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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


OS MEIRINHOS / Martins Pena
OS MEIRINHOS / Martins Pena

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                   

 

 

Martins Pena

 

 

 

 

PERSONAGENS: MANUEL PIABA JOÃO PATAQUINHA (meirinhos) JOSÉ PATUSCO COIÓ CHEM-CHEM (dono de bilhar) FRÓIS FIGUEIRAS. FLORÊNCIO (rico negociante) JÚLIA (sua filha) AUGUSTO (amante de Júlia) MARIA NAVALHA (mulher de Manuel) Jogadores de bilhar.
ATO ÚNICO


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CENA I O teatro, na antecena, representa uma sala... Portas laterais, mesas de um e outro lado; no fundo, três portas que deitam para outra sala, onde se vê um bilhar em que jogam diferentes pessoas, e outras sentadas em bancos ao redor, diversamente vestidas — tudo como se observa nessas casas de jogo. Nota: Durante a representação jogam bilhar, com as modificações que vão marcadas.
 
(Manuel e João Pataquinha, sentado à mesa da esquerda, escrevendo; Manuel Piaba, sentado à direita, bebendo. Na sala de bilhar jogam)
 
JOÃO (escrevendo)  "...que tão injustamente lhe foi dilapidada, pertencendo-lhe estas propriedades como em juízo mostrara. Portanto pede a vossa senhoria se digne mandar citar o suplicado para comparecer na primeira audiência desde Juízo, E.P.M. Citei ao suplicado hoje, 20 de junho de 1945, do que dou fé e passei esta por me ser pedida. Rio de Janeiro, 20 de junho de 1945, do que dou fé e passei esta por me ser pedida. Rio de Janeiro, 20 de junho de 1945. João da Assunção Amor Divino, oficial de justiça de Juízo Municipal." (Falando) — Está pronta a contrafé... Bom, tenho os meus dez tostões ganhos. Vai bem o dia... (Chamando) Manuel Piaba?
 
MANUEL O que queres, João Pataquinha?
 
JOÃO Que horas são?
 
MANUEL Não sei.
 
JOÃO O teu relógio?
 
MANUEL Empenhei-o antes de ontem na Rua da Cadeia por quatro mil-réis, e desta enormíssima quantia estou bebendo os últimos vinténs... (Olhando para a garrafa) — Quero dizer, já bebi... 
 
JOÃO Estás com a onça?
 
MANUEL O que queres? Deus pôs o homem no mundo para beber e comer; é preceito católico. Enquanto há, bebe-se; quando não há, bebe-se ainda e come-se dos amigos. Para isso é que se inventaram os amigos.
 
JOÃO Queres tu jogar uma mãozinha de trinta-e-um?
 
MANUEL Vá feito. (Levantando-se) — Mas olha que eu estou na disgra, e quando jogo secam-se as goelas de modo que temo ficar danado...
 
JOÃO (chamando)  Ó ócio?
 
MAUNEL  Pagas?
 
JOÃO Pago.
 
MANUEL Bravíssimo, venham as cartas.
 
JOÃO (chamando)  O Chem-Chem do diabo?
 
CHEM-CHEM (na outra sala)  O que é lá?
 
JOÃO  Vem cá... Aqui estão as cartas. (Tira da algibeira da casaca um baralho de cartas muito sujo) Embaralha tu. 
 
(Entra Chem-Chem)
 
CHEM-CHEM Tu é que me chamaste, Piaba?
 
MANUEL Não, foi João Pataquinha.
 
JOÃO Manda-me uma garrafa da branca.
 
MANUEL Sim, sim, da branca, que é mais fresca e corroborante.
 
CHEM-CHEM Já vem... (Sai)
 
MANUEL A real o tento?
 
JOÃO Sim... anda...
 
MANUEL (dando as cartas)  Três e três... o diabo que te fez... estás para mim doce... muito bem... é trunfo... às de copas... joga lá... que és a mão... 
 
CHEM-CHEM (entrando com uma garrafa)  Aqui está. 
 
MANUEL Ora venha esse godório da bela bicuíba... 
 
CHEM-CHEM Não querem mais nada? 
 
JOÃO Não. 
 
(Chem-Chem sai)
 
MANUEL (deitando aguardente no corpo)  Nada no mundo põe o homem com ideias mais claras do que um pingo de filosofia... à tua... (Bebe)
 
JOÃO (bebendo)  Para que vivas mil anos.
 
MANUEL (depois de beber, cantando) 
 
Ora deem-me da branca, senão desmaio; ora deem-me da branca, senão desmaio. (Falando) Querida beladona, milagrosa senhora!
 
JOÃO (jogando)  Joga.
 
MANUEL Espera, que a sobredita cuja ficou-me atravessada nas goelas; é preciso empurrá-la. (Deitando aguardente no corpo)
 
JOÃO Acabarás por ficar bêbado... E assim é que um indivíduo só como tu desacredita um corporação; encontram-te moafa na rua, e depois dizem — Todos os meirinhos são assim! — sem fazerem diferença dos bons e maus.
 
MANUEL Quem, eu? Bêbado! Com este néctar brasileiro? (Bebendo) Isto dá Juízo, a filosofia do Juízo. Ah, que pinga! E viva a pátria! Vamos. (Jogam) É tua, joga. Ah, sô pinote, esta agora é do meco... Não podes comigo... Toma lá esta para teu sabão.
 
JOÃO E esta para teu tabaco... Disto não pescas...E esta vai quentinha... paus nos dias maus...
 
MANUEL E carapaus, é minha... 
 
JOÃO Para cá vens de carrinho... 
 
MANUEL Chupa mais esta. (Jogando com entusiasmo) 
 
JOÃO Ai que conheces a força dos pastéis de nata. 
 
MANUEL E a mana é nata?
 
VOZES (dentro, na sala de bilhar)  Bravo a carambola, bravo! Ganhou, ganhou! Bravíssimo, bem jogando!
 
JOSÉ Não foi carambola!
 
VOZES  Foi, foi! Não foi!
 
JOSÉ Arrastou o taco, é ladroeira!
 
VOZES É ladroeira! Não é! Ladrão será ele!
 
MANUEL Que diabo é lá isso?
 
VOZES (dentro, gritando)  Vinte e cinco pontos! Roubados! Perdeu! Ganhou! Ladrão! Patife! 
 
(Confusão na sala de bilhar, e os jogadores jogam às bordoadas com os tacos. José grita como desesperado, e Chem-Chem esforça-se para apaziguar a contenda)
 
JOÃO Pegaram-se.
 
MANUEL É o diabo do José Patusco.
 
JOÃO (chamando) 
 
Ó Patusco?
 
MANUEL Ó José Patusco? Ó maluco do diabo, vem cá.
 
 
CENA II Entra José Patusco, trazendo ainda o taco na mão.
 
JOSÉ (entrando)  Cambada, corja!
 
MANUEL O que foi isso lá?
 
JOSÉ O que havia ser? O patife do Antônio Pé-Pé que arrastou o taco assim e fez uma carambola. Qual carambola! Para ganhar-me Ladrão!
 
JOÃO Deixa-o lá, senta-te aqui e vem jogar conosco. 
 
MANUEL E beba um gole desta sempre-viva. (Deitando no copo) 
 
JOSÉ Não bebo, não tenho teus maus costumes.
 
MANUEL Não queres? Isto assim no copo perde o fartum. (Bebe e estrala os lábios. Jogam)
 
JOÃO Para que temestes com esta canalha? 
 
JOSÉ Ora, o l'argent faz-me cócegas nas algibeiras. 
 
MANUEL Olé, tens l'argent comptant? 
 
JOSÉ Algunzinho, Piabinha. 
 
JOÃO Como o ganhaste?
 
JOSÉ Ontem pela manhã tivemos ordem de dar em uma casa aonde haviam meias-caras. A diligência havia de ser feita a noite, mas eu, que já sei por experiência como se vive no mundo, fui mais que depressa contar tudo ao dono dos meias-caras, e quando lá chegamos à noite os melhores estavam fora do ninho.
 
MANUEL E isto rendeu-te...
 
JOSÉ Cinquenta mil-réis.
 
JOÃO Bravo!
 
JOSÉ Regra geral: toda a vez que uma maroteira render mais do que o comprimento de um dever, haverá no mundo maior de velhacos do que de homens de bem.
 
MANUEL É verdade; tu ganhaste cinquenta mil-réis por uma maroteira, e eu, uma sova de pau por cumprir ontem meu dever.
 
JOÃO Como foi lá isso?
 
MANUEL Um sujeito lá de Inhaúma devia certa quantia a outro cá da cidade, e não a queria pagar. O credor, à custa de muito empenho, obteve um mandado de penhora e escolheu — me para executá-la. Aluguei um cavalo no Largo da Sé — que bacamarte! — levei dois formidabilíssimos tombos no caminho — que caminhos! Também a Câmara Municipal não vê isso! — e chegando à casa do executado apresentei-lhe o mandado, e o patife, em vez de se prestar ao andamento da Justiça de boa vontade, puxou por um pau, e agora verás...
 
JOSÉ e JOÃO (rindo-se)  Ah, ah, ah!
 
MANUEL Vocês riem-se? Cá tenho o lombo em pandarecos! E se não deito a correr como um veado, lá ficava-me o canastro.
 
 
CENA III Fróis e os ditos.
 
FRÓIS Manuel, Piaba?
 
MANUEL Que é lá? Ah, Fróis! 
 
(Manuel fala com a dificuldade das pessoas que principiam a ficar com as ideias perturbadas pelo vinho)
 
FRÓIS Preciso muito de ti. 
 
(Manuel levanta-se e vai com Fróis para o lado esquerdo do teatro. José e João ficam a mesa, jogando)
 
MANUEL Para quê?
 
FRÓIS Vou hoje tirar uma moça por justiça.
 
MANUEL Tu? E quem é a moça?
 
FRÓIS A filha de meu antigo amo Florêncio Antônio.
 
MANUEL A filha do Florêncio, de um negociante tão rico,quer casar contigo? Estais zombando.
 
FRÓIS Vê-lo-ás. Queres ou não acompanhar-me? A sege está a nossa espera.
 
MANUEL Acompanho-te habilidade de arranjares esse casamento tão rico?
 
FRÓIS Nada mais fácil. Sabes que fui durante dois anos caixeiro do Florêncio, pai de minha bela, e enquanto tratava dos negócios do pai namorava a filha.
 
MANUEL E por isso te pôs ele no olho da rua. Ah, ah!
 
FRÓIS Não foi só por isso. Dizia ele que eu em vez de cuidar nos seus negócios, gastava todo o meu tempo nos botequins e bilhares.
 
MANUEL Lá isso é verdade. Aqui neste bilhar foi eu te conheci. E faço-te justiça, gastavas dinheiro como um príncipe, pagavas a pinga...
 
FRÓIS Para que serve o dinheiro, senão para gastar-se? 
 
MANUEL É verdade. Principalmente quando ele não é nosso.
 
FRÓIS Hein?
 
MANUEL Tenho cá minhas desconfianças que andavas também namorando do dinheiro de teu amo.
 
FRÓIS Quem te disse?
 
MANUEL Suponhamos que assim era, e continua.
 
FRÓIS Tivesse ou não razão, pôs-me para fora de sua casa; mas eu, nada de deixar o namoro... Assim era eu asno!
 
MANUEL Se a coisa estava pagada...
 
FRÓIS Mais que pegada. A menina estava mesmo pelo beiço — que tolinha! — apesar da corte que lhe fazia um tal senhor Augusto, amigo do velho. Mas esse é um toleirão, pensa que se namoram as moças do tempo de hoje com suspiros e olhadelas a futuro... Eu cá tenho o meu sistema... Cartinhas sobre cartinhas, promessas as mãos cheias,e toca para diante. Comprometê-las, oferecendo-se a ocasião. Não há nada como comprometer uma moça; ao depois alcança-se delas tudo.
 
MANUEL Sim, e às vezes também uma arrochada de pau da parte dos parentes.
 
FRÓIS Quem nada arrisca nada tem. Demais, aí está o resultado para justificar-me. Tanto fiz, que até arranquei da menina uma cartinha — aqui a tenho — e graças ao seu conteúdo, vou hoje tirá-la por justiça... E tenho a minha fortuna feita; pai possui para mais de duzentos contos; ela é filha única. Teremos bom dote e depois a herança.
 
MANUEL Sim, sim, conta com isso... Não vê que cansado ele a filha contra sua vontade há de dar dote. E quem sabe mesmo se a não deserdará?
 
FRÓIS (rindo-se) Ah, ah, ah! Não dar dote! Deserdá-la! Ou és tolo, Piada, ou queresme fazer de tolo. Quem tira moça rica por justiça já sabe como estas coisas se fazem, e calcula muito bem. Ah, se calcula! Nos primeiros dias o pai ou a mãe lograda gritam, esbravejam: "Filha ingrata, abandonar sua mãe que tanto a estimava! Perversa! Quem o diria? Ingrata, ingrata!" No fim de uma semana já a coisa está mais serenada e principiam a lembrarem-se da filha com saudades. Então aparecem as amigas e os amigos: Ora, senhora dona Fulana, ora senhor Fulano, ela sempre é sua filha... Fez mal, verdade, mas enfim o mal está feito; lembre-se que é seu sangue, na sua filha, que viverá na miséria, se a não perdoar. Estas e outras lamúrias, que a maior parte das vezes são de encomendas, e a natureza, que sempre puxa...
 
MANUEL Ah, se puxa! Puxa.
 
FRÓIS Acalma toda a indignação, perdoa-se a filha rebelde e aí vem o dote cantando... Isto são favas contadas! É cálculo que não falha, por isso há tantas moças tiradas por justiça.
 
MANUEL Então os que tiram moça rica por justiça não se importam com os pais e as mães?
 
FRÓIS E para quê? Nós o que queremos é o consentimento das moças. A sábia e providente natureza que se encarregue de consolar os pais e mães e trazê-los a razão. Tu não sabes, Piaba, que forcas tem o vínculo sagrado do sangue, o grito da natureza, o amor maternal. Ah, ah!
 
MANUEL (à parte)  Este vai longe no mundo; é velhaco!
 
FRÓIS Enfim, caro Piaba, meteu-se-me na cabeça que havia de ser rico. E como não tenho grande vontade de trabalhar, nem paciência para esperar anos pela riqueza, procurei uma herdeira rica; é um meio de fazer fortuna como outro qualquer, e mais suave...
 
MANUEL Se a mulher não é o diabo.
 
FRÓIS Nesse caso, meu Piaba, fica-se com o dinheiro, e manda-se o diabo para o inferno. Espera, preciso falar com Chem-Chem. Ó ChemChem? (Chamando)
 
MANUEL O que queres com ele?
 
FRÓIS Tenho que lhe falar.
 
CHEM-CHEM (à porta do fundo)  Quem me chama?
 
FRÓIS Escuta.
 
CHEM-CHEM Oh, é tu? (Aproxima-se) Que temos? 
 
(Enquanto Fróis pratica com Chem-Chem, Manuel aproxima-se da mesa aonde estão João e José e com eles mostra que fala)
 
FRÓIS Quero-te dar parte que me caso.
 
CHEM-CHEM Sim? E com quem?
 
FRÓIS Com um peixão.
 
CHEM-CHEM Fala francês?
 
FRÓIS O quê?
 
CHEM-CHEM Pergunto se ela fala francês, ou se traduz só. 
 
(Assim dizendo esfrega o dedo polegar no dedo indicador com quem quer perguntar se tem dizendo)
 
FRÓIS Oh, fala perfeitamente... E que linda pronúncia que tem!
 
CHEM-CHEM Belo é isso. E quando o casório?
 
FRÓIS Em duas ou três horas. Vou agora mesmo daqui com o amigo Piaba tirá-la por justiça.
 
CHEM-CHEM Ah, maroto, já me admirava que não fizesses das tuas..
 
FRÓIS Mas meu caro Chem-Chem, eu tenho um grande favor que pedir-te; ficar-te-ei muito agradecido e mesmo te recompensarei depois que receber o dote.
 
CHEM-CHEM Conta comigo.
 
FRÓIS Eis o caso. Se eu não tiro neste quarto de hora a moça da casa do pai, esse, que já anda meio desconfiado, é capaz de embargar-me a vasa; por outro lado, se tiro já a dita, não posso levá-la imediatamente para a igreja e casar-me, porque me faltam certos papéis.
 
CHEM-CHEM E que queres tu que eu faça?
 
FRÓIS Eu te digo. Vou já tirar a menina; isto concluído, deposito-a em tua casa, enquanto arranjo os papéis, e volto depois.
 
CHEM-CHEM Oh, homem desalmado! Depositá-la aqui... Uma menina em um bilhar? E demais, não tenho família e isso seria feio. Uma menina que será tua mulher?
 
FRÓIS E o que tem isso? É um momento.
 
CHEM-CHEM Sim, mas ela estranhará, deve espantar-se e...
 
FRÓIS Estás enganado. Quem se deixa tirar por justiça não se espanta por tão pouco. Fazes ou não por favor?
 
CHEM-CHEM Por mim estou as tuas ordens. Tenho aquele quarto e lá ficará. A tua observação convence-me.
 
FRÓIS Obrigado! Manuel, vamos.
 
MANUEL (para José e João)  Esperem-se, que já volto. (Sai com Fróis)
 
 
CENA IV João e José à mesa, e depois Maria.
 
JOÃO Já o Piaba achou freguês.
 
JOSÉ Sempre disse que ele é mais feliz do que nós.
 
JOÃO É, é, mas o diabo não ajunta pecúnia, tudo é tudo é pouco para a beladona.
 
JOSÉ Está bom, parla pouco e joga, Pataquinha da minha alma. Deixa-o beber, que bebe do que é seu. 
 
(Aqui entra Maria navalha de mantinha pela cabeça)
 
JOÃO (vendo-a)  Que bruxa é essa que aí vem?
 
MARIA Senhor José Patusco?
 
JOSÉ Oh, és tu, Maria Navalha?
 
MARIA O senhor viu por cá meu marido, Manuel Piaba?
 
JOSÉ Não há cinco minutos que daqui saiu.
 
MARIA Para onde foi?
 
JOSÉ Não sei.
 
MARIA Voltará?
 
JOÃO Disse-nos que sim. 
 
MARIA Esperarei. Dá licença que me assente? 
 
JOÃO Pois não. (Maria assenta-se) 
 
JOSÉ Quer tomar um godório? 
 
MARIA Obrigada.
 
JOÃO Então anda procurando seu marido?
 
MARIA O que quer o senhor? Desde ontem pela manhã que saiu de casa ainda lá não voltou. Nem vintém deixou-me para comer. Isto são modos? Se o encontro, ponho-lhe a minha marca.
 
JOSÉ Safa, rascada! (Levanta-se)
 
JOÃO Onde vás?
 
JOSÉ Dar algumas voltas. (Sai)
 
MARIA Ah, Sr. João, dê graças a Deus não ser o senhor casado com um marido como o meu. Aí vem gente.
 
CENA V Florêncio e os ditos.
 
FLORÊNCIO Perdoe-me, o senhor é oficial de justiça?
 
JOÃO (levantando-se)  Para o servir.
 
FLORÊNCIO Quisera que se encarregasse deste mandado de prisão.
 
JOÃO Pois não. (Tomando o mandado)
 
FLORÊNCIO Esse mandado é lançado contra Fróis Figueiras, como falsificador de firma.
 
JOÃO Fróis Figueira?
 
FLORÊNCIO Conhece-o?
 
JOÃO Muito. Deixe o caso por minha conta, que há de ficar satisfeito com a diligência.
 
FLORÊNCIO E além da paga da lei, serei generoso.
 
JOÃO Vou executá-lo quanto antes. Falsificador? Que tratante! (Sai)
 
 
CENA VI Florêncio e Maria sentada a mesa.
 
FLORÊNCIO (à parte)  Tenho sido até hoje indulgente com esse moço que por dois anos foi meu caixeiro. Cansado de aturar seus vícios e extravagâncias e exasperado pelo seu atrevimento em namorar minha filha, expulseio de minha casa. Dos vícios ao crime o caminho é escorregadiço... Dois meses depois de sair de minha casa, foi-me apresentada uma letra por mim aceita e cuja firma reconheci ser falsa; paguei porque minha assinatura estava perfeitamente imitada. Indagando ao depois, soube que o autor desse crime era esse mesmo moço. Tive compaixão de sua mocidade e não dei por isso andamento ao processo que o levaria a expiar o crime nas galés. Mandei avisar-lhe que muito bem conhecia de onde partia o atentado; mostrou-se arrependido e eu o supus emendado. Como enganei-me! Avisaramme ontem que ele premedita roubar minha filha. Ainda que não possa crer em semelhante arrojo, bom será acautelar-me. Quis ser compassivo e eles obriga-me a persegui-lo. Assim o quer, assim o tenha... Daqui a duas ou três horas já não o temerei; as portas da cadeia fechar-se-ão sobre ele. Vamos para casa; bom será tomar por lá também as necessárias precauções. (Sai)
 
 
CENA VII Maria, só.
 
MARIA Que diabo estava este velho a resmungar? Se fosse mulher, diria que anda atrás do marido; mas sendo homem, não sei... Decerto não procura mulher. (Ouve-se o radar de uma sege, que para) Aonde estará o meu Piaba? Ah, se o pesco, meto-lhe este cinco anzóis pelas goelas...
 
 
CENA VIII Entra Manuel seguido de Júlia, que virá envolta em um grande xale e um véu pela cabeça. Manuel está completamente bêbado.
 
MANUEL Chem-Chem? Ó Chem-Chem?
 
MARIA (à parte) Ai, que é ele... E trás uma mulher! (Esconde-se atrás da mesa, abaixando-se)
 
CHEM-CHEM (entrando)  O que é lá?
 
MANUEL Aqui está esta moça do Fróis, sabe?
 
CHEM-CHEM Sei. Venha cá, minha senhora.
 
JÚLIA Mas para onde me conduzis, senhor?
 
MANUEL Não tenha medo, que não somos papões.
 
MARIA (à parte)  Que quererá isto dizer?
 
JÚLIA (à parte)  Meu Deus, deixar-me ele aqui com pessoa que eu não conheço e com um companheiro neste estado!
 
CHEM-CHEM A senhora não é a pessoa tirada por justiça pelo Sr. Fróis?
 
JÚLIA Sim senhor.
 
MANUEL Foi ele mesmo, compadre, que a tirou, e ainda em cima pagou-me a bela da pinga.
 
CHEM-CHEM O Sr. Fróis, meu amigo, pediu-me que a tivesse aqui depositada por alguns instantes, enquanto ia concluir certos arranjos para se poder casar.
 
JÚLIA Depositada aqui, em uma casa de bilhar! Ah, eu supus, quando ele deixou-me à porta, que estava em uma casa de família.
 
CHEM-CHEM Estamos em família.
 
JÚLIA Quero-me ir embora.
 
CHEM-CHEM (retendo-a)  Esperai, agora é tarde. Para que vos deixastes tirar por justiça? Tive animo para isso e não tem agora para demorar-se aqui um instante? Ora, gosto destes momos! Sou macaco velho, menina; não me logra como logrou seu pai. Esta casa é muito capaz.
 
MANUEL Capacíssima! A pinga é excelente!
 
JÚLIA Saiamos daqui, que da outra sala nos observam. (À parte) Meu Deus, já me vou arrependendo do passo que dei! Vamos.
 
CHEM-CHEM É o mais acertado. (Vão para o quarto da esquerda) Pode entrar. 
 
(Júlia sai)
 
 
CENA IX Chem-Chem e Manuel, e Maria escondida.
 
MANEUL  Coió, és um homem as direitas.
 
COIÓ O peixe não é mau... E a fazer-se de tímida... Ora!  (Aqui Maria vem-se aproximando deles)
 
MANUEL (para Coió)  Dá cá um abraço.
 
COIÓ (arredando-se)  Chega-te para lá. Bebeste tanto no caminho?
 
MANUEL (seguindo-o)  Não bebi, deram-me a beber. Dá cá um abraço. (Abraça-o)
 
COIÓ Pior. 
 
(Empurra, e voltando as costas sai. Manuel vai caindo sobre Maria, que o sustém)
 
MARIA Estás seguro!
 
MANUEL Que é lá? Oh, diabo!
 
MARIA Agora é que havemos de ajustar nossas contas.
 
MANUEL A conta do vinho bebido está paga; se queres pagar outra...
 
MARIA Olhem como está isto! Não tens vergonha? Como está bêbado!
 
MANUEL Bêbada estás tu, que estás andando à roda.
 
MARIA Isto? Assim é que um maroto deste desacredita os companheiros que são homens sérios e bem morigerados.
 
MANUEL Apoiadíssimo!
 
MARIA Depois pagam uns pelos outros.
 
MANUEL Tu pagas? Vamos a ela, à filosofia!
 
MARIA Quem é aquela mulher que trouxeste?
 
MANUEL Aquela? (Rindo-se) Ah, ah, ah!
 
MARIA De que te ris? Quem é ela?
 
MANUEL É uma mulher, como tu.
 
MARIA Mas quem é? Como se chama?
 
MANUEL Como se chama?
 
MARIA Sim.
 
MANUEL Chama-se... Já não me lembro, mas fui eu que a tirei da casa do pai.
 
MARIA Tu? E para quê?
 
MANEUL  É boa! Para se casar comigo.
 
MARIA Ah, contigo? Como está esta cabeça!
 
MANUEL Comigo,sim! Então pões dúvida? Tu já não prestas, estás velha, acabada, preciso casar-me de novo e tirei aquela. E viva a pátria!
 
MARIA Hei de saber quem é.
 
MANUEL (retendo-a)  Espera... que te enfio!
 
MARIA Deixa-me! Quem sabe se não é mesmo alguma amante tua... Largame; quero vê-la.
 
MANUEL (retendo pelo lenço)  Diabo! 
 
(Esforçai-se cada um para seu lado, e Manuel, desprendendo-se de Maria, cai de costas)
 
MARIA É bem feito! E coitada dela, se for tua amante. (Sai pela esquerda)
 
MANUEL (deitado no chão)  Espera... Hein? Não responde? Isto está a cair... É um pião, o mundo... Anda às avessas; devia andar assim, e anda assim. Então, não respondes? (Cantando) Bravo minha vida, sou todo seu!
 
JÚLIA (dentro)  Senhora, que me quereis?
 
MANUEL (no mesmo)  Quem vem lá? Passe de largo! (Cantando) Ora dê-me da branca, senão desmaio.
 
JÚLIA (dentro)  Deixai-me! Quem me socorre? 
 
MANUEL (sentando-se)  Quem vem lá? Temos inimigos pela popa.
 
JÚLIA (dentro gritando)  Quem me socorre, quem me socorre? 
 
(Chem-Chem e todos os que estão no bilhar acodem ao grito, Manuel levanta-se)
 
CHEM-CHEM O que é? O que foi?
 
MANUEL Inimigos pela retaguarda. 
 
(Júlia sai do quarto correndo adiante de Maria)
 
JÚLIA Deixai-me, deixai-me!
 
MARIA (seguindo-a)  Quero saber quem sois.
 
CHEM-CHEM O que é isso?
 
JÚLIA (correndo para Chem-Chem)  Livrai-me desta mulher!
 
MANUEL Faça alto!
 
CHEM-CHEM
 
Sossegue! (Para Maria) o que foi a senhora fazem naquele quarto?
 
MANUEL Apoiadíssimo!
 
MARIA Saber quem era esta senhora.
 
CHEM-CHEM E que se importa com isso?
 
MANUEL Apoiadíssimo!
 
MARIA Muito. Meu marido, este beberrão...
 
MANUEL Não há de quê.
 
MARIA (continuando) ...foi quem a trouxe, e eu queria saber se era sua amante.
 
JÚLIA Meu Deus, a que aviltamento me reduziste! Para que deixei a casa de meu pai?
 
CHEM-CHEM (Para Maria)  Já daqui para fora!
 
 
CENA X Entra Fróis.
 
FRÓIS Que bulha é esta?
 
JÚLIA (correndo para ele)  Fróis!
 
FRÓIS Júlia, o que foi? O que aconteceu-te?
 
JÚLIA Leva-me daqui, vamos!
 
FRÓIS Chem-Chem, o que fizeram a esta senhora?
 
CHEM-CHEM Foi esta mulher.
 
MARIA Veja lá como fala...
 
MANUEL Veja lá, hein? 
 
(Aqui aparece no fundo João, seguido de dois companheiros, e vem-se aproximando pouco a pouco de Fróis)
 
JÚLIA Vamos, vamos, leve-me deste horrível lugar! Não posso, não devo estar aqui mais tempo.
 
FRÓIS Nada temas agora que estais a meu lado, e perdoa-me se por alguns instantes deixei-te entregue aos insultos desta canalha.
 
TODOS (insultados)  Canalha?
 
FRÓIS Sim, canalha!
 
JÚLIA Fróis!... 
 
(Rumor entre os jogadores)
 
FRÓIS Venham agora insultar-te... Agora que tens um defensor! Cambada! 
 
(João e os seus, que a este tempo está por detrás de Fróis, lança-lhe a mão à gola da casaca)
 
JOÃO Está preso por parte da Justiça.
 
JÚLIA Ah!
 
FRÓIS Preso?
 
JOÃO Como falsificador de firma. Cá está o mandado.
 
JÚLIA (recuando)  Meu Deus! Falsificador?
 
FRÓIS Estou perdido!
 
MARIA Olhem o ladrão que nos chamava canalha!
 
TODOS  Fora o ladrão!
 
JÚLIA Ah! (Pondo a mão sobre o coração e como prestes a cair. Maria, vendo-a nesse estado, corre para junto dela)
 
JOÃO (para Fróis)  Acompanhe-me.
 
FRÓIS (forcejando para soltar-se)  Deixai-me... Júlia! 
 
(Júlia desmaia nos braços de Maria)
 
MARIA Desmaia! Senhora?
 
FRÓIS (forcejando)  Deixai-me!
 
 
JOÃO Aguenta, rapaziada, e levemo-lo à força! 
 
(Os dois que o acompanharam seguram em Fróis)
 
FRÓIS (debatendo-se) Oh, oh!
 
JOGADORES  Fora o ladrão!
 
JOÃO Nada de residência à Justiça... Aguenta, rapaziada! 
 
(Vão conduzindo o à força para fora)
 
FRÓIS Deixai-me, deixai-me! Júlia? 
 
(Todos os jogadores o seguem dando apupadas, assobios e gritando: Fora, ladrão! Fora, ladrão!)
 
JOÃO Aguenta, aguenta! 
 
(Levam Fróis à força pelo fundo e saem completamente de cena. Maria tem Júlia sustida nos braços e procura fazê-la tornar a si)
 
MANUEL (parado no mesmo lugar, enquanto levam Fróis)  Ladrão! Ladrão!
 
MARIA (para Chem-Chem)  Ajude-me aqui.
 
CHEM-CHEM (chega-se para junto de Maria)  Pobre senhora! O que faremos?
 
MARIA Está fria... não vai ela morrer...
 
CHEM-CHEM Pior é essa.
 
MARIA Será bom mandar chamar um médico. (Para Manuel) Vai chamar um médico.
 
MANUEL (aproximando-se)  Dá cá o pulso.
 
CHEM-CHEM Dá-lhe um golpe da gloriosa, e verás.
 
MARIA O senhor não tem por aí alguma cama?
 
CHEM-CHEM Tenho naquele quarto.
 
MARIA O melhor é levá-la para lá, deitá-la; talvez que assim volte a si.
 
CHEM-CHEM Pois levemo-la. 
 
(Vão levando a Júlia meio carregada e saem pela esquerda)
 
MANUEL (só)  Dá-lhe a gloriosa sempre-viva! Isto está muito bom. Que ladrão! Ora viva, que tenho as pernas a ver jurar testemunhas... (Assenta-se à mesa) O descanso Deus amou. (Cantando) Vida de minha vida... (Pegando na garrafa que está sobre a mesa) Vem cá, minha companheira. (Deita vinho no copo e bebe, cantando) Não tem juízo, diz minha tia, quem nunca prova, filosofia...
 
 
CENA XI Entra apressado Augusto.
 
AUGUSTO (entrando e vendo Manuel)  Oh, enfim o encontro,senhor.
 
MANUEL Que é lá?
 
AUGUSTO Não foi o senhor que em companhia do Sr. Fróis, ainda não há uma hora, tiraram por justiça a filha do Sr. Florêncio?
 
MANUEL E tem que dizer a isto?
 
AUGUSTO Aonde está essa senhora? Para onde a conduziram?
 
MANUEL Quem? Ela a menina?
 
AUGUSTO SIM, sim, e depressa, que talvez ainda seja tempo de salva-la. Depressa!
 
MANUEL Sei lá disso... Importo-me cá com isso...
 
AUGUSTO (segurando e sacudindo)  Hás de dizer, ou eu...
 
MANUEL Então, que é lá isso, hem?
 
 
CENA XII Júlia sai do quarto apressada diante de Maria e Chem-Chem.
 
JÚLIA (entrando)  Deixai-me, deixai-me!
 
AUGUSTO (vendo-a)  Dona Júlia!
 
JÚLIA (vendo-o)  Augusto!
 
 
CENA XIII José, só.
 
JOSÉ (depois de observar a augusto e Júlia que saem) 
 
Olá, está belo! Onde! Onde pilharia o malandro esta menina? E parece que vão de batida... Muito bem; cá me ficam as feições, talvez venha a servir... Pareciam-me assim sarapantados... Não tem dúvida, é o que penso.
 
 
CENA XIV Entra Florêncio apressurado.
 
FLORÊNCIO (entrando)  Senhor?
 
JOSÉ Que é lá? (À parte) Este também parece-me assaralhopado.
 
FLORÊNCIO Sois oficial de justiça?
 
JOSÉ Para o servir.
 
FLORÊNCIO Vistes aqui uma moça em companhia de um moço?
 
JOSÉ Um moço e uma moça? Vi, vi.
 
FLORÊNCIO E aonde estão?
 
JOSÉ A moça é assim de uma estatura regular,cintura fina, corpo bem lançado, olhos vivos e expressivos, boca engraçada...
 
FLORÊNCIO Sim, sim, mas dizei-me...
 
JOSÉ Homem, deixe-me acabar o retrato. Pé delicado, andar garboso, e um não sei o que de feiticeiro em todos os gestos...
 
FLORÊNCIO É isso mesmo. E onde está?
 
JOSÉ Há pouco que daqui saíram.
 
FLORÊNCIO Ah, é talvez tarde! Senhor, nesta carteira estão quinhentos Mil... Eles pertencerão à pessoa que dentro de cinco minutos prender esse homem que leva minha filha roubada.
 
JOSÉ Oh, a moça é vossa filha e vai roubada? E os quinhentos mil-réis são para a pessoa que prender o mequetrefe?
 
FLORÊNCIO Sim, e mais ainda, se o pedir.
 
JOSÉ No pedir mais não será a dúvida... Esperai aqui um momento, que tereis notícias minhas e do dito. Verá para quanto serve José Patusco em uma ocasião desta. Alerta, rapaz, que os quinhentos estão na unha. Volto em um pulo... (Sai correndo)
 
FLORÊNCIO (senta-se junto a mesa)  Desgraçado de mim... Filha ingrata! Abandonares teu pai, que tanto te amava, para seguires um homem manchado de crimes e vícios... Tardio andei eu. Fatal compaixão! Se há mais tempo o tivesse à justiça... Ah, a estas horas talvez já ligados! (Aqui entra pelo fundo Manuel com um papel na mão, que lê atentamente; segue-o Maria) Oh, que enlouqueço! Com tanto amor criada, para assim acabar... Meu Deus, meu Deus, preveni o crime. (Esconde a cara nas mãos e fica como absorto)
 
MARIA (para Manuel, à parte)  Vem para casa. O que estás a ler? Vem!
 
MANUEL Cala-te, mulher, olha. (Mostrando-lhe o papel e lendo) "Por ordem da Polícia, o oficial de justiça Manuel da Assunção Amor Divino — é cá a pessoa — prenderá onde quer que encontre o réu Fróis Figueiras, por haver falsificado, etc." Então, tem que lhe dizer?
 
MARIA Bem vejo, mas como hás de tu prender a um homem no estado em que estás?
 
MANUEL Meu estado é... meu estado... (Vendo Florêncio) Olá, quem é este?
 
MARIA Deixa lá quem está quieto.
 
MANUEL Será o meu homem? Vejamos os sinais... (Vendo no papel) Alto...
 
MARIA Qual alto!
 
MANUEL Psiu! (Lendo) Vinte e cinco anos... Este não tem mais.
 
MARIA Que? Este homem tem mais de cinquenta!
 
MANUEL Psiu! (Lendo) Cabelos pretos... É ele, não tem dúvida.
 
MARIA Pois chamas aqueles cabelos pretos? Brancos como são?
 
MANUEL Psiu! Não atrapalhes a Justiça. (Lendo) Ar decidido... É ele, não tem dúvida! (Caminhando para Florêncio e batendo-lhe no ombro) Estás preso por parte da Polícia.
 
MARIA Manuel!
 
FLORÊNCIO (levantando-se)  Ah, o que quereis?
 
MANUEL (agarrando-lhe na gola da casaca)  Estás preso.
 
FLORÊNCIO Preso? E por quê?
 
MANUEL La no xilindró lhe dirão.
 
FLORÊNCIO Mas senhor, quero primeiro saber...
 
MARIA Meu senhor, este homem não sabe o que faz, não está em seu juízo.
 
MANUEL Meu juízo? Olha que te levo também para cadeia. (Para Florêncio) Está preso.
 
FLORÊNCIO Deixai-me!
 
MANUEL Está preso, e tenho dito. Aqui está a ordem. 
 
(Apresenta-lhe a ordem, Florêncio, tomando a ordem, lê em silêncio)
 
MARIA (para Manuel)  Larga o homem, que não é este. Não vês que é um velho, e que o outro deve ser moço?
 
 
CENA XV Aqui entra correndo pelo fundo Fróis, todo roto, e sem ver os que estão em cena sai acelerado pela porta da esquerda e a fecha sobre si.
 
FLORÊNCIO (vendo Fróis)  E ele! (Para Manuel) Senhor, viste aquele homem que para ali entrou correndo? É dele que reza esta ordem de prisão. Fazei vosso dever, ide prende-lo!
 
MANUEL Ah, a ordem é para ele? Está bom; então queria perdoar. Maria, vamos prendê-lo (Encaminha-se para a porta por onde saiu Fróis)
 
MARIA Vem cá, homem.
 
MANUEL Psiu! Não atrapalhes a Justiça.
 
FLORÊNCIO Depressa! (À parte) Como explicar isto? E ela?
 
MANUEL Está fechada.
 
FLORÊNCIO Arrombai!
 
 
CENA XVI
 
Entra José trazendo preso Augusto; Júlia os segue.
 
JOSÉ  Nada de resistência! (Para Florêncio) Aqui está o ladrão da moça.
 
FLORÊNCIO Augusto! Júlia!
 
AUGUSTO (ao mesmo tempo)  O Sr. Florêncio!
 
JÚLIA (ao mesmo tempo)  Meu pai!
 
FLORÊNCIO O que quer isto dizer? Como vos achais aqui?
 
JOSÉ Este é o ladrão que roubou a vossa filha. Pilhei-os mesmo com a boca na botija. E venham os quinhentos...
 
FLORÊNCIO (para Augusto)  Explicai-me...
 
AUGUSTO Sabendo que infame tirava a vossa filha por justiça, corri em seu alcance, e felizmente ainda cheguei a tempo de a salvar. Conduzia-a para vossa casa, quando este homem prendeu-me e para aqui conduziu-me.
 
FLORÊNCIO E ela? Ela... ainda está livre... ou...
 
AUGUSTO Ainda, senhor! O malvado não deve tempo de consumar o crime.
 
FLORÊNCIO Filha, filha, a meus braços, que ainda te posso perdoar! (Corre e abraça-se com Júlia)
 
JÚLIA Meu bom pai, perdoa-me!
 
 
CENA XVII Entra João, seguido de Chem-Chem e todos os jogadores.
 
JOÃO (entrando)  Por aqui, por aqui; entrou por aqui.
 
MANUEL Quem vem lá?
 
AUGUSTO O que é isto,senhores?
 
JOÃO Oh, cá está o velho! Senhor, pus em execução a ordem de prisão que me deste contra o falsificador; prendi-o e levava-o para cadeia, quando de caminho fugiu. Mas creio que veio para aqui.
 
FLORÊNCIO E não vos enganais... Senhores, quinhentos mil-réis prometi eu a este senhor oficial de justiça para prender o indivíduo que ali se acha.
 
TODOS Ali?
 
FLORÊNCIO Sim. E agora acrescentarei: o primeiro que lhe botar a mão em cima tem um conto de réis.
 
TODOS Um conto?
 
FLORÊNCIO Sim. E todo aquele que o ajudar depois, terá cinquenta mil-réis.
 
TODOS Eu é que hei de ganhar o conto! Vamos, vamos! 
 
(João, José, Chem-Chem e jogadores dirigem-se de tropel para a porta)
 
JOÃO Está fechada.
 
VOZES Arromba! Arromba! 
 
(Arrombam a porta e saem todos de tropel, empurrando-se uns aos outros)
 
 
CENA ÚLTIMA Florêncio, Augusto, Júlia, Manuel e Maria.
 
MARIA (para Manuel)  E tu, não queres ganhar o conto?
 
MANUEL Hei de ganhar como um gato. (Agacha-se junto à porta, como um gato que espera a presa)
 
FLORÊNCIO (para Augusto)  Meu caro amigo, como vos hei de eu pagar este serviço?
 
AUGUSTO Senhor!
 
FLORÊNCIO Filha, filha, estás salva, mas desgraçada! Quem, sabendo do ocorrido, te quererá por esposa?
 
AUGUSTO Aquele que conhece sua inocência. Eu, senhor.
 
JÚLIA Augusto!
 
FLORÊNCIO Marcelo generoso, salvaste-a de um abismo! É bem que ela te pertença. Filha, é teu pai quem te pede.
 
JÚLIA E a gratidão que ordena.
 
AUGUSTO Somente a gratidão?
 
JÚLIA (estendendo-lhe a mão)  À gratidão segue-se amor.
 
AUGUSTO (beijando-lhe a mão)  Feliz de mim.
 
VOZES (dentro)  Pega, pega! 
 
(Fróis entra de roldão,como querendo fugir de quem o persegue. Manuel, que está à porta agachado salta sobre ele e é levado quase de rastos até o meio da cena, onde caem ambos e rolam. José, João, Chem-Chem e os jogadores entram em cena em seguimento de Fróis, gritando. Vendo no chão com Manuel, caem todos sobre ele, como querendo cada um ser o primeiro em prende-lo. Rolam todos pelo chão, gritando. Vozes: Fui eu que ganhei! Fui eu! O primeiro fui eu!Fui! Não foi! Ganhei! Ganhei! O conto é meu! Etc.)
 
FRÓIS (debaixo do homem)  Ai, ai, que morro! Ai, ai socorro! 
 
(Júlia e Maria fogem para a extremidade da direita. Florêncio e Augusto dirigem-se para os homens que rolam pelo chão)
 
FLORÊNCIO Basta, basta, não o matem! (Etc.)
 
AUGUSTO (ao mesmo tempo)  Senhores, olhem que assim o matam! (Etc.) 
 
(Levantam-se todos segurando em Fróis do modo que puderem; qual pelos braços, qual pelas pernas, casaca, etc.)
 
FLORÊNCIO Enfim, senhor, estás preso!
 
TODOS (em confusão e gritando)  Fui eu o primeiro que o prendi! Fui eu o primeiro! Fui eu!
 
MANUEL (com força)  Psiu! Não atrapalhem a Justiça. Fui eu o primeiro.
 
MARIA Vossa senhora bem viu que foi ele o primeiro.
 
FLORÊNCIO Bem sei. (Para Manuel) Tereis o conto de réis e cada um dos senhores cinquenta mil-réis. E tu (Para Fróis) homem perdido e sem honra, vê na sua felicidade (apontando para augusto e Júlia que estão juntos) o teu primeiro castigo. (Para os homens) Levai-o!
 
TODOS Vamos, vamos!
 
FLORÊNCIO Meus filhos! (Abraçando-os)
 
JÚLIA (ao mesmo tempo)  Meu pai!
 
AUGUSTO (ao mesmo tempo)  Meu pai!
 
MARIA (ao mesmo tempo abraçando Manuel)  Que felicidade!
 
MANUEL (abraçando Maria)  Um conto de réis!

 

 

                                                                  Martins Pena

 

 

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