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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


OS DESERTORES
OS DESERTORES

 

 

                                                                                                                                                

  

 

 

 

 

 

Ao descobrir que impulsos hipnóticos transformavam os comandantes das naves em perfeitas marionetes, McLane teria pela frente um enigma... E, em pleno hiperespaço, a Orion travaria uma batalha contra o sugestor desconhecido!

 

 

 

 

LUNA Secunda...

O satélite morto de um planeta estéril, desprovido de atmosfera, jazia no cubo espacial Três/Leste 109 e representava um desses incríveis caprichos da insondável natureza cósmica. Dentro de uma esfera espacial de 900 parsec de diâmetro, em cujo centro estava o sistema solar com o planeta Terra, havia duas luas perfeitamente idênticas. A lua da Terra e Luna Secunda, a segunda lua. Uma era a cópia fiel da outra, até os mínimos detalhes.

Cada cratera, cada campo de meteoritos, a topografia, as distâncias da órbita ao planeta, a velocidade de rotação, a força gravitacional e todos os outros dados eram idênticos. Luna Secunda era totalmente desprovida de vida, desabitada... e era considerada zona militar. Apenas alguns aparelhos de comunicação totalmente automatizados estavam ancorados no solo lunar.

Cliff Allistair McLane era um cosmonauta experimentado e calejado, mas um quadro desses sempre o fascinava de novo. Havia algo de fantasmagórico em reparar como, de repente, um contorno foiciforme se destacava da escuridão cósmica, permeada de estrelas. E quando a nave se aproximou, este contorno transformou-se numa esfera que uma linha divisória separava em dois hemisférios de luz e de sombra. Crateras apareceram. Crateras de todos os tamanhos, profundidades e diâmetros. Um mundo silencioso apresentava-se sobre a grande tela circular, diante da qual McLane estava sentado. Um contorno nítido surgiu no campo de visão: era o pólo sul da segunda lua. A Orion VIII prosseguia no seu vôo de aproximação, descrevendo um gigantesco arco a novecentos quilômetros de distância da superfície do satélite. A reprodução fiel das conhecidas crateras do quadrante nordeste da lua tornou-se visível; lá estavam os bem delineados taludes anulares das crateras de Copérnico, Platão, Aristilo e Arquimedes. A gigantesca superfície do Mare Imbrium, o Mar das Chuvas, estendia-se na tela banhada na ofuscante luz solar. Apenas um detalhe distinguia as duas luas: Luna Secunda refletia uma luz fria e azulada.

O sol que emitia esta luz era uma estrela azul, que ficava a uma distância de pouco mais de uma unidade astronômica. E esta luz brilhante transformava a desolada lua numa paisagem fantástica, cheia de fendas e fossas, mares poeirentos e cordilheiras escarpadas. A voz gravada do piloto automático ressoou pela cabine.

— Objeto enquadrado. Alvo reconhecido.

McLane desprendeu a vista daquele quadro colorido e olhou para o rosto magro de Silvan Rott a seu lado. Rott era um oficial especializado em armas e voava há três dias com McLane.

— Nosso alvo é a cratera Harpalus — sussurrou Rott. Ele e o comandante iam testar uma nova arma. E não havia campo de provas melhor do que esta lua, na qual nada mais seria destruído além de formações rochosas.

— Eu sei — respondeu McLane, no mesmo tom de voz. — O nosso curso foi programado para isso — Rott acenou em silêncio.

— Harpalus! — disse Mario de Monti e apontou para uma folha no grosso manual. — É uma cratera de cinco mil e trezentos metros de profundidade. Não possui a elevação central característica. Um pouco ao sul fica o Sinus Iridum. E a cratera tem um diâmetro de trinta e cinco quilômetros. McLane soltou um assobio.

— Considerável! — comentou. Acionou uma chave. Uma malha reticulada estendeu-se sobre a tela. No centro havia um dispositivo de mira que encobria um setor daquela esfera azulada. Rott e McLane entreolharam-se.

— Tudo pronto? — perguntou Rott.

— Podemos começar! — respondeu McLane, em tom sério. — O que espera disso?

O rosto estreito, quase ascético, de Rott não mudou de expressão.

— Espero poder demonstrar a eficácia de uma arma nova — disse ele. — E que, faço votos, não vamos precisar empregar jamais!

— Se não é para empregá-la — perguntou Hasso calmamente — então por que se esforçaram tanto para desenvolvê-la?

— A fim de tornar impossível que se repitam aquelas horas pavorosas, durante as quais um planeta em chamas se aproximou do sistema para destruí-lo. Se os estranhos insistirem em atacar a Terra, temos com que nos defender.

Cliff fez a Orion VIII descrever uma curva apertada e afastou-se novamente da região do alvo.

— Transferi o comando para os controles do Overkill.

Ouviu-se o leve estalo de uma série de chaves e o computador digital começou a trabalhar por trás das grossas paredes protetoras.

— O vôo agora é completamente automático — explicou Rott, baixinho. — A mil quilômetros de distância, o controle da arma vai assumir a aproximação final, e a quinhentos quilômetros, o Overkill entra em ação.

A mão de McLane fechou-se sobre a bola reluzente na extremidade da haste do acelerador. Empurrou a alavanca para a frente até o último encaixe. A Orion começou a acelerar com a força total das suas máquinas novas.

— Distância: mil e quinhentos quilômetros — anunciou o astronavegador Atan Shubashi.

O elegante disco lançou-se em direção à cratera Harpalus, seguindo uma reta matematicamente perfeita. A bordo, só se ouviam os silvos dos propulsores.

Os contornos da imagem começaram a ficar difusos. Somente a abertura da cratera permaneceu imóvel no centro da tela, debaixo da divisão fina daquela malha reticulada e dos círculos autoluminosos dos dispositivos de mira. A Orion havia sido provida de um controle adicional, comandado pelo computador, e que calculava um curso optimal. O emprego desta arma, capaz de transformar praticamente qualquer tipo de matéria em gás, exigia extrema precisão e rapidez.

— Do comandante para o livro de bordo: operação Overkill iniciada!

A imagem da cratera aumentava a cada segundo e a estruturação das rochas e das zonas de matéria lunar pulverizada tornaram-se mais nítidas.

— Novecentos quilômetros... — avisou Atan.

Rott estava de pé ao lado de McLane e apoiava as mãos sobre a mesa de comando. Parecia prender a respiração. O quadro a sua frente transmitia uma sensação de perigo iminente. Tinha-se a impressão de que, dentro de segundos, a Orion se espatifaria contra o talude que circundava a abertura da cratera.

— Oitocentos quilômetros.

A voz de Atan soava tranqüila. Confiava plenamente no curso programado por Mário e sabia que a precisão do computador digital era tal que a nave podia passar a milímetros daquela borda rochosa.

— Seiscentos quilômetros.

Na parte inferior da Orion, uma chapa, feita de uma liga de aço e berílio, recolheu-se numa fenda do casco externo tornando visíveis os elementos luminescentes de uma máquina de aspecto complicado. Ao lado de uma peça tubular, havia um dispositivo cuja ocular estava dirigida para o plano do Harpalus.

— Quatrocentos quilômetros.

Com velocidade alucinante, a Orion projetava-se em direção àquela cratera, cuja imagem ocupava agora quase a metade da tela. Mais alguns segundos se passaram e, então, aconteceu. Cinco apitos ressoaram pela cabine e enquanto os dispositivos de mira mantinham o alvo firmemente enquadrado, a nave lançou-se vertiginosamente para o alto. Um segundo atrás, ainda se distinguia o plano com a abertura da cratera. Agora, um fino véu de poeira turvava a visão.

— Caramba!... — exclamou McLane.

A cratera tinha desaparecido. Havia se transformado num prolongamento do declive interno daquela cordilheira anular. No lugar da planície, coberta de poeira e salpicada de minúsculos meteoritos, havia um cone oco, invertido, cujas paredes pareciam ter sido sulcadas por uma escavadeira gigantesca.

— Faça as leituras, Atan! — pediu McLane.

Atan utilizou-se de um telêmetro para curtas distâncias, a fim de obter resultados mais precisos.

— O diâmetro continua inalterado em trinta e cinco quilômetros — disse ele — a profundidade aumentou para cinqüenta quilômetros.

Clique! A alavanca do acelerador manual pulou do encaixe e voltou à posição normal: o computador digital devolveu o controle da nave ao comandante. O vôo de aproximação da Orion tinha sido sustado a uma distância de quinhentos quilômetros. A nave continuou a se projetar para o alto, afastando-se cada vez mais da segunda lua. Os instrumentos automáticos registraram o tremor provocado pelo súbito rompimento do equilíbrio estático daquelas massas rochosas, nas quais, de uma hora para outra, havia surgido uma abertura cônica. Durante um minuto, houve silêncio na cabine, enquanto o disco prosseguia em seu vôo não dirigido, mas nem por isso descontrolado. A imagem da segunda lua apareceu na tela. Luna Secunda apresentava uma profunda ferida.

Finalmente McLane virou-se para Silvan Rott:

— Esta arma silenciosa é simplesmente pavorosa! Veja esta cratera; a sua profundidade é agora cinqüenta vezes maior do que antes!

— Distância: três mil quilômetros — disse Atan — iniciamos o retorno à Terra?

— Sim, Atan — disse McLane — peça as coordenadas a Mario.

Rott acenou lentamente com a cabeça.

— Talvez algum dia — disse com a voz ainda abalada pela emoção — vamos ter que nos empenhar numa luta decisiva com os extraterranos. No último encontro, constatamos que os seus anteparos são praticamente imunes às nossas armas energéticas.

Continuava recostado na mesa de comando e observava, pensativo, as suas unhas amadas.

— Quer dizer, com isto, que os teóricos consideram obsoletos os nossos lançadores energéticos e canhões laser?

A disposição de McLane não era das melhores; não se sentia inteiramente à vontade com uma arma tão pavorosa a bordo.

— Ainda não são obsoletos — respondeu Silvan Rott. — Mas, com o Overkill, estamos em condições de destruir naves inimigas a partir de uma distância de cerca de mil quilômetros, apesar de anteparos pesados e possantes. Dez naves equipadas com Overkill poderiam devastar um planeta de tal maneira que não escaparia um único ser vivo.

Cliff observou Rott com uma expressão meditativa.

— Isso não passa de mera teoria, Silvan — disse ele — mas as coisas estão evoluindo de uma maneira que eu, decididamente, não gosto. Seria uma afirmação idiota dizer que eu sou um pacifista praticante, mas para que vamos pegar dez naves e destruir um planeta? Fala como se tivéssemos um excesso de planetas no nosso domínio!

Rott exibiu um sorriso gélido e respondeu:

— Acho que ao senhor, comandante, não preciso lembrar os perigos que a Terra correu nestes últimos tempos e que, provavelmente, ainda vai correr. Ninguém tenciona empregar esta arma uma única vez sequer, se não for preciso.

— Com exceção de você, Rott, que há três dias não fala em outra coisa a não ser ângulos de aproximação, retardamentos e matéria gaseificada.

Surpreso, o engenheiro da Orion virou a cabeça branca e observou Cliff e Silvan. Rott retrucou:

— O senhor simplesmente realizou mais uma missão, comandante, mais nada.

Prontamente, McLane replicou:

— Uma missão que só serviu para a destruição!

— Não arrancamos um fio de cabelo a quem quer que seja. Mas, em compensação, vamos voltar à Base .104, dentro de três dias, com um resultado que vai causar satisfação e alívio.

— Que resultado? — perguntou Cliff, laconicamente.

— A certeza de que possuímos uma arma com a qual podemos proteger a vida na Terra e nas colônias se a situação assim o exigir. Isto não o tranqüiliza também, comandante?

— Ainda não sabemos nada a respeito dos estranhos — respondeu Cliff. — Talvez eles possuam uma arma superior ao Overkill.

— Talvez! — disse Silvan Rott.

O nome desta nova arma havia sido encontrado nos arquivos. Tempos atrás, alguém tinha designado por Overkill a possibilidade de infligir danos ao adversário que eram maiores do que os que ele mesmo podia causar. E este nome tinha sido desencavado.

— O que sabemos dos extraterranos — observou Rott — realmente não é muito, tenho que admitir isto. Ainda estamos tentando desvendar os mistérios da tecnologia deles, representada por aquelas naves que os seus homens descobriram em MZ-4. Mas, mesmo o pouco que aprendemos desde então, já foi o suficiente para nos alertar contra o que der e vier. Lembre-se apenas daquele planeta em chamas!

Cliff engoliu em seco. Ainda suava frio quando se lembrava daquelas horas de tentativas frustradas e daquela enervante permanência no hiperespaço.

— O senhor tem uma facilidade estupenda — disse ele com um sorriso meio irônico — para me tranqüilizar e a minha tripulação; parece que a vida na frota perdeu algo do seu encanto desde que eu fui rebaixado.

Impassível, Rott encolheu os ombros estreitos.

— Helga? — disse Cliff e apontou para as lâmpadas do aparelho radiofônico. — Dirija uma mensagem hiperespacial à Terra. Para F.R.E.T. e S.C.E.

— E o teor da mensagem? — perguntou Helga.

— Bem lacônico: experiência Overkill concluída com sucesso!

 

A segunda lua situava-se no cubo espacial Três/Leste 109.

Isto significava que a constelação solitária, constituída por um sol azul, um planeta gélido e sem vida, e seu satélite silencioso, pairava no espaço interestelar a três zonas de distância da Terra, ou seja, a aproximadamente cento e trinta parsec. A grosso modo, os comandantes estimavam em vinte e quatro horas a duração do vôo entre duas linhas de distância consecutivas e isto era válido, com boa aproximação, para vôos normais, realizados com naves e propulsores dos tipos mais comuns. Nessas condições, uma nave que partisse da Terra levaria pouco menos de dez dias para atingir as regiões limítrofes daquela esfera espacial, que constituía o domínio terrano. E, para vencer cada zona de distância, era necessário efetuar um salto no hiperespaço.

A nave era acelerada até que atingisse uma velocidade um pouco inferior à da luz, ou seja, em torno dos 286.750 quilômetros por segundo. Depois, os geradores eram ativados e a nave desaparecia no hiperespaço, no qual percorria quarenta e cinco parsec. Vinte e quatro horas mais tarde, retornava ao espaço normal.

Da mesma maneira, e sofrendo apenas um insignificante retardamento, propagavam-se as ondas radiofônicas. A mensagem da Orion VIII estava nas mãos da Suprema Comissão Espacial duas horas após a destruição da cratera Harpalus naquele curioso gêmeo da lua terrana.

O deslocamento ascensional da Orion foi contido e os impulsos de comando da unidade de saída do computador digital assumiram o controle dos propulsores. A nave foi acelerada e seguiu um curso rumo à Terra. Após trinta minutos, a Orion estava se deslocando com velocidade pouco inferior à da luz e mergulhou no hiperespaço. Cliff virou a pequena alavanca e imediatamente o painel luminoso se acendeu. As letras da inscrição destacavam-se nitidamente do fundo luminescente e chamavam a atenção de qualquer parte da cabine: Piloto automático. McLane levantou-se.

— Queridos amigos — disse, calmamente — durante as próximas vinte horas não temos nada a fazer. Portanto, decreto folga geral. De minha parte, vou me recolher ao camarote.

O olhar de Cliff vagueou de Rott para Hasso, de Atan para Mario e depois para Helga. Um rosto não estava ali e ele sentia falta dele; se bem que a ausência deste rosto melhorasse sensivelmente o estado de ânimo na cabine de comando, como Cliff costumava afirmar insistentemente.' Era o rosto de Tamara Jagellovsk!

— Vou ficar aqui mesmo — afirmou Mario e apontou para um jogo de desenhos, empilhados na sua mesa.

— Vai montar guarda voluntariamente? — quis saber Atan, com ironia — desde quando você é tão zeloso com os seus deveres?

Mario de Monti, o subcomandante, riu para Atan.

— Escute, pequenino — disse — controle esta sua língua ferina. Eu vou estudar estas plantas para mais tarde poder lhe contar como funciona o Overkill.

McLane fechou a porta semicircular do elevador e desceu ao convés, no qual se encontravam os camarotes. Foi à cozinha, apanhou um enorme copo de suco de frutas da geladeira e recolheu-se ao camarote. Leu um pouco, ouviu um trecho de uma fita gravada e acabou adormecendo.

Helga estabeleceu uma ligação entre o receptor de gravações e os alto-falantes de sua cabine e retirou-se.

Rott, Atan e Hasso também se retiraram. Mario estava sozinho.

Estendeu as plantas sobre a mesa e enfronhou-se naquela confusão de desenhos e símbolos. Durante uma hora havia acompanhado atentamente os trabalhos de Rott e seus técnicos quando estes instalaram o projetor Overkill a bordo da Orion; por isso conseguia entender mais rapidamente o significado daquele emaranhado de detalhes. Depois que compreendeu o princípio do funcionamento da nova arma, foi fácil estudar o resto das plantas. Constatou que o aparelho era capaz de romper as ligações atômicas de qualquer matéria. O melhor efeito era obtido a uma distância máxima de mil quilômetros e os contornos da área a ser atingida podiam ser modificados à vontade. Não era, porém, conveniente chegar a menos de duzentos quilômetros do local da destruição.

Overkill... uma arma mortífera!

Mario arrepiou-se quando se conscientizou que carga mortal a Orion estava levando no bojo. Dobrou as plantas e recolheu-se ao camarote.

Dormiu um sono agitado.

Nas proximidades da Terra, a Estação Avançada IV assumiu o controle da nave.

Trocaram mensagens radiofônicas e a Orion iniciou a manobra de pouso. Em posição horizontal, baixou entre as paredes verdes do enorme cilindro de aço, iluminadas pelos holofotes, e pousou sobre os raios antigravitacionais. O elevador telescópio baixou. A tripulação desembarcou, acompanhada de Silvan Rott. Na pasta fechada, levava as plantas do Overkill. Despediram-se na eclusa.

— Obrigado, comandante! — disse Silvan Rott e trocou um aperto de mão com McLane.

— Obrigado por quê, Silvan? Rott deu um sorriso meio contido.

— Obrigado — respondeu, lentamente — por me ter dado a oportunidade de testar esta arma sob o seu comando. Estou certo que ambos prestamos um serviço à Terra!

— Só faço votos que não precisemos empregar o Overkill. — disse Cliff — ao menos eu não o desejo!

Semanas mais tarde, Cliff iria se lembrar destas palavras. Trariam um significado fatal para ele. Subiu à superfície e pouco depois estava no seu bangalô, em Groote Eylandt.

 

COM passos cautelosos, como se estivesse carregando uma carga pesada, a ordenança feminina desceu a pequena escada, virou à direita e seguiu na direção da seta. No material luminoso do indicador havia uma inscrição que dizia: Suprema Comissão Espacial Estado-Maior (Gabinete Wamsler).

A moça atravessou trinta metros de um corredor vazio e bem iluminado até que uma porta lhe barrou o caminho. A ordenança acionou uma pequena chave. Acima de sua mão, uma tela de videofone se iluminou. O rosto do oficial da ante-sala de Wamsler apareceu.

— Sim? — perguntou.

— Uma mensagem hiperradiofônica para o marechal Wamsler — respondeu a ordenança.

— Da central de comunicações? — veio a pergunta seguinte. — Por que as mensagens não são dirigidas diretamente à ante-sala?

O sorriso da ordenança manteve-se inalterado.

— O marechal Wamsler nos chamou uma hora atrás e pediu para não ser incomodado. Só mensagens realmente importantes deveriam ser encaminhadas a ele. O estado-maior está debatendo o caso Xerxes.

— Entendo — disse a moça da ante-sala de Wamsler. — Pode entrar.

A porta abriu-se e a ordenança entrou. Na mão, carregava o pequeno tubo que continha o comunicado.

— Vou desligar a barreira! — avisou a secretária de Wamsler.

A ordenança agradeceu e parou diante da faiscante e mortal cortina de elétrons em movimento, que emanavam de uma barra projetora embutida no piso. O jogo colorido extinguiu-se e a moça entrou no gabinete de Wamsler. Em torno da grande mesa de conferência, estavam sentados os membros mais importantes do estado-maior: Sir Arthur, Kublai-Krim, Wamsler, o general Lydia Van Dyke e o coronel Villa, acompanhado de um oficial de ligação. No momento, o coronel Villa estava falando e silenciou ao ver o mensageiro.

— Marechal Wamsler — disse a moça, num tom modesto — uma mensagem hiper-radiofônica para o senhor!

Wamsler olhou para ela com estranheza e depois compreendeu.

— De que se trata?

— É uma mensagem hiperradiofônica da Orion VIII — respondeu a moça no mesmo tom de voz.

— Qual é o teor desta mensagem?

— Experiência Overkill concluída com sucesso!

— E o que eu vou fazer com isto agora?

— O senhor pediu para ser informado imediatamente. Disse que esta mensagem teria prioridade...

Wamsler interrompeu a moça com um aceno e lançou um rápido olhar para Villa, que ainda se mantinha em silenciosa expectativa.

— Foi isto mesmo, obrigado! — disse Wamsler à ordenança. A moça bateu continência e retirou-se.

Imediatamente a barreira eletrônica restabeleceu-se, protegendo os homens no gabinete.

— Queira desculpar, coronel Villa — disse Wamsler — prossiga, por favor!

O coronel Villa, um homem pequeno, de cabelos quase prateados, pigarreou e depois continuou.

— Conforme eu estava dizendo: desde que existe a frota espacial terrana, eu não me lembro de qualquer incidente que fosse de uma transcendência tão alarmante. Pela primeira vez, um comandante de nave tentou desertar!

Por alguns segundos, uma ligeira inquietação apossou-se dos presentes. Villa observava os rostos ao seu redor, em silêncio e com a ironia de sempre; depois prosseguiu, dirigindo-se a Kublai-Krim:

— Em resumo: o comandante da Xerxes tentou desertar!

Com voz rouca, Kublai-Krim sussurrou:

— E logo para os estranhos! Desertou para os extraterranos!

Sir Arthur levantou a mão:

— Uma pergunta: esse homem ficou louco?

— Não, não ficou louco! — respondeu Villa. — Há vinte e um dias o comandante encontra-se em rigorosa observação. Dia após dia, hora após hora. Esse tal de Alonzo Pietro está entregue a uma equipe de especialistas que o submeteram a exames radiológicos. Em seguida o interrogaram sob hipnose e registraram e analisaram seus reflexos. Comparamos seu encefalograma com os de doentes mentais.

Wamsler ergueu a mão larga e carnuda.

— Sim, e daí? Quais foram os resultados, Villa?

O chefe do serviço de segurança respondeu, secamente:

— O resultado foi tudo menos tranqüilizador. Não conseguimos descobrir o menor indício de uma alienação mental. O homem não sofre de psicose ou neurose, nem de mania de perseguição e nem tampouco de autismo... Não há nada de errado com ele!

— Quer dizer que o comandante Pietro é normal? Tão normal como o senhor ou eu? — perguntou Sir Arthur, espantado

Villa permitiu-se aquele seu sorriso temido e respondeu algo hesitante.

— Bem, seria muita presunção de minha parte, considerar-me como padrão de um comportamento normal. No seu caso, eu também não estaria tão seguro de mim mesmo, amigo Arthur. Uma coisa é certa: o comandante Pietro é mentalmente são. Tampouco quanto a nós, jamais lhe ocorreria a idéia de se bater para o lado dos nossos inimigos e ainda levar uma nave inteirinha de sobra.

Lydia Van Dyke pediu a palavra.

— Sim, general? — perguntou o coronel Villa suavemente.

— Eu não duvido do zelo e da competência dos seus especialistas, coronel, mas o senhor tem certeza absoluta que não cometeram algum engano?

— Estou absolutamente seguro que não! — respondeu Villa, com voz dura.

Wamsler ergueu-se, apoiando as mãos sobre os braços da poltrona.

— Coronel Villa! — disse ele, com sua voz profunda — a sua acusação pode ser bem fundamentada, mas é monstruosa! Contraria frontalmente toda a razão e toda a experiência!

Villa acenou com a cabeça; o sorriso tinha desaparecido do seu rosto.

— Acontece que o caso não admite mais dúvidas. Afinal de contas, o computador não imprime estes algarismos sem a devida programação prévia!

Empurrou a fita em direção a Kublai-Krim. O general examinou-a de perto e decifrou as coordenadas. Era verdade. Aqui estavam as ordens de comando para uma série de saltos hiperespaciais em direção ao Cubo Dez/Leste 361. Uma posição na região limítrofe do domínio esférico da Terra.

Uma pausa ominosa seguiu-se à constatação de Kublai-Krim.

Finalmente Sir Arthur rompeu o silêncio.

— Eu quero ver este homem! — disse. Parecia que tinha se decidido a acreditar nas palavras de Villa. O chefe do SSG virou-se para o seu ajudante e disse em tom baixo mas autoritário:

— Traga o comandante Pietro à nossa presença!

O oficial ligou o rádio de pulso e falou baixinho no pequeno microfone, enquanto os outros se entreolharam em silenciosa expectativa.

Estavam habituados a pesar as possíveis conseqüências de um incidente espetacular como este. Se um comandante da maior confiabilidade desertava, ou apenas o tentava, a frota inteira corria um sério perigo. O inimigo devia ter descoberto um meio que lhe assegurava a obediência cega de homens como o comandante Alonzo Pietro. Era óbvio que, para lançar ou preparar um novo ataque, estava precisando de informações e conhecimentos mais precisos do mundo central daquele domínio. A conclusão era uma só: o adversário sabia como influenciar os terranos... e estava planejando uma nova agressão à Terra. Ninguém sabia de onde os estranhos vinham e por que razão atacavam a Terra. Não havia nada que pudessem utilizar, porque a atmosfera terrana, para citar apenas um exemplo, era puro veneno para eles.

— Não me leve a mal, coronel Villa... — começou Wamsler.

— Certamente que não! — respondeu Villa, e mais uma vez aquele sorriso irônico apareceu no seu rosto amassado.

— Estou cético! — continuou Wamsler — Para falar a verdade, estou até um bocado cético. Não faz muito tempo que constatamos a ocorrência de casos isolados de delírio espacial entre as guarnições de algumas estações na fronteira.

— E foi exatamente o comandante Pietro — disse Lydia Van Dyke com sua voz tranqüila e áspera. — O homem encarregado de voar para esses postos a fim de render as guarnições. Lembro-me vagamente de ter lido uma ordem de partida, que se referia a Dez/Leste 001.

— Posso lhe assegurar — respondeu o coronel Villa, com teimosia — que o comandante Pietro não apresentou qualquer desses sintomas. Se os tivesse, nós os teríamos descoberto.

— Talvez tenha outros sintomas? — perguntou Wamsler rancoroso.

— Mesmo esses não teriam passado despercebidos, marechal!

— Mas como? Se o senhor e os seus psicólogos não sabem a que doença estes sintomas se referem? Se o senhor não conhece nem a verdadeira natureza dessa doença?

Villa respondeu pacientemente:

— Pode acreditar no que eu digo! Pietro foi observado e examinado com todo o cuidado. Estávamos todos prontos para partir da premissa de que havia uma perturbação parcial ou uma inconsciência temporária. Torcemos para encontrar uma razão plausível, que pudesse justificar o seu comportamento ou nos fornecesse uma pista para o seu procedimento. Mas... Foi tudo em vão. Não encontramos absolutamente nada neste sentido. Mental e fisicamente, o comandante é são. Se não levarmos em consideração dois dentes substituídos.

O tampo da mesa refletia a imagem de Wamsler. Parecia uma rocha negra que se erguia da superfície de um lago imóvel. Apesar dessa aparência, este homem podia ser abalado. Estava extremamente agitado e disse em voz alta:

— Um comandante, meus senhores, que pretende desertar para os estranhos com uma nave espacial não pode ser um homem sadio!

— Uma lógica irrefutável! — observou Villa, com ironia.

Kublai-Krim balançou a cabeça cinzenta.

— Se este caso chegar ao conhecimento dos comandos e demais membros da frota, vai haver uma catástrofe. Toda a estruturação interna vai ser destruída. Será o fim da autoridade das chefias!

— É, isto mesmo! — concordou Sir Arthur. — Se não pudermos mais depositar confiança ilimitada nos nossos comandantes, a segurança da Terra é coisa do passado.

Villa permaneceu sentado e dirigiu um olhar penetrante para Sir Arthur.

— Não foi outro o raciocínio do SSG — disse ele. — E conseguimos convencer a Suprema Comissão Espacial disso. Já faz algum tempo que começamos a substituir as guarnições dos postos avançados ao longo da fronteira por robôs; demos prioridade às instalações maiores e agora falta pouco para completar a substituição.

Lydia Van Dyke não escondeu o seu aborrecimento e protestou:

— E somente agora estou sendo informada a respeito disto?

Villa encolheu os ombros.

— A senhora sabe muito bem que as nossas experiências com os robôs têm sido as melhores possíveis, desde que acabamos com a possibilidade de ocorrerem panes como aquelas que se verificaram na última aventura de McLane. Robôs não têm sentimentos e, portanto, não há mais panes. Não vejo razão alguma para não substituir também os comandantes de naves espaciais por robôs, claro que dentro de limitações razoáveis.

— Está querendo provocar um motim geral na frota? — indagou o general Van Dyke, cinicamente. — É muita gentileza sua preocupar-se com a minha aposentadoria prematura, coronel Villa! Não acha que estes planos são um pouquinho utópicos?

Villa dirigiu um sorriso tranqüilizador para Lydia. Viu o sinal que o ajudante de ordens lhe fez e disse:

— Acabo de ser informado que o comandante Pietro chegou.

Giraram as poltronas e fixaram o olhar naquela mortífera barreira luminosa. Dois vultos destacavam-se contra o fundo claro da ante-sala: um comandante e um oficial do SSG com a mão pousada no cinto, perto da arma.

— Alonzo Pietro... — murmurou o general Van Dyke.

Pietro devia ter uns 40 anos de idade. Era um homem de estatura média, cabelo louro-escuro e olhos calmos que, no momento, pareciam um pouco inquietos. De resto, o seu aspecto era tão normal que chegava a assustar. Os dois homens entraram calmamente no gabinete, enquanto atrás deles a barreira se restabeleceu. Sir Arthur levantou-se, com vagar.

— O senhor é o comandante Pietro? — perguntou, a meia voz.

Pietro acenou prontamente.

— Sou, sim senhor! — disse ele. — Sou o comandante do cruzador rápido Xerxes e estou há vinte e um dias no rol dos incapacitados para o serviço!

Não havia qualquer nervosismo ou inquietude nas suas palavras; apenas tinha relatado um fato, com naturalidade.

— E o que tem a dizer? — perguntou Sir Arthur.

Pietro encolheu os ombros largos.

— Nada, Sir Arthur — disse ele, lacônico.

Sir Arthur resolveu empregar um tom mais incisivo:

— De acordo com as nossas investigações, Pietro, a sua nave estava programada com as coordenadas de curso correspondentes ao Cubo espacial Dez/Leste 361.

— Correto — respondeu Pietro, calmamente.

— Como é que foi fazer uma programação dessas? — perguntou Wamsler, com a voz rouca de agitação. Pietro dirigiu-lhe um longo olhar e respondeu:

— Isto eu não sei, marechal.

Pietro dava a impressão de um homem que já tinha sido interrogado demais a respeito de um mesmo assunto. Há vinte e um dias, tanto a bordo de sua nave quanto na clínica psicodinâmica da frota, vinha respondendo a inúmeras perguntas acerca daquela programação misteriosa. E, no entanto, o tempo todo só estava falando a mais pura verdade.

— Afinal, o que é que o senhor sabe? — perguntou Wamsler, cada vez mais inquieto.

— Não sei nada a respeito desta programação. Não sei como pude registrá-la. Também não sei como obtive estas coordenadas aproximadas para Dez/Leste 361. Simplesmente apareceram nas minhas considerações. Estou falando a verdade, marechal.

Observou tranqüilamente os rostos a sua frente. Não tinha mais o que dizer, não sabia mais nada. Subitamente, uma sensação de mal-estar apossou-se dos presentes.

— Broderyki — chamou Wamsler; o homem que tinha acompanhado Pietro virou a cabeça e olhou na direção de Wamsler.

— Sim, marechal? — perguntou.

— Pode levar o comandante Pietro. Por enquanto, está proibido de voar!

— Perfeitamente, marechal!

O oficial do SSG bateu uma rápida continência e agarrou o braço do comandante.

— Estou francamente abismada! — confessou Lydia Van Dyke.

— E com muita razão — respondeu Villa. — O problema é um pouco mais complexo e apresenta várias facetas. Temos que nos conformar com o fato de que os extraterranos possuem uma arma que lhes permite influenciar mentes humanas até uma certa distancia. É o que aconteceu a este homem. Mas, pelo visto, há certas condições ambientais que limitam a possibilidade desta influência.

— Em que baseia esta afirmação? — perguntou Kublai-Krim.

— No fato de que aqui, na Base 104,

Pietro não apresenta o menor indício de estar seguindo alguma voz ou orientação estranha. Simplesmente não se lembra dela.

Lydia Van Dyke, chefe de Pietro, sacudiu a cabeça.

— Parece que não compartilha a minha opinião? — perguntou Villa, em tom amável.

— Entendo muito pouco deste assunto — respondeu Lydia. — Só não posso acreditar que uma inteligência estranha seja capaz de exercer tamanha influência num dos nossos comandantes. Mormente se considerar que, até hoje, não estabelecemos qualquer tipo de comunicação com eles.

— Já temos uma designação para este tipo de influência — disse o coronel Villa. — Um neologismo.

Wamsler ergueu a mão e pediu a palavra.

— Será que um pobre marechal-do-ar que está ficando velho pode solicitar uma explicação em termos populares? — perguntou, com um traço de sarcasmo.

— Resolvemos dar a denominação de telenose a este fenômeno — respondeu Villa. — O que significa: influenciação da vontade por forças estranhas através de longas distâncias. Esta explicação lhe satisfaz, marechal?

Woodrow Winston Wamsler acenou com a cabeça.

— E agora? O que vamos fazer? — perguntou Sir Arthur, de repente.

— Creio que não entendi bem esta pergunta! — respondeu Kublai-Krim. — Acho que devemos discutir o caso.

— Não é isso! — retrucou Arthur, irritado. — O que eu quero dizer é: como vamos poder neutralizar este perigo?

Villa estendeu os braços num gesto de resignação.

— Confesso — disse — que isto eu também não sei.

— Que tal uma experiência? — sugeriu Lydia.

— Que tipo de experiência? — perguntou Arthur, prontamente, com uma expressão de vivo interesse.

— Provocamos um outro caso. Ou, melhor, criamos todas as condições para uma repetição do caso Xerxes. Com uma vigilância sigilosa desta operação podemos evitar que alguém realmente deserte.

Wamsler refletiu durante alguns instantes, depois concordou.

— Acho esta idéia muito boa. Quem é a favor?

E levantou o braço. Três segundos depois, constatou que esta proposição do general Van Dyke tinha sido aprovada por unanimidade.

— O plano nós temos — disse Sir Arthur — agora só falta a nave; talvez a Orion...

Lydia protestou:

— Sabe que pode contar com o meu apoio para tudo — disse ela. — Mas tem que me prometer que vai conceder alguns dias de repouso a McLane e sua equipe. Acabaram de realizar a missão Overkill e ainda estão no espaço. Creio que merecem um descanso.

O marechal Wamsler, chefe das Formações de Reconhecimento Espacial, pôs-se mais uma vez a refletir.

— Está bem — disse, finalmente. — Vou providenciar tudo para garantir o sucesso desta experiência. Se aprendermos como funciona esta tal de telenose, estamos a um passo da vitória.

No íntimo, estava pensando que talvez McLane pudesse...

Infelizmente, Lydia Van Dyke não olhou para o rosto do coronel Henryk Villa. Por isso lhe escapou aquele sorriso esquisito...

 

A RIGOR, apenas parte das edificações do cassino fazia jus ao nome de Starlight. O gigantesco estabelecimento, cujas formas ultramodernas cobriam uma vasta extensão da praia de Groote Eylandt. possuía uma série de instalações subaquáticas, enquanto o outro trecho avançava sobre as águas da laguna, construído sobre sólidos pilares.

O terceiro complexo era o mais interessante.

Situava-se no alto de uma colina, cuja encosta rochosa se erguia diretamente da margem da laguna. Uma série de elevadores garantia o fácil acesso àquela imensa sala circular, encimada por uma cúpula, parte da qual podia ser removida. E através desta abertura via-se o cintilar das estrelas no ar ameno e límpido da noite australiana. Havia inúmeros nichos com mesas, iluminados por minúsculas luzes que transmitiam uma sensação de tranqüilidade e aconchego. E raras eram as vezes em que o imenso salão não estava lotado até o último lugar. Astronautas e seus familiares, funcionários das repartições, empregados dos escritórios... todos afluíam a este oásis. Cliff McLane e Lydia Van Dyke apareceram na entrada, situada atrás do saguão dos elevadores. Ouvia-se música.

— Esse compositor está em vias de se tornar uma celebridade interplanetária — comentou Lydia. — Não se toca outra coisa senão as músicas de Thomas Peter.

McLane sorriu e respondeu:

— É verdade; além do mais, escolhe títulos bastante originais para as suas canções. Por exemplo: "Luz dos Asteróides!"

— Um lindo nome para uma ótima canção — confirmou Lydia. Cliff e Lydia dirigiram-se a um nicho e, de relance, Cliff reparou que Tamara Jagellovsk estava ocupando o nicho vizinho ao seu, em companhia de um oficial de nome Becker, que ele só conhecia superficialmente. Tinham acabado de jantar e Cliff prestou atenção no diálogo.

— Posso pedir mais um drinque? — perguntou Tamara ao jovem tenente. Cliff achou que o seu tom de conversa era um pouco forçado. Becker acenou cheio de admiração.

— Mas é claro! — respondeu. — Não é por nada não, mas a senhora tem uma capacidade...! Aprendeu isso com McLane?

Cliff riu intimamente e estudou a projeção cúbica do cardápio.

— A gente aprende muita coisa quando voa com McLane! — respondeu Tamara filosoficamente.

— A propósito — disse Becker. de repente, e devia ter virado a cabeça, pois a intensidade de sua voz se modificou. — É só falar no terror do espaço cósmico...

McLane resolveu ignorar a conversa atrás de si. Fez seu pedido e virou-se para Lydia.

— Não seja tão misteriosa, general! — disse ele, um pouco aborrecido. — Podia muito bem me contar o que ficou resolvido naquela reunião!

Os olhos verdes de Lydia estavam examinando o queixo bem escanhoado de Cliff. Sacudiu a cabeça e disse.

— Sabe muito bem que a reunião era sigilosa! Mudando de assunto, Cliff, devia usar um cavanhaque.

— Para quê? — perguntou McLane. E acrescentou: — Conheço Pietro há oito anos e voamos juntos uma porção de vezes. Duvido que seja verdade.

— Duvida de quê, Cliff?

— De tudo aquilo que andam contando a respeito dele. Dizem que ele tentou desertar.

— Mas os fatos são esses, Cliff. Nenhum de nós quis acreditar nisso, até que o próprio Pietro confirmou que pretendia entregar a Xerxes aos estranhos.

— Quer dizer que fez uma verdadeira confissão? — perguntou Cliff, atônito.

— Fez. Mas foi incapaz de dar uma razão plausível para sua atitude.

Cliff encomendou o jantar e recostou-se, perplexo. A conversa às suas costas estava agora sendo conduzida em voz tão baixa que não conseguia mais acompanhá-la.

— A Xerxes estava em operação nas imediações dos Cubos espaciais Dez/Leste 359 a 362; portanto, num dos numerosos distritos limítrofes.

De repente a inquietude do comandante tornou-se mais intensa.

— E é exatamente naquela região que se encontra o posto que eu vou equipar com uma instalação automática de Overkill dentro de onze dias. É muito esquisito!

As bebidas chegaram. Lydia e Cliff ergueram os copos num brinde recíproco.

— Essas estações de vigilância estão muito expostas — disse Lydia. — É preciso defender as fronteiras do nosso domínio com a arma mais eficaz de que dispomos no momento.

— Entendo. Além de localizar e identificar qualquer invasor, estas instalações devem também contribuir para a defesa da Terra.

— Correto — confirmou Lydia Van Dyke. Após alguns momentos perguntou: — Quando vai partir, McLane?

— Amanhã, às quinze horas.

— Desejo-lhe um bom êxito. Aquele oficial do SSG vai estar novamente a bordo?

McLane fez uma careta.

— Vai sim, infelizmente! Não posso me afastar um único ano-luz sem que alguém tome conta de mim! Se não é a camarada Jagellovsk, é um especialista em armas, ou ainda algum psicodinâmico... É horrível!

Lydia espetou um naco de carne com o garfo.

— Estou tão aborrecida quanto você — afirmou. — Mas não posso mudar nada. Se pudesse, já o teria feito.

Becker não tirava os olhos da mesa vizinha. Através dos furos dos tijolos plásticos da parede divisória, era possível vislumbrar quem estava sentado lá. Também se conseguia ouvir algumas palavras.

— Afinal, por que ficou tão nervosa de repente? — perguntou Becker e observou as mãos de Tamara, que brincavam com o copo.

— Eu? — perguntou ela, espantada. — Nervosa? Não estou, não! Engano seu!

— Está sim. É só McLane estar por perto e pronto: fica assim!

Tamara ergueu-se de um salto.

— McLane está aqui? Estou ouvindo direito?

— Está sentada de costas para ele. Involuntariamente, Tamara inclinou-se um pouco para a frente.

— McLane! — disse ela em voz alta. — Será que você não tem outro assunto que McLane? Já basta que vou vê-lo logo mais!

O oficial apontou para ela, num gesto recriminativo.

— Afinal de contas, foi você que abordou este tema!

Através do teto aberto do salão via-se um magnífico céu estrelado. O ambiente estava inundado pelos ruídos das vozes e da música, do tinir dos copos e das risadas e dos passos dos freqüentadores.

— A rigor — disse Tamara — tínhamos a intenção de nos divertir!

— Está bem; então vamos falar a seu respeito! — disse Becker.

Tamara olhou, surpresa, para o rosto do oficial e concluiu que ele tinha falado sério. Dirigiu-lhe um sorriso amável e disse:

— Se isto lhe dá prazer, pois não.

— A opinião geral no nosso meio é que você é um tipo bastante desagradável...

E soltou uma curta risada. Tamara perdeu a fala, mas controlou-se rapidamente.

— Psss! — fez ela. — Não fale tão alto! Não é necessário que isto se propague ainda mais! Confidencialmente, eu só sou intragável quando estou a serviço. Na vida particular, posso ser incrivelmente encantadora, se estiver de bom humor.

— Está de bom humor agora? Ela balançou a cabeça.

— Estou e não estou. — disse ela. — O que você acha?

— Eu diria que no momento você se encontra numa fase de transição entre o rigor do serviço e a esfera privada — declarou Becker. — O que eu acho tão simpático é a sua tendência para uma constante autocrítica. Por acaso também está lendo o livro de Hammersmith?

Tamara ergueu o olhar, surpresa.

— Você também está?

— Leitura obrigatória! — afirmou ele, pesaroso.

 

Quando terminaram o jantar, Lydia Van Dyke olhou para McLane com ar meio irônico.

— Permite uma pergunta indiscreta, Cliff?

— Claro! — disse ele. — O que quer saber?

— Por acaso tem medo do seu oficial de segurança?

— O que lhe faz pensar isso? — perguntou Cliff e olhou para Lydia sem entender nada.

— Ou será que ela tem medo de você? Cliff riu abertamente.

— Eu não sei! — disse ele depois. — Mas tenho que admitir que isto seria muito bom! Por que fez esta pergunta?

— Sempre que eu vejo vocês dois juntos, reparo que olham um para o outro, como se cada qual estivesse com a arma destravada na mão. Ou será que vocês estão morrendo de ciúmes?

McLane, mais que surpreso, foi dispensado de dar uma resposta. Ouviu-se um estalo num dos numerosos alto-falantes espalhados por todos os recintos do cassino. Depois, uma voz impessoal disse:

— General Van Dyke... general Van Dyke... por favor, compareça ao gabinete do marechal Wamsler...

Lydia levantou-se e estendeu a mão a McLane.

— Obrigada pelo jantar — disse ela. — Na próxima oportunidade, eu vou à forra!

— Não é preciso. Queria dizer mais alguma coisa?

Lydia exibiu uma expressão maliciosa.

— Queria, sim. Não olhe para mim com um sorriso exagerado senão o seu oficial de segurança acaba pensando que você está apaixonado por mim. Isto seria uma desgraça!

— É mesmo! — disse McLane e retribuiu o aperto de mão.

Sentou-se novamente e ocupou-se com o conteúdo do seu copo. Como se sentia extremamente sociável, resolveu que poderia muito bem conversar com Tamara. Mas só ele e ela. Apanhou o copo, no qual havia apenas três milímetros de álcool, levantou-se e deu dois passos para a esquerda. Becker levantou-se rapidamente e bateu continência.

— Descansar! — disse McLane, em tom jovial. — Diga-me uma coisa, tenente. Como vai a leitura obrigatória? Já releu aqueles dois capítulos do Hammersmith?

Um pouco aturdido, Becker respondeu:

— Ainda não, major McLane. Ainda não reli!

Cliff acenou com uma expressão sombria.

— Mas devia ter relido! — disse, em tom severo. — É preciso aprender cada vez mais a respeito desses assuntos psicológicos. O dia-a-dia mostra essa necessidade!

Virou-se para Tamara e continuou:

— Mas não é mesmo uma coincidência, encontrá-la aqui? Estava crente que, neste momento, estivesse examinando o regulamento de serviço para ver com que coisas agradáveis poderia me encher a paciência nos próximos vinte dias!

Tamara permaneceu impassível e estendeu-lhe o copo vazio.

— Não vai me oferecer um drinque? — perguntou.

— Qual é a velocidade nos pólos, major?

Cliff encarou Becker. A expressão do jovem oficial era um misto de perplexidade e indecisão.

— Antes que me esqueça — disse Cliff, pronunciando as palavras com clareza — o senhor deve apresentar-se imediatamente ao general Van Dyke. Lydia ficou com pena de interrompê-los e me encarregou de lhe dar o recado.

Becker franziu a testa e perguntou, surpreso:

— Como assim? Eu não pertenço ao comando do general Van Dyke?

McLane encolheu os ombros sob o elegante uniforme de noite.

— Só me coube transmitir o recado — disse, em tom displicente. — Parece que se trata de uma missão especial ou de uma daquelas operações destinadas ao treinamento de oficiais jovens. É só o que sei.

Becker deu-se por vencido e desapareceu, rápida e silenciosamente,

McLane sentou-se em frente a Tamara que lhe lançou um olhar de censura.

— Sente prazer em tapear um jovem oficial desta maneira, major? — perguntou aborrecida.

McLane respondeu, serenamente:

— Todos nós já fomos jovens alguma vez e tapeados da mesma forma. Tudo isso faz, por assim dizer, parte do serviço na gloriosa frota.

Tamara sacudiu a cabeça diante de tanto sangue-frio.

— Eu não sei bem se está com a razão... Parece que a sua despedida de Lydia não foi nada fácil.

— Isto mesmo! — respondeu McLane e apontou para os dois copos vazios. — Simpatizamos um bocado um com o outro. Dizem que isto pode acontecer mesmo entre oficiais de postos diferentes.

— Ah! Ah! Ah! — fez Tamara. — O limpador de projetores e a princesa, segundo Hammersmith!

— Logo quem faz uma observação destas! — respondeu McLane e ergueu o copo para fazer um brinde a Tamara. — Está sentada aí, fornecendo assunto para os sonhos de oficiais jovens!

— E você?

— Era como se eu estivesse a bordo da Orion — disse Cliff, bem-humorado. — Já que quer saber: minha conversa com o general Van Dyke girou exclusivamente em torno de assuntos relacionados com o serviço!

— É uma outra maneira de interpretar o que realmente houve — constatou Tamara, um pouco insegura. — Felizmente o senhor aqui não tem qualquer poder de comando, major! Por isso, não lhe deve fazer a menor diferença saber com quem, por quanto tempo e por que eu estou sentada aqui. E também não lhe interessa saber se eu bebo muito ou pouco!

McLane olhou fixamente para o rosto de Tamara.

"É o velho problema", pensou. Alguma coisa nessa mulher o atraía mas, ao mesmo tempo, procurava se distanciar dela. O relacionamento entre eles era uma intricada mistura de reconhecimento, ceticismo, sonhos e realidade brutal.

— Está enganada! Tudo isto me interessa, e muito! — observou ele.

— É mesmo?

— É sim! Meu interesse é de ordem pessoal. Sou o comandante da Orion VIII e você voa comigo. E a próxima vez será amanhã, às 15 horas. De uma certa maneira, preciso tomar conta de você!

— Mas o que é isso, major! Não vai me dizer que está começando a sentir emoções humanas?

McLane deu um sorriso malicioso.

— Confidencialmente: se eu perdê-la, receio que vou ter que assinar não dez, mas cinqüenta relatórios de perda total. Mas não se aflija. Dentro de poucos dias estaremos todos sofrendo de um acesso de delírio espacial de dimensões planetárias.

— Delírio espacial? Por quê?

— É o que se pode apanhar naquela região em torno da estação Destroy II. Meu colega Alonzo Pietro esteve lá... em Dez/Leste 359 a 362... É o que acabou de me relatar o general Van Dyke. Não creio que a nossa nave vá se constituir numa exceção. Receio que vamos enfrentar sérias dificuldades.

Tamara sacudiu energicamente a cabeça.

— Não há mais ninguém na estação Destroy II que pudesse ficar biruta. Parece que seu general não está a par dos últimos acontecimentos. Há uns dois meses, todo o serviço nessa estação é executado exclusivamente por robôs.

— Robôs? Em Destroy II? — perguntou McLane, espantado.

— Isto mesmo! Modelos especiais, caríssimos!

— É o que me faltava! — disse Cliff. — Sabe que amanhã vamos partir para Destroy II?

— Sei, sim! — disse Tamara. — O emprego desses robôs foi mantido em segredo pelo SSG.

— Tenho certeza que isso é obra do seu chefe Henryk Villa! — disse Cliff lentamente e com clareza. — Por que será que o Serviço de Segurança Galático não se preocupa com assuntos mais imediatos?

Tamara encolheu os ombros.

— Será que o serviço de segurança não tem outras preocupações? — perguntou McLane, com raiva.

— Tem sim! — afirmou Tamara com um sorriso meio velado. — Preocupa-se com a sua saúde, major!

— Está brincando! — exclamou McLane e lançou um olhar de censura para Tamara.

— Não estou, não! Por causa deste caso de delírio espacial, que dizem ter constatado, vamos ter que levar um médico a bordo. Um psicodinâmico. Ordens do SSG!

Cheio de amargura, McLane comentou.

— Continuam a tomar resoluções sem me consultar! Todo mundo sabe de tudo, menos eu!

— Tive a incumbência — disse Tamara — de lhe informar a respeito disso hoje de noite, comandante.

McLane levantou-se e acenou para o garçom.

— Minha paciência está chegando ao fim! — disse ele, e pagou a conta. — Se as coisas continuarem assim, peço a minha exoneração. Aí você vai ficar desempregada e Hasso vai finalmente poder testar seu novo equipamento de mergulho; ou criar ostras. Posso levá-la para casa?

— Pode, sim! — disse Tamara. — Afinal de contas, amanhã recomeça o serviço!

— Certo! — confirmou McLane e riu. — E vai poder mostrar de novo a sua verdadeira face, Tamara!

Ambos não imaginavam que estas observações jocosas se pudessem transformar em terrível realidade.

 

QUINZE horas e trinta segundos...

O reluzente disco prateado da Orion VIII elevou-se verticalmente do redemoinho, aumentando constantemente a velocidade. Através do céu azul, sem nuvens, a nave deslocou-se para a direita, ligeiramente inclinada. A baía de Melville e Saumlaki, na ilha de Tanimbar, ficaram para trás. Depois, os contornos tornaram-se difusos e confluíram para formar aquele mapa multicolorido em alto-relevo. Nuvens passaram pelo quadro. A seis mil metros, um vento atmosférico balançou a Orion imperceptivelmente. Em seguida, a nave percorreu uma trajetória ascensional e penetrou na escuridão do espaço cósmico. A Estação Avançada IV assumiu.

— Nave espacial Orion sob comando do major McLane — anunciou-se Cliff.

— Confirmação: coordenadas do alvo Dez/Leste 361. Seu objetivo final é a estação Destroy II; aproximação visual. Tempo de vôo aproximado: duzentas e trinta horas. Desligo.

— Confirmação entendida. Desligo.

A Orion prosseguia no seu vôo vertiginoso. Havia sete pessoas a bordo.

Cliff McLane sabia que estava empreendendo uma missão perigosa. Pensava em Alonzo Pietro e seu estranho comportamento.

O professor Basil Sherkoff:

Um novo hóspede a bordo.

Era um homem calmo, de seus quarenta e cinco anos de idade, olhos ágeis, que não paravam um instante sequer.

Nada lhe escapava e tinha-se a impressão de que era capaz de formar, em questão de segundos, uma opinião concreta a respeito daquilo que tinha visto. O rosto bem talhado e emoldurado pelo cabelo castanho, ligeiramente grisalho nas têmporas, fazia de Sherkoff um homem de boa aparência. Ao menos na opinião de Helga.

— Minha presença a bordo não é do seu inteiro agrado, não é, comandante?

A voz de Sherkoff era agradável; sua pronúncia era a de um cientista habituado a falar longa e intelegivelmente.

McLane rosnou:

— Ora, não diga isso; pessoalmente não tenho nada contra o senhor. O que me aborrece é que, desde que fui condenado a servir na Patrulha Espacial, cada qual faz comigo o que bem entende. Nem mesmo me perguntam o que eu acho a respeito de uma missão.

Sherkoff riu levemente e levantou-se.

— Eu também só recebo ordens, comandante! — disse, como que se desculpando.

A voz de Tamara veio dos fundos da cabine.

— É que o major afirma, professor, que não pode assumir mais responsabilidades e, portanto, tomar conta de um médico. Acha que, comigo a bordo, a sua capacidade já está esgotada. Ele já falou até em pedir sua baixa do serviço ativo...

— Quer fazer o favor de calar a boca, sim? — pediu McLane.

Sherkoff pigarreou e enfiou a mão por dentro da jaqueta, que encobria uma camisa cujos botões estavam pregados numa barra rendada.

— No entanto, o que acontece é exatamente o contrário, major! — respondeu Sherkoff. — Eu é que sou responsável pelo senhor e sua tripulação. Ao menos, oficialmente. Proponho-lhe uma solução que deve satisfazer a ambos. Vamos assumir uma responsabilidade conjunta, quer dizer, vamos tomar conta uns dos outros. De acordo, major?

— Por mim, que seja! — respondeu McLane.

Do seu lugar, junto à unidade de entrada do computador, Mario disse:

— Até a hora do embarque, nós pensávamos que íamos levar a bordo um daqueles homenzinhos eruditos, de cabelos brancos. No entanto, tivemos uma surpresa agradável.

— Obrigado! — disse Sherkoff, e fez um aceno de agradecimento para Mario. McLane iniciou uma conversa, conduzida em tom meio carregado.

— O senhor é especialista em cérebros, professor? Deve ser uma atividade interessante!

— É bastante interessante e não é isenta de aventuras. É quase tão emocionante como a profissão de um comandante de nave espacial.

— Espere um pouco... — discordou Atan, gesticulando. — Afinal, deve haver algumas diferenças substanciais, meu caro professor!

— É possível! — respondeu Sherkoff.

— Já ouviu falar daquele caso da Xerxes? — perguntou McLane.

— O caso que envolveu Alonzo Pietro, o comandante da nave?

— Esse mesmo! — respondeu Cliff.

— Eu li os relatórios e assisti a algumas das investigações.

— E o que o senhor acha desse caso?

Tamara Jagellovsk saltou da sua escora predileta e aproximou-se. A conversa estava começando a interessá-la. Sherkoff sacudiu os ombros, num gesto indeciso.

— Os relatórios não revelam muita coisa. Ao menos, nada que pudesse me levar a seguir uma determinada pista. A coisa continua mais ou menos um mistério.

McLane observou os instrumentos, que acusavam um constante aumento da velocidade. Ainda levaria uma hora até que a nave mergulhasse no hiperespaço.

— Como assim? Então Pietro não confessou tudo, como dizem?

Sherkoff recostou-se pesadamente contra o canto da mesa de comando e observou a imagem da tela central.

— E daí? Essa confissão não provou nada! Além disso, as investigações ainda não foram terminadas. Até agora, está-se propenso a admitir uma deserção de livre e espontânea vontade e a explicar o caso dessa maneira.

McLane explodiu.

— A Comissão ficou maluca! Jamais Pietro faria uma coisa dessas!

— Por que isso seria tão impossível assim, comandante? — perguntou Tamara e colheu um olhar ameaçador de McLane.

— Estaria muito interessado na opinião de homem prático, Cliff! — disse Sherkoff. — Conseguiu formar uma opinião própria a respeito deste caso?

— Há alguns pontos que eu gostaria de enumerar — disse Cliff lentamente. — E cada um deles tem a sua razão de ser. Em primeiro lugar: os estranhos vivem num ambiente inteiramente desprovido de oxigênio ou, ao menos, numa atmosfera de composição completamente diferente da nossa. Sem considerar a possibilidade de viver anos enfiado num traje espacial. Este fato, por si só, já significaria a morte certa para Alonzo.

"Em segundo lugar, os estranhos têm necessidade de se apoderar de naves e seres humanos para obter conhecimentos básicos das condições de vida dos seres adversários. Qualquer homem medianamente inteligente pode imaginar que todos que caírem nas mãos daqueles sujeitos serão mortos e autopsiados, sem mencionar os intermináveis interrogatórios a que seriam submetidos antes disto. Em terceiro lugar, uma raça estranha, que apresenta mortos como argumentos básicos para uma negociação, veja o caso MZ-4, dificilmente vai poder ser convencida com os meios da razão ou da boa vontade. Pietro não teria tido uma única vantagem. Acredita seriamente que estava querendo morrer?"

Sherkoff sacudiu lentamente a cabeça.

— Não deu esta impressão nem por um segundo!

— Está vendo! — respondeu Cliff num tom de inteira convicção.

— Alguma coisa deve ter mudado o seu modo de raciocinar — observou o professor, pensativo. Os seus dedos brincavam com o fecho retangular da jaqueta. — O que mudou, ainda não conseguimos descobrir. Agora, a maneira pela qual foi mudado...

— Sim...? — perguntou Cliff, cheio de maus pressentimentos.

— É a razão pela qual me encontro, agora, a bordo desta nave.

— O quê? — gritou Helga Legrelle e girou a poltrona para poder olhar melhor o professor. — Quer dizer que nós somos as suas cobaias?

— Sob certo ponto de vista, são!

A voz de Hasso veio alta e nítida da tela do videofone, que comunicava a sala de máquinas com a cabine de comando:

— O seu senso de humor é fora de série, professor!

Em seguida, sacudiu a cabeça; ainda não podia acreditar no que tinha ouvido. Pouco depois a Orion VIII efetuou o seu primeiro salto no hiperespaço.

 

Ao longo da mais extensa fronteira já estabelecida por seres humanos, encontrava-se um sem-número de estações dos mais diversos tipos. E todas elas não existiriam, com raras exceções, se os homens não tivessem encontrado, a quatrocentos e cinqüenta parsec de distância da Terra, em qualquer direção, o material de construção necessário para estes postos de observação.

E este material existia em grande quantidade. Eram as luas.

A esfera espacial não era muito rica em estrelas e também não continha grande quantidade de planetas. Mas o que as primeiras naves cartográficas encontraram foi uma abundância de satélites menores. Luas de todos os diâmetros, de dez metros a mil quilômetros. A tecnologia proporcionou os meios para retirar essas luas das suas órbitas e transportá-las para outros lugares. MZ-4 era uma lua dessas. E a estação Destroy II, uma outra. E essa lua, uma esfera rochosa de dois quilômetros de diâmetro, pairava no negrume do universo, longe de qualquer planeta e de qualquer sol.

Apenas um sistema de antenas negras e uma cúpula escura interrompiam a monotonia das fendas e gretas desta rocha. O satélite tinha sido trazido para este local com um único fim. Proteger a Terra.

Suas antenas eram capazes de localizar qualquer objeto que fosse maior do que um asteróide e que passasse a uma distância de cinco anos-luz.

Os computadores digitais conseguiam definir, em um milésimo de segundo, se o objeto localizado era de fabricação terrana ou não.

E os canhões de raio laser podiam destruir esse objeto se ele não se identificasse. Agora, esta estação estava guarnecida por robôs. Máquinas de precisão para tarefas de precisão.

Comunicavam-se entre si por radiofonia e era por impulsos radiofônicos que operavam a maioria dos instrumentos ali instalados. E a esta lua, ainda a uma distância de quatrocentos parsec, dirigia-se a Orion VIII. McLane não sabia o que os esperava lá...

 

Nove dias mais tarde:

A Orion emergiu do ambiente cinzento do hiperespaço retornando ao espaço normal. O firmamento estava cheio de estrelas; constelações familiares apareciam nas telas. À frente, em algum lugar, devia encontrar-se a estação Destroy II. Atan vasculhou as imediações com os radares e finalmente captou um minúsculo impulso.

— Objeto enquadrado! — disse ele. — Está exatamente sobre a trajetória!

Cliff corrigiu o curso de alguns traços dos instrumentos e prosseguiu em direção àquele minúsculo ponto luminoso que se destacava sobre o monitor acima do painel de comando.

— Do comandante para livro de bordo: estamos nos aproximando de um objeto. Ainda não podemos afirmar que seja Destroy II. Distância?

— Nove minutos-luz.

A nave deslocava-se com, mais ou menos, a metade da velocidade da luz. Isto significava que, dentro de uns vinte minutos, o objeto seria alcançado.

— Do comandante para o telegrafista: emitir sinal de teste!

— Do telegrafista para o comandante: entendido! — respondeu Helga e procurou o sinal correspondente no manual.

A Orion correria perigo caso se aproximasse daquele satélite sem emitir o impulso de identificação. Helga irradiou o impulso e ficou aguardando. Em seguida veio a contrachamada automática.

— Do telegrafista para o comandante: fomos identificados!

— Está bem!

Cada palavra e cada movimento da nave eram registrados pelo livro eletrônico de bordo. Dessa maneira tinha sido possível descobrir, posteriormente, as manobras de Alonzo Pietro.

Mas um comandante experiente como McLane conhecia uma porção de truques para ludibriar o livro de bordo; e Pietro também os conhecia. Por isso, Cliff não acreditava que Alonzo quisesse desertar voluntariamente. A nave, agora manobrada com os controles manuais, reduziu a velocidade e aproximou-se da estação.

— Vou transferir uma ampliação para a mesa de comando — disse Atan.

A imagem do asteróide apareceu na tela central. Sua massa encobria um trecho circular do céu; fora isso, não se via nada. Uma excelente camuflagem: preto sobre preto.

— Distância: três segundos-luz! — avisou Cliff em voz alta.

Com exceção de Hasso, toda a tripulação, inclusive Sherkoff, encontrava-se na sala de comando. Hasso continuava a cuidar das suas preciosas máquinas. Ao longo da sua carreira, ele já tinha conhecido oito séries de construção de naves do tipo da Orion. McLane comandava a sua oitava nave. As sete outras tinham sido destruídas das maneiras mais diversas.

Lentamente, a Orion aproximou-se do satélite, com as máquinas desligadas.

— Cento e cinqüenta mil quilômetros. Começavam a reconhecer os detalhes. As rochas mais altas destacavam-se das demais, brilhando fracamente na luz das estrelas distantes. Na curvatura da cúpula e ao longo dos compridos tubos das antenas, cintilavam pequenas luzes; eram visíveis também em torno da entrada circular da rede de cavernas da estação.

— O que me comove é a incrível variedade da iluminação — disse Cliff, admirado. — Nem mesmo luzes de posição infravermelhas! Está tudo muito bem oculto.

McLane acendeu um jogo de faróis de pouso.

Uma zona foiciforme de rocha negra foi arrancada da escuridão. Cada vez mais rochas e superfícies pétreas apareceram. O aparelho radiofônico, que Helga tinha ajustado para o canal da estação, silenciava. Todos sabiam que, por baixo daquelas rochas ilusoriamente maciças, havia escotilhas de aço. Se fossem abertas, transformariam aquele corpo rochoso num ouriço cujos espinhos eram raios laser. E destruiriam, com indiferença mecânica, tudo o que o computador digital classificasse de inimigo.

— Do comandante para telegrafista: estabeleça uma comunicação com os robôs de guarda!

Helga ajustou o aparelho transmissor e depois apertou um botão. Se McLane falasse agora no microfone, podia comunicar-se diretamente com as máquinas na estação.

— De telegrafista para comandante — disse Helga. — Contato estabelecido, pode falar!

Aparentemente, o professor Sherkoff não estava pela primeira vez na vida a bordo de uma nave cuja tripulação evidenciava um entrosamento tão perfeito. Parecia não se impressionar com a rapidez e precisão das operações que se sucediam.

— Orion VIII chamando Destroy II! — disse McLane com voz incisiva.

A nave estava apenas a trezentos metros daquela bola rochosa. A tela central circular já era insuficiente para mostrar a estação toda. A imagem consistia de uma linha fortemente curvada, por cima da qual luminesciam as estrelas. O outro lado mostrava o reflexo da luz dos faróis de pouso da nave.

— É curioso! — disse Mario que tinha se postado atrás de Cliff.

— Orion VIII chamando estação Destroy II! — repetiu McLane. — Dentro de um minuto vamos acostar a lua. Abram o poço de acesso à estação e liguem o abastecimento de oxigênio!

Nenhuma resposta.

— Comandante para telegrafista: sua caixinha eletrônica está com defeito, Helga? — perguntou McLane, impassível.

— De telegrafista para comandante: de forma alguma. Está funcionando perfeitamente bem!

— É misterioso! Sherkoff riu baixinho.

— Parece que o comitê de recepção é constituído todinho por surdos-mudos! — comentou.

— Pior do que isso! É constituído por robôs! — disse Cliff. — Não faz idéia como eu adoro esses homenzinhos de lata!

Cliff raciocinou febrilmente. Parecia impossível que nestas condições ambientais os robôs tivessem entrado em colapso. Aqui não precisavam realizar duros trabalhos de mineração, nem estavam sujeitos às incessantes vibrações de enormes máquinas. Locomoviam-se em recintos temperados, executando tarefas bem mais leves. Ligavam e desligavam outras máquinas, tratavam da manutenção e, além disso, não estavam ali há muito tempo. Eram, por assim dizer, novinhos em folha.

— O que vamos fazer, Cliff? — perguntou Mario, aborrecido.

— Vamos tentar novamente!

Mais uma vez Cliff agarrou o microfone e disse:

— Estação Destroy II! A nave Orion solicita resposta imediata! Confirmação do chamado! O que está acontecendo aí?

Apenas o fraco ruído da estática emanava dos alto-falantes. Fora isso, nada. Nenhum estalo, nenhum impulso, nenhum sinal, nenhuma voz gravada.

— Repito: respondam à nave Orion! É urgente!

— Alguém já ouviu falar em robôs dorminhocos? — perguntou Tamara, que tinha voltado ao seu lugar cativo junto da escora.

— Tão pouco como de agentes inatentos do SSG! — respondeu Cliff, num animado tom de conversação. — Eu não sei que perturbação está ocorrendo lá!

— Proponho acostar logo. É claro que podemos entrar sem auxílio dos robôs! — disse Hasso, que tinha ouvido as palavras do comandante através do intercomunicador de bordo.

— Está bem, vou pousar a nave!

Cliff aproximou o disco e virou-o de tal maneira que o elevador telescópico tocaria o solo horizontalmente, bem perto da entrada.

Apagou todos os faróis de pouso, com exceção de um único, que continuou a iluminar a pequena praça.

A nave já não possuía mais qualquer impulso cinético próprio e Cliff ativou possantes raios magnéticos, que ancoraram a Orion num pedaço de rocha.

Manobras desse tipo tinham que ser realizadas com extrema cautela porque a nave poderia alterar a trajetória do asteróide.

— Preparem os trajes espaciais! — ordenou Cliff.

— Entendido!

Depois Cliff tentou estabelecer novo contato com a Destroy II. Desta vez, parecia ter mais sorte.

 

O RECINTO era de tamanho médio, uma sala cilíndrica de uns quinze metros de diâmetro por seis de altura. As paredes eram revestidas com peças feitas de um plástico altamente elástico, que brilhava numa cor bronzeada. A estrutura superficial assemelhava-se a um padrão constituído por minúsculos corpos piramidais. Somente as escalas de numerosos instrumentos luminesciam; a iluminação era suficiente para os olhos altamente sensíveis dos robôs. Baterias de energia... Instrumentos de medição... vinte e cinco gigantescos aparelhos de radar, ainda equipados para manejo de mãos humanas, emitiam uma luz verde e fria e apresentavam os ofuscantes pontos amarelos das estrelas.

Uma parte da parede oposta à entrada estava literalmente coberta por escalas e faixas luminosas. As inscrições, em letras negras, que normalmente designavam os diversos instrumentos, tinham sido substituídas por símbolos matemáticos e por grupos simbólicos característicos, aos quais a psique eletrônica das máquinas reagia. Norteados pelas disposições das três leis do robô, essas máquinas zelavam pelo bem-estar dos homens. Ou melhor dizendo: não estavam zelando.

Uma abertura na parede dava acesso a um corredor circular, que conduzia a uma outra parte da instalação escavada na rocha. Duas comportas vedavam outros corredores. Diante de um painel de comando flutuavam dois robôs. Pareciam inertes... paralisados. Um silêncio sepulcral reinava na estação, que devia estar ressoando dos ruídos variados dos instrumentos em funcionamento. A voz, que vinha dos alto-falantes, explodiu na sala.

— Repito: respondam à nave Orion! É urgente!

E novamente aquele silêncio mortal dominava o recinto. Mas tudo se modificou numa fração de segundos. O radar apresentou o pequeno círculo da nave espacial. Sinais luminosos começaram a se deslocar; ponteiros oscilaram violentamente e relógios voltaram a funcionar. E, de repente, aquelas duas máquinas começaram a se mexer. Eram robôs do tipo Supervisor.

Suas garras fecharam-se em torno das alavancas e as deslocaram...

A entrada fechada da estação era visível na tela central. Longos segundos se passaram e nada aconteceu. As máquinas no interior da estação não se mexiam. Mais uma vez Cliff gritou no microfone.

— Orion VIII chamando Destroy II! Abram imediatamente a entrada! Urgente!

Um estalido agudo emanou dos alto-falantes.

— Mario, o que está acontecendo? — perguntou Cliff.

— Não sou vidente! — respondeu o subcomandante — Quando muito, posso arriscar um palpite.

— Pode me explicar por que os robôs não respondem?

— Provavelmente há um defeito na ligação do aparelho radiofônico.

Helga não concordou:

— Besteira! — disse ela. — Essas máquinas localizam e consertam um defeito em três tempos. São muito mais rápidas do que qualquer um de nós.

— Há alguma coisa de errado, comandante? — perguntou o professor Sherkoff, preocupado.

Cliff apontou para o quadro sem vida que o holofote ligado estava iluminando.

— Não tenho a menor noção, Sherkoff. Depois berrou no microfone:

— Alô! Orion chamando Destroy II! Desta vez, parecia que algo estava se mexendo. Sinais curtos e duros emanavam dos alto-falantes.

— Agora peguei o raio-piloto! — avisou Atan. — Está bem ajustado. Só que não precisamos mais dele!

Cliff McLane ainda estava inquieto; mas decidido a descobrir a razão dessa perturbação. Afinal, acreditava conhecer razoavelmente bem as manias dessas máquinas.

— Parece que, finalmente, os robôs acordaram! — disse ele, baixinho. — Só gostaria de saber o que os fez retornar à atividade!

— Provavelmente os seus berros! — respondeu Tamara, com ironia.

— Podemos desembarcar agora? — perguntou Sherkoff.

— Sim, podemos. Mas não sem os trajes espaciais. Está com medo?

— Estou um pouco receoso, sim. É uma situação inteiramente nova para mim.

Mario e Helga retiraram-se da cabine para vestir os trajes espaciais. Tamara os seguiu.

— O senhor suportou muito bem os nove dias de vôo através do espaço cósmico — disse Cliff e desligou alguns setores da Orion. — Por isso, não creio que vá achar o passeio pela estação muito fatigante.

Olhou para cima e viu o rosto de Hasso na tela.

— Comandante para casa de máquinas: manter nave em posição; deixar campos magnéticos ligados.

— Entendido! — respondeu Hasso através do sistema de intercomunicação de bordo.

— Quer que eu avise a Estação Avançada IV do nosso pouso, ou melhor, do nosso acostamento, Cliff? — perguntou Atan, sentado atrás do radiogoniômetro.

— Avise-os, por favor! — disse Cliff. Atan levantou-se e ocupou a cadeira de

Helga diante da mesa do rádio. Em seguida emitiu a lacônica mensagem através do transmissor hiperradiofônico para aquela estação. De lá, foi retransmitida para a Central de Computação na Terra e devidamente arquivada. Era apenas mais uma informação rotineira da Orion VIII. Hasso comunicou:

— Da casa de máquinas para o comandante: Nave ancorada. As máquinas estão desligadas. Pode baixar o elevador.

— Obrigado, Hasso! — disse Cliff. — Vamos desembarcar.

— Vou tratar de separar os caixotes que contêm as peças do Overkill — disse o engenheiro de bordo.

— Perfeito. Conhece os números dos caixotes destinados a Destroy II?

— De cor e salteado! — respondeu Hasso.

Cliff, Atan e Sherkoff estavam na cabine de comando. Entreolhavam-se. Depois, como que obedecendo a um comando, olharam para a tela circular. A comporta da escotilha continuava fechada; as máquinas ainda não tinham obedecido às ordens de McLane.

— Vou tentar pela última vez! — disse Cliff, aborrecido, e tornou a ligar o microfone no transmissor.

Depois emitiu uma rápida seqüência de instruções para os robôs.

— Orion chamando Destroy II! Exijo confirmação urgente!

Um longo uivo fez-se ouvir.

— Até que enfim! Ativar imediatamente a instalação de oxigênio em toda a estação! Ligar a calefação das salas e fechar todas as escotilhas! Abrir comporta externa! Destacar dois robôs tipo Worker para apanhar os caixotes! Entendido? Espero confirmação!

Mais uma vez ouviu-se aquele uivo.

— Gozado! — disse Atan, mais do que admirado. — Será que não existe uma única fita automática que nos responda?

— Eu também não estou entendendo isto — finalizou McLane e calcou alguns botões. — Agora vamos aos camarotes apanhar os trajes espaciais. Sabe como vestir o seu, professor?

Sherkoff acenou, mas o gesto saiu meio inseguro.

— Não se preocupe, que vou ajudá-lo — prometeu Cliff.

Pegaram o elevador e desceram ao convés dos alojamentos. Pouco depois, estavam nos camarotes e abriram os armários especiais, destinados à guarda dos trajes espaciais, previamente inspecionados. Eram de um tipo novo, bastante leve. Minutos após, seis pessoas, envergando trajes claros e carregando caixas com ferramentas voltaram à cabine. Todos os membros da tripulação, inclusive Tamara, estavam armados. O pesado projetor HM-4 pendia dos cintos. Atan, o último a entrar, fechou a porta do elevador e Cliff apertou o botão de descida. Os elementos telescópicos do elevador, semelhantes a um enorme periscópio, estenderam-se. Finalmente, os contatos da plataforma tocaram o solo rochoso, rente à escotilha da entrada.

— Temos gravitação artificial lá fora? — perguntou Cliff, através dos fones do capacete.

— Nas imediações da eclusa, sim! — respondeu Mario. — É gerada por um servo-motor automático que independe das máquinas.

O elevador parou e Cliff abriu a porta. Estavam diante do vácuo do universo, em contato direto com o cosmos, aquela escuridão permeada de minúsculos pontinhos luminosos... Após alguns passos em direção à eclusa, começaram a sentir os efeitos daquele campo de gravitação artificial. Do alto vinha a luz do holofote.

— Vamos! — disse Cliff.

Sentiu que o seu corpo estava sendo atraído por aquele ilusório plano horizontal do chão do asteróide e percorreu os poucos metros que o separavam da rampa, situada por trás do teto da eclusa. As luminárias emitiam uma luz suave. Os outros membros da tripulação seguiam o comandante. Depois, Hasso fechou a porta do elevador por meio do controle remoto. Os elementos telescópicos recolheram-se e o elevador desapareceu no bojo da nave. Em seguida, ele abriu a escotilha do compartimento de cargas; já tinha separado os caixotes destinados a Destroy II. Cliff parou diante da segunda porta da eclusa, que se recolheu lateralmente e depois voltou à posição inicial. Assim que os contatos magnéticos se encaixaram, a porta interna se abriu. Os microfones externos transmitiram o chiado do ar que penetrava no recinto.

— Eles escutaram! — disse Cliff, baixinho. — Vamos entrar!

Entraram e toparam com dois robôs do tipo Worker. Não se moviam, mas pareciam aguardar alguma ordem. As seis pessoas passaram entre os robôs e enveredaram por um longo corredor que descia suavemente. Aquela força de atração artificial ainda fazia sentir os seus efeitos; equivalia a 80% da terrana.

Mario apontou para a frente e disse:

— Lá deve ficar a sala de controle!

Cliff McLane conhecia os sintomas; sentia algo de misterioso na estação. Com cuidado, Cliff e a equipe tiraram os trajes espaciais e os penduraram em ganchos fixados na parede da pequena sala atrás da eclusa.

O ar era respirável e ligeiramente quente. O estranho comportamento dos robôs preocupava a todos. E, ainda por cima, essa calma... em algum lugar, o perigo estava a espreita. Cliff sabia disso; só não conhecia a natureza desse perigo. Fez um gesto para Mario.

— Vamos adiante! — disse ele e colocou a mão direita sobre o cabo da arma. — Vamos ver o que está se passando!

Helga, Mario, Atan e Cliff carregavam as maletas com as ferramentas de precisão, indispensáveis para os trabalhos de montagem. Seus passos ressoavam duros quando se dirigiam à sala central da estação. E depois viram aquelas máquinas paralisadas.

Dois robôs do tipo Supervisor flutuavam silenciosamente diante da mesa de comando. As seis pessoas se dispersaram; observaram mostradores e escalas. Atan examinou a instalação renovadora e constatou que havia a quantidade normal de ar em todos os recintos que agora estavam sendo aquecidos. Ouviam-se os estalos da serpentina de calefação. Em seguida, Atan dirigiu-se a um dos robôs e parou diante dele. Cliff aproximou-se e perguntou, baixinho:

— Bem, Atan, onde é que está o defeito?

Atan encolheu os ombros e examinou as lâmpadas de controle mais de perto.

— Parece que sofre de uma espécie de cansaço, isto é, de relês gastos.

— Esses modelos novos? É altamente improvável!

Atan apontou para algumas chaves que estavam ao alcance da máquina. Há muito tempo não tinham sido manipuladas e os registradores gráficos, semi-automáticos, estavam funcionando à toa.

— Não emitem um som, um sinal sequer, Cliff! Em condições normais, deviam falar por meio das suas luzes. Ou então, conversar conosco através das fitas magnéticas.

Cliff aproximou-se mais um pouco e colocou a maleta no piso.

— Não elaboraram o relatório diário, tampouco processaram quaisquer dados! — constatou.

Havia ar atmosférico no interior da estação, que poderia propagar ondas sonoras. E isto capacitava estas máquinas, altamente sofisticadas, a manter conversação com seres humanos. Só era preciso que emitissem determinados impulsos característicos para os vocodes que, então, formariam frases dessas palavras soltas e as transmitiriam através dos alto-falantes. Além disso, a estação era sempre mantida inundada por algum gás, cuja composição não precisa ser obrigatoriamente a do ar respirável. Apenas, quando seres humanos entravam na estação, os robôs procediam à composição correta, dosando o teor de cada gás componente. E isto tinha acontecido agora.

— Robôs desse tipo são empregados apenas nas estações externas mais avançadas — explicou McLane a Sherkoff, que estava observando com interesse o equipamento técnico desta sala. — São considerados como os mais confiáveis e os menos suscetíveis a alguma perturbação.

Sherkoff acenou em agradecimento e sorriu.

— Mas não podem ser considerados muito amáveis, não é?

Cliff concordou.

— Caso contrário, já nos teriam cumprimentado!

Virou-se e viu Hasso caminhando atrás de dois robôs do tipo Worker, que carregavam os pesados caixotes com as peças desmontadas dos projetores Overkill.

— Escolha duas câmaras de raios laser diametralmente opostas — disse Cliff. — Verifique se, de lá, os dois canhões podem varrer toda a extensão da fronteira!

— Se ao menos entendesse um pouco mais da construção dessas máquinas — disse Hasso, baixinho, e apontou para os robôs Supervisor. — Mas não tive ocasião de trabalhar com tipos tão modernos.

— Talvez Atan possa nos ajudar! — disse Cliff.

Atan estava se ocupando com a parte da cabeça de uma das máquinas e arrepiou-se quando tocou no metal.

— Nem sei onde se localiza a chave principal! — disse ele. — Preciso dar uma espiada nas plantas dos circuitos desses caras.

Hasso deu uma ordem aos dois robôs trabalhadores e eles se afastaram com suas cargas: um para a direita e o outro para a esquerda, passando pelas escotilhas que se abriram e fecharam silenciosamente.

McLane apontou para um parafuso na cabeça do robô.

— Tente este aqui, Atan! — disse ele.

Shubashi soltou o parafuso-borboleta com os dedos e retirou a placa de proteção do circuito.

— Você é um sujeito extremamente inteligente! — constatou, e puxou um condensador do bloco dos encaixes.

— Afinal, quinze anos de serviço no espaço deviam dar em alguma coisa positiva! — disse Cliff.

Sherkoff riu e disse:

— Já é comandante há quinze anos?

— Quase — respondeu Cliff. Aos dezoito anos, voou pela primeira vez numa nave espacial; possuía sua patente há doze anos. Agora, estava com trinta e cinco.

— Mas o senhor não aparenta nada disso, comandante! —enfatizou Sherkoff.

— A gente faz o que pode! — respondeu Cliff e alisou o queixo. — De uns tempos para cá, nada mais de interessante acontece aqui na Via Láctea. Hoje em dia quase todo mundo sabe dirigir uma nave espacial. E agora, ainda por cima, essa Patrulha Espacial... A gente chega a pensar que é um cadete.

Cliff não queria intranqüilizar a tripulação mais que o necessário. Reparou que os outros estavam sendo afetados pela calma aparente e a ameaça oculta nessa lua oca.

— Cliff! — disse Atan, de repente.

Cliff estava de costas para as duas máquinas. No instante em que Atan recolocou o condensador, a máquina girou cento e vinte graus e deslizou com incrível rapidez em direção a Cliff. Dois dos seus braços fecharam-se sobre a cintura de McLane, num aperto violento.

— Cuidado! — gritou Mario e sacou o projetor. — Ele está atacando!

Cliff tentou desvencilhar-se daquele abraço. Sentiu que o tecido do traje rasgou e conseguiu escapar, afastando-se, cambaleante, alguns passos daquelas articulações que o podiam estraçalhar.

— Atire nele! — gritou Atan e saltou sobre a máquina, enfiou a mão na cabeça ainda aberta e arrancou novamente o condensador. — Está totalmente perturbado! — disse, ofegante, e olhou para aquela peça na sua mão.

Mario ainda estava apontando o projetor destravado sobre o robô; também Cliff tinha sacado a arma. Imóvel, o Supervisor flutuava diante deles.

— Caramba! — sussurrou Cliff; sua voz soava alta naquele silêncio. — Ficou louco! Já é a segunda vez que isso me acontece; e ainda há quem diga que se pode confiar mais nos robôs do que nos seres humanos!

Sherkoff virou-se, hesitante, para o comandante.

— Como... como isto pôde acontecer? — perguntou.

Cliff estava perplexo. Novamente sentiu o perigo que rondava o satélite. Espreitando ele e sua equipe.

— Não sei dizer o que houve! Tamara, pode dar uma explicação?

Ela deu um leve aceno com a cabeça.

— Só vejo duas possibilidades. Ou eles nos encaram como intrusos indesejáveis e, nesse caso, a perturbação se localiza no sistema de identificação em frente ao cérebro, ou então sofrem também de uma neurose, como aquelas máquinas de mineração em Pallas Beta.

— Os modelos Supervisor são os mais perfeitos que produzimos no momento!

— Mas quanto maior a complexidade do seu mecanismo, tanto maior também a sua suscetibilidade a tais perturbações — explicou Tamara.

— Como o senhor vê — disse o comandante a Sherkoff — o termo aplica-se indistintamente aos robôs e aos homens. Designamos por neurose também o raciocínio mecânico perturbado.

— Vá lá! — respondeu Sherkoff.

— O senhor tem alguma objeção? — quis saber McLane.

— Tenho, sim. Hoje em dia qualquer criança sabe que mesmo um robô perturbado não pode infringir a primeira lei dos robôs sem uma razão imperiosa, que o leva a agredir um homem da maneira que todos vimos. Não acha que há algo mais atrás disso?

— Acredita então que alguém está influenciando este tipo de robô? Pois aqueles dois do tipo Worker obedeceram perfeitamente às ordens de Hasso! — respondeu Cliff, meio descrente.

— Estou quase certo disso! — disse o professor. — E não vejo outra alternativa.

Cliff esforçou-se para não deixar transparecer que estava assustado. Alguém capaz de influenciar uma das máquinas mais complicadas — e de maneira tão decisiva que infringiam tranqüilamente a tão rigorosa primeira lei — era, na verdade, um inimigo poderoso. Nada estava ainda provado, mas a possibilidade existia. Teriam sido mais uma vez extraterranos? McLane virou-se para Atan Shubashi.

— Atan... desligue as duas máquinas. Shubashi sacudiu violentamente a cabeça.

— Nem pense nisto! — asseverou, com raiva, e limpou o suor da testa. — Tamara, naquela última recepção que Cliff deu, a senhora não contou que tinha comprado um livro a respeito da vida interior dos robôs e que havia memorizado os trechos mais importantes? É verdade isso?

Tamara aproximou-se lentamente e parou entre as duas máquinas.

— Você conhece os elementos de ligação dos modelos Supervisor? — perguntou Cliff, apressadamente.

— Mais ou menos! — disse Tamara, e começou a desaparafusar a placa de proteção da segunda máquina.

— Então faça-me o favor de desligar esses dois robôs. Mais tarde vamos ver que peças têm que ser trocadas — disse Cliff, virando-se.

Acenou para Hasso Sigbjörnson.

— Hasso, já montou os projetores Overkill?

— Estão montados! — respondeu Hasso. — O que você quer que eu faça agora?

— Por favor, volte à nave e assuma a vigilância espacial; assim que pudermos começar os trabalhos aqui, mando Tamara para cima. Este lugar está ficando perigoso demais e não devíamos deixar a nave desprotegida.

— Está falado! — disse Hasso e esperou que a comporta se abrisse. Depois, vestiu o traje espacial e deixou a estação.

 

TAMARA retirou uma peça de formato cúbico do interior de cada uma das máquinas. Essas peças estabeleciam a ligação entre o cérebro ultra-sofisticado e a parte puramente mecânica dos robôs. Colocou os dois elementos sobre uma das numerosas mesas de comando, e começou a examiná-los.

— Não consigo encontrar nada! — disse ela, após alguns instantes.

— Vamos ter que nos arriscar a deixar as máquinas desativadas — disse McLane. — Vá lá que seja. Está pronta?

Tamara ainda examinava os objetos cúbicos em cima da mesa.

— Estou, sim!

— Então vamos ao trabalho. Por favor, volte à nave, sim? Helga e Atan vão ajustar as conexões para os dois projetores. Depois, Mario e eu vamos ligar os projetores Overkill aos cabos de comando. De acordo?

Os outros membros da tripulação concordaram.

— E eu? — perguntou Sherkoff.

— Pode nos acompanhar e observar os trabalhos! — respondeu McLane e agarrou a maleta de ferramentas.

Cada grupo dirigiu-se ao seu lugar de trabalho. Helga e Atan desdobraram desenhos de complicados circuitos e examinaram a confusão de cabos e conexões, surgidos quando tiraram a chapa dianteira do aparelho de comando dos raios laser.

— Quais são os canhões que devem ser substituídos pelos projetores Overkill? — perguntou Helga, que segurava um alicate especial entre os dedos.

— Os de números nove e dezoito — respondeu Atan.

Helga aplicou a ferramenta.

— Um lugar esquisito esta estação Destroy II, você não acha? — perguntou Atan, de repente, e olhou fixamente para Helga.

— Acho! — disse ela. — Por assim dizer, estou sentindo o cheiro do perigo. Estamos perto demais da fronteira.

McLane, Sherkoff e Mario voltaram pelo curto corredor e enveredaram por uma passagem estreita e bastante íngreme. O professor caminhava ao lado de McLane.

— Ainda acredita numa pane técnica? — perguntou.

McLane pressionou a chave de contato do mecanismo e uma escotilha de aço deslizou para o alto.

— Eu não sei. Seria coincidência demais! — respondeu.

Pararam diante do pesado caixote e do canhão laser na câmara nove e examinaram a instalação.

— Esses robôs sofrem de uma neurose inexplicável. Eles não obedecem às ordens...

— Como se explica isso? — perguntou Sherkoff, em voz alta.

— Vamos tentar descobrir a razão! — respondeu McLane e agarrou uma chave de parafusos.

— Ao trabalho, Mario! Enquanto eu tiro o projetor da embalagem, você desmonta o canhão laser.

Sherkoff recostou-se na parede e acompanhou atentamente o trabalho rápido e concentrado dos dois homens. Nada se ouvia além dos ruídos das ferramentas e da respiração de Mario e Cliff. O compacto canhão laser foi desmontado e retirado. A placa de base, em cima da qual girava, ficou no lugar. O projetor Overkill começou a tomar formato, peça por peça unidas pelas mãos de Cliff. Por fim, ligaram os grossos cabos de alimentação e comando. Lentamente, Mario enrolou os fios de um aparelho de teste. Sherkoff consultou o relógio.

— Levaram meia hora! — observou ele, McLane acenou e ligou o rádio de pulso.

— Aqui fala Cliff. Está me ouvindo, Atan?

— Estou, sim! — respondeu Atan, em menos de um segundo.

— Vamos testar o projetor na câmara nove; ligue a energia, sim?

Após uma pequena pausa, Atan respondeu:

— Energia ligada! — Mario olhou para Cliff, riu e ligou o contato do aparelho de teste na extremidade do condutor.

— Está funcionando! — constatou, orgulhosamente.

 

Enquanto Tamara dormia no camarote, Hasso estava repousando na poltrona do comandante, de pernas esticadas.

Os aparelhos mais importantes estavam ligados e enchiam a cabine de comando com o cintilar de suas luzes.

Hasso parecia dormir. Na realidade, encontrava-se naquele estado modorrento, que caracterizava a vigilância no espaço.

De repente, um som fino e misterioso atravessou a cabine. Tênue e metálico... como a vibração de uma corda de aço.

Durou três ou quatro segundos. Hasso não acordou; o som era agudo e sua freqüência devia beirar os quinze hertz. Depois... novamente aquele som. Hasso piscou. Um forte zumbido ressoou. Prontamente o engenheiro de bordo da Orion despertou. Assumiu uma posição atenta e apertou um botão do rádio de pulso. A voz de McLane fez-se ouvir.

— Alô! Orion, responda!... Hasso, está dormindo?

Aquele som misterioso desapareceu como se nunca tivesse soado.

— É você, Cliff? — perguntou Hasso e sacudiu a cabeça, ligeiramente aturdido.

— Sim, sou eu!

— Está bem; o que quer?

Hasso friccionou as têmporas; sentia picadas leves na cabeça; desagradáveis, mas não doloridas.

— Estamos trabalhando aqui que nem uns loucos e você dorme, homem!

Hasso murmurou, aborrecido:

— O que eu devia fazer? Cantar?

— Não! Só quero que você me preste um favor!

Hasso estava atônito, como se tivesse acordado de um longo sono; tirou as pernas de cima da mesa e levantou-se.

— Desculpe! — disse ele, lentamente. — Devo ter adormecido. Vocês acabaram o serviço?

— Estamos pela metade. Montamos o projetor na câmara nove e o testamos. Mario pede para você trazer o manômetro Liphard-Kercher, que está na cabine dele, na prateleira da esquerda. Precisamos desse aparelho.

— Está bem! — respondeu Hasso e cocou a nuca. — Já vou apanhar o instrumento. Quanto tempo vocês ainda levam?

— Mais ou menos uma hora.

— Quer que eu apronte alguma coisa? Durante alguns segundos Cliff permaneceu em silêncio, depois disse:

— Nesse meio tempo você podia programar um curso para Dez/Leste 363.

— Entendido! — respondeu Hasso. — Mas, primeiro, vou levar o aparelho de teste.

Desligou o aparelho radiofônico e parou. Novamente aquele som misterioso invadiu a cabine de comando. Hasso virou-se e dirigiu-se com os movimentos de um autômato para o elemento de entrada do computador. Estava de olhos arregalados e levantou as mãos. De repente, seus dedos se mexeram num ritmo alucinante.

Calcaram teclas e apertaram botões, elaborando uma seqüência de instruções para o computador digital. Aquele débil som ainda atravessava o seu crânio como um fio de aço. Depois Hasso parou.

Virou-se e dirigiu-se ao elevador. Estacou no meio do caminho, sacudiu a cabeça e prosseguiu. Finalmente o elevador levou-o para baixo e ele continuou a caminhar e a agir como se nada tivesse acontecido. Não sabia o que tinha acabado de fazer. Era como se tivesse dormido até este momento. Saiu da cabine de Mario segurando um objeto em forma de haste, provido de duas escalas. Minutos depois, vestido no traje espacial, desceu da Orion e dirigiu-se à entrada da estação.

 

Mario e Cliff testaram a instalação do projetor Overkill em menos de quinze minutos. O campo de tiro da arma cobria a metade de um hemisfério com um diâmetro de quinze mil quilômetros. Em lugar dos raios laser, o computador agora comandava esse novo projetor, que poderia destruir qualquer nave inimiga que se aproximasse. Compacto, o projetor Overkill não chegava a ocupar um metro cúbico, e McLane esperava que jamais houvesse necessidade de empregá-lo.

— Como é que estão as coisas a bordo, Hasso? — perguntou McLane, virando-se para o engenheiro que estava a seu lado e não tirava os olhos do projetor Overkill.

— Está tudo na mais perfeita ordem, chefe! — respondeu Hasso.

Cliff colocou as ferramentas na maleta, apanhou o manômetro, espreguiçou-se e disse:

— Meus senhores, agora vamos para a câmara dezoito. Dentro de uma hora podemos partir para o próximo alvo. Hasso, faça-me o favor, e volte a vigiar a bordo, sim?

Hasso acenou em silêncio e saiu. Os três homens o seguiram até o próximo cruzamento. De lá, seguiram a orientação fornecida pelas pequenas placas metálicas, cujos números indicavam a câmara diametralmente oposta à outra: "Canhão número 18". Todos os trabalhos repetiram-se na mesma seqüência. Setenta minutos depois, as cinco pessoas reencontraram-se na sala de comando central. Os dois robôs do tipo Supervisor ainda se encontravam diante da mesa de controle, de cabeças abertas. Atan estava acocorado junto à maleta, arrumando as ferramentas. Seu mau humor era flagrante. Com vagar, enrolou o fio de um aparelho de teste em torno da haste.

— Muito bem! — disse ele, com ênfase, e olhou para o relógio. — Chega por hoje!

Mario sentou-se no chão ao lado de Atan, olhou alternadamente para Cliff e Sherkoff e rosnou, aborrecido:

— Se Wamsler nos der outra tarefa igual a essa, vou pensar seriamente, em deixar o serviço. Podem acreditar nisso!

— O que importa — disse o professor Sherkoff — é que vocês conseguiram realizar a tarefa.

Com um sorriso sarcástico, Mario respondeu:

— Vindo de quem vem, é um consolo especial!

— Alegro-me! — respondeu Sherkoff, rindo. — Vejo que pude contribuir para a melhoria da sua disposição!

Mario não sabia bem o que responder.

— Esqueça isso, Mario! — disse Atan, em tom consolador, e fechou a caixa de ferramentas. — Agora vamos para Dez/Leste 363, montar a segunda instalação Overkill!

— Será que antes disso eu posso comer alguma coisa e tirar uma rápida soneca? Que diz a respeito disso, comandante McLane?

— Concedido, Mario!

Mario e Atan dirigiram-se à pequena ante-sala da eclusa, na qual estavam pendurados os trajes da tripulação. i — Eu ainda vou ativar esses dois robôs

— disse McLane. — Helga, faça-me o favor de ficar a meu lado, de arma na mão; só para o caso de esses sujeitos ainda estarem birutas!

Inseriu os dois condensadores de blocos nas aberturas, prendeu-os nos encaixes e depois que recolocou a placa de vedação, aparafusou novamente as porcas-borboletas. Os robôs pairavam, imóveis; somente as suas luzes dançavam doidamente. Helga não precisou intervir.

— Helga, você também pode ir. Sherkoff e eu vamos em seguida. Prepare alguma coisa para comer!

Helga bateu uma continência e virou-se para sair.

Cliff fez um sinal para Sherkoff, sacou a arma e sentou-se num lugar livre em cima da mesa de comando.

— Tenho uma pergunta a fazer, professor! — disse ele.

— Não faça cerimônia, comandante! — respondeu Sherkoff e recostou-se na bancada.

— O senhor não acha isso um bocado esquisito, professor?

— Esquisito, o quê? — perguntou o psicodinâmico.

— Passamos a metade da noite ou, para ser mais preciso, quase cinco horas na contagem de tempo terrana, montando e desmontando, e nada aconteceu!

Sherkoff fez um gesto indistinto.

— Não sei bem onde está querendo chegar, McLane!

— Se realmente houve alguém que tentou influenciar aqueles robôs, então esse alguém não deu mais sinal de vida. Não aconteceu mais nada. Absolutamente nada!

O professor torceu ligeiramente os lábios.

— Espere mais um pouco, comandante! — disse ele.

— O senhor acredita — perguntou McLane, insistente — que se pode influenciar máquinas, como esses robôs, sem proceder a uma intervenção mecânica direta?

— Admito a possibilidade — respondeu Sherkoff. — Mas nào acredito que exista alguém que possua uma tecnologia tâo apurada!

— E aqueles extraterranos?

— É possível, mas bastante improvável. Seria bem mais simples influenciar seres humanos. É muito mais fácil inculcar idéias idiotas num cérebro orgânico, do que num eletrônico.

— Bem! — disse Cliff. — Nós fomos advertidos!

Dirigiram-se à escotilha atrás da qual Helga Legrelle tinha desaparecido há pouco.

A suspeita não era mais sigilosa; tinha sido pronunciada em voz alta. A desconfiança começou a tomar vulto e atordoava os pensamentos da tripulação, que continuava a fazer as suas usuais observações jocosas; mas essa alegria era falsa. Um mal-estar indefinível havia se apossado de todos. Hasso estava sentado diante da tela central na cabine de comando, com os cotovelos apoiados nos joelhos. Sentia-se aturdido, embotado. Pouco a pouco emergiu das profundezas de um pesadelo. Imperceptivelmente, seus nervos tensos começaram a se relaxar. Seu rosto estava lívido; gotículas de suor brilhavam na testa e no lábio superior.

Do elevador vinham as vozes de Atan e Mario.

— Menino! — foi só o que Mario disse. Mas essa palavra exprimia tudo. A fadiga, mas também a alegria por uma tarefa bem realizada.

— Sim, o que é? — perguntou Atan, laconicamente.

— Passei a metade da noite esfolando os joelhos e aparafusando esses dois projetores. Foi o fim da picada. Não podem exigir mais nada de nós. Agora bem que nos podiam devolver o nosso lugar na frota. Mas, qual o quê! Ainda temos três estações para montar! Não sei por quanto tempo meus nervos vão agüentar isso!

— Vai sobreviver também a isso, meu amigo! — disse Atan e parou ao lado de Hasso.

O engenheiro de bordo ergueu a cabeça e olhou para Atan com olhos que exprimiam o mais puro pânico. Atan assustou-se — nunca tinha visto Hasso daquela maneira.

— O que há com você, Hasso? — perguntou, espantado. — Não está se sentindo bem?

— Por quê? — murmurou Hasso. — Há alguma razão para eu não me sentir bem?

— Eu só estava perguntando! — respondeu Atan. — Você está com um aspecto bastante fatigado.

Mario estava trabalhando na sua mesa, no fundo da cabine. Ouvia-se o clique de chaves que se encaixavam; algumas das luminárias cônicas no teto se acenderam.

— Esses malditos aparelhos... — murmurou Mario amargurado. — Provavelmente vão querer que instalemos essas armas idiotas em tudo que for estação nas quatro direções cardeais... Não sabem como isto me alegra, mas...

Ninguém prestava atenção no seu monólogo. Atan ainda lançou um longo olhar para Hasso, depois desceu. Sentia uma vontade louca de cair no chuveiro.

— Está tudo em ordem? — perguntou McLane.

Tinha se aproximado silenciosamente de Hasso, que ainda estava sentado na poltrona do comandante.

— Está... sim! — gaguejou Hasso, cansado. — Está tudo em ordem.

Cliff sentou-se no canto da tela central e fitou o rosto de Hasso. E o que viu não lhe agradou.

— Você está cansado? — perguntou, preocupado.

Hasso levantou-se com movimentos flácidos, sem força, e ficou em pé diante de Cliff.

— Eu? Cansado? O que lhe deu essa impressão?

Cliff sorriu ligeiramente.

— Olhe-se no espelho!

— E daí? — perguntou Hasso e sacudiu a cabeça, como se quisesse espantar uma lembrança incômoda.

— Olhe só para sua cara! — disse Cliff.

— Nunca vi você tão exausto assim!

Hasso empertigou-se, com esforço.

— Não estou exausto! — disse, tentando firmar a voz. — Nem um pouco, entenderam?

Sherkoff vinha caminhando lentamente do elevador e parou a alguma distância de Hasso e Cliff. Lançou um olhar pela cabine de comando. Sua mão estava novamente no interior da jaqueta.

— Então está bem, Hasso! — disse Cliff.

— Vamos nos preparar para a partida. — Virou-se para Sherkoff e continuou: — O que eu devia dizer, professor, é que eu sinto que esbanjamos o seu tempo precioso à toa. Na realidade, eu não sinto nada disso; o que o senhor vai poder entender.

Sherkoff aproximou-se mais um pouco e olhou atentamente para Hasso e também se assustou com o que viu.

— À toa? Por quê? — perguntou.

— É que nada aconteceu, além daquele comportamento estranho dos dois robôs Supervisor. Não houve caso de delírio espacial; ninguém tentou desertar, como o Alonzo Pietro, e...

Sherkoff o interrompeu.

— Não tire conclusões prematuras, comandante! — advertiu. — Sua missão e, portanto, a minha, ainda não terminou! Devia ficar satisfeito por não ter tido aborrecimentos até agora!

De repente, Cliff lembrou-se de um detalhe.

— Helga? — perguntou: — A estação retransmissora H5 enviou alguma mensagem?

Helga viu que a fita não havia se mexido. Se tivesse registrado um impulso radiofônico, as bobinas teriam girado.

Mas a marcação ainda permanecia parada no valor anterior.

— Ainda não. H5 não dá sinal de vida.

— Mas deviam ter entrado em contato com a Orion! E a estação vizinha OL-AF-I?

— Também não fez chamado algum! — disse Helga, com ênfase.

Helga girou a poltrona e encolheu os ombros magros. A sua expressão era de perplexidade.

— Devem ter coisas mais importantes para fazer — disse ela. — Provavelmente a guarnição não toma conhecimento de nós sem ordens expressas da Suprema Comissão Espacial. Isso não me preocupa, porque essas mensagens não passam de pura rotina.

Cliff acenou. Não sabia como interpretar o silêncio daquelas duas estações retransmissoras. Estariam apenas ignorando a Orion, como Helga supunha? Ou esse silêncio representava mais uma dessas ocorrências estranhas e anormais que se verificaram nas últimas horas?

— O caso é o seguinte... — começou McLane. — Enquanto nada nos acontecer, e isto pode ser testemunhado pelo professor Sherkoff e por Tamara Jagellovsk, o Alonzo Pietro vai continuar a ser considerado um desertor e traidor. E isso simplesmente não me entra na cabeça. Eu vou tentar provar o contrário!

Atan Shubashi, que tinha tomado seu banho e retornava à cabine, parou junto à porta do elevador e disse, cético:

— Estou um bocado curioso, chefe, em saber como você vai fazer isso!

 

— PODEMOS decolar? — perguntou Cliff, ansioso.

A cabeça de Hasso acenou na tela do videofone; já se encontrava na sala de máquinas.

Sherkoff estava atrás de McLane, à esquerda. Olhou para cima e observou o rosto de Hasso.

— Tem certeza que está se sentindo bem? — perguntou, preocupado.

Hasso fez um gesto desdenhoso.

— Só faltava o senhor, professor! — disse, aborrecido. — Vocês estão começando a me irritar!

Sherkoff sacudiu a cabeça num gesto de desaprovação.

— Eu estou aqui para dispensar cuidados médicos a todos. É o meu dever. Ficou o tempo todo aqui em cima, montando guarda? — perguntou a Hasso.

— Fiquei, sim! — respondeu Hasso, admirado. — O que mais eu podia fazer?

— O senhor observou constantemente o computador? — insistiu Sherkoff. — Reparou alguma coisa?

— O que eu devia ter reparado? — respondeu Hasso com outra pergunta.

Sherkoff encolheu os ombros.

— Poderia dar um pulo aqui em cima — pediu — para me explicar como funciona um computador digital desses?

Hasso recusou-se.

— Então o senhor acha que eu, agora, tenho tempo para dar longas explicações sobre processamento de dados? O que o senhor está pensando?

McLane soltou o cinto de segurança. Tinha se lembrado de alguma coisa.

— Por que não, Hasso? — disse o professor Sherkoff. — Estou tremendamente interessado!

Hasso sacudiu a cabeça e olhou para McLane.

— O que você acha, Cliff? Não está na hora de partir?

— Espere mais um pouco! — respondeu Cliff. Depois dirigiu-se ao elemento de entrada do computador e arrancou a fita, na qual Hasso havia programado o curso. A fita continha uma série de combinações codificadas. Cliff leu as coordenadas e estacou, como se tivesse esbarrado contra uma parede de vidro.

— Mas isso!... — murmurou. — Hasso, por favor, suba um instante, sim? Tenho algo a discutir com você.

Hasso deu um aceno resignado. Cliff virou-se rapidamente, correu para a sua mesa e agarrou o microfone. Esperou exatamente cinco segundos antes de falar. Era o tempo necessário para Hasso deixar a sala de máquinas.

— O que houve, comandante? — perguntou Sherkoff. Cliff não lhe deu atenção, e disse, em tom incisivo:

— Do comandante McLane para a tripulação da Orion VIII: trancar eletronicamente todos os complexos! Bloquear energia de propulsão! Isolamento total! Cortar comunicação radiofônica! Toda a tripulação deve comparecer imediatamente à cabine de comando! Alarme de Segurança!

Sua voz berrava dos alto-falantes em quase todos os recintos da nave. McLane limpou o suor da testa e ouviu os ruídos causados por uma série de ligações de emergência. Escotilhas se fecharam com baques surdos, poços se vedaram e a tripulação entrou às carreiras na cabine de comando. O último a entrar foi Hasso Sigbjörnson. De repente, Sherkoff entendeu. A associação computador-Hasso-coordenadas estava completa.

— Então está provado! — constatou, secamente. — Alguém tentou nos influenciar!

— Tem razão! — respondeu McLane, com voz dura. — Só que o caso não deve ser entregue a um médico!

— A quem, então? — perguntou Sherkoff, surpreso.

— A um agente de segurança! — finalizou McLane e acenou para Tamara. Ela adiantou-se dois passos, fitou os olhos de McLane e depois dirigiu o olhar para aquele pedaço retangular de fita plástica, que o comandante segurava entre os dedos.

— O que aconteceu? — perguntou, com voz incisiva.

— As coordenadas de vôo foram programadas de maneira errada. E foi Hasso, quem as programou!

Os demais membros da tripulação rodeavam Hasso, Cliff e Tamara.

— E que curso foi programado? — perguntou a agente do SSG.

— Dez/Leste 361.

— Hasso apenas se enganou! — observou Atan. — Nós devemos ir para Dez/Leste 363.

Cliff sacudiu a cabeça e não olhou para Hasso quando respondeu, em tom sério:

— O importante não é isso. O importante são os números complementares que foram programados em seguida às coordenadas elementares deste salto hiperespacial!

Olhou para a fita e leu os valores.

— Alfa... 2 - 9 - 4 - 19,30 - 37... III. Tamara estava lívida.

— Mas essas... — começou ela, vacilante.

— Essas são as coordenadas para um salto através da nossa fronteira. Se voarmos segundo esses dados vamos atingir um ponto que se situa muito além da fronteira. E não é para lá que nós tencionávamos ir; disso, eu tenho certeza!

Sherkoff sussurrou, meio rouco:

— São os mesmos números complementares que Pietro programou quando quis desertar!

Lentamente Tamara se virou. Nunca Cliff a tinha visto tão tensa.

— Então temos um traidor a bordo! — constatou ela, quase sem entonação na voz. McLane teve que acenar relutantemente.

— A julgar pelas aparências, tem toda razão.

Tamara respirou profundamente e colocou a mão no cabo da arma, que trazia no cinto.

— De acordo com os parágrafos 238/9 da regulamentação espacial, assumo, com efeito imediato, o comando da nave Orion VIII e a investigação do caso.

Helga havia ligado o livro de bordo; o texto estava sendo gravado. Um pouco menos formal, Tamara prosseguiu:

— Assim, como as coisas se apresentam, o assunto não vai nos ocupar por muito tempo, tenente Sigbjörnson.

McLane levantou as mãos, pedindo moderação.

— Vá com calma, Tamara! — advertiu. Tamara ignorou a objeção e perguntou, em tom frio:

— Tenente Sigbjörnson, o senhor estava de guarda a bordo?

— Sim! — respondeu Hasso, laconicamente e com uma calma que não era natural.

— Relate o que se passou a bordo, enquanto o resto da tripulação estava ocupada, montando os projetores Overkill na estação!

— Não tenho nada a relatar.

— E por que não?

— Muito simples, porque não há o que relatar.

McLane queria intervir para auxiliar Hasso e começou:

— Hasso...!

Sherkoff reteve Cliff com um forte aperto no antebraço.

— Deixe-o! — disse em tom quase inaudível. — Quero ver como o tenente se comporta!

— O senhor orientou os dois robôs no transporte dos projetores Overkill — disse Tamara. — Quando voltou a bordo, controlou a programação?

Hasso estendeu as mãos num gesto de perplexidade.

— Não! E para quê?

— Não é obrigação dele! — disse Cliff. — Eu é que pedi a ele para programar nosso novo curso!

— E não reparou nada de suspeito?

— Não reparei, não.

O que estavam vendo e ouvindo, deixou os presentes com uma sensação de profundo mal-estar. No decorrer dos anos, uma série de aventuras das mais perigosas havia amalgamado esta tripulação; e essa amizade estendia-se também à vida privada. Todos os membros da equipe se apreciavam e freqüentavam as respectivas casas.

E agora verificou-se que havia um traidor entre eles. Era praticamente inimaginável, mas no mesmo raciocínio reconheceram a necessidade desta investigação. Os acontecimentos tinham que ser esclarecidos.

— Quer dizer que o senhor não consegue se lembrar de nada? — perguntou Tamara.

— Não!

— E também não sabe explicar como, quando e por que razão programou estas coordenadas na unidade de entrada do computador?

Hasso virou-se um pouco e apontou primeiramente para a poltrona do comandante, depois para a mesa de comando e finalmente para a tela central.

— Primeiro, eu estava aqui. Sentado na poltrona e dormindo um sono leve. A senhora conhece esse sono dos astronautas; é tão leve que basta uma simples mudança na intensidade luminosa de qualquer instrumento, para que se acorde. Eu estava sentado de costas para o computador, esperando um chamado de Cliff. O comandante me pediu para apanhar um instrumento no camarote de Mario, e levá-lo para a estação. Foi exatamente o que fiz. E mais nada.

— Estava dormindo, quando o comandante McLane o chamou?

— Não estava, não! Como acabei de dizer, estava ligeiramente adormecido.

— E o serviço de vigilância?

— Podia vigiar perfeitamente bem o aparelho radiofônico, como também os comandos da nave.

— Isso, aliás, é a regra geral em tais casos de vigilância de bordo, Tamara. Só para sua informação! — observou Cliff tranqüilamente. Tamara olhou rapidamente para ele e acenou, concordando.

— E depois?

— Depois? Nada!

— Mas o senhor programou o curso e estava sentado na poltrona do comandante, quando nós retornamos.

Hasso acenou, com resignação.

— Sim. Fui até o elemento de entrada e registrei as coordenadas que Cliff me tinha dado. Quer dizer: a rigor, eu as conhecia de cor.

— Essas coordenadas? — Tamara exibiu a fita.

Hasso protestou:

— Não. Essas não. O que eu programei, e disso eu me lembro perfeitamente, foi Dez/Leste 363. Era o nosso segundo alvo.

— Então para que esses números complementares, que nos teriam levado ao mesmo alvo que Pietro programou? Lá, os extraterranos estão na espreita!

Hasso sacudiu a cabeça como se estivesse tonto.

— Quer dizer com isso que eu tinha a intenção de levar a nave aos estranhos, assim como o Alonzo Pietro?

Tamara acenou com a cabeça e a sua expressão era séria.

— Sim, tenente Sigbjörnson! É isso que eu quero dizer!

— Mas... — Hasso ia dizer, porém Tamara lhe cortou a palavra.

— Vamos parar de rodeios! — disse ela, em tom ríspido. — Que motivos o senhor tinha para programar as coordenadas que nos levariam além da fronteira?

Hasso gritou:

— Mas eu não programei essas malditas coordenadas! O que eu programei, já disse, foi Dez/Leste 363! E sem números adicionais!

— O senhor foi o único que estava a bordo. Nenhum membro da tripulação, a não ser o senhor; e isso inclui o professor Sherkoff. Ninguém mais podia tocar naquele elemento de entrada!

Tamara fez uma pausa.

— Somente o senhor, Hasso Sigbjörnson, podia ter registrado essas coordenadas de vôo. Apenas o senhor... e mais ninguém!

Cliff meteu-se na conversa.

— Não acha, Tamara, que está se excedendo um pouco? Eu sou o comandante desta tripulação e preciso...

Friamente, Tamara o interrompeu:

— Estamos em alarma de segurança e quem conduz esta investigação sou eu! Tenente Sigbjörnson, quando vai resolver confessar?

Hasso recuou.

— Mas eu estou lhe assegurando que não tenho nada a confessar! — disse, em tom exortativo.

— Poupe as suas asseverações! — respondeu Tamara. Sua mão ainda estava sobre o cabo da arma. — O senhor tinha a intenção de entregar a Orion e sua tripulação ao inimigo. A um inimigo que não pensa em outra coisa do que destruir a civilização do sistema solar!

— Mas isso é completamente absurdo! — gritou Hasso.

— Não é absurdo, não! — enfatizou Tamara. — E eu vou lhe dizer o que isso é... isso é traição, uma vil traição!

McLane achou que estava na hora de intervir. Postou-se na frente de Hasso e levantou as mãos.

— Mas, minha cara Tamara, acredite-me...

Tamara não o deixou concluir. A expressão do seu rosto era dura e decidida.

— Eu não sou a sua cara Tamara! Atan soltou uma risadinha e murmurou:

— Ainda não!

Tamara o ignorou completamente.

— Seja razoável! — disse McLane. — Hasso e eu estamos voando juntos há uns dez anos e eu o conheço melhor do que a mim mesmo. Hasso simplesmente se enganou; mais nada!

Tamara dirigiu-se furiosamente ao comandante:

— Se não foi ele, então quem foi? Seres interestelares? Fantasmas cósmicos? Os extraterranos? Essas parecem ser as soluções de todas as charadas, não é?

Depois virou-se e fez um sinal para Helga Legrelle.

— Do tenente Tamara Jagellovsk para livro de bordo: Esta noite o tenente Sigbjörnson foi preso por mim, sob a forte suspeita de ter praticado atos de sabotagem, colocando em risco o sistema de segurança da Terra.

Virou-se para Hasso.

— Vou ter que paralisá-lo, Hasso. Sinto muito!

McLane permaneceu diante de Hasso e desviou a arma de Tamara para o lado.

— Isso está fora de cogitação! — disse ele, laconicamente.

Os olhos de Tamara estavam ardendo em ira.

— De acordo com as regulamentações de segurança 59, os membros das forças armadas espaciais, suspeitos de sabotagem, devem ser paralisados!

— Besteira!

— E isto, até o momento em que o caso possa ser investigado pelos órgãos do serviço de segurança. Previamente, a arma e o aparelho radiofônico devem ser confiscados, juntamente com a plaqueta de identificação.

Com um gesto resignado Hasso puxou a arma do bolso; esticou o braço em torno das costas largas de Cliff e entregou a pesada HM-4 à agente de segurança. Tamara recolheu a arma e destravou o seu próprio projetor. Com o polegar, ajustou a intensidade de projeção, transformando a arma destruidora num lançador de raios paralisantes. Helga adiantou-se rapidamente.

— Cliff! — gritou, agitada. — Você não pode permitir isso!

Tamara virou-se para o oficial da vigilância espacial. Em tom calmo, procurou esclarecer a situação.

— Tenente Legrelle, eu tenho... Helga não parou de falar.

— Você não pode assumir a responsabilidade de permitir que isso aconteça! — disse ela e apontou para Hasso, que se mantinha estranhamente impassível. — Já conhecemos Hasso há quase dez anos!

— Sim, mas faça-me o favor, e deixe Tamara terminar! Nada ainda está decidido.

Helga não estava dando ouvidos a ninguém. Virou-se para Tamara e disse, com raiva:

— Hasso faz parte da nossa equipe! Não pode simplesmente paralisá-lo, Tamara!

— Posso sim! — respondeu Tamara, prontamente. — O seu querido Hasso está sob a suspeição de ter cometido um dos piores crimes que nós humanos conhecemos. Ou preferia agora ser prisioneira daqueles estranhos? Hasso bem que tentou que isso se tornasse realidade!

— Tentou coisa alguma! — gritou Helga, fora de si. — Não há a menor prova disso! A senhora só está querendo bancar a importante! Encontrou uma maneira fácil de desopilar o fígado por causa da sua vaidade ofendida e dos seus complexos! O seu ódio em relação à McLane...

Tamara dirigiu-lhe um sorriso de puro gelo, baixou a arma de leve e recuou dois passos.

— Tenente Legrelle! — disse ela, com voz controlada. — Preciso chamar sua atenção para o fato de que, no momento, possuo o comando absoluto dessa nave. Estou em condições de coibir, prontamente, e com todos os meios ao meu alcance, qualquer forma de sabotagem ou interferência nas minhas ações!

A ameaça era portentosa e Helga silenciou por alguns momentos.

— Além do mais, a culpa do tenente Sigbjörnson está mais do que clara!

Sherkoff ainda se mantinha imóvel e estudava as reações dos membros da tripulação; dedicou atenção especial a Hasso. Não estava gostando das reações daquele homem. Achava-as inautênticas, exageradas e não condizentes com o assunto.

— E quer saber por quê? Porque Hasso era o único que estava a bordo naquele intervalo de tempo. E porque ele programou um sistema de números, diferente daquele que McLane lhe havia indicado. Por isso que a sua culpa é mais do que clara!

— Que graça! — disse Helga. — Isso não corresponde à verdade!

Ironicamente Tamara disse:

— Quer dizer que não é verdade? Então é mentira?

— Isso mesmo! É que havia mais alguém a bordo! E exatamente durante aquele período de tempo!

— Ah! Muito bem! Mas agora eu estou ficando furiosa, mesmo!

— Esse alguém estava sozinho e inobservado — prosseguiu Helga. — E podia ter feito tudo aquilo com a mesma facilidade que Hasso.

— Quem é esse alguém, com todos os diabos? — gritou McLane, impaciente.

— O tenente Tamara Jagellovsk!

Cliff olhou para Helga com olhos estarrecidos.

— Certo! — sussurrou ele. — Certíssimo!

Mario de Monti aproximou-se e cravou os olhos em Tamara.

— É uma verdade cristalina! Tamara estava sozinha a bordo quando Hasso me trouxe aquele aparelho de teste!

Helga acenou enfaticamente.

— Alega que estava no seu camarote, dormindo; há alguma razão que a torna menos suspeita que Hasso?

Tamara mordeu os lábios; depois respondeu, hesitante:

— Mas eu não deixei o meu camarote antes que o senhor chamasse Hasso aqui para cima!

— Pode provar isso? — perguntou Cliff. Tamara baixou a cabeça.

— Não! — disse ela, baixinho. — Não posso!

 

ERA uma situação confusa. Não havia dúvida que as coordenadas programadas levariam a nave a uma estação dos estranhos.

Mas quem teria programado essas coordenadas?

Hasso Sigbjörnson, o engenheiro de inteira confiança que já voava com McLane há dez anos nas mais variadas missões? Ou o tenente Tamara Jagellovsk, a ambiciosa agente do serviço de segurança? Para o comandante, as duas possibilidades eram igualmente absurdas: acreditava numa terceira. Numa influência externa. Mas exercida por quem? Pelos extraterranos? Era possível. Com muito empenho, os mistérios poderiam ser desvendados. E também com um pouco de sorte.

— Portanto, tal como Hasso, a senhora não tem testemunhas que possam corroborar a sua inocência! — disse Helga, e apontou o indicador para Tamara. — Não tem testemunhas e não possui provas ao contrário. Sendo assim, o comandante McLane tem que prendê-la sob suspeita de ter praticado atos de sabotagem no espaço... e vai ter que paralisá-la!

— Não vai fazer nada disso! — gritou Tamara, em tom ameaçador.

— Acha, por acaso, que algum de nós tem medo da senhora? — quis saber Helga, com rispidez.

— Afinal de contas, eu sou oficial do Serviço de Segurança Galático! — exclamou Tamara.

— Num processo dessa natureza — disse Helga — o posto que ocupa, ou a organização a que pertence, não tem a menor importância!

— Mas segundo o parágrafo 291 das disposições de segurança... — começou Tamara.

— Pare de recitar os seus malditos parágrafos! A senhora é tão suspeita quanto Hasso! Devia ter o máximo interesse em ver este assunto completamente esclarecido!

— Afinal, o que quer de mim? — perguntou Tamara, inquieta.

— Já que o comandante McLane não parece propenso a se meter com a senhora — disse Helga com uma calma impressionante — peço-lhe o favor de me entregar as duas armas!

Tamara deu um passo para trás e esbarrou na escora, contra a qual costumava se encostar.

— Antes que eu lhe entregue a minha HM-4 — disse ela, com uma expressão estranhamente rígida no rosto — vou me defender até o último alento!

Helga só estava a poucos centímetros de Tamara. As duas mulheres estudavam-se com olhares tão ameaçadores quanto os projetores destravados.

— Ah, é? — murmurou Helga. — A senhora acha?

Neste momento da mais alta tensão, o professor Sherkoff resolveu intervir. Disse, com voz firme:

— Assim não vamos conseguir resolver nada, minha gente! Não faz sentido lançar suspeita sobre fulano ou beltrano e ainda apelar para insultos. Só porque nos aconteceu alguma coisa que não sabemos explicar!

— Pra mim, o caso está resolvido! — disse Tamara obstinada.

— Nada está resolvido! — Sherkoff começou a enumerar. — Vamos raciocinar com calma. Em primeiro lugar, temos coordenadas e números complementares que foram programados sem ordem expressa do comandante. Provavelmente nos teriam levado aos estranhos. Depois, temos dois membros da nossa tripulação que são suspeitos. A senhora, Tamara; e o senhor, Hasso. Se partimos da hipótese de que não houve outras premissas do que o desejo de entregar a nave, nada haveria a objetar contra estas suspeições. Mas já que sou de opinião, e como cientista eu posso prová-lo, que aqui a bordo não há um membro da tripulação com intenções de cometer suicídio, o motivo traição para mim não existe mais. Lembrem-se das ocorrências estranhas na estação Destroy II! Lembrem-se dos robôs perturbados, dos aparelhos que não funcionavam e também das duas estações retransmissoras que não nos chamaram! Será que tudo isso não pode ter uma outra causa que não seja traição? Uma causa que desconhecemos?

— Cliff! — disse De Monti. — Eu quero fazer uma experiência.

Cliff acenou.

— Concedido!

Com passos resolutos, Mario dirigiu-se à unidade de entrada do computador e examinou rapidamente o teclado.

Depois começou a registrar as coordenadas do cubo espacial em questão.

Mais uma vez, o misterioso som agudo soou. Quase na freqüência do ultra-som. O registrador gráfico começou a martelar e uma fita perfurada apareceu na fenda da unidade de saída. McLane estava ao lado de Mario e olhou para a fita. Depois passou a observar Mario, que parecia olhar apaticamente através do comandante. Também Sherkoff reparou a modificação que se tinha processado no homem e sorriu levemente. Sabia como a discussão iria terminar.

— Igualzinho! A mesmíssima coisa! — constatou Cliff.

A tripulação arregalou os olhos e prendeu a respiração.

— 361 mais as coordenadas complementares? — perguntou Atan.

— Exatamente isso! — respondeu Cliff.

— Não dá para entender! — disse o astronavegador e sacudiu a cabeça.

— Quero dizer que Mario também está possuído pelo desejo irrefreável de nos ver no cativeiro dos estranhos. Meus amigos, a esta altura já temos três traidores a bordo! Vai ser uma comédia ultradivertida! Devíamos copiar o livro de bordo e entregar o manuscrito a um dramaturgo. Depois de darmos baixa do serviço, poderíamos viver tranqüilamente de direitos autorais!

McLane riu rápida e iradamente.

— Se isso continuar assim — profetizou — então todos nós vamos nos transformar em traidores e desertores. Isso é contagioso!

— Nada de pânico! — advertiu Sherkoff.

— Ah, não! — confirmou Cliff. — Agora não mais! Vamos descobrir a causa desse negócio antes de partir!

Tamara perguntou, no mesmo tom de voz irônico do seu chefe Villa:

— Como é que o senhor chegou a fazer isto, tenente De Monti?

Lentamente Mario aproximou-se do grupo. Parecia que a letargia o havia abandonado. Olhou com olhos surpresos para os presentes. Sherkoff disse rapidamente:

— Realmente este não é um caso para um agente de segurança e sim, para um médico; portanto o caso é meu!

— É? — perguntou Mario, ainda meio aturdido. Com os ombros caídos e os olhos meio cerrados, a sua aparência não era das melhores.

— Consegue me entender clara e nitidamente? — perguntou o professor.

— Posso, sim. O senhor achava que eu não poderia? — respondeu Mario com outra pergunta.

— Sabe exatamente o que acabou de acontecer? — continuou a perguntar Sherkoff.

— Quando? — quis saber Mario, com voz pesada.

— Ainda há pouco; apenas alguns minutos atrás. Tente lembrar-se!

— Eu estava sentado aqui, no elemento de entrada do computador... — começou Mario, lentamente. Falava como se tivesse um peso na língua. — Eu...

Depois disse, com surpreendente clareza e nitidez:

— Não! Fora disso, não houve nada!

— Nada, mesmo? — insistiu o professor Sherkoff.

— Não, absolutamente nada! — respondeu Mario.

— E o senhor também não está lembrado que programou as coordenadas de vôo?

— Lembro-me que estava querendo fazê-lo — disse Mario, sombriamente. — Quem programou essas coordenadas?

— O senhor mesmo! — disse Sherkoff, lacònicamente.

— E quais eu programei?

— Aquelas que nos levariam aos estranhos.

Atordoado, Mario de Monti gaguejou:

— Eu... o senhor afirma que eu... Sherkoff, ainda com a mão dentro da jaqueta, respondeu duramente:

— Eu não afirmo coisa alguma. Estou apenas perguntando se o senhor consegue se lembrar. — Mario sacudiu a cabeça num gesto de desespero.

— Não, não posso. E totalmente impossível!

Com uma expressão de alívio no rosto, Sherkoff virou-se para McLane:

— Bem, comandante, o que me diz agora?

— Ainda não sei bem o que devo pensar.

— O senhor não reparou — perguntou Sherkoff, baixinho — que tanto Hasso quanto Mario estavam sentados diante da unidade de entrada do computador, quando apresentaram aquelas falhas de memória?

— Sim, tem razão!

Tamara estava prestando atenção e observou:

— É necessário sentar-se diante daquele teclado, para poder programar coordenadas de vôo.

Impassível, Sherkoff prosseguiu:

— E reparou que os dois não conseguiram se lembrar de mais nada?

— Professor! — exclamou Tamara, agitada. — Como é que o senhor sabe que eles estavam querendo se lembrar?

— Ainda não está vendo a correlação? — perguntou Sherkoff.

— Não estou, não! — respondeu Tamara.

Cliff vislumbrou o que o professor tinha em mente, e deu um breve sorriso.

— Preste atenção, tenente Jagellovsk — disse o psicodinâmico e puxou Tamara pelo braço para perto de si. Depois a virou de frente para o teclado do elemento programador. — Por favor, sente-se aqui.

E forçou-a suavemente com a pressão das mãos nos ombros.

— Para quê? — perguntou Tamara, relutantemente, e colocou os dois projetores sobre a mesa do computador.

— Apenas um pequeno teste — tranqüilizou-a Sherkoff. — Vai entender já, já!

— Está querendo me provar que eu também vou ter intenções traiçoeiras se eu me aproximar desse elemento de entrada? — perguntou Tamara, meio atônita.

Sherkoff esboçou um sorriso.

— É exatamente o que pretendo fazer!

— Só que o senhor vai ficar um bocado desapontado!

— Isso nós vamos ver! — disse Sherkoff. — Por favor, programe o curso que o comandante McLane pediu!

Desta vez, todos ouviram o som fino e metálico que cortava os seus cérebros como um fio incandescente.

Os dedos da agente do SSG calcaram as pequenas teclas pretas e o registrador gráfico transmitiu a ordem ao computador digital. O complicado processamento dos dados não levou mais do que um segundo e a unidade de saída imediatamente expeliu um pedaço da larga fita plástica.

Os olhos arregalados de Tamara estavam fixados num ponto na distância. Encontrava-se inteiramente subjugada por aquele poder desconhecido que dominava seu cérebro.

Durante o curto tempo em que os três tripulantes haviam ocupado aquele lugar, tinham sido transformados em marionetes obedientes, subjugados por um misterioso estado hipnótico.

Lentamente, Tamara tirou os dedos do teclado. Depois virou-se e deixou os braços caírem inteiramente frouxos. Sherkoff arrancou a fita de plástico.

Do fundo escuro, destacavam-se nitidamente os inúmeros pontos e traços que constituíam a programação. O professor entregou a fita a McLane, que leu as coordenadas e depois entregou a prova aos outros.

A fita passou de mão em mão e todos viram que também Tamara havia registrado as coordenadas que levavam ao inimigo.

— Exatamente como eu tinha previsto! — explicou Sherkoff. — Lá estão todos os números complementares para um salto através das fronteiras!

Helga ajudou Tamara a se levantar do assento e ficou ao lado dela, amparando-a.

— Bem, Tamara, o que diz agora?

Aos poucos, a agente do SSG voltou da letargia e começou a piscar confusamente.

— Mas isso é totalmente impossível! — disse ela, respirando profundamente.

— Infelizmente, é a verdade! — insistiu Sherkoff, e virou-se para McLane. — O senhor consegue imaginar que Tamara Jagellovsk seja uma traidora?

McLane soltou um riso de alívio.

— De jeito algum! — disse em voz alta.

— Eu também não consigo! — confirmou Sherkoff. — Por isso a minha hipótese está inteiramente certa.

— Que hipótese? — perguntou Hasso, que parecia recuperado.

— A hipótese de que tudo que vimos durante essas últimas horas é dirigido lá de fora.

— E quem é que está dirigindo tudo isso? — perguntou o comandante.

— Aquele que esperou por Pietro e por nós e que ainda está esperando!

— Os extraterranos!

McLane postou-se diante da tela central e observou as constelações na região limítrofe leste. Com ar pensativo, e sem o menor traço de sarcasmo, disse:

— Portanto, os estranhos devem ter conseguido determinar a freqüência de operação do computador. Ou melhor dizendo, de todos aqueles computadores que estavam em operação na estação Destroy II, na Xerxes, e também na Orion VIII. Com isso, conseguiram introduzir os seus padrões de pensamento no computador digital. Donde se conclui que esta máquina serviu indistintamente como receptor e emissor. Pelo visto, o elemento de entrada emite na freqüência das ondas cerebrais dos seres humanos. Hasso, Mario e Tamara foram as vítimas. Não podiam agir de outra maneira. Eu dispenso qualquer outra prova e não vou me sentar neste elemento, senão acabo ficando biruta também.

— Podemos designar esse processo por telenose — disse o professor, depois que McLane tinha terminado sua explanação.

— Telenose? — quis saber Hasso. — O que é isso?

Sherkoff disse:

— Todo cérebro emite ondas. Dentro de certas limitações, podem ser consideradas como ondas radiofônicas. Fundamentalmente, é possível auscultar as emissões de um cérebro. Tente imaginar que foi exatamente isso o que aconteceu com o computador digital. Dispondo-se de amplificadores apropriados pode-se, por esse meio, transmitir instruções a uma mente humana, juntamente com uma ordem pós-hipnótica para esquecer essas instruções em seguida. Foi apenas isso que aconteceu aqui. Mais nada.

— Aqueles robôs em Destroy II! — sussurrou Tamara.

— Correto! Pietro também foi uma das vítimas.

— Era só o que nos faltava! — disse McLane. — Mas estou começando a pensar num daqueles planos, pelos quais eu fui removido.

Atan gritou, agitado:

— Bravo!

— Silêncio! — disse Cliff. — Continue a falar, professor! Estamos escutando, fascinados!

— Essa telenose, ou seja, hipnose através de longas distâncias, pode, portanto, restringir o campo consciente e, dentro de certas limitações, também as reações de máquinas. É claro que me refiro à consciência de seres humanos, como nós. Utilizando esse emissor — e Sherkoff apontou para a placa de revestimento na cabine, atrás da qual se encontrava o computador digital — o inimigo é basicamente capaz de fazer com que sua vítima assuma qualquer atitude.

— É diabólico! — murmurou Tamara e deu a entender a Helga que devolvesse o projetor a Hasso. — O senhor disse qualquer atitude, professor? Isso significa que eles conseguem obrigar alguém a agir contra suas próprias convicções morais?

Atan Shubashi perguntou, com um tom de ironia:

— O que a senhora entende por moral, tenente Jagellovsk?

Prontamente Tamara respondeu:

— Certamente não deserção, traição ou colaboração com os extraterranos!

— Tem razão, tenente! — explicou o professor Sherkoff. — Com esses raios telenóticos os estranhos nos tornam totalmente indefesos. Assim que um de nós cair no campo de emissão desse computador, só vai fazer o que eles ordenarem. O que nós fizermos, então, independerá inteiramente da nossa vontade.

Hasso sentiu um calafrio quando disse:

— Se desenvolverem essa arma um pouco mais, podem subjugar a Terra facilmente!

— E esses robôs em Destroy II também foram vítimas do raio telenótico? — perguntou Helga Legrelle.

— Toda a região está sob o domínio desse raio — disse McLane. — Os estranhos poderiam ter feito conosco o que quisessem.

Calmamente Mario perguntou:

— E por que não o fizeram? Sherkoff tinha uma explicação bastante convincente:

— É que eles nos queriam vivos, assim como a Alonzo Pietro. Além disso, queriam se apoderar dos nossos conhecimentos, das nossas instalações técnicas bem como dos projetores Overkill. E é provável que iam nos manter presos como cobaias naquela estação.

— Que estação? — perguntou Mario, sombriamente.

— Aquela da qual emitem os raios telenóticos — respondeu Sherkoff.

— E essa estação se localiza no ponto determinado por aquelas coordenadas?

— Correto!

— Do comandante para todos — disse Cliff. — Vamos imaginar o que poderia ter acontecido. Se não tivéssemos descoberto o que se passava aqui, teríamos obedecido à ordem telenótica e seguido para aquelas coordenadas. Iríamos, forçosamente, encontrar a base misteriosa dos estranhos e a esta altura já estaríamos prisioneiros deles.

— É mais ou menos isso que eles devem ter tido em mente — concordou Sherkoff.

— Agora não há mais dúvida alguma que meu amigo Pietro não quis desertar — disse McLane. — Ele deve ter caído na mesma armadilha que os estranhos prepararam para nós.

Tamara vislumbrou as intenções de McLane.

— Não vai me dizer que está querendo desertar? — perguntou, estupefata.

— É exatamente o que pretendo fazer. Nós vamos desertar — disse Cliff, em tom decidido. — Naturalmente não da maneira como os nossos misteriosos mandantes o desejam. Mas vamos fingir que queremos nos passar para o lado deles.

— Entendo! — respondeu Tamara. — É como se o truque deles tivesse dado certo.

Cliff acenou com a cabeça.

— Vamos fazer de conta que não temos outro desejo neste mundo do que entregar a nossa Orion VIII e sua tripulação aos extraterranos.

Atan virou-se para Mario e disse em tom conjurador:

— E depois nós os aniquilamos!

— Devíamos agir rapidamente! — disse Cliff. — Vamos logo! Preparar para desertar! Ou há alguma regulamentação que proíbe isso, tenente Jagellovsk?

— Não seja irônico! — disse Tamara. — Por hoje basta de vexame!

— Não acha melhor informar a Comissão Espacial? — perguntou Helga e ocupou seu lugar na mesa do transmissor.

— Como? — perguntou Cliff. — Aquelas duas estações não funcionam. E tem mais: se a mensagem passar, corremos o perigo de que ela seja captada também pelos estranhos São capazes de decifrá-la e aí estão avisados. E eu não tenho vontade alguma de enfrentar uma pequena frota daquelas naves rápidas, como já aconteceu uma vez.

Tamara postou-se ao lado dele.

— E, se formos localizados, as estações ao longo da fronteira vão registrar o nosso curso e transmiti-lo imediatamente às autoridades. E em três tempos todas as naves da frota tática vão se lançar no nosso encalço para nos destruir. O coronel Villa não vai correr o risco de perder uma nave para os estranhos.

— Mas eu tenho que correr esse risco! — respondeu McLane.

No mesmo segundo Helga se virou e fez um gesto com a mão.

— Cliff! — disse ela, meio assustada. — Fomos localizados!

— Droga! Aumente o volume!

Uma série de impulsos de identificação veio dos alto-falantes.

— Aqui fala a estação retransmissora OL-AF-I. O nosso raio de busca localizou a Orion VIII e a estação Destroy II. Pedimos comunicar a conclusão dos trabalhos nessa estação e confirmação para o novo curso. É urgente...

— Escutem bem — disse Cliff. — Dentro de poucos segundos eles vão saber direitinho o que pretendemos. É provável que vão informar à frota tática. E é mais do que provável que essas naves vão receber ordens para nos abater porque acreditam que estamos praticando um ato de sabotagem. Mas nenhuma dessas naves está nas imediações. Temos uma dianteira suficiente. Quando essa frota chegar aqui, já estaremos de volta. Só tem uma coisa: temos que partir imediatamente!

Hasso exibiu um sorriso aliviado.

— Já estou a caminho! Todos aos seus lugares!

Em poucos segundos a tripulação aprontou a nave para a partida. A Orion soltou a ancoragem magnética e afastou-se lentamente da pequena lua. Depois começou a acelerar e voou exatamente na direção das coordenadas para Dez/Leste 361, complementadas pelos números alfa 2-9-4 19,30 - 37... III. McLane acreditava ter uma dianteira de dias. Enganou-se redondamente.

 

O CORONEL Henryk Villa gozava de um período de relativa tranqüilidade. Apenas o caso Xerxes causava-lhe preocupações. Estava habituado a trabalhar de maneira silenciosa, quase invisível e a estar sempre à disposição, quando seus conhecimentos e capacidade eram requeridos. Ainda não havia sido esclarecido de que modo Alonzo Pietro fora influenciado. E depois veio o professor Sherkoff.

Se coisas esquisitas ocorressem com os cérebros dos membros da tripulação, o professor iria intervir, tentando obter uma explicação para o fenômeno. Compartilhava a responsabilidade dessa experiência com McLane, Tamara e Lydia Van Dyke.

Lydia encontrava-se nas proximidades de McLane, sem que ele soubesse disso. A nave de Lydia era quase tão rápida quanto a Orion VIII; além disso, a nova Hydra II estava equipada com projetores Overkill e um dispositivo de mira especial. E atrás de Lydia vinha a frota.

Lydia estava em condições de interceptar McLane dentro de poucas horas, caso ele tentasse desertar; e, então, poderia obrigá-lo a voltar ou, se necessário, abatê-lo. O coronel Villa não corria um único risco. Era sua profissão impedir que riscos desta natureza surgissem. Uma cigarra soou.

— Sim? — disse Villa, sem levantar o olhar.

O chefe do seu estado-maior entrou no gabinete. Apesar do controle impecável que o homem exibia, Villa pressentiu que tinha ocorrido algo que não estava nos planos. Entendeu rapidamente.

— Sim, o que é? — disse com voz calma.

— Um comunicado da Vigilância Espacial — disse o oficial. — A remota hipótese transformou-se num fato. Aconteceu!

— McLane? — perguntou Villa, laconicamente.

O oficial deu um aceno de cabeça. Sua expressão era séria.

— É, sim. A Orion está se dirigindo para as mesmas coordenadas que Pietro tinha programado.

— Então está confirmado! Esses estranhos... afinal, o que querem de nós?

Villa acenou e despachou o oficial. Depois refletiu durante alguns segundos e finalmente apertou uma tecla larga, que transformava seu videofone num aparelho destinado a divulgar ordens.

— Aqui fala o coronel Henryk Villa — disse ele, a meia voz.

— Comunicado alfa!

— Para o governo, para o Supremo Conselho Terrano, para a Suprema Comissão Espacial e o quartel-general das Formações Rápidas de Reconhecimento Espacial, para a Comissão de Defesa e todas as repartições de segurança. O cruzador espacial rápido Orion VIII, sob o comando do major Cliff Allistair McLane, encontra-se em fuga para o campo de operações dos extraterranos além das nossas fronteiras. Solicito assentimento para a operação Ajax. Todas as naves espaciais que dispõem da nossa ordem especial devem imediatamente modificar o seu curso e interceptar McLane. Em caso extremo, a nave deve ser destruída. Em hipótese alguma a Orion deve cair nas mãos do inimigo!

Villa soltou o botão de pressão do contato. Recostou-se novamente e continuou a esperar. Fez o que tinha a fazer. Mas a sua inquietude permaneceu, se bem que ele soubesse disfarçá-la muito bem.

 

Suprema Comissão Espacial. Gabinete de Wamsler.

Um jovem oficial estava postado ao lado de um dos alto-falantes ocultos e ouvia, imóvel, o texto da mensagem.

— Comunicado alfa da Suprema Comissão Espacial para todas as forças armadas espaciais na região da fronteira leste, cubos 360 a 368. Ordem para iniciar a operação Ajax... Iniciar a operação Ajax. O cruzador espacial rápido Orion VIII está em fuga para o campo de operações dos estranhos. As coordenadas para o retorno do hiperespaço são as seguintes: Dez/Leste 361, complementadas por alfa 2 - 9 - 4 - 19,30 -37... III.

Esses dados foram repetidos três vezes.

— É indispensável que a nave seja interceptada antes dessas coordenadas. Todas as naves espaciais estão correndo perigo, uma vez que o inimigo consegue influenciar a mente dos comandantes. Ordem alfa a todos os comandantes: McLane deve ser preso imediatamente após o retorno para o espaço normal. Em caso extremo, a nave deve ser destruída.

— Ainda não consigo acreditar nisso! — disse Sir Arthur, abatido. — Logo McLane! Se acontecerem mais casos desses, estamos fritos. Quem é que vai proteger as nossas fronteiras?

— Com um robô — disse Villa da tela do videofone — isso não teria acontecido, segundo as diversas teorias expostas.

— Tem certeza disso? — perguntou Wamsler; estava temendo por McLane mais do que queria admitir. — Lembre-se daquele caso em Pallas Beta!

— Aqueles robôs — explicou Villa — eram modelos primitivos da série Worker. Para equipar uma nave espacial, só se pode cogitar de modelos da série Supervisor.

Sir Arthur perguntou ao jovem oficial.

— Tentaram ao menos entrar em contato com a Orion VIII?

— McLane não respondeu a um único chamado. Ele simplesmente partiu da estação Destroy II.

— Além disso, eu soube — disse Wamsler — que as duas estações retransmissoras mais próximas não estavam funcionando temporariamente. Esquisito. Foram tantas as precauções tomadas nas construções dessas máquinas que se tornaram praticamente indestrutíveis. Até agora, nenhuma dessas estações retransmissoras deixou de funcionar.

O oficial objetou:

— Talvez as baterias de energia se esgotaram?

— Besteira! — respondeu Wamsler, grosseiramente. — Isso é totalmente impossível! Aquelas baterias duram dois anos e, além do mais, os comunicados indicam que as duas estações voltaram a funcionar. Eu daria tudo para saber o que está se passando a bordo da Orion neste momento!

Uma série de sinais luminosos acendeu-se num dos inúmeros painéis. Conjuntos de lâmpadas caracterizavam as confirmações das diversas esquadrilhas. Dentro de segundos, os comunicados da conclusão da manobra estavam completos.

O oficial confirmou:

— Todas as formações espaciais estão empenhadas na operação Ajax.

Sir Arthur levantou a voz e disse:

— Então emita a seguinte ordem: a Orion deve ser caçada com todos os meios disponíveis; se necessário, deve ser destruída.

Wamsler levantou-se de um salto e apoiou-se pesadamente sobre o tampo da mesa.

— Mas... o senhor não pode fazer uma coisa dessas! — gritou.

Sir Arthur lançou um olhar sério para o marechal.

— Posso sim, Wamsler! Tanto assim, que dei essa ordem!

— Mas isto é pura loucura! — gritou Wamsler. — McLane desertar? Isso é totalmente impossível! Isso não existe!

Ouviu-se um pigarro. Sir Arthur e Wamsler olharam ao mesmo tempo para a tela, na qual aparecia o rosto de Villa.

— O meu Serviço de Segurança obteve provas irrefutáveis! — disse o coronel Villa calmamente. — O robô na estação Destroy II transmitiu os dados. McLane está a caminho dos nossos misteriosos inimigos.

Wamsler baixou o pesado crânio, num gesto de profunda resignação.

— Então o garoto ficou doido! — sussurrou, rouco. — Estou abalado!

Sir Arthur perguntou:

— Qual é a nave rápida que se encontra à menor distância daquele cubo espacial, Villa? Manteve comunicação com ela?

— A Hydra II é a que se encontra mais próxima da nave de McLane — respondeu Villa imediatamente.

Sem ser chamado, o oficial entrou na discussão e disse:

— Parece que a Hydra é a nave mais indicada para o caso. Em relação à frota tática, McLane tem uma enorme dianteira. Como a Hydra II também é uma nave rápida, ainda poderia alcançar a Orion ou, ao menos, interceptá-la.

Sir Arthur dirigiu-se ao transmissor e disse em voz alta:

— Aqui fala Arthur. Estou chamando a Hydra II, sob o comando de Lydia Van Dyke!

Dois segundos de silêncio; depois veio a resposta:

— Aqui fala Lydia Van Dyke. O que deseja, Sir Arthur?

— Da Suprema Comissão Espacial para o cruzador Hydra II... programe imediatamente as coordenadas que acabamos de calcular. Mergulhe no hiperespaço e intercepte Cliff McLane quando ele retornar ao espaço normal naquele ponto além da fronteira. Em caso extremo, a nave dele deve ser destruída com todos os meios disponíveis.

Lydia manteve-se em silêncio, consternada, e depois perguntou, baixinho:

— O que há com McLane? Eu não posso simplesmente pará-lo e destruir sua nave! O que os senhores estão pensando?

— Eu vou lhe contar — respondeu Sir Arthur. — McLane é um traidor! Está querendo se bater para o lado dos extraterranos. Precisamos interceptar a Orion antes disso e destruí-la em qualquer circunstância. Senão, vai haver uma catástrofe, entendeu?

— Entendi — respondeu Lydia Van Dyke. — Desligo!

A ligação foi cortada.

— Imagino como Lydia deve estai- contente com isso! — disse Wamsler, aturdido.

 

Para esta missão, a Hydra contava com a tripulação completa, composta de cinco membros.

Lydia Van Dyke estava sentada diante da tela central. Seu rosto parecia petrificado. Mal se mexia, profundamente abalada com o que tinha acabado de ouvir. Uma certa apatia havia se apossado dela.

— General... — disse o astronavegador. Lydia ergueu a cabeça e olhou por cima da borda do painel para o rosto do homem. Viu que ele não queria acreditar no que tinha sido divulgado pelos alto-falantes na sala de comando.

— Do comandante para o astronavegador: programar as coordenadas fornecidas.

Com poucos passos o astronavegador dirigiu-se à unidade de entrada do computador digital e calcou as teclas: Dez/Leste 361 alfa 2 - 9 - 4 - 19,30 - 37... III. Assim que esses dados tinham sido absorvidos pela memória do piloto automático, Lydia acelerou a nave em direção a leste 361. Depois, ligou o intercomunicador de bordo e disse, com voz meio apática:

— Do comandante para máquinas: preparar salto hiperespacial.

— De máquinas para o comandante: entendido!

Lydia continuou a falar.

— Do comandante para o posto de combate: aprontar projetores Overkill. Ligar dispositivos de mira!

— Do posto de combate para o comandante: entendido!

O astronavegador havia ligado seus aparelhos e vasculhava o espaço.

— Qual é a situação? — perguntou Lydia, preocupada.

O homem fez uma cara meio descrente e balançou a cabeça.

— Para termos êxito, precisamos retornar do hiperespaço, no local indicado, no máximo dentro de cinco horas. Nesse caso, ainda poderíamos interceptar McLane.

— E caso contrário?

O astronavegador ergueu as duas mãos até a altura do peito e respondeu secamente:

— Caso contrário, a Orion vai conseguir escapar para os estranhos. O que vai acontecer então, não preciso explicar, general!

— E nós conseguimos escapar de nos sujar para sempre! — finalizou Lydia. — Esta é, sem dúvida, a tarefa mais repelente e sórdida de toda a história da frota!

Um pouco surpreso o oficial disse:

— Mas, entenda, general! McLane é um traidor da humanidade!

Com uma voz que era um misto de raiva e tristeza, Lydia retrucou:

— Não me consta que eu tenha solicitado a sua opinião!

Do receptor veio o chamado de uma das naves-patrulha:

— Comandante da Argus chamando comandante da Hydra II!

Lydia agarrou o microfone e apertou a tecla correspondente ao canal da chamada.

— Aqui Hydra! — disse laconicamente. — Pode falar.

— Estamos controlando os protocolos cronográficos das duas estações retransmissoras. Constatamos que ambas estavam temporariamente fora de ação por motivos totalmente inexplicáveis. Assim que OL-AF-I voltou a transmitir, emitiu uma mensagem à Orion mas ficou sem resposta.

— Obrigada! — disse Lydia. — E o que tem isso a ver com McLane?

— Supomos — disse a voz do comandante — que McLane sabotou os dois satélites, a fim de camuflar a sua fuga para os estranhos.

O astronavegador e o general olharam um para o outro e pensaram simultaneamente: uma ação bastante desmotivada.

Lydia sorriu ligeiramente, mas o seu sorriso era francamente desesperado.

 

A Orion VIII estava se lançando através do hiperespaço em direção ao seu alvo perigoso. Parte da tripulação havia se dedicado a alguns momentos de sono e, depois, a uma sólida refeição. Os efeitos da influência telenótica tinham desaparecido. Tamara havia apresentado suas desculpas a Hasso. E o engenheiro assegurou-lhe que a ação dela o tinha perturbado menos do que sua própria suspeita de ter ficado maluco. A tripulação estava novamente reunida, animada por um repentino espírito de luta. O comandante e o engenheiro, diante dos instrumentos dos propulsores hiperespaciais, efetuavam uma série de cálculos. Cliff manejava o computador e Hasso comparava os dados obtidos com a tabela de cargas admissíveis. Sherkoff desceu à casa de máquinas e postou-se ao lado da escotilha da entrada.

— Cuidado! — advertiu Cliff. — Não se meta entre os pólos dessa bateria de energia, professor! O senhor é uma testemunha importante a bordo da Orion!

— O que é isso aqui? É a instalação hidropônica?

Os conhecimentos de Sherkoff a respeito das instalações das naves espaciais deviam ser de natureza bastante rudimentar; era uma verdadeira façanha conseguir confundir uma sala de máquinas, altamente sofisticada, com uma instalação na qual se utilizavam algas para a produção de oxigênio.

— Não! — disse Hasso, com um sorriso benevolente. — Isto aqui é a casa de máquinas, com a mesa de comando para aquele grande gerador lá no canto e os meus bichinhos de estimação: os propulsores normais e hiperespaciais. Aquele negócio, contra o qual o senhor está encostado no momento, é uma beleza de pilhazinha atômica, com uma capacidade horária de 200 megavolts.

— Ah! E onde é que está o projetor Overkill? — perguntou Sherkoff.

— Lá fora, atrás de uma portinhola, no bojo da nave.

— Como é que é comandado? McLane estava registrando uma coluna de algarismos no computador.

— Já vou lhe mostrar! — explicou. — Durante o emprego do projetor, o curso da nave é controlado por um computador auxiliar. Faz a nave seguir uma trajetória parabólica. Quando o projetor começa a disparar, a instalação automática interrompe o vôo de aproximação, dirigindo a nave para o alto ou inscrevendo-a numa curva. Esta opção depende do objetivo que estamos atacando. Pretendemos, porém, desligar o piloto automático antes de entrar nessa curva, por isso que estamos fazendo esses cálculos.

— Por que razão pretendem fazer isso? — perguntou Sherkoff, admirado.

Cliff riu; seu bom humor tinha voltado.

— Pode ser que os nossos amiguinhos tenham condições para acompanhar as nossas manobras. Eu digo pode ser, porque não tenho certeza. Mas é provável que eles esperem que pousemos ou acostemos onde eles se encontram. E se o computador digital dirige a nave segundo um curso diferente desse curso de aproximação, o inimigo estará avisado. Eu vou levar a Orion para perto deles com os controles manuais. E isto com uma velocidade um pouco inferior à da luz.

— E por isso — explicou Hasso, ajustando o indicador de sobrecarga para a potência imediatamente superior — vamos disparar o Overkill com a mão.

— Os senhores pretendem...? — perguntou Sherkoff.

— Vou emitir as ordens certas, nos momentos certos! — disse McLane. — Fundamentalmente, essa é a profissão de um comandante.

— Entendi! — disse Sherkoff. — Quando vamos sair do hiperespaço?

McLane consultou o relógio.

— Dentro de 170 minutos — respondeu.

 

A ORION VIII estava sendo perseguida, mas ninguém a bordo sabia disso. O cruzador espacial rápido deslizava através do hiperespaço com o aparelho radiofônico desligado. Cento e sessenta minutos mais tarde, iria aparecer novamente no espaço normal. Ainda havia tempo para discutir pormenorizadamente as diversas etapas da operação. Tudo teria que ser realizado de supetão, pois os estranhos podiam descobrir, através do computador, quando e onde a Orion retornaria do hiperespaço. Cliff McLane permaneceu calmo; tinha analisado esse ataque de surpresa sob todos os ângulos. Os extraterranos acreditavam que ele e sua tripulação eram meros escravos obedientes. E a Hydra II estava no encalço da Orion. Na tela do videofone da casa de máquinas apareceu a cabeça de Atan.

— Cliff, rápido!

— Sim? — McLane ergueu os olhos das tabelas.

— Suba imediatamente para a cabine de comando!

Cliff abandonou Hasso e o professor Sherkoff e correu em direção ao elevador. Segundos depois, estava ao lado de Atan, respirando pesadamente. O astronavegador e Tamara estavam sentados junto à mesa de navegação, observando as duas telas de radar. Cada antena cobria metade da redondeza.

— Temos companhia! — declarou Atan. Apontou para as duas telas.

— Obviamente quatro naves dos estranhos nos localizaram, e agora estão nos acompanhando através do hiperespaço. Estou obtendo uma imagem bastante clara deles, como você pode ver.

Ampliou um setor da tela esquerda e o projetou sobre uma terceira tela à sua frente. O quadro já era conhecido. Lá estava um corpo esférico com dois prolongamentos, compridos e esbeltos; a forma característica das naves daqueles estranhos invasores, que Atan e Hasso tinham descoberto em MZ-4. Cliff acenou. Tamara virou-se para Atan.

— Podemos alcançá-los com o Overkill?

McLane sacudiu o indicador.

— Não queiram fazer alguma besteira com o Overkill! Não se esqueçam: o nosso vôo de aproximação está sendo vigiado. Na realidade, nós não passamos de um grupo de débeis mentais gaguejantes. De maneira alguma devemos reagir. Entendido, Atan?

— Claro!

— Desculpe-me, comandante — disse Tamara — por um momento eu tinha esquecido que nós não sabemos o que estamos fazendo.

Shubashi apagou a ampliação e apontou para a tela direita. Lá, três novos ecos tinham aparecido.

— Cliff! Já estamos sendo acompanhados por sete naves!

McLane torceu os cantos da boca.

— Isso significa — explicou — que ao menos estamos sendo recebidos condigna-mente.

Minutos depois, as sete naves inimigas haviam cercado a Orion, voando em formação circular e mantendo a mesma velocidade da nave terrana. Essa escolta ainda acompanharia a Orion durante cento e cinqüenta minutos. Atan rosnou.

— Se você soubesse, Cliff, como eu gostaria de liquidar esses caras!

— Eu sei — respondeu Cliff e sentou-se na poltrona do comandante. — Mas temos que esperar mais um pouco. Se tiverem a mais leve suspeita, nos atacam e isso seria o nosso fim. Não temos a menor chance; são sete naves contra uma. A superioridade numérica deles é esmagadora.

— Sete eram ainda há pouco — respondeu Atan — Agora já são dez!

Cliff McLane teve um vago pressentimento que nem tudo correria da maneira que ele tinha imaginado. Começou a refletir; ao mesmo tempo observava os instrumentos na sua mesa e o disco circular na tela central, que só apresentava a escuridão embotada do hiperespaço.

 

Invisível para os aparelhos da Orion, a Hydra II projetava-se através do hiperespaço com toda a força dos seus propulsores. Lydia e sua tripulação não tinham a menor noção de que McLane havia sido localizado e cercado pelos extraterranos. A Hydra voava contra o tempo.

— Quanto tempo ainda falta? — perguntou Lydia calmamente.

— Se as nossas máquinas agüentarem essa velocidade — respondeu o astronavegador — levamos mais cento e trinta minutos até as coordenadas indicadas.

Lydia apertou um botão e falou no microfone do intercomunicador de bordo:

— Do comandante para máquinas: desligue os sistemas complementares. Não quero correr novamente o risco de boiar no hiperespaço com uma nave aleijada.

O astronavegador lançou um olhar surpreso para o general Van Dyke.

— General... mas nós recebemos ordem de perseguir McLane com todos os meios disponíveis!

A resposta de Lydia era contundente.

— Dispenso ensinamentos quanto à interpretação de uma ordem! De resto, tenho tempo de sobra para interceptar McLane. Não preciso expor a minha nave ao perigo de ter que esperar vinte minutos ou mais pela Orion.

Depois, repetiu:

— Do comandante para máquinas: desligar elementos complementares!

— De máquinas para o comandante: já foram desligados!

— Obrigada! — disse aquela mulher de olhos cinzentos e uniforme negro. Depois recostou-se.

— General! — cochichou o astronavegador, incrédulo — mas isso é...

— Pode completar sua observação — animou Lydia Van Dyke e sorriu ligeiramente. O astronavegador desistiu de terminar sua resposta, virou-se e começou a tratar de seus instrumentos. Durante alguns minutos, o silêncio reinou na cabine, só vez por outra interrompido por ruídos de alguns aparelhos, pelos zumbidos dos alto-falantes e pelos baques surdos que acompanhavam o acionamento de alguma chave pesada.

De repente o astronavegador disse:

— Da Vigilância Espacial para o comandante: vou transferir essa imagem para a tela central.

— O que há? — perguntou Lydia, arrancada dos seus pensamentos.

— São cinco objetos voadores não identificados, provavelmente naves inimigas; vêm em nossa direção.

Lydia ativou a tela negra e viu que cinco naves em forma de libélula se aproximavam rapidamente da Hydra.

— Contatos radiofônicos? — perguntou Lydia ao telegrafista, depois de ter olhado durante alguns segundos para os ecos daquelas naves que se enfileiraram.

— Tentei captar um impulso — respondeu o telegrafista prontamente. — Mas não obtive resposta alguma ao meu sinal de identificação. Obviamente devem vigiar esse setor espacial.

— Trata-se, portanto, dos extraterranos! — constatou Lydia.

— É mais do que provável! — respondeu o telegrafista.

— Comparei a forma dos ecos com os dados disponíveis — disse o astronavegador. — Os dois contornos coincidem. Por que a senhora não os ataca?

— Primeiro quero ver o que eles pretendem.

— Isso pode se tornar um bocado perigoso! — disse o astronavegador rapidamente. — Quer que eu apronte o Overkill?

— Eu quero ver se eles querem algo de nós! — insistiu Lydia. O telegrafista acenou com uma expressão de raiva.

— Isso é mais do que óbvio, general! — disse ele, em voz alta. — Não tenho a menor dúvida que, dentro de instantes, nossa nave será o alvo das armas daqueles estranhos. Até agora sempre dispararam sem fazer perguntas!

Depois, gritou:

— Torpedos! Estão atirando!

Nas suas telas e na tela central delineavam-se os raios diretores de petardos cósmicos. Lydia desligou o piloto automático e agarrou os manches dos controles manuais. Enquanto os torpedos se aproximavam, a Hydra II executou uma série de manobras complicadas. A nave tombou para o lado, baixou vertiginosamente e reduziu a velocidade. Em seguida, descreveu uma seqüência de curvas apertadas para ambos os lados e finalmente seguiu um curso que ziguezagueava em torno de um sistema triaxial, em constante variação. Parecia que a nave estava cambaleando através do espaço, inteiramente sem direção e desprovida de qualquer controle. Dois dos torpedos erraram o alvo e desapareceram no fundo escuro. Uma nova manobra...

— Quando é que a senhora vai liberar o Overkill? — gemeu o astronavegador.

Um terceiro torpedo deslizou rente à nave. Duas das naves estranhas tinham se aproximado perigosamente e os ecos nas telas cresceram assustadoramente.

— Não podemos fazer nada contra eles! — disse Lydia, em tom incisivo e iniciou outra manobra, mais complicada e veloz do que as precedentes.

— Isso a senhora não sabe!

— As armas que eles têm a bordo são muito superiores aos nossos canhões. Lembre-se daquele planeta em chamas!

Incrédulo, o astronavegador sacudiu a cabeça. Da parte inferior da nave vinham os ruídos das máquinas supersolicitadas. Tinham que combater as enormes pressões da aceleração. Lydia disse:

— Para máquinas: aprontar retorno para o espaço normal!

O astronavegador mal pôde acreditar no que tinha ouvido.

— General Van Dyke, isso é...!

Lydia olhou calmamente para ele e respondeu, impassível:

— ...Loucura total, eu sei.

Lydia manipulou os controles. A Hydra II percorreu o ramo descendente de uma elegante curva, passando pelo ponto crítico entre as complicadas relações do contínuo riemanniano e o espaço normal tridimensional. De repente, as estrelas apareceram em todas as telas e em parte alguma havia uma nave inimiga. A Hydra tinha conseguido fugir.

 

Ainda faltavam trinta minutos. A agitação a bordo da Orion tinha aumentado consideravelmente. Os sete ocupantes da nave estavam possuídos por aquela tensão nervosa, expectativa febril que antecedia a luta esperada. Sentiam que o êxito ou o fracasso da missão estava para ser decidido dentro de poucos instantes. Falavam pouco; estavam suficientemente ocupados em lembrar-se dos detalhes da ação que seria iniciada dentro de momentos. Toda uma série de manobras teria que ser realizada com movimentos rápidos e precisos, somente depois o projetor Overkill entraria em ação. Mario já o havia aprontado e testado; funcionaria perfeitamente. Os minutos se passaram com uma torturante lentidão. Atan parecia relutar em romper o silêncio e disse, baixinho:

— Do astronavegador para o comandante: curso geral inalterado.

De repente ouviu-se a voz de Helga:

— Cliff! Captei uns sinais curiosos. Grupos ternários!

— Será que você pode determinar a localização dessa emissora no espaço normal?

— Vou tentar!

Nos dez minutos seguintes, a tensão na central de comando tornou-se quase insuportável. McLane tinha a impressão que no lugar do seu estômago havia uma enorme pedra.

Helga estava examinando um mapa astronômico.

— Eu captei aqueles sinais e fiz a verificação que você pediu — disse ela, baixinho. — Eles vêm de um ponto fixo que, segundo os meus cálculos, se encontra a quatro mil quilômetros do ponto de transição para o contínuo normal. Porém, não sei dizer, se é uma lua, uma base planetária ou um corpo que paira livremente no espaço. Esses sinais fazem parte de uma conversa radiofônica codificada entre as naves e a base.

Cliff estudou o mapa, enquanto a Orion prosseguia no seu caminho.

— Do comandante para o posto de combate!

Mario respondeu imediatamente. As condições agora eram bem diferentes. Naquele primeiro teste, na superfície da segunda lua, o projetor Overkill tinha sido dirigido e disparado por um computador auxiliar. Agora, era um homem o responsável pelo disparo no segundo apropriado: Mario de Monti, o subcomandante da Orion. Estava sentado atrás do dispositivo de mira na câmara do posto de combate, situado entre as suturas das duas cascas do disco e a cabine de comando.

— Fala o posto de combate. O que há?

— Faltam dez minutos e três segundos, Mario!

— Estou pronto! — respondeu Mario, e riu para Cliff.

Atan e Helga trabalhavam nas suas mesas. Hasso estava na casa de máquinas, controlando o suprimento de energia e o desempenho dos propulsores. Como os demais, consultava constantemente o cronômetro de bordo.

— Quantas naves inimigas você localizou, Atan? — perguntou Cliff.

— O número delas aumentou para vinte e duas. Estão nos cercando como um halo! — respondeu Atan. Cliff levantou-se, dirigindo-se à mesa do astronavegador e observou durante alguns segundos as duas telas. Depois sacudiu a cabeça.

— Devem estar muito interessados, mesmo, em capturar uma das nossas naves e sua tripulação!

Voltou e sentou-se novamente na poltrona diante da tela de imagem. Consultou rapidamente o relógio e começou a prender o cinto de segurança.

— Um segundo após o início da operação Overkill, Hasso vai liberar toda a nossa reserva de energia, pois vamos ter que realizar uma série de ações simultâneas: precisamos voar, executar manobras difíceis e tentar destruir aquelas vinte e duas naves. Mario, prepare-se, porque você vai ter um trabalho insano. Hasso! Ainda faltam alguns preparativos: temos que reforçar o nosso anteparo protetor e ligar os defensores!

— Já estou com a mão nas chaves correspondentes! — assegurou Hasso. — Por mim, pode começar!

Poucos segundos separavam a Orion do retorno ao espaço normal. O comandante respirou profundamente e depois olhou para a tela.

De repente o universo apareceu. As telas, quase todas ligadas, mostravam as estrelas e as nebulosas longínquas, a Via Láctea e a poeira interestelar. E mais alguma coisa: um planeta. A uma distância de quatro mil quilômetros. A imagem do planeta pairava imóvel na tela circular diante de Cliff.

— Controles manuais liberados! — disse Atan.

Os receptores captavam sinais estranhos, de uma intensidade impressionante. Os assovios estridentes estraçalhavam impiedosamente o silêncio da cabine. A unidade de saída do computador digital começou a matraquear: o raio telenótico dos estranhos estava novamente agindo sobre o funcionamento das máquinas.

A voz rouca de Atan atravessou os ruídos na cabine:

— Cliff! Aqueles corpos voadores estão se aproximando da Orion!

— Estou vendo!

— Libere o Overkill, Cliff! Eu não confio nestes caras nem mais um segundo! — disse Mario da tela do videofone. Olharam fascinados para aquele planeta, cada vez mais perto. Um planeta no qual uma estação emitia um raio maléfico, que por um triz não os tinha escravizado.

— Cada qual vai fazer exatamente o que foi combinado! — gritou Cliff. — E nada de afobação! Controlem-se!

Atan viu que os vinte e dois pontinhos estavam apertando o cerco em torno do reluzente disco da nave. A Orion seguia exatamente na direção do raio captado por Helga e cujo ponto inicial ela localizara. A nave reduziu a velocidade imperceptivelmente.

— Eu descobri a base! — gritou Atan.

— Então transfira a imagem para o meu monitor! — ordenou Cliff.

Um trecho de uma imagem fortemente ampliada apareceu diante dos olhos de McLane e Sherkoff.

No meio de uma profunda cratera, que se abria no alto de uma colina vermelha, havia uma esfera e algumas torres ao lado de uma gigantesca antena parabólica.

— Distância? — perguntou Cliff.

— 384 quilômetros! — respondeu Atan. McLane acenou para Sherkoff. Sulcos e rugas marcavam-lhe a face. Suas mãos estavam fechadas em torno dos manetes do comando manual.

— Overkill menos cinco segundos! — avisou.

Escoltada por vinte e duas naves inimigas, a Orion iniciou o vôo de aproximação, descrevendo uma parábola precisa e apontando exatamente para o centro da cratera na qual estava alojada aquela construção esférica. O foco da antena parabólica, fortemente ampliado por vários jogos de lentes, estava dirigido para a nave.

A voz de McLane veio nítida dos alto-falantes de bordo.

— 3... 2... 1... zero... fogo!

A Orion estava por cima da cratera. A uma altura de apenas cem quilômetros. Tinha se aproximado quatrocentos quilometros mais do que devia. Por um instante, a cratera com as três construções permaneceu nitidamente destacada na tela central. Em seguida, como que partindo do centro, a matéria da superfície planetária transformou-se em nada. Uma névoa poeirenta e difusa turvou a imagem por alguns segundos e depois desapareceu. As paredes da cratera desabaram e soterraram os detritos. Aquela esfera estourou como uma bolha de sabão e se desfez. As torres e a antena parabólica esfarelaram-se e misturaram-se aos escombros. E depois só se via a abertura profunda de um cone aguçado, invertido e oco. Os propulsores da Orion emitiram um silvo agudo e lançaram a nave para o alto, ao longo do outro ramo da parábola. A onda de choque da destruição subatômica alastrou-se e influenciou o curso das naves inimigas. A Orion subiu verticalmente; aumentou a velocidade e tombou um pouco para o lado. A maioria das naves do adversário tinha sido arrancada da sua trajetória e cambaleava pelo espaço. Tensos, os homens observavam os instrumentos. Mario de Monti manipulou as alavancas e o dispositivo de mira e liberou mais uma vez a força aterradora do projetor. Três naves inimigas caíram no campo de ação do Overkill e desapareceram sem deixar o menor vestígio.

— Conseguimos destruir a base! — disse Cliff. — Aqueles sinais emudeceram de uma hora para outra!

O disco subiu em espiral através do universo, estabilizou-se e começou a descrever uma longa curva. As telas do radar de Atan mostraram que as naves remanescentes tinham se reagrupado e estavam agora empenhadas na perseguição da Orion.

— O raio telenótico sumiu! — confirmou Helga Legrelle.

A velocidade da Orion aumentava incessantemente. Por meio de manobras rápidas e audaciosas, tentava escapar da ameaça representada pelas naves que estavam no seu encalço.

Hasso confirmou:

— Energia repartida entre propulsão e Overkill. Ande ligeiro, Mario!

Um som duro atravessou a nave. Soava como se uma mão gigantesca estivesse rasgando uma folha metálica.

Com uma calma sobrenatural, Hasso avisou:

— Fomos atingidos. Os geradores 3 e 4 estão parcialmente fora de ação!

McLane estremeceu.

— Será que dá para agüentar, Hasso? — gritou, agitado.

— Dá, mas não por muito tempo!

 

EM dado momento, um deles tinha olhado de relance para o telêmetro, acoplado à complicada instalação do tacógrafo. E tinha reparado uma marcação espantosa, fora do comum: encontravam-se a 451 parsec da Terra. Um parsec além da zona que ainda oferecia uma segurança relativa; um parsec além da fronteira daquela esfera espacial de 900 parsec de diâmetro, em cujo centro se encontrava a Terra. A Terra, que já tinha sofrido duas agressões por parte desses estranhos. E nessas duas ocasiões, somente a intervenção de McLane havia evitado o desfecho fatal no último segundo. Agora, estavam se enfrentando pela terceira vez. Uma luta silenciosa e encarniçada desenrolou-se entre as naves que, a esta altura, já se deslocavam no espaço normal, tridimensional. Dezenove naves inimigas contra a Orion.

O ângulo de giro do projetor Overkill era bastante limitado; por isso, Cliff tinha que posicionar a nave de tal maneira que Mario pudesse enquadrar o alvo com segurança. McLane berrou para Atan:

— Atan! Transfira os ecos do radar para as telas de Mario no posto de combate!

Rapidamente, Atan virou algumas chaves e em todas as telas apareceram aqueles dezenove corpos que já se tinham aproximado perigosamente da Orion. Mario estava com os olhos grudados no dispositivo de mira.

— Atenção, Mario — gritou Cliff — Vou levar a nave para as posições mais favoráveis! Sucessivamente da esquerda para a direita, entendeu? Campo de tiro livre para o Overkill!

McLane comparou alguns dados, depois sustou o movimento da Orion em torno do eixo vertical.

— Agora!

Duas naves entraram no campo aniquilador do Overkill. Desapareceram do cosmos. Sem deixar vestígios, sem relâmpagos, sem fumaça e sem indícios visíveis da destruição. Deixaram de existir numa fração de segundos. Tamara gritou:

— Cliff, erigiram um campo de força entre nós e eles. Já determinei a intensidade!

Cliff alterou a posição da Orion e olhou para o rosto de Hasso no monitor.

— Hasso, reforce o nosso anteparo o quanto você puder. Não ligue para o consumo de energia. Só precisamos de mais alguns minutos, depois já não fará diferença se os projetores se derreterem!

Mario disparou novamente e teve sorte. Mais alguns pontos desapareceram das telas. Por pouco, a manobra temerária de McLane não provocou uma colisão. Fez a nave espiralar para o alto, girando em torno dos dois eixos e acelerando continuamente. A Orion passou raspando por cima de uma nave inimiga, e ganhou distância. Depois McLane sustou o movimento e Mario estava de novo em condições de mirar. Mais uma vez aquele duro rangido ressoou pela nave. Era um ruído que parecia puxar pelos nervos como um gancho de aço. Uma tela de imagem estourou a pouca distância do rosto de Tamara. Durante alguns segundos, os gases liberados escureceram um trecho da cabine de comando, mas logo foram sugados pelas turbinas.

 

— Estão empregando raios disruptores contra o nosso anteparo! — gemeu Tamara. — Os absorvedores já começaram a se derreter! Estão nos acertando sem cessar!

Cliff manteve a cabeça fria. Viu que Sherkoff tinha se agarrado aos braços da poltrona e estava acompanhando os acontecimentos com o pavor estampado no rosto lívido. Depois voltou a olhar para os monitores e constatou que Mario estava semeando morte e destruição entre as naves inimigas.

— Nós também estamos acertando sem cessar! — gritou em resposta à observação de Tamara.

Cliff manobrava a nave com tamanha habilidade que cada disparo era um tiro certeiro. O projetor de Mario criava campos de dimensões variáveis a distâncias diversas. E toda nave inimiga que penetrasse num desses campos, estava irremediavelmente perdida. O segundo botão do disparador ativava o campo do Overkill e a nave simplesmente desaparecia. Quatro corpos voadores começaram agora a lançar raios em direção à Orion; longos e esbeltos tentáculos luminosos. Interceptavam-se, vagueavam pelo espaço e passavam rentes à nave. Cliff sabia que dentro de poucos segundos esses raios mortíferos encontrariam o seu alvo. E isso significava o fim da luta para ele e a Orion. Solicitou os propulsores ao máximo, e efetuou um rápido mergulho, parando em seguida o movimento giratório. Imediatamente Mario ativou o campo do Overkill. Os quatros pontos desapareceram da tela; não se via mais um único raio luminoso. Cliff recostou-se.

— Dessa escapamos por um triz! — murmurou e enxugou o suor da testa. — Escapamos por muito pouco mesmo!

De repente, começou a sentir frio. Permaneceu sentado, porque desconfiava da firmeza dos seus joelhos.

— Do comandante para máquinas — disse depois, um pouco inseguro. — Volte a abastecer somente as máquinas, Hasso. Mario não precisa mais de energia!

A cabeça de Hasso acenou na tela.

— A intrépida equipe da Orion sobreviveu a mais uma das suas aventuras loucas! — comentou, em tom irônico. — Vou passar o resto do tempo de vôo tentando consertar os condutores e blocos de fusíveis atingidos.

Cliff acenou para ele, em silêncio.

— Do comandante para o posto de combate — prosseguiu. — Desligar e recolher projetor. Fechar portinholas!

— Logo agora, que eu estava em ponto de bala! — lamentou-se Mario. — Acabou tudo? — pigarreou secamente.

— Acabou, sim. Vamos Voltar.

Mario desligou todo o sistema e retirou-se do posto de combate. Cliff ainda não havia terminado.

— Do comandante para Tamara Jagellovsk: reduzir anteparo protetor até o valor 40. Proceder à verificação de rotina dos absorvedores!

Depois, chegou a vez de Helga.

— Do comandante para telegrafista.

— Sim? — perguntou Helga Legrelle.

— Reforçar amplificadores e tentar captar impulsos inimigos. Ainda existe o perigo de toparmos com mais naves extraterranas nas imediações.

— Só preciso de cinco minutos, chefe.

— Do comandante para o astronavegador: vasculhar espaço com telerradar. Tentar localizar ecos inimigos. Durante cinco minutos!

— Entendido! — respondeu Atan.

— E o senhor vai fazer o que agora, comandante? — perguntou o professor Sherkoff, enquanto soltava o cinto de segurança.

— Vou me dirigir a esse maldito computador e programar um curso. Faço votos que tenha deixado de ser biruta!

— Suponho — disse Sherkoff, e fracassou inteiramente na tentativa de esboçar um sorriso — que esse curso vai nos levar para Um/000?

— Acertou em cheio! — confirmou McLane.

Naturalmente não sabia que trinta e seis naves da frota tática estavam à sua procura e que a Orion cairia diretamente na malha dos radares se rumasse agora para a Terra. Aquelas naves tinham instruções expressas para tratar McLane como traidor.

 

A Orion VIII mudou de curso. Descreveu uma curva circular e projetou-se pelo espaço, seguindo em direção ao centro da esfera espacial na qual se encontrava o sol terrano: apenas uma minúscula estrela entre muitas outras. A nave apresentava avarias tanto internas como externas. Alguns dos projetores dos anteparos de proteção estavam derretidos. Na casa de máquinas, havia uma profusão de cabos defeituosos e fusíveis queimados. E mais de 451 parsec tinham que ser percorridos. Um vôo espacial de nove dias separava a Orion da Terra.

Helga comunicou:

— Vasculhei toda a redondeza, Cliff, mas não captei um único impulso sequer dos nossos amigos. Sob ponto de vista radiofônico, esse espaço aqui está morto!

— Uma notícia que nos alegra imensamente! — respondeu Cliff. — E os radares, Atan?

Atan desligou as telas e recuou o assento.

— Negativo. Nenhum eco. Nem no planeta, que eu também examinei. Aquela estação destruída devia ter sido a única em toda esta vasta região.

McLane olhou ao redor e acenou, satisfeito.

— Muito bem! — disse ele calmamente. — Então está tudo na mais perfeita ordem. Vamos iniciar a longa viagem de volta. Quando retornarmos ao espaço normal na zona de distância nove, emitiremos os nossos comunicados. Provavelmente estão nos procurando.

— Estou de acordo! — disse Tamara. — Quando vamos mergulhar no hiperespaço?

— Talvez daqui a uns vinte e cinco minutos. Vai demorar um pouco mais, porque não podemos voar com força total.

Sherkoff levantou-se. Estava extremamente fatigado.

— Gostaria de me recolher ao camarote. Ou ainda vão precisar de mim como testemunha?

Cliff sacudiu a cabeça.

— Não vamos, não, professor. E muito agradecido por tudo!

— Não há de quê! — disse Sherkoff e dirigiu-se ao elevador. A porta semicircular fechou-se e o sinalizador indicou que a cabine estava descendo.

— Agora, escutem! — disse Cliff. — Não há necessidade de todo mundo ficar aqui, vigiando. Helga e eu vamos assumir o primeiro turno de cinco horas; os demais vão dormir, e é pra já, entendido?

— Às vezes — observou Hasso — suas ordens são até simpáticas, comandante McLane!

— Sei disso! — respondeu Cliff. — Às vezes.

Minutos depois, Helga e ele estavam sozinhos na cabine de comando. Sua presença era uma mera questão de segurança, porque o comando da nave havia sido entregue ao piloto automático. Cliff sabia que a tensão das últimas horas havia deixado os nervos de todos em frangalhos e queria poupar a tripulação o mais que pudesse. Apagou uma parte da iluminação da cabine, girou a cadeira e acomodou as pernas em cima da mesa de comando.

— Foi uma parada dura, não foi? — perguntou Helga. Estava ajustando os receptores para a freqüência usada pela frota.

— Foi mesmo! — disse Cliff. — Quase tão dura como a do planeta em chamas. Não sei por que qualquer missãozinha inocente acaba se transformando numa aventura cheia dos mais inesperados perigos.

Helga riu, baixinho.

— Ontem, Tamara vislumbrou a hora mais gloriosa de sua vida. Fiquei até com pena ter que desapontá-la.

— Você podia preparar um café bem quente para nós dois — disse Cliff, e arreganhou os dentes. — Também, você defendeu Hasso como uma leoa!

— Quem mandou ela me provocar? Foi agredir logo um sujeito bom e pacato como Hasso!

Helga levantou-se e foi tratar do café. A velocidade da nave estava aumentando gradativamente. Daqui a pouco atingiria o valor critico e a Orion mergulharia no hiperespaço. Cliff e Helga não tinham o que fazer e ficaram contemplando as constelações familiares na tela central. O aparelho radiofônico silenciava. Um pouco mais tarde, pegaram no sono; naquele sono leve, característico dos astronautas.

Faltavam três minutos e um quarto para o salto no hiperespaço. E, então, aconteceu. Os sinais eram tão intensos que Cliff e Helga acordaram sobressaltados. Testemunharam uma conversação que era conduzida, em língua clara, no comprimento de onda da frota tática. Após ouvirem as primeiras frases, Helga e Cliff entreolharam-se assustados. O que ouviam era por demais ameaçador.

— Acredita que a Orion de McLane se encontra nas imediações?

A voz de um outro capitão, talvez fosse o comandante da frota, respondeu:

— Creio que sim. Recebemos ordens inequívocas para interceptá-lo nessa região.

— E o que pretende fazer?

— Dar um rápido aviso e atirar ao primeiro sinal de um movimento suspeito. Não se esqueça que McLane está em vias de se passar para os extraterranos! Com uma das naves mais modernas e rápidas e com a arma mais evoluída que possuímos! Com o Overkill!

Houve uma pausa e depois Helga e Cliff ouviram outras vozes:

— Para mim, a idéia é simplesmente repugnante! Derrubar um colega nosso! E isso sem falar na tripulação!

Cliff dirigiu-se à mesa radiofônica e agarrou o microfone.

— Estabeleça contato com eles! — pediu. Helga manipulou algumas chaves e teclas. Depois Cliff disse, em voz alta e nítida:

— Aqui fala o comandante Cliff Allistair McLane da Orion VIII.

As vozes estranhas emudeceram, surpresas. Depois alguém, acostumado a falar em tom de comando, perguntou:

— O quê? Está maluco, homem? Prontamente, Cliff respondeu:

— Não estou, não! Mas não consigo me lembrar que ultimamente meus colegas da frota tivessem apertado o gatilho sem mais aquela, apesar das suas ordens inequívocas!

— Comandante — veio a resposta — temos ordens de execução!

Cliff riu secamente.

— É exatamente disso que eu tenho receio! Se os cavalheiros me permitem o esclarecimento, não é um desertor que está nas suas telas, mas sim um comandante que eliminou as causas dessas deserções. E as eliminou com o emprego do Overkill. O outro manteve-se descrente.

— Pode estabelecer comunicação visual?

— Claro! — disse Helga. — Qual é o canal?

— Dezessete.

Lentamente uma tela aclarou-se diante de Helga e Cliff. Quando a imagem se firmou, viram o interior de uma cabine de comando que, afora pequenos detalhes, era igual à da Orion. E viram os rostos incrédulos do comandante e do telegrafista daquela nave.

— Deve entender que não podemos acreditar no que diz! — advertiu o major.

— O eco da Orion está nas suas telas de radar? — perguntou Cliff.

— Está, sim. Claro e nítido. Daqui a dez minutos estaremos aí.

— Se um dos seus astronavegadores se der o trabalho de verificar o nosso curso, vai constatar que estamos voando em direção ao centro. A não ser que o meu computador e o piloto automático estejam com defeito. Só sei que programei o curso para Um/000. Acredita em mim, agora?

Algum telegrafista ou astronavegador já devia ter verificado o curso da Orion, pois uma voz disse claramente:

— McLane disse a verdade. Está se dirigindo ao centro!

— Quando vai mergulhar no hiperespaço?

— Dentro de alguns segundos — disse Cliff. — Pode me seguir e escoltar até a Base 104. Quem foi que deu a ordem de me eliminar, por assim dizer?

— A Suprema Comissão Espacial. Mais precisamente, Sir Arthur.

— Um homem encantador! — comentou Cliff. Dos fundos da cabine, veio o tique-taque do cronômetro que havia iniciado a contagem regressiva de cem segundos para o salto no hiperespaço.

— Para sua maior tranqüilidade — prosseguiu McLane — cumpre-me ressaltar que se encontram a bordo da Orion a senhorita Jagellovsk, tenente do SSG, e o professor Sherkoff, psicodinâmico dos mais renomados. E creio poder afirmar que o senhor vai ter um bocado de aborrecimentos se esses dois valiosos membros da sociedade forem eliminados juntamente com um indigno capitão do espaço. Ainda disponho de setenta e quatro segundos. Mais alguma pergunta?

— Não, nenhuma!

— Isso me alegra como quê! Vai me acompanhar?

O major lançou um olhar penetrante para McLane e disse, em tom sério:

— Continua gracejando, McLane, apesar da seriedade da situação. Sim, vamos acompanhá-lo e pode ter certeza de que vamos começar a disparar sem qualquer aviso se a Orion executar uma manobra suspeita!

Cliff acenou e sorriu ironicamente.

— Nesse caso, queira ter em mente as tolerâncias normais dentro das quais os pilotos automáticos padronizados da frota costumam operar. Confidencialmente... Estamos voando em companhia de dois cavalheiros e uma dama que tentaram desertar. Só que não tiveram êxito. Em compensação, conseguimos destruir vinte e duas naves inimigas e uma estação do adversário. Muito obrigado pelo bate-papo!

Com essas palavras, Cliff pôs fim à conversa. E bem na hora, pois enquanto esticava a mão para desligar a tela, a Orion VIII mergulhou no hiperespaço. Nove dias mais tarde houve um verdadeiro rebuliço na Base 104. Trinta e seis naves de uma esquadrilha tática apareceram nas imediações da Terra. A Estação Avançada IV recebeu, sucessivamente, trinta e sete chamados: o último era da Orion. Durante minutos, o Centro de Comunicações e a Suprema Comissão Espacial pareciam formigueiros tumultuados antes que a agitação amainasse. Depois, a Orion aproximou-se majestosamente, atravessou o remoinho e baixou ao fundo do gigantesco cilindro de aço protegido pela cúpula de raios energéticos. Os sete ocupantes desembarcaram e a turma de manutenção começou a examinar as pesadas avarias no casco externo da nave.

 

Os três homens estavam sentados, um defronte ao outro, entregues a meditações silenciosas. Sherkoff parecia interessado na imagem do rosto enrugado de Henryk Villa, que o tampo espelhado da mesa refletia. McLane, que estudava o perfil do chefe do serviço secreto, foi o primeiro a romper o silêncio.

— Há um pormenor — disse ele — que eu gostaria de debater — sua voz soava rouca e estava quase explodindo de raiva.

— Pois, não — respondeu Villa — pode falar! — a expressão do seu rosto continuava impassível.

— Estou achando — começou McLane — que ultimamente ordens para atirar e matar são expedidas com uma facilidade de estarrecer. E tenho razões de sobra para supor que as diretivas nesse sentido nascem no seu gabinete. Mas como no seu gabinete ninguém manda coisa alguma a não ser o senhor mesmo, coronel Villa, é fácil chegar à conclusão que se trata de ordens pessoais suas. E isso me incomoda um pouco.

Villa deu um breve sorriso e olhou para Cliff. Ia responder, mas o professor Sherkoff antecipou-se a ele.

— Posso afirmar, Villa, que já vivi metade de uma vida bastante agitada. Alegro-me em saber que, graças à medicina e ao ar isento de poluição, a média de vida subiu de alguns anos. Era minha intenção comprovar esses dados por experiências próprias, o que quer dizer, em outras palavras, que tenciono chegar aos oitenta anos. Não poderia estar pensando nisso, agora, se aquelas trinta e seis naves tivessem seguido as suas instruções.

— Bem que poderia ter mandado apenas três ou quatro — disse McLane. — Mas não fez por menos: enviou logo trinta e seis! Isso é até humilhante! E ainda por cima mandou Lydia Van Dyke, a julgar pelos boatos que circulam pelos corredores da Base 104.

Villa começou a tamborilar no tampo da mesa.

— Será que eu também posso dizer alguma coisa no meu próprio gabinete?

— Fazemos questão de ouvi-lo — respondeu Sherkoff, sarcasticamente, e riu.

— Major McLane! — começou Villa. — O senhor é um dos nossos melhores comandantes. Mantém relações amistosas com Van Dyke e com Wamsler. É considerado o homem das escapadas e do infringimento dos regulamentos. Isso motivou a sua remoção para o Serviço de Patrulha por um período de três anos, dos quais se passaram apenas quatro meses. Mas, mesmo nesse novo serviço, o senhor continua a dar os seus espetáculos extraprograma. Quem é que lhe autorizou a sair da região limítrofe? Cliff engoliu um palavrão e respondeu:

— Ninguém. Mas eu tinha que fazê-lo senão os extraterranos teriam capturado outras naves. E todo mundo sabe que a minha incursão naquela região além da fronteira se constituiu num êxito total. Mas não vai poder me responsabilizar pelo fato de que duas estações retransmissoras entraram em pane ao mesmo tempo. Nem passei nas proximidades delas.

Villa recostou-se e cruzou os braços.

— Tem imaginação? — perguntou, calmamente. Cliff acenou.

— Então tente imaginar o que somos forçados a pensar plantados aqui no gabinete. Só dispomos dos dados de algumas estações de busca, da experiência dos nossos homens e de praticamente mais nada. E, de repente, a 450 parsec de distância, uma nave proclama sua independência. Uma nave que leva a bordo a arma mais temível do nosso arsenal. Eu lhe pergunto: não tínhamos que acreditar que estivesse desertando, como Alonzo Pietro?

Sherkoff largou a palma da mão na mesa.

— E a senhorita Jagellovsk assiste a tudo isso de braços cruzados? Sem falar na minha insignificância? Um belo elogio esse que está tecendo às suas agentes, Villa! Será que não confia em ninguém?

Villa sacudiu a cabeça.

— Não confio, não. Confidencialmente: não confio nem em mim mesmo. Sei com que facilidade se pode mudar de opinião ou trocar de convicção. Mormente quando se está sujeito a uma influência por meio de raios telenóticos. Não posso afirmar que teria mantido a lucidez. Como sabem, foram ao todo quatro pessoas que se tornaram vítimas daquele raio perdendo a vontade própria.

— Pietro, Hasso, Mario e Tamara. Tem razão, coronel! — disse Cliff.

— A minha explicação é essa — respondeu Villa. — Eu teria mandado caçar até o general Van Dyke se a sua nave tivesse seguido um curso misterioso. Não se trata do senhor, McLane, e sim, da Terra. Trata-se do nosso sistema solar e dos bilhões de pessoas que o habitam.

— Entendo! — disse Cliff. — De agora em diante, vou me cingir direitinho aos regulamentos quando estiver frente a frente com um desses estranhos. Aí eu vou perguntar primeiro se posso ou não defender a Terra. Se a resposta for afirmativa, vou agir. Só que — fez uma pausa para aumentar o efeito de suas palavras — provavelmente, nesse caso, será tarde demais. Com a sua licença, vou me retirar — e retirou-se; estava tão furioso como no início da conversa.

Villa acompanhou McLane com o olhar até que a barreira reerguida o ocultou da visão. Depois virou-se para Sherkoff e sorriu.

— Um homem enérgico, esse McLane! — comentou.

Sherkoff concordou.

— E um comandante fora de série, Villa!

 

OS robôs de Cliff haviam arrumado a grande mesa redonda no terraço espaçoso.

Velas legítimas, fixadas em castiçais caríssimos, espargiam uma suave luz amarela sobre os dez rostos.

Cliff estava dando uma recepção, comemorando o feliz retorno. Com poucas exceções, estavam reunidas todas as pessoas que tinham participado da última operação. Mas, hoje, os convidados não poderiam saborear aquele uísque autêntico, porque a intervenção salvadora de Cliff não se tinha desenrolado em escala planetária. A tripulação havia comparecido em peso. Hasso, pensativo, estava sentado ao lado de Atan e alternava o olhar ausente entre o copo e o rosto de Lydia Van Dyke que trocava idéias com Tamara. Mario estava conversando animadamente com Helga; hoje tinha fugido ao hábito e não se fez acompanhar por um dos ajudantes femininos das diversas ante-salas. Devia estar com as finanças abaladas. Cliff McLane estava em pé ao lado da cadeira, reabastecendo o copo de Alonzo Pietro pela segunda vez. O técnico de armas Rott discutia em voz alta com o professor Sherkoff a respeito do Overkill.

— Silvan — disse Cliff. — Será que não consegue esquecer ao menos por uma hora que aquele troço foi desenvolvido sob sua direção? Esse interminável papo profissional está acabando de vez com os meus nervos esfrangalhados!

Rott concordou.

— Se achar o tema mais interessante, podemos falar sobre os efeitos da telenose.

— Sim, ou sobre Villa, o chefe dessa encantadora senhora, aqui, ao meu lado! — disse Cliff, aborrecido.

Tamara já tinha preparado o seu sorriso especial.

— Obrigada! — disse ela. — Está me cobrindo de gentilezas como nunca.

Cliff parecia estar de muito bom humor, pois respondeu:

— Não há de quê. A verdade é sempre desagradável. Se as damas e os cavalheiros estiverem com frio, podem se dirigir ao salão. Mas se vocês pensam encontrar bebidas alcoólicas de alto nível, preciso desapontá-los; está tudo vazio!

— Um anfitrião perfeito! — disse Mario e levantou-se. — Venha, Helga! Vamos ver se Cliff falou a verdade!

Voltaram à grande sala de estar. Mario recostou-se contra o canto de um pesado móvel e lançou um olhar indagativo para Helga.

— Há alguma coisa que você está querendo me confidenciar. Venho reparando isso a noite inteira.

— Às vezes — respondeu Helga lentamente — você consegue me surpreender, Mario. Como reparou?

Fingindo-se ofendido, o subcomandante respondeu:

— Pode ser que minhas boas maneiras deixem muito a desejar, mas não ganhei a minha patente de oficial de mão beijada.

— De mim não a ganhou, não; disso eu tenho certeza! — respondeu Helga. — Mas o que eu quis dizer é que os nossos atores principais estão em vias de se apaixonar!

Mario recuou.

— Quem? — perguntou, mais do que surpreso.

— Cliff e aquele anjo do serviço secreto.

Mario emitiu uma risada oca e depois sacudiu a cabeça com veemência.

— Está se vendo que você ficou tempo demais perto daquele computador telenótico! — disse ele, rindo. — Essa é a maior piada que eu ouvi desde que fui batizado. Cliff e aquela... Não tem cabimento! Existe um abismo cósmico entre esses dois!

— Quer apostar? Mario fez que sim.

— Topo qualquer aposta — disse ele. — Todo mundo sabe que Cliff está enrascado com aquela loura que mora na outra extremidade da ilha e volta e meia aparece aqui com aquele carrão pesado. Cliff e Tamara! Helga, você precisa ir a um oculista!

O indicador de Helga quase furou o tecido do uniforme de Mario.

— Eu aposto uma garrafa de dois litros de champanha legítima!

— Aposta aceita! — disse Mario. — Mas não vale se o nosso comandante estiver completamente bêbado!

— De acordo! — disse Helga. — Agora, vamos nos certificar de que realmente só há copos vazios no bar de Cliff! Duvido!

Mas foi só o que encontraram. Enquanto isso, Silvan Rott e Cliff McLane estavam passeando em torno da piscina, debatendo os resultados que o comandante havia obtido com o emprego do Overkill. A conversa durou mais de meia hora; os outros convidados cansaram-se de ouvir expressões como "intensidade de campo", "grau de efeito", "distâncias", "intervalos", "forças subatômicas".

— Diga-me uma coisa — perguntou Lydia Van Dyke a Tamara. — Como está se arranjando com esse herói obstinado?

Tamara balançou o copo e disse:

— Bem; de uma maneira bastante agradável. Vez por outra sou obrigada a recitar os meus parágrafos. Mas, de um modo geral, McLane não se afasta dos seus bons propósitos.

— Não conseguiu detê-lo quando quis atacar a base dos estranhos?

Tamara pensou com cuidado na resposta que ia dar.

— Só havia um meio de consegui-lo — disse ela — mas não pude recorrer a esse meio por razões óbvias.

— Como assim? — perguntou Lydia. Tamara estava achando Lydia Van

Dyke extremamente simpática. O que mais a fascinava eram aquela voz serena e áspera e os olhos verdes e calmos.

— Teria sido necessário paralisar toda a tripulação, inclusive o professor Sherkoff. Acontece que eu não tenho condições de manobrar uma nave do tipo da Orion, ainda mais sozinha.

— Quer dizer que McLane não pôde ser dissuadido com argumentação lógica?

Tamara sacudiu a cabeça.

— Vou apelar para o seu sigilo profissional e lhe confidenciar uma coisa — disse Lydia. — Tente controlar o tremor dos seus joelhos.

— Estou curiosa.

— Por muito pouco não ataquei e destruí a nave de McLane com o Overkill. Somente um ataque de naves inimigas, que eu evidentemente poderia ter rechaçado dentro de minutos, me forneceu o pretexto para não fazê-lo. Me expus às mais veementes críticas por parte da minha tripulação.

Tamara arregalou os olhos numa expressão do mais puro espanto.

— Mas por quê... por que a encarregaram de... — perguntou, ela gaguejando.

— Ordens expressas de Villa, Wamsler e Sir Arthur!

— E por que a senhora não disparou?

— Faça-me o favor! — respondeu Lydia. — Então nossa civilização pode, de sã consciência, se dar o luxo de eliminar homens como McLane?

Tamara manteve-se em silêncio por alguns segundos e depois respondeu:

— Não pode, não! Certamente que não!

— Está aí a razão pela qual eu não disparei! — disse Lydia e começou a prestar atenção na conversa entre Hasso e Alonzo Pietro. Conseguiu captar algumas frases.

— Comandante, ainda se lembra de alguma coisa? — perguntou Hasso. — Quero dizer, consegue se lembrar do estado em que se encontrava sob efeito telenótico?

— Não me lembro de absolutamente nada!

— Eu também não. Há um lapso na minha memória que se estende desde o instante em que caí no alcance daquele computador até o primeiro contato com outro assunto importante.

A expressão de Pietro era muito séria quando acenou e respondeu:

— Foi uma sorte que o senhor também passou por isto. Sorte para mim, bem entendido!

Hasso fez uma careta.

— É óbvio! — explicou Alonzo. — Se o senhor não tivesse passado pela mesma coisa, eu estaria sendo vigiado e interrogado pelos cavalheiros do Serviço de Segurança Galático até hoje. Estou livre e fui reempossado no comando da minha nave. E isso eu devo exclusivamente a essa casualidade e, principalmente, à elucidação do caso.

— Agradeça isso também a Tamara, Cliff e Sherkoff. Porque, sem eles, o senhor teria fatalmente caído nos braços abertos do inimigo! — disse Hasso e acenou. Pietro esvaziou o copo de um só gole.

— Não vou me esquecer disso! prometeu.

Cliff levantou a voz e gritou no costumeiro tom de comando:

— Meus amigos! Aqui não temos nada para beber. Proponho pegar meu carro e o do general Van Dyke e transferir o campo de operações para o cassino. É provável que lá encontremos também o marechal Wamsler, ao qual quase teríamos que agradecer o nosso falecimento prematuro!

A proposta foi aceita por unanimidade. Vinte minutos mais tarde, os dez invadiram o cassino. Como de hábito, estava superlotado, ultrabarulhento e repleto de astronautas. A tripulação tomou de assalto a mesa reservada e capturou algumas poltronas adicionais. Depois dedicou-se a elaborar uma longa lista de pedidos.

Cliff virou-se em meio a uma frase. Sentiu que alguém tinha cravado o olhar nas suas costas.

Atrás dele estava o marechal Wamsler. Risonho, enorme, e trajado com o uniforme de serviço, negro como os olhos e o cabelo. Trazia um copo semivazio na mão e disse, com sua voz de trovão:

— Queira aceitar mais uma vez as minhas congratulações, comandante!

Cliff permaneceu sentado e olhou para o marechal com uma expressão que não se podia chamar de amável.

— Obrigado! — disse, laconicamente.

— Se soubesse — continuou Wamsler em voz alta — o que eu passei por sua causa...

A observação capciosa pôs fim à conversa na mesa. Os dez convivas olharam para Wamsler como se fosse um extraterrano.

— Posso imaginar! — disse Cliff, rompendo o silêncio. — Devem ter passado horrores aqui. Enquanto isso, nós fizemos um piquenique, alegres e contentes. O senhor disse alguma coisa?

— Não falemos mais nisso! — disse Wamsler e liquidou o assunto com um gesto da mão.

— Faço idéia, marechal! — disse Cliff. — Deve ter custado emitir a ordem para destruir a oitava Orion. Afinal tratava-se de uma nave de valor inestimável.

Wamsler entendeu.

— Se eu pudesse emitir ordens telenóticas... — disse no mesmo tom de voz — então eu ordenaria o tempo todo: nada de extravagâncias, Cliff McLane, nada de extravagâncias!

— Alegra-nos sobremodo — respondeu Cliff, com ironia — que o privamos dessa possibilidade, marechal, por termos destruído a base dos estranhos. Foi uma mera casualidade.

— E sem essas extravagâncias — disse Alonzo Pietro — eu estaria morrendo de fome nos calabouços do SSG!

— Quanto a isso, o senhor não deixa de ter razão! — disse Wamsler. — Posso me sentar?

Cliff tornou-se quase insolente.

— Se encontrar uma cadeira, será um prazer!

Hasso tentou amenizar um pouco a discussão acalorada e levantou-se. Wamsler largou o pesado corpo na cadeira que o engenheiro lhe havia oferecido.

A situação estava realmente tensa e o marechal tentava suavizá-la ostentando um comportamento exageradamente jovial. Por seu lado, escapando por pouco da instauração de um processo disciplinar, Cliff tentou explicar ao marechal o que achava de umas determinadas ordens e daqueles que as emitiam.

— Sabe, McLane — continuou Wamsler no mesmo tom de voz — no fundo o senhor é um sujeito legal. Já nos causou uma infinidade de preocupações mas, por outro lado, também nos aliviou de outras tantas.

— A minha missão — explicou Cliff — é salvar a Terra a toda hora.

— É uma bela missão! — confirmou Wamsler, dedo em riste. Sherkoff levantou-se e parou ao lado de Tamara Jagellovsk. Há poucos segundos, a música tinha começado a tocar.

— Fará alguma objeção — perguntou o psicodinâmico — se eu lhe pedir para dançar comigo?

Tamara estava visivelmente surpresa com tanta formalidade; levantou-se e seguiu Sherkoff para a pista de dança.

— Pelo contrário! — disse ela, em voz alta a fim de se fazer ouvir através da música. — Com o maior prazer!

— Eu já estava receoso que a senhora tivesse algo contra mim...

Com o próximo passo complicado da dança, Tamara conseguiu reaproximar-se do professor e perguntou:

— Por que eu devia ter algo contra o senhor?

Depois se lembrou.

— Já sei! Por que o senhor tinha razão com a sua tese a respeito daquele tele... telenegócio. Acha realmente que sou tão orgulhosa?

Reparou com o rabo dos olhos que Cliff McLane a estava observando com um olhar pensativo.

Helga Legrelle dirigiu-se ao comandante.

— Você, hoje de noite, está um bocado impressionado com a camarada Jagellovsk, não é? — disse ela, e deu uma cotovelada nas costelas de Mario que começou a rir.

— O quê? — perguntou Cliff, perdido em pensamentos. — Ah! Sei! Num certo sentido, toda mulher me impressiona. Você também, garota.

Helga tinha conseguido mudar o assunto da conversa, o que deixou Wamsler visivelmente aliviado.

— Você não tem medo que um dia desses eu possa querer desertar? — perguntou a telegrafista.

Cliff riu para ela.

— Será que você teria coragem de fazer uma coisa dessas? — perguntou, admirado.

— E sem pestanejar! — respondeu ela, prontamente.

— Nesse caso eu teria que comunicar isso imediatamente ao nosso oficial de segurança. E você sabe que a camarada Tamara não leva esse assunto na brincadeira!

Helga convidou Mario para dançar. Levantaram-se e enquanto pousava o braço no do subcomandante, disse:

— Cliff, você sempre foi e sempre será um herói inescrupuloso!

Cliff concordou com um aceno.

Mario e Helga dirigiram-se à pista de dança. McLane não se lembrou de imediato daquele jovem oficial que, agora, parou junto à mesa e se apresentou a Wamsler. Era o tenente Becker, o que Cliff tinha despachado de maneira tão ignóbil.

— Que vida boa o senhor leva, major! — constatou Becker.

— O que lhe faz dizer isso? — perguntou Cliff e lembrou-se daqueles minutos nos quais ele e Lydia haviam debatido a destruição da Orion.

— A mesa cheia de copos; todas as celebridades na sua roda; as mais belas senhoras do cassino entre os seus convidados... vou solicitar minha admissão na gloriosa equipe da Orion!

Cliff deu um sorriso meio azedo e observou Mario e Helga que estavam se contorcendo ao ritmo de uma das danças atualmente em voga.

— Faça isso! — respondeu, distraído. — Será bem-vindo. Vou mandar construir um anexo.

Sherkoff e Tamara voltaram à mesa, rindo.

— Uma pergunta, professor Sherkoff. Diga-me... os raios telenóticos produzem efeitos secundários?

Sherkoff ainda estava rindo.

— É possível que uma exposição demasiadamente longa a esses raios possa causar lesões permanentes.

— E no caso de uma exposição de curta duração... também? — quis saber Cliff. e apontou para Mario e Helga, que estavam fazendo séria concorrência a um corpo de baile inteiro.

— Isso depende. Mas, como vimos — e Sherkoff indicou para Hasso e Pietro — essas perturbações desaparecem rapidamente.

Cliff sacudiu a cabeça.

— É gozado! — finalizou. — É que, no momento, eu tenho a impressão que, em certas pessoas, essas perturbações estão mal começando.

Wamsler engasgou e tossiu fortemente.

— Está vendo! — disse o comandante Cliff Allistair McLane. — Este é o castigo merecido pelas suas ordens!

Não se comoveu com os esforços ofegantes de Wamsler, que lutava para recuperar o fôlego.

 

 

                                                                                                    Hanns Kneifel

 

 

 

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