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Poesia & Contos Infantis

 

 

 


OS DIABÓLIOS PRAZERES DE UM DUQUE / Jillian Hunter
OS DIABÓLIOS PRAZERES DE UM DUQUE / Jillian Hunter

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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Adrian Ruxley pode ser um encantador libertino que enfeitiça até as moscas, mas não é um homem dado a permanecer quieto enquanto uma dama é acossada, nem sequer em num casamento organizado pela dama em questão, Emma Boscastle, professora de boas maneiras em sua academia de Londres para jovens damas. Adrian enfrenta o ofensor, produz-se uma briga, e agora este adulador se encontra recuperando-se sob o teto de Emma, encantado com a profunda preocupação que reflete seu belo rosto. Ela tem um encanto ao qual nenhum libertino pode resistir.
Emma está escandalizada com seu próprio comportamento, seduzida por um desconhecido, atraente certamente, isso sim. Como poderá esconder sua indiscrição do olhar de seus perceptivos irmãos? A paixão que Adrian despertava e os sensuais prazeres que lhe mostrou, converteram os dias de Emma na academia em uma exibição imprópria e suas noites em um audaz abismo de sensualidade. Mas quando sua intimidade revela os turbulentos segredos de Adrian, Emma quer confrontar seu mais ambicioso plano: regenerar um libertino.

 

 

Capítulo 01

Londres, 1815.

Havia um lobo no casamento.

Emma Boscastle, Viscondessa viúva de Lyon, não estava certa se foi um dos convidados ou uma das criadas que tinham sussurrado ao passar, durante a recepção de casamento, essa observação inquietante.

Em princípio ignorou o comentário. Podem ter se referido a um dos grandes cães de caça de algum hóspede, ou simplesmente há alguém muito faminto.

Uma dama não se rebaixava a escutar intrigas. Sua profissão a obrigava a dar exemplo a outros e a não agradar sua lasciva curiosidade. Este era, depois de tudo, o casamento de uma de suas antigas alunas, que se celebrava na casa de Portman Square dos parentes políticos da noiva, não uma reunião campestre qualquer.

Vários minutos depois, no café da manhã nupcial, o comentário tomou um caráter mais intrigante, entretanto. Acabava de decidir que o belo cavalheiro em pé no meio da sala tinha um atraente ar de má reputação.

O que explicaria por que não podia resistir a olhá-lo e por que deveria fazê-lo. Infelizmente, o fato de estar acompanhado por três de seus próprios irmãos, Lorde Heath, Drake e Devon Boscastle, só aumentava essa aura perigosa. Provavelmente era uma pessoa que se deveria evitar. O céu sabia que teria evitado sua própria família se não fossem seus parentes e, portanto, estivesse obrigada a lhes oferecer seu apoio.

Suas suspeitas sobre o atraente estranho se confirmaram depois do brinde com champanhe, quando ele se voltou de repente e lhe sorriu por cima do bolo de casamento. Devolveu-lhe o sorriso malandro antes de perceber o que estava fazendo. Seus perceptivos olhos avelã brilharam com absoluta picardia.

Conhecia-o? Certamente recordaria um homem com tão dominante presença, a menos que nunca o tivesse visto entre pessoas educadas.

Tinha que admitir que era agradável olhá-lo, com seu escuro cabelo loiro da cor do trigo, seus traços cinzelados e sua figura de largos ombros.

Arriscou outro olhar pensativo sobre seu perfil. Irradiava a energia incansável de um lobo com roupa de cavalheiro. Um choque de compreensão percorreu seu corpo.

Não podia ser. Seus irmãos não teriam convidado o famoso Adrian Ruxley, Visconde de Wolverton, para o casamento da Senhorita Marshall. Um lobo no casamento. As más línguas se referiam a ele como um mercenário profissional. Se acreditasse no que diziam, era um soldado de fortuna, que tinha dado as costas a sua educação aristocrática, e apesar da oposição de seu pai, tinha escolhido lutar contra piratas em terras estrangeiras.

A irmã mais jovem de Emma, Chloe, que sem dúvida não era imparcial, afirmava que Lorde Wolverton era mal interpretado, que era um valente pícaro, e fiel amigo de seu seleto círculo de amigos. Emma suspeitava que a verdade estivesse em algum lugar no meio das duas opiniões.

Seus irmãos se atreveram a convidar uma pessoa tão questionada para o casamento? É claro que o tinham feito. Os queridos libertinos poderiam estar se acalmando desde que se casaram, mas ainda possuíam o escandaloso espírito Boscastle. Honestamente, nada era sagrado para a família. Os irmãos escolhiam as companhias mais polêmicas, tanto homens como mulheres, que a correta Sociedade desaprovava.

De fato, Emma sentia medo de que algum dos irmãos a envergonhasse, e perdeu a metade da cerimônia mantendo um olho sobre três deles. Entretanto, o casamento transcorreu como um sonho, apesar das repetidas declarações de gratidão da noiva para sua mentora. Com modéstia, Emma se recusou a reconhecer o papel que

tinha desempenhado na realização deste memorável evento.

Era uma mulher que amava a tradição. Observar as formalidades quase permitia esquecer a vulgaridade que existia fora do mundo bem educado. O que mais desfrutava era de um belo casamento. Outro sopro de esperança suavemente liberado sobre o ranço da humanidade. A cordialidade. Os formosos trajes. A dignidade do compromisso e a cerimônia.

E logo, finalmente, chegava o lírico tinir da fina porcelana, enquanto se saboreava um café da manhã bem preparado. Olhou satisfeita o antigo conjunto de prata polida, majestosamente colocado sobre toalhas de pálido damasco. Detalhe. Formosos detalhes. Faziam acreditar que a vida podia e devia ser governada pela ordem e beleza.

— Já sei que assistirei seu próximo casamento, Emma. — brincou sua prima Charlotte, aparecendo a seu lado. — As garotas estão apostando sobre quando lhe pedirá em casamento Sir William.

— Apostando? As estudantes de minha academia? — Emma riu a contra gosto. — Nós nem sequer discutimos sobre o futuro! — embora Sir William Larkin, um cavalheiresco advogado a quem tinha conhecido só uns meses antes, mais que falar lhe tinha insinuado sobre matrimônio, durante seus escassos encontros nas peças de teatro e dias de campo nos quais tinham se encontrado.

— Apostando sobre meu casamento? — murmurou com zombeteira desaprovação. — Não sei no que se converteu nossa escola!

— Na melhor! — respondeu Charlotte com voz exuberante, que fez Emma se perguntar quantos copos de champanhe teria bebido sua prima. Charlotte era de caráter reservado, mas sempre parecia ter certa rebeldia cozendo a fogo lento em seu interior.

Entretanto, Emma apreciou o elogio tão duramente conquistado. Como fundadora da pequena academia de damas, agora localizada na casa de Londres pertencente a seu irmão e cunhada, tinha uma responsabilidade

pessoal sobre suas alunas. As damas que se graduavam se referiam com orgulho a si mesmas como as Leoas de Londres. Em outras palavras, tinham sobrevivido à intensa orientação de Lady Lyons para poder se apresentarem como perfeitas jovens damas.

Apenas aparentemente.

Por desgraça, não podia estender sua influência quando partiam, e seu grupo atual de pupilas estava demonstrando uma veia selvagem que absorvia toda suas energias.

— Falando do tema, onde estão as moças? — perguntou.

Emma levou para o casamento suas quatro alunas mais antiga na crença de que se devia pôr a etiqueta em prática para poder aperfeiçoá-

la.

— A última vez que as vi, olhavam Lorde Wolverton e rogavam a Heath que as apresentasse.

Emma empalideceu. Todas as formas imagináveis de ruína social passaram por sua mente.

— E você permitiu?

— Realmente, não! Deixe de se preocupar Emma. Heath nunca permitiria que as moças fossem magoadas.

Emma olhou ao redor da sala com alarme.

— Querida, não são as garotas as que estão em perigo! Viu como se comportam no momento que se soltam?

— Soltam-se? — perguntou Charlotte, surpresa. — Essa é a palavra que usaria?

— Observe você mesma.

Lorde Wolverton estava impotente, no centro do círculo de olhares femininos, parecia um homem desesperado para escapar. Era uma imagem que dificilmente poderia se conciliar com sua reputação de mercenário profissional.

Nesse momento, entretanto não era a conduta de Lorde Wolverton que

merecia crítica, apesar de seu passado. Sim o das três garotas que o rodeavam, com toda a sutileza de leiteiras em um prado. Estalando em estridentes risinhos. Batendo as asas de seus leques e olhando fixamente Sua Senhoria, como se tivessem esquecido cada delicado preceito que Emma tinha implantado em suas jovens cabeças.

Avançou, forçando-se a não olhar a sua vítima.

— Garotas, posso falar com vocês um momento?

Três leques de marfim se fecharam imediatamente. Repreendidas com seu tom, que sua família chamava "Delicada Ditadora", caminharam obedientemente para a mesa ante a qual Emma esperava.

— Tenho algo a lhes dizer. — olhou suas cabeças baixas. — Mais tarde. Agora devem felicitar aos recém-casados, e espero que tenham o objetivo de alcançar um estado similar para vocês mesmas.

— Mas ele é filho de um Duque.

— Silêncio. Tem má reputação, e... — Emma se interrompeu consternada.

As moças eram jovens, e temia que só aumentasse sua curiosidade feminina se acrescentasse detalhes da aventureira história do homem.

Em sua opinião a maioria das jovens albergava uma secreta atração pelos cavalheiros proibidos. Não é que Emma tivesse esse problema no passado. Como irmã de cinco Boscastle, pôde observar muitos homens perversos para albergar ilusões românticas a respeito de casar-se com um deles.

— Só são três. — disse de repente — Uma não está. Onde está à senhorita Butterfield?

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— Comeu muito syllabub de limão, Lady Lyons. Correu escada acima e disse que iria vomitar.

— Em um casamento?

— Asqueroso, não é verdade?

Emma fez uma careta.

— Dar-lhes-ei uns minutos para se recuperarem. E depois partiremos todas tranquilamente. — lançou um olhar furtivo pela sala, procurando Sir William. Parecia um cavalheiro decente, pouco bonito, mas maduro e homem de princípios. Certamente não teria partido sem despedir-se adequadamente. Mas talvez tivesse tentado e ela estava muito distraída para notar.

Distraída.

Levantou os olhos hesitantemente para o homem quieto em frente à mesa elegantemente arrumada. Normalmente ela não fixaria seu olhar em um homem o bastante para poder avaliá-lo. Mas que rosto tão notável tinha. Com perito olhar, abrangeu seu bem talhado casaco de seda cinza e sua calça negra, que moldavam um par de longas e musculosas pernas. Piscou com decepção.

Este homem usava botas de montar em um casamento? E acabava de apoiar a palma da mão sobre a mesa, ao lado do prato de salsichas condimentadas? Isso não se fazia nunca.

Estalou a língua, dando-lhe as costas antes que ela pudesse chamar sua atenção. Muito tarde.

— Solicito seu perdão! — disse por cima de seu ombro. Tinha que admitir que sua voz era profunda e formosa. — Se acaba de me dizer algo, não pude entender.

Muito ruído e poucas vozes.

Uma década não tinha mudado os tristes rituais da Sociedade inglesa.

Depois de ter escapado da voracidade de debutantes que Heath já lhe tinha advertido que poderiam assistir ao casamento, Adrian se aproximou da mesa e a mulher de aspecto elegante que estava ao outro lado. A irmã de Heath pensou.

Um refúgio seguro em muitas pretensões. Os Boscastle tinham cometido muitos pecados para julgá-lo. Adrian se sentia livre entre eles

para dizer o que pensava em voz alta, e para ser ele mesmo. Zombavam das pretensões, e sempre brincavam, zombando uns dos outros. Um homem podia respirar perto dos Boscastle.

Quando a tímida jovem não lhe devolveu o sorriso, ficou com as mãos nas costas e simulou examinar o bolo de casamento. Seu olhar se iluminou ante a fila de violetas de açúcar que adornavam o último andar do bolo.

— Confeitos? — perguntou. — Não vi um confeito em cinco anos.

Minha mãe costumava escondê-los para mim no Natal. Depois, fingia que a cozinheira os tinha esquecido de novo e a mandava de volta à cozinha para mais.

Olhou a seu redor. Depois aproximou uma mão para pegar um do bolo.

Uma fina mão, coberta com uma luva branca abotoada até o cotovelo, desceu sobre seu pulso como uma guilhotina.

Ele sorriu de modo brincalhão.

— Sinto muito! Não sabia que tinha seu nome neles.

Ela se aproximou da mesa para encará-lo. Não é que houvesse grande quantidade dela para ver, mas o que Adrian observou parecia mais que atraente.

Seios firmes como um par de maçãs, cintura estreita e o resto parecia prometedor ou o que ele podia ver com seu vestido verde cinzento com fitas vincadas e altos babados no pescoço, nos pulsos e na barra. Ela deveria ter asas, pensou. Uma fada de jardim com velozes mãos.

— Não têm o nome de ninguém! — disse em voz baixa. — São para decorar.

— Decorar? — perguntou divertido.

— São pequenos toques. — murmurou. — Detalhes.

— Sim? — disse, olhando-a outra vez.

— Não espero que você entenda. — disse suavemente, como se os confeitos fossem algum código críptico que só uns poucos pudessem

decifrar.

Ele cruzou os braços sobre o peito.

— Eu não quero entender essas condenadas coisas, só comê-las!

— Este é um casamento! — recordou-lhe, abrindo os lábios com assombro.

— Sei que é! — disse em um sussurro zombeteiro. — Descobri no instante em que vi a noiva e o noivo. E agora sei que os confeitos são deles. Por certo, realmente não ia pegar nenhum.

— Então, por que...? Oh, não importa!

— Homens! — acrescentou ele, adivinhando o que pensava. — Todos somos iguais!

Desceu a mão obedientemente, notando que os lábios dela se contraíam no que poderia ter passado por outro sorriso. Ela parecia uma Boscastle, com seus irresistíveis olhos azuis, mas a maioria de seus irmãos tinha o cabelo negro brilhante, e o seu era de um sutil dourado penteado em oito sobre a delicada nuca. Sua pele parecia tão branca, tão tentadora como a grossa capa do bolo de casamento.

Perguntou-se de repente como seria ela nua só com esse cabelo dourado solto ao redor de seu peito e costas. Um anjo, possivelmente, que incitava sentimentos terrenos neste homem mortal.

Limpou a garganta com um pouco de culpa.

— Sei que se refere a respeito dos detalhes de certas cerimônias de casamento. Estive no reino da selva onde se dão de presente cabeças humanas como parte do dote da noiva.

Ela o olhou com desgosto.

— Isso não é que eu queria dizer!

Ele suspirou com bom humor.

— Não acredito.

Houve uma longa pausa.

Emma não reagiu exteriormente a sua brincadeira descarada,

acostumada desde seu nascimento à provocação do sexo masculino. De fato, este cavalheiro tinha um longo caminho para percorrer antes de poder perturbá-la, embora realmente não devesse estar conversando com ele sobre nada. Mas pelo menos, suas alunas não bancariam as idiotas ante ele e ele foi convidado por seus irmãos.

— Não é afortunado? — perguntou ela, desafiando-o. — Que vivamos em uma sociedade civilizada?

— Essa é uma questão de...

Por acaso, nesse instante a suave música de órgão da pequena orquestra reatou seus calmantes sons. Emma não podia adivinhar o que estava a ponto de dizer e chegou à conclusão que era melhor ignorá-lo.

O herdeiro do duque fechou os olhos, cantando com uma surpreendente voz agradável de tom baixo.

— Senhor Jesus Cristo.

— Este não é lugar para a blasfêmia, Milorde! — repreendeu-o com suavidade.

Seus olhos avelã se abriram com diversão preguiçosa.

— Senhor Jesus Cristo, presente agora. É o nome do prelúdio.

— Prelúdio?

— Bach. A música. Não a reconhece?

— Oh, Bach? — ela conteve o fôlego ante o sorriso de prazer que lhe dirigiu. Pensou fugazmente que não parecia tão temível em pessoa como se esperaria dos relatos de suas passadas façanhas. Não tinha

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nenhuma cimitarra entre os dentes, pelo menos. — Sinto muito — disse finalmente. — Não estava prestando atenção — não à música, de todos os modos.

— Não se preocupe.

Ela assentiu, olhando ao redor da sala. Seu olhar se fixou nela. Emma notou esta secreta infração ao observar seu reflexo no espelho que

estava atrás do candelabro dourado do suporte da lareira.

Que vergonha. Ela teria reconhecido Bach se não estivesse com a guarda baixa por sua observação a respeito das cabeças humanas. Seu olhar se encontrou com o dele no espelho. Suas faces se acenderam com um calor impróprio.

Ele sorriu de novo, com uma franqueza aberta que fez impossível poder ignorá-lo. Não era apropriado. A diretora de uma academia paquerando com um soldado caçador de fortunas, embora fosse amigo de sua família. Nada menos que em um casamento. Graças a Deus, suas moças partiram com Charlotte ao pequeno salão de baile.

Se suas estudantes esperavam surpreender Emma em uma indiscrição, confiava em defraudá-las. Era uma viscondessa viúva sem grandes bens, mas com um estável e respeitado lugar na Sociedade.

Aceitava seu propósito na vida, e não só como a fundadora de uma academia para a edificação moral das senhoritas de Londres. Como a irmã mais velha de uma equipe de irmãos propensos ao escândalo, ofereceu-se para servir como bússola moral do clã.

O fato de que nenhum dos Boscastle de espírito livre se incomodava em consultar a bússola e em consequência vagassem pela vida de qualquer maneira, não se poderia atribuir a uma negligência de sua parte. Emma tinha lutado para salvar a seus irmãos. O céu sabia que o tinha feito.

Fez grandes esforços para preservar o nome da família, enquanto sua família fazia todo o possível para manchá-lo. O homem alto, imprudentemente bonito, que continuava observando-a no espelho, era

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um exemplo. Herdeiro de um Ducado , não obstante parecia ser um homem com o qual uma mulher não deveria sequer compartilhar mais que uma inclinação de cabeça.

E, entretanto, havia uma atração lúdica nele que a fazia desejar poder

divertir-se e desfrutar adotando o infame comportamento Boscastle. Só um momento de perigosa paquera pensou com nostalgia. Emma tinha se casado aos dezoito sendo uma debutante, e deveria haver-se situado em uma pacífica viuvez.

“É uma boa garota, Emma! ”, tinham-na elogiado seus pais antes de morrer. “É nossa jovenzinha responsável! ”. E seu pai a tinha casado diligentemente com um responsável visconde da Escócia, o simpático e calado Stuart, Lorde Lyons, que nunca lhe tinha dado um momento de dor até sua morte por envenenamento de sangue, vários anos antes.

— Se me desculpe! — murmurou, aproximando-se de Lorde Wolverton

— Devo encontrar uma de minhas estudantes que não se sente bem.

Ah, e estenda a mão aqui.

Ele fingiu um olhar de espanto.

— Vai golpear meus dedos com uma colher?

— Por muito que provavelmente o mereça, não. Estenda-a.

Ele o fez. E ela deixou três bonitos confeitos de marzipã em sua mão enluvada.

— Como fez isso? — perguntou surpreso, olhando de novo o bolo.

Ela arqueou a sobrancelha.

— Uma pessoa aprende a ser ardilosa quando se tem uma reputação a proteger.

Ele sorriu repentinamente.

— De verdade? Sempre o fiz ao contrário.

— Ah.

Ele colocou dois confeitos na boca e lhe ofereceu o terceiro.

— Abra a boca.

— Não, não poderia... — ele deslizou o doce entre seus lábios entreabertos, o indicador atrasando-se em sua face por um momento.

Para Emma de repente foi impossível engolir. Sua boca tremeu.

Ele se endireitou.

— É você Emma, verdade? Não podia recordar seu nome a princípio.

Meu nome é...

Emma mordeu o lábio inferior, retrocedendo. Talvez simplesmente se sentisse solitário e desejava conversar. Ou era tímido, não, não era tímido absolutamente.

— Sei quem é você, Milorde! — disse em um sussurro de despedida.

— Você fez um nome por si mesmo em Londres.

— Ouviu falar de mim, então?

Ela suspirou.

— Não sou tão mau como todos dizem. — disse atrás dela, subindo a voz.

Ela começou a rir, voltando os olhos para ele.

— Com certeza tampouco é tão bom como deveria ser!

Escapou para o corredor e se dirigiu para a pequena escada que conduzia ao serviço de damas, com a esperança de que a estas alturas o estômago da senhorita Butterfield pudesse sobreviver a breve viagem de volta à casa de seu irmão. Para sua surpresa, continuava sorrindo por seu encontro com Lorde Wolverton. Não esperava que fosse tão candidamente encantador.

Era preferível fazer uma discreta e prematura retirada. Estava um pouco aborrecida porque Sir William tinha desaparecido sem despedir-se, mas talvez tenha sido assaltado por algum amigo político. William era um verdadeiro defensor dos oprimidos e doava grande parte de seu tempo a obras de caridade.

Assaltado.

Reconheceu sua voz educada, a voz que podia mover a consciência do Parlamento, flutuando do vão no final do corredor. O forte estalo de um golpe e o indignado protesto de uma criada se seguiram. Emma se viu dividida entre uma apressada saída e enfrentar o desavergonhado que tinha pretendido cortejá-la.

— Não vou fazer nada incorreto com você, bonito senhor. — insistiu a jovem. — E lhe agradeceria que mantivesse suas joias dentro de sua calça!

Emma engoliu seu desagrado e se voltou com rapidez antes que qualquer das partes pudesse vê-la. Tinha escutado suficiente. Agarrou o corrimão de ferro e começou a descer as escadas.

Que amargo descobrimento. Sir William parecia um cavalheiro exemplar. Que decepção, pensou com ironia, perceber que não era o defensor que pensava e em um casamento. Não poderia voltar a olhar nunca a seu pretendente na cara.

— Emma! — disse ele em estado de choque quando, aparentemente notou sua presença.

Ela voltou os olhos sem pensar, agradecida de que suas joias não estivessem à vista, embora seu estado desalinhado falasse por si mesmo.

A criada se retorceu, afastando-se dele, com o olhar baixo.

— Ela me abordou! — balbuciou ele ante o olhar de desagrado que Emma lhe dirigiu. — A descarada mulher me empurrou contra a parede e me exigiu que lhe entregasse minhas...

— Joias! — disse Emma com voz suave. — Sim, ouvi. Eu gostaria de não tê-lo feito!

— Não é verdade, senhora! — murmurou a criada, endireitando sua torcida boina branca. — Só estava fazendo meu trabalho.

— Sim. — Emma olhou para Sir William com repugnância. Seu atraente rosto parecia avermelhado pela bebida e de repente mesquinho, muito menos maduro. Defender os oprimidos dava o direito de aproveitar-se da classe trabalhadora? Como tinha passado por cima dos sinais? As boas maneiras nem sempre era acompanhadas de um bom coração.

— Saia em silêncio! — disse à criada. — O dia não se arruinou ainda.

Escove seu cabelo e se comporte como se nada tivesse acontecido.

Sir William pegou o braço de Emma. Ela retrocedeu. A criada hesitou.

Outro homem fazia ruídos na parte de cima da escada de serviço, no final do corredor, atrás de onde estavam.

— Não se atreva a me tocar! — advertiu Emma a William em voz baixa.

— Podemos fingir que nunca aconteceu, Emma! — disse com cuidado, agarrando sua mão. — Você e eu temos um futuro juntos.

— Com exceção de suas luvas sujas!— disse a criada, colocando-se lentamente ao lado de Emma. — Ela é uma dama!

Os olhos de Sir William se estreitaram com aborrecimento.

— Este assunto é só um mal entendido. Entrei na sala por engano.

Você e eu vamos nos casar, Emma.

— Na realidade não o faremos! — disse indignada.

Ela tirou a mão dele das suas. Ele a pegou de novo e fechou os dedos sobre os dela.

— Anunciamos agora? Seria uma maneira muito romântica de finalizar um casamento!

— Vou pedir ajuda! — sussurrou a criada, cravando um último alfinete em sua touca. — Não se preocupe com esta pequena doninha!

Capítulo 02

Adrian chegou ao final das escadas e parou. Depois do claro e conciso comentário de Emma Boscastle sobre sua reputação e seu posterior desaparecimento antes que pudesse defender-se, não tinha vontade de ficar sozinho na mesa como um lacaio. Decidiu que se comportou mal e deveria desculpar-se, embora provavelmente terminasse zombando dela outra vez. Além disso, não havia muito que defender de sua reputação.

Provavelmente..., olhou para baixo. Percebeu que usava suas confortáveis botas velhas de montar. Não teve tempo de trocar-se. Seus irmãos o tinham arrastado ao jardim, sem informá-lo de seu destino.

De fato, teria abandonado o casamento se pudesse ter encontrado os outros Boscastle. Recordou que Drake mencionou uma sala de jogos escada acima, para os cavalheiros. Mas ninguém deveria dizer à noiva.

Lançou um olhar para cima, ao corredor superior, onde um homem e uma mulher conversavam. A princípio, pelo tom baixo de suas vozes, pensou que tinha interrompido um encontro íntimo.

Um momento depois, percebeu a exata natureza da situação.

Franziu os lábios, dando um ligeiro passo para trás. Assumiu que tinha ofendido Emma Boscastle por ter se comportado como era, e não ter dado ares. Agora se perguntava se ela simplesmente tinha algo mais na mente enquanto falava com ele. Outro cavalheiro. Não esteve tanto tempo longe da Inglaterra para ter esquecido as intrigas e indiscrições da aristocracia.

O mesmo, bem, preferia uma aproximação mais direta a um caso amoroso.

A refinada e suave voz de Emma Boscastle aumentou com óbvia irritação.

— Vá para casa e jogue com suas bagatelas em privado, Sir William.

Adrian lançou um olhar acima assombrado. Achava ter entendido mal o

que ela acabava de dizer. E também, aparentemente, o fez o cavalheiro, segurando seu braço com a mão enluvada.

— Emma! — disse-lhe obviamente assombrado. — A senhora entre todas as mulheres me surpreende. Não recorda por que nos tornamos amigos em primeiro lugar? Admirava minha luta pelas classes baixas. A senhora...

Adrian disse a si mesmo que escutar atrás das cortinas era de má educação, e um verdadeiro cavalheiro conhecia o valor de uma saída discreta. Além disso, não desejava interferir. Geralmente quando colocava o nariz nos assuntos de outros, acabava em uma briga. E, entretanto, enquanto olhava a cena que acontecia a seu lado, soube que só era uma questão de tempo antes de ver-se forçado a intervir.

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A irmã de Heath acreditava poder controlar esse dândi imbecil. Adrian duvidava.

A resposta de Emma sublinhava a sabedoria de seguir sua intuição.

— Assediar uma criada não é o que eu chamaria reforma social, você...

Cão! — e virou o pulso em outro esforço por libertar-se.

— Isto foi muito longe! — disse o homem de gravata firmemente presa.

— Vamos, minha querida. Está transtornada! Tome uma tranquilizante taça de champanhe, uma garrafa inteira, comigo, em um dos quartos.

Ela parecia estar curvando seu dedo mindinho na apertada gravata com sua mão livre, até que ele ficou de um doentio tom cinza. Adrian fez uma careta. Seu romance não parecia ir bem. Emma podia ser pequena de tamanho, mas esse audaz temperamento Boscastle a traía nos momentos duros. Apoiou um cotovelo no corrimão, resignado ao que fosse acontecer.

— Isso é doloroso, Emma! — exclamou seu companheiro. — E um insulto, tanto a meu orgulho varonil como a meu dedo. Que mulher mais fria é, e eu esperando convertê-la em minha esposa!

Ela sacudiu seu pulso.

— Se você não libertar minha mão neste instante, romperei seu mindinho, William, e com uma imperdoável quantidade de prazer. Prefiro me casar com um...

— Porco castrado! — murmurou Adrian enquanto desabotoava seu casaco. Agora se alegrava de não ter roubado esses confeitos.

— Cale-se, ferazinha! — respondeu o homem, incapaz de entender uma indireta. — Há alguém nas escadas. Pode nos escutar.

Emma deu uma olhada sobre seu ombro, lançando um suspiro exasperado quando Adrian encontrou seu olhar e sorriu.

— Oh. Não, outra vez ele!

Ele sacudiu a cabeça. O que poderia dizer? Devia ter escapado quando teve a oportunidade. Agora não tinha outra opção que intervir. Tinha visto-o. Ele a tinha visto. E normalmente, quando Adrian aparecia, as coisas tendiam a ir de mal a pior. Não obstante, pensou com alegre resignação, conhecia bastante bem os irmãos Boscastle, para saber que não tolerariam o mau trato a sua irmã. Além disso, eles o tinham defendido em mais de uma ocasião, desde sua volta a Inglaterra.

Tinha a obrigação de devolver o favor.

Emma não era mulher de ameaças ociosas. Levaria a cabo a desagradável tarefa que tinha prometido antes de suportar outro momento o contato desse calvo bastardo.

— Peço-lhe, William... — sussurrou — que deixe de se comportar como um idiota. Liberte minha mão!

Ele deixou cair seu lábio inferior.

— Não até que aceite se casar comigo!

Emma estava imensamente agradecida por sua inata educação, que a salvou de empurrá-lo contra a parede. Tê-lo julgado tão mal a manteria acordada durante os próximos meses. Seus sentimentos pessoais, entretanto, deveriam ser deixados de lado até ficar livre dele.

— Solte a mão da dama! — disse sobre seu ombro uma autoritária e profunda voz.

— Por que deveria fazê-lo? — perguntou agressivamente Sir William, estreitando os olhos ao homem que se aproximava atrás de Emma, e repentinamente obedeceu. — Quem diabos é você, posso saber?

— Não, não pode! — Adrian tirou o casaco e o entregou a Emma. O

gesto arrastou seu olhar aos amplos contornos de seu peito. — Se importa segurá-lo um momento? — perguntou educadamente.

— Sim, me importa!— disse, dobrando o objeto cuidadosamente sobre seu antebraço. — Segundo minha experiência, quando um homem tira o casaco...

Adrian sorriu.

— Ignore o último comentário! — disse precipitadamente, uma peculiar sensação apoderando-se dela.

— Quem é esta pessoa, Emma? — exigiu Sir William, olhando fixamente para cima, ao duro rosto esculpido de Adrian.

Ela umedeceu os lábios, sussurrando.

— Lorde Wolverton.

— O lobo? — perguntou com apreensivo tom baixo.

Ela assentiu em silêncio.

Sir William pareceu encolher.

— Provavelmente deveria procurar Lorde Heath para que atue como intermediário.

— Por favor, faça-o! — disse Adrian com sorriso letal. — Sempre é preferível ter testemunhas quando se defende a honra.

— Não necessariamente! — replicou Emma.

— Vá, Emma!— disse fracamente Sir William.

— Sim, faça-o! — Adrian caminhou diante dela para enfrentar o homem que parecia estar perdendo a vontade de falar. — Sou um amigo da família, em caso de estar se perguntando. Você, segundo evidência de

sua má conduta, não é.

Emma lhe estendeu seu casaco.

— O vista outra vez, Lorde Wolverton. — sussurrou com urgência na voz. — Ainda estamos em um casamento.

Seus olhos desceram para os dela, com um olhar que ela só podia descrever como incendiário.

— Achei que tínhamos deixado isso claro. Por que não volta para baixo e fiscaliza o corte do bolo?

Ela tremeu ante seu eloquente sorriso, antes que desabotoasse os punhos. Um sorriso como o seu significava problemas. Em um casamento, de todos os lugares possíveis.

— Não enrole as mangas! — lhe sussurrou quando começou a fazê-lo.

Sentiu o pânico retorcendo-se em seu interior. Tinha visto seus irmãos arregaçar as mangas muitas vezes com essa mesma indiferença descuidada, para não perceber que esses atos de violência podiam acabar implicando possivelmente na perda de dentes.

— Isto não é algo pelo qual deva preocupar-se, Emma. — lhe disse com voz despreocupada.

— Isto não é algo que você deva fazer! — sussurrou com crescente alarme. Mas conhecia os sinais. Era muito tarde para aquietar o orgulho masculino. Assim tinha evoluído o mundo, e ao final tudo o que podia fazer uma mulher era pôr ordem depois, e esperar que ninguém estivesse seriamente machucado.

Sir William parecia a ponto de desmaiar.

— Quando você se converteu na amante de Lorde Wolverton? —

perguntou com incredulidade. — Você se convertia em gelo cada vez que eu tentava tocá-la!

— Meu amante? — repetiu, horrorizada. Por essa calúnia poderia desafiá-lo ela mesma.

Adrian caminhou para ele, empurrando-o contra a parede. Sir William

rodeou uma das duas cadeiras com emblema que flanqueavam o espaço.

— Por que não nos sentamos e conversamos sobre isso? — sugeriu a Adrian.

Emma se afastou quase resignada a um sinistro final. Seu irmão Heath acabava de aparecer no corredor de baixo. Cada vez menos esperançosa, pensou que se conseguisse atrair sua atenção a tempo, poderia ser capaz de evitar um resultado escandaloso.

Um pranto de mulher vagamente familiar, uma resposta grosseira de um homem desconhecido do corredor superior a distraiu novamente.

Lançou um olhar com repugnância, reconhecendo a atraente criada a que Sir William tinha assediado, e lhe pisando os calcanhares, um

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robusto jovem com libré de lacaio. O recém-chegado era, obviamente, seu enfurecido noivo, convocado pela garota para satisfazer a afronta a sua honra.

— Onde está? — murmurou o lacaio. — Aristocrata ou não, vou ensinar-lhe uma coisa ou duas.

Emma apertou o casaco de Lorde Wolverton em suas mãos.

Distraidamente notou que cheirava agradavelmente a lavanda. E o dono..., bom, sua cavalheiresca conduta foi aparentemente descartada.

Estava inclinado sobre a cadeira em que Sir William caiu por ser empurrado ou desabou. Os amplos ombros de Adrian bloqueavam tudo, exceto os sapatos de William da vista.

— Você fez? — perguntou-lhe horrorizada.

Adrian se endireitou e sua fronte se ergueu desconcertado.

— Acredito que o infeliz canalha fingiu desmaiar simplesmente. Não lhe toquei!

Ela desceu a mão alarmada. O lacaio tinha levantado à outra cadeira no ar e a erguia com determinação sobre Adrian, como um touro

enfurecido.

— Atrás de você, Milorde! — gritou lhe advertindo.

Sir William escolheu esse inoportuno momento para tentar levantar-se.

Adrian, lhe dando apenas uma olhada, inclinou-se para empurrá-lo de retorno ao assento.

No instante em que se virou o agitado lacaio lhe estrelou o espaldar com forma de balão na nuca. Emma soltou um inarticulado som com a garganta. A criada ofegou, cambaleando para trás, horrorizada.

— Esse é o homem errado, condenado idiota! — gritou ao lacaio. —

Ele não. O outro!

Adrian levantou uma mão até seu rosto.

Por um momento Emma pensou que tinha aguentado o golpe. Então ele colocou a outra mão na parede para se apoiar e lentamente caiu no chão inconsciente.

— É o homem equivocado! — gritou outra vez a criada. — O que fez Teddy? O que fez?

O homem equivocado pensou Emma com desespero, deixando cair o casaco de Adrian. Os homens se equivocavam geralmente, ou assim achava nesse momento. Orgulho masculino e imprudência. Seria assim toda sua vida? Não haveria paz?

Lançou um olhar escada abaixo e viu seu irmão Heath olhando-a fixamente alarmado. Um bom homem pensou. Um exemplo de que raramente se equivocava. Fez-lhe uma pergunta, mas suas palavras não se entendiam.

Ela não podia articular uma resposta, de todos os modos. Sacudindo a cabeça em muda súplica de ajuda, jogou-se sobre o homem caído no corredor. Caiu no chão e deslizou o braço sob seus ombros, levantando-o contra ela.

Homem equivocado ou não, Adrian só quis protegê-la.


*****
Adrian a sentiu inclinar-se sobre ele sentiu sua mão sobre a sua. Tinha ossos leves e uma atitude forte e segura de si mesma, uma peculiar, mas atraente combinação em uma mulher. Sabia que tinha ofendido sua sensibilidade brigando em num casamento, mas de seu ponto de vista, não havia outra opção.

Não tinha passado tanto tempo longe da Inglaterra para esquecer que havia regras a seguir. Supôs que as distinções mais sutis retornariam a sua memória, cedo ou tarde. Não era que quisesse impressionar a alguém. Fazia o maior escândalo possível para distanciar-se de sua herança.

Emma Boscastle lhe tinha causado uma grande impressão, pensou.

Inesperada. Não podia recordar Heath mencionando-a, exceto nos termos mais vagos. Mas então Heath era uma pessoa reservada, como Adrian costumava ser, e guardava seus assuntos pessoais em silêncio.

Como o caipira do lacaio tinha conseguido atacá-lo com uma cadeira, era beneficiário dos encantos de uma dama. Se Adrian não estivesse tentando protegê-la, não estaria esmagado contra seus suaves e tentadores seios nesse momento.

— Sua cabeça está sangrando! — disse alarmada, acariciando sua têmpora. — Por favor, que não esteja seriamente machucado. Não permitirei. — acrescentou, e ele sorriu para si mesmo, imaginando seu anjo do renascimento apresentando sua causa na corte celestial. Ou no fogo do inferno. Não tinha vivido exatamente uma vida exemplar.

Teria que lhe dizer que não tinha intenção de renunciar sua existência terrestre absolutamente. Mas uma agradável escuridão tomou conta dele.

Algo quente tocou sua face. Seus lábios?

— Parece-lhe justo me beijar? — perguntou com um meio sorriso.

— De fato, não o fiz! — disse ela suavemente. — Não entendendo por que o pergunta.

O lacaio que o tinha golpeado, a criada, e Sir William se viam como se estivessem ao final de um escuro túnel. Seus rostos se desvaneceram.

— Meu Deus, Emma! — disse Sir William fracamente. — Como ocorreu?

Ambos o ignoraram.

— Sinto seu beijo como a carícia da asa de um anjo sobre meu rosto —

murmurou Adrian.

— Que ideia tão extravagante! — murmurou ela. — Deve ser sua ferida.

Ele suspirou.

— Acredito que estou cansado. O que aconteceu com o tonto que me partiu a cabeça?

— Não vá dormir! — disse com pânico. — Nos ocuparemos do lacaio depois. Mantenha-se acordado.

— Só me manterei acordado se me beijar outra vez.

— Eu alguma vez... Lorde Wolverton? — levantou seus ombros com o braço esquerdo e pressionou sua cabeça contra seu peito.

Sentiu o tranquilo batimento de seu coração. Era um homem na flor da idade, bem constituído, com o físico de um soldado. Necessitava-se mais que um golpe na cabeça para acabar com a vida de um homem de seu tamanho, verdade? Embora o espaldar da cadeira que lhe tinha caído em cima mostrava profundas fissuras que suspeitava não poderiam ser reparadas nunca.

— Lorde Wolverton! — exclamou com o tom que nunca falhava para exigir obediência, não só de seus estudantes, também de sua família. —

Ficará bem! Não tem permissão para morrer. Ou cair no sono ainda.

Deixe de me assustar! Não é agradável! Acorde!

Os batimentos de seu coração pareciam ter enlouquecido. Estava respirando ainda? Frenética, aproximou o ouvido de seu rosto e escutou sua respiração.

Sem prévio aviso, ele se moveu. Sua boca capturou a dela em uma tentativa deliberado de beijo, que demonstrou sem dúvidas que estava mais que vivo.

— Alguém deveria tê-lo advertido. — sussurrou com voz apenas audível.

Durante o intervalo de vários batimentos de coração ela não pôde pensar.

E quando finalmente o fez, disse a si mesma que embora estivesse vivo, poderia ter sofrido uma lesão. Por tê-la defendido. Um cavalheiresco lobo. Tirou uma mecha de cabelo dourado escuro de sua ensanguentada têmpora.

— Advertir-me do que? —perguntou distraidamente.

Ele lançou um suspiro contra seu peito.

— Que um anjo não tem nada que fazer beijando a um diabo!

— Nunca o beijei! — ele suspirou e virou a cabeça em seu colo.

Seu colo.

Sim, as aparências importavam. Sua reputação importava, mas não tanto como a vida de um homem que tinha chegado em sua defesa em um abrir e fechar de olhos. De fato, Emma não pôde evitar pensar que toda a situação poderia ter resultado bastante melhor se Lorde Wolverton não fosse tão precipitado ao fazer-se de herói.

— Ficará bem! — disse, tanto a si mesma como a ele. Quantas vezes seus temerários irmãos caíram de árvores, janelas, carruagens com excesso de velocidade, para aparentemente morrer? Mais de uma vez, os jovens demônios se acharam às portas da morte. E Emma, sendo uma das duas únicas crianças Boscastle com a qual todo mundo estava de acordo em que mostrava um mínimo de senso comum, e que se preocupava com sua família, era a única a se desesperar por eles.

“Minha pequena mamãe!” a chamava frequentemente sua própria mãe.

Mas este homem, este duro, forte, formoso homem, cujo grande peso

havia bloqueado o fluxo de sangue de suas extremidades inferiores, não podia morrer.

Uma firme mão tocou seu ombro. Levantou o olhar para o rosto de seu irmão Heath.

— Que demônios aconteceu? — exigiu.

De repente percebeu que estavam sozinhos, Sir William e os dois criados partiram, sabiamente.

— O que aconteceu, Emma? — repetiu.

Heath se ajoelhou junto a ela, seu rosto sério.

Ninguém esperava ver o herdeiro de um Duque derrubado por uma cadeira, no tapete, durante um banquete de casamento. Qualquer pessoa de boa educação estaria compreensivelmente perplexa.

— Houve um incidente. — disse tão tranquilamente como foi possível.

— Um incidente? — ele ergueu a testa. — Foi ferido?

Ela indicou a estilhaçada cadeira.

— Não. Meteu-se em uma briga.

— Esse não parece Adrian.

— Surpreendeu Sir William forçando suas intenções com...

— O que?

— Com minha mão. William não queria soltá-la e Adrian intercedeu.

Heath sorriu misteriosamente.

— Bom esse sim parece um Duque.

Forçou-se a manter a calma.

— Vai ficar bem, Heath?

— Insultou-a?

— Não, absolutamente. — balançou a cabeça, seu horrorizado olhar cravado ainda no rosto de Adrian. — Ele estava tentando me defender, e o lacaio golpeou-o com uma cadeira por engano.

Heath deslizou dois dedos sob a branca gravata de Adrian para sentir seu pulso.

— Nesse caso, posso afirmar com total confiança que ficará bem.

— Então por que não se move? — perguntou angustiada.

Heath sorriu.

— Pergunte-lhe.

Ela olhou para baixo, a um par de provocadores olhos avelã, que luziam um pecaminoso regozijo. A face de Adrian pressionou a curva de seu peito.

Um lobo, sem dúvida.

Capítulo 03

Adrian observava com olhos estreitos as figuras movendo-se ao redor de sua cama. Quem quer que fossem, queria lhes dizer que fossem ao diabo, e o deixassem dormir por uma hora ou mais. Já tinha sido suficiente insulto a sua dignidade ter que deixar Heath e Drake Boscastle lhe examinar a cabeça e olhar seus olhos enquanto ele jazia inútil, no chão.

Quis dizer a esses idiotas teimosos que podia caminhar por sua conta até a carruagem se as paredes tivessem deixado de se virar por um momento e se algum brincalhão tivesse deixado de puxar o tapete sob seus pés cada vez que dava um passo.

Ficou contente permanecendo reclinado contra o atraente busto de Emma Boscastle, até encontrar energia para deixar atrás esse monte de merda que a tinha insultado. E o outro idiota que lhe tinha estourado os miolos, tinha piorado as coisas.

Reconheceu sua graciosa figura ao lado da janela da casa de Heath Boscastle.

Pelo que podia ver dela e sua visão estava muito imprecisa, parecia intacta, nem um cabelo avermelhado dourado fora do lugar, o que era muito mais do que podia dizer seu próprio orgulho. Quis resgatá-la, não o contrário. Levantou a cabeça para falar. Uma dor aguda o atravessou do crânio até os dentes.

Inesperadamente ela o olhou.

— Inferno! — disse ele. — Dói como o próprio inferno!

— Está se movendo, Heath! — sussurrou ela a uma sombra a sua direita. — Vá para baixo procurar o médico.

Depois de um minuto ou mais, um brusco escocês de barba branca se sentou a seu lado.

— Deve estar perfeitamente bem pela manhã. — declarou com pouca

convicção.

— Bom, graças a Deus! — disse Emma do lado oposto da cama.

— Mas... — acrescentou o médico — pode não ser assim.

— Como pode saber? — perguntou consternada.

— Não se pode. — disse o doutor escocês morbidamente alegre. —

Esse é o desafio da medicina.

Emma se aventurou mais perto da cama. Adrian a teria reconhecido só por sua fragrância sutil, doce e sedutora como as rosas depois da chuva.

O desafio, segundo seu ponto de vista, não era a medicina. Era esconder sua fascinação pela mulher quieta a seu lado. Podia lhe doer à cabeça, mas o resto de seu corpo, infelizmente, parecia estar funcionando muito bem.

— Acredito que está recuperando a consciência. — disse o doutor. —

Pode nos dar seu nome?

Adrian cruzou os braços sobre seu peito, e se sentou com a cabeça ferroando-o.

— Rei Tutankhamon.

— Está bem! — disse Heath com um sorriso divertido.

— Não me parece muito bem. — Emma olhou para Adrian.

Ele a olhou com interesse.

— Na realidade, pode não estar. — disse o médico com ar grave. — Se sofreu uma fratura de crânio, pode ser que ele nunca seja o mesmo outra vez.

— E quem serei? — perguntou Adrian com leve ironia.

— Uma fratura de crânio não é para rir, sua Senhoria. Pode ter sangrado no cérebro e ter consequências duradouras.

Emma franziu o cenho, preocupada.

— O que vamos fazer?

— Deixem-no descansar. — disse o médico. — Deem-lhe o remédio para tomar. Parece ser difícil.

6

— Dê-me sua maldita panaceia ! — disse Adrian aborrecido. — E irei a meu próprio hotel. — fez uma careta, enquanto a criada atrás de Emma lhe aproximava dos lábios uma colher com um líquido espumoso marrom.

— Não irá a nenhuma parte depois disso! — disse Emma satisfeita.

— Se não descansar... — disse o médico, dirigindo-se a Heath e a Emma agora. — terá que ser controlado. Terá que cortar as conversas.

— Então por que diabos não se calam? — perguntou Adrian apoiando-se nos travesseiros.

— Escureçam o quarto. Mantenha-lhe a cabeça molhada. Vou deixar estricnina.

— Estricnina? — perguntou Emma olhando furtivamente o rosto de Adrian. Ele a olhou de volta. — E para que?

— É um tônico. — respondeu o médico. — Além disso, previne a constipação. Sugiro que o mantenham levemente sedado em caso de ficar violento.

Adrian grunhiu.

— Em caso? Continuem me tratando como uma tia inválida, e ao final será verdade.

O olhar de Emma cravou em Adrian. Mantiveram os olhos fixos um no outro até que ele desceu o olhar para sua boca. Os lábios dela se abriram.

O médico se inclinou e cuidadosamente lhe examinou a parte de trás do crânio.

— Dói?

— É claro que dói, maldito estúpido!

— Pode-me descrever sua ferida?

— Sim. É um “dolorum no craneum", e quero que mantenha seus ossudos dedos longe de minha maldita cabeça.

— Está se agitando! — disse o médico com voz lúgubre.

Adrian olhou para Emma.

— Ela pode tocar minha cabeça, mas ninguém mais. — de fato, ela poderia tocar qualquer parte que quisesse, mas não estava tão mal da cabeça para dizer em voz alta.

O médico soltou um suspiro preocupado.

— Parece estar em choque. Vai precisar de aroma e um uísque forte.

Adrian sorriu por dentro. Impressão, uma merda. Doía-lhe a cabeça, nada mais. Deixou que seus olhos, embora desfocados, deslizassem pelo corpo de Emma. Não podia recordar quando foi à última vez que alguém se preocupou com ele, mas se deleitou com a sensação.

— Tomarei o uísque. — disse cansado.

— Também recomendo compressas de mostarda nas plantas dos pés e no ventre.

— Testículo? — sussurrou Adrian, olhando furtivamente para Emma antes que lhe fechassem os olhos.

— Podemos pôr compressas neles também, — disse o médico com voz seca — mas não vai ajudar nada à cabeça.


*****
A vida respeitável que Emma tinha esperado manter, subitamente começou a desfazer-se. Há essa hora os rumores do que tinha acontecido no casamento da Senhorita Marshall, deviam estar sendo repetidos em todos os círculos educados e não educados de Londres.

A alta sociedade adorava os falatórios.

Um ataque físico. O herdeiro de um Duque derrubado por um lacaio com uma cadeira chippendale de corredor. Sabia como o interpretariam.

Assumia sua responsabilidade por haver se relacionado com Sir William, e quanto ao que saiu à luz, ela se elevaria acima disso.

Mas ainda assim, como diretora de uma academia para a formação moral de jovens damas, ela na realidade, tinha resultado ser um pobre

exemplo. Não importava que fosse totalmente inocente de qualquer fato equivocado. Para começar, uma adequada dama gentil não teria se envolvido em uma situação tão provocadora.

Não sabia, desde o momento que colocou seus olhos sobre a carismática figura de Lorde Wolverton, que irradiava um ar desrespeitoso? Uma vez mais se provava que tinha de obedecer ao instinto.

Entretanto, dificilmente ela poderia deixar deitado no tapete o valente patife. Graças a Deus ninguém tinha visto que lhe tinha roubado um beijo, ou que, Deus não o permitisse roçado seu poderoso maxilar contra seus seios.

Pensar que tinha Sir William em tal alta estima, acreditando que era um cavalheiro. Defensor dos oprimidos, certamente. Ele, suas joias e sua calça abaixada.

Foi um dia completamente humilhante e Emma agradeceria quando passasse.

— O que se supõe que vou dizer às garotas? — perguntou sua prima e excelente assistente, a Senhorita Charlotte Boscastle fora da câmara designada para a recuperação de Lorde Wolverton. Nas últimas semanas, o aposento do andar superior serviu de escritório noturno ou de enfermaria, quando alguma das alunas se sentia mal.

Quando tinha tempo, Charlotte escapava ali para escrever com tranquilidade.

Emma parou para tomar fôlego. Escassamente pôde pensar, durante todo o tempo que esteve ao lado da cama de Lorde Wolverton. Estava além de toda explicação como um homem que recebeu um golpe tão devastador, conseguia desconcertar, entretanto, aqueles que estavam ao seu redor.

Inclusive agora se ruborizava só ao pensar nesses desavergonhados olhos castanhos enquanto a examinava da cama. Limpando a garganta,

percebeu que sua prima esperava uma resposta. A moça era muito formosa para seu próprio bem e muito observadora.

Pior ainda, era uma Boscastle, um membro da família com cabelo loiro e olhos azuis, e como tal, digna de confiança e de preocupação total.

— Diga o menos possível deste incidente, Charlotte.

— Para você é fácil dizer! — respondeu Charlotte. — As mocinhas estão virtualmente escalando as cortinas para dar uma olhada ao herdeiro do Duque. Está me dando vontade de matar a todas!

— Que vulgares! — murmurou Emma. — Talvez deva pedir a Heath que instale ferrolhos em todas as portas que dão para o quarto de Wolverton.

— Isso seria muito melhor que despertar com uma dúzia de escolares ao pé da cama. — concedeu Charlotte.

Emma suspirou. Que prova para sua alma ter que conduzir, delicadamente, a estas voluntariosas solteiras, aos braços de algum marido respeitável. Emma não abrigava ilusões. Embora ela pudesse desejar outra coisa, sua academia não tinha outro propósito que procurar descaradamente um bom matrimônio para suas estudantes. Ah, de acordo. Sobre essa base jazia o futuro da Inglaterra.

Conduziu Charlotte para as escadas.

— Tenha uma conversa séria com as moças antes das orações noturnas.

— Boa ideia! — Charlotte parou. — Você não acha que Lorde Wolverton, bom, sairia para passear por aí?

— Para passear? — perguntou Emma, a voz subindo de tom ante a sugestão de sua prima. Um lobo passeando.

— E caia pela escada. — acrescentou rapidamente Charlotte. Mas seu olhar solícito sublinhava que não estava preocupada com Sua Senhoria caindo na escuridão. Uma queda na cama de alguma jovem era ao que se referia.

— Uma incursão noturna é altamente improvável, dada sua condição —

disse Emma. — Tomou um sedativo, e terá que ser vigiado durante a noite para controlar sinais de piora.

— Quais são exatamente seus sintomas? — perguntou Charlotte.

Masculinidade desmedida. Abundante encanto. Uma língua malvada, e mau caráter.

— Sua Senhoria sofreu uma severa laceração no couro cabeludo, e está se queixando de visão imprecisa e de forte dor de cabeça.

— O pobre homem ainda pode morrer! — disse com simpatia Charlotte, e em seguida acrescentou — Embora seja difícil imaginar que alguém tão viril tenha sucumbido a uma cadeira.

— Homens maiores caíram por muito menos, asseguro-lhe. Até mais, sua virilidade dificilmente está em jogo.

Charlotte parecia estar segurando o sorriso.

— Estaria muito agradecida, — continuou Emma, contendo seu próprio sorriso enquanto descia rapidamente as escadas. — se alertar o pessoal sobre as más línguas. Já estou mais que ocupada com a situação tal e como está.

— Farei isso! — disse Charlotte, seguindo-a. — Não deveria ficar vigiando-o uma de nós durante a noite?

— Heath e Julia se ofereceram para alternarem-se comigo. Esta é uma emergência pouco comum, que não se encontra nos livros de etiqueta.

Charlotte franziu o sobrecenho.

— Não acha que tenhamos que fechar a escola?

— Não pensei além de amanhã. Só podemos esperar que o que venha depois do escândalo, não nos afunde.

— Sempre poderíamos ir para o campo. — disse Charlotte hesitando.

— Percebo que ainda estamos curtas de fundo, mas...

— E deixar que Lady Clipstone acredite que nos expulsou? —

Endureceu o rosto de Emma só de pensar em admitir a derrota frente a

sua rival de Londres, Lady Alice Clipstone, que abriu uma academia em Hannover Square, e que estava tentando descaradamente lhe roubar as alunas. Ela e Alice foram amigas no passado, e na atualidade eram inimizades juradas em etiqueta. O que significava que, o mais educadamente possível, nunca perdiam a oportunidade de ser melhor que a outra.

— Não perderá tempo em tentar tirar vantagem. Com certeza.

Charlotte olhou para longe.

— Ela não esperou!

— O que quer dizer?

— Recorda Lady Coralie?

—A jovem sobrinha do Conde? — perguntou Emma lentamente. O

Conde que esteve cortejando para conseguir sua contribuição. Uma de suas sobrinhas deveria ter entrado na academia uma semana antes.

Supunha-se que duas de suas irmãs mais jovens a seguiriam uns poucos meses depois. — Sua bagagem deveria ter chegado esta semana. Tenho uma cama pronta para sua chegada...

— Aparentemente, está reconsiderando. — disse Charlotte. —

Informara-nos tão logo decida.

— Como sabe? — exigiu Emma em voz baixa.

— A irmã de nosso mordomo foi trabalhar para Lady Stone.

— Trabalhar para minha rival? — Emma permitiu uma nota de leve indignação aprofundar em sua voz. — Nunca. O seguinte será que exponha nossos segredos.

— Você não tem segredos, Emma! — disse Charlotte com um sorriso consolador.

— Não, até hoje, mas... Oh, querida, suponho que a presença de Lorde Wolverton não se poderá manter em segredo.

— É ligeiramente grande para esconder.

Emma negou com a cabeça.

— Teremos que manter as meninas afastadas dele, e continuar como se nada tivesse acontecido. Graças a Deus, sua ala fica no outro lado da casa.

— Deveríamos ser capazes de dirigi-lo.

— É só por dois dias. — murmurou Emma. — Céus, se for capaz de domar as leoas, serei mais que capaz de cuidar de um cavalheiro ferido.


*****
Adrian fingiu dormir nas três vezes que Heath entrou nas pontas dos pés no quarto para ver como estava. Suspeitava que seus suaves roncos não lhe enganaram nem um momento. Mas tinha uma dor de cabeça terrível e não estava com ânimo para conversar.

Estava quase dormindo quando Julia, a esposa de Heath, entrou com uma velha criada para lhe pôr uma compressa fria na cabeça. E depois disso, com o unguento de ervas lhe escorrendo pelo pescoço, não pôde dormir nada. Aborrecido, retirou o cobertor, achou fósforos, acendeu uma vela, e contemplou o diário de uma dama encadernado em couro sobre a estante aos pés da cama.

— Vá, vá! — murmurou — Tudo o que preciso é um gorro de renda, e um par de dentaduras postiças, para se passar por minha avó.

Abriu o livro, bocejando, e voltou para a cama para lê-lo. Poderia ter dito ao velho escocês serrador de ossos, que necessitava uma garrafa

7

inteira de láudano para nocautear um homem de seu tamanho. Não necessitava um sedativo, de qualquer maneira. Não havia nada mau com sua cabeça, exceto um grande hematoma. Tinha sofrido coisas piores.

Começou a ler. Era um diário escrito com letra feminina itálica, sobre...

Piscou, as palavras saltavam na página e não podia vê-las bem. Ah.

Inverno, 1815.

A adivinha cigana do baile de ontem à noite me predisse que

encontraria o verdadeiro amor durante o ano. É claro não era uma Romani genuína. Só era Miranda Forester vestida outra vez de cigana, e duvido que pudesse predizer minha dança seguinte, menos até a quem amaria.

Mas posso predizer que será a querida Emma quem se casará antes que termine o próximo ano. Vi como adora o bebê de Grayson, e lembro como sonhava ter seus próprios filhos.

A porta do quarto de vestir que conectava com o dormitório se abriu.

Maldição se fosse Heath outra vez atuando como mamãe galinha, e pegasse Adrian lendo os segredos de amor de uma jovenzinha, não pararia de rir nunca. Saltou da cama jogando o livro com a capa bordada com rosas pelo ar.

Com só um momento para agir, saltou por cima de um tamborete, e o encaixou entre os outros livros empilhados na escrivaninha. Em seguida, mostrando uma expressão de inocente, enfrentou à figura vacilante, a suas costas. Por um momento nenhum dos dois disse uma palavra. Ele simplesmente saboreou o estranho estremecimento que lhe descia pela coluna.

Era ela. Por fim. Olhou-a fixamente, esperando com antecipação. Sua pequena protetora, com um robe cinza azulado abotoado até o pescoço, mas com o cabelo solto cor de damasco dourado caindo por seus ombros como uma cascata de nuvens, como um halo celestial.

Ou eram dois halos? Perguntou-se. Subitamente lhe pareceu que de seu anjo compassivo brotava outra cabeça. Outro rosto. Entretanto, embora sua visão fosse imprecisa, não havia nenhum equívoco com o cenho franzido pela preocupação em seu rosto de finos ossos.

Nem na cálida familiaridade de sua voz. As notas cultivadas penetraram até os recessos mais profundos de seu pulsante crânio.

— Lorde Wolverton, que loucura é esta? — perguntou exasperada. —

O que está fazendo? Não deve caminhar em sua condição.

— Estava... — olhou com culpa o diário que aparecia da pilha de livros mau amontoados onde o tinha colocado. — procurando um urinol.

— É claro, não temos um na escrivaninha. — ela entrou no quarto, indicando com um dedo a cama com dossel. — Volte para a cama, para que possa chamar um lacaio que o ajude com suas necessidades privadas.

Bom, isso era embaraçoso.

— Posso me arrumar sozinho! — disse. Deu uns passos e se viu forçado a segurar um poste da cama para manter o equilíbrio.

— Asseguro-lhe que não! — ela correu a seu lado, lhe oferecendo o ombro para que se apoiasse. — Caminha batendo as asas como uma mariposa ferida.

— Uma mariposa? — perguntou ele, soprando.

— E com uma vela acesa — repreendeu-o. — Em sua condição. Quer incendiar a casa?

Levou-o para a cama, uma humilhação que só tolerou porque lhe dava a oportunidade de estar perto dela. Mas se negou a sentar-se quando ela o ordenou. Ele era um homem adulto, não uma maldita mariposa. Ele não respondeu em sua vida privada as ordens de ninguém há anos. Não iria permitir que este pedacinho de seda e cetim lhe desse ordens, embora fosse uma Boscastle.

— Não quero voltar para a cama!

— Deite-se nessa cama! — disse ela.

— Farei quando e se eu quiser!

Emma endireitou as costas. Sabia do que se tratava. Encantador quando queria, e beligerante quando não conseguia o que queria. E

pensar que iria representar a aristocracia como par do reino, e não importavam as circunstâncias de sua volta. Por lei era o primogênito de um Duque e o título era hereditário.

— A tensão física e mental não curará a ferida da cabeça. — disse-lhe

enérgica. — Entre debaixo das mantas agora mesmo!

Ele ficou quieto, sorrindo desafiante. A mulher achava que iria mandar nele?

— Não escutou o que acabo de dizer? — perguntou-lhe ele.

— É difícil não fazê-lo quando está grunhindo em meu rosto! —

respondeu ela com calma.

Subitamente ele se reclinou na cama. Não porque esta gentil mulher, que parecia enganosamente recatada, ordenou, mas sim porque lhe venceu uma inesperada onda de vertigem.

— Grunhindo? — franziu o cenho ameaçadoramente. — Mal estou falando mais alto que um sussurro. Se realmente quisesse grunhir, poderia derrubar estas paredes.

— Não me cabe a menor duvida. — disse ela lhe jogando a colcha sobre os ombros, aparentemente nada intimidada por sua asseveração.

— Mas o que provaria com essa amostra de más maneiras? Só conseguiria que lhe doesse mais a cabeça. Não é a mim que castigaria a não ser a si mesmo.

Não estava certo de como tinha acontecido, mas de repente se encontrou de volta na cama, com Emma a seu lado com aspecto satisfeito e pouco caridoso, e mais irresistível que tudo na vida. O mais desconcertante, ou humilhante da situação, era que desfrutava de como se preocupava com ele. Não era essa a atenção habitual que conseguia das mulheres, mas de qualquer maneira, gostava. Naturalmente isso também induzia sua mente a pensar em que outros prazeres poderia oferecer para lhe consolar.

— Por que você e seu irmão insistem em despertar cada hora? —

perguntou, estudando-a de perto.

— O médico nos deu instruções para o observarmos.

— Por quê? — perguntou em tom áspero, curioso por ver se podia amedrontá-la. As poucas mulheres que tinha encontrado em Londres

que não estavam assustadas por relacionar-se com ele, pareciam intrigadas por seu passado, para não falar de sua herança.

Emma era uma mulher mais difícil de decifrar.

— Estamos vigiando para ver se tem sinais de confusão. — respondeu ela. — Mudanças de temperamento e coisas assim.

Ele grunhiu.

— De verdade? Posso perguntar como diabos vai saber?

Arrumou-lhe os travesseiros atrás dos ombros. Depois o alimentaria com uma colher e o levaria em uma cadeira de rodas ao jardim.

— Como vou saber o que?

— Se mudar o temperamento ou não. — afundou os ombros mais nos travesseiros, forçando-a que continuasse arrumando-os. Olhou-o, zangada, e se inclinou sobre seu peito para terminar. Ele conteve o fôlego e sentiu endurecer-se o maldito pênis com sua proximidade. Não esteve com uma mulher, e nem encontrou uma atraente, há tanto tempo que se perguntou se algo estava errado. Emma Boscastle, bendita fosse, tinha-o liberado dessa perturbadora preocupação.

Ela forçou sua voz a um tom paciente, apesar de estar apertando os dentes.

— Por uma coisa; parecia perfeitamente razoável hoje, antes de seu temerário ato de bravura. Agora espero que se arrependa.

— Ao contrário! Queira ter golpeado o outro homem antes que se fosse.

— Não tem que ficar assim.

— Ponho-me como tenho vontade, e você não vai impedi-lo.

Sua bonita boca se apertou.

— O médico disse que terei que atá-lo se não descansar.

— Necessita-se muito mais que essa bolsa de cevada barbuda para me segurar na cama.

— Tenho irmãos. — disse ela estreitando os olhos.

Isso o interrompeu. Mas não por muito tempo. Não era um homem que ficaria parado pelos obstáculos, só os superava.

— Amarrou um homem alguma vez? — perguntou-lhe, olhando duvidoso sua miúda figura.

— Sim. A esses irmãos que mencionei.

— Recentemente?

— Não seja ridículo. Já são todos adultos, embora nem sempre atuem como tais. — os olhares se encontraram. Na realidade tinha um espírito muito desumano, sob sua aparência de dama. — Sua família continua na Inglaterra? — perguntou inesperadamente.

Ele pensou no diário que acabava de ler. Ali dizia que ela queria uma família própria.

— Sim.

Ela esperou.

— Bom, há alguém a quem possa contatar para informar sobre seu estado?

— Estive as portas da morte mais vezes que uma dúzia de homens. —

disse secamente. — O de hoje não é alarmante.

— Sua família pode não estar de acordo.

— Tenho um irmão e uma irmã em Berkshire. — disse com uma espécie de sorriso.

Ela esperou outra vez, consciente que ele evadiu deliberadamente uma resposta clara. O pouco que ela sabia por rumores, era que foi rejeitado por seu pai, o Duque de Scarfield, que acreditou erroneamente, que Adrian era o produto de um namorico adultero de sua jovem esposa.

Agora, aparentemente o Duque admitiu que tinha julgado mal sua esposa já falecida, e pediu a seu filho que voltasse para casa.

A volta de Adrian depois de uma temporada aventureira como oficial da Companhia das Índias Orientais e outras irregulares empresas privadas, foi tomada pela sociedade como um sinal de reconciliação.

Suas palavras sugeriam outra coisa.

— Acho que deveria deixá-lo para que possa descansar Milorde.

— Não! — sua voz era imperiosa, mas seus olhos escureceram, revelando sua vulnerabilidade.

Ela balançou a cabeça, perplexa.

— Perdeu o sentido com o golpe hoje.

Ele ficou olhando-a fixamente.

Nunca antes quis tanto despir uma mulher, como queria despir Emma Boscastle. Despi-la desde seu gracioso pescoço branco a seus pequenos pés. Dar-lhe uma razão de verdade para que lamentasse sua falta de boas maneiras.

— Se acha que vou ficar de cama dois dias, vá pensando em outra coisa. — falou ele.

— Raramente sofrem os cavalheiros suas indisposições de bom humor.

— Tenho que sofrer só? — perguntou com uma voz baixa e sensual.

— Quer que Devon e Drake durmam a seu lado? — olhou-o com expressão impávida. — Estou certa que se pode arrumar se não quiser dormir só.

Sua boca se curvou em um encantador sorriso.

— Tinha outra coisa em mente. Dê-me um beijo antes de ir.

— Por Deus Santo!

— Está tentada. Posso vê-lo.

Ela desceu seu rosto ao dele.

— E você delira. Ao menos essa é a desculpa que estou usando por sua conduta.

Ele a olhou calmamente.

— Sou um homem muito tolerante, Emma.

Ela tomou ar com assombrosa confiança.

— Então o aceite, fique na cama. Sozinho!

— É vergonhoso!

Seus olhares ficaram fixos em uma silenciosa batalha de vontades, até que Emma percebeu tão absurdo era permitir que a alterasse. Ele nasceu com a arrogância de um Duque, apesar dos rumores, aceitasse ou não a responsabilidade de seu título. Bom, Emma era a filha de um não menos arrogante Marquês. Se ela podia dirigir os Boscastle, podia manter-se firme frente a seu amigo.

E também tinha que considerar a lesão de sua cabeça. Talvez a ajudasse pensar em Lorde Wolverton como uma de suas pupilas, uma pessoa com potenciais não realizados que só precisava polir-se rigorosamente para que brilhasse.

— Agora, — disse ela, severa, mas amável — quero que fique nesta cama e tenha um bom descanso. Tudo estará melhor pela manhã

— Não, não estará!

Ela suspirou.

— Então não.

— E se necessitar de sua ajuda durante a noite?

— Parece bastante improvável, mas há uma campainha na mesinha para pedir ajuda.

Ele a pegou pelos cotovelos.

— E agora o que está fazendo? —perguntou ela indignada.

— Pedindo sua ajuda.

Ele a arrastou a seu lado, na cama, provando os limites de sua paciência. Por um intervalo humilhante, sentiu-se muito aflita com a inesperada intimidade de seu duro corpo, musculoso e flexível contra o seu, para fazer outra coisa que respirar.

— O que está fazendo? — voltou a lhe perguntar.

Sua boca pressionou seu ouvido.

— Pensei que fosse cair. — lhe disse em voz baixa, deslocando seu corpo de aço, para acomodá-la a seu lado.

— Sim. Saltar da panela ao fogo.

Seus olhos resplandeciam a luz da vela. De febre? De dor? Ou de algo que seria melhor que ela não identificasse?

— Lorde Wolverton... — disse suspirando — Está deixando tudo muito difícil.

— Esse homem estava equivocado hoje. — disse ele em voz baixa.

O coração de Emma reagiu ferozmente contra suas costelas. A emoção de seus olhos a desarmou. Com exceção de seus irmãos, os homens que conhecia raramente se mostravam com tal candura.

— Não sei do que está falando. Não acredito que queira saber. Esse golpe na cabeça...

— Você não é fria. — seu olhar conhecedor a percorreu. — Tem fogos secretos dentro de si, Emma.

Ruborizou-se pela tolice.

— Não seja...

— Honesto? — inclinou-se e segurou o rosto entre as mãos. — Beije-me uma vez e lhe provarei isso. Agrade-me, embora só seja isso.

Capítulo 04

Fogos secretos, com efeito. Um beijo para agradá-lo. Aquele horrível insulto. Tinha sido mais que suficiente para um dia. Entretanto enquanto seus polegares calosos lhe moldavam as maçãs do rosto para continuar lhe traçando o queixo, as chamas que ele evocava cresciam em seu interior. Seu corpo ardia. Seus mamilos se contraíam, e uma prazerosa vulnerabilidade se expandia por seus membros.

— Ardente! — disse, aproximando seu rosto duro e sério ao seu. — E

pode arder ainda mais. Ficou fria quando ele tentou tocá-la, o problema é dele, não seu.

Como podia saber? Como se atrevia? Ela desceu o olhar, conteve a respiração, e esperou.

Dolorida pela vergonha, a surpresa e a fome antecipada. Em qualquer instante se acabaria. Livrar-se-ia desta formosa tentação. Surpreendeu-lhe perceber como tinha doído o comentário cortante de Sir William. Não gostava que pensassem que era fria, e, entretanto, frequentemente parecia.

Mas, fogos secretos. Oh por que as mulheres desfrutavam dos galanteios? Por que algo nela respondia a este homem?

— Parece ainda mais um anjo com o cabelo solto — refletiu ele. — Não pude tirar os olhos de cima de você durante casamento.

Ela engoliu, a garganta doía.

— Agora estou desarrumada.

— Você me fez... — titubeou.

— Fiz o que? — sussurrou ela.

— Fez-me rir hoje. — respondeu em voz baixa.

— Eu fiz o que? — perguntou, sobressaltada.

— Quis dizer que me fez sentir bem, e desfrutei de sua companhia.

Sua resposta a acalmou, quase tanto como a surpreendeu.

— Só estava tentando ser educada.

— Roubou três confeitos do bolo de noiva. — lhe recordou sorridente.

— Não se atreva a dizer isso a minha família. Sou... sou a única correta.

— É?

Seus fortes dedos se intrometeram no pálido cabelo que rodeava seu rosto. A delicada sedução desse simples ato a fascinou. Ela não era mulher que se deixasse tentar facilmente pela sensualidade. Permitiria que este prazer novidadeiro continuasse só um momento mais.

Entretanto, que bem se sentia seu tato, como a fazia descer a guarda.

— Inclusive há fogo em seu cabelo. — disse ele, seu fôlego esquentando seus lábios. — É como seda dourada. E em meu interior, sempre me senti atraído pelo fogo. É uma mulher perigosa, Emma Boscastle? — perguntou relaxadamente.

— Lorde Wolverton... — disse ela com um suspiro. — Lobo.

— Fique comigo um momento — lhe disse, sustentando seu olhar. —

Só um momento mais. Detesto ficar sem fazer nada. Detesto ficar sozinho. É tudo o que peço.

Ele se virou e apagou a vela pressionando a mecha entre o polegar e o indicador. Emma respirou a agradável essência; uma mescla de sua colônia e aroma de fumaça, que chegava até a cama.

Aterrador. Emocionante. O ordinário ato de apagar uma vela, que tinha feito centenas de vezes em cenários similares. Mas tão efetivo. As sombras os rodearam.

Ela o sentiu relaxar, seus poderosos músculos distendendo-se. Sentiu suas masculinas mãos fechando-se em sua cintura. Segurou a respiração. Puro macho. Mistério, força e tentação. Ele tinha medo de ficar sozinho.

A súbita escuridão diminuía as inibições. Quantas vezes advertiu Emma as outras dos perigos das sombras, e dos homens que as atraíam para

elas? E agora, era ela que estava suspensa na borda. E se seus princípios fossem colocados à prova?

— Esteve casada? — disse ele em voz baixa. Sua mão passeava por seu braço. Seus dedos possessivos, conhecedores.

Seus firmes lábios brincando sobre os seus, capturando seu fôlego.

— Sim.

Lentamente pôs sua outra mão na sedosa curva inferior de seu peito.

Emma estremeceu, mas permaneceu imóvel, preparando-se para resistir. O espaço entre suas coxas começou a pulsar.

— Quanto tempo passou? — sussurrou ele com voz suave.

— Está me perguntando...?

— Sim.

Ela arqueou o pescoço, temendo que seus nervos ficassem em pedacinhos. Ninguém perguntou, ninguém se atreveu a lhe fazer uma pergunta tão íntima. Não entendia por que sua curiosidade não era ofensiva. Parecia natural. Outra vez jogou a culpa na escuridão da noite, a sua indisposição.

— Meu marido morreu faz quase cinco anos. — respondeu no quente espaço de seu pescoço.

Sua outra mão apertou sua cintura, em um masculino gesto possessivo que mandou ofegantes calafrios as profundidades de seu corpo.

— Cinco anos! — murmurou. — E ninguém a tocou? Como é possível?

— Por favor! — sussurrou ela, engolindo secamente. O calor de seu ventre aumentou até doer. Como a atraía sua voz.

— Deve ser porque assim o quis. — murmurou. — Outros homens tentaram verdade? Esse cretino com pretensões de cavalheiro de hoje.

Ela não pôde responder, mal podia respirar. E ele sabia. Dizia seu tato, que deixava sua pele trêmula, um escasso consolo, e o princípio da conquista de um guerreiro. Ninguém mais podia presumir ter conseguido tanto esse dia. O pânico e o desejo se mesclavam em seu interior.

A pior parte de suas palavras foi que a ausência de amor e de paixão em sua vida tinham sido passíveis até agora. Oh, ela tinha sofrido sua carência, mas uma dama nunca o reconhecia. Nem sequer a si mesma, por muito forte que fosse.

Certamente não diante um quase estranho, que sutilmente estava despertando todas essas partes que em seu interior doíam por ser acariciadas. Todas essas partes que uma mulher decente devia pretender que não existiam.

Meu deus, Oh Deus. Ela engoliu um soluço. Adrian apenas lhe tinha roçado os ombros, os seios e a curva do quadril, e seu corpo se estremecia, respondia a sua mestria. Com incredulidade percebeu a maravilhosa tensão de seus músculos internos, uma sensação entristecedora de render-se, que conheceu apenas uma vez durante seu matrimônio com Stuart. Era como se uma onda de sensações se localizasse profundamente em seu interior.

Como se atrevia esse mercenário, esse homem, como se atrevia fazê-

la reconhecer seus desejos sexuais, quando teve êxito ignorando-os, portanto tempo.

Durante anos lutou para dominar suas emoções. Tinha enganado a aqueles que lhe eram mais queridos, até que ao final conseguiu enganar a si mesma.

Ela nasceu como um desses malvados, apaixonados Boscastle. E

enquanto ela repreendia seus escandalosos irmãos, às vezes tinha invejado sua habilidade de desfrutar da vida, de apaixonar-se profunda e irrevogavelmente. E tinha começado a acreditar que a paixão, que o verdadeiro amor, não formaria nunca parte de sua vida.

Suprimiu um gemido. Conteve o instinto de retorcer-se. Em vez disso, levou uma mão à boca para reprimir outro soluço. Como se atrevia a cometer esse ato corajoso hoje, e só horas mais tarde, desfazê-lo por completo?

— Emma, — lhe sussurrou. — quer que pare?

Ela levantou os olhos para seus luminosos olhos castanhos e não viu a astúcia de um libertino, mas o desejo de um homem que não se aborrece em esconder seus sentimentos. Devastou-a.

— Desejo que me beije. — lhe urgiu ele. — Só uma vez.

— Só uma vez! — sussurrou ela, com voz cética e trêmula. — Alguma vez foram pronunciadas palavras mais perigosas, seja por um homem ou por um diabo?

Ele fez uma pausa, olhando-a profundamente nos olhos.

— Eu?

— Oh! — ela começou a sair. — Deite-se.

— Não quero.

— Por favor, Adrian! É um homem perigoso.

Ele franziu a testa.

— Não sou perigoso para você!

— É!

— Por quê? Por que vendi minha espada?

— Esse é um bom começo. — lhe respondeu ela.

— Nunca lhe faria mal.

— Não de propósito.

Ele a abraçou apertado, ignorando os protestos que lhe sussurrava.

Seu corpo formigava e ardia com o prazer proibido de ser sustentada contra o calor de seu duro corpo masculino. Com as pálpebras quase fechadas, deslizava os longos dedos de seus ombros a seus flancos, com pequenos toques pecaminosos aqui e ali e quando sua mão deslizou debaixo da barra de seu vestido subindo a seu joelho, ela tremia totalmente preparada para ser seduzida. E, entretanto não estava preparada.

Sua boca capturou a sua com um assalto tão sutil que não parecia natural rejeitá-lo. Seus lábios se abriram de expectativa. Uma doce dor a

atravessou, acelerando o pulso que batia no mais profundo de seu corpo.

Ela inclinou a cabeça, respondendo sua dominação. Enquanto antes a luz da vela emprestou delicadeza as duras linhas de seu formoso rosto, a escuridão fazia desaparecer qualquer ilusão de refinamento. Ele era um homem perigoso. Que tinha dado as costas a Sociedade. Que a cativava por razões além de sua compreensão.

Tinha vendido seus serviços a outros países. Perguntou-se por que.

Certamente o herdeiro de um Duque não precisava fazer fortuna. Era o perigo o que tinha procurado como tantos outros jovens cavalheiros?

Talvez estivesse escapando. Fez algo lamentável no passado? Supôs que era mais importante perguntar-se por que voltou.

Seus irmãos confiavam nele. E ela...

Ela reconhecia seu magnetismo. Atraía-a, não só sua aura de perigo.

Poucos homens viam nela seu espírito divertido. Não se permitia mostrá-

lo com frequência. Ela sentia agora o fogo em seu interior incrementando-se.

Seus lábios roçaram outra vez sua boca úmida. Suas mãos procuraram as partes mais vulneráveis de seu corpo. Ela arqueou as costas. Seu corpo rogava por algo que lhe dava vergonha admitir. Ele era um conquistador por escolha. Um gemido subiu por sua garganta.

Ele o ouviu, com seus instintos aguçados. Seus olhos cintilaram na escuridão. Ele sabia. Ela mal tinha recuperado a respiração, e seus lábios quentes lhe roçaram os seios, chupando seus mamilos através da fina seda.

Ela tremeu, excitada, seu corpo flutuando. Emma Boscastle permitindo a um homem que acabava de conhecer que lhe beijasse os seios, que os chupasse com indecência.

O prazer a atravessou como um raio de sol seus sentidos, sua confusão.

— Lorde Wolverton... — lhe disse, incapaz de controlar outro estremecimento. — Isto não pode ser bom para sua saúde!

Ele dava voltas com a língua a um mamilo, uma lenta sensação que intensificava seu ofegante prazer.

— Acredite, é justamente o contrário!

— E sua ferida? — perguntou com seus músculos contraindo-se.

Ele levantou a cabeça e lhe deu um beijo úmido na boca. Ela voltou a gemer.

— Que ferida? — perguntou ele, tentando soar ingênuo e perverso ao mesmo tempo. — Tem um corpo formoso, Emma Boscastle, e uma mente rápida. Passei todo casamento olhando-a.

— Devido a minha mente ou a meu corpo? — respondeu com ironia, perguntando-se por que deveria escandalizar-se, quando o que lhe estava fazendo era muito pior. Seus mamilos se endureciam contra sua boca. Estava praticamente se oferecendo, ao menos seus seios, a seus avanços.

— Ambos. — respondeu ele com um sorriso fugaz. — Me cativou. Isso é tudo o que sei.

— Você me desejou no casamento?

— Sim. — disse, hesitando levemente. — Ofende-a?

— Frente a testemunhas? — sua voz era quase inaudível. O clamor em seu corpo afogava quase todo o resto, sua respiração controlada, o som profundo dos batimentos de seu coração.

Estava lhe dando mordidas suaves e sensuais nos seios, e ela era incapaz de dissuadi-lo. Um fluido quente lubrificava as dobras de seu sexo. Só podia imaginar como se sentiria se suas mãos ágeis de espadachim a tocassem ali, se penetrassem seu dolorido vazio.

— É muito! — disse com voz rouca, suas costas arqueando-se.

— Tenho que ser honesto. — sussurrou ele. — Para mim não é suficiente.

Ela engoliu.

— Isso de ser honesto está superestimado. É melhor não dizer em voz alta certas coisas.

Ele pareceu sopesar, mas obviamente sem grande preocupação, pois voltou a lhe beijar a garganta e a lhe mordiscar os seios.

— Não estou de acordo. — disse com uma cativante voz baixa —

Ambos passamos da idade da indecisão e ambos fizemos amor antes.

— Certamente não entre nós.

— Não torna isso mais tentador? — desafiou-a discretamente.

Tentador.

— Sou viúva! — disse em um murmúrio. — Essa parte de minha vida passou.

— É uma mulher, Emma. Isso nunca mudará.

Ela sentiu um pequeno beliscão agridoce de reconhecimento, de desejo.

— Já o fez.

— Não recordo ter me sentido atraído assim por nenhuma mulher antes. — disse com voz pouco clara.

Suas mãos se deslocaram dos quadris ao espaço entre suas coxas. Ela mordeu o lábio, contendo um soluço. O tato dele, ou sua falta, eram uma tortura. Seu sexo palpitava de necessidade. Não se atrevia a mover-se.

Ela olhou para baixo e viu suas pernas nuas, e seu vestido ao redor dos quadris. Que diferentes eram. Enquanto este homem pecava descuidadamente, ela golpeava o pecado com os punhos nus, levando-o de volta à boca de lobo onde pertencia.

De fato, podia imaginar as exclamações de perverso regozijo de suas estudantes, se pudessem vê-la agora. Emma Boscastle na cama com um belo aristocrata, abandonando alegremente os princípios que representavam não só a academia; aqueles pelos quais tinha feito sacrifícios.

— Estou a sua mercê, madame — disse ele, inesperadamente, no silêncio que se alongava.

Ela olhou esse formoso rosto, com cínica resolução.

— A minha mercê? — perguntou lentamente.

— Acredito que perdi o sentido. — sussurrou com voz penitente.

— Bom, não o achará sob meu vestido.

Ele riu e deslizou seus longos braços ao redor de sua cintura.

— Emma... Oh Emma, estou morrendo de desejo por você. Por que tem que ser uma Boscastle?

— Tenho-me feito essa mesma pergunta muitas vezes.

Ele deslizou a mão desde seu ventre ao pescoço e lhe desabotoou o vestido. Seus suaves seios brancos se incharam e seus mamilos rosados apareceram pela seda.

— Muito bonito! — murmurou ele. — E que tal por abaixo? Tudo delicioso também?

Ela engoliu saliva com dificuldade enquanto sua mão descia ao oco entre suas coxas.

— Oh, Emma! — disse fechando os olhos brevemente. — Está tão molhada, querida. Deixe-me lhe dar prazer.

— Dar-me...? — um rubor de vergonha avermelhou sua pele. O centro de sua feminilidade se suavizou, abrindo-se úmido com seu convite. Ela não fez nenhum movimento para pará-lo.

— Necessita-o. —Seus dedos com cicatrizes se deslocaram de seu monte até suas inchadas dobras. Seus músculos internos se derreteram, esperando seu toque. — Ou não? — murmurou ele.

Emma fechou os olhos com a tentação ardendo no interior de seu ventre.

Ele dobrou a cabeça e lambeu meigamente os topos de seus seios.

Seu rosto ardia, e esse calor se esparramou até chegar ao fogo do interior de seu ventre.

— Não posso... — sua voz se quebrou.

— Calma! Eu me ocuparei de tudo. — seu polegar se moveu uma e outra vez pelos sensíveis mamilos até que o dolorido prazer a fez tremer.

Ele se aproximou ainda mais. Sua ereção pulsava através da grossa calça e do roupão que cobria seu ventre nu.

— Por que permito isto? — perguntou com um gemido impotente.

Um longo dedo caloso pressionou sua pulsante fenda.

— Porque seu corpo pede. Querida Emma, sou bem vindo?

Ele a beijou enquanto ela lutava para responder. Enredou seu polegar na suave mecha de pelo que coroava sua fenda. Lentamente inseriu dois dedos mais entre suas dobras, flexionando-os e estirando-os em seu interior. Ela soltou um grito abafado, suspirando de prazer. Ele retirou a mão e a subiu a seu ombro. Sua essência perolada brilhava em seus dedos. Ela escutou aprovação no profundo grunhido que saiu de sua garganta.

Beijou-lhe a testa.

— Diga-me... — falou, asperamente. — Quanto tempo passou desde que um homem entrou em seu corpo? Desde que te tocou?

Os olhos dela abriram-se.

— Você, homem impertinente!

Ele sorriu de orelha a orelha, a covinha de seu queixo pareceu aprofundar-se.

— Nos encarregaremos de minha rabugice mais tarde, certo? Por agora temos que cuidar de você.

Ela se retorceu. Ele pôs a outra mão sobre seu ventre, aprisionando-a.

Seus olhos ficaram cara a cara, enquanto delicadamente beliscava seu escondido casulo entre os dedos, até que se esticou e seus quadris se elevaram. Seu olhar se escureceu, enquanto forçava três dedos dentro de sua dolorida passagem. Ela se sentia exposta, vulnerável, preparada.

Ela moveu a cabeça. Negando e com deleite. Ambos. Ele a beijou

outra vez, sua língua tomando sua boca, absorvendo seus suaves gemidos. Sua dura coxa pressionou seu flanco. Ela pôs uma mão em seu poderoso antebraço. Ele se levantou levemente, com os músculos dos ombros esticados com força. Ele era sexy e formoso, e tão sem princípios, como um Deus da antiguidade.

Em um momento o poria em seu lugar.

Mas agora, ah, agora. Observou seu maravilhoso rosto. O calor de seus olhos mandou uma corrente de consciência sexual por sua coluna.

Tão desinibido, tão masculino.

Emma ouviu o estrondo das rodas de uma carruagem em alguma parte do exterior e cascos de cavalos sobre os paralelepípedos. Levantou a mão a seu pescoço queimado pelo sol. Sentiu como seus músculos se contraíam com seu vacilante tato e sua respiração ficava mais profunda.

Seu pênis engrossou apertado contra a coxa dela.

Voltou a roçar o casulo. O prazer se intensificou. Quente. Apertado.

Proibido. E todo o tempo ele a olhava, compreensivo com cada uma de suas debilidades.

A casa de seu irmão. Sua escola. Quase um estranho.

A Viscondessa Lyons seduzida por um homem que mal conhecia a algumas horas. Sua grande e cálida mão acariciava seus seios. Seus dedos ágeis trabalhavam nela, empurrando entre seus avultados lábios molhados. Entrando e saindo. O sangue quente se acumulava no espaço dolorido de seu sexo.

— Muito tempo. — sussurrou ele. — E agora estou aqui. Quando a vi hoje, quando conversamos no casamento, senti como se já nos conhecêssemos.

— Faz menos de um dia! — sussurrou ela.

— Não. Não parece. Ao menos para mim.

Ela mordeu o interior da face. Ele se apoiava em um cotovelo agora, intensificando o prazer perverso que lhe estava dando. Seu olhar

cravado nas sombras entre suas coxas. Sua excitação aumentou.

Seus quadris se levantaram para sua mão. Emma não podia controlar seus movimentos, sua necessidade. Ele exalou e fechou os olhos.

— Deve ter sido há muito tempo! — sussurrou. — Está tremendo e tão apertada.

Ela não pôde falar. As gotas quentes entre suas coxas traíam qualquer negativa por sua parte. Quanto tempo tinha se passado? Seu ventre estremeceu e uma profunda pressão se instalou na base de sua coluna.

Ela nunca conheceu um desejo como este.

— Desfrute deste prazer. — sussurrou rouco. — Viva-o para mim.

E ela o fez. Seu corpo se apertou. Já não tinha poder para detê-lo. Ele a segurava enquanto alcançava o topo, enquanto sua capacidade de respirar se interrompia, enquanto o prazer estalava como uma tormenta.

Ela caiu sob seu feitiço. Soluçou, anos de desejos enterrados, desencadeados. Quem era este homem? Que poder demoníaco possuía para lhe fazer isto?

— Emma... — sua voz profunda penetrou em seu desconcerto.

Ela sentiu um calafrio. Recusou-se a olhá-lo, maravilhosamente empapada de prazerosa vergonha.

— Emma... — repetiu, com seus rostos juntos. — Está bem?

Ela sentiu que recuperava o juízo lentamente. Seu corpo continuava pulsando. Para sua própria surpresa, achou-se acariciando lhe o cabelo e os duros planos de seu rosto. Oferecendo-lhe conforto. Quem era este homem? Quem era ela? A partir deste momento, já não sabia.

— Quando a vi pela primeira vez no casamento... — disse ele — eu...

Ela pressionou um dedo em seus lábios.

— Sou viúva, Lorde Wolverton. Apesar do que acaba de acontecer, essa parte de minha vida acabou.

— Você não morreu com seu marido! — disse depois de um longo silêncio.

Ela ficou quieta vários minutos. Ele fechou os olhos. Seus rostos descansavam juntos.

— Eu acreditei morrer uma vez. Deus sabe que fiz todo o possível para consegui-lo, mas não aconteceu.

Ela sentiu que as lágrimas ardiam em seus olhos.

Era evidente que a ferida da cabeça não afetava suas funções mais básicas. Os membros lhe tremiam involuntariamente quando ela finalmente tentou separar seus corpos.

Pareciam sentimentos familiares, mas não eram.

Ela tinha se casado antes que tivesse transcorrido a metade de sua primeira temporada. Seu marido, um Visconde escocês culto e modesto latifundiário. Ela pensou que a natureza reservada dele casava com a sua. Foram bons companheiros, mais amigos que amantes. De fato, toda sua experiência sexual com seu tranquilo marido consistiu em ligeiros manuseios, e apurados acoplamentos sob as mantas. Na realidade, Emma saiu desses rápidos encontros, mais insatisfeita que outra coisa. Até na atualidade ruborizava recordando como Stuart tinha anunciado em sua noite de casamento que era hora de pôr sua pequena salsicha no forno.

Não podia pensar que um homem tão bonito como Lorde Wolverton tivesse algo tão inconsequente como uma salsicha. Sua escassa experiência com seu pesado apêndice masculino era uma prova suficiente. Pensar em receber um órgão de tais dimensões em seu interior acelerava sua respiração. Adrian e seu finado marido não tinham nada em comum, nem no físico, nem no caráter.

Saiu de seus braços, um movimento estratégico penosamente planejado, se é que chegou a pensá-lo. Cada pedaço de seu corpo ficou em eletrizante contato com o seu. Seu vestido caiu até seus nus tornozelos. Sentiu seu quente e duro olhar percorrendo seu trêmulo corpo nu.

Ficou em pé e conseguiu reunir os restos de seu equilíbrio. Não iria chorar.

— Agora vou embora. — sua voz soava estável, mas suas emoções não estavam. — Deve ficar na cama até que o médico dê permissão para se levantar.

Ele a estudou em um silêncio ardente.

— Minha conduta não tem desculpa!

Ela se afastou até a porta.

— Nem a minha!

Ele se sentou, seu rosto duro escondido pelas sombras.

— Juro que não direi a ninguém nunca o que aconteceu. Com a pouca honra que fica.

Ela se voltou.

— Juro, Emma!

— Boa noite, Lorde Wolverton!

Ela abriu a porta. Sua voz profunda a seguiu pelo corredor. O coração pulsava em sua garganta.

— Tem minha palavra!

A palavra de um mercenário.

Deixou-se cair, afundando-se na cama, enquanto a porta se fechava com uma brusca batida na porta que mandou um trovão de agonia a sua cabeça. Riu forte, desafiando a dor. Desfrutando na realidade.

Sentiu-se incrivelmente estúpido, eufórico. Sim, doía-lhe o coração.

Mas era bastante afortunado para ter suficiente lucidez para reconhecer seu amor pela organizada Emma Boscastle, uma mais que correta dama que tinha pensado pô-lo em seu lugar, e quase conseguiu.

Sabia que ela não confiava nele. Por que deveria fazê-lo? Mas no momento em que percebeu que ela o observava durante o casamento, sentiu a primeira faísca de esperança desde sua volta a Inglaterra.

Talvez isso também tivesse sentido, depois de tudo. Fazia voar sua

imaginação, maldição. Tinha encontrado a mulher que queria impressionar.

Também lhe deu uma impressão tremenda, exigindo intimidade nesse breve encontro. Desprezaria-o? Certamente. O que mais gostava nela era seu caráter, sua maneira de notar cada engano, como se estivesse se lamentando pelo mundo em geral, e tentasse corrigi-lo.

Como se as boas maneiras pudessem reparar toda a maldade sobre a terra. Poderia reparar um homem com a alma tão desfeita como a sua?

Nenhuma mulher tinha tentado nunca. Sua sombria reputação tinha atraído às damas em massa. Emma ao contrário, tinha-o desaprovado desde o primeiro momento.

Ela era uma Boscastle, uma dessas almas fascinantes que ardiam com vitalidade. Só isso já era suficiente para explicar seu irresistível atrativo.

Seu melhor amigo, Dominic Breckland, tinha perdido seu coração para Chloe Boscastle no pior momento de sua vida. Felizmente Dominic também teve o bom senso, e a boa fortuna, de casar-se com ela. Mas toda a maldita família rompia corações inconscientemente, quão mesmo outros respiravam. O que explicava em primeiro lugar por que se viu obrigado a defender Emma.

Mesmo assim, isso não lhe dava o direito de seduzi-la. Ela só estava cumprindo com algum sentido de dever, em resposta a seus atos de hoje. Comportou-se como um idiota, e o tinham coroado com uma cadeira Chippendale como prêmio. Era possível que Emma pudesse lhe curar a ferida, mas todo seu decoro não poderia arrumar o complicado estado de seus assuntos pessoais.

Suspirou. O que aconteceria se o devolvesse ao caminho reto? Não seria isso uma vitória para ela? É claro, era impossível. Ninguém podia desfazer o que tinha chegado a ser. Foi criado para ser o melhor, aspirava ao pior e não podia negar que suas maneiras se deterioraram com os anos.

Em sua anterior profissão, a pessoa tinha muito pouca necessidade de etiqueta nesses lugares escuros, sujos, onde tinha lutado e amado. Mas com uma mulher sensata como Emma, era um assunto completamente diferente. E em seu triste mundo ele pôde confiar apenas em seu engenho, o suficiente para saber reclamar um tesouro quando o via.

Capítulo 05

Desonrada.

Emma tinha desonrado a si mesma. Simplesmente não havia ninguém a quem jogar a culpa. Certo, não tinha pedido a Lorde Wolverton que saísse em sua defesa. Mas tampouco lhe tinha pedido que ela se apressasse em seu resgate. Ou a seus braços.

Esses fortes braços protetores que a tinham ancorado a seu magnífico corpo. Esteve casada anos, e nunca sentiu uma necessidade tão aguda, tão profunda, que arrasasse seu julgamento. Tinha sentido lástima por ele? Ou por ela mesma? Com umas poucas simples palavras, tinha desmantelado suas emoções. Pensar que seu irmão, ou sua esposa, podiam ter entrado, e ela tivesse que explicar que esteve a ponto de dormir com um estranho, par do reino ou não. Levou uma mão ao coração. Não sabia se devia fazer penitência, ou algo indescritivelmente perverso como ficar ao final da escada e gritar umas quantas maldições.

Em vez disso, sussurrou-as.

— Maldito. Maldição

O que tinha acontecido? Ela não era quem tinha uma ferida na cabeça.

Entretanto tinha se deixado seduzir por um homem com uma reputação terrível, quando nenhum outro homem tinha conseguido lhe roubar nem sequer um beijo na face durante anos. Nem sequer esse Sir Williams, cuja conduta lamentável lhe tinha feito se sentir desequilibrada. O jogo amoroso de Adrian a tinha deixado sentindo-se vulnerável, mas não violada. Depois de escapar, deveria ter experimentado uma multidão de reações apropriadas.

Mas não esta energia revigorante, esta sensação de Bela Adormecida despertada depois de cem anos de desejo adormecido, de ir voando as estrelas, de caminhar...

— O móvel, Emma — uma familiar voz masculina avisou a suas costas.

— Olhe por onde caminha. Não necessitamos outro inválido em nossas mãos.

Um culpado rubor coloriu seu rosto de rosa com a gentil reprimenda de seu irmão.

— Bom, quem o moveu? — exigiu, sorrindo deslocada.

Os inteligentes olhos azuis de seu segundo irmão mais velho, Lorde Heath Boscastle, estudaram-na um momento. De todos os membros de sua família, ele era o mais protetor e perceptivo. E certamente teria algo a perceber se olhasse com atenção.

— Ninguém. O móvel sempre esteve aí. Está sonâmbula, Emma?

— É claro que não, tenho por costume olhar as garotas todas as noites, antes de ir dormir.

— Sei — disse divertido. — Entretanto, elas dormem na outra ala do andar de cima. Como sempre fizeram desde que chegaram. — seu olhar foi dela à porta de Adrian. — Acho que foi olhar como estava Wolf —

disse com um tom despreocupado no qual sabia que era melhor não confiar.

Wolf. Envergonhou-se por dentro do muito conveniente apelido. Espiar para os militares tinha refinado os instintos de Heath. Ela morreria se adivinhasse o que acabava de acontecer. Nem ela mesma entendia.

Queira Deus que Adrian fosse um homem que mantivesse suas promessas, ou bom, envergonhava-se só de imaginar as repercussões.

Respondeu-lhe o mais calma que pôde.

— Já o olhei, é claro. Sinto-me responsável quando alguém fica incapacitado por minha culpa.

Seus lábios se estiraram em uma espécie de sorriso.

— Incapacitado? Eu acredito que lhe poderiam ter golpeado com uma mesa, e ainda sobreviveria. Mas sinto curiosidade, Emma. Quão responsável se sente por seu bem estar?

Esta era a prova. O julgamento por tortura dos Boscastle. Os olhos

azuis de Heath em seus pensamentos mais profundos como de um saqueador de tumbas exumando um livro que continha os segredos do universo. Ele não sabia nada. Como podia saber?

Além disso, ela era uma mulher adulta, não uma debutante; embora até esse momento nunca tivesse nenhum motivo para mentir a sua família.

— Sinto-me responsável em grau extremo. — replicou, sem fraquejar a voz, desafiando-o com sua atitude. Irmão e irmã estavam igualados no campo de batalha dos Boscastle.

— Em grau extremo. Interessante escolha de palavras, Emma.

— Esperava menos de mim? — inquiriu ela em tom similar, enviando delicadamente a bola de volta a seu campo.

Ele vacilou.

— Não recordo nenhuma situação como esta no passado, pela qual julgar.

— Certamente me conhece o suficientemente bem, para perceber que sempre cumprirei com minhas obrigações.

Ele ficou olhando-a com tanta ternura, que se sentiu tentada a jogar-se em seus braços, e rogar por sua compreensão, por seu conselho. E se investigasse um pouco mais poderia ver-se empurrada a essa ação humilhante.

Mas Adrian lhe tinha dado sua palavra de que ninguém mais nunca saberia. Era seu segredo. Seu pecado compartilhado.

A voz de Heath penetrou em seu devaneio.

— A linha entre dever e inclinação, frequentemente é imprecisa, e se não olhar por onde anda...

— Então as pessoas se chocam com um móvel. — tocou-lhe o ombro.

— Obrigada por sua preocupação! — lhe disse com deliberada ligeireza.

— Vai visitá-lo?

— Está acordado?

— Estava a um momento. Entretanto não posso assegurar com que

humor estará. Parece ter problemas para aguentar sua debilidade. —

embora debilidade não descreveria absolutamente esse diabo viril, que não só tinha encontrado uma fresta em sua armadura, mas tinha despertado instintos femininos que estavam adormecidos a muito tempo.

Em um só dia tinha descoberto que o homem que achava um admirador decente era de tudo menos isso, e o homem com passado indecente tinha defendido sua honra; bom, faltava ver como era ele exatamente, e por que se sentia obrigada nesse momento a defender seu interesse por ele.


*****
Durante a primeira noite de sua recuperação, choveu. Adrian esqueceu quão diferente eram as chuvas inglesas das tormentas que varriam o longínquo Oriente. A chuva inglesa impregnava profundamente, até a própria medula. Apesar disso, ou talvez por isso, caiu em um sono intermitente com o miserável clima onde tinha nascido como pano de fundo.

Teria achado que sua situação era divertidamente cáustica, se não

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fosse porque o láudano7 fez efeito. Sentiu que seu poder soporífero se filtrava em seu sistema, e mais abaixo, o calor de Emma Boscastle penetrando ainda mais. O tato da mão de uma dama gentil. Uma suave voz lhe repreendendo.

A porta se abriu lentamente.

Adrian levantou os olhos, com um sorriso jogando em sua boca. Por favor, que volte. Provavelmente necessitaria uma desculpa. Que tinha esquecido fechar as cortinas, ou que não tinha movido o banco do meio do aposento, para que não tropeçasse no meio da noite. Por uma vez se comportaria bem e não a incomodaria. Rogaria seu perdão e lhe prometeria comportar-se bem se ficasse e conversasse com ele. Sabia o que estava pensando dele. Era um pobre amigo que se aproveitou

dela, um canalha, um sedutor. A verdade era que somente teve duas amantes em sua vida.

Uma foi uma cortesã de pouca categoria, que lhe tinha ensinado tudo o que morria de vontade de conhecer sobre o sexo. Sua última aventura, de longa duração, foi com uma dama francesa da Alta Sociedade, que lhe ensinou tudo o que nunca desejou conhecer sobre o amor.

— Vai se aproximar ou não? — perguntou em voz baixa. — Se o fizer me desculparei pelo que fiz.

As cortinas da cama se abriram rodando em seus anéis. Reclinou-se com pose relaxada nos travesseiros. Tinha que conter-se e esperar com paciência que se aproximasse.

Suas boas intenções se voltaram contra ele. Não foram os traços delicados, etéreos de Emma os que se materializaram entre as sombras.

Foi o rosto magro e cínico de seu irmão, o Tenente Coronel Heath Boscastle, que olhou fixamente para Adrian por vários segundos, significativamente, antes de perguntar com sorriso cauteloso.

— Desculpar-se por que, exatamente?

Um cavalheiro menos experiente se derrubaria sob esse tenso olhar de esfinge. Adrian recordou os rumores dos espiões franceses que falavam em segredo a respeito do enigmático inglês de fala suave, que nunca se quebrara sob tortura.

Frequentemente Adrian se perguntava o que sua coragem custou pessoalmente a Heath. Não saberia nunca ninguém. Heath era o tipo de homem que encolhia os ombros, fosse com os elogios ou com o reconhecimento do que ele considerava seu dever. Presumia saber que levaria seus segredos à tumba. Era um bom oficial.

De fato, Adrian mais de uma vez tinha lamentado não ter se alistado com os militares britânicos e ter brigado junto aos irmãos Boscastle e seus iguais. Ele nunca formou laços de camaradagem com seus pares, como outros oficiais nobres. Mas bom, ele esteve fugindo de sua

identidade aristocrática. De fato, foi-se da Inglaterra aos dezesseis; sua vida era insuportável pelos sarcasmos de seu pai. Tinha conhecido Heath pouco depois, em uma academia militar prussiana. Heath caminhou para uma tranquila, mas privada glória. Adrian se entregou a aventura e a glória mais sombria.

Entretanto ainda recordava a última conversa que teve com o homem que agora reclamava ser seu pai, Guy Fulham, Duque de Scarfield. Bom, tinha tentado escutar as escondidas, até que Scarfield o pegou, agarrando-o pelo pescoço e o humilhado no meio de uma festa na casa.

— Olhem-no, escutando atrás da porta, como um sujo trombadinha.

Mas não deveria me surpreender, verdade? Sua mãe não era senão uma puta, e seu pai natural um soldado. Por favor, se nem sequer era um oficial. Só um ordinário, ignorante soldado, que nem sequer teve a habilidade de sobreviver um ano no campo de batalha.

Sua vida começou a ter sentido nesse momento. Seu pai se afastou de Adrian desde a morte de sua mãe quatro anos antes. Não demorou muito tempo para perceber uns quantos fatos indesejáveis, e entender seu lugar no mundo. Não compartilhava sangue com o velho Duque, e ele o queria fora de sua vida. Pouco depois os abusos e a maligna negligência do homem que ele achava ser seu pai, tomaram dramático sentido. Constance, sua jovem mãe, aparentemente teve um amante, um soldado raso de passagem pelo povoado, e por isso o Duque odiava a presença de Adrian.

O velho bode pensava que seu herdeiro era um bastardo.

A revelação deveria ter quebrado o espírito de Adrian. Outro rapaz teria se envergonhado, ao ser lembrado repetidamente que era produto de uma relação adúltera.

Em vez disso, alegrou-se imensamente. Proporcionou-lhe um novo propósito de vida. Decidiu chegar a ser um soldado valoroso com ânsias de sangue, como seu verdadeiro pai. Mostraria ao Duque o que pensava

de seu fechado e antiquado mundo. Chegaria a ser um grande militar aventureiro, rico e poderoso, e ostentaria seus êxitos sob o nariz da aristocracia.

Só que o resultado não foi esse. Vingança. Como Adrian descobriu depois, e uma vez em marcha, não havia volta atrás. Era tão vítima de sua vingança, como autor.

Não tinha contado com que o resto do mundo não estaria precisamente de acordo com seus planos. Ou ele mesmo. Brigar tirou quase toda a raiva. De fato, saciou-se de tanta violência, que ficou insensível.

De acordo, teve aventuras militares. Só que sua reputação era de mercenário, não de herói. Tinha treinado soldados nativos para reforçar as forças britânicas, e sufocou insurgentes na batalha contra o avanço dos franceses nas colônias. Os governantes, que apreciavam ter escapado das facas assassinas, tinham-lhe recompensado com ouro, rupias e diamantes. Tinha protegido os direitos comerciais da Companhia das Índias Orientais, e seus interesses mercantis em Bombay, Madras, China, Pérsia e Índia. Construiu a reputação de brigar em qualquer parte por um preço.

E então, há um ano mais ou menos, o Duque teve o descaramento de lhe pedir que voltasse para casa, declarando estar afligido de uma enfermidade mortal. Escreveu-lhe que esperava que fizessem as pazes.

Sua casa? Infernos, ele só voltou para a Inglaterra porque seria uma loucura recusar uma herança que era sua por direito. Nenhuma outra razão, exceto que estava preparado para estabelecer-se. E se quisesse reclamar uma mulher proibida para ele por seus laços de amizade?

— Adrian.

Ele olhou para cima, mal-humorado pela leve recriminação na voz de seu anfitrião.

— Perguntei-lhe por que está se desculpando.

—Desculpando-me? Ah! — franziu o cenho. O golpe da cabeça devia

ter alterado seu cérebro, depois de tudo. Raramente dava voltas ao passado. — Bom, sinto muito por todo o trabalho. É embaraçoso que lhe rompam uma cadeira na cabeça e terminar mimado como uma virgem vestal.

Heath suspirou.

— Estava defendendo minha irmã. Não precisa se desculpar por isso.

Adrian olhou o outro homem franzindo o cenho.

— Exceto que o verdadeiro culpado escapou, e desmaiei aos pés de sua irmã como uma menina. De fato, agora que penso nisso, tenho em mente terminar o que comecei. Onde reside Sir William?

Heath negou com a cabeça.

— Drake e Devon estavam planejando tomar o café da manhã com ele quando Emma pediu ajuda. Ela não se inclina para o escândalo como outros. Ignora-o por ela.

— Não necessito ninguém mais! — disse acalorado. — Posso desafiá-

lo sozinho. Ou não.

Heath riu.

— Na realidade, amigo, temo que não seja capaz nem de ficar em pé por si mesmo neste momento, e menos até lutar em um duelo.

— Maldito seja o inferno! — disse Adrian suavemente. — Vai insistir em que fique?

— Acho que necessita de outra colherada desse sedativo.

— Acho que necessito a garrafa inteira!

Capítulo06

Emma subiu voando as escadas, o que se converteu em um calmante ritual noturno. Heath, generosamente havia reaberto o último andar de sua casa da cidade, como dormitórios privados para as pupilas internas.

Por um breve período, seu irmão mais novo Devon também tinha permitido usar sua casa para a escola, mas Heath podia prover alojamentos mais espaçosos, e como ele e sua esposa Julia viajavam frequentemente, este era um acerto mais conveniente. Naturalmente, Emma esperava estabelecer a academia algum dia em um lugar próprio.

Agora que seus irmãos tinham encontrado uma esposa, bom, já era hora. Esperava que para finais do verão pudesse decidir-se por um lugar no campo.

Pela primeira vez o pensamento de suas pupilas e seus rostos jovens, esperançosos e às vezes impertinentes, fracassou em despertar seu espírito lutador. Tinha traído cada uma dela com seu deslize dessa noite.

Transformou-se no mais espantoso de todos os males da sociedade; uma hipócrita, e talvez em algo pior.

Não se atrevia a lhe dar nome, mas o fato, feito estava. O mais assombroso foi à facilidade com a que se perdeu no prazer sensual. Não se achava capaz de tal gozo físico.

Fez uma pausa na soleira do ordenado hall do apartamento de cobertura, para acalmar-se. Agora tinham treze garotas. Suficientes, pensou distraidamente, para uma reunião de bruxas. Verdadeiramente, idealizavam suficientes travessuras para alterar sua diretora.

Na última quinzena, outras quatro senhoritas que viviam fora de Londres tinham apresentado solicitações para entrar na academia. Uma de suas estudantes atuais dizia ter antepassados reais. Outra estava comprometida com o primo de um Marquês francês. Naturalmente, os

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pais de Mademoiselle desejavam dar a sua filha um certo " savoir

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faire ", antes que partisse para residir em Burgundy. Que lhe confiassem o aperfeiçoamento de Senhoritas da Alta Sociedade, que teriam grande influencia no mundo, era um dever sagrado para o coração de Emma.

Uma conhecida de seus próprios dias escolares, Lady Clipstone, converteu-se em sua inimizade número um, ao estabelecer sua própria academia apenas um mês antes; fazendo Emma ficar mais decidida a triunfar.

E agora, depois desse dia, dessa noite...

O que foi sua indiscrição? Um ato inqualificável que supunha fingir que não tinha acontecido.

“Morro de desejo por ti!”

Desejo. Por ela. Um sorriso espontâneo cruzou seu rosto.

Sabia como a chamavam. A Delicada Ditadora. A senhora desmancha-prazeres. Ninguém acreditaria que era a mulher que só meia hora antes quase tinha sucumbido a sedução de um mercenário. Nem sequer ela mesma, e, entretanto, bom, quase o tinha feito. Seu sangue tinha borbulhado com toda a possante paixão de seus ancestrais Boscastle.

Pensou que não era diferente em nada. De fato, poderia terminar pior que seus irmãos. Pelo menos eles pecavam abertamente e não se desculpavam por isso.

Emma decidiu deixar sua imprudente conduta em segredo. Ou pelo menos isso esperava. Em todo caso, perdoaria a si mesma menos do que tinha perdoado a sua família, se sua indiscrição viesse à luz. Foi uma dura juíza com as maldades de seus irmãos. Provavelmente todos estavam talhados pelo mesmo padrão.

Um suave ronco brotou de uma das camas de suas adormecidas pupilas. Suspirando, caminhou lentamente pelo aposento.

Deveria ter adivinhado que a inquieta moça era uma de suas pupilas mais recentes, Harriet Gardner, um caso de caridade proveniente das

bocas-de-lobo de St. Giles. Perguntou-se pelo menos cem vezes desde esse dia porque tinha tomado Harriet, a de cabelo como fogo sob sua asa, por que tinha decidido ajudar a uma malandra de rua, que jurava que nunca se reformaria.

Temia que tivesse muito a ver com seus instintos maternais, que por muito que tentasse, não podia negar. E o fato de que aos dezessete anos sua família a tivesse preparado para uma vida de furto e prostituição. Emma sofria por ela. Que oportunidade tinha em Londres uma moça como ela? Sua difícil situação lhe chegava profundamente, e ao mesmo tempo, desafiava Emma, pois já tinha aprendido que havia problemas nos quais não podia ajudar.

Como esperava, Harriet era quem soltava os ofensivos roncos, com seus magros dedos brancos ao redor do pau com o qual dormia cada noite. Emma se inclinou para lhe arrebatar a arma, mas parou.

Quem sabia os horrores que Harriet enfrentava em seus sonhos? Ou os quais tinham encarado na vida? Enquanto se endireitava, Emma supôs que se necessitava um pau para poder dormir, podia permitir-lhe uns dias mais.

— Asqueroso fanfarrão! — gritou Harriet sentando-se na cama

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levantando o pau. — Devolva-me minha guinea , ou o golpearei em sua tripa de porco!

Emma ficou branca e correu para lhe tirar o pau, sussurrando:

— Harriet, Harriet, acorde! Só é um sonho, minha querida. — então, mais suavemente, acrescentou. — Está a salvo nesta casa, ouve-me?

Não há... — a língua lhe travou com a palavra fanfarrões asquerosos. —

só amigos!

— Lady Lyons? — Harriet piscou várias vezes antes de lhe oferecer um sorriso envergonhado, ao reconhecer Emma. — Isto deveria lhe ensinar a não aproximar-se nas pontas dos pés de alguém que dorme. Quase a

derrubo, como a um pássaro de mau agouro, senhora Princum Prancum.

Emma a olhou sem pestanejar, pensando que não podia permitir que duas pessoas a "derrubassem" em um só dia.

— Já a adverti sobre a linguagem, Harriet. — fez uma pausa. — E

sobre essa pronúncia. Pronunciou um "h", e desafia as regras fonéticas muito frequentemente. De fato, sua dicção poderia parar um desfile de Guardas a Cavalo.

Harriet sorriu de orelha a orelha.

— Bom, obrigada, Madame! — colocou seus ossudos joelhos em sua muita lavada camisola, e se acomodou para um largo bate-papo. — Está rondando tarde, não? Esteve fazendo amizade com Sua Graça? Bonita aparência a desse tipo. Uma garota estremece perto dele.

Emma sentiu que o couro cabeludo se arrepiar. Ou Harriet tinha poderes quase sobrenaturais, ou parecia tão culpada como se sentia.

— Baixa a voz Harriet, e pare com esses comentários grosseiros! Sua Graça.., por Deus, não herdou ainda. É Lorde Wolverton para nós.

— Lobo! — corrigiu Harriet com um sorriso cúmplice. — E não sabemos o que isso quer dizer?

Emma levantou uma sobrancelha, assombrada.

— Se soubermos, certamente não o admitiremos, e não compartilharemos nossa embaraçosa percepção com as demais, mais inocentes. — disse desconcertada.

Ao lábios de Harriet subiram.

— Alguém deveria educá-las, verdade?

Emma estava se sentindo um pouco enjoada, uma reação tardia, estava segura, de sua não planejada lição de amor.

— Não nessas matérias, menina. Quando uma mulher se casa, bom, seu marido é o melhor para instrui-la nesses assuntos.

Harriet soprou.

— O cego guiando ao cego, em minha ignorante opinião. Se quer nos

dar uma educação adequada, deveria nos levar à casa da Sra. Watson na Rua Bruton, algumas noites. Escutei dizer que dá lições de amor.

— Me gela o sangue com a mera sugestão!

— Não estaria gelada por muito tempo nesse lugar!

—Tranquilize-me, Harriet, diga que nunca esteve empregada nesse lugar. — sussurrou Emma, doente só de pensar.

— Estive uma vez. — sussurrou Harriet. — Mas só como uma ajudante de criada, até que me pegaram olhando por uma fechadura. Céus, as coisas que vi. Alguns deles fazem coisas não naturais, sabe o que quero dizer? Os lugares onde os homens colocam seu...

Emma fechou os olhos.

— Nunca, mas nunca, nunca, deve admitir ante ninguém outra vez, que trabalhou em um bordel. Entendeu? Esse tipo de coisas ficou para trás.

Vamos pensar que nunca ocorreu. — ao menos este era o conselho que o pai de Emma sempre dispensava quando enfrentava as travessuras de seus filhos. Entretanto Emma não estava segura de que se pudesse esquecer sempre.

Harriet a estudava com uma intensidade desconcertante.

— Alguma vez fez algo mau em sua vida, Lady Lyons?

— É claro. Todos o fizemos.

— Não estou falando de roubar uma bolacha da bandeja do café da manhã. Quero dizer algo verdadeiramente perverso. Pecaminoso. Sendo mulher adulta. Algo que a manteve acordada de noite.

Emma negou com a cabeça.

— Uma dama nunca perguntaria, e você goste ou não, pelas boas ou as más, será uma dama. Agora vá dormir. Sua voz está incomodando as demais.

Harriet se afundou na cama, só para apoiar-se em um cotovelo.

— Não a trairei se for boa comigo.

Emma se virou ao pé da cama, a nuca arrepiada.

— Trair-me? — sabia que era melhor ignorar o sarcasmo. — O que está dizendo?

— Sua rival, Madame. Essa peito plano de Lady Clipstone. Mandou cartas aos pais de todas as garotas lhes oferecendo instrução grátis três meses.

Emma fechou os olhos.

— Essa vingativa mulher!

— Sim. E quer ouvir o pior?

—Não, não quero! — Embora naturalmente, Emma quisesse.

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— Está tentando me levar. Moi . Ali. Isto é uma lição de francês. Não está orgulhosa?

Emma sentiu que estava à beira de um colapso.

— Por que, me diga, por favor, Lady Clipstone iria querer levá-la, Harriet?

Harriet golpeou a têmpora com o indicador.

— Para pegar este velho cérebro daqui.

— Para que? — perguntou Emma vacilante. — Acaba de começar sua vida como jovem dama.

— Bom. Tenho muitos segredos guardados, já sabe. Vejo e escuto tudo!

— Vê e escuta tudo! — disse Emma com voz resignada. — Está aqui menos de quinze dias. Imagino que não houve nada para ver ou ouvir de muito interessante.

— Está equivocada, então, — replicou Harriet com sorriso sagaz. —sou como um ratinho, estou em todas partes!

Emma a olhou penalizada.

— Bom, o que seja que imagina ter visto ou ouvido, confio que guarde isso para si mesma. Tem que se concentrar em suas lições, Harriet.

— Morderia a mão de quem me dá de comer? — zombou Harriet. —

Demônios, não é provável, verdade?

Emma respirou.

— Espero que não!

— Fico com a senhora no bom e no mau, Lady Lyons.

— Que afortunada sou! — murmurou Emma voltando-se para as outras camas. Como, em nome do céu, iria transformar esta problemática moça em uma dama?

— Mantenha o queixo alto amanhã, Lady Lyons. Não a deixe atirá-la no chão.

— O que quer dizer? —perguntou Emma com os dentes apertados.

— Quero dizer que quando Lady Clipstone uma vez que fareje o escândalo, e esse "Lobo" é um escândalo, se alguma vez vi um, dos bons. — passou a mão pela garganta. — Será o fim!

Emma arregalou os olhos.

— Acredita que é tão fácil me derrotar?

Harriet deslizou sob a colcha.

— Não comigo a seu lado. A senhora arranha minhas costas e eu arranharei a sua. Fazemos um trato?

— Antes faria um trato com o demônio, Harriet. Mas se tiver que lhe dar a mão para ganhar sua confiança, farei-o.


*****
Harriet esperou outros quinze minutos antes de pôr seus pés nus no chão, e começou a despertar o resto das moças.

— Bem. — disse, enquanto as outras doze bocejavam ressentidas. —

Quem quer divertir-se esta noite?

A senhorita Lydia Potter cruzou os braços sobre seu proeminente busto.

— Minha ideia de diversão não é andar correndo por um úmido beco para esquadrinhar pela janela de outro bordel.

Harriet a olhou com desprezo.

— Quem quer ver o duque e defensor de Lady Lyons em carne e osso?

Uma a uma as outras moças deixaram a conversa de lado e olharam para Harriet desconcertadas.

— O que quer dizer? — perguntou uma delas.

— Quero dizer exatamente o que disse! — respondeu Harriet. —

Alguém está interessada? Ou estão muito assustadas para dar uma boa olhada ao tipo de homem com o qual aspiram se casar?


*****
Uma chiante voz feminina invadiu seu prazeroso sonho. Por um instante pensou que era Emma outra vez. Lutou através de sua confusa mente drogada para responder, risadas ao pé da cama. Com certeza não era ela fazendo esses ruídos aborrecidos.

Estremeceu, esforçando-se para responder. Finalmente abriu os olhos e viu o rosto travesso de uma senhorita, cujo malicioso sorriso despertou como se lhe tivessem atirado um balde de água fria no rosto. Sua mão estava retirando os lençóis.

— Girino do demônio! — gritou aborrecido. — Onde está minha espada? Vou cortar sua maldita cabecinha!

A garota pulou para trás, fora de seu alcance. Para seu desgosto, descobriu um grupo de moças atrás dela, olhando-o da porta com olhos enormes e espantados.

Ele se levantou cambaleante, zigue zagueou vários passos através do aposento, com a roupa de cama enrolada nas pernas. As moças se afastaram com gritinhos medrosos.

Logo percebeu que Emma não estava entre o grupo de tolas mulheres gritonas, e subitamente, enquanto a vertigem o sobressaltava, perguntou-se se ainda estava sonhando.

— Vão embora, praga de duendes! — grunhiu, agitando a mão com gesto ameaçador.

— Então este é o aspecto de um Duque. — murmurou atrevidamente

uma delas. — Nunca teria adivinhado que fossem tão grandes.

Tão grande? Viam partes impróprias de seu corpo? Estranhamente perdeu qualquer sensação da cintura para baixo. Mas ao parecer, ainda estava com a calça sob a bata. Sentia os pés como lajes de pedra.

Como através da névoa, escutou gritos abafados de terror, e as observava correr na escuridão como tímidos ratos. Que ousadia.

Incomodar um homem adormecido só para gritar de medo, como se ele tivesse instigado esta humilhação, tão fraco como, como havia dito ela antes? Como uma mariposa.

Fez um torpe esforço para expulsá-las, ou pelo menos lhes dizer que partissem. Mas a dose do sedativo que Heath Boscastle tinha insistido que tomasse, teria deixado um homem menos forte que ele dormindo durante três dias. Adrian, com sua resistência de aço, sentiria o efeito só até a manhã. Nesse momento lhe atordoava.

Por princípios, bramou uma vez mais para demonstrar sua ira, e se voltou a grandes passos à cama. A cabeça pulsava com força. Sentia os membros torpes e descoordenados.

Pela manhã, talvez recuperasse forças suficientes para perseguir os impertinentes ratos, e lhes informar que não era um homem com o qual pudessem brincar. Mas não antes de encontrar Emma Boscastle sozinha, para desculpar-se por tê-la ofendido.

Para ser honesto, não estava arrependido do que tinha acontecido. O

prazeroso interlúdio entre eles foi o único momento luminoso de seu sombrio retorno à Inglaterra. Era provavelmente o único ser humano, e sem dúvida a única mulher, que mostrou genuína preocupação por seu bem-estar sem pensar em receber algo em troca. Ele sempre sentiu uma estranha fraqueza por uma mulher com agudo engenho.

Quase todos neste detestável país se prostraram a seus pés ao saber que era herdeiro de um Duque. Como se essa desgraça de nascimento o elevasse de status.

Desgraça de nascimento. Durante seus anos de aprendizagem, isso era exatamente o que Adrian tinha chegado a acreditar que era sua existência. Uma desgraça. A consequência do pecado.

E não lhe tinha importado particularmente se essa crença era verdadeira ou não. Até umas horas antes, quando Emma Boscastle roubou uns confeitos do bolo de casamento para lhe agradar.


*****
Emma foi para cama com a débil esperança de que ao despertar, descobriria que no dia anterior não tinha ocorrido realmente nada. Mas o primeiro que pensou ao abrir os olhos, foi nele. Seu ferido Lorde escandaloso. Lorde Wolf mentindo, deitado. Ainda ferido, ou esperando?

Não tinha nenhum precedente sobre o que especular.

Entretanto, estava muito segura de que, quando enfrentasse durante o dia suas estudantes, esses selvagens brotos de futuras mulheres, seriam capazes de tirar de sua mente Adrian Ruxley e reatar seus assuntos cotidianos. As exigências do ensino nunca a deixavam que se distraísse.

Chovia levemente e o carvão da lareira acabou deixando aroma de cinzas antigas, e umidade no aposento.

Encolheu-se sob o edredom e escutou as rodas das carruagens salpicando água, e os cascos dos cavalos nos atoleiros da rua. Através do rítmico repico no teto da casa, escutou tenuemente os gritos dos vendedores de bolos oferecendo seus artigos recém-assados. Seu estômago vazio grunhiu.

Subitamente sentiu um apetite voraz, fome de algo mais substancial que seu costumeiro café da manhã com chá, torrada, e uma magra fatia de queijo branco. Talvez carne recheada e bolo de cebola. Uma comida para fincar o dente.

Levantou-se lentamente da cama. Sentia o corpo inexplicavelmente exuberante e ágil. Inclusive o ar frio parecia acariciar sua pele. Como

tinha ousado. Lavou-se animadamente com seu precioso sabão espanhol de flores de laranjeira, geralmente reservado para as ocasiões especiais, como aparições na corte, ou manhãs de Natal. Bom, hoje era um dia especial. O dia em que ela voltava para a vida ordinária que tinha escolhido. E as jovens damas, cujos pais as tinham confiado para que inculcasse em suas filhas os mais altos valores.

Perguntou por Lorde Wolverton no café da manhã e Heath lhe informou que aparentemente Adrian continuava com vida, embora dormindo.

Emma teve medo de perguntar o que queria dizer com isso.

Por agora parecia melhor deixar dormir os lobos. Se Adrian passou uma noite tranquila, era mais do que podia dizer de si mesma.

— Se está preocupada com ele. — acrescentou Heath atrás do diário da manhã. — Estarei feliz de acompanhá-la a seu quarto.

Ela negou, descartando-o.


— Talvez mais tarde. Tenho um dia muito ocupado. É possível que o visite quando tiver oportunidade de descansar.

Ele levantou uma sobrancelha, ao menos isso foi o que imaginou, pois ainda tinha o rosto atrás das notícias. Ela só podia assumir que ainda não havia nenhuma menção nos jornais da briga no casamento.

— Posso lhe dar lembranças de sua parte enquanto isso? —

perguntou-lhe, enquanto ela se levantava da mesa.

Ela suspirou.

— É claro.

— E lhe explicarei, — continuou com tom casual — o quão ocupada esta. Muito ocupada para se sentar ao lado de sua cama.

Ela ficou olhando a porta. Recordou-se o muito que queria a seus quatro irmãos. Realmente os queria, embora a provocassem.

— Deveria dizer de uma maneira menos brusca.

— Não se preocupe pelos sentimentos de Wolf, Emma. Não é do tipo que soluça pela falta de cortesia.

— Estou certa disso.

— Eu me ocuparei dele por você. — sussurrou ele.

Ela pegou o trinco da porta.

— É um consolo para mim.

Ele soltou uma risada.

— Sabia que seria!

Capítulo 07

Adrian despertou mais tarde essa manhã, com uma leve dor de cabeça que lhe recordava os vergonhosos sucessos que o tinham levado a essa humilhante situação. Imediatamente pensou em Emma e se perguntou quando voltaria a vê-la ou se ela tentaria ignorá-lo. Bocejou, e acabava de abrir as cortinas da cama, quando escutou uma mulher atrás da porta. Não soava como a voz suave e agradável da Emma. Talvez fosse uma das ratinhas que na noite anterior tinham achado divertido estudá-lo enquanto dormia.

Levanto-se, chegou à poltrona de cetim rosa e tentou acomodar seu grande corpo nas almofadas bordadas, em uma pose masculina e intimidante. O esforço fez com que as têmporas lhe palpitassem levemente em protesto; era uma dor surda que podia ignorar, e que logo desapareceu.

Soou um leve golpe na porta. Uma voz de mulher perguntou:

— Está acordado, Lorde Wolverton?

Ele levantou as sobrancelhas. Essa não era a voz de um camundongo.

— Sim.

— Podemos visitá-lo? Sou a esposa de Heath, Julia, e minha prima política, Charlotte. Não ficarei muito tempo.

Ah Julia, a esposa de seu anfitrião, Lorde Heath. Definitivamente, não era o tipo de dama que acossa um estranho enquanto dorme. Seu marido era outro tema. Adrian sorriu recordando o escândalo que esta ruiva, filha de um Visconde, tinha causado justo antes de seu casamento, no ano anterior. Por turnos, Londres se tinha escandalizou e deleitou quando desenhou um esboço com as partes pouco respeitáveis de Heath, em uma caricatura de Apolo, e o tinha perdido, só para descobri-lo impresso nos jornais.

— Por favor, Julia, entre.

— Que bom. Está acordado. — disse ela aliviada. — E faminto, espero.

13

Quer que diga a seu valete que suba para barbeá-lo, antes, ou depois do café da manhã? Esteve toda a manhã com seus artigos pessoais.

Tem um prato de ovos com toucinho, quente. Nunca pensei que o veria prostrado, Adrian.

Apoiou-se no degradante móvel. O que teria gostado era de ver a Emma ao lado de Julia, em vez da companheira loira e atraente, que não tinha baixado seus olhos azuis rápido o bastante para esconder as risada neles. Suspirou. Só porque tinha prometido não recordar Emma sobre a noite. Não contar nada não significava que tivesse perdido a esperança de ter outra oportunidade.

Subitamente se sentiu irritado pelo facilmente que tinha forçado seus afetos, ao tê-la empurrado prematuramente a intimidade.

— Lorde Wolverton? — perguntou Julia, aparentemente preocupada com seu momento de distração. — Mando procurar o doutor? Sente-se mal?

— Talvez devêssemos chamar Lady Lyons. — disse Charlotte da porta.

— Espere! — disse Julia, com olhos faiscantes. — Está ensinando maneiras na mesa esta manhã. Já sabe como lhe desagrada que a interrompam em meio desse ensino tão crucial.

Maneiras na mesa. Adrian conteve um sorriso. Podia escutar sua voz refinada enquanto reiterava a suas debutantes a importância de não trespassar as ervilhas com a faca.

— Lorde Wolverton. — disse Julia outra vez, um pouco mais forte. —

Deixe que lhe olhe os olhos.

Ele piscou. Era uma mulher alta, imponente, e aparentemente não podia ignorá-la. Supostamente Heath Boscastle esteve apaixonado por ela durante anos, e quase a tinha perdido quando partiu para a guerra.

Agora que pensava nisso, Adrian pareceu recordar que o assunto

amoroso surgiu depois que Julia lhe disparou no ombro. Assumiu que foi um acidente. Não podia estar totalmente seguro. Os Boscastles tinham tendência a casarem-se com companheiras de coração forte, que contribuíam para perpetuar a apaixonada casta.

— Por que quer olhar meus olhos? — exigiu de Julia de repente.

— Para julgar quão alerta está.

— Estou respondendo agora, não é verdade?

Julia levantou as sobrancelhas.

— Sabe Charlotte, depois de tudo não seria má ideia ir procurar Emma.

— Por quê? — perguntou-lhe Charlotte divertida.

— Porque está acostumada a lidar com intratáveis!

— E com os socialmente ingratos! — acrescentou Charlotte, com sua boca curvando-se em um sorriso.

— Perdoe-me! — disse Adrian. — Vocês duas vieram zombar de mim?

— Só estamos pensando em seu bem-estar! — disse Julia com tranquilidade.

— Meu bem estar. — esteve tanto tempo fora da Inglaterra que as mulheres se tornaram liberais ao expressar suas opiniões? Ou era influência dos homens Boscastle? Não é que fosse pensar muito no assunto, mas se um dia se casasse, apreciaria uma mulher que não se assustasse com sua sombra. Ou a dele.

Matrimônio. Supôs que é o que se esperaria dele, se decidisse aceitar seu legado. A criação de filhos e cavalos era parte do pacote, e não era uma possibilidade desagradável para o futuro.

14

— Recalcitrante . — resmungou ele. — Despejado.

Julia riu.

— Talvez o último seja um exagero, mas tem que entender que minha cunhada é quem cuida da família. E, bom, todos somos um pouco intimidados por ela.

— Um pouco? — disse Charlotte rindo.

Intimidados? Adrian sorriu por dentro. De certa forma podia entender como podia intimidar Emma. Ele esteve, até que ficaram sozinhos e se suavizou, baixando a guarda.

— Ela se referia, — disse Charlotte — é que a Emma dedica sua atenção intensamente a aqueles de nós em quem percebe alguma carência.

Outra pessoa entrou no quarto antes que Adrian pudesse refletir sobre esta revelação. Levantou os olhos com a esperança que pudesse ser a própria Emma, para lhe dedicar toda sua atenção. Era seu irmão Heath.

— Nosso herói está demonstrando suas carências esta manhã? —

perguntou irônico, aparentemente ao menos, escutou a última parte da conversa. Foi direto para o lado de sua esposa e passou um braço por sua cintura.

— O que estávamos discutindo, — disse Julia, apoiando-se comodamente no braço de Heath. — é que Emma se sente bem ajudando aqueles que necessitam.

— Ah! — sorriu Heath. — Temo que seja verdade. Minha irmã provavelmente vai se inquietar por você sem misericórdia, enquanto permaneça sob seus cuidados.

— Sério? — Adrian conseguiu parecer educado, mas desinteressado, embora estivesse pendente de cada palavra. Sob seus cuidados. Por que essa frase era tão atraente? — Farei o melhor possível para não necessitar de sua atenção. — disse depois de uma breve hesitação.

Heath encontrou seu olhar.

— É uma boa ideia!

Eis aí uma advertência. Adrian tinha falhado ao tentar ocultar seu interesse por Emma.

— Minha irmã nunca fica mais feliz, — continuou Heath. — que quando está inculcando maneiras em quem não as tem.

— Espero que possa esquecer o que aconteceu ontem. — disse Adrian com um sorriso débil. E sem mencionar a noite anterior. Poderia perdoá-

lo? Poderia fazer acreditar que o que tinham feito era tão pouco comum para ele, como o tinha sido para ela?

Heath encolheu os ombros.

— Ela estava como sempre no café da manhã.

Adrian se moveu na poltrona. Sentia-se incomodo, com as pernas cruzadas a altura dos tornozelos, para que os pés não ficassem pendendo no ar.

— Falando no assunto, — Heath continuou, mas dirigindo-se agora as damas — seu Lobo parece magro e faminto. O que lhes parece oferecer um café da manhã para fortalecê-lo, antes que chegue o doutor?

Adrian grunhiu. Tinha na ponta da língua insistir que não havia nada errado com ele, que precisasse da visita deste enganador. Mas algo o deteve. Cruzou os braços na nuca. E soube o que, ou melhor, quem era.

 

*****
Se Emma tinha necessidade de prodigar sua atenção com alguém de más maneiras, tinha encontrado a fôrma de seu sapato em Adrian.

Nunca um homem necessitou mais essa mudança. Perguntou a si mesmo relaxadamente se ela seria capaz de enfrentar o desafio. E como poderia apresentar seu caso, de maneira que ela não pudesse rejeitá-lo e que não ofendesse sua família. Emma não podia concentrar-se.

Seu rosto invadia constantemente seus pensamentos.

Esse rosto duro, fascinante. Era estranho, refletiu, mas de certo ângulo, a luz captava seus ossos poderosos, e ele parecia tão frio e distante como um deus nórdico. Entretanto, quando sorria ou zombava, parecia vulnerável, simplesmente um homem que tinha perdido o rumo.

Ficou olhando o manual de etiqueta que estava lendo em voz alta. Não pôde achar onde parou. Nem sequer pôde recordar o que era, ah sim,

maneiras na mesa. Tão essencial.

— Caçando moscas, não? — perguntou Harriet, com voz desavergonhada, conseguindo que a atenção da Emma voltasse de um salto ao presente.

Limpou a garganta. Agora até uma menina esfarrapada se achava com direito de lhe chamar a atenção.

— Aprendem-se maneiras na mesa praticamente desde o nascimento.

— disse, sentindo a calidez familiar. — Uma babá diligente não deixa nunca que o menino a seu cuidado coma ovos sem um babador de linho limpo. E inclusive o bebê menor deve aprender a não manchar.

Parou, distraída ao ver que uma aluna desabada na carteira.

— Deus do céu! — exclamou. — Está dormindo a Srta. Butterfield? Isto não deveria ocorrer nunca.

— A culpa é de Harriet — resmungou uma das garotas. — Ontem à noite nos manteve acordadas a todas.

Emma deixou seu livro na escrivaninha com um ruído leve.

— Amy, Amy.

A Srta. Butterfield despertou com um sobressalto, envergonhada. As demais alunas sorriram malignamente. Nunca era agradável ser a parte receptora das recriminações da Sra. Lyons, mas era um entretenimento maravilhoso ser testemunha da repreensão a uma companheira.

Emma franziu o cenho. A imagem de uns olhos avelã e uma boca sensual, burlando em sua mente. Sua concentração se alterou. Isto não iria dar resultado. Como era possível que um homem a quem tinha conhecido no dia anterior, misturara-se nos princípios que a guiavam?

Não tinha acontecido. Ele tinha prometido.

Subiu o volume.

— Nossa próxima discussão será como usar uma colher e garfo.

Harriet se ajeitou na cadeira com um grande suspiro.

— Seguimos falando desse aborrecido tema?

— É sua culpa, Harriet Gardner! — explodiu a Srta. Butterfield, com lágrimas de raiva nos olhos. — Se incomodou comigo porque nos manteve acordada toda a noite com seus vulgares jogos.

Emma empalideceu. Outro fio se desenredava.

— Jogos vulgares? — aproximou-se da cadeira de Harriet. — Espero ter escutado mal. Não escapuliu ontem à noite levando as outras meninas? Não as envolveria em sua antiga vida?

Harriet abaixou a cabeça com atitude total.

— Não, Lady Lyons, por minha humilde alma, não sou culpada do crime pelo que sou injustamente acusada.

A Srta. Butterfield saltou de sua cadeira.

— Você, imunda garotinha de boca de lobo! Diga-lhe o que fez, então.

Diga-lhe Harriet Gardner.

Harriet levantou a cabeça de repente. Com os punhos levantados saltou disparada de sua cadeira, como um projétil, só para ser detida pela mão de Emma.

— A quem malditos infernos, está chamando suja, quero saber?

Quem?

Emma amordaçou a boca de Harriet com sua outra mão, sufocando o que sabia que seria uma enxurrada vergonhosa de palavrões, capaz de tirar bolhas dos ouvidos. A Srta. Butterfield sorriu maligna, para ser empurrada pelo cotovelo de Charlotte Boscastle de volta a sua cadeira.

Outra menina saltou em seu lugar.

— Não saiu da casa, fez-nos subir as escadas a todas, para que déssemos uma olhada ao herdeiro do Duque.

— Ao herdeiro do Duque? — disse Emma, horrorizada. — Incomodou Lorde Wolverton? — retirou a mão da boca de Harriet. — No que estava pensando?

Harriet retrocedeu.

— Só queria dar uma olhada enquanto dormia. Isso não é um crime,

não é verdade?

Uma das mais jovens falou.

— Ela nos ordenou olhá-lo enquanto dormia, Lady Lyons. Disse-nos que se procurávamos nos casar com um Duque, tínhamos que saber como era um na escuridão.

Emma não se atreveu a perguntar o que tinham visto.


*****
Menos de uma hora depois, Adrian estava reconsiderando a sensatez de prolongar sua recuperação como método pouco honrado para atrair a atenção de Emma. Nem sequer sabia se poderia permanecer prostrado outro dia mais. Os rudes homens que tinham brigado sob seu comando cariam na risada se o vissem tomando o café da manhã na cama.

Ele, que tinha recusado beber brandy quando um cirurgião o tinha suturado do pulso à omoplata, só com um pau apertado entre os dentes para reprimir os gritos de dor. Infernos. O cirurgião estava bêbado, e suava mais que Adrian.

Se ficasse uma hora mais nesta casa, seria apenas por uma razão.

Que não tinha absolutamente nada haver com feridas nem debilidade.

Tinha a ver com seu desejo de estar perto de Emma Boscastle.

E como ela tinha deixado dolorosamente claro que não desejava ter nada mais a ver com ele, teria que ser um pouco mais sutil a respeito de como arrumar-se com isso. Teria que comportar-se. E como nunca antes se preocupou em causar boa impressão, percebia que tinha um problema. Assim ficou na cama um momento mais, sem fazer nada, estudando as agulhas da igreja e o céu cinza que se viam pela janela.

Infelizmente, não tinha refletido muito, quando apareceu outra visita interrompendo sua concentração. Ele grunhiu por dentro ao reconhecer o primo de Emma, Sir Gabriel Boscastle, jogador agradável e soldado experiente, com um sombrio senso de humor, que tinha caminhado pelo lado perigoso da vida umas quantas vezes. No passado, brigou com

seus primos de Londres. E parecia que as duas feições da família tinham feito as pazes.

— Olhem nosso pequeno paciente. Escutei que ontem arruinou uma cadeira em perfeitas condições com sua cabeça.

Adrian grunhiu. Gabriel era um homem entre os homens, um mulherengo, e tinha vivido tantos anos como ele a margem da sociedade.

— Estou disposto a saltar da cama e estrangular a próxima pessoa que me recordar esse fato humilhante.

Gabriel lhe obsequiou com um grande sorriso.

— Ao menos puseram a descansar sua cabeça em lindas almofadas de seda. Quer que lhe traga flores?

Adrian riu a contra gosto.

— Acredito que poderia começar a ler revistas de moda.

— Deixando as brincadeiras de lado, está bem? — perguntou Gabriel balançando suas longas pernas em um banco.

— Que aspecto tenho?

Gabriel balançou a cabeça.

— Diria que espantosamente peculiar nessa poltrona. De qualquer maneira, por que continua aqui ainda?

— Suponho que me divirto facilmente.

Gabriel diminuiu o tom a voz. Tinha nascido com a beleza escura dos Boscastle e sua paixão pela vida.

— Não sabe o que lhe pode cair em cima.

Adrian se inclinou para frente com seu interesse despertado.

— Explique-se.

— Escape, meu amigo, enquanto tem a oportunidade. Este não é um lugar para homens como nós, que valorizam sua liberdade.

— Suponho que estará se referindo as jovens damas da academia —

replicou Adrian. — Acredito que posso mantê-las à distância.

— Demônios, elas não! — disse Gabriel rudemente. — Refiro-me a diretora, Emma. Parta a toda pressa e salve sua vida, antes que suas luvas o sujeitem com suas delicadas, mas mortais garras.

Agora a curiosidade de Adrian não só estava viva, mas explodindo.

— Fugir de Emma? Ela tem a metade de meu tamanho! — refletiu ele.

E mais do dobro de seu peso em espírito.

Gabriel sorriu sombriamente.

— Quando souber de seu miserável passado, moverá céu e terra para converter sua vida em correta e decente.

Adrian limpou a garganta. Gostava do pouco que sabia de Gabriel.

Mas, francamente estava mais intrigado pelas terríveis ameaças sobre as intenções de Emma, que desanimado.

— Tenho que lhe dizer Gabriel, que se ela tentou redimi-lo, não fez um bom trabalho.

— Alguns de nós estamos além da redenção! — respondeu Gabriel sem ofender-se.— Eu tento evitá-la tudo o que posso. É claro você não pode escolher. Sabe como a chama a família? A Delicada Ditadora.

Adrian escondeu sua diversão atrás de uma expressão insípida.

Ocorreu-lhe que Emma tinha desenvolvido sua facilidade de liderança por necessidade, em uma família de personalidades dominantes. Uma violeta delicada seria pisoteada prematuramente neste clã.

— Suponho que eu teria feito o mesmo ao ver que a insultavam. —

refletiu Gabriel. — De qualquer maneira, acredito que deveria ter se agachado antes de arruinar essa cadeira.

— Obrigado por seu bom conselho! — Adrian tirou uma almofada das costas para arrojá-la no peito de Gabriel. — Agache.

Gabriel pegou a almofada com um grande sorriso.

— Depois não diga que não o avisei. Jazer ferido aqui faz você o alvo ideal para uma das cruzadas de melhora de Emma. É realmente doloroso quando decide redimi-lo, porque, bom, há algo nela que faz

com que um homem deseje ser melhor. Ela prega você pretende escutar.

E então, antes de perceber, começa ouvir sua voz como um anjo de sua consciência, no ombro, justo quando está tentado a passar um bom momento.

— Bom, ela não vai ter sorte conosco.

— Em minha opinião, não. — Gabriel voltou a atirar a almofada de volta à poltrona. — Mas isso não significa que ela não vá tomá-lo como um desafio, e nos atormentar enquanto isso.

Adrian riu. Ninguém, que ele recordasse, tinha-o tomado nunca como causa. Soava quase agradável.

— Ela melhora mocinhas, Gabriel, não soldados com cicatrizes de batalhas, como você e eu.

Gabriel retrocedeu para a porta.

— Bom, continue acreditando. Ela pode polir você com cera de abelhas para uma de suas debutantes. Ou poderia sugerir antes de partir.

— Por que, em nome de Deus?

Gabriel sorriu.

— Porque enquanto tiver as mãos ocupadas com um pecador, não é provável que tente me reformar. Não deixe que sua delicada aparência o engane, Adrian. Emma é igual a seus irmãos quando se trata de obter o que quer.


*****
Começaram a palpitar as têmporas de Emma com força. O que tinha tomado conta dela, para acreditar que poderia converter uma menina do Beco de Seven Dials, em uma dama?

Deu uma olhada em Lorde Wolverton enquanto dormia.

Dormiu?

— A que hora cometeram essa intromissão imperdoável, Harriet? —

perguntou com voz abafada.

Harriet encolheu seus magros ombros.

— Não muito depois de sua patrulha noturna.

— Não é uma patrulha! — disse Emma aborrecida. — Estava Lorde Wolverton acordado durante sua maldade? — exigiu ela.

— Não o escutou? — disse Harriet com um sorriso. Roncava tanto que parecia que iria derrubar as paredes.

15

— Deveria devolvê-la a seus tugúrios , Lady Lyons — sugeriu Lydia Potter. — Meus pais ficariam muito desgostosos se descobrissem que estou cotovelo a cotovelo, com pessoas como ela.

Harriet sorriu maligna.

— Esta noite, depois que dormir, vou colocar uma grande arranha marrom pelo seu nariz.

Emma pegou Harriet pelo braço.

— Você não fará nada disso. Por favor, Harriet. Comporte-se.

— Por que se aborrece? — perguntou Harriet, como se fosse algo que tivesse escutado milhares de vezes. — Sou uma causa perdida. Todos sabem. Terminarei mal e arrastarei comigo ao resto quando cair. Por que diabos incomodar-se?

Disse-o sem pena nem desafio, como se tivesse se resignado a muito tempo. Emma se sentiu rasgada. Tinha obrigações para com suas alunas de pagamento, promessas que tinha feito a seus pais, de que suas filhas sairiam do casulo da estupidez, transformadas em encantadoras mariposas sociais.

Mas ninguém queria ajudar as meninas das ruas de Londres, os órfãos, abandonando-os,

explorando-os.

Eram

realmente

casos

sem

esperança? Certamente nem todos. Certamente uma mulher com consciência não poderia dormir de noite sem tentar solucioná-lo.

Soltou o braço de Harriet.

— Tentarei uma vez mais! — recolheu o manual da escrivaninha. — A invenção dos utensílios para comer, precede à roda.

— Bom demônios... — disse Harriet.— Quem teria adivinhado? Ou importado, de qualquer maneira?

Emma continuou como se não tivesse notado a interrupção.

— Alguém sabe o que se diz para distinguir um cavalheiro; e me encolho com só dizer a palavra, de um ignorante?

— Seus ancestrais? — perguntou brilhantemente à senhorita Butterfield.

— Não. — Emma permitiu que um fugaz olhar de desdém aparecesse em seu aristocrático rosto. — É o uso de um garfo.

— Um garfo? — disse Harriet. — Vá, podem me dar um tiro.

— Sobre uma colher. — continuou Emma calmamente. — O uso de um garfo sobre uma colher, separa o cavalheiro de seus inferiores. E me atrevo a dizer que ainda criamos camponeses em nossa orgulhosa ilha, que preferem comer com uma pá, tão desastrosas são suas maneiras na mesa.

Harriet a olhou com suavidade.

— Lady Lyons, se pensar honestamente que comer com colher é o pior crime que um homem pode cometer, estou disposta a lhe mostrar que não é assim!

— Por favor, não! — disse Emma rapidamente. Pressionou um nódulo na veia que lhe piscava sob a sobrancelha direita. Sentia que sua cabeça iria ter uma pouco delicada explosão. — Na realidade, acredito que é um bom momento para que peguem seus xales e deem um passeio pelo jardim com seus cadernos de desenho. Espero que esbocem com todo detalhe qualquer bonito objeto que lhes chame a atenção.

— Eu sei o que Harriet vai desenhar! — disse a senhorita Butterfield com voz desagradável.

Harriet soprou.

— Bom, posso lhe dizer que não seria primeira a desenhá-lo nesta

casa.

— Vá para cima, Harriet! — disse Emma cortante. — Leia um livro ou durma um pouco.

— Dormir?

— Por nenhum motivo vai incomodar Lorde Wolverton outra vez, ouviu?

— Tudo o que desejar!

— Muito engraçado Emma, — disse Charlotte, colocando apressadamente a capa nos ombros enquanto as meninas saíam em fila da sala. — terei que acompanha-las. Harriet é capaz de começar uma revolta se ficar sem vigilância.

Emma suspirou.

— Eu sei!

— O que vai fazer com ela, Emma? É incorrigível.

— Não tenho certeza.

— Eu estaria tentada a puxar sua orelha.

— Eu também estou tentada, acredite. E sim, já sei que todos acreditam que estou um pouco louca por tentar reformar uma moça da rua, em primeiro lugar. E talvez esteja.

— Talvez todos os outros estejam equivocados! — Charlotte ofereceu um sorriso compassivo. — Fez maravilhas com algumas de suas estudantes.

— Tive modestos êxitos.

De fato, tinha completado seu dever com três casos de altruísmo que tinha tomado sob sua responsabilidade. Uma tinha chegado a ser uma competente governanta, sua irmã se casou com um juiz. A terceira era uma dedicada professora de escola em Gloucester, que estava comprometida com um farmacêutico.

Ninguém sabia como esses pequenos triunfos tinham levantado o ânimo de Emma. Como sua missão pessoal de transformar toda a Inglaterra em um refúgio refinado a tinha ajudado a superar a pena surda

que a tinha embargado ao perder um irmão, seu pai e seu marido, em um período muito curto de tempo.

Talvez fosse pura arrogância Boscastle acreditar estar imbuída com o poder de melhorar os outros.

Ao menos em seu caso, ao contrário de seus irmãos, ela tinha canalizado o espírito Boscastle para o bem da humanidade.

Até a noite anterior.

Na noite anterior tinha comprovado, embora fosse a si mesma, que Emma Boscastle na realidade não era diferente, ou melhor, que o resto dos membros de sua família, inclinados ao escândalo. Era possivelmente a mais perversa do lote, e se fosse verdade, bom, não havia ninguém na família para continuar seu trabalho.


*****
Adrian esfregou com uma toalha seu liso maxilar. Seu valete13, Bones, podia barbear um homem em menos de um minuto. Também podia degolar um se fosse necessário, um talento útil para o ajudante de um mercenário e improvisado coveiro, mas um que dificilmente o deixaria em bom lugar com a sociedade inglesa.

Eles tinham se conhecido defendendo a companhia das Índias Orientais dos piratas franceses no Golfo Pérsico, sendo seu dever evitar o crescimento da indústria francesa. Um ano mais tarde Bones tinha perdido um olho enquanto defendia Lahore, e como consequência se ofereceu como valete13 de Adrian, para navegar sob as ordens de Stanford Ruffles. Bones fazia sua parte para que os britânicos tomassem Batávia.

— Como estou? — perguntou Adrian, agachando para examinar o rosto no espelho de corpo de borda dourada.

— Um verdadeiro quadro de boa saúde, Milorde.

— Isso é o que temia.

— Perdão?

Adrian olhava sua tez queimada pelo sol, com desagrado.

— Não pareço ter algo mau.

— Verdadeiramente não parece. — o valete13 estava de acordo. —

Achei que havia dito que nunca havia se sentido melhor em sua vida, que tinha acontecido algo que o tinha tirado do buraco.

— Maldição!

— Milorde? — perguntou Bones, ocupado guardando sabões e navalhas.

— Preparou algum homem para seu funeral depois da batalha de Punjab, não? — Perguntou Adrian.

— Mais de um. Era o menos que podia fazer, sem nenhum profissional que pudesse preparar seus corpos para enterrá-los. Pareceu-me compaixão artística. Lembre-se que por algum tempo quis trabalhar no teatro.

— Acha que poderia me fazer parecer um pouco menos sadio? —

interrompeu-o Adrian. — Não mortalmente doente, entende? Só um pouco doente. Um homem que pareça que necessita um pouco de ternura.

— Poderia fazer com que parecesse como se lhe tivessem pisoteado um rebanho de elefantes! — disse Bones com ar contemplativo. — Ou uma carruagem, tendo em conta que estamos de volta no que chamamos, duvidosamente, mundo civilizado.

— Duvido que precisemos chegar a esses extremos! — disse Adrian pensativamente. — Dar a impressão de estar doente seria suficiente para meus propósitos.

Felizmente Bones não perguntou quais eram esses propósitos. Já estava revisando os frascos de rouge e pó de arroz que estavam em filas ordenadas na penteadeira.

— Ah, se só houvesse um pouco de chumbo branco... Está certo disto, Milorde? O médico está esperando fora. Vai insistir que fique na cama se

não o vir bem. Sei como lhe desagrada estar quieto.

Adrian se deixou cair na poltrona, reclinando-se com antecipação.

— Terei que seguir seu conselho se o fizer, verdade? Quem sou eu para discutir com uma mente superior?


*****
A Emma pareceu que mal tinham passado quinze minutos de relativa paz, quando se apresentou outra crise. Charlotte a interceptou na porta, com suas faces coradas.

— Justo agora ia ao jardim. — disse Emma amarrando as fitas de sua touca de seda. — Acalmaram-se as meninas?

— As meninas estão bem! — Charlotte fez uma pausa para respirar.

— Isso me recorda Charlotte. Chegou alguma notícia da sobrinha do conde, ou de quando chegará? Odiaria que fosse testemunha de uma dessas cenas com Harriet, em seu primeiro dia aqui. Quando ela...

Charlotte replicou calmamente.

— É ele.

— O que? — mas em seu interior já sabia. Como não iria ser assim, se nada mais tinha ocupado seus pensamentos?

— É Lorde Wolverton. — a voz de Charlotte era suave, mas consternada.

— Ouvi os lacaios na casa falando de Heath. Parece que o médico acaba de examinar Lorde Wolverton, e teme que piorou. Já nos advertiu que podia acontecer.

— Oh não! — um calafrio deixou seus braços arrepiados. — Ele estava tão vital quando o vi ontem à noite! — mas que vital. — Deveria tê-lo visitado esta manhã. Tudo é por minha culpa!

— É claro que não! — assegurou Charlotte, sempre fiel a sua patroa e prima. — Sua condição piorou durante a noite. Por que vai culpá-la alguém?

— Durante a noite? — Emma sumiu em um silêncio preocupado.

Embora não tinha animado os avanços amorosos de Adrian, tampouco os tinha rejeitado. Pensar que o esforço do episódio não planejado pudesse ser o catalisador de sua piora. Não. Recusou-se a considerar uma possibilidade tão humilhante. A paixão física de Emma Boscastle fazendo mal a um homem? De repente se sentiu levemente mal.

— Viu-o, Charlotte? — perguntou, com olhos escuros tingidos de preocupação.

— Sim, mas por poucos minutos, deixei Julia com as meninas e acompanhei o doutor.

— Como estava?

— Um pouco pálido, sua pele estava cerosa. Não, não sei bem, não queria que parecesse que o estava examinando.

— Meu Deus! — Emma custava imaginar sua deterioração, tendo deixado um homem cuja energia era surpreendente.

— Foi um cavalheiro a respeito, Emma. Poderia dizer-se que estava esforçando-se para esconder o que sentia. Um verdadeiro cavalheiro de coração, esse homem, se é que alguma vez vi algum, não me importa o que fez no passado. Inclusive insistiu em que não a incomodasse com as notícias de sua recaída.

— O que você fez, e muito apropriadamente.

Charlotte exalou um sincero suspiro, enquanto Emma passava a seu lado em direção à escada.

— Sim, bom, sei que teria me matado se não o tivesse feito.

Capítulo 08

Enquanto entrava no quarto, Emma observou com preocupação que o médico dos Boscastle que estava inclinado ao lado de Adrian. O ar cheirava a forte essência de compressas de ervas e penas queimadas.

— Como vai? — perguntou com um olhar preocupado ao enorme homem que jazia na cama.

— Seu pulso estava normal até sua entrada, Lady Lyons. — disse o médico, soando perplexo. — Talvez a emoção de ouvir sua voz depois do que ocorreu ontem, tenha-o causado.

— Depois de...?

— Me perdoe por recordá-la! — disse o médico ante o olhar consternado dela. — Sei que é um incidente que uma dama gostaria de esquecer.

Ele não tinha nem ideia. Emma avançou outro passo. A emoção de vê-

la depois do que tinha passado... Não podia estar referindo-se aos fatos da noite anterior, a menos que Adrian tivesse delirado e falado em sonhos.

Aproximou-se nas pontas dos pés à beira da cama. Da porta ele parecia mais apagado que a última vez que o tinha visto, o que, considerando o que lhe tinha estado fazendo, era um alívio.

Mas quando virou a cabeça no travesseiro, quando seus desfocados olhos momentaneamente tocaram os seus, estremeceu por sua clara piora durante a noite. Sua formosa pele bronzeada pelo sol tinha

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adquirido uma palidez cerúlea . Escuros círculos cavavam sombras sobre suas maçãs do rosto. O brilho diabólico de seus olhos avelã com pálpebras entrecerradas, só podia ser sinal de febre.

— Não parece ele! — exclamou.

O médico negou.

— Estou de acordo. Teria lhe aplicado sanguessugas nas veias, se não

tivesse armado um escândalo ameaçando me chutar.

Ela respirou profundamente.

— Talvez devesse amarrá-lo. Não me importa ajudar se o necessita.

— Podemos esperar. Acabo de dar uma dose elevada de láudano7.

Lady Lyons, parece cansada. Não quer sentar-se?

— Obrigada, mas não. — seu olhar horrorizado se fixou no jarro de sanguessugas ao lado da cama de Adrian. Pobre vagabundo. Era possível que nem sequer percebesse na noite anterior que a estava seduzindo? Havia ela, ao deixar-se seduzir, se aproveitado de um homem que não estava em seus cabais? Talvez ele não tivesse sido o mesmo. Talvez ele não soubesse o que estava fazendo.

— Céu santo! — sussurrou, retrocedendo e chocando subitamente contra o poste da cama, alarmando não só ao médico, mas também sobressaltando Adrian que abriu os olhos e a olhou fixamente.

Uma sensação de corrente elétrica desceu por suas costas. Por um peculiar instante pareceu tão lúcido, que se sentiu tentada a acreditar que se recuperou de repente. E então desabou de volta aos travesseiros com um gemido. Não entendia o que significava sua conduta.

Voltou-se para o médico.

— Acaba de despertar, só para cair inconsciente outra vez?

O escocês se inclinou sobre a forma imóvel de Adrian, procurando o pulso de seu pescoço.

— Parece dormir. Droguei-lhe o bastante. Acredito que a senhora despertou suas paixões e estimulou sua resposta.

— Eu o que? — perguntou ela com um envergonhado sussurro.

— Os humores apaixonados que governa um paciente, sua graça, é só um velho termo médico, Lady Lyons. Não quis dizê-lo em sentido literal, e menos ofendê-la.

— Ele se levantou? O aroma das ervas está incomodando meus pulmões. Desculpe-me um momento enquanto saio para tomar ar fresco

para esclarecer minha mente. Pode chamar um lacaio? Não acredito que desperte por um tempo.

Emma moveu a cabeça.

— Esperarei até que retorne.

Adrian se surpreendeu com a culpa que se sentia pela preocupação de Emma ante sua aparente e fraudulenta piora. De fato, envergonhou-se de si mesmo por tentar enganá-la. A verdade era que desfrutava de seus cuidados, e não estava preparado para renunciar a eles. Estava aprendendo que a preocupação de uma mulher atraente trazia uma poderosa fascinação.

Tocou-lhe o ombro sussurrando que voltaria a ficar bem. Sua voz lhe enfeitiçou. Adrian não podia recordar quando, ou se alguma vez, tinha conhecido uma atração tão pura e formosa. Sem dúvida era a mais desejável, a melhor mulher que tinha conhecido. E provinha de uma família que respeitava desde há muito tempo.

E o que tinha feito a esse respeito?

Seus pensamentos se desbocaram. A droga embotou seus sentidos.

Deslizou-se em uma evasiva escuridão, em um sonho.

— Não tenha medo! — sussurrou Emma.

— Do que? — sua voz era rouca. Devia estar anoitecendo. Estava dormindo?

— Da escuridão. Estou aqui para cuidar de você. Sei o que necessita.

O que necessitava.


*****
Conseguiu sentar-se na cama e ficou olhando a escuridão, sua garganta fechando-se. Não estava seguro de quanto tempo esteve ao seu lado. Mas parecia estar tirando a roupa, deixando-a cair no tapete.

Seus formosos seios brilhavam como grandes pérolas na escuridão.

Suas esbeltas extremidades dançavam atrativamente fora de seu alcance. Delicada, e, entretanto voluptuosa. O corpo maduro de uma

mulher. A virilha lhe queimava.

— Linda! — sussurrou. — Não deixe que ninguém mais a veja.

Seu olhar viajou por seu corpo perfeito. Seus mamilos marrom-rosados, seu arredondado ventre, a penugem frisada com reflexos dourados sobre seu sexo. Rogou a Deus poder sair dessa fadiga. A boca salivava.

— Vire-se. — lhe ordenou rouco, seu pênis levantando-se contra a roupa de cama.

Ela o fez, seu cabelo loiro-dourado zombando das tentadoras faces brancas de seu traseiro. Ele a pegou pela cintura, com uma mão entre suas coxas sedosas. Ela estava quente, fragrante, e úmida, cavalgando seu pulso como uma pequena ninfa travessa. Mordiscou lhe a nuca. Ela corcoveou, tirando os seios com um grito suave. Apertou-lhe um mamilo até que ficou vermelho cereja, e apertado.

Seu membro se levantou duro e palpitante. Retirou as mantas da cama e a desceu a seu colo.

— Não quero que se esforce. — sussurrou ela sentando-se delicadamente em suas duras coxas. — Ainda não está bem.

— E você vai me fazer sentir bem? — perguntou sem sentir-se débil, mas poderoso, desesperado por alojar seu dolorido órgão em sua pequena abertura, que o fazia uma careta, e que não podia enfocar.

Empurrou para cima.

Ela sorriu e colocou seus seios nas mãos de Adrian. Seus mamilos rosados e duros se sobressaíam entre seus dedos.

— Tem que ficar na cama enquanto cuido de você. Eu sei o que necessita.

— O que preciso. — sussurrou.

Ele gemeu e lhe pôs as mãos nos quadris, ela se inclinou para frente com um grito apagado de prazer, enquanto seu pênis mediu entre os úmidos cachos dourados. A penetração o evitava e se retorceu de frustração.

— Acredito que isto ajudaria. — disse levantando-se para ela.

Ela se levantou levemente de seu colo para acomodar seu rígido órgão.

— Assim?

Gemeu com deleite agônico.

— Sim, sente-se sobre mim, Emma. Meu pênis está a ponto de arrebentar.

Deslizou as mãos sob sua enorme ereção. Iria explodir logo, dentro ou fora de seu corpo tentador, entre seus dedos, ou sobre seu ventre.

— Entrará? — perguntou com um sussurro zombeteiro.

Ele arqueou as costas, a ponta de seu pênis enterrada nos lábios empapados de seu sexo.

— Faremos entrar, doce coração. Entrarei lentamente até que possa me receber totalmente. — Não posso, Não posso.

Com voz muito longínqua, ela murmurou.

— Adrian está bem?

Estava bem? Ficaria quando pudesse aliviar-se.

Ele subiu, traspassando-a como resposta. Sentia-se tão bem. Ela soltou um suave grito de entrega. Sentiu as mãos de Emma no rosto, no pescoço. Seu corpo se movia espasmodicamente.

Evitava-a. Doíam-lhe os testículos. Seu corpo se esticou, cada músculo dolorido porque o alívio se esquivava. Subitamente sentiu que ela se afastava. Estremeceu de desespero

— Por favor!— sussurrou.

Sua voz doce filtrou através da bruma.

— Não deve se agitar assim.

— Serei bom. — seu corpo tremeu. Podia cheirar a doçura de seu cabelo, de sua pele. Seus seios lhe roçaram o rosto. — Por favor, Emma, não me deixe, preciso de você!

Abriu os olhos e soube que foi um sonho. Em sua mente ouviu a predição condenatória de seu pai: “Arruinará vidas, Adrian. Já arruinou a

minha!”.

— Mentiroso! — disse. — É um mentiroso!

— Está acordado, Milorde? — sussurrou Emma com voz preocupada.

— Está pior. Admito que estou preocupada com você.

— Alguém me drogou. — subitamente estava lúcido. Emma estava sentada ao lado de sua cama, com olhos pesados pelo cansaço. Por um prometedor momento pensou que estavam sozinhos, até que viu Julia dando uma cabeçada na poltrona, uns metros mais à frente. Afundou-se na cama, decepcionado. Esteve sonhando, delirando. Por que tinha que ter despertado?

— O doutor pensou que necessitava sedação. — disse Emma com delicadeza. — Estava tão inquieto que não quisemos deixá-lo.

— Disse algo no sonho?

Ela desceu os olhos.

— Sim, mas não entendi. Como se sente?

— Seco como o inferno. — excitado. Tinha o corpo insuportavelmente dolorido, quente e duro pela frustrada paixão. E se ela não percebeu, não iria fazer nada para que o fizesse.

— Está acordado? — perguntou Julia, adormecida da poltrona.

Levantou-se envolvendo um xale de caxemira. — Não queria dormir, Emma. Como vai?

— Está sedento! — respondeu Adrian. Entre outras coisas, agora tinha que enganar duas de uma vez.

— Vou buscar água fresca. — disse Julia.

Emma ergueu o olhar.

— Não, chamarei um lacaio.

— Preciso me mover. — disse Julia, já na porta. — Tenho uma horrível dor de pescoço.

Sua voz perdeu força. As velas titilaram enquanto a porta se fechava.

— Estamos sozinhos agora? — perguntou Adrian, apoiando-se em um

musculoso ombro, seus olhos centrados em Emma.

Ela olhou a porta fechada.

— Sim, mas ela não...

Ela deu um grito abafado, surpresa, quando ele a puxou à cama, envolveu com os braços sua cintura, e enterrou o rosto em seu pescoço.

— Sonhei com você. — disse. — Nunca tive um sonho como esse!

— Um sonho Adrian, ela voltará a qualquer momento.

— Não me importa.

Afundou os dedos no apertado nó de cabelo em sua nuca, e procurou sua boca. Se tinham apenas um momento, não iria perder nem um segundo. Sentiu como ela ficava sem fôlego. Como sua resistência começava a desmoronar; abriu a boca esperando seu beijo, com o corpo arqueado contra sua mão, apoiada acima de seu traseiro.

O desejo saltou a vida em seu ventre. Podia ter sonhando antes, mas isto era real. Seus fôlegos se mesclaram sua suave carne cedendo.

Desejava-a, não só sua entrega, também sua companhia; ao diabo o perigo de que os surpreendessem. Tinham passado da idade das recriminações. Ela esteve casada, ele esteve na guerra. Seu sangue começou a ferver lentamente, e ela sabia. Desfrutou do desafio. Ao provar-se ante ela, talvez pudesse convencer a si mesmo de sua própria valia.

— Emma! — acariciou com a palma da mão seu ombro até o peito, a textura sedosa de sua pele fazendo-o tremer, lhe recordando o quão realista foi seu sonho.

Seus lábios buscando sua boca.

— Adrian, por favor. Agora não!

Ele deixou escapar um suspiro, suas mãos descendo por suas graciosas costas, memorizando sua forma, massageando suas vulneráveis curvas. Seu corpo estava tão excitado que doía.

Ambos ouviram ao mesmo tempo em que alguém subia pela escada.

Ela levantou a mão tocando sem querer sua dolorosa ereção. Ele gemeu com resignação e desabou na cama.

Ela se soltou no mesmo instante que a porta se abria, reprovando-o em um sussurro.

— Realmente, isto não vai ajudá-lo a melhorar, Lorde Wolverton.

Ele olhou sua boca úmida e pensou que estava totalmente equivocada.

Falar com ela, fazer amor com ela, traria-lhe um imenso alívio. Seu grande corpo estremecia de necessidade enquanto ela voltava a cobri-lo com as mantas.

— Sim, faria! — disse teimoso. — Desfruto com sua presença. Você não gosta de estar comigo?

Ela titubeou.

— Não o conheço o suficiente para pensar nisso!

— Bom você não rouba os confeitos de um bolo de casamento para agradar a qualquer estranho, ou sim?

Ela riu suavemente para esconder sua confusão.

— Não, não o faço.

— Então por que flertou ontem comigo? — desafiou-a.

Ela estudou seu rosto de ossos afiados.

— Talvez estivesse tentando afastá-lo de problemas.

— E agora, — disse ele em voz baixa — estou no maior problema de minha vida!

Ela teve pouco tempo de refletir sobre isso, inclusive de responder.

Uma familiar figura masculina, com um jarro de água, materializou-se atrás de Emma. Heath, não Julia.

— O que disse? — perguntou, sentando-se em uma banqueta, ao lado da cama. — Julia disse que estava meio delirante.

— Tolice. — disse Emma evasivamente. — Estava sonhado. O que está fazendo aqui? Pensei que tivesse se deitado.

Adrian podia ouvir o tremor de sua voz. Heath seguramente também

notaria. Fez-se a ideia de lhe explicar, de lhe confessar, que tinha desenvolvido uma inexplicável atração por sua irmã. Mas tinha feito uma promessa. Não podia dizer nada, até que lhe desse permissão.

— Pensei em lhe fazer companhia. — disse Heath depois de um calculado silêncio. — Você se aborrece?

Emma fixou seu olhar nele. Seu sorriso enviesado parecia lhe dizer que se não fosse seu querido irmão mais velho, sentiria estar ali.

— Por que iria me incomodar? É seu amigo, não?

— Pelo que sei. — disse Heath, com voz pensativa. — Nosso cunhado confia nele completamente.

Emma desceu os olhos.

— Dominic é um bom homem! — disse em voz baixa. Dominic sofreu uma brutal tentativa de assassinato e tinha levado a quem o tinha tentado ante a justiça, com ajuda de sua irmã Chloe. — Ele permite muita pouca gente, e muita apreciada, em sua vida.

Heath ficou olhando-a.

— Como fazemos você e eu, Emma.

Emma assentiu.

— Sinto-me responsável por ele!

— Isso é tudo?

— Como poderia haver algo mais? — perguntou ela, rápida.

— Não sei! — Seu olhar preocupado examinou seu rosto. — Ele levou uma vida dura.

— Sim. — murmurou ela, engolindo saliva. — E...?

— Você é minha irmã, isso é tudo!

Capítulo 09

O médico apareceu e partiu quando Emma começou sua rotina habitual da manhã. Segundo a informação de Julia, Lorde Wolverton estava acordado quando chegou, e o tinha expulsado de seu quarto. Depois disso, ninguém exceto seu valete13, atreveu-se a importuná-lo outra vez.

Toda a casa esperava que fosse um sinal de que estava se recuperando, e de que logo voltaria a ser como antes. Exatamente quem era, que tipo de homem, esse era o tópico sobre o qual Emma refletia enquanto se sentava com uma xícara de chá no salão informal, sentada no longo sofá

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com espaldar de volutas lavradas e mesinha combinando.

Reuniu três das senhoritas para instruí-las sobre as maneiras mais elegantes para uma visita social, quando Julia e sua vivaz tia apareceram, pedindo ser incluídas.

Emma dificilmente poderia recusar. Depois de tudo, era o lar de Julia. A experiência prática era essencial na arte da etiqueta.

E, melhor ainda, se havia uma pessoa que era bem recebida em Londres, e capaz de distraí-la de pensamentos conflitivos, essa era Lady Dalrymple, ou tia Hermia, como toda a família Boscastle tinha chegado a chamá-la carinhosamente. A robusta velha dama ainda tinha admiradores entre os cavalheiros. Não se podia evitar que gostasse da vibrante Hermia e das damas de seu clube de pintura, embora Emma tivesse advertido privadamente a suas estudantes que não emulassem esse pouco convencional círculo de mulheres mais velhas, que achavam ter superado a idade do decoro.

— Não me diga que vamos tomar chá outra vez! — disse Harriet, enquanto entrava precipitadamente na sala sem ser anunciada, e se deixava cair em uma poltrona, deslocando as outras três senhoritas que esperavam pacientemente permissão de Emma para sentar-se.

Emma franziu o cenho.

— O que está fazendo aqui, Harriet? Eu não a chamei.

— A senhorita Charlotte me mandou que viesse. Interrompi a história.

— Indubitavelmente, querida. Contenha sua língua, por favor!

— E como vou beber meu chá, se...

— Silêncio, por favor!

Harriet suspirou.

Lady Dalrymple examinou o rosto crispado de Harriet com um sorriso alentador.

— Outro diamante do cubo de carvão, parece.

Os olhos de Emma brilharam.

— Na academia fazemos exceções com a juventude e os doentes.

— Doente como Lorde Wolf? — perguntou Harriet, maliciosa.

Lady Dalrymple mudou sua atenção, era uma mulher com um entusiasta instinto para as travessuras.

— Lorde o que?

— Agora não! — disse Emma rapidamente. — Não é assunto para ouvidos jovens.

— Meus ouvidos têm muitos anos! — disse Lady Dalrymple. — Tem segredos, Julia? — exigiu a sua sobrinha. — O que quer dizer sobre um lobo em Londres? Acredito que essas pobres bestas morreram há quase dois séculos.

Emma respirou lentamente.

— A senhorita Gardner estava se referindo incorretamente a Lorde Wolverton, e não a um genuíno lobo.

Lady Dalrymple podia estar na velhice; podia estar tão enrugada e grossa como uma fada madrinha. Entretanto sua mente era de tudo menos anciã. Seus dedos nas luvas amarelas.

— Disse Lorde Wolverton?

Emma deixou de lado sua xícara de chá. O elixir do escândalo flutuava no ar e Hermia claramente tinha captado seu estimulante aroma.

— Sim. Infelizmente! — disse.

— Adrian? — Lady Dalrymple pressionou seus dedos enluvados no queixo. — Adrian Ruxley?

— Acredito que esse é seu nome de batismo. — disse Emma suavemente.

— Esse é o grande homem! — disse Harriet, aproveitando a momentânea falta de atenção de Emma, para meter-se na boca de uma vez algumas groselhas.

— Vi você, — disse Emma baixo. — e me sinto horrorizada!

— Bom, me desculpe! — disse Harriet, com restos no queixo. —

Ninguém me disse que apenas tínhamos que olhá-las. Ou estão aqui para passar o momento?

— Pode ir agora Harriet! — disse Emma sem levantar a voz. — Sua lição terminou.

— Tenho que dormir outra sesta?

— Por que não ajuda na cozinha? — sugeriu Julia com delicadeza. —

Aprender como levar uma casa é uma destreza útil para qualquer dama elegante.

Harriet ficou paralisada.

— Preferiria roubar um...

Emma abriu os olhos perigosamente.

— Está desculpada, Harriet!

Depois de um momento de aparente indecisão, Harriet atendeu ao combativo fogo da voz de Emma e escapou rapidamente. Entretanto tia Hermia não estava suficientemente entretida para esquecer o escandaloso tema de conversa.

— O que está fazendo Adrian nesta casa? — perguntou com um sussurro conspirador.

Emma se levantou.

— Está se recuperando de um desafortunado contratempo.

Surpreende-me que não o tenha escutado.

— Bom, acabo de chegar de Tunbridge. Que tipo de contratempo? —

perguntou vivaz.

— Estou certa que Julia estará feliz de responder a suas perguntas, tia Hermia. — murmurou Emma. — Deixei as demais estudantes muito tempo sozinhas.

O silêncio envolveu a sala quando Emma partiu. Julia bebeu chá e mordiscou seu doce rapidamente. Lady Dalrymple se sentou e a olhou fixamente, até que ficou aborrecida.

— Não vou embora desta casa, até saber a verdade, Julia.

— Oh, sério? De qualquer maneira, de onde conhece Adrian?

— Uma de minhas amigas me fez ver que ele seria uma boa adição a nossa coleção de deidades. Conheci seu pai e a sua tia há um tempo.

— Não vai pintar um homem ferido ao natural! — lhe disse Julia. —

Não o permitirei.

— É um tema artístico, minha querida! — disse Hermia com uma brusca encolhida de ombros. — Tem o homem um grande físico?

— Arte? — disse Julia com uma risada cética. — Não engana a ninguém. Você e suas amigas gostam de desenhar quadros picantes de cavalheiros jovens e bonitos. Nenhuma tem desculpa. Não lhes dá vergonha, em sua idade?

— Preciso lhe recordar, Julia, que certa mulher soltou como uma bomba sobre a população um esboço do apêndice primário de seu amante? A malvada Lady Whitby. Não era essa sua assinatura?

Julia estava mais que envergonhada com essa situação em particular.

O mais provável era que a caricatura do cetro real de seu marido seria imortalizada em sua lápide.

— Não sei se Adrian tem um grande físico ou não! — disse rapidamente. — Esteve na cama com uma ferida na cabeça, e não me ocorreu examiná-lo.

Lady Dalrymple esvaziou sua taça.

— Devo apresentar meus respeitos ao herói.

Julia abriu seus olhos cinzas, espantada.

— Não vai incomodá-lo! É indecente de sua parte, tia Hermia. É sim.

— Sou suficientemente idosa para ser sua avó. Só lhe oferecerei o gentil consolo que apenas uma dama de idade pode dar.

Julia saltou.

— Não se atreva a lhe pedir que pose para seu grupo de pintura. É o filho de um Duque! Além disso, sofreu um golpe na cabeça e dificilmente sabe o que se passa a seu redor.

— Por Deus, querida! Faz-me sentir como se fosse machucar um homem valoroso. Acabo de dizer que conheci sua família. Seu pai, o velho Scarfield, sentiu uma grande paixão por mim há muitos anos. É só por cortesia vou visitar seu filho.

— Sozinha, tia Hermia?

Lady Dalrymple se interrompeu.

— A menos que queira me acompanhar.

Julia ruborizou.

— Eu gostaria de impedir isso mas como não posso, só lhe peço que não faça um convite inoportuno a meu hóspede, a respeito de posar para seu vergonhoso clube.

Capítulo 10

Adrian cortou o ar com a espada, os joelhos dobrados em uma postura clássica de esgrima. Tinha chegado a lamentável conclusão de que sua artimanha não iria funcionar. Estava na cama quanto tempo? Nem dois dias completos e estava preparado para atirar-se pela janela e encarapitar-se ao telhado pela falta de atividade.

Mesmo quando criança não conseguia permanecer quieto mais de três minutos. Suas babás o perseguiam durante horas ao longo da vasta propriedade de seu pai. Como soldado, tinha a firme convicção de que o estado físico de um homem começava a deteriorar no dia em que deixava de exigir sacrifícios a seu corpo. Inclusive quando o Ducado3

passasse a ele, não tinha a mínima intenção de sentar-se com o traseiro gordo, em uma sela repleta de joias, passeando por suas terras, enquanto outros rompiam as costas trabalhando.

Queria brigar, mover-se, e..., e fazer amor de forma selvagem com Emma

Boscastle.

Mas

como

essa

atraente

opção

estava

momentaneamente fora de seu alcance, não iria ficar na cama, como uma mimada imperatriz, esperando seu prato diário de ameixas cozidas para remover seus intestinos.

Resposta.

Retirada.

Chutou uma banqueta, saltou ao sofá, e atacou um assaltante inexistente perto da porta.

Infelizmente, nesse instante se abriu a porta para deixar entrar uma confiante criada, levando toalhas limpas e uma jarra de água fresca.

Lançou apenas um olhar para Adrian, plantado no sofá, com a espada apontando em sua direção, deu um grito, e mal conseguiu deixar as coisas no chão antes de virar-se para escapar.

Adrian abaixou a espada.

— Sinto muito! Assustei-a?

A criada com cara de mocinho negou com a cabeça, parecendo subitamente mais curiosa que alarmada. Adrian desceu do sofá e franziu o sobrecenho.

— Vi-a antes? Não se supõe que deva bater antes de entrar no quarto de um cavalheiro?

— O que sei eu?! — disse encolhendo os ombros com rabugice.

Ele estreitou os olhos.

— Quem é?

— Sou o que ela me diz que seja.

— Lady Lyons?

— Sim. — Agachou-se para recolher as toalhas. — Pensei que estava doente.

— Estava, estou. Havia uma teia de aranha no teto. Estava tentando de alcançá-la com a espada. Não suporto aranhas.

Ela olhou para cima ardilosa.

— Não vejo nenhuma teia de aranha.

— Não poderia. Fatiei-a e a mandei ao outro mundo.

Com olhar cúmplice, ela o olhou de cima abaixo.

— E tampouco parece que tem nada de mau no senhor.

Ele se sentou aos pés da cama.

— E você tampouco parece uma criada.

Ela se endireitou, um olhar de alegria iluminou seu rosto de duende.

— Eu sei quem é você!

— De verdade? — perguntou-lhe sem interesse, balançando a espada entre os joelhos.

— É um embusteiro.

— Um quê?

— Um falso.

Ele apertou o punho de sua espada.

— Perdão?

— Não tem nada com a sua cabeça!

— Tem que ter algo! — replicou ele. — Ou não estaria falando com você.

Ela levantou a voz.

— Então, não é filho de um Duque?

— Isso é..., isso não é seu assunto.

— Por que esta fingindo? Vai roubar a casa?

Ele levantou os olhos irritados.

— Moça descarada!

— Então por quê? — começou a rir. — Se não for por dinheiro, então tem que ser..., apenas há duas coisas que um homem persegue.

— Que idade tem? — exigiu ele.

— Dezessete. Acredito.

— Bom, fala como se tivesse sido criada em um bordel.

— Como soube? — perguntou genuinamente surpresa.

— Vê-se. — lhe disse com um suspiro.

— Quanto?

— Quanto o que? — perguntou levemente aborrecido.

Ela apoiou seu ombro na porta.

— Quanto vai me pagar para não o delatar?

— O que? — disse ele com suave incredulidade.

— Quanto vai me pagar para não dizer à senhora Desmancha Prazeres que está zombando dela?

Ele se levantou de repente, com a espada na mão esquerda. Em toda sua vida jamais tinha prejudicado uma mulher. Mas, por outra parte, nunca foi chantageado por uma.

— Sabe como passei os últimos dez anos de minha vida?

— Criando margaridas?

Aproximou-se dela até pressioná-la contra a porta.

— Morte. Desmembramento. Fui acusado, com ou sem razão, de uma decapitação ou duas.

— Entendo. — engoliu em seco, assentindo com a cabeça. — Então é por isso, porque gosta.

Adrian sabia que não devia perguntar. Sabia que uma malandra sem lar não era a fonte mais confiável de informação. Mas, por outra parte, a moça não parecia tola.

— E como sabe?

— Porque vai por mau caminho. A senhora se orgulha de ajudar as pessoas. Trabalha para que todos sejam corretos e atraentes. Sem dúvida é bonito, mas não é correto. Tem o diabo nos olhos.

Ele sorriu friamente.

— Nesse caso, seria melhor que não cruzasse meu caminho.

— Nem em sonhos. — ofereceu-lhe a mão. — O nome é Harriet, e vou ser uma dama. Um aperto de mãos?

— Não. Só traga toalhas limpas. Pisou nas que trouxe; e sou um pouco particular com meus hábitos de limpeza.

Fez-lhe uma reverência instável.

— Farei com que as bordem com maldito fio dourado e que as engomem, se quiser.

Sorriu. Não era mal ter um aliado.

— Então, entendemo-nos?

Ela teve o descaramento de lhe sorrir de novo.

— Sempre digo que os trapaceiros e os estelionatários têm que permanecer unidos.


*****
Uma hora mais tarde, Adrian tinha acabado com sua paciência, e era incapaz de ficar quieto. Escapou de seu quarto, e desceu as escadas que levavam ao jardim. Esperava poder encontrar Emma sozinha. Seus sermões bem intencionados lhe levantavam o ânimo. Gostava da ideia

de passear com ela pelo jardim, fazendo-a repreender um pouco.

Certamente iria repreendê-lo por estar fora da cama. Talvez tomasse sua mão e se ofereceria para sentar-se com ele uns minutos.

Passou junto a um abrigo e de repente se achou rodeado por uma horda de debutantes desenhando. Ficou paralisado. Pela expressão de seus jovens rostos, soube que tinha feito algo muito mau ao interromper a aula. Ou isso, ou foram avisadas de que era um homem ao que deviam evitar.

Emma o estrangularia se a envergonhasse em frente a suas pupilas.

Entretanto já era muito tarde para escapar sem ser visto. Uma das moças o tinha visto por cima de seu caderno de desenho e deu um alegre grito ao reconhecê-lo.

— Caramba! Olhem quem ressuscitou de entre os mortos. É o próprio Duque!

Essa voz. Encolheu. Essa jovem de rosto insolente. A malandra outra vez. Assentiu com a cabeça, amavelmente, enquanto Emma levantava os olhos de seu banco, para olhá-lo fixamente. Bem, seu rosto não deixava ver nada. Não estava jogando precisamente pétalas de rosa como boas vindas a seus pés. Simplesmente ficou sentada com atitude cautelosa, como se fosse uma figura em um quadro. Talvez temesse que a traísse.

— Desculpe! — disse, fazendo uma educada reverencia. — Não tinha intenção de interromper.

Emma deixou escapar um suspiro compungido. Uma interrupção era um gato perseguindo um esquilo até uma árvore, ou uma criada discutindo com o mordomo. A presença de Adrian ante uma dúzia ou mais de protegidas debutantes, era mais parecido aos céus abrindo-se para depositar um semideus no meio das jovens.

Gritos abafados. Chiados. Levantou uma mão, para aplacar esta pequena rebelião.

— Controlem-se, por favor! Uma jovem dama não deve tagarelar em presença de um cavalheiro.

Mas que cavalheiro.

Até ela estava confusa por sua aparição. Caminhava pela grama com a graça natural de suas longas pernas; sua beleza sem artifício realçada por sua camisa branca de linho irlandês, calça justa bege, e botas gastas. Que seu curto cabelo cor trigo escuro parecesse um pouco despenteado, só realçava seu diabólico atrativo. Formoso pagão. Seu amante secreto. Oh, como fazia com que lhe doesse o proibido.

Por mais que tentasse, não poderia dissuadir as moças para que deixassem de olhá-lo. Desgraçadamente, lhe custava muito ignorá-lo.

Tampouco ajudava que ele a estivesse olhando diretamente. De fato, sorrindo com genuíno deleite. Ela negou com a cabeça, o nervosismo confundia seu cenho. Que diabos pensava que estava fazendo?

Se não o conhecesse, pensaria que estava apaixonado por ela. Mas não jogavam sempre as doninhas com convicção? A metade de seu prazer não provinha da conquista, mas sim da perseguição.

Depois de tudo, tinha admitido que não estava disposto a fechar a brecha com seu pai com urgência. Poderia um homem que tinha vivido como ele, contentar-se com a vida tranquila e refinada que Emma desejava? Decidiu que poderia.

Então poderia estar contente com ele.

— Não quis interromper. — disse. — Morria por um pouco de exercício.

— agitou os braços exageradamente. — Ar fresco, já sabe. Não há nada como isso.

— Sim. — conseguiu dizer. — Entretanto, estávamos no meio de uma lição sobre... — a chegada de Adrian parecia ter apagado todo pensamento de sua cabeça. — A etiqueta correta quando se recebe convite de uma corte estrangeira.

— Um tema muito próximo a meu coração! — disse com gravidade.

Emma o olhou fixamente durante uns instantes. Estava tentando impressioná-la? Podia ser tão doce como parecia?

— Certo. Em todo caso, como estava a ponto de explicar a minhas alunas, a esposa de um Embaixador no estrangeiro, compartilha o status de seu marido. Portanto deveria ser anunciada depois de sua entrada a qualquer cerimônia.

— E se ele chegar tarde? — perguntou a senhorita Butterfield preocupada. — Meu pai nunca chega a tempo a nenhuma parte.

— Terá que esperá-lo. — respondeu Emma. — Agora, sentem-se ordenadamente.

— Lorde Wolverton foi diplomata no estrangeiro, não? — perguntou uma das moças entusiasmada. — Talvez pudesse nos informar sobre a sociedade diplomática, Lady Lyons.

As sobrancelhas de Emma se arquearam ante tal sugestão. Encontrou o olhar malicioso de Adrian por um momento. Duvidava que a sociedade diplomática com sua classe elitista, contasse com um mercenário inglês de má reputação.

— Parece-me que Lorde Wolverton tem mais experiência em...

Ele encolheu os ombros com modéstia.

— Não me importa compartilhar meus conhecimentos. Uma vez tive que dar a notícia as ocupantes de um harém de que seu dono foi assassinado em uma revolta. É claro, essa não é uma situação que vocês, jovens damas, possam encontrar-se alguma vez, certamente.

— Estremece-se ao pensá-lo! — murmurou Emma.

19

— Era um Rajá . — acrescentou Adrian com olhos brilhantes.

— Tinha tigres? — perguntou Harriet.

— Sim. E escaparam depois de sua morte.

— Não vejo isso como exemplo de diplomacia estrangeira. — disse Emma, aterrada pelo que se revelaria a seguir.

— Bom, iria chegar a isso. — respondeu Adrian. — Tínhamos que pôr no trono o parente mais próximo do Rajá, antes que estourasse uma sanguenta rebelião em nossas mãos. Se vocês pensam que foi fácil consegui-lo em um palácio invadido por tigres famintos e mulheres soluçando, não sabem o que é a diplomacia realmente.

Emma olhou ao redor consternada; Adrian mantinha cativada a toda sua audiência, como nunca as tinha visto. As alunas estavam pendentes de cada escandalosa palavra. Como ela. Na realidade, teria desfrutado escutando histórias de seu passado, mas em privado. Um aventureiro. O

que via na correta Emma Boscastle? Ela converter-se-ia em uma de suas pequenas histórias perversas?

De repente se levantou.

— Muito obrigada por uma perspectiva tão clara, Lorde Wolverton!

Como é um desafio social, é de se esperar que minhas estudantes nunca tenham que enfrentar, como você mesmo indicou, sugiro que voltemos para nossa mais corrente instrução. Pode me dizer alguém qual é a forma correta de dirigir-se a esposa de um Embaixador francês?

Harriet levantou uma mão.

— Posso fazer uma pergunta ao futuro Duque?

— Não. — disse Emma rápida. — Não pode!

— O que quero perguntar, — continuou Harriet.— é o que tem que fazer uma senhorita para casar-se com um Duque?

As demais pupilas exalaram um grito abafado de prazer mau dissimulado, ante a direta pergunta.

Emma se sentou no banco, resistindo a vontade de elevar a voz.

— Acredito, — disse Adrian com cuidado. — que essa pergunta seria respondida melhor por sua diretora.

Todas olharam com interesse para Emma, que para sua vergonha estava esperando a resposta de Adrian a essa inadequada pergunta, tão ansiosamente como suas pupilas. Sua resposta, não seria o conselho

habitual. Ele era de tudo, menos o típico Aristocrata.

Tossiu discretamente, com um sorriso aparecendo em seus lábios.

— Lady Lyons?

— Acabaram-se as aulas até à tarde. — anunciou com voz seca.


*****
Emma e Charlotte tinham decidido escrever um manual de etiqueta há vários meses, para aquelas damas que se esforçavam em ser refinadas, mas não podiam permitir-se o luxo de instrução privada. Ambas escreviam para entreter-se. Mas um guia era um grande projeto que possivelmente iria requerer anos de esforço, profunda prática e reflexão.

Uma ou duas vezes na semana, ao terminar o dia, Emma rabiscava algumas notas, a respeito de algum tema crucial, para ser incluído no livro.

Algumas vezes Charlotte e ela se entregavam a momentos de pura estupidez, e inseriam um capítulo mordaz só para entreter-se. A Delicada Arte de Desfazer-se de um Barão com Arrotos. Como esvaziar um copo de vinho mau em um suporte de vasos de samambaias durante uma festa.

Onde situar neste guia um capítulo intitulado "A desgraça de uma dama, como pretender dignidade depois de uma queda?" Deixou a pena com um suspiro, consternada ao notar que a ponta gotejava tinta no papel. E também na escrivaninha de seu irmão.

Nunca em toda sua vida tinha derramado tinta.

Este era o estado de descuido ao qual seu único pecado a tinha conduzido. Onde estava a areia? Observou como a mancha se derramava até que uma aveludada voz escura falou sobre seu ombro.

— Posso ajudá-la em algo?

Removeu-se na cadeira, e enquanto, sobre seu ombro, Adrian secava a mancha com um lenço limpo que tinha tirado do bolso de seu colete.

— Arruinou-o também, sabe? — disse ela envergonhada. — Vê que

par somos.

Dobrou o lenço sobre a mancha de tinta.

— O que é uma mancha mais, em uma vida tão escura como a minha?

— perguntou-lhe com uma voz neutra que impossibilitava saber se falava a sério ou não. Ficou em pé, com o coração acelerado, enquanto seus olhos se encontravam com seu olhar pensativo.

— Não deveria passear sem companhia. — disse suavemente. —

Queria ter lhe mencionado isso no jardim.

Seu olhar sustentou o dele, até que ele o afastou.

— Queria lhe dizer que me encontro muito melhor. E que vou partir.

Aproveitei-me de você e de seu irmão muito.

Ela cruzou os braços sob o peito. Que homem mais exasperante. Por um lado a fazia sentir-se culpada e envergonhada pelo que tinham feito.

Por outra, sofria para empurrá-lo a ir-se antes de estar curado.

— Por que os homens não podem admitir nenhuma fraqueza? Vou ter que te enviar de volta à cama. Com um lacaio.

Ele apoiou o quadril na borda da escrivaninha.

— Não se incomode.

— Não é nenhum incômodo! — disse voltando-se para o cordão da campainha e encontrando-se subitamente presa entre um viril homem alto e a escrivaninha. — O que está fazendo? — sua voz se reduziu a um sussurro. — O que quer de mim?

— Estava procurando Heath. — disse em voz muito baixa, seu corpo a um suspiro do seu.

Aproximou-se um pouco mais. Ela tremeu em resposta.

Levantou o rosto.

— Sério?

— Não! — ele desceu o olhar. — Tinha a esperança de vê-la antes de partir.

Sua confissão, a lembrança do breve, mas fantástico prazer que tinham

compartilhado era evidente entre eles, tanto uma brincadeira como uma tentação para Adrian. Desejava-a tanto, que não podia imaginar que ela por sua vez não o desejasse.

Antes que pudesse detê-lo, ou que ele pudesse deter-se, inclinou a cabeça e a beijou. Seus lábios se abriram, talvez pela surpresa.

Conduziu sua língua profundamente dentro de sua boca. Seu corpo estremeceu. Inclusive então ele manteve as mãos de lados, porque se a tocasse, desejaria mais e mais, e tomaria até encher-se. Desejava-a, e se ela fosse outra mulher, teria encontrado cem maneiras de tê-la. Mas por agora, e porque era Emma Boscastle, tinha que fingir respeitar certas normas de conduta, que em primeiro lugar nunca teve o trabalho de aprender corretamente.

— Não, por favor! — sussurrou, mas seus lábios se abriram, quentes e exuberantes, e sob sua negativa, sentiu o desejo e recordou seus dedos deslizando em sua pele sedosa.

Gemendo, intensificou o beijo.

— Por favor, o que? — sussurrou.

— Não sei! Alguém poderia ver.

— Fechei a porta com chave ao entrar.

Seus ombros tremeram delicadamente indicando que o desejava tanto como ele.

— O problema, — continuou ele em voz baixa — é que está em cada um de meus pensamentos. Atormenta-me a lembrança de como a senti no momento de romper suas defesas.

A respiração dela se acelerou.

— Não o diga!

— Afastou-se. — continuou ele, com voz baixa e implacável. Seus dedos desceram pela garganta dela. — Podia ter havido mais. Talvez necessite tempo. Foi minha culpa, fui um idiota ao ter precipitado algo que necessita de tempo.

— Já não importa. — disse com voz entrecortada. — O esqueceremos.

— Esperarei. — sussurrou. — Acredito que posso precisar de você, embora nunca antes precisei de ninguém, não assim. E você? Não é um sentimento especialmente consolador. Não estou acostumado a ser tão terrivelmente emotivo.

Ela tomou ar.

— Não vou responder.

— Acredito que acaba de fazê-lo! — disse ele sorrindo-lhe. — Será honesta comigo?

Exalou lentamente.

— Vou tentar.

— O que pode fazer um homem como eu para ganhar seu afeto?

Estava fazendo-a exasperar-se, pensou Emma, e um rubor lhe queimou o rosto. Sua brincadeira era enganosa, devia ter sido ensaiada e aperfeiçoada em uma dúzia de mulheres antes dela.

— Cheguei à idade, Milorde, em que a discrição anula o desejo.

Quando a virtude tem que subjugar Vênus.

Ele a olhou intensamente nos olhos, e então, para sua indignação, pôs-se a rir a gargalhadas.

— Essas são tolices! Você nem sequer provou o que é a vida. Não me engane nem o faça com você mesma.

— Como sabe o que provei? — perguntou-lhe ela irritada.

Ele sorriu desculpando-se.

— Me perdoe! Não quis insultar sua vasta experiência. Entretanto duvido que tenha visto tanto da vida como eu.

— É..., é verdade tudo o que se diz sobre você? — perguntou-lhe ela, hesitante.

Ele encolheu os ombros.

— Por exemplo?

— Oh, não sei! Como o de lutar com piratas chineses.

20

— De fato eram piratas franceses. Flibusteiros . A Companhia das Índias Orientais me empregou para que acabasse com sua agressão, no que reclamávamos como território britânico.

Ela o olhou aliviada.

— Assim tudo soa mais nobre!

Ele parou. Sim. Mas não foi nada nobre. Tinha sido feroz, sangrento e infernal.

— O que fazia na Companhia?

Quase respondeu que qualquer maldita coisa pela qual lhe pagavam, mas se recordou que um homem deveria vigiar suas palavras perto de uma dama como Emma. Do outro lado do mundo não tinha importado como se falava com os soldados.

— Sou algo menos nobre, Emma. — disse com compungida honestidade. — Mas tampouco sou um mentiroso!

—Então o que é? — sussurrou ela.

Ele balançou a cabeça, e disse com voz rouca.

— Um homem que acha sua companhia irresistível. Não conheço palavras que expliquem o que nunca havia sentido. Por favor, me diga que não estou sozinho nesta loucura!

Ela abaixou os olhos.

Seus dedos roçaram sua clavícula. Seus seios se incharam, a espera que ele os acariciasse. Como podia aparentar não comover-se quando sua proximidade a atormentava. Seus sentidos a empurravam a submeter-se. Envergonhava-a perceber como este homem a tinha feito consciente de seus desejos femininos. O rubor começou a descer lentamente de seu rosto a seus seios, e mais abaixo até. Inspirava-lhe desejo sexual até os próprios ossos.

— Adrian! — sussurrou fechando os olhos.

— Treme quando a toco. Também estremeceu quando entrei no

aposento.

— Esqueci o xale no jardim.

— Não posso esquecer o que fizemos, Emma.

— Nem sequer o tentou! — lhe disse com um gemido de sofrimento. —

Adrian, honestamente, não é justo!

— Se fosse justo a conquistaria?

Sorrindo inclinou a cabeça, e a beijou outra vez. Sua língua fazendo círculos lentamente com a sua, atormentando-a, até que arqueou o pescoço, rendendo-se. A atração sensual ardia no ar que respiravam.

— Eu gosto de pensar em você! — sussurrou ele. — Nesses pequenos gemidos enquanto brincava com seu sexo. Que úmida estava.

— Adrian! — suas pernas se dobraram. As paredes internas de seu corpo se suavizaram. Sentiu seu sangue formigar nas veias. —

Prometeu-me isso!

— O que prometi, — disse com voz espessa — é que não diria nada.

Nunca disse que não a desejaria, ou que não tentaria persuadi-la de ir para minha cama.

Ela negou com a cabeça. Entretanto, com certeza sabia quanto o desejava. Não podia esconder os sinais. Escapou-lhe um gemido abafado, quando sua ereção lhe roçou suavemente o ventre. Seu pulso acelerando grosseiramente, como uma traição em sua pálida garganta.

— Emma! — gemeu em sua delicada boca. — Por que não? Sou um homem bem nascido que perdeu o rumo.

Por que não? Seus quadris se moviam com inquieta sensualidade, suplicantes. Ela tremeu suavemente, aumentando até mais a excitação de seu corpo. Precisava tocá-la. Sentir sua carne. Apertou as mãos, jurando dominar seu desejo por ela, e demonstrar sua valia.

Mas com a imaginação a estava despindo e possuindo, em cada ato sexual existente sob o sol. O sangue retumbava em suas têmporas, em suas virilhas. Fez chiar os dentes, amaldiçoando os instintos masculinos

que lhe recordavam seus doces tesouros sob a saia, e seu suave perfume. Como baunilha e calor de mulher. Consolo e sexo na mesma mulher.

Como a iria convencer de que não estava além da redenção, quando seu passado, sua conduta com ela, demonstravam o contrário?

Ele a olhou. Sua boca estava úmida, tão deliciosa, que morreria por prová-la outra vez. De algum jeito conseguiu pegar os restos de sua prudência, e recordar onde estavam.

— Para ser sincera, — sussurrou, seus olhos azuis sustentando com firmeza os dele — decidi que é sua ferida que faz com que se comporte inadequadamente.

Ele soprou divertido. Agora se sentia o dobro de diabólico. Não entendia o cafajeste desesperado que era, e que pela primeira vez, que pudesse recordar, importava-lhe o que alguém pensava?

— Emma, me escute. — disse com tom controlado. — Não aconteceu nada com minha cabeça. Estou perfeitamente bem.

— O que está dizendo? — perguntou impaciente.

— Só procurava sua atenção. — disse com sorriso de cordeiro —

Admito que me aproveitei.

— E espera que acredite que golpeou a cabeça para me atrair?

— Não exatamente, a cadeira não era parte de meu plano. — suspirou arrependido. — Entretanto, esperava ficar na cama o tempo que você quisesse me cuidar. Poderia ter partido a qualquer momento. Mas decidi me aproveitar de sua bondade. E agora estou confessando isso, pedindo sua compreensão. Enganei-a, mas só porque desfrutava de seus cuidados.

— Já vejo! — murmurou. E ele acreditou que assim era. — Bom, o doutor disse que deveria ficar na cama sob observação vários dias.

— Não preciso ficar na cama! — protestou com olhos resplandecentes.

— O que preciso é de você. Sua atenção pessoal.

— Ah! — sua boca tentadora se fechou. — acredito que há muitas mulheres em Londres que estariam mais que encantadas de responder a suas necessidades.

— Não estou me referindo a minhas necessidades carnais! — disse rapidamente. — Não me relacionei com a sociedade há mais de uma década, e esqueci como me comportar. O que preciso é... — procurou inspiração para ganhar sua simpatia — instrução para me comportar adequadamente. Necessito que alguém suavize minhas asperezas.

— Sobre isso não posso argumentar.

— Não posso me reunir com esse velho desprezível do Duque, a menos que mantenha uma conduta apropriada. — inventou. — É muito crítico com as aparências.

— Deveria ser mais cuidadoso com sua linguagem! — exclamou Emma.

Ele sorriu de forma inesperada.

— Isso é exatamente do que estou falando. Nem sequer percebi como o tinha chamado. Simplesmente escapou. Como posso me apresentar ante ele com uma conduta tão pouco refinada?

Ela tamborilou com os dedos sobre a escrivaninha, com olhar francamente cético. Estaria impressionada, se não tivesse crescido com cinco irmãos. E balançou a cabeça ao perceber de repente.

— Quer dizer que esteve na Inglaterra quase um ano e nem sequer visitou seu pai?

— Um mês a mais ou menos.

Ela o olhou consternada.

— A seu pai moribundo? Uma pessoa idosa disposta a deixar para trás os conflitos do passado e oferecer um ramo de oliveira? Por que está olhando o teto, Milorde? — perguntou irritada. — É muito exasperante.

— Só estava me perguntando quando iria começar a cantar o coro celestial. — encolheu os ombros ante seu cenho franzido. — E a

propósito, eu sou quem deveria lhe outorgar o perdão, não ele. Fez-me a vida impossível, Emma. Fez com que partisse, com suas suspeitas infundadas. Vivi acreditando que não era seu filho quase a metade de minha vida. — olhou para ela com cínica diversão. — Tampouco é tão velho como acredita, e não está morrendo.

— Recuperou-se? — perguntou surpresa. — Tem certeza?

— Se é que alguma vez teve algo, para começar. Acredito que foi um truque para me trazer para casa.

— Espera que acredite que seu pai simulou uma enfermidade mortal para trazê-lo de volta para casa?

— Sim. — tinha suposto que ela estaria de seu lado. Não havia nada reprovável em sua maneira de vê-lo.

— É seu filho, Adrian. — disse encontrando seu olhar. — É seu dever e seu direito de nascimento honrá-lo.

— Honrar? — disse com incredulidade. — A esse velho...

— É seu legado, é para o que nasceu. — disse ela suavemente. — Ele não pode deserdá-lo. É hora de que ponha seus sentimentos de lado.

— Sério? — disse aproximando-se de sua delicada figura, uma tática que sabia muito bem, que geralmente distraía a atenção. — Scarfield me disse durante anos que tinha nascido de uma puta, e que não era seu filho. Espera que deixe de lado anos de abuso?

— Faça as pazes, só isso, e depois decida. Ao menos poderia escutá-

lo.

— Por que teria que fazê-lo? — desafiou-a.

— Considerou alguma vez o que aconteceria na Inglaterra, se todos nossos Aristocratas de sangue simplesmente decidissem abdicar?

— Desprezo-o! — admitiu, esperando ainda que ela aceitasse que sua inimizade estava justificada.

Ela exalou um suspiro.

— Não importa quão amargos sejam seus sentimentos, tem que

enfrentá-lo. Por seu próprio bem sobre tudo!

— Não me diga o que tenho que sentir ou enfrentar! — disse levantando as sobrancelhas. — Apenas me ajude.

— Não tenho certeza de como fazê-lo.

— Tampouco eu. Mas aí o tem, Emma. — disse apoiando sua testa na dela. — Isto é uma prova de que a necessito.

Ela riu.

— O que?

— Uma esposa. Talvez o que preciso é uma esposa.

Que Deus o ajudasse. Não sabia de onde tinha saído esse pensamento. Mas de repente era o correto.

— Uma esposa? — disse ela sacudindo a cabeça. — Não poderia estar mais de acordo. Sim, isso necessita. Um Duque definitivamente necessita uma esposa.

Ambos escutaram o suave golpe na porta ao mesmo tempo. Adrian se moveu rapidamente para o lado, enquanto Emma voltava para sua cadeira, respondendo. — Sim. Quem é?

— Sou eu, Charlotte. Posso falar com você um momento?

Emma mordeu o lábio, olhando com culpa para Adrian. Ele fez um gesto à porta lateral atrás da escrivaninha, que conduzia a um corredor privado. Assentiu com alívio evidente, enquanto ele fazia uma discreta saída.

Fez todo o possível para comportar-se como sempre, enquanto abria a porta para sua prima. A princípio, Charlotte parecia muito agitada para notar algo estranho. Rogava para que sua prima não escutasse os passos de Adrian no corredor, para a sala de espera.

— O que acontece Charlotte? — perguntou com preocupação.

— Por que se fechou? Oh, não importa! — Charlotte passeou o olhar ao redor da biblioteca. — É ela. Lady Clipstone está aqui e exige vê-la.

Agora, sem um convite nem aviso prévio. Hamm fez o que pôde para

que partisse, mas achei que era imperativo que soubesse.

Ela. Sua inimizade. As chamas da batalha se avivaram no coração de Emma. Endireitou as costas, um Boscastle estava sempre preparado para defender seu terreno. Com razão Charlotte parecia nervosa. Havia somente uma mulher em Londres com a falta de vergonha, e o instinto de chegar ao meio do dilema de Emma, e usá-lo em benefício próprio.

— Onde está? —perguntou cortante.

— No salão formal. Servi-lhe o chá.

— Na melhor porcelana da China?

— Naturalmente!

Emma lhe deu um tapinha de aprovação e saiu para enfrentar sua rival.

Tinha postas muitas esperanças no futuro da jovem Charlotte, cuja percepção e reserva a tinham protegido de sua escandalosa linhagem.

Emma lhe demonstraria com o exemplo, como se defendia uma verdadeira dama sem rebaixar seu comportamento.

Hipócrita, uma pequena voz em seu interior zombava dela, enquanto avançava energicamente pelo corredor. Que tipo de exemplo deu na outra noite? E mais do mesmo, que espantosa transgressão estava tentada a cometer, só uns minutos antes que Charlotte a interrompesse?

As possibilidades não importavam quão interessantes fossem, não toleravam sua contemplação.

Não é que estivesse no melhor estado de ânimo para refletir a respeito das consequências de um romance secreto. Seu mau humor aumentou no momento que posou seus olhos na mulher morena, elegantemente vestida que a esperava no salão. Fez uma pausa para admirar o adorável chapéu de palha com uma elegante pena de avestruz, que dava a Lady Alice Clipstone um certo ar pícaro.

Alice Clipstone. Oh, sua mera existência era uma brincadeira para Emma.

Não era necessário dizer que nenhuma das duas mulheres se permitia

mostrar sua hostilidade. Na realidade pareciam duas parentas que não se viam há muito tempo, e se encontravam em uma reunião familiar.

Exclamaram sobre o bem que se via a outra. Perguntaram pela saúde de seus seres queridos como se não estivessem degolando-se, figuradamente, durante meses.

— Posso lhe oferecer mais chá? — perguntou Emma quando a farsa inicial chegou indevidamente a seu fim.

— Céus, não! — replicou Lady Clipstone. — Não devia tirá-la de sua aula, depois de ter chegado tão grosseiramente, sem prévio aviso. Ou cancelou as aulas por hoje?

Não poderia culpá-la, com toda a recente comoção.

Emma levantou o nariz. Ah, aqui estava. O primeiro corte. A ponta de uma faca lubrificada em arsênico.

Tirou as perfumadas luvas, abotoadas até em cima. Parecia que Alice, ao menos, de momento, abandonava toda pretensão de refinamento.

Emma se sentiu mais calma ao sentir nervosismo no antagonismo de sua adversária. Alice nunca foi capaz de aceitar com graça que a academia de Emma atraísse mais solicitantes do que podia receber; e que ela, a usurpadora, tinha que fazer-se encarregada das que recusava sua rival.

— Sempre há aulas. — disse encolhendo os ombros com indiferença.

— Estudam as obrigações sociais do amanhecer até o jantar. Charlotte, como você sabe, está muito qualificada para ensinar, e empreguei a maravilhosa senhorita Peppertree. Neste momento ela e as garotas estão na biblioteca desfrutando de uma aula de desenho com Lady Dalrymple.

Os olhos da Alice se iluminaram.

— Hermia? Você confia essas mentes ternas a uma...

— A uma o que? — perguntou Emma com fio de gelo.

— Bom, a uma mulher que pinta aristocratas nus para consumo

público. — disse Alice com uma ardilosa pausa. — Não me surpreenderia que estivesse desenhando avidamente o herdeiro de certo Duque enquanto conversamos.

Um rubor culpado se apoderou do rosto de Emma. Aí estava o golpe que sua rival esperava lhe atirar. Adrian e o incidente na festa de casamento. Certamente teria se dissipado o escândalo em um ou dois meses, se Emma tivesse posto a maior distancia possível entre ela e seu atroz defensor.

Entretanto, Alice não sabia nada dessa indiscrição. Emma partiria ao exílio junto a um infame ditador, antes de permitir que soubesse a verdade.

— Se Lorde Wolverton desejar que lhe pintem um retrato, então eu..., eu... — interrompeu-se.

Um sentido premonitório a invadiu ante o repentino silêncio fascinado de Alice. Com temor, voltou-se para ver o que captou a atenção da mulher. Um movimento furtivo para a janela. Seu irmão Heath e Adrian, com sua esplendida figura de largas costas, sua silhueta a contraluz.

Durante um inesperado momento, fechou-se a garganta de Emma de arrependimento. Estava completamente vestido, com um jaquetão cinza carvão e uma cartola negra de seda. Parecia que partia pelo que podia deduzir-se de sua sombra ao passar.

Não era isso o que lhe havia dito? Ambos sabiam que era o melhor. Um homem com seus talentos poderia cuidar-se sozinho. Mas, obrigou-se a voltar a olhar para Alice, só para encontrar a mulher estudando-a, com sutil curiosidade.

— O que estava a ponto de dizer, Lady Lyons? — perguntou em tom inocente.

Emma não permitiria que sua rival a alterasse.

— Na realidade, querida, estava a ponto de perguntar o que trouxe aqui tão tarde.

Sem convite. Sem acompanhante, além disso, a menos que esse lacaio áspero que Emma tinha divisado entretendo-se no vestíbulo passasse como acompanhante.

— Certamente não tínhamos uma entrevista prevista que tenha esquecido? — continuou ingenuamente. — Se não, deve me desculpar.

A verdade é que estamos esperando a chegada de uma estudante especial, a sobrinha de Lorde Heydon. Suponho que ouviu falar dela. —

Emma fez uma pausa. — Acredito que suas malas já chegaram.

— Existe alguém que não tenha ouvido falar de Lorde Heydon? —

perguntou Alice. — Ofereceu apoio a sua academia, não é verdade?

Emma hesitou, recordando-se que uma dama deveria terminar uma conversa antes que derivasse a um terreno perigoso. Tampouco se permitiria olhar as escondidas pela janela a certo bonito cafajeste.

— Foi suficientemente amável para considerá-lo. Assim que...

— Que bondoso! — disse Alice levando uma mão à face. — Que cabeça de vento tenho. Essa é a razão de minha visita.

Emma engoliu o nó de apreensão que se estreitava em seu interior.

— O conde a enviou?

— É uma forma de dizer. — Alice recolheu suas luvas e sua bolsa da mesa — Seu secretário me informou que recolhesse a bagagem de Lady Coralie. Aparentemente houve um mal entendido e entregaram aqui por engano.

Emma observou como Adrian desaparecia para o jardim.

— Que tipo de mal entendido? — perguntou com voz rígida, forçando sua atenção de volta para Alice.

— Lady Coralie não frequentará sua academia, depois de tudo, querida. Parece que seu tio mudou de opinião a respeito de sua educação. Pensei que deveria vir em pessoa para explicar-lhe em seu nome, e recolher seus pertences.

Emma lutou contra o pouco refinado impulso de lhe arrancar a pena do

adorável chapéu que Alice usava.

— Mudou de opinião? — perguntou.

Alice suspirou com um pouco convincente sentimento.

— Sinto muito por ser um inconveniente para você! Confio que não contava com seus recursos?

Emma conseguiu encolher os ombros com indiferença, ficando em pé.

— É claro que não! Devo dar instruções a Hamm para que lhe ajude com a bagagem de Lady Coralie? Imagino que ainda não pode pagar um lacaio.

Alice expulsou fogo pelo nariz.

— Tenho dois; e tenho a intenção de empregar a outros dois mais.

— Devo contratar uma carruagem para vocês dois, ou pensam caminhar para cruzar a cidade?

— De fato, tenho um veículo novo. — disse Alice em pé, para poder olhar diretamente para Emma. — Comprei-o com...

Do jardim, um gorjeio de risinhos encantadores interrompeu o golpe de graça da Alice. Emma não pôde decidir se gostava ou não da interrupção. Uma palavra mais de sua nêmese, e faria algo suficientemente desagradável para aparecer nos jornais da manhã.

A sorte quis, entretanto, que a desordem do jardim, um escândalo em si mesmo, absorvesse toda sua atenção. Adrian posava com aprumo nos degraus da pequena cabana de verão, a jaqueta sobre seu bem constituído ombro, o chapéu a seus pés. Seu grande sorriso, embora não dirigido a Emma, pois duvidava que pudesse vê-la, a pegou despreparada. Era uma deidade com uma dúzia de admiradoras a sua pés. Estava posando para um dos infames desenhos de Lady Dalrymple? Oh, como, como...

— Esse é Lorde Wolverton? — perguntou Alice sem fôlego a suas costas.

Emma fechou as cortinas e se virou.

— Acredita que pode deixar sua escola sem supervisão, Lady Clipstone? — disse secamente. — Eu por minha parte devo voltar para minhas funções.

O olhar de Alice voltou para a janela fechada.

— Na realidade, — murmurou. — tem as mãos bastante cheias pelo que se vê.


*****
Adrian não tinha certeza de como tinha acabado posando para um dos esboços de Lady Dalrymple. Ele simplesmente esperava fosse com Heath, discutindo sobre seus planos. E aí estava agora, entretanto. Via-se ridículo, com Heath observando divertido do banco do jardim.

Quantas vezes tinha contado piadas seu amigo Dominic, sobre o revoltante esboço da masculinidade de Heath Boscastle, que tinha terminado nas ruas e salões de toda Londres?

Bom, Adrian não tiraria a calça para que nenhuma dessas damas o desenhasse no jardim. Apesar disso, tinha-lhe sido impossível recusar a Lady Dalrymple. Sem importar a repugnante violência que tinha definido sua vida profissional, tinha uma fraqueza especial pelas doces anciãs e as pequenas crianças mal educadas. Sua avó os tinha mal criado a ele e a seus irmãos, até duas semanas antes de sua morte. Agora se perguntava se Lady Dalrymple recordava sua querida canção de ninar.

Tinham brilhado os olhos de sua avó com tão irresistível malícia?

Suspeitava que sim.

— Importaria-se de virar o corpo um pouco e arquear as costas? —

perguntou Lady Dalrymple com voz trêmula, angélica, e fez a pose clássica para mostrar-lhe.

Ele franziu o cenho e a olhou no rosto.

— Perdão?

— Como se estivesse realizando um trabalho que necessitasse cada polegada de sua força. — explicou ela, com um bater de asas evasivo de

um pulso. — Oh, querido, tente simular que está levantando uma carga pesada.

— De que?

— Não sei. Carvão. Tijolos. Algo que faça trabalhar esses músculos maravilhosos!

Olhou mais a frente, para seu anfitrião Heath, que nesse momento havia coberto seu ofensivo sorriso com uma mão. Para Adrian, esse insulto junto à expressão sobressaltada de Emma, quieta na janela, antes de fechar a toda pressa às cortinas, avisaram-no de que na realidade, tinha caído em uma armadilha malvada.

E ele pensando que Lady Dalrymple era doce e inofensiva, uma cabeça de vento.

— Exatamente que tipo de desenho tem em mente? — perguntou-lhe com uma mão no quadril esquerdo.

Sorriu-lhe sobre o cavalete.

— Hércules! — murmurou. — Nos faltava adicioná-lo a nossa Coleção de Deidades. Não tem nenhuma objeção, não é?

— Objeção? — ecoou, enquanto Heath se deslizava mais longe no banco, com um paroxismo pelas gargalhadas reprimidas. — Bom, não estou totalmente certo. O que é exatamente uma Coleção de Deidades, se não se importa que o pergunte?

— Toda a arrecadação é para caridade. — lhe assegurou Hermia.

— Hércules? Ele não era uma Deidade, verdade?

— Não se mova! — murmurou. — A luz não vai durar muito, e meus joelhos sentem que vai estalar uma tormenta. Hércules se transformou em Deidade depois de sua morte. Poderia me fazer um favor?

Ela tinha esse brilho peralta nos olhos, outra vez.

— Tudo depende, Lady Dalrymple do que deseja.

— Importar-se-ia de fingir que está lutando com um leão?

Franziu a testa.

— Lutando com um leão?

A senhorita Butterfield levantou o lápis sobre sua cabeça.

— Digo eu, Lady Dalrymple, que se supõe que ele tem que estar nu.

Pelo menos assim está no museu.

Ele a olhou alarmado. Heath quase se derrubava no chão.

— Espero que estejam falando do leão, e não de mim!

— De você não! — disse Lady Dalrymple com um sorriso de reprimenda. — De Hércules. Lydia vá procurar minha capa para que sua senhoria a use como escora.

Lydia correu a casa, e retornou sem fôlego um minuto mais tarde, com a pesada capa de veludo dourado. Passou-a para Adrian, que pegou com um grunhido de resignação.

— O que se supõe que tenho que fazer com isto? — perguntou a Lady Dalrymple.

— Lutar com isso.

Ele a enrolou ao redor do pulso jogou-a no ar e a pegou.

— Assim?

Sua boca se converteu em uma fina linha.

— Não se luta com um leão da Nemea como se fosse uma laranja em uma feira camponesa, verdade?

Adrian a olhou fixamente.

— Não sei! Estou ficando com uma hercúlea dor de cabeça. Posso descer?

— Em um momento. — replicou imperturbável. — Seja paciente, Hércules!

Nesse momento, com as garotas da academia desenhando avidamente, e Emma escondida atrás das cortinas, Adrian decidiu que já era suficiente. É claro escapar da situação era outro assunto. Cada vez que tentava mover-se, Hermia lhe lançava um olhar que recordava sua avó. E ficou.

Era claro que Heath não tinha intenção de intervir. Como não podia dizer quanto tempo o reteria Hermia, Adrian estava pensando em uma fuga desesperada, embora não fosse heroica, quando Charlotte Boscastle apareceu no jardim.

— É hora da aula de boas maneiras, vamos!

As moças abandonaram seus desenhos com suspiros de pesar e reverências torpes em direção a Adrian. Por um momento não pôde imaginar para quem eram as cortesias. Riu baixo ao perceber que eram para ele. Aliviado, deu um passo sobre a erva, olhando além de Charlotte, para a casa. Emma estava na porta esperando seu grupo.

Adrian olhou seu delicado perfil.

Parecia tão segura de si mesma muito segura para a maioria dos homens, mas era seu forte caráter o que atraía Adrian. Ela falava com franqueza. Poderia confiar em suas palavras, embora não gostasse. E, entretanto conseguia comportar-se como uma dama deveria fazê-lo, com graça natural e consideração a outros. Olhou a seu redor, percebendo que tanto Charlotte como Heath, estavam-no observando com claro interesse.

— Bom, essa foi uma diversão não planejada. — disse voltando a cabeça para deter a tentação de olhar, de novo. — Confio em não encontrar amanhã minha imagem impressa por toda a cidade.

Os olhos azuis de Charlotte dançavam de risada.

— Tenha coração! Todos os recursos que se arrecadem se distribuirão para obras de caridade em Londres.

— Quer dizer que alguém pagaria por ter meu esboço? — perguntou Adrian com um grande sorriso.

— Incrível, não é verdade? — Heath passou a seu lado para a casa. —

Seu cocheiro está aqui. Se quiser ficar para jantar, direi que espere.

Bom, isso foi mordaz, mas educado, e Adrian sabia que tinha abusado da hospitalidade de seu anfitrião.

— Parto. Obrigado, de qualquer maneira. De fato, agradeço por tudo!

— É mais que bem vindo, mas voltará outra vez, não é? Apostaria que Hermia vai assediá-lo para terminar sua luta com esse leão.

Ele hesitou. Podia ouvir Emma informando uma das garotas que tinha deixado cair seus lápis.

— É claro que voltarei. — disse vagamente. — Logo!

Heath o estudou com sorriso pensativo.

— Um bom amigo sempre é bem vindo a minha casa!

Um bom amigo. Adrian assentiu, perguntando-se se era sua própria culpa, ou se a intuição de Heath dava ao convite um significado oculto.

Capítulo 11

Uma arrepiante chuva desafiou a integridade da ancestral casa senhorial de granito rosa que rodeava o vale de Berkshire. As vozes de dentro eram amortecidas pelos pouco frequentes ruídos dos trovões.

Dois elegantes galgos dormitavam ante o fogo de madeira de macieira.

Uma garrafa de abundante Porto e três copos de cristal estavam sobre a mesa que tinha ocupado o mesmo canto há dois séculos.

O Duque de Scarfield em pé, suas costas reta, apesar do reumatismo que se assentou profundamente em seus ossos ao longo de uma década de amargos lamentos. Suas espessas sobrancelhas se mantinham em um cenho perpétuo. Seu rosto não mostrava fraqueza ou autocompaixão. Era um homem que acreditava fortemente no dever de sua progenitura.

Mendigar o perdão de seu filho primogênito não era fácil para seu orgulho. De fato, tinha-lhe tomado anos admitir que estava equivocado com sua falecida esposa. Quase toda sua vida tinha transcorrido antes que ele tivesse encontrado a coragem de aceitar o fato de que seu ciúme tinha destruído a sua família, e convidar Adrian a voltar para casa.

Ele sabia que seu filho tinha chegado à Inglaterra faz um ano. E ainda

continuava esperando sua volta. Ou esta foi a vingança de Adrian, ou talvez simplesmente não se importasse.

— Uma semana. — disse, estudando a triste paisagem. — Esteve chovendo durante uma semana.

Pequenos atoleiros de chuva brilhavam nas conchas de ostras trituradas que era o caminho circular. Ele tinha mantido uma vigília durante vários meses para ver um sinal da volta de Adrian, mas sempre se sentia decepcionado.

— O clima faz com que a viagem seja difícil! — disse sua filha de cabelos dourados da cadeira onde exercitava a agulha em uma de suas intermináveis tapeçarias.

— Talvez ele esteja doente, meu senhor. — murmurou Bridgewater, o administrador do imóvel, da mesa onde a luz das velas, esperava a atenção do Duque e suas contas esquecidas.

De fato, toda a propriedade tinha caído no esquecimento como se todo mundo contasse com a volta de Adrian para despertar qualquer esperança de mudança que Scarfield tivesse conhecido alguma vez para o futuro. Scarfield se voltou com um sorriso triste.

— Jogamos esta função todas as tardes, não?

Sua filha Florência o olhou com um sorriso.

— Toda manhã, toda tarde, toda noite.

— Pelo menos Cedric poderia ter enviado uma palavra. — disse o Duque com voz irritada.

— O clima, Sua Graça. — disse Bridgewater vagamente. — A viagem é difícil nesta época do ano.

Florência se levantou, deixando cair à agulha em uma cesta a seus pés.

— Bom, de minha parte eu gosto da chuva. Acredito que irei ver Serena antes que escureça.

— Para lhe dizer que seu noivo não voltou? — seu pai lhe perguntou

com um suspiro.

Ela riu de novo, com os dois galgos seguindo-a pela porta.

— Não prestou atenção se pensa que é importante para ela depois de todo este tempo.

— É claro que importa! — o Duque estalou quando se afundou em sua poltrona de couro. — Uma promessa é uma promessa!

Sua filha observou o olhar compreensivo de Bridgewater antes que ele olhasse para outro lado.

— Vou retornar para casa antes do jantar.

— Deveria ter um noivo que conduzisse por você, Lady Florence —

disse Bridgewater. — Houve outro informe de bandidos no caminho.

Seu pai não pareceu escutar, reatando a vigília por seu filho pródigo.

Uma vez ela também tinha desejado a volta de Adrian. Mas agora todo o patrimônio esperava em suspense pela reunião do Duque com o primogênito que tinha banido apoiando-se em nada mais que uma falsa acusação.

Caminhou através do grosso tapete turco, Bridgewater se levantou a toda pressa para lhe abrir a porta. Era um elfo de cabelo branco, um homem cuja família tinha servido a dela durante mais de um século. Por um momento, um brilho de preocupação apareceu em seus agudos olhos cor âmbar entristecendo-a. Via tudo o que acontecia na casa.

Ele sabia todos seus segredos. Ele foi testemunha de como seu pai injustamente acusou sua mãe de adultério, a breve enfermidade de sua mãe e sua morte súbita. Bridgewater serviu na casa durante a subsequente queda de seu pai em períodos de melancolia. Sabia que empregado engravidou que empregada e que o mordomo ia até a despensa a altas horas da noite.

Acaso tinha medo, como o tinha ela, de que a volta de Adrian pudesse ser muito tarde para Scarfield?

Depois do transtorno emocional da partida de seu irmão mais velho, a

casa se assentou em um ritmo previsível, embora não fosse agradável. A ausência de Adrian tinha terminado com as brigas constantes que estalavam quase diariamente entre ele e seu pai.

No pensamento de Florência, o assunto da paternidade de Adrian nunca deveria ter passado pela mente de ninguém. Entretanto, desde o momento em que Adrian escapou, não havia ninguém na propriedade, devido às insinuações da tia solteira da família, que não estava convencido de que ele foi concebido de uma semente ilícita.

Depois, há dois anos, tudo mudou.

21

Em seu leito de morte, a preceptora das crianças, havia dito as testemunhas que a Duquesa não só tinha sido fiel a seu marido, como devota. A Srta. Mallory confessou que foi ela quem enviou as cartas maliciosamente ao Duque de forma anônima, descrevendo a relação de sua jovem esposa apaixonada por um soldado que esteve no povoado.

Adrian, segundo o autor destas missivas, tinha afirmado que não era filho natural de Scarfield. Sua chegada como bebê de oito meses tinha demonstrado este fato vergonhoso.

A desconfiança de Scarfield por sua Duquesa cresceu. Ela era quinze anos mais jovem que ele. Era tão vivaz que fazia mal olhá-la. Ele a acompanhava a todas as partes e suas escuras suspeitas arruinou seu matrimônio. Quando morreu de uma infecção pulmonar repentina, negou-se a chorar. Sua dor, seu ressentimento se voltou para seu filho Adrian, quem em uma idade muito jovem se parecia com sua mãe.

Quando Adrian saiu de casa e se dedicou a sua notória carreira, Scarfield ganhou razão. O moço era selvagem, incontrolável e não mostrava nenhum dos sentidos de dever que era a estrela polar do Duque. Os baixos instintos de seu pai biológico o dirigiam. Evitava suas obrigações porque o reconhecimento do privilégio, não estava em seu sangue.

E depois Scarfield descobriu que foi enganado pelas vingativas mentiras de uma antiga preceptora, um simples ato de vingança. A Duquesa tinha encontrado a senhorita Mallory retendo fisicamente Adrian na creche um dia. A jovem mãe a tinha despedido no ato, acusando a mulher de ser incapaz de cuidar do herdeiro.

Senhorita Mallory lhe tinha suplicado por outra oportunidade, que a Duquesa se negou a dar. Anos mais tarde, a preceptora a havia devolvido.

Tantos anos desperdiçados. Scarfield tinha permitido que uma mentira e seu ciúme destruíssem tudo o que importava na vida. Seu remorso não tinha apagado todo rastro de sua arrogância, entretanto, e nunca o faria.

Ele queria seu herdeiro em casa. Não lhe importa os que o cuidavam e lhe serviam sua tia anciã, sua filha e seu segundo filho, inclusive seu fiel administrador, que tinha tirado a propriedade da pobreza mais de uma vez devido aos maus investimentos escolhidos pelo Duque, tinha-lhe advertido que uma reconciliação depois de uma ruptura tão dolorosa poderia levar tempo.

Scarfield não escutou. A lei proclamou Adrian seu legítimo herdeiro, passados os enganos e apesar das suspeitas. Seguia esperando por ele agora, para levar o menino para casa e fazer as pazes. O Duque não era um bom homem. Ele não iria viver muito mais tempo.

Importava-lhe nada o que dissessem, ou que a profissão de Adrian houvesse trazido a vergonha ao nome da antiga família. Scarfield teria o que queria.

Adrian se casaria com uma jovem vizinha, a garota com quem esteve extraoficialmente comprometido na infância, e a ordem que corresponde às coisas seria restaurada, já que foi escrito nas estrelas há séculos. O

povoado prosperaria de novo. Os bandidos que pululavam pelos bosques vizinhos e estradas seriam perseguidos por um homem suficientemente forte para desafiá-los, porque de uma maneira particular,

Scarfield sentia prazer na autoafirmação de seu filho. Nunca ocorreu ao Duque de Scarfield que seu filho iria dar as costas a sua herança e rejeitar sua oferta de perdão. Mas tinha ocorrido a Florência e ela não podia dormir temendo o que iria vir.

Capítulo 12

Emma se levantou as três manhãs seguintes há sua hora habitual, embora não com seu típico bom humor. Geralmente não via com bons olhos consentir qualquer extremo de humor. Estar à mercê das emoções de alguém era uma debilidade de caráter. Tais mudanças de humor deveriam ser contidas em privado.

Que seu pai, o quarto Marquês de Sedgecroft, e seu irmão, Drake, tivessem sofrido desta aflição escura de disposição, não a persuadia de sua luta contra os demônios pessoais.

Alguém deveria lutar contra os diabos sutis da desconfiança de si mesmo e o desalento quase diariamente. Este foi o conselho que sua mãe, de mentalidade prática, tinha concedido a sua revoltosa prole. Dos irmãos Boscastle, entretanto, apenas Grayson, Emma e Devon tinham herdado a capacidade de sua mãe para vencer as lutas privadas de seu pai com sua escuridão pessoal.

Emma, é claro, entendia a razão de sua inquietação atual.

Considerando que deveria sentir-se aliviada, incomodava-lhe que Lorde Wolverton não tivesse tentado entrar em contato com ela novamente desde seu último encontro na biblioteca.

Sabia que era o melhor.

Sabia que o tinha feito prometer que manteria sua indiscrição para si mesmo. E até agora o tinha feito. De fato, os jornais só tinham feito uma menção breve ao incidente embaraçoso no casamento. Aparentemente, inclusive Lady Clipstone não tinha removido o bote do escândalo. Tudo foi bem e terminou sem alvoroço.

Inclusive começou a parecer possível a Emma que ela seria capaz de esquecer a semana e voltar toda sua atenção à academia, onde pertencia. E onde era necessitada desesperadamente.

De fato, quando entrou no salão de baile depois do café da manhã encontrou a classe inteira reunida suspeitosamente ao redor de uma garota de cabelo brilhante. E nas mãos da garota havia um desenho.

Emma engoliu a saliva e rezou por fortaleza pessoal quando andou a passos largos para enfrentar uma batalha diferente.

— Deem-me isso! Harriet Gardner dê-me esse desenho!

— É de nossa aula com Lady Dalrymple! — exclamou uma das garotas.

— Harriet Gardner, me dê esse desenho agora, ou vou... , que os céus me perdoem, vou...

Harriet olhou com mais assombro que medo.

— Pensei que uma dama não pudesse levantar nem sua voz nem seus punhos.

— Poderia ser persuadida a fazer uma exceção! — disse Emma. —

Deem-me isso agora!

Harriet o fez, observando o rosto de Emma para ver sua reação enquanto olhava para baixo, ao rústico, mas hábil desenho que Hermia fazia de Adrian no jardim no dia de sua partida.

Seu primeiro pensamento enquanto estudava a figura de lápis carvão foi um alívio profundo que lhe fez tremer os joelhos de que não tinha sido representado ao natural, à exceção de um braço e ombro nu, que a imaginação artística de Hermia tinha capturado em toda sua glória muscular.

Para sua vergonha, Emma sentiu seus olhos úmidos com lágrimas enquanto contemplava o imperfeito perfil angular de Adrian. Lady Dalrymple tinha capturado a beleza de seu rosto, sua estrutura óssea severa. Verdadeiramente se assemelhava a um jovem herói, embora Emma pensasse melancolicamente que a representação de Hermia não

teve êxito capturando os traços mais atraentes de Adrian.

Suspirou. Gostaria de ficar com este desenho mesmo se não tivesse nada mais a ver com ele. Bom, seria educada caso se encontrassem em uma festa porque dificilmente se pode ignorar ao filho de um Duque na boa sociedade. Especialmente quando...

— Emma! — disse Charlotte, tocando seu braço. — O que vamos fazer?

Ela recorreu a seu bom senso.

— Em primeiro lugar, não devemos deixar as garotas sem supervisão enquanto Lady Dalryample dá aulas.

Charlotte olhou o desenho.

— Oh, mas é encantador! Muito artístico, parece-me. Olhe esse leão feroz. É bastante acreditável.

— Leão? O que... Oh, sim. Asqueroso.

— Além disso, eu estava fiscalizando, — acrescentou Charlotte — e não havia nada prejudicial a respeito da lição. As garotas estão desenvolvendo uma apreciação pela cultura grega.

Emma arqueou sua sobrancelha. Duvidava que seu pequeno bando de debutantes se importasse de alguma forma com a história antiga.

— Não obstante a cultura grega, as garotas estão falando muito enquanto estamos aqui. Supõe-se que a aula de hoje seja uma continuação da arte do comportamento em um país estrangeiro. Por certo, onde está Yvette? Vou usá-la como nossa rainha na corte.

Charlotte hesitou.

— Está acima empacotando com sua criada. Supunha-se que iria vir e informá-la ela mesma.

— Informar o que? — perguntou Emma.

— Que seu pai a envia à escola de Lady Clipstone. — Charlotte afastou o olhar. — Parece acreditar que nossa academia não é possivelmente o ambiente mais favorável para Yvette, considerando a violência recente.

— Violência? Na academia?

— Bom, no casamento. A briga. Recordou-lhe o Marquês do Terror.

— Ser golpeado na cabeça e decapitado são dificilmente eventos que se podem comparar. — a voz de Emma foi se apagando. Não podia defender a briga no casamento de maneira nenhuma. — Não devemos cair em nossa própria sujeira! — disse energicamente. — Tampouco nos rebaixaremos lamentando nosso destino. Vamos garotas!

— Harriet. Sim, vamos adular a Srta. Gardner. Hoje será a princesa francesa.

— Uma princesa... Harriet?

22

— É Votre Altesse para você, senhorita Butterfield — disse Emma. —

E se uma de nós for suficientemente afortunada para ser apresentada a um príncipe francês, o que faremos em sua presença?

— Desmaiaria a seus pés! — disse Harriet movendo-se exageradamente na cadeira que era seu trono. — Melhor ainda, eu gostaria de tê-lo me beijando os pés, sendo como sou uma princesa e...

— sem prévio aviso saltou ao chão e voou à janela de uma maneira mais de acordo com uma criada que com uma princesa real. — Está aqui!

— Seu príncipe? — perguntou Emma em voz baixa.

— Não! — disse Harriet distraidamente. Retorcendo o avental que uma das garotas tinha amarrado sobre seus ombros como um manto. — O

herdeiro do Duque. O pobre homem não pode manter-se afastado.

Cristo olhe sua cabaça!

— Olhe sua o que? —perguntou Emma.

— Sua cabaça..., a carruagem e as rodas.

— Está falando da carruagem de Lorde Wolverton?

Ante o assentimento distraído de Harriet, avançou para frente uns poucos passos para olhar acima das cabeças de suas estudantes emocionadas. A "cabaça" no qual o príncipe tinha feito sua chegada

inoportuna era uma carruagem ducal branca adornada com um brasão com desenfreados leões dourados e unicórnios. O rígido condutor usava uma jaqueta negra e calça curta adornada com renda de ouro.

De verdade, era uma vista impressionante, mas não tão impressionante como a formosa figura com um casaco negro cruzado que desceu à calçada. Emma roubou um olhar a seu perfil forte e a afastou resolutamente, ignorando a dor agridoce em seu interior.

Sua atenção se desviou imediatamente.

A anarquia na corte imaginária de Harriet continuou. Emma bateu palma consternada para afastar as garotas da janela. Charlotte tomou um curso de ação mais direto e fechou as cortinas em suas caras decepcionadas.

— Que desmancha prazeres, senhorita!

— Não é justo. E se veio ver Lady Lyons? E se for lhe pedir que se case com ele?

Emma franziu o cenho a esta especulação frívola, lutando para não voltar para a janela ela mesma.

— Não há dúvida que veio visitar Lorde Heath, não é que seja nosso assunto.

— E se estiver apaixonado por Lady Emma? — exclamou Senhorita Butterfield ante um coro de suspiros escandalizados.

Harriet saltou sobre sua cadeira.

— E se a sequestra? E se a joga sobre seu ombro e a leva?

— O que? — disse Emma com uma voz bem modulada que cruzou o salão de baile como um chicote. — E se vão todas para cama sem sobremesa por uma semana?

O silêncio seguiu a esta ameaça impopular. Então Harriet limpou a garganta.

— Ordem nesta corte agora mesmo. Assim fechem a boca e...

Adrian entrou na sala, tão impressionante em seu traje negro feito a

medida e sua calça justa dentro das botas de couro negro que cada par de olhos se arregalou ao vê-lo.

Resistindo a seu encanto descarado, embora só fosse para dar o exemplo, Emma permaneceu no centro da sala. Estava desgostada quando as garotas se apressaram a rodeá-lo, ainda sentindo um puxão similar de tentação. Seu trabalho consistia em estabelecer um padrão apropriado de protocolo, não lançar-se sobre esse peito varonil.

Ele se desenredou das meninas com um sorriso envergonhado e se dirigiu ao lado de Emma. Parecia ser um homem, como seus irmãos, ao que não lhe importava que tipo de exemplo desse.

— Lorde Wolverton, — disse, conseguindo parecer desiludida debaixo de seu prazer inegável. — estamos no meio de uma aula. Como posso lhe ajudar? Talvez esteja procurando meu irmão?

— Sim. — de repente se via intimidado com toda a atenção que tinha atraído. — Ia convidá-lo a ir a um leilão hoje mais tarde. — limpou a garganta. — Suponho que não reconsiderou me aceitar como estudante?

Esta pergunta fez explodir a classe em uma nova ronda de risinhos.

Charlotte rapidamente as fez calar, parecendo um pouco curiosa ela mesma.

— Temo... — disse Emma em uma voz educada e profissional — que houve um mal-entendido. Posso perguntar como está sua cabeça?

— Ainda em meus ombros!

— Posso ver isso. Entretanto, pergunto-me... — disse com um sorriso malandro — se recuperou sua clareza de pensamento.

— Nunca me senti mais lúcido em toda minha vida! — olhou-a com calma. — E você?

Ela balançou a cabeça.

Adrian, segurando sua cartola negra de seda, sorriu de uma maneira que lhe sugeria que entendia sua incerteza. Acaso ela pensava que toda

esta atenção intimidava o homem? Absolutamente.

Aproximou-se de seu ouvido.

— Posso lhe fazer outra pergunta? Já que não respondeu a minha primeira.

Seu corpo duro roçou o dela. Um calor proibido a inundou. Não deveria ter vindo aqui, mas estava contente por ter ido. Muito contente para seu próprio bem. Não era um bom presságio para o cuidado de seu coração.

— As garotas nos estão vendo! — sussurrou.

Olhou ao redor inocentemente.

— Bom, não estamos fazendo nada de mau.

Franziu o cenho.

— É a forma que me olha.

Sua sobrancelha se levantou com cumplicidade. Seu olhar viajou sobre seu corpo com sensualidade preguiçosa.

— Sim? O que tem ela?

Ruborizou-se.

— Você sabe.


— De todo modo me diga.

— Zombar é muito descortês.

— Por isso necessito seu conselho.

— Darei um conselho, Lorde Wolverton. — disse, subindo sua voz. —

Deveria voltar para Bershire e...

Atraiu sua atenção em direção à janela.

— Por casualidade notou minha carruagem? — perguntou.

— Não poderia passá-la por alto. — Tampouco tinha passado por cima como mudou de assunto ante a menção de retornar a seu lar. Tinha visto uma verdadeira dor em seus olhos. Talvez nem sequer fosse consciente disso ele próprio. Talvez houvesse lembranças desagradáveis de seu passado que ainda o atormentavam.

Sua voz desceu a um sussurro.

— O velho Duque a enviou para me recolher com estilo. É um pouco presunçoso, não acha? Envergonha-me ser visto nela.

— Seu código pessoal de conduta é o que deveria envergonhá-lo! —

sussurrou ela por sua vez.

— Então é uma coisa boa vindo de você, não? — perguntou a calidez voltando para ele.

De fato, o calor em seus olhos de avelã poderia ter derretido uma pedra. Emma estava desgostosa pelo muito que desfrutava em estar novamente em sua companhia provocadora.

— Não estou de todo convencida disso. Estou no meio de uma aula.

— Prefiro aulas particulares! — murmurou. — Está disponível para dar orientação a pessoas socialmente perdidas e apaixonadas?

Levantou os olhos lentamente, com um pequeno sorriso.

— Não, a menos que queira que meus irmãos sejam incluídos em nossa instrução. Estou certa que se poderia organizar.

— Seus irmãos? — perguntou, inclinando sua cabeça aos ouvidos dela.

— Sim. — disse afastando-se, indicando a porta atrás dele. — Heath e Drake chegaram enquanto conversávamos, e oh, sim, aqui vem o mais jovem demônio Boscastle, Devon. Às vezes é difícil distingui-los. Disse que Heath estava esperando-o?

Adrian se endireitou bruscamente enquanto os três irmãos Boscastle de cabelo escuro se adiantaram para saudá-lo.

— Bom dia, Lorde Wolverton! — murmurou Emma.

Ele suspirou.

— Olá, Wolf! — disse Devon, lançando seu braço ao redor do largo ombro de Adrian. — Vamos brindar sua linhagem hoje? Há uma multidão reunida na rua para ver quem é o dono dessa peça luxuosa. Vamos resgatá-lo das debutantes pequenas e perigosas, e dar um passeio ao redor do parque. A inocência pode ser bastante perigosa às vezes, não lhe parece?

O que Adrian pensou, enquanto era escoltado habilmente ante a presença dos três irmãos dominantes de Emma, era que acabavam de dar outra advertência amistosa de que sua irmã estava sob seu amparo.

Pelo menos até que outro homem assumisse a responsabilidade. E

como Adrian tinha chegado à decisão que era o mais apropriado, o único candidato atual de seus afetos, necessitaria a permissão de seus irmãos para cortejá-la. Isto expunha um dilema, tendo em conta a promessa que lhe tinha feito. Por agora estava forçado a pretender que fosse só uma amiga.

Não impressionaria Emma envergonhando-a. Pensaria melhor dele se fosse ver seu pai? Franziu o cenho. Supôs que parecia um covarde ante seus olhos ao evitar o inevitável. E para sua surpresa, estar na companhia dos unidos Boscastles o tinha feito desejar ver seu próprio irmão e irmã. Recordava que choraram quando se foi de casa. Tinham encontrado a felicidade?

— Grayson viu essa sua monstruosidade dourada? — perguntou Heath enquanto caminhavam para a porta que dava à rua. — Juro que ficará com ciúme.

— Chegou da parte de meu pai esta manhã. — Adrian fez uma pausa.

Sabia que não devia assumir que Heath acreditaria que tinha entrado no salão de baile por engano. Ou que depois de só três dias tinha sentido saudades da companhia de Heath.

Heath confirmou sua intuição no instante seguinte.

— Sugiro que vá visitar Grayson por volta da próxima semana. Estou certo que estará interessado em conversar com você.

E não sobre a carruagem, se Adrian entendia o que Heath queria dizer.

Grayson Boscastle, o quinto Marquês de Sederoft, era o patriarca da família e antigo descarado. Era o homem que concedia tanto dispensas como ditava penas de mortes sociais.

A mensagem de Heath não podia ser mais clara. Se Adrian tinha a

intenção de perseguir Emma, teria que pedir primeiro a permissão de Grayson e declarar-se. E o faria. De verdade que o faria. Teria que convencer Emma de que era sincero e lhe provaria que inclusive um desumano aventureiro extraviado poderia ser redimido. Talvez no curso desta missão, pudesse inclusive convencer a si mesmo de que sua redenção era possível.


*****
Sir Gabriel Boscastle olhou para trás da entrada da casa de onde a carruagem ducal descia rapidamente a rua. Uma audiência de pedestres admirados, vendedores ambulantes e marotos se congregaram para serem testemunhas da saída.

— Esse não era Adrian, não? — perguntou a seu primo Heath uns minutos mais tarde, depois que uma criada lhe indicou o caminho à biblioteca. — A pessoa poderia pensar que era um...

— Duque? — disse Lorde Drake Boscastle com um sorriso cínico. Ele e Gabriel estiveram em desacordo no passado, mas desde o casamento de Drake e sua preceptora, sua velha inimizade tinha começado a desvanecer-se. — Ele e Devon foram conduzindo. Poderia os alcançar se a multidão deixar você passar.

Heath estava sentado atrás de sua enorme escrivaninha militar, seus braços dobrados atrás de sua cabeça. Como de costume sua expressão não revelava nada de seus pensamentos.

— Vem esta noite conosco a opera, Gabriel?

— É claro! — disse, assentindo com gratidão o copo de xerez que Drake lhe tinha dado. — Nunca dormi tão profundamente como durante

23

uma ária . — fez uma pausa. — Há um claro ambiente escurecido nesta reunião. Fiz algo para ofender a alguém? Sei que no passado, não fomos tão próximos como...

— Temos um pequeno problema familiar. — Drake olhou para seu

irmão. — Acha que deveríamos lhe dizer?

Heath riu bruscamente.

— Malditamente deve fazê-lo agora, depois de arrastar esse bocado sob seu nariz!

Gabriel sacudiu sua cabeça, seu rosto divertido.

— Isso significa que na realidade serei incluído em alguma intriga Boscastle. E quero estar?

— É Emma. — disse Drake.

— E Wolf. — Heath passou sua mão por seu cabelo grosso e negro. —

Emma e Adrian. Uma união improvável se é que alguma vez houve alguma.

Gabriel tomou um gole longo de xerez.

— Romances mais estranhos ocorreram através da história inglesa.

Olhe para Nell Gwyn, uma garota vendedora de laranjas, feita Duquesa pelo rei.

— Uma Duquesa. Agora aí está a questão. Adrian não está casado.

Seu pai lhe organizará um matrimônio. — Heath olhou significativamente para Drake. — Acredito que isto necessita de uma conspiração familiar antes que Emma esteja envolvida além de nossa ajuda.

— Grayson está em Kent até sexta-feira, ensinando Rowan a caçar —

respondeu Drake.

— O menino nem sequer pode caminhar ainda! — exclamou Gabriel, afogando-se com seu gole. — Não é um pouco cedo para que ele esteja disparando uma arma?

— Não se está sendo preparado como o próximo Marquês! — disse Heath com uma risada mordaz.

— Drake, vamos nos reunir na sexta-feira à noite. Fará as honras de se assegurar que Devon venha? Convidaria Dominic, mas ele e Adrian são muito próximos. Não é justo pô-lo em uma encruzilhada.

— Assim estou incluído? — perguntou Gabriel, via-se satisfeito.

Drake lhe sorriu abertamente.

— Não seria uma conspiração sem sua cínica perspectiva, primo.

— Uma advertência! — Heath ergueu uma mão. — As mulheres não serão informadas. Tão profundamente como as amamos, sua interferência deve ser evitada a todo custo. Não queremos que as emoções nublem o que decidirmos.

Gabriel terminou seu xerez.

— Meus lábios estão cozidos.

— Os meus estão acorrentados. — disse Drake.

Heath assentiu com satisfação.

— Nenhum de nós pode romper, nem sequer sob coação de..., bom sabe de suas artimanhas. As mulheres desta família, e incluo nossas irmãs e esposas, têm um estranho julgamento para estes assuntos. Se suspeitarem que estamos tomando uma decisão sem as consultar, nossas vidas não valerão a pena ser vividas.

Gabriel o olhou com incredulidade.

— Está tentando me dizer que vocês dois, antigos espiões que não se quebraram sob tortura, estão realmente assustados de que suas esposas de algum jeito descubram esta reunião?

Heath olhou o mapa do Egito emoldurado na parede.

— Não tem ideia, Gabriel, o poder que as mulheres exercem nesta família!


*****
A esposa de Grayson Boscastle, a antiga Lady Jane Welsham, a cunhada de Emma e a atual Marquesa de Sedgrecroft, desceu seus binóculos enquanto o lacaio chefe dos Boscastle, Weed, caminhava sem fôlego para cima da colina coberta de erva da propriedade de Kent. Seu filho Rowan gorjeando em sua manta, enquanto seu pai e a família do guarda-florestal tentavam compartilhar seus conhecimentos de caça com um menino que não podia nem pensar. Jane jurou que se Grayson

mostrasse a Rowan o arco e flecha uma vez mais, a confiscaria.

Sentiu uma onda de ansiedade em seu peito. Weed agitou ante ela uma missiva dobrada, ofegando pelo esforço do que aparentemente era uma frenética corrida desde a casa.

— De parte de quem é Weed? — pergunto calmamente, imaginando que alguma tragédia tinha acontecido a qualquer das tias e tios, seus queridos pais, suas irmãs...

— Não sei Senhora! — respirando com dificuldade, sustentando seu lado. — Disseram-me que era assunto de suma importância e que devia chegar a senhora a toda pressa.

Uma das três assistentes femininas sentadas a seus pés levantou o olhar preocupado para Jane.

— Por favor, informe a meu marido que o jovem Orion necessita de seu descanso da tarde. — disse, com um olhar sombrio.

Enquanto o criado se apressou abaixo para o terreno arborizado, Jane cuidadosamente rompeu o selo da carta e lhe deu uma olhada. Era de Julia, a esposa de Heath, de Londres. E era um pedido urgente de verdade, secamente redigido.

Emma. Adrian Ruxley. Espero que seja capaz de ler o que a discrição me impede de escrever. Heath é conhecedor da situação e tenta convocar uma conspiração para decidir seu destino. Posso lhe pedir que intervenha a favor da contingência feminina?

Em nome do amor verdadeiro!

Sua cunhada e não alheia ao escândalo.

Julia

Jane se virou tão abruptamente que Weed, sorrindo ao ver o Marquês e o jovem amo abaixo, quase perdeu o equilíbrio. De fato, teria escorregado colina abaixo se a mão de Jane não tivesse saído disparada para pegar sua manga.

— Sou uma garota muito torpe!— disse, arrastando-o a seu lado.

Seu olhar piscou à carta que ela tinha colocado sem cerimônia em sua blusa.

— São más notícias, Senhora?

— Serão se não intervir! — murmurou, depois mordeu o lábio.

Weed adorava a família Boscastle. Jane não duvidava que desse sua vida para salvá-la se estivesse em perigo. Mas quanto a escolher lados entre ela e seu marido, suspeita que Grayson ganharia. Weed, depois de tudo era homem e leal aos Boscastle.

— Devo ordenar a carruagem para uma saída imediata? — perguntou, soltando-se com cuidado de seu afeto enquanto recuperava sua dignidade.

Jane lançou um olhar carinhoso para seu marido e filho.

— Não há necessidade de arruinar os planos de meu marido. Irei a Londres com a Senhora O'Brien e meu filho.

A senhora O'Brien era a babá irlandesa de Rowan, uma mulher que não tinha medo de desafiar a autoridade de Grayson no que se referia aos melhores interesses de seu cargo.

O lacaio principal foi testemunha de muitos escândalos dos Boscastle para que suas suspeitas não se levantassem.

— Senhora? — perguntou com precaução com uma voz que dizia tudo e, entretanto nada.

Baixou a voz a sussurro rouco, seus olhos verdes brilhando com malícia.

— Há um sapateiro que acaba de chegar de Milão e tenho a intenção de contratar seus serviços exclusivos antes que qualquer outra dama o roube para si mesma.

— Ah! — assentiu com cumplicidade. A paixão por trajes de moda entendia.

— Não o divulgará não é? — perguntou com um sorriso suplicante.

— Ainda tem que perguntar?

— Bem. Irei a Londres mal tenha explicado a situação ao Marquês.

Grayson suspeitou que algo estava em marcha quando sua esposa lhe informou de sua intenção de retornar a sua residência de Park Lane. Os dois sabiam que o sapateiro podia ser levado a sua propriedade em Kent para fazer sua oferta, como o fizeram a costureira, e os numerosos joalheiros nas várias ocasiões passadas.

Uma hora depois, quando o Marquês recebeu a missiva de seu irmão Heath lhe informando de notícias alarmantes sobre Emma, suas suspeitas foram confirmadas. Não sabia que conspiração tortuosa estava tramando sua esposa, mas considerou prudente tomar medidas antes que pudesse obter alguma vantagem sobre ele. Ele e Jane desfrutavam superando-se um ao outro. Não esteve nada contente quando descobriu sua decisão de viajar com ela a Londres.

— Não há necessidade de estragar seus planos por mim! — disse quando se encontraram no vestíbulo onde uma montanha de bagagem mútua foi reunida.

— Mas meus planos não têm importância se não incluírem você, querida.

Levantou uma sobrancelha. Olhou fixamente seus olhos verdes escuros e sentiu agitar-se seu coração. O matrimônio não tinha diminuído sua paixão por ela o mínimo. Tampouco tinha diminuído seu espírito engenhoso. Enquanto alguns homens poderiam ter caído em um matrimônio de auto complacência, a ele ainda o mantinha suspenso a desejável Lady Jane.

— Sério Grayson. — esteve quieta enquanto sua criada cobria seus ombros com um casaco forrado de veludo. — Não necessito de sua ajuda para me reunir com um sapateiro.

Tomou para si a tarefa de abotoar o xale de sua esposa.

— Sentiria saudades mais do que posso suportar. Não se importa, não é?

Sua boca cheia se endureceu.

— É só um sapateiro!

Sorriu. O sapateiro.

Algo estava definitivamente em marcha.


*****
Adrian estudou o perfil de camafeu perfeito de Emma Boscastle nos binóculos de opera incrustados com pérolas que pertencia a um dos dois cavalheiros que se sentou a seu lado em seu camarote de Haymarket.

Adrian esteve ligeiramente surpreso por sua aparição na sala esta noite ter atraído uma quantidade vergonhosa de atenção. De fato, enquanto o vestíbulo lotado ficou em silêncio quando entrou, tinha olhado ao redor com curiosidade em busca do importante personagem que tinha feito as senhoritas em tal estado de nervos.

O respeito feminino não era exatamente uma experiência nova.

Compreendia que atraía o sexo oposto inclusive se nem mesmo se incomodar e não aproveitava. Certamente, não celebrava sua dignidade contando cada corte que podia esculpir no pilar de sua cama.

Portanto, era-lhe absurdo que por ser o filho do Duque, existissem numerosas mulheres que o consideravam tão desejável que inclusive antes que a opera começasse, recebesse sete convites para o jantar, três para o café da manhã, e dois entretenimentos mais escuros.

— Eu gostaria de ter sua sorte com as damas! — comentou o Baronete que se sentou a sua direita.

Adrian gostaria de dizer a suas admiradoras novas que procuravam um namorico com ele que era uma completa perda de tempo. Em vez disso, divertiu-se jogando as notas ao camarote dos Boscastle, no lado oposto da sala, em formas de mísseis bicudos.

Gostaria de atrair Emma a seu camarote, fechar as cortinas e dar atenção a ela pelo resto da noite. Mas com seu bando de irmãos ameaçadores, a agradável fantasia parecia pouco provável esta noite, ou

no futuro próximo.

Entretanto, nada iria terminar tão facilmente entre ele e sua leoa evasiva. Se Emma acreditava por um instante que era o tipo de homem que seduzia uma mulher em segredo, e logo ia para outra conquista, encontraria algumas surpresas no caminho. Na realidade, ninguém poderia estar mais surpreso que o próprio Adrian por seu desejo de persegui-la para uma relação mais duradoura.

Entretanto algo nele tinha compreendido, tinha reconhecido no instante que escutou sua voz, que era a mulher que tinha esperado toda sua vida. E nem sequer percebeu que estava esperando, ou que o amor verdadeiro estaria em seu futuro.

Conhecia muitos homens, especialmente soldados da fortuna, que não acreditavam no amor. Abandonados por seus pais, maltratados em seu lar, a quem se tinha ensinado a não procurar nada mais que uma gratificação instantânea. Não sentir. Mas Adrian recordava o amor de sua mãe. E a seu irmão e irmã andando como cachorrinhos desventurados, dispostos a segui-lo em qualquer travessura. Tinham-no amado. E ele os amou. Assim nunca admitiu ante seus companheiros de mentalidade crua que acreditava na realidade do amor.

Tinha existido uma vez. Por que não poderia ser seu novamente?

Sentou-se, seu pesado casaco negro caindo em cascata por suas costas. Estava partindo? Sozinha? Justo quando o canto tinha começado? Ah, que bênção.

— Perdão! — murmurou a seus conhecidos, um dos quais já estava dormindo. — Não esperem por mim se não retornar logo.

Quase atirou ao chão cada lacaio e as pessoas que chegaram atrasadas, em seu apuro por interceptá-la na entrada do vestíbulo.

Ficaria satisfeito se pudesse convencê-la de reunir-se com ele uma vez mais para falar do futuro que ela afirmou que nem sequer tinham.

— Deus santo! — uma voz inquietantemente familiar chegou a seu

ouvido.

— É esse meu Hércules?

Não ela. Tropeçou com a robusta anciã bloqueando seu passo. Seguiu-o até que esteve junto à parede. Sobre a parte superior do turbante de penas de pavão, viu Emma abanando-se. Hamm, o lacaio da casa de Lorde Heath, parou ociosamente a seu lado.

— Querida Lady Dalrymple! — disse educadamente, logo quase a tirou de seu caminho. — Gostaria nada mais que continuar esta conversa, mas acabo de ver um amigo que não posso ignorar.

— Um amigo? — virou-se com interesse, ofegando quando percebeu a quem se referia. — É Emma? Sim. Emma. Ela é sua amiga?

Muito tarde entendeu que ela sabia exatamente o que queria dizer.

— É claro que é minha amiga! — disse torpemente. — E a Senhora também, e sua sobrinha Julia.

Sua voz se converteu em um sussurro aterrador.

— Pode confiar em mim, Lorde Wolverton!

— Posso? — perguntou. Emma retornou para as escadas que a levavam a seu camarote. Podia ver sua oportunidade deslizar entre seus dedos.

Correu através do vestíbulo, alcançando Emma antes que pudesse sair.

— Lady Lyons! — fez uma reverência, depois segurou sua mão enluvada e a levou ao canto. — Que prazer é vê-la aqui.

Por um momento satisfatório seu rosto se iluminou e não se queixou quando se aproximou mais do que deveria. Depois riu.

— Como se fosse uma coincidência. Sabia que estaríamos aqui esta noite?

— Seu irmão pode tê-lo mencionado antes. Só esperava que os acompanhasse.

Ela desceu seu olhar.

— Desfruta da ópera?

— Detesto-a!

Golpeou seu ombro com o leque.

— Não perguntarei isso, então por que veio.

— Sabe por que Emma.

Levantou seu olhar para o dele.

— Essa ali é Hermia nos olhando?

Olhou direto para ela, nem sequer se incomodou em olhar ao redor.

Estava bem vestida. Seu pescoço, mangas, blusa. Pequenos botões que demoraria uma eternidade em desabotoar, mas um momento para arrancá-los de suas casas. Seu aspecto afetado só o fazia desejá-la mais.

— Quem é Hermia? — perguntou distraidamente.

— Lady Dalrymple. A artista.

— Me esconda dela, por favor! — disse com um gemido.

Riu novamente, inclinou seu rosto ao seu com uma sedução inconsciente que esquentou seu ser inteiro. Desceu sua cabeça, faminto por sentir sua boca. Se tivesse pensado por um momento que lhe deixaria beijá-la em público, a encheria de beijos, devorando-a. Um duro punho lhe bateu de modo brincalhão no ombro.

— Por Deus, Wolf, foi você no sentido contrário ao de nós. E eu que pensava que tinha renunciado a boa sociedade.

Voltou sua cabeça. Os olhos azul índigo de Drake Boscastle o olharam diretamente nos seus.

— Não soube? — perguntou em uma voz uniforme. — Estou na aula de superação pessoal.

— De verdade? — seu sorriso era cético. — Deveria vir conosco. Meus irmãos e eu sempre estamos contentes de ter como companhia um amigo vagabundo.

E para mantê-lo longe de sua irmã. Era um assunto que iria ser repetido ao longo da semana seguinte.

*****

Emma tinha se desculpado e saiu do camarote para tomar ar. A verdade era que se tivesse que ser testemunha de uma mulher mais rindo ou se pavoneando para captar a atenção de Adrian, abandonaria todo sentido de refinamento e diria entre dentes um comentário desagradável. Para acautelar essa possibilidade degradante, escapou da companhia de seus irmãos e para ficar um momento sozinha.

É claro, que tinha visto Adrian detrás de seu leque no instante que entrou no vestíbulo. Sua primeira suspeita foi que teria ido se encontrar com uma amante. Sua aparição ali esta noite certamente revolveu as esperanças na audiência. Mas depois, viu o prazer em seu rosto quando a tinha divisado no canto.

Viu com incredulidade como quase tirou Lady Dalrymple de seu caminho para alcançá-la. Não havia outras mulheres jovens à vista.

Entretanto, não deveria nem sequer reconhecê-lo no vestíbulo. Mas logo estava em pé frente a ela, quente, vital, tão endemoniadamente bonito que não pôde pensar em uma fuga. Tudo o que pôde fazer, por desgraça, foi desfrutar de uns poucos minutos proibidos em sua presença.

E quando desceu sua cabeça a dela, sentiu seu coração acelerar-se grosseiramente, sentiu-se suspensa entre a apreensão e a esperança.

Não se atreveria a beijá-la em público. Não poderia.

Seu irmão Drake terminou com sua agonia.

Embora Emma mal pudesse ver o rosto de Drake, oculto pelo corpo grande de Adrian, percebeu com vergonha que sua interrupção foi preparada. Hamm, o lacaio, estava parado apenas há uns metros mais à frente. Portanto, sua pessoa esteve protegida, o que só podia significar que Drake estava deliberadamente mantendo ela e Adrian separados.

Abanou o rosto, escutando o breve intercâmbio entre os dois homens.

— Sério Adrian! — disse Drake. — Teria convidado você a vir conosco

esta noite se soubesse que assistiria. Como esteve o leilão hoje?

Lady Dalrymple escolheu esse momento inoportuno para passar entre Drake e Adrian, convidando Adrian a que acompanhasse a ela e a sua escolta, o conde de Odham, para um jantar tardio depois da atuação.

Emma afastou o olhar, consciente do brilho especulativo nos olhos de Drake, que sabia perfeitamente bem quão nervosa se sentia.

Mas o que mais sabiam ele e seus outros irmãos? Estavam simplesmente adivinhando ou eram muitos perspicazes?

Quando se atreveu a olhar a seu redor outra vez, Lady Dalrymple estava arrastando Adrian pelo cotovelo através do vestíbulo, e um grupo pequeno de senhoritas, que lhe estavam seguindo a pista, tinham inventado uma dúzia de desculpas para aparecer em seu caminho. Não lhes deu um só olhar.

— Que grosseiro! — murmurou.

— Quem, querida? — perguntou Drake, apoiando-se na parede a seu lado. — Eu ou Adrian?

— Essas mulheres atrevidas, ali!

— Ah, isso!

Rompeu as varas de seu leque fechado.

— Isso é o que?

— Nada! — seu inocente encolhimento de ombros lhe indicou mais do que sinceramente ela queria saber. — Voltamos ao camarote?

— É claro.

— Está bem? — perguntou, oferecendo seu braço.

— Por que pensa o contrário?

— Bom, expressou seu desejo de um pouco de ar.

— Agora estou bem!

Acariciou lhe a mão.

— Isso é tudo o que queria ouvir. E recorde que sempre estou aqui se quiser falar.

— Falar do que? — perguntou tensamente, seu olhar fixo à frente.

— Bom, não sei.

— Do tempo?

Olhou-a.

— Se quiser. Da chuva, do sol, do amor!

Riu interiormente.

— Vou considerar isso.

Deveria estar agradecida pela intervenção oportuna de Drake.

Agradecida de que os braços protetores da família Boscastle não só a protegeriam do dano, mas também da tentação. Agradecida de que seus irmãos se preocupavam o suficiente por ela para protegê-la como uma cidadela. Sim, verdadeiramente. Os Boscastles se cuidavam entre si.

Capítulo 13

Adrian estava tramando a forma de encontrar-se as sós com Emma no dia seguinte, quando aceitou um convite para praticar esgrima no Angelo"s com Dominic Breckland. Dominic não só era seu melhor amigo, ele também estava casado com a irmã mais nova de Emma, Chloe; o que significava que poderia ser capaz de servir como parte neutra, assim como um potencial intermediário entre Adrian e Emma.

Adrian pensava que durante uma sessão amistosa de esgrima poderia casualmente deixar cair algumas pistas sobre sua posição. É de supor que Dominic, um homem inteligente apaixonado por uma mulher Boscastle, poderia oferecer-se para atuar como cupido.

Infelizmente, Dominic frustrou este plano convidando Heath Boscastle a unir-se a eles no último minuto. Em qualquer outro momento Adrian não teria protestado por praticar com outro companheiro capaz. Mas Heath deu uns golpes rápidos que poderiam ter sido considerados menos esportivos. Adrian, que facilmente poderia ter rebatido com a mesma habilidade, decidiu permitir a Heath a vantagem.

Inclusive Dominic comentou a agressividade incomum de Heath quando caíram ante ele, enquanto os três se dirigiam a sua casa da cidade.

— Acredito que Adrian e eu deveríamos nos alegrar de contar com você como nosso amigo. — disse, brincando enquanto a carruagem parava. — Temia que por um momento esquecesse quem era seu oponente. — fez-se um silêncio embaraçoso.

Adrian simplesmente encolheu os ombros como se o assunto fosse de pouca importância. Só um idiota poderia brigar com alguém que o tinha tratado como Heath o fez.

Entretanto, ficou claro que Adrian teria que usar artimanhas se quisesse uns momentos privados com Emma para lhe declarar suas

intenções. Não gostava da perspectiva de planejar um ardil contra a família que lhe tinha devotado sua amizade. Se não lhe tivesse prometido anonimato, teria ido diretamente a seus irmãos e despido sua alma. Deveria lhe escrever uma carta? Não. Poderia facilmente cair nas mãos equivocadas e desonrá-la.

Deveria enviar uma mensagem para expressar seus sentimentos mais profundos através de um intermediário? Seu valete13, talvez? Inclusive Adrian percebeu que enviando um criado poderia ofender sua sensibilidade. E não podia imaginar Bones sendo capaz de manter um rosto sério ante a situação.

Mas Heath Boscastle era um homem honrado sem importar que tivesse suas suspeitas pessoais a respeito de Adrian. Olhava fixamente para Adrian quando ele desceu da carruagem ao meio-fio.

De algum jeito Heath sabia que Adrian estava perseguindo Emma. É

claro que Adrian não se conduziu da maneira mais discreta. Mas tampouco tinha revelado seu segredo.

— Importaria-se entrar para tomar um refresco, Adrian? — disse em uma voz cautelosa. — Só para assegurar a Dominic que não perdi minhas maneiras.

Adrian se endireitou. Ele e Heath sabiam o que tinha instigado o desdobramento físico no Angelo"S. O mais apropriado que deveria fazer seria aceitar a desculpa de Heath, tirar importância disso, e seguir seu caminho alegremente. Mas fazer isso seria perder a oportunidade de ver Emma. E, que Deus o ajudasse, estava desesperado para olhá-la.

— Um brandy seria agradável! — disse, encontrando-se com o olhar atento de Heath.

O rosto de Heath não delatou nenhuma emoção. Ele assentiu com a cabeça amavelmente.

— Dominic?

Adrian escutou seu amigo queixar-se a respeito de um compromisso

anterior. Na verdade, não estava prestando atenção. Seus pensamentos se desviaram com antecipação a espera de ver Emma. Sabia que era pouco provável que lhe permitisse qualquer conversa com ela, sem supervisão. A esta hora do dia era mais certo que estivesse dando aulas.

— Adiante, Adrian. — Heath parou na porta que seu mordomo acabava de abrir para deixá-los entrar. — Não queremos que nenhuma das damas nos veja com um aspecto tão desalinhado. Minha querida irmã ama a leitura.

Adrian percebeu o que Heath queria dizer com essa afirmação quando o seguiu a sala e conseguiu ver seu reflexo no espelho por cima de sua capa.

Ele fez uma careta. Cabelo alvoroçado, a capa torcida, a camisa de musselina úmida.

— Querido Deus! — murmurou. — Não é de estranhar que o vendedor de lavanda quase deixou cair sua cesta quando me viu fora do Angelo"S!

Heath começou a rir.

— É possível que deseje desdobrar os punhos de sua camisa. Não me vejo muito melhor que você, temo. De fato, vou te deixar por um momento para me trocar. Há brandy no gabinete. Eu prefiro um café.

Chamarei Hamm.

Adrian ficou em pé no centro do aposento durante uns instantes. Não podia acreditar na realidade que Heath o tivesse deixado sozinho. É

claro o tipo era muito esperto, sabia que Adrian mal podia aproximar-se de Emma mostrando-se como se acabasse de sobreviver a uma briga de rua.

Ficou olhando a porta fechada, alisando lentamente seus punhos, pouco a pouco perdendo a batalha contra o bom senso. Perguntou-se se podia vê-la sem que ela o visse. Só um vislumbre dela. Depois de tudo, ela o cuidou quando ele se viu muito pior, não o tinha feito?

A porta se abriu. Hamm, o criado gigantesco quem tinha servido na

guerra sob a autoridade de Heath, apareceu.

— Posso lhe trazer algo, Milorde?

Adrian hesitou.

— Café, por favor, para Lorde Heath.

— Nada mais?

— Não. A menos que..., a menos que as damas se unam a nós.

As sobrancelhas desalinhadas de Hamm se levantaram.

— As damas, meu lorde?

— Sim. — Adrian encolheu os ombros com indiferença. — A esposa de Lorde Heath. E sua irmã. É possível que elas queiram tomar chá.

— Ah! — Hamm assentiu com a cabeça compreendendo. — Acho que as damas foram às compras.

— Já vejo. — e, ao que parece, também o fez o lacaio. Adrian se sentiu de repente como o maior idiota de toda a Inglaterra. Por que prometeu a Emma não cortejá-la abertamente?

Hamm se inclinou.

— Vou trazer o café, Milorde.

Adrian tirou a capa quando a porta se fechou e percebeu que ainda levava a espada quando escutou um grito apagado da parte traseira da casa. Não lhe ocorreu ignorar, apesar de nem Emma nem Julia estarem na casa. Mas o grito, que tinha uma nota de alarme real, tinha sido definitivamente emitido por uma mulher.

Saiu da sala, esperando completamente que pudesse descobrir nada mais perigoso que uma das estudantes da Emma em pé sobre uma cadeira, porque um camundongo tropeçou com sua sapatilha. E

provavelmente alcançaria o inferno se Emma o apanhasse fazendo outra aparição indecorosa em sua academia.


*****
Emma quase deixou cair seu manual de etiqueta ante o grito efêmero que surgiu na biblioteca atrás dela. Harriet outra vez, pensou

exasperada. Que desastre teria feito desta vez para fazer tanto alvoroço?

Ela não podia confiar nessa garota Gardner durante uma hora. Foi uma sorte que tivesse decidido no último momento não acompanhar Julia nas compras hoje, embora Emma não pudesse dizer com honestidade que o tinha feito por um motivo nobre. Gostava de comprar um chapéu novo tanto quanto qualquer outra mulher; Charlotte e a Senhorita Peppertree poderiam dirigir a academia durante umas horas. O fato, entretanto, era que ficou em casa com a secreta esperança de que Adrian pudesse fazer uma visita a seu irmão.

Sentia falta do seu Duque de má reputação mais do que tinha antecipado quando ela quase o tinha banido de sua vida. Sentia falta de Adrian mais nestes últimos dias que quando ela tinha perdido seu finado marido no ano seguinte a sua morte.

Levantou os ombros enquanto se aproximava da porta da biblioteca para investigar a causa do último percalço de Harriet. Quase nunca se lamentava de ter começado a academia. Já que se enchiam suas horas de solidão e isso lhe deu uma grande satisfação.

Que gratificante seria guiar Harriet nas maneiras elegantes da feminilidade. Ao menos a desconcertante garota não tinha emitido outro desses gritos horripilantes.

Apoiou seu amado manual no quadril e abriu a porta da biblioteca. Por um intervalo incalculável de tempo se surpreendeu muito ante a cena que encontrou. De fato, não havia nenhum precedente em sua vida que a preparasse para dirigir o quadro impactante que viu, e como uma Boscastle, Emma tinha sofrido uma boa quantidade de comoções.

24

Dois dos rufiões jovens mais desalinhados que teve o desgosto de encontrar estavam tentando puxar Harriet através da janela do jardim.

Uma gravata, suja, é claro, foi colocada na boca da garota para fazê-la

se calar.

Ao que parecia esta humilhação não desanimou a árdua luta de Harriet por sua liberdade. Embora cada um de seus sequestradores lhe segurasse um braço e uma perna, Harriet lutou contra eles com as assombrosas contorções corporais de um macaco e uma série de surdas maldições que deu a Emma um momento de gratidão culpado pela gravata que amordaçava a desafortunada garota.

— Como se atrevem?! — disse em um grunhido suave que não só surpreendeu aos sequestradores se não a si mesma.

De fato, agora que a surpresa inicial tinha passado, sentiu-se possuída por uma ira ardente. Não somente na casa de seu irmão, se não em sua própria academia, santuário para as pessoas com influências sociais, estava sendo violada pelo que só poderia descrever-se como a escória do submundo de Londres.

Uma multidão de razões voaram por sua mente. Heath tinha ido ao Angelo"s cedo para encontra-se com Dominic. Era de supor que comeriam depois ou parariam no clube. Suas cunhadas, Julia e Eloise, achavam-se nesse momento provavelmente admirando os tecidos com a costureira.

Charlotte e as outras garotas deveriam estar estudando latim a esta hora. Hamm, o gigantesco criado de Heath, estava em algum lugar da casa. Mediu a distância até o cordão da campainha. Tomando vantagem evidente da inesperada chegada de Emma, a jovem Harriet acabava de dar um pontapé no peito de um de seus captores. O rufião emitiu um grito baixo de dor e cruzou as mãos sobre suas partes machucadas. Seu companheiro começou a rir em um tosco divertimento até que Harriet levantou seu ombro para atacá-lo da mesma forma. Livre de seus ineptos sequestradores, Harriet arrancou a gravata suja de sua boca e a jogou no chão.

— Isso é tudo por agora, pestilentos filhos de cadela! Ajude-me

Senhora Lyon! Estou sendo sequestrada por um par de assassinos cheios de piolhos!

O mais alto dos dois jovens lançou uma perna sobre a janela enquanto avaliava a defensora de Harriet.

— Esta é nossa irmã, e considero que temos o direito de leva-la de volta. Nosso pai está doente, e ele quer a sua filha a seu lado!

— É isso verdade, Harriet? — Emma perguntou. — Estas duas pessoas são familiares teus?

Harriet soprou.

— Me partem em duas, Lucas e Rob.

Ela caiu brevemente no monte de cristais quebrados no chão, somente para saltar voltando em seguida para seus pés.

— O velho bode não está mais doente que eu!

Emma a olhou com horror.

— Você esta com o cotovelo sangrando, Harriet.

— Sua pele vai ser um filete cru se ela não vier conosco — anunciou o outro homem, agarrando Harriet pelo braço machucado. — Não tem sentido fingir que pertence a esse lugar. Todos sabemos que nunca será uma bolsa de seda refinada!

Emma se dirigiu para a janela. Sua garganta se fechou, e, entretanto sua voz ressoava no ar, em seus ouvidos.

— Enquanto as autoridades não ficarem de acordo a Srta. Gardner fica sob minha supervisão!

Sua mão suja deslizou a capa de couro que sobressaía por debaixo de sua jaqueta de pele gasta.

— Ela tem trabalho a fazer em casa. — desceu a cabeça com a agressividade de um touro.

— Que tipo de trabalho? — perguntou Emma, Harriet estava disposta a usar seu engenho e manter a calma.

— Um trabalho aqui em Mayfair. — o outro homem respondeu de seu

lugar oscilante no peitoril da janela. — Um trabalho decente como criada da Condessa, nem mais nem menos. Não se pode melhorar isso, não é?

Emma tomou nota de que a mão de seu irmão tinha desaparecido por completo no interior de sua jaqueta.

— Acredito que posso. Talvez eu pudesse falar com seu patrão e lhe explicar a situação.

Harriet deu uma risada amarga ante isso.

— Adiante. Você, Senhora Lyons, vá caminhando até a porta para explicar que sua nova empregada está sendo sequestrada pelos porcos de seus irmãos para roubá-la às cegas durante uma festa!

Foi neste ponto que o criminoso chamado Rob tirou de sua jaqueta

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uma navalha em forma sinistra conhecida como balisong ou borboleta.

Emma nunca teria reconhecido a horrorosa faca se não fosse pela que tinha seu irmão Grayson já que a tinha guardado, sobre a parede no quarto de armas em sua casa campestre.

— Fora de meu caminho! — gritou Rob a Emma — Ou cortarei seu pequeno nariz intrometido!

Harriet se libertou e colocou seu magro corpo frente à Emma enquanto levantava os punhos em direção à cara de Rob.

— Grite de novo que vou costurar suas bolas juntas quando estiver bêbado. Juro-o sobre a tumba de nossa mãe!

— Guarde a faca! — murmurou Lucas da janela. — Não tenho todo o dia. Harriet sempre estraga tudo. Vamos procurar a alguém mais.

Rob assentiu com a cabeça aparentemente de acordo. Depois lançou seu braço sem prévio aviso e pegou Harriet pela cintura.

— Neste momento. Eu sou o que dá as ordens. — apertou a faca de borboleta contra a parte posterior da orelha de Harriet enquanto fulminou com o olhar a Emma. — E você mantenha sua pequena e bonita boca fechada até que partamos ou vou fatiar esta orelha aqui mesmo!

— Alguém vem! — murmurou Lucas e abriu as pernas sobre o peitoril da janela. — Alcança-a e corre!

Emma foi atrás deles. Até sabendo que deplorava a violência de qualquer maneira, mas tinha se criado em uma família de cinco irmãos corpulentos e uma irmã menor com uma natureza exuberante. Mais de uma vez Emma se destroçou em uma ronda de murros, assim como também resgatou a um irmão amarrado a uma cadeira na despensa do mordomo, durante uma festa de tortura familiar. Portanto, sem hesitar, ela levantou sua bíblia pessoal de boa conduta em uma mão e, tomando só uma fração de segundo para apontar, enviou-a a toda velocidade a cabeça do sequestrador de Harriet.

Golpeou-o na quadrada têmpora, seu precioso manual de maneiras refinadas, todo esse assessoramento desperdiçado sobre uma testa primitiva. O golpe o deixou momentaneamente sem sentido. Empurrou Harriet para baixo sobre suas mãos e joelhos. Quando ele se endireitou, estava apontando a faca em direção a Emma e avançando para ela.

Emma virou em movimento rápido e lançou-lhe uma almofada no rosto, seguido das obras completas encadernadas em couro de Shakespeare.

Ele amaldiçoou, com os braços cobrindo o rosto e assim não viu Harriet que chegava por trás e o empurrava contra a janela.

Enquanto cambaleava, perdendo o equilíbrio, Emma correu para a campainha e puxou forte presa pelo pânico. Tinha perdido a noção do tempo, mas estava certa que só tinham passado dois segundos antes que a porta se abrisse.

— Adrian!

Com um alívio que a estremeceu através das costuras de suas meias, reconheceu a alta figura de longos ossos que entrou na sala. Seu olhar inquietante a interrogou, o livro no chão, a janela quebrada. Com grande rapidez cruzou o aposento e ficou como se fosse seu escudo.

Uma transformação temível parecia ter ocorrido sobre seu formoso

rosto. Ante seus olhos se transformou de um cavalheiro de boa aparência em um vingador sombrio.

Seu grande sorriso cheio de apreensão.

Este não era Adrian Ruxley, herdeiro de um Ducado. O homem que entrou no aposento poderia lançar-se de um salto a um navio pirata em uma batalha em alguma praia estrangeira. A imagem só se aguçou em sua mente quando ele lançou sua capa e tirou a espada de sua bainha.

Sua camisa de linho branca umedecida se aferrou a seu peito. Um suspiro composto tanto por admiração como de protesto surgiu de sua garganta. Em qualquer outro momento poderia ter se ofendido pela visão do peito suado de um homem tão atraente, como ao fim admitiu para si mesma, se não tivesse sido tão agradável vê-lo.

— Diga que está bem, Emma! — disse sem olhá-la.

Ela assentiu com a cabeça, escutou seu irmão chamar da parte superior da escada. Depois os estrepitosos passos de Hamm no corredor. Mas toda sua atenção se concentrou de repente em Adrian, formoso, heroico, e por sorte ali.

— Estou bem, mas Harriet...

De repente a atenção de Adrian mudou. Um dos irmãos de Harriet já estava correndo pelo jardim, objetos de prata e caixas de rapé se derramavam fora dos bolsos. Rob tinha avançado pausadamente para a janela com sua faca em um esforço por manter Adrian à distância.

— Não durmam muito, nenhum de vocês! — disse grosseiramente. —

Voltaremos!

Adrian desembainhou sua espada.

— O que disse?

Emma piscou. Estava muito fascinada por Adrian para reconhecer mesmo as outras três pessoas prensadas na porta. Seu estômago se agitou ante o sorriso duro que curvou sua boca. Sua ameaça sombria hipnotizou a todos que o olhavam enquanto se movia para frente.

Harriet se retirou atrás de uma mesa de madeira acetinada da biblioteca.

Rob lançou um olhar selvagem ao redor do aposento.

— Ninguém vai detê-lo? Harriet?

Adrian lhe rodeou com desconcertante concentração, levantando seu

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sabre até o pulso palpitante da garganta de Rob com tanta rapidez que inclusive Emma não o tinha visto chegar.

— Quero matá-lo! — disse, balançando a cabeça como se a confissão o divertisse. — Não estou de todo certo de que possa me deter!

Emma pegou o cordão da campainha. Pela extremidade do olho viu Heath e seu lacaio em pé na porta, sua presença bloqueando a vista de Julia e sua tia. Estava profundamente agradecida por Charlotte e a Senhorita Peppertree aparentemente terem mantido as moças ocupadas na outra ala. De maneira nenhuma as garotas deveriam saber o que tinha ocorrido hoje ali. Teriam pesadelos durante meses.

A testa de Rob brilhava de suor. Seu irmão tinha desaparecido. O

homem alto e loiro com a espada tinha um brilho assassino em seus olhos que inclusive um idiota respeitaria.

— Olhe. Não houve dano.

Adrian caminhou em sentido contrário a ele para a janela.

— Quem o diz?

— Pergunte a minha irmã! — disse Rob, sua voz grossa. — Pergunte à Senhora!

Os lábios de Adrian se atenuaram.

— O que diz você, Harriet?

Ela afastou o cabelo de seus olhos.

— Rache-o de cima abaixo como um salmão! Praga da terra, isso é o que é!

Adrian olhou para Emma.

— A decisão é sua.

Emma não conseguia pensar com clareza. Só desejava que esta prova terminasse.

— Que vá embora! — sussurrou.

Adrian ficou olhando o teto. Sua expressão dura dizia que não lhe incomodaria enviar Rob ao outro mundo.

— Tem certeza? — perguntou rapidamente.

— Por favor!

Apertou a ponta de sua espada na garganta de Rob. O rosto de Rob era de um branco macilento.

— A Senhora quer que eu tenha misericórdia. Liberto você a contra gosto!

Rob se levantou com dúvida, olhando enigmaticamente de Adrian a Emma.

— Vá, grande estúpido! — disse Harriet com desdém. — Fora antes que mude de opinião!

Um momento depois, Rob se virou sobre o vidro quebrado e a seguir se lançou pela janela para as roseiras. Pôs-se a correr antes que inclusive endireitasse, espinhos e folhas grudaram-se em suas roupas. Adrian sacudiu a cabeça com desgosto e embainhou a sabre.

Harriet deu umas palmadas de alegria.

— Formidável! Esperei toda minha vida para o ver ganhar o que merecia. É um herói, Senhor Wolf, isso é o que é! Espere que conte as garotas!

— Harriet Gardner! —Emma levantou sua voz. — Não vai falar deste assunto outra vez. Com ninguém. Entendeu?

— Por que não, Senhora? Lorde Wolf não fez nada de mau. É minha família a má!

— Por favor, vá com Hamm a cozinha e diga a Cook que ponha unguento em seu cotovelo!

— Eu a levo. — Julia se ofereceu da porta. — Heath quer assegurar-se de que nenhum de seus tesouros tenha sido roubado de seu estúdio.

Hamm vá procurar a um vidraceiro para reparar a janela. Suponho que seria uma boa ideia pedir a um dos lacaios para que saia a rua e recupere os objetos de valor que Lucas perdeu durante sua covarde fuga.

Adrian olhou a seu redor.

— Posso fazer algo para ajudar?

Emma suspirou.

— Acredito que foi mais que útil.

Agachou-se para recolher seu manual.

— Suponho que é uma forma de enfiar maneiras dentro da cabeça de uma pessoa!

Ela sorriu um pouco insegura.

— Eu não o recomendo!

De repente, estavam sozinhos na biblioteca. Adrian a olhou fixamente, sabendo que parecia descuidado e sinistro.

— Poderia ter matado aos dois quando a vi ali em pé, com todos os vidros quebrados.

— Mas se conteve admiravelmente. Entretanto... — não podia ocultar um escuro senso de humor. — Tenho a sensação de que os irmãos de Harriet não voltarão tão cedo depois de sua aparição.

— Só me contive porque não lhe tinham machucado. — diminuiu a voz.

Podia ouvir Heath falar com um dos agentes no corredor. — Ficarei louco se não pudermos nos reunir em privado. Estou me comportando como um cavalheiro!

— Vou estar no parque amanhã. — disse com um sorriso cauteloso.

— Você sozinha? — perguntou-lhe, estudando seu rosto.

— É claro que não irá sozinha! — disse Heath quando voltou a entrar no aposento. — Olhe o que lhe aconteceu hoje. Um irmão não pode ser

descuidado quando se trata do bem estar de sua irmã. — olhou para Adrian. — Estou certo de que estará de acordo.

— Como se poderia argumentar o contrário? — Adrian respondeu com graça.

Heath encolheu os ombros. Trocou a roupa por uma camisa limpa e uma calça bege.

— Fica para jantar? É o menos que nosso herói do dia merece.

— Não. — negou com a cabeça. Não podia confiar em si mesmo para sentar-se a mesa de Emma e não revelar seus sentimentos. Era, na realidade, a morte deixá-la agora sem nada resolvido. — Me intrometi o suficiente. Além de trazer escândalo a sua casa. — fez uma careta. —

Para não mencionar meu aspecto de pirata neste momento.

Heath riu seu bom caráter aparentemente restaurado.

— O escândalo não é nada novo para os Boscastles. De fato, não acredito que nós mesmos soubéssemos o que fazer se passasse uma semana sem alguma desgraça.

Emma tinha colocado seu manual sobre a mesa da biblioteca para examinar os danos. Podia sentir, por sua vez, como seu irmão a examinava de forma sutil e desconcertante. Perguntava-se o que era exatamente o que via Heath.

— Eu gosto de Wolf! — disse enquanto se voltava para a janela. — É

um defensor por natureza. Entretanto...

Continuou passando as páginas de seu amado livro. A pessoa tinha que estar em guarda contra os "entretanto" de Heath e seus olhares inescrutáveis. Não perguntou. Por outra parte, ele sempre parecia saber o que uma pessoa estava mais desesperada em ocultar. Ele entendia a natureza humana. Deveria ter sido um espião excelente.

Ela levantou os olhos.

— Estava dizendo?

— Disse-lhe que gostava de Wolf, — respondeu depois de um profundo

silêncio. — É um homem valente. Entretanto...

Emma continuou examinando as páginas de seu manual pelas rugas.

— Entretanto?

— Bom, ele viveu uma vida muito dura, batalhas que alguns consideram brutais.

— Fez isso? — murmurou.

Ele arqueou as sobrancelhas.

— O que quis dizer é que frequentemente, quando um homem se vê obrigado a defender sua vida, e a vida de outros, sacrifica uma parte de sua alma.

Fechou o livro e o olhou.

— Você fez o mesmo, Heath?

Parecia tão surpreso que quase riu.

— Uma vez.

— E agora? — perguntou ela com suavidade, sentindo-se culpada por provocá-lo quando sabia que ele tinha intervindo só por sua profunda preocupação por ela.

— Tenho o suficiente com minha esposa e minha família que não sinto a ausência! — respondeu.

— Querido Heath! — disse com um sorriso triste — O que teríamos feito sem você?

Suspirou.

— Há algo que desejaria me confiar? Eu nunca trairia sua confiança.

— Só há uma coisa. — respondeu ela, com o olhar abatido.

— Sim?

— Quero que saiba que reconheço os sacrifícios que realizou. Não importa o que sinta que perdeu durante a guerra, ganhou de novo em sabedoria e bondade!

— Isso é tudo? — perguntou com patente decepção.

Olhou de novo, seus olhos azuis brincalhões.

— A Inquisição Boscastle terminou. Nós já não somos crianças, e tenho idade suficiente para escolher meu próprio caminho.

— Essa não é a resposta que eu esperava ouvir. — sorriu sem poder fazer nada. — De fato, não é uma resposta depois de tudo, mulher inteligente. Seja feliz, Emma!

Aquelas foram às últimas palavras de seu falecido marido, sua bênção.

Mas não lhe havia dito como.

Seja feliz.

E então ele havia falecido, deixando-a desolada, mas não sozinha.

Porque tão logo o ataúde tinha baixado dentro da terra, seus irmãos se jogaram sobre ela para convencê-la de que deveria abandonar a academia de suas jovens damas na Escócia e mudar-se para Londres, onde se poderiam ver mais e protegê-la de todos os males do mundo infligidos as viúvas jovens e vulneráveis, como ela mesma. Como tinha acontecido, Emma não o lamentava exatamente, ela foi à única em velar pelos Boscastles e adverti-los dos perigos constantes que procuravam e dos que saíam milagrosamente ilesos, com a trágica exceção de seu irmão mais novo Brandon.

Mas Emma não estava a ponto de queixar-se. Cuidar de seus irmãos preencheu o vazio em sua vida. E agora com todos eles casados, ela podia por sua vez seguir seus instintos e voltar a nutrir as senhoritas de Londres, que tão desesperadamente necessitavam a guia de uma dama com experiência.

Mas de repente tudo tinha mudado.

Os cafajestes estavam lhe pagando a dívida de igual maneira. Sempre a tinham acusado de intrometer-se em seus assuntos. Agora eram eles os intrometidos.

Foi durante os próximos dois dias, entretanto, que percebeu como os fortes braços de sua família tinham começado a apertar-se sobre ela como grilhões. Mal podia tomar uma xícara de chá sem que um de seus

irmãos revoasse a seu redor. Um ou outro dos demônios pareciam empenhados em acompanhá-la a todas as partes.

Desde quando Devon tinha tomado tal interesse em rondar na biblioteca a hora exata em que o fez? E quando sobre a terra havia Heath desfrutado alguma vez de comprar renda e pechinchar o preço de um lenço? Entretanto, não foi até seu encontro seguinte não planejado com o Senhor Wolverton no museu que percebeu que uma conspiração de boa fé tinha sido tramada para impedir que estivesse sozinha com Adrian.

Ela e Charlotte estavam guiando as garotas em uma lição de história, quando Drake apareceu por trás de um sarcófago egípcio e vagou junto a ela até uma coleção de cerâmica antiga. Drake e a arte antiga?

É evidente que seus malvados irmãos tinham decidido que tinham motivos para intrometer-se.

— Como sabia que estaria aqui? — sussurrou a Adrian enquanto ele a seguiu a galeria romana em frente das garotas.

— Tenho um espião em sua casa que me informa de seu paradeiro.

— Não! — disse em voz baixa. — É Harriet, não é verdade? Como pôde Adrian? Não disse nada a meus irmãos? — perguntou em voz baixa. Ela engoliu saliva. — Eles sabem! Não há outra explicação.

Adrian a arrastou a uma distância respeitável.

— Bom, eles não o ouviram de mim. Preferiria morrer antes de traí-la!

Percebeu que Harriet escapou do grupo. De repente, parecia ter perdido o controle sobre toda sua vida.

— Harriet, não coloque sua mão nessa urna! Não sabe o que poderia estar aí.

O ar era frio no interior do museu. A chuva tinha diminuído de maneira constante durante todo o dia. Entretanto, com o calor de Adrian, a figura a suas costas envolta em lã, Emma se sentiu quase acalorada. Com uma voz apenas audível, perguntou-lhe:

— Por que exatamente está me seguindo, Adrian?

— Porque quero..., porque eu... Oh, diabos! Emma podemos caminhar sozinhos na sala por um momento?

Ela olhou a seu redor.

— Somente um momento.

Olhou para trás, observando a figura de Drake somente a uns metros de distância.

— Não aguento mais! — disse em voz baixa. — Não pode ser. Passei cada hora desde...

Interrompeu-se quando ao dobrar uma esquina juntos descobriram seu irmão Devon sentado em uma cadeira examinando atentamente uma coleção de papéis.

— Bom, não é isto uma surpresa! — murmurou Adrian. — Toda a família está aqui. Aí está seu irmão.

Emma olhou para trás através da porta com consternação.

— Não pode ser meu irmão! Vejo-o em pé justo ali com Charlotte.

— O outro irmão. Devon.

— Devon? Em um museu? Agora vi tudo!

Devon desceu a capa de documentos, fingindo estar assombrado ao vê-los, e lhes deu uma pequena saudação amistosa.

— Isto foi muito longe! — Emma parou. As moças se apinharam na porta de arco atrás do Adrian. — Vou pôr fim a isto assim que retorne a casa!

Adrian olhou para Devon, cuja expressão amistosa se desalentou ligeiramente de repente.

— Tudo o que quero fazer é falar com você, Emma. Sem uma fila completa de guardas.

Ela olhou para trás de maneira significativa a seu irmão.

— Parece como se tivesse que fazê-lo desta maneira pelo comitê.

Cruzou os braços.

— A menos que possamos arrumar uma reunião particular.

— Não podemos! — sussurrou. — Ao menos não até que deixem de me incomodar desta maneira.

Seu olhar se escureceu.

— Bom, eu não me rendo! E quero que saiba com o que está tratando, nunca falhei em nenhuma missão antes. — olhou-a com sua arrogância masculina que contrastava com uma vulnerabilidade muito atraente. — E

não tenho intenção de começar agora!

— Já veremos! — murmurou.

Para surpresa de Adrian, sua declaração de guerra amorosa exigiria uma estratégia muito mais que a conquista militar direta que tinha feito no passado. Ganhou sua reputação como um lutador duro.

Não tinha, entretanto, o engenho para uma campanha contra os irmãos Boscastle. Teve que admirar seu engenho e determinação na hora de proteger um dos seus. Sua admiração não impediu seu propósito. De fato, só o fez mais decidido a ganhar.

Ele só não estava muito certo de como fazê-lo.

Eram quatro irmãos Boscastle contra ele. Era evidente que necessitava um aliado poderoso. E um plano de ação mais audaz.


Capítulo 14

A carruagem brilhante de Heath rodava pelas reluzentes ruas de pedra da cidade. Os três irmãos que iam dentro olhavam atrás, em silêncio, ao museu que ia desaparecendo, até que Devon puxou suas luvas de couro negro sobre assento aborrecido, por não dizer derrotado.

— Isto está ficando um pouco ridículo. Não podemos seguir Emma a todas as partes. Está planejando ir à exposição de trabalhos de agulhas flamengos esta tarde na Praça Cavendish. Um homem tem seu orgulho.

— Meu Deus! — murmurou Drake. — Eu achava que a olaria antiga era mais que suficiente.

— Pelo menos não teve que comprar renda rosada em público! —

Heath comentou secamente. — E amanhã de manhã a convidaram a inspecionar um colégio paroquial para as crianças das prostitutas solteiras.

— Bom, não contem comigo para isso! — disse Devon. — Acredito que Chloe a acompanhará.

Heath soprou.

— E como todos recordamos, Chloe não sabe absolutamente nada de assuntos ilícitos e de afastar-se de homens perigosos. Em todo caso, Chloe vai empurrar Emma justo aos braços de Adrian!

— Bom, não podemos acompanhá-la sempre em todas essas incursões. — murmurou Devon. — Estou começando a me sentir como minha tia viúva! Até mais, acredito que Jocelyn está começando a suspeitar que não ando em nada bom.

Heath suspirou.

— Devemos seguir com isto só até que Grayson volte e tenhamos um foro para decidir que ação tomar.

— Nossa presença não parece ter dissuadido Wolf a manter-se afastado dela! — disse Drake.

Heath riu.

— Talvez nem ele mesmo possa evitá-lo.

Drake lhe deu um grande sorriso.

— Emma e Wolf. É o oposto de nossa irmã. A antítese de tudo o que ela quer!

— Na realidade não é! — disse Heath pensativamente. — Um dia ele será Duque, e se o polirem um pouco, quem sabe? Não há muito, ninguém teria apostado que nenhum de nós se reformaria.

— Até onde eu posso dizer, ela está fazendo tudo para não lhe falar —

disse Devon colocando os braços atrás da cabeça. — Em todo caso, quando Grayson volta?

Heath correu a cortina.

— Esta noite, se a tormenta não piorar.


*****
Jane, a Marquesa de Sedgecroft e jovem matriarca do clã Boscastle devido ao matrimônio, tinham chegado a sua residência de Londres duas horas antes que seu marido, Grayson. Já estava escuro quando tinha deixado seu filho Rowan no quarto das crianças com sua babá, a Senhora O‘Brian.

Mal teve tempo para recuperar-se com uma xícara de café com um pouco de brandy, quando voltou a sair em sua pequena carruagem para ir à casa de seu cunhado. Esperava que Heath não estivesse em casa, mas inclusive se estivesse, seria mais seguro sustentar uma reunião com as damas ali que em casa, onde Grayson era capaz de irromper e interromper. Além disso, a esposa de Heath, Julia, a tinha chamado a esta reunião de emergência. Talvez a própria Emma assistisse, embora Jane duvidasse.

A mensagem de Julia insistia no segredo e sugeria pânico. Jane concluiu que não havia um momento a perder. Era verdade, a saudação inicial de Julia na porta, reforçou suas suspeitas.

— Graças a Deus que está aqui, Jane! Rápido. Rápido! Ao salão familiar.

Jane estava tirando sua capa e de suas luvas, enquanto seguia a mulher mais alta à escada privada a um lado da casa.

— Que intriga! Não haveria mais privacidade em sua sala?

— Não de meu marido! — disse abruptamente.

— Ah!

— Quero dizer...

— As explicações não são necessárias, Julia. Eu também estou casada com um Boscastle. — e era uma raça de sangue quente, incluindo os membros femininos da família, uma das quais estava esperando no salão iluminado pelas velas.

Chloe Boscastle, a irmã mais nova de Emma, de cabelo negro, levantou-se de sua poltrona para abraçar Jane. Chloe mesma não desconhecia a má reputação. De fato, casou-se com o amigo mais antigo de Adrian, o sombrio Dominic Breckland, Visconde Stratfield, depois de um romance que se acendeu quando ela o tinha encontrado meio morto, escondido em seu armário.

Sentadas comodamente em um sofá atrás de Chloe, estavam Charlotte, a prima de Emma; a jovem esposa de Devon, Jocelyn Lydbury; e a esposa de Drake, uma preceptora no passado, Eloísa.

A tia de Julia, Hermia, estava sentada na poltrona francesa perto do fogo. Embora se associasse com os Boscastles só através do matrimônio de sua sobrinha Julia com Heath, o clã inteiro a tinha adotado extraoficialmente. Seu entusiasmo pela vida e sua tendência aos problemas, tinham-lhe ganho um lugar favorito. O verdadeiro amor de sua vida, o Conde de Odham, tinha-lhe sido infiel há muitos anos, e ainda estava tentando obter seu perdão.

— Como está seu encantador filho, Jane? — Hermia perguntou afetuosamente.

— Tão gordinho e vivaz como sempre!

— Sempre tão travesso, não é verdade? — Hermia perguntou com aprovação.

Jane suspirou.

— Especialmente quando Grayson brinca com ele.

Hermia sorriu baixo.

— Eu adoraria pintá-lo como o jovem cupido para adicioná-lo a nossa coleção.

— Imagino que está se referindo a Rowan, não a meu marido. —Jane pegou o copo de Porto que Julia lhe passou. Todas as mulheres estavam bebendo ao final da tarde, uma clara indicação de sua preocupação. —

Parece que cheguei de Kent bem a tempo.

— Tudo depende. — disse Julia. — Inclusive pode ser que seja muito tarde para frustrar os planos de nossos análogos masculinos.

Hermia deixou seu copo na mesa.

— Muito tarde para que? Só são dez. Em meu dia, o entretenimento da noite já estaria passando. Vocês, as mulheres jovens, parecem que foram alimentadas com espuma.

— Refiro-me à situação entre a Emma e Adrian Ruxley! — disse Julia aborrecida. — Alguma vez presta atenção, tia Hermia?

Chloe, que estava brincando inconscientemente com seu bracelete de pérolas, levantou os olhos com uma expressão de incredulidade.

— Emma? Adrian? Uma situação? Isto é muito delicioso!

Eloise Boscastle, a antiga preceptora que uma vez teve esperanças de trabalhar na apreciada academia de Emma antes de casar-se e fazer parte da família, parecia horrorizada.

— Lady Lyons e esse mercenário? Tem que estar equivocada!

— É claro que está equivocada! — disse Jocelyn, quase afogando-se com seu xerez. — Emma e Lorde Wolverton são o casal mais

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inverossímil de toda Londres!

— De toda a Inglaterra! — a corrigiu feliz, Chloe.

— De toda a Europa, em todo caso! — disse Eloise, claramente em defesa do ideal a quem ela ainda tinha em seu coração como o exemplo sem manchas de tudo o que uma dama deveria aspirar ser.

Na realidade, não era nenhum segredo para a família do grande respeito que Eloise sentia pela Emma fazia anos.

— Julia, tem que nos falar claramente. — disse Jane. — Se este for um assunto sobre o qual nos vemos obrigadas a agir, não deve cortar as palavras. Tudo o que sei é que Adrian saiu ao resgate de Emma, em um casamento. Talvez não na mais graciosa das formas, mas...

— Já é muito tarde! — irrompeu Charlotte Boscastle, com muita calma.

Jane tomou fôlego.

— Já vejo! Então como está, exatamente, a situação entre nossos dois..., poderia me atrever a dizer..., amantes?

— Eu diria que a situação está em um estancamento total! —

respondeu Charlotte. — Não acredito que nestes dias Emma possa dar um só passo sem que um de meus primos não esteja olhando sobre o ombro dela.

Chloe soprou levemente.

— Eu mesma lembro essa guarda sufocante. É um milagre que Dominic e eu terminamos nos casando com os quatro diabos me encaixotando! E agora acrescentaram Gabriel a sua tropa. Pobre Emma.

Pensar que encontrou o amor ao fim, tão tarde, só para...

Jane foi à janela.

— Provavelmente, tem razão. Arruinarão. Oh, Deus do céu! Ele está aqui!

— Lorde Wolverton? — Hermia perguntou com entusiasmo, levantando-se pela metade na poltrona.

— Não. Grayson, o líder do grupo. Deve decidir se Emma...

Um ruído surdo estremeceu a parede.

— Ouviram isso? — Jane perguntou dando a volta alarmada.

Chloe examinou uma pérola solta do bordado de sua sapatilha.

— Sim. Grayson nunca fechou uma porta sem bater. Já deveria sabê-

lo, Jane!

— Não foi à porta! — exclamou Jane. — É...

— Do outro lado da casa! — Charlotte se inclinou para frente apontando sobre o ombro. — Da parte onde está localizada a suíte de Emma.


*****
Adrian subiu a escada de madeira desvencilhada e oscilou um braço, subindo em seguida a perna direita sobre o batente da janela, agradecido por a diabinha de Harriet ter concordado em deixar aberta a janela de Emma. É claro que pagaria bem a ambiciosa vadia, pelo favor.

Sem dúvida, até tentaria chantageá-lo para ficar calada. Bom, amanhã trataria com a senhorita Gardner. Se tudo saísse bem esta noite, até seria capaz de recompensá-la.

Olhou ao redor, avaliando a peça escura. Tinha aterrissado no dormitório, de pura boa sorte. Um fogo de carvões vermelho-âmbar ardia na lareira. Que bom.

Ela não gelaria depois que lhe declarasse suas intenções e a levasse para a cama.

Através da porta, vislumbrou-a sentada em uma poltrona rosa com pernas curvas, no hall do dormitório, com um livro em sua saia. Tinha seu formoso cabelo solto a um lado, em um ombro. Rapunzel. Desejou enrolar-se ao redor de seu pescoço, seus braços, seus quadris. Quase podia sentir as suaves mechas acariciando suas costas, sua barriga.

Seu formoso anjo do Renascimento.

Moveu-se silenciosamente para ela. Ainda não o tinha visto. Em seus

dias, ele podia entrar as escondidas a um navio de piratas e lhes cortar as gargantas enquanto roncavam, antes de lhes perturbar o sono. Com certeza podia chegar furtivamente até a mulher que desejava e ficar de joelhos a seu lado.

Pisou justo em um suporte de vasos que estava em um pedestal de mármore ao lado da porta. Ela parou de um salto, os olhos enormes.

— Você!

— Maldição, Emma! — agarrou o suporte de vasos de hera inglesa antes que se quebrasse no piso e o voltou a estabilizar cuidadosamente no pedestal. — Por favor, faça o que quiser, mas não grite!

— Absolutamente, não tenho a menor intenção de me entregar a um ato tão inútil! — levantou lentamente os olhos ao rosto dele. — Se sua aparição aqui tiver a ver com as lições de comportamento outra vez, que necessita desesperadamente, indicarei um certo Conde francês conhecido de Devon. Soube que se sente mais que contente em instruir os ingleses nas artes do refinamento.

Ele a levou de volta à poltrona.

— Querida, não me importam nada minhas maneiras! Nunca me importaram!

A respiração parou. Um leve contratempo que desmentia sua compostura.

— É claro!

Subiu as mãos e as pôs nos ombros dela.

— Vim aqui com um propósito somente.

Ela abriu a boca.

— Adrian Ruxley, se não for neste instante, terei que...

— Adoro você! — lhe disse descendo sua boca a dela. — E quero que seja minha esposa. Emma, por favor, me tire desta tortura! Sente o mesmo que eu? Não, não me responda. Eu já sei!

Beijou-a antes que ela pudesse pronunciar uma só palavra. Como

soldado de fortuna que era, aproveitou-se de sua imobilidade assombrada para roçar sua boca na dela. Atraiu-a contra ele e a puxou de tal maneira que não havia forma de escapar. O prazer sensual pulsava através de seu corpo enquanto sentia os lábios dela, então seu corpo se relaxou contra o dele.

Conhecendo Emma, ele tinha pouco tempo para enfraquecer suas defesas antes que ficasse em guarda. Mas esperou sua resposta, de qualquer maneira, com seu coração pulsando, selvagem e esperançoso.

Passou-lhe a mão pelo cabelo, desenredando um nó, embalando sua nuca, dando tapinhas a pele quente. Ela se moveu levemente, de maneira que a boca dele ficou em sua face.

— Está me fazendo uma proposta de matrimônio? — perguntou com uma voz suave e precisa.

— Sim. — riu inseguro, mais feliz do que nunca se sentiu em sua vida.

— Sim.

Os olhos dela procuravam em seu rosto algum sinal de engano. Devia ver-se e soar como um idiota. Tampouco lhe importava, se ela aceitasse sua proposta.

— E isto é o que queria discutir comigo? — perguntou-lhe sua pequena diretora cética, a capataz sem a qual não podia sobreviver. — Por que não o disse no começo?

— E quando tive uma oportunidade? — exigiu. — Te segui à loja de rendas, preparado para lançar a pergunta, só para encontrar Heath escolhendo um lindo lenço para ele. Não era um momento propício para uma proposta.

Ela moveu a cabeça penalizada.

— Eles sabem! E nos matarão se nos pegam.

— Vamos fugir!

— Fugir? Esta noite?

Passou o polegar enluvado por sua boca exuberante, em seguida o

deslizou para baixo pelo queixo ao decote do vestido.

— Por que não? — perguntou com o olhar sombrio e tentador.

Ela sentiu um calafrio.

— E ter meus irmãos nos perseguindo por toda a Inglaterra? Que lua de mel, feita no inferno! E que exemplo para a academia. Teremos um casamento adequado ou nenhum!

Ele sorriu abertamente, esfregando com o polegar a curva cheia de seu seio. O mamilo se contraiu contra a palma grande e quente.

— Então aceitou.

— Fiz isso? — perguntou olhando-o no rosto, enquanto ele, audazmente, acariciava-a deixando-a em um estado de prazer aturdido.

Os olhos se enrugaram levemente nos cantos, quentes, zombeteiros.

Lentamente tirou as mãos para desamarrar os laços do vestido e deixar livres os seios brancos e firmes dela.

— Fez isso.

Ela cruzou as mãos sobre seus mamilos rosados e inchados. Adrian sentiu que a respiração se acelerava.

— Mas meus irmãos...

— Me beije Emma. — levou-a sobre seus joelhos ao sofá. — Coloque seus braços ao redor de meu pescoço. — disse com voz pastosa. —

Necessito seus beijos.

Agarrou sua jaqueta em um punho. Contraiu-se o corpo dele, decepcionado, até que percebeu que ela não o estava empurrando longe. Não, bendita. Estava aproximando-o. Descendo-o até ficar em cima dela, aumentando o fogo que ardia em seu interior.

Roubavam beijos um ao outro. Famintos, violentos, desesperados.

Nenhum dos dois era inocente. Adrian entendia o desejo, como excitar sexualmente, como satisfazer. E prolongar o prazer tanto, que a amante rogava pelo alívio.

Ela jogou a cabeça para trás no espaldar do sofá, sua diretora sensual,

seus membros relaxados, suas curvas convidativas. Olhou-a com desespero impotente. Sentiu sua virilha se contrair quando lhe pôs uma mão no joelho.

Subitamente sentiu o corpo tão pesado de sexualidade que inclusive a jaqueta se tornou intolerável. Começou a lutar para tirá-la só para deter-se ao sentir as mãos dela em seus ombros ajudando-o. Fechou os olhos e respirou irregularmente.

— Aquela primeira noite foi uma desordem. Aproveitei-me de você, embora não de propósito.

—E o admite? — perguntou-lhe firme.

— Para minha desgraça!

— Aceito sua desculpa. — ela torceu os lábios. Parecia de mau gosto dar voz a seus desejos. Mas seu corpo não mantinha tais restrições.

— Não foi tanto uma desculpa. — sussurrou. — Mas foi um aviso.

Os músculos profundos dela se estremeceram.

— Um aviso?

Inalou. A voz soou profunda com o prazer.

— Esta vez não vai ser uma desordem.

— Adrian...

— E não vai me convencer que este é um ato impróprio entre um homem e uma mulher que agora vão se casar.

— Pelo amor de Deus! Não desejo nenhuma desculpa, o que quero é ação!

Escureceram-se os olhos dele de prazer.

— Então vou agir.

— E se não me tocar logo, Lorde Wolf... — sussurrou muito baixo, lhe tirando a jaqueta pelos ombros. — Envergonharei à própria palavra etiqueta.

Ele gemeu.

— Como seu futuro marido, nada gostaria mais que obedecer a seus

desejos. — moveu a cabeça segurou sua mão. — Mas primeiro as damas, verdade? Olhe, eu sigo instruções.

Então deslizou sua mão enluvada sob o penhoar dela, e com provocação deliberada, acariciou do tornozelo ao joelho nu, à barriga. A respiração dela ficou mais profunda. Voltou o rosto para a almofada, murmurando:

— Luvas, Milorde... — com uma risada fascinada, que lhe revolveu seus instintos predadores. — Um cavalheiro sempre deve tirar as luvas quando toca intimamente uma dama.

— É essa uma regra inquebrável em seu manual? — perguntou relaxadamente acomodando os dedos enluvados entre suas dobras. —

Ou está criando regras novas de acordo ao que fazemos?

— Adrian! — respirou deleitada e impressionada enquanto o indicador enluvado se introduzia em seu interior.

Ele se inclinou aproximando-se, introduziu outro dedo em sua passagem estreita.

— Nunca me guiei por nenhum livro. Parece que sou um animal instintivo. Perdoe-me!

— Isto... — se moveu o olhar ampliando-se com antecipação; os ombros se arquearam. — não é civilizado. Isto, bem. Não sei o que é!

— Eu tampouco, mas eu gosto muito e sugiro que espere antes de decidir.

Ela pôs a mão em seu poderoso pulso, os músculos internos apertando seus dedos enluvados. Era decadente. Era desejo. E sentiu a pureza e o poder disso que lhe chegava até a alma.

— Quanto mais devo esperar? — sussurrou baixo.

Subiu-lhe o penhoar mais acima da cintura. Sua mão pesada jazia entre as coxas lisas e os cachos com reflexos dourados que delicadamente escondiam a fenda de seu olhar voraz.

Para ser seu amante, teria se ajoelhado e suplicado. Estava como tolo.

Enfeitiçado. Ele, cujas destrezas na guerra tinha feito com que os homens pedissem clemência, deixaria de lado sua espada para sempre e dedicaria sua vida a agradá-la, se o permitisse.

— Desde a primeira vez que estivemos juntos, não teve um momento que tenha deixado de pensar em você! — disse rouco.

Seu suave suspiro de prazer animou-o. Lentamente terminou de desamarrar as fitas dos ombros. Ela não fez nenhuma tentativa para dissuadi-lo. Suas mãos ajudaram a fina musselina que deslizasse por suas graciosas costas. Seus seios se abatiam sobre o delicado gênero transparente, com seus mamilos rosas sedosos e deliciosos.

— Oh, Emma! — com seus traços aristocráticos e seu cabelo solto, parecia uma concubina elegante. Sentiu como sua ereção se sobressaía em sua calça, pressionando as costuras apertadas a ponto de rompê-

las.

— Lentamente... — disse a si mesmo. Ela merecia o tempo, o melhor que pudesse lhe oferecer, depois da torpe indiscrição inicial. — Estou tentando me controlar. — explicou. — Temo que às vezes me sinto um pouco selvagem.

— Meu Lobo selvagem!

— Me domestique, Emma!

— Por quê? — sussurrou. — Às vezes uma dama sabe quando apreciar o que a natureza deixa livre. Uma tormenta nas montanhas. A chuva em um piquenique de verão. Um Duque que não segue as regras de seu domínio.

Seu coração se acelerou tanto, que lhe doía o ar que entrava em seus pulmões. A tensão sexual lhe contraía os músculos, espessava o próprio ar que compartilhavam. O órgão na calça lhe doía e pesava. Como desejava esta mulher.

Ela fez pressão contra sua mão.

Com um leve gemido ante esta inesperada tentação, tirou a luva

molhada e procurou a suave carne tenra. Sua submissão. Tinha esperado por sua capitulação, sabendo que ele era dela desde o primeiro momento que a tinha visto.

— Deve acreditar que sou um diabo! — disse com uma voz rouca. —

Atraí você deliberadamente para que abandonasse esses princípios que estima.

— E o que faria se admitir meu diabo, que é a você a quem mais estimo? — perguntou com uma voz mais rouca. — Que renunciaria a tudo para ser tua?

Esfregou o rosto com a mão livre.

— Então sou seu para que faça o que quiser. Para polir. Instruir.

Converta-me em um desses ingleses que tanto admira. Não me importa.

Só não me rejeite Emma, mas lhe rogo com todo meu coração que me faça seu!


*****
Os Boscastles, Heath refletiu aborrecido, nunca tinham sido conhecidos por sua paciência, exatamente. Drake tinha tamborilado na escrivaninha até quase fazer um buraco. Gabriel já tinha acabado com três dos melhores charutos puros de Heath. Devon caminhava de lá para aqui até a janela, até que por fim se sentou em sua poltrona a cochilar.

Foi um alívio quando, ao fim, o mais velho dos irmãos Boscastles, Grayson, agraciou-os com sua presença dominante.

— Ouviu um ruído suspeito quando entrou na casa? — Heath perguntou, e não gostava de desperdiçar as palavras.

Grayson tirou a capa enquanto encolhia os ombros.

— Certamente fui eu quem bateu a porta. Cheguei muito tarde?

— Isso depende! — disse Heath encostando-se a sua poltrona. —Jane sabe que está aqui?

— É claro que não! — Grayson disse. — Não fui sempre à alma da discrição? Jane anda ocupada com um novo sapateiro. Ao menos isso é

o que ela diz!

Devon começou a rir.

— Já sabe!

— Precisamente o que é o que sabe que eu não me inteirei? —

Grayson perguntou dando um olhar sombrio ao redor da sala.

— Sente-se. — disse Heath — E direi-lhe os fatos como os entendo.

Começou há duas semanas em um casamento.

Grayson franziu o cenho.

— Sempre começa em um casamento.

Heath fez uma pausa.

— Pensando bem, sentiria-me melhor se um de vocês desse uma volta pela casa para investigar o ruído que acabamos de ouvir. Apostaria que não foi uma batida.


*****
Harriet estava vigiando sob o dormitório de Lady Lyons, como o tinha feito incontáveis vezes para seus irmãos no curso de seus roubos em Mayfair. Embora isto fosse mais fácil, era menos excitante. Não via nada de seu esconderijo e embora não fosse ao cárcere se o pegassem, tampouco iriam dar-lhe uma bolsa de joias.

Nada tinha acontecido.

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Nem uma olhada do grande senhor jogando "rantum scantum ” com Lady Lyons, um fato que, segundo o cálculo de Harriet, tinha que estar acontecendo agora. Afundou-se nos degraus do pavilhão. Meio que esperava que a dama saísse gritando, apesar de suas boas maneiras e tudo.

— Seu silêncio diz tudo, não é? — sussurrou ao gato fraco cinza que se aproximou para lhe cheirar os sapatos. — Você e eu compartilhamos segredos, não é, gatinho?

Harriet viu suficiente da vida nas Sete Esferas, para tirar por conclusão

que os homens e as mulheres desfrutavam muito unindo suas entranhas. Mas embora ela fosse uma mentirosa e uma ladra, apreciava sua virtude. Não é que importasse muito em uma menina destinada a Newgate. Mesmo assim Harriet...

O gato voltou a cabeça. Harriet piscou, escutando passos que vinham da cozinha. Alguém reclamava em voz baixa pelo banco que ela tinha posto atravessado na porta em caso de um intruso sair para farejar no jardim. Lorde Wolf não lhe pagou por esta precaução especial.

Depois cobraria, com interesses, se passasse uma boa noite.

A porta repicou mais duro. Uma voz a chamou da janela de cima.

— Psss. Harriet. — era a vozinha da insignificante Butterfield a que a chamava. — A senhorita Boscastle anda procurando você.

Parou-se de um salto.

— Pelos malditos sinos do inferno!

Não havia nada a fazer. Tinha que esconder a escada do idiota que golpeava a porta mais à frente, sem contar sua própria pessoa descomposta, da patrulha de Charlotte Boscastle. Não era a primeira vez

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que conduzia uma escada em suas pequenas costas esquálida em nome do impróprio; provavelmente não seria a última. Claro que a este ritmo, ela poderia retirar-se, com tudo o que Sua Senhoria lhe devia por cumprir com seu dever.

Capítulo 15

Amaldiçoando, Sir Gabriel Boscastle saltou sobre o banco que tinha deslocado da porta. Deus sabia que era uma tática simples para atrasar sua entrada ao jardim.

Entretanto, foi eficaz. Não queria romper a porta. Se tivesse conhecido a disposição da casa um pouco melhor, teria encontrado outro ponto de saída. Bom, queria ser incluído em todas as intrigas da família Boscastle em Londres. Era o momento de demonstrar que podia conviver melhor com seus primos. Sua própria família lhe tinha dado mais angústia que felicidade. Quem teria pensado que o receberiam com os braços abertos, apesar do mal que se levou?

O jardim estava tranquilo sob a luz da lua. Pelo que parecia dois dos criados estiveram desfrutando de uns momentos roubados a sós e ele tinha arruinado seus planos. Quase se sentia culpado. Enquanto passeava ao redor, viu um gato cinza sentado na parede. Nada que levantasse suspeitas até que..., estreitando seus olhos, parou. Uma figura de cabelo claro acabava de sair da casa, seus movimentos mostravam uma atitude suspeita.

— Que diabos?

— Charlotte? — duvidando, deu um passo para ela, rindo do pequeno grito que deu. — O que está fazendo no jardim?

Ela respirou sobressaltada.

— Poderia lhe perguntar o mesmo!

— Saí para fumar um charuto. — respondeu, dando uns tapinhas no bolso do colete, para verificar a mentira.

— Bom, estava procurando Harriet. — farejou o ar. — Não cheiro a fumaça.

Olhou a seu redor.

— Não vejo Harriet, tampouco!

De repente, como se de uma espiã se tratasse viu a escada que estava apoiada em precário equilíbrio a um lado da pracinha. Quase ao mesmo tempo em que Charlotte, a julgar por sua audível inspiração.

Nenhum dos dois disse uma palavra. Gabriel não tinha ideia de como Charlotte descobriu. Ou o que a escada contra a parede significava exatamente, apesar de que isto fosse algo que Heath quereria saber.

Não era seu assunto julgar, só informar aos irmãos Boscastle assim que fosse possível.

Não podia imaginar Wolf fugindo com Emma. Ou a alguém suficientemente valente para ajudá-la a fazê-lo. Pensava que era uma pena que fosse tão dissimulada. Com esse cabelo de ouro e uma pele de alabastro, era uma mulher formosa e algum dia teria a algum pobre homem completamente deslumbrado e obcecado com ela.

— Foi Lorde Wolf?

— Bem, suponho que deveríamos retornar, antes de nos perder. —

disse casualmente.

Charlotte quase o empurra em sua pressa para chegar primeiro à porta.

— Esplendida ideia!

Um fio de voz chegou até eles da janela da água-furtada. Seu rosto pálido oculto sob as sombras do babado encaracolado de sua touca,

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Harriet estava encarapitada no nicho .

— Não prefeririam ter esta conversa no interior?

Gabriel franziu o cenho.

— Não estava me falando a verdade, Srta. Salgueiro?

— Bom o que ocorre se falo com você? — Harriet o olhou durante uns instantes. — Um momento, eu vi sua cara em outro lugar.

Soltou um grunhido.

— Se esta se referindo a mim duvido.

— Vi-o nos bairros pobres. — insistiu Harriet. — Tenho a sensação de

que era você.

— Está equivocada! — disse Gabriel com aborrecimento. — Pelo menos, não nos últimos anos.

— Talvez tenha um gêmeo malvado! —sussurrou Charlotte.

— Talvez seja tão malvado para ser trigêmeos! — replicou Gabriel. —

O que me recorda como estão os seus irmãos?

— Não pergunte! — lhe lançando um olhar suspeito — Como estão os seus?

Encolheu os ombros.

— Não sei!

— Ah.

Harriet golpeou seu punho no trinco da janela.

— Alguns de nós necessitamos um sono reparador. Se continuarem assim, despertarão toda a casa em um minuto!

Gabriel levantou a sobrancelha. Tinha o pressentimento de que não só toda a casa, mas também todos em Mayfair estariam alvoroçados antes que amanhecesse.


*****
Emma gemia, afundando-se no colchão.

— Por favor, feche as cortinas. — sussurrou. Como se a escuridão pudesse ocultar o desejo indecente que sentiam.

Inclinado sobre ela, sua camisa pendendo aberta até sua cintura com seu olhar cru e sexual.

— E se eu gostar de olhá-la?

— Não deveria!

— Sssh, amor... — disse ele, desabotoando a calça.

— Dá-me voltas à cabeça. — disse em voz baixa. — Acho que vou desmaiar.

Com os olhos estreitos, apoiou-se na cama. Com suas grandes mãos percorreu suavemente seu rosto, seu pescoço, seus seios. Sua ereção

pressionando com força contra seu quadril nu. Seu aroma a limpo, hortelã e a homem roubaram sedutoramente seus sentidos.

— Não vai desmaiar. — beijou as pontas de seus seios inchados, sua voz em um sussurro sedutor sobre sua pele. — Pelo menos, não até depois de ter f...

— Adrian! — exclamou ela, abrindo os olhos. — Não diga essa palavra!

Rindo, colocou suas pernas sobre as dela.

— Bem... — murmurou. — Não a direi, mas o farei Lady Emma.

Deixará chupar primeiro seus seios ou acariciar seu sexo?

Emma mordeu seu lábio superior.

— Deve descrever todos os detalhes do que vamos fazer?

Seus dentes brancos e afiados se fecharam ao redor de um delicado mamilo. Sua coluna se inclinou de prazer.

— Tudo está nos detalhes, não? — murmurou, fazendo eco do que tinha conversado com ele no casamento. — Os pequenos detalhes.

Uma risada afogada o deixou sem fôlego.

— Iniciá-la-ei em seus deveres mais tarde.

Estendeu o polegar através dos cachos molhados em orvalhos que coroavam sua fenda. Inalou de forma ofegante e começou a acariciar a pérola dura de seu sexo.

— Está tão molhada! — disse, com um suave grunhido. —Tentadora!

Tentadora. Ela. De todos os nomes que usava para descrevê-la, este era provavelmente o mais formoso.

— Oh, céus! — ele introduziu outro dedo em sua fenda, tanto que podia sentir-se tão estirada, chorando contra sua mão, suplicando.

— Ainda não. — sussurrou.

Deixou cair sua cabeça, colocou sua mão na coxa. Seu corpo tremia de necessidade irreprimível. Seu polegar rodeou seus clitóris, um gemido de profunda frustração brotou de sua garganta. Sentiu seu grosso eixo contra sua coxa. Umedeceu o lábio inferior com a língua, imaginando

seu pênis na boca, entre suas pernas.

— Sente-se como nata liquida Emma! — disse seu rosto tenso. — Eu gostaria de provar você!

Estava morrendo, perdida, desesperada. Tão desesperada.

— Não o diga!

— Eu gostaria de esfregar meu rosto aqui. Sobre toda esta nata.

Seus quadris corcovearam. Abriu as pernas sem pudor, montando seus dedos quando o que realmente queria, necessitava, era seu grosso membro em seu interior, saciando sua fome.

— Não posso...

— Posso prová-lo, por favor?

— Respira.

— Não posso pensar, nem respirar!

Retirou a mão, esperou um instante antes de afundar seus dedos em seu esponjoso canal. Suas costas se arquearam, sua vagina o apertou com tanta força que soltou um gemido, começou a mover seus dedos com maior rapidez. Seus sensíveis músculos estremeceram.

— Assim meu amor! — sussurrou suave e perverso. — Assim é como uma dama demonstra a seu senhor o que quer.

Chorava, enquanto seu corpo se convulsionava. Depois, antes que o prazer se desfizesse por completo, ele inclinou a cabeça sem prévio aviso e enterrou seu rosto entre suas coxas. Uma explosão de calor correu por suas veias quando sua língua substituiu seus dedos e a empurrou entre suas dobras inchadas.

Uma dama.

Oh, sim. Sim. Pensava, enquanto apertava seus ombros com suas pernas, abraçando-se contra seu duro corpo. E ele parecia gostar, até estremecendo contra sua boca. Com um grunhido enlaçou suas mãos em suas nádegas para aproximá-la.

As pulsações seguiam ecoando em todo seu corpo quando se retirou

de cima dela. Deslizou fora da cama, seu rosto em sombras. Ficou estudando as formas de seu corpo; nu com sua ágil elegância ele parecia adivinhar como doía por contemplar seu corpo. Com efeito, Emma não podia afastar seus olhos dele.

Luxuriosa, isso é o que era. Tão mal se comportou igual à Hermia ao perseguir aristocratas para seus esboços de arte. Mas Adrian era uma obra prima da natureza. Seu peito nu poderia ter sido esculpido em mármore, seus fortes músculos e cicatrizes eram um testemunho de sua força. De fato, estava tão impressionada que desceu seu olhar apreciativamente por sobre seu duro e pesado pênis que pendia como aço entre suas coxas. Um suspiro de puro desejo lhe escapou. Era um homem pelo qual qualquer mulher choraria.

Fechou seus olhos colocando uma máscara sobre seus pensamentos.

E ouviu-o rir enquanto deslizava seu formoso corpo na cama.

— Está bem que me olhe, sabe... — disse, deslizando seus dedos por seus seios, dando a cada mamilo um pequeno puxão até que ficaram duros e rugosos. — Quero vê-la. — sussurrou. — É tão formosa! É

melhor que cerejas com creme. Você gostou do que fiz?

Ela se retorceu contra sua suave carícia, estava insuportavelmente sensível.

— Eu acredito que minha posição atual fala por si mesma!

Deslizou sua mão livre por sua parte inferior virando-a de lado.

— Então experimentaremos outra posição.

Levantou sua mão da palpitante carne que tinha estimulado recentemente, inalando profundamente. E então como se fosse um manjar, lambeu a essência de seus dedos.

Estava muito surpresa e excitada para reagir. Sentia a acetinada pele de seu pênis pressionando entre as faces de seu traseiro, penetrando pouco a diminuta fenda. A sensação, o prazer de seu enorme eixo pressionando em sua vagina, roubou-lhe o fôlego.

Ela arqueou seus ombros antecipando-se. Ele levou suas mãos até seus seios e puxou seus mamilos entre seus dedos.

— Agora — sussurrou, mordendo sua nuca — quero que esqueça tudo o que sabe sobre ser uma dama.

Riu entre dentes ante seu indignado grito de assombro, mas um momento depois estava muito absorta em seu pênis afundando-se em sua vagina para pensar muito menos falar. As paredes úmidas de seu envoltório o abraçavam em sinal de boas vindas. Com cada centímetro que introduzia em seu interior podia sentir sua carne resistindo, as pulsações de seu eixo.

Sentiu um arrepio que percorreu suas costas. Enviando-o ao limite. Sua doce Emma tinha costas lindas, muito atraente e sexual e um bem formado traseiro de cortesã. Quase estava completamente em seu interior. Seus dentes doíam.

Sua.

Levantou seus braços sobre a cabeça, lançando um grunhido suave, investiu fortemente. Ela resistiu, gemendo sobre o travesseiro, e erguendo-se sobre seus joelhos. Ele virou a cabeça, temendo ver seu corpo introduzindo-se nela, assim derramaria sua semente sobre sua coxa.

— Dói-lhe? — sussurrou não muito seguro de poder parar nesse ponto, de todo modo.

Ela sacudiu sua pequena cabeça.

— Só um pouco.

Ele empurrou. Ela arqueou sua pélvis e virou seus quadris com uma lentidão deliciosa, embainhando-se até o punho. Retirou-se, lutando para respirar, bombeando-a cada vez mais rápido até que sentiu seu pênis a ponto de explodir. Ela se queixou suavemente, esticando seu corpo, enquanto ele repetia a si mesmo que já não era virgem, embora não tivesse muita experiência. Era uma mulher que não tinha feito amor em

anos, mas que a estremecia tanto que ficou sem palavras.

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Por um momento sentiu medo. Seu falo era excepcionalmente grosso, e estava a ponto de perder o controle. Escutou seus ofegos, sentiu suas suaves mãos pegar e segurar suas nádegas, esfregar seu suave botão contra ele, animando-o a continuar.

— Não pare! — sussurrou em voz baixa, excitando-o. — Faça o que for, não pare!

Não precisava dizer nada mais para dar rédea solta a seus instintos.

Jogou a cabeça para trás e lhe deu o que seu corpo desejava. Sem sentido, impulsionou-se dentro e fora, tão apertado, empurrando forte em seu interior. Sua vagina absorveu todo o calor, a dor de cada polegada dele. Um grunhido de prazer saiu de sua garganta.

— Muito bem! — murmurou ele. Ela se afundou nele, profundamente, tanto que o assustou. Tinha que possuí-la. Estava consumido de desejo.

Puxou seus quadris e a levantou contra ele, esticando seu corpo com os espasmos do clímax mais potente que tinha conhecido, movendo-se até que não podia respirar, entregando-se a ela, com seus sentidos fragmentados e seu coração retumbando em seu peito e sua cabeça.

Ela se sacudiu debaixo dele, como se também estivesse se rompendo, sustentada por seus fortes braços ao redor de sua cintura. Abraçada a ele. Rogando a Deus para tê-la entre seus braços e fazer amor todas as noites, durante o resto de sua vida, junto a ele, em paz, com a única mulher que o entendia e que enchia de luz sua vida.

Por fim se retorceu contra seu braço, beijando seu pescoço. Com relutância se retirou de seu quente corpo para deitar-se a seu lado. Seu cabelo dourado cobrindo sua pele como um véu. Lamentou novamente, seu propósito de seduzi-la com uma intensidade excessiva essa primeira vez. Desejava ter esperado para poder lhe dar a atenção que merecia.

Era um homem que tinha aprendido a marcar o passar do tempo, só

através de grandes acontecimentos. A morte de sua mãe. O primeiro Natal em que seu pai admitiu que pensava que ele não era seu filho. O

dia que abandonou seu lar, em outubro, enquanto os grasnidos dos corvos se ouviam na distância.

O dia que conheceu Emma.

Era uma bênção não havê-la perdido, que seus irmãos não a enviassem longe. E como não podia encontrar palavras para expressar o que sentia, rodou sobre seu flanco e a beijou, com a esperança de que de algum jeito ela o entendesse.

Ela cruzou os braços ao redor de seu pescoço e se apertou contra seu corpo úmido. Uma onda de desejo jogou por terra suas nobres intenções.

— Emma... — deslizando uma mão por seu traseiro. — Tenho que falar com seu irmão. Seus irmãos.

— Agora?

Seu delicado corpo deslizou fora de seu alcance. Antes de perceber, ambos estavam sentados sobre a cama com a colcha entre suas pernas.

Estava tão desalinhada, tão desejável que queria ter tido o bom senso de manter a boca fechada.

Mas tinha chegado o momento. Esta não era uma indiscrição da qual riria em poucos meses. O que fez entrar em seu quarto e seduzi-la, contraindo assim uma dívida de honra. Felizmente, estava mais que disposto a pagá-la, embora desejasse havê-lo feito com mais delicadeza.

— Certamente não estará pensando descer e anunciar suas intenções agora? — perguntou com uma voz que não só lhe fez endireitar seus ombros, mas também alcançar um lençol para cobrir suas partes privadas — Depois do que acabamos de fazer?

— É preferível a que nos encontrem aqui, não?

Ela o olhou com horror.

— Preferiria me afogar no Tâmisa!

Ele fez uma careta. Sua ansiedade era contagiosa.

— Vou admitir ante toda sua família, o Príncipe e cada poder da Europa, para te reclamar como minha.

Olhou-o fixamente e começou a rir.

Ergueu a testa.

— Isso será de ajuda?

— Não é justa com todos os poderes da Europa. — deu-lhe um beijo no nariz, quando lhe deu outro ataque de riso. — O que aconteceu com seu decoro, senhora?

— Você.

Ele se levantou e se dirigiu para a janela, exibindo seu escultural corpo nu.

— Proteger minha honra está muito bem. — disse Emma a suas costas. — Entretanto, deve esperar até amanhã.

— Tem certeza? De algum jeito sinto que não devemos esperar.

Emma recuperou suas roupas debaixo da roupa de cama desarrumada e as colocou rapidamente. Nada unia melhor aos Irmãos Boscastle como uma crise. Emma literalmente resplandecia quando outros se viam obrigados a depender dela.

— Acredito que deveria sair silenciosamente.

— Muito tarde. — murmurou da janela pela qual tinha entrado em seu quarto.

O sangue esfriou enquanto se colocava atrás dele.

— O que?

Sacudiu a cabeça com incredulidade.

— A escada não está aí. Essa malandra deve tê-la movido. Traiu-me.

Olhou sobre seu ombro impotente.

— Malandra? — percebeu o que havia dito. Inclusive completamente vestido, sua proximidade perturbava sua lógica. — Oh, não, Adrian. Por favor, não me diga que solicitou a ajuda de Harriet para tramar isto. De

todas as ideias estúpidas...

— Queria vê-la! Não havia alguém mais neutro nesta casa que me ajudasse. — ele encolheu os ombros timidamente e depois passou uma mão pelo cabelo em um gesto que despertou arraigados instintos protetores em Emma. Ela tinha curado narizes quebrados de seus irmãos, enfaixado seus cortes e arrumado suas espadas de brinquedo em mais ocasiões do que podia contar. Curando o orgulho ferido quando era necessário, embora não estivesse totalmente convencida de que seus irmãos tivessem aprendido muito de suas maldades juvenis.

Pelo contrário, tinha adquirido uma experiência inestimável da mente masculina. Parecia um homem cheio de orgulho e vulnerabilidade em partes iguais, de crueldade e uma violência indescritível em seus piores momentos, de valor e sacrifício em seu melhor momento.

Ela sempre insistiu que seus irmãos se defendessem por si mesmos, inclusive quando se escondiam sob suas asas para que os defendesse se fosse necessário.

Agora, tão incrível como era, estava enfrentando os mesmos homens que tinha formado para serem seus protetores.

Adrian começou a rir.

— Parece que vou ter que encontrar outra forma de escapar.

— Acha que poderia subir pela árvore que esta fora de minha janela?

— perguntou-lhe com ansiedade.

— Poderia subir inclusive dormindo. — replicou ele. — Entretanto, não serviria de nada enquanto Drake estiver sentado no banco do jardim, debaixo da janela, fumando um cigarro.

— Drake? Tem certeza?

— Não, a menos que haja um gnomo em seu jardim que fuma cigarros.

— Não acredito jamais ter visto Drake sentado debaixo de minha janela antes. O que se supõe que vou fazer com você agora?

Vestiu a camisa e a calça, para cobrir sua nudez.

— Vou sair às escondidas pelas escadas e se alguém me pegar, suponho que terei que dizer de acabo de entrar na casa.

Ela negou com a cabeça.

— É de má educação entrar em uma casa sem ser convidado.

Ninguém acreditará em você.

Beijou a parte superior de sua cabeça.

— Não é tão grosseiro como o que estávamos fazendo, confia em mim.

Dê-me minhas botas, meu amor. Não importa o que aconteça valeu a pena.

Com um grunhido, saiu debaixo da cama. Um momento depois, estava entre suas pernas, beijando-a, sua língua acariciando a dela como se tivessem todo o tempo do mundo para satisfazer sua paixão.

— Vou agora. — murmurou, liberando-a com relutância. — Mas saiba que está me matando. Retornarei quando tiver falado com sua família.

Oh, Emma, preciso estar com você. Necessitamo-nos. — olhou para a janela. — Talvez Drake já tenha ido. Darei uma olhada.

— Olhar fora de sua porta. — disse suspirando com aborrecimento.

Reuniram-se de novo no centro do dormitório quinze segundos depois.

— Ainda está ali! — exclamou.

Adrian franziu o cenho.

— Dissimulando, está recostado no patamar da escada em uma posição estratégica. Pelo que vi, está preparado para acampar toda a noite.

— É uma armadilha! — disse de costas contra a parede. — Adrian caímos em uma armadilha Boscastle. — olhou a seu redor ansiosamente.

— Suponho que não há portas secretas ou buracos onde me ocultar a meu alcance?

— Sinto muito! — murmurou.

— Seus irmãos tiveram aventuras às escondidas em seus dias, não?

Franziu o cenho.

— Infelizmente isso não posso negar.

Colocou-se a seu lado.

— Aonde leva esta porta? — perguntou, apontando para seu quarto de vestir.

— Ali dorme minha dama de companhia, e não entraremos sem nos anunciar antes. Tem quarenta e dois anos e nunca teve um homem em seu quarto.

Ajoelhou-se e olhou pela fechadura de bronze.

— Bom, há dois homens ali agora, mas nem rastro da senhora.

— O que? — desconfiada, inclinou a cabeça para olhar ela mesma. —

Que Deus nos ajude! São Grayson e Weed.

Endireitou-se com um resignado sorriso.

— Então, é uma emboscada. Suponho que só resta enfrentá-los juntos.

Toda rota de escape está bloqueada. Devon deve estar na porta de frente.

Levantou-se, afastando-se dele.

— Prefiro ficar em meu quarto pelo resto de minha vida antes que enfrentar meus irmãos em uma situação assim. Farão minha vida impossível e vão saborear cada momento.

— Não tem culpa de nada. — lhe assegurou. — Eu sou a quem darão uma surra. Por favor, se assegure de me dar um enterro apropriado.

Ela empalideceu ante a ideia de uma confrontação em seu dormitório entre Adrian e seus irmãos. Só podia rezar para que controlassem sua indignação e recordar-lhes suas alunas. O escândalo de seu romance apareceria pela manhã em todas as casas de Londres. Só podia imaginar o cacarejo de alegria da vingativa Alice Clipstone ao inteirar-se como sua rival tinha sido surpreendida em flagrante.

Sorriu de repente. Adrian tinha razão, entretanto. Apanhados ou não, esta noite juntos havia valido a pena. Seu amor significava para ela

muito mais que sua reputação, que até lhe importava, mas ela não queria manchar a outros por associação. Mas a felicidade, a paixão, o amor de sua vida.

Ele valia a pena.

Ele a necessitava.

Retornou para o dormitório. Arrastando-a com ele.

— Está equivocado! — murmurou. — Sou eu. Eles querem me açoitar.

Fui tudo menos humilde na busca de seus melhores interesses.

— Me desculpe... — se perguntou, virando para olhá-la. — seus irmãos a machucariam?

Ela sacudiu a cabeça com impaciência.

— Não de uma maneira física. Entretanto, verei-me obrigada a escutar suas brincadeiras pelo resto de minha vida. Nada gostariam mais esses maliciosos que me pegar em uma falta depois de todos os sermões que lhes dei. Bússola moral da família costumam me chamar.

— É minha culpa, entretanto. — tomou suas mãos entre as suas. —

Deixe-o em minhas mãos, Emma. Alguma vez teve uma relação com outro homem?

— É claro que não! — indicou com um suspiro, com um vacilante sorriso. — Muito bem. Enfrentaremos isso juntos. Seremos valentes!

Alguém bateu suavemente na porta principal de seu dormitório. Ficou sem fôlego, de repente não se sentia tão valente.

— Quer que abra a porta? — ofereceu.

— Esconda-se no armário, até que lhe diga que pode sair — sussurrou.

— Talvez possa convencer a quem é que se vá.

Sorriu com tristeza.

— Acha que há uma oportunidade?

Engoliu a saliva.

— Acredito que Napoleão tem mais possibilidades de escapar da ilha Elba que deixar este aposento sem ser detectado.

Adrian lhe permitiu dar dois vacilantes passos para a porta antes de decidir que teria que intervir.

Passou junto a ela, sem lhe dar tempo a detê-lo. Realmente queria dizer o que disse a respeito de estarem juntos o resto de suas vidas, era hora de provar que era um homem de palavra. Seu olhar procurou Emma. Parecia tão aterrada que por um instante hesitou. Ele não era um hábil diplomata ou um professor dos bons costumes. Mas então o orgulho masculino se impôs.

E abriu a porta.

Capítulo 16

Heath entrou no hall da criada, encostado a pequena suíte de Emma.

Seu irmão Grayson rondava inquieto no confinado espaço.

— Algo interessante para informar?

— Sim. Há uma tábua solta no chão, em frente à janela, que range. —

Heath riu baixo. — Não há sinal dos amantes?

— Nem um vislumbre. — Grayson estreitou os olhos. — E as demais mulheres?

— Que eu saiba, ainda estão no salão passando o momento e fofocando. A propósito, Jane está aqui.

— Jane? — só por um momento, Grayson pareceu surpreso. — Já vejo. Bom, talvez queira um conselho sobre seus novos sapatos.

Heath hesitou.

— Esperemos que seja isso.

— O que quer dizer?

— Nada. É só uma sensação. Com todas essas mulheres reunidas...

— Todas as rotas de fuga estão vigiadas, não é assim? — Grayson sorriu, satisfeito. — Não há um lugar por onde Adrian possa sair da casa, sem encontrar-se ao menos com um de nós.


*****
Adrian tinha se preparado, tanto física como mentalmente, para defender sua posição ante os irmãos de Emma. O certo é que estava mais preocupado por defendê-la, e disposto a carregar com as culpas o ocorrido. Entretanto, não tinha a menor ideia de como reagir ao entreabrir a porta, e encontrar duas mulheres esperando no corredor.

A mais jovem, a quem Adrian reconheceu como Jane, cunhada de Emma e Marquesa de Sedgecroft, tomaram vantagem imediata de sua surpresa e colocou um pé pela estreita fresta. Esticou-se ao perceber quem a acompanhava; o inferno em pessoa. A acompanhante de Jane

não era outra que Hermia, Lady Dalrymple, a dama de grandes ossos e artística malícia.

Jane fechou a porta e deu uma volta a chave com rapidez.

Olhou-a fixamente.

— Está ainda Hamm na escada?

— Sim. — respondeu pondo o ouvido na porta. — E Devon patrulhando o corredor da entrada. Toda a casa está rodeada pelos inimigos do amor verdadeiro.

Emma cobriu o rosto, mortificada.

— Há uma explicação perfeitamente compreensível por que estou me escondendo... — começou Adrian, mas vacilou ante o olhar direto de Jane. — Há sim! — insistiu. — Não é verdade, Emma?

Os escuros olhos verdes de Jane cintilavam de júbilo.

— Bom, duvido que apazigue a quatro muito protetores irmãos Boscastles.

— Como você soube que ele estava aqui? — perguntou Emma suavemente, abaixando as mãos.

— Charlotte aplicou em Harriet a tortura Boscastle. — respondeu Jane.

Adrian abriu a boca para amaldiçoar, mas repensou.

— Mandaram-lhe para me fazer prisioneiro? — perguntou a Jane franzindo o cenho.

— Não. Venho com um plano para que escape.

— Um plano? — sorriu cético. — Vejo isso impossível, mas agradeço seus esforços em meu favor.

Emma abandonou subitamente sua triste expressão e parou frente a ele.

— No que consiste, Jane? Julia e Charlotte também participam?

Jane assentiu.

— Todas as forças femininas, incluindo Chloe, estão mobilizadas e prontas para pôr em marcha as distrações que serão necessárias.

— Então procedam! — disse Emma, abafando um suspiro. — Jane, não sei como lhe agradecer.

Jane lhe sorriu com afeto.

— Ao entrar para fazer parte desta família, fui entendendo o muito que Grayson se preocupa e cuida de todos e cada um... e também eu o faço.

Entretanto, meu marido e eu não pensamos o mesmo quando se trata de executar seus deveres para os que ama.

Adrian limpou a garganta.

— Perdoe, mas...

— Sim. Diga de uma vez, Jane! — disse Hermia, desabotoando a pesada capa de veludo dourado. — Não temos toda a noite, e a escuridão é nossa aliada.

Jane fechou a boca com força.

— Tem toda a razão! Sente-se Adrian. Terá que tirar as botas.

— As botas? — disse com o olhar em branco, enquanto se sentava obedientemente na cadeira.

— Sua peruca, Hermia. — Jane esticou a mão.

Adrian ficou pálido ao entender no que consistia o plano.

— Sua peruca? Não pode estar sugerindo..., espere um momento..., quando disse que faria algo para...

Hermia tirou os grisalhos cachos loiros e se aproximou da cadeira com o cenho franzido.

— Nosso cabelo era de uma cor parecida em nossa juventude.

Entretanto, não recordo ter tido a sombra de uma barba na mandíbula.

Nem uma covinha no queixo.

— Bom, não há tempo para barbeá-lo.

Emma balançou a cabeça para ele com simpatia, envergonhada.

— Sinto muito Adrian. Realmente me dói ser testemunha de sua humilhação!

— Não tanto como me dói! — balbuciou.

— Emma, se não quiser olhar. —disse Jane desabotoando o colar de Hermia. — Seria mais útil ficando, assegurando-se de que Grayson não entre.

Emma retrocedeu um passo.

— Não há outra forma de me tirar as escondidas da casa? —perguntou Adrian, sem esperar resposta.

Jane franziu o cenho enquanto lhe colocava a peruca.

— Tem uma sugestão melhor? Se for assim, diga de uma vez. O Conde de Odham está fora, esperando em sua carruagem para recolher Hermia. Está de acordo em ajudá-lo a escapar.

— E quem é o Conde de Odham? — exigiu, sentindo como um ator em uma improvisação teatral.

— É um nobre já idoso que cortejou Hermia faz algum tempo. —

respondeu Jane.

— E me traiu. — acrescentou Hermia.

Adrian franziu o cenho.

— Lamento escutá-lo.

— Não é necessário. — disse Hermia com um sorriso implacável. —

Ele pagou depois. Pode confiar nele. Nunca mais voltou a me enganar.

— Ocorre-lhe outra ideia, Emma? — perguntou Adrian esperançoso.

— Toda minha vida... — respondeu, remarcando cada palavra — tentei representar e obedecer aos bons costumes, tal e como os entendo.

— É escolher engano ou enfrentamento. — disse Hermia com franqueza. — Decida de uma vez, Wolverton.

— Emma? — Adrian olhou a peruca que se abatia sobre ele, como se fosse à guilhotina.

Esta assentiu decididamente a Jane.

— Acredito que vai necessitar umas manchas de rouge se tiver que parecer-se com Hermia. E, céu Santo, lhe enrolemos pelo menos a calça.

Adrian seguiu Jane pelas escadas, superando o escrutínio de Hamm.

Aparentemente, o lacaio sentia apreço pela robusta Lady Dalrymple, pois embora se endireitou e inclinou profundamente a cabeça a Jane, ficou olhando o que presumia era a forte figura de Hermia.

— Posso escoltar a sua senhoria à carruagem?

— Não, não pode, Hamm, — disse Jane firmemente. — Lady Dalrymple não se sente bem, o que menos deseja neste momento é que se desfaçam em cuidados com ela.

Hamm pareceu sofrer.

— Lamento escutá-lo. Espero que não seja nada grave.

— É... — Jane hesitou. — rouquidão, parece-me. Deve ir para casa, já, descansar a voz.

— É claro que deve fazê-lo! — disse Hamm preocupado. — Devo levar um braseiro de carvão à carruagem para que esquente os pés?

Adrian amaldiçoava por dentro, resistindo à tentação de jogar Hamm pelas escadas. Já era suficientemente humilhante ter que apoiar-se em Jane para poder manter o equilíbrio. Mal podia caminhar com os sapatos negros de salto com fivelas de Hermia, cujas costuras tinham descosturado para poder caber seus grandes pés.

— Sua Senhoria não necessita que a mimem. — disse Jane com sorriso tenso. — Se está preocupado por seu bem estar, abra a porta para que o conde possa levá-la a sua casa.

Adrian assentiu vigorosamente.

— É você, Hermia? E você, Jane? — Lorde Devon Boscastle, o irmão mais novo de Emma, lançou uma olhada, parando no final da escada. —

Vai a casa?

Adrian franziu o cenho entre as sombras do capuz que lhe ocultava o rosto. Debateu-se entre fazer uma escapada rápida pelo corredor, ou voltar correndo escada acima, como um covarde. Prometeu que se Jane o tirasse desta confusão sem que Emma passasse mais vergonha, poria

seu nome em seu primeiro filho em comemoração, e empregaria a todos os sapateiros da Europa, para que mantivessem seus delicados pés na moda.

— Hermia não se sente bem, Devon. — Jane pegou Adrian pela mão e puxou-o para acabar de descer os últimos degraus. — É um problema de garganta e não deve respirar o úmido ar noturno. Seria um encanto se me trouxer as luvas que deixei no salão.

Devon se endireitou, com expressão pensativa.

— Bom, na realidade se supõe que devo estar em...

— Devon! — sua irmã Chloe veio correndo pelo corredor e se lançou sobre ele. — É um moço travesso! Não o vejo há uma eternidade.

Falava com Dominic o muito que senti falta de você.

Devon olhou sobre seu ombro para Adrian e Jane, resistindo quando Chloe tentou lhe empurrar ao outro lado.

— Não jantamos juntos faz três dias?

— Isto... — sussurrou Adrian à Jane, puxando a capa de Hermia em seus ombros. — é uma indignidade da qual não me recuperarei.

Jane avançou sua voz baixa e estável.

— Por favor, caminhe, Hermia, e não force a voz com conversa inútil.

Ah, aí está seu fiel Odham.

Adrian tropeçou com a fivela de um dos sapatos e teria acabado no chão se Jane não tivesse emprestado seu ombro para apoiar-se. O

Conde, um homem vivaz nos sessenta de cabelo branco, apaixonado por Lady Dalrymple durante anos, cruzou a rua em sua carruagem.

— Sabe Odham o porquê desta farsa? — perguntou Adrian com os dentes apertados.

Jane encolheu os ombros.

— Supunha-se que Julia tinha que dizer-lhe, mas não sei se conseguiu transpassar a vigilância de Heath.

Franziu o cenho.

— Não está Odham apaixonado por Hermia? Como vou explicar lhe...?

— Suba na carruagem, minha pequena flor travessa. — disse Odham, deslizando seu braço, conspiratório, pelo de Adrian. — Excelente atuação, Wolverton. Recorda-me meus dias de liberdade. Um pequeno disfarce só aumenta o desejo, não é?

Subitamente Adrian se viu transladado da rua à carruagem que esperava. Apenas tinha liberado dos sapatos, quando Odham o empurrou ao assento e golpeou com os dedos o teto. O cocheiro incentivou os dois cavalos a um trote rápido.

Odham deu um golpe com o pé de regozijo.

— Conseguimos! É a coisa mais divertida que fiz em décadas. Hermia foi conhecida sempre por seu atrevimento. E que o céu me ajude, Wolverton, digo-lhe que essa mulher me deixa louco. E agora inclinei a balança a meu favor.

Adrian tirou o capuz, com expressão áspera.

— Não quero parecer grosseiro. Obviamente estou em dívida com você por toda vida. Entretanto tenho que lhe perguntar, já nos conhecíamos?

Os olhos escuros do conde se iluminaram.

— Falando de um canalha a outro, tem importância, realmente?

Adrian grunhiu e olhou pela janela. Jane estava na calçada com sorriso satisfeito. Um homem alto saía da casa. Não pôde saber qual dos irmãos Boscastle era. Mas algo era certo, a intrigante Jane o manteria afastado.

E amanhã já pagaria ao diabo.


*****
Heath ficou ao lado de sua cunhada Jane, observando a carruagem que partia na noite. Uma horrível suspeita apareceu em sua mente. Do que acabava de ser testemunha?

De uma fuga? Não era possível. Finalmente Jane se voltou para ele, suspirando profundamente.

— É tarde, não? Devo deitar meu filho. Grayson está com Drake?

Heath olhou a carruagem que desaparecia. Um reticente sorriso cruzou seu rosto.

— Pelo que sei, continua acima.

Jane o olhou. Uma atriz notavelmente convincente.

— Vamos? Fazendo o que? Achava que tinham suas cabalas masculinas em seu estúdio.

Uma divertida voz feminina os interrompeu.

— O que estão sussurrando, que não me inteirei?

Heath se virou. Seu coração não deixava de reagir nunca à presença de sua esposa. Inclusive quando, como estava começando a suspeitar, Julia e as demais damas da família o tinham enganado.

Balançou a cabeça. Não. Não podia ser, mas...

— Onde está Tia Hermia?

Julia desceu os degraus e pôs a cabeça em seu ombro.

— Parece-me que continua acima com a Emma.

Devon perguntou:

— Quem partiu na carruagem de Odham?

Jane o conduziu de volta a casa.

— Odham, é claro. Não achei que precisasse perguntar.

Heath apertou os lábios.

— Mas achava que Hermia...

Julia se afastou dele franzindo o cenho.

— Hermia está com Emma, Heath. Se está preocupado por ela, estou segura de que não terá nenhum problema em lhe confirmar que está bem, embora me parece que lhe doía a garganta faz um momento.

— Já vejo! — murmurou Heath.

Voltou caminhando lentamente a casa, subiu as escadas e parou ante a porta fechada do quarto de Emma. Ali foi, onde, vários minutos depois, encontrou seu irmão Grayson.

— Entremos de surpresa? — disse Grayson com o punho na porta.

Está durando muito. Wolverton não pode esconder-se para sempre.

Heath negou com a cabeça. Um homem sensato sabia quando abandonar a partida.

— Como quiser Grayson. Entretanto, preferiria que não estragasse a porta.

Grayson golpeou com força.

Emma abriu agitada.

—Grayson! — disse aborrecida. — O que ocorre? Por que está fazendo tanto escândalo? Há alguém doente?

Empurrou-a para o lado e entrou.

— Por que não sai Adrian de seu esconderijo e responde a essa pergunta? Está em seu banheiro?

Parecia ofendida.

— Grayson Boscastle. Proíbo que dê um passo mais!

Congelou-se. Tão imperativa foi à ordem.

— Não a culpo, Emma! — disse depois de um momento. — Wolverton é um homem atraente. Herdeiro de um Duque ou não, terá que...

Parou, tomou ar, e abriu a porta do banheiro, para retroceder alarmado ante o chiado indignado que recebeu sua entrada.

— Oh, céus. Oh, Deus todo poderoso! Hermia. Não tinha nem ideia. Eu não...

Lady Dalrymple se plantou frente a ele, sem peruca, com as mãos na cintura, seu amplo peito com multidão de rugas, estremecia.

— Espero que tenha uma explicação para esta invasão, Sedgecroft.

Grayson ficou como o rosto de pedra com a impressão, incapaz de pronunciar nenhuma palavra em defesa própria. Até que Heath, rindo a gargalhadas, empurrou-o a um lado.

— Acabou-se.

— Que demônios quer dizer? — demandou Grayson, tropeçando outra vez no corredor.

— Venceram-nos! — disse Heath com sorriso compungido. — É


momento de retirar-se.

— Encontrou-o? — perguntou Devon da entrada.

A voz grave de Hamm ressoou a suas costas.

— Lorde Wolverton não cruzou as portas da entrada principal, Senhorias. Mantive minha posição, tal e como me pediram. Não há forma possível de que tenha escapado a nossa vigilância.

Grayson se voltou para Heath com expressão irada.

— Está absolutamente seguro que Wolf estava aqui?

Heath negou com a cabeça.

— Deveria havê-lo imaginado. — comentou assombrado. — Eu sabia!

Grayson o olhou aborrecido.

— Então por que não tomou medidas necessárias?

Heath sorriu.


*****
Emma permaneceu acordada toda a noite, ou melhor, o que sobrou dela, sussurrando a respeito de seu compromisso secreto com as conspiradoras Julia, Chloe, Charlotte e Tia Hermia. Agora que aceitou a proposta de Adrian, e tinha admitido o que sentia por ele, não achou nenhuma razão para não compartilhar sua alegria.

De maneira decorosa, como era de esperar de uma futura Duquesa, e se sua dignidade tinha sofrido um escorregão, já tinha passado. Tinha toda uma vida por diante junto a Adrian para consertá-lo.

— As garotas terão que aprender a chamá-la "Sua Graça" — disse Charlotte, deitada na cama de Emma, com expressão sonhadora e uma taça de champanha na mão.

Weed, o lacaio de Jane, tinha-lhes entregue quatro garrafas do apreciado Dom Perignon de Grayson uma hora antes, depois que a Marquesa tinha retornado a casa de sua triunfante escapada em nome do amor. Chloe tinha desarrolhado com êxito a garrafa, para agradecer

por sua irmã com o borbulhante vinho ao famoso e humilde monge Beneditino, que tinha doado seus lucros aos pobres.

— Está bem que a bebida tenha uma vertente caridosa. — anunciou Chloe com júbilo.

Os olhos de Emma brilharam.

— Então bebamos, até o fundo!

— Pelos Boscastle e seus amigos! — disse Hermia resolutamente.

— Como anunciamos as garotas seu compromisso? — perguntou Charlotte suavemente.

Emma desceu os olhos a sua taça.

— Não estou muito certa. Sei que não posso abandonar a academia sem olhar atrás.

— E por que diabos não? — perguntou Hermia com intensidade, arrastando um pouco as sílabas. — Nunca fui mais feliz que quando me entreguei a um impulso. Já está dito. Revelei meu segredo. Que o mundo trema. Sou uma mulher perigosa.

— Só para bonitos jovens que parecem deuses gregos! — disse Charlotte sem pensar.

Sua sobrinha Julia começou a rir. E pouco depois, as outras damas a seguiram. Emma deslizou da cadeira alarmada.

— Senhoras, por favor! Devemos..., devemos...

— Beber mais champanhe. — disse Chloe, levantando a garrafa para o alto. — Oh, Emma, Emma. Quem teria adivinhado você capaz de fazer honra a nossos antepassados? Juro que irei à tumba com um sorriso no rosto. Adrian é um cafajeste muito adorável, e agora vai ser meu cunhado. A infâmia familiar continua e não me envergonha absolutamente.

Depois se afundaram no silêncio, esgotadas. Charlotte recolheu seus sapatos, beijou Emma, e foi revistar as garotas e procurar sua cama.

Hermia dormiu na cadeira. Julia a tampou com uma colcha e se foi nas

pontas dos pés se reunir com seu marido, para passar a noite. Emma e sua irmã se acomodaram na cama, como tinham feito frequentemente em sua infância. Nos momentos felizes, e nos tristes, Emma foi uma mãe protetora para seus selvagens irmãos. E agora iriam ter que arrumar-se sem ela. Mas, poderia lhes deixar?

Chloe apoiou a cabeça no ombro de Emma.

— Se me deixasse levar por meus impulsos malvados, jogaria na cara todas essas ocasiões onde nos exortava.

— Não seja uma bruxa! — disse Emma brusca, e suavizou o efeito de sua repreensão com um suspiro. — Não quando estou castigando a mim mesma e transbordante de felicidade.

— Então nada a arruinará! — suspirou Chloe. — Seja feliz, Emma!

Desfrute da vida.

Emma suspirou outra vez, e sorriu ao recordar Adrian escapando de seu quarto com a peruca e a capa de Hermia. E se seus irmãos o tivessem descoberto? E se uma de suas estudantes aparecesse? Já era bastante sombrio pensar no que ocorreria com a academia, quando se anunciasse seu compromisso.

Como Emma entendia a hipocrisia da sociedade bem educada, sabia que o escândalo de seu namorico secreto se desvaneceria esquecido, quando percebessem que Emma se converteria em Duquesa algum dia.

E, além disso, estaria com o homem que amava.

Capítulo 17

Adrian chegou à mansão de Grayson Boscastle, em Park Lane às nove da manhã seguinte e formalmente pediu a mão da Emma em matrimônio. Grayson aceitou graciosamente o pedido com uma apropriada demonstração de surpresa e prazer, tal como o fez sua esposa, Jane. Na realidade, as assombradas exclamações de deleite de Jane quase convenceram Adrian que ele tinha sonhado os eventos da noite passada. Aparentemente, tudo estava bem se terminasse em sagrado matrimônio.

— Eu digo que isto merece um jantar de celebração! — anunciou Gray, esfregando as mãos com um gesto de autossatisfação que indicava que ele mesmo poderia ter planejado o romance. — Podemos arrumá-lo, Jane?

Jane sorriu-lhe.

— Não suporia nenhum inconveniente absolutamente, querido marido.

O pessoal já está acostumado a organizar esplendidos eventos na última hora.

— Nada esplendoroso. — disse Adrian rapidamente, pensando na preferência de Emma pelo sutil. — Eu acredito que por todo o concernente, deveríamos nos casar tão silenciosamente como for possível.

E assim foi que Jane se desculpou, deixando os dois homens para que discutissem as disposições da viúva e os acertos enquanto ela se apressava na feliz tarefa de planejar um casamento familiar. O que significava, é claro, que ela e a noiva requereriam um novo guarda-roupa e calçados que combinassem e esse sapateiro italiano poderia necessitar um exército de elfos que o assistissem. Jane decidiu que ela simplesmente teria que ter uma dúzia de sapatos novos para celebrar o compromisso de sua cunhada.

Outro Boscastle caindo vítima da herança familiar da paixão. Era o rol de Jane, tal como o percebia assegurar-se que a passagem ao matrimônio seguisse um curso tão suave quanto fosse possível.

Qualquer esquecimento podia convenientemente causar danos antes da marcha nupcial.

Como a filha de um Conde, e esposa de um Marquês, ela entendia intuitivamente que a adição de um Duque e uma Duquesa a linha familiar era uma conexão para ser fervorosamente abraçada, se não explorada.

O filho de Jane, Rowan, herdeiro de seu marido, poderia crescer com o filho de um Duque como primo e companheiro de jogos. Era a ordem própria das coisas na aristocracia inglesa. Na próxima década, na realidade no próximo ano, poucos na alta sociedade comentariam ou sequer recordariam que alguma impropriedade tinha precedido a união de Emma e Adrian. Ninguém fora da família se atrevia a mencionar o escândalo do casamento da própria Jane.

Ao menos no momento, tudo estava bem no mundo dos Boscastle.

Nessa mesma noite, o Marquês de Sedgecroft, oferecia um jantar para anunciar o compromisso de sua irmã, a Viscondessa Lyons com Adrian Ruxley, Visconde Wolverton, herdeiro do Duque de Scarfield.

Só uns poucos membros seletos da Sociedade, fora da família Boscastle, receberam um convite para esse evento. O Conde Odham levou sua amada Hermia, ambos expressando descrença ante o anúncio. Apareceram dois membros do Parlamento e suas esposas.

Ainda assim, tratou-se de um evento familiar.

O casamento, dois dias depois, na Capela particular da casa de Grayson em Park Lane, provou ser outro evento exclusivo. Emma se sentia tão tranquila antes da cerimônia que Julia lhe perguntou em privado se tinha utilizado um vinagrete para prevenir o desmaio.

— Se vivi minha vida inteira nesta família sem desmaiar, — lhe respondeu Emma. — duvido que o faça hoje.

Entretanto, quando viu Adrian na Capela, esteve tão perto de um desmaio. Não tinha imaginado possível. Estava vestido em um traje formal de jaqueta azul escura e fina calça de pano negro. A seu lado, pendia a espada cerimonial, a qual ela rogava a todos os Santos que ele não se visse tentado a usar até que tivessem trocado seus votos. Na realidade, ele estava tão grandioso que Emma, em um vestido prata sem adornos, sentiu-se pálida em comparação.

Entretanto, este era para ela seu segundo matrimônio. Ela não podia, em boa consciência, levar as virginais flores de laranjeira em sua coroa.

Um véu era suficiente para esconder seu feliz sorriso à pequena reunião de convidados. Este lobo era dela para domesticá-lo.

Grayson a deixou ir, e logo todos partiram para desfrutar de um café da manhã de ovos cozidos, camarões, chuletas de cordeiro, seguido de bolos de maçãs, geleia de framboesas e creme de limão. Como se esperava, havia um bolo de casamento de três andares coberto de um pesado creme branco.

Adrian deu a noiva com uma taça de champanhe e os três confeitos que tinha roubado da torta.

— Sinto muito! — apertou sua mão na dele. — Mas parece que jamais mudarei.

Sorriu-lhe, com o coração nos olhos.

— Jamais perdoaria a mim mesma se o fizesse.


*****
Choveu durante seu curto trajeto ao hotel em Londres onde Adrian tinha residido cada tanto durante o último ano. Sua escolha de um alojamento impessoal se devia menos à conveniência que a sua relutância de criar raízes novamente na Inglaterra. Tardiamente, desejou ter um lar apropriado no qual estar a sós com sua esposa.

Era sua noite de núpcias.

Tentou não pensar no último marido de Emma. Parecia tão mesquinho

e injusto confessar-se ciumento de um homem que na morte não podia defender-se. Mas Adrian era um homem prático, um que tinha aprendido a sobreviver. E ele tinha requerido Emma para sobreviver. Se essa era uma debilidade, ele não a negava. Ela era a calidez de uma vela na escuridão invernal. Ele não necessitava a ninguém ou nada mais que a ela.

Encolheu-se para tirar a jaqueta enquanto ela ia atrás do biombo para lavar-se. Depois ele abriu o armário e espiou dentro. Foi à janela para ver a rua em busca de carruagens.

Emma pôs o rosto pelo biombo, seu rosto divertido.

— Se for confessar em nossa noite de núpcias que é um espião...

— Estou procurando seus irmãos.

— Não estão aí, não é verdade? — perguntou-lhe horrorizada.

Ele riu.

— Não.

— Graças ao Céu. Incomodaria-o me ajudar com o último gancho? —

ela saiu de trás do biombo, seu cabelo dourado como o sol, solto; uma mão nas costas.

— Por favor. Permita-me ajudar. — seu coração pulsou ferozmente quando se encontraram no centro do aposento. Depois pretendeu lutar com o gancho, quando seu próprio instinto lhe dizia que arrancasse a maldita coisa de sua fina amarra.

— Seja cuidadoso, — ela torceu a cabeça para lhe sorrir. — este vestido é delicado e...

Ele apoiou ambas as mãos sobre seus ombros e rasgou a malha prateada com um puxão decisivo. Sua roupa interior seguiu o som da seda rasgada interrompendo seus indignados protestos.

— Esse era meu vestido de noiva, Adrian!

— Não é como se o fosse usar novamente. — murmurou ele, a desculpa débil ainda a seus próprios ouvidos.

— O que sobra para nossas crianças? — protestou ela — E se eu tivesse desejado passar esse vestido às futuras gerações? Alguma vez pensou que poderíamos ter uma filha algum dia?

Ele passou suas mãos por seus ombros nus.

— Não pensei em nada mais. — inclinou sua cabeça para ela. — E se tivermos uma filha, espero que seja em tudo como você.

— Adrian! — sussurrou ela, deixando cair sua cabeça enquanto as mãos dele se moveram à deriva detrás de seus flancos para acariciar suas costas. — Sempre quis crianças.

Dirigiu-lhe um sorriso de entendimento, muito mais entendimento do que ela tinha antecipado. Antes de perceber do que tramava, ergueu-a em seus braços e a levou até a cama.

— Me dê delicadas filhas que sejam iguais a sua mãe. — disse ele. —

Me dê filhos. Dê-me você, Emma.

Ela o olhou tirando roupa, incapaz de controlar a umidade que filtrava de seu sexo. Quando finalmente ele se estendeu a seu lado, ela não tentou esconder sua aprovação por sua nudez.

Desconcertada, percebeu que não só estava olhando fixamente seu impressionante apêndice, mas ele entendia exatamente o que tinha captado seu interesse. Se seu anterior marido a tivesse encontrado espiando suas partes privadas, ele teria puxado sua gravata e rapidamente ocultado seus mistérios masculinos.

Mas Adrian, desavergonhado aventureiro e demônio desinibido como era, simplesmente alargou os músculos de seus braços em lânguida satisfação e arqueou suas costas, impulsionando-se para frente umas poucas polegadas mais, para sua aprovação.

— Meu Deus, essa calça sim que era justa! — murmurou ele, com um olho meio fechado focado no rosto de Emma.

Ela umedeceu os cantos de sua boca com a língua.

— Posso entender por que. Você gostaria de... — seu estômago

tremeu em prazerosa confusão. — Você gostaria de uma gravata? —

perguntou-lhe ela inocentemente.

Com um profundo estrondo de risada, ele a empurrou para seu duro e quente corpo.

— Para atar ao redor de meu pequeno? — brincou ele, inclinando-se em um lento, prometedor beijo. — Há um protocolo para semelhante coisa?

O coração de Emma falhou um batimento.

— Não acredito.

— Isso é um alívio por que... — esfregou seu pênis contra o ventre dela. — quando se trata de certos assuntos de descortesia.

Ela voltou seu rosto para o travesseiro para esconder um gemido, mas qualquer tentativa de esconder sua excitação de seu marido foi inútil.

Seu útero contraiu de prazer enquanto ele dispersava beijos por seus seios. Que o céu a perdoasse, mas estava possuída para comportar-se como uma voluptuosa Vênus.

— Se for ensinar-lhe as maneiras de um cavalheiro, — disse ela com um sincero suspiro. — então teremos que começar com uma observação do pior de sua conduta.

Ele sorriu ante o desafio.

— O que em minha humilde opinião, é quando estou no melhor de mim.

Ela se retorceu para apoiar-se sobre um cotovelo, seus seios inflamados por seus ardentes beijos.

— Me mostre, para que possa começar a instruí-lo.

Ele levantou sua cabeça para beijá-la, virando sua língua contra a dela.

Comeu delicadamente sua boca até que ela arrastou os dedos das suas vértebras até seus magros quadris.

— Seu toque me inflama, Emma.

— Então, poderia...?

Ela não terminou, mas era evidente que ele tinha entendido. O rosto de

Adrian se escureceu; ficou de costas para satisfazer a necessidade dela, seu enorme membro transbordando sua pequena mão. Uma gota de fluido perolado banhou seus dedos. Um instinto que ela não pôde resistir a empurrou a acariciar a grossa cabeça.

Ele jogou a cabeça para trás, como se sua delicada exploração lhe tivesse causada dor, depois demonstrou quanto tinha gostado de sua carícia empurrando contra sua mão. Magnífico em sua excitação, ele arqueou sua coluna; em resposta, ela ficou de joelhos, para apoiar o rosto contra seu peito.

— Nunca ansiei o toque de uma mulher como desejo o seu minha esposa. — disse em uma voz rouca.

— E eu jamais desejei acariciar a um homem desta forma. — lhe sussurrou por sua vez. — Mas lhe direi sinceramente, se não me fazer amor neste mesmo momento, eu...

Ele delicadamente segurou as suaves colinas de seu traseiro e a manipulou para forçá-la a deitar-se debaixo dele, uma posição que ela ansiosamente assumiu. Seu sexo pulsava insuportavelmente. Suas coxas se abriram em convite para guiá-lo dentro dela.

Seu olhar velado passou sobre ela com um ardente prazer que reconhecia seu oferecimento. Seu musculoso corpo se endureceu, abatendo-se sobre ela. O doce mistério de tudo o que era masculino.

Puro prazer sexual. Entretanto, Emma reconheceu força na submissão.

E quando finalmente ela sentiu seu membro roçar as pétalas de seu lugar feminino, quando ele empurrou para cima para penetrá-la, ela pensou que maravilhoso era ser uma esposa e uma dama de certa experiência que sabia que ainda o decoro tinha um tempo e um lugar próprios.

Tal como o desejo.


*****
Os recém-casados teriam dormido toda a manhã se o valete de Adrian,

Bones, não lhes tivesse levado um abundante café da manhã a sua porta, junto com uma bandeja de presentes daqueles na boa sociedade que lhes desejavam felicitá-los por seu casamento e serem reconhecidos em troca.

Adrian respondeu à porta, resmungando ante a intromissão até que Emma gentilmente o repreendeu por sua amostra de ingratidão.

Ela tomou o café da manhã na cama só em três ocasiões previamente, que ela pudesse recordar. Certamente, ela não era, como o grande lobo de seu marido, tão desapegada a toda propriedade para desejar que esta atividade proibida se convertesse em hábito.

— Não posso dizer que me sinta de todo cômoda tomando o café da manhã na cama sem roupa. — admitiu ela ante o sorriso satisfeito de Adrian.

Deu-lhe uma rodela de laranja importada da Espanha da bandeja ao lado da cama.

— Você é uma escandalosa jovem dama. Deve ser por isso que me apaixonei por você.

— Bom, não admita isso na frente de seu pai quando me apresentar. —

disse ela, com seus olhos azuis dançando.

— Eu não posso esperar com ansiedade essa reunião.

— Imaginei isso. — disse ela rapidamente. — Mas é inevitável e sua mente não descansará até que o tenha feito.

Seu olhar a percorreu em uma calorosa promessa.

— A única coisa inevitável... — deslizou suas mãos sobre seus quadris nus e a arrastou debaixo dele em um emaranhado de lençóis. — É...

Outro golpe soou na porta. Bones, uma vez mais, mas desta vez falando em um tom tão urgente, que inclusive Adrian não duvidou em lhe prestar atenção.

— É seu irmão, Milorde. Tomei a liberdade de admiti-lo na sala de espera. Assegurou-me que não irá até que o senhor se encontre com

ele.

— Meu irmão? — perguntou-lhe Adrian com descrença. — Está completamente certo disso, Bones?

Emma se sentou indignada.

— Ele deve estar confundido. Só meus irmãos teriam o descaramento de interromper nosso café da manhã de lua de mel. Qual dos cafajestes é, e qual é sua desculpa desta vez?

Bones limpou a garganta.

— É Lorde Cedric, madame. O irmão de Sua Senhoria.

Adrian olhou para a porta, sorrindo incrivelmente.

— Cedric está aqui?

— Sim, Milorde — respondeu Bones. — E está completamente firme a respeito de vê-lo.


*****
Emma se vestiu com cuidado e bebeu duas taças de chá sem açúcar.

Estava decidida a dar a Adrian e a seu irmão mais novo a privacidade de uma reunião. Tinha que estar de acordo que o momento escolhido por Cedric era bem mau, mas então novamente poderia ter havido alguma emergência em Scarfield que motivasse esta inoportuna visita. Apesar de Adrian afirmar que a enfermidade de seu pai era um ardil, talvez houvesse mais verdade nisso do que ele admitia. Era improvável que Lorde Cedric interrompesse a manhã de lua de mel de seu irmão por malícia. Na realidade, como Adrian não se comunicou com o Duque, poderia atribuir a aparição de Cedric à casualidade. Emma certamente não se atreveu a insistir para que convidasse a seu pai à cerimônia, considerando os doentios sentimentos que Adrian tinha por ele.

Só vinte minutos depois, foi convocada por seu marido à sala de espera para ser apresentada a seu irmão. Lorde Cedric era um homem bem formado,

de

altura

média,

que

parecia

compreensivelmente

envergonhado de ter vindo em um momento tão inoportuno. De fato, deu

a Emma a impressão de que quão aliviado estava que seu irmão mais velho tivesse se casado com uma dama de categoria. Ela não se atrevia a especular que classe de noiva havia ele esperado.

Como a irmã da família aristocrática mais famosa de Londres, ela apreciava

seu

alívio.

Na

realidade,

sua

reunião

discorreu

prazerosamente. Lorde Cedric recalçou a importância do retorno de Adrian a Scarfield. Neste ponto, Emma não podia estar em desacordo, ainda que ela se contentasse em deixar a decisão de quando isto aconteceria ao próprio Adrian.

Contudo, sua primeira apresentação à família foi bem. Foi só quando Cedric estava partindo, felicitando a marido e mulher uma vez mais por seu matrimônio, que seu comentário de despedida a seu irmão teve uma nota desagradável.

— Serena ficará surpresa ao saber de seu matrimônio, Adrian.

Pergunta frequentemente por você.

Ainda então, Emma simplesmente poderia ter tomado nota do nome feminino para futuro uso. Sua proprietária poderia ter sido uma antiga governanta da família, alguma solteirona local, ou inclusive uma tia de Adrian.

Mas então, Adrian perguntou.

— Serena? Ainda está ali? Não se casou?

Sua inflexão chamou sua atenção, uma combinação de carinho, curiosidade e história familiar.

— Não. — disse Cedric, as luvas em suas mãos. — Ainda não se casou. A propósito, tome cuidado quando viajar para casa. As ruas que rodeiam o povoado foram espreitadas por ladrões nos últimos anos.

— Em Scarfield? — perguntou Adrian. — Não recordo um só crime no passado.

Cedric uniu suas mãos.

— Os tempos mudaram. Talvez sua volta ajude Adrian. Acredito que

necessitamos um homem de sua experiência.

Capítulo 18

Emma temia as despedidas na academia e tinha antecipado lágrimas de pesar quando chegasse o momento. Adrian lhe tinha prometido repetidamente que voltariam para Londres ou transladariam a escola a um lugar em Berkshire antes que terminasse a primavera. Enquanto isso, Charlotte, a Senhorita Peppertree e sua cunhada Eloise, ficaram encarregadas, tranquilizou-se porque tinha deixado suas pupilas em boas mãos.

O que não tinha previsto era o impacto que seu romance teria sobre a reputação da academia. Esqueceu-se da motivação básica dos pais que enviavam suas filhas, em primeiro lugar, um matrimônio vantajoso.

No dia seguinte de seu casamento, desceu da carruagem de seu marido para encontrar toda a rua obstruída com veículos desconhecidos.

Uma congestão que normalmente se esperaria em um dos elaborados serões de seu irmão Grayson.

— Algo deve ir mal! — disse a Adrian que ficou olhando confuso a rua de cima abaixo. — Espero que ninguém tenha morrido durante a noite.

— disse sem pensar muito.

A possibilidade a fez subir correndo a escada da casa de Heath e cair diretamente nos braços de seu irmão.

— O que aconteceu? —perguntou alarmada.

Ele balançou a cabeça. Umas vozes vinham do salão; os criados iam e vinham conduzindo bandejas de prata com chá e bolos. Com grande alívio, não viu ninguém, incluindo Heath, com uma banda negra no braço, nem havia nada detestável pendendo das janelas que indicasse que um parente havia falecido.

Na realidade, parecia que havia uma inexplicável excitação no ar, uma excitação que, aparentemente, fazia com que seu irmão estivesse escapando. Heath a beijou na face, e disse:

— Felicitações, Duquesa! Preocupa-se de todos partirem quando eu voltar. Estarei no clube, se Adrian quiser ver-me.

Emma ficou olhando perplexa enquanto ele saia.

— Não sou uma Duquesa ainda. Sou...

— Oh, Emma, graças a Deus que chegou! Não posso suportar isto um minuto mais. Tenho os nervos destroçados. É divertido, mas desconcertante ao mesmo tempo.

Voltou-se para observar sua prima Charlotte, desalinhada, apoiada em uma coluna do corredor. Ou estava se escondendo?

Tirou as luvas.

— O que está acontecendo?

— Estive me protegendo deles desde as sete da manhã! — disse Charlotte esgotada. — Por outro lado, como foi sua noite de núpcias?

— Nada que lhe possa interessar, querida, mas obrigada por perguntar.

De quem esteve se protegendo?

Charlotte lhe dirigiu um olhar aturdido.

— O único que sei, é que desde seu casamento cada mãe e pai de uma debutante, parece estar emocionado com a esperança de casar a sua filha com um Duque. Parece que estabeleceu um padrão. A alta sociedade está decidida a saber seus segredos.

Seus segredos.

Olhou através da sala, com a risada borbulhando em seu interior. Aí estava o filho de um Duque, seu marido, maravilhosamente perplexo ao ver-se separado dela.

Deus o abençoe. Realmente não tinha consciência de sua própria importância, inclusive se o tivesse feito, Emma suspeitava que não lhe atrairiam as vantagens.

Meu, pensou. É meu.

— Oh, Emma, graças ao céu! — exclamou Eloise atrás dela. — Feche a porta, sim? As moças não foram capazes de absorver uma só

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passagem de poesia italiana com a aldrava batendo a cada segundo.

Teve uma boa noite?

Emma sorriu a sua cunhada.

— Muito bem, obrigada! Conseguiu introduzir Dante?

— Mal. — replicou Eloise. — Teria gostado que me tivesse posto sobre aviso que seu matrimônio iria causar tanto rebuliço. Tive que animar as estudantes e as levar ao campo por um dia. Toda esta excitação põe os nervos de ponta.

Emma tropeçou com um monte de caixas e baús de viagem que não estavam aí fazia uns minutos.

— De quem é toda esta bagagem? — perguntou consternada.

O silêncio mortal com que foi recebida sua pergunta encheu-a de temor. Agachou-se para olhar o monograma dourado estampado no canto de um baú de couro desgastado, sussurrando:

— Oh, não!

A própria proprietária descia as escadas justo quando Emma se endireitava.

— Estou preparada, queridas. Ainda Odham não fez carregar minha bagagem?

Emma e Adrian compartilharam um olhar de diversão horrorizada. —

Parte de viagem, Lady Dalrymple? — perguntou educadamente. — Se é assim, estarei encantado que meus lacaios...

— Coloquem minha bagagem em sua carruagem. — Hermia passou por seu lado distraída lhe soprando um beijo. — É um jovem muito doce.

Odham e eu nos instalaremos na carruagem enquanto Emma e você se despedem. Não se importará que me sente junto a uma janela? Viajar por esses caminhos rurais afeta a estes velhos ossos.

Sem pensar, deslizou pelo tapete para a porta, parou para agitar sua mão em uma despedida dirigida a sua sobrinha, Julia, que tinha saído do

salão a investigar a comoção.

Emma se voltou para a Julia.

— Hermia vai retornar a sua casa de campo? — perguntou esperançosa.

Julia hesitou.

— Não lhe disse? Decidiu acompanhá-los com Odham à propriedade do Duque.

— Por quê? — perguntou Adrian.

Julia exalou um suspiro.

— Parece que sente certa responsabilidade com você e Emma. Porque poderia dizer-se que os uniu.

— Não nos manterá unidos por nos acompanhar em nossa lua de mel!

— disse bruscamente.

Emma negou com a cabeça.

— Ela não pode vir conosco?

— Temo que sim. — respondeu Julia. — Pelo menos terá a Odham para que lhe faça companhia.

— Odham? — Adrian disse, quase deixando cair seu chapéu de seda negra. — Alguém mais?

Julia moveu a cabeça compreensiva.

— Hamm se ofereceu para ir, mas decidiram que não caberia na carruagem.

— Mas se nos casamos... — disse com um sorriso forçado. — Não necessitamos uma acompanhante. — olhou para Emma. — Não é verdade?

— Temos uma dívida enorme com ela! — sussurrou Emma, resignada.

— Sei disso, mas não poderíamos pagar nossa dívida mais adiante?

Julia abaixou os olhos.

— Aparentemente está fazendo isto por você, Adrian. Acredita que pode fazer-se de mediadora entre você e seu pai. Eles foram amigos.

— Que amável! — murmurou Emma, enquanto Adrian a puxava por um braço e a levava a porta. — Que generosa!

Uma multidão de espectadores se uniu na rua para presenciar ao herdeiro do Duque levando sua noiva Boscastle ao campo. Uma

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vendedora de arenques comentou que lhe recordava a lenda de Plutão levando Proserpina a seu reino interior. Outro jovem vendedor de peixes pequenos lhe respondeu que era tão velha para recordar a época dos romanos.

Harriet saiu correndo da casa e lhe jogou uma coroa com fitas de louro.

Hamm gritou uma advertência ao cocheiro, que tomasse cuidado com os salteadores de caminho no campo. O cocheiro levantou o chapéu à multidão, e fez soar o chicote nos seis cavalos musculosos, tensos com

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seus polidos arnês .

Os cavalos partiram, com Hermia saudando a multidão na rua. O olhar de Emma foi atraído por uma figura envolta em uma capa, em pé sozinha em uma esquina.

Lady Clipstone. Com um ruído nasal, fez como se não a tivesse visto.

Seria malicioso e se rebaixaria se reconhecesse o interesse de sua rival.

Mas Hermia, inclinou a cabeça pela janela e rindo, disse:

— Alice, querida, ponha-se a um lado. Vem à Duquesa!

Emma desceu a cortina com um grito abafado de vergonha.

— Isso é muito vulgar! — encostou-se ao assento. Logo o repicar dos sinos da igreja e o estrondo do tráfego da cidade ficaram para trás. —

Embora o merecesse.


*****
No segundo dia de viagem, tomaram o caminho Windsor durante cinco milhas, passando Camberly, então viraram para as planícies desoladas.

Pouco depois uma névoa sutil os envolveu. Para o entardecer o cocheiro tinha diminuído muito a velocidade, mal avançando, e se podia escutá-lo,

através de seu grosso cachecol de lã, resmungando terríveis advertências contra os perigos de ter que viajar em meio da névoa.

O humor de Adrian estava escurecendo com cada milha que os aproximava de Scarfield. Achava que tinha esquecido todos os antigos insultos. Tinha tentado esquecer. Mas os marcos familiares se sobressaíam na neblina como velhos fantasmas esperando para saudá-

lo.

Zombaram dele quando se foi. Certamente, ainda estariam aí quando morresse e se fizesse pó.

Uma abadia abandonada.

Os antigos bosques de árvores onde, de menino, costumava esconder-se dias inteiros até que o administrador de seu pai o encontrava. Os misteriosos montículos funerários de seus antepassados pré-históricos.

Sentou-se para frente sem prévio aviso e bateu seu punho no teto.

— Pegue um desvio na próxima ponte! — deu as instruções ao cocheiro. — Vire à esquerda ao redor do bosque de carvalhos ou passaremos todo o tempo nesta névoa.

Emma e Odham dormiam. Apenas Hermia estava acordada para questionar seu julgamento, agasalhando-se com a capa ao redor de seus ombros robustos.

— Um desvio, Adrian? — perguntou franzindo o cenho. — Com esta a névoa? Espero que não nos leve a um lago.

Ele se afundou para trás, pensando em Scarfield e tudo o que representava. Seu olhar carinhoso se desviou para sua esposa adormecida.

— Espero que não vamos a algo pior.

A voz de Adrian tirou Emma de um sonho agradável.

— Temos que escolher continuar e chegar antes que caia a noite, ou retornar a "Sua Velha Cama com pulgas" até que seu tempo inglês melhore.

Ela levantou os olhos, perdida no calor perverso de seu olhar.

— Nasceu neste clima como eu. Por que deve ser meu tempo?

— Não sei. Talvez porque é mulher e sujeita a mudanças de humor imprevisíveis, como o tempo.

Agasalhou-se com a manta.

— Talvez você pudesse ter previsto uma rota mais direta. Talvez, inclusive deveria ter consultado um mapa.

— Não estamos perdidos. — disse com um sorriso severo.

Olhou além dele, ao pouco que podia ver pela janela. Árvores retorcidas na névoa, sombras cinza como uma congregação de espíritos.

— Estamo-nos aproximando da ponte Buxton, enquanto falamos. —

disse pegando a mão dela. — Tem cinco arcos, e cada primavera, escolhe-se a uma criada.

Subitamente a carruagem parou. Olhou para cima, sentindo como a mão de Adrian apertava a sua. Fora havia uma calma mortal, exceto o relincho dos seis cavalos e o fluxo rítmico do rio pelo leito de pedras mais abaixo. As molas sob a carruagem rangeram quando os homens saltaram do barraco ao caminho.

— Paramos. — disse ela sentando-se.

O conde de Odham abriu os olhos.

— Acontece algo?

— Um lugar estranho para descansar! — disse Hermia em voz baixa.

— A gente sempre se lembra desses mitos de monstros que vivem sob as velhas pontes.

Adrian olhou para cima lentamente e franziu o cenho a Odham.

— Mantenha-as dentro.

Emma encontrou o olhar de Adrian. Tinha-o visto deslizar a mão dentro da jaqueta.

— Tome cuidado! — lhe disse com voz ansiosa. — Nem todos os monstros são mitos.

Ele sorriu e se voltou para a porta. Emma deu um salto quando se abriu de repente. Bones, o valete de Adrian, estava parado na névoa. Sem êxito, tentava esconder a espada de seu amo atrás de suas costas.

Emma entendeu a mensagem depois do leve assentimento de reconhecimento que fez seu marido. Se fosse necessário, iria enfrentar a quem fosse que tinha detido a carruagem neste lugar isolado.

— Levaram o cocheiro e o lacaio à ponte, Milorde. — sussurrou Bones rapidamente. — Não notaram que eu estava atrás. Estavam esperando do outro lado.

— Quantos? — perguntou, descendo ao caminho.

— Três. Vi-os senhor.

— Superamo-los em número, então. — a Emma sua voz não pareceu tão natural.

O homem não se dava conta do perigo? Oh, que idiota era. É claro que sabia, e quase parecia que gozava com o que viria.

— Fique atrás da carruagem, Bones, a menos que o chame. Por nenhum motivo abandone a minha esposa.

— Sim, Milorde. — em um abrir e fechar de olhos, Bones parecia menos um moço londrino que um soldado, testemunha das brutalidades da vida. — Desarmaram o cocheiro e a ajudante antes que pudessem pedir ajuda. — acrescentou em voz baixa.

Adrian caminhou vários passos, parando para se localizar. Conhecia este lugar e esta ponte. Inclusive nesta névoa espessa, recordava o atalho que cortava entre as árvores, os incontáveis lugares onde uma pessoa podia esconder-se.

Até onde podia ver, só havia dois homens na ponte. O que significava que o terceiro, que Bones tinha mencionado, estava..., o sangue lhe ferveu. Onde estava escondido o bastardo?

Deu a volta e olhou a carruagem. Parecia uma joia tentadora neste atalho afastado. Maldita impaciência. Maldita insistência no desvio.

Maldito ele mesmo por não levar em conta a advertência de Cedric a respeito dos perigos nos caminhos de Scarfield.

Se alguém sequer se aproximasse de Emma e seus companheiros, não viveria para ver o dia seguinte. E sua esposa de maneiras delicadas saberia sem dúvida que seus esforços para civilizá-lo, tinham sido em vão.

Que assim seja.

Inglaterra não era mais civilizada que a maioria das terras pagãs que tinha defendido. Os homens eram homens, sujeitos as mesmas tentações e cobiças em todo mundo, não importava como alguém o disfarçasse.

Na neblina úmida, soltou uma égua e saltou a suas costas. Esta sentiu sua urgência, parou as orelhas, e acelerou o passo. Levantou sua espada, a cimitarra persa artisticamente esculpida que lhe tinham dado para proteger um harém. Tinha uma cabeça de lobo gravada no punho de prata esmaltada. Tinha aceitado o presente, pensando que nunca o usaria na Inglaterra. Ou em outra parte, em todo caso.

O eco de uma pistola soou através da névoa em direção à ponte.

Acreditou ouvir alguém ou algo, cair nas águas do rio. Resistiu à necessidade de dar a volta. Em seu lugar, saiu a toda velocidade atrás do cavaleiro mascarado que acabava de sair de entre as árvores.

Sentia-se estranho e, entretanto, reconheceu o que era, a morte no ar, o pulso do sangue através de suas veias. A névoa poderia ter sido uma tormenta de areia. O assaltante mascarado poderia ter sido um de seus inimigos sem rosto. Subitamente o peso da cimitarra em sua mão se sentiu tranquilizador, em vez de estranho. Pegou a pistola com a outra mão e atacou. O cavaleiro que se aproximava da carruagem pareceu sobressaltar-se com sua presença. Adrian teve um momento de humor negro. Era claro que o salteador de caminhos, não esperava encontrar uma vítima empunhando uma cimitarra mortal, defendendo um

transporte ducal.


*****
Era o mais difícil do mundo sentar-se impotente enquanto seu marido enfrentava um grupo de bandidos. Emma observava através da janela, com sua bolsa sob a capa de viagem. A quem enfrentava Adrian, realmente? Sentiu um nó na garganta. Sua figura poderosa se perdeu na névoa. O eco dos cascos dos cavalos golpeando com força em meio da névoa alterava-a.

Odham lhe pôs uma mão consoladora no ombro.

— Melhor que não olhe querida.

— É claro que tem que olhar! — disse Hermia, sentando-se diante dele.

— Como vamos saber o que está ocorrendo, se ficarmos aqui sentados, tremendo como solteironas?

Ele se encostou, ocupado com a caixa de couro que tinha colocado em seu colo.

—Não tema, querida! Protegêrei-las com minha vida e o considero uma honra.

Hermia pouco a pouco voltou a cabeça para olhá-lo.

— Se alguém pensa que vou ficar com os braços cruzados enquanto nos assaltam...

Olhou-a com olhos brilhantes de emoção.

— É uma dama valente, Hermia. Sinto-me muito honrado de havê-la conhecido.

— Por Deus, Odham, ainda não estamos mortos! Necessita um frasquinho de vinagre para se repor, Emma? — perguntou preocupada.

Emma abriu sua bolsa, e respondeu firme.

— Me pergunte quando isto passar, e certamente lhe direi que sim.


*****
Adrian tomou vantagem da surpresa de seu adversário, ergueu o robusto arreio e fez um ataque de cavalaria. O cavalo respondeu com

uma vacilante, mas satisfatória velocidade. O assaltante olhou ao redor, evidentemente desconcertado, e levantou sua arma de fogo para disparar.

Adrian virou sua cintura e dirigiu seu cavalo em um curso ziguezagueante para o outro cavaleiro. Uma bala passou sobre sua cabeça. Com uma intuição surpreendente, viu o outro homem parar para carregar a arma.

— Agora. — disse suavemente ao animal debaixo dele. — Não tenha medo, segue adiante. Não vai acontecer nada!

Enterrou seus calcanhares, com o braço armado tenso de antecipação, galopou em semicírculo. O assaltante levantou os olhos com um grito de pânico. Seu olhar parecia fixo na cimitarra que cintilava como mercúrio na névoa do crepúsculo. Talvez acreditasse que era uma ilusão.

A folha curva cantou no ar. Tinha acabado com muitas vidas, e nunca falhou em proteger a sua própria, ou assim haviam dito a Adrian. Desceu o braço e viu o homem oscilar na sela, antes de cair para trás. Seu peito brilhava com uma mancha vermelha forte, ante os raios cinza.

Com um olhar sobre seu ombro olhou para a carruagem, deu uma volta ao redor e partiu galopando a ponte. Só conseguia distinguir o perfil magro de Bones, de sentinela no lugar onde o tinha deixado. Como Adrian mal podia ver através da névoa que parecia fumaça, preferia acreditar que Emma não tinha sido testemunha do que acabava de fazer seu marido. Entretanto, parecia muito pedir que ela e Hermia não se houvessem sentido tentadas a olhar pela janela, apesar dele lhes ter pedido que não o fizessem.

Desmontou na ponte e viu dois cavalos sem cavaleiro amarrados aos ramos baixos de uma árvore. Os criminosos aos quais pertenciam, tinham desaparecido. Apertou sua pistola e detectou um fraco, mas zangado gemido sob a ponte. O cocheiro jazia de lado na borda do rio, semiescondido atrás de uma cortina de juncos.

— Foram para a carruagem, Milorde! — disse com a voz alterada. — O

lacaio está amarrado a uma árvore, mas está vivo. Disseram que o foram procurar.

A ele?

Montou o cavalo e começou a correr. Outro disparo ecoou na névoa.

Chutou um ramo caído fora de seu caminho e amaldiçoou. O coração lhe palpitava com força devido ao pânico. Por que tinha deixado à carruagem? Essa maldita carruagem ostentosa, um chamariz para os bandidos em um caminho solitário.

A ponte não estava longe da propriedade. Umas quantas milhas era muito. Em quem tinham atirado? Não a sua esposa. Não a Emma.

Havia-lhe dito que ficasse com os outros.

Duas figuras a pé se materializaram na escura chuva, e fugiram para as árvores. Levantou o revólver, pensou melhor e rodeou a carruagem.

Outro homem surgiu debaixo da carruagem.

— Jesus, é você! — Bones exclamou, abaixando abruptamente seu revólver. — Um deles atirou em mim, mas falhou. Bastardos estúpidos!

Adrian se aproximou do corpo coberto com uma capa, que jazia amontoado contra a roda traseira. Bones fazia uma tentativa decente de cobrir o homem que Adrian tinha eliminado. Um disparo para Bones significava que tinha falhado. Isso era o que Adrian tinha escutado.

Entretanto tinha que perguntar que assegurar-se.

— Minha esposa e Lady Dalrymple?

Antes que Bones pudesse lhe dar uma resposta, Adrian quase arrancou a porta da carruagem para comprová-lo por si mesmo. Três pistolas se levantaram em uníssono no interior escuro. Levantou a mão livre em uma falsa rendição, a mercê de uma infantaria de aficionados composta por sua esposa, Lady Dalrymple e Odham. Teria rido se fosse capaz de respirar bem. Seu alívio ao encontrar Emma ilesa, tinha-o feito sentir-se penosamente fraco.

Como soldado irregular, tinha sido testemunha de atos terríveis que homens sem princípios infligiam aos inocentes. De verdade, tinha defendido uma aldeia de mulheres de tais abusos. Se alguém se atrevesse a manchar sua delicada esposa, moveu a cabeça, e então riu.

Sua elegante esposa que acabava de lhe pôr uma pistola entre os olhos com tanta destreza como dirigia um leque de renda.

— Oh, Adrian! — sussurrou aliviada. Lançou-se sobre ele em uma reação tardia da emoção que coincidia com a dele. — Estávamos doentes de preocupação!

Tinha a cimitarra ensanguentada nas costas, até que Bones, recuperando seu bom senso, a pegou de maneira encoberta e a guardou segura entre a bagagem.

Com a mão livre, abraçou Emma pela cintura, contentou-se em sustenta-la muito perto, todo o tempo notando que Hermia não tinha abaixado sua arma. Enterrou seu rosto no pescoço quente de sua esposa.

— Uma pistola em suas mãos, Emma? — cuidadosamente levantou o revólver que ela segurava. — Uma pistola muito bonita, além disso. É

uma Manton! — olhou-a surpreso. — Espero que Heath não tenha dito para usá-la contra mim.

Hesitou, sorrindo.

— Não, vem da parte de Julia, sem instruções específicas a respeito a quem deveria atirar só que devia usá-la em caso de necessidade. Não a necessito, não é verdade?

— Não, Emma.

— O que aconteceu com nosso cocheiro e nosso lacaio? — Hermia perguntou preocupada.

Adrian passou a mão pelo ombro de Emma, sabendo que faria algo para manter segura a sua esposa. Tinha tido a esperança de que nunca percebesse a classe de homem que tinha sido. E que havia certas

coisas nele que nunca poderia mudar.

— São eles os que vêm agora. — disse em voz baixa.

— Um deles está mancando! — exclamou Hermia.

Adrian se afastou de Emma com pesar.

— Fique aqui no caso de...

Deixou escapar a respiração enquanto ele corria na chuva, com Bones alguns passos adiante. Os dois homens que vinham, estavam desalinhados, mas sem nenhuma ferida mortal pelo que pudesse perceber. Ao aproximar-se, parecia que o lacaio segurava o cocheiro apoiado contra seu ombro.

Odham a olhou desconcertado.

— Por que não lhe disse o que viu?

— Ele não queria que o visse — sussurrou.

— Ah! — sorriu, com o ânimo melhor. — Acredito que a vocês, damas valentes, viria-lhes muito bem uma taça de chá.

Afastou-se da janela, recuperando a cor de suas faces.

— Oh, ao inferno com o chá, Odham! Acho que cada um de nós merece uma garrafa de Porto.

Hermia sorriu com aprovação.

— Bem dito, querida. De fato, acredito que é o primeiro de seus conselhos que me sinto tentada a seguir.

Capítulo 19

Cedric, o irmão de Adrian, alcançou-os a menos de uma milha da ponte. Um pequeno grupo de cavaleiros da propriedade o acompanhava.

Explicou que estavam esperando no cruzamento dos caminhos principais para escoltá-los a Scarfield e estava preocupado pelo atraso.

Ficou pálido quando Adrian lhe contou o que lhes tinha acontecido durante o desvio.

— Graças a Deus não mataram a nenhum de vocês! — Cedric disse alterado. — Esta não é à volta para casa que tínhamos previsto.

Lady Dalrymple tirou a cabeça pela janela.

— Dois escaparam para o bosque. Não vou poder dormir por semanas!

Adrian levou a seu irmão a um lado.

— Meu cocheiro recebeu uma bala na parte superior da perna e necessita atenção médica. Também ficou um corpo atrás, antes da ponte a quem deverá enterrar rapidamente.

—Ma-matou um?

Adrian franziu o cenho.

— Tomara não tenha esperado que lhe desse a mão e o convidasse a conhecer meu pai. Claro que o matei, Cedric! Quem está na carruagem é minha esposa. E teria matado a cada um desses cães se os tivesse agarrado.

— Já vejo! — disse fracamente, piscou várias vezes. — Mas você não, bem, você sabe.

Adrian ficou olhando a seu irmão. Era este covarde senhor o resultado da constante intimidação de seu pai?

— Eu não, o que, homem? Pelo amor de Deus, diga!

— Você não, mmm — Cedric soltou sua gravata branca imaculada —

decapitou a esse homem, verdade? Os jornais estavam cheios de artigos, só pergunto para poder advertir os criados que vão encontrá-lo.

Adrian quase riu a gargalhadas. Percebeu que sua família se mantinha informada de suas façanhas. As cartas de seu pai lhe revelavam o mesmo. Mas o que não se imaginou é que acreditassem em cada conto exagerado que tinham escrito a respeito dele.

— Não se preocupe. — lhe disse com um tom malicioso. — Podemos deixar a cabeça a minha manada de lobos para depois.

Cedric assentiu fracamente.

— Está zombando de mim. Sempre zombou de mim. Não é justo, sabe.

Florence e eu choramos inconsolavelmente quando se foi. Não tinha quem me defendesse quando partiu.

Adrian segurou firme o braço.

— Estou em casa, ao menos por agora. E se o permite, defendê-lo-ei cada vez que seja necessário.

Cedric soltou um sorriso grande, morno.

— Claro que o permitirei. Estou feliz de vê-lo outra vez, Adrian! E a vida aqui não foi tão trágica como a pintei. Triste, talvez, mas esperemos que tudo isso fique para trás.

Estava anoitecendo quando a carruagem ducal chegou ao imóvel, com o guarda montado. Emma estava agradecida de procurar refúgio nas peças que lhes tinham atribuído a ela e Adrian, embora o Conde insistir em solicitar ver seu filho sozinho.

— Sei que será desagradável. — sussurrou a Adrian enquanto estavam parados na entrada abobadada com seu ornamento de cabeças de veados, enquanto lhes descarregavam a bagagem. — Esforce-se o que mais possa para recordar sua idade e o respeito que lhe deve.

Ficou ao seu lado até que um criado com libré formal chegou para avisar que os aposentos de cima estavam quentes e cômodos para passar a noite. Em seguida se lançou em um discurso preparado a respeito de quão emocionante era ter o filho do Duque em casa.

Por sua parte Adrian teve que lutar contra o impulso diabólico de dar

um golpe nas costas a esse tipo pesado e lhe rogar que cortasse a interminável boas vindas. Emma, por outra parte, assentia como se lhe devessem toda essa formalidade e seguia ao homenzinho com sua conversa, pelo corredor.

E subitamente Adrian se sentiu vazio e tenso.

Viu como sua esposa desaparecia na escura escada jacobina com Hermia e Odham. De menino tinha brincado nessas escadas, deslizou pela balaustrada com sua espada de madeira para aterrar aos criados e a seus dois irmãos menores.

Pequeno demônio selvagem tinham sussurrado. Filho de uma puta e um soldado. Ninguém acreditou que terminaria bem.

Voltou a reclamar seu passado, sua herança. Era um fantasma, pensou, o menino que tinha brincado tanto nesta casa, tinha morrido há anos.


*****
Hermia se apoiou levemente em Emma enquanto subiam a longa escada, Odham e o loquaz lacaio levavam a dianteira.

— O Duque nos deu uma ala completa! — disse Hermia aprovando.

Agora Adrian deveria estar nos aposentos particulares do Duque do outro lado do pátio. Sabia que queria que o acompanhasse, mas ela tinha declarado estar exausta pela experiência desse dia. Pobre Adrian pensou, com certeza teria preferido brigar com outro bando de bandidos em vez de enfrentar seu pai.

Duas criadas a guiaram pelo corredor decorado com altos espelhos venezianos.

— Senhora... — disse a criada mais velha — uma de nós dormirá no banco de fora do aposento toda a noite se por acaso necessitar algo.

Emma assentiu, sem escutar realmente. A Hermia e Odham lhes tinham atribuído quartos separados ao outro extremo do corredor, Hermia já estava pedindo ao lacaio que se assegurasse que qualquer

porta comunicante estivesse fechada com chave.

Uma das criadas engoliu um bocejo.

— Beberemos a saúde de Lorde e Lady Wolverton na casa local esta noite.

Emma hesitou, vendo Hermia, era totalmente inaceitável dar um empurrãozinho a uma criada para que repetisse os falatórios, entretanto não pôde resistir.

— Lorde Wolverton deve ter muitos parentes e amigos próximos, que esperavam sua volta.

— Todos estão muito aliviados pelo jovem amo estar em casa, Sua Senhoria. — disse a mulher. O que era uma resposta educada, mas carecia da informação que Emma esperava.

— Que agradável de sua parte. — Hermia parou na porta. Fazia uma pausa para admirar seu reflexo em um espelho. — As meninas... —

apontou, limpando a garganta. — as damas locais ficarão muito felizes de vê-lo outra vez, suponho.

Por um momento as criadas ficaram olhando-a com tal carência de compreensão, que teria gritado.

— Suponho que sim. — foi a resposta formal e insatisfatória da primeira.

— Pelos céus, Emma! — disse Hermia, indo para elas. — Deixa de rodear o assunto e pergunte diretamente.

Emma franziu o sobrecenho.

— Temos tanto tato como um trovão, não é verdade, querida?

— Quando a idade avança a gente não se inclina a perder um tempo precioso preocupando-se pelo que os outros pensam.

Emma lhe deu um olhar irônico.

— Parece-me que algumas pessoas não se preocupavam com o mundo bem educado inclusive quando eram jovens.

Hermia sorriu.

— Alguns de nós aprendemos nossas lições a uma tenra idade, graças a Deus, não poderia imaginar uma vida mais desperdiçada que uma dedicada a agradar aos outros. — dirigiu sua atenção às duas criadas, que o mais provável já tinham sido advertidas a respeito de quão peculiar podiam atuar às vezes as damas de Londres. — O que Lady Wolverton deseja saber é se Lorde Wolverton tem noivas que estejam esperando sua volta.

— Oh! — a mais velha das criadas se iluminou. — Oh!

— Acho que irei à cama agora. Obrigada por esta humilhação Hermia.

Vou pretender que o que passou hoje é a causa desta espantosa ruptura de confiança.

Hermia pôs as mãos nos quadris.

— Necessito de uma colherada de melaço para soltar essa língua? —

perguntou-lhe a criada. — Há ou não uma jovem apaixonada esperando a volta do amo?

A criada assentiu lentamente.

— Quer dizer Lady Serena? Por que não o disse?

A Hermia lhe endureceu a boca.

— Ao fim. Esta Lady Serena está casada?

— Oh, não, senhora.

Emma abaixou a cabeça. Abriu a porta do quarto iluminado com fogo.

— Boa noite a todas!

— Não. — disse a criada — Não teve tempo de casar-se com todo o trabalho que lhe caiu quando seu pai adoeceu. Logo lhe chegará o dia, espero.

A criada jovem se meteu.

— Não há ninguém em vinte milhas ao redor que não venere Lady Serena.

— Já vejo! — disse Hermia, estreitando os olhos. — Uma questão, não quero ser cruel, esta dama soa como se fosse um pouco solteirona.

— Tudo o que sei, é que é uma beleza, Senhora! — respondeu a segunda criada. — Um ponto de sol em um frio dia de inverno.


*****
Adrian parou atrás de sua poltrona vários segundos olhando o salão com painéis de carvalho de seu pai. Não era um lugar familiar em sua juventude, as crianças eram proibidas de entrada ao santuário sagrado de seu pai, agora toda a família, sua irmã e seu irmão, sua idosa tia, inclusive o administrador curvado, reuniram-se para receber ao pródigo.

A gratidão em seus rostos, o carinho, todos mais velhos e mais importantes para ele do que tinha acreditado, fizeram-no sentir-se humilde.

— O jovem Visconde está em casa! — Bridgewater, o secretário calvo, repetia uma e outra vez. — Em casa depois de todos estes anos.

— Onde esteve, em todo caso? — sua tia avó perguntou.

Seu pai o olhou, alto, mais magro, mas ainda um homem que se impunha.

— Não importa onde esteve. Está em casa!

Sua irmã Florence lhe sorriu calorosamente.

— E trouxe uma esposa. Onde está, Adrian?

— É uma estrangeira? — perguntou sua tia.

Adrian riu baixo. A única coisa boa que poderia dizer de sua família reunindo-se com Emma, era que ela os poderia dirigir e além disso, com muita mais graça que ele.

— Adrian foi atacado por bandidos na ponte! — explicou Florence delicadamente. — Combateu-os, tia Thea. Todos parecem estar bem.

A mulher idosa assentiu passando.

— Bandidos estrangeiros, suponho. Por que partiu, Adrian? Senti muito a falta de sua companhia, Cedric é aborrecido e Florence se esqueceu de rir.

Adrian lhe sorriu.

— Eu também senti sua falta.

— Como se chama sua esposa, querido?

— Emma. Emma Boscastle.

— Não soa muito estrangeiro.

O Duque, que esteve observando silenciosamente como se desenvolvia esta cena, foi para seu administrador.

— Importaria de levá-los a estufa para um vinho e bolo, Bridgewater?

Adrian e eu os seguiremos dentro de pouco tempo.

E um momento depois, Adrian ficou sozinho com o Duque, ainda incapaz de pensar nele como seu pai, mas tampouco capaz de sentir seu antigo ódio por ele. Esperou resignadamente. Em uma parede havia

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um quadro de sua mãe em traje de equitação, com seu amado spaniel .

Uma dor intensa se agitou em seu interior, não tinha merecido morrer condenada.

— Parece bem, — disse ao Duque — para um homem que está sofrendo uma enfermidade terminal.

— Poderia ter morrido dez vezes no tempo que demorou para chegar aqui! — respondeu o Duque.

— Eu...

— Não minta. Não tenho nenhum desejo de brigar com você. Temos muitos assuntos que tratar referentes à propriedade.

— É realmente um antigo amigo de Lady Dalrymple? — perguntou, procurando um tema mais neutro.

— Hermia? — os traços curvados do Duque pareceram suavizar-se. —

Busquei sua preferência como um jovem inexperiente e perdi. Fala bem de você que seja sua amiga. — subitamente levou a mão ao esterno, com os olhos escurecidos. — Indigestão, Adrian. — disse, com uma careta. — Terminou de fugir do assunto de suas responsabilidades?

Adrian vacilou. Em sua memória, o melhor de seu pai era que sempre

foi onipotente, invulnerável, distante, o pior, Scarfield parecia de vontade débil e maliciosa. E agora? Não podia negar que tinha envelhecido e inesperadamente sentiu pena dele.

Moveu-se.

— Foi um dia longo.

Como se tivesse estado escutando às escondidas, Bridgewater entrou com uma bandeja com um remédio no aposento.

— É hora do tônico da noite, Sua Graça.

— Não tem nada melhor que fazer com você mesmo que me interromper cada cinco minutos? — perguntou o Duque com mais resignação que raiva.

Bridgewater sorriu. Também mostrou sinais de idade e serviço.

Adrian parou. Bridgewater e sua família se dedicaram aos Scarfield desde, bom, segundo Bridgewater, das malditas cruzadas e embora Adrian não pudesse entender o afeto pelo Duque, não lhe desejava nada mau. Não sabia o que sentia, se é que sentia algo.

— Não tem a mais mínima curiosidade a respeito de seu antigo amor?

— perguntou-lhe seu pai.

Adrian conseguiu sorrir.

— Meu cão pastor ainda está vivo?

O Duque riu baixo, enquanto Bridgewater parava imóvel a seu lado com o copo de remédio.

— Falo de Serena, a menina com a qual deveria se ter casado.

Adrian levantou uma sobrancelha.

— Não me diga que conseguiu convencê-la a que me esperasse.

Seu pai riu, e subitamente, para surpresa de Adrian, parte da tensão entre eles pareceu relaxar-se.

— Para ser franco, Adrian, acredito que Serena sempre esteve mais apaixonada por seus cavalos que por você! Bem, quando vai me apresentar a sua esposa?

Adrian se encontrou com os olhos de seu pai.

— Amanhã.

— Uma Boscastle! — o Duque murmurou. — Como o conseguiu?

Moveu a cabeça negando, incapaz de ocultar seu orgulho e felicidade.

— Não sei, mas é a melhor coisa que me aconteceu na vida.

— Casado e obviamente apaixonado. Estou ansioso por conhecer sua esposa amanhã no café da manhã.


*****
Apaixonado.

Adrian correu o ferrolho da porta de seu quarto e ficou olhando a atraente figura na cama. Tinha um livro, ainda aberto na mão.

A vela da mesinha quase se acabou, apagou-a. Tirou a roupa e lentamente entrou na cama ao lado de sua esposa.

Ela se sentou com um pequeno chiado de protesto.

— Adrian, está absolutamente congelado!

Ele riu e a puxou para trás a seus braços.

— Você está muito quente! — sussurrou, enterrando as mãos em seu cabelo.

— O que aconteceu com seu pai?

— Não sei. Diria que tendeu mais para o lado frio, mas se realmente tem curiosidade, poderia perguntar a Bridgewater.

Ela levantou as sobrancelhas.

— Como está sorrindo, vou assumir que tudo saiu bem.

— O suficiente. Não discutimos.

Suspirou como se sentisse o que ele deixou sem dizer. Em seguida se enroscou ao redor de seu corpo.

— Mesmo assim, deve sentir-se bem estar de volta em casa.

O calor de sua presença o relaxou. Sua esposa.

— É bom estar aqui com você! Não teria voltado sozinho.

Sua voz diminuiu a um sussurro sonolento.

— É uma bela propriedade, Adrian, o parque parecia o paraíso à luz da lua!

Passou-lhe a mão pelas costas.

— Amanhã lhe mostrarei o resto.

— E conhecerei todos?

Fechou os olhos. Não era o lar. Muitas lembranças dolorosas perduravam, em cada aposento, em cada rosto.

— Já conheceu meu irmão, Florence e meu pai estão impacientes para ver a dama que me domesticou.

— Nenhum amigo antigo apareceu com a volta do filho pródigo? —

perguntou inocentemente.

— Se está se referindo a Serena, — disse sagazmente. — então, não.

Ficou quieto um momento. Queria que entendesse que nunca houve, nem nunca haveria uma mulher que se pudesse comparar a ela.

— Acha, — perguntou depois de vários segundos. — que pudesse gostar de ficar aqui?

— Talvez em Berkshire. Prometi-lhe um colégio no campo, mas não aqui, não agora. Sinto-me culpada, — sussurrou. — de ter deixado sem cumprir meus deveres no colégio.

— Podemos ir quando o desejar. — disse relaxadamente. Nunca tinha discutido seus investimentos no estrangeiro com ela. O típico aristocrata inglês pensava que ganhar dinheiro era uma ocupação vulgar, mas a verdade era que podia fazer seu lar onde ela quisesse.

Ela se sentou de repente, deixando-o sem seu agradável corpo quente.

— Tem uma pressa especial para voltar com Hermia e Odham, Milorde?

— Isso... — disse puxando-a de novo contra ele com uma gargalhada.

— é um pensamento que se detém.

Capítulo 20

Emma tinha antecipado que o dia seguinte desafiaria a soma total de seu conhecimento das relações sociais. Entretanto não tinha antecipado que Adrian a abandonaria antes do café da manhã. Poderia ter coroado ditosa, o diabo.

Foi cavalgar com seu irmão para avaliar o estado do imóvel. Isso significava que tinha que sentar-se com o Duque no salão de inverno, um lugar de um desenho tão opulento que teria ficado bem a um imperador romano.

O trabalho do teto atraiu seu olhar a um afresco de cenas mitológicas desdobradas sobre estuque dourado. Os pés se afundavam em um jardim com petúnias reais aumentados no tapete Aubusson. Avaliou o aparador lateral com um suspiro de aprovação. Pratos Wedgwood de desenho clássico e bules de chá de prata brilhavam sob a vigilância de seis lacaios atentos.

Aquecedores cuidavam um peru assado dourado e três bolos de carne picada assim como bifes suculentos de carne saborosa. Suspirou feliz ao ver uma sopeira de papa de aveia bem quente e fumegante, instalada entre as cafeteiras altas, o creme fresco e o chocolate.

Céu pensou. Tinha expirado nos braços de seu amado marido e tinha despertado para encontrar-se em um paraíso de vida elegante.

O Duque se levantou de sua cadeira observando-a com a intensidade de uma águia em cima, em seu ninho. Esperava-se que sua nora se intimidasse por sua propriedade ou a grandeza de sua presença, iria se decepcionar.

Pois Emma subitamente se lançou a seu elemento. O lugar entre as estrelas reservado para ela. Na realidade estaria cômoda em qualquer corte real do mundo. Os rituais da aristocracia lhe eram tão fáceis como respirar. Quando sua mãe morreu, ela tinha se encarregado dos detalhes

da vida privada de seu pai. A jovem Emma tinha respondido os cartões de condolência, recordado os aniversários, chamado a atenção de seus irmãos em relação às boas maneiras. Tinha trabalhado duro para merecer a fé posta nela por seus pais.

Agachou-se em uma reverência perfeita ante o Duque.

Ele respirou satisfeito e levantou os braços para lhe dar as boas vindas.

— Graças a Deus! — sussurrou. — Oh, Obrigado, obrigado, Deus!

E Emma que tinha vivido com cinco irmãos revoltosos, entendeu exatamente o que quis dizer. Adrian não se casou com uma mulher mal educada. Apesar da fundação questionável do romance com seu filho, ela não iria trazer desgraça ao nome de Scarfield.

Abraçaram-se como almas perdidas desde a muito, mas sem um excesso de demonstração de emoção. Que o Duque tivesse duvidado alguma vez que Adrian era seu filho natural desconcertou Emma. A semelhança entre eles era assombrosa. Ambos tinham o mesmo rosto anguloso, e os ossos largos que lhes dava a elegância flexível a cada movimento.

Mas em Adrian havia um calor e espontaneidade travessa, que Emma deduziu vinha de sua mãe. Talvez o Duque estivesse apagado devido a uma enfermidade inescrutável. Quando um homem magro e meio calvo se afastou da parede para assisti-lo, o pai de Adrian pareceu encolher-se, tanto em tamanho como em personalidade.

— Este é minha babá, Bridgewater. — disse irônico.

Emma se sentou na cadeira que um lacaio lhe apresentou.

— Quer dizer seu secretário e administrador, Sua Graça?

O Duque tossiu.

— Sim. Vá, Bridgewater. Anda a incomodar meus filhos. Quero estar a sós com a dama encantadora que meu filho trouxe para casa. —olhou Emma nos olhos. — Imagino que veio porque você o animou.

Emma observou o cabo de marfim da faca.

— Só sei que voltou para casa. E que tem sua própria vontade.

Talvez o café da manhã privado fosse um teste para seu valor interior.

Quando os lacaios trouxeram um sortido de pêssegos, abacaxis e morangos novos da estufa da casa, ela e seu sogro discutiam os assuntos práticos do imóvel com tanta informalidade como se estivessem discutindo o tempo no campo.

— A mãe de Adrian tinha um talento para fazer minhas contas. —

explicou o Duque com nostalgia. — Nessa época não apreciei sua inteligência. Mas balançava os livros até o último centavo.

— Uma dama prática. — disse Emma, pensando.

Riu.

— Pegou o ferreiro nos enganando. É claro que me chamava à atenção quando não pagava a um trabalhador, por descuido.

— E o senhor sendo um homem de...

Emma ficou no meio da frase enquanto a porta lateral se abria para dar caminho ao secretário atento do Duque. Bridgewater deu um só olhar a seu chefe, e lhe afinaram os lábios de preocupação.

— Está fatigado, Sua Graça?

Emma abaixou os olhos a seu prato. Por uma parte sentia que Bridgewater atuava de uma forma muito pessoal. Por outra, tinha que perceber que o Duque estava mais pálido e cansado que quando a tinha saudado. A preocupação por seu bem estar, deixava de lado todas as outras observações. E parou decididamente.

— Cansei-o muito, Sua Graça.

— Tolices. Bridgewater é tão aborrecido como uma velha!

Bridgewater olhou para Emma para lhe pedir seu apoio. Ela disse:

— Tenho que admitir que ainda estou alterada com a experiência de ontem na ponte.

O Duque se levantou. Seu olhar agudo lhe fez saber que não o enganava.

— Meu filho ultrapassou minhas expectativas ao escolhê-la como sua esposa. Não poderia ter sonhado com uma dama mais apropriada que você, para que fosse a próxima Duquesa de Scarfield.

Emma foi ao seu lado. Bridgewater o ajudava a ir para a porta. Talvez fosse orgulho por parte dela desfrutar do elogio.

Mas o fez.

Só por um momento.

— Sinto-me honrada sendo a esposa de seu filho! — disse com sua mão em seu braço. — Amo-o.

Balançou a cabeça, perplexo.

— Como fez para persuadi-la a que se casasse com ele. Ah, bom.

Herdou os encantos de sua mãe e logo herdará minha propriedade. É

um alívio para eu saber que o aconselhará quando me for.

Caminharam de braço dados, com Bridgewater atrás.

— E onde planeja ir, Sua Senhoria? — perguntou ligeiramente.

— O mais provável a Hades.

— Não é verdade! — disse Bridgewater. — Sua Graça vai lá em cima descansar.

— Não, não vou! — disse o Duque irritado. — Vou jogar cartas com Hermia e Odham. Ambos temos uma paixão por essa mulher.

— Não deixe que suas paixões tirem o melhor de você, Sua Graça. —

Bridgewater disse com gentileza.

— Tolices, velho intrometido!

Emma mordeu o lábio enquanto ambos, obviamente esquecidos dela, brigavam de lá para cá. Estava certa que o Duque não teria permitido tal familiaridade se não confiasse em Bridgewater como uma pessoa confiava em um primo ou amigo próximo.

Quando os três chegaram ao corredor escuro, notou que na realidade o Duque estava lutando para respirar. Lembrou-se de seu próprio pai, e como o tinha acreditado invulnerável antes de sua morte.

— Voltou bem a tempo, não é verdade? — uma voz suave lhe perguntou. Florence, a irmã de Adrian subia a escada atrás de Emma. —

Acredito que agora todos estaremos em paz.


*****
Adrian não voltou de seu passeio a cavalo com Cedric até o entardecer.

Com o cabelo desordenado pelo vento, dirigindo com elegância seu cavalo, galopou pelo parque para onde Emma e Florence caminhavam.

Ambas as mulheres pararam e voltaram à cabeça para vê-lo desmontar e correr para elas. Era tão grandioso como a propriedade que herdaria.

Antes que pudesse saudá-lo de uma maneira apropriada, tomou-a em seus braços e deu-lhe volta no ar.

— Senti sua falta!

Florence tossiu suavemente.

— Foram seis horas?

— Nove! — respondeu, deixando Emma em seus pés. — E ambas se sentirão aliviadas ao saber que já não há bandidos na área.

— Isso é o que esteve fazendo? Perseguindo bandidos? — Emma perguntou aflita. — Realmente ama o perigo, não é verdade?

Ele riu.

— Amo você!

Seu rosto se acendeu. Se estivessem sozinhos, teria sido difícil manter as mãos afastadas de seu marido. Via-se irresistivelmente bonito com sua camisa branca de musselina ondeando ao vento, calça de montar justa de couro, e...

— Tem barro nas botas.

— Assim é.

— Temos um jantar formal esta noite com a família. — disse ela mordendo o lábio inferior.

Seus olhos dançavam com travessura.

— Está sugerindo que não estou decente para jantar?

Indecente. Isso é o que era. E está bem comigo.

Ela olhou longe.

— Um banho não seria mau.

— Oh, que bom! — pôs sua mão com uma luva negra, sobre a dela. —

Tomaremos um juntos. Meu pai fez construir um grande banho romano.

— Adrian! — sussurrou — Sua irmã.

Piscou para Florence.

— Ela pode tomar banho mais tarde.

— Não mudou nada! — Florence exclamou com um grande sorriso encantado.

Um cavalariço correu para receber o cavalo suado de Adrian. Cedric passou-os em trote a caminho do estábulo, saudando com um leve

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movimento de cabeça as damas. Um lacaio recebeu Adrian no pórtico com uma reverência exagerada.

— Preparo-lhe o banho, Milorde? — perguntou com uma voz jovem instável.

Adrian olhou suas botas enlameadas com um sorriso de que-me-importa-o-diabo.

— Estão todos vocês no complô de minha esposa para fazer de mim um cavalheiro apresentável?

O lacaio deu um grande sorriso.

— Enquanto estava fora, chegou-lhe uma mensagem, Milorde.

— Para mim? — perguntou Adrian surpreso. — O que fiz agora?

— O que não fez? — sussurrou Emma, dissimuladamente empurrando-o com o queixo.

— Não sei! — disse em voz baixa. — Se tiver deixado passar algo, façam-me saber. Minha esposa sempre está desejosa de melhorar minha educação.

Ela tossiu delicadamente.

— Em privado, Milorde.

Suspirou.

— O que era esta mensagem?

— Lady Serena diz que estará encantada de vir ao jantar esta noite.

Adrian olhou com inquietação a Emma.

— Juro-te que não tive nada a ver com isto! Quer que lhe diga que não poderemos recebê-la esta noite?

— Não! — Emma respondeu com firmeza. — Se for uma antiga amiga, seria imperdoável lhe desprezar.

Adrian a olhou duvidoso.

— Não estou seguro de ter explicado a natureza de minha relação com ela. Mas nunca esteve entre os melhores amigos.

Não importa, Emma estava decidida a comportar-se decentemente com a ex-noiva de seu marido. Como esposa de Adrian, uma mulher de origem nobre, seria compassiva, como boa ganhadora que era. Também, da maneira mais educada possível, deixaria bem claro que Adrian estava fora da competição.

Ao menos isso foi o que se repetiu horas depois ao encontrar-se com Hermia, fora de seus aposentos, a caminho do jantar.

Hermia estava vestida totalmente de gala noturna, com um turbante de crepe ornamentado com um grupo de penas de pavão, e um vestido dourado com capas de renda creme. Sobre um de seus robustos ombros, pendia um xale muito delicado.

— Como pareço? — perguntou. — E seja sincera.

— Todos os olhos da mesa estarão sobre você! —respondeu Emma.

— Mmm. Acabo de ouvir da governanta que Serena é, na realidade, uma beleza extraordinária. É claro que não acredito, pois as governantas raramente dizem a verdade.

Emma fez uma pausa. Como sempre estava vestida discretamente com um vestido de mangas longas de seda com uma bainha de seda

floreada.

— Beleza extraordinária ou não, seria um insulto de nossa parte chegar tarde para conhecê-la.

Hermia diminuiu o passo enquanto se aproximavam da sala de jantar.

— Ela esperou quase uma década.

— Eu sei! — murmurou Emma.

— Talvez porque ninguém mais a quisesse. — acrescentou Hermia mais para defender Emma que por crueldade.

Emma suprimiu um sorriso.

— Na realidade é uma dama de coração forte, Hermia.

— Uma mulher de certa idade adquire um entendimento das ações humanas. — explicou Hermia com um sorriso indiferente. — E inclusive irei mais longe, e predigo que Serena tem uma natureza maliciosa.

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Emma riu sem confiança. As predições de Hermia eram tão fidedignas

como uma menina cigana em uma feira.

— Oh, verdade?

— Aqueles de nós com beleza óbvia, devemos nos esforçar para desenvolver força de caráter.

— Ouvi que me nomeavam? — perguntou Odham atrás delas, oferecendo um braço a cada dama. — Esforço de...

— Superficial. — continuou Hermia. — Insípido. E muito provável egoísta.

Odham piscou.

— Bem, evidentemente, não era sobre mim que estavam discutindo.

Adrian saiu do estúdio de seu pai, sombrio, magro e atraente com seu traje de noite negro.

— Estão preparados para ir jantar? Tenho muita fome.

Emma examinou o seu marido com prazer evidente.

— Não estamos esperando a nossa convidada?

Roçou-lhe a face com um beijo.

—Serena? Acredito que mandou avisar que chegará tarde.

— Disse-lhe isso. — Hermia moveu a cabeça com o turbante, satisfeita.

— Esse é um sinal de menosprezo.


*****
O jantar de sopa, faisão assado, e perna de carneiro, uma vez mais foi servido à perfeição sobre uma toalha branca impecável. Emma poderia ter comido pedacinhos de giz com tudo o que desfrutou dos pratos meticulosamente preparados. Percebeu que era muito mesquinho da parte dela, permitir que as predições de Hermia a perturbassem.

Lady Serena se atrasou quase uma hora.

E quando finalmente chegou todos na sala de jantar, incluindo os seis lacaios atentos, olharam com expectativa à porta.

— Uma entrada dramática! — Hermia murmurou com capacidade. —

Planejada até o último minuto.

Uma entrada dramática. Obteve isso e mais, quando entrou. Era alta e majestosa, comparada com Emma que era pequena, uma morena de olhos escuros que sabia que era formosa. Cativou a atenção de todos no salão.

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— Gollumpus ! — ela chiou com deleite enquanto Adrian se levantava educadamente para recebê-la.

E então, felizmente antes que Emma fosse provocada para dizer algo desagradável, como "Que bom que pôde vir para a sobremesa," Serena galopou através da sala e deu um tapa forte em Adrian com tal força, que mandaria um homem normal sob a mesa.

Ele tossiu e levantou as sobrancelhas.

— Suponho que mereço isso!

— E dez vezes mais! — disse com júbilo, antes de olhar ao redor da mesa. — Sinto muito chegar tarde. Lady Hellfire necessitava que a

abrigassem bem, e então o papai teve que trocar a camisa. — ficou olhando além de Adrian, a Emma, surpresa. — Não me diga que essa é sua esposa!

Adrian riu.

— Não o farei. Mas é ela.

Hermia quase deixou cair sua taça de vinho.

Emma conseguiu deixar seu copo ao lado de seu prato. Onde aparecia esta espécie de coisa em seu manual de etiqueta?

— Sim, sou sua esposa, e encantada de...

— Bom, me voe uma pena — disse Serena com uma gargalhada. —

Posso ver diretamente que é muito boa para você. Uma coisa é delicada como uma gota de orvalho, e tem boas maneiras. Pegou-a cativa em um de seus haréns?

Ele cruzou os braços no peito.

— Como adivinhou? Também trouxe uns quantos piratas para que brinquem com você.

Serena lhe deu um empurrão no braço.

—Não necessito um pirata. Tenho o vigário agora.

— Quem é o vigário? — perguntou com um sorriso sarcástico. — Outro cavalinho?

— É meu noivo. — respondeu. — De fato, se a sua esposa não importa que lhe roubem a festa, nós dois pensamos que deveríamos anunciar nosso compromisso aqui esta noite. E fazer planos de caridade com a assembleia reunida para compilar recursos para a escola do povoado. —

e fez uma reverência atrasada em direção a Emma. — Deixando as brincadeiras de lado, Lady Wolverton, dou-lhe as boas vindas em nome da paróquia. Espero que sejamos amigas e trabalhemos para o bem de Scarfield.

Os olhos de Emma se umedeceram com uma resposta emocional lacrimosa embora inapropriada. Ser amada por um homem de bom

coração, ser útil com os desalentados, era tudo o que ela podia pedir à vida. E não tinha nenhuma rival pelo afeto de Adrian.

Ainda podia cumprir sua obrigação com a academia, e o translado ao campo, beneficiaria a todos. Ela nunca deixaria de preocupar-se de sua infame família Boscastle em Londres.

E confinou um alegre serão de mordiscar compota de peras com queijo branco, e vinhos Mosela e Burdeos, bebidos no espírito de celebração.

O vigário chegou pouco depois de Serena e se desculpou com Lady Hellfire que o tinha atrasado. Odham expressou sua profunda preocupação pela saúde da dama, até que Hermia lhe deu uma cotovelada suave, e lhe explicou que Lady Hellfire era um cavalo, não uma pessoa.

E embora o Duque se sentisse cansado muito antes que o resto de seus convidados parecia contente quando se desculpou para retirar-se.

Emma foi com ele até a escada.

— Não mereço esta alegria, sei. — disse sorrindo-lhe.

— Se os presentes que nos derem nos chegassem só por nosso mérito, acredito que todos seríamos mendigos, Sua Graça.

— Fraude! — Emma disse no momento que ficou sozinha com Adrian no dormitório.

— Perdão.

— Suas maneiras na mesa são impecáveis.

— Está se queixando? — perguntou com assombro fingido.

— Não de suas maneiras, só de sua natureza retorcida. Suplicou-me que lhe instruísse. E foi a elegância personificada até o pudim de avelãs.

Soltou a gravata sorrindo.

— Que tal se lhe dissesse que só estava observando o que fazia?

— Não acreditaria em você. Entre parênteses, Adrian, Serena é uma das mulheres mais belas que conheci!

Fez uma careta.

— E uma das mais buliçosas. Disse-lhe que não queria casar-se comigo. Conhece-me muito bem.

— Ou não o suficiente.

Desabotoou-lhe o vestido com a mão livre. Em segundos o vestido de seda cor rosa torrado, caiu a seus pés. A roupa interior o seguiu.

— A propósito, Emma, é a mulher mais formosa que vi! — beijou-lhe a curva vulnerável entre o pescoço e a clavícula. — Esclareci-lhe bem esse ponto?


*****
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Adrian despertou antes do amanhecer e foi ao promontório que dominava o imóvel. Anos atrás tinha escapado até ali durante as diatribes de seu pai. Pretendendo ser um conquistador no comando de um exército invencível, conspirava que assaltava a casa e derrocava o Duque. Estupidamente, tinha esperado libertar não somente a si mesmo, mas também ao fantasma de sua mãe.

Um vento poderoso se levantou do sul lutando contra sua postura. Ele brigou mais duro. Sempre o tinha feito. E agora, agora queria paz. Ainda podia partir. Emma faria ruído e insistiria que cumprisse com seu dever, mas no final apoiaria sua decisão.

Tinha jurado que não ficaria. Tinha jurado que não lhe importaria o que pensassem dele. Voltou em parte para provar a seu pai que tinha sobrevivido sem o benefício da família ou sua origem aristocrática. Mas subitamente se perguntou se Emma teve razão todo o tempo. Era filho de um Duque, herdeiro não só da riqueza e posição de seu pai, mas também de suas obrigações.

Já não era mais um menino brincando de ser um conquistador. Ficou olhando fixo através da propriedade, o mar envolvido em neblina, o gado pastando nas colinas, e mais à frente o povoado. A mansão de pedras douradas dominava as terras como sempre o tinha feito. Mas também

mostrava sinais de envelhecimento e descuido.

Lar.

Não era lar.

Lar era o anjo guerreiro subindo a colina ao encontro dele, agitando sua jaqueta nas mãos e lhe gritando que morreria parado aí só de camisa, e não sentia o vento?

Pegou a jaqueta e a usou para agasalhá-la. Ela ainda estava fazendo ruído por algo, quando a tomou em seus braços e a atraiu.

Scarfield necessitava um guardião. O guardião necessitava Emma Boscastle.

— Aconteceu algo? — perguntou-lhe apoiando o queixo na cabeça dela.

Saiu de seus braços.

— Direi. Acabo de receber uma carta de Londres.

— De?

— Charlotte e Heath. Asseguram-me que não é "Nada do que preocupar-se".

— Que é claro significa...

— Que há algo para preocupar-se.

Guiou-a descendo a colina, protegendo-a contra o vento.

— Não sei por que assume isso.

— Bom, Adrian, a senhorita Peppertree ameaçou renunciar.

— Mas não o fez?

— Quem sabe? Fui advertida a não acreditar nada que leia nos jornais a respeito da academia e da casa de Audrey Watson.

— Quem é Audrey Watson? — perguntou-lhe com curiosidade. —

Acredito ter escutado esse nome antes.

— Bem, acredite que é um ponto a seu favor que não esteja familiarizado com seu estabelecimento. Oh, Adrian, é uma Escola de Vênus!

Ele explodiu em uma risada incontrolável.

— Escute-me! — disse com voz depreciativa. — Nem sequer é tudo.

Ficou sério.

— Há mais?

— Sim, e é muito inquietante. Charlotte expressou o desejo de ser escritora.

— Isso soa bastante inofensivo. — Esperou um momento. — Verdade?

— Não quando quer fazer uma crônica da história social da família Boscastle. — disse Emma como se lhe lesse a mente. E a carta de Charlotte.

Assobiou, e então disse, com prudência, ou isso pensou.

— Não sei o que pensar.

— Direi-lhe. — disse Emma ruborizando-se. — Há certas histórias sociais que deveriam permanecer secretas. Não haverá um só capítulo, nenhuma página, parágrafo, que não detalhe algum escândalo.

Olhou cauteloso o céu e depois a ela. Suas delicadas orelhas e nariz rosados pelo vento. Tinham lhe escapado umas mechas loiras. Parecia um pouco selvagem. Como a amava. Que contente estava de ter acabado com uma vida de brigas e febres de vagabundagens. Seu futuro seria criar uma família, possivelmente cavalos, e a cada inverno se fartaria com pudim de natal, com uma mulher que o fazia usar uma jaqueta para mantê-lo abrigado.

— Vamos dar uma olhada na cabana. — disse em um impulso tomando a mão. — Cedric mencionou que necessita reparações urgentemente e está sendo usada como celeiro.

Enrugou o nariz.

— Um celeiro? Oh, não!

— Vai chover Emma. — insistiu ele. — Não o sente no ar?

— Não. — disse levantando a fronte. — Tampouco vejo uma só nuvem no céu.

— Porque é muito pequena e não pode perceber o que vejo de minha altura!

Riu indignada.

— Indulgente, não é verdade, Sua futura Graça?

Indulgente e um Lorde da tentação.

Uns minutos depois estavam na cabana que dominava o lago.

Enquanto fazia a conta dos ferrolhos e vigas que deveria trocar, ele chegou por trás e suavemente a jogou em uma cama de palha. Não era uma luta justa. A mulher tinha a metade de seu tamanho e seus motivos eram indiscutivelmente impuros.

— O que está fazendo? — disse consternada. — Não posso voltar para a casa com feno no cabelo.

— Sou o Senhor da mansão... — disse com uma voz brusca — e deve fazer o que eu disser.

— E se não quiser? — respondeu sem fôlego, estendida sob sua sombra.

Franziu o cenho.

— Então terei que açoitar suas suaves nádegas brancas.

— Como se eu fosse deixar. — disse rindo.

Deixou-a imóvel debaixo dele.

— Como se pudesse me deter. — deitou-se e a beijou, sua mão deslizou sob a saia. — É uma criada obediente ou desobediente? Há uma enorme diferença.

— Isso depende a quem tenho que desobedecer.

— Me obedeça.

Ela enlaçou os braços ao redor de seu pescoço, sorrindo maliciosamente.

— Só se prometer não dizer isto ao amo.

Pegou uma nádega tentadora.

— Será nosso segredo, amorzinho. Mas tampouco o pode dizer a seu

marido. — fechou os olhos engolindo um gemido. — Meu Deus, Emma!

Ficou muito quieta, sussurrando.

— Não é meu marido com quem temos que nos preocupar, Adrian. Há um homem parado na entrada. Olhando-nos.

— Um..., quem é?

— Não sei. Importa? Não nos podem encontrar em um celeiro.

Separaram-se. Adrian insultava a si mesmo, Emma se via envergonhada enquanto o intruso ia para eles com uma ferramenta nas mãos.

— Perdão! — disse o recém-chegado de mais idade, com voz irônica.

— Sou Robin Turner, o cuidador da cabana. Posso ajudá-los em algo?

Adrian levantou Emma.

— De fato esta é minha esposa e...

— O novo ajudante? — o cuidador de cabelo grisalho adivinhou. Os olhos se abrandaram. — Bem, é uma maneira infernal de começar o serviço, mas imagino que não passará nada se estiver apresentável quando se reúna com o Duque. Seu herdeiro chegou e todos devemos nos levar o melhor possível.

— Tem a alma generosa, senhor! — Adrian parou de frente a Emma para tampá-la e que pudesse endireitar a saia e remover a palha que tinha grudado. — Tratarei de lhe devolver o favor.

O cuidador lhe deu a mão.

— Continuem ambos. Só se dedique ao trabalho para o que o contrataram. Não sou tão ancião que não recorde. Oh, diabos, vão-se daqui! Não direi nada disto ao amo.

E não o fez.

Nem sequer quando, duas horas mais tarde, reuniram-se com o Duque para discutir as reparações necessárias nos edifícios externos do imóvel, e foram apresentados como Lorde e Lady Wolverton.

Adrian pensou que com seu novo aliado Turner, fizeram um trabalho

convincente ao pretender não conhecer-se entre eles, apesar de Emma lhe piscar descaradamente sobre o ombro quando o cuidador se voltou enquanto ia saindo para o corredor. Adrian abriu a boca. Turner quase se chocou com a parede.

O Duque riu intrigado.

— Perdi algo?

— Emma e eu fizemos uma inspeção da cabana mais cedo. — disse Adrian evasivo, com os olhos em sua esposa. — Não era isso o que queria que fizéssemos?

— Sabem o que desejo antes de morrer? — perguntou o Duque com um resplendor ardiloso nos olhos. — Venha comigo um minuto.

Compartilharei meu último pedido com você, Adrian.

Mais tarde, nessa mesma noite, Adrian jazia preocupado na cama com sua esposa, ela dava voltas uma e outra vez, até que finalmente a olhou e perguntou:

— Tem algo na mente?

Saiu à superfície da cama e perguntou:

— E você?

Meteu-se sob as mantas e se acomodaram, a mão dele em seu quadril.

Desfrutava dormindo assim, protegendo-a com seu corpo.

— Explique.

— O desejo de seu pai antes de morrer. É algo ao que está sujeito por honra a não dizê-lo?

— Na realidade, não.

Pôs seu queixo na face dela. Seu corpo o tentava. Suas costas se arqueavam sob sua mão, sua pele suave como o creme. Ela esperou.

Ele também. Um sorriso que não pôde suprimir veio à superfície com a pergunta dela.

Parecia que tinha brigado por este momento desde que escapou de Scarfield. Era mais forte agora. Sua única necessidade, sua única

fraqueza, a mulher que tinha em seus braços. E finalmente essa mulher o atraiu e exigiu.

— Vai ficar toda a noite sorrindo-me, ou vai responder?

— Quer que lhe demos um neto antes de morrer. É muito teimoso para conseguir o que pede.

— Já vejo! — disse Emma pensativa. — E o que lhe disse?

Limpou a garganta.

— Assegurei-lhe que estávamos pondo tudo de nossa parte para cumprir com esse dever ducal.

— Não! — respondeu Emma com a voz cheia de risada.

— Sim, mas não lhe dei detalhes.

Passou-lhe as mãos pelos flancos magros.

— Um Duque sempre cumpre suas promessas.

Capturou-lhe a boca com a sua.

— Só sou o filho de um Duque. Sugere alguma forma interina de etiqueta para satisfazer a situação?

Ela fechou as mãos ao redor de sua grossa virilidade, subindo em cima dele que jazia de costas na cama, olhando-a fixo, com a respiração subitamente irregular.

— Prática. — disse com um sorriso zombeteiro. — Horas e horas. Não, dias e noites de prática constantemente.

Pôs suas mãos nas coxas dela, sua virilidade inchando-se em seus dedos de ossos finos. Com um suave gemido de prazer, ela se balançou nos joelhos e guiou o pênis distendido em sua abertura úmida.

Desceu lentamente, afundando-se até o fundo.

— Minha esposa! — murmurou erguendo os quadris, de modo que ela deu um grito abafado e teria ido para trás se não tivesse firmado suas nádegas para equilibrá-la.

Ela gemeu com o prazer que aumentava lentamente.

— Adrian!

— Terá que me perdoar, — disse movendo os quadris cada vez mais.

— mas na realidade não há uma forma educada para fazer isto.

Assim o Duque e a Duquesa de Scarfield se aplicaram para levar a cabo a obrigação ducal mais importante. Segundo a estimativa maliciosa de Adrian, a satisfação não poderia cansá-los muito. E como sua esposa havia dito, nos detalhes estava tudo, e deveria se praticar para fazer um trabalho decente.

O pequeno herdeiro do Duque iria necessitar irmãos e irmãs para que o acompanhassem. Depois de tudo, Emma gozava cuidando de outros.

Tinha crescido com seis irmãos.

Embora Adrian os tivesse enganado para ganhá-la, e isto poderia haver-se voltado contra ele facilmente, estava agradecido que seus demônios guardiães tinham mantido afastados os predadores até que ele a tinha descoberto. Ou ela o tinha descoberto.

Inclinando-se para frente, com os mamilos rosados lhe roçando o peito, tomou a boca com um beijo doce e sensual. Ele impactou mais até seu corpo. Ela se erguia com cada investida e o cavalgou até exalar uma agonia de prazer.

— Se isto é dever... — fechou os olhos gemendo enquanto as nádegas delas lhe açoitava a virilha. Uma umidade perolada se filtrava e lhe umedecia mais abaixo. — posso morrer realizando-o.

Ela endireitou as costas, com seu corpo ondulando-se, tão formosa e desinibida que ele não pôde conter seu clímax por outro instante.

— Amo-o! — disse ela. — E amarei a nossos filhos.

— Amo você, Emma! — sussurrou enquanto fechava as mãos em suas nádegas e a inundava com sua semente. Um filho. Uma filha. Dever ou desejo. Não lhe importava enquanto tivesse a sua Delicada Ditadora para que os mantivesse a todos em linha.

Depois de um minuto ou mais, afastaram-se. Desenredando membros e roupa de cama, beijaram-se uma ou duas vezes antes de instalar-se


outra vez na cama.

— Ao final... — sussurrou, envolta apertadamente em seus braços.

— Tudo termina na família. E por certo se casou com uma das mais leais e amantes famílias de Londres. — terminou por ela.

Sorriu.

— Na realidade ia dizer infame.

Olhou-a com olhos transbordados de amor.

— Nesse caso diria que há poucas razões para esperar decoro na próxima geração.

— Acredito que nos arrumaremos. — disse sorrindo contente.

Ele riu.

— Posso dirigir qualquer coisa enquanto tenha a você.

 

 

                                                   Jillian Hunter         

 

 

 

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