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Poesia & Contos Infantis

 

 

 


OS CINCO E O TESOURO PERDIDO / Enid Blyton
OS CINCO E O TESOURO PERDIDO / Enid Blyton

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

OS CINCO E O TESOURO PERDIDO

 

EH, Zé . Acorda, menina! Parece que estás a dormir em pé!

- Não estou a dormir! Estou a pensar. E a Maria José, parando de acariciar o Tim distraidamente, virou-se para o seu primo David.

Tinha, como ele, onze anos e assemelhava-se-lhe um pouco, com os cabelos castanhos e ondulados, cortados curtos. O David pôs-se a rir e invocou o testemunho do Júlio e da Ana:

- Estão a ouvir? O cérebro do chefe dos Cinco está em plena ebulição. A Zé está a pensar! Que ideia irá sair deste super- incomparável-genial cérebro?

- Cala-te, David! - disse o Júlio; rindo. - Se começamos as férias a discutir, nunca mais acabamos!

O Júlio, com treze anos, era o mais velho do pequeno grupo - alto e de aspecto ajuizado, não se parecia muito com o seu irmão David, os seus cabelos eram tão loiros como os da Ana, a mais nova.

A Zé e os seus três primos passavam regularmente as férias no Casal Kirrin, a casa que os pais da Zé possuíam em Kirrin, junto ao mar. Infelizmente, um acontecimento imprevisto modificara um pouco os projectos dos quatro primos.

A Zé encolheu os ombros, pronta a responder sem cerimónias à brincadeira do David. A Ana interveio com a sua voz suave:

- Diz-nos em que pensas, Zé!

- Que pergunta - resmungou a interpelada. – Acho que é aborrecido não ficarmos no Casal Kirrin, como estava previsto!

- Ora!. - replicou o Júlio. - O nosso exílio durará só duas ou três semanas: o tempo necessário para que o teu pai e o professor Lagarde, na calma e no silêncio, acabem o seu livro.

- Lá isso é verdade! - disse o David. - Só nos mandam para os Lírios por um curto período.

-O tio Alberto, connosco em casa, seria incapaz de trabalhar em paz! - lembrou a Ana.

Um sorriso iluminou de súbito o rosto da Zé:

- Não eras tu, com certeza, quem iria incomodá-lo! exclamou ela, com franqueza. - Nem o Júlio! Mas confesso que o David e eu somos bastante barulhentos. E também o Tim, quando entra na brincadeira! É o inconveniente de se ter como pai um sábio - tem que se andar sempre no bico dos pés!

- É para nos evitar esse suplício que nos mandam para os Lírios - disse o Júlio. - Essa casa pertence à Joana, a governanta dos Lagarde.

- Não é assim tão mau como isso - acrescentou a Ana olhando para a casa que se erguia diante deles.

As crianças, que tinham percorrido, de bicicleta, os poucos quilómetros que separam o Casal Kirrin dos Lirios, acabavam de apear-se diante da casa da Joana: era uma casinha branca, de janelas verdes, rodeada por um jardim de vegetação exuberante, onde cresciam, ao-Deus-dará, árvores, flores e arbustos. O conjunto não deixava de ter certo encanto.

- É verdade! - reconheceu a Zé. - O lugar é realmente bonito.

- Aqui, estaremos nas nossas sete quintas! - exclamou o David com entusiasmo. - A Joana é uma óptima cozinheira, far-nos-á excelentes bolos e pudins espantosos! E, além disso, temos o Palu!. Olhem, ali está ele!

Um rapaz, mais ou menos da idade da Zé e do David, saiu da casa como um foguete, precipitando-se ao encontro dos recém-chegados:

- Vivam os Cinco! Bem- vindos aos Lírios!

Era Paulo Luís Lagarde, a quem chamavam Palu, filho do professor Lagarde. Este, amigo do pai da Zé era um cientista igualmente muito considerado. Os dois homens trabalhavam frequentemente em conjunto. Naquele Verão, para poderem trabalhar em paz, haviam decidido confiar as crianças à excelente Joana, que educara o Palu e era a pérola das governantas.

Abrindo a cancela aos seus amigos, o Palu exclamou:

- Estou muitissimo contente por o meu pai ter fechado a nossa casa grande, para se ir instalar no Casal Kirrin, e me ter mandado para aqui com vocês! O jardim da Joana é óptimo para se brimcar aos índios e preparar emboscadas.

A Joana apareceu logo no limiar muito branco da casa; era uma mulher de meia-idade, pequena, redonda, viva e sorridente.

- Bom dia, meus meninos! Entrem depressa! Espera-os uma boa paparoca! Não há nada melhor para uma pessoa se recompor de um longo passeio de bicicleta!

Antes que a Zé e os seus primos tivessem tido tempo de lhe agradecer, uma terrível cacofonia ouviu-se atrás deles:

Béu!... Béu!...

Ric... Ric... Ui... Ui...

A Zé e o Palu desataram a rir.

- O Tim e o Passarola acabam de se encontrar!

- E estão a cumprimentar-se!

O Tim, bem firme nas suas quatro patas, recebia, felicíssimo, as carícias de um macaquinho, que lhe saltava em cima das costas, pulava para o chão, beijava-lhe o focinho e depois recomeçava a brincadeira, tagarelando sem parar. Sempre que o animal passava ao alcance da língua do cão, este lambia-o para lhe testemunhar o seu afecto.

Estas ruidosas manifestações duraram até ao momento em que as crianças se instalaram em volta de uma mesa cheia de belas coisas. Nessa altura, o Tim apressava-se a reclamar um torrão de açúcar e o Passarola saltou para o ombro do Palu, para lhe pedir um biscoito.

Enquanto ia servindo os seus jovens convidados, a Joana explicava:

-Herdei esta casa, os Lírios, dos meus pais. É uma casinha agradável, muito mais fácil de tratar do que a casa do senhor professor Lagarde, e suficientemente grande para cá cabermos todos. O Palu dormirá no quarto grande lá de cima, com o Júlio e o David. A Zé e a Ana partilharão o quarto contíguo.

- Ajudá-la-emos, Joana - prometeu a Ana. - Faremos as nossas camas e eu limparei o pó.

O Júlio acrescentou de bom humor:

- Dar-lhe-ei uma ajuda nos trabalhos mais pesados. E

tenho a certeza de que a Zé e o David se encarregarão, com muito gosto, de lavar a loiça!

Essa satisfação não se lia positivamente nos rostos da Zé e do David. Mas, como os dois primos tinham bom coração, achavam muito natural ajudarem a governanta.

- De acordo! - gritaram eles, em unissono. Após a paparoca, os pequenos, com o Palu, subiram aos quartos, desmancharam as malas que tinham trazido nos porta-bagagens e instalaram-se. Passaram o resto do dia a explorar a casa e o jardim, admirável confusão que os encantou.

- No fim de contas - declarou a Zé. -, o Casal Kimn não fica assim muito longe daqui! Se quisermos brincar na minha ilha, podemos ir a casa buscar o meu barco, que está no barracão!

Efectivamente, a Zé tinha a sorte espantosa de possuir uma ilha, bastante perto da costa é certo, mas deserta como lhes convinha, e que os pais lhe tinham dado, só para ela. Ainda ali se erguiam os restos de um velho castelo, e acontecia, frequentemente, os Cinco irem para lá acampar.

- É verdade! - disse o David. - E, no fundo, teremos mais liberdade aqui do que se tivéssemos ficado em tua casa, minha menina. Gosto muito do tio Alberto, mas nem sempre tem paciência para nós.

- É preciso confessar - Disse a Zé, sorrindo - que a Joana é, de facto, mais complacente do que o meu pai!

Para terminar, os Cinco elaboraram a lista das excursões que projectavam fazer nos dias seguintes. Depois, foram-se deitar.

De facto, a vida de férias depressa se organizou nos Lírios. Além da sua ligeira participação nos trabalhos domésticos, as crianças dispunham de grande liberdade, banhos de mar e passeios pelos campos eram as suas distracções naturais, e parecia que o bom tempo iria ali instalar-se definitivamente.

E, de repente, numa bela manhã - ou antes, numa triste manhã -, pôs-se a chover. Era uma chuvinha fina, fria e penetrante, que parecia nunca mais acabar, e nada mais aborrecido quando se está em férias!

Após algumas saídas em que as crianças voltaram encharcadas e os animais de pêlo colado ao corpo, os cinco amigos resignaram-se a ocupar o seu tempo em jogos caseiros. Iam ficando nervosos, a Joana só a custo consegue mantê-los sossegados.

Quando a bondosa mulher sentia o ambiente demasiado agitado, usava um subterfúgio para restabelecer a calma do bando infantil - muitas outras pessoas, no lugar dela, contentar-se-iam com ralhar, ameaçar ou castigar, mas a Joana obtinha melhores resultados, graças à sua manobra mais útil: punha-se, muito simplesmente, a contar uma história de quando ela era pequena!

As suas narrações eram sempre divertidas e variadas. Além do mais, tinha verdadeiro talento de narradora. As crianças escutavam-na com prazer. Tudo ela contava: as suas travessuras de quando criança, depois, anedotas relativas aos seus irmãos e às suas irmãs e, por fim, lendas do país. ai! Infelizmente, a chuva continuava a cair!

- Se ao menos - suspirou a Zé - tivéssemos, um destes dias, um bom mistério para desvendar. pelo menos ocupava-nos o espírito! Se este tempo continua, vão enferrujar-se os nossos talentos de detectives!

O David sorriu:

- O Clube dos Cinco no desemprego! Seria, de facto a primeira vez que isso aconteceria!

A Joana, que tricotava calmamente, olhou através da janela.

- À falta de mistério, posso indicar-lhes uma bela passeata, que as nuvens estão a desaparecer e já não chove, pois se continuarem aqui fechados, a andar à volta, acabam por ficar furiosos, tenho a certeza!

A Zé deu um salto.

- Tem razão, Joana. Sinto um formigueiro nas pernas, vamos pegar nas nossas bicicletas e pedalar um bocado.

- Também não lhes faria mal se fossem a pé - disse a Joana. - O passeio de que lhes falo não é assim tão longo. Trata-se de dar a volta à propriedade dos Saint-Maur. É uma volta muito pitoresca. O David, que é apreciador de belas fotografias, poderia levar a sua máquina.

- Em que consiste essa volta - perguntou o Júlio.

- Ao sair daqui, tomarão a estrada à vossa esquèrda - explicou a Joana - e continuarão até às ruínas que se avistam na colina.

- São as ruínas de um solar, não é? - perguntou a Ana.

- Vimo-las quando vinhamos para cá.

- Esse solar era a velha morada da família Saint-Maur; pertencia à condessa de Saint-Maur, que se exilou com o seu filho Amaury, na altura da Revolução Francesa.

- E essa família ainda existe? - perguntou o Palu.

- Sim. O descendente de Amaury, o senhor Renaud de Saint-Maur, e a sua mulher, Solange, são pessoas encantadoras. Não têm filhos, têm apenas um sobrinho, Beand que não conheço, porque raramente aqui vem. Vivem normal mente em Pans, mas viajam muito. O senhor Saint-Maur é arquitecto.

- Quando vêm aqui, ficam no solar dos seus antepassados? - perguntou a Ana.

O David desatou a rir.

- Estás a sonhar! A casa está demasiado estragada para abrigar nem que fosse um esquilo! Toda a gente riu. A Joana abanou a cabeça.

- O solar em ruínas nunca foi restaurado. Isso teria custado muito caro. Além disso, haveria as despesas de manutenção... e os impostos! Portanto, o senhor Renaud deixou a velha moradia tal como está, mas mandou construir um pouco mais longe, num recanto pitoresco do antigo parque, uma linda moradia moderna: as Glicinias.

- Também a vimos! - exclamou a Ana. - Passámos mesmo em frente dela!

- As Glicínias - prosseguíu a Joana - não ocupam senão uma pequena superfície do antigo domínio dos Saimt-Maur. Este compreendia, para além de toda a charneca em volta das ruínas, uma boa parte da actual estrada nacional, o bosque do liuchet e, também, uma porção das terras onde está construída esta casa.

- Como? - exclamou o Júlio, espantado. - Os Lírios também faziam parte das terras da condessa?

- Pois! Na altura, no lugar dos Lírios, havia um pavilhão da caça. Ainda hoje, embora os Lírios e os jardins da frente sejam de facto, meus, o jardim de trás pertence à família de Saint-Maur. Notem que posso utilizá-lo à vontade. Os Saint

-Maur são tão simpáticos.

- Além das ruínas, que haverá mais para ver? - perguntou a Ana.

- Primeiro, a charneca! Com a sua vista esplêndida sobre o mar, ao longe, os seus rochedos e até um velho dólmèn.

No momento em que os pequenos iam partir, um acontecimento imprevisto atrasou-os: o Passarola teimou em tirar a coleira do Tim, para a Pôr em volta do seu pescoço. O Tim, bonacheirão como de costume, deixou-se despojar sem protestar.

Logo que o Passarola se viu enfeitado com a coleira tão bonita, pôs-se a manifestar a sua alegria, pulando por cima dos móveis, ao mesmo tempo que soltava guinchos estridentes.

O palu quis tirá-lo do alto de um armário, onde o macaquinho estabelecera o seu domicílio e, para isso, pôs um banco em cima de uma cadeira, esta caranguejola sobre uma mesa, e subiu... esticou a mão... e caiu com um grande barulho, sem, felizmente, se magoar.

Assustado, o Passarola saltou do seu poleiro para cima do candeeiro, e, aí, começou a balouçar-se com ar de quem desafia o mundo inteiro. As crianças,

riam-se às gargalhadas. O Tim ladrava.

O Palu, furioso por ver a sua autoridade posta em causa, foi buscàr uma vassoura, para obrigar o macaco desobediente a descer. Querendo evitar a pancada não muito forte, que lhe era destinada, o saguim escorregou... e ficou pendurado, num dos braços do candeeiro, pela coleira, grande de mais para

ele.

- Oh, meu Deus! - gritou a Ana. - Vai estrangular-se:

O palu, desnorteado, não sabia o que fazer. A Zé olhou para uma arrecadação, onde sabia que havia um escadote. Puseram-no debaixo do candeeiro, e Júlio tirou o Passarola, já meio asfixiado. A Zé voltou a pôr a coleira ao Tim.

Quando a calma se restabeleceu, as crianças verificaram, aborrecidas, que as nuvens voltavam de novo do fundo do horizonte.

- Ora!. - disse a Zé. - Vamos sair, mesmo assim vamos ao menos até às ruinas. Se chover, depressa voltaremos.

A Joana distribuiu os impermeáveis. O Tim, ia também, bem entendido, e até mesmo o Passarola, refeito das emoções e aninhado friorentamente contra o ombro do Palu.

Depois de terem caminhado rapidamente os cinco amigos chegaram junto das ruínas do solar. Embora o local não ficasse muito afastado de Kirrin, nunca tinham tido oportuni dade de o visitar.

O pequeno grupo deu lentamente a volta aos muros meio derruídos. Pedras enegrecidas lembravam ainda os estragos de um incêndio. Outrora os revolucionários tinham, sem dúvida, deitado fogo ao solar, para lhe apressar a destruição: A menos que se tratasse de um sinistro mais recente.

- Brrr! Que local tão triste! - murmurou o Palu. - A Joana diz que os antigos subterrâneos do castelo foram condenados, não poderemos explorá-los. É pena! eu cá gosto muito de subterrâneos!

Não havia muito que ver nas ruínas. As ervas daninhas e as plantas trepadeiras tinham-se apoderado do que restava do solar. A Zé, os primos e o Palu depressa se desinteressaram daquilo.

- O local não tem nada de atraente! - suspirou o David em ar de conclusão.

O Júlio levantou a cabeça e inspeccionou o céu.

- Parece que o tempo vai piorar bastante - disse ele. Faríamos bem em voltar para casa.

- Tens razão - aprovou a Zé. - Deixemos o passeio completo para mais tarde.

- Oh! - disse a Ana. - Já chove! Temos de correr! Foi o sinal da debandada. As crianças e o Tim precipitaram-se para a estrada mas a chuva depressa os apanhou. Chegaram aos Lírios debaixo de um verdadeiro dilúvio, passaram o resto do dia em casa, divertindo-se com jogos tranquilos.

No dia seguinte, o tempo tinha mudado novamente. Daquela vez parecia que se estava em Março - chuvadas e abertas sucediam-se constantemente. Os cimco amigos sentiam-se furiosos, como lhes dissera a Joana.

De tarde, vendo que o sol aparecia timidamente por entre as nuvens, a Joana aconselhou os seus jovens hóspedes:

- Aproveitem! Vão brincar para o pomar atrás da casa. E, se o tempo se puser bom, poderão enfim ir passear!

Ela baptizava pomposamente de pomar o jardim que, ficava por trás da casa, porque havia aí algumas macieiras: na realidade, as árvores que lá cresciam eram muito variadas. Era um sítio ideal para correr em liberdade, e as crianças organizaram um jogo de escondidas, no qual o Tim e o Passarola participaram com entusiasmo. Os dois animais estavam muito excitados com a agitação geral. O Tim content ladrava, o Passarola sáltava e guinchava, faziam, todos juntos, uma barulheira infernal - felizmente, que não havia vizinhos para os ouvir!

O saguim, achando a erva demasiado molhada, saltou, de repente, para o ramo baixo de um carvalho e pôs-se a trepar. Uma vez lá em cima, não quis descer.

-Vamos! Vem cá, Passarola! - gritava, em vão. Palu, que receava ver repetir-se a ridícula cena da véspera. Desce ou vou aí buscar-te. E, depois, já sabes!.

- Uí Uí - respondia o macaco.

- Béu! - fazia o Tim, com a sua voz profunda.

Mas as exortações do seu dono e do seu amigo de quatro patas não conseguiram convencer o Passarola a abandonar o seu poleiro. O tempo passava, e a Joana já tinha chamado duas vezes as crianças para o lanche.

- Anda cá, Passarola! - repetiu o Palu, furioso.

- Vamos embora! - aconselhou a Zé. - Ele virá atrás de nós.

- Isso é o que tu pensas! É teimoso como.

- Como um macaco! - completou o David, torcendo-se a rir. - Seria preciso um tiro de canhão para o fazer descer da sua árvore!

O rapaz ainda não tinha acabado a sua frase quando um estrondo, não de canhão mas de trovão, se fez de repente ouvir. A chuva começou a cair com violência.

- A tempestade! - gritou o Júlio. - Todos para casa! Depressa! É perigoso ficar debaixo das árvores!

Contudo, o David acertara: assustado pelo barulho, o Passarola descia do seu poleiro, o mais depressa que podia. O Palu esticou o braço para o apanhar na descida, mas o macaquinho escapou-se-lhe. No seu terror, não pensava senão em abrigar-se no sítio mais perto. Em vez de tomar a direcção de casa, fugiu em direcção ao pomar.

-Ajudem-me a apanhá-lo! - gritou o Palu para os seus amigos. - Maldito animal! Já estou todo encharcado!

Debaixo da chuva forte, puseram-se todos a correr atrás do Passarola. O Tim, que julgava tratar- se de um novo jogo, foi ter com eles em dois saltos. Então, as crianças assistiram a este espectáculo imprevisto: o Passarola saltou para as costas do seu amigo e o Tim, como que obedecendo ao macaco, continuou a correr e desapareceu no meio das ervas daninhas.

- Esta agora? - disse a Zé, espantada.

Ia chamar o seu cão, quando a Ana teve uma ideia:

- Aposto que vão abrigar- se na cabana.

Esta cabana era uma antiga arrecadação de ferramentas que as crianças tinham arranjado, por conselho da Joana, para fazerem dela um pequeno refúgio.

- A Ana tem razão - disse o Júlio -, o Tim e o Passarola entenderam, instintivamente, que a cabana estava mais perto de nós do que a casa. Vamos ter com eles! Quando as crianças chegaram à cabana, estavam encharcadas da cabeça aos pés. A chuva caía com um barulho de granizo. O Tim e o macaco receberam-nos com grandes demonstrações de alegria: o Passarola aninhou-se, mesmo nos braços do dono, e o Tim encostou-se contra a Zé. Um relâmpago rasgou o céu, seguido de um tremendo trovão, depois outro, e outro ainda.

- Pois bem! - disse o David. - Como tempestade, é uma boa tempestade!

- O raio não caíu muito longe! - disse a Ana, com uma voz não muito segura.

- E parece que a tempestade se está a aproximar ainda mais! - disse a Zé, pondo-se à escuta. - O intervalo entre os relâmpagos e o ribombar dos trovões é cada vez mais curto. Pen.

Não pôde acabar: uma intensa claridade iluminou a cabana, ofuscando os pequenos, que se apertavam uns contra os outros, um pouco afastados da porta. Quase a seguir, o trovão ribombou violentamente, e o chão vibrou-lhes debaixo dos pés. O Tim pôs-se a ladrar, o Passarola gemeu, a Zé e os outros pequenos deixaram escapar uma exclamação abafada e a Ana soltou um grito de medo.

- O raio caíu sobre a casa! Joana!.

- Acalma-te, Ana! - interrompeu o Júlio. - A casa não foi atingida. Foi o grande carvalho que fica mesmo no meio do pomar que apanhou o raio! Olhem!.

Efectivamente, através da cortina de chuva, as crianças viram, no lugar do magnífico carvalho centenário, uma espé cie de coluna partida, toda negra; que fumegava lugubre mente.

- Com a breca! - gritou o Palu, empalidecendo. pensar que o Passarola estava, há bocadinho empoleirado lá em cima!

-E que nós estávamos, todos juntos, por baixo! - acrescentou a Zé.

O barulho dos trovões começava já a diminuir, os relâmpagos tornavam-se mais espaçados e pressentia-se o fim da tempestade.

Ouviu-se ao longe a voz da Joana, angustiada:

- Palu! Ana! Zé.

- Fiquem aqui! - disse o Júlio. - Vou dar um salto a casa, para a tranquilizar, e voltarei com impermeáveis.

Menos de dez minutos mais tarde, o rapaz estava de volta. Além dos impermeáveis prometidos, trazia camisolas secas e um cesto com fatias de pão com manteiga, um enorme bolo e garrafas - termos cheias de chocolate quentinho!

- A Joana não se esqueceu das chávenas nem dos pratos de campismo. Vamos esperar pelo fim da tempestade, retemperando as nossas forças.

Foi um piquenique imprevisto e muito divertido. Graças à cooperação activa do Tim e do Passarola, passados alguns instantes não restava nem uma migalha do lanche preparado pela Joana.

- Ufa! - disse o David. - Depois de todas estas emoções, coméço a sentir-me melhor. Oiçam lá. a chuva parou. Se fossemos ver mais de perto os estragos causados pelo raio?

Cá fora, as crianças verificaram que o sol, decididament de humor caprichoso, recomeçava a brilhar entre as nuvens: que o vento acabava de limpar.

- Já não fica, grande coisa do carvalho gigante! - suspirou a Zé. - Que pena! Era tão bonito!

- A Joana disse-me há bocado que era uma das raras árvores sobreviventes da época em que a condessa de Saint-Maur morava no solar - explicou o Júlio.

As crianças puseram-se a examinar com curiosidade o sítio onde dantes se erguia o carvalho. Em volta da árvore calcinada, o raio, por um singular capricho, cavara uma espécie de cratera, de forma perfeitamente circular.

- É bastante profundo este buraco! - disse o Palu. Se fossemos nós a fazê-lo, teríamos ficado com bolhas nos dedos.

Por brincadeira, o Passarola saltou para dentro do buraco. Depois, pareceu-lhe ver qualquer coisa, e pôs-se a escavar a terra com as suas minúsculas patas. Querendo ajudá-lo, o Tim saltou, por sua vez, e cavou, também, vigorosamente.

- Bem! Agora estão os dois a jogar ao trapo-queimado

- exclamou o Palu, rindo às gargalhadas.

Mas a Zé, de sobrancelhas franzidas, baixara-se para ver melhor. Tinha ouvido as unhas do cão a raspar num objecto metido na terra. O som voltou a ouvir-se. Que poderia ser aquilo? Intrigada; a Zé ordenou:

- Busca, Tim! Busca!

Encorajado, o Tim redobrou os seus esforços. De repente, as crianças soltaram em coro uma exclamação. As patas do cão acabavam de pôr à vista um objecto embaciado, enferrujado, mas bem reconhecível: a parte superior de um cofre de metal.

- Ora esta! - disse o David. - O que será isto?

- Talvez um tesouro? - sugeriu a Ana, a brincar.

- Deve ser- uma velha caixa sem valor! - disse o Palu.

O David e a Zé tinham-se junto já ao Tim e esforçavam

-se por arrancar o cofre da lama. Mas não sabiam por onde lhe pegar.

- Esperem! - disse o Júlio. - Vou buscar ferramentas.

Correu à cabana e voltou com uma pá e uma picareta.

David e ele depressa desenterraram o cofre e o tiraram para fora. A Zé levantou-lhe a tampa, o que foi fácil, porque a ferrugem tinha corroído a fechadura e as dobradiças. Então ouviram-se todas as espécies de exclamações:

- Incrível! É, de facto, um tesouro!        

- Ouro ... Jóias ...

- Está aqui uma bela fortuna.

- David! - disse a Zé. - Belisca-me para me provares que não estou a sonhar!

A Zé não sonhava, tinha, de facto,        sob os olhos um daqueles tesouros que provam a imaginação das crianças em busca de aventura.

Os Cinco já haviam tido ocasião de reencontrar ou recuperar objectos de valor perdidos ou roubados, mas isso sempre acontecera após demorados inquéritos - era a primeira vez que o destino, como por um golpe de magia, lhes revelava aos olhos deslumbrados uma tal profusão de riquezas, sem que eles tivessem tido o menor trabalho.

- É quase humilhante para o Clube dos Cinco! - observou a Zé aos companheiros. - Tornarmo-nos descobridoresde um tesouro por um simples golpe de sorte!

- Diz antes um raio!... - rectificou o David, rindo.

O Júlio sacudiu-se.

- Vamos depressa levar este cofre para os Lírios e mostrá-lo à Joana - disse ele. - Pergunto a mim próprio quem poderá tê-lo enterrado no pomar!.

Vendo voltar as crianças, a Joana suspirou:

-Até que enfim que voltaram! Já começava a estar preocupada. Não estão molhados?

- Olha para o que nós te trazemos! - interrompeu Palu, impaciente por mostrar a descoberta deles.

O Júlio e o David colocaram o cofre em cima da mesa de cozinha. A governanta do professor Lagarde abriu uns grandes olhos, uma boca muito redonda e ficou bem uns três segundos sem conseguir articular uma palavra.

- Oh, meus filhos! - disse ela, finalmente. - Não é possível . Nem quero acreditar no que vejo . Então, existe realmente! Ora esta! Quem vai ficar contente é o ser Renaud!. E que pena que esse pobre Amaury não se tenha podido aproveitár dele, no seu tempo!

Foi a vez das crianças ficarem pasmadas:

- De que está a falar, Joana? - perguntou a Zé.

-Do tesouro dos Saint- Maur! Do tesouro perdido, uma história de que lhes teria podido falar há mais tempo, mas já nem me lembrava dela. Tudo isto é de tal maneira antigo.

- Conta depressa, Joana! Conta! - exclamou o Palu.

- Pois bem! Já no outro dia lhes falei dessa condessa de Saint-Maur e do seu filho, Amaury, que era criança na altura em que se viveram as horas trágicas da Revolução Francésa. Um dos meus antepassados, Anselmo Fangeois, estava então ao serviço da condessa - é mesmo por isso que eu conheço bem a história da familia! A condessa era uma mulher jovem e bela e bondosa, viúva havia pouco tempo. Quando a terrível vaga revolucionária se alastrou da capital para a província, a infeliz começou a tremer.

- Então não se sentia segura no solar? - perguntou David.

- Não! Depressa compreendeu que corria o risco de ser presa, no meio daquela agitação popular.

A Ana sentiu um arrepio.

- A revolução ganhava terreno dia a dia - prosseguiu Joana. - Os nobres começavam a não estar seguros em parte alguma. Esta região depressa se pôs em polvorosa. O Anselmo, que andava numa roda-viva entre o solar e a aldeia contava à condessa os rumores alarmantes que circulavam. Totalmente devotado aos seus patrões, aconselhou-os a fugir sem mais demora. A senhora de Saint-Maur compreendeu que ele tinha razão e resolveu procurar refúgio no estrangeiro como muitos outros já tinham feito. Lá, ela e o seu filho estariam, pelo menos, em segurança. Esperava firmemente que o exílio durasse pouco.

- Mas o tesouro, Joana! O tesouro? - reclamou o Palu.

- Pois bem, antes de deixar a casa dos seus antepassados, a senhora de Saint-Maur, ajudada por Anselmo Fangeois, procurou um esconderijo para o seu ouro e as suas jóias. De facto, a pobre senhora não se atrevia a levar a caixa, com receio de que lha roubassem, nem deixá-la no solar, que corria o risco de ser invadido e pilhado. Não levou com ela senão o que era estritamente necessário. Depois, o Anselmo tendo encontrado um sítio propício, escondeu aí o tesouro, na presença da patroa e do jovem Amaury. Mais tarde, a condessa morreu no exílio, e Fangeois também. Amaury, educado por pessoas piedosas, voltou sozinho, muitos anos depois. No sítio do solar familiar não encontrou senão ruínas. Não encontrou o local do tesouro escondido, apesar das suas pesquisas!

- Mas, é incrível! - exclamou a Zé. - Então não se lembrava?

- Amaury era muito pequeno quando Anselmo escondeu o tesouro. A sua memória apenas guardara a imagem do velho criado da família, cavando o chão, no parque.

- E a mãe e o velho Fangeois não o informaram antes de morrer? - perguntou o David, por sua vez.

- A condessa tinha legado ao filho papéis de família, que continham, com certeza, alguma indicação relativa ao tesouro, mas que se perderam. Papéis escritos em francês! Quem se teria preocupado com isso, num país estrangeiro, numa época em que a maioria das pessoas não sabia ler nem escrever! Ah, meus filhos! pensar que, desde esse tempo, o tesouro dos Saint-Maur repousava debaixo do grande carvalho! Sem esta tempestade e sem vocês, ainda lá estaria!

- Mas como podemos ter a certeza de que se trata de facto da fortuna dos Saint-Maur? - perguntou a Zé, pensativa.

A Joana estendeu o braço para o cofre:

- Não há dúvida nenhuma a esse respeito - disse ela. - Olhem! Aqui está uma miniatura em marfim, representando um rapazinho, com esta inscrição: Amaury de Saint- Maur! Para lhes ser franca, meus filhos, eu própria não acreditava muito neste tesouro. Há tanto tempo que falavam nele, e ninguém o tinha ainda encontrado! E, de repente, vocês acharam-no! Vai ser preciso avisar o seu pai, Zé! Ele encarregar-se-á, certamente, de entregar ao senhor Renaud de Saint-Maur aquilo que os antepassados lhe deixaram, e creio que o senhor Renaud e a sua mulher chegaram hoje mesmo à aldeia!

A Zé não disse nada, estava resolvida a contactar directamente os proprietários das Glicínias, para lhes restituir o precioso achado, encontrado nas suas terras e desenterrado pelo Tim.

- Vamos fazer um inventário de todas estas coisas!

- propôs o Palu. - Distrair-nos-á.

As crianças fizeram daquilo um jogo, enumeraram, assim, mais de seiscentas peças de ouro, com a efígie de Luis XVI, um adereço de esmeraldas, uma bracelete de diamantes e safiras, um grande rubi, um diadema, um medalhão de brilhantes e uns brincos a condizer.

Havia ainda uma enorme pérola solta, em forma de pêra, três braceletes de ouro cinzelado, três cordões, dois relógios com as correntes, quatro medalhões, miniaturas em marf im, entre as quais uma delas representava Amaury e uma outra a condessa, assim como vários alfinetes de pedras preciosas ou semi- preciosas, e um sinete com as armas da família de Saint-Maur.

- Tem a certeza de que Renaud de Saint-Maur e a mulher estão, neste momento, nas Glícinias? - perguntou o David à governanta.

- Foi o que me disse a merceeira!. Deviam chegar hoje, cerca das dez horas!

A Zé olhou pela janela:

- A tempestade passou por completo! Se fôssemos levar-lhes a boa notícia? - propôs ela.

- Boa ideia! - aprovou o Júlio. - Deixaremos o cofre aqui, aos cuidados da Joana, bem entendido! Ou os Saint-Maur virão eles mesmos buscá-lo ou o tio Alberto e o professor Lagarde irão levá-lo.

- A tia Clara deve vir ver- nos amanhã! - lembrou a Ana. -Talvez se encarregue disso. Entretanto, a Zé tem razão: vamos de bicicleta às Glicínias!

Nunca as crianças haviam pedalado com tanto entusiasmo! A terra fumegava sob os quentes raios de Sol, e as nuvens dissipavam-se rapidamente. A Zé e o David iam à frente, enquanto o Tim corria ao lado deles. O Júlio, a Ana e o Palu seguiam mais calmamente. Mas todas as crianças estavam impacientes por anunciar a boa notícia a Renaud e a Solange de Saint-Maur. Que surpresa para o arquitecto e para a mulher! Os cinco amigos imaginavam antecipadamente a admiração deles.

Infelizmente; os acontecimentos não se desenrolaram tal como os pequenos teriam desejado.

Depois de terem passado pelas ruínas do solar, as crianças avistaram a fachada branca das Glicínias. Era uma linda casa quadrada, coberta de vinha virgem e de glicínias, com relvados bem tratados e maciços de flores. As janelas estavam abertas e, através do portão, via-se alguém que ia e vinha ao longo das áleas. O Júlio puxou pela corrente pendurada junto ao portão. Ouviu-se uma canpainha ao longe.

A pessoa que passeava interrompeu o seu vai-vém, depois; dirigiu-se para o portão, e a areia da álea rangeu sob os seus pés.

- Que bom! Vêm aí - murmurou o David que, tal como a Zé, nunca conseguia estar parado.

Apareceu um homem de meia- idade, tinha o cabelo ralo e esbranquiçado, o seu rosto não oferecia grande expressão e a boca, de lábios finos, não sorria.

A Zé reparou que usava fato de veludo canelado, em cima do qual pusera um avental de tecido azul.

O recém-chegado olhou os visitantes sem mostrar pressa em abrir-lhes o portão:

O que é que querem? - perguntou ele.

- Desejamos - disse a Zé vivamente - falar com o senhor de Saint-Maur. Ele está?

O homem não respondeu logo. Observava as crianças e por fim, decidiu-se:

- O meu patrão - declarou ele - não vai receber garotos, tem mais que fazer!

E, como a Zé abrisse a boca para protestar, levantou a

mão para impor-lhe silêncio.

- Eu sou o guarda encarregado de afastar os inoportunos! - acrescentou ele, num tom claramente trocista.

Desta vez, a Zé corou de cólera - não só a paciência não   ; era a sua qualidade dominante como estava indignada com a    insolência do empregado.

- Cabe ao senhor de Saint-Maur ajuizar se somos indesejáveis ou não - respondeu ela, contendo o melhor possível a sua irritação. - Não é o senhor que vai fazê-lo! Vá preveni-lo de que queremos ter uma conversa com ele... para uma revelação da maior importância!

O guarda pôs-se a troçar.

- Ah! ah! ah! - exclamou, numa voz carregada de ironia. - Ora oiçam este garoto! Que palavreado! E, ainda por

cima, impertinente! Ora esta! Por quem se toma ele?...

A Zé sentiu a mostarda subir-lhe ao nariz, e com razão.

Não era, de facto, a primeira vez que a tomavam por um rapaz. Geralmente, isso não lhe desagradava, mas não estava disposta a ser tratada como qualquer fedelho.

Preparava-se já para responder de mau modo quando o Júlio, adivinhando que as coisas iriam azedar-se, se apressou a intervir.

- O senhor está enganado - declarou ele, friamente ao guarda. - A menina Zé, minha prima, deseja encontrar o senhor de Saint-Maur para uma comunicação urgente, queira fazer o favor de ir prevenir o seu patrão.

O guarda olhou com ar desconfiado, para as crianças;

via-se que estava hesitante.

Como não parecia apressado em obedecer, o David julgou oportuno acrescentar por seu turno:

- É verdade! - disse ele. - Somos portadores de uma feliz notícia para o senhor de Saint-Maur.

A Ana, por sua vez, achou bem acrescentar uma palavrinha:

- O que o meu irmão diz é verdade - insistiu ela, com o seu lindo sorriso. - Uma notícia muito agradável. Trata-se do tesouro perdido. Encontrá.

Fulminando a prima com o olhar, a Zé cortou-lhe a palavra.

- Cala-te, Ana! - ordenou ela, secamente. - Que tagarela que és!

A miúda, bruscamente consciente da sua irreflexão, corou e mordeu os lábios.

Mas o aviso da Zé chegara demasiado tarde: o guarda tinha ouvido perfeitamente, e pareceu logo muito interessado. As suas maneiras tornaram-se, como por encanto, mais doces, a sua voz fez-se amável:

- Que tesouro? - perguntou ele. - O que o velho Fangeois enterrou durante a Revolução?

É claro que nenhuma das crianças estava disposta a mais explicações. A Ana, de cabeça baixa, daria tudo para que a informação não lhe tivesse escapado estupidamente. Perante o mutismo do pequeno grupo, o homem imsistiu:

- Trata-se de facto do tesouro da condessa, não é verdade?

A Zé olhou-o de alto a baixo.

- Não é a si, mas apenas ao senhor de Saint-Maur, que daremos explicações - declarou ela, num tom que não admitia réplica. - E agora, vai ou não anunciar-nos? Decida-se.

Um fulgor passou pelos olhos do guarda.

- Oiçam. - disse ele, em tom conciliatório. - Os meus patrões não estão agora cá. Não voltarão antes da noite ou amanhã. se não prolongarem a sua ausência por mais um dia ou dois. Seria melhor pôrem-me ao corrente. Querem dizer-me do que se trata?

O seu ar obsequioso não agradou ao Júlio. O Tim, através do portão, farejava os sapatos do homem, rosnando baixinho, pois tal como à Zé, o guarda não lhe era simpático.

- De modo nenhum! - respondeu o Júlio, secamente.

-       Voltaremos amanhã ou depois de amanhã, se for preciso. O guarda protestou:

- Não vale a pena incomodarem-se, meus amigos. Correm o risco de se deslocar para nada! Deixem- me a vossa direcção. Preveni-los-ei, logo que o senhor e a senhora Saint- Maur voltarem.

Desta vez foi o Palu a cometer o erro. Sem notar que os seus amigos não pareciam dispostos a falar, deixou escapar subitamente a informação pretendida.

- Chamo-me João Pedro Lagarde - declarou ele.

-Moro com os meus amigos na vivenda os Lírios, que talvez conheça.

- Perfeitamente! Claro que conheço! Passo muitas vezes por lá, quando vou fazer recados à aldeia ou comprar adubo para as minhas flores. Contem comigo! Porei um recado na vossa caixa do correio, logo que o senhor esteja de volta.

Agora, o guarda sorria, e a Zé pensou que preferia as suas maneiras rudes àquele sorriso maléfico.

Enquanto se afastavam das Glicínias, confiou aos seus primos e ao Palu:

- Não o suporto! Este indivíduo é-me absolutamente antipático!

- Ora não se deve julgar pelas aparências - disse

Júlio, com a sua indulgência habitual. - Não é de facto muito amável, mas, no fundo, talvez seja boa pessoa.

A Zé não estava convencida.

- Em todo o caso, o Tim é da minha opinião. Bem vi que ele não podia com o homem... E, acreditem- me, o Tim tem faro para estas coisas . Podemos fiar-nos na sua opinião.

O David era cem por cento da opinião da prima.

- Aquele jardineiro, que se dá ares de guarda, deve ser falso como Judas!

- Eu também acho . Só começou a mostrar-se um pouco simpático quando a Ana falou no tesouro! -disse o Palu. - Como és irreflectida, minha querida Ana!

- Não é mais que tu, meu caro! - observou o Júlio.

- Porque deste a nossa direcção àquele homem?

O Palu olhou-o espantado.

- E o que é que isso tem?.

Foi o David quem se encarregou de lhe explicar:

- Aquele indivíduo não tinha necessidade de saber onde morávamos. nós e o nosso tesouro!

- Oh! Eu...

- Vamos! É inútil discutir! - cortou a Zé. - O que está feito está feito. Não podemos voltar atrás. O essencial, agora, é vigiar o nosso precioso cofre até à chegada da mãe, amanhã.

- É verdade! - suspirou a Ana. - A tia Clara encarregar-se-á de prevenir o tio Alberto, que virá buscar o tesoro.

De regresso aos Lírios, as crianças contaram à Joana a inutilidade das suas diligências.

- Conheço de vista, o guarda das Glicínias - declarou a governanta - que é também. o jardineiro. Chama- se João, é novo por aqui, e ninguém gosta dele, porqué é manhoso como o diabo e avarento como tudo!. Sempre perguntei a mim mesma porque é que os Saint-Maur o tinham admitido ao seu serviço! São tão boas pessoas!...

No dia seguinte de manhã, uma vez mais, os acontecimentos vieram contrariar as esperanças dos cinco amigos.

Para começar, a mãe da Zé telefonou, anunciando que estava ligeiramente engripada e não podia ir, naquele dia, abraçar a filha e os sobrinhos.

- É preferível que eu fique em casa, Zé, para me curar mais depressa.

- Podemos ir ver-te?

- Não seria muito prudente, não quero transmitir-lhes os meus micróbios. Vamos! Sejam razoáveis e esperem alguns dias...

A Zé desligou.

- Não falaste no tesouro! - disse o Júlio.

- Não... Afinal, porque não havemos de entregá-lo, nós mesmos, aos Saint-Maur?

Antes qe os seus primos e o Palu tivessem podido dar a sua opinião, o Passarola precipitou-se para o portão do jardim. Tinha visto um papel branco na caixa do correio... Voltou logo, triunfante, com a sua patinha crispada sobre o envelope que estendeu ao Palu. A mensagem, dirigida à Menina Zé e a João Paulo Lagarde, e redigida num cartão de visita com o nome do senhor Renaud de Saint-Maur, continha apenas algumas linhas:

O senhor de Saint-Maur, muito ocupado, não pode recebê-los, nem deslocar-se. Pede-lhes que entreguem o vosso achado a seu sobrinho, Bernardo Létrec, que passará hoje por vossa casa, antes do meio-dia, e lhes transmitirá os seus agradecimentos.

  1. de. Saint-Maur.

- Ora esta! - exclamou a Zé decepcionada. - Aqui está uma carta a que pode chamar-se seca e não muito educada. Não só este senhor não se dá ao trabalho de nos receber pessoalmente como mal nos agradece!

O David abanou a cabeça e disse:

- Se queres a minha opinião, ele não acredita na realidade do tesouro. Só Deus sabe o que João, o guarda, lhe terá contado a nosso respeito . Que somos uns garotos, uns brincalhões, etc! Em resumo, esse bom senhor Saint-Maur não tem lá muita confiança em nós. É como S. Tomé: quer ver e tocar para acreditar!

- Penso que tens razão - concordou o Júlio. - O senhor de Saint-Maur não quer correr o risco de cair no ridiculo, vindo a correr buscar um tesouro que talvez nem exista!

- E, contudo, existe de facto - disse a Ana, lançando uma vista de olhos à malinha banal em que achara melhor fechar o cofre enferrujado.

- A Zé suspirou:

- Está bem! Esperemos, a pé firme, pelo sobrinho. Mas de qualquer maneira. Enviar-nos assim um mensageiro. O processo é pouco amável, não acham?

Os Cinco, o Palu e o Passarola ficaram no jardim, a vigiar o portão. As crianças estavam impacientes por ver aparecer Bernardo Létrec e entregar-lhe o precioso achado. Com um pouco de malícia, imaginavam a cara de Bernardo, quando visse que o tesouro era real e fabuloso!

De repente, ouviu-se na estrada o barulho de uma motocicleta, que parou diante do portão dos Lírios. Desceu dela um rapaz loiro, alto e magro, com cerca de dezoito anos. Tocou à campainha.

O pequeno bando, sem faltar ninguém, veio, a correr, abrir-lhe a porta.

- São vocês os garotos? - perguntou logo o recém-chegado. - Sou Bernardo Létcec.

A Zé franziu o sobrolho. Não gostara do ar desdenhoso do rapaz, nem, sobretudo, da maneira como ele pronuciara garotos".

O Palu avançou para o motociclista:

- Sim - respondeu ele. - Fomos nós que descobrimos o tesouro dos seus antepassados!

- Bravo! O meu tio ficará encantado! Vejamos do que se trata.

Foi a vez do Júlio franzir o sobrolho. Achava o Bernardo desenvolto, pouco amável e, sobretudo, antipático. Contudo, foi educadamente que apresentou os seus companheiros, e também o Tim, que fora o primeiro a farejar o cofre com as moedas de ouro e as jóias!

Bernardo Létrec ouvia-o com visível impaciência, parecia inexplicavelmente nervoso. Ao ouvir mencionar as moedas de ouro e as jóias, os seus olhos luziram. Todavia, continuava a não sorrir. A Ana notou que ele crispava inconscientemente as mãos, enquanto lhes perguntava:

- Então esse tesouro?... Mostrem-no! O meu tio está à espera, não tenho tempo a perder.

As crianças acompanharam o rapaz até à porta da casa, onde a Joana o acolheu com a sua habitual delicadeza. Em contrapartida, o Tim rosnava baixinho, farejando os tornozelos do visitante.

- Olha! - pensou a Zé, divertida. - Ao que parece, o Tim gosta tanto do rapaz como nós!

A mala foi colocada, pela Joana, em cima da mesa da sala. O Júlio abriu-a, o David retirou o cofre enferrujado e a Zé encarregou-se de desembrulhar as maravilhas que continha.

Desta vez, o Bernardo perdeu o seu ar desdenhoso e assobiou de surpresa.

-Caramba! - disse ele. Há nesta caixa milhões e milhões!

O Júlio achava que a maneira como Bernardo se exprimia era um tanto grosseira: saltava à vista que o sobrinho não era tão delicado como o tio. De facto, pelo que dizia a Joana, o senhor de Saint-Maur era um perfeito cavalheiro. De repente, o Bernardo, agarrou vivamente as moedas e as pedras preciosas, que voltou a colocar no cofre. Depois, meteu este dentro da mala.

- Vou levar isto já ao meu tio! - disse ele, mostrando vontade de pegar na mala.

A Joana pareceu hesitar, sentia, vagamente, que as coisas não deveriam correr daquele modo e lamentava a ausência da mãe da Zé. O Júlio, o David e o Palu olharam uns para os outros, indecisos. A Ana admirava-se com o súbito silêncio.

Mas a Zé já tinha dado um passo em frente, pondo-se entre Bernardo e a porta.

- Um momento! - disse ela. - O senhor de Saint-Maur avisou-nos, de facto, da vinda do seu sobrinho, Bernardo Létrec, e pediu-nos que lhe entregássemos o tesouro dos seus antepassados. Mas. espero que não fique chocado se lhe pedirmos que prove a sua identidade. Afinal de contas, não o conhecemos!

- De facto - acrescentou o Júlio. - Tem os seus papéis de identificação?

O rapaz empalideceu, o seu olhar furioso pareceu querer fulminar os dois primos.

- Como se atrevem a falar-me nesse tom? Eu sou o sobrinho do senhor Saint-Maur!

- Nesse caso, prove-o! - disse o David, indo encostar-se à porta. - E, se não tem nada que o identifique, vá buscar os seus documentos e volte com eles. Terá então o tesouro à sua disposição.

- Entendido! Vou já!

- Mas, primeiro, largue essa mala! - ordenou o Palu.

Em vez de obedecer, o jovem motociclista correu para a porta. O Júlio, o David e a Zé impediram-lhe a passagem:

Então, com um grito de raiva, deu uma volta sobre os calcanhares, empurrou a Joana, que se encontrava no seu caminho e, afastando a Ana e o Palu que tentavam segurá-lo; saltou para a janela.

Não tinha, porém, contado com o Tim! O cão, que não parara de andar à volta dele, rosnando, precipitou-se sobre o visitante, prendeu-o pelo blusão de couro e, firmando-se nas quatro patas, puxou com todas as suas forças.

O pseudo-Bernardo - pois era agora evidente que se tratava de um impostor - voltou-se e, deixando escapar a mala, tentou afastar o cão. Demasiado tarde, pois o Tim agarrava-lhe agora o fundilho das calças.

Com um grunhido de vitória, arrancou um grande pedaço de tecido e, talvez, também, um bocado de carne. O seu adversário pôs-se a gritar.

Como o bandido corria para a porta (mas desta vez sem a mala), a Zé abriu-lha, com uma condescendência irónica. O rapaz saiu a correr, com as duas mãos postas no traseiro dorido, vaiado pelas crianças, que se torciam a rir. Foi então que o Passarola achou oportuno saudar, à sua maneira, aquela partida pouco gloriosa.

O macaquinho, saltando bruscamente para o ombro do fugitivo, trepou-lhe para a cabeça e começou a puxar-lhe furiosamente pelos cabelos. Redobraram os gritos do patife...

Um pouco mais tarde, a Joana e as crianças ouviram o barulho da motocicleta que arrancava. O Passarola apareceu muito feliz, e pôs-se a contar ao Tim, com muitos guinchos; o êxito da sua última façanha.

Quando os risos se acalmaram, o David exclamou:

- O tesouro dos Saint-Maur escapou de boa! Sem a Zé...

- E sem o Tim! - acrescentou a Zé, acariciando o cão.

O Júlio fora o primeiro a ficar, de novo, sério. De sobrolho franzido, pensava:

- Como é que este falso Bernardo Létrec soube que o sobrinho do senhor Saint-Maur iria passar pelos Lírios esta manhã? - murmurou ele. - Correu um grande risco, ao adiantar-se-lhe.

A Zé abanou a cabeça.

- Na minha opinião - disse ela -, o verdadeiro Bernardo não virá. A mensagem que nos anunciava a sua visita era falsa!

- Que queres dizer? - exclamaram, ao mesmo tempo, a Ana e o Palu.

- Que não foi, certamente, o educado senhor de Saint-Maur quem nos enviou aquele bilhete seco e tão pouco correcto, do que deveríamos ter desconfiado logo.

- Mas então. quem o redígiu? - perguntou o Palu.

- Só vejo uma pessoa! - respondeu a Zé. - João, o guarda das Glicínias. Ele é, realmente, o único a saber que encontrámos o tesouro da condessa.

O Palu protestou:

- Mas não foi ele quem veio buscá-lo!

- Não. Mandou-nos um cúmplice .

As crianças decidiram, contudo, esperar até ao meio-dia. Em vão: Bernardo Létrec não apareceu. Era necessário renderem-se à evidência: a Zé tinha adivinhado! A Joana suspirou:

-Esse João é um bom canalha! Que desgraça, meus filhos, que ele saiba que o tesouro está na vossa posse!

- Vamos saber notícias! - disse bruscamente a Zé. Talvez o João nos tenha mentido, e o senhor de Saint-Maur tenha chegado. Falaremos com ele e tentaremos desmascarar o João.

Logo a seguir ao almoço, as crianças subiram para as bicicletas e, acompanhadas pelo Tim, dirigiram-se para as Glicínias.

As crianças ficaram ainda um bom bocado no mesmo sítio, a pensar.

- Quem poderá ser o falso Bernardo Létrec? - perguntou o Palu. - Espero que o senhor de Saint- Maur, logo que seja posto ao corrente de tudo, saiba fazer falar o seu guarda- jardineiro.

- Que vamos fazer, até que ele venha? - suspirou a Ana.

- Nada - respondeu a Zé. - Esperar. Amanhã voltaremos aqui e teremos uma conversa com o proprietário das Glicínias!

- Daqui até lá, era melhor esconder o tesouro. confiá-lo à Polícia! - sugeriu o Júlio, que era o mais sensato e o mais ponderado do grupo.

- Nada disso! - exclamou a Zé, com veemência. Seria ridículo, por tão pouco tempo! E o senhor de Saint- Maur ficaria muito feliz se lhe entregássemos a sua herança sem muito estardalhaço.

- Conservando-o vinte e quatro horas, somos nós a assumir a responsabilidade! - observou o Júlio, preocupado.

- Ora! Vinte e quatro horas não é nada! - declarou o David, que apoiava sempre a Zé. - Quem queres tu que nos pregue uma partida?

- Que nos roúbe o tesouro, queres tu dizer? - rectificou o Júlio que combatia, sempre que podia, a maneira de falar um pouco descuidada do irmão. - Pois bem. Esqueces- te de que o João e o pseudo-Bernardo já tentaram apropriar-se da herança da condessa?

- Não me esqueço de nada, mas suponho que os dois patifes não tentarão voltar a meter-se connosco. E, além disso, vamos esconder o tesouro enquanto não o entregamos ao seu legítimo proprietário.

- Isso mesmo! - aprovou o Palu, saltando para a sua bicicleta. - Vamos voltar depressa para casa e procurar um bom esconderijo.

As crianças partiram rápidas como o vento, tinham pressa em esconder o precioso achado em local seguro. Oxalá nada tivesse acontecido na ausência deles!

Mas não! Nos Lírios, tudo estava bem!... Contudo, a Joana exprimiu em voz alta a sua inquietação:

- Com todas essas moedas de ouro, essas pedras preciosas, em resumo com toda esta fortuna em casa, não me sinto tranquila, meus filhos!

- Amanhã, já estaremos livres dela, Joana! - afirmou o Palu. - Enquanto esperamos, vamos esconder o tesouro tão bem que nem o mais hábil dos ladrões conseguiria encontrá-lo.

Para começar, a Zé, o Júlio, o David, a Ana e o Palu levaram para o sótão a mala com o precioso cofre. O David era de opinião de que poderiam escondê-lo em cima de uma trave, mas a mala era demasiadamente grande para que tal solução fosse aceitável.

A Ana sugeriu, então, que a metessem numa arca. Mas o Palu fez notar que seria um dos primeiros sítios onde um eventual ladrão iria procurá-la. O Júlio e a Zé propuseram por sua vez, levá-la para a cave. O pequeno grupo desceu ao subsolo.

- Vamos meter o tesouro na caldeira! - disse o David.

- Ora aqui está um verdadeiro cofre-forte!

Mas a mala, apesar das suas modestas dimensões, era demasiado grande para poder passar pela abertura do forno. Como último recurso, a Zé aconselhou a escondê-la muito simplesmente debaixo de uns sacos que estavam empilhados contra a parede do fundo.

Esta solução foi adoptada por unanimidade. A Zé, como chefe dos Cinco, dirigiu as operações:

- Júlio e David - ordenou ela -, peguem no colchão,     cada um por uma ponta, levantem-no devagarinho e ponham-no aqui... Não o arrastem pelo chão!

O Palu arregalou os olhos de espanto:

- Para que são tantas precauções? - perguntou ele.

- Porque - explicou a Zé -, se o arrastássemos, o colchão deixaria marcas no chão. Ver-se-ia logo que tinha sido deslocado e pensariam nele, imediatamente, como o esconderijo.

-Pensas em tudo! - murmurou a Ana, cheia de admiração.

O Palu ajudou os amigos a deslocar o colchão; a Zé, sempre com grandes cuidados, para não deixar marcas demasiado visíveis, levantou os sacos poeirentos e meteu-lhes a mala debaixo.

- Já está! - disse ela, levantando-se. - O tesouro está escondido. Só falta pôr o colchão no sítio!

Foi coisa rápida. Depois disto, e com o espírito em paz, as crianças foram ter com Joana à cozinha. Um estupendo    lanche restituiu-lhes o bom humor, e o resto do dia passou-se sem incidentes.

No dia seguinte de manhã, ao pequeno-almoço, as crianças discutiram a melhor maneira de se apresentarem nas Glicínias.

- No vosso lugar - disse a Joana -, telefonaria antes de lá ir! Se chegarem demasiado cedo, encontrarão a porta fechada... ou então darão de caras com o João, que se recusará a mandá-los entrar.

- Telefonar! - exclamou o Palu. - É uma boa ideia.

Já deveríamos ter pensado nisso.

- Qual é o número dos Saint- Maur? - perguntou a Zé.

- Não sei, mas vejam na lista, encontram-no com certeza. Na minha opinião, deviam telefonar por volta das dez horas.

As crianças seguiram o conselho da Joana. Às dez horas, a Zé pegou no telefone e perguntou o número das Glicínias.

Uma voz masculina, grave e bem timbrada, respondeu-lhe.

- Daqui fala Maria José Dorsel - disse a Zé pausadamente. - Queria falar com o senhor Renaud de Saint-Maur. Trata-se de um assunto pessoal!

- Sou eu próprio - disse a voz ao telefone. - Faça o favor de dizer.

Então a Zé, em poucas frases, resumiu a incrível aventura, falou da fabulosa descoberta. O senhor de Saint-Maur permaneceu um momento em silêncio.

- Se se trata de uma brincadeira. - começou ele.

- De modo nenhum! - protestou a Zé. - É verdade! Se quiser receber-nos, explicar-lhe-emos em pormenor. e seguidamente, acompanhar-nos-á aos Lírios, onde lhe entregaremos o que é seu.

Do outro lado da linha houve um novo silêncio. Depois:

- Muito bem. Espero-os nas Glicínias, às três horas de hoje... mas esta história parece-me de facto extraordinária...

A Zé desligou, com um sorriso de alívio:

- Ufa! Já está! - disse ela aos seus amigos. - O senhor de Saint-Maur vai receber-nos!

As crianças estavam de tal maneira excitadas que ficaram toda a manhã, no jardim, a pensar na sua entrevista da tarde: A Ana, bastante vaidosa, imaginava o deslumbramento de Solange de Saint-Maur perante as jóias dacondessa.

- Vai ficar surpreendida e feliz! Já a vejo a pôr o diadema de brilhantes.

-E a ir ao mercado com essa coisa na cabeça! concluiu o Palu, a rir.

As crianças estavam ainda no jardim quando, cerca das onze, tocaram à campainha do portão. Diante deles estava um homem alto e elegante.

- Queria falar com a menina Maria José, se faz favor. Mora aqui, não é verdade?

A Zé avançou:

- Sou eu!... Oh! Aposto que é o senhor de Saint-Maur! O visitante sorriu:

- De facto, sou! Desculpem ter vindo assim sem prevenir, mas, pensando melhor, não tive paciência para esperar pela vossa visita da tarde!

A Zé pôs-se a rir, dançava- lhe nos olhos um brilho malicioso. Adivinhava que o senhor de Saint-Maur, duvidando da realidade da sua história e receando ser objecto de alguma mistificação, resolvera vir certificar-se de que as crianças moravam de facto nos Lírios e não eram, portanto, uns farsantes anónimos, mas era demasiadamente bem educada para não dizer alto aquilo que pensava.

Para começar, apresentou os primos e não se esquecendo do Tim.

- Foi graças ao Tim que encontrámos o seu tesouro de familia! - assegurou a rapariga. - Sem ele não o teríamos encontrado, tenho a certeza!

As crianças sentiam que o senhor de Saint-Maur hesitava ainda em acreditá-los. Assim, convidaram- no a segui-los até casa, onde a governanta do professor Lagarde se apressou a confirmar o espantoso acontecimento.

- A menina Zé disse-lhe exactamente a verdade - declarou a boa Joana. - Quando as crianças trouxeram para aqui o cofre enferrujado, após a tempestade, tive dificuldade em acreditar no que os meus olhos viam. Todas aquelas moedas de oiro!. E as jóias. pedras preciosas, brilhando por todo o lado! Era como um conto de fadas!

Agora, o senhor de Saint-Maur parecia transtornado.

- Desculpem a minha emoção - murmurou ele. - Mas pensar que a herança dos meus antepassados foi encontrada tão miraculosamente, e após tantos anos.

O Júlio concordou:

- Compreendemo-lo. Deve parecer-lhe esquisito.

- Mas ficará ainda mais admirado quando o vir com os seus olhos - acrescentou alegremente o David.

- Escondemo-lo na cave, com receio dos ladrões.

explicou o Palu.

- Ladrões! - repetiu o senhor de Saint-Maur, sorrindo. - Não deve haver muitos na região! E suponho que não disseram a ninguém que guardavam esse fabuloso tesouro?

A Ana suspirou e olhou para a prima. A Zé franziu o sobrolho: tinha contado ao senhor de Saint-Maur a história do cofre enterrado, encontrado aos pés do carvalho atingido pelo raio, mas não falara ainda no João-e no falso Bernardo Létrec. Apressou- se logo a remediar esse esquecimento... Renaud de Saint-Maur pareceu cair das nuvens.

- Com que então o João é um patife! - exclamou ele. - E nós que tínhamos tanta confiança nele! Quanto a Bernardo, o meu verdadeiro sobrinho, é moreno e não loiro! Aliás, neste momento, está de viagem pelo estrangeiro!...

- Vamos depressa à cave! - exclamou o David. - Vens, Zé?

- Vamos todos! - decidiu o Júlio.

- Se me permitem, sigo-os - disse o senhor de Saint-Maur.

Enquanto a Joana voltava para a cozinha, a pequena procissão pôs-se a caminho. A Zé, que ia à frente, foi a primeira a entrar na cave. Soltou logo um grito. O velho colchão fora posto de lado e os sacos dispersos deixavam ver o soalho nu.

O Júlio, o David, a Ana e o Palu exclamaram em uníssono:

- O tesouro desapareceu!

- Béu! - fez o Tim, precipitando-se para os sacos, que farejou, rosnando. -Béu! Béu!

O senhor de Saint-Maur ficara muito pálido.

- Têm a certeza de que o esconderam, de facto, alí?

- A certeza absoluta! - afirmou o Júlio. - A Zé teve até o maior cuidado em dissimular qualquer marca da nossa passagem.

- Ao passo que agora - acrescentou o David, com ar lúgubre - vê-se logo que alguém arrastou o colchão e espalhou os sacos sem cuidado.

A Zé, imóvel, pensava em silêncio.

- Pergunto a mim própria como é que os ladrões fizeram para entrar aqui - disse ela entre dentes. - Esta cave de pedra é a do antigo pavilhão de caça, no lugar do qual foram construídos os Lírios. A porta da escadaria desta cave está sempre fechada à chave e a Joana guarda essa chave num esconderijo onde foi buscá-la para dar-ma. Quanto ao único respiradouro que ilumina a cave.

- Também está fechado e há sécúlos que não é aberto! - anunciou o Júlio, depois de ter verificado.

- O mistério do quarto fechado. - murmurou a Ana, que se lembrava de ter lido um romance policial com aquele título. - Se ninguém pôde entrar nem sair, como é que o roubo foi possível?

O senhor de Saint-Maur examinou, por sua vez, o respiradouro e verificou a porta.

- Não vejo nenhuma marca de arrombamento –disse ele, num tom quase severo. -Têm a certéza de que não estão a troçar de mim?

Nesse mesmo instante, o Passarola precipitou-se para a poeirada, junto dos sacos.

Com a sua patinha peluda, apanhou um objecto brilhante, que deu ao Palu.

- Veja, senhor! - exclamou logo o Palu. - Aqui está a prova de que não lhe mentimos. Olhe esta pedra deve ter caído do cofre do tesouro. Pertence-lhe! Tome-a!

O senhor de saint-Maur recebeu na palma da mão uma pedra transparente, cor de sangue, de um brilho muito puro.

- Um rubi! - murmurou ele, espantado. - Um dos mais belos rubis que já vi! Oh! Meus filhos! Sinto-me confundido de, por momentos, ter duvidado de vocês... Trata-se de facto, de uma pedra maravilhosa, que parece provar a realidade da herança da condessa... Os ladrões, para terem perdido esta gema, dévem ter verificado muito apressadamente o conteúdo do cofre.

Entretanto, a Zé tinha ido juntar-se ao Tim, que continuava a farejar os sacos, rosnando. A chefe dos Cinco fez algumas verificações, mas calculou que, de momento, era preferível calar-se. O senhor de Saint-Maur subia já as escadas da cave e apressava-se a pôr a Joana ao corrente de tudo. A governanta exclamou:

- Meu Deus! Que vamos fazer?

- Prevenir imediatamente a polícia - declarou o senhor de Saint-Maur. - Venham comigo, meninos! Vamos fazer um depoimento. Vocês contarão a vossa aventura, sem esquecer a mensagem assinada com o meu nome e a visita do que se fez passar por meu sobrinho. O João vai ter dificuldades em justificar-se.

Efectivamente, como era de esperar, a polícia desconfiou logo do João; e convocou-o imediatamente. Mas o guarda das Glicínias protestou, dizendo- se inocente. Jurou, por tudo, não ser ele quem expedira o bilhete, não conhecer o falso Bernardo e, acima de tudo, não estar metido no roubo dos Lírios.

Posto diante do senhor Saint-Maur e das crianças, declarou alto e bom som:

- Não conheço esse motociclista loiro que pretendem, a todo o custo, fazer passar por meu cúmplice. Quanto ao facto de estar ao corrente da descoberta do tesouro (fez um gesto desdenhoso em direcção à Ana), esta miúda falou bem alto. Qualquer pessoa pode tê-la ouvido... e tentado surripiar o pecúlio. Cá por mim, nem sequer acreditei na história!

Era difícil provar que o João tivesse escrito o bilhete, tanto mais que este desaparecera, feito em pedaços pelo Passarola. Não tendo nada de concreto em que basear a acusação, os polícias foram obrigados a mandá-lo embora e permitir-lhe que voltasse para casa.

A Zé, os primos e o Palu mostraram-se muito decepcionados, pois estavam convencidos da culpabilidade do jardineiro.

O almoço nas Glicínias foi melancólico. Logo a seguir, reuniram conselho.

- Sim! - disse logo o Júlio. - Nenhum dos compartimentos da casa foi remexido. Os ladrões vieram direitos à cave e levaram o tesouro exactamente como se soubessem antecipadamente onde encontrá-lo!

- Bravo, Júlio! Bem raciocinado!

- Contudo - objectou o David - ninguém, além de nós e da Joana, conhecia o esconderijo!

- Exacto! - aprovou a Zé. - E que deduzes daí?

- Que os ladrões começaram as suas pesquisas pela cave e que a sorte os favoreceu, fazendo-os cair mesmo em cima do tesouro.

- Pensaria como tu - disse a Zé, abanando a cabeça. - se não tivesse estudado o terreno de perto. Olhem estas marcas no chão e digam-me o que pensam.

O Júlio, o David, a Ana e o Palu observaram as marcas deixadas pelo colchão e pelos sacos no pó do chão.

- O colchão não foi só arrastado - disse a Ana em primeiro lugar. - Dir-se-ia que foi primeiro deitado a baixo. - E os sacos espalharam-se de maneira esquisita. como se os tivessem afastado da parede em semi-círculo.

- Afastado, não - rectificou a Zé. - Empurrado!

- Empurrado! - E o David olhava-a sem compreender.

- Que queres dizer?

- Que os ladrões não chegaram frente à parede, mas a parede atrás deles!

- Impossível - exclamou o Palu. - O respiradouro está mais que fechado e não os deixou certamente passar.

- Não vieram pelo respiradouro - insistiu a Zé nem pela porta!

O Júlio olhava para a prima intrigado.

- Que tens tu na cabeça, Zé? Fala!

-Pois bem, estes sacos empurrados em semi-circulo, este colchão caído, como se alguma coisa o tivesse derrubado. Na minha opinião, os ladrões chegaram por uma passagem secreta, que se abre mesmo por trás. E foi ao impelir essa porta secreta que empurraram também o que estava empilhado à frente dela. Assim, caíram mesmo em cheio no tesouro. Só tiveram de estender a mão e levá-lo.

Seria uma coincidência extraordinária!

-A vida está cheia de coincidências extraordinárias!

- disse a Zé, num tom comicamente sentencioso. Contudo, podemos verificar a minha hipútese.

Os cinco amigos passaram por cima do colchão e puseram-se a apalpar a parede de pedra. Esta era de uma espessura pouco comum, como acontece frequentemente nas construções muito antigas, podia muito bem dissimular uma passagem secreta.

- Não se esqueçam de que este subsolo fazia parte do antigo pavilhão de caça... Ah! Esta pedra parece mexer-se! Vamos empurrar todos juntos.

O Palu empurrou com tanta força que, quando a pedra girou sobre si própria, deixando ver um buraco sombrio, quase caíu lá dentro, de cabeça para baixo.

- Tinha razão! - exclamou a Zé, encantada. Conheço bem esta região! Todos os velhos solares da região possuem subterrâneos deste género. Até aposto que este vai dar às ruínas daquilo que foi a moradia ancestral dos

Saint-Maur. E deve passar perto das Glicínias. O João está certamente ao corrente! Então... pensem! Só o João sabia que o tesouro estava nos Lírios. Veio buscá-lo, seguindo esta passagem secreta. e teve a sorte de cair mesmo em cima dele. E esta! Dá-me vontade de bater em mim própria, por ter pensado em esconder a mala do cofre na cave!

- Não podias prever! - suspirou o Júlio. - Mas começo a pensar como tu: o João conhece a fundo a região e o domínio dos seus patrões. Só ele, sabendo o que sabia, podia ter cometido o roubo!

- Oiçam cá! - exclamou o David, muito agitado. - Se fôssemos recuperar o tesouro... seguindo, em sentido inverso, o mesmo caminho do João?

- Calma! - disse o Júlio. - Contentemo-nos, por agora, em fazer um pequeno reconhecimento.

Sem nada dizer à Joana, para não a alarmar, as crianças foram buscar as lâmpadas eléctricas, depois desceram à cave. Para além da rocha giratória, havia uma escada que se metia pelo chão dentro, indo dar a uma passagem estreita, relativamente pouco húmida, de sólida construção.

Em silêncio, os quatro primos, o Palu e o Passarola avançaram em bicha... Retinham todos a respiração, na expectativa do desconhecido... Ao cabo de um momento, que lhes pareceu durar horas, a passagem voltou a subir.

De repente, a Zé, que ia à frente, apagou a sua pilha eléctrica. Os outros imitaram-na instintivamente.

- Caluda! - disse ela. - Pareceu-me ouvir barulho... Mas era um falso alarme. Em contrapartida, as crianças distinguiram uma claridade à sua frente.

- A luz do dia! - sussurrou a Ana. - É a saída do subterrâneo.

Todos se puseram em marcha com precauções redobradas. O chão ia subindo cada vez mais, e o pequeno bando em breve chegou ao cimo do plano inclinado. Por cima das crianças, através de incríveis emaranhados de ramos. brilhavam os raios de sol.

Prudentemente, a Zé pôs a cabeça fora do buraco e, vendo que os seus olhos ficaram ao nível do chão, reteve um grito de vitória:

- Estamos no jardim das Glicínias - disse ela aos seus amigos, imóveis atrás dela. - Estou a ver as traseiras da casa.

As suas deduções estavam certas. A passagem secreta ia dar ao parque dos Saint-Maur que, outrora, fazia parte das terras que rodeavam o solar!

Era preciso ir para a frente.

- Que fazemos nós, agora? - murmurou o David, atrás da Zé. - Vamos prevenir os Saint-Maur, ou quê?

- Espera um pouco. É curioso!. As janelas das Glicínias estão fechadas, pelo menos deste lado!

- Vamos sair! - disse o Palu. - Sinto-me abafar neste buraco.

- Vamos devagar - recomendou a Zé. - Se encontrássemos o João, tudo estaria perdido!.

Os arredores pareciam desertos. As crianças içaram-se para fora do subterrâneo, que desembocava mesmo no meio de uma sebe espessa e era absolutamente invisível para uma pessoa desprevenida. O João devia tê-lo descoberto, absolutamente por acaso, ao cortar a sebe. O próprio senhor Saint-Maur ignoraria a sua existência. Com toda a precaução, os Cinco e o Palu contornaram a casa, fechada e silenciosa.

- É estranho! - murmurou a Ana.

- Vamos sair da propriedade! - decidiu o Júlio. - ficarei tranquilo lá fora.

Bastou aos seus amigos empurrarem um pequeno portão não fechado à chave, para se encontrarem de novo na estrada. Não longe dali, erguia-se o modesto pavilhão onde, a dar crédito ao Palu, morava João.

- Vamos ver se ele está lá! - propôs a Zé. – Afinal de contas, se roubou o tesouro, onde poderá escondê-lo senão em sua casa?

- É perigoso! - disse o Júlio.

- Ora! Quem não arrisca, não petisca!

E a sorte sorri aos audaciosos! - acrescentou o David.

Passando pelo jardim que ficava atrás do pavilhão, os Cinco e o Palu aproximaram-se sem ruído. No interior da casa, ouviam-se dois homens a falar.

- O João está lá! - sussurrou o Palu. - E não está só!

- Vamos tentar ver! - disse o David, pondo-se de gatas debaixo da janela do rés-do-chão, de onde saiam as vozes, e levantando-se lentamente. - Oh! Olhem!

As crianças tinham passado muito tempo a inspeccionar a cave e a percorrer o subterrâneo, o sol estava agora quente e grossas nuvens obscureciam o céu.

Esperando não ser vistos, os pequenos olharam para dentro do compartimento, usando de mil precauções. Viram dois homens: um deles era o João, o outro o rapaz loiro que se fizera passar por Bernardo Létrec. Sentados à mesa, diante de uma taça de cidra, discutiam tranquilamente, sem desconfiar de que cinco pares de ouvidos curiosos os escutavam...

- Espanta-me que não te tenhas cruzado com os polícias quando vinhas para cá - disse o guarda das Glicínias -, estavam a sair daqui. Enfim, o essencial é que tenham ido embora de mãos a abanar, depois deste inquérito! Diverti-me bastante!

- Suponho, tio - disse o rapaz a rir -, que fizeste de inocente indignado! Como é que poderiam ter adivinhado que o tesouro estava já a bom recato, devido aos teus cuidados!

- Tivemos imensa sorte! - declarou o João.

- Sobretudo, caindo logo à primeira em cima do tesouro; Pensar que esses garotos idiotas o tinham escondido na cave. mesmo diante da porta secreta! E que tesouro!

- Confesso - suspirou o João - que quando abri o cofre, tive dificuldade em acreditar no que via.

- Como é que vamos vender esse ouro e essas jóias, tio?

- O nosso amigo Pottier conhece, em Paris, um receptador com quem deve pôr-se em contacto. Mas não temos pressa. É inútil tornarmo-nos notados! Esperemos que o assunto acalme um pouco. Entretanto, o tesouro está bem onde está! Vamos meu rapaz! Bebamos ao nossso êxito!

Depois de terem bebido, os dois homens separaram-se, e ouviu-se arrancar a moto do Gastão, na estrada.

Os jovens detectives olharam uns para os outros. Tinham sabido muitas coisas em pouco tempo: a polícia procurara, em vão, em casa de João; o falso Bernardo era o sobrinho do jardineiro e chamava-se Gastão; os dois homens eram, de facto, culpados de roubo do cofre do tesouro e tinham um cúmplice de nome Pottier; a Zé havia acertado quanto à útilização do subterrâneo; e, enfim, o João propunha-se confiar o ouro e as jóias a um receptador, mas não imediatamente, o que deixava aos Cinco e o Palu tempo para prosseguirem o seu inquérito.

Infelizmente, se o João e o sobrinho se tinham mostrado tagarelas, tinham omitido mencionar este pormenor essencial, o local onde estava escondida a colheita.

Quando o barulho da moto do Gastão deixou de se ouvir, as crianças regressaram aos Lírios. Em casa, deliberaram.

- Não consigo explicar a ausência dos Saint-Maur! disse o Júlio. - Se estiverem de volta amanhã, teremos de os pôr ao corrente!

- Enquanto esperamos, poderíamos talvez falar com a polícia? - sugeriu a Ana.

- Nem pensar! - protestou a Zé. - Que poderiam fazer senão voltar a interrogar o João, que negaria tudo. e se apressaria, talvez, a mudar segunda vez de sítio o seu tesouro ou mandá- lo para fora do país! Não, não! Tentemos mas é encontrá-lo sozinhos! Quem sabe se ele não está nas Glicínias? Seja como for, o João, não pode tê-lo escondido muito longe! E irá, certamente, de vez em quando, assegurar-se de que continua lá! Só temos de o vigiar!

O David era absolutamente da opinião da prima.

- Entendido! - concluiu o Júlio. - Amanhã, vamos pôr-nos em campo!

Naquela noite os cinco amigos foram deitar-se com o coração cheio de esperança, sonhando todos com uma retumbante vitória.

- Tenho a certeza - repetia a Zé - de que o tesouro está mesmo em casa dele. embora a Polícia nada tenha encontrado.

O Júlio, o David, a Ana e o Palu acabaram por concordar com a maneira de ver da Zé! O João quase nunca deixava o seu pavilhão, parecendo um cão de guarda a um osso! - Isto não pode continuar! - disse a Zé, uma manhã. É preciso fazer qualquer coisa. Na próxima ausência desse maldito sujeito, entraremos em casa dele para investigar. Para ladrão, ladrão e meio!

Ofereceu-se uma ocasião aos cinco amigos durante aquela tarde. O João dirigiu-se às Glicínias para cortar a relva. Pensando que ele se demoraria um bom bocado, as crianças entraram em casa dele. Coisa curiosa, foi-lhes fácil: uma das janelas de trás, no rés-do-chão, ficara aberta. Após uma breve e infrutífera inspecção do local, o David suspirou:

- Já era de esperar! Se a Polícia não encontrou nada...

- O tesouro não está longe, tenho a certeza! interrompeu a Zé, batendo com o pé. - Temos de revistar as dependências do pavilhão, e ver se.

Foi a vez da Ana lhe cortar a palavra.

- Caluda! - disse ela, com ar assustado. - Oiço passos. É o João que está de volta!

Depois de se terem assegurado, com uma rápida olhadela, que não deixavam nenhuma marca da sua passagem, as crianças saltaram pela janela. O Tim já lhes tinha passado à frente. Sem barulho, bateram todos em retirada - e não era sem tempo! O João voltava!

No caminho para casa pararam num prado, à sombra de um carvalho.

- Não podemos desanimar! - disse a Zé. - Amanhã, se for possível, retomaremos as nossas pesquisas. Não me

posso esquecer de que a casa do João se encontra também nas terras do solar. e que o sítio está cheio de subterrâneos. Talvez tenha escondido o seu tesouro num deles!

No dia seguinte, - e tarde, a sorte sorriu aos jovens detectives: o João voltou às Glicínias para cortar as sebes.

Desta vez, em vez de entrarem no pavilhão, os cinco amigos procuraram no jardim. A cabana das ferramentas, toda aberta, nada tinha de precioso. Mas um velho lavatório de pedra atraiu a atenção da Zé. Seguida pelo Tim, pôs-se a rondar. À força de examinar cada pedra da bacia, acabou por descobrir que uma delas apresentava um ligeiro relevo. A Zé chamou os amigos:

-Eh! Venham ver! Ajudem-me a puxar esta pedra!... Cheios de entusiasmo, o Júlio e o David obedeceram. Uma vez tirada a pedra, viram uma espécie de puxador enferrujado. O David puxou por ele. e uma das grandes lajes que constituiam o chão do lavatório mexeu. era a entrada do subterrâneo de que a Zé pressentira a existência.

- Eu bem dizia! - exclamou ela, metendo-se, sem hesitar, pelo buraco sombrio. - Sigám- me! Ainda bem que tivemos a ideia de trazer as nossas lâmpadas de bolso!

O Júlio foi o último a descer. Queria assegurar-se de que a laje basculante se podia manobrar facilmente pelo lado de dentro. Para grande satisfação sua, descobriu uma alavanca destinada a esse uso. Ia servir-se dela quando lhe escapou uma exclamação: o João, voltando mais cedo do que esperavam, acabava de surgir no jardim. e dirigia-se para o lavabo!

- Alerta! - sussurrou o Júlio, fechando a laje. João já está de volta, e não nos viu por um triz! Oxalá não desça também!

Não havia que hesitar: os jovens detectives deviam ir para a frente e se, por desgraça, o João tomasse o mesmo caminho que eles, teriam de encontrar o mais depressa possível um esconderijo para não serem descobertos!

O coração da Ana batia com muita força, enquanto pelo subterrâneo, seguia a sua corajosa prima. O Palu e o David vinham mesmo atrás dela, e o Júlio era o último. A conselho da Zé, os seus companheiros não utilizavam as pilhas eléctricas, pois era necessário evitar que se visse a mínima luz no exterior! A própria Zé avançava, projectando para o chão o feixe da sua lâmpada de bolso.

O terreno era desigual. As crianças tropeçavam a cada passo. De repente, a passagem fazia um cotovelo. O pequeno bando parou para escutar.

- Não se ouve nada! murmurou a Zé. Mas o Tim, de orelhas espetadas, gemeu quase imperceptivelmente, como que para a desmentir. As crianças escutaram com mais atenção e ouviram atrás deles um barulho característico.

- É o João que desloca a laje! - sussurrou o Palu.

- Depressa! Vamos para a frente!

E o Júlio deu um encontrão ao irmão. A Zé saltava já, arrastando a Ana. A situação era inquietante. Se o João os descobrisse, talvez não lhes fizesse mal, mas, de qualquer maneira, seria uma catástrofe: desconfiaria, e apressar-se-ia a mudar o sítio do tesouro ou - quem sabe! - fugiria com ele!

O Tim abria o caminho de nariz trémulo. Atrás dos fugitivos, ouviam-se agora os pesados passos do João. O homem conhecia o local, e vinha mais depressa que as crianças. Mais alguns instantes e apanhá-los-ia!

De repente, os jovens detectives pararam. Acabavam de entrar numa pequena caverna redonda, cavada num terreno rochoso. Aqui e ali, destroços atulhavam o chão.

A passagem continuava para lá daquela sala subterrânea, mas o acesso estava impedido por uma grade enferrujada. As crianças estavam presas como numa armadilha!

O Tim voltou a gemer. A Ana reteve um grito de susto. O David, o Júlio e o Palu lançaram em torno um olhar angustiado. A Zé que tinha conservado o sangue-frio, viu a um canto um monte de sacos velhos, deitados ali a trouxe- mouxe.

- Depressa! - disse ela. - Vamos esconder-nos ali debaixo!

As crianças não perderam um segundo. A Zé fez deitar o Tim e tapou-o rapidamente e mantiveram-se ali, enrolados e imóveis, mal ousando respirar. A Zé, bem entendido, agarrara a sua pilha. A escuridão era total. O Passarola, encostado ao dono, também não se mexia.

Agora ouvia-se distintamente os passos do João, que se aproximava. Através das fibras dos sacos, as crianças distinguiram a luz fraca de uma lanterna.

- Oxalá ele não tenha a ideia de olhar para o nosso lado!

- desejou a Ana, em pensamento.

Não tinha razão para se preocupar: mesmo que o João tivesse virado a cabeça na direcção deles, não teria desconfiado da sua presença. A iluminação era fraca e as crianças estavam absolutamente invisíveis no seu esconderijo.

O João aproximou-se da grade e, julgando-se sozinho, pôs-se a falar alto, num tom alegre:

Eh! Eh! Que linda grade! Como está bem fechada! É a porta do cofre-forte pessoal do bom João! Ah! Ah! Ah!

O Júlio e os amigos ouviram um pequeno estalido. Souberam que o guarda das Glicínias procedia à abertura da grade. Depois ouviram um rangido, muito leve: o João tivera sem dúvida, o cuidado de olear bem a porta do seu cofre-forte.

Corajosamente, a Zé lançou uma olhadela fora do seu esconderijo. Viu então o João, de costas, que, de lanterna em punho, se afastava para além da grade aberta.

- Que fazemos? - perguntou o David, baixinho. Fugimos?

- Não! - disse vivamente o Júlio. - O João está ainda muito perto. Podia ouvir-nos.

- Escutem! - murmurou a Zé. - Parece-me que está a fazer uma visita ao tesouro. Vamos esperar que ele parta. Então pegaremos no que é nosso ou, antes, do senhor Saint-Maur. Afinal de contas, é esse o nosso objectivo, não é?

As crianças esperaram bastante tempo. Por fim, o João voltou. Parecia feliz e cacarejava, como uma velha galinha.

Ah! Ah! Ah! Como é bom acariciar estas lindas moedas de oiro! - dizia ele, fechando a grade. - O velho João está rico, rico, rico... Ah! ah! ah!

O seu riso decresceu, à medida que se afastava do subterrâneo que conduzia ao lavabo.

- Ouviram? - exclamou a Zé, triunfante. - Não me tinha enganado. O tesouro está aqui a dois passos de nós! É só ir lá buscá-lo.

As crianças afastaram os sacos que tão bem as tinham dissimulado aos olhos do seu adversário. O Tim esticou as patas com entusiasmo. A Zé precipitou-se para a grade e, agarrando nela com as duas mãos, sacudiu-a. A grade não se mexeu.

- Espera! - disse o Júlio. - Deve conseguir-se com a ajuda de uma alavanca ou de alguma mola escondida. É preciso procurar.

Foi a Ana quem descobriu o botão que comandava

a abertura da grade: bastava apertar com força. A grade abriu-se para dar passagem aos jovens detectives, que exultavam de alegria.

Para além da grade, a passagem não ia longe: era quase bruscamente interrompida à beira de um poço circular.

- Que bom! - disse o David. - É, portanto, nesta curta secção do subterrâneo que o João camuflou o tesouro! Depressa o encontraremos! Despachem-se!

Mas foi em vão que as crianças, despeitadas, procuraram nas mínimas cavidades do subterrâneo. Não viram nenhuma pista da mala que continha o cofre ou do próprio cofre! O tesouro parecia que não estava em lado nenhum!

- Ora esta! - disse o Júlio, zangado. - Não percebo nada!

A atenção dos jovens detectives foi subitamente atraída por um leve ruído.

- Oh! - exclamou o David. - A grade está a fechar-se!

- Deveríamos ter posto um calço no batente!

Todos ao mesmo tempo se precipitaram para a grade.

Demasiado tarde, já não conseguiram segurá-la. Fechou-se mesmo, com um ruído seco.

- Não estamos em maré de sorte! Agora ficámos presos!

- Ora! Basta carregar no botão que comanda a abertura! - disse o David.

Mas o botão que se encontrava do lado da sala subterrânea ficava longe do alcance deles. Foi em vão que o Júlio, o mais alto de todos, passou o braço através das grades e procurou alcançá-lo.

O Palu teve então a ideia de fazer trepar o Passarola até ao botão. Depois, fez-lhe sinal para que carregasse nele. Infelizmente; o macaquinho não era suficientemente forte para carregar com força. A grade manteve-se fechada, e foi em vão que as crianças todas juntas tentaram sacudi-la.

- Não gastemos as nossas forças a tentar abrir a grade

- decidiu a Zé. - Vamos ver se haverá maneira de sair pelo lado do poço!

Sem o sangue-frio da Zé, o Júlio e o David, a Ana e o Palu - os dois mais novos - teriam desanimado. A situação era de facto crítica: as crianças encontravam-se bloqueadas debaixo de terra, e, como ninguém sabia onde estavam, não podiam esperar qualquer socorro.

A Zé caminhou, com um passo decidido, até ao poço. Debruçando-se iluminou o fundo com a sua pilha.

- Vejo água! - anunciou ela, sem comentários.

Depois dirigiu o feixe da luz para cima. Desta vez não viu nada. Então apagou a pilha sem deixar de olhar para cima... Quando os seus olhos se habituaram à escuridão distinguiu um raio de luz, em forma de círculo.

- Óptimo! - disse ela. - O orifício do poço não fica lá muito longe de nós. Deve estar protegido por uma cobertura redonda, mas se pudéssemos chegar até lá, conseguiríamos sair do poço, tenho a certeza!

- Mas como trepar? - murmurou o Palu, com ar inquieto.

A Zé voltou a acender a pilha para estudar a parede do poço, à sua frente. De súbito, soltou um grito de alegria.

- Grampos! Ganchos de ferro! Formam uma espécie de escada. Depressa! Vamos subir!

- Oh! Não! - disse a Ana. - Tenho medo!

- Será bem pior se ficares aqui no fundo do buraco!

- respondeu a Zé.

- Esperem! - disse o Júlio, inclinando-se para um dos ganchos, e puxando por ele com todas as suas forças.

-Antes de mais, é preciso experimentar a solidez desta escada!

Os ganchos aguentaram bem. A Zé insistiu para ser ela a primeira a passar. Angustiados, todos seguiram com os olhos a sua subida. Depressa atingiu o orifício do poço. Com os ombros, derrubou a cobertura circular e saiu para a luz do dia. Deitou uma olhadela, para ver onde estava. Encontrava-se ao fundo do parque das Glicínias, não muito longe da sebe espessa que dissimulava a entrada do outro subterrâneo.

Debruçada sobre o parapeito do poço, chamou a meia-voz:

- David! Palu! Ana! Subam depressa! Tu, Júlio, espera um pouco! Vou procurar uma corda para puxar o Tim!

Enquanto a Ana e os dois rapazes saíam do poço, a Zé correu até uma cabana de ferramentas e teve a sorte de aí encontrar um rolo de corda sólida que, não sendo uma corda grossa, bastaria contudo para puxar o Tim.

Sempre a correr, a Zé voltou ao poço e, segurando numa das extremidádes, deixou cair a corda até junto do Júlio. O rapaz apressou-se a enrolar o seu blusão em volta do cão, e amarrou tudo. Um momento depois, balouçando nesta espécie de barquinho, o Tim foi içado pela Zé e pelo David.

O Júlio, por sua vez, saiu do poço e voltou a colocar a cobertura no seu lugar. Os jovens detectives só tinham de voltar para os Lírios, após terem, bem entendido, arrumado a corda na cabana.

No dia seguinte, as crianças decidiram ir corajosamente à procura do tesouro. Visto que não estava na parte do subterrâneo explorada, talvez se encontrasse no interior do próprio poço ou nos seus arredores mais próximos.

Apesar dos conselhos de prudência do Júlio, a Zé estava firmemente decidida a voltar a descer ao poço, a fim de inspeccionar o fundo.

Para bem conduzir a sua expedição, as crianças esperaram pelo crepúsculo, pois não queriam ser surpreendidos pelo João, que talvez trabalhasse ainda naquele dia no parque das Glicínias. Logo a seguir ao jantar subiram para as bicicletas, após terem prevenido a Joana de que iam dar uma volta.

Uma vez nas Glicínias, entraram no jardim pelo pequeno portão lateral e foram direitos ao poço. Além das suas lâmpadas eléctricas, os pequenos detectives, tinham levado consigo uma corda comprida e forte. O Júlio insistiu em que a Zé se amarrasse a ela, antes de descer ao longo dos ganchos de ferro.

- Vamos fixar a outra extremidade a esta árvore - declarou ele. - Assim, se escorregares, só teremos de te puxar com as nossas forças todas.

A Zé passou, portanto, a corda em torno das axilas e começou a descer. Quando atingiu a superfície da água estagnada no fundo do poço, tirou do bolso uma pedra presa na ponta de uma corda fininha deixando então cair este peso na água, e a pedra tocou rapidamente no fundo do poço. A Zé puxou-a e avaliou a profundidade da água, examinando a porção molhada da corda.

- Óptimo! - anunciou ela aos primos, debruçados no parapeito do poço. - Quase que não tem fundo. Pergunto a mim mesma se.

Enquanto falava iluminava a parede do poço em volta dela. Tinha tido subitamente uma ideia. E se o João se tivesse lembrado de esconder o tesouro debaixo de água!

De repente, os olhos dela cintilaram. Acabava de ver pendurada no último gancho, uma corda que estava metida na água. Com a mão livre puxou por ela, e logo apareceu um embrulho: era um saco de plástico, amarrado em volta de um velho cofre enferrujado. o cofre do tesouro, facilmente reconhecível através daquele invólucro transparente!

Um grito de alegria escapou ao chefe dos Cinco:

- Oh! - exclamou ela. - Encontrei o tesouro! Vou subir!

Enquanto ela amarrava à cintura a corda com o cofre, o Júlio, o David, a Ana e o Palu davam largas à sua alegria. A agitação deles propagou-se ao Tim que, de um salto, pulou para o parapeito do poço, e, sem se preocupar com o barulho, pôs-se a ladrar para a Zé que voltava, carregada com o peso do tesouro. O Palu quis fazer calar o cão e levantou a mão para ele. O Tim recuou, para evitar a palmada. e perdeu o equilíbrio.

O pobre bicho caiu ao poço no preciso instante em que a sua dona aparecia ao ar livre. A Zé não perdeu um segundo! Desembaraçou-se rapidamente do cofre amarrado a ela e, entregando-o ao David, voltou a descer tão depressa quanto podia. Lá em baixo, após um pluf, retumbante, o pobre Tim, que voltara à superfície, nadava, às voltas.

- Coragem, meu velho! Estou a chegar!

Pensando que, decididamente, aquela noite se desenrolava sob o signo das cordas, a Zé chegara perto do Tim. Agarrou nele pela coleira e, desamarrando o nó que tinha à cimtura, amarrou o cão, não sem alguma dificuldade.

- Eh! Aí em cima! - gritou ela para os outros.

- Puxem o Tim!

O salvamento operou-se em silêncio. Mas, quando a Zé saiu, por sua vez, do poço, caiu quase de costas, com o espectáculo que viu diante dela. O Tim encontrava-se intacto, são e salvo, a limpar-se. Mas o Júlio, o David, a Ana e o Palu, muito pálidos, estavam imóveis, com um ar cons ternado.

O João, de pé diante deles, ameaçava-os com a sua espingarda de caça, enquanto o Gastão, seu sobrinho, se assegurava de que o saco plástico ainda continha o tesouro.

Os jovens detectives tinham caído nas mãos dos seus inimigos!

A Zé logo compreendeu que a situação era dramática! O João e o Gastão, desmascarados pelas crianças, já não poderiam agora protestar a sua inocência! A descoberta do tesouro, de que, aliás, já se tinham voltado a apropriar, condenava-os.

Nunca nos deixarão partir! - pensou para si a Zé, com um arrepio. - Seríamos umas testemunhas demasiado perigosas.

O Júlio, que trocou um olhar desolado com a prima, pensava por seu turno:

Que é que estes miseráveis irão fazer de nós? A Zé arrependia-se, um pouco tarde, da sua temeridade. Fora ela quem meteu os seus companheiros naquele sarilho. O Tim, refeito das suas emoções, começou bruscamente a rosnar.

- Se este cão tentar atacar-nos - disse o João, secamente -, dou cabo dele num instante!

- Quieto, Tim! - ordenou a Zé, apavorada com a ideia de que o seu querido Tim pudesse ser abatido.

O cão obedeceu docilmente. Agora, apertados uns contra os outros, os pequenos estavam frente aos seus adversários.

- Bem! - disse o Gastão, endireitando-se. - Não tiveram tempo para abrir o saco! Mas que vais fazer com esses garotos, tio? Não podemos deixá-los fugir, não é verdade?

- Evidentemente! - concordou o João, com ar sombrio.

- Estes malditos garotos obrigam-nos a mudar os nossos planos: é preciso afastá-los do nosso caminho, se quisermos ter liberdade de acção.

- Queres dizer que vamos mantê-los prisioneiros?

- Sim. enquanto não liquidarmos o oiro e as jóias e não nos pusermos nós próprios em local seguro.

A Ana pôs-se a chorar baixinho. O David sorriu-lhe:

- Coragem! - sussurrou-lhe ele. - Estas pessoas são ladrões, mas não assassinos!

A Zé olhou para os primos e para o Palu:

- Estou desolada por tê-los metido nesta aventura - disse ela, com a sua franqueza habitual. - Tudo isto é por minha culpa...

- Calem-se, seus fedelhos! - ordenou rudemente o João. - Deixem-me pensar o que vamos fazer de vocês...

Sem deixar de manter o pequeno grupo em respeito, o velho jardineiro pôs-se a discutir baixinho com o sobrinho.

Mas a noite estava tão calma que as crianças não perderam nem uma palavra do que os dois homens diziam.

- Talvez fizéssemos melhor em fugir já! - sugeriu o Gastão.

- Impossível! Temos de esperar pela chegada do Pottier, que deve trazer-nos a resposta do receptador de Paris. Resolve-se tudo em quarenta e oito horas.

- Mas que fazemos dos miúdos durante essas quarenta e oito horas? Se os pusermos em liberdade, irão direitinhos à esquadra da polícia, para nos denunciar! Vamos fechá-los! - resmungou o João.

- Sim, mas onde? Em tua casa, seria perigoso. Podem voltar cá para novas buscas, e também não podem ficar nas Glicínias, visto que os Saint-Maur são capazes de regressar de repente.

O Gastão interrompeu-se um momento para reflectir. De súbito, soltou uma exclamação de triunfo:

- Achei! No decorrer dos meus passeios pela região, encontrei uma pequena ilha, ao largo de Kirrin, é minúscula, e parece desabitada. Nunca lá vi ninguém! Até lá há as ruínas de um velho castelo! Vamos levar para lá estes jovens atrevidos e deixá-los, naquela ilha deserta, com alguns còbertores quentes e provisões.

Quando Pottier vier, fugimos, deixando um bilhete que indique onde se encontram os garotos. De acordo?

O João achou genial a ideia do sobrinho:

- Vamos depressa! Vou buscar o barco dos Saint-Maur. A caminho miúdos!

O Júlio obedeceu, contrariado. O David apertava os dentes. O Pàlu e a Ana seguravam-se pela mão, como que para se darem coragem. O Passarola encostava-se ao dono. Só a Zé, com uma das mãos na coleira do Tim, avançava com um sorriso enigmático nos lábios... De repente, o João parou.

- Estive a pensar - disse ele ao Gastão. - Arriscando-nos demasiado, corremos o risco de fazer asneiras. Vamos entrar na estufa para discutir. Há algumas precauções a tomar.

O João não era estúpido. Acabava de pensar em várias coisas que poderiam contrariar os seus projectos. Antes de mais nada, verificando a ausência das crianças, a governanta dos Lagarde iria ficar preocupada e dar o alarme.

- É preciso tranquilizá-la - explicou o jardineiro ao sobrinho - e impedi-la de alertar a polícia e os pais dos garotos.

- Tenho cá o meu plano!. Mas, para começar, agarra nesse novelo de corda e amarra atrás das costas as mãos dos nossos prisioneiros. Assim. óptimo!

O Gastão desempenhou-se muito bem da sua tarefa, enquanto o João, prudente, continuava a manter os prisioneiros em respeito. A Zé e os seus companheiros, tristíssimos, foram obrigados a submeter-se. Quando os Cinco ficaram reduzidos à impotência, o jardineiro baixou a arma.

- Perfeito! Agora, espera-me aqui com eles, Gastão! Não tardo muito a voltar!

Que vais fazer?

- Voltar depréssa ao meu pavilhão. Foi uma sorte o patrão ter lá instalado o telefone! Chamarei a Joana, a governanta dos Lagarde. como se fosse eu o pai desta garota mais velha e telefonasse de Kirrin!

A Zé mordeu os lábios: o João era um patife manhoso, tinha sabido tirar as suas informações.

- És louco! - exclamou o Gastão. - A Joana conhece certamente a voz do pai da pequena. Não poderás enganá-la!

- É o que pensas! Falarei como se estivesse rouco, dizendo que estou com gripe. Além disso, a minha mensagem será breve. Direi apenas: As crianças deram um salto ao Casal Kirrin, onde decidimos que ficassem dois ou três dias. Não se preocupe!

- Bravo! Bem imaginado, meu tio?

As crianças trocaram olhares desolados. Naquela estufa escura, onde apenas havia a luz das lâmpadas eléctricas dos seus guardas, sentiam-se separados do mundo.

- Este maldito João não esquece nada! - pensou a Zé.

- E a Joana é tão pouco desconfiada que vai engolir a sua história. Ah! Como tenho raiva a mim mesma por ter sido tão imprudente!

A ausência do jardineiro foi curta.

- Correu tudo muito bem! - disse ele ao sobrinho, sorrindo. - Agora, sigam-me todos! Já tirei o barco!

- Mas não trouxeste os cobertores, nem as provisões!

- observou o Gastão, admirado.

-Os nossos prisioneiros não precisarão de nada! Háé bocado, disseste que tinhas estado a pensar. A ilha de que me falas, pode estar de facto deserta, mas é possível que lá vão turistas fazer piqueniques. Se deixássemos lá os garotos em liberdade, poderiam contar a sua história, traziam-nos a terra e então viriam os aborrecimentos! Tenho uma ideia melhor. Falaste-me dum velho castelo em ruínas: deve ter uma cave ou umas masmorras. Vamos lá fechar estes pequenos curiosos, ficarão protegidos do frio da noite. e uma cessão de jejum de quarenta e oito horas não lhes fará mal. Ah! ah! ah! Vamos, miúdos! Para a frente!

A Zé não era a única a pensar que o João previa tudo. No entanto, continuava a sorrir misteriosamente, ao passo que os seus primos e o Palu faziam uma triste figura.

Depois de terem conduzido as crianças à praia, diante do alpendre dos barcos dos Saint-Maur, o João e o Gastão empurraram-nos para o barco. O Gastão pôs o motor a trabalhar. Vendo a direcção que ele tomava, a Zé pôs-se a rir à socapa. O David reparou, mas, por prudência, nada perguntou. Infelizmente, o sorriso da Zé em breve iria desaparecer.

De facto, quando o Gastão achou que já estava suficientemente longe da praia, baixou-se sem avisar, agarrou no Tim e deitou-o à água. Depois, antes que as crianças se tivessem refeito do espanto, arrancou o Passarola dos braços de Palu e fez-lhe a mesma coisa. A Zé gritou:

Bruto! Bruto! Vá buscar o meu cão!

O Palu também se pôs a gritar. O Gastão troçou.

- Se ladrasse, o cão trairia o vosso esconderijo e o macaco desataria os nós. Espero bem que estes estúpidos animais se afoguem!

A Zé sabia que o Tim seria capaz de voltar a nado para a margem. E que o Passarola seria suficientemente inteligente para se agarrar ao seu robusto amigo. Mas era preciso que o cão não se cansasse a seguir o barco. Ora, era precisamente isso que ele estáva a fazer! João apercebeu-se e ameaçou-o com o remo. À claridade da Lua, a Zé viu o Tim olhá-lo tristemente e depois afastar-se, e os seus olhos encheram-se de lágrimas - era uma das raras vezes em que os seus primos a viam chorar. Um instante depois, o barco acostou à ilha. Logo que o David desembarcou, compreendeu o motivo por que a Zé sorria antes de embarcar. A ilhota deserta do Gastão não era senão a ilha Kirrin, propriedade pessoal da Zé, e onde os Cinco iam frequentemente acampar.

É evidente que a Zé adivinhara que se tratava da sua ilha, conhecia perfeitamente a região e sabia que não existia qualquer outra ilha desabitada nas proximidades, pelo menos em frente de Kirrin. O Júlio, a Ana e o Palu reconheceram, por sua vez, a ilha, o que voltou a dar-lhes um pouco de coragem: estavam a pisar um solo familiar. Quanto às masmorras onde iam encerrá-los, elas já não tinham qualquer segredo para eles.

- Vamos!. Mais depressa!. - resmungou o João. Eh! Este caminho sobe a valer! Ah! Eis as ruínas do castelo!

O tio e o sobrinho procuraram, durante algum tempo, antes de encontrar a entrada das masmorras. Por fim, o João deslocou uma laje e exclamou:

- Cá estamos!

Depois, iluminando a passagem obscura que conduzia a uma espécie de cave, continuou:

- Entrem para aí, miúdos! Dois dias na escuridão, de mãos amarradas, à espera de que os libertem, e sem comer, tirar- lhes-á toda a vontade de, no futuro, meter o nariz onde não são chamados . Anda, Gastão! Vamos voltar! Sabes que tive outra ideia? Vamos deixar o tesouro na ilha. enterrado no pátio do castelo. Continua a ser o melhor dos cofres-fortes! Voltaremos para buscá-lo, amanhã ou depois de amanhã, quando Pottier tiver regressado.

Os dois patifes afastaram-se, sem se preocuparem mais com os seus prisioneiros.

- Que imbecis! - troçou o David. - Tiveram medo de que o Tim ladrasse, mas esqueceram-se de nos amordaçar. E, palavra de honra, julgaram-nos surdos e falaram, à vontade, do tesouro diante de nós!

- Sabem bem que não poderemos sair daqui! - gritou o Palu. - As minhas cordas estão de tal maneira apertadas que tenho os braços adormecidos.

Mas a Zé, furiosa com o tratamento que tinham dado ao Tim, não se dava por vencida.

Com certeza que não iremos apodrecer aqui! - exclamou ela. - Vocês viram como eles trataram o Tim e o Passarola? Oh! Isto não vai ficar assim! Vão pagar-mas!

Às apalpadelas, aproximou-se de uma das paredes da cave e depois, pondo-se de costas, começou a raspar as cordas contra a pedra rugosa. Feria as mãos, mas não se importava, queria era libertar-se.

Seguindo o exemplo dela, os seus companheiros começaram também a raspar as suas cordas. Foi um trabalho que lhes levou horas, mas, por fim, triunfaram. A Zé e o Júlio, os primeiros a libertarem-se, ajudaram a Ana, o David e o Palu. Depois, percorreram, em sentido contrário, o caminho já andado e encontraram-se sob a laje que servia de porta à mas morra. Unindo as suas forças, puseram-na de lado. Estavam livres!

Rapidamente, as crianças precipitaram-se para fora. Para o Oriente, do lado da terra, a aurora despontava já. De repente, a Zé lançou um grito de alegria:

- Olhem! Olhem o Tim!... O Tim vem, a nado, ter connosco.

E não se enganava! Sob os raios dourados do sol nascente podia ver-se o cão, que nadava corajosamente no meio das ondas. E não vinha sozinho: o Passarola, agarrado ao pescoço do cão, deixava-se transportar sem esforço. Por sua vez, o Palu gritou:

- Passarola! O Tim traz o Passarola!

As crianças começaram a dançar de alegria. Uns segundos mais tarde, o Tim e o seu passageiro atiravam-se para a margem. O cão, saltando junto da Zé, lambia-lhe a cara.

- Chegas mesmo a tempo, Tim! - disse a Zé. - Vais ajudar-nos a vingarmo-nos dos teus carrascos!

O Palu e o Passarola dançavam na areia. O Júlio, o David e a Ana riam a bandeiras despregadas, esquecendo as suas recentes e desagradáveis emoções.

- E ainda não é tudo! - exclamou o David, decorridos alguns nomentos. - Vamos depressa! Recuperemos o tesouro!

Não foi difícil. No pátio principal do castelo, o Júlio encontrou imediatamente um pedaço de terra remexido de fresco e bastante mal camuflado por três grossas pedras... Cavando com um pau, depressa desenterraram o cofre do tesouro. E a Zé propôs:

- Vamos escondê-lo no armário da comida. A prudência nunca é demasiada!

Aquilo a que ela chamava o armário da comida era um nicho feito numa parede em ruínas, onde ela tinha sempre de reserva algumas latas de conserva, açúcar e outros gêneros alimentícios, aos quais as crianças recorriam quando acampavam na ilha. Com a paixão do mistério, a Zé dissimulara as suas provisões com tanto cuidado como se se tratasse de um tesouro. Deste modo, o verdadeiro tesouro encontrou, muito naturalmente, o seu lugar no improvisado cofre- forte.

Os cinco amigos tinham, a partir de agora, todos os trunfos na mão: haviam saído da tenebrosa prisão, tinham recuperado o tesouro e encontravam-se no seu terreno.

- Como pensas tu vingar-te daqueles bandidos? - perguntou a Ana à sua prima.

- Já vamos ver - respondeu a Zé. - Primeiro temos de ganhar forças! Há no nosso armário leite, chocolate e café em pó. À falta de torradas, temos biscoitos secos. Tira a lamparina de álcool, David. E tu, Palu, corre a buscar água à fonte!

Quando as crianças acabaram o pequeno almoço, estudaram a situação.

- A nossa estadia na ilha não nos cria problemas! declarou o Júlio. - Podemos ficar acampados até ao regresso do João e da sua companhia. Só lamento que nos seja impossível prevenir o tio Alberto e.

- Não é absolutamente impossível! - exclamou a Zé. Sou uma excelente nadadora. Poderia muito bem voltar a nado ao Casal Kirrin e dar o alarme.

- Nem pensar nisso! - atalhou o Júlio, num tom seco.

- Embora sejas o nosso chefe, lembro-te de que a tua temeridade ultrapassa por vezes todos os limites.

A Zé corou e abanou a cabeça.

- Tens razão - admitiu ela. - Não insisto... tanto mais que - acrescentou ela, com um sorriso malicioso - isso seria contrariar os meus planos. Como sabem, podemos muito bem desembaraçar-nos sozinhos!

- Como? - perguntou o Palu, de olhos brilhantes.

- Pois bem, oiçam o que pensei. Quando o João, o Gastão e o Pottier voltarem, submetê-los-emos, preparando-lhes armadilhas que iremos imaginar em conjunto. e já de seguida.

O David desatou a rir:

- Bravo! - exclamou ele. - Aqueles miseráveis nem sabem o que os espera!

- O efeito da surpresa será a nosso favor - observou o Júlio -, pois ignoram que estamos livres.

- Também não sabem que o Tim e o Passarola estão connosco sãos e salvos - acrescentou o Palu.

- E que o tesouro voou! - disse a Ana, sorrindo.

- Agora - declarou a Zé, com vivacidade - temos de organizar depressa o nosso plano de batalha. Para começar, cada um de nós fará, sucessivamente, o seu quarto de sentinela: não nos podemos deixar surpreender pelo regresso desses velhacos!

Os cinco amigos levaram grande parte da manhã a estudar uma estratégia antipiratas, como dizia o David. Ao meio-dia comeram alegremente as provisões de reserva. Depois do almoço, passando à execução do seu plano, prepararam cuidadosamente a recepção que reservavam ao João e ao seu sobrinho e cúmplice.

Chegada a noite, foram buscar uns velhos cobertores a uma das salas do castelo e embrulharam-se neles, não era a primeira vez que dormiam assim, apertados uns contra os outros! A única diferença é que desta vez não tinham os seus sacos de dormir.

A Zé foi a primeira a ficar de guarda. Sentada ao cimo do carreiro que levava ao pequeno embarcadouro, passou duas hóras a vigiar o mar, mas com o Tim sentado a seu lado. O David substitui-a, e depois foi a vez do Júlio. A seguir foi o Palu. Por fim, ao amanhecer, a Ana tomou o lugar dele. Mas os bandidos não apareceram. A vigilância continuou até à noite. Agora, o João e os seus cúmplices não podiam tardar.

A hora H, aproximava-se!

Foi exactamente às vinte e uma horas que o Palu, então de sentinela, chamou os seus camaradas:

- Alerta! - exclamou ele. - Vejo as luzes de um barco a motor que se dirige para aqui!

- Tenho a certeza de que são eles! - exclamou a Zé muito agitada. - Ah! ah! ah! Venham, venham, meus caros senhores! A comissão de recepção espera-os!

Eram, efectivamente, o João, o Gastão e o Pottier! As crianças, deitadas, de barriga para baixo, na falésia, viram-nos desembarcar à luz da lua. Pottier era um homem atarracado, com cara de poucos amigos.

- Com que então - disse ele, com uma voz rouca - foi aqui que esconderam o tesouro? Temos de o recuperar depressa, para o irmos entregar ao Troussier, o nosso receptador. Não se esqueçam de que ele está à nossa espera, amanhã.

- Vou passar à frente, para ilumìnar o caminho - disse o Gastão. - Que vamos ao certo fazer das crianças? Nada temos a recear delas, depois dos dois dias que lá passaram!

- Ora! - respondeu friamente o João. - Uma vez chegados a Paris, telefonaremos aos pais. Esses fedelhos malcriados . Causaram-nos não poucas emoções!

- Emoções ainda não acabaste de as ter! - murmurou a Zé entre-dentes. - E, para começar, apanha esta!

Com a mão firme; atirou certeiramente uma pedra que bateu na cabeça do jardineiro.

- Ai! - gritou este, levando a mão à cabeça. - Apanhei com uma pedra!

- Afasta-te da falésia! - respondeu o Gastão. - Espero que não vás fazer disso um drama!

Nesse mesmo instante, ele próprio caíu pesadamente por terra. Com a pancada, o vidro da lanterna eléctrica quebrou-se em mil pedaços.

- O que é que te aconteceu? - troçou o João. - Já não te seguras de pé?

- Escorreguei, não sei muito bem em quê! - resmungou o Gastão.

O David teria podido informá- lo, pois fora ele quem conscienciosamente derramara o conteúdo de uma garrafa de azeite sobre o solo rochoso do carreiro. Não era de admirar que o Gastão tivesse escorregado!

O Gastão levantou-se e. foi a vez do João se estatelar. Como Pottier se aproximasse para o ajudar a levantar-se, escorregou também. O Gastão riu-se deles.

- Vocês também não se aguentam nas pernas! Resmungando, os bandidos continuaram a ascensão da ladeira. Entretanto, as crianças, o Tim e o Passarola tinham-se juntado no castelo. Em breve, o antipático trio penetrou no pátio principal.

-É aqui! - declarou o João, parando no local onde tinha enterrado o cofre do tesouro. - Cava, Gastão!

Gastão deslocou duas ou três pedras e esgravatou com as mãos nuas a terra ainda solta.

- Aqui está! - exclamou ele alegremente, desenterrando um saco de plástico. - Olhe, Pottier!...

Pottier apanhou o saco, meteu a manápula lá dentro e tirou o cofre. Com os olhos brilhantes de cobiça, abriu-o... e soltou um grito de repugnância. Em vez de moedas de ouro e das joias que esperava encontrar, tinha sob os olhos um grande rato morto metido entre calhaus.

- É isto o vosso tesouro! - exclamou ele furioso. Para melhor poder ver, o João, estupefacto, agarrou na sua lâmpada eléctrica. Nessa mesma altura, ela foi-lhe brutalmente agarrada das mãos por uma estranha criatura que parecia cair do céu e que fugiu para a entrada do castelo.

- Que vem a ser isto? - berrou o jardineiro. - Parecia um macaco! Corre atrás dele, Gastão!

O Gastão lançou-se, o mais depressa que pôde atrás do Passarola. Este pareceu parar para o esperar. e, depois, escapou-se por debaixo da abóbada.

Sem hesitar, o jovem lançou-se para a frente. e tropessou numa corda esticada à entrada. Com o impulso que levava, a sua cabeça foi projectada para a frente e uma das têmporas bateu numa grande pedra. Perdeu a consciência.

Silenciosamente, silhuetas de crianças saíram da sombra e levaram-no para detrás de um lanço de muralha.

O João e Pottier, que tinham ficado cá fora, ouviram, quase em seguida, um lúgubre lamento, repercutido pelo eco:

- Socorro, meu tio! Socorro!

Longe de pensar que se tratava da voz do Júlio, Pottier disse ao João:

- Espera-me aqui! Vou lá ver o que se passa! Foi a vez dele se precipitar para a frente, indo tropeçar na mesma corda. Menos afortunado do que o Gastão, caiu com uma perna dobrada sob o corpo.

- A minha perna! - gritou ele. - Parti a perna! Na sombra, a Zé não pôde deixar de sorrir.

- E já estão dois eliminados! - murmurou ela aos seus primos e ao Palu. - Falta o terceiro!

- Béu! - fez o Tim, como se tivesse compreendido.

- Estás a ouvi-lo? - disse o David. - Também quer tomar parte na festa.

- Está no seu direito - replicou alegremente a Zé. Também tem uma vingança a tirar... Vamos, meu cãozinho! Vai! Anda!

O Tim não esperou que lho repetissem. Mesmo antes que o João tivesse tempo de ir dar o seu auxílio a Pottier, viu-se assaltado por uma espécie de demónio furioso, que se precipitou sobre ele, de bocarra aberta.

- O cão! - pensou ele, siderado. - Com que então não se afogou!

E, em seguida, o instinto de conservação deu-lhe asas. Começou a fugir o mais depressa que podia, sempre em frente.

- E agora - gritou o Júlio - todos para o barco! A Zé, o Júlio, o David, a Ana e o Palu, levando o Passarola e o tesouro, precipitaram-se para o caminho da falésia. Tiveram o máximo cuidado em contornar a poça de azeite e saltaram para o barco a motor. Só então a Zé assobioù; e o Tim, renunciando a vigiar o João que entretanto se refugiara em cima de uma árvore, apressou-se a juntar-se ao pequeno grupo.

Três minutos mais tarde, o barco dos Saint-Maur, transportando os jovens detectives vitoriosos, vogava direito ao Casal Kirrin, cujas luzes em breve viram brilhar.

- O Tio Alberto e o pai do Palu estão com certeza a trabalhar! - observou o Júlio. - Vamos fazer- lhes uma bela surpresa. Ei, Zé! Porque mudaste de repente de direcção?

- Hum... - gaguejou a Zé. - Creio que será melhor irmos primeiro a Kirrin, para avisar a Polícia.

O David pôs-se a rir às gargalhadas:

- Ah! ah! ah! Compreendo! Pensas que, na presença do oficial da polícia, o teu pai se mostre menos severo. Não há dúvida de que corremos muitos perigos durante esta aven tura. e o tio Alberto não é nada meigo nestas ocasiões!

A Polícia de Kirrin arregalou os olhos quando, alertada pelas crianças, compreendeu que a recuperação da herança dos Saint-Maur e a prisão de um trio de bandidos ia valer- lhes uma bela publicidade.

- Creio que o senhor de Saint-Maur acaba de voltar a casa - declarou o cabo da polícia: - Há pouco, vi luzes nas Glicínias.

Foi logo uma confusão dos diabos. O Palu telefonou à Joana, a Zé ao seu pai, e a Polícia aos Saint-maur, os quais ficaram espantados por saber que tantos acontecimentos se haviam passado na sua ausência!

- Não percamos tempo! - disse o senhor de Saint-Maur aos polícias. - Vamos apanhar esses bandidos! Que bela captura que ficam a dever a essas crianças, meus senhores! Quanto a mim, ainda lhes fico a dever muito mais! - acrescentou ele, sorrindo.

Foi, de facto, uma bela colheita que os polícias trouxeram da ilha Kirrin: um João furioso e derrotado, un Gastão que ostentava na testa um alto do tamanho de um ovo de pata e um Pottier em estado lastimoso. Os dois primeiros foram levados para a prisão, o terceiro para o hospital. Por outro lado, a polícia parisiense, a quem comunicaram pelo telégrafo o nome de Troussier, o receptador, procedeu à prisão da pouco brilhante personagem, após um inquérito que não deixou dúvidas quanto à sua actividade.

No dia seguinte à notável captura, o senhor de Saint-Maur e a sua mulher convidaram para almoçar, nas Glicínias, as crianças, os pais destas e a Joana.

Foi uma refeição muito alegre, interrompida pelos repórteres da rádio, desejosos de recolher algumas palavras dos jovens heróis e até. uma rosnadela do Tim. O senhor de Saint-Maur anunciou que parte do tesouro serviria para fundar na região um moderno orfanato.

A senhora de Saint-Maur, por seu lado, quis recompensar os jovens detectives, oferecendo a cada um deles duas moedas de oiro, como recordação da aventura - precisou ela, sorrindo.

Encantada por o pai não lhe ter ralhado, a Zé, depois de ter agradecido, acrescentou com um sorriso malicioso:

- Já era a altura de virem buscar a herança da condessa e de Amaury! Se demorassem mais tempo pergunto a mim própria se ela não desaparecia de novo. E um tesouro que aparece e desaparece... Mantenham-no bem fechado, senão seria capaz de se escapar de novo!

E a refeição acabou entre gargalhadas.

 

                                                                                Enid Blyton  

 

                      

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