A campainha da porta tocou. Maggie alisou a saia preta do vestido. Era a segunda vez que estava tendo que usar preto, nas duas últimas semanas. A primeira fora em junho, para comparecer ao enterro de Papai Hogan. A segunda era para comparecer ao enterro de Mamãe Hogan, que se deixara morrer uma semana depois do marido.
Maggie não tinha chorado quando o pai morrera, e não derramara lágrimas com o falecimento do casal idoso. Perguntou-se intimamente se havia algo de errado com ela... se Chase havia tirado sua capacidade de sentir as coisas. A tensão de manter aquilo tudo preso dentro de si aparecia no retesamento de suas feições, tornadas ainda mais brancas pelo vestido preto que usava e a cor negra retinta do cabelo.
Quando ela entrou na sala de visitas da casa da tia, Cathleen já tinha atendido à porta. Maggie observou, externamente impassível, enquanto a tia se submetia ao abraço compassivo e reconfortante de Phillip Gordon, depois tocava os olhos vermelhos de lágrimas com um lencinho de renda. Pamela o acompanhava, na sua cadeira de rodas, e abraçou Cathleen quando a mulher mais velha se abaixou para cumprimentá-la.
Phillip atravessou a sala, resplendente num terno cinza. Sorriu para Maggie com aquele seu jeito tranquilo, e segurou as mãos que ela inconscientemente agitara em frente de si.
Como vai, Maggie? perguntou, e examinou a imobilidade das suas feições. Ele enxergava a perfeição, quando a via; os contornos equilibrados da estrutura óssea, tudo na proporção adequada. Não havia meio de sua perícia cirúrgica melhorar o dom da beleza natural.
Estou bem, obrigada replicou ela, numa voz sem emoção.
Ele correu os olhos pela expressão propositalmente inexpressiva. Já tinha visto essa parede levantada nas poucas vezes em que ela visitara a casa dele. Geralmente, acontecia quando lhe faziam uma pergunta inocente sobre os pais, sua infância, ou o pai do seu filho ilegítimo. O último tópico ele podia entender que ela se sentisse relutante em discutir. No entanto, não queria falar nos pais, especialmente no pai, ou no que fora sua vida antes de se mudar para a Califórnia.
Isso deve ser difícil para você. É muita coisa para enfrentar, na sua idade condoeu-se Phillip.
Maggie retirou as mãos, recusando o conforto que ele oferecia.
A morte só é difícil para os que estão vivos. Sua sabedoria e experiência estavam além de sua idade.
Pamela e eu viemos oferecer os nossos pêsames e ver se havia alguma coisa que pudéssemos fazer para ajudar. Teve consciência da rejeição dela. Phillip não se lembrava de ter conhecido alguém tão jovem e que tivesse tanto orgulho e independência. Já disse a Cathleen que ela pode sentir-se à vontade para consultar meu advogado, se houver alguma questão legal referente à herança dos seus falecidos sogros. Quanto a contas de médico ou...
Maggie o interrompeu antes que pudesse oferecer qualquer assistência financeira.
Creio que havia seguro de vida suficiente para pagar as contas e o enterro. Não tinham bens, exceto os seus pertences pessoais. Tardiamente, deu-se conta de que tinha sido fria ao negar o oferecimento de ajuda. Mas é gentileza sua oferecer, de qualquer forma. Sorriu, um tanto formalmente.
Não é questão de gentileza, mas de querer bem insistiu ele. Ao longo dos anos, a Sra. Hogan... sua tia... tornou-se mais do que uma empregada para Pamela e eu. Este é um período difícil para ela... e para você. Gostaríamos de torná-lo o mais fácil possível.
Naturalmente.
Ela não podia pensar em mais nada para dizer.
O que vai fazer agora, Maggie? Não gostava do nome. Não parecia combinar com a moça confiante parada diante dele.
Vou continuar meu curso por correspondência para obter meu diploma replicou, sem hesitação. Nesse meio tempo, vou procurar um emprego e uma boa creche onde deixar Ty enquanto eu estiver trabalhando.
Não é fácil arranjar emprego murmurou Phillip.
Eu vou arranjar um afirmou ela. Logo que obtiver meu diploma da escola secundária, vou fazer faculdade.
A admiração brilhou nos olhos dele ante a determinação inflexível dela. Ela ia arranjar emprego e ela ia para a faculdade, Não era "eu quero", porém "eu vou". Era uma moça notável, linda e resoluta.
Ela virou-se parcialmente para incluir Pamela.
Querem um pouco de café ou chá?
O consenso foi pelo chá. Cathleen soltou a mão de Pamela para se levantar.
Deixe que eu preparo, Mary Frances.
Fique aqui e faça sala para os Gordons insistiu Maggie. Eu me ajeito.
Enquanto saía da sala, ouviu Cathleen dizer:
Deus me enviou essa menina porque sabia que precisaria dela para suportar essas semanas.
O comentário fez Maggie se sentir feliz porque sua presença tinha um propósito e não era um fardo para a tia. Fez o chá direitinho, como a tia lhe ensinara, deixando o bule esquentar enquanto a água estava no fogo. Encheu o bule com a água quente, mas não fervente, e acrescentou as folhas de chá soltas. Deixando o chá de lado em infusão, arrumou a bandeja com a mesma precisão que vira na casa de Pamela Gordon, incluindo as frágeis xícaras de porcelana, creme e açúcar e fatias de limão.
Quando levava a bandeja para sala, ouviu Pamela Gordon insistindo:
O que você realmente precisa, Cathleen, é de uma mudança de ambiente. Phillip e eu sempre quisemos que você morasse conosco. Nunca insistimos porque sabíamos que precisava cuidar dos pais do seu marido. Venha morar conosco, agora.
Ela era tão linda, tão persuasiva, que Maggie se perguntou como é que alguém poderia resistir, mas a tia lançou um olhar para Maggie.
Não poderia deixar Maggie e o bebé sozinhos. Cathleen sacudiu a cabeça com tristeza, relutando em recusar qualquer coisa à patroa.
Phillip estivera observando Maggie desde que ela voltara para a sala com a bandeja de chá. Era como um imã, atraindo o olhar dele sempre que estava por perto. A simplicidade severa do vestido preto revelava claramente ter sido feito em casa, porém dava a seu corpo uma sexualidade atenuada. Os seios maduros e empinados enchiam o corpinho simples antes de a fazenda ser ajustada à cintura fina. Quando ela se debruçou para pousar a bandeja na mesa, a saia foi repuxada sobre as nádegas arredondadas. O desejo mexeu dentro dele, mas Phillip controlou-o raivosamente. Meu Deus, tinha idade para ser pai dela, lembrou a si mesmo. Seu interesse nela era estritamente paternal. Esse raciocínio permitiu que sugerisse:
Maggie e o bebé também serão bem-vindos. O apartamento em cima da garagem não é usado há anos, mas acho que podemos transformá-lo em alojamentos confortáveis. Forçando-se a desviar o olhar da expressão desconfiada de Maggie, dirigiu-se para a tia dela. Do jeito que os valores imobiliários continuam subindo, eu não sugeriria que você vendesse esta casa. Alugue-a e conserve-a como investimento. Assim, se algum dia quiser voltar, poderá fazê-lo.
Suponho que sim disse Cathleen Hogan, ainda hesitante.
Maggie ficou fora da discussão que se seguiu. Sentada na beira da cadeira, serviu as xícaras de chá e tentou fazê-lo tão graciosamente quanto vira Pamela fazer. A perspectiva de morar na propriedade dos Gordons, onde poderia observar Pamela e aprender mais sobre como se tornar uma dama, era como um sonho feito realidade, mesmo que isso significasse morar em cima da garagem. Eram as desilusões anteriores que a mantinham calada. Mas Phillip e Pamela convenceram a tia a se mudar.
Você não deu sua opinião sobre o assunto, Maggie instou Phillip. Tem alguma objeção ao plano?
Não, mas logo que eu arranjar emprego vou começar a lhe pagar um aluguel por mês declarou.
Phillip sabia que não devia discutir.
Você disse antes que ia procurar trabalho e eu fiquei pensando no assunto. Não precisa mais procurar emprego. Preciso de alguém para exercitar os meus cavalos e ajudar com os serviços ligeiros no estábulo. Estou convencido de que você tem a experiência com cavalos necessária para dar conta. E isso significará que terá mais tempo para o Ty.
Ah, sim! Pamela apoiou entusiasticamente a proposta. Eu adoraria tomar conta dele para você, Maggie. Não haveria necessidade de você contratar uma babá. Bastaria levá-lo lá para casa. Como que percebendo que era o tópico da conversa, Ty começou a chorar no seu berço, espremido no quartinho de Maggie. Pamela riu, encantada. Eu sabia que, se nos demorássemos bastante, Ty acordaria de sua sesta.
A mudança foi feita muito mais depressa do que Maggie imaginara ser possível, o seu estilo de vida se alterando tão celeremente que ela ficou um pouco atordoada. Era como se tivesse saído das sombras atormentadas do passado e entrado na luz forte do sol de uma nova vida.
As cartas que escrevia para Culley estavam cheias do entusiasmo pela nova casa e o novo emprego. Quando Phillip falara num apartamento em cima da garagem, ela imaginara algo totalmente diverso dos imensos aposentos com paredes recém-pintadas e carpete novo no chão.
Havia um quartinho para Ty e espaço bastante no quarto de Maggie para permitir que tivesse não apenas uma cama, penteadeira e cómoda, mas também uma cadeira e escrivaninha para que pudesse estudar suas lições. Pamela lhes dera alguns móveis da casa principal, insistindo que os daria para alguma instituição de caridade, se elas não o aceitassem.
Seu novo emprego incluía acordar cedo todas as manhãs para cuidar dos cavalos de exibição de Phillip, e exercitá-los. A coisa era diferente do que ela esperava, já que nunca montara antes com sela inglesa. Sentiu-se muito desajeitada, a princípio. Phillip insistia que ela possuía mãos naturais, e um assento natural. Quando primeiro lhe sugeriu que podia ensinar-lhe a arte de saltar para exibição, à noite, ela se mostrara relutante, mas quando ele mencionou que a maioria das amazonas de exibição eram senhoritas de famílias de sociedade, Maggie aceitou sua oferta. Se montar à moda inglesa, ao invés de à moda do Oeste fazia dela uma dama, então era o que faria.
O mês de agosto veio e se foi, e seu 17º aniversário com ele. Depois que a louça da noite fora lavada, Maggie beijou Ty e deixou-o aos cuidados da tia para poder encontrar-se com Phillip no estábulo, para sua aula de montaria. Ele esperava por ela na sala de equipamentos quando ela chegou.
Chamar aquilo de sala de equipamentos era quase uma designação incorreta, embora fosse onde se guardasse todo o equipamento de montaria. Era uma combinação de escritório e sala de estar, incluindo banheiro, para que Phillip pudesse lavar-se antes de voltar para casa. Trofeus e fitas ornavam as paredes, misturados a fotografias dos seus cavalos. Ao lado de uma escrivaninha antiga de mogno, havia um divã e cadeiras de couro num tom de marrom claro da Califórnia para complementar as paredes em lambri.
Esperou muito tempo?
Ela desejava que não, mas ele tinha o ar acomodado de quem estava sentado na cadeira giratória atrás da escrivaninha por muito tempo.
Horas pilheriou Phillip, secamente.
No seu novo meio ambiente, Maggie achava mais fácil corresponder ao senso de humor cálido dele. Começara a gostar dele... do seu jeito meigo, da sua maturidade confortável e autoridade tranquila.
Não está esperando há tanto tempo. Lançou-lhe um olhar reprovador que a um só tempo zombava dele e ria com ele. Quando começou a atravessar a sala para pegar o seu equipamento de montaria, ele a chamou de volta.
Há um presente em cima do divã para você. Ele acenou com a mão na direção do estofado de couro.
Um presente?
É um presente de aniversário atrasado... de Pamela e meu.
Em dúvida se seria apropriado aceitar o presente, Maggie dirigiu-se devagar para o divã. Arrumadinhos sobre as almofadas estavam um par de culotes marrom claro, uma jaqueta de caça preta e uma blusa branca. Um par de botas de montaria de cano alto estava pousado no chão, na frente do divã. Maravilhada com a generosidade dele, pôde apenas fitá-lo.
Gostou? Ele puxou uma resposta dela, os olhos cinzentos sorrindo.
Gostei. Mas ela meneava a cabeça.
Decidimos que uma dama devia ter o traje de montaria adequado.
Já fizeram tanto.
Maggie... Ele se interrompeu, retorcendo a boca. Esse nome não combina nada com você.
É o apelido que meu pai me deu. Ficou quase contente com a mudança de assunto. Aquilo lhe dava tempo para pensar. Tia Cathleen me chama de Mary Frances.
Com o devido respeito à religião da sua tia, o nome parece pertencer a uma freira... Irmã Mary Frances.
É mesmo admitiu Maggie, com um sorriso alegre.
Esse é o seu nome completo? Mary Frances O'Rourke? perguntou Phillip.
Mary Frances Elizabeth O'Rourke corrigiu ela. Um nome e tanto, hem?
Elizabeth. Ele saboreou o nome com satisfação. Você se parece com uma Elizabeth. É um nome de rainha. Importar-se-ia se eu a chamasse assim?
Ela mordeu o lábio inferior para impedir a permissão de sair aos borbotões. Ele a fazia sentir-se tão importante que ela esperou até que a bolha de prazer tivesse estourado.
Tudo bem. Hoje em dia respondo a praticamente qualquer nome falou, com um leve dar de ombros que disfarçava seu prazer.
Pois bem, Elizabeth. Vista sua roupa nova de montaria enquanto selo seu cavalo.
Parou apenas para pegar a sela e a brida no descanso, depois saiu. Foi só um segundo inteiro depois que a porta se fechou que Maggie se deu conta de que não lhe dissera que não podia aceitar o presente. Olhou de novo para as roupas e reconsiderou. Quem sabe não fazia mal aceitar, por esta vez.
Durante o mês seguinte ela descobriu como era difícil resistir aos Gordons a ambos. Ante a insistência de Phillip, a imensa biblioteca da casa principal foi posta à sua disposição. E Pamela, que adorava qualquer motivo para tomar conta do Ty, mostrou-lhe como usar maquiagem e levou Maggie às compras para dar-lhe conselhos sobre roupas.
Quando recebeu uma carta de Culley, sentiu uma pontada de culpa. Sua vida se tornara tão mais fácil, tão rica e plena, enquanto ele continuava a lutar para sobreviver... contra o tempo, contra a terra e contra os Calders.
23 de setembro Querida Maggie,
Folgo em saber que tudo está saindo tão bem para você. Os Gordons parecem ser uma gente muito boa.
O recolhimento de gado se encerrou por mais um ano. Duas das minhas vacas tresmalharam para o pasto dos Calders, e eu tive que ir até lá e isolá-las do rebanho deles. Calder estava lá, sentado no seu cavalo amarelo, todo imponente, como se fosse o dono do mundo. Tucker também estava lá. Ofereceu-me uma xícara de café, mas eu falei a ele que preferia tomar veneno do que café feito num bule da Triplo C. Ele pode ter-se vendido, mas eu jamais o farei.
Aquela turma provavelmente estará no Jake's hoje à noite, farreando depois de três semanas de recolhimento do gado. Eu não vou mais ao Jake's. Ele e Tucker podem não se importar de se misturar à escória, mas eu me importo.
Estou cansado e tenho que cortar feno amanhã para o inverno. Simplesmente não consigo achar ninguém para trabalhar para mim.
Que bom que tudo está saindo bem para você, Maggie. Cuide-se.
Seu irmão, Culley
Por um instante fugaz, teve vontade de que Culley vendesse a fazenda e viesse para a Califórnia, mas sabia que ele não viria. Até mesmo achava que não queria que ele viesse, porque, bem lá no fundo, queria que o irmão se vingasse dos Calders, algum dia. Não sabia como, e não se importava. Só queria saber que algum dia eles teriam que se ajoelhar.
O saloon do Jake estava uma baderna. A Triplo C estava curtindo sua primeira saída de verdade desde o recolhimento do gado de outono. Mas não eram somente os vaqueiros da Triplo C que estavam comemorando, embora superassem em número os outros pequenos fazendeiros e moradores da cidade. Parecia que todos tinham escolhido essa noite de sábado para se divertir antes da chegada do comprido inverno. Ela forneceria material para conversas durante as frias noites que viriam.
Enquanto Chase se dirigia para o bar, para se servir de mais bebida, uma mão bateu-lhe nas costas.
Ei, Patrão! Buck debochava de sua nova posição na Triplo C. Chase não era mais apenas um vaqueiro. Fora promovido a capataz. Já não fica mais bem para você ficar de porre avisou Buck. Precisa cuidar do resto de nós e impedir que nos metamos em encrenca, Patrão.
Buck estava encarnando nele desde o dia em que Webb Calder fizera a mudança. Chase achava que a implicância constante estava começando a perder a graça, mas ignorou o comentário de Buck, como ignorara todos os outros.
Pensei que você estava na sala dos fundos jogando póquer comentou.
Resolvi parar enquanto estava ganhando.
Quer uma bebida? ofereceu Chase.
Não. Buck sacudiu a cabeça e piscou o olho. Vou esfregar a barriga na da Connie Sue, enquanto estão tocando alguma coisa que eu sei dançar, com toda a minha falta de jeito.
Com essas palavras, Buck se dirigiu para o pequeno espaço junto da vitrola automática que era usada como pista de dança.
Connie Sue Bingham era uma garota local, que se divorciara recentemente. Viera com alguém, naquela noite, mas Chase a tinha visto com tantos vaqueiros que tinha desistido de tentar concluir quem era. Viu Buck pedir licença e tirá-la do parceiro anterior, e sorriu enquanto continuava o seu caminho até o bar. Havia vezes em que Buck parecia totalmente irresponsável, mas era um vaqueiro danado de bom.
Abriu caminho até o bar e fez sinal a Jake para voltar a encher seu copo. Vários vaqueiros no bar estavam entretidos numa discussão sobre a previsão meteorológica a longo prazo para o inverno que se aproximava. Chase prestou atenção, querendo, como qualquer fazendeiro, um jeito de passar a perna no clima. Alguém enfiou o ombro no pequeno espaço a seu lado, e Chase se mexeu para dar-lhe lugar, virando-se para ver quem era.
Alo, Fred. Chase cumprimentou o homem, um cavaleiro que montava touros no circuito de rodeios, dono de alguns hectares fora da cidade, onde passava os invernos. Que tal se deu este ano?
Nada mal, nada mal falou o vaqueiro, com voz arrastada. Quebrei duas costelas em Wolf Point, desloquei o ombro em Miles City, e rachei o pulso em Butte. Levando tudo em consideração, foi um bom ano. Nem me machuquei tanto que não pudesse montar.
Não foi mal concordou Chase.
Fred abriu a tampa de uma lata de cerveja e tomou um gole.
É melhor ensinar a seu amigo a jogar pôquer. Perdeu praticamente tudo, exceto a camisa.
Está-se referindo a Buck Haskell? Chase franziu a testa. Tinha tido a impressão de que Buck estivera ganhando na mesa de pôquer, para variar.
Sim. Acho que não gastou uma só mão, hoje, mas jgou até ficar duro. Ou é teimoso ou é burro. O vaqueiro se afastou do bar com a cerveja na mão. Acho melhor ir-me embora enquanto ainda possa andar. Ergueu a cerveja numa saudação de despedida. Até qualquer hora, Chase.
Cuide-se, Fred.
Apoiando um cotovelo no balcão cheio de marcas de copos, Chase virou-se em ângulo reto e ficou vendo o vaqueiro de rodeio abrir caminho até a porta da frente naquele andar peculiar que acompanhava as pernas encurvadas. Seu olhar se dirigiu para Buck, na pista de dança com Connie Sue. Não entendia essa coisa do Buck com dinheiro. Jamais conhecia alguém tão ansioso para arranjá-lo e tão ligeiro em se livrar dele.
Com uma sacudidela irónica de cabeça, voltou a ficar de frente para o bar e apoiou os dois cotovelos no balcão. À sua volta ainda se discutia o clima, principalmente numa narração individual de invernos difíceis anteriores, e no debate de qual fora o pior.
Enquanto erguia o copo para tomar um gole, seu olhar se desviou automaticamente para o espelho comprido atrás do bar. De onde estava, o espelho refletia uma visão da porta da frente. Buck estava parado ao lado dela, olhando à sua volta de um jeito estranho, como que vendo se alguém o observava. Chase franziu a testa e estreitou os olhos enquanto via o amigo se esgueirar lá para fora. Baixou o copo, a ruga na testa se aprofundando enquanto girava os cubos que se derretiam no líquido cor de âmbar. Quem sabe Buck ia-se encontrar disfarçadamente com Connie Sue lá fora, pensou Chase e tentou ignorar o incidente, com um dar de ombros. Buscou a moça distraidamente pelo espelho até encontrá-la. Estava sentada com outra pessoa, e não dava sinais de ter um encontro marcado.
Cheio de curiosidade quanto ao paradeiro do amigo e seus motivos, Chase se afastou do bar. Um impulso que nem entendeu direito levou-o à porta dos fundos do saloon, em vez da entrada principal. Ela era usada principalmente como acesso de fundos ao segundo andar, permitindo aos fregueses ir e vir sem ser necessariamente vistos pelas pessoas no bar, se assim o desejassem.
Antes que chegasse à porta ela se abriu e Buck entrou, esfregando as mãos e soprando-as numa tentativa de aquecê-las depois de terem estado expostas à friagem da noite de novembro. Teve um sobressalto de culpa logo que viu Chase, mas se recuperou rapidamente e sorriu.
O que está fazendo, Chase? Esgueirando-se pela escada dos fundos?
Por onde andou? Um meio sorriso suavizava o desafio, mas Chase não conseguia deter a suspeita que o invadia pelo comportamento estranho de Buck.
Saí "para tomar um pouco de ar". Buck deu de ombros e continuou a sorrir. A fumaça aqui está tão densa que arde nos olhos.
É por esse motivo que você saiu pela porta da frente e voltou pelos fundos? perguntou Chase e viu o ar desconcertado nos olhos de Buck.
Do que você está falando? disse Buck, rindo. Escutou-se um grito vindo do bar.
Ei! Alguém ajude! Fred Dickens está lá fora com a cabeça esmagada! Temos que levá-lo a um hospital!
Chase lançou um olhar a Buck, os olhos apertados numa acusação incrédula. O amigo também estava com uma expressão de surpresa no rosto. Chase não sabia dizer se era fingida ou real. Buck começou a passar por ele.
Vamos ver o que está havendo instou, mas Chase segurou-lhe o braço para detê-lo.
Com quanto dinheiro você está? interpelou Chase. Buck recuou, parecendo confundido pela pergunta.
O quê? Alguns dólares. O que isso tem a ver? Vamos. Quero ver o que está acontecendo.
Mas Chase não o deixou passar.
Pensei que tinha tido sorte na mesa de pôquer.
Tá legal. Então pode ser que eu esteja com uns duzentos dólares no bolso. O génio de Buck tinha pavio curto. Estava pronto a estourar, enquanto ele ficava zangado e desafiador.
Fred me contou que você ficou a zero no jogo, hoje.
Tive uma maré de azar admitiu Buck.
Então onde conseguiu o dinheiro que está no seu bolso? Chase jogou o comentário anterior na cara de Buck.
Eu falei que "podia ser" que estivesse. Não falei que estava!
Chase agarrou-o pela frente da camisa e bateu com as costas dele contra a parede, sacudindo a poeira do madeiramento.
Que merda! Não minta para mim! Segurou com mais força a fazenda da camisa e levou o punho cerrado até a garganta de Buck. Vi você se esgueirar pela porta da frente dois segundos depois que Fred saiu. Agora, ele está lá fora com a cabeça esmagada. Aposto que foi roubado como os outros, também! E estou querendo saber o que você teve a ver com isso!
Chase! Você está maluco! falou Buck, sua raiva focalizada estritamente na sua defesa. Não tive nada a ver com isso!
Com esforço, Chase soltou a camisa do outro e deu um passo atrás.
Prove desafiou. Esvazie os bolsos.
Buck lambeu os lábios e afastou os olhos da mirada inflexível de Chase.
Não aconteceu do jeito que você está pensando murmurou, e Chase se pegou desejando não ter forçado a barra. Uma desilusão amarga subia por sua garganta, sufocando-o com o gosto de bile. Eu só queria o meu dinheiro de volta insistiu Buck, mas sua voz estava ficando choramingueira. O jogo era desonesto. Fred estava dando as cartas de baixo do baralho. Eu não podia deixar que ele saísse numa boa, não é? Quero dizer, precisava ensinar-lhe uma lição. Só o que fiz foi dar-lhe uma pancadinha na cabeça.
E quanto a Anderson? E Jeffers? Chase deu o nome
das duas outras vítimas e sentiu a mão fria da traição tocando-o. Deixou-o duro como o gelo. Nas duas vezes você me usou. Forneci o álibi porque você era meu amigo e eu acreditava em você.
Virou-se e se afastou, com medo do que poderia fazer àquele
homem, que tinha sido como um irmão, se ficasse.
Buck foi atrás dele, entrando no aposento principal do saloon, murmurando com insistência:
Chase, não vai acontecer de novo... juro! Deixe explicar como foi, para você entender. Havia raiva e impaciência contidas na voz dele, enquanto exortava Chase a escutar.
O saloon estava quase vazio. Os poucos fregueses que tinham permanecido estavam agrupados conversando sobre esta última agressão e roubo. Antes que Chase chegasse ao bar, a porta da frente se abriu para deixar entrar o Xerife Potter. Seus olhos cansados vasculharam o grupo remanescente, provocando um silêncio imediato. Sua busca cessou quando viu Buck e Chase.
Buck. Adiantou-se, arrastando as botas no piso de madeira, como se fosse muito esforço levantá-las. Vai ter que dar um passeio comigo.
Não tem motivo para me prender negou Buck, aproximando-se mais de Chase. Se alguém falou que me viu lá fora, está mentindo.
Desta vez é diferente, Buck falou o xerife. Fred Dickens recobrou a consciência antes de os rapazes o levarem para o hospital. Citou seu nome. Reconheceu-o pouco antes de você acertar-lhe a cabeça.
Ele cometeu um engano! Eu estava com Chase. Pergunte a ele!
O xerife repuxou a boca enquanto olhava relutante para Chase.
Ele estava com você?
Chase não precisou pensar na sua resposta, nem olhar para Buck.
Não. A resposta foi seca e definitiva.
O que está fazendo comigo, Chase? protestou Buck, tentando impedi-lo de se dirigir para o bar, colocando-se na sua frente, mas Chase fez de conta que não o estava enxergando. Você não é o meu melhor amigo? Crescemos juntos. Minha mãe nos criou aos dois. Diga ao xerife que eu estava com você.
Chase não deu resposta e passou por Buck como se ele não estivesse ali. Buck mentira para ele e o enganara. Em nome da amizade que tinham partilhado, Chase não iria acrescentar sua voz à condenação. E tampouco diria qualquer coisa em sua defesa, porque o que ele fora não era aquilo em que se tornara. Portanto, qualquer coisa boa que pudesse dizer não tinha nada a ver.
É melhor vir comigo, Buck disse o xerife de novo, pegando-o pelo braço.
Não! Buck livrou bruscamente o braço e explodiu sua fúria nas costas de Chase. Que tipo de amigo você é? Era para você ser o meu amigão, meu chapa! Acha que é todo cheio de coisa só porque é um Calder! Pois bem, podia ter sido eu ao invés de você! Espetou o próprio peito com o dedo, para enfatizar seu ponto. Podia ter sido eu, seu filho da mãe!
Chase olhou para o bar onde se encontrava Jake.
Quero um uísque puro pediu.
Buck, você vem comigo. Desta feita a voz do xerife estava mais decisiva. Não me faça acrescentar resistência à prisão às outras acusações.
Buck continuou a gritar e xingar Chase até que o xerife o levou para fora do saloon. A área do bar à volta de Chase ficou desimpedida. Nem mesmo o pessoal da Triplo C se aproximou dele. Deixaram-no sozinho para chorar em particular a perda do amigo.
Os presentes estavam empilhados sob a árvore de Natal. Era o primeiro Natal de Ty e a maior parte dos embrulhos era para ele, principalmente da parte de Pamela. Ela teria comprado para ele tudo o que via, se Maggie finalmente não a tivesse ameaçado de não deixá-la mais tomar conta dele.
Maggie sorria enquanto via Ty bater com um chocalho no chão, e distraidamente abria o cartão de Natal de Culley. No interior, havia uma carta.
13 de dezembro
Querida Maggie,
Lembra que lhe contei que Fred Dickens, o cara do rodeio, entrou em coma e morreu? Bem, Buck Haskell foi condenado por homicídio não premeditado. Alegou que estava bêbado e não sabia o que estava fazendo. Ouvi contar que Chase Calder nem mesmo testemunhou em favor de Buck, defendendo seu caráter. Nisso eu posso acreditar. Um dos ladrões deles foi preso, e eles lavaram as mãos, ignorando-o. Eu lhe disse que eles eram assim... basta você se meter em dificuldades, que eles nem mais o conhecem.
Quando o Juiz sentenciou Buck à prisão, parece que ele começou a berrar e fazer todo o tipo de ameaças de ajustar as contas com Chase. Ouvi contar que foi preciso três homens para arrastá-lo para fora do tribunal.
Está nevando.
Feliz Natal, Culley
Ela sentiu pena de Buck Haskell... pena porque fora traído pelos Calders, especificamente pelo Chase, que fora seu amigo. Traído como ela fora traída. Seu olhar se ergueu para a estrela no topo da árvore; esperava que os Calders jamais conhecessem a paz que ela simbolizava.
O potrinho do começo da primavera oscilava incerto nas pernas arqueadas, a cauda espetada girando loucamente, buscando equilíbrio. Com as pernas compridas demais, a cabeça e os olhos grandes demais, ele piscava para o mundo vivo e estranho em que estivera tão ansioso e insistente para entrar, há poucos minutos. Ele rinchava, um som que necessitava um pouco de prática antes de se parecer com um relincho de cavalo. Para um potro recémnascido, era de bom tamanho, e obviamente sadio. Devia ser o centro das atenções, com a mancha branca como a neve descendo pelo centro da testa côncava.
Mas os olhos de todos estavam fitos na velha égua deitada na palha. Cada respiração que dava era sofrida. Os dedos de Maggie se enterravam na grade lateral da baia; estava instando mentalmente a égua a se mexer. Morning Mist era uma égua de caça, uma favorita sentimental do Dr. Phillip. Depois que sua carreira no picadeiro finalmente terminara, ele a conservara como sua única reprodutora. Aos 21 anos, aquilo estava-se tornando demais para ela. Desta feita tinha sido um parto longo e difícil. As poucas forças que tinha, o potro as levara, e agora a égua parecia não ter mais nenhuma.
Quando o potro rinchou confusamente de novo, a égua soltou um débil bufido e tentou levantar a cabeça, mas não conseguiu tirá-la da palha. Enquanto Maggie olhava, os olhos da égua se fecharam, pois o esforço lhe tirara o último grama de energia. Com as mangas da camisa enroladas, o Dr. Phillip estava parado num canto da baia, perto do cavalariço. Uma expressão sombria de preocupação estava estampada no seu rosto bonito e bronzeado.
Vamos tentar ajudá-la a se levantar sugeriu. Enquanto Maggie observava, os dois homens se ajoelharam
junto da égua e tentaram erguê-la e empurrá-la numa posição em que ficasse com as pernas debaixo do corpo, mas a égua não tinha forças para cooperar. Depois de muita luta, Ralph, o cavalariço, pousou suavemente a cabeça da égua no solo coberto de palha.
Não adianta disse Ralph, ofegando pesadamente com o esforço.
Preparei um pouco de mingau quente para ela. Maggie destrancou a porta da baia e entrou. Quem sabe se conseguirmos que coma alguma coisa recuperará as forças.
Tente conseguir isso, Elizabeth. Phillip concordou com a sugestão, mas não confiou exclusivamente nela, virando-se para o cavalariço. Arranje umas cordas e vamos fazer uma tipóia. Se pudermos botá-la de pé e fazer com que fique de pé, o potrinho poderá mamar, e Misty também terá uma chance melhor.
Ajoelhando-se ao lado da égua, Maggie colocou o balde com mingau no chão e tirou um trapo limpo do bolso do quadril. Mergulhou-o no mingau e espremeu-o dentro da boca da égua. A maior parte escorreu para fora. Ela alisou o pescoço do animal para ajudálo a engolir o que podia, depois repetiu o processo.
Ralph voltou.
Já trouxe as cordas, Dr. Phillip. Como quer que eu faça?
Vamos usar esta viga. Deve ser forte o bastante para aguentá-la.
Concentrada na sua tarefa, Maggie estava apenas parcialmente consciente do que os dois homens estavam fazendo. Um baque suave foi seguido por uma coisa branca deslizando na sua linha lateral de visão. Maggie ergueu os olhos e viu a corda branca pendendo da viga. Sua mente visualizou uma outra imagem do celeiro da fazenda e da corda que pendera da viga central.
Um aperto terrível sufocou-lhe a garganta e Maggie se levantou. Viu novamente a corda simples sobre a viga do estábulo. Então outra imagem tomou-lhe o lugar. Era o celeiro de novo e havia um laço oscilando na ponta da corda. Ela recuou para fugir ao quadro assustador e teve um momento de alívio quando a realidade se sobrepôs e colocou o estábulo em foco. Mas sua mente não acabava com as lembranças horrendas. A cor fugiu do seu rosto enquanto a última imagem vinha à sua mente e ali permanecia... o corpo do pai pendendo do laço.
Aquilo não ia embora. Ergueu as mãos espalmadas perto do rosto. Maggie fechou com força os olhos, tentando bloquear a imagem mental. Mas todas as sensações, todo o horror e angústia voltaram de roldão para tornar a coisa tão real como se estivesse acontecendo agora. De muito, muito longe, ouviu alguém gritando, incessante e interminavelmente.
Precisava descê-lo! Precisava soltar a corda! Correu para baixá-la, unhando as mãos que a seguravam. Mesmo quando percebeu de novo que era uma corda sem laço, continuou imperativo que a baixasse.
Quando ela recuara de perto da égua, atraíra o olhar de Phillip. Ele franziu a testa ante o ar de terror no rosto branco da moça, confuso com sua fixação pela corda. Já ia perguntar-lhe o que estava errado quando ela começou a gritar. O cavalariço ficara imóvel, num choque atordoado, quando ela o atacara para arrancar-lhe a corda das mãos e tirá-la da viga da baia. Phillip correu e a agarrou pelos ombros, tirando-a de cima do homem indefeso.
Tem alguma coisa a ver com a corda. Desça-a daí ordenou por cima do ombro, instigando o cavalariço a se mexer e arrancar a corda da viga. Elizabeth, a corda sumiu! Olhe! Não está mais lá! Sua voz era firme e autoritária, forçando-a a obedecer. Abra os olhos e veja. Sumiu. Não existe.
Ela parou de se debater para se soltar e virou a cabeça para olhar. Durante um instante, ficou imóvel. A corda estava enrolada num monte indefeso, no chão. Estremeceu violentamente. Soluços secos e sentidos começaram a sacudir-lhe os ombros, enquanto Phillip a abraçava.
Vamos. Vou tirá-la daqui murmurou ele.
O que eu faço com a égua e o potro? perguntou Ralph, com ar de impotência.
Phillip conduziu Maggie para fora da baia e parou para lançar-lhe um olhar impaciente.
Tente encontrar alguém para vir até aqui e dar-lhe uma mão. Chame Simmons na Fazenda Van Doren.
Ela tropeçou, mas o braço forte dele amparou-a e guiou-a até a privacidade da sala de equipamentos. Maggie sufocava com os soluços que tentava engolir e enxugava desajeitadamente as poucas lágrimas que lhe escorriam dos cílios. Phillip levou-a até o divã e sentou-a nas almofadas.
Desculpe. Ela estava tentando controlar-se. Phillip sentava-se no divã a seu lado, inclinando-se para ela com os cotovelos apoiados nos joelhos e as mãos entrelaçadas à frente. Os olhos cinzentos e pacientes fitavam-na atentamente.
Não precisa desculpar-se tranquilizou-a. A corda acionou alguma lembrança traumática que sua mente não pôde suportar, e você ficou desnorteada. O leve sorriso dele parecia dizer que tudo era perfeitamente normal. Aquela compreensão tranquila era demais para ela. Inspirou vivamente, com vontade de chorar. Quer falar comigo a respeito disso, Elizabeth? sugeriu Phillip. Às vezes ajuda.
As lágrimas começaram a correr pelas faces da moça.
Queria que meu irmão estivesse aqui. Maggie virou a cabeça para o lado. Poderia falar com Culley. Uma lágrima desceu-lhe pela boca, e ela a enxugou com mão trémula. Não chorei quando enterraram meu pai. Nem mesmo chorei quando aquilo aconteceu.
Você estava presente quando houve o acidente que matou seu pai? O médico estudava cada nuança da expressão da jovem, adivinhando que estava perto da verdade. De algum modo aquilo estava ligado à morte do pai dela.
Não foi um acidente. Embora ela soubesse que a tia, e todos aqui, tinham sido levados a acreditar que fora. Ele foi assassinado.
Antes que pudesse deter-se ou pensar no que dizia, Maggie estava botando para fora toda a história... os Calders, seu caso com Chase, o roubo do gado e o enforcamento do pai. Durante toda a narrativa, ela chorou como não conseguira chorar antes. Chegou uma hora em que Phillip se sentou na beira do divã e tomou-a nos braços enquanto ela contava sua história, aos soluços.
Era uma narrativa bizarra, imaginosa e difícil de acreditar, no entanto a dor e a angústia dela eram bem reais e genuínas. Mesmo que houvesse um exagero da verdade, suas perguntas com relação à reticência dela de falar no passado tinham sido respondidas. Metade do que tinha suportado teria derrotado uma moça de resistência normal.
Alisou-lhe os cabelos negros, enquanto apoiava a cabeça da moça no ombro.
Vocês deviam ter ido à polícia e contado tudo afirmou Phillip, com ar sombrio.
Não teriam acreditado na gente. Maggie soltou uma risada amarga que mais parecia um soluço. Provavelmente teriam achado que estávamos malucos. Além disso, de qualquer forma, eles recebem ordens de Calder. Não tínhamos provas, exceto a nossa palavra. E eles teriam perguntado qual fora o motivo de Calder. O que nos teria acontecido se disséssemos que o pai estava roubando gado, e da nossa parte do roubo? Culley podia ter ido para a cadeia, e eu para um reformatório.
Phillip podia entender que tinham sido forçados a ficar em silêncio para se proteger. A única coisa que ele achava muito difícil de aceitar era a existência continuada de uma justiça do tipo de vigilantes. Mais objetivo do que ela podia ser, ele reconhecia que tanto o pai dela quanto Calder tinham alguma justificativa para as suas ações, embora erróneas. Naturalmente, por causa do seu interesse nela, sua simpatia jazia com a moça, mas aquilo não o cegava para o outro lado.
Disseram que a morte dele foi suicídio. A voz dela continuava a tremer com o fluxo de lágrimas. Foi por isso que deixei tia Cathleen pensar que fora um acidente. Não podia dizer nada para ela... é católica devota. De qualquer forma, não foi suicídio, embora às vezes eu creia que ele tinha subconscientemente um desejo de morrer. Começou a tremer violentamente, vibrando nos braços dele. Eu os odeio. Odeio os Calders pelo que fizeram. Espero que alguém os destrua, algum dia.
A profundidade do seu ódio apaixonado abalou Phillip.
Não os odeie, Elizabeth. O ódio invariavelmente destrói aquele que odeia. Deixe tudo isso para trás instou. Não se esqueça de que o pai do seu filho é um Calder.
Ty jamais saberá disso declarou, enfaticamente.
Algum dia ele lhe fará perguntas sobre o pai. Phillip tentava raciocinar com ela.
Nunca lhe contarei quem é. Inventarei alguma história jurou e começou a chorar de novo.
Phillip a apertou mais forte e encostou os lábios contra a sua têmpora numa tentativa de confortá-la, como um pai beijaria um filho para fazer a dor passar. Foi assim que começou... com Phillip dando-lhe beijos leves na testa e nas faces e murmurando palavras de alívio para sua alma torturada. Ela virou o rosto para ele, inclinando a cabeça para trás para que ele pudesse continuar a acalmar sua dor e sofrimento.
Quando sua boca roçou os lábios dela e ele os sentiu se entregando suavemente, tudo mudou. Os sentidos dele tiveram consciência dos seios firmes apertados contra o seu peito e dos contornos macios do corpo esguio moldado ao seu. Era totalmente desejável e estava nos seus braços. Sua boca voltou para buscar o gosto doce dos lábios dela sob a cobertura salgada das lágrimas. O calor do corpo dela acendeu o desejo que fervia lentamente sob a superfície sempre que ele estava por perto dela. No meio do caminho, perdera a capacidade de controlá-lo. A paixão ardeu no beijo dele, e ela correspondeu, os lábios movendo-se contra os dele na mesma reação espontânea. Ele aprofundou o beijo, esfaimado, e sentiu-a entregar-se a ele.
Subitamente, as mãos dela empurravam-lhe o peito e ela se livrava alucinadamente do beijo dele, fitando-o com aqueles olhos verdes que pareciam ver um estranho. Ele começou a estender as mãos para ela, mas ela recuou.
Não me toque advertiu, e conseguiu se pôr de pé, afastando-se dele.
Elizabeth, eu... buscou as palavras para desculpar se
por seu comportamento por ter-se aproveitado dela, quando
estava num estado tão vulnerável.
Ela correu para a porta aberta, parando apenas o suficiente para se orientar antes de correr pelo pátio para o apartamento sobre a garagem. Phillip fitava-a, de junto das portas do estábulo.
Alguém vinha subindo as escadas do lado de fora da garagem. Maggie podia ouvir os passos, mas fingiu que não ouvia, e continuou a alimentar Ty na sua cadeirinha alta. Ty tentou agarrar a colher, então ela prendeu a mão dele e segurou a colher junto da sua boquinha fechada. Ele a fitou por vários segundos com os olhos castanhos firmes, depois sacudiu a cabeça.
Vamos, Ty. Só mais um pouquinho insistiu Maggie, no mesmo instante em que bateram à porta do apartamento. Lançou um olhar à tia, que estava raspando os pratos do jantar antes de lavá-los.
Deixe que eu atendo. A tia sorriu para a jovem mãe e o filho.
Enquanto a atenção de Maggie estava distraída, Ty agarrou a colher com a mão livre. Papa de abricó esguichou por entre seus dedinhos e pingou no tampo da cadeirinha alta. Soltando um suspiro exasperado, Maggie pegou o pano de prato úmido que ficava à mão para tais emergências. Depois de soltar a colher do aperto de mão firme do menino, limpou-lhe as mãos e a boca, depois as suas próprias, e o tampo da cadeira. Tinha sido a última colherada de papa de abricó do vidro, portanto ela desamarrou o babadouro que protegia a camiseta dele. Ty balançou as perninhas enquanto arrulhava, todo contente.
Quer descer e ir brincar, não é? implicou Maggie com ele, enquanto parte dela escutava Phillip cumprimentando a tia. Imaginara que ele viria vê-la depois do que acontecera naquela tarde. Tinha vontade de entrar em pânico, mas aquilo era contra sua natureza.
Posso falar a sós com Elizabeth? ouviu Phillip perguntar.
Houve uma fração de segundo de hesitação antes que a tia concordasse com o pedido.
Claro. Eu já ia levar o lixo lá para fora, de qualquer forma.
Maggie nunca vira a tia fazer perguntas pessoais, e ela não as fizera essa tarde, quando Maggie entrara correndo no apartamento delas, em cima da garagem. Cathleen nem mesmo se aprofundara no motivo pelo qual Maggie desmaiara, exceto para perguntar se ela se sentia melhor. Essa consideração oferecia a Maggie a privacidade de que precisava.
Elizabeth, o Dr. Phillip veio vê-la. A influência dos Gordons fizera com que a tia parasse de chamá-la pelo nome de Mary Frances. Maggie estava começando a acreditar que este era o nome de outra pessoa. Ergueu os olhos e deparou com a mirada firme nos olhos cinzentos dele. E então a tia estava pegando o saco de lixo para levá-lo lá para baixo e deixá-los a sós.
Ty estava ficando impaciente com Maggie por demorar tanto a soltar o tampo da cadeirinha alta e libertá-lo. Quando ela o tirou da cadeira, não o colocou no chão, como ele queria. Segurá-lo no colo fornecia-lhe uma distração conveniente, uma desculpa para evitar os olhos de Phillip.
Elizabeth, vim pedir-lhe desculpas por minhas atitudes de hoje à tarde falou Phillip.
Não é necessário negou ela, formalmente, enquanto Ty se contorcia nos seus braços.
Temo que seja muito necessário insistiu ele. Não posso achar desculpas para o que fiz. A única explicação é que descobri uma bela mulher nos braços e fiz o que qualquer homem normal faria no meu lugar... beijei-a. Não era minha intenção assustá-la.
A última frase fez com que ela erguesse os olhos. Finalmente olhou para ele e viu todas as coisas que estivera tentando não notar nesses últimos sete meses. Ele era bonito e esbelto, bronzeado e vigoroso. Seus cabelos tinham a cor do aço, porém os olhos eram de um cálido veludo cinzento. Enquanto Chase Calder era composto de bordas ásperas e inacabadas, e era agressivamente másculo, Phillip Gordon era o produto final e bem-acabado da virilidade, suave e encantador, sempre imaculadamente vestido. Um verdadeiro cavalheiro.
Não me assustou. Quando Ty começou a gritar de raiva, ela o botou no chão. Ele foi engatinhando apressadamente para junto dos seus brinquedos, no meio da sala. Maggie virou-se para ele para terminar de explicar a sua resposta. Fui eu. Parou de tentar ocultar os seus sentimentos. Sabe, queria que você me beijasse. Queria que me tocasse. Mais do que isso. Ficou mais ousada com a confiança que voltava. Queria que fizesse amor comigo. Não pensei que um homem poderia me fazer sentir desse jeito de novo. Não pensei que seria assim outra vez.
Elizabeth. Ele deu um passo involuntário na direção dela, o desejo brilhando-lhe nos olhos. Ficou ali por um instante fugaz; logo desapareceu, quando ele se conteve e sacudiu a cabeça.
Não sabe o que está dizendo.
Sei, sim, Phillip. Por conta própria ela deixou de lado o título profissional que geralmente precedia-lhe o nome quando se dirigia a ele.
Você tem dezessete anos e eu acabei de fazer quarenta e um.
Tenho idade bastante para ser seu pai explicou ele, suavemente.
Não estou fingindo que seja certo desejar que você faça amor comigo, mas não posso negar que é o que sinto declarou, jogando a lógica dele pela janela com sua afirmação da verdade.
Isso é apenas porque eu sou o homem mais à mão, e você é uma garota naturalmente carinhosa. Não vou permitir que se envolva comigo. Você tem demais pela frente, Elizabeth. Roçou-lhe a face com o dedo, numa carícia relutante. É inteligente, determinada e ambiciosa. A última coisa de que precisa é um caso com um velho.
Você não é velho, Phillip.
Suponho que esteja achando que todo esse cabelo grisalho é apenas uma forma de camuflagem ironizou ele.
Faz com que pareça muito distinto insistiu ela.
O que é apenas uma outra forma de dizer "velho". Sacudiu a cabeça, e sorriu. No outono, quando começar a faculdade, estará cercada de um bando de moços bonitões. Será mais feliz com alguém com idade semelhante à sua.
Como Chase Calder! Maggie cuspiu o nome, o seu génio vindo à tona. Não me lembro dessa experiência ter sido feliz.
Chase Calder foi apenas um homem. Não pode julgar todos os outros homens por sua experiência com ele. Pode apenas aprender com ela.
Chase estava sempre me ensinando alguma coisa lembrou-se ela, com amargura. Infelizmente era sobre sexo, em vez de amor.
Você tem muito que aprender sobre muitas coisas.
E vou aprender sobre tudo o que puder. Pelo que aprendera até então, Maggie soubera que era preciso muito mais coisa para se fazer uma dama do que simplesmente belas roupas e belas casas. Havia todo o mundo cultural para ser absorvido. Quero conhecer a arte e a música, o teatro e os clássicos. Quero falar outras línguas fluentemente... Parou porque a sua lista ficava interminável, quanto mais ela se expunha a coisas diferentes. Ergueu os olhos e deparou com um brilho malicioso e benevolente nos olhos de Phillip.
E quer viajar e ver os lugares por si mesma acrescentou ele com percepção outro item da longa lista de Maggie. Não há lugar para um velho na sua vida jovem. Você ainda tem muito que crescer.
Phillip tentou ela protestar. Mas ele a interrompeu.
Sinto-me lisonjeado que você me ache atraente, Elizabeth. Estou numa idade em que gostaria de chutar tudo para o alto e recapturar minha juventude perdida com alguém como você. Por favor, não me tente. Gostaria que me fosse poupada a indignidade de bancar o idiota por sua causa.
Jamais o faria de idiota. Sei o quanto isso dói. Ele segurou-lhe a face na palma da mão.
Vamos fazer um pacto. Quando você terminar a faculdade, veremos se ainda sente o mesmo a meu respeito, ou se tomou gosto pelo tipo jovem e aventureiro.
Ela virou o rosto na palma dele, fechando os olhos e curtindo silenciosamente o toque da mão macia contra a pele. Com uma certeza consciente, enfrentou o olhar dele.
Veremos o que acontece quando eu terminar a faculdade concordou, porque pressentia a sabedoria da sugestão dele, e porque tinha certeza de que seus sentimentos não mudariam. Eles haviam crescido lentamente, e não explodido de sopetão.
Nesse meio tempo, verei o que posso fazer para expandir os seus horizontes culturais. Esta simples frase indicava as coisas que estavam por vir.
Num fim de tarde no princípio de junho, Maggie subia as escadas que levavam ao apartamento em cima da garagem. Estivera com Pamela Gordon numa exposição de arte itinerante numa galeria local. Cada mês visitavam uma galeria de arte diferente na área de Los Angeles como cumprimento da promessa de Phillip de educála nas artes. Além disso, Pamela e Phillip, sempre os dois juntos, tinham levado Maggie para assistir a diversas sinfonias, a um bale e à ópera.
Quando entrou no apartamento, Maggie chamou alegremente:
Alo! Tem alguém em casa? Um gritinho feliz veio da direção da cozinha, seguido pelo som de pezinhos correndo. Ty cruzou a sala para recebê-la com o máximo de rapidez que lhe permitiam as perninhas gordas. Tinha quase um ano e meio... e era um garotão. Rindo, ela o tomou nos braços. Você agora não anda mais, Ty. Sempre corre. Abraçou-o enquanto ele dava uma resposta qualquer, atropeladamente. Está crescendo muito depressa suspirou Maggie, e recuou a cabeça para olhar para ele. Foi um bom menino, Ty? Ele a fitou silenciosamente com os olhos que eram decididamente castanhos.
Claro que foi. Cathleen deu a resposta, entrando na sala. Que tal a exposição?
Carregando Ty nos braços, Maggie foi até o sofá azul e se sentou.
Faiscante. Fez cócegas no garotinho no colo e ficou vendo-o rir enquanto continuava a conversar com a tia. Mesmo quando não entendo alguns dos quadros, é fascinante. Riu, lançando à tia um olhar desanimado. As sinfonias, a ópera, o balê, os museus de arte... todos se confundem na minha cabeça, às vezes. Os termos são tão novos que misturo surrealistas, impressionistas e cubistas com contraponto, fugas, e árias. Tenho muito o que aprender.
Aprenderá assegurou Cathleen. Depois, falou: Chegou uma carta para você, hoje.
De Culley? perguntou Maggie, esperançosa. Ele não escreve desde o Natal. Sei que tem andado ocupado, mas estou começando a me preocupar com ele.
Não é do seu irmão.
O envelope estava sobre uma mesinha lateral. Cathleen trouxe-o para ela, uma expressão satisfeita na fisionomia.
Quando Maggie viu o endereço do remetente carimbado no envelope, botou Ty no chão e rasgou a borda ansiosamente.
É o meu diploma do curso secundário! Exibiu-o orgulhosamente para Cathleen enquanto continuava também a fitá-lo. Agora vou poder ir para a faculdade no outono. Já lhe contei? Phillip acha que pode conseguir-me uma bolsa. Claro que isso significará fazer mais provas para demonstrar minha capacidade, mas não me importo. Mesmo que a universidade não me aceite, posso me matricular numa das faculdades comunitárias.
Maggie ganhou a bolsa e se matriculou na universidade. Recebeu uma breve carta do Culley naquele verão, mas as cartas dele foram-se tornando menos frequentes. Em geral, consistiam de bilhetes rabiscados num cartão de Natal ou no cartão de aniversário que enviava todo mês de agosto, com uma carta ocasional de meia página entre um cartão e outro. Todos continham alguma referência venenosa aos Calders, e uma jura de vingança. Elas nunca permitiam que Maggie expulsasse o passado totalmente da cabeça.
A moça também estava muito atarefada. Além das aulas na faculdade, tinha que cuidar de um menino arteiro, exercitar e exibir os cavalos de Phillip, e ainda usufruir de todo o entretenimento cultural que Los Angeles tinha para oferecer. Às vezes era acompanhada por Phillip e Pamela, nunca por Phillip sozinho. Com frequência tinha por companhia um colega de turma. Essas eram as ocasiões em que saía com rapazes, e não eram tantas assim. Tentou seguir os conselhos de Phillip e sair com homens mais ou menos da sua idade. Poucos a haviam impressionado, mas um ou dois tinham sido bem divertidos. Descobrira que a paixão podia ser uma emoção fabricada.
Era apenas com Phillip que se sentia segura e à vontade. O médico exercia uma boa influência sobre ela, conseguindo fazê-la controlar seu génio e fazê-la rir. Geralmente cavalgavam juntos de manhã cedo, treinando e exercitando os cavalos de exibição. Às vezes, ele falava do seu trabalho e das recompensas existentes em se pegar uma coisa quebrada e deformada e consertá-la. Parecia que era o que estava fazendo com ela. Como cirurgião plástico, sua perícia era renomada nos círculos médicos. Maggie o admirava, respeitava e confiava nele, e a atração física ainda perdurava.
Para ele era a mesma coisa. Ela sabia disso porque tinha observado com frequência o modo como ele a olhava quando pensava que ela não estava vendo. Ao se encontrarem no meio da multidão, num intervalo de teatro, sempre havia algo de possessivo no jeito como ele a tocava e a mantinha a seu lado. Muitas vezes Maggie se sentiu tentada a usar os artifícios femininos que aprendera e acender o desejo que ardia sob a superfície controlada dele. Não o fez porque se lembrava do tipo de conversas que circulara sobre ela e Chase. Phillip se grilava tanto com a diferença de idade entre eles que ela sabia que seria a primeira coisa com que os fofoqueiros implicariam. Gostava demais dele para querer que as pessoas fizessem comentários mordazes por suas costas. Sendo assim, deu tempo ao tempo.
As lágrimas brilhavam nos seus olhos verdes enquanto agarrava o diploma da faculdade numa das mãos e abraçava o menino moreno de cinco anos que lhe enlaçara o pescoço e lhe dera um beijo molhado na face.
Congratulações, mamãe. Ty pronunciou a palavra corretamente. Era grande para a idade, com uma ossatura larga que indicava que ainda cresceria muito mais. Tinha os cabelos castanhos, não negros, parcialmente descorados pelo sol da Califórnia, e seus olhos eram castanhos, mas Maggie se negava a ver a semelhança da criança com Chase Calder. Ty era filho dela.
Obrigada. Beijou o ar perto da bochecha do menino porque ele detestava quando o seu batom deixava marca vermelha nele. Ainda se inclinando até a altura dele, recuou para olhá-lo e sorriu. Quem lhe disse para falar isso?
Pip. Nunca conseguira pronunciar Phillip direito quando estava aprendendo a falar. Há muito tempo que virara Pip.
Ela ergueu os olhos para deparar com o orgulho carinhoso na expressão dele, mas quando soltou os braços do filho do pescoço e se endireitou, foi a tia que abraçou. Esta mulher bondosa e meiga a escolhera, sem fazer perguntas, sem jamais fazer recriminações quanto à ilegitimidade do nascimento de Ty, e sempre tratara Maggie como se fosse sua própria filha, uma mulher que não se queixava, tão parecida com a irmã... a mãe de Maggie, que desejara acima de tudo que Maggie tivesse instrução. Agora, aquilo se tornara realidade.
Sei que sua mãe sente muito orgulho de você, Elizabeth. Cathleen chorava suavemente... como fazia todas as outras coisas.
Os pensamentos dela também tinham tomado a mesma direção que os de Maggie. Esta sentiu um bolo na garganta que não lhe permitiu mais do que um enfático:
Obrigada, Cathleen.
A tia abraçou-a forte, mais uma vez, depois recuou.
Só queria que seu irmão estivesse aqui para vê-la. Acha que ele não recebeu a passagem de avião que você lhe mandou?
Culley... provavelmente estava ocupado demais. Há muito trabalho para ser feito numa fazenda nessa época do ano.
Ela deu as desculpas por ele. Desejava que Culley pudesse estar ali para partilhar este momento com ela, mas também se dava conta de que ele se sentiria constrangido nesse ambiente, pouco à vontade. Talvez ele soubesse disso. Ou quem sabe estava realmente ocupado. Provavelmente este era o motivo real, mas não pôde deixar de desejar que o rapaz estivesse ali. Virando-se, debruçou-se para apertar a face contra a de Pamela. A bela loura estava estupenda, como sempre, vestindo um longo cor-de-rosa que descia suavemente pela frente da cadeira de rodas. Maggie perdera algumas das suas ilusões sobre Pamela. A mulher fora prestativa e educativa, mas Maggie era aceita pela irmã de Phillip por causa do Ty. Ela adorava o filho de Maggie. Ty até mesmo a chamava de "Tia" Pam.
Parabéns, Elizabeth. O sorriso dela era encantador, porém não mais do que agradável.
Obrigada, Pamela.
O coração dela batia com força enquanto olhava para Phillip, parado ao lado da cadeira de rodas da irmã. Os cabelos cor de aço tinham ficado prateados nas têmporas, mas parecia vigorosamente bonitão, tão alto e esbelto e queimado de sol.
Você está muito distingué, Phillip. disse Maggie, treinando um pouco do francês que agora falava fluentemente. Parece que guardei o melhor para o fim. Estendeu-lhe a mão esquerda, que ele usou para puxá-la para frente. Obrigada, por tudo.
Este é um dia glorioso... para todos nós. Parecia que tinha acrescentado o restante da frase para disfarçar a intensidade do seu olhar.
Ela ficou parada diante dele, deixando que a percorresse com os olhos enquanto irradiava uma sensação de confiança serena. Usava os cabelos negros até os ombros, num corte destinado a realçar a tendência para ondular. A maquiagem hábil e sutilmente aplicada enfatizava todos os seus melhores pontos... suavizava as maçãs do rosto fortes e realçava o verde brilhante dos olhos com os cílios negros e espessos. O batom vermelho vivo delineava os contornos suaves dos seus lábios. Maggie sabia que estava com jeito chique de adulta, e se portava com um ar de maturidade.
Quando ele inclinou a cabeça para ela, Maggie ficou desapontada quando apenas roçou a boca de encontro à sua face.
Será que não mereço mais do que um beijinho na face? admoestou-o e se levantou para levar os lábios para junto dos dele.
Ele levou as mãos aos ombros dela para manter sua posição, enquanto um fogo agradável aquecia-lhe o sangue. Os lábios deles se tocaram por apenas alguns segundos, mas o beijo cobriu o espaço de quatro anos de expectativa e tornou válida a longa espera. Um brilho suave estava na fisionomia dela, quando se afastou.
Pip está com o batom da mamãe na boca disse Ty, rindo e apontando.
Tem um gosto bom assegurou Phillip enquanto tirava o lenço de linho do bolso do terno para limpar o vermelho da boca. Fê-lo com uma certa ostentação que indicava orgulho no seu gesto, como se tivesse esperado por um motivo para limpar o batom dela.
A referência ao gosto fez Ty se lembrar de outra coisa.
Podemos ir, mamãe? Tia Cathleen fez bolo e doces e tudo. Eles podem estragar, se não formos para casa.
Podem mesmo disse ela rindo e concordando.
Esperem aqui falou Phillip, e acrescentou com um erguer meio irónico da sobrancelha: Vou ver se encontro o carro.
Além do bolo e chá (leite para o Ty) havia presentes à espera dela na casa dos Gordons. Antes que Maggie tivesse uma chance de abri-los, chegou um telegrama entrega-rápida da parte do irmão. Ela assinou o recibo e rasgou o envelope.
Dizia:
MAGGIE PARABÉNS. DESCULPE EU NÃO TER
PODIDO IR. SEMPRE SOUBE QUE VOCÊ ERA CAPAZ. AINDA VAMOS MOSTRAR ÀQUELES CALDERS.
CULLEY
O nome dos Calders invadia até mesmo aquele dia especial.
Mais tarde, depois que Maggie tinha posto Ty para dormir, disse à tia que ia dar uma volta, explicando que o dia fora excitante demais e que não conseguiria dormir. Cathleen concordou que um passeio lhe faria bem.
Uma luz ardia na janela da sala de equipamentos no estábulo. Maggie meio adivinhava e meio esperava que fosse Phillip. Quando ela entrou, a mistura aromática de fumo de cachimbo e sabão de sela chegou-lhe em primeiro lugar. Phillip fitava uma foto na parede, de Maggie montando o cavalo saltador preto dele, Sable. Estava vestido de cinza, uma cor que lhe ficava tão bem, uma camisa cor de pérola e calça cinza escura ao estilo continental justo. Virou-se para ela, quando a moça se aproximou.
Lembra-se do pacto que fizemos há quatro anos? disse parando diante dele.
Lembro-me muito bem, Elizabeth. A voz dele estava rouca, mas ainda usava a máscara que ocultava seus pensamentos sempre que ela estava por perto.
Nada aconteceu para modificar o jeito como me sinto. Antes que ele pudesse dizê-lo, Maggie o fez. E não me diga que tem idade para ser meu pai porque não faz nenhuma diferença. Então o que vamos fazer a respeito?
A sombra de um sorriso espalhou-se lentamente na fisionomia dele.
Acho que um homem tem o direito de bancar o idiota por causa de uma mulher pelo menos uma vez na vida. Porque não vem beijar este velho idiota?
Com uma risada suave e exultante, ela deslizou para os braços abertos dele e ergueu a boca para encontrar os lábios que desciam. O beijo era firme na sua posse, tomando o que era dele havia muito tempo. Se lhe faltava o fogo espontâneo, sua experiência em despertar uma resposta compensava-o amplamente. Além disso, Maggie se queimara com o seu caso com Chase, um caso que se iniciara com substâncias químicas combustíveis. Não estava buscando essa volatilidade sexual com um homem. Queria uma coisa segura e sólida, um relacionamento que fosse a antítese completa daquele que conhecera com Chase. O jeito de fazer amor de Phillip oferecia-lhe isso, o seu beijo excitando-a sem fazer com que perdesse a cabeça.
Quando Phillip começou a chover beijos deliciosos sobre o seu rosto, ela fechou os olhos de puro contentamento. Apoiava as mãos serenamente na parede magra do peito dele, sentindo o bater errático do seu coração. Seus braços lhe ofereciam um abrigo seguro. Prometiam segurança, conforto, devoção... todas as coisas que ela estava buscando. Ele era o pai que nunca tivera; o amigo que jamais conhecera.
Eu o amo, Phillip. As palavras vieram-lhe facilmente aos lábios.
A boca exploradora do homem parou junto ao canto da dela, e um estremecimento o percorreu.
Esperei tanto para ouvi-la dizer isso, minha querida, tanto. Beijou-a confiante e seguramente.
Ela não desejava fogo ou chamas, só uma incandescência intoxicante. As mãos dela não acariciavam músculos possantes, apenas carne esbelta, esguia. Preferia a perícia à paixão crua. Não queria nenhum homem nos seus braços que a recordasse Chase Calder... nenhum fantasma do passado para confundi-la com relação à pessoa com quem estava no presente, portanto não ficou desapontada. Ficou radiante por ter encontrado exatamente a pessoa que buscava, alguém a quem podia ligar-se emocionalmente, e que atenderia às suas necessidades sexuais.
A espreguiçadeira dela estava colocada à sombra de uma árvore para que Maggie pudesse fugir ao calor do sol de julho e ainda ver Ty brincando de bandido e mocinho sobre a grama. Lançou um breve olhar à carta no seu colo, mas sua atenção ficou presa ao pesado anel de diamantes no seu dedo, o anel de noivado que Phillip lhe dera.
O casamento iria realizar-se em setembro. Antes disso Phillip não conseguiria livrar-se dos seus compromissos profissionais para poderem ter uma lua-de-mel apropriada. Maggie tinha sugerido que se casassem agora e saíssem posteriormente para a lua-de-mel, porém ele tinha rejeitado o plano, insistindo que queria fazê-lo à moda antiga... o casamento, seguido imediatamente pela lua-de-mel. Maggie tinha certeza de que suas suspeitas eram corretas: o verdadeiro motivo disso era dar-lhe esses meses de verão para pensar bem, mas ela não tinha absolutamente dúvida alguma de que queria casar-se com ele.
Ninguém tentara convencê-la a não se casar com Phillip. A tia hesitara apenas um instante até que observara como Maggie parecia feliz e satisfeita, e imediatamente dera-lhe sua bênção. Pamela era a única que tinha suas dúvidas quanto ao casamento deles, mas por um motivo inteiramente diverso do de Phillip, que era a diferença de idades. Como Maggie aprendera a descobrir, Pamela era essencialmente egocêntrica, acostumada a um irmão devotado. Ao mesmo tempo que estava radiante com a perspectiva de Ty morar na mesma casa que ela, Pamela não gostava da ideia de ter que competir com outra mulher pela atenção do irmão. Exigira um pouco de tato por parte de Maggie convencê-la de que não havia motivo para preocupação. Agora era a futura cunhada quem estava organizando todos os detalhes para a cerimónia, que ia ser simples, nada ostensivo ou elaborado.
Naturalmente, Maggie informara Culley do seu próximo casamento, e lhe escrevera sobre o noivo. Havia algumas coisas que não lhe dissera, coisas que ele não compreenderia. Grande parte da atração que sentia por Phillip provinha da imagem paterna positiva que ele representava. Maggie não podia explicar isso ao irmão. O pai deles não tinha sido uma pessoa a quem pudesse admirar ou respeitar. Angus O'Rourke jamais assumira a responsabilidade de tomar conta da filha. Na verdade, fora o contrário. Ela sabia que Phillip sempre cuidaria dela e se preocuparia com os seus interesses, além dos dele próprio. Estaria presente quando ela precisasse do apoio de alguém, porém, ao mesmo tempo, Phillip deixaria que fosse independente, dona do seu nariz, como um pai devia fazer.
Era um relacionamento de muitas facetas. Maggie escrevera para Culley apenas aquela parte que ele compreenderia. Releu mais uma vez a resposta do irmão.
12 de julho Querida Maggie,
Parabéns por seu noivado. Espero que Phillip a faça muito feliz. Pelas coisas que você disse dele na sua carta, parece que fará. Gostaria de poder conhecê-lo, mas não estou vendo jeito de poder comparecer ao casamento.
As coisas por aqui não vão indo muito bem. Não chove desde abril. O solo está todo rachado e duro. O único riacho já secou e o capim está pegando fogo. Se não chover logo, vou ter que dar o feno do inverno para o gado, para ele ter alguma coisa para comer. Praticamente todo o mundo está carregando água... exceto os Calders, é claro. Eles têm muita água. Estão distribuindo-a para o resto de nós como se fosse balas, dando-nos apenas o bastante para não deixar que morramos, mas não o bastante para satisfazer nossa sede.
Que bom que você saiu daqui, Maggie. Por aqui não há médicos ricos para marido, só um bocado de poeira e calor. Não posso estar presente, mas desejo-lhe todas as felicidades.
Seu irmão, Culley
Ela deixou o papel pousar no colo mais uma vez e lembrou-se de como o Sol podia ressecar o céu de Montana. Ouviu passos na grama que se aproximavam da espreguiçadeira. Maggie ergueu os olhos e deu um sorriso de boas-vindas, quando viu Phillip caminhando em sua direção.
Alo. Ele parou ao lado da cadeira e debruçou-se para beijar-lhe de leve a boca. Seu olhar pousou na carta no colo da moça. O que é isso? Uma carta de amor? Implicou com ela com um sorriso, enquanto puxava outra espreguiçadeira e se sentava mais perto dela.
É do meu irmão. Dobrou a carta pelos vincos e devolveu-a ao envelope. Ele não vai poder vir ao casamento. Setembro é um mês muito atarefado na fazenda.
Esta não era a primeira vez que Phillip observava como ela ficava quieta e introspectiva depois de receber uma carta do irmão. Ele adivinhava que elas abriam velhas feridas. Percebeu um vestígio de desapontamento na expressão da noiva.
Sei o quanto você estava contando com a presença do seu irmão. Quem sabe se adiássemos o casamento para outubro ou novembro... Phillip nem pôde completar sua proposta.
Não. A recusa dela foi firme. Tudo já está resolvido. Vamo-nos casar em setembro.
O médico não tentou discutir com ela, ficando mais alegre, sorrindo e dizendo:
Ótimo. Enfiou a mão no bolso do paletó do terno de verão e tirou de lá meia dúzia de folhetos de viagem. Porque acabo de chegar do meu agente de viagens. Que tal lhe parece uma lua-de-mel em setembro em Paris? Passou-lhe os folhetos e as reservas. Achei que gostaria de treinar o seu francês.
Paris?! Phillip, é maravilhoso! Inclinou-se para beijálo, depois começou a examinar ansiosamente os folhetos. Sempre sonhei em ir lá.
Então, estou duplamente feliz porque escolhi essa cidade.
Eu também. Estendeu a mão para ele e ficaram de mãos dadas. Com um olho atento de mãe, notou Ty tocaiando um inimigo imaginário perto dos canteiros. Ty, não se meta no meio das rosas! avisou. O garotinho parou, depois começou a escapulir noutra direção. Ele está chegando numa idade onde eu nunca sei o que vai fazer a seguir. A qualquer minuto espero que se pendure numa árvore e banque o Tarzan murmurou, com um leve aceno de cabeça.
Ando querendo conversar com você sobre Ty disse Phillip.
O que ele fez, desta vez? perguntou ela, sorrindo.
Não é nada que ele tenha feito, Elizabeth assegurou Phillip. É o que eu quero fazer. Gostaria de adotá-lo. Sempre quis ter um filho.
A voz dela estava rouca, quando replicou:
Ty não poderia escolher um homem melhor para ser o seu pai.
Ligarei amanhã para os meus advogados para começar o processo de adoção. Se Deus quiser até setembro nós três seremos legalmente uma família.
Gostaria muito disso falou, apertando mais a mão dele. Ty berrou um cumprimento para alguém e Phillip olhou e viu Cathleen empurrando a cadeira de rodas da irmã pelo relvado, vindo na direção deles.
Vocês dois estão parecendo um velho casal casado, sentado aí de mãos dadas observou Pamela. Espero que não se importem se eu lhes fizer companhia.
Claro que não. Maggie apressou-se diplomaticamente em dar-lhe as boas-vindas.
Foi uma cerimónia muito simples. Um dos colegas de Phillip, amigo dele, foi o padrinho, e Pamela foi a madrinha de Maggie. Como Culley não estava presente para levá-la ao altar, ela e Phillip caminharam juntos até ele para receber o sacramento do matrimónio, enquanto Cathleen e Ty a tudo assistiam.
A recepção foi realizada ao ar livre no gramado da casa dos Gordons, com cerca de 50 amigos presentes. Pamela contratara um bufê com garçons uniformizados. Havia champanha, uma variedade de horsd'oeuvres, inclusive caviar, e o bolo de noiva tradicional. Tudo foi feito em escala pequena mas suntuosa, incluindo um fotógrafo para documentar o acontecimento.
Durante um raro momento em que estavam sós, um pouco afastados do grupo de convidados, Phillip sorveu sua taça de champanha e examinou serenamente a jovem noiva.
Está feliz, Elizabeth?
Estou. A resposta foi meiga e positiva, reafirmando o que os olhos dele viam. Somente uma coisa poderia tornar-me mais feliz do que estou neste minuto. Gostaria que Culley estivesse aqui. Teria sido ótimo se ele pudesse tê-lo conhecido.
Posso alterar as nossas reservas para incluir uma parada em Montana. Não seria difícil de arranjar isso.
Não. Era uma resposta definitiva. Enfiou a mão na curva do braço dele. Esta é uma época feliz para nós. Não quero nada atrapalhando ou modificando isso.
Ele sorriu, aceitando a decisão dela, e se perguntou se jamais conheceria toda a verdade sobre o seu passado. Passara por tanta coisa, na sua jovem vida. Tudo acontecera lá em Montana. Ele estava começando a se dar conta de que ela precisava da estabilidade que ele podia oferecer. Precisava dele tão desesperadamente quanto ele a amava e necessitava.
Um céu de crescimento, Um céu de dor, Este céu que vê Um novo Calder reinar.
O capim farfalhava como palha seca sob os cascos do seu cavalo. A terra parecia cozida e ressequida pelo sol fortíssimo e a falta de chuva. Chase apertou os olhos contra a luz enviesada do sol da tarde. Acima dele não havia nada exceto um céu de azul vivo. Estreitou os lábios ao ver uma vaca pastando, ao invés de estar deitada à sombra, ruminando. Não gostava de ver isso a esta hora do dia, porque significava que não havia pastagem suficiente.
Os suprimentos de água das fazendas das colinas em volta da Triplo C já tinham secado e sua grama queimado. A Triplo C partilhara o máximo de água que pudera com seus vizinhos. Ainda tinha água, mas o viçoso pasto dos Calders estava chegando a um ponto crítico. Iam ter que recolher os novilhos de um ano cedo, naquele outono, antes que começassem a perder peso. Era isso o que as pequenas fazendas vizinhas deviam ter feito mais cedo para poupar seu pasto e água, mas ficaram se segurando, certos de que acabaria por chover. Mas não chovera. E os outros fazendeiros não tinham os recursos para se aguentar por tanto tempo quanto a Triplo C.
Uma buzina fez com que Chase freasse o cavalo e se virasse na sela. Parecia que alguém tinha esquecido a mão na buzina. Uma pick-up apareceu, sacolejando, correndo desesperadamente pelo terreno irregular. Chase reconheceu Stumpy ao volante. Acenava para ele feito louco. Girando o cavalo, Chase saiu a trote para interceptar o veículo.
O que foi? O cavalo girou o traseiro quando a pick-up freou, guinchando.
Entre - Stumpy estendeu o braço e abriu a porta do lado do passageiro. O patrão está ferido.
Chase enrolou as rédeas no arção dianteiro enquanto pulava da sela e soltava a montaria. Não fez nenhuma pergunta até estar dentro da boleia. Stumpy arrancou antes que ele tivesse acabado de fechar a porta.
O que aconteceu? Se o pai de Chase estava ferido, isso queria dizer muito ferido, e a mente dele repassava todas as possibilidades.
A pick-up capotou. Ele foi jogado para fora, mas ela caiu em cima dele.
Stumpy Niles pisava no acelerador até o fundo e segurava o volante com as duas mãos para impedir que fosse arrancado dele pelos solavancos, enquanto o veículo corria sobre o terreno irregular.
Chase fitou rapidamente o motorista, abalado com o choque.
Ele está muito ferido?
O peito dele foi esmagado. Stumpy não tirava os olhos do terreno à frente, mas seu perfil demonstrava uma expressão sombria. Estava chamando você. Houve uma pausa enquanto ele diminuía a marcha da pick-up para parar diante da porteira.
Saltando da boleia, Chase saiu correndo para abrir a porteira para Stumpy poder passar. Soltava palavrões baixinho, e distraidamente se perguntou por que o homem sempre usava palavras de baixo calão nas situações em que se sentia impotente. Logo que a traseira da pick-up ultrapassou a porteira, Chase fechou-a e correu para se juntar a Stumpy na boleia.
Quando chegaram ao local, uns bons 20 minutos mais tarde, uma meia dúzia de cavaleiros tinha tirado a pick-up de cima do pai dele, com a ajuda de um punhado de homens a pé. Estavam enrolando as cordas de nylon brancas que tinham sido amarradas à pick-up. Chase viu Nate ajoelhado junto à figura do pai, deitado na margem inclinada de uma vala.
O silêncio entre os homens era impressionante, enquanto Chase saltava do veículo. Nate se endireitou e recuou, quando ele apareceu, deixando Chase ver pela primeira vez o rosto sem cor do pai e seu peito esmagado. O rapaz caiu de joelhos ao lado dele, estendendo parcialmente os braços, querendo fazer alguma coisa para aliviar a dor que o pai tinha que estar sentindo. Os olhos do homem se abriram, da mesma cor castanha que os seus, mas a luz que havia neles estava sumindo.
Eles o encontraram, filho. Graças a Deus. A voz rascante foi interrompida por uma tosse que fez sair sangue pelo canto da boca e tirou ainda mais um pouco de cor do rosto.
Chase trincou os dentes para impedir o gemido angustiado de sair. Tirando o chapéu, ergueu com carinho e cuidado a cabeça do pai e fez o chapéu de travesseiro. Depois, enxugou o sangue com o lenço.
Não tente falar, papai. A voz dele era tensa, espremida para manter-se firme. Ergueu os olhos para Nate. Vamos improvisar uma padiola para ele na traseira da pick-up do Stumpy. Certifique-se de que o avião esteja pronto para decolar na pista.
Nate apenas olhou para ele com tristeza por um longo segundo, depois virou-se para ir juntar-se ao resto dos homens, reunidos a alguns metros de distância.
Não adianta, filho. Mas a força na mão que segurava o
braço de Chase parecia refutar a afirmação. Nenhum homem forte assim podia morrer. Posso ouvir as minhas costelas raspando umas nas outras, parecendo um monte de louça quebrada. Eu vou me afogar no meu próprio sangue antes que vocês consigam levarme a um médico insistiu o pai. Havia um chocalhar terrível a cada respiração curta e dolorosa que ele dava.
Aguente firme, papai instou Chase, recusando-se a desistir.
Os olhos castanhos fecharam-se, numa negativa, depois se abriram para fitar Chase carinhosamente.
Agora é tudo seu. Webb perscrutou o rosto do filho com profunda tristeza. Você é jovem demais, apenas vinte e sete anos. Precisava de mais alguns anos de amadurecimento. Apertou os dedos no braço do filho. Eles vão ver isso e virão atrás de você. Sabe disso?
Sei, papai.
Lá estava aquele misterioso "eles" de novo. O braço dele estava sendo apertado com tanta força que a circulação quase se interrompera. Era impossível acreditar que qualquer coisa pudesse matar este homem. O pai sempre parecera indestrutível.
Terá que lutar para manter a Triplo C intacta. Terá que estar pronto. A voz fraca e rascante tinha uma nota de desespero, enquanto um outro espasmo de tosse o atacava.
Você não vai morrer insistiu Chase, enquanto enxugava o sangue que escorria da boca do pai.
Pareceu passar-se muito tempo até que a tosse cessou e o sangue ficou reduzido a um filete que escorria do canto da boca. Webb descansou por um momento, tentando conservar as forças que lhe restavam, mas havia tanta coisa que precisava dizer a Chase.
Um homem tem que viver de modo a não ter medo de morrer. Não estou com medo, mas não quero ir. Não quero deixá-lo ainda. A dor contorceu-lhe o rosto. Dói... parece que meu peito está em fogo... me incendiando.
Chase virou parcialmente a cabeça para dar uma ordem ao grupo de vaqueiros parados silenciosamente a um canto.
Alguém me traga um pouco d'água.
Não notou quem trouxe o cantil. Simplesmente o desarrolhou e deixou um pouco de água cair na boca do pai. A dor nas suas feições foi-se suavizando. A boca relaxou ligeiramente, quase formando um sorriso.
Está melhor suspirou Webb e ergueu os olhos para o céu que encimava a Triplo C. As nuvens estão-se formando. murmurou. Que bom. Precisamos da chuva.
Um arrepio gelado correu pela espinha de Chase. O céu estava de um azul sólido. Não havia uma só nuvem à vista. Os músculos da sua garganta crisparam-se ferozmente para controlar o soluço de protesto que vinha subindo. Os olhos dele ardiam.
Quem me dera poder ficar. A voz do pai era pouco mais do que um sussurro, o chocalhar ficando mais alto. Diga a Ruth... Parou para inspirar, mas não chegou a fazê-lo.
Chase esperava, fitando-o numa descrença entorpecida, a mente se recusando a aceitar que o pai tinha morrido. Não o seu pai. Não Webb Calder, o patriarca do império Calder. Mas a cabeça grisalha tinha caído para o lado, e Chase desviou o olhar enquanto fechava os olhos castanhos que nada enxergavam.
Sentiu uma mão no ombro. Chase ergueu os olhos e viu Nate parado a seu lado. Não havia expressão no rosto do homem. Chase apagou qualquer uma do seu, enquanto se levantava e corria os olhos pelos outros empregados da fazenda. Alguns desviavam os olhos; outros o encaravam; mas ninguém falou. Tantos dos filhos nativos da fazenda estavam ali - Stumpy, Nate, Slim Trumbo, Ike Willis. Todos tinham o chapéu nas mãos.
Ninguém apareceu na Casa Grande naquela noite, mantendo-se todos distantes como ditava seu código, para dar a Chase tempo de reconciliar-se com a perda do pai e para chorar sua dor em particular. Não foi a Ruth, mas outra das mulheres dos vaqueiros quem preparou sua refeição naquela noite, colocou-a na mesa de jantar, e se retirou silenciosamente.
A mesa parecia imensa. Chase ficou ao lado dela e fitou a cadeira vazia à cabeceira, onde o pai sempre se sentava, e onde o prato de comida esperava por ele. Virou-se e saiu da sala. Entrando no escritório, fechou a porta atrás de si e se dirigiu até o bar. Serviu-se de uma dose dupla de uísque, engoliu-a, e voltou a encher o copo.
O silêncio da casa o sufocava enquanto caminhava até a enorme lareira de pedra e apoiava o pé na parte inferior alta. Ergueu os olhos da boca negra e escancarada para o par de chifres que encimava a cornija de pedra. A história lhe era familiar, uma história de sua infância, muitas vezes narrada. Cada rebanho em viagem tinha um novilho na liderança. Captain era o longhorn malhado que liderara o rebanho do seu xará, Chase Benteen Calder, na viagem longa e árdua do Texas até Montana. O animal vivera até uma idade provecta nos ricos pastos de Montana. Quando morreu, seus chifres majestosos foram armados e pendurados acima da lareira para que as gerações futuras apontassem e contassem aos filhos a história da perigosa viagem conduzindo o gado; os homens perdidos nas travessias de rios, o jovem vaqueiro morto num estouro da boiada... o preço pago para se chegar até o ponto livre e se forjar um novo começo no que era então o Território de Montana.
Chase virou a cabeça para olhar para o mapa amarelecido na parede atrás da escrivaninha. Um músculo se crispou no seu maxilar, quando recuou intimamente ante o tamanho da fazenda. Toda a vida fora criado na certeza de que um dia tudo aquilo seria seu. Nada mais lhe passara pela cabeça. Subitamente perguntou-se se era aquilo o que queria. Seus ombros se curvaram sob o peso da responsabilidade que aquilo acarretava... não apenas administrá-lo com êxito, mas todas as pessoas cujas vidas agora dependiam de suas decisões. Era assustador. Sentiu-se abalado por uma incerteza de que seria capaz.
"É tudo seu agora, filho." A voz rascante do pai falava com ele de novo. "Mantenha-o intacto."
Seus dedos se apertaram no copo de uísque, os nós ficando brancos. Jamais se sentira tão só na vida. Tinha vontade de gritar chamando alguém para aliviar essa dor aguda. Mas não havia ninguém. A mãe há muito morreu, nem mesmo uma lembrança dela sobrara em sua mente. Buck, seu melhor amigo, o traíra. Agora o pai também se fora, a única força inabalável da sua vida arrancada de si.
Pegou-se desejando a maciez de uma mulher. Maggie. Foi a imagem dela que lhe veio à mente. Nos seus braços sempre se sentira muito vivo. Santo Deus, como precisava dela hoje. Mas ela estava em algum lugar da Califórnia... muito longe do seu alcance. Parte dele sabia que, se ela estivesse na sala ao lado, ele não teria ido procurá-la. Eles não tinham compartilhado outra coisa que não sexo, e sexo não era do que estava precisando esta noite. Precisava do apoio e conforto de alguém que gostasse dele, alguém que ficasse a seu lado em silêncio.
Não havia ninguém. Estava só. Amanhã todos buscariam orientação com ele... para continuar a tradição dos Calders. Com passos pesados, atravessou a sala até a escrivaninha. Será que conseguiria seguir as passadas do pai? Não, não era assim que devia ser feito. Um líder tinha que abrir a fogo seu próprio caminho.
Sentando-se à cadeira atrás da escrivaninha, Chase começou a folhear a correspondência sobre o tampo. Uma carta com aparência oficial deu a Chase o primeiro indício dos problemas que o pai avisara que esperasse.
Num terno marrom escuro de estilo do Oeste, Chase estava de pé ao lado do pastor junto ao túmulo, segurando o Stetson de cor creme à sua frente. Um vento seco arrepiava seu cabelo castanho e levantava a poeira do chão. Indiferente às palavras de oração que o pastor dizia, Chase examinava o grande grupo de pranteadores que comparecera à cerimónia. Seu olhar pousou primeiro na delegação da fazenda. Todas as cabeças estavam inclinadas, exceto a de Tucker. Chase ainda não entendia por que o cozinheiro ainda trabalhava para a Triplo C, por que não se mandara depois de guardar algum dinheiro. Tucker enfrentou o seu olhar sem vacilar. Chase arquivou mentalmente a advertência de que Tucker lhe causaria problemas.
Desviou o olhar para Ruth e Virgil Haskell. O homem abraçava a mulher, que chorava silenciosamente. Chase jamais contara a Ruth que o seu nome fora a última palavra que o pai pronunciara. Não havia outro recado a dar, exceto este e, olhando para Virg, concluiu que estivera certo em não falar. Não se conseguiria nada com isso, salvo talvez mais sofrimento.
Quando se fixou no pessoal da cidade e nos estancieiros vizinhos que se haviam reunido para prestar as últimas homenagens ao pai, sentiu um leve choque percorrê-lo. Lembrou-se de que certa vez, há muito tempo, o pai lhe dissera que ninguém gosta de alguém que seja mais forte, mais rico ou mais poderoso do que ele. Estavam todos sempre procurando um jeito de derrubá-lo. Agora, Chase podia ver isso por si mesmo. Estava nos olhos deles que esperavam que ele quebrasse a cara e arrastasse consigo a Triplo C.
Por último o seu olhar pousou no Senador Franklin T. Bulfert, que viera de avião para assistir ao enterro e ia partir logo em seguida. Ficou pensando nas coisas que sabia sobre o político, e que o povo não sabia. Aquela seria sua munição... o seu conhecimento e a sua disposição em utilizá-lo.
O "Amém" do pastor teve eco no murmúrio suave da multidão. A cerimónia acabara. Chase lançou um olhar ao caixão e meteu o chapéu na cabeça. Sabia que o pai o perdoaria por não se demorar junto ao túmulo, quando havia negócios importantes da Triplo C a tratar. Parando para apertar a mão do pastor, murmurou uma resposta sem sentido para as condolências oferecidas, depois dirigiu-se para junto do senador.
É um dia sombrio, Chase, um dia sombrio declarou o
político solenemente. Gostaria de poder expressar o que a perda de um bom amigo como Webb Calder significa para mim. Lamento precisar ir embora...
Sei que seu tempo é curto interrompeu Chase. Levá-lo-ei até o avião. Isso nos dará uma chance de conversarmos em particular.
A desconfiança tremeluziu nos olhos do homem.
É muito gentil da sua parte, mas sei que há outros aqui que querem expressar sua tristeza. Não quero atrapalhar.
Mas aqui não há ninguém tão importante quanto o senhor, senador.
Chase retorceu a boca num sorriso um tanto cínico, enquanto dava a desculpa. Acompanhou pessoalmente o senador até a limusine preta que esperava, com o motorista, agradecendo polidamente a todos que se acercavam dele para oferecer-lhe condolências. Depois que tinham entrado no espaçoso banco de trás da limusine, Chase fechou a divisória de vidro para que o motorista não escutasse a conversa deles. O senador lhe ofereceu um grande charuto. Chase recusou.
Não, obrigado, tenho os meus. Tirou do bolso de dentro do paletó uma cigarrilha fina e dobrou um fósforo de papelão, riscando-o com um trejeito do polegar. Soltou uma baforada, depois examinou a ponta incandescente, o brilho vermelho sob a cinza branca. Dentro dos limites oficiais da Triplo C existe um trecho de dois mil e quinhentos hectares que é pasto federal arrendado. O contrato vence no ano que vem e fui informado de que o governo não quer fazer novo arrendamento a longo prazo. Prefere fazê-lo numa base anual.
Isso é uma pena murmurou o senador, rolando o charuto entre os lábios. realmente é uma pena, mas parece ser esta a tendência que o governo está seguindo em tais assuntos.
Também não estou interessado num arrendamento a longo prazo declarou Chase, e sentiu o olhar agudo do senador sobre si- Quero negociar a compra desse trecho. Já está cercado por terra da Fazenda Calder passada por escritura. Como o governo já é dono de uns trinta por cento do Estado de Montana, não vai sentir falta de dois mil e quinhentos hectares.
O senador deu uma risadinha abafada.
O mesmo podia se dizer da Triplo C. O que são dois mil e quinhentos hectares comparados com o que vocês já têm?
A diferença, senador Chase virou o olhar apertado para o homem é que o senhor está falando de terra Calder. Vou corrigir o erro que meus antecessores cometeram e comprar aquele pedaço de terra. Não vou-me sujeitar aos caprichos do Tio Sam.
Não creio que você entenda o que está pedindo disse o homem, sacudindo a cabeça com ceticismo.
Estou-lhe pedindo que consiga a venda da terra para mim.
Está pedindo demais. Não sei se poderei conseguir desconversou o político, sem querer comprometer-se.
Chase deixou que se passasse um intervalo de silêncio.
O senhor é candidato à reeleição agora em novembro. Soube que seu adversário está-se emparelhando com o senhor, e que o páreo é duro. Dizem até que ele poderia derrotá-lo, com fundos suficientes para a campanha. Pergunto-me o que aconteceria se a Triplo C resolvesse apoiá-lo.
O homem não poderia ajudá-lo em nada. Não tem as ligações que tenho protestou o senador. Além disso, seria preciso mais do que dinheiro para ele me vencer.
O que seria preciso? Quem sabe se alguém deixasse "vazar" para a imprensa sobre o seu apartamento num bairro da periferia de Washington onde vivem uma loura e um garotinho chamado Frank Júnior, isso seria o bastante? sugeriu Chase.
Isso é chantagem. O senador olhou para ele, furioso. Fiz muitos favores para seu pai, no passado. Não posso deixar de pensar que ele não aprovaria as ameaças que está fazendo a um amigo leal.
Só o mencionei, senador, para deixar claro que precisamos um do outro. Chase bateu a cinza da cigarrilha no cinzeiro de metal localizado no descanso estofado para braços do carro. O senhor precisa do meu apoio para assegurar sua reeleição. E eu preciso de suas ligações para comprar aquela terra do governo. Se quiser interpretá-lo como ameaça de chantagem, é problema seu. A limusine parou junto da pista. Seu avião está esperando, senador. Espero ouvir notícias suas no final da semana.
Havia uma expressão de admiração relutante no rosto do senador, enquanto apertava a mão de Chase.
Acho que nos entendemos, Chase.
Estou certo que sim concordou o fazendeiro, secamente.
Da pista de pouso, Chase voltou diretamente para a Casa Grande e entrou no escritório. Passou uma hora estudando o mapa na parede antes de mandar um recado a Nate, dizendo que queria que ele e os outros capatazes o encontrassem no gabinete após o jantar.
Estava sentado atrás da escrivaninha quando eles entraram. Notou o lampejo de surpresa nos seus olhos quando o viram; estavam acostumados demais com o pai dele ocupando aquela cadeira. Era algo a que ele próprio também não se adaptara inteiramente, portanto compreendeu o breve choque e não o interpretou como desdouro à sua liderança.
Quando o último homem chegou, Chase fez a todos uma pergunta.
Onde ficam o melhor pasto e a melhor água da Triplo C?
Ao norte replicou Virgil Haskell, e franziu o cenho. Nós os estamos poupando para servir de pastagem durante o inverno.
Eu sei. Chase se levantou e se dirigiu para o mapa. Nos limites do pasto norte temos a Fazenda Shamrock, a Circle Six e a estância de Bill MacGruder. Todos estão na pior. Tenho o palpite de que vão decidir invadir com o seu gado o pasto norte... individualmente, ou em grupo.
Imagino que para eles seja uma tortura ver o seu gado morrendo de fome com todo aquele pasto e água do outro lado da cerca comentou Stumpy, com um aceno de concordância.
Exatamente o que pensei. Chase observou os olhares afirmativos dos demais.
O que quer que a gente faça a respeito? perguntou Ike Willis, observando Chase atentamente, como todos os outros. Detesto ver gado morrendo de fome.
Todos os vaqueiros, detestam, mas eles deviam ter feito algo a respeito antes... vendido e reduzido os seus rebanhos a um tamanho que os seus pastos pudessem alimentar numa seca. Poupamos o pasto norte para o nosso gado e vamos precisar de cada centímetro dele se não quisermos acabar como os outros. Quando eles agirem, nós estaremos esperando por eles para conduzir seus rebanhos para o seu lado da cerca.
Ao alvorecer da manhã seguinte, três grupos de vaqueiros se separaram para patrulhar a longa cerca divisória da fronteira norte da fazenda. Chase ia com o grupo de Nate. Todos os homens tinham um fuzil carregado na bainha, com ordens para usá-lo se precisassem.
Chase se perguntava se tinha adivinhado errado. Talvez houvesse outros fazendeiros na fronteira oeste, ou sul, que estavam numa ainda pior. Mas os pastos da Triplo C naquelas áreas foram praticamente todos utilizados, e a água era escassa. A totalidade de seus instintos insistia em que, se ia ter encrencas com os vizinhos, seria aqui no pasto norte, onde havia muita grama e água. Era daqui que a encrenca viria... se viesse, e ele esperava em Deus que não. Queria estar errado.
Foi lá pelo meio da manhã que ouviram o mugido distante do gado e se dirigiram para onde vinha o som. Quando depararam com os rebanhos conjuntos que cruzavam o buraco na cerca onde os arames tinham sido cortados, Chase freou o cavalo. Este dançou impaciente sob ele, sacudindo a cabeça e forçando o freio.
Chase abaixou-se e tirou o fuzil da bainha, e com seu gesto deu um sinal para que os demais fizessem o mesmo.
Os cavaleiros espalharam-se em leque atrás dele, com Nate vindo para o seu lado direito. Chase esporeou seu cavalo a trote, enquanto os outros o seguiram. Seu olhar percorreu o gado esquelético, notando as marcas misturadas. Depois percebeu os respectivos donos das fazendas agrupando-se num trio para enfrentálo: MacGruder, Hensen, da Circle Six, e Culley O'Rourke. Não pôde deixar de notar como Culley estava magro e de olhos fundos, mas o brilho do ódio achava-se nos seus olhos verdes... uma expressão que lhe fazia lembrar Maggie. Mas não podia permitir que essa lembrança o amolecesse, portanto bloqueou-a.
Ele e seus vaqueiros pararam suas montarias na frente do gado, diminuindo o fluxo que entrava pela cerca e dispersando as vacas. Os animais imediatamente começaram a atacar a grama, esfaimados.
Estão invadindo propriedade particular declarou Chase. Voltem com o seu gado para seu lado da cerca.
Você tem pasto de sobra aqui. Foi Culley quem o desafiou. E água também. Nosso gado está morrendo de fome. Precisamos deste pasto, e você não.
Não havia como tentar argumentar com um fazendeiro que via o seu rebanho ficar mais fraco a cada dia. Ele não ia querer ouvir sobre a necessidade que dentro em breve a Triplo C teria deste pasto. Não se importava com a Triplo C... apenas com salvar as próprias vacas.
Dou-lhes um minuto para darem meia-volta com o rebanho avisou Chase.
Ou você fará o quê debochou Culley, olhando para os fuzis nas mãos deles. Começará a atirar na gente?
Não. Chase sentiu o olhar curioso que Nate lhe dardejou. Não preciso atirar em vocês. Trouxeram seu gado para cá para salvá-lo. Se querem que continue vivo, vocês o retirarão da terra da Triplo C.
Está ameaçando atirar no nosso gado? perguntou Bill MacGruder, endireitando-se na sela e franzindo o cenho, incrédulo.
Se não começarem a levá-los em... trinta segundos, é o que farei declarou, e viu os três fazendeiros olharem entre si.
Você está blefando zombou Culley.
Chase não disse mais nada, movendo-se com seu cavalo que se desviava de uma mosca que o mordia. Mentalmente, foi contando os segundos enquanto observava a incerteza nos rostos dos três homens. Finalmente, ergueu o fuzil e mirou uma vaca de cara branca. Apertou o gatilho e não esperou para vê-la cair enquanto enfiava outra bala na câmara e derrubava um segundo animal. As outras vacas que estavam perto do par abatido se dispersaram num breve pânico ante a explosão dos tiros.
Seu filho da mãe assassino!
Com o canto dos olhos, Chase viu o cavalo e o cavaleiro que partiam para cima dele e girou sua montaria bruscamente para desviar-se deles. Notou o ódio na expressão de Culley O'Rourke quando ele tentou agarrar o fuzil. Chase mudou a direção do cano e acertou seu atacante no queixo com a coronha da arma. O golpe fez Culley cair da sela. Às suas costas ouviu fuzis serem engatilhados enquanto seus homens viravam as bocas das armas ameaçadoramente para os dois fazendeiros restantes, cujas mãos tinham descido em busca dos fuzis que carregavam nas suas bainhas.
Vão levar embora os rebanhos? desafiou Chase, ciente de que Culley estava-se pondo de pé, tropegamente.
Que merda, Chase! Esses animais estão morrendo de fome! MacGruder fez um apelo.
Nate, quero mais dez cabeças para fazer companhia àquelas duas no chão ordenou Chase, sem olhar para o capataz. E dez mais para cada minuto que eles esperarem.
Uma mistura de choque e ultraje penetrou na fisionomia dos dois fazendeiros quando se ouviu o estalido imediato de um fuzil, seguido pelo gemido do animal que caía. Chase contou mentalmente os tiros enquanto os estancieiros atordoados viam suas vacas caírem de uma em uma. Até mesmo Culley olhava com choque e sofrimento.
Não pode fazer isso! protestou Hensen, quando o silêncio finalmente se seguiu ao décimo tiro.
Faça-os voltarem.
Os loucos continuaram a hesitar até ouvir o estalido de uma bala de fuzil sendo colocada na câmara.
Está bem!! Bill MacGruder gritou, e ergueu a mão para que não atirassem mais. Nós os levaremos de volta. Pelo amor de Deus, não atirem em mais nenhum animal!
Culley olhou para Chase com ódio, enquanto segurava as rédeas caídas do seu cavalo e montava para se unir aos colegas. Moveram-se rapidamente para agrupar o rebanho e empurrá-lo de volta pelo buraco na cerca, enquanto Chase e seus homens observavam.
Nate fitou o homem sentado tão ereto na sela, inflexível, à moda dos Calders, e murmurou numa voz que apenas ele ouviu: O rei está morto. Viva o rei.
Chase subiu os degraus da varanda da Casa Grande e parou para olhar por cima do ombro. Sentiu um orgulho inconsciente quando seus olhos correram pela sede da Triplo C. Dirigir a fazenda tornara-se uma segunda natureza para ele desde a morte do pai, há cinco anos. Durante os primeiros meses fora testado a cada momento. Ocultando qualquer incerteza que pudesse sentir, enfrentara cada desafio e a Triplo C estava intacta, funcionando tranquila e eficientemente. Este era o serviço para o qual nascera e fora criado, e fazia-o bem. Se havia quem considerasse seu orgulho como arrogância, então era uma arrogância merecida.
Virou-se para a frente e dirigiu-se para a porta de entrada, os passos cadenciados soando alto no piso de madeira da varanda. Fechando a porta depois de ter cruzado a soleira, dirigiu-se imediatamente para o escritório.
Chase? A voz hesitante de Ruth Haskell fez com que parasse e se virasse para olhar para a sala de jantar. Depois da morte do pai dele, ela começara a aparentar a idade que tinha. Parecia sempre haver uma tristeza atormentada nas sombras dos seus olhos azuis.
Mas não foi em Ruth que seu olhar pousou. Houve um momento em que Chase pensou estar vendo um fantasma, fitando o homem pálido parado a seu lado. Segurava o chapéu de cowboy nervosamente diante de si, deixando à mostra os cabelos encaracolados e louros escuros. Quase não havia luz nos olhos azuis, pelo menos não o brilho alegre de que Chase se recordava.
Alo, Chase. A voz era submissa e hesitante, como se não soubesse se ia ser bem recebido.
Mas era a voz de Buck. Por um momento fugaz, Chase sentiu ímpetos de cruzar o espaço que os separava e apertar a mão do amigo de tantos anos. Depois, lembrou-se das circunstâncias em que Buck deixara a fazenda e permanecera onde estava.
Alo, Buck. Não sabia que tinha saído.
Sua voz era tão inexpressiva quanto o rosto. Desviou o olhar para Ruth, notando como ela mordia o lábio. A mulher sabia, ele se deu conta, e simplesmente deixou de contar-lhe.
Soltaram-me ontem, reduziram minha sentença por "bom comportamento", imagine só! A risada dele era oca, e Buck baixou a cabeça, mexendo nervosamente no chapéu. Sei que dizer "sinto muito" provavelmente não vai significar nada, Chase, mas quero que saiba que sinto.
Chase apertou os lábios, estreitando a linha da boca. Não gostava de ver Buck se humilhando, e ficou contente quando Ruth saiu da sala, deixando-os a sós. Como não sabia o que dizer, ficou calado enquanto Buck entrava desajeitadamente no vestíbulo.
Não há nada que eu possa dizer que possa desculpar o modo pelo qual me portei com você - continuou Buck - ou que vá fazer com que você esqueça as coisas que eu disse. Quando me dei conta de que ia para a cadeia pelo que tinha feito, entrei em pânico. Já teve medo, Chase... quero dizer medo de verdade, até a ponta dos dedos dos pés? Eu era como um animal preso numa armadilha e que começa a morder a si mesmo. Fez uma pausa e soltou um pesado suspiro, finalmente erguendo os olhos para encontrar o olhar firme de Chase. Tive um bocado de tempo para pensar nisso tudo na prisão. Só queria que você soubesse como me sinto. E lamentei muito saber sobre seu pai. Sei que deve ter sido dureza para você. Os dois eram muito chegados. Bem - mexeu no chapéu de novo e deu um sorriso formal - não vou prendê-lo mais. Sei que está ocupado, portanto... vou andando.
Havia um conflito dentro de Chase, enquanto via Buck começar a se afastar. Metade dele dizia que o deixasse ir, mas o lado mais forte ficava lembrando-se dos bons tempos.
Que tal uma bebida? perguntou, e sorriu pela primeira vez ao ver a velha vivacidade voltar aos olhos de Buck.
Adoraria declarou Buck. Não provo um bom uísque há quase dez anos.
Vamos corrigir isso. Apoiou com naturalidade a mão no ombro do velho amigo, enquanto entravam juntos no escritório.
Nada mudou muito. Buck correu os olhos pelo aposento enquanto Chase se dirigia para o bar a fim de servir-lhes uma bebida. Tudo está do jeito que eu me lembrava.
O que pretende fazer agora? indagou Chase, entregando-lhe um copo.
Arrumar emprego. Por acaso conhece alguém que esteja disposto a contratar um vaqueiro enferrujado que passou alguns anos fora de circulação? zombou, com um pouco da antiga vivacidade.
Chase fitou o seu copo por um minuto, o conflito vindo à tona de novo.
Quem sabe.
Ei! Eu não lhe estava pedindo emprego insistiu Buck,
rapidamente. Quero dizer...
Chase lançou-lhe um olhar de banda, avaliando-o.
Quer dizer que não quer trabalhar de novo para a Triplo C?
Estaria mentindo se dissesse que não. Havia ansiedade na sua resposta suspirosa. Buck girou o líquido no copo e ficou vendo os tons de âmbar em mutação. Só com o que sonhei durante dez anos foi voltar para casa. Sacudiu a cabeça, num pesar mudo. Mas não é direito para mim esperar que você me dê uma segunda chance.
Isso quem decide sou eu, Buck. E se descobrir que você não a merece, boto-o daqui para fora a pontapés, pessoalmente.
Ei, eu pinto os alpendres, limpo os estábulos, conserto os moinhos... o que você mandar prometeu Buck. Não precisa botar-me em cima de um cavalo até que eu prove o meu valor de novo.
Desculpe. Chase sacudiu a cabeça. Só estou interessado em contratar Buck Haskell, o vaqueiro.
Darei mais duro do que qualquer pessoa que você já viu. Prometo-lhe, Chase.
No final do segundo mês, Chase acreditou nele. Buck era o primeiro a sair para o trabalho de manhã e o último a voltar à noite. Havia vezes em que fazia o trabalho de dois homens. Não ia até o Jake's e raramente bebia, exceto uma cerveja gelada ou um copo de uísque com Chase, se por acaso aparecia na Casa Grande à noite, o que era raro. Pelo que Chase pudera perceber, não estava esbanjando o seu dinheiro, mas guardava um pouco de cada cheque de pagamento. E também não tentara recomeçar a amizade de onde ela parara, como se soubesse que tinha que merecer a confiança de Chase antes que os velhos elos pudessem ser restabelecidos.
Elizabeth brincava com a entrada, toranja grelhada com uma mistura de açúcar e licor Galliano, geralmente um prato que apreciava muito. Phillip a examinava discretamente da outra cabeceira da mesa, e reconheceu o humor introspectivo, adivinhando-lhe a causa.
Teve notícias do seu irmão, hoje.
Ela ergueu os olhos, numa confusão espantada.
Como é que soube?
Eu sei murmurou ele, largando a colher serrilhada de comer toranja. O que foi que ele contou?
As coisas de sempre. Maggie deu de ombros e não explicou mais nada. Phillip já lera muitas cartas de Culley e sabia que ele ficava esbravejando sobre Chase Calder. Ela ficava preocupada, às vezes, com a obsessão em que o ódio do irmão se transformara. O seu próprio se suavizara com o passar do tempo e com a influência carinhosa de Phillip, que havia curado grande parte de sua dor.
Eu conheço o meu tio? perguntou Ty, com uma ruga profunda na testa.
Com 10, quase 11 anos, ele ficava cada vez mais parecido com Chase. Maggie tinha mais consciência disso em certas horas, como agora, quando a carta de Culley tinha refrescado todas as suas lembranças do homem.
Não, não conhece. Mudou rapidamente de assunto. Aonde você e Jeff vão hoje à noite?
Jeff Broadstreet era amigo de Ty. Os dois meninos estudavam no mesmo colégio particular. Os pais de Jeff iam levar os dois para sair naquela noite.
Ao cinema, ver um bangue-bangue. Jeff falou que o trailer parecia ótimo - falou, entusiasmado. Tio Culley tem uma fazenda, não é?
Tem, sim respondeu Phillip, quando Maggie não respondeu à pergunta.
Por que nunca vamos visitá-lo? Seria legal ficar numa fazenda de verdade. Não podemos ir, um dia, mamãe?
Vamos ver disse, vivamente. Sabia que nunca iriam, mas não contou a Ty, porque isso exigiria uma explicação.
Que tal neste verão? sugeriu o garoto.
Vamos para Londres no verão lembrou-lhe a mãe.
Londres não passa de um amontoado de prédios velhos e museus bolorentos queixou-se Ty. Prefiro ir para a fazenda.
Vamos para Londres declarou Maggie. Todas as nossas reservas já estão feitas e é tarde demais para cancelá-las. Notou como sua voz ficara cortante, e suavizou-a. Londres é uma cidade fascinante. Você vai gostar. Seu pai e eu nos divertimos muito lá, na nossa lua-de-mel.
Pensei que tinham passado a lua-de-mel em Paris.
E passamos, mas também estivemos alguns dias em Londres
explicou ela.
Ainda prefiro ir para a fazenda do meu tio em Montana - resmungou Ty.
Chega de discussão agora, Ty advertiu Phillip, e mudou de assunto, conversando sobre algo menos doloroso para a mulher. Mas aquilo precisava ser ventilado. Phillip esperou até o jantar ter terminado e Ty ter pedido licença para sair da mesa, antes de abordá-lo de novo. Ty devia conhecer seu irmão, Elizabeth. Afinal de contas, Culley é o único tio que ele tem.
Vou convidar Culley para vir à Califórnia.
Ele não virá. Não veio à sua formatura, nem ao nosso casamento. Está sempre ocupado demais lembrou Phillip. Além disso, é a fazenda que Ty realmente deseja conhecer.
É só uma fase que ele está atravessando. Vai superá-la disse a moça.
Tenho minhas dúvidas, Elizabeth. Ty é um cavaleiro natural. Isso é algo que não vai superar raciocinou.
Não me importa. Ele não vai para Montana... nem agora, nem nunca. Aborreceu-se por ver que Phillip estava tomando o partido de Ty.
E o que vai acontecer quando for mais velho? Quando você não puder mais dizer-lhe o que pode e o que não pode fazer? Examinou a fisionomia fechada dela e soltou um suspiro. Elizabeth, Ty tem o direito de saber que é adotado. Já falei isso antes. Esse era um dos poucos pontos na vida deles em que discordava da mulher.
O que isso mudaria? O que conseguiria, exceto confundi-lo? Ty acredita que você é o seu pai. Você é o seu pai insistiu ela.
E se algum dia ele descobrir?
Não vai. Não vai descobrir nunca.
Com um suspiro pesado, Phillip deixou o assunto morrer. Maggie simplesmente se recusava a ver os problemas que viviam. Aquilo o preocupava, mas, como em todas as coisas, cedeu aos desejos dela, e ficou calado.
Um céu de união,
Um céu completo,
Este céu que contempla
O encontro de dois Calders.
Ela acariciou com as pontas dos dedos a foto do homem, esbelto e grisalho enquanto seus olhos se nublavam de lágrimas.
Meu querido Phillip - sussurrou Maggie - tivemos dez anos maravilhosos de casados. Sempre os guardarei na lembrança.
Ainda era tão difícil acreditar que ele tinha morrido, roubado dela tão rapidamente, sem aviso, vítima de um enfarte violento, há dois meses.
Correu os olhos pelo quarto que haviam compartilhado, cheio de caixotes com roupas a serem dadas para uma instituição de caridade local. Adiara essa tarefa por muito tempo, sabendo como o quarto ficaria vazio sem as coisas dele. Seu olhar pousou na Bíblia de família sobre a mesinha-de-cabeceira. Estivera enfiada numa prateleira do armário. Tudo agora parecia tão definitivo, depois que registrara nela a data da morte de Phillip.
Um carro subiu roncando a estrada particular, o motor aberto estilhaçando a quietude da noite. No cercado, um cavalo relinchou, alarmado. Maggie olhou para o mostrador luminoso do relógio da mesinha. Ty devia estar em casa há mais de uma hora. A combinação do seu 15º aniversário com a morte do pai convencera-o de que, como o homem da casa, podia descumprir as regras. Para piorar as coisas, Jeff acabara de fazer 16 anos e tirara carteira de motorista, portanto sempre havia transporte disponível para Ty.
Pegando o robe de cetim que jazia ao pé da cama, Maggie vestiu-o enquanto saía do quarto principal, onde agora dormia sozinha. Já tinha descido metade da escadaria branca, quando ouviu a porta bater e o carro acelerando o motor enquanto dava marcha à ré para sair. Uma luz já estava acesa na sala de visitas. O motivo para ela tornou-se aparente quando Pamela entrou com a sua cadeira de rodas no saguão.
Alo, Ty. Divertiu-se, hoje?
A pergunta irritou Maggie. Pamela virtualmente encorajava Ty, com sua atitude, de que qualquer coisa que ele fizesse estava perfeitamente certa. Aquilo estava minando a autoridade que Maggie exercia sobre o filho.
Devia ter vindo com a gente, Pamela! Foi um espetáculo! Aos 15 anos, a voz dele estava mudando, indo de uma oitava baixa até um guincho alto. Já esteve num rodeio? Cara, é um barato!
Ty, está sabendo que horas são? Maggie desceu o resto das escadas, mais perturbada do que poderia estar, graças a Pamela.
Desculpe, mamãe. Não estava tendo muito êxito em parecer contrito. Com 1,80m, estava começando a tomar corpo nos ombros e no peito. Sua altura e feições de ossos largos faziam com que parecesse mais velho. Tinha no rosto uma penugem forte o bastante para precisar barbear-se, o que ainda fazia com que se sentisse mais homem. Respeitara naturalmente a autoridade de Phillip porque este era um homem, mas encarava as ordens de Maggie com uma espécie de indulgência, como se tivesse de agradá-la porque era mulher. Mas a última parte era, manter os touros. Jeff e eu não queríamos perdê-la.
Será que devo ignorar o fato de que está mais de uma hora atrasado para chegar em casa?
Ora, Elizabeth Pamela repreendeu-lhe a severidade. Não é como se o Ty tivesse ido a uma bacanal e tivesse vindo para casa bêbado. Foi tudo muito inocente.
Se não se importa, Pamela, eu cuido disso retrucou, cheia das constantes interferências da mulher. Era difícil acreditar que alguma vez a considerara um modelo do que desejava ser. Tinha sido apenas superficial. Frequentemente sentia pena de Pamela por causa do vazio de sua vida, mas ela era vazia porque Pamela era essencialmente vazia. Era algo que Maggie levara tempo a descobrir. Foi só depois que Maggie entrara para a equipe executiva de uma organização internacional de caridade, onde sua facilidade com idiomas era útil, e tentara interessar Pamela em algum trabalho voluntário, que se dera conta de que a irmã de Phillip era uma pessoa muito superficial, incapaz de se ajudar ou ajudar a mais alguém. Era mais do que seu corpo que era aleijado.
Você é severa demais com ele, Elizabeth criticou Pamela. Controlando-se com esforço, Maggie virou-se calmamente para o filho.
Ty, quer fazer o favor de subir e esperar por mim no meu quarto? Aguardou calada enquanto o rapaz subia as escadas e ela ouviu a porta do quarto principal se fechar. Depois, virou-se para a cunhada. Não me interrompa novamente quando eu estiver repreendendo meu filho, Pamela. Não tolerarei mais isso.
O que foi que eu fiz? exclamou, com ar adequadamente atónito.
Você encoraja Ty a não ligar para o que eu digo. Não tolerarei mais interferências suas em assuntos que são estritamente entre meu filho e eu.
Não admito que me diga como devo conduzir-me na minha própria casa! explodiu Pamela. Para o caso de ter-se esquecido, esta é a minha casa! Você não passa de uma hóspede.
Sim, esta é a sua casa. Phillip deixou-a para você, e folgo com isso. Mas, para o caso de ter-se esquecido, Ty é meu filho. Se eu me for, ele vai comigo. Ficou pensando na ideia por um momento. Talvez seja mesmo o melhor, porque está evidente que eu e você não vamos conseguir nos entender.
Não pode estar falando sério! A possibilidade assustava Pamela.
Se você e eu não pudermos chegar a um acordo sobre Ty, não vejo alternativa.
Maggie girou sobre si mesma, com um rodopio do robe de cetim, e subiu as escadas até o segundo andar. Não tinha vontade de deixar esta casa, onde ela e Phillip tinham sido tão felizes. Estava cheia de tantas lembranças felizes. Talvez a ameaça de partir fosse o suficiente.
Quando entrou no seu quarto, olhou automaticamente ao redor para localizar o filho. Estava sentado no lado da grande cama, de costas para ela, os ombros largos ligeiramente curvados. Tinha um jeito atordoado, confuso que fez Maggie franzir o cenho.
Quem é Chase Calder? perguntou ele, com voz rouca. O choque tirou a ruga da testa de Maggie e a cor das faces.
Onde ouviu esse nome? acusou ela, num sussurro.
Eu o li. Aqui. Endireitou-se da cama e virou-se para mostrar-lhe o livro na mão.
Maggie reconheceu a Bíblia da família Malloy.
Não. Era pouco mais do que um arquejo.
Aqui diz que ele é meu pai. Isso é verdade? Estava torturado pela confusão. Quem foi o papai? Você sempre me disse que ele era o meu pai, que vocês dois apenas esperaram até você ficar mais velha para casar.
Phillip... foi seu pai de todo o jeito que importa.
Mas quem é Chase Calder? insistiu Ty, a voz fraquejando. E por que aqui diz que ele é meu pai?
Porque... Maggie se deu conta de que era inútil tentar continuar a mentira; lamentou profundamente o impulso que havia feito com que escrevesse o nome de Chase na Bíblia... ele é o seu pai biológico. Mas Phillip foi quem criou você, quem o amou como só um pai pode amar o seu filho.
O que você está dizendo é que ele me adotou e que Chase Calder é o meu pai de verdade.
Chase foi o seu pai natural, mas Phillip foi o seu pai de verdade argumentou ela. Fez todas as coisas com você que um pai de verdade faz.
O garoto fitou a Bíblia, aberta nas mãos.
Lembro de quando estávamos estudando genética na aula de biologia e eu lhe perguntei por que eu tinha olhos castanhos quando os seus eram verdes e os do papai cinzas, você falou que eu tinha puxado a meu avô. Mas foi a meu pai, não é?
É.
Ele se virou, fechando abruptamente as páginas.
Não posso acreditar!
Ty, não faz nenhuma diferença.
Maggie atravessou o quarto, tentando confortá-lo e aliviar-lhe a confusão e dor, mas ele virou-se contra ela quando se aproximou, o olhar duro penetrando-a de um modo que lhe lembrava vivamente o de Chase.
Quero saber a respeito dele.
Não. Ela recuou.
Ele é meu pai! insistiu.
Ele era apenas alguém que morava na fazenda vizinha à nossa. Como minimizava a verdade! Ele não nos queria, Ty. Phillip quis.
Eu nasci na Califórnia. Ele nem sequer me conhece. Como sabe que não me quer?
Ty, pare com isso. Pare de imaginar coisas. Pare de criar um mundo de ideias românticas na cabeça argumentou Maggie, com medo.
Mas eu tenho um pai por aí que nem sequer conheço. Ele está vivo, não está? Embora fosse em forma de pergunta, era uma afirmação convicta.
Maggie hesitou uma fração de segundo, depois mentiu:
Não sei.
Está afirmou Ty. É por isso que você nunca quis ir visitar o seu irmão... porque não quer vê-lo de novo.
Não é verdade. Mas era.
O garoto passou a mão pelo rosto, como se o gesto fosse apagar a confusão e permitir que entendesse o que estava ocorrendo.
Por que não me falou dele antes? Por que deixou que eu viesse a descobrir desse jeito?
Ty, sinto muito. Sentia que ele tivesse descoberto, isso
sim! - Sei que é difícil para você, mas de que adiantaria se eu lhe tivesse contado a respeito dele?
Você não entende! Ele é meu pai gemeu, e passou por
ela, mas não antes que ela tivesse visto o brilho das lágrimas nos seus olhos. Passadas longas levaram-no para fora do quarto antes que fizesse algo pouco másculo, como chorar diante dela. Sentiu a dor dele, mas duvidava que ele conhecesse a dela. Ele estava naquela idade difícil em que estava convencido de que ninguém podia compreender.
Durante os dias que se seguiram, ele ficou silencioso e sorumbático, isolando-se no seu quarto ou saindo sozinho sem dizer aonde ia ou quando voltaria. Maggie deu-se conta de que estava sendo castigada, no entanto agarrava-se à esperança de que mais cedo ou mais tarde ele a escutaria e esqueceria do homem que o tinha gerado.
O barulho do despertador acordou-a e ela rolou para o lado a fim de desligá-lo. Roçou a mão num pedaço de papel, derrubando-o ao chão. Estendeu a mão pelo lado da cama, para apanhá-lo. A letra familiar que ocupava o papel afugentou o sono dos seus olhos enquanto ela se sentava na cama para ler o bilhete.
Querida mamãe,
Desculpe não ter-me despedido pessoalmente, mas sabia que iria tentar impedir-me. Não se preocupe comigo. Sei cuidar de mim. Por favor tente compreender. Precisava fazer isso.
Eu a amo, Ty
Jogou longe as cobertas e correu para o quarto dele, descendo o corredor, mas não estava lá. O aparelho de barbear, escova de dentes e pente tinham sumido do banheiro. Revistou o armário e as gavetas dele, tentando determinar quais as roupas que levara, mas estava nervosa demais para lembrar-se exatamente de quais ele possuía. O filho tinha fugido. Começou a imaginar todo o tipo de coisas terríveis, desde Ty sendo atingido por um carro enquanto pedia carona na estrada até um motorista tarado assassinando-o.
Quando ligou para a polícia, explicaram que ele tinha que estar desaparecido há um mínimo de 24 horas antes de poderem registrar o caso. Embora Maggie pudesse apenas adivinhar que ele se fora durante a noite, vestiu-se, ligou para o escritório avisando que ia faltar e saiu ela mesma à procura, correndo de carro cada rua, rodovia e auto-estrada em busca do garoto.
Chase envolveu com ambas as mãos a caneca quente de café, para aquecê-las. Era um dia frio de primavera que transformava sua respiração em vapor branco. A gola da jaqueta de pêlo de carneiro estava levantada para protegê-lo do frio, e o Stetson achava-se enterrado na cabeça para mantê-la aquecida. Ficou vendo o rebanho de cavalos subir a colina, um mar de castanhos, baios, amarelados e alazões, os pêlos felpudos de inverno escondendo as linhas macias e musculosas dos seus corpos. O solo vibrava com o trovão dos seus cascos galopantes, e Chase sentiu surgir aquela velha excitação.
Era sempre assim quando os cavalos eram reunidos e trazidos do pasto de inverno. Sua chegada assinalava o começo de outra estação; o recolhimento do gado da primavera não estava longe. Uma temporada turbulenta esperava os vaqueiros que escolhiam suas montarias e jogavam selas no lombo de cavalos que tinham vivido à solta durante o longo inverno. Ali havia alguns que corcoveariam feito animal de rodeio, mas seus cavaleiros não teriam muito tempo para a tarefa. Não, teriam que montar os animais até que eles se cansassem de dar corcovas e amansassem totalmente. Ia haver emoção de sobra por aqui durante alguns dias até que as equipes fossem escolhidas e enviadas para o recolhimento da primavera.
O oceano de cavalos cruzou as porteiras abertas de um grande cercado. Apesar de todos os bufidos e pinotes, eles sabiam que os prédios da fazenda significavam feno e cereais, portanto não precisaram de muita insistência para entrar no cercado. Quando a porteira se fechou atrás do último cavalo, um cavaleiro se separou dos demais e trotou com o seu cavalo para junto de Chase.
Parecem gordos e bem-dispostos. Buck abriu um sorriso e saltou da sela. Farejou o café, apreciativamente. Puxa, mas que cheiro bom.
Chase tomou um gole do líquido escaldante e depois passou a caneca para Buck. Não havia mais traços da palidez do presídio, e o sorriso estava de volta, mas ele sofrera mudanças... para melhor, na opinião de Chase. Buck era competente, trabalhador, confiável, jamais se esquivava de tarefas ou responsabilidades, Buck se transformara num dos principais capatazes da Triplo C. Ele e Chase agora eram a combinação de trabalho que Chase sempre imaginara que seriam. Era uma boa sensação ter o amigo de volta.
Enfiando as mãos nos bolsos forrados da jaqueta onde estavam as luvas, Chase caminhou até a cerca para dar uma olhada mais de perto nos cavalos. Buck o acompanhava, puxando seu cavalo. Concordou com a avaliação anterior de Buck.
Passaram bem o inverno.
Hã-hã. Buck fez um som afirmativo enquanto tomava um bocado do café quente e dobrava o cotovelo no pau superior da cerca. Quando estive na cidade, no outro dia, andei conversando com Lew.
Conversando ou fofocando? zombou Chase.
Com ele, é tudo uma coisa só. Abriu um sorriso. De qualquer maneira, ele estava-me contando que o velho Anderson não tinha testamento, quando morreu naquele acidente na fazenda, no outono passado. Parece que tinha sido casado antes e tinha dois filhos da primeira mulher. Eles contrataram uns advogados e reclamaram uma parte da herança. Parece que a viúva do Anderson vai ter que vender a fazenda para que os dois primeiros filhos possam ganhar a parte que lhes cabe.
Não sabia disso. É dureza comentou Chase, correndo um olhar avaliador pelos cavalos que se dispersavam para pastar.
Isso me fez pensar no que aconteceria à Triplo C, se alguma coisa lhe acontecesse. Você tem um testamento, não tem? indagou Buck, franzindo o cenho.
A pergunta fez Chase fazer uma pausa, encurvando os ombros ligeiramente.
Não. Nunca me dei ao trabalho de fazê-lo.
Tem algum parente? Primos ou coisa parecida.
Não que eu saiba. Por quê?
Buck mexeu a cabeça, num gesto de banda.
Detesto a ideia de ver esta fazenda dividida e vendida e todo o dinheiro indo para os cofres do Estado. Não seria direito. Nate eu, meu pessoal, todo o resto de nós... ficaríamos a ver navios. Se você não tem ninguém para quem deixá-la, quem sabe podia pensar em deixar as ações da companhia para todos nós para podermos manter a Triplo C operando intacta sugeriu.
Não é uma má ideia. Parecia a um só tempo lógica e justa.
Fale com um advogado. Ele provavelmente terá algumas ideias. Buck ofereceu-se para devolver a caneca para Chase, cheia até a metade de café. Quer o resto? A mudança de assunto indicava que tinha dito o que o preocupava; o resto dependia de Chase.
Não. Termine você. Apertou os olhos, fitando o rebanho de cavalos, mas seu pensamento estava perdido em outro assunto.
Imagino que eu devia estar pensando em casar e formar uma família.
Mostre-me alguém que sirva para a gente casar nas vizinhanças, e depois saia do meu caminho avisou Buck, com um meneio irónico da cabeça. Não sou mais moço, e quero um bando de filhotinhos antes de morrer. O problema é encontrar uma mulher que não esteja querendo morar na cidade. Tomou um gole do café e lançou um olhar a Chase por sobre a beira da caneca.
E quanto a Sally Brogan?
Chase baixou os olhos para o chão e ficou pensando na viúva ruiva com quem vinha-se encontrando regularmente há algum tempo. Pouco depois que Buck voltara, ela e o marido, um antigo vaqueiro de rodeio, tinham aparecido na fazenda guiando uma velha pick-up com reboque. Embora na época estivesse com falta de homens, Chase sentira-se relutante em contratá-lo porque parecia o tipo de homem mais interessado em bebida e farras do que em trabalho, mas não fora capaz de ignorar o olhar cúmplice da ruiva. Contrariando o que lhe dizia o bom senso, contratara o marido dela. Um mês e meio mais tarde o marido tivera morte instantânea, quando enfiara o carro num pilar de ponte às duas da manhã.
Mais ou menos na mesma época, Jake fechara as portas do seu saloon. Um outro bar abrira na cidade. Como não havia freguesia para os dois, Jake resolvera que estava na hora de ir mais para o sul. Sally comprara o estabelecimento dele com o dinheiro do seguro de vida do marido. Chase achara que ela estava maluca, mas ela calmamente lhe explicara que estava cansada de mudanças. Queria acordar de manhã, olhar pela janela e ver a mesma coisa todos os dias, pelo resto da vida. Depois de muito esfregar, limpar e reformar, ela transformara o saloon num restaurante e morava nos quartos do andar de cima.
No começo, Chase aparecia por lá para ver se ela estava-se saindo direitinho sozinha. Depois, seu motivo ficou sendo que ela era uma excelente cozinheira. Finalmente, certa noite, ela pediu-lhe que ficasse enquanto terminava de fechar e verificar os recibos. Quando deu conta de si, estava beijando-a e levando-a escadas acima...
apenas para vê-la descer correndo e trancar a porta da frente. Sorriu à lembrança.
Há quantos anos você se encontra com ela regularmente... uns três anos? Buck arqueou uma sobrancelha indagadora e tomou novo gole de café.
Sabe como é, Buck. Havia um vestígio de auto-escárneo no modo como Chase retorcia a boca. Um homem não quer entrar de ponta-cabeça nessas coisas.
Buck deu uma risada e sacudiu a cabeça.
Sally é uma mulher simpática e meiga. Deve ter uns trinta e cinco anos. Não tem mais muitos anos férteis. Por que não se casou com ela?
O próprio Chase não sabia a resposta para isso. Eles se davam bem juntos. Tinham um relacionamento gostoso e tranquilo. Ela daria uma boa mulher e mãe. Franziu a testa quando se deu conta de que sempre fugira do assunto casamento, em se tratando de Sally. Jamais se considerara um solteirão convicto. Queria um filho e herdeiro.
Deu de ombros e levou a pergunta na brincadeira.
Quem sabe eu esteja esperando que os sinos toquem?
Escute, cara, se eles não tocaram em três anos, não vão tocar declarou Buck. Depois de tomar a última gota do café, entregou a caneca vazia para Chase e pegou as rédeas do seu cavalo para montar. Tenho que voltar para o trabalho. Passando as rédeas pela cabeça do cavalo, enfiou a ponta do pé no estribo e continuou o movimento, subindo na sela. Até mais. Fez um aceno com a cabeça e partiu.
Chase se deu conta de que tinha ficado com diversos assuntos nos quais pensar, mas todos tinham um tema central... o futuro da Fazenda Triplo C.
Antes do término da semana, Chase fez um testamento preliminar com a assistência de sua firma de advogados. Naturalmente, era difícil, porque a estrutura da Calder Cattle Company era complicada para obter o tratamento fiscal mais favorável. Essencialmente, continha provisões para que, se ele morresse sem um herdeiro ou cônjuge vivo, as ações seriam distribuídas por aquele grupo leal de filhos e filhas nativos da Triplo C. Eram necessárias algumas revisões de pouca monta, mas depois de uma longa tarde de reunião com os advogados, Chase ficou satisfeito ao verificar que estavam no caminho certo.
Como Ruth não o estava esperando para jantar naquela noite, ele parou para comer no restaurante de Sally e passar o resto da noite com ela. Por causa do compromisso de negócios na cidade, Chase abandonara suas vestes de fazenda de brim. e cambraia de lã, e usava calças marrom social, mas no estilo do Oeste, camisa creme e paletó de camurça. Enquanto saltava do carro, colocou seu Stetson social de camurça natural com a fita de chapéu prendendo uma pena marrom, e depois andou até a escada de entrada do saloon transformado em restaurante. O prédio de madeira tinha sido todo pintado de branco, orlado de azul, um pequeno indício das mudanças havidas lá dentro.
Enquanto subia os degraus, em algum lugar por perto ouviu o som rascante de uma corda sendo puxada por sobre a madeira. O seu andar cadenciado perdeu o ritmo ao ouvir o som que lhe causou um arrepio nas costas, um som que jamais conseguira esquecer. Lançou um olhar ao balanço de madeira, suspenso do telhado da varanda por cordas de nylon, e entrou no prédio.
Todas as paredes de lambri achavam-se pintadas de branco e o chão era de ladrilhos brancos e brilhantes. As mesas e cadeiras eram pintadas de branco com uma variedade de toalhas de mesa coloridas de tecido riscadinho cobrindo-as. Cortinas de babados enfeitavam as janelas, as vidraças agora sem aquele véu espesso de nicotina. Onde antes ficava o bar, agora havia um balcão com banquinhos e caixas de tortas e geladeiras encostadas à parede.
A hora atarefada do jantar estava começando a passar. Uma meia dúzia de mesas e três banquinhos no balcão estavam ocupados. Sally estava servindo mais café numa das mesas quando Chase entrou. Lançou-lhe um dos seus sorrisos tranquilos que era mais uma expressão com os olhos e um leve erguer dos cantos da boca. Seu cabelo era da cor de um penny de cobre brilhante, enroscando-se em ondas soltas abaixo das orelhas. A despeito de toda a cabeleira vermelha, era calma e tranquila, com serenos olhos azuis.
Chase tomou assento numa mesa que dava as costas para o balcão, mas que lhe permitia ver a porta da frente e a porta de vaivém que dava para a cozinha, nos fundos. DeeDee Rains, uma índia blackfoot, ajudava Sally com a comida e a lavagem de louça, para que ela ficasse livre para atender às mesas, à registradora, tirar as mesas e também cozinhar. Chase alegava que ela trabalhava demais, porém Sally insistia em que gostava de ser independente... e o trabalho era bom para a alma.
O que vai comer hoje, Chase? Ela veio até a mesa e encheu o copo cor de âmbar com água gelada.
Olhando para ela, deu-se conta de que era muito franca e direta e que ele nunca lhe respondia de modo sugestivo. Ficou-se perguntando por quê.
Filé com fritas pediu. Depois, café.
O sibilar dos freios a ar coincidiu com a mudança de marcha, quando o caminhão parou no acostamento da auto-estrada. A camiseta branca do motorista estava cheia de manchas marrons de café derramado. Virou o rosto por barbear para o passageiro e nem se deu ao trabalho de tirar o cigarro que pendia dos seus lábios.
Chegamos, garoto anunciou.
Ty fitou a coleção esparsa de prédios. O céu estava ficando escuro, ao crepúsculo, lançando sombras sobre a cidade, dando a impressão de que alguém a colocara ali, depois a esquecera. Ficava a quilómetros de qualquer lugar, no entanto tudo parecia ficar a quilómetros de qualquer lugar. Nunca vira tanto vazio na vida. Continuou a fitar, achando difícil acreditar que aqueles poucos prédios formassem uma cidade.
Você falou que queria saltar em Blue Moon, não foi garoto? perguntou o motorista, franzindo a testa, impaciente.
Foi. Ty notou o cartaz pintado no prédio que tinha as bombas de gasolina na frente, identificando o lugar como Blue Moon, e dando o código postal. Era mesmo aqui. Agarrou a mochila que estava no assento a seu lado e abriu a porta, agradecendo ao motorista enquanto saltava da boleia. Obrigado.
O acelerador do motor a diesel encheu de fumaça azul a noite que escurecia. Ty teve que fechar os olhos para protegê-los da poeira levantada pelas 18 rodas enquanto elas rolavam o imenso caminhão para a estrada novamente. Quando a poeira se acomodou, ele piscou os olhos, limpou as partículas com a mão e olhou de novo à sua volta.
Havia pick-ups estacionadas diante do prédio ao lado. As luzes lá dentro estavam acesas e havia um cartaz no telhado da varanda que dizia RESTAURANTE DA SALLY. Limpou a poeira dos jeans novos e meteu a mão no bolso para verificar quanto dinheiro lhe sobrara. Não sonhara que ia levar quase uma semana para chegar lá, pegando carona. Na Califórnia fora fácil, mas depois ele pegara aqueles trechos vazios em Nevada e Utah. Então, caminhara quase tanto quanto andara de carona. No começo não prestara atenção ao quanto estava gastando, comendo três grandes refeições por dia e fazendo boquinhas nos intervalos, até que agora estava praticamente duro.
Um sentimento de insegurança tomou conta dele. E se sua mãe tivesse razão? E se tivesse vindo até aqui e o pai não quisesse vê-lo? Sacudiu a cabeça, afastando o pensamento. Depois de vir até aqui, não podia desistir. Tinha dinheiro bastante para comer um hambúrguer. Se ninguém soubesse onde morava Chase Calder, ele podia encontrar o tio. Copiara o endereço dele do caderninho da mãe.
Se todo o resto falhasse, podia ligar para a mãe a cobrar e pedir-lhe que lhe enviasse algum dinheiro para poder voltar para casa.
Inspirando fundo, jogou a mochila sobre um dos ombros, colocou-a em posição, depois começou a andar na direção do restaurante. Dois vaqueiros vinham saindo, portanto ele se afastou para um lado até que tivessem passado pela porta, depois entrou. Seu estômago roncou ao sentir o cheiro da comida. Havia um cartaz perto da escadaria que dizia BANHEIROS e foi para lá que Ty se dirigiu.
Chase tinha pendurado o chapéu nas costas torneadas de uma cadeira e estava fumando uma cigarrilha enquanto esperava por seu pedido. Reparou quando o jovem entrou - o cabelo castanho espesso chegando quase até a gola, a jaqueta amarela, a mochila, os ténis de corrida, os blue jeans duros e novos que faziam barulho quando ele andava. Mentalmente, classificou-o como um desses hippies ou fosse lá qual fosse a última terminologia para eles.
Lew, da loja de fazendas do outro lado da rua, saiu do balcão e trouxe sua xícara de café para vir fazer companhia a Chase. A mulher estava visitando a filha deles, e Lew estava bancando o solteiro por alguns dias. Quando o garoto saiu do banheiro e se sentou a uma mesa perto de Chase, este mal deu atenção.
Com a mochila enfiada sob a mesa, Ty aboletou-se na cadeira. Uma mulher ruiva de vestido azul e avental branco parou para encher seu copo com água. Tinha um rosto agradável que lhe fazia lembrar uma das suas professoras do primário.
Quer um menu?
Sim, por favor. Desta feita, a voz dele não mudou.
O menu que ela trouxe era um desses de vinil preto com a palavra MENU na frente e bolsos de plástico transparentes para que os restaurantes pudessem colocar seu cardápio datilografado. O jovem começou a correr os olhos pela lista, quando se deu conta de que esta era sua chance de perguntar se ela conhecia Chase Calder. Por que esperar?
Moça? Chamou-a de volta para a mesa e olhou rapidamente para o preço de um hambúrguer para ver se podia pagá-lo. Quero um hambúrguer com tudo a que tiver direito e um copo de leite. Esperou até que ela tivesse tomado nota, depois lambeu nervosamente os lábios. Moça, por acaso conhece um homem chamado Chase Calder?
Notou o lampejo de surpresa nos olhos dela; depois, os cantos de sua boca se ergueram num débil sorriso.
Conheço.
A primeira pessoa a quem perguntava! Nem podia acreditar na sua sorte.
Sabe onde posso encontrá-lo?
Ela o examinou atentamente por um segundo, depois replicou:
Está sentado na mesa ao lado... é o que está de paletó de camurça. Fez um gesto de cabeça para indicar qual a mesa.
Ty olhou por cima do ombro, um arrepio de apreensão correndo-lhe pela espinha. Ficou repentina e inesperadamente nervoso e assustado. Podia sentir as palmas das mãos começarem a suar.
Obrigado acrescentou rapidamente para a garçonete, e ficou fitando o homem muito tempo depois de ela ter ido embora.
Aquele era o pai dele, o homem que viera procurar, aquele com as feições másculas e marcadas, que o sol bronzeara deixando-as da cor do couro. Tinha ombros largos e olhos e cabelos castanhos. Ty tentara visualizá-lo antes, mas lá estava ele em carne e osso!
A garçonete trouxe um prato com um enorme filé e uma porção de batatas fritas para a mesa onde o pai estava sentado.
Um filé torrado e fritas anunciou, colocando-os diante dele.
Está com boa cara. Sally.
Ty escutou o timbre sonoro da voz de Chase e viu o sorriso que lançou à ruiva. Ficara mudado. Não parecia tão duro e distante; poderia ser divertido. Depois a garçonete ergueu os olhos, mirando-o com curiosidade antes de voltar para a cozinha.
O que estava esperando?, perguntou-se Ty. Viajara tanto apenas para olhar para ele? Por que não ia lá conhecê-lo?
Seus joelhos estavam trémulos quando afastou a cadeira da mesa e o coração estava disparado quando se pôs de pé, porém conseguiu dar os poucos passos que o separavam da mesa. O pai estava cortando o bife e não o notou parado ali. Ty pigarreou nervosamente, e ele ergueu os olhos.
Com licença. Subitamente, Ty não conseguia lembrar-se do que queria dizer. Ensaiara tudo tão cuidadosamente, e agora não conseguia lembrar das palavras. Viu o pai descansar a faca e o garfo no prato e fitá-lo com frios olhos castanhos.
Queria alguma coisa? perguntou.
Sou Ty Gordon. O nome não iria significar nada para ele, mas quem sabe notaria uma semelhança. Ty podia vê-lo. Oh, não era assim tão evidente, mas... o colorido era o mesmo, e ambos eram altos.
Sim? A expressão de Chase não se alterou.
Queria falar com o senhor gaguejou Ty, porque não sabia como devia chamá-lo.
- Sobre o quê?
O rapaz lançou um olhar nervoso ao homem mais velho sentado à mesa com o pai, e aos outros fregueses no restaurante. É um negócio pessoal, senhor.
Nesse caso correu um olhar preguiçoso e avaliador pelo rapaz por que não deixamos para discutir isso mais tarde? Não gostaria de estragar o meu apetite por este filé com conversas de negócios. Creio que você também tem comida à sua espera falou, fazendo um gesto com a ponta da faca.
Ty olhou para trás e viu a garçonete botando o hambúrguer e o leite na mesa.
Conversaremos depois de termos comido confirmou o rapaz, e Chase acenou com a cabeça.
Apertou os olhos, pensativo, enquanto via o rapaz alto voltar para sua mesa. Bem-educado, roupas boas, relativamente sereno, embora estivesse nervoso quanto à alguma coisa. Chase recomeçou a cortar seu bife.
Que negócio "pessoal" você acha que seja? perguntou Lew, em voz baixa.
Chase deixou seu olhar se desviar do filé para o garoto.
Provavelmente está querendo emprego. Veio de carona até aqui para aprender a ser cowboy. Parecia evidente. Há sempre um garoto novinho nos pedindo emprego. Geralmente, nunca viu um cavalo na vida.
Enfiando um pedaço de filé na boca, começou a mastigar a carne saborosa e bem passada. Um fazendeiro simplesmente não tinha tempo para treinar cada novato ansioso que dava as caras por lá. Levava tempo, energia e paciência demais.
Chase terminou sua refeição, fumou outra cigarrilha com o café e mirou distraidamente o garoto. Ele estava sentado de ombros encurvados, um pouco deprimido, e recusou a sobremesa. Chase viu enquanto ele contava cuidadosamente o dinheiro para pagar a refeição, e notou que apenas uns trocadinhos voltaram a seu bolso. Já identificara o garoto como fugitivo de casa, moço demais para estar por aí por sua conta, e agora obviamente sem dinheiro. Gostava da paciência do garoto; não tentou recomeçar a "discussão" deles até Chase indicar que estava pronto. A melhor coisa que podia fazer pelo guri era mandá-lo de volta para casa.
Terá que me dar licença, Lew. Chase empurrou a cadeira para trás e se pôs de pé. Tenho que cuidar de uns negócios. Pegou o chapéu e colocou-o na cabeça. Passou pela mesa do garoto enquanto se dirigia para a registradora. Às suas costas escutou o raspar apressado da perna de uma cadeira no chão. Um instante mais tarde o rapaz estava a seu lado, quase tão alto quanto ele. Quando Sally lhe deu seu troco, ele perguntou: Sally, será que podemos usar o seu escritório para uma conversa particular?
Claro. Não está trancado. Seu olhar correu curiosamente de um para o outro, mas não fez perguntas.
O escritório dela era o antigo salão de pôquer. Chase conduziu o garoto pela porta marcada PARTICULAR e foi até a escrivaninha bem-arrumada, apoiando o quadril nela e enganchando um joelho no canto. O garoto olhava-o com tanta intensidade que Chase ficou-se perguntando se estava com migalhas no rosto.
Que assunto pessoal é esse?
Ty engoliu com força, todo o nervosismo que voltava. Não havia nenhum jeito fácil de falar, portanto simplesmente botou para fora:
Sou seu filho. Esperou que a expressão mudasse para surpresa, confusão, ou negativa irada, mas ela nada mostrou.
Acho que cometeu um erro disse Chase, calmamente. Não tenho filho.
Você não sabia que tinha um filho corrigiu Ty. Minha
mãe nunca lhe contou a meu respeito.
Como se chama sua mãe?
Elizabeth.
Não conheço nenhuma mulher com esse nome. Meteu a mão no bolso e tirou de lá um charuto fino, acendendo-o. Se é uma espécie de piada, não estou achando graça. Ou é uma nova maneira de arrancar dinheiro de estranhos, chegando até eles e dizendo que é seu filho?
Não. Ty sentiu-se enrubescer. É a verdade. Sou seu filho. Minha mãe me contou.
Então ela me confundiu com outra pessoa.
Não. Ela me contou que meu pai verdadeiro era Chase Calder. Eu também não sabia, até algumas semanas atrás. Não sabia que papai... Phillip... tinha-me adotado. Pensei que ele era o meu pai de verdade, até ver o seu nome inscrito na Bíblia da família.
A voz urgente insistia para que Chase acreditasse nele.
Ela cometeu um erro. Não conheço nenhuma mulher chamada Elizabeth repetiu.
O nome todo dela é Mary Frances Elizabeth.
Ty esperou por um sinal de que aquele nome significasse alguma coisa.
Chase sacudiu a cabeça.
Não a conheço.
Mas eu viajei até aqui para encontrá-lo! Ele estava doendo por dentro, zangado e magoado por estar sendo negado.
Vim lá da Califórnia! Você é meu pai!
Lamento você ter perdido seu tempo. Não sou seu pai. Chase viu as lágrimas de frustração começando a aparecer nos
olhos do rapaz. Ia ser embaraçoso para ambos, se ele começasse a chorar. Fingiu não notar enquanto se endireitava da mesa e apagava o charuto no cinzeiro.
Minha mãe não me mentiria sobre isso! Não mentiria!
Não estou dizendo que sua mãe mentiu. Quem sabe algum homem contou a ela que era eu e ela acreditou nele. Lamento, garoto, mas não conheço sua mãe. Nem sequer ouvi falar nela.
Chase foi até a porta e abriu-a.
Bem, mas ela conhecia você! esbravejou o garoto. Ela morava aqui! Foi por isso que eu soube como encontrá-lo!
Chase parou, segurando a porta com uma das mãos enquanto se virava, e franzindo o cenho para o rapaz.
Onde ela morava?
Os dentes do garoto estavam cerrados para conter os soluços.
Bem que ela disse que você não ia me querer, mas não acreditei nela. Por que não diz logo a verdade em vez de fingir que nunca ouviu falar nela? desafiou, com voz rouca. Imagino que também nunca tenha ouvido falar na Fazenda Shamrock! Ou no meu Tio Culley O'Rourke!
O choque percorreu o corpo de Chase como a lâmina gelada de uma faca. Estava atónito demais para reagir, quando o garoto passou por ele para sair porta afora. Mas era a sacudidela de que estava precisando. Em duas passadas ele o alcançou, agarrando-o pelo braço e virando-o bruscamente. Chase estava zangado, porque se aquilo era uma piada, era uma piada cruel.
Maggie é a sua mãe? Chase exigia uma resposta. Maggie O'Rourke é sua mãe?
A raiva do garoto se equivalia à dele, a despeito da lágrima que lhe escorria pela face.
Já lhe disse! O nome dela é Mary Frances Elizabeth O'Rourke Gordon! Ninguém a chama de Maggie!
Meu Deus. Era um som sussurrado, como se uma dor lhe contorcesse o cenho. Quantos anos você tem? Ty... não é?
Sim. Ty fitou-o, desconfiado. Tenho quinze anos. Um olhar sombrio e distante apareceu nos olhos de Chase.
Já faz tanto tempo assim? comentou.
Você conheceu minha mãe. Ty se deu conta de que Chase o estava admitindo.
Sim, eu conheci Maggie O'Rourke. Chase relaxou o aperto de ferro no braço do garoto e inspirou fundo. É tarde. É melhor você vir para casa comigo.
A lua estava no céu, juntamente com imensos amontoados de estrelas, um dossel de luzes sobre o carro que corria. Durante os primeiros 50 quilómetros, viajaram em silêncio. Chase fitava a estrada, guiando como se não houvesse mais ninguém no carro, além dele mesmo. O ar da noite entrava pelas janelas abertas. Chase apoiava o cotovelo esquerdo na janela e esfregava a boca com a mão, distraidamente.
Sua mãe sabe que você está aqui?
A pergunta surgiu tão repentinamente do silêncio que Ty quase deu um salto.
Não. Mas acho que provavelmente adivinhou.
Você fugiu?
Fugi.
Você mencionou que tinha sido adotado. Suponho que sua mãe agora esteja casada.
Estava. Meu... Phillip teve um ataque do coração há seis meses e morreu. Não estava nem um pouco doente. Foi um choque... para todos.
Ainda se sentia doente e vazio por dentro quando pensava no assunto.
O que ele fazia?
Era médico, cirurgião plástico, bom de verdade, não um charlatão.
Estou certo de que era um excelente médico. Onde vocês moram?
Em Malibu. Temos cerca de quarenta hectares. Temos cavalos para exibição. Ty olhou pela janela. Não havia nada num raio de quilómetros... nenhuma luz, nenhum sinal de vida. Para onde estamos indo?
Para a Fazenda Triplo C. Houve uma breve hesitação. Isso quer dizer Calder Cattle Company. Chase olhou pela janela, para se orientar. Cruzamos a fronteira leste mais ou menos uns dezesseis quilómetros atrás.
Quanto ainda falta?
Uns quarenta ou cinquenta quilómetros. Escutou o assobio baixo do garoto ante a implicação do tamanho da fazenda, algo que obviamente desconhecia. O que sua mãe lhe contou a meu respeito?
Nada, exceto que morava na fazenda vizinha.
À luz fraca do painel, Chase deixou o olhar correr para o rapaz que era seu filho. O choque da descoberta se desvanecera, e agora chegara a aceitação. Ty era um garoto bonitão, obviamente corajoso; caso contrário não teria vindo até aqui sozinho, defrontar-se com um pai que jamais tinha visto. Havia um grande potencial nele. Chase sentiu uma onda forte de orgulho. Tinha um filho. Um garoto sangue do seu sangue, carne da sua carne. Tinha vontade de gritar este fato. Não pôde deixar de se perguntar se todos os pais sentiam esse mesmo orgulho atordoado.
Eu não o conheço e você não me conhece. Acho que estamos começando em bases iguais, filho. O simples fato de dizer a palavra trouxe-lhe um sorriso à boca.
Ty sentia uma sensação engraçada e sufocante na garganta, e a ardência das lágrimas subindo-lhe aos olhos. Não entendia o que causara essa onda de emoção. Lutou contra ela porque não queria que o pai pensasse que era um bebê-chorão.
Quero aprender a conhecê-lo. A voz dele era rouca mas firme. Foi por isso que vim até aqui. Gostaria de ficar por algum tempo? A inflexão da última palavra transformava a frase em pergunta. Talvez fosse constrangedor para o pai tê-lo por perto.
Quero que fique. Foi uma resposta muito definitiva que não deixou margem para dúvidas sobre se Ty era desejado ou não.
É casado? Tem outros filhos? perguntou Ty.
Se você me tivesse perguntado quando entrei no restaurante hoje à noite eu teria dito que não tinha filhos. Agora, respeitosamente nego-me a responder à pergunta. Um divertimento seco e irónico faiscou no breve olhar que lançou ao filho. Quanto à sua primeira pergunta... não, jamais me casei.
Ainda sente amor por minha mãe? Parecia uma pergunta lógica para Ty.
Chase inspirou, prendeu a respiração, depois soltou-a.
Não creio que seja justo usar a palavra "amor" para descrever o que houve entre Maggie e eu. Ambos nos sentíamos solitários. Ambos tínhamos uma necessidade física... um desejo por alguma coisa que pudéssemos desfrutar e que, para variar, não exigisse nada de nós. Se algum sentimento tinha começado a crescer, foi arrancado pela raiz por circunstâncias que nenhum de nós podia controlar. Olhou para Ty. Duvido que isso esteja fazendo sentido para você.
É, não está muito, não falou Ty, franzindo o cenho.
Foi o que pensei. Crispou a boca, com dureza. Fale-me da escola pediu, mudando de assunto, e escutou calado enquanto Ty falava da escola, dos amigos, da sua vida em geral.
À distância, viram um leve brilho no céu que ficava cada vez mais forte à medida que se aproximavam... a sede bem iluminada da Triplo C. Quando os prédios principais apareceram, iluminados pelas luzes do pátio, com outras luzes menores brilhando nas janelas das casas, Ty ficou olhando, vagamente confuso.
Aqui é uma cidade?
Quase. Chase deu um leve sorriso e fez uma volta ampla com o carro para parar diante dos degraus da varanda da Casa Grande. Esta é a sede da Triplo C falou, desligando o motor e abrindo a porta.
Enquanto Ty tirava a mochila do banco de trás, Chase deu a volta no carro, dirigindo-se para a escada da varanda. Ty demorou-se um pouco fitando o grupo de construções esparramadas. Chase esperou por ele no topo da escada. Quando Ty o percebeu, correu com ar de culpa para se unir a ele. Logo que o rapaz o alcançou, Chase mudou o olhar para os prédios que formavam a sede da Triplo C, ciente de que Ty também os fitava.
Dê uma boa olhada, filho avisou Chase. Tudo isso vai ser seu, um dia. Quando sentiu a olhadela rápida, virou a cabeça para enfrentar o olhar, o orgulho suavizando-lhe os olhos castanhos. A boca se retorceu num leve sorriso enquanto segurava com força o ombro do rapaz. Claro que você tem um bocado que aprender entre agora e então... mas um bocado, mesmo.
Aplicando pressão ao ombro de Ty, Chase virou-o na direção da porta da frente e fê-lo entrar na casa. As luzes estavam acesas na sala e no vestíbulo, mas Chase teria achado o caminho se estivesse escuro como breu. Nem uma peça de mobiliário tinha sido trocada de lugar desde a sua infância; alguma coisa tinha sido reestofada, mas eram móveis antigos e sólidos que durariam séculos, com o cuidado adequado. Notou o modo como Ty olhava à sua volta, observando tudo. Lembrando-se do hambúrguer simples que Ty comera, Chase se deu conta de que provavelmente não satisfizera o apetite de um rapaz em crescimento. Quando estava com a idade de Ty, a comida nunca era suficiente.
Está com fome? perguntou.
Um pouquinho admitiu Ty, um tanto constrangido.
Vou ver se descubro alguma coisa para se comer na cozinha. Pode ficar à vontade.
Deixou o garoto livre para explorar a casa por sua conta.
Havia rosbife frio na geladeira. Chase cortou-o em fatias e fez um grande prato de sanduíches. Sobrara também metade de um bolo de chocolate em camadas, e ele a colocou na bandeja junto com dois copos e uma jarra de leite. Quando voltou para a sala de visitas, Ty estava começando a entrar no escritório. Já ia recuar, mas Chase fez sinal para que continuasse.
Vamos comer aí. Levou a bandeja para o escritório e colocou-a sobre a mesinha-de-centro.
Aqueles chifres são de verdade? perguntou Ty, examinando o par colocado acima da cornija da lareira.
Com uma estranha sensação de déjá vu, Chase contou-lhe a história de Captain, o novilho malhado, e da longa viagem trazendo o gado que o primeiro Calder fizera até esta terra. Escutando embevecido, Ty conseguiu devorar o prato de sanduíches e os três copos de leite, enquanto Chase tomou apenas um. Quando Chase se levantou para mostrar-lhe o velho mapa na parede, Ty serviu-se de uma fatia de bolo.
Onde minha mãe morava? Ty mantinha uma das mãos sob o bolo, para aparar as migalhas.
Chase apontou a localização da Fazenda Shamrock no mapa, em relação à sede da Triplo C.
Fica aqui.
É bem menor do que a Triplo C, não é?
É. Chase estava relutante em discutir os O'Rourkers, e essa impressão foi transmitida a Ty pela brevidade de sua resposta.
Existe... animosidade entre você e mamãe?
Duvido que ela goste muito de mim admitiu Chase.
E você, como se sente? Ty franziu a testa, ansioso, preso a meio caminho.
Eu... Chase se afastou para voltar para a poltrona de couro... não tenho nada contra ela. Distraidamente, esfregou o antebraço esquerdo onde a manga da camisa cobria a longa cicatriz em diagonal.
Ty pressentia que havia mais.
O que aconteceu para você e mamãe romperem? Lembrou-se de que o pai dissera anteriormente que fora algo
que fugira ao controle deles. A fisionomia fechada do pai deixava-o inquieto... assim como o olhar longo e avaliador que estava merecendo.
Essa... um véu ocioso parecia ter caído sobre as feições do pai, mas essa impressão se dissipou quando ele se levantou da poltrona.... é uma outra longa história, e está ficando tarde. Vou-lhe mostrar qual vai ser o seu quarto. Deve estar cansado.
Sim admitiu Ty. Há dois dias que não durmo numa cama. Dormia sacolejando numa boleia de caminhão.
Então hoje você vai dormir.
Chase parou na sala de visitas enquanto Ty pegava sua mochila, depois levou-o escada acima para o quarto que pertencera a seu pai. Todos os quartos estavam sempre prontos para receber hóspedes, portanto havia bastantes toalhas no banheiro e lençóis limpos na cama. Quando verificou que Ty estava acomodado, Chase tirou um bloquinho e um lápis do bolso do paletó e entregou-os ao menino.
Escreva aí o número do telefone de sua mãe mandou.
Não vai ligar para ela? protestou Ty, franzindo a testa, ansioso. Pelo menos não durante alguns dias?
Sabe que ela está preocupada com você. A frase continha uma crítica sutil.
Sim, mas... Apertou os lábios, com ar sombrio. Ela vai querer que eu vá para casa. E eu não quero ir para casa.
Eu cuido disso afirmou Chase. Basta me dar o número do telefone, e eu falo com ela.
Está legal. Ty anotou o número e devolveu o bloquinho e o lápis para Chase. Não se esqueça de dizer a ela que estou bem.
Pode deixar. Chase foi até a porta, abriu-a e fez uma pausa. Ouça uns conselhos para ficar matutando. A vida na cidade gera a fraqueza num homem. Aqui não temos sinais de trânsito dizendo quando andar ou quando parar, quando esperar ou seguir em frente. Não há ruas com setas dizendo que a mão a se seguir é aquela. Na cidade, tudo é arrumadinho... suave... governado por uma ideia feminina de como devem ser as coisas. Aqui, ainda é terra de homem, onde se espera que você cumpra sua palavra e não peça nunca favores. Vai ser duro para você, e não apenas porque desconhece o nosso jeito. As pessoas vão esperar mais de você porque é meu filho, portanto... Chase sorriu de leve, porque as palavras seguintes lhe eram tão familiares... você vai ter que dar mais duro, ser mais esperto e brigar melhor do que qualquer homem no Estado. Se não for capaz disso, então será melhor para você voltar para a Califórnia e ficar com sua mãe, caso contrário esta terra o destruirá. Pense nisso nos próximos dias.
Sim, senhor. Era um som sóbrio, com apenas um leve toque de ceticismo.
Chase sorriu, divertido, porque também ele sempre acreditara que o pai exagerara muito.
Boa noite, Ty.
Boa noite.
Voltando ao escritório, Chase sentou-se na cadeira atrás da escrivaninha e apanhou o telefone, discando o número que Ty lhe dera. Atenderam ao terceiro toque.
Residência dos Gordons. Era uma voz de mulher, altiva e formal, não a de Maggie.
Quero falar com Elizabeth Gordon pediu Chase.
Creio que ela já se recolheu. Aqui fala a cunhada dela, Pamela Gordon. O que deseja?
Quer verificar se se recolheu mesmo? Diga-lhe que estou ligando com relação ao filho dela.
Ty? Encontrou-o? Ele está bem? A mulher lançou-lhe uma enxurrada de perguntas ansiosas.
Diga a Sra. Gordon que quero falar com ela. Enfatizou a última palavra para deixar bem claro que não falaria com mais ninguém.
Um momento. Ouviu o barulho do fone sendo largado. Ao fundo, podia ouvir a mulher chamando "Elizabeth". Chase esperou, brincando com a tira de papel com o número escrito.
O comprimido para dormir que Maggie tomara para ver se conseguia descansar um pouco, depois de tantas noites insones preocupando-se com Ty, a deixara descoordenada. Sentia-se grogue quando veio ao telefone, e apertou a mão contra a testa para eliminar o atordoamento.
A voz dela mudara ligeiramente, uma variação do sotaque, mas tocou-lhe a memória. Por um instante, os anos recuaram, e ele pôde ver-lhe os olhos verdes, verdes como a grama luxuriante da Triplo C, e os cabelos negros como a meia-noite. Apertou a mão no fone, como que para trazê-la mais para perto.
Alo, Maggie.
Ninguém mais a chamava assim, exceto Culley. Não parecia a voz dele, no entanto os telefones às vezes distorciam as vozes das pessoas. Maggie agarrou o fone com ambas as mãos.
Culley? Graças a Deus você telefonou. Tentei ligar para você, mas a telefonista falou que seu telefone tinha sido desligado, e eu... Ty fugiu. Acho que ele...
Maggie, é Chase interrompeu ele. Ty está aqui comigo. Ele queria que você soubesse que está bem.
Ela reconheceu a voz no minuto em que ele recomeçou a falar. O chão pareceu balançar sob os pés dela. Havia aquela mesma qualidade persuasiva e meiga na voz dele. Sentiu-se totalmente confusa, e o efeito do comprimido para dormir não a ajudava a clarear rapidamente as ideias.
Quero-o aqui em casa... comigo. Quanto a isso, Maggie não estava confusa. Ponha Ty no próximo avião de volta para casa. Eu pago a passagem.
Não.
Chase, eu quero meu filho. A voz dela tremia numa nota de advertência.
Se o quer, terá que vir buscá-lo.
Não. Não voltaria para lá. Ty é menor... um fugitivo. Se não o mandar de volta, comunicarei às autoridades e elas irão buscá-lo e trazê-lo de volta para mim.
Você está longe daqui há muito tempo, Maggie. Acho que se esqueceu do quanto território este céu dos Calders abrange. Eu sou a autoridade aqui. Se o quer, terá que vir pessoalmente. Sabe onde nos encontrar.
Chase botou o fone no gancho, plenamente consciente de que agira de acordo com a má imagem que a mulher tinha dele, mas isso tinha que ser resolvido. E ele preferia que fosse feito cara a cara. Recostou-se pesadamente na cadeira e fitou o telefone, perguntando-se o quanto ela se modificara nos últimos 15 anos. Será que ainda era tão linda como quando mocinha? Ainda tinha aquele corpo? Ou o estragara na gravidez do filho deles? Cansadamente, esfregou os olhos. Quando alvoreceu, no dia seguinte, Chase já tinha tomado banho, feito a barba e se vestido. Antes de descer, parou no quarto de Ty e abriu a porta. O garoto estava esparramado na cama, deitado de bruços, de boca aberta. A novidade de saber que tinha um filho continuava a espantá-lo e encantá-lo. Bateu com força na porta aberta.
Hora de levantar, Ty!
Chase ficou vendo o adolescente apoiar-se atordoadamente nos cotovelos, e franziu a testa enquanto olhava à sua volta, tentando lembrar-se de onde estava.
Que horas são? Ty passou uma mão sonolenta pelos cabelos, tentando forçar-se a acordar.
Cinco horas.
Da manhã! Com um gemido, desabou de cara em cima da cama.
Levantamo-nos cedo, por aqui.
Chase saiu do vão da porta e foi para as escadas. Aqui também não havia luzes para fazer um garoto saltar da cama. Ele tinha que aprender a fazê-lo por si mesmo.
Ruth acabara de colocar o seu prato de filé, ovos e ensopado na mesa da sala de jantar quando um Ty de olhar sonolento entrou tropegamente na sala. Chase os apresentou. Ruth derreteu-se toda, de modo embaraçoso, os olhos marejados de lágrimas quando murmurou que gostaria que Webb tivesse vivido para ver o neto. Depois, saiu às pressas para a cozinha, enxugando os olhos com o canto do avental.
O que foi que mamãe falou quando você ligou para ela, ontem à noite? perguntou, quando estavam a sós.
Chase evitou habilmente dar uma resposta direta.
Ela vem para cá hoje ou amanhã. Vai depender de quando conseguir lugar no avião.
Ela vai querer que eu volte com ela disse Ty, emburrado.
Eu cuido disso. Chase repetiu a calma resposta que dera na véspera.
Quando Ruth trouxe para Ty o seu prato de filé, ovos e ensopado, ele olhou-o fixamente.
Não sei se vou conseguir comer tudo isso a esta hora da manhã.
Chase ergueu os ombros expressivamente, como quem dizia que isso era com ele, mas acrescentou:
Vai demorar um bocado até o almoço.
Ty já tinha comido uma bela quantidade, quando Buck apareceu. Chase tinha terminado, e estava recostado na cadeira saboreando sua terceira xícara de café. Viu o olhar intrigado que Buck lançou ao rapaz.
Ty, quero que conheça Buck Haskell, um dos meus principais capatazes e um bom amigo. Apresentou Buck e viu Ty largar os talheres, levantar-se e apertar a mão do homem, educadamente. Buck, este é meu filho.
Seu... o quê? Buck lançou-lhe um olhar vivamente incrédulo. Mas onde... quem...
Maggie é a mãe dele.
Maggie O'Rourke? Ante o aceno afirmativo de Chase, Buck inspirou fundo e expirou. Ora, mas se não é o fim da picada! O rosto dele estava estranhamente inexpressivo, um toque de exasperação na voz. Logo a seguir estava olhando para Chase e abrindo um amplo sorriso. Parece meio esquisito dar os parabéns a esta altura dos acontecimentos.
Maggie chegou quase ao meio-dia do dia seguinte, guiando um carro alugado. Como mais ninguém batia à porta antes de entrar na Casa Grande, Chase soube que era ela antes de abrir a porta. Fitou-lhe os olhos verdes e frios, depois correu os olhos pelo corpo esbelto, vestindo um elegante costume preto debruado de branco. Certas coisas que recordava a seu respeito, como o orgulho e a vontade forte, estavam evidentes no seu porte rígido.
Chase olhou para além dela, fitando um empregado da fazenda que ia passando pela casa.
Charley, traga a bagagem da Sra. Gordon do carro.
Não há necessidade. Ela se virou para contradizer a ordem. Eu não vou ficar.
Pode trazê-la, Charley repetiu Chase, firmemente. Ela o enfrentou de novo, com fria serenidade.
Vou ficar aqui apenas o tempo bastante para apanhar o Ty. Depois, vou-me embora.
Ótimo. Inclinou a cabeça numa aceitação implícita e deu um passo para o lado, convidando-a a entrar. Deixando a porta aberta para o empregado, Chase moveu-se na direção do escritório, escutando o tinir dos saltos altos de Maggie no chão de azulejos, enquanto ela o seguia. Deixou que passasse por ele e entrasse no escritório, fechando as portas duplas para assegurar-lhes a privacidade. Há café quente na baixela sobre a mesa-de-centro.
Depois que correra o olhar pela sala sem encontrar Ty, Maggie se virou para confrontar Chase.
Onde meu filho está?
Foi com Nate hoje de manhã dar uma primeira espiada num recolhimento de gado de verdade. Chase serviu duas xícaras de café da baixela de prata. Creme ou açúcar?
Você sabia que eu vinha buscá-lo. A irritação emanava dela como um campo de força elétrico, deixando o ar carregado. Chase sentiu-o sem ter que olhar para ela.
Mas não sabia quando lembrou-lhe.
Ela girou parcialmente, mostrando-lhe o seu perfil. O corpo dela estava cheio e completo, de um modo que mexia com ele e atiçava seus desejos masculinos. Ela devia saber que era uma pintura para o olhar faminto dele, despertando lembranças de quando vira mais daquelas pernas bem torneadas do que a saia negra fendida no joelho agora revelava. Ele se recostou na poltrona, segurando a xícara.
Quando é que Ty volta?
Hoje à noite. Sorveu o café e evitou os olhos acusadores dela.
Você fez isso deliberadamente. Por quê?
Olhou para ele, percebendo a vitalidade dura que marcava as suas feições. Transformara-se numa figura poderosa de homem, com as rugas de expressão dando-lhe mais charme à aparência, ao invés de enfeá-lo. Sua boca se retorceu naquele jeito duro e familiar que ela recordava.
Para nos dar tempo de conversar em particular. Por que outro motivo?
Não temos nada para discutir insistiu ela, friamente.
Por que não me contou que ia ter o meu filho? Chase finalmente tocou no assunto que ambos estavam evitando.
Ty é meu filho. Sua parte na concepção dele foi puramente incidental. Ela mantinha o olhar desviado, a voz formal e a cabeça bem erguida.
Você ainda me odeia, Maggie? Viu o olhar dela se dirigir para ele.
Ódio é uma palavra apaixonada. Desprezo ou abominação seriam mais adequadas. Esta era uma coisa que o casamento com Phillip tinha feito por ela. Retirara a semente venenosa do ódio que poderia tê-la deformado. Meu marido era um homem amoroso e compassivo. Ensinou-me a esquecer o que eu não podia perdoar.
Naquele dia em que fui procurá-la... a última vez que a vi, foi para dizer-lhe que lamentava de verdade sobre seu pai. Na época, eu não tinha ciência de que você conhecia toda a história. Podia ver que ela estava fechando a mente para ele, sem querer lembrar-se de nada. Sei que não quer falar nisso, mas tem que ser dito.
Por quê? Meu pai está morto e enterrado.
E nós temos um filho, portanto você vai escutar, quer queira, quer não replicou Chase, sem alterar a voz. Compreendo quais foram as razões do meu pai para o seu gesto, mas não tinha ideia de suas intenções, quando entramos no pátio da fazenda, naquele dia. Até o minuto em que colocaram a corda no pescoço de Angus, eu estava pensando que ele planejava apenas assustá-lo. Quando eles... fechou a boca por um momento, antes de continuar. Eu não poderia tê-lo salvado, Maggie. O seu pescoço já estava quebrado. Fez nova pausa. Mesmo depois de todo esse tempo, não posso dizer que meu pai estava errado. O ódio do seu pai pela gente era uma obsessão. Você sabe disso, Maggie, provavelmente melhor do que eu. Num certo sentido foi uma morte misericordiosa, porque seu pai acabaria por destruir não apenas a si próprio, mas a você e Culley, também.
Acabou? perguntou, olhando para ele, e Chase não soube dizer se ela compreendera qualquer coisa que ele dissera.
Com esse assunto, sim. Olhou para o relógio. Ruth vai servir o almoço.
Não estou com fome.
Largando a xícara, ele se pôs de pé e caminhou para junto dela, segurando-lhe o braço com firmeza.
Faça um esforço disse, secamente. Podia sentir a alta tensão que fluía dela, mas Maggie não resistiu à pressão da mão dele, conduzindo-a.
Ele não tentou puxar conversa durante o almoço, mas deixou um silêncio pender sobre a mesa. A princípio, Maggie beliscou a comida no prato, até que a atmosfera tranquila abriu-lhe o apetite, lembrando-lhe que não comia há 24 horas. Relaxada e satisfeita com a refeição, recostou-se na cadeira e sorveu seu café.
Importa-se se eu fumar? Chase levava um charuto fino a meio caminho da boca.
Não, de modo algum. Gosto do cheiro de um bom charuto replicou Maggie, com indiferença.
É uma raça rara de mulher, a que gosta do cheiro de charutos. Levou o fósforo à ponta e soltou uma baforada.
Phillip geralmente fumava um charuto depois do jantar. Inconscientemente, a voz dela se suavizou, com carinho, portanto não compreendeu por que a boca do homem se estreitou subitamente.
Você está sabendo que Ty quer ficar aqui.
Maggie estava desprevenida, despreparada para tal frase, portanto reagiu vivamente:
Não importa o que ele quer. Vai voltar para casa comigo.
Havia algo de ocioso e perigoso no modo como ele olhou para ela.
Acha mesmo que vou deixar que o leve?
Maggie largou com força a xícara de café na mesa, enquanto se levantava. Era exatamente disso que tinha medo... de que, se Chase algum dia soubesse que tinha um filho, tentasse tomá-lo dela. Cruzou os braços, esfregando-os como se estivesse com frio.
Vou lutar contra você antes de deixar que o tome de mim, Chase Calder advertiu. Não sou mais Maggie O'Rourke, uma maria-ninguém. Sou Elizabeth Gordon, uma viúva rica cujo marido tinha muitos amigos influentes. Agora estamos em condições iguais, você não pode simplesmente me empurrar para o lado.
É isso o que você quer, Maggie? Uma feia batalha pela custódia dele? desafiou numa voz que continha a aspereza irregular da raiva. Vamos brigar para ver qual dos dois seria o melhor dos pais? Qual tem mais a oferecer-lhe? Quer jogar um cabo-de-guerra cruel com ele?
Não, não é, mas tenho muito pouca escolha no assunto, se você quer chegar às últimas consequências.
Não sou eu quem está chegando às últimas consequências, é você, insistindo para que volte para casa com você replicou Chase, novamente sob controle.
Não acha que vou deixá-lo ficar, não é?
Ele vai fugir de novo, se você o levar de volta avisou, calmamente. Você acabará por perdê-lo. Daqui a mais três anos ele terá dezoito anos... e será livre para morar onde bem quiser.
Não está mesmo pensando que vou desistir dele, não é? Simplesmente ir-me embora e deixar que fique com ele?
Não.
Então, o que está querendo de mim?
Case-se comigo.
Maggie fitou-o, boquiaberta do choque.
Não pode estar falando sério! E finalmente conseguiu rir da ideia.
Mas estou. Não se preocupe. Retorceu a boca, secamente.
Não estou alimentando nenhuma grande paixão por você. Meu interesse em casar com você é baseado exclusivamente em Ty. Primeiro, legitimará o nascimento dele. Não quero nenhum filho meu sendo chamado de bastardo.
É um pouco tarde para isso sugeriu Maggie, sarcasticamente.
Como não fui informado de sua existência... ou mesmo da sua esperada existência... a hora é a mais apropriada para mim
retrucou Chase. Em segundo lugar, quero assegurar-me de que Ty seja reconhecido legalmente como meu herdeiro. A Fazenda Triplo C é herança dele e pretendo tomar todas as providências necessárias para que ele a receba.
Não me deu um único motivo pelo qual eu deva concordar com esse casamento absurdo. Ela estava imóvel e tensa, ainda escutando a voz dele, com seus sentimentos reprimidos.
Você quer o seu filho, não quer? Se brigarmos por ele, Maggie, ambos perderemos. E Ty será o maior perdedor de todos, porque estará confuso, dividido entre nós dois. Casando-se comigo, você manterá o seu papel de mãe, viverá aqui nesta casa com ele, e será uma parte integral da vida dele. Além disso, será a dona desta casa e terá toda a importância decorrente do nome Calder.
Não estou interessada no seu nome, ou na sua cama. Não discutiu a parte tocante ao Ty.
Pouco se me dá se você partilhe a minha cama. Isso fica exclusivamente a seu critério. Eu lhe sugeriria que morasse aqui sem casamento, não fosse pelos dois motivos que lhe dei e... pelos comentários que isso criaria. E você sabe que as pessoas falariam, se você voltasse a viver nessa área, que dirá aqui na casa. Não importaria se as histórias fossem verdadeiras ou não; elas chegariam aos ouvidos do Ty. Não creio que isso lhe agradasse. O casamento é uma formalidade. Logo que ele tenha conseguido o seu objetivo de estabelecer Ty como meu herdeiro legítimo, você pode pedir divórcio. Imponho apenas uma condição... Ty fica comigo.
Isso não é justo falou ela, secamente.
Mais cedo ou mais tarde você terá que soltá-lo... quando ele se casar, ou partir para ver o mundo. Você pode ficar aqui o tempo que desejar... até que ele tenha dezoito ou vinte e um anos... ou pode dividir o seu tempo entre aqui e a Califórnia. Ou ficar na Califórnia e vir para cá de visita. Para mim é indiferente. Se tiver uma solução melhor, eu a ouvirei com prazer.
A frase dele zombou dela. Não havia outra solução que fosse de encontro às condições dele. E se isto não acontecesse, ele a levaria aos tribunais para obter a custódia de Ty. Não importaria que ela acabasse por ganhar a batalha. Ele deixara isso bem claro. Podia bem imaginar a reação de Ty a esta fazenda. Pareceria a realização do sonho romântico de qualquer garoto sobre o Oeste, incluindo uma figura de herói como pai. Jamais poderia ganhar contra os sonhos de um garoto, embora ganhasse a custódia legal.
Ty tem uma afinidade natural pela terra, um sentimento por esta região continuou Chase, quando ela não preencheu o silêncio. Você não pôde reprimi-los, embora tenha tentado. É algo que ele herdou de nós dois, Maggie. Estou apelando para o seu instinto maternal. Estamos ambos interessados na mesma coisa: Ty.
Pelo menos o nosso casamento pode começar com isso como base comum. Ficou olhando para ela, serenamente. Não espero que você me dê uma resposta agora. Vai querer falar com o Ty. Amanhã será uma boa hora.
Amanhã? Ficou irritada. Quanta generosidade sua dar-me tanto tempo!
Já se perdeu tempo demais. Saiu da sua poltrona. Vou levar sua bagagem para seu quarto.
Eu não disse que ia ficar lembrou Maggie.
Ele olhou para ela, correndo um olhar seco por seu rosto.
Vai ficar.
Não. Não ia dobrar-se à vontade dele. Se tiver que passar a noite aqui, prefiro fazê-lo na casa do meu irmão.
Ele franziu o cenho.
Ao que me consta, um rato não dormiria lá. O lugar deteriorou muitíssimo desde que você partiu. E seu irmão também.
Maggie saiu da sala de jantar e dirigiu-se diretamente para a porta da frente, os passos apressados. Chase não tentou detê-la enquanto ela saía da casa e descia os degraus até o carro de aluguel. A moça fez a longa viagem até a casa do irmão num estado de entorpecimento, sem ter certeza do que encontraria ao chegar lá.
Porém a descrição de Chase não a havia preparado para a visão dos prédios delapidados que pareciam prestes a desabar com o primeiro vento forte. Parecia que há anos não se fazia uma tentativa de consertar coisa alguma. A casa, o lar de sua infância, parecia abandonada.
Nunca fora grande coisa, para começo de conversa, mas agora as janelas estavam quebradas, metade dos degraus tinha sumido e o chão da varanda estava podre e parcialmente afundado. Maggie caminhou com cuidado até a porta da frente, que estava aberta. O cheiro que veio às suas narinas era nauseantemente podre. Cobrindo a boca, deu um passo cauteloso para dentro. Estava escuro e sujo. Estendeu a mão para o interruptor perto da porta, mas nada aconteceu. Cautelosamente, moveu-se para o lado, tateando até encontrar um abajur. Puxou a correntinha, mas nada aconteceu. Não havia eletricidade na casa. Algo passou correndo nas sombras e Maggie recuou ante o som. Isto não era uma casa; era uma pocilga. Estremeceu e voltou para junto da porta, enojada porque o irmão morava naquilo.
Do lado de fora, inspirou o abençoado frescor do ar e olhou em derredor. Os saltos altos que usava tornavam impraticável uma investigação dos outros prédios, a não ser que desejasse arriscar torcer um tornozelo no terreno irregular. Chamou o nome do irmão, mas não esperava uma resposta. Esperou no carro durante mais de uma hora, antes de finalmente desistir. Não queria estar ali quando escurecesse.
Enquanto se afastava, de carro, Maggie sentia-se abismada com o estado da casa. Primeiro a mãe, depois ela, tinham-se matado de trabalho para torná-la habitável, embora nem o pai nem o irmão parecessem dar valor ao esforço. Havia algumas verdades dolorosas que era preciso enfrentar, com relação à sua família, mas ela ainda não estava preparada para enfrentá-las frontalmente.
Pelo canto dos olhos, percebeu o cemitério, e parou o carro para dar marcha à ré e entrar nele. Saltando do carro, Maggie subiu o outeirinho gramado e parou ao lado do túmulo da mãe. Nenhum pensamento consciente cruzava sua cabeça. Um vento frio finalmente fê-la perceber a sombra comprida lançada pela pedra tumular. Estava ficando tarde, e Ty logo iria voltar.
Movendo-se rigidamente, começou a descer a trilha estreita entre as tumbas. O solo era razoavelmente liso, mas ela olhava onde pisava, até que um sexto sentido alertou-a de que estava sendo observada. Maggie parou, erguendo os olhos.
Uma pick-up estava estacionada ao lado do carro. Chase se apoiava contra a lateral do veículo, fumando uma cigarrilha. Algo disse a ela que esperava ali há muito tempo. Afastando-se da pick-up, esmagou a cigarrilha sob o calcanhar e adiantou-se para ir a seu encontro. Sem dizer palavra, virou-se para caminhar a seu lado, curvando a mão grande sob o cotovelo dela, para sustentá-la e guiá-la. Entorpecida, quase anestesiada, Maggie deixou que ele a acompanhasse até a pick-up.
O toque da mão no seu quadril quando a ajudou a entrar na boleia afastou a apatia da moça. Virou a cabeça para olhar para ele. Estava parado à porta, uma das mãos segurando a moldura da porta, a outra a porta propriamente dita. O olhar dele era calmamente avaliador e astuto.
Não foi uma volta ao lar das melhores para você, não é? murmurou.
Fitando aquele rosto duro e viril, Maggie sentiu-se transportada na lembrança dos seus dias de alegre abandono. Queria estender a mão e agarrar um pedaço daquela alegria descuidada que conhecera, recapturar a luz brilhante do sol que havia iluminado o seu mundo. Algo faiscou nos olhos dele, como se pudesse ler os pensamentos na sua expressão. Aquilo a trouxe de volta à realidade.
Deixe-me em paz. A voz dela era parada, morta.
Com um dar de ombros indiferente, ele fechou a porta do passageiro e deu a volta para subir atrás do volante. Quando deu partida no motor e começou a entrar na auto-estrada, Maggie notou o carro de aluguel estacionado ao lado deles.
Mandarei um dos rapazes vir buscá-lo.
Enquanto passavam pela cidade, Maggie notou o cartaz do restaurante no antigo Jake's Place.
Quando foi que Jake abriu um restaurante?
Jake vendeu o estabelecimento há quatro anos. A nova proprietária remodelou tudo e abriu um restaurante.
Quem é a proprietária?
Quando ele não deu uma resposta imediata à pergunta dela, lançou-lhe um olhar, perguntando-se se haveria algum significado para sua hesitação.
Uma mulher chamada Sally Brogan replicou ele, parecendo preocupado com outros assuntos.
Maggie deixou o silêncio continuar por alguns quilómetros.
O que estava fazendo no cemitério, esperando por mim?
Vi seu carro estacionado ali, portanto parei. Estava indo para a casa do seu irmão, apanhá-la. Passou-me pela cabeça que podia ser teimosa o bastante para querer ficar ali, e não é um lugar adequado para uma dama. Deixou o olhar se desviar da estrada para pousar nela brevemente, percorrendo-a. É, você conseguiu sua ambição de se tornar uma dama. Elegante, sofisticada, reservada, nem um fio de cabelo fora do lugar.
Você não parece impressionado. O tom de voz dele fora quase insultuoso.
Quem sabe eu esteja imaginando se sobrou alguma coisa da garota que conheci, ou se ela foi tão polida que deixou de existir. Fitou a estrada, a cabeça inclinada para o lado. Lembro-me de uma vez em que perdi o controle quando estava fazendo amor com você e fui um pouco rude. Você começou a me morder... com força. Quando me queixei, você me disse que, se eu quisesse bancar o grosso, você faria o mesmo. O cinismo enroscou-lhe os cantos da boca. O que será que faria hoje. Bocejaria?
Maggie deu-lhe as costas. Pelo resto da viagem ficou olhando pela janela de passageiros, o cotovelo apoiado na vidraça aberta e o punho cerrado apertado contra a boca.
Naquela noite, à mesa do jantar, Maggie fitava Chase de uma cabeceira da mesa para a outra, enquanto Ty se sentava, simbolicamente, a meio caminho dos dois, do lado direito. No momento estava usando uma camisa branca limpa e calça social escura, e parecia-se com o seu filho. Mas quando entrara porta adentro no começo da noite, parecera quase um estranho, vestindo empoeiradas roupas do Oeste. Inicialmente, Ty ficara constrangido diante dela, ciente de que a magoara quando fugira, mas quando ela não tocou no assunto, ele começou a relatar excitadamente suas aventuras dos dois últimos dias. Chase sentava-se, complacente, à cabeceira da mesa, enquanto Ty provava todos os pontos que ele havia mencionado, e deixando o entusiasmo do rapaz envolvê-la.
Aos poucos, Maggie foi puxando a conversa para a casa deles na Califórnia, mencionando os amigos de Ty e os cavalos de provas de equitação que ele exibia. As respostas dele foram ficando mais breves, e logo não estava falando mais nada. Então, ela começou a perguntar-lhe diretamente se estava preparado a desistir dos amigos, da casa, da sua vida na Califórnia.
Vou sentir falta disso tudo por algum tempo admitiu Ty, e se mexeu constrangido na cadeira antes de continuar: Mamãe, não quero magoá-la. Sei que você quer que eu volte, mas... eu quero ficar aqui.
Você não quer me magoar, mas magoaria, não é? deu-se conta Maggie. Se eu insistisse para que você...
Não faça isso, mamãe! pediu Ty, com a voz alterada pela tensão.
Se sua batalha tivesse sido apenas com Chase, teria lutado com unhas e dentes pelo filho, mas não podia também lutar contra o Ty. Sabia quando estava derrotada. Começou a empurrar as ervilhas de um lado para o outro do prato, com o garfo.
Ty, o que você diria se eu lhe dissesse que Chase e eu estivemos falando em casamento? perguntou, erguendo os olhos ao sentir a arremetida penetrante do olhar de Chase.
É mesmo? perguntou Ty, cautelosamente, não querendo comprometer-se até saber se era verdade.
É - admitiu, e enfrentou o olhar firme do homem à cabeceira, um Chase Calder maduro, lacónico e difícil de decifrar.
Quer dizer que moraríamos aqui? Nós dois?
É - disse, meneando a cabeça, e continuando a encarar os firmes olhos castanhos.
Esta é a sua resposta, Maggie? perguntou Chase, serenamente.
Se é o que meu filho deseja replicou sim, é a minha resposta.
Vou tirar a licença de casamento e mandar buscar o pastor. Nós nos casaremos aqui na casa... sem estardalhaço falou Chase.
A decisão de ficar e casar-se com Chase deixou uma infinidade de assuntos pendentes na Califórnia. Tinha que pedir demissão do seu posto como executiva da organização de caridade. Precisava tomar providências para vender os cavalos de exibição. Naturalmente, havia todas as roupas dela, e as do Ty, que tinham que ser empacotadas e enviadas para a Triplo C. Essa parte foi resolvida com um telefonema para Tia Cathleen. Esta era uma romântica incurável, portanto ficou radiante pelo fato de Maggie estar finalmente se casando com o pai do seu filho.
Já Pamela, foi outra história. Primeiro, ficou raivosamente incrédula quando Maggie contou sua decisão. Depois, chorou e suplicou a Maggie que pensasse melhor e trouxesse Ty de volta. Maggie não estava disposta a fazer confidências à cunhada e explicar por que não tinha escolha. Antes de a conversa ter acabado, Pamela estava lívida, acusando Maggie de estar sendo infiel à memória de Phillip, de nunca tê-lo amado, de ter-se casado com ele apenas pelo dinheiro, e ameaçando ir aos tribunais para contestar o testamento dele, retirando tanto Maggie quanto Ty da lista dos beneficiários. A índole vingativa da cunhada foi o suficiente para convencê-la de que jamais queria voltar.
Depois da conversa com Pamela, Maggie fora dar uma volta para esfriar a raiva. Chase não estava por perto, mas raramente estava. Com o recolhimento do gado da primavera em pleno andamento, geralmente ficava fora de casa do alvorecer até o crepúsculo. Ela já passara dos celeiros e estábulos e estava a meio caminho do alojamento dos homens, quando finalmente diminuiu o passo e olhou em derredor.
Teve a atenção despertada por um veículo esquisito estacionado na frente de um dos prédios logo adiante. Levou um minuto para reconhecer que era um carro para transportar provisões e utensílios de cozinha para os vaqueiros. Chegou mais perto para olhar para dentro da cozinha móvel, que tinha um fogão a gás butano, geladeira e reservatório de água. Ele tinha voltado para a sede da fazenda para se reabastecer de suprimentos e combustível.
Quando uma figura imensa saiu de dentro de um prédio, uma cabeça redonda estava quase escondida atrás do saco de batatas de 20 quilos que levava ao ombro. Maggie piscou incrédula, fitando o homem, enquanto um sorriso rasgou-lhe o rosto.
Tucker! exclamou, encantada. O cozinheiro girou o tórax para ver quem tinha chamado seu nome. Fitou-a vagamente e ela riu. Sou eu! Maggie!
Ele jogou o saco ao chão como se fosse uma pena.
Tinha ouvido contar que estava de volta, mas não a teria reconhecido. Olhou para ela com orgulho, fitando o corte de cabelo elegante, a blusa assinada cinza clara, a calça justa e preta. Bem-vinda ao lar, Maggie.
Ela sentiu um bolo estranho na garganta enquanto ria de novo, desta vez mansamente.
Sabe que é a primeira pessoa que me disse isso?
Que bom. Pensei em você, e em como se estava saindo disse. Vi o seu garoto. É filho do Chase?
É respondeu, observando a reação dele, lembrando-se do respeito que sempre demonstrara por ela, e perguntando-se se isso modificaria alguma coisa.
Os rapazes estão falando que você vai-se casar com ele.
Vou. Ele não parecia estar julgando o comportamento dela de anos atrás. No entanto, sentia-se obrigada a explicar a este homem os seus motivos para se casar com Chase, depois do que os Calders tinham feito a seu pai. Não tenho escolha. Ty está fascinado por ele. Se não quiser perder meu filho, terei que me casar com ele, para poder ficar perto do Ty. Inspirou tremulamente e olhou para longe. Tem visto Culley ultimamente? Já fui à fazenda umas duas vezes, mas ele não está lá e eu... Não pôde terminar a frase, incapaz de expressar suas reações às mudanças ocorridas ali.
Eu sei. O comentário de Tucker dizia que ela não precisava dizer-lhe nada. Culley não fica muito lá. Aquilo é uma obsessão para ele. Devia ter ido embora com você e não ter tentado manter o lugar. Era demais para um homem, que dirá um menino. Tentei falar com ele, mas não quis escutar... disse que os Calders tinham conseguido pegar-me.
Ele me escreveu contando que você estava aqui, mas pensei que a esta altura já tinha ido embora. Olhou para ele, tentando compreender por que tinha ficado. Incendiaram o seu café. Eu imaginava que você se iria daqui o mais depressa que pudesse.
Eu achava que Calder o incendiou. Mas pode ser que o fogo tenha sido causado pela gordura, como disseram. Deu de ombros.
Tenho sido tratado com justiça, aqui. E sou dono do meu nariz. Acho que Webb Calder me apavorou de verdade. E Chase ainda me olha com certa desconfiança.
Então você perdoou a ambos pelo que fizeram a meu pai?
Parecia outra traição.
Você, não? retrucou Tucker, com um olhar enviesado dos seus olhinhos.
Não.
Acredita que um filho tem que pagar pelos pecados do pai?
Quando ela ia começar a responder, ele interrompeu. Cuidado com o que vai dizer, porque se vai fazer Chase pagar pelo que o pai dele fez, não se esqueça de que o pai do seu filho é Chase Calder.
Uma minúscula onda de choque a percorreu, as palavras dele ecoando em sua cabeça... pagar pelos pecados do pai. Tremia por dentro, sem ter certeza do por quê. Havia uma súbita confusão na sua cabeça, que não estava conseguindo dominar. Seus pensamentos rodopiavam depressa demais.
Bem... Tucker levou o saco de batatas ao ombro. Tenho que ir trabalhar. Daqui a pouco os rapazes vão ficar com fome. A seguir, fez uma pausa. Mandarei avisar a Culley que você quer vê-lo.
Obrigada, Tucker. Foi uma resposta quase distraída, enquanto ela se virava para andar devagarinho na direção da Casa Grande.
A cerimónia de casamento foi rápida e indolor, realizada à noite para não interferir com o esquema de trabalho de Chase. Ruth e Virgil Haskell foram as testemunhas. Ty foi a única outra pessoa a comparecer. Houve apenas um momento constrangedor, quando chegou a hora de trocar as alianças simples de ouro. Maggie tinha-se esquecido de tirar o jogo entrelaçado de aliança e solitário que Phillip lhe dera. Em retrospectiva, ela não saberia dizer ao certo se fora esquecimento ou um gesto subconsciente. De qualquer modo, quando Chase viu o jogo, sua boca se apertou enquanto habilmente o retirava do dedo dela e o enfiava no bolso. Depois da cerimónia devolvera-lhe a aliança e o anel. Mais tarde, seu beijo fora frio e impessoal, praticamente não fora um beijo.
Enquanto a certidão era assinada e testemunhada, Chase preparara bebidas no escritório. O pastor fizera um brinde à futura felicidade deles, antes de se retirar. Os Haskells não se demoraram, e até Ty fora embora discretamente para deixá-los a sós. Chase imediatamente se desculpara e fora cuidar de uns papéis, deixando Maggie com a sensação de que tudo fora uma farsa.
O que tinha esperado? Deitada na cama do quarto principal, fitou os desenhos que a lua fazia no teto. O seu ego estava sofrendo. Queria ser ela a esnobar e ignorar. Ficou enojada com sua reação infantil. O que importava qual deles estabelecesse o padrão de discreta civilidade?
Escutou os passos dele que subiam as escadas até o topo, e o andar sem pressa que o fez passar pela porta dela, sem nenhuma hesitação. O quarto de dormir dele estava localizado no canto noroeste do segundo andar. Indicara-o para ela, secamente, quando lhe dera a suite principal, naquela primeira noite. A porta do quarto dele abriu e fechou. A seguir, fez-se silêncio.
Ela rolou para o lado, enfiando as mãos sob o travesseiro debaixo da cabeça. A larga aliança de ouro parecia estranhamente pesada no dedo. Não estava acostumada com ela, e sim com a coroa de diamantes da aliança de Phillip. Mal havia fechado os olhos quando a maior barulheira e estardalhaço chegou-lhe aos ouvidos. A algazarra ensurdecedora fez Maggie saltar da cama. Agarrou o robe que fazia jogo com sua camisola de cetim e se mandou para o corredor, quase atropelando Chase.
O que é isso? A barulheira não arrefecia.
Não sei. A camisa dele estava desabotoada e para fora da calça. Ele estava começando a enfiá-la para dentro da cintura, quando parou e inspirou vivamente, em reconhecimento. Ah, não! Era um suspiro exasperado.
O que foi? perguntou, olhando para ele, intrigada e vagamente alarmada.
Ele lhe lançou um olhar enviesado, seco e irónico a um só tempo.
Estão-nos dando uma festa. Aposto que foi ideia do Buck. Uma risada irrompeu da garganta dela, curta e aliviada, logo
interrompida pela porta da frente sendo aberta e pela invasão de botas pisando forte e pelo bater de panelas umas nas outras.
Queremos os noivos! gritou um coro de vozes turbulentas.
Maggie começou a dar um nó na faixa do seu robe. Chase varreu-a com um olhar que notava especialmente como o tecido de cetim se amoldava aos seios e quadris dela, deixando muito pouco à imaginação.
Não pode ir lá para baixo usando isso falou bruscamente, em voz baixa.
Por um segundo atónita, pôde apenas olhar para ele.
Tenho meia dúzia de vestidos de noite mais reveladores do que este! retrucou. Phillip jamais achou que eu estivesse vestida de modo indecente.
Bem, não sou Phillip e não estamos na Califórnia. As nossas mulheres não andam por aí mostrando o corpo na frente dos outros homens.
A voz dele era um lembrete agudo que pertencia a uma raça de homens que julgava as mulheres por padrões diferentes daqueles do mundo exterior. A rebelião percorreu-lhe as veias, ou atiçada pela reprimenda dele ou pelo tom de posse de sua voz, quando a grupara na categoria de "nossas mulheres".
Ei! Vocês vão descer ou vamos ter que subir? desafiou uma voz, do pé da escada.
Dêen-Mios dois minutos para botarmos uma roupa decente! Chase ergueu a voz para replicar, depois tomou Maggie pelos ombros e levou-a até a suite principal, em meio aos gritos e assobios vindos lá de baixo.
Se não fosse pela possibilidade bem real de que Ty fizesse parte do grupo lá embaixo, e Maggie não querer embaraçá-lo, ter-se-ia recusado a trocar de roupa. Chase já tinha acendido a luz e estava examinando seu guarda-roupa escasso, já que o resto de suas roupas não tinha chegado. Maggie ficou ainda mais irritada pela insinuação de que não confiava nela para escolher algo adequado. Raivosamente, tirou o robe e jogou-o sobre as cobertas revoltas.
Acabara de arrancar a camisola pela cabeça e estava apanhando as roupas íntimas, quando ouviu Chase dizer:
Tome. Use isto.
O quê? Quando se virou para ver o que ele havia escolhido, ficou imobilizada pela expressão dos seus olhos.
Eles percorriam sua nudez, demorando-se nos bicos dos seios, na planura do estômago, no triângulo preto de pêlos crespos. Depois percorreram vagarosamente a mesma rota, ao contrário. Maggie ficou abalada pela sensação de que ele estava fazendo amor com ela com os olhos, e sentiu o calor inundar-lhe o corpo, o calor do desejo. Tinha que defender-se contra esta invasão tão íntima.
Pare de me olhar com essa cara de bobo, feito um vaqueiro, Chase. Falou secamente porque estava tremendo por dentro. Já me viu nua antes.
A ironia quebrou o encanto, e Maggie adiantou-se rapidamente para vestir o sutiã e a calcinha. Chase escolhera um vestido sem mangas azul-pálido, feito de uma fazenda atoalhada lustrosa. Quando ela foi pegá-lo das mãos dele, o homem segurou-o por um instante, forçando-a a fitá-lo nos olhos, que brilhavam como pedras polidas.
Mas quando eu a vi nua antes, Maggie, eu sempre olhei ele lembrou simplesmente, e soltou o vestido e se afastou.
Uma cantoria começou lá embaixo.
Queremos os noivos! Queremos os noivos!
Chase esperava à porta com impaciência mal disfarçada enquanto Maggie abotoava a frente do vestido e enfiava os pés sem meias em sandálias tipo chinelo. O olhar dele inspecionou-a rapidamente, quando ela se reuniu a ele. Ela ferveu por dentro, sentindo-se exposta, como se o muro que erigia tão cuidadosamente para deixar de fora as sensações indesejadas estivesse sendo corroído, e ela precisava da proteção contra a atração animal vibrante dele.
Ficou rígida sob a mão que a conduzia escada abaixo, onde foram imediatamente engolidos pela maré ruidosa dos trabalhadores da fazenda e suas famílias, rindo, turbulentos, gozadores na sua alegria. Podia ter sido negado a eles um casamentão, mas não lhes ia ser negada a oportunidade de comemorar o casamento do patrão. No meio da multidão que os cumprimentava, Chase curvou um braço possessiva e protetoramente na cintura de Maggie, moldando-a firmemente a seu lado esquerdo, para não serem separados. O corpo musculoso dele era como uma rocha viva, gemendo um calor que queimava a pele da moça. Estava consciente de sua virilidade rude que não se apoiava em charme sexual. Era uma coisa mais simples e básica do que isso, algo terreno inserido nele pela região. Ela resistiu-lhe, concentrando a atenção no fluxo de vaqueiros.
Foram presos e envolvidos na corrente de corpos que os levou para fora de casa, onde uma multidão maior os esperava. Uma parelha de cavalos, agitada com todo o barulho, estava atrelada a uma velha carruagem. Ela e Chase foram colocados no assento enquanto um par de cavaleiros ladeava a parelha agitada e desfilava a carruagem e seus ocupantes pelo pátio da fazenda para alegria da multidão. Maggie conseguiu igualar a aceitação calma e sorridente de Chase de tudo aquilo.
Finalmente, os cavaleiros devolveram o casal às escadas de entrada da Casa Grande. Enquanto Chase tirava Maggie da carruagem, Ruth Haskell apareceu para murmurar-lhes:
Tenho comida e bebida para todo o mundo lá dentro. Estava mantendo o costume de alimentar os farristas.
Chase e Maggie ficaram parados à porta, cumprimentando os indivíduos à medida que iam entrando, e aceitando os seus parabéns. Alguns deles Maggie conhecia, outros lhe pareciam familiares. Chase apresentou a todos, sem gaguejar num só nome. Lá de vez em quando um vaqueiro servia-se do direito de beijar a noiva, mas era sempre um gesto muito respeitoso e reservado. Ninguém se aproveitou do privilégio, não com o Chase parado ao lado dela.
Enquanto um vaqueiro se adiantava para apertar a mão do noivo, Maggie se virou para a próxima pessoa na fila. Havia um ar de quietude na mulher ruiva que vinha a seguir, uma qualidade que se destacava no meio de toda a barulheira. Maggie sentiu Chase enrijecer e olhou rapidamente para ele para determinar a causa, no entanto nada havia na expressão do marido para indicar que havia algo errado. Ele fez as apresentações, como havia feito a noite toda.
Esta é Sally Brogan, uma amiga minha. É dona do restaurante na cidade.
Parabéns, Sra. Calder. Enquanto a mulher discretamente apertava a mão de Maggie, esta notou a leve tensão nas suas feições. Havia dor por trás daqueles plácidos olhos azuis. É uma mulher de muita sorte.
Sorte? Maggie supunha que havia muitas mulheres que trocariam de bom grado de lugar com ela. A certeza veio instantaneamente que esta mulher era uma delas. Teve a consciência súbita de uma certa quietude à volta delas, como se os outros estivessem observando o diálogo. Quando a ruiva seguiu seu caminho para cumprimentar Chase, alguém se adiantou imediatamente para reclamar a atenção de Maggie.
Era Buck Haskell, rindo e falando bem alto.
Você é uma bela noiva, mas, afinal, sempre foi uma beldade. Ela mal escutou uma das palavras que ele dissera. Bem a seu lado, estava consciente da mulher murmurando para Chase.
Desejo a ambos todas as felicidades.
E esticou-se para beijá-lo. Ficou evidente para Maggie que tinha havido mais do que amizade entre eles. Ficou ainda mais convencida disso quando ouviu Buck dizer, numa voz que não era para ela ouvir:
Desculpe, Chase, mas a Sally pediu para vir, para você saber que ela não ficou zangada nem chateada.
Houve mais rostos e mais apresentações até que Maggie e Chase se pudessem reunir aos que estavam dentro da casa, provando as guloseimas que Ruth preparara. Ainda se passou uma hora até que os empregados da fazenda e suas famílias começassem a ir embora da casa, bem mais serenamente do que tinham entrado.
Enquanto Chase começava a apagar as luzes lá embaixo, Maggie ia subindo as escadas. Parou no patamar onde as escadas faziam uma virada abrupta à esquerda.
Cadê o Ty?
Depois de apagar a luz do corredor que dava para a cozinha, Chase parou para responder-lhe, erguendo secamente o canto da boca.
Pareceu achar necessário dormir nos alojamentos hoje, para podermos ter a casa toda para nós, na nossa noite de núpcias.
Os dedos dela se curvaram no corrimão liso da escada. A menção da noite de núpcias e das intimidades que a acompanhavam tinha causado uma estranha sensação de enroscamento no seu estômago.
A mulher ruiva, Sally Brogan? começou Maggie, sem ter certeza por que estava trazendo o assunto à baila, exceto que queria ver a reação do Chase.
Ele parou naturalmente junto a uma lâmpada acesa, e virou a cabeça.
O que tem ela? O desafio era suavíssimo.
Estava-se encontrando com ela, não é?
Não houve negativa. Nem Chase pareceu pouco à vontade porque ela tinha adivinhado.
Nunca fiz a ela nenhuma promessa foi só o que disse. A resposta dele reabriu uma velha ferida, porque ele também não tinha feito a ela nenhuma promessa, há 16 anos. Simplesmente curtira os prazeres que Maggie tinha a oferecer, tomando o que aparecia no seu caminho.
Nunca fez promessas, não é?
Sua memória é curta. Subitamente, houve um ar de aspereza nas suas feições. Ainda hoje, mais cedo, creio que prometi "honrá-la e mantê-la até que a morte nos separe". Moveu-se na direção da luz que brilhava na sala de jantar.
Maggie sentiu-se abalada pela convicção na voz dele, enquanto permanecia no patamar da escada. Nesta região, um homem cumpria sua palavra, ou não era um homem. Uma promessa não era uma coisa que se fizesse despreocupadamente. As juras que fizera hoje tinham sido palavras sem sentido, para ela, um expediente para conservar Ty. Independente do quanto ela as considerasse superficiais, o código de Chase não permitia que ele as ignorasse. Estava preso pelas promessas feitas, quer ela própria acreditasse que estava, ou não.
Sentiu-se vagamente envergonhada. Aos olhos de Deus e dos homens, ele era o seu marido. Será que estava certa em ser menos do que uma esposa para ele? No entanto, fora coagida a fazer esse casamento. Que tipo de homem ameaçaria tirar um filho da sua mãe? Porém outra voz, mais serena, perguntava: que tipo de mulher negava a um pai o direito de conhecer o seu filho? Subitamente sentiu-se assaltada por uma tempestade de dúvidas.
Quando ouviu os passos dele se aproximando da sala de visitas, recomeçou a subir. Toda ess aconfusão tinha-lhe dado dor de cabeça. Não prestou atenção ao ruído de pneus no cascalho lá fora, imaginando que fosse um membro da festa que ia para casa atrasado. Chase também não ligou para o ruído. Estava quase no topo das escadas quando um tiro de fuzil explodiu na quietude da noite, arrancando-lhe um grito da garganta.
A reverberação mal tinha terminado quando uma voz lá de fora gritou:
Calder! Quero minha irmã!
Culley! Reconheceu a voz do irmão e desceu correndo as escadas. Na semi-escuridão da sala de visitas, colidiu com Chase. Quando tentou passar por ele, sentiu-se envolvida por braços de ferro. Empurrou-lhe o peito, inclinando a cabeça para fitá-lo, irada.
Quero ver meu irmão.
Ainda não. A voz dele era dura e inflexível como o seu aperto.
O tiro seguinte destroçou uma janela da sala de jantar, e Maggie foi puxada de encontro ao peito dele, esmagada contra o seu corpo, enquanto os ombros largos se encurvavam protetoramente para adiante, como que para formar um escudo para ela. Espantada com esse gesto altruísta, ela parou de se debater. Sob a cabeça, podia ouvir as fortes batidas do coração dele. Quando não houve mais outro tiro, ele se moveu, empurrando-a na direção da escada.
Calder! Está-me ouvindo? berrou Culley.
Estou! respondeu. E falou para Maggie numa voz baixa.
Fique aqui, e abaixada.
Ele só quer me ver argumentou ela.
Então não devia ter vindo com um fuzil replicou ele, bruscamente.
Calder! Sei que Maggie está aí! Deixe-a sair ou eu atiro em cada vidraça da casa! ameaçou o irmão.
Chase afastou-se suavemente de Maggie e entrou nas sombras da sala de visitas às escuras. Só respondeu depois que estava do outro lado do aposento.
Se sabe que ela está aqui, largue o fuzil antes de feri-la.
Só o que você tem a fazer é deixá-la sair e ela não vai ficar ferida... porque eu não vou deixá-lo feri-la desta vez! Culley ergueu a face do fuzil para responder, enquanto se agachava atrás do capô de sua pick-up.
Houve um leve arrastar no cascalho às costas dele, um sussurro de advertência. Ele deu meia-volta vivamente, girando com o fuzil para responder à ameaça que vinha de sua retaguarda desprotegida. Um braço bateu no cano, levantando-o, e a bala foi disparada inofensivamente para o ar, enquanto três homens o atacavam. Tentou lutar contra eles, mas eram em número maior, e mais deles vinham vindo. Algo enfiou-se na sua barriga, dobrando-o em dois de dor, e um punho cerrado abriu o seu lábio e jogou-o sobre a pick-up. Completamente grogue, tentou afastar a escuridão dos olhos, mas eles o agarraram, batendo com os seus ombros e costas contra o lado da pick-up. Sentiu um estalido de dor ao longo do maxilar. Logo a seguir estava afundando num mar de escuridão, e nem escutou a ordem dada:
Agora chega.
Quando Maggie escutou os ruídos de uma briga lá fora, ignorou a ordem de Chase para ficar dentro de casa e saiu atrás dele. Culley estava inconsciente, no chão, largado de encontro à pick-up, quando ela chegou ao local. Nem prestou atenção aos homens que o rodeavam, enquanto corria para junto do irmão.
O que quer que a gente faça com ele, patrão? perguntou um deles.
Chase nem teve chance de responder, enquanto Maggie dava uma olhada no rosto machucado e no lábio ferido.
Tragam-no para dentro de casa ordenou a moça. Ninguém se mexeu para obedecer, e ela olhou para Chase por cima do ombro, com um olhar gélido. É meu irmão e está ferido.
A pausa não durou mais do que um batimento de coração.
Ouviram minha mulher falou Chase. Buck, você e Dave carreguem-no para dentro de casa. Logo a seguir adiantou-se e puxou Maggie para longe do irmão. Murmurou junto à orelha dela, a raiva vibrando no tom baixo de voz. O que acha que eu ia mandar que fizessem com ele? Largá-lo numa vala?
Como é que eu podia saber? sibilou ela, igualmente baixo. Deixou que o espancassem.
Ele tinha um fuzil que estava usando. O que esperava que eles fizessem... que lhe dessem uma batidinha amistosa no ombro e pedissem que largasse a arma? resmungou, bem baixo, sem olhar para ela, enquanto sua mão de aço a empurrava atrás dos dois homens que levavam Culley para dentro da casa.
À luz acesa da sala de visitas, os cortes e ferimentos não pareciam de grande monta. Foi o estado físico geral do irmão que deixou Maggie alarmada. Seu cabelo negro achava-se longo e sem vida, e estava magro como um esqueleto. Havia profundas olheiras escuras no seu rosto, como se os olhos tivessem afundado nas órbitas. Seu comportamento parecia compreensível. Era uma mola muito bem enrolada que se soltara e ficara errática.
Chase entregou-lhe uma dose de uísque para reviver Culley, e fez sinal a Ty para levar embora o equipamento de primeiros-socorros. Segurando a nuca do irmão, Maggie derramou um pouco de uísque em sua boca. Ele se engasgou e começou a tossir, as pálpebras esforçando-se por se abrir enquanto tentava afastá-la. Com o canto dos olhos, ela percebeu que Chase tinha dado um passo na sua direção, pronto a interferir, se Culley se tornasse violento.
Culley, é Maggie disse rapidamente, para acalmá-lo. Não deixou de perceber, indiferentemente, que depois de 16 anos sendo Elizabeth, era Maggie de novo.
Viu que Culley a focalizava, e franzia o cenho, os olhos ásperos e vermelhos, demonstrando a tensão do trabalho demais e descanso de menos que marcava o resto de sua pessoa.
Maggie?
Sim. Ela sorriu. Como está-se sentindo?
As mãos dele agarraram-lhe os braços, os dedos enterrando-se na sua carne como garras de aço, revelando uma necessidade de se certificar de que ela era real, e não uma miragem.
É mesmo você. Sorriu, e o gesto repuxou o lábio rachado e provocou uma careta imediata de dor. Esmagou-a contra o peito, abraçou-a com toda a força. Enterrando o rosto nos cabelos perfumados dela, fechou os olhos para esconder as lágrimas, porque um
homem não deve chorar. Senti saudades falou, com voz baixa e abafada.
Também senti saudades suas, Culley.
A emoção engasgava sua voz e ela piscou para conter as próprias lágrimas. Viu que Chase os observava com ar sombrio e lábios cerrados, e soltou-se devagar do abraço apertado de Culley.
Você conseguiu. Culley corria os dedos maravilhados pelo rosto dela, tocando-a numa espécie de adoração espantada. É uma bela dama. Ela tomou a mão magra e beijou-a, piedade e culpa misturando-se nela pelo sofrimento que ele conhecera enquanto ela vivera cercada por tudo o que uma mulher pode desejar. Recebi o recado de Tucker de que você estava aqui e que Calder a estava obrigando a ficar. Ergueu os olhos, tomado de alucinação quando viu Calder e, a um canto, Buck Haskell e dois outros vaqueiros posicionados dentro da sala, para o caso de haver encrencas. Vamos. Vou levá-la comigo, Maggie, e eles não vão poder deter-me.
Culley, não. A resistência dela intrigou-o, o que era aparente. Por favor, escute-me. Preciso explicar-lhe uma coisa. Já estava procurando as palavras para fazê-lo compreender, sabendo que não havia nenhuma.
O quê? indagou, fitando-a com olhos estreitados.
É aqui que eu moro, agora. Nós nos casamos. Falou calma e concisamente, tentando não deixar que as palavras causassem muito impacto, mas viu o choque e a raiva registrarem-se nas feições dele. Chase é meu marido.
Havia uma luz alucinada e instável nos olhos dele.
Esqueceu o que ele fez?
Ela deitou os dedos sobre a boca do irmão, para silenciá-lo, os olhos suplicando para que não dissesse mais nada.
Há alguém que quero que conheça. Tentou distraí-lo, e virou-se para chamar Ty. Levantando-se do seu assento bem na beirada do sofá, foi pegar a mão do filho para puxá-lo mais para perto. O garoto estava com a testa franzida, confuso e desconfiado, constrangido com a atitude e comportamento estranhos do homem que era seu tio. Culley se pôs de pé, inseguro, olhando com suspeita para o menino com a irmã. Este é meu filho, Ty. Apresentou o filho e sorriu. Este é o seu Tio Culley.
Como está, senhor? Ty estendeu a mão formalmente, mas Culley nem a notou enquanto o examinava com um olhar penetrante que aumentava o desconforto do filho... e de Maggie.
Culley? Instou-o nervosamente a dizer qualquer coisa, um pouco assustada pelo longo silêncio.
Saia de perto dele, Maggie ordenou Culley, e estendeu a mão para pegar a dela, sem deixar de fitar o garoto alto. Ela hesitou, depois colocou a mão na dele, deixando que a puxasse. Olhe para ele insistiu o irmão, com olhos ardentes. Não está vendo? É um Calder!
Ela sentiu o rápido bater de sua pulsação e tentou desviar Culley daquela condenação com o tom calmo e razoável da voz.
Ele é meu filho.
Culley puxou-a para si, segurando-a pelos ombros para mantê-la imóvel.
É o filho dele, Não está vendo? As palavras se atropelavam. Por que o trouxe de volta? Por que não se livrou dele? Não está vendo, Maggie? Agora são dois deles! São tão fortes quanto eram antes! Tem que vir embora comigo esta noite, Maggie! Tem que me ajudar a me vingar deles pelo que fizeram! Você finalmente voltou para me ajudar, não foi? Temos que nos vingar deles pelo que fizeram!
Os olhos dela ardiam com lágrimas não derramadas ao ver como o ódio tinha destruído o irmão, cegando-o a tudo exceto à sua obsessão em se vingar dos Calders. Ele se alimentava do ódio, ao invés de comida, dormia com ele, ao invés de descansar, respirava-o como um ar envenenado. Jamais tinha deixado a ferida sarar, e ela tinha infeccionado sua alma.
Oh, Culley sussurrou, debilmente. Por que não veio para a Califórnia comigo?
Maggie não notara que, às suas costas, Chase fizera sinal para um dos homens, indicando que queria que Ty fosse levado da casa antes que sua presença precipitasse um incidente violento. Ela fitou o brilho de suor na testa de Culley, um indício do inferno que vivia dentro dele.
Eu tinha de ficar! A voz dele ergueu-se a um tom alto e dissonante, em resposta à pergunta dela. Você tem que vir comigo, Maggie! Preciso de ajuda!
Ela gemeu, porque ele precisava. As mãos dele apertaram-lhe os ombros. A dor que aquilo lhe causou deu-lhe uma indicação das forças que o apertavam e pressionavam. Enfiou os dentes no lábio inferior para não gritar um protesto pelo modo como ele a estava machucando. Mas logo não precisou mais fazê-lo, pois Buck e o outro vaqueiro chegaram por trás dele, tomando-o firmemente pelos braços e forçando-o a soltá-la. Culley levou um segundo para se dar conta do que estava acontecendo e começar a se debater para se soltar. Ela deu um passo instintivo na direção do irmão, querendo ajudá-lo de alguma forma, mas um par de mãos fechou-se nos pontos encurvados dos seus ombros. Chase estava atrás dela.
Quando a imagem dele apareceu para ficar ao lado de Maggie, Culley começou a gritar:
Largue-a! Não vai mantê-la aqui! Vou tirá-la de você e mandá-la para bem longe daqui, como já fiz uma vez! Não pode ficar com ela! Está-me ouvindo, Calder?!!
Não. Ouça-me você, Culley. A voz dura dele era nítida
e forte. Não posso impedir Maggie de visitar o irmão dela, mas você jamais ponha os pés em terra Calder de novo. Havia um tom agourento na fria advertência. A seguir, Chase estava-se dirigindo a seu amigo e capataz. Buck, acompanhe-o para fora da propriedade, e não o deixe até que esteja fora da Triplo C.
Torcendo os braços bem no alto de suas costas, os dois homens foram quase carregando Culley para fora da casa, até a pick-up.
Vou com O'Rourke para me certificar de que não vai inventar nenhuma gracinha daqui até a porteira principal falou Buck. Você segue a gente, Dave.
Certo.
Maggie não resistiu à pressão das mãos que a afastaram da porta da frente. Ergueu os olhos para a fisionomia máscula e severa.
Estou falando sério. Não quero vê-lo nunca mais em terra Calder repetiu Chase.
Ele é meu irmão.
Foi por isso que saiu daqui andando. As mãos dele a apertaram, como se quisesse sacudi-la para a percepção do quanto ele se contivera. Voltou a se controlar, contraindo um músculo ao longo do maxilar. Não posso impedi-la de vê-lo do lado de fora desta fazenda. Creio que jamais a magoará, mas vi o jeito como olhou para o Ty.
O medo a sufocou por um instante, porque ela também o vira, e aquilo a assustara.
Ele precisa de ajuda.
O apelo mudo nos olhos verdes tocou Chase.
Eu sei. Tomou-a meigamente nos braços, deixando a cabeça dela pousar no seu peito. O queixo roçava os cachos lustrosos do lado da cabeleira da moça. Mas não há nada que você possa fazer por ele, Maggie. O que ele precisa é de ajuda profissional. Esfregou as mãos nas costas dela. Sua intenção era confortá-la e tranquilizá-la, mas também estava sentindo os contornos femininos do corpo esbelto. Aquilo mexeu nos desejos que dormiam dentro dele. Como se pressentisse a mudança, ela saiu dos seus braços, e Chase a soltou. Vou ver o Dr. Barlow amanhã e pedir-lhe para dar uma passadinha na casa do Culley uma noite dessas, para falar com ele. Quem sabe seu irmão o escutará sugeriu, notando que ela estava evitando os seus olhos.
É. Era uma concordância simples, sem sentimento ou especulação. Foi-se dirigindo para as escadas. Boa noite. Também a despedida era morta, despida de emoção.
Maggie? A urgência baixa da voz dele fê-la levantar a cabeça, vivamente. Parecia frágil e quebradiça. Você está bem?
Ela tremulou, depois acenou com a cabeça, friamente.
Estou.
Depois que desapareceu escada acima, Chase saiu silenciosamente da casa e ficou parado na varanda, onde a friagem do ar o inundou.
A manhã já ia pelo meio, quando Chase conseguiu arranjar algum tempo livre no seu horário. A buzina de um veículo fê-lo parar perto do armazém. Virou-se, impaciente com o atraso, e viu Nate ao volante de uma pick-up, a cabeça enfiada para fora da janela.
O garoto está limpando o estábulo dos garanhões, hoje! gritou-lhe.
Um sorriso enviesou-lhe a boca, enquanto fazia um esboço de saudação ao velho capataz. Aquele velho sabia ler os seus pensamentos. Alterou o seu rumo e dirigiu-se para o estábulo isolado onde os garanhões da estância eram mantidos separados dos demais cavalos. Ty se encostava numa cerca resistente, uma bota apoiada no pau inferior e os braços cruzados sobre o pau superior da cerca. Um carrinho de mão cheio de estrume e palha estava a seu lado. Chase diminuiu o passo para examinar o perfil confuso e levemente deprimido do filho. Quando se aproximou do garoto, fitou deliberadamente o cavalo amarelado dentro do curral, como se ele fosse realmente o objeto dos pensamentos de Ty.
O garanhão é um animal e tanto, não é? comentou Chase, consciente do sobressalto de culpa de Ty por ter sido apanhado vadiando no serviço.
É, sim, senhor.
Cougar era a montaria pessoal do meu pai, e é provavelmente o melhor cavalo para isolar vacas que temos na fazenda. Ele passa para sua descendência esse jeito com as vacas. Isso é que o torna um reprodutor tão bom.
Examinou o focinho pesado do garanhão, que ia embranquecendo.
Ninguém mais o monta? perguntou Ty, com interesse apenas superficial.
Não. Aposentei-o e deixei-o como reprodutor, quando meu pai morreu e deixou a fazenda para mim. Chase fez uma pausa, depois continuou no mesmo tom de conversa: É natural que esteja confuso e perturbado com o que aconteceu ontem à noite, Ty.
O garoto pareceu surpreso, depois enfiou a ponta da bota na terra.
Por que ele me odeia?
Ele não o conhece, portanto não é a você que odeia... é o que você representa. Fora difícil para ele aceitar quando era jovem. Não seria mais fácil para o filho. Você é um Calder.
Por que ele devia odiar um Calder? A resposta não fazia sentido para ele. A ruga da sua testa ficou mais profunda, quando viu o pai abaixar-se e apanhar um punhado de cascalho, penetrando-o entre os dedos.
Se um homem está andando e cai, automaticamente olha para ver o que provocou sua queda. Chase se abaixou de novo e apanhou um pedaço grande de cascalho. Ele vai culpar esta pedra grande... ou esta pedrinha?
Mostrou ao filho as duas pedras de tamanho diferente na palma da mão coberta de couro.
A pedra grande. Era óbvio.
Porque é a maior. Portanto, sempre leva a culpa. Mas quem pode dizer que esta pedrinha não estava embaixo da rocha, e quando se mexeu forçou a rocha a se mexer?
Acho que podia ser admitiu Ty.
Quando as coisas dão errado para alguns homens nessa área do Estado, eles procuram alguém em quem botar a culpa. E lá estão todos esses quilómetros quadrados da Triplo C, tão maiores do que qualquer coisa à sua volta. Botam a culpa na gente. Por exemplo, o preço do gado cai. Todos os outros pequenos fazendeiros apontam o dedo para nós porque alegam que saturamos o mercado.
Observou a ruga da testa do filho transformar-se num ar pensativo. Quando se é grande e próspero, sempre há gente querendo derrubar-nos. Eles se mexem... e a rocha se mexe. Às vezes, a rocha cai em cima da pedrinha. É aí que o ressentimento pode transformar-se em ódio.
O que aconteceu para fazer com que meu tio nos odiasse?
Ty ergueu os olhos das pedras que Chase segurava e perscrutou seu rosto.
Um conjunto de coisas, Ty. Algumas delas remontam ao tempo do pai dele e do meu, e à sua mãe. Depois que assumi o controle da fazenda, Culley e eu tivemos um desentendimento. É uma história muito longa, mas ele acredita que tem um bom motivo para odiar os Calders. E há quem concorde com ele acrescentou Chase, com um leve dar de ombros. O que você precisa lembrar, Ty, é que, quando alguém odeia, não deve encorajar isso como coisa pessoal. Não é uma condenação de você como indivíduo, portanto não fique pensando que existe algo errado com você. Continue fazendo o que acha que é direito e justo, e deixe os outros pensarem o que quiserem.
É suspirou o jovem, uma resignação sombria instalando-se na sua expressão. Chase fechou a mão enluvada em volta das duas pedras, depois largou-as ao solo.
Não acha melhor ir trabalhar? sugeriu.
Certo. Ty forçou um sorriso e se virou para o carrinho de mão. Chase observou-o por um segundo, antes de ir cuidar das próprias tarefas.
Maggie ficou surpresa ao ver com que rapidez se acomodou de novo à rotina da vida na fazenda. Dentro de duas curtas semanas, era como se tivesse estado fora apenas alguns meses, ao invés de 16 anos. Levantava-se com o Sol e já estava com o café na mesa, quando Ty e Chase desciam. Ruth deixara de bom grado as tarefas da cozinha para Maggie, embora ainda ajudasse na limpeza da casa.
Mas era mais do que simplesmente preparar refeições e cuidar da casa, o que fora responsabilidade de Pamela supervisionar quando Maggie estivera casada com Phillip. A terminologia da fazenda e o jargão do Oeste voltaram à sua cabeça, ínserindo-se naturalmente na sua conversa. Depois de duas tardes montando a cavalo, adaptara-se, do modo de cavalgar inglês, ao estilo do Oeste, menos estruturado. Havia breves momentos, quando estava cavalgando, em que chegava a se esquecer que não tinha vivido sempre nesses vastos espaços abertos. Durante os seus passeios, aos poucos começou a notar menos a beleza natural e a prestar mais atenção a assuntos terra-a-terra como a condição do pasto ou das cercas, e a quantidade de água existente. Essas observações ela transmitia distraidamente a Chase durante a refeição, em conversa.
Por três vezes tinha ido até a casa do irmão, sem encontrá-lo. -Essas visitas ela não mencionou a Chase. Era difícil descrever seu relacionamento com Chase. Raramente o via, exceto às refeições. Ele passava as noites no escritório com um sem-fim de papéis que não podiam ficar entregues a seus contadores, já que exigiam sua atenção pessoal. No todo, eram mutuamente civilizados, com breves momentos em que chegavam a relaxar na companhia um do outro, e outros momentos em que sua conversa era afetada e forçada. Os últimos ocorriam quando Maggie não podia fingir que ele não existia e que ela não estava usando sua aliança. Invariavelmente, coincidiam com as épocas em que ansiava ser abraçada e tocada... e os desejos naturais e biológicos do seu corpo não estavam sendo satisfeitos. Não era fácil olhar para ele, então, e não se lembrar de outros dias em que ele cuidara tão completamente dessas necessidades. Para piorar as coisas, Chase era tão danado de atraente naquele jeito rude e curtido de um Calder.
Vendo-o diariamente e observando-o com Ty, estava ficando cada vez mais difícil convocar sua velha antipatia e fazer com que ela viesse com a mesma intensidade feroz de antigamente. Nas noites em que não conseguia dormir, ficava deitada na cama e deliberadamente comparava Chase com Phillip: Phillip com as suas belas maneiras, vestimentas impecáveis e charme distinto, versus Chase, com sua autoridade rude, roupas grosseiras e mundanidade crua. Com Phillip, estivera emocionalmente segura. Com Chase, não estava.
As longas cavalgadas à tarde funcionavam para encher o tempo e para se afastar da influência dos Calders na casa. Jamais admitiu que o que buscava era exercício para ficar bem cansada à noite e pegar no sono. Vestir-se especialmente para o jantar era uma tentativa de manter vivo o elo com o antigo casamento, quando aquilo era o costume, e não um desejo de impressionar o Chase.
Ameaçara chuva o dia inteiro, portanto ela ficara dentro de casa. Sendo assim, Maggie concentrou seus esforços em preparar um jantar especial para aquela noite. Fora procurar Tucker no barracão da cozinha e pedira-lhe que cortasse fatias de costela de primeira de uma das carcaças mantidas no congelador grande para o consumo na fazenda. Todos os pratos que escolheu para acompanhamento eram os favoritos de Phillip: desde a entrada de toranja grelhada até os petit-pois e as cebolinhas num molho leve de creme. Até mesmo o vestido que usava era um que lhe agradava particularmente, um vestido de seda de azul-pavão com desenhos em tom de verde.
No final de um dia de trabalho, Chase sempre tomava banho antes de sentar-se para jantar. Como concessão ao hábito dela de se vestir com elegância para o jantar, ele geralmente punha uma camisa branca, mas aberta no pescoço e com os punhos enrolados para deixar à mostra os pulsos chatos e largos e os antebraços peludos. Ty o copiava.
Foi a mesma coisa naquela noite, quando os dois entraram na sala de jantar. Chase mal olhou para ela, enquanto prestava atenção na mesa, posta com a louça especial, taças de vinho, e os castiçais de prata pesados. Dirigiu-se para a cabeceira, erguendo uma sobrancelha indagadora na sua direção.
Qual é a ocasião especial? perguntou.
Nenhuma insistiu serenamente, depois foi para a cozinha buscar a entrada de toranja.
Maggie tinha plena ciência de que, conquanto Ruth Haskell fosse uma excelente cozinheira, não tinha imaginação. Suas refeições sempre eram variações do mesmo tema: sopa, carne, batatas, legumes e sobremesa. Assim, quando Maggie colocou a meia toranja grelhada diante de Chase, observou o leve alçar surpreso de sua sobrancelha, mas ele não fez comentário sobre a mudança do cardápio. Nem mesmo disse se tinha gostado ou não, o que a deixou vagamente irritada. Nem fez comentários sobre a salada, feita com espinafre fresco que ela colhera da horta de Ruth. O molho era feito de uma receita que Maggie copiara da cozinheira de Phillip. Nenhuma apreciação foi expressa pela variedade que conseguira injetar na dieta deles, ou por suas habilidades culinárias.
A costela tinha saído perfeita: suculenta, malpassada e tenra. Quando serviu a Chase o prato principal, ele o fitou.
Esta carne não está cozida.
Claro que está. As costelas de primeira são para serem servidas malpassadas. Olhou para o filho. Quer passar o molho de rábano silvestre?
Quando Ty começou a estender a mão para a molheira de prata, Chase declarou:
Prefiro a minha carne bem passada. Quer levá-la para a cozinha e terminar de cozinhá-la? A pergunta era uma ordem.
De jeito nenhum! Maggie recusou vivamente, porque tinha-se dado a tanto trabalho para tudo sair perfeito, inclusive a costela.
Dobrando o guardanapo ao lado do prato, Chase afastou a cadeira da mesa, e se levantou. Maggie fitou-o, franzindo a testa. O que está fazendo?
Se você não quer cozinhá-la, cozinho eu replicou, e foi indo para a cozinha, levando seu prato.
Ela ficou olhando para ele, por um instante espantada. Logo a seguir estava de pé, seguindo-o zangada. Entrou na cozinha quando ele estava espetando a costela com um garfo e colocando-a na assadeira para ir ao forno.
Não percebe a trabalheira que tive hoje? A voz dela tremia com o esforço para controlar a cólera. Esforcei-me tanto para que tudo saísse perfeito, e você está estragando tudo!
Devia ter-se lembrado de que gosto da minha carne bem passada.
Gosta? Você não tem absolutamente gosto nenhum! Os seus maxilares estavam cerrados. Ficaria contente com filé e batatas.
Ele apoiava as mãos nos quadris, enquanto a fitava.
Estava com um palpite que tudo isto ia dar em alguma coisa. Se não, por que toda essa exibição de habilidades de gourmet!
Como se você já tivesse provado outra coisa que não bifes estorricados ironizou ela.
Ele estreitou os olhos.
Fique sabendo que já comi toranja grelhada mais gostosa em Dallas, e o molho da salada tinha vinagre demais. A crítica dele fê-la parar de chofre. Não faço objeções à variedade. E não faço objeções ao incomum. Mas, na próxima vez em que quiser exibir-se, não o faça com o nariz no ar, pensando que é a única que conhece o que é bom. E não se esqueça... gosto da minha carne bem passada!
Ela rodopiou para longe dele, sentindo a dor dos comentários, porque eram verdadeiros. Tinha querido provar que ele não entendia nada da boa cozinha. Tinha querido a chance de ser condescendente, dona da verdade. Tinha querido ser melhor do que ele, para que fosse menos digno do interesse dela. Tinha querido que ele fosse o roceiro, enquanto ela era a dama. Mas agora ela era que saía ferida do entrechoque.
Enquanto entrava na sala de jantar, deparou com Ty que saía, carregando o prato com a carne na mão.
Aonde está indo com isso?
O rapaz deu de ombros, pouco à vontade.
Nunca comi costela de primeira bem passada; achei que devia experimentar.
Mas você sempre gostou dela malpassada protestou. Esta parecia a deserção definitiva.
Nunca a comi de outro jeito, portanto como é que vou saber que é o único jeito de que gosto? argumentou ele.
E Maggie sentiu-se impotente para discutir contra isso. Comeu sua carne malpassada sozinha, enquanto o marido e o filho esperavam na cozinha que a sua carne ficasse bem cozida.
O capão baio forçava o freio, dançando de banda na sua ansiedade de chegar aos estábulos, mas Maggie manteve o passo num caminhar rápido enquanto entravam no pátio da fazenda. Viu Tucker acenar para ela da porta dos fundos da cozinha e fazer sinal de que queria falar com ela. Foi levando o cavalo que protestava na direção dele, o baio relutante em ser desviado dos estábulos e do cereal que o esperava.
Alo! Freou o cavalo e saltou da sela quando chegou junto de Tucker. Uma cavalgada animada trouxera cor às suas faces e despenteara os cabelos pretos que apareciam por debaixo do chapéu.
Culley mandou recado que queria vê-la às quatro horas junto à porteira leste do pasto norte. Tucker não perdeu tempo dando o recado. Tome as chaves da minha camionete. É a verde. Você está em cima da hora. Pode deixar que cuido do seu cavalo.
Uma rápida olhadela no seu relógio confirmou o que ele dizia, e ela passou-lhe as rédeas do cavalo e pegou as chaves que ele oferecia. O impacto total do recado só a atingiu depois que virara na estrada da fazenda que dava para o norte. Culley tinha pedido para se encontrarem no pasto norte... onde ela e Chase costumavam encontrar-se. Propriedade dos Calders. E Chase o advertira de que não botasse os pés em sua terra.
O pé dela apertou o acelerador e a agulha do velocímetro subiu para 90. Ficou subitamente amedrontada com o risco que o irmão estava correndo, deliberadamente desafiando Chase... como seu pai havia desafiado a advertência do pai dele. Uma nuvem de pó seguia o veículo que corria pela estrada.
Quando se acercou do pasto norte, diminuiu a velocidade ao ver um cavalo e cavaleiro a meio galope por um trecho aberto.
Por um instante, Maggie pensou que o cavaleiro era o irmão, e teve outro momento de medo por vê-lo cavalgando tão abertamente pela terra dos Calders. Então, reconheceu Buck Haskell. Felizmente, ele estava indo na direção oposta à porteira leste. Ela soltou um suspiro de alívio.
Não havia sinal de Culley quando ela chegou ao local combinado para o encontro. Saltou da camioneta e olhou para o relógio. Estava cinco minutos atrasada. Será que ele tinha ido embora, quando ela não aparecera na hora? Esperava que sim.
Postes altos ladeavam as duas extremidades da porteira para marcarem onde ela estava localizada, para que um cavaleiro pudesse enxergar de longe o lugar para onde se dirigir. Maggie subiu até o segundo pau mais alto da cerca para ver se ainda enxergava Culley, e usou o poste alto na extremidade como ponto de apoio.
Um assobio agudo veio do meio das árvores junto ao rio sinuoso. Maggie olhou à sua direita e viu o cavalo e o cavaleiro nas sombras. Culley acenou para ela com o chapéu. Ela jogou uma perna por cima do pau superior da cerca, firmando o pé no mesmo pau do lado oposto. Rapidamente passou também a outra perna e saltou para o chão. Apressou-se a cruzar o espaço aberto e entrar no meio das árvores.
O que está fazendo aqui, Culley? Vi Buck Haskell indo daqui para o sul. Se ele o encontra...
Não se preocupe com ele. Ignorou a preocupação dela. Já se foi há muito tempo, para a fazenda. Ele estava com ar de imprudência, podia ver nos olhos dele. Sabia que você viria.
Você mandou chamar-me. Claro que vim. Tentou acalmar os seus próprios nervos antes de tentar raciocinar com ele e convencê-lo a ir embora antes que fossem descobertos.
Você pode estar casada com Calder, mas sua família ainda é importante para você. Falou as palavras com ferocidade, como se precisasse da reafirmação da lealdade dela.
Você é importante para mim. Exceto pelo Ty, é a única família que tenho.
Agarrou-a pelos ombros de novo, como o havia feito naquela noite na casa, e olhou fundo nos seus olhos.
Por que fica aqui? Por que não vem para casa, que é o seu lugar?
Não posso deixar meu filho. Ty tem apenas quinze anos. Culley, ele precisa de mim.
Mas ele não presta. É um Calder. Deixe-o, Maggie. Deixe-o antes que seja tarde demais. Você tem que sair daqui. Não a quero metida nisso.
Metida no quê? Do que está falando? Maggie franziu o cenho, preocupada com a intensidade da voz do irmão.
Ele sacudiu a cabeça com impaciência, ante a interrupção das perguntas dela.
Você tem que confiar em mim, Maggie. Não fiz a coisa certa quando a mandei para longe daqui antes?
Sim, mas...
Então confie em mim agora insistiu. Sei que Calder se casou com você, mas não se importa com você. Só o fez porque queria o filho. Já tem uma amante na cidade, então o que quer com você? Tentei dizer a Sally que ele a magoaria, mas ela não quis me escutar... como você não quis me escutar há muito tempo. Mas eu tinha razão. Tem que me escutar agora, Maggie. Ele vai magoá-la. Quando tudo isso começar, vai-se virar contra você.
Tudo no irmão era rápido e inquieto, o seu humor mudando de exigências iradas a súplicas mansas num espaço de segundos. Essa flutuação louca alarmou Maggie, embora tentasse não demonstrar.
Estou escutando assegurou-lhe. Mas por que não confia em mim, Culley? Fica me dizendo que vou ficar magoada quando tudo isso começar, mas não quer me contar o que vai acontecer. Por que não confia em mim?
Não lhe posso dizer, não está vendo? Uma veia saltava nitidamente na sua testa enquanto continuava, com insistência: Até você estar definitivamente fora da fazenda dele, não posso arriscar-me a que Calder ache um jeito de fazê-la falar. Você amoleceu vivendo na cidade, Maggie. Está acostumada a ser enrolada em algodão e tratada como uma dama. Esqueceu como se é uma mulher, por essas bandas.
Posso ter-me esquecido de algumas coisas como a promessa de compromisso inerente na palavra de um homem, ou como são fortes as necessidades básicas entre um homem e uma mulher mas não amoleci, Culley.
As linhas duras à volta da boca do homem afrouxaram-se, permitindo um sorriso fugaz.
Talvez não. Mas tem que ir embora desse lugar. Vamos finalmente nos vingar dos Calders por terem enforcado papai. Nós temos um plano.
Nós? Tucker também está metido nisso? Havia surpresa na voz dela, porque acreditava que Tucker tinha deixado tudo isso para trás.
Ele lançou-lhe um olhar vivo, astuto.
Não há como chegar aos Calders pelo lado de fora. Mas, pelo lado de dentro sua barriga está exposta. Desta vez, nós o pegaremos. Mas você tem que ir embora antes que tudo comece a acontecer. Não há muito tempo.
Quando vai começar? perguntou.
Logo - era só o que ele dizia. Você tem que ir embora, Maggie. Quero-a longe, onde esteja segura. Você acha que, porque ele se casou com você tudo vai ficar bem, mas não vai. Nunca ficará até que Calder esteja na sepultura.
Culley... De repente sentiu muito medo... medo por ele e medo por Chase. Contudo, no fundo do seu coração, não podia acreditar que o irmão pretendesse matar Chase. Falara apenas figuradamente. Nem mesmo no seu momento mais alucinado seria capaz de um ato de tal violência. Culley começou de novo, numa voz mais controlada, desviando-se do assunto. vi o Dr. Barlow na cidade, no outro dia. Mentia, porque fora Chase quem falara com ele. Mencionou que estava planejando fazer-lhe uma visita. Apareceu por lá?
Apareceu. Soltou-a. Os ombros de Maggie ardiam onde ele os agarrara com tanta força. Passou por lá na semana passada, disse que eu parecia cansado e com excesso de trabalho, e queria que eu fosse ao consultório para me examinar. Falou que podia me dar uns comprimidos que me fariam descansar melhor à noite.
Pois é insistiu Maggie.
Pensei que você compreenderia. Olhou para ela, com ar sombrio. Não quero descansar até ter acertado as contas com Calder. Caminhou até o cavalo e montou. Não fique lá, Maggie. Não posso tomar conta de você como devia quando você está lá. Girou o cavalo e entrou no meio das árvores, desviando-se de um galho baixo.
Naquela tarde, ela mal teria tempo de se trocar para o jantar antes de Chase chegar em casa. Falaria muito pouco durante a refeição, e comeria menos ainda. Sentia grande vontade de contar a Chase o seu encontro com Culley, de avisá-lo, mas precisava pensar no irmão. Talvez não tivesse falado a sério. Talvez estivesse apenas falando por falar. Externamente, parecia muito calma e quieta, mas por dentro era uma massa de incerteza. Como poderia deter o irmão, quando não sabia o que ele ia fazer, ou até mesmo se ia fazer alguma coisa?
Chase andou até a varanda, sacudindo a poeira da roupa com o chapéu. Uma série de pequenas irritações naquele dia o deixara de péssimo humor. Não que estivesse no melhor dos humores, nesta última semana. Maggie andava silenciosa demais, mal falava com ele.
Dentro da casa ele parou, prestando atenção, mas nenhum som o recebeu. Era cedo. Maggie provavelmente ainda estava andando a cavalo. Gostaria de saber aonde ia nos seus passeios... e quem encontrava... se era o irmão, ou outra pessoa. Parara de mencionar as condições na parte do pasto em que tinha cavalgado, o que o fazia suspeitar de que tinha o pensamento noutra coisa, enquanto estava lá.
As perguntas sem resposta, as suspeitas semiformadas estavam na sua cabeça, martelando-o, até que de dois pensamentos seus, um era sobre ela. Ele lhe dissera desde o começo que era livre, que podia ir e vir como lhe desse na telha. O casamento era uma mera formalidade para assegurar sua posse do Ty, portanto ele não tinha base para exigir uma prestação de contas das atividades dela, quando estava longe dele. A possibilidade de que se estivesse encontrando com outro homem que não o irmão despertava-lhe sentimentos semelhantes ao ciúme.
Tendo alguns telefonemas a dar, entrou no escritório, mas se dirigiu para o bar, ao invés da escrivaninha, e se serviu de uma dose de uísque puro. Engoliu metade de uma vez, dando início a um fogo de encontro que ele esperava que apagasse as brasas ardentes do seu ciúme. Esparramou-se numa poltrona de couro, recostando a cabeça para fitar a lareira de pedra. Acendeu uma cigarrilha comprida e manteve-a entre os lábios. Será que algum dos seus ancestrais suportara casamentos com quartos separados? Se um homem não conseguia conservar a mulher em casa, não era grande coisa como homem. Contudo, ele dera a sua permissão.
Tanta energia tensa jazia dentro dele, sem o alívio, toda a frustração do desejo sem o direito de possuir, porque abrira mão dele. Engoliu o resto da bebida e se pôs de pé com uma tensão animal. Depois de dar um passo na direção do bar, Chase parou. Embebedar-se não era a resposta. Jogou o copo sobre uma mesa e deu meia-volta. Trabalhar. Encher a cabeça com outros pensamentos. Deixar o corpo tão exausto que só tomasse consciência da necessidade física do sono.
Caminhou até a escrivaninha para dar os tais telefonemas e parou de chofre com as mãos nas costas da cadeira giratória. Toda a cor lhe fugira do rosto. Bem no meio do tampo da escrivaninha havia um laço de forca feito de barbante branco. Era uma réplica exata, descendo aos mínimos detalhes das nove voltas que formavam o nó do carrasco. Como chegara ali? Quem o pusera ali? Quem conheceria o significado? Apenas um punhado, e a maioria deles Chase podia deixar de lado. Isso deixava apenas três: Maggie, Culley e Tucker. Maggie era sua mulher, mas não podia ser eliminada da lista. Uma raiva fria tomou conta dele. No passado acreditara que ela era inocente do roubo do gado, mas ela sabia de tudo... até tomara parte numa das incursões.
A porta da frente se fechou, e ele virou a cabeça na direção do som. Ouviu os passos... leves, espaçados. Era Maggie. Escutara o caminhar dela vezes sem conta durante as noites em que ficava trabalhando no escritório. Caminhou até as portas duplas, para abri-las.
Maggie? Seu tom de voz peremptório deteve-a a meio caminho da sala de visitas, balançando o Stetson na mão. Parecia cansada e ruborizada pelo passeio. Quando se virou, ele notou o modo como os seios altos empinavam a frente da blusa de algodão. Quer entrar aqui um minuto? Quero falar com você.
Ela concordou naquela maneira quieta e concisa que o provocava com sua indiferença.
Claro. Dirigiu-se para ele, passando os dedos pela cabeleira que se encrespava quase até os ombros.
Ele esperou até que ela chegasse à porta antes de virar-se para acompanhá-la até a escrivaninha. Com o canto dos olhos viu o primeiro tremor do choque, e virou-se para observar a reação dela. A moça tinha parado, os olhos arregalados fixos na forca em miniatura, enquanto seu rosto ficava mortalmente pálido. Aquela era uma reação que nenhuma atriz poderia fingir. Ela não tinha ideia de que aquilo estava ali, deu-se conta ele, ou estaria melhor preparada. A raiva que restava dentro dele foi dirigida a si mesmo por ter feito isso com ela.
Maggie falou bruscamente, para quebrar o encanto mórbido do laço de forca.
O olhar dela desviou-se para ele, as lágrimas subindo-lhe aos olhos.
Essa é a sua ideia de uma brincadeira cruel? perguntou ela engasgando-se nas palavras amargas.
Precisava saber se você sabia respondeu, dirigindo-se ao bar para servir-lhe um drinque. Ela o seguiu parte do caminho.
Se eu sabia? Apertava os dedos contra o peito, enfatizando as palavras enquanto exigia uma explicação.
É. Aquilo foi deixado sobre a mesa para que eu o encontrasse... não você.
Estendeu para ela o copo com uma dose de uísque. Ela o afastou para o lado com um gesto impaciente.
Não quero. Quer dizer que alguém... Franziu o cenho e não completou a frase.
Sim.
Mas quem poderia... Interrompeu-se de novo.
A lista de possibilidades é muito curta. Chase ficou olhando para o copo ainda na sua mão, depois ergueu os olhos para encontrar os dela. Tem visto seu irmão ultimamente?
Ela se dirigiu para uma janela, ficou olhando para fora e crispando as mãos diante de si.
Tenho, sim.
Lembra-se de alguma coisa que ele tenha dito?
Disse um monte de coisas alucinadas, mas sempre falou em se vingar. Mesmo nas suas cartas, estava sempre falando nisso. Mas nunca fez nada... durante todo esse tempo.
O laço do carrasco é mais do que simples conversa fiada.
Eu sei. Baixou os olhos para as mãos. Ele é meu irmão, Chase. Estou preocupada com ele.
As suas táticas de fazer medo... ou seja lá que nome dê a elas... não vão funcionar. Pode dizer-lhe isso por mim falou, sombriamente.
Ela virou a cabeça para olhar para ele, um certo desespero na sua expressão aparentemente calma.
Não quero que nada aconteça a ele.
As narinas dele se dilataram de raiva contida.
Não liga porra nenhuma para o que me aconteça!
Claro que ligo! As chamas ardentes nos seus olhos o queimaram. Por um minuto, Chase pensou que tinha tocado a antiga Maggie. Porém elas logo foram contidas com um frio controle.
Ligo para qualquer ser humano.
É mesmo? zombou ele, enquanto ela olhava de novo pela janela. Às vezes eu duvido. Percebeu os movimentos das suas mãos e baixou os olhos para vê-la girando a aliança para lá e para cá no dedo. A aliança está frouxa demais? O seu pensamento simbólico era fazê-la mais justa e cortar toda a circulação.
Não. Ela olhou para baixo, como se não tivesse percebido anteriormente o que estava fazendo. Só que estou acostumada com a aliança do meu marido.
Eu sou o seu marido. A boca do homem era uma linha branca e estreita.
Ela ficou imóvel.
É. Era uma afirmação serena. Logo a seguir ergueu a cabeça, tão tranquila e controlada que ele teve vontade de sacudi-la.
Com licença. Preciso tomar banho e trocar de roupa antes de preparar o seu jantar. Afastou-se sem olhar para ele e deixou a sala.
Chase escutou os passos que a levavam para longe dele. Enquanto Maggie subia as escadas, ele engoliu a dose de uísque que tinha servido para ela e agarrou com força o copo vazio. Num assomo de raiva, arremessou-o contra a lareira, onde o objeto se espatifou e caiu no chão enegrecido.
Na manhã seguinte, Maggie estava tirando o pó dos móveis da sala enquanto Ruth passava a vassoura com um pano no chão de azulejos. Ouviu Chase entrando mas não olhou em sua direção, presumindo que ele iria para o escritório. Levou vários segundos para sentir o toque do seu olhar sobre si e dar-se conta de que a estava observando. Virou-se repentinamente, pegando-o de surpresa e enxergando o ar esfaimado nos seus olhos, antes que ele pudesse apagá-lo. Ela sentiu o pulso se acelerar fortemente perturbada por aquela visão das necessidades dele.
Não vou ficar na fazenda hoje, portanto não venho almoçar falou. Pode ser que chegue em casa tarde. Se eu não chegar até às sete, não me esperem para jantar.
Está bem. Maggie manteve a voz serena. Ao invés das roupas habituais da fazenda, ele estava vestindo um terno estilo do Oeste e camisa branca, ajustados ao corpo largo e musculoso. O efeito era de poder e autoridade... e de facilidade em lidar com eles.
Parecia prestes a dizer outra coisa, depois mudou de ideia quando olhou para Ruth. Pondo na cabeça um Stetson de cor creme, virou-se e caminhou até a porta. Quando ela se fechou às suas costas, Maggie soltou a respiração que estivera prendendo inconscientemente, e se inclinou para terminar de tirar o pó de uma mesa de lado.
Vocês brigaram? A pergunta de Ruth fez Maggie enrijecer.
Não, claro que não negou ela, deliberadamente natural. O pequeno silêncio que se seguiu revelou que Ruth Haskell
não acreditava totalmente que o casamento fosse sem problemas.
Tente ser compreensiva, Maggie falou, finalmente. Dirigir a Triplo C é uma tarefa solitária, com uma quantidade enorme de pressões e responsabilidades. Lembro-me de que Lillie, a mulher de Webb, costumava dizer-me que isso exigia de Webb que fosse mais do que um homem. E a única hora em que podia ser "simplesmente um homem" era quando fechavam a porta do quarto" à noite.
As intimidades, as confidências que marido e mulher partilhavam, era algo que deixava Maggie pouco à vontade. Chase era seu marido. Apesar do lapso que cometera ontem, era assim que pensava nele. Era isso que aumentava o seu medo quanto ao que Culley poderia estar planejando.
Chase é o coração da Triplo C. Bombeia a vida para os locais mais extremos da fazenda, mantém tudo junto e saudável continuou Ruth, suavemente. O coração tem que ser forte e bom. Um Calder é uma raça especial de homem, Maggie. E é preciso uma raça especial de mulher para ficar a seu lado. Eu não tinha certeza, a princípio, mas você é deste tipo. Sua boca curvou-se suavemente. Sei que você sabe de Sally Brogan. Uma mulher sempre sabe de outra mulher na vida do seu marido. Ela é uma pessoa meiga e amorosa que serviu uma necessidade na vida dele... deu-lhe um lugar aonde ir e uma afeição que nada exigia. Mas ela é como eu, uma sombra destinada a permanecer ao fundo. Você é como Chase, capaz de ficar exposta ao sol, deixando que ele brilhe sobre suas falhas e valorize seus pontos fortes. Seu lugar é nesta casa, como o de Lillie foi. Deu-se conta subitamente do quanto havia falado enquanto Maggie permanecia calada. Sua expressão ficou pesarosa, parecendo pedir desculpas. Sinto muito. Provavelmente não devia estar falando desse jeito, mas Chase é como se fosse meu filho. Eu o criei e... quero que seja feliz. Sei que você tem o que é preciso para fazê-lo muito feliz.
Maggie murmurou uma resposta adequada e tentou não pensar no que a mulher dissera, mas as palavras permaneciam em sua mente, enquanto continuava a cuidar da casa, instilando nela um orgulho de posse inconsciente que não havia existido antes. Pegou-se mudando os móveis de lugar, deixando sua personalidade afirmar sua existência sobre a casa. Não lhe ocorreu que, na realidade, estava permitindo que seu papel de dona-de-casa assumisse uma certa permanência. Uma parte grande demais dos seus pensamentos conscientes dedicava-se a se preocupar com o laço em miniatura e o tipo de ameaça que podia representar. Naquela tarde cavalgou até a Fazenda Shamrock em busca do irmão, mas não teve êxito, e assim ficaram frustradas as suas esperanças de dissuadi-lo a levar adiante seus planos desconhecidos.
Chase ainda não tinha chegado em casa às sete da noite. Quando Ty desceu depois de tomar banho e trocar de roupa, notou que a mesa estava posta apenas para duas pessoas, e que o lugar à cabeceira da mesa estava vazio.
Cadê papai?
Ele disse para não... Maggie hesitou, notando o modo automático como Ty se referia a Chase como seu pai, e o modo automático como ela soubera a quem se estava referindo. Ele disse para não esperar por ele para jantar. Falou que tinha negócios fora da fazenda, hoje, e que poderia chegar tarde.
Provavelmente vai comer no restaurante da Sally concluiu Ty, e puxou a cadeira para se sentar.
A menção da outra mulher tocou num nervo exposto de Maggie. Subitamente, ela se lembrou do desejo nos olhos de Chase pela manhã, quando saíra de casa. Tinha necessidades que ela, como sua mulher, não preenchera. Subitamente viu-se atormentada por imagens de Chase nos braços da viúva de cabelos ruivos. Era uma loucura, mas não deixava de ser verdade. Estava com ciúmes.
Eram quase 10 da noite quando Maggie subiu para o quarto. Não estava cansada, mas Chase ainda não voltara e não queria dar a impressão de que ficara esperando por ele. E assim ficou se virando insone na cama, vendo os ponteiros luminosos do relógio na mesa-de-cabeceira marcando os minutos.
Um pouco antes das 11, Maggie ouviu o carro entrando no pátio da estância. Sabia que era Chase... como sabia onde estivera esse tempo todo, e com quem. A mágoa que aquilo lhe causava era disfarçada como a raiva da repugnância.
Cansado da longa sessão com os advogados e a longa viagem, Chase ficou irritado ao ver a casa às escuras; nem uma só luz brilhava. Maggie podia ter deixado pelo menos uma luz acesa para ele. Sentiu-se desalentado enquanto subia os degraus da varanda e se dirigia para a porta. Não tinha comido, mas a perspectiva de atacar a geladeira e comer sozinho na cozinha não o atraía.
Entrou na casa e não se deu ao trabalho de acender uma luz. Conhecia o caminho até as escadas no escuro. Depois de dar dois passos para dentro da sala de visitas, bateu numa mesa, estalando a rótula numa quina e derrubando a mesa. O que estava sobre a mesa caiu ruidosamente ao chão. Agarrando o joelho e praguejando, Chase pulou para o lado e esbarrou numa cadeira que também não tinha nada que estar onde estava.
A barulheira vinda lá de baixo fez Maggie pular da cama. Parecia que alguém estava lá derrubando as coisas. Agarrando o robe, alarmada, saiu correndo do quarto e parou no topo da escada para ligar o interruptor que acendia a luz acima da escadaria. Ouviu os palavrões abafados, mas só viu Chase agachado nas sombras da sala de visitas depois que chegou ao patamar. Seu pensamento inicial foi que ele estava bêbado. Então ele ergueu os olhos e a viu, parada no patamar.
O que está havendo aí? interpelou-o, com uma raiva gélida, vendo a mesa e o vaso quebrados diante dele.
Esbarrei naquela maldita mesa! Ele soltou o joelho apenas o tempo suficiente para indicar a mesa caída.
Por que não acendeu uma luz para ver aonde estava andando, em vez de ficar esbarrando nas coisas e acordando a casa inteira? disse ela, bruscamente.
Não pensei que precisasse de uma luz! A voz dele era igualmente tensa e irada. Que diabo aquela mesa estava fazendo no meio da sala?
Mudei os móveis de lugar... é isso que ela está fazendo ali! retrucou Maggie.
Não havia nada de errado no modo como os móveis estavam dispostos! Aquela mesa e cadeira estavam colocadas naquele canto há mais de trinta anos!
Ela levou a mão ao quadril, num desafio.
Então estava mais do que na hora de mudar! O robe dela rodopiou ao redor dos seus tornozelos enquanto dava meiavolta para subir os degraus.
Volte aqui! ordenou, porém Maggie apenas subiu as escadas com mais rapidez. Não vá embora assim deste jeito!
Saiu atrás dela, tropeçando na perna da mesa e praguejando furiosamente.
Maggie jamais o vira com tanta raiva antes. Ficou subitamente alarmada com o que ele poderia fazer, se a alcançasse. Ouviu os passos dele vindo atrás de si e correu os últimos passos até a porta do quarto, entrando rapidamente e trancando a porta. Depois, afastou-se da porta e prendeu a respiração. Não o queria perto de si. Não queria sentir o cheiro do perfume de outra mulher na sua pele ou saber que as suas mãos tinham tocado outra pessoa, no começo da noite. Cada parte dela se rebelava ante essa ideia.
Na cabeça dele não havia outro pensamento além de alcançá-la e acabar com essa insurreição em sua casa. Agarrou a maçaneta, mas ela não cedeu à pressão dos seus dedos. A conscientização de que ela havia trancado a porta percorreu-o como uma faca incandescente. Já havia barreiras suficientes entre eles sem que se acrescentasse uma porta trancada.
Socou a porta, e rugiu a ordem:
Maggie! Abra esta porta!. Vá embora!
Destranque esta porta ou juro que vou arrombá-la! advertiu, girando de novo a maçaneta.
Desta feita não houve resposta, apenas silêncio lá dentro. Ele apoiou o ombro contra a porta e empurrou-a, mas nada aconteceu, e amaldiçoou a solidez da porta. Já que tinha deixado clara sua intenção, não podia recuar. Dando um passo atrás, chutou o centro da porta perto da fechadura. Ela sacudiu, mas aguentou firme. Com o segundo chute, Chase ouviu o leve lascar da madeira. Colocando toda a sua força no golpe, chutou a porta de novo e sentiu a madeira ceder. Quando sua bota atingiu de novo a mesma área enfraquecida, houve um ruído dilacerante quando a fechadura de metal foi arrancada da moldura, e a porta escancarada.
Respirando fortemente com o esforço, viu Maggie de pé bem longe da porta, segurando-se ao pau da cama que ficava às suas costas. Todo seu corpo irradiava cautela. A camisola de cetim amoldava-se a ela, delineando os mamilos retesados, o buraquinho do umbigo e o v excitante formado pela junção de suas pernas. Ela era sua mulher. A consciência disso erguia-se ardente dentro dele, excitando-o além do ponto de se lembrar de qualquer promessa.
Maggie enxergou tudo isso nos olhos dele, mas, conquanto aquele olhar despertasse nela a mesma paixão arrebatadora, seu orgulho não permitia que o aceitasse quando acabava de vir dos braços de outra mulher.
Não chegue perto de mim avisou. Este é o meu quarto, e você não tem o direito de estar nele, a não ser que eu o convide. E não quero que me toque!
A rejeição gelada da moça foi uma bofetada na sua virilidade. Chase revidou à altura, encrespando os lábios de desdém.
O que a faz pensar que eu estaria interessado? Teve a satisfação de vê-la crispar-se ante a resposta desdenhosa. Aquilo aliviou o seu ego ferido. Não se esqueça de que nesta casa não existem portas trancadas. A advertência tinha um sentido figurado, além do literal. Maggie poderia isolá-lo da vida dela, mas ele jamais permitiria que ela o "trancasse" do lado de fora.
Girando nos calcanhares, começou a se dirigir para o próprio quarto, e parou quando viu Ty fitando-o do fim do corredor. O ar confuso e alarmado no rosto do filho fez desvanecer sua raiva. Chase estremeceu intimamente, quando se deu conta de quão perto estivera de violentar Maggie... sem se dar conta de que Ty estava presente. O cansaço o invadiu fazendo desabar-lhe os ombros.
Vá para a cama, filho disse, numa voz exausta de pesar pela apreensão que causara. Está tudo acabado. Viu Ty lançar um olhar ansioso para a porta aberta de Maggie, agora impossível de fechar. Não vou machucá-la acrescentou Chase. Não vou chegar perto dela hoje, pode ficar descansado.
Houve um brilho de incerteza no olhar de Ty, como se tivesse percebido o que Chase não percebera... ele dissera que não chegaria perto dela "hoje". Porém Ty aceitou a palavra do pai e voltou para seu quarto. Chase continuou vagarosamente o caminho para o seu próprio.
A aurora chegou em lençóis mutantes de cor. Enquanto o Sol espiava por cima do morro para o dia, Chase se barbeou e se vestiu. Ty estava descendo o corredor quando ele saiu do quarto. Deram-se bom dia e continuaram na direção das escadas. Quando passaram pelo quarto de Maggie, onde a porta quebrada pendia da moldura, Ty olhou para dentro e parou.
Mamãe não se levantou. Lançou um olhar indagador a Cháse.
Este não alterou o passo, lançando um breve olhar pela porta e enxergando uma cabeleira negra de encontro ao travesseiro branco.
Deixe-a dormir. Nós mesmos faremos nosso café.
Depois da refeição, Ty saiu de casa para cuidar de suas tarefas matinais, e Chase foi até o escritório da fazenda para examinar os relatórios do dia anterior e fazer alguma alteração de última hora no programa do dia para as equipes. Uma hora depois, voltou para a Casa Grande. Estava em silêncio, nada e ninguém se mexia. Subiu as escadas até o quarto de Maggie.
Cruzando a soleira que não cruzara na véspera, foi até a cama para acordá-la. Ela jazia de bruços, descoberta, o rosto virado para o centro da cama. Chase olhou para a figura adormecida, os ombros esbeltos e brancos nus, exceto pelas alças finas da camisola. Seu olhar acompanhou a linha suave da espinha da moça, a fazenda de cetim seguindo-lhe a trilha, passando pela cintura fina até o ponto culminante. Aí, concentrou-se na rotundidade em forma de coração do traseiro dela, tão excitantemente definido pela fazenda justa.
Sabia que ou batia nele ou o beijava. Deu uma palmada forte numa das nádegas macias. Ela acordou com um grito arfante de choque e rolou de lado, fitando-o e protegendo o traseiro vulnerável com a mão. Confusão, choque, raiva e sono estavam todos misturados na expressão dela enquanto afastava o peso do cabelo revolto no rosto.
Está na hora de levantar disse ele, o olhar se desviando para a frente da camisola que se abria revelando a curva de um seio.
A mulher virou a cabeça e viu o sol da manhã brilhando na janela. A irritação vincou-lhe as feições, enquanto jogava os pés apressadamente para fora da cama.
Por que não me acordou mais cedo?
Não há pressa. Ty e eu já tomamos café. Nós mesmos o preparamos.
Por que esperou até agora? Podia ter-me acordado antes. Ela ficou parada ao lado da cama, ainda levemente desorientada. Chase ficou totalmente perturbado pela cena... Maggie parada ali, macia e descabelada de sono, as cobertas desfeitas na cama atrás dela, o vazio da casa. Começou a sair do quarto enquanto ainda tinha a força de vontade para resistir.
Achei que você estava precisando do descanso falou, enquanto suas passadas o levavam para o corredor. Teria deixado que dormisse ainda mais um pouco, exceto que um dos meus homens vai chegar logo para consertar sua porta e achei que não gostaria de estar na cama, quando ele chegasse.
O quê? Os pés descalços dela quase não fizeram barulho enquanto o seguia até o corredor, esforçando-se para não ficar para trás, uma expressão incrédula no rosto. O que foi que você falou? interpelou-o.
Chase parou apenas um segundo no topo da escada para olhar por sobre o ombro.
George é carpinteiro. Vai consertar a porta. Já estava no meio do primeiro lance de escadas, quando a cólera dela explodiu sobre ele.
Quando ele chegar, pode mandá-lo ir fazer outro serviço qualquer! esbravejou Maggie.
Ele parou e ergueu os olhos. Ela estava no corredor acima dele, as mãos agarrando a grade protetora da escadaria.
A porta tem que ser consertada.
Você a quebrou. Você que a conserte retrucou.
Tenho coisas mais importantes a fazer. E recomeçou a descer as escadas.
Que merda, Chase Calder! Desceu correndo as escadas atrás dele. Contou ao homem como a porta foi quebrada?
Não disse ele, dobrando o patamar.
Sabe o que ele vai pensar quando a vir, não sabe? perguntou, cheia de raiva.
Quando ele chegou na base da escada parou para confrontá-la, e Maggie se deteve no patamar.
Vai adivinhar que você trancou a porta e que eu a arrombei. Foi isso que aconteceu, Maggie. Olhou-a com frieza e desafio. E foi só o que aconteceu.
Mas a imaginação dele não vai parar por aí! Ela tremia, prestes a perder o controle.
Não tenho controle sobre o que mais ele possa pensar replicou Chase.
Não percebe o quanto é embaraçoso... o quanto é humilhante... para mim ter um vaqueiro qualquer pensando que você arrombou minha porta para entrar no meu quarto ontem à noite?! esbravejou, depois desceu mais dois degraus até ficar ao nível do topo da cabeça dele.
Nunca lhe ocorreu ontem à noite que eu pudesse achar humilhante ter o quarto da minha mulher trancado para mim lembrou-lhe Chase, com aspereza. Não é tão divertido quando a coisa é ao contrário, não é? Uma pena que você não pensou nas possíveis consequências quando trancou a porta, ontem à noite.
Ela ficou uma fera, e esbofeteou-lhe o rosto bronzeado, o contato com a carne dura causando um impacto no seu braço. Teve pouco tempo para curtir a satisfação de bater nele, antes que seu pulso fosse agarrado e ela se desequilibrasse, tropeçando até o degrau inferior, onde a parede sólida do corpo dele amparou-lhe a queda. Uma mão grande segurou-a pela cintura, sustentando-a. O choque de sentir-se em contato com o corpo musculoso dele, tão abrupta e firmemente, atordoou-a por um instante. A risada áspera que ele emitiu fê-la levantar a cabeça vivamente, deparando com o olhar dele, cheio de uma satisfação ardente, que era a um só tempo preguiçosa e dura.
A garota de temperamento fogoso ainda vive por trás de toda essa sofisticação polida, hem?
Falou a frase com voz semi-arrastada. Ela começou a se debater, mas ele a segurou com facilidade, espalmando as mãos na sua espinha para apertá-la mais. Maggie parou de tentar se livrar dos braços dele, porque quando se movia de encontro a ele, daquele jeito, aquilo a deixava vivamente cônscia do corpo másculo dele e incitava todos os seus instintos de acasalamento. Fitou a costura do ombro da camisa dele e tentou bloquear da mente todas as sensações perturbadoras que teimavam em aparecer. Sentiu o hálito dele nos seus cabelos e a palma da mão dele esfregou a parte de trás do seu ombro, enquanto ela deixava as próprias mãos imóveis sobre o peito dele.
Tinha-me esquecido de como você é pequenina comentou ele. Estranho. Havia um traço de ironia na voz dele. Lembro de tantas coisas, no entanto me esqueci desta.
A boca de Chase moveu-se contra os cabelos dela, descendo na direção da orelha. Maggie ergueu o ombro, encostando nele o lado do rosto, para impedi-lo de conseguir seu objetivo. Os lábios quentes e másculos roçaram a testa dela, enquanto as mãos percorriam lentamente suas costas e quadris, experimentando a sensação de tê-la nos braços. A fazenda de cetim da camisola não era nenhuma barreira que fosse capaz de proteger os terminais nervosos sensíveis da moça da força das mãos carinhosas. Era uma segunda pele contra o seu corpo, deixando-a sentir cada toque dos dedos dele.
Chase, não, por favor. Mas ela sabia que ele não ligaria para o seu protesto sussurrado. Era apenas o seu orgulho que queria que ele parasse. Todo o resto dela queria que continuasse.
Nós éramos tão moços, Maggie. Enquanto falava, roçava com os lábios o osso da face da mulher. Tão moços e tolos. Não sabíamos nada da vida. Era tudo sol e pasto verde, para nós... tudo sorrisos e beijos, sem lágrimas ou dor. Ela se mantinha de olhos fechados, enquanto ele cobriu os seus lábios num beijo experimental, depois se afastou, deixando-a um pouco sem fôlego.
Não podemos voltar, Chase. Não podemos encontrar o que perdemos murmurou.
Não quero o que tivemos no passado. Esfregava a boca contra os lábios dela enquanto falava, estimulando-a com seu calor e umidade. Quero construir sobre o que temos hoje, para que haja um amanhã. Estamos casados; temos um filho; e eu a quero, Maggie. A voz dele estava áspera de desejo. Outros começaram uma vida juntos com bem menos.
Há tanta coisa contra nós lembrou, com voz rouca, ao mesmo tempo que movia os lábios contra os dele num convite.
Seja minha mulher, Maggie. Deixe-me tocá-la, abraçá-la, dormir com você insistiu, e deixou a boca fechar-se lenta e firmemente sobre os lábios dela.
Beijou-a com experiência, mas não confiou na técnica para excitá-la. Havia um elemento no beijo que se dirigia para um instinto muito mais básico... aquele âmago primitivo que existe em todos os seres humanos, a necessidade de ter um companheiro, uma necessidade que é a um só tempo física e emocional, uma necessidade que Maggie nunca tivera preenchida. As mãos dela envolveram a coluna musculosa do pescoço dele, apertando-se contra ele, tentando absorver e ser absorvida, por sua vez.
Chase afastou a boca da boca de Maggie, relutante, com a respiração pesada e as pálpebras caídas com paixão sobre os olhos castanhos.
É melhor que isso queira dizer "sim", Maggie advertiu ele. Não posso ficar arrombando portas trancadas. Você tem que abrir uma para mim.
Sim. Não podia mais lutar contra os seus sentimentos instintivos por ele. Certo ou errado, uma parte dela sempre lhe pertencera, portanto por que conter o resto, agora?
Ele a beijou longa e duramente, tomando o que ela lhe estava dando e esmagando-a nos braços. Quando finalmente moveu a boca para acarinhar rudemente o pescoço dela, Maggie estava atordoada e sem fôlego, tremendo com a força poderosa dos próprios sentimentos. Uma parte distante da sua mente registrou o ruído da porta da frente sendo aberta, mas o seu significado só a alcançou quando ouviu a voz de Buck Haskell.
Chase... ha... com licença interrompeu com insistência zombeteira. Já está pronto para ir?
Chase quase se virou para olhar para ele, porém logo que levantou a cabeça pareceu incapaz de desviar o olhar do rosto dela. Maggie sentia um fascínio semelhante pelo rosto dele, a expressão tão incrivelmente carinhosa, feições suaves que geralmente eram só ossos e carne duros, e a luz nos olhos escuros que tanto brilhava.
Hoje eu não vou, Buck falou. Diga a George que não vou precisar dele. Um meio sorriso ergueu os cantos dos seus lábios quando sentiu as pontas dos dedos roçarem a linha forte do seu maxilar. E pode avisar que o Sr. e a Sra. Calder hoje estão indispostos... e não querem ser perturbados.
Houve uma ligeira pausa antes que Buck respondesse de modo levemente formal:
Sim, senhor.
Com o estalido da porta que se fechava, Chase se mexeu, dobrando-se ligeiramente para enfiar o braço por trás dos joelhos dela e tomá-la no colo. Ela cruzou as mãos atrás do pescoço dele e começou a mordiscá-lo, sentindo o gosto da sua pele e da loção picante que Chase usava, enquanto ele começava a subir as escadas.
Tem ideia do número de vezes em que tive vontade de carregá-la escada acima nessas últimas semanas? perguntou ele, suavemente. Ou de como tem sido duro passar pela sua porta todas as noites?
Ela fez um ruído de concordância enquanto roçava com os lábios a concha da orelha dele, mordiscando de leve o lóbulo. Flutuava numa sensação emocional nova, que era langorosa e duradoura. Quando seus olhos semicerrados notaram que estavam entrando no seu quarto, recuou de leve para examinar preguiçosamente o perfil atraente dele.
Não podemos fechar a porta lembrou.
Eu sei. Parou, olhando para ela possessivamente. Já estou farto de portas fechadas. Além disso, dei-lhe a minha palavra que não esperava que você compartilhasse da minha cama... portanto, achei melhor que compartilhássemos da sua.
Ela riu baixinho, porque ele estava mantendo literalmente sua palavra. Esticando a mão, tirou o chapéu dele e jogou-o longe. Caiu sobre uma cadeira.
Esteja à vontade murmurou, e curvou a mão ao longo do maxilar dele para virar-lhe a cabeça e puxar-lhe a boca para si.
O beijo foi meigo e profundo, mais arrebatador e sedutor do que loucamente apaixonado. Era uma chama de combustão lenta que os fundia num só, enquanto Chase deixava que os pés da moça deslizassem para o chão e a virava de encontro a seu corpo. Levou as mãos às alças da camisola para descê-las por seus ombros e braços. Logo a seguir estavam tocando-lhe a pele, empurrando a fazenda justa para baixo, passando pela cintura e pelos quadris. Ela deu um pequeno volteio com os quadris para ajudar a tirar a roupa, e ouviu o gemido semi-abafado que ele soltou, ante o movimento. Enquanto as mãos dele percorriam-lhe as curvas nuas numa redescoberta sensual, os dedos dela começaram a soltar-lhe os botões da camisa e a tirá-la para fora da calça. Ela o ajudou a livrar-se da camisa e deixar o peito nu a seu toque. A carne dele era dura e vital sob suas mãos, enquanto ela sentia a energia pura ondulando pelos músculos. Abandonando-lhe os lábios, a boca de Chase viajou vagarosamente até a curva do pescoço dela, investigando-lhe a concavidade do ombro. Maggie se arqueou mais para perto dele, os tufos escuros dos pêlos do peito dele roçando os montes empinados dos seus seios. A fivela do cinto de Chase arranhou sua pele tenra, fazendo com que ela se crispasse brevemente antes de levar as mãos ao cinto para livrar-se dele.
Quando ela soltou a cintura da calça Levi's dele, Chase murmurou de encontro a seu pescoço:
Fica mais fácil se tirarmos as botas primeiro. Onde está a calçadeira?
Não tenho. O tremor febril da voz dela baixou-lhe a boca sobre os lábios dela num beijo esfaimado, antes de erguer vagarosamente a cabeça. Serei sua calçadeira.
Ela espalmou as mãos no peito dele para empurrá-lo para trás, sentá-lo na beirada da cama. A curta distância e nova perspectiva deram-lhe uma visão global do seu corpo nu, visão esta que ele admirou abertamente. Sob o estímulo do olhar dele os seios dela pareceram crescer, os mamilos ficando rijos de desejo. Ela quase se esqueceu do propósito da separação.
Dê-me seu pé falou, e Chase apoiou-se nas mãos, levantando uma perna.
Ela segurou o calcanhar de couro na mão e se virou, montando na perna dele e apresentando-lhe uma visão encantadora do seu traseiro. Agarrou a parte de trás da bota com as duas mãos, pronta para puxar quando ele empurrasse... só que ele não empurrou. Olhou por cima do ombro e pegou-o fitando o seu traseiro.
Pronto? perguntou, enrubescendo um pouco de prazer e embaraço.
A boca do homem retorceu-se ligeiramente, quando percebeu que fora pegado olhando. Ergueu o outro pé com relutância exagerada e colocou-o suave e cuidadosamente numa das nádegas.
Parece quase um crime colocar uma bota em cima de algo tão redondo e bem-feitinho, mas se um homem tivesse uma descalçadeira como esta, ele ia passar o dia inteiro calçando e descalçando as botas, só para ter a chance de apreciar a paisagem.
Ela sentiu a pressão forte da bota dele na sua carne macia, enquanto ele empurrava e ela puxava a bota na sua mão, descalçando-a. A seguir, repetiu o procedimento com a outra bota, desta feita com um pé calçado com meia contra o traseiro. Quando Maggie se debruçou para colocar a bota ao lado da primeira, um par de mãos pegou-a pelos quadris e puxou-a para trás. O grito dela ofegante de surpresa era uma mistura de alarme e riso, enquanto Chase plantava um beijo em cada nádega arredondada, antes que a deixasse virar-se para olhar para ele.
Por que será que nunca notei antes que belo traseiro você tem? perguntou, com aspereza simulada e inclinou a cabeça para trás para fitá-la nos olhos. Será que é porque estava ocupado demais olhando para o seu belo rosto?
Possivelmente admitiu, com um brilho malicioso nos olhos. Eu notei que você tinha um traseiro bonito, naquela primeira vez, no rio.
Era uma loucura como se estava sentindo descuidada e despreocupada. A intimidade era natural, animada. Maggie não se sentia obrigada a flertar ou excitar ou ser sexualmente provocante, como acontecia no tempo de Phillip, em que tudo isso era necessário para fabricar a paixão através da perícia e da técnica.
Notou meu traseiro, foi? debochou Chase, e começou a puxá-la para si, mas ela se soltou dos seus braços com uma torção dos quadris e se ajoelhou para tirar-lhe as meias.
Quando ela se afastou para enfiá-las dentro das botas, Chase tirou a calça e a cueca e virou-se parcialmente na cama para colocar os jeans com cuidado no outro extremo, para que nada caísse dos bolsos. Quando ela veio voltando para junto da cama, ele estendeu a mão para segurar a dela. Maggie enlaçou a palma grande com os dedos e deixou que ele a puxasse para frente, a fim de ficar de pé entre as pernas dele. Havia tanta coisa escrita nos seus olhos que ela ficou tonta lendo as mensagens sensuais, e oscilou na sua direção.
Uma mão queimada de sol subiu para segurar o peso de um seio branco e levá-lo à boca, onde a língua e os dentes lamberam e brincaram com o mamilo rosado. Maggie ficou fraca e trémula. Enroscou os dedos nos cabelos espessos dele, segurando-lhe a nuca e apertando-o com mais força junto ao seio. Então ele estava-se mexendo, a boca úmida buscando o outro seio. As pernas dela estavam enfraquecendo, forçando Maggie a apoiar os joelhos contra a cama enquanto jogava mais do seu peso sobre Chase. Até isso só adiantou durante um curto período; logo a seguir ela começou a afundar.
Os braços dele a seguraram, girando-a e puxando-a para cima da cama. Enquanto ela jazia de costas, ele mudava de posição para trazer o rosto ao mesmo nível do dela. Deitado de lado, apoiou-se sobre o cotovelo e olhou para ela, enquanto sua mão a acariciava. Ela espalmou os dedos nos pêlos ásperos do peito dele.
No outro dia Culley me disse que eu tinha esquecido de como ser mulher falou suavemente, e lançou-lhe um olhar enviesado. Você foi o primeiro a me ensinar a ser mulher, Chase. Quer me ensinar de novo?
Ele baixou a boca sobre a dela e beijou-a com insistência narcotizante. Puxou-a mais para perto e ficou por cima dela. Maggie sentiu o músculo rijo que se erguia entre as pernas dele, duro e viril. Teve um segundo para se admirar das diferenças físicas entre um homem e uma mulher, enquanto ele deslizava as mãos sob seus quadris para erguê-los... e como Deus os havia feito para se encaixarem, e o prazer assombroso que tiravam um do outro, um prazer mais lindo e natural porque nascia da dedicação emocional ao outro.
Fundiram-se numa onda avassaladora de sensação que os engoliu a ambos. A onda os uniu com uma urgência maravilhosa, uma luminosidade sexual que se irradiava entre eles. No passado distante, tinham tido uma visão desta intimidade, desta exigência forte, desta insistência, sem saber que podia ser sempre assim. Que podia nunca haver um fim, porque iriam querer sempre mais. Mesmo agora, só o que sabiam é que queriam mais e mais um do outro.
Aninhada contra o peito dele, Maggie deixou as pontas dos dedos roçarem pela barriga plana de Chase. O cheiro quente e terrenal dele a cercava por inteiro, e ela sentia uma satisfação total.
Está dormindo? murmurou ela. A mão na sua cintura tinha parado de se mexer fazia uns dois minutos. O peito dele subia e descia ritmadamente.
O polegar e o indicador beliscaram-lhe a pele das costelas. Ela soltou um gritinho, enquanto escapava da dor fugaz.
Está parecendo que estou dormindo? A voz dele era baixa e profunda, ressoando por seu corpo embaixo do ouvido dela.
Não admitiu Maggie.
A mão direita dele moveu-se para acariciar-lhe a nuca, os dedos enterrando-se nos cachos escuros para agarrar um punhado e puxar de leve para forçar-lhe a cabeça para trás. Olhou para o rosto dela, examinando-lhe as feições como que para memorizá-las. Com a mão esquerda, traçava pensativo o contorno do seu queixo.
Acredita em mim se eu disser que senti algo que jamais senti com outra mulher, quando fiz amor com você agora?
Sim. Foi diferente... especial corrigiu ela, e baixou a cabeça quando Chase aliviou a pressão no seu cabelo. Para mim, também. Nunca senti isso com Phillip.
Ele soltou um bufido de desdém.
O Phillip tinha idade para ser seu pai.
Como revide pelo comentário, Maggie puxou os pêlos no peito dele, que inspirou vivamente e agarrou-lhe a mão.
Cuidado quando insinuar que Phillip era velho demais para ser um bom amante. Quando me casei com ele, era apenas um pouco mais velho do que você é agora.
As mãos dele agarraram-na pelos ombros e cintura para erguê-la de modo a deitar-lhe a cabeça no travesseiro a seu lado. A crueza da posse ardia-lhe na expressão.
Prefiro esquecer que você teve outro amante, além de mim.
Pode ser que prefira, mas tive. Não iria deixar que ele tentasse apagar Phillip da sua lembrança. Ele foi bom para mim, Chase, quando eu precisava desesperadamente de alguém. Phillip foi um bom marido e um bom pai para o Ty.
É. Relutante, ele sorriu com resignação sombria. Encontrando a mão esquerda dela entre eles, ergueu-a e beijou a aliança de ouro. Sou o seu marido agora, e Ty é nosso filho. Os papéis estão prontos na semana que vem para pedir ao tribunal para mudar o nome dele legalmente para Calder... com sua permissão, é claro.
Quando foi que você soube disso? perguntou, enquanto ele continuava a manter a mão na sua.
Ontem... no advogado.
Foi lá que esteve? Pelo menos durante parte do tempo, pensou Maggie examinando a mão calosa dele.
Sim. Esfregou o polegar nos dedos dela. Parece que passo mais tempo em escritórios e atrás de uma escrivaninha do que em cima de um cavalo, hoje em dia, mas acho que isso faz parte do ofício. Depois de passar todas aquelas horas engaiolado com os advogados, não estava de muito bom humor, quando cheguei em casa ontem à noite. Quando descobri que você não tinha esperado por mim, e nem sequer deixara uma luz acesa, aquilo não melhorou meu humor. E não tinha comido nada desde o almoço, portanto...
Ela ergueu os olhos, surpresa. O rosto dele estava tão perto do dela que era quase um borrão.
Você não jantou ontem?
Não.
Mas eu pensei... até mesmo o Ty falou que você provavelmente pararia... Maggie não continuou porque não queria que ele soubesse que estivera sequer levemente ciumenta. Tinha comida na geladeira. Devia ter preparado alguma coisa para comer. Voltou a fixar os olhos na mão dele.
Onde foi que você... e Ty... pensaram que eu tinha jantado? Já estava adivinhando a resposta. No restaurante da Sally.
Era o local lógico admitiu, aparentando indiferença. Ouvi contar que ela é uma boa cozinheira.
A risadinha abafada dele continha um toque de satisfação.
Não gostou da ideia, não é? Então mudou os móveis de lugar para preparar uma armadilha para mim.
Não - negou Maggie. Só achei que ficaria melhor, se algumas coisas trocassem de lugar.
Mas você ficou um pouquinho chateada com a ideia de que eu pudesse ter estado com Sally ontem à noite... falou, num tom zombeteiro que insistia para que ela o admitisse.
É possível. Lançou-lhe um olhar que o desafiava a negá-lo. Afinal de contas, faz muito tempo que você não tem relações sexuais com ninguém. Quero dizer, você passou todas as noites aqui.
Então você achou que fui procurá-la, porque não estava tendo o que precisava em casa. As faces magras dele ostentavam vincos, enquanto ele sorria para ela. Admito que estava frustrado como o diabo, Maggie. Quando lhe disse que não me importava se você partilhasse ou não minha cama depois de nos casarmos, falava sério. Eu queria Ty e teria me casado com a filha do demónio para ficar com ele. Mas, o fato de vê-la todos os dias, a mãe do meu filho, começou a me deixar com desejo. Parece que tenho uma coceira que só você sabe coçar. Era assim há dezesseis anos. e é assim agora.
Quando ele se moveu, foi para puxá-la para baixo de si. Pesava sobre ela, o calor do corpo dele queimando-lhe a pele.
Quero que você me coce, Maggie. Foi um semi-rugido de encontro aos lábios dela. antes que sua boca os esmagasse. Os braços da mulher envolveram-lhe as costas largas e musculosas, quando as cobertas foram chutadas para o lado.
Era quase meio-dia quando eles se sentiram inclinados a sair da cama. Chase foi o primeiro a se levantar. Maggie continuou debaixo do lençol admirando os seus flancos magros e rijos, enquanto ele vestia a calça. Chase lançou um olhar sobre o ombro.
Com fome?
Um pouco. Saltou da cama pelo lado oposto e foi até o armário. E você?
Estou.
Foi o que pensei. Lançou-lhe um olhar provocante por sobre o ombro. Os seus olhos estão bem famintos.
Um sorriso malicioso tocou-lhe os lábios ante o duplo sentido, uma luz escura dançando nos olhos dele.
Então me prepare um pouco de comida primeiro, mulher.
Houve uma intimidade tranquila entre eles o dia todo, apimentada por um toque de excitação latente. Depois do almoço, Chase ajudou-a a lavar a louça, advertindo-a para prestar muita atenção no seu gesto, porque poderia nunca mais vê-lo com um pano de pratos na mão de novo. Enquanto Maggie transferia as roupas dele para o quarto dela, Chase começou a consertar a porta quebrada, assobiando enquanto trabalhava.
Quando o serviço terminou e após a limpeza do corredor, Chase tomou uma chuveirada para se refrescar. Enquanto o marido estava no banheiro, Maggie trocou os lençóis e arrumou a cama.
Ela ouviu o chuveiro parar, e falou:
Quer encher a banheira para mim, Chase? Quero tomar um banho.
A resposta abafada foi afirmativa, e segundos mais tarde ela ouviu a água correndo na banheira. Arrumou uma muda de roupa para cada um sobre a cama e despiu o vestido de andar em casa curto, de algodão. Quando entrou no banheiro, a banheira estava cheia de espuma perfumada e Chase achava-se parado diante da pia ensaboando o rosto com creme de barbear, uma toalha enrolada na cintura. O olhar dele encontrou-se com o dela, no espelho.
Importa-se se eu fizer a barba, enquanto você toma banho?
Claro que não. Ela amarrou a massa de cachos negros no alto da cabeça com um fio de lã vermelha. Gosto de companhia. Desligando as torneiras, entrou na banheira, cheia de espuma e água quente e perfumada. E obrigada por preparar o meu banho... inclusive com a espuma perfumada.
Chase parou com a navalha na mão e examinou o reflexo que ela lançava no espelho, enquanto se reclinava na banheira.
Lembro quando a vi tomando banho no rio. Não sei qual dos jeitos é mais excitante... banhar-se em alto estilo, ou banhar-se ao natural.
Maggie relaxou na banheira, deixando as mãos brincarem preguiçosamente com os montes de espuma, enquanto olhava Chase se barbeando. Ou era um processo muito lento, ou ele estava andando devagar deliberadamente. Ficou estudando os músculos lisos das costas e ombros dele, e os músculos saltados da parte superior dos braços. Seus cabelos estavam úmidos, quase negros. Ele enxaguou a navalha na água que escorria da bica da pia e desceu a lâmina pelo rosto, deixando à mostra a pele fortemente bronzeada sob a espuma.
Um barbeador elétrico é bem mais rápido disse ela, puxando conversa.
Pode ser, mas prefiro a navalha.
Ela deixou sua expressão implicar com ele.
Suponho que um barbeador elétrico não seja "machão" o bastante para você.
Cuidado! avisou ele, divertido, e ela riu. Uma lâmina escanhoa melhor. Achei que podia precisar de um rosto macio hoje à noite.
E pode. Ela estava levemente ruborizada, enquanto mergulhava a bucha de banho na água. Quer lavar as minhas costas, quando terminar?
Havia vestígios de espuma de barbear no rosto dele, quando se dirigiu para a banheira. Ajoelhando-se ao lado dela, tirou a esponja das mãos de Maggie e esfregou-lhe as costas. Maggie fechou os olhos, relaxando sob a ação massageadora.
Pode ficar fazendo isso o dia todo murmurou ela.
Se já não tivesse tomado banho, ia entrar aí com você. Parou e jogou a bucha na água de espuma diante dela. Quando ele começou a se pôr de pé, o olhar dela caiu sobre o seu braço esquerdo. Ficou gelada ao ver a cicatriz branca que cortava irregularmente o antebraço, lembrando-se que fora feita quando ela o atacara com a tesoura. Estendeu a mão para cobrir a marca e bloquear a lembrança desagradável.
O que vai acontecer com a gente, Chase? A voz era baixa e inexpressivamente indagadora.
Ele sabia exatamente o que ela estava pensando. Tomou-lhe a mão, agarrando-a com força.
Aqui não é o paraíso. Todos nós temos cicatrizes e falhas. Deus sabe que vamos ter nossa parcela de problemas, portanto não saia procurando por ela, Maggie. Só o que podemos fazer é agarrar firme o que temos... e rezar para Deus esperando que seja o bastante. Temos que agarrar firme repetiu, a voz dura de convicção e aceitar o que vier.
Ergueu o olhar, encontrando o dele com uma certeza serena. O calafrio continuava, mas ela podia enfrentá-lo.
Sim.
A boca de Chase curvou-se, em sinal de aprovação, e pousou um beijo nos lábios dela.
Ande logo e saia dessa banheira. Ty já deve estar chegando, e espera que o jantar esteja na mesa.
Ty notou a mudança quase imediatamente. Uma das primeiras coisasque disse foi:
Está linda hoje, mamãe.
Chase percebeu o olhar dela, e sorriu.
Nosso filho entende de beleza.
O olhar de Ty foi de um para o outro, pressentindo a intimidade e o calor... os olhares secretos que o deixavam de fora.
Notara a tensão anterior entre eles e ficava torcendo para que os dois começassem a se dar bem um com o outro. Agora que isso acontecera, não estava propriamente à vontade com a mudança.
Naquela noite, Maggie estava deitada na cama quando Chase saiu do banheiro e apagou a luz. Ela virou as cobertas para permitir que entrasse na cama a seu lado e se aninhou sob o braço que ele colocou à sua volta.
Ty não lhe pareceu quieto hoje? perguntou ela.
É. A mão dele esfregava-lhe o braço, numa carícia meio distraída. Infelizmente nosso filho está com um pouco de ciúme, e um pouco constrangido conosco.
Mas, por quê? indagou, virando a cabeça e tentando vê-lo no escuro.
As crianças... os adolescentes... têm dificuldades em aceitar o fato de que os pais... especialmente as mães... têm desejos sexuais. É como se, uma vez que eles já foram concebidos, os pais não devem fazer aquilo de novo. Não se preocupe murmurou, roçando a boca sobre a face dela. Ele vai superar isso. No momento, está apenas pouco à vontade com as próprias necessidades sexuais.
Espero que sim. Esfregou a face contra a boca de Chase, as mãos procurando a rigidez do seu corpo sob as cobertas.
Se ele não endireitar logo, arranjo-lhe uma garota. Isso fará com que deixe de pensar em nós. Tinha chegado ao canto dos lábios dela.
Porém Maggie recuou, ante a sugestão.
Chase, o que é isso! Ele tem só quinze anos.
E daí? Que me lembre, você tinha quinze anos. Estendeu a mão e puxou-a de volta, enfiando os dedos nos seus cabelos para manter-lhe a cabeça imóvel. Sabe que nunca fiz amor com você à noite? Será que vou acertar?
Sua boca cobriu a dela, e Maggie esqueceu Ty completamente.
O mundo parecia mais alegre para Chase. O pasto era mais verde, o céu mais azul, o Sol mais brilhante. Nesses últimos dias caminhava com nova força, nova determinação. Até mesmo o peso de dirigir a Triplo C parecia mais leve sobre seus ombros.
Enquanto entrava na sede, viu Nate saindo do escritório onde eram guardados todos os registros para a reprodução do gado. O velho vaqueiro não revelava a idade, mas Chase imaginava que estava na casa dos 60. A idade finalmente estava pesando para Nate.
Não podia mais passar longas horas na sela sem ficar de língua de fora. Mas o olho para o gado continuava infalível, portanto Chase o colocara à frente do programa de reprodução para melhorar continuamente o gado da fazenda. Chase tocou a buzina para chamar a atenção de Nate, depois virou a pick-up para estacioná-la à sombra de um prédio. O vaqueiro já se vinha desviando na sua direção quando Chase saltou da boleia.
Acabo de vir do setor sul para ver como estava-se saindo. Chase explicou onde estivera. Vi alguns dos bezerros gerados por seu touro novo. Devem pesar uns dez quilos mais do que os outros.
Quando descobrirmos o tipo de mãe que aquelas novilhas serão, aí sim saberemos se temos alguma coisa. Nate reservou o julgamento sobre o valor do novo touro que aconselhara Chase a comprar, mas ficou com o porte mais ereto ante o elogio implícito.
Para onde está indo?
O Ownie ia montar aquele potro novo hoje pela primeira vez. É uma das crias de quatro anos de Cougar. Ando de olho naquele cavalo desde que tinha dois anos. Aquele cavalo cor de rato tem jeito para vaqueiro. Enxergo isso cada vez que olho para ele. Não há nada que um vaqueiro aprecie mais do que um bom pônei-vaqueiro. Queria ver como ele age com um cavaleiro em cima. Aposto que vai fazer o diabo.
Vamos dar uma espiada. Chase caminhou com seu velho professor e capataz para os currais onde ficavam os cavalos novos.
Todas as primaveras os cavalos novos eram trazidos dos pastos para levarem cabrestos e se acostumarem ao contato com os homens, as selas e os freios. Nenhum cavaleiro os montava até fazerem quatro anos de idade. Chegaram ao curral na hora de ver o peão levar um tombo e cair no pó, e Chase deu sua primeira olhada no cavalo que chamara a atenção do velho vaqueiro. O cavalo cinza-escuro era um animal musculoso, mas com um corpo esguio e comprido, como o pai. As pernas, cauda e crina eram negras, com uma mancha branca na cara. Chase percebeu tudo isso enquanto o animal sem cavaleiro circulava correndo o curral e o peão se levantava do chão. Um ajudante cavalgava ao lado do potro e abaixou-se para segurar a rédea que se arrastava no chão. Um pouco mais abaixo, Chase viu Ty sentado na cerca do curral. Sua boca se estreitou numa linha sombria de desprazer.
Pensei que ele tinha que estar limpando os estábulos. Lançou um olhar a Nate para confirmar que Ty recebera aquela tarefa. Desde que chegara à fazenda seus trabalhos tinham sido todos feitos no chão, desde a limpeza dos celeiros e estábulos e moinhos até a pintura, sempre que se precisava do trabalho não qualificado. A única vez que montara num cavalo fora quando Chase o enviara para ver o recolhimento de gado, no dia da chegada de Maggie.
Já terminou tudo o que tinha que fazer. Nate olhou na direção dele com um meio sorriso no rosto curtido. Aquele garoto trabalha como se alguém lhe tivesse posto fogo no rabo para poder acabar cedo e vir aqui assistir ao amansamento dos cavalos xucros. Não é nenhum vadio. Termina todo o seu trabalho antes de vir sentar-se na cerca.
Tranquilizado quanto ao fato de Ty não estar vadiando, Chase dirigiu-se para o local da cerca de onde o filho estava olhando os cavalos.
Que belo animal de quatro anos comentou.
É, é cria do Cougar replicou Ty, automaticamente. Então, percebeu que era o pai e apressou-se a explicar: Já terminei minhas tarefas por hoje.
Eu sei disse Chase, num tom de quem sabia tudo. Ty voltou a olhar para o curral, a expressão ansiosa.
Tinha tanta vontade de montar aquele cavalo. Sabe que sou um bom cavaleiro, papai. E ajudei a amansar cavalos xucros quando morávamos na Califórnia.
Quer que eu peça a Ownie para deixá-lo montar o animal? Tudo no olhar ansioso de Ty dizia "sim", mas suspirou um "não" desalentado.
Chase virou-se e chamou o peão que se dirigia para o centro do curral, para onde o cavalo tinha sido levado.
Ei, Ownie! Tem um garoto aqui que acha que pode montar esse cavalo. Quer dar-lhe uma chance?
O homem baixo e musculoso olhou para Ty, que tinha sido um espectador assíduo nos últimos dias. Sabia que Chase estava deixando a decisão nas suas mãos, baseado no cavalo e na inexperiência de Ty.
Claro. Por que não? falou, dando de ombros, e Ty saltou da cerca.
Chase logo notou que Nate entrara no curral. Era o velho vaqueiro quem estava junto à cabeça do capão para segurá-lo, enquanto Ty montava na sela. O outro homem, Ownie, dirigiu-se para o local da cerca onde Chase estava e ficou vendo Ty acomodar-se bem na sela e agarrar firme as rédeas.
Mouse é um cavalo bom e honesto, corcoveia direito, sem maldade explicou ele a Chase. Mas é jovem e forte, e tem um jeito de se torcer e saltar de baixo da gente, de banda.
Bem, vamos ver o que ele pode fazer disse Chase, e
ambos sabiam que ele não estava falando do cavalo.
A um sinal de Ty, Nate soltou a cabeça do cavalo e se afastou. O potro subiu e desceu direto com um impacto, depois saiu se sacudindo pelo curral virando a barriga para os céus. Quando o cavalo deu uma estocada de banda, Ty perdeu um estribo e cavalo e cavaleiro se separaram no salto seguinte. Chase ficou vendo Ty cair ao chão e rolar automaticamente, depois desviou os olhos.
Abalado e doído, mas não ferido, Ty ficou deitado no chão por um minuto, sacudindo a cabeça e esperando que alguém lhe perguntasse se estava passando bem, mas, quando olhou à sua volta, ninguém lhe estava prestando atenção, nem mesmo o pai. Levantou-se, limpando a poeira do corpo, e deparou com Nate trazendo o cavalo de volta para ele. Nada foi dito. Presumia-se que voltaria a montar, e assim o fez. Na segunda vez em que foi derrubado, foi mais difícil voltar a montar. Na terceira vez, achou que não conseguiria. Muito machucado, o joelho latejando, Ty lançou um olhar ao pai, porém Buck Haskell acabara de aparecer, e o pai estava conversando com ele. Cerrando os dentes, Ty foi manquejando até o cavalo que Nate estava alisando e acalmando. Esperou até que Nate tivesse segurado uma orelha, depois subiu com esforço na sela, cada músculo do corpo protestando. Percebeu um brilho de admiração nos olhos do velho cowboy. De repente, toda a dor pareceu valer a pena. E então, o pau estava comendo de novo, quando Nate soltou o bicho.
Nate saiu do caminho e se dirigiu para a cerca de onde Chase tudo observava.
O garoto é esforçado. Era o melhor elogio que podia ser dado.
Chase sorriu.
Quem sabe podemos botá-lo em cima de um cavalo pelo resto do ano, e ensinar-lhe sobre vacas. Lançou um olhar para Buck, que estava encurvado confortavelmente sobre o arção dianteiro da sela, o chapéu jogado para trás na cabeça loura encacheada. Tem alguém na sua equipe que possa ficar de olho nele e ensinar-lhe os macetes? O tempo todo em que falava não tirava o olho de Ty. Desta feita ele parecia estar grudado na sela, pronto para cada um dos truques do potro.
Dave tem jeito com garotos. Também posso ficar de olho nele prometeu Buck.
Vamos começar com ele na semana que vem. Chase percebeu que o cavalo cor de rato apenas dava pequenos saltos, agora. Como vão indo as coisas? Era uma pergunta geral, dirigida a Buck.
Bem. Tivemos um acidente esquisito no outro dia. Perdemos um bezerro perto daquele morro isolado no pasto. Ficou preso no arame farpado. Buck endireitou-se na sela, ajeitando o chapéu sobre a testa. O garoto tem um bom assento. Até logo mais, Chase.
Até.
Ouvi falar do tal bezerro disse Nate para Chase, depois que Buck tinha ido embora. Burt achou-o faz quatro dias. O bezerro ainda nem tinha ficado duro.
É? Vinha mais coisa por aí; Chase podia percebê-lo pelo tom de voz do homem. Lembrou-se que tinha planejado visitar aquele local com Buck, há quatro dias.
É. Foi uma coisa muito estranha disse Nate. O fio de arame farpado estava enrolado no pescoço do bezerro. A teoria é que ele ficou preso nele, e quando tentou se soltar, só conseguiu apertar mais o arame.
É mesmo? Mas as palavras causaram um arrepio em Chase, a despeito de toda sua calma aparente. Estava quase preparado para a frase seguinte de Nate.
É um pouco difícil imaginar como o bezerro ficou preso, para começo de conversa, e porque não havia muito sinal de luta no capim. E é mesmo uma estranha coincidência que a ponta do fio tenha sido enrolada nove vezes.
O nó do carrasco. Outro recado que tinha endereço para ele, porém Chase não tinha ido buscá-lo. O laço sobre a escrivaninha fora o primeiro aviso. O bezerro estrangulado era o segundo. O sangue dele gelou, enquanto uma nuvem solitária passava diante do Sol. Esses avisos tinham que ser o produto de uma mente deformada. Não havia meios de adivinhar antecipadamente o que Culley O'Rourke poderia fazer a seguir. Mesmo que pudesse, como poderia Ir contra o irmão de Maggie? De um jeito ou de outro, estava enrascado. Aquilo se resumia a qual risco estava disposto a correr: a chance de que na próxima vez Culley pudesse usar outra coisa além de um animal irracional na sua tentativa de aterrorizar Chase, ou a chance de perder Maggie. Ela jamais o perdoaria se causasse algo de ruim ao irmão. Até onde Culley iria? Estava apenas tentando assustá-lo, ou havia uma vingança de verdade planejada? Ou... seria esta uma trama inteligente para causar problemas entre ele e Maggie, para que ela o deixasse e fosse morar com Culley?
Mas só o que disse a Nate foi:
É uma coincidência e tanto. Se um homem tivesse a consciência culpada, podia até ficar nervoso.
Podia concordou Nate e se afastou da cerca com aquele andar de pernas curvas, dirigindo-se para o cavalo cor de rato que estava parado passivamente no meio do curral, enquanto Ty desmontava.
Naquela noite Ty já estava sentado à mesa quando Maggie o viu pela primeira vez desde a manhã. Foi só depois que o jantar acabara e ele pedira licença para deixar a mesa que ela notou como ele se estava movendo dura e desajeitadamente, mancando da perna direita.
Ty, está machucado?
Não. Deu de ombros, como se não ligasse para as dores, mas não era muito convincente. Bati um pouco com o joelho. Nate me deu um remédio, logo vai ficar bom.
Ela ficou observando o filho sair mancando da sala, depois começou a tirar os pratos do jantar da mesa, enquanto Chase terminava o seu café. Quando voltou da cozinha, Chase estava fitando o fundo da xícara com a testa franzida. Ela se deu conta subitamente de como ele estivera quieto durante todo o jantar, os pensamentos aparentemente em outra parte.
Está com algum problema? perguntou, parando ao lado da cadeira dele.
Ele ergueu os olhos, parecendo voltar ao presente com esforço. Sorriu, mas a expressão não estava completamente desanuviada.
Estou. Você. Segurou-lhe a mão, e puxou-a para o colo. Deu-lhe um beijo estalado, depois ergueu a cabeça, os olhos preguiçosos fitando-a possessivamente. Era isso que eu queria de sobremesa. A mão dele acariciou-lhe a coxa e o quadril.
No que estava pensando antes de eu chegar? insistiu Maggie, acariciando os planos angulosos do rosto dele.
Você teria tido orgulho do nosso filho, hoje. Montou um dos cavalos de quatro anos que estamos amansando. O animal o derrubou quatro vezes, mas voltou a montar depois de cada vez e dobrou o cavalo direitinho.
Chase, ele podia ter ficado ferido protestou Maggie, franzindo a testa. Ele não sabe coisa alguma sobre montar um cavalo xucro. Já montou alguns cavalos novos e não treinados, mas nunca um recém-saído do pasto.
Ele tem que começar a aprender como se faz.
Mas...
Colou a boca à da mulher para silenciar o seu argumento. Quando ela fez uma débil tentativa para esquivar-se do beijo, tomou-lhe o lábio entre os dentes e mordiscou-o suavemente. Ela enterrou as mãos nos seus cabelos para forçar sua boca a dar-lhe um beijo completo.
Chase não lhe contou do bezerro estrangulado e deixado com o recado do carrasco ao redor do pescoço. Sabia melhor do que ela como eram frágeis os sentimentos que nutria por ele. Pressões externas em demasia poderiam rompê-los antes que tivessem uma chance de se fortalecer. Cada minuto, cada hora, cada dia que pudesse ganhar davam-lhe mais um pouquinho de vantagem.
Ele já sabia que ela era sua. Jamais poderia perdê-la de novo.
Maggie freou o cavalo e manobrou-o para abrir a porteira do pasto de Broken Butte. Devia encontrar-se com Chase por ali. Pela manhã ele sugerira que ela viesse para esses lados no seu passeio da tarde. Nesses quilómetros de terra agreste, só havia três lugares onde estariam trabalhando com um rebanho. Ela cruzou a porteira a cavalo, depois fechou-a atrás de si, tentando decidir a qual dos três ir primeiro. Foi então que viu um cavaleiro descendo a encosta a meio galope, vindo na sua direção.
Alo, Maggie. Buck Haskell tocou na ponta enrolada do chapéu e puxou as rédeas do seu cavalo, emparelhando-o com o dela. Chase me pediu para vir encontrá-la e levá-la comigo.
Eu estava imaginando aonde iria encontrá-lo admitiu, dando um breve sorriso para o vaqueiro gregário que Chase considerava seu amigo.
Partiram a trote.
Está linda, hoje, Maggie. Acho que o casamento lhe faz bem.
E faz. Chase a advertira de que Buck gostava de fazer elogios. Tinha mesmo um encanto juvenil que era irresistível, o seu sorriso largo e apreciativo fazendo com que o sorriso dela fosse mais natural e menos polido.
Tenho que lhe dizer que quando Chase me contou que vocês dois iam-se casar, pensei que vocês não tinham nem sombra de chance depois do que houve com o seu pai. Sacudiu a cabeça, ironicamente. Mas eu devia ter sabido que Chase sempre consegue o que deseja.
A brisa pareceu esfriar ante a referência do pai dela. Era melhor que ela não deixasse os pensamentos se voltarem muito para o passado, abrindo velhas feridas. Quase podia ouvir Chase dizendo "Agarre firme o que temos, Maggie." Não, não iria olhar para trás, não tão para trás.
Neste caso, é o que ambos desejamos falou.
Estou vendo. Buck abriu um sorriso para ela. Chase acha que o Sol nasce e se põe por causa daquele filho de vocês. Quer falar de um papai orgulhoso, está falando do Chase. Aquele garoto é tudo para ele. Claro, é natural que um pai se sinta assim a respeito do filho.
É. Maggie escutava os elogios, e sentia-se inquieta.
Acho que não existe nada que Chase não faça por ele disse Buck, pensativo. Quando se apega a uma ideia, não a larga de jeito nenhum. Era só uma questão de tempo até que a fizesse pensar do seu modo. Chase sabia o que era crescer sem mãe, e não queria o mesmo para o garoto. Minha mãe foi uma espécie de segunda mãe para ele, mas não é a mesma coisa que ter a mãe da gente de verdade. Acho que você pensou a mesma coisa... quis que o garoto tivesse o pai de verdade.
É. Maggie não o dissuadiu dessa maneira de pensar. Não havia motivo para contar-lhe que Chase inicialmente fizera chantagem com ela, fazendo-a casar-se com ele por causa das ameaças de tomar-lhe Ty.
Chase e eu fomos criados praticamente como irmãos. Tenho sentimentos muito fortes em relação a ele. Acho que você sabe da história. Não há muita gente que queira dar uma segunda chance a um ex-presidiário. Devo-lhe um bocado, mas acho que não preciso convencê-la do tipo de homem que ele é. Soltou uma breve risada. Cá estou eu, cavalgando ao lado de uma bela mulher, e o que estou fazendo? Elogiando-lhe o marido! Estou mesmo fraquejando. É melhor entregá-la a Chase antes de perder minha reputação.
Esporeou o cavalo a meio galope, e Maggie fez o mesmo.
O mugir do gado veio a seu encontro, quando chegaram ao topo de uma elevação e viram o prado a seus pés. Os cercados estavam bem no centro dele. Maggie identificou Chase facilmente entre os cavaleiros. Montado num capão baio cor de sangue, estava posicionado junto da porteira principal dos cercados, assistindo a tudo. Buck permaneceu ao lado dela, só a deixando quando estava entregue a Chase.
Aqui está ela, sã e salva falou, com um amplo sorriso.
Obrigado, Buck. Chase estava ocupado demais olhando para ela para notar que Buck inclinou o chapéu respeitosamente para Maggie antes de se afastar. Parece uma garotinha de novo, com o cabelo preso debaixo do chapéu, desse jeito.
Mas, ele já conhecia a maturidade das curvas sob a blusa assinada de mangas compridas de camurça amarela, e agora o seu olhar se demorava na boca da moça. Ela enfiou um cachinho que escapara para baixo do chapéu, curtindo a perturbação gostosa que o olhar dele causara.
Está ficando comprido demais disse, para explicar por que estava usando o cabelo do jeito antigo, depois rompeu o contato com os olhos dele para correr os olhos à sua volta. Cadê Ty?
Está terminando o recolhimento com Dave. Devemos começar a mover o rebanho daqui a uma hora. Tinha havido uma demora em conduzir esse rebanho para a pastagem de verão devido à quebra de uma bomba de moinho, e de um riacho que secara inesperadamente, tornando o suprimento d'água do pasto temporariamente insuficiente. Agora a bomba fora consertada e uma represa de castor riacho acima fora destruída para permitir que a água fluísse de novo no leito do riacho. Ele desafiou Maggie, com um olhar brilhante. Quer bancar o vaqueiro?
Claro. Fazia muito tempo que ela não trabalhava numa fazenda. Parecia divertido.
Quando os últimos desgarrados foram trazidos e a contagem confirmada, as porteiras dos cercados foram abertas e o rebanho conduzido para fora. Enquanto Maggie cavalgava no flanco esquerdo ao lado de Chase e dois outros cavaleiros, Ty ficava na retaguarda. Sem querer ser chamado de "filhinho de mamãe", mal a cumprimentara quando chegara com seu professor-colega, Dave. Divertida, porém compreensiva, Maggie tomara cuidado para não vigiar o filho atentamente demais.
Uma vaca e um bezerro desgarraram-se do rebanho diretamente na frente de Chase e Maggie. O capão baio cor de sangue deu uma arremetida na direção deles, porém Chase freou-o e fez sinal para Maggie.
São seus.
Maggie relaxou a pressão no freio e, ligeiro feito um gato, seu capão baio disparou atrás do par fugitivo. A velha euforia da perseguição voltou. A vaca foi virada e voltou trotando para o rebanho, com o bezerro ao lado. Naquele momento louco, correndo pelo terreno irregular, ficou bem nítido o quanto sentira falta desse tipo de vida. Fora por esse motivo que se adaptara tão rápida e facilmente. Sentiu um lampejo de culpa que sua instrução e todas as coisas que Phillip lhe ensinara fossem ser desperdiçadas aqui. Isso quebrou a sua concentração. Não estava preparada para a súbita guinada do seu cavalo, quando impediu outra débil tentativa da vaca para alcançar a liberdade. O capão saltou debaixo dela e Maggie caiu ao chão, rolando e parando, sentando-se, incólume. Por um instante só o que pôde fazer foi ficar sentada ali, surpresa, atónita. Quando viu as pernas pretas do cavalo baio vermelho de Chase a seu lado, ergueu os olhos. Ele podia ver que ela não estava ferida, e seus olhos brilhavam, divertidos. Subitamente, ela abriu um sorriso, e riu de si mesma.
Não estava sentada com muita firmeza. Acho que estou um pouco enferrujada. Pôs-se de pé, limpando o assento da calça, e apanhou o chapéu do chão.
Terá oportunidade de sobra para treinar. Inclinando-se, agarrou-lhe o antebraço e puxou-a para a sela atrás de si. Ela abraçou-o pela cintura, apertando mais forte do que era necessário, enquanto Chase virava o cavalo na direção do rebanho.
Um dos cavaleiros tinha ido apanhar o seu cavalo solto e estava esperando a meio caminho do rebanho. Quando chegaram perto dele, Maggie preparou-se para saltar, mas a sela rangeu quando Chase virou-se parcialmente para enlaçá-la pela cintura. Em vez de baixá-la até o chão, curvou-a contra o seu corpo, apertando os seus quadris contra a coxa. Ela viu as chamas escuras no seu olhar e sentiu a pulsação acelerada corresponder quando sua mirada demorou nos lábios dela.
Eles podem nos ver. Ela lembrou-lhe a plateia de vaqueiros.
Olharão para o outro lado assegurou Chase, e inclinou a cabeça para cobrir-lhe a boca num beijo duro e faminto. Depois, baixou-a até o chão, com relutância. A pulsação dela tinha um ritmo perturbado enquanto subia para a sela da sua própria montaria. A alegria tomou conta dela enquanto emparelhava o cavalo com o dele, as suas pernas roçando, uma alegria que era a um só tempo feroz e frágil. Seguiram adiante a trote, sem grande pressa de alcançar o rebanho que tinha passado por eles.
Ty fora designado para a posição de fechar a retaguarda com um vaqueiro veterano. Esta posição era a menos desejável, já que o cavaleiro ficava sujeito ao fedor, calor e poeira do rebanho. Era frustrante merecer sempre as tarefas mais baixas. Quando montara o cavalo xucro e o domara, pensara que tinha provado seu valor, mas logo descobrira que não. É verdade que estava no pasto trabalhando com o gado, mas os cavalos que lhe davam para montar eram os piores da fazenda, aqueles com maus hábitos, ou simplesmente tendências más. Os outros vaqueiros faziam as mais diversas brincadeiras com ele, e a sua ignorância do trabalho da fazenda e do gado fazia com que acreditasse em quase toda a lorota que um vaqueiro lhe resolvesse contar. Havia horas em que Ty estava convencido de que todos o odiavam, e outras em que estava certo de que jamais seria aceito por eles. Vacilava entre uma determinação sombria de provar seu valor e um desejo amargo de mandá-los todos para o inferno.
O que era pior, não tinha ninguém com quem desabafar as suas frustrações. O pai deixara claro desde o início que não viesse queixar-se com ele, e que tinha que resolver as próprias dificuldades. E a mãe... Em primeiro lugar, pelo jeito que agia quando o pai estava por perto, Ty sabia que tomaria o partido de Chase. Além do mais, ele estivera tão resolvido a viver aqui, que o que seria do seu orgulho se fosse até ela e lhe dissesse que não estava aguentando? E se ela tentasse intervir a seu favor, então os vaqueiros provavelmente começariam a chamá-lo de "filhinho da mamãe".
Um riacho raso atravessava o caminho do rebanho. As primeiras vacas foram empurradas para dentro dele, e o resto foi atrás. Ty começou a seguir os desgarrados pelo riacho, mas o seu cavalo levantou a cabeça nervosamente ao ver o brilho do Sol na superfície da água e começou a fazer corpo mole ao longo da margem de cascalho. A água mal chegava aos tornozelos, e Ty ficou impaciente com sua montaria e cutucou-lhe a barriga com as esporas para forçá-lo a entrar na água rasa. O cavalo pulou de banda, desviando-se da água brilhante e quase o derrubando.
Com a mão direita livre, agarrou o arção dianteiro da sela para voltar a sentar-se direito. Mal recolocara o pé no estribo, quando o seu companheiro de retaguarda emparelhou com ele e deu uma pancada forte com a ponta da sua corda de nylon na mão que agarrava o arção da sela. Mesmo através do couro rijo da luva, Ty sentiu a ardência da pancada com a corda. Ainda tentando controlar o cavalo irrequieto, lançou um olhar furioso ao vaqueiro.
Ei, pare com isso! gritou. Está tentando me derrubar? O vaqueiro de faces bronzeadas apenas sorriu e bateu com a corda de novo. Da segunda vez foi com mais força, e a dor fez com que Ty soltasse o arção da sela. Ty estava uma fera. mas estava ocupadíssimo tentando controlar o animal que começara a corcovear. Embora estivesse resolvido a não cair do cavalo, ainda não recobrara totalmente o equilíbrio, portanto tinha que ficar se agarrando ao arção para não cair. Cada vez que o fazia, a corda batia na mão infratora.
Maggie vira o cavalo de Ty refugar na travessia do riacho. A princípio pensara que o outro cavaleiro estava perto dele para ajudá-lo. Foi só depois da terceira ou quarta vez que percebeu que o homem estava batendo na mão de Ty para afastá-la do arção da sela. Todos os seus instintos maternais vieram à tona, enquanto chamava a atenção de Chase para o que estava acontecendo.
Está vendo o que ele está fazendo com Ty?
Chase mal olhou na direção de toda aquela comoção, exibindo pouco interesse na situação do filho.
Está só judiando um pouco dele, Maggie. Não ligou para a coisa e guinou o cavalo para outro setor do riacho.
Não vai deixar que façam isso, vai? É o seu filho!
Ignore a coisa. A ordem era firme e definitiva.
Você pode ignorar, mas eu não vou disse, bruscamente, e começou a levar o cavalo para longe dele, mas Chase agarrou as rédeas, detendo o cavalo dela.
Os olhos castanhos eram duros e penetrantes.
Fique fora disso, Maggie. Estou falando sério. Se você interferir, Ty vai parecer um idiota na frente dos homens.
Então faça você alguma coisa.
Pode parecer-lhe cruel. Você é mulher. Mas os rapazes e os trotes deles lhe estão ensinando algumas lições que precisa aprender.
Não precisam ser ensinadas desse jeito. Rejeitava o código de que se esquecera durante os anos em que estivera fora. Não via mais valor nele, especialmente quando o objeto das judiações era seu filho.
Se ele não aguenta os trotes, então não vai servir para dirigir esta fazenda. Tem que ter o respeito dos homens. Sem isso, vai falhar. Isso não é nada comparado a algumas coisas que terá que enfrentar quando for mais velho. Acredite, Maggie, sei do que estou falando. Já passei por tudo isso.
A discussão cessou quando Ty recuperou o controle do cavalo, fazendo com que parasse de corcovear e cruzasse o riacho. Seu êxito fez com que os trotes acabassem, mas o incidente estremecera um pouco as relações entre Chase e Maggie.
Naquela noite, Maggie viu os vergões vermelhos na mão direita de Ty e ficou furiosa de novo com Chase por ter permitido que ele fosse tratado desse jeito. Quando ela terminou a louça do jantar e voltou para a sala, Chase estava no escritório e Ty estava subindo as escadas para ir se recolher cedo. Maggie encurralou o filho no patamar, resolvida a descobrir quais os seus sentimentos.
O que é, mamãe? perguntou ele, cheio de impaciência. - Estou cansado de verdade. Não dá para esperar?
Eu... Examinou o ar desanimado e exausto dele, a esbeltez do peito e dos ombros que o trabalho físico transformara em músculos duros. Só queria saber se você está feliz, aqui. Oferecia-lhe a chance de fazer-lhe confidências.
A indecisão e a incerteza passaram por sua expressão, enquanto devolvia o olhar perscrutador dela. Subitamente o seu filho viril de 14 anos ficou parecendo não ter mais de oito, confuso pelo mundo adulto. Com a mesma rapidez que veio a impressão se foi, e suas feições endureceram de uma maneira que lhe lembrou Chase.
Estou, sim. E se virou para subir as escadas.
Aquela visão de outro sentimento contraditório fez com que ela insistisse.
Então quer ficar?
Mais do que nunca declarou Ty, subindo os degraus.
Boa noite, mamãe.
Boa noite ecoou, Maggie, ciente de que Ty renunciara à necessidade do apoio moral dela, pretendendo lutar sozinho sua batalha. Estava crescendo depressa, como ela mesma aos 15 anos. Não era o que desejara para ele.
Quando Chase terminou seu trabalho de escrita, um pouco depois das 10 horas, toda a parte de baixo da casa estava às escuras. Apenas a luz da escada tinha sido deixada acesa. Ele hesitou, depois começou a subir.
Sentada à penteadeira, Maggie ouviu-o subir as escadas e pegou a escova de cabelo para começar a escovar de novo os cabelos escuros. Não ergueu os olhos, quando ele entrou no quarto. O cabelo dela crepitava com a eletricidade estática. Escutou os sons de Chase se despindo e ouviu as molas da cama rangerem sob o peso do marido.
Não vem para a cama?
A pergunta rompeu o silêncio dela.
Os homens sempre pensam que isso resolve tudo retrucou Maggie, e passou a escova mais vivamente pelos cabelos.
E o que você vai resolver sentada aí escovando o cabelo? - retrucou ele.
A mão dela devolveu a escova ruidosamente ao tampo da penteadeira, enquanto Maggie se levantava e abraçava o peito. Cruzou o quarto evitando a cama onde ele estava sentado, de cuecas.
Não vai dar certo anunciou Maggie, depois deu-se conta de que era uma frase que exigia explicações, e continuou, atropeladamente: Para você, tudo gira em torno desta fazenda. Não está ligando que um mundo inteiro exista do lado de fora dela. Não é a mesma coisa para mim... ou para Ty. Já me acostumei a uma vida diferente... indo ao teatro, a uma sinfonia, ao museu. Ainda não senti falta dessas coisas, mas vou sentir.
Quando sentir, iremos para Nova York ou Dallas ou Denver passar um fim de semana. Chase a observava, sabendo que se estava desviando do verdadeiro tópico: Ty e o incidente de hoje à tarde. Esta fazenda não é uma prisão, Maggie. Geralmente faço várias viagens durante o ano. Admito que viajo por causa dos negócios da fazenda, mas podemos combinar negócios com prazer.
Você está pegando um novilho e tentando transformá-lo num touro. Não há validade nesse argumento, portanto é melhor dizer logo o que está na sua cabeça.
Ela se virou para enfrentar o olhar calmo e desafiador.
Muito bem. Enfrentou-o sem recuar. Quando Ty terminar a escola, quero que vá para a faculdade.
A boca do homem se estreitou.
Esta fazenda lhe dará uma educação melhor do que qualquer universidade... vai diplomar-se em administração animal, agricultura, contabilidade, administração da terra e psicologia humana. Quatro anos na Triplo C o deixarão mais bem equipado para o futuro do que qualquer formando de faculdade.
Quero que ele tenha um diploma universitário declarou ela, sem se tocar com o argumento. Não quero que seja como você, quando crescer... insensível, ligando mais para esta fazenda do que qualquer outra coisa.
Chase sentiu-se magoado que ela pudesse realmente pensar que isso era verdade. No entanto, não era esse o ponto a ser debatido.
Sabe que isso apenas tornará as coisas mais difíceis para ele, não sabe? Mas estava vendo que ela não sabia. Suspirou pesadamente. Tudo bem, vamos chegar a um acordo. Se Ty quiser ir para a faculdade, não tentarei impedi-lo ou fazer com que mude de ideia. Quando viu a hesitação dela, Chase acrescentou: Você não espera que concorde quando creio que a faculdade não seja uma boa coisa para ele. Mas prometo que não interferirei e deixarei que a decisão seja dele. Vamos dar um jeito, você e eu.
Ela sabia que ele se estava referindo ao casamento deles em geral, e sentiu a súbita atração do amor dele, amolecendo-a.
Às vezes acredito mesmo que sim murmurou.
Como é, agora vem para a cama? O olhar dele percorreu o corpo vestido de camisola, cônscio das formas maduras que revelava, porém mais interessado naquilo que escondia.
Havia jovialidade na sua resposta desafiadora:
E o que você acha que isso vai resolver?
Venha aqui e eu lhe mostro.
Chase estendeu a mão e puxou-a para a cama. Antes de rolarem juntos no colchão, a camisola foi tirada, assim como as cuecas dele. Enquanto as mãos errantes dele despertavam a carne da mulher, sua boca faminta buscava-lhe os lábios.
A luz disse ela, lembrando-lhe que ainda estava acesa.
É para poder enxergá-la melhor, meu amor insistiu, recuando para admirar a nudez dela, ansioso para descobrir-lhe todos os mistérios. Você tem um corpo que faria qualquer homem desejar fazer amor, mas o meu prazer fica dobrado olhando para ele.
É. Ela compreendeu a sensação adicional, enquanto observava o jogo dos seus músculos ao longo do ombro e do braço, quando a mão dele segurou-lhe um dos seios. Chase, me ame pediu, abalada pelo tamanho de sua necessidade.
Sempre.
E então o beijo dele estava preenchendo-lhe a boca, enquanto o peso pousava firmemente sobre o corpo esguio dela.
Duas manhãs mais tarde, Chase e Ty tinham acabado de se sentar para tomar o café da manhã que Maggie preparara, quando a refeição foi interrompida por Nate. Ele parou no vão da porta da sala de jantar e tirou o chapéu. Lá fora, o alvorecer estava pintando o céu de laranja e rosa.
Sente-se e tome um pouco de café, Nate convidou Chase, mas com uma sensação desconfortável ante a expressão imóvel do vaqueiro. A sensação penetrou em locais onde os instintos primitivos residiam. Ele pressentia encrencas, do jeito que um cachorro se eriça ante uma sombra silenciosa.
É, sente-se, Nate. Maggie confirmou o convite. Vou trazer-lhe uma xícara.
Já ia-se levantando da cadeira, quando o capataz recusou com um único meneio de cabeça.
Não, obrigado, senhora. Não entrou na sala, mas continuou parado à porta. Posso lhe falar em particular, Chase?
O fazendeiro afastou a cadeira da mesa e se moveu com a rapidez de um homem acostumado à ação, enquanto se reunia ao vaqueiro no saguão. Maggie sabia que havia algo errado, mas não compreendia o quê. Podia ouvir o murmúrio baixo das vozes, a conversa muito breve. Depois que ouviu a porta da frente abrir e fechar, levou um segundo inteiro para se dar conta de que dois pares de passos haviam deixado a casa. Correu para a porta, escancarando-a e deparando com Chase afastando-se da varanda em largas passadas, acompanhado de Nate.
Chase, aonde vai? Nem tomou café. Seu pedido de explicação estava disfarçado por uma desculpa doméstica.
Quando ele se virou, o rosto nada lhe dizia, os pensamentos ocultos por detrás da máscara que os homens do Oeste usam.
Como qualquer coisa lá na cozinha.
Aconteceu alguma coisa? Ela começou a cruzar a varanda para ir atrás dele.
Nada em que eu não possa dar um jeito. Fique dentro de casa. Era uma ordem enfática.
Maggie abriu a boca para protestar, mas Chase já estava se afastando, tomando por certa sua obediência. A ordem deixou-a mais intranquila ainda, enquanto o observava cruzando o pátio da fazenda, até que finalmente fez com que deixasse a varanda e o seguisse. Não sabia o que estava tentando esconder dela, mas pretendia descobrir.
Quando ele desapareceu dentro do estábulo dos garanhões, ela estugou o passo. Notou que havia outros correndo para o mesmo lugar, no entanto lá de dentro não vinham os ruídos que indicariam uma luta entre garanhões. Maggie parou ao cruzar a porta aberta do estábulo para deixar os olhos se acostumarem à escuridão interior. Chase estava parado junto a uma baia aberta, uma tensão de aço a envolvê-lo. Ela se adiantou para olhar lá para dentro, imaginando a visão de um garanhão doente.
A luz do sol da manhã se filtrava por uma das janelas da baia, fazendo brilhar o pêlo amarelado do garanhão Cougar. Os olhos dela se arregalaram quando se deu conta de que o animal silencioso estava parado numa postura empinada. Como? Então, viu como e sua exclamação abafada de horror foi audível, a despeito da mão que colocou às pressas sobre a boca. Uma corda cheia de nós envolvia-lhe o pescoço, amarrada a uma viga do teto. O cavalo fora enforcado.
Sua visão foi bloqueada por um par de ombros largos. Um par de mãos agarrou a carne macia dos seus braços enquanto ela oscilava, numa revulsão chocada. O olhar apavorado encontrou o de Chase. Ele rangia os dentes visivelmente, ante o rosto branco e aturdido de Maggie.
Disse para você ficar em casa. lembrou, lamentando que a mulher não tivesse obedecido.
Foi o Culley... Um soluço embargou-lhe a voz, interrompendo a pergunta.
E então Chase estava-se afastando, entregando-a aos cuidados de outra pessoa.
Leve Maggie para casa, Buck, e cuide para que fique lá. Ty vá buscar Ruth. Não quero que sua mãe fique sozinha.
Maggie percebeu de relance a presença do filho junto à porta aberta, enquanto Buck a levava para fora. A mente dela fervilhava com temores e lembranças demais revividos e mal ouviu as palavras murmuradas que Buck lhe dirigia. Não estava interessada em falar com ele sobre o garanhão enforcado. Não queria falar com ninguém a respeito, nem fazer especulações em voz alta até ter falado sozinha com Chase.
Ela o viu na hora do almoço, mas a presença de Ty não lhe deu chance de falar livremente. Na frente do filho, fingiram ignorância de qualquer motivo que levaria alguém a enforcar o garanhão. A cena da manhã no estábulo ficou-lhe na cabeça o dia todo.
No meio da tarde, Chase entrou na cozinha da fazenda. O corpanzil de Tucker estava apoiado num balcão, o cotovelo encostado no tampo. Usava um avental em volta do barrigão. Não pareceu surpreso ao ver Chase entrar nos seus domínios.
Tem café no bule. Sempre tinha, mas Tucker fez um gesto na direção da máquina de café, por via das dúvidas. Eu o estava esperando.
Chase serviu-se de uma xícara, usando uma das canecas na prateleira.
Suponho que tenha ouvido contar do garanhão amarelado do meu pai.
Soube que foi enforcado. Tucker acenou com a cabeça assentindo, os olhinhos observando Chase enquanto este acendia um charuto longo e fino. Soube do bezerro, também. Imaginei que mais cedo ou mais tarde você apareceria para falar comigo. Estoulhe dizendo claramente que não tive nada a ver com isso, e não sei de nada a respeito.
Se soubesse, não me diria adivinhou Chase, lançando ao homem um olhar através da trilha de fumaça do seu charuto.
Não, suponho que não admitiu o cozinheiro. Depois, perguntou: Como está Maggie? Ouvi falar que ela viu tudo.
Mas sua pergunta foi ignorada.
Quando foi a última vez que viu Culley?
Faz tempo. Os olhos se estreitaram, parecendo ainda menores.
Chase sorvia o café quente, preto e forte. Deixou-lhe um gosto amargo na boca.
Você e os O'Roukers eram unha e carne.
Sim concordou o outro. Pode pensar o que quiser a meu respeito, Calder, e o tipo de homem que sou, mas eu jamais faria algo que pudesse causar sofrimento a Maggie. O que ela viu não foi bonito. Sabendo o que você está pensando, ela tem que estar doendo por dentro.
Se você sabe alguma coisa a respeito disso, Tucker, e eu descobrir, é o fim da linha para você advertiu Chase, mas quase acreditava no que o homem dizia. Os sujeitos mais duros geralmente eram uns molengas quando se tratava de mulheres, capazes de esmagar a cabeça de um homem sem piscar o olho, mas indefesos como um gatinho recém-nascido quando confrontado com as lágrimas de uma mulher.
Já lhe disse o que sei.
Chase tomou outro gole de café e esvaziou a caneca na pia, batendo a cinza do charuto pelo ralo.
Obrigado pelo café.
Trate direitinho da Maggie, caso contrário da próxima vez sua xícara vai estar temperada com arsénico. Sempre tenho um pouco à mão para o caso de um rato aparecer.
Não vou-me esquecer.
Chase meio que sorria consigo mesmo, quando saiu da cozinha. Parecia que não faltavam a Maggie cavaleiros andantes ansiosos para salvá-la dele. Será que nenhum deles se dava conta do quanto ele amava aquela mulher?
O fato de pensar nela dirigiu seus passos para a Casa Grande. A mansão estava silenciosa quando ele entrou, exceto pelo ruído da batedeira elétrica funcionando na cozinha. Foi até lá, esperando encontrar Maggie ocupada com os preparativos para o jantar, mas Ruth achava-se sozinha.
Cadê Maggie?
Está lá em cima, deitada. Está com dor de cabeça. Chase não esperou para ouvir mais, deixando a cozinha e cruzando a sala para subir os degraus de dois em dois. Ao primeiro olhar, o quarto parecia vazio; então ele a viu de pé junto à janela. Tinha-se virado à entrada dele, e a tensão dos acontecimentos do dia lhe aparecia nos olhos verdes.
Ruth falou que você estava deitada. Parou por um momento a fim de fechar a porta antes de se dirigir para junto dela.
Disse-lhe que estava com dor de cabeça. Queria ficar um pouco sozinha para poder pensar. O olhar dela se voltou para a janela, depois correu de novo para ele. Acredita que foi Culley, não é?
Ele parou, perscrutando-lhe os olhos.
E você?
A mulher deu-lhe as costas para olhar pela janela e esfregar os cotovelos nas palmas das mãos.
Não consigo imaginar meu irmão fazendo aquilo. Não posso acreditar que meu irmão enforcaria... qualquer coisa. Culley não é assim.
Talvez não fosse assim. Postou-se atrás dela, acariciando-lhe as pontas macias dos ombros. Você esteve fora muito tempo, Maggie. Não sabe o tipo de homem em que ele se transformou.
Ainda é meu irmão. Um arrepio correu-lhe pela espinha. Chase, o que você vai fazer?
Ele fê-la virar-se, escorregando as mãos por suas costas para tomá-la nos braços.
Vou-me agarrar a você, Maggie. Vou agarrar firme o que nós temos.
Não era a isso que ela se referia, mas já não importava mais. Enquanto os seus braços a envolvessem e sua boca cobrisse a dela, podia esquecer o resto, por enquanto.
Durante o sono, Maggie buscou Chase, mas sua mão encontrou o espaço vazio onde ele devia ter estado. Acordou instantaneamente, os olhos revistando a cama escura. Estava vazia. Então, sentiu o aroma forte da fumaça de charuto. Virou a cabeça no travesseiro.
A poltrona cor de canela tinha sido virada de frente para a janela. Chase estava sentado ali, os pés descalços apoiados no peitoril da janela. Estava parcialmente nas sombras, mas o brilho do charuto lançava uma luz amarela escura sobre o rosto do marido. À luz débil, as faces estavam planas e marcadas sob a cobertura da pele bronzeada.
Ela contentou-se em apenas olhar para ele. Nunca se sentira tão chegada a ele, tão parte dele como nessa noite. Ao invés de solapar o amor deles, o incidente com o garanhão os aproximara ainda mais. É, os seus corpos haviam-se unido para fazer amor, mas tinha sido mais do que isso, os silêncios se unindo, cada uma das suas vozes falando os pensamentos do outro.
Contudo, ele não dormira. Ela pressentia que estava fugindo dela. A cabeça do marido estava repassando os problemas deles sozinho, sem ela. Estava deixando-a de fora, sem permitir que ela fosse parte da coisa. Isso ela não podia permitir.
Chase, no que está pensando?
Em nada de importante replicou. Vá dormir. Daqui a pouquinho eu vou para a cama.
Ao invés disso, Maggie afastou as cobertas e saltou da cama. O luar lançava um brilho acetinado sobre a brancura da sua pele nua, enquanto se dirigia para a poltrona.
Está pensando no garanhão.
A boca de Chase ostentava uma curva indulgente, enquanto espalmava a mão no osso do quadril dela, forçando-a a sentar-se no braço da poltrona.
Não obedece às ordens direito ironizou, apagando o charuto. Mandei que fosse dormir.
Por que não queria que eu soubesse que o garanhão tinha sido enforcado? Você não ia me contar acusou Maggie. Foi por isso que mandou que eu ficasse dentro de casa, hoje de manhã.
É errado tentar poupar-lhe aquela cena tão desagradável? O braço dele curvou-se num gancho para puxá-la para o colo.
A carne dura do seu corpo era quente de encontro à pele nua da mulher. As mãos dele percorreram-lhe as curvas macias, tentando deliberadamente distraí-la.
Você não queria me poupar... pelo menos não tanto quanto queria impedir que eu soubesse adivinhou ela, e sentiu a hesitação dele. Aquilo aumentou-lhe as desconfianças. Do que mais você tentou me poupar, Chase? Já sei da réplica do laço, agora do garanhão. Houve mais alguma coisa, não foi? E você não me contou.
O dedo dele traçou distraidamente um círculo na garganta dela, enquanto o olhar ficava mais escuro. Por um momento, ela pensou que ele ia continuar a negar.
Encontraram um bezerro estrangulado há quase duas semanas admitiu. Como é, está contente por ter-lhe contado?
Ela desejara estar errada... torcera para que não tivesse havido nenhum outro incidente como o daquela manhã.
Não. Tinha a voz rouca de pesar. O que você vai fazer?
Tenho que detê-lo. Havia uma impaciência sombria nas suas palavras, uma relutância em dar a resposta.
Está-se referindo ao meu irmão disse, empertigada.
Sim, estou-me referindo a seu irmão. Chase não titubeou. O tom de voz era firme e decisivo. Até agora as vítimas dele têm sido animais, mas ele está doente. Não vou esperar para ver qual será sua próxima jogada. Não vou arriscar.
Não discutiu em relação a isso, pois compreendia o potencial para o perigo, mas aquilo não era a fonte de sua incerteza. Ergueu os olhos para perscrutar os dele.
Como pretende detê-lo, Chase? Sabia o poder que ele manejava. Tomara o lugar do pai.
Sopesou as palavras dela, sem baixar o olhar.
Vou cuidar disso à minha moda, Maggie. A ligeira ênfase a excluía de sua decisão. Inclinando a cabeça, focinhou o lóbulo da orelha dela. Terá que confiar em mim.
Mas ela não estava a fim de ser distraída, e segurou-lhe o rosto nas mãos para mantê-lo longe dela.
Não, Chase, isto não basta. Não sou nenhuma mulherzinha do Oeste obediente que se contenta em deixar essas coisas para os homens. Não sou do tipo de ficar remexendo na cozinha, enquanto você decide as coisas importantes sem me consultar. Se era isso o que queria, não devia ter-se casado comigo. Este problema me diz respeito. Sou sua mulher e irmã dele. Isso me dá o direito de conhecer os seus planos. Não me deixe de fora.
Não é minha intenção deixá-la de fora. Pegou a mão que segurava sua face e beijou-lhe a palma. Ela correu os dedos de leve pelos lábios dele, traçando o contorno masculino.
Ele é meu irmão, Chase. Sei que alguma coisa precisa ser feita, mas não o quero ferido. A dor da frustração veio à tona. Culley não quer ouvir a voz da razão. Eu sei. Já tentei.
Viu a lembrança que havia nos olhos dela, a justiça rural que o pai havia imposto para dar um fim ao roubo do gado. Beijou a aliança de ouro no dedo dela.
Jamais faria coisa alguma que pudesse virá-la contra mim. Tem a minha palavra, Maggie. Mas não ia envolvê-la nos seus planos em relação a Culley. Chase a conhecia o suficiente para saber que insistiria em acompanhá-lo e ele não podia ter certeza, se sua presença não teria um efeito inibidor. Os homens tendem a ser mais reservados, contidos, quando há uma mulher presente, expressando-se menos livremente.
Um sorriso lento espalhou-se pelo rosto dela.
Agora que já a deixei tranquila a esse respeito, vamos voltar a atenção para outra coisa. Porque está ficando muito difícil concentrar-me com uma mulher nua no colo. Inclinou a cabeça para lamber um biquinho rosado, e sentiu-o endurecer.
Mas você não me contou o que pretende fazer disse, num vago protesto, sentindo o corpo corresponder à carícia do marido.
Pretendo enfiou a mão no meio de suas coxas fazer amor com você pelo resto da vida. E então sua boca cobriu a dela, abafando-lhe o gemido de prazer.
Na manhã seguinte, Chase fechou a porta do escritório, enquanto dava alguns telefonemas, depois saiu da Casa Grande atrás de Nate Moore. Encontrou-o no armazém, abastecendo sua pick-up. Quero que você, Ike e Slim me encontrem na porteira norte às duas da tarde. A escolha dos homens fora deliberada. Todos tinham acompanhado o pai dele quando fizera aquela visita à fazenda dos O'Rourkes.
O que há? O par astuto de olhos azuis demonstrava que já tinha adivinhado.
Vamos devolver aquela corda à pessoa que a deixou em volta do pescoço do cavalo amarelado declarou Chase. Não quero que Maggie saiba onde vou logo mais à tarde, portanto não espalhem.
A incerteza brilhou fugazmente na expressão do velho vaqueiro.
Chase, apoiei seu pai, mas...
Não havia calor no sorriso que lhe curvou a boca. Era gelado e sombrio.
Sei o que estou fazendo, Nate. Você vem comigo?
Que diabo, fui sua ama-seca desde que você tinha idade para laçar o seu primeiro bezerro. Claro que vou com você. Nate estava ofendido com a sugestão de Chase de que não o apoiaria. Só queria saber o que estava pretendendo.
Vai descobrir. Só não fique surpreso com coisa alguma que eu disser.
Pode contar comigo... com todos nós prometeu Nate.
Eu sei. Chase apertou o ombro do homem e depois se afastou.
Na hora do almoço, Chase indagou displicentemente sobre os planos de Maggie para a parte da tarde, e sugeriu que ela talvez gostasse de explorar a cavalo a extremidade sul da fazenda, manobrando a mulher para longe do lado norte, onde iria encontrar-se com os homens. Parte dele sabia que não era justo mantê-la na ignorância dos seus planos, mas era contra sua natureza envolvêla nisso. Chase via aquilo como seu problema e sua responsabilidade; sendo assim, cabia-lhe resolvê-lo. Não permitiria que outra pessoa o fizesse por ele, que dirá uma mulher, mesmo que fosse a sua mulher.
Quando deslizou para trás do volante de uma das pick-ups da fazenda para ir encontrar-se com Nate e os outros, viu Buck entrar no pátio da fazenda, puxando um reboque para cavalos. Ele parou diante do dispensário de primeiros-socorros e gabinete de veterinária e suprimentos. Provavelmente não lhe teria prestado muita atenção, se não tivesse notado que Ty era passageiro da pick-up. Foi até lá para ver qual era o problema. Quando os chamou, Buck alterou seu curso na direção da porta do dispensário e veio para junto da pick-up com seu andar gingado.
Com um olhar para Ty, que continuava junto à camioneta estacionada, Chase perguntou:
Algum problema? Ele está ferido?
O garoto? Não. Buck sacudiu a cabeça e puxou o chapéu para cima da testa. Só viemos buscar um pouco de remédio. Tem uma vaca doente no pasto norte que está precisando de cuidados. Pensei que devia mostrar ao garoto como é que se faz. Aquela terra é dura, irregular, portanto decidi que seria bom para ele conhecer a posição do terreno. Não está familiarizado com o setor norte. Seria terrível se o filho do patrão se perdesse disse Buck, com um amplo sorriso.
É verdade concordou Chase, com um sorriso seco e irónico. Tome cuidado para que ele não cruze nenhuma cerca limítrofe. Mantenha-o em terra Calder. Especialmente hoje, pensou, mas ficou calado.
Tudo bem concordou Buck.
Despedindo-se do amigo com uma saudação de um dedo só, Chase engrenou uma primeira e saiu do pátio da fazenda.
Quando os prédios estropiados da Shamrock apareceram, Chase os examinou. Tinha ouvido contar que o lugar estava caindo aos pedaços, mas não esperava que estivesse tão destruído e deserto, um local para os fantasmas viverem. Nate chegou seu cavalo mais para junto do de Chase, indicando com um gesto de cabeça o veículo estacionado no pátio cheio de ervas daninhas.
O'Rourke está com visitas.
Parecia esperar que Chase fosse parar, e estava quase parando o próprio cavalo.
É o que parece. Não diminuiu a andadura do seu cavalo, e o trio de cavaleiros da Triplo C seguiu, inseguro, sem saber que tudo estava saindo de acordo com o plano.
Quando entraram no pátio, Culley apareceu desafiadoramente para recebê-los. Estava pateticamente magro, as roupas pendendo frouxas no corpo esquelético. Os olhos verdes brilhavam nas órbitas fundas e escuras, cheios de ódio, e da loucura que o acompanhava. Chase fitou seu oponente e soube que não podia permitir que este homem deformado e malévolo continuasse solto por mais um dia.
Está invadindo propriedade particular, Calder! rosnou Culley. Tenho testemunhas. Indicou dois homens que se achavam nas sombras com um gesto lateral de cabeça, enquanto o olhar não se desviava de Chase. Vire-se e saia.
Chase olhou para os dois homens.
Xerife. Dr. Barlow. Cumprimentou os dois homens nominalmente, sem deixar transparecer que esperara encontrá-los ali. Seu olhar de pedra voltou-se para Culley. Abaixando-se, soltou a corda enrolada com o laço do carrasco e segurou-a frouxamente por um instante. Só vim devolver uma coisa que lhe pertence. Jogou a corda para Culley com uma torção do pulso. Caiu na poeira aos pés do cunhado. Você a deixou ao redor do pescoço do garanhão. Foi um descuido de sua parte, Culley. Devia tomar mais cuidado com sua propriedade.
O que o faz pensar que esta corda é minha? ironizou Culley. Nunca deixei nada na sua casa. A única coisa que você tem e que me pertence é minha irmã. E não sei nada de garanhão nenhum.
Mentiroso.
A provocação macia, de uma só palavra, fez Culley abespinhar-se. Por um segundo, Chase.pensou que aquele espantalho ia saltar sobre ele e rasgá-lo com as mãos nuas. Mas todo o seu humor se modificou num piscar de olhos. Culley riu silenciosamente dele com um amplo sorriso.
Não, Calder, não vai-me pegar como pegaram meu pai. Não vai-me provocar para admitir nada debochou, suavemente. Esta corda não é minha... e você não pode provar o contrário.
É aí que você se engana, Culley. O couro de sela gemeu quando Chase mudou de posição, debruçando-se para frente a fim de cruzar os braços no arção de sela. Não apenas posso provar, como já provei. Comparamos aquela corda de nylon que achamos no pescoço do garanhão que você enforcou com a corda de uma peça na cidade... corda da mesma peça de que Michels vendeu um pedaço para você no mês passado. Não é verdade, Nate? Dirigiu a pergunta ao capataz idoso, posicionado à retaguarda, na esquerda.
É verdade concordou Nate, como se soubesse do que Chase estava falando.
O olhar de Culley dardejava desesperadamente de Chase para o vaqueiro.
É mentira!
Quem está mentindo? desafiou Chase. Você não devia ter deixado a prova para trás. Não teve estômago para esperar que o cavalo acabasse de morrer para pegar sua corda?
Estou-lhe dizendo que não é a minha corda! insistiu, alucinado. Eu a tirei da sala de equipamentos! Não acha que sou tão burro que fosse usar a minha própria corda para enforcar aquele garanhão, acha?
Admito que você mostrou muito mais inteligência quando enrolou o arame farpado no pescoço daquele bezerro. Pareceria um acidente para quem não estivesse por dentro falou Chase.
Culley soltou um riso mudo de alegria maliciosa.
Sabia que você ia perceber meu recado... nove torcidifihas do arame.
O maxilar de Chase estava cerrado numa linha dura como pedra.
Um homem tem que estar doente para sair por aí enforcando animais. Os dois homens a pé tinham-se movido silenciosamente para junto do homem magro de cabelos negros, enquanto Chase falava. Não concorda, doutor?
A súbita inclusão dos dois espectadores na conversa pegou Culley de surpresa. No seu ódio por Chase, esquecera-se de que também eles estavam escutando o que era dito. Depois do primeiro olhar ao par que o ladeava, uma raiva violenta subiu pelo pescoço de Culley, deixando-lhe o rosto vermelho.
Você me preparou uma armadilha, seu filho da mãe! A denúncia raivosa chegou no instante em que Culley percebeu que tinha sido arrancada uma confissão de sua boca. Você sempre acha que é danado de esperto.
Não, você é que acha. Esse foi o seu erro, Culley replicou Chase.
Vai-se arrepender disto. O ódio, tão consistente e inabalável, começou a sacudi-lo ao mesmo tempo em que um ar complacente tomava conta de sua fisionomia. Por que fundamento vão deter-me? Destruição da propriedade dos Calders? debochou. Bem, então pode ser que eu tenha que pagar uma multa e passar alguns dias na cadeia. E daí?
Daí que... enquanto você estiver passando esses dias na cadeia, o xerife vai providenciar para que você seja submetido a um exame psiquiátrico. Você é perigoso demais para andar livre por aí. Vou certificar-me de que você seja trancafiado, Culley falou Chase antes que essa sua mente deformada fira alguém.
Não sou maluco. Não podem me prender.
Podem, e vão. Olhou naqueles olhos verdes insanos. Pessoalmente, tanto se me dá que joguem a chave fora e você apodreça no inferno. Portanto, fique muito feliz por ser irmão de Maggie.
O xerife se adiantou para tomar o braço de Culley e levá-lo embora.
Vamos indo, Culley.
O homem fez uma breve tentativa para afastar a mão no seu braço, mas o Dr. Barlow se aproximou, sua influência benigna acalmando a rebelião.
Você precisa de ajuda e de algum tempo para descansar disse o médico. Vamos providenciar para que receba isso.
Culley ficou firme por um minuto, sem resistir, mas sem se deixar levar. Sua risada semidemente subiu a escala, enquanto fitava Chase.
Deixei você morrendo de medo, não foi? Agora pensa que, livrando-se de mim, tudo vai acabar. A risada de novo.
Aposto com você que antes do fim dessa semana o seu filho estará morto. Quem sabe está morrendo justo agora, enquanto você está aqui. Eu gostaria muito disso.
Um fogo gélido ardeu dentro de Chase, enquanto toda a misericórdia o abandonava, apagando a imagem conciliadora de Maggie de sua mente. Com fria determinação, levou o seu cavalo para junto do homem, virando o seu focinho até ficar olhando direto para o rosto do seu atormentador.
Quem está metido nisso com você? O brilho áspero do olhar era implacável, e a pergunta suave o bastante para ser perigosa. Uma ameaça fora feita contra a vida do seu filho. Não ficaria sem resposta.
Você não gostaria de saber? Culley replicou, com um ar complacente e debochado. Não gostaria de saber quem colocou aquele laço do carrasco em sua escrivaninha? Acho que ele o odeia quase tanto quanto eu.
É o Tucker? Quem? O cavalo dele se aproximou mais, sacudindo a cabeça ante a tensão do cavaleiro.
Aquele traidor cagão? Continue adivinhando. Culley estava curtindo o medo raivoso que seu comentário despertara.
Quem sabe eu confirme quando você acertar.
Os lábios desapareceram na linha apertada da boca.
Por Deus, você vai-me dizer o nome nem que eu tenha que enfiar a mão por sua garganta e arrancá-lo! Um brilho de satisfação apareceu nos olhos de Culley, e Chase percebeu que não ia obter a resposta usando a força. Com esforço, controlou a cólera e recuou, mudando de tática. É tudo mentira, não é? Você não tem um parceiro nessa história. Ninguém seria idiota o bastante para se unir a um homem mentalmente desequilibrado. Não sei por que estou perdendo tempo ouvindo um lunático furioso como você.
Enquanto fechava a porteira leste para o pasto norte, Maggie olhou de novo para a pick-up e o reboque para cavalos vazio estacionados ao longo da estrada da fazenda. Virando-se na sela, examinou o terreno ondulante em busca de um sinal dos ocupantes da pick-up. A essa distância da Casa Grande, a presença dela despertaria perguntas se fosse vista por algum cavaleiro da Triplo C. Preferia que Chase não descobrisse que ela ia fazer um último apelo a Culley para acabar com essa tentativa de aterrorizá-los.
O céu interminável se estendia sobre as planícies agrestes, onde não se via outro cavaleiro, além dela mesma. Esporeara o cavalo a um meio galope, virando para o norte na direção da fronteira da Shamrock. Sentava-se na sela com uma segurança nata, uma extensão esguia do cavalo. Seus lábios ostentavam uma linha firme, havia autoconfiança no modo como erguia a cabeça, uma retidão na atitude.
Durante tanto tempo vivera com a incerteza, cheia de perguntas sobre o que o amanhã traria, amparando-se na força de Chase. Aquilo era contra sua natureza. Com a decisão matinal de enfrentar o irmão e ir contra ele, toda a sua antiga autoconfiança retornara. Era um alívio não ter que fugir das sombras imponentes da realidade. Ela e Chase sobreviveriam a isso... ou não, mas sua resolução de trazer a situação a um clímax não estava vacilante. Era serena e forte; a terra entranhara nela essas qualidades, como as entranhara em Chase. Havia problemas à frente e ela tinha que enfrentá-los cara a cara, sem se apoiar no marido.
A porteira para o pasto cercado já não estava mais à vista. À sua esquerda, uma vaca mugiu enquanto Maggie marginava o topo de uma colina. Lançou um olhar na direção do som, diminuindo automaticamente a andadura do cavalo para um trote. Um movimento chamou sua atenção, quando uma vaca saiu do meio de um bosque de salgueiros e correu pelo prado relvado com um bezerro ao lado. O olhar dela buscou a causa da fuga apressada da vaca, e Maggie notou os dois cavalos selados parados à sombra das árvores. Levou mais um segundo para ver dois cavaleiros a pé e reconhecer Ty como um deles. Por conta própria, o cavalo dela passou a andar a passo, enquanto ela via o filho guardar alguma coisa num dos alforges. O segundo cavaleiro veio por trás dele e levantou o braço, baixando-o repentinamente. No que parecia ser câmara lenta, Ty caiu para frente de encontro a seu cavalo; depois as pernas cederam e ele desabou ao chão. Aos poucos ela se deu conta de que ele fora atingido na cabeça, e estava inconsciente.
A reação de Maggie foi instantânea. Esporeou o cavalo e mudou o seu rumo para o pequeno bosque. Sua cólera estava a todo o vapor. O ribombar dos cascos do cavalo fez a cabeça do vaqueiro se virar na sua direção. Ele tinha agarrado os pés de Ty e começara a arrastá-lo. Então, viu-a e parou, ficando ereto. Adiantou-se para segurar a brida do cavalo, quando ele freou e Maggie saltou da sela.
Chegou bem no momento exato, Maggie. Ty caiu e bateu com a cabeça explicou Buck Haskell, com um ar ansioso de preocupação. Eu estava tentando colocá-lo na sela. Você pode me dar uma mão.
Ele não caiu! Você bateu na cabeça dele! acusou ela, numa explosão de raiva. Eu vi! Começou a passar por ele para ir cuidar do filho, mas ele prendeu-lhe os braços para detêla. Os olhos verdes dela lançaram-lhe um olhar mortífero. Tire as mãos de cima de mim! Essa estupidez já foi longe demais! E não estou ligando a mínima para os motivos dela!
Tentou livrar-se do aperto dele com uma torção irada dos ombros, mas ele a segurou com mais força. A expressão despreocupada que geralmente mascarava o rosto de Buck o abandonou. No seu lugar, Maggie viu uma astúcia mortal nos olhos azuis. Os instintos primitivos dela reconheceram a presença do perigo.
Quer dizer que você me viu bater nele. O sorriso frio dele deixou-a gelada, e ela parou de se debater. Nesse caso, vou ter que apressar o meu cronograma e me livrar dos dois ao mesmo tempo.
Do que está falando? Até aquele momento, estava pronta a considerar o incidente como outro trote imbecil. Um arrepio gelado dançou-lhe pelo sangue, quando percebeu que era diferente.
Bem, eu ia esperar umas duas semanas antes de providenciar o seu desaparecimento. Você ia ficar tão abalada com a morte do seu filho que ia sumir no mundo, sem deixar rastro. O sorriso dele ficou ameaçador, frio e calculista.
O olhar dela se dirigiu para o filho inconsciente.
Ty começou, depois sentiu um tremor de alívio ao perceber o arfar do peito do rapaz. Ele estava vivo.
Não, ele ainda não está morto. Buck acompanhou os seus pensamentos. O moleque da cidade vai ficar com o pé preso no estribo, quando o seu cavalo se assustar com uma cascavel. Eu vou fazer o impossível para ajudá-lo, mas ele vai ser arrastado até a morte antes que eu consiga alcançar o seu cavalo. Adotou um ar simulado de pesar e angústia. Direi a Chase que foi tudo minha culpa, e me lamentarei por não ter podido salvá-lo. Chorarei e implorarei o seu perdão, direi como me sinto péssimo.
Maggie sentiu o medo enroscar-lhe o estômago. Quase podia ver a cena que ele estava descrevendo. Não importa quão grande fosse sua dor, Chase jamais culparia Buck... jamais adivinharia.
Agora não vai conseguir. Eu estou sabendo, portanto não vai dar certo.
Vai dar certo insistiu, cheio de confiança. Admito que pode ficar um tanto suspeito você desaparecer no mesmo dia em que seu filho é morto num acidente na fazenda. Porém, mesmo se suspeitarem de algo podre, Chase vai pôr a culpa no maluco do seu irmão. Você nunca devia ter voltado, Maggie.
Por quê? Por que quer nos matar? Lutou contra o aperto das mãos dele, tentando recuar, enquanto buscava um motivo no rosto dele.
Porque a Triplo C ia ser minha. Se você não tivesse voltado, Chase me teria feito o seu herdeiro, deixando para mim o controle da fazenda... como devia ter sido desde o início. Eu já o tinha convencido disso, quando você apareceu com esse bastardo.
O lábio superior do homem tremia, e ele quase rosnava de ódio. Com um empurrão brutal, levou-a para junto do seu cavalo amarrado. Havia uma corda enrolada presa no arção dianteiro da sela. Antes que Maggie pudesse recuperar completamente o equilíbrio e fugir dele, já tinha agarrado a corda e passado o laço nos pulsos dela, apertando-o bem e amarrando-lhe as mãos. O impulso de lutar contra ele veio à tona, mas foi imediatamente abafado pela visão de Ty mexendo-se atrás dele. Sua prioridade se modificou e ela se submeteu sem luta a fim de manter Buck distraído, enquanto Ty recobrava a consciência.
Você é o responsável pela morte do garanhão e do bezerro, não é? acusou, para mantê-lo falando e cobrir qualquer som que Ty pudesse fazer enquanto recobrava a consciência.
Não. Sorriu para ela, puxando bem a corda até que lhe penetrou na carne. A visita do seu irmão na noite do seu casamento provou ser oportuna. Descobrimos que ambos queríamos a mesma coisa, enquanto eu o "acompanhava" para fora da fazenda.
Isso é mentira negou ela. Culley não está interessado em ser dono da Triplo C.
Digamos que ambos queremos ver Chase morto e enterrado. Apenas temos motivos diferentes para desejar a mesma coisa. Seu irmão quer ver todos os Calders eliminados da face da terra, e eu quero a fazenda. Primeiro, queríamos nos divertir um pouco com ele, fazê-lo sofrer debochou. Chase ficou um bocado abalado, quando viu aquele garanhão do pai dele enforcado na viga do estábulo. Seu irmão mal pode esperar pelo dia em que possa enforcar Chase e dizer que foi suicídio. Culley me contou sobre seu pai, e como ele morreu. É justiça poética que Chase morra do mesmo jeito.
Não acredito. Viu o braço de Ty mover-se aos arrancos, subindo na direção da cabeça, enquanto o rapaz começava a voltar a si. Falou mais alto, tentando dar um aviso ao filho. Você planeja matar Ty e me matar. E espera que eu acredite que meu irmão aprova isso?
Seu irmão não sabe dos meus planos a seu respeito. Vai pensar que você desapareceu, como todo o mundo. Ou então vai imaginar que Chase a matou. Ninguém vai descobrir o seu corpo. Você vai simplesmente sumir sem deixar vestígios. Para Culley não importa que o guri seja seu sobrinho. É um Calder, em primeiro lugar.
Não ousava olhar para Ty e possivelmente chamar a atenção de Buck para ele. Com o canto dos olhos, notou que o rapaz estava-se pondo de pé, cuidadosamente, fazendo o mínimo de barulho possível. A pulsação dela estava disparada. Temia que ele fosse fazer alguma bobagem, como tentar dominar Buck e libertá-la. Fez uma tentativa de enviar sutilmente um recado para Ty.
Não vai conseguir, Buck. Chase vai descobrir, de alguma forma. Alguém lhe irá contar, irá avisá-lo, de alguma maneira
insistiu, e Ty hesitou, parado junto ao cavalo selado.
Buck franziu o cenho.
E quem lhe contaria? Ninguém sabe. Você é tão biruta quanto seu irmão.
Você é que é o maluco, se acha que não vai ser apanhado.
Quando Ty colocou seu peso no estribo, o couro da sela rangeu. Instantaneamente alerta, Buck virou-se na direção do som. Por um segundo de indecisão, Ty ficou imóvel na sela. Maggie jogou-se em cima de Buck, embolando as pernas com as dele para levar a ambos ao chão. Vá, Ty! Vá buscar ajuda! berrou, e teve uma visão dele esporeando o cavalo para longe deles antes que Buck a chutasse para afastá-la de si. Com um gemido de dor, saiu rolando de cima do homem, enquanto ele se punha de pé. Buck deu um passo na direção do cavalo e cavaleiro fugitivos, que já iam em disparada, aumentando cada vez mais a distância que os separava, depois correu para sua sela para tirar o fuzil da bainha de couro. Buck olhou para seu alvo, mas não se deu ao trabalho de levar o fuzil ao ombro.
Lançou a Maggie um olhar sombrio e zombeteiro, enquanto ela se punha de pé, com dificuldade, devido aos pulsos amarrados.
Foi uma bela tentativa, Maggie, mas você apenas adiou o inevitável. O garoto não vai achar nenhuma ajuda debochou não naquela direção. Com o coração pesado, Maggie percebeu que cavalo e cavaleiro estavam disparando para o norte. Daqui a dez minutos estará perdido. Não terei trabalho em encontrá-lo. Isso apenas modifica a ordem das coisas. A pessoa tem que ser flexível. Vou fazer o contrário... primeiro me livro de você, depois saio no encalço do garoto. O resultado é o mesmo.
A menos de cinco quilómetros da cena, a visão de uma barreira de choupos-do-canadá e salgueiros forçou Ty a frear seu arquejante cavalo. Por entre os galhos cheios de folhas, percebeu o brilho do Sol refletido na superfície lisa da água e deu-se conta de que estava perdido. Não tinham cruzado nenhum rio.
Eram três horas, e sua sombra jazia sobre a grama à sua direita. A descoberta de que cavalgara incorretamente para o norte trouxe-lhe um gemido de desespero à garganta. A pick-up estava a leste... a pick-up com seu rádio faixa-cídadão e o fuzil no suporte da janela de trás. Girou o cavalo para a direita para colocar o Sol às suas costas e esporeou-o para um galope relutante.
Ouviu o barulho da água espadanando, seguido pelo grunhido dos cavalos que escalavam a margem, o gemido do couro de sela e o tinir das correntes da brida. Ty quase soltou um grito de alívio em voz alta, quando viu o quarteto de cavaleiros aparecer galopando, com o pai na vanguarda. Seu grito rouco fê-los parar, os cavalos pinoteando excitados quando o rapaz se aproximou.
Onde está Buck? A pergunta do pai era urgente e ansiosa.
Ty fez um gesto na direção do sul.
Ele está com mamãe. Vai matá-la, acho.
E explicou apressadamente o pouco que escutara e notou como o pai parecia branco por baixo das camadas de bronzeado. No entanto, não pareceu ficar surpreso com as informações.
Mostre-nos onde os deixou ordenou Chase. Soltou a aba da bainha de couro e tirou de lá seu fuzil. O trio de cavaleiros o imitou.
O coração de Maggie batia com força dentro do peito, mas estava pensando com clareza. Quanto mais tempo desse a Ty para fugir, mais demoraria para Buck achá-lo, o que aumentava as chances de que alguém da fazenda aparecesse por acaso. Já não se ouviam mais os cascos galopantes do cavalo de Ty, quando ela ergueu o olhar da boca do fuzil nas mãos de Buck. Tinha que mantê-lo falando.
Não vai dar certo. Você vai cometer um erro, em algum lugar. Veja só quanta coisa já deu errado. Nada está-se passando como planejou. Tentou abalar a confiança dele, fazê-lo hesitar.
Já fui longe demais para recuar agora. Deu de ombros e o cano do fuzil desviou-se dela. Sei como cobrir meus rastros.
Quando Chase descobrir que sumi, vai virar esse lugar de pernas para o ar à minha procura. Como pode ter certeza de que não haverá por aqui alguma coisa de meu que seria uma prova incriminadora? O chapéu dela estava no chão, derrubado quando caíra ao chão carregando Buck. Tem certeza absoluta de que pode apagar todos os vestígios?
Com o fuzil apoiado na curva do braço, a boca apontando para o chão, Buck apanhou o chapéu do solo e foi até ela, colocando-o na sua cabeça.
Seria como tentar encontrar uma agulha num palheiro.
Como vai-se livrar do meu cadáver para que ninguém o encontre? Falava com naturalidade, sem deixar que a imaginação se apegasse ao fato. O seu tempo está-se esgotando, Buck. Se abrir uma cova rasa, corre o risco de que algum coiote a descubra. Meus ossos serão encontrados, mais cedo ou mais tarde, e as pessoas vão começar a somar dois mais dois, e o resultado será o seu nome.
Mas ele apenas sorriu.
Não vou cavar nenhuma sepultura para você. Simplesmente vou jogar seu corpo no rio. Inclinou a cabeça para o lado, a atitude complacente e zombeteira. O gás faz o corpo boiar. Sabia? As entranhas ficam todas intumescidas, fazendo com que ele flutue. Quando estive na prisão, meu companheiro de cela era um mestiço Arapaho. Foi ele que me contou isso, e falou que a gente podia evitar que um morto boiasse, se lhe retirasse as entranhas e enchesse o corpo de pedras. Parou, depois comentou: Está um tanto pálida, Maggie. Admito que seja uma ideia terrível, mas é eficaz, muito eficaz.
Você está maluco. Ela deu um passo atrás, recuando num gesto cauteloso e lutando contra os tremores que a acometiam.
A expressão dele ficou assustadora.
Pode pensar que estou maluco, mas não vão-me tomar esta fazenda. Devia ter sido minha desde o começo. Sou melhor vaqueiro, melhor cavaleiro e laçador. Sou melhor do que Chase em qualquer aspecto. Minha mãe, meus avós... meus antepassados, foi o suor e o sangue deles que construiu esta fazenda. Eu mereço estar à frente dela. E meu direito, mais do que de qualquer outro! Foi pegar as rédeas soltas do cavalo de Maggie, que pastava. Fez um gesto impaciente na direção dela. Monte no cavalo.
Não. Ela recuou mais um passo. Não irei com você por bem. E se me matar aqui terá que me carregar até o rio. Como irá explicar o sangue na sela?
Escute aqui, sua vaca... Buck deu um passo na sua direção no exato momento em que o cavalo dela erguia a cabeça e soltava um relincho para a direita.
Chase! gritou Maggie. Ela o viu aparecer no topo irregular de uma colina e descer a encosta à frente de um bando de cavaleiros. A moça começou a correr, desajeitadamente, a coordenação atrapalhada pelas mãos amarradas à frente.
Mal correra um metro, quando foi agarrada pelos cabelos e forçada a parar. Um braço se enganchou no pescoço dela, semiengasgando-a, as pontas das botas mal tocando o solo. Seu corpo fazia as vezes de escudo para Buck, o cano do fuzil deitado diagonalmente na frente, a boca apontada para sua cabeça.
Pode ir parando, Chase! Buck berrou a ordem. Aí está bom!
Chase freou bruscamente o cavalo, os outros cavaleiros espalhando-se às suas costas.
Solte-a, Buck. Você não tem chance, contra todos nós. Os dedos dela enterravam-se no braço de Buck, lutando para
aliviar a pressão estranguladora na garganta. Eles eram muitos. Era impossível para Buck aproveitar qualquer parte do seu plano agora. Podia sentir seu desespero transformando-se em pânico.
Jogue fora o fuzil! gritou Buck. O baio cor de sangue mexia-se nervosamente sob Chase, enquanto este apertava mais o fuzil, com uma só mão, e calculava suas chances, mas o risco era grande demais para Maggie. Jogou-o na grama alta. Diga a Nate e aos outros para largarem os deles.
Façam o que ele diz resmungou Chase, em voz baixa, e saltou da sela pelo lado direito, pisando no chão sem desfitar Buck um só minuto. Às suas costas, ouviu o barulho dos fuzis caindo ao chão. É a mim que você quer, Buck, portanto, solte-a.
Se eu a soltar, é o meu fim. Nós dois sabemos disso. Ela é o meu salvo-conduto, agora.
Chase caminhou firmemente na direção deles, cada passada longa diminuindo a distância. No azul da sua camisa de cambraia de algodão apareciam manchas de suor. Os cantos da boca estavam virados para dentro. Havia um ar de quietude nele, de contenção, de fúria gelada mantida sob controle.
O que você quer, Buck? interpelou Chase, num tom de voz sem emoção. Eu? Dinheiro? Um salvo-conduto para fora daqui? Diga qual o seu preço para a libertação de Maggie.
Pare aí! Foi como um latido nervoso, que fez Chase parar a três metros de distância. Não sou nenhum idiota, Chase. Você não cumpriria promessa alguma, depois que eu soltasse Maggie.
Dou-lhe minha palavra de que aceitarei os seus termos. E então a voz dele ressoou de algum lugar lá dentro, profundo e escuro. Mas, juro por Deus que, se a machucar, não conseguirá fugir para onde eu não o alcance. E também lhe dou a minha palavra quanto a isso.
O braço relaxou de encontro à garganta, e os pés dela pousaram completamente no chão de novo. Buck estava ofegando, um animal encurralado sem ter onde se esconder. Com o canto dos olhos Maggie viu que ele lambia os lábios, nervosamente, pensando... o tempo todo, pensando.
E se eu dissesse que você podia ter Maggie se passasse a Triplo C para meu nome? Ela vale tanto para você? Buck quis saber. Você me daria a fazenda em troca dela?
Sim. Chase estava completamente imóvel, os músculos preparados para uma abertura... qualquer abertura.
Buck soltou o braço do pescoço dela e Maggie tentou dar um passo para longe dele, pretendendo deixar de servir-lhe como escudo. A mão de Buck fechou-se sobre o braço dela, mantendo-a a seu lado.
Vai ficar aqui mesmo, comigo ordenou. Depois acrescentou, em tom ameaçador: Faça um só movimento para fugir e eu atiro nele. Se fosse você não faria nada para me deixar nervoso, porque não me custa nada matá-lo.
Acreditou nele. A esta altura, não tinha nada a perder. Mataria a todos se achasse que poderia safar-se. Ficou parada rigidamente ao lado dele, o coração pendendo para Chase, tão perto, e no entanto tão longe.
Passarei a fazenda para o seu nome, no minuto em que você soltar Maggie, Buck repetiu Chase.
Você a quer mesmo de verdade, hem? zombou Buck. Acha mesmo que ela vale tanto, ou só está-me gozando?
Dou-lhe a minha palavra. A promessa saiu entredentes.
Não confio em você, Chase. Buck recuou das condições que estipulara, duvidando que fossem ser cumpridas. Havia falhas demais, repercussões demais. Chase jamais deixaria que ele fosse em frente com o que estava tentando. Mas não pôde deixar de imaginar até onde Chase iria, até onde poderia forçá-lo a ir. Se quiser Maggie, terá que me implorar. Fique de joelhos, Chase. Os lábios de Maggie se entreabriram num grito silencioso, ante a exigência. Buck queria que Chase rastejasse a seus pés, queria despi-lo do seu orgulho, fazê-lo humilhar-se diante da mulher, do filho e dos veteranos da Triplo C. Ela olhou para Chase, sua mente dardejando para uma época em que desejara vê-lo de joelhos implorando misericórdia.
Uma raiva violenta varreu o rosto de Chase e vibrou por seu corpo. Uma ardência crua queimava suas entranhas, arranhando-lhe a garganta. Um estrondo alto ecoava-lhe nos ouvidos. Delineado contra o azul vivo do céu, ele era o poder nesse torrão, mas estava totalmente indefeso.
De joelhos, Calder! Buck enunciava cada palavra claramente e com precisão zombeteira. Se quer Maggie, então implore!
A angústia estava estampada nos olhos castanhos. Chase oscilou e colocou um joelho no chão, os dentes expostos pelo esforço. Naquele instante de choque, Maggie soube que não suportaria se Chase largasse tudo por ela. Este abandono de poder e força viveria para sempre na lembrança deles. Não importa o quanto a amasse, Chase se odiaria pelo resto da vida pela rendição do seu amor-próprio. Era um sacrifício feio que acabaria por separá-los de vez.
Chase! Não! Não faça isso! gritou o protesto para impedi-lo de pousar os dois joelhos no chão diante de Buck.
Instintivamente, ela debruçou-se para frente. Buck puxou-a de volta, com brutalidade, xingando-a, enquanto a esbofeteava na boca com as costas da mão. O golpe lançou-a cambaleante para trás, e a mulher caiu pesadamente ao solo. Ouviu-se o som de um rugido como o de um touro atacando, seguido pelo grito espantado de Buck. Quando Maggie olhou para trás, Chase estava partindo para cima de Buck. A explosão do tiro de fuzil ensurdeceu-a, e ela soltou um grito ao ver Chase se crispar. Porém ele continuava vindo, direto em cima do fuzil, derrubando a arma e socando Buck. Enquanto ela lutava para se levantar, viu Buck cair. E então Chase estava lá, pondo-a de pé, meio que carregando e meio que protegendo-a enquanto a empurrava para a segurança em meio a uma chuva de balas que levantavam nuvens de pó. Atordoada pela confusão de gritos abafados e disparos, ela levou um segundo para se dar conta de que os homens tinham recuperado os seus fuzis e estavam enchendo o terreno com balas para cobrir a fuga deles.
Encontraram abrigo num aluvião vazio, formado pela erosão da terra ao longo de séculos de chuva. Entraram nele, meio que escorregando e meio que caindo na ravina rasa, e pararam para descansar contra a proteção da margem. Ante o grunhido abafado de dor de Chase, Maggie virou o rosto para olhar para ele. Tinha as feições contorcidas numa careta enquanto embolava o lenço vermelho que tirara do bolso e o apertava de encontro à crescente mancha vermelha do seu lado direito.
Está ferido! Ela se adiantou para investigar a gravidade do ferimento.
Tudo bem insistiu ele, com voz tensa. A bala resvalou nas costelas, provavelmente quebrou uma ou duas. Ele não teve tempo de mirar, mas seria preciso mais do que uma bala para me impedir de chegar até você. Chase fez uma careta enquanto ela aplicava pressão à ferida para estancar o fluxo de sangue.
Buck, ele está... Os disparos de fuzil continuavam a pontuar o ar da tarde.
Conseguiu chegar até as árvores. Eu vi. Os rapazes cuidarão dele. Chase olhou em derredor, procurando orientar-se. Agora, o que estou querendo é tirá-la do meio do perigo. Esta ravina contorna a colina. Iremos dar em algum lugar por trás dos rapazes.
Ty... lembrou ela.
Não se preocupe. Nate cuidará dele.
Como foi que ele o encontrou? O coração dela estava começando a bater mais normalmente. Tirou a blusa para fora da cintura do jeans e rasgou uma tira da fralda para fazer uma atadura, em substituição ao lenço dele na ferida.
Seu irmão acabara de nos contar que Buck estava metido nisso com ele. Estávamos voltando da casa dele. Leu a pergunta ansiosa no olhar dela e deu um débil sorriso. O Dr. Barlow vai levar Culley para um hospital particular de doenças mentais, onde poderá ser tratado.
Obrigada murmurou, e baixou os olhos, sem conseguir expressar sua gratidão por ele ter não apenas poupado o irmão, mas também providenciado ajuda médica para ele.
Maggie. A insistência suave da voz de Chase deteve a mão dela que levava o pedaço de fazenda dobrado até o ferimento do marido. A mão esquerda dele segurou-lhe o rosto, fazendo-a olhar para cima. A gratidão profunda nos olhos dele era inexprimível e ela compreendeu-lhe a causa.
Jamais poderia olhá-lo novamente, Chase, se você tivesse ficado de joelhos por minha causa. Isso nos teria destruído. Você não devia ter deixado que ele...
Foi só num joelho, Maggie lembrou-lhe, sem desviar os olhos dos dela; uma fome por todas as coisas inexprimíveis que a vida tinha a lhes oferecer achava-se nos olhos dele. Ela deu-lhe um beijo ardente na boca, acalmando essa necessidade momentaneamente. Endireitou o corpo e tirou a mão ensanguentada dele do ferimento, colocando sobre ele a atadura da mão dela e se pôs de pé, com dificuldade. Vamos indo.
Com Maggie na frente, ambos acompanharam o curso sinuoso e cheio de cascalho da ravina, indo bem abaixados para tirar toda a vantagem daquela proteção. Ocasionalmente ouviam sons que indicavam que os cavaleiros ainda caçavam sua presa. O terreno acima do aluvião ficou mais irregular, um emaranhado de rochas e vegetação.
Um farfalhar do capim na margem acima deles foi o único aviso antecipado que tiveram. Ambos se viraram quando Buck saltou para o leito da ravina. O olhar espantado dele revelou que não tinha conhecimento de que o casal estava ali. Tentou girar o cano do fuzil, porém Chase reagiu com mais rapidez. Com um golpe do braço tirou a arma da mão de Buck e atingiu-o no peito com o ombro, levando-o ao chão com o peso do corpo. Buck recobrou-se instantaneamente, levantando os joelhos e enfiando-os nas costelas de Chase. A dor explodiu, fazendo Chase rolar para o lado, enquanto Maggie corria para pegar o fuzil.
Alcançando-o, a mulher imediatamente colocou uma bala na câmara e levou-o ao ombro. Enquanto mirava seu alvo, enxergava o rosto imóvel e chocado de Buck, imobilizado por esta visão da morte, o eterno coiote esgueirando-se pelas sombras escuras da vida.
Uma mão ergueu o cano do fuzil para o alto e tirou-o das mãos dela.
Não, Maggie. Chase estava parado diante dela. Antes que Buck pudesse tentar fugir, dois cavaleiros pararam suas montarias na orla da ravina, cobrindo-o com suas armas. Ela olhou para Chase, meio intrigada pelo fato de ele a ter detido. Dentro da severidade de sua expressão, havia a dor da tristeza. Ele é o mais perto que cheguei de ter um irmão explicou Chase suavemente.
Havia poupado o irmão dela, a quem ela amava a despeito de tudo, e estava pedindo o mesmo para si. Com um grito abafado, jogou-se nos braços dele, envolvendo-lhe os ombros com os seus braços e apertando o corpo junto ao dele. O rosto dela estava enterrado na sua camisa, enquanto ele movia a mão mais uma vez para fazer pressão na ferida. Maggie sentiu o roçar dos lábios dele contra os seus cabelos e estremeceu de alívio. Ouviu Ty perguntando:
Mamãe está bem?
Está. Estamos ambos bem respondeu Chase.
Um céu de promessa, Um céu tão imponente,
Este céu que leva A marca dos Calders.
Janet Dailey
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