, é evidente — respondeu o ministro das Relações Exteriores, antes que Defesa pudesse dizer qualquer coisa.

— Mas, se for assim, a troco de quê? — quis saber Adler. Droga, eles eram chineses. Talvez pudessem descobrir.

— Estamos seguros aqui. Sabemos disso, ainda que os investidores estrangeiros não saibam. Mesmo assim, a situação não é inteiramente feliz. É como viver num castelo cercado por um fosso. Do outro lado do fosso há um leão. O leão nos mataria e comeria se tivesse a chance. Ele não pode saltar o fosso, e sabe disso, mas continua tentando fazê-lo, mesmo com esse conhecimento. Espero que compreenda nossa preocupação.

— Compreendo, senhor — assegurou o secretário de Estado. — Se a República Popular da China reduzir o nível de sua atividade, vocês farão o mesmo?

Mesmo se não pudessem descobrir o que a República Popular da China estava tramando, talvez pudessem acalmar a situação.

— Em princípio, sim. Exatamente quanto é uma questão técnica para o meu colega aqui. O senhor verá que somos razoáveis.

E a viagem inteira tinha sido preparada para que essa declaração simples fosse ouvida. Agora Adler precisava voar de volta para Pequim e transmiti-la.

Adler sentia-se uma alcoviteira.

 

O Hopkins tinha creche própria, repleta de pessoas permanentes e alguns estudantes da universidade estagiando para sua formação em pediatria. Sally entrou, olhou em volta e ficou satisfeita com o ambiente multicolorido. Atrás dela, quatro agentes, todos homens, porque não se dispunha de agentes femininas no momento. Um deles carregava uma bolsa. Ali perto havia um trio de policiais à paisana da polícia de Baltimore, que trocaram credenciais com os agentes do Serviço Secreto para confirmar identidades, e assim outro dia começava para CIRURGIÃ e CHOCALHO. Katie divertira-se com o passeio de helicóptero. Hoje ela faria alguns novos amigos, mas sua mãe sabia que, à noite, perguntaria onde estava Tia Marlene. Como se explicava a morte para alguém que ainda não tinha nem três anos?

 

A multidão aplaudiu com um pouco mais que o ardor usual. Ryan pôde sentir. Aqui estava ele, menos de três dias depois de um atentado à vida de sua filha caçula, fazendo seu trabalho para eles, mostrando força e coragem e toda aquelas outras besteiras. Ele conduzira uma prece pelos agentes mortos, e Nashville era o Cinturão da Bíblia, onde coisas assim eram encaradas com seriedade. O resto do discurso havia sido realmente muito bom, cobrindo coisas nas quais o presidente realmente acreditava. Bom senso. Honestidade. Dever.

Para Ryan, a única coisa estranha era ouvir sua própria voz proferindo palavras escritas por outra pessoa e, àquela hora da manhã, ele sentia um pouco de dificuldade em se concentrar.

— Obrigado a vocês e Deus abençoe a América — concluiu. A multidão levantou e aplaudiu. A banda começou a tocar. Ryan deu as costas para o pódio e novamente apertou as mãos dos políticos locais, depois se retirou do palco, acenando. Arnie o esperava atrás da cortina.

— Para uma fraude, você é realmente muito bom.

Ryan não teve tempo de responder isso antes de Andréa aparecer.

— Há uma comunicação expressa aguardado-o no pássaro, senhor. Do Sr.

Adler.

— Certo, vamos embora. Fique por perto — disse Jack à sua agente principal no caminho de volta.

— Sempre — assegurou-lhe Price.

— Presidente! — gritou um repórter. Havia um bando deles. Aquele era o que estava gritando mais. Ryan virou-se e parou.

— O senhor irá pressionar o Congresso por uma nova lei de controle de armas? — inquiriu o repórter.

— Para quê?

— O ataque à sua filha foi... Ryan levantou a mão.

— Certo. Da forma como vejo, as armas usadas eram de um tipo já consideradas ilegais. Infelizmente, não vejo como uma nova lei poderia conseguir muita coisa.

— Mas os defensores do controle de armas dizem...

— Eu sei o que eles dizem. E agora estão usando um ataque à minha menininha, e a mortes de cinco americanos soberbos, para sustentar suas posições políticas. O que acha disso? — perguntou o presidente, dando-lhe as costas.

 

— Qual é o problema?

Ele descreveu seu sintoma. O médico de sua família era um velho amigo.

Eles até jogavam golfe juntos. Não era difícil. A cada fim de ano, o representante da Cobra dispunha de muitos tacos de demonstração em perfeitas condições de uso. A maioria era doada para programas de proteção à juventude ou vendida para clubes de golfe para ser usados como tacos de aluguel. Mas alguns tacos ele podia dar aos amigos, para não mencionar alguns autógrafos de Greg Norman.

— Bem, você está com febre, 39 graus, e isso é um pouco alto. O seu batimento cardíaco está em cem para 65 e isso é um pouco baixo para você.

Também está pálido...

— Eu sei. Me sinto doente.

— Você está doente, mas eu não me preocuparia no seu lugar. Deve ser uma gripe que pegou em algum bar, e todo aquele tempo de viagem não ajuda muito. Além disso, há anos lhe digo para cortar a bebida. O que aconteceu é que você pegou alguma coisa, e os outros fatores pioraram a doença. Começou sexta, certo?

— Noite de quinta, talvez manhã de sexta.

— Mesmo assim jogou uma partida?

— A gripe interferiu com o meu desempenho — admitiu, significando que fizera oitenta pontos.

— Já fiz bem menos que isso, sóbrio e cheio de saúde. Você já passou dos cinquenta. Não pode chafurdar com os porcos à noite e querer voar com as águias de manhã. Descanso absoluto. Muita bebida... não alcoólica, claro.

Continue tomando Tylenol.

— Nenhuma receita?

O médico balançou a cabeça.

— Antibióticos não funcionam em infecções virais. O seu sistema imunológico precisa lidar sozinho com isso. E irá, se você deixar. Mas enquanto estiver aqui, quero extrair um pouco de sangue. Já passou da época de fazer um novo exame de colesterol. Vou mandar uma das minhas enfermeiras.

Tem alguém para levá-lo de volta para casa?

— Sim. Eu não quis vir dirigindo.

— Bom. Tire alguns dias de folga. A Cobra pode se virar sem você, e os campos de golfe continuarão lá quando estiver se sentindo melhor.

— Obrigado.

Ele já se sentia melhor. Todo mundo se sente melhor depois que o médico diz que você não vai morrer.

 

— Aqui vai você — disse Goodley, entregando o papel.

Pouco prédios federais, mesmo os das agências de segurança nacional, tinham recursos de comunicação equiparáveis aos da área de descanso do VC-25, também conhecido como Força Aérea Um. — Não são más notícias, afinal — acrescentou Ben.

ESPADACHIM correu os olhos pelo papel e depois sentou-se para reler mais lentamente.

— Certo, muito bem, ele acha que pode acalmar a situação — comentou Ryan. — Mas ainda não sabe o que significa realmente a maldita situação.

— É melhor do que nada.

— O grupo de trabalho recebeu isto?

— Sim, presidente.

— Talvez consigam achar algum sentido. Andréa?

— Sim, presidente?

— Diga ao motorista que é hora de andarmos. — Ele olhou em torno. — Onde Arnie se meteu?

 

— Estou telefonando para você de um celular — disse Plumber.

— Ótimo — replicou van Damm. — Porque também estou usando um. Assim nós dois nos sentimos seguros.

Os instrumentos no avião também eram à prova de escutas eletrônicas, com capacidade STU-4, mas Damm não disse isso. Ele só precisava de uma resposta malcriada. John Plumber não estava mais em sua lista de Natal.

Infelizmente, sua linha direta ainda estava na agenda de Plumber. Era uma pena que não pudesse mudá-la. E teria de dizer à sua secretária para não deixar passar as ligações desse sujeito, pelo menos não quando ele estivesse viajando.

— Sei o que está pensando.

— Bom, John. Então não preciso dizer o que estou pensando.

— Assista ao noticiário de hoje à noite. Serei o último a falar.

— Por quê?

— Assista e descubra, Arnie. Até mais.

O chefe de gabinete apertou o botão de desligar no telefone e tentou imaginar o que Plumber quisera dizer. Ele já confiara no sujeito. Porra, já confiara no colega dele. Poderia contar ao presidente sobre o telefonema, mas decidiu que era melhor ficar calado. Ryan acabara de fazer um discurso excelente, apesar dos problemas recentes, porque o filho da puta realmente acreditava nas coisas que dizia. Não havia motivo para presenteá-lo com mais uma preocupação. Ele gravaria o comentário de Plumber durante o voo para a Califórnia. Se valesse a pena, mostraria depois a POTUS.

 

— Não sabia que estava havendo um surto de gripe — disse ele, vestindo a camisa. Isso demorou. O executivo de automóveis estava com o corpo todo dolorido.

— Sempre há algum. Só que nem sempre sai nos jornais — replicou o médico, olhando para os sinais vitais que sua enfermeira acabara de anotar. — você pegou.

— Então?

— Então, relaxe. Não vá trabalhar. Não há motivo para infectar a companhia inteira. Deixe seu corpo reagir. Vai se sentir melhor até o final da semana.

 

A equipe de SNIE reuniu-se em Langley. Uma tonelada de informações novas chegara da região do Golfo Pérsico, e eles os estavam estudando numa sala de conferências no sexto andar. A foto que Chavez tirara de Mahmoud Haji Daryaei fora ampliada pelo laboratório do FBI e agora estava pendurada na parede. Talvez alguém fosse usá-la como alvo para dardos, pensou Ding.

— Estão abrindo estradas — resmungou o ex-soldado da infantaria, assistindo às imagens colhidas pelo Predator.

— Grandes demais para abater com fuzis, Sundance — observou Clark. — Essas coisas sempre me deram medo.

— Foguetes LAWS dão cabo deles, Sr. C.

— Qual é o alcance de um LAWS, Domingo?

— Quatrocentos, quinhentos metros.

— Esses canhões alcançam dois ou três quilômetros — disse John. — Pense nisso.

— Não estou familiarizado com esse armamento — disse Bert Vasco. Ele gesticulou na direção da tela. — O que isto significa?

A resposta veio de um dos analistas militares da CIA.

— Significa que o exército da URI está em condições bem melhores do que esperávamos.

Um major do exército trazido da agência de informação do Ministério da Defesa não discordou.

— Estou muito impressionado. Foi um exercício muito bom, não muito complicado no que diz respeito às manobras, mas eles se mantiveram organizados o tempo todo. Ninguém se perdeu...

— Acha que eles estão usando satélites de posicionamento agora? — perguntou o analista da CIA.

— Qualquer assinante da revista Yachting pode comprar essas coisas. O preço estava em menos de quatrocentos dólares, da última vez que olhei — disse o oficial ao seu colega civil. — Significa que podem navegar suas forças móveis com muito mais competência. Mais do que isso, significa que sua artilharia irá se tornar muito mais eficiente. Se souber onde as suas armas estão, onde o seu observador avançado está, e onde se encontra o alvo em relação a ele, então a sua primeira rajada de tiros acertará bem na mosca.

— Desempenho quatro vezes maior?

— Facilmente — replicou o major. — Esse velhinho na parede tem uma bengala bem pesada para bater nos vizinhos. E imagino que ele está louco para usá-la.

— Bert? — perguntou Clark. Vasco mexeu-se em sua poltrona.

— Começo a ficar preocupado. A coisa está acontecendo bem mais rápido do que eu imaginava. Se Daryaei não tivesse outros problemas, eu estaria ainda mais preocupado — E quais são esses problemas? — perguntou Chavez.

— Ele tem um país para consolidar, e ele sabe que se começar a brandir sabres, nó.. iremos reagir. — Vasco fez uma pausa. — Com toda certeza, ele quer fazer seus vizinhos saberem quem é o dono do pedaço agora. O quanto ele está próximo de poder fazer alguma coisa?

— Militarmente? — perguntou o analista civil. Fez um gesto para o homem da DI — Se nós não estivéssemos no quadro, agora Mas estamos no quadro.

 

— Peço que se juntem a mim num momento de silêncio — disse Ryan à sua plateia em Topeka. Eram 11 da manhã ali. Em casa era meio-dia. Próxima parada Colorado Springs, depois Sacramento, depois, abençoadamente, o lar.

 

— Vocês precisam se perguntar que tipo de homem temos aqui — disse Kealty na frente de suas próprias câmeras. — Cinco homens e mulheres mortos, e ele não vê a necessidade de uma lei para controlar armas. Está além da minha compreensão como alguém pode ter o coração tão frio. Bem, se ele não se importa com aqueles agentes corajosos, eu me importo. Quantos americanos terão de morrer antes que ele veja a necessidade de fazer alguma coisa? Será preciso que venha a perder realmente um membro da família? Sinto muito, simplesmente não consigo acreditar no que ele disse.

 

— Todos podemos lembrar quando os congressistas concorreram à reeleição, e uma das coisas que nos disseram foi votem em mim, porque para cada dólar cobrado em impostos deste distrito, um dólar e vinte cents é restituído. Lembram dessa frase? — perguntou o presidente.

O que eles deixaram de dizer foi... bem, na verdade eles deixaram de dizer muita coisa. Número um, quem já disse que vocês dependem do governo para ter dinheiro? Nós não votamos em Papai Noel, votamos? É o contrário. O governo não pode existir se vocês não derem dinheiro a ele.

Número dois, o que eles estavam dizendo a vocês era Votem em mim, porque estou tinindo dinheiro daqueles safados de Dakota do Norte . Eles também não são americanos?

Número três, o verdadeiro motivo para isso acontecer é que o déficit do governo significa que cada distrito arrecada mais em pagamentos federais do que em impostos federais..: perdão, em impostos federais diretos. Aqueles que vocês podem ver.

Então eles estavam se gabando com vocês de que estavam gastando mais dinheiro do que tinham. Se o seu vizinho lhe dissesse que está debitando despesas na sua conta, você não chamaria a polícia?

Nós todos sabemos que o governo tira mais do que restitui. O déficit no orçamento federal significa que cada vez que você pega dinheiro emprestado, isso custa mais do deveria... por quê? Porque o governo empresta tanto dinheiro que eleva as taxas de juros.

E assim, senhoras e senhores, cada pagamento de casa, cada pagamento de carro, da conta de cartão de crédito também é um imposto. E talvez eles lhes concedam uma isenção de impostos em pagamentos de juros. Isso não é bacana? — perguntou POTUS.

O seu governo lhes dá uma isenção de impostos em dinheiro que vocês não deveriam pagar e então lhes diz que você recebe de volta mais do que paga.

Depois de uma pausa, Ryan continuou: — Alguém aí realmente acredita nisso? Alguém acredita em quem diz que a América não é capaz de deixar de gastar mais dinheiro do que tem? Essas são as palavras de Iam Smith ou de Lucy Ricardo? Sou formado em economia, e Love Lucy não constavam do curso.

Senhoras e senhores. Não sou um político, e não estou aqui para falarem benefício de nenhum dos seus candidatos locais para as cadeiras vagas no Congresso. Estou aqui para pedir que pensem. Vocês também têm um dever. O governo pertence a vocês. Vocês não pertencem ao governo. Quando saírem para votar amanhã, por favor, dediquem algum tempo para pensar no que os candidatos dizem e o que eles defendem. Perguntem a vocês mesmos: Isso faz sentido? Depois façam a melhor escolha que puderem. E se não gostarem de nenhum deles, compareçam às urnas do mesmo jeito, entrem na cabine de votação, e depois vão para casa sem dar seu voto para ninguém, mas pelo menos apareçam. Vocês devem isso ao seu país.

 

O furgão da empresa de aquecedores e condicionadores de ar parou na calçada; dois homens saltaram do veículo e foram até a porta da casa. Um deles bateu.

— Sim? — perguntou, intrigada, a dona da casa.

— FBI, Sra. Sminton. — Ele mostrou as credenciais. — Podemos entrar, por favor?

— Por quê? — perguntou a viúva de 72 anos.

— Gostaríamos que a senhora nos ajudasse com uma coisa, se for possível.

Demorara mais do que o esperado. As armas usadas no caso de CHOCALHO tinham sido rastreadas até o fabricante, do fabricante para um atacadista, do atacadista para um varejista, do varejista para um nome, e do nome para um endereço. Com o endereço, o FBI e o Serviço Secreto tinham pedido ao juiz da Corte Distrital dos Estados Unidos um mandado de busca e prisão.

— Por favor, entrem.

— Obrigado. Sra. Sminton, a senhora conhece o cavalheiro da casa ao lado?

— O Sr. Azir?

— Exatamente.

— Não muito bem. As vezes o cumprimento.

— Sabe se ele está em casa agora?

— O carro dele não está lá — disse a mulher, depois de olhar. Os agentes já sabiam disso. Ele possuía um Oldsmobile azul com placa de Maryland. Cada policial num raio de trezentos quilômetros estava procurando o veículo.

— Lembra quando foi a última vez que o viu?

— Na sexta-feira, acho. Há mais alguns carros lá, e um caminhão.

— Certo. — O agente enfiou a mão no bolso do macacão e tirou um rádio. — Entrem, entrem. Pássaro provavelmente está fora do ninho. Repito: provavelmente.

Diante dos olhos atônitos da viúva, um helicóptero apareceu diretamente acima da casa, a 270 metros dali. Cordas caíram de ambos os lados da aeronave, e agentes armados desceram deslizando por elas. Ao mesmo tempo, quatro veículos convergiram de ambas as direções da rua, todos vindo da estrada, e invadiram o gramado da casa. Em geral, o procedimento teria sido mais lento, com um período maior de vigilância discreta, mas urgência era a palavra de ordem neste caso. As portas da frente e dos fundos foram arrombadas a chutes... e trinta segundos depois uma sirene apitou. O Sr. Azir tinha um alarme contra ladrões. O rádio grasnou.

— Vazia, a casa está vazia. Aqui é Betz. Busca completa, a casa está vazia.

Mande vir os peritos do laboratório.

Imediatamente, dois furgões invadiram o gramado. Uma das primeiras coisas que seus passageiros fizeram foi colher amostras do cascalho dali, além de grama, para comparar com os fragmentos colhidos nos carros alugados deixados na creche Giant Steps.

— Sra. Sminton, podemos nos sentar, por favor? Queremos fazer algumas perguntas sobre o Sr. Azir.

 

— E então? — perguntou Murray, chegando ao Centro de Comando do FBI.

— Nada — disse o agente ao painel.

— Merda — praguejou Murray, friamente.

Ele realmente não esperava que encontrassem alguém. Mas esperava alguma informação importante. O laboratório coletara todos os tipos de provas físicas. As amostras de cascalho seriam comparadas com a da trilha no pátio da casa. A grama e a areia colhidas no local poderiam ligar os veículos à casa de Azir. As fibras de tapete — lã marrom — nos sapatos dos terroristas mortos poderiam ligá-los ao interior da casa. Neste exato instante, uma equipe de dez agentes iniciava o processo de descobrir quem exatamente era Mordecai Azir .

As chances eram de que fosse tão judeu quanto Adolf Eichmann. Ninguém estava apostando contra isso.

— Centro de Comando, fala Betz.

Billy Betz era agente especial assistente no comando da Divisão de Campo de Baltimore, e um ex-piloto de helicóptero de combate, daí sua descida dramática transportando seus homens... e uma mulher.

— Billy, aqui fala Dan Murray. Que você descobriu?

— Você nem adivinha. Uma caixa vazia pela metade de balas calibre 7.62, e os números de lote combinam, diretor. A sala de estar tem um tapete vermelho-escuro de lã. Achamos o lugar. Estão faltando algumas roupas no armário do quarto principal. Eu diria que há alguns dias não vem ninguém aqui. A localização está segura. Nada de arapucas. O pessoal do laboratório está iniciando sua rotina. — E tudo isso oitenta minutos desde o momento que o comandante de Estratégia Aérea entrou no Tribunal Federal de Garmatz. Não tinha sido rápido o bastante, mas tinha sido rápido.

Os peritos forenses eram uma mistura de gente do FBI, do Serviço e do Birô de Álcool, Tabaco e Armas de Fogo, uma agência atarefada que contava com uma equipe técnica excelente. Todos estavam vistoriando a casa há horas.

Todos usavam luvas. Cada superfície seria examinada em busca de digitais que correspondessem às dos terroristas mortos.

 

— Algumas semanas atrás vocês me viram fazer um juramento de preservar, proteger e defender a Constituição dos Estados Unidos. Foi a segunda vez que fiz isso. Na primeira vez eu era um jovem segundo-tenente da Marinha, quando formei-me pelo Boston College. Logo depois disso, li a Constituição, para saber realmente o que eu deveria defender.

Senhoras e senhores, costumamos ouvir políticos dizendo como eles querem que o governo conceda poder a vocês, para que vocês possam fazer coisas.

Não é assim que funciona — disse Ryan com autoridade. — Thomas Jefferson escreveu que os governos derivam seus poderes justos do consentimento dos governados Esses são vocês. A Constituição é um livro que todos deveriam ler. A Constituição dos Estados Unidos não foi escrita para dizer o que vocês devem fazer. A Constituição estabelece o relacionamento entre os três ramos do governo. Ela diz ao governo o que deve fazer, e também diz o que não deve fazer. O governo não deve restringir a liberdade expressão.

O governo não deve dizer como vocês devem orar. O governo não deve fazer muitas coisas. O governo é muito mais competente em tirar do que em dar, e governo, com toda certeza, não concede poder a vocês. Vocês concedem poder ao governo. O nosso governo é um governo do povo. Vocês não são pessoas que pertencem ao governo.

Amanhã não estarão elegendo mestres. Estarão elegendo empregados, servos da sua vontade, guardiães dos seus direitos. Nós não lhes dizemos o que fazer. Vocês nos dizem o que fazer.

Meu trabalho não é tirar o dinheiro de vocês e dá-lo de volta. O meu trabalho é tirar o dinheiro de que preciso para protegê-los e servi-los... e fazer esse trabalho com máximo de eficácia. O serviço governamental pode ser um dever importante, e uma grande responsabilidade, mas não deve ser uma bênção para aqueles que servem. São os seus servos do governo que devem fazer sacrifícios por vocês, e não vocês que devem fazei sacrifícios por eles.

Na última sexta-feira, três homens e duas mulheres de coragem deram suas vidas a serviço do nosso país. Eles estavam lá para proteger minha filha, Katie.

Mas também havia outras crianças lá, e ao proteger uma criança, você protege todas as crianças. Pessoas assim não pedem muito mais do que o respeito de vocês. Eles o merecem. Eles merecem porque fazem por nós muitas coisas que não podemos fazer facilmente. É por causa disso que os contratamos. Eles se alistam porque sabem que esse serviço é importante, porque se importam conosco, porque são nós. Vocês e eu sabemos que nem todo ! os funcionários do governo são assim. Isso não é culpa deles. Isso é culpa de vocês. Se não exigirem o melhor, não obterão o melhor. Se não derem a medida certa de poder para oi tipo certo de pessoas, então as pessoas erradas receberão mais poder do que precisam . usarão esse poder da forma que elas quiserem, não da forma que vocês quiserem.

Senhoras e senhores, é por causa disso que a sua tarefa de eleger as pessoas certa amanhã é tão importante. Muitos de vocês geram os seus próprios negócios e contratam pessoas para trabalharem para vocês. A maioria de vocês tem as suas próprias casas, ocasionalmente contratam encanadores, eletricistas e carpinteiros para trabalharem para vocês. Vocês tentam contratar as pessoas certas para o trabalho porque pagam por esse trabalho, e querem que ele seja feito corretamente. Quando os seus filhos adoecem, procuram escolher os melhores médicos... e prestam atenção no que esses médicos fazem na competência com a qual fazem. Por quê? Porque não há nada mais importante para vocês do que a vida dos seus filhos.

A América também é filha de vocês. A América é um país eternamente jovem. A América precisa das pessoas certas para cuidarem dela. E responsabilidade de vocês escolher as pessoas certas, a despeito de partido, raça, sexo ou qualquer outra coisa que não seja talento e integridade. Eu não posso, e não direi, que candidato merece seu voto. Deus lhe concedeu livre-arbítrio. A Constituição existe para proteger o seu direito de exercitar esse livre-arbítrio. Se fracassarem em exercer com inteligência esse direito, então estarão traindo a si próprios, e nem eu nem qualquer outra pessoa poderemos corrigir isso.

Obrigado por virem me verem minha primeira visita a Colorado Springs.

Amanhã é o dia de vocês. Por favor, usem-no para contratar as pessoas certas.

 

— O presidente Ryan está percorrendo o país na véspera das eleições para o Congresso, realizando uma série de discursos elaborados claramente para alcançar os eleitores conservadores. E enquanto os agentes federais investigam o violento ataque terrorista à sua própria filha, o presidente continua rejeitando a ideia de aperfeiçoar as leis de controle de armas. Vejamos o que nos diz Hank Roberts, que está viajando com o cortejo presidencial.

Tom Donner continuou olhando para a câmera até a luz vermelha apagar.

— Achei que ele disse algumas coisas muito boas hoje — observou Plumber enquanto a fita corria.

— Calhe Weston deve estar com um caso sério de TPM para citar Love Lucy — observou Donner, folheando seu texto. — Engraçado, ela costumava fazer grandes discursos para Bob Fowler.

— Você leu o discurso?

— John, convenhamos, não precisamos ler o que ele disse. Nós sabemos o que ele irá dizer.

 

— Dez segundos — anunciou o diretor em seus fones de ouvido.

— A propósito, John, bom texto para mais tarde. Seu rosto irrompeu num sorriso em três.

— Uma enorme força federal está investigando o ataque de sexta-feira à filha do presidente. Vamos ouvir Karen Stabler, em Washington.

— Achei que você iria gostar, Tom — replicou Plumber quando as luzes escureceram novamente. Melhor assim, pensou Plumber. A sua consciência agora estava tranquila.

 

O VC-25 decolou na hora certa, e seguiu para norte de modo a evitar um clima adverso sobre o norte do Novo México. Arnie van Damm estava na área de comunicações. A aeronave estava equipada com muitos aparelhos de aparência imponente, e tinha, escondida em sua pele, uma antena parabólica cujo sistema de direcionamento podia rastrear praticamente qualquer coisa. No momento, o equipamento estava sintonizado na NBC, para que o chefe de gabinete pudesse assistir ao noticiário.

 

— Vamos ouvir agora um comentário de encerramento de nosso correspondente especial John Plumber. —Donner virou-se graciosamente. —John.

— Obrigado, Tom. Ingressei na profissão de jornalismo, muitos anos atrás, porque fui inspirado em minha juventude. Lembro de meu rádio de galena... os mais velhos entre vocês lembrarão que era preciso amarrá-los a um cano para sintonizar direito as emissoras — explicou com um sorriso. — Lembro de ter ouvido Ed Murrow em Londres durante a Blitz, e Eric Sevareid nas selvas da Birmânia. Lembro de ter ouvido todos os pais da nossa profissão, homens que foram verdadeiros gênios. Cresci com imagens pintadas em minha mente pelas palavras de homens em que todos na América podiam confiar. Decidi que encontrar a verdade e comunicá-la às pessoas era um dos trabalhos mais nobres a que um homem ou mulher poderia aspirar.

Nem sempre somos perfeitos nesta profissão. Ninguém é — prosseguiu Plumber.

A sua direita, Donner estava olhando, completamente embasbacado, para o teleprompter. Não era isso que estava rolando na frente da lente da câmera, e ele percebeu que, embora Plumber tivesse páginas impressas à frente, ele estava fazendo um discurso decorado. Imagine só. Aparentemente, ele estava querendo fazer tudo igualzinho aos velhos tempos.

— Gostaria de dizer que sinto orgulho de pertencer a esta profissão. E eu já senti. Eu estava no microfone quando Neil Armstrong pisou na lua, e em ocasiões tristes, como o funeral de Jack Kennedy. Mas ser um profissional não significa apenas estar lá. Significa que você precisa professar alguma coisa, acreditar em alguma coisa, defender alguma coisa.

Algumas semanas atrás, entrevistamos o presidente Ryan duas vezes num só dia. A primeira entrevista pela manhã foi gravada, e a segunda realizada ao vivo. As perguntas foram um pouco diferentes. Houve um motivo para isso.

Entre a primeira e a segunda entrevista, fomos chamados para nos encontrarmos com uma pessoa. Não direi agora quem foi essa pessoa. Direi mais tarde. Essa pessoa nos deu informações. Eram informações delicadas que tinham como propósito prejudicar o presidente, e naquele momento elas pareceram a base para uma ótima matéria. Naquele momento, tivemos a impressão de que havíamos formulado as perguntas erradas. Nós desejamos que tivéssemos formulado as perguntas certas.

Assim, mentimos. Mentimos para o chefe de gabinete do presidente, Arnold van Damm. Dissemos a ele que a fita com a entrevista tinha sido danificada. Fazendo isso, mentimos também para o presidente. Mas o pior de tudo: mentimos para vocês. Tenho as fitas em meu poder. Elas não estão nem um pouco danificadas.

Não foi infringida nenhuma lei. A Primeira Emenda nos permite fazer quase tudo que quisermos, e não há problema nisso, porque vocês aí fora são os juízes finais do que fazemos e de quem somos. Mas uma coisa não podemos fazer: macular a fé que depositam em nós.

Não tenho nenhum compromisso com o presidente Ryan. Falando pessoalmente, discordo dele em muitos aspectos políticos. Se ele concorresse para a reeleição, eu provavelmente votaria em outra pessoa. Mas fui parte dessa mentira, e não posso viver com isso. Quaisquer que sejam as suas falhas, John Patrick Ryan é um homem honrado, e não posso permitir que minha posição pessoal a favor ou contra qualquer pessoa afete o meu trabalho.

Neste caso, eu fiz isso. Eu estava errado. Devo um pedido de desculpas ao presidente, e a vocês também. Este pode ser o fim de minha carreira como jornalista de TV. Se for assim, pretendo sair de minha profissão como entrei nela, dizendo a verdade da forma mais cristalina. Boa noite da NBC News. — Plumber respirou profundamente enquanto fitava a câmera.

— Mas que merda foi essa? Plumber levantou-se antes de responder.

— Se você precisa fazer essa pergunta, Tom...

O telefone da mesa tocou — na verdade, piscou sua lâmpada. Plumber decidiu não atender. Em vez disso, caminhou até o seu camarim. Tom Donner teria de entender tudo sozinho.

 

A 3.200 quilômetros dali, sobre o Parque Nacional das Montanhas Rochosas, Arnold van Damm parou a máquina, ejetou a fita, e carregou-a enquanto descia a escada espiral até o compartimento do presidente, no nariz do avião. Encontrou Ryan lendo seu discurso seguinte, que seria o último do dia.

— Jack, acho que você vai querer dar uma olhada nisto — disse-lhe o chefe de gabinete, um sorriso enorme estampado no rosto.

 

É preciso haver uma primeira vez para tudo. Desta vez aconteceu em Chicago. Ela tinha ido ao médico na tarde de sábado e ele lhe dissera o mesmo que todo mundo, gripe. Aspirina. Líquidos. Cama. Mas, depois de se olhar no espelho, viu uma certa descoloração em sua pele clara, o que a assustou ainda mais que os outros sintomas que tivera até então. Telefonou para seu médico, mas foi atendida apenas por uma secretária eletrônica, e aquelas manchas não podiam esperar. Assim, entrou em seu carro e dirigiu até o Centro Médico da Universidade de Chicago, um dos melhores nos Estados Unidos. Esperou na sala de emergências por cerca de quarenta minutos. Quando seu nome foi chamado, ela se levantou e começou a caminhar até a mesa, mas não conseguiu chegar. Tombou no assoalho de azulejos na frente dos funcionários administrativos. Isso provocou algumas reações instantâneas. Um minuto depois, dois auxiliares de enfermagem tinham-na colocado numa maca de rodas e estavam empurrando-a para a área de tratamento, enquanto seu prontuário era carregado por um dos funcionários da recepção. O primeiro médico a vê-la foi um jovem residente que já havia completado a maior parte do primeiro ano de sua pós-graduação em medicina interna, e estava começando a trabalhar na sala de emergências e gostando disso.

— Qual é o problema? — perguntou o médico, enquanto as enfermeiras iniciavam seu trabalho, verificando pulsação, pressão arterial e respiração.

— Aqui — disse a mulher da recepção, entregando ao médico o prontuário da paciente. O médico leu o documento.

— Sintomas de gripe, parece, mas o que é isto?

— Ritmo cardíaco está em um para vinte, pressão arterial está em... espere um pouco. — A enfermeira refez o exame. — Pressão arterial em nove por cinco?

A paciente parecia normal demais para isso.

O médico desabotoou a blusa da mulher. E ali estava. A clareza do momento fez passagens de seus livros de medicina saltarem em sua mente. O jovem residente levantou as mãos.

— Atenção todo mundo, parem o que estão fazendo. Talvez tenhamos um problema sério aqui. Quero que todos coloquem luvas novas. Todo mundo usando máscara, agora!

— A temperatura está em quatro-zero-ponto-dois — disse outra enfermeira, afastando-se da paciente.

— Isto não é gripe. Temos um sangramento interno grave, e essas manchas são petéquias. — O residente colocou uma máscara e mudou de luva enquanto falava. — Chamem o Dr. Quinn.

Uma enfermeira saiu apressada, enquanto o residente olhava novamente para os documentos de admissão. Devia estar vomitando sangue, defecando fezes escurecidas. Pressão arterial baixíssima, febre alta, sangramento subcutâneo. Mas aqui é Chicago, protestou sua mente. Ele pegou uma agulha.

— Todo mundo fique afastado. Certo, ninguém se aproxime de minhas mãos e braços — disse ele, enfiando a agulha na veia da paciente, e enchendo quatro tubos de Scc.

— Qual é o problema? — perguntou o Dr. Joe Quinn. O residente recitou os sintomas e colocou sua própria pergunta enquanto movia os tubos com sangue para uma mesa.

— O que acha, Joe?

— Se estivéssemos em outro lugar...

— Sim. Febre hemorrágica, se isso for possível.

— Alguém perguntou onde ela esteve? — indagou o Dr. Quinn.

— Não, doutor — replicou a recepcionista.

— Bolsas de água fria — anunciou a enfermeira-chefe, entregando uma pilha delas As bolsas foram colocadas nas axilas da paciente, sob o pescoço, e em todo local onde fosse possível impedir que o corpo atingisse uma temperatura fatal.

— Dilantina? — propôs Quinn.

— Ela ainda não está sofrendo convulsões. Merda. — O chefe dos residentes pegou sua tesoura cirúrgica e cortou fora o sutiã da paciente. Havia mais petéquias se formando em seu busto. — Temos uma mulher muito doente aqui.

Enfermeira, ligue para o Dr. Klein do setor de doenças infecciosas. Ele está em casa agora. Diga-lhe que precisamos dele aqui imediatamente. Precisamos reduzir a temperatura dela, acordá-la, e de: cobrir onde diabos ela esteve.


47

Paciente Zero

Mark Klein era professor com dedicação exclusiva na faculdade de medicina e portanto um homem acostumado a horas de trabalho regulares. Ser acordado quase às nove da manhã não era normal para ele, mas era médico e quando o chamavam, ele comparecia. Foi um percurso de vinte minutos nesta noite de segunda-feira até sua vaga de estacionamento reservada. Ele passou pelos seguranças cumprimentando-os com um aceno de cabeça, vestiu seu avental, entrou na sala de emergência pelos fundos, e perguntou à enfermeira de plantão onde estava Quinn.

— Isolamento Dois, doutor.

Ele estava lá em vinte segundos, e parou de repente ao ver o sinal de aviso colocado na porta. Muito bem, pensou, colocando máscara e luvas e em seguida entrando.

— Oi,Joe.

— Não quero fazer este diagnóstico sem a sua opinião, professor — disse Quinn calmamente, entregando-lhe o prontuário.

Klein correu os olhos pelo prontuário, e então foi seu cérebro que parou de repente, e ele começou do início, tirando os olhos do papel para comparar a paciente com os dados. Mulher caucasiana, sim, idade 41, divorciada, esse era seu emprego, apartamento a cerca de três quilômetros dali, certo, temperatura na admissão, 40,2°C, alta pra cacete, pressão arterial incrivelmente baixa.

Petéquias?

— Deixe-me dar uma olhada — disse Klein.

A paciente estava se recobrando. A cabeça se movia um pouco e ela estava fazendo alguns ruídos.

— Qual é a temperatura dela agora? — perguntou Klein.

— Trinta e nove, descendo bem — repeliu o residente de admissão, enquanto Klein puxava o lençol verde. A paciente estava nua agora, e as marcas não poderiam ser mais claras em sua peleja muito branca. Klein olhou para os outros médicos.

— Onde ela esteve?

— Não sabemos — reconheceu Quinn. — Examinamos sua bolsa. Ela parece ser uma executiva da Sears. Trabalha na torre.

— Você a examinou?

— Sim, doutor — disseram juntos Quinn e o residente mais jovem.

 

— Mordidas de animal? — perguntou Klein.

— Nenhuma. Nenhuma evidência de agulhas, nada incomum. Ela está limpa — Estou diagnosticando como possível febre hemorrágica, método de transmissão ainda desconhecido. Quero que ela seja colocada lá em cima em isolamento absoluta precauções totais. Quero que seja feita assepsia completa deste quarto... tudo que ela tocou precisa ser limpo.

— Pensei que esses vírus só fossem transmitidos...

— Ninguém sabe, doutor, e coisas que não posso explicar me assustam. Já estive na África. Já vi Lassa e febre Q. Não vi Ebola. Mas o que ela tem parece muito com essas doenças — disse Klein, pronunciando esses nomes hediondos pela primeira vez.

— Mas como...

— Quando você não sabe, significa que você não sabe — disse o professor Klein ao residente. — No caso de doenças infecciosas, quando não se conhece o modo de transmissão, é preciso considerar o pior. O pior caso é transmissão pelo ar, e é assim que esta paciente será tratada. Vamos removê-la para a minha unidade. Quero que todos que estiveram em contato façam assepsia. Quero que você faça assepsia. Como AIDS ou hepatite. Precauções completas — enfatizou novamente médico. — Onde está o sangue que você extraiu?

— Bem ali.

O médico de admissão apontou para um recipiente de plástico vermelho.

— Que faremos em seguida? — perguntou Quinn.

— Mandaremos uma amostra para Atlanta, mas acho que vou dar uma olhada pessoalmente. — Klein tinha um laboratório soberbo no qual trabalhava todos os dias, principalmente em casos de AIDS, que eram a sua paixão.

— Posso ir com você? — perguntou Quinn. — Meu plantão acaba daqui a alguns minutos. — Segunda geralmente era um dia calmo nas salas de emergência. Seus dias caóticos costumavam ser os fins de semana.

— Claro.

 

— Sabia que Holtzman não ia me decepcionar — disse Arnie. Estava tomando uma bebida para celebrar, enquanto o 747 iniciava sua descida em Sacramento.

— Como assim? — perguntou o presidente.

— Bob é um filho da puta, mas é um filho da puta honesto. Isso também significa que o queimará honestamente na fogueira se achar que você merece.

Nunca esqueça isso — aconselhou o chefe de gabinete.

— Donner e Plumber mentiram — disse Jack em voz alta. — Porra!

— Todo mundo mente, Jack. Até você. É uma questão de contexto.

Algumas mentiras são ditas para proteger a verdade. Algumas mentiras são ditas para ocultar a verdade. Algumas são ditas para negar a verdade. E algumas mentiras são ditas porque ninguém dá a mínima para a verdade.

— E o que aconteceu aqui?

— Uma combinação, presidente. Ed Kealty queria que eles armassem para você, e os manipulou para fazer isso. Mas eu pego aquele canalha traiçoeiro para você. Aposto que amanhã haverá um artigo de primeira página no Post expondo Kealty como o sujeito que subornou dois jornalistas respeitadíssimos, e a imprensa vai investir contra ele que nem uma matilha de lobos.

Os jornalistas no fundo do avião já estavam conversando a respeito. Arnie providenciara que a fita da NBC News fosse exibida no sistema de vídeo da cabine.

— Porque foi Kealty que sujou a imagem dos jornalistas...

— Entendeu direitinho, patrão — confirmou van Damm, colocando de lado o restante do drinque. Ele não podia acrescentar que aquilo não teria acontecido sem o ataque a Katie Ryan. Até os jornalistas sentiram-se comovidos com o incidente, o que devia ter sido decisivo em fazer Plumber mudar de ideia sobre a questão. Mas fora van Damm quem fizera os vazamentos cuidadosos para Bob Holtzman. Decidiu que mandaria um agente do Serviço Secreto comprar-lhe um bom charuto assim que pousassem. Estava com uma tremenda vontade de fumar um.

 

Agora o relógio biológico de Adler estava completamente confuso. Ele descobrira que cochilos ajudavam, assim como o conhecimento de que a mensagem que estava entregando era simples e favorável. O carro parou. Um oficial subalterno abriu a porta para ele e fez uma mesura discreta. Adler sufocou um bocejo enquanto entrava no prédio do ministério.

— É tão bom vê-lo aqui de novo! — disse o ministro das Relações Exteriores da República Popular da China, através de seu intérprete. Zhang Han San também estava ali novamente, e fez sua própria saudação.

— A sua concessão graciosa em permitir voos diretos certamente facilitou o processo para mim. Obrigado por isso — replicou o secretário de Estado, sentando-se.

— O senhor compreende que estas são circunstâncias excepcionais — observou o ministro das Relações Exteriores.

— Obviamente.

— Que novidades nos traz de nossos primos rebeldes?

— Eles estão inteiramente dispostos a imitá-los em sua redução de atividade, com vistas a reduzir a tensão.

— E suas acusações aviltantes?

— Ministro, essa questão não foi levantada. Creio que eles estão tão interessados quanto o senhor em retornar a circunstâncias pacíficas.

— Quanta bondade a deles — comentou Zhang. — Iniciam hostilidades, derrubam dois de nossos caças, danificam um de seus próprios aviões de passageiros, matam mais de uma centena de pessoas, propositalmente ou por incompetência, e então dizem que irão imitar a nós na redução das provocações.

Espero que seu governo aprecie a tolerância que estamos demonstrando nesta situação.

— Ministro, a paz é interesse de todos, não é? A América aprecia as ações de ambas as partes nesses procedimentos informais. A República Popular da China tem sido grandiosa em vários aspectos, e o governo de Taiwan está disposto a imitar seus atos. O que mais se pode desejar além disso?

— Muito pouco — replicou o ministro das Relações Exteriores. — Apenas ressarcimento pelas mortes de nossos quatro aviadores. Cada um deles deixou uma família.

— Os caças de Taiwan dispararam primeiro — lembrou Zhang.

— Isso é verdade, mas a questão do avião de passageiros ainda está indeterminada.

— Com toda certeza, nós não tivemos nada a ver com isso. — Esse comentário veio do ministro das Relações Exteriores.

Havia poucas coisas mais tediosas que negociações entre países, mas existia realmente uma razão para isso. Movimentos súbitos ou surpreendentes podiam forçar um país a decisões impensadas. Pressões inesperadas suscitavam raiva, e raiva não tinha lugar em discussões e decisões de cúpula. Portanto, as conversas importantes quase nunca eram decisivas, mas eram evolucionárias por natureza, o que concedia a cada lado tempo para pensar em suas posições e nas do outro lado, de modo a alcançar um grau de comunicação que satisfizesse relativamente as duas partes. A exigência de um ressarcimento era uma violação das regras. O mais apropriado teria sido dizer isso na primeira sessão, e Adler teria comunicado o pedido a Taipé, provavelmente junto com sua própria sugestão de procedimento depois que o governo da República da China concordasse em cooperar na redução das tensões. Mas eles já tinham feito isso, e agora a República Popular da China queria que Adler comunicasse um pedido de ressarcimento em vez de palavras de tolerância. Era um insulto ao governo de Taiwan, e também ao governo americano, que estava sendo uma marionete nas mãos de outro país.

Isso era ainda mais verdadeiro considerando que Adler e a República da China sabiam quem havia derrubado o avião de passageiros, e que portanto demonstrara desprezo pela vida humana — motivo pelo qual a República Popular da China agora estava exigindo ressarcimento! E agora Adler novamente tentou imaginar o quanto a República Popular da China sabia sobre seu conhecimento sobre o acidente. Se soubessem muito, então este era definitivamente um jogo cujas regras ainda estavam para ser decifradas.

 

— Acho que seria mais útil para os dois lados cobrir suas perdas individuais e necessidades — sugeriu o secretário Adler.

— Lamento que não possamos aceitar. E uma questão de princípios. Aquele que comete o ato impróprio precisa corrigir seu erro.

— Mas e se... não tenho provas para sugerir isso, mas se for determinado que a República Popular da China danificou inadvertidamente o avião de passageiros? Nesse caso o seu pedido de ressarcimento parecerá injusto.

— Isso não é possível. Entrevistamos os pilotos sobreviventes e seus relatos são inequívocos. — Era Zhang de novo.

— O que vocês requisitam exatamente? — perguntou Adler.

— Duzentos mil dólares por cada um dos quatro aviadores mortos. O dinheiro irá para suas famílias, evidentemente — prometeu Zhang.

— Posso apresentar seu pedido a...

— Perdão. Não é um pedido. É uma exigência — disse a Adler o ministro das Relações Exteriores.

— Entendo. Posso apresentar sua posição a eles, mas devo pedir que não tornem isto uma condição da sua promessa de reduzir a tensão.

— Essa é a nossa posição — disse o ministro das Relações Exteriores.

 

— ... E Deus abençoe a América — concluiu Ryan.

A multidão levantou e aplaudiu. A banda começou a tocar — havia uma banda em toda parte que ele ia, supôs Jack — e ele desceu o palanque por trás de uma parede de agentes nervosos. O presidente reprimiu mais um bocejo. Ele estava na estrada havia mais de 12 horas. Quatro discursos não pareciam exigir tanto trabalho físico assim, mas Ryan estava aprendendo o quanto era exaustivo falar em público. Ele precisava apertar In mãos de todos sempre que subia no palanque, e embora isso acabasse em alguns minutos, o estresse acumulado acabava cobrando seu preço. O jantar não ajudara muito. A Comida, escolhida com extremo cuidado para não insultar ninguém, havia sido insípida, mas mesmo assim causara-lhe uma ardência no estômago.

— Muito bem — disse-lhe Arnie enquanto o grupo presidencial reunia-se para sair pelos fundos. — Para um cara que estava pronto a beijar a lona ontem, você se saiu incrivelmente bem.

— Sr. Presidente! — gritou um jornalista.

— Fale com ele — sussurrou Arnie.

— Sim? — disse Jack parando de andar, para descontentamento de sua força de segurança.

— O senhor sabe a respeito do que John Plumber disse esta noite na NBC?

O repórter era da ABC, e dificilmente perderia a chance de atacar uma emissora Concorrente.

— Sim, ouvi falar — replicou com calma o presidente.

— Tem algum comentário?

— Obviamente, não gostei de saber nada disso, mas no que diz respeito ao Sr. Plumber, o que ele fez foi um ato gracioso de coragem como não vejo há muito tempo. Ele está com a ficha limpa comigo.

— O senhor saber quem foi que...

— Por favor, vamos deixar o Sr. Plumber cuidar disso. A história é dele, e sabe como contá-la. Agora, com a sua licença, tenho um avião para pegar.

— Obrigado, presidente — disse o repórter da ABC para as costas de Ryan.

— Exatamente — disse Arnie, com um sorriso. — Tivemos um dia longo, mas foi um dia bom.

Ryan exalou longamente.

— Se você diz...

 

— Oh, meu Deus! — sussurrou o professor Klein.

Estava ali no monitor. O Cajado do Pastor, igualzinho às ilustrações nos livros de Medicina. Corno ele tinha chegado a Chicago?

— É Ebola — disse o Dr. Quinn, acrescentando: — Isso não é possível.

— O exame médico foi completo? — perguntou novamente o homem mais velho.

— Poderia ter sido melhor, mas... sem marcas de mordidas nem de agulhas.

Mark, isso aqui é Chicago. Tinha neve no meu para-brisa outro dia.

O professor Klein juntou as mãos e aproximou-as do rosto, parando ao lembrar que ainda estava usando um máscara cirúrgica.

— As chaves estão na bolsa dela?

— Sim, senhor.

— Temos policiais guardando a sala de emergências. Pegue um, diga-lhe que precisamos de uma escolta policial para irmos até o apartamento da paciente e dar uma olhada nele. Diga-lhe que a vida desta mulher está em perigo, e talvez ela tenha comprado um bicho de estimação, uma planta tropical, qualquer coisa assim. Temos o nome do seu médico. Acorde-o e traga-o para cá. Precisamos que ele nos diga o que sabe a respeito dela.

— Tratamento?

— Vamos refrescá-la, mantê-la hidratada e passar-lhe um remédio para a dor. Mas não existe nada que funcione realmente em seu caso. Em Paris Rousseau vem tentando interferona e algumas outras coisas, mas não tem dado sorte. — Olhou novamente para a tela. — Como ela pegou? Como ela pegou esse maldito?

— CDC?

 

— Traga o tira para cá. Vou passar um fax para Gus Lorenz. — Klein olhou as horas. Merda.

 

Os autômatos predador estavam de volta à Arábia Saudita, jamais tendo sido descobertos. Concluíra-se que mantê-los circulando uma posição estacionaria, como na divisa de acampamento, era um pouco perigoso demais, e agora a vigilância estava sendo realizada por satélites, cujas fotos eram transmitidas para o Departamento Nacional de Reconhecimento.

— Veja só isto — disse um dos membros da equipe noturna para seu colega na estação de trabalho ao lado. — Que são essas coisas?

A divisão de tanques Imortais da URI agrupava-se no que era essencialmente um imenso estacionamento, todos mantendo espaços longos e regulares entre si, facilitando a contagem — um tanque roubado com um carregamento básico de projéteis era uma coisa perigosa demais, e todos os exércitos encaravam seriamente a segurança de seus tanques. Isso também era conveniente para o pessoal de manutenção. Agora os tanque, estavam de volta, e homens rodeavam-nos e a outros veículos de combate, procedendo manutenção rotineira após um grande exercício. Diante de cada tanque na primeira filai havia duas linhas escuras, cada uma com cerca de um metro de largura e dez metros de comprimento. O homem ao monitor era um ex-oficial da Força Aérea, e mais experiente em aeronaves do que em veículos de combate terrestre.

Seu vizinho só precisou dar uma olhada.

— Esteiras.

— Como?

— Pode dizer que eles estão fazendo rodízio das esteiras. Elas se desgastam e é preciso colocar novas. As velhas vão para a oficina para ser reparadas — explicou o ex-soldado. — Não é nada de mais.

Uma observação mais atenta mostrava como era feito. As esteiras novas estavam posicionadas na frente das velhas. As velhas eram então desconectadas e anexadas às novas, c o tanque, seu motor funcionando, simplesmente andava para frente, a roda dentada empurrando a nova esteira no lugar sobre as rodas de estrada. Isso requeria vários homens e era um trabalho pesado, mas podia ser feito por uma tripulação de tanque bem treinada em cerca de uma hora sob condições ideais, o que era o caso, conforme o ex-soldado explicou.

Essencialmente, o tanque posicionava-se sobre as novas esteiras.

— Nunca imaginei como isso era feito.

— É melhor do que levantar esses monstrengos.

— Quanto tempo dura uma esteira?

— Numa operação dessas através do deserto? Oh, uns 1.600 quilômetros, talvez um pouco menos.

 

Os dois sofás na cabine do Força Aérea Um podiam ser dobrados para formar camas. Depois de dispensar sua equipe, Ryan pendurou as roupas e deitou. Dispunha de lençóis limpos e tudo mais, e estava cansado demais para se importar de estar num avião. O tempo de voo para Washington era de quatro horas e meia, e depois ele podia dormir mais um pouco em sua própria cama.

Ao contrário dos viajantes normais de voos noturnos, ele poderia até mesmo conseguir fazer um pouco de trabalho útil no dia seguinte.

Na grande cabine, no fundo do avião, os jornalistas haviam decidido fazer o mesmo, tendo optado por adiar até o dia seguinte a discussão sobre o comentário surpreendente de Plumber. Eles não tinham escolha; uma matéria dessa magnitude era tratada pelo menos no nível do editor assistente. Muitos dos jornalistas de mídia impressa estavam sonhando com os editoriais que apareceriam nos jornais. Os repórteres de TV tentavam não ter pesadelos com o que parecia uma rachadura em sua credibilidade.

Na cabine do meio estava a equipe do presidente. Ali todos estavam sorridentes. Ou quase todos.

— Bem, eu finalmente o vi perder a cabeça — disse Arnie a Callie Weston. — Foi uma cena e tanto.

— E aposto que ele também viu você perder a sua.

— Pelo menos isso o acalmou. — Arnie tomou um gole de sua bebida. — Sabe, do jeito que as coisas estão indo, acho que temos um belo presidente aqui.

— Ele odeia isso — disse Weston; ela também estava bebendo. Arnie van Damm não se deixou abater: — Fabulosos os seus discursos, Callie.

— Ele os lê de uma forma envolvente — considerou Callie. — Sempre começa duro, embaraçado, e então o professor nele assume o comando, e realmente convence a plateia. Ele também não sabe disso.

— Tem razão. — Depois de uma pausa, Arnie disse: — Haverá uma missa pelos agentes mortos.

— Já estou pensando nisso — assegurou-lhe Weston. — Que vai fazer com Kealty ?

— Estou pensando nisso. Vamos afundar esse filho da puta de uma vez por todas.

 

Badrayn estava de volta ao seu computador, checando os sites apropriados da Internet. Ainda nada. Mais um dia e ele começaria a ficar preocupado, embora não fosse realmente da sua conta caso nada acontecesse. Tudo que ele fizera transcorrera perfeitamente.

 

Paciente zero abriu os olhos, o que atraiu a atenção de todos. Sua temperatura caíra para 38 graus, o que se devia totalmente às bolsas de água fria colocadas em torno de seu corpo como um peixe no mercado. A combinação de dor e cansaço estava evidente em seu rosto. Nesse sentido, ela parecia uma paciente com AIDS avançada, uma do doença com a qual o médico estava familiarizado demais.

— Olá. Sou o Dr. Klein — disse-lhe o professor por trás de sua máscara. — Você nos deixou um pouco preocupados há um minuto, mas as coisas estão sob controle agora.

— Dói — disse ela.

— Eu sei, e vamos ajudá-la com isso, mas preciso que responda a algumas perguntas. Você pode? — perguntou Klein.

— Certo.

— Viajou recentemente?

— Que quer dizer? — Cada palavra que ela proferia minava um pouco mais suas reservas de energia.

— Esteve fora do país?

— Não. Voei para Kansas City... há dois dias, e foi só. Viagem diurna — acrescentou — Tudo bem. — Não estava nada bem. — Teve algum contato com alguém que tenha trabalhado fora do país?

— Não. — Ela tentou balançar a cabeça. Talvez tenha se movido alguns milímetros.

— Desculpe, mas preciso perguntar isto. Está mantendo algum tipo de relacionamento sexual no momento?

Essa pergunta abalou-a.

— AIDS? — perguntou, achando que essa era a pior coisa que poderia ter.

Klein balançou a cabeça enfaticamente.

— Não, definitivamente não. Por favor, não se preocupe com isso.

— Divorciada — disse a paciente. — Só há alguns meses. Ainda não houve... nenhum homem novo em minha vida.

— Bem, bonita como você é, isso mudará logo — observou Klein, tentando provocar um sorriso. — O que faz na Sears?

— Utensílios domésticos; sou compradora. Acabando de vir... de uma grande feira... no McCormick Center... montes de papelada, pedidos e coisas assim.

Isso não estava levando a parte alguma. Klein tentou mais algumas perguntas, que também não redundaram em nada. Virou-se e gesticulou para a enfermeira.

— Certo, vamos fazer alguma coisa quanto à dor — disse o professor. Ele recuou um passo como se para não atrapalhar a enfermeira quando ela começou a injetar a morfina na entrada em “Y” da sonda. — Isso vai começar a funcionar em alguns segundos, certo? Volto já.

Quinn estava esperando no corredor com um policial uniformizado com uma tira xadrez em torno do quepe.

— E então, doutor, qual é o problema? — perguntou o policial.

— A paciente tem alguma coisa séria, possivelmente muito contagiosa.

Preciso revistar seu apartamento.

— Isso não é exatamente legal, o senhor sabe. O senhor devia procurar um juiz e pegar um...

— Não temos tempo para isso. Estamos com as chaves dela. Poderíamos apenas entrar no apartamento, mas quero você lá para que diga que não fizemos nada errado. — E, além disso, se ela tivesse um alarme contra ladrões, eles não acabariam em cana. — Não temos tempo a perder. Essa mulher está muito doente.

— Muito bem, o meu carro está lá fora. — O policial apontou e os médicos seguiram-no.

— Passou o fax para Atlanta? — perguntou Quinn. Klein balançou a cabeça.

— Vamos olhar o apartamento dela primeiro.

Ele decidiu não usar um casaco. Estava frio lá fora, e a temperatura seria bem pouco hospitaleira para o vírus no evento improvável de que ele tivesse se fixado em suas roupas. A razão dizia-lhe que não havia perigo real lá fora.

Jamais encontrara Ebola clinicamente, mas conhecia muito sobre o vírus. Era lamentavelmente normal que as pessoas aparecessem com doenças cuja presença eles não podiam explicar. Na maior parte do tempo, investigações cuidadosas revelariam como ele fora contraído, mas nem sempre. Mesmo com AIDS, havia um punhado de casos inexplicáveis. Mas apenas um punhado, e o caso zero jamais é inexplicável. O professor Klein estremeceu ao sair. A temperatura estava por volta de um grau negativo, com um vento norte soprando do lago Michigan. Mas não foi por causa disso que ele estremeceu.

 

Price abriu a porta para a cabine da frente. As luzes estavam apagadas, com exceção de algumas lâmpadas indiretas, bem fracas. O presidente estava deitado de costas e roncando alto o bastante para se fazer ouvir sobre o zumbido dos motores. Ela teve de resistir à tentação de caminhar na ponta dos pés até ele com um cobertor. Em vez disso, abriu e fechou a porta.

— Talvez haja justiça no mundo, Jeff — observou para o agente Raman.

 

— Está se referindo à coisa da imprensa?

— É.

— Não aposte nisso — disse o outro agente.

Olharam em torno. Finalmente todos estavam adormecidos, até o chefe de gabinete.

Lá em cima, a tripulação fazia seu trabalho, juntamente com os outros membros da USAF. Tudo estava exatamente como num voo noturno comum enquanto o Força Aérea Um passava sobre o centro de Illinois. Os dois agentes retornaram para as suas poltronas. Três membros da segurança presidencial jogavam cartas, calmamente. Outros estavam lendo ou cochilando.

Uma sargento da Força Aérea desceu a escada em espiral, segurando um envelope — Comunicação expressa para o Patrão — anunciou a sargento.

— E tão importante assim? Chegaremos ao Andrews em cerca de noventa minutos — Eu só as tiro do fax — disse a sargento.

— Certo.

Price pegou a mensagem e seguiu para onde estava Ben Goodley. Era trabalho dele estar por perto para dizer ao presidente o que ele precisava saber sobre os acontecimentos importantes no mundo... ou, neste caso, avaliar a importância de uma mensagem Price balançou o ombro do homem. O agente do serviço nacional de informação abriu um olho.

— Sim?

— Acordamos o Patrão por causa disto?

O especialista correu os olhos pelo texto e balançou a cabeça.

— Pode esperar. Adler sabe o que está fazendo, e há um grupo de trabalho no Estado cuidando disto.

E virou-se em sua poltrona sem dizer mais nenhuma palavra.

 

— Não toque em nada — disse Klein ao policial. — É melhor para você ficar parado ao lado da porta, mas se quiser nos seguir, não toque em nada. Espere. — O médico enfiou a mão na sacola plástica que trouxera e pegou uma máscara cirúrgica embalada hermeticamente. — Ponha isso, tá?

— Tudo que o senhor disser, doutor.

Klein deu-lhe a chave da casa. O policial abriu a porta. Havia de fato um alarme contra ladrões. O painel de controle ficava do outro lado da porta, mas não estava ligado. Os dois médicos puseram as máscaras e luvas de látex.

Primeiro ligaram todas as luzes — O que estamos procurando? — perguntou Quinn.

Klein já estava olhando. Nenhum cão ou gato para notar sua chegada. Ele não gaiolas de passarinho — parte dele esperara ver um macaco de estimação, mas de algum modo ele sabia que isso não estava escrito nas estrelas. De qualquer modo, o Ebola não parecia gostar muito de macacos. Ele os matava com a mesma celeridade que aplicável em suas vítimas humanas. Plantas, então, pensou ele. Não seria estranho se o hospedeiro do Ebola fosse alguma coisa que não um animal? Essa seria a primeira vez.

Havia plantas, mas nenhuma exótica. Eles ficaram no centro da sala de não tocando em nada com as mãos enluvadas enquanto se viravam lentamente, mas atentos.

— Não vejo nada — reportou Quinn.

— Nem eu. Cozinha.

Havia algumas plantas lá, duas que pareciam como ervas em potes pequenos. Klein não reconheceu seu tipo e decidiu levantá-las.

— Espere. Aqui — disse Quinn, abrindo uma gaveta e encontrando sacos plásticos para congelamento. As plantas foram colocadas nesses sacos, que foram fechados cuidadosamente pelo médico mais jovem. Klein abriu a geladeira. Nada incomum ali. O mesmo podia ser dito do freezer. Chegou a pensar que talvez tivesse sido algum alimento exótico... mas, não. Tudo que a paciente comia era tipicamente americano.

O quarto era um quarto e nada mais. Não havia plantas nele.

— Alguma peça de roupa? Couro? — propôs Quinn. — O Antrax pode...

— O Ebola não pode. É delicado demais. Conhecemos o organismo com o qual estamos lidando. Ele não pode sobreviver neste ambiente. Simplesmente não pode — insistiu o professor.

Não sabiam muita coisa sobre o maldito vírus, mas uma das coisas que eles faziam no CDC era estabelecer os parâmetros ambientais, quanto tempo o vírus poderia sobreviver em toda uma série de condições. Chicago nesta época do ano era tão inóspita a esse tipo de vírus quanto uma forja. Orlando, algum lugar ao sul, talvez. Mas Chicago?

— Não descobrimos nada — concluiu o professor, absolutamente frustrado.

— Talvez as plantas?

— Sabe como é difícil passar com uma planta pela alfândega?

— Nunca tentei.

— Eu já. Tentei trazer algumas orquídeas selvagens da Venezuela certa vez... — Ele olhou mais um pouco. — Não há nada aqui, Joe.

— O prognóstico dela é tão ruim quanto...

— Sim. — Um par de mãos enluvadas esfregou-se nas calças do macacão cirúrgico. Dentro da borracha de látex, suas mãos estavam suando. — Se não podemos determinar de onde ele vem... se não podemos explicar... — Ele olhou para seu colega mais jovem e alto. — Preciso retornar. Quero dar mais uma olhada na estrutura.

 

— Alô — disse Gus Lorenz. Olhou as horas. Mas que diabo?

— Gus? — disse a voz.

— Sim. Quem fala?

— Mark Klein, de Chicago.

— Alguma coisa errada? — perguntou Lorenz, ainda grogue. A resposta o fez despertar completamente.

— Eu acho... não, Gus, eu sei que tenho um caso de Ebola aqui.

— Como pode ter tanta certeza?

— Vi o cajado. Eu mesmo o microfotografei. É o Cajado do Pastor, e não estou errado, Gus. Queria que você estivesse aqui.

— Onde ele esteve?

— A paciente é mulher, e não esteve em nenhum lugar em especial. — Klein resumiu o que sabia em menos de um minuto. — Não ha nenhuma explicação imediata para isto.

Lorenz poderia ter objetado que isso não era possível, mas a comunidade médica é bem íntima em seus níveis superiores; ele sabia que Mark Klein era professor de dedicação exclusiva numa das melhores faculdades médicas do mundo.

— Só um caso?

— Sempre começa com um só caso, Gus — recordou Klein ao amigo. A 1.600 quilômetros dali, Lorenz tirou as pernas da cama e pisou no chão.

— Certo. Preciso de um espécime.

— Tenho um mensageiro a caminho do O’Hare agora. Ele pegará o primeiro voo. Posso enviar as microfotografias por e-mail para você agora mesmo.

— Dê-me uns quarenta minutos para acordar. — Gus?

— Sim?

— Há alguma coisa nas pesquisas de tratamento que eu não saiba? Temos uma paciente muito doente aqui — disse Klein, torcendo para que, pela primeira vez, não estivesse a par de algum avanço em seu campo.

— Temo que não, Mark. Nada novo que eu conheça.

— Merda. Bem, veremos o que pode ser feito aqui. Ligue-me quando chegar lá. Estou no meu escritório.

Lorenz foi até o banheiro e jogou um pouco de água no rosto, provando para si mesmo que aquilo não era um sonho. Não, ele pensou. Era um pesadelo.

 

Este privilégio presidencial era um dos poucos que a imprensa respeitava.

Ryan foi o primeiro a descer. Saudou o sargento da USAF e caminhou os 45

metros até o helicóptero. Dentro da aeronave, fechou rapidamente seu cinto de segurança e voltou a dormir. Cinquenta minutos depois, foi acordado novamente, desceu mais alguns degraus, saudou um fuzileiro desta vez, e seguiu para a Casa Branca. Dez minutos depois, estava dormindo num lugar que não se movia.

— Boa viagem? — perguntou Cathy, um olho parcialmente aberto.

— Longa — reportou o marido, voltando a dormir.

 

O primeiro voo de Chicago para Atlanta decolava às 6:15 da manhã, hora central. Antes disso, Lorenz estava em seu escritório, ao seu terminal de computador, conectado na Internet e falando por um telefone ao mesmo tempo.

— Estou baixando a imagem agora.

Enquanto o homem mais velho observava, a microfoto crescia do topo para o fundo da tela, uma linha por vez, mais rápido do que chegaria por um fax, e muito mais detalhado — Diga-me que estou errado, Gus — pediu Klein, sem nenhuma esperança na voz — Acho que você está certo, Mark. — Fez uma pausa até a imagem acabar de . formar. — É o nosso amigo.

— Por onde ele tem andado?

— Bem, tivemos alguns casos no Zaire, e mais dois reportados no Sudão. Até onde me consta, só isso. A sua paciente, ela esteve...

— Não. Até agora não pude identificar nenhum fator de risco ao qual ela tenha sido exposta. Considerando o período de incubação, ela provavelmente contraiu o vírus aqui em Chicago. E isso não é possível, é?

— Sexo? — perguntou Lorenz. Ele quase pôde ouvir a cabeça do colega balançar do outro lado da linha.

— Perguntei. Ela disse que não tem relações sexuais há algum tempo.

Algum outro relato em outro lugar?

— Não. Nenhum relato em parte alguma. Mark, você tem certeza do que me disse? — Por mais insultuosa que fosse a pergunta, ela precisava ser formulada.

— Gostaria de não ter. A microfoto que enviei é a terceira que tiramos. O sangue dela está cheio do vírus, Gus. Espere um pouco. — Ele ouviu uma conversa abafada. — Ela acaba de acordar. Disse que teve um dente extraído há mais ou menos uma semana. Temos o nome de seu dentista. Vamos checar isso.

É tudo que temos.

— Muito bem, mande-me a sua amostra. É apenas um caso. Não vamos ficar nervosos por causa disso.

 

Raman chegou em casa um pouco antes do alvorecer. Foi conveniente que, àquela hora do dia, as ruas estivessem quase desprovidas de tráfego. Ele não estava em condições de dirigir com segurança. Chegando em casa, seguiu a rotina normal. Na sua secretária eletrônica havia outro número errado, a voz do Sr. Alahad.

 

A dor era tão severa que o acordou de seu sono de exaustão. Caminhar os seis metros em torno da cama e até o quarto pareceu um esforço de maratona, mas ele conseguiu, mesmo cambaleando. Sentia uma dor de barriga terrível, o que o surpreendeu, porque não comera muito nos últimos dias, apesar da insistência da mulher em canja de galinha e torradas. Quase não teve tempo de abaixar a bermuda e sentar na privada. Simultaneamente, seu sistema gastrintestinal superior também pareceu explodir, e o ex-profissional de golfe dobrou o corpo, vomitando nos ladrilhos do banheiro. Sentiu um constrangimento instantâneo por ter feito coisa tão animalesca. Então viu o que havia aos seus pés.

— Querida? — chamou debilmente. — Socorro...


48

Hemorragia

Seis horas de sono, talvez um pouco mais, era melhor do que nada. Esta manhã Cathy acordou primeiro, e o pai da Primeira Família chegou para o desjejum com a barba por fazer, sentindo cheiro de café.

— Estou me sentindo tão mal que queria ter uma ressaca para culpar — proclamou o presidente. Os jornais diários estavam nos locais usuais. Um bilhete estava afixado na primeira página do Washington Post, logo acima de um artigo coassinado por Bob Holztman e John Plumber. Agora, isso era algo decente para se começar um dia, disse Jack a si mesmo.

— Isso é o que chamo de baixaria — disse Sally Ryan. Ela já vira a cobertura de TV sobre a controvérsia. — Uma tremenda molecagem. —Teria dito sacanagem, termo em voga entre as mocinhas da St. Mary’s School, mas papai não estava preparado para reconhecer o fato de que sua Sally estava falando como um adulto.

— Hã-hã — replicou o pai.

A matéria apresentava mais detalhes do que era possível em alguns minutos de tempo televisivo. E dava nome aos bois: fora Ed Kealty que, informado por uma fonte da CIA — isso não era surpresa alguma, mas mesmo assim era contra a lei —, vazara informações não inteiramente verídicas e, ainda pior, tinha configurado um ataque político deliberado contra o presidente, usando a mídia como cão de ataque. Jack soltou uma risadinha. Como se isso fosse novidade. A ênfase do Post estava na violação grosseira da integridade jornalística. Segundo o artigo, a retratação de Plumber tinha sido muito sincera.

Segundo a matéria, os altos executivos da divisão de notícias da NBC haviam declinado de tecer qualquer comentário. A matéria também dizia que o Post estava com as fitas sob sua custódia, e que elas estavam absolutamente ilesas.

Jack avaliou que o Washington Times estava igualmente irado, mas não da mesma forma. A questão provocaria uma colossal guerra civil na imprensa de Washington, coisa que, como observou o editorial do Times, os políticos certamente assistiriam de camarote.

Bem, disse Ryan a si mesmo, isso vai desgrudá-los das minhas costas por algum tempo.

Em seguida, abriu a pasta de cartolina lacrada com a fita de secreto . Este documento, percebeu, era muito velho.

— Filhos da puta — sussurrou POTUS.

 

— Pelo menos eles prejudicaram a si mesmos desta vez — disse Cathy, que também estava lendo um jornal.

— Não — replicou o presidente. — China.

 

Ainda não era uma epidemia, porque ninguém sabia ainda sobre a doença.

Os médicos já estavam reagindo com surpresa a telefonemas de pessoas doentes. Telefonemas nervosos, se não apavorados, para serviços de recado haviam acordado mais de vinte médicos por todo o país. Vômitos e diarreia de sangue foram reportados em todos os casos, mas havia diversos problemas médicos que podiam explicar esses sintomas. Úlceras hemorrágicas, por exemplo, e muitos dos telefonemas vinham de executivos para quem o estresse era tão natural quanto seus ternos e gravatas. A maioria era instruída a procurar a emergência do hospital mais próximo, e em quase todos os casos o médico vestia-se para encontrar seu paciente lá, ou mandava um colega de confiança.

Alguns eram instruídos a chegar ao consultório bem no começo da manhã, geralmente entre as oito e nove, para ser os primeiros pacientes do dia e não interferirem na agenda.

Gus Lorenz não gostava de ficar sozinho em seu escritório e chamara alguns membros da equipe para juntar-se a ele diante do computador. Ao entrarem, notaram que o cachimbo do médico estava aceso. Um deles preparou-se para objetar — aquilo era uma infração às normas federais —, mas desistiu ao ver a imagem na tela.

— De onde veio isso? — perguntou o epidemiologista.

— Chicago.

— Nossa Chicago?

 

Pierre Alexandre chegou ao seu escritório no 11° andar do Edifício Ross logo depois das oito da manhã. Sua rotina matinal começava com a checagem do fax. Os médicos tratando de casos de AIDS costumavam enviar-lhe informações sobre pacientes dessa forma. Isso permitia-lhe monitorar um número maior de pacientes, tanto para aconselhar opções de tratamentos quanto para aumentar sua própria base de conhecimento. Esta manhã havia apenas um fax, e ele trazia uma notícia relativamente boa. A Merck acabara de lançar uma nova droga que a FDA estava testando com urgência, e um amigo dele em Penn State estava reportando alguns resultados interessantes. Foi quando o telefone locou.

— Dr. Alexandre.

— Aqui é a sala de emergências, senhor — disse uma residente. — Pode descer até aqui? Estou com paciente, homem branco, 37 anos. Febre alta, hemorragia interna. Não sei o que ele tem... Ou melhor, sei com o que parece, mas...

— Estou aí em cinco minutos.

— Sim, senhor.

O biólogo cirurgião virólogo molecular vestiu seu jaleco desbotado, abotoou-o e desceu até a sala de emergências, que ficava num prédio separado no compus da Hopkins. Até no exército ele se vestia da mesma forma. A Aparência de Médico, como ele chamava. Estetoscópio no bolso direito. Nome bordado no lado esquerdo. Expressão plácida no rosto enquanto caminhava até a sala de emergências quase totalmente ociosa. O plantão noturno era o período mais duro. Ali estava a médica residente, bonita como um botão de rosa... colocando uma máscara cirúrgica. O que podia estar tão errado a essa hora do dia?

— Bom dia, doutor — disse a residente, com seu encantador sotaque creole.

— O que lhe parece? — perguntou, entregando-lhe um prontuário e começando a falar enquanto ele lia. — Sua esposa o trouxe. Febre alta, alguma desorientação, batimento cardíaco baixo, provável hemorragia interna, vômito e fezes com sangue. Há algumas marcas em seu rosto — reportou a residente. — Não estou segura o bastante para dizer o que penso.

— Certo, vamos dar uma olhada.

A moça parecia uma médica promissora, pensou Alexandre. Ela sabia o que não sabia, e tinha ligado para pedir seu conselho... mas por que não ligara para um dos especialistas em medicina interna?, questionou-se o ex-coronel, dando outra olhada no rosto da médica. Ele colocou a máscara e as luvas; passou pela cortina de isolamento.

— Bom dia, sou o Dr. Alexandre — disse ele ao paciente.

Os olhos do homem estavam limpos, mas foram as marcas em suas faces que fizeram Alexandre parar de respirar. Era o rosto de George Westphal, voltando para Alex depois de quase uma década.

— Como ele chegou aqui?

— Seu médico particular disse à mulher dele para trazê-lo. Ele tem privilégios no Hopkins.

— O que ele faz ? É foto jornalista? Diplomata? Alguma coisa que o faça viajar muito? A residente balançou a cabeça.

— Ele vende trailers. Winnebagos, RVs e veículos assim. Trabalha numa concessionária na Pulaski Highway.

Alexandre olhou em torno. Havia um estudante de medicina e duas enfermeiras, além da residente que estava conduzindo o caso. Todos enluvados, todos mascarados Bom. Ela era esperta, e agora Alex sabia por que estava assustada.

— Sangue?

 

— Já extraímos, doutor. Estamos fazendo a correlação com outros casos agora. Aqui estão espécimes para análise no seu laboratório.

O professor assentiu.

— Bom. Interne-o imediatamente. Minha unidade. Preciso de um recipiente para os tubos. Tome cuidado com todas as agulhas.

Uma enfermeira saiu para fazer os preparativos.

— Professor, isto parece... quero dizer, não pode ser, mas...

— Não pode ser — concordou. — Mas mesmo assim parece. Essas manchas são petéquias, iguaizinhas às que vemos nos livros. Assim, por enquanto vamos tratar dele como se ele tivesse o que parece ter, entendido?

A enfermeira retornou com os recipientes apropriados. Alexandre olhou para os espécimes extras de sangue.

— Assim que enviá-lo lá para cima, mande todo mundo fazer assepsia completa. Não há tanto perigo envolvido, desde que vocês tomem as precauções adequadas. A esposa dele está por perto?

— Sim, doutor, na sala de espera.

— Mande alguém levá-la ao meu escritório. Preciso fazer-lhe algumas perguntas. Dúvidas? — Não havia nenhuma. — Então vamos entrar em ação.

O Dr. Alexandre checou visualmente o recipiente plástico para o sangue e, depois de averiguar que estava perfeitamente lacrado, enfiou-o no bolso lateral do jaleco. A calma Aparência de Médico desapareceu enquanto caminhava até o elevador. Olhando as portas automáticas se fecharem, ele disse a si próprio que não, isso não era realmente possível. Talvez fosse outra coisa. Mas o quê?

Leucemia tinha alguns desses sintomas e, por pior que fosse dar esse diagnóstico, era preferível à doença que parecia ser. As portas abriram-se e ele caminhou a passos largos até o laboratório.

— Bom dia, Janet — disse ao entrar.

— Oi, Alex — replicou Janet Clemenger, uma Ph.D. em biologia molecular.

Ele tirou a caixa plástica do bolso.

— Preciso que isto seja feito com urgência. Para ontem.

— O que é? — Ela raramente recebia ordens de parar tudo que estava fazendo, especialmente no começo de um dia de trabalho.

— Parece febre hemorrágica. Trate isso como nível... quatro. Janet arregalou os olhos.

— Aqui?!

Pessoas estavam fazendo a mesma pergunta por toda a América, mas nenhum deles tinha ainda certeza.

— Vão trazer o paciente daqui a pouco. Preciso falar com a mulher dele. Ela pegou o recipiente e pousou-o gentilmente no balcão.

— Os testes de anticorpos usuais?

— Sim, e por favor, tome cuidado, Janet.

— Sempre tomo — assegurou ela. Como Alexandre, ela realizava vários experimentos com AIDS.

Em seguida, Alexandre seguiu até o escritório para telefonar para Dave James.

— Tem certeza? — perguntou o reitor dois minutos mais tarde.

— Dave, por enquanto é apenas uma possibilidade, mas... já vi a doença antes. Os sintomas são idênticos aos de George Westphal. Coloquei Jan Clemenger para trabalhar nisso. Até sabermos mais, acho que teremos de levar isso a sério. Se os resultados de laboratório forem os que espero, telefonarei para Gus e nós declararemos um alerta para valer.

— Bem, Ralph volta de Londres depois de amanhã. Por enquanto é o seu departamento, Alex. Mantenha-me informado.

— Entendido — disse o ex-soldado. Então chegou a hora de falar com a esposa do paciente.

Na sala de emergências, os auxiliares de enfermagem estavam esfregando o assoalho, supervisionados pela enfermeira de plantão na sala de emergências.

Do alto veio o som inconfundível de um helicóptero Sikorsky. A primeira-dama estava chegando para o trabalho.

 

— E então ele não saiu do país? — Alex estava esgotando sua lista de perguntas básicas.

— Não, ele não saiu — assegurou a esposa do paciente. — Só viajou para a exposição de trailers. Ele comparece todos os anos.

— Senhora, tenho de fazer-lhe uma série de perguntas, e algumas delas podem parecer ofensivas. Por favor, compreenda que preciso fazer essas perguntas para ajudar seu marido. — Ela assentiu. Alexandre procurou abordar o problema com a maior delicadeza possível.

— A senhora tem algum motivo para suspeitar que seu marido anda saindo com outras mulheres?

— Não.

— Desculpe, eu tinha de perguntar isso. Vocês têm bichinhos exóticos?

— Só dois cães da raça Chesapeake Bay — respondeu, surpresa com a pergunta.

— Macaco? Qualquer coisa de fora do país?

— Não, nada disso.

Isto não vai levar a parte alguma. Alex não conseguia pensar em nenhuma outra pergunta relevante. Esperava-se que ela dissesse sim à pergunta da viagem. — A senhora conhece alguém, algum membro da família, amigo, qualquer um, que viaje com frequência!

— Não. Posso ver meu marido?

— Sim, a senhora pode, mas primeiro precisamos acomodá-lo neste quarto e proceder a alguns tratamentos.

— Ele vai... quero dizer, ele nunca ficou doente, ele corre, não fuma, não bebe e sempre fomos cuidadosos. — E então ela começou a perder o controle.

— Não vou mentir para a senhora. O seu marido parece ser um homem muito doente, mas o seu médico de família enviou-o para o melhor hospital do mundo. Estou apenas começando a trabalhar aqui. Passei mais de vinte anos no Exército, todos eles na área de doenças infecciosas. Portanto, ele está no lugar certo, e sou o médico certo.

Era preciso dizer palavras assim, por mais vazias que fossem. A única coisa que você jamais podia fazer era privar as pessoas de suas esperanças. O telefone tocou.

— Fala o Dr. Alexandre.

— Alex, é Janet. O teste de anticorpos deu positivo para o Ebola. Fiz o teste duas vezes — disse a médica residente. — Estou enviando um tubo fechado para a CDC, e a microscopia estará pronta para seguir em cerca de 15 minutos.

— Muito bem. Estarei lá para receber a microscopia. — Ele desligou.

Virando-se para a mulher do paciente, disse: — Deixe-me levá-la até a sala de espera e apresentá-la às enfermeiras. Temos algumas enfermeiras muito competentes em minha unidade.

Esta não era a parte divertida, ainda que o campo das doenças infecciosas não fosse particularmente divertido. Ao tentar dar-lhe esperanças, Alexandre provavelmente arrumara-a demais. Agora ela ouviria tudo que ele dissesse achando que estava falando com a voz de Deus, mas neste instante Deus não tinha nenhuma resposta, e ele ainda teria de explicar-lhe que as enfermeiras também iriam extrair um pouco de seu sangue para exames.

 

— O que você acha, Scott? — perguntou Ryan, a 13 fusos horários de distância.

— Bem, eles certamente sabem o que estão fazendo. Jack?

— Sim?

— Já me encontrei duas vezes com o tal Zhang. Ele não fala muito, mas é um peixe bem maior do que achávamos. Acho que está vigiando o ministro das Relações Exteriores. Ele é um jogador, presidente. Mande os Foley abrirem um arquivo sobre o cara e colocar uma bandeira grande em cima.

— Taipé aceitará fazer o ressarcimento? — indagou ESPADACHIM.

— Você aceitaria?

— Meu instinto seria dizer onde eles podem enfiar o ressarcimento, mas não posso perder a cabeça, lembra?

— Eles escutarão a exigência, e então me perguntarão sobre a posição dos Estados Unidos da América. Que direi a eles?

 

— Por enquanto, defendemos a paz e a estabilidade.

— Posso fazer isso durar uma hora, talvez duas. E depois? — persistiu o secretário de Estado.

— Você conhece a área melhor do que eu. Qual é o jogo, Scott?

— Não sei. Pensei que soubesse, mas não sei. Primeiro eu estava torcendo para que tivesse sido mesmo um acidente. Depois pensei que eles estavam balançando demais a gaiola... a de Taiwan, quero dizer. Não, não é isso. Eles estão empurrando com força demais na direção errada para ser isso. Terceira opção, eles estão fazendo tudo isso para testar você. Nesse caso, eles estão jogando duro... duro demais. Eles ainda não o conhecem bem o bastante, Jack.

É uma aposta grande demais para a primeira mão da noite. Km resumo: não sei o que eles estão pensando. Sem saber disso, não posso lhe dizer como agir.

— Sabemos que eles apoiaram o Japão... Zhang esteve pessoalmente por trás daquele maldito Yamata e...

— Sim, eu sei. E eles devem saber que nós sabemos, e essa é mais uma boa razão para não ficarmos putos. Havia muitas fichas na mesa, Jack — enfatizou novamente Adler.

— E não vejo razão para isso.

— Vamos dizer a Taiwan que iremos apoiá-los?

— Certo, mas se fizer isso e a República Popular da China aumentar a aposta, lembre-se de que temos milhares... merda, temos quase cem mil cidadãos lá, e eles serão reféns. Não vou entrar nas considerações comerciais, mas esse é um risco alto em termos político-econômicos.

— Mas se não apoiarmos Taiwan, eles irão pensar que estão sozinhos e encurralados...

— Sim, senhor, e a mesma coisa acontece da outra direção. Minha melhor sugestão é remar de acordo com a maré. Transmitirei a exigência, Taipé dirá não, então sugerirei que eles sugiram manter a questão em suspenso até que seja determinado quem abateu o avião de passageiros. Para isso, recorreremos à ONU. Nós, os Estados Unidos, levaremos a questão para o Conselho de Segurança. Isso amarrará a situação. Mais cedo ou mais tarde, sua frota ficará sem combustível. Como temos um porta-aviões na vizinhança, nada realmente pode acontecer. Ryan franziu a testa.

— Não vou dizer que gosto disso, mas farei como você está dizendo. Isso durará um dia ou dois, de qualquer modo. Meu instinto é apoiar Taiwan e mandar a China chupar prego.

— O mundo não é tão simples, e você sabe disso — sentenciou a voz de Adler.

— A mais pura verdade. Prossiga como você disse, Scott, e me mantenha a par de tudo.

— Sim, senhor.

 

Alex olhou as horas. Ao lado do microscópio elétrico estava o caderninho de anotações da Dra. Clemenger. As 10:16 ela o levantou, anotou a hora e escreveu que ela e seu colega professor haviam confirmado a presença do vírus Ebola. Do outro lado do laboratório, um técnico realizava um teste com a amostra de sangue da esposa do Paciente Zero. Era positivo para os anticorpos do Ebola. Ela também estava contaminada; embora ainda não soubesse.

— Eles têm filhos? — perguntou Janet, quando as notícias chegaram.

— Dois, ambos longe, na escola.

— Alex, a não ser que você tenha algum conhecimento que eu não tenho... espero que o seguro de vida dos dois esteja em dia.

Clemenger não tinha nível de pesquisadora, mas em momentos como esse ela não se importava. Médicos conhecem seus pacientes bem melhor do que os cientistas puros — O que mais pode me dizer?

— Preciso mapear os genes um pouco, mas veja só. — Ela cutucou a tela. — Vi a forma como os filamentos de proteína estavam agrupados, e esta estrutura aqui embaixo? —Janet era a maior especialista do laboratório em estrutura de vírus.

— Mayinga? — Meu Deus, foi isso que matou George... e ninguém sabia como George fora contaminado, e ele não sabia como este novo paciente...

— Cedo demais para ter certeza. Você sabe o que preciso fazer para determinar isso, mas...

— Faz sentido. Não há fatores de risco conhecidos para ele, e talvez também não para ela. Deus nos ajude, Janet, se for transmissível pelo ar!

— Eu sei, Alex. Quem liga para Atlanta? Você ou eu?

— Eu ligo.

— Vou começar a dividir o maldito — prometeu Janet.

Pareceu uma caminhada longa do laboratório até o escritório. Sua secretária já haviam chegado e percebeu que ele não estava bem.

 

— O Dr. Lorenz está numa reunião agora — disse outra secretária. Isso geralmente afugentava as pessoas. Não desta vez: — Interrompa se puder, por favor. Diga-lhe que é Pierre Alexandre do Johns Hopkins, c que é importante.

— Sim, doutor. Aguarde um pouco, por favor. — Ela pressionou um botão e em seguida outro, fazendo tocar a linha sala de conferências. — Dr. Lorenz por favor. É urgente.

— Sim, Marjorie?

— Estou com o Dr. Alexandre na linha três. Ele diz que é importante, senhor.

— Obrigado. — Gus trocou de linha. — Fale rápido, Alex, estamos com um problema grave aqui — disse num tom quase comercial.

— Eu sei. O Ebola chegou deste lado do mundo — anunciou Alexandre.

— Você também falou com Mark?

— Mark? Que Mark? — disse o professor.

— Espere, espere, Alex. Por que ligou para cá?

— Temos dois pacientes na minha unidade, e ambos estão contaminados, Gus.

— Em Baltimore?

— Sim, agora o que... onde mais, Gus?

— Mark Klein está com um caso em Chicago: mulher, 41 anos. Já microfotografei amostra de sangue. — Em duas cidades distantes, dois especialistas estavam fazendo exatamente a mesma coisa. Um par de olhos olhou para uma parede num escritório pequeno. O outro par se voltou para a mesa de conferências à qual sentavam-se dez outros médicos e cientistas. As expressões foram exatamente iguais. — Algum dos dois esteve em Chicago ou Kansas City?

— Negativo — informou o ex-coronel. — Quando o caso de Klein se manifestou?

— Ontem à noite, por volta das dez. O seu?

— Um pouco antes das oito. O marido tem todos os sintomas. A mulher não, mas o exame de sangue deu positivo... mas que merda, Gus...

— Preciso ligar agora para Detrick.

— Faça isso. Fique de olho na máquina de fax, Gus — aconselhou o professor Alexandre. — E torça para que tudo isto seja um puta erro. — Mas não era, e ambos sabiam disso agora.

— Fique perto do telefone. Posso querer informações.

— Combinado.

Alex pensou na situação enquanto desligava. Ele também tinha um telefonema para dar — Dave, é Alex.

— E então? — perguntou o reitor.

— Marido e mulher, ambos positivos. Mulher ainda não está sintomática.

Marido apresenta todos os sinais clássicos.

— Então, qual é a história, Alex? — perguntou o reitor.

— Dave, a história é que peguei Gus no meio de uma reunião de equipe.

Eles estavam discutindo um caso de Ebola em Chicago. Mark Klein recebeu o caso por volta da meia-noite. Não há familiaridade entre esse caso e o nosso Paciente Zero. Eu acho... acho que temos uma epidemia potencial nas mãos.

Precisamos colocar nosso pessoal de emergência em estado de alerta. É provável que recebamos pacientes perigosos.

— Epidemia? Mas...

 

— Esse é o meu palpite, Dave. O CDC está falando com o Exército. Eu sei exatamente o que eles dirão em Detrick. Seis meses atrás, seria eu quem tomaria essas providências.

A outra linha de Alexandre começou a tocar. Sua secretária atendeu no escritório externo. Um momento depois, sua cabeça apareceu na fresta da porta.

— Doutor, é da sala de emergências. Estão dizendo que precisam do senhor.

Alex comunicou essa mensagem ao reitor.

— Vou me encontrar com você aí, Alex — disse-lhe Dave James.

 

— No próximo recado em sua secretária você está livre para completar a missão — disse o Sr. Alahad. — O momento certo fica a seu critério. — Alahad quis acrescentar que seria melhor para ele se Raman apagasse todas as suas mensagens, mas pareceria fútil pedir isso a alguém disposto a se sacrificar. — Nós não nos encontraremos mais nesta vida.

— Preciso ir para o meu local de trabalho. — disse Raman, uma certa hesitação na voz.

Então a ordem finalmente chegara. Os dois homens se abraçaram, e o mais jovem se retirou.

 

— Cathy?

Ela levantou os olhos para ver a cabeça de Bernie Katz na fresta da porta de seu escritório.

— Sim, Bernie?

— Dave convocou uma reunião de chefes de departamento às duas horas em seu escritório. Estou de partida para Nova York para dar aquela conferência na Columbia, Hal vai operar esta tarde. Cuida das coisas para mim?

— Claro, estou desimpedida.

— Obrigado, Cathy.

A cabeça de Bernie desapareceu novamente. CIRURGIÃ voltou a ler seus prontuários.

 

Na verdade, o reitor mandara sua secretária convocar a reunião enquanto caminhava até a porta. David James estava na sala de emergências. Por trás da máscara e parecia com qualquer outro médico.

Este paciente não tinha nenhuma relação com os outros dois. Observá-lo a três metros de distância, num canto da sala de emergências, ofereceu um quadro bastante claro da situação: eles viram-no vomitar num recipiente plástico.

Houve ampla evidência de sangue.

A mesma jovem residente estava trabalhando neste caso.

— Ele não realizou nenhuma viagem para o exterior. Disse que esteve em Nova York para fazer algumas coisas. Teatro, feira de automóveis, coisas normais de turista. E quanto ao primeiro?

— Positivo para vírus Ebola — disse-lhe Alex.

A cabeça da residente girou como a de uma coruja.

— Aqui?

— Aqui. Não fique surpresa demais, doutora. Foi você quem me chamou, lembra? Alexandre virou-se para o reitor James e levantou uma sobrancelha.

— Todos os chefes de departamento no meu escritório às duas. Não posso agir mais rápido, Alex. Um terço deles está operando ou cuidando de pacientes neste momento.

— Ross para este? — perguntou a residente. Ela tinha uma paciente para cuidar.

— O mais rápido que você puder.

Alexandre pegou o reitor pelo braço e conduziu-o para fora. Ali, usando seu avental cirúrgico, ele acendeu um charuto, para a surpresa dos guardas de segurança, que policiavam a proibição do fumo ali fora.

— Mas que merda está acontecendo?

— Você sabe, há uma coisa a ser dita sobre coisas assim. — Alex deu algumas baforadas. — Posso lhe dizer o que pensarão lá em Detrick, com toda certeza do mundo.

— Prossiga.

— Dois casos-índice separados, Dave, 1.600 quilômetros de distância, e oito horas de diferença em tempo. Nenhum tipo de conexão. Nenhuma familiaridade. Acho que há uma epidemia — disse Pierre Alexandre, dando outra baforada no charuto.

— Não há dados suficientes para sustentar isso — disse o reitor James.

— Estou torcendo para estar errado. Eles examinarão a situação em Atlanta.

Há gente boa lá. Os melhores. Mas eles não veem esse tipo de coisa da mesma forma que eu usei aquele uniforme verde por um bom tempo. — Outra baforada.

— Bem, veremos qual é o melhor apoio que podemos conceder. Somos melhores do que qualquer lugar na África. Chicago também. Assim como todos os outros lugares que reportarão casos, suponho.

— Outros? — Por melhor médico que fosse, James ainda não estava entendendo.

— A primeira tentativa em guerra biológica foi realizada por Alexandre o Grande. Ele usou catapultas para lançar corpos de vítimas da peste numa cidade sitiada. Não sei se funcionou ou não. Ele tomou a cidade de qualquer modo, massacrou todos os cidadãos e seguiu viagem.

 

Alex pôde ver que James tinha entendido agora. O reitor estava tão pálido quanto o novo paciente lá dentro.

 

— Jeff? — Raman estava no posto de comando local analisando a agenda de POTUS. Tinha uma missão para completar agora, e era hora de fazer algum planejamento. Andréa caminhou até ele. — Faremos uma viagem a Pittsburgh na sexta. Quer ir até lá com a equipe avançada? Há alguns problemas locais que foram identificados no hotel.

— Certo. Quando parto? — perguntou o agente Raman.

— O voo sai em noventa minutos. — Ela deu-lhe uma passagem. — Você volta amanhã à noite.

Melhor assim, pensou Raman. Ele talvez até conseguisse sobreviver. Se ele fosse estruturar toda a segurança num desses eventos, sobreviver seria uma possibilidade. A ideia do martírio não o incomodava muito, mas se a sobrevivência fosse possível, optaria por ela.

— Perfeito — replicou o assassino. Ele não precisava se preocupar com malas, os agentes da segurança presidencial sempre têm uma bolsa pronta no carro.

 

Foram necessárias seis passagens de satélite antes que o oficial da reserva Marinha estivesse disposto a fazer sua estimativa da situação. Todas as seis divisões usadas da URI que haviam participado do jogo de guerra estavam agora de prontidão com manutenção completa. Alguns diriam que era normal uma unidade entrar num ciclo rigoroso de manutenção depois de um exercício grande, mas seis divisões — de corporações pesadas — ao mesmo tempo era um pouco demais. Os dados foram transmitidos imediatamente para os governos da Arábia Saudita e do Kuwait.Nesse meio tempo, o Pentágono ligou para a Casa Branca.

— Sim, secretário — disse Ryan.

— A SNIE ainda não está pronta para a URI, mas recebemos... bem, algumas informações perturbadoras. Deixarei o almirante Jackson apresentá-las.

O presidente ouviu, e não precisou muito em termos de análise, embora quisesse que as estimativas especiais da informação nacional em sua mesa lhe dessem uma notícia melhor das intenções políticas da URI.

— Recomendações? — perguntou depois que Robby tinha saído.

— Acho que é um bom momento para fazer os barcos em Diego se mexerem. Não fará mal nenhum exercitá-los um pouco. Podemos movê-los durante dois dias a todo vapor sem que ninguém repare. Em seguida, recomendo que emitamos ordens de alerta para a XVIII Corpo Aerotransportado. Ele é composto pela 82ª, 1ª a e 24ª divisões blindadas — Isso fará barulho? — perguntou Jack.

— Não, senhor. Será tratado como um alerta de treinamento. Fazemos coisas assim o tempo todo. Tudo que isso faz realmente é deixar os oficiais comissionados pensando.

— Faça então. Aja com discrição.

— Esse seria um bom momento para realizar um exercício conjunto com navios amigáveis na região — sugeriu o J-3.

— Pensarei nisso. Mais alguma coisa?

— Não, presidente — replicou Bretano. — Manteremos o senhor informado.

 

Por volta do meio-dia, o número de fax recebidos no CDC Atlanta já passado dos trinta, vindos de dez estados diferentes. Os fax foram encaminhados para Detrick, Maryland, lar da USAMRIID (United States Army Medical Research Institute for Infectious Diseases: Instituto de Pesquisas Médicas de Doenças Infecciosas do Exército dos Estados Unidos da América) (N do T.), a versão militar do CDC, o Centro de Controle de Doenças, em Atlanta. Por mais assustadoras que fossem as informações, elas eram simplesmente um pouco assustadoras demais para julgamento rápido. Uma grande reunião de equipe foi marcada para logo depois do almoço, enquanto os oficiais comissionados e civis tentavam organizar os dados. Os oficiais mais graduados de Walter Reed entraram em seus carros para seguir a Interstate-70.

— Dra. Ryan?

— Sim? — disse Cathy, levantando os olhos.

— A reunião no escritório do Dr. James foi antecipada — disse sua secretária. — Eles querem a senhora lá imediatamente.

— Acho melhor ir, então.

A primeira-dama se levantou e caminhou até a porta. Roy Altman estava de pé ali.

— Algo que eu precise saber? — perguntou o agente principal de CIRURGIÃ.

— Aconteceu alguma coisa. Não sei ainda o que é.

— Onde fica o escritório do reitor? — Ele nunca tinha estado lá antes. Todas as reuniões de equipe à qual ela comparecera recentemente tinham sido em Maunienee.

— Ali. — Ela apontou. — Do outro lado da Monument Street, no prédio administrativo.

— CIRURGIÃ em movimento para norte, rumo à Monument Street — Os agentes simplesmente apareceram de parte alguma, ou pelo menos foi o que pareceu. Não fossem pelos acontecimentos recentes, aquilo teria parecido engraçado. — Se não se importar, ficarei dentro da sala com a senhora. Ficarei fora do caminho — prometeu Altman.

Cathy assentiu. Não havia motivo para brigar. Tinha certeza que Altman odiaria o escritório do reitor por causa de suas janelas enormes. Era uma caminhada de apenas dez minutos até lá. Cathy saiu para atravessar a rua, ansiosa por um pouco de ar fresco. Entrando no prédio, encontrou vários amigos seus, chefes de departamento ou altos funcionários, todos seguindo na mesma direção. O pessoal da diretoria sempre estava viajando, um motivo pelo qual Cathy não tinha certeza se gostaria de ter esse cargo algum dia. Pierre Alexandre entrou esbaforido, vestindo avental cirúrgico, carregando uma pasta, parecendo muito preocupado quando quase esbarrou com ela. Um agente do Serviço Secreto impediu isso.

— Estou feliz por você estar aqui, Cathy — disse ele enquanto passava. — E eles tombem.

— E bom ser apreciado — observou Altman para um colega, enquanto o reitor aparecia na porta.

— Entrem.

Uma olhada na sala de conferências convenceu Altman a baixar as persianas com suas próprias mãos. As janelas davam para uma rua de casas de tijolos anônimas. Alguns dos médicos olharam-no irritados, mas sabiam quem ele era e não objetaram.

— A reunião está aberta — disse Dave James, antes mesmo de todos se sentarem. — Alex tem uma coisa muito importante a nos dizer.

Não houve preâmbulo: — Temos cinco casos de Ebola em Ross neste exato momento. Todos foram registrados hoje.

Cabeças viraram-se rapidamente. Cathy piscou em sua cadeira na ponta da mesa.

— Estudantes de algum lugar? — perguntou o diretor de cirurgia. — Do Zaire?

— Um comerciante de automóveis e sua esposa, um vendedor de barcos de Annapolis, e mais três pessoas. Respondendo à sua pergunta, não. Não houve nenhuma forma de viagem internacional. Quatro dos cinco são completamente sintomáticos. A esposa do comerciante de automóveis apresenta anticorpos, mas ainda nenhum sintoma. Essas são as boas notícias. Nosso caso não foi o primeiro. O CDC tem casos reportados em Chicago, Filadélfia, Nova York, Boston e Dallas. Era essa a situação até uma hora atrás. O total de casos reportados é de 12, e esse número duplicou entre dez e 11. Provavelmente ainda está crescendo.

— Meu Deus — murmurou o diretor de medicina.

 

— Todos vocês sabem o que eu fazia antes de vir para cá. Imagino que neste exato momento está havendo uma reunião em Forte Detrick. A conclusão dessa reunião será de que esta não é uma epidemia acidental. Alguém iniciou uma campanha de guerra biológica contra o nosso país.

Cathy notou que ninguém se opôs à análise de Alexandre. Ela sabia o motivo. Os outros médicos na sala eram tão brilhantes que às vezes ela se perguntava se estava a altura deles — ela nunca considerara que a maioria deles nutria os mesmos pensamentos. Todos estavam entre os maiores especialistas mundiais em seus campos, e pelo menos quatro entre eles eram considerados autoridades máximas. Mas todos dedicavam algum tempo, como ela fazia, a almoçar com um colega de campo diferente para trocar informações. Como Cathy, todos eram fanáticos por aprender. Todos queriam saber tudo, mesmo cientes de que isso era impossível, mesmo num campo profissional específico, nada podia impedi-los de tentar. Neste caso, os rostos subitamente rígidos ocultavam mesmo processo analítico.

O Ebola era uma doença infecciosa, e doenças assim começavam num único lugar. Sempre havia uma primeira vítima, chamada “Paciente Zero” ou “Caso Índice”, c vírus se disseminava a partir daí. Nenhuma doença explodia desta forma. O CDC e o USAMRIID, que precisariam oficializar essa conclusão, teriam o dever de reunir, organizar e apresentar informações no que era quase uma estrutura legalista para provar seu caso. Para sua instituição médica, era simples, ainda mais porque Alex comandará uma das divisões em Forte Detrick. Ademais, como existia um plano para tudo, Johns Hopkins era uma das instituições designadas para receber casos se um evento como esse viesse a acontecer.

— Alex, a literatura expressa que o Ebola se dissemina apenas através de grandes partículas de líquido — disse o diretor de urologia. — Como ele poderia explodir tão rápido, mesmo no nível local?

— Existe uma subcepa chamada Mayinga. Recebeu seu nome de uma enfermeira que a contraiu e morreu. O método de sua infecção jamais foi determinado. Um colega meu, George Westphal, morreu da mesma coisa em 1990. Também não determinamos o meio de transmissão em seu caso.

Acredita-se que essa subcepa possa transmitir-se por via aérea. Nunca foi provado que sim nem que não — explicou Alex. — Além disso, há formas de fortificar um vírus, vocês sabem disso. Vocês admitem alguns genes de câncer na estrutura.

— E não existe tratamento, nada em nível experimental? — questionou o urologista.

— Rousseau está fazendo um trabalho interessante no Pasteur, mas até agora não logrou resultados positivos.

Uma reação física percorreu a mesa de conferências de um médico para o outro. Eles estavam entre os melhores do mundo, e sabiam disso. Também sabiam que isso não adiantaria contra o inimigo.

— E quanto a uma vacina? — perguntou o diretor de medicina. — Isso não devia ser tão difícil.

— O USAMRIID está pesquisando uma vacina há cerca de dez anos. A primeira conclusão é de que parece ser um problema de especificidade. O que funciona para uma subcepa nem sempre funciona para outra. Além disso, a questão do controle de qualidade é delicada. Estudos que li preveem uma taxa de dois por cento de infecção da própria vacina. A Merck acredita que poderão fazer progressos, mas os testes consomem tempo.

— Ai, meu Deus — comentou CIRURGIÃ, estremecendo.

Considerando uma pessoa a cada cinquenta com um índice de 80% de mortalidade... significava vinte mil pessoas infectadas a cada grupo de milhão, das quais aproximadamente sessenta mil morreriam. Aplicada à população dos Estados Unidos, essa estimativa significava três milhões de mortes a partir de uma tentativa de proteger a população. Havia um nome para esse dilema: Escolha de Hobson, uma opção aparentemente livre que, na verdade, não oferecia uma alternativa real.

— Mas é cedo demais para determinar a extensão da epidemia teórica, e não temos dados sobre a capacidade da doença espalhar-se nas condições ambientais existentes — considerou o diretor da Urologia. — Portanto, não estamos realmente certos de que medidas precisam ser tomadas.

— Correto. — Pelo menos era fácil explicar coisas para essas pessoas.

— Meu pessoal verá isso primeiro — disse o diretor de Emergência. — Preciso alertá-los. Não podemos correr o risco de perder pessoas desnecessariamente.

— Quem vai contar a Jack? — pensou Cathy em voz alta. — Ele precisa saber, e precisa saber rápido.

—— Bem, esse é o trabalho do USAMRIID e do diretor nacional de saúde.

— Eles ainda não estão prontos para concluir isso. Você mesmo acaba de dizer — replicou Cathy. — Tem certeza do que disse?

— Tenho.

CIRURGIÃ virou-se para Roy Altman: — Mande trazer meu helicóptero imediatamente.


49

Tempo de Reação

O coronel Goodman ficou surpreso com o telefonema. Estava almoçando tarde depois de um voo de checagem num VH-60 sobressalente que acabara de sair da oficina. O helicóptero que ele usava para transportar CIRURGIÃ estava na i”lupa. A tripulação de três homens correu até ele e acionou os motores, alheios ao motivo da alteração na programação do dia. Dez minutos depois da chamada, ele estava no “r e seguindo para nordeste. Vinte minutos depois, estava circulando o heliporto. Bem, d li estavam CIRURGIÃ, com CHOCALHO ao lado, e o esquadrão do Serviço Secreto e alguém que ele não conhecia, vestindo um jaleco branco. O coronel checou o vento e começou a descer.

A reunião dos diretores de departamento acabara apenas cinco minutos antes. Decisões haviam sido tomadas. Dois andares inteiros seriam limpos e equipados para possíveis chegadas de casos de Ebola. O diretor de medicina emergencial estava agora reunindo sua equipe para uma palestra. Dois dos assistentes de Alexandre estavam no telefone com Atlanta, obtendo atualizações do total de casos conhecidos, e anunciando que o Hopkins ativara seu plano de emergência para esta contingência. Isso significava que Alex não conseguira ir até seu escritório trocar de roupa. Cathy também estava usando seu jaleco de laboratório, mas no caso dela estava sobre um vestido normal. Ele usara avental cirúrgico — seu terceiro no dia — durante a reunião, ainda estava com ele. Cathy disse-lhe para não se preocupar. Tiveram de esperar as hélices pararem antes que os agentes do Serviço Secreto permitissem que seus protegidos subissem a bordo. Alex notou a presença de um helicóptero de reserva, circulando a um quilômetro e meio de distância, e ainda um terceiro se aproximando, parecia um helicóptero de polícia, provavelmente para seguranças, imaginou Alexandre.

Todos subiram a bordo. Katie — ele nunca tinha se encontrado com a menina antes subiu no assento atrás dos pilotos, supostamente o ponto mais seguro da aeronave. Há anos Alexandre não viajava num Black Hawk. Cathy fechou seu cinto de segurança. A pequena Katie precisou ser ajudada, mas adorava colocar seu capacete, pintado de rosa com um coelhinho nele, com certeza ideia de algum fuzileiro. Segundos depois as hélices começaram a girar.

— Isto está sendo um pouco apressado — disse Alex pelo comunicador interno.

— Acha realmente que deveríamos esperar? — replicou Cathy, colocando seu microfone na lapela.

— Não. — Mas ele pelo menos podia estar vestido a contento para ver o presidente. A aeronave decolou, subiu a noventa metros e tomou a direção sul.

— Coronel? — disse Cathy ao piloto no banco da frente, à direita.

— Senhora?

— Vamos depressa — ordenou.

Goodman nunca ouvira CIRURGIÃ falar como uma cirurgiã antes. Era um tom de comando que qualquer fuzileiro reconheceria. O coronel baixou o nariz da aeronave e levou o Black Hawk até 160 nós.

— Está com pressa, coronel? — indagou o piloto do helicóptero sobressalente.

— A dama está. Seguirei a rota direta.

Em seguida, o coronel contatou o aeroporto Baltimore-Washington para dizer aos controladores para segurar chegadas e partidas até que ele tivesse sobrevoado o campo. Não demorou. Ninguém no solo realmente notou, mas dois 737 USAir tiveram de sobrevoar uma vez a pista, para a irritação de seus passageiros. Observando do banco de trás, CHOCALHO achou tudo aquilo muito divertido.

 

— Presidente?

— Sim, Andréa? — disse Ryan, levantando os olhos do que estava lendo.

— A sua esposa está chegando de Baltimore. Ela precisa conversar com o senhor a respeito de alguma coisa. Não sei do que se trata. Chegará em cerca de 15 minutos —disse-lhe Price.

— Nada errado? — perguntou Jack.

— Não, não, todos estão bem, senhor. CHOCALHO está com ela — assegurou lhe a agente.

— Muito bem.

E Ryan voltou a ler a atualização mais recente da investigação.

 

— Bem, é oficialmente um disparo limpo, Pat. — Murray fez questão de comunicar isso pessoalmente ao seu inspetor. Evidentemente, não houvera muita dúvida esse respeito.

— Queria pelo menos ter trazido o último vivo — comentou O’Day, desânimo no rosto.

— Quer parar com essa ladainha? Não havia chance, não com crianças por perto Acho que vamos conseguir uma condecoraçãozinha para você.

— Temos alguma coisa sobre o tal Azir?

 

— A foto de sua carteira de motorista e um monte de registros escritos, mas foi isso, quase não temos evidências de que ele já existiu.

Era um caso clássico de circunstâncias. Certa tarde de sexta, Mordecai Azir levara seu carro para o Aeroporto Internacional de Baltimore-Washington e pegara um voo para o Nova York-Kennedy. Sabiam isso graças ao atendente da USAir que emitiu passagem nesse nome. Depois Azir desaparecera, como uma nuvem de fumaça num dia de ventania. Indubitavelmente possuía um conjunto virgem de documentos de viagem. Talvez o tivesse usado em Nova York para um voo internacional. Se realmente era tão esperto, devia ter pegado um táxi para Newark ou para LaGuardia; de Newark teria pegado um voo internacional, de LaGuardia, um voo para o Canadá. Até agora agentes do escritório de Nova York estavam investigando pessoas em cada balcão de linha aérea. Mas praticamente cada linha aérea no mundo vinha para o Kennedy, e os atendentes desse aeroporto viam milhares de pessoas por dia. Talvez pudessem estabelecer qual voo Azir tomara. Mas até conseguirem isso, o homem poderia estar na Lua.

— Espião treinado — observou Pat O Day. — Não é tão difícil assim, é?

O que voltou para Murray foram as palavras de seu superior no Conselho Federal de Informação. Se você podia fazer imediatamente, podia fazer mais do que imediatamente. Havia todos os motivos para crer que existia uma rede completa de espiões — pior, de terroristas — operando em seu país, sentados à espera de ordens... pura fazer o quê? E para evitar detecção, tudo que eles tinham a fazer era não fazer nada. Samuel Johnson certa vez comentara que esse era um feito ao alcance de qualquer pessoa.

 

O helicóptero sinalizou e pousou, para a surpresa dos jornalistas, que sempre fitavam com um olho aberto. Qualquer coisa inesperada na Casa Branca era digna de nota. Eles reconheceram Cathy Ryan. Entretanto, seu jaleco branco de médica era incomum, estar ao lado de um desconhecido usando avental cirúrgico passou a impressão imediata de que havia uma emergência médica envolvendo o presidente. Isso era realmente correto, embora um porta-voz tenha chegado para dizer que, não, o presidente estava bem, trabalhando à sua mesa; não, ele não sabia por que a Dra. Ryan chegara mais cedo do trabalho.

Não estou vestido para isso, pensou Alex. Os olhares dos agentes com os quais cruzou rumo à Ala Leste confirmaram isso, e agora alguns deles perguntavam-se se ESPADACHIM estava doente, resultando em algumas chamadas de rádio que foram imediatamente rechaçadas. Cathy conduziu Alexandre pelo corredor, e então tentou a porta errada até um agente pedir licença e abrir a certa para o Salão Oval. Eles notaram que a primeira-dama não pareceu irritada ou embaraçada com o engano. Eles nunca tinham visto CIRURGIÃ tão concentrada.

— Jack, este é Pierre Alexandre — disse ela dispensando cumprimentos.

Ryan se levantou. Ele não tinha nenhum compromisso importante para as próximas horas, e tirara o paletó.

— Olá, doutor — disse ele, tendo deduzido a profissão do visitante por suas roupas. Então percebeu que Cathy também estava com seu jaleco de trabalho. — O que tá acontecendo, Cathy? — perguntou à esposa.

— Alex?

Ninguém havia sequer se sentado. Dois agentes do Serviço Secreto haviam acompanhado os médicos, e a tensão na sala foi como uma sineta de alarme para eles, embora também não tivessem a menor ideia do que estava acontecendo. Roy Altman estava em outra sala, conversando com Price.

— Presidente, o senhor sabe o que é o vírus do Ebola?

— África — disse Jack. — Uma doença da selva, certo? Mortal como o diabo. Vi um filme...

— Bem perto — confirmou Alexandre. — É um vírus de RNA de filamento negativo. Não sabemos onde ele vive... quero dizer, sabemos o lugar mas não o hospedeiro, o animal no qual ele vive — explicou. — E ele é fatal, senhor. O índice de mortalidade é de aproximadamente oitenta por cento.

— Certo — disse POTUS, ainda de pé. — Prossiga.

— Está aqui.

— Onde?

— Na última contagem tínhamos cinco casos no Hopkins. Mais vinte no resto do país... esse número está agora defasado em cerca de três horas. Posso usar o telefone?

 

Gus Lorenz estava sozinho em seu escritório quando o telefone tocou.

— É o Dr. Alexandre de novo.

— Sim, Alex?

— Gus, qual é a contagem agora?

— Sessenta e sete — replicou o viva-voz. Alex estava debruçado sobre ele.

— Onde?

— Principalmente cidades grandes. Os relatos vêm principalmente dos principais centros médicos. Boston, New Haven, Nova York, Filadélfia, Baltimore, um em Richmond, sete aqui mesmo em Atlanta, três em Orlando... — Puderam ouvir uma porta ser aberta e uma folha de papel ser entregue ao médico. — Oitenta e nove, Alex. Os casos não param de chegar.

— O USAMRIID já decretou estado de alerta?

— Espero que isso aconteça dentro de uma hora. Estão numa reunião para determinar...

 

— Gus, estou na Casa Branca agora. O presidente está aqui comigo. Quero que você lhe diga o que acha — comandou Alexandre, falando como um coronel do Exército.

— O quê... como você... Alex, ainda não podemos ter certeza.

— Ou você diz ou eu digo. É melhor que seja você.

— Presidente? — Era Ellen Sumter na porta lateral. — Tenho um general Pickett no telefone para falar com o senhor. Ele diz que é muito urgente.

— Peça-lhe para aguardar.

— John é bom, mas é um pouco conservador — observou Alex. — Gus, fale com a gente!

— Senhor... presidente... isto não está parecendo um evento natural. Está pareceu do demais com um ato proposital.

— Guerra biológica? — inquiriu Ryan.

— Sim, presidente. Ainda não dispomos de dados suficientes para uma conclusão, mas epidemias naturais não começam desta forma, não por toda parte.

— Sra. Sumter, pode colocar o general nesta linha.

— Sim, senhor.

— Presidente? — perguntou uma nova voz.

— General, tenho um Dr. Lorenz na linha, e ao meu lado está o Dr.

Alexandre do Hopkins.

— Oi, Alex.

— Oi, John — respondeu Alexandre.

— Então você sabe.

— O quanto você está confiante quanto a essa estimativa? — perguntou ESPADACHIM.

— Temos pelo menos dez centros focais. Uma doença não aparece em toda parte sozinha. As informações ainda estão chegando, senhor. Todos esses casos aparecendo em 24 horas, não pode ser acidente, e não é um processo natural.

Alex poderá explicar melhor. Ele já trabalhou para mim. Ele é muito bom — disse Pickett ao seu comandante-em-chefe.

— Dr. Lorenz, concorda com isso?

— Sim, presidente.

— Meu Deus — disse Jack, olhando para a esposa. — Qual é o próximo passo?

— Senhor, temos algumas opções — replicou Pickett — Preciso ver o senhor pessoalmente.

Ryan virou-se: — Andréa!

— Sim, senhor?

— Mande um helicóptero para Forte Detrick, agora!

— Sim, presidente.

 

— Estarei à sua espera, general. Dr. Lorenz, obrigado. Há mais alguma coisa que eu precise saber?

— Dr. Alexandre pode cuidar disso.

— Muito bem, colocarei a Sra. Sumter ao telefone para dar-lhe as linhas diretas para este escritório. —Jack caminhou até a porta. — Dê-lhes o que eles precisam. Depois chame Arnie e Ben.

— Sim, presidente.

Jack retornou para sentar-se na borda de sua mesa. Ficou silencioso por um momento. Sob certo aspecto, agora estava grato pelo ataque fracassado à sua filha. Aquilo fora um único golpe, sinistro e poderoso, do qual não tivera nem chance de se esquivar. No caso da crise atual, embora as ramificações viessem a ser muito piores, Ryan tinha tempo para tentar se esquivar dos golpes seguintes.

— O que preciso saber?

— Ainda não podemos adiantar a maior parte dos aspectos importantes. São aspectos técnicos — explicou Alex. — Quanto à facilidade com que a doença se dissemina, o que sabemos agora é duvidoso e baseado em conjecturas. Essa é a questão básica. Se a doença se espalha facilmente pelo ar...

— Como assim? — perguntou POTUS.

— Borrifos, gotículas, como uma tosse ou um espirro. Se o vírus se dissemina dessa forma, estamos com problemas até o pescoço.

— Supostamente, não é assim que acontece — objetou Cathy. —Jack, esse vírus é muito delicado. Ele não permanece em espaços abertos por mais de... Quanto tempo, Alex? Alguns segundos?

— Essa é a teoria, mas algumas cepas são mais robustas que outras. Porém, mesmo que consiga sobreviver apenas alguns minutos em espaço aberto, já será muito ruim. Se essa for a cepa que chamamos Mayinga, bem, nós simplesmente não sabemos o quanto ela é robusta. Mas a situação é bem mais complicada que isso. Depois que uma pessoa contrai o vírus, ela o leva para casa. Uma casa é um ambiente extremamente propício para agentes patogênicos. A culpa é dos sistemas de aquecimento e refrigeração. Além disso, os membros das famílias mantêm contato íntimo. Eles se abraçam. Eles se beijam. Fazem amor. E depois que o vírus está no organismo de uma pessoa, ela passa o tempo todo expelindo coisas.

— Coisas?

— Partículas de vírus, presidente. O tamanho dessas coisas é medido em microns. São bem menores que partículas de poeira, menores que qualquer coisa que você possa enxergar.

— Você já trabalhou em Detrick?

— Sim, senhor. Era coronel, chefe do Departamento de Patogênese.

Aposentei me e fui contratado pelo Hopkins.

— Então tem uma ideia de quais são os planos do general Pickett, as opções, quer dizer?

 

— Sim, senhor. Esse material é reavaliado pelo menos uma vez por ano. Já trabalhei no comitê que traça os planos.

— Sente-se, doutor. Quero ouvir o que tem a dizer.

 

Os navios de pré-posicionamento marítimo tinham acabado de retornar de um exercício, e a pouca manutenção que fora requisitada já havia sido feita. Ao receber as ordens do Comando do Atlântico, iniciaram os procedimentos de acionamento dos motores, o que significava principalmente aquecer o combustível e os óleos lubrificante Ao norte, o cruzador Anzio, mais os destróieres Kidd e OBannon, receberam suas próprias ordens e rumaram para oeste rumo a um ponto de encontro. O oficial mais graduado presente era o comandante do cruzador da classe Aegis, que se perguntou como achavam possível levar aqueles navios mercantes gordos até o Golfo Pérsico sem cobertura aérea, se fosse preciso. A Marinha dos Estados Unidos não ia a lugar algum sem cobertura aérea, e o porta-aviões mais próximo era o Ike, a cinco mil quilômetros dali. Por outro lado, não era tão ruim ser um mero capitão no comando de uma força-tarefa sem um almirante para ficar olhando sobre seu ombro.

O primeiro dos navios de transporte de veículos de ataque a sair do ancoradouro foi o USNS Bob Hope, um navio de desembarque recém-construído, pesando quase oitenta mil toneladas e transportando 952 veículos.

Sua tripulação tinha uma pequena tradição para seus movimentos. Enquanto o navio passava pela base naval, logo depois da meia-noite, alto-falantes enormes ribombaram “Thanks for the Memories”, sendo seguido por seus irmãos. A bordo, tinham o complemento inteiro de veículos para uma brigada pesada reforçada. Depois de passar pelos recifes, as alavancas foram empurradas até o fim, obtendo vinte e seis nós, dos grandes motores diesel Colt-Pielstick.

 

Esperaram a chegada de Goodley e Van Damm e depois passaram dez minutos explicando-lhes o que estava acontecendo. A essa altura, a enormidade da situação estava pesando na consciência do presidente, e Jack esforçava-se para refrear as emoções. Notou que embora Cathy tivesse de estar tão horrorizada quanto ele, estava aceitando tudo com calma, pelo menos externamente. Afinal de contas, aquele era o seu campo.

— Não acho que o Ebola possa sobreviver fora de uma selva — disse Goodley.

— Não pode, pelo menos a longo prazo; do contrário, já teria viajado ao redor do mundo, a esta altura.

 

— Ele mata rápido demais para isso — objetou CIRURGIÃ.

— Cathy, já temos jatos há mais de trinta anos. O desgraçado do vírus é delicado demais. Isso funciona a nosso favor.

— Como descobriremos quem fez isso? — Essa pergunta veio de Arnie.

— Entrevistamos todas as vítimas, descobrimos onde elas estiveram e tentamos Concentrar os centros focais a um ponto. Essa é uma função investigativa. Os epidemiologistas são muito bons nesse sentido... mas este é um pouco grande demais — acrescentou Alexandre.

— O FBI pode ajudar, doutor? — perguntou van Damm.

— Mal não fará.

— Chamarei Murray — disse o chefe de gabinete ao presidente.

— Não é possível tratar a doença? — indagou POTUS.

— Não. O que acontece é que a epidemia se desgasta sozinha depois de vários ciclos. O que quero dizer é... certo, uma pessoa contrai. O vírus se reproduz nessa pessoa e depois passa para mais alguém. Cada vítima subsequente se torna um hospedeiro indireto. A medida que a doença se reproduz e mata a vítima, a vítima passa o vírus para a pessoa seguinte. Mas, e aqui vai a boa notícia, o Ebola não se reproduz com eficácia. A medida que passa por esses ciclos, ele se torna menos virulento. A maioria dos sobreviventes numa epidemia acontece perto do fim, porque o vírus se modifica progressivamente para uma forma menos perigosa. O organismo é tão primitivo que não faz tudo com perfeição.

— Quantos ciclos até isso acontecer, Alex? — perguntou Cathy. Ele deu de ombros.

— É empírico. Conhecemos o processo, mas não podemos quantificá-lo.

— Há incógnitas demais — disse Cathy.

— Presidente? — disse Alexandre.

— Sim, doutor?

— Sabe o filme a que o senhor assistiu?

— O que tem ele?

— O orçamento para aquele filme é um pouco mais do que todos os fundos para pesquisa em virologia. Tenha isso em mente. Acho que a virologia não é sensual o bastante. — Arnie começou a dizer alguma coisa. Alex cortou-o com uma mão levantada.

— Não estou mais na folha de pagamento do governo, senhor. Não tenho nenhum império para construir. Minha pesquisa é realizada com fundos privados. Estou apenas expondo um fato. Mas que diabos, acho que não temos fundos para tudo.

— Se não podemos tratar a doença, como podemos detê-la? — perguntou Ryan, colocando a conversa de volta nos trilhos. Ele virou a cabeça. Uma sombra atravessou o Gramado Sul, e o rugido de um helicóptero atravessou as janelas à prova de balas.

 

— Ahh! — exprimiu Badrayn com um sorriso.

A Internet era planejada para conceder acesso a informações, não para ocultá-las, e com um amigo de um amigo de um amigo que era estudante de medicina na Emory University, em Atlanta, Badrayn conseguiu invadir o correio eletrônico do centro médico. Outra senha eliminou todos os preâmbulos, e ele finalmente conseguiu o que queria Eram 14 horas na Costa Leste da América, e o Emory reportou ao CDC que agora havia seis casos de suspeita de febre hemorrágica. Melhor ainda, o CDC já respondera, e isso lhe disse muito mais. Badrayn imprimiu ambas as cartas e deu um telefone ma.

Agora ele realmente tinha boas novas.

 

Raman sentiu o trem de pouso do DC-9 bater com um solavanco na pista de Pittsburgh. Havia sido um voo breve que lhe permitira ficar sozinho um pouco e considerar diversas opções. Seu colega — irmão — em Bagdá agira como um mártir, de for ma um pouco dramática demais, e a segurança em torno do líder iraquiano tinha sido muito grande, realmente maior que aquela a que Raman integrava. Como fazer? O truque era criar o máximo de confusão possível. Talvez quando Ryan caminhasse até a multidão para apertar mãos.

Dar o tiro, matar um ou dois dos outros agentes, e então correr através da multidão. Se conseguisse passar pelas duas primeiras filas de espectadores, tudo que teria a fazer seria levantar sua carteira do Serviço Secreto — funcionava melhor que uma arma para transpor obstáculos — e todos pensariam que estava perseguindo o assassino. A chave para escapar após um assassinato — o Serviço Secreto ensinara-o isso — era sobreviver aos primeiros trinta segundos.

Sobreviva a isso, e você terá uma chance muito boa de sobreviver a tudo. E seria ele quem faria todos os preparativos de segurança para a viagem de sexta-feira. Restava, porém, uma questão: como poderia conduzir presidente a um ponto no qual pudesse ter essa opção? Acertar POTUS. Acertar Price. Acertar um outro. Depois misturar-se à multidão. O ideal seria que os cidadãos não vissem a arma em suas mãos até depois dos disparos. Sim, isso poderia funcionar, pensou, tirando o cinto de segurança e se levantando. Haveria um agente local do Tesouro à sua espera na margem da pista. Ele seguiriam para o hotel cuja sala de jantar ampla abrigaria o discurso do presidente Ryan. Raman teria o dia inteiro e parte do seguinte para pensar em tudo, sob os olhos dos seus colegas agentes. Seria um desafio e tanto.

O general de divisão John Pickett era formado pela faculdade de medicina de Yale, e somara ao título de graduação um par de doutorados — biologia molecular de Harvard, e saúde pública da UCLA. Era um homem pálido e magro que parecia pequeno em seu uniforme — não tivera tempo para se trocar —, fazendo suas asas de paraquedista parecerem fora do lugar. Dois coronéis chegaram com ele, seguidos pelo diretor Murray do FBI, que viera correndo do Edifício Hoover. Os três oficiais fórum recebidos na Casa Branca, mas como o Salão Oval agora era pequeno demais, o presidente conduziu-os ao longo do corredor até a Sala Roosevelt. No caminho, um agente do Serviço Secreto entregou ao general um fax ainda quente da máquina do secretariado.

— A contagem de casos está agora em 137, segundo Atlanta — disse Pickett.

— Quinze cidades, 15 estados, costa a costa.

— Oi, John — disse Alexandre, apertando a mão do amigo. — Eu mesmo vi três deles.

— Alex, que prazer em vê-lo, companheiro. — Virando-se para os outros, o oficial disse: — Alex deve ter explicado a situação a todos.

— Isso mesmo — disse Ryan.

— O senhor tem alguma pergunta, presidente?

— Tem certeza de que foi um ato proposital?

— Bombas não explodem por acidente. — Pickett desdobrou um mapa.

Algumas cidades estavam marcadas com pontos vermelhos. Um de seus coronéis anotou mais três: San Francisco, Los Angeles e Las Vegas.

— Cidades de convenção. Exatamente como eu teria feito — murmurou Alexandre — Parece a Bioguerra 95, John.

— Parece muito. Esse foi um jogo de guerra que travamos com a Agência de Defesa Nuclear. Usamos Antrax. Alex era um dos nossos melhores homens no planejamento da defensiva biológica — disse Pickett à plateia. — Ele foi o comandante da Equipe Vermelha nesse exercício.

— Isso não é contra a lei? — perguntou Cathy, ultrajada com a revelação.

— Ataque e defesa são dois lados da mesma moeda, Dra. Ryan — replicou Pickett, defendendo seu ex-subordinado. — Precisamos pensar como os bandidos se quisermos detê-los.

— Conceito operacional? — perguntou o presidente. Ele compreendia mais do que sua esposa.

— Guerra biológica em nível estratégico significa iniciar uma reação de cadeia dentro da população-alvo. Você procura infectar o máximo possível de pessoas. E isso não significa muitas vidas; não estamos falando de armas nucleares. A ideia é que as pessoas, as vítimas, espalhem a doença para você.

Essa é a elegância da guerra biológica. São as suas vítimas que causam a maioria das mortes. Toda epidemia começa pequena e passa a crescer, primeiro lentamente, como uma curva tangencial, e então sobe geometricamente. Assim, se estiver usando guerra biológica no papel ofensivo, deve tentar acelerar o processo infeccionando o máximo de pessoas que conseguir, e optar por pessoas que viajem. Las Vegas é uma aposta segura. E uma cidade de convenções e, com toda certeza, uma grande cidade. Os visitantes são infectados, pegam seus aviões para viajar para casa e espalham a doença.

— Há alguma chance de descobrir como fizeram? — perguntou Murray. Ele mostrou sua identidade para que o general soubesse quem era.

— Provavelmente seria uma perda de tempo. A coisa agradável nas armas biológicas é que depois do período de incubação, que neste caso foi de três dias, no mínimo, sistema de distribuição usado já foi recolhido, empacotado e levado de caminhão para um depósito de lixo. Não existe mais nenhuma evidência física, nenhuma prova de quem fez isso conosco.

— Guarde isso para depois, general. Que devemos fazer? Vejo diversos estados sem nenhum caso...

— Isso apenas por enquanto, presidente. Uma vítima do Ebola leva de três a de dias para morrer. Não sabemos até onde o vírus chegou. A única forma que podem descobrir é esperando.

— Mas precisamos iniciar CURTAIN CALL (Baixar a Cortina), John — disse Alexandre. — E precisamos fazer isso rápido.

 

Mahmoud Haji estava lendo. Ele tinha um escritório ao lado do quarto, e realmente preferia trabalhar aqui devido ao ambiente familiar. Porém, não gostava de ser perturbado ali, e assim seus seguranças ficaram surpresos com sua reação ao telefonem.! Vinte minutos depois, deixaram o visitante entrar, sem escolta.

— Começou?

— Começou. — Badrayn estendeu a carta do CDC. — Saberemos mais amanhã — Você serviu bem — disse-lhe Daryaei, dispensando-o. Quando a porta foi fechada, ele deu um telefonema.

 

Alahad não sabia o quanto a ligação até ele fora tortuosa, apenas que era uma ligação intercontinental. Ele suspeitava que houvesse passado por Londres, mas não tinha certeza e não iria perguntar. O inquérito foi totalmente rotineiro, exceto pela hora do dia era noite na Inglaterra, depois do horário comercial. A variedade do tapete e o preço eram as partes essenciais, dizendo-lhe o que ele precisava saber, num código há muito decorado e jamais escrito. Sabendo pouco, ele podia revelar pouco. Essa parte da negociação ele não entendeu completamente. A sua própria parte veio em seguida. Colocando um “Volto em alguns minutos” na janela, saiu, fechou a porta e dobrou a esquina, seguindo por dois quarteirões até um telefone público. Ali fez uma ligação para passar sua última ordem para Aref Raman.

 

A reunião que começara no Salão Oval, fora transferida para a Sala Roosevelt e estava agora do outro lado do pavimento, na Sala do Gabinete, onde mais de uma imagem de George Washington podia observar os procedimentos. Os secretários do Gabinete chegaram quase juntos, e sua chegada não podia ser mantida em segredo. Um grande número de carros oficiais, guardas demais, muitos rostos conhecidos pelos jornalistas.

Pat Martin chegou, representando Justiça. Bretano era secretário de Defesa, com o almirante Jackson sentado na parede atrás dele. (Todos trouxeram algum tipo de suplente, principalmente para fazer anotações.) Winston era secretário do Tesouro, tendo vindo do outro lado da rua. Comércio e Interior eram sobreviventes da presidência Durling, tendo sido realmente nomeados por Bob Fowler. A maior parte dos outros pertenciam ao posto de subsecretário, mantidos, em alguns casos, devido à apatia presidencial, e em outros porque pareciam saber o que faziam. Mas nenhum deles sabia o que estava fazendo agora. Ed Foley chegou, convocado pelo presidente a despeito da perda da CIA de sua posição no Gabinete. Também estavam presentes Arnie van Damm, Ben Goodley, o diretor Murray, a primeira-dama, três oficiais do Exército e o Dr. Alexandre.

— Façamos silêncio — disse o presidente. — Senhoras e senhores, obrigado por terem vindo. Não temos tempo para preâmbulos. Enfrentamos uma emergência nacional. As decisões que tomaremos hoje gerarão efeitos sérios em nosso país. Aquele no canto é o general John Pickett. Ele é médico e cientista, e agora passarei para ele o comando da reunião. General, faça seu resumo.

— Obrigado, presidente. Senhoras e senhores, sou comandante geral em Forte Detrick. Hoje cedo começamos a receber alguns relatos perturbadores...

Ryan desligou-se do general. Já ouvira a história duas vezes. Em vez disso leu a pasta que Pickett lhe passara. A pasta estava marcada com a fita vermelha-e-branca usual. O adesivo no centro trazia as palavras TOP SECRET - AFFLICTION (Ultrassecreto - Aflição), um código apropriado que o compartimento de acesso especial na qual estava esta, pensou ESPADACHIM.

Em seguida, abriu a pasta e começou a ler o Plano de Operação CURTAIN CALL. Havia quatro variações do plano. Ele seguiu direto até a Opção Quatro.

Era chamada SOLITARY (solitária), e esse nome também era apropriado.

Simplesmente o resumo causou-lhe um arrepio, e Jack flagrou-se virando para George, pendurado ali na parede, querendo perguntar E agora, que diabos eu faço? Mas George não teria entendido. Ele não sabia nada sobre aviões de passageiros e armas nucleares, sabia?

— Qual é a gravidade da situação agora? — perguntou o secretário de Saúde e Serviços Humanos.

 

— Um pouco mais de duzentos casos tinham sido reportados ao CDC até 15

minutos atrás. Devo enfatizar que todos esses casos apareceram em menos de 24 horas — disse o general Pickett ao secretário.

— Quem fez? — perguntou o secretário de Agricultura.

— Vamos esquecer isso por enquanto — disse o presidente. — Discutiremos mais tarde. O que precisamos discutir agora é a melhor forma de conter a epidemia.

— Simplesmente não consigo imaginar que não possamos tratar...

— Acredite — disse Cathy Ryan. — Sabe para quantas doenças viróticas nós conhecemos a cura?

— Bem, não — admitiu ele.

— Para nenhuma. — Ela constantemente ficava surpresa com o quanto algumas pessoas eram ignorantes em assuntos médicos.

— Portanto, contenção é a única alternativa — prosseguiu o general Pickett.

— Como você pode conter um país inteiro? — Era Cliff Rutledge, secretário assistente de Estado para a Política, representando Scott Adler.

— Esse é o problema que estamos enfrentando — disse o presidente Ryan. — Obrigado, general. Assumirei a partir daqui. A única forma de conter a epidemia é fechando todos os locais de reunião: teatros, shopping centers, estádios esportivos, edifícios comerciais, tudo. Precisamos também impedir todas as viagens interestaduais. Até onde sabemos, pelo menos trinta estados até agora não foram atingidos pela doença. Precisamos manter a situação assim. Podemos conseguir isso impedindo todas as viagens interestaduais até termos uma noção da gravidade da epidemia, e então poderemos providenciar contramedidas menos rigorosas.

— Presidente, isso é inconstitucional — disse prontamente Pat Martin.

— Explique — ordenou Jack.

— Viajar é um direito protegido pela constituição. Mesmo dentro dos estados, qualquer restrição de viagens é uma violação constitucional sob o caso Lemuel Penn. — Ele foi um oficial negro do Exército assassinado pela Klan na década de 60. — Esse é um precedente da Suprema Corte — reportou o chefe da Divisão Criminal.

— Compreendo que eu... desculpe, todos nesta sala... juramos respeitar a Constituição. Mas qual é o sentido de respeitá-la se isso significa matar alguns milhões de cidadãos americanos? — perguntou POTUS.

— Não podemos fazer isso! — insistiu o secretário de Habitação e Desenvolvimento Urbano.

— General, o que acontecerá se não fizermos isso? — perguntou Martin, surpreendendo Ryan.

— Não há resposta precisa. Não pode haver, porque não conhecemos ainda fluência da transmissão do vírus. Se ele for transmitido pelo ar, e há motivos para suspeitarmos que seja, bem, temos uma centena de modelos de computador que podemos usar. O problema é decidir qual. Pior possibilidade?

Vinte milhões de mortes. A essa altura, o que acontece é que a sociedade entrará em colapso. Médicos e enfermeiras fugirão dos hospitais, as pessoas se trancarão em suas casas, e a epidemia desgastará de forma muito parecida com a que aconteceu com a Peste Negra no século XIV. As interações humanas cessarão, e devido a isso a propagação da doença será interrompida.

— Vinte milhões? A que número de mortes chegou a Peste Negra? — perguntou Martin, o rosto um pouco pálido.

— Não há registros precisos. Eles não tinham realmente um censo naquela época. Os melhores dados disponíveis são da Inglaterra — respondeu Pickett. — A doença despovoou o país pela metade. A praga durou cerca de quatro anos. A Europa levou cerca de 150 anos para retornar ao nível populacional de 1347.

— Merda — sussurrou o secretário do Interior.

— É realmente tão perigoso assim, general? — persistiu Martin.

— Potencialmente sim. O problema, senhor, é que se não tomarmos nenhuma medida, e depois descobrirmos que a doença é muito poderosa, então será tarde demais.

— Entendo. — Martin virou-se. — Presidente, não parecemos ter muita escolha.

— Você acaba de dizer que era contra a lei, merda! — gritou o secretário de Habitação e Desenvolvimento Urbano.

— Secretário, a Constituição não é um pacto suicida, e embora eu ache que sei o que a Suprema Corte irá determinar, nunca houve um caso precedente, e poderia ser argumentado, e o processo teria de lidar com isso.

— O que o fez mudar de ideia, Pat? — perguntou Ryan.

— Vinte milhões de razões, presidente.

— Se desrespeitarmos nossas leis, o que seremos? — perguntou Cliff Rutledge.

— Vivos — respondeu calmamente Martin. — Talvez.

— Estou disposto a ouvir discussões durante 15 minutos — disse Ryan. — Depois disso teremos de chegar a uma conclusão.

O debate foi animado.

— Se violarmos nossa própria Constituição, depois ninguém no mundo poderá confiar em nós! — disse Rutledge.

Os secretários de Habitação e Desenvolvimento Urbano e Saúde e Serviços Humano concordaram.

— E quanto às considerações práticas? — objetou Agricultura. — As pessoas precisam comer.

— Que tipo de país vamos mostrar às nossas crianças se nós...

— O que elas pensarão se estiverem mortas? — disse George Winston, cortando o secretário de Habitação e Desenvolvimento Urbano.

— Coisas assim não acontecem hoje em dia!

 

— Secretário, o senhor gostaria de ir ao hospital e ver com seus próprios olhos? — perguntou Alexandre de seu lugar no canto.

— Obrigado — disse Ryan, olhando as horas. — Estou abrindo a votação.

Defesa, Tesouro, Justiça e Comércio votaram sim. Todo o resto votou não.

Ryan olhou

Para eles durante longos segundos.

— Os sim venceram — disse o presidente com frieza. — Obrigado por seu apoio! Diretor Murray, o FBI prestará toda a assistência requerida pelo CDC e pelo USAMRIID em determinar os pontos focais da epidemia. Isso terá prioridade absoluta e incondicional. Sobre qualquer outra questão.

— Sim, presidente.

— Sr. Foley, todos os recursos de informação que possuímos serão concentrados neste caso. Você também trabalhará em conjunção com os módicos especialistas. Isto veio de algum lugar, e quem quer que tenha feito isso cometeu um ato de guerra, usando armas de destruição em massa contra nosso país. Precisamos descobrir quem foi, Ed. Todas as agências de informação se reportarão diretamente a você. Terá autoridade estatutária para coordenar todas as atividades dos serviços de informação. Diga a todas as outras agências que tem ordem minha para exercer essa autoridade.

— Faremos o melhor possível, senhor.

— Secretário Bretano, estou declarando estado de emergência nacional.

Todas as formações de reserva e da Guarda Nacional serão ativadas imediatamente e colocadas sob comando federal. Você terá este plano de contingência no Pentágono. — Ryan levantou a pasta CURTAIN CALL. — Você executará a Opção Quatro, SOLITARY, o mais breve possível.

— Farei isso, senhor.

Ryan olhou sobre a mesa para o secretário de Transporte.

— Secretário, o sistema de controle de tráfego aéreo lhe pertence. Quando retornar ao seu escritório, ordene a todas as aeronaves em voo para seguirem aos seus destinos pararem lá. Todas as aeronaves no solo permanecerão onde estão, começando às seis da manhã.

— Não. — O secretário de Transporte se levantou. — Presidente, não farei isso Acredito que será um ato ilegal e não infringirei a lei.

— Muito bem, senhor. Aceitarei a sua renúncia imediatamente. Você é a vice? — perguntou Ryan à mulher sentada atrás do secretário.

— Sim, presidente. Sou.

— Vai executar minha ordem?

Ela olhou ao seu redor sem realmente saber o que fazer. Ela ouvira tudo, mas era uma política de carreira, desacostumada a tomar decisões árduas sem cobertura de seu partido.

— Também não gosto disso — observou Ryan. A sala foi invadida pelo rugir de motores, um avião decolando do Washington National. — E se esse avião estiver carregando a morte para algum outro lugar? Vamos simplesmente deixar que aconteça? — perguntou tão baixo que ela mal pôde ouvi-lo.

— Acatarei sua ordem, senhor.

— Sabe, Murray, você poderia prender o homem neste exato momento — disse (ainda não tinha certeza disso) ex-secretário de Transporte. — Ele está violando a lei — Não hoje, senhor — replicou Murray, fitando seu presidente. — Alguém precisa primeiro decidir o que diz a lei.

— Se mais alguém nesta sala sente a necessidade de abandonar o serviço federal devido a esta questão, aceitarei suas renúncias sem retaliações... mas, por favor, pensem no que estão fazendo. Se estou errado, muito bem, estou errado e pagarei o preço por isso. Mas se os médicos estão certos e não fizermos nada, teremos mais sangue em nossas mãos do que Hitler teve. Preciso da sua ajuda e de seu apoio.

Ryan se levantou. Já tinha saído do aposento quando os outros ainda se punham !• pé. Caminhou depressa. Era preciso. Entrou no Salão Oval, dobrou à direita para a sala de estar presidencial, e mal conseguiu chegar ao banheiro a tempo. Segundos depois Cathy encontrou-o lá, dando a descarga para fazer descer uma massa de vômito.

— Estou fazendo a coisa certa? — perguntou Ryan, ainda de joelhos.

— Você teve o meu voto, Jack — disse-lhe CIRURGIÃ.

— Você está com uma aparência ótima — observou van Damm, flagrando POTUS numa postura muito indigna.

— Por que você não disse nada, Arnie?

— Porque você não precisava de mim, presidente — replicou o chefe de gabinete. O general Pickett e os outros médicos estavam à sua espera quando ele retornou ao Salão Oval.

— Senhor, acabamos de receber um fax do CDC. Há dois casos em Forte Stewart. Essa é a base da 24ª Mecanizada.


50

Relatório Especial

Começou com os arsenais da Guarda Nacional. Virtualmente cada metrópole e cidade da América tinha um, e em cada um havia um sargento, ou talvez um oficial, sentado a uma mesa para atender o telefone. Quando o telefone tocou uma voz do Pentágono pronunciou uma palavra código que designava uma ordem de ativação. A pessoa encarregada do arsenal em seguida alertava o comandante de unidade, e mais telefonemas eram feitos, estendendo-se como os galhos de uma árvore, cada pessoa que recebia um telefonema ligando para várias outras. Geralmente levava uma hora para todos serem alertados — ou quase todos, porque alguns inevitavelmente estavam fora da cidade, viajando a trabalho ou lazer. Os comandantes da Guarda Superior geralmente trabalhavam diretamente para os governantes de diversos estados, enquanto a Guarda Nacional era uma instituição híbrida, parte milícia estadual e parte Exército dos Estados Unidos (ou Força Aérea, no caso da Guarda Aérea Nacional, que concedia a muitos dos governadores dos estados acesso a caças de combate avançadíssimos). Esses oficiais da Guarda mais graduados, surpreendidos pelas ordens de ativação, reportaram a situação a seus governadores, pedindo a orientação que os executivos de estado ainda não estavam em posição de dar, porque a maioria ainda não tinha conhecimento do que estava acontecendo. Mas no nível de companhia e batalhão, oficiais e homens (e mulheres) corriam para casa de seus trabalhos civis, soldados cidadãos como eram, vestiam seus uniforme verdes, abotoavam suas botas e dirigiam até o arsenal local para entrar em formação com seus esquadrões e pelotões. Lá ficavam estarrecidos em saber que deveriam retirar armas e, ainda mais perturbador, seus equipamentos MOPP. MOPP, a sigla para Postura Protetora Orientada para Missão, era o equipamento de guerra química que tinham sido treinados a usar e que cada pessoa de uniforme detestava cordialmente. Houve as piadas usuais e o bom humor, histórias de cônjuges e filhos, enquanto os oficiais e superiores não comissionados reuniam-se em salas de conferências para descobrir que diabo esta acontecendo. Eles emergiam dessas reuniões curtas zangados, confusos e, no caso dos mais bem informados, assustados. Fora dos arsenais, motores de veículos eram acionados. Dentro, televisores eram ligados.

 

Em Atlanta, o agente especial a cargo da divisão de campo do FBI de Atlanta dirigiu com sirenes ligadas até o CDC, seguido por mais dez agentes.

Em Washington vários agentes da CIA e de outras agências dirigiram mais devagar até o Edifício Hoover para montar uma força-tarefa conjunta. Em ambos os casos, o trabalho era descobrir como a epidemia havia começado e a partir daí tentar determinar seus pontos de origem. Essas pessoas não eram todas civis. A Agência de Informação de Defesa (DIA) e a Agência de Segurança Nacional (NSA) eram organizações compostas principalmente por militares, e nesses grupos oficiais taciturnos explicavam a todos que algo novo havia acontecido na história americana. Se isto havia sido um ataque deliberado contra os Estados Unidos da América, então uma nação-Estado fizera uso do que era chamado delicadamente de arma de destruição em massa . Em seguida, explicavam aos seus colegas civis qual era, há várias gerações, a política americana para uma eventualidade dessas.

 

Tudo estava acontecendo muito rápido, é claro, porque emergências são, por definição, eventos para os quais não se pode planejar muito bem. Isso valia para o presidente, que entrou na sala de imprensa da Casa Branca, acompanhado pelo general Pickett do USAMRIID. Apenas trinta minutos antes, a Casa Branca dissera às principais redes que o presidente faria um pronunciamento e que, nessa ocasião, o governo exerceria sua opção de exigir tempo no ar em vez de requisitá-lo — desde a década de 20, o governo adotara a posição de proprietário das ondas sonoras —, assim suplantando todos os talk shows e outros programas que precediam os noticiários noturnos. Comentários introdutórios disseram aos espectadores que ninguém sabia do que se tratava, mas que houvera uma reunião de emergência do gabinete presidencial havia apenas alguns minutos.

— Companheiros americanos — começou o presidente Ryan, seu rosto na maioria dos lares americanos, sua voz em cada carro na estrada. Aqueles que tinham se acostumado ao novo presidente notaram o rosto pálido (a Sra. Abbot não tivera tempo para fazer sua maquiagem) e a voz soturna. A mensagem foi ainda mais sinistra.

 

No caminhão de cimento tinha um rádio, claro. Tinha até mesmo um toca-fitas e um aparelho de CD, porque, veículo de trabalho ou não, havia sido planejado para o uso de um cidadão americano. Estavam agora em Indiana, tendo cruzado o rio Mississippi e Illinois no começo do dia em sua jornada à capital da nação. Holbrook, que não via utilidade nas palavras de nenhum presidente, apertou o botão de seção automática de estações, só para descobrir que a mesma voz estava em todas as estações. Isso era tão incomum que manteve a sintonia numa das estações. Brown, dirigindo o caminhão, viu que carros e caminhões parando no acostamento — não muitos, a princípio, porém cada vez mais à medida que o discurso prosseguia, seus motoristas, como ele mesmo, inclinando-se sobre o rádio.

 

— Sendo assim, por ordem executiva do presidente, seu governo está tomando os seguintes procedimentos: Um, até segunda ordem, todas as escolas e faculdades no país serão fechadas.

Dois, todos os escritórios e lojas também serão fechados. Excetuam-se neste caso as que oferecem serviços essenciais: imprensa, assistência médica, alimentação, policiamento e proteção contra incêndios.

Três, todos os locais de reunião pública, teatros, cinemas, restaurantes, bares e estabelecimentos semelhantes, também serão fechados.

Quatro, todas as viagens interestaduais estão suspensas até segunda ordem.

Isto abrange todas as viagens aéreas, trens e ônibus interestaduais e automóveis para uso de particulares. Caminhões com carregamentos de alimentos receberão permissão para viajar sob escolta militar. O mesmo é válido para suprimentos essenciais, remédios e semelhantes.

Cinco, ativei a Guarda Nacional em todos os 15 estados e coloquei-a sob controle federal para manter a ordem pública. Uma lei estadual ou marcial está agora em vigor em caráter nacional.

Pedimos aos nossos cidadãos... não, deixem-me falar mais informalmente.

Senhoras e senhores, tudo que é necessário para atravessarmos esta crise é um pouco de bom senso. Não sabemos ainda o quanto essa doença é perigosa.

Todos os procedimentos que ordenei hoje são medidas de precaução. Eles parecem, e são de fato, medidas extremas. O motivo, como já lhes contei, é que esse vírus é o organismo potencialmente mais mortal no planeta, mas não sabemos ainda o quanto é perigoso. Nós sabemos que algumas medidas simples poderão limitar sua disseminação, a despeito do quanto ele seja fatal Assim, foi no interesse da segurança pública que ordenei essas medidas. Esta ação esta sendo realizada com o auxílio dos melhores consultores científicos disponíveis.

Para se protegerem, lembrem-se de como a doença é disseminada. Está comigo o general John Pickett, um médico do Exército e especialista no campo de doenças infecciosas, para prover conselhos médicos a todos nós. General? — Ryan recuou do microfone.

 

— Mas que porra é essa? — gritou Holbrook. — Ele não pode fazer isso!

— Você acha? — disse Brown, seguindo um caminhão de 18 rodas.

Eles estavam a 160 quilômetros da divisa Indiana-Ohio. Seriam duas horas dirigindo este porco, pensou. Não havia como conseguir chegar lá antes da Guarda local fechar a estrada.

— Acho melhor acharmos um hotel, Pete.

 

— E então, que faço? — perguntou em Chicago a agente do FBI.

— Dispa-se. Pendure as roupas na porta.

Não havia tempo e espaço disponível para gentilezas, e ele, afinal, era um médico Sua convidada não enrubesceu. O Dr. Klein decidiu por roupas cirúrgicas completas, avental de mangas compridas em vez da variante mais popular. Não havia roupas plásticas suficientes para que ficasse andando por aí, e sua equipe usaria todas elas. Eles precisariam. Ficariam perto dos pacientes.

Lidariam com líquidos. Tocariam os doentes. Seu centro médico tinha agora nove pacientes sintomáticos cujos exames haviam dado positivo. Seis deles eram casados, e dos cônjuges, quatro tinham dado positivo para anticorpos do Ebola. Os exames ocasionalmente concediam uma leitura falsa positiva; ainda assim não era nem um pouco dizer a alguém que... bem, ele fizera isso com muita frequência com pacientes de AIDS. Eles estavam examinando crianças agora. Isso realmente dói.

A roupa que deu à agente era feita do algodão usual, mas o hospital separara alguns conjuntos e os espargira com desinfetante, especialmente as máscaras. A agente também recebeu um par de óculos de laboratório, os grandes de plástico, velhos conhecidos dos estudantes de química.

— Muito bem — disse Klein à agente. — Não se aproxime. Não chegue mais perto do que um metro e oitenta, e estará completamente segura. Se ela vomitar ou tossir, se tiver uma convulsão, fique afastada. Lidar com esse tipo de coisa é nosso trabalho, não o seu. Mesmo se ela morrer bem na sua frente, não toque em nada.

— Compreendo. Você vai fechar o escritório? — Ela apontou para a arma pendurada com suas roupas.

— Vou sim. E depois que tiver acabado, dê-me as suas anotações. Eu as passarei na copiadora.

— Para quê?

— Ela usa uma luz muito brilhante para fazer cópias. O ultravioleta certamente maneira qualquer partícula de vírus que possa se alojar no papel — explicou o professor Klein.

Agora mesmo em Atlanta estão sendo feitos experimentos rápidos para determinar o quanto as partículas do Ebola são robustas. Isso ajudará a definir o nível de precaução necessário nos hospitais, e talvez oferecer também orientações úteis para a população.

— Doutor, hã, por que não me deixa fazer as cópias?

— Oh, sim. — Klein balançou a cabeça. — Sim, acho que também funcionará assim, não é mesmo?

 

— Presidente. — era Barry, da CNN. — As medidas que o senhor está tomando são legais?

— Barry, não preciso responder a isso — disse Ryan, pálido e abatido. — Sejam legais ou não, estou convencido de que são necessárias.

Enquanto Ryan falava, um funcionário da Casa Branca distribuía máscaras cirúrgicas os jornalistas. Tinha sido ideia de Arnie e haviam sido recolhidas no Hospital Universitário George Washington.

— Mas, presidente, o senhor não pode infringir a lei. E se estiver errado?

— Barry, existe uma diferença fundamental entre o que faço no meu trabalho e o que você faz no seu. Se você cometer um erro, poderá se desculpar.

Acabamos de ver, ontem mesmo, com um dos seus colegas, lembra? Mas se eu cometer um erro numa ação como esta, como me desculparei por mortes? Não tenho esse luxo, Barry — disse o presidente. — Se eu descobrir que o que estou fazendo está errado, então você irá falar de mim tudo que quiser. Isso também faz parte do meu trabalho, e estou sendo acostumado a isso. Talvez eu seja um covarde. Talvez tenha medo de deixar as pessoas morrerem sem motivo quando tenho o poder para impedir.

— Mas o senhor realmente não sabe, não é mesmo?

— Não — admitiu Jack. — Ninguém sabe realmente. Esta é uma daquelas vezes que você precisa confiar no seu melhor palpite. Gostaria de poder soar mais convincente, mas não posso, e não vou mentir a respeito.

— Quem fez isso, presidente? — perguntou outro jornalista.

— Não sabemos, e por enquanto não especularei sobre a origem dessa epidemia.

— E isso era mentira, pensou Ryan no momento em que a disse; falara uma mentira imediatamente depois de dizer que não mentiria, porque a situação também o exigia. Mas que mundo mais louco era esse.

 

Foi o pior interrogatório da vida da agente. A mulher, chamada Caso índice, era atraente, ou pelo menos havia sido até um ou dois dias antes. Agora a pele que ela recentemente classificava-se num tom pêssego, estava pálida e salpicada de manchas roxas. O pior de tudo era que a mulher sabia. Tinha de saber, pensou a agente, escondida atrás de sua máscara, segurando sua caneta hidrocor com luvas de borracha (nada afiado que pudesse penetrar o látex), fazendo suas anotações e aprendendo muito pouco. A mulher tinha de saber que este tipo de cuidado médico não era usual, que os médicos receavam tocá-la, e que agora uma agente especial do FBI estava conversando com ela sem ousar aproximar-se da cama.

— E além da viagem a Kansas City?

— Nada, realmente — replicou a voz, como se vindo do fundo de uma sepultura —Trabalhei à minha mesa, me preparando para os pedidos de outono.

Estive na feira de utensílios domésticos no McCormick Center durante dois dias.

Foram feitas mais algumas perguntas, nenhuma das quais gerou qualquer informação útil. A mulher na agente quis esticar o braço, tocar a mão da moribunda, prover a alguma medida de conforto e simpatia... mas não. A agente ficara sabendo havia apena uma semana que estava grávida do seu primeiro filho. Ela agora tinha a custódia de duas vidas, não apenas a sua, e esse era o único pensamento que impedia suas mãos de tremerem — Obrigada. Voltaremos a falar com você — disse a agente, levantando de sua cadeira de metal e caminhando até a porta. Abrindo-a, passou de lado para não tocar a moldura da porta, e seguiu o corredor até a sala seguinte para o interrogatório seguinte.

Klein estava no corredor, discutindo alguma coisa com uma funcionária — se médica enfermeira, a agente não pôde dizer.

— Como foi? — perguntou o professor.

— Quais são as chances dela? — perguntou a agente.

— Essencialmente zero — replicou Mark Klein. Para doenças como esta, o Paciente Zero era exatamente isso.

 

— Ressarcimento? Eles estão pedindo ressarcimento a nós — protestou ministro da Defesa antes que o ministro das Relações Exteriores pudesse falar.

— Ministro, estou apenas conduzindo as palavras de outras pessoas — lembrou Adler aos seus anfitriões.

— Dois oficiais da sua Força Aérea examinaram os fragmentos do míssil. O julgamento deles confirma o nosso. E um Pen-Lung-13, o novo míssil sensor de calor de longo alcance, um desenvolvimento de uma arma russa. Agora é definitivo, ainda mais com as evidências de radar obtidas por suas naves — acrescentou Defesa. — O disparo contra o avião de passageiros foi um ato deliberado. Você sabe disso. Nós também. Então me diga, Sr. Adler, que posição a América assumirá nesta disputa?

— Não queremos nada mais além da restauração da paz — replicou o secretário de estado, confirmando suas próprias predições. — Devo lembrar também que a República Popular da China, ao permitir meus voos diretos entre sua capital e a de vocês, está demonstrando uma medida de boa vontade.

— Exatamente — replicou o ministro das Relações Exteriores. — Ou pelo menos á isso que pareceria a um observador externo casual, mas me diga, Sr.

Adler, o que eles realmente querem?

Não dá mais para segurar a situação, pensou o secretário de Estado americano. Esses dois eram tão espertos quanto ele, e estavam ainda mais zangados. Então isso mudou.

Uma secretária bateu na porta e entrou, irritando seu chefe até que eles trocaram algumas palavras em mandarim. Um telex foi entregue e lido. Então outro foi dado diretamente ao americano.

— Parece que está acontecendo alguma coisa grave em seu país, Sr.

Secretário.

 

A entrevista coletiva foi interrompida. Ryan saiu do recinto, retornou para o Salão Oval e sentou-se no sofá com sua esposa.

— Como foi?

— Você não assistiu? — perguntou Jack.

— Estávamos falando sobre outras coisas — explicou Cathy. Então Arnie entrou.

— Nada mau, patrão — opinou o chefe de gabinete. — Você terá uma reunião com pessoas do Senado esta noite. Acabo de acertar isso com as lideranças dos dois partidos. Isso tornará as eleições hoje um pouco mais interessantes...

— Arnie, até ordem em contrário não discutiremos política neste prédio.

Política a respeito a ideologia e teoria. Precisamos lidar com os fatos agora — asseverou ESPADACHIM.

— Você não pode fugir dela, Jack. Políticas real, e se isto foi um ataque deliberado torno disse o general, então estamos vivendo uma guerra, e guerra é um ato político. Você não é o rei filósofo. É o presidente de um país democrático — recordou-o van Damm.

— Certo — disse Ryan com um suspiro, rendendo-se por enquanto. — O que mais?

— Bretano telefonou. O plano está sendo implementado neste momento.

Em alguns minutos, o sistema de tráfego aéreo ordenará que todos os aviões parem de voar. Já deve estar havendo um caos tremendo nos aeroportos.

— Aposto que sim. —Jack fechou os olhos e esfregou-os.

— Presidente, o senhor não tem muita escolha nesta questão — disse o general Pickett — Como volto para o Hopkins? — perguntou Alexandre. — Tenho um departamento para dirigir e pacientes para tratar.

 

— Eu disse a Bretano que as pessoas terão permissão de deixar Washington — informou van Damm aos outros na sala. — O mesmo valerá para todas as grandes cidades nas fronteiras próximas. Nova York, Filadélfia e outras assim.

Precisamos deixar as pessoas voltarem para casa, certo?

Pickett assentiu.

— Sim, elas estarão mais seguras lá. É irreal considerar que o plano será implementado apropriadamente até a meia-noite.

Então Cathy falou: — Alex, acho que você virá comigo. Tenho de voar, também.

— Quê? — Ryan arregalou os olhos.

— Jack, sou médica, lembra?

— Você é uma médica de olhos, Cathy. As pessoas podem esperar para fazer óculos novos — insistiu Jack.

— Na reunião de departamentos de hoje, concordamos que todos terão de ajudar. Não podemos deixar o tratamento dos pacientes nas mãos das enfermeiras e dos garotos... os residentes. Sou uma clínica. Todos teremos de fazer a nossa parte nisto, querido — disse CIRURGIÃ ao marido.

— Não! Não, Cathy, é perigoso demais. — Jack virou-se para olhá-la. — Não deixarei que faça isso.

— Jack, todas aquelas vezes em que você partiu, as coisas que você nunca me disse, as coisas perigosas, você estava fazendo seu trabalho — disse ela, com razão. — Sou uma médica. Também tenho um trabalho.

— Não é tão perigoso assim, presidente — intrometeu-se Alexandre. —Tudo que é preciso fazer é seguir as normas. Trabalho com pacientes aidéticos todos os dias e...

— Não, mas que droga, não!

— Porque sou menina? — perguntou Caroline Ryan em tom gentil. — Também fico um pouco preocupada, Jack, mas sou professora de uma faculdade de medicina. Ensino alunos a como ser médicos. Ensino quais são suas responsabilidades profissionais. Uma dessas responsabilidades é estar lá para os seus pacientes. Você não pode fugir das suas obrigações. Eu também não posso, Jack.

— Eu gostaria de ver as normas que você estipulou, Alex — disse Pickett.

— Estou feliz por ter você conosco, John.

Jack continuou fitando o rosto da esposa. Ele sabia que Cathy era forte, e sempre soubera que ela ocasionalmente tratava pessoas com doenças contagiosas — a AIDS gerava a algumas complicações oculares sérias. Só que nunca pensara muito a respeito. Agora ele precisava: — E se...?

— Não vai acontecer. Eu preciso ser cuidadosa. Acho que você fez aquilo comigo novamente. — Ela o beijou na frente dos outros. — Meu marido tem um senso de oportunidade notável — comentou.

 

Era demais para Ryan. Suas mãos começaram a tremer um pouco e os olhos lacrimejaram. Piscou para enxugar as lágrimas.

— Por favor, Cathy...

— Você teria me ouvido a caminho daquele submarino, Jack? Ela o beijou novamente e se levantou.

 

Houve resistência, mas não muita. Quatro governadores disseram aos seus generais adjuntos — o título usual para um oficial no topo da hierarquia da Guarda Nacional — que não obedecessem à ordem presidencial, e três desses titubearam até o secretário de Defesa telefonar-lhes para tornar a ordem clara e pessoal, ameaçando-os com dispensa imediata, prisão e corte marcial. Alguns falaram sobre organizar protestos, mas isso demandaria tempo. Os veículos verdes já começavam a se mover, entre eles os da Divisão Blindada da Filadélfia, uma das unidades mais antigas e reverenciadas do Exército, cujos membros haviam escoltado George Washington em sua posse havia mais de dois séculos. As estações de TV e radio locais diziam que os visitantes poderiam ir para casa sem restrições até as nove daquela noite, e até a meia-noite com checagem de identificação. Se fosse fácil, as pessoas receberiam permissão de ir para casa. Isso acontecia na maioria dos casos mas não em todos, e os motéis estavam com lotação esgotada por toda a América.

As crianças, ao saber que não haveria aulas durante pelo menos uma semana, receberam a notícia com entusiasmo, intrigadas com a preocupação e mesmo com o medo evidente demonstrado por seus pais.

As farmácias que vendiam coisas como máscaras cirúrgicas venderam todo seu estoque numa questão de minutos, seus balconistas sem saber o motivo até alguém ligar um rádio.

 

Em Pittsburgh, estranhamente, os agentes do Serviço Secreto realizando os preparativos para a chegada do presidente Ryan demoraram a receber as notícias. Enquanto a maioria dos membros da equipe avançada se acotovelavam no bar para assistir o presidente pela TV, Raman afastou-se para dar um telefonema. Ligou para sua casa, esperou pelos quatro toques até sua secretária eletrônica ser acionada, e então clicou o código de acesso a mensagens. Era uma mensagem falsa, como antes, anunciando a chegada de um tapete que ele não encomendara e um preço que não iria pagar. Raman sentiu um leve arrepio.

Agora estava livre para completar sua missão segundo seu próprio julgamento.

Isso significava que era esperado que muito em breve ele morresse em missão.

Mas, enquanto caminhava até o bar, Raman preferiu pensar que tinha uma chance sobreviver. Os outros três agentes estavam parados diante da TV.

Quando alguém falou que eles estavam bloqueando a vista, uma série de credenciais foram levantadas.

— Puta merda! — disse para os outros o oficial mais graduado do escritório de Pittsburgh. — E agora, o que vamos fazer?

 

Foi complicado em relação aos voos internacionais. Apenas agora a notícia estava chegando às embaixadas em Washington. Eles comunicaram a natureza da emergência para os seus governos. No caso dos europeus, os altos oficiais estavam em casa, indo para a cama, quando os telefones tocaram. Eles precisaram ir até seus escritório, realizar suas próprias reuniões e decidir o que fazer, mas a longa duração dos voos sobre o mar concedia tempo de sobra para isso. Logo ficou decidido que todos os passageiros em voos da América entrariam em quarentena — por quanto tempo, eles não sabiam ainda.

Telefonaram para a Administração Federal de Aviação e negociaram a permissão para que os voos da Europa para a América tocassem o solo, fossem reabastecidos e então retornassem aos seus pontos de origem. Essas aeronaves foram identificadas e descontaminadas, e seus passageiros receberam permissão para seguir para casa, embora ocorressem alguns erros burocráticos ao longo do caminho.

Que os mercados financeiros seriam fechados só ficou evidente quando um caso de Ebola chegou ao Centro Médico da Northwestern University. Ele era um negociante de fundos de ações que trabalhava no andar tumultuado da Bolsa de Valores de Chicago e a notícia se espalhou rápido. Todas as bolsas de valores seriam fechadas, e a preocupação seguinte para a comunidade comercial e financeira foi o efeito que isto causaria em suas atividades.

A TV estava dando ampla cobertura à crise. Cada emissora encontrou seu médio especialista e deu-lhe liberdade para explicar o problema, geralmente com excesso de detalhes. Os canais de cabo transmitiram especiais científicos sobre as epidemias de Ebola no Zaire, mostrando até onde os sintomas iniciais poderiam chegar. O resultado foi uma espécie silenciosa de pânico por toda a nação. Em suas casas, as pessoas inspecionavam suas despensas para ver quanta comida tinham, assistiam TV, preocupavam-se e também esforçavam-se para manter-se isolados. Quando vizinhos conversavam, era sempre a distância.

 

A contagem de casos alcançou os quinhentos imediatamente antes das oito da noite em Atlanta. Havia sido um dia longo para Gus Lorenz, não parando entre seu laboratório e seu escritório. Havia perigo para ele e sua equipe.

 

Cansaço causava erro, acidentes. Aquele era um dos melhores laboratórios de pesquisa do mundo, e as pessoas que trabalhavam ali estavam acostumadas a uma rotina calma e ordenada. Agora o ritmo era frenético. Amostras de sangue trazidas para eles eram etiquetadas e testadas, e os resultados eram enviados por fax para o hospital de origem. Lorenz lutou durante o dia inteiro para reorganizar seu pessoal e suas funções, de modo a manter a equipe em funcionamento contínuo 24 horas por dia, mas também para não fadigar ninguém. Ele precisava aplicar essa norma a si próprio, e quando retornou ao escritório para tirar um cochilo, encontrou alguém esperando-o lá dentro.

— FBI — disse o homem, levantando sua identificação. Ele era na verdade o representante local, um agente muito antigo que estava conduzindo seu próprio escritório através de um telefone celular. Era um homem alto e calmo, que demorava a ficar nervoso ou irritado. Em situações de crise, costumava dizer à sua força de agentes que preciso pensar primeiro. Sempre havia tempo para estragar tudo, e também para colocar as coisas nos trilhos.

— Que posso fazer por você? — perguntou Lorenz, acomodando-se em seu cadeira.

— Senhor, preciso que me instrua. O FBI está trabalhando com algumas outras agências para ver como tudo isto começou. Estamos entrevistando cada vítima para tentar determinar onde elas ficaram doentes, e descobrimos que você é o especialista a quem perguntar sobre a situação geral. Onde tudo isto começou?

 

Os militares não sabiam onde havia começado, mas estava ficando rapidamente aparente para onde tinha ido. Forte Stewart, Geórgia, tinha sido o primeiro. Praticamente cada base do Exército ficava nas proximidades de alguma grande cidade. Forte Stewart ficava a uma pequena distância de carro de Savannah e Atlanta. Forte Hood ficava perto de Dallas—Forth Worth. Forte Campbell ficava a uma hora de Nashville, onde o Vanderbilt á reportara casos.

Os soldados viviam principalmente no quartel, onde compartilhavam chuveiros e toaletes; os oficiais médicos nessas bases estavam literalmente aterrorizados.

Entre os membros das Forças Armadas, eram os marinheiros que viviam mais próximos. Seus navios eram ambientes isolados. Os navios no mar receberam ordens para permanecer em suas posições até que a situação na costa fosse avaliada. Logo foi determinado que cada base principal estava em risco, e quando algumas unidades — principalmente de infantaria e da polícia militar — foram destacadas para a Guarda Nacional, os médicos ficaram de olho em cada soldado e marinheiro. Logo começaram a encontrar homens e mulheres com sintomas de gripe. Esses foram isolados instantaneamente, colocados em roupas protetoras e enviados de helicóptero para o hospital mais próximo que estivesse recebendo suspeitas de casos de Ebola. Por volta da meia-noite ficou claro que, até segunda ordem, o Exército americano era um instrumento contaminado.

Telefonemas urgentes para o Centro de Comando Militar Nacional reportaram quais unidades haviam encontrado casos, e a partir dessas informações batalhões inteiros foram separados dos outros e mantidos dessa forma. Os soldados precisaram alimentar-se de rações de combate porque os refeitórios estavam fechados; isolados, tudo que lhes restava fazer era pensar num inimigo que não podiam enxergar.

 

Deus do Céu, John — disse Chavez no escritório do amigo.

Clark assentiu silenciosamente. Sandy, sua esposa, era instrutora de enfermagem n um hospital-escola e sua vida, ele sabia, podia estarem risco. Ela trabalhava no pavimento médico. Se chegasse um paciente infectado, ele iria para a unidade de Sandy e viu seria a responsável por mostrar às alunas como tratar de pacientes assim de forma Segura?, perguntou-se John. Claro. O pensamento resgatou memórias sombrias e o tipo de medo que ele não conhecia havia anos. Este ataque ao seu país — Clark ainda não ouvira essa teoria, mas aprendera a não acreditar em coincidências — não o colocara •m risco, mas à sua esposa.

— Quem você acha que fez isso? — Foi uma pergunta estúpida, e gerou uma resposta ainda mais imbecil.

— Alguém que nos odeia pra cacete — observou John, irritado.

— Desculpe. — Chavez olhou pela janela e pensou por alguns segundos. — Joguinho filho da mãe esse, John.

— Precisamos descobrir quem foi... O problema é que uma operação como essa deve ter sido cercada por um tremendo esquema de segurança.

— Concordo plenamente, Sr. C. Será que foi a turma em quem temos ficado de olho?

— Essa é uma possibilidade. Há outras também, suponho. — Ele olhou seu relógio de pulso. O diretor Foley já devia ter voltado de Washington, e eles precisavam ir até seu escritório. Isso levou alguns minutos.

— Oi, John — disse o diretor da CIA, levantando os olhos de sua mesa. Mary Pat também estava lá.

— Não foi acidente, foi? — perguntou Clark.

— Não foi não. Estamos montando uma força-tarefa conjunta. O FBI está conversando com pessoas dentro do país. A nossa parte na missão provavelmente será trabalhar fora das fronteiras. Vocês dois fiquem de prontidão para isso. Estou tentando encontrar uma forma de mandar agentes para o exterior.

— O SNIE? — perguntou Ding.

 

— Tudo agora está de molho. Jack até mesmo me conferiu autoridade sobre a NSA e a DIA. — Embora, pela lei, o diretor da CIA tivesse poder para fazer isso, a verdade era que as outras grandes agências sempre haviam sido impérios independentes. Até agora — Como vão os garotos? — perguntou Clark.

— Estão em casa — replicou Mary Pat. Rainha dos espiões ou não, ela ainda em uma mãe com preocupações de mãe. — Eles dizem que estão se sentindo bem.

— Armas de destruição em massa — disse Chavez em seguida. Ele não precisava falar mais nada.

— Sim — assentiu o diretor da CIA. Alguém ignorou ou não se preocupou com fato de que há anos a política dos Estados Unidos era explícita nesse aspecto. Fosse o ataque nuclear ou biológico, os EUA não possuem armas biológicas, e portanto seu contra-ataque seria com as armas que tinham, as nucleares. O telefone da mesa de Foley tocou.

— Alô? — Ele ouviu por alguns segundos. — Certo. Pode mandar uma equipe para cá para isso? Bom, obrigado.

— O que foi?

— O USAMRIID em Forte Detrick. Eles estarão aqui em uma hora.

Podemos mandar homens para o exterior, mas eles precisam fazer exame de sangue antes. Os países europeus estão... bem, vocês podem imaginar. Merda, não dá nem para entrar com a porra de um cachorro na Inglaterra sem deixá-lo num canil por um mês até terem certeza de que o bicho não tem raiva. Vocês provavelmente serão examinados do outro lado do lago, também. Isso também é válido para a equipe de voo — acrescentou o diretor da CIA.

— Não estamos com as malas prontas — disse Clark.

— Comprem o que precisarem lá, John. — Mary Pat fez uma pausa. — Desculpe — Temos alguma ordem para seguir?

— Ainda não, mas isso mudará. Não é possível fazer uma coisa dessas sem deixar algumas pegadas.

— Tem algo muito esquisito nesta história — observou Chavez, olhando para o fundo do escritório longo e estreito, que ficava no último andar. —John, lembra do que disse outro dia?

— Não — admitiu Clark. — Do que está falando?

— Há certas coisas que não é possível contra-atacar, coisas que não podem ser revertidas. Ei, se isto foi uma operação terrorista...

— Grande demais — objetou Mary Pat. — Sofisticada demais.

— Certo, senhora, mas seja o que tenha sido, todos sabem que podemos transformar o vale Bekaa num estacionamento e mandar os fuzileiros pintar as linhas depois que chão esfriar. Isso não é segredo. Nós desarmamos os mísseis balísticos, mas ainda temos bombas nucleares. Podemos queimar qualquer país de volta à Idade da Pedra, e tenho certeza que o presidente Ryan faria isso... ou pelo menos eu não apostaria contra essa possibilidade. Já vi o cara em ação, e ele não é nenhum maricas.

— E daí? — perguntou o diretor da CIA. Ele não acrescentou que a coisa não era tão simples assim. Antes de Ryan ou qualquer outro iniciar uma ordem de ataque nuclear, os motivos apresentados teriam de ser do tipo capaz de passar pelo escrutínio da Suprema Corte, e ele não achava que Ryan era do tipo capaz de tomar uma atitude dessas a maior parte das circunstâncias.

— E daí que quem conduziu esta operação está pensando numa entre duas coisas, que não fará diferença se descobrirmos, ou que não reagiremos dessa forma ou... — teria uma terceira opção, não havia? Estava na ponta da língua.

— Ou eles derrubam o presidente... mas por que então tentaram com a filhinha dele primeiro? — perguntou Mary Pat. — Isso apenas intensifica a segurança em torno dele dificulta em vez de facilitar. Temos um monte de preocupações no momento. A China. A URI. O movimento da Marinha indiana para o mar. Toda a merda apocalíptica acontecendo aqui, e agora este Ebola.

Não há um quadro geral. Todas as coisas parecem desconexas.

— Exceto que essas coisas estão tornando a nossa vida um inferno, não é mesmo? A sala ficou silenciosa por alguns segundos.

— Sabem de uma coisa? O garoto tem razão — disse Clark para os outros dois.

 

Sempre começa na África — disse Lorenz, enchendo seu cachimbo. — É lá que coisa vive. Houve uma epidemia no Zaire há alguns meses.

— Não deu nos jornais — disse o agente do FBI.

— Foram apenas duas vítimas, um menino e uma enfermeira... uma freira, acho, que morreu num acidente de avião. Depois disso, houve uma mini epidemia no Sudão, iminente duas vítimas, um adulto e uma menina. O homem morreu. A criança está bem. Isso aconteceu semanas atrás, também. Temos amostras de sangue do Caso índice, estamos fazendo experiências com essa amostra há algum tempo.

— Como vocês fazem isso?

— Cultivamos o vírus em tecidos. Rins de macaco, para ser preciso... oh, sim — lembrou.

— O quê?

— Fiz um pedido por alguns macacos verdes africanos. É o tipo de macaco que usamos. Nós fazemos a eutanásia nos animais e depois extraímos seus rins.

Alguém chegou a nossa frente e tivemos de esperar outro carregamento.

— O senhor sabe quem foi? Lorenz balançou a cabeça.

— Não, nunca descobrimos. Isso me atrasou uma semana, dez dias, só isso.

— Quem mais iria querer os macacos? — perguntou o agente.

— Empresas farmacêuticas, laboratórios médicos, instituições do tipo.

 

— Com quem eu poderia falar a esse respeito?

— Está falando sério?

— Sim, senhor.

Lorenz deu de ombros e tirou um cartão de seu Rolodex.

— Tome.

 

O encontro no café da manhã precisara de algum tempo para ser providenciado. O embaixador David L. Williams saltou de seu carro e em seguida foi escoltado até a residência oficial do primeiro-ministro. Ele estava grato pela hora do dia. A índia podia ficar quente como um forno e na sua idade o calor tornava-se cada vez mais opressor, especialmente quando precisava vestir-se como embaixador em vez de como governador da Pensilvânia, onde era aconselhado parecer pertencer à classe operária. Neste país, classe operária significava roupas ainda mais informais, e isso tornava a nata da sociedade ainda mais apegada aos seus amados símbolos de status. Eles chamavam este lugar de A Maior Democracia do Mundo. Tá bom.

A primeira-ministra já estava sentada à mesa. Ela se levantou quando ele entrou na sala, segurou sua mão e o conduziu até seu lugar. A porcelana era ornamentada com borda de ouro, e um criado entrou para servir café. O desjejum começou com melão.

— Obrigado por me receber — disse Williams.

— O senhor sempre é bem-vindo à minha casa — replicou graciosa a primeira ministra.

Tão bem-vindo quanto uma cascavel, pensou o embaixador. O papo furado de como vai você durou dez minutos. Os cônjuges estavam bem. As crianças estavam bem. Os netos, estavam bem. Sim, estava esquentando com a proximidade do verão.

— Então, de que negócios devemos tratar?

— Estamos a par de que sua Marinha está navegando.

— Sim, eu acho. Depois dos desprazeres que suas forças nos infligiram, eles pra saram fazer reparos. Suponho que estão se certificando se todas as máquinas estão funcionando — replicou a primeira-ministra.

— Apenas exercícios? — indagou Williams. — Meu governo apenas quer fazer esta pergunta, senhora.

— Embaixador, devo recordar-lhe que somos uma nação soberana. Nossas forças armadas operam sob a sua lei, e insiste em nos lembrar que o mar é livre para a passagem inocente de todos. O senhor está me dizendo que o seu país deseja negar-nos esse direito.

— Claro que não, primeira-ministra. Apenas achamos curioso que estejam evidentemente realizando um exercício tão grande. — Com seus recursos limitados, não acrescentou.

— Embaixador, ninguém gosta de ser molestado. Há apenas alguns meses, vocês nos acusaram falsamente de nutrir intenções agressivas contra um vizinho. Ameaçaram o nosso país. Chegaram mesmo a realizar um ataque contra a nossa Marinha e danificar nossos navios. O que fizemos para merecer atos tão inamistosos? — perguntou a primeira-ministra, recostando-se em sua cadeira.

Atos inamistosos não era uma expressão usada livremente, reparou o embaixador, e não fora empregada aqui por engano.

— Madame, não realizamos tais atos. Sugiro que, se houve impressões falsas, talvez elas tenham sido mútuas. Foi para prevenir futuros erros dessa natureza, que vim aqui fazer uma pergunta simples. A América não faz ameaças. Nós simplesmente queremos saber as intenções de suas forças navais.

— E já respondi. Estamos conduzindo exercícios. — Um momento antes, notou Williams, ela havia suposto que alguma coisa estava acontecendo. Agora ela estava mais certa disso. — Nada mais que exercícios.

— Então minha pergunta está respondida — comentou Williams com um sorriso benigno.

Deus, pensou Williams, a mulher se acha esperta. Ele crescera num dos ambientes políticos mais complexos da América, o Partido Democrata da Pensilvânia, e lutara para chegar ao topo. Ele já encontrara pessoas como ela, apenas um pouco menos hipócritas. Mentir em um hábito tão comum para figuras políticas que elas achavam que sempre podiam se sair bem.

— Muito obrigado, primeira-ministra.

 

Eles tinham realizado um péssimo combate, amargando a primeira derrota neste rotação de treinamento. Péssima noção de oportunidade, pensou Hamm, observando os veículos retornarem pelas estradas de terra. O jogo de guerra começara logo depois pronunciamento do presidente. Eles eram soldados da Guarda Nacional, estavam longe de casa, e estavam preocupados com suas famílias. Isso os distraíra imensamente, por que não haviam tido tempo de se acalmar, ligando para casa e certificar-se de coisas como mamãe e papai estavam bem, ou querida e as crianças. E eles tinham pagado por isso. Mas, soldado profissional que era, Hamm sabia que não era justo sujar a ficha da brigada da Carolina. Este tipo de coisa não aconteceria no campo de batalha.

Por mais realista que fosse o jogo de guerra, ainda era de mentirinha. Aqui ninguém morria, exceto por acidente, enquanto lá em casa a coisa verdadeira estava acontecendo. Não era assim que deveria ser com soldados, era?

 

Clark e Chavez tiveram seu sangue extraído por um médico do Exército que também realizou o exame. Eles assistiram a tudo com fascínio mórbido, especialmente porque o médico usava luvas e máscara.

— Vocês dois estão limpos — disse-lhes o médico, suspirando de alívio.

— Obrigado, sargento — disse Chavez. Era muito real agora. Seus olhos latinos estavam demonstrando alguma coisa além de alívio. Como John, Domingo estava colocando sua máscara de missão.


51

Investigações

A reunião com a liderança do Senado foi previsível. Enviar-lhes máscaras cirúrgicas estabelecera o tom da noite para eles — novamente, a ideia fora de van Damm. O general Pickett estivera no Hopkins para supervisionar os procedimentos, e depois voara para o Senado a fim de conduzir a maior parte da reunião. Os 15 senadores na Sala Leste ouviram compenetrados, apenas seus olhos aparecendo por trás das máscaras.

— Não estou confortável com suas ações, presidente — disse um deles. Jack não pôde distinguir qual.

— Você acha que eu estou? — replicou o presidente. — Se alguém tiver uma ideia melhor, vamos ouvi-la. Preciso contar com os melhores aconselhamentos médicos. Se esta coisa for tão mortal quanto o general diz, então qualquer erro poderia matar um número de pessoas na casa dos milhares... talvez dos milhões.

Se nós errarmos, teremos de errar do lado da cautela.

— Mas e quanto às liberdades civis? — inquiriu outro deles.

— Alguma delas vem antes da vida? — perguntou Jack. — Pessoal, se alguém me der uma opção melhor, que eu a ouvirei... temos conosco um de nossos especialistas para avaliar suas sugestões. Mas não ouvirei objeções que não sejam baseadas em fatos científicos. A Constituição e a lei não podem prever todas as eventualidades. Em casos como este, devemos usar nossas cabeças...

— Nossa obrigação é sermos guiados por princípios! — Era novamente o senador das liberdades civis.

— Certo, então vamos falar sobre isso. Se existe um equilíbrio entre o que fiz e qualquer outra coisa que mantenha este país funcionando, seguro, vamos descobrir. Eu quero opções! Me deem alguma coisa que eu possa usar!

Seguiu-se silêncio e vários entreolhares. Até isso era difícil. Os senadores estavam assustados bastante afastados uns dos outros.

— Por que o senhor tinha de agir tão rápido?

— Pessoas podem estar morrendo, seu babaca! — rosnou outro senador para seu amigo e distinto colega. Esse devia pertencer à nova safra, pensou Jack.

Alguém que ainda não conhecia os mantras.

— Mas e se o senhor estiver errado? — indagou outra voz.

— Então a Câmara poderá me levar a julgamento e pedir meu impeachment — replicou Jack. — Então alguma outra pessoa poderá tomar essas decisões, e que Deus o ajude. Senadores, minha esposa está no Hopkins neste exato momento, e ela está fazendo a sua parte ajudando as pessoas. Eu não gosto disso, também. Eu gostaria de ter o apoio de vocês. Presidente ou não, preciso fazer o melhor que posso. Vou dizer pela última vez: se alguém tiver uma ideia melhor, vamos ouvi-la.

Mas ninguém tinha, e isso não era culpa deles. Ele tivera pouco tempo para lidar com a situação, mas os senadores tiveram ainda menos.

 

A Força Aérea trouxera uniformes tropicais para eles da loja da Base Aérea de Andrews, porque suas roupas de Washington eram um pouco pesadas demais para um ambiente tropical. Também proporcionariam uma boa cobertura. Clark usava as águias de prata de um coronel, e Chavez era um major, completo com asas de prata de piloto e laços doados pela tripulação de seu VC-20B. A tripulação tinha sido, na verdade, duas duplas de pilotos. A tripulação de reserva estava dormindo nas poltronas de passageiros na frente da cabine.

— Nada mal para um E-6 aposentado — comentou Ding, embora o uniforme não lhe caísse tão bem.

— Nada mal para um E-7 aposentado, também, e é senhor para você, major Chavez.

— O senhor é um saco, senhor.

Foi seu único momento descontraído. A versão militar do jato comercial Gulfstream tinha uma tonelada de equipamentos de comunicação, e um sargento para cuidar dele Os documentos chegando pelo equipamento ameaçavam exaurir o suprimento de papel a bordo enquanto sobrevoavam Cabo Verde, a caminho de Kinshasa.

— Segunda parada é o Quênia, senhor. — A sargento de comunicações era na verdade especialista em informação. Ela lia todas as comunicações recebidas. — Vocês precisam conversar com um homem a respeito de alguns macacos.

Clark pegou a folha — ele era o coronel, afinal de contas — e a leu, enquanto Chavez tentava descobrir como colocava os laços na camisa azul do uniforme.

Decidiu que não precisava ser cuidadoso demais. A Força Aérea não era realmente um serviço militar pelo menos segundo a crença geral no Exército, ao qual servira.

— Verifique isso — disse John, estendendo a folha para ele.

— É uma ordem de missão, Sr. C. — observou Ding prontamente. Trocaram um olhar. Esta era uma missão puramente de informação, uma das raras nas quais eles tinham sido despachados. Sua missão era reunir informações suficiente para seu país, e nada mais. Parecia haver um certo desperdício em enviar soldados de combate (no caso de Clark, um ex-SEAL) para missões que mesmo os espiões as consideravam pouco excitantes. Mas essas missões costumavam ser satisfatórias. Chavez estava aprendendo a ser paciente e a controlar seu gênio — na verdade, essa parte de herança genética, como ele a chamava agora, sempre estivera sobre controle rigoroso mas isso não o impedia de pensar em descobrir quem atacara seu país, e depois lidar com ele da forma que os soldados faziam.

— Você o conhece melhor do que eu, John. O que ele vai fazer?

— Jack? — Clark deu com os ombros. — Isso depende do que conseguirmos para ele, Domingo. Esse é o nosso trabalho, lembra?

— Sim, senhor — disse seriamente o homem mais jovem.

 

O presidente não dormiu bem naquela noite, embora dissesse a si mesmo e tivesse ouvido de outros que o sono era um pré-requisito para tomar boas decisões e isso, todos enfatizavam, era sua única função real. Era o que os cidadãos esperavam que ele fizesse acima de todas as coisas. No dia anterior, dormira apenas seis horas depois de um programa exaustivo de viagens e discursos, mas mesmo assim o sono demorou a chegar. Sua equipe e os integrantes de muitas outras agências federais tinham dormido menos, que ele, por mais calculadas que tivessem sido suas ordens executivas, elas precisavam ser implementadas num mundo prático, e isso exigia interpretação das ordens no contexto de uma nação viva. Uma complicação final era o fato de que havia um problema com as duas Chinas, que ficavam 13 horas à frente de Washington; outro problema potencial era a índia, dez horas à frente; e o Golfo Pérsico, oito horas à frente. Tudo isso além dos problemas na América, ela mesma desdobrada em sete fusos horários, contando com o Havaí — ou ainda mais se fossem acrescentadas as possessões no Pacífico. Deitado em sua cama no pavimento residencial da Casa Branca, Ryan estava com a mente dançando em volta do globo, finalmente se perguntando que parte do globo não era uma área merecedora de algum tipo de preocupação. Por volta das três da manhã, ele desistiu do estudo, levantou-se e vestiu roupas caseiras para caminhar até a Ala Oeste, onde ficava o escritório de Sinais, membros da segurança presidencial a reboque.

— O que está acontecendo? — perguntou ao oficial mais graduado presente.

Era o major Charles Canon, USMC, que fora quem o informara sobre o assassinato no Iraque... que havia começado tudo aquilo, recordou Jack. As pessoas começaram a se levantar. Ele gesticulou para que se sentassem. — A vontade.

— Noite atarefada, senhor. Tem certeza de que quer ser inteirado de tudo? — perguntou o major.

— Não estou com sono, major — replicou Ryan. Os três agentes do Serviço Secreto dele fizeram caras e bocas. Eles sabiam o que era melhor para POTUS, ainda o próprio não soubesse.

— Certo, presidente, estamos conectados agora com as linhas de comunicação do CDC e do USAMRIID. Estamos copiando todos os dados deles. Naquele mapa temos posição de todos os casos. — Canon apontou.

Alguém pregara um mapa novo, grande, dos Estados Unidos, num quadro de cortiça. Os alfinetes de cabeça vermelha obviamente marcavam os casos de Ebola. Havia também um suprimento de alfinetes de cabeça preta, o significado era igualmente óbvio, embora ainda não houvesse nenhum no quadro, alfinetes estavam agora amontoados principalmente em 18 cidades, com casos aparentemente isolados e pares espalhados aleatoriamente pelo mapa. Havia ainda alguns locais intocados. Idaho, Alabama, os dois Dakotas e até, estranhamente, Minnesota a sua Clínica Mayo, estavam entre os estados até agora protegidos pela ordem executiva de Ryan — ou pelo acaso, e como alguém poderia determinar a diferença? Havia muitas impressões de computador — todas as impressoras estavam funcionando agora. Ryan pegou uma das folhas. As vítimas-pacientes estavam listadas em ordem alfabética por nome, estado, cidade, ocupação. Cerca de 15% estavam na categoria profissionais de manutenção, e esse era o maior grupo estatístico além de promotores de vendas . Esses dados vieram do FBI e do CDC, que estavam trabalhando em conjunto para estudar pacientes de infecção. Outra impressão mostrava locais suspeitos de infecção, e isso confirmava a afirmação do general Pickett de que as feiras de exposição haviam sido selecionadas como alvos primários.

Em todos os seus anos na CIA, Ryan estudara todos os tipos de ataques teóricos contra seu país. Por algum motivo, esse tipo de ataque jamais chegara à sua mesa. Guerra biológica nunca fora considerada seriamente. Ele passara milhares de horas pensando na possibilidade de um ataque nuclear. O que nós tínhamos, o que eles tinham, quais alvos, quais baixas, as centenas de opções possíveis de alvos para fatores políticos, militares ou econômicos, e para cada opção havia uma variedade de resultados possíveis dependendo do clima, época do ano, hora do dia e outras variáveis até que o resultado pudesse ser enviado apenas por computadores, e mesmo assim os resultados prováveis eram apenas expressões de cálculos de probabilidade. Ele odiara cada momento daquilo e se regozijara com o fim da Guerra Fria e da preocupação constante com a possibilidade de megamortes Jack até mesmo vivera uma crise que poderia ter resultado numa guerra nuclear. E ele lembrava bem dos pesadelos que isso causara...

O presidente jamais tivera um curso em governo por si, apenas os cursos usuais de ciência política no Boston College durante sua graduação em economia. Ele lembrava principalmente das palavras de um plantador aristocrata, escritas quase trinta anos antes de sua ascensão para se tornar o primeiro presidente do país: Vida, Liberdade e Busca da Felicidade. É para assegurar esses direitos que os governos são instituídos entre os homens, derivando seus poderes justos do consentimento dos governados. A Constituição que Ryan jurara Preservar, Proteger e Defender era designada para preservar, proteger e defender as vidas e os direitos das pessoas lá fora, e ele não devia ficar parado ali, sem fazer nada, apenas lendo as listas de nomes, lugares e ocupações de pessoas, entre as quais pelo menos 80% iriam morrer.

Essas pessoas tinham direito a suas vidas. Tinham direito à sua liberdade.

Tinham direito, como dissera Jefferson, à busca da felicidade. Bem, alguém estava tirando vidas. Ryan ordenara a suspensão da liberdade dos cidadãos.

Com toda certeza eram poucos os que estavam felizes naquele momento...

— Tenho um pedacinho de boa notícia, presidente.

Canon entregou-lhe os resultados das eleições do dia anterior. Foi uma surpresa; Ryan. Ele se permitira esquecer o assunto. Alguém compilara uma lista dos vencedor por profissão, e menos da metade deles eram advogados.

Trinta e sete eram médicos. e três eram engenheiros. Dezenove eram fazendeiros. Dezoito eram professores. Qual eram executivos de um tipo ou outro. Bem, isso era algo, não era? Agora ele tinha um terço de um Congresso.

Como trazê-los para Washington? Eles não podiam impedidos disso. A Constituição era explícita nessa questão. Embora Pat Martin pudesse argumentar que a suspensão das viagens interestaduais jamais tinham sido levadas diante da Suprema Corte, a Constituição exigia que os membros do Congresso não fossem impedidos de comparecer a uma sessão exceto em casos de traição...? Alguma coisa assim. Jack não conseguia se lembrar das palavras exatas, mas sabia que imunidade de congressista era coisa muito séria.

Uma máquina de telex começou a funcionar. Um Especialista 5 do Exército caminhou até ela.

— Mensagem urgente do Estado, do embaixador Williams, na índia — anunciou o especialista.

— Vejamos.

Ryan caminhou até o telex. Não eram boas notícias. Nem a seguinte, vinda de Taipé.

 

Os médicos estavam trabalhando em turno de quatro horas. Para cada jovem residente havia um veterano da equipe. Estavam fazendo principalmente trabalho de enfermagem, e achavam que estavam fazendo a maior parte bem, embora soubessem também que isso não faria tanta diferença.

Era a primeira vez de Cathy numa roupa espacial. Ela operara trinta ou mais pacientes de AIDS por complicações oculares em decorrência de suas doenças, mas isso não fora terrivelmente difícil. Nesses casos usavam-se luvas normais; a única preocupação real era o número de mãos permitidas no campo cirúrgico, mas nas cirurgias oftalmológicas isso não era nem de perto tão complicado quanto nas torácicas, por exemplo. O cirurgião demorava um pouco mais, precisava ser um pouco mais cuidadoso em seus movimentos, mas era só.

Não agora. Agora Cathy estava num saco de plástico grosso, usando um capacete cujo visor transparente constantemente embaçava devido a sua respiração, enquanto olhava para pacientes que morreriam apesar de toda a atenção que lhes estava sendo dispensada.

Mesmo assim, eles tinham de tentar. Ela estava olhando para o Caso índice local, o Vendedor de Winnebagos cuja esposa estava no quarto ao lado. Havia dois tubos intravenosos correndo, um de fluidos e eletrólitos e morfina, outro de sangue saudável, ambos mantidos rigidamente em seus lugares para não danificar a conexão braço-veia. A única coisa que podiam fazer era prestar apoio. Já se pensara que interferona poderia ajudar, mas isso não funcionara.

Antibióticos não afetavam as doenças virais, fato do qual quase ninguém tinha ciência. Não havia nada mais que pudesse ser usado, embora umas cem pessoas estivessem agora em seus laboratórios, examinando opções. Poucos haviam se dedicado à pesquisa do Ebola. O CDC, o Exército e alguns outros laboratórios espalhados pelo mundo haviam feito algum trabalho, mas não houvera o esforço dedicado a outras doenças que devastavam países civilizados. Na América e na Europa, a pesquisa prioritária era dedicada a doenças que matavam muitos, ou que atraíam muita atenção política, porque o investimento de dinheiro governamental na pesquisa era um ato político. Quanto aos financiamentos particulares, costumavam ser direcionados principalmente a doenças que haviam atingido pessoas ricas ou preeminentes. A myasthenia gravis matara Aristóteles Onassis, e o financiamento resultante — embora não tivesse sido rápido o bastante para ajudar o magnata de embarcações — resultará em progressos quase da noite para o dia. Os financiamentos particulares visavam a ajudar as pessoas de sorte, mas ainda assim era uma bênção para outras vítimas. O mesmo princípio estendia-se à oncologia, onde os fundos para câncer de seio, que atacava aproximadamente uma entre cada dez mulheres, superava de longe os dedicados ao câncer da próstata, que afligia metade da população masculina. Uma soma imensa ia para os cânceres infantis, que eram estatisticamente raríssimos — apenas 12 casos por ano em cem mil crianças —, mas o que era mais valioso que uma criança? Ninguém objetava a isso; ela certamente não. Restava ao Ebola c outras doenças tropicais um financiamento minúsculo, porque não ameaçavam muito os países que gastavam o dinheiro.

Isso iria mudar agora, mas não rápido o bastante para os pacientes que estavam abarrotando o hospital.

O paciente começou a balbuciar e virou sobre seu lado direito. Cathy segurou a lata de lixo de plástico — os vomitórios eram pequenos demais e tendiam a derramar — segurou para ele. Bile e sangue, viu Cathy. Sangue preto.

 

Sangue morto. Sangue repleto dos pequenos tijolos cristalinos do vírus Ebola.

Quando o paciente acabou, Cathy deu lhe um recipiente de água, o tipo com um canudo que bastava ser apertado para liberai um pouco de água. Apenas o suficiente para umedecer sua boca.

— Obrigado — disse com dificuldade o paciente.

Sua pele estava pálida, exceto nos lugares onde estava manchada devido a sangramento subcutâneo. Petéquias. Devia ser uma palavra de origem latina, pensou Cathy. Uma palavra de uma língua morta para designar o sinal da morte vindoura. Ele olhou para ela, e ele sabia. Tinha de saber. A dor estava lutando com a dose atual de morfina, alcançando sua consciência como ondas chocando-se contra recifes.

— Como estou indo? — perguntou o paciente.

— Bem, você está muito doente — disse-lhe Cathy. — Mas está resistindo muito bem. Se resistir por tempo suficiente, o seu sistema imunológico poderá derrotar essa coisa, mas você terá de se segurar com força para nós. — E isso não era exatamente mentira — Não conheço você. É enfermeira?

— Não, na verdade sou professora. — Ela sorriu para ele por trás da máscara plástica.

— Seja cuidadosa — disse-lhe o paciente. — Você não gostaria de passar por isso. Acredite em mim.

Ele quase conseguiu sorrir de volta, da forma como faziam os pacientes graves. Aquilo quase fez o coração de Cathy pular do peito.

— Estamos sendo cuidadosos. Desculpe pela roupa.

Ela precisava tanto tocar o homem, mostrar que realmente se importava, e não era possível fazer isso através de borracha e plástico. Droga!

— Dói pra valer, doutora.

— Deite. Durma o máximo que puder. Deixe-me ajustar a morfina para você. Ela caminhou até o outro lado da cama para aumentar a frequência das gotas, esperando alguns minutos antes de seus olhos fecharem. Então ela caminhou de volta até o balde e espargiu-o com um desinfetante químico poderoso. O recipiente já estava todo molhado com desinfetante que a química impregnara o plástico, e qualquer coisa viva que caísse ali seria extinta rapidamente. Espargir com desinfetantes os trinta mililitros que ele expelira provavelmente era desnecessário, mas nenhuma preocupação era pouca agora.

Uma enfermeira chegou e entregou-lhe uma impressão com o exame de sangue mais recente. A função do fígado do paciente estava quase fora da escala, automaticamente ressaltado por asteriscos, como se ela não fosse notar. O Ebola tinha uma afinidade cruel com esse órgão. Outros indicadores químicos confirmavam o começo da necrose sistêmica. Os órgãos internos tinham começado a morrer, os tecidos estavam apodrecendo, comidos pelas pequenas cadeias de vírus. Era teoricamente possível que seu sistema imunológico pudesse reunir suas energias e desferir um contra-ataque, mas isso apenas teoricamente, uma chance em várias centenas. Alguns pacientes realmente lutavam contra a doença. Isso constava da literatura que ela e seus colegas haviam estudado durante as ultimas 12 horas, e eles já estavam especulando que, se pudessem isolar os anticorpos, feriam alguma coisa que poderiam usar terapeuticamente. Se — talvez — possivelmente.

Isso não era medicina como ela conhecia. Decerto não era a medicina limpa e anticética que praticava consertando olhos, restaurando e aperfeiçoando a visão. Ela pensou novamente sobre sua decisão em se dedicar à oftalmologia.

Um de seus professores pressionara-a a pensar na oncologia. Ela tinha o cérebro, a curiosidade, o dom para associar coisas, dissera-lhe o professor. Mas, olhando para este paciente adormecido, moribundo, pensou que, não, não tinha os nervos para fazer isto todo dia. Nem para perder muitos pacientes. Então isso a tornava uma fracassada?, perguntou-se Cathy Ryan. Com aquele paciente, ela precisava admitir, sim, ela era uma fracassada.

 

— Merda — praguejou Chavez. — É como na Colômbia.

— Ou no Vietnã — concordou Clark ao ser recebido pelo calor tropical.

A espera havia um funcionário da embaixada e um representante do governo do Zaire. Que usava uniforme e saudou os oficiais americanos, cortesia que John retribuiu.

— Por aqui, coronel.

O helicóptero era francês, e o serviço foi excelente. A América jogara muito dinheiro neste país. Agora era hora da retribuição.

Clark parecia abatido ao olhar para a floresta tropical lá embaixo. Ele já vira florestas assim antes, em mais de um país. Em sua juventude, ele estaria embaixo das copas daquelas árvores, procurando por inimigos, e com inimigos procurando por ele — homenzinhos vestindo pijamas pretos ou uniformes caqui, carregando fuzis AK-47, pessoas que queriam tirar sua vida. Ele ponderou que agora havia alguma coisa lá embaixo que era ainda menor, que não estava carregando nenhuma arma, e que queria destruir apenas a ele, mas ao próprio coração de seu país. Parecia terrivelmente irreal. John Clark era uma criatura de seu país. Ele já fora ferido em operações de combate e em outros eventos mais pessoais, e sempre era devolvido rapidamente à saúde plena. Houve aquela vez, quando ele resgatara, em algum rio no Vietnã do Norte, um piloto de A-6 cujo o nome não lembrava mais. Ele sofrera um corte e o rio poluído o infeccionara, e aquilo fora muito desagradável. Mas os remédios e o tempo deram um jeito. Ele saíra dessas experiências com uma crença enraizada de que seu país gerava médicos que podiam consertar praticamente qualquer coisa — não a velhice nem o câncer, ainda, mas estavam trabalhando nisso, e no devido tempo venceriam suas batalhas, assim como Clark vencera a maioria das dele. Isso era uma ilusão. Ele precisava admitir isso agora. Assim como ele e seu país haviam perdido uma guerra numa selva como esta, trezentos metros abaixo do helicóptero em alta velocidade, agora a selva estava atacando, de alguma forma.

Não, Ele tentou se livrar do pensamento. A selva não estava atacando. Eram pessoas fazendo isso.

 

Os quatro navios RO/RO entraram em formação a 1.965 quilômetros nor-noroeste de Diego Garcia. Estavam em formação caixa, mantendo entre si espaços de um quilômetro. O destróier OBannon assumiu posição a quatro quilômetros e meio dos outros, na retaguarda. Kidd estava a nove mil metros a noroeste do navio ASW, com Anzio a 32 quilômetros à frente dos outros. O grupo de reabastecimento com suas duas fragatas estava a oeste e se juntaria aos outros por volta do pôr do sol.

Era uma boa oportunidade para um exercício. Seis aeronaves Orion P-3C

estavam baseadas em Diego Garcia — o número já fora maior — e uma delas estava patrulhando à frente do minicomboio, espalhando boias-sonar, uma tarefa complexa para uma formação em movimento tão rápido, e atento para possíveis submarinos. Outro Orion estava bem adiantado, rastreando o grupo de batalha indiano de dois cruzadores a partir de suas emissões de radar, enquanto tentavam permanecer fora do alcance de detecção. No momento, Orion não estava armado com nada além de armas antissubmarinos, e sua missão era vigilância de rotina.

 

— Sim, presidente — disse o J-3. Por que você não está dormindo, Jack?, ele não atreveu dizer.

— Robby, viu esta coisa do embaixador Williams?

— Atraiu minha atenção — confessou o almirante Jackson.

David Williams redigira a comunicação com cuidado. Isso incomodara as pessoas no Estado e causara dois pedidos por seu relatório que ele havia ignorado. O ex-governador estava recorrendo a toda sua sabedoria política para considerar as palavras da primeira-ministra havia escolhido, seu tom, sua linguagem corporal — e principalmente o brilho em seus olhos. Não havia substituto para isso. Dave Williams aprendem lição mais de uma vez. Uma coisa que ele não aprendera era vocabulário diplomático. Seu relatório era direto de cabo a rabo, e concluía que a Índia estava aprontando alguma coisa.

Ele acrescentou ainda que a crise de Ebola nos EUA não fora mencionado pela primeira-ministra não dissera uma única palavra de simpatia. Isso, ele escreveu, era provavelmente um erro num sentido, e um ato muito deliberado em outro. A primeira-ministra devia estar se mantendo informada sobre o sofrimento dos americanos, ou deveria ter expressado preocupação, mesmo se não estivesse.

Em vez disso, preferiu ignorância, perguntada, a primeira-ministra teria dito que não fora informada, mas isso teria sido mentira, acrescentou Williams. Na era da CNN, coisas assim jamais passavam despercebidas. Em vez disso, ela lembrara como seu país fora maltratado pela América, lembrou-o do ataque à sua Marinha, não uma, mas duas vezes, e então estendeu o comentário classificando-o como um ato inamistoso, fato usado em diplomacia imediatamente antes de uma mão descer ao coldre. Ele concluiu que o exercício naval da índia não fora um equívoco em termos de momento ou de localização.

A mensagem que ele recebera havia sido: Danem-se!

— E então, o que você acha, Bob?

— Acho que o embaixador Williams é um sacana danado de esperto, senhor. A única coisa que ele não disse foi algo que não sabia: não temos um porta-aviões lá. Os indianos não vêm nos rastreando, mas é de conhecimento público que o Ike está seguindo para a China, e se seus agentes de informação forem mais ou menos competentes, eles sabem. Então, shazam, eles vão ao mar.

E agora recebemos essa avaliação do embaixador. Senhor...

— Pare por aí, Robby — disse-lhe Ryan. — Você já disse isso por um dia.

— Tudo bem. Jack, temos todos os motivos para acreditar que a China e a índia trabalharam juntos antes. Então o que acontece agora? A China provoca um incidente. A coisa fica preta. Nós movemos um porta-aviões. Os indianos vão ao mar. Sua frota fica numa linha direta entre Diego Garcia e o Golfo Pérsico. A situação no golfo esquenta.

— E surge uma praga entre nós — acrescentou Ryan. Ele se inclinou sobre a tosca mesa de Sinais. Ele não conseguia pegar no sono, mas isso não significava que estivesse completamente acordado. — Coincidências?

— Talvez. Talvez a primeira-ministra indiana esteja puta da vida conosco porque bagunçamos o coreto deles há pouco tempo. Talvez apenas queira nos mostrar que não podemos fazer gato e sapato dela. Talvez tudo seja pura coincidência, presidente. Mas talvez não seja.

— Opções?

— Temos no leste do Mediterrâneo um grupo de ação de superfície, dois cruzadores Aegis, um submarino classe Burke, e três submarinos menores. O Mediterrâneo está quieto. Sugiro mover esse grupo através de Suez até o grupo Anzio. Sugiro também considerarmos mover um porta-aviões do Atlântico Oeste para o Mediterrâneo. Isso levará algum tempo, Jack. São dez mil quilômetros; mesmo com uma velocidade de 25 nós será preciso quase nove dias apenas para aproximar um porta-aviões. Temos mais de um terço do mundo sem um porta-aviões por perto, e a parte que não está sendo coberta está começando a me deixar nervoso. Jack, se precisarmos fazer alguma coisa, não tenho certeza que conseguiremos.

 

Olá, irmã — cumprimentou Clark, segurando gentilmente sua mão. Fazia anos que ele não via uma freira.

— Bem-vindo, coronel Clark. Major. — Ela meneou a cabeça para Chavez.

— Boa tarde, senhora.

— O que traz os senhores ao nosso hospital? — O inglês da irmã Mary Charles era excelente, quase como se ela o ensinasse, com um acento belga que soava exatamente como francês para os dois americanos.

— Irmã, estamos aqui para perguntar sobre a morte de uma de suas colegas, a irmã Jean Baptiste — disse-lhe Clark.

— Entendo. — Ela gesticulou na direção de duas cadeiras. — Por favor, sentem-se.

— Obrigado, irmã — disse Clark polidamente.

— Você é católico? — perguntou. Isso era importante para ela.

— Sim, senhora, nós dois somos.

Chavez assentiu, concordando com o coronel .

— Sua educação?

— Na verdade frequentei apenas colégios católicos — disse Clark para agradá-la — Primário na Escola das Irmãs de Notre Dame, e Jesuítas depois disso.

— Ah... — Ela sorriu, satisfeita em saber disso. — Soube da doença que se abateu sobre seu país. Isso é muito triste. Então estão aqui para perguntar sobre os pobres Benedict Mkusa, irmã Jean e irmã Maria Magdalena. Mas receio que não poderemos ser muito úteis.

— Por que, irmã?

— Benedict morreu e seu corpo foi cremado por ordem do governo — explicou a irmã Mary Charles. — Jean ficou doente, mas partiu para Paris num voo médico para visitar o Instituto Pasteur. Infelizmente, o avião caiu no mar e todos foram perdidos.

— Todos? — perguntou Clark.

— A irmã Maria Magdalena também foi com ela, assim como o Dr. Moudi.

— Quem era ele? — foi a pergunta seguinte de John.

— Ele fazia parte da missão da Organização Mundial de Saúde nesta área.

Algum de seus colegas estão no prédio ao lado. — Ela apontou.

— Moudi, a senhora disse? — perguntou Chavez, anotando.

— Sim. — Ela soletrou para ele. — Mohammed Moudi. Um médico bom acrescentou. — Foi muito triste perdê-los todos.

— Mohammed Moudi, a senhora disse. Alguma ideia de sua procedência? — disse Chavez novamente.

— Irã... não, acaba de mudar, não é? Ele foi educado na Europa. Um jovem médico muito competente, e muito respeitoso.

— Entendo. — Clark acomodou-se em sua poltrona. — Podemos conversar com os colegas dele?

 

— Acho que o presidente foi longe demais — disse o doutor na TV. Incapaz de viajar de Connecticut para Nova York esta manhã, ele precisou ser entrevistado por uma emissora afiliada local.

— Por que isso, Bob? — perguntou o entrevistador. Ele viera de sua casa em Nova Jersey para o estúdio de Nova York no Central Park West, imediatamente antes das pontes e dos túneis serem fechados, e estava dormindo em seu escritório agora. Compreensivelmente, não estava muito satisfeito com isso.

— O Ebola é uma doença terrível. Não há dúvida disso — explicou o correspondente médico da emissora. Ele era um médico que não praticava, embora falasse a linguagem muito bem. Ele costumava apresentar as notícias matutinas de medicina, concentrando-se nos benefícios do exercício e da boa dieta. — Mas nunca esteve aqui, e a razão é que o vírus não pode sobreviver aqui. Contudo, embora essas pessoas o tenham contraído, e por enquanto deixarei de lado as especulações a esse respeito, o vírus não pode se espalhar muito. Temo que as ações do presidente tenham sido precipitadas.

— E inconstitucionais — acrescentou o correspondente jurídico. — Não há dúvida disso. O presidente entrou em pânico, e isso não é bom para o país em termos médicos ou jurídicos.

— Valeu mesmo, pessoal — disse Ryan, emudecendo o televisor.

— Precisamos trabalhar nesse problema — disse Arnie.

— Como?

— A melhor forma de combater informações ruins é com informações boas.

— Fantástico, Arnie, só que a única coisa que pode provar que fiz a coisa certa é a morte de pessoas.

— Temos um pânico para prevenir, presidente.

Até agora isso não acontecera, o que era notável. O andamento das coisas ajudara. A doença fora noticiada pela manhã. A maioria das pessoas voltara para casa, onde tinham comida suficiente para alguns dias, e a notícia chocou o bastante para que não houvesse uma investida maciça aos supermercados.

Contudo, essa situação mudaria hoje. Em algumas horas as pessoas estariam protestando. A imprensa iria cobrir isso, e alguma espécie de opinião pública seria formada. Arnie tinha razão. Ele precisava fazer alguma coisa a respeito.

Mas o quê?

— Como, Arnie?

— Jack, achei que você não iria perguntar nunca.

 

A parada seguinte foi o aeroporto. Ali foi confirmado que, sim, um jato comercial G-IV, de propriedade particular e registrado na Suíça, decolara com um plano de voo para Paris com parada de reabastecimento na Líbia. O controlador-chefe tinha unia cópia dos registros de aeroporto e o manifesto do avião pronto para os visitantes americanos. Era um documento muito abrangente, tendo sido planejado também para o controle alfandegário. Ele continha até mesmo os nomes da equipe de voo.

— Então? — perguntou Chavez. Clark olhou para os funcionários públicos.

— Obrigado por sua assistência valiosa.

Em seguida, Clark e Ding caminharam até o carro que os levaria à sua aeronave.

— Então? — repetiu Ding.

— Fica frio, parceiro.

O passeio de cinco minutos foi realizado em silêncio. Clark olhou pela janela. Começava a trovejar. Ele odiava voar com tempo ruim.

— Nem pensar. Vamos esperar alguns minutos. — O piloto de reserva era um tenente-coronel. — Temos regulamentos.

Clark deu um tapinha nas águias em suas dragonas e inclinou-se para perto do piloto — Mim coronel. Mim dizer vamos, piloto. Agora mesmo, porra!

— Veja, Sr. Clark, sei quem você é e...

— Senhor — disse Chavez. — Sou major apenas artificialmente, mas esta missão é mais importante que os seus regulamentos. Contorne as piores nuvens, certo? Se for preciso, temos sacos de vômito a bordo.

O piloto fitou os dois, como se disposto a uma confrontação; então recuou e caminhou até o escritório da frente. Chavez voltou-se para Clark.

— Calma, John.

Clark estendeu o documento.

— Verifique os nomes da equipe de voo. Eles não são suíços, e o registro do avião — Chavez leu o documento. O código de registro era HXNJA. E os nomes da equipe não eram germânicos, franceses ou italianos.

— Sargento! — chamou Clark quando os motores começaram a funcionar.

— Sim, senhor! — A suboficial vira Clark dar um esporro no piloto.

— Mande isto por fax para Langley, por favor. Você tem o número certo para isso use-o. O mais rápido que puder, senhorita — acrescentou, em respeito ao sexo da sargento ela nem percebeu a gentileza.

— Apertem bem os cintos — instruiu o piloto pelo comunicador interno. O VC-20B começou a taxiar. Foram necessárias três tentativas devido à interferência elétrica da tempestade, mas a transmissão por fax passou pelo satélite, desceu para o Forte Belvoir, na Virginia, e reapareceu em Mercury, o nexo de comunicação da agência. O oficial de plantão mais graduado mandou o assistente retransmitir o fax para o sétimo andar. A essa altura, Clark estava ao telefone com ele.

— Recebemos um pouco de interferência — reportou o oficial de plantão.

Por melhor que fosse a comunicação digital por satélite, uma tempestade ainda era uma tempestade — Está sacolejando um pouco agora. Pesquise o número de registro e os nomes no manifesto. Tudo que conseguir descobrir.

— Repita, por favor.

Clark fez. Dessa vez foi entendido.

— Farei isso. Alguém deve ter tudo isso arquivado. Mais alguma coisa?

— Falo com você depois. Desligo.

 

— Então? — perguntou Ding, apertando mais o cinto depois que o Golf Strean fez um mergulho de três metros.

— Esses nomes estão em farsi, Ding... puta merda! — Outra sacolejada forte.

Olhou pela janela. Era como uma arena imensa, uma formação cilíndrica de nuvens com raios por toda parte. Não era sempre que ele via isso. — O babaca está fazendo de propósito!

Mas não estava. O tenente-coronel nos controles estava assustado. O que ele estava fazendo era proibido pelos regulamentos da Força Aérea, para não mencionar o bom senso. O radar de clima no nariz do avião piscava vermelho a vinte graus à esquerda e direita de seu curso traçado para Nairobi. À esquerda parecia melhor. Virou trinta graus, manobrando o jato executivo como um caça, buscando uma área plácida enquanto continuava subindo. A área que encontrou não era plácida, mas era melhor. Dez minutos depois, o VC-20B emergiu num espaço ensolarado.

Uma das pilotos de reserva, uma capitão, virou-se em seu assento na frente de Clark.

— Satisfeito, coronel? — perguntou.

Clark desamarrou o cinto de segurança em desafio ao aviso e foi ao banheiro jogar água no rosto. Na volta, ajoelhou-se no assoalho ao lado da capitão e mostrou-lhe o documento que acabara de transmitir.

— Pode me dizer alguma coisa sobre isto? A piloto precisou dar apenas uma olhada.

— Sim, claro — disse a capitão. — Nós reparamos nisso.

— No quê?

— Este é essencialmente o mesmo avião. Quando um quebra, o fabricante comunica isso a todos... quero dizer, nós perguntaríamos de qualquer forma, mas é quase automático.

Ele veio daqui, voou para norte rumo à Líbia, pousou para reabastecer, certo? Decolou do lugar quase imediatamente e... era um voo médico, não era?

— Exatamente. Prossiga.

— O voo declarou emergência, dizendo que perdera a energia num motor, em seguida no outro, e começou a cair. Foi acompanhado por três radares.

Líbia, Malta e um navio da Marinha, um destróier, acho.

— Nada estranho nisso, capitão? Ela deu de ombros.

— Este é um avião muito bom. Acho que os militares nunca quebraram um.

O senhor mesmo acabou de ver como ele é bom. Alguns daqueles sacolejos foram realmente fortes... — Ela se virou. — Jerry, já perdemos um motor em voo?

— Duas vezes, acho. A primeira vez foi um defeito no tubo de combustível... a Rolls Royce nos mandou sobressalentes para todos. A outra vez foi num mês de novembro, há alguns anos. A turbina engoliu um ganso.

— Isso acontece o tempo todo — disse ela a Clark. — Gansos pesam de seis a nove quilos. Tentamos evitá-los.

— E esse cara perdeu os dois motores?

— Ainda não descobriram como. Talvez tenha sido combustível. Isso acontece, mas motores são unidades isoladas, senhor. Tudo neles é separado, tubos, partes eletrônica, tudo.

— Menos o combustível — disse Jerry. — Ele vem todo de um caminhão só.

— O que mais? O que acontece quando se perde um motor?

— Se não tomar cuidado, perderá o controle. Terá uma pane total e a aeronave mudará de curso. Isso modifica o fluxo de ar sobre as superfícies de controle. Certa vez perdemos um Lear, um VC-21, dessa forma. Se estiver numa manobra de transição quando isso acontecer... bem, a coisa ficará um pouco emocionante. Mas somos treinados para isso, e a tripulação daquele voo também era; isso está no relatório. Os dois eram pilotos experientes, e entravam na caixa... o simulador de voo... com regularidade. É preciso fazer isso, se não, tiram seu seguro de voo. Em todo caso, o radar não os mostrou manobrando.

Sendo assim, o acidente não devia ter acontecido com eles. A melhor hipótese é que tenha sido combustível ruim, mas os líbios disseram que o combustível estava perfeito. — A não ser que a tripulação tenha perdido a cabeça — acrescentou Jerry. — Mas até isso é difícil. Quero dizer, somos treinados para contingências como essa. Eu tenho duas mil horas de voo.

— Eu tenho duas mil e quinhentas — disse a capitão. — Além disso, é mais seguro pilotar um destes do que dirigir um carro em Washington, senhor. Nós todos amamos esses trambolhos.

Clark assentiu e se levantou.

— Gostando do passeio? — O piloto no comando perguntou por sobre o ombro. Sua voz não estava exatamente amigável, e ele não precisava preocupar-se em cometer um ato de insubordinação. Não com um oficial usando suas próprias divisas.

— Não gosto de pressionar ninguém, coronel. Mas o assunto é muito importante. É tudo que posso dizer.

— Minha mulher é enfermeira no hospital da base. — Ele não precisou dizer mais nada. Estava preocupado com ela.

— A minha também, lá em Williamsburg.

O piloto virou-se ao ouvir isso, e assentiu para seu passageiro.

— Não sofremos nenhum dano. Três horas para Nairobi, coronel.

 

— E então, como volto? — perguntou Raman pelo telefone.

— Por enquanto você não volta — disse-lhe Andréa. — Fique aí. Talvez você posa ajudar o FBI com a investigação que eles estão conduzindo.

— Ora, mas isso vai ser formidável!

— Vire-se com isso, Jeff. Não tenho tempo para me preocupar com isso — disse rudemente ao seu subordinado.

— Claro. — Ele desligou.

Aquilo era estranho, pensou Andréa. Jeff sempre fora um dos mais frios.

Mas porque estava frio naquele momento?


52

Algo de Valor

— Já esteve aqui antes, John? — perguntou Chavez enquanto sua aeronave descia para encontrar sua sombra na pista.

— De passagem, uma vez. Não vi muito mais que o terminal. — Clark desafivelou o cinto de segurança e se espreguiçou. O sol estava se pondo aqui, também, e aquilo não marcava o final de um dia muito longo para os dois agentes. — A maior parte do que sei vem de livros de um cara chamado Ruark, caça e coisas do tipo.

— Você não caça... pelo menos não animais — acrescentou Ding.

— Já cacei. Ainda gosto de ler a respeito. E gostoso caçar coisas que não atiram de volta em você. — John virou-se com um meio sorriso.

— Não é tão emocionante. Mais seguro, talvez — comentou o agente júnior.

O quanto seria perigoso caçar um leão?, imaginou.

O avião taxiou até o terminal militar. O Quênia tinha uma pequena Força Aérea, embora o que ela fizesse fosse um mistério para os oficiais visitantes da CIA. Era a Força Aérea, e provavelmente continuaria assim. A aeronave foi recebida, novamente, por um funcionário da embaixada, este o adido de Defesa, um oficial negro do Exército com posto de coronel e um distintivo da Infantaria de Combate que o marcava como veterano da Guerra do Golfo.

— Coronel Clark, major Chavez. — Então sua voz parou. — Chavez, conheço você?

— Ninja! — exclamou Ding. — Você era oficial de brigada na época, Primeiro da Sétima.

— Aço Frio! Você foi um dos caras que perdemos. Acho que encontraram você. Fiquem, cavalheiros. Sei de onde vocês são, mas os nossos anfitriões não sabem — alertou o oficial.

— Como foi promovido, coronel? — perguntou o ex-sargento enquanto caminhavam até os carros.

— Comandei um batalhão no Iraque. Fodemos um pouco e tomamos um pouco. — Então seu humor mudou. — Como estão as coisas em casa?

— Assustadoras — foi a resposta de Ding.

— Há uma coisa que não podemos esquecer: guerra biológica é basicamente uma ação psicológica, como a ameaça de gás que recebemos em 91.

— A minha também — disse o adido de Defesa. — Tenho família em Atlanta.

A CNN disse que há casos lá.

 

— Leia depressa. —John estendeu os últimos dados que tinham recebido no avião. — Isto é melhor do que o que você verá na TV.

Não que melhor fosse a palavra certa, pensou John.

O coronel seria seu motorista. Ocupou o banco da frente do carro da embaixada c folheou as páginas.

— Não haverá saudações oficiais desta vez? — perguntou Chavez.

— Aqui não. Para onde estamos indo, teremos um policial. Pedi aos meus amigos no ministério que agissem com discrição. Tenho alguns contatos muito bons na cidade — Ótimo — disse Clark enquanto o carro começava a se mover.

Só levariam dez minutos de carro até seu destino.

 

O local de trabalho do negociante de animais ficava nas cercanias da cidade, localizado convenientemente perto do aeroporto e da estrada principal para a selva, mas não próximo demais de outros lugares. Os agentes da CIA logo descobriram o motivo.

— Meu Deus! — exclamou Chavez, saltando do carro.

— Sim, os bichos são barulhentos pra cacete. Estive aqui hoje cedo. Ele está recebendo um carregamento de macacos verdes que enviará para Atlanta. — Abriu uma valise estendeu alguma coisa aos dois. — Tomem. Vão precisar.

— Certo. — Clark enfiou o envelope em sua pasta.

— Olá — saudou o negociante, vindo de seu escritório.

Era um homem grande e, a julgar por sua barriga, só se contentava com uma caixa de cervejas. Com ele havia um policial uniformizado, evidentemente de patente alta. o adido caminhou até ele e puxou-o para um canto. O policial não pareceu objetar. O coronel de infantaria conhece bem o jogo, pensou Clark.

— Como vai? — saudou John, apertando a mão do negociante. — Sou o coronel Clark. Este, é o major Chavez.

— São da Força Aérea americana?

— Exatamente, senhor — replicou Ding.

— Adoro aviões. O que vocês pilotam?

— Todo tipo de coisa — respondeu Clark. O negociante já estava no papo.

temos algumas perguntas, se o senhor não se importa.

— Sobre macacos? Por que oficiais da Força Aérea estão interessados em macacos. O delegado de condado não me explicou.

— Saber disso é tão importante? — perguntou John, estendendo um envelope negociante enfiou o envelope no bolso sem abri-lo para contar. Ele pôde sentir o quanto era grosso.

— Perdoem minha curiosidade. E então, o que vocês querem saber? — perguntou em seguida, sua voz amigável e aberta.

— Você vende macacos — disse John.

 

— Sim, negocio macacos. Para zoológicos, para colecionadores particulares e para laboratórios farmacêuticos. Venham, vou mostrar.

Conduziu-os através de um prédio de ferro corrugado. Havia dois caminhões ali. Cinco trabalhadores estavam colocando gaiolas nos veículos, mãos protegidas em luvas de couro grossas.

— Acabamos de receber uma encomenda do seu CDC, em Atlanta — explicou o negociante. — Eles pediram uma centena de verdes. São animais bonitos, mas muito desagradáveis. São odiados pelos fazendeiros locais.

— Por quê? — perguntou Ding, olhando para as gaiolas. Eram feitas de arame, com pegadores no topo. Daquela distância pareciam ser do tamanho usados para transportar galinhas para feiras... olhando mais de perto, revelavam-se um pouco grandes demais para isso, mas...

— Eles atacam as plantações. São uma praga, como ratos, só que mais inteligentes. As pessoas da América pensam que eles são deuses ou algo assim, a julgar pela forma como reclamam sobre seu uso em experimentos médicos. — O negociante gargalhou. — Como fosse possível extinguir esses bichos! Há milhões deles. Atacamos um lugar, pegamos eles, e um mês depois podemos voltar e levar mais trinta. Os fazendeiros imploram para pormos armadilhas nas terras deles.

— Há algum tempo você estava com um carregamento preparado para Atlanta, mas vendeu para alguém, não é verdade? — perguntou Clark. Ele olhou para seu parceiro, que não tinha se aproximado do prédio. Estava separado de Clark e do negociante, caminhando para longe deles. Parecia estar olhando para as gaiolas vazias. Talvez estivesse incomodado com o fedor. Era realmente forte.

— Eles não me pagaram a tempo; outro freguês apareceu com o dinheiro na mão — comentou o negociante. — É assim que se fazem negócios, coronel Clark.

John sorriu.

— Ei, não estou aqui a mando do Departamento de Comércio. Apenas quero saber para quem você vendeu os macacos.

— Para um comprador — disse o negociante. — O que mais eu preciso saber?

— De onde era? — persistiu Clark.

— Não sei. Ele me pagou em dólares, mas provavelmente não era americano. Era um sujeito calado — recordou o negociante. — Não era muito amigável. Sim, eu sabia que estava atrasado em enviar o carregamento para Atlanta, mas eles estavam atrasados em me pagar — recordou ao seu convidado.

— Você, felizmente, não está.

— Eles foram enviados por avião?

— Sim, num velho 707. Estava cheio. E não eram só os meus macacos. Eles também os levaram para outro lugar, também. Entenda, o verde é um animal muito comum. Ele vive em toda a África. Os seus adoradores de animais não precisam se preocupar com a extinção do verde. Mas quanto ao gorila, admito, a história é bem diferente. Além disso, os gorilas viviam em Uganda e Ruanda, e isso era uma lástima. Pagava uma alta por esses bichos.

— Você tem registros? O nome do comprador, o manifesto, o registro do avião?

— Registros alfandegários, quer dizer. — Ele balançou a cabeça. — Infelizmente, não. Talvez eles tenham sido perdidos.

— Você tem um acordo com os funcionários do aeroporto — disse John com um sorriso insincero.

— Tenho muitos amigos no governo, é verdade. — Outro sorriso, o tipo safado que confirmou a insinuação de Clark. Bem, não podia condená-los. Na América também havia corrupção governamental.

— Então você não sabe para onde eles foram.

— Não. Eu não posso ajudá-los. Se pudesse, faria de bom grado — replicou o comerciante, dando um tapinha no bolso. Onde estava o envelope. — Lamento dizer que meus registros são incompletos para algumas transações.

Clark se perguntou se poderia pressionar mais o homem. Suspeitava que não. Jamais operara no Quênia, embora tivesse trabalhado em Angola, durante curto tempo, na década de 70, e a África fosse um continente muito informal, no qual dinheiro vivo era lubrificante para todo tipo de transação. Olhou para onde o adido da Defesa estava conversando com o delegado de condado — o título era uma herança do governo colonial inglês, segundo um dos livros de Ruark, assim como as bermudas e as meias até os joelhos. Ele provavelmente estava confirmando que o negociante não era um criminoso, apenas uma pessoa criativa em seus relacionamentos com autoridades locais que, mediante uma quantia modesta, olhavam para o outro lado quando ele pedia. E macacos dificilmente consistiam uma riqueza nacional, considerando que o negociante fora sincero em suas informações. E provavelmente fora. Soara verdade. Os fazendeiros deviam ficar eufóricos quando se livravam dos bichinhos apenas por causa do barulho que faziam. Aquilo parecia uma arruaça no maior bar da cidade numa noite de sexta. E eles eram belicosos, tentando sempre arranhar e morder as mãos enluvadas que carregavam as gaiolas. Só que eles não tinham culpa; estavam tendo um dia ruim. E ao chegarem ao CDC em Atlanta, as coisas não melhorariam nem um pouco. Será que eram inteligentes o bastante para entender isso? Clark, pelo menos, entendia. Não se envia tantos bichos para lojas de animais. Mas no momento ele não tinha solicitude bastante para desperdiçar com macacos.

— Obrigado pela ajuda. Talvez alguém volte para falar com você.

— Sinto muito não poder contar mais nada.

Ele estava sendo sincero quanto a isso. Por cinco mil dólares em dinheiro, ele devia saber mais. Não que estivesse disposto a devolver algum, é claro.

Os dois homens voltaram para o carro. Chavez juntou-se a eles, parecendo pensativo, mas sem dizer nada. Enquanto se aproximavam, o tira e o adido trocaram um aperto de mãos. Então foi hora dos americanos partirem. Enquanto o carro saía, John olhou para trás para ver o negociante tirar o envelope do bolso e extrair algumas notas para dar ao seu amigo delegado de condado.

Aquilo também fazia sentido.

— O que descobriram? — perguntou o coronel de verdade.

— Nada de registros — replicou John.

— É a forma como fazem negócios aqui. Há uma taxa de exportação para esses bicho, mas os tiras e os fiscais alfandegários geralmente têm um...

— Acordo — interrompeu John, franzindo a testa.

— A palavra é essa. Ei, o meu pai veio do Mississippi. Costumavam dizer lá que o mandato de xerife de condado era vitalício, sabia?

— Gaiolas — comentou Ding de repente.

— Hem? — exprimiu Clark.

— Não sacou, John? As gaiolas! Nós vimos gaiolas iguais em Teerã, no hangar da Força Aérea. — Ele se afastara das gaiolas para reproduzir o que vira em Mehrabad. O tamanho relativo e as proporções eram as mesmas. — Gaiolas ou engradados de galinha num hangar com aviões de caça, lembra?

— Puta merda!

— Mais um indicador, Sr. C. As coincidências estão acumulando, hermano.

Para onde vamos agora?

— Cartum.

— Já vi o filme.

 

A cobertura da imprensa prosseguiu. Cada emissora afiliada tornava-se mais Importante à medida que os correspondentes de nome ficavam presos em seus escritórios em Nova York, Washington, Chicago e Los Angeles, e os noticiários dedicavam a maior parte de seu tempo às imagens dos homens da Guarda Nacional nas principais rodovias interestaduais, bloqueando as estradas fisicamente com Hummers ou caminhonetes médias. Ninguém estava tentando realmente furar os bloqueios. Caminhões de alimentos e suprimentos médicos tinham a passagem permitida depois de serem inspecionados, e em um ou dois dias os motoristas seriam examinados em busca de anticorpos Ebola, e receberiam passes com fotos para poderem trafegar com mais eficácia. Os caminhoneiros estavam colaborando bem.

A situação era diferente com outros veículos e outras estradas. Embora a maior parte do tráfego interestadual percorresse as vias principais, não havia na União um único estado que não tivesse uma rede extensa de estradas secundárias que dessem nas estradas de estados vizinhos; assim, todas essas estradas também precisavam ser bloqueadas. Essa era uma tarefa que demandava tempo, e as redes estavam transmitindo entrevistas com pessoas que tinham atravessado como uma espécie de brincadeira, seguidas por comentários de como isso provava que a ordem presidencial era impossível de ser implementada completamente, além de ser errada, estúpida, inconstitucional.

— Simplesmente não é possível — declarou um especialista em transportes no jornal matutino.

Mas eles não contavam o fato de que os homens da Guarda Nacional viviam nos idos que protegiam, e sabiam ler mapas. Eles estavam ofendidos com a declaração de que eram idiotas. Na quarta-feira, por volta do meio-dia, havia um veículo em cada estrada, abarrotado por pessoas armadas com fuzis, seus trajes de proteção fazendo-os parecer marcianos (e marcianas, mas era impossível distinguir os sexos).

Nas estradas secundárias, se não nas principais, aconteciam conflitos.

Alguns eram comumente verbais — minha família está logo ali, pessoal, puxa, me deem uma chance, tá? Ocasionalmente a ordem presidencial era mantida com um pouco de bom senso, depois de uma checagem de identificação e uma chamada de rádio. Em outros casos, a ordem era mantida pela força. Algumas discussões esquentaram e, em dois casos, armas foram disparadas, sendo que numa das vezes um homem foi morto. Reportado rapidamente, o incidente era notícia nacional em duas horas, e mais uma vez os comentaristas questionavam a sabedoria da ordem presidencial. Um deles atribuiu a culpa da morte diretamente à Casa Branca.

Na maior parte, mesmo os mais determinados a atravessar a fronteira viam os homens uniformizados e armados e decidiam que não valia o risco.

O mesmo se aplicava às fronteiras nacionais. O Exército e a polícia do Canadá fecharam todas as fronteiras entre os dois países. Os cidadãos americanos no Canadá foram ordenados a se apresentar ao hospital mais próximo para exames, e ali eram detidos em quarentena, numa forma civilizada.

Algo parecido acontecia na Europa, embora ali o tratamento diferisse de um país para outro. Pela primeira vez, foi o exército mexicano que fechou a fronteira sul com os Estados Unidos, em cooperação com as autoridades norte-americanas, desta vez contra um tráfego que se movia principalmente para o sul Havia algum tráfego local em movimento. Os supermercados e as lojas permitiam a entrada de fregueses, principalmente em grupos pequenos, para adquirir bens essenciais. Nas farmácias, os estoques de máscaras cirúrgicas haviam esgotado. Muitos telefonavam para as lojas de ferramentas para adquirir máscaras protetoras feitas para outro usos, e a cobertura da TV ajudava nisso, dizendo às pessoas que essas máscaras, espargidas com desinfetantes caseiros, ofereciam proteção maior contra um vírus do que o equipamento de proteção do Exército. Mas, como era inevitável, algumas pessoas exageraram ao espargir os desinfetantes, e isso resultou em reações alérgicas, dificuldades respiratórias e algumas mortes.

Por todo o país, os médicos estavam incrivelmente atarefados. Logo foi percebido que os sintomas iniciais do Ebola eram parecidos com os da gripe, e todo médico tinha casos de pacientes que imaginavam estar com a doença.

Diferenciar os doentes dos hipocondríacos tornou-se logo a habilidade médica mais importante.

Contudo, apesar de tudo isso, as pessoas lidaram bem com a situação, assistindo seus televisores, olhando uns para os outros, e se questionando se haveria substância em todo aquele pânico.

 

Esse era o trabalho do CDC e do USAMRIID, auxiliados pelo FBI. Havia agora quinhentos casos confirmados, cada um deles relacionado direta ou indiretamente com 18 feiras de comércio. Isso concedeu-lhes referências de tempo. Também foram identificadas quatro outras feiras que não estavam relacionadas ao desenvolvimento de nenhum caso de Ebola. Os pavilhões das 22 feiras foram visitados por agentes do FBI, e em todos os casos o lixo já fora limpado havia muito tempo. Chegou-se a cogitar que o lixo dessas feiras poderia ser encontrado, mas o USAMRIID desanimou o FBI, argumentando que identificar o sistema de distribuição significaria comparar os conteúdos de milhares de toneladas de materiais, tarefa simplesmente impossível, e talvez até perigosa. Esse fato foi divulgado para os serviços de saúde de toda a nação, e em seguida chegou ao conhecimento global numa questão de horas. Não havia como deter essa informação, e, mesmo se fosse possível, não havia motivo para mantê-la em segredo.

 

— Bem, isso significa que todos estamos seguros — disse o general Diggs à sua equipe durante a reunião matutina.

O Forte Irwin era um dos quartéis mais isolados na América. Possuía apenas uma via de acesso, e essa estrada agora estava bloqueada por um Bradley.

A situação não era a mesma em outras bases militares; o problema era global. Um oficial graduado do Pentágono voara para a Alemanha para presidir uma conferência, e dois dias depois caiu doente, no processo infeccionando um médico e duas enfermeiras. A notícia abalou os aliados da OTAN, que instantaneamente puseram em quarentena acampamentos americanos que existiam desde a Segunda Guerra. As notícias também alcançaram instantaneamente a televisão mundial. O que era pior no Pentágono era que praticamente cada base tinha um caso, real ou suspeitado. O efeito no moral das unidades era terrível, e essa informação também era impossível de ocultar. As linhas telefônicas transatlânticas queimavam com preocupações veiculadas nas duas direções.

 

A situação em Washington também estava tensa. A força-tarefa incluía membros de todos os serviços de informação, mais FBI. O presidente concedera-lhes muito poder, e eles tencionavam usá-lo. O manifesto do jato Gulfstream pusera a situação num rumo novo e inesperado, mas isso era o normal em investigações.

Em Savannah, Geórgia, um agente do FBI bateu na porta do presidente da Gulfstream e deu-lhe uma máscara cirúrgica. A fábrica estava fechada, como a maioria das empresas americanas, mas essa ordem executiva seria distorcida hoje. O presidente da Gulfstream telefonou para seu chefe de segurança e chamou-o para reunir-se com ele, junto com o melhor piloto de testes da firma.

Seis agentes do FBI sentaram-se com eles para uma conversa longa. Isso logo evoluiu para uma convocação de conferência. O resultado imediato e mais importante foi a descoberta de que o gravador de voo da aeronave perdido não fora recuperado. Isso resultou num telefonema para o comandante do USS Radford, que contou que sua nau, agora no estaleiro, perseguira o avião perdido e vasculhara o mar em busca dos sinais de sonar da caixa preta, mas em vão. O oficial naval não podia explicar isso. O piloto de testes da Gulfstream explicou que se o avião se chocasse com a água mm força suficiente, o instrumento poderia quebrar, apesar de seu desenho robusto. Mas ele não tinha caído tão rápido, lembrou o comandante do Radford, e nenhum destroço também fora encontrado. Em seguida, o FAA e o NTSB foram convocados e instruídos a encontrar imediatamente os registros necessários.

Em Washington — o grupo de trabalho estava no edifício do FBI —, olhares foram trocados sobre as máscaras que todos estavam usando. Os integrantes da FAA na equipe levantaram as identidades da tripulação e analisaram suas qualificações. Foi descoberto que os dois pilotos eram ex-pilotos da Força Aérea do antigo Irã, treinados na América no final da década de 70. A partir daí foram obtidas fotos e impressões digitais. Mais dois pilotos, que voavam no mesmo tipo de aeronave para a mesma corporação suíça, possuíam treinamento semelhante, e o adido jurídico do FBI em Berna telefonou pan seus colegas suíços para requisitar que os entrevistassem.

— Muito bem — disse Dan Murray, iniciando seu resumo. — Temos uma enfermeira belga doente com uma colega e um médico iraniano. Eles voaram num avião registrado na Suíça que desapareceu sem vestígios. O avião pertencia a uma pequena empresa de importações. Poderemos averiguar a companhia bem rápido, mas já sabemos que a tripulação era iraniana.

— Isso parece estar seguindo uma determinada direção, Dan — disse Ed Foley. Nesse momento, um agente chegou com um fax para o diretor da CIA.

— Deem uma olhada nisso — disse Ed Foley, deslizando o papel sobre a mesa. Não era uma mensagem longa. e — Essa gente acha que é esperta pra cacete — disse Murray aos outros em torno da mesa. Ele passou o novo despacho pelos demais.

— Não os subestime — alertou Ed Foley. — Ainda não temos nada concreto.

O presidente não poderá tomar nenhuma espécie de ação até termos dados precisos.

E talvez nem então, prosseguiu a mente de Foley. Eles não podiam esquecer o que Chavez dissera antes de decolar. Diabos, não é que aquele moleque estava ficando esperto? Foley perguntou-se se devia aventar ali o que o garoto dissera. Havia assuntos mais prementes no momento, decidiu. Ele poderia discutir a questão com Murray em particular.

 

Chavez não se sentia esperto enquanto cochilava em sua poltrona de couro.

Era mais um pulinho de três horas até Cartum, e ele estava tendo sonhos adequados a situação. Já voara bastante como agente da CIA, mas mesmo num jato executivo, com todos os confortos e regalias, ficava entediado rápido. A menor pressão do ar significava menos oxigênio, e isso cansava os passageiros.

O ar estava seco, o que provocava a desidratação do corpo. Dormir com o ruído das turbinas era o mesmo que dormir numa tenda com insetos ao seu redor, zumbindo o tempo todo, sempre dispostos a sugar seu sangue.

Quem estava provocando tudo aquilo não podia ser tão inteligente assim.

Certo, um avião havia desaparecido com cinco pessoas a bordo, mas isso não era necessariamente um beco sem saída. HX-NJA, lembrou do documento alfandegário. Hum. Eles provavelmente tinham feito o registro porque estavam transportando pessoas, e não macacos HX para Suíça. Por que HX?, perguntou-se. H de Helvécia, talvez? Esse não nome antigo da Suíça? Algumas línguas ainda chamavam-na assim, não é mesmo? A língua alemã, talvez. NJA para identificar a aeronave em si. Eles usavam letras em vez de números porque permitiam mais variações, Por exemplo o avião que estavam usando tinha um código semelhante com um prefixo N, porque as aeronaves americanas usavam esse código de letra. NJA pensou com os olhos fechados. NJA. Ninja. Isso provocou um sorriso. A alcunha de seu antigo posto, no 1º Batalhão do 17°

Regimento de Infantaria. Somos os donos da noite! Sim, aqueles foram os bons tempos, correndo pelas colinas em Forte Ord e Hunter-Liggett. Mas a 7ª

Divisão de Infantaria (Leve) fora desmantelada, seus padrões arquivados, talvez para uso futuro... Ninja. Aquilo parecia importante. Por quê?

Abriu os olhos. Chavez se levantou, empertigou-se e caminhou para a frente. Ali acordou o piloto com quem Clark tivera aquela pequena desavença.

— Coronel?

— Que foi? — Apenas um olho abriu.

 

— Quanto custa uma dessas coisas?

— Mais do que qualquer um de nós pode pagar. — O olho fechou novamente.

— É sério.

— A partir de vinte milhões de dólares, dependendo da versão dos instrumentos de aviação. Se alguém faz um jato comercial melhor, eu não conheço.

— Obrigado.

Chavez retornou à sua poltrona. Não havia sentido em tentar dormir de novo. Ele sentiu o nariz do avião abaixar e ouviu as turbinas reduzirem seu som incômodo. Eles começaram a descer em Cartum. Eles seriam recebidos pelo chefe da estação local da CIA — ou melhor, corrigiu-se, pelo adido comercial.

Ou seria o adido político? O que fosse. Ele sabia que esta cidade não seria tão amistosa quanto as duas últimas.

 

O helicóptero pousou em Forte McHenry, perto da estátua de Orfeu que alguém decidira ser apropriada para honrar o nome de Francis Scott Key, pensou Ryan.

Um pensamento quase tão irrelevante quanto a ideia de Arnie para uma foto. Ele devia demonstrar que estava preocupado. Jack se perguntou por quê.

Será que as pessoas achavam que em momentos como este o presidente dava uma festa? Não fora Poe quem escrevera uma história em que isso acontecia? A Máscara da Morte Rubra? Mas aquela praga tinha chegado à festa, não tinha? O presidente esfregou o rosto. Dormir. Ele precisava dormir. Estava começando a pensar bobagens. Esses pensamentos apareciam como flashes de câmeras. Sua mente ficava cansada e era invadida por pensamentos aleatórios, e então você tentava expulsá-los e se concentrar no que era realmente importante.

Os Chevy Suburbans usuais estavam lá, mas não a limusine presidencial.

Ryan via viajaria no veículo mais evidentemente blindado. Havia alguns policiais por perto, muito sérios. Bem, todo mundo estava sério ali, por que não ele?

O próprio Jack estava usando uma máscara, e havia três câmeras de TV

para gravar o evento. Talvez aquilo fosse transmitido ao vivo. Ele não sabia, e mal olhou para as câmeras na caminhada curta até os carros. Entraram em movimento quase imediatamente, subindo a Fort Avenue, e em seguida virando para norte na Key Highway. Foram dez minutos rápidos através de ruas vazias, seguindo direto para o Johns Hopkins, onde o presidente e a primeira dama mostrariam para as câmeras o quanto estavam preocupados. Uma função de liderança, dissera-lhe Arnie, usando uma frase que ele certamente reconheceria como algo que deveria respeitar, gostasse ou não. E por pior que fosse difícil admitir, Arnie tinha razão. Ele era o presidente, e não podia isolar-se do povo — e mesmo que não pudesse fazer qualquer coisa útil para ajudar, eles o veriam preocupado. Era algo que fazia e não fazia sentido, tudo ao mesmo tempo.

O cortejo parou na entrada da Wolfe Street. Havia soldados ali, guardas do 175º Regimento de Infantaria, a Linha Maryland. O comandante local decidira que todos os hospitais deveriam ser protegidos, e Ryan supunha que essa era uma das coisas que fazia sentido. A segurança presidencial estava nervosa em tê-los por perto com fuzis carregados, mas eles eram soldados, e desarmá-los repercutiria mal nos jornais. Todos bateram continência, ainda que mascarados com seus trajes espaciais, fuzis pendurados nos ombros. Ninguém havia ameaçado o hospital. Talvez eles fossem o motivo, ou talvez fosse porque as pessoas estavam com muito medo. O medo era tanto que um tira contou a um agente secreto que a criminalidade caíra para quase zero nas ruas. Até mesmo os traficantes haviam desaparecido.

Não havia muita gente para ser vista naquela hora, mas todos estavam mascarados, e mesmo o saguão estava com um cheiro químico que não era comum. Será que aquelas medidas eram tão necessárias fisicamente, quanto eram psicologicamente?, ponderou Jack Mas aquele era precisamente o motivo de sua viagem.

— Oi, Dave — disse o presidente ao reitor. Estava usando avental cirúrgico em vez de terno e, como todo mundo, usava uma máscara. Luvas também. Os dois não apertaram as mãos.

— Presidente, obrigado por ter vindo.

Havia câmeras no saguão — elas haviam-no seguido desde lá fora. Antes que os jornalistas pudessem pedir uma declaração, Jack apontou e o reitor liderou o grupo em frente. Ryan supôs que aquilo pareceria uma reunião de negócios. Os agentes do Serviço Secreto seguiram na frente enquanto eles caminhavam até o elevador para o pavimento médico. As portas deslizaram para os lados, revelando um corredor repleto de gente. Ali havia muita gente e correria.

— Como está a contagem, Dave?

— Admitimos 34 pacientes. A área permite um total de 140... bem, pelo menos estava assim da última vez que chequei. Temos todo o espaço necessário por enquanto, e toda a equipe, também. Demos alta a cerca da metade dos nossos pacientes, aqueles que podíamos mandar para casa com segurança.

Todas as cirurgias planejadas foram canceladas por hora, mas estamos mantendo as atividades usuais. Quero dizer, bebês estão nascendo. Temos pacientes com doenças normais. Temos pacientes com doenças que requerem tratamento contínuo, mesmo não sendo epidêmicas.

— Onde está Cathy? — perguntou Ryan, enquanto o elevador seguinte chegava com uma única câmera cuja fita seria compartilhada por todas as emissoras. O hospital não queria, nem precisava, ficar repleto de pessoas estranhas, e embora os técnicos tivessem feito um pouco de barulho, os jornalistas estavam bastante silenciosos. Talvez fosse o cheiro antisséptico.

Talvez ele afetasse as pessoas da mesma forma que afetava os cães levados ao veterinário. Era, para todos, um cheiro de perigo.

— Por aqui. O senhor precisará vestir-se adequadamente.

O pavimento tinha um vestiário para médicos e um para enfermeiros.

Ambos estavam sendo usados. O aposento na extremidade mais distante era o quente, usado para que as pessoas se despissem e fossem descontaminadas. O aposento mais próximo supostamente era o seguro, usado pelas pessoas para se vestirem. Não havia tempo e espaço para delicadezas. Os agentes do Serviço Secreto entraram primeiro e viram uma mulher de sutiã e calcinha, pegando uma roupa plástica do seu tamanho. Ela não corou. Era a primeira vez que aquilo acontecia com ela.

— Coloque suas roupas ali — apontou a mulher. — Oh! — acrescentou, reconhecendo o presidente.

— Obrigado — disse Ryan, pegando seus sapatos e recebendo de Andréa um cabide. Price examinou rapidamente a mulher. Era evidente que ela não estava usando uma arma.

— Como estão as coisas? — perguntou Jack.

A mulher era enfermeira encarregada do pavimento. Ela não se virou para responder.

— Muito ruins. — Fez uma pausa por um segundo e decidiu virar-se. — Apreciamos o fato da sua esposa estar lá em cima conosco.

— Tentei convencê-la a não vir — admitiu Jack para ela. Ele não se sentia nem um pouco culpado por isso, e imaginou se deveria ou não.

— Meu marido fez o mesmo. — Ela se aproximou do presidente. — Veja, é assim que se coloca o capacete.

Ryan experimentou um breve momento de pânico. Era quase antinatural colocar um domo de plástico sobre a cabeça. A enfermeira leu seu rosto.

— Também odeio isso. Mas o senhor se acostuma.

Do outro lado da sala, o reitor James já tinha se trocado. Ele se aproximou para checar a roupa de proteção do presidente.

— O senhor está me escutando?

— Sim. — Jack estava suando, a despeito da unidade de ar-condicionado portátil levava em seu cinto.

O reitor virou-se para a equipe do Serviço Secreto.

— Daqui em diante, o patrão sou eu — disse a eles. — Não vou colocar o presidente um nenhum tipo de perigo, mas não temos roupas suficientes para todos vocês. Se permanecerem nos corredores, estarão seguros. Não toquem em nada. Não toquem nas paredes, nem no chão, em nada. Se alguém quiser passar com um carrinho, saiam da frente. Se não puderem sair da frente, caminhem até o final do corredor. Se virem algum tipo de recipiente plástico, fiquem longe dele. Entendido?

— Sim, senhor — disse Andrea.

Para variar, Andrea Price estava amedrontada, percebeu POTUS. Ele também. O impacto psicológico da situação era terrível. O Dr. James cutucou o ombro do presidente.

— Siga-me. Sei que é assustador, mas o senhor estará seguro dentro dessa coisa, nós acabamos nos acostumando, não é, Tisha?

A enfermeira virou-se, agora completamente vestida.

— Sim, doutor.

Você podia se ouvir respirando. A unidade portátil de ar-condicionado produzia um zumbido baixo, mas, de resto, tudo era silêncio. Ryan teve uma sensação assustadora de finamente enquanto caminhava atrás do reitor.

— Cathy está aqui. O médico abriu a porta. Ryan entrou.

Era uma criança, menino, oito ou nove anos, percebeu Jack. Duas figuras de azul cuidavam dele. Olhando-os por trás, Ryan não pôde distinguir qual era a sua esposa. O Dr. James levantou a mão, proibindo Ryan de dar outro passo.

Um dos dois estava tentando reiniciar uma intravenosa; não havia espaço para distrações. A criança estava gemendo, contorcendo-se na cama. Ryan não podia ver bem o menino, mas o que viu foi o bastante para revirar-lhe o estômago.

— Fique paradinho agora. Isto vai fazer você se sentir melhor.

Era a voz de Cathy; evidentemente era ela quem estava aplicando a agulha.

As outras duas mãos mantinham o braço do menino no lugar. — ...assim. Fita — acrescentou Cathy, levantando as mãos.

— Bom trabalho, doutora.

— Obrigada.

Cathy caminhou até a caixa eletrônica que controlava a morfina e apertou os números certos, certificando-se de que a máquina funcionaria apropriadamente. Feito isso, virou-se.

— Oh.

— Oi, querida.

— Jack, você não devia estar aqui — asseverou CIRURGIÃ.

— Quem devia?

 

— Acho que esse Dr. MacGregor é uma pista — disse-lhes o chefe de estação, dirigindo seu Chevy vermelho.

Seu nome era Frank Clayton, diplomado em Grambling, a quem Clark conheci i na Fazenda alguns anos antes.

— Então vamos vê-lo, Frank.

Clark olhou as horas, fez os cálculos, decidiu que eram duas da manhã.

Grunhiu. Sim, aquilo estava certo. A primeira parada fora na embaixada, onde tinham trocado de roupa. Uniformes militares americanos não eram vistos com bons olhos aqui. Na verdade, conforme alertou o chefe de estação, poucas coisas americanas eram bem-vistas aqui. Chavez notou que um carro os vinha seguindo desde o aeroporto.

— Não se preocupe. Nós o despistaremos na embaixada. Sabe, de vez em quando me pergunto se não foi um bom negócio quando meus antepassados foram sequestrados da África. Não conte a ninguém que eu disse isso, tá? O Alabama é o paraíso na terra comparado a este lado do mundo.

Parou o carro no estacionamento da embaixada e conduziu-os para dentro.

Um minuto depois, um dos seus homens saiu, deu a partida no Chevy e seguiu caminho. O carro que os perseguia foi com ele.

— Camisas — disse o oficial residente da CIA, estendendo as mãos. — Suponho que vocês possam ficar com as calças.

— Falou com MacGregor? — perguntou Clark.

— Pelo telefone, algumas horas atrás. Vamos até onde ele vive, e ele vai entrar no carro. Já escolhi um lugar bem calmo onde poderemos estacionar e conversar — disse-lhes Clayton.

— Ele corre algum perigo?

— Duvido. O pessoal daqui não é muito competente. Sei o que poderei fazer caso fossemos seguidos.

— Então vamos nessa, companheiro — disse John. — Estamos desperdiçando a noite.

A casa de MacGregor não era nada ruim, localizada num bairro muito usado pelos europeus, um lugar, segundo o chefe de estação, muito seguro. Ele pegou o telefone celular e digitou o número do bip do médico — havia um serviço local de telemensagens. Menos de um minuto mais tarde, a porta abriu e uma figura caminhou até o carro, entrou por trás e fechou a porta um segundo antes do veículo começar a andar.

— Isto é muito incomum para mim. — Era mais jovem que Chavez, John ficou surpreso em notar, e tinha um jeito mais tímido. — Quem são vocês exatamente, amigos?

— CIA —disse-lhe Clark.

— Não brinca!

— Não estamos brincando, doutor — disse Clayton do banco da frente.

Clayton olhou para o retrovisor. Não havia nenhum carro atrás deles. Só para ter certeza, dobrou na próxima esquerda, depois à direita, e então mais uma vez à esquerda.

— Vocês têm permissão de dizer isso às pessoas? — perguntou MacGregor enquanto o carro voltava para a rua principal. — Vocês precisam me matar agora?

— Doutor, deixe isso para os filmes, tá? — sugeriu Chavez. — A vida real não é, e se tivéssemos dito que somos do Departamento de Estado você não teria acreditado, teria?

— Vocês não parecem diplomatas — decidiu MacGregor. Clark virou-se no banco de trás.

— Senhor, obrigado por concordar em se encontrar conosco.

— O único motivo pelo qual fiz isso... bem, o governo local me forçou a ignorar os procedimentos normais para os dois casos.

— Certo. Em primeiro lugar, pode me contar tudo que sabe sobre eles? — perguntou John, ligando o gravador.

 

— Você parece cansada, Cathy.

Não que fosse muito fácil perceber isso por trás da máscara. Até mesmo a linguagem corporal de CIRURGIÃ estava disfarçada.

A primeira-dama olhou para o relógio de parede atrás do posto de enfermagem. Tecnicamente, seu expediente havia terminado. Ela jamais saberia que Arnie Van Damm se informara com o hospital de modo a tê-la ainda lá.

Isso teria deixado Cathy furiosa, que já estava zangada demais com o mundo.

— As crianças começaram a chegar esta tarde. Casos de segunda geração.

Aquele ali deve ter pegado do pai. Seu nome é Timothy. Está no terceiro ano primário. O pai está no andar de cima.

— O resto da família?

— O teste da mãe deu positivo. Eles a admitiram agora. Timothy tem uma irmã mais velha. Até agora, ela está limpa. Ela está esperando num outro prédio, reservado para as pessoas que foram expostas mas cujos testes deram negativo. Venha. Vou mostrar o resto do pavimento.

Um minuto depois, estavam na Sala 1, lar temporário do Caso índice.

Ryan pensou que devia estar imaginando o cheiro. Havia uma mancha escura nas roupas de cama que duas pessoas — enfermeiras, médicos, ele não tinha como saber — esforçavam-se para trocar. O homem estava semiconsciente, e lutando contra as amarras que prendiam seus braços às barras da cama. Os dois médicos estavam preocupados com isso, mas precisavam trocar os lençóis, que foram colocados num saco plástico.

— Os lençóis serão queimados — disse Cathy, pressionando seu capacete contra o do marido. — Nós já tomamos as precauções de segurança.

— Qual é o seu estado?

Ela apontou para a porta e seguiu Jack até o corredor. Uma vez lá, com a porta fechada atrás deles, Cathy cutucou o peito de Jack com um dedo zangado.

— Jack, jamais, jamais discuta o prognóstico de um paciente na frente dele, a não ser que seja bom. Jamais! — Depois de uma pausa, prosseguiu sem desculpar-se pela explosão: — Ele está há três dias com os sintomas.

— Alguma chance?

 

A cabeça de Cathy balançou dentro do capacete. Voltaram a caminhar pelo corredor, parando em mais alguns quartos nos quais a história era a mesma.

Infelizmente.

— Cathy? — Era a voz do reitor. — Seu expediente acabou. Fora — comandou.

— Onde está Alexandre? — perguntou Jack no caminho para a sala dos médicos.

— Ele ficou com o andar de cima. Dave ficou com este. Estávamos torcendo para Ralph Forster retornar para nos dar uma mão, mas não havia voos. — Então ela viu as câmeras. — Mas que diabos eles estão fazendo aqui?

— Venha.

Ryan conduziu a esposa até o vestiário. As roupas que ele usara no caminho para o hospital estavam embaladas em algum lugar. Ele se lavou na frente de três mulheres e um homem que não parecia nem um pouco interessado em olhar para as moças. Deixando a sala, caminhou até o elevador.

— Parem! — comandou uma voz de mulher. — Tem um caso vindo da sala de emergências! Usem as escadas.

Obedientemente, o Serviço Secreto fez precisamente isso. Ryan conduziu a esposa até o térreo, e dali saíram, ainda usando as máscaras.

— Como você está indo?

Antes que ela pudesse responder, uma voz gritou: — Presidente! — Dois soldados da Guarda Nacional puseram-se no caminho da repórter e do cameraman, mas Ryan gesticulou para que os deixassem passar. A dupla aproximou-se sob o escrutínio de homens armados, uniformizados e à paisana.

— Sim, o que é? — perguntou Ryan, baixando a máscara.

O jornalista empunhou o microfone com o braço totalmente esticado. Sob outras circunstancias, teria sido cômico. Todos estavam assustados.

— O que está fazendo aqui, senhor?

— Bem, acho que faz parte do meu trabalho saber o que está acontecendo.

Além disso, queria saber se Cathy estava bem.

— Sabemos que a primeira-dama está trabalhando lá em cima. Vocês estão tentando fazer uma declaração à nação... 9

— Sou médica! — disparou Cathy. — Todos estamos alternando turnos lá em cima. É o meu trabalho.

— A situação é muito ruim?

Ryan falou antes que Cathy pudesse explodir com eles.

— Veja, eu sei que vocês precisam fazer essa pergunta, mas já sabem a resposta. Essas pessoas estão extremamente doentes, e os médicos aqui, e em toda parte, estão dando o melhor de si. Está sendo difícil para Cathy e seus colegas. E realmente difícil para os pacientes e suas famílias.

— Dra. Ryan, o Ebola é realmente tão fatal quanto se tem dito? Ela assentiu.

— Sim, é uma doença terrível. Mas estamos fazendo tudo que é possível por essas pessoas.

— Alguns sugeriram que, sendo os prognósticos dos pacientes tão terríveis, e sua dor tão extrema...

— O que está sugerindo? Matá-los?

— Bem, se estão sofrendo tanto quanto todos estão dizendo...

— Não sou esse tipo de médico — replicou Cathy, o rosto vermelho. — Vamos salvar algumas dessas pessoas. Talvez possamos aprender um pouco mais com aquelas que salvarmos, e ninguém aprende nada desistindo. É por causa disso que médicos de verdade não matam pacientes! Qual é o seu problema? Aqueles pacientes são pessoas, e o meu trabalho é lutar por suas vidas... e não ouse me dizer como fazer isso! — Ela parou quando seu marido abraçou-a pelo ombro. — Desculpe. As coisas estão um pouco duras aqui.

— Vocês podem nos dar licença por alguns minutos? — perguntou Ryan. — Não nos falamos desde ontem. Vocês sabem, somos marido e mulher, exatamente como as pessoas de verdade.

— Sim, senhor.

Eles recuaram, mas mantiveram a câmera no presidente e na primeira-dama.

— Venha, querida.

Jack abraçou-a pela primeira vez depois de mais de um dia.

— Vamos perder todos eles, Jack. Cada um deles, começando amanhã ou depois de •manhã — sussurrou. Então começou a chorar.

— Sim. — Abaixou a cabeça para encostar sua testa com a de Cathy. — Sabe, você tem o direito de ser humana, doutora.

— Como eles acham que aprendemos alguma coisa? Oh, não podemos consertar, então deixemos que morram com dignidade. Vamos desistir. Não foi isso que aprendi aqui.

— Eu sei.

Ela fungou e enxugou os olhos na camisa de Jack.

— Certo, estou controlada de novo. Estou de folga por oito horas.

— Onde você vai dormir?

Um suspiro profundo. Um arrepio.

— Em Maumenee. Eles providenciaram alguns colchões. Bernie está lá em Nova York, ajudando na Columbia. Eles estão com uns duzentos casos lá.

— Você é de ferro, doutora — disse Jack, sorrindo para a esposa.

— Jack, se você descobrir quem fez isso conosco...

— Estamos trabalhando nisso — replicou POTUS.

 

— Conhece alguma dessas pessoas?

O chefe de estação estendeu algumas fotografias que ele mesmo havia batido. Ele recebeu também uma lanterna.

— Esse é Saleh! Quem era ele, exatamente? Ele não disse e eu nunca descobri.

— Todas essas pessoas são iraquianas. Quando seu governo ruiu, eles voaram para cá. Tenho um bolo de fotos. Tem certeza quanto a este?

— Absoluta. Cuidei dele por mais de uma semana. O pobre coitado morreu.

MacGregor olhou mais algumas fotos. — E esta parece a Sohaila. Ela sobreviveu, graças a Deus. Uma criança encantadora... e esse é o pai dela.

— Mas que merda é essa? — perguntou Chavez. — Ninguém nos disse nada disso.

— Na época estávamos na Fazenda, lembra?

— Está voltando a ser oficial de treinamento, John? — perguntou Frank Clayton — Bem, fui avisado e saí para bater as fotos. Eles chegaram de primeira classe, meu Deus, num Gulfstream velho e grande. Este aqui, estão vendo?

Clark olhou para a foto e grunhiu — o avião era quase um gêmeo daquele que estavam usando em sua viagem ao redor do mundo.

— Belas fotos.

— Obrigado, senhor.

— Deixe-me ver. — Clark pegou a foto e colocou-a sob a luz. — Ninja — sussurrou. — Puta que pariu... Ninja...

— Como?

— John, leia essas letras na cauda — disse Ding, em tom calmo.

— HX-NJA... meu Deus!

— Clayton, este telefone celular é seguro? — perguntou Chavez. O chefe de estação pressionou três dígitos no aparelho.

— É agora. Para onde quer ligar?

— Para Langley.

 

— Presidente, podemos falar com o senhor?

Jack assentiu.

— Sim, claro, venham. — Ele precisava caminhar um pouco e gesticulou para que seguissem. — Talvez eu deva me desculpar por Cathy. Ela geralmente não é assim. Ela uma boa médica — disse ESPADACHIM num tom cansado. — Todos eles lá estão mito estressados. Acho que a primeira coisa que aprendem lá é primum non nocere, em primeiro lugar, não faças mal. É uma bela regra.

Em todo caso, os últimos dias da minha esposa vêm sendo bem duros. Mas estamos todos no mesmo barco.

— E possível que tenha sido um ato deliberado, senhor?

— Não estamos muito certos, e não posso falar sobre isso até termos boas informações, de uma forma ou de outra.

 

— O senhor vem passando por uns maus bocados, presidente.

O repórter era local, e não parte da cena de Washington. Ele não sabia como falar com um presidente, ou pelo menos foi o que os outros pensaram. A despeito disso, esta pergunta estava sendo transmitida ao vivo pela NBC, embora nem mesmo o repórter soubesse.

— É, venho tendo sim., — Presidente, o senhor pode nos dar esperanças? Ryan virou-se ao ouvir isso.

— Para as pessoas que estão doentes, bem, as esperanças estão nas mãos dos médicos e enfermeiras. Eles são boa gente. Você pode ver isso aqui. Eles são lutadores, guerreiros. Estou muito orgulhoso de minha esposa e do que ela faz. Estou orgulhoso dela aqui. Eu lhe pedi que não fizesse isto. Achei que era egoísmo da minha parte, mas pedi do mesmo jeito. Algumas pessoas já tentaram matá-la, você sabe. Eu não me importo em correr perigos, mas minha mulher e meus filhos não deviam correr riscos. Nenhuma das pessoas doentes devia correr riscos. Mas essa doença apareceu, e agora precisamos nos esforçar para cuidar dos doentes e nos certificar de que as pessoas não adoeçam desnecessariamente. Sei que minha ordem executiva exigiu muito de muita gente, mas não poderia dormir sabendo que não fiz alguma coisa que pudesse salvar vidas. Queria que tivesse uma maneira mais fácil, mas, se havia, ninguém me disse qual era. Sabe, não basta dizer Não, eu não gosto disso . Isso é algo que qualquer um pode fazer. Olhe, estou muito cansado — disse Ryan, desviando os olhos da câmera. — Podemos parar por hoje?

— Sim, senhor. Obrigado, presidente. Claro.

Ryan virou as costas para eles e caminhou para sul, na verdade apenas perambulando, em direção as grandes garagens de estacionamento. Ali viu um homem fumando, um negro de cerca de quarenta anos, em desafio aos sinais que proibiam o vício nas cercanias do templo do aprendizado médico. POTUS caminhou até ele, alheio aos três agentes e soldados atrás dele.

— Me arranja um?

— Claro.

O homem nem mesmo levantou a cabeça para olhar enquanto se sentava na borda de urna jardineira de tijolos, fitando o concreto. Esticou o braço esquerdo o máximo que pôde e ofereceu o maço e um isqueiro. Por consentimento mudo, os dois não se sentaram próximos.

— Obrigado. — Ryan sentou-se a cerca de um metro e meio do homem, esticando a mão para pegar os objetos.

— Você também, amigo?

— Como assim?

— Minha mulher está lá. Pegou a doença. Ela trabalha com uma família.

Espécie de babá. Todos estão doentes. Agora ela está também.

— Minha mulher é médica. Ela está lá com eles.

 

— Não vai fazer diferença, amigo. Não vai fazer nenhuma diferença.

— Eu sei. — Ryan deu uma tragada longa e exalou a fumaça.

— Eles nem me deixaram entrar. Disseram que é perigoso demais. Pegaram o meu sangue, disseram para eu ficar por perto, não me deixaram fumar, não me deixaram vila. Deus do céu, amigo, como eles podem fazer uma coisa dessas?

— Se fosse você que estivesse doente, e soubesse que a sua esposa poderia contrair a doença de você, o que faria?

Ele assentiu com resignação zangada.

— Eu sei. Foi o que o médico disse. Ele tem razão. Eu sei. Mas isso não torna a coisa justa. — O homem fez uma pausa. — Falar ajuda.

— Sim, acho que sim.

— Uns filhos da puta fizeram isso... eles disseram na TV. Esses filhos da puta precisam pagar por isso.

Ryan não soube o que dizer. Outra pessoa disse: Andréa Price: — Presidente? O diretor da CIA está no telefone.

Isso fez o homem levantar a cabeça. Ele olhou para Ryan à luz amarelo-dourada — Você é ele.

— Sim, senhor — respondeu Jack.

— Disse que a sua mulher está trabalhando lá? Um aceno. Um suspiro.

— Sim. Ela trabalha lá há 15 anos. Vim vê-la e verificar como está a situação. Sinto muito...

— O que quer dizer?

— Eles não deixaram você entrar, mas a mim deixaram. Ele sorriu.

— Então precisava ver, hem? Foi uma barra o que aconteceu com a sua menina na semana passada. Ela está bem?

— Sim, está ótima. Naquela idade... bem, você sabe como é.

— Bom. Ei, obrigado por falar comigo.

— Valeu pelo cigarro — disse o presidente, levantando e caminhando até a agente Price. Pegou o telefone. — Ed, é Jack.

— Presidente, precisamos do senhor de volta. Temos uma coisa que precisa ver — disse-lhe Ed Foley. Ele se perguntou como explicaria que a prova estava pendurada na parede de uma sala de conferências no quartel-general da CIA.

— Dê-me uma hora, Ed.

— Sim, senhor. Estamos nos organizando agora.

Jack pressionou o botão END no telefone e o devolveu a Andréa.

— Vamos andando.


53

SNIE

Antes de voar para casa, todos tiveram de ser descontaminados. Dessa vez o Hopkins tinha montado uma sala grande com separação de sexos. A água estava quente, com cheiro de substâncias químicas, mas o odor concedeu a Ryan uma sensação de segurança. Em seguida, colocou um novo avental. Ele já usara aventais desse tipo antes, ao comparecer aos nascimentos de seus filhos.

Conotações felizes. Não mais, pensou Ryan, enquanto caminhava até o Suburban para a viagem de volta para Forte McHem e para o passeio de helicóptero de volta à Casa Branca. Pelo menos o banho o animara. Talvez o ânimo até durasse algumas horas, pensou POTUS, enquanto o VH-3 decolava e seguia para sudeste. Se ele tivesse sorte.

 

Foi o desempenho mais insípido na história do Centro Nacional de Treinamento Os soldados do 11° RCB e os pilotos de tanques da Guarda Nacional da Carolina tinham feito uma besteira atrás da outra durante cinco horas, mal executando os plainos que ambos acertaram previamente. O replay na Sala Guerra nas Estrelas mostrou casos nos quais tanques estiveram a menos de mil metros separados uns dos outros e perfeitamente a vista, e mesmo assim não tinham trocado disparos. Nada funcionara em nenhum dos dois lados, e o conflito simulado não chegara realmente a uma conclusão, mas foi interrompido por anuência apática. Imediatamente antes da meia-noite, as unidades entraram em formação para o trajeto de volta até suas respectivas bases, e os altos oficiais foram para a casa do general Diggs, na colina.

— Oi, Nick — disse o coronel Hamm.

— Oi, Al — replicou o coronel Eddington, mais ou menos no mesmo tom de voz — E que porra foi aquela? — inquiriu Diggs.

— Os homens estão sem harmonia, senhor — replicou primeiro o oficial da Guarda Nacional. — Estamos todos preocupados com os nossos em casa.

Estamos a salvo aqui. Eles estão em perigo lá. Não posso culpá-los por estarem distraídos, general. Eles são humanos.

— O melhor que posso dizer é que nossas famílias imediatas parecem a salvo, general — concordou Hamm com seu camarada em armas mais velho. — Mas todos temos família lá em casa.

 

— Certo, cavalheiros, todos temos motivo para estar preocupados. Também não gosto do que está acontecendo. Mas o trabalho de vocês é liderar o seu pessoal, e isso significa liderar. Puta que pariu! Caso os dois chefes guerreiros não tenham notado ainda, a porra inteira do Exército dos Estados Unidos está preso por essa epidemia... menos a gente! Querem pensar um pouco nisso, coronéis? Ninguém nunca me disse que o ofício do soldado era moleza, e nem em sonho o comando, mas é o trabalho que temos, e se vocês não conseguem fazê-lo, bem, há outros que podem.

— Senhor, isso não vai dar certo. Não há ninguém para ajudar a gente — frisou Hamm.

— Coronel...

— O homem está certo, Diggs — comentou Eddington. — Algumas coisas são normais. Há um inimigo lá fora contra o qual não podemos lutar. Nosso pessoal vai aparecer assim que tiver uma chance, e talvez traga boas notícias para variar. Vamos, general, pense bem nisso. O senhor conhece história. Aqueles homens lá fora são pessoas. São soldados, mas antes de tudo são pessoas. Eles estão abalados. E eu também, Diggs.

— Eu também sei que não existem regimentos ruins, apenas coronéis ruins — redarguiu Diggs, com um dos melhores aforismos de Napoleão, mas nenhum dos dois coronéis se animou. Deus, isso era realmente ruim.

 

— Como está a situação? — perguntou van Damm.

— Horrível — replicou Ryan. — Vi seis ou sete pessoas que vão morrer. Um deles é urna criança. Cathy disse que haverá outros.

— Como ela está indo?

— Estressada, mas aguentando firme. Ela disse a um repórter o que ele merecia ouvir.

— Eu sei. Vi na TV — informou o chefe de gabinete.

— Já?

— Foi ao vivo. — Arnie conseguiu sorrir. — Vocês estavam ótimos.

Preocupados. Sinceros pra cacete. Você disse coisas bonitas sobre a sua esposa.

Até se desculpou pelo que ela disse... realmente bom, Patrão, especialmente porque ela estava maravilhosa. Intensa. Exatamente como todo mundo espera que um médico seja.

— Arnie, aquilo não era teatro. Ryan estava cansado demais para ficar zangado. Para sua decepção, o efeito revigorante do chuveiro já havia desaparecido.

— Não, aquilo foi liderança. Algum dia você aprenderá que... merda, talvez não. Apenas continue fazendo o que está fazendo, certo? — aconselhou Arnie. — Você faz sem saber, Jack. Simplesmente procure não pensar nisso.

 

A NBC compartilhou sua fita com o mundo inteiro. Por mais competitivo que o ramo noticioso possuía uma consciência de responsabilidade pública em uma hora, a fita da breve conversa com o presidente estava sendo exibida por todas as emissoras do mundo. Ela estivera certa desde o primeiro instante, disse a primeira-ministra para os seus botões. O presidente americano não sabia onde estava pisando. Ele nem mesmo era capaz de aparecer empertigado. Balbuciava as palavras. Deixava sua esposa falar por ele — e ela era histérica, emotiva, fraca. A época da América como uma grande potência estava chegando ao fim, porque o país carecia de uma liderança poderosa. Ela não sabia o que causara essa praga, mas era fácil presumir. A URI, obviamente, estava por traz disso.

Por que mais eles teriam convocado aquela reunião na China ocidental? Com sua frota no mar protegendo as naus que se aproximavam do Golfo Pérsico, a primeira-ministra estava fazendo sua parte. Tinha certeza de que seria recompensada no devido tempo.

— O seu presidente está abatido — disse Zhang. — É compreensível.

— Uma grande calamidade. Vocês têm nossa mais profunda simpatia — acrescentou o ministro das Relações Exteriores. Os três, mais o tradutor, também haviam assistido à fita.

Adler demorara a absorver as notícias sobre a epidemia, mas agora não conseguia, pensar em outra coisa. Contudo, precisava colocar isso de lado.

— Nossa província distante concordou com nossa exigência de ressarcimento inquiriu o ministro das Relações Exteriores.

— Infelizmente não. Eles assumem a posição de que o incidente inteiro foi resultado de suas manobras estendidas. Visto de modo abstrato, esse ponto de vista não é totalmente desprovido de mérito — disse-lhes o secretário de Estado com toda sua conversa diplomática.

— Mas a situação não é abstrata. Estamos conduzindo exercícios pacíficos.

Um dos seus pilotos julgou adequado atacar nossa aeronave, e no processo outro de seus aviadores ignóbeis destruiu um avião de passageiros. Quem pode dizer se foi acidente ou não.

— Será que não foi acidente? — perguntou Adler. — Que propósito poderia havei por trás de um ato dessa natureza?

— Com esses bandidos, quem pode dizer? — redarguiu o primeiro-ministro, colocando um pouco mais de lenha na fogueira.

 

Ed e Mary Pat Foley chegaram juntos. Ed estava carregando um pôster embalado ou algo parecido. Jack notou isso enquanto se sentava na Sala do Gabinete, ainda usando o avental cirúrgico com o nome do Hopkins bordado.

Em seguida chegou Murray trazendo o inspetor O’Day a reboque. Ryan levantou-se para falar com ele.

— Eu lhe devo uma. Desculpe não ter podido falar com você mais cedo.

Jack apertou a mão de O’Day.

— Aquilo foi moleza, comparado com isto — disse Pat. — E minha menininha também estava lá. Mas, sim, estou feliz por ter estado lá. Não terei pesadelos com aquele tiro. — Ele se virou. — Oh, oi, Andréa.

Price sorriu pela primeira vez no dia.

— Como está a sua filha, Pat?

— Em casa com a babá. As duas estão bem — assegurou-lhe.

— Presidente? — Era Goodley. — As coisas estão quentes.

— Certo. Então, podemos começar a pôr a mão na massa? Quem começa?

— Eu — disse o diretor da CIA, deslizando uma folha de papel sobre a mesa.

— Tome.

Ryan pegou a folha e correu os olhos pelo texto. Era algum tipo de formulário oficial, e todas as palavras estavam em francês.

— O que é isto?

— É o relatório dos departamentos de imigração e alfândega para o nosso avião. Dê uma olhada na lacuna de identificação, no topo à esquerda.

— HX-NJA. Certo, e daí? — perguntou ESPADACHIM. Seu chefe de gabinete estava sentado ao lado, batendo o pé ritmicamente no chão. Ele sentiu a tensão que os executivos haviam trazido à sala.

A ampliação da foto de Chavez no aeroporto de Mehrabad era na verdade maior que um pôster, e inicialmente fora impresso como uma piada. Mary Pat desenrolou a ampliação e estendeu-a sobre a mesa. Duas valises foram usadas para impedir que o papel se enrolasse de novo.

— Dê uma olhada na cauda — aconselhou a DDO.

— HX-NJA. Não tenho tempo para brincar de Agatha Christie, pessoal — avisou o presidente.

— Não se preocupe, presidente. — Era Dan Murray. — Vou guiá-lo nesta situação. Antes de mais nada, deixe-me dizer que essa foto constitui uma prova que eu poderia apresentar num tribunal e ganhar um caso. O formulário alfandegário identifica um jato comercial, um Gulfstream G-IV pertencente a essa corporação baseada na Suíça. — a folha de papel foi passada de mão em mão em torno da mesa de conferências. — Foi pilotada por esta tripulação. — Duas fotos e cartões de impressões digitais. — Deixou o Zaire com três passageiros. Dois eram freiras, irmã Jean Baptiste e irmã Maria Magdalena.

Ambas eram enfermeiras num hospital católico de lá. A irmã Jean tratou de Benedict Mkusa, um menininho que contraiu o Ebola e morreu disso. Por algum motivo, a irmã Jean contraiu também, e o terceiro passageiro, o Dr.

Mohammed Moudi... ainda não temos uma foto dele, mas estamos trabalhando nisso... decidiu levar a paciente para tratamento em Paris. A irmã Maria acompanhou-os. O Dr. Moudi é um iraniano que trabalha com a Organização Mundial de Saúde. Ele disse à freira que ela teria uma chance lá e que poderia conseguir um jato particular para levá-la. Está me acompanhando até agora?

— E este é o jato.

— Correto, presidente. Este é o jato. Com exceção de uma coisa. Este jato supostamente colidiu com o mar depois de uma parada de reabastecimento na Líbia. Temos uma tonelada de papeladas sobre isso. Exceto por uma coisa. — Ele cutucou o pôster novamente. — Esta foto foi tirada por Domingo Chavez...

— O senhor o conhece — lembrou Mary Pat.

— Prossiga. Quando Ding bateu a foto?

— Semana passada, quando Clark e Chavez acompanharam o secretário Adler a Teerã.

— O avião foi declarado perdido algum tempo antes disso. Seu sinal de emergência foi rastreado por um de nossos destróieres. Porém, não foi achado nenhum vestígio — prosseguiu Murray. — Ed?

— Quando o Iraque ruiu, o Irã permitiu que alguns líderes militares escapassem Todos tinham paraquedas de ouro. Nosso amigo Daryaei deixou-os saltar do avião.

até forneceu transporte, certo? Isto começou um dia depois do desaparecimento do avião — disse-lhes Foley. — Eles voaram para Cartum, no Sudão. Nosso chefe de estação lá Frank Clayton. Ele foi até o aeroporto e bateu as fotos para confirmar nossas informações.

O diretor da CIA deslizou os documentos sobre a mesa.

— Parece o mesmo avião, mas e se alguém simplesmente mudou os números, i letras, o que seja? — perguntou Ryan.

— Indicador seguinte — disse Murray. — Houve dois casos de Ebola em Cartun — Há algumas horas, Clark e Chavez conversaram com o médico que cuidou desses casos — acrescentou Mary Pat.

— Os dois pacientes voaram nesse avião. Temos fotos deles decolando — disse . diretor do FBI. — Assim, temos um avião com uma pessoa doente a bordo. A aeronave desaparece... mas aparece de novo mais ou menos 24 horas depois em outro lugar, e dois dos passageiros acabam com a mesma doença da freira. Os passageiros vieram do Iraque, via Irã, para o Sudão.

— A quem pertence o avião? — perguntou Arnie.

— A uma corporação. Dentro de algumas horas, receberemos mais detalhes da Suíça. Mas a tripulação é iraniana. Temos informações sobre eles porque eles aprenderam como voar aqui — explicou Murray. — E, finalmente, temos nosso amigo Daryaei aqui no mesmo avião. Parece que o aparelho foi retirado de serviço internacional. Talvez Daryaei o esteja usando agora para viajar pelo seu país. Portanto, presidente, temos a doença no avião e o proprietário; tudo relacionado. Amanhã trabalharemos com a Gulfstream para ver se o avião possui alguma característica exclusiva pelo qual possa ser identificado, além do código de registro. Conseguiremos com a Suíça informações sobre o proprietário diários de bordo do resto de sua frota.

— Agora sabemos quem fez isso — concluiu Murray.—É difícil romper esta cadeia de provas.

— Há mais detalhes para averiguar — disse Mary Pat. — Levantar dados desse Dr. Moudi. Pesquisar algumas remessas de macacos... eles usam macacos para estudar a doença. Como eles encenaram a queda do avião... Acreditam que os desgraçados até cobraram o seguro?

— Vamos suspender esta reunião por um momento. Andréa?

— Sim, presidente?

— Convoque o secretário Bretano e o almirante Jackson.

— Sim, senhor — disse Andréa e saiu da sala.

Ed Foley esperou a porta se fechar atrás dela.

— Hã... Presidente?

— Sim, Ed?

— Há mais uma coisa. Ainda não contei isto a Dan. Nós agora sabemos que a URI... ou seja, nosso amigo Mahmoud Haji Daryaei... está por trás disto.

Chavez aventou uma coisa antes dele e John partirem. O outro lado provavelmente esperava que seguíssemos m pistas até eles. E praticamente impossível alcançar segurança operacional para algo desse tipo.

— E então?

— E então duas coisas, Jack. Primeira: seja o que for que estiverem planejando, eles consideram que é irreversível, e portanto não importa que descubramos ou não. Segunda: é bom lembrar como eles derrubaram o Iraque.

Eles tinham alguém o tempo todo lá dentro.

Aquelas eram duas considerações bastante sérias. Ryan começou a ponderar sobre a primeira. A cabeça de Dan Murray voltou-se para seu inspetor itinerante enquanto eles trocavam olhares sobre a segunda.

— Meu Deus, Ed — disse o diretor do FBI um momento depois.

— Pense bem, Dan — disse o diretor da CIA. — Nós temos um presidente.

Temos um Senado. Temos um terço do Congresso. Ainda não temos um vice-presidente. A sucessão presidencial ainda está incerta, não há figuras políticas realmente poderosas, e o primeiro escalão do governo ainda está verde.

Acrescente esta epidemia, que deixou o país dividido em núcleos isolados. Para quase qualquer observador externo, nós parecemos fracos e vulneráveis.

Ryan levantou os olhos enquanto Andréa voltava.

— Espere um minuto. Eles fizeram um atentado contra Katie. Por que isso se eles me querem fora do caminho?

— Do que os senhores estão falando? — perguntou Price.

 

— O outro lado demonstrou uma capacidade assustadora — esclareceu Foley. — primeiro, infiltraram alguém na segurança do presidente iraquiano e o mataram. Depois a operação da semana passada, que foi conduzida por um agente adormecido que esteve aqui por mais de uma década e que durante esse tempo todo não fez nada, mas, quando acordou, ainda era fiel o bastante para auxiliar um atentado contra uma criança.

Murray precisou concordar com isso: — Isso também nos ocorreu. A Divisão de Informação está pensando sobre isso agora.

— Espere um pouco — objetou Andréa. — Eu conheço cada pessoa na segurança presidencial. Pelo amor de Deus, perdemos cinco deles defendendo CHOCALHO!

— Agente Price — disse Mary Pat Foley. — Você sabe quantas vezes gente da CIA foi morta por pessoas que todos conhecíamos... pessoas que eu conhecia.

Droga, perdi agentes para um desses malditos agentes duplos. Eu conhecia eles, e eu conhecia o tipo que os traiu. Não me fale sobre paranoia. Estamos aqui contra um inimigo muito mau. E tudo que o outro lado precisa é de um agente.

Murray assobiou quando o argumento assumiu forma plena. Durante as últimas horas, sua mente correra numa direção. Agora ela estava correndo em outra.

— Sra. Foley, eu...

— Isto não é pessoal, Andréa — disse o inspetor O’Day. — Respire um pouco e pense sobre isso. Se você tivesse os recursos de uma nação-Estado, se fosse paciente e se dispusesse de pessoas realmente fiéis, como faria isso?

— Como eles ferraram o Iraque? — disse Ed Foley, assumindo o comando da discussão. — Você teria pensado que aquilo era possível?

O presidente olhou em torno. Fabuloso, agora eles estão me dizendo para não confiar no Serviço Secreto.

— Tudo faz sentido se você pensar como o outro sujeito — disse-lhes Mary Pat. — Faz parte de sua tradição, lembram?

— Certo, mas o que faremos sobre isso? — perguntou Andréa, o rosto francamente estarrecido diante da possibilidade.

— Pat, você tem um novo posto — disse Murray ao seu subordinado. — Com permissão do presidente, claro.

— Concedida — disse POTUS.

— Regras? — questionou O’Day.

— Nenhuma, absolutamente nenhuma — disse-lhe Price.

 

Era quase meio-dia na União Republicana do Islã. A manutenção estava correndo bem nas seis divisões pesadas baseadas na parte centro-sul do país.

 

Quase todas as esteiras dos veículos de batalha haviam sido substituídas. Um espírito de competição saudável nascera entre as divisões do antigo Iraque e aquelas trazidas do Irã. Com seus veículos restaurados a pleno funcionamento, os soldados trouxeram munição para abastecer completamente todos os tanques T-80 e transportes de infantaria BMP.

Os comandantes de batalhão observaram com satisfação o resultado de seu exercício de treinamento. Seus recém-adquiridos localizadores GPS haviam funcionado como mágica, e agora os iraquianos compreendiam um dos motivos para terem sofrido tanto nas mãos dos americanos em 1991. Com o GPS, ninguém precisava de estradas. A cultura árabe há muito chamava o deserto de mar, e agora eles podiam navegá-lo como marinheiros, movendo-se de ponto a ponto com uma confiança que jamais haviam conhecido.

Os oficiais das corporações e das divisões sabiam por que isso era tão importam Eles tinham acabado de receber mapas novos, e com eles uma nova missão. Também haviam descoberto que sua força motorizada de três corporações possuía um nome, Exército de Deus. Até o dia seguinte, os comandantes de subunidades seriam instruídos sobre isso, e muitas outras coisas.

 

Levou uma hora para eles chegarem. O almirante Jackson estivera dormindo em seu escritório, mas o secretário Bretano fora para casa depois de uma manhã revisando destacamentos dentro do país. Ao chegar, viram que o protocolo de vestuário da Casa Branca fora relaxado. O presidente, também com olhos injetados, estava usando roupas de médico.

Dan Murray e Ed Foley resumiram o que fora dito na reunião.

Jackson aceitou bem: — Ótimo. Agora sabemos quem estamos enfrentando. Mas Bretano não: — Isso é um ato aberto de guerra!

— Mas nós não somos o objetivo — disse-lhe o diretor da CIA. — É a Arábia Saudita e todos os Estados do Golfo. É a única coisa que faz sentido. O aiatolá acha que pode conseguir tomar esses Estados, nós não poderemos fazer uma investida nuclear contra ele; isso acabaria com todo o petróleo disponível para o mundo. — O diretor da CIA estava quase certo, mas não completamente.

— E ele está com a Índia e a China no bolso — prosseguiu Robby Jackson. — Eles então apenas gerando interferência, mas isso é boa interferência. O Ike está no lugar errado. Os indianos estão com seus porta-aviões bloqueando os estreitos de Hormüz. Não podemos penetrar com os navios MPS sem cobertura aérea. Zap, ele colocou três Brigadas em movimento. Os sauditas lutarão, mas estão em desvantagem numérica. Estará acabado em uma semana, talvez menos. Não é um conceito operacional ruim — concluiu o J-3.

 

— O ataque biológico também foi muito sagaz. Acho que eles conseguiram mais do que pretendiam. Praticamente cada base e unidade que possuímos está fora de ação no momento — observou o secretário de Defesa, assumindo rapidamente o aspecto operacional.

— Presidente, quando eu era menino no Mississippi, lembro que havia um ditado que dizia: Quando você vir um cão raivoso, não mate o coitadinho... jogue-o no quintal de alguém. Acredita que um espírito de porco realmente fez isso com a gente, só porque meu pai era um defensor do registro de eleitores?

— O que vocês fizeram, Rob?

— Papai atraiu o cachorro para fora da casa com seu rabo de raposa e continuou defendendo seus ideais — replicou o almirante Jackson. — Se vamos agir, precisaremos agir depressa. O problema é: com o quê?

— Quanto tempo os navios MPS levarão para chegar à Arábia Saudita?

— Pouco menos de três dias, mas há alguém no caminho. O Comando do Atlântico enviou ordens para esse grupo de superfície descer por Suez, e eles podem chegar ao estreito a tempo, mas primeiro teremos de fazer aqueles cargueiros de tanques passarem pelos indianos. Esses quatro barcos são escoltados por um cruzador, dois submarinos e duas fragatas, e se os perdermos estaremos com problemas; o fornecedor mais próximo fica em Savannah, senhor.

— O que temos armazenado na Arábia Saudita? — perguntou Ben Goodley.

— O suficiente para uma brigada pesada. O mesmo no Kuwait. O terceiro conjunto de brigadas está no mar e parado na zona de perigo.

— O Kuwait é o primeiro na fila — disse o presidente. — O que podemos levar até lá?

— Se for extremamente necessário, podemos enviar o 10° ACR de Israel para se juntar ao grupo POMCUS ao sul da cidade de Al Kuwait. Podemos fazer isso em 24 horas. Os kuwaitianos cuidarão do transporte. Eles têm um acordo silencioso com Israel sobre isso. Nós intermediamos esse acordo — disse Robby...” — O plano é chamado: AVANTE BÚFALO.

— Alguém acha que isso é má ideia? — perguntou Jack.

— Um regimento armado de divisão blindada... não acho que seja suficiente para detê-los, senhor — disse Goodley.

— O homem tem razão — concordou o J-3.

Ryan olhou em torno. Saber era uma coisa. Ser capaz de agir era outra bem diferente. Ele poderia ordenar um ataque estratégico ao Irã. Ele tinha bombardeiros Stealth 2A na Base da Força Aérea de Whiteman, e com as informações que recebera nas últimas duas horas, obter CINC-STRIKE para validar a ordem sob a regra dos dois homens não seria problemático. Os Spirits, como eram chamados os B-2s, poderiam chegar em menos de 18 horas e transformariam aquela nação numa ruína enfumaçada e venenosa.

Mas ele não poderia fazer isso. Mesmo se fosse obrigado, provavelmente não poderia. Embora os presidentes americanos já tivessem enfrentado repetidas vezes a necessidade de contar ao mundo que, sim, nós iremos lançar nossos mísseis e bombardear for preciso, esse era um dever que Ryan esperava jamais realizar. Mesmo nesse ataque a seu país, o uso de armas de destruição em massa — para a América, o equivalente armas nucleares — tinha sido fruto da decisão de um só homem, e realizado por poucos. Seria Ryan capaz de responder devastando cidades inteiras, matando pessoas como Daryaei fizera, porque o outro cara tinha agido primeiro? E depois viver consigo mesmo?

Precisava haver algo melhor, alguma outra alternativa. Como, por exemplo, matar Daryaei.

— Ed?

— Sim, presidente?

— Onde Clark e Chavez estão neste momento?

— Em Cartum, ainda aguardando instruções.

— Acha que eles conseguem entrar em Teerã novamente?

— Não será fácil, senhor. — Ele se virou para a esposa.

— Os russos nos ajudaram no passado. Posso perguntar. Qual seria sua missão?

— Primeiro descubra se eles conseguiriam entrar. Enquanto isso pensaremos na missão. Robby?

— Sim, presidente? “

— Mova o 10º Regimento imediatamente para o Kuwait. Jackson respirou fundo, uma expressão cética no rosto.

— Sim, senhor

 

Houve um passo intermediário para obter a aprovação do governo do Kuwait. O embaixador encarregou-se disso. Acabou revelando-se uma tarefa não muito difícil. O major Sabah mantivera seu governo informado sobre as manobras em seu novo vizinho ao norte, e as fotos de satélite da troca de esteiras dos tanques da URI deram o toque final. Com seu próprio Exército plenamente ativado, o governo kuwaitiano envio um telex um pedido formal para que a América iniciasse um exercício de treinamento estendido na parte oriental de sua nação. Isso aconteceu depressa. Os regentes da pequena nação tinham lembranças frescas de enganos anteriores. Sua única exigência foi que as manobras fossem realizadas secretamente, e a América não objetou. Dentro de quatro horas, os aviões novos da linha aérea nacional começaram a decolar, seguindo para sudeste sobre a Arábia Saudita, e mais tarde dobraram ao norte, até o Golfo de Acaba.

A ordem foi emitida pelo Comando de Treinamento e Doutrina, que administrativamente possuía a 10º RCB, sendo tecnicamente uma instituição de treinamento. A maioria das outras unidades pertenciam ao Comando de Forças, FORCECOM. A ordem de manobras de emergência foi emitida por prioridade CRÍTICA para o coronel Sean Magruder. Ele tinha cerca de cinco mil pessoas para mover, e isso requereria vinte jumbos. A rota sinuosa percorreria uma distância de dois mil quilômetros e três horas em cada direção, com uma parada de uma hora nos dois destinos. Mas tudo isso fora bem planejado, e a redução das viagens aéreas internacionais disponibilizara mais aeronaves do que havia sido antecipado pelo plano AVANTE BÚFALO. Até os israelenses cooperaram. Os pilotos dos jumbos kuwaitianos tiveram a experiência singular de ver caças F-15 com a Estrela de Davi azul escoltando-os ao chegarem à grande base da Força Aérea israelense no Neguev.

O primeiro grupo consistiu em oficiais e um grupo de segurança para suplementar a guarda kuwaitiana no sítio POMCUS. O sítio era um grupo de armazéns que continha o equipamento completo de uma brigada pesada, que era exatamente onde estava o MCB. O equipamento era mantido zelosamente por particulares, muito bem pagos pelos kuwaitianos.

A segunda aeronave tinha a Tropa A, 1º do 10°. Ônibus levaram-nos sob o sol do fim da tarde até seus veículos, que em cada caso pegou prontamente, estando completamente abastecido de combustível e munição. Uma tropa do 1°

Esquadrão Guidon moveu-se sob os olhos vigilantes de seu comandante de esquadrão, o tenente-coronel Duke Masterman. Ele tinha família na área da Filadélfia, e sabia somar dois mais dois. Alguma coisa muito ruim estava acontecendo em seu país, e o AVANTE BÚFALO fora ativado de repente. Para ele e seus soldados isso não seria problema, decidiu o tenente-coronel.

Magruder e sua equipe também observavam. Ele até mesmo insistira que o grupo de comando levasse o estandarte do RCB.

 

— Foleyeva, é tão ruim assim? — perguntou Golovko, referindo-se à epidemia. Estavam falando em russo. Embora seu inglês fosse praticamente perfeito, a oficial da CIA falava sua linguagem nativa com uma elegância poética aprendida com seu avô.

— Não sabemos, Sergey Nikolayevitch, e tenho cuidado de outros assuntos.

— Ivan Emmetovich está suportando bem?

— O que o senhor acha? Eu sei que o senhor assistiu à entrevista pela TV há algumas horas.

— Homem interessante, o seu presidente. Tão fácil de subestimar. Eu mesmo já fiz isso.

— E Daryaei?

— Formidável, mas um bárbaro inculto. — Mary Pat quase pôde ouvir o homem cuspir.

 

— Concordo.

— Diga a Ivan Emmetovich para analisar bem o cenário, Foleyeva — sugeriu Golovko. — Sim, nós vamos cooperar—acrescentou, respondendo a uma pergunta que ainda não fora formulada. — Completamente.

— Spasiba. Voltarei a entrar em contato com o senhor. — Mary Pat olhou para o marido. — Não há como não amar esse sujeito.

— Espero que ele esteja do nosso lado — observou o diretor da CIA.

— Ele está, Ed.

 

O cachorro tinha parado de latir, notaram os homens em STORM TRACK.

As três corporações que eles estavam tentando observar tinham parado de usar seus rádios por volta do meio-dia. Zero. Por mais sofisticado que fosse seu equipamento ELINT nada ainda era nada. Era um sinal evidente, e geralmente ignorado. As linhas diretas para Washington estavam quase todas ocupadas agora. Mais oficiais sauditas estavam chegando, demonstrando o estado intensificado de alerta de seus próprios militares, se posicionavam silenciosamente em torno da cidade militar Rei Khalid. Isso gerou um certo alívio para o pessoal da informação no posto de escuta, mas não muito. Eles estavam próximos demais da boca do leão. Além de ser espiões, eles pensavam como espiões, e por consenso decidiram que os eventos na América tinham de alguma forma começado aqui. Em outra parte, esses pensamentos geraram um sentimento de felicidade; aqui surtia um efeito diferente. A ira era real, e eles tinham uma missão para cumprir, posição exposta ou não.

 

— Muito bem, quem podemos destacar? — perguntou Jackson na linha de conferência.

A resposta foi um breve silêncio. O exército estava com a metade do tamanho que tivera menos de uma década antes. Havia duas grandes divisões pesadas na Europa, cinco corporações, mas elas tinham sido postas em quarentena pelos alemães. O mesmo era válido para as duas divisões armadas em Forte Hood, Texas, e para a 1ª Divisão de Infantaria (Motorizada) em Forte Riley, Kansas. Partes da 82ª em Forte Bragg e da 1ª do 1º em Forte Campbell haviam sido destacadas para apoiar unidades da Guarda Nacional, mas as unidades mantidas em suas bases tinham soldados com resultados positivos em seus exames para o Ebola. O mesmo se dava com as duas divisões da Marinha, base em Lejeune, na Carolina do Norte, e em Pendleton, na Califórnia.

— Vejam bem — disse FORCECOM. — Mandamos o 11º RCB e uma brigada da Guarda treinarem lá no Centro Nacional de Treinamento. Essa base está complemente limpa; podemos destacá-los tão rápido quanto você pode fazer os aviões chegarem. O resto? Antes de colocá-los em ação, precisamos examinar todos. Não ousarei enviá-los antes de cada soldado obter resultado negativo para o Ebola, e os estojos de e ainda não chegaram.

— Ele tem razão — disse outra voz. Cada cabeça na sala de conferências meneou. As companhias farmacêuticas estavam correndo contra o relógio para fabricar os estojos exame. Eram necessários milhões de unidades, mas apenas alguns milhares estavam disponíveis, e essas vinham sendo usadas para pessoas em grupos de risco: aquelas que apresentavam sintomas ou eram parentes de vítimas, caminhoneiros incumbidos de transportar alimentos e suprimentos médicos, e, acima de tudo, os médicos em si, que eram as pessoas mais expostas ao vírus. Pior ainda, um resultado negativo não era suficiente. A algumas pessoas teriam de ser testadas diariamente durante três dias ou mais; embora o exame fosse confiável, os sistemas imunológicos das vítimas potenciais não eram. Os anticorpos não iriam começar a aparecer até uma hora depois de um resultado negativo. Médicos e hospitais em todo o país estavam gritando pelos estojos, e o Exército, em particular, estava gritando até ficar rouco.

A URI vai lançar uma guerra, pensou o J-3, e ninguém vai comparecer.

Robby imaginou se algum hippie dos anos 60 acharia aquilo engraçado. Quanto tempo isso vai demorar?

Até o fim da semana, no máximo — replicou FORCECOM. — Tenho um oficial encarregado.

Estou com a Esquadrilha 366 em Mountain Home. Todos eles estão limpos — falou o encarregado do ACC (Comando de Combate Aéreo). — Temos a esquadrilha de F-16 em Israel. Contudo, quase todas as minhas unidades europeias estão sendo mantidas como reféns.

— Aviões são úteis, Paul — avaliou FORCECOM. — Navios também, mas precisamos colocar soldados lá com toda a pressa do mundo.

— Envie ordens de aviso para Forte Irwin — instruiu Jackson. — Farei o secretário de Defesa autorizar sua liberação em uma hora.

— Certo.

 

Moscou? — perguntou Chavez. — Meu Deus, nós estamos...

— Nosso dever não é questionar os motivos.

— Sei disso, Sr. C. Se vamos para o lugar certo, aceitarei os riscos.

— Sua carruagem os espera, cavalheiros — disse Clayton. — Os ternos azuis estão obtendo o avião para vocês.

— Sim, isso me lembra de uma coisa.

Clark tirou o uniforme azul do armário. Num minuto, era novamente coronel. Cinco minutos depois disso, estavam a caminho do aeroporto, preparando-se para deixar o aos cuidados de Frank Clayton.

 

Havia um aspecto desconcertante na situação. O’Day reuniu uma equipe de agentes do FBI para examinar os antecedentes de cada agente do Serviço Secreto próximo ao presidente, tantos os oficiais à paisana quanto os uniformizados. Eram pouquíssimos, finalmente um agente seria liberado por uma indicação superficial, mas este caso era importante demais para isso, e cada arquivo seria examinado de cabo a rabo. Este trabalho ele delegou. Outra equipe estava examinando uma coisa desconhecida pelo público. Havia um registro computadorizado de cada telefonema realizado na área metropolitana de Washington, D.C. Se a existência desse programa — perfeitamente legal — fosse conhecida, os advogados teriam todas suas paranoias orwellinianas excitadas. Contudo, o presidente vivia em Washington, e era lá que a América perdera presidentes. Mas era muito esperar que esse programa fosse útil. Por definição, um conspirador no Serviço Secreto seria um especialista em medidas de segurança. Seu alvo, se é que existia, seria um dos rapazes. Ele deveria ser um profissional excelente — era um requisito necessário para chegar à segurança presidencial — porém nada mais do que isso. Ele seria bem integrado. Ter uma boa reputação. Ele contaria piadas, apostaria em esportes, tomaria uma cerveja no pé-sujo local. O’Day sabia que seu alvo seria exatamente como todos os outros agentes que se dispunham a proteger a vida do presidente com a mesma bravura demonstrada por Don Russell, e parte dele odiava o resto dele por ter de tratar essas pessoas e suspeitos numa investigação criminal. Não devia ser assim. Mas nada mais era justo.

 

Diggs convocou os dois coronéis ao seu escritório para dar-lhes as notícias: — Temos ordens de aviso para movermo-nos para o exterior.

— Quem? — perguntou Eddington.

— Suas duas unidades — respondeu o general.

— Para onde, senhor? — foi a pergunta seguinte de Hamm.

— Para a Arábia Saudita. Nós dois já estivemos lá e fizemos isso, Al, e aqui está a sua chance, coronal Eddington.

— Por quê? — perguntou o oficial da Guarda Nacional.

— Eles ainda não disseram. Estou recebendo informações suplementares por fax agora. Tudo que me disseram pelo telefone é que a URI está ficando agitada. O 10° deve esta se encontrando com seus equipamento POMCUS neste momento...

 

— AVANTE BÚFALO? — perguntou Hamm. — Sem aviso nenhum?

— Isso mesmo, Al.

— Isso tem alguma relação com a epidemia? — perguntou Eddington. Diggs balançou a cabeça.

— Ninguém me disse nada ainda sobre isso.

 

Foi preciso abrir o processo na Corte do Distrito Federal, em Baltimore. Ed J. Kealty preencheu uma ação nomeando John Patrick Ryan como querelado. A substância da reclamação era que o primeiro quisera cruzar uma linha estadual e o segundo não deixara. A ação requisitava julgamento sumário da ordem executiva do presidente por mais estranho que pudesse parecer, a ação nomeava Ryan como presidente dos Unidos da América. Kealty precisava admitir que Jack vencera essa. Mas a Constituição estava ao seu lado e ele escolhera o juiz com muito cuidado.

 

A Estimativa Especial de Informação Nacional estava agora completa, e irrelevante. As intenções da União Republicana do Islã eram evidentes. A questão agora era fazer alguma coisa sobre elas, mas isso não era, a rigor, uma função do serviço de informação.


54

Amigos e Vizinhos

Eles não previram que aquilo aconteceria, mas sua atenção foi despertada quando aconteceu. Ao alvorecer do dia seguinte, todos os três esquadrões terrestres do 10° RCB estavam plenamente destacados, embora o quarto esquadrão, composto de helicópteros de ataque, necessitasse ainda de mais um dia para poder obter velocidade total. Os oficiais regulares do Kuwait — seu Exército ainda era relativamente pequeno, com os postos ocupados por reservistas patriotas — saudaram seus colegas americanos com brandir de espada e abraços diante das câmeras, e com conversas sérias e discretas nas tendas de comando. Da sua parte, o coronel Magruder providenciou que um de seus esquadrões se reunisse em formação de parada com bandeiras tremulando ao vento. Aquilo era bom para o moral de todos, e, reunidos, os 52 tanques pareciam o punho de um deus furibundo. O serviço de informação da URI esperava que alguma coisa acontecesse, mas não isso, e não tão depressa.

— O que é isso? — inquiriu Daryaei, permitindo desta vez que sua fúria mortal aflorasse. Normalmente, bastava que as pessoas soubessem que ela existia, que estava escondida em algum lugar.

— É um embuste. — Depois do choque inicial, seu chefe de informação parou para refletir sobre a realidade da situação. — Aquilo é um regimento. Cada uma das três divisões do Exército de Deus possui três brigadas, ou quatro, em dois dos casos. Sendo assim, somos vinte para cada um deles. O senhor esperava que os americanos não esboçassem nenhuma reação? Isso seria irreal.

Mas aqui podemos ver como eles responderam com um regimento, movido de Israel e enviado para o lugar errado. Eles pretendem nos assustar com isso.

— Prossiga. — A fúria nos olhos escuros aplacou-se um pouco, e eles deixaram de parecer perigosamente hostis.

— A América não pode destacar suas divisões da Europa. Elas estão contaminadas. O mesmo vale para suas divisões pesadas na América. Portanto, enfrentaremos sauditas primeiro. Será uma grande batalha, que devemos vencer. Os Estados se renderão a nós ou serão massacrados... e o Kuwait resistirá sozinho, no topo do Golfo, com suas próprias forças e esse regimento americano, e então veremos. Eles provavelmente esperam que invadamos o Kuwait primeiro. Mas não repetiremos esse erro, repetiremos?

— E se eles reforçarem os sauditas?

— Novamente, eles possuem o equipamento para apenas uma brigada no reino. A segunda está no mar. O senhor combinou isso com a Índia, certo? — Isso era tão normal que ter deduzido não lhe acarretaria problemas, avaliou o espião da URI por trás de seus olhos covardes. Os líderes sempre ficavam nervosos imediatamente antes das coisas acontecerem, como se esperando que todos seguissem o seu roteiro. O inimigo era o inimigo. Ele nem sempre cooperava. — E duvido que eles movam as tropas. Aviões talvez, mas não há nenhum cargueiro num raio de dez mil quilômetros, e aviões, embora sejam um incômodo, não podem tomar nem manter territórios.

— Obrigado por seu esclarecimento das coisas — disse o velho, seu humor já bem sombrio.

 

Finalmente nos encontramos, camarada coronel — disse Golovko ao agente da CIA.

Clark sempre se perguntara se um dia veria o interior do quartel-general da KGB, mas nunca esperara que lhe oferecessem drinques no escritório do diretor. Início da manhã ou não, ele aceitou uma dose de vodca Starka.

— A sua hospitalidade não é aquela para a qual me treinaram esperar, camarada diretor.

— Não fazemos mais esse tipo de coisa aqui. A prisão de Lefortovo é um local muito mais conveniente. — Fez uma pausa, pousou o copo, pegou sua xícara de chá. Um drinque com o homem era obrigatório, mas era ainda muito cedo. — Há uma coisa que devo lhe perguntar. Foi você quem tirou daqui a Sra.

Gerasimov e a menina?

Clark assentiu. Não tinha nada a lucrar mentindo para o homem.

— Sim, fui eu.

— Todos os três lhe devem muito, Ivan... qual é o nome do seu pai?

— Timothy. Sou Ivan Timofeyevich, Sergey Nikolayevitch.

— Ah. — Golovko soltou uma gargalhada gostosa. — A Guerra Fria foi uma coisa horrível, mas é bom que agora, com ela já terminada, possamos ver velhos inimigos. Daqui a cinquenta anos, quando todos estivermos mortos, os historiadores irão comparar os arquivos da CIA com os nossos, e decidirão quem venceu a guerra da espionagem. Você tem algum palpite sobre qual será a conclusão a que chegarão?

— O senhor esquece que, na maior parte do tempo, fui um soldado de campo, não um comandante.

— Nosso major Scherenko ficou impressionado com você e com seu jovem parceiro. O seu resgate de Koga foi impressionante. E agora trabalharemos juntos novamente. Vocês já foram inteirados dos últimos acontecimentos?

Para Chavez, que chegara à maturidade assistindo a filmes de Rambo, e cujo treinamento inicial no Exército ensinara-o a esperar enfrentar os soviéticos mano a mano a qualquer momento, aquilo tudo estava sendo uma experiência insólita. Contudo, conforme os dois agentes da CIA haviam reparado, não havia ninguém nos corredores quando entraram no prédio. Não fazia sentido deixá-los ver rostos que poderiam recordar em outro tempo e lugar.

Não, estivemos principalmente colhendo informações. Golovko apertou um botão em sua mesa.

— Bondarenko está aqui? — Alguns minutos depois, a porta se abriu, revelam um velho general russo.

Os dois americanos se levantaram. Clark leu as medalhas e fitou duramente o homem. Bondarenko fez o mesmo. O aperto de mão foi cauteloso, cuidadoso, mas estranhamente afável. Ambos pertenciam a lados diferentes, mas a uma mesma era.

— Gennady Iosefovich é chefe de operações. Ivan Timofeyevich é um espião da CIA — explicou o diretor. — E seu parceiro jovem e calado, também.

Diga-me, Clark a peste veio do Irã?

— Sim, isso é certo.

— Então ele é mesmo um bárbaro, mas um bárbaro esperto. General?

— Ontem à noite vocês moveram a sua divisão blindada de Israel para o Kuwait disse Bondarenko. — São bons soldados, mas a correlação de forças é adversa ao extremo. O seu país não pode enviar um grande número de soldados pelo menos por duas semanas. Ele não lhes dará duas semanas. Estimamos que as divisões pesadas a sul de Bagdá estarão prontas para entrar em três dias, quatro no máximo. Um dia de marcha de aproximação até a fronteira, e então... Bem, então veremos qual é o plano dele.

— Algum palpite?

— Não temos mais dados sobre isso do que vocês — admitiu Golovko. — Lamentavelmente, a maioria de nossos agentes na área foram fuzilados, e os generais com quais tínhamos laços no antigo regime iraquiano abandonaram o país.

— O alto comando do Exército é iraniano, muitos foram treinados na Inglaterra na América no período do xá quando eram jovens suboficiais, e sobreviveram aos expurgos — disse Bondarenko. — Temos dossiês sobre a maioria deles, que estão sendo transmitidos para o Pentágono.

— Muita gentileza da parte de vocês.

— Não é para menos — observou Ding. — Se eles massacrarem a gente, a primeira coisa que farão é vir para o norte.

— Meu jovem, as alianças não acontecem por questões do coração; elas acontecem por interesses mútuos — concordou Golovko.

— Se vocês não conseguirem lidar com esse maníaco hoje, nós teremos de lidar com ele daqui a três anos — disse Bondarenko, muito sério. — Acho que se for hoje é melhor para todos nós.

— Oferecemos nosso apoio a Foleyeva. Ela aceitou. Quando receberem suas instruções de missão, informe-nos. Veremos o que poderemos fazer para ajudar.

 

Alguns iriam resistir mais tempo que outros. Alguns resistiriam menos. A primeira morte registrada aconteceu no Texas, um representante de equipamentos de golf que expirou devido a complicações cardíacas três dias depois de ser admitido, um dia depois que sua esposa entrou no hospital com os mesmos sintomas. Os médicos que entrevistaram determinaram que ela provavelmente contraíra a doença limpando o banheiro depois que seu marido vomitara; não fora por contato íntimo, porque ele estava se sentindo mal demais até para beijá-la depois de voltar de Phoenix. Embora uma conclusão aparentemente óbvia de dados insignificantes, isso foi enviado por fax para Atlanta; O CDC requisitara todas as informações possíveis, por menores que fossem. Decerto essa informação pareceu insignificante para a equipe médica em Dallas. A primeira morte para eles foi motivo de alívio e também de horror.

Alívio porque a condição do homem perto do fim fora desesperançada e agonizante; horror porque haveria outros que enfrentariam o mesmo fim medonho, mas que demorariam mais a morrer.

A mesma coisa aconteceu seis horas depois em Baltimore. O vendedor de trailers linha um problema gastrintestinal prévio, úlcera péptica, que, embora controlada por medicamentos, era um alvo fácil para o Ebola. Seu revestimento estomacal se desintegrou, e o paciente sangrou rapidamente enquanto permanecia desacordado graças à dose maciça dê analgésicos. Isto também foi uma espécie de surpresa para o médico e a enfermeira. Logo depois, mais mortes começaram a ocorrer por todo o país. A mídia reportou-as, e o horror aprofundou-se. Na primeira série de casos, o marido morreu primeiro, com a esposa logo depois. Em muitos casos semelhantes, as crianças morreriam em seguida.

A situação parecia mais real para todos. Para a maioria das pessoas, a crise parecera um evento distante. Empresas e escolas estavam fechadas, as viagens proibidas, mas o resto era um evento televisivo, como tendiam a ser as coisas nos países ocidentais. Era o tipo de coisa que se via numa tela fosforescente, uma imagem em movimento acompanhada por som, coisa a um só tempo real e irreal. Mas agora a palavra morte estava sendo usada com alguma frequência.

Fotos das vítimas apareceram nas telas, em alguns casos, vídeos amadores, e as filmagens caseiras das pessoas agora mortas, seus passados particulares revelados em momentos de prazer e relaxamento, seguidos pelas palavras sombrias de jornalistas que estavam também se tornando muito familiares — tudo isso penetrou a consciência do público com uma intensidade tão nova e diferente quanto horrenda. Não era mais o tipo de pesadelo do qual se podia acordar. Era o tipo de pesadelo que continuava e continuava, parecendo crescer como o sonho infantil no qual uma nuvem negra adentrava o quarto e crescia e crescia, aproximando-se sempre, apesar de todas as tentativas de fuga e orações.

As reclamações sobre as restrições impostas pelo governo ao direito de ir e vir morreram no mesmo dia do golfista no Texas e do comerciante de veículos recreativos em Maryland. O contato interpessoal, que inicialmente passou a ser evitado e depois começou a crescer novamente, passou a ser restrito a familiares. As pessoas viviam agora o tempo inteiro nos telefones. As linhas telefônicas ficaram congestionadas por chamadas interurbanas para conferir o bem-estar de parentes e amigos, a um ponto tal que a AT&T, a MCI, e as outras empresas de telefonia colocaram no ar comerciais requisitando que se evitassem telefonemas desse tipo, e linhas de acesso especial foram estabelecidas para uso governamental e médico. Agora havia pânico genuíno em escala nacional, embora um pânico silencioso. Não houve manifestações públicas. O tráfego estava virtualmente nulo nas principais cidades. As pessoas até mesmo pararam de correr aos supermercados, e em vez disso permaneceram em casa, vivendo de comida enlatada e congelada.

Os jornalistas, ainda indo para toda parte com suas câmeras móveis, reportaram tudo, e ao fazê-lo, aumentaram o nível de tensão e contribuíram para sua solução.

 

— Está dando certo — reportou o general Pickett pelo telefone ao seu ex-subordinado em Baltimore.

— Onde você está, John? — perguntou Alexandre.

— Em Dallas. Está dando certo, coronel. Preciso que faça uma coisa.

— O quê?

— Pare de dar uma de clínico. Você tem residentes para isso. Tenho um grupo de trabalho no Walter Reed. Venha logo para cá. Alex, você é uma ferramenta valiosa demais no campo teórico para ficar aplicando injeções.

— John, este é o meu departamento agora, e preciso liderar meus soldados.

Foi uma lição bem aprendida de sua vida militar.

— Muito bem, o seu pessoal já sabe que você se importa, coronel. Agora largue o fuzil e comece a pensar como um maldito comandante. Esta batalha não será vencida em hospitais, será? — perguntou Pickett mais racionalmente. — Tenho um transporte à sua espera. Haverá um Hummer lá embaixo para trazê-lo para Reed. Quer que eu tire você da reserva e faça disso uma ordem?

E Alexandre sabia que ele podia fazê-lo.

— Dê-me meia hora. — O professor associado desligou o telefone e olhou para corredor. Outro saco de corpo estava sendo tirado de uma sala por alguns auxiliares de enfermagem em roupas plásticas. Estar aqui era motivo de certo orgulho. Embora estivesse perdendo pacientes e fosse perder mais, aqui estava ele, sendo um médico, dando o melhor de si, mostrando à sua equipe que, sim, ele era um deles, cuidando dos doentes, arriscando sua vida para cumprir o juramento que fizera aos 26 anos. Quando isto acabasse, a equipe inteira olharia para trás com um sentimento de solidariedade. Por mais horrível que tivesse sido, eles haviam feito o trabalho...

— Porra! — xingou. John Pickett tinha razão. A batalha estava sendo travada aqui, mas não seria vencida aqui. Ele disse ao seu assistente que iria ao andar de baixo, que estava sendo comandado pelo reitor James.

Ali havia um caso interessante. Mulher, 31 anos, admitida dois dias antes.

Seu outro significante estava morrendo, estava agitada, seu sangue revelava anticorpos do Ebola, e ela apresentara os sintomas clássicos de gripe, mas a doença não evoluíra. De fato, ela parecera parar.

— O que está acontecendo no caso dela? — Cathy Ryan estava especulando com reitor James.

— Não comemore já, Cathy — respondeu o reitor James, exausto.

— Não estou comemorando, Dave, mas quero saber por que está acontecendo. Eu mesma a entrevistei. Ela dormiu na mesma cama que ele dois dias antes de ser trazida e...

— Eles fizeram sexo? — perguntou Alex, intrometendo-se na conversa.

— Não, Alex. Não fizeram. Perguntei isso. Ele não estava se sentindo bem.

Acho que essa vai sobreviver. — O que seria uma novidade em Baltimore.

— Vamos mantê-la aqui pelo menos por uma semana, Cathy.

— Sei disso, Dave, mas esta é a primeira — insistiu CIRURGIÃ. — Há alguma coisa diferente aqui. O que é? Precisamos saber.

— Posso ver o prontuário? — perguntou Alexandre. Cathy passou o documento para ele.

Alexandre correu os olhos pelo prontuário. Temperatura em 37,80°C, exame de sangue... não normal, mas...

— O que ela diz, Cathy? — perguntou Alexandre, voltando algumas páginas.

— Como ela está se sentindo, é o que você quer saber? Em pânico, aterrorizada Com a morte. Dores de cabeça horríveis, eólicas... acho que a maior parte disso é puro estresse. Não podemos culpá-la, podemos?

— Todos os seus valores estão melhorando. A função do fígado estava caindo, mas estabilizou ontem à noite, e está cada vez melhor...

— Isso chamou minha atenção. Ela está resistindo, Alex — disse a Dra.

Ryan. — em primeiro lugar, acho que vamos vencer com ela. Mas por quê? O que ela tem de diferente? O que podemos aprender com isto? O que podemos aplicar aos nossos pacientes?

Essas palavras convenceram o Dr. Alexandre. John Pickett tinha razão. Ele precisava ir para Reed.

— Dave, eles me querem em Washington o mais rápido possível.

— Vá — replicou o reitor prontamente. — Estamos cobertos aqui. Se você puder ajudar a dar algum sentido a essa coisa toda, fique à vontade para descer.

— Cathy, a resposta mais provável à sua pergunta é a mais simples. A sua capacidade de expulsar essa coisa é inversamente proporcional ao número de partículas que entraram no seu sistema. Todo mundo acha que basta uma cepa para matar você. Isso não é Verdade. Nada é tão perigoso assim. O Ebola mata ocupando o sistema imunológico; e assim passa a trabalhar nos órgãos. Se ela pegou apenas um pequeno número desses malditos, é provável seu sistema imunológico travou a batalha e venceu. Converse um pouco mais com ela, Cathy. Cada detalhe de seu contato com o parceiro na última semana. Ligarei para você daqui a algumas horas. Como estão indo?

— Alex, se houve alguma esperança, acho que poderemos domar a situação — replicou o Dr. James.

Alexandre subiu para ser descontaminado. Primeiro, sua roupa foi totalmente espargida tom detergente. Em seguida, ele se despiu e colocou o avental cirúrgico e uma máscara, tomou o elevador limpo para o saguão e saiu.

— O senhor é o coronel Alexandre? — perguntou um sargento.

— Sim.

O suboficial bateu continência.

— Siga-me, senhor. Tenho um Hummer e um motorista à sua espera. Quer um casaco, senhor? Está um bocado frio aqui fora.

— Obrigado.

Ele vestiu o casaco emborrachado, projetado para guerra química. Era incômodo, mas certamente iria mantê-lo aquecido durante todo o percurso.

Uma Especialista 4 estava ao volante. Alexandre acomodou-se no assento desconfortável, apertou o cinto e virou-se para ela.

— Vamos!

Só então repensou o que dissera a Cathy e a James lá em cima. Balançou a cabeça como se quisesse espantar um inseto. Pickett estava certo. Talvez.

 

— Por favor, presidente, deixe-nos reexaminar os dados primeiro. Até mesmo convoquei o Dr. Alexandre do Hopkins para trabalhar com o grupo que montei em Reed. É prematuro demais para qualquer conclusão. Por favor, deixe que façamos nosso trabalho.

— Muito bem, general — disse Ryan, nervoso. — Estarei aqui. Merda! — praguejou antes de desligar.

— Temos outras coisas para fazer, senhor — lembrou Goodley.

— Sim.

 

Estava escuro no Pacífico quando começou. Ao menos, conseguir aeronaves havia sido fácil. Jumbos da maioria das linhas aéreas estavam seguindo para Barstow, Califórnia, suas tripulações já previamente examinadas.

Os sistemas de ventilação das aeronaves tinham sofrido alterações. No Centro Nacional de Treinamento, soldados estavam embarcando em ônibus. Isso era normal para a Força Azul, mas não para a OpFor, cujas famílias observavam os soldados uniformizados deixarem suas casas para a operação. Sabia-se pouca coisa além do fato de que estavam partindo. Por enquanto, seu destino era secreto; os soldados seriam informados de tudo só depois de iniciado seu voo de 16 horas. Mais de dez mil homens e mulheres significavam quarenta voos, partindo numa razão de apenas quatro por hora das instalações rudimentares no deserto da Califórnia. Se questionados, os oficiais de relações públicas locais diriam a quem telefonasse que as unidades em Forte Irwin estavam se movendo para prestar assistência à quarentena nacional. Em Washington, alguns jornalistas descobriram que a verdade era outra.

 

— Thomas Donner? — perguntou a mulher de máscara.

— Isso mesmo — respondeu o repórter com mau humor, afastando-se da mesa onde estava fazendo seu desjejum; vestia jeans e camisa de malha.

— FBI. Pode vir comigo, senhor? Precisamos conversara respeito de algumas coisas — Estou preso? — exigiu saber a personalidade televisiva.

— Apenas se quiser isso, Sr. Donner — disse-lhe a agente. — Mas preciso que venha comigo, imediatamente. Não precisará de nada especial; só a sua carteira e identificações — acrescentou a agente, oferecendo uma máscara cirúrgica num recipiente plástico.

— Certo. Espere um minuto.

A porta fechou, permitindo a Donner beijar a esposa, pegar um casaco e mudar de sapatos. Saiu, colocou a máscara e seguiu a agente até seu carro.

— E então, do que se trata?

— Sou apenas sua motorista — disse a agente, pondo um fim na conversa matutina.

Se ele era estúpido demais para lembrar que era membro da equipe de correspondentes de guerra selecionada para operações do Pentágono, não valia a pena perder tempo conversando com ele.

 

— O maior erro que os iraquianos cometeram em 1990 foi logístico — explicou o almirante Jackson, movendo uma caneta no mapa. — Todo mundo acha que guerra depende de armas e bombas. Não é assim. Ela depende de combustível e informações. Se você possui combustível suficiente para se mover e souber o que o outro sujeito está fazendo, as chances são de que você vencerá. — O slide mudou na tela ao lado do mapa. A caneta se moveu novamente. — Aqui.

As fotos de satélite eram nítidas. Cada tanque e grupos de veículos blindados eram acompanhados por alguma outra coisa. Uma grande coleção de caminhões-tanques. Caminhonetes rebocando módulos de artilharia. As ampliações revelavam tambores de combustível atrelados às carrocerias dos tanques T-80. Cada tanque continha 55 galões de diesel. Eles aumentavam imensamente a vulnerabilidade dos tanques, mas era possível descartá-los simplesmente acionando uma alavanca dentro da torre de tiro.

— Sem dúvida. Eles estão se preparando para uma ofensiva, provavelmente ainda esta semana. Temos o 10° RCB a postos no Kuwait. Temos o 11º e a Primeira Brigada da Guarda da Carolina do Norte movendo-se agora. Isso é tudo que podemos fazer por enquanto. Não poderemos tirar mais unidades da quarentena antes das primeiras horas de sexta-feira.

— E isso é informação pública — acrescentou Ed Foley.

— Essencialmente, estamos destacando uma divisão, uma divisão pesada, mas apenas uma — concluiu Jackson. — O exército do Kuwait está todo em campo. Os sauditas também estão aquecendo.

— E a Terceira Brigada depende de fazer as naus MPS passarem pela Marinha indiana — frisou o secretário Bretano.

— Não podemos fazer isso — informou o almirante DeMarco. — Não temos força de combate para abrir caminho à força.

Jackson não respondeu. Ele não podia. O chefe de Operações Navais interino era seu superior, a despeito do que pensava dele.

— Entenda uma coisa, Brucie — disse Mickey Moore, virando-se para olhar direto para ele. — Meus rapazes precisam desses veículos ou a Guarda da Carolina enfrentará uma força inimiga mecanizada com braços laterais. Há anos seus marinheiros nos dizem o quanto aqueles cruzadores são valentes. Vocês vão ter de aguentar o rojão. Amanhã a esta hora terei 15 mil soldados na linha de fogo.

— Almirante Jackson — disse o presidente. — Você é responsável por Operações.

— Presidente, sem cobertura aérea...

— Podemos ou não podemos fazer? — inquiriu Ryan.

— Não podemos — replicou DeMarco.—Não vou ver navios desperdiçados desse jeito. Não sem cobertura aérea.

— Robby, quero uma avaliação séria sobre a situação — requereu o secretário Bretano.

— Certo.—Jackson respirou fundo. — Eles possuem um total de quarenta Harriers. São bons aviões, mas seu desempenho não é excepcional. A força de escolta possui um total de talvez trinta mísseis terra-terra. Não precisamos nos preocupar com um tiroteio. O Anzio está carregando 75 mísseis terra-ar, 15

Tomahawks e oito Harpoons. O Kidd possui setenta mísseis terra-ar e oito Harpoons. O OBannon não é um navio com mísseis terra-ar. Ele possui apenas armas de ponto-defesa, mas possui Harpoons, também. As duas fragatas que acabam de chegar possuem cerca de vinte mísseis terra-ar cada. Teoricamente, eles são capazes de lutar.

— E perigoso demais, Jackson! Não se manda uma força de superfície sozinha contra um grupo de porta-aviões!

— E se atirarmos primeiro? — perguntou Ryan. Isso fez cabeças virarem.

— Presidente. — Era DeMarco de novo. — Não fazemos isso. Nem mesmo temos certeza de que sejam hostis.

— O embaixador acredita que sejam — disse-lhes Bretano.

— Almirante DeMarco, esse equipamento precisa ser entregue — disse o presidente, o rosto enrubescendo.

— A Força Aérea está se movendo para a Arábia Saudita agora. Mais dois dias poderemos lidar com isso, mas até então...

— Almirante, o senhor está dispensado — disse o secretário Bretano enquanto arrumava sua pasta de reunião. — Os seus serviços não são mais necessários aqui. Não dispomos de dois dias para briguinhas.

Isso foi uma violação de protocolo. Os chefes do Estado-Maior eram nomeado pelo presidente, e embora fossem titularmente conselheiros militares para o secretário de Defesa e para o presidente, supostamente apenas o presidente poderia pedir a de missão de um deles. O almirante DeMarco olhou para o lugar de Ryan no centro da mesa de conferências.

— Presidente, preciso expressar meus sentimentos mais sinceros nesta situação.

— Almirante, temos 15 mil homens parados numa zona de risco. O senhor não pode nos dizer que a Marinha não irá apoiá-los. O senhor está liberado de seus deveres efetivos — proclamou o presidente. — Tenha um bom dia. — Os outros chefes uniformizados do Estado-Maior entreolharam-se. Isto nunca havia acontecido antes. — Quanto tempo antes de confrontarmos os indianos? — perguntou Ryan, prosseguindo.

— Cerca de 24 horas, senhor.

— Lá também há um submarino, carregado com torpedos e mísseis. Ele está cerca de oitenta quilômetros à frente do Anzio — disse Jackson, enquanto um almirante estarrecido e seu auxiliar deixavam a sala. — Podemos dar-lhe mais velocidade. Isso nos coloca em risco de sermos detectados, mas os indianos não são tão rápidos assim em guerras antissubmarino. Ele seria uma arma ofensiva, senhor. Submarinos não podem defender passivamente. Eles afundam navios.

— Acho que a primeira-ministra indiana e eu precisamos bater um papinho — observou POTUS. — E depois que passarmos por eles?

— Bem, então teremos de atravessar o estreito e chegar até os portos de descarga.

— Posso ajudar com isso — prometeu o chefe de gabinete da Força Aérea. — Teremos os F-16 no continente e ao alcance para essa parte da passagem. A 366ª Esquadrilha não estará pronta ainda, mas os rapazes de Israel estarão.

— Precisaremos dessa cobertura, general — enfatizou Jackson.

— Até que enfim vejo a Marinha pedindo ajuda aos Escoteiros do Ar — disse brincando, e então readquiriu um tom sério. — Mataremos cada filho da puta que aparecer no ar, Robby. Assim que vocês estiverem a 160 quilômetros do estreito, terão um amigo lá no alto.

— Isso basta? — perguntou o presidente.

— Falando rigorosamente, não. O outro lado possui quatrocentos aviões topo de linha. Quando a 366ª estiver completada... daqui a três dias, no mínimo... teremos oitenta caças para combate ar-ar, mas os sauditas não são ruins. Temos AWACS posicionados. Na pior das hipóteses seus tanques lutarão sob um céu neutro, Mickey. — O general olhou as horas. — Eles devem estar decolando agora mesmo.

 

A primeira formação de quatro caças-interceptadores F-15C alçou voo junto. Vinte minutos mais tarde, juntaram-se aos seus aviões-tanque KC-135R.

Seis deles pertenciam à sua própria esquadrilha, e os outros iriam se juntar vindos das Guardas Nacionais de Montana e da Dakota do Norte e do Sul, estados ainda não tocados pela epidemia. Durante a maior parte do percurso até a península Arábica, eles manteriam posições a 16 quilômetros da aeronave comercial líder que vinha da Califórnia. A rota de voo levou-os para norte rumo ao polo, e depois para o sul rumo à Rússia, prosseguindo sobre a Europa Oriental. A oeste de Chipre, seriam acompanhados por uma escolta israelense, que os conduziria até a Jordânia. Dali em diante, os caças americanos Eagle seriam reforçados pelos 15 sauditas. As primeiras chegadas se dariam discretamente, pensaram os oficiais de planejamento em seus próprios transportes comerciais, mas se o outro lado acordasse, então haveria uma batalha aérea. Os pilotos no caça Eagle líder realmente não se importavam muito com isso. Eles não trocaram qualquer comentário ao ver o alvorecer à sua direita. O Sol nasceria duas vezes naquele voo. A segunda vez seria à sua esquerda.

 

Muito bem, senhoras e senhores — dirigiu-se o oficial de relações públicas aos 15 jornalistas reunidos. —Vou dizer-lhes o que está acontecendo. Vocês foram invocados para um destacamento militar. O sargento Astor está distribuindo formulários de consentimento. Por favor, assinem e depois devolvam.

— O que é isto? — perguntou um deles.

— Por que não experimenta ler? — sugeriu o coronel da Marinha detrás de sua mascara.

— Exame de sangue — murmurou uma delas. — Isso eu já tinha adivinhado.

Mas e o resto?

— Senhora, aqueles de vocês que assinarem o formulário descobrirão mais.

Os outros serão levados para casa.

Em cada caso a curiosidade foi mais forte. Todos os jornalistas assinaram.

— Obrigado. — O coronel examinou todos os formulários. — Agora, se vocês passarem pela porta à sua esquerda, encontrarão alguns recrutas da Marinha à sua espera.

 

Ele estava defendendo seu próprio caso. Embora fosse membro da comunidade jurídica há trinta anos, Ed Kealty só estivera em tribunais como espectador, embora cm muitas ocasiões tenha subido os degraus de um tribunal para fazer um discurso ou uma proclamação. O propósito sempre fora dramático, e agora não era diferente.

— Estou diante da corte para requerer julgamento sumário — começou o ex-vice presidente. — Meu direito de cruzar uma linha estadual foi violado pela ordem executiva do presidente. Isso é contrário às garantias constitucionais explícitas, e também sem precedente da Suprema Corte, o caso Lemuel Penn, no qual a Corte determinou por unanimidade...

Pat Martin estava sentado ao lado do assistente do procurador-geral do Estado, que falaria pelo governo. Havia uma câmera da Court TV para enviar o caso via satélite para as casas por toda a nação. Era uma cena estranha. O juiz, o escrevente, oficial de justiça, todos os advogados, os dez jornalistas e quatro espectadores estavam usando máscaras cirúrgicas e luvas de borracha. Todos tinham visto Ed Kealty cometer o maior erro de cálculo político de sua carreira, embora ninguém tivesse percebido ainda. Martin antecipara esse fato.

Meia hora depois, Kealty prosseguiu seu discurso: — O direito de ir e vir é central a todas as formas de liberdade estabelecidas e protegidas pela Constituição. O presidente não tem autoridade constitucional ou estatutária para negar esta liberdade aos seus cidadãos, mais particularmente não pela aplicação de poderio militar, que já resultou na morte de um cidadão e nos ferimentos de muitos outros. Esta é uma questão jurídica bem simples, e em meu próprio benefício e de meus compatriotas, peço à corte que anule essa ordem ilegal.

Dito isso, Edward J. Kealty assumiu seu lugar.

— Meritíssimo — disse o assistente do procurador-geral, caminhando até o pódio com o microfone da TV. — Conforme o querelante nos diz, este é um caso de extrema importância, mas não de complexidade jurídica em sua fundação.

E o governo cita o meritíssimo juiz Holmes no celebrado caso da liberdade de pressão, no qual ele nos disse que a suspensão das liberdades permissível quando o perigo ao país, como um todo, for a um só tempo real e presente. A Constituição, meritíssimo não é um pacto suicida. A crise que o país enfrenta hoje é mortal, como as reportagem imprensa nos têm dito, e é de uma natureza que os redatores não anteciparam. No sei XVIII, devo lembrá-lo, a natureza das infecções não era conhecida ainda. Mas a quarentena de navios na época era uma atitude comum e aceita. Temos como precedente o embargo de Jefferson ao comércio exterior, mas acima de tudo, meritíssimo, temos o bom censo. Não podemos sacrificar nossos cidadãos no altar da teoria jurídica...

Martin ouviu tudo, esfregando o nariz por baixo da máscara. A sala parecia estar com um cheiro forte, como se um barril de detergente tivesse sido derramado no chão.

 

Poderia ter sido cômico, mas não foi, quando cada um dos 15 jornalistas reagiu da mesma forma ao resultado do exame. Uma piscadela. Um suspiro de alívio. Cada Um deles levantou e caminhou até o outro lado da sala, aproveitando a oportunidade para remover sua máscara. Quando os exames estavam terminados, foram conduzidos para outra sala de reuniões.

— Muito bem, temos um ônibus lá fora para levá-los à Base Aérea de Andrews. Vocês receberão informações adicionais na decolagem — disse-lhes o coronel.

— Espere um minuto! — objetou Tom Donner.

— Senhor, isso estava no formulário de consentimento, lembra?

 

— Tem razão, John — reconheceu Alexandre.

A epidemiologia era a versão da profissão médica para a contabilidade, e assim como aquela profissão maçante era vital para a condução de um negócio, o estudo de doenças como elas se espalham era a mãe da medicina moderna.

Tudo começara em 1830, quando um médico francês determinara que as pessoas adoeciam ou se recuperavam na mesma razão caso fossem tratadas ou não. Essa descoberta inquietante forçara a comunidade médica a estudar a si mesma, a procurar coisas que funcionavam e que não funcionavam, e ao longo do caminho mudaram a medicina de uma profissão para uma arte científica.

O diabo sempre estava nos detalhes. Mas neste caso o diabo podia não ser necessariamente mau, percebeu Alex.

No momento havia 3.451 casos de Ebola no país. Isso incluía aqueles que haviam começado a morrer, os que apresentavam sintomas evidentes, os que apresentavam anticorpos e aqueles que apresentavam antídotos. O número em si não era grande. Menor que as mortes por AIDS, menor — por mais de duas ordens de magnitude — que o câncer e as doenças cardíacas. O estudo estatístico, adicionado às entrevistas do FBI e os relatos de médicos de todas as localidades do país, estabelecera 223 casos primários, todos eles tendo sido infectados em feiras, e todos eles tendo infectado outras pessoas que haviam infectado ainda mais outras. Embora o número de recebimento de casos ainda estivesse subindo, a razão era menor do que a prevista pelos modelos de computador existentes... e no Hopkins eles haviam tido o primeiro caso de alguém que apresentava anticorpos, mas não os sintomas...

— Devia ter havido mais casos primários, Alex — disse Pickett. — Começamos a perceber ontem à noite. O primeiro que morreu voou de Phoenix para Dallas. O FBI conseguiu os registros de voo, e a Universidade do Texas examinou todos a bordo, tendo terminado esta manhã. Apenas um deles apresentou anticorpos, e não está realmente sintomático.

— Fatores de risco?

— Gengivite. Sangramento das mucosas bucais — explanou o general Pickett.

— Está tentando ser transmissível pelo ar... mas...

— Exatamente o que acho, Alex. Os casos secundários parecem ter acontecido principalmente devido a contatos mais íntimos. Abraços, beijos, tratamento pessoal de um ente querido. Se estivermos certos, o pico será daqui a três dias, e depois irá parar. Ao longo do caminho começaremos a ver sobreviventes.

— Temos uma sobrevivente no Hopkins. Ela apresentou os anticorpos, mas seu, sintomas não evoluíram.

— Precisamos de Gus trabalhando na degradação ambiental. Ele já devia estar aqui — De acordo. Telefone para ele. Estou fazendo alguns acompanhamentos aqui embaixo.

 

O juiz era um velho amigo de Kealty. Martin não estava exatamente seguro sobre como ele se afinaria com o júri deste distrito em particular, mas isso não importava agora. As duas apresentações tinham demorado cerca de trinta minutos cada. Era — conforme Kealty dissera e o assistente do procurador-geral concordara — uma questão jurídica bem simples, embora suas aplicações práticas levassem a todos os tipos de complexidade: Era também uma questão de grande urgência, o que ficou provado quando o juiz emergiu de seu gabinete depois de apenas uma hora de contemplação. Ele leria sua decisão partir de suas anotações, e datilografaria uma opinião completa mais tarde naquele mesmo dia.

— A corte está ciente do perigo grave que o país enfrenta, e simpatiza com o senso de dever sincero do presidente Ryan em proteger não apenas as liberdades dos cidadã americanos, mas também suas vidas.

Contudo, a corte precisa reconhecer o fato de que a Constituição é, e permanece, lei suprema da terra. Violar esse baluarte legal é um passo que estabelece potencialmente um precedente com consequências tão graves que podem superar os efeitos da crise atual e embora o presidente esteja certamente agindo por motivos justificados, esta corte precisa anular a ordem executiva, confiando em nossos cidadãos para que ajam com inteligência e prudência tendo em vista sua própria segurança.

— Meritíssimo — disse o assistente de procurador-geral, se levantando. — O governo precisa, e irá, apelar da sua decisão imediatamente ao Quarto Circuito, em Richmom e requisitamos um recesso até que os documentos sejam processados, o que será feito ainda hoje.

— Pedido negado. A corte está dispensada.

O juiz levantou e deixou a bancada sem dizer mais uma palavra sequer. A sala, obviamente, explodiu numa algazarra.

— O que significa isso, senhor? — O correspondente do Court TV, ele mesmo um advogado, e portanto ciente do que aquilo provavelmente significava, perguntou a Ed Kealty, microfone estendido.

— Significa que o suposto presidente Ryan não pode infringir a lei. Acho que mostrei aqui que a lei ainda existe em nosso país — replicou o político, num tom não muito arrogante.

— O que o governo diz? — perguntou o jornalista ao assistente do procurador-geral.

— Não muito. Encaminharemos documentos ao Quarto Circuito Americano de Apelos antes que o juiz Venable redija sua opinião. A ordem da corte não é válida oficialmente até que seja redigida, assinada e propriamente arquivada.

Nosso apelo será dirigido primeiro. O Quarto Circuito suspenderá a decisão...

— E se a decisão não for suspensa?

Martin tomou as rédeas. .

— Nesse caso, senhor, a ordem executiva será mantida no interesse da segurança publica até que o caso possa ser discutido num ambiente mais estruturado. Mas temos todas as razões para crer que o Quarto Circuito suspenderá a decisão. Os juízes têm os pés no chão; eles não seguem necessariamente as palavras ao pé da letra. Contudo, o julgamento de hoje foi importante em outro sentido.

— Que foi...? — perguntou o jornalista. Kealty estava observando a três metros.

— A corte estabeleceu outra questão constitucional importante. Ao referir-se ao presidente Ryan por nome e título do cargo, a corte resolveu a questão da sucessão levantada pelo ex-vice-presidente Kealty. Ademais, a corte declarou que a ordem estava anulada. Não fosse o Sr. Ryan presidente, a ordem seria inválida e não teria valor legal, a corte poderia ter expressado isso. Portanto, a corte agiu inadequadamente no caso em questão, mas apropriadamente no sentido procedimental. Obrigado. O assistente do procurador-geral e eu precisamos preencher alguns documentos.

Não era sempre que os jornalistas ficavam sem fala. No caso das figuras políticas eminentes, isso era ainda mais raro.

— Ei, espere um minuto! — gritou Kealty.

— Você nunca foi mesmo um bom advogado, Ed — disse Martin ao passar por ele.

 

Acho que ele tem razão — disse Lorenz. — Deus, espero mesmo que ele tenha razão.

Os laboratórios do CDC estavam trabalhando freneticamente desde o começo, estudando como o vírus sobrevivera ao ar livre. Câmaras ambientais foram montadas com variados graus de temperatura e umidade, níveis variados de intensidade de luz, e os dados, incompreensivelmente, continuavam dizendo a mesma coisa. A doença, que tinha de estar se disseminando pelo ar não estava — ou pelo menos quase não estava fazendo isso. Sua sobrevivência ao ar livre, mesmo sob condições benignas, era medida em minutos.

— Queria entender um pouco melhor o uso do Ebola como arma biológica — prosseguiu Lorenz depois de um momento de reflexão.

— Duzentos e vinte e três casos primários. E só. Se houvesse mais, saberíamos esta altura. Dezoito locais confirmados, quatro outras feiras de negócios que não relataram casos. Por que 18 e não as outras quatro? — considerou Alex. — E se eles tentaram atingir todas as 22, mas não conseguiram em quatro?

— Tendo por base nossos dados experimentais, essa é uma possibilidade real, Alex. — Lorenz estava fumando seu cachimbo. — Nossos modelos agora predizem um total de oito mil casos. Nós vamos conseguir sobreviventes, e os números que obtivermos alterarão de algum modo o modelo. Essa coisa de quarentena deixou as pessoas se cagando de medo. Sabe, não acho que a proibição de viagens realmente afete diretamente as coisas, mas assusta as pessoas o bastante para que elas evitem interagir e...

— Doutor, essa é a terceira boa notícia hoje — disse Alexandre. A primeira tinha sido a mulher no Hopkins. A segunda, os dados analíticos de Pickett.

Agora a terceira era o trabalho laboratorial de Gus e a conclusão lógica à qual ela encaminhava. —John sempre disse que a guerra biológica era mais psicológica do que real.

— John é um médico inteligente, Alex. E você também, meu amigo.

— Três dias e então saberemos.

— Concordo. Faça figa, Alex.

— Por enquanto você poderá falar comigo ligando para o Reed.

— Também estou dormindo no escritório.

— A gente se vê — disse Alexandre.

Ele desligou o viva-voz. Ao redor estavam seis médicos, três do Walter Reed, três do USAMRIID.

— Comentários? — perguntou-lhes Alexandre.

— Uma situação doida — observou um major com um sorriso exausto. — É uma arma psicológica, com certeza. Deixa todo mundo morrendo de medo. Mas também funciona a nosso favor. E alguém no outro lado fez merda. Queria saber como...?

Alex pensou nisso por um momento. Então pegou o telefone e discou para o John. Hopkins.

— Aqui é o Dr. Alexandre — disse à recepcionista no andar médico. — Preciso falar com a Dra. Ryan, é muito importante... certo, eu espero. — Levou alguns minutos. — Cathy? Aqui é Alex. Preciso falar com seu marido, e será melhor se você estiver junto... E muito importante — disse a ela um momento depois.


55

Início

Duzentos arquivos significavam duzentas certidões de nascimento, duzentas carteiras de motorista, casas ou apartamentos, conjuntos de cartões de crédito, e todos os tipos de outras permutações a serem checadas. Era inevitável que sempre que uma investigação como essa começasse, o agente Aref Raman fosse receber atenção especial dos trezentos agentes do FBI designados para o caso. Mas, na verdade, cada empregado do serviço secreto com acesso à Casa Branca constava da lista imediata. Agentes por todo o país (o Serviço Secreto possuía tantos funcionários quanto qualquer outra agência governamental) começaram com certidões de nascimento e foram em frente, checando também anuários escolares em busca de fotos de formatura a ser comparadas com fotos de identidade de todos os agentes. Constatou-se que três agentes na Segurança Presidencial eram imigrantes, cujos detalhes pessoais não podiam ser verificados facilmente. Um era francês de nascimento, tendo vindo para a América nos braços da mãe. Outra nascera no México, tendo chegado aos EUA ilegalmente com os pais; mais tarde ela legitimara seu status e se destacara na Divisão de Segurança Técnica por seu brilhantismo e patriotismo. Assim restava Aref Raman como um agente com alguma documentação desaparecida, o que era explicado facilmente pela condição de refugiados de seus pais. Sob vários aspectos, foi fácil demais. Estava em seu registro que ele nascera no Irã e viera para os EUA quando seus pais fugiram do país durante a queda do regime do xá. Tudo indicava que ele se adaptara completamente ao novo país, adotando inclusive um fanatismo por basquete que era uma pequena lenda no Serviço. Ele quase nunca perdia uma aposta sobre um jogo, e era piada comum que os apostadores profissionais consultavam-no por telefone sempre que havia um jogo importante. Era do tipo sempre disposto a tomar uma cerveja com os colegas. Desenvolvera uma reputação excelente como agente de campo. Era solteiro. Isso não era terrivelmente incomum no caso dos agentes federais. O Serviço Secreto era especialmente rigoroso com os cônjuges que precisavam compartilhar seus entes queridos (principalmente maridos) com um trabalho que os consumia mais que qualquer amante — o que tornava os divórcios mais comuns que os casamentos. Ele fora visto com companhia feminina, mas não falava muito sobre isso. Se tinha uma vida particular, era discreta. Era certo que não mantinha nenhum tipo de contato com outros cidadãos de origem iraniana ou estrangeiros, que não era nem um pouco religioso, que jamais falava sobre o Islã, exceto para dizer, como dissera uma vez ao presidente, que essa religião causara tanta dor à sua família que preferi não falar sobre ela.

O inspetor O’Day, de volta ao trabalho porque o diretor Murray confiava-lhe os casos sensíveis, não estava nem um pouco impressionado com esta ou com qualquer outra história. Ele supervisionou a investigação. Considerou que o adversário, se ele existia, seria um especialista, e portanto a identidade mais plausível e consistente era para ele apenas uma cobertura potencial a ser examinada. Melhor ainda, neste caso não havia regras. Fora a própria agente Price quem fizera essa determinação. Ele mesmo escolhera a equipe de investigação local a partir da Divisão do Quartel-General do Gabinete de Campo de Washington. Os melhores ele designou para Aref Raman, que agora estava, convenientemente, em Pittsburgh.

Seu apartamento na zona noroeste de Washington era modesto, mas confortável. Tinha um alarme contra ladrões, mas isso não foi problema. Os agentes selecionados para essa invasão ilegal incluíam um mago técnico que, depois de derrotar as trancas em dois minutos, reconheceu o painel de controle e digitou o código de emergência — ele tinha todos decorados — para desativar o sistema. Este procedimento já fora chamado de trabalho da mala preta, um termo que fora esquecido, embora a função em si ainda fosse empregada. Agora usava-se o termo operação especial, que poderia significar qualquer coisa que se quisesse.

Os primeiros dois agentes na porta chamaram três outros ao apartamento depois de terem realizado o arrombamento com sucesso. Antes de mais nada, fotografaram o apartamento, procurando por armadilhas: objetos aparentemente inocentes que perturbados de qualquer forma, alertavam ao ocupante que alguém estivera lá; podiam ser coisas terrivelmente difíceis de detectar e desarmar, mas todos os cinco faziam parte da Divisão de Contrainformação Estrangeira, treinados contra e por agentes profissionais. Sacolejar o apartamento demandaria horas de esforço tedioso. Eles saíram que pelo menos cinco outras equipes estariam fazendo a mesma coisa a outros indivíduos potenciais.

 

O P-3C estava pairando no limite da cobertura de radar para os navios indiano mantendo-se ligeiramente acima da superfície morna do mar de Omã.

Eles estavam rastreando trinta emissores de 19 fontes diferentes. Os radares de busca de baixa frequência eram muito poderosos, e o maior motivo de preocupação para a tripulação, embora os receptores de ameaça estivessem captando também rastros de radares SAM. Supostamente, os indianos estavam realizando exercícios, sua esquadra estava de volta a depois de um longo período de manutenção. O problema era que esses exercícios completamente indistinguíveis dos preparativos de batalha. Os dados analisados pela ELINT a bordo foram transmitidos para o Anzio e o resto das escoltas para o Grupo forçatarefa COMEDIA, como os marinheiros estavam chamando os quatro Bob Hope e suas escoltas.

O comandante de grupo estava sentado no seu centro de informação de combate. As três grandes telas de exibição (na verdade monitores de retroprojeção conectados ao sistema de radar computadorizado Aegis) mostravam a localização do grupo de batalha indiano com um alto nível de precisão. Ele até mesmo sabia quais dos blips provavelmente pertenciam a porta-aviões. Sua missão era complexa. A forçatarefa COMEDIA estava agora completamente formada. As naus de reabastecimento Platte e Supply estavam agora anexadas ao grupo, juntamente com suas escoltas Hawes e Carr, e durante as horas seguintes todas as escoltas dariam voltas para encher seus tanques de combustível — para um capitão da Marinha, ter combustível demais era como ter dinheiro demais: impossível. Depois disso, as naus UNREP

receberiam ordens de assumir posição a bombordo dos navios tanques, e as fragatas a bombordo dos rebocadores. O OBannon se moveria para frente para prosseguir sua busca ASW — os indianos possuíam dois submarinos nucleares, e ninguém parecia saber onde eles estavam naquele momento. O Kidd e o Anzio, ambos com mísseis terra-ar, voltariam para a formação, proporcionando cobertura aérea. Geralmente os cruzadores da classe Aegis ficariam mais afastados, mas não agora.

O motivo para isso veio não de suas ordens de missão, mas da TV Cada navio no grupo possuía seu próprio receptor de TV por satélite. Na Marinha moderna, os marinheiros queriam e possuíam seu sistema de cabo, e embora a tripulação passasse a maior parte do tempo assistindo aos diversos canais de filmes — o Playboy Channel era sempre um favorito, afinal marinheiros são marinheiros —, o comandante de grupo estava lhes dando uma overdose de CNN. Às vezes, o comandante obtinha as informações que precisava para suas missões não através de suas ordens, e sim da TV comercial. As tripulações estavam tensas. As notícias dos eventos em casa não poderiam ser-lhes ocultadas, e as imagens de pessoas doentes e moribundas, interestaduais bloqueadas e ruas vazias inicialmente os deixaram muito abalados, obrigando oficiais e chefes a se reunirem com os homens para conversar com eles e animá-los. Depois haviam chegado as ordens. Coisas estavam acontecendo no Golfo Pérsico, coisas estavam acontecendo em casa, e de repente os navios MPS, com sua brigada de veículos de combate, seguiam para o porto saudita de Dhahran... com a Marinha indiana no meio do caminho. A tripulação estava calada agora, percebeu o capitão Greg Kemper, do USS Anzio. Seus chefes reportaram-lhe que as tropas não estavam rindo e jogando nas salas de recreação, e que as simulações constantes no sistema de combate Aegis nos últimos dias transmitiram sua própria mensagem. COMEDIA estava navegando para a boca do leão.

Cada um dos navios-escolta tinha um helicóptero. Esses eram coordenados pela equipe ASW no OBannon. O OBannon fora batizado com esse nome em homenagem ao navio de ouro da Marinha na Segunda Guerra Mundial, um destróier classe Fletcher que lutara em cada conflito principal do Pacífico sem uma só baixa ou arranhão; o novo tinha um A dourado em sua superestrutura, a marca de um famoso submarino matador — pelo menos na simulação. A herança do Kidd era menos sortuda. Batizado em nome do almirante Isaac Kidd, que morrera a bordo do USS Arizona na manhã de 7 de dezembro de 1941, o navio era membro da classe almirantes mortos: quatro destróieres de mísseis construídos originalmente para a Marinha iraniana durante o reinado do Xá, empurrados a um relutante presidente Carter, e então perversamente batizados com nomes de almirantes mortos em batalhas perdidas. O Anzio, seguindo uma das mais estranhas tradições da Marinha, recebera seu nome de uma batalha de terra, parte da campanha italiana de 1943, na qual uma invasão ousada evoluíra para uma batalha desesperada. Os navios de guerra eram realmente feitos para esse tipo de coisa, mas era dever de seus comandantes providenciar que a parte desesperada se aplicasse ao inimigo.

Numa guerra de verdade, isso teria sido fácil. O Anzio possuía 15 mísseis Tomahawk a bordo, cada um com uma ogiva nuclear, e cujo alcance era quase a distância até o grupo de batalha indiano. Num mundo ideal, ele os atingiria a 321 quilômetros de distância, tendo por base as informações de alvo colhidas pelos Orions — seus helicópteros podiam fazer isso, também, mas os P-3C eram muito mais confiáveis.

— Comandante! — exclamou um suboficial no painel de medidas de vigilância eletrônica. — Estamos captando radares aéreos. O Orion mostra alguma companhia se aproximando. Parece dois Harriers, distância desconhecida, marcação constante, fonte de sinal aumentando.

— Obrigado. É um céu livre até que alguém diga o contrário — recordou Kemper a todos.

Talvez fosse um exercício, mas o grupo de batalha indiano não se movera 64 quilômetros no dia anterior; em vez disso ficara viajando para a frente e para trás, pau leste e oeste, cruzando e recruzando sua própria rota de curso.

Exercícios geralmente concediam mais liberdade de movimento. O que a situação dizia ao comandante do USS Anzio era que eles tinham demarcado aquela parte do oceano como seu próprio território. E os indianos por acaso encontravam-se entre o ponto em que a forçatarefa COMEDIA estava e o ponto em que queria estar.

Também não havia nada muito secreto quanto a isso. Todos fingiam que as condições normais de paz estavam em efeito. O Anzio estava com seu radar SPY-1 em funcionamento, emitindo milhares de watts. Os indianos também estavam usando os deles. Era quase como um jogo.

 

— Capitão, temos bichos-papões, temos contatos aéreos múltiplos, marcação zero-sete-zero, alcance 403 quilômetros. Nada de identificação comercial; não são voos civis. Designando Força Um. — Os símbolos apareceram na tela central.

— Não há emissores nessa marcação — reportou o oficial de medidas de vigilância eletrônicas.

— Muito bem. — Em seu posto, o comandante cruzou as pernas. Nos velhos filmes, era neste momento que Gary Cooper acendia um cigarro.

— Força Um parece ser uma formação de quatro aeronaves, velocidade quatrocentos e cinquenta nós, curso dois-quatro-cinco. — O que significava que estavam avançando no curso oposto, embora não diretamente contra COMEDIA.

— Trajetória prevista? — perguntou o capitão.

— Eles passarão dentro de vinte milhas em seu curso atual, senhor — respondeu um marinheiro, tenso.

— Muito bem. Muito bem, pessoal, prestem atenção. Quero este lugar calmo como uma repartição pública. Todos vocês conhecem o trabalho.

Quando houver motivo para nervosismo, eu direi a vocês — declarou o comandante. — Armas em prontidão — acrescentou, significando que as regras de tempos de paz ainda se aplicavam, e ninguém estava realmente preparado para disparar... situação que poderia ser alterada com o premir de alguns botões.

— Anzio, aqui é Gonzo-Quatro, câmbio — disse uma voz no rádio ar para superfície.

— Gonzo-Quatro, Anzio, câmbio.

— Anzio, temos dois Harriers brincando de pique com a gente — reportou o aviador. — Um acabou de passar zunindo a uns cinquenta metros. Está com branquinhas nos trilhos. — Mísseis reais sob as asas, e não mísseis falsos de treinamento.

— Fazendo alguma coisa?

— Negativo. Agiu apenas como se estivesse brincando um pouco.

— Mande-o prosseguir a missão — disse o comandante. — E fingir que não se importa.

— Sim, senhor. — A mensagem foi comunicada.

Esse tipo de coisa não era tão incomum. Pilotos de caça eram pilotos de caça, o comandante sabia disso. Eles nunca amadureciam além do estágio de passar zunindo pelas garotas com suas motocicletas. Direcionou sua atenção para Força Um. Curso e velocidade estavam inalterados. Este não era um ato hostil. Os indianos estavam dizendo que viam que os americanos estavam em sua vizinhança. Isso evidentemente se devia ao aparecimento dos caças em dois locais ao mesmo tempo. Aquilo definitivamente era um jogo.

E como eu devo jogar?, perguntou-se. Duro? Esportivo? Ou devo ficar de fora da brincadeira?As pessoas tendiam a ignorar o aspecto psicológico das operações militares. Força Um estava agora a 241 quilômetros, aproximando-se rápido do alcance de seus mísseis terra-ar SM-2 MR SAM.

— O que acha disso, Weps? — perguntou ao seu oficial de armas.

— Acho que estão apenas tentando emputecer a gente.

— Concordo. — O capitão jogou mentalmente o cara ou coroa. — Bem, eles estão se mostrando ao Orion. Vamos deixar que saibam que os estamos vendo.

Dois segundos depois, o radar de busca SPY elevou sua potência para quatro milhões de watts, enviou toda ela um grau de azimute abaixo para os caças em movimento de aproximação, e aumentou a concentração nos alvos, o que significava que estavam sendo atingidos quase continuamente. Era o suficiente para fazer cantar o aparelho de detecção de ameaça que os caças tinham a bordo. Num raio de 32 quilômetros, isso podiam até mesmo começar a danificar esse tipo de equipamento, dependendo do quanto ele fosse sensível.

Isso era chamado de zorch, e o capitão ainda tinha na manga mais dois milhões de watts de potência. A piada era que se você realmente emputecesse um Aegis, talvez começasse a parir filhos de duas cabeças.

— O pessoal no Kidd acabou de assumir posições nos postos de batalha, senhor — reportou o oficial no convés.

— Ótimo ritmo de treinamento, não é mesmo? — comentou o comandante. O alcance até Força Um era de um pouco mais de 160 quilômetros agora. — Weps, acenda-os.

Com esse comando, os quatro radares de iluminação de alvos foram ligados, enviando raios cilíndricos de energia banda X para os caças em aproximação. Esses radares diziam aos mísseis como achar seus alvos. O equipamento de detecção de ameaça indiano também captaria aquilo. Os caças não alteraram seu curso ou velocidade.

— Certo, isso significa que não estamos jogando duro hoje. Se eles estivessem dispostos a fazer alguma coisa, estariam manobrando agora — disse o comandante às suai equipes. — Vocês sabem, é como dobrar a esquina e ver um tira. — Ou eles tinham água gelada nas veias, o que não parecia provável.

— Seguindo para encarar a formação? — perguntou Weps.

— É isso que eu faria. Tirar algumas fotos, ver o que está aqui — considerou Kemper — Há muita coisa acontecendo ao mesmo tempo, senhor.

— Sim — concordou o comandante, olhando para a tela. Ele pegou o telefone m terno.

— Passadiço.

O oficial de convés atendeu.

— Diga aos seus observadores que quero saber o que eles são. Se possível, quem fotos. Como está a visibilidade lá em cima?

— Névoa de superfície, mas não muito densa, senhor. Tenho homens nos Grande Olhos.

— Muito bem.

— Passarão por nós rumo norte, virarão à esquerda e baixarão ao passar por nossa lateral — previu o comandante.

— Senhor, Gonzo-Quatro reporta uma passagem muito próxima alguns segundos atrás — disse controle aéreo.

— Diga-lhe para ficar calmo.

— Sim, comandante.

Depois disso, a situação evoluiu rapidamente. Os caças circularam a forçatarefa COMEDIA duas vezes, nunca mais próximos que cinco milhas náuticas.

Os Harrier indianos passaram outros 15 minutos contornando os Orion de patrulhamento, e enfim tiveram de retornar ao porta-aviões para reabastecer, e outro dia no mar continuou sem tiros ou atos ostensivamente hostis, a não ser que se contasse a brincadeira dos caças mas isso era rotineiro. Quando tudo estava calmo, o comandante do USS Anzio voltou-se para seu oficial de comunicações.

— Preciso falar com Comando do Atlântico. Oh, Weps? — acrescentou Kemper.

— Sim, senhor.

— Quero cada sistema de combate neste navio checado inteiramente.

— Senhor, realizamos uma checagem completa há apenas 12 horas...

— Imediatamente, Weps — enfatizou com o máximo de calma que pôde.

 

— E essas são boas notícias? — perguntou Cathy.

— Doutora, é realmente simples — respondeu Alexandre. — Você viu algumas pessoas morrerem esta manhã. Verá outras morrerem amanhã, e isso é terrível. Mas milhares é melhor que milhões, não é? Acho que esta epidemia vai se extinguir sozinha. — Não acrescentou que para ele era um pouco mais fácil.

Cathy era cirurgiã de olhos. Ela não estava acostumada a lidar com mortes. Ele era especialista em doenças infecciosas, e estava acostumado. Mais fácil? A palavra seria essa? — Saberemos daqui a alguns dias, a partir da análise estatística dos casos.

O presidente assentiu em silêncio. Van Damm falou por ele: — Quais serão os números?

— Menos de dez mil, segundo os modelos de computador em Reed e Detrick. Senhor, não estou sendo frio. Estou dizendo apenas que dez mil é melhor que dez milhões.

— Uma morte é uma tragédia, um milhão é uma estatística — disse Ryan, enfim.

— Sim, senhor. Conheço esse ditado.

As boas notícias não tinham deixado Alexandre pulando de alegria, mas qual o outro jeito de explicar às pessoas que um desastre era melhor que uma catástrofe?

 

— Iosef Vissarionovich Stalin — disse-lhes ESPADACHIM. — Ele sabia usar as palavras.

— O senhor sabe quem fez isso conosco — observou Alex.

— O que faz você pensar assim? — perguntou Jack.

— O senhor não reagiu normalmente ao que lhe contei, presidente.

— Doutor, não tenho feito nada muito normal nos últimos meses. O que isto significa para a proibição de viagens?

— Significa que ela deve ser mantida pelo menos por mais uma semana.

Nossa previsão não está gravada em pedra. O período de incubação para a doença é um pouco variável. Você não manda os caminhões de bombeiros voltarem para casa assim que o fogo desaparece. Você permanece no local, atento, para o caso de as chamas voltarem a aparecer. O nosso caso é o mesmo.

O que deu certo até agora é que as pessoas estão assustadas com a morte. Por causa disso, as interações pessoais são minimizadas, e é assim que se detém esse tipo de doença Precisamos manter as coisas nesse rumo. Os novos casos serão esparsos. Nós os atacaremos como se faz com a varíola. Identificaremos os casos, faremos exames um todos aqueles com quem os pacientes tiveram contato, isolaremos os indivíduos com os anticorpos, e veremos como eles reagem. Está funcionando certo? Quem fez isso cometeu um erro de cálculo. A doença não é nem de perto tão contagiosa quanto eles pesavam. Ou talvez a coisa toda seja apenas um exercício psicológico. É isso que é a guerra biológica. As grandes pragas do passado realmente aconteceram porque as pessoas não sabiam como as doenças se espalhavam. Não sabiam nada sobre micróbios, moscas e água contaminada. Nós sabemos. Todos sabem.

Aprendemos esse tipo de coisa na escola, nas aulas de higiene. Diabos, foi por causa disso que não tivemos nenhum médico infectado. Eles têm muita prática lidando com AIDS e hepatite. As mesmas precauções que funcionam com essas doenças também funcionam com o Ebola.

— Que providências podemos tomar para que não aconteça novamente? — perguntou van Damm.

— Já lhes disse. Fundos. Pesquisa básica no aspecto genético, e trabalho mais focalizado nas doenças que já conhecemos. Não há nenhum motivo para que não possamos produzir vacinas seguras para o Ebola e várias outras doenças virais.

— E a AIDS? — perguntou Ryan.

— Essa é um osso duro de roer. Esse vírus é um safado ágil. Até agora, nenhuma tentativa para uma vacina chegou nem mesmo perto. Por outro lado, a pesquisa genética básica pode determinar como o mecanismo biológico funciona, e a partir daí fazer com que o sistema imunológico reconheça e mate o vírus... uma espécie de vacina; é isso que uma vacina faz. Mas como fazê-la funcionar, bem, ainda não descobrimos. Mas é bom tentarmos. Daqui a vinte anos poderá não haver mais uma pessoa viva na África para contar a história.

 

Ei, sabiam que tenho parentes lá? — disse o creole.

— Há duas formas de impedir que isso aconteça novamente. Uma é essa. O senhor, presidente, já está trabalhando na outra. Quem foi que fez isso conosco?

Ryan não precisou dizer a ninguém o quanto aquilo era secreto: — Irã. O aiatolá Mahmoud Haji Daryaei e seu bando alegre. Alexandre voltou a ser o oficial do Exército dos Estados Unidos: — Presidente, no que me diz respeito, o senhor pode matar quantos deles quiser.

 

Era interessante ver o Aeroporto Internacional de Mehrabad à luz do dia, Clark nunca conhecera o Irã como um país amigável. Diziam que antes da queda do Xá o povo era amistoso, mas ele não tinha feito a viagem a tempo para constatar isso. Viera para cá secretamente em 1979 e novamente em 1980, primeiro para obter informações depois para participar da tentativa de resgate dos reféns. Não havia palavras para descrever como era estar num país numa condição revolucionária. Seu período no território da União Soviética fora bem mais confortável. Inimiga ou não, a Rússia sempre fora um país civilizado com montes de regras e cidadãos para rompê-las. Mas o Irã pegara fogo como uma floresta seca numa tempestade. Morte à América tinha sido um cântico nos lábios de todos, e Clark lembrava o quanto fora assustador estar no meio da turba cantando essa canção. Um pequeno erro, apenas contatar um agente que mudara de lado decretaria sua morte, uma perspectiva bastante assustadora para qualquer homem, mulher e crianças pequenas, fosse ou não espião. Era costume do país fuzilar alguns criminosos, mas a maioria dos espiões era executada por enforcamento. E isso parecia-lhe uma maneira gratuitamente cruel de tirar a vida de um homem.

Nos anos intermediários algumas coisas tinham mudado. Algumas não.

Ainda havia uma atmosfera de suspeita quanto aos estrangeiros nos postos da alfândega. O balconista estava guarnecido por homens armados, e seu trabalho era impedir a entrada de pessoas como ele. Para a nova URI, assim como para o país antigo, cada rosto novo um espião potencial.

— Klerk — disse Clark com sotaque russo, estendendo seu passaporte. — Ivan Sergeyevich. — Ora bolas, o disfarce russo funcionara antes, e ele já o tinha decorado. Melhor ainda, seu russo era perfeito. Ele passara por cidadão russo diante de um oficial uniformizado mais de uma vez.

— Chekov, Yevgeniy Pavlovich — disse Chavez ao balconista ao lado.

Eles eram, novamente, correspondentes de notícias. Os regulamentos proibiam aos agentes da CIA disfarçarem-se como jornalistas americanos, mas isso não se aplicava à imprensa estrangeira.

— Propósito da visita? — perguntou o primeiro balconista.

 

— Aprender sobre o seu novo país — replicou Ivan Sergeyevich. — Deve estar sendo empolgante para todos. — Para seu trabalho no Japão, eles haviam levado equipamento de fotografia, e um aparelhinho útil que parecia, e de fato era, uma lâmpada brilhante. Não desta vez.

— Nós dois estamos juntos — disse Yevgeniy Pavlovich ao balconista.

Os passaportes eram novos em folha, embora não fosse possível dizer isso apenas tom uma inspeção superficial. Era uma das poucas coisas com as quais Clark e Chavez não precisavam se preocupar. Os recursos de falsificação da RVS eram tão bons quanto o de sua agência antecessora, a KGB. Eles faziam alguns dos melhores documentos falsos do mundo. As páginas estavam cobertas com selos, muitos sobrepostos, e estavam desgastados e enrugados por anos de uso evidente. Um inspetor pegou suas malas e as abriu. Encontrou roupas, evidentemente muito usadas, dois livros, que folheou para ver se eram pornográficos, e duas canetas de qualidade média, descascadas, mas com carga nova. Cada um tinha uma bolsa a tiracolo com blocos de anotações e minigravadores. Os inspetores examinaram tudo sem pressa, mesmo depois dos balconistas terem feito seu trabalho, e finalmente — com uma relutância palpável — deixaram passar os visitantes de seu país.

— Spasiba — disse John com simpatia, pegando suas malas e continuando a caminhar. Com o passar dos anos, aprendera a não ocultar totalmente seu alívio.

Os viajantes normais sentiam-se intimidados. Se ele não parecesse intimidado também, seria distinguido dos outros. Os dois oficiais da CIA saíram para pegar um táxi; pararam numa fila enquanto a procissão de táxi engolia os recém-chegados. Quando chegou sua vez, Chavez deixou cair a mala de viagem, e seus pertences espalharam-se pelo chão. Ele e Clark deixaram duas pessoas passarem à sua frente na fila enquanto Chavez recolhia os objetos nas malas.

Isso quase garantia um táxi aleatório, a não ser que todos estivessem sendo guiados por espiões.

O truque era parecer normal em todos os aspectos. Não ser estúpido demais. Não ser esperto demais. Parecer desorientado e perguntar como chegar aos lugares, mas não com muita frequência. Ficar em hotéis baratos. E, em seu caso específico, rezar para que nenhuma das pessoas que os viram em sua breve visita anterior à cidade cruzasse seu caminho. Supostamente, seria uma missão fácil. Essa geralmente era a ideia. Raramente enviavam-se agentes do serviço de informação para desempenhar missões complexas... porque tinham o bom senso de recusar. As missões simples já eram muito cabeludas.

 

O nome da forçatarefa é COMÉDIA — disse-lhe Robby. — Eles tocaram campainha da porta hoje de manhã.

O J-3 prosseguiu a explicação durante vários minutos.

 

— Jogando duro? — perguntou o presidente.

— Evidentemente, eles deram ao P-3 um verdadeiro espetáculo aéreo. Eu mesmo já fiz isso algumas vezes, quando era jovem e insensato. Eles queriam que soubessem que estavam lá, e que não se achavam intimidados por isso. O comandante do grupo Greg Kemper. Não o conheço, mas sua reputação é danada de boa. O comandante d Atlântico gosta dele. Ele requisitou entrar em alerta vermelho.

— Ainda é cedo. Hoje ainda, porém mais tarde.

— Certo. Eu não esperaria um ataque noturno, mas não se esqueça de que lá o alvorecer é escuro como a meia-noite, senhor.

— Arnie, o que sabemos sobre a primeira-ministra?

— Ela e o embaixador Williams não trocam presentes de Natal — replicou o Arnie. — O senhor a conheceu na Sala Leste há algum tempo.

— Se a alertarmos dos riscos, ela telefonará para Daryaei — lembrou Ben Goodley a todos.

— E? Robby?

— E se passarmos pelos indianos, ela também avisará a Daryaei? Eles podem tentar bloquear o estreito. Daqui a algumas horas, a força mediterrânea dobrará a esquina se juntará aos outros a oitenta quilômetros da entrada.

Teremos cobertura aérea, excitante, mas eles deverão conseguir. A parte assustadora são as minas. O estreito é profundo o bastante para elas. Mais perto de Dhahran é outra história. O quanto mais a URI ficasse na escuridão, melhor, mas eles já devem saber do que COMEDIA é feito.

— Ou talvez não — considerou van Damm. — Se ela acha que pode lidar com isso sozinha, pode simplesmente querer mostrar que tipo de bagos tem.

 

A transferência foi chamada Operação CUSTER. Todas as quarenta embarcações estavam no mar, cada uma transportando 250 soldados num comboio aéreo com 9.600 quilômetros de comprimento. Aeronave líder estava agora a seis horas de Dhahran, deixando o espaço aéreo russo e sobrevoando a Ucrânia.

Os pilotos do F-15 haviam trocado saudações com alguns caças russos que tinham aparecido para dizer alô. Estavam cansados agora. Seus traseiros pareciam pesados como chumbo, devido às muitas horas nos mesmos assentos.

Os pilotos nos aviões de passageiros atrás deles tinham mais sorte, podendo levantar-se e caminhar; dispunham até de banheiros, um tremendo luxo para um piloto de caça, que possuía apenas um dispositivo chamado tubo de alívio. Os pilotos de caça estavam com os braços dormentes. Seus músculos estavam doloridos por permanecer horas a fio na mesma posição. O incômodo era ter que abastecer-se de seus KC-135 estava se tornando difícil, e gradualmente chegam i opinião de que um conflito ar-ar a uma hora de seu destino talvez não fosse nem um pouco divertido. A maioria bebia café, tentava trocar de mãos no manche, e espreguiça-se o máximo que podia.

Os soldados estavam quase todos dormindo, ainda ignorando a natureza de sua missão. Os aviões de passageiros estavam com suas despensas estocadas normalmente, tropas desfrutaram do que seria sua última chance de tomar um drinque por algum tempo. Aqueles que haviam sido destacados para a Arábia Saudita em 1990 e em 1991 contaram suas histórias de guerra, incluindo a lembrança de que o reino não era o tipo de lugar que se visitava por sua vida noturna.

 

Indiana, conforme Brown e Holbrook haviam descoberto que também não tinha vida noturna, pelo menos não agora. Pelo menos eles tinham sido espertos o bastante para arranjar um quarto de motel antes que o pânico geral começasse, e aqui estavam encurralados. Este era um motel de caminhoneiros, como os que haviam usado em Wyoming e Nebraska. Tinha um restaurante amplo, do tipo antiquado, com balcão e cabines, e agora com garçonetes mascaradas e clientes que não se juntavam. Em vez disso, faziam suas refeições nos quartos, ou levavam para seus caminhões, no caso daqueles que não tinham conseguido hospedar-se havia uma espécie de dança diária. Os caminhões precisavam ser movidos para que os pneus não ficassem danificados por se manterem imóveis no mesmo local. Todos ouviam os noticiários horários no rádio. Os quartos, o restaurante, e até mesmo os caminhões dispunham de televisores que forneciam mais informações e diversão. Reinava o tédio, o tipo de tédio tenso, muito conhecido pelos soldados, mas absolutamente estranho para os Montanheses. — Merda de governo — sentenciou um transportador de móveis. Ele tinha família dois estados dali. — Acho que eles nos mostraram quem é que manda, hem? — disse Ernie Brown, para aprovação geral.

Mais tarde, as pesquisas mostrariam que nenhum caminhoneiro interestadual contraíra o vírus. Sua existência era solitária demais para isso.

Mas suas vidas profissionais dependiam do movimento, tanto porque era assim que ganhavam o pão de cada dia e porque era assim que tinham escolhido viver.

Ficar parados não era de sua natureza. Receber ordens para ficar parados, menos ainda.

— Mas que merda de vida — acrescentou outro motorista; ele não conseguira pensar mais nada para dizer. — Pelo menos estou feliz por ter saído a tempo de Chicago. As notícias de lá são de deixar os cabelos em pé.

— Acha que tudo isto faz sentido? — questionou alguém.

— Desde quando o governo faz sentido? — Holbrook não deixaria escapar essa.

 

— Tô contigo e não abro — manifestou-se uma voz e finalmente os Montanheses sentiram-se em casa. Então, por consentimento silencioso, chegou a hora de todos voltaram para os seus quartos e boleias.

— Por quanto tempo ainda ficaremos neste buraco, Pete? — Ernie Brown quis saber.

— Está perguntando a mim ?

 

Um monte de coisa nenhuma — concluiu o agente líder. Aref Raman era pouco organizado para um solteiro, mas não excessivamente. Um dos agentes do notara com surpresa que até as meias do homem estavam perfeitamente dobradas, leniente com tudo em suas gavetas. Então, um deles recordou um estudo sobre os jogadores de futebol americano da Liga Nacional. Depois de meses de estudo, um psicólogo determinara que os jogadores da linha dianteira, cujo trabalho era proteger o zagueiro, tinham armários organizados, enquanto os jogadores da linha de defesa, cujo trabalho era se opor aos zagueiros que invadiam seu território, eram verdadeiros almofadinhas. O comentário valeu risadas e um pouco de conversa. Nada mais foi encontrado. Havia uma foto de seus pais, ambos mortos. Ele assinava duas revistas semanais, tinha todas as opções de TV por assinatura em seus dois televisores, não tinha bebidas alcoólicas na casa e comia alimentos saudáveis. A julgar pelo freezer, tinha uma afinidade particular por salsichas kosher. Não havia gavetas ou compartimentos ocultos — eles os teriam encontrado — e nada nem um pouco suspeito. Eram boas e más notícias.

O telefone tocou. Ninguém atendeu porque oficialmente não estavam ali, e tinham pagers e telefones celulares para suas próprias necessidades de comunicação.

— Olá, aqui é 536-3040 — disse a voz gravada de Raman, depois do segundo toque. — Ninguém está aqui para atender ao telefone agora, mas se deixar um recado alguém ligará de volta. — Seguiu-se um bipe, e, neste caso, um clique.

— Foi engano — disse um dos agentes.

— Toque as mensagens — ordenou o agente líder ao gênio técnico da equipe.

Raman possuía um sistema de gravação digital, e novamente havia um código utilizado pelo fabricante. O agente tocou os seis dígitos e fez algumas anotações. Ouviram três mensagens nas quais ninguém falara e um número errado. Alguém ligando para o Sr. Sloan, fosse quem fosse.

— Tapete? Sr. Alahad?

— Parece nome de vendedor de tapetes — comentou um agente. Mas olhando em torno, viram que não havia um único tapete no apartamento, apenas o carpete usual, barato, de parede a parede, encontrado em apartamentos deste tipo.

— Número errado.

— Mesmo assim, pesquise os nomes.

Era mais uma questão de hábito que qualquer outra coisa. Eles checavam tudo. É como trabalhar para o FCI. Você simplesmente jamais sabia.

Nesse instante, o telefone tocou de novo. Os cinco agentes viraram-se para fita na secretária eletrônica, como se ela fosse uma testemunha real com uma voz real.

 

Merda, pensou Raman. Ele esquecera de apagar as mensagens anteriores.

Não tinha nada novo. Seu agente de controle não telefonara novamente. Teria sido uma surpresa se o tivesse feito. Com isso determinado, Raman, sentado num quarto de hotel de Pittsburgh digitou o código para apagar todas as mensagens. Essa era uma das coisas boas das novas secretárias eletrônicas digitais: quando apagadas as mensagens, elas desapareciam para sempre. Não era exatamente assim com os modelos com fitas cassetes.

 

Os agentes do FBI perceberam a manobra e trocaram olhares.

— Ei, todos nós fazemos isso. — Houve uma anuência geral. E todo mundo também recebia telefonemas errados. E esse era um colega agente. Mas mesmo assim eles pesquisariam os nomes e números.

 

CIRURGIÃ, para o alívio de sua subsegurança presidencial, estava dormindo no andar de cima da residência. Roy Altman e os outros que a protegiam tinham ficado arrancando os cabelos quando ela estivera na ala da febre — seu termo para isso — no hospital Hopkins, mais por medo de perigo físico do que de contágio, afinal ela sabia o que fazia. As crianças, sendo crianças, passaram a maior parte do tempo como as outras crianças americanas, assistindo TV e brincando sob a vigilância de seus agentes, que ficariam preocupados ao vê-las apresentar alguns sintomas de gripe. ESPADACHIM estava na Sala de Situação.

— Que horas são lá?

— Dez horas à nossa frente, senhor.

— Faça o telefonema — ordenou POTUS.

 

O primeiro 747, pertencente à United, cruzou o espaço aéreo saudita alguns minutos antes do esperado, devido aos ventos árticos favoráveis. Uma rota mais tortuosa não teria ajudado muito. O Sudão também possuía aeroportos e radares, como o Egito e a Jordânia, e considerava-se que a URI possuía informantes nesses países. A Força Aérea saudita, aumentada pelos F-16C

chegados de Israel no dia anterior como parte do plano AVANTE BÚFALO, mantinha patrulha de combate aéreo ao longo da fronteira da Arábia Saudita URI. Dois AWACS E-3B estavam no ar. O sol se levantando agora nesta parte do mundo — pelo menos os pilotos podiam ver a primeira luz de sua altitude de cruzeiro, embora na superfície, nove quilômetros abaixo, ainda estivesse escuro.

 

Bom dia, Primeira-Ministra. Aqui é Jack Ryan — disse o presidente.

— É um prazer ouvir sua voz. É tarde aí em Washington, não é? — perguntou a primeira-ministra.

— Ambos trabalhamos em horários irregulares. Imagino que o seu dia está apenas começando.

— Isso mesmo — respondeu a voz.

Ryan estava com um telefone convencional no ouvido. A conversa também estava sendo amplificada num viva-voz e gravada digitalmente. A CIA fornecera até mesmo um analisador vocal de estresse.

— Presidente, os problemas em seu país, eles melhoraram?

— Temos alguma esperança, mas ainda estamos com dificuldades.

— Há alguma coisa na qual possamos fornecer assistência?

Nenhuma das vozes demonstrava a menor emoção por trás da fraternidade falsa de pessoas desconfiadas umas das outras, e tentando esconder.

— Bem, sim. Na verdade há sim.

— Então, por favor, em que podemos ajudá-los?

— Primeira-ministra, temos alguns navios atravessando o mar de Omã neste momento — disse Ryan a ela.

— É mesmo? — Neutralidade total na voz.

— Sim, e a senhora sabe que temos, e eu quero sua garantia pessoal de que sua Marinha, que também está no mar, não irá interferir com nossa passagem.

— Mas por que o senhor está me pedindo isso? Por que nós deveríamos interferir a propósito, qual é o objetivo de seu movimento de tropas?

— A sua palavra na questão nos bastará, primeira-ministra — disse-lhe Ryan.

Sua mão direita segurou um lápis número 2.

— Mas, presidente, não consigo entender o propósito deste telefonema.

— O propósito deste telefonema é obter sua garantia pessoal de que a Marinha indiana não interferirá com a passagem pacífica das navios da Marinha norte-americana através do Mar de Omã.

 

Ele é tão fraco, pensou a ministra, repetindo o que já dissera inúmeras vezes.

— Presidente, considero seu telefonema perturbador. A América jamais conversou! conosco a respeito de um assunto dessa natureza. O senhor está dizendo que seus navios estão passando perto de meu país, mas não revela o objetivo do movimento. O tráfego de veículos dessa espécie sem explicação não é o ato de um amigo.

E se ela conseguisse fazê-lo recuar?

 

O que foi que eu lhe disse?, estava escrito no recado de Ben Goodley.

— Muito bem, primeira-ministra. Pela terceira vez: a senhora me dará sua garantia de que não interferirá nesta atividade?

— Por que estão invadindo nossas águas? — insistiu a ministra.

— Muito bem. — Ryan fez uma pausa, e então seu tom de voz mudou. — Primeira-ministra, o propósito do movimento não diz respeito direto ao seu país, mas eu lhe asseguro, aqueles navios navegarão rumo ao seu destino.

Como sua missão é importante para nós, não iremos, repito, não iremos, aceitar interferências de qualquer espécie e devo avisá-la de que a aproximação de qualquer navio ou aeronave não-identificados poderá gerar consequências adversas. Não, por favor me desculpe, a aproximação de um navio ou aeronave não-identificados irá gerar consequências adversas. Para evitar isso, estou comunicando à senhora nossa passagem, e requisitando sua garantia pessoal aos Estados Unidos da América de que nossos navios não sofrerão qualquer tipo de ataque.

— E agora o senhor me ameaça? Presidente, compreendo o estresse ao qual o senhor vem sendo submetido, mas, por favor, vocês não podem tratar nações soberanas dessa forma.

— Primeira-ministra, vejo que preciso falar com extrema clareza. Um ato ostensivo de guerra foi cometido contra os Estados Unidos da América.

Qualquer ato de interferência ou ataque às nossas forças armadas será considerado um outro ato de guerra, e qualquer país que cometer esse ato enfrentará as consequências mais sérias possível; — Mas quem fez isso com vocês?

— Primeira-ministra, isso não é do seu interesse, a não ser que faça questão que seja. No interesse de nossas nações, considero aconselhável a sua Marinha retornar a seus portos imediatamente.

— E o senhor nos culpa, nos ameaça?

— Esta conversa começou com um pedido, primeira-ministra. A senhora evitou meu pedido três vezes. Considero isso um ato inamistoso. Sendo assim, tenho uma nova pergunta: a senhora deseja entrar em guerra com os Estados Unidos da América?

— Presidente...

— Porque, primeira-ministra, é isso que acontecerá se aqueles navios não se moverem. — O lápis partiu na mão de Ryan. — Creio que a senhora se associou aos amigos errados, primeira-ministra. Espero estar equivocado, mas se minha impressão for correta, o seu país pode vir a se arrepender amargamente do seu erro de julgamento. Nós sofremos um ataque direto aos nossos cidadãos. Foi um ataque particularmente bárbaro e cruel, empregando armas de destruição em massa. — Ryan pronunciou essas palavras com extrema clareza. — Nossos cidadãos ainda não sabem disso, mas essa situação mudará muito em breve — disse-lhe o presidente. — E quando isso acontecer, primeira-ministra, os culpados pelo ataque enfrentarão nossa justiça. Não enviaremos cartas de protesto. Não invocaremos uma reunião especial do Conselho de Segurança da ONU em Nova York. Nós faremos guerra, primeira-ministra. Faremos guerra com todo o poder e ira que este país e seus cidadãos podem reunir. Entende o que estou dizendo? Homens e mulheres assassinados, e agora até crianças, foram assassinados dentro de nossas fronteiras por um poder estrangeiro.

Houve até mesmo um ataque contra minha filha, primeira-ministra. O seu país deseja estar associado a esses atos? Se o seu país deseja isso, primeira-ministra, se a senhora deseja fazer parte disso, então que a guerra comece agora.


56

Deslocamentos

— Meu Deus, Jack, você me convenceu — disse Jackson em baixa.

— Mas com nosso amigo no clero não será tão fácil. — O presidente esfregou as mãos suadas. — E ainda não sabemos se ela manterá a sua palavra.

Certo, a força-tarefa e COMEDIA está em Condição de Alerta 1. Se eles acharem que isso é hostil, ataquem. Mas pelo amor de Deus, verifiquem se esse comandante sabe usar a cabeça.

A Sala de Situação estava silenciosa agora, e o presidente Ryan sentiu-se muito solitário, apesar das pessoas reunidas ao seu redor. O secretário Bretano e os chefes do Estado-Maior estavam presentes. Rutledge representava o Estado.

O secretário estava ali porque Ryan confiava em seu julgamento. Goodley porque fora instruído completamente sobre toda a informação de espionagem; mais seu chefe de gabinete e os guarda-costas de sempre. Todos demonstraram o seu apoio, mas isso na verdade não ajudou muito. Ele sozinho conversara com a Índia, afinal, a despeito de toda ajuda e conselho Jack Ryan era os Estados Unidos da América, e o país estava entrando em guerra O conselho de imprensa foi informado acima do oceano Atlântico. A América esperava a qualquer momento um ataque da União Republicana do Islã contra os outros Estados do golfo. Eles estariam lá para cobrir os acontecimentos. Eles também foram instruídos sobre as forças que estavam sendo destacadas para o local.

— E só isso? — perguntou um dos jornalistas mais experientes.

— Isso é tudo por enquanto — confirmou o oficial de relações públicas. — esperamos que a demonstração de força seja suficiente para deter o ataque, mas se não for as coisas poderão ficar empolgantes.

— Empolgação não é a palavra.

Em seguida, o oficial explicou-lhes por que aquilo estava acontecendo, e o KC-135 sem janelas que estava levando-os para a Arábia Saudita ficou realmente silencioso.

 

O Kuwait essencialmente possuía duas brigadas pesadas, complementada por uma brigada de reconhecimento motorizada equipada com armas antitanques e destinadas como uma força de proteção na fronteira. As duas brigadas pesadas, equipadas e treinadas no modelo americano, estavam sendo mantidas afastadas da fronteira de modo a ser capazes de se mover para, em vez de defender o território de um ataque inicial, conter uma incursão. O 10° RCB dos Estados Unidos estava posicionado entre e ligeiramente atrás dessas duas.

O comando geral era um pouco equívoco. O coronel Magruder era o oficial com mais tempo de serviço, e o tático mais experiente, mas havia kuwaitianos superiores em postos — todas as três brigadas eram comandadas por generais de brigada — e este era o seu país. Por outro lado, o país era pequeno o bastante para requerer apenas um posto de comando primário, e Magruder estava lá tanto para comandar seu regimento quanto para aconselhar os comandantes do Kuwait.

Esses estavam ao mesmo tempo orgulhosos e tensos.

Compreensivelmente, estavam satisfeitos com os avanços que seu pequeno país fizera desde 1990. Não eram mais o Exército de ópera bufa que fora desintegrado na invasão ao Iraque — eles tinham que parecer, no papel e aos olhos, uma força mecanizada extremamente capaz. Estavam nervosos porque se encontravam em grande desvantagem numérica, e seus soldados — na maioria, reservistas — ainda tinham muito chão pelo frente antes de alcançar os padrões de treinamento americanos nos quais aspiravam. Mas se havia uma coisa que eles conheciam era sua artilharia. Tanques de guerra eram um passatempo agradável, mas também vital; os espaços vazios em suas formações deviam-se ao fato de que vinte tanques estava na oficina para substituições de seus tubos de canhão principais. Isso era realizado por técnicos civis enquanto as tripulações dos tanques aguardavam.

Os helicópteros do 10º RCB estavam voando em torno da fronteira do país, seus radares de longo alcance atentos para os movimentos da URI, mas até agora sem notar nada em especial. A força aérea kuwaitiana mantinha uma patrulha de quatro aviões de combate, com o resto da força em alerta máximo.

Embora em inferioridade numérica, a luta não seria uma reprise dos acontecimentos de 1990. As pessoas mais ocupadas eram os engenheiros, que estavam abrindo buracos para todos os tanques, de modo a poderem lutar com os veículos protegidos, com apenas suas torres de tiro aparecendo. Estas eram cobertas com redes que as tornavam invisíveis do ar.

— E então, coronel? — perguntou o comandante sênior do Kuwait.

— Nada errado com os seus destacamentos, general — replicou Magruder, correndo novamente os olhos pelo mapa.

Ele não estava demonstrando o que sentia. Duas ou três semanas de treinamento intensivo teriam sido uma bênção. Conduzira um único exercício muito simples, um combate simulado entre seus esquadrões contra a Brigada do Kuwait, e os americanos não forçaram muito os kuwaitianos. Não era o momento para acabar com sua confiança. Eles tinham entusiasmo, e sua artilharia era avaliada em cerca de 70% dos padrões americanos, mas tinham muito a aprender sobre manobras de combate. Bem, era preciso tempo para criar um Exército, e mais tempo ainda para treinar oficiais de campo, e os kuwaitianos estavam dando o melhor de si.

 

Alteza, preciso agradecer-lhe por sua cooperação até este ponto — disse Ryan pelo telefone. O relógio de parede na Sala de Situação marcava 2:10.

— Jack, com sorte eles verão isso e não se moverão — replicou o príncipe Ali bin Sheik.

— Gostaria de poder concordar com isso. É hora de contar-lhe uma coisa que ainda não sabe. Nosso embaixador apresentará a você informações completas ainda hoje. Por enquanto, precisa saber o que os seus vizinhos vêm fazendo. Não e só pelo petróleo, alteza.

Ryan prosseguiu a explicação por cinco minutos.

— Tem certeza disso?

— As provas que temos estarão em suas mãos em quatro horas — prometeu Ryan — Ainda não dissemos nem mesmo aos nossos soldados.

— Eles poderiam usar essas armas contra nós? — A pergunta natural. Guerra biológica arrepiava a pele de qualquer um.

— Não acreditamos, Ali. As condições ambientais agem contra o vírus. — E também fora checado. A previsão do tempo para a semana seguinte era quente, seco claro.

— Usar armas como essa é um ato de puro barbarismo, presidente.

— E por causa disso que não esperamos que recuem. Eles não podem...

— Não eles, presidente. Um homem. Um homem sem Deus. Quando falará com seu povo sobre isso?

— Em breve.

— Por favor, Jack, essa não é a nossa religião, essa não é a nossa fé. Por favor, diga isso ao seu povo.

— Eu sei disso, alteza. Isso não diz respeito a Deus. Diz respeito a poder.

Como sempre. Receio ter outras coisas para fazer.

— Eu também. Preciso falar com o rei.

— Mande-lhe minhas lembranças. Estaremos lado a lado, Ali, exatamente como antes.

Dito isso, Ryan desligou.

— Próximo assunto — disse Ryan. — Onde Adler está agora?

— Retornando a Taiwan — respondeu Rutledge. — Essas negociações ainda prosseguirão por algum tempo, embora seu propósito esteja agora mais claro.

— Certo, ele possui linhas de comunicação seguras no avião. Instrua-o — disse ao subsecretário. — Mais alguma coisa que eu precise fazer agora?

— Dormir — respondeu o almirante Jackson. — Deixe-nos cuidando do turno essa noite, Jack.

— Esse é um bom plano. — Ryan se levantou. Estava um pouco trêmulo devido ao estresse e à falta de sono. — Acordem-me se precisarem de mim.

Não faremos isso, pensaram todos.

 

— Muito bem — disse o comandante Kemper, lendo a mensagem de CONDIÇÃO CRÍTICA vinda do comando do Atlântico. — Isso simplifica muito as coisas.

O alcance até o grupo de batalha indiano era agora de 321 quilômetros, cerca de oito horas a todo vapor — ainda usavam esse termo, embora todas as naus de combate fossem agora impelidas por motores de turbinas de jato.

Kemper levantou o telefone e apertou um botão para falar pelo sistema de comunicação interna do navio.

— Atenção todos. Aqui é o comandante. A força-tarefa COMEDIA está agora em condição de Alerta 1. Isso significa que, se alguém se aproximar, devemos disparar contra ele. A missão é levar nossos cargueiros de tanques até a Arábia Saudita. Nosso país estava usando aviões de passageiros para enviar soldados para defender nossos aliados de um ataque na região pela nova União Republicana do Islã.

Em 16 horas, encontraremos uma ação de superfície que vem em alta velocidade do Mediterrâneo. Em seguida, entraremos no Golfo Pérsico para fazer nossa entrega. O grupo terá cobertura aérea amistosa na forma de caças F-16C da Força Aérea, mas é esperado que a URI, nossos velhos amigos iranianos, não fiquem felizes com nossa chegada.

O USS Anzio está indo para a guerra, pessoal. Isso é tudo por enquanto.

O comandante desligou o botão.

— Certo, vamos começar a conduzir simulações. Quero ver tudo que esses sacanas possam tentar contra nós. Teremos uma estimativa de informação atualizada em duas horas. É tudo por enquanto, veremos o que podemos fazer contra ataques de aviões e mísseis.

— E quanto aos indianos? — perguntou Weps.

— Ficaremos de olho neles também.

A tela tática principal mostrava um Orion P-3C sobrevoando COMEDIA para render aeronave agora em posição. O grupo de batalha seguia para leste, novamente recruzando seu rastro, como vinha fazendo há algum tempo.

Um satélite KH-1 estava passando agora, de noroeste para sudoeste, sobre o Golfo Pérsico. Suas câmeras, já tendo olhado os três corpos do Exército de Deus, estavam agora fotografando toda a costa iraniana, procurando pelos locais de lançamento dos mísseis Silkworm de fabricação chinesa. As imagens recebidas pelas câmeras eletrônicas eram retransmitidas por satélite sobre o oceano Índico, e dali até a área de Washington, onde técnicos, ainda usando máscaras cirúrgicas impregnadas de detergente, começavam a procurar pelos mísseis superfície-superfície em formato de aeroplano. Os lugares de armamento fixos eram bem conhecidos, mas as armas também podiam ser disparadas através carrocerias de caminhões de grande porte, e havia muitas estradas secundárias para dominar.

 

O primeiro grupo de quatro aviões de passageiros tocou o solo sem incidentes nas cercanias de Dhahran. Não houve recepção formal. Já estava quente. A primavera chegara mais cedo à região depois de um inverno surpreendentemente frio e úmido, e isso significava que as temperaturas ao meio-dia chegavam agora quase a 38 graus, em contradição aos 48 graus do alto verão, mas as temperaturas noturnas caíam para cerca de cinco graus. Ali, perto da costa, também era úmido.

Quando o primeiro avião de passageiros parou, a escada montada em caminhão foi colocada e o general de brigada Marion Diggs foi o primeiro a descer. Ele seria o comandante de campo nesta operação. A epidemia de vírus ainda atacando a América comprometera também a base da Força Aérea MacDill, na Flórida, lar do Comando Centrai, que detinha a responsabilidade por esta área. Os documentos de instrução que ele lera até agora diziam que o comandante da 366ª Esquadrilha de Combate Aéreo era também uma só estrela, mas inferior a ele. Fazia muito tempo desde que uma operação tão vital tinha sido encarregada a um oficial tão pouco graduado como ele, pensou Marion Diggs enquanto descia os degraus.

No sopé das escadas estava um três-estrelas saudita. Os dois homens trocaram saudações e entraram num carro para um percurso até o posto de comando local, para a atualização de informação. Atrás de Diggs estava o grupo de comando do 11º RCB, nas outras três aeronaves, um grupo de segurança e a maior parte do Segundo Esquadrão da Corcel Negro. Ônibus aguardavam para levá-los ao sítio POMCUS. Aquilo tudo parecia muito com os exercícios REFORGER dos tempos da Guerra Fria, que haviam antecipado um conflito OTAN - Pacto de Varsóvia, requerendo que soldados americanos fossem enviados por aviões de passageiros, ocupassem seus veículos e marchassem até a linha de frente. Aquilo nunca acontecera exceto em simulação, mas agora, novamente, estava acontecendo, e desta vez era para valer. Duas horas depois, o Segundo do Esquadrão da Corcel Negro estava rumando para campo aberto.

 

— Que quer dizer? — perguntou Daryaei.

— Parece estar havendo um movimento maciço de tropas — disse-lhe seu chefe de informação. — Sítios de radar no oeste do Iraque detectaram aviões comerciais entrando na Arábia Saudita vindos do espaço aéreo israelense.

Também foram acusados e escoltando os aviões de passageiros e patrulhando a fronteira.

— O que mais?

— Nada no momento, mas é provável que a América esteja movendo outra força para o reino. Não tenho certeza do que pode ser... com toda certeza, não é muito grande. Suas divisões baseadas na Alemanha estão sob quarentena, e todas as divisões baseadas em seu próprio território estão na mesma condição.

Na verdade, a maior parte de seu Exército está destacada para segurança interna.

— De qualquer forma, devemos atacá-los — instigou seu conselheiro da Força A.

— Acho que isso seria um erro — disse o Informação. — Invadir o espaço aéreo saudita seria alertar aqueles incompetentes cedo demais. Os americanos podem trazer, no máximo, uma força do tamanho de uma brigada. Há uma segunda força baseada em Diego Garcia, mas não temos nenhuma informação que sugira que ela se moveu. E se moveram, esperamos que nossos amigos indianos possam detê-la.

— E nós confiamos em pagãos? — perguntou com desprezo Força Aérea. E sim que os muçulmanos viam a religião oficial do subcontinente.

— Confiamos em sua antipatia para com os Estados Unidos. E podemos perguntar-lhes se sua frota avistou alguma coisa. Em todo caso, os americanos podem de uma força do porte de uma brigada. E isso é tudo.

— Acabe com eles, de qualquer modo!

— Isso acaba com a segurança operacional — frisou Informação.

— Se a esta altura eles não sabem o que estamos fazendo, é porque são completos idiotas — objetou Força Aérea.

— Os americanos não têm qualquer motivo para suspeitar que tenhamos tomado ações hostis contra eles. Atacar suas aeronaves, se é isso que elas são, irá alertar desnecessariamente a eles, não apenas aos sauditas. Eles provavelmente estão preocupados com nossos movimentos de tropas no Iraque e enviando pequenos reforços. Quando a hora certa chegar, poderemos lidar com eles — disse-lhes Informação.

— Telefonarei para a Índia — disse Daryaei, apaziguando-os.

 

Apenas radares de navegação... devem estar sendo realizadas suas buscas aéreas, provavelmente a partir dos porta-aviões — disse o suboficial. — Sua rota de curso zero-nove-zero, velocidade cerca de 16 nós.

O oficial tático no Orion baixou os olhos para seu mapa. O grupo de batalha indiano encontrava-se na fronteira oriental extrema do padrão de pista de corrida que eles vinham acompanhando nos últimos dias. Em menos de vinte minutos, reverteriam o curso para o oeste. Se eles se virassem, as coisas ficariam excitantes. COMÉDIA estava agora a 220 quilômetros da outra formação, e suas aeronaves alimentavam o Anzio e o Kidd com informações constantes. Sob as asas do Lockheed de quatro turbinas havia quatro mísseis Harpoon. Brancos, ogivas nucleares. A aeronave estava agora sob o comando tático do capitão Kemper no Anzio, e sob sua ordem eles poderiam lançar os mísseis, dois contra cada porta-aviões indianos, porque eles eram a arma principal da Marinha inimiga. Alguns minutos depois, haveria um enxame de Tomahawks e mais Harpoons seguindo o mesmo percurso.

— Eles estão EMCON? — conjeturou o oficial.

— Controlando emissões? — replicou o marinheiro. — COMÉDIA deve tê-los agora em seus equipamentos de medidas de vigilância eletrônica. Com toda certeza, nossos rapazes estão enchendo o céu, senhor.

COMEDIA tinha essencialmente duas escolhas. Adotar Controle de Emissões ENCON, desligando seus radares para obrigar o outro lado a gastar tempo e combustível procurando por eles, ou simplesmente encher o céu, criando uma bolha eletrônica que o outro lado poderia ver com facilidade, mas cuja penetração seria perigosa. O Anzio escolhera a segunda opção.

— Alguma conversa entre aviões? — perguntou o oficial tático a outro tripulante.

— Negativo, senhor. Nenhuma conversa.

— Hum...

Como os Orion estavam voando baixo, sua presença provavelmente não era conhecida pelos indianos, a despeito de seus equipamentos de antibusca. Ele estava praticamente tentado a se mostrar, enchendo o céu com seu próprio radar de busca. O que eles estavam pretendendo? Talvez alguns navios tivessem se afastado do grupo, seguindo para oeste, digamos, para lançar um ataque de mísseis fora de eixo? Ele n;ao podia saber o que estavam dizendo ou pensando.

Tudo que tinha eram rastros de curso gerados por computador tendo por base sinais de radar. Os computadores sabiam precisamente onde as aeronaves estavam em todos os momentos graças sistema de posicionamento de satélites (GPS). Depois disso, as marcações de radar possibilitavam cálculos de sua localização e...

— Mudança de curso?

— Negativo. O sistema mostra-os ainda seguindo zero-nove-zero a 16 nós. Estão passando da formação em caixa agora, senhor. Isso é ainda mais para leste do que em três dias. Eles estão agora a 48 quilômetros a leste do curso de COMEDIA para o estreito.

— Queria saber se mudaram de ideia...

 

— Sim, nossa frota está no mar — disse-lhe a primeira-ministra.

— Avistaram navios americanos?

A líder do governo indiano estava sozinha em seu gabinete. Seu ministro das Relações Exteriores estivera com ela mais cedo e voltava neste momento.

Este telefonema fora previsto, mas não desejado.

A situação havia mudado. O presidente Ryan, ainda que um fraco — quem senão um fraco ameaçaria um país soberano? — havia assustado a ministra. E se a peste na América tivesse sido deflagrada por Daryaei? Ela não tinha provas disso, e jamais tentaria apurar os fatos. Seu país não podia ser associado a um ato dessa natureza. Ryan pedira — quantas vezes, quatro? cinco? — sua palavra de que a Marinha indiana não iria obstruir o movimento da frota americana.

Mas apenas uma vez ele empregara o termo armas de destruição em massa.

Essa era a frase-código mais fatal nas relações internacionais. A situação era ainda mais preocupante, dissera-lhe o ministro das Relações Exteriores, porque a América só possuía um tipo de armas dessa natureza, e foi razão, considerava as armas biológicas e químicas como armas nucleares. Isso conduzia a outro cálculo. Aviões combatiam aviões. Navios combatiam navios. Tanques batiam tanques. Respondia-se a um ataque com a mesma arma usada pelo inimigo.

Com todo poder e ira, ela também lembrava. Ryan sugerira abertamente que iria, tendo por base a natureza do suposto ataque desferido pela URI. Ela também não desconsideraria o ataque sofrido pela filhinha de Ryan. Quando estivera na Sala Oval na recepção depois do funeral, a primeira-ministra vira o carinho que Ryan dedicava aos filhos. Ainda que um fraco, Ryan era um fraco zangado, que dispunha das armas mais perigosas que existiam.

Daryaei cometera o erro de provocar a América daquela forma. Teria sido fácil atacar os sauditas e vencer a batalha com armas convencionais. Mas, não, ele tinha que aleijar os americanos em sua casa, provocá-los de uma forma que era a prova de sua loucura — e agora a primeira-ministra, seu governo e seu país podiam ser implicados loucura.

A primeira-ministra não havia negociado por nada disso. Deslocar sua frota fora bastante arriscado. E os chineses, o que eles haviam feito? Iniciado um exercício de guerra e talvez danificado aquele avião de passageiros — a cinco mil quilômetros de distância.

Que riscos a URI estava correndo? Ora, nenhum. Daryaei exigira muito da índia, e com seu ataque direto aos cidadãos americanos, essas exigências haviam se revelado abusivas.

— Não — disse a primeira-ministra a Daryaei, escolhendo as palavras com o máximo de cuidado. — As unidades de nossa frota viram aviões de patrulha americanos, mas nenhum navio. Ouvimos falar, e vocês provavelmente também, que um grupo de navios americanos está transitando por Suez, mas apenas naves de guerra e nada mais.

— Tem certeza absoluta? — perguntou Daryaei.

— Meu amigo, os navios e as aeronaves de nossa Marinha não avistaram uma nau americana sequer no mar de Omã. — As únicas aeronaves sobre o mar de Omã foram os MiG-23 da Força Aérea indiana. Ela não estava mentindo para seu suposto aliado. Não de todo. — O mar é grande — acrescentou. — Mas os americanos não são tão inteligentes, são?

— Sua amizade não será esquecida — prometeu-lhe Daryaei.

A primeira-ministra recolocou o telefone no lugar, imaginando se fizera a coisa certa. Ora, se as naus americanas entrassem no Golfo, ela sempre poderia afirmar não tê-las localizado. Aquilo era verdade, não era? Enganos aconteciam, não aconteciam?

 

— Captei quatro aeronaves decolando de Gasr Amu — anunciou um comandante a bordo do AWACS.

A recém-constituída força aérea da URI também estava operando, mas principalmente sobre a parte central do novo país, sendo difícil de ser localizada mesmo a partir da plataforma aérea de radar.

Quem havia planejado isto não estava fazendo um serviço ruim. O quarto quarteto de aviões de passageiros acabara de cruzar o espaço aéreo saudita, a menos de 320 quilômetros dos caças da URI que estavam subindo ao céu. Até este momento tudo estivera calmo no front aéreo. Nas últimas horas, dois caças haviam sido rastreados, mas provavelmente estavam em revisão, depois de terem sido consertados por algum defeito. Mas isto agora era uma esquadrilha de quatro caças que decolara em dois elementos espaciais bem espaçados. Isso fazia deles caças em missão.

A cobertura aérea atual da Operação CUSTER neste setor era uma esquadrilha de quatro F-16 norte-americanos, orbitando a trinta quilômetros da fronteira.

— Líder Kingston, aqui é Céu Seis, câmbio.

— Céu, aqui é Líder.

— Temos quatro bandidos, a zero-três-cinco da sua posição, anjos dez e subindo, curso dois-nove-zero. Os quatro F-16 americanos moveram-se para oeste para se posicionar entre os caças URI e os aviões de passageiros em rota de aproximação.

A bordo do AWACS, um oficial saudita ouviu a conversa de rádio entre a estação terrestre de radar controlando a esquadrilha de quatro e os caças. Os caças da URI, agora identificados com o F-l de fabricação francesa, continuaram a se aproximar da fronteira, e então deram a volta a 15 quilômetros dela, finalmente traçando apenas um quilômetro e meio para dentro. Os F-16 fizeram algo muito parecido; os pilotos viram uns aos outros, e examinaram os respectivos caças a três quilômetros de distância, através dos visores protetores de seus capacetes. Os mísseis ar-ar estavam claramente visíveis debaixo das asas de todos os aviões.

— Querem se aproximar e dizer olá? — disse pelo rádio o major da Força Aérea americana liderando os F-16. Não houve resposta. O comboio da Operação CUSTER prosseguiu sem restrições para Dhahran.

 

O’Day chegou cedo; sem aulas com as quais se preocupar, a babá estava apreciando todo o dinheiro que iria ganhar. A notícia mais importante para todos era que nenhum caso da nova doença fora reportado num raio de 16 quilômetros de sua casa. Apesar da inconveniência, O’Day estava dormindo em casa todas as noites e embora numa das ocasiões só pudesse ter feito isso por quatro horas. Ele não podia ser um pai se não desse um beijo de boa-noite em sua filhinha. Pelo menos o percurso até o trabalho estava fácil. Ele conseguira um carro do FBI. Era mais rápido que sua caminhonete e completo, com uma luz piscante que lhe permitia passar direto por todos os postos de checagem no caminho.

Em sua mesa estavam os resumos de casos das checagens de antecedentes de todos os funcionários do Serviço Secreto. Em cada caso, o trabalho fora feito pela segunda vez. Todos os funcionários do Serviço Secreto precisavam ser submetidos a checagem de antecedentes para receber as permissões de acesso às informações confidenciais que era parte automática de seus trabalhos.

Certidões de nascimento, fotos dos tempos do segundo grau e tudo o mais precisava conferir perfeitamente. Mas dez arquivos haviam revelado pontas soltas, e tudo isso seria verificado mais tarde. O’Day leu todos os arquivos. Ele continuava voltando a se concentrar num deles.

Raman era iraniano de nascença. Mas os Estados Unidos eram uma nação de imigrantes. O FBI originalmente fora construído por irlandeses, principalmente os educados em instituições jesuítas — o Boston College e o Holy Cross tinham sido os favoritos, segundo a lenda —, aparentemente porque J. Edgar Hoover acredita americano com sangue irlandês e educação jesuíta não seria capaz de trair seu país dúvida, isso gerara alguma controvérsia na época, e ela se estendia até os dias de hoje. Mas era de conhecimento geral que os imigrantes costumavam ser os cidadãos mais leais, frequentemente de uma fidelidade feroz. As forças armadas e as agências de segurança costumavam lucrar com isso. Bem, pensou Pat, seria fácil verificar. Bastava a informação do tapete. Ele imaginou quem seria o tal Sr. Sloan. Provavelmente era quem queria um tapete.

 

As ruas de Teerã estavam silenciosas. Clark não lembrava delas assim quando fora ali pela primeira vez, entre 1979 e 1980. Sua viagem mais recente tinha sido muito arriscada, mas não ostensivamente perigosa. Sendo jornalistas, eles agiam como jornalistas. Clark reentrou em áreas marcadas, conversando educadamente com as pessoas sobre as condições comerciais, a disponibilidade de comida, o que elas achavam da união com o Iraque, quais eram suas esperanças para o futuro, e tudo que conseguiu foi pura rasgação de seda. Os comentários políticos eram especialmente inócuos, curiosamente carentes da paixão que ele lembrava da crise dos reféns, quando cada coração e mente estava voltado contra todo o mundo exterior — especialmente a América. Morte a América. Bem, eles tinham dado substância àquele desejo, pensou John. Ou pelo menos um deles. Ele não sentia mais aquele ânimo entre as pessoas, pensou John, recordando o joalheiro estranhamente cordial. Talvez quisessem apenas viver, tal como todo mundo. A apatia fazia-o lembrar dos cidadãos soviéticos na década de 80. Tudo que desejavam era continuar vivendo, talvez um pouco melhor, talvez numa sociedade que atendesse às suas necessidades.

Não havia mais uma chama revolucionária neles. Então porque Daryaei faria aquilo? Como seu povo reagiria? A resposta óbvia era que ele havia perdido o contato com o povo, costumava acontecer com os Grandes. Ele tinha seu cortejo de fiéis, e um número maior de pessoas dispostas a passear de ônibus e desfrutar os assentos confortáveis enquanto todos os outros procuravam sair do caminho, mas era só. Esse era um terreno fértil para recrutar agentes, para identificar aqueles que estavam fartos e dispostos. Uma pena que não houvesse tempo para conduzir uma operação apropriada aqui nessas horas. Precisava voltar ao hotel. Seu primeiro dia fora uma perda de tempo e um desperdício de seu disfarce. Seus colegas russos chegariam no dia seguinte.

 

A primeira ordem de trabalho era checar os nomes Sloan e Alahad. Isso começou com uma consulta ao catálogo telefônico. Com toda certeza, havia um Mohammed Alahad. Ele tinha um anúncio nas Páginas Amarelas. Tapetes persas e orientais. Para a sorte de muitos comerciantes de tapetes, por algum motivo as pessoas não associavam a Pérsia com Irã. A loja ficava na Wisconsin Avenue, a cerca de um quilômetro do apartamento de Raman, o que na verdade não queria dizer nada. Similarmente um Sr. Joseph Sloan no catálogo; seu telefone era 536-4040, enquanto o de Raman 1040. Um erro de um dígito, o que explicava facilmente o número errado na secretária eletrônica do agente do Serviço Secreto.

O passo seguinte era puramente burocrático. Os registros informatizados das chamadas telefônicas foram checados por comandos de computador. A quantidade de chamadas era imensa, o que demandou quase um minuto para a operação, mesmo com o período das datas prováveis... e afinal a resposta apareceu no monitor do agente para 202-536-3040 de 202-459-6777. Mas esse não era o número da Alahad, era? Uma checagem adicional revelou o 6777 como um telefone público a dois quarteirões da loja. Esquisito. Se ele estava tão perto da casa, por que gastaria uma moeda de 25 cents para dar um telefonema?

Por que não checar de novo? O agente era o gênio tecnológico de seu esquadrão, jeans e um corte de cabelo rebelde. Ele poderia ter sido um ladrão de bancos extraordinário, mas considerara trabalhar para a contrainformação mais ao seu gosto. Era como as aulas de engenharia que frequentava nos tempos de faculdade. Precisava apenas de um pouco de atenção para entender tudo e ser considerado brilhante. Ele também descobrira que os espiões estrangeiros que ele perseguia sentiam mais ou menos a mesma coisa que ele.

Hmm... em todo o mês passado não Havia nenhum telefonema fora dado da loja de tapetes para 536-4040. Ele recuou mais um mês. Não. Que tal a outra direção? Não, 536-4040 jamais telefonara para 457-1100. Agora, se Raman tinha encomendado um tapete... por que não houvera um telefonema a esse respeito nas duas direções?

O agente inclinou-se até a mesa ao lado.

— Sylvia, quer dar uma olhada nisto?

— O que é, Donny?

 

A CORCEL NEGRO estava totalmente no solo agora. A maioria estava em sem veículos próprios ou cuidando de seus aviões. O 11°RCB consistia em 123 tanques de batalha, 16 canhões móveis M109A6 Paladin 155mm e oito sistemas de pistas de lançamentos múltiplos de foguetes M270, mais um total de 83 helicópteros, 26 dos quais aeronaves de ataque Apache AH-54D. Essas eram as plataformas de tiro. Eram apoiadas por centenas de veículos leves — em sua maioria, caminhões para transporte de combustível, alimentos e munições —, mais vinte extras conhecidos localmente como Bufálos-d’água, uma necessidade vital nesta parte do mundo.

A primeira ordem de trabalho era tirar todo mundo do sítio POMCUS. Os veículos de pistas foram conduzidos em trailers no percurso para norte até Abu Hadriyah, uma cidadezinha com um aeroporto e o ponto de encontro para o 11º RCB. À medida que cada veículo era tirado de seu armazém, ele parava num ponto selecionado previamente, marcado com tinta vermelha. Ali os sistemas de navegação GPS eram usados contra um ponto de referência conhecido. Duas das caixas IVIS estavam desligadas. Uma delas anunciava o fato sozinha, enviando uma mensagem de rádio codificadas para a tropa de apoio do regimento, exigindo que fosse substituída e consertada outra estava completamente anulada, e a tripulação teve de descobrir isso sozinha, o quadrado vermelho e grande ajudou.

Os caminhões dos trailers foram conduzidos por paquistaneses, algumas centenas dos milhares importados para o Reino Saudita para realizar trabalhos simples. Para as guarnições dos tanques Abrams e Bradley foi um momento emocionante, porque tiveram de trabalhar dentro de seus carros de combate para se certificar de que tudo e funcionando. Com os trabalhos rotineiros acabados, motoristas, carregadores e comandantes enfiaram as cabeças para fora de suas escotilhas, esperando desfrutar a paisagem. O que viram foi diferente do Forte Irwin, mas não incrivelmente empolgante. A havia um oleoduto. A oeste um monte de nada. Mesmo assim, a vista era melhor do que aquela que haviam desfrutado no voo. Todos observaram a paisagem, menos os atiradores de canhão, muitos dos quais estavam lutando contra cãibras terríveis, um problema comum para pessoas que precisavam trabalhar horas a fio na mesma posição. Pelo menos o percurso não demoraria muito; aparentemente, os caminhoneiros locais recebiam por milhas e não por hora. Eles dirigiam como maníacos.

Os soldados da Guarda Nacional estavam começando a chegar. Eles não tinham nada a fazer no momento além de armar as tendas providenciadas para eles, beber litros c litros de água, e se exercitar.

 

A Agente Especial Supervisora Hazel Loomis comandava esta equipe de dez agentes. Sissy Loomis estava no FCI desde o começo de sua carreira, virtualmente toda ela em Washington. Aproximando-se dos quarenta anos, ainda tinha a aparência de líder de torcida que servira-a tão bem em seus dias como agente de rua. Ela também tinha vários casos bem-sucedidos sob o cinto.

— Isto parece um pouco esquisito — disse-lhe Donny Selig, pousando suas anotações na mesa de Hazel.

Não foi preciso muita explicação. Contatos telefônicos entre agentes jamais incluíam as palavras Estou com o microfilme. As mensagens mais inócuas eram pré-selecionadas para conduzir informações adequadas. Esse era o motivo pelo qual eram chamadas palavras código. Loomis examinou as informações, e em seguida olhou pura cima.

— Pegou os endereços?

— O que você acha, Sis? — disse Selig.

— Então vamos ver o Sr. Sloan.

 

A única parte ruim de ser promovida era que, sendo supervisora, Hazel Loomis não tinha muita oportunidade de pôr as mãos na massa. Mas não desta vez, disse Loomis pensou com os seus botões.

 

Pelo menos o Strike Eagle F-15E possuía uma tripulação de dois integrantes, permitindo ao piloto e ao operador de sistemas de armas conversarem durante o voo interminável. O mesmo era válido para as seis tripulações de bombardeiros B-1B; o Lancer tinha área suficiente para que as pessoas pudessem deitar e dormir — para não mencionar um vaso sanitário. Isso significava que, ao contrário das tripulações dos caças, eles não precisariam tomar banho imediatamente ao chegar a Al Kharj, seu destino final, ao de Riad.

A 366ª Esquadrilha de Combate Aéreo possuía três postos especiais pelo mundo. Eram bases em locais previsivelmente problemáticos, com equipamento de apoio, combustível e instalações mantidas por pequenas equipes de serventes. A eles se juntariam os homens da 366ª, que estavam chegando principalmente em aviões de passageiros.

O novo contingente incluía tripulações de combate adicionais, de modo que, teoricamente, a tripulação que estivesse vindo da base da Força Aérea em Idaho pudesse dormir, enquanto outras equipes de apoio poderiam, teoricamente, conduzir as aeronaves em batalha. Felizmente para todos os envolvidos, isso não seria necessário. Homens e mulheres da Força Aérea trouxeram seus aviões para pousar, taxiaram até seus abrigos e desembarcaram, passando suas incumbências para a equipe de manutenção. Antes de mais nada os tanques de combustível foram removidos e trocados por dispositivos para suporte de armas, enquanto as equipes dirigiam-se a banhos demorados e reuniões com oficiais de informação. Durante um período de cinco horas, toda a força de combate do 366ª permaneceu na Arábia Saudita, menos um F-16C, que apresentara problemas com os instrumentos e tivera de mudar de curso para a base da Força Aérea Real de Bentwaters, na Inglaterra.

 

— Sim?

A velha não estava usando máscara cirúrgica. Sissy Loomis deu-lhe uma.

Essa era a última forma de saudação na América.

— Bom dia, Sra. Sloan. FBI — disse a agente, segurando sua identificação.

— Sim? — Ela não estava intimidada, mas sim surpresa.

— Sra. Sloan, estamos conduzindo uma investigação e gostaríamos de fazer-lhe algumas perguntas. Precisamos apenas esclarecer uma coisa. A senhora pode nos ajudar?

— Acho que sim.

A Sra. Joseph Sloan tinha mais de sessenta anos, vestia-se bem e parecia simpática, ainda que um pouco surpresa com aquilo. Dentro de seu apartamento, o televisor estava ligado, sintonizado, a julgar pelo som, numa estação local. A previsão do tempo estava sendo anunciada.

— Podemos entrar? Este é o agente Don Selig — disse Loomis, apontando com a cabeça para seu mago técnico. Como sempre, seu sorriso amigável ganhou o dia; a Sra. Sloan nem mesmo colocou a máscara.

— Mas é claro. — A dona da casa afastou-se da porta para dar passagem aos agentes. Sissy Loomis precisou dar apenas uma olhada em torno para perceber que alguma coisa não estava completamente certa aqui. Para começar, não havia nenhum tapete persa na sala de estar — em sua experiência, as pessoas não compravam apenas uma dessas coisas. Além disso, o apartamento era limpo demais.

— Desculpe-me, o seu marido está? A resposta foi imediata. E dolorosa.

— Meu esposo faleceu em setembro último — disse à agente.

— Oh, sinto muito, Sra. Sloan. Não sabíamos.

E com essa informação, uma investigação de rotina mudou para algo bem diferente — Ele tinha mais idade que eu. Joe estava com 78 — disse a mulher, apontando para uma foto na mesinha de centro: duas pessoas muitos anos atrás, o homem com cerca de trinta, a mulher ainda não na casa dos vinte.

— O nome Alahad significa alguma coisa para a senhora? — perguntou Loomis depois de se sentar.

— Não. Deveria?

— Ele vende tapetes persas e orientais.

— Oh, não temos nenhum tapete. Sou alérgica a lã, sabia?


57

Passagem Noturna

— Jack? — Os olhos de Ryan piscaram antes de abrir completamente; o sol estava brilhando através das janelas. Olhando o relógio de pulso, viu que passava das oito da manhã.

— Mas que merda é essa? Por que ninguém me...

— Você não acordou nem com o alarme do despertador — disse-lhe Cathy. — Andréa disse que Arnie mandou deixar você dormir até mais ou menos esta hora. Também achei que precisava — acrescentou CIRURGIÃ. Ela mesma dormira mais de dez horas antes de acordar às sete. — Dave mandou-me tirar o dia de folga.

Jack se levantou e caminhou imediatamente até o banheiro. Quando retornou, Cathy, usando seu casaco de ficar em casa, deu-lhe seus relatórios de atualização. O presidente ficou imóvel no centro do quarto, lendo os documentos. A razão dizia-lhe que se alguma d usa séria houvesse acontecido, eles o teriam acordado — ele já tinha dormido apesar do alarme do despertador antes, mas jamais deixava de acordarão toque de um telefone. Os relatórios disseram-lhe que tudo estava, se não exatamente bem, então relativamente estável. Dez minutos depois, ele estava vestido. Aproveitou a oportunidade de dizer olá aos filhos e beijara esposa. Então saiu.

— ESPADACHIM em movimento — disse Andréa por seu microfone. — Sala de Situação? — perguntou a POTUS.

— Sim. De quem foi a ideia de...

— Presidente, foi do chefe de gabinete, mas ele tinha razão, senhor.

Ryan olhou para Andréa enquanto a agente apertava o botão para o térreo.

— Acho que fui voto vencido, então.

Era evidente que a equipe de segurança nacional passara a noite em claro em seu benefício. Ryan tinha café à sua espera.

— Muito bem, o que está acontecendo lá fora?

— COMEDIA está agora 230 quilômetros além dos indianos. Acredita que eles Permaneceram seus postos de patrulha atrás de nós? — disse o almirante Jackson ao seu comandante-em-chefe.

— Jogando nos dois lados da rua — concluiu Ben Goodley.

— É uma boa forma de ser atropelado por carros vindo nas duas direções — teorizou Arnie.

— Prossiga.

 

— A Operação CUSTER está sendo realizada. A 366 está toda na Arábia Saudita, com exceção de um caça quebrado que precisou desviar-se para a Inglaterra. O 11º RCB está saindo de seu sítio de armazenagem para uma área de reunião. Até agora, tudo bem — disse o J-3. — O outro lado destacou alguns caças para a fronteira, mas nós e os sauditas tínhamos uma força de bloqueio e não aconteceu nada além de algumas caras feias.

— Alguém acha que eles irão recuar? — perguntou Ryan.

— Não. — A resposta veio de Ed Foley. — Eles não podem, não agora.

 

O encontro aconteceu a oitenta quilômetros do cabo Rass al Hadd, a extremidade sudoeste da península Arábica. Os cruzadores Normandy e Yorktown, o destróier John Paul Jones, e as fragatas Underwood, Doyle e Nicholas assumiram uma posição a retaguarda, de modo que o Platte e o Supply pudessem juntar-se a eles depois de virem a todo vapor de Alexandria.

Helicópteros conduziram os comandantes até o Anzio, cujo comandante era o mais graduado, para uma discussão de uma hora sobre a missão. Seu destino era Dhahran. Para chegar lá teriam de seguir para sudeste pelo estreito de Hormul.

O percurso levaria mais de seis horas, e eles chegariam às 8:20 da noite, hora local. O estreito tinha 32 quilômetros de comprimento e salpicado de ilhas, além de ser um do caminhos aquosos mais navegados do mundo — mesmo agora, apesar da crise crescente. Os supertanques, um dos quais deslocava mais água que todas as naus de guerra na agora designada TF-61.1 combinadas, eram apenas as embarcações mais conhecidas em trânsito na área. Havia também cargueiros enormes ostentando as bandeiras de dez nações, e até mesmo um cargueiro de níveis múltiplos que parecia um edifício-garagem de uma cidade grande, transportando carneiros vivos da Austrália. O cheiro desse navio era famoso em todos os oceanos do mundo. O estreito era coberto por radar para estabelecer controle de tráfego — a possibilidade de uma colisão entre dois supertanques aqui era remota —, o que significava que o TF-61.1 dificilmente seria capaz de passar sem ser notado. Mas havia algumas coisas que podiam ser feitas. No ponto mais estreito os navios da Marinha seguiriam para o sul, esquivando-se através das ilhas pertencentes a Omã, e com sorte um pouco obscurecidos por elas. Em seguida se moveriam para de Abu Musa, passariam pela miríade de plataformas de petróleo, novamente usando como cobertura contra radar, e então descreveriam uma linha reta até Dhahran, passando pelos mini-Estados de Qatar e Bahrein. A oposição, diziam os agentes, incluía de origem americana, inglesa, russa, chinesa e francesa, todas armadas com algum tipo de míssil. As embarcações mais importantes no grupo, evidentemente, estavam totalmente desarmadas. Mantendo sua formação em caixa, o Anzio iria liderá-los, 1800 metros a frente. O Normandy e o Yorktown assumiram posição 1.800 metros a estibordo, com Jones em seu rastro. As duas embarcações de reabastecimento que estavam a caminho, e o OBannon e todas as fragatas acompanhando-as de perto, formariam um segundo grupo. Os helicópteros estariam no ar, para patrulhar e, com seus transceptores de radar ligados, para simular alvos muito maiores. Os diversos comandantes concordaram com o plano e esperaram por seus helicópteros para levá-los de volta aos seus navios.

Era a primeira vez em eras que uma formação naval americana estava na linha de fogo sem um porta-aviões para apoiá-la de perto. Com os tanques cheios de combustível, o grupo formou-se conforme o planejado, apontou suas proas para noroeste e se colocou em movimento a 26 nós. Às seis da tarde, hora local, uma esquadrilha de quatro caças F-16 passou voando sobre suas cabeças, tanto para dar aos navios Aegis uma oportunidade de praticar controle de mira contra alvos vivos, quanto para verificar os códigos IFF a serem usados na missão daquela noite.

 

Logo perceberam que Mohammed Alahad era um cidadão extremamente comum. Chegara aos EUA havia mais de 15 anos. Supostamente viúvo e sem filhos. Dirigia um negócio decente e lucrativo numa das melhores ruas comerciais de Washington. E estava, na verdade, trabalhando naquele momento. Embora a placa de FECHADO estivesse na porta, supuseram que Alahad não tinha nada melhor a fazer além de ficar sentado na loja contando seu dinheiro.

Um dos integrantes do esquadrão de Loomis caminhou até a loja e bateu na porta. Alahad veio abri-la. Seguiu-se uma conversa curta, com os gestos esperados, e eles puderam adivinhar o que estava sendo dito. Desculpe, mas estamos fechados; todos os negócios estão suspensos por causa da ordem do presidente... sim, claro, mas eu não tenho nada para fazer, e nem o senhor, certo? — Sim, mas é uma ordem e... ei, quem vai ficar sabendo. Finalmente o agente entrou, usando sua máscara cirúrgica. Permaneceu dez minutos ali antes de sair, dobrar a esquina e fazer uma chamada de rádio de seu carro.

— E uma loja de tapetes — disse o agente a Loomis pelos canal codificado de rádio. — Se queremos vasculhar o local, teremos de esperar.

Já havia uma escuta na linha telefônica do vendedor de tapetes, mas até agora ele não dissera nem recebera qualquer ligação.

A outra metade do esquadrão de Loomis estava no apartamento de Alahad.

Ali acharam uma foto de uma mulher e uma criança, provavelmente seu filho, usando algum tipo de uniforme. Tinha provavelmente 14 anos, pensou o agente, fotografando-os com uma Polaroid. Mas, novamente, tudo ali era completamente normal. Era exatamente a forma como um homem de negócios, ou um espião, viveria na área de Washington. Eles tinham nas mãos o começo de um caso, mas não provas suficientes para levar a um juiz, certamente não para uma autorização de busca. Contudo, esta era uma investigação de segurança nacional envolvendo a segurança pessoal do presidente, e o quartel-general dissera-lhes que não havia regras. Tecnicamente, já haviam cometido duas violações da lei ao invadir dois apartamentos sem autorização judicial, e mais duas ao violar duas linhas telefônicas. Depois de terminar todo esse trabalho, Loomis e Selig seguiram até o prédio residencial do outro lado da rua.

Com o porteiro, ficaram sabendo que havia um apartamento vago de frente para a loja de Alahad. Pegaram as chaves para o apartamento sem a menor dificuldade e montaram sua vigilância da fachada da loja, enquanto mais dois agentes vigiavam a porta dos fundos. Em seguida, Sissy Loomis usou seu telefone celular para ligar para o quartel-general. Talvez não fosse suficiente para levar para um juiz ou um promotor, mas era o bastante para conversar sobre o assunto coo um outro agente.

 

O outro suspeito potencial ainda não estava completamente limpo, percebeu O’Day. Os dois suspeitos eram Raman e um agente negro cuja esposa era uma muçulmana que estava claramente tentando converter o marido — mas o agente conversava sobre isso com seus camaradas e havia em sua ficha uma anotação de que seu casamento como o de outros no Serviço, estava indo por água abaixo. O telefone tocou.

— Inspetor O’Day.

— Pat? É Sissy.

— O que descobriram sobre Raman? — O’Day trabalhara em três casos com ela, todos envolvendo espiões russos. A líder de torcida tinha dente de pitbull quando mordia alguma coisa.

— Sabe mensagem na secretária eletrônica dele, o engano?

— Sei.

— Nosso vendedor de tapetes estava ligando para um morto cuja esposa é alérgica a lã — relatou Loomis.

Bingo.

— Continue, Sis.

Loomis leu suas anotações e as informações colhidas pelas pessoas que haviam entrado no apartamento do comerciante.

— Parece que estamos no caminho certo, Pat. Tudo nesta situação é certinho demais. Os acasos parecem tão normais que não chamam a menor atenção. Mas por que ele usaria o telefone público, exceto por estar preocupado com alguém ter grampeado a sua linha? Por que ligar para um morto por engano? E por que o número errado tinha de ser de alguém da segurança presidencial?

 

— Bem, Raman está fora da cidade.

— Mantenha-o por lá — aconselhou Loomis.

Eles não tinham um caso. Eles ainda estavam cavando a causa provável. Se prendessem Alahad, ele teria o bom senso de pedir um advogado... mas o que um advogado faria? Alahad dera apenas um telefonema. Não precisaria defender-se de um telefonema. Tudo que precisava fazer era não abrir a boca.

Seu advogado diria que havia ocorrido algum tipo de equivoco — Alahad provavelmente tinha até uma explicação plausível já preparada; ele manteria a explicação no bolso, claro — pediria provas, e o FBI não teria nada para mostrar.

— Não temos muito o que fazer por enquanto, não é?

— Pelo menos já estamos cientes da situação, Pat.

— Preciso conversar sobre isso com Dan. Quando vai examinar a loja?

— Esta noite.

 

Os soldados da CORCEL NEGRO já estavam completamente exaustos.

Ainda que fossem soldados com ótimo condicionamento físico e treinados para operações no deserto, haviam passado dois terços de um dia em aviões com ar seco e imobilizados em poltronas, suas armas pessoais guardadas nos compartimentos de carga acima de suas cabeças — elas sempre provocavam uma reação curiosa nas aeromoças. E então haviam desembarcado onze fusos horários de casa e em meio a um calor escaldante. Mas eles fizeram o que precisavam fazer.

Primeiro veio a artilharia. Os sauditas haviam criado uma enorme galeria de tiro para seu próprio uso, com alvos móveis de aço em distâncias que iam de trezentos a cinco mil metros. Os artilheiros analisaram suas armas, e então as experimentaram, usando munição verdadeira em vez de festim, e então aprenderam que os cartuchos de guerra eram muito mais precisos, os projéteis voando direto através do ponto, significando a marcação circular no centro de seus sistemas de mira. Depois que saltavam dos trailers de transporte, os motoristas exercitavam seus veículos para ter certeza de que tudo funcionava a contento; os tanques e os Bradleys estavam nas condições quase perfeitas prometidas durante o voo. As checagens de rádio foram feitas de modo que todos pudessem conversar entre si. Em seguida verificaram as importantíssimas conexões de dados IVIS. As tarefas mais banais vieram por último. Os tanques M1A2 destacados pelos sauditas ainda não dispunham da modificação mais nova nessa série de veículos, as gavetas de armazenagem. Em vez disso havia gaiolas enormes de arame onde se guardavam coisas pessoais, especialmente água. Uma por uma, as tripulações conduziam os veículos através de seus cursos. Cada guarnição dos tanques Bradley chegou até mesmo a disparar um único míssil. Em seguida, entraram na área de reabastecimento, pegando nova munição para substituir o que fora consumido na galeria de tiros.

Tudo estava calmo e profissional. Tendo como função o treinamento regular de outros soldados para a bela arte da morte mecanizada, os homens da CORCEL NEGRO estavam profundamente desacostumados à rotina da ação num campo real. Precisavam lembrara a si mesmos que este não era o seu deserto — todos os desertos eram muito parecidos; este, contudo, não tinha arbustos e coiotes. Tinha camelos e mercadores. Os sauditas honraram suas leis de hospitalidade provendo alimentos e refrigerantes em abundância para os soldados, enquanto seus superiores conferenciavam debruçados sobre mapas e bebendo o café amargo da região.

Marion Diggs não era um homem grande. Homem de blindados a vida inteira, sempre gostara da capacidade de direcionar sessenta toneladas de aço com as pontas dos dedos, de esticar a mão e tocar o veículo de outra pessoa a cinco quilômetros de distância. Agora era um comandante, dirigindo com eficácia uma divisão, mas com um terço dela a centenas de quilômetros ao sul, e outro terço a bordo de alguns navios que iriam realizar Uma linha de defesa ainda naquela noite.

— E então, contra o que exatamente estamos lutando? O quanto eles estão preparados — perguntou o general.

Foram trazidas fotos de satélites, e o oficial de informação mais graduado, baseado na Cidade Militar Rei Khalid, começou sua palestra de instrução. Ela demorou trinta minutos tensos, durante os quais Diggs permaneceu de pé.

Estava cansado de ficar sentado.

— STORM TRACK reporta tráfego de rádio mínimo — reportou o oficial de instrução, um coronel. — A propósito, precisamos lembrar que eles estão muito expostos onde se encontram.

— Tenho uma companhia se movendo para cobrir isso — reportou um oficial saudita.

— Devem estar posicionados pela manhã.

— O que a Búfalo está fazendo? — perguntou Diggs.

Outro mapa foi trazido. Todas as disposições do Kuwait pareceram corretas aos olhos de Diggs. Apenas a força de frente disposta em muralha, com as três brigadas pesadas em posição para conter uma penetração. Ele conhecia Magruder. Na verdade, conhecia todos os três comandantes dos esquadrões de campo. Se a URI atacasse aí primeiro, a Força Azul, em desvantagem numérica ou não, deixaria a Vermelha com o nariz sangrando.

— Intenções do inimigo? — foi sua pergunta seguinte.

— Desconhecidas, senhor. Ainda há elementos nesta situação que não entendemos Washington nos instruiu a esperar um ataque, mas não disse o motivo.

— E quando seria o ataque?

— Esta noite ou amanhã de manhã, é o máximo que posso dizer, senhor — replicou o oficial de informação. — Oh, mandaram gente de imprensa para nós. Chegaram há algumas horas. Estão num hotel em Riad.

— Mas que maravilha.

— Na falta de conhecimento do que eles planejam fazer...

— O objetivo é claro, não é? — observou o comandante saudita. — Nossos vizinhos xiitas têm todo o deserto de que precisam. — Ele cutucou o mapa. — Aí está o centro gravitacional de nossa economia.

— General? — perguntou outra voz. Diggs se virou para a esquerda.

— Coronel Eddington?

— O centro de gravidade é político, não militar. Precisamos manter isso em mente, cavalheiros — comentou o coronel da Carolina. — Se eles querem ir até os campos petrolíferos da costa, teremos de preparar cuidadosamente a estratégia de defesa.

— Eles estão em superioridade numérica, Nick. Isso lhes concede um certo grau de flexibilidade estratégica. Senhor, estou vendo muitos caminhões-tanques nessas fotos — observou o general americano.

— Eles pararam na fronteira do Kuwait da última vez porque ficaram sem combustível — recordou-os o comandante saudita.

O exército saudita — na verdade conhecido como sua Guarda Nacional — consistia em cinco brigadas pesadas, quase todas com equipamentos norte-americanos. Estavam posicionadas ao sul do Kuwait, com uma em Ras al Khafji, sítio da única invasão ao reino, mas Khafji estava junto a água, e ninguém esperava um ataque por mar. Não era incomum para os soldados se prepararem para lutar a última guerra, recordou o americano.

Da sua parte, Eddington recordou uma citação de Napoleão. Quando lhe foi mostrado um plano de defesa que tinha tropas posicionadas igualmente na fronteira francesa, ele perguntara ao oficial se a ideia era impedir o contrabando. Aquele conceito defensivo recebera a patina da legitimidade pela doutrina da OTAN de defesa avançada na fronteira alemã interna, mas nunca fora testado, e se havia um lugar onde se podia trocar espaço por tempo, era o deserto saudita. Eddington não expressou esse pensamento em palavras. Ele era inferior a Diggs, e os sauditas muito possessivos em relação ao seu território, como era a maioria das pessoas. Ele e Diggs trocaram um olhar. O 10° RCB era a força de reserva para os kuwaitianos, e o 11° desempenharia a mesma função para os sauditas. Isso poderia mudar quando seus soldados da Guarda Nacional se estabelecessem em Dhahran, mas por enquanto este destacamento teria de bastar.

Um grande problema com a situação era o relacionamento de comando.

Diggs era um uma-estrela — um tremendo uma-estrela, Eddington sabia, mas apenas um general de brigada. Se o comandante do Centro Nacional de Treinamento tivesse sido capaz de vir, ele teria status de posto para fazer sugestões mais firmes aos sauditas. Evidentemente; o coronel Magruder, da Divisão Blindada Búfalo, estava na mesma situação, mas a posição de Diggs era apenas um pouco mais delicada.

— Bem, teremos alguns dias, de qualquer modo. — O general americano se virou. — Posicionem mais dispositivos de reconhecimento. Se aquelas seis divisões peidarem, quero saber o que comeram no jantar.

— Teremos Predators no ar ao pôr do sol — prometeu o coronel de informação. Eddington saiu para acender um charuto. Ele logo percebeu que não precisava ter se preocupado; todos os sauditas fumavam.

— E então, Nick? — perguntou Diggs, juntando-se a ele.

— Uma cerveja cairia bem.

— Apenas calorias vazias — observou o general.

— Chances de quatro para um, e eles têm a iniciativa. Isso se meu pessoal receber seu equipamento em tempo. Isto pode ficar muito interessante, Diggs. — Outra baforada. — As tropas deles são uma merda. — Uma frase adquirida de seus alunos, pensou seu superior. — A propósito, como estamos chamando isto?

 

— BUFORD, Operação BUFORD. Escolheu uma alcunha para sua brigada, Nick?

— O que você acha de MATILHA? É a escola errada, mas TARHEEL simplesmente não soa direito. Esta porcaria está acontecendo rápido demais, general.

— Uma lição que o outro lado deve ter aprendido com a última guerra é não nos dar tempo para acumular nossas forças.

— É verdade. Bem, preciso falar com meu pessoal.

— Use o meu helicóptero — disse-lhe Digs. — Vou ficar aqui ainda algum tempo.

— Sim, senhor. — Eddington bateu continência, virou-se e começou a caminhar. Então se virou novamente. — Diggs?

— Sim?

— Talvez não estejamos tão bem treinados quanto Hamm e seus rapazes, mas daremos conta do recado, está ouvindo?

Eddington bateu continência novamente, jogou fora o charuto e caminhou até o Black Hawk.

 

Nada se move tão silenciosamente quanto um navio. Um automóvel movendo-se a essa velocidade, uma fração abaixo de 48 quilômetros por hora, gera um ruído que se pode ouvir a centenas de metros numa noite calma, mas um navio não produzia som algum além do sibilar baixo de aço cortando o que naquele momento eram águas calmas, e esse som não se propagava até muito longe. As pessoas a bordo podiam sentir as vibrações do motor, ou ouvir a respiração das turbinas, mas isso era tudo, e esses sons raramente se propagavam até mais de noventa metros sobre a água, à noite. Apenas o sibilar, e por trás de cada navio um rastro de espuma, uma sombra espectral verde na água devido aos microrganismos trazidos à tona pela onda de pressão de sua passagem, e cintilando como em algum tipo de protesto biológico. Para as pessoas nos navios, aquilo parecia infernalmente brilhante. Em cada passadiço as luzes estavam desligadas para que a visão noturna não fosse prejudicada. As luzes de navegação estavam apagadas, uma violação das leis de trânsito nestas águas confinadas. Os observadores usavam binóculos convencionais e equipamentos de ampliação de luz para olhar ao longe. A formação estava agora na parte mais estreita da passagem.

Em cada centro de informações de combate, as pessoas estavam debruçadas sobre gráficos e mapas, falando aos sussurros para que ninguém, de algum modo, pudesse escutar. Os fumantes sonhavam com espaços para desfrutar seu vício em meio àquele ambiente antisséptico, e aqueles que tinham largado o cigarro também desejavam uma tragada. Mas ninguém podia fumar; a causa era algum tipo de risco à saúde, recordaram enquanto contemplavam os mísseis superfície-superfície montados em plataformas a 14 mil metros deles, cada qual com uma tonelada de explosivos logo atrás da cabeça sensora de calor.

— Dobrando à esquerda, nova marcação dois-oito-cinco — reportou o oficial de convés no Anzio.

No gráfico principal, havia mais de quarenta alvos, como eram chamados os contatos de radar, cada um com um vetor mostrando marcação e velocidade aproximados. O número de objetos em aproximação e afastamento era mais ou menos o mesmo. Alguns eram enormes, como os supertanques, cujos reflexos de radar tinham quase o mesmo tamanho que o reflexo de uma ilha de tamanho médio.

— Bem, conseguimos chegar até aqui — disse Weps ao comandante Kemper.

— Talvez eles estejam dormindo.

— E talvez exista mesmo uma Grande Abóbora, Charlie Brown.

No momento, apenas os radares de navegação estavam ligados. Os iranianos/URIrianos tinham de ter equipamentos de medidas de vigilância eletrônica lá fora, mas se estavam mantendo uma patrulha fixa no estreito de Hormuz, eles ainda não a haviam localizado, Havia alvos inexplicáveis. Botes de pesca? Contrabandistas? Alguém numa viagem do férias? Não havia como saber. Provavelmente o inimigo era um pouco reticente quanto a mandar suas embarcações para muito além da linha central do estreito. Os árabes eram tão territoriais quanto todo mundo, acreditava Kemper.

Todos os navios estavam em postos de batalha. Todos os sistemas de combate estavam acionados, mas em modo de descanso. Se alguém se movesse em sua direção, eles tentariam primeiro obter um registro visual. Se alguém os acendesse com um radar de mira, então o navio no azimute mais nítido elevaria um pouco seu nível de alerta e veria se estava acontecendo uma aproximação.

Mas isso seria difícil. Todos esses mísseis possuíam cabeças sensoras de calor, o estreito estava cheio, e um míssil poderia atingir alguma coisa sem querer. O outro lado não podia estar com o dedo cocando tanto no gatilho. Eles talvez até acabassem sacrificando alguns milhares de ovelhas, pensou Kemper com um sorriso. Por mais tensa que fosse esta parte da missão, a tarefa para o outro lado não era tão fácil assim.

— Mudança de marcação na trilha quatro-quatro, vindo pela esquerda — anunciou um contramestre.

Esse era um contato de superfície imediatamente dentro das águas URIanas, a 11 quilômetros de distância. Kemper inclinou-se para a frente. Um comando de computador mostrou a marcação-trilha do contato nos últimos vinte minutos. Ele tinha se movido meramente a velocidade de cruzeiro, cerca de cinco nós. Estava agora em dez nós, e tinha mudado de curso... na direção do grupo de retaguarda. Esses dados foram transmitidos para o USS OBannon, cujo comandante era o oficial mais velho do grupo. O alcance entre as duas embarcações era de 14 mil quilômetros e diminuindo.

As coisas ficaram mais interessantes. O helicóptero do Normandy aproximou-se da trilha por trás, mantendo-se baixo. Os pilotos viram um espirro verde-esbranquiçado rumo se a embarcação desconhecida tivesse aumentado de velocidade, estremecendo a água e perturbando mais os organismos que de alguma forma sobreviviam a toda a poluição daqui. Uma elevação súbita de velocidade significava...

— É uma canhoneira — reportou o piloto. — O alvo acaba de aumentar a velocidade.

Kemper franziu a testa. Ele tinha uma escolha agora. Fazer nada, e assim talvez nada acontecesse. Fazer alguma coisa, e correr o risco de alertar o outro lado. Mas se a embarcação inimiga disparasse primeiro, o inimigo ficaria sabendo de alguma coisa, não é mesmo? Talvez. Talvez não. Era um conjunto complexo de informações para cinco segundos. Ele aguardou mais cinco.

— Alvo é um barco lança mísseis, vejo duas plataformas de lançamento, alvo está se mantendo em curso.

— Ele está seguindo uma linha direta até o OBannon, senhor — reportou Weps.

— Conversa de rádio, tenho conversa de rádio em UHF, azimute zero-um-cinco.

— Mande disparar — disse Kemper instantaneamente.

— Dispare! — ordenou Weps pelo canal de voz para o helicóptero.

— Entendido, mirando!

 

— Combate, senhor, tenho um lampejo como um lançamento de míssil... dois, senhor — anunciou um alto-falante.

— Faça uma varredura... — Mais dois lançamentos, senhor Merda, pensou Kemper. Talvez optem tarregt VB Bponm dois mísseis antinavios Penguin. O inimigo disparara os dois primeiros. E ele não podia fazer nada agora, o grupo de retaguarda estava cumprindo sua missão. Estava sendo alvo de disparos.

— Dois vampiros em rota de aproximação... alvo destruído — acrescentou o piloto, anunciando a destruição do barco lança mísseis, confirmada um momento depois por outro observador. — Repito, dois vampiros em rota de aproximação para o OBannon.

— Silkworms são alvos grandes — disse Weps.

Eles observaram insatisfatoriamente a mini batalha. As telas de navegação-radar mostraram o OBannon mudando de curso. Isso desmascararia seu sistema de defesa de mísseis, localizado bem atrás dele. Também proveria um imenso alvo de radar para os mísseis inimigos. O destróier não ordenara às suas embarcações de retaguarda que disparassem, por recear que deter os mísseis em aproximação apenas iria distraí-las dos navios de reabastecimento que estavam protegendo. Uma decisão automática?, imaginou Kemper Uma decisão bem ponderada? De qualquer modo, havia sido um ato de coragem. O radar de iluminação do destróier apareceu. Isso significava que o OBannon estava disparando seus mísseis, mas o radar de navegação não podia dizer. Então pelo menos uma das fragatas juntou-se ao destróier.

— Lampejos na popa — anunciou em seguida o observador em posição mais elevada. — Uau, esse foi um grandão! Lá vem outro! — Então cinco segundos de silêncio — OBannon para o grupo, estamos bem — reportou uma voz. Por enquanto, pensou Kemper.

 

Os Predators estavam no ar, três deles, um para cada corpo bélico acampado a sudoeste de Bagdá, circulando pelo ar apenas no dobro da velocidade de um tanque Nenhum deles chegou tão longe quanto planejado. A quarenta quilômetros antes de seus objetivos, suas câmeras térmicas mostraram as formas reluzentes de veículos blindados. O Exército de Deus estava em movimento. Os dados enviados para STORM TRACK foram retransmitidos instantaneamente para a Cidade Militar Rei Khalid, e de lá para o mundo inteiro.

— Mais dois dias teria sido bom — pensou Ben Goodley em voz alta.

— O nosso pessoal está pronto? — perguntou Ryan, virando-se para o J-3.

— O 10° está pronto para o pau. O 11º precisa pelo menos de um dia. A outra brigada, ainda não está nem mesmo com seus equipamentos — replicou Jackson.

 

— Quanto tempo falta para o contato? — perguntou o presidente em seguida.

— Pelo menos 12 horas, talvez 18. Depende de para onde eles estão indo, exatamente.

Jack assentiu.

— Arnie, Callie já foi instruída a respeito de tudo isto?

— Não, nem uma palavra.

— Então providencie. Tenho um discurso a fazer.

 

Alahad devia ter ficado entediado de gerir um negócio sem fregueses, pensou Loomis. Ele saiu cedo, caminhou até onde seu carro estava estacionado e saiu com o veículo. Segui-lo por ruas tão vazias provavelmente seria muito fácil. Alguns minutos depois, ele foi observado estacionar seu carro e entrarem seu prédio. Então ela e Selig saíram Jade na qual tinham estado posicionados, atravessaram a rua e caminharam até os fundos. Havia duas trancas na porta, que exigiram dez minutos do agente júnior, para sua própria irritação. Então veio o sistema de alarme, mas desarmá-lo foi mais fácil. Era um sistema antigo, com um código de desarmamento muito simples. No interior da loja, encontraram mas algumas fotos, uma, provavelmente, de seu filho. Checaram primeiro o Rolodex, e ali estava o cartão de J. Sloan, com o número 536-4040, mas sem endereço.

— Diga o que você acha — pediu Loomis.

— Acho que é um cartão novo, sem orelhas ou bordas gastas, e acho que há um pontinho sobre o primeiro numeral quatro. Isso lhe diz qual número mudar, Sis.

— O homem é um jogador, Donny.

— Acho que você tem razão, e isso significa que Aref Raman também é.

Mas como provar?

 

A cobertura podia ou não ter sido atingida. Não havia como saber. Kemper avaliou a situação da melhor forma que podia. Talvez o lança mísseis tivesse recebido permissão para disparar... Talvez o jovem comandante tivesse decidido disparar por conta própria... provavelmente não. Os países ditatoriais não conferem muita autonomia aos seus comandantes militares. Se você fosse o ditador e começasse a fazer isso, essa era uma forma garantida de ir para o paredão cedo ou tarde. Até agora, o placar era EUA 1, URI 0. Ambos os grupos estavam prosseguindo, indo para sudeste, agora para um golfo mais amplo, ainda a 26 nós, ainda cercados por tráfego mercante, e o ambiente eletrônico estava vivo com conversas navio-para-navio perguntando-se que diabos estava acontecendo ao norte de Abu Masa.

Havia barcos de patrulha em movimento agora, e eles estavam conversando com alguém, talvez com a URI, perguntando o que estava acontecendo.

Na confusão, decidiu Kemper, havia lucro. Estava escuro lá fora, e identificar navios na escuridão nunca era tarefa fácil.

— Quando será o crepúsculo náutico?

— Às dezessete horas, senhor — replicou o contramestre da vigília.

— Até lá percorreremos ainda 240 quilômetros. Continuaremos como antes.

Deixem ele descobrir o que estamos fazendo, se puderem.

Chegar até onde estavam sem o conhecimento de Bahrain já tinha sido milagre suficiente.

 

Eles dispuseram tudo sobre a mesa do inspetor O’Day. Tudo consistia em três ruas de anotações e algumas fotografias Polaroid. A peça mais importante era uma impressão de computador dos registros telefônicos, duplicando as anotações de Selig. E era também a única prova legal que tinham.

— Não é exatamente a maior pilha do provas que vi na minha vida — comentou

— Ei, Pat, você disse pra gente agir rápido — recordou-o Loomis. — Os dois estão sujos. Não posso provar isso para um júri, mas isso é o bastante para iniciar uma investigação grande, considerando que tenhamos o luxo do tempo, algo em que não acredito.

— Isso mesmo. Venha. — Ele se levantou. — Precisamos falar com o diretor.

Não era como se Murray já não tivesse muito trabalho. O FBI não estava conduzindo exatamente a investigação epidemiológica de todos os casos de Ebola, mas os agentes estavam fazendo muito trabalho de campo. Havia o caso — ainda em andamento, e praticamente novo — do ataque à Giant Steps, que era tanto criminal quanto de segurança nacional. E agora isto, a terceira situação do tipo pare tudo que estão fazendo em menos de dez dias. O inspetor contornou as mesas das secretárias e entrou no gabinete do diretor sem bater.

— Ainda bem que eu não estava mijando — observou Murray.

— Não acho que você teria tempo para isso. Eu não tenho — disse-lhe Pat. — Parece que temos mesmo um infiltrado no Serviço, Dan.

— Oh?

— Oh, sim, e oh, merda. Vou deixar Loomis e Selig lhe explicarem tudo.

— Posso levar isso a Andréa Price sem levar um tiro? — perguntou o diretor.

— Acho que sim.


58

A Luz do Dia

Não era algo para celebrar, mas pelo segundo dia consecutivo, o número de casos novos de Ebola havia caído. Dos novos casos identificados, cerca de um terço era de pessoas que haviam apresentado resultados positivos para os anticorpos do Ebola mas estavam assintomáticos. O CDC e o USAMRIID

verificaram os dados duas vezes antes de reportá-los à Casa Branca, também cautelosos para o fato de que era muito cedo para liberá-los para o público.

Aparentemente, a interdição de viagens e os efeitos secundários que isso provocava nos contatos interpessoais estavam funcionando — mas o presidente não podia dizer que estava funcionando, porque então iria parar de funcionar.

O caso da Giant Steps também estava prosseguindo, sendo principalmente uma tarefa da divisão laboratorial do FBI. Ali, microscópios eletrônicos estavam sendo usados pura alguma coisa além da identificação de cepas do Ebola, e estavam focando pólen e outras partículas minúsculas. Isso era complicado pelo fato de que o ataque à Giant Steps tivesse ocorrido na primavera, quando o ar estava cheio de polens.

Agora estava firmemente estabelecido que Mordecai Azir era uma não-pessoa que despontara para a existência com um único propósito e que, depois de cumpri-lo, havia desaparecido. Mas ele deixara para trás fotografias, e Ryan aprendeu que havia formas de lidar com isso. Ele se perguntou se receberia alguma notícia boa até o fim do dia. Não, ele não receberia.

— Oi, Dan.

Ryan estava de volta ao seu gabinete. A Sala de Situação era apenas mais uma lembrança de que sua próxima ordem importante seria mandar pessoas para o combate.

— Presidente — saudou o diretor do FBI, entrando com o inspetor O’Day e Andréa Price.

— Por que vocês parecem tão felizes?

E então eles lhe contaram.


Era bravo o homem que acordava o aiatolá Mahmoud Haji Daryaei antes do amanhecer e, como todos à sua volta temiam-lhe a ira, precisaram de duas horas para reunir a coragem necessária. Não que isso fosse ajudar muito. Às quatro da manhã em Teerã, o telefone ao lado da cama de Daryaei tocou. Dez minutos depois, estava na sala de estar de seu apartamento particular, olhos fundos, aguardando para punir os responsáveis.

— Temos um relato de que navios americanos entraram no Golfo — informou seu oficial de informação.

— Quando e onde? — perguntou o aiatolá, em tom calmo.

— Foi depois da meia-noite, na área da fronteira. Um dos nossos barcos lança mísseis estava em patrulha e avistou o que parecia ser um destróier americano. O comandante naval ordenou que o lança mísseis atacasse, mas não tivemos mais nenhuma notícia do barco.

— Isso é tudo? — Você me acordou por causa disso?

— Houve algum tráfego de rádio na área, navios comunicando-se entre si.

Eles falaram sobre diversas explosões. Temos motivos para acreditar que nosso barco lança mísseis foi atacado e destruído por alguém, provavelmente uma aeronave — mas uma aeronave de onde?

— Queremos sua permissão para iniciar operações aéreas para varrer o Golfo depois do amanhecer. Jamais faríamos isso sem a sua autorização — frisou o chefe da Força Aérea.

— Permissão concedida —disse-lhes Daryaei. Bem, ele estava acordado agora, disse o sacerdote a si mesmo. — O que mais?

— O Exército de Deus está se aproximando da área fronteiriça. A operação está procedendo conforme os planos. — Com toda certeza esta notícia seria do seu agrado, pensou o chefe de informação.

Mahmoud Haji assentiu. Ele esperara ter uma noite de sono decente, em antecipação das longas horas que passaria acordado nos dias seguintes, mas era de sua natureza que, depois de acordado, não conseguisse voltar a dormir.

Olhou para seu relógio de mesa — não usava relógio de pulso — e decidiu que o dia começaria.

— Nós iremos surpreendê-los?

— De alguma forma, com toda certeza — respondeu o oficial de informação.

— exército está sob ordens estritas de manter silêncio de rádio. Os postos de escuta americanos são muito sensíveis, mas não podem ouvir nada. Quando eles alcançarem Al Busa devemos esperar detecção, mas então estaremos prontos para evadir, e isso será à noite.

Daryaei balançou a cabeça.

— Espere. O que o nosso barco de patrulha nos diz?

— Ele reportou um destróier ou fragata americano, possivelmente acompanhada de outras embarcações, mas isso foi tudo. Daqui a duas horas teremos aviões observando do ar.

— Suas embarcações de transporte?

— Não sabemos — admitiu o chefe de informação. Ele estivera torcendo que o aiatolá não tocasse nesse assunto.


— Descubra!

Com essa ordem, os dois homens se retiraram. Daryaei tocou uma sineta, ordenam que seu servente lhe trouxesse chá. Nesse instante, teve outro pensamento. Tudo estaria resolvido, ou pelo menos solucionado, quando o jovem chamado Raman cumprisse sua missão. O relatório era de que ele estava em posição, e que havia recebido sua ordem. Então, por que ainda não a cumprira? perguntou-se o aiatolá, a raiva crescendo no peito. Olhou novamente para o relógio. Era cedo demais para dar um telefonema.


Kemper concedera à sua tripulação algo parecido com um recreio. A automação dos navios Aegis possibilitava isso, e assim, começando duas horas depois do incidente com a canhoneira — o barco lança mísseis, corrigiu a si mesmo —, os tripulantes receberam a permissão de fazer o rodízio de seus postos de batalha, ir ao banheiro, comer alguma coisa, e, em muitos casos, malhar um pouco. Isso durara uma hora, com cada oficial e homem dispondo de quinze minutos. Agora todos estavam de volta aos seus postos. Faltavam duas horas do crepúsculo náutico. Estavam a menos de 160 quilômetros de Catar, agora seguindo na direção oeste-noroeste, depois de terem se esquivado por trás de cada ilha e plataforma de petróleo que pudesse confundir um posto de radar inimigo. COMEDIA passara pela parte difícil. O Golfo era muito mais largo aqui. Havia espaço aquático para manobrar e fazer uso pleno de seus sensores poderosos. A imagem de radar no CIC do Anzio mostrava uma esquadrilha de quatro F-16 a vinte milhas ao norte de sua formação, seus códigos IFF nítidos na tela — seus homens precisavam tomar cuidado com isso. Teria sido melhor se pudesse haver AWACS no ar, mas, segundo fora informado havia apenas uma hora, todos tinham sido destacados para o norte. Hoje haveria combate. Não era o tipo de coisa para a qual um Aegis era projetado, ou mesmo para a qual ele fora treinado, mas era o tipo de coisa para a qual a Marinha existia.

O grupo de retaguarda, ele ordenou que fosse para o sul. Seu trabalho estava terminado por enquanto. Quando o dia clareasse, não haveria como disfarçar o que COMEDIA era e para onde eles estavam indo.


— Vocês têm certeza? — perguntou POTUS. — Meu Deus, já estive sozinho com o cara uma centena de vezes!

— Nós sabemos — assegurou-lhe Price. — Nós sabemos. Senhor, é difícil acreditar. Eu conheço Jeff desde...

— Ele é um perito em basquete. Ele me disse quem ia ganhar as finais da liga universitária. E acertou — Sim, senhor. — Andréa teve de concordar com isso também. — Infelizmente, as evidências contra ele são um pouco difíceis de ser explicadas.

— Vão prendê-lo? Murray respondeu: — Não podemos. É uma daquelas situações em que a gente sabe, ou pensa que sabe, mas não pode provar. Mas o Pat teve uma ideia.

— Então vamos ouvi-la — ordenou Ryan. Sua enxaqueca estava de volta. O breve período sem enxaquecas acabara de terminar Já era terrível saber da vaga possibilidade de que o Serviço Secreto estivesse comprometido, mas agora eles estavam lhe dizendo que tinham provas — não, pior, ele corrigiu a si mesmo, o que tinham nem era bom o bastante para ser chamado de prova, mas apenas mais uma porra de suspeita! — de que uma das pessoas designadas para ficar perto dele e de sua família era um assassino potencial. Será que isso não acabaria nunca? Apesar da enxaqueca, prestou atenção em cada palavra de O’Day.

— Na verdade, é muito simples — concluiu O’Day.

— Não! — asseverou Price imediatamente. — E se...

— Podemos controlar isso. Não haverá nenhum perigo real — assegurou a todos o inspetor.

— Espere um pouco — interveio ESPADACHIM. — Está dizendo que pode tirar o sujeito da toca?

— Sim, senhor.

— E que eu realmente terei de fazer alguma coisa em vez de ficar sentado aqui como um rei?

— Sim, senhor — repetiu Pat.

— Onde assino? — perguntou Ryan retoricamente. — Vamos pôr as mãos na massa.

— Presidente...

— Andréa, você estará aqui, certo?

— Bem, sim, mas...

— Então está aprovado — disse-lhe POTUS. — Ele não chega nem perto da minha família. Estou falando sério. Se ele olhar para o elevador, você desce com ele, entendeu, Andréa?

— Entendi, presidente. Apenas na Ala Oeste.

Com isso, desceram até a Sala de Situação, onde Arnie e o resto da equipe de segurança nacional estavam estudando um mapa numa grande tela de TV.


— Certo, vamos iluminar o céu — disse Kemper à equipe CIC.

Atendendo ao comando, o Anzio e os outros quatro navios Aegis mudaram seus radares SPY de potência mínima para plena. Não havia mais lucro em se esconder. Estavam bem debaixo de uma rota comercial aérea designada W-1S, e qualquer piloto de avião de passageiros podia olhar para baixo e vera pequena formação de navios. Qualquer um piloto os visse, provavelmente falaria a respeito. O elemento surpresa tinha seus limites empíricos.

Num segundo, as três telas grandes mostraram inúmeras trilhas aéreas.

Este deve ser o pedaço mais turbulento de tráfego aéreo fora de O’Hare, pensou Kemper perscrutador IFF mostrou uma esquadrilha de quatro caças F-16

seguindo para noroeste de sua formação. Havia seis aviões de passageiros no ar, e o dia mal começara, especialistas em mísseis estavam fazendo cálculos de trajetória apenas para exercitai computadores, mas o sistema Aegis era projetado para ser uma daquelas coisas tão poderosas que podiam estar inertes num segundo e conjurando o inferno no seguir Eles tinham vindo ao lugar certo para fazer isso.


Os primeiros caças iranianos a decolar naquele dia foram dois velhos Tomcats F-14 de Xiraz. Nos anos 70, o xá comprara cerca de oitenta desses caças da Grumman. Dez ainda podiam voar, com partes canibalizadas de todos os outros ou adquiridas no mais vibrante mercado negro de componentes de aviões de combate. Esses voaram para sudoeste até Bandar Abbas, e então aumentaram a velocidade e seguiram para o sul na direção de Abu Musa, passando bem ao norte de lá, com os pilotos guiando e os copilotos perscrutando a superfície com binóculos. O sol estava perfeitamente visível a seis mil metros, mas a superfície ainda estava coberta pela penumbra do crepúsculo náutico.

Não se viam navios do alto, fato frequentemente esquecido por marinheiros e pilotos. Na maioria dos casos, os navios eram muito pequenos, e a superfície do mar demasiado vasta. O que se via, fosse numa foto de satélite ou a olho nu, era o rastro, um distúrbio na água muito parecido com uma flecha com uma ponta descomunal — as ondas de popa e proa causadas pela passagem do navio através da água; já a espuma em linha reta gerada pelas hélices formava o cabo da flecha. O olho é atraído para essas formas tão naturalmente quanto para o corpo de uma mulher e, no ápice da forma em V, ficava o navio.

Ou, neste caso, muitos navios. Eles avistaram o grupo de retaguarda primeiro, a quarenta milhas de distância. O corpo principal da força-tarefa COMEDIA foi identificado um minuto depois.

O Problema para os navios era a identificação positiva. Kemper não podia correr o risco de abater um avião de passageiros, como o USS Vincennes fizera certa vez. Os quatro F-16s já tinham se virado na direção deles quando a chamada de rádio foi emitida. Ele não dispunha a bordo de ninguém que falasse a linguagem bem o bastante para entender o que eles tinham acabado de dizer.

— Tally-hol — exclamou o líder da esquadrilha de F-16. — Parecem caças F-14. — Ele sabia que a Marinha não tinha nenhum desses.

— Anzio para STARFIGHTER, armas livres, chumbo neles!

— Entendido.

— Esquadrilha, fala Líder, atacar.

Os F-14 estavam ocupados demais em olhar para baixo para verificar em torno. Era Um voo de reconhecimento, concluiu Líder dos Starfighter. Difícil.

Ele selecionou AIM-120 e disparou, uma fração de segundo antes dos outros três caças de sua formação faziam o mesmo.

— Raposa-Um, Raposa-Um!

E a Batalha de Catar estava em andamento.


Os Tomcats da URI estavam um pouco ocupados demais para seu próprio bem.

No momento, seus receptores de alerta de radar estavam reportando toda espécie de sinais. O líder dos dois Tomcats tentava obter uma contagem das embarcações lá embaixo e falando pelo rádio ao mesmo tempo quando dois mísseis AMRAAM explodiram vinte metros na frente de seu caça antiquado. O segundo piloto pelo menos olhou para cima a tempo de ver a morte chegar.


— Anzio, fala STARFIGHTER, derrubamos dois, nada de paraquedas, repito, derrubamos dois.

— Entendido.

— Que ótima forma de começar o dia — comentou um major da USAF que acabara de passar 16 meses jogando contra a Força Aérea israelense em Neguev. —Retornando para a estação. Desligo.


— Não tenho certeza se isso é uma boa ideia — comentou van Damm. A foto de radar do John Paul Jones tinha sido transmitida do novo navio via satélite para Washington. Estavam vendo os acontecimentos menos de um segundo depois que aconteciam de fato.

— Aqueles navios não podem ser detidos, senhor — disse Robby Jackson ao chefe de gabinete. — Não podemos correr riscos.

— Mas eles podem dizer que atiramos antes e...

— Errado, senhor. O barco lança mísseis atirou antes, há duas horas — recordou o J-3.

— Mas eles não admitirão.


— Esfrie, Arnie — aconselhou Ryan. — A ordem foi minha, não esqueça. As regras de conflito estão sendo obedecidas. E agora, Robby?

— Depende dos iranianos passarem ou não a notícia adiante. O primeiro abate foi fácil. O primeiro geralmente é — disse Jackson, lembrando das vitórias em sua carreira. Não tinham sido exatamente de acordo com o seu treinamento em Top Gun, mas não havia regras de jogo limpo no combate de verdade, havia?

A parte mais estreita da passagem ficava apenas a pouco mais de 160

quilômetros entre Catar e a cidade iraniana de Basatin. Havia uma base da Força Aérea lá, e a cobertura de satélite disse que havia caças parados na pista.


— Ola Jeff.

— O que está acontecendo, Andréa? — perguntou Raman, acrescentando: — estou feliz por você ter lembrado que me deixou aqui.

— Estamos tendo um bocado de trabalho com essa história toda da febre.

Estamos precisando de você aqui. Tem um carro?

— Acho que posso roubar um do escritório local. — Na verdade, ele já tinha carro oficial.

— Ótimo — disse Andréa. — Então venha. Acho que não precisamos realmente do grupo avançado aí. A sua identificação permitirá passagem pelos bloqueios na estrada. Venha o mais rápido que puder. Estão acontecendo coisas aqui.

— Dê-me quatro horas.

— Tem roupa para trocar?

— Sim. Por quê?

— Vai precisar. Estabelecemos procedimentos de descontaminação aqui.

Todo mundo precisa tomar banho antes de entrar na Ala Oeste. Você verá quando chegar — disse-lhe a chefe da Segurança Presidencial.

— Por mim, tudo bem.


Alahad não estava fazendo nada. Os microfones plantados em sua casa haviam determinado que ele estava assistindo TV, mudando de canal de uma estação para outra em busca de um filme que já não tivesse visto, e antes de ir para a cama assistiu ao CNN. Depois disso, nada. Todas as luzes foram apagadas, e mesmo as câmeras de visão térmica não podiam ver através das cortinas nas janelas de seu quarto. Os agentes procedendo à vigilância estavam bebendo seu café de xícaras de plástico e olhando, para nada, enquanto conversavam sobre suas preocupações com a epidemia, exatamente como todos na América. A mídia continuava a devotar virtualmente todo seu tempo no ar à história. Havia pouco mais. Os esportes tinham parado. Os boletins de meteorologia continuavam, mas poucos saíam para confirmar as previsões.

Tudo mais girava em torno da crise do Ebola. As emissoras colocavam no ar segmentos de ciência, explicando o que era o vírus e como ele se disseminava — na verdade, como ele devia estar se disseminado, porque ainda havia muita divergência de opinião nesse tocante —, e os agentes com fones de ouvido escutaram a última declaração pelo televisor de Alahad. Tudo aquilo era vingança da natureza, pregava um defensor do meio ambiente. Os homens tinham invadido a selva, cortado árvores, matado animais, perturbado o ecossistema, e agora o sistema estava ajustando as contas. Ou algo assim.

Houve uma análise jurídica do processo movido por Edward Kealty, mas simplesmente não havia entusiasmo por suspender a interdição às viagens.

Matérias mostravam aviões nos aeroportos, ônibus nas rodoviárias, trens nas estações, e muitas estradas vazias. Matérias mostravam pessoas em hotéis, e como elas estavam lidando com a situação. Matérias ensinavam a reutilizar máscaras cirúrgicas, e diziam às pessoas que essa simples medida de segurança era praticamente à prova de falhas; a maioria das pessoas parecia não acreditar nisso. Mas, em compensação, a maioria das matérias mostravam hospitais agora, sacos de corpos. As reportagens sobre como os mortos estavam sendo queimados veiculadas sem mostrar as chamas; isso era por consentimento mútuo. Os dados já eram repugnantes sem a imagem de sua realidade.

Jornalistas e consultores médicos evitavam a comentar sobre a carência de dados em muitos casos — o que era alarmante para muitos —, mas insinuavam que o espaço nos hospitais para os casos de Ebola não foi expandido — o que era confortador para alguns. Os prenunciadores do apocalipse estavam desfiando sua cantilena, mas outros diziam calmamente que as informa disponíveis não corroboravam essa visão, que a situação devia estar se estabilizando, embora sempre acrescentassem, que era muito cedo para ter certeza, eles estavam começando a dizer que havia pacientes resistindo, que alguns estados estavam completamente puros, que em muitas regiões de estados que haviam apresentado casos havia igualmente saudáveis. E, finalmente, algumas pessoas estavam aparecendo para dizer que a epidemia definitivamente não fora um evento natural. A mídia não tinha como avaliar a opinião do público sobre nenhuma dessas afirmativas. As pessoas não estavam interagindo o suficiente para trocar opiniões, mas como o começo de uma confiança de que o mundo não iria acabar, chegava a grande pergunta: como isso havia começado?


O Secretário de Estado Adler estava de volta ao seu avião, voando para oeste para a República Popular da China. No ar, e na embaixada em Pequim, ele tivera acesso às últimas notícias. Aquilo causara-lhe raiva e, perversamente, certo grau de satisfação. Era Zhang quem estava conduzindo seu governo nesta direção. Agora estava completamente claro que a Índia estava envolvida na crise — novamente —, desta vez mancomunada com o Irã e a China. A pergunta verdadeira era se a primeira-ministra deixaria os parceiros saberem que não cumprira sua parte no acordo. Provavelmente não, pensou Adler. Ela conseguira escapar dessa novamente. Parecia ter um talento especial para isso.

Mas a raiva continuava voltando. Seu país fora atacado, e por alguém com quem estivera há apenas alguns dias. A diplomacia falhara. Ele fracassara em deter um conflito... e o seu trabalho não era esse? Pior que isso, ele e seu país haviam sido ludibriados. A China havia manobrado uma força naval vital para fora de posição. A República Popular da China agora estava prolongando uma crise que eles mesmos haviam criado, com o propósito de ferir os interesses americanos, e provavelmente para o propósito final de remodelar o mundo segundo seu próprio conceito. Eles estavam agindo com perspicácia. A China não ferira diretamente ninguém, exceto alguns passageiros, mas deixaram outros tomarem a liderança, e os riscos que a acompanhavam. Qualquer que fosse o resultado dessa crise, ainda teriam seus interesses econômicos protegidos, ainda teriam respeito devido a uma superpotência e influência sobre a política americana, e planejavam manter todas essas coisas até que se realizassem as mudanças com as quais solicitavam. Eles haviam matado norte-americanos no avião. Agora suas manobras ajudavam a matar outros, a causar danos reais e permanentes ao seu país, e faziam isso sem correr o menor risco, pensou o secretário de Estado olhando pela janela, enquanto seu avião aterrissava.

Mas eles não sabiam que ele sabia de tudo isso, sabiam?


O ataque seguinte seria um pouco mais sério. Segundo o chefe de informação URI tinha um suprimento grande de mísseis C-802. Fabricados pela China Precisa Machine Import and Export Corporation, esses mísseis eram semelhantes em sua capacidades ao Exocet francês, com um alcance de cerca de 112 quilômetros. Continuava novamente o problema era a mira.

Simplesmente havia navios demais no Golfo. Para obter o destino certo para seus mísseis, os iranianos teriam de mover os radares em seus caças até bem perto do alcance dos mísseis da força-tarefa COMÉDIA.

Bem, decidiu Kemper, ele teria de pensar cuidadosamente. O John Paul Jones aumentou a velocidade para 32 nós e se moveu para o norte. O novo destróier era pequeno — numa tela de radar ele aparecia do tamanho de um barco de pesca médio —, e para acentuar isso, estava com todos os seus radares desligados. A força-tarefa COMEDIA dera-lhes uma amostra. Agora eles iam dar-lhe outra. Ele também passou uma mensagem por rádio para Riad gritando por apoio de AWACS. Os três cruzadores, Anzio, Normandy e Yorktown, mantiveram posição perto dos navios de carga, e agora estava perfeitamente claro para as tripulações civis nos Bob Hopes que as naus de guerra não estavam ali meramente para defesa por mísseis. Qualquer vampiro em rota de aproximação teria de passar por um cruzador para pegá-los. Mas não havia nada que pudesse ser feito a esse respeito. Os marinheiros civis estavam todos em seus postos. Equipamentos de combate a incêndios haviam sido distribuídos pelos conveses de carga. Seus motores a diesel estavam funcionando com toda a força permitida por seus manuais.

No alto, a patrulha de F-16 foi substituída por outra. As armas estavam liberadas e agora o tráfego civil recebia a notícia de que o espaço aéreo sobre o Golfo Pérsico não era mais um lugar saudável onde ficar. Isso facilitaria imensamente o trabalho de todos. Não era segredo que eles estavam ali. Os iranianos os tinham no radar, mas isso não os ajudava no momento.


— Aparentemente, há duas forças navais no Golfo — reportou o chefe de informação. — Não temos certeza de sua composição, mas é possível que sejam navios de transporte militar.

— E?

— E dois de nossos caças foram abatidos ao se aproximar deles — prosseguiu o chefe da Força Aérea.

— Os navios americanos... alguns deles são vasos de guerra de um tipo muito moderno. O relato de nossos aviões indica que há outros também, parecendo com navios mercantes. E provável que esses sejam os transportadores de tanques de Diego Garcia...

— Aqueles que os indianos deviam deter!

— Isso provavelmente é correto.

Que idiota fui eu em acreditar naquela mulher estúpida!

— Afunde-os — ordenou o aiatolá, torcendo para que sua voz se tornasse um fato.


Raman gostava de dirigir em alta velocidade. A interestadual quase desimpedida, noite escura, e o potente carro do Serviço permitiram-lhe desfrutar desse hobby, enquanto varava a Interstate 70 na direção de Maryland.

Ficou surpreso com o número de caminhões na estrada. Ele não sabia que havia tantos veículos dedicados a transportar alimentos e suprimentos médicos. Sua lâmpada vermelha giratória dizia-lhes que ficassem fora do caminho, e também permitia sua passagem a velocidades que beiravam os 120 quilômetros por hora sem interferência da polícia estadual da Pensilvânia.

E também dava-lhe tempo para pensar. Teria sido melhor para todos se ele tivesse sabido de antemão que todas aquelas coisas iriam acontecer. Decerto teria sido melhor para ele. O ataque a CHOCALHO não lhe agradara. Ela era uma criança, jovem demais, inocente demais para ser uma inimiga — ele a conhecia de rosto e voz —, e o choque disso perturbara-o por algum tempo.

Raman não entendia completamente porque o tentado a CHOCALHO... a não ser para fechar o círculo protetor ainda mais perto em torno de POTUS, e assim facilitar sua própria missão. Mas isso não tinha sido necessário, não realmente.

A América não era o Iraque, o que Mahmoud Haji provavelmente não compreendia.

Mas o ataque biológico era outra história. A maneira como a doença se espalhava ficava entregue à vontade de Deus. Era repugnante, mas era a vida.

Lembrou do incêndio criminoso no cinema em Teerã. Pessoas haviam morrido ali, também, pessoas comuns cujo erro fora assistir a um filme em vez de comparecer às mesquitas. O mundo era duro, e a única coisa que tornava seu fardo mais leve era a fé em alguma coisa maior Raman tinha essa fé. O mundo não mudou sua forma por acidente. Grandes eventos precisavam ser cruéis. A fé fora espalhada com a ajuda da espada, a despeito da instrução do próprio Profeta de que a espada não podia tornar ninguém fiel... uma dicotomia que ele não compreendia inteiramente, mas isso também pertencia à natureza do mundo Um homem dificilmente poderia compreendê-lo totalmente. Para muitas coisas, era preciso depender da orientação daqueles mais sábios do que você, para dizer-lhe o que precisava ser feito, o que era aceitável por Alá, o que servia a Seus desígnios.

Mas ninguém lhe dissera nada para ajudá-lo a aceitar a perspectiva de que a melhor medida de segurança seria não sobreviver. O pensamento não veio acompanhado de um calafrio. Ele aceitara essa possibilidade muito tempo antes, e se o seu irmão distante fora capaz de cumprir sua missão em Bagdá, ele seria capaz de cumprir a sua em Washington. Mas tentaria sobreviver se a chance se apresentasse. Não havia nada de errado nisso. Havia?


Era evidente que ainda estavam se decidindo sobre esta operação, disse Kemper com os seus botões. Em 1990-1991 houvera o luxo do tempo para decidir coisas, para transportar armamentos, para estabelecer conexões de dados e tudo o mais. Porém, não desta vez. Quando ele requisitara os AWACS, algum pulha da Força Aérea replicara Por que você não tem um? Por que não pediu?

O comandante do USS Anzio e da força-tarefa 61.1 não descarregara sua ira contra o homem. Provavelmente isso não era culpa dele, e as boas notícias eram que agora tinha um AWACS. E chegou bem em tempo Quatro caças, tipo desconhecido, estavam decolando de Basatin, a 140 quilômetros dali — COMEDIA, aqui é Céu Dois, estamos captando quatro aeronaves em rota de aproximação.

A conexão de dados apareceu em uma das telas do Aegis. Seu próprio radar não podia ler tão longe, porque estava bem abaixo do horizonte. O AWACS mostrou quatro blips em dois pares.

— Céu, COMEDIA, eles são seus. Chumbo neles.

— Entendido. Espere: mais quatro se aproximam.


— É Aqui que as coisas ficam interessantes — disse-lhes Jackson na Sala de Situação. — Kemper tem uma ratoeira de mísseis armada a estibordo da formação principal Se alguém passar pelos caças F-16, veremos se dá certo.


Um terceiro grupo de quatro decolou um minuto mais tarde. Os 12 caças subiram para três mil metros, e então viraram para o sul em alta velocidade.

A esquadrilha de caças F-16 não podia correr o risco de se afastar demais da força-tarefa COMEDIA, mas moveu-se para enfrentar a ameaça no Golfo sob a direção do AWACS. Ambos os lados ligaram seus radares de mira, a força da URI controlada por aparelhos com base em terra, e as equipes da USAF guiadas pelo E-3B circulando a 1.600 quilômetros atrás deles. Não foi elegante. Os caças F-16, com seus mísseis de longo alcance, dispararam primeiro e mudaram de direção enquanto os interceptores iraquianos liberavam os seus próprios e tentavam evadir. Então o primeiro grupo de quatro mergulhou rumo à água. Três caças da URI, ainda em rota de aproximação, abaixaram — sob a saraivada de mísseis; os americanos mostraram-se mais rápidos que a saraivada de resposta, e deram a volta para retornar ao conflito. A esquadrilha americana se dividiu em elementos de dois aviões, rumando para leste; então virou-se novamente para conduzir um ataque em bigorna. Mas as velocidades envolvidas eram altas, e um caça iraniano estava agora a uma distância de oitenta quilômetros de COMEDIA. Era nesse ponto que eles apareciam no radar do Anzio.

— Comandante! — disse ao microfone o chefe do painel de medidas de vigilância eletrônica. — Estou captando sinais de radar, azimute três-cinco-cinco. São valores de detecção, senhor. Eles devem nos ter.

— Muito bem.

Kemper esticou a mão para girar sua chave. O mesmo aconteceu no Yorktown e no Normandy. O Yorktown era uma versão mais antiga do cruzador. Em seu caso, quatro SM-2 MR pintados de branco afloraram da proa e se posicionaram sobre trilhos de lançamento. No caso do Anzio e do Normandy, nada mudou visualmente; seus mísseis ficavam alojados em nichos verticais de lançamento. Os radares SPY estavam agora gerando seis milhões de watts de energia RF, voltados quase continuamente para os caças bombardeiros em rota de aproximação, ligeiramente fora do alcance dos cruzadores.

Mas não fora do alcance do John Paul Jones, a dezesseis quilômetros ao norte do corpo principal. Num espaço de três segundos, seu radar principal ficou ativo, e então o primeiro de oito mísseis saltou de seus nichos de lançamento, varando o céu sobre uma coluna de fumaça e chamas, e então mudando de direção e se nivelando ao horizonte rumo ao norte.

Os caças não tinham visto o Jones. O perfil furtivo do Jones não se mostrara como um alvo real em suas telas de radar, e eles também não haviam notado que agora estavam sendo rastreados por um quarto radar SPY. A série de trilhas de fumaça branca foi uma surpresa desagradável quando os pilotos levantaram os olhos de suas telas de radar. Mas dois deles acionaram seus C-802s bem a tempo.

A quatro segundos de seus alvos, os mísseis SM-2 receberam sinais terminais de orientação dos radares de iluminação SPG-62. Foi repentino, inesperado demais para que pudessem se esquivar. Todos os quatro caças explodiram em nuvens densas tingidas de amarelo e negro, mas haviam conseguido lançar seis mísseis antinavios.

— Vampiro, vampiro! Vejo mísseis sensíveis em rota de aproximação, azimute três-cinco-zero.

— Certo, lá vamos nós.

Kemper virou a chave mais uma vez, colocando na posição automático especial . O Aegis estaria agora plenamente automático. No convés, as metralhadores Gatling CIWS voltaram-se para estibordo. Em todas as partes a bordo das quatro naus de guerra, marinheiros ouviram e tentaram não estremecer. As tripulações mercantes às quais estavam protegendo ainda não conheciam o suficiente para ficar assustadas.

No alto, os F-16 agruparam-se numa — ainda intacta — esquadrilha de quatro caças. Esses também portavam mísseis antinavios, mas pareciam fora de lugar, provavelmente para o grupo de retaguarda. O primeiro grupo inimigo vira um bando de navios, bem próximos uns aos outros. O segundo ainda não, e jamais veria. Eles tinham acabado de entrar na área dos radares Aegis à sua direita, quando o céu se encheu de rastros de fumaça. Os quatro caças separaram-se. Dois explodiram em pleno ar. Outro foi danificado e tentou recuar para noroeste antes de perder força e cair, enquanto um quarto, totalmente ileso, deu uma guinada para a esquerda e expeliu seu carregamento externo de armas. Os quatro F-16 da Força Aérea haviam abatido seis caças inimigos em menos de quatro minutos.

O Jones tirou um dos torpedos de superfície do caminho, mas nenhum deles estava travado no retorno de radar, e assim, a alta velocidade resultante dos alvos foi muito difícil de ser acompanhada. Três das quatro tentativas de lançamento computadorizada haviam falhado. Restavam cinco. Os sistemas de combate do destróier reciclaram-se e procuraram por alvos adicionais.

Eles tinham avistado a fumaça do Jones e se perguntado o que era aquilo, mas o primeiro aviso real de que havia alguma coisa terrivelmente errada foi quando o trio mais próximo de cruzadores começou a disparar.

No CIC do Anzio, Kemper decidiu, como havia feito o OBannon, não lançar seu foguetes de retaguarda. Três dos caças em aproximação pareciam direcionados para a parte traseira da formação, com apenas dois direcionados para a frente. Seu cruzador e o Normandy concentraram-se nesses. Era possível sentir os lançamentos. O casco estremeceu quando os dois primeiros foram disparados. A tela de radar estava mudando agora a cada segundo, revelando rastros em rota de aproximação e de distanciamento. Os vampiros estavam a 12

quilômetros de distância agora. A 16 milhas por minuto isso significava menos de cinquenta segundos para contato e destruição. Isso pareceu uma semana.

O sistema estava programado para adotar o modo de controle de disparo mais apropriado ao momento. Estava agora no modo disparar-disparar-olhar.

Disparar um míssil disparar outro, e então olhar para ver se o alvo havia sobrevivido aos dois primeiros, e fazer uma terceira tentativa. Seu alvo foi destruído pelo primeiro SM-2 e o segundo terra-ar se autodestruiu. O primeiro míssil do Normandy errou, mas o segundo pegou d raspão o C-802, abatendo-o para o mar com uma explosão que foi sentida, um segundo depois, através do casco.

O Yorktown tinha uma vantagem e uma desvantagem. Seu sistema mais antiquado permitia lançamentos diretamente contra os mísseis em aproximação em vez de forçar mísseis a virar em voo antes de poder atingir os alvos. Mas o Yorktown não os lançava muito rápido. Ele tinha três alvos e cinquenta segundos para destruí-los. O primeiro C-8002, explodiu a uma distância de oito quilômetros, abatido por um impacto duplo. O segundo estava agora em sua altura terminal de três metros, três metros acima da superfície do mar. O SM-2

seguinte errou longe, explodindo inofensivamente atrás do alvo. O míssil em prosseguimento errou também. A saraivada seguinte dos lança mísseis dianteiros encheu o ar com fragmentos que confundiram a orientação do par seguinte, fazendo com que ambos explodissem nos estilhaços de um alvo morto. Ambos os lança mísseis dos cruzadores moveram-se para frente e para trás e para cima e para baixo para receber o conjunto seguinte de quatro terra-ar. O último C-802 atravessou ileso a nuvem de fragmentos, seguindo direto para o cruzador. O Yorktown lançou mais dois mísseis, mas a orientação um míssil falhou completamente, e o outro errou o alvo. Então os sistemas CIWS utilizados nas superestrutura dianteira e traseira viraram-se levemente, enquanto o vampiro filtrava sua área de alvo. Com o míssil inimigo a setecentos metros, os lança mísseis Yorktown dispararam novamente, erraram, erraram novamente, mas então explodiram o míssil a menos de 182 metros do convés a estibordo. A ogiva detonada banhou o cruzador com fragmentos, e partes do corpo do míssil atingiram o painel de radar SPY direito e atravessaram a superestrutura, matando seis marinheiros e ferindo mais vinte.


Uau! — exclamou o Secretário Bretano. Todo o conhecimento teórico adquirira nas últimas semanas repentinamente era real.

— Nada mau. Eles mandaram 14 aviões contra nós, e estão recuperando dois ou menos — avaliou Robby. — Isso vai fazer com que pensem melhor da próxima vez.

— E quanto ao Yorktown ? — perguntou o presidente.

— Precisamos esperar para ver.


O hotel deles ficava a menos de um quilômetro da embaixada russa, e como jornalistas bons e parcimoniosos, decidiram caminhar até lá, e para isso saíram alguns minutos antes das oito. Clark e Chavez tinham percorrido pouco mais de cem metros quando perceberam que alguma coisa estava errada. As pessoas se moviam muito apressadamente para o começo de um dia de trabalho.

Teria a guerra com os sauditas sido anunciada? virou em outra rua de mercado e ali encontrou vendedores em suas barraquinhas, ouvindo rádios portáteis em vez de colocar suas mercadorias nas prateleiras.

— Perdão — disse John num farsi com sotaque russo. — Aconteceu alguma coisa?

— Estamos em guerra com a América — respondeu um vendedor de frutas.

— Oh, quando isso aconteceu?

— O rádio diz que eles atacaram nossos aviões — disse em seguida o vendedor. — Quem são vocês? — perguntou ele.

John tirou seu passaporte.

— Somos jornalistas russos. Posso perguntar o que o senhor acha disso?

— Já não lutamos muito? — perguntou o homem.


— Eu lhe disse. eles estão colocando a culpa na gente — disse Arnie, lendo a reportagem interceptada da rádio de Teerã. — Como isso repercutirá em nossa política! nessa região?

— Lá os lados são muito definidos — disse Ed Foley. — Ou você está num ou está no outro. A URI é o outro. E mais simples que da outra vez.

O presidente olhou as horas. Era pouco mais de meia-noite.

— Quando eu entro no ar?

— Ao meio-dia.


Raman precisou parar na divisa entre Maryland e Pennsylvania. Uns vinte caminhões estavam aguardando liberação da Polícia Estadual de Maryland, sob a supervisão zelosa da Guarda Nacional. Os veículos estavam enfileirados dois a dois, bloqueando completamente a estrada neste ponto. Dez minutos zangados depois, Raman mostrou sua identificação. Sem uma palavra, o tira fez sinal para que ele passasse. Raman acendeu novamente sua lâmpada giratória e arrancou a toda velocidade. Ligou o rádio, sintonizando uma estação AM só de notícias, mas perdeu o resumo horário e teve de aguentar a mesma balela que vinha ouvindo a semana inteira, até o meio-dia e meia, quando a emissora reportou uma batalha aérea no Golfo Pérsico. Nem a Casa Branca nem Pentágono haviam comentado o incidente. O Irã afirmava haver afundado dois navios americanos e derrubado quatro caças.

Patriota e religioso como era, Raman não pôde acreditarem seus ouvidos.

O problema com a América, e o motivo para sua missão de sacrifício, era que esta nação mal organizada, idolatra e desgovernada era letalmente eficaz no uso da força. Até mesmo presidente Ryan, mal visto como era pelos políticos, possuía uma força silenciosa em seu íntimo. Não gritava, não insultava, como fazia a maioria dos grandes. Raman se perguntou quantas pessoas percebiam o quanto ESPADACHIM era perigoso, precisamente por esse motivo. Bem, era por causa disso que ele tinha de matá-lo, e se isso viesse a ao custo de sua própria vida, que fosse.


A TF61.1 virou para o sul por trás da península de Catar sem mais incidentes. A superestrutura dianteira do Yorktown estava muito danificada; o fogo elétrico causara tantos danos quanto os fragmentos de mísseis, mas com sua popa voltada para o inimigo, isso não importava. Kemper manobrou mais uma vez suas naus de escolta posicionando todas as quatro atrás do cargueiros de tanques, mas nada estava pronunciando outro ataque. O resultado do primeiro ferira o inimigo gravemente. Os F-15, quatro da Força Aérea saudita e quatro da 366ª, orbitavam no céu. Uma altura de navios sauditas e outras embarcações de escolta chegara. Em sua maioria caça-minas, eles vasculhavam o fundo do mar à frente de COMEDIA, procurando, perigos, achando nenhum.

Seus navios de carga imensos tinham vindo de Dhahran para abrir caminho para Bob Hope e seus irmãos Os quatro navios Aegis mantinha. postos imóveis, âncoras baixas na proa e popa, a noventa metros de seus protegidos para manter cobertura de defesa aérea durante o processo de desembarque. A fim de que retaguarda, não tendo sofrido um único arranhão, seguiu para Bahrain para aguardar os acontecimentos.

Da sala do timão do USS Anzio, o comandante Gregory Kemper observava os primeiros veículos marrons descerem dos cargueiros de tanques.

Através de seus binóculos, pôde ver os soldados com seus uniformes salpicados de flocos marrons marcharem para a margem, e presenciou as rampas baixarem para recebê-los.


Não temos nada a comentar no momento — disse van Damm ao último jornalista a ligar. — O presidente fará uma declaração mais tarde. Isso é tudo que posso dizer no momento.

— Mas...

— Isso é tudo que temos a dizer agora. — O chefe de gabinete desligou o telefone.


Reunira todos os agentes da segurança presidencial na Ala Oeste, e explicara as regras do jogo. O mesmo seria repetido para os funcionários da Casa Branca, e Andréa tinha certeza de que sua reação seria muito semelhante: choque, descrença e raiva beirando a fúria.

— Vamos manter a cabeça fria, certo? Sabemos o que precisamos fazer.

Este é um caso criminal, e nós o trataremos como um caso criminal. Ninguém pode perder o controle. Ninguém pode dar com a língua nos dentes. Perguntas?

— Não houve nenhuma.


Daryaei olhou novamente o relógio. Sim, finalmente, chegara a hora. Ele deu um telefonema através de uma linha segura para a embaixada da URI em Paris. Ali, o embaixador ligou para outra pessoa, que telefonou para Londres.

Em todo caso as palavras trocadas eram inócuas. A mensagem não era.


Passando de Cumberland, Hagerstown e Frederick, Raman dobrou para a Interestadual 270, iniciando a última hora de viagem até Washington. Estava cansado. Esta manhã, ele veria o alvorecer. Talvez o seu último. Torcia para que fosse bonito.


O Ruído fez os agentes pularem. Ambos checaram seus relógios. Antes de mais nada, o número da pessoa telefonando apareceu numa tela de cristal líquido. Era Internacional, código 44, o que significava que vinha do Reino Unido.

— Sim? — Era a voz do suspeito, Mohammed Alahad.

— Desculpe importuná-lo tão cedo. Estou ligando por causa do Isfahan de três metros, o vermelho. Ele já chegou? Meu cliente está muito ansioso. — A voz tinha sotaque, mas não exatamente o correto.

— Ainda não — replicou a voz sonolenta. —Já perguntei sobre isso ao meu fornecedor.

— Muito bem, mas, como eu disse, meu cliente está muito ansioso.

— Verei o que posso fazer. Até logo. — E a linha ficou muda.

Don Selig levantou seu telefone celular, discou para o quartel-general, e deu-lhes o número inglês para uma checagem rápida.

— As luzes acabaram de acender— reportou a agente Scott. — Parece que o telefonema despertou o nosso menino. Atenção — disse ela por seu rádio portátil. — Suspeito em movimento.

— Estamos a postos, Sylvia — assegurou-lhe outro agente.

Cinco minutos depois, ele emergiu da porta da frente do prédio. Segui-lo não foi nem um pouco fácil, mas os agentes tinham se dado ao trabalho de localizar os telefones públicos mais próximos e colocar gente perto de todos eles. Alahad acabou escolhendo um numa combinação de posto de gasolina com loja de conveniências. O monitor de computador diria a eles qual número ele havia discado, mas através de uma câmera de lentes poderosas, Alahad foi observado inserir uma moeda. O agente com os olhos na câmera viu-o apertar 3-6-3 em sucessão rápida. Isso ficou claro alguns segundos depois, quando outro telefone grampeado tocou, e foi atendido por uma secretária eletrônica digital.

— Sr. Sloan, aqui é o Sr. Alahad. O seu tapete chegou. Não entendo por que ainda não me telefonou, senhor. — Clique.

— Bingo! — exclamou outro agente pela rede de rádio. — É isso. Ele telefonou para o número de Raman. Sr. Sloan, nós temos o seu tapete.

Mais uma voz entrou na rede de rádio.

— Fala O’Day. Prenda-o imediatamente!

Não foi realmente tão difícil. Alahad entrou na loja para comprar leite e dali caminhou direto de volta para casa. Ele precisou usar uma chave para entrar em seu apartamento, e ficou surpreso em encontrar um homem e uma mulher lá dentro.

— FBI — anunciou o homem.

— Está preso, Sr. Alahad — disse a mulher, tirando um par de algemas do bolso. Não havia armas apontadas, mas Alahad não resistiu — eles raramente resistiam.

Em todo caso, se esboçasse qualquer reação, havia agora mais dois agentes em frente a porta.

— Mas por quê? — perguntou.

— Conspiração para matar o presidente dos Estados Unidos — disse Sylvia Scott, empurrando-o contra a parede.

— Isso é um absurdo!

— Sr. Alahad, o senhor cometeu um erro. Joseph Sloan morreu ano passado. Como o senhor pode vender um tapete para um homem morto? — perguntou.

O homem estremeceu como se tivesse levado um choque elétrico. Os mais espertos sempre faziam isso ao descobrir que não tinham sido nem um pouco espertos. Eles jamais esperavam ser pegos. O truque seguinte seria explorar o momento. Isso começou em alguns minutos, quando lhes diriam qual era a penalidade por violar o artigo 1811 § 1751.


O interior do USNS Bob Hope parecia o parque de estacionamento do inferno, com veículos tão apertados uns aos outros que um rato teria dificuldade de passar entre eles. Para ocupar um tanque, uma equipe recém-chegada precisava caminhar sobre as carcaças dos veículos, agachados para não esmagar os crânios no teto de aço, e se flagravam questionando a sanidade daqueles que tinham periodicamente de checar os veículos, ligando os motores e manipulando os canhões para frente e para trás de modo a não permitir que as juntas de plástico e borracha ressecassem.

Designar equipes para os trailers e caminhões não tinha sido uma tarefa administrativa fácil, mas o navio era carregado de modo a permitir que os veículos mais importantes saíssem primeiro. Os soldados da Guarda Nacional chegaram em unidades,com impressos de computador concedendo-lhes os números e a localização de seus veículos designados, e os tripulantes do navio apontavam-lhes qual era a saída mais rápida. Menos de uma hora depois que o navio havia chegado, desceu o primeiro tanque de batalha M1A2 do 11º RCB.

O desembarque demoraria mais de um dia, e a maior parte de outro seria necessário para organizara Brigada MATILHA.


O alvorecer foi realmente bonito, avaliou satisfeito Aref Raman, entrando na West Executive Drive. Seria um dia claro para a sua missão. Os guardas uniformizados no portão acenaram-lhe enquanto a barreira de segurança era desfeita. Outro carro chegou atrás dele, e esse também passou. Raman estacionou a dois espaços de sua vaga e reconheceu o motorista como sendo O’Day, o cara do FBI que tivera tanta sorte naquele dia na creche. Não fazia sentido odiar o homem. Afinal de contas, ele estava defendendo a própria filha.

— Como vai? — perguntou cordial o inspetor do FBI.

— Acabo de chegar de Pittsburgh — replicou Raman, tirando sua valise do porta-malas.

— Que diabos estava fazendo lá?

— Trabalho avançado... mas aquele discurso não vai ser feito, acho. Por que você está aqui?

Raman estava satisfeito pela distração. Isso lhe permitia concentrar-se no jogo.

— O diretor e eu temos uma reunião com o Patrão. Mas primeiro precisamos de uma chuveirada.

— Chuveirada?

— É, para desinfe... oh, você não estava aqui. Um funcionário da Casa Branca está doente por causa do tal vírus. Todo mundo precisa tomar banho e se desinfetar antes de entrar. Venha — disse O’Day, carregando uma valise.

Os dois passaram pela Entrada Oeste. Os dois fizeram os detetores de metal apitarem, mas como eram ambos agentes federais, nada foi feito quanto ao fato de estarem portando armas. O inspetor apontou para a esquerda.

— Mas que graça, eu mostrando a você alguma coisa neste lugar — brincou com Raman.

— Tem estado muito aqui? — perguntou Raman.

O agente do Serviço Secreto viu que dois escritórios haviam sido convertidos alguma coisa. Um estava marcado CAVALHEIROS e o outro DAMAS. Andréa Price saiu de um deles, cabelo molhado, e, Raman notou quando ela passou por ele, cheirando a produtos químicos.

— Oi, Jeff, como foi a viagem? Ei, Pat, como vai o herói? — perguntou Price.

— Tudo normal, Price. A mesma rotina — disse O’Day com um sorriso triste. Ele abriu a porta CAVALHEIROS, entrou, e pousou sua valise no chão.

Raman percebeu que havia sido um trabalho às pressas. Aquele escritório pertencia a algum funcionário menor, mas toda a mobília havia sido retirada, e o assoalho estava coberto de plástico. Uma estante estava ali para as roupas.

O’Day despiu-se e caminhou até o chuveiro coberto por lona.

— Pelo menos esses malditos produtos químicos acordam a gente — comentou inspetor do FBI enquanto a água começava a fluir. Emergiu dois minutos depois e começou a se enxugar vigorosamente. — Sua vez, Raman.

— Que maravilha — disse o agente do Serviço Secreto, removendo suas roupa e demonstrando um pouco da timidez característica da sociedade de seus pais. O’Day não olhou para ele e não desviou os olhos. Não fez nada a não ser enxugar-se, até Raman estar atrás da lona. A pistola de serviço do agente, uma SigSauer, fora colocada no alto da estante de roupas. O’Day abriu primeiro sua maleta. Em seguida pegou a automática de Raman, soltou o pente e correu o cão da arma para ejetar a bala da agulha.

— Como estão as estradas? — perguntou O’Day.

— Vazias. Vim bem rápido... droga, como esta água fede!

— Eu que o diga!

O’Day percebeu que Raman mantinha dois pentes de reserva para sua pistola. Ele colocou os três no bolso interno da valise antes de desembrulhar os quatro que havia preparado. Um, ele alojou na parte traseira da Sig. Ele correu o cão da arma uma mais para ejetar o pente. Em seguida, substituiu-o por um pente novo e cheio, e o mesmo com outros dois no cinto do agente. Feito isso, sentiu a arma. Peso e equilíbrio estavam idênticos a antes. Quando tudo estava em seu lugar, O’Day voltou a se virar. Não precisava ter se apressado. Raman evidentemente precisava de um banho. Talvez ele estivesse se purificando, pensou friamente o inspetor.

— Tome — O’Day jogou uma toalha enquanto colocava sua camisa.

— Ainda bem que trouxe outra muda de roupa. — Raman pegou cueca e meias novas em sua pasta.

— Acho que há um regulamento que diz que vocês têm de estar todos embonecados quando trabalham com o presidente, hem? — O agente do FBI abaixou-se para amarrar os sapatos. Olhou para cima. — Bom dia, diretor.

— Nem sei por que me dei ao trabalho de tomar banho em casa — resmungou Murray — Trouxe os documentos, Pat?

— Sim, senhor. É importante mostrar isso a ele.

— Se é. — E Murray tirou seu terno e gravata. — Vestiário da Casa Branca comentou. — Bom dia, Raman.

Os dois agentes acabaram de se vestir, verificaram se suas armas pessoais estavam nos lugares certos e então saíram.

— Murray e eu precisamos entrar — disse Pat ao outro no corredor. Eles não precisaram esperar muito por Murray, e então Price apareceu novamente, no instante em que o diretor do FBI surgiu. O’Day esfregou o nariz para dizer-lhe que tudo estava pronto. Em resposta, Andréa meneou a cabeça.

— Jeff, quer levar esses cavalheiros ao gabinete? Preciso comparecer ao posto de comando. O Patrão está esperando.

— Claro, Andréa. Por aqui — disse Raman, conduzindo O’Day. Atrás deles, Price esperou e não seguiu para o posto de comando.


No andar de cima, Raman viu equipamentos de TV sendo preparados para instalação no Salão Oval. Arnie van Damm chegou apressado pelo corredor, com Callie Weston a reboque. O presidente Ryan estava à sua escrivaninha, vestindo a camisa de manga comprida usual, folheando um documento. Ed Foley, o diretor da CIA, também estava lá — Gostou do banho, Dan? — perguntou o diretor da CIA.

— Sim, estou perdendo o resto do meu cabelo, Ed.

— Oi, Jeff— cumprimentou o presidente, olhando para cima.

— Bom dia, presidente — disse Raman, assumindo seu posto usual contra a parede.

— Certo, Dan, o que vocês querem comigo? — perguntou Ryan.

— Nós rompemos um anel de espionagem iraniano. Achamos que está associado ao atentado à sua filha.

Enquanto Murray falava, O’Day abriu sua valise e tirou uma pasta de cartolina.

— Os ingleses descobriram a conexão — começou a dizer Foley. — O contato aqui é um sujeito chamado Alahad... acredita que o desgraçado tem uma loja a um quilômetro e meio daqui?

— Nós o temos sob vigilância neste momento — disse Murray. — Estamos checando seus registros telefônicos.

Todos estavam olhando para os documentos sobre a mesa do presidente e não viam o rosto de Raman congelar em meio a uma expressão. Sua mente começou a disparar, como se uma droga tivesse sido injetada em sua corrente sanguínea. Se estavam dizendo aquilo naquele exato momento... então ainda havia uma chance, uma chance ínfima, mas se não havia, aqui estava o presidente, os diretores do FBI e da CIA, e ele podia mandar todos eles para Alá, e se isso não fosse sacrifício suficiente... Com a mão esquerda, Raman desabotoou o terno. Desencostou do ponto na parede no qual estava apoiado e fechou os olhos para uma prece rápida. Então, num movimento rápido e suave, sua mão direita desceu até a automática.

Raman ficou surpreso em ver os olhos do presidente moverem-se para fitá-lo diretamente. Bem, isso não era tão ruim, era? Ryan devia saber que sua morte estava chegando, e a única coisa lastimável era que ele jamais entenderia o motivo.

Ryan estremeceu quando a pistola foi sacada. A reação foi automática, apesar das instruções sobre o que esperar e o sinal de O’Day de que tudo fora providenciado a contento. Mesmo assim ele se abaixou, imaginando se podia realmente confiar em alguém, e viu as mãos de Jeff Raman segui-lo e apertar o gatilho como um autômato, absolutamente sem nenhuma emoção nos olhos... O som fez todos pularem, embora por motivos diferentes.

Pop.

Foi só isso. Descrente, Raman ficou de boca aberta. A arma estava carregada. Ele podia sentir o peso dos cartuchos nela, e...

— Abaixe a arma — disse O’Day calmamente, sua Smith apontada agora para Raman. Um instante depois, Murray estava com sua arma de serviço apontada.

— Já temos Alahad sob custódia — explicou o diretor.

Raman tinha outra arma, uma adaga retrátil, mas o presidente estava a quatro metros e meio e...

— Se você quiser, posso mandar uma no seu joelho — disse friamente O’Day, — Seu traidor filho da puta! — gritou Andréa, entrando na sala com a pistola em punho. — Seu assassino escroto! No chão, agora!

— Calma, Price. Ele não vai a parte alguma — disse-lhe Pat. Mas foi Ryan quem quase perdeu o controle: — E minha filhinha, você colaborou num plano para assassinar a minha filhinha — Ryan começou a contornar a mesa, mas Foley o bloqueou. — Não, não desta vez, Ed — Pare! — ordenou o diretor. — Nós o pegamos, Jack. Nós o pegamos.

— Seja como for, deite no chão — mandou Pat, ignorando os outros e apontando para o joelho de Raman. — Largue a arma e deite no chão!

Ele estava tremendo agora; medo, raiva, todas as espécies de emoções o assaltavam, todas menos aquela que ele esperara. Ele engatilhou o cão da arma e premiu novamente o gatilho. Ele nem mesmo apontou; era apenas um ato de negação.

— Eu não poderia ter usado festim. A arma não pesaria a mesma coisa — explicou O’Day. — São cartuchos de verdade. Simplesmente desalojei as balas e retirei a pólvora A cápsula produz um som bem convincente, não é?

Foi como se ele tivesse esquecido como respirar por um ou dois minutos.

O corpo Dr. Raman desabou sobre si mesmo. Deixou cair o revólver no tapete com o Selo Presidencial e tombou de joelhos. Price aproximou-se e o empurrou o resto do caminho até o chão. Murray, pela primeira vez em anos, fechou as algemas.

— Quer ouvir os seus direitos? — perguntou o diretor do FBI.


59

Regras de Conflito

Diggs ainda não recebera ordens de missão apropriadas e — o que era ainda mais perturbador — sua Operação BUFORD ainda não dispunha realmente de algo que pudesse ser chamado plano. O Exército treinava seus comandantes para agir tom rapidez e determinação, mas assim como acontecia com os médicos nos hospitais, as internações de emergência não eram recebidas com o mesmo bom grado que os procedimentos planejados. O general estava em contato contínuo com os comandantes de dois regimentos da Divisão Blindada, o comandante superior da Força Aérea, o uma-estrela que trouxera a 366ª, os sauditas, os kuwaitianos, e vários agentes de informação, apenas tentando estabelecer o que o inimigo estava realmente fazendo e determinar o que ele poderia estar planejando — e, a partir daí, tentar formular algum tipo de plano de ação além de simples reação a cada evento.

As ordens e regras de conflito chegaram por seu aparelho de fax às 11 da manhã, hora de Washington, quatro da tarde, hora Zulu, e sete da noite, hora Lima, ou hora local. Aqui estava a explicação que ainda não recebera. Passou-a prontamente aos seus subordinados principais e reuniu sua equipe para instruí-los. Os soldados, disse ele aos oficiais reunidos, ficariam sabendo através de seu comandante-em-chefe. Seus oficiais teriam de estar com seus homens quando essa notícia descesse.

As coisas já estavam complicadas. Segundo os satélites, o Exército de Deus — conforme os oficiais de informação haviam constatado ser o nome — estava a uma distância de 160 quilômetros da fronteira do Kuwait, aproximando-se do oeste em boa ordem, e seguindo as estradas, conforme esperado. Isso fazia o destacamento saudita parecer muito bom, considerando que três de suas cinco brigadas estavam cobrindo as aproximações nos campos de petróleo.

Eles ainda não estavam preparados. A 366ª Esquadrilha estava no Reino, mas não era suficiente ter os aviões nos campos de pouso certos. Mil detalhes menores precisavam ser estabelecidos, e esse trabalho ainda não chegara nem à metade. Os F-16 de Israel estavam bem aquecidos, todos os 48 de seus caças de motor único estavam funcionando, e até mesmo já tinham abatido algumas aeronaves inimigas nos combates iniciais, mas o restante precisava de outro dia.

Da mesma forma, o 10° RCB estava totalmente preparado, mas ali não estava; ainda estava se agrupando e se movendo para sua área de destacamento original. Sua terceira brigada estava apenas começando a receber equipamentos.

Era uma equipe composta de pessoas com uma ideia do que deviam estar fazendo. Mas escolher o momento e o lugar geralmente era trabalho de um agressor, papel que seu país não desempenhara muito.

Ele olhou novamente para o fax de três páginas. Pareceu-lhe literalmente explosivo em suas mãos. Seus oficiais de planejamento leram suas cópias e ficaram mergulhados num silêncio sinistro até o especialista 3 do 11º, o oficial de operações regimentais, dizer por todos eles: — Vamos suar um bocado.

 

Três russos haviam chegado recentemente. Clark e Chavez precisavam lembrar a si mesmos que aquilo não era algum tipo de alucinação induzida por álcool. Os dois oficiais da CIA estavam sendo apoiados por russos sob ordens de missão de Langley retransmitidas por Moscou. A bem da verdade, eles tinham duas missões. Os russos haviam ficado com a mais difícil, e trazido, pela remessa diplomática, os equipamentos necessários para os americanos efetuarem a missão mais fácil. Além disso, chegara de Washington, via Moscou, um despacho, que todos leram.

— Estamos com pressa demais, John — sussurrou Ding. Então assumiu sua máscara de missão. — Mas que se dane.

 

A sala de imprensa ainda estava quase vazia. A maioria dos regulares estava em outra parte, alguns aprisionados fora da cidade pelo embargo de viagem, outros apenas desaparecidos, e ninguém sabia exatamente por quê.

— Dentro de uma hora, o presidente fará um discurso muito importante — disse lhes van Damm. — Infelizmente, não haverá tempo para distribuir cópias antecipadas do texto. Por favor, informem às suas emissoras que o assunto será da mais alta importância — Arnie! — chamou um jornalista, mas o chefe de gabinete já lhes dera as costas.

 

Os jornalistas na Arábia Saudita sabiam mais que seus amigos em Washington, e estavam a caminho de um encontro com suas unidades designadas. Para Tom Donner, era a Tropa B, 1ª do 11º. Ele estava completamente trajado num uniforme de batalha no deserto, e encontrou o comandante de tropas, um jovem de 29 anos, parado ao lado de seu tanque.

— Como vai? — disse o capitão, levantando apenas um pouco os olhos de seu mapa — Onde quer que eu fique ? — perguntou Donner. O capitão riu.

— Senhor, nunca pergunte a um soldado onde ele quer que um jornalista fique!

— Com você, então?

— Eu dirijo esta belezinha — respondeu ao jornalista, apontando com a cabeça para o tanque. — Vou colocar o senhor num dos Brads.

— Preciso de uma equipe de câmera.

— Eles já estão aqui — disse-lhe o capitão, apontando. — Naquela direção.

Mais alguma coisa?

— Sim. Você gostaria de saber o que está acontecendo? — perguntou Donner.

Os jornalistas tinham estado virtualmente prisioneiros num hotel em Riad, não recebendo sequer permissão de telefonar para casa e contar às famílias onde estavam. Os familiares sabiam apenas que os jornalistas haviam sido convocados pelo governo, e que as empresas para as quais trabalhavam tinham assinado acordos de não revelar o propósito de suas missões. No caso de Donner, a emissora dissera que ele estava a serviço, coisa difícil de explicar com o embargo às viagens. Mas eles haviam sido instruídos sobre a situação geral — não havia como evitar isso, já que estariam em contato com muitos soldados.

— Seremos informados daqui a uma ou duas horas, ou pelo menos foi o que o coronel nos disse. — Mas o jovem oficial estava interessado agora.

— Isso é algo que você precisa saber. Honestamente.

— Sr. Donner, eu sei o que o senhor armou para o presidente, e...

— Se quer atirar em mim, faça mais tarde. Ouça o que estou dizendo, capitão. Isto é importante.

— Venda seu peixe, senhor.

 

Havia alguma coisa perversa em ser maquiado em momentos como esse.

Como sempre, era Mary Abbot quem estava fazendo o trabalho, vestindo sua máscara, e desta Vez luvas, enquanto ambos os teleprompters corriam o texto do presidente. Ryan não tivera tempo ou mesmo disposição para ensaiar. Por mais importante que fosse o discurso, ele só queria fazê-lo uma vez.

 

— Eles não podem trafegar em CAMPO aberto — insistiu o general saudita.

— Não foram treinados para isso, ainda são muito dependentes de estradas.

— Temos informações que sugerem o contrário, senhor — disse Diggs.

— Estamos prontos para eles.

 

— Vocês nunca estão prontos o bastante, general. Ninguém está.

 

Em PALM BOWL, o clima estava tenso, mas, sob todos os outros aspectos, normal. Segundo as fotos dos satélites, as forças da URI ainda estavam em movimento. Se prosseguissem, seriam recebidas por brigadas kuwaitianas lutando em seu próprio território, e por um regimento americano de reserva e por sauditas prontos a proporcionar apoio rápido. Eles não sabiam qual seria o resultado da batalha — os números gerais não eram prováveis —, mas essa não seria a última vez, disse o major Sabah com seus botões. Parecia-lhe uma tolice que as forças aliadas não pudessem atacar primeiro. Elas sabiam o que estava chegando.

— Captando algumas conversas por rádio — reportou um técnico. Lá fora, o sol começava a se pôr. As fotos de satélite dos oficiais de informação pareciam ter quatro horas de idade. Não haveria mais fotos disponíveis nas duas horas seguintes.

 

STORM TRACK ficava próximo da fronteira Arábia Saudita URI, distante demais para um morteiro, mas não a salvo de tubos reais de artilharia. Uma companhia de 14 tanques sauditas estava agora disposta entre o posto de escuta e a berma. Além disso, pela primeira vez em vários dias, estavam começando a captar transmissões de rádio. Os sinais eram embaralhados, mais como os aparelhos de comando do que como os rádios, táticos normais, numerosos demais para os sistemas de codificação simplificada. Incapacitados de entendê-las imediatamente — esse era o trabalho dos computadores lá na Cidade Militar Rei Khalid —, eles tinham começado a tentar localizar seus pontos de origem.

Em vinte minutos, tinham trinta pontos de fontes. Vinte representavam quartéis-generais de brigadas. Seis para os postos de comando de divisões. Três para os comandos de corporações, e um para o comando do Exército. Pareciam estar testando sua rede de comunicações, conforme concluiu o pessoal da ELINT. Eles teriam de esperar que os computadores desembaralhassem o que estava sendo dito. Os localizadores de direção haviam determinado que estavam seguindo a estrada para Al Busayyah, ainda em sua marcha de aproximação até o Kuwait. O tráfego de rádio não era tão notável assim. Talvez, pensava a maioria, o Exército de Deus precisasse de mais prática na disciplina de marcha Embora não tivessem se saído tão mal assim em seu exercício...

Com o pôr do sol, os Predators foram lançados novamente, rumo ao norte. Em primeiro lugar, seguiram até as fontes de rádio. Suas câmeras viraram a 16 quilômetros dentro da URI, e a primeira coisa que um deles viu foi uma bateria de canhões de torre 203mm, em cima de seus caminhões, membros estendidos, tubos voltados para o sul.

— Coronel! — gritou um sargento, esbaforido.

Lá fora, os pilotos de tanques sauditas haviam selecionado pequenas colinas atrás das quais se esconder, e estavam destacando alguns tripulantes pela área, como observadores. Os primeiros tinham acabado de estabelecer seus pontos de observação quando lampejos alaranjados começaram a pontuar o horizonte nordeste.

Diggs ainda estava discutindo padrões de posicionamento de combate quando chegou a primeira mensagem: — Senhor, STORM TRACK está relatando disparos de artilharia.

 

— Bom dia, amigos americanos — disse Ryan para as câmeras. Sua imagem estava sendo transmitida em âmbito mundial. Sua voz seria ouvida até mesmo por aqueles que não tinham aparelhos de TV disponíveis. Na Arábia Saudita, suas palavras estavam sendo transmitidas em AM, FM e ondas curtas, de modo que cada soldado, marinheiro e aeronauta pudesse ouvir o que iria dizer. — Passamos por muita coisa nas duas últimas semanas.

Minha primeira tarefa é contar-lhes sobre o progresso que temos tido contra a epidemia que foi infligida a nosso país.

Não foi fácil para mim ordenar a imposição de um embargo às viagens interestaduais. Há poucos direitos mais preciosos que o de ir e vir conforme aprouver a cada cidadão. Porém, tendo por base o conselho dos melhores médicos especialistas, senti que era necessário tomar essa atitude. Agora posso reportar a vocês que a ordem surtiu o efeito desejado. Há quatro dias que não temos notícias de novos casos da doença. Isso se deve em parte às medidas tomadas pelo governo, mas os maiores responsáveis são vocês, que tomaram as medidas apropriadas para proteger a si próprios. Ainda hoje daremos informações mais detalhadas, mas por enquanto posso dizer-lhes que a epidemia de Ebola vai acabar, provavelmente na semana que vem. Muitos dos casos mais recentes são de pessoas que certamente sobreviverão. Os profissionais médicos da América realizaram um trabalho sobre-humano para ajudar os afligidos, para nos ajudar a entender o que estava acontecendo e como melhor combater a doença. Esta tarefa ainda não está completa, mas nosso país sobreviverá a esta tempestade, assim como sobreviveu a muitas outras.

Um momento atrás, eu disse que a epidemia nos foi infligida.

A chegada dessa doença ao nosso país não foi acidental. Fomos atingidos por uma forma de ataque nova e bárbara. É chamada de guerra biológica. Trata-se de uma coisa banida pelo tratado internacional. A guerra biológica tem como propósito aterrorizar e aleijar uma nação, em vez de matá-la. Todos sentimos desgosto e horror com o que está acontecendo ao nosso país, a forma como a doença ataca as pessoas aleatoriamente. Minha própria esposa, Cathy, vem trabalhando horas a fio com vítimas do Ebola em seu hospital em Baltimore.

Como vocês sabem, estive lá há alguns dias para ver com meus próprios olhos.

Vi as vítimas, conversei com médicos e enfermeiras, e fora do hospital sentei-me para conversar com um homem cuja esposa estava doente.

Eu não pude dizer a ele naquela hora, mas posso dizer a vocês agora: desde o começo suspeitávamos que a epidemia era um ato de um só homem, e durante os últimos dias, nossas agências de policiamento e informação apuraram as provas de que precisávamos antes de dizer a vocês o que lhes direi agora.

Nos televisores através do mundo apareceram os rostos de um menino africano e uma freira belga, paramentada.

— Esta doença começou há alguns meses no Zaire — prosseguiu o presidente. Ryan precisava conduzir, lenta e cuidadosamente, a todos por aquela notícia, e estava se esforçando para manter um tom neutro.

 

Os pilotos de tanques sauditas voltaram imediatamente aos seus veículos, acionaram as turbinas, e se moveram para novas locações. Mas os disparos, eles viram, estavam direcionados para STORM TRACK. Aquilo fazia sentido, pensou seu comandante. O posto de escuta era um ponto vital de angariação de informações. Seu trabalho era proteger STORM TRACK, o que podiam fazer contra tanques e tropas, mas não contra fogo de artilharia. O capitão saudita era um homem bonito, de 25 anos. Era também muito devoto, e portanto ciente do fato de que os americanos eram convidados em seu país, e portanto merecedores de sua proteção. Ele correu até seu rádio para contatar os quartéis-generais de seu batalhão, e requisitou transportes terrestres blindados — usar helicópteros seria suicídio — para evacuar os especialistas em informação.

 

— E assim, temos a doença viajando da África para o Irã. Como sabemos disso? — perguntou o presidente. — Sabemos porque a doença viajou de volta para a África neste avião. Por favor, notem o código de registro, HX-NJA. Este é o mesmo avião supostamente perdido com a irmã Jean Baptiste a bordo...

 

Precisamos de outro dia, merda!, pensou Diggs. E as forças inimigas estavam realmente a quase 320 quilômetros a oeste de onde todos haviam planejado encontrá-la.

— Quem está mais perto? — perguntou.

— É a área da Quarta Brigada — replicou o oficial superior saudita. Mas essa brigada estava espalhada por uma frente de mais de 150 quilômetros. Havia alguns helicópteros de reconhecimento na região, mas os helicópteros de ataque também estavam no lugar errado, a oitenta quilômetros ao sul de Wadi al Batin.

O outro lado não estava cooperando muito.

 

Daryaei ficou chocado ao ver sua fotografia na TV. Pior, pelo menos população de seu país estava assistindo àquilo. A CNN americana não estava disponível na URI, o serviço inglês Sky News estava, e ninguém pensara em...

— Este é o homem por trás do ataque biológico ao nosso país — disse Ryan, com tipo de calma que parecia robótica. — Ele é o causador das mortes de muitos milhares de nossos cidadãos. Agora, eu lhes direi por que ele fez isso, por que houve um ataque a minha filha, Katie, e por que aconteceu um atentado à minha própria vida, há apenas algumas horas, no Salão Oval. Imagino que o Sr. Daryaei esteja assistindo a esta transmissão, ao vivo ou não. Mahmoud Haji — disse o presidente dos EUA, direto para olho da câmera —, o seu homem Aref Raman está agora sob custódia federal. O senhor realmente acredita que a América é tão idiota assim?

 

Como todos os outros na Corcel Negro, Tom Donner estava ouvindo — em seu caso, com um par de fones de ouvido pelo rádio do tanque Bradley. Não havia fones suficientes para todos, e os tripulantes precisavam dividi-los.

Donner observou seus rostos. Eles, também, estavam tão vazios e inexpressivos quanto a voz de Ryan, até mesmo em sua última frase, que causara tanta indignação.

— Puta merda — disse um dos especialistas 4. Era um Delta-11, um batedor da RCB, e artilheiro de retaguarda para esta estação.

— Meu Deus — conseguiu dizer Donner. Ryan prosseguiu: — As forças da URI estão agora posicionadas para invadir nosso aliado, o Reino da Arábia Saudita. Nos últimos dois dias, movemos forças para lá a fim de apoiar nossos amigos.

Agora preciso dizer-lhes uma coisa muito importante. O ataque à minha filha, o atentado à minha vida, e o ataque bárbaro ao nosso país foi realizado por pessoas que se dizem muçulmanas. Todos precisamos compreender que essa religião não tem nenhuma relação com esses atos inumanos. O Islã é uma religião. A América é um país no qual liberdade religiosa é a primeira liberdade garantida em nossa Constituição, mesmo antes da expressão e de todas as outras. O Islã não é inimigo de nosso país ou de nenhum outro. Assim como minha família foi atacada por pessoas que se diziam católicas, essas pessoas deturparam e corromperam sua fé religiosa em nome do poder mundial, e depois se esconderam por trás dela, como covardes que são. O que Deus pensa disso, não sei dizer mas ele é misericordioso e justo.

Bem, haverá justiça. Se as forças da URI dispostas na fronteira saudita moverem para invadir, nós as enfrentaremos. Nossas forças armadas estão neste mesmo momento no campo de batalha, e agora falarei diretamente a elas.

Agora vocês sabem por que foram levados para longe de seus lares e famílias. Agora vocês sabem por que precisam pegar armas para defender seu país. Agora vocês conhecem a natureza de seu inimigo, a natureza de seus atos.

Mas a América não tem uma tradição de ataque deliberado aos inocentes.

Vocês atuaram segundo as nossas leis em todas as épocas. Agora preciso enviá-los para a batalha, quem dera que isso não fosse necessário. Eu mesmo já servi nos fuzileiros, e sei como é estar num país estrangeiro. Mas vocês estão aí para apoiar o seu país, e aqui em casa seu povo está apoiando vocês. Todos vocês estarão em nossas preces.

Aos nossos aliados no Kuwait, Reino da Arábia Saudita, Catar, Omã, e todos os Estados do Golfo: a América está novamente ao seu lado para impedir a agressão e restaurar a paz. Boa sorte.

Então, o tom da voz de Ryan mudou. Pela primeira vez, ele deixou suas emoções aparecerem plenamente.

— E boa caçada.

Os tripulantes na estação de comando da Tropa B entreolharam-se por vários segundos antes que alguém abrisse a boca. Eles até conseguiram esquecer a presença do repórter. O mais jovem deles baixou os olhos para suas mãos trêmulas e falou o que estava pensando.

— Aqueles filhos da puta vão pagar. Eles vão pagar por isso, pessoal.

 

Quatro blindados de transporte de tropas corriam pelo deserto a cerca de 64 quilômetros por hora. Estavam evitando a estrada de terra batida até STORM TRACK por temerem que estivesse na mira do fogo de artilharia; esta provara-se uma precaução correta. Sua primeira visão de seu objetivo foi uma nuvem de fumaça e poeira levantando-se do posto de captação enquanto os tiros de canhão continuavam a castigar o sítio. Um dos três prédios parecia estar em pé, mas em chamas, e o tenente saudita conduziu o pelotão de escolta perguntou-se se alguém poderia estar vivo ali. Ao norte avistou um tipo diferente de lampejo — a oito quilômetros de distância, a língua de chamas do nariz de metal do canhão principal de um tanque iluminava os contornos da paisagem desértica, que não eram tão niveladas quanto aparentavam à luz do dia. Um minuto depois, os disparos contra STORM TRACK arrefeceram um pouco, alternando para onde os tanques estavam evidentemente enfrentando veículos inimigos invadindo seu país. Ele agradeceu a Alá que seu trabalho imediato tivesse se tornado um pouco mais fácil, enquanto seu radioperador entrava em contato com o rádio tático de STORM TRACK.

Os quatro blindados de transporte encontraram seu caminho através das antenas caídas nas ruínas do complexo. Então, suas portas traseiras abriram-se e os soldados desceram correndo para olhar em volta. Trinta homens e mulheres trabalhavam ali. Eles encontraram nove pessoas ilesas, mais cinco feridas. O pelotão de escolta levou cerca de cinco minutos vasculhando as ruínas, porém mais nenhuma pessoa viva foi encontrada, e não havia tempo para respeitos para com os mortos. Os veículos blindados retornaram para o batalhão CP, onde helicópteros aguardavam para retirar os americanos.

 

O Comandante de Blindados saudita ficou estarrecido com o elemento-surpresa haver funcionado. Ele sabia que a maioria das forças de seu país estava a 320 quilômetros a leste. Mas o inimigo estava aqui e indo para o sul. Eles não estavam indo para o Kuwait ou atrás dos campos de petróleo. Isso ficou claro quando os primeiros tanques URIanos apareceram em seu visor térmico, pontuando a berma, fora do alcance dos canhões porque ele fora ordenado a não se aproximar demais. O jovem oficial não sabia o que fazer. Normalmente, seus militares trabalhavam sob circunstâncias muito controladas, e assim ele decidiu pedir instruções por rádio. Mas seu comandante de batalhão estava ocupado agora, seu próprio comando de 54 tanques e outros veículos espalhados por uma frente de trinta quilômetros, todos sendo atingidos por disparos indiretos de artilharia, e em sua maioria reportando que tanques inimigos cruzavam a fronteira, apoiados por transportes de infantaria.

O oficial decidiu que precisava fazer alguma coisa. Ordenou que seus tanques avançassem para enfrentar o ataque. A três mil metros, seus homens abriram fogo, e os primeiros 14 disparos resultaram em oito impactos, nada mau sob as circunstâncias e para soldados de meio expediente, pensou enquanto decidia fincar pé e lutar ali mesmo, e defender seu solo contra o invasor. Seus 14 tanques espalharam-se ao longo de uma linha de três quilômetros de comprimento. Era um destacamento de defesa, mas do tipo estacionário, No centro de sua própria linha, o oficial estava concentrado demais no que acontecia A sua frente. A segunda saraivada acertou mais seis inimigos ao longe, mas então um de seus tanques foi atingido diretamente por um disparo de artilharia, que destruiu seu motor e iniciou um incêndio. A tripulação foi obrigada a abandonar o veículo, apenas para ser estraçalhada por mais disparos de artilharia antes de poder correr cinco metros. O oficial estava olhando naquela direção e os viu morrer, a quatrocentos metros de distância, e soube que agora havia um buraco em sua linha, e que precisava tomar alguma atitude quanto a isso.

Seu artilheiro, como os outros, estava procurando e tentando enfrentar os tanque inimigos, os T-80 com suas torres de tiro esféricas, quando a primeira saraivada de mísseis antitanques chegou voando dos veículos BMP de transporte blindado de artilharia, posicionados atrás dos T-80. Os mísseis antitanques começaram a atingir seus alvos, e embora não pudessem penetrar a blindagem frontal dos tanques, as esteiras foram desalojadas, mais motores incendiaram, e os sistemas de controle de incêndio foram danificados. Quando metade de seu comando estava em chamas, o oficial decidiu que era hora de recuar. Quatro tanques começaram a se mover novamente, virando-se e correndo dois quilômetros para o sul. O capitão permaneceu com os outros três e destruiu mais um tanque antes de começar a se mover. O ar estava agora infestado de mísseis e um deles atingiu as costas de sua torre de tiro, incendiando a caixa de armazenagem de munição. A chama vertical sugou o ar a partir da escotilha aberta, asfixiando sua tripulação enquanto ele era queimado vivo. Sem líder, a companhia prosseguiu lutando por mais trinta minutos, caindo novamente até os três tanques sobreviventes correrem para o sul a cinquenta quilômetros por hora, tentando encontrar o posto de comando do batalhão.

Ele não estava mais lá. Fora localizado por suas transmissões de rádio e atingido por uma brigada inteira de artilharia da URI em sua posição despreparada, exatamente quando os sobreviventes de STORM TRACK chegavam com a tropa de escolta. Na primeira hora da Segunda Guerra do Golfo Pérsico, uma brecha de cinquenta quilômetros fora aberta nas linhas sauditas, e havia uma trilha direta até Riad. Para isso, o Exército de Deus perdera metade de uma brigada, um preço alto, mas que eles estavam dispostos a pagar.

 

O quadro inicial não estava claro. Se estivesse, seria um caso raro. Essa era a vantagem que o atacante tinha, pensou Diggs, e o trabalho do comandante era conferir ordem ao caos e procurar usar a ordem adquirida para infligir caos ao inimigo. Com a destruição de STORM TRACK, ele estava temporariamente desprovido do Predator. Isso precisava ser corrigido imediatamente. A 366ª

havia destacado radares aéreos J-STARS capazes de rastrear o movimento das tropas de terreno. No ar estavam duas aeronaves K-3B AWACS, cada uma escoltada de perto por quatro caças. Vinte caças da URI apareceram e começaram a persegui-los. Isso iria ser excitante para a Força Aérea.

Mas Diggs tinha seus próprios problemas. Com a perda de STORM TRACKS e seus Predators, ele estava quase completamente cego e sua primeira ação retificadora seria ordenar ao 10° RCB seguir para oeste. As palavras de Eddington ocorreram-lhe novamente. O centro de gravidade saudita poderia não ser, afinal de contas, um alvo econômico.

 

— Nossas tropas estão dentro do reino — disse-lhe o oficial de informação.

— Eles estão enfrentando oposição, mas estão penetrando. O posto de espionagem americano foi destruído.

As notícias não deixaram Daryaei feliz.

— Como eles souberam... como eles souberam?

O chefe de informação estava com medo de perguntar como eles souberam o quê. Assim esquivou-se do assunto: — Isso não importa. Estaremos em Riad em dois dias, e depois nada importará.

— O que sabemos sobre a doença na América? Por que não há um número maior de doentes? Como eles podem ter tropas para enviar?

— Isso eu não sei — admitiu o chefe de informação.

— O que você sabe?

— Aparentemente, os americanos possuem um regimento no Kuwait, e outro no reino, com um terceiro levando equipamentos dos navios... aqueles que os indianos não detiveram... até Dhahran.

— Então ataque os navios! — quase berrou Mahmoud Haji. Quanta arrogância daquele americano, referindo-se a ele pelo nome, de uma forma que seu próprio povo poderia ter visto, ouvido... e acreditado?

— Nossa força aérea está atacando no norte. Esse é o local de decisão.

Qualquer diversão desse local será perda de tempo — replicou racionalmente.

— Mísseis, então!

— Veremos o que pode ser feito.

 

O General em comando da 4ª Brigada saudita recebera instruções de esperar nada mais que um ataque de desorientação a sua área, e permanecer a postos para desferir um contra-ataque à URI tão logo começasse seu ataque em massa ao Kuwait. Como muitos generais através da História, ele cometera o erro de acreditar um pouco demais em seus oficiais de informação. O general dispunha de três batalhões mecanizados, cada um cobrindo um setor de cinquenta quilômetros, com uma brecha de oito a 16 quilômetros entre eles.

Num papel ofensivo, esse seria um destacamento flexível para atacar o flanco inimigo, mas a perda prematura de seu batalhão intermediário de mísseis dividira seu comando em dois, deixando-o com a difícil tarefa de comandar partes separadas. Ele cometera o erro de se mover para frente em vez de para trás. Decisão corajosa, mas que negligenciava o fato de que, a 160 quilômetros atrás dele, ficava a Cidade Militar Rei Khalid, espaço no qual poderia ter-se reorganizado para um contra-ataque ponderado, em vez de um contra-ataque fragmentado e abrupto.

O ataque da URI fora realizado segundo o modelo aperfeiçoado pelo Exército soviético na década de 70. A fase inicial de invasão fora composta por uma brigada pesada investindo para a frente, protegida pelo fogo de artilharia em massa. A eliminação de STORM TRACK fora planejada desde o começo.

Ela e PALM BOWL — eles até conheciam seus nomes de código — eram os olhos da estrutura de comando do inimigo Quanto aos satélites, eles não podiam fazer nada, mas os postos de captação de informações baseados em terra eram mais fáceis de lidar. Conforme o esperado, os americanos haviam enviado alguns equipamentos, mas não muitos, e metade eram aeronaves de voo diurno. Como no caso dos soviéticos, que escreveram a cartilha ao rumar para a baía de Biscaia, a URI aceitaria o custo, pesando vidas contra o tempo para alcançar seu objetivo político antes que seus inimigos potenciais pudessem se fortalecer. Os sauditas acreditavam que Daryaei queria seu petróleo mais do que qualquer coisa, mas o Exército dele estava rumando para Riad, onde ficava a família real e o governo da Arábia Saudita Ao fazer isso, a URI punha em risco seu flanco esquerdo, mas as forças baseadas no Kuwait precisariam atravessar o terreno até Wadi ai Batin, e em seguida cruzar 320 quilômetros de deserto apenas para chegar onde o Exército de Deus já estivera.

O segredo era a velocidade, e o segredo para alcançar velocidade era a eliminação rápida da 4ª saudita. A artilharia ainda estava reunida a norte da berma, e iniciando um fogo incessante com o propósito de eliminar as comunicações e a coesão nas unidades com as quais os sauditas haviam tentado conter a invasão inicial. Era uma tática que quase certamente daria certo, contanto que estivessem dispostos a pagar o preço. Uma brigada havia sido destacada para cada um dos três batalhões fronteiriços.

O comandante da 4ª Brigada também possuía sua própria artilharia, mas esta, decidiu, seria melhor usada na zona central de penetração, para punir as unidades com uma estrada limpa até o coração de sua pátria. Os reforços seguiriam principalmente para lá, para atacar as pessoas que apenas estivessem passando, em vez das brigadas, que apenas agora estavam contatando suas forças mecanizadas remanescentes. Com sua destruição, ele triplicaria a amplitude da brecha nas linhas sauditas.

 

Diggs estava no posto principal de comando enquanto todas essas novidades chegavam, e só depois de alguma reflexão percebeu o que estava acontecendo a ele. Já fizera isso com os iraquianos em 1991. Fizera isso com os israelenses durante alguns anos como comandante da divisão Búfalo. E também comandara o Centro Nacional de Treinamento durante algum tempo. Agora estava vendo o que era estar do outro lado. As coisas estavam acontecendo rápido demais para os sauditas. Ele estavam mais reagindo do que pensando, vendo a crise em sua magnitude, mas não em sua forma, semi paralisados pela velocidade dos eventos que, estivessem eles do outro lado, teria parecido apenas empolgante e nada mais.

— Faça a 4ª recuar cerca de trinta quilômetros — disse calmamente. — Vocês têm espaço de sobra para manobrar.

— Nós os deteremos lá mesmo! — replicou o comandante saudita, também automaticamente.

— General, isto é um erro. Está colocando aquela brigada em risco sem necessidade. Você pode recuperar terreno perdido. Você não pode recuperar tempo e homens perdidos.

Mas ele não lhe dava ouvidos e Diggs não tinha estrelas suficientes em seu colarinho para falar com mais insistência. Mais um dia, pensou, mais um maldito dia.

 

Os helicópteros estavam fazendo seu serviço. A Tropa M, 4ª do 10º, era composta de seis helicópteros de escolta Kiowa OH-58 e quatro pássaros de ataque Apache AH-64, todos portando mais tanques extras de combustível do que armas. Eles tinham avisado que caças inimigos estavam no ar, o que impedia que se voasse muito alto. Seus sensores farejavam o ar em busca de emissões de radar de mísseis terra-ar — tinha de houver alguns por perto —, enquanto os pilotos realizavam voos curtos de um topo de colina para outro, vasculhando a dianteira com sistemas de visão noturna e radares Longbow.

Entrando no território da URI, avistaram o veículo de escolta ocasional, talvez uma companhia espalhada, segundo estimavam, por vinte quilômetros dentro do campo de visão da fronteira kuwaitiana, mas isso era tudo. Os oitenta quilômetros seguintes revelaram quase a mesma coisa, embora os veículos fossem mais pesados. Ao chegar às cercanias de Al Busayyah, da qual o Exército de Deus vinha se aproximando — segundo informações captadas por satélite pelos serviços de informação —, tudo que realmente encontraram foram rastros na areia e alguns grupos de veículos de apoio, em sua maioria, caminhões de combustível. Destruí-los não era sua missão. Sua tarefa era localizar o Corpo principal do inimigo e determinar seu eixo de avanço.

Isso custou aos helicópteros outra hora de voos rasos e pulos de sapo.

Havia veículos dotados de mísseis terra-ar por ali, de fabricação russa e francesa, mísseis de curto alcance que os helicópteros sabiam ter de evitar. Uma esquadrilha de helicópteros Kiowa e Apache aproximou-se o bastante para ver uma coluna de tanques movendo-se através de uma brecha na berma em força de brigada, e isso a 240 quilômetros do ponto do qual eles haviam partido. Com essa informação, os helicópteros retiraram-se sem dar um único tiro em nada.

Na vez seguinte, eles poderiam vir com força, e não havia sentido em avisar às pessoas sobre a brecha em suas defesas aéreas antes que pudessem ser explorada! a contento.

 

O Batalhão da 4ª Brigada posicionado mais a leste estava em sua posição, e praticamente morrendo ali. A esta altura, os helicópteros de ataque da URI se haviam juntado a eles, e embora os sauditas atirassem bem, a inabilidade de manobrar era um empecilho muito grande. Isso custou ao Exército de Deus outra brigada para cumprir esta missão, mas quando ela terminou, a brecha nas linhas sauditas tinha 112 quilômetros de largura.

A oeste, a situação era diferente. Este batalhão, comandado agora por um major, devido à morte de seu coronel, interrompeu contato e rumou para sudoeste com metade de sul força; em seguida, tentou virar para leste, para se adiantar ao ataque. Carecendo de força para se manter posicionado, ele atacou e se moveu, no processo contando com vinte tanques e vários outros veículos, antes de ficar sem combustível, trinta quilômetros ao norte da Cidade Militar Rei Khalid. Os veículos de reforço da 4ª Brigada tinham se perdido em algum lugar. O major pediu ajuda por rádio, perguntando-se se iria chegar algum.

 

Foi uma surpresa maior do que deveria. Um sistema de programa de apoio do sistema sobre o oceano Índico acusou a explosão do lançamento. Essa notícia seguiu para Sunnyvale, Califórnia, e de lá para Dhahran. Tudo aquilo havia acontecido antes, mas ao norte, com mísseis lançados do Irã. Os navios mal estavam carregados até a metade A guerra tinha apenas quatro horas de duração quando o primeiro míssil Scud deixou a plataforma de seu caminhão de lançamento, rumando para norte sobre as montanhas Zagros.

— O que é agora? — indagou Ryan.

— Agora você entende por que os cruzadores ainda estão lá — replicou Jackson.

 

O aviso de ataque mal foi necessário. Os três cruzadores, mais o Jones e seus radares, estavam vasculhando o céu, e todos eles captaram o ataque balístico há ma 160 quilômetros de distância. A Guarda Nacional, esperando sua vez de rumar até veículos, observou as bolas de fogo dos mísseis superfície-ar subirem ao céu, sair atrás de coisas que só os radares podiam ver. O lançamento inicial de três projetei explodiu separadamente na escuridão, e só.

Mas os soldados estavam até mais motivados em reunir seus tanques quando o clarão triplo desceu de 1.600 metros de altura.

No Anzio, Kemper observou o rastro desaparecer da tela. Esta era outra coisa que os Aegis podiam ser bons, embora continuar sob o fogo não fosse exatamente ideia de diversão.

 

O outro evento da noite foi a batalha aérea acirrada sobre a fronteira. As aeronaves AWACS tinham observado o que se revelara 24 caças em rota de aproximação direta, numa tentativa de negar aos aliados cobertura aérea. Isso provou ser um exercício oneroso. Nenhum ataque às aeronaves E-3B foi realmente bem-sucedido. Em vez disso, a força aérea da URI continuou demonstrando sua capacidade em perder aviões de propósito. Mas isso faria diferença? O controlador americano mais graduado num AWACS lembrou de uma velha piada da OTAN. Um general de tanques soviético encontrou com outro em Paris e perguntou: Por falar nisso, quem ganhou a guerra aérea? A graça da piada era que as guerras eram vencidas ou perdidas no solo. E assim seria aqui.


60

BUFORD

As intenções do inimigo só ficaram claras seis horas depois do primeiro ataque de sua artilharia. Coube aos jornalistas do helicóptero de reconhecimento um quadro inicial, mas o que finalmente esclareceu tudo foram as fotografias por satélite. A mente de Marion Diggs estava entupida de precedentes históricos. Quando o alto comando francês desvendara o Plano Schlieffen alemão antes da Primeira Guerra Mundial, sua reação geral havia sido melhor para nós! Aquele assalto mal chegara às cercanias de Paris. Em 1940, o mesmo alto comando recebera as notícias iniciais de outro ataque alemão com sorrisos — esse ataque terminara na fronteira espanhola. O problema era que as pessoas tendiam a manter-se mais fiéis às suas ideias que aos seus cônjuges, e a tendência era universal. Era bem depois da meia-noite, portanto, quando os sauditas compreenderam que a força principal de seu Exército estava no lugar errado, e que sua força de cobertura oriental fora subjugada por um inimigo que era inteligente ou idiota demais para fazer o que se esperava que ele fizesse. Para resistir a isso, eles tiveram que travar uma batalha de manobras, algo para o que estavam despreparados. A URI decidiu que rumaria primeiro para a Cidade Militar Rei Khalid. Haveria uma batalha por esse ponto no mapa, depois da qual o inimigo teria a opção de se voltar para leste na direção do Golfo Pérsico — e o petróleo — desta forma encurralando as forças aliadas; ou continuar para sul até Riad para desferir um nocaute político e vencer a guerra. No fim, pensou Diggs, não era um plano tão terrível assim.

Se eles conseguissem executá-lo. Contudo, seu problema era o mesmo que o dos sauditas. Eles tinham um plano. E consideravam esse plano muito bom, e eles, também, achavam que o inimigo deles iria colaborar para sua própria destruição. Cedo ou tarde, todos faziam isso, e o segredo para estar no lado vencedor era saber o que se podia e o que não se podia fazer. Este inimigo ainda não sabia a parte que não podia fazer. Não havia sentido em ensinar-lhe cedo demais.

 

Na sala de situação, Ryan estava ao telefone com seu amigo em Riad.

— Estou com a foto, Ali — assegurou-lhe o presidente.

— Isto é sério.

 

— O sol nascerá cedo, e vocês terão espaço para negociar por tempo. Isso deu certo antes, alteza.

— E o que suas forças farão?

— Elas não podem exatamente vir para casa daí, podem?

— Está tão confiante assim?

— Você sabe o que aqueles desgraçados fizeram conosco, alteza.

— Claro que sim, mas...

— E nossas tropas também sabem, meu amigo. E então Ryan pediu um favor.

 

— Esta guerra começou mal para as forças aliadas — estava dizendo Tom Donner ao vivo para o NBC Nightly News. — Pelo menos é o que temos ouvido.

Os exércitos combinados do Iraque e do Irã esmagaram as linhas sauditas a oeste do Kuwait e estão seguindo para o sul. Estou aqui com os soldados do 11º

RCB, o Corcel Negro. Este é o sargento Bryan Hutchinson, de Syracuse, Nova York. Sargento, o que está achando disto?

— Acho que simplesmente teremos de ver, senhor. O que posso lhe dizer é que a Tropa B está pronta para o que der e vier. Duvido que eles estejam prontos para nós, senhor. Venha conosco e assista.

E isso era tudo que ele tinha a dizer.

— Como estão vendo, apesar das más notícias do campo de batalha, estes soldados estão prontos para o contato... na verdade, estão até ansiosos por ele.

 

Tendo acabado de falar com seu soberano, o comandante saudita superior desligou o telefone e se virou para Diggs.

— O que você recomenda?

— Para início de conversa, acho que devemos mover a 5ª e a 2ª brigadas para sudoeste.

— Isso deixa Riad a descoberto.

— Não, senhor, na verdade não deixa não.

— Devemos contra-atacar imediatamente!

— General, não precisamos fazer isso ainda — disse-lhe Diggs, baixando os olhos para o mapa. O 10° certamente estava numa posição interessante... Ele olhou para o oficial saudita. — Senhor, já ouviu a história do touro velho e do touro novo?

Então Diggs contou uma de suas piadas favoritas, uma que, depois de alguns segundos, fez os oficiais superiores sauditas assentirem.

 

Como o senhor está vendo, até mesmo a televisão americana está dizendo que estamos sendo bem-sucedidos — relatou o chefe de informação ao seu chefe. O general em comando da Força Aérea da URI estava menos otimista.

No último dia ele perdera trinta caças, derrubando, em troca, talvez dois aviões sauditas. Seu plano de atacar e derrubar os aviões AWACS, que tanto influíam nos resultados dos combates aéreos, havia falhado, custando-lhe, no processo, um grupo de seus pilotos mais bem treinados. A boa notícia, para ele, era que seus inimigos careciam das aeronaves necessárias para invadir seu país e causar danos sérios. Agora, mais forças terrestres estavam descendo do Irã para avançar ao Kuwait vindo do norte. Com sorte, tudo que teria a fazer seria cobrir as forças terrestres avançadas, o que seus homens sabiam como fazer especialmente à luz do dia. Dali a algumas horas, todos estariam informados sobre seu curso de ação.

 

Um total de 15 mísseis balísticos tipo Scud haviam sido lançados em Dhahran. Acertar navios da força-tarefa COMEDIA teria sido um golpe de sorte, e todos os mísseis haviam sido interceptados ou, na maioria dos casos, caído inocentemente no mar durante uma noite de ruídos e fogos de artifício. A última parte do desembarque — neste estágio, a maioria dos veículos descendo em terra eram caminhões — estava sendo realizada agora, e Greg Kemper pousou seus binóculos, enquanto observava a fileira de caminhões pintados de marrom desaparecerem em meio à neblina matutina. Para onde estavam indo ele não sabia. Só sabia que cerca de cinco mil soldados da Guarda Nacional da Carolina do Norte estavam muito putos, e prontos para fazer alguma coisa.

 

Eddington já estava ao sul da Cidade Militar Rei Khalid, com seu estado-maior de brigada. Sua força MATILHA provavelmente não chegaria lá a tempo de travar a batalha. Em vez disso, ele os havia encaminhado a Al Artawiyah, um daqueles lugares que às vezes se tornavam importantes na história porque as estradas davam lá. Ele tinha certeza se isso aconteceria aqui, embora lembrasse que Gettysburg fora um lugar onde Bobby Lee esperava conseguir alguns sapatos para seus homens. Enquanto equipe trabalhava, o coronel acendeu um charuto e caminhou para fora, onde viu duas companhias de soldados chegando com seus veículos. Decidiu caminhar naquela direção enquanto os policiais militares dispunham-nos em postos de defesa. Caças passaram rugindo. Caças F-15E americanos, a julgar pela aparência. Certo, ele pensou, o inimigo tivera umas boas 12 horas. Vamos deixá-los pensando isso.

— Coronel! — Um comandante de tanque Bradley saudou-o de sua escotilha Eddington subiu no veículo assim que ele parou. — Bom dia, senhor.

— Como estão todos?

— Estamos preparados pra cacete, senhor. Onde eles estão? — indagou o sargento tirando seus óculos de proteção cobertos de poeira.

Eddington apontou.

— Mais ou menos a uns 150 quilômetros naquela direção, vindo pra cá.

Conte como as tropas estão se sentindo, sargento.

— Quantos mataremos antes que eles nos façam parar, senhor?

— Se for um tanque, mate. Se for um BMP, mate. Se for um caminhão, mate o que estiver a sul da berma, e estiver carregando uma arma, mate. Mas as regras são diferentes sobre matar pessoas que não ofereçam resistência. Não violamos essas regras. Isso é importante.

— Faremos jogo limpo, coronel.

— Mas não corram riscos desnecessários com prisioneiros.

— Não, senhor — prometeu o comandante de tanque. — Não correrei.

 

A geometria colocou a CORCEL NEGRO na frente, avançando para oeste a partir de sua área de reunião na direção da Cidade Militar Rei Khalid. O coronel Hamm formou com seu comando avançando em fila, 1º, 2º e 3º esquadrões enfileirados de sul a norte, cada um cobrindo uma frente de vinte milhas. O 4º Esquadrão (Aéreo) estava em seu bolso, com apenas alguns helicópteros de escolta sondando a dianteira enquanto elementos de apoio terrestre de seu batalhão moviam-se para estabelecer uma base avançada num ponto em que suas tropas líderes ainda não haviam alcançado. Hamm estava em seu carro de ataque M4 — chamado, apropriadamente, Guerra nas Estrelas (eles chamavam-no Deus ) —, começando a receber resposta de suas unidades avançadas.

O sistema IVIS estava começando a entrar on-line agora, num ambiente tático real. O Sistema de Informação Interveículos (IVIS) era uma rede de dados com a qual o Exército estava brincando havia cerca de cinco anos. Jamais fora testado em combate, e Al Hamm estava satisfeito em saber que seria o primeiro a provar seu valor. Suas telas de comando no M4 captavam tudo. Cada veículo específico era tanto um emissor quanto um receptor de informações. O sistema começou dizendo a todos onde estavam as unidades amigas, o que, com o equipamento de localização GPS, era preciso até o metro, e isso supostamente impediria perdas por fogo amigo. Ao toque de uma tecla, Hamm sabia a localização de cada veículo de ataque que possuía, indicado num mapa que mostrava todas as características relevantes do terreno. Com o tempo, teria um quadro similarmente preciso disposições inimigas, e com o conhecimento da localização de todos, vinha a opção de escolher suas posições. A 2ª e a 3ª

brigadas sauditas estavam a noroeste de Hamm, vinham da área fronteiriça do Kuwait. Ele tinha cerca de 150 quilômetros de terreno bruto pura percorrer antes de ter de se preocupar com contato, e as quatro horas da marcha de aproximação serviriam para estabelecer o controle de suas unidades e verificar se tudo estava funcionando. Tinha dúvidas quanto a isso, mas era um treinamento que precisava realizar, porque erros nos campos de batalha, ainda que pequenos, sempre eram caros.

 

Os remanescentes da 4ª Brigada saudita tentavam se reunir ao norte da Cidade Militar Rei Khalid. Somavam talvez cerca de duas companhias de tanques e transportes de infantaria, cuja maioria havia realizado manobras de atacar-e-fugir durante a longa retirada do deserto. Alguns haviam sobrevivido por pura sorte, outros mediante o brutal processo darwiniano que era a guerra móvel. O oficial superior sobrevivente era um major que fizera carreira no serviço de informação e que comandara um tanque sob as ordens do oficial não-comissionado. Seus homens haviam negligenciado o treinamento com equipamentos IVIS, preferindo mira e corrida em vez de treinos de batalha mais saturados. Bem, tinham pago um preço por isso, considerou o major. Sua primeira ordem de ação era localizar e convocar os caminhões de combustível que sua brigada tinha na retaguarda, para que os 29 tanques remanescentes e 15

outros carros de combate pudessem ser abastecidos. Alguns caminhões de munição também foram encontrados, o que permitiu o reabastecimento de cerca de metade de seus veículos pesados. isso, enviou os veículos de apoio para a retaguarda e selecionou um uadi, palavra árabe que significa leito de rio seco — ao norte e a oeste da Cidade Militar Rei Khalid, como sua próxima posição de defesa. Ele levou mais meia hora para estabelecer contato confiável com seu alto comando e convocar apoio.

Sua força não era homogênea. Os tanques e carros de ataque vinham de cinco batalhões diferentes. Alguns tripulantes conheciam outros apenas casualmente ou simplesmente não conheciam, e ele estava com carência de oficiais para comandar a força que possuía. Com esse conhecimento veio a percepção de que seu trabalho era mais comandar do que lutar. Relutantemente, devolveu o tanque ao sargento que era seu dono, e escolheu um transporte de infantaria com mais rádios e menos distrações. Não era uma decisão bélica, não para uma pessoa cuja tradição cultural era conduzir uma turba de guerreiros a cavalo brandindo uma espada no ar, mas ele tinha aprendido algumas lições difíceis na escuridão ao sul da berma, o que o colocava um passo adiante de muitos homens que haviam morrido por não terem aprendido rápido o bastante.

 

O combate do dia começou depois de uma pausa no movimento e na matança, que mais tarde seria visto como um intervalo num jogo de futebol. O motivo pelo qual os sobreviventes da 4ª haviam aproveitado o tempo e o espaço para se reorganizar e se reabastecer, fora que o Exército de Deus fizera o mesmo. Os veículos reabasteceram nos caminhões-tanques Bowser, que haviam seguido as unidades de combate. Então seguiram cautelosos para a frente, permitindo que os caminhões-tanques socorressem as unidades avançadas posicionadas na retaguarda. Esse processo demandou quatro horas. A essa altura, a brigada e os comandantes das divisões estavam satisfeitos. Estavam apenas dez quilômetros atrás do plano — planos sempre eram otimistas — em termos de distância, e uma hora em termos de tempo. O reabastecimento aconteceu também quase dentro do cronograma. Eles haviam esmagado a oposição inicial, sofrendo mais baixas do que esperavam, mas mesmo assim arrasando seu inimigo. Os homens estavam cansados, mas soldados também tinham o direito de se cansar, e o intervalo de reabastecimento permitiria a quase todos cochilarem o suficiente para ficar mais atentos. Com o alvorecer, o Exército de Deus ligou seus motores a diesel e reiniciou seu percurso rumo ao sul.

 

Hoje, as primeiras batalhas seriam no ar. As forças aéreas aliadas começaram decolar em grande número logo depois das quatro da manhã, de bases na parte sul do reino. A primeira esquadrilha de aeronaves foi composta por Eagles F-15, que se juntaram a três AWACS E-3B circulando a leste e oeste de Riad. Os caças da URI também decolaram, ainda detendo o controle das estações terrestres de radar dentro do antigo Iraque. Começou como uma espécie de dança entre duas linhas de coro. Ambos os lados queriam saber onde estavam os lançadores de mísseis terra-ar do outro lado, e as informações haviam sido colhidas durante as horas escuras. Gradualmente, ficou determinado que ambos os lados teriam um cinturão de mísseis atrás do qual se esconder, mas nos dois casos as batalhas iniciais seriam travadas numa terra de ninguém eletrônica. O primeiro movimento foi realizado por uma esquadrilha de quatro aviões do 390º Esquadrão de Caças, os Wild Boars. Alertados por seu avião de controle que um caça da URI dobrara para leste, os Eagles angularam para oeste, acionaram as turbinas e cruzaram como raios o espaço vazio, revertendo curso de volta ao mar enquanto isso. Os americanos haviam esperado vencer, e venceram. Os aviões da URI — na verdade, caças F-4

remanescentes dos tempos do xá — foram pegos olhando para o lado errado.

 

Alertados por seus controladores em terra, viraram-se, mas seu problema era mais profundo que a situação tática. Eles haviam esperado um padrão de conflito no qual um lado dispararia mísseis, e o outro fugiria, para depois retornar disparando seus próprios mísseis em um estilo de duelo tão rígido quanto uma justa medieval. Ninguém lhes dissera que não fora assim que seus inimigos americanos haviam treinado.

Os Eagles dispararam primeiro, perdendo um AMRAAM cada. Era um míssil do tipo dispare-e-esqueça, que lhes permitiria recuar depois de disparar.

Mas não fizeram isso. Ao invés, permaneceram atrás deles, seguindo tanto sua doutrina e suas inclinações depois de dez horas refletindo sobre o que seu presidente dissera no rádio. Agora era tudo uma questão pessoal, e a primeira equipe de pilotos de Eagle manteve a rota de aproximação enquanto seus mísseis seguiam até o primeiro grupo de alvos. Dos quatro alvos, três foram destruídos. O quarto fugiu, abençoado por sua sorte, e manobrou para disparar sua própria arma, apenas para ver em seu próprio radar que havia um caça a 15

quilômetros de distância, com uma razão de aproximação de quase dois mil nós. Isso fê-lo estremecer e dobrar rumo ao sul. Um erro. O piloto do Eagle diminuiu a potência da turbina e assumiu uma posição de perseguição de cauda.

Ele quis um abatimento visual, e conseguiu, mirando no seis do inimigo e selecionando as metralhadoras. Em mais quinze segundos, o F-4 se expandiu para encher a mira de tiro e...

— Raposa-três, Raposa-quatro atacando!

Uma segunda esquadrilha de Eagles estava agora na área de combate, caçando seus próprios alvos. Os controladores terrestres da URI ficaram estarrecidos com a velocidade do resultado, e ordenaram que seus caças apontassem contra os americanos em rota de aproximação e disparassem seus mísseis de longo alcance guiados por radar — mas mesmo então os americanos não fugiram como o esperado. Em vez disso, a tática de cada um foi girar noventa graus para o solo e manter uma distância equidistante até o avião atirando mísseis. Isso negou aos radares do caças um Doppler, ou mudança de alcance-proporção, até seus alvos, invalidar a trava de radar, e enviar os mísseis em cursos aleatórios, não guiados. Em seguida, os Eagles mudaram de curso, selecionaram seus próprios mísseis, e dispararam a uma distância de menos de 16 quilômetros enquanto os da URI estavam tentando recuperar suas posições e disparar outra série de mísseis. Alertados que havia mais mísseis no ar, os caças inimigos tentaram virar e fugir, mas estavam muito dentro do alcance dos mísseis, e quatro deles também foram destruídos.

— Ei, compadre, aqui é Bronco — disse uma voz através do canal da URI. — manda mais pra gente. Estamos com fome. Queremos explodir eles todos e foder suas mulheres! — Ele mudou de canal para Céu-Um. — Líder Javali, mais negócios, câmbio?

— Não no seu setor, fique em prontidão.

 

— Câmbio, desligo. O tenente-coronel comandando o 390º manobrou lateralmente de novo, olhando para baixo para ver a massa de tanques que vinha de seus pontos de reunião, e pela primeira vez na vida desejou que seus mísseis fossem ar-terra em vez de ar-ar. O coronel Winters vinha de Nova York. Sabia que havia pessoas doentes lá, e aqui estava ele em guerra contra as pessoas que tinham causado a peste, mas ele abatera apenas dois aviões, e apenas três homens até agora.

— Líder Javali, em forma comigo — ordenou o tenente-coronel.

Em seguida, checou seu combustível. Precisaria reabastecer muito em breve.

Os seguintes foram os Strike Eagles da 391ª, escoltados por caças F-16

equipados com HARM. Os caças menores, com lugar para um único piloto, aproximaram-se com seus receptores de ameaça ligados, farejando lançadores de mísseis terra-ar móveis. Esses se revelaram uma coleção considerável de veículos de mísseis de baixa altitude, Crotales franceses e velhos Gainfuls AS-6

russos, logo atrás das tropas líderes. Os pilotos do Viper mergulharam para chamar sua atenção, e então dispararam seus mísseis antirradar para cobrir os F-15E em aproximação. Esses estavam procurando, antes de mais nada, pela artilharia inimiga.

 

Os Predators estavam trabalhando nisso. Com a perda de seu controle terrestre em STORM TRACK, três haviam caído, criando uma brecha na cobertura de informação que levara horas para ser retificada. Havia apenas mais dez no teatro de operações, Quatro desses estavam no ar, voando a uma altura de dois quilômetros e meio, pairando quase invisíveis sobre as divisões em movimento. As forças da URI baseavam-se principalmente em tubos de artilharia. Esses estavam sendo preparados agora para o próximo grande ataque, alinhados por trás de duas brigadas mecanizadas, prestes a dar o próximo salto na direção da Cidade Militar Rei Khalid. Um Predator encontrou o grupo de seis baterias. Os dados seguiram para uma equipe de coleta de informações, e daí para os AWACS, e de volta para os dezesseis Strike Eagles da 391ª.

 

A formação saudita aguardava, tensa. Seus 44 mísseis de combate espalhavam-se por mais de oito quilômetros, o máximo que seu comandante ousava. Para tal, precisara equilibrar dispersão com poder de fogo, no que esperava que viesse a ser uma ação de retardamento. Um grito de aproximação no céu disse a ele e a seus homens que se protegessem, enquanto cápsulas de oito polegadas começavam a pousar na frente de sua posição. O bombardeio inicial durou três minutos, as cápsulas avançando na direção em que estavam ele e seus veículos...

 

— Tigres em fúria! — gritou o comandante de ataque.

O inimigo evidentemente esperara seu primeiro ataque para perseguir os tanques líderes. Era nesses tanques que ficavam os mísseis terra-ar, e os Vipers estavam tentando cuidar deles. As três esquadrilhas de quatro caças separaram-se, e em seguida se dividiram em elementos de duas aeronaves, descendo para 1.200 metros a uma velocidade de quinhentos nós. As artilharias estavam ordenadas em filas equivalentes, os canhões separados a cerca de cem metros uns dos outros, juntamente com seus caminhões, exatamente como mandavam os manuais, pensou o tenente Steve Berman. Seu operador de sistema de armas selecionou bólidos Cluster e começou a carregá-los com minibombas.

— Está parecendo bom — avaliou o piloto. Eles tinham largado dois tambores de munições BLU-97 de efeito combinado, um total de mais de quatrocentas bombas do tamanho de uma softball. A primeira bateria foi dizimada quando o padrão cobriu sua posição. Houve explosões secundárias nos caminhões de posição. — O próximo. — O piloto deu uma guinada brusca para a direita. Seu operador técnico posicionou-o novamente na direção da bateria de canhões, e então ele viu...

— Triplo-A às dez horas.

Isso se revelou um veículo móvel ZSU-23 antiaviões, cujas quatro metralhadoras começaram a mandar rajadas na direção da Strike Eagle.

— Selecionando míssil Maverick.

Esta. dança, da morte durou apenas alguns segundos. O Eagle esquivou-se dos disparos e lançou um míssil ar-terra Maverick, que desceu para obliterar a fileira de canhões, e então o piloto seguiu atrás da bateria seguinte de obuses.

Parece Red Flag, pensou o piloto. Ele estivera aqui em 1991 como capitão e matara alvos, mas principalmente desperdiçara seu tempo em caças a Scuds.

As simulações de batalha na base aérea de Nellis jamais haviam conferido a experiência do combate real.

Mas agora ele tinha a experiência. A missão fora planejada apenas num sentido geral.

Estava procurando por alvos em tempo real utilizando um radar de superfície e um visor Mark-um, e, ao contrário dos exercícios em Nellis, esses caras estavam disparando de volta com balas de verdade. Bem, ele estava lançando bombas de verdade, também. Mais disparos começaram a vir do solo enquanto alinhava seu avião com a coleção de alvos.

 

Tosse no meio de uma conversa: essa seria a melhor analogia. Houve, no centro, um choque final de vinte ou trinta projéteis a mil metros adiante de sua posição. Trinta segundos depois, mais dez caíram. Trinta segundos depois, apenas três. No horizonte, bem atrás da primeira fileira de tanques que apenas agora estavam aparecendo, havia nuvens de poeira. Alguns segundos depois, sentiram alguma coisa através de suas botas, e a seguir um rugido distante. A situação ficou clara em alguns segundos. Caças pintados de verde apareceram, rumando para o sul. Eram amigos, percebeu ele por suas formas. Então apareceu outro, deixando um rastro de fumaça, vacilando no céu; o caça mergulhou e despejou dois objetos, que logo se revelaram paraquedas. Os paraquedas flutuaram até o solo, um quilômetro atrás de sua posição. Enquanto isso, o caça colidia, formando uma imensa bola de fogo. O major mobilizou um veículo para pegar os homens, e então retornou sua atenção para os tanques que ainda estavam fora do alcance — ele ainda não dispunha de artilharia para atacá-los.

Merda, pensou o coronel, aquilo estava sendo mesmo como Red Flag, exceto que não passariam esta noite contando mentiras no clube e escapando para Vegas a fim de assistir a um espetáculo e se divertir num cassino. Sua terceira passagem conduzira-o ao fogo, e o Eagle estava avariado demais para conseguir chegar em casa. Ele ainda não estava nem no solo quando viu um veículo vindo em sua direção. Perguntou-se quem seria. Um momento depois, apareceu um carro de combate Hummer de fabricação americana. O veículo estava a cinquenta metros quando ele alcançou o chão, quicando na areia dura.

O coronel liberou seu paraquedas e sacou o revólver, embora com toda certeza o veículo fosse amigo, com dois oficiais sauditas dentro. Um veio até ele enquanto o outro levava o Hummer até onde o operador técnico estava parado, a oitocentos metros.

— Venha, venha! — chamou o recruta saudita.

Um minuto depois, o Hummer estava de volta com o operador técnico, que segurava seu joelho, uma expressão de dor no rosto.

— Torci feio, chefe. Pousei na porra duma rocha — explicou, sentando num dos bancos traseiros.

Em alguns segundos, o coronel descobriu que tudo que ouvira sobre os pilotos de tanque sauditas era verdade. Foi como estar num velho filme de Burt Reynolds, com o Hummer saltitando de volta à segurança do uádi. Mas o coronel sentiu-se bem ao ver as formas familiares dos veículos amistosos. O Hummer levou-o até o que devia ser o posto de comando. Ainda estavam disparando contra o lugar, e agora os projéteis estavam caindo a pouco mais de quinhentos metros.

— Quem é você? — perguntou o tenente-coronel Steve Berman.

— Major Abdullah. — O homem bateu continência. Berman embainhou o revólver e olhou em torno.

— Acho que vocês são os caras que viemos apoiar. Nós reduzimos bem a artilharia deles, mas aqueles putos deram sorte com seus Shilka. Pode conseguir um helicóptero para a gente?

— Vamos tentar. Estão feridos?

— Meu operador técnico está com o joelho ferido. Pode arranjar alguma coisa para a gente beber?

O major Abdullah ofereceu-lhe seu cantil.

— Estamos esperando um ataque.

— Posso observar? — perguntou Berman.

 

Cento e sessenta quilômetros ao sul, a brigada de Eddington ainda estava formando. Ele estava com um batalhão quase intacto. Este ele moveu trinta quilômetros para a frente, esquerda e direita da estrada até a Cidade Militar Rei Khalid, para proteger o restante de suas forças enquanto percorriam a estrada desde Dhahran. Infelizmente, sua artilharia fora o último grupo a desembarcar, e eles não estariam prontos por mais quatro horas. Mas não havia como evitar.

À medida que as unidades chegavam, ele as levou até as áreas de reunião; ali poderiam encher seus tanques de combustível. Precisando tirar pessoas da estrada e conduzi-las até a metade de seus destinos, a companhia levou cerca de uma hora para organizar tudo. Só agora seu segundo batalhão estava pronto para se mover. Este ele mandaria para oeste da estrada, o que permitiria ao primeiro se mover lateralmente para leste, e duplicar sua força de segurança avançada. Era muito difícil explicar as pessoas que as batalhas diziam mais respeito a controle de tráfego que a matar pessoas. Controle de tráfego e, também, coleta de informações eram coisas muito preciosas. Uma ação de combate era como o último ato de um grande bale — a maior parte dele consistia apenas em posicionar os dançarinos nas partes certas do palco. Os dois atos — saber para onde mandá-los e levá-los até lá — eram interativos e Eddington ainda não tinha um quadro muito claro da situação. Seu grupo de informação de brigada estava apenas começando a obter informações concernentes de Riad.

Seu batalhão líder tinha uma tropa de reconhecimento composta por HMMWVs e Bradleys, 15 quilômetros à frente da força principal; os veículos estavam camuflados da melhor forma possível e os soldados deitados de braços, vasculhando a dianteira com binóculos. Até agora não haviam reportado nada além de um sopro ocasional de poeira adiante do horizonte visível e roncos vindos de muito longe.

 

Bem, decidiu Eddington, quanto mais melhor. Ele tinha tempo de se preparar, e tempo era o bem mais valioso que um soldado poderia querer.

— LOBO-SEIS, aqui é MATILHA-SEIS, câmbio.

— LOBO-SEIS falando, câmbio.

— Aqui é MATILHA-SEIS. CANINOS BRANCOS está se movendo agora.

Deverão estar à esquerda de vocês dentro de uma hora. Podem começar seu movimento lateral quando eles chegarem à linha. Desligo.

— Entendido, coronel. Ainda não vimos nada aqui. Estamos em boa forma, senhor.

— Ótimo. Mantenha-me informado. Desligo. — Eddington colocou o telefone no lugar.

— Coronel! — Era o major que dirigia seu posto de informação. — Temos algumas informações para o senhor!

— Até que enfim!

 

O fogo de artilharia prosseguiu, com alguns projéteis caindo direto no uádi.

Era a primeira experiência daquele tipo do coronel Berman, e ele decidiu que não estava gostando. Aquilo também explicava porque os tanques e os carros de ataque estavam tão espalhados, o que lhe parecera muito estranho no começo.

Um bólido caiu cem metros à esquerda do tanque que o major Abdullah usava como escudo. Ambos ouviram distintamente os pingues de fragmentos colidindo com a blindagem pintada de marrom.

— Isto não está divertido — observou Berman, balançando a cabeça para afugentar o ruído da explosão.

— Obrigado por cuidarem do resto dos canhões deles. Isso foi assustador — disse Abdullah, olhando por seus binóculos. Os T-80 da URI estavam agora a pouco mais de trezentos metros, ainda não tendo avistado seu tanque de batalha M1A2 camuflado.

— Há quanto tempo estão em contato?

— Começou ontem, logo depois do pôr do sol. Somos tudo que resta da 4ª

Brigada. E isso não elevou nem um pouco a confiança de Berman. Sobre suas cabeças, a torre de tiro do tanque fez um leve ajustamento para a esquerda.

Uma frase curta foi ouvida pelo rádio do major, e ele replicou — gritou — uma única palavra. Um segundo depois, o tanque à esquerda deles empinou mais ou menos trinta centímetros para trás, e uma rajada de fogo foi cuspida pelo canhão principal. Isso fez os disparos da artilharia parecerem, em comparação, fogos de artifício. Contra toda a lógica, Berman levantou a cabeça. A distância, ele viu uma coluna de fumaça, e uma torre de tiro de tanque subindo acima dela.

— Meu Deus!

 

— Você tem um rádio que eu possa usar?

 

— Céu-Um, aqui é tigre líder — e o oficial do AWACS ouviu num canal lateral. — Estou no solo com um grupo de tanques sauditas ao norte da Cidade Militar Rei Khalid. — Ele deu a posição. — Estamos em contato aqui. Tem alguma ajuda para mandar para a gente? Desligo.

— Tigre, você pode autenticar?

— Não, merda, as porras dos meus códigos foram pelos ares com meu F-15.

Aqui o coronel Steve Berman falando de Mountain Home, e sou um piloto muito puto da vida agora, Céu. Há quarenta minutos, nós chutamos a bunda de alguns artilheiros iraquianos, e agora estamos passando com tanques pela brecha. Você pode acreditar em mim ou não, câmbio.

— Ele me parece americano — considerou um oficial mais graduado.

— E se você olhar com atenção, os tanques deles são redondos no topo e apontam para o sul, enquanto os nossos são achatados no topo e apontam para o norte, câmbio. Essa informação foi seguida por um estrondo. — Este bombardeio não tem a menor graça — disse-lhes.

— Também acho — decidiu o primeiro controlador. — Tigre, aguarde. Diabo Líder aqui é Céu-Um, temos um servicinho para você...

Não era para ser dessa forma, mas mesmo assim estava acontecendo. Elas deviam ser ordens fragmentadas —, detalhando pacotes de táticas aéreas para setores de caça, mas não havia aviões suficientes para isso, nem tempo para selecionai seus setores. Céu-Um tinha uma esquadrilha de quatro caças F-16 esperando por um pouco de ação ar-terra, e esta parecia tão boa quanto qualquer outra.

 

O tanque parara para trocar tiros, mas, para os sistemas de disparo nos tanques Abrams de fabricação americana, esse era um jogo sem vencedores.

Além disso, no começo do dia essas tripulações sauditas haviam tido um curso de pós-graduação em artilharia pesada. O inimigo recuara e manobrara para a esquerda e para a direita, soltando fumaça para obscurecer o campo de batalha.

Mais veículos foram deixados para trás contribuindo com suas próprias colunas de fumaça negra ao céu matutino enquanto seus estojos de munição esfriavam.

A parte inicial do conflito durara cinco minutos e custara à URI vinte veículos que Berman podia ver, sem perdas para os aliados. Talvez a situação não estivesse tão ruim, afinal.

Os Vipers vieram do oeste, mal visíveis a cerca de seis quilômetros, lançando suas bombas Mark-82 no meio da formação inimiga.

 

— Brilhante! — sentenciou o major Abdullah, que fora educado na Inglaterra.

Eles não tinham como precisar quantos veículos haviam sido destruídos, mas agora aqueles homens sabiam que não estavam sozinhos em sua luta. Isso fazia uma grande diferença.

 

Por mais improvável que pudesse parecer, as ruas de Teerã haviam ficado ainda mais sinistras. O que mais abismava Clark e Chavez (no momento, Klerk e Chekov) era ausência de conversas. As pessoas caminhavam sem falar umas com as outras. Houve também uma redução repentina no número de homens, agora que os reservistas estavam sendo convocados para viajar até seus exércitos, empunhar armas, e se preparar para guerra que seu novo país anunciara, a contragosto, depois do discurso do presidente americano Jack Ryan.

Os russos lhes tinham dado o endereço de Daryaei, e seu trabalho era na verdade a de encontrar sua casa — o que era muito mais fácil de dizer do que fazer nas ruas da cidade de um país em guerra. Especialmente se você estivera naquela cidade um pouco antes e fora visto por homens de sua força de segurança. As complicações estavam se acumulando.

O homem vivia modestamente, perceberam a dois quarteirões e meio de distância. Era um prédio de três andares numa rua de classe média, desprovido de qualquer símbolo de poder, exceto a presença evidente de guardas nos degraus da frente, e alguns carros posicionados nos cantos. Olhando mais de perto, a duzentos metros, viram que as pessoas evitavam caminhar daquele lado da rua. Homem popular, o aiatolá.

— E então, quem mais vive lá? — perguntou Klerk ao rezident russo. Ele estava disfarçado como o segundo-secretário da embaixada, e desempenhava muitas funções erráticas para manter a máscara.

— Principalmente guarda-costas, ou pelo menos é o que nós achamos.

Estavam sentados numa lanchonete, bebendo café e tomando o cuidado de não olhar diretamente para o prédio de seu interesse.

Acreditamos que os prédios do outro lado da rua estejam vazios. Esse homem tem suas preocupações com a segurança. O povo daqui está cada vez mais descontente com seu governo. Até o entusiasmo pela conquista do Iraque já esvaneceu. Vocês vão perceber a atmosfera tão bem quanto eu, Klerk. Essas pessoas estão sob controle mais de uma geração. Estão cansadas disso. E foi muito sagaz da parte do seu presidente anunciar as hostilidades antes de nosso amigo. Isso produziu um choque muito bom, acho. Sabe, gosto do seu presidente — acrescentou. — Sergey Nikolayevitch também.

— E quanto aos danos colaterais? — perguntou Clark. Foram necessários alguns circunlóquios para fazer isso sair em russo. — Vocês americanos são sentimentais demais em relação a esse tipo de coisa — falou o rezident. Isso o fez achar graça. — O camarada Klerk sempre teve coração mole — confirmou Chekov.

 

Na base da Força Aérea de Holloman, Novo México, um total de oito pilotos chegou ao hospital da base para fazer exame de sangue. Os kits de teste do Ebola por fim estavam chegando em grande quantidade. As primeiras entregas foram encaminhadas à aeronáutica que, entre as forças armadas, era a que podia transportar homens com maior rapidez. Haviam aparecido alguns casos em Albuquerque, uma cidade próxima; todos estavam sendo tratados no Centro Médico da Universidade do Novo México, e dois nesta mesma base, um sargento e sua esposa, ele morto, ela quase. Não demorou para que essa notícia se espalhasse pela base, enfurecendo ainda mais os guerreiros já sedentos pelo sangue do inimigo. Todos os resultados dos exames de sangue foram negativos, e os aviadores sentiram um alívio extraordinário. Mas eles sabiam que agora deviam sair e fazer alguma coisa. As equipes terrestres chegaram em seguida.

Todos os sem exames também deram negativo. Todos foram mandados para a pista de decolagem. Metade dos pilotos embarcou nos Nighthawks F-117. A outra metade, com as equipes terrestres, embarcou no avião de transporte de combustível e passageiros KC-10, para a longa viagem até a Arábia Saudita.

As notícias estavam chegando pela rede de comunicações da própria Força Aérea A 366ª e os caças F-16 da base israelense estavam se saindo muito bem, mas todos teriam de fazer sua parte nesta guerra, e os homens e mulheres de Holloman seguiriam no segundo grupo para a zona de batalha.

 

— Ele é completamente louco? — perguntou o diplomata ao seu colega na iraniano. Eram os oficiais de campo que tinham a parte mais perigosa — ou pelo menos a mais delicada — da missão.

— Você não devia falar sobre nosso líder dessa forma — replicou o funcionário do Ministério das Relações Exteriores enquanto eles caminhavam pela rua.

— Muito bem, você acha que seu homem santo e sábio entende perfeitamente, que acontece quando se usam armas de destruição em massa? — perguntou mais delicadamente o oficial de informação.

Claro que ele não entendia, e os dois sabiam disso. Nenhuma nação-Estado faz esse tipo de coisa havia cinquenta anos.

— Ele deve ter cometido um erro de cálculo — condescendeu o iraniano.

 

— E que erro. — O russo vinha fazendo a cabeça desse diplomata de nível médio havia mais de um ano. — O mundo agora sabe que vocês possuem essa capacidade Foi muito sensato da parte dele voar no próprio avião que possibilitou isso. Ele é completamente doido. Você sabe disso. E por causa dele seu país será um pária...

— Não se pudermos...

— Não, não se vocês puderem. Mas e se não puderem? — perguntou o russo O mundo inteiro se voltara contra vocês.

 

— Isso é verdade? — indagou o sacerdote.

— A mais pura verdade — assegurou-lhe o homem de Moscou. — O presidente Ryan é um homem honrado. Foi nosso inimigo durante a maior parte de sua vida, inimigo muito perigoso, mas agora, com a paz entre nós, ele se tornou um amigo. Ele é muito respeitado pelos israelenses e pelos sauditas. O príncipe Ali bin Sheik e ele são muito íntimos. Isso é bem sabido.

Este encontro estava sendo em Ashkhabad, capital do Turcomenistão, próxima da fronteira iraniana e um lugar turbulento, especialmente com a morte do ex-premiê num acidente de trânsito — provavelmente premeditada, na opinião de Moscou — e a iminência das eleições. O homem de Moscou prosseguiu: — Pergunte a si mesmo: porque o presidente Ryan diria aquelas coisas sobre o Islã? Ele sofreu um ataque ao seu país, a sua filhinha, a ele mesmo... e nem por isso atacou a sua religião, meu amigo. Só um homem honrado agiria assim.

O homem no outro lado da mesa assentiu.

— Isso é possível. O que quer de mim?

— Uma pergunta simples. Você, como homem de Deus, aprova os atos abomináveis da URI?

Indignação:

— Ceifar vidas inocentes é uma ofensa a Alá. Todo mundo sabe disso. O russo assentiu.

— Então precisa decidir o que é mais importante para você: poder político ou sua consciência.

Mas não era tão simples assim: — O que você nos oferece? Tenho pessoas que logo me procurarão para cuidar de seu bem-estar: Não se deve usar a Fé contra os fiéis.

— Maior autonomia, comércio livre dos seus produtos para o resto do mundo, voos diretos para terras estrangeiras. Nós e os americanos arranjaremos linhas de crédito com os Estados islâmicos do Golfo. Eles não esquecem atos de amizade — assegurou o homem de Moscou ao próximo premiê do Turcomenistão.

— Como um homem temente a Deus pode fazer esse tipo de coisa?

— Meu amigo — ele não era realmente, isso era simples força de expressão — quantos homens começam fazendo coisas nobres e depois se tornam corruptos?

Talvez isso seja uma lição para vocês. Poder é uma coisa mortal, mais mortal ainda para aqueles que o têm em suas mãos terrenas. Você mesmo deve decidir o rumo que tomará. Que tipo de líder quer ser, e a que outros líderes pretende associar seu país?

 

Golovko recostou-se e bebericou seu chá. O quanto seu país estivera errado em não defender a religião e, ao mesmo tempo, quão certo. Durante o regime anterior, este homem agarrara-se à sua fé islâmica como a uma âncora, encontrando nela uma continuidade das crenças e dos valores que a realidade política de sua juventude carecera. Agora a sua personalidade, conhecida por todos no país, o estava levando ao poder político, e permaneceria sendo o que havia sido, ou se tornaria alguma outra coisa. Agora precisava enfrentar esse dilema. Golovko sabia que ele não pensara nisso durante os últimos anos. Teria de resolver seu dilema imediatamente. Assim, o diretor da RVS viu-o vasculhar sua alma — algo que a doutrina marxista de sua juventude dissera-lhe não existir. O resultado foi melhor do que ele esperara.

— Nossa religião, nossa Fé, vem de Deus, não da matança. O Profeta ensinou a Guerra Santa, sim, mas não nos ensinou a nos tornarmos nossos inimigos. A não ser que Mahmoud Haji venha a provar que essas acusações são falsas, eu não o apoiarei, apesar de todas as suas promessas de dinheiro.

Gostaria de conhecer esse Ryan, quando o momento for apropriado.

 

À uma da tarde, HORA-LlMA, a situação estava ficando muito nítida. Os números ainda não eram atraentes, pensou Diggs, com cinco divisões concentradas em movimento enfrentando quatro forças com tamanho de brigadas, que ainda estavam dispersas. Mas havia coisas que podiam ser feitas a respeito.

A pequena força de bloqueio saudita ao norte da Cidade Militar Rei Khalid resistiu durante três horas espetaculares, mas não estava avançando e precisou recuar, apesar da vontade dos generais. Diggs nem mesmo sabia o nome do garoto, mas esperava conhecê-lo mais tarde. Com alguns anos de treinamento adequado, ele poderia se tornar alguma coisa.

Por sugestão sua, a Cidade Militar Rei Khalid estava sendo evacuada. A parte que doía mais era desativar os recursos de informação na cidade.

 

Especialmente as equipes de Predator que agora estavam tendo de mover seus pássaros para a linha de MATILHA, ao norte de Al Artawiyah. Não que tivessem tido muito tempo para pensar nisso. A batalha parecia um enorme exercício no Centro Nacional de Treinamento — três corporações em vez de batalhões para enfrentar, mas o princípio era o mesmo, não era?

A preocupação mais duradoura era uma divisão pesada iraniana que agora estava cruzando os pântanos a oeste de Bassorá. O conceito operacional do inimigo deixam pontos vazios. Ao contornar o Kuwait, eles não haviam deixado uma força de cobertura, talvez por acharem que fosse desnecessário, mais provavelmente porque não queriam enfraquecer. Bem, todo plano tinha uma falha.

O que era o caso do plano que ele tecera para a Operação BUFORD, provavelmente. Mas ele não a encontrara, apesar de ter passado duas horas procurando.

— Estamos de acordo, cavalheiros? — precisou perguntar.

Cada oficial saudita na sala era superior a ele, mas tinham visto a lógica de sua proposta. Iriam foder a todos, não só a uns poucos. Os generais reunidos assentiram. E nem mesmo voltaram a reclamar sobre deixar a Cidade Militar Rei Khalid para o inimigo. Eles sempre poderiam reconstruí-la.

— Então que a Operação BUFORD comece ao pôr do sol.

 

Eles estavam voltando por ordem de escalão. Mais alguns canhões sauditas haviam aparecido e estavam agora soltando fumaça para obscurecer o campo de batalha. Assim que pousaram, metade dos veículos do major Abdullah retornou às suas posições e seguiu para o sul. As unidades de flanco já estavam se movendo, resistindo a tentativa de cerco, sondando os extremos da linha saudita.

O helicóptero de Bennan nunca chegara e a tarde de ação barulhenta e confusa tornara impossível ver qualquer coisa lá! — fora instrutiva. Convocar mais quatro ataques aéreos e ver os efeitos no solo era algo que ele jamais esqueceria, se os sauditas escapassem da armadilha que o outro lado estava preparando para eles.

— Venha comigo, coronel — disse Abdullah, virando-se para correr até seu carro de ataque de comando, terminava a Primeira Batalha da Cidade Militar Rei Khalid.


61

A Viagem de Grierson

A visão no mapa era simplesmente pavorosa. Qualquer um podia entender com facilidade: um monte de setas vermelhas longas e setas azuis curtas. Os mapas nos programas de TV matutinos não eram nem um pouco diferentes daqueles na Sala de Situação, e os comentários — especialmente os especializados — explicavam como as forças americanas e sauditas estavam em desvantagem numérica, mal distribuídas, e com as costas viradas para o mar.

Então, chegou a transmissão direta por satélite.

— Ouvimos histórias sobre batalhas aéreas selvagens no noroeste — disse Donner para a câmera, de algum lugar na Arábia Saudita . — Mas os soldados do Regimento Corcel Negro ainda não viram ação. Não posso dizer onde me encontro agora. A bem da verdade, o fato é que simplesmente não sei onde estou. A Tropa B agora está parada para reabastecimento, derramando centenas de galões de combustível naqueles enormes tanques Abrams Ml. Os soldados me disseram que esses tanques são verdadeiras esponjas de combustível. A atmosfera aqui permanece inalterada. Esses são homens... e mulheres... voltando enfurecidos para o quartel-general da tropa — acrescentou. — Não sei o que encontraremos no horizonte oriental. Posso dizer que esses soldados estão confiantes, apesar de todas as más notícias que têm descido do alto comando saudita. O inimigo está em algum lugar lá fora, rumando para o sul com muita força, e esperamos fazer contato logo depois do pôr do sol. Aqui é Tom Donner no campo com a Tropa B, 1ª da Corcel Negro — concluiu o jornalista.

— A postura dele não está má — comentou Ryan. — Quando isso vai ao ar?

Felizmente para todos os envolvidos, os transmissores de televisão passavam por canais militares codificados e controlados. Não era o momento certo para a URI ficar ciente de quem estava onde. Contudo, o comentário negativo sobre o exército saudita derrotado chegaria aos noticiários. Essa informação, vazada em Washington, e não comentada pelo Pentágono, estava sendo aceita como um dogma. Jack ainda estava preocupado, embora achasse graça da situação: a mídia estava passando informações falsas sem que eles pedissem.

— Esta noite. Talvez antes — respondeu o general Mickey Moore. — O pôr do sol lá é daqui a três horas.

— Vamos conseguir? — perguntou POTUS.

— Sim, senhor.

 

MATILHA, Primeira Brigada, Guarda Nacional da Carolina do Norte, estava completamente formada agora. Eddington embarcou num helicóptero Black Hawk UH-60 para um voo curto até suas unidades avançadas. LOBO, sua 1ª força-tarefa de batalhão, estava com sua borda esquerda na estrada que ligava Al Artawiyah até a Cidade Militar Rei Khalid. CANINOS BRANCOS, a 2ª, foi movida para o lado oeste da rodovia. COIOTE, a 3ª, estava em reserva, sua força de manobra voltando-se para oeste, porque era ali que ele achava que estavam as possibilidades. Ele dividiu seu batalhão de artilharia em dois segmentos, capazes de transpor os extremos esquerdo ou direito, e ambos aptos a cobrir o centro. Ele carecia de recursos aéreos e tinha sido incapaz de conseguir qualquer coisa a mais que três Black Hawks para serviços médicos.

Dispunha também de um grupo de informação, um batalhão de apoio de combate, médicos, policiais militares e todas as outras coisas orgânicas a uma unidade com tamanho de brigada. A frente de seus dois batalhões de frente havia um elemento de reconhecimento cuja missão era, em primeiro lugar, reportar, e depois arrancar os olhos do inimigo quando ele aparecesse. Ele cogitara pedir ao 11º RCB alguns de seus helicópteros, mas conhecia os planos de Hamm para essas aeronaves e pedi-las seria jogar saliva fora. Contudo, ele conseguiria o apoio de seus grupos de reconhecimento e teria de se contentar com isso.

Olhando para baixo, viu que todos os MlA2s e Bradleys da linha de frente tinham encontrado locais confortáveis, principalmente atrás de terrenos altos, como bermas e mini dunas, deixando, no máximo, o topo de suas torres de tiro visíveis. Na maioria dos casos, bastava a cabeça do comandante do carro de ataque e um par de binóculos. Os tanques estavam afastados pelo menos trezentos metros uns dos outros; na maioria dos casos, mais do que isso. Isso os tornava um alvo diluído — e, portanto, pouco atraente, para a artilharia ou as esquadrilhas de ataque. Disseram-lhe para não se preocupar com as esquadrilhas, mas estava preocupado mesmo assim. Os comandantes subordinados conheciam seu trabalho tão bem quanto podiam os reservistas, e a verdade da questão era que a missão estava seguindo à risca as estratégias escritas por Guderian e praticadas por Rommel e cada comandante de divisão blindada desde então.

 

A retirada começou com uma corrida de 16 quilômetros a 56 quilômetros por hora, o suficiente para deixar o fogo de artilharia para trás, e para dar a impressão de que estavam realizando a debandada que Berman inicialmente pensara ser — até lembrar que ele tinha prática em deixar fogo inimigo para trás pelo menos 15 vezes mais rápido do que esses veículos mecanizados faziam.

Eles estavam correndo com as escotilhas do alto abertas, e Berman levantou-se a fim de olhar para trás, para além das fontes negras de bombas inimigas explodindo. Ele nunca imaginara como seria uma postura defensiva. Um ato solitário, pensou. Esperara uma mixórdia de homens e veículos, esquecendo o que ele mesmo fazia com coisas assim quando os via do ar. Avistou o que deveriam ser cinquenta colunas de fumaça, todos veículos explodidos pela Guarda Nacional saudita. Talvez eles não levassem o treinamento bastante a sério — ele ouvira coisas assim —, mas esta equipe fincara pé contra uma força pelo menos cinco vezes maior que ela, e resistira durante três horas.

Mas não sem custos. Virou-se para frente e contou apenas 15 tanques, mais oito carros de ataque de infantaria. Provavelmente havia mais que ele não podia ver em meio às nuvens de poeira, ou pelo menos era o que ele esperava. Olhou para cima, para o que rezava fosse um céu amigo.

 

Foi. Desde o amanhecer, a contagem era de quarenta caças da URI abatidos, todos eles ar-ar, contra seis baixas americanas e sauditas, todas terra-ar. A força aérea de oposição fora incapaz de sobrepujar a vantagem da cobertura aérea de radar, e a melhor coisa que poderia ser dita por seu esforço era que eles haviam distraído os ataques às forças terrestres, que, do contrário, teriam sido realizados sem o menor impedimento. A coleção deselegante de caças de fabricação americana, francesa e russa parecia impressionante no papel e na pista de decolagem, porém, menos no ar. Mas as forças aéreas aliadas eram bem menos capazes à noite. Apenas a pequena coleção de Strike Eagles F-15E era realmente adequada a todos os tipos de climas (considera-se a noite uma condição climática). Havia cerca de vinte desses, conforme estimativa da espionagem URIana, e eles não podiam causar tantos danos assim. As divisões que estavam avançando pararam diante da Cidade Militar Rei Khalid, novamente para se reabastecer de combustível e munições. Mais um salto desses, pensou seu comandante, e eles estariam em Riad antes que os americanos estivessem suficientemente organizados para ocupar o campo. Eles ainda tinham a iniciativa e estavam a meio caminho de seu objetivo.

 

PALM BOWL acompanhava tudo isso, captando todas as transmissões de rádio vindas do sudoeste que podia, mas agora estava enfrentando uma nova ameaça ao norte de uma divisão blindada iraniana. Talvez a URI esperasse que, com o reino fora do caminho ou pelo menos seriamente prejudicado, os kuwaitianos fossem intimidados à inação. Mas essa era uma esperança vã. As fronteiras podiam ser cruzadas em duas direções, e o governo do Kuwait fizera a dedução correta de que não fazer nada apenas pioraria as coisas para eles. Isso se revelou mais um caso no qual um dia a mais teria sido muito útil. Porém, desta vez era o outro lado que precisava do tempo extra.

O esquadrão aéreo do RCB, 4º da 10ª, decolou vinte minutos depois do pôr do sol, rumando para o norte. Eles acreditavam haver algumas unidades motorizadas leves na fronteira, para ser aliviadas pela unidade que agora cruzava o delta do Tigre-Eufrates. A unidade consistia em dois batalhões de tropas em caminhões e veículos blindados leves. Eles tinham conversado um pouco por rádio, os comandantes movendo as unidades para a frente e para trás, mas estranhamente despreparados para serem invadidos por uma nação que não era um décimo do tamanho da sua. Durante a hora seguinte, todos os 26

Apaches da Divisão Búfalo iriam caçá-los com canhões e mísseis, queimando uma trilha para a brigada mecanizada do próprio Kuwait, cujos veículos de reconhecimento estavam buscando, e encontrando, os elementos líderes da divisão blindada URIana. Cinco quilômetros atrás, havia um batalhão de veículos pesados guiados pelas informações de reconhecimento, e a primeira grande surpresa da noite foi a interrupção de um anoitecer por vinte canhões de tanques, seguidos dois segundos depois por quinze baixas. A lição seguinte aplicada disse respeito à confiança. Tendo seu primeiro contato com o sido bem-sucedido, os elementos líderes kuwaitianos atacaram com disposição.

Tudo estava conspirando a seu favor. Os sistemas de visão noturna estavam funcionando. Os canhões estavam funcionando. Eles tinham um inimigo com as costas voltadas para um terreno inadequado e lugar nenhum para ir.

Na escuta em PALM BOWL, o major Sabah ouviu as chamadas de rádio, mais uma vez vivenciando as coisas em segunda mão. Apurou-se que apenas uma unidade da 41ª Divisão Blindada iraniana, basicamente uma formação de reserva, havia atravessado e seguido despreocupadamente de encontro a uma força blindada. Aquilo, pensou Sabah, era tão justo quanto o que acontecera ao seu país na manhã de 1º de agosto de 1990. Ao pôr do sol mais três horas, a única rota de acesso utilizável para o sul do Iraque estava completamente bloqueada, e com ela, o reforço facilitado do Exército de Deus. Durante a noite, bombas teleguiadas de precisão derrubariam pontes para garantir isso. Foi uma batalha rápida para aquela pequena nação, mas uma batalha vencedora a ser encenada para preparar o palco para suas nações aliadas.

A BÚFALO já estava movendo seus elementos terrestres para oeste, enquanto o esquadrão da Divisão Blindada Aérea retornava para reabastecer combustível e armas, deixando a retaguarda aliada sob a custódia do Exército kuwaitiano.

 

Até este momento, o 1° Corpo da URI fora mantido em reserva. Uma de suas divisões era a antiga 1ª Divisão Blindada iraniana, Os Imortais, acompanhada por outra divisão composta principalmente por oficiais remanescentes da Guarda Republicana, e uma nova classe de recrutas, não tocados pela guerra de 1991. O 2° Corpo atravessara a fronteira e mantivera a liderança do avanço até a Cidade Militar Rei Khalid, embora tenha, no curso da ação de combate, perdido mais de um terço de sua força. Cumprida essa tarefa, moveu-se para a esquerda, a leste, abrindo a trilha para o 1º Corpo, ainda ileso, exceto por alguns ataques aéreos. O 2º Corpo agora protegeria o flanco da força de avanço de contra-ataques a partir da costa. Seguindo sua doutrina, todas as unidades enviaram forças de reconhecimento enquanto a noite chegava.

As unidades líderes, avançando aos saltos, cercaram a Cidade Militar Rei Khalid, surpreendendo-se ao não encontrar oposição. Reunindo coragem, o comandante do batalhão de reconhecimento enviou unidades diretamente para a cidade e a encontrou virtualmente vazia; a maior parte das pessoas fora retirada no dia anterior. Quando ele pensou no assunto, pareceu-lhe lógico. O Exército de Deus estava avançando, e embora tivesse sofrido alguns golpes fortes, nada que os sauditas fizessem poderia detê-lo. Satisfeito, ele prosseguiu para o sul, agora um pouco mais cuidadoso. Tinha de haver alguma oposição à frente.

 

O destacamento da polícia militar de Eddington fizera seu trabalho conduzindo as pessoas para o sul e para fora do caminho. Ele vira alguns rostos, a maioria tristes, até perceber o que estava à sua espera entre a Cidade Militar Uri Khalid e Al Artawiyah. MATILHA não podia esconder tudo. As unidades da Polícia Militar saudita vieram da retaguarda, passando pela tela de reconhecimento às nove da noite, hora local. Tinham dito que não havia nada atrás deles. Estavam errados.

Com seus veículos leves na liderança e seus carros de ataque protegendo a retaguarda com suas torres de tiro voltadas para a frente, o major Abdullah pensara em fazer mais uma defesa, mas não dispunha de poder de combate suficiente para segurar nada contra o que ele sabia haver atrás de si. Seus homens estavam exaustos devido a 24 horas de operações contínuas de combate, e os que estavam piores eram seus pilotos de tanque. Sua posição na frente dos veículos era tão confortável que muitos adormeciam, apenas para ser acordados pelos berros de seus comandantes de tanque, ou por um solavanco ao saírem da estrada para uma vala. Sua preocupação adicional era que ele esperava contatar unidades amistosas — os campos de batalha, ele aprendera no dia anterior, eram tudo, menos lugares amistosos.

No começo, os veículos que avançavam pela rodovia pareciam bolhas brancas nas telas de imagens térmicas. Eddington, em seu posto de comando, sabia que deveria haver alguns grupos isolados sauditas no percurso, e alertara sua tela de reconhecimento para esperá-los, mas ele só teve certeza quando os Predators subiram ao céu à noite. Através dos visores térmicos, os topos achatados, característicos dos tanques M1A2, ficaram claramente visíveis. Esta informação ele transmitiu para CORUJA, seu destacamento de reconhecimento, que se acalmou à medida que as bolhas térmicas informes, em seus sistemas de vigilância baseados em terra, assumiram gradualmente perfis amistosos.

Mesmo então, houve a chance de que veículos amistosos tivessem sido capturados e convertidos para uso do inimigo.

Soldados acenderam tochas químicas e espalharam-nas pela rua. Foram avistadas pelos caminhões em movimento, que — embora estivessem trafegando muito devagar, com os faróis apagados — pararam praticamente em cima delas.

Alguns oficiais sauditas designados para MATILHA verificaram sua identidade e acenaram para que seguissem rumo sul. O major Abdullah, chegando à posição da tropa de reconhecimento dez minutos depois, saltou de seu carro de ataque, junto com o coronel Berman. Antes de mais nada, os soldados da Guarda Nacional deram-lhes comida e água, rapidamente seguida por cantis cheios de café quente, do tipo com o triplo da quantidade normal de cafeína.

— Eles estão um pouco atrás, mas estão chegando — disse Berman. — Meu amigo aqui... bem, ele teve um dia cheio.

O major saudita estava à beira de um colapso, devido à maior carga de esforço físico e psicológico que já sofrerá. Cambaleou até o posto de comando CORUJA, debruçou sobre um mapa e fez seu relato da forma mais coerente que conseguiu.

— Precisamos detê-los — concluiu.

— Major, se o senhor seguir cerca de 16 quilômetros, dará de cara com um puta bloqueio de estrada. Parabéns, filho — disse o advogado de Charlotte ao jovem.

O major retornou, cambaleante, até seu carro de ataque.

— Foi tão duro assim? — perguntou a Berman depois que o oficial saudita não podia mais ouvi-los.

— Sei que eles mataram 15 tanques, e esses foram apenas os que pude ver— disse Berman, bebericando café numa xícara de metal. — Mas estão vindo muito mais por aí.

— Mesmo? — perguntou o advogado tenente-coronel. — Isso nos apetece.

Não há amigos na sua retaguarda?

Berman balançou a cabeça.

— Nem em sonho.

— Siga a estrada agora, Berman. Dezesseis milhas, e então assista ao show, entendeu?

Eles pareciam americanos, ponderou Berman. Mesmo com seus uniformes de deserto, rostos pintados sob os capacetes de estilo alemão. Havia holofotes vermelhos apontados para os mapas. Estava escuro ali, quase tão escuro quanto um céu claro podia ficar, apenas as estrelas para indicar a diferença entre terra e céu. Um fiapo de luz apareceria mais tarde, mas não iluminaria muito. O comandante do pelotão avançado tinha um HMMVS de comando com muitos rádios. Adiante, ele podia ver um único Bradley, alguns soldados, e pouco mais que isso. Mas eles se comportavam como americanos e falavam como americanos.

— CORUJA-SEIS, aqui é Dois-Nove.

— Dois-Nove, fala CORUJA-SEIS, prossiga — disse o comandante, pegando o rádio.

— Temos algum movimento, oito quilômetros ao norte de nossa posição.

Dois veículos despontando no horizonte, à direita.

— Câmbio, Dois-Nove. Mantenha-nos informados. Desligo. — Ele se virou para Berman. — Vamos indo, coronel. Temos muito trabalho para fazer aqui.

 

Havia um pelotão de flanqueamento. Eles seriam o 2° Corpo inimigo, pensou o coronel Hamm. Sua linha avançada de helicópteros Kiowa estava agora observando. Os Kiowas — a versão militar do Bell 206, o helicóptero mais usado na América para reportar congestionamento de tráfego — era especializado em ocultamento, mais frequentemente atrás de colinas e penhascos, apenas com o periscópio eletrônico montado no alto, bisbilhotando o terreno enquanto o piloto mantinha a aeronave pairando, vendo mas não sendo vista, enquanto sistemas de TV registravam o evento, transmitindo as imagens captadas. Hamm tinha seis desses no alto agora, helicópteros avançados para seu 4º Esquadrão, a dezesseis quilômetros à frente de seus elementos terrestres, agora parados a cerca de cinquenta milhas a sudoeste da Cidade Militar Rei Khalid.

Enquanto observavam sua tela no carro de ataque Guerra nas Estrelas, os técnicos convertiam a informação dos helicópteros Kiowa para dados que poderiam ser exibidos graficamente e distribuídos para os veículos de batalha sob seu comando. Em seguida, chegaram os dados dos autômatos Predator.

Eles estavam no alto, cobrindo as estradas e o deserto ao sul da cidade capturada, com um autômato sobre ela. As ruas, ele viu, estavam cheias de caminhões de combustível e suprimentos. Era um lugar conveniente rua ocultá-los.

Mais importante, os sensores eletrônicos estavam funcionando agora. As forças da URI estavam se movendo rápido demais para manter silêncio de rádio. Os comandantes precisavam conversar entre si. Essas fontes estavam se movendo, mas estavam se movendo previsivelmente agora, falando quase o tempo todo, à medida que os comandantes diziam às subunidades para onde ir e o que fazer, obtinham informações e as reportavam cadeia de comando acima.

Ele tinha dois comandos de brigada identificados positivamente, e provavelmente também um comando de divisão.

Hamm mudou o modo de tela para a imagem mais ampla. Duas divisões estavam se movendo para o sul a partir da Cidade Militar Rei Khalid. Essa devia ser o 1º Corpo inimigo, espalhado por uma frente de 16 quilômetros, duas divisões avançando em colunas de brigadas, uma brigada de tanques na frente, uma artilharia móvel vindo logo atrás. O 2º Corpo estava se movendo para a esquerda deles, pouco espaçada para prover guarda lateral. O 3° Corpo parecia estar em reserva. O destacamento era convencional e previsível. O primeiro contato com MATILHA seria em uma hora, e ele se manteria em sua posição até então, permitindo ao 1º Corpo passar de norte para sul, da direita para a esquerda, ao longo de sua frente.

Não houvera tempo para preparar o campo de batalha adequadamente. As tropas da Guarda Nacional careciam de um departamento de engenharia e das minas antitanques que serviriam para sujar o terreno. Não houvera tempo para se criar obstáculos e plantar armadilhas. Eles estavam na posição havia apenas cerca de dez horas, e a brigada inteira ainda menos que isso. Tudo que tinham realmente era um plano de artilharia. MATILHA poderia fazer disparos de curto alcance para todas as direções que quisesse; porém, todos os disparos de longo alcance teriam de ser direcionados a oeste da estrada.

— Temos uma bela foto aqui, senhor — disse seu oficial de informação especialista 2.

— Envie-a.

E com isso, cada veículo de combate na Corcel Negro tinha a mesma foto digital do inimigo que ele. Hamm, então, levantou seu rádio.

— MATILHA-SEIS, aqui é CORCEL NEGRO-SEIS.

— Aqui é MATILHA-SEIS-EFETIVA. Obrigado pelo envio de dados, coronel — replicou Eddington pelo rádio digital. As duas unidades sabiam agora onde estavam todos os amigos. — Eu diria que o contato inicial será daqui a uma hora.

— Pronto para o pau, Nick? — perguntou Hamm.

— Al, estou tentando segurar os meus rapazes. Estamos em ponto de bala — assegurou-lhe o comandante da Guarda. — Temos agora visual da tropa avançada deles.

— Conhece os procedimentos, Nick. Boa sorte.

— Boa sorte, Corcel Negro — disse Eddington, desligando.

Hamm mudou a sintonia de seu rádio, conectando com BUFORD-SEIS.

— Estou com a foto, Al — assegurou-lhe Marion Diggs, a 160 quilômetros atrás e não gostando nem um pouco desse fato. Ele estava mandando homens para a batalha por controle remoto, e isso era duro para um novo general.

— Certo, senhor, estamos posicionados. Tudo que eles precisam fazer é vir até a porta.

— Câmbio, CORCEL NEGRO. A postos aqui. Desligo.

O trabalho mais importante estava sendo agora pelos autômatos Predator.

Os operadores de UAV, situados com Hamm na seção de informação, mantinham seus miniaviões circulando bem alto para minimizar a chance de ser avistados ou ouvidos. Câmeras apontadas para baixo, contando e checando localizações. Os Imortais estavam à esquerda do inimigo, e a antiga Divisão da Guarda Iraquiana estava à direita, a oeste da estrada. Moviam-se estavelmente, batalhões enfileirados e bem próximos para obter poder máximo de fogo e efeito de choque, caso encontrassem oposição, 16 quilômetros atrás de seu pelotão de reconhecimento. Atrás da brigada líder estava a divisão de artilharia.

Esta força estava dividida em duas, e enquanto observavam no carro de ataque de informação, uma metade parou e se disseminou para prover fogo de cobertura, enquanto a outra metade prosseguiu em frente. Mais uma vez, isso aconteceu precisamente segundo os manuais. Eles ficariam na mesma posição por cerca de noventa minutos. Os Predators voaram sobre a linha de canhões, marcando sua posição a partir de sinais GPS. Esses dados foram transmitidos para as baterias MLRD. Mais dois Predators decolaram. Esses tinham por missão obter as localizações precisas dos veículos de comando do inimigo.

 

— Bem, não estou certo de quando isto irá acabar — disse Donner à câmera.

— Estou aqui dentro do Bravo-Três-Dois, carro de ataque de busca número dois no 3º Pelotão da Tropa B. Acabamos de receber informações sobre onde está o inimigo. Neste momento, ele está a cerca de 32 quilômetros a oeste de nós. Há pelo menos duas divisões se movendo para o sul na estrada que vem da Cidade Militar Rei Khalid. Sei que uma brigada da Guarda Nacional da Carolina do Norte está em posição de bloqueio. Eles foram destacados com o 11º RCB porque estavam no Centro Nacional de Treinamento para exercícios de rotina.

A atmosfera aqui... bem, como posso explicar? Os soldados do Regimento Corcel Negro são quase médicos, por mais estranho que isso possa soar. Esses homens estão furiosos com que aconteceu ao seu país, já conversei com eles sobre isso, mas neste momento estão como médicos esperando a ambulância para entrar na sala de emergências. Aqui no carro de ataque reina o silêncio.

Acabamos de ouvir que daqui a alguns minutos nos moveremos para oeste até o ponto de tocaia.

Quero acrescentar um comentário pessoal. Como todos vocês sabem, não faz muito tempo, violei uma regra de minha profissão. Fiz uma coisa errada.

Fui enganado, mas a culpa foi minha. Hoje, mais cedo, fiquei sabendo que o próprio presidente requisitou que eu viesse para cá... talvez na esperança de que eu não volte vivo? — Donner permitiu-se a piada óbvia. — Não, o motivo não foi esse. Este é o tipo de situação para o qual as pessoas no ramo de notícias vivem.

Estou aqui, onde a História está acontecendo, cercado por outros americanos que também têm um trabalho a fazer. Aconteça o que acontecer, este é o lugar ao qual um jornalista pertence. Presidente Ryan, obrigado pela chance.

Aqui é Tom Donner, sudoeste da Cidade Militar Rei Khalid, com a Tropa B, 1º Esquadrão do Corcel Negro. -— Ele abaixou o microfone. — Pegou?

— Sim, senhor — disse-lhe o especialista 5 do Exército. O soldado disse algo em seu próprio microfone. — Certo, a transmissão chegou ao satélite, senhor.

— Falou bonito, Tom — disse o comandante do carro de ataque, acendendo um cigarro. — Venha cá. Vou lhe mostrar como esta tal IVIS funciona... — Ele parou, segurando seu capacete com a mão para ouvir o que estava chegando pelo rádio. — Dê a partida, Stanley — disse ao motorista. — É hora do show.

 

Ele deixou que entrassem. O homem ao comando do pelotão de reconhecimento de MATILHA era, por profissão, um advogado de defesa criminal que realmente se formara em West Point, mas depois decidira por uma carreira civil. Ele nunca havia perdido o gosto pela coisa, embora não soubesse exatamente a razão. Com 45 anos agora, estava num serviço uniformizado de uma ou outra espécie havia quase trinta anos, três décadas de treinamentos e exercícios exaustivos, que haviam sugado seu tempo e o de sua família. Agora, na linha de frente com sua força de reconhecimento, ele sabia o motivo.

Os veículos batedores líderes estavam três quilômetros à sua frente. Ele estimou que estava podendo ver dois pelotões, um total de dez veículos espalhados ao longo de cinco quilômetros, movendo-se em grupos de três ou quatro na escuridão. Talvez tivessem equipamentos de visão noturna. Ele não tinha certeza disso, mas precisava presumir que tinham esse tipo de equipamento. Em seus sistemas térmicos, podia vê-los como carros BRDM-2, tração nas quatro rodas, equipados com uma metralhadora potente ou mísseis antitanques. Viu ambas as versões, mas estava procurando especialmente o veículo com quatro antenas de rádio. Esse seria o veículo de comando do pelotão ou companhia...

— Carro de ataque modelo antena diretamente à frente — disse um comandante de Bradley quatrocentos metros à direita do coronel. — Alcance dois metros okay, aproximando-se.

O advogado-oficial levantou a cabeça acima do banco de areia e vasculhou a paisagem com seu visor térmico. Agora era um momento tão bom quanto qualquer outro.

— CORUJA, aqui é SEIS, festa em dez, repito, festa em dez segundos.

Quatro-três, fique em prontidão.

 

— Quatro-três em prontidão, SEIS.

Esse Bradley daria o primeiro tiro na 2ª Batalha da Cidade Militar Rei Khalid. O artilheiro selecionou um traçador incendiário altamente explosivo.

Um BRDM não era resistente o bastante para precisar dos cartuchos perfuradores de blindagem que ele tinha no pente de alimentação dupla de seu canhão Bushmaster. Ele centrou o alvo em sua mira, e o computador de bordo ajustou o alcance.

— Coma merda e morra — disse o artilheiro pelos interfones.

— CORUJA, SEIS, inicie disparos, inicie disparos.

— Fogo! — disse o comandante do carro de ataque ao artilheiro.

O especialista 4 na metralhadora de 25mm premiu os gatilhos para uma rajada de três projéteis. Todos os três traçadores delinearam uma linha através do deserto; todos os três atingiram. O BRDM de comando explodiu numa bola de fogo enquanto o tanque de combustível do veículo — estranhamente, para um veículo de fabricação russa, não era a diesel — explodia.

— Alvo! — disse instantaneamente o comandante, confirmando que o artilheiro o havia destruído. — Posição esquerda.

— Identificado! — disse o artilheiro quando ele o tinha na mira.

— Fogo! — Um segundo depois: — Alvo! Cessar fogo, posição direita, duas horas, alcance quinhentos metros! — A torre de tiro de canhão do tanque Bradley rodou na outra direção enquanto o inimigo começava a reagir.

— Identificado!

— Fogo! — E o terceiro estava morto, dez segundos depois do primeiro.

Num minuto, todos os BRDM que o comandante do pelotão de reconhecimento vira estavam em chamas. A luz branca e brilhante provocou um arrepio no comandante. Em seguida, outros lampejos apareceram à esquerda e à direita de sua posição. Então: — Em movimento, sigam-nos!

A 16 quilômetros no deserto, vinte Bradleys saíram em alta velocidade de seus esconderijos, indo para frente, não para trás, suas torres de tiro girando, seus artilheiros caçando veículos de reconhecimento inimigos. Um tiroteio curto e violento começou. Durou dez minutos, com os BRDM tentando recuar, mas incapazes de disparar com eficácia para trás. Dois mísseis antitanques Sagger foram disparados, mas ambos caíram perto e explodiram na areia quando seus veículos de lançamento foram explodidos por disparos de Bushmaster. As metralhadoras deles não eram poderosas o bastante para atravessar a armadura frontal dos Bradley. Ao fim do tiroteio, o pelotão de reconhecimento inimigo, consistindo em um total de trinta veículos, fora exterminado, e CORUJA era o dono desta parte do campo de batalha.

— MATILHA, aqui é CORUJA-SEIS-EFETIVA, acho que pegamos todos eles. Seu pelotão líder virou torrada. Não tivemos baixas — acrescentou. Minha Nossa Senhora, pensou ele, esses Bradleys atiravam como o diabo.

 

— Captamos algumas conversas de rádio, senhor — reportou o soldado ELINT ao lado de Eddington. — Estamos captando mais algumas agora.

— Ele está requerendo fogo de artilharia — disse rapidamente um oficial de informação da Arábia Saudita.

— CORUJA, vocês podem esperar alguns disparos em breve — alertou Eddington.

— Entendido. CORUJA está avançando.

 

Era mais seguro do que permanecer no lugar ou recuar. No comando, os Bradleys e os Hummers correram dois quilômetros para o norte, procurando pelo pelotão de reconhecimento suplementar do inimigo — tinha de haver algum —, que estaria se movendo, talvez cautelosamente, na direção de seus comandantes de brigada ou divisão. Esta, sabia o tenente-coronel da Guarda Nacional, seria a batalha dos pelotões de reconhecimento, o cartão de visitas do evento principal, com os pesos-pena brigando antes dos pesou pesados chegarem. Mas havia uma diferença. Ele podia continuar a moldar o campo de batalha para MATILHA. Ele esperava encontrar outra companhia de veículos de reconhecimento, seguida de perto por uma guarda avançada de tanques e BMPs. Os Bradleys tinham mísseis TOW para destruir tanques, e o Bushmaster fora projetado com o propósito expresso de matar o transporte de infantaria.

Além disso, embora o inimigo agora soubesse onde o pelotão de reconhecimento da Força Azul estava — estivera —, esperaria que o pelotão recuasse, e não que avançasse.

Isso ficou claro dois minutos depois, quando uma barragem de disparos planejados ficou um quilômetro para trás dos Bradleys em movimento. O outro lado estava jogando segundo o manual, o velho manual soviético. E ele não era um manual ruim, mas os americanos também o haviam lido. CORUJA prosseguiu rapidamente por mais um quilômetro e parou, encontrando uma linha conveniente de pequenas colinas, novamente com bolhas no horizonte. O advogado coronel levantou seu rádio para relatar isso.

 

— BUFORD, aqui é MATILHA. Fizemos contato, senhor — comunicou Eddington a Diggs. — Acabamos de massacrar seu elemento de reconhecimento.

Nossas forças de reconhecimento agora têm visual da guarda em aproximação.

Minhas intenções são lutar rapidamente e então empurrá-los para trás e para a direita, rumo sudoeste. Temos fogo de artilharia inimigo caindo entre o pelotão de reconhecimento e o corpo principal. Desligo.

— Câmbio, MATILHA.

Em sua tela de comando, Diggs viu os Bradleys avançando numa fileira quase equidistante, mas bem espaçados. Então começaram a avistar movimentos. As coisas que eles viram começaram a aparecer como símbolos de inimigo desconhecido no sistema de comando IVIS.

Foi imensamente frustrante para o general em comando. Ele tinha mais conhecimento de uma batalha em andamento do que fora possível em qualquer momento da História. Agora tinha a capacidade de dizer aos pelotões o que fazer, onde ir, em quem atirar... mas ele não podia se permitir fazer isso. Ele aprovara as intenções de Eddington, Hamm e Magruder, coordenando seus planos em espaço e tempo, e agora, como seu comandante, precisava deixá-los fazer do seu jeito, interferindo apenas se alguma coisa corresse errado ou alguma situação nova e inesperada surgisse. Comandante das forças americanas no reino, ele era agora um espectador. O general negro balançou a cabeça. Ele sabia que seria assim. Só não sabia o quanto seria difícil para ele.

 

Estava quase na hora. Hamm estava com seus dois esquadrões avançando, cobrindo apenas dez quilômetros cada um, mas separados por intervalos de mais dez. Em todo caso, os comandantes de esquadrão haviam optado por ter suas tropas de busca na frente, e suas companhias de tanque na reserva. Cada tropa tinha nove tanques e treze Brads, mais dois carros de ataque M113

lançadores de foguetes. Na frente deles, agora a sete quilômetros de distância, estavam as brigadas do 2º Corpo da URI, feridas pelas batalhas ao norte da Cidade Militar Rei Khalid, enfraquecidas, mas provavelmente alertas. Para chamar a atenção de alguém, não havia nada como mortes violentas. As posições dos inimigos haviam sido bem definidas pelos helicópteros e câmeras de vídeo dos Predators. Ele sabia onde estavam. Eles provavelmente ainda não sabiam a respeito dele, tinha de admitir. Decerto estavam se esforçando para obter informações, como ele mesmo fizera. Sua ordem final foi que os helicópteros vasculhassem uma vez mais o terreno intermediário em busca de uma linha avançada inimiga. Tudo mais estava direitinho na mira. Cinquenta quilômetros atrás dele, seus Apaches começaram a decolar, juntamente com os helicópteros Kiowa, dando início à segunda parte do conflito principal.

 

Ao norte, os strike eagles F-15E estavam todos no ar. Horas antes, dois deles tinham sido perdidos, incluindo aquele do comandante de esquadrão.

 

Agora, protegidos por caças F-16 equipados com HARM, estavam explodindo as pontes ao longo do estuário dos rios gêmeos com bombas inteligentes. Eles podiam ver tanques no solo, incendiados a oeste dos pântanos, e intactos ao leste. Numa hora empolgante, cada rota foi destruída por impactos repetidos.

Os caças F-15C estavam todos sobre a área da Cidade Militar Rei Khalid, como sempre sob controle AWACS. Um grupo de quatro caças permanecia no céu, fora do alcance dos mísseis terra-ar móveis com a força de avanço terrestre. Seu trabalho era ficar de olho nos caças da URI que pudessem aparecer para atrapalhar a brincadeira. Os restantes estavam caçando helicópteros pertencentes às divisões blindadas. Isso não concedia o mesmo prestígio que abater um caça... mas ainda assim era um abatimento, e um que podiam fazer com total impunidade. Melhor ainda: os generais viajavam em helicópteros e, já que faziam isso como parte do esforço de reconhecimento da URI, não podiam chegar aos seus destinos.

Abaixo deles, as notícias se espalharam rapidamente. Apenas três helicópteros haviam sido abatidos à luz do dia, mas com a chegada da escuridão, vários tinham decolado, e metade deles fora ao solo nos primeiros dez minutos. Estava sendo muito diferente do que da última vez. A caçada estava muitíssimo fácil. O inimigo, na ofensiva, precisava oferecer batalha — não podia esconder-se em abrigos, não podia se dispersar. Isso apetecia aos pilotos dos Eagle. Um deles, ao sul da Cidade Militar Rei Khalid, guiado por seu AWACS, localizou um helicóptero em seu radar voltado para baixo e selecionou AIM-120; o míssil foi disparado em segundos. O piloto acompanhou toda a trajetória do míssil, vendo o helicóptero tornar-se uma bola de fogo que caiu ao solo. Parte dele achava que aquilo era um tremendo desperdício de um belo Slammer. Mas um abatimento era um abatimento.

Aquele seria o último abatimento de helicóptero na noite. Os pilotos foram informados por sua aeronave de controle Sentry E-3B de que não havia helicópteros entrando na área de batalha. Assim, as armas foram voltadas para os Eagles.

 

Menos da metade dos seus artilheiros de Bradleys já disparara mísseis TOW para valer, embora todos tivessem feito isso centenas de vezes nos simuladores. CORUJA aguardou que a guarda avançada passasse pelas margens. O pelotão de reconhecimento suplementar estava ainda mais próximo.

Os Bradleys atacaram primeiro, e este tiroteio foi um pouco mais equilibrado.

Dois BRDM estavam realmente atrás da linha avançada americana. Ambos viraram-se ao mesmo tempo. Um quase colidiu com um HMMWV, metralhando-o antes de ser dividido ao meio por um Bradley. O veículo blindado correu para o sítio, encontrando um sobrevivente ferido da tripulação de três homens no Hummer. Os soldados de infantaria cuidaram dele enquanto o piloto subia numa berma e o artilheiro elevava seu lançador TOW.

O grupo líder de tanques estava disparando agora, procurando os lampejos dos canhões dos Bradleys, ativando seus próprios sistemas de visão noturna, e novamente travou-se uma batalha curta e violenta no terreno seco e escuro. Um Bradley foi atingido e explodiu, matando todos a bordo. O resto disparou um ou dois mísseis cada, coletando vinte tanques em resposta antes de serem chamados de volta por seu comandante, e escapando bem a tempo da barragem de artilharia convocada pelo comandante de tanques inimigo. CORUJA deixou para trás aquele Bradley, e dois Hummers, e as primeiras baixas terrestres americanas da Segunda Guerra do Golfo. Essas foram reportadas hierarquia acima.

 

Em Washington, era pouco depois da hora do almoço. O presidente fizera uma refeição frugal, e as notícias chegaram à Sala de Situação logo depois que ele havia terminado, ainda capaz de baixar os olhos para o prato com borda pintada a ouro, a casca de pão de seu sanduíche, as batatas chips que não comera. As notícias das mortes atingiram-no forte, mais forte, talvez, que as baixas no USS Yorktown ou os seis aviadores desaparecidos — desaparecidos não significava exatamente mortos, não é mesmo?, permitiu-se pensar. Mas esses homens haviam morrido, com certeza. Soldados da Guarda Nacional, disseram-lhe. Soldados civis, usados com mais frequência para ajudar as pessoas depois de inundações e furacões...

— Presidente, o senhor teria ido até lá para esta missão? — perguntou o general Moore, antes mesmo de Robby Jackson poder falar. — Se o senhor estivesse novamente com vinte e poucos anos, um tenente dos Fuzileiros, e tivesse recebido ordens para ir, o senhor teria ido, certo?

— Eu acho... não, eu iria. Eu teria de ir.

— Eles também, senhor — disse-lhe Mickey Moore.

— O trabalho é esse, Jack — disse Robby, baixinho. — É para isso que nos pagam.

— Sim.

E ele teve de admitir que era para isso que lhe pagavam, também.

 

Os quatro Nighthawks F-117 pousaram em Al Kharj e taxiaram até o abrigo. Os transportes trazendo pilotos e tripulações de solo de reserva vieram logo atrás. Os oficiais de informação de Riad encontraram o segundo grupo, e os pilotos de reserva foram conduzidos para sua primeira reunião de instrução numa guerra que estava apenas agora começando a se tornar grande.

 

O general de divisão no comando da Divisão Imortais estava em seu veículo de comando, tentando conferir sentido às coisas. Até agora, aquela vinha sendo uma guerra muito satisfatória. O 2º Corpo fizera seu trabalho, abrindo um buraco, permitindo à força principal atirar através dele, e até uma hora atrás o quadro fora nítido e agradável. Sim, havia forças sauditas seguindo para sudeste até ele, mas estavam a quase um dia de distância. Até então, ele estaria nas cercanias da capital saudita, e havia outros planos para eles. Ao amanhecer, o 2º Corpo saltaria a leste de sua posição de cobertura à esquerda, fingindo ataque aos campos petrolíferos. Isso faria os sauditas pensarem duas vezes. E decerto isso lhe daria mais um dia no qual, com sorte, ele pegaria parte ou talvez todo o governo saudita. Talvez toda a família real e, se eles fugissem, como provavelmente fariam, o reino ficaria sem liderança. E seu país teria vencido a guerra.

Até agora haviam pago caro pelo sucesso. O 2º Corpo pagara o preço de metade de seu poder de combate para trazer o Exército de Deus até aqui, mas a vitória jamais custava barato. E aqui não seria exceção. Seu pelotão avançado desaparecera fora do alcance da rede de rádio. Uma chamada de contato com forças desconhecidas, um pedido por apoio de artilharia, depois nada. Ele sabia que uma força saudita estava esperando em algum lugar à frente. Ele sabia que ela era formada pelos restos da 41ª Brigada, que o 2º Corpo quase devastara, mas não completamente. Ele sabia que ela havia lutado duramente ao norte da Cidade Militar Rei Khalid e então recuara. Ela provavelmente recebera ordens de parar de modo que a cidade pudesse ser evacuada... ela provavelmente ainda era forte o bastante para engolir seu pelotão de reconhecimento. Ele não sabia onde estava a Divisão Blindada... provavelmente a leste dele. Queria ter mais helicópteros, mas perdera um para os caças americanos, juntamente com seu oficial-chefe de informação. Até agora não recebera o apoio aéreo que lhe fora prometido. O único caça amigo que vira o dia todo havia sido um buraco fumegante no solo a leste da Cidade Militar Rei Khalid. Mas embora os americanos pudessem incomodá-los, não podiam detê-lo, e se chegasse a Riad em tempo, então poderia enviar tropas para cobrir a maior parte dos campos de pouso sauditas e anular essa ameaça. O segredo do sucesso da operação, conforme lhe disseram seus comandantes de Corpo e do Exército, era investir para a frente à maior velocidade possível. Com essa decisão tomada, ele ordenou à sua brigada líder para avançar conforme o programado, com sua guarda avançada desempenhando a função de um pelotão de reconhecimento.

Eles haviam acabado de reportar contato e batalha, perdas recebidas e infligidas num inimigo ainda não identificado, mas que batera em retirada depois de um conflito breve. Provavelmente aquela força saudita, dando o máximo de si para aferroar e fugir. Depois do amanhecer, ele iria caçar essa força. Ele deu as ordens, informou à sua equipe quais eram suas intenções, e deixou o posto de comando para dirigir para frente, querendo ver como estavam as coisas na batalha, como faria um bom general, enquanto sua equipe emitia ordens por rádio para seus comandantes subordinados.

 

Havia alguns elementos de reconhecimento, reportaram os helicópteros Kiowa. Não muitos. Eles provavelmente haviam sido atingidos no percurso para o sul, ponderou o coronel Hamm. Ele instruiu um de seus esquadrões a fim de manobrar para a esquerda e evitá-los, e disse ao seu comandante aéreo para enviar um Apache para lidar com eles dali a alguns minutos. Um dos outros poderia ser esquivado facilmente. O terceiro estava diretamente na trilha do 3º

Esquadrão, e isso era muito ruim. A posição doa BRDM estava marcada nas telas IVIS, juntamente com a maior parte do 2º Comando desmantelado da URI.

 

E o mesmo valia para os IMORTAIS. Eddington viu que a grupo avançado, com os elementos líderes da força principal logo atrás, estava entrando no perímetro de alcance de seus tanques, avançando a cerca de vinte quilômetros por hora. Ele telefonou para Hamm.

— Cinco minutos a partir de agora. Boa sorte, Al.

— Você também, Nick — ouviu Eddington.

 

O nome disso era sincronia. Cinquenta quilômetros afastados uns dos outros, vários grupos de canhões móveis Paladin elevaram seus tubos e apontaram-nos para pontos escolhidos pelos autômatos Predator e pelos interceptadores ELINT. Os artilheiros da nova era apertaram as coordenadas apropriadas em seus computadores de modo que suas armas separadas pudessem disparar para o mesmo ponto. Os olhos agora estavam fixos nos relógios, olhando os números digitais mudarem, um segundo por vez, marchando para 22:30:00, hora Lima, 19:30:00, hora Zulu, 14:30:00, hora Washington.

O caso dos carros de ataque de Sistema de Lançamentos Múltiplos de Foguetes era bem parecido. As tropas haviam se certificado de que seus compartimentos estavam lacrados, mantidos nos modos de suspensão para estabilizar os veículos durante o ciclo de lançamento, e então baixado os escudos dos para-brisas. A exaustão de seus foguetes poderia ser letal.

Ao sul da Cidade Militar Rei Khalid, os pilotos de tanques da Guarda da Carolina observaram o avanço das bolhas brancas. Artilheiros premiram os botões de seus localizadores de alcance a laser. Os elementos de reconhecimento estavam agora a 2.500 metros de distância, e a linha de acompanhamento do corpo principal — uma combinação de tanque e BMPs — estava mil metros atrás.

A sudeste da Cidade Militar Rei Khalid, a Corcel Negro estava avançando agora a 15 quilômetros horários, na direção de uma linha de alvos num penhasco quatro mil metros a oeste.

Não era perfeito. A Tropa B, 1º do 11º deparou com uma posição imprevista de BRDM e abriu fogo por conta própria, mandando bolas de fogo pelo céu, atraindo olhares, alertando os inimigos alguns segundos cedo demais; porém no final isso não fez diferença, como indicavam os números digitais que prosseguiam mudando no mesmo ritmo, rápido ou devagar, dependendo das percepções dos observadores.

Eddington cronometrou os disparos segundo por segundo. Impossibilitado de fumar durante a noite, para não correr o risco da fagulha do cigarro aparecer no visor noturno de alguém, Eddington abriu seu isqueiro Zippo e acendeu-o enquanto 59 mudava para 00. Um pouquinho de luz não faria diferença... agora.

 

A artilharia foi primeiro, já tendo recebido ordens de cronometrar seus disparos segundo por segundo. Os mais espetaculares eram os foguetes MLRS, doze de cada lançador, disparados com menos de dois segundos de intervalo, suas chamas iluminando a fumaça deixada no solo enquanto alçavam voo para um céu não mais escuro. Às 2:30:30, quase duzentos dos foguetes M77 de voo livre estavam no ar. A essa altura, os canhões móveis estavam sendo recarregados e seus cordões de disparos sendo puxados, para receber novos cartuchos de munição.

A noite estava clara, e ninguém num raio de 160 quilômetros podia deixar de ver o show de luzes. Os pilotos de caça no ar até o nordeste viram os foguetes voar, e acompanharam atentamente suas trajetórias. Eles não queriam estar no mesmo céu que aquelas coisas.

Os oficiais iraquianos na Divisão Blindada da Guarda Nacional viram-nos primeiro, vindo do sul. Em seguida, viram que todos estavam angulando para oeste da estrada norte-sul da Cidade Militar de Rei Khalid até Al Artawiyah.

Muitos deles tinham tido a mesma visão que seus tenentes e capitães, e sabiam exatamente o que aquilo significava. Uma chuva de aço vinha aí. Alguns estavam paralisados pela visão. Outros gritavam ordens para que seus homens corressem para os veículos, fechassem as escotilhas e fugissem em alta velocidade.

Para os soldados de artilharia da Divisão, isso não era possível. A maioria de suas armas eram montadas em tripés, e a maioria dos artilheiros estava em campo aberto ao lado de caminhões de munição, aguardando a missão de disparos cuja hora tinha de chegar. Viram os foguetes cuspindo fogo, notaram sua direção e concluíram que havia pouco a fazer exceto esperar. Homens mergulharam no chão, segurando seus capacete no lugar e rezando para que aquelas coisas malditas caíssem em outra parte.

Os foguetes alcançaram seu apogeu e começaram a descer. A centenas de metros um dispositivo de tempo abriu os narizes dos bólidos, e cada projétil liberou 644 submunições, cada uma pesando 250 gramas, somando um total de 3.500 quilos para cada um dos lançadores empregados. Todos estavam mirados para a artilharia da Divisão da Guarda Nacional. Aquela era sua arma de alcance mais longo, e Eddington a queria fora de jogo imediatamente. Como também era de praxe no Exército dos Estados Unidos, o Mi-R era a metralhadora padrão do comando de unidade. Alguns dos artilheiros iraquianos olharam para cima. Eles não podiam vê-los ou ouvi-los chegando, mas eles estavam caindo A distância, pareceu uma saraivada de bombinhas de São João na calçada, ou fogos de artifício no céu no ano novo chinês, dançando e explodindo em celebração, mas foi uma morte barulhenta para aqueles no solo, à medida que um total de mais de setenta mil das munições explodiu sobre uma área de cerca de setenta hectares. Os caminhões pegaram fogo e explodiram em chamas.

Cargas propulsoras acenderam em explosões secundárias, mas a maioria dos soldados de artilharia acabou chacinada, mais de 80% deles mortos ou feridos pela primeira saraivada. Haveria mais duas. De volta ao centro da MATILHA, os veículos de lançamento correram de volta aos seus caminhões de suprimento. Imediatamente antes de chegar lá, as células de lançamento sêxtuplas eram ejetadas e novas alojadas automaticamente no local. O recarregamento demandou cerca de cinco minutos.

Era mais rápido que para os canhões de 155mm. Esses também estavam apontados para seus correspondentes inimigos, e seus cartuchos eram tão acurados quanto os foguetes. Aquela era a mais mecanicista das atividades militares. A arma matava e as pessoas serviam à arma. Eles não podiam ver seu trabalho, e neste caso nem mesmo tinham um observador avançado para dizer-lhes que estavam trabalhando bem, mas cientes de que o sistema de navegação GPS estava cuidando da mira, isso não importava — e se as coisas seguissem conforme o planejado, eles veriam mais tarde os resultados de seu trabalho mortal.

Perversamente, aqueles com visões diretas dos inimigos em movimento foram os últimos a atirar, os pilotos de tanques aguardando a ordem, enviada enquanto os comandantes de companhia atiravam primeiro por suas unidades.

Apesar de toda a sua letalidade, o sistema de controle de disparos do tanque Abrams é um dos mecanismos mais simples já colocados nas mãos de soldados, e até mais fácil de ser usado que os simuladores de milhões de dólares. Os artilheiros tinham setores designados, e os cartuchos iniciais disparados pelos comandantes da companhia haviam sido cartuchos HEAT — cartuchos antitanques altamente explosivos —, que deixavam uma assinatura visual característica. Os tanques eram designados para áreas à esquerda ou à direita dos primeiros abatimentos. Os sistemas de visão térmica estavam calibrados para radiação infravermelha. Seus alvos eram mais quentes que o terreno à noite, e anunciavam sua presença com tanta clareza quanto lâmpadas.

Cada artilheiro era instruído sobre qual área escolher, e cada um selecionava um T-80 em movimento de aproximação. Concentrando o alvo na mira, os botões dos lasers eram premidos. O raio seguia até o alvo e refletia-se de volta.

O sinal de retorno dizia ao computador balístico a distância, velocidade e direção de movimento do alvo. Outros sensores diziam-lhe a temperatura externa, a temperatura da munição, a densidade atmosférica, a direção e a velocidade do vento, a condição da arma e quantos bólidos haviam sido disparados através do tubo até esse momento de sua carreira. O computador digeria esta e outras informações e as processava. Feito isso, o computador piscava um retângulo branco na mira da arma para dizer ao artilheiro que o alvo estava marcado. Então, para o artilheiro, era apenas uma questão de premir seus indicadores nos gatilhos gêmeos do manche. O tanque sacolejava, a culatra recuava, o fulgor do disparo impedia momentaneamente a visão, e o projétil era enviado a mais de 1.600 metros por segundo. Os projéteis eram como flechas extremamente grossas, menores que o comprimento do braço de um homem, medindo duas polegadas de diâmetro; possuíam saliências no rabo que queimavam devido à fricção do ar em seu breve voo, e dispositivos de rastreamento para que o comandante de tanque pudesse acompanhar toda a trajetória da bala de prata .

Os alvos eram T-80 de fabricação russa, velhos tanques com desenhos antiquados. Eram muito menores que seus adversários americanos, principalmente devido à propulsão antiquada de seus motores, e seu tamanho pequeno o tornava adequado apenas a certos tipos de conflito. Havia um tanque de combustível na frente, cujo encanamento corria ao longo do anel da torre de tiro. Os cartuchos eram introduzidos por ranhuras que ficavam ao lado do tanque de combustível traseiro, de modo que sua munição ficava cercada por óleo diesel. Finalmente, para economizar espaço de torre de tiro, o carregador fora substituído por um sistema de carregamento automatizado, que além de ser menor do que um homem, também requeria que houvesse um cartucho ativado na abertura na torre de tiro o tempo inteiro. Em todo caso, isso não teria feito muita diferença, mas causava explosões espetaculares.

 

O segundo T-80 a morrer levou uma bala de prata na base da torre de tiro.

O cartucho obliterou em primeiro lugar o encanamento do combustível, e no processo de colisão através da blindagem gerou uma chuva letal de fragmentos movendo-se a mais de mil metros por segundo pelo espaço exíguo do interior do veículo, reduzindo os tripulantes a pedaços; ao mesmo tempo, o cartucho preparado inflamou seu rastro e os outros cartuchos explodiram atrás dele. Os tripulantes já estavam mortos quando a munição explodiu, também espargindo o combustível e gerando uma explosão que soprou a pesada torre de tiro 15

metros diretamente para cima, no que era conhecido no Exército como um abatimento catastrófico. No espaço de três segundos, mais 15 morreram dessa forma. A guarda avançada dos Imortais evaporou em mais dez segundos, e a única resistência que puderam oferecer foram as piras de seus veículos obscurecendo o campo de batalha.

Os disparos voltaram-se imediatamente para o corpo principal, três batalhões avançando enfileirados, agora a pouco mais de três mil metros de distância, um total de um pouco mais de 150 avançando na direção de um batalhão de 54.

Os comandantes dos tanques iranianos ainda estavam, em sua maioria, parados ao lado de suas torres de tiro para melhor ver, apesar de terem visto os foguetes sendo disparados a vários quilômetros dali. Em seguida viram uma ondulação linear de branco e dourado a três quilômetros de distância, seguida por explosões diretamente adiante deles. Os mais rápidos dos oficiais e comandantes de tanque recrutados ordenaram aos artilheiros que disparassem bólidos nos lampejos; não menos de dez dispararam de fato, mas não tiveram tempo de calcular a distância, e todos os disparos não alcançaram os alvos. As tripulações iranianas estavam treinadas sobre o que fazer, e ainda não haviam tido tempo para que o medo suplantasse o choque. Alguns começaram a recarregar ciclos, enquanto outros manipulavam suas calculadoras de alcance para disparar bólidos mirados apropriadamente. Contudo, o horizonte ficou dourado de novo, e o que se seguiu mal deu-lhes tempo para notar a mudança de cor no céu.

A saraivada seguinte de 54 bólidos de canhão encontrou 44 marcas, com os T-80s sendo duplamente mirados. Desta vez demorou menos de vinte segundos para o impacto.

— Encontre um que ainda esteja se movendo — disse um comandante de tanque E-6 ao seu artilheiro. O campo de batalha estava em chamas agora, e as bolas de fogo interferiam com os visores térmicos. Ali. Com o laser, o artilheiro obteve seu alcance — 3.605 metros —, a caixa subiu e ele disparou. A visão esbranquiçou, então retornou, e ele pôde ver o bólido delineando sua trajetória num arco sobre o deserto, até o...

— Alvo! — anunciou o comandante. — Mudar fogo.

— Identificado mais um.

 

— Fogo! — ordenou o comandante.

— A caminho.

O artilheiro disparou seu terceiro bólido naquele meio minuto. Três segundos depois, outra torre de tiro T-80 se tornou um objeto balístico.

Rápido assim, a fase de tanque da batalha chegava ao fim.

Os Bradleys estavam enfrentando os BMP em rota de aproximação, seus canhões Bushmaster sendo disparados. Foi mais lento para eles. O alcance era mais difícil para seus canhões leves, mas o resultado foi igualmente definitivo.

 

O comandante dos IMORTAIS estava se aproximando dos elementos de acompanhamento da brigada líder quando ele viu os foguetes voando.

Mandando seu motorista parar, ele se levantou e virou-se em seu veículo de comando para ver as explosões secundárias de sua divisão de artilharia.

Voltando-se, viu a segunda saraivada dos tanques de Eddington. Quarenta por cento de seu poder de combate desapareceu em menos de um minuto. Antes mesmo que o choque o atingisse, ele soube que havia caminhado para uma emboscada — mas de quem?

 

Os foguetes MLRS que haviam destituído os IMORTAIS de sua artilharia tinham vindo do leste, não do sul. Era o presente de Hamm aos soldados da Guarda Nacional, que eram incapazes de perseguir pessoalmente os canhões iranianos com seu plano de fogo existente. Os MLRS da Corcel Negro haviam feito isso, e então mudado o fogo a fim de abrir espaço para os helicópteros de ataque Apache do regimento, que estavam atacando profundamente, para além das unidades do 2º Corpo, agora sendo atacadas por três esquadrões terrestres.

A divisão de trabalho neste campo de batalha fora determinada no início no dia anterior, mas não mudara os pensamentos de ninguém. A artilharia cuidaria inicialmente dos alvos de artilharia. Os tanques mirariam os tanques.

Os helicópteros estavam no ar para matar os comandantes. O posto de comando dos IMORTAIS estava parado havia vinte minutos. Três minutos antes do primeiro ataque de foguetes, as equipes de helicópteros Apache-Kiowa circularam ao norte, aproximando-se da borda e seguindo até os locais de onde os sinais de rádio estavam sendo emitidos. Primeiro viriam os alvos de nível de divisão, seguidos pelas brigadas.

A equipe dos IMORTAIS estava acabando de compreender os sinais recebidos. Alguns oficiais requisitaram confirmações ou esclarecimentos, informações necessárias antes que pudessem reagir apropriadamente à situação.

Esse era o problema com os postos de comando. Eles eram os cérebros institucionais das unidades que comandavam, e as pessoas que realizavam o processo de decisão tinham de estar juntas para funcionar.

A seis quilômetros dali, a coleção de veículos estava óbvia. Quatro lançadores de mísseis terra-ar foram orientados para o sul, e ali também havia um anel de canhões AAA Esses dispararam primeiro. Os Apaches da Tropa V

(de ataque) pararam onde estavam, escolhendo um local sem nada perigoso ao redor, e pairando a cerca de trinta metros de altura. Os artilheiros nos bancos da frente, todos eles oficiais jovens, usaram equipamentos óticos para visão aproximada. Selecionaram o primeiro grupo de alvos e os mísseis Hellfire, guiados por laser. O primeiro lançamento foi realizado de surpresa. Um soldado iraniano viu o lampejo e gritou para uma equipe de artilheiros, que rodopiou seus canhões e começou a disparar antes dos mísseis chegarem. O que aconteceu em seguida foi um pandemônio. O Apache na mira virou para a esquerda e disparou a cinquenta nós para escapar dos mísseis, mas com isso prejudicou a mira do artilheiro, que teve de atirar novamente enquanto o primeiro projétil surgia em seu campo de visão. Os outros AH-64 não foram prejudicados, e dos seis lançamentos, cinco acertaram. Em mais um minuto, o problema antiaéreo estava neutralizado e os helicópteros de ataque se aproximaram. Agora podiam ver pessoas correndo, afastando-se dos carros de comando. Alguns soldados no grupo de segurança do comando começaram a disparar seus fuzis para o céu, e houve atividades mais estruturadas por parte dos operadores de metralhadora, mas o fator surpresa estava do outro lado. Os atiradores dispararam foguetes de 2,5 polegadas para cobrir a área, Hellfires para eliminar os poucos veículos blindados remanescentes, e então mudaram para seu canhão de 30mm. Numa demonstração de fúria, aproximaram-se como os insetos agigantados que pareciam ser, zumbindo e voando de um lado para o outro enquanto os atiradores procuravam por pessoas que as armas mais pesadas não houvessem atingido. Naquele terreno plano não havia onde se esconder, e os corpos humanos reluziam na superfície escura e mais fria; os atiradores caçaram-nos em grupos, em pares, e, finalmente, um a um, varrendo o terreno como ceifadores. Em sua reunião sobre a linha de combate, havia sido decidido que, ao contrário de 1991, os helicópteros não iriam se render nesta guerra, e os projéteis de 30mm tinham pontas explosivas. A Tropa P — eles chamavam a si mesmos Predators — permaneceu ali por mais dez minutos antes que cada veículo tivesse sido destruído, cada corpo em movimento estivesse morto. Só depois disso moveram-se no céu, baixaram os narizes e retornaram para oeste, na direção de seus pontos de rearmamento.

 

O ataque prematuro ao elemento de reconhecimento do 2° Corpo deflagrara uma parte desta batalha um tanto prematuramente, e alertara uma companhia de tanques quase intacta mais cedo do que o pretendido. Contudo, os tanques inimigos ainda eram bolhas brancas sobre um fundo negro, e estavam a menos de quatro mil metros de distância.

— Acionar Battlestars — ordenou o comandante da Tropa B, disparando seu primeiro bólido, que logo foi seguido por mais oito. Seis acertaram, mesmo a essa distância extrema, e o ataque da Corcel Negro ao 2º Corpo começou mesmo antes mesmo da primeira saraivada de MLRS. A saraivada foi realizada em movimento, e mais cinco tanques explodiram, seus projéteis de resposta caindo antes de chegar aos alvos. Era um pouco mais difícil acertar dessa forma. Embora o canhão estivesse estabilizado, o terreno instável podia prejudicar a mira, e erros eram esperados, ainda que não exatamente bem-vindos.

Os tanques da Tropa B estavam afastados meio quilômetro uns dos outros, e cada um tinha uma zona de combate exatamente dessa largura, e quanto mais longe eles iam, mais alvos encontravam. Os veículos batedores Bradley estavam posicionados atrás da cerca de noventa metros, e seus artilheiros procuravam por soldados que pudessem estar portando armas antitanques. As duas divisões do 2° Corpo estavam espalhadas por 32 quilômetros de espaço linear e cerca de 12 quilômetros de profundidade, assim diziam os sistemas IVIS. Em dez minutos, a Tropa B retalhou seu caminho através de um batalhão debilitado pelos sauditas e agora dizimado pelos americanos. O benefício adicional aconteceu dez minutos depois, quando avistaram uma bateria de artilheiros se posicionando. Os Bradleys pegaram esses, varrendo a área com seus canhões 25mm e iluminando a noite que tinha caído havia apenas quatro horas.

 

— Merda. — Eddington meramente proferiu a palavra, sem nenhuma ênfase.

Ele tinha sido convocado por seus comandantes e estava agora de pé em seu HMMWV.

— Acredita nesses últimos cinco minutos? — perguntou LOBO-SEIS. Ele mesmo ouvira outros expressarem sua surpresa pela rede de seu batalhão: É só isso? — perguntara em voz alta mais de um sargento. Era uma disciplina de rádio simples, mas todos estavam pensando a mesma coisa.

Mas havia mais a fazer do que admirar o trabalho. Eddington levantou seu rádio e ligou para o especialista 2 de sua brigada.

— O que Predator nos diz?

— Temos ainda mais duas brigadas ao sul daqui, mas diminuíram um pouco a velocidade, senhor. Estão aproximadamente a nove quilômetros ao norte de sua linha no mais próximo, e a doze no mais distante.

— Ponha-me em contato com BUFORD — ordenou MATILHA-SEIS.

 

O general ainda estava no mesmo lugar, com a morte adiante e atrás de si.

Havia-se passado meros dez minutos. Três tanques e vinte BMPs haviam corrido em marcha à ré, parando numa depressão e mantendo essa posição enquanto aguardavam instruções. Havia homens voltando agora, também, alguns feridos, a maioria não. Ele não podia gritar com seus homens. O choque do momento atingira-o com mais força do que a eles.

Ele já tentara contato com o posto de comando de sua divisão, mas recebera em resposta apenas estática, e apesar de toda sua experiência com o uniforme, seu tempo em comando, as escolas que frequentara, e os exercícios que vencera e perdera — nada o preparara para isto.

Mas ele ainda tinha mais de metade de uma divisão para comandar. Duas de suas brigadas estavam completamente intactas, e ele não viera para cá com a intenção de perder. Ordenou ao seu motorista que virasse e retornasse. Deu ordem aos sobreviventes da brigada líder para que aguardassem até segunda ordem. Ele tinha de se controlar. Ele deparara com um pesadelo, mas não podia estar assim em toda parte.

 

— O que você propõe, Eddington?

— General Diggs, quero mover meus homens para o norte. Acabamos de engolir duas brigadas de tanques com mais facilidade do que uma criança come cereal. A artilharia inimiga está quase toda aniquilada, senhor, e quero um campo desimpedido à minha frente.

— Certo, mas fique com os olhos bem abertos. Notificarei a Corcel Negro.

— Entendido, senhor. Estaremos em movimento daqui a vinte minutos.

Eles tinham considerado essa possibilidade, óbvio. Havia até mesmo um esboço de plano nos mapas. A LOBO mudaria de rumo e seguiria para a direita.

A CANINOS BRANCOS seguiria reto para o norte, obstruindo a estrada, e a força-tarefa COIOTE, que ainda não entrara em batalha, seria instruída a virar para a esquerda, devido à sua capacidade de avançar por terreno bruto. De suas novas posições, a brigada tomaria rumo norte até fases-linhas afastadas dez quilômetros entre si. Eles teriam de se mover lentamente devido à escuridão, em terreno não familiar, e pelo fato de que tudo aquilo era apenas um plano incompleto, mas a palavra código de ativação era NATHAN, e a primeira fase-linha era MANASSAS. Eddington torceu para que Diggs não se importasse.

— Aqui é MATILHA-SEIS para todos os seis. Palavra código é NATHAN, repito, estamos ativando o plano NATHAN em dois-zero minutos. Acusem entendimento — ordenou.

 

Segundos depois, todos os três comandantes de batalhão haviam acusado o recebimento da mensagem.

 

Diggs mantivera-o na linha, e a foto estava na tela de comando no carro de ataque M4 Deus. O coronel Magruder não estava tão surpreso com os resultados iniciais, exceto talvez com o desempenho excelente dos soldados da Guarda Nacional. Ainda mais surpreendente era o progresso do 10°. Avançando a trinta quilômetros horários estáveis, ele já estava no território do antigo Iraque, e pronto para virar para sul. Isso ele fez em 0200L. Com seu esquadrão de helicópteros tendo deixado a retaguarda para cobrir os kuwaitianos, ele se sentia um pouco nu no momento, mas ainda estava escuro, e assim, permaneceria por mais quatro horas. Até então ele estaria de volta à Arábia Saudita. BUFALO-SEIS julgou que, entre todas, a sua era a melhor missão de divisão blindada. Aqui estava ele, localizado profundamente em território inimigo. Exatamente como o coronel John Grierson fizera aos rebeldes confederados, e o que ele e os soldados-búfalo haviam feito aos apaches. Ele ordenou às suas unidades que se espalhassem. O pelotão de reconhecimento disse que não havia muita coisa ali para ficar no caminho, que a força principal do inimigo estava profundamente no reino. Bem, ele não achava que se aprofundaria muito mais, e tudo que ele tinha a fazer era bater a porta às suas costas.

 

Donner estava de pé na escotilha superior do carro de ataque de busca, atrás da torre de tiro, com seu cameraman do Exército ao seu lado. Aquilo não parecia com nada que ele já tivesse visto. Donner registrara em fita o ataque à bateria de canhões, embora não achasse que a gravação fosse ser muito útil, devido à forma como o tanque estava trepidando. À sua volta, tudo era destruição. Atrás, a sudeste, havia pelo menos cem tanques incendiados, e outras coisas que ele não reconheceu, e tudo acontecera em menos de uma hora.

Sacolejou para a frente, batendo a cabeça na escotilha quando o Bradley parou.

— Mandem os homens saírem! — gritou o comandante de carro de ataque. — vamos ficar aqui um pouco.

Os Bradleys dispuseram-se num círculo, a cerca de um quilômetro e meio ao norte dos canhões arruinados da URI. Não havia nada se movendo em torno deles; o artilheiro certificou-se disso ao girar sua torre de tiro. A escotilha traseira foi aberta, e dois homens saltaram, primeiro olhando e depois correndo, fuzis em punho.

— Venha cá! — disse o sargento, levantando a mão. Donner obedeceu e escalou até o topo do veículo.

— Vai um cigarrinho? — perguntou o sargento. Donner balançou a cabeça.

— Parei.

— É? Bem, aqueles lá não vão fumar nunca mais — disse o sargento, gesticulando na direção das ruínas um quilômetro e meio para trás. O sargento achou que essa tinha sido boa. Levou os binóculos aos olhos e olhou em torno, confirmando o que diziam os visores das armas.

— Que você acha de tudo isso? — perguntou o jornalista, cutucando seu cameraman.

— Acho que eles me pagam para fazer meu trabalho, e que gosto quando tudo dá certo.

— Por que paramos?

— Teremos de abastecer daqui a cerca de uma hora, e precisamos de mais munição — respondeu o cameraman, colocando os óculos.

— Precisamos de combustível? Não andamos tanto assim.

— Bem, o coronel acha que amanhã teremos um dia muito cheio, também. — Ele se virou. — Que você acha, Tom?


62

Prontos para o Ataque

Seja na guerra ou em qualquer outro campo de atividade humana, o que as pessoas chamam iniciativa sempre é nada mais que uma vantagem psicológica.

Ela combina o sentimento de um lado de que ele está vencendo com o sentimento do outro lado de que alguma coisa saiu errada — de que agora o segundo lado precisa se preparar e reagir às ações do inimigo em vez de preparar sua própria ação ofensiva. Classificada em termos como impulso ou ascendência, essa situação geralmente se resume a quem está fazendo o que a quem, e uma mudança repentina na equação surtirá um efeito mais forte do que um acúmulo gradual até o mesmo conjunto de circunstâncias. O esperado, quando substituído pelo inesperado, perdura algum tempo; perdura na mente, porque é mais fácil, durante algum tempo, negar em vez de adaptar, e isso apenas dificulta as coisas para aqueles que estão sofrendo a ação. Para aqueles que estão praticando a ação, existem outras tarefas a ser cumpridas.

Para as forças americanas em contato, houve uma pausa breve, mal recebida, mas necessária. Deveria ter sido mais fácil para o coronel Nick Eddington da MATILHA, mas não foi. Sua força de tropas da Guarda Nacional fizera mais do que permanecer no mesmo lugar para sua primeira batalha, o que permitira ao inimigo entrar em sua área de combate, uma emboscada com 24

quilômetros de largura por 15 de profundidade. Exceto pelo pelotão de reconhecimento da brigada, os homens da Carolina mal se haviam movido. Mas isso teria de mudar agora, e Eddington foi lembrado do fato de que embora planejasse a ação como um instrutor de bale, as coisas que desempenhavam as manobras eram tanques, coisas pesadas e desajeitadas, movendo-se em terreno escuro e desconhecido.

A tecnologia ajudava. Ele dispunha de rádios para dizer aos seus homens quando e aonde ir, e o sistema IVIS para dizer-lhes como. A força-tarefa LOBO começou recuando até as posições elevadas que lhes serviam tão bem até apenas quarenta minutos atrás, virando para sul e seguindo através de pontos de navegação pré-selecionados até destinos a menos de dez quilômetros ao sul de suas posições iniciais de combate. No processo, o batalhão expandido se diluiu, espalhando-se mais do que antes; isso foi possível porque a cúpula do batalhão pôde programar a manobra eletronicamente e transmitir suas intenções aos comandantes de suas subunidades, que, recebendo áreas de responsabilidade, puderam subdividi-las quase automaticamente, até que cada veículo soubesse seu destino em metros. O atraso inicial de vinte minutos desde a notificação de que o plano NATHAN seria implementado permitiu que o processo de seleção começasse. A mudança lateral exigiu uma hora, com os veículos movendo-se através do que parecia ser uma terra vazia à velocidade de ônibus urbanos numa hora de trânsito engarrafado. Mesmo assim, funcionou, e uma hora após o movimento ter sido iniciado, ele estava completo. MATILHA, agora cobrindo bem mais de trinta quilômetros de espaço lateral, mudou de curso para norte e começou a se mover a dez quilômetros por hora, com equipes de reconhecimento avançando ainda mais rápido para assumir posições a cinco quilômetros adiante do corpo principal. Isso era muito menos do que o livro dizia que deveria ser o intervalo. Eddington não podia esquecer que estava manobrando uma força grande de soldados de meio expediente, cuja dependência de tecnologia eletrônica era um pouco grande demais para seu conforto total. Ele manteria sua força de três batalhões de combate sob controle cuidadoso até que o contato fosse estabelecido e o quadro geral se tornasse claro.

 

Tom Donner ficou surpreso ao ver que os veículos de apoio, praticamente quase todos parecendo caminhões robustos, eram capazes de seguir as unidades de combate com tanta rapidez quanto eles. Por algum motivo, o jornalista não havia compreendido o quanto isto era importante, acostumado como estava a parar num posto de gasolina específico duas vezes por semana. Aqui os atendentes precisavam ser tão móveis quanto seus clientes, e isso, ele concluiu, era uma tarefa nada fácil. Os caminhões-tanques assumiram posições. Os Bradleys e os tanques de batalha foram até eles dois por vez, e em seguida voltaram a seus postos de perímetro, onde as munições eram jogadas de outros caminhões para que os tripulantes dos carros de ataque os carregassem. Cada Bradley, ele aprendeu, tinha um carrinho de compras, em quase todos os casos adquiridos com o salário do artilheiro, para facilitar o recarregamento do pente Bushmaster. Funcionou melhor do que a ferramenta destinada para o propósito.

Isso provavelmente valia uma pequena matéria, pensou Donner com um sorriso distante.

O comandante da tropa, agora em seu HMMWV de comando em vez de seu M1A1, estava correndo de um carro de ataque para outro para aferir as condições de cada veículo e tripulação. Ele deixou o Três-Dois por último.

— Sr. Donner, está tudo bem com o senhor?

O jornalista bebericou o café feito pelo piloto do Bradley e assentiu.

— É sempre assim? — perguntou ao jovem oficial.

— Primeira vez para mim, senhor. Mas parece muito com nossos treinamentos — O que você acha dessa história toda? — perguntou o jornalista. — Quero dizer lá atrás, você e toda a sua gente, bem, vocês mataram muitos inimigos.

O capitão pensou um pouco nisso.

— O senhor já cobriu tornados, furacões, coisas assim?

— Sim.

— E as pessoas veem suas vidas virarem de cabeça para baixo, e você lhes pergunta como elas se sentem, certo?

— O meu trabalho é esse.

— O mesmo conosco. Esses sujeitos inicia mm uma guerra contra agente.

Estamos reagindo. Se eles não gostarem disso, bem, talvez da próxima vez pensem duas vezes Senhor, eu tinha um tio no Texas... um tio e uma tia, na verdade. Ele era golfista profissional e me ensinou a jogar. Depois, ele foi trabalhar para a Cobra... a companhia de artigos para golfe, certo? Um pouco antes de sairmos de Forte Irwin, minha mãe ligou para me dizer que os dois morreram por causa do Ebola, senhor. Quer mesmo saber o que pensamos disto? — perguntou o oficial que havia explodido cinco tanques naquela noite. — Embarque agora, Sr. Donner. A Corcel Negro está se movendo daqui a dez minutos. O senhor pode esperar contato logo depois do amanhecer.

Houve um lampejo suave no horizonte, seguido um minuto depois pelo ronronar distante de um trovão.

— Acho que os Apaches estão começando cedo — disse o capitão.

Oitenta quilômetros a noroeste, o posto de comando do 2º Corpo acabara de ser destruído. O plano estava evoluindo. O Primeiro Esquadrão seguiria para o norte através das unidades remanescentes do 2° Corpo. O Terceiro Esquadrão seguiria para o sul através de uma oposição leve, agrupando o regimento para o primeiro ataque ao flanco esquerdo do 3º Corpo inimigo. A dezesseis quilômetros dali, Hamm estava movendo sua artilharia para facilitar a destruição dos remanescentes da 2° Corpo, cujos comandantes seu esquadrão de helicópteros acabara de eliminar.

 

Eddington lembrou-se uma vez mais que ele tinha de manter tudo muito simples. Apesar de todos os seus anos de estudo e do nome que designara para seu contra-ataque, ele não era Nathan Bedford Forrest, e este campo de batalha não era pequeno o bastante para que pudesse empregar a manobra que aquele gênio racista usara com tanta frequência na Guerra de Secessão.

Os elementos de CORUJA estavam agora bastante distantes uns dos outros, com a frente da brigada quase duplicada nos últimos vinte minutos, reduzindo sua velocidade. Provavelmente não era ruim, pensou o coronel. Ele precisava ser paciente. A força inimiga não podia manobrar até tão longe para leste para não correr o risco de deparar com a esquerda da Corcel Negro — presumindo que eles soubessem que ela estava lá — e o terreno a oeste era acidentado demais para permitir movimentação fácil. Eles haviam tentado o meio e sido encurralados. Portanto, a atitude lógica para o 1º Corpo inimigo era tentar uma manobra de movimento limitado, provavelmente voltada para o leste. As fotos enviadas pelos autômatos Predator começaram a confirmar isso.

 

O comandante dos IMORTAIS não dispunha mais de um comando apropriado para usar, e assim ele absorveu o que restara do posto de comando da desaparecida 1ª Brigada, tendo também aprendido que ele precisava se manter em movimento o tempo todo. A primeira tarefa para ele fora restabelecer contato com o comando do 1º Corpo, o que se provara um pouco difícil, porque essa unidade estivera em movimento quando ele entrara na emboscada americana — tinha de ser americana — ao longo da estrada para Al Artawiyah. Agora o 1º Corpo estava parado novamente, e talvez falando muito com o comando do Exército. Ele entrou na rede de rádio, falou com um três-estrelas — um colega iraniano —, e disse o que pôde da forma mais rápida possível.

— Não pode haver mais de uma brigada — assegurou-lhe seu superior imediato.

— O que você vai fazer?

— Devo agrupar minhas forças remanescentes e atacar de ambos os flancos antes do amanhecer — respondeu o comandante de divisão.

Se o comandante dos Imortais tivesse escolha, não seria assim, e ambos os oficiais superiores sabiam disso. O 1º Corpo não podia recuar, porque o governo não podia recuar, porque o governo que ordenara a ação do Exército não poderia se arrepender disso. Permanecer ainda significava esperar que as forças sauditas viessem da fronteira do Kuwait. A tarefa então era reconquistar a iniciativa, sobrepujando a força de bloqueio americana mediante manobras e efeitos de choque. Era para isso que os tanques eram projetados, e ele tinha mais de quatrocentos ainda sob seu comando.

— Aprovado. Mandarei para você meu corpo de artilharia. Guardas Blindadas à sua direita farão o mesmo. Realize sua ofensiva — disse-lhe seu colega iraniano. — Depois seguiremos para Riad ao anoitecer.

Muito bem, pensou o comandante dos Imortais. Ele ordenou à sua 2ª

Brigada que reduzisse seu avanço, permitindo à 3ª alcançá-los, juntar-se a eles e manobrar para leste. A oeste de sua posição, os iraquianos estariam fazendo praticamente o mesmo. A 2ª avançaria para contato, iria fixar-se ao flanco inimigo, e a 3ª daria a volta, atacando-os pela retaguarda. O centro ele deixaria vazio.

 

— Eles pararam. a brigada líder parou. Estão a oito quilômetros ao norte — reportou o especialista 2 da Brigada. — Em alguns minutos, CORUJA terá visual deles para confirmar.

Isso explicava o que uma das forças inimigas à sua frente estava fazendo.

O grupo a oeste estava um pouco para trás, não tendo parado, mas avançado lentamente, evidentemente aguardando ordens ou algum tipo de mudança em suas disposições. Seu oponente e seus homens estavam aproveitando o tempo para pensar.

Eddington não podia permitir isso.

O único problema real com o MLRS era que ele tinha um alcance mínimo muito mais conveniente que seu alcance máximo. Para a segunda missão daquela noite, os veículos de foguetes, que não tinham realmente se movido, travaram suas suspensões e elevaram suas caixas de lançamento, mais uma vez guiados apenas por informações eletrônicas. Novamente a noite foi perturbada por rastros luminosos de foguetes, embora desta vez em trajetórias muito mais baixas. A artilharia fez o mesmo, com ambas as forças dividindo sua atenção entre as brigadas avançadas à esquerda e à direita da estrada.

O propósito era mais psicológico que real. As minibombas dos foguetes MLRS não matariam um tanque. Uma queda por sorte no topo de um convés traseiro poderia danificar um motor a diesel, e os flancos da infantaria e os flancos dos cargueiros BMP de infantaria poderiam ocasionalmente ser penetrados por uma detonação próxima, mas esses eram golpes de sorte. O propósito real era irritar o inimigo, limitar sua capacidade de ver e, com a chuva de metal, limitar sua capacidade de pensar. Os oficiais que haviam saltado de seus tanques de comando para conferenciar precisariam correr de volta, e alguns seriam mortos ou feridos pelo ataque repentino. Sentados em segurança nos veículos estacionários, eles ouviriam o pinga-pinga dos fragmentos quicando na armadura, e olhariam por seus sistemas de visão para ver se a barragem de artilharia pressagiava um ataque mais poderoso. Os cartuchos de 155mm da artilharia, menos numerosos, representavam um perigo maior, quanto mais considerando que os cartuchos americanos não estavam explodindo no ar, mas eram cartuchos comuns que atingiam o solo primeiro. As leis de probabilidade garantiam que alguns dos veículos seriam atingidos — e alguns foram, explodindo em bolas de fogo enquanto o restante da 2ª Brigada era forçado a permanecer no lugar, ordenadas a fazer isso enquanto a 3ª moveu-se para sua esquerda. Incapacitados de se mover devido à perda de sua artilharia, incapaz de responder à altura, eles não podiam fazer nada mais além de tremer e permanecer alerta, olhando para fora de seus veículos, e observando os bólidos e minibombas caírem.

 

A tropa B, 1ª do 11°, movimentou-se dentro do cronograma, espalhando-se e viajando para o norte, com os tanques Bradley na liderança e os tanques Battlestar a meio quilômetro atrás, preparados para responder a um relatório de contato. Isso proporcionou uma revelação estranha para Donner. Homem inteligente, e até mesmo acostumado a enfrentar os desconfortos da vida ao ar livre — costumava acampar com a família na Trilha Apalaches —, Donner passava o maior tempo que podia olhando pela escotilha do Bradley, e não fazia a menor ideia do que estava realmente acontecendo. Finalmente, superou seu constrangimento e pegou os interfones para perguntar ao comandante de carro de ataque como ele sabia. Assim, o comandante o chamou para a frente, onde ele se apertou com um terceiro homem num espaço projetado para dois — ou melhor, para um e meio, pensou o jornalista.

— Estamos aqui — disse-lhe o sargento, tocando com o dedo a sua tela IVIS.

— Vamos seguir este caminho. Segundo isto, não há nada por perto para nos incomodar, mas estamos procurando. — Ele mudou um pouco a configuração na tela. — O inimigo está aqui, e estamos ao longo desta linha.

— A que distância?

— Mais 12 quilômetros e deveremos começar a vê-los.

— Qual é a confiabilidade desse sistema? — perguntou Donner.

— Ele nos trouxe até aqui, Tom — comentou o comandante de carro de ataque. O padrão do movimento era incômodo, e lembrou ao jornalista os sinais de trânsito indicando para-e-siga numa tarde de sexta-feira. Os veículos blindados iriam correr — jamais acima de 32 quilômetros por hora — de um aspecto de terreno para outro, perscrutariam a dianteira, e então se moveriam um pouco mais. O sargento explicou que eles iriam se mover de uma forma mais regular em terreno melhor, mas esta parte do deserto saudita era marcada por colinas e crateras que podiam ocultar pessoas. Os Bradleys estavam num pelotão, mas realmente pareciam mover-se em pares. Cada M3 tinha um veículo batedor.

— E se houver alguém lá fora?

— Então ele provavelmente atirará na gente — explicou o sargento.

O tempo todo, enquanto conversavam, o artilheiro estava virando-se em sua torre de tiro para a esquerda e direita, buscando o lampejo de um corpo quente no terreno frio.

Curiosamente, eles enxergavam melhor à noite, motivo que levou os americanos a adotar a escuridão como seu horário de caça favorito.

— Stanley, vire à esquerda e pare atrás daquele afloramento — ordenou o sargento 10 piloto. — Se eu fosse montar uma emboscada, escolheria aquele lugar à direita. Iremos cobrir Chuck enquanto ele o contorna. — A torre de tiro girou, buscado um corpo quente, enquanto o veículo batedor passava por eles. — Certo, Stanley, prossiga.

 

A seção de comando do Exército de Deus provara-se terrivelmente difícil de ser localizada, mas agora Hamm tinha duas tropas de helicópteros designadas exclusivamente para essa missão, e sua seção de espionagem eletrônica estava operando em conjunto com a tropa do 2° Esquadrão do quartel-general. Seu objetivo era localizar e desorganizar toda a força inimiga.

Oficiais do serviço de informação da Arábia Saudita, conectados a carros de ataque ELINT, estavam atentos aos sinais. As forças da URI tinham contatos de rádio codificados com os altos comandantes, mas eles funcionavam apenas entre pessoas com o mesmo equipamento, e com a degradação gradual da rede de rádio inimiga, cedo ou tarde teriam de começar a falar às claras. Um corpo e dois comandos de divisão haviam sido atingidos, dois desses quase totalmente destruídos e os outros seriamente danificados. Além disso, eles sabiam aproximadamente onde estava o 3º Corpo, e o Exército teria de começar a falar com essa formação, porque era a única distante o bastante para não ter sido atingida, exceto por alguns combates aéreos. Eles não teriam de ler as mensagens, embora isso pudesse ser útil. Eles conheciam os alcances de frequência até o circuito do alto comando, e alguns minutos de comunicação possibilitariam sua localização. Depois, seria apenas uma questão de enviar tropas de helicópteros atacarem o alto comando e começar a arruinar a manhã deles.

Soava como estática, mas os rádios codificados digitalmente geralmente eram assim. O oficial de ELINT, um primeiro-tenente, adorava ficar de escuta, mas sentia falta de seu equipamento de geração de interferência, que fora deixado de fora nos conjuntos de equipamento POMCUS, provavelmente porque aquela supostamente seria uma missão da Força Aérea. Havia uma arte nisto. Seus soldados, todos especialistas em informação militar, precisavam discernir a diferença entre estática atmosférica real e estática artificial enquanto vasculhavam as frequências.

— Bingo! — disse alguém. — Marcação três-zero-cinco, chiando como uma serpente.

Era alto demais para ser ruído atmosférico, por mais aleatório que pudesse soar.

— Tem certeza? — perguntou o oficial.

— Noventa por cento de chances. — Um segundo veículo, conectado eletronicamente ao primeiro, estava a um quilômetros de distância, proporcionando uma triangulação de linha de base... — Ali.

A locação apareceu na tela do computador. O tenente levantou um rádio para o posto de comando do 4º Esquadrão.

 

— ANJO-SEIS, aqui é PIMENTA, temos um endereço para entregar a encomenda... Os quatro Apaches e seis Kiowas da Tropa M estavam apenas a vinte quilômetros de distância da posição, conduzindo uma busca visual. Um minuto depois, eles se viraram para o sul.

 

— Que está acontecendo? — inquiriu Mahmoud Haji.

Ele odiava usar seu radiotelefone e simplesmente conseguir entrar em contato com seu próprio comandante de Exército revelara-se uma tarefe muito difícil.

— Encontramos oposição ao sul da Cidade Militar Rei Khalid. Estamos lidando com ela.

— Pergunte-lhe a natureza da oposição — aconselhou o chefe de informação ao seu líder.

— Talvez o seu convidado possa me dizer isso — sugeriu o general no outro lado da conversa. — Ainda estamos trabalhando para descobrir.

— Os americanos não têm mais de duas brigadas no teatro de operações! — insistiu o homem. — Há mais uma força equivalente à brigada no Kuwait, mas é tudo!

— Verdade? Bem, perdi mais do valor de uma divisão em força nas últimas três horas, e ainda não sei o que estou enfrentando. O 2º Corpo foi prejudicado drasticamente. O 1º Corpo deparou com alguma coisa e está prosseguindo o ataque agora. O 3º Corpo está intocado, até agora. Posso prosseguir o ataque a Riad, mas preciso de mais informações sobre o que estou enfrentando.

O general-comandante, homem de sessenta anos, não era idiota, e ainda sentia que podia vencer. Ele ainda tinha o valor em força de combate de cerca de quatro divisões. Era apenas uma questão de direcionar esse valor adequadamente. Na verdade, estava grato à sua sorte pelos ataques aéreos das forças americanas e sauditas terem sido tão brandos. Ele aprendera rápido mais algumas lições. O desaparecimento de três seções de combate deixara-o cauteloso, pelo menos quanto à sua própria segurança. Ele estava agora a um quilômetro inteiro dos transmissores de rádio conectados ao seu veículo de comando blindado, um BMP-lKSh, seu fone de ouvido na extremidade de uma longa rede de comunicações. Ele estava cercado por um esquadrão de soldados, que se esforçavam ao máximo para não ouvir a excitação na voz de seu comandante.

 

— Merda, vejam só todos esses carros de ataque dotados de mísseis terra-ar — disse um observador de Kiowa pelo rádio, oito quilômetros ao norte. Seu piloto fez a chamada enquanto o observador contava os tanques.

— MARAUDER-LÍDER, aqui é MASCOTE-TRÊS. Acho que encontramos o endereço para a entrega.

— TRÊS, LÍDER, prossiga — foi a resposta curta.

— Seis bimps, dez caminhões, cinco carros de ataque dotados de mísseis terra-ar, dois carros de ataque de radar, e três ZSU-23s num uádi. Recomendo aproximação do oeste, repito, recomendo aproximação do oeste.

Era um poder de fogo defensivo demais para ser outra coisa que não a seção de comando móvel do Exército de Deus. Todos os lançadores de mísseis terra-ar eram Crotales de fabricação francesa, e MASCOTE-TRÊS sabia que aqueles desgraçados eram perigosos. Mas eles deviam ter escolhido um local diferente. Esta era uma daquelas situações nas quais era melhor você estar em campo aberto, ou mesmo em terreno alto, de modo que seus radares terra-ar pudessem ver melhor.

— TRÊS, LÍDER, pode iluminar?

— Afirmativo. Diga-nos quanto. Carros de ataque de radar primeiro.

O líder dos helicópteros Apache, um capitão, estava a oeste, voando rente ao solo a trinta nós, seguindo pelo que ele achava ser uma cumeeira que prosseguiria até o uádi. Devagar, devagar, deixando sua antena sensora ver adiante. O piloto conduzia a aeronave como um garoto aprendendo a estacionar numa vaga, enquanto o artilheiro vigiava os sensores.

— Está bem adiante, senhor — avisou o artilheiro de seu assento na frente.

— TRÊS, LÍDER, comece a música — instruiu o piloto.

O Kiowa acendeu seu iluminador laser, um raio infravermelho invisível que mirou primeiro para o carro de ataque de radar mais distante. Era na verdade um veículo sobre rodas. Quando foi recebida a notificação de que o alvo estava iluminado, o Apache levantou seu nariz e liberou primeiro um Hellfire, e mais um cinco segundos depois.

 

O general ouviu o aviso gritado a mil metros dali. Apenas um dos veículos de radar estava realmente transmitindo, e isso intermitentemente como uma medida de segurança eletrônica. Ele estava irradiando agora e captou o míssil em aproximação. Um dos caminhões de lançamento girou seu canhão de quatro tubos e disparou, mas o Crotale perdeu a mira quando o Hellfire angulou para baixo, passando inofensivamente pelo alvo. O veículo de radar explodiu um momento depois, e o mesmo aconteceu ao segundo veículo seis segundos depois. O general-comandante do Exército de Deus parou de falar então, e ignorou a conversa vinda de Teerã. Agora não havia literalmente nada que ele pudesse fazer além de se abaixar, o que seus guarda-costas obrigaram-no a fazer.

 

Todos os quatro helicópteros Apache da tropa estavam pairando agora num semicírculo, esperando as ordens de seu comandante de tropa para disparar os Hellfires. Ele ordenou isso, com cerca de cinco segundos de intervalo, permitindo ao Kiowa guiá-los em sua trajetória, mudando de um alvo para outro. Em seguida, vieram os veículos de lançamento de mísseis terra-ar, acompanhados pelos carros de ataque de fabricação russa, munidos de canhão.

Então não havia mais nada para proteger os carros de comando BME.

 

Foi inclemente, considerou o general. Homens tentaram atirar de volta, mas no começo não havia no que atirar. Outros apontaram. Apenas alguns correram. A maioria permaneceu e tentou lutar. Os mísseis pareceram vir do oeste. Ele podia ver o brilho branco amarelado dos jatos dos foguetes correndo através da escuridão como vaga-lumes, mas não podia ver nada disparando neles. Um após o outro, todos os veículos de defesa foram destruídos, então os BMP, a seguir os caminhões. Demorou menos de dois minutos, e apenas então os helicópteros começaram a aparecer. O destacamento de segurança para seu posto de comando móvel era uma companhia de soldados de infantaria escolhidos a dedo. Eles resistiram com metralhadores pesadas e bazucas, mas as formas espectrais dos helicópteros estavam longe demais. Os mísseis portáteis não podiam alcançá-los. Seus homens tentaram, mas então os bólidos se aproximaram, descendo até eles como raios de luz numa área agora iluminada por veículos em chamas. Um esquadrão aqui, uma seção ali, um par acolá. Os homens tentaram correr, mas os helicópteros os perseguiram, disparando de apenas algumas centenas de metros de distância, caçando-os num jogo cruel, desprovido de remorso. O microfone do rádio estava mudo na mão do general, mas ele ainda o segurava, assistindo ao caos.

— LÍDER DOIS, PEGUEI UM bando a leste — disse um piloto ao comandante dos helicópteros Apache.

— Pegue-os — ordenou o líder de voo, e um dos helicópteros de ataque mergulhou para o sul, nas cercanias das ruínas do posto de comando.

 

Não havia nada a fazer. Não havia para onde fugir. Três de seus homens empunharam suas armas e dispararam. Outros tentaram fugir, mas não havia como correr nem como se esconder. Quem estava pilotando essas aeronaves estava matando tudo que viam pela frente. Americanos. Só podia ser eles.

 

Furiosos com o que haviam descoberto. Podia até ser verdade, pensou o general, e se...

— Como se diz comam merda na língua deles? — perguntou o artilheiro enquanto se certificava de que tinha pegado todos.

— Acho que entenderam a mensagem — replicou o piloto, virando o helicóptero e procurando alvos adicionais.

— ANJO-SEIS, ANJO-SEIS, aqui é MARAUDER-SEIS-EFETIVA. Isto aqui parece com certeza um comando, e agora virou churrasco — disse o comandante de tropa. — Estamos voltando para reabastecer munição e combustível. Câmbio e desligo.

 

— Bem, traga-o de volta! — gritou Daryaei para o oficial de comunicações do outro lado da linha.

O chefe de informação presente na sala não disse nada, suspeitando que eles jamais falariam novamente com o comandante do Exército nesta vida. A pior parte era não conhecer o motivo. Sua avaliação de informação sobre a chegada das unidades americanas estivera correta. Ele tinha certeza. Como tão poucos podiam causar tanto dano...?

 

— Eles tinham um par de brigadas, ou regimentos, seja o que for, não tinham? — perguntou Ryan, recebendo a última imagem do campo de batalha em sua tela na Sala de Situação.

— Sim. — O general Moore assentiu. Ele notou com certo prazer que até o almirante Jackson estava muito calado. — Mas não mais, presidente. Meu Deus, aqueles soldados da Guarda Nacional estão rendendo muito mais do que esperávamos!

— Presidente, até que ponto o senhor pretende levar isto? — perguntou Ed Foley.

— Temos alguma dúvida de que foi Daryaei quem tomou pessoalmente todas essas decisões? — Era, pensou Ryan, uma pergunta imbecil. Por que mais ele teria dito aquilo aos seus cidadãos? Mas ele tinha de fazer a pergunta, e os outros homens reunidos na Sala de Situação sabiam o motivo.

— Nenhuma — respondeu Foley.

— Então vamos até o fim, Ed. Os russos irão nos ajudar?

— Sim, senhor, acho que irão.

Jack pensou na praga que estava agora esvanecendo na América. Milhares de inocentes haviam morrido, e mais ainda iriam morrer. Pensou nos soldados, marinheiros e aeronautas em risco sob seu comando distante. Flagrou-se pensando, até mesmo, nos soldados da URI que haviam seguido a bandeira e os ideais errados porque não tiveram a chance de escolher o líder de seu país, e agora pagavam o preço por terem nascido nesse lugar. Se não eram completamente inocentes, também não eram completamente culpados, porque soldados faziam apenas o que lhes era mandado. Flagrou-se também recordando o brilho nos olhos de sua esposa quando Katie chegara de helicóptero ao Jardim Sul. Houvera momentos em que ele se permitira ser um homem, exatamente como os outros, apesar do poder que mantinha em suas mãos.

— Descubra — disse o presidente, com frieza.

 

Era uma manhã ensolarada em Pequim, e Adler estava mais bem informado que as outras pessoas na discussão. Não fora um despacho muito detalhado, apenas os pontos altos, que ele mostrara ao adido de Defesa, e o coronel do Exército dissera-lhe para acreditar em cada palavra. Mas a informação ainda não era conhecida amplamente. As matérias exibidas pelos telejornais precisavam passar por redes de comunicação militares, e devido à hora do dia na maior parte dos Estados Unidos, elas não haviam reportado muito mais do que o início da ação de combate. Se a República Popular da China estava mancomunada com a URI, eles ainda deviam achar que seus amigos distantes estavam com a faca e o queijo na mão. Valia tentar, pensou o secretário de Estado. E Ryan, com toda certeza, iria apoiá-lo.

— Sr. secretário, seja bem-vindo novamente — disse, gracioso, o ministro das Relações Exteriores.

Mais uma vez, Zhang estava presente, silencioso e enigmático como sempre tentava ser.

— Obrigado.

Adler ocupou sua cadeira habitual. Não era tão confortável quanto a de Taipé.

— Esses novos acontecimentos... há verdade nos fatos? — perguntou o ministro.

— Essa é a posição pública de meu presidente e de meu país — replicou o secretário de Estado. Isso tinha de ser verdade.

— Vocês possuem força suficiente para proteger seus interesses naquela região?

— Ministro, não sou especialista militar; não posso comentar isso — replicou Adler. O que era verdade absoluta, mas homem em posição de força provavelmente teria dito outra coisa.

— Seria uma grande tristeza se vocês não tivessem — observou Zhang.

Seria divertido perguntar qual era a posição da República Popular da China na questão, mas a resposta seria neutra e desprovida de significado. Eles também não diriam nada sobre a presença do grupo de batalha.Eisenhower, agora enviando voos de patrulhamento sobre as águas internacionais do estreito de Formosa. O truque era fazê-los dizer absolutamente nada.

— A situação mundial geralmente exige que cada um reexamine sua posição em muitos aspectos, e uma das coisas em que se precisa pensar com cuidado é nas amizades — experimentou Adler.

O comentário pairou sobre a mesa por meio minuto.

— Somos amigos desde que seu presidente Nixon visitou-nos corajosamente — disse o ministro das Relações Exteriores, depois de alguma reflexão. — E assim permanecemos, apesar de alguns desentendimentos ocasionais.

— É muito bom ouvir isso, ministro. Temos um ditado sobre amizade em momentos de necessidade.

Certo, pense sobre isso. Talvez os relatos da imprensa sejam verdadeiros.

Talvez o seu amigo Daryaei venha a sair vencedor. A isca oscilou sobre eles por mais 15 segundos.

— Na verdade, nossa única área de discordância permanente é a posição da América no que seu presidente chamou inadvertidamente de duas Chinas. Se apenas isso pudesse ser regularizado... — disse, com gosto, o ministro.

— Bem, como lhe falei, o presidente estava tentando expressar-se para jornalistas numa situação confusa.

— E devemos desconsiderar esse comentário?

— A América continua acreditando que uma solução pacífica para esta disputa de províncias serviria aos interesses de todas as partes.

Essa era uma posição estabelecida por uma América forte e confiante.

Uma América que a China não teria desafiado abertamente.

— A paz é sempre preferível ao conflito — disse Zhang. — Mas por quanto tempo devemos demonstrar tanta paciência? Os eventos recentes serviram apenas para ilustrar o problema central.

Um empurrão muito pequeno, percebeu Adler.

— Compreendo sua frustração, mas todos sabemos que a paciência é a mais valiosa das virtudes.

— Ao mesmo tempo, a paciência se torna indulgência. — O ministro das Relações Exteriores esticou a mão para pegar seu chá. — Uma palavra de auxílio da América seria muito bem recebida por nós.

— O senhor está pedindo que alteremos um pouco nossa política? — perguntou o secretário de Estado.

Ele se perguntou se Zhang falaria novamente depois de alterar com tanto tato o curso da conversa.

— Talvez estejamos pedindo que vejam a lógica da situação. Isso fortaleceria a amizade de nossas duas nações e, afinal de contas, essa é uma questão menor para países grandes como os nossos.

— Entendo — replicou Adler.

E entendia, de fato. Agora ele tinha certeza. Adler se congratulou por fazê-los ver suas cartas. A próxima jogada teria de ser feita em Washington, considerando que ele tivessem tempo para fazer qualquer coisa além de uma guerra armada.

 

O 10° RCB atravessou de volta para o território saudita em 0330L. A Divisão Búfalo estava agora espalhada por uma linha de cinquenta quilômetros.

Em mais uma hora, eles alcançariam a linha de suprimentos do exército da URI, tendo chegado aqui sem que ninguém tivesse notado. A força estava se movendo mais rápido agora, a quase 48 quilômetros por hora. Seus elementos líderes haviam encontrado algumas unidades de patrulhamento e segurança interna no território da URI, principalmente veículos de um só passageiro que haviam sido destruídos logo depois de avistados. Eles encontrariam outros tão logo tivessem alcançado a estrada seguinte. Inicialmente seriam unidades da polícia militar — como fosse que o inimigo as chamasse — usadas para controle de tráfego. Ainda haveria muitos conflitos até que chegassem à Cidade Militar Rei Khalid, e essa era a primeira missão dos soldados-búfalo.

 

A Segunda brigada dos IMORTAIS estava sob fogo havia quase uma hora, quando novas ordens chegaram e os veículos da antiga divisão blindada do Irã começaram a se mover. O duas-estrelas no comando estava novamente em contato com a 3ª Brigada, ouvindo mais que falando, pensando o quanto estava grato pela ausência de aeronaves americanas. A artilharia do Corpo havia chegado e se estabelecido sem disparar para não revelar sua presença. Ela não deveria permanecer ali por muito tempo, mas o duas-estrelas queria colher os benefícios de sua presença. O tamanho da força de oposição não devia chegar nem a uma brigada inteira deste lado da rodovia, e ele tinha o dobro disso — e mesmo se enfrentasse uma brigada inteira, seus colegas iraquianos no lado mais distante dariam a volta para apoiá-lo, como teria feito por eles se tivesse encontrado um campo desobstruído. Pelo rádio, em movimento num veículo de comando, para evitar ser atingido por fogo de artilharia ou de helicópteros, o duas-estrelas exortou seus comandantes a pressionarem o ataque. Agora, se o seu inimigo apenas ficasse nas posições que haviam usado com sucesso para o primeiro ataque, ele tomaria certas atitudes...

 

LOBO passou pela linha de fase MANASSAS vinte minutos atrasado, para a fúria secreta do coronel Eddington, que esperava ter tempo de sobra para a manobra. Mal aquele maldito advogado criminal — uma redundância, brincou ele mais de uma vez —, que estava comandando a CORUJA estava bem adiante de novo, cobrindo a direita enquanto seu batalhão XO assumia a esquerda, entrando na linha de fogo mas não dando nenhum tiro.

— MATILHA-SEIS, aqui é CORUJA-SEIS, câmbio.

— SEIS-EFETIVA, CORUJA — replicou Eddington.

— Eles estão chegando, senhor, duas brigadas enfileiradas, bem próximas uma da outra, avançando sobre a linha de fase PONTO ALTO neste momento.

— A que distância vocês estão, coronel?

— Cinco quilômetros. Estou puxando meu pessoal de volta agora.

Eles haviam estabelecido trilhas de viagem segura para isso. CORUJA torcia para todos lembrarem onde eles estavam. O remanejamento iria movê-los para leste, para cobrir a extremidade direita da força-tarefa de flanqueamento.

— Certo, limpe o campo, conselheiro.

— Câmbio, professor Eddington. CORUJA está voando — replicou o advogado deslocado. — Desligo.

Um minuto depois, ele mandou seu piloto ver que velocidade ele conseguiria alcançar no escuro. Era algo que o fã da NASCAR ficou tremendamente satisfeito em demonstrar.

Quatro minutos depois, o mesmo relatório chegou da esquerda. Sua brigada estava se defrontando, sozinha, com quatro. Era hora de estreitar um pouco as chances. Seu batalhão de artilharia mudou a direção do fogo. Seu comandante de tanques Bradleys começou a vasculhar o horizonte em busca de movimentos, e os três batalhões mecanizados começaram a se mover para encontrar o inimigo. Os comandantes de companhia e pelotão checaram suas linhas durante intervalos apropriados. O comandante de batalhão estava em seu próprio tanque de comando no lado esquerdo da linha. O oficial de operações S-3 deu-lhe apoio pela direita. Como de praxe, os Bradleys estavam ligeiramente atrás dos cinquenta e quatro tanques Abrams, em missão de varrer o solo em busca de veículos de infantaria e apoio.

Agora as saraivadas de bólidos eram frequentes, dificultando a vida para os tanques com escotilhas abertas e pessoas idiotas a ponto de estar desprotegidas em campo. A imagem não fazia ninguém pensar em cavaleiros de armadura. O campo de batalha era disperso demais para isso. Parecia mais uma batalha naval travada num mar arenoso, rochoso, tão hostil para a vida humana quanto o tipo convencional, e prestes a se tornar ainda mais perigoso. Eddington permaneceu com CANINOS BRANCOS, que era essencialmente uma força de reserva avançando, quando ficou claro que o inimigo estava avançando pelos dois flancos, e deixando o centro com uma força avançada, quando muito.

 

— Contato — relatou um líder de pelotão pela rede de sua companhia. — Tenho veículos blindados a cinco mil metros. — Ele checou sua tela IVIS para confirmar, novamente, que não havia amigos lá fora. Bom. CORUJA estava desimpedida. A sua frente havia apenas uma Força Vermelha.

 

Agora a Lua estava alta no céu, a menos de um quarto de uma lua minguante, mas iluminando o terreno o suficiente para os líderes dos Imortais perceberem movimento em seu horizonte visível. Os homens da 2ª Brigada, furiosos com os golpes que haviam recebido durante sua espera para avançar, estavam preparados para o combate. Alguns deles tinham calculadoras de alcance a laser, que mostravam os alvos a quase o dobro do alcance efetivo. A notícia subiu pela hierarquia, e logo vieram ordens para aumentar a velocidade, o mais rápido possível para diminuir a distância e sair do fogo indireto. Os artilheiros anteciparam-se, mirando em alvos que estavam ainda longe demais, mas isso mudaria dali a menos de dois minutos. Eles sentiram seus veículos aumentarem de velocidade, ouviram as ordens de seus comandantes de tanque para ficarem de prontidão. Os alvos registrados agora mostravam que os números da oposição não eram impressionantes. A URI estava em vantagem.

Deviam estar, pensaram todos os Imortais. Mas então por que os americanos estavam avançando na direção deles?

 

— Iniciar disparos em quatro mil metros — disse o comandante da companhia às suas tripulações.

Os tanques Abrams estavam distantes quinhentos metros uns dos outros, em duas fileiras, cobrindo muito terreno para um único batalhão de divisão blindada. A maioria dos comandantes de tanque mantiveram suas cabeças fora dos veículos durante a fase de aproximação, e depois se abaixaram para ativar seus sistemas de controle de disparos.

— Estou com um na mira — disse um artilheiro ao seu comandante de tanque. — T-80, identificado, alcance quarenta-dois-cinqüenta.

— Colocação? — perguntou o comandante de tanque, para se certificar.

— Estabeleça apenas balas de prata, até segunda ordem.

— Ouvi você, artilheiro. Apenas não perca nenhuma.

— Quarenta e um — sussurrou o artilheiro.

Ele aguardou mais 15 segundos e se tornou o primeiro de sua companhia a disparar... e a matar. O tanque de 62 toneladas estremeceu com o choque, e então continuou avançando.

— Alvo acertado, cessar fogo, tanque alvo às 11 — disse o comandante de tanque pelo interfone.

O carregador de munição afundou a bota no pedal, abriu as portas de munição, e puxou mais um bólido bala de prata . Em seguida, virou-se num movimento gracioso, primeiro para guiar, e então para alojar o bólido, quase todo plástico, na culatra.

— Preparado! — anunciou.

— Identificado! — disse o artilheiro ao comandante de tanque.

— Disparar!

— A caminho! — Uma pausa. O bólido executou uma trajetória perfeita. — Bem na mosca!

O comandante anunciou: — Alvo acertado! Cessar fogo! Virar para a direita, tanque-alvo em um. O artilheiro:

— Pronto! O artilheiro: — Identificado! O comandante: — Disparar!

— A caminhoooo! — gritou o artilheiro, acompanhando seu terceiro disparo em 11 segundos.

Não era como a realidade, percebeu o comandante de batalhão, realmente ocupado demais observando para dar seus próprios tiros. Era como uma onda.

Primeiro a fileira líder dos T-80s explodiu; poucos alvos não foram acertados, mas esse erro foi corrigido cinco segundos depois, quando a segunda fileira de veículos inimigos começou a desaparecer. Começaram a responder ao fogo. Os lampejos pareciam as cargas de simulação Hoffman que vira tão pouco tempo atrás em NTC, e se revelaram igualmente inofensivos. Toda a primeira saraivada de bólidos caiu cedo demais. Alguns dos T-80 disparou pela segunda vez. Nenhum deles disparou pela terceira.

— Meu Deus, senhor, me dê um alvo! — gritou seu artilheiro.

— Escolha um.

— Bimp — disse o artilheiro, basicamente para si mesmo.

Ele disparou um cartucho altamente explosivo e matou um tanque a pouco mais de quatro mil metros. Como antes, a batalha estava terminada em menos de um minuto. A linha americana avançou. Alguns dos BMP lançaram mísseis, mas agora eles estavam sendo enfrentados por tanques e Bradleys. Veículos explodiram, enchendo o céu com fogo e fumaça. Agora homens desprotegidos estavam visíveis, principalmente correndo, alguns deles virando-se para disparar. Os artilheiros de tanques, sem nada mais para disparar, mudaram para as metralhadoras coaxiais. Os Bradleys emparelharam com os tanques, e teve início a caçada.

A fileira de tanques passou através dos destroços fumegantes dos Imortais menos de quatro minutos depois da primeira saraivada. Torres de tiro voltaram-se para a esquerda e para a direita, procurando alvos. Os comandantes de tanque estavam com as cabeças voltadas para trás, mãos em suas metralhadoras pesadas. Quando disparavam contra os americanos, eles retornavam fogo, e no começo houve uma corrida para ver quem podia matar mais, porque havia uma excitação de batalha, inimaginável por aqueles que jamais a sentiram, o sentimento do poder divino, a capacidade de tomar decisões de vida c morte e então realizá-las com o toque de um dedo. Mais que isso, esses soldados da Guarda Nacional sabiam por que estavam ali, sabiam o que haviam sido mandados para vingar. Em alguns, essa fúria durou por alguns minutos, enquanto os veículos corriam a pouco menos de 16 quilômetros por hora, como tratores de fazenda ou arados mecânicos, colhendo vida e convertendo-a em morte, parecendo alguma coisa do alvorecer dos tempos, profundamente inumanos, visceralmente impiedosos.

Mas então começaram a parar. Parou de ser dever. Parou de ser vingança.

Parou de ser a diversão que eles haviam esperado que fosse. Começou a ser assassinato e, um a um, os homens manipulando as armas perceberam o que eles deviam ser e o que poderiam se tornar caso não cedessem ao descontrole.

Não era como ser um aviador, centenas de metros acima do solo, disparando contra formas que se moviam comicamente em seus sistemas de mira, e que jamais eram realmente seres humanos. Esses homens estavam mais próximos.

Os soldados podiam ver os rostos e os ferimentos agora, e as costas inofensivas de pessoas em fuga. Até os idiotas que ainda atiravam em resposta provocaram a piedade dos artilheiros que os matavam, e logo a futilidade desse ato ficou clara para os fugitivos. Assim, os soldados que haviam chegado ao deserto com ódio ficaram enojados em ver o que o ódio os havia tornado. Os canhões emudeceram gradualmente, mais por consenso comum que em resposta a uma ordem, à medida que a resistência parou e com ela a necessidade de matar. A força-tarefa LOBO atravessou incólume as ruínas fumegantes das duas brigadas pesadas, buscando por alvos que valessem sua atenção profissional, em vez de pessoal.

 

Não havia mais nada a ser feito. O general se levantou e se afastou de seu veículo de comando, gesticulando para que a tripulação o imitasse. Sob suas ordens, os tripulantes baixaram as armas e se puseram de pé no terreno alto para aguardar. Não tiveram de esperar muito. O sol estava nascendo. O primeiro brilho dourado estava a leste, anunciando um novo dia, muito diferente do antigo.

 

O primeiro comboio passou diante deles, trinta caminhões de combustível, correndo a uma boa velocidade, e os motoristas devem ter julgado que os veículos em marcha para o sul pertenciam ao seu Exército. Os artilheiros de Bradley da Tropa I, 3º do 10º, cuidaram disso com uma série de tiros que incendiou os primeiros cinco caminhões. O resto parou, dois deles virando e explodindo por conta própria quando seus motoristas empurraram-nos para valas em sua pressa de escapar. Quase todas as guarnições dos Bradleys deixaram que as pessoas saíssem ilesas antes de explodir os caminhões com bólidos altamente explosivos, e continuarem marchando para o sul, passando pelos motoristas embasbacados, que ficaram simplesmente parados ali, observando-os passar.

 

Foi um Bradley que o encontrou. O veículo avançou mais cinquenta metros antes de parar. O general que, 12 horas antes, comandara uma divisão blindada virtualmente intacta não se moveu ou resistiu. Ele ficou absolutamente parado, enquanto quatro soldados de infantaria apareceram do fundo do M2A4, avançando com fuzis à mostra, enquanto seu carro de ataque cobria sua guarnição com ainda mais autoridade.

— No chão! — gritou o recruta.

— Direi aos meus homens. Falo inglês. Eles não — disse o general e então manteve sua palavra. Seus soldados deitaram-se de bruços. Ele continuou de pé, talvez torcendo para morrer.

— Mãos ao alto, parceiro.

Este recruta era policial na vida civil. O oficial — ele não sabia ainda de que patente, mas o uniforme era pomposo demais para um joão-ninguém — obedeceu. Em seguida, o recruta baixou o fuzil e sacou uma pistola, caminhou e encostou-a na cabeça do homem enquanto o revistava com destreza.

— Certo, pode baixar as mãos — disse o recruta. — Fiquem quietinhos e ninguém se machuca. Por favor, diga isso aos seus homens. Nós os mataremos se for preciso, mas não queremos assassinar ninguém, certo?

— Direi a eles.

 

Com a chegada do dia, Eddington retornou ao helicóptero que havia tomado emprestado e voou para examinar o campo de batalha. Logo ficou claro que sua brigada havia esmagado duas divisões completas. Ele ordenou que seu pelotão de reconhecimento avançasse para explorar a dianteira, e então ligou para Diggs, pedindo instruções sobre o que fazer com os prisioneiros. Antes que qualquer um tivesse concluído qualquer coisa, um helicóptero chegou de Riad com uma equipe de televisão.

 

Mesmo antes das fotos serem divulgadas, os rumores se espalharam, como acontece sempre nos países sem uma imprensa livre, e um funcionário da embaixada russa telefonou. O telefone tocou um pouco antes das sete e o acordou, mas ele estava fora de casa em questão de minutos, conduzindo seu carro através de ruas silenciosas até o ponto de encontro com um homem que, ele pensou, estava finalmente cruzando a linha para se tornar agente da RVS.

O russo passou mais dez minutos verificando se havia alguém atrás dele, mas se alguém o seguira naquela manhã, devia ser invisível, e imaginou que uma boa parte das forças de segurança do aiatolá haviam sido recrutadas.

— Sim? — disse ao homem. Não havia muito tempo para formalidades.

— Você estava certo. Nosso exército foi... derrotado... na noite passada.

Eles me ligaram às três da manhã pedindo uma opinião sobre as intenções dos americanos, e ouvi tudo que tinham a dizer. Não podemos nem mesmo falar com nossas unidades. O comandante do Exército simplesmente evaporou. O ministério das Relações Exteriores está em pânico.

— Eles têm toda razão de estar — considerou o diplomata. — Devo lhe dizer que o líder turcomano...

— Nós sabemos. Ele telefonou para Daryaei ontem à noite para perguntar se a história da praga era verdadeira.

— E o que o seu líder disse?

— Ele disse que aquilo era a mentira de um infiel... o que queria que ele dissesse? — O funcionário fez uma pausa. — Ele não foi inteiramente persuasivo.

Não sei o que você disse ao homem, mas ele está neutralizado. A índia nos traiu... acabo de ficar sabendo disso. A China ainda não sabe.

— Se espera que eles fiquem ao seu lado, você violou as leis da sua religião quanto ao consumo de álcool. Claro, o meu governo ficará ao lado da América também. Vocês estão completamente sós — disse-lhe o russo. — Preciso de uma informação.

— Qual?

— A localização da fábrica de germes. Preciso disso hoje.

— A fábrica experimental ao norte do aeroporto. Tão fácil?, pensou o russo.

— Como você tem tanta certeza?

— O equipamento foi comprado dos alemães e franceses. Na época eu estava na seção comercial. Se você quiser confirmar, será fácil. Quantos guardas de fábrica usam uniformes militares? — perguntou o homem.

O russo assentiu.

— Vou checar isso. Mas temos outros problemas. O seu país logo estará em guerra com a América... quero dizer, completamente. Meu país pode se oferecer para negociar algum tipo de tratado de paz. Se você sussurrar a palavra certa no ouvido certo, o nosso embaixador estará à sua disposição, e então terá prestado um serviço ao mundo.

— Isso é simples. Ao meio-dia estaremos procurando uma saída desta situação.

— Não há saída para o seu governo. Nenhuma — enfatizou o agente da RVS.


63

A Doutrina Ryan

As guerras geralmente começavam em momentos exatos, mas na maioria das vezes não terminavam de forma limpa ou precisa. A luz do dia flagrou o 11º RCB no comando de mais um campo de batalha, tendo concluído a destruição de uma das divisões do 2º Corpo. A outra divisão estava agora enfrentando a 2ª Brigada Saudita, que investia do sol nascente enquanto a unidade americana parava mais uma vez para se reabastecer de combustível e armamentos antes de prosseguir o ataque ao 3º Corpo, ainda não decisivamente derrotado.

Mas isso já estava mudando. Aquelas duas divisões agora tinham a atenção plena de das as aeronaves táticas no teatro de combate. Primeiro seus veículos de defesa aérea eram marcados como alvos. Cada radar que era ligado atraía a atenção dos F-16 equipados com mísseis HARM (Míssil Antirradiação de Alta Velocidade), e em duas horas os céus estavam amigáveis para os pilotos americanos e sauditas. Caças URIanos fizeram um esforço em atacar de suas bases para defender suas forças terrestres sitiadas, mas nenhum passou pela esquadrilha de caças-radar em patrulha bem além da localização das forças que eles haviam sido mandados para apoiar. Eles perderam mais de sessenta aeronaves na primeira tentativa. Era mais fácil para eles atacar as brigadas kuwaitianas que haviam o imprudentemente invadido seu vizinho bem mais vasto e poderoso. A pequena Força-Aérea desse país esteve por conta própria durante a maior parte do dia, e a batalha se pouca relevância estratégica. As rotas através dos pântanos haviam sido obstruídas, levaria dias para ser reparadas. A batalha aérea resultante foi mais uma demonstração ódio mútuo do que qualquer outra coisa, e aqui, também, as forças kuwaitianas foram vitoriosas do dia, não espetacularmente, mas abatendo três aviões para cada um que perdiam. Para um país pequeno aprendendo as artes marciais, essa foi uma batalha daquelas que os homens falariam por anos, a magnitude de seus feitos crescendo a cada versão da história. Ainda assim, todas as mortes desse dia seriam inúteis, vidas desperdiçadas em reafirmar a posição a uma decisão já alcançada.

No 3º Corpo, desprovido de mísseis terra-ar, a atenção voltou-se para assassinatos mais estruturados. Havia mais de seiscentos tanques no solo, mais de oitocentos transportes de tropas, mais de duzentos canhões de reboque e propulsão própria, vários milhares de caminhões, e trinta mil homens, todos dentro de uma terra estrangeira e tentando escapar. Os Strike Eagles F-15E circulavam a cerca de cinco quilômetros de altura, enquanto seus operadores de sistema selecionavam um a um os alvos para suas bombas guiadas a laser. O ar estava claro, o sol brilhante, e o campo de batalha se mostrava plano. Era muito mais fácil do que qualquer exercício no campo de bombardeio Nellis. Antes do meio-dia, o comandante três-estrelas do 3° Corpo, corretamente pensando em si mesmo como o oficial de solo mais graduado, ordenou uma retirada geral, reuniu os caminhões de apoio dispostos em círculo na Cidade Militar Rei Khalid, e tentou conceder às suas unidades alguma coisa que se parecesse com uma ordem. Bombas caindo sobre ele, a 5ª Brigada saudita aproximando-se do leste, e uma força americana aproximando-se de sua retaguarda, ele se voltou no noroeste, na esperança de cruzar de volta para território amigável no mesmo ponto que entrara. No solo, seus veículos usavam fumaça para se obscurecer da melhor forma que podiam, o que frustrava um pouco os aviadores aliados, que, entretanto, não baixavam para atacar mais de perto, porque as forças da URI poderiam atirar em resposta com algum sucesso. Isso concedia ao comandante a esperança de que ele pudesse recuar com algo em torno de dois terços de sua força. Combustível não era problema. Os caminhões-tanques combinados do Exército de Deus inteiro estavam agora com seu Corpo.

 

Diggs parou para ver a brigada de Eddington. Ele já tinha visto paisagens como aquela, sentido cheiros daquele tipo. Tanques podiam arder por um período de tempo surpreendentemente longo, chegando mesmo a dois dias, apesar de todo o combustível e munição que carregavam, e o fedor do óleo diesel e dos agentes químicos servia para mascarar o fedor repugnante da carne humana queimada. Exércitos armados eram sempre coisas para ser mortas, mas exércitos mortos não tardavam a se tornar objetos de pena, especialmente quando massacrados como aquele havia sido. Mas apenas uns poucos, em termos relativos, haviam morrido pelas armas dos homens da Carolina. Muitos mais haviam se rendido. Esses haviam sido agrupados, desarmados, contados e colocados para trabalhar, principalmente enterrando os corpos de seus companheiros mortos. Aquela era uma prática tão antiga quanto a guerra, e a lição para os derrotados era sempre a mesma: E por causa disso que vocês não vão querer se meter novamente conosco.

— E agora? — perguntou Eddington, charuto entre os dentes. Os vitoriosos sofriam muitas mudanças de humor no campo de batalha. Chegar em meio à confusão e à pressa, enfrentar o desconhecido com medo velado, entrar na batalha com determinação — e, em seu caso, com uma ira intensa como jamais haviam sentido —, vencer com empolgação, e então sentir horror diante do morticínio e pelos derrotados. O ciclo mudou novamente. A maioria das unidades mecanizadas se reorganizara durante as últimas horas, e estavam prontas para se mover novamente, enquanto suas unidades da polícia militar e as unidades sauditas assumiam a guarda dos prisioneiros de guerra.

— Agora ficamos parados quietos — replicou Diggs, para o desapontamento e o alívio de Eddington. — Os remanescentes estão fugindo. Vocês jamais os alcançarão, e não temos ordens para invadir.

— Eles apenas nos atacaram à moda antiga — disse o coronel da Guarda Nacional, recordando Wellington. — E nós os derivemos à mesma moda antiga.

Que trabalho horroroso o nosso.

— Bobby Lee. Lembra, Chancellorsville?

— Lembro sim. Ele também estava certo. Aquelas duas horas, Diggs, fazendo os preparativos, manobrando meus batalhões, obtendo as informações, agindo. — Ele balançou a cabeça. — Nunca achei que poderia sentir o que senti naquelas duas horas. Mas agora...

— E uma coisa boa que a guerra seja tão terrível, porque assim não podemos gostar demais dela. O engraçado é que a gente esquece isso às vezes.

Aqueles pobres coitados... — disse o general, observando cinquenta homens sendo encaminhados para caminhões para o passeio de volta até a retaguarda. — Bata a poeira, coronel. Recomponha suas unidades. Podemos receber ordens para nos movermos, mas não acredito nisso.

— E o 3º Corpo?

— Não irá longe, Nick. Nós o estamos conduzindo direto até o 10°.

— Então você conhece Bedford Forrest, afinal de contas. — Era um dos aforismos mais importantes do oficial confederado. Conduza o inimigo: jamais dê a um inimigo em fuga a chance de descansar; importune-o, puna-o, force-o a cometer erros adicionais, faça-o fugir, mesmo se nada disso fizer mais qualquer diferença.

— Minha tese de doutorado foi sobre Hitler como manipulador político. E também não gosto muito dele. — Diggs sorriu e bateu continência. — Você e seus homens se saíram bem, Nick. Fico feliz por tê-los tido como companheiros de viagem.

— Não teria me importado se não tivesse vindo, senhor.

 

O veículo tinha chapa diplomática, embora o motorista e o passageiro soubessem que coisas assim nem sempre eram respeitadas em Teerã. As coisas mudavam muito num país em guerra, e frequentemente podiam-se identificar instalações importantes pelo fato de que de repente passavam a ser protegidas por mais guardas. O carro parou. O motorista levantou seus binóculos. O passageiro levantou uma câmera. Com toda certeza, a fazenda de experimentos tinha homens armados em torno do prédio de pesquisas, e isso não era muito comum, era? Foi realmente muito fácil. O carro deu meia-volta e retornou para a embaixada.

 

Eles estavam pegando apenas retardatários. A Corcel Negro estava em plena perseguição agora, e esta caça estava se revelando interminável. Veículos americanos eram melhores e geralmente mais rápidos do que aqueles que estavam perseguindo, mas era mais fácil fugir do que caçar. Os perseguidores tinham de ser um pouco cuidadosos com possíveis emboscadas, e o anseio de matar o maior número possível de inimigos era sufocado pela preocupação em morrer numa guerra já vencida. A desordem do inimigo permitira ao 11º

empurrá-lo para a frente, e as unidades do flanco direito estavam agora em contato por rádio com os sauditas em movimento, que acabavam de derrotar os últimos batalhões do 2º Corpo e pensando em enfrentar o 3º numa batalha final e decisiva.

— Tanque na mira — disse um comandante de tanque. — Dez horas, 12

quilômetros.

— Identificado — disse o artilheiro enquanto o Abrams parava para facilitar o disparo. — Suspendam fogo — disse o comandante de tanque, de repente. — Estão evacuando o veículo. Dê-lhes alguns segundos.

— Certo.

O artilheiro também podia ver. E em todo caso, o canhão principal do T-80

estava apontado na outra direção. Eles esperaram a tripulação se afastar cerca de cem metros.

— Certo. Pegue-o.

— A caminho.

A culatra recuou, o tanque sacolejou, o bólido voou. Três segundos depois, mais uma torre de tiro de tanque subiu aos ares.

— Na mosca! — anunciou o artilheiro.

— Alvo. Cessar fogo. Piloto, prossiga — ordenou o comandante.

Com aquele, seu tanque já matara 12 tanques inimigos. A guarnição se perguntou qual seria o recorde da unidade, enquanto o comandante fazia uma anotação de posição para a tripulação inimiga de três homens em sua caixa IVIS; essa anotação disse automaticamente ao pelotão de segurança do regimento onde pegá-los. Os soldados do RCB em movimento passaram longe deles. Por mais improvável que fosse, um deles poderia disparar ou fazer alguma coisa estúpida, e eles não tinham tempo nem inclinação de desperdiçar munição. Havia mais uma batalha para travar, a não ser que o outro lado tomasse algum juízo e resolvesse dar o dia por terminado.

 

— Comentários? — perguntou o presidente dos Estados Unidos.

— Senhor, isso estabelece um precedente — replicou Cliff Rutledge.

— A ideia é essa — disse Ryan.

Estavam assistindo primeiro ao vídeo do campo de batalha, ainda não editado. Ele incluía o horror usual: partes corporais dos homens retalhados por explosivos, corpos inteiros daqueles que haviam morrido de alguma causa misteriosa, o braço estendido pela janela de um caminhão destruído, pertencente a algum pobre coitado que quase conseguira escapar. Por algum motivo, as pessoas gravando com minicâmeras sentiam-se atraídas por esse tipo de coisa. Os mortos estavam mortos, e todos os mortos eram vítimas, de uma forma ou de outra — alguns de mais de uma forma, pensou Ryan. Esses soldados pertencentes a dois países previamente separados, mas com uma cultura comum, haviam morrido pelas mãos de americanos armados; contudo, haviam sido mandados para a morte por um homem cujas ordens eram obrigados a seguir, um homem que cometera um erro de cálculo, e que estivera disposto a usar suas vidas como moedinhas num imenso caça-níqueis, puxando a manivela para ver se dava alguma sorte. Não era para ser assim. Poder implicava responsabilidade. Jack sabia que iria escrever à mão uma carta para a família de cada americano morto, exatamente como George Bush fizera em 1991. As cartas serviriam a dois propósitos. Elas talvez proporcionassem alguma medida de conforto às famílias. Elas, certamente, jamais esqueceriam do homem que mandara seus entes queridos ao campo de batalha. Jack tentou imaginar como deviam ter sido seus rostos. Provavelmente muito parecidos com os rostos dos soldados da Guarda Nacional que haviam formado aquela guarda de honra em Indianápolis, no dia de sua primeira aparição pública. Pareciam iguais, mas cada vida humana era individual, a posse mais valiosa de seu dono. Ryan fora um dos responsáveis pelo fim dessas vidas, e embora soubesse que isso havia sido necessário, também seria necessário para ele, agora e enquanto continuasse trabalhando nesse prédio, lembrar que aqueles haviam sido mais do que rostos.

E essa, disse a si mesmo, era a diferença. Conheço a minha responsabilidade, pensou Ryan. Ele não conhece a dele. Ele ainda vivia com a ilusão de que as pessoas eram responsáveis por ele, e não o contrário.

— É dinamite política, presidente — disse van Damm.

— E daí?

— Há um problema jurídico — disse-lhe Pat Martin. — Isso viola a ordem executiva do presidente Ford.

— Conheço essa ordem — respondeu Ryan. — Mas quem decide sobre as ordens executivas.

— O chefe do Executivo, senhor — respondeu Martin.

— Escreva uma nova ordem executiva para mim.

 

— Que cheiro é esse?

De volta ao motel em Indiana, os motoristas de caminhão haviam saído para a dança matutina de mover os caminhões para proteger os pneus. A esta altura, estavam de saco cheio do lugar e queriam, de coração, que o embargo de viagens fosse suspenso logo. Um motorista acabara de exercitar seu Mack e o estacionou ao lado do caminhão de cimento. A primavera estava ficando quente, e os corpos metálicos dos caminhões deixavam seus interiores quentes como fornos. No caso do caminhão de cimento, isso estava surtindo um efeito que seus donos não tinham previsto.

— Vocês estão tendo um vazamento de óleo? — perguntou o motorista a Holbrook então se abaixou para olhar. — Não, o tanque está OK.

— Talvez alguém tenha derramado um pouco de óleo diesel lá no posto — sugeriu o Montanhês.

— Não acho. Eles acabaram de lavar o posto. É melhor descobrirmos o que é isso. vi um KW queimar porque algum mecânico fez merda. O motorista morreu. Foi em 1985, na Interestadual 40. Coisa horrível. — Ele continuou contornando o veículo. — você deve estar com um vazamento, camarada.

Vamos dar uma checada na mangueira do óleo — disse em seguida, destrancando o capo.

— Ei, espere um pouco... quero dizer...

— Fica frio, colega. Sei como consertar essas coisas. Economizo uns bons cinco mil por ano fazendo as revisões eu mesmo.

O capo foi levantado. O motorista olhou para dentro, esticou a mão para balançar umas mangueiras e sentiu as conexões de óleo.

— Certo, eles estão OK — disse o motorista.

Então olhou para o fio até os injetores. Um parafuso estava um pouco frouxo, mas era apenas a trava, e ele o torceu de volta. Não havia nada incomum. Ele se abaixou novamente para olhar por baixo do veículo.

— Não tem nada pingando — disse o motorista. — Que merda — concluiu, levantando.

Em seguida, checou o vento. Talvez o cheiro estivesse vindo da... não. Ele podia sentir o cheiro do café da manhã sendo preparado no restaurante, que seria sua parada seguinte no dia. O cheiro estava vindo dali mesmo... e, pensando melhor agora, parecia mais alguma coisa, não apenas diesel.

— Qual é o problema, Coots? — perguntou outro motorista, caminhando até eles.

— Tá sentindo esse cheiro?

E os dois homens ficaram parados ali, farejando o ar como perdigueiros.

— Alguém está com um tanque ruim.

— Não que eu tenha encontrado — disse o primeiro, virando-se para encarar Holbrook. — Olhe, não quero ser mau vizinho, mas sou um operador-proprietário e fico nervoso quando alguma coisa ameaça meu caminhão, sabe?

Será que você se importaria de mover seu caminhão para lá? E eu mandaria alguém fazer uma revisão completa no motor.

— Ei, não tem problema. Não me importo nem um pouco.

Holbrook subiu no caminhão, ligou-o e saiu lentamente com ele, virando para estacionar numa vaga distante. Os outros dois observaram-no fazer isso.

— A droga do cheiro sumiu, não é, Coots?

— Aquele é um caminhão doente.

— Ele que se foda. É hora do telejornal. Venha — disse o outro motorista, gesticulando.

— Caramba!! — ouviram ao entrar no restaurante. O televisor estava ligado na CNN. A cena parecia saída do departamento de efeitos especiais de um grande estúdio. Nada como aquilo podia ser real. Mas era.

— Coronel, o que aconteceu na noite de ontem?

— Bem, Barry, o inimigo investiu contra nós duas vezes — explicou Eddington, segurando um charuto. — Na primeira, estávamos parados atrás daquela colina. Na segunda, estávamos avançando e eles também. Nós nos encontramos mais ou menos aqui...

A câmera girou para mostrar dois tanques subindo a estrada, passando por onde o coronel estava fazendo sua explicação.

— Aposto que dirigir esses monstrengos é divertido — disse Coots.

— Aposto que é mais divertido acertar neles.

A cena mudou novamente. O rosto bonito e familiar do jornalista estava coberto de areia, com bolsas de cansaço debaixo dos olhos.

— Aqui é Tom Donner, com a equipe de imprensa designada para o 11º

RCB. Como posso descrever a noite que tivemos? Eu estava com a tripulação deste Bradley, e nosso veículo e os outros da Tropa B passaram por... não sei quantos tanques inimigos nas últimas 12 horas. Foi a Guerra dos Mundos na Arábia Saudita, ontem à noite, e éramos os marcianos.

As forças da URI... aquelas que encontramos eram uma mistura de iraquianos e iranianos... reagiram, ou tentaram, mas nada que fizeram...

— Merda, queria que tivessem mandado minha unidade — disse um patrulheiro de rodovia, ocupando seu assento usual para o café da manhã. Com o passar dos dias, ele fizera amizade com alguns caminhoneiros.

— Smoky, vocês têm desses na Guarda de Ohio? — perguntou Coots.

— Sim, a minha unidade é de divisão blindada. Aqueles rapazes da Carolina tiveram uma noite e tanto. Deus do Céu — o policial balançou a cabeça, e no espelho notou um homem que vinha caminhando do estacionamento.

— As forças inimigas estão recuando agora. Vocês acabaram de ouvir um relato da força da Guarda Nacional que derrotou duas divisões blindadas inteiras...

 

— Duas! Uau! — observou o tira, bebericando seu café.

— ...a Corcel Negro aniquilou outra. Foi como assistir a um filme. Foi como assistir a uma partida de futebol americano entre a NFL e a Liga Pop Warner.

— Bem-vindos aos campeões, seus safados! — disse Coots ao televisor.

— Ei, aquele é o seu caminhão de cimento? — perguntou o policial, se virando, — Sim, senhor — respondeu Holbrook, parando no caminho para juntar-se ao seu amigo para o desjejum.

— Tome cuidado para ele não explodir — disse Coots, sem virar a cabeça.

— Que diabos um caminhão de cimento de Montana está fazendo aqui? — perguntou, em tom bem-humorado, o policial. — Como disse? — acrescentou a Coots.

— Ele está com algum tipo de problema de combustível. Nós lhe pedimos para afastar d veículo. Aliás, obrigado — acrescentou. — Não quis ser mau vizinho, meu chapa.

— Está tudo bem. Vou mandar verificar.

— Por que vieram desde Montana? — perguntou novamente o policial.

— Bem, nós compramos lá, e levamos para o leste para nossos negócios, sabe?

— Hum. — A atenção voltou-se novamente para o televisor.

— Sim, eles estavam vindo para o sul e nós demos de cara com eles! — um oficial do Kuwait estava dizendo agora a outro jornalista. Era um homenzinho que crescera uns trinta centímetros da noite para o dia, junto com seu país. Ele deu um tapinha no tubo do canhão de seu tanque com a afeição que poderia demonstrar por um cavalo premiado.

— Alguma notícia sobre quando poderemos voltar ao trabalho, Smoky? — perguntou Coots ao policial.

O patrulheiro rodoviário meneou a cabeça.

— Você sabe tanto quanto eu. Daqui estou indo para o pedágio, fazer mais um pouco de bloqueio.

— É, pense só no quanto estão perdendo em dinheiro de pedágio, Smoky Bear! — comentou um motorista com uma risadinha.

— Não tinha notado a placa. Por que diabos eles vieram dirigindo um caminhão de cimento desde Montana? — perguntou Coots. Aqueles sujeitos simplesmente não se encaixavam.

— Talvez eles comprem barato — conjeturou o policial, terminando seu café.

— Não recebi nenhuma notificação sobre roubo de caminhão de cimento. Droga, nem de que alguém já tenha roubado um desses!

— Não que eu tenha ouvido... puxa! — disse Coots. A imagem no era da explosão de uma das bombas inteligentes. — Pelo menos isso não pode doer muito.

— Ao menos isso — disse o policial ao se levantar para sair.

Ele entrou em seu carro de patrulha Chevy e seguiu para a rodovia; mas então decidiu dar uma espiada no caminhão de cimento. Talvez fosse bom checar a placa, pensou talvez ele fosse mesmo roubado. Então sentiu o cheiro, também, e para o policial, não era diesel... amônia...? Era um cheiro que ele sempre associava a sorvete, por ter trabalhado durante um verão numa fábrica... e também ao cheiro do propelente usado por sua unidade de divisão blindada da Guarda Nacional. Ficou curioso e voltou até o restaurante.

— Desculpem-me, cavalheiros, mas é de vocês o caminhão no fundo estacionamento?

— Sim, por quê? — perguntou Brown. — Fizemos algo errado? Foram suas mãos que o traíram. O policial viu-as tremer. Definitivamente alguma coisa estava errada.

— Os senhores poderiam vir comigo, por favor?

— Espere um minuto, qual é o problema?

— Não há problema nenhum. Só quero saber que cheiro é aquele. Ok?

— Nós vamos mandar examinar o motor.

— Vocês terão de examinar agora mesmo, cavalheiro! — Ele gesticulou — favor?

O policial acompanhou-os até o estacionamento, entrou no seu carro foi dirigindo enquanto eles caminhavam até o caminhão. Entre tanto ele gesticulavam enquanto andavam. Definitivamente, alguma coisa não estava certa. Seus companheiros de patrulha estavam terrivelmente ocupados no momento. Por instinto, chamou outro carro patrulha, e mandou a chefatura verificar a placa. Feito isso, saiu e olhou novamente o caminhão.

— Podem virar o caminhão?

— Claro.

Brown entrou na boleia e ligou o motor, que era bem barulhento.

— Que está acontecendo aqui? — perguntou o policial a Holbrook — seus documentos, por favor?

— Ei, não estou entendendo qual é o problema.

— Não há problema nenhum, senhor. Mas quero ver seus documentos.

Pete Holbrook tirou sua carteira enquanto outro carro de polícia chegava.

viu também, baixou os olhos para ver a carteira de Holbrook em sua mão, e a mão na coronha do revólver. Era apenas a postura usual dos tiras, mas Brown não estava gostando daquilo. Nenhum dos dois montanheses estava com uma arma à mão. Deixaram suas armas no quarto, mas não haviam achado por bem levá-las para o café. O policial pegou a habilitação de Pete e caminhou de volta até seu carro, levantou o microfone...

— A placa está limpa, não há nada no computador — disse-lhe a moça da chefatura.

— Obrigado.

O policial jogou o microfone para dentro do carro e caminhou de volta até Peter Holbrook, olhando para a carteira, girando-a em sua mão.

 

Brown viu outro carro de polícia chegando.

O policial rodoviário estava olhando para a carteira de Holbrook quando, surpreso, levantou a cabeça. O caminhão estava andando. Ele gritou para que o homem parasse. O segundo carro moveu-se para bloquear o caminhão de cimento, que então parou. Agora era certo. Alguma coisa estava errada.

— Fora! — gritou o policial, agora com o revólver na mão.

O segundo policial deteve Holbrook, sem fazer a menor ideia do que estava acontecendo. Brown desceu do carro e sentiu segurarem seu colarinho e o empurrarem contra o caminhão.

— Qual é o problema com vocês? — inquiriu o tira.

Levaria horas para descobrir, após um exame muito interessante na parada de caminhões.

 

Ele não podia fazer nada além de gritar e, por mais incomum que fosse, foi exatamente o que fez. O vídeo era inegável. A televisão global possuía uma grande respeitabilidade, e ele não podia impedir a veiculação daquelas imagens.

Os abastados em seu país possuíam antenas parabólicas, e muitos outros também, incluindo pequenos grupos de vizinhos. O que ele podia fazer agora?

Ordenar que desligassem os televisores?

— Por que eles não estão atacando? — inquiriu Daryaei.

— O comandante do Exército e todos os comandantes de corporações estão fora do ar, temos contato apenas com duas de nossas divisões. Uma brigada reportou que está rumando para o norte, perseguida por forças inimigas.

— E...?

— E nossas forças foram derrotadas — admitiu o chefe de informação.

— Mas como?

— Isso importa?

 

Eles seguiam para o norte. Búfalo seguia para o sul. O 3º Corpo da URI não sabia o que os aguardava à frente. A descoberta aconteceu no meio da tarde. O 1º Esquadrão de Masterman tinha até então eliminado cerca de cem caminhões — entre eles, caminhões-tanques — a mais que os outros dois batalhões. A única pergunta agora era o quanto o inimigo resistiria. Graças à cobertura aérea, ele sabia exatamente para onde estava do a tropa inimiga, com que força e concentração, e em que direção. Era muito mais fácil do que na última vez que ele estivera em ação.

A Tropa A estava na frente, com a B e a C a três quilômetros atrás, e a companhia de tanques na retaguarda. Por maior que fosse a desvantagem das forças da URI, ele decidiram não usar ainda sua própria artilharia. Não havia sentido em avisá-los que havia tanques por perto. Com o contato a menos de dez minutos de distância, ele mudou a Tropa A para a direita. Ao contrário da primeira — e única — batalha de sua carreira, Duke Masterman não vira realmente essa de perto. Ele a ouvira por rádio.

A Tropa A chegou ao alcance extremo com tubos de canhão e mísseis TOW, e derrubou a primeira fileira de veículos. O comandante de tropa estimou que os inimigos tinham pelo menos força de batalhão, enquanto enfrentava sua frente esquerda, aproximando-se obliquamente na manobra de abertura planejada. Esta divisão da URI, iraquiana em origem, recuou na outra direção, sem realmente perceber que estava sendo tocada como gado na direção de mais duas tropas de divisão blindada.

— Aqui é GUIDOM-SEIS. Atacar pela esquerda, repito, atacar pela esquerda — ordenou Masterman de seu carro de ataque de comando.

As tropas B e C viraram-se para leste, correram cerca de três quilômetros, e então recuaram. Aproximadamente ao mesmo tempo, Masterman deixou sua artilharia disparar contra o segundo escalão inimigo. Não havia agora nenhum elemento surpresa para perder, e era hora de machucar o inimigo de todas as formas possíveis. Em mais alguns minutos, ficou claro que ele estava enfrentando pelo menos uma brigada com o 1º Esquadrão da Búfalo, mas os números não importavam mais agora do que haviam importado durante a noite.

Pela última vez, descortinou-se um horror mecânico. Os lampejos dos canhões eram menos brilhantes à luz do dia, e os tanques avançavam atravessando as nuvens de areia levantadas por seus próprios tiros. Conforme o planejado, a força inimiga recuou novamente devido aos efeitos devastadores das tropas B e C, e virou, na esperança de encontrar uma lacuna entre a primeira força de ataque e a segunda. O que encontraram foram 14 M1A2 da companhia de tanques do esquadrão, distanciados entre si por meros duzentos metros. Como antes, primeiro foram destruídos os tanques, e em seguida os transportes das tropas mecanizadas, enquanto GUIDOM avançava pela formação inimiga. Então eles pararam. Os veículos que ainda não haviam entrado em combate pararam. As tripulações saltaram dos tanques e se afastaram correndo deles. Masterman ouviu pelo rádio que o mesmo estava acontecendo a oeste da linha. Surpreendidos, fugindo, sua saída bloqueada, os soldados que haviam tido sorte bastante para ver em tempo o que vinha atrás deles, decidiram que a resistência decerto seria fatal, e a Terceira (e última) Batalha da Cidade Militar Rei Khalid acabou cerca de trinta minutos depois de haver começado.

Não foi tão fácil assim para os invasores. As forças da Arábia Saudita, finalmente em contato pesado, travaram uma batalha árdua, abrindo seu caminho através de outra brigada, esta iraniana. Porém, ao pôr do sol, todas as seis divisões da URI que haviam entrado em seu país tinham sido destruídas.

 

As subunidades com ainda algum ardor para a luta receberam de seus superiores ordem de rendição, antes que os inimigos nos três lados pudessem impor uma decisão mais final.

Como antes, a maior dor de cabeça administrativa foram os prisioneiros, principalmente com a confusão adicional causada pelo anoitecer. Esse problema duraria pelo menos um dia, reportaram os comandantes. Felizmente, na maioria dos casos, os soldados da URI dispunham de sua própria água e ração. Eles foram afastados de seus equipamentos e colocados sob guarda, mas distantes de casa como estavam, havia pouco risco de que eles resolvessem fugir pelo deserto a pé.

 

Clark e Chavez deixaram a embaixada russa uma hora depois do pôr do sol. No porta-malas de seu carro havia uma maleta grande, cujo conteúdo não pareceria perigoso a ninguém, e era, de fato, quase todo coerente com seu disfarce de jornalistas. A missão, eles decidiram, era ligeiramente louca, e embora isso incomodasse um pouco o membro mais graduado da equipe, Ding a estava achando muito interessante. A premissa, contudo, parecera um pouco incrível, e teve de ser verificada. O passeio até o beco atrás da lanchonete não teve surpresas. O perímetro de segurança em torno da casa de Daryaei acabava um pouco antes de seu destino. A lanchonete estava fechada, o que, com as condições de blecaute impostas numa cidade meio em guerra, meio em paz — as luzes das ruas estavam apagadas, as cortinas fechadas, mas os carros podiam andar com os faróis acesos, e a eletricidade doméstica estava definitivamente em funcionamento. Isso funcionava em seu benefício. A porta foi arrombada facilmente no beco mal iluminado. Chavez empurrou a porta e olhou o interior.

Clark seguiu-o, puxando a mala. Os dois homens entraram, fechando a porta atrás de si. Já estavam no segundo andar quando escutaram ruídos.

Aparentemente, uma família vivia ali. Acabaram encontrando um marido e sua esposa, ambos na casa dos cinquenta. Eram os proprietários da lanchonete e estavam assistindo à televisão. Se a missão tivesse sido planejada contento, teriam constatado isso antes. Mas agora não tinha jeito.

— Olá — disse Clark em tom calmo. — Por favor, fiquem em silêncio.

— O quê...

— Não vamos machucar vocês — disse John, enquanto Ding olhava em volta procurando... sim, fios elétricos serviriam bem. — Por favor, deitem no chão.

— Quem...

— Soltaremos vocês quando sairmos — prosseguiu Clark em farsi literal. — Mas se resistirem, teremos de machucá-los.

Eles estavam aterrorizados demais para resistir aos dois homens que pareciam ladrões em sua casa. Clark usou os fios elétricos para amarrar seus braços, e em seguida os tornozelos. Chavez deitou-os de lado, dando primeiro um pouco de água à mulher antes de amordaçá-la.

— Certifique-se de que podem respirar — disse Clark, agora em inglês.

Ele verificou todos os nós, satisfeito em ver que lembrava das habilidades aprendidas na Marinha há mais de trinta anos. Satisfeitos, subiram para o andar de cima.

A parte realmente dois era o estabelecimento de comunicações. Chavez abriu a mala começou a tirar as coisas. O telhado do prédio era achatado e concedia uma linha clara de visão para outro prédio a três quarteirões de distância. Por esse motivo, eles tinham de locá-la baixo. Antes de mais nada, Ding instalou a miniparabólica. O tripé da antena a pesado, com pés pontudos para prender no telhado. Em seguida teve de virá-la, para obter o chiado do sinal-guia para o satélite apropriado. Feito isso, torceu a presilha para prender a parabólica no lugar. Em seguida, a câmera. Ela também tinha um tripé. Chavez abriu-o, enrascou a câmera em seu lugar e a apontou para o centro dos três prédios que eram de seu interesse. Então o cabo da câmera entrou na caixa geradora transmissora, que eles deixaram na mala aberta.

— Está rodando, John.

A parte estranha era que eles tinham uma ligação terra-satélite, mas não satélite-terra. Eles podiam baixar sinais, mas não dispunham de um canal separado de áudio que pudessem usar. Para isso, precisariam de equipamento adicional, que não tinham.

 

— Aí está — reportou Robby Jackson do Centro de Comando Militar Nacional.

— É esse aí — confirmou Mary Pat Foley, olhando para a mesma foto.

Foley discou um número de telefone para a embaixada americana em Moscou. A ligação foi retransmitida para o Ministério das Relações Exteriores russo, e dali para a embaixada russa em Teerã, e dali para o telefone digital na mão de John.

— Está me ouvindo, Ivan? — perguntou Foley em russo. — E Foleyeva.

Levou um longo segundo para chegar a resposta.

— Ah, Maria, como é bom ouvir sua voz.

Graças a Deus pela companhia telefônica, pensou John, deixando escapar um suspiro longo. Até a daqui.

— Estou com a sua foto na minha mesa — disse ela em seguida. —— Eu era muito mais jovem na época.

 

— Ele está na posição e tudo está bem — disse o diretor do FBI.

 

— Certo. — Jackson levantou outro telefone. — Em andamento. Repito, em andamento. Responda.

— Operação CABINE em andamento — confirmou Diggs de Riad.

 

O Sistema de Defesa Aérea iraniano estava tão tenso quanto poderia.

Embora nenhum ataque tivesse sido desferido ao seu território, os operadores de radar estavam observando atentamente os acontecimentos. Eles tinham visto vários aviões de patrulha sobre as costas da Arábia Saudita e de Catar, principalmente voando em paralelo, nem mesmo adentrando a linha neutra.

 

Bandido DOIS-CINCO-UM e bandido DOIS-CINCO-DOIS completaram o reabastecimento de seus tanques com segundos de diferença. Não era sempre que os caças Stealth operavam em uníssono. Na verdade, eles eram projetados para operar completamente isolados. Mas não desta vez. Ambos separaram-se dos KC-10 e viraram para o norte, para um voo de cerca de uma hora, afastados verticalmente por cerca de trezentos metros. As tripulações dos tanques permaneciam a postos e empregaram o tempo para reabastecer e patrulhar a costa saudita, atividades rotineiras para operações noturnas. A oitenta quilômetros dali, um AWACS acompanhava tudo... ou quase tudo. O E-3B também não podia detectar um F-117.

 

— Nós continuamos nos encontrando deste jeito — disse o presidente à sua maquiadora, com bom humor forçado.

— O senhor parece cansado — disse-lhe Mary Abbot.

— Estou realmente cansado — admitiu Ryan.

— Suas mãos estão tremendo.

— Falta de sono.

Isso era uma mentira.

 

Callie Weston estava datilografando alterações para o discurso diretamente na memória eletrônica do teleprompter. Nem mesmo os técnicos de TV tinham recebido permissão para ver o conteúdo desse discurso e, de certo modo, Callie estava surpresa por ela ter tido. Ela terminou e correu os olhos pelo texto inteiro, procurando erros de datilografia, que, conforme aprendera com o passar dos anos, podiam ser muito desconcertantes para os presidentes falando ao vivo na TV.

 

Clark viu que alguns guardas do lado de fora estavam fumando. Disciplina ruim, mas talvez isso ajudasse a mantê-los acordados.

— John, você já pensou que este trabalho talvez seja um pouco empolgante demais?

— Quer dar uma mijada? — Era a reação usual, até para eles.

— Quero.

— Eu também. — Era algo que nunca se fazia nos filmes de James Bond. — Hum. Eu não sabia disso. — Clark pressionou o fone auricular, ouvindo alguém com voz normal, em vez de um apresentador famoso, dizendo que o presidente só estaria pronto em dois minutos. Talvez algum diretor de emissora, pensou ele. Com isso, os dois últimos objetos foram tirados da mala.

 

— Companheiros americanos, estou aqui para fazer um relatório atualizado da situação no Oriente Médio — disse o presidente sem preâmbulos.

Aproximadamente há quatro horas, a resistência organizada cessou entre as forças da União Republicana do Islã, que invadiram o Reino da Arábia Saudita.

Forças sauditas, kuwaitianas e americanas, trabalhando juntas, destruíram seis divisões numa batalha feroz que se estendeu por um dia e uma noite.

Agora posso dizer a vocês que nosso país enviou dois regimentos blindados, o 10º e o 11º, mais a Primeira Brigada da Guarda Nacional da Carolina do Norte, e a 366ª Esquadrilha da Base da Força Aérea Mountain Home, em Idaho. Uma grande batalha foi travada ao sul da Cidade Militar Rei Khalid. Vocês já viram alguns dos detalhes na TV. As unidades finais da URI tentaram fugir do campo de batalha para o norte, mas foram interceptadas e, depois de um breve conflito, começaram a se render. O combate em terra na área está, por enquanto, concluído.

Eu disse por enquanto porque esta guerra é diferente da maioria que travamos nos últimos cinquenta anos. Nossos cidadãos sofreram um ataque direto, em nosso solo. Foi um ataque desferido deliberadamente contra civis.

Foi um ataque realizado com uma arma de destruição em massa. As violações à lei internacional são muitas para enumerar — prosseguiu o presidente. — Mas seria errado dizer que este ataque foi realizado por pessoas da União Republicana do Islã contra os Estados Unidos da América.

Pessoas não fazem guerra. A decisão de começar uma guerra costuma ser realizada por um único homem. Eles costumam ser reis, príncipes ou chefes bárbaros, mas através da História, geralmente é um único homem quem decide, e jamais a decisão de começar uma agressão internacional é resultante de um processo democrático.

Nós americanos não temos nada contra as pessoas dos antigos Irã e Iraque.

Sua religião pode ser diferente da nossa, mas somos um país que protege a liberdade de religião. Suas linguagens podem ser diferentes, mas a América recebe pessoas de muitas linguagens. Se a América provou alguma coisa ao mundo, foi que todos os homens são iguais, e que, recebendo a mesma liberdade e as mesmas oportunidades, todos irão prosperar até o limite de suas capacidades.

Nas últimas 24 horas, matamos pelo menos dez mil soldados da URI.

Provavelmente muitos mais. Não sabemos agora e provavelmente jamais saberemos o número total de mortes do inimigo, e precisamos nos lembrar que eles não escolheram seus destinos. Esses destinos foram escolhidos para eles por outros; na verdade, por uma única pessoa.

Ryan bateu as mãos teatralmente. Para todos que assistiam, aquele pareceu um gesto muito forçado.

 

— E lá vai — disse Chavez, seu rosto colado no pequeno visor da câmera, que agora estava mostrando a recepção do satélite orbital. — Comece a música.

Clark ligou o transmissor laser, com cuidado para ter certeza de que estava no modo de infravermelho invisível. Uma checagem através do visor colocou o ponto na cornija — ou parapeito, ele não conseguia lembrar a diferença — do prédio. De qualquer modo, havia um guarda parado lá, seu pé na estrutura.

 

Diggs em Riad: — Checagem final.

— Bandido Dois-Cinco-Um — ouviu em resposta...

— Dois-Cinco-Dois.

 

— Através da história, reis e príncipes fizeram guerra segundo seus caprichos, mandando pessoas para a morte. Para os reis, as pessoas eram apenas plebeus, e as guerras apenas distrações para os ricos e poderosos, um tipo de entretenimento. E se pessoas morriam, ninguém se importava. E quando tudo estava terminado, na maioria dos casos, os reis ainda eram reis, tivessem vencido ou perdido, porque estavam acima de tudo aquilo. Até este século, considerava-se que um chefe de Estado tinha o direito de fazer guerra. Em Nuremberg, depois da Segunda Guerra Mundial, nós mudamos essa regra julgando e executando alguns dos responsáveis. Mas chegar até esse ponto, prender os criminosos, como aconteceu, custou as vidas de vinte milhões de russos, seis milhões de judeus, um número tão imenso de vidas que nem os historiadores sabem ao certo...

Ryan levantou os olhos para ver Andréa Price gesticulando para ele. Ela não sorriu. Não era motivo para sorriso. Mas ela tinha de fazer o sinal.

 

O laser em terra era apenas uma medida de segurança. Eles poderiam fazer sem ele, mas escolher exatamente a casa certa na cidade teria sido difícil, e eles queriam limitar os danos colaterais. Desta forma, uma aeronave também podia liberar suas armas de uma altitude mais elevada. Cálculos balísticos simples garantiam um bombardeamento no raio de até algumas centenas de metros, e os sistemas óticos mais recentes na direção do alvo. Precisamente na hora, as duas aeronaves BANDIDO (BANDIDO era o sinal semioficial para os pilotos dos Black Jets) abriram suas comportas de bombas. Cada aeronave carregava uma única bomba de duzentos quilos, a menor que poderia ser usada no sistema de bombardeamento guiado PAVEWAY. Elas ficaram pendendo de um trapézio enquanto as cabeças de busca procuravam um sinal modulado de laser. Ambas captaram o ponto laser, e informaram isso aos pilotos, que as liberaram. Então os dois pilotos disseram algo inédito para uma missão Stealth.

— BANDIDO-DOIS-CINCO-UM, bomba liberada!

— DOIS-CINCO-DOIS, bomba liberada!

 

— Boa ou má, cada ideia na história da humanidade começou na mente de um único homem, e guerras começam porque uma mente considera lucrativo matar e roubar. Desta vez, começou para nós de uma forma particularmente cruel. Desta vez, sabemos com certeza quem fez isso... e mais.

 

No mundo inteiro, em cada país com uma antena parabólica e TV a cabo, em mais de um bilhão de lares, a imagem mudou do Salão Oval na Casa Branca para um prédio de três andares numa rua urbana. A maioria dos espectadores achou que aquilo tinha sido uma falha louca, alguma cena de filme que entrara inadvertidamente, uma conexão ruim...

 

Mesmo antes do presidente prosseguir, algumas pessoas perceberam que aquilo mo era alguma espécie de falha. Daryaei também assistia ao discurso do presidente, tanto por curiosidade pura quanto para obter vantagem política. Que tipo de homem era realmente esse Ryan?, perguntara-se por tanto tempo o aiatolá. Ele descobriu tarde demais.

 

É aqui onde vive Mahmoud Haji Daryaei, o homem que atacou nosso país com una doença, o homem que atacou minha filhinha, o homem que tentou me atacar, o homem que enviou seu exército numa missão de conquista que se tornou uma missão de morte. Esse é um homem que infringiu as leis de sua religião, dos homens e das nações. Agora, Sr. Daryaei, aqui está a resposta dos Estados Unidos da América.

 

A voz do presidente parou e, um ou dois segundos depois, todas as traduções ao redor do mundo, o som substituído apenas por silêncio, enquanto olhos observavam uma imagem em preto e branco de um prédio absolutamente comum... e mesmo assim todos sabiam que alguma coisa extraordinária estava para acontecer. Aqueles que estavam olhando muito de perto viram uma luz acender numa janela e a porta da frente abrir, mas ninguém jamais saberia a identidade da pessoa que talvez estivesse tentando sair, porque as duas bombas caíram no alvo, atingindo o teto do prédio, explodindo um centésimo de segundo depois.

 

O estrondo foi terrível. A onda de pressão que se seguiu foi pior ainda. Os dois homens assistiram a tudo, ignorando o perigo. Os ecos foram pontuados pelo barulho de vidro quebrando pela vizinhança num raio de oitocentos metros.

— Você está bem? — perguntou Ding.

— Sim. É hora de picar a mula, parceiro.

— Estou com você, Sr. C.

Eles desceram até o andar do quarto de dormir o mais rápido que puderam.

Chavez fez um talho em cada corda com um canivete. Ele calculou que eles levariam cerca de cinco minutos para se libertar. Usaram os becos para sair da área, mantendo distância dos veículos de emergência, que corriam até os três edifícios com as sirenes ligadas. Meia hora depois, estavam de volta na segurança da embaixada russa. Vodca foi oferecida. Vodca foi bebida. Chavez nunca tremera tanto na vida. Clark sim. A vodca ajudou.

 

— Para o povo da União Republicana do Islã, os Estados Unidos da América tem a seguinte mensagem: Primeiro, sabemos a localização exata da fabrica de produção de germes.

Requisitamos e recebemos ajuda da Federação Russa. Eles são neutros em nossa disputa, mas detêm conhecimento sobre esse tipo de arma. Uma equipe de especialistas está agora a caminho de Teerã. Eles irão pousar e vocês os levarão imediatamente até a fabrica para supervisionar sua neutralização. Serão acompanhados de jornalistas para uma verificação independente dos fatos. Caso isto não aconteça, daqui a 12 horas, contando a partir de agora, destruiremos o local com uma bomba nuclear de potência mínima, a ser liberada por um avião Stealth. Não cometam o erro de acreditar que isto é um blefe. Os Estados Unidos da América não tolerarão a existência daquela fabrica e de suas armas inumanas. O período de 12 horas começa agora.

Em segundo lugar, seus prisioneiros serão tratados à risca segundo as convenções internacionais, e também segundo as leis rígidas e admiráveis de hospitalidade que fazem parte da sua fé islâmica. Seus prisioneiros serão devolvidos assim que tiverem enviado para os Estados Unidos os corpos vivos de cada pessoa que tenha desempenhado um papel na preparação e no emprego das armas biológicas contra o nosso país, e também daqueles por trás do ataque contra a minha filha. Este pedido é inquestionável.

Em terceiro lugar, nós daremos ao seu país uma semana para cumprir esta exigência. Se não o fizerem, então a América irá declarar guerra ilimitada contra a sua nação.

Vocês já viram do que somos capazes, já viram o que fizemos. Posso assegurar-lhes que, se for preciso, poderemos fazer muito mais. A escolha é de vocês. Reflitam bem.

Por último, direi isso a todas as nações que possam nos querer mal, os Estados Unidos da América não tolerarão ataques ao nosso país, às nossas possessões, ou aos nossos cidadãos. A partir de hoje, quem quer que execute ou ordene um ataque dessa natureza — não importa quem seja, não importa onde se esconda, não importa quanto tempo leve — sentirá nossa fúria. Fiz um juramento perante Deus de executar meus deveres como presidente. Farei isso. Aqueles que desejarem nossa amizade não encontrarão amigo mais sincero do que eu.

Aqueles que quiserem ser nossos inimigos verão que sabemos reagir à altura.

Companheiros americanos, foram momentos muitos difíceis, para nós, para alguns de nossos aliados, e também para os nossos inimigos. Nós derrotamos a agressão, — unimos a pessoa mais culpada pelas mortes cruéis em nossa terra, e ainda ajustaremos nossas contas com aqueles que seguiram suas ordens. Mas, para os outros, deixem-me recordar as palavras do presidente Abraham Lincoln: Com malícia para com ninguém, com caridade para com todos, com confiança no direito que nos foi concedido por Deus de ver o certo, deixe-nos lutar para terminar o trabalho que começamos, para curar as feridas da nação... para fazer tudo que pudermos fim de alcançar e desfrutar uma paz justa e perene entre nós mesmos e com todas as ações.

Obrigado a vocês. Tenham um bom dia.


EPÍLOGO

 


Sala de Imprensa

 

— ... e, finalmente, estou submetendo ao Senado o nome do Dr. Pierre Alexandre para preencher o posto de diretor nacional de Saúde. O Dr. Alexandre, depois de uma carreira distinta no corpo médico do Exército dos Estados Unidos, ingressou na Faculdade de Medicina da Johns Hopkins como professor associado na área de doenças infecciosas. Ele foi muito prestativo durante a epidemia de Ebola. O Dr. Alexandre é um clínico e pesquisador brilhante, que irá iniciar e supervisionar diversos programas novos, entre eles pesquisa básica em doenças infecciosas raras. Ele também dirigirá uma nova comissão de supervisão da pesquisa da AIDS. Sua missão não será burocrática — garantiu o presidente dos Estados Unidos da América. — Já tivemos muita disso. A ideia é estabelecer um novo sistema segundo o qual os médicos e outros cientistas de pesquisa possam intercambiar dados com mais facilidade. É minha esperança que o Senado confirme rapidamente a minha indicação. Isso conclui meu discurso de abertura.

Jack apontou para uma jornalista.

— Sim, Helen?

— Presidente, os seus comentários sobre a China.

— Pensei que tinha sido bem claro. Tivemos discussões privadas com a República da China e concluímos que a restauração de relações diplomáticas plenas virá ao encontro dos interesses de nossos países. Não faz parte da política dos Estados Unidos desencorajar países com governos eleitos democraticamente. A República da China é um desses países, e merece nosso total respeito e reconhecimento.

— Mas o que a China continental pensará disso?

— O que eles pensarão é problema deles. Somos ambos nações soberanas. E é hora de pararmos de fingir o contrário e que Taiwan também não seja soberana.

— Isso tem alguma relação com o abate do avião de passageiros?

— Esse assunto ainda está sob investigação. Próxima pergunta? — Ryan apontou.

— Presidente, o novo governo provisório do Irã alega estar procurando estabelecer relações diplomáticas plenas com nosso país. Iremos aceitar seu pedido?

— Sim, com toda certeza — replicou Jack. — Se houver maneira melhor de transformar um inimigo em amigo do que mediante discussões abertas e acordos, eu não sei qual é. Eles vêm sendo muito cooperativos, e ainda temos um prédio de embaixada lá, mas acho que teremos de mudar a fechadura da porta da frente.

Gargalhada geral.

— Sim, Tom. A propósito, belo bronzeado. Bem-vindo ao lar.

— Presidente, obrigado. A respeito da destruição do laboratório de germes nas cercanias de Teerã, os únicos jornalistas que entraram lá foram aqueles dois russos que a embaixada deles convocou com esse propósito. Como podemos ter certeza...

— Tom, os especialistas russos que supervisionaram a neutralização da fabrica eram realmente especialistas. Os jornalistas gravaram em vídeo os procedimentos, e eu e meus consultores estamos satisfeitos. Ed?

— Presidente, a troca de prisioneiros está agora concluída. Como responderemos aos pedidos do Irã e do Iraque por crédito?

— Semana que vem, os secretários Adler e Winston voarão para Londres para discutir esse assunto com os representantes dos dois governos.

— Senhor, uma pergunta adicional: isso significará preços preferenciais para petróleo importado, e se significar, por quanto tempo?

— Ed, essas questões estão sendo negociadas, mas suponho que nos oferecerão alguma coisa em troca pela aprovação de crédito que desejam. Os detalhes exatos terão de ser negociados, e teremos dois bons homens para fazer isso por nós.

— E quanto a boas mulheres? — perguntou uma jornalista.

— Temos várias, Denise, incluindo você. E caso não tenha ouvido, a agente especial Andréa Price — o presidente gesticulou na direção da porta à sua direita — aceitou uma proposta de casamento. Contudo, será um casamento misto, porque seu noivo, o inspetor Patrick O’Day, é agente especial do FBI. Desejo a eles meus melhores votos, mesmo se isso significar que eu talvez precise de um novo guarda-costas. Sim, Barry— disse ele, apontando para o jornalista principal da CNN.

— Quanto à grande pergunta que ninguém formulou hoje, presidente...

Ryan levantou a mão.

— Depois de tudo que passamos, há muitas coisas que precisam ser feitas para que governo volte a ser totalmente...

— Senhor, nós não vamos deixá-lo escapar do anzol.

Um sorriso. Um suspiro. Um menear de cabeça. Uma rendição.

— A resposta à sua pergunta, Barry, é sim, eu vou.

— Obrigado, presidente.


Chegou o momento em que, por consentimento mútuo, fazemos uma pausa para meditarmos sobre nossa vida nacional e celebrá-la, para recordar o que nosso país fez por cada um de nós, e para perguntar a nós mesmos o que podemos fazer por nosso país.

 

 

                                                   Tom Clancy         

 

 

 

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