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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


OS CINCO E OS LADRÕES DO CASTELO / Enid Blyton
OS CINCO E OS LADRÕES DO CASTELO / Enid Blyton

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

OS CINCO E OS LADRÕES DO CASTELO

 

Júlio! Atira-me a bola!... Tim! Pára de saltar desse modo! Não vês que me atrapalhas?

- Olha lá, David! Como é que te atreves a falar assim ao Tim?

E a Zé, vermelha de raiva, atirou um valente soco ao seu primo David.

Ana, a irmã mais nova do David e do Júlio, interpôs-se vivamente:

- Então, meninos?. Não vão começar a implicar, logo no começo das férias! Além disso, Zé, se passas a zaragatear como um rapaz, o teu pai não fica nada satisfeito!

- A Ana tem razão! - exclamou o Júlio, de bom humor. - Tratemos mas é de aproveitar o bom tempo e as férias. Que sorte estarmos, este ano, outra vez todos juntos, no Casal Kirrin!

A Zé descontraiu-se imediatamente. Pronta a zangar-se, possuía, em contrapartida, um coração excelente e adorava os primos. Estes, aliás, pagavam-lhe na mesma moeda.

Como sempre no Verão, os pais da Zé recebiam os sobrinhos, em sua casa, para passarem as férias. O tio Alberto, cientista famoso, mas que só gostava de trabalhar em paz, detestava, naturalmente, ser perturbado pela gritaria das crianças - estas deviam, pois, fazer o menor barulho possível.

A Zé, que não tinha medo de nada, cuja temeridade era quase lendária, receava, no entanto, as reprimendas paternas. Deste modo, mantinha-se, habitualmente, tranquila.

Com os seus cabelos escuros, muito curtos, lembrava mesmo um rapaz. Viva, muito dinâmica, era ela, na reali dade, o chefe do pequeno grupo. O David, moreno como a Zé e da mesma idade - onze anos -, parecia-se muito con ela. O Júlio e a Ana, ambos loiros, tinham, respectivamente treze e nove anos e meio.

- Vamos jogar para mais longe! - propôs a Zé. - O pai não ficaria nada contente se o incomodássemos nos seus cálculos ou se lhe partíssemos, com a bola, um dos vidros do escritório!

As crianças afastaram-se correndo, precedidas pelo Tim que saltava que nem um cabrito. Tim era o cão bem-amado de Zé e seu companheiro inseparável - raramente se via um sem o outro!

A Zé e os primos entendiam- se às mil maravilhas! Tinham um gosto em comum: adoravam desvendar enigmas policiais e esclarecer mistérios. Já por várias vezes haviam encontrado solução para problemas delicados. Orgulhosos com os resultados obtidos, tinham-se denominado a si mesmos O CLuBE dos Cinco. O quinto elemento era o Tim, claro!

O Casal Kirrin erguia-se perto do mar, próximo da aldeia Kirrin.

Os dias dos quatro primos estavam muito cheios. A tia Clara cuidava muito bem dos seus hóspedes, mas exigia que fossem pontuais à hora das refeições. Para além desta obrigação, deixava-os completamente livres o resto do tempo.

Os Cinco aproveitavam bem a liberdade. A região oferecia inúmeras possibilidades de se distrairem: excursões, piqueniques, etc.

Nesse dia, depois de terem jogado à bola, os cinco companheiros meteram-se no barco da Zé.

- Rememos até à ilha Kirrin - propôs o David

- Vamos lá jogar às escondidas!

- Com este calor? - protestou o Júlio. - Vamos antes tomar banho na pequena enseada. Fazemos um concurso de mergulhos.

- De acordo! - aprovou a Zé, agarrando nos remos. A ilha pertencia à Zé, que tinha muito orgulho nisso. Ninguém podia ali desembarcar sem a sua autorização.

Os Cinco fartaram-se de se divertir todo o resto do dia. O Júlio, calmo e ponderado por natureza, teve de reprimir por várias vezes os entusiasmos da Zé. A imaginação da pequena sugeria-lhe sempre iniciativas ousadas que, manda a verdad que se diga, nem sempre eram coroadas de êxito. Nessas ocasiões, a intervenção do ajuizado Júlio impedia uma catás trofe. Mas, na maior parte das vezes, as invenções da Zé, (como dizia o David) eram quase geniais e valiam-lhe admiração dos primos.

- E agora - exclamou a Zé amarrando o barco no ancoradouro do Casal Kirrin - ainda temos uns minutos antes do jantar. Proponho um passeio de bicicleta!

David fez uma careta.

-Que maçada - disse ele. - Estou farto do meu calhambeque! O tio Alberto tinha prometido que nos oferecia umas bicicletas motorizadas, se o nosso aproveitamento escolar fosse bom. Mas não há meio de ver nada!.

- No entanto - suspirou o Júlio - trabalhámos excepcionalmente bem todos os quatro.

-Tem confiança no meu pai! - interveio a Zé. Embora seja muito distraído, nunca se esquece das suas promessas!

A Zé tinha razão. No dia seguinte, depois do pequeno-almoço, a tia Clara disse-lhes sorrindo:

- Têm uma surpresa à vossa espera, no alpendre! Vão ver depressa!

Os cinco correram para a pequena construção coberta de hera, que se erguia ao lado do abrigo do barco. A Zé abriu a porta, com um gesto brusco, e imediatamente os seus rostos se iluminaram.

- Bestial! - exclamou a Zé. - O pai cumpriu a sua promessa. Eis quatro bicicletas motorizadas, novinhas, para substituir as nossas velhas máquinas!

- Esperemos pelo meio-dia para agradecer ao tio Alberto - aconselhou o Júlio. - Se lá fôssemos agora arriscávamo-nos a incomodá- lo.

- Olhem! - gritou a Zé que não cabia em si de contente. - Até há um cesto atrás do meu selim. Meu caro Tim, não precisas de cansar as pernas a correr ao meu lado.

- Béu! - fez Tim, que parecia compreender.

- Vamos experimentar já estas máquinas - propôs o David. - Júlio, como já sabes andar, mostra- nos tu como é!

Durante toda a manhã as crianças familiarizaram-se com o funcionamento das motocicletas. À hora do almoço agradeceram ao tio Alberto. E, logo a seguir à refeição, foram passear.

- A partir de agora - disse a Zé aos primos - poderemos visitar facilmente os arredores. A distância é nossa!.

Nos dias seguintes, as crianças decidiram explorar a região. Nunca tinham podido ir muito longe com as bicicletas velhas.

Nessa manhã reuniram-se no jardim, para decidirem aonde seria a próxima excursão.

- Eu proponho que vamos para norte - disse o Júlio. É para aí que se encontram muitos sítios interessantes.

- Também os há para o sul! - cortou o David.

- Mas não podemos ir para dois lados ao mesmo tempo!

- observou a Zé. - Vamos lá então para o norte, meus caros!

- Eu vou para onde vocês quiserem! - declarou a Ana, conciliadora.

Tim fê-los compreender que preferia desentorpecer as pernas que ficar sentado no cesto.

- Compreendo-te muito bem, meu menino - disse o David. - Dèsde que temos as motorizadas, a nossa tendência é para não nos mexermos.

- Os nossos cérebros nesta altura também não fazem muito exercício! - declarou a Zé, com uma careta. Esperemos que as meninges do Clube dos Cinco não se vão enferrujar, como as nossas bicicletas antigas, que estão boas mas é para a sucata!

- Isso é verdade! - aprovou o Júlio. - Há muito tempo que não temos nenhum enigma para resolver.

- Enquanto esperamos por ele, vamo-nos mas é embora!

- sugeriu a Zé, montando a sua motocicleta. - Anda, Tim! Nada de conversas! Salta para o teu cesto! Hoje vamos devorar quilómetros!

Os Cinco tinham percorrido cerca de seis quilómetros quando viram um velho castelo aberto aos turistas, segundo dizia um letreiro.

- Vamos visitá-lo? - propôs o David.

- Vamos! - responderam os outros em coro.

As crianças deixaram as bicicletas num parque de estacionamento para duas rodas, arranjado no pátio do próprio castelo. Depois atravessaram o grande arco da entrada. Que fresquinho que estava lá dentro! A Ana arregalou os olhos na penumbra.

- Que é que há para ver? - sussurrou ela.

O empregado que vendia os bilhetes, instalado numa espécie de guarita, sorriu para a jovem visitante.

- Este castelo data do século XVI - explicou ele. Além da arquitectura e de alguns móveis da época, podem admirar objectos de valor, expostos em vitrinas. Caixas para bombons, vasos, fechos de cintos, jóias de ouro e de prata, usadas pelas belas damas da corte.

A Ana era vaidosa. Ficou encantada com a ideia de poder contemplar tão belas jóias. O Júlio pagou os bilhetes de entrada. Quando a Zé se preparava para seguir os primos, com o Tim a meter-se-lhe pelas pernas, o empregado interpelou-a:

- Eh! Ó, menino! - gritou ele, tomando-a por um rapaz. - Os cães não podem entrar. Amarre-o aqui. À saída pode vir buscá-lo.

A Zé irritou-se imediatamente.

-O meu cão é muito bem comportado! - replicou, muito segura de si. - Não ladra e não faz estragos. Além disso, eu pago a entrada dele!

E, num gesto que pretendia ter a maior nobreza, colocou duas moedas mesmo em frente do nariz do empregado, estu pefacto.

- Anda, Tim! Mas que coisa! Por quem te tomam eles? E a Zé foi juntar-se aos primos, que se encontravam já reunidos em volta de uma mesa comprida e baixa, com tampo de vidro. O David estendeu os lábios numa careta cómica.

-Jóias valiosas, isto? Caramba! Pechisbeque, é o que isto é!

O Júlio, que se esforçava sempre por corrigir a linguagem, por vezes demasiado livre, do irmão, franziu as sobrancelhas: David! Exprime-te correctamente, está bem?... No entanto, parece-me que tens razão! Estes objectos todos não valem nada! Eis-nos bem longe dos tesouros anunciados pelo empregado dos bilhetes! Não vejo qualquer jóia preciosa!

- Vamos ver mais! - propôs a Ana.

Mas nas outras vitrinas também não havia qualquer objecto de valor.

- Que estranho! - murmurou a Zé. - E aquelas vitrinas ali, completamente vazias, ao pé da janela, não são menos estranhas. Olha - acrescentou ela aproximando-se

das referidas vitrinas - os fechos foram forçados...e a tampa desta está partida.

Nesse mesmo instante, um turista que, tal como as crianças, visitava o local, voltou-se.

- Não é de admirar que as vitrinas estejam vazias

explicou ele. - Este museu foi roubado a semana passada.

A notícia veio em todos os jornais. Eu perguntava a mim próprio o que é que os ladrões poderiam ter deixado ficar.     

Pois bem, já sei: simplesmente nada! Deviam prevenir as     pessoas à entrada. É uma vergonha fazer pagar um bilhete para se contemplar paredes nuas e vitrinas devastadas. É uma outra forma de roubo!

Sempre a resmungar, o homem afastou-se.

- Ouviram? - disse a Zé aos primos. - Houve recentemente um roubo neste castelo!

- Espero que os ladrões tenham sido apanhados! - exclamou o David.

- Vamos perguntar ao homem da entrada!  

Os cinco dirigiram-se ao empregado, que deitou um olhar reprovador ao Tim.

Interrogado pelas crianças, não se fez rogado em fornecer pormenores:

- É verdade - reconheceu ele. - Este castelo recebeu a visita de ladrões bem informados, que partiram as vitrinas que continham as jóias mais preciosas da nossa colecção. Deixaram apenas os objectos sem valor ou difíceis de vender. Ah! Pode dizer-se que actuaram com muita perícia, os bandidos! Trabalho rápido e sem rastos!

- A Polícia conseguiu apanhá- los, suponho? - perguntou o David, que gostava sempre de ver fazer justiça.

- Nem isso! - respondeu o empregado, encolhendo os ombros. - Continuam à solta, os miseráveis! Sem contar que esta semana já fizeram falar deles outra vez. Claro que vocês são demasiado novos para lerem os jornais! Senão, saberiam que dois outros castelos e um museu da região tiveram também a visita deles. Os tipos são de se lhes tirar o chapéu! Isso, é que é bem certo!

O Júlio franziu as sobrancelhas.

- Parece-me que ouvi falar destes roubos ontem à noite, na rádio - disse ele. - Estou agora a lembrar-me.

- Sim. A Polícia não desiste. Pergunto a mim mesmo até aonde irá a ousadia destes bandidos.

Os Cinco retomaram o caminho para o Casal Kirrin. Oferecendo o rosto ao vento provocado pela corrida, discutiram o assunto que os interessava. De volta a casa, a Zé foi buscar os jornais da semana e trouxe-os aos primos. Os quatro leram atentamente os artigos que relatavam a pilhagem feita nos castelos. Os sucessivos roubos pareciam ser obra de uma quadrilha especializada, aparentemente decidida a fazer uma limpeza geral na região. Não faltava ousadia aos bandidos!

No dia seguinte, o tempo estava magnífico. tão bom que a tia Clara propôs espontaneamente às crianças:

- Com um tempo destes, que me diriam, se lhes preparasse um bom piquenique? Poderiam almoçar no campo e, à volta, tomar banho na enseada dos Monges. Está bem abrigada do vento e das correntes.

A Zé e os primos aceitaram com alegria - adoravam comer fora de casa, sem cerimónias.

Foram para a cozinha ajudar a tia a preparar as sanduíches e a encher as garrafas-termo com sumo de frutas, bem fresco. O David tinha posto perto dele o seu pequeno rádio. De repente, a música parou.

- Fomos há pouco informados - disse a voz do locutor

- de que o Castelo de Lencoet, situado a onze quilómetros de Kirrin, foi esta noite assaltado por ladrões que, há já três semanas, têm vindo a roubar nesta região, com uma ousadia incrível. Quadros de grandes mestres, expostos na sala superior do castelo e representando paisagens locais e marítimas, foram levados por estes gatunos tão pouco escrupulosos. Os bandidos actuaram com a maior segurança, sem querer saber dos dispositivos de defesa e de alarme, e não deixando qualquer vestígio atrás de si. Está a proceder-se a um inquéri to. Esperemos que tenha bons resultados, pois a opinião pública começa a inquietar-se .

- Ouviram! - gritou a Zé. - A quadrilha dos ladrões dos castelos atacou mais uma vez! Com a rapidez com que actuam, não tardarão em acabar com todos os tesouros da região. Eu, se fósse à Polícia...

- Não faças julgamentos apressados! - aconselhou a tia Clara à filha.

A Zé encolheu os ombros.

- Confesse que os investigadores não são nada expeditos! Os bandidos até fazem troça deles! Se fosse eu...

- Podes estar certa de que eles sabem do seu ofíciocortou a tia Clara, severamente. - E com certeza que tu não eras capaz de fazer melhor! Estes ladrões são pessoas muito hábeis! Desde o primeiro roubo que as estradas, os portos, os aeroportos e as fronteiras se encontram vigiados. Mas ainda não se descobriu qualquer vestígio do produto dos roubos. Deve estar tudo bem escondido. e assim permanecerá, até que esta história dos assaltos tenha caído no esquecimento.

Alguns instantes depois, as crianças e o Tim partiam à desfilada pela estrada fora. Após terem passado pela enseada dos Monges, viram uma pequena colina verdejante, com moitas e tufos de tojo espalhados aqui e ali. O David propôs que se subisse até meio da encosta, para fazerem o piquenique. Tiraram alegremente as provisões dos sacos. O Tim corria atrás das borboletas e das libelinhas, ladrando.

- Ana! Ajuda-me a estender a toalha! - disse a Zé. Júlio! És capaz de abrir esta lata? David! Cuidado! Vais entornar as bebidas! Tim! Deixa de fazer de maluco!

- Às vossas ordens, princesa!

- Muito bem, minha senhora. Eu arranjo.

- Ao seu serviço, chefe!

- Béu! Béu!

A Zé atirou um pano para cima da cabeça do David e deu uma palmada à Ana. O Júlio atirou-lhe um soco e o Tim, entrando na brincadeira, fingiu socorrer a sua jovem dona. A pseudodiscussão degenerou numa batalha amigável, em cima da erva, entre exclamações e risos.

Como era bom viver!

Quando os Cinco acabaram o piquenique, contemplaram, suspirando, as raras migalhas deixadas. Depois de terem comido com tanto apetite, as crianças estavam um pouco sonolentas e estenderam-se à sombra das árvores.

A seus pés, em baixo da pequena colina verdejante, o caminho por que tinham vindo estendia os seus meandros paralelamente à falésia. Para lá desta, o mar brilhava ao sol, tão calmo quanto possível. O céu azul não tinha qualquer nuvem. Estava um tempo maravilhoso.

A Ana havia comido tanta torta de framboesa que começava a lamentar um pouco a sua gulodice, sentia o espírito entorpecido e era com esforço que mantinha os olhos abertos. Apesar de tudo, eles fecharam-se por alguns segundos.

De repente, a pequena acordou, um pouco confusa por ter cedido ao sono. um sono que sem dúvida, havia durado pouco tempo. Ter-se-iam os outros apercebido da sua fraqueza? Eles conversavam e riam a seu lado. A Ana levantou-se. Foi então que lhe escapou um grito.

- Que te aconteceu? - exclamou o Júlio, sobressaltado.

- Aquele arbusto. além. vi-o mexer! O David pôs-se logo a troçar.

- Realmente, tens razão para gritar! - disse ele. Estão a ver bem? Um milagre! O vento fez mexer as folhas!

- Mas é isso, justamente. Não há nem um bocadinho de vento! - notou a Ana. - É o que me espanta. E o arbusto não se mexia como se o vento o agitasse. Dir- se-ia que uma mão invisível se divertia a abaná-lo!

A Zé pôs-se a rir.

- Como é bonito ter-se imaginação! - declarou ela, afagando o Tim, estendido a seu lado. - A nossa querida Aninhas estava a dormir beatificamente quando sonhou que se encontrava no país do mistério... Então, imaginou ver passar o homem invisível através da urze e do tojo, e assustou-nos com um grito!

A Ana protestou imediatamente:

- Mas eu não estava a sonhar! Vi aquele arbusto abanar... aquele grande, ali em baixo... Oh! Olhem! Está a mexer ainda, mas mais fracamente. Não estou ceguinha.

Um latido do Tim cortou- lhe a palavra.

O cão tinha-se lançado em direcção ao arbusto indicado pela Ana. Ladrava como doido, andando à roda. A Zé chamou-o.

- Tim! Tim! Anda cá! Tens o diabo no corpo!

- Este cão está completamente maluco! - asseverou o David.

- Ora! Quer é fazer-se engraçado! - sugeriu o Júlio.

- Eu acho que deve ter farejado um coelho bravo - disse a Zé. - Se tivesse coragem de me levantar - acrescentou, bocejando - iria espreitar o teu arbusto, Ana. Talvez descobrisse uma toca!

A Ana estava convencida.

- Um coelho não abanava asssim um arbusto tão grande.

- insistiu ela. - Dir-se-ia.

- Está bem, está bem, já nos disseste! - cortou David. - Viste alguém. invisível, rastejar na toca de coelho. É bom poder contemplar-se o invisível, Ana! Dev ter um sexto sentido! Tomas-te pela pitonisa de Delfos!

A Ana, intrigada e pouco forte em história antiga, ia pedir esclarecimentos sobre a célebre pitonisa, quando o Júlio se levantou.

- Chega de conversa! É inútil ficarmos para aqui, se quisermos visitar o castelo dos Arganazes!

A Zé, o David e a Ana olharam para ele, estupefactos.

- Visitar o quê?

- O castelo dos Arganazes! É uma surpresa que eu lhes reservava. Antes de sairmos, estive a estudar o roteiro turístico. Trata-se de um dos raros solares da região, segundo o que eu soube não sei onde, que ainda não foi assaltado pelos ladrões dos castelos. Pensei que podíamos lá ir dar uma espreitadela, antes que seja também esvaziado!.

- Achas que os ladrões vão interessar-se por ele? exclamou o David, cujos olhos brilhavam de interesse.

- Na verdade, que contém ele assim de tão valioso? perguntou a Zé.

- Relógios, meus meninos!

Perante o ar espantado dos outros três, o Júlio desatou a rir. - Devo precisar - acrescentou - que estes relógios são de ouro e constituem uma colecção maravilhosa, que fez o legítimo orgulho do proprietário do castelo, o marquês de Penlech.

- É a primeira vez que oiço falar desse castelo! exclamou a Zé, montando a sua motocicleta.

- Chamam-lhe o Solar de Penlech. Até agora, tem estado fechado ao público. Mas parece que o marquês está arruinado. Assim, para poder subsistir, resolveu, se bem que com a morte na alma, abrir as portas da sua casa aos turistas amadores de arte.

- Se ele tem falta de dinheiro - exclamou o David, admirado - porque é que não vende os relógios de ouro? Assim livrava-se das dificuldades.

O Júlio abanou a cabeça.

- Esses relógios são os últimos vestígios da fortuna do marquês. Parece que a simples ideia de se separar deles o horroriza. Preferia morrer à fome a consentir tal. Cada um desses relógios tem a sua história. Um deles foi dado a um dos antepassados do marquês por Francisco e.

- Estás muito bem documentado, meu caro! - exclamou o David rindo. - Onde foste tu pescar essa ciência toda?

- Ao roteiro, claro... Ah! Estamos a chegar! Numa volta de caminho, as crianças viram um solar de aspecto maciço, rodeado de fossos e protegido por muralhas que se adivinhavam muito espessas.

- Mas, é uma verdadeira fortaleza! - exclamou a Zé.

- Lá dentro deve poder-se suportar um cerco!

Os Cinco andaram ainda um pouco mais e, quando chegaram perto do castelo, desceram das motocicletas. Empurrando estas, atravessaram a ponte que passava por cima do fosso. Num dos batentes do formidável portão de entrada, um letreiro indicava as horas da visita.

O David consultou-o.

- Óptimo - disse ele. - Acho que chegamos na melhor altura do dia. Ainda é cedo para haver muita gente! Temo tempos de visitar tudo tranquilamente. Venham! Entremos!

Os outros seguiram-no. O pátio do castelo não estava arranjado. A erva crescia por entre as lajes partidas, tudo respirava abandono.

- Ui. - murmurou a Ana com um arrepio. - Isto é sinistro! Não me admira que os ladrões tenham menosprezado este sítio para uma das suas visitas! Não gostava nada de andar por este castelo à noite. Deve estar cheio de fantasmas.

- Estes relógios valem uma fortuna e não estão bem guardados.

Engana-se, meu rapaz! Vigio-os eu próprio! Sou o marquês de Penlech!

O Júlio cumprimentou o proprietário do solar e apresentoú os irmãos e a prima. O marquês pediu desculpa, sorrindo, por ter tomado a Zé por um rapaz. A Zé retribuiu-lhe o sorriso.

- Espero que a sua colecção esteja no seguro!

- Ah, não, meu jovem amigo. quero dizer menina. O seguro de um tesouro como este ultrapassa, infelizmente, as minhas possibilidades. É por isso que sou eu próprio quem o guarda, com a ajuda de Yann, o meu criado!

O David não se pôde impedir de exclamar:

- Mas não é uma grande imprudência?

Parou, de súbito, e mordeu os lábios. O marquês perguntou:

- O que é que acha imprudente?

- Bem, deixar todos esses tesouros expostos, com uma vigilância tão reduzida!. Claro que está sempre de olhos abertos! Mas o que não podem é estar dia e noite alerta, o senhor e o seu criado! Há ocasiões em que tem de comer. ou em que vão passear.

O marquês pôs-se a rir.

- Claro! Nós exercemos a nossa vigilância durante as horas de visita. Durante o resto do tempo não temos que nos preocupar. A minha colecção guarda-se por si própria!

A Zé olhou para ele, intrigada.

- O que é que quer dizer? - perguntou.

O marquês apontou, com um gesto, as espessas muralhas do castelo e explicou:

- Este solar é um autêntico cofre-forte, gigantesco. Era preciso dinamite para lhe forçar as portas ou rebentar-lhe com as paredes. Dèsde que todas as saídas estejam fechadas, posso dormir tranquilamente. Deste modo, não tenho qualquer medo dos ladrões!

- Mesmo assim - arriscou a Ana, timidamente - di zem que a quadrilha dos ladrões de castelos é muito hábil. Já deve ter ouvido falar.

O marquês teve um gesto fatalista.

- Evidentemente! Mas acho que os ladrões não querem nada comigo. Este solar, repito, é demasiado sólido para esses senhores.

A Zé não estava convencida.

- No seu lugar - murmurou ela - não teria assim tanta confiança.

Desta vez o marquês pôs- se a rir.

- Não se preocupe por minha causa, gentil menina (a Zé fez uma careta, perante este tratamento já fora de uso). Não me fio apenas na espessura das paredes e na resistência das portas. Fiquem sabendo que todas as fechaduras do meu castelo e todas as minhas vitrinas de exposição possuem um sinal de alarme especial, pronto a funcionar, à miníma intervenção suspeita. Vá, não se preocupem mais com os meus relógios, meus filhos, e permitam- me que lhes sirva de guia.

Encantados com o seu simpático guia, os quatro primos admiraram tranquilamente os raríssimos relógios. O marquês soube interessá-los, instruí-los e diverti-los ao mesmo tempo, contando-lhes anedotas históricas, cheias de vida, relacionadas todas com as peças da sua colecção. Quando, por fim, os Cinco se despediram, estavam radiantes com a sua visita ao castelo- museu.

No caminho para casa, as crianças tomaram banho na enseada dos Monges. A água estava fresca, e a Zé mergulhava, ousadamente, do alto de um rochedo.

O Júlio parecia sonhador.

- É mais forte do que eu... - confessou o rapaz. Não consigo deixar de pensar naqueles relógios. Tenho medo de que lhes aconteça qualquer desgraça!

- Achas que os ladrões dos castelos serão capazes

de tentar roubá-los? - perguntou o David, chapinhando na água.

- Capazes disso e de muito mais! - exclamou a Ana.

- No lugar do marquês, eu não estava tão tranquila.

- Em todo o caso - disse a Zé - ele tem um ar muito seguro de si!

Nessa noite, os Cinco, cansados de um dia tão ocupado, dormiram, de um sono só, até ao dia seguinte. Foi um belo sol da manhã que os acordou. A Zé, feliz, saltou da cama e sacudiu a Ana que, sonolenta ainda, não parecia ter pressa em abrir os olhos.

- Eh! Preguiçosa! Levanta-te depressa! Já é tarde! As vozes do David e do Júlio vinham do jardim.

- De pé, meninas!

- Temos novidades!

A Zé correu para a janela.

- Novidades? - repetiu ela. - O que é?

- Desce, que já o saberás!

A Zé e a Ana arranjaram-se rapidamente, precipitando-se para o rés-do-chão. O David correu logo ao encontro delas, aparentemente fora de si.

- Acabamos de ouvir as notícias na rádio - disse ele.

- E sabem qual é o acontecimento do dia?

- Ou antes, da noite! - corrigiu o Júlio.

- Já sei! - exclamou a Zé, animadamente. - O Castelo dos Arganazes foi assaltado! Os relógios de ouro foram roubados. Enganei-me?

- És uma verdadeira capacidade de adivinhação! - exclamou o Júlio, rindo-se do ar decepcionado do David. Acertaste.

- Mas como é que foi? - perguntou a Ana, sentando-se com os outros à mesa do pequeno-almoço.

- É a pergunta que fazem os polícias! - respondeu o David, molhando uma enorme fatia de pão com manteiga no seu café com leite. - Os gatunos ainda foram mais espertos que de costume. Desta vez, ninguém sabe como é que se introduziram no local. Um verdadeiro mistério!

- O que é que queres dizer? - perguntou a Zé, abrindo muito os olhos. - Com certeza que forçaram as vitrinas ou quebraram os vidros de cima, para se apoderarem dos relógios!

- Ah! Quanto a isso, sim! Fizeram um belo trabalho! replicou o David. - E os relógios de ouro desapareceram mesmo! Mas não se consegue perceber como é que os ladrões penetraram no castelo - um verdadeiro e completo mistério!

- Mas como foi isso? - inquiriu a Ana, intrigada.

- Bem. imagina a sala das colecções - disse o Júlio - tal como a viste ontem. Todas as janelas estavam obstruídas com portadas de ferro. e nenhuma delas foi forçada. Além das janelas, a sala só tem duas portas. Estas portas, por sua vez, também se encontram intactas.

- A lareira? - sugeriu a Zé.

- Está condenada há vinte anos, graças aos cuidados do marquês! Não se acende desde o tempo dos afonsinos... e o digno proprietário do solar teme as correntes de ar. Mandou, pois, obstruir a conduta de tiragem.

- É estranho! - murmurou a Zé. - Suponho que os sinais de alarme não funcionaram?

- Acertaste, mais uma vez! Os bandidos cortaram os fios eléctricos das campainhas.

- Em resumo, ninguém entroú na sala de exposição... pelo menos aparentemente! E os ladrões assinalaram a sua passagem. apenas pelo roubo.

- Exactamente? Se consegues perceber alguma coisa, ainda melhor para ti!

O resto da manhã passou-se a debaterem este problema singular: como é que os ladrões tinham conseguido roubar vitrinas sem deixar qualquer outro vestígio da sua passagem. A sua audácia aureolava-se com o mistério da sua última aventura!

Levados pela curiosidade, a Zé e os primos voltaram, nesse mesmo dia, ao Castelo dos Arganazes. Não viram o marquês, mas o Júlio, tendo interrogado delicadamente um dos inspectores, teve a confirmação das notícias da manhã: a quadrilha dos ladrões dos castelos obtivera pleno êxito com aquele golpe.

- E, no entanto - confiou o polícia às crianças que ele achava simpáticas -, há vários dias que montávamos uma guarda discreta em volta do castelo. Estávamos alerta. Mas, bem vêem, não serviu de nada!

Os Cinco voltaram para casa, desapontados.

Três dias mais tarde, o inquérito arrastava-se ainda. O próprio David estava farto de escutar o posto da rádio, que se limitava a assinalar: Nada de novo a propósito da quadrilha de ladrões dos castelos.

A Zé propôs que o Clube dos Cinco procedesse a um inquérito pessoal. Mas estava tanto calor que a sugestão não despertou qualquer entusiasmo.

- Que queres tu que descubramos, se a própria Polícia se afadiga em vão? - dissera o Júlio, bocejando.

O calor era verdadeiramente insuportável. Assim, nesse dia, as crianças decidiram dar um passeio pelo mar.

- Vamos remar até à ilha Kirrin - disse a Zé. - depois içamos a vela e deixamo-nos ir ao sabor do vento!

As crianças e o Tim amontoaram-se, pois, no barco da Zé e afastaram-se da costa. Havia uma brisa suave. O céu estava sem nuvens... excepto duas nuvens pequeninas e negras, que subiam no horizonte.

A Zé, de um modo geral, era muito entendida nas coisas do mar. Se se tivesse dado ao trabalho de interrogar o céu ou o vento (ou, mais simplesmente, de consultar o barómetro), teria pensado em desconfiar. Mas, despreocupada, abandonou-se ao prazer do momento.

Foi a Ana a primeira a aperceber-se da brusca mudança do mar.

- Olhem! - exclamou ela apontando com o dedo as vagas encrespadas e espumosas, que batiam no casco do barco. - Ondas! O mar está todo cor de tinta. Além disso, o vento refrescou e sopra com mais força do que há bocado.

- É mesmo verdade! - reconheceu a Zé. Dir-se-ia que vem aí uma tempestade!

O céu cobria-se de nuvens.

No mesmo instante, uma forte rajada fez estalar a vela. A Zé apressou-se a virar de bordo.

- Vamos regressar! - anunciou ela. - Seria perigoso continuarmos. É melhor não cometermos imprudên...

Um ruído seco cortou-lhe a palavra. O mastro ligeiro, sem dúvida já fatigado na sua base, acabava de se partir sob us assaltos do vento. E caiu na água, arrastando a vela. A Zé, cheia de sangue-frio, gritou imediatamente.

-David! Ana! Façam contrapeso, inclinando-se a estibordo. Júlio! ajuda-me a pescar a vela, antes que fique completamente molhada!

A Zé era sempre obedecida pelos primos, quando estavam no mar, pois confiavam nela - por isso não discutiram. A Ana e o David debruçaram-se, por cima da borda, o mais que puderam. A Ana sentia muito medo mas, valentemente, fazia um esforço para não o demonstrar. Não sem custo, a Zé e o Júlio conseguiram içar a vela para bordo.

No mesmo instante, o David soltou um grito.

- Ana! Ana!. Oh! Ela caiu.

A Zé largou a vela molhada e precipitou-se. O barquito, sacudido pelas vagas, saltava e girava sobre si mesmo. Afastava-se de Ana que, depois de ter mergulhado involuntariamente de cabeça nas ondas, se debatia agora entre as vagas alterosas. A Zé pôs as mãos em frente da boca, formando como que um altifalante:

- Nada sempre na nossa direcção, Ana! Vamos ao teu encontro!

Os rapazes tinham já agarrado nos remos. Mas era em vão que remavam, ferozmente, em direcção da Ana. A pequena, apesar dos esforços dela e dos rapazes, afastava-se cada vez mais do barco. Então, a Zé não hesitou: mergulhou, por sua vez, imitada pelo Tim! Era uma loucura! Mas ela estava decidida a correr fosse que risco fosse. Devia tentar salvar a prima, a todo o custo!

O David largou os remos e levantou-se num salto:

-Zé! Espera! Volta!

Sob o efeito da emoção, puseram-se a gesticular. Uma onda mais forte que as outras tomou de través o barquito, já desequilibrado, e voltou-o. O Júlio e o David encontraram-se na água, mesmo antes de terem compreendido o que se estava a passar.

Agora os Cinco lutavam contra o mar encapelado. Era difícil manterem-se à tona sem engolirem água salgada. A Ana, não tão boa nadadora como os outros, engolia grand porção de água. As suas forças declinavam de instante a instante.

De repente, apercebeu-se do Tim, não muito longe dela, enquanto a voz da prima lhe chegava aos ouvidos:

- Coragem! - gritava a Zé.

A Ana desmaiou. Mas o Tim, como bom cão fiel, velava por ela.

No segundo exacto em que a Ana perdia a consciência, o bravo animal deitou a boca à cabeleira loira da pequena, impedindo-a, assim, de ir direita ao fundo. Infelizmente, o modo como a apanhou era precário. As presas do cão não conseguiriam reter durante muito tempo os cabelos finos e lisos. Estes não paravam de escorregar. Tim era inteligente, e compreendeu que havia qualquer coisa de melhor a fazer. Deixando os cabelos, agarrou, com os dentes, as roupas da pequena. Mas a Ana trazia apenas uma fina camisa por cima do fato-de-banho. O tecido rebentou, ameaçando rasgar-se por completo. O Tim, atento, evitou puxar demasiado e conseguiu, pelo menos, manter a náufraga no cimo das ondas.

A Zé chegava, ofegante.

- Agarra bem, meu querido Tim!

Apanhou a Ana, inconsciente, e, penosamente, pois ela própria já se encontrava muito cansada, pôs-se a nadar em direcção à margem. Como esta lhe parecia longe!

As duas raparigas, uma puxando a outra, foram em breve alcançadas pelo Júlio. A Ana voltara a si.

- Agarra-te ao meu ombro! - ordenou o irmão. Ela obedeceu. Agarrando-se simultaneamente, ao Júlio e à prima, fez-se tão ligeira quanto possível. A Zé, aliviada, avançava mais depressa. O Tim seguia-os. O David juntou-se-lhes, por sua vez.

- A direito, para a costa! - gritou ele contra o vento.

- Lutemos com todas as nossas forças.

Mas a Zé era de outro parecer.

- Não! - gritou ela em resposta. - A corrente está muito forte. Não conseguiríamos resistir. Deixemo-nos ir. Nademos obliquamente para a margem. E em espírito acrescentou: - Esperemos que possamos aguentar até lá!. Bolas . A tempestade desencadeou-se!

Era verdade! O mar estava furioso e os raios cruzavam o céu. O barulho dos trovões, ao rebentar, era ensurdecedor. A chuva, que caía há já alguns minutos, era agora forte, com um barulho de granizo.

O Júlio e a Zé, desportistas treinados, tiveram necessidade de toda a sua resistência para fazer face à situação. Por uns momentos, o David teve de substituir a Zé, para permitir que esta descansasse um pouco.

A Ana batia os dentes, aterrorizada. Por fim, pouco a pouco, a costa aproximava-se.

- Vitória! Estamos quase! - gritou o David. O Tim foi o primeiro a ter pata sobre a margem. Mais exactamente, foi o primeiro a içar-se para cima de um dos grandes rochedos, na base de uma falésia a pique. Na maré-baixa, era uma praia de calhaus. Mas, naquele momento, essa praia estava coberta pelas ondas. O mesmo acontecia com o caminho que subia pelo flanco da falésia. Não estaria transitável, pelo menos durante a próxima hora!

Foi o que os pequenos verificaram quando, estafados, se juntaram ao Tim.

- Não podemos ficar aqui parados, todos molhados e ao vento! - gritou o David, assim que recuperou alento.

- Senão apanhamos uma constipação dos diabos!

- Que é que tu queres que façamos mais? - respondeu o Júlio, encolhendo os ombros. - O caminho da falésia não se pode, agora, transpor.

- Não fiquemos aqui a arrefecer! - disse a Zé:

- Vamo-nos mexer um bocado. Patinharmos por aí també nos aquece!

Enquanto a Ana, demasiado fatigada, descansava ainda

mais um momento sobre o rochedo, os outros dirigiam-se para a falésia, na base da qual se abria uma gruta.

Em breve, a Zé, o David e o Júlio se encontravam mesmo defronte da entrada da gruta. De longe, não lhes tinha parecido tão extensa nem tão imponente; vista de perto, o caso era outro. Emanava dela uma estranha luminosidade esverdeada, provavelmente produzida por algas a líquens fosforescentes. Esta luz iluminava o interior da gruta de um modo misterioso. Para lá da entrada, pequenas poças de água brilhavam no solo. A atmosfera, carregada de iodo, dir-se-ia, possuída de uma estranha magia. A Zé propôs logo:

- Vamos visitar a gruta! Isso ajudar-nos-á a esperar pela hora da maré-baixa.

- Tens razão - concordou o Júlio. Lá dentro estamos, ao abrigo do vento e da chuva.

O David chamou a irmã.

- Ana! Anda depressa! Vamos explorar esta gruta! A Ana juntou-se ao pequeno grupo, e os Cinco penetraram na gruta, tendo cuidado em não escorregar nas pedras molhadas. Lá fora continuava a chover mas, caso bastante curioso, o interior da caverna estava quente, e todos se felicitaram por isso.

O Júlio, sempre razoável e prático, ordenou, dando o exemplo:

- Despachemo-nos em tirar as nossas roupas molhadas, ficaremos apenas com os fatos-de-banho! Assim, evitamos talvez apanhar uma constipação!

A Zé, o David e a Ana obedeceram.

- E agora. - começou o David.

- Béu! Béu! Béu! - fez o Tim, cortando-lhe a palavra.

- Reparem! - exclamou a Zé. - Parece que o Tim

descobriu alguma coisa. Vamos ver.

Correram para a outra extremidade da gruta.

O Tim continuava a ladrar.

Quando a Zé chegou perto, o cão saltou para ela, e depois pareceu indicar-lhe um ponto preciso, diante de si.

As crianças aproximaram-se e aperceberam-se, meia escondida por trás de um rochedo vertical, de uma abertura, igualmente vertical, que mergulhava no coração da rocha.

- Uma passagem subterrânea! - exclamou o David com entusiasmo. - Sigamo-la! Talvez nos conduza ao ar livre, no cimo da falésia. Assim evitamos estar à espera da baixa-mar!

- Hum! - murmurou o Júlio, avançando a cabeça com prudência. - Não temos nada para nos iluminar.

- Ora . Vê-se o bastante para andarmos - disse a Zé.

- Venham! Vamos explorar esta passagem.

- Brr. Não estou nada tentada! - confessou a Ana, arrepiada. - Sabe Deus o que vamos encontrar lá dentro! Sem falar nos desabamentos que se podem produzir, arriscamo- nos a encontrar.

- Aranhas, ratazanas, ladrões, fantasmas, assassinos, lobisomens e feiticeiras! -Completou o David. imitando o tom choramingas da irmã. - Como podes ser tão medricas, minha menina?

- David! Cuidado com a língua! - repreendeu o Júlio.

- Então! Vocês vêm? - repetiu a Zé, impaciente. O David enfiou-se pela passagem, atrás da prima. O Júlio e a Ana seguiram-nos com mais hesitação. Na passagem, larga e arejada, era fácil caminhar, mas acabava ao fim de alguns metros. As crianças encontraram-se, depois, diante duma bifurcação. À direita, um primeiro corredor mergulhava na terra. À esquerda, um outro subia, com uma inclinação suave.

Os quatro primos discutiram, para concluirem sobre qual a direcção que convinha tomar.

- Na minha opinião - disse a Zé - não há que hesitar. Uma vez que o nosso fim é ir ter ao cimo da falésia, subamos, pois, e tomemos a passagem da esquerda!

- A entrada é mais estreita que a do corredor da direita!

- notou o Júlio. - Teremos mais dificuldades em progredir!

- Mas se o outro nos conduz ao inferno - disse o David, trocista - então ainda avançamos mais!

- Esperemos que a maré baixe - sugeriu a Ana.

- Oh! Não! - exclamou a Zé. - Já começo a tremer! Estou com pressa de ir para casa mudar de roupa! Sem contar que tenho de alertar os guardas-costas, para eles apanharem o meu pobre barco! Oh! E além disso, olha! o Tim fez como eu, escolheu o corredor da esquerda. Eh! Tim! Espera por nós!

Efectivamente, o Tim tinha-se metido pelo corredor que subia. O Júlio pensou que, apesar de tudo, o instinto do cão não era de desprezar.

- Muito bem! - disse ele. - Sigamo-lo!

Os Cinco puseram-se a caminhar, em fila, através do estreito corredor, mais difícil de seguir que o anterior, e as pedras rolavam-lhes debaixo dos pés. Por várias ocasiões, a Ana deixou escapar gritos de medo. A visibilidade era muito má. A pálida luz esverdeada que as paredes emanavam revelava-se impotente para dissipar completamente as sombras.

A Zé, que seguia à frente, estacou de súbito. É que o Tim, que a precedia, fizera o mesmo.

Ela inquietou-se.

-Eh! Tim! Que foi, meu velho?...

O Tim respondeu com um Béu, particular, que a Zé interpretou imediatamente.

- Atenção! - disse ela aos primos que chegavam. - O Tim está a avisar-nos de um perigo!

O David esticou o pescoço.

- Eu cá não vejo nada - disse ele, arregaalando os olhos.

A Zé inclinou-se para a frente e, depois, esticando o pé com precaução, tacteou o solo com a ponta da alpargata.

- O Tim fez-nos parar a tempo! - disse ela, então.

- Há um buraco mesmo à nossa frente. Se tivéssemos continuado a andar, tínhamos caído lá dentro!

- Voltemos para trás! - suplicou a Ana.

-Nunca! Espera lá! Talvez haja maneira de contornar esta espécie de poço!

E a Zé, encostando-se a uma das paredes do túnel, avançou de lado, com as costas voltadas contra a rocha e tacteando o solo com o pé... Descobriu, assim, que o buraco ocupava apenas o centro da passagem e que era facilmente contornável... coisa que as crianças fizeram imediatamente, sem custo! Depois disso, o corredor continuava a subir cada vez mais, e os Cinco foram obrigados a seguir o seu caminho, ora completamente encurvados, ora de gatas O Tim foi o único a achar esta posição normal.

De repente, a Zé anunciou com voz vibrante:

- Hurra! Chegámos!   

Por seu lado, o Júlio, o David e a Ana exclamavam também ao mesmo tempo:

- Bestial! Luz!

- Vejo o dia! Vamos poder sair!

- Se o orifício for bastante grande para isso! A passagem alargava-se bruscamente. Os Cinco foram dar ao meio de uma pequena rotunda talhada em plena rocha, iluminada pela luz do dia através de um orifício situado mesmo por cima das suas cabeças. O Júlio não fez mais que levantar os braços e içar-se, para emergir ao ar livre.

- Atenção! - gritou ele para os outros. - Vim sair no meio de um tufo de juncos. Isto pica!

A Zé, o David e a Ana içaram-se, por sua vez, para fora do buraco.

- Ufa! - disse o David. - Está- se muito melhor ao ar puro!

- Já não chove! - observou a Ana, toda contente. A Zé não dizia nada. Com a fronte enrugada, olhava em redor. De repente, perguntou:

- Este lugar não lhes lembra nada?

Surpreendidos, os primos lançaram uma olhadela rápida. O Júlio foi o primeiro a reagir.

-Mas, claro! Estamos no cimo da falésia, mesmo no prado inclinado onde fizemos o piquenique no outro dia. Reconheço-o perfeitamente.

- E eu - exclamou por sua vez a Ana - reconheço o tufo de juncos que tinha visto abanar. É este que tapa o buraco de que acabámos de sair!

- Não me digas! - replicou a Zé, vermelha de contentamento. -Assim, não te enganaste, Ana! Quando viste esta moita a abanar, é porque havia mesmo alguém entre os ramos... alguém que queria sair deste corredor subterrâneo, mas que a nossa presença obrigou a ficar metido na toca...

A Ana abriu muito os olhos.

- Então já houve pessoas que utilizaram esta passagem?

- exclamou ela.

O David riu-se trocista.

- Se isso é pergunta que se faça . Como és idiota, minha menina! Julgavas então que tínhamos sido os primeiros a passar por este buraco?

A Ana abanou a cabeça.

- Não, claro. Mas há uma coisa que me parece estranha. Porque é que a pessoa que aqui estava no outro dia, permaneceu escondida quando eu gritei que tinha visto mexer os ramos?

- Decididamente que és bem ingénua, minha pobre Ana! - suspirou a Zé. - Se o nosso desconhecido não se moveu do seu esconderijo é porque desejava, sobretudo, não ser visto!

- E quando alguém se esconde desse modo - acrescentou o David com gravidade - é porque não tem a consciência tranquila! Estás a perceber?

A Ana estremeceu.

- Queres dizer que. que. esse desconhecido podia estar animado de más intenções. que talvez fosse um ladrão ou...

- Ou um assassino, ou um fantasma, ou um lobisomem - continuou David. - Ai, meu Deus, miúda! Não te vais outra vez pôr a desfiar o teu rosário de fazer bater os dentes! Muda de disco! Como podes ser tão medrosa, bolas .

O Júlio interveio, apaziguador:

- Penso que devia ser um caçador furtivo, que não queria ser visto, é tudo! - declarou, enfiando os calções ainda molhados. - Bem! e agora vamos depressa para casa. Não me interessa estar aqui mais tempo a desafiar uma pneumonia. Despachem-se e vistam-se!

Na verdade, os Cinco sentiam necessidade de voltar ao Casal Kirrin. Nada impedia, porém, que, devorados pela curiosidade, pensassem já em tornar ali, para explorarem em pormenor o misterioso subterrâneo.

O dia seguinte começou sob bons auspícios. O barco da Zé, apanhado ao largo pela vedeta dos guardas- costas, foi rebocado até Kirrin e entregue à dona. A Zé fez uma grande festa.

- Bestial! Meu pobre barquinho! Já o julgava perdido. Estou contente por tê-lo recuperado! Que sorte! Quase que não sofreu nada com a tempestade.

- Deixa-o secar - aconselhou o Júlio. - A seguir, se quiseres, aproveitamos a ocasião para o pintar!

A Zé concordou alegremente. O mau tempo tinha dado lugar a um belo sol, e, nessa manhã, as crianças decidiram voltar à gruta, partindo desta vez do cimo da falésia. Foram buscar as bicicletas motorizadas e puseram-se em marcha!

O vento da corrida não impedia a Zé de falar:

- Quero ter a certeza - declarou ela - de que alguém utilizou o corredor subterrâneo para fins duvidosos, temos de descobrir os motivos.

-A passagem liga a praia com o cimo da falésia

- notou o David. - Talvez seja usada por contrabandistas.

- Não faças dramas! - exclamou o Júlio. - A tua imaginação perde-te, meu caro David!

- Na verdade - disse a Ana - esse corredor talvez seja apenas um atalho conhecido pelas pessoas da região!

- Mas porque é que se escondia a pessoa que lá se encontrava no outro dia? - insistiu a Zé. E, depois, não se esqueçam de que existe ainda uma segunda passagem, a que desce! Quero saber aonde conduz...

Os Cinco não tardaram a chegar ao prado, ao pé da pequena colina.

Quem sairia do subterrâneo?

De repente, o Tim atirou-se para a frente.

No mesmo instante, uma enorme bola de pêlo saltou da moita e partiu correndo... como uma lebre. Era uma lebre, com efeito, e grande! A Zé reagiu imediatamente.

-Tim! - chamou ela. - Volta imediatamente! Não tens vergonha de meter medo ao pobre animal?

O Tim, contente por ter desentorpecido as pernas, voltou, abanando a cauda, enquanto a lebre desaparecia.

A Ana pôs-se a rir um pouco nervosamente, depois daquele falso alerta.

- Tive medo! - confessou ela com simplicidade.

- Bom! resmungou a Zé, descontente com o seu engano.

- Já perdemos demasiado tempo! Tens as lanternas, David? Vamos! Quem quiser que me siga!

As quatro crianças e o Tim enfiaram-se no subterrâneo. Lá dentro, o Júlio acendeu a lanterna. Os outros guardaram as suas, de reserva. Puseram-se todos em fila. Desta vez, a luz da lanterna iluminava claramente o buraco em que, na véspera, a Zé teria caído, se não fosse o aviso do Tim. Era um afundamento do solo que tinha, tanto quanto se podia julgar, vastas proporções.

O David agarrou numa pedra e deixou-a cair no buraco. Contou sete segundos, antes de a ouvir bater no fundo.

- Diabo! - assobiou ele entre- dentes. - Ainda é bastante fundo! Esta falésia deve estar tão esburacada como um queijo gruiere!

As crianças contornaram o buraco e, ao fim de um tempo relativamente curto, atingiram o local onde começava segundo corredor subterrâneo.

A Zé exclamou, triunfante:

-Eis-nos chegados à bifurcação! Vêem o segundo corredor!. Parece mergulhar no centro da terra.

O Júlio, com autoridade, afastou a prima.

- Deixa-me passar primeiro - disse ele. - Sou o mais velho. Sou eu quem deve correr os riscos... se os houver!

- Ora!... Este túnel deve acabar num beco sem saída!

- murmurou a Ana. - E eu não me importo nada, sabem! Estas explorações assim, à aventura, amedrontam-me sempre um bocadinho.

- Medrosa! - exclamou o David. - Vá, Júlio! ilumina o caminho à tua frente e avança! Nós seguimos-te!

O Júlio meteu-se pelo corredor que, para além da luz projectada pela lanterna, não passava de um buraco escuro. A luminosidade esverdeada do outro corredor não existia ali.

Os Cinco, caminhando em fila indiana, tinham a impressão de descer aos infernos. A Ana sentia-se cada vez mais insegura, e respirava mal, oprimida pela estranha atmosfera que a envolvia.

A própria Zé, tão faladora, estava calada. O Tim seguia-a, com o focinho junto às solas da dona. De repente, o Júlio soltou uma exclamação que fez sobressaltar os outros:

- Óptimo! O corredor alarga- se...

Era verdade. Até ali, as paredes do subterrâneo eram tão estreitas que permitiam apenas a passagem dos jovens exploradores; agora, não só o corredor se alargava, efectivamente, como se arredondava também, numa espécie de sala baixa, bastante espaçosa.

A Ana soltou um suspiro de alívio. Mas aquele momento de alívio foi de curta duração.

Quase a seguir, a pequena deixou escapar um grito de medo.

- Socorro! Uma mão acaba de roçar nos meus cabelos!. Oh! Lá está ela outra vez! Júlio! David! .

Por cima da sua cabeça, um barulho, tal como um bater de asas, ouviu-se tenuemente. A Zé e o David saltaram em frente, iluminados pela lanterna do Júlio. A Zé começou a rir: no círculo de luz, a cabeça loira da Ana, desnorteada, aparecia, enquanto um inofensivo morcego, tão assustado como a sua vítima, voava à volta dela.

- Ana! Pateta! É apenas um desgraçado morcego. Deixa de berrar!

A Ana, envergonhada, fechou a boca. Bem, a sua vida não estava em perigo . O morcego aflorou a lanterna do Júlio e depois voou para o tecto! Isso foi como que um aviso e, quase instantaneamente, dezenas de morcegos, incomodados no seu sono, deixaram-se cair da abóbada rochosa e puseram-se a esvoaçar, em turbilhão, na caverna, num estranho bailado mudo.

Dessa vez a Ana foi incapaz de se controlar, e largou aos gritos estridentes. O Tim, surpreendido, pôs-se a ladrar. A Zé ralhou com ele. O David protestou contra os morcegos.

Tudo aquilo fazia uma barulheira infernal. Foi o Júlio como rapaz sensato e inteligente, quem resolveu a situação do modo mais simples do mundo: tendo-se apercebido de que o corredor continuava para lá da sala dos morcegos, meteu-se por ali fora. Como era ele quem iluminava o caminho, os outros precipitaram-se, muito naturalmente, no seu encalço.

Outra vez senhores do campo de batalha, os morcegos logo se acalmaram.

Na estreita passagem, as crianças apressavam-se. A Ana, mal refeita da sua emoção, respirava a pequenos intervalos. Cada vez lhe desagradava mais a expedição. O Júlio deteve-se um momento, para lhe perguntar, com uma ponta de inquietação:

- Vai tudo bem, Ana? Já estás recomposta do teu susto? Não tens um aspecto muito bom.

A pequena sorriu.

- Sinto-me muito bem, contudo. não estou segura confessou. - O David pode fazer troça de mim, mas tenho a impressão de que vamos ao encontro de grandes aborreci mentos.

- ABORRECIMENTOS, aborrecimentos, imentos! repetiu uma voz cavernosa em frente dela.

- Oh! - gritou a Ana.

- OH! Oh! Oh! - repetiu a voz, como que troçando dela.

Os Cinco estacaram, petrificados, mesmo à entrada de uma sala talhada na rocha, mais vasta ainda que a precedente. Não viram ninguém.

- O que foi isto? - murmurou o David.

- Um eco! - exclamou a Zé, desatando a rir. - Uma coisa tão assustadora como isso . AH! Ah! Ah!

- AH Ah Ah - fez o eco, amplificando o riso e acrescentando-lhe uma nota quase ameaçadora.

O Tim, interdito por um momento, olhava para todos os lados, tentando descobrir o inimigo invisível, que assim o desafiava com a voz. Não vendo ninguém, começou:

- Béu! Béu!

É claro que o eco não o deixou sem resposta. Sob a abóbada sonora fez-se um barulho tão ensurdecedor que a própria Zé ficou quase aterrorizada.

O Júlio apressou-se a levar os seus companheiros atrás de si. A travessia da caverna dos ecos não foi tarefa fácil. Que cavalgada! A Ana gritava de medo! O Tim ladrava. E o eco não parava de vociferar aos ouvidos dos jovens exploradores

- era um chinfrim de rebentar os tímpanos!

Por contraste, o silêncio pareceu-lhes opressivo, quando se viram outra vez no corredor. Este continuava numa descida. O Júlio inquietou-se:

- Até aonde nos conduzirá ele? Pergunto a mim mesmo se não será melhor voltarmos para trás!

- Nunca . - protestou a Zé. - Oiçam! De onde vem este ruído? Ouvem? Parece-me que.

Interrompeu-se bruscamente, para gritar:

- Oh! Olhem!

À medida que falava havia tomado o comando da coluna, o que lhe permitiu ser a primeira a fazer a interessante descoberta. Pela terceira vez, o corredor alargava-se num vasto espaço. Mas, desta vez, tratava-se de uma coisa muito diferente de uma simples caverna!

Ali, sob os olhares dos quatro primos assustados, corria um ribeiro subterrâneo, rapidamente, metido entre duas margens rochosas que formavam uma espécie de cais.

- Que descoberta tão interessante! - exclamou o Júlio.

- Este sítio é muito pitoresco! - disse o David.

- Parece um cenário do teatro!

- Vamos explorá-lo! Vamos explorá-lo! - gritou a Zé, com energia.

As crianças precipitaram-se. O tecto era alto. Podiam mexer-se à vontade naquele vasto espaço subterrâneo. A Ana respirava mais desafogadamente, sentia-se reviver!

Os rapazes e as meninas pararam um momento, para contemplar o ribeiro.

- Dir-se-ia - pensou o Júlio, em voz alta - que este curso de água se dirige direito ao mar!

- Podes ter a certeza! - afirmou a Zé. - Se mergulhássemos aqui acabávamos por sair na enseada aonde fomos dar quando naufragámos.

-Não estejas tão segura disso! - replicou o David, trocista. - O tecto podia baixar bruscamente e nós morríamos afogados, muito antes de sairmos para o ar livre.

- Olhem lá!. - protestou a Ana. - E se falássemos de coisas mais alegres?

A Zé não respondeu. Com os olhos presos no chão, parecia petrificada. Por fim, murmurou:

- Olhem! Ali. Uma argola de ferro

Não se enganara. Havia uma argola de ferro metida na margem rochosa, quase ao nível da água.

- Parece nova! - exclamou o David. - Isto prova que há pessoas que por vezes amarram aqui um barco!

- É exactamente o que eu penso!

- Depressa! Vamos procurar outros vestígios . A Zé, tendo acendido a sua lanterna, vasculhava tudo à esquerda e à direita. De súbito, soltou uma exclamação. Por trás de uma saliência da rocha, bem escondida numa concavidade do terreno, acabava de descobrir uma caixa.

Os primos fizeram um círculo em volta dela e ajudaram-na a tirar um grande cofre de madeira do seu esconderijo.

- E esta! murmurou o Júlio levantando a tampa. A Zé, o David e a Ana debruçaram- se para ver. Havia três sacos dentro da caixa!

Devoradas pela curiosidade, as crianças inclinaram-se um pouco mais. Que conteriam os sacos? Teriam os jovens detectives o direito de os abrir? A Zé resolveu a questão.

- Não estamos numa propriedade privada. e desconfio que haja marotice nisto. Vê o que há dentro dos sacos, Júlio!

O mais velho dos pequenos trazia sempre consigo o seu canivete de escoteiro. Depois de breve hesitação, abriu-o e cortou a corda que amarrava um dos sacos, cujo conteúdo espalhou no chão. Então, os quatro, siderados, ficaram de boca aberta, incapazes de articular uma palavra.

A seus pés acabavam de rolar, misturadas, moedas de ouro, jóias preciosas, medalhas antigas.

- Um tesouro! - balbuciou a Ana, estupefacta.

- Na verdade... - confirmou o Júlio.

- Também me parece! - exclamou o David. - Estão aqui milhões e milhões, de certeza absoluta!

Sem dizer nada, a Zé baixou-se para apanhar uma magnífica rosa de ouro, de pétalas finamente cinzeladas, nas quais pequenos diamantes imitavam o orvalho e cujas folhas, entre as suas nervuras de ouro, eram constituídas por finas esmeraldas.

Um grito de admiração escapou à Ana:

- Mas. mas. - gaguejou ela - é a famosa rosa de que a rádio tanto falou, a que foi roubada há quinze dias do Castelo de Escola!

- Exactamente! - disse o Júlio, agarrando na jóia para a examinar. - E isto prova que estamos, na verdade. - no covil da quadrilha dos ladrões de castelos! concluiu a Zé friamente.

A Ana soltou um grito. Os acontecimentos sucediam demasiado depressa para ela.

David, cheio de sangue-frio, abriu os dois outros sacos: um continha rolos de telas de dimensões modestas mas que o Júlio e a Zé, logo à primeira vista, reconheceram serem telas de mestres, as mesmas de que tinham visto as reproduções na televisão, numa emissão especial que se seguira ao assalto ao Castelo de Lencoet!

- Não restam dúvidas - declarou o Júlio, perdido na contemplação das telas.

- Com efeito - exclamou a Zé - acertámos em cheio, ao vir aqui, é a caverna dos quarenta ladrões.

- E eu, sou o Ali Babá! - brincou o David. A Ana já se tinha recomposto um pouco. Sendo muito cuidadosa, não pôde deixar de dizer:

- Estas pessoas são uns vândalos! Enrolarem as telas ao contrário, com a pintura para fora!

O Júlio sorriu.

- Mas é assim mesmo que se deve fazer, minha querida, precisamente para evitar que se estraguem.

O David sacudiu o último saco. De lá de dentro saíram... maravilhosos relógios de ouro que rolaram em todas as direcções.

- Palavra de honra! - exclamou a Zé. - Mas são os relógios do Castelo dos Arganazes, os que admirámos e de que o marquês de Penlech se mostrava tão orgulhoso! Vai ficar bem contente, o bom do senhor, quando souber que encontrámos o seu tesouro!

- Eu suponho - disse o Júlio, lentamente - que esta caverna serve de armazém aos ladrões. É aqui que eles guardam o produto dos roubos, sem dúvida à espera de os passar para o estrangeiro. depois de terem desmontado as pedras das jóias, camuflado as telas e, talvez, quem sabe, fundido os relógios de ouro!

- Em suma - murmurou a Zé -, descobrimos o mistério mesmo a tempo! Mais um bocado e todas estas riquezas

roubadas pelos ladrões dos castelos teriam desaparecido para sempre. Podemos felicitar-nos!

A Ana tinha-se tornado um pouco pálida.

- Do que nos devemos felicitar sobretudo - disse ela - foi de termos chegado ao esconderijo dos ladrões sem os encontrarmos! Vamo-nos embora depressa!

-Nem penses nisso! - gritou o David. - Antes de mais, temos de tornar a meter todos os objectos nos sacos e estes na caixa. Depois tornamos a pôr esta no seu esconderijo.

- Tens razão! - aprovou o Júlio. - Nós não podemos levar isto tudo. E, além disso, deve haver outras caixas dissimuladas por aí.

- Claro! - corroborou a Zé. - Vamos pôr tudo outra vez no seu lugar e vamos alertar a Polícia. É a única coisa razoável a fazer!

Despacharam-se todos, arrastando a caixa outra vez para o lugar onde a tinham encontrado. Tratava-se, com efeito, de não alertar os bandidos antes de a Polícia ir tomar posse dos objectos roubados e estender uma armadilha aos ladrões.

A Zé e os primos, tendo-se assegurado de que não restava qualquer indício da sua passagem pela caverna, apressaram-se a dar meia-volta e a regressar pelo caminho por onde tinham ido.

- Pode dizer-se que a nossa expedição foi coroada de êxito! - disse a Zé, encantada. - É preciso reconhecer que a sorte nos sorriu. Mal tínhamos começado - e ainda por cima, por acaso! - e eis a investigação já acabada. Daqui a pouco, os insaciáveis bandidos estarão presos. Viva o Clube dos Cinco.

Um rosnido do Tim fê-la parar, de súbito.

Para se despacharem mais depressa a pôr tudo em ordem, as crianças tinham acendido as quatro lanternas. Postas mesmo no chão ou presas nas reentrâncias das rochas, as lanternas forneciam uma claridade bastante viva.

- Depressa! - ordenou a Zé, pronta para qualquer eventualidade. - Apaguemos as lanternas. O Tim nunca rosna sem motivo.

O Júlio, o David e a Ana apressaram-se a obedecer. Na penumbra, a Zé pôs uma mão tranquilizante sobre o pescoço do cão, cujo pêlo sentia eriçado.

- Caluda, Tim! Não faças barulho!

O inteligente animal compreendeu e calou-se. Mas manteve-se alerta, a cabeça voltada para o lado de baixo do curso de água subterrâneo. Os jovens detectives imitaram-no. Retinham a respiração e abriam os olhos o mais possível, para conseguirem perfurar as trevas. Ao fim de um momento, começaram a distinguir vagamente o contorno das rochas à sua volta.

O Tim não se tinha movido, e olhava sempre na mesma direcção. As quatro crianças, sustendo a respiração, escutaram atentamente.

Primeiro não ouviram nada; depois, a Zé surpreendeu como que um leve mergulhar.

- Barulho de remos! - murmurou ela.

Quem seria que vinha, assim, na sombra?

- Os ladrões, claro - respondeu mentalmente a Ana, à pergunta que cada um fazia a si mesmo.

Levou a mão à boca. Precisava de toda a coragem para não gritar de medo!

O Júlio, percebendo a angústia da irmã, passou- lhe, em silêncio, o braço por cima dos ombros. Sentiu-a tremer de medo e dispôs-se a defendê-la, se fosse caso disso. De repente, um pálido clarão dançou sobre as águas, a jusante, na direcção em que o Tim tinha os olhos fixos.     

Esta luz pôs em acção as reacções rápidas da Zé.

-Vamo-nos esconder! - lançou ela num murmúrio.

- É preciso que não nos encontrem aqui!

À medida que falava, deslizou, sem ruído, em direcção a uma rocha saliente, sendo logo imitada pelo Tim e seguida pelo David. A Ana conheceu um dos momentos mais penosos da sua existência, o medo pregava-a ao chão, tirando-lhe toda a iniciativa. O Júlio apercebeu-se do seu desnorteamento, agarrou-a por um braço e levou-a consigo...

- Vem! - disse ele, baixinho.

A Ana não resistiu e deixou-se levar.

Agora, dissimulados por trás de um rochedo, os Cinco, aproveitando a sombra protectora que os tornava invisíveis, puseram a cabeça fora do seu esconderijo... e olharam de olhos bem abertos.

A luz tornava-se cada vez mais viva. E, de repente, a chama de uma tocha estava fixada na parte da frente de um barco, no qual se encontravam três homens de feições patibulares. O que remava era loiro, de compleição atlética; os outros dois, morenos e magros, pertenciam ao tipo meridional, um deles tinha uma barba curta.

Um murmúrio de vozes chegou às crianças, que pensavam todas a mesma coisa:

Estes homens vêm por aqui cheios de segurança. Isso quer dizer que conhecem perfeitamente estes lugares... Sem dúvida alguma que se trata dos famosos ladrões dos castelos, que ninguém conseguiu apanhar!  

Desta vez, nem a própria Zé estava calma! Quanto à Ana é melhor nem falar nisso!         

O barco aproximava-se. Em breve foi colocar-se ao longo da rocha que fazia de cais.

O gigante loiro deixou os remos e saltou para terra. Depois puxou o barco e, sem se apressar, pôs- se a agarrá-lo, com a ajuda de um cabo, que passou pela grande argola de ferro.

Durante esse tempo, os seus companheiros descarregaram um saco que parecia muito pesado.

- Olha lá, Eric! - resmungou um deles, dirigindo-se ao gigante loiro. - Despacha-te e dá-nos uma ajuda, se isso não te cansar muito!

O que se chamava Eric, e mais parecia um viking", mostrou os dentes brancos, num sorriso largo.

- Pergunto a mim mesmo o que seria de vocês sem a minha ajuda, magrizelas!

- Ter-nos-íamos arranjado muito bem - ripostou um dos bandidos morenos. - Porque, se tu tens músculos, nós temos cabeça. Não é, Manuel?

- Claro, José! - replicou o seu companheiro.

- Ora. Não vale a pena discutirmos! - disse o Eric.

- Alegremo-nos, antes, de ver o nosso tesouro aumentar de dia para dia!

- Mais um ou dois castelos a limpar e fugimos para o estrangeiro! - exclamou o José.

- Bem! enquanto esperamos, guardemos o nosso produto desta noite!

As crianças temiam que eles as descobrissem. Se os bandidos se lembrassem de vir na sua direcção, estavam perdidos.

Ao ver as feições sinistras dos três homens, não se poderia esperar qualquer clemência da sua parte . O Júlio apertou a mão da Ana, que tremia, como que para lhe comunicar força. A Zé, por seu lado, acalmou o Tim, que fazia tenções de saltar.

Felizmente, os temores dos jovens detectives" não tinham fundamento. Longe de se dirigirem para eles, os bandidos voltaram-lhes as costas.

Levando o enorme saco, aproximava-se do esconderijo da caixa que tinha sido descoberta pelas crianças, passaram mais adiante, e outro esconderijo, situado um pouco mais longe, tiraram uma segunda caixa, em tudo parecida com a primeira. Do seu refúgio, a Zé e os primos viram-nos despejar o saco para o interior.

A voz, de satisfação, do José chegou até eles:

- Este último assalto ainda nos rendeu mais do que os outros. Quando fizermos a partilha, cada um de nós terá direito a uma bela quantia!

- E bem a merecemos - replicou o Manuel. Eric desatou a rir.

- O que me diverte é pensar em todos esses polícias que se esforçam por nos deitar a mão. Nós somos demasiado espertos para nos deixarmos prender! O modo como entrámos no Castelo dos Arganazes, entre outros, levanta- lhes um enigma que estão bem longe de resolver. Ah, ah, ah!

Do seu esconderijo, a Zé cerrou os punhos. Com o seu temperamento fogoso, sentia desejos de gritar:

Fazem mal em se felicitarem antecipadamente, seus espertalhões! Esperem só que a gente saia daqui e então é que vão sentir emoções fortes. Esfreguem as mãos enquanto ainda têm tempo. Amanhã já não terão tantos motivos para cantar vitória!

O Júlio, mais razoável, contentava-se em fazer votos para que a presença dos Cinco fosse, até ao fim, ignorada pelos bandidos.

O David e a Ana, assim como o Júlio, esperavam que, terminado o seu trabalho, os bandidos se fossem logo embora, no barco. Por isso espreitavam, com ansiedade, os mínimos gestos dos três homens. Estes, depois de terem metido o produto do roubo no esconderijo, voltavam agora para o embucadouro.

Que bom! Vão-se embora! " - pensou a Zé. Nesse mesmo instante, uma coisa qualquer tocou-lhe no tornozelo e fugiu por entre as patas do Tim. Uma ratazana!

Desta vez, a Zé não teve tempo de prever e de impedir o reflexo do cão... O Tim, esquecendo-se de que o tinham mandado ficar sossegado, cedeu ao seu instinto de caçador. De um salto, atirou-se para a frente, perseguindo a ratazana e ladrando:

- Béu! Béu! Béu!

É claro que todo este barulho foi ouvido pelos bandidos, que se preparavam para embarcar. Estupefactos, voltaram-se e viram o Tim a perseguir uma ratazana.

- Um cão! Mas de onde diabo teria ele saído?

- E esta, hem! - gaguejou o José, que nem acreditava no que via.

Mas o cão não estava à espera dele... A sua presa acabava de enfiar pelo túnel por onde as crianças tinham chegado. O Tim estava decidido a não a deixar fugir. Sem se importar com os ladrões que, gritando e gesticulando, se lançavam na sua peugada, desapareceu no corredor. O subterrâneo ficou imediatamente cheio dos seus latidos.

A curiosa caçada afastou-se na seguinte ordem: primeiro a ratazana, bem à frente; depois o Tim. Atrás o Eric, que dava grandes passadas. Por fim, o José e o Manuel iam logo a seguir. De súbito, ergueu-se ao longe um alarido infernal...

As crianças, no seu esconderijo, trocaram olhares assustados.

- Chegaram à sala dos ecos - explicou o David com uma voz surda. - Os gritos e os latidos são amplificados.

- É horrível! - balbuciou a Ana, à beira de uma crise de lágrimas e de nervos.

O Júlio tomou uma decisão rápida:

- Não podemos ficar aqui - declarou ele. - Dentro de um instante os bandidos voltam para trás e põem-se à nossa procura!

- Mas eles não sabem que nós estamos aqui! - murmurou a Ana, reprimindo um soluço.

O David teve um movimento de impaciência.

- Não sejas palerma! - disse ele. - Não percebes que esses homens compreenderão rapidamente que o Tim não veio sozinho. Lançaram-se atrás dele por um reflexo muito natural mas, se o apanham, o seu primeiro cuidado será o de olharem para a coleira e para a placa.

- O Tim não tem placa nem coleira! - murmurou a Zé.

- E se eles não o conseguirem apanhar, vêm para aqui espiolhar. De qualquer modo, vêm procurar, descobrem-nos e...

- Basta de conversa! - cortou o Júlio. - Insisto para que nos escapemos imediatamente. Venham depressa!

Agarrou na Ana pelo braço e levou-a atrás dele. O David saltou, por seu turno, do esconderijo, seguido mais lentamente pela Zé, e correu para o irmão.

- Júlio! - disse ele. - Já pensaste?... Não podemos fugir por onde viemos, porque os bandidos estão na passagem.

- Por isso mesmo não é no corredor que eu estava a pensar - respondeu o Júlio calmamente. - Tenho outra ideia. Sigam-me!

A ideia do Júlio era ao mesmo tempo simples e

engenhosa... O rapaz pensava assim:

Uma vez que o Eric e os seus cúmplices chegaram aqui de barco, é porque o ribeiro é praticável e conduzir-nos-á ao mar... Vistas as circunstâncias, é a única saída à nossa disposição, uma vez que o subterrâneo nos está vedado. Quanto ao meio de locomoção, não é preciso pensar muito: o barco que o inimigo deixou involuntariamente ao nosso dispor! Seríamos idiotas se não o aproveitássemos!  

O David tinha completa confiança no irmão. Correndo  atrás dele, pensava por seu turno:        

A situação é crítica. Mas talvez o que mais me aborreça        é ver a nossa investigação estragada. Tínhamos tido tão bons resultados! E pensar que só nos faltava avisar a Polícia para salvar os tesouros roubados! Foi pena que o Tim procedesse como um imbecil mesmo no último momento... É a primeira         vez que um dos Cinco sabota o trabalho de toda a equipa!

O Júlio, arrastando sempre atrás de si a Ana, parou diante do embarcadouro. Depois, apontando para o barco:

- Depressa! - ordenou ele. - Saltem lá para dentro!       

É a nossa única hipótese de salvação! A corrente nos levará em breve, até ao mar... E, deste modo, impedimos os ladrões de utilizar o seu próprio meio de transporte. Talvez, com um pouco de sorte, consigamos avisar a Polícia e voltar cá com ela, antes que estes miseráveis tenham tempo de fugir com tudo. Vão-lhes ser precisas muitas idas e vindas pelo subterrâneo, antes de o conseguirem! Além disso, penso que devem ter pressa em se salvar a eles próprios. Vamos! Despachemo-nos!

O David não hesitou. Saltou para o barco. Este, resistente e bem equilibrado, apenas balouçou um pouco, sob o choque.

O Júlio empurrou a Ana para a frente.

- Salta, minha querida!... Agarra-a, David!

A Ana saltou para a embarcação. O Júlio virou-se para a Zé que, imóvel, se mantinha um pouco afastada. Perante a atitude passiva, quase hostil da prima, habitualmente tão dinâmica, o Júlio admirou-se e disse em voz alta:

- Então, Zé! Decides-te? O tempo voa, bem sabes! Vá!        

Salta depressa!

A Zé não se mexeu. Com a fronte enrugada, respondeu:

- Vão-se embora vocês três. Eu fico.  

Os outros olharam-na, admirados.      

- Tu és maluca! - exclamou o David. - Que é que te       deu de repente? Queres ser apanhada pelos bandidos ou quê?     

- Eu não quero ir-me embora sem o Tim. Se vocês têm coragem para deixar o pobre animal com esses brutos, pois eu não!

- Não te preocupes com o Tim! - disse o Júlio. – Ele não se deixa apanhar. Foge, sem dúvida, como uma flecha para fora do subterrâneo e corre direito ao Casal Kirrin.

- Isso é o que tu pensas! Ele vai voltar para junto de mim... e, se eu for com vocês, não encontra ninguém! Nunca o abandonarei.

- Mas... se ficas... talvez estejas a arriscar a tua vida! - sustentou a Ana, aflita.

- Não me importo! O Tim nunca me abandonaria. Seria desleal, da minha parte, se me fosse embora sem ele.

- Os teus escrúpulos só te fazem honra, Zé - disse o Júlio, num tom seco. - Mas não é altura de discutirmos.

Tens de me obedecer!

E, agarrando a prima pelos ombros, repetiu:

- Vá! Salta!

Como a Zé resistia,    ele decidiu empregar a força...

Erguendo a prima pelo meio do corpo, quase que a fez cair para dentro do barco.

- Agarra-a, David!

A Zé debatia-se, mas o David, ajudado pela Ana, agarrou-se a ela e impediu-a de trepar de novo para o cais.

O Júlio apressou-se a desatar a corda e saltou, por sua vez.

Era tempo... O barco afastava-se da margem e levado pela corrente rápida, começava a ganhar velocidade quando o Eric, o José e o Manuel apareceram de súbito, tal como diabos, vociferantes, vindos do corredor subterrâneo.

O José viu as crianças e gritou a plenos pulmões:

- Olhem! Eu tinha razão! O cão estava acompanhado!

O Manuel exclamou por sua vez:

- Miúdos! São miúdos!

O Eric encheu o peito de ar, e com as mãos a fazerem de altifalante, gritou com voz de estentor:

- Eh! Vocês aí! Voltem! E depressinha!

- Podes contar com isso e vai mas é bebendo água! respondeu o David, com mais zombaria do que elegância. Voltaremos se nos apetecer e até acontece que não nos apetece nada!

- Cala-te, falador! E rema! - resmungou o Júlio. A Zé, muito pálida, mantinha-se calada.

Quanto à Ana, morta de medo, batia os dentes sem conseguir dominar-se.

- Tragam-nos outra vez o barco e não lhes faremos mal!

- disse ainda o Eric. Mas já o barco e os seus ocupantes desapareciam de vista.

O David pôs-se a rir.

- Eles, que se julgavam tão espertos, nada podem contra nós! Pregámos-lhes uma bela partida! Ah, ah, ah!

O Júlio, deixando ao David o trabalho de remar, tinha-se instalado ao leme. Pilotava habilmente a barca, que a corrente arrastava com bastante velocidade. As gargalhadas do irmão não encontraram eco nele, que se mantinha mudo, a fronte enrugada pela reflexão.

- Estás com uma cara, Júlio! - lançou-lhe o David, divertido.

- É que tenho mais juízo do que tu, meu pateta. Divertes-te como um miúdo que acaba de pregar uma partida, sem preveres as consequências dos teus actos!

- Mas, olha lá, não nos saímos mal desta vez, parece- me a mim!

- Claro, isso é essencial! Mas não impede que os bandidos nos tenham visto! Agora já sabem que conhecemos o esconderijo. Só pensarão em fugir!

- Escuta, Júlio, eu também pensei nisso! Mas disse para mim mesmo: no fundo, eles ignoram que nós descobrimos os objectos roubados e que estamos a par das suas actividades criminosas. Por isso, tomam-nos sem dúvida, por simples jovens, não muito escrupulosos, que, divertindo-se a explorar subterrâneos, encontraram a sua barca e roubaram-lha!

- Hum . Os ladrões são, em geral, desconfiados. Admirava-me muito que eles não desconfiassem da verdade. Vão dar tudo por tudo para mudarem as coisas de sítio e desaparecerem em seguida. Só podemos desejar é sermos mais rápidos do que eles!

O David tinha deixado de rir. De repente, sentia-se inquieto.

A Zé, imóvel no seu banco, não dizia nada. A Ana pousou docemente a sua mão sobre a dela.

- Zé! - murmurou ela timidamente. - Estás zangada!

- E estou mesmo! - ripostou a Zé, retirando a mão, rudemente. - Palavra de honra! Vocês não têm nem sombra de piedade! São uns verdadeiros selvagens! Somos o Clube dos Cinco, ou não? Cada um de nós é solidário com os outros, parece-me a mim! Aos meus olhos, o abandono do Tim é uma verdadeira traição. Nunca lhes perdoarei por me terem trazido à força!

O Júlio franziu as sobrancelhas.

- Tu exageras - disse ele. - A nossa vida é mais preciosa do que a do Tim. Além disso, a vida dele não está ameaçada de modo nenhum.

- Que sabes tu? - lançou a Zé com veemência.

- Aqueles brutos são muito capazes de o ter morto!

- Está descansada - disse o David, apaziguador. Com certeza que não o apanharam!

- Também estou convencida disso - corroborou a Ana.

- Bem viste que os bandidos estavam sozinhos quando saíram do subterrâneo.

A Zé teve um gesto de mau humor.

- Que é que isso prova? - exclamou ela. - Se tivessem morto o Tim, não o traziam de certo com eles. Para que é que isso lhes serviria?

- Mas de que é que lhes serviria tê-lo eliminado? replicou a Ana, com grande bom senso. - Não, acredita-me, Zé. Estou convencida de que o Tim se desenvencilhou muito bem. Ele é tão esperto!.

Estas palavras reconfortantes e lisonjeadoras tocaram a Zé. Sim, o Tim era excepcionalmente inteligente. Não era preciso preocupar-se demasiado com ele.

Enquanto a Zé, reconfortada pela Ana, readquiria esperança, o Júlio e o David amaldiçoavam a má sorte e a Ana fazia votos para chegar ao termo da viagem debaixo da terra, sem outro problema, e a barca continuava a deslizar rapidamente.

O curso do ribeiro, dir-se-ia, precipitava-se.

- Não percebo nada - resmungou o David entre-dentes, ao fim de um momento. - Este ribeiro subterrâneo devia ter um curso de água mais vagaroso uma vez que corre, segundo parece, mais ou menos ao nível do mar.

- Tu não reparaste - disse a Zé. - Mas, se o corredor que seguimos descia ao princípio, a seguir subia bastante. É a inclinação da colina que explica esta corrente tão rápida.

- É verdade, o corredor subia. sobretudo entre a gruta dos morcegos e a dos ecos - suspirou a Ana. - Eu até estava sem fôlego.

De súbito, a Zé lançou um aviso:

- Atenção! Parece-me que vejo uma claridade lá em baixo, à minha frente.

O David virou-se sem largar os remos.

- Hurra! - gritou ele. - É a luz do dia! A Zé e a Ana soltaram, por sua vez, um grito. A saída do estreito canal recortava-se, como um círculo claro, ao fim do longo túnel sombrio que as crianças acabavam de percorrer.

- Estamos salvos! - suspirou a Ana, apertando a mão da Zé.

- Pergunto a mim mesmo aonde é que vamos dar - rresmungou a Zé, com as sobrancelhas franzidas. - É que temos de regressar, o mais depressa possível, ao sítio onde deixámos as nossas motocicletas. O tempo urge!

- Pronto! Desta vez chegámos - gritou o David.

Com efeito, a barca saiu pela entrada do túnel. A maré estava alta. Tudo correu muito bem.

Assim que a embarcação se encontrou sobre as ondas, parou um bocado e, depois, ficou a balouçar ao sabor do mar. O David, com os remos levantados, perguntou ao irmão:

- E agora, Júlio? Para aonde vamos? O Júlio olhou em redor.

- Estou a ver a entrada da gruta que fica na parte de baixo da falésia - disse ele. - Mas é o caminho por ocasião do nosso naufrágio. Vejamos: que fazer?

Em face de uma situação delicada, a Zé nunca ficava muito tempo embaraçada.

- O mais urgente - declarou ela - é alertar a polícia. Em seguida, é preciso ver, custe o que custar, o que vão fazer os bandidos. e apanhá-los quando saírem do esconderijo. Por isso, para começar, vamos pôr a Ana e o David naquela enseada, para lá da gruta. As rochas, naquele canto, parecem fáceis de escalar. A Ana vai a correr buscar a motocicleta dela. Em seguida. tens de te desembaraçar, Ana! Corres à vila mais próxima e vais à procura da Polícia. Explicas-lhe a nossa aventura e voltas aqui com eles. Insiste, sobretudo, em que se apressem. Cada minuto conta. Quanto a ti, David, vais vigiar a entrada do subterrâneo que fica no meio das moitas!

- Mas. ó Júlio e tu? - perguntaram o David e a Ana.

- O Júlio fica de vigia à entrada da gruta e eu no local onde desemboca a ribeira subterrânea, para o caso de os bandidos resolverem sair a nado. Assim, podê-los-emos ou apanhar ou encurralar, se tivermos sorte. Compreendido?

O tempo urgia. O Júlio aprovou a ideia da Zé. Pelo menos a Ana estaria segura!

Por isso, o David tornou a mergulhar os remos na água e dirigiu-se directamente para a pequena enseada.

A Zé não se tinha enganado: aquela baía em miniatura, com uma praia de areia fina, raramente coberta pela maré, estava rodeada de rochas que não ofereciam grande dificuldade para se escalarem.

Assim que a barca acostou, o David abandonou os remos e ajudou a Ana a saltar para terra. Depois, apressaram-se os dois a subir até à estrada que seguia ao longo da falésia, mesmo por cima das suas cabeças.

A Zé não perdeu tempo. Instalou-se no lugar do David, agarrou nos remos e partiu novamente, desta vez em direcção à gruta. Assim que lá chegou, fez escala, para deixar o Júlio desembarcar, por sua vez.

- És tu e o David que têm mais hipóteses de ver sair os bandidos! - disse ela. - Abre bem os olhos, Júlio!

- Conta comigo! E sê prudente, por teu lado.

- É a minha vez de te responder: conta comigo! O Júlio abanou a cabeça e fez uma careta:

- Esta embarcação é muito pesada para se manobrar, e não me agrada nada a ideia de te deixar sozinha.

- Cada um de nós corre um risco - respondeu a Zé, filosófica, remando com força. - Boa sorte!

E afastou-se, remando como um velho lobo do mar, seguida pelo olhar admirado do Júlio.

Em poucos minutos, graças à imaginação fértil da Zé, e ao seu espírito de iniciativa, cada um tinha uma tarefa específica tratando de a cumprir com zelo.

O David e a Ana, conscientes da importância da sua missão, apressavam-se no flanco da falésia. Utilizavam os pés e as mãos, para não escorregarem e passarem de um rochedo para o outro.

Ao príncipio, a escalada pareceu-lhes relativamente fácil. Depois, a encosta tornava-se mais abrupta, e o David teve de ajudar a irmã por várias vezes. Por fim, conseguiram chegar ao cimo.

Não havia tempo a perder!

O David precipitou-se para o tufo de juncos espinhosos e dissimulou-se atrás de uma árvore próxima, a fim de vigiar discretamente a saída do subterrâneo.

Por seu lado, a Ana apressou-se a ir buscar a sua motocicleta, e, assim que a montou, desapareceu na estrada, a caminho de Fenic, a aldeia vizinha.

- Deus queira que os polícias acreditem em mim! - dizia ela, à medida que avançava, os cabelos esvoaçando com o vento da corrida. E Deus queira, sobretudo, que cheguemos a tempo de evitar o pior! O Júlio, a Zé e o David, separados, não têm força para enfrentar os bandidos!

O David seguiu a irmã com o olhar, até esta desaparecer numa curva da estrada.

Bom, pensou ele, agora, muita atenção!... Vejamos! Que farei eu, se os bandidos vêm por esta saída?. Claro está, sigo-os discretamente. Descubro para onde se dirigem e depois volto, a toda a velocidade, a prevenir os outros... ou posso telefonar à Polícia ou.

Enquanto ele dava largas à sua imaginação, a Ana tinha chegado a Fenic. Foi logo direita à esquadra da Polícia e fez ao chefe um relato tão convincente que ele acreditou-a imediatamente e reuniu os seus homens.

- Depressa! - disse-lhes ele. - Preparem-se para fazermos uma bela caçada!

Os polícias fizeram a Ana subir para o carro-patrulha, colocaram a motocicleta no tejadilho e, sem perder tempo, tomaram o caminho da falésia. O chefe fervilhava de impaciência. Que distinção para ele, se conseguisse capturar os famosos ladrões e recuperar o produto do roubo!

O trajecto foi percorrido em tempo recorde. O David viu, com grande alívio, surgir o carro da Polícia. Mal este parou, precipitou-se ao seu encontro.

- Bom-dia, senhores! - disse ele aos polícias. - Uma das saídas do subterrâneo é aqui, nestes arbustos. Mas não vi nenhum dos bandidos sair.

- Muito bem! - disse o chefe e, virando-se para um dos seus homens, ordenou: - Substitua este jovem! E atire para o ar, ao primeiro alerta!

- Entendido, chefe!

Este acompanhado pelo resto do grupo, começou a descida da falésia. O David e a Ana seguiram-nos.

O Júlio viu-os chegar e, tal como o irmão, explicou aos polícias:

- Ninguém saiu da gruta, posso assegurá-lo! A Ana empalideceu.

- Meu Deus - murmurou ela. - Então. a Zé deve estar sozinha com os bandidos.

O Júlio pôs as mãos em concha e chamou para o mar:

-Zé!... Zé!... Volta!

A Zé contornou o promontório rochoso que a dissimulava. À vista dos polícias, gritou:

- Então? Os bandidos? Viram-nos. Não? Pois eu também não! Quer dizer que continuam dentro do subterrâneo.

- Muito bem, vamos ver! - decidiu o chefe.

Este teria preferido que os quatro primos não fossem também. Mas os seus homens e ele precisavam de um guia. O Júlio ofereceu-se logo. O David, a Zé e a Ana insistiram em acompanhá-lo. O chefe acabou por ceder.

- Bem! - disse ele. - No fundo, penso que não há perigo. Esses homens não devem estar armados.

Após ter encarregado um homem de vigiar, de barco, a desembocadura do ribeiro subterrâneo, meteu-se na gruta, com as crianças e os dois outros polícias, e todos avançaram silenciosamente.

Ao cabo de alguns metros, o Júlio, enfiou sem hesitar, pelo corredor descendente. Quando passaram pela gruta dos morcegos, a Zé aconselhou a que apagassem as lanternas, para não despertar os animais pendurados no tecto. De igual modo, na sala dos ecos, sugeriu que andassem ainda mais silenciosamente, se possível. Por fim, o pequeno grupo, em alerta, chegou à margem do curso de água subterrâneo.

Até aí não tinham encontrado qualquer dos bandidos. Seria possível que eles tivessem ficado tanto tempo no mesmo lugar?... Mas! Para grande consternação dos quatro primos, o cais do ribeiro estava deserto. Não havia vestígio dos bandidos, nem de um lado nem de outro!

Esta desaparição parecia inexplicável. quase milagrosa. O chefe franziu as sobrancelhas.

- Espero que não estejam a brincar connosco! - disse ele às crianças. - Têm a certeza de ter visto bem?

- Temos a certeza absoluta! - explicou o Júlio, que fez imediatamente a descrição dos bandidos.

- E os objectos roubados encontram-se naquele canto! ajudou o David. - Vá lá ver!

Mas não! Ainda desta vez as crianças experimentaram uma amarga decepção: as caixas com os tesouros tinham desaparecido do seu esconderijo.

- No entanto - disse o David aos polícias - posso-lhes jurar que estavam aqui os quadros e as jóias roubados nos castelos dos arredores.

O chefe baixou-se para apanhar alguma coisa.

- Acredito - suspirou ele. - Eis uma das jóias. um relógio de ouro. É preciso rendermo-nos à evidência. Os ladrões de castelos fugiram, levando consigo o produto dos seus roubos!

- Mas é impossível! - gritou o Júlio. - Três de nós não deixaram de vigiar as três saídas existentes. Esses miseráveis devem estar escondidos em qualquer parte!

Nesse mesmo instante, um latido alegre curtou-lhe a palavra.

- Béu Béu!

A Zé cujo rosto se iluminou subitamente, soltou um grito:

- Tim!

Ela teria reconhecido o ladrar do seu cão entre mil.

Com efeito, era mesmo o Tim! Surgido não se sabe de onde, precipitou-se nos braços da sua pequena dona, que saudou com grandes lambidelas.

A Zé não teve coragem para ralhar com ele, estava louca de alegria por o encontrar são e salvo. O que tinha sofrido por ele! À medida que percorrera o subterrâneo, não deixara de esperar por aquele encontro... E eis que, no preciso momento em que a sua moral descia a zero, o milagre se tinha produzido: o Tim ali estava, cheio de vida, diante de si!

Dissimulando a emoção, coçou-lhe a cabeça hirsuta, que reclamava as suas carícias:

- Tim! Meu velho Tim! De onde saíste tu?

O inteligente animal pareceu compreender. Dando meia- volta, bruscamente, precipitou-se para o local sombrio de onde acabara de saltar.

- Béu Béu!

- Sigamo-lo! - exclamou a Zé. - Com certeza que nos quer mostrar alguma coisa!

O Júlio, o David, a Ana e os polícias seguiram a Zé... De súbito, esta exclamou, estupefacta:

- Olhem! Outro corredor! O Tim estava ali escondido! Vejamos aonde é que ele nos leva! Aposto em como os bandidos fugiram por esta saída. Oh! Que azar!

Já se estava a meter pela passagem quando o chefe lhe embargou o passo:

- Eh lá! Calma! Sou eu e os meus homens quem deve abrir o caminho. Toda a prudência é pouca!

As crianças tiveram de contentar-se em segui-los. Se a entrada do túnel era estreita e quase invisível, o corredor em si, largo e bem arejado, permitia que se circulasse livremente. O pequeno grupo caminhou tanto tempo debaixo de terra que o chefe começou a inquietar-se.

- Já percorremos, pelo menos, um quilómetro!

De repente, o corredor dava uma volta. e viram o Tim ao fundo do que parecia ser um beco sem saída. Mantinha-se direito, as patas da frente apoiadas contra a rocha.

- Béu Béu!

Avistando uma argola metida na pedra, o brigadeiro puxou-a para si. A rocha girou, então, descobrindo uma escada secreta... bastante íngreme... Em silêncio, o pequeno grupo começou a subir.

Que iriam encontrar no cimo dos degraus?

A Zé contou uns vinte degraus. Chegados ao alto, o chefe e os seus homens pararam.

- Estamos num beco sem saída! - resmungou o primeiro. - Não vejo diante de mim senão uma parede lisa. No entanto, deve haver uma saída. É preciso é descobri-la!

O David esgueirou-se até perto do chefe.

- Dá-me licença? - começou ele. - Tenho uma ideia que.

Habilmente, passeou os dedos ao longo de uma dobradiça invisível. De súbito, ouviu-se um pequeno ruído! Um painel de secção quadrada girou sobre si mesmo. deixando ver uma fraca luz do outro lado.

- Deixe-nos passar! - ordenou ele. - Pode ser perigoso!

Com precaução, os três homens meteram-se pela abertura. Sem pedir autorização, as crianças seguiram- nos.

- Mas. nós estamos na sala de exposições do Castelo dos Arganazes! - sussurrou a Ana.

Com efeito, o pequeno grupo acabava de entrar mesmo na sala de vitrinas, onde o marquês de Penchelet, uns dias antes, dera a admirar aos quatro primos a sua preciosa colecção. Olhando em volta, as crianças verificaram que a entrada do subterrâneo por onde tinham chegado se dissimulava por trás da placa da monumental lareira.

Agora, tudo se tornava claro para os seus espíritos.

Tinha sido por aquela passagem escondida que os bandidos haviam penetrado tão misteriosamente no castelo, para o assaltar. Fora por ali que eles tinham levado os relógios de ouro do marquês. E era ainda por ali que, minutos antes, haviam fugido, levando o produto do seu roubo.

Claro que os polícias tinham seguido o mesmo raciocínio que as crianças.

- Tudo se explica! - exclamou um dos guardas. - Os patifes fugiram por ali com as jóias, as moedas de ouro, os relógios e as telas famosas. Conheciam esta passagem e serviram-se dela na altura. Mas pergunto a mim próprio como é que conseguiram utilizar hoje, em pleno dia, sem que o marquês de Penlech, o criado e os visitantes os detivessem, quando passaram?

- É fácil de perceber! - resmungou o chefe. - Precisamente por hoje não ser dia de visitas ao castelo. E não consigo ver o velho marquês e Yann enfrentando três bandidos resolutos.

- Meu Deus! - exclamou o Júlio, inquieto. - Talvez os miseráveis tenham maltratado o marquês de Panlech e o seu criado!

- Vamos à procura deles! - anunciou o chefe. - E, voltando-se para os seus homens ordenou: - Procuremos por toda a parte!

As crianças seguiram os polícias. Estes, com prudência, asseguravam-se, à entrada de cada divisão, de que não havia perigo. Simples questão de rotina, aliás, pois os bandidos já deviam ir longe.

O rés-do-chão do solar revelou-se deserto. Mas, no primeiro andar, uns sons abafados alertaram os detectives. Precipitaram-se todos para a sala de onde partia o ruído. Era manifestamente o quarto de dormir do marquês. O pequeno grupo parou à entrada, de ouvidos bem abertos.

- Ali! - gritou a Zé, designando um armário de parede. O chefe deu a volta à chave e puxou o batente. O marquês de Penlech e o criado jaziam lado a lado no chão, estreitamente amarrados e amordaçados.

- O marquês de Penlech! - exclamou o Júlio. - Depressa! Tiremo-lo dali!

E, dando o exemplo, ajoelhou- se perto do marquês, tirou-lhe a mordaça e cortou as cordas, com a ajuda do seu canivete. Entretanto, o chefe libertava o Yann.

- Estão feridos? - perguntou ele aos dois homens.

- Não, não! - disse o marquês. - Mas esses miseráveis não nos pouparam! Enquanto nos amarravam, gabaram- se do roubo dos meus relógios. Que imprudência! Anunciaram-nos, a rir, que iam sair pela porta principal, que não se ralavam com a Polícia, que eram mais espertos do que ela e que não deixariam a região até deitarem a mão a todos os seus tesouros!

O chefe ficou vermelho de cólera.

- A gabarolice perdê-los-á! - resmungou ele.

- Mas, entretanto - disse o marquês amargamente. - esses miseráveis fogem sempre. e com os meus preciosos relógios! E dizer que nem sequer estão no seguro! As visitas ao castelo eram o meu único ganha-pão. A partir de agora, sou verdadeiramente um velho arruinado!

A Ana sentiu os olhos a humedecerem-se. Aproximou-se do marquês abatido e tomou-lhe a mão carinhosamente.

- Tenha confiança na Polícia, senhor marquês! - disse ela, com doçura. - Pelo nosso lado, o Clube dos Cinco, faremos o impossível para reencontrar a sua colecção.

O Júlio sorriu.

- Estás a comprometer-te muito, Ana. Nós somos apenas uns detectives, ainda verdes.

- Mas faremos o possível para triunfar! - assegurou a Zé com voz firme.

Durante os dois dias que se seguiram, a Zé e os primos consagraram o seu tempo a acompanhar o progresso da investigação oficial. Chegaram mesmo a ir ao castelo dos Arganazes para encontrarem de novo o marquês e, sobretudo, parafalarem com os detectives.

O marquês não lhes contou nada de novo. O pobre homem, mergulhado no desespero, fazia pena. A Ana, alma terna, ficou desolada.

O polícia, que no princípio da investigação informara as crianças, recebeu-os desta vez, bastante friamente. Estava vexado por ter de reconhecer a inutilidade dos seus esforços. Os Cinco abandonaram rapidamente o castelo.

Nessa tarde, os Cinco reuniram-se no caramanchão do jardim do Casal Kirrin.

De entrada, o Júlio mostrou- se bastante pessimista.

- Já não se ouve falar nos bandidos - suspirou ele.

Parece-me que, apesar das suas gabarolices perante o marquês, ficaram com medo e abandonaram a região.

- Não temos a certeza! - disse a Zé. - Podem muito bem estar agora sossegados, antes de darem novo golpe!

- Entretanto - suspirou o David - a pista está interrompida. Não sabemos onde encontrar o Eric e os cúmplices. Sem falar nos objectos roubados que eles levaram!

- A única coisa a fazer é esperarmos um golpe de sorte!

- murmurou a Ana, por seu turno.

No dia seguinte, as notícias locais, transmitidas por um posto regional, pareciam dar razão à Zé... Com efeito, o locutor anunciou que uma antiga abadia, situada a uns trinta quilómetros de Kirrin, fora assaltada no decorrer da noite precedente.

Desta vez, os ousados assaltantes tinham levado um cibório de ouro, castiçais de prata cinzelada, uma imagem de madeira muito antiga representando uma Virgem negra, duas miniaturas de valor e quatro vasos sagrados.

- Pronto - exclamou a Zé. - Isto prova que o Eric, o José e o Manuel continuam nestas paragens!

- A não ser que se trate de um bando rival! - emitiu o Júlio.

- Qual quê . Os bandidos não caçam no território dos seus concorrentes, toda a gente o sabe! Os nossos ladrões mantêm a palavra: não se vão embora sem terem limpo toda a região! Temos, portanto, de os apanhar antes disso!

-Mas como? - exclamou o David. - A Polícia, perante o desafio, já procurou em todas as grutas da costa. Explorou todas as reentrâncias rochosas, bateu todos os arbustos. Tudo isto em pura perda. Ah! Pode-se dizer que esses bandidos são espertos!

O Júlio coçou a cabeça.

- O que eu gostava de saber - disse ele - é o local onde eles esconderam o produto dos roubos. Tinham que se despachar, apressados como estavam! O novo esconderijo não deve, por isso, ficar muito longe do castelo dos Arganazes!

- Além disso - acrescentou a Ana - devem tê-lo escolhido bastante espaçoso. As caixas eram grandes!

O David corroborou:

- Deve até ser tão espaçoso que caibam eles três lá dentro, até a Polícia ter acabado de examinar detidamente essa zona.

- A investigação está a arrastar-se - retomou o Júlio. - e eu só vejo uma explicação: estes bandidos, segundo penso, conhecem a região a fundo.

- Que é que tu achas, Zé? - perguntou a Ana, vendo que a prima reflectia sem falar.

- O que eu acho? - disse lentamente a Zé. - Pois bem, no outro dia aqueles homens entraram de barco na gruta. É provável que esse barco, meio de locomoção silencioso e corrente na região, lhes permita, melhor do que um carro, circular sem serem notados. Privados da sua barca e obrigados, por um prazo de tempo limitado, a encontrar um refúgio suficientemente grande para os acolher a eles e aos objectos roubados, só se podiam ter escondido na.

- Na quê? - perguntaram os três, ansiosos.

- Pois bem, na caverna onde os encontrámos! O David arregalou os olhos.

- Queres dizer que voltaram para o seu antigo refúgio?

- Claro! É o último sítio onde pensariam ir procurá-los! A hipótese que, em presença dos primos, a Zé acabava de emitir, deixou estes emudecidos.

O Júlio foi o primeiro a recuperar a fala.

- Bem podes ter razão! - declarou ele. - Essa caverna é, com efeito, a única em que os polícias não pensaram. Como não encontraram lá os bandidos quando esperavam apanhá-los, desinteressaram-se rapidamente desse sector.

- Se os bandidos voltaram, realmente, para o seu esconderijo - lançou a Ana -, não lhes falta audácia!

- Isso já eles o demonstraram! - lembrou o David.

- Acho mesmo que têm mais atrevimento do que inteligência. Vigiavam- se as fronteiras e suas excelências escondiam o produto dos seus roubos mesmo a dois passos dos castelos assaltados. Imaginava-se que eles iam fugir a toda a velocidade e, afinal, continuam a roubar sem barulho... e sem pressas! Fizeram-se barreiras em todas as estradas, e eles circulavam ao longo da costa, na sua velha barcaça. Palavra de honra, não é nada de admirar que tenham voltado ao seu poiso, como diz a Zé! Devem mesmo sentir-se lá em segurança!

A Zé saltou do muro onde se encontrava empoleirada.

- Pois bem, não temos mais do que ir ver! - declarou ela calmamente. - Proponho que voltemos, esta noite mesmo, à caverna do ribeiro subterrâneo.

- Estás maluca! - exclamou a Ana, horrorizada. - Isso era metermo-nos na boca do lobo!

- Isso é que não. Os bandidos são obrigados, com certeza, a saírem de tempos a tempos, para se reabastecerem. Só podem fazê-lo, pois, à noite. É por isso que à noite teremos a via livre. Aproveitaremos para recuperar os objectos rou bados.

O Júlio disse com uma voz firme:

- Zé! Estou absolutamente de acordo com a Ana! Seria uma loucura irmos lá! Vamos, antes, prevenir a Polícia! Se ela pensar que tens razão.

A Zé cortou a palavra ao primo.

- Mas, se ela achar que eu não tenho razão, perderemos um tempo precioso! Não, não; meu caro! Temos de ser nós a actuar! Além disso, o Clube dos Cinco já provou que pode muito bem desenvencilhar-se sozinho.

- Isso não é razoável! - protestou o Júlio.

- Escutem - disse o David -, combinemos o espírito de iniciativa e o juízo. Vamos lá abaixo. mas, primeiro, deixamos um bilhete a explicar tudo aos teus pais, Zé. Assim, se nos acontecer alguma coisa, o tio Alberto, pelo menos, sabe onde estamos. Que dizem?

Demorou ainda algum tempo para a Zé convencer o Júlio. Demorou muito menos a escrever o bilhete para o pai. O resto do dia passou-se a fixarem, febrilmente, os pormenores da expedição. Era preciso correr o mínimo dos riscos! Encararam todas as possibilidades!

-Quanto a mim - disse o David -, a via menos perigosa para penetrar na caverna é o próprio rio. Os bandidos já não têm a barca e o barco da Zé já está pronto. Indo por aí, evitamos encontrar os bandidos, se eles ainda se encontram no seu esconderijo. E, se os virmos de longe, só temos de dar meia-volta: não nos poderão seguir!

- Sem dúvida - replicou o Júlio. - Mas esqueceste-te que, de barco, levaremos muito tempo a efectuar o percurso. Ao passo que, com as nossas motocicletas, rapidamente lá chegaremos.

- Entendido - disse a Zé. - E levaremos um atrelado para transportar as caixas.

O David pôs-se a rir.

- O José e o Manuel não são tão fortes como o Eric! exclamou ele. - Aposto em como utilizam um carrinho desdobrável para deslocar as caixas. Iremos lá encontrá-lo!

-Se tiveres razão, tanto melhor! Mas, mesmo assim, vamos levar o meu atrelado - decidiu a Zé. - Mais vale sermos previdentes!

- A verdadeira previdência - resmungou o Júlio - é imaginar que as telhas vão cair em cima da nossa cabeça. Enfim, uma vez que está tudo decidido, partiremos, mal chegue a noite.

- Mas que diremos aos teus pais, Zé? - perguntou a Ana.

- Que vamos dar um pequeno passeio higiénico, depois do jantar. É tudo! Não mentiremos. O ar far- nos-á bem. Sinto-me tão nervosa!

A Zé tinha como princípio absoluto nunca mentir. Nas ocasiões, muito raras, em que não se podia dar ao luxo de dizer toda a verdade, pelo menos não fazia qualquer afirmação falsa. No entanto, nessa noite, quando os Cinco se puseram a caminho, ela sentiu alguns remorsos. Se não tivessem decidido explorar a gruta, os Cinco sem dúvida que não teriam saído.

A tia Clara viu partir as crianças sem desconfiar. Nem mesmo reparou que a Zé tinha ligado o reboque à sua motocicleta.

Uma vez na estrada que os levava ao seu destino ainda longínquo, os Cinco correram velozmente. Ninguém dizia palavra, o próprio Tim estava calado. Dir-se-ia que uma ameaça secreta pesava sobre o pequeno grupo.

Em breve, iluminados pela lua, os Cinco chegaram ao cimo da falésia. O cenário já lhes era familiar.

Depois de terem dissimulado as suas máquinas e o atrelado no pequeno bosque de árvores vizinhas, aproximaram-se, com precaução, da enorme moita que escondia a entrada do subterrâneo.

O Júlio esteve muito tempo de ouvido à escuta, antes de permitir à Zé, ao David e à Ana que entrassem na gruta, atrás dele. O Tim, claro está, não deixava a Zé, à qual se colava como uma sombra.

- Nenhum de nós fica de sentinela? - perguntou a Ana.

- Não! - respondeu o Júlio. - Não serviria de nada. Fiquemos, antes, juntos. Mas saibamos ouvir, e abrir bem os olhos. Ao primeiro alerta, meia-volta a toda a velocidade!

O pequeno grupo caminhou lentamente, com mil cautelas até à sala dos ecos, que atravessou, contendo a respiração. Até aí, tudo bem! Não tinham encontrado ninguém e, fiando-se no silêncio que reinava, o subterrâneo devia estar completamente vazio.

Um pouco antes de entrarem no que as crianças chamavam a caverna dos ladrões", o Júlio ordenou uma paragem. Ele próprio partiu em reconhecimento. para voltar em breve, de sorriso nos lábios.

- A viaestá livre - anunciou ele. - Deitei mesmo um olhar para o esconderijo das caixas e. A Zé acertou! Os objectos roubados foram mesmo lá postos pelos bandidos... que, neste momento, não estão no seu covil!

Esta dupla boa notícia foi acolhida por uma explosão de alegria silenciosa... Pelos vistos, a Zé não se enganara!...

Não restava mais que passar à acção!

Alegremente, os Cinco retomaram a marcha, em frente. As crianças sentiam o coração bater-lhes com pancadas precipitadas. Desta vez, enfim, iriam recolher o fruto dos seus esforços! Os objectos roubados tinham-lhes fugido da primeira vez. Quem sabe se ainda conseguiriam reavê-los! Esperavam não deixar passar aquela oportunidade, quase inesperada.

A Zé congratulava-se baixinho pelo êxito dos seus projectos, que já considerava como certo. O David pensava muito satisfeito no resultado da sua investigação, que iria valer-lhes sem dúvida, muita glória! A Ana, por uma vez, esqueceu os seus receios, reconhecendo que a vitória estava muito próxima. O próprio Júlio já considerava a partida como ganha.

Talvez o Tim fosse o único a não se sentir completamente à vontade. De tempos a tempos, levantava o focinho para o ar, e sentia uns cheiros estranhos. Mas isso não impressionava a Zé. Esta sabia muito bem que os bandidos utilizavam a passagem para entrarem e saírem!

Quando os jovens detectives e o Tim chegaram à beira do rio subterrâneo, as crianças, num impulso comum, precipitaram-se para os esconderijos das caixas - muito próximos um do outro. O tesouro estava mesmo ali, no seu lugar inicial.

Bestial! - exclamou a Zé.

- Vejam, não me enganei! - gritou o David por seu lado. - Eis um pequeno carrinho desmontável, que nos vai ajudar a. a mudar os móveis!

E soltou uma gargalhada. Foi neste preciso instante que o Júlio reparou na atitude estranha do Tim.

O Tim tinha-se detido no local onde se abria a passagem invisível. a que conduzia ao Castelo dos Arganazes. Com uma das patas da frente erguida, o focinho virado para a entrada do subterrâneo, cheirava o ar com pequenos intervalos.

- Olha para o teu cão; Zé! - disse o Júlio. - Dir-se-ia que está inquieto.

- Ora - resmungou a Zé, que ajudava o David a colocar uma caixa no carrinho. - Deve ter cheirado alguma ratazana. Vem depressa ajudar-nos. Esta caixa é pesada como o diabo. Cuidado com os pés, Ana!

O Júlio, com uma vaga apreensão, juntou-se aos outros. Não sem dificuldade, os quatro primos arrumaram a caixa no ligeiro veículo. De repente, um latido sonoro do Tim fê-los sobressaltar.

Daquela vez, arrancados à sua apaixonante tarefa, a Zé, o David e a Ana voltaram a cabeça. O Júlio, já alerta, tinha saltado. Estava pálido.

- Os bandidos! - murmurou ele. - Depressa! Fujamos! Mas os Cinco não tiveram tempo de se pôr em fuga. Do subterrâneo que ligava a gruta ao Castelo dos Arganazes, acabavam de surgir os três homens que eles julgavam muito longe dali.

Eric, o primeiro, precipitou-se sobre o Júlio. Num abrir e fechar de olhos, amarrou-o, com auxílio de uma corda fina. Depois, o colosso agarrou o David.

Durante este tempo, o Manuel tinha deitado o casaco por cima da cabeça do Tim para o imobilizar. O José, por seu lado, fazia o melhor que podia com a Zé que, a pontapés e unhadas, se debatia como um demónio, e claro está que não foi a mais forte.

Quando, por fim, os Cinco se encontraram reduzidos à impotência, o Eric largou uma gargalhada formidável.

- Então, miúdos! Julgavam que podiam continuar a rir-se de nós, como nós nos rimos da Polícia? Não nos conhecem bem se vê! Outro dia roubaram-nos a nossa barca, mas ei-los em nosso poder, mais a porcaria do vosso cão!

- Cala-te, fala-barato! - intimidou o José com ar sombrio. - Estes miúdos surpreenderam-nos mesmo numa má altura. mesmo no momento em que nos íamos embora com o produto do roubo. Não sei o que vamos fazer com eles.

Deitou um olhar furioso à Zé e acrescentou: - Se não me dominasse, torcia-lhes o pescoço, a todos! Este rapaz mordeu-me, como um danado que é!

Desta vez, a Zé nem reparou que a tomavam por um rapaz. O seu falhanço tornava-a louca de raiva.

- Tenho pena de não lhe ter arrancado a mão com uma dentada! - gritou ela. - Mas a Polícia apanhá- los-á, mais cedo ou mais tarde, seus tratantes!

-Põe-lhes uma mordaça, a cada um, Eric! - disse o José, com um ar cansado.

Enquanto o colosso o fazia, o Manuel resmungou por sua vez:

- Sempre posso matar o cão!

A Zé estremeceu. Mas o José abanou a cabeça.

- Não! - disse ele. - Nada de violência inútil... contra ninguém! No entanto, se deixo as crianças aqui, arriscam-se a morrer de fome. E, se as encontram, já se sabe que correm de novo atrás de nós. Ora, por muito estranho que possa parecer, tenho tanto receio dos miúdos como dos polícias! Vamos, está decidido Levamo-los connosco!

Os ladrões de castelos, empurrando os prisioneiros à sua frente, meteram-se pela passagem subterrânea por onde as crianças tinham vindo. O Manuel fechava a marcha. Tinha enfiado o Tim dentro de um saco que levava ao ombro. Foi em vão que o animal se mexeu e procurou libertar-se, estava muito apertado para o conseguir.

A Zé não abandonara a sua cólera. O Júlio estava consternado. O David não conseguia refazer-se da sua surpresa. Quanto à Ana, estava meia-morta de medo, as pernas ameaçavam deixá-la cair.

Pergunto a mim mesma onde nos levam estes malandros! - pensava a Zé.

Intrigava-a também saber por que saída iriam os bandidos ter ao ar livre. Se tivessem com eles um barco, fá-lo-iam sem dúvida, pela gruta que dava para o mar. Mas, se tinham à sua disposição um carro, então subiriam até à estrada da falésia, e foi o que aconteceu. O Eric teve de recorrer a toda a sua força para puxar, no corredor ascendente, pelo carro com as duas caixas.

Uma vez lá em cima, os ladrões dos castelos içaram as crianças para fora do subterrâneo. A lua brilhava, muito clara.

- Por aqui! - ordenou o José, lacónico.

Todos o seguiram para lá de um pequeno bosque. Aí, quase invisível pela sombra da folhagem, estacionavam duas viaturas.

- Ainda temos sorte em ter dois carros à nossa disposição! - resmungou o Manuel.

- Bem sabes como o José é previdente! - replicou o Eric, trocista. Depois, dando um encontrão aos prisioneiros acrescentou: - Vá, miúdos! Subam!

Durante duas horas, os dois carros rolaram um atrás do outro. Não estava suficientemente claro para que as crianças pudessem reconhecer a paisagem. Ao fim de alguns quilómetros, a Ana, extenuada e cheia de vontade de chorar, adormeceu.

O Júlio e o irmão encontravam- se, com o Eric, na segunda viatura. A Ana e a Zé iam instaladas no banco de trás da primeira. O José conduzia. O Manuel, sentado a seu lado, virava-se de vez em quando para trás.

- Olha! - disse ele, ao ver que a Ana tinha fechado os olhos -, a miúda adormeceu!

Também ele julgava que a Zé era um rapaz. A sua reflexão deu uma ideia à Zé. Passados uns momentos, deixou cair a cabeça e fingiu adormecer, por seu turno.

O Manuel voltou-se, pouco depois.

O miúdo também já está a ressonar! - anunciou ele, pouco cerimoniosamente. - Que alívio! Ele sozinho é mais recalcitrante do que os outros três juntos!

- Só fico tranquilo - disse o José - quando chegarmos e os vir fechados à chave.

Como ele parecia pouco desejoso de continuar a conversa, o Manuel absteve-se de falar. Então, a Zé, com mil cuidados, e aproveitando todos os solavancos do caminho, tratou de libertar uma das mãos. Quando o conseguiu, tirou - não sem grande dificuldade - o lenço do bolso. Ainda com mais dificuldade, tratou de deitar o quadrado de tecido para a estrada, através do vidro, meio aberto.

- Sempre será um indício para os que se puserem à nossa procura - pensou ela. - Agora um pouco mais longe, deixarei cair a minha pulseira de identidade, depois o meu porta-moedas.

Mas, ai! o Manuel não deu tempo à Zé de pôr em execução o seu projecto.

- Ah, meu demónio! Querias brincar ao pequeno polegar, hem? Isso não, meu rapaz!

Tinha agarrado a Zé pelo pulso e sacudia-a rudemente. A Ana acordou sobressaltada e aterrorizada. Durante o resto da viagem, o Manuel vigiou atentamente as duas primas. A Zé estava, mais que nunca, furiosa.

Por fim chegaram. As crianças, empurradas para fora dos carros, olharam em volta. A lua iluminava uma casa branca e comprida. Não se via mais nenhuma habitação em redor. Aquela casa isolada devia ter sido escolhida de propósito pelo José e pelos seus cúmplices, preocupados em esconder de olhos indiscretos as suas idas e vindas.

O Eric empurrou as crianças para a frente.

- Despachem-se e entrem. Não temos tempo a perder! Fê-los atravessar uma entrada com o chão coberto de lajes e, depois, ordenou-lhes que subissem as escadas. A casa tinha dois andares. Um terceiro lance de degraus, muito íngremes, levava ao sótão - foi para aí que o Eric empurrou os pequenos. Ajudado pelo Manuel, tirou- lhes as mordaças e as cordas que os amarravam.

- Aqui, podem berrar, se quiserem! Ninguém os ouve. Boa-noite!

O Manuel atirou com o saco onde estava o Tim, para os pés da Zé. Depois, os dois homens desapareceram, fechando a porta à chave, atrás de si. A Zé apressou-se a libertar o pobre Tim.

-Nada a fazer para sairmos! - reconheceu o Júlio sombriamente. - Tentemos dormir um pouco. Amanhã reflectiremos.

Esgotados, os Cinco estenderam-se no chão e fecharam os olhos.

Entretanto, no Casal Kirrin, o tio Alberto e a tia Clara estavam bem longe de imaginar os perigos que ameaçavam a sua filha e os seus sobrinhos!

Nessa noite, a tia Clara, como estava cheia de dores de cabeça, foi deitar-se cedo. O marido, pelo contrário, tinha trabalhado até muito tarde na sua difícil obra, no calmo refúgio do escritório.

A tia Clara, antes de adormecer, pensou que as crianças não tardariam a regressar. Quanto ao marido, este nem sequer sabia que as crianças tinham saído.

Inquieta, na manhã seguinte, por ver que as crianças não desciam à hora do pequeno-almoço, a tia Clara subiu ao quarto da filha e da Ana. A primeira coisa que viu foi as camas por abrir e um sobrescrito colocado bem à vista sobre a colcha. Tomou conhecimento da mensagem.

- Alberto - exclamou ela, com voz rouca. - Oh . Meu Deus. É horrível. Aconteceu uma desgraça às crianças!

O marido acorreu e encontrou-a enterrada num sofá. Ela estendeu-lhe o bilhete com mão trémula: - Lê!

O tio Alberto obedeceu e depois exclamou:

- São doidos! Porque é que não nos disseram nada? Eu teria alertado a Polícia!

- Depressa, Alberto! Depressa! Temos de ir em socorro deles.

- Acalma-te! Vou ocupar-me imediatamente do assunto. Desceu as escadas apressadamente, entrou de rompante no escritório e pegou no telefone. Um instante mais tarde, todas as esquadras dos arredores estavam prevenidas.

Um verdadeiro pequeno exército tomou o caminho para a falésia.

Os salvadores, estimulados pelo tio Alberto, louco de inquietação, não levaram muito tempo a fazer o percurso.

Estava um tempo magnífico. O sol brilhava alegremente no céu, indiferente à angústia que apertava o coração de cada um.

Chegados ao cimo da falésia, os polícias tomaram todas as precauções necessárias para a captura dos bandidos e a salvaguarda das crianças. Uma parte das forças da ordem desceu para a praia, a fim de bloquear a entrada da gruta. Uma vedeta da guarda costeira, alertada, já se encontrava a vigiar a desembocadura do rio subterrâneo. O resto do grupo enfiou-se no subterrâneo que se abria no meio da moita de juncos espinhosos.

O tio Alberto insistiu em seguir os salvadores.

- A minha filha e os meus sobrinhos encontram-se nessa caverna - disse ele aos polícias. - Sou incapaz de esperar cá fora, sossegadamente, pelo resultado desta expedição...

O capitão da força policial foi obrigado a aceder ao seu desejo.

- Muito bem - disse ele. - Mas trate de não fazer qualquer ruído. Temos de apanhar os bandidos de surpresa. E há o problema da segurança das crianças!

Todo este rigor de precauções não serviu, porém, para nada. Quando os polícias e o tio Alberto chegaram, por fim, à beira do rio subterrâneo não encontraram ninguém.

Os bandidos e as crianças tinham desaparecido. Em vão espreitaram em todos os corredores e em todas as reentrânci das rochas: nada se encontrou. a não ser, num canto, a fita com que nesse dia, por capricho, a Ana tinha atado os cabelos. O tio Alberto estava desesperado!

Completamente extenuados e quebrados pela emoção, os pequenos, deitados no chão duro da sua prisão, dormiram de um sono só até ao alvorecer.

O David foi o primeiro a abrir os olhos. Espantado, olhou em volta, sem saber onde estava. Depois recordou-se. Sacudiu os outros.

- De pé! De pé! Temos de sair daqui, custe o que custar! Mas mais depressa se dizia do que se podia fazer.

- Estudemos o local! - propôs o Júlio.

Foi coisa rápida. A inspecção deu a saber aos quatro primos que o seu sótão-prisão tinha apenas duas saídas: a porta, fechada à chave e excepcionalmente sólida, e uma janela que dava para o telhado, e muito alta.

- Estamos bonitos . - suspirou o Júlio.

- O que. que vão fazer connosco? - gaguejou a Ana, cujos dentes batiam.

A Zé deu-lhe um encontrão.

- Oh! Não vais começar com as tuas palermices,! Sabem, estou furiosa por tê-los arrastado para esta aventura! A culpa foi minha. sou demasiado impulsiva. Devia ter desconfiado, ouvido os conselhos do Júlio.

- Não te desculpes! - respondeu este, bondosamente.

- Eu podia ter-te impedido de agir. A culpa é tanto tua como minha. David. serve-me de escada, meu caro! Vou tentar espreitar por aquela janela. É uma sorte o tecto ser tão baixo! Mas não, sequer, temos uma mesa ou uma cadeira para nos pormos em cima!

O David ajudou o irmão a subir. Com as duas mãos, o Júlio agarrou-se ao rebordo da janela e esticou o pescoço.

- Batatas!. - disse então. - Não vejo nada. um campo deserto.

Não sabendo onde se encontravam, as crianças aplicaram-se a surpreender os ruídos da casa.

A Zé, de joelhos no chão, agarrou no Tim pelo pescoço.

- Ouve! - disse ela. - Ouve!

O cão arrebitou as orelhas, mas permaneceu calado.

- Parece-me que não há ninguém! - suspirou a Zé. A casa está silenciosa. Os bandidos devem ter saído.

- Então não é aqui o seu verdadeiro refúgio? - murmurou a Ana. - Apenas um ponto de passagem?

- Não. Eu acho que a toca deles é aqui.

- Mas, então, porque é que se foram embora?

- Vão talvez fugir, para o estrangeiro, com o produto dos roubos - sugeriu o Júlio.

- Sim - disse a Zé. - Tens certamente, razão. De repente, o Tim rosnou. As crianças imobilizaram-se.

- Vem aí alguém! - sussurrou o David.

Um passo ligeiro fez estalar os degraus da escada. A chave girou na fechadura. Apareceu uma mulher de aspecto rebarbativo:

- Tomem! - disse ela, pousando um cesto no chão. Têm aqui de comer até amanhã.

E, dizendo isto, desapareceu tão rapidamente como tinha entrado, fechando a porta à chave. A Zé cerrou os punhos.

- Somos uns imbecis! - gritou a rapariga. - Devíamos ter caído em cima dela, todos ao mesmo tempo. Nós cinco...

O barulho surdo da porta de entrada sacudiu a casa. O David, ajudado pelo Júlio, içou-se até à janela.

- A nossa carcereira acaba de sair! - anunciou ele. Afasta-se pelo caminho em direcção à aldeia que vejo lá ao longe.

O David saltou para o chão e coçou a cabeça.

-Que fazer? - murmurou ele, perplexo. - A casa parece estar vazia, mas nós estamos aqui fechados.

- Só podemos esperar! - suspirou a Ana, tristemente.

- A estas horas o tio Alberto e a tia Clara já devem ter encontrado o bilhete da Zé. Eles vão prevenir a Polícia.

- Sim - disse o Júlio. - Os homens devem ir direitos à caverna. e não encontram lá ninguém. Isso não nos adianta nada.

- Deixa de falar e actua! - resmungou a Zé. - Uma vez que temos de nos desenvencilhar sozinhos, comecemos pela evasão!

Os primos olharam para ela, espantados:

- Mas como?

- Tu tens jeito de mãos, Júlio, e. acabo de ver que a nossa carcereira deixou a chave na fechadura... pelo lado de fora, claro. Mas isso não te atrapalha, pois não?

O Júlio soltou um grito de contentamento.

- Tens razão! Não é a primeira vez que recupero uma chave com a ajuda de... Oh! mas não tenho nem jornal nem lápis!

- Pois não - disse o David - mas tens aqui um cartão chato e um bocado de arame!

À medida que falava, tirou esses dois objectos dos detritos acumulados a um canto do sótão.

O Júlio não perdeu tempo. Ajoelhou-se diante da porta e pôs-se ao trabalho. Para começar, fez deslizar o cartão debaixo da porta, tendo o cuidado de deixar um bocado suficiente para o poder puxar. Depois, com a ajuda do arame, escarafunchou na fechadura, empurrando a chave que acabou por cair sobre o cartão, no exterior. Só lhe faltava puxar o cartão para si, para ter a chave.

- Vamo-nos evadir pelo telhado!

O Júlio e a Ana não reagiram imediatamente. Mas a Zé pôs-se instantaneamente em expectativa.

-Formidável! - gritou ela. - És verdadeiramente genial, meu caro David! Com efeito, não há outra solução!

- Eh lá! Calma! - exclamou o Júlio. - Querem partir o pescoço ou quê?

-Claro que não! - replicou a Zé. - Eu não sou sensível a vertigens. Tenho sangue-frio. e o David é como eu! Vais ajudá-lo a subir, Júlio, e depois a seguir vou eu. Uma vez lá em cima, vai ser o diabo não conseguirmos descer. Depois, voltamos para vos libertar.

O David e a Zé não desistiam. O Júlio acabou por ceder. A Ana, trémula, estava tão desejosa de fugir que, por uma vez, aprovou o projecto ousado do irmão e da prima.

O Júlio ajudou o David e a Zé a içarem-se para a janelinha, mesmo até ao telhado.

- Até já! - gritou-lhes a Zé, antes de desaparecer.

Em breve, ela e o David, curvados, quase de gatas, andavam por cima do pau-de-fileira do telhado, tendo muito cuidado em não escorregarem. Um passo em falso e era a queda no vazio.

- Zé! - murmurou o David, passado um momento.

Como vamos descer?

- Anda!. Sigamos este declive com cuidado. Deve haver uma goteira desse lado!

A Zé não se enganara. Mas a empresa era perigosa: se os dois primos se largassem, tinham, se não morressem, pelo menos a perspectiva de partir um braço ou uma perna.

- Tanto pior! - disse a Zé, entre dentes. – Temos de conseguir, a todo o custo!

À Zé e ao David foram precisas todas as forças, toda a vontade e toda a destreza para terem êxito na perigosa descida. Agarrados ao tubo de escoamento de águas que ligava o telhado ao solo, procuravam, com os pés e as mãos, assegurar pontos de apoio firmes. Por vezes, os dedos e as solas dos sapatos escorregavam. Tinham, então, apenas tempo para se agarrar. Por felicidade, em nenhum momento, perderam o sangue-frio.

Por fim, tocaram na terra! A Zé sentiu-se cheia do sentimento da sua vitória. Sem dúvida que o Júlio, um pouco pesado, e a Ana, demasiado medrosa, teriam sido incapazes de cometer tal proeza! Quanto ao Tim. o pobre teria dificuldades enormes em seguir a sua dona!

- E agora, David, trata-se de encontrarmos um meio de nos introduzirmos de novo dentro de casa.

Foi mais fácil do que pensavam. Com efeito, se as portas e as janelas se encontravam bem fechadas, o alçapão da cave do carvão não tinha cadeado. Graças a esse esquecimento, o David e a Zé puderam introduzir-se facilmente no subsolo. Nem sequer se sujaram, pois a cave estava vazia há já muito tempo. Contornando a caldeira que ocupava o centro, os dois primos dirigiram-se para a pequena escada que conduzia a uma porta de madeira.

- Deus queira que a porta não esteja fechada! - suspirou a Zé, inquieta.

Felizmente, os seus receios eram infundados. A porta estava apenas no trinco. O David abriu-a. As duas crianças foram ter a uma vasta cozinha, ladrilhada, que dava directamente para a entrada.

Olharam um para o outro, sorrindo. A partida estava ganha!

Daí em diante, o David e a Zé não perderam um segundo:

precipitaram-se para a escada, cujos degraus subiram a quatro e quatro.

Chegados diante da porta do sótão, o David apanhou a chave caída no patamar e libertou o Júlio, a Ana e o Tim.

A Ana chorava de alegria. O Tim ladrava. O Júlio deu uma grande palmada no ombro do irmão e da prima.

- Bravo! - disse-lhes ele, com voz comovida. - Os meus parabéns! E, agora, depressa! Antes de fugirmos, exploremos totalmente a casa.

Foi uma inspecção rápida, pois o tempo urgia. A vasta habitação tinha o aspecto de uma quinta muito moderna. O José, o Eric e o Manuel só a tinham escolhido, sem dúvida, à falta de melhor, até à sua próxima partida para o estrangeiro.

- Se eles trouxeram os objectos roubados para cá - murmurou o Júlio - devem estar escondidos em qualquer parte. Os bandidos, com certeza, que não andam com as caixas atrás de si para todos os sítios para onde vão.

As salas dos andares e do rés-do-chão nada revelaram aos jovens detectives, não tinham qualquer mistério. Mas, no subsolo, o que parecia ser a adega levantou-lhes um problema.

Com efeito, a porta maciça estava provida de três fechaduras mecânicas, enormes, novinhas, cujo aço brilhava agressivamente, na penumbra, como um desafio.

- Ah Ah - murmurou a Zé. - Estes fechos foram postos recentemente, e para quê senão para proteger um tesouro?.

- Sim! - disse o Júlio. - Os objectos roubados foram sem dúvida, aqui fechados, provisoriamente, à espera de atravessarem a fronteira.

- Depressa! - sussurrou a Ana. - Vamo-nos embora prevenir a Polícia!

Subiram velozmente a escada da cave, atravessaram a entrada a correr, tiraram rapidamente os ferrolhos à maciça porta de entrada e encontraram-se lá fora.

- Ufa! Livres enfim! - murmurou o Júlio, todo contente. - Que prazer respirar o ar puro do campo, a plenos pulmões!

- Por favor, Júlio! - suplicou a Ana. - Despachemo-nos! Tenho pressa em estar longe daqui. Supõe que esses bandidos voltam. Ou aquela mulher.

- Não te rales mais, minha menina! - respondeu-lhe o David. - As provisões que a nossa carcereira nos levou deviam durar até amanhã (disse ela), isso significa, sem dú vida, que ela não voltará antes!

- Hum! Não temos a certeza! Ela partiu a pé e, provavelmente, não foi muito longe - murmurou a Zé, que já ia pelo caminho fora. - Em todo o caso, um bom conselho... Abramos os olhos! Se virmos uma figura suspeita dirigindo-se para nós, temos de nos esconder nos campos em redor. Não tenho vontade de ser novamente feita prisioneira!

As crianças continuaram a andar em silêncio. A paisagem em volta não lhes lembrava nada. O caminho - uma estrada secundária - parecia estender-se até ao infinito. Apenas se conseguia perceber, ao longe, a flecha do campanário de uma aldeia.

Agora, o sol já ia bastante alto no céu. As crianças suavam. O Tim arfava.

- Com este passo, ficaremos extenuados antes de chegarmos - declarou a Zé. - Vamos pedir boleia!

- É muito arriscado! - exclamou o Júlio. - Supõe que parava a viatura dos bandidos. Além disso, não há nenhum carro à vista!

Como para o contrariar, ouviu-se de súbito o ruído de um motor.

Os Cinco viraram-se com vivacidade. Um carro veloz, comprido e baixo, vinha na sua direcção. É evidente que aquele carro de desporto não se assemelhava nada ao carro dos bandidos.

A Zé não hesitou. Colocou-se no meio da estrada e agitou os braços. O bólide aproximou-se, travou e parou. Lá dentro estava um jovem ao volante.

- Olá, rapaziada! - disse ele, em tom jovial. - Que se passa? Perderam o autocarro?

- Não, senhor - respondeu delicadamente o Júlio, avançando. - Trata-se de algo mais grave... Pode deixar-nos na aldeia mais próxima? Queremos ir à esquadra da Polícia.

- À esquadra? - repetiu o condutor, admirado. - Bem! Uma vez que não se trata de uma fuga, claro, claro que irei...

À medida que iam percorrendo o caminho, as crianças explicaram em algumas palavras o que se passava. Muito interessado, o seu novo amigo acompanhou-os à esquadra, para confirmar a declaração deles, precisando o local onde os tinha encontrado.

Nunca aquela calma esquadra de aldeia fora teatro de tal movimento.

Como o tio Alberto tinha alertado a Polícia de todos os sítios, os bravos guardas já se encontravam ao corrente da aventura das crianças. Assim, começaram por enviar mensagens destinadas aos seus colegas de Kirrin: era preciso tranquilizar rapidamente os pais da Zé.

Depois, com auxílio de reforços mandados a toda a pressa, organizou-se uma expedição para apanhar os bandidos numa armadilha.

-Temos necessidade de vocês - disse o capitão

às crianças, encantadas - para nos indicarem onde se encontra a quinta que vamos cercar.

Em breve o pequeno grupo estava pronto para a partida. Patrice Bartier, o jovem que tão prontamente havia transportado os Cinco, pediu para fazer parte da expedição.

- Se quiser - propôs ele ao capitão da Polícia - torno a levar estes jovens no meu carro. Assim, até terá mais espaço para os seus homens!

O capitão não teve coragem de recusar aquela oferta tão espontânea.

- Aceito de bom grado, senhor!

A Zé e os primos, por seu lado, não acharam nada melhor que sentarem-se de novo ao pé do seu amigo de fresca data. O Tim fez-se pequenino aos pés da Zé. é uma maneira de dizer, claro! Ele deixara perceber, claramente, que se recusava a ir na parte de trás.

O carro branco arrancou, seguido pelos três carros pretos da Polícia.

Era importante chegar à quinta antes do regresso dos bandidos - e, se possível, da mulher -, a fim de lhes preparar a armadilha.

Tudo se passou pelo melhor. As crianças mostraram aos polícias a construção que lhes tinha servido de cárcere. O capitão, acompanhado por dois homens, assegurou-se de que ninguém tinha ali ido desde a partida das crianças. Depois, mandou esconder os carros por trás de um vasto telheiro. Por fim, dispôs metade dos seus efectivos no exterior, camuflados atrás de árvores e de moitas.

- Agora - disse ele às crianças - é a nossa vez de brincar! Entremos depressa! Vocês, jovens, sobem para o primeiro andar com o sr. Bartier. Aí estarão abrigados. Nós estenderemos a ratoeira em que esses miseráveis cairão. Despachemo-nos . E não esqueçamos de fechar bem a porta da entrada.

Em breve, apertados no patamar do primeiro andar, os Cinco e Patrice espreitavam, com curiosidade, através das barras do corrimão.

Ninguém se mexia.

- Os polícias foram para a entrada, prontos a saltar sobre os bandidos, quando eles chegarem - murmurou o Júlio.

-É ridículo! - suspirou a Ana no mesmo tom. O Eric e os outros podem muito bem voltar só amanhã. ou mesmo mais tarde ainda!

- Sim, mas a mulher não tardará a chegar! - assegurou a Zé. - Não se esqueçam de que saíu a pé. Repito que não deve ter ido muito longe, e é com isso que os polícias contam.

- Caluda! - sussurrou o Patrice. - Escutem. No andar por baixo das crianças, o silêncio da entrada tinha sido perturbado por um aviso, lançado a meia-voz pelo polícia encarregado de vigiar:

-Atenção, chefe! Vejo uma figura de mulher na estrada. Ah! Ela dirige-se para aqui!

O capitão aproximou-se, lesto, do polícia postado junto da janela situada ao lado da porta. O polícia passou os binóculos ao seu superior.

- Veja o senhor mesmo, capitão!

O capitão olhou e sorriu.

Depois, chamou a Zé.

- Depressa! - disse ele. - Olhe também, e diga-me se a reconhece.

- Sim - respondeu a Zé. - É a nossa carcereira.

- Volte para junto dos seus companheiros e, sobretudo, não se mexam e não façam barulho. A mulher chega aí num instante.

A Zé obedeceu. Os Cinco, uns contra os outros, esperaram, com o coração a bater, o desenrolar dos acontecimentos.

A Ana, um pouco angustiada, apertou o braço do irmão mais velho.

- Júlio! Tenho medo!

- Caluda! Cala-te.

- Que se irá passar?

- Os polícias irão, muito simplesmente, prender o nosso carcereiro de saias. É cúmplice dos ladrões dos castelos, bem merece o que lhe vai acontecer!

As crianças deixaram de sussurrar no patamar. Em baixo, na entrada, os polícias, imóveis e mudos, estavam prontos a actuar...

No silêncio geral, ouviram- se passos que, pelo lado de fora, se aproximavam. Uma chave girou na fechadura. De onde estavam, as crianças viram o fecho mexer. O batente da porta abriu-se. A luz dourada do Sol entrou a rodos, brilhando sobre o ladrilhado.

Sem desconfiar, a carcereira das crianças entrou. Tudo se passou então com uma rapidez brutal. Surgidos da penumbra fresca, dois polícias agarraram na mulher pelos pulsos e dominaram-na.

A mulher debatia-se furiosamente.

- Quem são vocês? Que me querem?

- Quem somos nós? O nosso uniforme indica-o claramente. O que queremos? Saber quem é você!

- Não direi nada! Não têm o direito. - guinchou a mulher, furiosa.

- Acha que não? - disse o capitão da Polícia, aproximando-se. - Cuidado com o que responder. Prendo-a por cumplicidade com os ladrões dos castelos, talvez você até seja um membro activo do bando!

- Não percebo o que estão a dizer! - gritou a mulher.

- Nego tudo, absolutamente tudo!

- Mesmo ter mantido estas crianças presas no seu sótão?

- respondeu o capitão, designando com a mão os Cinco agrupados no patamar.

A mulher ergueu os olhos e atirou um olhar rancoroso às crianças. Depois, encolhendo os ombros:

- Nem sequer sei quem eles são! - declarou ela.

- Simplesmente, as testemunhas de acusação! Nesse mesmo instante, um barulho de motor soou do lado de fora. O polícia dos binóculos, que tinha retomado o seu posto por trás da janela, advertiu o superior:

- Vem aí um carro. com três homens dentro. Uma espécie de gigante loiro e dois morenos, um dos quais barbudo.

- São eles! - exclamou a Zé. - São os nossos raptores!

- Daqui a pouco, meninos, têm de os identificar oficialmente. Por agora, fiquem lá em cima... E a senhora nem uma palavra para avisar os seus cúmplices, senão.

Aí, o capitão puxou a mulher para trás. O silêncio reinou de novo. As crianças e Patrice esperavam, ofegantes. O desenlace aproximava-se. Seria ele conforme aos seus votos?

Ouviu-se a viatura dos bandidos parar, próximo da casa: Depois, a voz de Eric elevou-se, forte:

-Eh! Miriam! - chamou ele. - Estás aí? Tem novidade. Partimos amanhã!

À medida que falava, o bandido empurrou a porta: A mulher - Miriam - a quem ninguém prestava atenção - soltou-se, de súbito, com um gesto brusco e gritou:

- Cuidado! Fujam! Está aqui a Polícia!

Houve um breve segundo de silêncio, e depois ouviu-se os bandidos a fugir. Furioso, o capitão da Polícia levou um apito à boca.

Este sinal era destinado a alertar os polícias que se encontravam lá fora. Mas o tempo de estes contornarem o edifício permitiu que os bandidos se afastassem. O capitão e os seus homens lançaram-se-lhes no encalce.

Já os Cinco e Patrice abalavam escada a baixo e saíam, por sua vez, pela porta.

O espectáculo que se lhes oferecia fê-los parar um segundo: diante deles, os bandidos fugiam em direcção ao carro, arumado um pouco mais à frente, sob as árvores.

Num abrir e fechar de olhos, a Zé compreendeu que eles iriam conseguir escapar aos seus perseguidores, cujos veículos ainda se encontravam na parte de trás do edifício.

Não hesitou um segundo.

Designando os fugitivos com o dedo, ordenou ao Tim:

- Vai, Tim! Vai lá! Morde-lhes, meu querido cão!

O Tim não se fez rogado. Em três saltos lançou-se atrás dos ladrões dos castelos.

O Eric ouviu-o e voltou- se. O bandido levantou um braço, num movimento de defesa. mesmo a tempo de proteger a garganta - as presas do Tim iam mesmo fechar-se sobre ela!

- Vá, larga-me! Estúpido animal! - gritou o Eric, gesticulando e procurando libertar o antebraço, onde uma dolorosa pressão se fazia sentir.

Em vão! - o Tim não abandonava a presa. Entretanto, os polícias tinham alcançado o homem e o animal.

Assim que agarraram o Eric, o Tim, deixando de se interessar por este, precipitou-se atrás dos outros dois bandidos. Detestava, sobretudo, o Manuel, que o tinha fechado dentro de um saco!

Assim que o Manuel, que se voltava, viu as presas ameaçadoras e os olhos brilhantes do Tim, sentiu um medo tão violento que o animal não teve qualquer dificuldade em vencer aquele miserável adversário. Ao primeiro choque, o Manuel, aterrorizado pela emoção, rolou, desmaiado, no solo.

Faltava o José. O bandido, sem se preocupar com os seus cúmplices, tinha alcançado o carro. Saltando para o assento, foi-lhe fácil pôr o motor em marcha, que ainda estava quente. A viatura arrancou.

Os polícias deixaram escapar uma exclamação de desapontamento. O Patrice, o Júlio, o David e a Ana, consternados, abanaram a cabeça. Apenas a Zé não se considerou vencida.

- Vai, Tim! - gritou ela, de longe, ao seu cão. O animal quase tinha alcançado o carro quando este lhe escapou. Talvez o cão tivesse abandonado a luta se não fosse a ordem da dona. Mas, galvanizado pela voz da Zé, fez um último esforço.

Acelerou bruscamente a sua corrida e, com um salto vigoroso, saltou para o carro, cuja porta, José, na sua precipitação, se esquecera de fechar. O carro não ia ainda muito depressa. Para se defender, o José foi obrigado a deixar o volante. A situação não melhorou, para ele... Privado de condutor, o carro foi embater numa árvore. José, com a comoção, saíu do automóvel, lutando sempre com o intrépido Tim. O capitão e os homens chegavam, um pouco ofegantes. Só lhes restava prender o chefe dos assaltantes dos castelos... que o Tim lhes deixou, em estado lastimoso.

Alguns instantes mais tarde, o capitão da Polícia, radiante contemplava o Eric, a Miriam, o José e o Manuel que, de algemas nos pulsos, faziam uma triste figura.

- E agora - decidiu ele depois de ter felicitado calorosamente a Zé e o bravo Tim - e agora, jovens, vou levá-los à aldeia, onde o tio vos irá buscar. Mas antes, vamos explorar o covil destes malandros!

Os jovens detectives não se tinham enganado. A exploração da cave - cujas três fechaduras não resistiram aos polícias - permitiu que se descobrissem todos os preciosos tesouros roubados, nos castelos da região, pelo José e pela sua quadrilha.

- Eis os relógios de ouro do marquês de Penlech! exclamou a Zé, toda contente. - Como ele vai ficar radiante por recuperá-los!

Um pouco mais tarde, depois de se terem despedido de Patrice Bartier, os cinco e os polícias, encontraram o tio Alberto, que acabava de chegar, apresentou à filha e aos sobrinhos um rosto irritado.

- Se estão à espera que os felicite - gritou ele. - enganam- se redondamente. A tua mãe, Zé, tem estado doente de medo, por causa dessa loucura toda. Quanto a ti, Júlio, como mais velho, devias ter um pouco mais de juízo. Nunca te perdoarei o pânico que causaram à tia Clara!

As crianças baixaram a cabeça, perante aquela descompostura.

Foi em vão que o capitão da Polícia, surpreendido com tanta severidade, tentou acalmar o tio Alberto. Este nada quis ouvir.

- Vocês serão castigados - declarou ele às crianças, quando os levava de carro para o Casal Kirrin. - E, para começar, confisco-lhes as motocicletas que a Polícia me devolveu. Quanto ao Tim, ficará amarrado até ao fim das férias. Tenho dito!

Nunca as férias tinham parecido tão lúgubres à Zé e aos primos... Havia dois dias que se consumiam no Casal Kirrin, sem sequer terem coragem de brincar.

A Zé, irada, recusava-se a abandonar o Tim, acorrentado à sua casota. O Júlio, o David e a Ana faziam-lhe companhia.

- Não é justo! - suspirou o David. - Graças a nós, os assaltantes estão presos, os museus recuperaram os seus tesouros... e o marquês de Penlech os seus relógios.

- Olha! É mesmo ele que ali vem! - exclamou a Ana, olhando para o lado do portão.

Com efeito, era o marquês de Penlech, fresco e elegante como um jovem. Soubera pelo capitão da Polícia, que os seus jovens heróis, como ele lhes chamava, estavam em sarilhos e vinha tentar pagar a sua dívida de reconhecimento.

Como agiu ele para dobrar o severo tio Alberto e obter a suspensão geral dos castigos? Nunca ninguém o soube ao certo. Mas, depois de ter conversado com os pais da Zé, voltou ao jardim, sorrindo e agitando na mão a chave do alpendre onde se encontravam fechadas as motocicletas.

- Soltem depressa esse cão e vão dar um bom passeio!

- disse ele às crianças, loucas de alegria.

A Zé atirou-se-lhe simplesmente ao pescoço.

- Obrigada! Mil vezes obrigada! - gritou ela impulsivamente.

- Não tem de quê! - replicou ele, sorrindo. - Parece-me que, se alguém tem de agradecer, sou eu... Muito obrigado pois, de todo o meu coração, jovens! E muito obrigado também a ti, meu bravo cão!

E, muito cerimoniosamente, o marquês apertou a pata ao Tim.

 

                                                                                Enid Blyton  

 

                      

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