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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


OS CINCO NA CASA EM RUÍNAS / Enid Blyton
OS CINCO NA CASA EM RUÍNAS / Enid Blyton

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

OS CINCO NA CASA EM RUÍNAS

 

Tudo começou quando o Tim apareceu com um enorme golpe numa orelha. quem adivinharia que um facto tão banal daria origem a mais uma aventura?

A casa em ruínas, o rapaz desconhecido, misteriosos ruídos, não menos misteriosas luzes, e eis os Cinco na pista de qualquer coisa que não compreendem ‑ e que certamente terão de decifrar.

Por que motivo alguém quer assustar os pequenos e afastá‑los da casa em ruínas? Onde fica o túnel que procuram e que oculta ele?

Não é de admirar que os Cinco tenham resolvido investigar. E não nos surpreende também que se vejam envolvidos em misteriosos acontecimentos, com muitas surpresas ‑ boas e más ‑ à mistura.

 

 

                    A ZÉ FICA ZANGADA

- MãE! Mãe, onde está? ‑ gritou a Zé, correndo para casa. ‑ Depressa, Mãe!

Não houve resposta. A mãe da Zé estava lá fora, ao fundo do jardim, apanhando flores. A Zé chamou‑a mais uma vez, com toda a força.

‑ Mãe! Mãe! Onde está? É uma coisa urgente!

De repente, perto da Zé abriu‑se uma porta e apareceu o pai da pequena, furioso.

‑ Zé, que barulho vem a ser este? Lembra‑te de que estou no meio dum trabalho muito...

‑ Ó pai! O Tim magoou‑se! ‑ interrompeu a Zé. ‑ Ele foi...

O pai olhou para o Tim, que estava atrás da pequena com um ar submisso.

‑ Magoou‑se! Até o acho muito bem! Naturalmente enfiou algum espinho numa pata e tu julgas que é o fim do mundo, desatando a gritar dessa maneira, como se...

‑ O Tim está ferido! ‑ exclamou a Zé, com lágrimas nos olhos. ‑ Ora veja!

Mas o pai voltara a meter‑se no escritório, batendo com a porta. A Zé lançou‑lhe um olhar furioso, ficando parecidíssima com o seu irritável pai.

‑ Antipático! ‑ gritou ela. ‑ E... Oh! Lá vem a mãe. Mãe!

‑ Santo Deus, que se passa, Zé? ‑ perguntou a mãe, pousando as flores. ‑ Ouvi o teu pai gritar e agora és tu que gritas!

‑ Mãe, o Tim está ferido! ‑ disse a Zé. ‑ Veja! A pequena ajoelhou‑se ao pé do cão e, com todo o carinho, puxou‑lhe para baixo uma das orelhas. Ficou a descoberto um grande golpe. O Tim ganiu. A Zé olhou para a mãe com os olhos cheios de lágrimas.

‑ Não sejas pateta, Zé ‑ disse a senhora. ‑ Foi só um golpe. Como lhe aconteceu isto?

‑ Ele quis saltar uma vala e não viu um pedaço de arame farpado que lá estava ‑ explicou a Zé

‑, O arame raspou na orelha e fez‑lhe este horrível golpe. Não pára de deitar sangue.

A mãe da Zé examinou o golpe. Era bastante profundo. ‑ Leva o Tim ao veterinário, Zé ‑ disse ela. ‑ Naturalmente tem que levar uns pontos. Parece bastante fundo. Coitado do Tim. Foi uma sorte não lhe ter apanhado um olho.

‑ Vou levá‑lo já ao veterinário ‑ disse a Zé, levantando‑se. ‑ Ele estará no consultório?

‑ Com certeza. É a hora da consulta ‑ disse a mãe. ‑ Leva‑o já.

Assim, o Tim seguiu com a sua dona pelo caminho que ia ter à linda casinha de campo onde vivia o veterinário. A Zé ficou mais aliviada ao ver que o senhor não achou o caso nada grave.

‑ Com dois ou três pontos o golpe fica bom num instante ‑ disse ele. ‑ Segura‑o enquanto eu lhe faço o tratamento. Vai doer‑lhe um bocadinho. Vamos lá. Quieto! Muito bem!

Cinco minutos mais tarde a Zé agradecia de todo o coração ao veterinário. ‑ Obrigado! Eu estava tão aflita! Agora não há perigo?

‑ Claro que não. Mas nunca o deixes coçar a ferida ‑ disse o veterinário, lavando as mãos. ‑ Pode fazer‑lhe muito mal.

‑ Mas como poderei impedi‑lo? ‑ perguntou a Zé preocupada. ‑ Repare, já está a coçá‑la com a pata!

‑ Então tens que lhe pôr uma rodela de cartão a fazer de coleira ‑ explicou o veterinário. ‑ Deve ficar bem direita à volta do pescoço de maneira que as patas não possam chegar ao golpe por mais que ele tente.

‑ Mas... mas o Tim não vai gostar nada duma coisa dessas ‑ disse a Zé. ‑ Os cães ficam muito ridículos com coleiras de cartão como se fossem golas à volta do pescoço. Já tenho visto. O Tim vai detestar.

‑ É a única maneira de evitar que ele coce o sítio do golpe ‑ disse o veterinário. ‑ Adeus, Zé, tenho mais consultas a fazer.

A Zé foi para casa com o Tim. Este ia todo satisfeito com o alarido que a pequena fizera por sua causa. Quando estavam quase a chegar a casa, sentou‑se inesperadamente e levantou uma das patas traseiras para coçar a orelha ferida.

‑ Não, Tim! Não! ‑ gritou a Zé, assustada. ‑ Tu não podes coçar! Era um sarilho se arrancasses o adesivo.

O Tim olhou para a sua dona, admirado. Muito bem! Se a Zé não queria que ele coçasse, esperaria até se encontrar sozinho.

Mas a Zé sabia ler os pensamentos do Tim tão bem como ele adivinhava os dela!

‑ Que maçada! ‑ disse ela, de sobrolho carregado. ‑ É preciso fazer‑te uma coleira de cartão. Talvez a mãe me ajude.

A mãe ajudou‑a da melhor vontade. A Zé não tinha jeito para coisas desse género e ficou vendo a mãe cortar uma grande rodela de cartão, ajustando‑a depois à volta do pescoço do Tim e finalmente atou‑lhe as extremidades com cordéis, para ele não a poder tirar. O Tim estava muito surpreendido mas permanecia quieto, cheio de paciência.

Logo que a coleira ficou pronta e bem presa ao seu pescoço, o cão afastou‑se. Depois, levantou uma das patas de trás para coçar a orelha mas, claro está, não conseguiu ir além da coleira, limitando‑se a arranhar o cartão.

‑ Não te importes, Tim ‑ disse a Zé. ‑ Isto é só por uns dias.

A porta do escritório, que ficava próximo, abriu‑se e apareceu o pai da Zé. Ao ver o Tim com a sua coleira, parou surpreendido. Depois desatou às gargalhadas.

‑ Ó Tim! Tu pareces a rainha Isabel I, com a sua gola engomada! ‑ disse ele.

‑ Não faça troça, pai ‑ pediu a Zé. ‑ Bem sabe que os cães não gostam.

Realmente o Tim parecia ofendido. Voltou as costas ao pai da Zé e foi para a cozinha. Ouviu‑se uma sonora gargalhada vinda dali e outra pessoa começou a rir‑se na porta que dava para o quintal. Era o leiteiro.

‑ Ó Tim, para que andas com esse cartão? ‑ perguntou a cozinheira. ‑ Ficas tão bem apanhado!

A Zé zangou‑se e continuou amuada durante todo o dia, aborrecendo a família inteira. As pessoas eram tão más por se rirem do Tim! Não compreenderiam como era desagradável andar com uma rodela de cartão como aquela‑ E o Tim não a podia tirar nunca, nem de dia nem de noite. Até lhe custava deitar‑se. A Zé andava dum lado para o outro com um ar tão zangado que a mãe começou a impacientar‑se.

‑ Ó Zé, não sejas pateta! O teu pai acaba por se aborrecer. O Tim deve usar a rodela de cartão pelo menos uma semana, bem sabes. Na verdade parece um tanto cómico quando se vê pela primeira vez. Mas ele daqui a pouco nem dará por ela.

‑ Todos fazem troça dele ‑ disse a Zé, furiosa.

‑ Há bocado foi ao jardim e uma porção de miúdos puseram‑se em cima do muro a rir perdidamente. O carteiro disse‑me que era uma crueldade. O pai acha que ele fica ridículo e...

‑ Ó Zé, não comeces com um dos teus ataques de mau génio ‑ pediu‑lhe a mãe. ‑ Lembra‑te de que a Ana em breve deve estar aqui. E não se divertirá se te portares dessa maneira.

A Zé continuou zangada no dia seguinte. Então, depois de dois dissabores com o pai por causa do Tim, doutro com dois rapazes que se riram dele e de mais um com o rapaz dos jornais, resolveu não ficar no Casal Kirrin nem mais um dia!

‑ Vamos levar a minha barraca de campanha e ficamos sozinhos em qualquer parte ‑ disse ela ao Tim. ‑ Num sítio em que ninguém te veja até a tua orelha estar melhor para poderes tirar esse horrível cartão. Não achas boa ideia, Tim?

‑ Uuuuf! ‑ fez o Tim, pois achava que todas as ideias da sua dona eram esplêndidas.

‑ Até os outros cães fazem troça de ti ‑ disse a Zé, amargamente. ‑ Viste como aquele idiota do pêlo‑de‑arame da Sr.a James ficou parado a olhar para ti? Parecia exactamente que se estava a rir. Eu bem sei que tu não toleras uma coisa destas!

O Tim certamente não gostara mas na verdade não estava tão preocupado com o cartão como a Zé. Seguiu a pequena até ao quarto e ficou a vê‑la meter algumas coisas numa maleta de mão.

‑ Vamos para qualquer sítio isolado, no campo ‑ disse‑lhe ela. ‑ Armamos a nossa barraca junto dum regato e ficaremos aí muito bem instalados até a tua orelha estar melhor. Partimos esta noite. Levo a minha bicicleta e amarro a bagagem atrás do selim.

E a meio da noite, quando o Casal Kirrin estava escuro e silencioso, a Zé, acompanhada pelo Tim, desceu as escadas com todo o cuidado. Deixou um bilhete sobre a mesa da sala de jantar e foi buscar a bicicleta. Amarrou‑lhe a pequena barraca de campanha e a mala contendo alimentos e outras coisas necessárias.

‑ Vamos ‑ segredou ela ao surpreendido Tim.

‑ Partimos já. Eu vou pedalando devagar para que tu possas correr ao meu lado. Peço‑te por tudo que não ladres.

Desapareceram na escuridão da noite; o Tim correndo como uma sombra ao lado da bicicleta. Ninguém dera pela partida da Zé. O Casal Kirrin continuava em paz e sossego e só o portão ficou a bater pois a Zé esqueceu‑se de o fechar.

Mas pela manhã, que grande sarilho! Joana, a criada, foi a primeira pessoa a encontrar o bilhete da Zé não percebendo o que faria na mesa da sala de jantar uma carta com a letra da pequena. Correu ao quarto de dormir da Zé e espreitou lá para dentro.

A cama estava vazia. A Zé não estava lá e o cesto do Tim também estava vazio. A Joana foi levar o bilhete à senhora.

‑ Valha‑me Deus! A Zé às vezes é muito pateta

‑ disse ela depois de o ler. ‑ Vê lá tu, Alberto, tanta coisa só por causa do Tim! Agora a Zé foi‑se embora com ele, sabe‑se lá para onde!

O marido pegou no bilhete e leu‑o em voz alta.

 

‑ Querida Mãe: Vou passar alguns dias fora até a orelha do Tim estar melhor. Levo a minha barraca de campanha e mais algumas coisas. Não se preocupe, por favor. Diga à Ana que se quiser vir ter comigo ao fim do Caminho dos Carroceiros, eu depois levo‑a ao sítio onde tenciono acampar. Diga‑lhe que vá ao meio‑dia. Um beijo da sua Zé.

 

‑ Está muito bem! ‑ exclamou o pai da pequena. ‑ Deixa‑a acampar, se ela assim quer. Estou farto de a ver mal‑humorada. Diz à Ana que vá ter com ela pois assim talvez eu consiga estar alguns dias em paz.

‑ A Zé ficará em segurança ‑ disse a mãe da pequena. ‑ É muito sensata e tem o Tim com ela. Esta manhã mal a Ana chegue, hei‑de pedir‑lhe que vá ter com a prima.

Quando a Ana chegou à estação de Kirrin e procurou a Zé e o Tim não os viu. Só a tia estava à sua espera, sorrindo como de costume.

‑ Que se passa? ‑ perguntou a Ana. ‑ Onde estão a Zé e o Tim?

‑ A Zé foi‑se embora sozinha ‑ disse a tia Clara. ‑ Vamos andando e eu conto‑te.

 

                   A ANA VAI TER COM A PRIMA

A tia Clara depressa contou à Ana o que se passara com a orelha do Tim e com a rodela de cartão. A Ana não pôde deixar de sorrir. ‑Ó tia Clara, a Zé tem uma loucura pelo Tim! Vou ter com ela ao meio‑dia e claro que também fico acampada um ou dois dias. O tempo está óptimo! Vai ser muito divertido! O tio Alberto até deve gostar de saber que ficamos fora de casa.

‑ Como estão o Júlio e o David? ‑ perguntou a tia. Ela era muito amiga dos seus sobrinhos, irmãos da Ana e portanto primos da Zé. ‑ Não vêm a Kirrin durante estas férias?

‑ Não sei ‑ respondeu a Ana. ‑ Continuam em França numa excursão do colégio. Sinto‑me diferente quando não estou com eles. A Zé vai ficar furiosa ao saber que naturalmente não aparecem por cá. Eu não chego para a divertir!

Ao meio‑dia a Ana estava parada pacientemente no fim do Caminho dos Carroceiros. Este seguia através do campo e terminava num carreiro sinuoso que não ia ter a nenhum sítio especial. Cresciam por ali grandes arbustos e algumas árvores. A Ana, levando às costas uma pasta onde metera as suas coisas, olhava para os campos em redor, na esperança de descobrir a Zé.

Mas a prima não aparecia. ‑ Que maçada! ‑ pensou a pequena. ‑ Naturalmente mudou de ideias. Ou talvez o relógio de pulso dela tenha parado e não saiba que horas são. Mas pode muito bem calculá‑las regulando‑se pelo sol. Quanto tempo terei de esperar?

Sentou‑se à sombra dum grande arbusto. Não estava ali havia um minuto quando ouviu um barulho.

‑ Pssssst!

A Ana levantou‑se logo. O som vinha do outro lado do arbusto. Meio escondidos entre as folhas estavam a Zé e o Tim! ‑ Olá! ‑ disse a Ana, surpreendida. ‑ Não me viste chegar? Olá, querido Tim! Como vai a tua orelha? Não achas que fica tão engraçado com a rodela de cartão?

A Zé saiu do arbusto. ‑ Escondi‑me aqui porque o pai ou a mãe podiam vir ter comigo para me levarem para casa ‑ disse ela. ‑ E quis ter a certeza de que não estavam à espera, a pouca distância. Estou muito contente por teres vindo, Ana.

‑ Claro que tinha de vir ‑ disse a Ana. ‑ Não ficaria sozinha no Casal Kirrin enquanto estivesses aqui acampada. Além disso compreendo perfeitamente o que tu sentes por causa do Tim. A coleira de cartão é muito boa ideia mas fá‑lo parecer um pouco cómico. Mas eu mesmo assim acho‑o um amor, palavra!

A Zé ficara muito aliviada por a Ana não se ter rido do Tim, como acontecera com a maior parte das pessoas. Sorriu para a prima a quem o Tim deu tantas lambedelas que ela teve de o afastar.

‑ Vamo‑nos embora ‑ disse a Zé. ‑ Arranjei um sítio lindo para acampar, Ana. Fica perto dum regato; por isso há bastante água para o Tim beber e para nós também. Trouxeste alguma comida?

Confesso que já tenho pouca coisa.

‑ Mas eu trouxe toneladas ‑ disse a Ana.

‑ A tia Clara obrigou‑me. Ela não está zangada contigo, nem o teu pai; quando me vim embora estava fechado no escritório.

A Zé ficou logo com melhor disposição. Deu à Ana uma palmada amigável. ‑ Vai ser bem divertido! A orelha do Tim depressa ficará melhor e ele gosta tanto de acampar ao ar livre como nós. Realmente encontrei um lugar óptimo, no sítio mais isolado de todos estes campos. Não há ninguém perto de nós.

Partiram juntas, acompanhadas pelo Tim, que dava uma corrida de vez em quando, ao farejar algum coelho.

‑ Quando chegam o Júlio e o David? ‑ perguntou a Zé. ‑ Daqui a poucos dias‑ Nessa altura a orelha do Tim já estará curada e nós poderemos voltar para casa para os receber e nos divertirmos um bocado.

‑ São capazes de não vir a Kirrin estas férias

‑ disse a Ana, fazendo logo mudar a expressão da Zé. Esta parou, olhando para a prima com um ar desconsolado.

‑ Não vêm? Mas eles vêm sempre nas férias ou então vamos a qualquer sítio todos juntos!

‑ exclamou ela ‑, É preciso virem! Sem o David e o Ju, vou sentir‑me muito triste.

‑ Por enquanto estão em França, numa excursão ‑ explicou a Ana. ‑ Saberemos se eles tencionam continuar ali ou vir para Kirrin quando voltarmos para casa. Não te ponhas com um ar tão carrancudo.

. Mas a Zé sentia‑se desapontada. As férias que se estendiam à sua frente pareciam‑lhe agora longas e monótonas. Os seus dois primos eram sempre tão divertidos! E haviam passado juntos por aventuras tão maravilhosas!

‑ Não teremos nenhuma aventura se os rapazes não vierem ‑ disse a Zé, a meia voz.

‑ Isso não me importa ‑ afirmou logo a Ana. ‑ Eu tenho um espírito pacífico e não ando sempre à

procura de qualquer coisa estranha que possa acontecer, como tu e os meus irmãos. Talvez estas férias sejam absolutamente pacatas, sem mesmo o cheiro duma aventura. Ó Zé, alegra‑te! Não te ponhas tão triste. É melhor mandarmos um telegrama ao Júlio e ao David se te sentes assim tão aborrecida.

‑ Bem me apetece! ‑ confessou a Zé. ‑ Nem quero pensar numas férias sem os rapazes. Assim não seremos os Cinco, os Famosos Cinco!

‑ Uuuuf! ‑ fez o Tim, concordando. Depois sentou‑se, tentando coçar a orelha, mas o cartão impediu‑o. No entanto, não ficou preocupado e correu atrás dum coelho, todo satisfeito.

‑ Acho que tu estás mais preocupada com a coleira de cartão do que o próprio Tim ‑ disse a Ana, enquanto caminhavam. ‑ Já estamos perto da tua barraca, Zé? Fica bastante longe!

‑ Subimos por este monte à nossa frente e depois descemos a uma espécie de cova ‑ disse a Zé. ‑ Fica perto duma casa de campo abandonada e em ruínas. Primeiro pensava que vivia lá gente mas quando me aproximei mais vi que estava em ruínas. Tem uma grande trepadeira de rosas, subindo até pelo lado de dentro. Deve ter sido plantada pelos seus antigos moradores.

Subiram o pequeno monte e tornaram a descê‑lo, seguindo por carreiros sinuosos. É melhor termos cuidado com as cobras ‑ disse a Ana. ‑ Este é o género de sítio onde elas costumam viver. Sinto imenso calor, Zé! Haverá aqui perto algum sítio para tomarmos banho e nadarmos?

‑ Não sei. Podemos procurar ‑ disse a Zé.

‑ Até trouxe o meu fato de banho. Repara, já

se vê parte da tal casa de campo desabitada.

A minha barraca fica muito perto. Achei melhor

acampar próximo do regato.

Em breve chegavam à barraca da Zé. Fizera uma cama lá dentro com tojo e folhas secas. Tirando isso, via‑se apenas um púcaro, uma caixa com biscoitos de cães, algumas latas e um grande pão. A Ana achou que a Zé levara muito pouca coisa e sentiu‑se satisfeita por ter fornecido bem a sua mala.

‑ A tia Clara arranjou dúzias e dúzias de sanduíches ‑ disse a Ana. ‑ Recomendou que as guardássemos nesta lata para não ficarem secas e durarem mais um ou dois dias, até voltarmos para casa. Estou com apetite. Queres provar umas sanduíches?

Sentaram‑se ao sol, comendo sanduíches de fiambre. A Ana também levara tomates e as duas pequenas ora davam uma dentadita numa sanduíche ora num tomate. O Tim teve que se contentar com uma mão‑cheia de biscoitos de cães e pedacitos de sanduíche de vez em quando. Depois dalgum tempo o cão levantou‑se, afastando‑se.

‑ Onde vai ele? ‑ perguntou a Ana. ‑ Procurar coelhos?

‑ Naturalmente vai beber água ‑ disse a Zé. ‑ O regato fica na direcção que ele tomou. Tambem tenho sede. Vamos buscar o púcaro para bebermos água.

Partiram com o púcaro, a Ana seguindo a Zé através do tojo espesso. O regato tinha um aspecto encantador. Era evidente que fora utilizado pelas pessoas que haviam vivido na casa pois tinham‑lhe arranjado as margens com grandes pedras brancas e assim a água, duma limpidez cristalina, corria por um pequeno canal.

‑ Ai! Está gelada! ‑ exclamou a Ana. ‑ É deliciosa. Sou capaz de beber mais dum litro.

Quando voltaram do regato, deitaram‑se no tojo, ao sol, conversando. O Tim continuava a vaguear dum lado para o outro.

‑ Isto aqui é tão sossegado ‑ disse a Ana. ‑ Não deve haver ninguém nas proximidades. Só os passarinhos e os coelhos. É mesmo como eu gosto!

‑ Quase se não ouve um som ‑ disse a Zé, bocejando.

Mas, exactamente quando acabara de falar, ouviu‑se um barulho a distância. Um som agudo, como o metal batendo a pedra.

‑ Que será? ‑ perguntou a Zé, sentando‑se.

‑ Não faço ideia ‑ respondeu a Ana. ‑ E de

qualquer modo é bastante longe. Está tudo tão calmo que os sons ouvem‑se a grande distância.

Pouco depois o barulho repetiu‑se por algum tempo, voltando a parar. As pequenas fecharam os olhos e adormeceram.

A Zé acordou quando o Tim apareceu. Ele sentara‑se pesadamente sobre os pés da pequena, sobressaltando‑a.

‑ Tim! Não faças isso! ‑ disse ela. ‑ Sai de cima dos meus pés! Fizeste‑me apanhar um susto!

O Tim desviou‑se contra vontade, agarrando qualquer coisa que deixara cair; deitou‑se e começou a chupar. A Zé quis ver o que era.

‑ Tim! É um osso! Onde o arranjaste? ‑ perguntou ela. ‑ Ana, trouxeste algum osso para o Tim?

‑ Que estás a dizer? ‑ perguntou a Ana, meio a dormir. ‑ Um osso? Não, não trouxe. Porquê?

‑ Porque o Tim encontrou um, e até tem carne cozida agarrada ‑ explicou a Zé. ‑ Por isso não é de nenhum coelho ou de qualquer outro animal que ele tivesse apanhado. Onde o arranjaste, Tim?

‑ Uuuuf! ‑ fez o Tim, e deu o osso à Zé pensando que talvez ela também gostasse de lhe dar uma chupadela, visto parecer tão interessada.

‑ Achas que alguém estará acampado aqui próximo? ‑ perguntou a Ana, sentando‑se a bocejar. ‑ No fim de contas os ossos não nascem nos campos! E esse está cheio de carne. Tim, roubaste‑o a outro cão?

O Tim abanou a cauda, continuando entretido com o osso. Parecia muito satisfeito.

‑ Mas é um osso velho ‑ disse a Zé. ‑ Deita mau cheiro. Afasta‑te, Tim. Leva isso para mais longe.

Os sons agudos e metálicos recomeçaram e a Zé franziu o sobrolho.

‑ Acho que está alguém acampado aqui próximo, Ana. Anda ver se descobrimos alguma coisa. Proponho mudarmos a nossa barraca para outro sítio se estiver alguém aqui perto. Vamos, Tim. Enterra esse horrível osso. Por este lado, Ana.

 

                   A CASA DE CAMPO ABANDONADA

AS duas pequenas seguidas pelo Tim foram andando, ao sol. A certa altura, a Ana avistou a casa em ruínas e parou.

‑ Vamos dar uma vista de olhos pela casa ‑ propôs ela. ‑ Deve ser muito antiga, Zé.

Dirigiram‑se ao sítio da entrada. Já não havia porta mas apenas um largo arco de pedra. Dentro, via‑se um compartimento espaçoso. O chão fora em tempos de pedra branca, mas agora cresciam ervas e plantas rasteiras, tendo levantado algumas das pedras e tornando o chão desnivelado.

Em vários sítios, parte das paredes havia caído e a luz entrava pelas aberturas. Uma das janelas continuava mais ou menos intacta mas as outras tinham desaparecido. A um canto via‑se uma pequena escada de pedra, bastante estragada, que seguia para o andar superior.

‑ Está aqui outro arco de pedra que dá para um segundo compartimento, mais pequeno. Repara no lavadouro e isto devem ser os restos duma bomba.

‑ Nada aqui tem grande interesse ‑ disse a Zé, olhando em volta. ‑ Os quartos lá de cima devem estar em péssimo estado pois metade do telhado desapareceu. Olha, aqui está outra porta, devia ser a de serviço. E esta é mesmo uma porta e não apenas uma arcada de pedra.

A pequena deu um empurrão à porta, que imediatamente saiu dos gonzos, caindo sobre um pátio cheio de plantas silvestres.

‑ Santo Deus! ‑ exclamou a Zé, sobressaltada.

‑ Nunca pensei que estivesse tão apodrecida. Fiz com que o pobre Tim apanhasse um grande susto.

‑ Aqui há várias dependências ou pelo menos as suas ruínas ‑ disse a Ana, andando pelo pátio.

‑ Deviam ser para porcos, galinhas e patos. Olha um tanque sem água!

Estava tudo a cair aos bocados. A construção em melhor estado era aquilo que outrora devia ter sido uma cavalariça. Ainda lá se encontravam umas velhas manjedouras e o chão era de pedra. Um arreio, muito velho, estava preso num grande prego.

‑ Este sítio tem um ar simpático ‑ observou a Ana. ‑ Às vezes não gosto de certos lugares antigos. Sinto‑me pouco à vontade, pressentindo que se passaram lá coisas horríveis. Mas este é diferente. Deve ter vivido aqui uma família feliz, levando uma vida pacata. Até quase me parece que estou a ouvir as galinhas a cacarejar e os patos a grasnar.

‑ Cá ‑ cá ‑ rá ‑ cá ‑ cá!

‑ Cuá, cuá, cuá, cuá!

A Ana agarrou‑se à Zé e as duas pequenas ficaram muitíssimo admiradas ao ouvirem de repente cacarejar e grasnar. Puseram‑se à escuta.

‑ Pareciam mesmo galinhas e patos ‑ disse a Ana. ‑ Mas não tenho a certeza. É impossível que continuem aqui. Agora só faltava ouvirmos um cavalo relinchar.

Não ouviram relinchar mas pareceu‑lhes ouvir um cavalo resfolegando.

Ficaram assustadas. Olharam em volta, à procura do Tim. Mas não o viram em parte alguma! Onde teria ido?

‑ Cuá, cuá, cuá, cuá! Cá‑cá ‑ rá‑cá ‑ cá!

‑ Isto é uma parvoíce ‑ disse a Zé. ‑ Estaremos a imaginar coisas? Ó Ana, há com certeza galinhas aqui perto. Vamos procurar pela parte detrás da cavalariça. Tim, onde estás? Tim!

A pequena assobiou e logo se ouviu um eco ou coisa parecida.

‑ Tim! ‑ gritou a Zé, começando a duvidar se estaria ou não no meio dum sonho.

O cão apareceu com um ar um tanto envergonhado. As pequenas viram, com a maior das surpresas, que ele tinha uma fita atada à cauda, não parando de a abanar. Uma fita azul!

‑ Trazes uma fita na cauda! Tim, que vem a ser tudo isto? ‑ perguntou a Zé, pasmada.

O Tim foi ter com ela, continuando com um ar envergonhado. A Zé tirou‑lhe a fita. ‑ Quem te atou a cauda? ‑ perguntou. ‑ Quem está aqui? Tim, onde foste tu?

As duas pequenas procuraram em todas as dependências ali próximas mas não encontraram nada de especial. Nem uma galinha, nem um pato. nem um porco e, claro está, nenhum cavalo. Mas, nesse caso, qual seria a explicação? Olharam uma para a outra, confusas.

‑ E onde teria o Tim arranjado aquela estúpida fita? - disse a Zé, desesperada. ‑ Alguém lha devia ter atado!

‑ Talvez fosse alguma pessoa que passasse por aqui. Naturalmente ouviu‑nos e ao ver o Tim resolveu fazer uma partida ‑ lembrou a Ana.

‑ Mas só é estranho o Tim consentir que lhe atassem uma fita. Quero dizer, o Tim não costuma tornar‑se amigo de pessoas desconhecidas, pois não?

As pequenas desistiram da ideia de continuar o passeio e voltaram para junto da barraca da Zé. O Tim acompanhou‑as. Deitou‑se ao sol mas de repente deu um salto e correu para um arbusto ali próximo, tentando meter‑se por entre a folhagem.

‑ Que andará ele a perseguir? ‑ disse a Zé. ‑ Parece ter endoidecido. Tim, tu não consegues meter‑te aí com a rodela de cartão à volta do teu pescoço. Tim, estás a ouvir‑me?

O Tim recuou de má vontade, com o cartão todo amachucado. Atrás dele apareceu um cãozito rafeiro, cego dum olho, mas com uma expressão de extraordinária vivacidade no outro. Era branco e preto e tinha uma cauda bastante ridícula, muito fininha e comprida, que ele abanava alegremente.

‑ Olha para isto! ‑ exclamou a Zé, perplexa.

‑ Que andará aquele cão a fazer ali? E como se tornou o Tim tão seu amigo? Tim, não percebo nada!

‑ Uuuuf! ‑ fez o Tim, levando o rafeiro para junto da Ana e da Zé. Depois, começou a desenterrar o osso malcheiroso e deu‑o ao cãozito, mas este não lhe ligou nenhuma importância, olhando para longe.

‑ Isto é muito estranho ‑ disse a Ana. ‑ Daqui a pouco o Tim é capaz de nos aparecer com um gato!

Imediatamente ouviram miar.

‑ Miau! Miau! Miaaauuu!

Os dois cães arrebitaram as orelhas e correram para o arbusto. O Tim ficou mais uma vez preso pela coleira de cartão, ladrando furiosamente.

A Zé levantou‑se e dirigiu‑se ao arbusto.

‑ Se está ali um gato, não deve ter grande sorte contra dois cães ‑ gritou ela à Ana. ‑ Vem embora, Tim! E tu, cãozinho, sai daí também!

O Tim recuou, agarrando a Zé o outro cão com toda a força. ‑ Segura‑o, Ana! ‑ gritou ela.

‑ É muito manso. Não te morde. Agora vou procurar o gato.

A Ana pegou no cãozito, que a mirava com o seu único olho, muito admirado, não parando de abanar a cauda. Era um rafeiro muito feio. A Zé começou a meter‑se pela folhagem até ao espaço que ficava por baixo do arbusto.

Olhou lá para o meio mas ao princípio não conseguiu distinguir nada, pois ia da luz do sol e ali estava muito escuro. Depois apanhou um grande susto.

Descobriu uma cara redonda e sorridente, a olhar para ela com uns olhos muito vivos e uma madeixa caída para a testa. Tinha um sorriso agradável, mostrando uns dentes muito brancos.

‑ Miau! Miau! ‑ fez a tal pessoa.

A Zé voltou para trás a toda a pressa com o coração a bater com força. ‑ Que aconteceu? ‑ perguntou a Ana.

‑ Está alguém ali escondido ‑ disse a Zé.

‑ Não é um gato. É um rapaz idiota que resolveu miar!

‑ Miau! Miau! Miau!

‑ Sai daí! ‑ gritou a Ana. ‑ Queremos ver‑te! Deves ser maluco!

Ouviu‑se um barulho de ramos e folhas a serem afastadas e apareceu uma cabeça fora do arbusto. Tratava‑se dum miúdo com uns doze ou treze anos, baixo mas bem constituído e com a cara mais divertida que a Ana vira até àquela altura.

O Tim correu para o pequeno e lambeu‑lhe as mãos, amigavelmente. A Zé ficou pasmada.

‑ Como te conhece o meu cão? ‑ perguntou ela.

‑ Ontem veio ter comigo, a rosnar, quando eu estava no meu acampamento ‑ explicou o rapaz. ‑ E eu dei‑lhe um belo osso. Depois viu o meu cãozito, o Jacto, que é a abreviatura de Avião de Jacto, e tornou‑se seu amigo e meu também.

‑ Estou a perceber ‑ disse a Zé, continuando pouco amável. ‑ Não gosto de que o meu cão receba comida de pessoas estranhas.

‑ Também concordo ‑ disse o pequeno. ‑ Mas achei melhor ele comer o osso do que comer‑me a mim! É um lindo cão. Mas fica bastante ridículo com essa rodela ao pescoço. Só gostava de que vissem o Jacto a rir‑se quando o encontrou pela primeira vez!

A Zé fez uma cara de zangada. ‑ Eu vim para aqui para estar sozinha e ninguém fazer troça do Tim! ‑ disse ela. ‑ Tem um golpe numa orelha. Foste tu o engraçado que lhe atou uma fita azul na cauda?

‑ Foi só por brincadeira ‑ disse o rapaz.

‑ Já percebi que tu gostas de franzir o sobrolho e ficar zangada. Mas eu gosto de pregar partidas para andar contente. O teu Tim não se importou nada. Tornou‑se logo amigo do meu cão. Não admira, pois todos gostam do Jacto. Eu estava, ansioso por saber quem eram os donos do Tim, pois, tal como tu, não gosto de pessoas estranhas perto de mim quando resolvo acampar. Por isso vim até aqui.

‑ Estou a perceber. Então foste tu que cacarejaste e tudo o mais? ‑ perguntou a Ana. Ela simpatizava com aquele rapaz idiota, de sorriso franco.

‑ Que andas a fazer? Estás apenas acampado, resolveste dar um grande passeio a pé ou andas a estudar botânica?

‑ Ando a fazer escavações ‑ respondeu o rapaz. ‑ O meu pai é arqueólogo; gosta mais de construções antigas do que qualquer outra coisa no' mundo. Devo sair a ele.

Houve em tempos uma aldeia romana nesta região e eu conheço um campo onde deve ter existido parte dela. Por isso vou escavando a ver o que encontro: potes de barro, armas e coisas no género. Ora olhem, ontem encontrei isto! Reparem na data. - O rapaz atirou‑lhes uma moeda antiga, muito estranha e bastante pesada. ‑ É de 292 ‑ disse ele. ‑ Pelo menos é o que me parece. Se assim for, a aldeia é muito antiga, não acham?

‑ Havemos de ir visitá‑la ‑ disse a Ana, entusiasmada.

‑ Não! ‑ disse o rapaz. ‑ Não gosto de ver gente à minha volta quando ando a fazer um trabalho sério. Não venham, por favor. Prometo não voltar a incomodá‑las.

‑ Está bem. Não vamos ‑ disse a Ana, muito compreensiva. ‑ Mas tu nunca mais nos pregas partidas estúpidas, combinado?

‑ Combinado! ‑ disse o rapaz. ‑ Nunca mais me aproximarei de vocês. Só queria ver a quem pertencia o cão. Agora vou‑me embora. Adeus!

E, assobiando ao Jacto, partiu a toda a velocidade.

A Zé voltou‑se para a Ana.

‑ Que rapaz tão estranho ‑ disse ela. ‑ Confesso que gostava de o ver outra vez! E tu?

 

                   NAQUELA NOITE

CHEGOU a hora do lanche, segundo o relógio da Ana e também segundo o apetite dos três, incluindo o Tim. Este sentia muito calor e passava a vida no regato a beber água. A Ana lastimava não ter um jarro para encher pois era muito aborrecido andarem sempre dum lado para o outro, só com um púcaro.

Lancharam biscoitos, uma sanduíche cada, e um pau de chocolate um tanto mole. A Zé examinou a orelha do Tim pela centésima vez naquele dia, chegando à conclusão de que estava muito melhor.

‑ Não lhe tires a coleira de cartão por enquanto

‑ aconselhou a Ana. ‑ Pode abrir a ferida se a coçar.

‑ Mas eu nem sequer penso em tirar o cartão!

‑ afirmou a Zé, bruscamente. ‑ Que vamos fazer agora? Queres ir dar um passeio?

‑ Boa ideia ‑ disse a Ana. ‑ Escuta! Não estás a ouvir outra vez os mesmos barulhos metálicos? Deve ser o rapaz a trabalhar. Ele é com certeza um grande ponto. Vir para aqui fazer escavações somente acompanhado pelo seu cómico cãozito! Gostava de ver o que anda fazendo.

‑ Prometemos‑lhe não nos aproximarmos ‑ lembrou a Zé. ‑ Por isso acho que nem devemos ir espreitar.

‑ Claro que não! ‑ disse a Ana. ‑ Olha, vamos em sentido contrário, Zé, para nos desviarmos do rapaz. Espero que não nos percamos.

‑ Para que temos o Tim connosco, pateta? ‑ disse a Zé. ‑ Ele até era capaz de encontrar o caminho da lua para casa, não é verdade, Tim?

‑ Uuuuf! ‑ concordou o Tim.

‑ Ele concorda sempre contigo, Zé ‑ disse a Ana. ‑ Outra coisa, a tarde não está encantadora? Gostava de saber o que fazem neste momento o Júlio e o David.

A Zé ficou logo com um ar carrancudo. Achava que os seus primos não tinham o direito de andar a correr a França quando ela os queria em Kirrin. Estariam a viver aventuras fantásticas no continente sem terem vontade de ir passar uma só semana a Kirrin? A Zé parecia tão amargurada com os seus tristes pensamentos que a Ana teve de se rir.

‑ Anima‑te! Pelo menos eu estou aqui contigo, embora concorde que, comparada com o Júlio e o David, eu seja uma péssima companhia, sem espírito de aventura.

Deram um lindo passeio e a meio do caminho sentaram‑se para verem vários coelhos a brincar uns com os outros. O Tim sentiu‑se logo muito infeliz. Para que se sentariam a ver aqueles coelhos tolos? Os coelhos eram feitos para serem apanhados! Porque poria a Zé uma mão firme na sua coleira sempre que se sentavam a observar coelhos? Gania sem parar enquanto ali estava ao lado da sua dona.

‑ Cala‑te, Tim! És um palerma! ‑ disse a Zé. ‑ Estragas o espectáculo se eles se assustam e correm para as suas tocas.

Estiveram a ver os coelhos durante bastante tempo e depois levantaram‑se, voltando para o pequeno acampamento. Quando estavam a chegar, ouviram um assobio, num tom baixo. Alguém se encontrava perto da barraca das pequenas. Quem seria?

Contornaram um grande arbusto e quase esbarraram num rapaz. Este desviou‑se delicadamente, sem dizer uma palavra.

‑ Ah! és tu! ‑ exclamou a Zé, surpreendida.

‑ Não sei o teu nome. Que fazes aqui? Disseste que não te aproximarias de nós.

O rapaz olhou para elas muito admirado. Uma madeixa de cabelo cobria‑lhe toda a testa e ele afastou‑a para trás.

‑ Eu não disse nada disso ‑ afirmou ele.

‑ Ai, isso disseste! ‑ garantiu a Ana. ‑ Bem sabes que disseste! Olha, se tu quebraste a tua promessa, também não há razão para nós mantermos a nossa. Vamos visitar o teu acampamento.

‑ Nunca lhes fiz nenhuma promessa ‑ disse o rapaz, parecendo continuar admirado. ‑ Vocês são malucas!

‑ Não sejas idiota! ‑ gritou a Zé, zangada.

‑ Naturalmente até és capaz de dizer que esta tarde não imitaste uma galinha, um pato e um cavalo...

‑ São doidas! ‑ disse ele, com ar penalizado.

‑ Completamente doidas!

‑ Tencionas voltar aqui? ‑ perguntou a Zé.

‑ Quando me apetecer ‑ respondeu o rapaz.

‑ A água deste regato é melhor do que a mais próxima da minha barraca.

‑ Então vamos ver o teu acampamento ‑ disse a Zé, decididamente. ‑ Se tu não cumpres a tua promessa também nós não cumpriremos a nossa.

‑ Venham sempre que quiserem ‑ disse o rapaz. ‑ Vocês parecem malucas mas devem ser inofensivas. Mas não tragam o cão. Pode engolir o meu.

‑ Bem sabes que o Tim não era capaz de comer o Jacto ‑ disse a Ana. ‑ São bons amigos.

‑ Ai sim? Não fazia a menor ideia ‑ disse o rapaz, começando a andar e afastando uma vez mais o cabelo dos olhos.

‑ Que pensas de tudo isto? ‑ perguntou a Zé quando o rapaz se retirou. ‑ Nem parecia o mesmo desta tarde. Achas que realmente se esqueceu do prometido e de tudo o mais?

‑ Não sei ‑ respondeu a Ana, intrigada. ‑ Da primeira vez estava tão alegre e satisfeito e agora parecia tão sério!

‑ Talvez seja um pouco amalucado ‑ disse a Zé. ‑ Já tens sono, Ana? Eu já, embora não perceba porquê.

‑ Eu não tenho muito, mas gostava de me deitar naquela relva macia para ver as estrelas irem aparecendo no céu ‑ disse a Ana. ‑ Acho que esta noite não durmo na barraca, Zé. Naturalmente queres que o Tim fique contigo mas há tão pouco espaço lá dentro que, com certeza, ele passaria a noite em cima das minhas pernas.

‑ Eu também durmo ao ar livre ‑ disse a Zé. ‑ Só dormi na barraca na noite passada porque o tempo não estava seguro e podia chover. Vamos buscar mais tojo para fazer uma espécie de colchão.

Depois cobrimos tudo com um cobertor e dormimos em cima.

As duas primas apanharam uma porção de tojo e levaram‑no para arranjarem a «cama». Em breve tinham um grande monte e o Tim foi logo deitar‑se em cima.

‑ Não é para ti! ‑ gritou a Zé. ‑ Vai‑te embora! Assim fica a cama toda amassada. Onde está o cobertor, Ana?

Estenderam o cobertor sobre o tojo e foram lavar‑se no regato. O Tim subiu outra vez para o monte de tojo e fechou os olhos.

‑ Oh! seu intrujão! ‑ gritou a Zé, empurrando‑o para fora dali. ‑ Tu não estás a dormir. Sai da nossa cama! Tens aqui um bocado de relva macia para te deitares.

A Zé estendeu‑se sobre o cobertor e o tojo baixou um pouco sob o seu peso.

‑ É muito confortável! ‑ disse ela. ‑ Achas que precisaremos dum cobertor para nos cobrir, Ana?

‑ Eu trouxe um ‑ respondeu a Ana. ‑ Mas não devemos precisar dele pois a noite está quentíssima. Olha, já apareceu uma estrela!

Em breve viam‑se mais cinco ou seis estrelas e depois, à medida que escurecia, foram aparecendo centenas delas. Estava uma noite linda! . ‑ As estrelas não parecem grandes e brilhantes? ‑ perguntou a Ana, sonolenta. ‑ Fazem sentir‑me pequenina, ao pensar que se encontram a milhões de quilómetros de distância. Zé, estás a dormir? Não houve resposta. A Zé não ouvira nem uma palavra pois adormecera profundamente. Tinha uma das mãos caída para fora do tojo e pousada no chão.

O Tim aproximou‑se um pouco mais e deu‑lhe uma lambedela. Depois também ele adormeceu.

Não havia luar mas as estrelas brilhavam muito. À meia‑noite tudo era sossego naquele campo pois ficava longe de qualquer estrada, vila ou cidade. Nem mesmo uma coruja piava.

A Ana não percebeu por que motivo acordou. Ao princípio, não fazia ideia de onde se encontrava e ficou deitada a olhar para as estrelas, surpreendida, pensando que devia continuar a dormir.

De repente, sentiu sede. Foi aos tropeções até à barraca, que ficava ali mesmo, tentando encontrar o púcaro. Não conseguiu e resolveu desistir.

‑ Faço uma concha com as mãos para beber ‑ pensou ela seguindo até ao pequeno regato. O Tim ainda esteve para ir atrás dela, mas resolveu ficar com a Zé. Se a sua dona acordasse, com certeza não gostaria de que ele tivesse ido acompanhar a Ana. Por isso, voltou a meter a cabeça entre as patas e adormeceu, deixando uma orelha alerta por causa da Ana.

A pequenita encontrou o regato facilmente. Guiou‑se pelo ruído da água a cair, quando começou a ouvi‑lo. Sentou‑se numa das pedras que ali havia e abaixou‑se com as mãos em forma de concha. A água estava fresquíssima e era delicioso bebê‑la naquela noite quente. Bebeu até não ter mais sede e humedeceu a testa.

Levantou‑se para voltar para trás. Deu alguns passos e parou. Iria em boa direcção? Não tinha a certeza.

‑ Parece‑me que vou! ‑ decidiu ela, continuando a caminhar com cuidado e sem fazer barulho.

Pouco depois, quando pensava estar quase a chegar à cama de tojo, parou assustada. Vira de repente uma luz. Brilhara e desaparecera logo em seguida. Lá voltava a aparecer! Que seria?

Apurando a vista, ela percebeu que seguira um caminho errado, fora na direcção da casa em ruínas e a luz viera dali!

Não se atreveu a avançar mais. Sentiu‑se pregada ao chão. Naquela altura ouviu também um ruído como se alguém estivesse a falar baixinho e o barulho duma coisa a bater no chão de pedra da casa de campo. Depois mais uma vez apareceu a luz. Não havia dúvida; era na casa em ruínas.

A Ana começou a respirar mais depressa. Quem estaria na velha casa? Não se atreveu a ir espreitar. Só queria ir ter com a Zé e sentir‑se protegida pelo Tim. Tão depressa e tão silenciosamente quanto lhe foi possível ela encontrou o caminho para voltar ao regato e depois, quase a correr, conseguiu chegar ao sítio onde a Zé continuava a dormir sossegadamente.

‑ Uuuuf! ‑ fez o Tim, cheio de sono e tentando lamber‑lhe a mão. A Ana subiu para o tojo com o coração a bater apressado.

‑ Zé! ‑ chamou ela baixinho. ‑ Zé! Acorda! Tenho uma coisa para te contar!

 

                   OUTRA VEZ O MESMO RAPAZ

AZé não acordava nem por nada. Começou a resmungar quando a Ana a abanou e depois deu meia volta, quase caindo da pequena cama de tojo.

‑ Ó Zé, acorda por favor! ‑ pediu a Ana, em voz baixa.

Tinha medo de falar alto pois podia alguém ouvi‑la. Quem sabia o que poderia acontecer se ela chamasse a atenção para aquele pequenino acampamento!

A Zé acordou por fim, bastante zangada.

‑ Que aconteceu, Ana? ‑ perguntou ela num tom de voz que parecia muito alto no meio do silêncio da noite.

‑ Chiu! ‑ fez a Ana. ‑ Chiu!

‑ Mas nós estamos aqui sozinhas! Podemos fazer o barulho que quisermos ‑ disse a Zé, surpreendida.

‑ Zé, peço‑te que ouças! Está alguém na casa em ruínas! ‑ disse a Ana.

Por fim a Zé ouviu e percebeu, sentando‑se imediatamente.

A Ana contou‑lhe a história toda, embora, à medida que a ia relatando, não a achasse digna de grande interesse.

A Zé então falou ao Tim.

- Tim! ‑ disse ela em voz baixa. ‑ Vamos ver uma coisa, sim? Anda connosco e conserva‑te calado!

 

Depois deslizou para fora da cama e pôs‑se em pé. ‑ Tu ficas aqui ‑ disse ela à Ana. ‑ O Tim e eu vamos com cuidado, sem fazermos barulho, para ver se descobrimos alguma coisa.

‑ Oh! não! Eu não posso ficar aqui sozinha ‑ declarou a Ana, aflita e levantando‑se dum pulo. ‑ Também quero ir. Tendo o Tim connosco, não me importo nada. Só me admira ele não ter ladrado às pessoas que estavam na casa em ruínas.

‑ Naturalmente pensou que eras tu a andar dum lado para o outro ‑ disse a Zé, e a Ana concordou.

Seguiram pelo carreiro que ia até à casa em ruínas. O Tim mantinha‑se mesmo ao pé da dona. Ele bem sabia que não lhe era permitido avançar sem que as pequenas o mandassem. Tinha as orelhas arrebitadas e prestava a maior atenção.

Com todas as precauções, chegaram perto da casa de campo. Podiam distinguir‑lhe os contornos na noite estrelada e pouco mais. Não se via ali nenhuma luz a brilhar e também não parecia haver qualquer barulho.

Os três ficaram quietos e calados por uns cinco minutos. Depois o Tim fez um movimento. Aquilo era muito aborrecido! Porque não o deixariam ir a correr, para descobrir se estava ali alguém?

‑ Parece‑me que se não encontra na casa vivalma! ‑ segredou a Zé à Ana. ‑ Devem ter‑se ido embora. A não ser que tenhas sonhado tudo, Ana!

‑ Não sonhei! ‑ afirmou a Ana, indignada. ‑ Vamos um pouco mais adiante e mandamos o Tim procurar na casa. Se lá estiver alguém ele há‑de logo ladrar.

 

A Zé deu um pequeno empurrão ao Tim.

‑ Vai! ‑ disse ela. ‑ Vai procurar, Tim.

O Tim, satisfeito, correu como uma seta através da escuridão. Foi até à casa em ruínas mas era impossível as pequenas vê‑lo. Elas deixaram‑se ficar à escuta, parecendo‑lhes que os seus corações batiam muito alto! Não se ouvia o mais pequeno ruído a não ser o das patas do Tim correndo sobre a pedra.

‑ Não é possível que esteja ali alguém ‑ disse por fim a Zé. ‑ Doutra maneira o Tim já teria farejado quem quer que fosse. És uma pateta, Ana. Foi tudo um sonho!

‑ Não foi nada um sonho ‑ disse a Ana, novamente indignada. ‑ Sei perfeitamente que estava ali alguém, até mais do que uma pessoa, pois tenho a certeza de que ouvi falar baixinho.

A Zé levantou a voz. ‑ Tim! ‑ gritou ela, fazendo com que a Ana se sobressaltasse. ‑ Tim! Nós mandámos‑te procurar uma coisa que não existe mas agora vamo‑nos embora!

O Tim saiu da casa em ruínas e, obedientemente, foi ter com a Zé.

‑ A Ana teve um pesadelo ‑ disse a Zé, rindo.

‑ E foi tudo, Tim!

A Ana ficou zangada, mesmo muito zangada.

Não disse nem mais uma palavra e voltou com a prima para a cama de tojo. Subiu para o seu lado e virou‑se de costas voltadas para a Zé. Se ela assim o queria, que pensasse ter sido tudo um sonho!

Mas quando a Ana acordou pela manhã, recordando todos os acontecimentos da noite anterior, também começou a desconfiar, um pouco envergonhada, se na verdade não teria sonhado o que vira e ouvira na casa em ruínas.

‑ O Tim certamente teria apanhado quem ali estivesse ‑ pensava ela. ‑ E como o Tim ficara muito calmo, ninguém devia encontrar‑se na casa. E por que razão se encontraria? Era uma parvoíce!

Por isso, quando a Zé falou sobre o sonho da Ana, a pequenita nem se defendeu. Na verdade ela não estava absolutamente certa do que acontecera. Resolveu conter‑se quando a Zé fez troça, nem sequer respondendo.

‑ Vamos ver o acampamento do rapaz ‑ propôs a Zé, quando acabaram de comer umas sanduíches um tanto secas e uns biscoitos. ‑ Estou a começar a sentir‑me aborrecida. Só desejo que a orelha do Tim fique boa depressa. Nessa altura vou logo para casa.

Partiram as duas com o Tim. Ouviram um barulho ao aproximarem‑se do acampamento do rapaz e então apareceu um cãozito pequeno ladrando como se quisesse dar as boas‑vindas.

‑ Olá, Jacto! ‑ disse a Ana. ‑ Não deixes o Tim levar mais outro osso dos teus!

As duas pequenas continuaram até chegarem a um campo que tinha um aspecto muito estranho. Fora quase todo escavado e nalguns sítios viam‑se covas bastante fundas. Seria possível o rapaz ter escavado aquilo tudo sozinho?

‑ Olá! Onde estás? ‑ gritou a Zé. Então viu o rapaz examinando qualquer coisa num fosso que ele próprio abrira. O pequeno saltou para cima. Depois fez uma cara muito zangada.

‑ Oiçam, vocês prometeram não vir importunar?me ‑ gritou ele.

 

‑ Vocês são más! Só as raparigas são capazes de quebrar assim uma promessa.

‑ Ora, estou a gostar disso! ‑ exclamou a Zé, admirada. ‑ Foste tu que quebraste a tua promessa! Sempre gostava de saber quem foi ao nosso acampamento ontem à tarde!

‑ Não fui eu ‑ disse logo o rapaz. ‑ Eu cumpro sempre as minhas promessas. Agora vão‑se embora e cumpram as vossas. Meninas! Ufa!

‑ Bem, nós também não podemos ter lá muito boa opinião a teu respeito ‑ disse a Zé, aborrecida. ? Vamo‑nos embora. Não nos interessa ver as tuas estúpidas escavações. Adeus!

‑ Adeus e boa viagem! ‑ gritou o rapaz com mau modo, voltando ao seu trabalho.

‑ Acho que ele é completamente doido ‑ disse a Ana. ‑ Primeiro faz uma promessa. Depois ontem à tarde, quebra‑a e chega a dizer que não a fez. E hoje afirma que fez uma promessa e que a cumpriu embora nós tenhamos quebrado a nossa. É idiota!

Seguiram por um pequeno carreiro passando por umas árvores plantadas em fila. Estava ali sentada uma pessoa a ler. Quando as pequenas passaram, ela olhou para cima.

As duas pequenas pararam, pasmadas. Era outra vez o rapaz! Mas como fora ele para ali? Haviam acabado de o deixar metido no fosso! A ana reparou no título do livro que ele estava a ler. Santo Deus, era um título complicado, qualquer coisa sobre arqueologia.

‑ Mais uma das tuas partidas, não é verdade? ‑ perguntou a Zé com ironia, parando em frente do rapaz. ‑ Deves ser um belo corredor para teres chegado aqui tão depressa.

 

Realmente és muito engraçado! Mesmo muito, muito engraçado!

‑ Outra vez as mesmas miúdas meio parvas! ‑ resmungou o rapaz. ‑ Não quererão vocês deixar‑me em paz? Ontem disseram uma série de parvoíces e hoje continuam na mesma.

‑ Como chegaste aqui tão depressa? ‑ perguntou a Ana, intrigada.

‑ Eu não vim depressa. Vim devagar, lendo o meu livro pelo caminho ‑ respondeu o rapaz.

‑ Mentiroso! ‑ exclamou a Zé. ‑ Deves ter corrido a toda a velocidade. Por que razão andas sempre a fingir? Nós vimos‑te há dois ou três minutos.

‑ Agora são vocês as mentirosas! ‑ exclamou o rapaz. ‑ Acho as duas detestáveis. Vão‑se embora, deixem‑me sossegado e nunca mais me apareçam!

O Tim não gostou do tom de voz do rapaz e pôs‑se a rosnar. O pequeno olhou para o cão.

‑ E tu, cala‑te também ‑ disse ele.

A Ana puxou pela manga do casaco da Zé.

‑ Vamos ‑ pediu ela. ‑ Não vale a pena ficarmos aqui a discutir. O rapaz é maluco, é doido varrido, e nós não conseguinos fazer com que ele tenha juízo.

As pequenas afastaram‑se seguidas pelo Tim. O rapaz não lhes ligou nenhuma importância. Tinha os olhos postos no livro, que parecia absorver‑lhe toda a atenção.

‑ Nunca tinha encontrado ninguém tão doido

‑ disse a Ana, um tanto intrigada. ‑ A propósito, Zé, não achas que podia ter sido o rapaz quem esteve na casa em ruínas, na noite passada?

 

‑ Acho que não. Já te disse que deves ter sonhado ‑ respondeu a Zé, com firmeza. ‑ Embora ele seja suficientemente idiota para ir visitar uma casa abandonada a meio da noite. Talvez até achasse ser a melhor altura. Ó Ana, repara! Naquela clareira há uma lagoa! Julgas que podemos tomar banho?

A lagoa tinha um aspecto muito convidativo. As pequenas desceram para a ver mais de perto.

‑ Havemos de nadar um bocado, esta tarde, ‑ disse a Zé. ‑ E depois parece‑me melhor irmos ao Casal Kirrin buscar mais provisões. As sanduíches que nos restam estão de tal maneira secas que já não sabem bem. E como a orelha do Tim ainda não está boa teremos de ficar aqui mais alguns dias.

‑ Está bem ‑ disse a Ana.

Voltaram ao acampamento. À tarde vestiram os fatos de banho e foram até à lagoa. A água era bastante profunda, pouco fria e muito limpa. Passaram uma hora divertida, nadando e jogando à bola. Depois vestiram‑se contra vontade, começando a pensar na grande caminhada até ao Casal Kirrin.

A mãe da Zé ficou muito surpreendida ao ver as duas pequenas e o Tim. Disse‑lhes logo que levassem mais alimentos e mandou‑as pedir à Joana tudo quanto ela lhes pudesse arranjar.

‑ É verdade! Tive notícias do Júlio e do David ‑ disse a senhora. ‑ Voltaram de França e devem estar aqui dentro de um ou dois dias. Digo‑lhes que vão ter com vocês ou pensam voltar em breve para casa?

 

‑ Diga‑lhes que nos vão buscar mal cheguem!

‑ pediu a Zé, encantada. Os Cinco estariam novamente juntos! Era maravilhoso!

‑ Deixem‑me as indicações para eles seguirem e assim poderem encontrá‑las ‑ disse a mãe.

‑ Depois os rapazes ajudam‑vos a trazer a bagagem.

Que divertido, que divertido! O Júlio e o David outra vez! Iriam acontecer imensas coisas extraordinárias, como sempre! Que divertido!

 

                   UMA TROVOADA DURANTE A NOITE

TaMBéM era divertido voltar ao pequeno acampamento. Estava já a escurecer pois tinham‑se demorado no Casal Kirrin para saborearem uma bela refeição. O Tim também comera um grande prato de carne e legumes; depois sentara‑se e dera um grande suspiro como se quisesse dizer:‑Que delícia! Ainda era capaz de comer outro tanto!

Contudo ninguém lhe ligou importância e por isso levantou‑se e foi dar uma volta pelo jardim para se certificar se tudo estaria como quando partira, um ou dois dias antes. Ao chegar a altura de partir para o acampamento, o Tim ouviu a Zé assobiar‑lhe.

‑ Esta tarde ninguém se riu do Tim! ‑ observou a Ana ‑ Nem mesmo o teu pai.

‑ Ora, foi a mãe que lhe pediu ‑ respondeu a Zé. ‑ Mas de qualquer maneira eu disse que havia de estar fora até a orelha do Tim melhorar e tenciono manter a minha palavra.

‑ Eu até gosto ‑ disse a Ana. ‑ A única coisa que me preocupa um bocadinho é pensar que anda gente durante a noite na casa em ruínas.

‑ Foi tudo um sonho ‑ observou a Zé. ‑ Tu acabaste por o admitir.

‑ Pois sim, mas de qualquer maneira sempre gostava de ter a certeza de que foi tudo um sonho ‑ disse a Ana, enquanto subiam pelo Caminho dos Carroceiros.

‑ Mas agora, como a noite se aproxima, começo a pensar que não foi um sonho e é uma ideia pouco agradável.

‑ Não sejas palerma ‑ disse a Zé, impacientando‑se. ‑ Não podes mudar de opinião dessa maneira. E além de tudo o mais lembra‑te de que temos o Tim. Ninguém se atreve a meter‑se com ele, não é verdade, Tim?

Mas o cão ia mais à frente na esperança inútil de, pela primeira vez na vida, apanhar um coelho. Àquela hora havia tantos, espalhados pelos campos! Espreitavam aqui, metiam‑se com o Tim, acolá, e mostravam os seus rabitos em pompon branco logo que o cão fazia um gesto para os perseguir.

As duas pequenas chegaram sem novidade ao acampamento. A barraca continuava armada e a cama de tojo, lá fora, tapada com o cobertor. Puseram a bagagem no chão, com um suspiro de alívio, e foram beber água ao regato.

A Zé bocejou. ‑ Estou cansada. Queres ir para a cama? Ora espera, talvez fosse boa ideia irmos até à casa em ruínas para termos a certeza de que esta noite ninguém nos importunará.

‑ Eu não quero ir ‑ declarou a Ana. ‑ Está muito escuro.

‑ Então vou eu com o Tim ‑ disse a Zé, afastando‑se. Voltou passados cinco minutos, com a lanterna de algibeira, acesa, para ver o caminho, pois estava muito escuro.

‑ Não há nada de especial ‑ disse ela. ‑ Só encontrei um morcego voando à volta daquele compartimento maior. O Tim ficou maluco quando ele quase lhe ia tocando no nariz.

‑ Então foi quando ele ladrou, penso eu ‑ disse a Ana, já instalada na cama de tojo. ‑ Eu ouvi‑o. Vem deitar‑te, Zé. Estou cheia de sono.

‑ Tenho que examinar a orelha do Tim mais uma vez ‑ disse a Zé, fazendo incidir a luz da lanterna sobre a cabeça do cão.

‑ Despacha‑te ‑ pediu a Ana. ‑ Deve ser a milésima vez que olhas hoje para a ferida do Tim.

‑ Parece‑me muito melhor ‑ disse a Zé, fazendo uma festa ao Tim. ‑ Vou ficar tão satisfeita quando puder tirar‑lhe este horrível cartão! Estou convencida de que ele o detesta.

‑ Pois eu julgo que nem dá por isso ‑ disse a Ana. ‑ Zé, vens ou não? É impossível manter‑me acordada por mais tempo.

‑ Vou já ‑ respondeu a Zé. ‑ Não, Tim, não dormes na nossa cama! Já a noite passada te disse o mesmo. Quase não há espaço suficiente para a Ana e para mim.

A Zé subiu com cuidado para a cama de tojo e deixou‑se ficar deitada, olhando para as estrelas.

‑ Esta noite sinto‑me feliz ‑ disse ela. ‑ O Júlio e o David vêm para Kirrin! Ficava furiosa ao pensar que não chegava a vê‑los nestas férias. Quando calculas que devem chegar, Ana?

Não houve resposta, pois a Ana estava a dormir. A Zé deu um suspiro. Apetecia‑lhe planear com a prima o que fariam quando chegassem os rapazes. A orelha do Tim devia estar boa dentro de um ou dois dias e os rapazes podiam ajudá‑las a levarem tudo do pequeno acampamento até ao Casal Kirrin. E depois podiam passar os dias a nadar, a andar de barco, podiam ir à pesca ou divertir‑se com... com... com...

E naquele momento a Zé adormeceu também! Nem sentiu um aranhiço passar sobre a sua mão hesitando se havia de tecer uma teia entre os dedos da pequena. Nem ouviu um ouriço passar ali perto, embora o Tim desse por ele e arrebitasse uma orelha. Estava realmente uma noite muito calma!

O dia seguinte foi muito animado. Arranjaram um belo pequeno almoço com algumas das provisões adquiridas na véspera. Depois andaram muito atarefadas a juntar mais tojo para a cama pois com o peso das pequenas ficara bastante dura e pouco confortável.

‑ Agora vamos nadar! ‑ propôs a Zé. Vestiram os fatos de banho, puseram uns casacos curtos sobre os ombros e partiram para a lagoa. No caminho viram o Jacto a certa distância, acompanhado pelo rapaz. O Jacto correu para elas e fez uma grande festa ao Tim.

‑ Não se preocupem! ‑ gritou‑lhes o rapaz. ‑ Eu continuo a cumprir a minha promessa. Não me aproximo do vosso acampamento. Jacto, anda cá!

As pequenas não ligaram importância ao sorridente rapaz mas não resistiram a fazer uma festa ao simpático cãozito. O Jacto parecia uma flecha, sempre a correr dum lado para o outro.

As pequenas seguiram para a lagoa, parando decepcionadas ao aproximarem‑se. Alguém estava lá, nadando vigorosamente!

‑ Quem será? ‑ disse a Ana. ‑ Santo Deus, este campo isolado parece estar cheio de gente!

A Zé observava o nadador com a maior das surpresas.

‑ Ó Ana, é o rapaz! ‑ exclamou ela. ‑ Repara, tem o cabelo caído sobre os olhos. Mas... mas...

‑ Mas nós acabámos de o ver seguir na direcção oposta! ‑ disse a Ana, também admirada. ‑ Que extraordinário! Não é possível ser o rapaz!

Aproximaram‑se um pouco mais. Sim, era o mesmo rapaz.

‑ Vou‑me já embora! ‑ gritou ele. ‑ Não me demoro nada!

‑ Como vieste tu até aqui? ‑ gritou‑lhe a Zé. ‑ Nós não te vimos voltar para trás, a correr.

‑ Já aqui estou há mais de dez minutos ‑ respondeu ele.

‑ Mentiroso! ‑ gritou logo a Zé.

‑ Ah! parvalhona como sempre! ‑ gritou também o rapaz.

Depois saiu da água, afastando‑se na direcção das fossas que andava a escavar. A Zé olhou em volta à procura do Jacto mas não o viu. ‑ Talvez também esteja na lagoa ‑ disse ela. ‑ Vamos tomar banho, Ana. Devo confessar que acho aquele rapaz muito estranho. Naturalmente considera divertido encontrar pessoas e depois voltar para trás, voltando a aparecer!

‑ Só o achei simpático na primeira vez que o encontrámos ‑ disse a Ana. ‑ Agora não chego a percebê‑lo. Oh! a água não está com uma temperatura agradável?

Nadaram durante bastante tempo, saíram para se deitar sobre a relva, ao sol, e depois tornaram a tomar banho. A certa altura sentiram algum apetite e resolveram voltar para o acampamento.

O dia passou depressa. Não viram mais o rapaz estranho nem o Jacto. De vez em quando ouviam o barulho de metal a bater na pedra, vindo do sítio onde naturalmente o rapaz continuava a escavar a velha aldeia romana.

‑ Ou o que ele julga ser uma velha aldeia romana ‑ observou a Zé. ‑ Eu acho‑o tão maluco que até é capaz de confundir umas ruínas romanas com um acampamento de escuteiros!

Naquela noite deitaram‑se novamente na cama de tojo mas não viram estrelas no céu. Havia apenas algumas nuvens um pouco escuras e o tempo não estava tão quente.

‑ Espero que não vá chover ‑ disse a Zé. ‑ Se viesse uma grande carga de água a nossa barraca não serviria de muito.

Podíamo‑nos meter lá dentro mas ela não é feita de pano impermeável. Achas que choverá, Ana?

‑ Penso que não ‑ respondeu a Ana, cheia de sono. ‑ De qualquer maneira não tenciono levantar‑me a não ser que seja obrigada a isso. Estou bastante cansada.

As duas pequenas em breve adormeceram. No entanto, o Tim continuava acordado. Ouvira um trovão longínquo e ficara inquieto. O Tim não tinha medo das trovoadas mas não lhe agradavam em especial. Eram umas coisas semelhantes a enormes cães ladrando no céu e que deitavam umas luzes de vez em quando. Mas nunca conseguira agarrar esses cães nem sequer assustá‑los.

O Tim fechou os dois olhos mas continuou com uma orelha arrebitada, à escuta.

Ouviu novo trovão e sentiu um grosso pingo de chuva cair no seu focinho preto. Depois, caiu outro pingo na rodela de cartão, fazendo um grande barulho. O cão sentou‑se, rosnando. A chuva tornou‑se intensa e em breve grandes pingos caíam sobre as caras das duas pequenas adormecidas. A certa altura, houve um trovão tão forte que ambas acordaram assustadas.

‑ Que aborrecimento! É uma trovoada! ‑ exclamou a Zé. ‑ Está a chover. Vamos ficar ensopadas!

‑ É melhor metermo‑nos dentro da barraca ‑ disse a Ana no momento em que um relâmpago cortava o céu iluminando tudo por uns segundos.

‑ Não vale a pena ‑ respondeu a Zé. ‑ Já deve estar toda encharcada. A única coisa a fazer é metermo‑nos na casa em ruínas. Pelo menos teremos um telhado para nos abrigarmos, ou melhor, o chão do primeiro andar, pois o telhado desapareceu. Anda!

A Ana não tinha a mais pequena vontade de se abrigar na velha casa mas viu que não havia outra solução. As duas primas apanharam o cobertor e correram debaixo de chuva; a Zé levava a sua lanterna acesa, para ver o caminho. O Tim também corria, ladrando.

Chegaram à entrada da casa e meteram‑se lá dentro. Que alívio abrigarem‑se da chuva! As duas pequenas ficaram a um canto, muito juntas uma à outra. Puxaram o cobertor para se cobrirem mas em breve sentiram calor resolvendo afastá‑lo.

A trovoada passou mesmo ali por cima com vários trovões fortíssimos e muitos relâmpagos. A chuva foi-se tornando cada vez mais fraca acabando por parar. Apareceu uma estrela seguindo‑se outras à medida que as nuvens da trovoada eram afastadas pelo vento.

‑ Não podemos voltar para a barraca; temos que ficar aqui ‑ disse a Zé. ‑ Vou buscar os nossos sacos para fazerem de almofadas. Poderemos deitar‑nos sobre o cobertor.

A Ana foi com a prima ajudando a transportar os sacos.

Daí a pouco as duas pequenas estavam deitadas a um canto, sobre o cobertor, com as cabeças em cima dos sacos e o Tim junto a elas.

‑ Boa noite ‑ disse a Ana. ‑ Vamos tentar dormir outra vez. Que aborrecimento, aquela trovoada!

Em breve voltaram ambas a adormecer. Mas Tim mantinha‑se acordado. Sentia‑se inquieto.

E de súbito desatou a ladrar de tal maneira que as pequenas acordaram muito assustadas.

‑ Tim! Que se passa? Ó Tim, que foi? ‑ perguntou a Zé, segurando‑o pela coleira com toda a força.

‑ Não nos deixes! Porque te assustaste?

 

                   ESTRANHOS ACONTECIMENTOS

O Tim parou de ladrar e tentou libertar‑se da mão que a Zé pusera sobre a sua coleira. Mas ela não consentiu. A Zé não se assustava facilmente, mas com a trovoada, aquela estranha casa em ruínas e ainda por cima o Tim tão excitado, desejava que ele não se afastasse.

‑ Que foi? ‑ perguntou a Ana num murmúrio, muito aflita.

‑ Não sei. Nem faço a menor ideia ‑ respondeu a Zé, também em voz baixa. ‑ Talvez não seja nada de importante. Naturalmente a trovoada pô‑lo nervoso. Vamos ficar acordadas durante algum tempo para ver se ouvimos qualquer coisa anormal.

Deixaram‑se estar muito quietas no seu canto, continuando a Zé a segurar o Tim com firmeza. O cão rosnou uma ou duas vezes mas não voltou a ladrar. Por isso a Zé concluiu que realmente devia ter sido a trovoada que o assustara.

Ouviu‑se novo trovão. Voltava a tempestade ou então rebentava outra.

A Zé sentiu‑se aliviada. ‑ Não é nada,'Ana. Devem ter sido os relâmpagos e os trovões a distância que enervaram o Tim. Tu és pateta, Tim. A assustar‑nos duma maneira dessas!

A tempestade tornara‑se mais forte e o Tim ladrava outra vez, furioso.

‑ Está calado! Fazes mais barulho do que os trovões! ‑ disse a Zé, aborrecida. ‑ Não vás lá para fora apanhar chuva, Tim! Está recomeçando a cair com toda a força. Só serve para ficares encharcado e depois hás‑de querer pôr‑te mesmo ao pé de mim, para eu ficar também toda molhada. Já te conheço!

‑ Não o deixes ir, Zé ‑ pediu a Ana. ‑ Gosto de o ter aqui connosco. Santo Deus, que tempestade! Espero que não caia nenhuma faísca nesta velha casa.

‑ Bem, pensando que ela deve estar aqui há uns trezentos ou quatrocentos anos e já assistiu a milhares de trovoadas, espero que saia sem novidade de mais esta! ‑ disse a Zé. ‑ Onde vais, Ana?

‑ Vou espreitar pela janela ‑ respondeu a pequena ‑ ou pelo lugar onde em tempos ficava a janela! Gosto de ver os campos a serem iluminados de repente por um relâmpago voltando em seguida à escuridão.

Dirigiu‑se à janela. Nessa altura surgiu um relâmpago e a Ana olhou para os campos que repentinamente se tornaram visíveis para voltarem a desaparecer como por encanto.

A Ana deu um grito de repente e recuou até junto da prima. ‑ Zé... Zé...

‑ Que aconteceu? ‑ perguntou a Zé, aflita.

‑ Está ali alguém! ‑ disse a Ana, agarrando‑se à prima. ‑ Vi pessoas, só por um instante, quando apareceu o relâmpago.

‑ Pessoas? Mas que género de pessoas? ‑ perguntou a Zé, admirada. ‑ Quantas?

‑ Não sei. Foi tudo muito rápido. Deviam ser duas ou três. Estavam em pé, paradas e à chuva.

As duas pequenas gritaram e o Tim desatou a ladrar.

‑ Ana, devem ser umas árvores! ‑ disse a Zé, com ironia. ‑ No outro dia, reparei que ali há duas ou três árvores juntas.

‑ Não eram árvores ‑ afirmou a Ana. ‑ Tenho a certeza. Porque andarão pessoas cá fora, com este temporal? Estou com medo!

A Zé estava absolutamente segura de que a Ana vira o grupo de árvores que sabia estar ali perto, pois devia parecer pessoas, visto assim ao clarão rápido dum relâmpago.

A pequena animou a Ana. ‑ Não te preocupes! É o mais natural deste mundo, imaginar ver coisas à luz dum relâmpago. Se houvesse pessoas aqui perto, o Tim teria ladrado. Ele havia de...

‑ Mas ele ladrou! ‑ exclamou a Ana. ‑ Não acordámos com os seus latidos?

‑ Foi só por a trovoada voltar ‑ afirmou a Zé. ‑ Bem sabes que ele fica zangado quando ouve trovões.

Naquele momento viu‑se outro grande relâmpago seguido do barulho dum trovão.

Nessa altura as duas pequenas gritaram e o Tim desatou a ladrar furiosamente, fazendo o possível por se libertar da Zé.

‑ Viste aquilo? ‑ perguntou a Ana, com a voz a tremer.

‑ Vi, sim! Vi! Ó Ana, tu tens razão! Alguém estava a espreitar pela janela! E se nós vimos a pessoa, ela também nos deve ter visto a nós. Que estará a fazer aqui, a meio da noite?

‑ Eu bem te dizia que tinha visto duas ou três pessoas ‑ lembrou a Ana, ainda a tremer. ‑ Esta devia ser uma delas. Talvez vissem a casa à luz dos relâmpagos e resolvessem abrigar‑se aqui, mandando uma delas à frente para ver que tal era.

‑ Talvez. Mas que podem fazer por aqui a estas horas? ‑ disse a Zé. ‑ Não deve ser coisa boa. Amanhã vamos para casa, Ana. Quem me dera que os rapazes aqui estivessem. Eles saberiam arranjar um bom plano!

- A trovoada está outra vez a afastar‑se ‑ disse a Ana. ‑ O Tim também parou de ladrar, felizmente. Não o deixes sair daqui, Zé. Nunca se sabe. Aquelas pessoas podem fazer‑lhe mal. E além disso sinto‑me mais segura quando ele está connosco.

‑ Eu nem por sombras pensava em deixá‑lo ir ‑ disse a Zé.

‑ Tu estás a tremer, Ana. Não é caso para ficares assim tão assustada. O Tim não consentiria que te fizessem mal.

‑ Bem sei. Mas não foi nada agradável ver à luz do relâmpago uma pessoa a espreitar pela janela! ‑ disse a Ana. ‑ Agora não consigo dormir mais. Vamos jogar a qualquer coisa para nos refazermos do susto.

Resolveram jogar ao analfabeto, com animais. Cada uma por sua vez tinha que pensar no nome dum animal começado por A, marcando um ponto quem conseguisse lembrar‑se de mais nomes. Depois seguia‑se o B, o C, o D, etc.

Já iam no é quando ouviram um som muito reconfortante.

‑ O Tim está a ressonar ‑ disse a Zé. ‑ Dorme profundamente. Ressona como um elefante.

‑ «E» para elefante ‑ disse logo a Ana.

‑ Batoteira! Era a minha vez! ‑ disse a Zé. ‑ Está bem. «E» para égua.

‑ «E» para engole‑moscas ‑ disse a Ana, depois de uma pausa.

‑ Não é permitido. Inventaste esse nome! ‑ disse a Zé. ‑ Mais um ponto para mim.

Quando chegaram à letra M e a Ana ganhava por dois pontos, despontava o dia.

Foi um grande alívio para as duas pequenas verem o céu a clarear para o lado do nascente e saberem que em breve nasceria o sol. Sentiram‑se logo muito mais animadas. A Zé chegou a levantar‑se e foi corajosamente até à janela donde não se via nada além dos campos serenos, com árvores, arbustos e grandes pedaços de relva.

‑ Fomos umas palermas em ficarmos tão assustadas ‑ observou a Zé. ‑ Acho que afinal não é preciso voltarmos para casa.

Detesto fugir seja do que for. Os rapazes fariam troça de nós.

‑ Não me importo nada com isso ‑ disse a Ana. ‑ Eu vou‑me embora. Se os rapazes estivessem connosco, ficava. Mas nem sequer sabemos quando virão! Pode ser que apareçam só na próxima semana. E eu não quero passar aqui outra noite.

‑ Está bem, está bem ‑ disse a Zé. ‑ Faz como quiseres. Mas por favor diz aos rapazes que foste tu quem quis fugir e não eu!

‑ Fica descansada ‑ disse a Ana. ‑ Agora estou a sentir‑me outra vez cheia de sono. Acho que é por ter aparecido a luz do dia e tudo estar tão tranquilo. Vou dormir.

A Zé sentia o mesmo. Aconchegaram‑se no cobertor e adormeceram logo. Só acordaram bastante tarde e mesmo assim foi preciso que as despertassem. Doutra maneira teriam ainda dormido mais horas, extenuadas com a noite perdida e com o susto apanhado.

Acordaram com uma coisa que andava à volta delas sem parar. O Tim ladrou.

As pequenas sentaram‑se, um tanto aturdidas.

‑ Oh! é o Jacto! ‑ exclamou a Ana. ‑ Jacto, tu vieste ver se nós estamos bem?

‑ Uuuuf. Uuuuf! ‑ fez o Jacto rebolando‑se pelo chão.

O Tim começou a brincar com ele, fingindo que o queria comer. Depois alguém chamou o Jacto em voz alta.   .

As pequenas olharam para cima. O rapaz estava à porta, com o seu sorriso franco.

‑ Olá, suas dorminhocas! Vim saber como se encontram depois daquele terrível temporal. Bem sei que prometi não voltar a incomodá‑las mas estava um pouco preocupado por vossa causa.

‑ Foste muito gentil ‑ disse a Ana, levantando‑se e sacudindo o pó da saia. ‑ Estamos bem mas passámos uma noite muito estranha. Nós...

A Zé fez‑lhe um sinal com um ar severo e ela calou‑se imediatamente. A Zé pretendia avisar a prima de que não devia falar sobre as pessoas que haviam visto. Teriam elas alguma coisa a ver com aquele rapaz? A Ana calou‑se, falando a Zé em vez dela.

‑ Não foi uma trovoada horrível? Como te abrigaste?

‑ Muito bem. Dormi numa das minhas trincheiras e a chuva não chegou a molhar‑me. Bem, adeus! Anda, Jacto!

O rapaz foi‑se embora com o cão.

‑ Foi muito simpático ‑ disse a Ana. ‑ Esta manhã não parecia maluco. Estava absolutamente normal. Nem mesmo nos contradisse! Afinal parece‑me que simpatizo com ele.

Foram até à barraca, que estava toda ensopada, e tiraram de lá uma lata de sardinhas para comerem com pão com manteiga. Quando estavam a abrir a lata, ouviram alguém assobiar.

‑ Lá vem outra vez o rapaz ‑ disse a Ana.

‑ Bom dia. Não quero incomodá‑las mas gostava de saber como se encontram depois daquela trovoada ‑ disse o rapaz, com um ar muito sério.

As raparigas olharam para ele, pasmadas.

‑ Olha, não comeces a fazer‑te maluco outra vez ‑ disse a Zé.

‑ Sabes muito bem que estamos óptimas pois já falámos contigo a esse respeito.

‑ Não falaram nem eu sabia nada ‑ afirmou o rapaz. ‑ Eu vim aqui só por delicadeza. Tenho pena de que continuem as mesmas idiotas.

Depois foi‑se embora.

‑ É fantástico! ‑ exclamou a Ana, um pouco irritada. ‑ Quando recomeçávamos a simpatizar com ele, pensando que não era maluco, desata a fazer das suas! Naturalmente julga que tem muita graça. É mesmo burro!

Puseram as suas coisas ao sol, para secarem, e só ao meio‑dia e meia hora começaram a fazer as malas pensando regressar ao Casal Kirrin. A Zé não tinha grande vontade de partir mas a Ana estava bem decidida. Não tencionava passar outra noite naquele campo.

A Zé estava a atar um embrulho à sua bicicleta quando ouviram o som de vozes. Então o Tim parecia ter endoidecido. Ladrava sem parar e desatou a correr por um carreiro a toda a velocidade, com a cauda a abanar.

‑ Oh! Não pode ser! Não pode ser o Júlio e o David! ‑ exclamou a Zé, encantada e desatando a correr atrás do Tim.

Mas eram! Eram o Júlio e o David. Ali vinham eles, muito carregados com as suas coisas, todos sorridentes. Viva! Viva! Os Cinco Famosos estavam mais uma vez juntos!

 

                   NOVAMENTE JUNTOS

HOUVE um tal entusiasmo à chegada dos pequenos que ao princípio ninguém conseguia fazer‑se entender. O Tim ladrava o mais alto que podia e era impossível obrigá‑lo a calar‑se.

A Zé gritava e o Júlio e o Davíd riam. A Ana abraçava os rapazes, sentindo‑se orgulhosa por ter dois irmãos tão simpáticos.

‑ Ju! Nunca pensámos que viessem tão depressa! ‑ disse a Zé encantada. ‑ Fiquei radiante quando os vi!

‑ Fartámo‑nos da comida francesa ‑ disse o David. ‑ O Júlio andava enjoado, eu emagreci e o calor era sufocante! Na próxima vez só iremos quando o tempo estiver mais fresco.

‑ Passávamos a vida a pensar em Kirrin e em vocês duas ‑ disse o Júlio dando uma palmada amigável à Zé. ‑ Acho que realmente andávamos com saudades. Por isso fizemos as malas mais cedo do que tencionávamos e voámos para casa.

‑ Vocês regressaram de avião? ‑ perguntou a Zé. ‑ Que sorte! E depois vieram logo para aqui?

‑ Passámos uma noite com os pais, em nossa casa ‑ continuou o Júlio. ‑ Esta manhã apanhámos o primeiro comboio que passava por aqui e afinal de contas vocês não estavam em Kirrin!

‑ Por isso metemos os nossos apetrechos de campismo em malas mais pequenas e viemos logo ter com vocês ‑ disse o David. ‑ Ouve lá, Zé, não consegues que o Tim pare de ladrar? Estou a ficar surdo!

‑ Cala‑te, Tim! ‑ ordenou a Zé. ‑ Deixa os outros fazerem também barulho. Reparaste na coleira de cartão, Júlio?

‑ Era impossível não ter reparado! ‑ disse o Júlio. ‑ Fica muito bem apanhado, não achas? Ah! Ah! Pareces um cão do tempo da rainha Isabel I, Tim. Foi o que nos disse o tio Alberto e realmente tem razão.

‑ Fica bastante cómico ‑ disse o David. ‑ Até os gatos devem fazer troça de ti, ó Tim!

A Ana olhou para a Zé. Santo Deus, como ela deveria ficar zangada ao ouvir o Júlio e o David a fazerem troça do Tim! Com certeza ia ter um dos seus ataques de mau génio!

Mas a Zé limitou‑se a sorrir. Chegou mesmo a dar uma pequena gargalhada.

‑ Fica engraçado, não fica? Mas ele não' se importa! ‑ disse ela.

‑ Sabem, nós viemos acampar porque a Zé não gostava de ouvir as pessoas a troçarem... ‑ começou a Ana, pensando que a Zé não conseguiria suportar os ditos dos irmãos acerca do Tim. Mas a prima deitou‑lhe um tal olhar que ela calou‑se logo. A Zé não gostava de que apontassem as suas fraquezas à frente do Júlio e do David. Orgulhava‑se de se portar exactamente como um rapaz e tinha a certeza de que os seus dois primos haviam de a achar «mesmo uma menina», se soubessem do barulho que ela fizera por as pessoas troçarem da coleira do Tim!

‑ Olhem lá, vocês estavam a fazer as malas? ‑ perguntou o Júlio ao ver o embrulho amarrado à bicicleta da Zé. ‑ Que aconteceu?

‑ Estávamos um pouco aborrecidas e a Ana... Nessa altura foi a vez de a Zé receber um olhar de reprovação da Ana. Bem percebia o que a prima queria dizer: «Não contei nada sobre ti; por isso não contes nada sobre mim. Não digas que eu estava com medo».

‑ E... a Ana julga que se passa aqui qualquer coisa estranha ‑ continuou a Zé, que estivera disposta a dizer que a prima se sentia assustada e insistira em voltar para casa. ‑ E achámos que não era coisa para nós duas sozinhas tentarmos descobrir. Se vocês aqui estivessem, nem por sombras pensávamos em ir para Kirrin.

‑ Mas que querem dizer com «qualquer coisa estranha»? ‑ perguntou o David.

‑ Bem, começou assim: Nós... ‑ principiou a Zé. Mas o Júlio interrompeu‑a.

‑ Se há uma história para ouvir, que ela seja contada a acompanhar uma refeição, não acham melhor? O David e eu não comemos nada desde as seis da manhã. Estamos esfomeados!

‑ Boa ideia! ‑ aprovou o David, começando a abrir um grande embrulho que tirara duma das malas.

‑ Trouxemos um almoço para fazermos um piquenique. Tudo preparado pela tia Clara. "E já lhes digo, é soberbo! Naturalmente ficou tão satisfeita por se ver livre de nós que se esmerou imenso! Trouxemos uma maravilhosa carne assada.

Ora reparem! Se não a repartirmos com o Tim, vai durar séculos. Vai‑te embora, Tim. Isto não é para ti!

A Zé sentia‑se tão feliz que mal podia falar. Fora divertido acampar com a Ana, mas com os primos era incomparavelmente melhor! Sempre tão alegres, tão espirituosos, tão cheios de personalidade e contudo tão simples! A Zé tinha vontade de cantar a plenos pulmões! Naquela manhã o sol estava novamente muito quente e secara os campos completamente.

Pouco tempo depois os Cinco sentavam‑se sobre a relva, à volta dum belo almoço.

‑ Não vendia a ninguém o meu apetite nem por cem contos ‑ declarou o David. ‑ E agora, quem vai trinchar esta magnífica peça de carne?

Como não tinham pratos tiveram de comer a carne assada em sanduíches. O David levara mostarda e ia barrando com ela as fatias de carne antes da Zé as meter dentro do pão.

‑ Ó Tim, esta é a única maneira de termos a certeza de que tu não queres nem uma dentadinha das nossas formidáveis sanduíches ‑ disse o David.

‑ Não gostas nada de mostarda, pois não? Ju, onde está a carne que nós trouxemos para o Tim?

‑ Está aqui. Pff! Tem um cheiro desagradável ‑ disse o Júlio. ‑ Tim, não te importas de ires

saboreá‑la para um sítio retirado?

O Tim foi logo sentar‑se ao lado do Júlio.

‑ Não sejas desobediente ‑ disse o Júlio, empurrando‑o com suavidade.

‑ Ele não deve ter percebido o que quer dizer «retirado» ‑ observou a Zé, rindo. ‑ Tim, fora daqui!

O Tim compreendeu logo e levou a sua carne para um pouco mais longe. Cada um dos pequenos pegou num tomate muito vermelho para o ir saboreando com as sanduíches.

‑ Estão óptimas! ‑ exclamou a Ana. ‑ Santo Deus, nem consigo acreditar que ontem à noite tivéssemos assistido a coisas tão estranhas.

‑ Ah! conta‑me tudo ‑ pediu o David.

E assim, a Ana primeiro e depois a Zé contaram o que acontecera. A Ana falou sobre a noite em que vira uma luz na casa em ruínas, ouvira passos e alguém a falar em voz baixa.

‑ Nós convencemo‑nos de que eu tinha sonhado ‑ disse ela.

‑ Mas agora mudámos de opinião. Achamos que realmente vi e ouvi o que lhes contei.

‑ E depois? ‑ perguntou o Júlio, servindo‑se da terceira sanduíche. ‑ Parece‑me uma história muito interessante. É mesmo o género de histórias dos Cinco!

A Zé falou sobre a trovoada durante a noite e como tinham sido obrigadas a deixar a cama de tojo para se abrigarem na casa em ruínas. Depois contou que a Ana vira à luz dum relâmpago duas ou três pessoas lá fora. E como ambas haviam visto em seguida alguém a espreitar pela janela.

‑ Que esquisito! ‑ disse o Júlio, intrigado. ‑ Deve haver qualquer história. Mas qual? Não há nada que me pareça notável neste campo solitário!

‑ Há os restos duma antiga aldeia romana, Júlio ‑ disse a Ana. ‑ E anda por lá um rapaz a examiná‑la, a ver se consegue encontrar alguma coisa antiga digna de interesse.

‑ É um rapaz completamente maluco ‑ acrescentou a Zé. ‑ Parece não saber o que diz. Anda sempre a contradizer‑se, ou melhor, diz as maiores mentiras que se possam imaginar.

‑ Acha divertido encontrar‑nos num certo lugar e depois dar umas voltas e aparecer noutro ponto muito diferente ‑ contou a Ana. ‑ Às vezes chego a simpatizar com ele mas outras acho‑o a coisa mais parva que tenho visto!

‑ Tem um cãozito só com um olho, chamado Jacto ‑ disse a Zé. O Tim soltou logo um latido ao ouvir aquele nome. ‑ Tu gostas do Jacto, não é verdade, Tim?

‑ Tudo isso parece muito interessante ‑ disse o David. ‑ Passa‑me o cesto dos tomates, Ju, antes que comas todos. Obrigado. Como ia a dizer, acho tudo muito interessante. Um cão só com um olho, um rapaz maluco, os restos duma aldeia romana e pessoas que andam por casas arruinadas a meio da noite, espreitando pelas janelas...

‑ Não sei como vocês duas não arrumaram as vossas coisas e foram para casa ‑ disse o Júlio. ‑ Devem ser muito mais valentes sem a nossa companhia do que eu julgava!

A Zé viu o olhar que lhe lançou a Ana e riu‑se com um ar trocista mas não disse nada. A Ana ficou muito vermelha e resolveu confessar‑se.

‑ Eu disse à Zé que queria ir para casa esta manhã pois apanhei um grande susto na noite passada. A Zé não queria, claro está, mas tinha que me acompanhar. Agora, com vocês aqui, as coisas são diferentes.

‑ Ficamos, Ju? ‑ perguntou o David. ‑ «Ter medo ou não, eis a questão!»

Todos se riram.

‑ Se vocês voltarem para casa eu ficarei aqui sozinha, só para lhes mostrar ‑ declarou a Ana.

‑ Minha querida Ana! ‑ disse o David. ‑ Ficamos todos, claro está. Pode não haver nada de especial mas também pode haver qualquer coisa. É difícil saber‑se. Havemos de descobrir o que se passa. A primeira coisa a fazer é ir visitar as ruínas romanas e o rapaz maluco. Estou com vontade de o conhecer. Depois havemos de passar uma vista de olhos pela casa em ruínas.

O Tim aproximou‑se, na esperança de apanhar uns pedacitos do almoço, mas o Júlio afastou‑o.

‑ Tu cheiras demasiado a carne crua ‑ disse ele. ‑ Vai beber água. A propósito, há alguma coisa para bebermos?

‑ Há, sim ‑ disse a Zé. ‑ Temos um lindo regato que não fica longe. Vamos levar para lá a sobremesa e o púcaro. Infelizmente só temos um e por isso não podemos trazer a água para aqui. É melhor sentarmo‑nos à beira do regato e servirmo‑nos do púcaro, um de cada vez.

Os rapazes acharam o regato muito agradável. Agruparam‑se ali à volta e cada qual foi enchendo o púcaro para matar a sede. Entretanto iam comendo fatias do delicioso bolo‑inglês feito pela Joana.

‑ Agora, meninas, desfaçam novamente as vossas malas e embrulhos ‑ disse o David, quando acabaram a refeição. ‑ Estou a sentir‑me entusiasmado. Vamos também abrir a nossa bagagem, Ju.

‑ Está bem. Onde pomos as nossas coisas? ‑ perguntou o Júlio, olhando em redor. ‑ Acho melhor não as deixarmos dentro daquela barraca tão pequena havendo perto um rapaz maluco e um cão zarolho. Ambos deviam apreciar o resto da carne assada.

‑ Mas está muito calor para deixarmos os alimentos ao sol ‑ disse a Zé. ‑ O melhor é pô‑los na casa em ruínas. Até podíamos lá arrumar tudo, não acham? Se chover de noite não teremos o aborrecimento de andar a meter tudo na casa, à chuva e às escuras.

‑ Concordo contigo ‑ disse o David. ‑ Então vamos mudar para a casa em ruínas. Que divertido! Venham todos!

Passaram a meia hora seguinte levando as coisas para a velha casa, arrumando‑as no chão ou nas prateleiras. A Zé encontrou um canto escuro ao lado da chaminé onde pôs os alimentos pois receava que o Jacto, embora parecesse um cão bem simpático, farejasse a carne e comesse a maior parte das provisões.

‑ Bem, agora estão prontos para ir visitar a aldeia romana e o rapaz maluco? Então vamos embora! Os Famosos Cinco vão partir novamente e ninguém sabe o que poderá acontecer!

 

                   AS RUÍNAS ROMANAS

OS Cinco caminhavam juntos. O Tim ia atrás de todos, radiante por estar novamente com os seus quatro amigos. Passava o tempo a roçar‑se pelos pequenos para lhes fazer lembrar a sua presença.

Quando chegaram perto da antiga aldeia viram um rapaz sentado à sombra dum arbusto, a ler.

‑ Lá está o rapaz de quem lhes falámos ‑ disse a Zé. ‑ Reparem!

‑ O aspecto dele é muito vulgar ‑ observou o David. ‑ E está bem absorvido no seu livro. Naturalmente resolveu fingir que não deu por nós!

‑ Vou falar‑lhe ‑ disse a Zé, chamando o rapaz quando se aproximaram.

‑ Olá! Onde foi o Jacto?

O rapaz olhou para cima, contrariado. ‑ Como hei‑de saber?

‑ Ele estava contigo esta manhã ‑ disse a Zé.

‑ Não é verdade ‑ respondeu o rapaz. ‑

Nunca anda comigo. Por favor não me aborreçam. Estou a ler.

‑ Lá recomeça ele! ‑ disse a Zé aos outros. ‑ Esta manhã veio ver‑nos com o Jacto e agora afirma que o cãozito nunca o acompanha! É absolutamente maluco!

‑ Ou apenas muito mal educado ‑ disse o David. ‑ Não vale a pena ligarmos‑lhe importância. Se ele não anda a escavar as ruínas romanas talvez possamos ir já visitá‑las sem sermos importunados.

Foram andando devagar até ao acampamento. Quando ali chegaram ouviram alguém assobiando enquanto cavava. Com a maior das surpresas, a Zé olhou para a parte superior da trincheira aberta. Ia quase caindo lá dentro, de tal maneira ficara pasmada!

Estava ali o rapaz, assobiando enquanto cavava cuidadosamente. Ele afastou o cabelo da testa a transpirar e viu a Zé e os outros. Fez um ar surpreendido.

‑ Como conseguiste chegar aqui tão depressa? ‑ perguntou a Zé. ‑ Tens asas?

‑ Eu tenho passado a tarde neste sítio ‑ respondeu o rapaz. ‑ Pelo menos estou aqui há uma hora, acho eu.

‑ Mentiroso! ‑ exclamou a Zé. O rapaz ficou muito zangado e desatou a gritar.

‑ Estou farto de vocês duas e agora, para nada faltar, trazem os vossos amigos. Naturalmente julgam que podem vir descompor‑me ainda mais!

‑ Não sejas palerma ‑ disse o David, sentindo‑se tão intrigado com aquele rapaz como a Zé e a Ana haviam estado. Como conseguiria ele correr por outro caminho e meter‑se na trincheira tão depressa? Divertir‑se‑ia pregando partidas naquele género? Na verdade não tinha aspecto de maluco.

‑ Este campo pertence‑te? ‑ perguntou o Júlio.

‑ Claro que não. Não sejas parvo ‑ respondeu o rapaz. ‑ Foi o meu pai que descobriu estas ruínas há algum tempo e deu‑me licença para trabalhar aqui durante as férias.

Ando muito divertido. Querem ver os meus achados?

O rapaz apontou para uma espécie de prateleira onde se encontrava um vaso quebrado, uma coisa parecida com um broche, outra com um alfinete e parte duma cabeça esculpida em pedra. O Júlio ficou logo muito interessado e saltou para dentro da trincheira.

‑ São tudo coisas muito curiosas ‑ disse ele. ‑ E encontraste algumas moedas?

‑ Encontrei três ‑ respondeu o rapaz, metendo a mão na algibeira. ‑ Primeiro encontrei esta e ontem descobri as outras duas, que estavam juntas. Devem ter centenas e centenas de anos.

Naquela altura todos os outros estavam também na cova. Olhavam em volta com muito interesse. Era evidente que o lugar fora bem escavado por peritos e agora o rapaz ia trabalhando sozinho aqui e ali, esperando descobrir qualquer coisa que tivesse ficado por desenterrar.

O David a certa altura saiu da trincheira e começou a saltar sobre grandes pedregulhos e lajes. De repente, viu um coelho.

O animalzinho olhou para o pequeno, muito assustado, e depois desapareceu atrás duma pedra. Voltou a espreitar o David, que lhe achou muita graça. O pequeno foi até à pedra com precaução mas o coelho fugiu. No entanto, em breve apareceram mais dois ou três a espreitar. O David ajoelhou‑se olhando para trás da pedra. Viu um buraco escuro.

Acendeu a sua lanterna e meteu‑a no buraco, procurando ver se o coelhito estaria ali ou se aquilo seria a entrada para alguma toca.

Cheio de surpresa viu que o buraco era enorme. Parecia descer, descer, descer, e a luz da lanterna não conseguia chegar ao fundo.

‑ É demasiado largo para ser uma toca de coelho ‑ pensou o David. ‑ Gostava de saber até onde vai. Posso perguntar ao miúdo.

Voltou para o sítio onde o rapaz continuava a mostrar os seus achados ao Júlio, falando animadamente. ‑ Ora ouve ‑ começou o David. ‑ Há uma abertura muito interessante atrás duma daquelas pedras. De que se trata?

‑ Ah! O meu pai disse‑me que já foi explorada e que servia apenas para armazém. Era onde guardavam carne, mercadorias e outras coisas no género. Actualmente não se encontra lá nada. Não tem interesse. Até pode ser que não tenha nada a ver com ruínas romanas.

‑ Ora reparem, está aqui mais uma prateleira com coisas ‑ disse a Zé, ao encontrar num outro sítio da trincheira uma pequena colecção de objectos antigos sobre uma prateleira rudimentar. ‑ Estas também são tuas?

‑ Aquelas? Não ‑ disse o rapaz. ‑ Não têm nada a ver comigo. Não lhes toques, por favor.

‑ Então a quem pertencem? ‑ insistiu a Zé, curiosa.

O rapaz fez de conta que não ouvira a pergunta e continuou a conversar com o Júlio. Então, a Zé pegou numa linda jarra dourada.

‑ Eu disse‑te que NÃO mexesses! ‑ gritou o rapaz, tão zangado que a Zé ia deixando cair a jarra, com o susto. ‑ Põe isso no seu lugar. E vai‑te embora daqui se não és capaz de fazer o que te pedem.

‑ Calma, menino, calma ‑ disse o Júlio. ‑ Não é preciso gritares‑lhe dessa maneira. O teu cão ia morrendo de susto. É melhor irmo‑nos embora, acho eu.

‑ Não gosto de que venham importunar‑me demasiado ‑ disse o rapaz. ‑ Anda sempre gente aqui à volta. Já tive de correr com uma porção de pessoas.

‑ Pessoas? ‑ perguntou o Júlio, lembrando‑se da história da Ana sobre as pessoas paradas na noite anterior perto da casa em ruínas e do homem espreitando pela janela. ‑ Que género de pessoas?

‑ Ora! Umas pessoas muito aborrecidas, querendo descer aqui abaixo para fazerem explorações. É fantástico a quantidade de idiotas que andam por este campo solitário ‑ disse o rapaz voltando a pegar na enxada e recomeçando a trabalhar. Depois sorriu. ‑ Não me refiro a ti. Realmente tu sabes qualquer coisa sobre este género de trabalho.

‑ Veio aqui alguém, ontem à noite? ‑ perguntou o Júlio.

‑ Parece‑me que sim ‑ respondeu o rapaz. ‑ O Jacto ladrou sem descanso. Talvez estivesse assustado com a trovoada embora isso não costume acontecer.

‑ Como te chamas? ‑ perguntou o David.

‑ Rui Lawdler ‑ disse o rapaz. O David deu um assobio.

‑ Santo Deus, o teu pai é o célebre explorador Sir John Lawdler? ‑ perguntou ele. O rapaz fez um sinal afirmativo.

‑ Assim não admira que te interesses tanto por arqueologia! ‑ exclamou o David. ‑ O teu pai tem feito trabalhos muito importantes sobre esse assunto, não é verdade?

‑ Vamo‑nos embora, David ‑ chamou a Zé. ‑ Talvez ainda tenhamos tempo para um banho na lagoa. Nós esquecemo‑nos de vos falar sobre isso.

‑ Está bem ‑ disse o David. ‑ Vamos, Júlio. Adeus, Rui.

Foram até à casa velha para vestirem os fatos de banho. Pouco depois corriam pela relva até à lagoa.

‑ Olha, o Rui anda a nadar! ‑ exclamou o David, surpreendido. Na verdade, encontrava‑se ali um rapaz com o cabelo caído para a testa, como de costume.

‑ Olá, Rui! ‑ gritou a Zé. ‑ Anda nadar connosco!

Mas o rapaz já ia a sair da água. O David gritou‑lhe: ‑ Espera um pouco. Não te vás embora! Nós gostávamos de tomar banho contigo, Rui.

O rapaz voltou‑se com um ar provocante.

‑ Não sejas idiota! ‑ gritou ele. ‑ Eu não me chamo Rui!

E, deixando os quatro pequenos atrás de si, pasmados, correu pela relva, desaparecendo.

‑ Afinal de contas é maluco! ‑ disse a Ana.

‑ Não lhe liguem importância. Vamos tomar banho. A água deve estar muito agradável.

Depois do banho sentaram‑se a descansar e começaram a sentir um certo apetite. ‑ Embora eu não perceba como qualquer de nós possa sentir apetite, depois de termos comido ao almoço, entre os quatro, cerca de cinquenta sanduíches

‑ observou o David.

Foram vestir‑se e depois lancharam bolo de frutas, biscoitos e rodelas de ananás enlatado. O sumo de ananás foi diluído em água fresca do regato tornando‑se numa bebida deliciosa.

‑ Agora, vamos examinar a casa ‑ propôs o David.

‑ Já o fizemos, a Ana e eu ‑ disse a Zé. ‑ Por isso penso que não devem encontrar nada de extraordinário.

Passaram uma revista metódica à casa em ruínas e até subiram pela escada de pedra aos dois compartimentos do andar superior, embora estes só tivessem uma pequena porção de parede e quase nenhum telhado.

‑ Nada de especial ‑ disse o David, descendo a escada. ‑ Agora vamos visitar as dependências embora estejam muito arruinadas.

Examinaram tudo, chegando por fim à velha cavalariça. Estava escuro lá dentro pois as janelas eram muito pequenas. Só passados alguns segundos conseguiram distinguir o que os rodeava.

‑ Velhas manjedouras ‑ disse o David, tocando‑lhes. ‑ Sempre gostava de saber há quanto tempo estão fora de uso e...

‑ Olhem! ‑ exclamou de repente a Zé. ‑ Há aqui uma coisa esquisita. Ó Ana, repara. Esta parte do chão não tinha ontem nada de especial, pois não?

A Ana olhou para o grande bloco de pedra branco onde a Zé se encontrava. Era evidente que tinha sido levantado pois os bordos não tinham musgo, como as outras pedras, assentando agora no chão ligeiramente inclinado.

‑ Alguém esteve interessado nesta pedra ou no que está por baixo! ‑ disse o David ‑, Talvez escondessem aqui qualquer coisa.

‑ Aqueles homens na noite passada... foi por isso que aqui vieram ‑ disse a Zé. ‑ Meteram‑se nesta cavalariça e levantaram a pedra. Mas por que motivo?

‑ Em breve descobriremos! ‑ afirmou o Júlio ‑ Vamos todos agarrá‑la e depois levantamo‑la.

 

                   QUE VAI ACONTECER?

QUARENTA dedos estiveram muito ocupados, tentando mover a pedra. Por fim o Júlio conseguiu agarrá‑la por um dos cantos. Tentou levantá‑la e ela cedeu um pouco.

‑ Ajuda‑me deste lado, David ‑ disse o Júlio. O irmão meteu também os seus dedos fortes e depois de algumas tentativas a pedra foi levantada!

Caiu para o outro lado com estrondo e o Tim desatou a ladrar, saltando para longe. Todos olharam para o espaço onde ela estivera, ficando muito desapontados!

Não havia ali absolutamente nada! Nem mesmo um buraco! Via‑se apenas a terra escura e bem batida. Nada mais.

Os pequenos, intrigados, não tiravam os olhos daquela terra dura e seca. A Zé olhou por fim para o Júlio.

‑ É esquisito, não achas? Para que teriam levantado esta pedra pesada se não havia nada aqui escondido?

‑ Quem a levantou com certeza não descobriu nem escondeu fosse o que fosse ‑ disse o Júlio.

‑ Mas por que motivo teria levantado uma pedra tão pesada, tornando a pô‑la no seu lugar?

‑ Evidentemente procurava qualquer coisa que não estava aqui ‑ disse a Ana. ‑ Talvez se tenha enganado na pedra. E é possível que haja alguma coisa muito interessante por baixo da verdadeira pedra. Mas qual será?

Sentaram‑se a olhar uns para os outros. O Tim sentou‑se, também, sem perceber porque fariam tanto alarido acerca duma banal pedra branca. O Júlio fartou‑se de pensar.

- Pelo que contaste, Ana, quanto a teres visto uma luz nesta casa na primeira noite em que aqui estiveste, teres ouvido vozes, e verem aqui as tais pessoas na noite passada, parece que alguém anda à procura com urgência de qualquer coisa aqui à volta.

‑ Qualquer coisa que está por baixo duma pedra ‑ disse a Zé. ‑ Será algum tesouro?

O Júlio abanou a cabeça. ‑ Não. Custa‑me a acreditar que haja algum tesouro escondido nesta casa. Os seus moradores eram certamente bastante pobres. O mais que podiam ter escondido era algumas moedas de ouro e, se assim fosse, com certeza há muito teriam sido encontradas.

‑ Sim, mas alguma pessoa do nosso tempo pode ter escondido aqui qualquer coisa de valor, talvez uma coisa roubada ‑ lembrou a Ana.

‑ É possível que tenhas razão. Nunca se sabe. Certamente um assunto urgente e importante para alguém ‑ disse o David. ‑ Naturalmente as pessoas que foram incomodar o Rui tinham qualquer relação com isto.

‑ É muito provável ‑ disse o Júlio. ‑ Mas com certeza concluíram estar aqui aquilo que procuram. E devem ter ficado bem contrariados, Zé, quando te viram neste sítio com a Ana, na noite passada. Por isso alguém foi espreitar à janela. Queriam ver se vocês estavam a dormir. Mas enganaram‑se!

‑ Não sei se continuo a querer aqui ficar ou se prefiro ir‑me embora ‑ disse a Ana, assustada. ‑ Se não encontraram o que queriam devem voltar outra vez, durante a noite.

‑ Que importa? Temos o Tim connosco! ‑ lembrou o David. ‑ Não me vou embora daqui só porque alguém tem o hábito de levantar pedras grandes.

O Júlio riu‑se. ‑ Nem eu. E não vejo porque não havemos de ir nós mesmos levantar algumas pedras! Podemos chegar a um resultado interessante.

‑ Bem. Então está decidido que ficamos! ‑ disse o David. ‑ E tu, Ana?

‑ Claro que fico ‑ respondeu a pequena, não o desejando nada mas sabendo que não suportaria ficar separada dos outros.

Os Cinco andaram por algum tempo à volta da casa em ruínas, tentando descobrir de que lado teriam aparecido as pessoas que as pequenas haviam visto na noite anterior.

‑ As silhuetas que eu vi primeiro à luz do relâmpago estavam mais ou menos ali ‑ disse a Ana, apontando. ‑ Vamos ver se há algumas pegadas. Chovia a cântaros e o chão devia estar todo enlameado.

‑ Boa ideia ‑ aprovou o David.

Foram todos até ao ponto que a Ana indicara. Mas tratava‑se dum pedaço de terreno cheio de plantas rasteiras, sendo difícil de dizer se alguém passara por ali.

‑ Vamos procurar na parte de fora da janela onde vocês viram uma pessoa a espreitar ‑ lembrou o David. E ali fizeram uma descoberta! Mesmo em frente da janela viam‑se bem marcadas duas solas de sapato. Uma estava ligeiramente alastrada, como se a pessoa tivesse movido um pé para o lado enquanto esperava, a outra era mais nítida.

O David tirou do bolso uma folha de papel. ‑ Vou tirar a medida disto ‑ disse ele ‑ vou fazer um esboço do desenho das solas. Eram solas inteiras de borracha; reparem nas marcas. Talvez fossem solas de Ceilão.

O David mediu as pegadas. ‑ Deve ser mais ou menos o tamanho dos sapatos que tu calças, Ju.

Depois, cuidadosamente, desenhou no papel a marca das solas.

‑ És um autêntico detective, David ‑ disse a Ana, cheia de admiração. O pequeno riu‑se.

‑ Qualquer pessoa é capaz de copiar as marcas deixadas pelas solas! ‑ disse ele. ‑ O mais difícil é atribuir‑lhes um dono.

‑ Calculo serem já horas de jantar, se é que alguém quer jantar ‑ disse a Zé. ‑ São oito e meia. É inacreditável como o tempo passou tão depressa!

‑ Na verdade não tenho grande apetite ‑ disse o David. ‑ Hoje lanchámos muitíssimo bem.

‑ Se não têm grande apetite, é melhor não gastarmos a nossa preciosa comida ‑ disse a Zé.

‑ Se comermos tudo muito depressa teremos de passar a vida a ir a casa buscar mais provisões.

Resolveram todos não jantar. Arranjaram um canto confortável na casa em ruínas e cada um comeu uma fatia de bolo e um biscoito, com um refresco de sumo de ananás preparado com água do regato. A Zé tivera a brilhante ideia de encher de água a lata vazia do ananás e assim cada qual por sua vez ia enchendo dali o púcaro.

‑ Está a escurecer ‑ disse o Júlio. ‑ Vamos dormir dentro da casa ou fora?

‑ Dentro ‑ respondeu logo o David. ‑ Devemos tornar as coisas o mais difíceis possível aos visitantes nocturnos.

‑ Tens razão ‑ concordou o Júlio. ‑ Até aposto que vão ficar pouco satisfeitos ao encontrarem aqui o Tim. Acham que precisamos de tojo para fazermos umas camas? Deve ser difícil partilharmos todos o mesmo cobertor.

Em breve levavam para casa braçadas de tojo. Puseram‑no no compartimento da frente, em dois cantos, pois os rapazes acharam melhor ficar no mesmo quarto das raparigas, para o caso de surgir algum perigo.

‑ É preciso uma enorme quantidade de tojo para se fazer uma cama macia ‑ disse o David, experimentando a sua.

‑ Os meus ossos parece que atravessam tudo até ao chão.

‑ Podemos cobrir o tojo com os nossos impermeáveis ‑ lembrou o Júlio. ‑ Sempre há‑de ajudar. As pequenas podem ficar com o cobertor. Não precisamos de nos cobrir pois está muito quente.

Quando acabaram já era noite. A Zé deitou‑se na sua cama de tojo e bocejou. ‑ Vou dormir ‑ declarou ela. ‑ Não precisamos de ficar de guarda, pois não? Se alguém se aproximar, o Tim ladrará logo.

‑ Também acho que não vale a pena fazermos turnos para ficar sempre alguém de vela ‑ disse o Júlio. ‑ Chega‑te para lá, David. Não me deixas espaço quase nenhum.

O Júlio foi o último a adormecer. Esteve durante algum tempo a pensar na pedra que haviam levantado. Era evidente que alguém esperava encontrar qualquer coisa ali por baixo. Mas porque calcularia ser aquela pedra e não outra? Teriam um mapa? Se assim fosse ele devia mostrar uma pedra errada ou talvez quem a procurasse tivesse lido mal o mapa.

Mas antes que pudesse fazer mais raciocínios o Júlio estava a dormir. O Tim também dormia, satisfeito por ter os quatro pequenos ao seu cuidado. Tinha uma orelha alerta como de costume, mas sem prestar grande atenção. Contudo era o bastante para ouvir um ratito correr pelo chão fora. Foi mesmo suficiente para dar por uma aranha trepando pela parede. Pouco depois adormecia profundamente e nem sequer ouviu um ouriço que passou lá fora.

Mas qualquer coisa fez com que a certa altura a sua orelha se arrebitasse novamente. Um barulho chegou à casa, tornando‑se cada vez mais alto. Era um barulho muito estranho!

O Tim acordou e pôs‑se à escuta. Chamou a Zé com a pata, sem saber se havia de ladrar ou não. Ele bem sabia não dever ladrar quando os mochos piavam. Mas aquilo não era nenhum mocho! Talvez a Zé percebesse do que se tratava.

‑ Quieto, Tim ‑ disse a Zé, sonolenta. Mas o cão continuou a chamá‑la com a pata. Daí a instantes também ela ouviu o barulho e sentou‑se logo na cama.

Que coisa horrível! Pareciam gemidos e gritos cortando a noite, como se tivesse acontecido uma grande desgraça.

‑ Júlio! David! Acordem! ‑ chamou a Zé, sentindo o coração a bater apressadamente. ‑ Está a passar‑se qualquer coisa anormal.

Os rapazes acordaram logo e a Ana também.

Sentaram‑se a ouvir os estranhos sons. Que seria aquilo? Lá voltavam outra vez, tornando‑se progressivamente mais altos e depois diminuindo para recomeçarem daí a momentos.

O David sentiu os cabelos a porem‑se em pé. Saltou da cama de tojo e correu à janela. ‑ Depressa! Venham ver! ‑ gritou ele. ‑ Que é aquilo?

Juntaram‑se perto da janela e o Tim desatou a ladrar com toda a força. Em silêncio, os pequenos presenciaram um espectáculo muito estranho.

Viam‑se luzes azuis e verdes, aqui e ali, por vezes muito intensas, por vezes quase apagadas. Uma curiosa luz branca e redonda deslocava‑se vagarosamente no ar.

A Ana agarrou‑se à Zé, respirando a custo.

‑ Achas que vêm para aqui? ‑ disse ela. ‑ Deus queira que não! Deus queira que não! Não gosto nada disto. Que se passa, Júlio?

‑ Era bom que estes barulhos horríveis acabassem ‑ disse o David. - Fazem‑me dores de cabeça. Percebes alguma coisa de tudo isto, Ju?

‑ Passa‑se qualquer coisa muito estranha ‑ disse o Júlio. ‑ Vou lá fora com o Tim ver se consigo descobrir.

E antes que alguém o pudesse impedir, o Júlio saiu, com o Tim ladrando a seu lado.

‑ Ó Júlio, volta para aqui! ‑ chamou a Ana, ouvindo os passos do irmão a afastarem‑se. Esperaram todos, muito emocionados, perto da janela até que as luzes estranhas se começaram a apagar. Depois, através da escuridão, ouviram os passos do Júlio aproximando‑se. [

‑ Ju! Que foi? ‑ perguntou o David, quando o irmão chegou à entrada.

‑ Não sei, David ‑ respondeu o Júlio, muito intrigado. ‑ Nem faço a menor ideia. Talvez consigamos descobrir amanhã de manhã.

 

                     DESCOBERTAS INTERESSANTES

OS quatro pequenos sentaram‑se às escuras falando sobre os horríveis barulhos e sobre as luzes de cores. A Ana sentou‑se muito chegada ao irmão. Estava assustadíssima.

‑ Quero voltar para Kirrin ‑ disse ela. ‑ Vamos amanhã. Não estou a gostar disto.

‑ Há pouco não consegui ver nada de especial ‑ disse o Júlio, intrigado, com um braço à volta da cintura da Ana. ‑ Pareceu‑me chegar muito perto daqueles sons agudos mas quando me aproximei mais, eles pararam. E embora o Tim ladrasse e corresse dum lado para o outro, pareceu‑me não haver ninguém por ali.

‑ Chegaste às luzes? ‑ perguntou o David.

‑ Fiquei muito próximo mas o mais extraordinário é que, vistas de perto, me pareceram mais altas. Não estavam no chão como eu pensava. O Tim devia ter apanhado quem andasse por ali mas não encontrou ninguém.

‑ Uuuuf! ‑ fez o Tim, desconsolado. Ele não estava a gostar daquela história.

‑ Se ninguém fez barulho nem acendeu as luzes então ainda é pior ‑ disse a Ana. ‑ Vamos para casa, Júlio. Amanhã!

‑ Está bem ‑ disse o Júlio. ‑ Também não me sinto particularmente entusiasmado com tudo isto. Mas meteu‑se uma ideia na minha cabeça que eu gostaria de pôr em prática amanhã.

‑ Qual foi? ‑ perguntou o David.

‑ Bem, pode haver alguém que a todo o custo nos queira pôr fora daqui ‑ disse o Júlio. ‑ E talvez tencione levantar outras pedras e examinar este lugar meticulosamente, sendo impossível fazê‑lo enquanto nós andarmos por aqui. Por isso experimentou assustar‑nos!

‑ Deves ter razão, Júlio! ‑ exclamou o David. ‑ Aqueles barulhos e aquelas luzes seriam o bastante para afastar uma pessoa duma vez para sempre. Eram horríveis! Quando amanhecer vamos procurar bem aqui à volta a ver se conseguimos descobrir algum sinal do malandrão.

‑ Pois sim; mas é muito esquisito o Tim não o ter encontrado ‑ observou o Júlio. ‑ O Tim consegue sempre farejar quem esteja escondido. Amanhã temos que procurar por todos estes sítios.

‑ E se não encontrarmos nada, vamos para casa? ‑ perguntou a Ana.

‑ Está bem, prometo‑te ‑ disse o Júlio, abraçando a irmãzita. - Está descansada; se tu não quiseres não passaremos aqui nem mais uma noite. E agora vamos todos tentar dormir outra vez.

Custou‑lhes bastante a adormecer depois de todos aqueles acontecimentos a meio da noite. A Ana estava sempre à espera de ouvir novamente os mesmos barulhos mas tal não aconteceu. A pequena conservava os olhos bem fechados, não se desse o caso de se ver mais luzes pela janela.

A Zé e os rapazes continuavam também acordados pensando e tornando a pensar nos barulhos e nas luzes que aparentemente não eram provocados por ninguém. Sobretudo o Júlio estava muito intrigado.

Somente o Tim não se preocupava com o assunto. Adormeceu antes dos pequenos embora conservasse uma orelha bem alerta, arrebitando a outra quando a Zé se mexia ou o David conversava em voz baixa com o Júlio.

Como lhes custou a adormecer, acordaram bastante tarde. O Júlio foi quem primeiro despertou, ficando a olhar para o tecto baixo, cheio de surpresa. Onde estaria? Em França? Não! Claro que estava na velha casa em ruínas!

Acordou o David, que começou a espreguiçar‑se.

‑ Lembras‑te daqueles barulhos e das luzes?

‑ disse o David. ‑ Fizeram‑nos apanhar um grande susto. Parece uma estupidez, quando agora pensamos como ficámos aflitos.

‑ Estou convencido de que alguém nos quis amedrontar para nos irmos embora ‑ disse o Júlio. ‑ Aqui só os atrapalhamos. Naturalmente querem fazer alguma busca e não podem, por nossa causa. Tenho uma certa vontade de levar as pequenas para casa, David, e voltar só contigo.

‑ A Ana talvez vá mas a Zé não há‑de querer

‑ respondeu o David. ‑ Bem sabes como ela é; um autêntico rapaz, tão corajosa como qualquer de nós. É melhor não tomarmos nenhuma resolução antes de termos examinado o terreno aqui à volta, esta manhã. Concordo que tudo deve ter sido um truque para nos afastar.

‑ Está bem ‑ disse o Júlio. ‑ Vamos acordar as pequenas. Zé! Ana! Suas dorminhocas! Levantem‑se e preparem o pequeno almoço! Para que servem as raparigas se não para arranjarem as refeições?

Como o Júlio pretendia, a Zé sentou‑se, furiosa.

‑ Tu também podes ir fazer o teu... ‑ começou ela. Mas desatou a rir ao ver a cara divertida do primo.

‑ Eu só queria fazer‑te arreliar ‑ disse o Júlio. ‑ Vamos todos tomar banho na lagoa.

Partiram satisfeitos, gozando o calor do sol, acompanhados pelo Tim, que não parava de abanar a cauda. Quando se aproximaram da lagoa, viram o rapaz boiando descansadamente.

‑ Lá está o Rui! ‑ disse a Ana.

‑ Sempre quero ver se ele esta manhã admite chamar‑se assim! ‑ observou a Zé. ‑ Lembram‑se de como ele nos disse que se chamava Rui e pouco depois o negou? É mesmo palerma! Ainda não percebi se ele é completamente maluco ou se apenas acha divertido contradizer‑se constantemente.

Chegaram à lagoa. O rapaz acenou‑lhes, sorrindo:

‑ Venham! A água está formidável!

‑ Esta manhã chamas‑te Rui? ‑ perguntou a Zé. O rapaz pareceu surpreendido.

‑ Claro que sou o Rui! ‑ afirmou ele. ‑ Não sejas idiota!

Nadaram imenso. O Rui parecia uma enguia, nadando por baixo de água, agarrando os outros pelas pernas, mergulhando, afastando‑se rapidamente, sempre a nadar, e mergulhando outra vez logo que os outros pensavam tê‑lo apanhado.

Por fim, sentaram‑se todos à beira da lagoa, aquecendo‑se ao sol.

‑ Ó Rui, ouviste alguma coisa estranha na noite passada? ‑ perguntou o David. ‑ Ou então viste alguma coisa?

‑ Não vi nada, mas pareceu‑me ouvir alguém, ao longe, a gritar e a gemer ‑ disse o Rui. ‑ Só ouvia uma vez por outra, quando o vento soprava daquela direcção. O Jacto não ficou nada satisfeito. Foi esconder‑se por baixo das minhas pernas.

‑ Nós também ouvimos a mesma coisa mas muito próximo ‑ disse o Júlio. ‑ E vimos umas luzes estranhas.

Discutiram o assunto por algum tempo, mas o Rui não podia ajudá‑los, pois não estivera suficientemente perto dos barulhos para os ouvir com tanta clareza como os outros pequenos.

‑ Estou com apetite ‑ disse a Zé, por fim. ‑ Só consigo pensar em carne assada, tomates e queijo. Acho que já é tempo de voltarmos para a casa em ruínas.

‑ Está bem ‑ disse o Júlio. ‑ Adeus, Rui! Até breve. Adeus, Jacto!

Foram‑se todos embora, com os fatos de banho

quase secos pelo sol.

‑ O Rui estava muito simpático, esta manhã ‑ observou a Ana. ‑ Por que razão se fará ele de parvo de vez em quando?

‑ Olhem, não é ele que vai a correr por aquele caminho, ali à direita? ‑ perguntou a Zé, de repente. ‑ Como chegaria ali tão depressa? Ainda agora o deixámos ao pé da lagoa!

Na verdade parecia o Rui! Chamaram‑no mas ele nem sequer olhou em volta ou disse adeus, embora talvez tivesse ouvido. Os pequenos continuaram o seu caminho, intrigados. Como podia a mesma pessoa ser tão diferente de cada vez que a encontravam? E qual seria o fim em vista?

Prepararam um belo pequeno almoço e depois de lhe fazerem as honras foram ver se conseguiam descobrir qualquer coisa que explicasse os estranhos acontecimentos da noite anterior.

‑ Os barulhos pareciam vir daqui, quando eu saí da casa, ontem à noite ‑ disse o Júlio, parando perto do pequeno grupo de árvores. ‑ E segundo calculei as luzes também estavam aqui perto mas bastante mais altas do que a minha cabeça.

‑ Mais alto do que a tua cabeça! ‑ repetiu o David, confuso. ‑ Parece muito estranho.

‑ Eu não acho! ‑ exclamou a Ana. ‑ Não é mesmo nada estranho! Reparem naquelas árvores. As tais pessoas não poderiam ter trepado para lá e feito depois os barulhos com quaisquer instrumentos esquisitos, acendendo as luzes de cores?

O Júlio fitou as árvores por uns momentos e depois voltou‑se para a Ana, sorrindo.

‑ Tens toda a razão. És uma rapariga inteligente. Sem dúvida estava alguém ali em cima, talvez duas pessoas, uma fazendo os barulhos com qualquer instrumento carnavalesco e a outra queimando fogo de vista dalgum tipo especial, do que não faz barulho, ou então agitando balões iluminados.

‑ E era por isso que as luzes te pareciam tão altas quando aqui chegaste! ‑ disse o David.

‑ Deviam atirá‑las das árvores para nos assustarem e elas ficavam pairando no ar ‑ continuou a Ana. ‑ Felizmente eram só essas simples coisas idiotas que nos meteram tanto medo. Nunca mais me assustarão.

‑ E isso também explica outra coisa ‑ disse a Zé. ‑ Explica o Tim não ter encontrado ninguém. Quem quer que fosse estava em segurança em cima das árvores! Naturalmente nem se atreviam a respirar enquanto o Tim andava lá por baixo!

‑ Eu também estava intrigado com isso ‑ confessou o Júlio. ‑ Parecia uma coisa demasiado fantasmagórica, pois até o próprio Tim não conseguia encontrar ninguém. Só luzes e barulhos!

‑ Olhem o que está ali! ‑ exclamou o David, apanhando qualquer coisa do chão. ‑ É um balão vazio, verde‑pálido.

Agora podemos ter a certeza de que as luzes eram balões iluminados por qualquer processo e largados para pairarem no ar.

‑ Muito bem! ‑ disse o Júlio. ‑ Deviam ter arranjado uma porção de coisas esquisitas para nos assustarem e nos porem a andar daqui.

‑ Pois não conseguirão o que pretendem! ‑ afirmou a Ana, inesperadamente. ‑ Eu, pelo menos, não me vou embora. Não me assustam só com aquelas parvoíces da noite passada.

‑ Querida Ana! ‑ exclamou o Júlio, batendo‑lhe amigavelmente nas costas. ‑ Então ficamos todos. E eu tive uma ideia!

‑ Qual? ‑ perguntaram os outros.

‑ Vamos fingir que resolvemos irmo‑nos embora ‑ disse o Júlio. ‑ Arranjamos as coisas e vamos acampar para qualquer outro sítio. Mas o David e eu escondemo‑nos aqui esta noite e ficamos a espiar quem apareça, para vermos o que procuram!

‑ Isso é um plano maravilhoso! ‑ disse o David, satisfeito. ‑ Vamos pô‑lo em prática. Anda uma aventura no ar! E ela há‑de encontrar‑nos preparados para a receber!

 

                   UM ÓPTIMO ESCONDERIJO

OS Cinco passaram um dia muito divertido. Ao fim da tarde decidiram que era altura de executarem o plano do Júlio e guardaram tudo como se fossem partir.

‑ Naturalmente está alguém a observar o que fazemos ‑ disse o David. ‑ E como deve ficar satisfeito ao ver‑nos preparados para partir!

‑ Como poderão espreitar‑nos? ‑ perguntou a Ana, olhando à sua volta, como se esperasse ver alguém atrás dum arbusto. ‑ O Tim farejaria logo qualquer pessoa que estivesse aqui escondida!

‑ Ora, essa pessoa não estará a distância de o Tim lhe sentir o mais leve cheiro ‑ disse o David.

‑ Deve encontrar‑se a vários quilómetros daqui.

‑ Então como poderá ver‑nos ou saber que vamos partir?

‑ Ó Ana, não sei se já ouviste falar em binóculos ‑ começou o David, muito sério. ‑ São umas coisas que servem para ver ao longe...

A Ana ficou muito vermelha e deu uma palmada ao David. ‑ Não sejas idiota! Claro que é isso! Alguém deve estar no monte, com um binóculo virado para a casa em ruínas.

‑ Naturalmente até sei onde está essa pessoa

‑ disse o David. ‑ Notei que uma pequena luz brilha de vez em quando no monte aqui em frente. É tal e qual a luz do sol reflectida pelo vidro. Por isso o nosso observador deve estar sentado no cimo do monte, não perdendo um só dos nossos

movimentos.

A Ana virou‑se, tentando olhar para o monte.

‑ Não quero ver ninguém parado a olhar para ali ‑ disse‑lhe logo o Júlio energicamente. ‑ É um disparate fazer a tal pessoa perceber que nós sabemos estarmos a ser observados.

Continuaram a guardar as suas coisas e em breve iam levando para o pátio da casa o que estava arrumado. A Zé foi lá para fora amarrar as suas coisas à bicicleta; assim o observador do monte podia ver bem todos os seus movimentos.

O Júlio estava a dobrar cuidadosamente algumas das suas roupas quando a Ana lhe disse:

‑ Vem aí alguém!

Todos olharam em volta, preparados para verem um desconhecido de aspecto sinistro. Mas viram apenas uma camponesa caminhando apressada com um xaile pela cabeça e um cesto no braço. Ela parou perto dos Cinco.

‑ Boa tarde ‑ disse o Júlio, delicadamente. ‑ Está um lindo dia!

‑ Maravilhoso! ‑ concordou a mulher. ‑ Estão aqui acampados? Tiveram sorte com o tempo.

‑ Mas agora vamo‑nos embora ‑ disse o Júlio. ‑ Temos dormido na casa em ruínas mas agora decidimos irmo‑nos embora. A casa é muito, muito antiga?

‑ É sim. E dizem que acontecem ali coisas esquisitas durante a noite ‑ contou a mulher.

‑ Bem o sabemos! ‑ exclamou o Júlio. ‑ A noite passada ficámos bastante assustados, posso garantir‑lhe, com barulhos horríveis e luzes que faziam lembrar fantasmas.

Por isso resolvemos não ficar lá mais tempo.

‑ Fizeram bem ‑ disse a mulher. ‑ Não fiquem ali! Afastem‑se deste sítio o mais que puderem! Eu garanto‑lhes que não era capaz de passar aqui durante a noite! Para onde vão agora?

‑ Bem, a nossa casa fica em Kirrin ‑ disse o Júlio, dando uma resposta vaga. ‑ Conhece? Fica na baía Kirrin.

‑ É um lindo sítio ‑ respondeu a mulher. ‑ Pois não devem passar aqui outra noite! Boa tarde!

Afastou‑se apressadamente e em breve os pequenos perderam‑na de vista.

‑ Continuem a fazer as malas ‑ disse o Júlio aos outros. ‑ O homem do binóculo ainda está no monte. Agora mesmo vi as lentes a brilhar!

‑ Ó Júlio, porque contaste certas coisas à mulher? ‑ perguntou a Ana. ‑ Tu não costumas falar tanto quando estamos no meio de qualquer coisa estranha.

‑ Minha querida Ana, tu não és nada desconfiada. Queres dizer com isso que tomaste aquela mulher pelo que ela pretendia parecer‑ Uma camponesa duma quinta próxima? ‑ disse o Júlio.

‑ E não era? ‑ perguntou a Ana, surpreendida. ‑ Parecia exactamente. Não tinha pinturas na cara, usava um xaile velho e sabia tudo acerca da casa em ruínas.

‑ Ana, as camponesas não usam dentes de ouro ‑ disse o Júlio. ‑ Não reparaste quando ela sorriu?

‑ E tinha o cabelo pintado ‑ acrescentou a Zé. ‑ Eu notei que era quase branco na raiz e escuro na parte de cima.

‑ E as mãos, repararam? ‑ perguntou o David.

‑ Uma mulher do campo faz uma porção de trabalhos pesados e as suas mãos nunca podem ser brancas e macias mas sim morenas e fortes. As mãos daquela mulher eram tão brancas como as duma princesa!

‑ Realmente também reparei ‑ disse a Ana.

‑ E lembro‑me de que ela às vezes falava como uma mulher do campo e outras não.

‑ Ora aí tens! ‑ exclamou o Júlio. ‑ Ela deve fazer parte dos mariolas que tentaram assustar‑nos na noite passada. Quando a pessoa que está no monte a observar‑nos lhes comunicou que parecia estarmos a arranjar as coisas para partir, mandaram‑na aqui certificar‑se. Por isso fingiu ser uma camponesa mas 'felizmente nós não somos tão estúpidos como ela pensava.

‑ Mas tu desempenhaste muito bem o teu papel! ‑ disse o David ao irmão, rindo. ‑ O grupinho deve vir aqui esta noite para levantar todas as pedras que conseguirem encontrar. E nós dois vamo‑nos divertir imenso a espreitá‑los.

‑ Tenham cuidado para que não os vejam, sim‑ ‑ pediu a Ana. ‑ Onde tencionam esconder‑se?

‑ Ainda não sabemos ‑ respondeu o David. ‑ Agora vamo‑nos embora para acamparmos em qualquer outro sítio que não possa ser facilmente descoberto. Tu e a Zé podem lá dormir com o Tim, esta noite, o Júlio e eu voltamos para aqui.

‑ Eu também quero vir ‑ declarou logo a Zé. ‑ A Ana fica bem com o Tim.

‑ Desta vez não pode ser, Zé ‑ disse o Júlio.

‑ Quanto menos pessoas vierem espreitar, melhor. Desculpa, mas tens de ficar com a Ana.

A Zé pôs‑se logo mal disposta. O Júlio riu‑se e bateu‑lhe no ombro.

‑ Sua encantadora cara de zangada! Fica‑te lindamente! Continua, Zé! Zanga‑te mais um bocadinho!

A Zé riu‑se contra vontade ficando outra vez bem disposta. Ela detestava ser posta de parte em qualquer coisa mas compreendia perfeitamente que não servia para nada ficarem uma porção de pessoas à espreita, naquela noite. Pois bem, faria companhia à Ana.

Dava ideia de que a pessoa do monte se fora embora, pois já não se via o sol brilhar nas lentes do binóculo quando o apontava para os Cinco.

‑ A mulher mascarada de camponesa deve ter convencido o homem de que nos vamos embora ‑ disse o Júlio, ‑ Alguém se lembra dum sítio para onde possamos ir? Não demasiadamente longe mas impossível de ser visto pela pessoa do binóculo, caso ela ainda esteja no monte.

‑ Eu conheço um bom lugar ‑ disse a Zé.

‑ Do outro lado do regato há um arbusto enorme. Por baixo da folhagem, que chega ao chão, ele tem um espaço vazio. É uma espécie de gruta feita de ramos e folhas.

‑ Parece‑me um bom sítio ‑ disse o Júlio.

‑ Vamos procurá‑lo.

A Zé seguiu à frente, tentando lembrar‑se com precisão do sítio em que ficava o arbusto. O Tim seguia‑a, continuando com a rodela ao pescoço, a qual se tornava agora bastante mais incómoda. A Zé parou pouco depois de passarem pelo regato.

‑ É mais ou menos aqui ‑ disse ela. ‑ Lembro‑me de que ainda ouvia o barulho do regato quando encontrei o espaço vazio por baixo do arbusto. Ah! lá está ele!

Realmente era um arbusto enorme, verde e com bastantes espinhos pelo lado de fora, e algumas flores amareladas. Por baixo ficava um espaço onde a terra era muito fina, quase arenosa.

O tronco principal, pois era um verdadeiro tronco o que suportava o arbusto, não ficava mesmo no meio e por isso o espaço era maior. O Júlio segurou com uma folha de papel pardo os ramos que tapavam a entrada para aquele esconderijo, pois estavam cheios de espinhos.

‑ Há bastante espaço para vocês duas e para o Tim. Coitado! Ele vai ter dificuldade em passar para dentro e para fora com a sua coleira de cartão!

‑ Tira‑lha! ‑ aconselhou o David. ‑ A orelha agora está praticamente curada. Mesmo que a coce não lhe deve fazer grande mal. Ó Tim, palavra que vais ficar irreconhecível, sem o teu cartão!

‑ Está bem ‑ disse a Zé, dando mais uma olhadela à orelha. Esta continuava coberta com um adesivo mas era certo que estava quase boa. A Zé cortou a linha que prendia as duas extremidades da rodela e depois torceu‑a de maneira a sair do pescoço do cão.

Ficaram todos a olhar para o Tim, que parecia muito surpreendido. Não parava de abanar a cauda, como se quisesse dizer: ‑ Estão a tirar‑me essa coisa? Não percebo porquê!

‑ Ó Tim, tu agora, sem a rodela de cartão, pareces despido! ‑ exclamou a Ana. ‑ No entanto, é bom voltar a ver‑te assim. Ouve, Tim, esta noite vais tomar conta de mim e da Zé, não vais? Bem sabes que andamos metidos numa aventura!

‑ Uuuuf! ‑ fez o Tim. ‑ Uuuuf! Sim, ele bem sabia.

 

                     À ESPREITA, NA CASA EM RUÍNAS

COMEÇAVA a desaparecer a luz do dia e por baixo do arbusto estava mesmo muito escuro. Os Cinco, incluindo o Tim, tinham conseguido meter‑se todos lá dentro. Para pouparem as pilhas, acendiam só uma lanterna de

cada vez.

Daí a pouco resolveram jantar. A carne assada estava naquela altura praticamente acabada, mas ainda havia alguns tomates e bastante bolo.

O Júlio abriu a última lata de sardinhas e arranjou umas sanduíches para ele e o David levarem. Também embrulhou duas enormes fatias de bolo e meteu na algibeira quatro paus de chocolate.

‑ Precisamos de qualquer coisa que nos faça passar o tempo, enquanto estivermos à espera, esta noite ‑ disse ele, rindo. ‑ Não sei se aparecerão as luzes e os gritos mas é pouco natural. Teriam como assistência apenas uma casa vazia.

‑ Espero que tenham cuidado ‑ disse a Ana.

‑ Ana, é a sétima vez que repetes isso ‑ observou o David. ‑ Não sejas pateta. Ainda não percebeste que o Júlio e eu nos vamos divertir? Vocês é que devem ter cuidado.

‑ Porquê? ‑ perguntou a Ana, surpreendida.

‑ Devem ter cuidado com aquela aranha preta, ali pendurada ‑ disse o David. ‑ E prestem atenção, não vá algum ouriço sentar‑se em cima das vossas pernas. E vejam se alguma cobra quererá compartilhar convosco este esconderijo tão quentinho e além disso...

‑ Agora és tu o pateta! ‑ interrompeu a Ana, dando‑lhe uma palmada. ‑ Quando pensam voltar?

‑ Estaremos aqui exactamente na altura em que nos ouvires afastar os ramos do arbusto ‑ disse o Júlio. ‑ Ouve, David, podemos ir andando, não te parece?

‑ Óptimo! ‑ disse o David, saindo para fora do arbusto com o maior cuidado, para se arranhar o menos possível. ‑ Santo Deus, quem havia de dizer que isto tem tantos espinhos!

As pequenas ficaram sentadas, muito quietas, quando os rapazes se afastaram do arbusto. Tentaram ouvir os passos deles mas não conseguiram. O Júlio e o David caminhavam pela relva, no maior silêncio.

‑ Espero que eles tenham... ‑ recomeçou a Ana. Mas a Zé fez um movimento de impaciência.

‑ Se dizes isso outra vez dou‑te uma bofetada, Ana. Palavra que dou.

‑ Eu não ia dizer o mesmo ‑ afirmou a Ana. ‑ Ia só dizer assim: Espero que eles tenham sorte, esta noite. Gostava de voltar para Kirrin para andarmos de barco e tomarmos banho de mar.

‑ E saborearmos os cozinhados da Joana

‑ acrescentou a Zé. ‑ Salsichas com cogumelos e tomates.

‑ E linguado frito, acabado de pescar, com batatas coradas ‑ disse a Ana. ‑ Até parece que estou a sentir o cheiro.

‑ Uuuuf ‑ fez o Tim, farejando, de focinho no ar.

‑ Olha! Ele percebeu o que eu disse! ‑ exclamou a Ana. ‑ É tão inteligente!

Tiveram uma grande conversa sobre a inteligência do Tim e este ficou a ouvir, abanando a cauda com tanta força que levantava imenso pó.

‑ Vamos dormir ‑ propôs a Ana. ‑ Não podemos passar a noite conversando e não é por ficarmos acordadas que ajudamos os rapazes.

Enrolaram‑se num cobertor, ficando bem juntas, não para se aquecerem, pois a noite estava quente, mas por haver muito pouco espaço. A Ana apagou a lanterna e ficaram logo na mais completa escuridão. O Tim pôs o focinho sobre o estômago da Zé.

‑ Ó Tim, tem mais cuidado ‑ disse ela, zangada. ‑ Olha que eu jantei muito bem!

A Ana riu‑se e puxou a cabeça do Tim para ao pé dela. Era reconfortante ter ali o fiel Tim. Concordava com a Zé; aquele era o melhor cão do mundo.

‑ Sempre gostava de poder adivinhar o que fazem os rapazes neste momento ‑ disse ela, depois duma pausa. ‑ Talvez estejam no meio dalguma aventura fantástica!

Mas não estavam! Naquele momento o Júlio e o David sentiam‑se mesmo muito aborrecidos. Tinham ido com todas as precauções até à casa em ruínas, não acendendo nunca as suas lanternas, com medo de denunciar a sua presença. Tinham discutido anteriormente qual o melhor lugar para se esconderem e haviam chegado à conclusão de que seria boa ideia subir a pequena escada de pedra no interior da casa e esconderem‑se nos quartos sem telhado, lá em cima.

‑ Não têm tecto e quase não têm paredes

‑ disse o David. ‑ Poderemos espreitar para todos os lados e ninguém há‑de imaginar que estamos mais acima, observando tudo. Ainda bem que a noite está tão estrelada. Quando nos habituarmos à pouca luz seremos capazes de distinguir tudo perfeitamente. Só é pena não haver luar.

Aproximaram‑se da casa, parando a cada passo e apurando os ouvidos ao mais pequeno ruído, com a respiração suspensa.

‑ Por enquanto nem se vê a luz duma lanterna

‑ disse o David ao ouvido do Júlio. ‑ Com certeza ainda não está aqui ninguém. Vamo‑nos meter dentro de casa o mais depressa possível, para subirmos as escadas.

Entraram em bicos de pés na casa em ruínas, continuando a não acender as lanternas. Foram às apalpadelas até à escada de pedra e subiram‑na, fazendo o menor barulho possível. Como retinham a respiração os seus corações pareciam bater mais

alto.

‑ Ouves as pancadas do meu coração? ‑ segredou o David ao Júlio, quando por fim chegaram ao andar superior, o dos quartos sem telhado.

‑ O meu também bate desordenadamente! Bem, chegámos até aqui sem novidade. Agora precisamos ter o maior cuidado, não vá haver por aqui algumas pedras soltas onde possamos tropeçar, denunciando assim a nossa presença.

Afastaram algumas pedras soltas e depois sentaram‑se, silenciosamente, sobre um resto de parede entre os dois compartimentos em ruínas. Soprava um vento quente e tudo estava tranquilo, excepto a trepadeira de rosas que subia pela velha casa e abanava ligeiramente com o vento fazendo um leve barulho. O David roçou a mão por um espinho, arranhando‑se. A trepadeira crescia por toda a parte, arrastando‑se pelo chão, cobrindo as paredes e até mesmo subindo por aquilo que restava da chaminé.

Já ali estavam havia uns três quartos de hora quando o Júlio fez um sinal ao David.

‑ Lá vêm eles! ‑ segredou. ‑ Repara, por aquele lado!

O David olhou em volta, avistando uma pequenina luz a mover‑se na escuridão.

‑ Uma lanterna! ‑ murmurou ele. ‑ E mais outra! Parece uma procissão. Avançam devagar.

As pessoas que se aproximavam faziam muito pouco barulho. Dirigiam‑se à velha casa e depois as luzes dispersaram.

‑ Vão certificar‑se se nós realmente nos fomos embora ‑ segredou o Júlio ao irmão. ‑ Espero que não venham cá acima.

‑ Vamos esconder‑nos atrás da chaminé, não se dê esse caso ‑ segredou o David.

Levantaram‑se com o maior cuidado, dirigindo‑se para o sítio onde ficavam os restos da chaminé, que parecia uma sombra negra contra a noite estrelada. A chaminé era bastante grande, embora estivesse quase a cair. Os dois rapazes chegaram‑se a ela, do lado contrário àquele onde se encontrava a escada de pedra.

‑ Vem alguém a subir! ‑ murmurou o David, pois o seu ouvido apurado distinguia o som de passos nos degraus de pedra.

‑ Espero que fique preso na trepadeira, pois está um grande ramo mesmo no cimo da escada.

‑ Psiu! ‑ fez o Júlio.

Alguém subiu até ao alto das escadas e soltou uma praga.

‑ Óptimo! ‑ pensou o David. ‑ Picou‑se na trepadeira!

A luz duma lanterna passou pelos quartos em ruínas, pelas paredes meio caídas e pelos restos da chaminé. Os rapazes retiveram a respiração, ficando como estátuas. A luz brilhou em volta por mais um momento e depois ouviu‑se uma voz falando para baixo.

‑ Não está aqui ninguém. Os miúdos foram‑se embora. Podemos continuar o nosso trabalho.

Os rapazes respiraram fundo. Estavam salvos, pelo menos naquela altura. Os recém‑chegados, lá em baixo, puseram‑se à vontade. Falavam em voz alta e acenderam várias lanternas. Depois acenderam também dois lampeões e a casita ficou muito bem iluminada.

‑ Por onde começamos? ‑ perguntou uma voz. ‑ Ouve lá, Josefina, onde está o plano?

‑ Trouxe‑o comigo. Vou estendê‑lo no chão ‑ disse uma voz que os rapazes logo reconheceram. Era a «camponesa» que falara com eles naquela tarde.

‑ Não serve de muito ‑ continuou a mesma voz. ‑ O Paulo não tem grande jeito para desenho.

Com certeza o grupo estava naquele momento a observar o plano. Ouviram‑se várias vozes.

‑ Só sabemos ao certo que temos de encontrar a tal pedra branca com umas dimensões determinadas.

Conhecemos essas medidas mas não sabemos onde ela se encontra, embora calculemos que deva ser aqui. Já procurámos na antiga aldeia romana e concluímos que não há ali pedras do tamanho indicado.

O Júlio fez um sinal ao David. Naturalmente algum dos visitantes de que o Rui se queixara devia fazer parte daquele grupo. Mas que andariam a procurar atrás duma pedra?

Tiveram a resposta um minuto mais tarde.

‑ Se tivermos de levantar todas as pedras destes sítios, assim faremos ‑ disse uma voz arrastada. ‑ Acima de tudo quero encontrar o tal caminho secreto. Se não o encontrarmos e se não descobrirmos os tais esquemas, teremos de ir para o asilo dos pobres, passar o resto das nossas vidas.

‑ Ou para a prisão! ‑ comentou alguém.

‑ Não penses nisso ‑ respondeu a voz arrastada. ‑ É o Paulo quem irá para a prisão.

‑ O Paulo não conseguirá fazer um desenho melhor do que este? ‑ perguntou a voz da «camponesa». Não percebo metade do que aqui está escrito.

‑ Ele está doente e meio maluco ‑ disse alguém.

‑ Não vale a pena pedir‑lhe coisa alguma. Passou tais aflições para fugir com os esquemas que ia morrendo. Não serve de nada perguntar‑lhe seja o que for.

‑ Não consigo perceber esta palavra aqui

‑ disse a mulher. ‑ A‑G‑R‑A, que significa?

‑ Não sei. Ora espera! Talvez seja A‑G‑U‑A. Com um U em vez de R. Onde fica o poço? Há algum na cozinha? Deve ser água! Até aposto que há uma pedra branca por cima do poço.

E deve ser por ali o caminho secreto para o esconderijo.

O Júlio apertou o braço do irmão. Estava tão entusiasmado como o homem lá em baixo. Os pequenos prestavam a maior atenção, apurando os ouvidos.

‑ Aqui está o velho lava‑loiças e isto devem ser os restos duma bomba. O poço deve ficar por baixo desta pedra. Reparem, ela corresponde exactamente às medidas que nós sabemos! Ao trabalho! Despachem‑se! Ao trabalho!

 

                   UMA SURPRESA

EM breve se ouviu o ruído de respirações ofegantes, intercaladas com várias pragas, enquanto o grupo tentava levantar a pedra que estava perto da bomba. Era com certeza muito pesada e muito difícil de levantar pois através dos anos quase se tornara parte integrante do chão.

‑ Ora que estopada! Tenho as mãos a arder! ‑ exclamou uma das vozes. ‑ Empresta‑me essa ferramenta, Tom. Tu não sabes servir‑te dela!

Depois de grandes esforços a pedra foi finalmente levantada. ‑ Lá vem ela! ‑ disse uma voz. A pedra devia ter‑se levantado tão de repente que, segundo parecia, a maior parte dos homens caíra pesadamente no chão.

Os dois rapazes estavam ultra‑interessados e entusiasmados. Como eles desejavam ir espreitar! Mas era impossível. Deviam limitar‑se a ouvir e a calcular o que os homens faziam só pelas suas palavras.

‑ Sempre há aqui um poço. Mas a água fica muito no fundo! E parece negra como breu.

Fez‑se um silêncio enquanto o poço foi examinado à luz das lanternas. Depois, uma voz cheia de desespero, a que era muito arrastada, disse:

‑ Este não é o caminho secreto! Quem poderia meter‑se pela água dentro? É um pequeno poço vulgar e nada mais! A tal palavra não deve querer dizer água.

‑ Está bem, patrão. Mas nesse caso que significa? ‑ perguntou a mulher. ‑ Eu não sei. Isto não é um plano, é uma charada! Porque não teria o Paulo feito um desenho mais claro para indicar onde se encontra a pedra? Limitou‑se a fazer uma data de garatujas e nós só conseguimos perceber que se encontra neste campo, próximo desta casa. E o caminho secreto fica atrás da tal pedra!

‑ A única coisa a fazer é ir procurar atrás de dúzias de pedras pesadíssimas ‑ disse outra voz. ‑ Estou farto! Já levantámos pedras em toda a parte, na antiga aldeia e aqui, e continuamos sem saber onde está o que nos interessa.

‑ Cala‑te! ‑ ordenou a voz arrastada, agora com aspereza. ‑ Se tivermos de deitar abaixo esta casa em ruínas, se tivermos de levantar todas as pedras das redondezas, eu não me importo, pois tudo se resume na questão de ficarmos ricos ou continuarmos pobres. Quem quiser pode ir‑se embora; mas é melhor ter cuidadinho!

‑ Acalme‑se, patrão, acalme‑se! ‑ disse a mulher. ‑ Estamos todos metidos nisto. Faremos o que nos mandar. Agora levantaremos mais algumas pedras. Com as medidas que o Paulo escreveu no mapa, não há assim tantas!

Depois, enquanto o grupo ia levantando pedra após pedra, seguiu‑se um espaço de tempo muito aborrecido para os dois rapazes escondidos. Aparentemente nada foi encontrado por baixo de qualquer das pedras.

Os homens dirigiram‑se às dependências deixando a mulher na casa. Os rapazes julgaram que ela tinha ido com eles e o Júlio mexeu-se um pouco, pois começava a sentir‑se entorpecido por ter estado quieto durante tanto tempo.

A mulher devia ter bom ouvido pois deu logo sinal. ‑ Quem está aí? És tu, Tom? ‑ gritou ela.

Os rapazes endireitaram‑se, ficando novamente como estátuas. A mulher não disse mais nada. Pouco depois, os homens voltaram, conversando. Parecia que eram três.

‑ Nada! ‑ disse o homem da voz arrastada.

‑ Acho melhor voltarmos a procurar nas ruínas romanas.

‑ Vai ser difícil, encontrando‑se já ali alguém

‑ disse a mulher.

‑ Podemos armar uma discussão com ele

‑ respondeu o homem, zangado.

O Júlio ficou aflito. Aquilo significaria que o Rui corria perigo? Era melhor ir avisá‑lo.

‑ Já estou farta de aqui estar ‑ disse a mulher. ‑ Vamo‑nos embora. A pedra não deve encontrar‑se neste sítio. Estamos a perder tempo.

Para grande alívio dos rapazes, os três homens e a mulher saíram da casa e foram‑se embora. O Júlio e o David inclinaram‑se sobre a parede meio abatida do quarto onde estavam vendo as luzes das lanternas tornarem‑se cada vez menos distintas, à medida que os homens se afastavam, seguindo pelo campo fora. Muito bem! Já podiam voltar para junto da Ana e da Zé.

‑ Estou completamente entorpecido ‑ disse o David, estendendo os braços e as pernas. ‑ Bem, Júlio, ficámos a saber muita coisa, não achas? É evidente que um homem chamado Paulo roubou uns esquemas valiosos. Talvez se trate dum plano de guerra ou de qualquer outra coisa no género.

Depois escondeu o esquema num lugar que ele conhecia, nestas redondezas; e para lá ir é preciso levantar uma pedra dum tamanho determinado.

‑ E nós sabemos quais são as medidas pois já vimos a que eles levantaram na cavalariça ‑ disse o Júlio. ‑ Proponho voltarmos lá e medi‑la. Ou então medimos a que fica por cima do poço. Naturalmente a verdadeira pedra está em qualquer ponto da antiga aldeia. O melhor é contarmos ao Rui e deixá‑lo entrar no segredo. Ele há‑de ajudar‑nos.

‑ Que esquisito, encontrarmo‑nos metidos num negócio destes ‑ disse o David, ‑ Tudo por a Zé não gostar que façam troça do Tim com a sua rodela ao pescoço! Foi o Tim o causador de tudo isto. Os rapazes desceram os degraus de pedra e, claro está, o David não se lembrou da trepadeira que o prendeu por um pé fazendo‑o ir aos tropeções pelas escadas abaixo.

‑ Ai! ‑ gritou o pequeno, agarrando‑se ao Júlio com tanta força que este também ia caindo.

‑ Desculpa. Foi outra vez a trepadeira. Fiquei com a perna toda arranhada. Acende a lanterna, pelo amor de Deus.

Mediram cuidadosamente a pedra que ficava ao pé do lava‑loiças e depois saíram da casa em ruínas, dirigindo‑se ao regato na esperança de encontrarem o arbusto onde estavam as pequenas. Primeiro tentaram meter‑se por baixo dum outro arbusto mas por fim descobriram o que queriam. O Tim soltou um ligeiro latido de boas‑vindas.

‑ Júlio! David! São vocês? ‑ perguntou a Ana quando os rapazes se meteram no esconderijo.

‑ Vocês demoraram‑se SÉCULOS! Nós não dormimos nem um minuto. Está quieto, Tim! Este lugar é demasiado pequeno para andares aos saltos dum lado para o outro.

Os rapazes sentaram‑se no chão e acenderam as lanternas. O Júlio relatou os curiosos acontecimentos e as duas pequenas escutaram‑no com o maior interesse. A Zé ficou entusiasmadíssima.

‑ É fantástico como se descobriu tanta coisa em tão pouco tempo! Que vamos fazer agora?

‑ Devemos avisar o Rui logo pela manhã e depois é melhor entrarmos em contacto com a polícia ‑ disse o Júlio. ‑ Nós sozinhos não podemos impedir os homens de examinarem as ruínas e quando eles encontrarem a tal pedra podem facilmente descobrir o que querem e irem‑se embora.

‑ Tenho pena de não vos ter acompanhado ‑ disse a Zé.

Conseguiram arranjar espaço para todos se deitarem e dormirem, pois estavam muito fatigados. Algumas horas mais tarde, quando rompia a aurora, o Tim levantou a cabeça, rosnando. A Zé acordou logo.

‑ Que se passa, Tim? Eu não ouço nada! Mas com certeza o Tim ouvia qualquer coisa!

A Zé acordou o Júlio e fê‑lo prestar atenção ao rosnar contínuo do Tim.

‑ Porque não parará de rosnar? ‑ perguntou ela. ‑ Eu não ouço nada ! E tu?

‑ Também não ‑ respondeu o Júlio, prestando atenção. ‑ Acho desnecessário irmos lá fora procurar às escuras o que faz o Tim rosnar. Naturalmente é qualquer coisa sem importância. Algum ouriço ou um esquilo. Cala‑te, Tim. Já rosnaste bastante!

Começava a amanhecer embora continuasse a mais completa escuridão por baixo do arbusto.

Por que motivo rosnaria o Tim? Os três homens com a mulher teriam voltado? Ou seria apenas um dos ouriços que ele detestava?

Por fim o cão parou de rosnar e, pondo o focinho sobre as patas, fechou os olhos. A Zé fez‑lhe uma festa.

‑ Bem, aquilo que o preocupava já se foi embora. Estás bem instalado, Júlio? Há pouco espaço e faz muito calor.

‑ Quero levantar‑me bem cedo para irmos avisar o Rui; depois podemos ir nadar na lagoa ‑ disse o Júlio, bocejando.

Apagou a lanterna e voltou a adormecer.

Acordaram tarde. O David foi o primeiro e olhou logo para o relógio de pulso. Ficou admirado.

‑ Já são oito e meia! Ju, Ana, Zé, acordem! É quase meio‑dia!

Todos se sentiam moídos e saíram debaixo do arbusto com tenções de tomarem um banho e irem ter com o Rui. Quando chegaram perto das ruínas, pararam, muito admirados.

Dentro da trincheira alguém estava a chorar alto, duma maneira tão sentida que os Cinco ficaram aflitos. Que poderia ter acontecido? Correram até à borda da trincheira e olharam lá para baixo.

O rapaz ali estava, deitado de bruços, soluçando. De vez em quando, levantava a cabeça e voltava a baixá‑la.

‑ Rui! Rui! Que aconteceu? ‑ gritou o Júlio, dando um salto, indo cair ao lado do rapaz. ‑ Magoaste‑te? O Jacto feriu‑se? Que se passa?

‑ Foi o Rui! Desapareceu! Levaram‑no! ‑ disse o rapaz, entre soluços. ‑ E eu fui tão mau para ele! Agora partiu para nunca mais voltar.

‑ O Rui desapareceu? Mas tu és o Rui! ‑ disse o Júlio, cheio de surpresa. ‑ Não te percebo!

Agora estava certo de que o rapaz era maluco, falando sobre si próprio daquela maneira. O Júlio deu‑lhe uma pequena palmada no ombro.

‑ Olha, tu estás doente. Vem connosco. Precisas de ser visto por um médico.

O rapaz pôs‑se em pé dum pulo, mostrando a sua cara manchada e molhada pelas lágrimas.

‑ Não estou nada doente! Já lhe disse que o Rui desapareceu. Eu não sou o Rui. Ele é o meu irmão gémeo. Nós somos os dois muito parecidos.

Ficaram todos de boca aberta. Só depois de alguns momentos conseguiram habituar‑se àquela ideia e depois, claro está, muita coisa ficou explicada! Não conheciam um rapaz maluco mas apenas dois rapazes normais que eram gémeos. Não existia, como haviam suposto, um rapaz passando o tempo a contradizer‑se, aparecendo inesperadamente, umas vezes simpático outras antipático.

‑ Gémeos! Porque não pensámos nisso há mais tempo? ‑ exclamou o Júlio. ‑ Julgávamos que só existia um de vocês! Nunca os vimos juntos!

‑ Pois não. Nós zangámo‑nos, zangámo‑nos horrivelmente ‑ explicou o rapaz, outra vez com lágrimas nos olhos. ‑ E quando os gémeos se zangam, são zangas a valer; é pior do que em qualquer outro caso. Nessas alturas detestamo‑nos. Nunca andamos juntos, nunca comemos juntos, nunca dormimos na mesma barraca! Já nos zangámos muitas vezes mas não como agora! Eu fazia de conta que ele não existia e ele portava‑se da mesma maneira.

‑ Que grande sarilho! ‑ exclamou o Júlio, admirado e confuso. ‑ Agora conta‑me o que aconteceu para estares assim tão triste. Conta depressa!

‑ A noite passada o Rui quis fazer as pazes comigo ‑ começou o rapaz. ‑ Mas eu não quis. Dei‑lhe um encontrão e afastei‑me. Mas esta manhã estava arrependido e vim procurá‑lo para fazermos as pazes e... e...

O pequeno parou, recomeçando a chorar. Todos se sentiam pouco à vontade.

‑ Anda, conta‑nos! ‑ pediu o Júlio, com delicadeza.

‑ Cheguei só a tempo de o ver brigar com dois homens, gritando e dando pontapés. Depois eles conseguiram agarrá‑lo e levaram‑no! ‑ contou o rapaz. ‑ Eu caí na trincheira e magoei‑me numa perna. E na altura em que consegui levantar‑me, o Rui tinha desaparecido já não se encontrando aqui ninguém.

O rapazito voltou‑se, recomeçando a soluçar. ‑ Nunca hei‑de perdoar a mim mesmo! Nunca! Se ontem à noite tivesse feito as pazes com o Rui, poderia tê‑lo ajudado!

 

                   MUITO BEM, ZÉ!

FOI a Ana quem tentou consolar o rapaz. Dirigiu‑se a ele e conseguiu que se sentasse numa pedra, a seu lado.

‑ Deixa‑me ver a tua perna ‑ pediu a pequena. ‑ Está bastante magoada. Olha, vou

ligá‑la. Não estejas tão aflito. Havemos de te ajudar. Nós sabemos o que aconteceu, não é verdade, Júlio?

O rapaz olhou para a Ana, cheio de gratidão, limpando as lágrimas com o lenço que ela lhe deu. O David entregou à irmã outro lenço maior para ligar a perna do rapaz, que estava arranhada e dorida. Ele devia ter caído no fundo da trincheira, amedrontado por ver o seu irmão a brigar com os homens.

‑ Como sabem vocês o que aconteceu? ‑ perguntou ele ao Júlio. ‑ Conseguem fazer o Rui voltar? Digam que sim! Não tenho desculpa! Ele é meu irmão gémeo e eu não estava a seu lado quando precisava de mim!

‑ Agora não ensopes o meu lenço ‑ disse a Ana.

O pequeno sorriu‑lhe tristemente, voltando‑se outra vez para o Júlio.

‑ Chamo‑me Henrique Lawdler e tanto eu como o Rui temos uma paixão por coisas antigas. Passamos a maior parte das férias juntos, fazendo escavações para encontrarmos coisas como aquelas.

O pequeno fez um sinal com a cabeça, indicando a pequena prateleira de relíquias que os quatro já haviam visto.

‑ O Rui contou‑nos tudo isso ‑ disse o David.

‑ Mas nunca se referiu a ti. Ficámos muitas vezes intrigados pois julgávamos que tu e ele eram a mesma pessoa. Por isso não conseguimos perceber uma porção de coisas que ambos diziam. Vocês são tão, tão parecidos!

‑ Já lhes expliquei que cada um de nós fingia ignorar a existência do outro ‑ disse o Henrique.

‑ Nós somos assim. Gostamos muitíssimo um do outro mas quando nos zangamos somos terríveis!

‑ Podes descrever‑nos como eram as pessoas com quem o Rui estava a brigar‑ ‑ perguntou o David.

‑ Já aqui tinham vindo noutro dia e queriam que o Rui se fosse embora para examinarem este terreno ‑ disse o Henrique, voltando a limpar as lágrimas. ‑ O Rui foi um tanto malcriado com eles. Até o ouvi dizer que lhes atiraria com pedras; ele tem muito génio quando o fazem zangar.

‑ E desta vez eram as mesmas pessoas‑ ‑ perguntou o David. ‑ Para que lado levaram o Rui?

‑ Para ali ‑ disse o Henrique, apontando.

‑ Já procurei por todos os lados mas eles eclipsaram‑se! É extraordinário!

‑ Vamos procurar outra vez ‑ propôs o Júlio.

‑ Talvez encontremos qualquer coisa. Calculo que os homens levassem o Rui por ele saber demasiado. Talvez tenham encontrado aqui o que procuravam e notassem que o Rui os estivera a observar.

‑ Então chegámos tarde! ‑ exclamou a Zé, profundamente desapontada. ‑ Conseguiram o que pretendiam e por isso desapareceram, nunca mais podendo ser apanhados. Naturalmente, nesta altura vão a fugir de automóvel e levam o Rui com eles para o pequeno não os denunciar antes de se encontrarem em segurança, noutro país.

‑ Não! ‑ exclamou o Henrique. ‑ Não me digam que o Rui foi raptado!

‑ Vamos dar uma volta por aqui ‑ propôs o Júlio. Seguiram todos por entre as várias escavações, procurando qualquer coisa que nem sabiam bem definir.

Pouco depois desistiram. Havia muitíssimas pedras de todos os tamanhos. E além de tudo o mais para que serviria encontrar a verdadeira pedra? O grupo dos malandrões tinha fugido, levando com certeza o que procurava. Na verdade, se o Rui os não tivesse descoberto ninguém saberia da sua presença naquele campo nem que tinham encontrado uma coisa importante.

‑ Não vale a pena ‑ disse o Júlio, por fim. ‑ É um sítio demasiado extenso para sabermos onde devemos procurar qualquer coisa que nos ajude. É melhor irmos buscar as nossas coisas ao arbusto e depois voltarmos para Kirrin a fim de avisar a polícia. É a única coisa sensata que resta fazer.

‑ Vem connosco, Henrique ‑ disse a Ana ao pequeno. ‑ Anda contar‑nos tudo o que sabes.

‑ Está bem ‑ respondeu o Henrique. ‑ Hei‑de fazer tudo para o Rui voltar. Nunca mais brigarei com ele. Nunca mais! Pensar que...

‑ Não recomeces com a mesma história ‑ pediu a Ana. ‑ O Tim fica tão triste que até tem a cauda caída!

O Henrique sorriu mais uma vez, cheio de tristeza. Puseram‑se todos a caminho, seguindo na direcção do arbusto. Só quando ali chegaram e tiraram para fora as latas das conservas e mais alimentos, juntamente com o cobertor e outras coisas, só então, perceberam como estavam cheios de apetite.

‑ Ainda não tomámos o pequeno almoço. Levantámo‑nos há imenso tempo e já é muito tarde. Estou a morrer de fome ‑ disse a Zé.

‑ Se acabarmos com todas as provisões, escusamos de carregar com as latas ‑ observou o David. ‑ E se arranjássemos uma refeição? Mais dez minutos aqui não podem fazer grande diferença.

Ficaram satisfeitos por não serem obrigados a sentarem‑se outra vez por baixo do arbusto. Juntaram‑se todos ao sol, discutindo os últimos acontecimentos.

‑ Quando o Tim começou a ladrar, por volta das seis horas da manhã, foi por ter ouvido aquela gente passar de mansinho em direcção às ruínas romanas ‑ lembrou a Zé.

‑ Deves ter razão ‑ disse o Júlio. ‑ Com certeza procuraram muito bem por toda a parte até o Rui acordar e aparecer, furioso. Foi uma pena eu não ter saído debaixo do arbusto quando o Tim ladrou, para seguir aqueles malandros.

‑ Alguém tem sede? ‑ perguntou a Zé. ‑ Vou ao regato buscar água. Onde está a lata do ananás?

A Ana entregou‑a à prima. Esta seguiu por um carreiro que ia ter ao regato. Ao aproximar‑se ouviu a água a cantar.

‑ O barulho da água a correr é tão agradável ‑ pensou a Zé.

Água! Que despertaria esta palavra na sua memória? Quem estivera a falar sobre água? Ah! fora o David e o Júlio, ao voltarem da casa em ruínas, na noite anterior. Haviam contado que no plano estava escrita uma palavra que tanto podia ser AGRA como ÁGUA.

‑ Gostava de saber ao certo ‑ disse a Zé para consigo, enquanto enchia a lata na água do riacho. Ficou a olhar para a corrente saltitando por entre as pedras.

Nessa altura uma outra palavra surgiu no seu pensamento.

‑ Pedras! Água! Seria possível? Será possível que uma destas pedras seja a que procuravam? Esta aqui deve corresponder às medidas.

A Zé ficou a olhar para a tal pedra. Estava metida num sítio um pouco alto, atrás do lugar onde a água nascia correndo para o canal ladeado por pedras mais pequenas. Haveria algum esconderijo atrás dela?

A Zé, de repente, atirou com a lata e foi ter com os outros, a correr.‑Júlio! - Júlio! Talvez tenha encontrado a pedra! Ela tem estado a olhar para nós todo este tempo.

O Júlio ficou surpreendido e o mesmo aconteceu com os outros. Olharam para a Zé, sem perceberem nada.

‑ Que estás tu a dizer, Zé? ‑ perguntou o Júlio, dando um pulo. ‑ Anda mostrar‑me!

A Zé correu até ao regato, seguida por todos. Apontou para a pedra branca, atrás da nascente.

‑ Aquela! ‑ exclamou. ‑ É do tamanho indicado, não acham? E está perto da ÁGUA, tal como dizia no plano; só com a diferença que eles liam AGRA.

‑ Como eu gostava de saber se tens razão

‑ disse o Júlio entusiasmado. ‑ Pode ser. Nunca se sabe. Algumas vezes os regatos vêm de passagens subterrâneas.

‑ Vamos ver se conseguimos levantar a pedra

‑ disse o David, com a cara muito vermelha.

‑ Parece‑me muito pesada.

Começaram às voltas com a pedra, ficando todos molhados, pois de vez em quando caíam no regato. Mas ninguém se importava. O entusiasmo era indescritível. O Henrique também ajudava, mostrando ter muita força.

A pedra moveu‑se ligeiramente para um lado e ali ficou. Mais empurrões, mais puxadelas.

‑ Parece‑me que temos de ir buscar ajuda ‑ disse por fim o Júlio. - É muito pesada e está muito metida na terra.

‑ Talvez com o auxílio dalguma das minhas ferramentas ‑ lembrou o Henrique. ‑ Estou habituado a usá‑las quando aparecem pedras pesadas. Podemos levantá‑la com mais facilidade se utilizarmos as ferramentas apropriadas.

O Henrique desapareceu a correr. Os outros sentaram‑se por uns momentos, a descansar.

‑ Que trabalho este, para um dia assim tão quente! ‑ exclamou o Júlio. ‑ Ainda bem que o Henrique se lembrou das suas ferramentas. É exactamente o que nos falta!

‑ Que engraçado ele e o Rui serem gémeos!

‑ observou a Zé. ‑ Não me tinha passado tal coisa pela cabeça.

‑ Mas eles portavam‑se duma maneira muito idiota. Fingiam sempre que se tratava apenas dum rapaz e nenhum deles se referia ao outro. Gostava de saber para onde levaram o Rui. Julgo que não deve correr grande perigo. Mas a família dele vai ficar preocupadíssima.

‑ Lá vem o Henrique ‑ disse a Ana, depois duma pausa. ‑ Um de nós devia ter ido com ele para o ajudar. Traz dúzias de ferramentas!

O que ele fora buscar tornou‑se realmente muito útil, especialmente uma grande tenaz de ferro. Quando o Júlio e o Henrique a utilizaram, a pedra começou logo a mover‑se.

‑ Está a dar de si! Cuidado! Olhem que vai cair mesmo no regato! ‑ gritou o David. ‑ Cuidado, meninas!

A pedra levantou‑se até ficar a prumo e depois caiu no canal por onde corria a água. As cinco crianças olharam para a grande abertura que a pedra deixara.

O Júlio inclinou‑se, olhando lá para dentro. ‑ Há um grande buraco ‑ disse ele. ‑ Passem‑me a minha lanterna.

No meio de grande excitação, o Júlio fez brilhar a luz da lanterna dentro da abertura. Depois voltou‑se para os outros, radiante.

‑ Parece‑me que acertámos! Há aqui um túnel que vai descendo. Alarga‑se depois da entrada.

É impossível descrever o entusiasmo dos pequenos. A Zé deu um soco no David e a Ana fez uma festa ao Tim com tanta força que ele até ganiu. O Henrique, esquecendo as suas tristezas, sorria encantado.

‑ Vamos já entrar? ‑ perguntou o David. - É preciso alargar um pouco a abertura. A terra e as plantas tornaram‑na mais pequena. Temos que a alargar.

‑ E depois vamos explorar o túnel ‑ exclamou a Zé, com os olhos muito brilhantes. ‑ Um túnel secreto, só conhecido por nós. Vamos explorá‑lo depressa!

 

                  A PASSAGEM SECRETA

OS pequenos estavam tão excitados que até se empurravam uns aos outros. O Júlio afastou‑os.

‑ Vamos ser sensatos! Todos ao mesmo tempo não podemos fazer a abertura maior. Deixem‑nos trabalhar a mim e ao Henrique, com a ajuda das ferramentas, que depressa ficará pronta.

Um minuto depois o buraco fora alargado o suficiente para mesmo o Júlio poder passar.

‑ Ora aqui está! ‑ disse ele, arquejante mas muito satisfeito. ‑ Eu vou à frente. Todos têm lanternas? Vamos precisar delas. Lá em baixo deve estar muito escuro.

O Júlio entrou pela abertura. Primeiro teve que engatinhar mas depois a passagem começou a descer, tornando‑se de repente muito mais larga. Já podia caminhar de pé, embora curvado.

Chamou os companheiros. ‑ Sigam‑me! Agarrem‑se uns aos outros pela cintura, para não caírem. A escuridão aqui é completa.

Atrás do Júlio seguiu a Zé, depois a Ana, em seguida o David e por último o Henrique. O Tim foi com a Zé, claro está. O entusiasmo era geral e ninguém conseguia falar sem ser aos gritos.

‑ Eu dou‑te uma ajuda!

‑ Santo Deus, que escuro!

‑ Sinto‑me como uma raposa a entrar no covil!

‑ Não me empurres, Tim!

‑ Oh! Felizmente já me posso pôr de pé! Quem teria feito esta passagem? Um coelho gigante?

‑ Naturalmente foi cavado noutros tempos, pela água. Não empurres, Tim!

‑ A água não corre pelo monte acima, minha burra! Segura‑te ao meu casaco, Henrique. Não te deixes ficar para trás.

O Júlio, por vezes muito curvado, avançava cuidadosamente através do estreito túnel que continuava a descer. Em breve este tornou‑se mais largo e mais alto, sendo então possível caminhar normalmente.

‑ Julgas ser este o verdadeiro caminho secreto? ‑ perguntou a Zé, depois de algum tempo. ‑ Parece que não vamos dar a parte nenhuma.

‑ Não te posso dizer. E com certeza não o saberemos até encontrarmos qualquer coisa escondida, se isso chegar a acontecer!

O Júlio parou de repente ao ouvir um barulho estranho. Cada um dos pequenos chocou logo com o da frente, apanhando todos um grande susto.

‑ Que se passa, Ju?

A lanterna do Júlio fez brilhar dois pares de olhos assustados. O pequeno riu‑se.

‑ Não se aflijam. São dois coelhitos que resolveram utilizar a nossa passagem. Há vários buracos na parede do túnel; devem ser tocas de coelhos. Até aposto que lhes estamos a pregar um grande susto.

Continuaram a avançar pelo túnel por mais algum tempo e de súbito o terreno que até aí fora arenoso passou a ser de terra batida. A passagem tornou‑se novamente mais baixa e os pequenos voltaram a caminhar curvados, o que era muito incómodo.

O Júlio parou uma vez mais. Ouvira outro barulho. Que seria?

‑ Água! ‑ exclamou ele. ‑ Deve haver por aqui uma corrente subterrânea. Que engraçado! Estão todos bem?

‑ Estamos! ‑ gritaram em coro. ‑ Continua, Júlio. Deixa‑nos ver a água.

O túnel terminou de repente e o Júlio encontrou‑se numa pequena gruta, com o tecto bastante alto. Quase no meio passava uma corrente de água, nem muito grande nem muito rápida. Serpenteava por um pequeno canal, que devia ter cavado durante centenas de anos.

O Júlio iluminou a corrente com a lanterna. A água parecia muito escura, brilhando à luz da lanterna. Os outros foram saindo do túnel, ficando a olhar para a corrente subterrânea. Parecia um tanto misteriosa, passando através da gruta e desaparecendo num buraco da rocha.

‑ Que curioso! ‑ exclamou o David.

‑ Isto é vulgar ‑ começou o Henrique. ‑ Nalguns sítios desta área o terreno por baixo dos nossos pés está cheio destas correntes subterrâneas. Algumas chegam lá fora apenas como riachos, outras acabam por se juntar e outras ainda vão correndo, não se sabe para onde.

O Júlio ia examinando a gruta.

‑ O nosso túnel terminará aqui? ‑ perguntou ele. ‑ Será neste sítio que devemos procurar os tais esquemas?

‑ Podemos examinar bem a gruta e ver se tem alguma saída ‑ propôs o David.

Utilizando as lanternas os Cinco separaram‑se e o Tim acompanhou a Zé, não parecendo nada surpreendido com aquela aventura subterrânea.

‑ Encontrei aqui outro túnel, saindo da gruta! ‑ exclamou o David.

‑ Mal acabara de dizer isto a Ana também os chamou.

‑ Venham ver! Há aqui outro túnel!

‑ Por qual deles devemos seguir? ‑ perguntou o Júlio. ‑ Que aborrecimento terem aparecido dois!

‑ O tal homem ‑ como se chamava ele?

‑ o Paulo, terá marcado no seu mapa o caminho subterrâneo? ‑ perguntou a Zé. ‑ Não compreendo como poderia ele esperar que qualquer pessoa 'encontrasse o seu esconderijo, havendo várias passagens a escolher para seguir até lá.

‑ Tens razão! ‑ disse o Júlio. ‑ Vamos ver se encontramos por aqui alguma coisa que nos ajude.

Pouco depois o David fazia outra descoberta.

‑ Está tudo explicado! Devemos seguir pela passagem que eu encontrei há pouco. Há uma seta na parede, feita a giz branco.

Todos se juntaram à volta do David. Este levantou a lanterna e viram a seta branca, riscada na parede.

O Júlio ficou satisfeito.

‑ Óptimo! Isso ajuda muito! Mostra‑nos que seguimos pelo caminho exacto e que este sempre é a passagem secreta escolhida pelo Paulo. Vamos!

Entraram no túnel, deixando para trás a pequena corrente subterrânea.

‑ Alguém faz uma ideia da direcção que seguimos? ‑ perguntou o David. ‑ Leste, oeste, norte ou sul?

O Henrique tinha uma bússola e consultou‑a.

‑ Acho que vamos mais ou menos na direcção da aldeia romana ‑ disse ele.

‑ Ah! Isso é interessante ‑ observou o Júlio.

‑ Naturalmente este túnel foi utilizado noutros tempos.

‑ O Rui e eu vimos um mapa da aldeia, certamente como era no seu tempo ‑ disse o Henrique.

‑ Aparecem lá imensos túneis e grutas. Mas nunca pensei em explorar nenhuma delas! O meu pai aconselhou‑nos a não nos metermos em tal empresa, por causa dos tectos abatidos e outras coisas assim.

O túnel de repente bifurcou‑se. Uma das passagens era ampla e a outra muito apertada. O Júlio seguiu pela mais larga por achar a outra demasiado estreita. Mas depois dum minuto ou dois, parou, intrigado.

‑ Há aqui uma parede de rocha. O túnel terminou! Temos de voltar para trás. Naturalmente devíamos ter seguido pela passagem mais estreita.

Voltaram para trás, ficando o Henrique na dianteira. Mas meteu‑se na cabeça do Tim que havia de ir à frente, começando a furar pelas pernas dos pequenos.

Chegaram à bifurcação. O Henrique iluminou a segunda abertura, a mais apertada. Ali, bem visível, na parede direita, estava uma seta traçada a giz!

‑ Fomos uns idiotas ‑ disse o David. ‑ Nem quisemos olhar para os sinais do trânsito! Segue em frente, Júlio!

O túnel era na verdade muito estreito e as paredes formadas por rocha dura e irregular.

Houve muitos «Ahs!» e «Ohs!» quando cotovelos e joelhos batiam de encontro às rochas.

E depois, mais uma vez apareceu uma parede de pedra em frente do Júlio, que novamente se viu obrigado a parar!

‑ Também não podemos ir por aqui ‑ disse ele. ‑ Há outra parede a interromper o túnel.

Houve várias expressões de desânimo.

‑ Não é possível!

‑ Repara bem, Ju! Vira a lanterna para o chão e para o tecto!

O Júlio iluminou o tecto e ficou radiante.

‑ Há uma abertura lá em cima!

‑ E vês alguma seta branca? ‑ perguntou o Henrique.

‑ Vejo! E está a apontar para cima, em vez de apontar para a frente ‑ disse o Júlio. ‑ Continuamos no bom caminho. Agora temos de subir lá para cima. Mas como?

A Zé, que se encontrava mesmo atrás do Júlio, fez a luz da sua lanterna incidir nas paredes. ‑

‑ Repara! ‑ exclamou ela. ‑ Podemos facilmente chegar à abertura. Há uma espécie de degraus, feitos com pedras. Repara, Júlio!

‑ É verdade ‑ disse o Júlio. ‑ Conseguimos subir sem grande custo. Zé, vai tu primeiro: Eu dou‑te uma ajuda.

A Zé ficou radiante por ir à frente. Segurou a lanterna com os dentes e começou a subir pelas pedras, ajudada pelo Júlio. Chegou à abertura e percebeu logo que era muito fácil passar por ela.

‑ Mais um empurrão e fico lá dentro ‑ gritou ao Júlio. E com mais um pequeno esforço a Zé rolava pelo chão da gruta que ficava em cima.

‑ Venham depressa! ‑ gritou ela, entusiasmada. ‑ Deve ser aqui que estão escondidos os tais esquemas. Estou a ver qualquer coisa numa pedra. Despachem‑se!

Os outros apressaram‑se a subir. O David estava tão entusiasmado que escorregou pelos degraus e ia esborrachando o pobre do Henrique, ao cair sobre ele. Por fim, todos conseguiram passar para a outra gruta, incluindo o Tim, que foi o mais difícil.

O Henrique subiu sem nenhuma dificuldade.

‑ Estou habituado a este género de coisas ‑ disse ele. ‑ O Rui e eu temos explorado uma grande quantidade de túneis e grutas, em montes e outros lugares.

A Zé virou a lanterna para uma grande pedra lisa. Encontrava‑se ali uma mala de couro castanho e, ao lado dela, via‑se uma grande seta marcada na própria pedra.

O Júlio não cabia em si de contente. Pegou logo na mala.

‑ Santo Deus, espero que tenha alguma coisa dentro! ‑ disse ele. ‑ É muito leve. Parece estar vazia.

‑ Abre‑a ‑ gritaram todos. Mas o Júlio não conseguia. Estava fechada à chave e esta não se encontrava ali!

 

                   MUITAS SURPRESAS

- ESTÁ fechada à chave e não consigo abri‑la ‑ disse o Júlio, abanando‑a com toda a força como se com isso fizesse saltar fora o seu conteúdo.

‑ Assim não sabemos se contém alguma coisa de valor ou não ‑ disse o Júlio profundamente desapontado. ‑ Pode ter sido tudo um truque do tal Paulo. Naturalmente levou os esquemas com ele e deixou a mala, só para enganar os outros.

‑ Não conseguiremos cortar o couro para a abrir? ‑ lembrou a Zé.

‑ Acho que não. É feita dum couro muito forte e seria preciso uma faca especial para o cortar. Um canivete vulgar não serviria de nada ‑ disse o Júlio. ‑ O melhor é sermos optimistas e fazermos de conta que apanhámos os esquemas. Se não estão aqui é uma pouca sorte. Alguém os deve ter, nesse caso.

Todos olharam para a mala que constituía um autêntico suplício de Tântalo. Teriam de esperar imenso tempo até saberem se os seus esforços haviam sido bem sucedidos.

‑ Que fazemos agora? ‑ perguntou a Zé, sentindo‑se desapontada. ‑ Temos de voltar por aqueles túneis? Apetece‑me ir outra vez para o ar livre. E a vocês?

‑ Também me apetece! ‑ disse o Júlio. ‑ Acho que o melhor é descermos por aquele buraco.

‑ Esperem! ‑ exclamou a Ana, reparando em qualquer coisa. ‑ Olhem, que significa aquilo?

A pequena iluminou com a lanterna vários sinais na parede. Havia mais setas feitas a giz e, embora parecesse estranho, uma série delas ia através da parede da pequena gruta até ao buraco do chão e outra série seguia horizontalmente e em sentido contrário.

‑ Achas que isto é só para embaraçar as pessoas? ‑ perguntou o David, atrapalhado. ‑ Sabemos muito bem que o caminho para sair daqui é pelo buraco, pois foi por onde viemos.

‑ Talvez a outra linha de setas queira indicar que há outra saída ‑ sugeriu a Zé.

Todos olharam à volta do pequeno quarto de pedra. Parecia não haver mais nenhuma saída.

‑ Onde está o Tim? ‑ perguntou de repente a Ana, virando a lanterna para todos os lados. ‑ Não está aqui! Teria caído pela abertura? Não o ouvi ladrar!

Houve um grande alarido.

‑ Tim, Tim, Tim! Onde estás?

A Zé assobiou e o som fez um eco repetido. Depois ouviu‑se latir em qualquer sítio. Todos se sentiram aliviados.

‑ Onde estará? Donde veio o latido? ‑ disse o David. ‑ Parece‑me que não foi do buraco lá de baixo.

Ouviu‑se mais um latido e o barulho das patas do Tim. Então, para pasmo geral, o Tim apareceu na pequena gruta como por encanto. Parecia ter saído da parede!

- Tim! Onde estiveste? ‑ perguntou a Zé, correndo para ele. Nessa altura viu qualquer coisa na parede.

‑ Que grandes idiotas somos nós! ‑ exclamou ela. ‑ Exactamente atrás desta pedra, que forma uma espécie de prateleira, há outra passagem!

E assim era! Tratava‑se duma passagem muito, muito estreita e completamente escondida por causa da grande pedra que a tapava. Ficaram a olhar para a abertura à luz das lanternas. As setas seguiam pela parede até ali.

‑ Nem olhámos para esse sítio! ‑ disse o David. ‑ Mas de qualquer forma era bem difícil de descobrir. Ora eu já sei uma coisa certa sobre esse tal homem chamado Paulo.

‑ O que é? ‑ perguntou a Ana.

‑ É magro; pele e osso! ‑ disse o David. ‑ Só um autêntico magrizela conseguiria passar por esta abertura! Duvido de que tu consigas, Júlio, pois és o maior de nós todos.

‑ E se experimentássemos'; ‑ propôs a Zé. ‑ Que lhes parece? Por aqui pode ser um caminho mais curto, mas também pode ser mais comprido e mais difícil.

‑ Não deve ser mais comprido ‑ disse o Henrique. ‑ Pelos meus cálculos devemos estar muito próximos da aldeia romana. É natural que a passagem vá ali dar, embora eu não perceba como. O Rui e eu explorámos bem esses terrenos.

De repente, o David lembrou‑se de qualquer coisa que lhe chamara a atenção nas ruínas romanas, o grande buraco atrás da pedra onde vira o coelhinho, haveria um ou dois dias. Que lhe dissera o Rui? Explicara existir ali uma grande cova subterrânea mas provavelmente tratava‑se apenas duma espécie de armazém para comida e outras coisas.

‑ Henrique ‑ começou o David com vivacidade. ‑ Não irá dar a um enorme buraco que o Rui me disse uma vez não ter interesse pois devia ser apenas um sítio para armazenagem?

‑ Deixa‑me pensar ‑ disse o Henrique. ‑ Sim, pode lá ir ter. A maioria destas passagens subterrâneas ligam um sítio a outro. Duma maneira geral não param de repente, pois, quase sempre foram usadas como passagens secretas para as pessoas se porem em fuga ou qualquer coisa assim. Creio que deves ter razão, David. Estamos muito próximos da aldeia romana e podemos perfeitamente concluir que, se continuarmos por aqui em vez de voltarmos para trás, iremos lá sair e talvez à grande pedra!

‑ Então vamos! ‑ disse o Júlio. ‑ Com certeza será um caminho mais curto.

Tentaram passar pela pequena abertura que partia da gruta. O David passou sem dificuldade e os outros também. Mas o pobre do Júlio viu‑se em grandes apuros e quase desistiu.

‑ Não devias comer tanto ‑ disse o David com pouca delicadeza. ‑ Tenta outra vez, Ju! Eu puxo‑te pelos braços!

O Júlio, lamentando‑se, acabou por passar.

‑ Estou feito numa passa ‑ disse ele. ‑ Agora se alguém se tornar a meter comigo por causa do meu apetite, leva um puxão de orelhas.

A passagem tornou‑se logo mais larga o que agradou a todos. Seguia sempre a direito, descendo tanto que os cinco pequenos escorregavam de vez em quando e o Tim, sem saber como, deu por si a correr. Mas de repente pararam!

Desta vez não era uma parede de pedra o que interrompia o caminho mas sim outra coisa.

‑ O tecto desabou! ‑ disse o David. ‑ Olhem para a terra que está aqui amontoada! Estamos perdidos!

Na verdade parecia não haver solução. Tinham caído do tecto, terra, pedras e pedaços de rocha, impedindo completamente a passagem. Não valia a pena tentarem qualquer coisa. Só lhes restava voltarem para trás.

‑ Que maçada! ‑ exclamou o David dando um pontapé no montículo de terra. ‑ Não serve de nada continuarmos aqui, temos de voltar para trás. A minha lanterna já começa a falhar e a tua, Zé, também deve ter a pilha quase gasta. É melhor não perdermos tempo. Se as nossas lanternas se apagarem depois tudo será muito difícil.

Deram meia volta, sentindo‑se desapontadíssimos.

‑ Anda, Tim! ‑ chamou a Zé. Mas o Tim não queria sair dali. Estava muito quieto em frente do montículo de terra, parecendo intrigado e arrebitando as orelhas, com a cabeça à banda. De súbito soltou um latido.

Todos se sobressaltaram pois o latido fez um eco muito estranho.

‑ Cala‑te, Tim! ‑ ordenou a Zé, quase zangada. ‑ Que se passa? Vem‑te embora!

Mas o Tim não lhe obedeceu. Começou a bater com a pata no montículo de terra e pedras, ladrando sem parar.

‑ Que será? ‑ perguntou o Júlio, alarmado. ‑ Tim, que aconteceu?

O Tim não lhe ligou importância e continuou a escavar a terra, atirando‑a, misturada com pedras, para cima dos pequenos.

‑ Deve haver qualquer coisa atrás do monte de terra que ele quer apanhar ‑ disse o David. ‑ Ou talvez alguém! Manda‑o calar, Zé, para nos pormos à escuta, pois talvez consigamos ouvir algum ruído.

Só a muito custo a Zé conseguiu fazer calar o Tim. Prestaram todos a maior atenção e logo ouviram um som.

‑ Béu, béu, béu!

‑ É o Jacto! ‑ gritou o Henrique, fazendo com que os outros novamente se sobressaltassem.

‑ Jacto! Então o Rui também deve ali estar, pois o Jacto nunca o deixa. Mas que fará o Rui aqui? Talvez esteja ferido. RUI! RUI! JACTO!

O Tim recomeçou a ladrar com toda a força, escavando a terra ainda com mais entusiasmo.

‑ Se ouvimos o Jacto ladrar, este montículo não pode ser muito grande ‑ gritou o Júlio aos outros, com toda a força, para ser ouvido apesar dos latidos do Tim. ‑ É melhor tentarmos passar por ele. Dois de nós podem trabalhar com o Tim. Não é possível trabalharmos todos ao mesmo tempo pois o túnel é muito estreito.

Então começou uma grande azáfama. Mas não durou tanto como o Júlio supunha, pois de repente o montículo de terra começou a dar de si enquanto os pequenos trabalhavam, aparecendo uma pequena abertura no cimo, mesmo ao pé do tecto.

O David quis subir pela terra mas o Júlio chamou‑o logo.

‑ Tem cuidado, palerma. O tecto aqui deve estar pouco seguro. Pode voltar a cair e tu ficas subterrado. Avança com cautela!

Mas antes do David prosseguir, apareceu uma pequena figura no cimo da terra que abatera, correndo por ali abaixo, abanando a cauda e ladrando!

‑ Jacto! Ó Jacto! Onde está o Rui? ‑ gritou o Henrique. O cãozito saltou para os braços do pequeno, tentando lamber‑lhe a cara e ladrando alegremente.

‑ RUI! ‑ chamou o Júlio. ‑ Estás aí? Uma voz muito fraca fez‑se ouvir.

‑ Quem me chama? Respondeu‑lhe uma confusão de vozes.

‑ Somos nós! E o Henrique! Vamos ter contigo sem demora!

E na verdade cada um foi subindo com cuidado pelo monte da terra que abatera. O Tim, claro está, subiu e desceu a toda a velocidade!

Do outro lado havia um túnel, evidentemente a continuação daquele por onde as crianças tinham seguido. Ali estava sentado o Rui, muito pálido. O Jacto saltou para cima dele e fez‑lhe tanta festa como se o não visse havia um mês e não apenas um ou dois minutos.

‑ Olá! ‑ disse o Rui, com voz fraca. ‑ Eu estou bem. Só tenho um pé torcido. Que bom vocês...

Antes de acabar a frase, o Henrique estava junto do irmão e abraçava‑o muito comovido.

‑ Rui! Ó Rui! Fui um idiota em não ter feito as pazes contigo. Que te aconteceu? Realmente estás bem? Ó Rui, agora somos amigos outra vez, sim?

‑ Atenção, Henrique ‑ disse o Júlio com delicadeza. ‑ Ele está a desmaiar. Agora vamos manter a calma para tudo correr bem. Abana o teu lenço à frente dele, para apanhar um pouco de ar. Desmaiou devido à comoção.

Uns momentos depois o Rui abria os olhos e sorria.

‑ Desculpem! ‑ disse ele. ‑ Agora estou bem. Só espero que isto não seja um sonho e que vocês estejam realmente aqui!

‑ Garanto‑te que estamos! ‑ afirmou o David. ‑ Prova um bocadito do nosso chocolate e depois terás a certeza de que somos verdadeiros.

‑ Boa ideia! ‑ disse o Júlio. ‑ Vamos todos comer um pau de chocolate. E também tenho alguns biscoitos na minha algibeira. Podemos ir conversando ao mesmo tempo. Apanha, Rui. Aqui vai um biscoito!

 

                   A SAÍDA

EM breve o Rui contou a sua história. Era mais ou menos como os outros tinham calculado. ‑ Esta manhã estava a dormir profundamente com o Jacto a meus pés ‑ contou ele. ‑ De repente, o cão começou a ladrar e como eu não percebesse o motivo levantei‑me e vi quatro pessoas nas ruínas.

‑ As quatro pessoas nossas conhecidas ‑ observou o David, e o Júlio respondeu‑lhe com um sinal afirmativo. ‑ Continua, Rui.

‑ Andavam a procurar qualquer coisa, levantando pedras e examinando tudo ‑ continuou o Rui. ‑ Gritei‑lhes, zangado, mas limitaram‑se a rir. Então um dos homens que estava a ver se conseguia levantar uma pedra (aquela pedra que tapa o túnel subterrâneo, lembras‑te, Henrique?) deu um grito e disse: «Encontrei! A entrada é por aqui!»

O Rui calou‑se, parecendo zangado.

‑ Bem ‑ prosseguiu. ‑ Larguei‑lhes o Jacto e como eles se atreveram a dar‑lhe tremendos pontapés avancei eu também.

‑ És um rapaz às direitas! ‑ disse o David, com admiração. ‑ Conseguiste deitá‑los por terra?

‑ Claro que não ‑ respondeu o Rui. ‑ E um dos homens ia‑me fazendo perder os sentidos. Bateu‑me na cabeça e eu fui logo ao chão, atordoado. Só o ouvi dizer:

«Agarrem o miúdo senão pode ir buscar alguém e nós não conseguiremos descer lá abaixo para trazermos os esquemas». Depois outro homem disse assim: «Nesse caso vamos levá‑lo connosco». Foi então que me agarraram, arrastando‑me pela abertura.

‑ Mas como conseguiram descer por aquele grande buraco? ‑ perguntou o Henrique, admirado.

‑ É tão a pique que é preciso uma corda.

‑ Mas eles tinham uma boa corda ‑ disse o Rui, saboreando os biscoitos e o chocolate e parecendo muito melhor. ‑ Um dos homens levava uma corda enrolada à volta da cintura. Ataram uma ponta à pedra que nós não conseguimos deslocar, Henrique, e depois deslizaram por ela. Desceram todos menos a mulher. Esta disse que preferia ficar lá em cima, de guarda. Escondeu‑se atrás dum arbusto, a certa distância.

‑ Eu não dei por ela, quando quis ir ter contigo!‑ disse o Henrique. ‑ Nem pensei em procurar nos arbustos! E que te aconteceu depois? Também desceste?

‑ Sim, desci. Fartei‑me de gritar e espernear sem nenhum resultado. Obrigaram‑me a descer pela corda e eu caí antes de chegar ao fim, torcendo um pé. Gritei por socorro mas eles arrastaram‑me, dando‑me grandes empurrões.

‑ Que feras! ‑ exclamou o Henrique, indignado. ‑ Umas autênticas feras!

‑ Ouvi um deles dizer que com certeza saía um túnel daquele buraco, pois estava marcado no mapa do Paulo, e depois devo ter desmaiado; o pé doía‑me imenso. Quando recobrei os sentidos estávamos todos aqui, os três homens e eu, ao lado deste monte de terra, embora eu não saiba ao certo como aqui chegámos. Eles devem ter‑me arrastado.

‑ E foi tudo? ‑ perguntou o Júlio.

‑ Ainda falta. Os homens ficaram furiosos ao ver a terra que abatera e logo que começaram a tirá‑la rolou uma pedra acertando em cheio num deles. Depois disto tiveram receio de continuar. Trocaram algumas palavras, decidindo ir buscar umas ferramentas e voltar outra vez para ver se conseguiam desimpedir a passagem.

‑ Santo Deus! ‑ exclamou o Júlio, aflito. ‑ Nesse caso estarão de volta dum momento para o outro, não é assim?

‑ É natural. Deixaram‑me aqui pois não sabiam que fazer de mim, visto eu não poder caminhar. Acho que parti um osso do tornozelo. E como não podia sair daqui sem ajuda, fiquei à espera daqueles brutos.

Começaram todos a sentir‑se pouco à vontade ao pensarem que três homens violentos podiam aparecer dum instante para o outro.

‑ É muito longe, daqui até à abertura por onde tu desceste? ‑ perguntou o Júlio.

O Rui não sabia. Desmaiara, como dissera, e nem mesmo calculava por que caminho haviam seguido.

‑ Não pode ser longe ‑ disse o Henrique. ‑ Deve valer a pena tentarmos encontrar a abertura, vermos se os homens lá deixaram a corda e sairmos por ali. Se o Rui tem na verdade um pé partido é impossível percorrer todo o caminho por onde viemos.

‑ Tens razão ‑ disse o Júlio, pensativo. ‑ Então continuamos em frente. Mas vamos com cuidado, sem fazer barulho, pois podemos ter a pouca sorte de encontrar os homens pelo caminho.

‑ Partimos já? ‑ perguntou a Zé. ‑ E o Rui?

O Júlio ajoelhou‑se em frente do rapaz, examinando‑lhe o tornozelo. ‑ Eu fiz um pequeno curso de enfermagem ‑ disse ele. ‑ Por isso tenho obrigação de perceber se tens a perna partida ou um simples entorse.

Observou o tornozelo inchado, com a maior atenção.

‑ Não está partido, segundo me parece. Vou tentar ligá‑lo, bem apertado, com dois lenços grandes. Dá‑me o teu lenço, David.

Os outros seguiram com admiração os movimentos do Júlio ligando com destreza e sem hesitações o tornozelo inchado do Rui.

‑ Ora aí está ‑ disse ele por fim. ‑ Talvez consigas caminhar, coxeando. É natural que doa, mas não te deve fazer grande mal. Experimenta. Deves tirar o sapato pois o teu pé está inchado demais para ficar calçado.

O Rui, embora cambaleando, ficou de pé, ajudado pelo Henrique. Tentou apoiar‑se no pé magoado e conseguiu caminhar, coxeando, embora isso fosse bastante doloroso. Sorriu para os outros, que mostravam todos enorme ansiedade.

‑ Está óptimo! ‑ disse ele. ‑ Vamo‑nos embora! É melhor evitarmos esbarrar com os homens. Felizmente temos connosco o Jacto e o Tim.

Seguiram pela passagem, com as lanternas acesas, como habitualmente, para verem o caminho. O túnel, ali, era bem espaçoso e depressa chegaram a uma enorme cova subterrânea.

‑ Ah! Este é o buraco que eu vi por baixo da pedra onde se escondeu o coelho ‑ disse o David.

‑ Encontrávamo‑nos perto das ruínas, tal como pensávamos. Surpreende‑me que ao explorarem esta cova não tenham descoberto as passagens subterrâneas.

‑ Naturalmente quem as explorou, ao chegar ao pedaço de tecto abatido, julgou que não havia nada para além ‑ disse o Rui. ‑ Ou talvez tivessem medo de avançar, não desabasse o tecto outra vez. É uma coisa muito perigosa, como sabes. Muitos homens têm ficado subterrados e nunca mais apareceram.

Olharam à volta do enorme buraco. Na verdade era uma autêntica cova subterrânea. Por uma abertura do tecto entrava a luz do dia.

‑ Ali está a saída ‑ disse o Rui, com vivacidade. ‑ Foi para lá que eu desci agarrado à corda.

O pequeno avançou alguns passos, coxeando, para procurar a corda. O Henrique segurava‑o pelo braço, satisfeito por o seu irmão se conseguir manter de pé. O Rui apontou para cima.

‑ Olhem, lá continua a corda. Felizmente os homens deixaram‑na no mesmo sítio. Deviam ter a certeza de que eu não conseguiria alcançá‑la.

A corda pendia da abertura até acima das cabeças dos pequenos. O Júlio olhou para a Ana.

‑ Conseguirás subir pela corda, Ana? ‑ perguntou ele, duvidoso.

‑ Pois claro! ‑ afirmou a Ana, indignada.

‑ Nós nas lições de ginástica do colégio, treinamo‑nos muitas vezes a subir por cordas, não é verdade, Zé?

‑ Pois sim, mas a corda lá do colégio é um pouco mais grossa! ‑ disse a Zé.

‑ Eu vou à frente ‑ resolveu o Henrique.

‑ O Rui e eu temos uma corda muito mais grossa, que usamos quando queremos puxar por pedras pesadas. Vou procurá‑la e depois atiro‑a pela abertura.

‑ Não podemos perder tempo, pois os homens tencionam voltar ‑ disse o Júlio. ‑ Talvez a Zé e a Ana consigam subir. Zé, sobe tu primeiro.

A Zé começou a subir como um macaco, içando‑se com as mãos e pondo as pernas à volta da corda. Quando chegou ao cimo, sorriu para os outros.

‑ Foi fácil ‑ exclamou. ‑ Anda a seguir, Ana! Mostra aos rapazes como isto se faz!

Antes dos rapazes poderem saltar para a corda, já a Ana estava subindo com ligeireza. O Júlio riu‑se.

‑ Zé! ‑ gritou ele. ‑ Olha aí em volta para veres se alguém se aproxima. Se eles tivessem ido buscar as ferramentas do Rui já teriam voltado há muito tempo; por isso devem ter ido a Kirrin ou a alguma quinta, pedi‑las emprestadas.

‑ Não podiam ter encontrado as minhas ferramentas ‑ disse o Rui. ‑ Nem as do Henrique. Uma vez roubaram‑nas todas, de maneira que agora escondemo‑las sempre em lugar seguro.

‑ Então não restam dúvidas ‑ disse o Júlio. ‑ Tiveram de ir bastante longe buscar as ferramentas necessárias para afastarem a terra. Naturalmente calcularam que era uma grande porção de tecto que abatera! De toda a maneira é melhor conservares‑te de guarda enquanto nós subimos, Zé!

Foi difícil o Rui subir, pois sentia‑se fraco; mas por fim conseguiu. Tiveram de atar uma camisa dos rapazes à volta de cada cão, para que a corda não os ferisse quando os içaram. Eles não se importaram nada. O Tim tornava‑se muito pesado pois durante toda a subida resolveu ajudar, mexendo com as pernas como se estivesse a correr!

Por fim todos estavam ao ar livre, cheios de calor. O Júlio conservava a preciosa mala debaixo do braço. O Tim sentou‑se, arquejante, mas de repente ficou muito quieto e arrebitou as orelhas.

‑ Uuuuf! ‑ fez ele, levantando‑se.

‑ Quieto, Tim! Quieto, Jacto! ‑ disse logo o Júlio, temendo que estivesse alguém por ali. - Escondam‑se todos! Depressa!

Podem ser os homens de volta!

‑ Béu! ‑ começou o Jacto. Mas o Rui fê‑lo calar. As seis crianças separaram‑se, indo logo esconder‑se; cada uma escolhendo o melhor sítio que pôde encontrar. Havia muitos esconderijos nas ruínas.

Ouviram vozes aproximando‑se. Ninguém se atreveu a espreitar, para saber quem chegava, mas o Júlio e o David reconheceram a voz arrastada dum dos homens.

‑ Temos apanhado cada maçada! ‑ disse o homem. ‑ Atirem com as pás e outras coisas pela abertura. Depois descemos todos outra vez. Despachem‑se! Já perdemos demasiado tempo. Pode aparecer alguém!

As ferramentas foram atiradas pelo buraco. Em seguida os homens, um por um, desceram pela corda. As crianças não ouviam a voz da mulher. Pensaram que daquela vez ela não tivesse ido com os companheiros.

O Júlio assobiou baixinho e todos espreitaram.

‑ Vamos depressa ‑ disse o Júlio. ‑ Despachem‑se!

Todos saíram dos seus esconderijos e começaram a afastar‑se. Todos, excepto o Júlio. Que iria ele fazer?

O Júlio quis fazer uma coisa muito simples! Foi puxar pela corda que descia pela abertura. Depois desamarrou‑a da pedra em que estava presa e enrolou‑a à volta da cintura, parecendo de repente muito gordo.

Riu com vontade e foi ter com os companheiros. Como os homens iriam ficar furiosos.

 

                   NOVAMENTE NO CASAL KIRRIN

O Júlio alcançou os outros. ‑ Que ficaste a fazer? ‑ perguntou a Zé. ‑ Resolveste chamar nomes feios àqueles homens?

‑ Não. Espero que andem a escavar durante horas seguidas, se assim lhes apetecer. Depressa descobrirão que o montículo de terra não é nada grande e hão‑de seguir até à gruta mais pequena. Não faço ideia do que se passará quando virem que a mala desapareceu.

‑ Quem me dera ouvi‑los! ‑ disse o David.

‑ Como vamos levar o Rui? ‑ perguntou o Henrique. ‑ Não lhe é possível fazer um grande percurso com o pé assim.

‑ Se ele conseguir chegar ao arbusto onde deixámos as nossas coisas, tenho lá uma bicicleta ‑ disse a Zé. ‑ Deve poder pedalar só com um pé.

‑ Com toda a facilidade ‑ disse o Rui, satisfeito. Ficara aflito ao pensar que teria de percorrer com os outros todo o caminho até Kirrin. Mas não queria ficar para trás!

Foi seguindo, a coxear, ajudado pelo irmão; este não sabia que fazer‑lhe. O Jacto corria ao lado deles, satisfeito e excitado por estar com tanta gente. O Tim, de vez em quando dirigia‑lhe um latido, o que tornava o Jacto todo orgulhoso. Considerava o enorme Tim uma autêntica maravilha.

Chegaram ao arbusto e encontraram as coisas sem novidade. Lá estava a bicicleta com vários embrulhos amarrados. A Zé tirou‑os, resolvendo levá‑los ela própria, para o Rui não ter de puxar por um grande peso enquanto pedalasse só com um pé.

‑ Vamos para Kirrin e pedimos à tia Clara que telefone à polícia, pois é preciso irem buscar a mala que encontrámos ‑ disse o Júlio. ‑ Não quero deixá‑la no posto da polícia. Quero ver abri‑la à nossa frente!

‑ Espero que não esteja vazia ‑ disse a Ana. ‑ Parece‑me muitíssimo leve.

‑ Também acho ‑ concordou o Júlio, abanando‑a. ‑ Não me admirava se o tal Paulo, ao desenhar um mapa tão difícil de compreender pelos seus amigos, quisesse intrujá‑los, tornando‑o confuso propositadamente. E deixasse no sítio assinalado uma mala vazia. Deve ser o género de partida dum burlão e dar‑lhe‑ia tempo para fugir até um lugar seguro.

‑ Mas disseram que ele estava doente ‑ lembrou o David. ‑ Talvez isso também fosse a fingir! É um autêntico mistério!

‑ Como vais, Rui? ‑ perguntou a Ana, quando passaram pelo pequeno. Ele pedalava durante algum tempo e depois descansava, esperando que os outros o alcançassem, para depois pedalar novamente, apenas com um pé.

‑ Sinto‑me bastante bem, obrigado ‑ disse o Rui. ‑ A ideia da bicicleta foi muito boa. Que sorte terem‑na convosco!

‑ O teu pé não parece estar mais inchado ‑ disse a Ana. ‑ Naturalmente daqui a um ou dois dias poderás andar.

Oh! dá‑me vontade de rir ao lembrar‑me como estivemos intrigados por julgarmos que vocês eram a mesma pessoa!

‑ Primeiro encontrávamos um de vocês, depois o outro, e pensávamos que era o mesmo rapaz ‑ disse a Zé, rindo com gosto. ‑ Ficávamos às vezes furiosas pois parecia‑nos tratar‑se dum maluco, sempre a contradizer‑se!

‑ Não nos faças recordar coisas tristes ‑ pediu o Henrique. ‑ Nem posso pensar que se eu estivesse com o Rui nada lhe teria acontecido.

‑ Ora, foi uma nuvem negra que já passou ‑ disse a Zé. ‑ O mau e o bom desta vez juntaram‑se e fizeram uma aventura emocionante!

‑ Aqui está o Caminho dos Carroceiros ‑ disse a Ana. ‑ Pareceu‑me uma grande distância por caminharmos através de campos. Vai ser muito mais fácil para ti, Rui, guiar a bicicleta num caminho propriamente dito. Agora já não esbarras com arbustos e pedras.

Seguiram pelo Caminho dos Carroceiros e finalmente chegaram a Kirrin, apercebendo‑se de que estavam cheios de apetite.

‑ Deve passar muito da hora do almoço

‑ disse a Zé, olhando para o seu relógio de pulso.

‑ Santo Deus, falta um quarto para as duas! Quem diria! Espero que haja qualquer coisa para nós almoçarmos. A mãe não nos espera.

‑ Assaltamos os armários da cozinha ‑ propôs o David. ‑ A Joana nunca se importa desde que esteja lá para nos ralhar.

Passaram pelo portão do Casal Kirrin e entraram pela porta principal, pois estava aberta.

‑ Mãe! ‑ gritou a Zé. - Onde está? voltámos!

Ninguém respondeu. A Zé gritou outra vez.

‑ MÃE! VOLTÁMOS!

A porta do escritório abriu‑se e apareceu o pai, muito vermelho e de sobrolho carregado.

‑ Zé! Quantas vezes já te disse que não grites enquanto trabalho? Mas quem são estes?

‑ Olá! pai! ‑ disse a Zé, com delicadeza.

‑ Com certeza conhece a Ana, o Júlio e o David. Não me diga que se esqueceu deles!

‑ Claro que não! Mas quem são aqueles?

‑ perguntou o pai da Zé, apontando para os dois

‑, Mas quem são aqueles? ‑ perguntou o pai da Zé.

‑ Gémeos? São iguaizinhos como duas gotas de água. Donde vieram? Nunca os vi, pois não?

‑ Não, pai. São nossos amigos ‑ disse a Zé.

‑ Onde está a mãe? Acabámos de ter uma aventura e queremos contar‑lha. Precisamos de telefonar para a polícia. Parece‑me também que é necessário um médico para ver o pé do Rui. E repare, pai, a orelha do Tim está curada!

‑ Valha‑nos Deus! Não há sossego quando tu estás em casa, Zé ‑ disse o pai, resmungando.

‑ A tua mãe está no fundo do jardim a apanhar medronhos... ou morangos...

‑ Oh! pai, morangos não!... Estamos em Agosto e não em Junho! ‑ exclamou a Zé. ‑ O pai sempre...

O Júlio achou que o melhor era o seu tio voltar para o escritório sem demora, antes de rebentar uma discussão entre ele e a Zé. O tio Alberto não gostava de ser perturbado nos seus complexos trabalhos.

‑ Vamos procurar a tia Clara ‑ disse o pequeno, interrompendo a prima. ‑ Podemos contar‑lhe tudo lá fora, no jardim. Venham!

‑ Béu! Béu! ‑ fez o Jacto.

‑ Outro cão? ‑ perguntou o pai da Zé com ar carrancudo. ‑ Quantas vezes te disse que...

‑ Não queremos incomodá‑lo mais, tio Alberto ‑ apressou‑se a dizer o Júlio, vendo a cara assustada do Rui. ‑ Vamos procurar a tia Clara.

Saíram todos para o jardim, ouvindo a porta do escritório do tio Alberto fechar‑se com enorme estrondo.

‑ Mãe! Onde está? ‑ Gritou a Zé.

‑ Cala‑te, Zé. Nós não queremos que o teu pai salte pela janela atrás de nós! ‑ disse o David. ‑ Ali está a tia Clara.

A senhora ficou muito surpreendida ao ver as crianças. Foi ao seu encontro, com um cesto de medronhos enfiado no braço.

‑ Pensava que ficassem mais tempo acampados!

‑ Fazíamos todas as tenções, mas caiu sobre nós uma aventura! ‑ disse David. ‑ Depois contamos‑lhe tudo em pormenor, tia Clara.

‑ Mas queremos para já duas coisas. Telefonar à polícia, pedindo que venha aqui ‑ disse o Júlio, parecendo uma pessoa crescida. ‑ Precisamos de lhe entregar uma mala que pode ser muito importante. E a tia não acha que o Rui deve ser visto por um médico? Torceu um pé, julgo eu.

‑ Santo Deus! ‑ exclamou a tia, aflita por ver o tornozelo inchado do rapazito. ‑ Também me parece melhor chamar o médico. Quem é este pequeno? Mas está ali outro igualzinho!

‑ São gémeos ‑ disse a Zé. ‑ Não sei como vou distinguir um do outro quando o pé do Rui estiver bom.

‑ Vou telefonar à polícia ‑ disse o Júlio, vendo que a tia estava toda ocupada com o pé do Rui. O pequeno entrou em casa e ouviram‑no falar ao telefone. Depois desligou.

‑ Vem cá o próprio Inspector ‑ disse ele. ‑ Telefono agora ao médico, tia Clara?

‑ Se fazes favor. Está aí assente o número ‑ disse a tia. ‑ Como torceste o pé desta maneira, Rui?

‑ Mãe, não parece nada interessada na nossa aventura ‑ lamentou a Zé.

‑ Estou, sim, querida ‑ afirmou a mãe. ‑ Mas vocês têm passado por tantas! Que lhes aconteceu desta vez?

Mas mal a Zé começara, parou um carro da polícia em frente do portão, saindo o Inspector. Este tocou a campainha repetidas vezes.

O resultado imediato, como era de esperar, foi novo aparecimento do pai da Zé à porta do escritório, furioso! Foi ele mesmo abrir a porta da rua.

‑ Bater à porta dessa maneira! Que aconteceu? Tenho vontade de dar parte de si à polícia! Oh!... eh!... eh!... boa tarde, Inspector. Faça favor de entrar.

O Inspector entrou, perdido de riso. Nessa altura o Júlio voltou do jardim e foi cumprimentar o recém‑chegado. O tio Alberto voltou para o escritório, bastante vermelho e atrapalhado; daquela vez fechou a porta devagar!

‑ Pediram‑me que viesse aqui imediatamente por causa duma coisa importante, não é verdade?

‑ perguntou o Inspector ‑ De que se trata?

Os outros pequenos entraram nessa altura, seguidos pela tia Clara. O Júlio fez um sinal na direcção dos companheiros.

‑ Todos entraram neste caso, menos a minha tia, claro está. Trouxemos uma coisa que pode ser valiosa. Havia muita gente a procurá‑la mas nós conseguimos ser os primeiros a descobri‑la!

Colocou a mala castanha sobre a mesa. Os olhos do Inspector examinaram‑na logo.

‑ Que contém? Coisas roubadas?

‑ Sim, senhor Inspector. Esquemas de qualquer espécie, julgo eu. Mas claro que não tenho a certeza.

‑ Abra a mala, meu rapaz! Eu examinarei os esquemas! ‑ disse o Inspector.

‑ Não posso abri‑la ‑ explicou o Júlio. ‑ Está fechada à chave.

‑ Isso depressa se remediará ‑ disse o Inspector, tirando do bolso uma pequena ferramenta que parecia muito resistente. Forçou a fechadura e a mala abriu‑se. Todos, incluindo o Tim, se inclinaram para a frente, com a maior curiosidade.

Que estaria dentro da mala? Não estava nada! Absolutamente nada! O Júlio ficou desconsoladíssimo.

‑ Não admira que seja tão leve! Está vazia, afinal! Quem havia de dizer!

 

                   A AVENTURA ACABA COMO COMEÇOU!

Foi um momento de grande decepção para as crianças. Embora tivessem falado na possibilidade da mala estar vazia cada qual alimentara a esperança de que ela continha qualquer coisa extraordinária.

O Inspector ficou pasmado. Olhou em volta com um ar severo.

‑ Onde encontraram esta mala? Porque supuseram que ela continha coisas roubadas? Como perceberam tratar‑se de esquemas?

‑ É uma história um tanto longa ‑ disse o Júlio.

‑ Devem contar‑me tudo o que sabem ‑ disse o Inspector tirando do bolso um livrinho de apontamentos. ‑ Ora como principiou tudo isto?

‑ Na verdade começou quando o Tim feriu uma orelha e teve por isso de usar uma rodela de cartão no pescoço ‑ disse a Zé.

O Inspector ficou atónito.

‑ É melhor ser o menino a contar ‑ disse ele, voltando‑se para o Júlio. ‑ Não posso perder tempo com rodelas de cartão.

A Zé ficou muito vermelha e fez uma cara carrancuda. O Júlio sorriu‑lhe e começou a contar a história, da maneira mais clara possível.

O Inspector tornava‑se cada vez mais interessado. Riu‑se quando o Júlio falou sobre os barulhos e luzes estranhas.

‑ Os patifes queriam livrar‑se de vocês ‑ disse ele. ‑ Foram corajosos em ficar. Continue. Há qualquer coisa atrás de tudo isso.

O Inspector assentou os nomes «Paulo» e «Josefina», o nome da mulher. Também anotou que um dos homens tinha uma voz arrastada.

‑ Têm mais algumas referências sobre eles?

‑ Só isto ‑ disse o Júlio, entregando‑lhe o desenho da sola de borracha do sapato.

O Inspector dobrou o papel com cuidado e meteu‑o no livro de apontamentos.

‑ Pode ser útil ou pode não o ser ‑ disse ele. ‑ Nunca se sabe.

Depois ouviu com a maior atenção a história das passagens subterrâneas e voltou a pegar na mala.

‑ Não percebo porque está vazia ‑ disse o Inspector, ‑ Um malandro daqueles não ia intrujar os amigos sabendo estes onde ele estava e podendo agarrá‑lo quando quisessem.

O Inspector abanou a mala com toda a força. Depois começou a examiná‑la cuidadosamente.

Por fim tirou do bolso um canivete muito afiado e cortou cautelosamente o forro do fundo da mala. Depois tirou‑o. Estava ali qualquer coisa, por baixo do forro! Uma coisa azul, dobrada com cuidado. Era um papel coberto por milhares de números, milhares de linhas e milhares de desenhos esquisitos!

O Inspector deu um assobio.

‑ Afinal de contas a mala não estava vazia! E agora que será isto? Deve ser um esquema de qualquer coisa importante.

‑ O meu pai há‑de saber ‑ disse logo a Zé. ‑ Ele é cientista, dos mais inteligentes de todo o mundo. Posso ir chamá‑lo?

‑ Vá, se faz favor ‑ disse o Inspector, desdobrando o esquema sobre a mesa. ‑ Peça‑lhe que venha imediatamente.

A Zé saiu a correr e daí a pouco voltou com o pai, que não parecia muito satisfeito.

‑ Boa tarde uma vez mais, Sr. Doutor, desculpe incomodá‑lo ‑ disse o Inspector. ‑ Mas poderá informar‑me se este documento tem alguma importância?

O pai da Zé pegou no papel e percorreu‑o com o olhar.

‑ Oh! não! É IMPOSSÍVEL! ‑ exclamou ele. ‑ Não pode ser! Estarei a sonhar?

Todos o fitavam com grande surpresa e ansiedade. Que quereria dizer? Que seria aquele esquema?

‑ É importante, Sr. Doutor? ‑ perguntou o Inspector.

‑ Importante? IMPORTANTE! Meu caro senhor, há apenas dois esquemas destes no mundo. Neste momento eu tenho o segundo e guardo‑o com todo o cuidado. Donde veio este? Nem posso acreditar! Sir James Harrison tem o outro. Não há terceiro!

‑ Mas... mas... deve haver, se o senhor Doutor tem um aqui e Sir James tem o outro ‑ disse o Inspector. ‑ É evidente que há um terceiro!

‑ Está enganado! Não é nada evidente! ‑ gritou o pai da Zé. ‑ Só é evidente que Sir James não tem o dele! Vou telefonar‑lhe. É espantoso! Desconcertante!

Valha‑nos Deus, que mais poderá acontecer?

As crianças não se atreviam a dizer uma só palavra. Estavam admiradíssimas. Pensar que aquele esquema era assim tão importante e que o tio Alberto tinha o seu par. Qual seria a sua importância?

Ouviram o pai da Zé gritando ao telefone, visivelmente zangado e aflito. Depois desligou, batendo com o auscultador. Voltou à sala.

‑ O esquema de Sir James foi roubado, mas tem‑se mantido grande segredo devido à sua importância. Santo Deus, nem a mim disseram! E pensar que ontem entornei um tinteiro sobre o meu exemplar! Foi um grande descuido! Roubado! Roubado do cofre, sem ninguém dar por isso! Agora existe apenas um esquema!

‑ Dois, Sr. Doutor ‑ disse o Inspector, batendo com o esquema na mesa. ‑ Está tão aflito por saber que o esquema de Sir James foi roubado que nem se lembra de que o temos aqui.

‑ É verdade! Realmente esquecera‑me disso! ‑ confessou o tio Alberto. ‑ Até nem me lembrou de dizer a Sir James que o esquema está aqui.

O tio Alberto quis ir novamente falar ao telefone mas o Inspector não o deixou.

‑ Por favor, Sr. Doutor, não volte a telefonar. Devemos tratar deste assunto com a maior calma possível.

‑ Pai, de que se trata este esquema? ‑ perguntou a Zé, dando voz ao pensamento de todos os presentes, incluindo o Inspector.

‑ Este esquema? ‑ repetiu o pai da Zé. ‑ Certamente não te vou dizer. É uma coisa complexa demais para ser explicada a vocês, meninos, ou mesmo a si, Inspector. É um dos maiores segredos científicos que possuímos. Dêem‑me já o esquema. O Inspector pôs logo a sua mão forte em cima da folha de papel.

‑ Acho melhor levá‑lo comigo, Sr. Doutor, e enviá‑lo a Sir James por um correio secreto. Não seria aconselhável ter os dois únicos exemplares no mesmo sítio. Pode haver um incêndio aqui em casa e lá ardem os dois esquemas!

‑ Então leve‑o! Não podemos correr riscos! ‑ disse o tio Alberto, olhando em seguida para as crianças. ‑ Continuo a não perceber como chegou às vossas mãos ‑ disse ele intrigado.

‑ Sente‑se, Sr. Doutor, e ouça a história dos pequenos ‑ pediu o Inspector. ‑ Portaram‑se muito bem. E ainda não acabaram a história.

O Júlio continuou a contá‑la. O Inspector deu um salto ao ouvir que os três homens estavam na cova subterrânea, nas ruínas romanas.

‑ Vocês viram‑nos descer pela corda? ‑ perguntou. ‑ Talvez ainda lá estejam!

O Inspector consultou o relógio e prosseguiu.

‑ Não, é impossível. Devem ter fugido! Que pena! Podíamos ter apanhado com toda a facilidade três patifes manhosos! Mas voltaram a escapar‑nos!

‑ Não senhor! ‑ exclamou o Júlio, delirante. ‑ Eles ainda lá estão!

‑ Como sabe? ‑ perguntou o Inspector.

‑ Porque eu puxei a corda para cima e enrolei‑a na minha cintura! ‑ disse o Júlio. ‑ Ora vejam! Eles não podem saltar para fora sem uma corda e com certeza não sabem fugir por outro processo. Assim continuam ali, esperando pelo Sr. Inspector.

O Inspector deu uma pancada na mesa com tanta força que todos se sobressaltaram e os dois cães desataram a ladrar.

‑ Belo trabalho! ‑ exclamou ele. ‑ Magnífico! Tenho de ir já mandar alguns homens às ruínas. Comunicar‑lhes‑ei o que acontecer.

E lá foi o Inspector, correndo, com o precioso esquema dentro da algibeira bem abotoada. Saltou para o volante do carro da polícia e largou a toda a velocidade.

‑ Ui! ‑ exclamou o Júlio, deixando‑se cair sobre uma cadeira. ‑ Sinto‑me tão entusiasmado!

Todos sentiam o mesmo e desataram a falar o mais alto que podiam. A pobre tia Clara não conseguia fazer‑se ouvir. Mas quando apareceu a Joana, perguntando se queriam tomar alguma coisa, ouviram‑na imediatamente!

Chegou o médico para ver o pé do Rui e tornar a ligá‑lo.

‑ Precisas de estar quieto durante um ou dois dias ‑ disse ele. ‑ Isso passa depressa.

‑ Então tens de aqui ficar, Rui, com a Zé e os primos ‑ disse a tia Clara. ‑ Não podes prosseguir com as tuas escavações. O Henrique também pode aqui ficar. E o Jacto também.

Os gémeos sorriram. Gostavam daquela família alegre e da vida divertida que pareciam levar. Seria bom passarem alguns dias no Casal Kirrin. E ainda acharam melhor quando a Joana apareceu com um maravilhoso almoço.

‑ Vitela assada e presunto! Tomates recheados! E esta salada o que é, Joana? Rabanetes, pepinos, cenouras, beterrabas, ovos cozidos, tomates, ervilhas! Joana, tu és formidável!

E para sobremesa? Em breve todos estavam sentados à mesa, saboreando o almoço e falando sobre a última aventura. Exactamente quando acabavam, tocou o telefone. O Júlio foi atender. Daí a pouco voltou, entusiasmado.

‑ Era o Inspector. Apanharam os três patifes! Quando chegaram à abertura um dos homens gritou por socorro, explicando que um rapaz idiota, um brincalhão, devia ter‑lhes levado a corda. Por isso os polícias, todos vestidos à paisana para os homens não suspeitarem, deitaram uma corda pelo buraco e lá subiram eles, um por um,

‑ E foram presos à medida que iam saindo do buraco! ‑ continuou a Zé, encantada. ‑ Gostava de ter assistido. Que tremenda partida!

‑ O Inspector está muito satisfeito connosco ‑ disse o Júlio. ‑ E parece que Sir James também. Vamos ter uma recompensa. Mas é tudo segredo. Não devemos dizer nada sobre o caso. Cada um de nós terá um presente.

‑ E o Tim também? ‑ perguntou logo a Zé. O Júlio voltou‑se para ver onde estava o Tim.

‑ E até já sei o que vai pedir o Tim ‑ disse ele. ‑ Uma nova coleira de cartão! Está a coçar a orelha com toda a força!

A Zé correu para o Tim. Depois fez uma cara muito contristada.

‑ Coçou com tanta força que feriu outra vez a orelha! Oh! Tim! És um cão muito palerma! Mãe! Mãe! O Tim voltou a ferir a orelha!

A mãe da Zé apareceu logo.

‑ Que pena! Ó Zé, eu disse‑te que não lhe tirasses a rodela de cartão enquanto a orelha não estivesse completamente boa!

‑ Que aborrecimento! ‑ disse a Zé. ‑ Agora vão todos voltar a fazer troça do Tim!

‑ Que ideia! ‑ exclamou o Júlio sorrindo para a Zé. ‑ Alegra‑te! Acontece uma coisa muito engraçada; esta aventura começou com o Tim usando uma rodela de cartão e acaba com o Tim usando outra rodela de cartão! Três vivas para o Tim!

‑ Sim, três vivas para o Tim! Cura a tua orelha antes da próxima aventura, Tim! Certamente não voltarás a usar uma rodela de cartão!

 

                                                                                Enid Blyton  

 

                      

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