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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


OS CINCO E OS AVIADORES / Enid Blyton
OS CINCO E OS AVIADORES / Enid Blyton

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

OS CINCO E OS AVIADORES

 

                   UMA SEMANA DE FÉRIAS

- Onde está o mapa? - perguntou o Júlio. - É esse, Zé? Óptimo! Agora, onde podemos estendê-lo?

- No chão - lembrou a Ana. - É sempre mais fácil ler um mapa quando está aberto no chão. Vou desviar a mesa.

- Tem cuidado, pelo amor de Deus - pediu a Zé. - O pai está no escritório e vocês bem sabem o que costuma acontecer quando alguém arrasta a mesa!

Todos se riram. O pai da Zé muitas vezes saía do escritório, furioso, ao ouvir qualquer barulho enquanto trabalhava.

Arredaram a mesa e estenderam o mapa no chão. O Tim ficou surpreendido por ver as quatro crianças ajoelhadas em redor do mapa e começou a ladrar, pensando tratar-se de qualquer nova brincadeira.

- Está calado, Tim! - disse o David. - Já esta manhã levámos uma descompostura por fazermos barulho. E pára lá de roçar a tua cauda na minha cara.

- Rrrrm! - fez o Tim, deitando-se pesadamente sobre o mapa.

- Levanta-te, idiota! - exclamou o David. - Ainda não percebeste que temos pressa? Queremos estudar o nosso caminho para o Monte do Barrete.

- Monte do Barrete, que nome tão engraçado! - observou a Ana. - É para aí que vamos?

- É, sim - disse o Júlio, inclinado sobre o mapa. - Fica perto dumas grutas que podemos visitar e há uma quinta de borboletas a pouca distância.

- Uma quinta de borboletas!-repetiu a Zé, surpreendida. - O que vem a ser isso?

- Exactamente o que parece - respondeu o David. - Uma quinta para borboletas. O Mário, um amigo nosso do colégio, vive perto e disse-nos que a quinta é muito interessante; coleccionam borboletas e larvas para as venderem aos coleccionadores.

- Isso é verdade? - perguntou a Ana.

- Olhem, devo dizer que também eu costumava guardar as larvas para assistir ao seu desenvolvimento. É maravilhoso ver uma linda borboleta sair da crisálida. Mas nunca imaginei que existissem quintas só para isso. Poderemos ir lá fazer uma visita?

- Com certeza; o Mário diz que os donos mostram tudo com muito prazer - disse o Júlio.

- Parece que no Monte do Barrete há muitas borboletas pouco vulgares e por isso fica ali a tal quinta. Parte do dia apanham borboletas com redes apropriadas e à noite apanham as mariposas.

- Vai ser divertido - disse o David. - Com as grutas para visitarmos, a quinta das borboletas, o Mário perto e...

- E nós Cinco novamente juntos, numa semana de férias cheia de sol! -interrompeu a Zé dando uma amigável palmada ao Tim, muito satisfeita.

- Ainda bem que os nossos colégios dão uma semana de férias a meio do período, na mesma altura.

Os quatro pequenos deitaram-se no chão, olhando para o mapa com grande interesse, e seguindo um trajecto com os dedos. Enquanto estavam assim entretidos, ouviram uma voz zangada vinda do escritório onde o pai da Zé estava a trabalhar.

- Quem esteve a arrumar a minha secretária? Onde estão os papéis que aqui deixei? Clara! Clara! Vem cá!

- Está a chamar pela mãe; vou preveni-la - disse a Zé. - Não, não posso, ela foi fazer compras.

- Porque não deixam os meus papéis em paz?

- continuou a voz zangada do pai da Zé. - Clara! CLARA!

Então a porta do escritório abriu-se de par em par e o senhor saiu, dando grandes passadas e falando alto.

Não viu as quatro crianças no chão e tropeçou, caindo mesmo sobre elas. O Tim desatou a ladrar, encantado, julgando que pela primeira vez o pai da Zé resolvera brincar com eles.

- Ai! - gritou a Zé, com a mão do pai mesmo sobre a sua cabeça. - Cuidado! Que aconteceu, pai?

- Tio Alberto, desculpe, caiu mesmo em cima de nós - disse o Júlio. - Cala-te, Tim! Isto não é nenhuma brincadeira.

O Júlio ajudou o tio a levantar-se e esperou que ele “explodisse” a sua cólera. O senhor sacudiu o fato e fitou o sobrinho, furioso. - É preciso deitarem-se no chão? Tim, fazes o favor de estar quieto? Onde está a tua mãe, Zé? Levantem-se imediatamente! Onde está a Joana? Se ela voltou a arrumar a minha secretária tem que me ouvir! A Joana, a cozinheira, apareceu à porta, limpando ao avental as suas mãos enfarinhadas.

- Que vem a ser todo este barulho? - começou ela. - Oh! desculpe sr. doutor, não sabia que estava aqui. Eu...

- Joana, esteve outra vez a arrumar a minha secretária? - quase gritou o pai da Zé.

- Não, sr. doutor. Perdeu alguma coisa? Não se apoquente; eu já vou procurar - disse a Joana, habituada ao feitio do patrão. - Os meninos levantem esse mapa e ponham a mesa no seu lugar. Pára de ladrar, Tim. Leve-o lá para fora, menina Zé, para o seu pai não se zangar.

- O Tim está excitado só por nos encontrarmos novamente juntos - explicou a Zé, levando o Tim para o jardim. Os outros seguiram-na e o Júlio ia dobrando o mapa, sorrindo.

- O tio Alberto é digno de figurar numa peça de teatro - disse o David. - A casa ia abaixo com aplausos. Bem, Júlio, já sabes o caminho? Quando partimos?

- Lá vem a mãe - disse a Zé, vendo alguém chegar ao portão, com um cesto no braço.

O Júlio correu ao seu encontro. Era muito amigo da sua tia, sempre bondosa e agradável. Ela sorriu para os pequenos.

- Já resolveram para onde vão e o que querem levar convosco? Com este tempo maravilhoso até podem acampar.

- Tencionamos ir para o Monte do Barrete - disse o Júlio, pegando no cesto da tia e levando-o

Não viu as quatro crianças no chão e tropeçou.

para dentro de casa. - O nosso amigo Mário vive mesmo no sopé, na Quinta do Barrete, e vai emprestar-nos todos os apetrechos de campismo de que precisamos.

- Assim não será necessário carregar as nossas mochilas com as barracas, colchões e outras coisas - disse o David.

- Muito bem! - aprovou a tia. - E os alimentos? Vão buscá-los à quinta do Mário?

- Pois vamos - respondeu o Júlio. - Podemos comprar ovos, leite, pão, etc. E o Mário disse que os morangos já estão maduros.

A tia Clara sorriu. - Bem, não preciso de me preocupar com as vossas refeições. E como o Tim vai convosco, olhará por todos; não é verdade, Tim? Não os deixarás meterem-se em nenhuma complicação, estás a ouvir?

- Rrrnn! - fez o Tim na sua voz mais grossa, abanando a cauda. - Rrrrm!

- Meu querido Tim!-exclamou a Zé, fazendo-lhe festas. - Se não fosses tu nunca consentiriam que nos afastássemos para tão longe sozinhos.

- O tio Alberto está com uma das suas tempestades de mau génio, tia Clara - disse o David. - Quer saber quem esteve a arrumar a secretária. Saiu furioso do escritório, não nos viu no chão à volta do mapa e caiu sobre nós.

- Santo Deus, é melhor ir lá ver que papéis perdeu desta vez - disse a tia Clara. - Naturalmente esqueceu-se de que ontem à noite resolveu fazer arrumações e foi ele próprio que arrumou a secretária. Naturalmente pôs uma porção dos seus documentos mais preciosos, dentro do cesto dos papéis!

Todos se riram e a tia Clara apressou-se a entrar no escritório.

- Bem, vamo-nos aprontar - disse o Júlio.

- Não é preciso levarmos muita coisa, visto o Mário nos ir ajudar. Levaremos as gabardinas - Tim não te esqueças da tua -, camisolas e um ou dois mapas.

- E lanternas de algibeira - lembrou a Ana.

- Para explorarmos as grutas. E podemos levar os nossos fatos de banho para o caso de encontrarmos um sítio onde se possa dar um mergulho. O tempo está bastante quente.

- E velas e fósforos - sugeriu a Zé, batendo na algibeira dos seus calções. - Tenho-os aqui. Pedi à Joana para me dar três caixas. E vamos levar uns rebuçados.

- Pois sim. Temos uma lata por abrir - disse o Júlio. - E proponho que levemos a nossa pequena telefonia portátil.

- Boa ideia - aprovou a Ana, satisfeita. - Podemos ouvir os nossos programas favoritos e o noticiário. Com certeza não será possível comprarmos jornais.

- Vou tirar as bicicletas da arrecadação - disse o Júlio. - David, vai pedir as sanduíches à Joana; ela disse que nos preparava algumas visto só chegarmos à quinta do Mário depois da hora do almoço.

- Uuuuf! - fez o Tim.

- Ele quer dizer: lembrem-se dos meus biscoitos - disse a Ana, rindo. - Vou já buscar uma lata deles, Tim, mas calculo que poderás participar nas refeições dos cães da Quinta do Barrete.

A Joana preparara dois grandes pacotes com sanduíches, fatias de bolo, e duas garrafas de laranjada.

- Aqui têm - disse ela, entregando os embrulhos aos pequenos. - Se comerem tudo isto não ficarão nada mal. Vai aqui um osso para o Tim.

- És uma jóia - disse o David, pondo os braços em volta da cozinheira para lhe dar um daqueles abraços que ela tanto apreciava. - Agora vais ver-te livre de nós durante uma semana inteira.

- Despachem-se! - pediu o Júlio. - Já fui buscar as bicicletas e desta vez, caso para admirar, não há nenhum pneu furado. Traz a minha gabar-dina, David.

Em menos de três minutos tudo estava arrumado nas bicicletas. O Tim assegurou-se de que iam os seus biscoitos e o osso, farejando cada embrulho até dar com o que desejava; então abanou a cauda e começou aos pulos, muito satisfeito. Os Cinco estavam novamente reunidos e quem sabia o que iria acontecer? O Tim encontrava-se pronto para tudo!

- Adeus, meus queridos - disse a tia Clara assistindo da porta à partida dos pequenos. - Júlio, toma conta da Ana e da Zé! E tu, Tim, toma conta de todos!

O tio Alberto apareceu de repente à janela. - Que barulho vem a ser este? - começou ele, impaciente. - Oh! finalmente vão-se embora, não é verdade? Agora sempre teremos um pouco de sossego. Adeus e portem-se bem!

- Os crescidos fazem sempre a mesma recomendação - notou a Ana, enquanto os Cinco partiam, cheios de alegria, tocando as campainhas, em sinal de despedida.

- Viva! Cá vamos nós, outra vez sozinhos! E tu também, Tim! Que divertido!

 

                 A CAMINHO DO MONTE DO BARRETE

O Sol brilhava, muito quente, enquanto os Quatro pedalavam pelo caminho que corria ao longo da baía Kirrin. O Tim saltitava ao lado deles, com a língua de fora. A Ana dizia sempre que ele tinha a língua mais comprida do que qualquer outro cão.

O mar estava dum lindo tom de azul. Ao fundo da baía via-se a ilha Kirrin, com o seu castelo.

- A paisagem não é bonita? - disse o David.

- Chego quase a ter pena de não passar esta semana de férias no Casal Kirrin, para tomarmos banhos de mar e remarmos até à ilha da Zé.

- Podemos fazer isso nas férias grandes - lembrou o Júlio. - Também é engraçado conhecermos sítios novos. O Mário diz que as grutas do Monte do Barrete são maravilhosas.

- Que género é o Mário? - perguntou a Zé.

- A Ana e eu nunca o vimos.

- É muito brincalhão - disse o David. - Entretém-se a pôr lagartas no pescoço das pessoas e mais coisas neste género. Tomem cuidado se ele tiver uma linda rosa na lapela e vos pedir para a cheirarem.

- Porquê? - perguntou a Ana, surpreendida.

- Quando a pessoa se curva para a cheirar recebe um esguicho de água na cara - explicou o David. - É uma rosa a fingir.

- Parece-me que não vou simpatizar lá muito com ele - disse a Zé, que não suportava brincadeiras daquele género. - Se resolver fazer-se engraçado comigo leva um soco.

- Não servirá de nada - disse logo o David. - Ele será incapaz de te responder com outro soco. Há-de limitar-se a descobrir outra partida ainda pior. Não faças essa cara tão carrancuda, Zé! Estamos em férias. O Mário é bom rapaz. Um pouco brincalhão e nada mais.

Haviam deixado a baía Kirrin, para seguirer por um caminho entre campos, ladeado de arbustos. Aqui e ali viam-se algumas das primeiras rosas do ano. Levantara-se uma ligeira brisa verdadeiramente agradável.

- Vamos comprar sorvetes quando passarmos por uma vila - disse o Júlio depois de terem pedalado uns cinco quilómetros.

- Dois sorvetes para cada um - disse a Ana.

- Santo Deus, este caminho é tão íngreme. Não sei se será pior pedalar com custo e muito cansaço, se levar as bicicletas à mão até ao cimo deste monte.

O Tim correra pelo monte até ao sítio mais alto e então sentara-se à espera, apanhando a brisa fresca, a língua de fora mais comprida do que nunca. O Júlio chegou pouco depois perto do Tim e olhou para a outra encosta.

- Fica ali uma vila - disse ele. - Mesmo no sopé. Quando lá chegarmos vamos perguntar se vendem sorvetes.

Tiveram sorte; havia sorvetes de baunilha e morango. As quatro crianças sentaram-se num banco à sombra duma árvore, perto da loja dos sorvetes, enchendo as pequeninas colheres de madeira nos copos de papel. O Tim sentou-se perto, observando-os, cheio de esperanças. Ele sabia que pelo menos havia de lamber os copos de papel quando estivessem vazios.

- Ó Tim, não tencionava comprar-te nenhum sorvete porque realmente estás um pouco gordo - disse a Zé, olhando para os olhos desejosos do cão, fixos no copo dela. - Mas certamente vais emagrecer com todo este passeio, sempre correndo enquanto nós pedalamos. Vou comprar um sorvete inteiro só para ti.

- Uuuf! - fez o Tim, indo logo direito à loja dos sorvetes e pondo as patas da frente no balcão, com grande surpresa da caixeira.

- É mal empregado um sorvete para o Tim - disse a Ana, quando a Zé saiu da loja. – Ele engole-o todo duma só vez. Até parece que come o copo de cartão!

Depois de descansarem uns dez minutos, partiram novamente, sentindo-se mais frescos. Era delicioso pedalarem pelo campo fora naquele mês de Junho; as árvores ainda estavam muito verdes e os campos por onde passavam pareciam dourados, cheios de malmequeres; estes eram aos milhares, todos amarelos, baloiçando-se ao vento.

Havia pouco tráfego naqueles caminhos por entre campos; uma outra carroça e por vezes um automóvel, nada mais. Os Cinco seguiam por caminhos desse género sempre que podiam, pois preferiam as suas curvas e contracurvas, ladeadas por sebes de todas as espécies, às estradas principais, muito largas, poeirentas, sempre em linha recta e nada interessantes.

- Devemos chegar à Quinta do Barrete por volta das quatro horas - disse o David. - Ou talvez mais cedo. A que horas almoçamos, Júlio? E onde?

- Havemos de encontrar um bom sítio por volta da uma hora - respondeu o Júlio. - E nem um minuto antes. Por isso não vale a pena dizerem que já estão com apetite. Ainda é só meio-dia.

- Só tenho sede - declarou a Ana. - Com certeza o Tim também deve estar a morrer de sede! Vamos parar no primeiro regato que encontrarmos para o Tim se refrescar.

- Está um ali - disse o David, apontando para um regato que serpenteava através do campo. - Vai beber, Tim!

O Tim saltou por cima duma sebe até ao riacho. Os outros desmontaram à espera. A Ana escolheu uma florzinha, que cheirava bem, para a pôr na lapela. - Agora posso cheirá-la quando quiser - disse a pequena. - Que perfume delicioso!

- Eh, Tim! Deixa alguma água para os peixes! - gritou o David. - Zé, diz-lhe para não beber mais; está a inchar como um balão.

- Não está nada! - exclamou a Zé. - Tim! Já chega! Vem-te embora!

O Tim bebeu um pouco mais e depois correu para a Zé, ladrando satisfeito.

- Agora sentes-te muito melhor - disse a Zé, e continuaram todos um tanto aborrecidos quando tinham que subir a encosta dum monte e soltando exclamações de alegria quando desciam pelo mesmo monte, do outro lado. O Júlio decidira onde iriam almoçar. No cimo dum monte bastante alto! Assim poderia gozar a paisagem, quilómetros e quilómetros à sua volta, e correria um agradável ventinho fresco.

- Animem-se! - exclamou ele, quando chegaram ao monte mais íngreme de todos. - Almoçaremos lá em cima, e teremos uma hora de descanso.

- Assim seja! - disse a Ana. - Amanhã devemos estar moídos como uma salada.

Realmente era delicioso estar no cimo daquele monte donde se via uma enorme extensão de terreno.

- Vamo-nos deitar na relva para descansarmos um pouco antes do almoço - propôs o Júlio.

- Só o Tim não aprovou o descanso, sobre a relva macia, antes da refeição. Queria o seu osso! Dirigiu-se ao sítio onde a Zé pusera a bicicleta, e farejou o cesto. Sim, o osso estava ali com certeza! Olhou em volta, para saber se continuavam todos a descansar e se ninguém lhe prestava atenção. Depois começou a tirar um embrulho do cesto.

A Ana, que se deitara relativamente perto, sentou-se ao ouvir o barulho do papel. - Tim! - disse ela, escandalizada. - Ora vejam! A tirar as nossas sanduíches!

A Zé sentou-se logo e o Tim ficou com a cauda caída, abanando-a só um bocadinho, como quem diz: desculpem, mas era só o meu osso!

- Ele só quer o seu osso - disse a Zé. - Não andava à procura das nossas sanduíches; como se fosse capaz de uma coisa dessas, Ana! Bem sabes que não!

- Pois a mim apetece-me bastante uma sanduíche - confessou a Ana. - Júlio, não podemos começar? Eu quero um refresco.

A ideia do refresco fez com que todos concordassem com a ideia de começar o almoço e em breve estavam a desembrulhar sanduíches de presunto e tomate e enormes fatias de bolo feito pela Joana. O Júlio distribuiu os pequenos copos de papel e serviu a laranjada.

- Está-se muito bem aqui - disse o David, saboreando uma sanduíche, enquanto olhava a paisagem com as suas quintas e campos cheios de aveia e montes de encostas escarpadas.

- Repara naquele monte lá ao longe, Júlio, daquele lado; não achas que talvez seja o Monte do Barrete? Tem uma forma original - disse o David.

- Vou observá-lo pelo meu binóculo - respondeu o Júlio, abrindo o respectivo estojo e observando com cuidado o monte distante através do binóculo.

- Provavelmente é o Monte do Barrete - disse ele. - Tem uma forma muito especial; a parte de cima parece mesmo um barrete.

O Júlio passou o binóculo aos outros e todos observaram o monte distante. A Zé pôs o binóculo diante dos olhos do Tim. - Ora aí tens! - disse ela. - Dá uma olhadela, Tim. Ó Júlio, não parece muito distante!

- Pois não, se pudéssemos ir a direito - disse o Júlio, voltando a observar os campos pelo binóculo. - Mas é bastante longe através destes caminhos sinuosos. Alguém quer mais sanduíches?

- Já não há nenhuma - disse o David. - Nem sobrou bolo! Chupa um rebuçado se ainda tens apetite.

A lata dos rebuçados foi passada de mão em mão e o Tim esperou, cheio de esperança, pela sua vez; a Zé deu-lhe um.

- Não te deve dar grande prazer - disse a pequena. - Vais engoli-lo sem ao menos lhe dares uma chupadela.

- Podemos descansar mais meia hora - decidiu o Júlio. - Estou cheio de sono!

Todos se acomodaram sobre os vários tufos de tojo e em breve estavam a dormir, ao sol. Até o Tim passou pelo sono, com uma orelha meio arrebitada para o caso de alguém se aproximar, mas não apareceu vivalma. Na realidade, estava tão calmo no cimo daquele monte que se passaram três quartos de hora sem que ninguém acordasse. A Ana sentiu qualquer coisa a picar-lhe o braço e acordou sobressaltada.

- Ui! Que grande escaravelho! - exclamou ela, sacudindo-o. Depois olhou para o seu relógio. - David! Zé! Acordem! Temos que nos despachar senão é impossível chegarmos à quinta à hora do lanche.

Em breve se puseram uma vez mais a caminho, indo pelo monte abaixo a grande velocidade, gritando, com o Tim atrás deles a ladrar com toda a força. Realmente o começo dumas férias era a coisa mais divertida do mundo!

 

                   A QUINTA DO BARRETE

Os quatro fartaram-se de pedalar naquela tarde e se não fosse o Tim ainda teriam chegado mais cedo à Quinta do Barrete. Mas o cão estava tão arquejante que eles paravam de quarto em quarto de hora, para pequenos descansos.

- É uma pena ele ser tão grande e pesado - disse a Ana. - Se fosse um cãozinho pequeno podíamos levá-lo à vez, nos cestos das nossas bicicletas.

Em breve o Monte do Barrete estava muito próximo; na verdade tinha um aspecto pouco vulgar, parecendo um barrete com borla em cima. Viam-se vacas a pastarem nos prados e já a meio do monte, onde havia menos erva, estava um grande rebanho.

Abrigada no sopé ficava uma velha casa isolada, com vários anexos, uma cavalariça e uma grande estufa.

- Deve ser a Quinta do Barrete - disse o Júlio.

- Andámos bem depressa; são apenas três e meia. Vamos lavar a cara naquele regato, pois estamos bastante sujos e desgrenhados. Tim, se quiseres até podes tomar banho.

A água era fresca e limpa; as crianças lavaram a cara e o pescoço, desejando poderem fazer como o Tim que estava deitado no meio do regato, deixando a água passar-lhe por cima.

- Agora sinto-me melhor - disse o David, limpando a cara com um lenço enorme. - Já podemos ir apresentar-nos na Quinta do Barrete. Calculo que o Mário esteja à nossa espera; prometeu emprestar-nos tudo o que precisássemos para acamparmos.

Os pequenos pentearam-se, sacudiram o pó dos fatos, e depois, sentindo-se mais apresentáveis, dirigiram-se através dum pequeno carreiro para o portão da quinta.

Pouco depois encontravam-se num grande pátio, com várias galinhas a debicarem por ali e patos nadando num tanque. Ouviam-se os cães da quinta, a ladrar, e então apareceu qualquer coisa a correr.

Apareceu qualquer coisa a correr. Uma coisa pequenina e cor-de-rosa.

vindo da esquina da velha casa. Era uma coisa pequenina e cor-de-rosa.

- O que é aquilo? -perguntou a Ana. -Oh! é um porquinho! Que engraçado! Olhem, vem ter connosco. Olá porquinho, fugiste da tua pocilga? Estás tão limpo!

O porquinho começou a grunhir duma maneira muito cómica e foi direito ao Tim, que ficara imóvel, muito surpreendido, a olhar para aquela estranha creaturinha. Com certeza pensava tratar-se duma raça especial de cães sem pêlo.

O porquinho deu um pequeno encontrão ao Tim e este rosnou. O Júlio riu-se. - O Tim não está a perceber nada - disse ele. - Não vale a pena rosnares, Tim! O porquinho é inofensivo.

- E quem será aquele? - disse o David, vendo surgir uma criança, vinda da casa. Ela parou, ao ver os Cinco.

- Que lindo miúdo! - exclamou a Ana. - É irmão do Mário?

O pequenito não aparentava mais de cinco anos. Tinha a cabeça cheia de caracolinhos louros, uns olhos castanhos muito grandes e um sorriso parecido com o do irmão.

- É o meu porquinho - disse ele, aproximando-se devagar. - Fugiu.

A Ana desatou a rir. - Como se chama o teu porquinho? - perguntou ela.

- Gorducho - disse o pequenito. - Desde que nasceu é assim gordo.

Assim é mais bonito - afirmou a Ana. O porquinho correu para o pequenito e este pegou-lhe ao colo. - Fugiu outra vez - disse ele, afastando-se.

- Anda cá, esta é a Quinta do Barrete? - perguntou o Júlio. - Tens um irmão chamado Mário?

- Mário? Tenho, está ali - disse o pequeno apontando para um grande celeiro. - O Mário está a apanhar ratazanas, com o Binky.

O rapazinho foi-se embora com o seu porquinho e o Júlio riu-se. - Parece um boneco - disse ele. - Vamos procurar o Mário e o Binky. Naturalmente o Binky é outro irmão.

- Ou um cão - disse a Zé, segurando o Tim pela coleira. - É melhor termos cuidado. Pode atirar-se ao Tim.

- Sim, o Binky deve ser um cão, naturalmente amestrado para apanhar ratazanas - concordou o Júlio. - O David e eu vamos ao celeiro e vocês duas ficam aqui com o Tim.

Quando os dois rapazes se aproximaram do celeiro vinha um grande barulho lá de dentro. Ouviam-se gritos e tatidos e o bater dum pau.

- Apanha-a, Binky! Olha, foi para debaixo daquele saco! Ora, meu palerma, largaste-a outra vez!

Cheios de curiosidade, o Júlio e o David espreitaram para dentro do celeiro. Lá viram o Mário, metido entre várias sacas, com um grande cão rafeiro, muito excitado, ladrando sem cessar.

- Olá, Mário! - gritou o Júlio. O Mário virou-se; tinha a cara muito vermelha.

- Oh! já chegaram! -disse ele, indo logo até à porta. - Pensava que nunca mais vinham. Ainda bem que apareceram! Mas afinal são só dois? Eu preparei barracas e outras coisas para quatro!

- Somos realmente quatro; cinco, contando com o Tim - explicou o Júlio. - Deixámos as pequenas ali, com o Tim, o nosso cão. O teu Binky receberá bem o Tim?

- Claro que sim, mas é preciso eu apresentá-los - disse o Mário, enquanto saíam todos do celeiro. Logo que o Binky viu o Tim, parou, rosnando, com os pêlos do pescoço todos eriçados.

- Não se assustem - gritou o Mário às pequenas. - Tragam o vosso cão até aqui. Vai tornar-se amigo do Binky em meio minuto.

Com bastantes dúvidas a Zé aproximou-se, levando o Tim. O próprio Tim tinha umas certas dúvidas sobre aquele cão. O Mário abaixou-se, falando ao ouvido do Binky.

- Binky, aperta a mão a esta menina tão simpática. É nossa amiga.

Depois dirigiu-se à Zé. - Estende-lhe a tua mão - pediu o pequeno.

A Zé inclinou-se para o Binky, estendendo-lhe a mão. O cão levantou logo a pata, deixando a Zé cumprimentá-lo com toda a solenidade.

- Agora tu - disse o Mário à Ana, e esta fez o mesmo. Ela gostou logo daquele cão de focinho comprido e olhos castanhos muito vivos.

- O teu cão também sabe cumprimentar?

- perguntou o Mário. A Zé respondeu-lhe que sim.

- Então manda-o estender a pata ao Binky.

- Tim, cumprimenta!

- Binky, cumprimenta!

E com grande delicadeza e seriedade os dois cães estenderam a pata um ao outro, olhando-se com uma certa precaução. O Tim soltou um pequeno latido e depois desataram os dois a correr pelo pátio, ladrando satisfeitos, tentando agarrarem-se, muito divertidos.

- Agora está tudo resolvido - disse o Mário, satisfeito. - O Binky dá-se com todos, pessoas ou animais, desde que lhes possa estender a pata. Fui eu que o ensinei. Mas para apanhar ratazanas é uma lástima! Bem, vamos ver a minha mãe. Ela espera-os. Arranjou um lanche estupendo.

Era uma notícia muito agradável. Exactamente o género de acolhimento que os Cinco apreciavam!

A Ana observava o Mário, de soslaio. Achava-o bastante simpático. A Zé não estava tão certa, pois ele tinha uma rosa na lapela - seria a fingir e iria pedir-lhe para a cheirar?

- Vimos há pouco um pequenito louro - disse a Ana. - Com um porquinho.

- Ah, esse é o Chico com o seu Gorducho - disse o Mário, rindo. - Adora o porquito! Podíamos oferecer-lhe um gato pequenino ou um cachorro, mas ele prefere o porco. Vão para toda a parte juntos. O Chiquinho é muito simpático. Os irmãos mais pequenos, em geral, são um estorvo, como sabem, mas o Chico é diferente.

- As irmãs mais pequenas às vezes também são bastante maçadoras - disse o David, olhando de revés para a Ana, que lhe deu logo um beliscão.

- No entanto, a Ana é tolerável, não achas, Ju?

A mãe do Mário era uma senhora gorda e simpática, com um riso tão franco como o dos seus dois filhos. Recebeu os pequenos com a maior amabilidade.

- Entrem - disse ela. - O Mário está muito satisfeito por vocês irem acampar aqui perto; preparou as barracas e cobertores e podem vir aqui todos os dias buscar ovos, leite, pão, manteiga e tudo quanto precisarem. Não tenham receio de pedir, que não incomodam nada!

Ouviu-se de repente pequenos grunhidos e o porquinho Gorducho apareceu correndo.

- Lá vem ele!-exclamou a mãe do Mário.

- Ali está outra vez o porquinho! Chico, Chiquinho, bem sabes que não podes trazer o Gorducho cá para dentro. Não me importo com os gatos, ou com os cães, mas porcos, é demais! Chiquinho!

O Chiquinho apareceu, com um ar muito comprometido. - Desculpe, mãezinha, mas ele hoje está muito endiabrado! Uuu! Que grande lanche! Podemos já começar?

- Só falta fazer o chá, a não ser que prefiram leite das nossas vacas - disse a senhora.

- Leite, por favor, srª Thomas - pediu a Ana, e todos concordaram. Nada podia ser mais agradável do que o leite gelado da quinta num dia quente como aquele.

Sentaram-se à mesa e as quatro visitas desejaram não ter almoçado tanto! Estava no meio da mesa um grande presunto e pãesinhos a estalarem, acabados de fazer. Havia salada de alface, muito fresca, enfeitada com rabanetes vermelhos. No aparador estava um bolo enorme e ao lado um prato com scones. Também se viam duas grandes manteigueiras, bilhas com leite, mel e compota caseira.

- Que pena não ter o meu verdadeiro apetite - lamentou o David. -Este lanche é digno dum apetite devorador.

- Pensei que tivessem almoçado pouco - disse a srª Thomas. - Agora, Mário, cuida dos teus convidados, por favor. E tu, Chiquinho, tira o porquinho do colo. Não quero vê-lo à mesa.

- O Gorducho vai ficar muito triste quando vir aquele presunto - disse o Mário, com astúcia.

- Era o seu avô.

O Chiquinho apressou-se logo a largar o Gorducho, com medo de ferir a sua dignidade. O porquinho foi sentar-se ao lado do Tim, que, muito surpreendido, mas bastante satisfeito, tratou logo de lhe arranjar lugar.

Foi um lanche muito alegre e o Mário era verdadeiramente amável. A Ana sentou-se ao lado do Chiquinho e cada vez gostava mais do pequenito.

- Parece um miúdo duma história - disse ela à Zé.-O Chiquinho e o Gorducho deviam entrar num livro.

- Ora bem - disse a srª Thomas depois de todos terem acabado de lanchar. - Quais são os vossos planos? Mário, vai mostrar aos teus amigos as barracas e tudo o mais. Depois podem resolver onde vão acampar.

- Vamos então - disse o Mário, e o Chiquinho, o Gorducho e o Binky também os seguiram. - Com a ajuda de todos podemos levar tudo duma vez. Subimos pelo Monte do Barrete até encontrarmos um bom sítio para acampar. Quem me dera também ficar convosco!

Onde poderiam acampar? Como seria delicioso dormir ao ar livre e ver as estrelas pela abertura da barraca!

 

                   UM ACAMPAMENTO IDEAL

O Mário pusera num celeiro próximo todos os apetrechos para acampar. Levou os Cinco até ali, sempre seguido pelo Chiquinho e o Gorducho. O Binky também foi, tão amigo do Tim que saltitavam lado a lado, dando de vez em quando um encontrão um ao outro, fazendo lembrar dois rapazitos da escola.

O Júlio e o David olharam para o monte de lonas, cordas e cavilhas. Na verdade aquelas barracas serviriam muito bem e se o tempo continuasse como até ali quase nem precisariam de barracas! Bastar-lhes-ia estenderem os cobertores sobre o tojo macio.

- São óptimas, Mário - disse o Júlio, agradecido. - Até nos arranjaste uma cafeteira e uma frigideira!

- Lembrei-me que poderia apatecer-lhes preparar uma refeição - disse o Mário. - Ou aquecer a sopa. Está ali uma panela para isso.

O pequeno agarrou na panela e enfiou-a na cabeça do Chiquinho, onde ficava mesmo à medida, sobre os caracóis louros. O Chiquinho desatou a gritar e correu atrás do irmão, fazendo o possível por lhe bater. O porquinho fugiu amedrontado, desaparecendo numa esquina.

A Ana tirou a panela da cabeça do pobre Chiquinho.- Pronto!-disse ela.-Era um chapéu muito engraçado e ficava-te bem!

- O Gorducho fugiu outra vez! - choramingou o pequenito, desatando aos socos ao Mário, que ria a bom rir. - Detesto-te! Detesto-te! És mau!

- Vai procurar o teu porquinho - disse o Mário, desviando-se do pequenito zangado. Este desatou a correr, com as suas pernitas muito gordas.

- Agora livramo-nos dele por alguns minutos - disse o Mário. - Bem, acham que me esqueci de alguma coisa? Trouxeram lanternas de algibeira, não? E velas e fósforos?

- Temos tudo isso - disse o David. - Também trouxemos gabardinas e fatos de banho, e parece-me que mais nada. Ainda bem que aqui puseste dois cobertores, para o caso de termos frio!

- Pode mudar o tempo - explicou o Mário.

- Claro que se nevar ou qualquer coisa assim vêm pedir-nos mais cobertores. Agora posso ajudá-los a carregarem as coisas nas vossas bicicletas?

Era dificílimo pôr tudo nas quatro bicicletas e por fim o Mário resolveu ir buscar uma pequena carrocinha de mão e as crianças meteram lá dentro toda a bagagem.

- Depois vimos buscar as nossas bicicletas - disse o Júlio.

- Podem deixá-las aqui - lembrou o Mário.

- Ficam em segurança. Estão prontos para partir? Vou buscar um embrulho que a mãe esteve a preparar-lhes; leva presunto, ovos frescos, pão, manteiga e mais algumas coisas.

- A tua mãe é muito amável - disse o Júlio, agradecido. - Então vamo-nos embora, parece-me que está tudo na carrocinha. Esperamos só pelo embrulho. David, tu e eu podemos puxar pela carroça. É preciso duas pessoas para subir pelo monte. Proponho acamparmos na encosta; assim teremos uma bonita vista.

O Mário voltou com um embrulho enorme. O Chiquinho acompanhava-o, com o Gorducho. O pequenito levava um cesto com morangos maduros.

- Apanhei-os para ti - disse ele, entregando-os à Ana.

- São maravilhosos! - exclamou ela, dando um abraço ao Chiquinho. -Vamos apreciá-los muito!

- Posso ir ver o vosso acampamento, quando estiver pronto? - perguntou ele. - E posso levar o Gorducho? Ele nunca viu um acampamento.

- Claro que podes ir visitar-nos - concordou a Ana.-Está tudo pronto, Júlio? E o leite? A srª Thomas disse que podíamos levar uma ou duas garrafas.

- É verdade, já me esquecia - disse o Mário. - Vou buscá-las.

O pequeno desatou a correr, com o Binky, enquanto os outros arrumavam melhor as coisas dentro da carroça. O Mário voltou com duas grandes garrafas de leite. Puseram-nas com todo o cuidado num canto da carrocinha.

- Agora não falta nada, penso eu - disse o Júlio, começando a empurrar a carroça, com o David, pelo caminho que seguia até ao portão. O Tim e o Binky iam à frente, e os outros seguiam a carroça. O Chiquinho foi até ao portão, com o Gorducho. Aí o Mário mandou-o voltar para trás.

- Bem sabes as ordens da mãe, Chico - disse ele. - Agora não podes vir connosco; quando eu voltar com o Binky já será muito tarde.

O pequenito começou a fazer beicinho, mas não teimou em segui-los. Pegou no Gorducho ao colo, para o porquinho não fugir atrás das crianças.

- O Chiquinho é um amor - disse a Ana.

- Gostava de ter um irmãozinho assim.

- Ele é simpático - concordou o Mário. - Só é pena ter demasiado mimo. Faço os possíveis para o educar como deve ser, troçando das suas pieguices e ensinando-o a defender-se.

- Parece-me que ele aprende bem a lição - observou o David. - Santo Deus, a maneira como ele avançou para ti quando lhe enfiaste a panela na cabeça! Deu-te cada soco!

- O Chico é um miúdo engraçado - disse o Mário, ajudando a empurrar o carro, pois tinham chegado à encosta do monte. - Tem sempre um bicho preferido. Há dois anos arranjou um cordeiro que o seguia por toda a parte. O ano passado tinha dois patinhos e quando cresceram continuaram a segui-lo! Um dia subiram as escadas até ao primeiro andar!

- E este ano arranjou um porquinho - acrescentou a Zé, que, tal como a Ana, achava o Chiquinho divertido. - O Tim é engraçadíssimo com o Gorducho. Estou convencido de que ele continua julgando tratar-se dum cãozinho sem pêlo.

Seguiram pelo monte acima, caminhando por um carreiro estreito. A carrocita parecia cada vez mais pesada e em breve foi preciso quatro ou cinco pares de mãos para a empurrarem.

- Ainda vão mais longe? - perguntou por fim o Mário, cansado. - Com certeza não querem ir até lá ao alto!

- Pois não - disse o Júlio. - Ficaremos a meio da encosta. Gostávamos de ter uma bonita vista, Mário. Não deve ser preciso subirmos muito mais. Mas agora descansemos um pouco.

Sentaram-se, satisfeitos por poderem descansar. A vista era sem dúvida magnífica. Lá longe, no horizonte, viam-se montanhas avermelhadas e em frente estendiam-se quilómetros e quilómetros de terrenos verdes e dourados. Verdes, onde cresciam aveia e relva, dourados quando tinham rainúncuios amarelos, que estavam maravilhosos naquela semana de Junho.

- Gosto de ver aquelas fitas prateadas aqui e ali, serpenteando através dos campos - disse a Ana. - São riachos ou rios, sinuosos como serpentes! E gosto das manchas verdes-escuras, ou seja os bosques.

- E o que é aquilo ali? - perguntou a Zé, apontando para o que parecia um campo enorme com umas grandes barracas no meio.

- É um campo de aviação - explicou logo o Mário. - Experimentam-se ali novos aviões, com segredos de mecânica e coisas dessas. Eu sei isso porque tenho lá um primo, primeiro-tenente. Às vezes vai visitar-nos e conta-me coisas. É um lugar de experiências.

- Que quer dizer isso com precisão? - perguntou a Ana.

- Bem, é um sítio onde são postos à prova os novos inventos - explicou o Mário. - Trabalham quase sempre com aviões pequenos; aviões de combate só com um homem, julgo eu. Não se assustem se às vezes ouvirem barulhos esquisitos vindos do campo de aviação; coisas a caírem ou a rebentarem. Claro que não sei bem do que se trata, mas anda tudo relacionado com as experiências.

- Gostava de visitar o campo de aviação - disse o David. - Sou um entusiasta por aviões. Hei-de tirar o brevet quando for crescido.

- Então tens que conhecer o meu primo - disse o Mário. - Talvez ele te leve a dar uma volta.

- Teria grande prazer em conhecê-lo - afirmou o David, encantado. - E o Júlio também, com certeza.

- É melhor continuarmos - disse o Júlio, levantando-se. - Não precisamos de subir muito mais. É impossível a vista ser francamente mais bonita de qualquer outro ponto.

A Zé e a Ana foram andando à frente, pois queriam procurar um bom sítio para acampar, enquanto os três rapazes empurravam com custo a carrocita, sobre o tojo. Mas foi o Tim que encontrou o lugar ideal! Como estava sequioso correu para um local onde sentia o barulho da água a correr.

Duma rocha saliente saía um pequeno regato. A água saltava sobre uma espécie de prateleira talhada na rocha, perdendo-se num amontoado de verdura. Cresciam caniços por todo o percurso que a água seguia, e a Zé, com a sua vista apurada, distinguia-a até grande distância guiando-se pela linha escura dos caniços.

- Júlio! Olha o que o Tim encontrou! - gritou ela, enquanto o cão bebia a água limpa da nascente. - Um pequenino regato saindo da encosta! Não seria boa ideia acamparmos aqui perto?

- Óptima ideia! - exclamou Júlio, largando a carrocita para ir ver melhor. - Acho o lugar indicado! Uma bonita vista, tojo macio e água fresca bem perto.

Todos concordaram que era o lugar ideal e em breve descarregaram a carrocita. Não armaram as barracas, pois a noite estava tão quente que todos tencionavam dormir ao relento. Ninguém se queria deitar dentro duma barraca abafada!

A Ana abriu o embrulho das provisões pensando qual seria o lugar mais fresco para uma “despensa”. Foi até à rocha donde saía o regato. Afastou os caniços e descobriu uma espécie de pequena gruta cavada na rocha, atrás da água que caía.

- Deve ser o lugar mais fresco de todos - pensou a Ana, passando a mão através da água, até à pequena cavidade. Na verdade estava ali fresquíssimo. Teria espaço suficiente para as duas garrafas de leite e tudo o mais? Talvez, pensou ela.

A Ana era muito arrumada; em breve estava atarefadíssima guardando as garrafas de leite e os alimentos na sua “despensa” tão original. A Zé riu-se ao ver a prima.

- É mesmo teu, Ana! -disse ela. - Será melhor pores uma toalha aí perto, pois com certeza . vamos ficar ensopados cada vez que tirarmos qualquer coisa daí!

- Diz ao Tim para não vir meter o focinho na minha “despensa” - pediu a Ana, afastando o Tim. -Está todo molhado! Vai sacudir-te para outro lado, Tim! Estás a dar-me um banho de chuveiro!

O Mário teve de se despedir, pois já passava da hora do seu jantar. - Até amanhã - disse ele. - Quem me dera aqui ficar convosco! Adeus!

Lá foi pela encosta abaixo, acompanhado pelo Binky. Os quatro entreolharam-se e sorriram.

- Ele é simpático, mas é bom estarmos novamente sozinhos; só os Cinco -disse a Zé. - Bem, vamo-nos instalar! Este é o melhor acampamento que jamais tivemos!

 

                   A PRIMEIRA NOITE

- Que horas serão?-perguntou o Júlio olhando para o seu relógio. - Santo Deus, são quase oito horas! Ninguém se sente cansado?

- Sinto-me eu! - disseram em coro, a Zé, a Ana e o David; até o Tim soltou um “Uuuuf!” muito profundo.

- Com todo o caminho a pedalar e depois empurrando a carrocita pelo monte acima, fiquei quase morto!-disse o David.-Proponho arranjarmos um jantar muito simples, qualquer coisa da “despensa” da Ana. Depois estendemos os cobertores sobre o tojo e dormimos ao ar livre. Mesmo aqui em cima, apesar da brisa, está quente.

- Concordo contigo - disse o Júlio. - Ana, que sugeres para um jantar leve?

- Pão com manteiga e um pouco de queijo da quinta da srª Thomas - respondeu logo a Ana.

- Um tomate ou dois, se lhes apetecer, leite frio e os morangos, do Chiquinho, para sobremesa. Espero que o leite tenha tido tempo de ficar bem fresco, ali no regato.

- Parece-me muito bem - aprovou o Júlio.

- Que tal achas, Tim? Ana, se tu e a Zé tratarem do jantar, nós vamos preparando o tojo para as camas. Assim poderemos deitarmo-nos cedo. Tenho a impressão de que se me sento ou deito já não consigo levantar-me outra vez!

- Passa-se o mesmo aqui com o teu irmão - disse o David, afastando-se com o Júlio, à procura do melhor sítio para dormirem. Depressa o encontraram. Havia um arbusto enorme, muito espesso, cheio de espinhos e coberto de flores amarelas. Em frente estendia-se uma enorme porção de tojo, tão fofo como o melhor colchão. O David sentou-se ali, sorrindo.

- Nem de propósito!-disse ele.-Dormiremos aqui lindamente. Quase nem precisamos de estender os cobertores por baixo, tão espesso é o tojo. Ajuda-me, Ju. Agora que me sentei, as minhas pernas já não querem levantar-se!

O Júlio puxou pelo irmão e chamaram as pequenas. - Ana! Zé! Tragam o jantar para aqui. Encontrámos um lugar óptimo. Fica junto do arbusto maior de todos.

As pequenas apareceram, e os rapazes foram buscar dois cobertores ao monte das coisas que haviam trazido na carrocita, estendendo-os no chão.

- Realmente é um belo sítio - concordou a Zé, ao aproximar-se com a Ana e o Tim, levando um grande pão, uma manteigueira bem cheia e tomates. A Ana levava o leite e o queijo. O Tim também levava um cartucho com os seus biscoitos.

- Mesmo que se levante vento, perto do arbusto estamos sempre abrigados - disse o David, pegando no leite que levava a Ana. - É um sítio ideal e a vista é soberba.

Foi um jantar muito agradável, saboreado assim sentados no tojo, enquanto o Sol ia descendo no ocidente.

Quando acabaram, foram lavar-se no regato que corria alegremente.

Deitaram-se nos cobertores sobre o tojo, ainda com luz do dia.-Boa noite!-disse o David, e ficou logo a dormir.-Boa noite! - disse o Júlio, demorando-se uns momentos a observar a paisagem, que tomara um tom azul, à meia luz.

O Tim conseguiu manter as duas pequenas acordadas por um ou dois minutos, pois tentava encaixar-se entre elas.

- Está quieto, Tim! - ordenou a Zé. - E não te esqueças de que estás de guarda, embora calcule que não deva haver ninguém a menos de um quilómetro, e mesmo assim só na Quinta do Barrete! Fica quieto ou então ponho-te fora do cobertor! Boa noite, Ana!

A Zé em breve estava a dormir e o Tim também, cansado com a longa caminhada. A Ana ficou acordada por alguns minutos olhando para o planeta Vénus, muito brilhante. Sentia-se feliz. - Não quero ser crescida - pensou ela. - Não pode haver nada melhor no mundo do que isto; estar com os outros e divertirmo-nos juntos. Não, não quero crescer!

Então, também ela adormeceu enquanto a noite descia mansamente, com as estrelas a brilharem no céu e um silêncio quase absoluto; só o cantarolar do regato ali perto e o ladrar distante de algum cão, talvez o Binky. Caíra o vento e assim nem mesmo esse se ouvia.

Ninguém, excepto o Tim, acordou naquela noite. O Tim arrebitou a orelha ao ouvir um ruído acima da sua cabeça. Voltou a ouvir o mesmo e abriu um olho. Era um pequeno morcego, voltejando, à procura de insectos. Fazia um barulho tão ligeiro que só o ouvido apurado do Tim dava por ele. O cão baixou a orelha e voltou a adormecer.

Ninguém se mexeu até que um ruído muito forte os acordou. Todos ficaram sobressaltados e os rapazes levantaram-se dum pulo, confusos.

- R-r-r-r-r-r-m! R-r-r-r-r-r-m!-Que poderia ser?

- É um avião!-disse o Júlio, observando o pequeno avião que sobrevoava o monte. - Deve pertencer ao campo ali de baixo. Já viram, são nove e cinco! Dormimos perto de doze horas!

- Ainda vou dormir mais um bocado - participou o David, voltando a deitar-se na sua cama de tojo e fechando os olhos.

- Não! -disse o Júlio, dando-lhe uma sacudidela. - Um dia tão bonito não se vai perder a dormir. Meninas, estão acordadas?

- Estou! - gritou a Zé, sentando-se a esfregar os olhos. - O avião acordou-me. A Ana também acordou e o Tim foi atrás dum coelho ou de qualquer outra coisa.

- Vamos lavar-nos no regato - disse a Ana, sacudindo o cobertor. - A Zé e eu preparamos o pequeno almoço. Alguém quer um ovo cozido?

O Sol brilhava num lindo céu azul e levantara-se novamente uma ligeira aragem. Lavaram-se na água fria e o Tim fartou-se de beber. Depois foram tomar o pequeno almoço.

Acenderam facilmente um lume abrigado pelo grande arbusto, cozendo os ovos na panelinha. Pão com manteiga e tomates completaram a refeição, com leite quase gelado a acompanhar.

A meio do pequeno almoço o Tim começou a ladrar sem descanso, mas como abanava a cauda, satisfeito, os outros calculavam tratar-se do Mário.

Ouviram o Binky a ladrar também, aparecendo logo a seguir.

Primeiro fez grande festa ao Tim e depois deu uma lambedela a cada criança.

- Ora vivam! - exclamou o Mário, surgindo por detrás do arbusto.-Passaram bem a noite? Ainda estão a tomar o pequeno almoço! Mas é muito tarde! Vocês são dorminhocos! Levantei-me às seis horas. Ordenhei as vacas, limpei uma arrecadação, dei de comer às galinhas e fui buscar os ovos.

Os quatro sentiram-se logo envergonhados. Olharam o Mário com admiração; ele era um autêntico lavrador!

- Trago-lhes aqui mais leite, pão, ovos e um bolo - disse ele, pousando o cesto.

- És muito amável - disse o Júlio. - Nós devemos pagar tudo o que trouxeres da quinta, bem sabes. Tens alguma ideia do que te ficámos ontem a dever e quanto vale o que trouxeste agora?

- A minha mãe disse que não precisavam de pagar - explicou o Mário. - Mas com certeza vocês preferem o contrário. Por isso proponho que me paguem a mim, eu junto o dinheiro numa caixa e no fim compro um presente todo bonito para a minha mãe, da vossa parte. Acham bem?

- Acho uma bela ideia - disse o Júlio. - Não devemos aceitar os alimentos se não os pagarmos, mas eu bem sei como são as mães. Não gostam que se lhes pague com dinheiro as suas gentilezas. Por isso vamos proceder como tu disseste. Agora faz a conta do que te devemos para eu te pagar.

- Está bem - disse o Mário, com ar de quem tratava dos seus negócios. - Vou cobrar-lhes os preços a que vendemos para o mercado e não mais alto. Posso escrever a conta enquanto vocês arrumam as coisas e guardam o que lhes trouxe.

As pequenas lavaram os pratos no regato e os rapazes ajudaram a Ana a arrumar as provisões na sua “despensa”. O Mário apresentou ao Júlio uma conta com tudo explicado e logo recebeu o dinheiro. O Mário escreveu “pago” na conta e voltou a entregá-la ao Júlio.

- Assim é tudo como nos negócios a sério - disse o Mário. - Muito obrigado. Que tencionam fazer hoje? Há umas grutas formidáveis para explorarmos, se quiserem, ou vamos à Quinta das Borboletas ou limitamo-nos a passar o dia na minha quinta.

- Hoje não - disse o Júlio, receando maçar a srª Thomas. - E esta manhã também não me apetece visitar as grutas escuras e frias havendo tanto sol. Que havemos de fazer, meninas?

Mas antes de terem decidido o Binky e o Tim desataram a ladrar, os dois muito quietos voltados para o mesmo ponto.

- Quem é, Tim? - perguntou a Zé. - Vai ver! Vai!

O Tim correu para trás do arbusto, seguido pelo Binky e em seguida as crianças ouviram uma voz surpreendida.

- Olá, Binky! Que andas tu a fazer aqui no monte? E quem é o teu amigo?

- É o sr. Gringle - disse o Mário. - Um dos donos da Quinta das Borboletas. Vem aqui muitas vezes com a sua rede, pois é um sítio admirável para caçar borboletas.

Apareceu um homem por detrás do arbusto; era bastante estranho: vestia com desleixo, usava uns óculos na ponta do nariz e tinha o cabelo demasiado comprido. Levava na mão uma grande rede para borboletas e parou ao ver as cinco crianças.

- Olá!-disse ele. - Quem são todos estes, Mário? Que grande grupo!

- São meus amigos, sr. Gringle - respondeu o Mário, muito sério. - Dá-me licença que os apresente? Júlio, David, Ana e Zé. E o cão Tim.

- Muito prazer em conhecê-los - disse o sr. Gringle, avançando com a grande rede de borboletas ao ombro. Por detrás dos seus óculos brilhavam uns olhinhos vivos, cheios de curiosidade. O senhor baixou a cabeça a cada um dos pequenos.

- Três rapazes e uma menina. Um grupo muito simpático! Não têm aspecto de quem queira incendiar ou bombardear esta linda região.

- Nem por sombras! -exclamou a Zé, encantada por o sr. Gringle pensar que ela era um rapaz. Nada lhe agradava tanto como isso! - Sr. Gringle, poderíamos visitar a sua Quinta das Borboletas? Gostaríamos imenso!

- Claro, meu querido menino, claro que sim!

- disse o sr. Gringle com os olhos muito brilhantes e um ar satisfeito.-É raro ter visitas, por isso chega a ser um grande acontecimento quando aparece alguém. Por este lado, por este lado!

 

                   A QUINTA DAS BORBOLETAS

O Sr. Gringle foi descendo o monte, à frente dos pequenos, seguindo por um carreiro tão cheio de ervas que quase não se distinguia. Quando iam a meio caminho ouviram um ruído especial e depois uma vozinha a chamar:

- Mário, Mário! Estou aqui! Posso ir contigo?

- É o Chiquinho e o Gorducho!-disse a Ana, divertida ao ver o miúdo e o porquinho dirigirem-se a eles. O Tim correu para o Gorducho e cheirou-o demoradamente, ainda na dúvida se se trataria de alguma espécie de raça canina.

- Que andas aqui a fazer? - perguntou o Mário, severamente. - Bem sabes que não tens licença para te afastares da quinta. Um destes dias ainda te perdes, Chiquinho.

- O Gorducho fugiu - disse o pequenito olhando para o irmão com os seus grandes olhos castanhos.

- Ou seja, como querias saber onde eu vinha, seguiste-me com o Gorducho - disse o Mário.

- O Gorducho fugiu! Fugiu a correr! -repetiu o Chiquinho, quase a chorar.

- És um aldrabão - disse o Mário. - O teu porquinho serve de desculpa para andares por toda a parte. Quando o pai souber dá-te uma sova. Bem, agora vem atrás de nós até à Quinta das Borboletas. E se o Gorducho fugir, deixa-o! Estou farto desse porco.

- Eu pego-lhe ao colo - disse o Chiquinho, aninhando o animalzinho nos seus braços. Mas em breve teve de o pôr no chão, pois o Gorducho guinchava tanto que o Tim e o Binky saltavam à volta dele, muito excitados.

- Uuum! Bem, podemos continuar? - perguntou o sr. Gringle, caminhando à frente. - Hoje temos um grande grupo!

- As suas borboletas têm medo de porquinhos ou de cães? - perguntou o Chiquinho saltitando ao lado do senhor. - Não será melhor deixá-los cá fora?

- Não faças perguntas idiotas, Chico - disse o Mário. Depois soltou uma exclamação e agarrou o braço do sr. Gringle. - Olhe para aquela borboleta! Não quer apanhá-la? Não é rara?

- Não - respondeu o sr. Gringle, com bastante frieza. - É uma borboleta dos prados, muito vulgar. No teu colégio não te ensinam nada? É curioso como nem sabes uma coisa tão simples!

- Júlio, tens alguma disciplina sobre borboletas?

- perguntou o Mário, sorrindo. - ó sr. Gringle, porque não vai para o nosso colégio ensinar-nos a distinguir as borboletas das couves-lombardas, das couves-flores, as borboletas-pavão, as mariposas-avestruzes e...

- Não sejas parvo, Mário - interrompeu o Júlio, vendo que o sr. Gringle não tinha o mais pequeno sentido humorístico e que não estava a achar graça nenhuma ao Mário. - Sr. Gringle, por estes lados aparecem muitas borboletas raras?

- Muitíssimas - disse o homem das borboletas.

- E não é só isso. Há tantas de espécies tão diferentes que é fácil apanharmos quantas quisermos para se reproduzirem. Como sabes, uma borboleta representa centenas de ovos e nós vendemos as novas borboletas saídas desses ovos.

De súbito o sr. Gringle desviou-se bruscamente para um lado, quase deitando a Zé ao chão. - Desculpa, meu rapaz! - disse ele, fazendo os outros sorrir. - Desculpa! Está ali uma Argus Castanha, um lindo exemplar, o primeiro que vejo este ano! Não se mexam, por favor!

As crianças e os cães ficaram muito quietos, enquanto o sr. Gringle caminhava com cuidado em direcção a uma borboleta castanha-escura, que estendia as suas asas delicadas, pousando numa planta toda florida. Com um movimento rápido a rede caiu sobre a planta e num segundo o sr. Gringle apanhava a borboleta. Depois mostrou aos pequenos o frágil insecto, bem seguro no interior da rede.

- Ora aqui têm: uma fêmea Argus Castanha, da família das borboletas azuis que tantas vezes se vêem no Verão. Há-de pôr uma porção de ovos, donde sairão umas larvas que parecem lagartas e...

- Mas esta borboleta não é azul - interrompeu a Ana, olhando através da rede fina. - É castanha-escura, com uma fila de pintinhas cor-de-laranja a contornar-lhe as asas.

- Mesmo assim pertence à família das borboletas azuis - afirmou o sr. Gringle, tirando-a da rede com todo o cuidado e metendo-a numa lata com tampa que levava a tiracolo. - Naturalmente, veio dalgum daqueles campos de feno, ali do vale. Para dentro da lata, minha beleza.

- Sr. Gringle, depressa! Está aqui uma borboleta linda! - chamou a Zé. - Tem um par de asas verdes-escuras com pintas vermelhas e outro par vermelho contornado a verde. Depressa, com certeza vai querer apanhá-la!

- Isso não é uma borboleta diurna - disse o David, que percebia bastante sobre o assunto.

- Também acho que não - concordou o sr. Gringle, pondo a sua rede pronta a entrar em acção.-É uma mariposa nocturna, muito linda!

Lá caiu a rede e o insecto verde e vermelho foi apanhado de surpresa.

- Mas as borboletas nocturnas não voam durante o dia - comentou a Zé. - Só durante a noite.

- Tolices!-disse o sr. Gringle observando a borboleta através das lentes espessas dos seus óculos. - Ao que chegaram os rapazes dos nossos dias! No meu tempo todos os miúdos sabiam que há borboletas nocturnas e diurnas.

- Mas...-começou a Zé, calando-se logo, pois o sr. Gringle lançou-lhe um olhar furioso.

- Esta é a borboleta nocturna das seis pimpinelas - disse ele, falando devagar, como se estivesse a dirigir-se a uma criança muito pequena.

- Agrada-lhe voar à luz do sol. Por favor não me contradigam. Não gosto de ver tanta ignorância.

A Zé ficou furiosa e o David fez-lhe um sinal.

- Ele tem razão, palerma - disse o pequeno em voz baixa. - Tu sabes pouco sobre borboletas, por isso está calada, Zé, ou ele não nos deixa acompanhá-lo.

- Gostava de arranjar mais umas duas ou três destas, com seis pimpinelas, assim coloridas, e de tamanho invulgar. Se pudessem ir procurando agradecia-lhes.

Todos começaram a procurar aqui e ali, abanando todos os arbustos por onde passavam. O Tim e o Binky também andavam muito interessados e começaram a procurar por conta própria, farejando por toda a parte, não sabendo bem o que queriam, mas animadíssimos, mesmo assim.

O sr. Gringle levou bastante tempo a chegar à sua Quinta das Borboletas, e as crianças começavam a arrepender-se de ter pedido para o acompanhar. Desviavam-se tantas vezes para ver isto ou aquilo, tantas observações, quando se apanhava um exemplar, tanto “palavreado”, como o David segredou à Ana!

- Conserva as suas borboletas naqueles estojos de vidro?-perguntou o Júlio.

- Conservo - disse o sr. Gringle. - Entrem para eu lhes mostrar o que o meu amigo Brent e eu fazemos. Ele hoje saiu, por isso não podem conhecê-lo.

Realmente era um sítio bastante curioso. A casa dava ideia de que ia abater dum momento para o outro. Duas das janelas não tinham vidros e no telhado faltavam muitas telhas. Mas as estufas estavam em bom estado, tendo os vidros muito limpos. Era evidente que os homens das borboletas pensavam mais nos seus insectos do que neles próprios.

- Vive aqui sozinho com o seu amigo? -perguntou o David com curiosidade, achando que deviam ter uma vida original e solitária.

- Oh, não! Temos a velha srª Janes ao nosso serviço - explicou o sr. Gringle. - E por vezes o filho da velhota vem cá fazer pequenos arranjos e limpar os vidros das estufas. Ali está a srª Janes.

Detesta insectos de qualquer espécie, por isso nunca entra nas estufas.

Uma criatura de idade, parecendo exactamente uma bruxa, estava a observá-los por uma das janelas da casa. A Ana assustou-se ao vê-la. O Mário riu-se. - É inofensiva - disse ele à Ana. - A nossa cozinheira conhece-a bem, pois ela vai muitas vezes à nossa quinta comprar ovos e leite. Não tem nenhum dente e por isso fala duma maneira tão esquisita que ainda a torna mais parecida com uma bruxa.

- Não me agrada o aspecto dela - confessou a Ana, satisfeita por entrarem na primeira estufa.

- Oh! tantas borboletas!

Havia insectos voando à solta e muitos outros estavam em pequenos compartimentos, sozinhos ou aos pares.

Várias plantas e arbustos cresciam na estufa e em redor de alguns deles viam-se uma espécie de mangas de musselina, atadas nas extremidades.

- Que contêm estas mangas de musselina?

- perguntou o David. - Já estou a ver! Estão cheias de larvas. Santo Deus, como elas comem!

- Como sabem nós criamos borboletas - disse o sr. Gringle, abrindo uma das extremidades dum saco de musselina, para as visitas verem melhor as larvas. - Estas larvas pertencem todas à mesma espécie de borboletas. Alimentam-se só desta planta.

Os pequenos ficaram a olhar para aquela quantidade enorme de lagartas verdes com pontinhos vermelhos e amarelos, todas comendo vorazmente as folhas da planta.

O sr. Gringle abriu outro saco de musselina para lhes mostrar umas lagartas maiores, todas verdes, com listas vermelhas de um lado e um curioso espigão negro no fim da cauda.

- Larvas de borboletas Falcão de Alfena -disse o sr. Gringle, e o Júlio e o David fizeram um gesto afirmativo. Conheciam perfeitamente aquelas grandes lagartas verdes.

- Porque se chama Falcão? - perguntou a Ana. O sr. Gringle sorriu para a pequena, mostrando que achava aquela pergunta inteligente. - Nunca viste uma borboleta Falcão a voar? - perguntou.

- Não? Pois bem, bate as asas com muita força tal como o pássaro que se chama falcão.

- Mas não está a alimentar as lagartas com alfena - observou a Zé. - E disse que se chamava Falcão de Alfena.

- Não há nenhuma alfena por aqui - explicou o sr. Gringle.-Por isso dou-lhes sabugueiro, que plantei de propósito, e elas comem-no muito bem.

Na verdade a Quinta das Borboletas era bem interessante e os pequenos andaram pela estufa de um lado para o outro, observando larvas de toda a espécie, e admirando lindos exemplares de borboletas. Também se maravilharam perante a colecção de crisálidas de formas curiosíssimas que o sr. Gringle guardava dentro de caixas, com todo o cuidado, esperando que saíssem os insectos perfeitos: borboletas diurnas ou nocturnas.

- Como por encanto - disse ele, numa voz estranha, com os olhos a brilhar por detrás dos óculos - sabem, às vezes sinto-me um verdadeiro mágico e a minha rede de apanhar borboletas parece-me uma varinha de condão!

As crianças sentiram-se pouco à vontade quando o senhor disse aquilo, movendo a rede das borboletas de um lado para o outro, como uma varinha mágica. Realmente o sr. Gringle era bastante invulgar!

- Está aqui um calor horrível - disse de repente o Júlio. - Vamos para o ar livre. Adeus sr. Gringle! Muito obrigado!

Saíram todos, respirando bem fundo o ar da manhã. Então ouviram de repente uma voz gritar-lhes :

- Saiam daqui! Vão-se embora!

 

                   A SENHORA JANES - UMA ARANHA E UMA LAGOA

O Tim começou a rosnar e o Binky também. As crianças olharam em volta e logo viram a velha com ar de bruxa, de cabelo crespo e grisalho, todo desgrenhado.

- Que se passa srª Janes? - perguntou o Júlio, lembrando-se a tempo do nome que o sr. Gringle lhe dissera. - Não estamos a fazer mal nenhum.

- O meu filho não gosta de ver aqui pessoas desconhecidas - disse a srª Janes, numa voz tão pouco perceptível que as crianças mal conseguiam compreendê-la.

- Mas esta quinta pertence ao sr. Gringle e ao sr. Brent, não é verdade? - observou o David, intrigado.

- Já lhes disse que o meu filho não suporta ver aqui pessoas estranhas - voltou a dizer a velhota, ameaçando-os com o punho.

O Tim não gostou daquilo e pôs-se a rosnar. A srª Janes apontou logo para o cão e murmurou uma lenga-lenga, de palavras esquisitas, que a Ana recuou, amedrontada. Realmente a srª Janes parecia mesmo uma bruxa e portava-se como tal. O Tim procedeu duma maneira estranha. Ficou com a cauda caída, parou de rosnar e refugiou-se perto da Zé. Esta estava pasmada.

- Até parece que ela resolveu enfeitiçar o Tim

Os olhos da velhota encheram-se de lágrimas.

- disse o David, meio a brincar; mas aquilo era demais para a Zé e para a Ana.

Levando o Tim pela coleira, a Zé afastou-se apressadamente, seguida pela prima. Os rapazes riram-se. O Binky correu atrás do Tim e o Mário dirigiu-se à mulher num tom severo.

- O seu filho nem está aqui e que vem a ser isso de ele a mandar pôr as visitas na rua?

Inesperadamente os olhos da velhota encheram-se de lágrimas que lhe caíam pela cara, e juntou as suas mãos ossudas. - Ele vai bater-me!

- choramingou. - Vai torcer-me um braço! Vão-se embora! Vão-se já embora! Se ele aparece começa a persegui-los. O meu filho é muito mau!

- Ela está maluca, coitada - disse o Mário cheio de pena da srª Janes. - A nossa cozinheira também diz o mesmo, embora a ache inofensiva. O filho não é nada assim como ela diz. É bastante habilidoso e nós costumávamos chamá-lo para consertar telhados ou outras coisas no género. Mas ultimamente tem-se tornado menos simpático. Vamo-nos embora. O sr. Gringle é muito bizarro, não acham?

Seguiram atrás das duas pequenas, e o Júlio continuava a sentir-se incomodado com aquele último encontro.

- Como é o amigo do sr. Gringle, aquele que o ajuda? - perguntou.

- Não sei. Nunca o vi - disse o Mário. - Está quase sempre fora, tratando da parte comercial, creio eu; vende os ovos, as larvas, etc, e as borboletas, claro está.

- Gostava de voltar àquela estufa de borboletas mas o Sr. Gringle complica-me com os nervos - disse o David. - Aqueles olhinhos brilhantes, atrás das lentes espessas, parecem tão vivos e perscrutadores que dão ideia de nem precisarem de óculos!

- Zé! Ana! - gritou Júlio. - Esperem por nós. Já aqui vamos.

Alcançaram as pequenas e o Júlio sorriu para a Zé.

- Pensaste que o Tim ia ser transformado num escaravelho negro ou em qualquer outro bicho, não foi? - perguntou ele.

- Claro que não!-afirmou a Zé, corando.

- Só não gostei que ela apontasse para o Tim daquela maneira. Não admira que se pusesse a rosnar.

- Vocês não ouviram o que ela contou sobre o filho - disse o David. - Começou a chorar imenso afirmando que o filho lhe bateria e lhe torceria um braço se nós não nos viéssemos embora. E o filho nem lá estava!

- É doida! - exclamou a Zé. - Não quero lá ir outra vez. Que vamos fazer agora?

- Voltar ao nosso acampamento para almoçarmos - propôs logo o Júlio. - Vem connosco, Mário, ou tens mais que fazer na quinta?

- Não, já fiz tudo - respondeu o Mário.

- Apetece-me imenso almoçar convosco no monte.

Pouco depois estavam de volta ao acampamento.

Tudo se encontrava como haviam deixado. As gabardinas bem dobradas, por baixo dos arbustos, com os cobertores e outras pequenas coisas. E os alimentos na “despensa” da Ana, esperando pelas crianças.

A refeição foi muito divertida, pois o Mário estava nos seus dias de boa disposição, resolvendo pregar algumas partidas. A que obteve melhor resultado foi uma aranha a fingir abanando as pernas que ele prendeu a um fio de nylon e pendurou num ramo do arbusto próximo. O Mário fez isto enquanto a Zé e a Ana foram buscar o almoço. O David pôs-se a rir.

- Vais ver a cara da Ana quando der pela aranha! - exclamou ele. - A Zé diz sempre que não tem medo de aranhas, mas uma assim tão grande é de arrepiar.

Era verdade! A Ana não deu por ela até estar a comer os seus morangos, cobertos com as natas que a mãe do Mário mandara. De súbito descobriu a aranha abanando ligeiramente com o vento, presa pelo fio, mesmo acima da cabeça da Zé.

- Ooooooooooh! - exclamou ela arrepiada. - Ó! Zé Tem cuidado! Está uma aranha gigante mesmo acima da tua cabeça!

- Então a Zé tem medo de aranhas? - disse logo o Mário, fingindo-se admirado. - Isso é mesmo duma menina.

A Zé fitou o Mário, furiosa. - Não me fazem a menor impressão - disse ela, friamente.

- Ainda bem que não tens medo - disse o Mário. - De contrário teria que te tratar por Maria José; é o teu verdadeiro nome, não é verdade?

- Zé, sai daí! -gritou a Ana, entornando os morangos, tão aflita estava. - Está quase a chegar à tua cabeça, garanto-te! Tem as pernas a mexer e vai prender-se ao teu cabelo. Zé, olha que é enorme! Naturalmente trata-se de algum desses bichos esquisitos, uma tarântula ou coisa parecida.

O vento soprou ligeiramente e a aranha moveu-se com a maior veracidade. Até o David se sentiu satisfeito por ela não ser verdadeira. A Zé não resistiu a olhar para cima, fingindo estar absolutamente desinteressada, mas ao ver a enorme aranha mesmo acima da sua cabeça, deu um salto, tropeçando nas pernas do Mário, fazendo-o entornar os morangos.

- Então, Maria José - disse o arreliador Mário, apanhando os morangos. - Disseste que não te importavas com as aranhas. Vou tirar aquela dali, para poderes voltar ao teu lugar.

- Não! Não! Não lhe toques! -pediu a Ana. Mas o Mário, fazendo cara de pessoa valente, inclinou-se, tirando a aranha do arbusto, presa pelo fio. Esta passou perto da Ana, que logo se afastou.

Depois o Mário fê-la “andar” sobre o joelho do David e o Tim foi logo ver o que era. O Binky também foi e deu-lhe um safanão quebrando o fio de nylon que a segurava.

- Burro! - disse o Mário, dando uma palmada no Binky. - A minha linda aranha domesticada! Fazia teias tão bonitas! Apanhava moscas tão bem!

- O quê, é domesticada?-repetiu a Ana, cheia de horror.

- Mais ou menos - disse o Mário, metendo a aranha no bolso com cuidado, todo sorridente.

- Já chega, Mário - disse o Júlio. - Acabou-se a brincadeira.

A Zé fitou o Mário encarnado como um tomate... - Uma brincadeira, uma partida! Espera pela paga, Mário! Não chamo a isto uma partida, chamo uma estúpida brincadeira de mau gosto. Bem sabes que a Ana detesta aranhas.

- Mudemos de assunto - apressou-se a pedir o David. - Que vamos fazer esta tarde?

- Bem, o que me apetecia sei eu - disse o Júlio.

- Apetecia-me tomar um banho; está tanto calor! Se estivéssemos em Kirrin passaria toda a tarde dentro da água.

- Quem me dera estar em Kirrin - disse a Zé, de mau humor.

- Se realmente vocês querem tomar banho posso levá-los a uma lagoa-declarou o Mário, esforçando-se por voltar a cair nas boas graças dos outros.

- Uma lagoa? Onde? - perguntou o David, com vivacidade.

- Vêem o campo de aviação ali em baixo?

- disse o Mário, apontando. - E vêem este regato onde vão buscar a água? Ele corre pela montanha, junta-se a outros dois ou três regatos e acaba numa lagoa estupenda, perto do campo de aviação. A água é fresca e límpida. Tenho lá tomado banho muitas vezes.

- Deste-nos uma boa novidade - disse o Júlio. - Como almoçámos agora, não podemos ir já a tomar banho. A Ana e a Zé com certeza vão lavar a loiça e guardar as sobras do almoço. Ficamos aqui até elas acabarem, descansamos um pouco e depois partimos para a lagoa.

Todos concordaram e as pequenas foram logo até ao regato.

- Se o Mário faz mais alguma das suas brincadeiras idiotas, hei-de vingar-me! - disse a Zé à Ana. - Estou com bastante vontade de lhe dar um bom mergulho na lagoa.

- Ele é simpático, Zé - disse a Ana. - Na escola também se porta assim, segundo o David contou. Deve fazer os professores perderem a cabeça!

Em breve se juntaram aos rapazes e descansaram um pouco, enquanto o Tim e o Binky foram juntos, sempre amigos, fazerem as suas pesquisas, ou seja, farejar os buracos e por baixo dos arbustos, muito compenetrados. Quando a Zé lhes assobiou apareceram logo.

- Vamo-nos embora, Tim - disse ela. - Aqui está o teu fato de banho, David, e o teu, Júlio. Ainda bem que os trouxemos!

- E tu, Mário? Não tens aqui fato de banho - lembrou o Júlio.

- Passamos muito perto da quinta - disse o Mário. - Quando nos aproximarmos eu deixo-os e vou buscar o meu. Se for a correr não me demorarei mais de cinco minutos.

Partiram pelo monte abaixo, para os lados do campo de aviação. Tirando os aviões que haviam visto nessa manhã, não ouviram nem viram mais nenhum. Parecia um campo com pouquíssimo movimento.

- Esperem até que eles comecem a experimentar os novos bombardeiros de que me falou o meu primo!-disse o Mário.-São tão rápidos que ultrapassam a barreira do som cada vez que sobem!

- O teu primo deixar-nos-á um dia visitar o campo de aviação? - perguntou o Júlio. - Gostava imenso. Não é coisa que interesse às raparigas mas o David e eu adorávamos.

- Eu também gostava! - afirmou logo a Zé.

- Interessa-me tanto como a vocês!

- Mas tu és uma menina -disse o Mário.

- E as meninas não percebem absolutamente nada sobre aviões, automóveis ou barcos, ou ... aranhas! Não acredito que estejas na verdade interessada, cara Maria José!

- Não me chamo Maria José - disse a Zé, furiosa. -E não me trates por “cara”!

- Calem-se vocês dois!-ordenou o Júlio, - Está uma tarde demasiado agradável para discussões. Olha, Mário, aquela não é a tua quinta? Viemos até aqui muito depressa, por ser tudo a descer, claro está.

- Vamos, Binky! Vamos a casa e já voltamos!

- disse o Mário. - Não me demoro, Júlio. Sigam sempre a direito e vão até àquele pinheiro muito alto que se vê ao longe. Quando lá chegarem eu também ali estarei.

O Mário foi a correr a toda a velocidade enquanto os outros se dirigiam devagar para o pinheiro. Que delícia poderem tomar banho numa lagoa!

O Mário era na verdade um bom corredor! Quando iam a chegar ao pinheiro, apareceu atrás deles, com o fato de banho ao ombro e tão ofegante que mal podia falar.

- É por ali - disse ele. -Olhem a lagoa!

E lá estava ela, com um lindo tom de azul e tão calma que parecia um espelho. Relva verde e macia cobria as margens e viam-se umas árvores altas num dos lados.

As cinco crianças correram para a lagoa, satisfeitas, mas de súbito depararam com uma grande tabuleta, pregada numa árvore.

PERIGO!

NINGUÉM DEVE APROXIMAR-SE PROPRIEDADE DO ESTADO

- Santo Deus, que quer isto dizer? - perguntou o David, desanimado. - Afinal não podemos tomar banho!

- Não liguem importância a isso! -exclamou o Mário. - Não significa nada!

Mas significava, como em breve iriam verificar!

 

                   UM BANHO INTERROMPIDO

- Como pode a tabuleta não significar nada? -perguntou o Júlio. -Então para que está aqui?

- Há tabuletas iguais a esta a toda a volta do campo de aviação - explicou o Mário, despreocupadamente. - Dizem para ninguém se aproximar porque é perigoso. Mas não é verdade. Só aqui estão aeroplanos; nem bombas, nem canhões, nada. É um lugar bem sossegado aqui no sopé do monte.

- Porque não perguntas ao teu primo qual a razão das tabuletas? - perguntou o David. - Deve haver um motivo!

- Já lhes disse que essas tabuletas foram postas há imenso tempo - afirmou o Mário, parecendo zangado. - Devem ter sido necessárias algumas vezes mas não agora. Podemos aqui tomar banho e fazermos o que nos apetecer.

- Está bem, mas espero que saibas o que estás a afirmar - disse o Júlio. - Confesso que também não compreendo a necessidade de pôr aqui tabuletas, pois não há nenhum arame farpado, nem nenhum muro a impedir a entrada.

- Então vamos vestir os fatos de banho-propôs o David. - Vocês, meninas, podem vestir-se atrás daquele arbusto e nós ficamos neste. Despachem-se.

Em breve encontravam-se todos em fato de banho e mergulhavam na lagoa que era bastante profunda. A água estava deliciosamente fria e era muito límpida, tal como na nascente. Os dois cães saltaram para a lagoa muito satisfeitos e nadavam com toda a força, sempre às voltas. Os pequenos atiravam-lhes água e o Tim começou a ladrar muito excitado.

- Cala-te, Tim - ordenou logo o Mário.

- Porquê? - perguntou a Zé, nadando.

- Alguém do campo de aviação pode ouvi-lo - disse o Mário.

- Tu asseguraste que não fazia mal estarmos aqui-lembrou a Zé.-Toma cuidado!

A Zé mergulhou e foi nadando por baixo de água até apanhar uma perna do Mário, puxando-o para baixo. Ele desatou a gritar e a espernear, mas a Zé tinha força e deu-lhe um valentíssimo mergulho. O Mário voltou à superfície com a cara arroxeada.

- Eu preveni-te de que me vingaria da brincadeira da aranha - gritou a Zé, nadando para longe. O Mário nadou atrás dela e andaram os dois dum lado para o outro sem que o pequeno conseguisse alcançar a Zé, pois ela era uma esplêndida nadadora. Os outros seguiam com interesse aquela perseguição.

- Eu sou pela Zé - disse o David. - Ela nada melhor do que a maior parte dos rapazes. Fez muito bem em pôr o Mário no seu lugar. Agora não se interessará tanto por aranhas e outras brincadeiras estúpidas no mesmo género.

O Tim recomeçou a ladrar quando viu o Mário a perseguir a Zé, e o Binky imitou-o.

- Cala-te, Binky - gritou o Mário. - Já te disse! CALA-TE!

Antes de Binky obedecer ouviu-se uma voz forte, vinda do outro lado da lagoa.

- Que vem a ser isto? Estão a infringir a lei. Não viram a tabuleta?

Os cães pararam de ladrar e as cinco crianças olharam em volta, para verem quem estava a dirigir-se-lhes.

Era um homem com o uniforme das Forças Aéreas, um homem alto, forte e de cara vermelha.

- Que se passa? - perguntou o Júlio, nadando em direcção ao homem. - Estamos só a tomar banho. Não estamos a fazer mal nenhum.

- Não viram a tabuleta? - gritou o homem, apontando para a árvore onde ela estava pregada-.

- Vimos, mas não nos pareceu haver aqui nenhum perigo - disse o Júlio, arrependido de ter acreditado no Mário.

- Saiam já daí - ordenou o homem. - Saiam todos. Depressa!

Nadaram para a margem e a Ana sentia-se assustada. Os cães também saíram da lagoa e ficaram a olhar para o homem, pouco satisfeitos. O militar ficou um pouco mais calmo quando viu os dois cães.

- Foram estes cães que eu ouvi ladrar? Bem, agora vejo que são todos crianças, embora aquele ali já tenha idade para ter juízo - disse ele, apontando para o Júlio. - Julguei que fossem turistas, resolvidos a visitar o campo de aviação sem mais nem menos.

- Nunca aqui aparecem turistas - observou o Mário, sacudindo a água do cabelo.

- E crianças ajuizadas também não - respondeu o homem.-Parece-me que estou a conhecer-te. Foste tu que um belo dia resolveste entrar no hangar com a maior desfaçatez, não é verdade? E até levavas esse cão.

- Ia só procurar o meu primo, o primeiro-tenente Thomas - explicou o Mário. - Não estava a fazer nenhum mal. Não andava a espiar. Já lhe disse que só queria ver o meu primo!

- Pois hei-de contar tudo ao sr. tenente - disse o homem. - E vou pedir-lhe para te arranjar um cartão de livre trânsito. Nós temos instruções precisas para mantermos afastado seja quem for. Há tabuletas por toda a parte.

- Então devem estar a experimentar qualquer coisa muito importante - disse o Mário com um sorriso.

- Como se eu fosse dar-te explicações! - exclamou o homem, aborrecido. - Quanto a mim parece-me que por este sítio não há nada de especial, é tudo calmo e aborrecido. Eu cá até gostava que aparecesse um “monte” de turistas, para animarem estas paragens. Mas ordens são ordens, como devem saber.

O Júlio achou que era tempo de acabar com a conversa. O homem estava apenas cumprindo o seu dever e o Mário fora um palerma afirmando que as tabuletas não significavam nada.

- Bem, pedimos desculpa por termos infringido a lei - disse ele, na sua voz clara e agradável. - Prometo-lhe que não voltaremos a tomar banho aqui. Desculpe termos obrigado o senhor a andar tanto para nos avisar.

O guarda das Forças Aéreas fitou o Júlio com respeito. Havia qualquer coisa naquele rapaz que inspirava confiança e o homem ficou com a certeza de que a culpa fora toda do Mário. Sorriu e fez uma ligeira saudação.

- Está bem - disse ele. - Desculpem ter-lhes encurtado o banho, num dia assim tão quente. E... e se esse malandrete - apontou o Mário - quiser pedir ao sr. tenente Thomas uma licença para tomar banho nesta lagoa, a horas determinadas, por mim não me importo. Nem apareço ao ouvir cães a ladrar e uma grande gritaria, se souber que têm licença para estar aqui certas horas.

- Obrigado - disse o Júlio.-De qualquer maneira só tencionamos demorar-nos alguns dias.

- Então adeus!-despediu-se o homem cumprimentando todos e afastando-se.

- Ora - disse o Mário, muito à vontade. Que maçada ele ter vindo estragar o nosso banho. E não andam a fazer nada secreto...

- Cala-te - ordenou o David. - Não ouviste o que ele disse “ordens são ordens”? O guarda não é nenhum estudante palerma, arranjando pretextos para não cumprir os seus deveres, como tu no colégio, Mário, e muitos outros. Ele é um homem com um uniforme; cresce e aparece, Mário!

- Concordo - disse o Júlio. - Por isso é melhor não falarmos mais no assunto. Tu andaste mal, Mário, e é tudo. Agora precisamos de nos secar para irmos à quinta perguntar à tua simpática mãe se nos pode arranjar mais alimento para as nossas refeições no acampamento. O banho abriu-nos o apetite.

O Mário ficou bastante sucumbido. Lançou um olhar à Zé, para ver se ela iria fazer troça da sua asneira, mas a Zé era incapaz de sentir-se satisfeita com as faltas cometidas pelos outros. O Mário ficou aliviado.

- Posso pedir ao meu primo uma licença para tomarmos banho na lagoa? - perguntou o Mário, quando já iam a caminho, vestidos e calçados.

- Acho que não - disse o Júlio. - Mas de qualquer maneira gostaria de conhecer o teu primo.

- Talvez nos leve num avião - disse o Mário cheio de esperanças, alegrando-se com a ideia.

- Oh, olhem para ali! Lá vem o malandro do Chico com o porquito!

O Chiquinho com o Gorducho ao colo, parecia muito cansado.

- Pareces o menino duma história que eu li - disse o Júlio, metendo os dedos pelos caracóis do pequenito. -Ele roubou um porquinho e fugiu, levando-o debaixo do braço.

- Mas este porquinho é" meu - disse o Chiquinho surpreendido. - Não o roubei. Vim à vossa procura porque a minha mãe convidou-os para o lanche.

- Tu tens uma mãezinha muito boa! - exclamou a Ana, dando a mão ao rapazito. - Porque não pões o porquinho no chão? Deve ser muito pesado!

- Fugiu outra vez - explicou o Chiquinho, muito sério. - Por isso levo-o ao colo.

- Põe-lhe uma coleira ao pescoço, com uma corda - sugeriu o David.

- Ele não tem pescoço - disse o Chiquinho e era verdade, o porquinho era tão gordo que a cabeça seguia-se ao corpo sem nenhum pescoço.

O pequeno grupo chegou à quinta e o porquito pôs-se logo a correr, parecendo surpreendido e satisfeito por se encontrar novamente em casa. O Tim arrebitou as orelhas quando o Gorducho começou a grunhir; julgava que ele tinha alguma dor e ficou preocupado! Correu atrás do animalzinho, tentando fazer-lhe festas no focinho.

A srª Thomas viu-os pela janela.

- Entrem! - disse ela. - Convidei-os para lancharem connosco, pois tenho uma visita que devem gostar de conhecer.

- Quem é? - gritou o Mário, correndo para dentro de casa.-Oh, é o meu primo Alfredo! Júlio, David, olhem, é o meu primo Alfredo, do campo de aviação. Primeiro-Tenente Aviador Thomas! Aquele de quem lhes falei! Alfredo, apresento-lhe os meus amigos Júlio, David, Ana, Maria José, quer dizer, Zé, e o Tim!

Um homem novo e muito bem parecido levantou-se, sorrindo. Os Cinco fitaram-no, simpatizando com ele. Que jovem tão distinto! Que bem constituído e que olhos tão leais! Todos invejaram o Mário, naquele momento, por ter um primo assim! Não admirava que ele tivesse falado tanto sobre o primo aviador!

- Ora vivam! - exclamou o primo Alfredo.

- Muito prazer em conhecê-los. Oh, olhem para o cão!

O Tim caminhara para o tenente e estendera-lhe a pata. - Uuuuf!- fez ele, o que queria dizer: Aperta!

- Como passaste? - disse o primo Alfredo, estendendo a mão ao Tim.

- O Tim nunca faz isto sem o mandarem!

- disse a Zé, admirada. - Deve ter simpatizado muito consigo!

 

                    O PRIMO ALFREDO

- Gosto muito de cães - disse o Alfredo fazendo uma festa na cabeça do Tim. - Este é muito simpático e deve ser espertíssimo.

A Zé concordou, satisfeita. Ela simpatizava com todas as pessoas que elogiavam o Tim.

- Sim, é muito esperto. Já entrou em imensas aventuras connosco. É capaz de se tornar feroz se julga que alguém nos quer fazer mal. Oh, reparem, ele quer de novo cumprimentá-lo!

O Alfredo mais uma vez estendeu a mão e depois o Tim instalou-se ao lado dele como se lhe pertencesse. A Zé não se importou. Gostava tanto do Alfredo como o Tim.

- Conte-nos qualquer coisa sobre o seu trabalho - pediu o David. - O campo a que pertence é bastante original. Não tem uma vedação a cercá-lo, quase se não vêem aviões e não anda ninguém por ali. Fazem muitos voos?

- Presentemente, poucos - disse o Alfredo. - Mas não se iludam pelo facto de não haver vedação à volta do campo! Acreditem-me, o comandante tem logo conhecimento se qualquer estranho entra no distrito e... bem... basta dizer que se tomam as maiores precauções.

- Palavra? - disse a Zé. - Por exemplo, o comandante soube que nós aqui viemos?

- Com toda a certeza - afirmou o Alfredo, rindo. - É natural que ninguém tenha sido indicado para saber quem vocês são e o que fazem aqui. Talvez até os tenham vigiado por algumas horas embora vocês não tenham dado por nada.

Era uma ideia pouco agradável. Vigiados? Como? Por quem? E onde se esconderiam para os vigiar? O David fez estas perguntas ao primo Alfredo mas o jovem tenente abanou a cabeça.

- Desculpem mas não posso responder - disse ele. - Não se preocupem, pois são pessoas de bem e ajuizadas. Naturalmente aqui a minha tia disse algumas palavras a vosso favor, nunca se sabe...

A srª Thomas sorriu, mas não disse nada. Fez um sinal à Ana e à Zé, para a ajudarem a pôr a mesa. O lanche era tão bom como de costume. As pequenas andaram muito atarefadas, distribuindo chávenas e pires, enquanto os rapazes conversavam com o primo Alfredo e lhe faziam imensas perguntas sobre aviões, voos e como isto ou aquilo era feito.

- Ó Alfredo, é possível levar-nos um dia a dar uma voltinha de avião? - perguntou por fim o Mário.

- É natural que não me dêem licença - disse o primo. - Acho mesmo que nem devo pedir. Como sabem os aviões ali são muito especiais, nada o tipo dos aviões para passeios, e...

- Não pense nisso - apressou-se a interromper o Júlio, para não colocar o simpático aviador numa posição difícil. - Nem sonhávamos incomodá-lo. Quando volta a voar? Conseguiremos vê-lo no nosso acampamento?

- Devem conseguir, com um binóculo - respondeu o Alfredo, ponderadamente. - Vou dizer-lhes o número do meu avião, está pintado na parte inferior, como sabem, e assim saberão que sou eu, quando o virem dar uma volta sobre o monte. Mas não vou pôr-me a fazer habilidades, como baixar demasiado, e coisas assim. Só os principiantes idiotas fazem loucuras dessas.

- Hei-de procurar vê-lo - disse o David, invejando o Mário por ter aquele extraordinário primo. - Com certeza que não nos distinguirá mas de qualquer maneira diremos adeus.

O lanche estava pronto e todos se sentaram à mesa. O Chiquinho, que andava dum lado para o outro com o Gorducho debaixo do braço, foi pô-lo no cesto do gato onde ele ficou muito sossegado, adormecendo pouco depois.

O gato não se importa? - perguntou a Zé, admirada, olhando para o cesto.

- Mesmo nada - respondeu a srª Thomas. --No ano passado o gato teve de aturar dois patinhos no seu cesto, e qualquer outro bicho no ano anterior...

- Um cordeirinho - lembrou o Mário.

- Ah, é verdade, e o Tinky, que é o nome do gato, nunca se mostrou contrariado - disse a srª Thomas, servindo o leite a todos, incluindo ao seu sobrinho Alfredo. - Um dia encontrei o gato enroscado à volta dos patinhos, dormindo a sono solto.

- Pobre Tinky!-exclamou o Mário.-Onde está ele? Gostava de saber que tal vai achar o Gorducho. Não se pode enrolar à volta dele, pois o porquito ocupa o cesto quase todo, por ser tão gordo.

O lanche foi muito animado, com as brincadeiras do Mário, que pôs uma colher de açúcar no prato da Ana, para temperar as beterrabas, em vez de sal fino, e ofereceu o sal à Zé, para adoçar os morangos.

As duas pequenas estavam a ouvir o Alfredo, com tanta atenção que nem repararam no que o Mário fizera e ele quase caiu da cadeira a rir, quando viu a cara delas. Morangos com sal! Beterrabas com açúcar!

- Que engraçado, não és? - disse a Zé, aborrecida por ter caído na partida. - Espera pela paga!

Mas o Mário era demasiado esperto para se deixar intrujar e a Zé teve que desistir. De qualquer maneira não conseguia preocupar-se com o Mário, quando o primo Alfredo estava a falar sobre aviões, cheio de vivacidade. Voar era o seu maior prazer e ao escutá-lo os três rapazes resolveram tornar-se aviadores logo que pudessem.

O Chiquinho não prestava grande atenção. Interessava-se mais por bichos do que por aviões. Lanchou com um ar muito sério, olhando para o "porquinho, que. continuava no cesto do gato. Quando queria falar com a mãe, inclinava-se e batia-lhe levemente na mão.

- O Gorducho tornou a fugir - disse ele.

- Foi direito ao tanque dos cavalos.

- Parece-me que te disse para não ires para aí - lembrou-lhe a mãe. - Já uma vez caíste lá dentro.

- Mas o Gorducho fugiu para lá! - exclamou o pequenito com uns olhos inocentes muito abertos.- Tinha que ir atrás dele, não acha? Ele é o meu porquinho.

- Bem, vou dar uma sova ao Gorducho cada vez que ele te levar a um sítio onde não tens ordem de ir - disse a mãe. - Não posso deixá-lo crescer assim desobediente, não achas?

Era assunto para pensar melhor e o Chiquinho lanchou com uma cara muito séria, não ligando importância aos outros.

A Ana observava-o de vez em quando, encantada com aquele pequenito tão bonito e de modos tão engraçados. Como gostaria de ter um irmãozinho assim!

- Bem, é preciso ir-me embora - disse o Alfredo, quando o lanche acabou. - Muito obrigado, tia Sara! Os seus lanches são sempre formidáveis! , Tive muita sorte quando me mandaram para tão perto da Quinta do Barrete! Adeus a todos! Adeus, Tim!

Todos o acompanharam até ao portão; o Tim e o Binky também foram e o Chiquinho acordou o Gorducho e levou-o ao colo, grunhindo e esperneando.

Depois ficaram a ver afastar-se aquele jovem aviador alto e forte.

- Gostaram do meu primo Alfredo? - perguntou o Mário, com vaidade. - Não é formidável? Tenho muito orgulho nele. Dizem que é um dos aviadores mais hábeis de toda a Inglaterra, já sabiam?

- Não, não sabia - disse o David. - Mas não me surpreende. Tem um olhar tão penetrante como um lince e põe no seu trabalho toda a sua alma. Que sorte para ti ele estar tão perto!

- É melhor voltarmos ao acampamento logo que as pequenas acabem de ajudar a srª Thomas a levantar a mesa e lavar a loiça - disse o Júlio, não querendo tornar-se importuno na quinta.

- Mário, podes arranjar-nos mais algumas provisões para o caso de não te vermos amanhã?

- Está bem - disse o Mário, afastando-se a assobiar.

O Chiquinho voltou a aparecer com o Gorducho correndo ao seu lado.

- Olá! - exclamou o David, rindo. - O teu porquinho outra vez?

O Chiquinho também se riu.-Se ele fugir para o vosso acampamento, ficam zangados?

- perguntou, olhando com a maior inocência para o David.

- Ele não deve fazer uma coisa dessas - disse o David muito sério, adivinhando o pensamento do rapazito. Certamente tencionava ir à procura do acampamento e depois diria que fora o Gorducho que fugira para ali! - Ouve, Chiquinho, podes perder-te, se fores para tão longe!

O miúdo não respondeu e foi andando, com o Gorducho correndo à sua frente. Os rapazes resolveram procurar o Mário, pois talvez pudessem ajudá-lo a meter os alimentos dentro do cesto.

- Também é preciso pagar-lhe - lembrou o Júlio procurando o seu porta-moedas. - Ele teve uma boa ideia em juntar o dinheiro para comprar um presente para a mãe. A senhora é uma simpatia.

Em breve os Cinco seguiam a caminho do acampamento. O Mário ficara na quinta, cumprindo as suas tarefas habituais; era necessário ir buscar os ovos, lavá-los e separá-los por tamanhos, com o fim de serem vendidos no mercado.

- Vou lá acima amanhã! - gritou ele depois de se despedir. - Arranjaremos qualquer coisa divertida; talvez visitar as grutas, se quiserem.

As quatro crianças foram subindo pela encosta do Monte do Barrete, conversando, enquanto o Tim seguia à frente, farejando tudo, como de costume.

De repente uma grande borboleta voltejou no ar acabando por pousar numa flor, mesmo em frente da Zé. Era uma borboleta como nenhum deles jamais vira.

- Olhem para ela! - exclamou a Ana, encantada.- Que beleza! Como se chama, Júlio?

- Não faço a menor ideia - disse o Júlio admirado. - "talvez seja uma Fritilária pouco vulgar, embora não estejamos na sua época. O “homem das borboletas” - como se chama ele? - sr. Gringle - disse que este monte é famoso pelas suas borboletas raras e calculo que esta seja uma delas. É linda, não é?

Ficaram a ver a borboleta sobre a flor branca a abrir e a fechar as asas. Devíamos tentar apanhá-la - lembrou o David. - Com certeza o sr. Gringle ficava encantado. Depois poria ovos e começaria uma nova espécie de borboletas, que se espalhariam por todo o país.

- Tenho um lenço muito fino - disse a Ana. - Acho que consigo apanhá-la sem lhe estragar as asas. Podemos metê-la na latinha que o Mário nos arranjou com quadros de açúcar. Procura-a e esvasia-a, David.

Meio minuto depois a borboleta estava dentro da lata, nada magoada, pois a Ana fora muito hábil ao apanhá-la.

- Que maravilhoso insecto! - exclamou o David. fechando a lata. - Agora vamos fazer uma surpresa ao sr. Gringle.

- E aquela mulher com cara de bruxa, a srª Janes? - lembrou a Ana.-Não quero voltar a encontrá-la.

- Eu peço-lhe que salte para a sua vassoura e se afaste, voando - gracejou o Júlio, dando uma gargalhada. - Não sejas pateta, Ana. Ela não pode fazer-te mal.

Continuaram a caminhar, tomando o atalho por onde o sr. Gringle os conduzira. Em breve viram os reflexos do sol nos vidros das estufas. A Ana e a Zé ficaram hesitantes, ao aproximarem-se, e o Tim parou, com a cauda caída.

- Bem, fiquem aqui - disse o David, impaciente. - O Ju e eu não nos demoramos! -E lá foram os dois rapazes, enquanto a Zé e a Ana esperavam a certa distância.

- Deus queira que realmente não se demorem - disse a Ana, preocupada. - Não sei porquê, sinto-me aqui pouco à vontade.

 

                   NOVAMENTE NA QUINTA DAS BORBOLETAS

O David e o Júlio dirigiram-se às estufas das borboletas. Espreitaram pelos vidros mas não viram ninguém lá dentro.

- O sr. Gringle deve estar em casa - disse o Júlio. - Vamos chamá-lo cá fora. Com certeza aparecerá. Também não simpatizo com a srª Janes.

Aproximaram-se do edifício meio em ruínas e gritaram:-Sr. Gringle! Sr. Gringle!

Não houve resposta. O sr. Gringle não apareceu, mas alguém afastou a cortina duma janela do primeiro andar, espreitando para fora. Os rapazes voltaram a chamar para a janela.

- Sr. Gringle! Temos uma borboleta para o senhor!

A janela abriu-se aparecendo a velha srª Janes, mais semelhante a uma bruxa do que nunca.

- O sr. Gringle não está! - disse ela.

- E o seu amigo, o sr. Brent, aquele que nós ainda não conhecemos?-perguntou o David. - Está em casa?

A velhota ficou a olhar para eles, disse qualquer coisa incompreensível e de repente desapareceu da janela.

O David olhou para o Júlio, surpreendido.

- Porque desapareceu ela tão subitamente? Até me deu ideia de que alguém a puxou para trás. Júlio, não estou a gostar disto.

- Julgas que o filho da srª Janes está em casa?

Aquele que ela diz tratá-la mal? - sugeriu o Júlio também intrigado.

- Não sei - disse o David. - Vamos dar uma vista de olhos aqui à volta. Talvez o sr Gringle esteja em qualquer sítio, apesar do que afirmou a srª Janes.

Deram uma volta à casa e espreitaram para uma velha arrecadação. Não estava lá ninguém Depois ouviram passos e voltaram-se logo. Um homem dirigia-se para eles, baixo e magro, com uma cara-de-poucos-amigos e óculos escuros Levava na mão uma rede de caçar borboletas e cumprimentou os dois rapazes.

- O meu amigo Gringle não está - disse ele.

- Posso ser-lhes útil nalguma coisa?

- É o sr. Brent, não é verdade? - perguntou o David. - Sabe, nós encontrámos uma borboleta pouco vulgar. Por isso é que aqui viemos.

Abriu a lata onde a borboleta estava muito sossegada, comendo um grão de açúcar que ficara no fundo.

- Uuuum! - fez o senhor, examinando-a de perto. - Realmente é um belo exemplar. Vou comprá-lo por cinco xelins.

- Pode ficar com ele de graça - disse o David.

- Que espécie de borboleta é?

- Não posso dizer sem a examinar melhor - respondeu o sr. Brent, pegando na caixa e voltando a fechá-la.

- Mas não é uma espécie das “fritilárias”?

- perguntou o Júlio. - Pensámos que fosse.

- É possível - disse o sr. Brent, apressando-se a meter duas moedas na mão do Júlio. - Aqui tem. Muito obrigado. Não me esquecerei de contar ao sr. Gringle que aqui vieram.

Voltou-se de repente e foi-se embora com a rede de borboletas ao ombro.

O Júlio ficou a olhar para o dinheiro que tinha na mão.

- Que sujeito tão extraordinário - exclamou.

- Ele e o sr. Gringle formam um par muito caricato! Que vamos fazer aos cinco xelins? Não os quero para nada.

- Talvez consigamos dá-los à pobre srª Janes - lembrou o David, sempre generoso. - Tem aspecto de quem recebe apenas um xelim por semana! Pobre criatura!

Voltaram até à porta da frente da casa esperando encontrar a velhota e, depois duma certa hesitação, bateram à porta. Esta abriu-se, aparecendo a srª Janes, resmungando, como sempre.

- Vão-se embora! O meu filho deve estar a chegar! Vai bater-me. Não gosta de pessoas estranhas. Já lhes disse que se vão embora!

- Está bem - disse o David. - Olhe, tem aqui uma coisa para si - e o pequeno pôs as duas moedas na mão da velha. Ela ficou a olhar para o dinheiro como se não pudesse acreditar e depois, muito depressa, escondeu-o num dos seus sapatos velhos. Quando se endireitou tinha os olhos cheios de lágrimas.

- Os meninos são bons - murmurou ela, batendo-lhes ligeiramente nos ombros. - Os meninos são bons. Não venham aqui. O meu filho é muito mau. Não venham aqui!

Os rapazes afastaram-se, silenciosos, não sabendo a que conclusão chegar. Afinal o Mário conhecia o filho da srª Janes, pois trabalhava na quinta. Porque repetiria a velhota que o seu filho era muito cruel? Certamente estava um tanto maluca para falar daquela maneira!

- Deve ser uma vida curiosa, naquela casa - observou o David, quando foram ter com as pequenas. - Dois “homens das borboletas”, ambos bastante caricatos. Uma velha com aspecto de bruxa, muito extraordinária. E um filho que parece aterrá-la. Proponho que não voltemos lá nem mais uma vez.

- Concordo - aprovou o Júlio. - Olá, meninas! Esperaram muito tempo?

- Bastante - disse a Ana. - Já íamos mandar o Tim à vossa procura. Pensámos que os tivessem transformado em ratos ou coisa parecida.

Os rapazes contaram às duas pequenas o que se passara com o sr. Brent e a história dos cinco xelins e da srª Janes. - Deve ser uma vida divertida - comentou o David. - Acho que não voltaremos lá, por mais borboletas raras que encontremos. Estou convencido de que aquela era uma “fritilária”, não estás, Júlio?

- Estou, e fiquei admirado por o sr. Brent não concordar logo - disse o Júlio. - Tenho a impressão de que o sr. Gringle é quem percebe do assunto. O sr. Brent deve fazer o trabalho maçador. Toma conta das larvas e coisas assim.

Finalmente chegaram ao acampamento e o Tim foi logo até à “despensa”. Mas a Ana não consentiu. - Não, Tim. Ainda falta bastante para a hora do jantar. Não tens sorte nenhuma!

- Que vamos fazer? - perguntou o David, deitando-se na relva.-Está outra tarde de sonho!

- Pois sim, mas não gosto muito do aspecto do céu para o lado oeste - disse o Júlio. - Vêem aquelas nuvens ali, aproximando-se devagar, contra o vento? Parece-me que amanhã vamos ter chuva.

- Que maçada! - exclamou a Zé. - O tempo bom devia conservar-se pelo menos por uma semana. Que faremos se chover? Ficaremos metidos nas barracas durante todo o dia, acho eu.

- Anima-te, poderemos ir ver as grutas - lembrou o David. - E para já vamos buscar a nossa telefonia portátil. Se houver alguma música boa, será delicioso ouvi-la aqui no monte!

- Está bem, mas pelo amor de Deus não a ponham muito alto - pediu a Ana. - Eu não suporto as pessoas que levam rádios para o campo e os fazem tocar com toda a força, estragando o sossego e tranquilidade dos montes. Dá-me vontade de desfazer-lhes as telefonias aos pontapés!

- Oh, Ana, nunca te vi tão zangada!-exclamou a Zé, olhando com surpresa para a prima.

- Tu não conheces a nossa pacata irmã Ana tão bem como nós, Zé - disse o Júlio, piscando o olho. - Torna-se uma fera se acha que alguém está a incomodar os outros. Uma vez tive que a impedir de desatar à descompostura a um grupo, num piquenique, por insistirem em tocar uma grafonola, apesar dos olhares aborrecidos das outras pessoas que se encontravam perto. Estou convencido de que a Ana tencionava tirar o disco da grafonola e parti-lo na cabeça dum dos donos!

- Oh, Jo! Como podes dizer uma coisa dessas!- exclamou a Ana.-Senti vontade de fazer isso, Mas realmente não fiz nada.

- Está bem, minha querida Ana - disse o Júlio, com ternura, fazendo-lhe uma festa na mão. Tanto ele como o David adoravam a sua irmãzita, sossegada e bondosa, e tomavam conta dela cuidadosamente.

- Bem, vamos ouvir música - disse a Ana, sorrindo. - Esta tarde tocam a Sinfonia Pastoral, mas não me lembro a que horas. Será maravilhoso ouvi-la aqui no campo, com este panorama que se estende à nossa frente. Mas não ponham alto demais, por favor!

O Júlio foi buscar a pequena telefonia de pilhas e tirou-lhe a capa impermeável. Ligou-a e ouviu-se uma voz forte, o Júlio reduziu o som.

- Deve ser o noticiário das sete horas - disse ele. - Querem ouvi-lo?

Mas era o fim das notícias e em breve ouviram música. Sim, seguia-se a Sinfonia Pastoral. Ouviram-se as primeiras notas, parecendo encher de música o campo em volta. Os quatro instalaram-se na relva para escutarem, meio reclinados, seguindo as mudanças de colorido na paisagem, à medida que o Sol descia.

As nuvens no horizonte tornavam-se mais espessas e em breve o Sol desaparecia atrás delas. Que pena!

Então, mais forte do que a música, ouviu-se outro som: era o motor dum avião.

- R-r-r-r-r-r-r-r! R-r-r-r-r-r-r! R-r-r-r-r-r-r-r! Era tão forte que o Júlio e o David se puseram em pé e o Tim começou a ladrar com toda a força.

- Onde estará o avião? - disse o David, intrigado. - Parece muito perto. Talvez seja o Alfredo.

- Lá está ele! Vem por cima do monte! -exclamou o Júlio, e enquanto falava, um pequeno aeroplano apareceu dando uma volta antes de aterrar no campo.

As quatro crianças distinguiram perfeitamente o número pintado na parte inferior. - 5-6-9 - começou o Júlio, e o David deu um grito.

- É o avião do Alfredo! Tem aquele número! Digam todos adeus!

Todos se puseram a acenar embora estivessem convencidos que o Alfredo não os veria, ali metidos no acampamento, na encosta do monte. Viram o avião descer até ao aeródromo e aterrar sem novidade na pista. Depois acabou por parar.

O Júlio olhou pelo binóculo e viu uma pessoa a saltar do avião. - Até aposto que é o tenente Alfredo! -exclamou ele. -Quem me dera ter um avião para voar sobre os montes, até muito longe!.

 

                   UMA NOITE DE TEMPORAL

Os quatro em breve começaram a preparar a última refeição daquele dia e o Tim andava dum lado para o outro fingindo ajudar, sempre na esperança de o deixarem levar na boca um pão ou uma fatia de presunto. Mas não teve sorte!

Quando se sentaram o Júlio olhou novamente para o céu, do lado oeste.

- Vem chuva com certeza - disse ele. - Aquelas nuvens cobriram metade do céu e fizeram desaparecer o Sol. Acho que devemos armaras barracas.

- Também concordo - disse a Zé.

- E será melhor despacharmo-nos - acrescentou o David. - Senti há pouco uma aragem bem fria - a primeira aragem assim fresca desde que chegámos. Esta noite com certeza teremos de nos embrulharmos nos cobertores.

- Então vamos buscar as coisas que estão por baixo do arbusto maior - lembrou o Júlio. - Não demorará muito tempo a armar as barracas se todos ajudarem.

Três quartos de hora mais tarde as barracas estavam armadas, ficando ao abrigo do grande arbusto.

- Foi um belo trabalho - disse o David, satisfeito. - Será preciso um tufão para levar as barracas pelos ares. Aqui ficamos muito bem. Vamos buscar mais tojo para o juntarmos nas barracas.

Como precisaremos de cobertores para nos embrulharmos e não para nos deitarmos em cima, devemos fazer as nossas camas o mais macias possível.

Juntaram o tojo nas barracas, cobriram-no com as gabardinas e depois foram examinar o céu. Não havia dúvida, ia chover e talvez houvesse um pequeno temporal. No entanto podia limpar no dia seguinte, tornando-se o tempo tão bom como anteriormente. Se assim não acontecesse iriam explorar as grutas de que lhes falara o Mário.

Era quase noite e as crianças resolveram ir todas para a mesma barraca e abriram novamente o rádio. Chamaram o Tim mas ele preferiu ficar lá fora.

Começaram a ouvir telefonia e quase em seguida o Tim pôs-se a ladrar. A Zé apagou logo o rádio.

- É a maneira de ladrar do Tim quando nos quer prevenir de que alguém se aproxima - disse a Zé.-Quem será?

- O sr. Gringle a caçar borboletas! - exclamou a Ana, rindo.

- Ou a srª Janes à procura de coisas para fazer feitiços - lembrou a Zé.

Todos riram.-Idiotas!-exclamou o David. - Embora esteja uma boa noite para bruxedos!

O Tim continuava a ladrar e o Júlio espreitou para fora da barraca. - Que se passa, Tim? - perguntou ele.-Quem vem aí?

- Béu! Béu! -fez o Tim, não se voltando para o Júlio, parecendo observar alguma coisa ou alguém, na meia-luz.

- Talvez seja algum ouriço - lembrou a Zé, de dentro da barraca. - Ladra-lhes sempre, pois sabe que não os pode apanhar.

- Talvez tenhas razão - disse o Júlio. - Mas-acho melhor ir ter com o Tim para ele me conduzir até àquilo que o faz ladrar. Sempre gostava de saber. É certo que ele ouve ou vê qualquer coisa!

O Júlio saiu pela abertura da barraca e foi ter com o Tim. - Vamos, Tim - disse ele. - Quem é?

O Tim abanou a cauda e correu em frente do Júlio. Mostrava bem não ter dúvidas sobre a direcção que queria tomar. O Júlio seguiu-o, tropeçando nas plantas, arrependido por não ter levado a sua lanterna, pois naquela altura era quase noite.

O Tim foi correndo pelo monte abaixo, em direcção ao aeródromo, depois contornou um arbusto e parou, voltando a ladrar. O Júlio viu uma sombra movendo-se e resolveu chamar:

- Quem está aí?

- Sou eu, o sr. Brent - respondeu uma voz aborrecida e o Júlio viu um pau comprido com aquilo que parecia uma rede na ponta. - Vim examinar as nossas ratoeiras de mel antes que a chuva leve as borboletas nocturnas que ali estão a alimentar-se.

- Oh!-exclamou o Júlio. - Devia ter pensado nisso quando o Tim ladrou. O sr. Gringle também anda por aqui?

- Anda, por isso se o seu cão ladrar novamente, já sabe que somos nós - disse o sr. Brent. - Andamos muitas vezes por estes sítios durante a noite. Este monte é tão bom para borboletas nocturnas como diurnas. Não consegue fazer com que esse cão pare de ladrar? Está muito mal ensinado!

- Cala-te, Tim - ordenou o Júlio e o cão fechou a boca, obediente, mas continuou com o pelo eriçado, observando o homem no escuro.

- Vou até à próxima ratoeira de mel - disse o sr. Brent. - Por isso pode voltar com esse cão barulhento para o sítio onde estiverem acampados.

O sr. Brent foi-se afastando iluminando o seu caminho com uma lanterna.

- Estamos na encosta do monte, um pouco mais para cima - exclamou o Júlio. - Tem uma lanterna, foi uma pena não ter trazido a minha.

O homem não respondeu. Continuou vagarosamente, tornando-se cada vez mais apagada a luz da sua lanterna. O Júlio começou a subir pelo monte, tencionando voltar às barracas, mas no escuro não era muito fácil. Desorientou-se afastando-se demasiado para a direita. O Tim ficou intrigado e foi bater-lhe de mansinho na manga.

- Vou enganado? - perguntou o Júlio. - Por um pouco perdia-me neste monte solitário! David! Zé! Ana! Respondam, sim? Não sei onde estou!

Mas afastara-se tanto que os outros não o ouviram e o Tim teve que guiá-lo por um bom bocado até o Júlio ver a luz das lanternas dos companheiros brilhando um pouco mais acima. Sentiu-se muito satisfeito. Não tinha o menor desejo de apanhar uma carga de água na encosta desabrigada do Monte do Barrete!

- És tu, Júlio? - chamou a Ana, ansiosa. - Demoraste-te tanto! Perdeste-te?

- Quase! - disse o Júlio. - Fui um palerma por não ter levado a lanterna; felizmente o Tim sabia bem o caminho. Ainda bem que estou de volta. Começa neste momento a chover.

- Para quem estava o Tim a ladrar? - perguntou a Zé.

- Para um dos “homens das borboletas”, o sr. Brent, aquele que o David e eu conhecemos hoje - explicou o Júlio. - Vi só o reflexo dos seus óculos escuros na meia luz e vi a rede das borboletas que levava ao ombro. O sr. Gringle também anda por aí, segundo disse o sr. Brent.

- Mas com que fim, aproximando-se um temporal? - perguntou a Ana, pasmada. - Todas as borboletas nocturnas devem estar bem escondidas.

- Vieram examinar as ratoeiras de borboletas, como eles dizem - explicou o Júlio. - Espalham uma substância pegajosa, como o mel, à volta dos troncos das árvores e as borboletas nocturnas voam às dezenas para ali. Depois eles vão escolher as que lhes interessam.

- Já percebo, o sr. Brent receava que a chuva lhe levasse as borboletas que estavam presas nas tais árvores - disse o David. - Vão os dois apanhar uma bela chuvada, isso é certo. Oiçam a chuva a bater na lona.

O Tim meteu-se na barraca, não gostando de apanhar aqueles grossos pingos de chuva. Sentou-se entre a Zé e a Ana.

- Tu ocupas muito espaço numa barraca pequena como esta, Tim - disse a Zé. - Não consegues encolher-te um pouco?

O Tim não conseguia. Era um canzarrão e gostava de se estender. Recostou a sua cabeça sobre os joelhos da Zé e deu um suspiro profundo. A Zé fez-lhe uma festa.

- Embusteiro! -exclamou ela. - Porque estás a suspirar? Por teres acabado o teu osso? Por estar a chover e não poderes ir lá para fora?

- Que vamos fazer agora? - perguntou o Júlio, colocando a sua lanterna sobre a telefonia, para que a barraca ficasse um pouco iluminada. - Não há nenhum programa de rádio que gostemos de ouvir.

- Trouxe um baralho de cartas na algibeira da minha gabardina - lembrou a Zé, com grande alegria de todos. - Vamos jogar a qualquer coisa.

A Zé foi buscar o baralho, mas era um tanto difícil jogar naquela pequena barraca, com o Tim misturando as cartas exactamente quando acabavam de ser dadas. O temporal cada vez estava mais forte e a chuva fazia os possíveis por passar através da lona da barraca.

O Tim pouco depois recomeçou a ladrar, sobressaltando todos. Passou por cima das pernas dos pequenos e foi meter a cabeça na abertura da barraca, ladrando com toda a força.

- Santo Deus, ias-me provocando um ataque de coração! -exclamou o David, afastando o Tim.

- Aí fora ficas ensopado, Tim. Vem cá, olha que são apenas esses malucos dos “homens das borboletas” apanhando os desgraçados insectos nos troncos molhados. Não te preocupes com eles. Naturalmente estão a divertir-se imenso.

Mas o Tim não parava de ladrar e até rosnou quando o Júlio quis puxá-lo para dentro da barraca.

- Que bicho lhe mordeu? - disse o Júlio, intrigado.-Ó Tim, cala-te! Estás a ensurdecer-nos!

- Qualquer coisa está a perturbá-lo, qualquer coisa fora do habitual - afirmou a Zé. - Escutem, não ouviram um grito?

Todos prestaram atenção mas a chuva caía com toda a força, e o vento era tanto que não deixava ouvir mais nada.

- Bem, acho que não podemos afastar aquilo que perturba o Tim - disse o David. - Não é aconselhável irmos lá fora com este temporal; ficamos encharcados e talvez acabássemos por nos perder.

O Tim continuava a ladrar e a Zé zangou-se:

- Tim! Pára com isso! Estás a ouvir-me? Não quero que ladres mais!

Era tão raro a Zé zangar-se com o Tim que ele voltou-se, surpreendido. A Zé agarrou-o pela coleira, forçando-o a entrar na barraca. - Agora está calado!-ordenou ela. - Seja o que for, nós não podemos fazer nada.

Nessa altura ouviu-se outro barulho, mais forte do que o soprar do vento ou o bater da chuva e os Cinco puseram-se logo à escuta, muito quietos.

- R-r-r-r-r-r-r! R-r-r-r-r-r-r-r! R-R-R-R-R-R! R-R-R-R-R-R-R-R-R-R!

Todos se entreolharam.-Aviões!-exclamou o David.-Aviões, com este temporal! Que terá acontecido?

 

                   O QUE SE PASSOU NAS GRUTAS

Dentro da barraca o grupinho ficou intrigado. Porque descolariam aviões do aeródromo numa noite de temporal?

- Talvez seja para experiências durante os temporais - lembrou o David. - Mas isso seria desnecessário.

- Podem ser aviões a aterrar e não a descolar - sugeriu a Ana.

- É possível, talvez resolvessem abrigar-se no aeródromo, quando o temporal os apanhou - disse o David, mas o Júlio abanou a cabeça.

- Não-disse ele. - Este campo de aviação fica muito desviado das rotas habituais, ninguém se lembraria dele. É muito pequeno; não passa dum campo de experiências. Qualquer aeroplano em apuros poderia facilmente dirigir-se a um aeródromo de primeira classe para se abrigar ou reparar alguma avaria.

- Gostava de saber se o Alfredo iria nalgum dos dois aviões que ouvimos.

A Ana bocejou. - E se nos fôssemos deitar?

- propôs ela. - Esta barraca é tão quente e abafada que estou meia a dormir.

- Vai-se fazendo tarde - disse o Júlio, vendo as horas no seu relógio. - Vocês duas, meninas, e o Tim podem ficar nesta barraca; assim escusam de sair e apanhar chuva. Abotoem a abertura depois de nós sairmos e chamem-nos se precisarem de alguma coisa.

- Está bem. Boa noite, Ju; boa noite, David - disseram as duas, e os rapazes saíram para a chuva. A Ana fechou a abertura e embrulhou-se no cobertor. Depois instalou-se na sua cama de tojo. A Zé fez o mesmo.

- Boa noite - disse a Ana, sonolenta. - Vê se o Tim fica ao teu lado, senão deita-se sobre as minhas pernas e ele é muito pesado.

Os Cinco dormiram toda a noite, profundamente, e quando acordaram na manhã seguinte viram chuva a cair e umas nuvens negras, desanimadoras.

- Que aborrecimento - exclamou o David, espreitando para fora da barraca. - Nós devíamos ouvir o boletim meteorológico para sabermos se o tempo melhora ainda hoje. Que horas são, Júlio?

- São oito - disse o Júlio. - Estamos uns belos mandriões. Agora já não chove tanto. Vamos ver se as pequenas já acordaram. Vestimos as gabar-dinas e vamos lavar-nos no regato.

Tomaram o pequeno almoço - não com tanta alegria como de costume, pois era gente demais para aquela barraca pequena e uma refeição ao sol sempre tinha outra graça. Mas talvez o dia melhorasse e então poderiam ir ter com o Mário, à quinta.

- Acho que a melhor coisa a fazer esta manhã é visitar as grutas - lembrou o David, depois do pequeno almoço. - Recuso-me a jogar as cartas durante todo o dia.

- Todos nos recusamos!-concordou a Zé.

- Podemos vestir as gabardinas para irmos procurar as grutas.

- Veremos pelo mapa onde ficam - disse o Júlio. - É um mapa em escala bastante grande. Deve haver uma estrada ou caminho até às grutas, pois são muito conhecidas. Naturalmente ficam na outra encosta.

- Não tem importância; vamos ver se as encontramos e se não conseguirmos não faz mal. Sempre damos um passeio!-disse o David.

Partiram com bastante chuva, caminhando através do tojo molhado, e o Tim ia saltitando à frente.

- Todos trazem as lanternas de algibeira?

- perguntou o David. - Eu trago a minha. Vão ser precisas nas grutas.

Sim, todos levavam lanternas, excepto o Tim e esse, como a Ana fez notar, tinha uns olhos muito melhores para verem no escuro do que qualquer lanterna!

Foram descendo pelo monte e depois viraram para o norte, indo dar a um caminho largo e um tanto arenoso, onde haviam cortado o tojo bem rente.

- Tem o aspecto de nos levar a qualquer sítio - observou o Júlio, parando.

- Talvez nos conduza a um areal - sugeriu o David!

- Vamos seguindo, para sabermos - disse a Zé, e lá foram eles, conversando. Depois duma curva viram uma tabuleta.

 

                   CAMINHO PARA AS GRUTAS

AVISO É preciso seguir sempre pelas passagens que têm uma corda ao longo da parede.

Não entrar nos túneis que não têm corda. Quem o fizer arrisca-se a perder-se.

- Ora muito bem - disse o Júlio. - Que nos contou o Mário sobre as grutas?

- São muito antigas, têm milhares de anos e têm estalactites e estalagmites - disse a Zé.

- Eu sei o que isso é - disse logo a Ana. - Parecem colunas de cristal suspensas no tecto ou levantando-se do chão.

- As do tecto são as estalactites e as do chão são as estalagmites - explicou o David.

- Nunca consigo lembrar-me quais são umas e quais são as outras - confessou a Ana.

- É fácil! -disse o Júlio. -As estalactites são as suspensas dos tectos. - Os outros riram-se.

- Tites, tectos - repetiu a Ana. - Nunca mais me esquecerei.

O caminho que seguiam tornava-se diferente à medida que se aproximavam das grutas, perdendo o seu aspecto arenoso. Mesmo em frente da porta da entrada o terreno até estava empedrado. Aquela era bastante baixa e tinha sobre a porta superior uma tabuleta branca com três palavras pintadas a preto.

GRUTAS DO BARRETE

O aviso que haviam lido anteriormente estava repetido noutra tabuleta, mesmo a seguir à entrada.

- Lê, Tim! - disse a Zé, vendo o cão olhar para a tabuleta.-E não te afastes!

Logo que se encontraram lá dentro precisaram de acender as lanternas. O Tim ficou admirado por ver as paredes à sua volta brilharem, à luz das quatro lanternas. Começou a ladrar fazendo um eco um tanto assustador.

O Tim não gostou daquilo e foi pôr-se muito encostado à Zé. Ela riu-se. - Anda, palerma. Isto são grutas e tu tens estado em variadíssimas, Tim! Santo Deus, está aqui um destes frios! Ainda bem que trouxe a gabardina.

Passaram por uma ou duas grutas vulgares e depois entraram numa maravilhosa, cheia de estalactites e estalagmites. Nalguns pontos as que saíam do chão juntavam-se às que estavam suspensas do tecto, dando a impressão de que a gruta era sustentada por colunas de cristal.

- Oh!-exclamou a Ana, encantada.-Que maravilha! Como brilham!

- Faz-me lembrar certas catedrais que visitei - disse o Júlio, olhando para o tecto da gruta.

- Não sei bem porquê. Todas estas colunas tão bem trabalhadas... Vamos ver a gruta que se segue.

A gruta seguinte era mais pequena mas tinha algumas lindas estalactites coloridas, que brilhavam à luz das lanternas. - Parece uma gruta de fadas-disse a Ana. -: Cheia das cores do arco-íris.

A outra gruta não tinha cores e era toda dum branco alvíssimo, paredes, tecto, chão e colunas. Tão grande número de estalactites se juntara às estalagmites que parecia formarem uma cortina de neve através da qual as crianças espreitaram, para verem ainda mais colunas.

Chegaram a um sítio onde o caminho se dividia em três. Só o do centro tinha uma corda ao longo da parede. As crianças olharam para o fundo dos outros túneis, que seguiam escuros e aterradores. Que horrível entrar por um deles, perder-se e talvez nunca mais ser encontrado!

- Vamos por o caminho que tem a corda - disse a Zé. - Só para vermos onde vai dar. Naturalmente seguem-se mais grutas.

O Tim correu farejando para um dos outros túneis, e a Zé chamou-o. -Tim! Olha que te perdes! Volta para trás!

Mas o Tim não obedeceu. Começou a correr por ali dentro e os outros zangaram-se. - Ora o maçador! - disse o David. - Que andará a procurar? TIM! TIM!

As últimas palavras ecoaram repetindo-se várias vezes.

O Tim ladrou em resposta e logo as grutas ficaram cheias de estranhos latidos, ecoando por toda a parte e fazendo com que a Ana pusesse os dedos nos ouvidos.

- Béu-éu-éu-éu! - fez o eco como se uma centena de cães estivesse a ladrar. Então o Tim apareceu mostrando-se muito surpreendido com a enorme barulheira que os seus latidos haviam provocado.

- Hei-de meter-te na ordem, Tim! - ralhou a Zé. -Agora não te afastes! Com certeza sabes o que eu quero dizer, depois de ouvires o mesmo durante tantos anos!

O Tim compreendia. Conservou-se sempre perto dos pequenos, enquanto eles seguiam pelo túnel estreito, atravessando uma sucessão de grutas maravilhosas ligadas umas às outras por pequenas passagens ou túneis. Seguiam sempre por aquelas que tinham uma corda ao longo da parede. Muitos dos túneis não tinham corda e os Cinco gostavam de saber onde iriam dar, mas eram suficientemente sensatos para não se meterem em semelhante aventura.

Pouco depois, quando estavam a examinar uma espécie de lagoa gelada, onde se reflectia o tecto branco de neve, como um espelho, começaram a ouvir um barulho muito estranho. Endireitaram-se e puseram-se à escuta.

Parecia um silvo muito alto que atravessava a gruta e quase lhes rebentava os tímpanos. Tornou-se cada vez mais estridente e depois foi desaparecendo, voltando a tornar-se tão forte que as crianças se viram obrigadas a pôr as mãos nos ouvidos. Depois fez-se novamente silêncio.

Aquilo era demais para o Tim. Pôs-se a ladrar dando saltos como doido. Então começou outro barulho, parecia um gemido! Um gemido que ecoava através das grutas, umas vezes mais alto outras mais baixo. A Ana agarrou-se ao David, aterrada.

- Que é isto? - disse ela. - Vamo-nos embora depressa!

E precedidos pelo Tim, assustadíssimos, os Cinco correram à toa para fora das Grutas do Barrete, como se uma centena de cães fosse a persegui-los!

 

                   UMA TERRÍVEL NOTÍCIA

Os Cinco pararam, arquejantes, na saída da gruta, sentindo-se bastante cobardes por terem fugido apenas dum barulho. - Ui!-exclamou o Júlio, limpando a testa. - Era de arrepiar! Aquele silvo meteu-se-me nos ouvidos. Parecia... parecia... o apito dum polícia maluco. E quanto ao gemido... nem sei.

Era horrível - disse a Ana, muito pálida. - Parecia um animal ferido. Nunca mais entro nas grutas, nem por nada. É melhor voltarmos para o acampamento.

Foram andando, pouco animados, pelo caminho arenoso, dirigindo-se ao acampamento. A chuva parara e as nuvens começavam a desaparecer.

Os Quatro sentaram-se numa das barracas e discutiram o sucedido. - Havemos de perguntar ao Mário se costumam ouvir-se barulhos daqueles nas grutas - disse o David. - Custa-me a crer que tenham visitantes, se os ruídos aparecem em todas as ocasiões.

- De qualquer maneira fomos um pouco cobardes - confessou o Júlio sentindo-se envergonhado.

- Então volta às grutas e começa aos gemidos - sugeriu a Zé. - Deves assustar tanto a pessoa que gemia como ela te assustou a ti.

- Deus me livre - disse logo o Júlio. - Não estou para ir brincar aos gemidos.

O pequeno foi procurar o binóculo e pendurou-o ao pescoço.

- Vou dar uma olhadela ao campo de aviação - disse ele. - Só gostava de conseguir ver o Alfredo.

O Júlio pôs o binóculo em frente dos olhos e focou-o na direcção do aeroporto. Depois soltou uma exclamação.

- Hoje andam todos muito atarefados, ali no campo - disse ele, surpreendido.-Vêem-se dezenas de pessoas. Que terá acontecido? E também há imensos aviões. Devem ter chegado esta manhã.

Cada um dos pequenos olhou por sua vez pelo binóculo. O Júlio tinha razão. Qualquer coisa se passava no aeródromo. Vários homens corriam dum lado para o outro. Depois ouviram o barulho de mais um avião que aterrou passados instantes.

- Mais outro avião! - exclamou o David.

- Donde vieram todos eles? Não os ouvimos.

- Devem ter chegado quando estávamos nas grutas - lembrou o Júlio. - Gostava de perguntar ao primo do Mário o que vem a ser todo aquele movimento.

- Podemos ir até à quinta depois do almoço e talvez o Mário saiba alguma coisa - lembrou a Ana e os outros concordaram.

- Felizmente o sol está a aparecer outra vez - disse a Zé, quando o sol quente rompeu detrás duma nuvem. - Em breve o tojo estará seco. Vamos ligar o rádio para ouvirmos o boletim meteorológico. Não estou para levar a gabardina se o tempo melhorar.

Ligaram a pequena telefonia, mas já tinha passado o boletim meteorológico.

- Ora que maçada!-exclamou o David, levantando-se para apagar o rádio, mas nesse momento ouviu três palavras que o fizeram suspender. - Era “Monte do Barrete”! O David ficou parado, ; cheio de surpresa. A voz muito clara do locutor disse: “Os aviões roubados no Monte do Barrete ; eram muito valiosos, pois continham novos inventos. Naturalmente foi essa a causa do roubo. É lamentável, tudo leva a crer, que tenham sido pilotados por dois dos nossos melhores aviadores, os primeiros-tenentes Alfredo Thomas e Ray Wells. Nada se sabe sobre o paradeiro de qualquer dos dois aviões. Desapareceram ambos durante o temporal que caiu sobre o Monte do Barrete, durante : a noite passada.”

Houve uma pausa e depois o locutor prosseguiu : dando outras notícias. O David apagou a telefonia e olhou para os outros muito perturbado; ninguém foi capaz de proferir palavra. “

- Pensar que o Alfredo foi capaz de fazer uma coisa dessas! Um traidor! Levar um avião nosso , para vender a algum inimigo! -exclamou por fim o Júlio, dando voz ao pensamento dos outros.

- Nós ouvimos os aviões!-disse o David. - Eram dois. Devemos ir à polícia contar o que : sabemos, embora seja pouca coisa. Mas é fantástico, o Alfredo fazer uma assim! Simpatizava tanto com ele!

- Também eu - disse a Ana, tristemente.

- E o Tim também - lembrou a Zé. - É raro ele enganar-se sobre uma pessoa.

- Como estará o pobre Mário? - lembrou o David. Ele considerava o seu primo Alfredo o melhor do mundo.

O Tim de repente correu alguns metros e começou a ladrar; daquela vez eram latidos de boas-vindas. O Júlio quis ver quem se aproximava. Era o Mário!

O pequeno foi ter com os outros e sentou-se junto deles. Estava pálido e abatido, embora tentasse sorrir.

- Trago-lhes uma notícia terrível!-disse ele com voz trémula.

- Já sabemos - interrompeu o David. - Acabámos de ouvir pela telefonia. Oh!

Mário, não sei como o Alfredo...

Para grande aflição de todos, o Mário baixou a cabeça, e grossas lágrimas caíram-lhe pela cara.

Ele nem tentou enxugá-las; na verdade nem parecia dar por elas. Ninguém sabia o que fazer, excepto o Tim. O inteligente cão passou por cima do Júlio e foi lamber a cara do Mário, ganindo baixinho. O pequeno pôs o braço à volta do pescoço do Tim e recomeçou a falar.

- Não foi o Alfredo! Ele era incapaz de fazer uma coisa dessas! Vocês concordam comigo, não é verdade? - ele voltava-se para os outros enquanto falava.

- Também me custa a acreditar - disse o Júlio. - Pareceu-me uma pessoa recta e seríssima, embora só o tenha encontrado uma vez.

- Para mim ele era uma espécie de herói - confessou o Mário, começando a limpar a cara com o lenço e ficando muito admirado por o ver tão húmido. - Santo Deus, pareço uma menina a chorar desta maneira! Mas quando a polícia militar foi esta manhã à nossa quinta fazer perguntas sobre o Alfredo, como sabem ele é sobrinho do meu pai, eu nem podia acreditar. Fiquei tão furioso que dei um soco ao homem, e a minha mãe mandou-me sair da sala.

- Mas achas que o teu primo e o outro desapareceram para sempre? - perguntou o Júlio. - E não faltam mais nenhuns pilotos?

- Não, também perguntei isso - disse o Mário, desanimado. - Todos responderam à chamada, esta manhã, no aeródromo, excepto o Alfredo e o Ray. Sabem que o Ray era o maior amigo do Alfredo.

- O caso parece muito feio - disse o David, depois de uma longa pausa.

- Mas não é verdade! O meu primo Alfredo não é traidor! - gritou o Mário, fora de si. - Atreves-te a dizer o contrário?

- Não, não - disse o David. - Não sejas palerma. Eu não... -o pequeno interrompeu a frase, pois o Tim desatou a correr e a ladrar com toda a força. - Quem mais seria?

Uma voz grossa ralhou com o Tim. - Para baixo! Para baixo! Onde estão os teus donos?

O Júlio levantou-se e viu dois polícias militares em frente de Tim. -Vem cá, Tim! -chamou o Júlio. - São amigos!

O Tim correu para o pequeno e os dois homens aproximaram-se. - Vocês são as crianças que estão acampadas aqui no monte? - perguntou um dos homens. - Queremos fazer-lhes algumas perguntas sobre o que se passou na última noite. Estavam aqui, não é verdade?

- Estávamos, sim. E sabemos porque vieram procurar-nos - disse o Júlio. - Vamos contar tudo o que sabemos e estamos absolutamente convencidos de que o tenente Thomas não tem nada a ver com o sucedido.

- Talvez assim seja - disse o polícia. - Bem, sentemo-nos para conversarmos um pouco.

Em breve estavam todos sentados sobre o tojo, e o Júlio contava tudo quanto sabia e que não era muito. Apenas o barulho dos motores dos dois aviões, voando ao mesmo tempo.

- E não ouviram nada de especial na noite passada? - perguntou um dos polícias.

- Nada - afirmou o Júlio.

- Não andava ninguém por aqui? - perguntou o outro homem, levantando os olhos do bloco-notas onde estivera a escrever.

- Sim, havia gente por aqui - respondeu o Júlio, lembrando-se de repente do “homem das borboletas”, o sr. Brent, que dissera andar com o sr. Gringle a ver as ratoeiras de borboletas.

O outro polícia fez mais algumas perguntas e o Júlio e os outros contaram o pouco que sabiam.

- Tem a certeza de que era o sr. Brent? - perguntou o homem.

- Bem, ele disse que era - respondeu o Júlio. - Levava ao ombro uma rede para borboletas. E usava os mesmos óculos escuros que lhe vi pela tarde. Havia muito pouca luz, mas pareceu-me realmente tratar-se do sr. Brent. Não ouvi nem vi o sr. Gringle, mas o sr. Brent disse-me que ele estava um pouco mais adiante. São os dois furiosos coleccionadores de borboletas diurnas e nocturnas.

- Muito bem - disse um dos polícias, enquanto o outro fechava o bloco-notas. - Muito obrigado. Parece-me bom ir fazer uma visita a esses - como lhes chamam? - “homens das borboletas”. Onde moram eles?

As crianças ofereceram-se para ensinar o caminho e todo o grupo acompanhou os dois polícias até quase à Quinta das Borboletas.

- Muitíssimo obrigado - disseram os polícias, ao aproximarem-se da casa meio em ruínas. - Agora vamos sozinhos. Os meninos voltam para o vosso acampamento.

- O senhor é capaz de nos mandar dizer, quando chegar à conclusão de que não foi o meu primo Alfredo? - pediu o Mário, ansioso. - Com certeza ele há-de entrar em contacto com o aeródromo se souber do que se tornou suspeito.

- Tenho pena de ti, rapazinho. O tenente é teu primo, não é? - perguntou o polícia, bondosamente. - Mas é preciso de que se convençam duma coisa. Foi realmente o tenente Alfredo Thomas que levantou voo num dos aviões, na noite passada. Não há dúvidas sobre isso!

 

                   O SENHOR GRINGLE FICA ABORRECIDO

Os dois polícias foram andando para a Quinta das Borboletas e as cinco crianças ficaram a olhá-los, com desânimo. O Tim também estava ali parado, com a cauda caída. Ele não sabia bem o que acontecera, mas calculava que fora uma coisa terrível.

- Bem, não vale a pena ficarmos aqui à espera - disse o Júlio. -Até aposto em como os polícias não conseguem saber nada de interesse pelos “homens das borboletas”. Não devem ter reparado em coisa nenhuma na noite que se passou, excepto nas suas preciosas borboletas.

Iam afastar-se quando ouviram alguém aos altos gritos e pararam à escuta, surpreendidos. - Deve ser a srª Janes-disse o David. - Que lhe terá acontecido?

- Vamos ver - disse o Júlio, e lá foram todos com o Tim até à velha casa. Quando já estavam bastante perto ouviram os dois polícias.

- Acalme-se, senhora! -dizia um deles, numa voz simpática. - Só viemos fazer-lhe umas perguntas.

- Vão-se embora! -gritava a srª Janes, afastando os homens com as suas mãos descarnadas. - Que fazem aqui? Vão-se embora, já lhes disse!

- Oiça, senhora, não seja assim - pedia o outro polícia, com paciência. - Queremos falar com o sr. Gringle e com o sr. Brent. Eles estão em casa?

- Quem? Falar com quem? Oh! os senhores! Saíram com as suas redes - informou a srª Janes.

- Estou aqui sozinha e tenho medo de pessoas estranhas. Vão-se embora.

- Escute - disse um dos homens.-O sr. Gringle e o sr. Brent a noite passada estiveram no monte?

- À noite estou na cama - respondeu a velhota.

- Como posso saber? Vão-se embora e deixem-me em paz.

Os polícias entreolharam-se e encolheram os ombros. Era absolutamente impossível saber qualquer coisa por aquela velhota assustada.

- Já nos vamos - disse um deles, batendo amigàvelmente no ombro da velhota. - Desculpe-nos, se a assustámos. Não tem nada a recear.

Eles voltaram-se seguindo pelo monte e viram as crianças, silenciosas.

- Ouvimos a srª Janes aos gritos - explicou o Júlio. - Por isso viemos ver de que se tratava.

- Os “homens das borboletas”, como vocês lhes chamam, saíram com as suas redes - disse um dos polícias. - Levam uma vida original, apanhando insectos e procurando larvas. Com certeza não sabem nada do sucedido a noite passada. E também não há muito para saber. Dois pilotos fugiram nos seus aviões, sabemos quem são e acabou-se!

- Mas nenhum deles era o meu primo Alfredo!

- afirmou o Mário, com convicção. Os homens encolheram os ombros e seguiram o seu caminho.

Os cinco pequenos voltaram a subir pela encosta, em silêncio.

- Acho melhor irmos comer qualquer coisa - disse o Júlio, por fim. - Já passa muito da hora de almoço. Mário, fica connosco.

- Não posso comer nada - disse o Mário. - Não sou capaz.

- Tragam o que houver, Zé e Ana - pediu o Júlio e as pequenas foram à “despensa”, acompanhadas pelo Tim. Ninguém sentia apetite, mas quando a refeição apareceu em frente deles perceberam que estavam com vontade de almoçar. Só o pobre Mário comeu com esforço uma sanduíche que a Ana lhe preparou, sempre muito pálido e com um ar triste.

O Tim começou a ladrar a meio da refeição e todos se voltaram para ver quem se aproximava. O Júlio julgou ver um movimento a certa distância e foi observar pelo binóculo.

- Parece-me que é o sr. Gringle - disse ele. - Estou a ver a rede. Deve andar apanhando borboletas.

- Vamos chamá-lo - sugeriu o David. - Podemos dizer-lhe porque foi o polícia a sua casa quando ele já tinha saído. Nunca conseguirá saber nada pela srª Janes.

O Júlio chamou-o e ouviu-se uma resposta.

- Ele aí vem - disse o David.

O Tim correu ao seu encontro e em breve o senhor chegava perto dos pequenos, um pouco cansado, pois subira a encosta íngreme, quase a correr.

- Ainda bem que os encontrei - disse ele.

- Gostava que me procurassem umas borboletas difíceis de encontrar. Têm um lindo tom de vermelho-vivo entre as asas e chamam-se Borboletas Cinabar. Vocês podiam...

- Já sei, conheço essa espécie de borboletas - interrompeu o Júlio. - Havemos de procurá-las. Queríamos só dizer-lhe que dois polícias militares foram há pouco a sua casa fazer umas perguntas sobre a noite passada. Como pensámos que a srª Janes "não lhe explicaria nada achámos melhor chamá-lo para pô-lo ao corrente do que se passou.

O sr. Gringle ficou com a cara mais admirada que se pode imaginar. -Mas... mas por que razão foram lá a casa os polícias militares? - perguntou ele por fim.

- Por nada de especial - respondeu o Júlio.

- Era só para lhe perguntar se viu alguma coisa suspeita quando ontem à noite andava no monte à procura das suas borboletas nocturnas. Sabe que dois aviões foram...

O sr. Gringle interrompeu com a maior das surpresas. - Mas, meu menino, ontem à noite eu não saí! Não era possível numa noite assim procurar borboletas, ou ratoeiras ou qualquer outra coisa.

- Mas eu vi o seu amigo - disse o Júlio também surpreendido. - Vi o sr. Brent e ele informou-me que o senhor também andava pelo monte.

O sr. Gringle fitou o Júlio, como se estivesse na presença dum louco, e abriu muito a boca, pasmado. - O sr. Brent! - exclamou ele por fim.

- Mas o Pedro, ou seja o sr. Brent, estava em casa comigo. Estávamos ocupados a escrever os nossos apontamentos!

Seguiu-se um silêncio a esta surpreendente declaração. O Júlio franziu o sobrolho. Que vinha a ser tudo aquilo? Estaria o sr. Gringle a esconder o facto de que ele e o seu amigo haviam estado no monte, na noite anterior?

- Mas eu vi o sr. Brent - repetiu o Júlio, depois duma pausa. - Na verdade estava muito escuro. Mas garanto que vi a sua rede das borboletas e os seus óculos escuros.

- Mas ele não usa óculos escuros! - declarou o sr. Gringle, ainda mais admirado. - Que vem a ser toda essa história? Estão a brincar comigo? Se assim é vou-me embora.

- Um momento - pediu o David, lembrando-se doutra coisa. - O sr. diz que o sr. Brent não usa óculos escuros; então a quem entregámos nós a borboleta ontem à tarde, por volta das seis horas? A pessoa até nos deu cinco xelins e apresentou-se como sendo o sr. Brent.

- Só dizem disparates! -exclamou o sr. Gringle, levantando-se, muito zangado. - Perder o meu tempo com brincadeiras destas! O Brent não usa óculos escuros, já lhes disse. E ontem à tarde, às seis horas, não se encontrava em casa. Fora à vila comprar materiais necessários. Estava comigo e não na quinta. Era impossível encontrá-lo ali! Mas que querem dizer com todos esses disparates dos óculos escuros, cinco xelins por uma borboleta, e terem visto o Brent na encosta do monte na noite passada, quando não saiu de casa?

O sr. Gringle estava em pé, muito zangado, com os seus olhos brilhantes, cintilando por detrás das lentes espessas.

- Tudo isto é extremamente confuso - começou o Júlio.-E nós...

- Confuso! Vocês não passam dumas crianças idiotas e insuportáveis! - gritou o sr. Gringle, fora de si. O Tim deu logo uma rosnadela, levantando-se. Não permitia que ninguém insultasse os seus amigos.

O sr. Gringle foi-se embora, enraivecido, calcando a relva como se estivesse a calcar as crianças. Ouviram-no a falar para consigo enquanto se afastava.

Os pequenos entreolharam-se, verdadeiramente surpreendidos.

- Não sei o que pensar de tudo isto - disse o Júlio, confuso. - Ontem à noite estaria a sonhar? Não, eu vi aquele homem, ou pelo menos entrevi-o, e ele disse que era o sr. Brent e que o sr. Gringle andava por ali. Mas se não era o sr. Brent quem era então? E que andaria a fazer numa noite de temporal, caçando borboletas?

Ninguém conseguia dar ao menos uma sugestão. O Mário foi o primeiro a falar.

- Talvez o homem com quem falaste tenha alguma coisa a ver com o roubo dos aviões. Tudo é possível!

- Não o creio, Mário - disse o Júlio. - É demasiado rebuscado. Não percebo nada da história do sr. Gringle, mas palavra de que não o acho com cara de quem seja capaz de roubar um avião.

- Mas quem era o homem que nos deu os cinco xelins, se não era o sr. Brent? - insistiu o David, intrigado.

- Seria o filho da srª Janes, fingindo-se de sr. Brent só por uma estúpida brincadeira? - lembrou a Zé.

- Como era o homem? - perguntou logo o Mário. - Conheço o Will Janes, pois como lhes disse já esteve várias vezes na nossa quinta. Agora não o queremos porque bebe muito e não é digno de confiança. Descrevam-me esse tal Brent e eu lhes direi se era o Will Janes querendo passar por outra pessoa.

- Era baixo e magro, usando óculos escuros - começou o David, e o Mário interrompeu-o.

- Nesse caso não era o Will Janes! Ele é alto e forte, com o pescoço muito grosso e não usa óculos de espécie nenhuma.

- Então quem seria? E porque resolveria passar por amigo do sr. Gringle? - perguntou o David, confuso.

Todos se puseram a pensar sobre o caso mas ninguém conseguia uma razão plausível, pela qual alguém quisesse fingir ser o sr. Brent!

- Bem, acho melhor acabarmos a nossa refeição - disse por fim a Zé. - Parámos a meio e o resto continua à nossa espera. Queres outra sanduíche de presunto, Júlio?

Todos comiam em silêncio, pensando maduramente no caso. O Mário suspirou. - Acho que esta confusão entre os “homens das borboletas” e qualquer outra pessoa, não tem nada a ver com o roubo dos aviões. Quem me dera que tivesse!

- De toda a maneira, é uma história estranha - disse o David, muito sério. - E o que é mais, aconselho a conservarmos os nossos olhos bem abertos. Qualquer coisa se passa nessa Quinta das Borboletas!

 

                 MAIS NOTÍCIAS E UM PASSEIO DURANTE A NOITE

Os cinco passaram grande parte da tarde conversando sobre o mistério do homem que fingira ser o sr. Brent. Era difícil perceber por que razão alguém fizera uma coisa tão idiota, especialmente podendo ser desmascarado com toda a facilidade.

- Só consigo concluir que anda por aí um louco convencido de que é o sr. Brent!-disse o David por fim. - Não admira que ele não conhecesse a borboleta que lhe demos!

- Sabem o que me parece uma boa ideia? - disse a Zé. -Porque não vamos esta noite até à Quinta das Borboletas, quando escurecer, para vermos se o falso sr. Brent ali está, com o verdadeiro, que nós nunca vimos, e com o sr. Gringle?

- É uma boa ideia - aprovou o Júlio. - Mas só vou eu com o David. Tu e a Ana ficam aqui.

- Eu também posso acompanhá-los - declarou o Mário.

- Concordo - disse o Júlio. - Mas precisamos de ter o máximo cuidado. Pois se realmente se passa ali qualquer coisa anormal, não podemos ser apanhados. Não seria nada agradável!

- Levem o Tim convosco - disse logo a Zé.

- É melhor não. Pode ladrar - lembrou o David. - Teremos cuidado, Zé. Já passámos por suficientes aventuras para sabermos como devemos agir num caso destes! Estou desejoso que chegue a noite.

Todos se sentiam mais animados, incluindo o Mário. Este até conseguiu sorrir e levantou-se, sacudindo algumas migalhas da camisola.

- Agora vou-me embora - disse" ele. - Tenho que fazer uma porção de trabalhos na quinta. Encontrar-me-ei convosco junto do grande carvalho que fica em frente da Quinta das Borboletas. Sabem qual é?

- Sei, é um enorme - disse o Júlio. - Então esperamos-te ali às dez horas. Não, onze, para estar mais escuro.

- Até logo!-disse o Mário, descendo pelo monte, acompanhado até certa distância pelo Tim.

- Sinto-me agora mais satisfeito, por termos um plano - disse o David. -Já são cinco e meia! Não proponhas lancharmos, Zé, pois almoçámos tardíssimo.

- Nem pensava em tal - afirmou a Zé. - Passamos sem lanche e logo jantamos muito melhor. E não devemos esquecer-nos de ouvir o noticiário das seis. Pode haver qualquer coisa sobre o Alfredo, o seu amigo e os aviões.

Um pouco antes das seis horas ligaram o rádio, esperando o noticiário com impaciência. Chegou por fim, e um dos primeiros tópicos referia-se aos aviões roubados. As crianças escutaram, sustendo a respiração, inclinados para o aparelho. “Conseguiu-se localizar os dois aviões roubados pertencentes ao Aeródromo do Barrete, pilotados pelos tenentes Alfredo Thomas e Ray Wells. Caíram ambos no mar, mas há esperanças de os conseguir trazer à superfície. Não se encontraram os pilotos que devem ter morrido afogados. Em Edimburgo efectua-se esta tarde o grande concurso...”.

O Júlio fechou o aparelho e olhou para os outros, com um ar muito sério. - Que horror! Caíram os dois! Deve ter sido por causa do temporal. Pelo menos nenhum inimigo ficará na posse dos novos inventos que estavam a funcionar naqueles aviões.

- Mas... significa que o primo do Mário morreu afogado, ou com a queda - disse a Ana, muito pálida.

- Sim, mas lembra-te duma coisa, se ele fugiu no tal avião, era um traidor à pátria - disse o David. - E um traidor merece a morte.

- Mas o primo do Mário não parecia nada ser traidor - observou a Zé.-Parecia tão... inglês; não consigo arranjar um termo que exprima melhor a minha ideia. Agora parece-me que já não acredito em ninguém. Gostava tanto do tenente Alfredo!

- Também eu - disse o David, franzindo o sobrolho. - Estas coisas acontecem, mas só desejava que não tivesse sido com o primo do Mário. Ele considerava-o um herói. Acho que o Mário nunca mais voltará a ser o mesmo.

Ficaram sem dizer nada por algum tempo. Estavam profundamente impressionados, não só pela ideia do Alfredo ser um traidor mas também pela notícia da sua trágica morte. Parecia um fim tão horrível para aquele jovem aviador, sorridente e de olhos brilhantes, com quem tinham conversado e rido no dia anterior! No entanto era o fim que um traidor merecia.

- Não acham que devíamos guardar tudo e ir para casa? - lembrou a Ana. - Quer dizer, não será aborrecido para os Thomas terem que nos aturar, enquanto passam por este desgosto?

- Não precisamos de ir à quinta muitas vezes e por isso quase não os incomodaremos - respondeu o Júlio. -Acho que não devemos abandonar o Mário nesta altura. Os amigos servem para as ocasiões.

- Tens razão - concordou o David. - É bom ele ter aqui amigos nesta altura, pobre Mário! Vai ficar desmoralizado com as últimas notícias.

- Acham que esta noite sempre estará à vossa espera junto do carvalho? - perguntou a Zé.

- Não sei - disse o Júlio. - Também não tem importância se não comparecer. O David e eu podemos espreitar sozinhos por toda a parte. E sempre nos afastará o pensamento desta horrível história. Tentaremos resolver o mistério da Quinta das Borboletas!

Foram dar um passeio pelo monte, com o Tim, aos pulos, muito satisfeito. Não compreendia porque estavam os seus quatro amigos tão sérios e tristonhos e agradava-lhe ter ocasião de esquecer todas as preocupações, farejando coelhos.

Jantaram às oito horas e abriram a telefonia.

- Ouviremos o noticiário das nove - disse o David.

- Não se dê o caso de haverem mais notícias sobre os aviadores.

Mas no noticiário das nove apenas repetiram o que fora dito às seis, sobre os dois aviões. O David desligou o rádio e ficou a olhar para o aeródromo, lá em baixo.

Continuavam ali bastantes aviões, embora muitos tivessem levantado voo durante a noite. O Júlio focou o binóculo na direcção do campo.

- Agora já não se vêem tantos homens - disse ele.-Estará tudo mais calmo. Santo Deus, que grande surpresa devem ter sentido ontem à noite, ao ouvirem dois aviões com os motores a trabalhar e depois descolarem.

- Talvez não os ouvissem levantar voo, por causa do temporal - sugeriu a Zé.

- Não me parece - disse o David. - Nós ouvimo-los aqui de cima. E se vocês, meninas, se fossem deitar? O Júlio e eu ficamos a pé, pois podíamos adormecer. Às dez e meia devemos partir, para chegarmos ao pé do carvalho às onze em ponto.

- Era melhor levarem o Tim convosco - repetiu a Zé, apreensiva. - Não gosto nada da Quinta das Borboletas, nem da velhota com cara de bruxa, nem do homem dos óculos escuros, que não é o sr. Brent.

- Não sejas pateta, Zé - disse o Júlio. - Espero estar de volta à meia-noite e o Tim há-de receber-nos com latidos de alegria, para vocês perceberem que estamos bem.

As pequenas não quiseram ir dormir para a barraca e por isso sentaram-se todos a conversar, observando o pôr do Sol. O tempo melhorara e não havia nem uma nuvem no céu. Era difícil imaginar as rajadas de vento e as cargas de água da noite passada.

- Bem - disse o Júlio, por fim, olhando para o relógio. - São horas de partirmos. Tim, toma conta da Ana e da Zé, como de costume.

- Béu! -fez o Tim, percebendo perfeitamente.

- E vocês tenham cuidado convosco - disse a Ana. - Nós podemos acompanhá-los até aqui perto. Está uma noite linda!

- Partiram todos juntos e as pequenas foram até meio caminho para a Quinta das Borboletas e depois regressaram com o Tim. - Lembra-te de ladrar, quando os rapazes chegarem, à meia-noite, Tim! - disse a Ana. - Embora me pareça que a Zé e eu ainda estaremos acordadas quando eles voltarem.

Os dois rapazes foram andando pelo monte abaixo virando à direita, em direcção à Quinta das Borboletas.

- É melhor termos todo o cuidado para não sermos vistos - murmurou o Júlio. - A noite está muito clara.

Quando chegaram ao grande carvalho que ficava perto das traseiras da Quinta das Borboletas, o Mário ainda ali não estava. Mas passados dois minutos ouviram um ligeiro barulho de passos e o pequeno apareceu, um pouco ofegante, como se tivesse corrido.

- Desculpem vir um pouco atrasado - disse ele em voz baixa. - Ouviram o noticiário das seis horas?

- Ouvimos e ficámos muito impressionados - respondeu o Júlio.

- Sabem, como continuo a não acreditar que o meu primo Alfredo tenha roubado os aviões com o Ray Wells, não fiquei mais preocupado do que estava - declarou o Mário. - Se o meu primo não roubou os aviões, não estava lá dentro quando caíram, por isso não morreu afogado. Estão a compreender?

- Estou - disse o Júlio, satisfeito por o Mário ter interpretado a notícia daquela maneira, mas convencido de que não havia grandes probabilidades de acertar.

- Qual é o vosso plano? - perguntou o Mário.

- As janelas da casa estão iluminadas e parece-me que não têm as cortinas corridas. Podíamos ir espreitar por cada uma delas, para vermos o que se passa lá dentro.

- Boa ideia - aprovou o Júlio. - Vamos, e peço-lhes por tudo que não façam barulho. Caminhamos em fila, claro está. Eu sigo à frente.

Contornaram o carvalho, devagar e silenciosamente, dirigindo-se para a casa meia em ruínas. Que iriam ver, quando espreitassem pelas janelas iluminadas?

 

                   ESPREITANDO PELAS JANELAS

Os três pequenos chegaram até junto das paredes da casa, sem novidade.

- Não se aproximem demasiado dos vidros, quando olharem lá para dentro - murmurou o Júlio. - Conservem-se a certa distância. Devemos conseguir ver quem está dentro dos quartos, mas é preciso que ninguém nos veja. Espero que assim aconteça!

- Comecemos pelos compartimentos do rés-do-chão - propôs o David - Olhem, aquela é a janela da cozinha. A srª Janes talvez lá esteja, se ainda não se foi deitar.

Aproximaram-se da janela sem cortina. O compartimento estava iluminado apenas por uma vela. Os rapazes espreitaram lá para dentro.

Ali estava a srª Janes sentada numa cadeira de baloiço, com um vestido muito enxovalhado. Ela baloiçava-se para trás e para diante e embora os rapazes não pudessem ver-lhe a cara, pressentiram que ela estava assustada e infeliz. Tinha a cabeça inclinada sobre o peito e quando puxou para trás o cabelo desgrenhado, a sua mão tremia muito.

- Ela não é bruxa, pobre criatura!-murmurou o David, sentindo pena de a ver àquela hora da noite, baloiçando-se na sua cadeira, sem companhia. - A srª Janes não passa duma pobre velha amedrontada.

- Porque estará a pé tão tarde? - observou o Júlio. - Deve esperar alguém.

- É possível. Por isso é melhor acautelarmo-nos - disse logo o Mário, olhando para trás, como se esperasse ver alguém muito próximo.

- Agora vamos até à parte da frente da casa - propôs o David.

Foram andando em bicos dos pés e viram outra janela iluminada, com uma luz muito mais viva do que a da cozinha. Conservaram-se um pouco afastados dos vidros, receando serem descobertos. Espreitaram lá para dentro e viram dois homens sentados a uma mesa examinando alguns papéis.

- É o sr. Gringle - disse o Júlio em voz baixa.

- Não há dúvida. E o outro deve ser o seu amigo, o sr. Brent. Claro que não usa óculos escuros como o homem a quem entregámos a borboleta e que nos deu cinco xelins. Nem são nada parecidos!

Todos observaram o “amigo” com atenção. Era um homem vulgar, com um pequeno bigode, cabelo escuro e nariz um tanto grande. Nada semelhante ao sr. “Brent” que haviam visto no dia anterior.

- Que estão a fazer? - perguntou o Mário, muito baixo.

- Parece que estão a separar listas de qualquer coisa. Talvez sejam as contas dos fregueses - lembrou o Júlio. - Encontro-lhes o aspecto mais vulgar do mundo, fazendo o trabalho mais banal que pode haver! O sr. Gringle devia falar a verdade quando afirmou que não foi o sr. Brent quem nos deu os cinco xelins e certamente também não foi ele que eu vi na encosta do monte a noite passada, com a rede das borboletas.

- Então quem seria? - perguntou o David, afastando os outros da janela, para falarem mais à vontade. - Porque levaria a rede ao ombro e diria aquela mentira sobre as ratoeiras das borboletas? E porque estaria no monte, na noite do roubo dos aviões?

- Sim, porquê? Quem me dera perguntar-lhe!

- exclamou o Mário, em voz demasiado alta. Os outros repreenderam-no logo e ele prosseguiu com mais cuidado.

- Qualquer coisa esquisita se passou na noite passada, qualquer coisa sobre a qual ninguém tem conhecimento. Gostava de encontrar esse falso sr. Brent com quem falaste no monte, Júlio!

- Talvez ainda seja possível - disse o Júlio. - Ora há mais alguma janela iluminada? Vejo uma ali em cima, no primeiro andar... A quem pertencerá?

- Talvez seja ao filho da srª Janes - disse o David. - Deve coordenar-se com o seu feitio ocupar um dos três quartos de cama e fazer a mãe dormir na cozinha, numa cadeira de balanço. Com certeza os outros dois quartos lá de cima pertencem aos “homens das borboletas”.

- Como conseguiremos espreitar para aquele outro quarto iluminado? - perguntou o Mário.

- Talvez subindo por aquela árvore ali.

- Há um processo mais simples! - exclamou o Júlio, acendendo e apagando a sua lanterna, muito rapidamente, dando aos outros o tempo preciso para verem uma escada de madeira encostada à parede duma arrecadação ali próxima.

- Assim será muito mais fácil! - disse o David, satisfeito. - Mas teremos que ter muitíssimo cuidado! Quem lá estiver em cima virá logo à janela se ouvir a extremidade da escada bater contra o caixilho!

- Tudo há-de correr bem - disse o Júlio. - A janela não é muito alta e a escada é bastante leve. Nós três juntos conseguiremos encostá-la à parede, com muito cuidado, sem despertar a atenção de ninguém.

Realmente a escada não era pesada. Os rapazes levantaram-na com facilidade até junto da casa. Encostaram-na à parede sem fazer o mais pequeno ruído!

- Eu subo - murmurou o Júlio. - Segurem bem a escada e peço-lhes por tudo que me façam sinal se houver novidade. Não quero ser apanhado no cimo da escada.

Os outros seguraram e o Júlio começou a subir pelas traves de madeira.

Quando chegou perto da janela iluminada levantou a cabeça devagar e com a maior precaução, espreitando para dentro do compartimento.

Era um quarto muito pequeno e desarrumado, pobremente mobilado.

Estava ali um homem sentado numa cama, um homem alto e forte, com ombros largos e o pescoço muito grosso. O Júlio observou-o. Sim, devia ser o filho da srª Janes que, segundo ela dizia, a maltratava. O Júlio parecia ouvir a velhota queixando-se do filho: “Ele bate-me! Torce-me um braço!”. Na verdade o homem que se encontrava ali sentado na cama tinha péssimo aspecto!

Estava a ler um jornal, perto da vela. Enquanto o Júlio o observava ele tirou um grande relógio do bolso e viu as horas, murmurando qualquer coisa que o Júlio não conseguiu ouvir.

Depois pôs-se em pé e o pequeno teve tanto medo que ele resolvesse aproximar-se da janela que desceu pela escada com a maior rapidez possível.

- O filho da velhota está ali - segredou aos companheiros. - Receei que ele fosse à janela e me descobrisse. Por isso desci tão depressa. Que maçada! Até me entrou uma falha de madeira na mão! Mário, queres subir até ao cimo da escada, só por um momento, para nos certificarmos que ele é o Will Janes, o filho da velhota?

O Mário subiu quando se convenceram de que o Will Janes não resolvera ir à janela. O pequeno desceu um momento depois.

- Sim, é o Will, mas mudou imenso!-disse o Mário em voz baixa. - Agora parece um selvagem! Contudo, era um homem decente ainda há pouco tempo. A minha mãe contou-me que ele anda com péssimos companheiros e resolveu beber muito; naturalmente é por isso que está tão mudado.

- Ele olhava para o relógio como se esperasse alguém - observou o Júlio. - Estou a pensar se o homem que fingiu ser o sr. Brent não virá aqui esta noite. Bem gostava de o espiar. Não deve vir por boa coisa.

- Então podemos esperar, escondidos em qualquer sítio - propôs o Mário. - Ninguém sabe que eu vim ter convosco, por isso não darão pela minha falta. De qualquer maneira a mãe não se importaria se soubesse que estou com vocês dois!

- Então vamos esconder-nos naquele celeiro - disse o Júlio, e em bicos dos pés foram até a um velho celeiro, quase sem tecto e com as paredes a caírem.

Tinha um cheiro desagradável e parecia não haver nenhum sítio onde pudessem sentar-se, mas por fim o Júlio juntou num canto algumas sacas poeirentas e ali se sentaram às escuras.

- Que horrível cheiro!-exclamou o David.

- Devem ser batatas apodrecidas. Podíamos ter escolhido um esconderijo melhor.

- Chiu! -fez o Júlio de repente, dando um encontrão ao David. - Estou a ouvir qualquer coisa.

Ficaram à escuta, no maior silêncio. Realmente ouviam qualquer coisa; eram uns passos quase silenciosos, de sapatos com solas de borracha. Os passos passaram perto do celeiro e afastaram-se. Depois ouviu-se um ligeiro assobio.

O Júlio levantou-se e olhou através duma janela sem vidro do celeiro. - Julgo ver dois homens por baixo da janela do quarto do Will Janes - disse ele, baixinho. - Devem ser os homens por quem esperava. Ele desce com certeza. Tenho esperanças de que não resolvam vir conversar para este celeiro!

Era uma ideia terrível, mas não havia processo de saírem para qualquer outro sítio, pois nesse momento abriu-se a porta principal da casa, aparecendo o Will Janes. O Júlio, sempre a olhar pela janela do celeiro, pôde reconhecê-lo, devido à luz que saía do compartimento onde estavam os donos da quinta.

Os três homens afastaram-se, contornando a casa, sem fazer barulho.

- Vamos - disse o Júlio. - Vamos segui-los. Talvez oiçamos qualquer coisa que nos explique tudo quanto aqui se passa.

- Que horas são? - perguntou o David. - Espero que as pequenas não comecem a estar aflitas por nossa causa. Já deve ser meia-noite.

- Pois é - disse o Júlio, olhando para os ponteiros luminosos do seu relógio de pulso. - Agora não há nada a fazer. Elas calcularão que surgiu qualquer coisa de interesse.

Seguiram atrás dos três homens; estes foram até umas árvores que ficavam do outro lado das estufas.

Ali começaram a conversar mas em voz tão baixa que os pequenos não conseguiam perceber nada.

A certa altura um dos homens levantou a voz. Era o Will Janes; o Mário reconheceu-o logo e disse aos outros: - É o Will. Parece estar furioso com qualquer coisa. Perde sempre a cabeça quando julga que as outras pessoas o tratam de maneira injusta. Deve ser o que se está passando.

Os dois homens tentavam acalmar o Will, mas era impossível.-Quero o meu dinheiro! - os rapazes ouviram-no dizer.-Eu ajudei-os, não foi? Escondi-os aqui até fazerem o trabalhinho. Agora dêem-me o meu dinheiro!

Ele quase gritava e os outros dois homens ficaram assustados. Precisamente o que aconteceu em seguida os rapazes nunca chegaram a saber; de repente ouviram um soco e uma pessoa cair. Depois outro soco e outra pessoa cair também. O Will Janes riu-se com um riso-estranho.

Segundos depois ouviu-se uma voz aflita, vinda do quarto onde o sr. Gringle estava a trabalhar com o seu amigo.-Quem está aí? Que aconteceu?

Seguiu-se o som dum vidro partido. O Will Janes apanhara uma grande pedra e atirara-a para a estufa mais próxima. Os três rapazes apanharam um grande susto.

- Não é nada, sr. Gringle! Vim ver quem andava por aqui!-gritou o Will Janes. - E fosse quem fosse, quebrou um dos vidros da sua estufa das borboletas. Até gritei, para ver se apanhava o atrevido.

Ele foi andando em direcção à casa e nessa altura, como se a sorte estivesse pelo seu lado, a luz da sua lanterna bateu em cheio nos três pequenos.

- Quem são vocês? - gritou ele. - Aqui estão, sr. Gringle, os miúdos que estavam a partir os vidros! Agarre-os! Já aqui tenho dois! Agarre o outro!

 

                   MUITOS ACONTECIMENTOS

As coisas sucederam-se com tal rapidez que, na maior das surpresas, os três pequenos sentiram-se agarrados, sem conseguirem fugir. O corpulento Will Janes apanhara o David e o Mário e o homem era tão forte que embora segurasse cada pequeno só com uma mão, seria impossível escaparem-lhe.

O Júlio correra às cegas indo mesmo de encontro ao sr. Gringle e ao sr. Brent e os dois homens conseguiram agarrá-lo. Estavam muito zangados.

- Mas que ideia é essa de virem aqui bisbilhotar e partir os vidros das nossas estufas! - gritou o sr. Gringle, furioso, abanando o Júlio. - Vamos perder todas as borboletas por causa daquele vidro quebrado!

- Largue-me! Nós não partimos nenhum vidro!

- gritou o Júlio.

- Foi ele! Eu bem o vi! -gritou por sua vez o Will Janes.

- Não viste nada! - exclamou o Mário.

- Larga-me, Will. Sou o Mário Thomas, da Quinta do Barrete. Deixa-me ir embora ou o meu pai há-de ajustar contas contigo.

- Com que então és o Mário Thomas! - disse o Will numa voz escarninha. - O teu pai agora não quer empregar o Will Janes só por que ele é capaz de lhe fazer frente! Ora sempre vais ver o que eu vou amanhã contar à polícia. E hei-de acrescentar que vocês são os miúdos que têm roubado as nossas galinhas.

O Will resolveu arrastar os pequenos até uma arrecadação e gritou para os senhores: - Podemos meter ali os três fechados à chave, até amanhã de manhã.

O Júlio debatia-se valentemente contra os dois “homens das borboletas”, mas além de lhes dar pontapés nada mais podia fazer para fugir. Na verdade o pequeno não queria magoá-los. Fora tudo um lamentável engano!

Mas nessa altura, oh! alegria! - ouviu-se um barulho que fez o coração do Júlio saltar de contente. Um cão a ladrar!

- Tim! É o Tim! -gritou o Júlio aos outros. - Chamem-no! Depressa fará com que o Janes os largue!

- Tim! Tim! - gritou o David e o Tim correu logo para ele, pondo-se a rosnar duma maneira tão feroz que o Will Janes parou de arrastar os pequenos para a arrecadação.

- Largue-nos ou o cão atira-se a si - avisou o David. O Tim voltou a rosnar e deu uma mordidela no tornozelo do Will só para lhe mostrar que tinha bons dentes.

O Will largou os dois rapazes e eles desataram a fugir, aliviados. Então o Tim correu para o Júlio, mas o sr. Gringle e o sr. Brent tinham ouvido as suas ferozes rosnadelas e preferiram não esperar por mais nada! Afastaram o Júlio com um empurrão e meteram-se dentro de casa.

O Will Janes também seguiu para casa a coxear.

- É melhor irmos ver se o Will deixou os outros dois homens sem sentidos - disse o Júlio, ajeitando o fato. - Santo Deus, que noite! Querido Tim, chegaste mesmo a tempo!

- Aposto que as pequenas mandaram-no à nossa procura quando chegou a meia-noite - disse o David. - Seguiu-nos o rasto com facilidade. Agora tenham cuidado; foi mais ou menos aqui que o Will socou os outros dois.

Mas não havia o mais pequeno sinal dos homens. Deviam ter-se levantado rapidamente e fugido a toda a pressa.

- Aproveitaram a confusão!-disse o Mário, sorrindo. - Agora que fazemos?

- Voltamos para o acampamento - resolveu o Júlio. - Não sabemos muito mais do que quando chegámos. Tirando que o sr. Gringle e o sr. Brent são realmente os “homens das borboletas”, o Janes é um malandro assim como aqueles dois homens a quem ele deu socos.

- E que os ajudou em qualquer coisa, escondendo-os aqui e não lhe pagaram - interrompeu o David. - Mas porque os teria ajudado e como?

- Não faço ideia -disse o Júlio. -Esta noite já não consigo pensar em mais nada. A minha cabeça recusa-se a trabalhar. Volta para casa, Mário. Amanhã conversaremos.

O Mário foi para a quinta, intrigado e excitado. Que noite aquela! Como o primo Alfredo ficaria admirado quando lhe contasse; mas não, não poderia contar-lhe. Toda a gente dizia que ele fora no tal avião e agora estava no fundo do mar.

- Mas eu não acredito - dizia para si, com a maior convicção, o rapazito fatigado. - Não posso acreditar!

As pequenas ficaram muito aliviadas ao ouvirem os rapazes e o Tim, de volta.

- Que aconteceu? Porque vêm tão tarde?

- perguntou a Zé. - O Tim encontrou-os em apuros?

- Não podia ter chegado num momento melhor - disse o Júlio, sorrindo, à luz da lanterna da Zé. - Mandaram-no à nossa procura?

- Pois mandámos - respondeu a Zé. - E ele queria ir. Não parava de ganir, como se vocês precisassem de ajuda; por isso o mandámos.

- E realmente precisávamos de ajuda! - exclamou o David, sentando-se no tojo. - Oiçam a nossa história.

Ele e o Júlio contaram tudo e as pequenas ouviram muito admiradas.

- Que se passará ali? - disse a Zé, intrigada.

- O que teria o Will Janes combinado com os outros dois homens? Não conseguiremos descobrir?

- O Will nada contará - respondeu o Júlio.

- E ninguém se atreveria a forçá-lo. Mas se nós formos lá amanhã de manhã e verificarmos que ele saiu, talvez consigamos convencer a srª Janes a contar-nos alguns segredos.

- É uma boa ideia - aprovou a Zé. - Ela deve saber em que história anda metido o filho, especialmente se ele esconde ali alguém. Com certeza que ela trata da parte da alimentação. A srª Janes pode contar-nos muitas coisas, se quiser!

- Mas agora - começou o Júlio, deitando-se sobre o tojo, coberto com o cobertor. - Agora meninas tagarelas, eu quero dormir. Boa noite!

- Quem tem estado a tagarelar? - perguntou a Zé, fingindo-se indignada. - Nós quase nem conseguimos dizer uma palavra. Vamos Ana, agora já podemos dormir descansadas. Gostava de saber se o Mário chegou a casa sem novidade e se estará a dormir.

Sim, o Mário estava em casa, mas não conseguia adormecer! Continuava a pensar sobre o primo Alfredo. Se ao menos pudesse fazer alguma coisa, mas não! O primo Alfredo desaparecera e só ele poderia livrar-se da horrível fama de traidor... mas toda a gente dizia que ele morrera afogado!

Na manhã seguinte os Cinco acordaram tarde, incluindo o Tim. As provisões da “despensa” eram bastante escassas, mas o Júlio tinha esperanças de que o Mário fosse ao monte e levasse mais alimentos.

Se assim não acontecesse precisariam de ir buscá-los à Quinta do Barrete. Tiveram um pequeno almoço de pão com manteiga e queijo, um rebuçado para cada um, e só água para acompanhar!

- Acho melhor irmos direitos à Quinta das Borboletas - disse o Júlio, tornando-se o chefe, como sempre acontecia quando era preciso tomarem uma decisão rápida. - David, deves ser tu a fazer as perguntas, pois a velhota ficou muito comovida quando lhe deste os cinco xelins. Com certeza agora tem um fraco por ti.

Partiram para a Quinta das Borboletas, acompanhados pelo Tim. Quando estavam já bastante próximo começaram a andar mais devagarinho, pois não queriam encontrar-se com o Will Janes. Mas não parecia haver por ali ninguém, nem mesmo os “homens das borboletas”.

- Naturalmente foram apanhar borboletas - lembrou o David. - Olhem, ali está a srª Janes, tentando estender a roupa, mas deixando cair metade no chão. Vai ajudá-la, Ana.

A Ana correu para a velhota. - Eu estendo-lhe a roupa - disse ela. - Deixe-me ver as molas. A srª Janes voltou-se e a Ana ficou horrorizada ao ver que a criatura tinha um olho todo negro.

- Como ficou com o olho assim? - começou a pequena. - Deixe-me ver a roupa toda. Santo Deus, deve ter muito trabalho a lavar tanta coisa!

A srª Janes parecia um pouco atrapalhada. Deixou a Ana pôr a roupa a secar, sem dizer palavra.- Onde estão o sr. Gringle e o sr. Brent? perguntou a pequenita, enquanto estendia a roupa.

A srª Janes disse qualquer coisa e a Ana conseguiu perceber, com uma certa dificuldade, que eles tinham ido apanhar borboletas.

- E onde está o seu filho Will? - perguntou ela, traduzindo por palavras os sinais que o Júlio lhe fazia.

Para sua aflição, a srª Janes começou a soluçar. A velhota levantou o seu sujo avental e cobriu a cara com ele; depois, sem quase ver o caminho, dirigiu-se aos tropeções para a porta da cozinha, com os braços no ar.

- Que terá ela esta manhã? - perguntou a Ana aos outros. O David correu para a porta da cozinha e conduziu a velhota até à sua cadeira de baloiço.

O avental escorregou-lhe da cara e a srª Janes olhou para o David.

- Foi o menino que me deu cinco xelins - disse ela, fazendo uma festa na mão do pequeno. - É muito bondoso. Agora já ninguém é bom para mim. O meu filho é cruel. Bate-me.

- Foi ele que lhe pôs esse olho negro? - perguntou o David com simpatia.-Quando? Hoje?

- Foi hoje, sim. Queria dinheiro. Quer sempre dinheiro - soluçou a srª Janes. - E eu não quis dar-lhe aqueles cinco xelins. E ele bateu-me. Depois veio a polícia e levou-o.

- A polícia levou-o esta manhã? - perguntou o David, muito admirado. Os outros aproximaram-se um pouco mais, também admiradíssimos. Fora apenas na noite anterior que o Will Janes agarrara dois dos pequenos!

- Disseram que ele roubou - soluçava a velhota. - Roubou os patos do Tio Donvil. Mas foram aqueles homens maus que mudaram o meu rapaz. Antigamente era um bom filho!

- Quais homens? - perguntou o David, fazendo festas naquela mão ossuda. - Conte-nos tudo. Nós vamos ajudá-la.

- O menino é aquele que me deu os cinco xelins, não é? - repetiu a srª Janes. -Quer ajudar uma pobre velha, não quer? Foram aqueles homens, já lhe disse, que mudaram o meu filho.

- Onde estão eles agora? O Will escondeu-os aqui? - perguntou o David. A srª Janes puxou pela mão do pequeno fazendo-o aproximar-se ainda mais.

- Eram quatro homens - contou ela, numa voz tão baixa que o David mal conseguia ouvir. - E prometeram dinheiro ao meu filho se ele os escondesse aqui, no Monte do Barrete. Tinham todos um segredo, percebe? E só falavam sobre o segredo quando estavam lá em cima, escondidos no meu quarto. Mas eu pus-me à escuta e ouvi tudo.

- Conte-nos tudo. Nós vamos ajudá-la - disse o David.

- Qual era o segredo? - perguntou o David, com o coração a bater desordenadamente. Talvez agora fosse descobrir a chave de todo aquele mistério!

- Eles andavam a espreitar qualquer coisa - murmurou a srª Janes. - Umas vezes iam espreitar à noite, outras vezes durante o dia, sempre a espiarem. E escondiam-se lá em cima no meu quarto pequeno e velho e eu cozinhava para eles, sem me pagarem. Eram homens maus e mudaram o meu filho Will, isso mudaram!

Ela recomeçou a soluçar e os quatro pequenos sentiram-se tristes e embaraçados. - Não lhe façam mais perguntas - pediu a Ana.

Nessa altura ouviram passos e o sr. Gringle passou pelo lado de fora da janela. Olhou para dentro e ficou pasmado ao ver tantas pessoas naquela pequena cozinha.

; - O que,vem a ser isto? Vocês outra vez! - gritou ele ao ver o Júlio e o David. - Pois tomem cuidado. Fiz queixa de vocês à polícia, quando esta manhã vieram buscar o Will. Agora devem ir procurá-los para -serem castigados por andarem aqui durante a noite, estragando as minhas estufas! Como se atreveram a voltar a esta quinta?!

 

                   NINGUÉM SABE ONDE PROCURAR

Vamo-nos embora - disse a Zé. - Não conseguiremos saber mais nada pela pobre velhota. Ainda bem que o filho foi preso como ladrão. Ao menos não estará aqui para lhe bater.

O sr. Gringle continuou a falar, muito zangado, mas os Cinco começavam a perder a paciência. O Tim rosnou, fazendo o senhor recuar.

- Já nos vamos, sr. Gringle - disse o Júlio, com frieza. - Teremos muito prazer em falar com a polícia, se realmente deu parte de nós. Passam-se aqui coisas de que o senhor não tem o menor conhecimento. Não repara em nada além das suas borboletas.

- E que mal há nisso, seu miúdo insubordinado?- gritou o sr. Gringle.

- Pois seria melhor se reparasse como esse sr. Janes maltrata a mãe - respondeu o Júlio.

- Naturalmente ainda não notou que ela esta manhã tem um olho todo negro, pois não? Talvez a polícia também lhe queira fazer algumas perguntas sobre as quatro pessoas que têm ficado escondidas naquele quartito lá em cima.

- Que está para aí a dizer? Que significa tudo isso? - perguntou o sr. Gringle, pasmado. - Homens? Donde? Quem?

- Não faço a menor ideia - disse o Júlio.

- Quem me dera saber.

Então os Cinco afastaram-se, deixando atrás deles um sr. Gringle muito intrigado e aborrecido.

- Disse-lhe o que merecia ouvir! - exclamou o Júlio. - Não há o direito de ele tratar aquela desgraçada velhota como uma autêntica escrava e nem mesmo notar que ela anda assustada e infeliz; para mais agora com aquele olho negro! Lá vai ele novamente para as suas borboletas!

- Que quereria dizer a srª Janes com os quatro homens escondidos no tal quarto? - perguntou a Ana, pensativa. - E que iriam espreitar do monte? Deve ter sido um deles que tu viste naquela noite de temporal, Júlio, aquele que viste com a rede das borboletas e que disse ser o sr. Brent. Com certeza fingiu ser ele para ninguém lhe perguntar porque andava ali.

- Tens razão - concordou o Júlio. - Certamente estiveram a observar o aeródromo, era isso que deviam andar a fazer! Porque não pensei nisso há mais tempo? Deviam observá-lo noite e dia, dois durante o dia, outros dois durante a noite, calculo eu. E pagaram ao Janes para os esconder naquele quarto. Mas quais seriam os seus planos?

- Júlio, será possível que isso tenha relação com os aviões roubados? - perguntou a Zé, muito excitada.

- Acho provável - respondeu o Júlio. - Mas não percebo que ligação possa ter com o Alfredo e o Ray, voando para longe. Parece não dar uma coisa com a outra. Sabem, estou convencido de que estamos na pista de qualquer coisa. Vamos à Quinta do Barrete procurar o sr. Thomas, o pai do Mário. Devemos contar-lhe tudo o que sabemos.

- Boa ideia - aprovou a Ana, satisfeita.

- É melhor pedirmos uma pequena ajuda.

- Então vamos já - disse o Júlio, e lá foram pelo monte abaixo, a toda a pressa, para a Quinta do Barrete. Em breve encontravam-se no pátio da entrada, chamando pelo Mário.

- Mário! Onde estás? Temos algumas novidades.

O Mário apareceu à porta do celeiro, bastante pálido, pois tinha- passado mal a noite.-Olá! Que novidades? Só me interessam as que digam respeito ao Alfredo. Não consigo pensar noutra coisa.

- Onde está o teu pai? - perguntou o Júlio.

- É preciso que ele oiça o que vou contar. Certamente saberá o que se deve fazer. Nós estamos atrapalhados, pois os factos não condizem uns com os outros.

- Vou chamar o pai - disse logo o Mário, gritando na direcção dum campo onde estavam a pastar várias vacas às malhas castanhas e brancas.

- Pa...ai! Pa...a...ai! Venha cá, por favor!

O Pai do Mário atravessou o campo apressadamente. - Que aconteceu? Estou muito ocupado!

- Pai, o Júlio e o David querem dizer-lhe qualquer coisa - explicou o Mário. - Não lhe tomarão muito tempo.

- De que se trata, meus meninos? - perguntou o sr. Thomas, virando-se para os pequenos, com a sua simpatia habitual. - Meteram-se nalgum sarilho?

- Não, senhor, não é bem isso - explicou o Júlio. - Vou contar-lhe tudo o mais resumidamente possível.

O pequeno contou o que se passara na Quinta das Borboletas e falou no homem que vira no monte durante a noite, na velhota da Quinta das Borboletas, e no Will Janes que a maltratava. O sr. Thomas fez um sinal afirmativo.

- É verdade - interrompeu ele. - O Will mudou muito desde o ano passado. Anda com maus companheiros.

-Nós encontrámos alguns dos “maus companheiros” - prosseguiu o Júlio, contando em seguida a aventura da noite anterior. E acabou a sua história repetindo o que a velhota lhes dissera naquela manhã.

- Desta vez em que estará metido o Will Janes?

- disse o sr. Thomas. - Faz mal em andar com essas companhias mas ainda faz pior em maltratar a mãe! Será obrigado a dizer quem são os homens que escondeu na quinta e porque saíam durante a noite com o fim de observarem o aeródromo, como vocês calculam e eu não deixo de concordar. E é bem possível que tenham contribuído para o roubo dos aviões.

O Mário nessa altura começou a entusiasmar-se, tornando-se muito vermelho.-Pai! Talvez fossem esses homens que levaram os aviões! Eram quatro, não é verdade? Por isso seriam capazes de agarrar o Ray e o Alfredo levando-os para fora do aeródromo. Em seguida dois deles podiam pilotar os aviões enquanto os outros dois ficavam de guarda ao Alfredo e ao Ray.

- Talvez tenhas razão, Mário - disse o pai.

- Isto é um caso para comunicar à polícia, imediatamente. Devem interrogar o Will, obrigando-o a confessar tudo quanto souber. Se o Ray e o Alfredo estão presos em qualquer sítio é preciso libertá-los.

O Mário saltava de contente. - Eu bem sabia que não fora o Alfredo! Eu bem sabia que ele era incapaz de fazer uma coisa assim! Estou convencido de que foram aqueles dois homens. Ó pai, fale já para a polícia!

O sr. Thomas apressou-se a entrar em casa para telefonar, e em breve contava à polícia tudo quanto sabia. Ouviram-no com a maior admiração e logo perceberam a enorme importância das informações fornecidas pelos pequenos.

- Vamos imediatamente interrogar o Will Janes - disseram. Está aqui por uma questão de roubo e assim têmo-lo nas nossas mãos. Ligaremos para aí dentro de meia hora.

Nunca uma meia hora pareceu tão comprida às crianças, como aquela que se seguiu.

O Júlio olhava para o relógio de pulso a todo o momento e ninguém conseguia estar quieto e menos do que os outros, o Mário. A Ana também se sentia nervosa e resolveu ir brincar com o Chiquinho. Mas nem o Chiquinho nem o Gorducho estavam em casa, por isso a pequena teve que esperar, com impaciência.

Quando o telefone tocou todos se sobressaltaram. O sr. Thomas correu a atender. - Sim, estou a ouvir. Então?... Sim... Sim... Sim...

O sr. Thomas segurava o auscultador e fazia sinais afirmativos enquanto escutava com a maior atenção.

As crianças observavam o senhor com igual atenção, tentando descobrir qualquer coisa pelas suas palavras ou pelas suas expressões.

- Oh, isso é uma pena - disse o sr. Thomas e os pequenos sentiram-se desanimados. - Obrigado. Realmente é um caso difícil! Bom dia!

O senhor desligou, encarando os pequenos.

- Foi o Alfredo que roubou os aviões, pai?

Foi?

- Não!-respondeu o pai; o Mário deu um grito de alegria saltando de contente.

- Nada mais me importa!-exclamou ele. - Eu tinha a certeza de que não fora o Alfredo!

- Espera um pouco, meu filho!-disse o sr. Thomas. - Passa-se uma coisa muito aborrecida.

- O que é? - perguntou o Mário, alarmado.

- O Will Janes confessou que os quatro homens queriam roubar os aviões - explicou o senhor. - Dois deles eram pilotos de primeira ordem, estrangeiros, claro está. Os outros eram dois homens muito fortes, contratados para agarrarem o Ray e o Alfredo, na noite do temporal. Atiraram os dois tenentes por terra arrastando-os para longe. Entretanto os pilotos estrangeiros apoderaram-se dos aviões fazendo-os levantar voo. Quando deram o alarme já era tarde.

- Então quando os aviões caíram à água foram os pilotos estrangeiros que morreram afogados, e não o Alfredo e o Ray! - concluiu o Júlio.

- Sim, mas agora vem a parte aflitiva. Os outros dois homens, os que agarraram o Alfredo e o Ray, esconderam-nos em qualquer sítio, mas não explicaram ao Will onde!-disse o sr. Thomas. - Recusaram pagar-lhes pela sua ajuda visto os aviões terem desaparecido e também não quiseram dizer onde esconderam os dois pilotos.

- E agora naturalmente os malandros fugiram desta região, deixando o Alfredo e o Ray morrerem à fome em qualquer sítio onde podem não chegar a ser encontrados! - exclamou o Mário, sentando-se pesadamente, com um ar muito abatido.

- É isso mesmo - disse o sr. Thomas. - E se não os encontrarmos em breve passarão um mau bocado. Naturalmente têm os pés e mãos amarrados e só os dois patifes os poderiam alimentar. Uma vez que os homens fugiram, ninguém lhes levará nada!

- Oh! - exclamou o Mário, horrorizado. -Pai, é preciso encontrá-los! É preciso!

- Assim pensa a polícia - respondeu-lhe o pai. - E também penso o mesmo. Mas ninguém sabe onde procurar!

- Ninguém sabe onde procurar!-esta frase repetia-se na cabeça de cada um dos pequenos. Ninguém sabe onde procurar!

 

                   UMA MANHÃ ALVOROÇADA

Fez-se um silêncio absoluto depois do sr. Thomas proferir aquelas palavras desesperadoras. “Ninguém sabe onde procurar”. Onde estariam o Alfredo e o Ray, preocupados e aflitos sabendo os seus aviões roubados, imaginando-os nas mãos de aviadores de outro país, sendo desmanchados para descobrirem os novos inventos que continham?

- Devem ficar furiosos ao pensarem como tudo foi feito com facilidade - disse o David. - Como os apanharam de surpresa! Naturalmente havia alguém no aeródromo que entrava no segredo.

- Certamente - concordou o sr. Thomas. - Essas coisas são planeadas com todo o cuidado até ao mais pequeno pormenor e claro está que os homens tiveram uma grande sorte por ter havido um temporal mesmo na altura em que eles precisavam de qualquer coisa que não tornasse notada a sua fuga, até os aviões levantarem voo. Depois já não importava!

- É verdade, nessa noite a chuva caía com uma força tremenda - disse a Zé, recordando-se. - Ninguém devia andar lá por fora; mesmo os guardas do campo de aviação deviam encontrar-se abrigados. Aqueles homens tiveram uma grande sorte!

- Com certeza ficaram satisfeitíssimos quando ao espreitarem pela janelinha da casa da Quinta das Borboletas viram que se aproximava uma tempestade, exactamente na noite em que lhes era necessária!- disse o David.

- Acho extraordinário que o sr. Gringle e o sr. Brent nunca suspeitassem de nada, havendo quatro homens desconhecidos metidos na quinta - comentou o Júlio.

- Eles só pensam em borboletas - disse o Mário. - Até aposto que os polícias hão-de repreendê-los.

- Agora a questão é esta: que devemos fazer?

- disse o Júlio, franzindo o sobrolho. Depois voltou-se para o sr. Thomas que estava mergulhado nos seus pensamentos. - Que lhe parece, sr. Thomas? Há alguma coisa que possamos fazer?

- Tenho as minhas dúvidas - respondeu o sr. Thomas. - A polícia recebeu vários avisos sobre dois homens que iam num carro fechado, a grande velocidade; as pessoas que fizeram queixa tomaram nota da matrícula. Esse carro poderia ter servido para transportar o Ray e o Alfredo até algum esconderijo distante, como uma pedreira abandonada, um celeiro deserto ou qualquer lugar nesse género.

Todos se sentiam desapontados. Na verdade não podiam fazer absolutamente nada, pois era impossível percorrerem quilómetros e quilómetros à procura de velhas pedreiras e outros esconderijos semelhantes!

- Bem, preciso de continuar com o meu trabalho - disse o sr. Thomas. - Onde está a tua mãe, Mário? É melhor contar-lhe toda a história.

- A mãe foi fazer compras - informou o Mário. - Só deve vir à hora do almoço.

- O Chiquinho com certeza foi com ela - disse o sr. Thomas. - Mas onde está o Gorducho? Não me digam que o Chiquinho também o levou.

- Não me admira - respondeu o Mário. Depois olhou para as outras quatro crianças lembrando-se de repente de qualquer coisa. - Oiçam lá, não têm falta de provisões no acampamento? Querem que lhes arranje algumas para levarem?

- Se não te desse uma grande maçada - disse o Júlio, com delicadeza. Parecia bastante fora de propósito pensarem em comida enquanto o Alfredo e o Ray talvez estivessem amarrados cheios de fome e de sede, sem que ninguém pudesse ir alimentá-los.

- -Vou buscar algumas provisões. Podes acompanhar-me, Ana, para dizeres o que queres - propôs o Mário. Depois foram os dois para a cozinha e o Mário abriu um enorme armário. Em breve a Ana escolhia o que precisava tentando ao mesmo tempo animar o pobre pequeno.

- Esta manhã não podemos ficar aqui para te ajudar? - perguntou o Júlio ao Mário quando este voltou com a Ana. Ele sabia que o pequeno tinha de cumprir várias tarefas na quinta, embora estivesse em férias, e calculava que seria melhor para o Mário sentir-se acompanhado, naquela terrível manhã.

- Também gostava! - afirmou o Mário, animando-o logo. - Prometi ao pai caiar hoje o galinheiro; está um dia mesmo bom para isso, tempo seco, sol e um ligeiro vento. Se tu e o David me ajudarem pode estar pronto à hora do almoço.

- Está bem. Ajudamos-te toda a manhã e depois voltamos para o acampamento, onde almoçaremos - disse o Júlio. - Se já tiveres acabado todas as tuas tarefas nessa altura, podes ir connosco. Esta tarde seria agradável irmos dar um passeio a pé.

- Óptimo! -exclamou o Mário, bastante mais satisfeito. - Então vamos buscar a cal e as brochas. Binky, vem ajudar-nos e tu também, Tim.

- Esperem lá, nós não podemos ajudar? - perguntou a Zé. - Eu sei caiar galinheiros tão bem como vocês!

- Não, Zé, é um trabalho que suja muito, um trabalho para rapazes e não para raparigas - disse o Mário, afastando-se com o David e o Júlio e deixando a Zé furiosa.

- Ofendeste a Zé - observou o David, sorrindo. O Mário ficou realmente surpreendido.

- Palavra? - disse ele. - É verdade, esqueci-me de que ela não gosta de ser rapariga! Esperem lá!

Ele correu até à janela da sala e chamou lá para dentro.

- Zé! Queres prestar um serviço à minha mãe? Ela nunca tem tempo para tirar as ervas dos seus canteiros de flores e anda preocupada por estar tudo tão feio. Tu e a Ana não querem tratar disso?

- Claro que queremos! -afirmou a Ana, saindo de casa. - Vamos arranjar uma trolha para cada uma e qualquer coisa para deitarmos as ervas. Zé! Não te ponhas com essa cara! Vamos limpar tudo para a srª Thomas ficar contente! Ela é tão simpática e generosa, gostava de lhe prestar qualquer serviço.

- Está bem. Eu também gostava - disse a Zé, menos carrancuda, indo com a prima para o jardim.

- É pena o Chiquinho não estar em casa - disse a Ana quando começaram a trabalhar, uns minutos mais tarde, apetrechadas com duas trolhas e dois baldes de lata, para as ervas. - Gostava que o pequenito andasse por aqui fazendo perguntas com aquela sua vozita tão engraçada. E o Gorducho sempre a correr dum lado para o outro.

- Eu também gosto do Chiquinho - disse a Zé, arrancando uma porção de ervas. - Santo Deus, neste canteiro há mais ervas do que flores!

- Hoje podemos levar o Chiquinho ao acampamento, se o Mário também for - lembrou a Ana. - Assim, o Mário voltará com ele. Quando tu e os rapazes forem passear eu fico a tomar conta do Chiquinho.

- Está bem - disse a Zé, indecisa entre ficar com a Ana, o Chiquinho e o seu Gorducho ou ir com os rapazes.-Socorro! Piquei-me horrivelmente numa urtiga!

Naquela manhã as cinco crianças trabalharam com afinco. O galinheiro ficou muito bem caiado. Quando já estava pronto, abriram as portas de par em par para entrar o sol e o vento. As pequenas conseguiram praticamente limpar das ervas um grande canteiro e estavam muito satisfeitas com o seu trabalho e também com elas próprias!

Faltava um quarto de hora para a uma quando ouviram o barulho dum carro. - Deve ser a srª Thomas que volta das compras-disse a Zé. - Depressa, vamos acabar este canteiro antes que ela nos veja. Basta-nos mais dez minutos.

- O Chiquinho em breve virá aqui, para ver o que estamos a fazer - disse a Ana. - E o Gorducho também. Olha para isto! A minha lata ficou cheia de ervas até acima!

Nessa altura apareceram os três rapazes, baloiçando os baldes vazios e segurando as grandes brochas. O Tim também apareceu tendo no pêlo várias salpicadelas brancas!

- Olá, meninas! - exclamou o David. - Vocês fizeram um bom trabalho! Agora vêem-se as flores!

As pequenas sentaram-se, satisfeitas.

- Realmente está bastante melhor - disse a Ana, puxando o cabelo para trás. - Parece que a tua mãe já chegou, Mário. Agora é melhor irmo-nos embora, pois vocês com certeza vão almoçar e nós quando chegarmos ao acampamento devemos estar esfomeados.

- Está bem - disse o Mário. - Eu levo-lhes as latas das ervas e arrumo as trolhas.

- Obrigada - disse a Zé. - A Ana e eu voltamos já para o acampamento com o Tim, e levamos a salada e as outras coisas que precisam ser lavadas no regato. Vocês levam o resto dos alimentos, sim?

- Está bem - concordou o Júlio. - Vocês levam um cesto e nós encarregamo-nos do outro.

Os Cinco partiram com o Mário. A Ana e a Zé procuraram a srª Thomas, mas ela fora ao estábulo e por isso não a encontraram.

- Não tem importância; deve andar ocupada - disse a Ana. - Vamo-nos já embora para prepararmos o almoço.

Saíram pelo portão da quinta e lá foram subindo a encosta íngreme do Monte do Barrete, levando o cesto entre elas. Em breve estavam fora de vista.

Os rapazes lavaram as mãos numa bomba de água, no pátio. O Mário foi procurar a mãe para lhe contar o que dissera a polícia, mas o pai já a informara. Ela estava muito preocupada.

- Pobre Alfredo! Pobre Ray! - dizia a senhora. Depois olhou em volta, ao ouvir os passos do Júlio e do David. - Oh!-exclamou.-Pensava que fosse o Chiquinho. Onde está ele?

- O Chiquinho foi consigo, não foi? - perguntou o Mário.--Não o deixou no carro, pois não?

- Que estás a dizer, Mário? - perguntou a srª Thomas, assustada. - Deixei o Chiquinho aqui na quinta. Não o levei comigo. Nunca o levo quando tenho muitas compras a fazer, pois aborrece-se imenso.

- Mas, mãe, eu não o vi toda a manhã! -exclamou o Mário. - Ele não está na quinta. Já não o vejo há horas!

- Oh! Mário! -exclamou a mãe, muito aflita. - Então que lhe aconteceu? Pensei que tomasses conta dele, como de costume.

- E eu pensei que ele fora consigo! -respondeu o Mário. - David, Júlio, vocês viram o Chiquinho ou o Gorducho?

- Não, esta manhã ainda não lhe pusemos a vista em cima - disse o David. - Onde terá ido? Talvez tenha subido pelo Monte do Barrete, tentando descobrir o nosso acampamento. Sei que era um dos seus desejos.

- Mário, o charco dos cavalos! - disse a srª Thomas, empalidecendo. - Vai ver depressa, pode lá ter caído. Procura nos montes de palha do celeiro e na arrecadação das máquinas também. Ó Chiquinho, Chiquinho, onde estás?

A senhora voltou-se para o Júlio e para o David, que estavam também aflitos. - Vão já ao vosso acampamento - pediu ela. - Vão procurando e chamando durante todo o caminho. Talvez se tenha perdido na encosta. Meu querido Chiquinho! Naturalmente o seu porquinho fugiu outra vez, como ele está sempre a contar, seguiu-o e perdeu-se! Santo Deus, que hei-de fazer?

 

                    UMA ESTRANHA MENSAGEM

O Mário correu até ao charco dos cavalos, muito assustado. O charco era bastante fundo no meio e o Chiquinho não sabia nadar. O David e o Júlio saíram à pressa e dirigiram-se ao Monte do Barrete, chamando pelo caminho.

- Chiquinho! Onde estás? Chiquinho!

Subiram a várias pedras altas, procurando algum sinal do pequenito sem nenhum resultado. Estavam ambos aflitíssimos. O Chiquinho gostava de andar de um lado para -o outro e o seu porquinho constituía uma desculpa tão boa para percorrer grandes distâncias!

- Chiquinho, Chiquinho!-gritaram por várias vezes, e ouviam o eco repetindo o nome.

- Talvez esteja no acampamento - disse o David. - Sei que ele queria visitá-lo. Talvez lá esteja, aquele diabrete, com o porquinho.

- Assim o espero - disse o Júlio, pouco animado. - Mas acho uma distância muito grande para as suas pernitas. Não sei como conseguiria saber o caminho sem ninguém para o conduzir. Não te esqueças de que nunca lá esteve.

- Talvez as pequenas o tenham encontrado - lembrou o David. - Este dia tem sido terrível, não tem? Ninguém sabe onde está o Alfredo e o Ray. E também não sabemos onde está o Chiquinho! Não se pode dizer que as férias estejam a tornar-se muito divertidas!

- Têm sido emocionantes mas cheias de preocupações - disse o Júlio. - Porque será que nos metemos sempre em coisas deste género? Nunca conseguimos passar um tempo pacato e calmo!

O David olhou de soslaio para o irmão e sorriu.

- Tu realmente gostavas dumas férias sossegadas, tu? - perguntou ele. - Não me parece. Bem, vamos chamar novamente.

Por fim chegaram ao acampamento, sem verem sinal do Chiquinho ou do Gorducho. Também não se encontrava ali, claro está. As pequenas estavam sozinhas com o Tim. Ficaram horrorizadas quando souberam do desaparecimento do Chiquinho. A Ana pôs-se muito pálida. - Vamos já procurá-lo! -disse ela. -É a nossa obrigação!

- Olha, podes arranjar umas sanduíches, muito depressa? - perguntou o David. - Estamos todos com apetite e num instante se preparam. Podemos comê-las pelo caminho. Enquanto cortamos o pão podemos pensar no plano da busca.

A Zé e a Ana começaram a preparar as sanduíches. A Ana estava muito desajeitada, tão nervosa ficara com a notícia do desaparecimento do pequenito. - Espero que nada lhe tenha acontecido!- repetia ela.-Toda a manhã perdido durante tantas horas! Pobre srª Thomas!

- As sanduíches estão prontas - disse a Zé.

- Agora qual é o teu plano, Júlio? Separarmo-nos uns dos outros e batermos o monte, chamando e procurando?

- Isso mesmo - concordou o Júlio, provando uma das suas sanduíches e metendo no bolso três tomates e uns rabanetes. - Vocês vão por aquele lado, Ana e Zé, uma pelo monte acima, e outra pelo monte abaixo, para que a vossa voz chamando o Chiquinho se oiça na maior área possível. O David e eu faremos o mesmo deste lado. Também passaremos pela Quinta das Borboletas, não se dê o caso do pequenito andar por lá!

Todos se puseram a caminho e em breve o monte estava cheio de vozes a chamar: CHIQUINHO! CHIQUI-I-Inho! CHIQUI-I-Inho!

Lá seguiam os quatro pelo tojo adiante e o Tim saltava dum lado para o outro muito excitado. Sabia que o Chiquinho andava perdido e farejava por toda a parte, mas sem resultado.

O Júlio foi à Quinta das Borboletas e percorreu-a de ponta a ponta, não tendo encontrado o pequenito. Na verdade não encontrou ninguém, nem mesmo a srª Janes. Ela saíra e os dois donos da quinta tinham ido apanhar borboletas, como de costume. A Zé e a Ana avistaram-nos quando procuravam pelo outro lado do monte e resolveram chamá-los!

- Viram um pequenito com um porquinho?

- Os homens responderam secamente. - Não, não vimos.

- Devem estar aborrecidos connosco por continuarem a pensar que foram os rapazes que partiram os vidros da estufa das borboletas - disse a Zé. - Era melhor que procurassem o Chiquinho em vez de borboletas.

Duas horas depois o pequenito ainda não tinha aparecido e os Cinco estavam quase a desistir de procurá-lo.

Tinham tornado a encontrar-se depois de darem a volta ao monte e sentiam-se desesperados, sem saberem o que fazer, quando o Tim de repente arrebitou as orelhas. Depois ladrou, um latido excitado, que queria dizer tão claramente quanto possível: - Ouvi qualquer coisa digna de interesse!

- Que foi, Tim, que foi? - perguntou logo a Zé. - Vai procurar! Vai procurar!

O Tim afastou-se, com as orelhas bem arrebitadas. Parava de vez em quando, pondo-se à escuta, depois prosseguia. As crianças também escutavam mas não conseguiam ouvir nada de especial.

- Olhem, ele vai pelo monte abaixo, em direcção às grutas - disse por fim o Júlio. -As grutas! Porque não pensámos nelas? Mas como conseguiria aquela criaturinha encontrar o caminho para ali? É um percurso complicado, partindo da Quinta das Borboletas!

- Deve ter seguido o Gorducho - lembrou a Ana. - Nós julgamos sempre que ele finge que o porquito foge, para andar por onde lhe apetece e deitar as culpas para o Gorducho. Mas desta vez o porquito fugiu de verdade!

- Esperemos que seja o Chiquinho quem o Tim está a ouvir - disse o Júlio. - Devo confessar que não oiço nada, embora preste a maior atenção.

Mas passado um minuto, todos ouviram a mesma coisa! Uma vozinha cansada, chamando alto: - Gorducho! Gorducho! Vem cá!

- Chiquinho!-gritaram todos, desatando a correr. O Tim foi o primeiro a chegar, claro está. Quando os quatro pequenos apareceram, viram-no a lamber o lindo pequenito louro, que pusera os bracinhos à volta do pescoço do cão, cheio de alegria. O Chiquinho estava sentado mesmo à entrada das grutas, sozinho - o seu porquinho não estava ali.

- Chiquinho! Oh! querido, encontrámos-te! - exclamou a Ana, ajoelhando-se ao pé do pequenito. Este olhou para os outros, não parecendo nada surpreendido por os ver.

- O Gorducho fugiu. Fugiu mesmo. O Gorducho foi ali para dentro!-explicou ele, apontando para as grutas.

- Felizmente não o seguiste!-disse a Zé.

- Podias não ser encontrado. Vem connosco; nós levamos-te para casa.

Mas logo que levantaram o pequeno ele desatou a gritar e a espernear. -Não! Não! Quero o Gorducho! Quero o Gorducho!

- Ele há-de voltar quando estiver farto das grutas - disse a Ana. - Mas a mãezinha está à tua espera. E o almoço também está à tua espera.

- Tenho fome - declarou o Chiquinho.

- Quero almoçar, mas também quero o Gorducho. Gorducho! Gorducho! Vem cá!

- É preciso levarmos o miúdo - disse o David.

- A mãe deve estar aflitíssima. O Gorducho talvez seja capaz de sair, se conseguir saber o caminho; se não, coitado! E nós não vamos arriscar-nos a percorrer os túneis que não têm cordas, pois podemos perder-nos. Bem, traz o Chiquinho, Zé.

- O Gorducho há-de voltar quando lhe apetecer - disse a Zé, afastando o pequeno da entrada das grutas. - Mas agora a tua mãezinha quer falar contigo e o almoço está à espera.

Ela foi levando o rapazinho pelo caminho abaixo, com o Tim a saltar de alegria ao lado deles.

- Todos conversavam com o Chiquinho e sentiam-se tão satisfeitos por o terem encontrado que por momentos esqueceram o Alfredo e o Ray. Brincavam com o Chiquinho para que ele não pensasse no porquito perdido.

A srª Thomas ficou radiante ao tornar a ver o seu pequenito. Abraçou-o muito comovida.

- Oh! Chiquinho, Chiquinho! Tu e o teu Gorducho formam um par muito endiabrado!

- Ele fugiu - respondeu o Chiquinho, como era de calcular. Depois sentou-se à mesa, comendo muito depressa, pois estava cheio de apetite.

Todos se sentaram a vê-lo, tão contentes que nem tiravam os olhos do pequenito enquanto ele “devorava” a sua refeição.

Por fim acabou. - Vou procurar o Gorducho - anunciou ele, saltando da cadeira.

- Não, não vais - disse a mãe. - Ficas aqui comigo. Preciso que me ajudes a fazer uns bolos. O Gorducho há-de voltar quando lhe apetecer.

Uma hora mais tarde, quando o Júlio, a Ana, o David, a Zé e o Mário estavam muito entretidos a limpar o tanque dos patos, o Gorducho apareceu. Foi andando pelo pátio da quinta, soltando os seus habituais grunhidos. Todos olharam em volta.

- GORDUCHO! Voltaste! Oh! porquinho endiabrado!- exclamou a Zé e o Tim correu logo para o porquito, cheirando-o e dando-lhe lambedelas. O porquito fez meia volta, à procura do Chiquinho.

- Alguém escreveu qualquer coisa sobre o Gorducho!-observou o Júlio, rindo.-Vem cá, Gorducho! Deixa ver!

Todos olharam muito excitados para as letras quase apagadas.

O porquito foi ter com o Júlio e este examinou uns rabiscos meio apagados.

- Não consigo perceber - disse ele. - Alguém escreveu qualquer coisa sobre a sua pele rosada. Foi uma ideia muito parva, mas isto sai com facilidade.

- Espera!-gritou o David, quando o Júlio se inclinou para apanhar um trapo, com tenção de esfregar o lombo do porquito. - ESPERA! Não é um A e um T e por baixo não estão um R e um V, não, um W, pois metade da letra ficou apagada?

Todos olharam muito excitados. - A... T e R... W!-exclamou o Mário quase sem fôlego. - ALFREDO THOMAS e RAY WELLS! Que significa isto? Quem pôs aqui estas letras?

- Há mais letras, pequenas e um tanto apagadas - disse o Júlio. - Faz com que o porquito esteja quieto, David. É preciso descobrirmos o que significam! Deve ser uma espécie de mensagem mandada pelo Alfredo e pelo Ray. O Gorducho deve ter estado no sítio onde esconderam os aviadores!

Todos olhavam com a maior atenção para as letras, que pareciam ser seis. Era quase impossível lê-las mas o David, com a sua esperteza habitual, descobriu por fim.

- A palavra é GRUTAS!-exclamou ele. - Reparem, a primeira letra pode ser um G ou um O, mas a segunda é um R e a última um S. Estou convencido de que é GRUTAS, e nós sabemos que o Gorducho lá esteve.

- Oh! então o Alfredo e o Ray estão lá escondidos! - disse o Júlio. -Afinal encontram-se bem perto e nós pensávamos que os tinham levado para muitos quilómetros daqui! Depressa, onde está o teu pai, Mário?

Foram procurar o sr. Thomas e mostraram-lhe o Gorducho, com as letras meio apagadas no lombo. O senhor ficou admiradíssimo. - Então o Gorducho foi passear para as grutas! Precisa meter o nariz em tudo! E logo foi dar com o sítio onde estão escondidos o Alfredo e o Ray. Que maneira tão estranha de mandarem uma mensagem. Podiam ter atado um papel ao seu rabito, ou ao seu pescoço. Estas letras estão quase apagadas.

- Eu quase as apaguei, julgando que alguém resolvera fazer uma estúpida partida ao Gorducho - disse o Júlio. - Se nós tivéssemos sabido onde estavam o Alfredo e o Ray! Agora que fazemos, sr. Thomas? Vamos imediatamente às grutas? Telefonamos à polícia?

- As duas coisas - disse o sr. Thomas. - A polícia deve saber, pois andam a procurar os aviadores por toda a parte. Vocês partam já para as grutas e levem um rolo de cordel convosco, pois o Alfredo e o Ray não devem estar em nenhum dos túneis que têm corda, por onde andam os visitantes, e sem um cordel não podem saber o caminho, à volta. Precisam de desenrolar o cordel à medida que forem avançando e levem o Tim; será útil.

- Com certeza - afirmou o Júlio. - E também devemos levar o porquito, para o Tim o poder cheirar e depois ir farejando o caminho que o Gorducho percorrer nas grutas e segui-lo. Não precisamos de andar de um lado para o outro à procura do Alfredo e do Ray.

Os Cinco puseram-se logo a caminho, com o o Mário, todos o mais entusiasmados que é possível imaginar.

- Ó Alfredo! Ó Ray! Aqui vamos nós! -dizia o Mário repetidas vezes. - Aguentem um pouco! Nós já aqui vamos!

 

                   UM FINAL DIVERTIDO

LÁ foram as cinco crianças com o Tim, pelo monte acima. O Júlio levava ao colo o porquinho, assustado, que não percebia bem o que lhe estava a acontecer. Fartava-se de espernear mas ninguém lhe ligava importância, pois ele seria preciso quando entrassem nas grutas, mas não até lá.

Finalmente chegaram ao caminho que ia direito às grutas e pouco depois estavam na entrada onde se via a tabuleta com o aviso.

- Tim! - chamou a Zé quando o Júlio pôs no chão o porquinho, todo trémulo, segurando-o com firmeza.-Tim! Vem cá! Cheira o Gorducho! Isso mesmo! Agora segue, segue, segue! Mostra por onde andou ele nas grutas. E segue Tim, segue!

O cão percebeu muito bem o que a Zé queria dizer e cheirou obedientemente o Gorducho da cabeça aos pés. Depois baixou o focinho para cheirar as anteriores passadas do Gorducho. Em breve levantou o nariz e correu para a primeira gruta.

Então parou, olhando para trás, com um ar interrogativo. - Continua, Tim, continua! Bem sei que estás a achar tudo isto muito estranho, mas nós queremos saber onde foi o Gorducho! -exclamou a Zé, receando que o Tim julgasse tratar-se de uma brincadeira disparatada e desistisse. O Tim continuou a farejar.

Entrou na gruta resplandecente cheia de estalactites e estalagmites formando algumas delas colunas a luzir. Depois passou à outra gruta, aquela que fazia lembrar à Ana uma gruta de contos de fadas, por causa das colunas com a cor do arco-íris. Passaram pela gruta seguinte chegando ao sítio onde o caminho se dividia.

- Ora aqui estamos em frente dos três túneis - disse a Zé. - Aposto que o Tim não vai seguir pelo que tem a corda e por onde vão os visitantes...

Enquanto falava, o Tim, com o nariz quase pegado ao chão, continuando a seguir o cheiro dos passos do porquinho, meteu-se pelo túnel da esquerda, que não tinha corda e todos o seguiram com as lanternas acesas.

- Já calculava - disse a Zé e a sua voz começou a ecoar.-Calculava, calculava, calculava...!

- Lembram-se daquele barulho horrível que nós ouvimos da outra vez? Aqueles assobios e gemidos? - perguntou o David. - Naturalmente eram os dois homens que trouxeram para aqui o Alfredo e o Ray. Com certeza ouviram o Tim a ladrar, talvez ele tenha ouvido os homens, embora nós não déssemos por nada, e assustaram-se pois podíamos aparecer-lhes. Por isso puseram-se a fazer aqueles barulhos assustadores para nos amedrontarem e o eco ampliava-os à maravilha.

- Realmente conseguiram que nós fugíssemos - disse a Ana recordando-se. - Com certeza foram os tais homens. Hoje não se ouvem nenhuns barulhos esquisitos. Este túnel é compridíssimo e muito sinuoso! Reparem, ali adiante divide-se em dois.

- O Tim saberá por onde deve seguir - disse a Zé, e claro que tinha razão, pois o Tim escolheu o túnel da esquerda sem hesitar.

- Nem era preciso trazeres o rolo de cordel, Júlio - observou o Mário. - O Tim há-de conhecer o caminho da volta com a maior facilidade, não te parece?

- Certamente - concordou o Júlio. - Ele é melhor do que qualquer cordel desenrolado. Agora devemo-nos encontrar no coração do monte.

O Tim de repente parou e levantando a cabeça pôs-se à escuta. Conseguiria ele ouvir o Alfredo e o Ray? Começou a ladrar e de qualquer sítio próximo ouviu-se uma voz. - Aqui! Aqui! Por este lado!

- É o Alfredo!-gritou o Mário aos pulos no túnel escuro, de tal maneira estava entusiasmado.-ALFREDO! ESTÁS A OUVIR-ME!? ALFREDO!

Veio logo a resposta. - Mário, estou aqui!

O Tim correu pelo túnel e parou. Primeiro as crianças não compreenderam qual o motivo mas depois viram que o túnel terminava ali! Havia uma parede mesmo em frente do Tim e no entanto a voz do Alfredo ouvia-se com a maior nitidez.

- Aqui estamos! Aqui estamos!

- Olhem, há um buraco no chão do túnel mesmo ao pé do Tim!-exclamou o Júlio, iluminando à abertura com a sua lanterna. - Os aviadores devem estar lá no fundo. Alfredo, está aí?

O Júlio metera a lanterna pelo buraco; lá em baixo, deitado no chão encontrava-se o Ray e a seu lado, de pé, olhando para cima com a maior ansiedade, estava o primo Alfredo!

Os dois rapazes conseguiram levantar o aviador, estendendo-se no chão.

- Graças a Deus encontraram-nos!-exclamou o Alfredo. - Aqueles malandros deixaram-nos aqui, avisando-nos de que nunca mais voltariam. O Ray torceu um pé e não consegue andar. Empurraram-nos para este buraco sem avisarem e o Ray caiu mal. Mas com a vossa ajuda conseguiremos levá-lo para cima.

- Alfredo, oh! Alfredo! Estou tão satisfeito por vos termos encontrado! -gritou o Mário, procurando olhar pela abertura, ao lado do Júlio. - Qual será a melhor maneira de os fazer sair daí? Esta abertura não é grande.

- Se vocês conseguirem puxar-me lá para cima, isso será a primeira coisa a fazer - disse o Alfredo, raciocinando rapidamente. - Depois dois de vocês, rapazes, podem descer para ajudar o Ray a pôr-se em pé e eu acho que devo conseguir puxá-lo. Este lugar é horrível, sem nenhuma entrada, tirando essa pequena abertura que era demasiado alta para eu alcançar e o Ray não conseguia pôr-se de pé, para me ajudar.

Em breve o Alfredo, o Júlio e o David faziam um trabalho de verdadeiros acrobatas. Os dois rapazes conseguiram levantar o aviador, estendendo-se no chão e metendo os braços pelo buraco, para o puxarem. A Zé e o Mário seguravam nas pernas dos rapazes, evitando que eles caíssem pelo buraco. E a Ana agarrava no porquinho que fazia o possível por saltar pela abertura!

Finalmente o Alfredo conseguiu sair do esconderijo e então os dois rapazes, o Júlio e o David, saltaram, para ajudar o Ray. Este parecia um tanto atordoado e o Alfredo explicou que ele devia ter batido também com a cabeça quando os homens os empurraram pelo buraco. O Júlio pô-lo de pé, com todo o cuidado, e depois levantou-o ajudado pelo David, até conseguir chegar às mãos do primo Alfredo, pois este estava debruçado na abertura. O pobre Ray, por fim, lá foi puxado para cima e o Júlio e o David subiram pelo mesmo processo. O Tim achava esquisita aquela abertura e ladrava com toda a força, assustando imenso o Gorducho.

- Ah!-exclamou o Alfredo, quando acabara de fazer subir o Ray, ajudado pelos outros. - Pensei que não conseguiríamos sair dali! Vamos para fora deste lugar de pesadelo o mais depressa possível. O que nós precisamos é de um pouco de ar fresco, comida e água! Aqueles patifes nunca mais nos apareceram e dá-me ideia de que já se passaram várias semanas!

Dirigiram-se para a entrada das grutas, seguindo o Tim à frente, sem a menor hesitação, nem se dando ao trabalho de farejar o terreno. Nunca se esquecia dum caminho por onde tivesse passado uma vez.

Saíram para o sol de Junho e este parecia tão forte aos dois aviadores, que haviam permanecido durante tanto tempo na mais completa escuridão, que tiveram de proteger os olhos com as mãos.

- Sentem-se um pouco até se habituarem à luz - propôs o Júlio. - E contem-nos como escreveram a vossa mensagem no porquinho. Ele caiu de repente pelo buraco?

O Alfredo riu-se. - Nós ali estávamos naquele sítio horrível, o Ray e eu, sem termos um relógio que nos indicasse as horas, mesmo sem sabermos se era dia ou noite, ou se era quinta-feira ou segunda-feira seguinte! De repente ouvimos o barulho de pequenas passadas e logo a seguir percebemos que qualquer coisa caíra pelo buraco vindo parar mesmo em cima de nós! A tal coisa começou a guinchar o mais que podia e por isso calculámos que era um porquito, embora não pudéssemos imaginar porque caíra um porquito em cima de nós, vindo do túnel escuro!

Todos se riram, até mesmo o Ray. - Continue - pediu o David. - Que fizeram depois?

- Apalpámos bem o porquito e percebemos que ainda era pequeno - contou o Alfredo. - Mas só depois de algum tempo nos lembrámos de o usar como mensageiro. Foi uma maravilhosa ideia do Ray!

- Foi difícil ler o vosso recado - disse o David.

- Quase precisámos de adivinhar.

- Também calculo, mas se pensarem que nos tiraram tudo - a minha lapiseira de prata, a caneta, já não falando no nosso dinheiro, relógios e lanternas de algibeira, e senão se esquecerem de que a escuridão era absoluta, devem concordar que a mensagem não estava nada mal escrita!-disse o Alfredo.

- Mas como escreveram se tinham as algibeiras vazias? - perguntou a Zé, admirada.

- Bem, o Ray encontrou um pedacito de giz preto no fundo duma algibeira das calças - explicou o primo Alfredo. - Costumamos marcar as rotas aéreas nuns grandes mapas, a giz, e foi o que usámos. O Ray segurou o porquito e eu escrevi-lhe no lombo as nossas iniciais e a palavra “Grutas”. Não podia ver o que fazia assim às escuras, mas esperei pelo melhor. Depois levantei-me atirando o porquito pela abertura. Tive grande pontaria, devo dizer, pois em breve ouvi-o afastar-se no túnel! Foi o melhor porquito do mundo!

- Que história!-exclamou o Júlio.-Tiveram uma grande sorte em que o porquito chegasse a casa são e salvo! É uma maravilha aquele porquito sempre a “fugir”! Quando penso que estive quase a apagar a vossa mensagem antes de a ler!

- Até me arrepio ao ouvir isso!-disse o Alfredo. - Agora contem-me o que se passou quando descobriram que nós desaparecemos do campo de aviação. Houve um grande alarido?

- Nem podem imaginar! Sabem que lhes roubaram os aviões, não é verdade? - perguntou o David.

- Logo calculei, ao ouvir dois aviões descolarem quando aqueles patifes nos levavam pelo monte acima - disse o Alfredo. - Ouvi um cão a ladrar enquanto nos arrastavam. Seria o Tim? Ainda tive esperanças de que ele viesse em nosso socorro.

- É verdade, deve ter sido quando ele começou a ladrar, na noite do temporal! - exclamou a Zé, recordando-se. - Que pena ele não ter adivinhado de quem se tratava!

- Os dois aviões roubados caíram no mar, durante a tempestade, Alfredo - informou o Mário. - Não encontraram os pilotos.

- Oh!-exclamou o Alfredo, impressionado, ficando silencioso por uns momentos. - Vou ter saudades do meu querido avião. Esperemos que me dêem outro e ao Ray também. Ray! Como te sentes agora? Achas que consegues continuar o caminho?

- Consigo, se os pequenos me ajudarem como até aqui - respondeu o Ray que ficara muito melhor logo que se encontrara ao ar livre. - Continuemos.

Avançavam bastante devagar, mas por sorte encontraram dois polícias a meio caminho dirigindo-se para as grutas! O sr. Thomas tinha telefonado e os polícias logo se haviam posto a caminho. Encarregaram-se do Ray e o pequeno grupo lá seguiu com mais rapidez.

- Põe o porquito no chão, Ana, pois deves estar cansada de o levares ao colo - disse o David. - Pareces a Alice no País das Fadas. Ela também levava um porquinho!

O Gorducho fugiu logo para o celeiro e o Chiquinho foi atrás dele.

A Ana riu-se. - E este vai adormecer, tal como o porquinho da Alice - observou ela. E assim aconteceu!

Ficaram todos satisfeitos quando finalmente chegaram à Quinta do Barrete. É impossível descrever como foram recebidos pela srª Thomas, seu marido e pelo Chiquinho. O pequeno arrancou o porquito dos braços da Ana, abraçando-o.

- Tu fugiste! Tu és mau! Fugiste tão depressa!

- ralhou ele e pôs o Gorducho no chão. Este fugiu logo para o celeiro; o Chiquinho foi atrás dele e a Ana resolveu ir buscá-los.

- Agora vamos todos lanchar. Tenho tudo pronto, esperando apenas que vocês voltassem da vossa extraordinária aventura! - disse a srª Thomas. - Calculo que o Alfredo e o Ray devem estar a morrer de fome. Tu estás com uma cara muito abatida, Alfredo.

Sentaram-se todos à mesa, o Mário ao lado do seu herói, o primo Alfredo.

Todos olhavam deliciados para as iguarias que estavam sobre a mesa!

- Mãe!-exclamou o Mário, com os olhos a brilhar. - Mãe, isto não é um lanche, é um BANQUETE! Alfredo, o que queres?

- Tudo!-exclamou o tenente.-Quero provar de tudo. Vou começar por dois ovos cozidos, três fatias de presunto, duas fatias grossas de pão com manteiga e um pouco daquela maravilhosa salada. Até vale a pena ter estado metido numas horríveis grutas, só para depois saborear uma refeição assim!

Foi um lanche muitíssimo animado e pela primeira vez o Chiquinho esteve sentado na sua cadeira durante toda a refeição, não se levantando para ir buscar o Gorducho.

Porque não lanchariam assim todos os dias? Até o pai estava ali, rindo a bom rir! Que pena os dois polícias não terem ficado para o lanche! O Chiquinho tinha muitas coisas para perguntar aos polícias! Onde estava o Tim? Sim, estava ali por baixo da mesa, pois o Chiquinho conseguia tocar-lhe com o pé. E também ali estava o Binky, mesmo ao lado do Mário.

O Chiquinho meteu a mão por baixo da mesa, com uma grande fatia de bolo que imediatamente foi levada por um focinho peludo. O Tim também se divertia!

Todos tiveram pena que a refeição acabasse. O Alfredo e o Ray precisavam de ir ao campo de aviação e o sr. Thomas ofereceu-se para levá-los no seu carro. As crianças foram vê-los partir.

- Agora no nosso acampamento, na encosta do monte, vai parecer-nos tudo muito monótono - disse o David. - Aconteceram tantas coisas nestes últimos dias e agora mais nada se passará!

- Tolice!-exclamou o Alfredo.-Prometo que vai dar-se um grande acontecimento!

- Qual? - perguntaram todos cheios de curiosidade.

- Vou pedir para lhes oferecer uma volta de avião o mais brevemente possível; talvez amanhã - declarou o Alfredo. - E eu irei a pilotar! Quem quer esperimentar o “looping” comigo?

Os pequenos ficaram delirantes fazendo uma enorme gritaria. O primo Alfredo respondeu com uma careta, pondo as mãos nos ouvidos.

- Eu também vou! Eu também! E o Gorducho!- gritava o Chiquinho na sua vozinha.

- Onde está o Gorducho? - perguntou o Alfredo, olhando para fora do carro. - Preciso de lhe agradecer. Foi um grande amigo para mim e para o Ray. Onde está ele?

- Não sei - disse o Chiquinho, olhando em volta. - Deve...

- Ter fugido!-disseram os outros em coro. O Tim começou a ladrar por causa da algazarra e pôs as patas da frente na janela do carro lambendo a mão do Alfredo.

- Obrigado, meu velho!-disse o aviador. - Também não poderíamos ter passado sem ti! Adeus a todos! Até amanhã! E não se esqueçam de que vamos subir às nuvens!

 

                                                                                Enid Blyton  

 

                      

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