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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


OS CINCO E A OPERAÇÃO ESMERALDAS / Enid Blyton
OS CINCO E A OPERAÇÃO ESMERALDAS / Enid Blyton

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

OS CINCO E A OPERAÇÃO ESMERALDAS

 

POR aqui, David! Despacha-te, Ana! Parece-me que encontrei um compartimento vazio! Júloo, sobe tu primeiro e pega nas malas!

No cais da estação, a Zé e os seus primos preparavam-se para se meter no comboio. Júlio, o mais velho de todos, desatou a rir.

-Muito bem! - respondeu ele à prima. - Às suas ordens, meu comandante! E perfilou-se numa continência cómica, antes de içar as malas do pequeno exército.

Como de costume, a Zé ardia em impaciência. Mais parecia um rapaz, com o cabelo castanho cortado curto e um rosto de expressão decidida. Tinha onze anos, ou seja, menos dois do que o Júlio. O David, esse, era da idade dela. A Zé, entretanto, mais viva e exuberante do que o primo, tinha uma personalidade mais acentuada. E, muitas vezes, tratava a delicada Ana, a mais novinha do grupo, apenas com dez anos, como se ela fosse um bebé.

Os excursionistas treparam para o comboio. Os rapazes trataram logo de arrumar as malas no porta-bagagem do compartimento que a Zé descobrira.

- Ufa! - exclamou esta, deixando-se cair no assento. - O comboio deve estar a partir. Que bom irmos todos juntos para estas férias!

- Que sorte, sobretudo por os teus pais - observou o Júlio - terem consentido em nos aturar todo o Verão!

- Gosto tanto de ir para Kirrin! - suspirou a Ana, quase em êxtase. - O Casal Kirrin é tão agradável!

- Cá para mim - acrescentou o David -, o melhor é a proximidade do mar. Ali não há nunca oportu nidade de a gente se aborrecer!

A Zé saltou do assento e foi debruçar-se à janela.

- Fixe! Vamos partir!. Daqui a menos de duas horas já lá estaremos. Ai, a vontade que eu tenho de tornar a ver o Tim! As saudades que tive dele durante este trimestre de aulas!

Os três primos da Zé desataram a rir.

- Sem o valente Tim, sentes que não és nada, hem? - troçou o David.

-É um pouco assim! - confessou a Zé, bem disposta. - Sem o meu cão não me sinto a mesma!

- Tal como nós todos - disse o David. - Se não fosse ele, como é que poderíamos formar o Clube dos Cinco? E, depois, o pobrezinho do Tim não é o menos mexido de nós todos!

- Ajudou-nos muitas vezes a resolver os enigmas apaixonantes que o destino se compraz em nos apresentar - lembrou o Júlio. - Gosto muito do teu cão, Zé. Também eu sinto a falta dele!

O comboio seguia agora a toda a velocidade. A Zé, incapaz de estar quieta num lugar, pisava os primos, ao andar de cá para lá, e até despenteou a Ana, com uma cotovelada mais desastrada.

- Deixa-te estar quieta! - aconselhou o Júlio. Pareces uma pilha eléctrica. Calma, por favor!

Chamada assim à ordem, a Zé sentou-se. Franzindo o sobrolho, enfiou as mãos nas algibeiras, com um gesto arrapazado.

- Pronto, pronto! Olhem que a Zé afina! - troçou o David.

Maria José era o verdadeiro nome da Zé. Detestava, porém, que a tratassem por aquele nome. Ergueu-se de um salto, com a mão pronta para dar uma estalada no primo. Este esquivou-se, rindo, enquanto o Júlio resmungava:

- Não vão recomeçar com as discussões, pois não? A Zé voltou para o seu lugar, ao pé da janela, e tornou a enfiar as mãos nos bolsos. De repente, os seus dedos deram com um papel, que logo tratou de tirar da algibeira do casaco. Era um sobrescrito!

- Oh! Já me tinha esquecido desta carta! - murmurou ela. - A carta chegou ontem, mas eu estava tão preocupada com os preparativos da viagem que até me esqueci de a ler! É da mamã, que nos deve recomendar, como de costume, que tenhamos cuidado em não perder o comboio.

- A recomendação chegou muito tarde! - observou a Ana, rindo. - Mas lê lá essa carta, Zé!

A Zé tirou a carta do sobrescrito, percorreu-a com a vista e exclamou:

- É boa!. Se eu esperava por esta. Olhem que história, hem? Querem saber do que se trata?

E a Zé, com os olhos fixos no auditório, anunciou a surpresa:

- O meu pai e a minha mãe não nos podem ter, este Verão, no Casal Kirrin!

Uma tríplice exclamação de desespero sublinhou aquela declaração:

- O quê? Não pode ser! E vamos já a caminho!. Que vai ser agora da nós?

A Zé explicou:

- No passado sábado houve uma terrível tempestade em Kirrin. Parte do telhado do Casal foi pelos ares, e desabou uma chaminé. Os operários andam lá, portanto, por toda a parte, e não há lugar para nós. Os quartos que estão livres ficaram para os pais. Teremos de ir, assim, para qualquer outro lado.

- Mas para onde? - perguntou o Júlio. A Zé não lhe respondeu. Precipitando-se para a janela, debruçou-se, com risco de cair à via.

- É Kirrin! Estamos a chegar à estação de Kirrin! E vejo já a mamã. Oh! Não trouxe o Tim com ela!

O comboio parou, daí a pouco. Deixando aos primos o cuidado de se desenvencilharem das malas, a Zé apressou-se a saltar para o cais. Pendurou-se logo no pescoço da mãe, beijando-a com entusiasmo:

- Que bom tornar a encontrar-te, mamã! O pai como está? E ele não veio? Deixaste-o no canil?

A sua exaltação era tão grande que até misturava o pai com o cão. A mãe não pôde deixar de rir.

-Larga-me, querida! Sufocas- me! O pai está bem. mas sempre metido com os seus papéis, claro! Quanto ao Tim, acho que é melhor que o reencontro não se efectue em público. As vossas expansões costumam ser, para o meu gosto, demasiado espectaculares!

O Júlio, o David e a Ana, trazendo as bagagens, em breve rodearam a tia.

- Bom-dia, tia Clara!

- Bom dia, meus filhos. Mas que caras! Que é que aconteceu?

- Parece que a tia não nos pode ter lá em casa este Verão - respondeu o Júlio. - Estamos, pois, preocupados.

- Descansem que as vossas férias não serão prejudicadas por isso. Vá, quero ver essas caras sorridentes! O automóvel está à espera. Pelo caminho explico-lhes tudo.

O pequeno grupo saiu da estação. Os rapazes e as raparigas entraram para o carro, enquanto a mãe da Zé se sentava ao volante.

- Como o Casal não pode recebê-los este ano - disse a tia Clara, pondo o carro em andamento -, proponho-lhes que acampem na ilha Kirrin, de que a Zé é dona, como sabem, e onde costumam ir muito durante o Verão. Desta vez armarão lá as vossas tendas de campismo e poderão, deste modo, brincar aos Robinsons!

As crianças soltaram exclamações de entusiasmo.

- Fixe! Vamos então organizar-nos.

- Confio em vocês. Se precisarem de qualquer coisa, nós não estamos longe. Nada há, portanto, a recear.

-Temos o meu barco e as nossas bicicletas - disse a Zé. - Podemos abastecer-nos na aldeia.

- Viverão ao ar livre, o que é muito saudável. E pronto! Cá está o Casal! Paramos aqui. Desce toda a gente.

No telhado viam-se vários operários no seu trabalho. O tio Alberto aproximava-se já, para receber os visitantes.

De súbito, uma enorme massa peluda, amarelada e elástica, voou, como uma seta, na direcção da Zé. Uma língua quente e espessa lambuzou a pequena, num frenesim.

-Tim! Meu querido Tím! Que alegría tornar a ver-te! Aposto que estavas zangado comigo!

- Béu! - foi a resposta do enorme cão, ao mesmo tempo que sacudia a cauda.

Depois, fez também uma festa às outras crianças, e lá foi à frente de todos, em direcção à casa, com a cauda sempre a dar a dar.

Logo ao princípio da tarde, após um almoço abundante que lhes deu novas forças, os futuros Robinsons trataram de se dirigir para a ilha Kirrin, com o seu material de campismo. Já se vê que o Tim ia com eles. Sem o cão, o Clube dos Cinco estaria incompleto. Os pais da Zé regozijavam-se em saber que ela e os primos estariam acompanhados por aquele guarda de quatro patas. A região era calma, sem dúvida, mas nunca se sabe.

Os Cinco encafuaram-se, como foi possível, no sólido bote da Zé. O Tim foi encarregado de vigiar os volumes dos mantimentos. O Júlio e o David tomaram conta dos remos, enquanto a Zé segurava o leme. Quanto à Ana, contentou-se em admirar o mar e o voo das gaivotas que cruzavam o céu, soltando longos gritos.

A ilha Kirrin ficava a poucas centenas de metros da costa, mesmo diante da propriedade dos pais da Zé. Numa arrecadação, onde se guardava o barco, mesmo ao fundo do jardim, as crianças deixaram as suas bicicletas, com os pneus cuidadosamente observados, prontas a servir. As férias, para eles, anunciavam-se melhores ainda do que haviam imaginado!

Não tardou muito que os Cinco chegassem à ilha. Começaram por visitá-la de lés a lés, a fim de renovarem o seu conhecimento do local. A ilha era, aliás, verdadeiramente apaixonante. Por entre as ervas corriam coelhos, enquanto sobre o castelo em ruínas, que se erguia no meio da ilha, gralhas volteavam.

- Que sorte que tu tens em possuíres uma ilha destas! - suspirava a Ana.

- É verdade! - reconheceu a Zé. - Os meus pais foram muito bons por me a terem dado!

As crianças transpuseram o arco gigantesco que dava entrada para o castelo, e atravessaram o pátio de honra, com as suas lajes desunidas, para chegarem, por fim, à grande sala do rés-do-chão.

- O tecto e as paredes ainda estão bons - explicou a Zé. - Se houver mau tempo, podemos refugiar-nos aqui.

- Prefiro dormir lá fora, numa barraca - confessou a Ana. - Este castelo, com as suas torres onde o vento sopra, mete-me um pouco de medo durante a noite.

- Medricas! - disse o David à irmã. - Pois eu cá acho este lugar uma maravilha. Havemos, um dia, de ir à procura de esconderijos. Que achas, Zé?

- Não me parece má ideia! Entretanto, vamos mas é erguer o nosso acampamento. Mãos à obra, todos!

Os quatro primos logo trataram de organizar as coisas. Os mantimentos foram arrumados a um canto do castelo e ergueram uma espécie de lareira rústica no pátio de honra, com as duas tendas armadas mesmo ao lado, junto de uma parede que as abrigaria das intempéries.

Passaram os Cinco uma noite excelente. Sonharam todos com aventuras, e o Tim com coelhos que se deixavam apanhar sem custo. Quando acordou, o David foi buscar água à nascente, enquanto a Ana preparava o pequeno-almoço.

Aquele primeiro dia na ilha foi preenchido com jogos ao ar livre e agradáveis brincadeiras. O tempo estava óptimo. O sol brilhava num céu sem nuvens, e o mar estava tão azul que os Cinco não resistiram a tomar vários banhos.

No dia seguinte, ao começo da tarde, fizeram a travessia até à costa, para irem cumprimentar os pais da Zé, buscar as suas bicicletas e comprar fruta no mercado. Nunca a vida lhes parecera tão bela!

Foi no regresso dessa expedição que a Zé, não podendo conter-se por mais tempo, propôs aos primos um jogo das escondidas, em moldes verdadeiramente originais:

- Esconder-me-ei só eu - explicou ela -, e vocês os três irão à minha procura. Aposto que não me descobrem! Mas têm de prender o Tim. Com o faro que ele tem, apanhava-me logo. Vamos, eu raspo-me! Fechem os olhos e contem até cento e cinquenta. E depois adivinhem onde é que eu estou!

E, dito isto, desatou a correr, radiante com a ideia da partida que ia pregar aos primos. De facto, ela achara, nessa mesma manhã, um esconderijo magnífico, e tinha a certeza de que ninguém seria capaz de lhe descobrir o paradeiro.

Sempre a correr, chegou à ponta de uma falésia que dominava o mar, por detrás do castelo.

A Zé, atrevida como era, tratou de descer pela falésia escarpada. Agarrava-se com as mãos e os pés, insensível à vertigem, e assim conseguiu atingir o meio da rocha quase a pique, onde se ocultou numa pequena caverna. Ninguém a poderia ver ali - nem de cima nem debaixo era possível descobri-la. Passado um momento, ouviu o Júlio, que a procurava lá no alto.

- Aposto que ela está deste lado! - dizia o rapaz.

- Que ideia! - respondeu- lhe o David. - O terreno por aqui é liso como a palma da mão. A não ser que ela se metesse na toca de algum coelho.

As vozes dos dois irmãos foram diminuindo de intensidade. A Zé percebeu que eles se afastavam, para ir prosseguir a sua busca noutro ponto, e pôs-se a rir baixinho.

À frente dela o mar parecia um espelho. De súbito, distinguiu uma pequena mancha negra que se movia na sua direcção. Um barco! Quem é que ode vir para aqui?

A embarcação aproximou-se. A bordo vinham dois homens. A Zé apenas podia ver as costas do que remava, que lhe parecia magro e tinha uma abundante cabeleira arruivada. O outro, que ela via de frente, era,pelo contrário, bastante forte, com uma cabeça quadrada, maciça.

O barco não tardou a parar, roçando o fundo na areia de uma praiazita.

- Que diabo - pensou a Zé. - Que vêm eles fazer na minha ilha? Toda a gente, nesta região, sabe muitíssimo bem que esta ilha é propriedade minha!

Donde ela estava já não podia, agora, ver os dois intrusos, mas percebeu que tinham saltado para a praia.

Pouco depois, o ruído de vozes chegou até à rapariga. Um dos homens tinha um sotaque estrangeiro muito acentuado.

- Os meus parabéns, Leão! - dizia ele. - Escolheste muitíssimo bem o local. Aqui, pelo menos, não há que recear ouvidos indiscretos. Podemos conversar à vontade.

- Sim. A ilha é deserta. Os donos, ao que parece, nunca vêm aqui - afirmava a outra voz. - É um lugar ideal para discutir tranquilamente as nossas coisas.

A Zé esteve quase para revelar a sua presença, pois, discreta e bem educada como era, não se considerava no direito de escutar confidências que não lhe diziam respeito. Mas o que ela ouviu fê-la, de repente, suster o seu primeiro impulso e, pelo contrário, ficar, atenta e muito preocupada.

- É um lugar ideal, sobretudo porque os nossos segredos não são lá nada bons! - replicava a primeira voz.

- Nada bons? Isso depende do ponto de vista de cada um, senhor Herman! - exclamou, ironicamente, o que devia chamar-se Leão. - Para a nossa vítima não serão nada bons, claro! Mas para nós serão, pelo contrário, óptimos. Ah Ah Ah!

-Falemos a sério! - aconselhou o Herman. bom ou mau, conforme o lado em que se estiver, o nosso golpe será, em qualquer dos casos, um grande golpe. Vejamos um pouco os pormenores! No fim de contas, estamos no começo de Julho, e a coisa deve passar-se exactamente no dia 30.

- Muito bem! E, se não queremos arriscar-nos a perder a partida, temos de calcular tudo com antecedência. O nosso êxito depende de um plano muito minu cioso.

No seu esconderijo, a Zé não tugia nem mugia, todos os seus sentidos estavam alerta. Não havia dúvi de que aqueles dois homens, lá em baixo, meditavam num sinistro projecto. Se o vento continuasse a soprar na boa direcção, isto é, na direcção dela, e se os dois desconhecidos não mudassem de posição, a rapariga tinha muitas probabilidades de ficar sabendo os pormenores da intriga.

- Oxalá o Júlio e os outros não se lembrem de vir agora procurar-me por aqui! - dizia ela a si própria. Estes homens ouvi-los-iam e pôr-se-iam logo ao fresco.

Apurou o ouvido. O Herman e o Leão, sem de nada desconfiarem, continuavam a conversar na praia.

- Não penso que o negócio seja muito arriscado - dizia a voz gutural do Herman. - Isto, pelo menos, se as informações que me deste são seguras.

- Eu próprio verifiquei tudo, sr. Herman. Pode estar descansado! A casa fica isolada, numa zona pouco frequentada da costa. Até mesmo em pleno Verão não há que recear intrusos, pode ter a certeza. Nesta região, a afluência é sempre pequena!

- O que me aborrece, Leão, é ter de esperar pelo fim do mês para entrar em acção.

- Não temos outra alternativa, sr. Herman. O Marcel só no dia 30 de Julho estará apto a auxiliar-nos. Graças a ele, tudo será fácil, e com um mínimo de riscos!

- Bem. não há dúvida de que o Marcel será para nós da maior utilidade - afirmou o Herman. - Teremos, portanto, de esperar.

Entretanto, o Júlio, o David e a Ana continuavam à procura da Zé no outro lado da ilha.

- É incrível! - declarou o David. - Há mais de vinte minutos que procuramos por toda a parte, e nem sombra dela!

- Quanto a mim - atreveu- se a Ana a dizer, em voz trémula -, ela descobriu a entrada para os esconderijos do castelo e escondeu-se num subterrâneo. E olhem que não serei eu quem irá lá buscá-la!

-Os esconderijos? Não me parece! - disse Júlio, abanando a cabeça. - Penso, antes, que ela está escondida fora do castelo, no lado oposto a este. Quando a Zé largou a correr, fiquei com a impressão que ia nesse sentido.

- Fica lá com a impressão que quiseres! - exclamou o David. - Cá por mim, insisto em procurar deste lado. Queres ajudar-me, Ana?

- Com certeza, David.

- Bem. Contem comigo durante mais dez minutos

- decidiu o Júlio. - Mas, passado esse prazo, irei procurá-la do lado da falésia!

E os três irmãos retomaram a busca.

Enquanto eles andavam de cá para lá, que fora feito do Tim? Amarrado solidamente a uma estaca, mesmo ao lado da barraca da Zé, espetava o seu nariz, como que procurando farejar longe. O inteligente animal sabia muitíssimo bem onde é que estava a sua pequena dona. Se estivesse solto, já teria ido, em três pulos, ter com ela.

De súbito, soltou um gemido. As suas narinas estremeceram. Despertara nele uma angústia súbita - tinha a impressão de que um perigo ameaçava a Zé!

Esta, de facto, não se encontrava em bons lençóis. Reconhecia que sabia já muita coisa acerca dos bandidos. Se, por azar, estes a descobrissem não hesitariam, com certeza, em fazer-lhe pagar caro a indiscrição.

- Bem sei que não podem saber onde é que estou

- pensava a valente rapariga -, mas o meu esconderijo é tão acanhado que começo a ficar entorpecida.

Se me mexo, corro o risco de fazer cair alguma pedra. E se eles me ouvissem...

Com mil precauções, fez funcionar os seus músculos, sem deixar de apurar o ouvido.    Mas o vento mudara de direcção e a conversa dos bandidos deixou de se ouvir tão bem.

- Se a senhora do castelo vive sozinha - dizia

Leão -, a coisa não será difícil.

- Velha tonta! - respondeu o Herman. - Para ela é bem feito. Quem é que cai em guardar em casa uma caixa cheia de pedras preciosas do maior valor?

Esmeraldas magníficas...

- Trata-se, parece, de uma herança de família...

- Sim... A rainha Vitória de Inglaterra... ofereceu essas esmeraldas a um nobre francês, pelos serviços que ele prestou... Era um antepassado da senhora do castelo...

-Que estupidez e que imprudência guardar um tesouro desses! Deve estar muito convencida de que a região é segura...

O vento mudou um pouco mais de direcção, e levou consigo a voz dos dois bandidos. Mas a Zé não precisava de ouvir mais nada para estar orientada. Sabia já o o essencial da conspiração, excepto o nome da futura vítima do Herman e do Leão. Manteve-se ainda quieta por mais um bocado.    

Por fim, os homens, lá em baixo, ergueram-se.

A Zé estendeu o pescoço e viu-os a empurrarem o barco para a água.

O vento de novo mudou de rumo mesmo a tempo.

- Rema em direcção à costa! - ordenou o homem

atarracado.

- Muito bem, sr. Herman! - respondeu o outro.

Assim - pensou a Zé -, o dos cabelos ruivos é o Leão; e o outro, o que parece dar ordens, chama- se Herman.

Fêz todo o possível para descobrir a cara do Leão, mas o crepúsculo caíra já, e apenas pôde avistar um rosto macilento.

O barco afastou-se. A Zé, para esticar os seus membros entorpecidos, esperou que ele estivesse suficientemente longe.

Se o Júlio e os irmãos não me vêem, vão desistir de procurar-me e desatarão a chamar por mim aos berros - pensou ela. - Os bandidos ouvem-nos então, e ficarão sabendo que a ilha não está deserta. São capazes de voltar atrás, para terem a certeza de que ninguém os ouviu. E, se me apanham, corro o risco de passar um mau bocado.

Um arrepio percorreu-lhe o corpo. Então? Quanto mais depressa saísse do seu esconderijo, melhor seria!

Içou-se para fora do buraco e, agarrando-se com unhas e dentes, empreendeu a difícil escalada. Um passo em falso e seria a queda no vácuo. O melhor era nâo pensar nisso. Por fim, com o coração a bater-lhe con força, a corajosa rapariga chegou ao cimo da falésia. Ufa! Estava salva!

Sem perder tempo a descansar, pôs-se a correr pelo caminho, pois o que queria era encontrar os primos.

De súbito, ao contornar uma moita, foi chocar com o Júlio, que terminara a busca naquela zona.

- Zé! - exclamou ele. - Até que enfim! Onde é que te meteste? A Ana e o David procuram por ti no outro lado da ilha, mas eu tive um pressentimento que me fez vir para aqui.

- Oh! Júlio! Se soubesses.

Embora o sol estivesse já no ocaso, o Júlio viu a prima muito pálida e transtornada. Não havia dúvidas de que ela apanhara um susto.

- Que se passa? Pareces doente!

- Não estou doente. Estou é revoltada, indignada! E podes ter a certeza de que tenho razão para isso! A sorte acaba, uma vez mais, de pôr no nosso caminho um desses casos misteriosos de que tanto gostamos. Vamos ter com os outros. Depois, conto-lhes tudo.

A Zé e o Júlio deram imediatamente a volta ao castelo. O David e a Ana quando os viram, soltaram exclamações:

- Olha a Zé! - gritou o David. - Bravo, Júlio! Onde é que a descobriste?

- Já começávamos a estar preocupados - acrescentou a Ana.

- O Júlio descobriu-me porque eu quis - explicou a Zé, deixando-se cair no chão, já sem fôlego. - Tinha saído do meu esconderijo quando ele me viu. Se eu lá tivesse ficado, nenhum de vocês me apanhava!

- Isso veríamos! - replicou o David. - Se estás assim tão convencida, não devias ter saído de lá!

A Zé, que se zangava por dá cá aquela palha, franziu o sobrolho: - Se eu lhes digo que nimguém era capaz de me descobrir o meu esconderijo, é porque é verdade. Sabes muito bem que nunca minto.

A Ana, ao sentir que as coisas ameaçavam complicar-se, apressou-se a intervir. Sorriu para a prima e disse-lhe com ar apaziguador:

- Não duvidamos. Mas conta-nos porque é que resolveste mostrar-te.

Traziam lenha seca que foram depositando sobre as lages, com o auxílio da irmã mais pequena.

- Mesmo nesta estação, refresca sempre para a noite - afirmou o Júlio. - Vamos acender uma boa fogueira e, enquanto esperamos pelo jantar, a Zé conta-nos a sua história.

Anoitecera quase por completo. O Júlio deitou fogo às achas e não tardou que altas chamas se erguessem no pátio de honra do castelo de Kirrin.

- Somos todos ouvidos, minha senhora! - disse o David à prima, enquanto se instalava o mais comodamente possível.

- Isso, Zé. Desembucha! - pediu a Ana.

- Se o caso é tão sério como pensas - acrescentou o Júlio -, põe-nos ao corrente da tua aventura, sem esquecer nenhum pormenor.

A Zé sentada sobre as pernas e com um braço à volta do pescoço do Tim, começou então a sua narrativa. Os primos olhavam todos para ela, sem a interrom per. Quando ela, por fim, se calou, o Júlio exclamou:

- Foi uma sorte esses bandidos não te terem desccoberto! Assim, não sabem nada sobre nós e julgam poder trabalhar à vontadinha. O nosso papel é bem simples; temos de fazer que os planos deles vão por água abaixo.

- Vamos já avisar a Polícia! - exclamou a Ana.

-       Não há um momento a perder! A Zé encolheu os ombros.

- Não sejas parva, Ana! Só sei os primeiros nomes dos bandidos. Ignoro onde é que moram e nem sequer sei quem é a futura vítima. Avisar a Polícia com informações tão vagas não serviria para nada. Fariam mas é troça da gente.

- Nesse caso, põe ao menos o tio Alberto ao corrente! Ele depois se encarregará de prevenir as autoridades.

- Não, não, Ana! Estás a ver-me ir perturbar o pai, que anda sempre tão absorvido com os seus trabalhos de investigador? Limitar-se-ia a dizer que era tudo imaginação minha, e, ainda por cima, era até capaz de me castigar. Bem sabes como ele é severo!

O Júlio levantou-se e consultou o relógio.

-As emoções devem-te ter deitado abaixo, Zé. Proponho que vamos jantar. Depois, o Clube dos Cinco tomará as suas decisões. Estudaremos o problema sob todos os aspectos, e então veremos o que se deve fazer.

A sugestão do Júlio foi aprovada por unanimidade. Engolida a sobremesa, a reunião dos Cinco prosseguiu.

- Ora vejamos! - disse o Júlio. - Que sabemos nós, no fim de contas? Que há dois homens, Leão e Herman, que se propôem atacar, com a ajuda de um tal Marcel, uma desconhecida, isto no dia 30 deste mês. Está certo, Zé?

- É isso mesmo. Acrescentemos que se trata de um roubo de pedras preciosas e que a vítima vive sozinha num castelo dos arredores.

- Esse último pormenor - observou o David - pode auxiliar-nos na nossa investigação. Sim, porque suponho que estamos todos de acordo em que esse enigma deve ser resolvido por nós próprios!

- Nem se discute! - responderam os três em uní sono.

O Clube dos Cinco encerrou nessa noite os seus trabalhos já tarde. Primeiro, as quatro crianças e o Tim foram até à praia onde os bandidos haviam conversado. Ali, com a ajuda da lanternas eléctricas, procuraram ver se descobriam qualquer indício que os dois homens, por acaso, ali houvessem deixado. Não acharam nada, porém, entretanto, a Zé fez que o Tim sentisse o cheiro do Herman e do Leão, ao mesmo tempo que o excitava. O cão, com o nariz rente ao solo, pôs-se a ladrar furiosament.

- Já percebeu! Agora, se os vir, ele sabe logo que são eles! - afirmou a rapariga.

As crianças voltaram para junto da fogueira e puseram-se a discutir sobre a melhor maneira de iniciarem o seu inquérito.

- Antes de mais nada - declarou o Júlio -, temos de identificar a misteriosa senhora do castelo, E, em primeiro lugar, saber que castelo é esse. Temos de o saber!

- Há muitos solares antigos na região - suspirou a Ana. - E dão a quase todos o nome de castelo.

- Os camponeses daqui chamam também castelo a uma propriedade mais importante - informou a Zé.

- Pois - concordou o David. - E isso não vai facilitar o nosso trabalho.

O Júlio, porém, não quis perder o optimismo:

- Em todo o caso, podemos eliminar desde já todas as casas modestas, pequenas, e as residências vulgares. Já é alguma coisa!

- Temos então de descobrir - prosseguiu a Zé - uma mulher que viva só, numa propriedade importante. E, de seguida, trataremos de saber se essa mulher tem consigo um tesouro de família.

- E procuraremos também - acrescentou a Ana - saber se esse tesouro se compõe de esmeraldas.

- Por último - disse o David -, quando estivermos certos de quem é a futura vítima do Leão e Herman iremos ter com ela e pomo-la de sobreaviso.

ela se encarregará, então, de apresentar queixa à Polícia.

- Os polícias terão, apenas, de armar uma ratoeira aos bandidos - concluiu o Júlio -, deitando-lhes a mão em flagrante delito.

A Zé mastigava uma ervazita.

- Pergunto a mim própria - suspirou ela - quem poderá ser o terceiro homem, esse tal Marcel, é mais uma incógnita do nosso problema. E também gostava de saber como é que ele poderá no dia 30, ajudar o Herman e o Leão. Seja como for, vamos, agora, mas é dormir. Amanhã, tudo nos parecerá mais claro!

No dia seguinte, quando os Cinco despertaram, o Sol ia já alto no céu. Foram todos tomar banho no ribeiro que a nascente formava ali perto. E, depois, engoliram, com um bom apetite, o seu pequeno- almoço.

- Tens alguma ideia, Zé? - Perguntou o David, com a boca cheia.

- Para metermos mãos à obra? Com certeza! Proponho que, quanto antes, vamos todos a terra, de modo a esquadrinharmos a região e tratar de descobrir os pontos isolados. Deve ser num desses pontos que encon traremos o castelo que procuramos. É trabalhinho garantido.

O Júlio, o mais velho e o mais sensato de todos, achou excelente a ideia da Zé. Concordou igualmente em que não havia tempo a perder.

- Temos só um mês - explicou ele - para levar a cabo as nossas pesquisas. E nem isso, visto que Julho já começou, e a data limite fixada pelos bandidos para o seu golpe é o dia 30. Ora o tempo passa depressa!

Depois de terem arrumado as coisas do pequeno almoço, os Cinco, cheios de entusiasmo, meteram pelo caminho que levava à pequena enseada onde a Zé havia arrumado o seu barco.

-Foi uma sorte os bandidos terem acostado do outro lado da ilha - disse ela. - Se têm visto o nosso barco, desconfiavam logo de que o local não era desabitado.

As crianças saltaram, então, para o barco e remaram em direcção à costa. Quando chegaram ao barracão onde era costume guardarem o bote, meteram-no ali, trazendo para fora as suas bicicletas.

Antes de se porem a caminho, a Zé abriu um mapa da região.

- Vejam - disse ela. - Nós estamos neste ponto, e aqui têm a costa, com a povoação e as suas casas e quintas. Desse lado, não vale a pena procurar! Para o sul, fica uma série de estações balneares. O único lugar deserto por aí é conhecido por a Terra Selvagem. Temos de averiguar se há, nesse sítio, alguma habitação isolada!

O David debruçou-se sobre o mapa.

- A costa norte oferece mais possibilidades - declarou ele. - As aglomerações de casas são raras nessa zona.

- É isso! - disse o Júlio, seguindo com o dedo o contorno da costa. - Até ao cabo Lancelote, que fica bastante longe daqui, a beira-mar parece pouco habi tada. É o sítio ideal para cenário de um crime!

- Estou a ver - disse a Ana, com estremecimento. -Uma mulher que vive só nessas paragens é uma presa indicada para bandidos como Herman e o Leão.

- Não podemos perder tempo! - decidiu a Zé, dobrando o mapa. - Vejamos por onde é que devemos começar.

-O melhor é livrarmo-nos imediatamente dessa Terra Selvagem - aconselhou o Júlio. - Na volta, aproveitamos para comprar ovos em Kirrin.

Puseram-se todos a caminho sem mais demora, pedalando bem pela estrada plana. O Tim, que gostava muito de se mexer, corria alegremente, ao lado da Zé. Para amenizar o percurso, saltava, de quando em quando, da esquerda para a direita e da direita para a esquerda. E foi assim que ele assustou um bom número de galinhas e fez estremecer o coração a mais de um coelho.

O pequeno exército atravessou rapidamente a povoação, cujo largo principal se mostrava muito animado pela pitoresca feira, com a poeira dourada da manhã.

Pouco depois, a Terra Selvagem surgiu aos olhos das crianças. Era uma vasta extensão desolada, de aspecto lúgubre. A Ana olhou receosamente à sua volta:

- Brrr. Não é lá muito alegre!.

- E ainda nós - advertiu o David - estamos a ver isto em pleno dia. À noite deve ser de pôr os cabelos em pé. Tenho a certeza de que ninguém vive aqui!

- Pois enganas-te! - disse a Zé. - Já me devia ter lembrado há mais tempo! E se não pensei nisso foi por se tratar de um castelo esquecido, até, pelas pessoas da região. Ninguém fala dele!

- Um castelo? Tu disseste mesmo um castelo? perguntou o David.

- Sim, e habitado por uma mulher - explicou a Zé. - Mas a infeliz é uma espécie de morta-viva, sem qualquer fortuna. Não me parece que seja ela a pessoa visada pelos bandidos.

- Seja como for - declarou o Júlio - o melhor é vermos isso de perto. Onde é que fica esse castelo?

- Lá adiante! Ali. olha!

Numa elevação que dominava aquele deserto, erguia-se, não longe das crianças, uma edificação sombria e quadrada.

- Dantes - explicou a Zé - esta casa ficava no meio da povoação.

Após um tremor de terra, acompanhado de maremoto, as casas foram todas destruídas, à excepção de uma residência senhorial. Não sei mais nada, a não ser que a casa é habitada hoje pela castelã. Ignoro se vive sozinha ou não, mas sei que é pobre, e admirar-me-ia muito de que ela tivesse pedras preciosas!

- Examinemos bem a Terra Selvagem - propôs o Júlio. - Vejamos se não há qualquer outra casa.

Mas foi em vão que os Cinco exploraram aquela zona. Além da residência senhorial, não havia mais nenhuma casa.

- O melhor é regressarmos a Kirrin - disse a Zé. -Trataremos de nos informar junto do Jaime aquele pescador, ainda moço, com quem no ano passado fomos ao mar. É simpático e ajudar-nos-á, se puder.

As crianças a pedalar retomaram o caminho de Kirrin. Pararam um pouco no mercado, para comprar ovos, entre um lugar de flores e outro de hortaliça. Seguiram depois para o porto, onde não tiveram dificuldade em encontrar o Jaime que assobiava enquanto ia pintando o barco.

- Olá! Viva o Clube dos Cinco! - exclamou ao vê-los. - Como têm passado desde o outro Verão?

Conversaram um bocado com ele e, o Júlio, então como quem não quer a coisa, falou-lhe no castelo.

- O quê? Interessam-se pela senhora Lérach? exclamou o Jaime, espantado. -Pobre senhora! No fim de contas, nada tem de notável. Perdeu tudo. desde o marido e os filhos à fortuna. E vive encerrada na sua velha casa. Raramente a vêem na povoação. Só aparece quando de todo em todo precisa de fazer qualquer coisa ou compra. Vem quase sempre pela manhã, de carro, e passa como uma sombra. Toda a gente tem pena dela, mas é selvagem como a região e não fala a ninguém.

- E esta?. - resmungou a Zé entre dentes. Não vai ser fácil contactá-la!

As crianças deixaram, então, o seu amigo pescador e dirijiram-se para o Casal Kirrin, onde os pais da Zé os fizeram almoçar. Só ao princípio da tarde é que o grupo se pôs de novo a caminho, desta vez em direcção a norte.

- Não podemos fazer tudo num só dia - disse

o Júlio. - Temos de ir avançando aos poucos! O que é preciso é termos os olhos bem abertos. e não nos impacientarmos.

A costa, para o lado norte, aparecia muito diferente da que se estendia para o sul. De aspecto menos agreste no interior, atraía, contudo, menos gente, porque o escarpado das falésias e o colar de recifes tornavam o litoral pouco acolhedor para os barcos e para os banhistas. Por isso, também, as casas ali eram em número reduzido e separadas umas das outras.

Depois de terem percorrido cerca de um quilómetro, os Cinco dividiram-se em dois grupos: o Júlio e a num deles, e o David, a Zé e o Tim no outro. Mas foi em vão que exploraram toda aquela zona. Encontraram

unicamente pequenas herdades, com famílias numerosas, e uma ou outra choupana de pescador, sem qualquer interesse para eles.

Chegaram quase ao fim da tarde desapontados com as mãos a abanar e cheios de cansaço. A Zé foi de opinião de que já tinham consagrado bastante tempo à investigação e que era boa altura de voltarem para a ilha. O resto do dia passaram-no a tomar banho e a brincar. Antes de se deitarem, decidiram retomar a sua exploração no dia seguinte, logo de manhã cedo.

Assim, às primeiras horas partiram em direcção ao norte, atravessaram a zona que haviam visitado na véspera e dividiram-se, de novo, em dois grupos, para prosseguirem nas suas buscas. Desta vez, os jovens feitos detectives foram mais felizes, e, quando se encontraram ao meio-dia, num local que haviam fixado, todos se mostravam radiantes.

A Zé foi a primeira a exclamar, espevitada, como sempre:

-Vitória! Eu e o David somos capazes de ter descoberto a misteriosa vítima do Herman e dos outros dois.

- Vitória também para nós! - replicou o Júlio, no mesmo tom. - Eu e a Ana desencantámos uma senhora que vive só, e que pode muito bem ser quem procuramos.

Cada grupo deu, de seguida, pormenores. A Zé e David tinham avistado uma propriedade isolada, de aparência luxuosa, quase encoberta por uma fila de árvores.

- Interroguei os camponeses que passavam replicou David. - Parece que vive ali sozinha, uma senhora Grant. O sítio chama-se Ker-Armor. Dizem que a senhora Grant é rica. Pode muito bem ter pedras preciosas.

O Júlio falou por sua vez:

- Não foi propriamente uma moradia que nós descobrimos; mas uma bela herdade, muito próspera pela aparência. Tive a sorte de encontrar o carteiro e fiz-lhe algumas perguntas, a que ele respondeu da melhor maneira. A propriedade pertence a uma senhora Labry, muito rica e que dirige sozinha a sua propriedade. É uma pessoa original e os trabalhadores agrícolas que emprega, vêm de manhã e vão-se embora à noite. Pode muitíssimo bem ser ela a senhora do castelo que interessa aos bandidos.

A Zé franziu a testa, com ar preocupado.

- Ora aqui temos nós três possíveis vítimas! suspirou ela. - E estamos ainda no começo das investigações. Hum! Isto não me agrada!

Os Cinco comeram ali mesmo no campo o farnel que tinham tido o cuidado de levar. E, depois, a exploração prosseguiu, cada vez mais para o norte.

E assim se passaram três dias, durante os quais as crianças observaram toda a costa, até ao cabo Lancelote. Mas, caso curioso, não descobriram mais nenhum castelo isolado, além dos três que haviam sido assi nalados logo no início do seu inquérito.

Nessa noite, reunidos na ilha Kirrin, em torno da fogueira, fizeram o balanço da situação.

- Estava com medo - disse a Zé - que andássemos à procura de uma agulha num palheiro. Mas, agora, estou menos preocupada. No fim de contas, seleccionámos apenas três senhoras que poderiam vir a ser assaltadas por Herman e pelos seus cúmplices: a senhora do castelo da Terra Selvagem; a senhora Frant, de Ker-Armor; e a senhora Labry, na casa que chamam Faias, por causa das árvores que quase a tapam!

- Muito bem! - aprovou a Ana. - Agora falta-nos saber qual delas possui as pedras preciosas e, depois, avisá-la. E teremos a partida ganha!

- Julgo que podemos eliminar, à vontade, a senhora Lérach - disse o David. - Parece uma pedinte!

- Devagarinho - recomendou o Júlio. - Nada sabemos, acerca dos seus bens. Há pessoas que escondem as suas riquezas para evitar os gatunos e os pedinchões.

- Bem - disse a Zé -, o melhor meio de eliminar mos depressinha a senhora Lérach é começarmos por ela!

E foi assim que, no dia seguinte, os cinco se encontravam, uma vez mais, em pé de guerra, como gos tava de dizer o David.

O objectivo deles era a propriedade da Terra Selvagem. Queriam falar com a dona da casa. Quando atravessaram a povoação, a Ana viu umas flores soberbas.

- Paremos um bocadinho - pediu ela. - Gostava de comprar umas rosas para a tia. A tua mãe, Zé, tem sido tão boa para nós! No regresso, deixo-lhe as minhas flores no Casal!

Enquanto os seus companheiros a esperavam, a

precipitou-se para o sítio onde vira as flores. De súbito, à sua frente, estacou uma senhora de idade, magra e de aspecto receoso, assustada com a barulheira de uma motorizada que avançava para ela. A Ana viu que a pobre senhora não sabia se deveria avançar ou recuar. Então, a pequena puxou-a com força para trás, na altura em que o estouvado da moto quase a atropelava. A pobre senhora, toda a tremer, perdeu-se por entre a multidão, depois de ter balbuciado um tímido obrigada.

A Ana comprou as flores e apressou-se a ir ter com os irmãos e a prima. Montaram logo nas bicicletas, escoltados sempre pelo Tim. Pedalavam em boa velocidade, pela estrada deserta, quando um autocarro os ultrapassou velozmente, envolvendo-os numa nuvem de poeira.

- Que medo que eu tenho destas enormes geringonças ambulantes! - disse a Zé. - Até as vacas se assustam!

O Júlio desatou a rir.

- Mas essas geringonças são estupendas para quem não tem automóvel nem bicicleta! Vamos! Força! Estamos quase a chegar!

Daí a um quarto de hora apeavam-se os quatro diante do velho solar da Terra Selvagem. Sem hesitar, a Zé aproximou-se do portão que vedava a entrada e puxou por uma corrente ferrugenta que viu ao alcance da mão.

O som da sineta foi encontrar eco numa abóbada distante.

- Não há ninguém! - murmurou a Ana, ao cabo de um momento de espera silenciosa.

Como para a desmentir, abriu-se um ralo no portão, e uma voz sumida de mulher perguntou: - Que desejam?

O Júlio aproximou-se e, muito delicadamente, disse:

- Queríamos falar com a senhora Lérach. É para uma informação da maior importância!

- Não recebo ninguém! - disse a voz.

- Mas oiça, minha senhora - exclamou a Zé impaciente. - É a sua segurança que corre perigo!

- Retirem-se. Não os conheço!

E o ralo fechou-se. Os pequenos olharam uns para os outros, sem saber o que dizer.

- E esta, hem? - resmungou o David. - Digam lá depois, às pessoas para irem ajudar um desconhecido...

O ruído do ralo que se abrira de novo cortou-lhe, porém, a palavra.

- Mas essa menina. lá atrás. parece-me reconhecê-la! - disse a voz. - Aproxime-se, minha filha. Sim, sim. Não me enganei! Foi a menina quem à bocado, na povoação, me salvou a vida. E eu fiquei, Meu Deus, tão transtornada que mal lhe agradeci. Entrem! Entrem, meus filhos!

A reviravolta fora tão brusca que os Cinco nem se atreviam a mexer-se. De repente, o portão abriu-se e a senhora Lérach apareceu. Era a senhora de aspecto frágil a quem Ana, de facto, ajudara pouco antes. Sem essa intervenção da pequena, nunca a tímida castelã teria consentido na entrada de estranhos na sua casa tão ciosamente guardada.

Os Cinco encontravam-se agora no salão da residência, uma casa triste onde se vislumbravam ainda vestígios de passada riqueza. A Zé acabava de expor a situação. A senhora Lérach nem por um momento pôs em dúvida a veracidade da história, sabendo que o pai da pequena era um cientista muito respeitado na região.

- Sim. sim. Eu devia calcular. Possuo, de facto, um tesouro de família - reconheceu ela, com grande surpresa das crianças. - E dizem-me que há bandidos que querem apoderar-se dele? Era loucura da minha parte conservá-lo assim em casa! Não está seguro aqui, é evidente.

- Tranquilize-se minha senhora - disse o Júlio com pena. - O roubo está previsto só para o fim do mês. Daqui até lá, tem muito tempo para avisar a Polícia.

- Sim, sim. Tem razão. Há momentos em que já nem sei onde tenho a cabeça. Vivo sozinha, compreendem? Com as minhas recordações! Mas seguirei meus amigos, os vossos conselhos. Entretanto, querem admirar o meu tesouro?

Os Cinco estavam radiantes por terem encontrado tão depressa a vítima visada por Herman e pelos seus cúmplices. E comovia-os a confiança que a senhora Lérach lhes testemunhava, ao confiar-lhes possuir um tesouro de família. Apressaram-se, pois, a segui- la, com a maior boa vontade.

A Ana, que adorava jóias, rejubilava com a ideia de ir ver as fabulosas esmeraldas. A senhora Lérach guiou os Cinco através de salas e corredores intermináveis, até que chegou a uma sala sem móveis e com as paredes nuas. As crianças trocaram olhares surpresos: não havia ali o menor vestígio de tesouro!

A castelã notou aqueles olhares e sorriu, dizendo:

- Adivinho o vosso espanto. Mas o meu tesouro não deve ficar exposto aos olhos de todos. Vejam!

Apoiou a mão numa minúscula rosácea que ornamentava a chaminé. Esta girou sobre si própria, descobrindo a entrada de um compartimento secreto.

- Entrem, meus filhos, e admirem!

Os Cinco entraram logo. A velha senhora acendeu um candeeiro de petróleo e iluminava orgulhosamente o retrato, em corpo inteiro, de um fidalgo com ar triunfador. É um antepassado meu! - anunciou a senhora

Lérach. -É o marquês de Lérach de Feuil! O tesouro que nada iguala.

Os Cinco nem queriam acreditar no que viam. Mas acabaram por compreender que, na sua pressa de contar a história dos bandidos, a Zé falara num tesouro de família, mas sem especificar que se tratava de pedras preciosas. Daí o equívoco da velha senhora.

O David mordeu os lábios para reprimir uma gargalhada. A Ana contemplava o cavaleiro sem abrir o bico. A Zé estava muito vermelha, tal a confusão que o caso lhe causara. O Júlio compreendeu que lhe competia esclarecer a verdade.

Explicou, então, à senhora Lérach que ninguém cobiçava o retrato do seu antepassado, e que os bandidos queriam, sim, era deitar a mão a um cofre de pedras preciosas. A castelã pareceu ficar aliviada. Disse que se sentia muito feliz por ter conhecido os Cinco e acompanhou-os até ao portão, pedindo-lhes que não deixassem de voltar a visitá-la.

Os Cinco viram-se cá fora, mal refeitos da situação, e montaram de novo nas suas bicicletas.

- No fim de contas - exclamou o David - tanto trabalho para nada!

- Não é bem assim - disse o Júlio - visto que podemos agora eliminar a senhora Lérach da nossa lista de possíveis vítimas.

À tarde, os jovens detectives resolveram prosseguir na sua investigação e ir até Ker-Armor, a casa da senhora Grant. Chegados à moradia, apearam-se e tocaram à porta. Esta abriu-se quase imediatamente e uma mulher alta, de ar desportivo, apareceu no limiar. Dirigiu-se lentamente para os Cinco.

- Que desejam? - perguntou ela, em tom pouco amável.

- Boa tarde, minha senhora - disse o Júlio. – Nós queríamos falar com a senhora Grant.

- Sou eu mesma.

- Desejávamos falar consigo acerca de coisas importantes. Podemos entrar?

A senhora franziu o sobrolho, como se uma suspeita a assaltasse.

- Não costumo abrir a minha porta, a desconhecidos, mesmo que sejam crianças - respondeu ela,       no mesmo tom desagradável.

O Júlio apressou-se a dizer quem era e apresentou os companheiros.

-Tem razão em ser prudente, minha senhora - acrescentou ele, sorrindo. - Vive sozinha e...

- Como é que sabem que vivo só? – interrompeu secamente a senhora Grant.

- Informámo-nos - explicou o David.

- Isso torna-os mais suspeitos, meu jovem. Tiram informações a meu respeito, sabem que vivo só e querem que eu receba os quatro, sem contar com esse cão, que deve ser feroz!

- O Tim é manso como um cordeiro – interveio a Zé, empertigando-se. - E está pronto a defendê-la se a senhora quiser.

-Ou a atirar-se à garganta, se vocês lhe ordenarem.

- Como é que pode pensar uma coisa dessas? - exclamou a Ana, sufocada de espanto. - Vimos, pelo contrário, pô-la de sobreaviso contra uns bandidos.

A senhora Grant não a deixou continuar:

- E quem é que me prova que vocês mesmos não são bandidos? - retorquiu.

- Mas creio, antes, que estou a tratar com patifes. Vou chamar o meu cão Sultão e o meu sobrinho.

E assim fez.

Quando o sobrinho chegou, perguntou:

- Que se passa, minha tia?

- Não tem importância! - respondeu a senhora Grant. - São apenas uns patifórios que queriam entrar, o que julgo um indício de serem verdadeiros bandidos.

Os Cinco (incluindo o Tim) soltaram tal bramido de indignação que até o cão-lobo fez coro com eles, ladrando forte. O Tim apressou-se a responder-lhe, enquanto Sultão e o seu dono se aproximavam do gradeamento.

- Abra um pouco o portão, minha tia - sugeriu ele. - Basta que o Sultão lhes mostre a dentuça e põem-se logo a fugir, com o rabo entre as pernas!

A senhora Grant teve um momento de hesitação:

- Achas que é melhor, João Marcos? Mas já este entreabrira o portão. Não previra decerto que o Sultão, excitado pela presença de desconhecidos, se iria escapar-lhe! O enorme animal libertou-se com uma sacudidela forte e lançou-se sobre o obstáculo mais próximo: a Zé.

O Tim, porém, não o deixou alcançar o alvo: saltou-lhe em cima. Foi uma luta terrível. Os cães rosnavam. As crianças gritavam. A tia e o sobrinho procuravam segurar Sultão.

Só a Zé não manifestava qualquer receio:

- Anda, Tim! Dá uma lição a esse monstro! Por fim, João Marcos conseguiu deitar a mão à coleira do cão-lobo. A Zé, por sua vez, abraçava o pescoço do seu valoroso defensor, beijando-lhe o focinho.

- Já compreenderam? - gritou a senhora Grant. Desapareçam daqui, quanto mais depressa melhor!

O Júlio, sem discutir mais, fez sinal aos outros que o seguissem. Quando se encontraram a uns metros da residência, os Cinco sentaram-se à sombra de um dólmen. A Zé verificara, entretanto, que o Tim não estava ferido: a sua agilidade protegera-o das mordeduras do adversário.

O David estava fulo de raiva.

- Que teimosa que nos saiu essa senhora Grant! exclamou ele. - E que desconfiada! E nós que vínhamos para a ajudar!

- Uma vez que não pudemos falar com ela - disse o Júlio gravemente - o que nos resta é escrever-lhe, indicando-lhe o perigo que a ameaça.

- Ela que se avenha sozinha! - gritou o David, ainda a ferver de indignação pela maneira como haviam sido tratados. - Se a roubarem, o mal será dela! Talvez assim aprenda!

A Ana, mais conciliatória, apoiou o Júlio: era preciso escrever à senhora Grant! Mas a Zé pensava doutra maneira, tinha lá a sua ideia.

- A nossa investigação tem de ser conduzida muito a sério e a fundo - declarou ela. - Uma carta pode ficar sem resposta, deixando-nos sem saber o que pensar. E que é que nos adiantava? É preciso contactar a senhora Grant, custe o que custar!

A valente Zé expôs o seu plano aos primos:

- Eu encarrego-me da operação - anunciou, Segundo nos disse a dona de Ker- Armor, o sobrinho dela e o cão estão lá apenas de visita, vão-se embora esta noite! Nessa altura irei tocar lá à porta e parlamentarei com a senhora Grant.

O Júlio desatou aos gritos:

- És doida! Ela nem te ouvirá!

-É o que veremos! Posso, pelo menos, experimentar!

- É um disparate. Não te deixarei fazer isso, Zé. Sou o mais velho. A tia confiou- te a mim. Tenho de velar pela tua segurança. Que sucederia se fosses até lá e o Sultão não se tivesse ido embora? Não, não! Não consinto!

- Bem. Não te zangues. Contentar-nos-emos em escrever-lhe.

Decidido isto, as crianças voltaram para a sua ilha e entretiveram-se, entusiasmadas a brincar, aos Robinsons modernos. Quando se foram deitar, tinham combinado ir visitar no dia seguinte a senhora Labry.

Estendida na barraca que partilhava com a Ana, a Zé esperou que a prima adormecesse. Os rapazes, esses; dormiam já. Então, sem fazer barulho, a Zé deslizou para fora da tenda. O Tim foi logo ter com ela, a estremecer de alegria.

- Quieto! - disse ela, num murmúrio. - E nada de ladrares! Anda! Vamos os dois em expedição!

O cão acompanhou-a em silêncio. Lado a lado, os dois amigos, iluminados por um luar magnífico, percorreram o caminho que levava até à enseada onde se encontrava o bote, e a Zé saltou-lhe logo para dentro. A rapariga parecera ceder às palavras de Júlio, mas isso não passara de uma artimanha, estava firmemente resolvida a ir procurar outra vez a senhora Grant.

- Vamos, Tim! Anda!

O cão estava já no barco. A Zé empunhou os remos e dirigiu- se rapidamente para terra. O mar estava calmo, a brisa era suave. O Tim parecia satisfeito com a passeata.

A Zé deixou o bote amarrado no pequeno cais; foi buscar a sua bicicleta à casa de arrecadações e velozmente seguiu pela estrada do norte. O Tim corria ao lado dela, cada vez mais feliz com aquela viagem inesperada. A brisa trouxe-lhes, de súbito, o som das onze badaladas no relógio da igreja de Kirrin.

- Óptimo! A estas horas o tal João Marcos já deve ir longe. E a senhora Grant é capaz de estar ainda a pé. Não se recusará a receber-me sozinha. Tu, Tim, ficarás invisível.

Quando chegou junto do portão de Ker-Armor, a Zé apeou-se e ordenou ao cão que se deitasse atrás de umas moitas.

- Deixa-te ficar aí até eu voltar - disse ela. Juizinho!

Depois aproximou-se do portão. Da residência não vinha a menor luz. A Zé tocou à campainha. Não ouviu qualquer toque. Possivelmente, para que não a incomodassem, a senhora Grant desligara a campainha. Muito aborrecida, a rapariga perguntou a si própria o que é que deveria fazer. Sim, não fizera aquele trajecto todo para voltar com as mãos a abanar. De súbito, teve uma ideia: E se eu trepasse à grade? Iria até à casa e batia à porta. Com o ruído que farei, ninguém poderá acusar-me de ter entrado na propriedade com más intenções.

Dito e feito. Depois de se ter certificado de que o portão estava bem fechado, a Zé tratou de o escalar. Ágil como um gato, num abrir e fechar de olhos trepou até acima e deixou-se cair do outro lado. Foi então que se deu a catástrofe!

Mal a rapariga aterrara, os pés tocaram-lhe num fio que se perdia entre a relva. Devia estar ligado, de certeza, a um alarme porque, imediatamente, se ouviu no interior da residência um toque estridente! A Zé caíra numa armadilha para ladrões!

Ergueu-se rapidamente, consternada e barafustando contra a sua pouca sorte. Mal dera um passo e já a porta da casa se abria. Um jorro de luz inundou o jardim. A senhora Grant apareceu no limiar! Estava de pijama, e com robe por cima deste. A sua atitude ameaçadora não augurava nada de bom. Brandia uma sólida bengala.

- Quem está aí? - perguntou, em voz rude. A Zé avançou, coxeando.

- Sou eu, minha senhora. Um dos seus visitantes desta tarde! - explicou ela, pausadamente. - Preciso de falar-lhe custe o que custar. E como a sua campainha não tocava.

- Palavras! - resmungou a proprietária de Ker-Armor. - Sabia muito bem que vocês não passavam de uns patifórios.

- Garanto-lhe que está enganada! afirmou a Zé num desespero. - Estou aqui só por seu interesse. O meu pai é um cientista muito conhecido.

- E isso que prova? E porque é que ele a deixa andar assim como uma vagabunda, em plena noite?

- Posso explicar-lhe tudo - volveu a Zé. - Não passa de um mal-entendido seu, pode crer! Se tivesse, esta tarde, consentido em ouvir-nos.

- Nem há bocado nem agora, não estou disposta a aturá-los!

E, sem fazer caso dos protestos da Zé, a senhora Grant, ao dizer aquelas palavras, aproximou-se da rapariga, agarrou-a por um braço e sacudiu-a com força.

- Vamos! O melhor é confessares que vieste como espia. Fazes parte, com certeza, de uma quadrilha e queres obter informações sobre o local. Mas eu sou desconfiada, como vês. Esta casa está cheia de armadilhas para ladrões. Não tiveste sorte!

- Engana-se, juro-lhe! - exclamou a Zé que começava a estar assustada, e com razão. - Os meus primos e eu não viemos senão para a avisar. Há bandidos que planeiam tirar-lhe o seu tesouro.

- Qual tesouro? Que nova invenção é essa? Serás capaz de imaginar não sei o quê, só para que te restitua a liberdade?

- Não pense isso! - respondeu a Zé, indignada,

- Eu nunca minto!

- Vai dizer isso a outros! Porque é que hei-de acreditar- te? Os factos falam por si! Introduziste-te, de noite, numa propriedade particular. Isso cai sob a alça da lei. É já demasiado tarde para que eu vá perturbar o repouso dos polícias de Kirrin. Mas amanhã de manhã previno-os e eles virão buscar- te. Entretanto, vou prender-te em qualquer lado. Uma noite passada a meditar só te fará bem.

Em vão a Zé continuou a afirmar a sua inocência. A senhora Grant de nada quis saber.

Segurando a pequena violentamente, a dona da casa arrastou-a para os lados da garagem.

- Podia fechar-te na cave - disse ela -, mas eras capaz de fazer barulho, e não me deixavas dormir. Aqui, ao menos, podes gritar e chamar à vontade. Não te ouvirei. E mesmo que te ouvisse.

Desta vez, o receio da Zé transformou-se em cólera.

- Não pode proceder assim! - exclamou ela, furiosa. - Não lhe fiz mal nenhum!

- Porque não te dei tempo para isso! Vamos, é inútil tentares comover-me.

- Há-de lamentar um dia ter sido tão injusta comigo - exclamou a Zé. - Mas então talvez seja tarde.

E, fora de si, debatia-se freneticamente para escapar à sua adversária. Mas a senhora Grant era uma mulher forte que não se deixava surpreender facilmente. Manteve a sua presa firmemente segura e, apesar da resistência da rapariga, empurrou-a para a garagem que ficava ao lado da casa. E, por fim, fechou a porta à chave.

- Amanhã - gritou ela - entender-te-ás com a Polícia!

A Zé ouviu-a afastar-se e mordeu os lábios de desespero.

- Sim, senhora! Eis-me em bonitos lençóis! - murmurou.

Entretanto, como não se considerava vencida, inspeccionou cuidadosamente o seu cárcere. Mas, aí, à excepção de uma pequena fresta, a garagem tinha apenas uma saída que era a porta. A Zé estava presa!

Enquanto a Zé enregelava na garagem e procurava em vão, uma saída por onde pudesse raspar-se, que fora feito do Tim?

O Tim era um animal inteligente. Adorava a Zé

e, por instinto, compreendia-a. Se a criança estava triste, o cão tentava alegrá-la. Se ela estava alegre, associava-se à sua alegria com mil cabriolas. E, da mesma maneira, adivinhava quando ela corria qualquer perigo. Além de adorar a Zé, votava uma sólida afeição ao Júlio,

David e à Ana. Dentro do Clube dos Cinco, o papel do valente Tim consistia em proteger e defender a Zé e seus primos e, desempenhava-se dessa missão com consciência e, se fosse preciso, com valentia.

No dia-a-dia, o Tim obedecia escrupulosamente à sua jovem dona. Quando a Zé lhe dera ordem para ficar atrás das moitas à espera dela, o animal percebera perfeitamente.

De orelhas espetadas, seguira os movimentos da garota a escalar a grade de Ker-Armor. Ouvira o ruído da queda, o do sinal de alarme e, depois, a voz áspera e furiosa da senhora Grant. Tudo aquilo o inquietara e perturbara. E, quando a Zé proclamara a plenos pul mões a sua inocência, o Tim compreendera, pelo tom das palavras, que ela se encontrava em perigo.

Agora, levado pelo seu instinto, o cão infringia a ordem da dona, para voar em socorro dela. Mas foi em vão que tentou saltar por cima da grade. Esta era demasiado alta. O obstáculo parecia intransponível!

Sem gastar tempo em latidos inúteis, o Tim procurou então passar por entre os varões da grade, mas era gordo demais para isso! Tomando de novo balanço experimentou, uma vez mais, saltar por cima da vedação.

Tempo perdido! Sempre, sem ter conseguido chegar ao alto. Assustado, viu a senhora Grant arrastar a Zé para a garagem, e pôs-se então a ganir de raiva impotente e de dor.

Ninguém o escutou. Recomeçou os saltos, sempre inutilmente. A senhora Grant, depois de fechar a garagem à chave, voltara para casa. Compreendendo que sua dona estava presa, o Tim soltou três latidos fortes:

Béu! Béu! Béu!

- Tim! - gritou ela com toda a força. - Tim! és tu? Socorro, Tim! Socorro!

Mas a pobrezinha bem sabia que o seu amigo de quatro patas era incapaz de a libertar. No entanto, só o facto de o saber ali perto, a ouvi-la, lhe restituía um pouco de coragem.

- É preciso que eu saia daqui, custe o que custar - dizia ela a si própria. - Que linda figura a minha se, amanhã de manhã, a senhora Grant me entregar aos polícias! Que escândalo! E estou daqui a ver o papá todo zangado. Como ele irá ralhar à gente, por termos querido conduzir sozinhos esta investigação! E, depois, o caso dará que falar, com certeza. Os bandidos serão alertados, renunciarão ao roubo e irão fazer o assalto para outro lado. E não será possível agarrá-los aqui!

O Tim, entretanto, reconhecera a inutilidade dos seus esforços para transpor o gradeamento. A sua lógica de cão sugeriu-lhe um raciocínio muito simples:         A Zé está presa. Não posso libertá-la. Vamos então avisar os outros!

Lançou um derradeiro olhar à garagem onde a Zé se encontrava encerrada e, sem perder mais tempo, deu meia volta e partiu a toda a velocidade:

O Tim correu demoradamente, sempre no mesmo ritmo, sem nunca se desviar do seu caminho, até chegar ao pequeno cais do Casal Kirrin. Aí deteve-se um momento. Que iria fazer agora? A casa dos pais da Zé ficava ali a dois passos. Se ladrasse com força, haviam de ouvi-lo, pela certa.

Entretanto, o Tim sentia lá no seu íntimo que não era aquela a melhor solução. Mais valia ir acordar Júlio, o David e a Ana!

Mas, para isso, precisava de voltar à ilha. O bravo cão não hesitou um segundo: o braço de mar que separava a costa da ilha Kirrin estendia-se diante dele, à luz da Lua, e o Tim saltou para a água. Lutando contra a corrente, nadou sem desfalecimento, estimulado pela recordação da Zé.

Quando pôs pé, ou, melhor, quando pôs as patas na areia da ilha, vendo em cima o castelo, mal perdeu tempo a sacudir a água. Transpôs a ladeira e precipitou-se para a barraca das crianças, ladrando freneticamente: Béu! Béu! Béu!

O Júlio e o David acordaram sobressaltados. O David, sentado no seu leito de campanha, abria muito os olhos.

- Tim! Que é que tens? Estás maluco? Porque é que ladras assim?

O Júlio, mais calmo, percebeu logo que havia ali qualquer coisa.

- Que terá acontecido às raparigas? - exclamou ele. - Nunca a Zé deixaria o Tim ladrar desta maneira!

Os dois rapazes levantaram- se precipitadamente é saíram da barraca. Na das raparigas tudo estava calmo.

- Zé! Ana! - gritou o Júlio, aproximando-se. Está tudo bem?

O Tim correu para o interior da barraca, ladrando com toda a força. A voz ensonada da Ana fez-lhe acompanhamento:

- Zé! Diz ao Tim que se cale!

O David ergueu os ombros e segurou o cão pela coleira.

- Calas-te ou não? - disse ele com severidade. Ou queres acordar toda a gente a meio da noite? Zé! Vem tu fazer calar este mariola!

Mas foi a Ana, e não a Zé, quem saiu, de súbito, da barraca. A pequena parecia perturbada.

- Júlio! David! A Zé não está aqui! Julgava que dormia ao lado de mim, mas vi agora que não está ninguém! Oh! Meu Deus! Porque é que o Tim ladra dessa maneira? Estou cheia de medo. Aconteceu qualquer coisa à Zé. Adivinho-o! Tenho a certeza!

- Não sejas parva! - respondeu o David. - A Zé deve ter ido dar uma volta e o Tim resolveu armar em idiota.

O Júlio, porém, não era da mesma opinião.

- Não sejas tu parvo também - disse ele ao irmão. - Se a Zé tivesse ido dar uma volta, levava o Tim com ela!

- Isso é verdade! - confirmou a Ana. - Os dois são inseparáveis. Tenho muito medo, Júlio. Onde é que ela pode estar?

- Vamos procurá-la - sugeriu o David. - E já ficamos a saber.

Começaram por chamar pela Zé, mas o cão não lhes deu tempo para demoras, puxando pelo Júlio por uma ponta do pijama, e saltando depois à frente do rapaz, correu em direcção à pequena enseada. O Júlio, o David e a Ana seguiram-no, cheios de inquietação.

Logo que as crianças verificaram que o bote estava ali, compreenderam que a Zé tinha saído da ilha. Mas porque é que não levara o cão?

Foi só nessa altura que o David reparou que o animal estava encharcado.

- O Tim foi com ela! - exclamou o rapaz. Mas teve de voltar a nado.

As crianças olharam-se, consternadas. Adivinhavam que uma tragédia se passara em terra e que o valente animal fizera a travessia a nado, só para os avisar,

Júlio não demorou muito a tomar uma decisão: - Já estou a ver o que é que se passou! - disse ele. - A Zé quis falar de novo com a senhora e meteu-se, pela certa, nalgum sarilho. Temos de ir em seu socorro.

- Sim. Mas como? - murmurou o David, desanimado, enquanto a Ana desatava a chorar. - Agora, não dispomos do bote. Estamos presos na ilha!

O Júlio não pôde reprimir um movimento de impaciência.

- Não digas parvoíces, David! O que o Tim fez pela Zé posso eu fazê-lo também! Vou nadar até à costa. E depois venho buscar-te com o barco, e iremos de bicicleta até Ker-Armor!

- Também quero ir! - exclamou a Ana, numa voz que parecia firme, apesar das lágrimas que lhe corriam pela face. - Posso ajudá-los, e o Tim também!

- Béu! - aprovou o cão.

- Pronto! Seja! - murmurou o Júlio.

- Tem muito cuidado, Júlio - pediu a Ana.

- Com certeza! Entretanto, vistam-se e preparem a minha roupa. E não se esqueçam das lanternas eléctricas.

O Tim, agora, sacudia a cauda. Viu, com interesse, o Júlio lançar-se à água fria e afastar-se a nado. O inteligente animal percebeu que ele ia socorrer a Zé.

O Júlio achou a água menos gelada do que receava e nadou em direcção à costa, com o espírito absorto no pensamento da Zé. Deveria ele avisar os tios?

- Por enquanto não! - decidiu. - O pai da Zé émuito severo! Talvez não seja preciso pô-lo ao corrente do assunto.

Chegou a terra, perto do local onde se encontrava o barco que o luar iluminava. Como já calculava, na arrecadação faltava a bicicleta da Zé.

Rapidamente, o Júlio saltou para o bote e pôs-se a remar para a ilha.

Momentos depois, o barco fazia o percurso inverso, trazendo já a bordo o Júlio, o David, a Ana e o Tim. O cão, de focinho estendido, parecia impaciente em chegar.

Uma vez em terra, os três jovens saltaram para as suas bicicletas e voaram para Ker-Armor, acompanhados silenciosamente pelo cão. O bravo animal não se mostrava fatigado. A Ana enxugara-o muito bem com uma toalha e o Tim não tinha frio.

- Devemos estar no caminho certo! - declarou o

Júlio, parando um momento.

- Vejam como o Tim corre sem hesitação. O que

temos a fazer é deixar-nos guiar por ele.

O pequeno grupo pedalou com energia até Ker

-Armor. Aí, apearam-se, enquanto o cão corria para as grades e, olhando para o lado da garagem, soltava breve latido:

Béu "

Uma voz abafada respondeu-lhe:

- Tim! Tim! Meu querido cão!

O David soltou uma exclamação de surpresa e, depois, gritou:

- Zé! Zé! Somos nós! Onde é que estás?

- Aqui, na garagem! Depressa! Soltem-me!

O Júlio, então, interveio:

- Se continuarmos a gritar desta maneira, vamos acordar a senhora Grant... Se é que não a acordamos já...

E mais alto disse:

- Cala-te Zé!

O silêncio recaiu, e os Cinco puseram-se à escuta.

A Zé, na sua prisão, lembrava-se do que a senhora

Grant lhe dissera: Podes gritar por mim à vontade, que eu não te ouvirei

Talvez ela dormisse com as janelas fechadas ou fosse um pouco surda!

Reunidos ao pé do portão, o Júlio, o David, a Ana e o Tim continuavam à escuta. Como nada mexia para os lados da residência, o Júlio soltou um suspiro de alívio:

- Tudo vai bem! Mas deixemos de fazer burrices e trabalhemos em silêncio! O que é preciso é fazer a Zé sair de lá para fora!

O David aprovou:

- Tens toda a razão. Mas como?

- Pensemos um pouco...

- Parece-me - disse a Ana - que a principal coisa a fazer é trepar esta grade. O que a Zé deve ter feito, no fim de contas.

- Nesse caso - observou o Júlio - não deve ter tido muita sorte. A prova é que...

- Há talvez algum sinal eléctrico... Algum alarme... Qualquer armadilha... - disse o David.

- Este gradeamento não tem fios eléctricos e, se a Zé se tivesse magoado numa ratoeira, não falaria agora com uma voz tão clara. Mas a tua ideia do alarme não me parece má, David. Sejamos prudentes. Vou trepar eu primeiro, e deixo-me cair do lado de lá, mas não na relva. Pelo menos, num sítio onde veja onde ponho os pés.

Graças a esta cautela, tudo correu bem. Uma vez do outro lado, Júlio disse a David que o imitasse. Quanto à Ana, ficaria do lado de fora com o Tim. Se eles fossem apanhados, ela ao menos poderia correr até ao Casal, a buscar socorro.

A Ana, pouco tranquilizada, viu que os seus irmãos, uma vez no parque, seguiam o caminho que levava à garagem.

Chegados ali, bateram à porta ao de leve: - Somos nós, Zé, O Júlio e o David! Há qualquer outra saída sem ser esta porta?

- Não - respondeu a Zé. - Nadinha. E esta porta está fechada à chave. Encontrei uns ferros na mala do carro da senhora Grant, mas não consegui forçar a fechadura.

- E esta, hem? - disse o David. - Tens alguma ideia, Júlio?

Este reflectiu um bocado e, depois, erguendo os olhos, respondeu:

- O tecto da garagem é de telhas. Se conseguisse tirar algumas telhas, a Zé poderia sair por lá.

- Bravo! Que bela ideia! - exclamou o David, em surdina.

O Júlio aproximou a boca da porta:

- Zé! Trepa para o carro e bate ao de leve nas telhas, mesmo por cima da tua cabeça. Vamos ver se escapas por aí!

- Percebo! - replicou a Zé, esperta como sempre. O Júlio pediu, então, ao David que juntasse as mãos, para que ele trepasse. E conseguiu saltar, assim, para o telhado da garagem. Não teve grande dificuldade em tirar algumas telhas, que ia colocando, uma a uma, ao lado dele. E não tardou que, à luz da Lua, distinguisse o rosto da prima, erguido para ele.

-Olá, velhota! Meteste-te numa bonita alhada!

Sem o Tim, que nos foi acordar depois de ter feito a travessia a nado, arriscavas-te a morrer aí de velha.

- Valente Tim! - resmungou a Zé! - E vocês são umas jóias! - acrescentou, sorrindo comovida.

O Júlio deitou-se ao comprido no telhado e ajudou a prima a subir para junto dele.

- E agora - disse o rapaz - vamos pôr as telhas no seu lugar.

A Zé desatou a rir:

- Estou a ver - murmurou ela - a cara que fará a senhora Grant, quando encontrar a gaiola vazia. Como a porta continuará fechada à chave, não perceberá como é que o pássaro se raspou!

Daí a dois minutos, o Júlio e a Zé estavam ao pé do David. A Ana, do lado de lá do portão, aguardava-os, impaciente. Logo que os dois rapazes e a Zé transpuseram o gradeamento, o Tim lançou-se sobre a jovem dona e atirou-a ao chão, no meio da sua alegria.

A Zé abraçou-o carinhosamente.

- Tim! Meu querido Tim! Salvaste-me a vida!

E vocês também! Obrigada! Obrigada!

       Exagerava talvez um pouco, como era seu costume, mas os primos não pensaram em censurá-la.

- Fujamos depressa! - aconselhou o Júlio, depois de a Ana ter imitado o Tim, lançando-se nos braços da Zé. -Vamos dando aos pedais, enquanto a Zé conta a sua aventura!

As quatro crianças montaram as suas bicicletas e afastaram-se velozmente de Ker-Armor.

Antes de irem dormir a soneca que todos tinham bem ganho, as crianças reuniram-se em conselho na sua ilha. A atitude da Zé foi comentada pelos outros, cada um à sua maneira. Mas a fadiga não tardou a entaramelar- lhes as palavras, e a sessão foi adiada para a manhã seguinte.

De manhã, os jovens, reconfortados com um belo café com leite, discutiram a situação com mais lucidez do que à noite.

Tinham-se levantado bastante tarde e, refeitos das suas emoções nocturnas, sentiam-se em plena forma.

- E agora - exclamou o Júlio - façamos um pouco o ponto da situação! Fizeste mal, Zé, em forçar assim a porta da senhora Grant. Não está certo, tanto mais que tínhamos resolvido escrever-lhe. Em troca, a tua infelicidade permitiu-nos obter indirectamente a informação que procurávamos.

- Que queres tu dizer? - perguntou a Ana, espantada.

- Então! Nós não queríamos saber se a senhora

Grant possuía o famoso tesouro cobiçado pelo Herman?

- Sim, com certeza!

- Agora estamos ilucidados. A Zé pôde falar com a senhora Grant e, embora essa conversa decorresse nas piores condições para a Zé, a verdade é que nos esclareceu. A senhora Grant não tem as esmeraldas. Porque se as tivesse, não teria o ar de cair das nuvens, quando a Zé fez referência a esse tesouro! Parecia, antes, que a Zé lhe estava a impingir uma patranha!

- Tens razão! - exclamou o David. - A partir de agora, é inútil insistir do lado de Ker- Armor. Não é a senhora Grant que os bandidos se propõem assaltar!

O Júlio notou, então, que a Zé não dizia nada.

Sentada num rochedo, com um braço à volta do pescoço do Tim, parecia mergulhada nas suas reflexões.

- Eh! Zé! - exclamou alegremente o Júlio. - Desce lá das nuvens e vem ter conosco, sim? Não ouviste nem uma palavra sequer do que dissemos.

- Ouvi, sim - respondeu a Zé. -Ouvi perfeitamente. Mas... não sou bem da vossa opinião.

-O quê? - perguntou o David, abrindo muito os olhos.

- Não acho que a reacção da senhora Grant prove que ela não possui as esmeraldas.

- Se as possuísse -observou a Ana - ficaria alarmada e teria dado crédito à nossa história. Ter-nos-ia agradecido por a havermos avisado dessa tentativa de assalto.

- A não ser - objectou a Zé - que nos tenha tomado de facto por jovens bandidos encarregados de bisbilhotar. E assim, para que desistíssemos de qualquer roubo, fingiu diante de mim nada saber desse tesouro.

Era o melhor meio de nos afastar dela.

Os jovens detectives discutiram ainda mais algum tempo, sem chegarem a qualquer conclusão positiva.

Júlio acabou por declarar:

- Creio que o melhor é procedermos por eliminação. Das nossas três vítimas possíveis, excluímos a senhora Lérach. Consideremos, se quiserem, a senhora Grant como duvidosa, e passemos à senhora Labry.

E, depois, nós veremos!

- De acordo! - exclamou a Zé, erguendo-se de um pulo. - Eu cá sou pela acção imediata! A caminho das Faias!

Os Cinco não tardaram a reconhecer que o assunto entre mãos era decididamente muito delicado.

Dos três bandidos, a Zé só tinha avistado dois, de que ignorava quase tudo. As esmeraldas permaneciam imvisíveis. E a vítima continuava a ser uma incógnita!

-Se as pessoas ao menos nos ajudassem um pouco - declarou a Ana, sempre a pedalar, com os outros, em direcção às Faias - o nosso inquérito seria mais fácil!

Estava escrito, porém, que as pessoas que as crianças pretendiam auxiliar seriam particularmente reticentes. Com efeito, se a senhora Lérach se mostrara desconfiada e a senhora Grant hostil, a senhora Labry, pela sua parte, foi simplesmente inacessível.

Quando os Cinco entraram no pátio das Faias, uma rapariga que saía da vacaria disse-lhes que a sua patroa não recebia ninguém: a senhora Labry era, acima de tudo, uma mulher de negócios! Distribuía, com a maior competência, as tarefas pelos trabalhadores agrícolas e encarregava-se ela própria de dar saída aos produtos da sua herdade.

- Prepara-se, nesse momento, para ir, na carrinha, fazer a entrega dos ovos e da criação. Se querem falar-lhe, telefonem-lhe primeiro, para marcar um encontro. Mas duvido muito que ela os receba - acrescentou a rapariga, rindo. - O tempo dela é reservado só para negócios.

Naquele mesmo instante, largava do pátio uma carrinha com uma senhora ao volante.

- Ela aí vai! - anunciou a rapariga.

- Eh, minha senhora! - gritou o Júlio, erguendo os braços. - Um minuto só, se faz favor!

O carro parou mesmo ao pé deles. A senhora que guiava voltou o seu rosto magro para o rapaz.

- Que deseja? - perguntou ela, num tom seco.

- Queria falar-lhe, minha senhora - respondeu o Júlio. - É importante!

- Para negócios?

- Não, não. É um assunto particular.

- Não tenho tempo!

A resposta foi brutal. E, antes que as crianças voltassem a si da surpresa, a senhora Labry carregava no acelerador e desaparecia numa nuvem de poeira.

- E esta? - gaguejou a Ana, estupefacta.

Não se pode dizer que ela seja muito amável!

- Eu bem os preveni - disse a moça da vacaria. - Bem! Tenho de voltar ao meu trabalho!

E afastava-se já quando surgiu um criado, de cara cheia e sorridente.

- Queriam falar com a patroa? - perguntou ele cordialmente.

- Sim - respondeu a Zé, vexada pela forma como a senhora Labry os havia recebido. - Temos uma comunicação urgente a fazer-lhe... no interesse dela.

O homem desatou a rir.

- Se é mesmo do interesse dela, devia tê-los ouvido. Não há ninguém mais interesseiro! A patroa é muito rica, mas também é um pouco avarenta, diga-se a verdade. Conta-se aqui na região que tem muito dinheiro no banco e um tesouro no subterrâneo. Esse tesouro, que ela julga ser ignorado de todos, não passa, afinal, de um segredo de polichinelo!

Com a atenção desperta, as crianças quiseram saber em que consistia o tal tesouro. Mas o criado nada mais sabia dizer- lhes. Lá que a patroa tinha um tesouro, tinha mesmo. Mas ninguém sabia o que era!

Quando os Cinco se encontraram de novo na ilha

Kirrin, aí pelo meio-dia, reuniram-se todos, em frente do mar cristalino.

- Creio - disse o Júlio - que já estamos agora mais ou menos fixados. A senhora do castelo, possuidora das esmeraldas e ameaçada pelos bandidos, não é a senhora Lerach. Há poucas probabilidades de que seja a senhora Grant, muitíssimas de que se trate da senhora Labry.

- Está certo - concordou a Zé. - Mas o aborrecido é que não podemos eliminar por completo a senhora Grant. Temos, assim, duas vítimas possíveis. Ora, como as duas se mostram reticentes, e nós não sabemos ao certo qual é que está em perigo, não há possibilidades de intervir a Polícia!

-Exacto - aprovou o David, com ar preocupado. - Se a fôssemos avisar, faríamos uma figura ridícula. Mas concordem que isto é o cúmulo! Querer salvar uma pessoa que faz tudo para impedir que a ajudem!

- É ser mais papista do que o papa! - suspirou Ana. - As pessoas são pouco co. coo. coo.

- Cooperadoras! - concluiu o David.

- Entretanto - rematou a Zé - vamos ter de deslindar sozinhos toda esta meada e estar de atalaia tanto ao pé de Ker-Armor como das Faias. O futuro não nos promete muito repouso.

Nos dias seguintes, os Cinco tiveram muito que fazer. O trabalho era fastidioso e, precisamente porque havia uma incerteza quanto à identidade da vítima, a investigação não progredia. É claro que acerca dos bandidos não havia a menor notícia... Os Cinco, divididos em dois grupos, passavam a maior parte do tempo nos arredores das duas propriedades, na esperança de apanhar qualquer indício.

Haviam feito mesmo uma nova tentativa para, falar com a senhora Labry. Mas em vão! Recusou-se a recebê-los.

- Ainda o que vale é termos o bote e as bicicletas

para andarmos de um lado para outro - observou o David, uma manhã ao pequeno-almoço.

- E o que vale também é que as solas das patas do Tim não se gastam! - rabujou a Zé, com voz lúgubre.

- O que importa, sobretudo, é estarmos em férias

e termos o tempo todo livre - acrescentou o Júlio.

- Começo a crer que esta história de bandidos e pedras não passa de um sonho mau - suspirou a Ana.

Os jovens detectives estavam aborrecidíssimos.

O tempo passava, e estava-se já a 20 de Julho. Faltavam só dez dias para a operação Esmeraldas. Os Cinco continuavam a não saber quem era o misterioso dono do tesouro.

É evidente que não podiam estar de sentinela, toda a noite, junto à casa das senhoras Grant e Labry.

Nessa manhã, a Ana notou que os abastecimentos da ilha estavam no fim: não havia café nem manteiga, e o açúcar e os bolos secos escasseavam, por sua vez!

- Precisamos também de batatas, de fósforos, de

hortaliças e de ovos - declarou a Ana. - Ah! e de queijo!

       - No fim de contas, uma mercearia em peso!

-Vamos, então, aos mantimentos em Kirrin! propôs o David. - Hoje é precisamente dia de mercado.

A Zé empurrou o bote para a água e os Cinco saltaram-lhe para dentro, com os seus cestos. Chegados a terra, foram buscar as bicicletas e meteram-se à estrada, escoltados pelo Tim.

       Os lugares de venda do pitoresco mercado forneceram aos jovens fregueses tudo aquilo de que necessitavam. Terminadas as compras, os Cinco deixaram os cestos, já cheios, confiados à guarda do amável vendedor de queijos. Depois, divertiram-se a andar de cá para lá, por entre a multidão, com as mãos vazias.

- Que animado - reconheceu o David. -E como certas pessoas são engraçadas. Olhem para ali!

Os basbaques reuniam-se já, rindo muito, à volta de uma vendedeira de peixe, a contas com um freguês irritado, que gesticulava muito. De repente, a Zé foi empurrada por um homem que nem sequer lhe pediu desculpa.

Furiosa, voltou-se para lhe dizer uma das boas, mas deteve-se bruscamente, petrificada. O homem era magro, com cabelos ruivos. E a sua silhueta lembrava

Leão, o cúmplice de Herman, que ela mal pudera ver.

       Engoliu a descompustura que lhe subia já aos lábios.

O homem por sorte, não lhe prestara a menor atenção.

A Zé aproximou-se dos companheiros.

- Vêem aquele homem arruivado, ali adiante! disse-lhes ela. - Não posso jurar, mas julgo bem que é o Leão. um dos bandidos.

O Júlio, o David e a Ana deram um pulo. A Zé estava visivelmente nervosa. Via-se bem que ela não brincava.

- Com a breca! - exclamou o Júlio. - Se tu não te enganas, Zé, trata-se de não o perder de vista. É o fio condutor com que já não contávamos, e que nos poderá levar a uma boa pista.

- Sim! - disse o David, entusiasmado.

Sigamos esse homem. Há-de levar-nos, pela certa, até ao Herman.

- Desde que ele seja de facto o Leão.

- E, se ele não nos levar até ao Herman, ficaremos a saber, pelo menos, onde é que mora - disse a Ana:

- A não ser que ele vá de automóvel! – suspirou o David. - Com as nossas bicicletas, não nos estou a ver a competir com um bólide!

- Qual bólide nem meio bólide! – protestou Ana. - Estás do lado deles ou quê?

- Não é a altura de discutirmos – interrompeu Júlio. - Tratemos mas é de vigiar o nosso homem;

Os basbaques tinham dispersado. O homem de

cabelo ruivo atravessou a praça do mercado, para se dirigir a um café cuja esplanada, exposta ao sol, estava cheia de grandes chapéus de cor. O homem sentou-se numa das mesas já ocupada por outro cliente, de aspecto pesado, com pescoço de toiro e cabelo cortado.

- O Herman! - murmurou a Zé, radiante.

Não me tinha enganado. Eis os nossos dois bandidos juntos! A sorte está connosco, finalmente!

- Se não a deixarmos escapar - corrigiu o Júlio. - Ou melhor, se não deixarmos escapar estes dois patifes!

- E como é que nós vamos fazer - perguntou a Ana - para seguirmos os bandidos, sem sermos vistos         por eles?

- Antes de mais nada - murmurou a Zé

gostava bem de saber o que é que estão agora a dizer. Mas espera: é fácil. É só questão de nos irmos sentar ao lado. Não nos conhecem e não irão desconfiar de crianças da nossa idade, acho eu.

Dito isto, e sem esperar pela opinião de mais ninguém, dirigiu-se com o Tim para a esplanada. Os primos foram atrás dela. Por sorte, havia mesmo uma mesa livre ao lado da do Herman e do Leão, que os Cinco logo ocuparam.

Como a Zé calculara, os dois homens não ligaram a menor atenção aos seus jovens vizinhos.

Estavam mergulhados numa conversa a meia- voz.     As suas palavras poderiam parecer sem significado para ouvidos não interessados. Os das crianças, porém, estavam atentos, não perdiam nem uma palavra.

- Então, é amanhã que chega o Marcel, hem? Tens a certeza, Leão?

- Sim, senhor Herman. Vai entrar agora ao serviço. Um pouco mais cedo do que o previsto.

- Nesse caso, podia antecipar- se a data. - Não, senhor Herman. É melhor não. O dia 30, como se combinou, é que convém. Com a saída dos veraneantes, há muito menos gente na região.

- Fala mais baixo! Não sou surdo.

- Sim, senhor Herman. Dizia eu que...

A voz do ruivo transformou-se núm murmúrio inaudível. Os jovens detectives olharam uns para os outros. Quem seria aquele Marcel e que funções seriam as dele?

Não se atrevendo, naturalmente, a trocar impressões em voz baixa, lembraram-se de as apontar em papelinhos que passavam de mão em mão. Quem os observasse, pensaria que estavam entretidos nalgum jogo.

- Marcel é, naturalmente, um criado novo contratado pela senhora Grant - sugeriu o David.

- Não - rabiscou o Júlio, por sua vez. - Inclino-me, antes, para que seja um novo trabalhador agrícola das Faias.

- Como é que podemos saber? - escreveu a Ana.

- Não largando estes patifes! - respondeu a Zé com a sua letra firme.

A discussão estava neste ponto quando os bandidos se ergueram. O Júlio e os companheiros, que tinham tido o cuidado de pagar antecipadamente as suas laranjadas, fizeram o mesmo. E, com a maior naturalidade deixaram a sua mesa.

-Principia a caça ao bandido! – murmurou David, num tom que pretendia ser feroz.

- Cala-te parvo! - respondeu-lhe o irmão.

O que principia agora é a parte mais delicada da investigação.

Havia já momentos que o Tim testemunhava, à sua maneira, ter reconhecido, também, o Herman e o Leão.

A Zé tinha-lhe feito, na devida altura, sentir o cheiro dos bandidos, excitando-o contra eles. Agora, com o pêlo levemente eriçado e o nariz muito espetado para a frente, o cão aguardava apenas um gesto da dona para saltar... Mas a Zé, pelo contrário, susteve-o e impôs-lhe silêncio.

- Depois, Tim. Fica quieto agora! Não quero que

dêem por nós!

Tim, um pouco admirado, obedeceu, contudo. Se o tivessem deixado à vontade, teria saltado, com o maior prazer à garganta daqueles tipos. O seu instinto dizia-lhe que se tratava de malfeitores.

Aparentando passear tranquilamente, os Cinco começaram a seguir o Herman e o seu cúmplice. Mas, deitando embora olhares falsamente interessados aos lugares de venda do mercado, não perdiam de vista a sua caça. Os dois bandidos, aliás, não se apressavam.

Depois de atravessarem a praça meteram pela rua principal da povoação, vigiados sempre pelos jovens detectives. Ali, porém, com grande aborrecimento destes, separaram-se com um aperto de mão. O Herman entrou numa tabacaria, enquanto o Leão prosseguia o seu caminho.

O Júlio tomou logo uma decisão:

- A Ana e eu vamos seguir o ruivo – anunciou ele. - Vocês não larguem o Herman! Encontramo-nos todos, o mais cedo possível, no café. - os que chegarem primeiro esperam pelos outros.

- Combinado! - disse a Zé. - Até já!

O Júlio e a Ana afastaram-se atrás do Leão. A Zé

e o David, ficando sós com o Tim, fingiram admirar os isqueiros expostos na montra da tabacaria.

O Leão caminhava depressa. O Júlio, que era forte para a sua idade e tinha pernas grandes, sentiu mesmo assim alguma dificuldade em segui-lo. Ao lado dele, a Ana via-se quase obrigada a correr para não o deixar afastar-se e começava já a deitar os bofes pela boca fora. O coração não lhe aguentaria muito tempo aquele ritmo; além disso, caminhando tão apressadamente, as crianças não deixariam de despertar a atenção do seu perseguido.

O Júlio continuava, entretanto, a avançar, com a testa franzida, fingindo estar com muita pressa, para o caso de o Leão olhar para trás. Mas o ruivo nem uma só vez se voltou - é evidente que estava a cem léguas de imaginar que era seguido.

Sempre atrás dele, o Júlio e a Ana saíram da povoação. A Ana, já sem fôlego, murmurou:

- Isto vai durar ainda muito tempo? Até aonde é que este homem nos arrastará?

O mesmo quereria saber o Júlio. Se o Leão se fosse meter por um caminho deserto, os que o seguiam não podiam continuar a fazê-lo sem despertar suspeitas.

De repente, o homem parou. Ali perto, encostada

a uma árvore, estava uma motocicleta. O Leão aproximou-se, desligou a corrente contra possíveis ladrões, e montou na máquina. O Júlio fez uma careta, o que mais receara dava-se por fim: o bandido possuía um veículo motorizado.

- É impossível segui-lo! - suspirou ele, detendo-se por sua vez e empurrando a irmã para trás de uma barreira. - O mais que podemos fazer é tomar nota do número da mota.

Entretanto, o David, com o nariz colado ao vidro da montra, tentava ver o Herman no interior da loja.

- Não armes em parvo! - resmungou a Zé.

Vais ser notado. Espera, quietinho, que ele saia!

Aquilo não demorou muito. O homenzarrão em breve apareceu à porta. Ocupado a encher um cachimbo mal cheiroso, nem sequer viu as crianças. O Tim rosnou baixinho.

- Caluda! - murmurou a Zé. - Nada de barulho, menino!

Sem se apressar, o Herman tornou a subir a rua. A Zé e o David não tiveram dif iculdade em segui-lo,

Bastou-lhes ir passeando e conversando, com o ar de quem se interessa, de quando em quando, pelas montras.

De súbito, o Herman desapareceu na entrada de uma casa de pedra. A Zé correu logo.

- Se ele mora aqui... - murmurou ela. - Depressa, David, vamos ver as caixas do correio!

As crianças encontraram logo o que procuravam,

Um cartão de visita colado numa das caixas indicava Herman Schwig - 2. andar".

- Seja este o verdadeiro nome dele ou um nom falso, sabemos ao certo que mora aqui! – exclamou a Zé, triunfante. - Vamos já dizer isto aos outros, David!

Os Cinco chegaram ao Café quase todos ao mesmo tempo. O Júlio e a Ana confessaram o desaire da missão e deram os parabéns à Zé e ao David pela que tinham tido.

- Daqui em diante - concluiu o Júlio – já sabemos onde encontrar um dos nossos suspeitos.

como não temos nenhuma prova contra ele, estamos longe de poder cantar vitória!

Nessa manhã, o David disse lugubremente em voz alta:

- Estamos no dia 28 de Julho! Depois de amanhã, o Herman e o Leão lançam mãos à obra e nós ignoramos ainda quem é a vítima deles. Que podemos nós fazer?

- O mais simples - declarou a Zé - é seguir o Herman e desatar a gritar e a pedir socorro, quando ele, com os seus cúmplices, assaltar Ker-Armor ou as Faias.

- É arriscado - opinou o Júlio.

- E. e. parece-me que tenho. medo - gaguejou a Ana.

- Franganita! - troçou o David.

- Nada de zaragatas - aconselhou a Zé. - O que é aborrecido é que o Herman, que parece ser o chefe, pode muito bem não tomar parte na expedição.

-Já seria azar! - suspirou o David. - Nesse caso, estaríamos a vigiá-lo para nada!

- O melhor, evidentemente, teria sido descobrir o Marcel - acrescentou a Zé. - Porque quer parecer- me que nada se fará sem ele. Enfim, temos ainda três dias de espera à nossa frente. Pode, entretanto, surgir qualquer facto novo que nos ajude.

Nem ela calculava como acertara no alvo. Tinha ido a Kirrin para meter no correio uma porção de cartas que o pai lhe confiara, quando, à saída da estação, foi abordada por um moço boletineiro.

- Desculpe - disse ele delicadamente -, mas sou novo nesta região. Tenho dois telegramas para distribuir e não consigo localizar os destinatários. Receio que me dêem uma descompostura, se os levar de novo à estação.

A Zé sorriu. O rapaz parecia-lhe simpático.

- Eu moro cá - disse ela. - Devo poder ajudá-lo. Dê cá, para ver os endereços.

O rapaz leu, em voz alta, os nomes. A Zé, que conhecia menos mal os destinatários, indicou ao jovem boletineiro onde é que ficavam as respectivas casas. O rapaz agradeceu- lhe e acrescentou, rindo:

- Há coisas muito curiosas, não é? Um desses chama-se Marcel: Marcel como eu... Bem! Tenho de ir... Obrigado!

Saltou para a sua bicicleta e afastou-se a assobiar, deixando a Zé estarrecida à beira do passeio.

- Este rapaz chama-se Marcel - murmurou ela, dirigindo-se ao cão. - Ouviste, Tim? E, segundo disse, só há pouco é que se encontra em Kirrin! Deve ser o misterioso cúmplice dos bandidos!

Nessa mesma noite, os Cinco, após laboriosas deliberações, fizeram o balanço da situação.

- Se ligarmos todos os elementos do problemadeclarou o Júlio -, julgo que podemos prever a acção dos bandidos. Farão que o Marcel leve um telegrama à vítima, para a afastarem de casa. Depois, aproveitando-se da sua ausência, assaltarão a propriedade e levarão as esmeraldas. Simples, não é?

- Só nos resta seguir o Marcel, a partir de amanhã.

- sugeriu o David. - Veremos, assim, a quem é que ele entrega esse telegrama.

Mas a jornada do dia seguinte, embora decorresse febrilmente para os jovens detectives, não lhes trouxe qualquer resultado positivo. Os Cinco bem trataram de seguir as passadas do Marcel, mas dessa vigilância nada resultou.

O Marcel distribuiu vários telegramas, todos eles destinados, porém, não a senhoras vivendo sozinhas, mas a famílias de veraneantes instaladas em Kirrin. Nem por um momento se aproximou de Ker-Armou ou das Faias, duas propriedades que dependiam, aliás, do correio local.

-É desesperante! - disse a Ana, nessa tarde, quando os Cinco se reuniram depois de a estação ter fechado. - Parece que nada se deve passar.

- O que seria óptimo - rabujou a Zé -, se não tívéssemos a certeza do contrário!

O dia seguinte, 30 de Julho, foi assinalado por grande movimentação no acampamento das crianças.

- Ou hoje ou nunca! - exclamou o David, enquanto se lavava no regato da ilha.

- Espero - disse o Júlio, enxugando-se - que esta noite a gente possa intervir. Que pena que é sabermos ainda tão pouco do que se prepara!

Nessa manhã, quando a estação dos Correios abriu, os Cinco já por ali andavam há um bom bocado. Não podiam, nem por sonhos, falhar a vigilância do Marcel. Mais do que nunca, as suas idas e vindas tinham de ser verificadas.

Naquela altura do ano, a povoação estava cheia de gente, o que permitia que o jovem detective, incumbido de seguir o Marcel pudesse andar atrás dele sem ser notado. O Marcel deslocava-se sempre de bicicleta e não era difícil acompanhá-lo de longe.

O resto da manhã e a tarde foram-se escoando. O Marcel nunca se dirigiu para o lado norte, em nenhum momento se aproximou de Ker-Armor ou das Faias. Os Cinco estavam consternados.

- Enganámo-nos com certeza - suspirou o Júlio, quando a estação fechou. - Este Marcel não tem nada a ver com os bandidos. É qualquer outro Marcel, que nós não conhecemos. Esse é que é o verdadeiro cúmplice. Gastámos nós um tempo precioso a seguir esse pobre empregado dos Correios. e agora é tarde já para rectificar a nossa vigilância.

- Não estou assim tão certa de nos termos enganado - exclamou a Zé. - Não, não! Não foi inutilmente que desperdiçámos as nossas férias a seguir pessoas e a vigiar casas! Há qualquer coisa que me diz que a sorte há-de sorrir-nos, finalmente!

- Pois bem, menina! Ela que se despache - resmungou o David, mal humorado. - Enquanto se espera por ela, temos de nos agarrar, como sombras, ao Herman, que é o único fio condutor de que ainda dispomos!

Mas o Herman não parecia estar em casa. O David atreveu-se mesmo a tocar-lhe à porta, para ter a certeza.

- Não há mais tempo a perder! - exclamou o Júlio. - Comamos qualquer coisa e vamos mas é vigiar as Faias e Ker-Armor! - é a única probabilidade que temos de intervir a tempo.

Mais uma vez os Cinco se encontraram, assim,

a caminho, pela estrada do norte. Chegados à zona suspeita, dividiram-se em dois grupos, como de costume; o Júlio e a Ana foram colocar-se perto das Faias, enquanto o David e a Zé se encaminhavam para Ker-Armor.

Pela primeira vez desde o início da sua aventura, os Cinco estavam sem o menor entusiasmo. Tinham- se enganado, suspeitando do Marcel. Não se enganariam eles também, ao vigiar as casas das senhoras Grant e Labry?

E, mesmo que se desse qualquer coisa de grave, como é que eles poderiam anular as intenções dos malfeitores, uma vez que se encontravam agora divididos? Duas crianças, contra três homens, eram bem poucos!

- Ah! - pensava a Zé. - Se as vítimas, ao menos, se tivessem mostrado menos desconfiadas e mais compreensivas .

O Júlio, por seu lado, oculto atrás de uma moita, perto das Faias, remoía os mais tristes pensamentos, enquanto o dia caía à sua volta. Começava a dirigir a si próprio ásperas censuras e a lamentar não ter insistido com a Zé para que esta pusesse o pai ao corrente do que se tramava.

- Mas o tio Alberto está sempre mergulhado nos seus cálculos, e não teria querido saber de nada! pensava ele para tranquilizar a sua consciência. - O tio está sempre a acusar a Zé de ter imaginação excessiva. No fim de contas, é agora já demasiado tarde para voltarmos atrás.

A seu lado, a Ana mudou de posição. Um ramo estalou debaixo dos seus pés.

- Não faças barulho, Ana - disse-lhe o irmão.

Olha que podem dar por nós!

- Gostava de saber quem - suspirou a Ana, mecendo-se um pouco. - Não há ninguém por aqui!

Era verdade. Escurecera por completo. Os trabalhadores agrícolas tinham já deixado todos a herdade da senhora Labry. A casa parecia dormir.

O Júlio e a Ana aguardavam e estavam aborrecidos. Aguardavam sim. mas o quê, no fim de contas?

E o ataque dos bandidos seria, de facto, dirigido contra as Faias? A incerteza, e também um vago sentimento de nada poderem fazer, paralisava-os, tirando- lhes todo o entusiasmo. Eles, de ordinário tão dinâmicos e animados, tiritavam quase no escuro, embora não fosse por medo.

O Júlio espantava-se com a sua falta de exaltação interior. E a Ana admirava-se com a sua própria calma.

- Que aborrecimento! - murmurou ela de súbito. - Não se vê lá grande coisa. Parece-me que estamos muito afastados da herdade para que a nossa vigilância sirva para alguma coisa. Se nos aproximássemos um bocadinho?

- Não é muito prudente - disse o Júlio, surpreendido com a audácia tão pouco vulgar da irmã. - Mas vamos tentar.

O Júlio e a Ana tinham-se colocado à beira de um fosso que ficava mesmo defronte do portão das Faias. Mas, através da espesssa moita que os protegia, viam muito mal.

- O melhor - opinou o Júlio - seria ainda a gente ir mesmo para o pátio da herdade. Estou a ver daqui, do lado do galinheiro, uma grande carroça. Vamos esconder-nos ali debaixo.

A Ana não ficou lá muito tranquilizada, mas, como fora ela da ideia de se deslocarem, não se atreveu a formular qualquer objecção.

- Está bem! Eu vou atrás de ti.

Sem ruído, o Júlio começou a avançar na escuridão. Atravessou o caminho, de cócoras, com a Ana mesmo atrás de si.

O portão das Faias estava fechado e, em princípio, a sólida vedação que rodeava os edifícios assegurava a protecção da herdade.

Entretanto, os dois irmãos, tanto andaram à roda a observar tudo que acabaram por descobrir um ponto em que a rede fora arrancada parcialmente. Não lhes seria difícil passar por ali.

O Júlio e Ana não tardaram, assim, a encontrar-se no pátio. À volta deles tudo estava em silêncio.

-Lá está a carroça! - murmurou o Júlio. Vamo-nos meter lá debaixo!

- Hum! ficamos todos sujos - protestou a Ana que era muito cuidadosa. - O melhor é escondermo-nos atrás destas cabanas.

- Estás doida! São os galinheiros! Se por acaso... Mas era demasiado tarde! A Ana avançava já, sem grandes precauções, em direcção ao que ela chamara cabanas. Um dos seus pés foi bater num obstáculo invisível. A pequena vacilou, caiu para a frente, com as mãos estendidas, batendo em cheio na porta do galinheiro! Imediatamente, um galo acordado em sobressalto soltou, com toda a estridência, um cocorocó de alarme;

Aquele grito foi seguido por uma algazarra indescritível. As galinhas, acordadas por sua vez, debatiam-se endiabradas. Cacarejavam, piavam, batiam as asas era uma barulheira dos diabos, de despertar um morto!

- E esta, hem! - exclamou o Júlio, assustado.

Era só o que nos faltava! A senhora Labry vai cair-nos agora em cima, como uma ave sobre uma ninhada. Fujamos daqui e depressa! Que desastrada que tu és, Ana! O raio desta criação. Se ao menos este maldito galo deixasse de alarmar toda a gente!

A Ana, assustadíssima com o tumulto que desencadeara, agarrou-se ao braço do irmão, que a arrastou rapidamente na direcção da abertura na rede.

Mas os pequenos não tiveram tempo de se escapar...

Uma luz forte iluminava-os já, enquanto dois homens se precipitavam para eles, ameaçadores.

- Ah Ah Meus meninos, foram apanhados... Ou pensavam que nós não tínhamos dado por vocês, desde que se puseram à espreita em frente da herdade?

Haviam agarado o Júlio e a Ana e sacudiam-nos sem cerimónias. Falavam os dois, um atrás do outro, sem darem aos seus prisioneiros o mínimo tempo para se justificarem.

- Passaram pela rede, não foi? Julgavam que a senhora Labry era pessoa para consentir que alguém cá entrasse? Foi ela a primeira a dar com vocês e disse-nos que preparássemos essa abertura.

- Queria facilitar-lhes o trabalho, para os apanhar depois mais depressa, com a boca na botija.

- Ou, melhor, no galinheiro. Porque o que queriam era palmar umas galinhas!

- Que ideia! - conseguiu dizer o Júlio, indignado.

- Nós não somos ladrões!

- Então que nome é que se dá às pessoas que assaltam de noite um galinheiro, para torcer o pescoço às galinhas?

- Quero lá saber das galinhas! - exclamou Júlio. - O que aconteceu foi que a minha irmã tropeçou numa pedra e acordou o galinheiro todo.

- E que faziam vocês aqui? - perguntou, de súbito, a voz da senhora Labry. Esta acabava de aparecer e avançava para eles.

- São uns ladrõezitos sem grande experiência, é o que vejo - disse a senhora Labry, com desprezo. Quando, no outro dia, quiseram falar comigo cheirou-me logo a esturro. E, ao vê-los estes dias todos a farejar na vizinhança, calculei que preparavam qualquer golpe. Pedi, então, a dois dos meus trabalhadores que ficassem aqui de noite, de vigia. Calculei que acabariam por entrar na herdade e ser caçados!

Os olhos do Júlio brilhavam de raiva. Tanto trabalho para proteger aquela mulher, contra a vontade dela, e acabarem, afinal, por ser acusados de ladrões!

- Está enganada, minha senhora - exclamou. Não somos o que pensa. Viemos simplesmente aqui para a defender, em caso de assalto. Há bandidos que conspiram contra a senhora. pelo menos assim o pensamos. O assalto está previsto para esta noite. No outro dia tínhamos vindo para a avisar!

A Ana chorava sem dizer nada. Pensava que, dias antes, acontecera a mesma coisa à Zé. E eis que era ela agora quem se via em maus lençóis! Aquela história de bandidos ainda ia acabar mal.

Fazendo um grande esforço, conseguiu gaguejar:

- Nós. nós não tínhamos qualquer má. má intenção, ju. juro-lhe!

- Não acredito - declarou firmemente a proprietária. - Vou telefonar para a esquadra. Eles se encarregarão de os interrogar.

O Júlio estava desesperado. Aquela ameaça dos polícias não o assustava por aí além. Quando se soubesse quem eles eram, não iriam acusá-los de terem tentado torcer o pescoço às galinhas e aos frangos da senhora Labry.

Mas a luz que inundava o pátio e a estridência das vozes que perturbavam o silêncio da noite não podiam ter outro resultado senão pôr em fuga Herman e os seus cúmplices, se eles andassem já por ali. Era evidente que os bandidos renunciariam à sua empresa. E, então, adeus às esperanças de lhes deitar a mão!

O rapaz esforçou-se, então, por convencer, o mais depressa possível, a senhora Labry do perigo que a ameaçava.

- Dê ordem aos seus empregados para que retomem a vigilância e que se deixem estar muito calados no escuro - aconselhou ele. - Se não for demasiado tarde, se é que não assustámos já os bandidos, talvez eles caiam ainda na armadilha. E, nesse caso, ficaremos senhores da situação.

A senhora Labry desatou a rir.

- Que espírito inventivo o teu, meu rapaz! - exclamou. - Vamos! Essa história é boa para a contar daqui a pouco aos polícias. Veremos se eles estão dispostos a acreditar-te.

E, apesar dos protestos dos pequenos, fê-los conduzir para dentro de casa, donde telefonou para a esquadra. Do outro lado do fio, o cabo de guarda respondeu que iriam fazer todo o possível. Dentro de um quarto de hora, o máximo, estariam ali para interrogar os malfeitores e arrancar-lhes a verdade.

- Depois - concluiu o cabo - tomaremos conta deles e a senhora poderá dormir descansada.

Entretanto, perto de Ker- Armor, a Zé, o David

e o Tim aguardavam, imóveis no escuro, que acontecesse qualquer coisa.

O David já não contava que houvesse um assalto à casa da senhora Grant. A Zé, pelo contrário, roía as unhas de impaciência, o instinto dizia-lhe que a hora decisiva ia soar. De repente, o Tim empertigou-se. A Zé apertou-lhe ao de leve o focinho, para lhe impor silêncio.

-Atenção, David! - murmurou ela. - Vem aí alguém.

Com efeito, uma sombra erguia-se no caminho... Mas não havia outras duas que se perdiam, de súbito, por entre as moitas em redor?

- Atenção, David - repetiu a Zé.

O David olhou para a sombra que avançava e ficou estupefacto. Quem se aproximava não era outro senão Marcel, o moço boletineiro! Assim; a Zé não se enganava. Marcel era, de facto, o cúmplice do Herman e do Leão. E o assalto era dirigido, realmente, contra a casa da senhora Grant.

A Zé e o David enregelavam, sem se mexer, na obscuridade. O coração deles batia descompassadamente. Que iria acontecer?

O Marcel dirigiu-se para o portão. e tocou! Uma lâmpada acendeu-se por cima da porta, e a senhora Grant não tardou a surgir.

Quem é? - perguntou ela.

- Um telegrama, minha senhora - foi a resposta. - Tem de assinar.

Rabujando, a senhora Grant desceu os degraus do pórtico e dirigiu-se para o portão. Desconfiada, examinou Marcel. Na verdade, qualquer pessoa pode encontrar um boné de boletineiro e trazer uma sacola dos correios. Mas só um empregado dos C. T. T. pode distribuir um telegrama verdadeiro.

À luz da porta, a senhora Grant distinguia o sobrescrito do telegrama e o papel para assinar. Mas a iluminação não era suficiente para lhe permitir escrever. E quem sabe até se não teria de mandar um telegrama de resposta pelo rapaz.

- Espere! - disse ela. - Vou abrir-lhe o portão. Enquanto ia buscar a chave, o David e a Zé olharam um para o outro. Compreendiam que o papel do boletineiro consistia não em afastar a senhora Grant, como primitivamente haviam suposto, mas em obrigá-la a abrir a porta.

Que deviam fazer as crianças? Gritar à senhora Grant que desconfiasse do empregado dos Correios? Mas ela não lhes daria crédito! E, depois, os bandidos tomariam conta deles, sem vantagem para ninguém. Não, mais valia esperar pelo momento oportuno para intervir. A senhora Grant tornou a aparecer, com a chave na mão. Abriu o portão e. os acontecimentos precipitaram-se com tal rapidez que o David e a Ana quase perderam a respiração.

Mal a proprietária de Ker-Armor abrira a porta, o Marcel lançou-lhe um pano sobre a cabeça. Ao mesmo tempo, o Herman e o Leão surgiram do escuro e saltavam sobre a pobre senhora. Num abrir e fechar de olhos, amarraram-na e, depois, levaram- na para a residência. A voz trocista do Leão chegou aos ouvidos das crianças:

- Mil desculpas, minha senhora, mas é indispensável ficar sossegadinha. Confesse que não esperava por isto! Vamos, não se faça má e deixe de me dar pontapés nas pernas! Julgava estar protegida pelo seu sistema de alarme, hem? Mas nós não somos parvos! E, depois, queríamos entrar pela porta, sem arrombamento.

- Cala-te, Leão! - disse o Herman. - Trata é de me ajudar.

O David e a Zé viram o sinistro trio desaparecer, com a sua vítima, no interior da residência.

A Zé reflectiu rapidamente.

- Ouve, David - disse ela ao primo. - Não há que hesitar. Salta para a tua bicicleta e vai, sem parares, até à esquadra. Volta bem acompanhado! É o único processo de salvarmos a senhora Grant e as suas esmeraldas!

O David pareceu ficar perplexo:

- E tu que vais fazer?

- Eu fico aqui, com o Tim, para vigiar os bandidos. Se, por azar, eles se fossem embora antes de tu voltares com a Polícia, então eu trataria de os seguir.

- É perigoso, com os diabos!

- Eu teria cuidado.

- Têm talvez motorizadas!

- Não ouvi qualquer ruído de motor. E, olha, basta de conversa! Raspa-te! E anda como se o diabo fosse atrás de ti. O Tim fica para me defender, em caso de necessidade.

O David não hesitou mais. Saltou para a bicicleta e afastou-se, pedalando energicamente.

A Zé, ao ver-se só, não pôde resistir à tentação. Em vez de ficar ali ao abrigo das árvores, saiu do seu esconderijo e dirigiu-se com precaução para a grade.

De olhos e ouvidos muito atentos, não viu nem ouviu nada. A casa, silenciosa, parecia de novo deserta. Os bandidos haviam apagado a lâmpada da entrada. Estava tudo escuro. A Zé afligia-se. E se o trio se raspava com as esmeraldas, antes da chegada dos polícias?

O David pedalava, entretanto, pela estrada como um louco. A ideia de que a sua prima ficava ali sozinha, a dois passos dos bandidos, não lhe agradava mesmo nada. A Zé era tão audaciosa!. Como ele gostaria de estar já de regresso, com um sólido reforço.

- Os polícias dar-me-ão boleia, com certeza, no carro deles - dizia o David para consigo. - Não demoraremos muito a chegar a Ker-Armor. O essencial é ir depressa até Kirrin!.

A esquadra ficava um pouco afastada da povoação. O David chegou, por fim, coberto de suor, exausto mas triunfante. Tinha feito o percurso num tempo magnífico. Mas o destino pregou-lhe uma grande partida! Por mais que tocasse e que batesse à porta da esquadra, ninguém lhe respondeu. Que se passaria? Continuava ele a fazer uma tremenda barulheira quando, não longe dali, uma janela se abriu. O David voltou a cabeça e avistou um homem todo debruçado, numa casa vizinha.

- Que queres tu, rapaz?

- Queria falar ao cabo, senhor. Parece que não está cá ninguém - disse ele, aborrecido.

- Não te maces mais. A esquadra está vazia.

O cabo e os polícias de serviço foram chamados de urgência para ir às Faias. Eu estava aí na esquta quando a senhora Labry, a dona da herdade, telefonou. Por isso, é que o sei.

- As Faias?. A senhora Labry?. - repetia David estupidamente, não se sentindo bem, de súbito.

- Mas porquê?

- Eram ladrões de galinhas, parece. Se queres encontrar os polícias, meu rapaz, tens de pedalar até lá! Felicidades!

A janela fechou-se. O David permaneceu um momento imóvel, como petrificado. A cabeça andava-lhe à roda.

Compreendia que, naquela noite, o azar o perseguia. Os polícias ausentes. chamados às Faias.

De repente, o David sacudiu-se. Rangendo os dentes, saltou de novo para o selim e retomou o caminho por onde viera. Com a diferença de que, ao chegar ao ramal onde ia dar a estrada para Ker-Armor, ele voltou à esquerda, em direcção às Faias.

Ao avistar a herdade, o rapaz viu logo que estavam acesas todas as luzes. Pensou que a Ana e o Júlio deviam aborrecer-se ali no escuro, numa vigilância inútil. Ele próprio não tinha tempo para os procurar. O mais urgente era avisar a Polícia.

Apeou-se rapidamente e correu para o interior da herdade, cuja porta, toda aberta, parecia convidar a entrar. Mas, no limiar da sala, deteve-se, assustado... que surpresa para ele! Os polícias estavam de facto lá, mas o Júlio e a Ana é que faziam, diante deles, as vezes de acusados!

- Ana! Júlio! - exclamou o David, precipitando-se. - Que se passa então?

- Acusam-nos de ter querido roubar galinhas! - respondeu o Júlio, com um sorriso frio. - Que ridículo!

- Oh! David! Diz-lhes depressa quem nós somos

- suplicou a Ana, chorando.

O cabo voltou-se para David, franzindo o sobrolho.

- E você quem é? - perguntou ele.

Foi preciso algum tempo para o David conseguir desembrulhar a meada. Chegou a pensar que os polícias o iam prender, também! Por fim, como a sua história condizia com a das outras duas crianças, o cabo acabou por lhe prestar toda a atenção.

Até a senhora Labry escutava agora interessada. O rapaz parecia tão sincero!

- Peço-lhes - disse ele aos polícias - que me acreditem. Julgam que eu teria vindo aqui meter-me na boca do lobo, se não dissesse a verdade? Vamos depressa a Ker-Armor. A minha prima Zé - Maria Joséestá, talvez, em maus lençóis e a senhora Grant, essa está mesmo, com certeza! Têm uma ocasião única de deitar a mão a um trio de bandidos!

Os polícias, então, não hesitaram mais. Despediram-se rapidamente da senhora Labry e, levando as três crianças no seu carro, tomaram, a toda a velocidade, a direcção de Ker- Armor.

Entretanto, com todos estes atrasos, perdera-se tempo precioso.

A Zé, a ferver de impaciência, como de costume, não pudera ficar quieta. Depois de ter deixado o abrigo, chegara até à vedação de Ker-Armor, cuja porta os bandidos não se tinham preocupado em fechar.

A pequena, não podendo mais, meteu-se por ela com o Tim atrás. O coração batia-lhe com força, mas não sentia medo. A curiosidade impelia-a para a frente.

A Zé parou a alguns metros da fachada da casa. Estava suficientemente perto para ver que uma luz se coava por entre as cortinas de uma das janelas do rés-do-chão.

O cão deteve-se ao lado da dona, com os sentidos alerta. A Zé inspirou profundamente e disse baixinho:

- Vamos! Vamos reconhecer o terreno. Aproximou-se ainda mais e chegou até ao pé da janela iluminada. Empoleirando-se, com mil precauções, na beirinha de um canteiro, conseguiu erguer o rosto até à fenda luminosa, podendo assim dirigir o olhar para o interior da sala...

O que viu causou-lhe violenta emoção. O Herman, O Leão e o Marcel estavam ali, à volta de uma cadeira, à qual se encontrava amarrada a senhora Grant!

A janela não estava fechada. A Zé pôde assim ouvir a voz firme da proprietária de Ker-Armor:

- Não passam de uns cobardes! - dizia ela aos bandidos. - Três homens para atacar uma mulher!

- Não estamos aqui para discutir - gritou o Herman. - Onde é que está a caixa com as suas preciosas esmeraldas? Vamos! Responda!

- Não sei de que é que está a falar - respondeu a senhora Grant, em tom de desprezo. - Ordeno-lhes que me libertem e que saiam imediatamente desta casa!

O Leão desatou a rir, com insolência.

- Não serve de nada armar em forte, minha querida senhora! - declarou ele. - Estamos informados. Sabemos muito bem que guarda cá em casa um cofre com as célebres esmeraldas, que em tempos a rainha Vitória da Inglaterra deu a um dos seus antepassados. Como vê, não pode esconder-nos nada... Vamos... tenha uma atitude simpática. Onde é que está essa caixa?

- Já que estão tão bem informados - respondeu a senhora Grant -, também deviam saber isso. Procurem-na se quiserem!

- Bravo! - pensou a Zé. - Esta mulher é valente! Se tu visses, Tim, a cara dos bandidos! Que giro!

Na escuridão, o Tim, meneou a cauda, prestes a saltar, se a Zé lho ordenasse.

Na sala, onde se desenrolava o drama, o Herman, soltou um bramido de raiva.

- Há-de arrepender-se - disse ele -, se não nos revelar o esconderijo das esmeraldas.

- Nós saberemos obrigá-la a falar - acrescentou o Marcel.

- Pois então experimentem! - volveu a senhora Grant, numa voz firme.

- É teimosa? Pois nós também - respondeu o Leão.

- Basta de falar - decidiu o Herman. - Vamos revistar a casa! Mas ai da senhora, se não encontrarmos nada!

A Zé viu os três homens sairem da sala. Naturalmente, começaram a busca pelo quarto da vítima, no andar de cima.

- Meu velho Tim - disse a Zé. - É a altura de intervir. Fica aqui! Eu vou passar para o outro lado.

Juntando a acção às palavras, içou-se para a janela tão silenciosamente quanto possível. Viu a senhora Grant olhar para ela, muito espantada. A Zé levou o dedo aos lábios:

- Caluda! - disse ela. - Não faça barulho!

- Isolada como estou aqui - volveu a senhora Grant, com ironia - podia gritar que ninguém me ouviria. Esses bandidos sabem-no muito bem, pois nem sequer se deram ao trabalho de me amordaçar. É cúmplice deles, creio! Razão tinha eu para desconfiar de si...

- Silêncio, minha senhora! Fale baixinho. Engana-se - garantiu-lhe a Zé. - Disse- lhe a verdade no outro dia, mas não quis acreditar-me.

A senhora Grant olhou a pequena bem nos olhos. De súbito, sentiu que ela falava verdade. Dias antes tratara a Zé como uma inimiga quando, afinal, a valente rapariga queria apenas o seu bem. Pronta a reconhecer o erro, murmurou:

- Acredito em si agora. Mas é demasiado tarde. Fuja depressa! Esses miseráveis podem apanhá-la aqui.

A Zé sorriu. Não estava nada assustada.

- Pelo contrário, fico - disse ela. - Estou aqui de propósito para a libertar. Coragem! O meu primo David foi prevenir a Polícia. Espero que não tarde...

Enquanto falava, tirara um canivete da algibeira das calças. Aproximou-se da senhora Grant, para cortar as cordas que a prendiam à cadeira.

- Um momento! - disse a senhora Grant. Espere um pouco.

A Zé, surpreendida, deteve-se, com o canivete aberto.

- O quê? - exclamou ela. - Não quer que a solte?

- Não! Tenho uma ideia melhor - murmuroú a senhora Grant em resposta. - Disse-me que o seu primo foi buscar os polícias. Os bandidos estão aqui para roubar as esmeraldas. Se as apanham, pôr-se-ão logo em fuga. Ora eu desejo não só salvar as pedras preciosas como também fazer prender estes miseráveis. É preciso que eles não desconfiem.

A senhora Grant hesitava ainda, não queria que a criança corresse riscos inúteis. A Zé impacientava-se.

- O tempo voa! - disse ela. - Se temos de fazer qualquer coisa, façamo-la depressa. Suponha que o cofre não está no seu quarto. Oiço o Herman e os cúmplices dele lá em cima.

A senhora Grant decidiu-se por fim.

- Tem razão - disse ela. - Enquanto estão ocupados lá em cima, poderá cumprir a sua missão. O meu cofre, de facto, não está no quarto. Encontra-se escondido no sótão, em cima de uma das traves, à esquerda, quando se entra. Não lhe será difícil dar com ele. A escada, bastante íngreme, fica ao fundo do corredor, perto da porta da cozinha. Depressa, minha filha, e faça com que não a apanhem. Se lhe acontecesse qualquer coisa, nunca me perdoaria.

Depois, sorrindo, acrescentou:

- Quando os bandidos me virem ainda aqui amarrada, não suspeitarão da partida que lhes estamos a pregar. Vamos! Depressa!

A Zé saiu da sala. Mas, antes de se dirigir para o fundo do corredor, correu, no bico dos pés, até à porta de entrada e abriu-a. Não precisou de chamar pelo Tim! O bravo animal apareceu logo. Foi atrás da Zé sem fazer barulho. Os dois, cautelosamente, trataram de trepar ao sótão.

A subida não foi fácil. A escada de madeira tinha tendência a estalar a cada passo, por mais leve que este fosse. Por fim, a rapariga e o cão chegaram ao cimo. A Zé empurrou a porta, que se abriu, rangendo ligeiramente. A pequena pôs-se à escuta: os bandidos continuavam nas suas buscas no primeiro andar.

A Zé acendeu a luz e olhou em redor. O sótão continha malas, caixas, pacotes empilhados. Tudo em ordem, muito arrumadinho. Sob as telhas viam-se sólidas traves. Seguindo as instruções da senhora Grant, a Zé foi procurar a um canto um banco que pousou depois à entrada, do lado esquerdo. Trepou então para o banco. O Tim, muito atento, seguia os menores movimentos da dona.

A Zé passou a mão, devagar, pela parte de cima da grossa trave. De súbito, abafou um grito de alegria:

- Vitória, Tim! Cá está!

Desceu do seu poleiro, bastante comovida, segurando a bonita caixa de embutidos que acabava de encontrar.

Com mão um pouco trémula, abriu-a. e tirou de lá uma jóia magnífica que, à luz fraca da lâmpada do sótão, resplandeceu em mil faíscas verdes. Tratava-se de um esplêndido colar de esmeraldas. O antepassado da senhora Grant fizera, sem dúvida, engastar as pedras da rainha Vitória, para as oferecer a uma senhora da família, talvez à sua própria mulher.

- Que maravilha! - murmurou a Zé, cheia de admiração. - Já viste alguma coisa mais bonita, Tim?

Vamos, meu menino: apressemo-nos a pôr esta joia em segurança.

Naquele mesmo instante ouviu os bandidos que subiam. A Zé, em pé junto da porta, teve um minuto de pânico. Não podia haver engano: passos pesados: os homens faziam estremecer os degraus carcomidos que levavam até ao sótão.

Eles deviam ter ouvido a rapariga e queriam saber o que é que se passava.

O Tim, com o pêlo eriçado, começou a rosnar na direcção da porta. A Zé olhou à volta, à procura de um sítio onde pudesse esconder-se. Mas a única coisa que viu, por cima da sua cabeça, foi uma janela que abria sobre o telhado, demasiado alta para que ela a pudesse alcançar, mesmo utilizando o banco. E, ainda por cima, já não havia tempo.

Os bandidos subiam a escada sem a menor precaução.

- Digo-lhes que ouvi ruído deste lado - dizia Marcel. - Tenho bom ouvido. E, olhem, há luz nesse sótão.

- Com a breca! - resmungou o Leão. - A senhora Grant, nesse caso, não estava cá sozinha?

- Deixem-me passar! - disse o Herman. Foi ele o primeiro a transpor a entrada do sótão. Precisamente naquele momento, um cão enorme quase que o deitou ao chão, passando-lhe por entre as pernas: O Herman praguejou e depois pôs-se a rir:

- Ora, não é nada grave! Só aqui está uma garota!

- Reconheço-a! - exclamou o Marcel, avançando.

- É uma garota de Kirrin. Que faz ela neste sítio?

- É parente talvez da senhora Grant - sugeriu o

Leão. - Mas o Herman notou, de súbito, o banco, por baixo da trave. O rosto iluminou-se-lhe.

- Pouco importa - disse ele. - O que me parece

é que a miúda também estava interessada nas esmeraldas. Foi mais esperta do que nós. Achou-as. Olhem para essa caixa, aí no chão.

A cena falava, aliás, por si. Ali estava a garota, ajoelhada no chão do sótão, cheio de poeira, com a caixa fechada à frente dela, perto do banco colocado sob a trave.

- Desencantaste esse cofre na trave, hem? - disse o Herman. - Vamos! Dá-mo cá.

A Zé agarrou no cofre com força e apertou-o contra o peito.

- Nunca! - exclamou ela, em ar de desafio.

-É o que vamos ver, miúda! O teu cão nem sequer ficou para te defender. Fugiu, farejando o peri go. Sim, porque nós podemos ser muito perigosos quando nos contrariam, fica sabendo. Vá! Dá cá isso.

O Herman avançou e, apesar da resistência da Zé, arrancou-lhe o cofrezinho. Depois, ergueu a tampa. O Leão e o Marcel espreitaram-lhe por sobre o ombro. A caixa estava vazia!

O Herman volveu para a Zé o seu olhar que faiscava.

- Onde é que estão as esmeraldas? - perguntou ele, aos berros. - Dá-mas ou ai de ti!

- As esmeraldas? Quais esmeraldas? - indagou Zé, com ar de espanto.

- Não te armes em brincalhona, ou isso sai-te

caro. Vá, e vocês procurem por toda a parte. Não podes ter escondido as esmeraldas muito longe.

Enquanto o Marcel obrigava a Zé a virar as algibeiras do avesso, o Herman e o Leão puseram-se a rebuscar o sótão de fio a pavio. Deitaram abaixo as pilhas de caixas e pacotes, examinaram o recheio das malas; não lhes escapou o menor recanto. Mas em vão, nada encontraram.

- Onde estão as esmeraldas? - repetiu ele, dirigindo-lhe um olhar que não era para graças.

- O cofre estava vazio quando o achei! - declarou a Zé, em tom de amuo.

- Isso é o que tu dizes. Mas já vamos pôr tudo a limpo. Vais connosco lá para baixo. A senhora Grant acabará por nos dizer a verdade.

O Herman, com a Zé segura por um braço, fê-la descer a escada do sótão. No rés-do-chão, a senhora Grant não deixara de ouvir os gritos e o ruído de passos. Por isso não ficou surpreendida por aí além ao ver aparecer a pequena, escoltada pelo Leão e pelo Marcel. Mas empalideceu um pouco, ficara consternada.

Visivelmente fora de si, o Herman aproximou-se:

- Esta rapariga encontrou uma caixa no sótão, mas sem o menor vestígio de esmeraldas - anunciou ele.

Se a senhora Grant recebeu um choque, soube ocultar cuidadosamente a sua surpresa. Resolvida a proteger a Zé tanto quanto pudesse, a astuciosa proprietária inventou logo uma explicação:

- Pois claro! - disse ela, com ar de troça. - Essa rapariga faz parte da vossa quadrilha. Pediu-me que lhe indicasse o local do esconderijo, mas eu dei-lhe uma falsa pista. Não contem comigo para falar!

O Leão declarou com veemência:

- A pequena nada tem a ver connosco! Mas tínhamos a suspeita de que ela roubava por sua conta. Assim, ela também não encontrou nada.

- Está-se mesmo a ver! - resmungou o Marcel.

- Fomos surpreendê-la de joelhos diante do cofre vazio. Não podias, de forma alguma ter tido tempo para esconder as pedras!

Convencido, também ele, de que a Zé não passava de uma jovem ladra, o Herman não lhe ligou mais importância, concentrou toda a sua atenção na senhora Grant.

- Agora nós . - disse ele. - É possível que tenha conseguido ludibriar esta rapariga que é ainda muito nova, mas descanse que a nós não engana! Vai dizer-nos já onde é que estão escondidas as suas esmeraldas. Se não, fechamo-la na cave, deixando-a lá sem beber nem comer até que se decida a falar.

A senhora Grant lançou disfarçadamente um olhar ao relógio que ornamentava a chaminé. Tinha de aguentar, custasse o que custasse, até à chegada dos reforços anunciados pela Zé. Para isso, havia só um meio: entreter os bandidos bastante tempo à procura do tesouro, permitindo assim que os polícias chegassem com o David.

Fingiu então ceder:

- Muito bem - suspirou, com voz cansada. Rendo-me. Mas fiquem sabendo que as esmeraldas não serão fáceis de apanhar. A caixa do sótão não passava de um falso indício, destinado a enganar os ladrões. De facto, tirei as pedras de lá para as meter num esconderijo, no interior da chaminé do meu quarto.

- O mais magro dos três - prosseguiu a senhora Grant - poderá introduzir-se dentro da chaminé e, com um escopro e um martelo, procurará soltar um tijolo; o décimo nono a contar do chão e o quarto para a esquerda. Encontrarão aqueles utensílios na garagem, na mala do meu carro.

O Leão e o Marcel precipitavam-se já para a garagem quando o Herman lhes lembrou:

- Um momento! Prendam também a rapariga. Não vá ela raspar-se antes de termos as pedras em nosso poder e havermos passado a fronteira. Deixamo-la aqui com a senhora Grant. A Polícia as libertará mais tarde, quando já não corrermos perigo. Eu próprio me encarrego de a alertar. Ah! Ah! Ah!

Continuou a rir, esfregando as mãos, enquanto o Marcel e o Leão amarravam a Zé a uma cadeira, em frente da senhora Grant. Depois, os três bandidos saíram para ir buscar a ferramenta à garagem. Logo que o ruído dos passos dos bandidos diminuiu, a senhora Grant apressou-se a perguntar:

- As esmeraldas? Que fizeste delas?

- Nada receie - disse a Zé. - Estão em lugar seguro. Mas a senhora. Não indicou um esconderijo a esses bandidos?

- Espero que estejam entretidos à procura, até que chegue a Polícia.

- Deus queira que daqui até lá, eles não percebam que foram enganados! Mas caluda! Ei-los!

Us bandidos, contudo, não entraram na sala onde estavam as prisioneiras. Tinham pressa de ir procurar o tesouro na chaminé!

A senhora Grant e a Zé, sem se mexerem, escutavam as pancadas violentas que o trio fazia na chaminé, mesmo por cima da cabeça delas. A senhora Grant sorriu.

- Os tijolos são rijos! - disse ela. - E o barulho que esses patifes fazem não lhes permitirá ouvir a chegada dos guardas. Meu Deus, como o tempo passa devagar!

A Zé não chegou a responder. Acabava de perceber qualquer coisa, vinda dos lados do jardim.

- Vem aí alguém! Se fosse o David!. - pensou ela.

Era, de facto, o David. Com mil cuidados, guiara os polícias através da álea de Ker-Armor. O Júlio e a Ana fechavam a marcha. O cabo encontrou a porta aberta e fez sinal aos seus homens:

- Sigam-me - murmurou ele. - E as crianças que esperem lá fora.

Os polícias entraram na primeira sala do rés-do-chão e arregalaram logo os olhos de espanto, ao verem as duas prisioneiras imobilizadas nas suas cadeiras.

- Depressa! - disse a senhora Grant. - Depois nos soltam. Tratem primeiro dos bandidos. Estão a ouvi-los? Encontram-se no meu quarto, no primeiro andar.

O cabo era homem de acção. Seguido pelos outros polícias, precipitou-se para a escada, de pistola em punho.

- Mãos ao ar! - gritou ele.

Quando o viram aparecer, o Herman e o Leão imobilizaram-se, estupefactos. As algemas estalavam em breve à volta dos seus pulsos. Estavam apanhados... Quanto ao Marcel, os polícias tiveram de o tirar, negro de fuligem e visivelmente atordoado, da chaminé onde se encafuara.

Lá fora, o Júlio, o David e a Ana não foram capazes de aguardar o regresso dos polícias.

- A Zé está dentro de casa, tenho a certeza - disse o David. - Senão já a tínhamos visto. Corramos a socorrê-la!

Os rapazes precipitaram-se para o interior da casa; seguidos pela Ana, a quem a inquietação que sentia pela prima a fazia esquecer o medo. De repente, as crianças viram a Zé e a senhora Grant. O Júlio e o David apressaram-se a soltá-las, cortando-lhes as cordas com os seus canivetes.

- Meus filhos - murmurou a senhora Grant, comovida. - Nunca lhes agradecerei devidamente. E eu suspeitei de vocês, quando aqui vieram pela primeira vez!

A Ana olhava em volta.

- Onde está o Tim? - perguntou ela à Zé. - Não te defendeu? Ou os bandidos fizeram-lhe mal?

A Zé não teve tempo nem de abrir a boca. Os polícias apareciam já, empurrando à frente deles o Herman, o Leão e o Marcel, algemados.

- Aqui estão os patifes, apanhados com a boca na botija! - exclamou o cabo, radiante. - Bom trabalho, sim senhor! Bem pode agradecer a estas crianças, minha senhora. Cabe a eles todo o merecimento da acção!

Os bandidos olharam, estupefactos, para a Zé. Admiravam-se de a ver solta e, aparentemente, nas melhores relações com a senhora Grant. A pequena surpreendeu aqueles olhares e declarou, rindo:

- Não sou uma ladra, pelo contrário! Concordam? Eu e os meus primos conseguimos fazer que os prendessem!

O Leão, que não voltava a si, por ter falhado, exclamou em tom raivoso:

- E as esmeraldas? Que fez delas?

- Ela não as pode ter - observou o Herman, despeitado. - Revistámo-la bem.

- Sim, não há dúvida - disse o cabo. - A menina sabe onde é que estão as pedras preciosas da senhora Grant?

A Zé sorriu, maliciosa, e nada disse. A senhora Grant, o Júlio, o David, a Ana, os bandidos e os polícias fitavam-na e pareciam suspensos dos seus lábios.

- É verdade - disse ela por fim. - O Herman tem razão. Eu não tenho as esmeraldas da senhora Grant.

- Mas. - murmurou esta, espantada. - Tinha-me dito que.

- Nem sequer estão cá em casa - prosseguiu a Zé, sem fazer caso da interrupção.

A reacção foi geral. Falavam todos ao mesmo tempo. Perguntas sem resposta cruzavam-se no ar. A Zé desatou a rir e levantou a mão para impor silêncio. Depois, voltando-se para a senhora Grant, declarou:

- Não minto quando digo que as esmeraldas não estão aqui. Mas ninguém as roubou, e garanto-lhes que estão em lugar seguro!

Se o Júlio, o David e a Ana se sentiam intrigados, o caso é que conheciam a prima suficientemente para acreditarem nela. Esperaram, portanto, em silêncio.

- As esmeraldas estão em Kirrin - concluiu a Zé, tranquilamente. - Se a senhora Grant quiser levar-nos até lá, de carro, devolvo-lhe as suas jóias.

Daí a pouco, um estranho cortejo dirigia-se, em plena noite, para a povoação. Os guardas e os ladrões amontoavam-se no carro da Polícia. A senhora Grant, que se vestira à pressa, seguia ao volante do seu carro. Não fez qualquer pergunta às crianças que iam com ela. Tinha plena confiança na Zé.

Antes de se porem a caminho, a rapariga pedira ao cabo o favor de parar em casa dos pais dela. Foi, pois, aí que toda a gente se apeou. O cabo confiou os bandidos à guarda dos seus homens e, de lanterna eléctrica na mão, foi seguindo a Zé, que levou toda a gente até à casota do Tim!

- Tim - chamou ela. - Tim! Meu querido!

O cão saiu da casota e, pulando de alegria, pôs a pata da frente nos ombros da Zé. Então, a senhora Grant, o Júlio, o David e a Ana soltaram um grito de espanto e o cabo arregalou os olhos: é que o Tim trazia, à volta do pescoço, como coleira, o mais belo colar de esmeraldas que jamais se viu!

-As suas pedras! - disse a Zé, tirando as esmeraldas do pescoço do cão, para as entregar à dona.

- Quando ouvi os bandidos, que subiam para o sótão, vi logo que não tinha tempo de esconder o colar em parte nenhuma. Passei-o então à volta do pescoço do meu cão, dando-lhe ordem para vir para casa, o mais depressa possível: Para casa, já! Obedece-me sempre, como sabem. Espero que o papá, desta vez, não me acuse de ter demasiada imaginação.

É claro que as felicitações e os louvores aos Cinco não se fizeram esperar. Mas, nessa noite, as crianças só tinham um desejo: voltarem para a sua ilha, à procura de um repouso bem merecido!

 

                                                                                Enid Blyton  

 

                      

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