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Crest, o primeiro amigo arcônida de Perry Rhodan, já previra que um dia os terranos, uma raça ambiciosa e arrojada, assumiriam o decadente Império de Árcon, a fim de construir sobre seus destroços o reino estelar da Humanidade.
Essa construção avança a passos largos. Especialistas e colonos terranos mantêm-se leais ao imperador de Árcon e apóiam Atlan, ou melhor, Gonozal VIII, que depois da autodestruição do regente passa por momentos difíceis. Com Isso vão assumindo progressivamente as funções do governo do império.
Seis anos passaram-se depois dos acontecimentos relatados no penúltimo volume da série. Nestes seis anos, passados depois do ataque das sombras, muita coisa aconteceu, inclusive na periferia da Via Láctea...
Novas estações espaciais foram construídas e postadas bem além dos limites de nossa Galáxia. Por muito tempo os vigilantes galácticos não tiveram nenhum acontecimento importante a relatar. Tudo estava tranqüilo, até os primeiros dias de maio de 2.112, quando a calma que reinava entre as galáxias foi rompida, de repente, por gigantescas descargas energéticas, durante as quais a estação espacial terrana BOB XXI foi destruída...
As unidades da Frota Solar ficaram de prontidão, a fim de deter os desconhecidos.
Mas desta vez Os Assassinos do Hiperespaço golpearam num lugar que ninguém esperava...
Vicheline estava satisfeito; se fosse humanóide, teria esfregado as mãos. Como era um trox, magro e transparente que nem uma teia de aranha, exprimia sua alegria por meio de uma cantoria saída logo acima do estômago. Estômago este dividido em cinco partes. Segundo os padrões de sua raça, Vicheline era um nobre, mas um terrano veria nele apenas um ladrão. Os saltadores que viajavam a bordo da Tus II viam nele um precioso elemento de apoio em seus negócios mais ou menos honestos.
Naquele momento o corpo extremamente delicado de Vicheline pendia do teto, que nem um floco de espuma de sabão que o vento tivesse tangido para cima.
— Aí está! — gritou Tusnetze, muito exaltado, e bateu ruidosamente no ombro do filho mais novo com o punho fechado.
O patriarca era velho, mas ainda continuava muito robusto. Nos últimos anos ele e seu clã haviam sido abandonados pela sorte; já não fechavam negócios lucrativos e perdiam uma nave após outra.
A Tus II representava o resto desolador de uma bela esquadrilha formada por doze majestosas naves cilíndricas. A nave era mais velha que o patriarca. Arrastava-se penosamente pelas transições, gemendo e produzindo outros ruídos que faziam com que os homens de Tusnetze transpirassem de medo. Havia três anos que o patriarca perdera a Tus 1. Seu sobrinho mais velho abandonara-o levando a nave e também as mercadorias de valor inestimável, além de Tringar, a filha mais jovem do patriarca.
Tusnetze esbravejara durante três semanas, sofrera um colapso nervoso, surrara a esposa quatro vezes por dia e raspara a barba, prometendo que a deixaria crescer somente depois que a sorte voltasse a bafejar seu clã.
Os mercadores que permaneceram a bordo da Tus II podiam gabar-se de possuir nervos de aço. Além das irrupções de mau humor do patriarca, tinham de suportar o medo de que aquela nave madura para ser transformada em sucata arrebentasse de vez. Por isso não era de admirar que o pequeno grupo que continuava a cercar Tusnetze não recuaria diante de nada para pôr um fim rápido à situação nada dignificante em que se encontravam. Além de Tusnetze, era principalmente Farosto, o mecânico-chefe que instigava seus amigos. Talvez fosse porque sabia avaliar melhor que os outros o estado precário da nave, o que o levava a insistir encarecidamente na necessidade de realizarem um bom negócio. Tusnetze já tinha expulsado Farosto quatro vezes da sala de comando, dizendo que mataria com as próprias mãos qualquer pessoa que procurasse impedi-lo de seguir o ritmo a que estava acostumado.
A única criatura que não ficou exposta aos ataques de Tusnetze foi Vicheline, o trox. Até parecia que, desde que esse ser de aspecto miserável se encontrava a bordo, Tusnetze esperava um milagre. O trox prometera levar os saltadores a um lugar em que poderiam apossar-se de uma nave robotizada desgovernada pertencente ao regente destruído. Qualquer mercador galáctico inclusive Tusnetze, sabia que havia milhares de naves desse tipo espalhadas pela Galáxia, percorrendo rotas desconhecidas em queda livre, e apenas esperavam que surgisse alguém que pudesse apoderar-se das mesmas.
Tusnetze achava que era o homem indicado para isso. Quando Vicheline lhe apresentou seu plano nada complicado, logo o aceitou. Tusnetze encontrara-se com o trox no entreposto comercial de Valord, onde o patriarca, muito embriagado, fora atirado para a rua, vindo parar bem à frente das pernas magras de Vicheline.
— Ajude-me, por favor! — gaguejou Tusnetze.
O trox pesava pouco mais de dez quilos, enquanto o peso de Tusnetze era superior a cento e vinte quilos. Por isso quaisquer esforços que Vicheline resolvesse fazer, a fim de arrastar o saltador para longe da imundície da rua, estariam condenados ao fracasso. Por isso Vicheline ficou agachado ao lado de Tusnetze, desfiando sua cantoria suave e esperando que Tusnetze dissesse alguma coisa além das palavras praticamente incompreensíveis que vinha balbuciando.
Realmente, depois de duas ou três horas, o saltador levantou-se e fez menção de voltar ao bar sobre as pernas titubeantes para, segundo disse, “regar um negócio”. Naqueles instantes, Vicheline fitou Tusnetze com uma expressão tão triste no único olho vermelho, que o patriarca ficou sóbrio e perguntou:
— Afinal, o que é que você está querendo?
O trox, cujo corpo, por falta de coluna vertebral, não tinha a menor firmeza e balançava para baixo e para cima, respondeu:
— Quero sair de Valord, grande homem. Leve-me contigo.
A gargalhada trovejante de Tusnetze fez o trox recuar. Quando se encontrava a uma boa distância, falou na nave robotizada; disse que uma fonte secreta lhe fornecera as coordenadas de vôo.
Tusnetze, que depois de sua tremenda bebedeira se encontrava mais próximo da ruína econômica que nunca, estava pronto a agarrar-se à palha que via à sua frente. Por isso resolvera levar o trox para bordo de sua nave cilíndrica. Ao notar o tratamento gentil que o patriarca dispensava ao estranho visitante, a tripulação ficou espantada. Às vezes o trox ficava sentado no ombro de Tusnetze e, deixando ouvir sua cantoria fina, fazia o olho vermelho vagar numa tristeza infinita sobre as instalações pobres da sala de comando.
Naquele momento, a Tus II vagava pelos setores periféricos do grupo estelar M-13. A busca da nave robotizada acabara de chegar ao fim.
— Ali está! — voltou a gritar Tusnetze.
Na sala de comando reinou um silêncio respeitoso, pois ninguém tinha coragem de acreditar que a época de azar do clã estava chegando ao fim. No entanto, as telas do equipamento de observação espacial — ao menos as que ainda funcionavam — transmitiam a imagem da nave esférica. A nave arcônida percorria o espaço, solitária e abandonada.
— É isso mesmo, Vicheline — disse Tusnetze, com um tom de gratidão na voz. Encontramos a nave robotizada.
O trox interrompeu sua cantoria, desceu lentamente, parou ao lado de Tusnetze e cochichou:
— É sua, grande homem. Basta pegá-la.
Numa atitude compenetrada o patriarca observou Farosto, que nesse momento crítico desempenhava as funções de piloto, aproximando a nave cilíndrica do veículo espacial robotizado.
Então o período de azar acabara de chegar ao fim!
O valor da nave arcônida era inestimável. O produto de sua venda seria suficiente para adquirir duas ou três naves cilíndricas muito bem equipadas. No seu intimo, Tusnetze esperava que seus filhos, filhas e sobrinhos, que haviam fugido nos últimos anos, voltassem arrependidos assim que soubessem dos negócios formidáveis que estava fazendo.
Tusnetze não era nenhum sonhador; era comerciante. Avaliou suas possibilidades e chegou à conclusão de que, antes de vender a nave robotizada, teria de enfrentar alguns problemas. O mais terrível empecilho eram os terranos, que tinham agentes em toda parte e acreditavam serem os herdeiros legítimos das naves do regente.
Mas o patriarca era de opinião que conseguiria contornar as dificuldades, desde que pusesse as mãos na nave esférica. Farosto soltou um suspiro. As conversas que se iniciavam cessaram de repente. O mecânico-chefe, desesperado, coçou a barba espessa, mas nem mesmo Tusnetze teve coragem de interrompê-lo com uma pergunta. De qualquer maneira, a resposta consistiria exclusivamente num bombardeio de insultos provocado pelo estado da Tus II.
Farosto trabalhava com o corpo inclinado. Seus dentes rangiam fortemente e os pés grandes arrastavam-se nervosamente pelo chão.
Seria inconcebível que a Tus II entrasse em pane justamente nesse instante. Tusnetze recusou-se a acreditar que isso pudesse acontecer. Lançou um olhar pensativo para o trox, que balançava para um lado e outro que nem uma palha.
A nave arcônida que se encontrava à sua frente era um cruzador pesado. Pelo que dizia o trox, seu nome era Hat-Lete.
— Será conveniente enviar um barco com um grupo de abordagem — sugeriu Farosto, em voz baixa. — Acho que não podemos arriscar a manobra com os cabos magnéticos.
Um tanto contrariado, Tusnetze ligou o rádio de bordo e entrou em contato com o hangar da Tus II. Voltou a olhar para o mecânico-chefe, que parecia desorientado.
— Sayan, aqui fala o patriarca — disse Tusnetze, falando para dentro do microfone. — Quantos barcos ainda estão em condições de funcionamento?
A voz de Sayan, saída do alto-falante, era quase incompreensível. Um rangido ininterrupto sobrepunha-se a mesma.
— O senhor sabe perfeitamente em que condições saímos de Valord — respondeu Sayan, em tom queixoso.
O alto-falante defeituoso fez com que sua voz parecesse mais triste do que era.
Tusnetze franziu a testa, aborrecido.
Seu rosto ficou vermelho.
— Eu lhe fiz uma pergunta, Sayan — lembrou em tom de ameaça.
O saltador que se encontrava no hangar respondeu com visível desânimo:
— Nenhum dos barcos representa uma tentação de aventurar-se pelo espaço, patriarca.
— Cale-se! — berrou Tusnetze e Vicheline afastou-se, apavorado. — Não estou interessado em excursões. Não estamos aqui por prazer. Existe a possibilidade de reparar um dos barcos da classe dez de forma tal que possa levar cinco homens por um pequeno trecho de espaço livre?
Farosto começou a agitar furiosamente os braços, a fim de levar o patriarca a ter uma concepção mais realista da distância entre a Tus II e a nave robotizada.
— O número três talvez estivesse em condições de resistir a um vôo desse tipo — disse Sayan. hesitante.
O rosto de Tusnetze abriu-se num largo sorriso. O trox estava pendurado sobre a mesa de mapas que nem uma mola. Seu olho vermelho brilhava de nervosismo.
— Está bem — disse o patriarca. — Farosto pegará o número três com mais quatro homens e voará até a Hat-Lete.
Farosto ligou o piloto automático e levantou-se da poltrona de comando. Seus olhos chamejavam.
— Ninguém pode exigir que eu faça uma coisa dessas — protestou. — O barco pode falhar a qualquer momento, e quando isso acontecer estaremos em maus lençóis. Basta o perigo que enfrentamos na Tus II.
Tusnetze fez como se não o tivesse ouvido.
— É claro que um dos quatro homens que irão com o senhor serei eu — anunciou. — Quero ver a presa bem de perto, pois é nossa e representa a chance para um novo começo.
Se Farosto continuasse a recusar-se, seria considerado um covarde e expulso do clã.
— Sempre esperei que quando ficasse velho poderia morrer numa nave cilíndrica, cercado pelos membros de meu clã — disse Farosto, com a voz triste. — Em vez disso, vou terminar meus dias num pequenino barco.
Tusnetze não se mostrou impressionado com a atitude dramática de Farosto. Sabia perfeitamente que este seria o único que poderia levar o barco espacial avariado até o cruzador.
O mecânico-chefe era um piloto sem igual, mas seu pessimismo e medo eram ainda maiores que suas qualidades.
Mas Tusnetze não estava disposto a aceitar que a covardia de um só homem estragasse sua única chance. O patriarca sabia perfeitamente que estava com a corda no pescoço. Se o negócio não desse certo, perderia sua reputação. Felicitou-se por ter travado conhecimento com aquele trox, que nem sequer chegara a exigir qualquer pagamento a título de participação.
Tusnetze sorriu sorrateiro. Aquilo representava uma prova de que realmente fora perseguido pelo azar, e não era nenhum velho incompetente, conforme diziam os membros do clã que o haviam abandonado. Estes não demorariam a voltar para colher sua parte na presa gorda que Tusnetze recolheria num futuro não muito distante.
O patriarca enxotou as lembranças do passado. Preferia pensar somente no futuro.
Tusnetze estava tão absorto na construção de seu castelo de cartas que só vagamente captou as ordens que Farosto transmitia para o hangar. Quando o piloto o segurou pelo braço, sacudindo-o fortemente, voltou à realidade.
— Vamos embora — disse Farosto, em tom amargo. — Quem irá conosco?
— Bechan, Gansor e Vicheline — determinou Tusnetze.
Farosto arregalou os olhos de espanto.
— O trox? — perguntou.
— O senhor conhece outra pessoa que use esse nome? — perguntou Tusnetze, furioso. — Ou será que quer formular mais uma das suas ridículas objeções? Desde o dia em que o trox subiu a bordo, a sorte voltou a bafejar-nos. O senhor não poderá negar que precisaremos de um pouco de sorte para voltar a bordo da Tus II.
— Está bem, patriarca; leve seu mascote — disse Farosto, resignado. — Afinal, pouco importa quem morra conosco.
Tusnetze estalou os dedos, e Vicheline aproximou-se.
— Você irá comigo — disse o patriarca.
O olho vermelho fechou-se, numa expressão confiante, e a voz fina do trox cochichou:
— Não se preocupe, grande homem. Nós conseguiremos.
Quando o equipamento de controle espacial da Frisco registrou pela primeira vez a presença do saltador, o Major Reja Teluf resolveu evitar qualquer derramamento de sangue — se isso fosse possível. Afinal, aquela nave mercante operava sozinha no setor e, ao que parecia, não era um dos tipos mais modernos. Teluf decidiu que transformaria a caça ao mercador galáctico numa espécie de esporte: o inimigo seria acuado, mas não exterminado.
Não havia dúvida de que o destino dos saltadores era a Hat-Lete, uma nave robotizada que já fora descoberta pelos terranos. Teluf imaginava que o patriarca que se encontrava a bordo da nave cilíndrica já estava fazendo os cálculos do lucro que obteria com seu procedimento ilegal.
Sob o ponto de vista da política e do direito galáctico, a nave robotizada pertencia à frota de Atlan, mas Teluf sabia tão bem como qualquer outro que o imperador nunca seria capaz de controlar toda sua herança. Sem o gigantesco cérebro, que se autodestruíra, era impossível ter uma visão de conjunto das extensões infinitas da Galáxia.
A nave Frisco era um cruzador ligeiro da classe Cidade. Só se distinguia dos cruzadores ligeiros da classe Estado por causa do sistema de propulsão linear e do armamento mais potente.
Protegido pela área de libração, a nave terrana conseguiu aproximar-se dos saltadores sem que estes a percebessem, ainda mais que os tripulantes da Tus II concentravam todas as suas atenções exclusivamente sobre a nave robotizada.
Teluf sabia colocar-se no lugar do patriarca dos saltadores, O mercador seria de opinião que estava agindo no exercício de um direito legítimo, pois, para ele, a Hat-Lete representava o resto de um naufrágio cósmico. Na mentalidade dos saltadores a concepção de negócio tornara-se bastante elástica, abrangendo atos nada recomendáveis, como o roubo, o contrabando, o assalto e a corrupção. Para os saltadores qualquer coisa que poderia produzir um lucro era um negócio.
Reja Teluf era um homem tolerante, isso por causa de uma tendência natural e de um curso especializado que concluíra na Academia Espacial de Terrânia. Durante os estudos Teluf fora familiarizado com os costumes de outras raças, e seus mestres esforçaram-se para fazê-lo compreender a mentalidade dos seres extraterranos. Teluf recebera seus ensinamentos de especialistas de primeira categoria, e fora aprovado com distinção nos exames finais de Psicologia Cósmica.
O Major Reja Teluf era um homem de estatura mediana, de cabelos escuros e olhos alegres.
— O comando de abordagem acaba de sair da nave — informou Toss Gallahad, imediato da Frisco.
— O que vamos fazer, sir?
O pequeno barco espacial era reproduzido nas telas sob a forma de pequenina mancha luminosa.
Os ponteiros dos medidores de massa tremeram. Teluf levantou a mão.
— Vamos esperar mais um pouco, Toss ordenou.
Gallahad era um homem extremamente nervoso. Sempre mantinha o olho direito semicerrado, como se fosse míope de uma vista. Mantinha escondida em seu camarote uma garrafa de vinho, e supunha que os outros tripulantes da nave ignorassem o fato. Mas, sempre que aparecia na sala de comando com o rosto corado, todos sabiam que Gallahad acabara de tomar um gole. O major também sabia, mas era bastante generoso para não fazer caso, pois o imediato era um homem experimentado no seu setor e cuidadoso na execução das suas tarefas.
A distância entre a Frisco e a nave cilíndrica diminuía rapidamente, pois os saltadores haviam adaptado a velocidade de sua nave à do veículo espacial robotizado.
— Atenção, setor de artilharia — gritou Teluf para dentro do microfone. — Preparar as peças de proa. Assim que emergirmos do semi-espaço, abriremos fogo contra a nave mercante. Brightman, tome todas as providências para que o veículo dos saltadores não sofra avarias muito graves. Queremos dar-lhes uma chance de fugirem.
— Está bem, sir — respondeu o Tenente Brightman pelo rádio de bordo. — Não se preocupe.
Um sorriso débil esboçou-se no rosto de Teluf.
— OK. Toss, leve nosso barco para o Universo einsteiniano e desacelere para R-zero.
Gallahad assumiu os controles-mestres do cruzador ligeiro. Era apenas uma questão de tempo, os saltadores seriam tangidos de volta para o lugar de onde haviam vindo. O imediato fez um sinal para o comandante e pôs as mãos nos controles. Dali a três segundos, a Frisco saiu da zona de libração. O ruído dos gigantescos conversores cessou.
Vicheline estava encolhido atrás do assento apertado de Tusnetze. Vez por outra lançava um olhar assustado por cima do ombro largo do saltador. Farosto dirigia o pequeno veículo com as mãos firmes, praguejando ininterruptamente. Bechan estava sentado junto aos controles; era duvidoso que os mesmos ainda estivessem funcionando. Gansor era o único que não fazia nada; apenas movimentava nervosamente os dedos. Estava com medo. A idéia do perigo, em que se encontrava, mantinha sua mente ocupada, embora não o quisesse confessar a si mesmo. Afinal, eram apenas as paredes de alguns centímetros de espessura que os separavam do vácuo.
— Estamos avançando bem? — perguntou Tusnetze, em tom impaciente.
— Posso forçar este esquife voador — sugeriu o mecânico-chefe, irônico. — Assim encurtaremos nossa expectativa de vida.
Tusnetze achou preferível não irritar Farosto numa hora como aquela. Afinal, este esforçava-se ao máximo.
— Tenho uma sensação nada agradável — confessou Gansor.
— Engula-a — ordenou o patriarca, em tom nada gentil.
Virou-se para o trox, que irrompera numa cantoria monótona.
— Fique quieto, Vicheline.
Os braços delicados de Vicheline enlaçaram o pescoço de Tusnetze. O olho, que era muito grande em comparação com o resto do corpo, parecia brilhar como um objeto carregado de eletricidade. Tusnetze resmungou, e o trox prosseguiu com sua cantoria.
Um solavanco sacudiu o barco. Farosto gritou uma advertência.
— Suprimento energético irregular — anunciou. — Tomara que as coisas não piorem.
Tusnetze empalideceu. Lançou um olhar aflito para o homem que pilotava o barco. Uma sensação estranha revirou seu estômago e fez com que indagasse a si mesmo se não estavam arriscando demais. Poderia dar ordem para regressarem à nave, mas seu orgulho não permitia que tomasse uma atitude dessas.
Outro solavanco sacudiu o barco. Os lábios de Gansor transformaram-se em dois traços pálidos, em meio a um rosto vermelho de excitação. Bechan ficava de olho nos controles, como se nada tivesse acontecido.
— O que podemos fazer? — perguntou Tusnetze.
— Nada — respondeu Farosto. — Vamos continuar.
O patriarca começou a desconfiar de que havia muitas pedras no caminho que o conduziria para a riqueza. Soltou os braços de Vicheline, que continuavam a enlaçar seu pescoço, e inclinou-se em direção ao mecânico.
— Acho que conseguiremos — disse em tom confiante.
Farosto não respondeu. Dali a alguns minutos, o barco encostou a uma das eclusas da Hat-Lete.
O zumbido dos propulsores cessou e Farosto levantou-se.
— Chegamos — disse. — Quem dera que já estivéssemos de novo a bordo da Tus II.
Tusnetze resolveu que na primeira oportunidade contrataria outro mecânico-chefe; escolheria uma pessoa menos pessimista. Quando tivesse dinheiro.., O patriarca sacudiu a cabeça, aborrecido. Por enquanto não havia ganho a jogada.
— Como faremos para entrar na nave? — perguntou, dirigindo-se a Farosto.
— Quem sabe se a eclusa do hangar não está aberta? — disse Bechan. — Afinal, é um cruzador pesado que deve dispor de veículos auxiliares.
Farosto fitou-os um após o outro; depois lançou um olhar para o traje espacial preso ao suporte que ficava atrás do assento do piloto.
— Não! — disseram Gansor e Bechan a uma voz.
— Eu os trouxe até aqui — disse Farosto, em tom sarcástico. — O resto é com vocês. Alguém terá que vestir o traje espacial e procurar entrar na nave robotizada. Uma vez lá dentro, poderá abrir uma eclusa.
Tusnetze pigarreou.
— Sempre pensei que os controles de uma nave arcônida fossem positrônicos e inteiramente automatizados. Como é que um homem poderá abrir uma eclusa?
— Existem controles manuais para todas as operações de uma nave arcônida — disse Farosto. — Sugiro que Bechan entre na nave. Afinal, é ele quem tem maior experiência em espaçonaves.
— O elogio me deixa muito feliz, Farosto — respondeu Bechan em tom áspero.
Ficaram calados. O único ruído que se ouvia era o “canto” de Vicheline. Depois de alguns segundos Bechan, sem dizer uma palavra, retirou o traje espacial do suporte. Gansor soltou um suspiro de alívio. Tusnetze não sabia se era a coragem que inspirava o ato de Bechan. Talvez fosse apenas o desejo de voltar a pertencer a um clã que dispusesse de outras riquezas além de uma nave velha como a Tus II. O patriarca não dirigiu nenhuma pergunta a Bechan. Contemplou-o em silêncio, até que tivesse colocado o traje espacial.
Quando Bechan desapareceu na eclusa da nave, Farosto sentou-se junto aos controles.
— Vamos ver se o rádio está funcionando — disse em tom esperançoso.
Ligou o aparelho e gritou para dentro do microfone:
— Bechan! Você me ouve, Bechan? É Farosto.
Não obteve resposta, o que fez com que o mecânico-chefe batesse no aparelho com o punho cerrado.
— Está defeituoso, como tudo a bordo desta nave — resmungou, contrariado. — Às vezes chego a ficar admirado por que ainda não deixamos de funcionar.
Os pensamentos de Tusnetze acompanhavam Bechan, um homem de estatura mediana que nunca fora muito loquaz. Era um dos poucos que continuava a acompanhar o clã, conformado e resignado. O patriarca esperava um dia poder recompensar os homens desse tipo.
Lançou um olhar curioso para o trox. O que poderia ter levado Vicheline a agir como estava agindo? Era impossível imaginar o que se passava na cabeça de uma criatura desse tipo. Os trox viviam brigando uns com os outros, embora fossem pouco inteligentes e dificilmente se interessassem por alguma coisa. Seus conflitos nunca chegavam a degenerar em guerras ou confrontos abertos. As divergências entre eles manifestavam-se exclusivamente por meio de trocas de palavras. Os trox estavam espalhados por extensas áreas da Galáxia, mas não dispunham de frota espacial própria. Ninguém conhecia seu planeta natal — nem eles mesmos.
Sempre encontravam uma nave que os levava numa viagem.
Os trox eram seres muito bem informados. Costumavam dar dicas valiosas aos comandantes que os levavam consigo. Pouco lhes importava qual era o planeta ao qual seriam levados; apenas estavam interessados em separar-se dos seres briguentos de sua espécie. Mas geralmente, depois de abandonar um mundo, o trox encontrava outros seres de sua raça no mundo em que vinha parar, e a briga recomeçava. Os trox estavam transformados numa raça de peregrinos, que viviam fugindo de seus conterrâneos.
Em virtude desse comportamento, tais seres, cujo corpo parecia ser formado por uma série de fios, haviam criado um estranho espírito de casta. Julgavam os seres de sua raça com base no número de planetas que já haviam visitado. Qualquer trox que tivesse visto mais de vinte mundos poderia considerar-se um nobre. E um nobre só podia lutar com outro nobre; um conflito com um gammler, nome que se dava aos seres que haviam visitado menos de vinte mundos, era inconcebível. Naturalmente havia criaturas dessa raça que contavam em seu repertório muito mais de cem planetas. Eram os reis, que dispunham de um tremendo arsenal de truques a que recorriam para serem levados nas viagens.
E, o que era estranho, os reis podiam lutar com os nobres ou peregrinos, isto porque seu número de “regentes” era tão reduzido que muitas vezes teriam de esperar vários anos antes de encontrar outro rei.
Vicheline já havia visitado 48 mundos, o que correspondia quase à metade do número necessário para tornar-se rei. Esperava que com o auxílio dos saltadores conseguisse visitar pelo menos mais cinco mundos.
Tusnetze coçou o queixo coberto pela barba desgrenhada; parecia pensativo.
Os trox não possuíam muita inteligência, pois uma criatura inteligente não se envolveria num jogo maluco como este. Os trox não possuíam civilização; adaptavam-se ao ambiente em que se encontravam e não tinham a menor dificuldade em tirar proveito de tudo que encontrassem nos mundos em que iam parar. Viviam da remuneração das incumbências que aceitavam vez por outra.
O formato especial de seu corpo e seu peso reduzido fazia com que se prestassem muito bem a determinados trabalhos. Além disso, muitas vezes o comandante de uma nave lhes dava uma recompensa por uma boa dica.
O patriarca decidira entregar a Vicheline parte do lucro que esperava obter na operação.
— Cuidado! — disse Farosto. — Estamos nos afastando da nave robotizada. Quero verificar todas as eclusas. É possível que Bechan já tenha conseguido abrir uma delas — fez um sinal para Gansor. — Ligue os holofotes da proa.
Contornaram o cruzador pesado. De repente Farosto freou.
— Olhem — disse.
Tusnetze bateu nas coxas e soltou uma risada de triunfo.
— Bechan conseguiu — disse. — Vá entrando, Farosto.
Tonrim maldisse o dia em que resolvera desprezar os conselhos dos velhos reis e entrar numa nave terrana. Quando a Frisco pousou por alguns dias em Plusol, não conseguira resistir à tentação e entrara em contato com o comandante. O terrano ouvira-o tranqüilamente enquanto mencionava as coordenadas de vôo de uma nave robotizada desaparecida. Depois de algum tempo, fez um sinal de assentimento e permitiu que Tonrim subisse a bordo.
Os velhos reis costumavam dizer:
— Quem viaja uma vez numa nave terrana sempre será um peregrino.
Até então Tonrim conseguira visitar 14 planetas. Plusol era um mundo desolado, raramente visitado por alguma nave. Por isso Tonrim sentiu-se feliz quando a Frisco pousou por lá. Não se recordava de que, antes dele, algum trox tivesse percorrido o espaço com os terranos.
Tonrim já se conformara com a idéia de que ficaria preso a bordo da Frisco por meses a fio, pois, ao que tudo indicava, a nave não pousaria em qualquer planeta num futuro previsível. O Major Teluf avisara que, uma vez localizada a nave robotizada arcônida, informaria o grupo de resgate da Frota Solar. E o fato de os saltadores terem aparecido de repente provavelmente não mudaria nada.
Quando o campo de libração foi desligado e a Frisco caiu no Universo normal, Tonrim estava parado atrás do Major Teluf e observava as telas. Mesmo a contragosto, não pôde deixar de confessar que o equipamento da nave terrana era um dos melhores que já tinha visto. Antes que tivesse tempo para refletir sobre isso, os canhões de proa dispararam o primeiro tiro de radiação contra a nave mercante.
— Atingimos o alvo, sir? — gritou Gallahad.
O major pegou o microfone. A nave dos saltadores, atingida de raspão, não esboçou a menor reação. Ao que parecia, os saltadores reconheciam sua situação de inferioridade. Uma batalha espacial contra o cruzador ligeiro seria suicídio.
— Atenção, sala de controle de fogo — disse Teluf, em tom calmo. — Suspendam o fogo, mas fiquem de prontidão.
— O que pretende fazer, sir?
— Queremos dar-lhes oportunidade de recolher o grupo de abordagem e dar o fora — disse Teluf. — Não tenho a menor vontade de recolher como prisioneiros alguns desses tipos nojentos.
Tonrim afastou-se, entediado. Tudo estava correndo conforme previra. Os terranos enfrentavam o inimigo com a maior facilidade. O trox ficou contrariado ao lembrar-se de que Teluf nem julgara necessário agradecer pela boa dica que ele lhe dera. Se não fosse ele, os mercadores teriam levado a nave bem sob as barbas dos terranos. Os velhos reis estavam com a razão.
Tonrim fechou o olho e pôs-se a esperar. Zumbia bem baixinho. Gostaria de “cantar” mais alto, mas os terranos costumavam queixar-se toda vez que não mantinha o volume de sua voz sob controle.
Tonrim nem imaginava o que lhe reservavam as próximas horas.
Naquele momento terrível, Tusnetze só desejava uma coisa: que alguém lhe desse a capacidade de desligar seus pensamentos. Sabia que era um homem derrotado, mas sua vitalidade e orgulho não conseguiam conformar-se com o fato. Fora destruído, arrasado, derrubado, e nem mesmo um milagre faria com que voltasse a colocar-se de pé.
— Suspenderam o fogo — disse Farosto, em tom sombrio.
— Resolveram dar-nos uma chance — conjeturou Gansor. — Se nos retirarmos imediatamente, ainda poderemos salvar a vida.
— Por que não respondem ao fogo? — gritou Tusnetze, fora de si.
Farosto e Bechan, que acabara de voltar para o barco, fitaram-se em silêncio, O primeiro disse:
— Patriarca, o senhor sabe perfeitamente que os terranos são mais fortes que nós. Qualquer reação seria suicídio.
Farosto procurava forçar o chefe do clã a tomar lugar no assento.
— Temos que dar o fora antes que mudem de idéia e resolvam prender-nos — concluiu.
Tusnetze deixou cair a cabeça. Uma tormenta rugia em seu interior.
— Foi tudo em vão — disse depois de algum tempo. — Não podemos apoderar-nos da Hat-Lete e a Tus II está praticamente destruída. Está tudo acabado.
Levantou os olhos. Parecia furioso.
— Vicheline — gritou. — Onde está ele?
O trox havia desaparecido.
— Deve ter ficado no interior da nave robotizada — conjeturou Gansor.
— Vamos deixá-lo aqui — ordenou Tusnetze.
O pequeno barco saiu da eclusa e tomou o rumo da Tus II. A nave terrana aproximava-se lentamente, vinda do lado oposto.
Chegara o tempo da dissolução final do clã de Tusnetze. Segundo as leis não escritas dos mercadores galácticos, o patriarca já não tinha direito de manter sua grande família ligada à sua pessoa. Tusnetze perdera todas as naves, com exceção de uma única, reduzida a um montão de destroços que, só mesmo graças a um gênio como Farosto, conseguiria chegar ao porto espacial mais próximo.
Tusnetze nunca acreditara que as coisas pudessem chegar a esse ponto. O azar que sempre o perseguira fizera com que sua situação se tornasse cada vez mais desgraçada. E agora, que chegara ao fim do caminho, não conseguia compreender a situação em que se encontrava...
Quase chegou a pensar que tudo aquilo não acontecera a ele, mas a um estranho, a algum personagem anônimo, que não demoraria a desaparecer da vida de Tusnetze.
A mente do patriarca levou algum tempo para digerir os fatos. Sua cólera terrível cedera lugar a uma resignação mesclada de apatia. Aguardou calmamente que o barco regressasse ao hangar da Tus II.
Ouviu o suspiro de alívio de Farosto.
— Nunca acreditei que conseguíssemos voltar para a Tus II — disse.
A comporta única do barco abriu-se e os saltadores saíram do pequeno veículo espacial.
Tusnetze estacou em meio ao movimento, pois notou que Boruz mantinha uma arma apontada para ele. Por um instante pai e filho se entreolharam. O resto do mundo deixou de existir.
Finalmente o patriarca entesou o corpo.
— Suponho que isso seja uma espécie de revolução — disse. — Não havia necessidade disso, Boruz. Demito-me e liberto o clã.
A arma que o filho segurava na mão começou a balançar. Boruz olhou em torno com uma expressão de perplexidade. Ao que parecia, esperava que as pessoas que o acompanhavam lhe dessem algum apoio. Mas ninguém esboçou qualquer movimento. Tusnetze percebeu que ainda possuía certa autoridade; era o patriarca, o chefe do clã. Mas estava cansado demais para fazer uso de sua autoridade.
— Nossa nave sofreu graves avarias — gritou Boruz, em tom estridente. — O que nos resta além deste calhambeque e das dívidas que contraímos em Ballord?
Tusnetze aproximou-se dele e tirou a arma de radiação que o filho trazia na mão.
— Nada — respondeu com a maior tranqüilidade. — Não temos absolutamente nada.
— Deveríamos ter aceito alguma carga — disse Boruz, deixando pender os ombros, desanimado. — Isso não teria rendido muito, mas seria mais seguro que a aventura em que nos metemos.
— Tentarei colocar a Tus II em movimento — interveio Farosto. — Não vamos forçar a paciência dos terranos.
Retirou-se do hangar com um sorriso nos lábios, como se estivesse pedindo desculpas. Estava feliz por trocar esse lugar pelo assento do piloto. Gansor e Bechan acompanharam o mecânico-chefe sem dizer uma palavra.
— Se tivéssemos aceito alguma carga apenas poderíamos ter retardado nosso fim — disse Tusnetze. — Boruz, você sabe perfeitamente que esta foi nossa última chance.
— Quem dera que você nunca se tivesse encontrado com esse trox! — exclamou Boruz.
O patriarca soltou uma risada triste.
— O trox? No auge da raiva também estive a ponto de culpá-lo, mas isso teria sido um erro. Perdemos, pois apostamos contra o destino. Você ainda é jovem, Boruz. Pode fundar seu próprio clã.
— O que pretende fazer? — perguntou Boruz.
Até parecia que Tusnetze não pretendia responder à pergunta, mas depois de alguns segundos seus olhos voltaram a brilhar.
— É claro que só poderei fazer negócios — disse.
Passou pelo filho, que parecia estupefato. Não passava de um velho decaído e desiludido. Dali a instantes, Boruz ouviu-o berrar com a mesma força de sempre:
— Que diabo! Por que ainda estamos aqui? Se, dentro de um minuto, esse Farosto não puser nossa linda nave para andar, dar-lhe-ei uma surra.
Boruz olhou para os companheiros no momento exato em que eles saíram, buscando ocupar seus lugares, de onde aguardariam as ordens do patriarca.
Vicheline tomou sua decisão no momento exato em que apareceu a nave terrana e abriu fogo contra a Tus II. O trox chegou à conclusão de que os terranos deviam ter muito interesse na nave robotizada, já que estavam dispostos a travar uma batalha espacial pela mesma.
Evidentemente os homens da Terra subiriam a bordo da Hat-Lete para examinar a nave.
De qualquer maneira, a Tus II não oferecia muita segurança, e depois de ter sido atingida de raspão por um disparo, o perigo de que seus propulsores viessem a falhar tornara-se ainda maior. Vicheline tinha duas alternativas à sua escolha. Poderia arriscar a vida, voltando a bordo da nave mercante, ou então esperaria pelos terranos e, contrariando as recomendações dos velhos, entraria sorrateiro no barco que acabava de chegar.
O trox resolveu que iria para a Frisco, pois achava que era preferível viver com os terranos a morrer com os saltadores.
O comandante não seria desumano a ponto de mandar embora o trox.
Se Vicheline tivesse o dom de prever o futuro, lamentaria a decisão que acabara de tomar...
Mas não poderia imaginar que as primeiras pessoas a subirem para bordo da Hat-Lete não seriam os terranos.
O Major Reja Teluf observou a nave mercante que acabara de recolher o barco espacial. Os saltadores tiveram bastante juízo para não arriscar um contra-ataque. Teluf não teve vontade de praticar tiro ao alvo na nave cilíndrica. Apenas estava interessado em evitar que alguém se apoderasse da nave robotizada, e ele o conseguira.
— A nave cilíndrica está acelerando, sir — informou Gallahad.
Seu espírito irrequieto exigia mais ação, e estava ansioso para que Teluf desse ordem para desembarcar um comando de abordagem. Mas o major manteve-se parado à frente dos controles.
O trox retirara-se a um canto e cantarolava baixinho. Gallahad sentia certa desconfiança por aquela criatura feita de fios. Para ele — e para outros — era um mistério como os trox conseguiam informações tão importantes. Antes de Tonrim aparecer para informar Teluf, não havia na Frota Solar nenhuma pessoa que conhecesse a rota que a Hat-Lete descrevia em sua viagem pelo espaço.
Gallahad não sabia muita coisa a respeito dos trox. Dizia-se que evitavam as naves terranas. Se era assim, por que Tonrim aparecera a bordo da Frisco?
Antes que atinasse com a resposta, suas reflexões foram interrompidas pela voz do comandante.
— Não acredito que voltem — disse Teluf. — Podemos reunir o comando de abordagem.
“Isso é típico de Teluf”, pensou Gallahad, bastante contrariado.
O major não queria assumir o menor risco, e por isso seus cálculos até chegavam a incluir a possibilidade de que os saltadores pudessem voltar.
— Ofereço-me como voluntário, sir — disse em voz alta. — Chefiarei o comando.
— Não — respondeu o major. — O Tenente Bottischer cuidará disso. Não posso dispensar o senhor a bordo.
— Naturalmente, sir — respondeu Gallahad, sem fazer muito esforço para disfarçar a raiva.
Gostaria de tomar um gole de vinho, mas a partir daquele momento já não podia mais sair da sala de comando.
Teluf transmitiu suas ordens ao jovem tenente. A Frisco aproximava-se cada vez mais da nave robotizada. Tudo parecia calmo. Ninguém desconfiaria que, dali a uma hora, a Frisco estaria reduzida a um monte de destroços fumegantes.
Shorty-O tirou o pino da tomada da unidade energética, prendeu-o no suporte, rolou para o lado e fechou a tampa de seu peito metálico. Para Shorty-O, esse processo era um tanto deprimente, pois além dos três inspetores era o único que tinha de ser recarregado a intervalos regulares. Shorty-O desconfiava de que essa dependência da unidade energética fora criada intencionalmente. Ao ser colocado na nave, fora submetido a uma porção de modificações. Era importante, mas costumava ser tratado com certa desconfiança. Com os três inspetores as coisas não eram assim. Os mesmos tinham de ser submetidos regularmente a um controle automático de funcionamento, pois, do contrário, não poderiam cumprir suas tarefas.
Shorty-O não pôde deixar de confessar que o sistema era simples e eficiente. Cada um dos inspetores tinha seu pino de tomada na unidade energética. E esta unidade estava ligada aos segmentos superiores da nave. Ali logo se notaria se um dos inspetores fosse colocado fora de ação, deixando de comparecer no momento do recarregamento.
Quanto a Shorty-O, não havia motivo para se recear que deixasse de comparecer voluntariamente para o recarregamento. O mesmo não tinha a menor vontade de ficar parado num canto que nem um cadáver, esperando que os inspetores o encontrassem e levassem à unidade energética. Por isso aparecia sempre no momento exato para ser recarregado.
Shorty-O não saberia dizer quando teve início sua existência, mas teve a impressão de ser mais velho que qualquer outra parte da nave. Era por isso que fora colocado na nave, juntamente com as modificações nele introduzidas. Sabia mais a respeito da vida verdadeira e não-verdadeira que o comandante do setor superior. Shorty-O exercia as funções de conselheiro, muito embora ainda não tivesse surgido a oportunidade de dar prova de sua capacidade.
Mas, pouco antes do momento em que seria recarregado, acontecera algo que lhe infundira novas esperanças de que, em breve, poderia dar uma prova de seu saber. O comandante do segmento inferior acabara de informar a nave de que localizara três espaçonaves desconhecidas. O comandante do segmento superior logo interveio e mandou que se realizasse uma investigação minuciosa.
O resultado era bastante desagradável.
Duas das naves estavam ocupadas por seres orgânicos. Era uma forma de vida que ainda predominava em boa parte da Galáxia. A simples existência da substância orgânica constituía um fato grave, mas ainda havia uma circunstância inacreditável. As duas naves lutavam entre si para apoderar-se da terceira, cujos tripulantes eram seres não-orgânicos.
Shorty-O e as demais pessoas que se encontravam a bordo não compreendiam como os membros de uma mesma forma de vida podem lutar entre si. De qualquer maneira, a reação do comandante do segmento superior foi a que se esperava.
Não perdeu tempo. Mandou que imediatamente se realizassem os cálculos necessários para ajudar prontamente a nave tripulada por seres de sua espécie.
Justamente naquele momento Shorty-O devia ser recarregado.
E agora Shorty-O corria em direção ao elevador magnético mais próximo, a fim de atingir o quanto antes o posto de informações mais próximo do segmento inferior. Encontrou-se com um dos três inspetores.
— Acabo de ser recarregado — anunciou Shorty-O por uma questão de cautela, para não perder tempo num controle desnecessário.
O inspetor reduziu a velocidade, mas não parou. Shorty-O prosseguiu e chegou ao elevador magnético. Ligou-o e atravessou a soleira. Quando saiu lá embaixo, treze artilheiros do segmento inferior passaram por ele. O azul-claro de seus corpos refletiu a iluminação setorial.
Shorty-O acenou com a cabeça; parecia satisfeito. O comandante mandou preparar as armas.
Era um bom sinal. Shorty-O ligou seu setor negativo, a fim de evitar uma possível colisão com algum artilheiro apressado. O posto de informações ficava a uns vinte metros da chave magnética. Cinco controladores de fase vermelho-escuros estavam parados à frente ao mesmo e discutiam. Para Shorty-O, esses elementos eram supérfluos, pois nunca ouvira falar que tivesse havido algum problema numa transferência de fase.
De tão nervoso que estava, Shorty-O esqueceu-se de desligar seu setor negativo quando chegou ao posto de informações. Os controladores de fase foram erguidos. Protestaram violentamente. Shorty-O pediu desculpas, voltou a colocá-los no chão e entrou no posto de informações.
— Uma das naves tripuladas por seres orgânicos está fugindo — informou o comandante. — Quer dizer que enfrentaremos somente uma nave. Bastará uma fase para aproximar-nos à distância de tiro.
Shorty-O ligou o transmissor e disse:
— Shorty-O acaba de ser recarregado e oferece seus conselhos.
Suas lentes traseiras observaram os controladores de fase que entravam para ouvir o que estava dizendo. Shorty-O esperou resposta.
— Ainda não há necessidade de conselhos — disse o comandante. — Quando precisarmos, pediremos.
Shorty-O retirou-se do posto de informações. Estava desapontado. Os controladores de fase também se afastaram, a fim de vigiar a execução da fase que se tornava necessária para aproximar-se das duas naves.
Shorty-O disse a si mesmo que deveriam fazer tudo para evitar um ataque dos seres orgânicos contra a nave robotizada desconhecida. Estendeu o pé de rodas, dirigiu-se até o protetor de fase mais próximo e aguardou o salto pelo hiperespaço.
A facilidade com que se realizava a ocupação da Hat-Lete deixou Teluf desconfiado. O major não era supersticioso, mas uma longa experiência lhe ensinara que a presença de pequenas dificuldades teoricamente exclui, em certo grau, as grandes. Quando, como no presente caso, não acontecia absolutamente nada, esperava-se inconscientemente que se desse um imprevisto.
A expulsão dos saltadores correra como se tratasse de um simples treinamento, e não havia o menor indício de que isso fosse mudar dali em diante.
A Frisco adaptara sua velocidade exatamente à da nave robotizada, deslocando-se a menos de dez metros do cruzador pesado. As duas naves estavam ligadas por raios magnéticos. Até parecia que a Frisco, que era muito menor, estava sendo rebocada pela Hat-Lete.
Evidentemente isso não passava de uma conclusão falha, pois o que importa no cosmos não é o tamanho, mas apenas a capacidade de aceleração.
Teluf dirigiu-se ao Tenente Bottischer, que já havia colocado o traje espacial e fitava o major com uma expressão de expectativa através do visor do capacete. O tenente era alto e pesado; uma mecha de cabelo cor de palha descia-lhe pela testa. Bottischer era o extremo oposto de Gallahad.
Era calmo e controlado; às vezes quase chegava a parecer fleumático. Aparentava uma moleza inimitável em tudo que fazia.
— O senhor já sabe qual é seu trabalho, tenente — disse Teluf. — Quero que faça a travessia juntamente com seus companheiros e procure assumir o controle da nave robotizada. Verifique se ainda está em condições de realizar transições sem auxílio externo. Verifique eventuais avarias e procure descobrir o que os saltadores fizeram a bordo da nave.
— Sim, senhor — confirmou Bottischer.
Fez um sinal para os três homens que o acompanhariam, e deixaram a sala de comando.
Gallahad seguiu-os com os olhos; parecia invejá-los.
Teluf não conseguiu reprimir uma sensação estranha. Sem que o soubesse, sacudiu a cabeça. A essa altura não poderia acontecer mais nada. O canto leve do trox atingiu seu ouvido; sorriu. Por certo Tonrim aguardava ansiosamente o fim da operação, pois desejava chegar o quanto antes a algum planeta em que ainda não havia estado.
O alto-falante emitiu um estalido e a voz tranqüila de Bottischer disse:
— Estamos saindo, sir.
— Veja onde pisa — recomendou Gallahad em tom irônico, e seus dedos mexiam nervosamente no pequeno microfone.
— Já chegamos, sir — disse Bottischer, depois de algum tempo.
Teluf inclinou-se por cima de Gallahad e falou em tom seco:
— Entre logo, tenente.
Mais tarde Bottischer iria dizer que pretendia responder a essa ordem. Mas, no momento em que abria a boca, a voz de Ikaze abafou qualquer outro ruído. O japonês era o encarregado da observação espacial.
— Uma nave! — gritou. — Uma espaçonave, sir!
No mesmo instante, Teluf sentiu que a tensão o abandonava. Desmanchou-se que nem uma nuvem, O rosto arredondado de Ikaze estava desfigurado pelo nervosismo. Os indicadores do sistema de rastreamento de matéria pareciam ter enlouquecido. Teluf deu dois passos e colocou-se à frente do aparelho.
— Não provocou nenhum abalo estrutural, sir — disse o japonês, apressadamente. — E não existe a menor dúvida de que saiu do hiperespaço.
— Que máquina! — exclamou Gallahad. — Até parece o produto da fantasia de um louco.
O formato da nave que surgira repentinamente era grotesco. Parecia um gigantesco cubo, do qual saíam inúmeras protuberâncias. As arestas do cubo mediam pelo menos dois mil metros; era um verdadeiro gigante. Teluf refletiu apressadamente. A aproximação da nave desconhecida significava que seus ocupantes estavam interessados no que se passava por ali.
— Nossa estação espacial BOB-XXI foi destruída por uma nave semelhante a esta; talvez tenha sido a mesma — disse o major. — Lembro-me perfeitamente do relatório. Nele se diz que foi uma nave fragmentária.
— Será que nos atacará? — perguntou Ikaze.
— Faço votos que não. De qualquer maneira chamarei de volta imediatamente o comando de abordagem e sairemos de perto da Hat-Lete.
Teluf refletiu por um instante e depois concluiu:
— Toss, mande que todos os setores entrem em rigorosa prontidão.
Gallahad saiu correndo, para assumir pessoalmente o comando. O major tirou os olhos de cima da estranha figura. Seu pressentimento fora correto; o acontecimento imprevisto estava ali. O canto do trox cessou. Tonrim compreendia que se encontravam numa situação perigosa. Ao pensar que a gigantesca nave poderia abrir fogo, Teluf teve um calafrio.
— Bottischer! — gritou para dentro do microfone. — Volte imediatamente. Recebemos uma visita nada agradável.
— Já vamos — disse o tenente, e sua voz tinha o tom calmo de sempre.
Teluf não compreendia como a nave fragmentária conseguia realizar uma transição sem provocar o abalo estrutural, causado pelas naves terranas e arcônidas. Devia usar um sistema completamente diferente de hipersaltos. Era possível que uma raça que construía naves malucas como aquela precisasse de outras fontes de energia, que tornassem obsoleta a transição convencional.
De repente, Teluf teve uma idéia. Virou-se para Tonrim que estava encolhido num canto, com o olho vermelho arregalado de medo.
— Você se lembra de já ter visto uma nave desse tipo ou de ter ouvido falar na mesma? — perguntou o major.
— Não, nunca — asseverou o trox, em tom assustado.
Teluf estava disposto a acreditar no que o ser de corpo em fio acabara de dizer, pois por certo não estaria tão assustado se já tivesse estado numa nave fragmentária.
— Chegamos à eclusa, sir — disse Bottischer. — Será que nosso visitante é tão grande que teremos de retirar-nos?
— Parece que sim — disse Teluf, zangado. — De qualquer maneira vamos fa...
Não conseguiu completar a frase.
O primeiro tiro de radiação representara uma solicitação excessiva para os campos defensivos da Frisco e os fizera desmoronar.
Teluf cambaleou até o outro lado da sala. Ao que parecia, a nave fragmentária disparara toda uma bateria de costado. Os cabos magnéticos, que prendiam a nave terrana à Hat-Lete, romperam-se. O cruzador ligeiro afastou-se rapidamente da nave robotizada.
Teluf, cuja cabeça batera fortemente contra os controles, lutou para não perder os sentidos. De repente escureceu. Só as telas de imagem e os oscilógrafos continuaram a espalhar uma luz débil pela sala de comando. Fazendo força com ambos os braços, o major ergueu o corpo. Uma dor terrível rugia em sua cabeça. Um homem gemeu. Teluf ouviu várias pessoas rastejarem pelo chão.
O trox choramingava baixinho. Era impossível reconhecer seu corpo fino. Cambaleante, Teluf tateou para atingir a luz de emergência. Se houvesse outro tiro como aquele, a Frisco se desmancharia em duas ou três partes. O major nunca vira a morte tão de perto. Costumava indagar a si mesmo o que sentiria num momento como este, mas agora que tal momento chegara não teve tempo para pensar nisso.
— Dois propulsores deixaram de funcionar — disse uma voz nervosa.
Com isso sua nave praticamente se transformara num alvo fácil, pois com os três propulsores restantes não iriam longe. Teluf chegou à chave de iluminação de emergência e ligou-a. Ikaze, Van Holden e Drescher já se haviam colocado de pé.
Gallahad entrou correndo na sala de comando, com o rosto desfigurado pelo pavor. Ajudou Gerschinslij a levantar-se e dirigiu-se a Teluf, que acompanhava a cena com os lábios cerrados.
— Não tivemos tempo para defendernos, sir — informou. — Os canhões de proa foram totalmente destruídos.
Teluf entesou-se. Constatou que o sistema de intercomunicação da nave ainda funcionava.
Poderiam fugir, usando os propulsores que lhes restavam. Talvez isso faria com que o inimigo suspendesse o fogo. Teluf pensou ligeiramente na mulher, que no momento estava de férias em Sejatan, a fim de recuperar-se do clima complicado da Terra, Os sejatenses eram uma raça humanóide muito frágil, que mantinha relações comerciais com o Império Solar. O major suspirou.
Antes que pudesse dar qualquer ordem, houve uma explosão no interior da nave. A Frisco estremeceu. As luzes de emergência apagaram-se e alguns dos aparelhos de controle deixaram de funcionar.
— Eles nos pegaram — gritou Gallahad, muito nervoso.
Teluf tinha uma resposta furiosa na ponta da língua, pois ainda não pensava em desistir.
Enquanto houvesse uma centelha de vida no interior da Frisco, lutariam pela nave.
Ouviu alguém entrar na sala de comando. A voz calma do Tenente Bottischer disse:
— Há um incêndio na nave, sir.
Pelo zumbido Shorty-O concluiu que a fase chegara ao fim. Desprendeu-se do dispositivo protetor. Deslizou calmamente em direção ao posto de informações. O comandante não daria logo ordem de abrir fogo. Antes disso observaria atentamente as duas naves. Shorty-O compreendia a importância de sua tarefa fundamental, que consistia na destruição de toda vida orgânica. Na maior parte das espécies, essa forma de existência não era muito resistente, pois apresentava-se instável e fraca. Apesar disso, porém, já tiveram de enfrentar vários problemas.
Muitas vezes essas estranhas criaturas lutavam encarniçadamente para defender-se. E ainda acontecia que algumas formas se reproduziam com uma rapidez inacreditável.
Shorty-O chegou ao posto de informações e entrou. Desta vez o sistema de transmissão de imagem estava ligado e fora regulado de tal forma que se viam as duas naves.
A nave robotizada era maior que a outra, e não se compreendia por que se conformava com a ação da pequena nave tripulada por seres orgânicos. Por que não se defendia do ataque?
Shorty-O achou que era muito importante que logo o convocassem para uma conferência.
Sentia-se tão entusiasmado que não se lembrou de vários pontos para os quais o comandante poderia ter chamado sua atenção. Até parecia que no interior da nave havia uma rejeição generalizada de Shorty-O, apenas porque este era uma criatura recarregável.
Shorty-O ouviu as vozes ásperas dos artilheiros, que estavam sentados nas torres e gritavam as cifras para as regulagens das miras. Os controladores de fase haviam concluído sua tarefa e entraram no posto de informações, onde estava Shorty-O. O ser recarregável lançou-lhes um olhar desconfiado. A imagem da tela mudou, mostrando o comandante que se ligara a todos os fios de comunicação. Seu corpo excêntrico parecia ter sido abandonado pela vida. Fechara todas as lentes. Alguém tivera a cautela de reunir alguns mensageiros do segmento inferior em torno do comandante, para que estes pudessem tomar as medidas necessárias assim que uma das ligações falhasse.
Shorty-O lançou um olhar de enlevo para a placa polida que cobria o peito do comandante. Em comparação com a sua, era uma verdadeira jóia. O ser recarregável, que apenas exercia as funções de conselheiro, lançou um olhar ligeiro para seu peito. Apesar da admiração que lhe provocava a aparência do comandante, não sentia a menor inveja.
Os artilheiros uivavam e zumbiam, o que provava que sua capacidade energética fora forçada ao máximo.
O comandante chamou as torres uma por uma, a fim de verificar se estavam preparadas. Quase no mesmo instante a imagem mudou de novo, mostrando outro lugar. Shorty-O viu o interior de uma torre, na qual se via o corpo azul-claro de um artilheiro.
O comandante realizou mais uma coordenação das ajustagens de mira. A imagem das duas naves desconhecidas saltou para cima da tela. Shorty-O percebeu que o tiro teria que ser extremamente preciso, pois do contrário a nave robotizada poderia sofrer algum dano.
Um dos controladores de fase esbarrou em Shorty-O e empurrou-o para o lado. Bastante contrariado, o recarregável recuou para um canto.
— Atenção! — gritou o comandante, aparecendo na tela por uma fração de segundo. — Preparar as torres guarnecidas.
Shorty-O imaginava perfeitamente como os artilheiros se atiravam para a frente. Seus corpos azuis se dirigiriam aos seus lugares com a velocidade de um relâmpago.
Haveria alguma coisa mais perfeita que essa unidade mecânica?
— Fogo! — ordenou o comandante.
Vinte e oito torres de artilharia, de um total de oitenta e sete, abriram fogo contra o inimigo, que era muito menor. Os raios atravessaram o espaço com grande velocidade, abrindo trilhas energéticas em meio ao negrume.
A nave Inimiga foi atingida e desprendeu-se do veículo espacial robotizado. Ficou desgovernada e não ofereceu qualquer resistência. O espetáculo produziu grande satisfação em Shorty-O.
Mais uma vez se provava a superioridade da verdadeira vida.
— Suspender fogo! — ordenou o comandante.
Shorty-O fazia votos de que chegara o momento em que o comandante o chamaria para aconselhar-se com ele. Saiu do posto de informações e rolou sobre o pé deslizante.
Bottischer sabia que o Major Teluf não precisava de explicações dos subordinados para dominar uma situação. Por isso o tenente retirou-se da sala de comando, depois de ter dado o aviso a Teluf. Este fez o que Bottischer esperava: agiu imediatamente. As sereias de alarma uivaram e o major mandou que todas as escotilhas fossem fechadas. Bottischer ligou a lâmpada do traje espacial que continuava a envergar, e que provavelmente lhe salvara a vida. Precisava voltar para junto de seus homens, que combatiam o fogo. O incêndio acabaria por sufocar-se com a falta de oxigênio, mas quando isso acontecesse poderia ser tarde. O tenente ganhou o corredor, no qual desembocavam as portas dos camarotes. Ao aproximar-se do pequeno observatório da nave, viu uma luz irregular à sua frente. Provavelmente eram as chamas que subiam pelo revestimento interno do poço do elevador antigravitacional. Bottischer chegou ao elevador e viu o fogo um metro abaixo do lugar em que se encontrava. Admirou-se ao notar quanta coisa podia queimar numa nave de aço. Reconheceu os restos do comando de abordagem. Nos trajes espaciais e sob a Iluminação trêmula aqueles homens pareciam grotescos duendes.
Bottischer atirou-se para dentro do poço do elevador, assumindo o risco de quebrar o pescoço, pois não se sabia se o equipamento ainda funcionava. Teve sorte. Foi parar são e salvo no corredor de baixo.
Os extintores automáticos já haviam entrado em atividade. Além disso os homens combatiam o incêndio com os extintores manuais. O tenente percebeu que, dentro de poucos minutos, teria de fechar o elevador, pois o oxigênio vindo dos pavimentos inferiores bastava para alimentar o fogo.
Além disso não valia a pena continuar a resistir.
Um filtro embutido no teto caiu ruidosamente e quebrou-se em vários pedaços. O tenente afastou-o com o pé. Provavelmente a temperatura no corredor já era tão elevada que um homem não poderia sobreviver sem traje protetor.
— Bottischer — disse a voz de Teluf no alto-falante do capacete. — Onde está o senhor?
— No local do incêndio, sir — informou o tenente. — Não acredito que por aqui consigamos controlar o fogo. Seria conveniente mandar isolar o corredor na parte inferior.
— Não conseguiremos sair daqui — disse Teluf. — Se a nave fragmentária voltar a disparar, estaremos perdidos.
— Se sua intenção fosse esta, já estaríamos mortos, sir — disse Bottischer, laconicamente. — Vamos voltar!
Teluf observou em tom irônico:
— Parece que o inimigo está mais interessado em examinar a Hat-Lete.
Um suporte do poço do elevador caiu que nem uma tocha. Bottischer teve que dar um salto para pôr-se a salvo. Estava na hora de saírem desse inferno. Os homens jogaram fora os extintores manuais que não serviam para nada e correram em direção ao elevador. Bottischer esperou que todos desaparecessem lá em cima. Depois disso contemplou tranqüilamente o quadro infernal que se abria à sua frente, e finalmente seguiu os homens que acabavam de fugir dali. Uma vez chegado ao corredor de cima, voltou a chamar imediatamente o comandante.
— O senhor pode dar ordem para fechar todos os corredores e poços que ligam a parte de cima com a de baixo, sir. O vazamento na sala de máquinas é respeitável. O fogo diminuirá dentro de alguns minutos, pois o suprimento de oxigênio escapará para o espaço.
— Está bem, tenente. Volte à sala de comando. Verifique se há feridos por ai.
Dali a alguns segundos, o tenente entrou na sala de comando da Frisco, debilmente iluminada por algumas lâmpadas de pilha. Naquela semi-escuridão o rosto de Teluf parecia uma máscara trabalhada em madeira. Grande parte da tripulação já estava reunida. Ao que parecia, ninguém sofrera graves ferimentos. O médico de bordo, Dr. Gerwain, que também era um excelente técnico em Cibernética, cuidou de alguns homens que apresentavam queimaduras.
Tonrim escondera-se embaixo da mesa de mapas, onde só se via a luminosidade vermelha de seu olho. Bottischer começou a sentir pena pelo trox. Sem dúvida a esta hora aquele ser lamentava-se por ter se encontrado com os terranos.
— O equipamento de rádio está intacto disse Teluf, em tom de alívio. — Procuraremos estabelecer contato com a Teodorico pelo hiper-rádio.
A Teodorico era a nova nave capitânia da Frota Solar. Viera substituir a Ironduke.
Estava equipada com propulsores lineares, construídos segundo os conhecimentos adquiridos recentemente. Como acontecia com quase todas as espaçonaves, o supercouraçado possuía formato esférico e tinha mil e quinhentos metros de diâmetro.
Reja Teluf sabia que o administrador criara uma área de vigilância na periferia do grupo estelar
M-13, a fim de manter sempre um contato estreito com Árcon III. Graças à sua posição favorável, a Teodorico era a nave que mais depressa poderia ajudar a Frisco. Além disso, essa belonave, equipada com os armamentos mais modernos, era a que melhor poderia enfrentar o poderoso inimigo. Possuía uma tripulação experimentada e bem treinada, escolhida pessoalmente por Rhodan.
Era a primeira vez que o Major Teluf não conseguia resolver uma situação sozinho. Ficou aborrecido, embora isso fosse compreensível diante de um inimigo como aquele. Ardia de ansiedade para ver a nave fragmentária levar uma lição pelo ataque implacável que desfechara contra ele. Pouco antes, Teluf expulsara os saltadores, e achava que o destino estava sendo injusto ao permitir que justamente sua nave fosse tão maltratada.
— Tomara que consigamos chegar à nave capitânia antes que seja tarde — disse Gallahad. — Se houver outra explosão, é bem possível que outras vedações sejam arrancadas.
— Envie um pedido de socorro codificado, Ikaze — ordenou Teluf. — Não quero que o inimigo saiba que estamos solicitando auxílio.
— Gostaria de saber por que nos dão oportunidade para isso — disse o Dr. Gerwain, dando vazão às suas dúvidas. — Estamos completamente desgovernados, mas o inimigo só parece interessar-se pela Hat-Lete.
— Mais tarde poderemos falar sobre isso. — Disse Teluf e logo depois voltou a dirigir-se ao japonês:
— Não deixe de mencionar a nave fragmentária no pedido de socorro.
Ikaze fez um gesto afirmativo e pôs-se a trabalhar. O trox arriscou-se a sair de debaixo da mesa e, cantarolando baixinho, voou em direção a Bottischer, que era a única pessoa na qual confiava.
— As coisas estão muito ruins? — perguntou em intercosmo.
O tenente soltou um gemido, tirou o capacete e passou a mão pelo cabelo louro. Tirou o traje espacial e colocou-o no suporte. Depois pegou Tonrim e colocou-o sobre o ombro.
— Conosco isso acontece constantemente — explicou ao trox.
Tonrim soltou um suspiro e fechou o olho, resignado. Seu estômago feito de cinco peças encolheu-se e começou a doer. Deveria ter ouvido o conselho dos velhos reis e evitado as naves terranas. Agora era tarde. Estava na armadilha juntamente com aqueles homens e só lhe restava esperar um milagre.
Dali a três minutos, a Frisco, que não passava de um montão de destroços paralisados no espaço, enviou seu pedido de socorro por sobre o abismo infinito de tempo e espaço. Os homens do terceiro planeta do sistema solar tinham diante de si um novo e poderoso inimigo, que acabara de demonstrar abertamente suas intenções hostis.
A situação político-militar no setor arco-terrano da Galáxia continuava tensa. Perry Rhodan, Administrador do Império Solar, não tinha mãos a medir para, juntamente com seus amigos, controlar até certo ponto a herança arcônida. Com a destruição do computador-regente surgira uma situação inteiramente nova, que constantemente oferecia novos problemas.
Graças ao seu tremendo desempenho, o gigantesco computador positrônico conseguia controlar e, se necessário, defender todos os recantos do Grande Império. Agora essa tarefa quase insuperável ficara a cargo, principalmente, dos homens do Império Solar.
Apesar de tudo, Atlan praticamente não passava de um arremedo de imperador, apesar de todos os esforços que Rhodan desenvolvia para firmar a posição do amigo. De qualquer maneira, o arcônida muitas vezes dizia claramente a seu amigo terrano que se considerava mais ou menos como uma sombra de imperador.
Naturalmente Rhodan não podia empenhar todas as forças para apoiar Atlan, pois tinha problemas de sobra em seu império. Os invisíveis voltaram a fazer sua aparição, juntamente com a estranha nave fragmentária que destruíra a estação espacial BOB-XXI. O administrador viu nisso um motivo para estacionar nos limites da Galáxia numerosas naves às quais cabia controlar e vasculhar constantemente essas áreas. Por enquanto não havia surgido nenhum indício de que a nave fragmentária voltaria a aparecer.
Rhodan precisava, no interior de seu império, de quase noventa por cento das unidades da Frota. Por isso o administrador não tinha outra alternativa senão aumentar seu estoque de material bélico, a fim de enriquecer o potencial militar em outros pontos. A Terra e seu satélite, a Lua, foram transformados numa máquina bélica de primeira categoria. A maior parte dos impostos pagos pelos cidadãos do Império Solar, cujo número crescia ininterruptamente, era empregada em armamentos. Rhodan não teve outra escolha, pois se não procedesse assim, não poderia garantir a segurança de todos os homens.
De forma que o ano 2.112 viu a Terra numa situação pela qual já passara tantas vezes. De todos os cantos poderiam surgir os novos inimigos, sobre cuja força ainda não se dispunha de informações exatas. De qualquer maneira, tais inimigos poderiam estar em condições de infligir golpes dolorosos à Humanidade.
No dia 29 de maio desse ano, Perry Rhodan encontrava-se a bordo da Teodorico, que patrulhava as zonas periféricas do grupo estelar M-13. Os destinos da Terra estavam sendo dirigidos por homens competentes, que logo informariam Rhodan a respeito de qualquer contratempo.
No seio da Frota corriam os boatos mais disparatados sobre a Teodorico. Dizia-se que a nave possuía tudo quanto era inovação que se poderia imaginar. Na verdade, naquela época não havia na Frota uma única nave que se pudesse comparar com a Teodorico.
Brazo Alkher — agora capitão, exercendo as funções de terceiro-oficial da Teodorico — concluiu sua ronda e cumprimentou com um sorriso cansado seu colega Stana Nolinow, que também fora promovido ao posto de capitão.
— Já sei — disse Nolinow, em tom nada gentil. — Alguém o esfolou no jogo de baralho, ou então você está achando mais uma vez que o serviço é muito enjoado!
Os olhos castanhos de Alkher fitaram o amigo com uma expressão triste.
— Nada disso me comove — disse em tom patético. — Estava prestes a dizer o quanto lamento que seja sua vez de, como oficial, dirigir esta turba cansada.
Fitando Nolinow com uma expressão séria, concluiu em tom severo:
— Você ao menos poderia tirar o cabelo do rosto, “Tristeza”.
O Capitão Stana Nolinow passou a mão pelo cabelo curto.
— O cacheado romântico de seus cabelos não impressiona ninguém — afirmou.
Alkher estufou o peito chato.
— A finalidade de meu lindo penteado não consiste em atrair as atenções dos homens, mas...
Interrompeu-se de repente, porque o engenheiro-chefe Major Slide Narco veio caminhando pelo corredor e parecia curioso em ouvir a conversa.
Alkher e Nolinow fizeram continência e esperaram que Narco passasse.
Mas o major, que era muito mais baixo que o Capitão Alkher, plantou-se à frente do mesmo e levantou os olhos.
— Não deixo de ter minha dose de fantasia — disse Narco, em tom pensativo. — Mas ficar-lhe-ei muito grato se quiser explicar — quem o senhor pretende impressionar com esse penteado.
Alkher levantou ambas as mãos. Um sorriso matreiro surgiu no rosto de Nolinow, que cruzou os braços sobre o peito.
— Pois é isso, sir — principiou Alkher.
— Não diga! — disse Narco, em tom animado. — Sempre imagi..
— Alarma! — disse uma voz retumbante saída de todos os alto-falantes. — Todos os oficiais devem dirigir-se aos seus postos.
Narco e Alkher saíram correndo ao mesmo tempo, esbarraram um no outro, praguejaram e continuaram a correr. Alkher que não estava de serviço, acompanhou o major, que se dirigia à sala de comando enquanto Nolinow assumia o comando no setor da nave em que se encontravam. O interior da Teodorico despertou para a vida. As ordens foram transmitidas aos berros e as máquinas entraram em funcionamento. Em todos os pontos viam-se as luzes vermelhas que indicavam o estado de alarma. A ordem vinda da sala de comando foi repetida várias vezes.
Brazo Alkher, que corria atrás do Major Narco, ficou refletindo sobre o que poderia ter levado o comodoro Claudrin a dar o alarma. Não poderia ser um treino, pois os tripulantes da Teodorico já não precisavam disso. Estariam a postos sempre que isso se tornasse necessário.
De qualquer maneira não se tratava de um ataque á nave capitânia, pois nesse caso teria sido dado o alarma de segundo grau. Alkher entrou na sala de comando atrás dos ombros largos de Narco. Foi o primeiro a pôr os olhos no imediato Reg Thomas, um homem de estatura mediana que exibia no rosto uma cicatriz que brilhava numa tonalidade vermelha.
Perry Rhodan, que mantinha a pose tranqüila que o caracterizava, achava-se de pé atrás de Thomas e ouvia uma mensagem que estava sendo recebida pelo hiper-rádio. Alkher não teve a menor dúvida de que se tratava do pedido de socorro de uma nave terrana.
— A mensagem veio em código — informou Les O'Brian, o radioperador de plantão. — Consultarei imediatamente o respectivo código.
Rhodan dirigiu-se a Narco, que estava um pouco ofegante.
— Já sabemos que a mensagem foi expedida pelo cruzador ligeiro Frisco — disse. — Trata-se de um pedido de socorro urgente.
— Foram atacados por uma nave fragmentária! — exclamou O'Brian, em tom nervoso. — Estão comunicando as coordenadas.
A notícia produziu o efeito de uma bomba. Os intermináveis vôos de patrulhamento haviam chegado ao fim; descobrira-se uma dessas naves misteriosas. O inimigo voltara a golpear quando menos se esperava. E desta vez desferia seu golpe no interior da Galáxia.
— Comodoro, anote as coordenadas — disse Rhodan ao homem nascido em Epsal.
— Não vamos perder tempo. Partiremos imediatamente em auxílio da Frisco. Será recomendável que parte da frota fique de prontidão.
Claudrin aproximou seu corpo pesado e recebeu os dados transmitidos por O'Brian.
— Num dos setores da nave irrompeu um incêndio — disse o radioperador. — O comandante Teluf não acredita que a nave possa afastar-se da zona de perigo com seus próprios recursos — uma expressão preocupada surgiu no rosto de O'Brian. — O incidente verificou-se no momento em que a Frisco estava desembarcando um grupo de abordagem que se dirigia para bordo da Hat-Lete, a fim de revistar esse cruzador pesado, que se deslocava em queda livre.
— Provavelmente as pessoas que se encontram a bordo da nave fragmentária estão interessadas na Hat-Lete — conjeturou Rhodan, em tom pensativo. — É bem possível que, para essas pessoas, a Frisco fosse um concorrente incômodo.
— Até parece que essas naves fragmentárias disparam contra qualquer coisa que atravesse em seu caminho — disse Claudrin, em tom zangado.
— Não se esqueça da Hat-Lete — disse Rhodan.
Para o administrador, aquilo representava muito mais que um dos incidentes que se costumavam verificar com os saltadores ou indivíduos de outras raças. Quando o incidente se verificava com alguma das raças conhecidas na Galáxia, geralmente podia-se ter certeza de que se tratava de um ato isolado. Já as naves fragmentárias eram pilotadas por seres desconhecidos, e o perigo de surgir uma frota desses veículos espaciais grotescos sempre pairava no espaço.
O aprendizado duro, que fizera de Rhodan um homem experimentado como nenhum outro, não permitia que ele se esquecesse de que, a longo prazo, o jogo pelo poder cósmico só ficava ao alcance daqueles que, na medida do possível, excluíam todo e qualquer risco. No jogo de intrigas do cosmos não havia lugar para as ações aventureiras. A vitória pertenceria exclusivamente àqueles que planejavam a longo prazo. Vez por outra, um agressor, surgindo repentinamente, transformava em absurdo as reflexões que abrangiam períodos mais extensos.
Entretanto nessas oportunidades a capacidade de reação da Frota Solar fora posta à prova mais de uma vez.
Nas cogitações de Perry Rhodan, a nave fragmentária não representava um veículo espacial isolado. Ao fazer seus cálculos estratégicos, contava com a possibilidade de um belo dia defrontar-se com uma poderosa frota dessas naves, cujas intenções eram desconhecidas, e que, por isso mesmo, por enquanto, eram consideradas inimigas.
Mas, antes de mais nada, seria necessário levar auxílio à tripulação da Frisco. Sob o comando seguro de Jefe Claudrin a Teodorico dentro de poucos minutos mergulharia no semi-espaço e se aproximaria do destino a uma velocidade muitas vezes superior à da luz.
— Alcançamos metade da velocidade da luz, sir — gritou o homem nascido em Epsal.
O Major Slide Narco examinou os controles dos propulsores; parecia satisfeito. A construção da nave capitânia consumira somas enormes, mas a precisão de seu funcionamento justificava o dispêndio.
— Todos os propulsores funcionando, sir — anunciou Narco.
A Teodorico acelerava constantemente.
Os gigantescos conversores, que haviam sido experimentados pela primeira vez na Fantasy, proporcionavam um suprimento de energia quase inconcebível. A nave esférica foi empurrada violentamente para a frente. As estrelas que surgiam nas telas pareciam balançar.
— Alcançamos a velocidade da luz, sir — trovejou a voz de Claudrin.
A Teodorico transformou-se numa sombra voadora. Atravessava o vácuo do espaço em meio a um substrato Impossível de ser analisado. Apesar da tremenda velocidade que a nave desenvolvia, o cosmos não se reduzia. Para quem se encontrasse a bordo, continuava a representar o infinito em seu frio esplendor.
E a Teodorico corria velozmente em direção ao infinito...
De repente uma luz forte se espalhou pelo recinto e fez Vicheline estremecer. Provavelmente os terranos haviam subido a bordo e restabelecido os circuitos energéticos interrompidos.
O trox lembrava-se perfeitamente de que os terranos eram muito entendidos na área tecnológica. Conseguiam até reparar geradores semidestruídos. Vicheline ficou imaginando que tipo de cumprimento lhes dirigiria quando entrassem no recinto. Cantarolando muito satisfeito, foi flutuando no ar. A luz era forte, permitindo que distinguisse todos os detalhes. Pelo que deduzia de sua reduzida experiência, o recinto em que se encontrava devia ser uma espécie de sala de controle, pois viu inúmeros instrumentos, telas de imagem e chaves. As naves robotizadas dos arcônidas haviam sido construídas de tal forma que a qualquer momento podiam ser dirigidas por uma tripulação de seres vivos.
Os braços finíssimos tocaram cautelosamente no metal liso de um aparelho e o acariciaram numa atitude respeitosa. Ruídos suaves saíam da abertura trançada que ficava acima do estômago do trox. Este flutuou mais um pedaço e passou a deslocar-se suave sobre o soalho de plástico.
Ouviu ruídos. Esticou-se, muito curioso, e deixou-se flutuar para o centro do recinto, de onde podia observar ambas as portas de entrada. Se as informações que ouvira sobre a mentalidade dos terranos eram exatas, eles ocultariam seu espanto pela presença do trox e o acolheriam em seu meio com algumas palavras indiferentes. Bem, assim agiriam esses grandes bípedes.
Vicheline foi flutuando lentamente para cima e para baixo. Era um feixe de vida transparente, cheio de calor e amizade. Por estranho que pudesse parecer, seu comportamento irradiava certa dignidade. Afinal, aquele trox era um nobre que já havia visitado 48 planetas.
O barulho aproximou-se. O trox começou a espantar-se porque os terranos avançavam tão ruidosa e desajeitadamente. Subitamente ouviu um rangido fino. Parecia que era uma serra que cortava velozmente o metal. Apavorado, Vicheline tentou esconder-se. Seus centros nervosos esféricos encolhiam-se e dilatavam-se numa questão de segundos, causando verdadeira dor física.
Vicheline fez um grande esforço para vencer o pânico. O que estaria acontecendo lá fora?
Será que os terranos desmontavam a nave sem interessar-se pelo recinto em que se encontrava? Apavorado, pensou que talvez fossem deixá-lo só por ali.
O ruído de um objeto que atritava no metal atravessou as paredes. Vicheline estremeceu.
Seria por isso que os velhos reis tinham uma opinião tão desfavorável a respeito dos terranos?
Tremendo, o trox aproximou-se de uma das portas.
Quando se encontrava a uns três metros desta, a escotilha abriu-se e Vicheline viu o corredor.
Dois fuzileiros estranhos apareceram na abertura. Seus corpos angulosos tremiam numa atitude de espreita.
O olho vermelho de Vicheline fitou-os sem compreender nada.
Onde estavam os terranos?
Para os fuzileiros, o trox era apenas uma porção de vida orgânica, que deveria ser destruída, houvesse o que houvesse. Um trox a bordo de uma nave robotizada era uma monstruosidade, uma blasfêmia.
Os fuzileiros aguardaram a ordem.
Vicheline ficou indeciso. Seu corpo fino vibrava ligeiramente. Finalmente reuniu toda a coragem que havia em seu corpo magro e sibilou:
— Quem são vocês?
Vicheline nem sentiu a morte. Cinco quilos de matéria dissolveram-se sob os efeitos do raio térmico concentrado disparado pelos fuzileiros. Por um instante fugaz tinha-se a impressão de que aquela criatura quebradiça sairia voando, apavorada, mas esta logo se transformou numa nuvem de fumaça escura.
Os artilheiros penetraram na sala de controle, seguidos por alguns comunicadores, que estendiam avidamente a antena em espiral.
A única coisa que restou de Vicheline, o nobre da raça dos trox, foi um cheiro desagradável...
O Major Reja Teluf não conseguiu livrar-se da sensação desagradável. Ao que parecia, a nave fragmentária só se interessava pela Hat-Lete, mas assim mesmo teve a impressão de estar sentado num barril de pólvora. Sob o ponto de vista militar, a Frisco desempenhava as funções de um observador inútil. A distância entre o cruzador ligeiro e as outras duas naves crescera ainda mais.
Quando Perry Rhodan confirmou o recebimento da mensagem, Teluf ficou satisfeito. A Teodorico chegaria a qualquer momento, O ataque da nave fragmentária causara a morte de duas pessoas e ferimentos em outras sete. O Dr. Gerwaln cuidava dos feridos. O segmento inferior da nave havia sido totalmente destruído pelo fogo e por lá havia vazamentos em toda parte.
Seria uma loucura ir para lá sem traje espacial.
A Frisco deslocava-se em queda livre. Se não viesse ninguém para dar-lhe ajuda, continuaria nesse estado por anos infindáveis, até entrar no campo de gravitação de algum sol. Quando isso acontecesse, não haveria mais uma alma viva a bordo do cruzador ligeiro.
Teluf afastou esses pensamentos. Rhodan fora avisado e prometera ajudar imediatamente. O major conhecia o poder de fogo da Teodorico e não acreditava que a nave fragmentária pudesse resistir ao mesmo. Na sala de comando da Frisco reinava um silêncio tenso, interrompido vez por outra pela voz tranqüila do Dr. Gerwain. Os homens que estavam reunidos ali aguardavam a chegada da nave capitânia da Frota Solar. Esperavam que ela vingaria o ataque a uma nave terrana. A própria Teodorico bastaria para infundir grandes esperanças nos astronautas. Mas a presença de Rhodan fazia com que se tornassem ainda mais confiantes e acreditassem que a poderosa nave era invencível.
Teluf sabia que só poderiam registrar a presença da nave capitânia quando esta saísse da zona de libração. E isso só aconteceria quando se encontrasse a pequena distância da nave fragmentária.
Tonrim, que estava sentado sobre o ombro de Bottischer, já parecia conformado com a nova situação. O musculoso tenente nem parecia notar a presença do trox, pois se movia com a mesma segurança de sempre. Tinha-se a impressão de que Tonrim se sentia muito bem no lugar em que estava, pois vez por outra soltava ruídos que demonstravam seu bem-estar.
Pela primeira vez Teluf sentiu certa simpatia por aquela criatura de corpo de fios. Não haveria uma ligação inexplicável entre todas as raças do Universo, mesmo quando fossem inimigas?
— Santo Deus! Não é que estou começando a filosofar? — disse o major, apavorado.
Gallahad olhou-o com uma expressão desconfiada, mas Teluf limitou-se a sacudir a cabeça.
De repente Ikaze soltou um grito de triunfo. Antes que tivesse tempo de dizer alguma coisa, as pessoas da sala de comando irromperam numa gritaria, na qual descarregaram toda a tensão acumulada nas últimas horas.
Uma mancha luminosa surgira subitamente nas telas do sistema de rastreamento espacial.
Estava bem perto da nave fragmentária.
A Teodorico acabara de aparecer.
O vôo dentro da zona de libração tinha uma vantagem enorme. Podia-se prosseguir até certo ponto nas operações de observação espacial, sem ser visto. Os oficiais da Teodorico viram a Hat-Lete, a nave fragmentária e a Frisco, gravemente avariada, em suas telas, antes que sua presença fosse notada por ambas as naves.
Reg Thomas, imediato da Teodorico, lançou um olhar cético para os instrumentos. Estava substituindo o Major Hunt Krefenbac, por ora comandante da ex-nave capitânia, a Ironduke.
— É uma construção maluca, sir — disse num tom que dava a entender que, até então, se mantivera mais ou menos incrédulo, diante dos relatos sobre as naves fragmentárias.
Sob o ponto de vista terrano o cubo representava a forma mais desfavorável para uma espaçonave.
“Mas”, pensou Rhodan, “se houvesse alguma raça que dispusesse de um potentíssimo sistema de propulsão, a forma pouco importava.”
No entender do administrador a forma cúbica provinha menos do tipo de propulsão que da mentalidade dos construtores da nave.
— Vamos nos aproximar mais, sir? — perguntou Claudrin, interrompendo as reflexões de Rhodan. — Aguardo suas ordens.
— Não vamos emergir logo, Jefe — disse Rhodan. — Atacaremos com os raios narcotizantes, a fim de evitar o derramamento de sangue.
O equipamento de raios narcotizantes fora instalado há uns três anos em todas as naves terranas. Tratava-se de uma espécie de canhão de ultra-som, cujas vibrações de alta freqüência rompiam qualquer tipo de campo defensivo. Essas vibrações produziam um entorpecimento imediato dos reflexos nervosos de qualquer ser vivo, fazendo com que, em poucos segundos, o atingido caísse num estado de profunda inconsciência.
A nave fragmentária aparecia claramente em todas as telas. Sua posição em relação à Hat-Lete levava à conclusão de que o comando de abordagem já estava a caminho.
— Parece que têm um interesse todo especial pela nave robotizada — disse Rhodan, em tom pensativo. — Deve haver algum motivo para isso.
Se soubesse quem eram aqueles seres, facilmente teria encontrado uma explicação. No entanto, nem o aspecto da nave cúbica nem o comportamento de sua tripulação forneciam qualquer indicação a este respeito.
Rhodan esperava que dentro em pouco saberiam mais alguma coisa. Fez um sinal para Claudrin, e aquele homem nascido em Epsal, que fora promovido ao posto de comodoro, exibiu um sorriso largo. Perry entrou em contato com o setor de comando de tiro.
— Dentro de poucos segundos reduziremos a velocidade — disse. — Quando aparecermos nas proximidades da nave fragmentária, estaremos indo bem devagar. Preparem todos os emissores de raios narcotizantes.
Naturalmente era impossível que um gigante como a Teodorico fosse pilotado por um único homem. Claudrin, que passara a encarregar-se pessoalmente da pilotagem, contava com o apoio de inúmeros aparelhos de controle e equipamentos automáticos. Quando Claudrin iniciou a frenagem, os gigantescos conversores começaram a rugir. Na sala de comando não se sentia nada da carga tremenda a que o material de alta qualidade ficava exposto naqueles momentos.
A Teodorico rompeu o envoltório protetor do semi-espaço e retornou ao Universo einsteiniano.
A nave fragmentária, que continuava parada ao lado da Hat-Lete, já se encontrava ao alcance da artilharia da nave terrana.
Os olhos frios de Rhodan fitavam a tela. Imaginou que os aparelhos do setor de observação espacial da nave cúbica estavam reagindo agora, registrando a presença da Teodorico.
Um feixe invisível de vibrações de alta freqüência saiu dos canhões de ultra-som e desabou sobre a nave fragmentária, sem que qualquer campo defensivo o detivesse.
— Suspender fogo — ordenou Rhodan.
Os homens na sala de comando, muito tensos, fitavam a gigantesca nave que se mantinha no espaço. Os aparelhos de observação supersensíveis da Teodorico estavam concentrados na nave desconhecida, a fim de registrar prontamente qualquer alteração que se verificasse com a mesma. Mas não aconteceu nada. A nave fragmentária continuava a flutuar ao lado da Hat-Lete.
A bordo da Teodorico ninguém duvidava de que a tripulação da nave inimiga mergulhara num estado de inconsciência.
— Acho que foi isso, sir — disse Narco em tom seco.
Rhodan não respondeu logo, pois de repente teve a impressão de que havia algo de errado. Se realmente havia um comando de abordagem da nave fragmentária na Hat-Lete, este por certo mantinha contato ininterrupto com sua nave. E tal contato deveria ter sido interrompido no momento em que a Teodorico disparou os raios narcotizantes.
O comando de abordagem deveria ter esboçado alguma reação. Rhodan refletiu intensamente.
Havia alguma coisa dentro dele que insistia para que desse ordem de empregar as pesadas armas de radiação. Apesar de tudo, Rhodan hesitou.
— Quem dera que pudéssemos ver o que está acontecendo a bordo da nave fragmentária — disse, dirigindo-se a Narco.
— Então o senhor acha que alguma coisa pode ter saído errada — conjeturou o major.
— Acho — confessou Rhodan, sem dar outras explicações.
Dali a dois segundos, a nave fragmentária abriu fogo contra a Teodorico.
Rhodan nunca se esqueceria da cena que se desenrolou diante de seus olhos. Jefe Claudrin levantou-se de um salto e gritou alguma coisa; os homens foram atirados uns contra os outros.
Os geradores uivaram, pois os campos defensivos consumiram quantidades enormes de energia para resistir ao terrível ataque. O chiado do equipamento forçado ao extremo abalou o ouvido de Rhodan. A iluminação da sala de comando começou a piscar.
Naquele momento aconteceu uma coisa que todos julgariam impossível. Alguns setores dos campos defensivos da Teodorico, que eram considerados impenetráveis, entraram em colapso.
A nave fragmentária transformara-se num bloco chamejante, que disparava implacavelmente com todas as armas contra a Teodorico.
Rhodan colocou-se de pé. Viu o vulto gigantesco de Jefe Claudrin parado junto aos controles. A nave crepitava como se estivesse carregada de eletricidade. Rhodan sabia o que significava o ruído. Se demorassem mais alguns segundos, os campos defensivos desmoronariam de vez, e a Teodorico ficaria indefesa diante do fogo concentrado do inimigo.
— Vamos sair imediatamente, Jefe! — gritou Rhodan sem que se desse conta disso.
Claudrin sabia o que fazer. Acelerou ao máximo, fazendo com que a Teodorico saltasse para longe da zona perigosa, mergulhando no semi-espaço.
Alguns segundos depois, a Teodorico retornou ao Universo normal. Já se encontrava a mais de um ano-luz da nave fragmentária.
Rhodan fez um esforço para respirar devagar. Fitou os rostos zangados dos oficiais.
— Então é isso — disse Rhodan, fitando Narco.
O major passou a mão pela testa. Um sorriso embaraçado surgiu em seus lábios.
As máquinas da Teodorico, que haviam sido solicitadas ao máximo, foram silenciando aos poucos. Os rostos dos homens da sala de comando retratavam o desejo de voltar imediatamente e mostrar à nave inimiga que o barco terrano também dispunha de armas poderosas. Rhodan percebeu claramente a vontade dos seus astronautas, mas nem pensou em ceder à mesma... ao menos por enquanto.
— Resistiram muito bem aos raios narcotizantes — disse Reg Thomas, ajeitando o uniforme. — Será que o fogo deles representou uma reação automática?
— Talvez.., em sentido figurado — respondeu Rhodan, em tom de mistério.
Antes que pudesse prosseguir, Gucky entrou na sala de comando e arrastou-se para perto de Claudrin.
— Estava cochilando um pouco — disse em tom compenetrado. — Algum maluco deve ter pilotado a Teodorico. Acelerou ao máximo, atirou-me para fora da cama. Nem acha necessário me pedir desculpas?
Os olhos de Claudrin estreitaram-se.
— Será que você já percebeu que quase nos destruíram? — perguntou em tom zangado.
O rato-castor lançou-lhe um olhar nada gentil e dirigiu-se a Rhodan.
— O que pretende fazer, Perry?
— Se não tivesse interrompido nossa conversa, a esta hora já estaria sabendo — respondeu Rhodan, em tom de admoestação.
Era claro que Gucky sabia perfeitamente o que havia acontecido nas últimas horas, mas sempre fazia questão de aparecer.
— Fizemos inúmeros ensaios e experiências, antes de instalar os canhões narcotizantes em nossa nave — disse Rhodan.
— Ao que tudo indica, não existe nenhum ser vivo que não seja afetado por esses raios. Por isso só há uma explicação lógica para a reação da nave fragmentária. Sua tripulação não é formada por seres vivos.
— Será que é formada por robôs? — perguntou Thomas.
— Isso explicaria muita coisa, mas daria lugar a novas indagações. A esta altura seria um erro admitirmos a presença de robôs, pois ainda não sabemos de nada — os dedos finos de Rhodan entrelaçaram-se.
Antes de mais nada devemos chamar um rebocador para levar a Frisco. O cruzador ligeiro está fora da zona de perigo, mas devemos tirar seus tripulantes da situação desagradável em que se encontram.
Rhodan deveria agir com rapidez e reflexão. Ao que parecia, a nave fragmentária alcançara uma vitória fácil sobre a nave mais moderna da Frota Solar. E assim que a derrota dos terranos se tornasse conhecida, serviria de estímulo a várias raças que voltariam a desfechar seus ataques contra o Império Solar.
Além disso não se devia subestimar o efeito psicológico sobre a própria tripulação da nave. Uma vez reduzidos a um denominador comum todos esses fatores de risco, Rhodan não teve a menor dificuldade em tomar sua decisão.
Era necessário atacar a nave fragmentária.
Rhodan convocou mais de vinte unidades pesadas, que logo se colocaram em movimento e não demoraram a aparecer nas proximidades da nave estranha.
Enquanto isso, o administrador pretendia levar avante outro plano, que era bastante arriscado, mas nem por isso deixava de ser promissor. Rhodan mandou que os teleportadores Ras Tschubai e Tako Kakuta comparecessem à sala de comando. O rosto contrariado de Gucky iluminou-se, pois já calculava que não demoraria a entrar em ação.
— Procuraremos recuperar-nos da derrota que acabamos de sofrer — disse Rhodan, em tom resoluto. — Sugiro que façamos sair um destróier de três lugares com Ras, Tako e Gucky. Os três teleportadores tentarão saltar para bordo da nave fragmentária, a fim de verificar o que está acontecendo por lá. Não posso deixar de reconhecer que a tarefa pode parecer impossível, motivo por que os mutantes ficarão livres para aceitá-la ou não.
— É claro que cuidaremos disso, Perry — apressou-se Gucky a piar...
— Está bem, sir — disse Tschubai, e Kakuta fez um sinal de assentimento.
— Aguardem o momento adequado — recomendou Rhodan. — As armas da nave cúbica poderão desintegrar o pequeno destróier.
— Vai dar certo — disse Kakuta, em tom confiante.
— Tomara. A Teodorico aproximar-se-á da nave inimiga o máximo que permite o potencial de fogo da mesma. Depois disso faremos sair o destróier. O resto ficará por conta de vocês.
Era um plano muito arriscado, mas Rhodan contava com a experiência que os teleportadores haviam adquirido em inúmeras ações. Tschubai e Kakuta costumavam refletir antes de agir e não assumiam nenhum risco. Era bem verdade que Gucky tinha uma tendência para a leviandade, mas em compensação possuía outros dons paranormais, que já o haviam ajudado a vencer muitas situações perigosas.
Rhodan avisou o hangar e os mutantes prepararam-se. O destróier de três lugares foi submetido a uma revisão. Os teleportadores equiparam-se com armas e saíram da sala de comando, dirigindo-se ao destróier.
— Vamos levá-los diretamente para o inferno — disse Thomas.
Era inacreditável! A Teodorico, uma nave considerada invencível, tivera de fugir precipitadamente para escapar à destruição. Só aos poucos o Major Teluf se recuperou do pavor que paralisava suas ações. Até então a tripulação de qualquer nave da Frota Solar sempre tinha entrado em ação convicta de que podia contar com uma unidade mais poderosa para ajudá-la em caso de necessidade.
O major nem teve necessidade de olhar para os rostos desanimados dos homens para compreender o estado de ânimo em que eles se encontravam. Não era o medo de morrer que dava um tom pessimista aos pensamentos de Teluf, mas a idéia do que poderia acontecer se uma frota dessas estranhas naves atacasse a Terra. Até então as mesmas sempre haviam surgido isoladamente. Era possível que o inimigo que tinham à sua frente era o mesmo que havia destruído a estação espacial BOB-XXI. Mesmo que fosse assim, não deviam subestimar o perigo que essa nave representava.
Os objetivos e os planos daqueles desconhecidos eram ainda mais misteriosos que sua origem. O ataque de que resultara a destruição da BOB-XXI não fora dirigido contra os terranos, mas contra as misteriosas criaturas invisíveis. A Terra apenas fora envolvida inesperadamente no conflito entre duas potências desconhecidas.
E agora o interesse da nave fragmentária concentrava-se em um couraçado arcônida desgovernado. O veículo espacial terrano fora posto fora de ação como que por acaso. Era evidente que essa atuação incompreensível não permitia qualquer espécie de conclusão.
O que significavam as misteriosas mensagens simbólicas que os dois agentes que se encontravam em BOB-XXI haviam captado?
“Vocês são vivos de verdade?”
Teluf mordeu o lábio. Qualquer raça que se fixasse em seus próprios pontos de vista poderia admitir que era a única representante da vida genuína. Mas esse tipo de auto-julgamento teria de basear-se numa escala de valores elaborada exclusivamente no comportamento dessa raça. Teluf não podia imaginar que existisse uma raça de astronautas que abraçasse uma concepção como esta, pois nem mesmo sua existência teórica resistiria aos ditames da Lógica.
Havia várias possibilidades de lançar um pouco de luz sobre esse mistério inextricável. Era perfeitamente possível que existisse uma raça para a qual o conceito de vida era tão abstrato que só se aplicava a determinado padrão.
“E os indivíduos dessa raça”, conjeturou Teluf, “devem ater-se a uma lógica pouco ortodoxa, pela qual pautam seu comportamento. Devem ser que nem os robôs.”
No entanto, não se poderia afastar a possibilidade de que as mensagens simbólicas só foram expedidas no intuito de confundir o inimigo. Não se sabia o que estava escondido atrás das paredes da gigantesca nave cúbica; e só o descobririam quando um terrano conseguisse pôr o pé no interior da mesma.
O Tenente Bottischer foi o primeiro a recuperar a fala.
— Conheço Rhodan; não demorará a voltar — disse.
Teluf fitou-o com uma expressão de incredulidade.
— Será mesmo, tenente? Não acredito que o administrador esteja disposto a enfrentar novamente um risco como este. Na minha opinião, dentro em breve metade da Frota Solar aparecerá por aqui.
— Até que isso aconteça a nave fragmentária poderá desaparecer — disse Bottischer. — Tenho certeza de que algum plano há de ocorrer a Rhodan.
— O Tenente Bottischer está com a razão, sir — gritou Ikaze, que se encontrava junto ao equipamento de rádio, que continuava a funcionar. — A Teodorico apareceu de novo.
A gigantesca nave capitânia da Frota Solar só se tornou visível por alguns segundos; logo voltou a envolver-se no manto protetor do semi-espaço.
Teluf estreitou os olhos.
— Largaram um destróier de três lugares — disse. — É uma loucura. Com um único disparo essa nave será reduzida a átomos.
Os homens que se encontravam na sala de comando da Frisco acotovelaram-se atrás do major.
— Quem sabe se não é uma cilada? — conjeturou Gallahad.
O Major Teluf prendeu a respiração enquanto acompanhava o vôo do destróier. Com um atrevimento que quase chegava a ser desavergonhado, a pequena nave aproximava-se do inimigo colossal. Teluf fazia votos de que o destróier estivesse sendo dirigido pelo piloto automático.
Até parecia que a nave fragmentária não dava atenção ao minúsculo atacante, pois o destróier aproximava-se rapidamente.
A imagem ficou confusa. Ikaze praguejou e mexeu nos controles.
— Nosso equipamento é muito sensível; foi danificado pelos abalos que a nave sofreu — explicou o japonês.
Os controles óticos falharam de vez; apenas os rastreadores de matéria continuavam a vibrar ligeiramente. Mas as reações provinham da nave fragmentária e da Hat-Lete, cujas irradiações eram muito mais intensas e sobrepujavam as do pequeno destróier.
— Logo agora foi acontecer uma coisa dessas! — exclamou Galahad.
Teluf teve de esforçar-se para não ceder à tentação de empurrar Ikaze para o lado e mexer nos controles. O japonês era um perito; se não conseguisse obter uma imagem clara, seria inútil que os outros tentassem.
De repente, as duas naves maiores voltaram a aparecer na tela, mas o destróier havia desaparecido.
— Não está mais aí — disse Ikaze, em tom de perplexidade.
No mesmo instante, os ponteiros dos rastreadores energéticos deram um salto. Todos compreenderam o que havia acontecido. Um único tiro acabara de reduzir a pó a nave terrana.
A súbita liberação de energia levara alguns segundos para ser registrada pelos instrumentos da Frisco, pois o cruzador ligeiro continuava a afastar-se das outras naves.
— Foi um sacrifício inútil — disse Teluf, em tom amargo.
Deu as costas para os aparelhos e deixou-se cair numa poltrona. Dali a doze horas, a Frisco recebeu um chamado do cruzador pesado Malaia. O comandante da Malaia avisou que dentro de alguns minutos daria início às operações de resgate. E nessas doze horas, em que Teluf e seus homens não puderam fazer outra coisa senão esperar, a luta contra a nave fragmentária entrou na fase decisiva.
Não adiantava procurar convencer-se a si mesmo de que a tarefa que se encontrava pela frente não era mais difícil que muitas outras que se conseguira cumprir. Esse tipo de pensamento não diminuía a tensão. As mãos escuras de Ras Tschubai seguravam firmemente o manche do destróier. A tela ainda mostrava a superfície escura da eclusa fechada do hangar.
— Rhodan chamando destróier — disse a voz do administrador, saída do alto-falante. — Tudo preparado?
— Tudo preparado, sir — disse o africano, fazendo um sinal para Kakuta e Gucky.
— Só sairemos por um instante para o espaço normal — informou Rhodan. — assim que a eclusa se abrir, vocês terão de sair.
Tschubai abriu os lábios e mostrou os dentes reluzentes. Seu rosto largo abriu-se num sorriso.
— Está bem, sir.
— Boa sorte — disse Rhodan e desligou.
— Sinto dentro de mim forças de que nunca desconfiara — anunciou Gucky, que se encontrava no assento de trás, e procurou olhar para além de Kakuta.
— Procure reprimi-las até que estejamos na nave fragmentária — recomendou Tschubai, em tom irônico.
— Nolinow falando — disse outra voz. — Iniciarei a manobra de abertura da eclusa.
— Tudo preparado, capitão disse Tschubai com a voz tranqüila, sem trair a inquietação que agitava sua mente.
A eclusa abriu-se.
A voz calma de Stana Nolinow iniciou a contagem regressiva. Finalmente o destróier foi catapultado para o espaço. Tschubai imediatamente ligou para a potência máxima o propulsor da nave. O pequeno veículo espacial afastou-se vertiginosamente da Teodorico. A nave capitânia logo voltou a abrigar-se na zona de libração.
— A nave fragmentária já causou a perda de uma estação espacial, de um cruzador ligeiro e... de um destróier de três lugares da Frota Solar — disse Kakuta em tom pensativo, como se não tivesse a menor dúvida de que seriam atacados.
— Ainda não causou a perda de nenhum rato-castor — acrescentou Gucky, em tom orgulhoso.
— Não é de admirar; a espécie é muito rara — observou Tschubai.
— Quem tem classe não tem medo — descartou Gucky.
— Seria preferível descobrirmos o melhor momento de sair do destróier — disse Kakuta, em tom sério. — Não gostaria de receber o convite através de uma explosão.
— Vamos chegar mais perto — sugeriu Gucky. — Acho este lugar bastante agradável.
Tschubai observava os controles. Ligou o piloto automático e disse:
— É agora!
— Não me apresse — disse Gucky em tom queixoso, dirigindo-se ao africano. No mesmo instante falou para Kakuta: — Pois bem, vamos.
Desmaterializou-se.
Os dois terranos fitaram-se, compreendendo tudo. Era claro que Gucky tinha de ser o primeiro, por maior que fosse o perigo!
Tschubai e o japonês saltaram quase ao mesmo tempo.
O destróier prosseguiu mais alguns segundos sem tripulação, até que as armas de radiação dos artilheiros o eliminaram.
Ras Tschubai materializou-se num objeto em forma de pirâmide, cuja base media cerca de cinco metros. Escorregou pela face íngreme em que aterrissara e foi parar numa faixa prateada. A faixa serpenteava por um corredor de teto baixo. As pirâmides erguiam-se a espaços regulares. Tschubai teve a impressão de que aquilo representava a “caricatura” hipermoderna de um bosque. Não viu o menor sinal de Gucky e Kakuta. Tschubai achou preferível ficar por ora sob a proteção da pirâmide e tomar conhecimento do local. A dez metros do lugar em que se encontrava, havia uma interrupção no teto. O teleportador viu um poço que por certo levava para cima.
O mutante viu-se envolvido num silêncio fantasmagórico. Tirou um desintegrador de cano curto e contornou a pirâmide. A faixa prateada cintilava; até parecia que milhares de olhos fitavam Tschubai. Preferiu não olhá-la; concentrou sua atenção no corredor. De repente seu pé esbarrou em alguma coisa. Tschubai estremeceu. Batera na faixa prateada, que se erguia alguns centímetros acima do chão. A iluminação era bastante estranha.
O africano não se deu o trabalho de examinar a faixa metálica. De arma em punho, alcançou a pirâmide seguinte. Estava próximo ao lugar em que o poço desembocava no teto. A abertura era escura; não pôde ver para onde levava.
Tschubai concentrou a mente para que Gucky captasse seus impulsos mentais, mas o rato-castor aparentemente não estava estabelecendo contato. Tschubai não tinha a menor possibilidade de chamar Gucky, pois não dispunha de um dom telepático.
Tschubai ouviu um zumbido. Virou-se apressadamente. O brilho da faixa prateada ficara mais forte, O africano teve a impressão de que alguma coisa se movera na extremidade do corredor. Fez pontaria com o desintegrador; sua mão não tremia nem um pouco.
Tschubai arriscou-se a olhar rápido para trás. A pirâmide seguinte não ficava muito longe. Talvez conseguisse chegar lá sem que ninguém o visse. Então ficaria um pouco mais afastado do poço, do qual facilmente poderia partir um ataque.
O mutante retirou-se lentamente.
Quando se encontrava bem embaixo do poço, a força da gravidade cessou de repente.
Tschubai foi arrastado irresistivelmente para cima. Não cedeu à tentação de dar um pequeno salto. Foi subindo e lá embaixo viu alguma coisa aproximar-se pela faixa prateada. Antes que visse o que era entrou no poço. Em alguns segundos, uma escuridão completa envolveu-o.
Poderia ter ligado a lanterna do capacete, mas achou que seria perigoso.
Ficou pendurado no ar e aguçou o ouvido. O teleportador tinha uma vontade de ferro sempre que isso se tornava necessário. Nem cogitou da possibilidade de que a gravidade poderia voltar de repente, fazendo com que se precipitasse para baixo antes que tivesse tempo de pôr-se a salvo com um salto. Tschubai não tinha motivo para acreditar que já fora descoberto. Era bem possível que tivesse entrado por pura coincidência na área de atuação de um elevador antigravitacional.
De repente ouviu um ruído. Vinha lá de baixo e parecia ter sido produzido por dois objetos metálicos ocos que batiam um no outro. Seus pensamentos atropelaram-se. Teve de esforçar-se ao máximo para resistir à tentação de ligar a luz do capacete. Voltou a ouvir o mesmo ruído. Desta vez vinha de mais perto.
Tschubai não pôde evitar um calafrio nas costas. Não teve coragem de fazer qualquer movimento, pois receava que o menor ruído pudesse revelar sua posição.
Alguma coisa subia pelo elevador juntamente com ele.
A batida misteriosa voltou a soar. Tschubai estremeceu, pois teve a impressão de que o ruído fora produzido bem ao seu lado. Por mais que o mutante forçasse os sentidos, não ouviu mais nada.
O tempo foi passando. Podiam ser poucos segundos, mas também era possível que fossem alguns minutos. Tschubai seria incapaz de dizer. O mutante supunha que o deslocamento para cima era muito lento; por maior que fosse a nave fragmentária, o poço devia ter um fim.
O mutante não percebeu mais o menor movimento. Pensou que o ser invisível talvez pudesse ter passado por ele, embora não houvesse nenhum motivo plausível para isso.
Tschubai estava praticamente decidido a ligar a luz do capacete, quando alguma coisa vinda da escuridão o agarrou e começou a puxar violentamente o seu uniforme. O primeiro gesto de defesa foi puramente instintivo.
Tschubai bateu furiosamente com o desintegrador e atingiu uma coisa dura. A pressão exercida pelo inimigo invisível tornou-se mais forte e quase lhe cortou a respiração. Nessas circunstâncias um disparo de sua arma seria quase uma ação suicida. Num movimento instantâneo Tschubai guardou o desintegrador no cinto e estendeu as mãos livres. Bateu numa coisa metálica e destroncou a mão direita.
Por certo a criatura que estava lutando com ele usava uma espécie de blindagem metálica, O mutante esforçou-se para respirar, estufando o peito ao máximo. O pior era que não tinha a menor idéia de quem era o ser do qual tinha que se defender.
Tschubai foi empurrado contra a parede do poço. O impacto aliviou um pouco a terrível pressão exercida pelo inimigo. O terrano voltou a golpear e quase fraturou a mão. Será que o inimigo era uma criatura invulnerável? Tschubai foi comprimido contra a parede e não pôde fazer nada para livrar-se da garra que o segurava. Percebeu que cometera um erro grave ao guardar o desintegrador. Por mais perigoso que fosse, deveria ter arriscado um tiro. Agora era tarde, pois seus braços não conseguiam afastar o corpo maciço do desconhecido.
Pela primeira vez Tschubai teve a idéia de que seu inimigo pudesse ser um robô.
A pressão crescia cada vez mais. Tschubai teve a impressão de que suas costelas estavam sendo fraturadas. Mal conseguia respirar e gemeu de dor. Estava meio tonto, mas continuava a defender-se.
Quanto mais se esforçava, mais fortemente o inimigo o comprimia contra a parede.
Tschubai fez mais uma tentativa e depois quedou imóvel.
O robô, ou fosse lá quem fosse seu inimigo, largou-o e desapareceu na escuridão. Tschubai esteve a ponto de soltar um suspiro de alívio quando alguma coisa encostou em seu uniforme, fechou-se e deu um solavanco.
“Querem rebocar-me”, pensou.
Poderia ter-se colocado em segurança com um único salto de teleportação, mas queria descobrir o que pretendiam fazer com ele. Ficou quieto. Ouviu um zumbido e constatou que subia mais depressa.
A escuridão foi substituída por uma penumbra cinzenta. Pela primeira vez Tschubai pôde ver com quem tinha lutado. Os contornos eram triangulares. Na parte superior do triângulo havia um objeto em forma de bico do qual saíam fios metálicos. Do corpo da coisa saíam inúmeros braços em espiral, que se moviam ininterruptamente.
“Um robô”, pensou Tschubai. “E que robô!”
Um cabo móvel prendia o mutante ao robô. No momento, a distância que o separava do inimigo era de três metros. O robô tinha a altura de um armário comum e metade de sua largura.
Teoricamente, o africano era prisioneiro do estranho aparelho, e por isso foi tratado sem a menor contemplação.
O robô atingiu a extremidade superior do poço e descansou na sua borda.
Tschubai teve a impressão de que estava sendo observado atentamente, muito embora não visse nada no robô que pudesse ser considerado como um par de olhos ou outros instrumentos óticos mecânicos.
Deslocando-se na horizontal, o africano também chegou ao destino provisório. Dois dos braços em espiral agarraram-no e arrastaram-no brutalmente para fora do alcance do campo antigravitacional. Tschubai ficou deitado de costas no chão e contemplou o robô. Ainda se sentia um tanto confuso. Fez menção de levantar-se, mas levou um soco que o atirou para trás.
Num movimento discreto pôs a mão no desintegrador, mas o robô parecia conhecer a finalidade do gesto, pois arrancou-lhe a arma com uma pancada. Muito decepcionado, Tschubai viu-a escorregar pelo chão liso.
O robô soltou o cabo que rebocava o corpo de Tschubai e guardou-o numa abertura que havia em sua própria parte lateral. O mutante sentiu-se erguido e a máquina pôs-se em movimento.
Tschubai não ofereceu resistência; deixou que o carregassem, pois acreditava que este seria o caminho que o levaria mais depressa aos donos dessa nave.
Nem desconfiava de que estes já se encontravam à sua frente.
Tako Kakuta foi parar no meio de um gigantesco salão, cujo soalho parecia uma pista de dança abandonada. O japonês olhou em torno. Não viu o menor sinal de um ser vivo ou de qualquer equipamento técnico. Qual seria a finalidade do recinto em que se encontrava?
Kakuta saiu andando. Seus passos produziram um ruído oco, refletido pelas paredes distantes.
Gucky e Ras não estavam por perto. Kakuta esteve a ponto de afastar-se com um salto ligeiro, quando alguma coisa que tinha as dimensões de uma enorme escrivaninha veio rolando em sua direção.
O mutante parou. Não sabia o que fazer. Não havia dúvida de que aquela coisa recém-chegada era de metal e se locomovia sobre inúmeras rodas, tanto que mudou subitamente de direção ao precipitar-se sobre Kakuta.
O japonês tirou a arma e observava atentamente a aproximação do misterioso objeto. Era um aparelho anguloso coberto de penduricalhos, cuja finalidade Kakuta não sabia explicar. Quando se encontrava a dez metros do teleportador, o artefato parou de repente.
— Brruc, brruc — fez a coisa.
— Não entendo nada — respondeu Kakuta, em tom desconfiado.
Uma tampa abriu-se de um dos lados da escrivaninha. Inúmeros objetos pequenos saíram da abertura e espalharam-se pelo chão, tomando a direção de Kakuta. Num movimento instintivo, o teleportador deu um passo para trás. Os objetos esféricos que se espalhavam pelo chão rolaram atrás dele. Outra abertura surgiu na enorme caixa, e dela saíram novas esferas, que também se deslocaram rapidamente em direção a Kakuta.
O mutante fez pontaria e disparou para a esfera que se encontrava mais próxima. A mesma explodiu num raio esverdeado e exalou um cheiro repugnante. As outras esferas continuaram a avançar como se não tivesse acontecido nada.
O japonês compreendeu que seria impossível destruir todas as esferas a tiro, pois a escrivaninha continuava a produzi-las incessantemente. Um verdadeiro exército de pequenas esferas brancas avançava para Kakuta.
O japonês deu um ligeiro salto de teleportação e se materializou a vinte metros de distância. As esferas correram nervosamente de um lado para outro, formando um mosaico de metal. De repente voltaram para dentro do grande robô, como se tivessem obedecido a um comando, e desapareceram.
Este começou a deslocar-se na direção em que Kakuta fugira, como se nada tivesse acontecido.
Logo a seguir, mais duas máquinas — muito maiores que a escrivaninha — entraram no salão. Uma delas fazia um barulho tremendo, chiando e estalando, como se estivesse prestes a estourar. Na base, essa máquina era muito larga, mas a mesma se estreitava progressivamente, terminando numa ponta pendente. Do outro aparelho recém-chegado não se ouvia absolutamente nada; provavelmente os ruídos produzidos pelo mesmo eram abafados pela outra máquina. Kakuta viu um objeto achatado, que avançava penosamente aos saltos, inundando os arredores numa luz vermelho-púrpura.
A escrivaninha voltou a aproximar-se do teleportador; ao que parecia, achava que estava na hora de voltar a descarregar seus misteriosos tripulantes. Numa questão de segundo, as esferas brancas voltaram a espalhar-se pelo chão. De repente a máquina que produzia a barulheira infernal expeliu duas ou três peças de metal, que se precipitaram sobre Kakuta, como se fossem enormes línguas de camaleão. A luz purpúrea do terceiro robô iluminava a cena. De um momento para o outro, as esferas brancas adquiriram uma coloração vermelha; até pareciam gotas de sangue que rolassem pelo chão. O japonês nunca vira nada semelhante. O quadro deixou-o fascinado.
Nenhum ser humano conseguiria descobrir uma finalidade nessa série de acontecimentos infernais. Mas Kakuta teve a impressão de que tudo aquilo obedecia a um princípio bem definido e tinha uma finalidade.
Uma das línguas metálicas tocou no braço de Kakuta e derrubou-o. O mutante escorregou pelo chão liso como se estivesse sendo arrastado por uma mola. Chegou ao lugar em que estavam as esferas. A cada contato com as mesmas sofria um doloroso choque elétrico. Uma segunda língua metálica enlaçou-lhe as pernas. Kakuta disparou sem fazer pontaria. Atingiu o aparelho achatado, que se afastou aos saltos, com um terrível ruído crepitante. A luz vermelha tornou-se bem mais fraca. A terceira língua segurou o teleportador pelo peito e as três arrastaram-no para junto do robô cônico. A escrivaninha recolheu as esferas e, segundo parecia, achou que sua tarefa estava concluída. Saiu rolando com um “brruc” que parecia exprimir satisfação.
O cone metálico levantou Tako Kakuta, envolveu-o e saiu ruidosamente do salão.
Shorty-O soltou o pé deslizante do fio condutor e deixou-se cair no poço do elevador magnético.
Teve suas dúvidas sobre se a situação teria chegado a esse ponto, caso o comandante do segmento superior não tivesse recusado em termos tão rigorosos os conselhos que o robô recarregável pretendia dar-lhe. Agora era tarde.
Uma coisa terrível acabara de acontecer. Seres vivos orgânicos haviam entrado na nave, de uma maneira que ainda não se conseguira descobrir.
O comandante do segmento inferior mostrou-se bastante precipitado ao dar ordem aos fuzileiros para que matassem os três desconhecidos. Só mesmo a rápida intervenção de Shorty-O conseguiu impedir que isso acontecesse.
O conselheiro correu imediatamente ao posto de informações mais próximo e entrou em contato com o comandante do segmento superior. Recomendou-lhe que não agisse precipitadamente, matando as criaturas repugnantes que tinham subido a bordo, pois se não as pegassem vivas nunca saberiam como elas haviam entrado na nave. Shorty-O falou em tom insistente, e o comandante achou que estava com a razão.
Retirou os fuzileiros que já haviam sido postos em marcha e recorreu a outras unidades. Ao que sabia Shorty-O, a essa hora dois voadores, um radiador, os três inspetores, um lança-energia e um técnico externo corriam pela nave, atrás dos desconhecidos.
Shorty-O sentia-se muito triste por não ter podido acompanhar a operação. Teve de recarregar-se e assim perdeu parte da caçada. Naquele momento dirigia-se ao comandante do segmento superior, a fim de prestar-lhe um serviço, fornecendo-lhe seus indispensáveis conselhos.
Saiu da parte superior do elevador magnético. Um dos inspetores passou correndo sem lhe dar a menor atenção. O conselheiro olhou-o com uma expressão de desprezo. Afinal chegara a hora em que poderia mostrar a essa gente quem era ele. Quase chegou a sentir um prazer ao pensar nos controladores de fase, umas criaturas inúteis que perambulavam pela nave.
Shorty-O atravessou o corredor. Teve a cautela de ligar seu setor negativo, a fim de não penetrar no campo elétrico de outro indivíduo.
Chegou à sala de comando do segmento superior e irradiou seu impulso de identificação. O comandante mandou que entrasse. Até então Shorty-O só havia visto a sala de comando a partir dos postos de informações. Assim que entrou, ficou surpreso com a grande variedade do equipamento. O comandante ligara-se a todos os contatos.
— Já capturamos dois deles — disse o comandante.
Shorty-O sentiu-se um tanto triste. Gostaria de cooperar na captura de todos os seres orgânicos.
Mas as palavras seguintes do comandante deixaram-no mais conformado.
— O último nos vem causando muitos problemas — comunicou ao conselheiro. — Até agora conseguiu subtrair-se a todos os ataques. Acho que teremos de matá-lo.
— Existem outras possibilidades — ponderou Shorty-O, embora tivesse a impressão de que o comandante já tomara sua decisão.
Naturalmente os contatos exigiam toda a atenção do comandante do segmento superior. Era possível que seu silêncio não devesse ser interpretado como uma recusa. Treze dos quarenta e sete contatos apagaram-se. O comandante teve tempo para perguntar apressadamente:
— Qual é sua sugestão?
Shorty-O ficou aborrecido ao notar que um dos inúteis controladores de fase entrara na sala de comando e, fazendo-se de importante, examinava os controles principais. O recarregável seria capaz de jurar que só viera por estar interessado na conversa, já que a mesma não estava sendo transmitida pelo posto de informações.
— A experiência já nos ensinou que a vida orgânica é facilmente influenciável pelos raios paralisantes — disse Shorty-O, contrariado. — Por que não tentamos?
— O comandante do segmento inferior tem suas dúvidas, já que os desconhecidos nos atacaram com os tais raios. Receia que disponham de alguma defesa contra os mesmos.
— Acho que vale a pena tentar — disse Shorty-O.
O controlador de fase não poderia permanecer por mais tempo na sala de comando sem chamar a atenção dos demais, motivo por que se retirou lentamente. Até parecia que o comandante nem o vira.
— Está bem — disse, dirigindo-se ao conselheiro. — Darei ordem para que façam isso.
O recarregável pensou que acabara de fazer pela nave tudo que estava ao seu alcance. Provara que era um fator importante na vida a bordo.
Tudo dependia de que seu plano desse certo.
Quatro grampos metálicos fecharam-se em torno do corpo de Ras Tschubai. Este compreendeu que seu guarda mecânico desejava que por enquanto continuasse no mesmo lugar. Fora introduzido num recinto pequeno, em cujo interior havia várias armações. O robô que o maltratara no poço do elevador havia desaparecido. Em compensação um outro permanecia nas proximidades. Esse era um “cone voador” com uma grande lente que cobria toda a parte dianteira e apontava ininterruptamente na direção em que o teleportador estava preso. Tschubai estava pendurado numa das armações, formando um ângulo oblíquo com o chão. Os grampos impediam todo e qualquer movimento. Seria fácil libertar-se por meio de um salto de teleportação, mas estava interessado em saber o que pretendiam fazer com ele.
Seu guarda parecia flutuar tranqüilamente à sua frente. O mutante não lhe deu a menor atenção. Queria que as “pessoas”, que o observassem por intermédio do robô, pensassem que não conhecia a finalidade do aparelho que se encontrava à sua frente.
O primeiro ser vivo que surgiu à sua frente não foi outro senão Tako Kakuta. O japonês não veio de livre e espontânea vontade, mas sim introduzido no recinto por um robô barulhento.
— Olá! — disse Tako com um sorriso, contorcendo-se nos braços de aranha do robô.
— Logo pensei que não demoraria a ter companhia — disse Tschubai, irônico. — O senhor se admirará com o conforto que terá por aqui.
— Não faço questão de conforto — disse o japonês, em tom humilde.
As palavras que pretendia proferir depois disso foram interrompidas, pois o robô barulhento colocou-o de cabeça para baixo como se fosse uma boneca e pendurou-o numa das armações.
Kakuta ficou com o rosto virado para baixo. Tschubai fitou-o com uma expressão de curiosidade.
— O senhor passou a dedicar-se à observação do solo? — perguntou.
— O homem triste é ferido pelo escárnio que quer lançar contra os outros — disse Kakuta em tom filosofal.
Fez um esforço para virar o corpo e conseguiu colocar-se na mesma posição de Tschubai.
O robô afastou-se ruidosamente. O vigia parecia um tanto desorientado, flutuando ora diante de um dos terranos, ora diante do outro. Com um único olhar, Kakuta conseguiu averiguar a finalidade do robô voador.
— Estamos sendo videofonados — disse, dirigindo-se a Tschubai.
O africano fez um gesto afirmativo e virou-se para ver Kakuta.
— Estou curioso para saber o que vai acontecer.
— Gucky deverá aparecer por aí — disse o japonês, em tom seco.
— Acho que o senhor está subestimando a capacidade de resistência de nosso amigo — disse Tschubai. — Ele criará bastante confusão a bordo. Tenho a impressão de que os ocupantes desta nave não ficaram muito satisfeitos com nossa visita. Por enquanto só vi robôs; robôs de todos os tipos que se possa imaginar.
— Pois comigo aconteceu exatamente a mesma coisa — informou Kakuta. — Parece que os verdadeiros donos desta nave são muito retraídos.
— Se me lembro de que nossos raios narcotizantes não produziram nenhum efeito, até sou levado a acreditar que a bordo desta nave fragmentária só existem robôs — disse Tschubai. — Isto me faz lembrar alguma coisa.
— O planeta mecanizado!
— Sim, mas existe uma diferença. Por aqui há robôs de todos os tipos, e cada um deles parece ser capaz de agir independentemente do outro — Tschubai fez menção de coçar o queixo, mas os grampos metálicos impediram-no. — Isto se parece com o mundo mecanizado, mas também é bem diferente. Parece um paradoxo, não parece?
— Bem — disse Kakuta. — Por quanto tempo ainda vamos acompanhar o jogo deles? Sugiro que nos libertemos destas armações e saiamos à procura de Gucky, que por certo está travando sua guerrinha com algumas máquinas.
Tschubai compreendia perfeitamente que aquele nervosismo não correspondia à mentalidade do asiático. Desde o momento em que haviam entrado na nave fragmentária, estavam lutando com robôs, e não conseguiram levar sua missão à frente. Estava na hora de empreenderem uma ação decisiva. Mas o instinto do africano parecia formular-lhe uma advertência. Os robôs com que se haviam encontrado não pareciam muito hostis, contudo Tschubai acreditava que eles não estavam revelando sua verdadeira atitude. Havia naquela nave algo de frio e malvado. Tschubai não sabia qual era a origem dessa impressão que se apossara dele, mas a mesma deixara-o deprimido desde o início.
Até mesmo o vigia que flutuava sobre suas cabeças, cuja lente brilhava que nem um olho de tigre, espelhava um ódio que quase chegava a sentir fisicamente, se bem que Tschubai vivesse dizendo a si mesmo que isso era totalmente impossível. Um robô não podia odiar ou entreter qualquer outro sentimento; apenas podia agir segundo os comandos e controles positrônicos ou de outra espécie que fossem introduzidos nele.
Mas nem mesmo essas idéias conseguiram espantar a desconfiança do mutante. Lançou um olhar para Kakuta e notou que com o japonês estava acontecendo a mesma coisa. Os dois sentiam o perigo que se escondia nessa nave, embora não conhecessem sua natureza.
Face à situação, Tschubai ficou indeciso.
— Vamos esperar mais um pouco — disse, dirigindo-se a Kakuta. — Não devemos apresentar nossos trunfos antes da hora.
Muito lentamente, como se tivesse entendido as palavras que acabavam de ser pronunciadas, o vigia desceu cinqüenta centímetros.
Sob o ponto de vista objetivo Gucky foi parar num dos lugares mais perigosos da nave fragmentária. Materializou no interior de uma torre guarnecida por três fuzileiros. Ao contrário dos robôs, o rato-castor estava preparado para um confronto. Os corpos azuis viraram-se instantaneamente e começaram a disparar, mas Gucky, que já pairava junto ao teto, usou suas energias telecinéticas para neutralizar as armas do inimigo.
Os fuzileiros levantaram-se com a velocidade de um raio, mas no mesmo instante receberam a mensagem do comandante do segmento superior que mandou que se conservassem calmos e lhes ordenou que não abrissem fogo. Naturalmente Gucky não podia saber disso.
Para o rato-castor, o restante do ato foi apenas uma brincadeira. Quando saiu da torre, havia a bordo da nave menos três fuzileiros capazes de entrar em ação. Gucky acreditava que com isso acabara de impor o necessário respeito ao inimigo. Dali em diante, quando se defrontassem com ele, seriam mais cuidadosos.
Junto à torre havia um cubículo ocupado por um mensageiro. Este olhou para Gucky e ficou quieto. O rato-castor ficou indeciso ao ver aquele objeto em forma de cebola. Sua antipatia instintiva contra tudo quanto era robô lhe deu vontade de atacar o estranho aparelho, mas seu raciocínio lhe disse que, por ora, seria preferível manter uma atitude discreta.
Acontece que, no mesmo instante, o mensageiro entrou em contato com o comandante do segmento inferior e saiu do lugar em que estivera sentado. Seus movimentos pareciam tão lentos e pesados que Gucky se sentiu surpreso quando o robô acelerou de repente e, passando por ele, precipitou-se para fora do recinto.
— Para que tanta pressa? — gritou Gucky atrás dele. — Sou um pacato rato-castor.
O mensageiro não parecia pensar assim. Quando Gucky saiu para o corredor, o robô já estava dobrando a curva mais próxima. Perplexo, Gucky exibiu seu dente-roedor, o que não lhe deu um aspecto muito atraente. Três máquinas que se aproximaram pelo ar aproveitaram o momento de hesitação de Gucky para lançar um ataque fulminante. Aproximaram-se por trás e deixaram-se cair sobre o rato-castor. O Tenente Gucky, pertencente à Frota Solar, caiu para frente e teve que dar um ligeiro salto de teleportação para escapar ao perigo. Materializou-se a vinte metros.
Estava furioso. Os robôs mantinham-se ocupados uns com os outros. Procuraram localizar entre seus tentáculos o rato-castor que desaparecera tão de repente. Gucky aproveitou o momento de confusão e fê-los baterem fortemente contra a parede lateral do corredor. Para sua surpresa, recuperaram-se logo desse tipo de tratamento e prosseguiram na perseguição ao inimigo que voltara a tornar-se visível.
Mais uma vez Gucky recorreu às suas energias telecinéticas. O robô que vinha atrás dos outros acelerou contra sua vontade e abalroou as máquinas que flutuavam à sua frente.
Parece que isso bastou, pois os robôs retiraram-se, gravemente avariados. Gucky esticou o pescoço num gesto ameaçador. Estava disposto a mostrar a esses sujeitos pesadões que não poderiam afrontá-lo sem mais nem menos.
Por alguns segundos concentrou seu sentido telepático. Finalmente recebeu os fluxos tênues do pensamento de Tschubai e Kakuta. Estava na hora de entrar em contato com os outros teleportadores. Orientando-se pelos pensamentos que captava debilmente, saltou.
Materializou-se num recinto de tamanho médio e viu Kakuta e Tschubai presos num estranho dispositivo. Sorriu para os amigos e cruzou os bracinhos sobre o peito. Antes que tivesse tempo de fazer uma observação irônica, o vigia passou sobre suas cabeças. O rato-castor não precisou de grande dispêndio de energia para atirá-lo ao chão, onde o vigia se esfacelou.
— Isso não foi nada inteligente, baixinho — disse Tschubai, contrariado. — Ficamos quietos o tempo todo, para que nossos amigos pudessem observar-nos com toda calma, e agora você banca o doido.
Gucky esforçou-se para dar a impressão de estar desolado.
— Não adianta ficarmos mais tempo por aqui — disse Kakuta. — Depois da atuação de Gucky, o inimigo será capaz de imaginar como fizemos para entrar na nave fragmentária.
O rato-castor recorreu às suas energias telecinéticas para abrir os suportes que prendiam Tschubai e o japonês. Tschubai deu um pontapé no que restava do vigia.
— Ali está ele e não segura mais ninguém — disse num humor contrariado.
Kakuta olhou em torno. Parecia nervoso.
— Está na hora de darmos o fora — disse, dirigindo-se a Tschubai. Falando com Gucky, acrescentou: — Você já descobriu quem são os donos desta nave e onde fica a sala de comando?
O ex-habitante do planeta Vagabundo fitou-o com uma expressão de compaixão.
— Não posso fazer milagres — disse em tom queixoso. — Afinal, tive de esforçar-me para livrar-me dos robôs, e o fato de não ter sido preso prova que consegui.
— Começo a sentir-me mal — disse Tschubai de repente.
Kakuta também teve uma sensação deprimente, e Gucky farejava o ar, desconfiado. Tschubai teve a impressão de que seu corpo pesava como chumbo. Sentiu medo.
— É estranho — disse Kakuta com a língua pesada. Seus lábios moviam-se muito devagar.
— Somos atingidos por um raio paralisante — gritou Gucky. — Vamos dar o fora daqui.
Seguraram-se pelas mãos e saltaram.
Foram parar num corredor fortemente iluminado, mas a sensação não desapareceu; até ficou mais forte. Ao que parecia, os raios invisíveis enchiam toda a nave.
— Temos que sair desta nave — disse Kakuta, falando com dificuldade.
Tschubai soltou uma risada.
— Para onde podemos ir, Tako?
O africano sentia-se cada vez mais fraco. Dentro de mais algum tempo não estaria mais em condições de teleportar-se.
— A Teodorico ainda está muito longe — a voz de Gucky parecia cansada. — Mas existe outra nave que nos oferece uma segurança relativa.
— É a Frisco? — perguntou Kakuta. — Ela já desapareceu no espaço.
Gucky balançou como quem carrega um grande peso.
— Não — disse, reunindo as últimas forças. — Refiro-me à Hat-Lete.
Dali a segundos os três corpos desmancharam-se como se nunca tivessem existido. Saltaram para bordo da nave robotizada arcônida, onde enxameavam os robôs vindos da nave fragmentária.
Mas só souberam disso depois de terem chegado...
Algumas raças de astronautas da Galáxia afirmam que um terrano atirado para fora de uma casa pela porta da frente volta a entrar, imediatamente, pela porta dos fundos e continua a fazer isso até que a outra pessoa o mate ou se dobre à sua obstinação. As pessoas que espalhavam essa história costumavam acrescentar, um tanto contrariados, que, na maior parte das vezes, os terranos haviam saído vencedores.
Esta era apenas uma das muitas histórias que se contavam a respeito dos homens, e a mesma teria encontrado reforço se alguém estivesse testemunhando os fatos quando Rhodan fez a Teodorico aproximar-se novamente da nave fragmentária. No entanto, os acontecimentos só eram presenciados pelos terranos e por um grupo de robôs, motivo por que coube aos historiadores do planeta Terra relatarem em palavras frias que o administrador do Império Solar voltara a atacar a nave fragmentária.
Na verdade, as coisas eram muito mais perigosas. A ação temerária teve início quando Rhodan lançou um olhar para o relógio de bordo.
— Está na hora de irmos buscar os teleportadores — disse, dirigindo-se a Claudrin.
— Desta vez teremos de chegar mais perto, sir — ponderou o comodoro.
— Sei disso, Jefe. Acontece que agora estamos preparados para o ataque e poderemos esquivar-nos. Além disto nossas armas também falarão.
Claudrin não parecia muito satisfeito com a perspectiva de entrar em combate com a nave fragmentária, mas não deixou que ninguém o percebesse.
— Assim que sairmos da zona de libração abriremos fogo — disse Rhodan. — Usaremos os pesados canhões de radiação. Prepare-se para nos desviarmos por meio de uma manobra maluca, comodoro.
— Levarei nossa nave para dentro do inferno e voltarei a tirá-la de lá — afirmou Claudrin.
Quem visse sua estatura baixa, mas maciça, não pensaria que aquilo era um exagero.
Era bem verdade que o homem nascido em Epsal dispunha de uma tripulação que não tinha par em experiência e treinamento especializado. Eram homens que encaravam qualquer situação com o maior sangue-frio e executavam suas tarefas até o fim.
Até mesmo os soldados rasos da nave capitânia eram especialistas altamente treinados, dotados de inteligência acima da média, e que dispunham de grande saber. Aqueles homens formavam uma equipe perfeitamente integrada, que se compreendia e se completava mutuamente em todas as situações.
Rhodan entrou em contato com o setor de comando de tiro e avisou o oficial de plantão para que se preparasse. A Teodorico precipitou-se para o destino. Os homens da sala de comando aglomeravam-se à frente da tela panorâmica.
A reação da nave fragmentária foi ainda mais rápida que da primeira vez. Assim que a Teodorico saiu do semi-espaço, as inúmeras torres de canhões do veículo espacial cúbico começaram a cuspir seus raios mortíferos. Mas desta vez Jefe Claudrin estava preparado. A gigantesca nave esférica saiu da área de alcance da artilharia inimiga.
Rhodan acompanhou os acontecimentos com os olhos injetados de sangue. O setor de comando de tiro recebeu ordem para abrir fogo. Os canhões de radiação da Teodorico disparavam ininterruptamente, mas isso não parecia causar a menor impressão na nave fragmentária.
A Teodorico sofreu o primeiro impacto. Foi fortemente sacudida, embora os campos energéticos não deixassem passar nada. Claudrin mudou de rumo e, descrevendo uma rota perigosíssima, precipitou-se sobre a gigantesca nave desconhecida. Os feixes de raios passavam por cima da nave capitânia da Frota Solar.
O homem nascido em Epsal tomou outra direção. As armas das torres de canhão da nave terrana começaram a cuspir fogo. Desta vez, o bombardeio foi mais concentrado, mas a nave fragmentária “engolia” os tiros. Seus campos defensivos não apresentavam nenhum ponto fraco. Em compensação reforçou seus ataques contra a Teodorico. As luzes ficaram mais fracas. Rhodan lançou um olhar preocupado para o comodoro.
— Por que os teleportadores não saltam de volta? — gritou Slide Narco, muito nervoso. — Tomara que não lhes tenha acontecido alguma coisa. Não podemos ficar aqui por muito tempo.
Claudrin soltou uma estrondosa gargalhada e fez a Teodorico descrever uma curva bem ampla.
Nem assim conseguiu evitar que esta recebesse diversos impactos, que foram absorvidos pelos campos defensivos.
John Marshall, chefe do Exército de Mutantes e um telepata muito eficiente, entrou na sala de comando e fez um sinal para Rhodan. O administrador levantou-se e foi ao encontro do telepata.
— Há problemas, sir — disse Marshall no tom lacônico que lhe era peculiar. — Há pouco recebi um impulso telepático de Gucky. Os teleportadores encontram-se a bordo da Hat-Lete. Foram atacados com raios paralisantes e ainda estão fracos demais para saltar para cá. Gucky informa que a bordo da nave robotizada arcônida existe grande quantidade de robôs. Estão lhes causando dificuldades. Receia que seu número cresça ainda mais.
Rhodan não interrompeu o telepata. Enquanto Marshall ainda falava, refletia intensamente.
Devia fazer alguma coisa pelos três teleportadores. Eram preciosos colaboradores nas causas da Humanidade e em muitos conflitos haviam dado boas vitórias à Terra.
— Precisamos ajudar os mutantes — disse Rhodan, em voz baixa.
Marshall manteve-se em silêncio. Fitou o administrador com uma expressão séria. Sabia que Rhodan faria tudo para salvar os teleportadores.
— Gucky, Ras e Tako estão presos na nave arcônida — disse Rhodan, dirigindo-se aos oficiais, enquanto voltava ao seu lugar.
— Temos de fazer alguma coisa para tirá-los de lá.
A cabeça enorme de Jefe Claudrin virou-se abruptamente.
— Não podemos chegar mais perto, sir. Se nos arriscarmos demais, o número dos impactos dobrará e os campos defensivos de nossa nave poderão desmoronar.
— As unidades da Frota não devem demorar — disse Thomas.
— Não podemos esperar — falou Rhodan, em tom resoluto. — Devemos agir sós.
O Dr. Riebsam disse em tom ponderado:
— O senhor já tem algum plano, sir?
Um sorriso ligeiro passou pelo rosto de Rhodan. Notou que o matemático queria manifestar sua disposição de ajudá-lo, pois já percebera suas decisões.
— Gostaria de saber para que serve o transmissor fictício instalado a bordo da Teodorico — disse Rhodan, esticando as palavras.
Viu-se cercado por um grupo de homens que o fitavam intensamente. Slide Narco perguntou espantado:
— O senhor quer que alguns de nós se deixem atirar para bordo da Hat-Lete, sir?
— Isso mesmo; para apoiar os três mutantes.
Por um instante Claudrin esqueceu-se da tarefa que lhe fora confiada. Uma potente salva sacudiu a Teodorico. Rhodan ordenou ao setor de comando de tiro que o fogo não fosse suspenso.
— Vamos mantê-los ocupados — disse. — O Capitão Brazo Alkher formará um comando de dez voluntários que irão com ele para bordo da nave arcônida.
A Teodorico voava em torno da nave inimiga que nem um marimbondo zangado, mas não conseguiu danificá-la. Enquanto isso a nave capitânia vez por outra sofria um impacto.
— É claro que o senhor poderá recusar-se a cumprir a tarefa, capitão — acrescentou Rhodan.
Os olhos castanhos de Alkher perderam um pouco da expressão suave que lhes era peculiar,
— Vou escolher os homens que me acompanharão, sir — disse e retirou-se da sala de comando.
— O trabalho dele será bastante difícil, sir — disse Thomas, quando Alkher já não o podia ouvir. — Acho que a bordo da Hat-Lete lhe prepararão uma recepção bem quente.
— Quanto a isso não tenho a menor dúvida.
Rhodan fez um sinal para o oficial.
— Precisamos fazer o possível para dar apoio aos mutantes até que cheguem as unidades da Frota.
O cabo Gallik estava cochilando. Esforçava-se para não ouvir os impactos que a Teodorico sofria. Achava-se recostado na poltrona do pequeno camarote que ocupava juntamente com o sargento Oaliason. De repente a porta abriu-se e o Capitão Alkher entrou.
— Olá, Gallik — disse em tom amável.
Tschik Gallik levantou-se lentamente e lançou um olhar desconfiado para o homem que acabara de entrar.
— O que aconteceu, sir? — perguntou.
— Pensei que o senhor já soubesse de que se apresentou como voluntário! — disse Alkher em tom de falso espanto.
O cérebro de Gallik entrou em alarma. Pôs-se de pé de vez.
— Parece que o senhor me confunde com o sargento Oaliason, sir — falou o cabo. — Não me lembro de me ter oferecido como voluntário para o que quer que fosse.
— Infelizmente não tenho muito tempo — disse Alkher. — Daqui a dez minutos teremos que estar a bordo da Hat-Lete. Está na hora de o senhor controlar suas armas.
Gallik coçou a cabeça. Parecia desesperado.
— Desculpe, sir — disse em tom contrariado. — O senhor tem uma maneira muito estranha de arranjar voluntários.
Alkher soltou uma risadinha.
— Os outros já estão preparados — disse. — Gostaria que o senhor fosse conosco.
Tschik Gallik vestiu a jaqueta do uniforme e acompanhou o capitão quando este se retirou do camarote.
— Aonde vamos, sir?
— Para o transmissor fictício. Seremos atirados para bordo da nave arcônida — Alkher piscou para Gallik. — Está gostando da idéia?
Gallik refletiu por um instante e disse:
— Sinto-me entusiasmado, sir; entusiasmado mesmo.
Via-se que o cabo realmente estava alegre porque o Capitão Alkher o escolhera para essa tarefa. Seu rosto contrariado e o andar arrastado não deixavam a menor dúvida quanto a isso.
Todavia, fora este mesmo Tschik Gallik quem, contando apenas com a ajuda de robôs de guerra, fizera voar pelos ares as fontes subterrâneas de Forghs e Klotor, para evitar que estas fossem desviadas em direção à colônia terrana.
Perry Rhodan viu o pequeno e alinhado grupo de homens valentes à sua frente. Bem que gostaria de acompanhá-los. Sabia que poderia confiar em todos. Qualquer um deles lutaria pela vida dos três teleportadores com o mesmo denodo de quem defende a própria vida.
Brazo Alkher adiantou-se e fez continência.
— Estamos prontos, sir.
Rhodan lembrou-se do rapaz esbelto que há tempos se encontrava juntamente com ele na nave avariada Fantasy. O que restava daquele espírito juvenil e despreocupado? Alkher transformara-se num homem maduro, que cumpria suas tarefas com plena consciência do dever. Apenas vez por outra um lampejo da alegria da juventude surgia nos olhos do capitão. Nessas oportunidades parecia renascer a sutileza com que costumava trabalhar no comando de tiro. O que restava disso era um humor seco, que muitas vezes se transformava em sarcasmo.
Rhodan esforçou-se para controlar seus sentimentos. Aqueles homens estavam sendo moldados pela vida no espaço. Isso era inevitável, O próprio Rhodan constituía o melhor exemplo.
— Os senhores já sabem por que devem executar uma tarefa perigosa como esta — disse Rhodan. — O êxito do grupo dependera de uma série de circunstâncias, mas dependera principalmente de sua capacidade de se adaptarem rapidamente às situações com que se defrontarem a bordo da Hat-Lete.
O Dr. Riebsam, que se encarregara dos controles do transmissor fictício, fez um ligeiro sinal para Rhodan. A máquina estava regulada.
— Boa sorte — disse Rhodan.
Os homens foram entrando no transmissor, e Rhodan esperou até que o último desaparecesse.
— Lá vão eles ao encontro de um destino desconhecido — disse o matemático.
A Teodorico foi sacudida por mais um impacto. Rhodan teve de segurar-se para não cair.
“A incerteza do destino atinge a todos nós”, pensou.
Tschik Galik viu Solensky, um polonês de estatura baixa, aparecer a seu lado. Depois dele viera Alkher, Owesian e Leggart. Atrás de Solensky apareceram Mesenhohl, Gunnarson, Pearson e Tannert. O último a chegar foi Stumpy Heffner, cujo rosto enrugado mostrava uma resolução quase fanática. Materializaram-se num compartimento de carga no qual não havia ninguém.
— Vamos dividir-nos em dois grupos — ordenou Alkher. — Esta sala tem duas portas. Tschik, vá para este lado com Heffner, Owesian, Solensky e Gunnarson. Os outros irão comigo.
Gallik era um homem alto, de boa musculatura. A pele do rosto parecia flácida e inflamada.
Fez um sinal para o capitão, e Alkher chamou os homens que o acompanhariam.
Tomando a frente do pequeno grupo, Gallik correu em direção à porta. O cabo tinha 38 anos. Dentro de dois anos seria promovido ao posto de sargento e depois disso sairia da Frota. Há anos Gallik pensava num plano secreto sobre o qual ainda não falara com ninguém.
Reuniria suas poupanças para montar um pequeno bar na Terra. Ficaria de pé atrás do balcão, enxugando os copos. Seus fregueses seriam antigos membros da Frota, que ficariam sentados em tamboretes altos à frente do bar, conversando sobre as aventuras do passado.
Gallik sabia que naquele momento estava mais longe que nunca da realização desse plano.
Antes de chegar à porta, voltou-se e viu Alkher e os soldados desaparecerem pela outra porta. Gallik estava decidido a sair vivo da operação em que estava metido. Fitou o rosto enrugado de Heffner, que não mostrava nenhum sentimento além do fanatismo embotado que costumava levar para as lutas. Ainda havia Solensky, que lutava constantemente com o medo. Seu rosto tremia. Gallik praguejou baixinho.
Que gente era essa que se encontrava a seu lado? Quais eram seus anseios, o que faziam quando não estavam metidos num uniforme e podiam dedicar-se às atividades privadas?
Gunnarson possuía o aspecto de um mecânico de automóvel que tem uma predileção toda especial pelos modelos antigos; já Owesian com sua pele escura parecia um mordomo nato.
Saíram do compartimento de carga e viram-se num corredor que se estendia para os dois lados. Viram Tako Kakuta, que vinha de um lado, enquanto do outro lado se aproximavam seis monstros metálicos. O japonês andava mancando e seu rosto sangrava. Quando viu os terranos soltou um grito e fez um sinal com a arma.
Por um instante os seis robôs pareciam perplexos, pois o reforço surpreendente que o inimigo recebera modificava a situação.
Stumpy Heffner foi o primeiro a esboçar uma reação. Apontou uma carabina de radiação e abriu fogo contra as máquinas, provocando uma luminosidade azulada em seus campos defensivos. Gallik correu para junto de Kakuta que estava bastante debilitado e se encostava à parede.
Solensky, Gunnarson e Owesian também dispararam. Os numerosos raios iluminaram o corredor. Línguas de fogo corriam pelo chão e a energia refletida crepitava.
Em um minuto a temperatura subiu dez graus.
Gallik pegou Kakuta pelo braço e arrastou-o para dentro do compartimento de carga.
Solensky seguiu-os cambaleando. Seu rosto apresentava uma palidez cadavérica.
— Nós nos dividimos — informou Kakuta, em tom hesitante. — Queríamos evitar que os ataques dos robôs se concentrassem num lugar. Ainda estamos muito fracos para realizar saltos de teleportação. Da nave fragmentária vem um número cada vez maior de atacantes.
Solensky enfiou a cabeça numa abertura e espiou para o corredor, mas logo a encolheu.
— Owesian está deitado no chão — disse. — Ainda se mexe. Só vejo três robôs.
— Cuide do teleportador — ordenou Gallik e saltou para o corredor.
Ouviu um berro de Owesian quando uma cascata de luz passou por ele e fundiu um buraco na parede. Heffner pulou que nem um louco em direção aos robôs, mantendo a arma na altura da cintura e agitando-a num movimento pendular. Galik teve a impressão de que iria derreter com aquele calor. Seus olhos ardiam como se alguém tivesse derramado ácido nos mesmos. Gunnarson ajoelhou-se ao lado de Owesian e fez pontaria com todo cuidado, antes de disparar. O fogo dos robôs não era concentrado; espalhava-se pelo corredor. O metal derretido pingava do teto que nem cera mole e, ao bater no chão, desmanchava-se com um forte chiado. Gallik disparava e corria atrás de Heffner para segurá-lo. Um robô caiu muito devagar. Seus tentáculos debatiam-se em vão, O grito de triunfo de Heffner foi interrompido por um forte ruído metálico. Eram mais quatro máquinas que se aproximavam. Eram mais altas e largas que as outras. Gallik sentiu um calafrio.
Berrou atrás de Heffner, mas este continuava a correr que nem um louco. Gallik virou-se e viu que Gunnarson se esforçava para arrastar Owesian, gravemente ferido, para dentro do compartimento de carga.
— Por que Solensky não está ajudando?
Naquele instante, o polonês baixo saiu correndo e segurou os ombros do afro-terrano. Ajudado por Gunnarson, arrastou-o para fora do corredor.
Gallik virou-se e, ao ver que Heffner ainda estava vivo, ficou espantado.
— Volte, Stumpy! — gritou.
Heffner foi atingido de raspão e viu-se atirado para o lado. Enquanto o corpo do soldado girava, Gallik teve a impressão de ver um sorriso desenhado em seu rosto. Galik não sabia o que mais o amedrontava, se era o ataque dos robôs ou o aspecto de Heffner. Pelo menos cinco tiros de radiações passaram por sobre Stumpy. Gallik disparava que nem um louco. Sentiu que Gunnarson entrava no corredor, logo atrás dele, e também passou a participar da luta.
Cascatas de luz ofuscante passaram perto de Gallik, que se sentiu atingido por uma onda de calor. Entretanto foi atingido e caiu para trás. Enquanto caía, viu os robôs se aproximarem.
Rolaram por cima de Heffner, que jazia imóvel. Gallik teve a impressão de ouvir o grito de Heffner, mas naquela barulheira infernal seria difícil distinguir qualquer ruído. Gallik viu uma miragem diante dos olhos de sua mente. Era um pequeno bar, e a visão conferiu-lhe forças sobre-humanas. Gunnarson caiu a seu lado. Tossia e cuspia. Gallik enxergou melhor. Viu que o uniforme de Gunnarson estava pegando fogo. Rolou por cima dele, a fim de abafar as chamas. O sueco fez uma observação que ele não entendeu. Olhou para trás e viu Solensky e Kakuta, que disparavam contra os robôs. Owesian saiu de quatro e, naquele momento difícil, sorriu ao olhar para Gallik. Um dos robôs deu um estouro surdo ao explodir. Suas peças foram arremessadas por cima de Gallik e do sueco. A máquina que se encontrava atrás dele incendiou-se e rolou em direção aos homens como se fosse uma tocha acesa.
De repente o corredor ficou livre. Só se via fumaça e fogo, além dos restos dos robôs destruídos. Gallik sentiu um gosto salgado na boca e a debilidade física fez com que tremesse. Viu Gunnarson levantar-se e arrancar pedaços do uniforme fumegante. Subitamente Heffner saiu cambaleando por entre as nuvens de fumaça.
O robô incendiado bateu na parede e caiu aos pedaços. Solensky aproximou-se de Gallik e ajudou-o a levantar-se.
— Não demorarão a voltar — gritou Kakuta. — Temos que dar o fora.
Gallik contemplou aquele grupo de homens feridos e maltratados.
— Vamos para dentro do compartimento de carga — ordenou em voz baixa.
Naquele momento a idéia do pequeno bar apagou-se na mente de Gallik, pois sabia que toda vez que um astronauta sentasse junto ao balcão, veria diante de si a imagem de Owesian, gravemente ferido, rastejando para dentro do inferno, a fim de socorrer os amigos.
Arrastaram-se para o interior do compartimento de carga e fecharam a escotilha. Stumpy Heffner desmaiou e tombou. Gunnarson teve que deitá-lo ao lado de Owesian. Gallik sentiu um cansaço infinito, mas também estava feliz porque todos estavam vivos.
— Está na hora de inventarmos alguma coisa — disse Kakuta. — Por aqui nunca estaremos seguros. Os robôs estão atrás de nós que nem uns doidos. Se muitos deles não estivessem ocupados nos reparos da Hat-Lete, nós já estaríamos derrotados.
— Estão reparando a Hat-Lete? — perguntou Galik, em tom de incredulidade. — Por que será?
— Não sei — respondeu o japonês. — Até parece que os robôs da nave fragmentária se preocupam com seus semelhantes. Seja como for, fazem grandes esforços para salvar a nave arcônida.
Gallik não entendia muito de robôs e, no momento, não estava em condições de refletir sobre isso. Nunca ouvira dizer que um robô se preocupasse ou desenvolvesse outros sentimentos.
— Então o senhor acredita que só continuamos vivos porque os robôs não querem causar grandes estragos a bordo da Hat-Lete?
— Parece que sim — disse o mutante.
— O inimigo vindo da estranha nave apresenta algumas qualidades que normalmente não aparecem nos robôs.
Heffner recuperou os sentidos. Um sorriso débil surgiu em seu rosto.
— Meus ferimentos não são muito graves — disse com a voz entrecortada pela dor. — Só sinto dificuldade de respirar.
Galik lançou um olhar para Stumpy e logo compreendeu que este precisava com urgência de tratamento médico. E o estado de Owesian não era muito melhor. Isto sem falar nos ferimentos leves sofridos por Solensky, Kakuta e por ele mesmo. Ao que parecia, Gunnarson era o único que escapara ileso. Apenas seu uniforme estava estragado.
No momento em que Gallik pretendia inclinar-se sobre Heffner, a Hat-Lete começou a vibrar de leve. Ouviu-se um ligeiro zumbido. Gallik estacou em meio ao movimento.
— O que é isso? — perguntou num cochicho.
— São os propulsores — respondeu Kakuta, em tom indiferente. — A nave robotizada está sendo colocada em movimento.
Os homens entreolharam-se. O pavor estampava-se em seus rostos...
Ras Tschubai sabia perfeitamente que só continuava vivo graças à circunstância de, por acaso, ter-se abrigado junto à chave principal da sala de máquinas. Os robôs vindos da nave fragmentária tinham suas dúvidas em disparar contra o terrano. Ao que parecia, não queriam danificar a chave. A única coisa que o africano tinha que fazer era evitar que uma das estranhas máquinas chegasse muito perto. Podia disparar à vontade e já liquidara quatro robôs, que vieram rolando em sua direção. As estranhas máquinas passaram a agir com mais cautela. Mantinham Tschubai constantemente sob observação. Alguns robôs trabalharam com um entusiasmo que quase chegava a ser fanático em alguma parte da sala de máquinas. Tschubai teve a impressão de que os tripulantes da nave inimiga estavam interessados em reparar todas as avarias da Hat-Lete. Até parecia que os robôs queriam despertar seus colegas positrônicos de Árcon para uma nova vida.
Tschubai desistiu de refletir a este respeito. Gostaria de saber qual era a situação de Gucky e Kakuta. Tako e o rato-castor ainda estavam tão fracos que não poderiam usar suas faculdades paranormais. Isso representava uma grave desvantagem, especialmente para Gucky. No estado em que se encontrava, o rato-castor não estaria em condições de realizar um salto de teleportação, e era bastante duvidoso que pudesse desenvolver suas energias telecinéticas. Além do que o dom da telepatia não bastava para defender-se numa luta com os robôs.
Tschubai olhou por cima da superfície abaulada da chave e viu que os robôs na sala de máquinas estavam construindo um estranho aparelho. O mutante nem se esforçou para compreender o aparelho; apenas perguntou a si mesmo se sua finalidade não poderia consistir em causar-lhe problemas.
Voltou a olhar por cima da chave e viu o Capitão Brazo Alkher entrar na sala de máquinas, com a arma em punho. Tschubai fechou os olhos por um instante, pois receava que estivesse sofrendo alucinações. Mesenhohl, Leggart, Tannert e Pearson entraram atrás de Alkher.
— Cuidado! — gritou Tschubai e saltou de trás da chave.
Os robôs atacaram quase no momento exato em que Alkher e seus homens se atiraram ao chão.
Tschubai abriu fogo e os robôs viraram-se, pois estavam sendo atacados por dois lados ao mesmo tempo. Alkher abrigou-se atrás de um enorme gerador, enquanto Leggart deu um salto audacioso e colocou-se entre dois ventiladores. Pearson saiu pela escotilha, atirando ininterruptamente, enquanto Mesenhohl e Tannert se abrigavam entre os painéis de controle.
Tschubai sorriu contrafeito e voltou para o lugar do qual tinha saído.
— Temos que sair daqui, Ras! — gritou Alkher de trás do gerador. — Se essa “gente” for buscar reforços, estaremos cercados.
O capitão estava com a razão, mas entre Tschubai e os cinco homens havia nada menos que quinze robôs, que acompanhavam atentamente todos os movimentos do inimigo. Na opinião do teleportador, seria impossível passar por eles. De qualquer maneira, precisava tentar.
— Saia correndo assim que abrirmos fogo — gritou Alkher.
O cano de sua arma saiu de trás do gerador como se fosse uma cobra. A cabeça feia de Leggart apareceu acima dos ventiladores e Pearson espiou pela escotilha.
— Fogo! — gritou Alkher.
Tschubai nem esperou que os homens começassem a atirar. Saiu correndo. Ouviu o chiado produzido pelas armas de radiação e sentiu o calor. Correndo abaixado, chegou à ponte estreita que passava por cima da face interna de um propulsor. A ponte achava-se bloqueada por dois robôs, que estava de olho em Pearson e logo disparara em direção à escotilha. Tschubai refletiu num instante. Uma das máquinas virou-se e suas lentes fitaram-no com uma expressão de indiferença. O mutante deu um salto por cima do corrimão e deixou-se cair para baixo da ponte. Segurando-se com ambas as mãos na borda da mesma, foi-se deslocando.
Ouviu o robô que se aproximava por cima das chapas de metal. Uma das mãos segurou uma barra do corrimão. Puxou o corpo para cima e lançou um olhar para a sala de máquinas. Um dos homens de Alkher atingiu o aparelho que se aproximava de Tschubai. O robô explodiu e um dos seus tentáculos precipitou-se sobre o africano. Tschubai deu um grito e soltou o corrimão, caindo para as profundezas. Bateu violentamente na superfície do propulsor, que ficava embaixo dele, e escorregou pela mesma. Um robô inclinou-se por cima do corrimão e disparou, mas não o atingiu.
— Ras! — gritou Alkher lá de cima. — Onde está você?
Tschubai procurou desesperadamente segurar-se na superfície lisa, mas escorregou até a borda do propulsor. Seu corpo estava inundado de dor. Apesar disso levantou-se e correu para um suporte da ponte. Guardou a arma, agarrou-se na barra de metal com as duas mãos e foi subindo.
Lá em cima dele a batalha continuava a rugir com a mesma violência. De repente a parte superior de um robô caiu por sobre a amurada. A peça de metal incandescente foi esfacelar-se em cima do propulsor. Tschubai continuou a subir. Acreditava que conseguiria chegar à ponte.
Porém naquele momento um ser invisível abriu fogo contra a parte superior do suporte da ponte.
A barra de metal começou a brilhar numa incandescência vermelha e começou a dobrar-se. O africano segurava-se obstinadamente. A parte superior da barra fundiu-se e Tschubai foi se afastando da ponte. Parecia um campeão de salto em altura que está prestes a transpor o obstáculo.
A barra elástica levou o teleportador para longe da ponte, fazendo-o balançar em outra direção. Desesperado, Tschubai procurou uma saída. A barra continuou a vergar. Quase chegou a tocar na parede.
Tschubai parecia um inseto seguro à extremidade superior de uma folha balançada pelo vento. Empurrou-se na parede com ambas as pernas, e a barra voltou a balançar em direção à ponte. O mutante chegou a pensar que não conseguiria passar pelo ponto mais alto, mas a barra começou a cair para o lado oposto e Tschubai tentou deslocar-se cada vez mais rapidamente em direção à ponte. Estendeu os braços e conseguiu segurar-se no corrimão. Suas pernas soltaram a barra que, aliviada da carga humana, voltou à vertical que nem uma mola.
Tschubai soltou um suspiro de alívio, mas a barra voltou e golpeou-o nas costas. Tschubai quase perdeu os sentidos, mas conseguiu arrastar-se para cima da ponte.
— Venha para cá, Ras — gritou alguém.
Tschubai ergueu-se a custo e saiu cambaleando na direção de onde vinha a voz. Esbarrou num robô imobilizado. Sentiu que alguma coisa o agarrava e puxava para o chão. Quando seus olhos voltaram a desanuviar-se, viu o rosto de buldogue de Leggart inclinado sobre ele.
— Pensei que o senhor não conseguiria... — disse Leggart em tom áspero.
— Quase estou morto — disse Tschubai, sorrindo.
Quando movimentava-se, a dor nas costas quase o fazia desmaiar.
Pearson enfiou a cabeça pela escotilha.
— Acho que nossos amigos vão receber reforços — disse em tom seco.
Alkher, junto ao gerador, fez um sinal.
— Vamos retirar-nos — ordenou. — Leggart, cuide do teleportador.
Leggart quase não teve de fazer nenhum esforço para levantar o africano.
Tschubai cerrou os dentes e saiu mancando atrás dos outros, com o braço esquerdo por cima do ombro de Leggart. Tannert e Mesenhohl cobriam a retirada, disparando contra mais alguns robôs que ainda não haviam sido imobilizados.
Quando se encontravam fora da sala de máquinas, Alkher mandou que parassem.
— Precisamos entrar em contato com os outros — disse. — É possível que tenham encontrado Kakuta e Gucky.
Tschubai esteve a ponto de dizer alguma coisa, mas um súbito ruído cortou-lhe a palavra. Uma ligeira trepidação, que logo cessou, sacudiu a Hat-Lete.
— É um ruído esquisito — disse Pearson, hesitante.
— É a nave — observou Alkher, em tom de alarma — Está sendo colocada em movimento.
Gucky sabia perfeitamente que não poderia esconder-se dos robôs. Ao que parecia, possuíam sensores mentais. Esses aparelhos indicariam prontamente a posição de qualquer ser orgânico. Por isso depois do momento em que haviam saltado para bordo da Hat-Lete, o rato-castor andara fugindo ininterruptamente. Graças às suas faculdades telepáticas conseguiu localizar Tako e Ras. Sentiu-se aliviado ao registrar a chegada do pequeno grupo de Alkher. Naquele momento estava abrindo caminho em direção aos homens que participavam do comando. Sem poder contar com a teleportação, Gucky era desajeitado e muito mais lento que um ser humano. Por isso teve de recorrer ao mesmo estratagema de que Tschubai se valera, com tamanho êxito, no interior da sala de máquinas.
Sempre que se encontrava nas proximidades de algum aparelho importante, os robôs hesitavam em abrir fogo contra ele. Entre os diversos pontos de parada havia trechos livres, e para vencê-los, Gucky tinha de confiar na sorte e em sua habilidade.
Quando os propulsores da Hat-Lete voltaram a funcionar e a nave arcônida, que ficara paralisada por seis anos, começou a acelerar, o otimismo que caracterizara Gucky, desde o nascimento, sofreu o primeiro abalo.
Sentado numa confortável poltrona, John Marshall concentrava-se exclusivamente na mensagem telepática transmitida por Gucky. Perry Rhodan esperou pacientemente que a palestra paranormal chegasse ao fim. Conseguia “ouvir” parte da mesma.
A Teodorico voltara a retirar-se da zona submetida ao alcance da nave fragmentária, a fim de aguardar o resultado da atuação do comando dirigido por Alkher.
Depois de algum tempo Marshall endireitou o corpo e fitou Rhodan.
— Os teleportadores ainda estão tão fracos que não podem saltar para a Teodorico — informou. — Gucky afirma que a nave fragmentária é inteiramente robotizada. Não existem seres orgânicos a bordo. Uma das peculiaridades dos seus robôs tripulantes parece consistir na tendência de atacar tudo que não seja mecânico. A tripulação positrônica da nave estranha esforça-se para reparar o equipamento da Hat-Lete. Até parece que essas máquinas dispõem de vida sentimental abstrata, pois preocupam-se bastante com seus “semelhantes”.
Assim que Marshall terminou de pronunciar estas palavras, Rhodan e Reg Thomas entreolharam-se com uma expressão de ceticismo.
— Então o problema é este — disse Rhodan.
— Os problemas são dois — retificou Jefe Claudrin, que se encontrava junto aos controles. — Realmente, temos dois problemas, sir. A Hat-Lete e a nave fragmentária estão acelerando.
— A Hat-Lete? — perguntou Rhodan, surpreso, caminhando a passos largos para junto das telas do equipamento de observação espacial. — Será possível?
— Provavelmente os robôs da estranha nave repararam a nave arcônida — disse o Dr. Riebsam. — Por certo conseguiram reativar, num tempo brevíssimo, o centro de computação do cruzador pesado.
— Nossos homens ainda estão a bordo da Hat-Lete e os teleportadores não podem saltar — disse Rhodan, com a voz zangada.
— Temos de fazer alguma coisa, pois, do contrário, desaparecerão no hiperespaço.
— O que podemos fazer, sir? — perguntou Claudrin.
— Precisamos atacar novamente para detê-los — disse Rhodan.
Se as duas naves robotizadas atingissem metade da velocidade da luz, não haveria mais possibilidade de salvar os homens do comando. A uma velocidade dessas praticamente não havia nenhuma possibilidade de travar uma batalha espacial.
A Teodorico acelerou e precipitou-se para a nave fragmentária. Rhodan entrou em contato com o centro de comando de tiro.
— Vamos tentar de novo. Disparem tudo que temos — ordenou.
O espaço parecia arrebentar quando a Teodorico voltou a abrir fogo contra o inimigo. As quantidades tremendas de energia produziam campos tremeluzentes. Claudrin executou uma manobra arriscada, trazendo a nave capitânia para bem perto do inimigo. Por um momento parecia que os campos defensivos da nave fragmentária não suportariam a carga, mas quando os robôs responderam ao fogo, o homem nascido em Epsal teve de mudar de rumo. O ataque acabara de ser rechaçado.
— As naves robotizadas continuam a acelerar, sir — anunciou o Major Slide Narco.
Não haveria nada que pudesse deter aquela nave cúbica? Rhodan lançou um olhar desesperado para a tela panorâmica. Não poderia permitir que três teleportadores e dez dos melhores homens da tripulação fossem raptados.
— E agora, sir? — perguntou Claudrin, em tom impaciente.
— Não podemos fazer nada para detê-los, Jefe — confessou Rhodan.
— Localizamos um objeto no espaço, sir! — gritou Narco, exaltado.
Eram eles!...
Por pouco Rhodan não solta um grito, quando vinte e duas naves pesadas da Frota Solar emergiram do semi-espaço e se colocaram em posição. Eram as naves convocadas por Rhodan, que há tanto tempo as esperava ansiosamente.
— Estabeleça contato imediatamente, major — ordenou Rhodan.
Só uma ação fulminante poderia salvar a situação. As ordens de Rhodan pareciam atropelar-se, mas foram proferidas na seqüência adequada e constituíam produto da reflexão.
— Reunir todas as naves num grupo compacto — ordenou Rhodan. — Atacaremos o inimigo em conjunto.
Vinte e três espaçonaves terranas uniram-se e precipitaram-se sobre o inimigo. Rhodan fitou a tela e viu os comandantes realizarem manobras impecáveis para entrar no grupo.
— Desta vez nós os pegaremos — disse Rhodan, confiante.
Shorty-O sabia que acabara de cometer um erro imperdoável. Os três seres orgânicos haviam usado um método desconhecido ao transferirem-se para a nave robotizada onde ofereciam uma resistência obstinada. Assim que este fato se tornou conhecido, o comandante do segmento superior mandou que Shorty-O se retirasse da sala de comando e lhe disse que, dentro em breve, pretendia solicitar uma resolução da comunidade da nave, para que no futuro Shorty-O não pudesse ser recarregado. Se uma proposta dessas era formulada pelo comandante do segmento superior, havia nove chances em dez de que seria aceita. Toda a tripulação da nave desconfiava de Shorty-O em virtude de sua idade inacreditável, e por isso já não havia a menor dúvida de qual seria a decisão.
Shorty-O estava sentado no posto de informações. Parecia abatido. Sentia-se feliz porque os controladores de fase não estavam presentes, já que tinham que vigiar a mudança de fase que aproximava. Estava só e podia acompanhar calmamente os acontecimentos projetados na tela.
Assistira ao novo ataque da nave tripulada por seres orgânicos e ficara orgulhoso ao notar que fora rechaçada com tamanha facilidade. Os mecânicos haviam reparado a nave robotizada desconhecida, que poderia afastar-se do lugar. Os repugnantes seres orgânicos que se encontravam a bordo acabariam por ser destruídos.
A essa hora Shorty-O compreendia que, desde o inicio, deveriam ter desenvolvido uma ação implacável contra os orgânicos, conforme ordenara o comandante do segmento inferior. Os fuzileiros já haviam sido colocados em movimento, e foi só em virtude da intervenção de Shorty-O que os seres orgânicos se viram em condições de destruir grande quantidade de vida verdadeira. Sob o ponto de vista objetivo, o conselheiro merecia a pena de privação de energia, pois em virtude dos maus conselhos que dera também se tornara culpado do que acontecera. Contudo fora uma série de circunstâncias adversas que fizeram com que se visse nessa situação...
De repente o quadro projetado na tela mudou. Shorty-O viu vinte e três espaçonaves que se puseram a perseguir a nave em que se encontrava. No mesmo instante, a voz do informante começou a falar:
— A tripulação das naves que acabam de aparecer é formada por vida orgânica. Parece que pretendem libertar os prisioneiros. Todos os campos defensivos foram ativados. Todas as torres estão de prontidão.
A imagem do comandante do segmento superior surgiu na tela. Acabara de ligar seu corpo bizarro a todos os contatos. A tremenda carga fê-lo inclinar-se para trás. Shorty-O não se atreveu a oferecer seu conselho. Ouviu um mensageiro que entrou apressadamente, mas não lhe deu a menor atenção. O mensageiro sondou o posto de informações e retirou-se. A imagem projetada na tela voltou a mudar. Shorty-O viu as vinte e três espaçonaves que se aproximavam rapidamente.
Ao que parecia os mecânicos ainda não haviam concluído seu trabalho, pois, do contrário, a aceleração da nave fragmentária seria mais forte. O comandante desejava proteger a nave robotizada amiga. Shorty-O ouvira os boatos mais desencontrados sobre os tripulantes da nave robotizada desconhecida.
Um dos controladores contara que os robôs estavam completamente desorientados, pois dependiam de uma grande central de comando, que por sua vez estava submetida a outra, ainda maior, sobre cujo paradeiro ninguém sabia dar qualquer informação.
A peça de ligação do comandante apareceu na tela. Dali a pouco, Shorty-O viu as naves inimigas. Seu pé deslizante escorregou nervosamente para o lado.
O inimigo não levaria trinta segundos para abrir fogo.
Em comparação com a extensão da Galáxia, a liberação de energia proveniente do fogo das naves terranas era como um fósforo aceso em meio a um incêndio na floresta. Mas, no espaço relativamente limitado em que estavam sendo atiradas as energias, o bombardeio dos canhões de impulso das naves terranas parecia desencadear um verdadeiro inferno. O espaço que cercava a nave fragmentária parecia literalmente inundado por uma luz chamejante. Os campos defensivos do veículo espacial tiveram um desempenho inacreditável, pois resistiram à tremenda carga. O rosto de Rhodan entesou-se.
— Não devemos desistir — disse em tom violento.
As naves terranas cercaram o magnífico veículo espacial, tal qual um bando de aves de rapina. Disparavam ininterruptamente. Rhodan já estava perdendo as esperanças, quando os campos defensivos do inimigo começaram a tremeluzir. Amplas fendas estruturais abriram-se em meio ao envoltório energético.
— Nós os pegamos, sir — gritou Thomas, em tom exultante.
— Fiquem firmes — ordenou Rhodan.
— Não desistam. Não devemos dar tempo aos robôs.
A nave fragmentária não se interessou mais pela Hat-Lete. Acelerou ao máximo.
— Estão fugindo, chefe! — gritou Claudrin em tom de triunfo.
Mais uma vez as ordens de Rhodan pareciam precipitar-se.
— Persigam-na. A Teodorico cuidará da Hat-Lete.
Vinte e duas naves saíram em perseguição da nave estranha, mas não a alcançaram mais.
Antes que pudessem disparar mais uma vez contra o inimigo, este subtraiu-se à ação dos perseguidores, desaparecendo no hiperespaço. Não se registrou nenhum abalo estrutural, e assim não havia como continuar a perseguição.
— Escapou — disse Thomas em tom contrariado.
Rhodan mandou que as naves voltassem. A nave fragmentária escapara. Paciência. De qualquer maneira mostrara que era vulnerável; o ataque concentrado das naves terranas colocara-a em situação difícil. Rhodan sentiu-se aliviado em saber que o inimigo não era invencível.
— Acho que não descobriremos mais nada a respeito desses robôs — disse o Dr. Riebsam com a voz do cientista que vê esvoaçar, no último instante, um resultado que considerava seguro.
Rhodan limitou-se a sorrir.
— Não se esqueça da Hat-Lete, doutor — disse. — A nave fragmentária deixou parte de sua tripulação para nós. Basta apresá-la e examiná-la.
O rosto do matemático iluminou-se.
— É verdade — disse.
A Hat-Lete voltara a deslocar-se em queda livre. Ao que parecia, depois do desaparecimento da nave inimiga, os robôs desistiram do intento de seqüestrar a nave arcônida. Os barcos terranos cercaram o cruzador pesado de Árcon.
Rhodan colocou a mão no ombro do Dr. Riebsam.
— Acho que o senhor gostaria de ir comigo, doutor — disse em tom amável.
Os olhos do cientista chisparam de alegria.
— Não tenha a menor dúvida, chefe. Estou ansioso para examinar esses robôs.
— Posso imaginar — disse Rhodan. Dirigindo-se a Marshall, pediu: — John, eu gostaria que você também me acompanhasse.
— Naturalmente, chefe — respondeu Marshall, levantando-se.
— Levaremos um comando de cem homens para a Hat-Lete. Irão em barcos espaciais — disse Rhodan. — Por certo os robôs do cruzador oferecerão uma resistência obstinada. John, procure entrar em contato com Gucky. Diga-lhe que chegaremos em breve.
O administrador entrou em contato com o hangar e mandou que os barcos espaciais fossem preparados.
Tschik Gallik não teve a menor dificuldade em interpretar os ruídos vindos do outro lado da escotilha. Um bando de robôs esforçava-se para arrombar a entrada do compartimento de carga, a fim de atacar os homens que lá se encontravam.
Kakuta encostou o ouvido ao metal e pôs-se a ouvir.
Falando baixo, para que os feridos não o ouvissem, dirigiu-se a Gallik:
— Vamos sair daqui.
O cabo não tinha a menor dúvida de que realmente precisavam sair. Restava saber como transportar Heffner e Owesian, que estavam gravemente feridos. Solensky, Kakuta e ele mesmo mal poderiam cuidar de si. E era impossível que Gunnarson conseguisse carregar os dois homens ao mesmo tempo.
Heffner tossiu baixinho e, respirando fortemente, disse:
— Tenho uma idéia.
Gallik apoiou seu corpo, para que pudesse falar melhor.
— Owesian e eu ficaremos aqui. Vocês procurarão os outros. Quando os robôs arrombarem a porta, poderemos detê-los por algum tempo.
— Fique quieto, Stumpy — disse Gallik, aborrecido.
De repente apareceu uma mancha vermelha no centro da escotilha e aumentou rapidamente...
— Estão furando o metal! — gritou Gunnarson.
Outras manchas apareceram. Os terranos compreenderam que, dali a alguns minutos, a escotilha de aço já não representaria qualquer obstáculo para os robôs.
Gallik olhou em torno. Perto da entrada havia alguns aparelhos de sucção, que serviam para remover a sujeira e a poeira do compartimento de carga. Constituíam o único abrigo de que dispunham.
Gallik fez um sinal para Gunnarson.
— Leve os feridos para lá — ordenou.
O sueco levantou Heffner cuidadosamente e carregou-o. Stumpy gemeu baixinho. Gallik esforçou-se para não ouvi-lo. A primeira abertura apareceu na escotilha, e Gallik teve a impressão de que via alguma coisa mexer-se atrás da mesma. Gunnarson voltou para levar Owesian. Solensky perdeu o autocontrole e disparou contra a escotilha.
Num movimento rápido, Gallik baixou a mão do polonês e sacudiu a cabeça. O sueco fez um sinal dizendo que os feridos se encontravam em segurança.
— Venha cá, Sven — gritou Gallik. — Vamos desviar a atenção deles dos dois feridos.
Ouviu os protestos de Owesian, mas não lhe deu atenção. Gunnarson veio correndo. Gallik mandou que se postasse junto à entrada. Ele e Solensky ficaram do lado oposto.
— Vá para onde estão os feridos — disse Gallik, dirigindo-se a Kakuta. — Aqui é muito perigoso para o senhor.
— Será que acredita que lhe permitirei lutar por mim? — chiou o japonês em tom zangado e colocou-se ao lado de Gunnarson.
O último pedaço da escotilha fundiu-se e pingou ao chão.
Os robôs esperavam não encontrar resistência. Talvez pensassem que seus inimigos humanos já se haviam retirado. A primeira máquina entrou rolando e só parou depois de ter penetrado três metros na sala. Gallik e Kakuta dispararam. O robô fundiu-se sob o fogo concentrado.
O robô seguinte foi mais cuidadoso. Seus braços armados entraram por um instante. Não foram suficientemente rápidos, pois o olho treinado de Gunnarson já encontrara seu alvo.
Gallik sabia que até então apenas tinham tido sorte. Não conseguiriam manter sua posição por muito tempo. Naquele instante, a escotilha que ficava do lado oposto do compartimento abriu-se e o Capitão Brazo Alkher entrou correndo à frente de um grupo de homens.
Gallik soltou um grito de alegria e esqueceu-se de vigiar a escotilha. Quatro robôs entraram ao mesmo tempo. Seus corpos bizarros executavam estranhos movimentos no chão liso. Uma coisa estranha aconteceu. As máquinas não se interessaram mais pelos terranos. Rolaram para o centro do compartimento de carga. Gallik observava-as com uma expressão de incredulidade.
Alkher e seus companheiros também pararam para contemplar a cena.
Outros robôs foram entrando e não fizeram menção de atacar os humanos.
— O que será isso? — perguntou Gallik, dirigindo-se ao teleportador.
Kakuta ergueu a arma.
— Acho que devemos pensar menos e atirar mais — disse. — Se todos os robôs resolverem entrar aqui, as coisas ficarão ruins para nós.
Pelo menos trinta robôs já estavam reunidos. Outros continuavam a entrar. Gallik notou que seus formatos eram os mais diversos. Dificilmente uma máquina se parecia com a outra.
Gucky veio entrando pela escotilha do lado oposto e ergueu os bracinhos num gesto de triunfo.
— Perry acaba de atracar com dez barcos espaciais — piou. — Dentro de alguns minutos estará aqui.
Gallik engoliu em seco. Seria esta a explicação para o comportamento dos robôs? Será que estavam desistindo e se mostravam dispostos a capitular?
Havia perto de cinqüenta robôs amontoados no centro da sala. Gunnarson ia se aproximar, mas alguma coisa dentro de Gallik fez com que ele detivesse o sueco.
— Espere aí, Sven — disse. — Por enquanto não sabemos o que significa isso.
Owesian levantou-se por trás do exaustor e fez um sinal para Alkher. Até mesmo Heffner apoiara-se sobre os cotovelos para ver o estranho quadro. Parecia que todos os robôs já se encontravam no centro da sala, pois não entrou mais nenhum.
— Perry já está na nave! — gritou Gucky.
E foi então que começou! Gallik não saberia dizer qual dos robôs foi o primeiro, mas o início devia ter sido no centro do grupo mecânico. Os corpos metálicos dos robôs entraram em incandescência. Até parecia que estavam queimando de dentro para fora.
E era realmente o que estava acontecendo. Gallik acompanhou os acontecimentos com os olhos arregalados. O quadro lembrava uma fogueira da Idade Média. As peças consumiram-se até ficarem irreconhecíveis, e o montão de metais foi-se reduzindo cada vez mais.
— Isso é uma loucura — disse Gunnarson, num gemido. — Estão se auto-destruindo!
Os robôs se haviam reunido para cometer um suicídio coletivo. Tomaram essa decisão, no momento em que ficaram sabendo que os barcos espaciais terranos estavam transferindo seus ocupantes para a Hat-Lete. Só havia uma explicação para isso. Os robôs queriam evitar que os humanos pusessem as mãos em alguma coisa que pudesse servir de material de pesquisa.
Gallik lançou um olhar para a montanha de metal incandescente e perguntou a si mesmo que robôs seriam estes. Sem dúvida não poderiam ser comparados com seus semelhantes terranos ou arcônidas. Havia alguma coisa que os distinguia, uma coisa bem definida. Muitas perguntas ficariam sem resposta...
De onde tinham vindo essas criaturas medonhas? Quais eram seus objetivos?
Gallik teve a impressão que não seria capaz de responder a estas perguntas. Sentiu-se atingido pelo calor dos robôs que se derretiam e retirou-se.
Nesse momento aconteceu uma coisa de que Gallik nunca se esqueceria.
Um robô semidestruído entrou pela escotilha. A máquina avançava com dificuldade e vez por outra saía do rumo. Mas conseguiu chegar ao verdadeiro destino, que era a montanha de robôs.
Solensky levantou a arma, mas Gallik segurou sua mão.
— Deixe-o — disse.
O robô chegou ao lugar em que se encontravam os montes de metais fumegantes. Ficou parado à frente dos mesmos. Finalmente seguiu o exemplo dos seus semelhantes e entrou em incandescência.
Gallik teve um calafrio.
— Foi o último — disse Gunnarson, um tanto desajeitado.
Ouviram-se passos no corredor. Alguém dava ordens. Uniformes limpos apareceram na escotilha. De repente, Gallik sentiu um cansaço infinito. Um vulto esguio atravessou a escotilha e parou ao lado de Gallik. O cabo virou a cabeça e viu que era Perry Rhodan.
— Sir — gritou Gallik.
Rhodan fitou-o com uma expressão séria. Lançou os olhos para Kakuta, que se mantinha encostado à parede, com os braços moles. Percebeu o cansaço nos olhos desses homens, viu os vestígios de esforço sobre-humano e notou a expressão do pavor causado por acontecimentos incompreensíveis.
Alkher aproximou-se, vindo do outro lado. Leggart e Pearson apoiavam Ras Tschubai, e Gucky arrastava os pés atrás deles. Rhodan sentiu-se aliviado. Nenhum dos seus homens havia sacrificado a vida.
— Se não tiver nenhuma objeção, gostaríamos de retirar-nos, sir — disse Gallik, com a voz tranqüila.
— Naturalmente, cabo — concordou Rhodan.
Gallik saiu do compartimento de carga sem verificar se alguém o seguia. Os enfermeiros aproximaram-se com macas sobre rodas, a fim de recolher os feridos. Gallik avançou aos tropeções. Alguém dirigiu-lhe a palavra, mas o cabo continuou andando até chegar à eclusa.
Entrou no barco espacial e deixou-se cair no primeiro assento que viu à sua frente.
O Dr. Carlos Riebsam encostou as pontas dos dez dedos umas nas outras e fitou os homens que se encontravam reunidos na sala de comando da Teodorico.
— Pelas nossas análises de probabilidades, os robôs que tripulam a nave fragmentária só podem vir do mundo robotizado — disse. — Temos motivo para supor que se trata de construções que passaram por processos de evoluções e de auto-aperfeiçoamentos que duraram alguns milênios — olhou para Rhodan e sorriu. — É claro que isso não esclarece nenhuma das indagações formuladas por nós. Já sabemos qual é o planeta nativo dos robôs, mas ninguém pode dizer qual é sua base de operações. E, o que parece mais importante, não sabemos qual é a finalidade que pretendem atingir com seus ataques arbitrários.
A Hat-Lete já havia sido levada à Terra por uma nave de resgate da Frota Solar, para ser submetida a um exame minucioso. Os tripulantes da Teodorico continuavam a ocupar-se com o problema da nave fragmentária.
John Marshall pigarreou e disse em tom ponderado:
— Depois de refletir demoradamente e falar sobre isso com Gucky, resolvi informá-los sobre algo que no início acreditava ser uma ilusão dos sentidos. No entanto, fiquei sabendo que Gucky teve a mesma impressão.
Rhodan inclinou-se para a frente; parecia curioso.
— Diga, John — disse, dirigindo-se ao chefe dos mutantes.
— Deve ter sido no momento em que os robôs se autodestruíram — informou Marshall. — Estávamos entrando na Hat-Lete. Tive a impressão de que estava captando um impulso de tristeza, mas este desapareceu imediatamente e foi substituído por um riso silencioso.
— Foi isso mesmo — observou Gucky.
— Também percebi o riso. E este riso não veio de nenhum ser humano.
Rhodan fitou o Dr. Riebsam. Parecia pensativo.
— Não é possível que esse impulso tenha sido produzido pelos robôs — disse em tom de incredulidade.
— Ninguém afirmou isso — contestou Marshall. — De qualquer maneira, tanto Gucky como eu percebemos o riso.
Rhodan passou a mão pela testa. Não podia deixar de acreditar no que diziam os mutantes, pois estes mereciam toda confiança. O inimigo destruíra-se a si mesmo, a fim de escapar ao exame.
Além do mais soltara um riso irônico...
“Quem consegue rir quando se defronta com a morte? Um ser humano? Nunca! Só um louco seria capaz de rir numa hora dessas”, meditou Perry.
Rhodan lembrou-se do monte de metal derretido que sobrara dos robôs. Dali saía o hálito da morte!
WilliamVoltz
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