Criar uma Loja Virtual Grátis
Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


OS PRISIONEIROS DE CENTRAL CITY / William Voltz
OS PRISIONEIROS DE CENTRAL CITY / William Voltz

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

No dia 10 de maio do ano de 2.328 do calendário terrano, Perry Rhodan, Administrador Geral do Império Unido da Humanidade, e seus aliados galácticos, celebram um tratado de paz com os blues do planeta Gatas, que tinham sido completamente derrotados.

O fim do conflito de proporções galácticas travado com os gatasenses representa um marco importante na História de todos os povos da Via Láctea, pois agora que a grave ameaça à existência da Aliança Galáctica fundada por Perry Rhodan deixou de existir, os fatos hão de provar se mesmo em tempos de paz esta Aliança possui certa união interna.

Ao que parece, Perry Rhodan esperava demais dessa Aliança, pois mal a guerra contra os blues chega ao fim, os aliados passam a cuidar de seus próprios interesses. Há tumultos por toda a Galáxia, e até mesmo os descendentes dos terranos que encontraram um novo lar em mundos estranhos começam a separar-se do Império Unido.

Atlan, o arcônida imortal, apontou há muito tempo o perigo da situação, ao afirmar que o pior inimigo do homem é o próprio homem.

Mas Perry Rhodan e seus homens não têm tempo para preparar-se para a nova situação antes que seja tarde. Os plofosianos, que são descendentes de colonos terranos, destruíram impiedosamente a orgulhosa nave-capitânia do Império Solar, além de prenderem Perry Rhodan, Atlan, Reginald Bell, Melbar Kasom e o mutante André Noir.

Dessa forma os homens mais importantes do Império foram excluídos dos acontecimentos galácticos — passaram a ser Os Prisioneiros de Central City!...

 

— Só existe um jogo capaz de satisfazer um homem de verdade. E o jogo em que entram figuras humanas. Só o homem que já experimentou a sensação do poder ilimitado sobre seus semelhantes pode dizer que viveu de verdade. Deve-se usar os homens, ser capaz de enviá-los a determinados lugares, de empregá-los segundo sua capacidade, e principalmente, não se deve ter o menor escrúpulo em exigir que sacrifiquem suas vidas quando isso seja necessário.

— Sim — disse Plog com um sorriso simplório. Suas faces encovadas tingiram-se de um débil vermelho — o que acontecia toda vez que o chefe supremo lhe dirigia a palavra.

— Você é um idiota, Plog — disse o chefe supremo. — Você é o único homem que não anseia pelo poder como os outros.

— Naturalmente — disse Plog, batendo alegremente nas coxas magras.

— Falar com você é um prazer todo especial — disse o chefe supremo. — Tenho certeza absoluta de que você não concorda comigo por achar que qualquer objeção pode ser perigosa. Você é o único homem em quem posso confiar irrestritamente, mas nem por isso deixa de ser um idiota.

Plog saltou pela pequena sala de comando e gritou de entusiasmo. A manta amarela agitava-se no ar, pois Plog era magro demais para enchê-la.

— Qual é sua idade, Plog? — perguntou o chefe supremo.

O plofosiano acalmou-se imediatamente. Seus olhos foscos fitaram o chefe supremo, como se tivesse de encontrar a resposta no rosto de seu interlocutor.

— Cem — disse Plog.

— Não — respondeu o chefe supremo.

— Duzentos — respondeu Plog.

— Um pouco mais de trinta — retificou o chefe supremo. — E só lhe restam cinco ou seis anos de vida, porque está doente.

— Doente? — berrou Plog. — Doente por trezentos anos!

— Fique quieto! — ordenou o chefe supremo e passou a dedicar sua atenção aos controles da pequena espaçonave. — Preciso trabalhar.

Plog deu uma risadinha e recolheu-se a um canto. Só tinha um metro e meio de altura e pesava trinta e cinco quilos. Era magro, doente e maluco. Em condições normais já teria morrido, mas o chefe supremo fazia tudo que estava ao seu alcance para salvar a vida do raquítico Plog.

Plog era a única fraqueza do chefe supremo. Ninguém podia encontrar-se com certa freqüência com o mesmo sem receber uma injeção de veneno cujos efeitos tinham de ser neutralizados dentro de quatro semanas por um antídoto que só o chefe supremo possuía. Plog era a única exceção.

Iratio Hondro, chefe supremo e primeiro-ministro do sistema de Eugaul, acreditava estar predestinado a quebrar o poder de Perry Rhodan e do Império Unido no interior da Galáxia. Era um dos ditadores mais cruéis que a História da colonização terrana já tinha produzido. Nem mesmo a opinião de alguns dos seus adeptos, para os quais era um estadista democrático, podia obscurecer esse fato. Hondro podia ser tudo, menos um democrata. Hondro era o chefe absoluto dos plofosianos. Os meios a que recorria para conservar e consolidar seu poder eram criminosos.

Hondro tinha 52 anos. Era de estatura mediana. Tinha ombros largos e compleição robusta. Seu crânio anguloso era coberto por cabelos crespos e grisalhos.

— Daqui a pouco chegaremos ao lugar em que está o grupo de naves — disse, virando-se para Plog. — Perton nos receberá com a pose de um orgulhoso almirante. Um dia ainda deixarei de dar o antídoto a esse sujeito. Tenho a impressão de que não posso confiar nele.

— Bum! — fez Plog, e apontou com o polegar estendido para o chão.

 

Desta vez a porta não se abriu abruptamente. Deslizou para o lado bem devagar, dando a impressão de que a pessoa que estava entrando por ela não estava em condições de abri-la rapidamente. O guarda tinha a mania de abri-la com um empurrão.

O homem que estava entrando era Con Perton, comandante de um grupo de vinte naves plofosianas.

— Ouvi dizer que o senhor tentou influenciar o guarda por meio de suas faculdades paranormais — disse, dirigindo-se ao hipno André Noir.

— Será que ele é de pedra? — perguntou Noir em tom indiferente.

Perton sorriu.

— Admiro essa demonstração de humor na situação em que o senhor se encontra — disse. — Posso garantir que desde o início tomei todas as providências para neutralizar sua capacidade paranormal.

Noir não respondeu ao plofosiano. Parecia olhar através dele. Perton dirigiu-se a Rhodan, que estava sentado com Atlan junto a uma mesinha que ficava no centro do recinto. Kasom estava deitado no chão, como de costume, enquanto Bell e Noir se encontravam em suas camas.

O gigantesco ertruso tirou uma garrafa de cinco litros do cinto do uniforme, colocou-a nos lábios, bebeu, fungou ruidosamente e arrotou.

Perton ficou vermelho, mas preferiu não fazer a observação que trazia na ponta da língua. Já descobrira que o gigante queria provocá-lo. No início pensara em tirar a garrafa de álcool de Kasom, mas acreditava que nenhum dos seus tripulantes concordaria em fazer este trabalho sem antes imobilizar o ertruso com o paralisador. Por isso deixara a garrafa nas mãos do prisioneiro.

— Dentro de alguns minutos teremos a honra de cumprimentar o chefe supremo a bordo da Fênix — disse Perton, dirigindo-se a Rhodan. — A notícia de sua prisão deixou-o muito satisfeito. E ele decidirá pessoalmente sobre o destino dos senhores.

— Vai falar conosco? — perguntou Atlan.

— Naturalmente — respondeu Perton. — Mas não se iludam com a esperança de poderem dominá-lo. Sua guarda pessoal saberá impedir qualquer tentativa nesse sentido, por mais planejada que seja.

— Quem sabe se não vai empregar alguns homens competentes? — perguntou Kasom.

Perton fitou-o com uma expressão contrariada, mas não disse nada.

Rhodan sentiu que o comandante plofosiano tinha medo do chamado chefe supremo. Provavelmente Perton nem se dava conta desse sentimento, mas nada escapava aos olhos vigilantes de Rhodan. O tremor dos sobrecílios, o repuxo dos lábios, tudo indicava que Perton estava cada vez mais nervoso. O comandante plofosiano parecia sentir-se honrado com a visita de Hondro, mas no seu íntimo provavelmente desejava que o chefe supremo se mantivesse a alguns anos-luz de distância.

— Quero que estejam preparados — disse Perton. — Não se esqueçam de que passarão mais algum tempo a bordo desta nave. Porém depende exclusivamente dos senhores que essa permanência seja suportável ou não.

Rhodan compreendeu perfeitamente o sentido mais profundo destas palavras. Podia parecer absurdo, mas o fato é que Perton receava que alguma observação dos prisioneiros pudesse desacreditá-lo perante o chefe supremo. E este receio levava-o a propor aos prisioneiros um acordo absurdo e unilateral.

— Concordamos em receber o chefe supremo — disse Kasom. — Deixaremos pendurada na porta uma placa com as horas de visita.

Por um instante parecia que Perton iria cometer o maior erro de sua vida, colocando-se ao alcance dos punhos gigantescos de Kasom sem uma arma na mão. Mas acabou controlando-se e saiu. Desta vez bateu fortemente a porta do camarote.

— Ora essa — disse Kasom com um sorriso de deboche, enquanto acariciava a garrafa de cinco litros. — Esta garrafinha é a única coisa agradável que existe a bordo desta nave.

— Pare de beber, Kasom! — ordenou Atlan. — Precisamos estar com a cuca limpa quando o tal do chefe supremo aparecer por aqui.

— O senhor acha que estes pinguinhos me deixarão bêbado? — perguntou Kasom em tom indignado.

Todos riram, até que foram interrompidos pela voz de Rhodan.

— Até aqui tive a impressão de que os plofosianos tinham um motivo para não nos matar — disse. — Mas agora tenho outra teoria.

— Querem matar-nos — conjeturou Bell em tom deprimido.

— Talvez não — respondeu Rhodan. — A decisão será do chefe supremo. Perton só recebeu ordem para prender-nos. O resto fica por conta do chefe dos plofosianos. Tudo depende de como será nosso encontro com ele.

Ainda não haviam elaborado seus planos, pois não conheciam o chefe supremo. Tudo dependeria da personalidade do mesmo.

Quanto mais inteligente e obstinado fosse esse plofosiano, mais difícil se tornaria chegar a algum acordo com ele. Rhodan não podia prever se haveria uma possibilidade de intimidar o chefe supremo. Uma eventual ameaça poderia torná-lo inseguro, mas também poderia levá-lo a ordenar rapidamente a execução dos prisioneiros.

Por isso só resolveram estabelecer uma diretriz sobre seu comportamento diante do chefe supremo depois que tivessem travado conhecimento com ele.

Mas era possível que então já fosse tarde.

— Não acredito que se mostre disposto a negociar — disse Atlan. — Afinal, descende de terranos. E a experiência de longos anos me ensinou que um terrano resoluto dificilmente desiste de seu intento. Se o chefe supremo tomou a decisão de matar-nos, ele o fará, sem importar-se com o que lhe dissermos.

Os passos do guarda postado à frente da porta interromperam sua meditação silenciosa. Dali a pouco a porta abriu-se abruptamente. O guarda entrou e apontou seu paralisador para os prisioneiros.

— Levantem-se! — gritou. — Os senhores serão levados à sala de comando.

Rhodan empurrou a cadeira para trás e levantou-se.

— Parece que nosso amigo já está a bordo — disse.

Passou por cima de Kasom e foi caminhando em direção à porta.

 

A pequena nave do chefe supremo, semelhante a um lápis prateado, precipitava-se pelo espaço afora. No lugar em que se encontrava, em meio à profusão de estrelas do centro da Via Láctea, a detecção de sua presença por alguma espaçonave estranha era quase impossível. As interferências produzidas pelos inúmeros sóis eram tão fortes que atingiam até mesmo o espaço superdimensional.

Além da pequena sala de comando a nave dispunha de um alojamento de tripulantes e da sala dos propulsores. A maior parte da guarda pessoal de Hondro encontrava-se no alojamento dos tripulantes. Eram especialistas com vários anos de treinamento, que estavam dedicados ao chefe supremo para o bem e para o mal. Isso não dependia tanto de sua convicção pessoal, mas principalmente do fato de que também eles precisavam receber a intervalos regulares a injeção salvadora de antídoto, para neutralizar o veneno que lhes fora injetado.

Havia dois membros da guarda pessoal que não precisavam de nenhum antídoto. Também não houve necessidade de ministrar-lhes veneno para torná-los dependentes. Eram os robôs de guerra com habilidades especiais. Sua eficiência excedia a de todos os modelos do Império Unido. O chefe supremo fazia tudo para que seus técnicos em robótica desenvolvessem a criatividade.

Hondro estabeleceu contato pelo rádio com o grupo de naves plofosianas.

Desligou o propulsor linear e fez a nave penetrar no universo normal. Reduzindo constantemente a velocidade, aproximou-se das naves que se deslocavam pelo espaço em queda livre.

— Plog — ordenou. — Dê ordem para que meus guardas pessoais fiquem preparados. Nunca se perde em se ser cuidadoso demais. Para um homem poderoso até mesmo a entrada em uma de suas naves é cercada de perigos.

Plog sacudiu-se tal qual um cachorro molhado e saiu dançando da sala de comando.

As mãos robustas do chefe supremo cingiam o leme. Dali a pouco o raio de tração da Fênix atingiria sua nave e a levaria sem nenhum risco para a nave maior. Ao lembrar-se de Perton, Hondro não pôde deixar de sorrir. Em sua imaginação já via o astronauta caminhando nervosamente pela sala de comando da Fênix.

Para Hondro a idéia de que seu nome provocava temor e insegurança nos outros era reconfortante. Desde que matara seu antecessor e assumira todos os poderes no sistema de Eugaul, sempre fizera questão de colocar sua segurança pessoal na frente de qualquer outro problema. Hondro tinha certeza de que governaria os plofosianos por um tempo ilimitado.

E essa convicção não resultava somente da consciência do poder.

Se não sofresse morte violenta, Hondro poderia viver eternamente.

Usava um ativador celular!

Era um dos seis que os comandos de busca de Rhodan ainda não tinham localizado.

Passos tamborilaram sobre a passarela metálica que levava ao pedestal de comando. Quatro homens altos e robustos postaram-se de ambos os lados da descida. Seus rostos pareciam máscaras. Tinham o aspecto tenso de um animal selvagem que está caçando sua presa.

Dois robôs de guerra entraram. Eram baixos e bojudos. Não possuíam cabeça nem braços, mas em compensação apresentavam uma série de tentáculos móveis em torno do corpo. O material muito negro de que tinham sido feitos não mostrava o menor brilho. Num único lugar a coloração mortiça era interrompida pelo brilho vermelho de um V.

Um dos robôs ficou parado no início da descida e o outro desceu para a sala de comando.

Havia um silêncio sepulcral.

Rhodan notou que Con Perton tinha os dedos nervosamente entrelaçados. Kasom estava encostado a um dos quadros de comando numa atitude brincalhona e batia com o pé direito o ritmo de uma melodia desconhecida.

O rosto de Atlan mostrava um sorriso difícil de interpretar.

Finalmente ele chegou: Hondro, o chefe supremo!

Apareceu no pedestal de comando, flanqueado por mais dois guardas pessoais. Um deles encobria-o quase completamente, mas Rhodan percebeu imediatamente que se tratava de um homem muito resoluto. Os passos firmes revelavam uma autoconfiança muito pronunciada e o rosto largo e duro exprimia uma completa falta de consideração pelos outros.

Os quatro guardas pessoais que tinham vindo em primeiro lugar desceram em silêncio pela passarela e distribuíram-se pela sala de comando. Tudo foi feito com muita discrição, mas nem por isso o procedimento deixou de produzir seus efeitos sobre as pessoas que se encontravam na sala.

Rhodan viu que Perton se empertigara.

O chefe supremo parou junto ao início da passarela e lançou os olhos para a sala de comando da Fênix. Seu olhar vagou sobre os homens reunidos, dando a impressão de que com uma única olhadela podia ler seus pensamentos.

Rhodan observou o chefe supremo. Seu rosto não demonstrava um grau de inteligência muito elevado, mas notava-se que aquele homem nascera com uma boa dose de esperteza e possuía um instinto seguro para qualquer situação.

O chefe supremo desceu pela passarela. Os dois guardas pessoais permaneceram a seu lado. Seus olhares de aves de rapina pareciam traspassar todos os presentes.

O plofosiano cercara-se de um grupo de homens perigosos. Não se podia afirmar que isso fosse um sinal de fraqueza. Rhodan viu que Perton mal conseguiu ficar parado de tão nervoso que estava.

Hondro parou à frente de Perton e fitou-o por alguns segundos. Notava-se que o comandante não se sentia nem um pouco à vontade.

— Meus parabéns — disse Hondro com a voz forte. — Parabéns para o senhor e para todos os outros.

Perton engolia desesperadamente em seco. Seu rosto foi ficando vermelho.

— Obrigado, senhor! — disse com a voz rouca.

Num gesto relaxado, Hondro enfiou a mão no bolso da calça e, passando pelo comandante da Fênix, aproximou-se de Rhodan.

— Há anos espero este momento — disse com a voz tranqüila. — Sabia que um dia o agarraríamos, Rhodan.

— Não o conheço — respondeu Rhodan. — Quem é o senhor?

— Iratio Hondro, primeiro-ministro do sistema de Eugaul no exercício do governo — respondeu Hondro com uma mesura irônica. — Sou o homem que o derrotou e pôs fim à sua ditadura.

A voz do chefe supremo era muito dura. Todas as pessoas que se encontravam na sala de comando ouviram-na.

— Ditadura? — repetiu Rhodan. — Acho que o senhor está confundindo o sistema de governo do sistema de Eugaul com o do Império Unido.

— Quem não concede liberdade às colônias é um ditador — disse Hondro. — É bem verdade que tínhamos nossa soberania, podíamos tomar nossas decisões em tudo que dissesse respeito ao nosso mundo. Mas no espaço não mandávamos nada. Quem comandava era Perry Rhodan. Era ele quem tomava as decisões. Tomava-as sem nossa participação. Mais do que isso, nem sequer chegava a consultar-nos. Não precisava disso. Para mim isso é uma ditadura, Rhodan.

Rhodan sentiu o ódio que emanava dessas palavras. O mesmo azedume devia ter-se espalhado por outras colônias. E aos poucos a insatisfação dos colonos ia gerando o desejo de modificar uma situação que para eles era humilhante.

Afinal, os colonos também eram terranos.

— Este velho — prosseguiu Hondro, apontando com o braço estendido para Atlan — cometeu o maior erro em toda a História da Galáxia quando lhe transferiu o poder sobre o reino dos arcônidas. Não tinha o direito de entregar essa herança ao senhor, ou seja, a uma única pessoa.

Rhodan não tinha a menor dúvida de que o homem que se encontrava à sua frente queria sacudir o poder do Império. Sem dúvida em outros mundos colonizados há duzentos ou trezentos anos existiam planos semelhantes. Em sua maioria os plofosianos não sabiam nada a respeito da Terra e não podiam compreender que tivessem de seguir os desejos de Rhodan em tudo que dissesse respeito ao espaço cósmico.

— Será que o senhor acha que a imortalidade lhe dá o direito de passar por cima de todo mundo? — perguntou Hondro em tom zangado.

Começou, então, a desabotoar a camisa do uniforme e tirou de baixo da mesma um objeto oval preso a uma corrente.

— Isto é um ativador celular! — exclamou Hondro. — Sou imortal como o senhor. Só uma morte violenta poderá pôr fim à minha vida.

Hondro possuía um ativador celular! Isso o tornava ainda mais perigoso. Podia fazer seus planos a longo prazo, tinha tempo para esperar calmamente até que chegasse o momento de dar o golpe.

O chefe supremo cruzou os braços sobre o peito e fitou Rhodan com uma expressão provocadora.

— Não estamos interessados mais em receber ordens do senhor ou de qualquer outro chefe do Império. Este velho arcônida, ao qual o senhor está ligado por uma grande amizade, de qualquer maneira tornou-se supérfluo. Devorou tanta sabedoria que está transbordando e quer deleitar todo mundo com sua experiência. — Hondro fez um gesto enérgico. — Chega! Seu tempo passou, Rhodan.

— Há muito que este velho arcônida andou me prevenindo de que este momento chegaria — disse Rhodan. — Sabia que a um homem de seu tipo não se deve dar a oportunidade de ampliar sua influência, pois só assim se pode garantir a paz de uma raça. Acontece que fui humano demais para guiar-me pelas sugestões de Atlan.

Isso mesmo”, pensou Rhodan. “Hondro é o resultado transformado em carne e osso de um erro cometido há mais de duzentos anos, quando resolvi dar às colônias a oportunidade de seguir seu próprio caminho para o desenvolvimento, livres de influências estranhas. Os mundos autônomos estiveram, então, em condições de criar em silêncio seus próprios sistemas de governo, de construir indústrias e por sua vez colonizar outros planetas.

— O espaço cósmico não é um lugar adequado para as atitudes humanitárias — disse Hondro em tom irônico. — Seus ideais estão superados, Rhodan. O senhor é um homem velho e gasto, que já não possui a necessária mobilidade espiritual.

— Se não fosse o homem que o senhor está insultando, o senhor não estaria aqui — interveio Atlan. — Não se esqueça de que foi Rhodan que conduziu a Humanidade para o espaço.

— A larva da vespa não se interessa em saber que o corpo que está devorando lhe dá a vida — disse Hondro em tom frio. — O que passou passou. A História só se faz no presente. E neste presente o senhor, na melhor das hipóteses, é um fóssil, Rhodan, um resíduo de outros tempos.

Atlan quis responder, mas o olhar de Rhodan fez com que ficasse calado. Rhodan percebeu que não valia a pena discutir com este homem. Hondro estava convencido de que suas idéias eram certas. Sua atuação contra os terranos resultava de uma mistura de ódio, inveja e vaidade.

Hondro dirigiu-se a André Noir.

— Acho que o senhor é o mutante.

Foi antes uma constatação que uma pergunta.

— Sou — disse Noir em tom indiferente.

— Quais são as qualidades paranormais que possui?

— Isto é um interrogatório? — perguntou Noir em tom indignado.

— Responda, André — ordenou Rhodan.

— Está bem — respondeu Noir em tom contrariado. — Sou um hipno. Posso influenciar outros seres vivos, fazendo com que pratiquem contra sua vontade atos que, em condições normais, nunca seriam capazes.

— Excelente — disse Hondro em tom satisfeito. — Preciso de homens como o senhor.

Noir fitou-o com uma expressão de desprezo.

— Será que o senhor acredita mesmo que vou trabalhar para o senhor?

Hondro soltou uma estrondosa gargalhada.

— Tenho certeza de que vai — disse. — Sei que usa um ativador celular. Se não aceitar minha proposta, terei que tirar-lhe o aparelho. O senhor sabe o que isso significa. O processo de decadência orgânica será muito rápido. O senhor só terá alguns dias de vida.

Noir percebeu que não tinha alternativa senão aceitar aparentemente as exigências do chefe supremo se não quisesse ver-se privado do ativador celular de que precisava para continuar vivo.

— Está certo; o senhor ganhou — disse.

Uma expressão astuciosa surgiu no rosto de Hondro.

— Sei o que está pensando, Noir. Pretende armar uma cilada assim que tiver possibilidade para isso. Mas não conseguirá. Sou um homem muito cauteloso. Saberei obrigá-lo a manter-se fiel a mim. Tão fiel quanto os outros membros de minha guarda pessoal.

Noir lançou um olhar aflito para Rhodan, mas este limitou-se a fazer um gesto de resignação. Alguma coisa dizia a Noir que o chefe supremo estava tramando uma infâmia.

 

A seringa brilhava à luz das luminárias embutidas no teto. Dois membros da guarda pessoal de Hondro seguravam Noir pelos braços.

— Convém ficar bem quieto enquanto a injeção estiver sendo aplicada — disse o chefe supremo. — Acho que o senhor compreende. Certas pessoas rebelam-se contra isto e se fingem de loucas. Por isso dei ordem para que eles o segurassem. Até mesmo um homem valente muitas vezes não consegue controlar as reações de seu subconsciente.

Hondro expeliu o ar da agulha. Só parou quando um pingo do líquido venenoso apareceu na ponta da mesma.

— Talvez o senhor se sinta mais aliviado se eu lhe disser que também já recebi esta injeção — informou Hondro. — Quem a aplicou foi meu antecessor. Mas ele cometeu a leviandade de me dar uma oportunidade de ter acesso ao antídoto. Morreu quando eu tinha trinta e dois anos. Assumi o cargo vago de primeiro-ministro do sistema de Eugaul, imbuído de alguns bons propósitos.

Hondro foi-se aproximando lentamente de Noir. As mãos dos dois homens seguraram-no com mais força. Hondro desabotoou a manga da jaqueta de Noir e arregaçou-a cuidadosamente.

— A propósito. Este veneno foi criado pelos médicos galácticos, os aras — explicou Hondro. — Daqui por diante o senhor precisará de uma aplicação de anti-soro, de quatro em quatro semanas, se não quiser ter uma morte dolorosa. E só existe uma pessoa que possui este soro: eu.

As mãos fortes de Hondro cingiram o antebraço de Noir.

— É estranho — disse. — É estranho quanto poder existe nesta agulha pequenina.

Noir ficou enojado ao notar que o ato parecia proporcionar certa satisfação ao chefe supremo. Para Hondro a aplicação da injeção transformara-se numa espécie de ritual destinado a consolidar seu poder.

O mutante sabia que qualquer resistência seria inútil.

Com um movimento súbito Hondro enfiou a agulha na carne do braço de Noir. Este não recuou. Hondro esvaziou calmamente a seringa. Retirou a agulha e respirou profundamente.

— Soltem-no! — ordenou.

Noir ficou com os braços livres. Estava um pouco tonto, mas não atribuiu isso à injeção.

Hondro retirou-se sem dizer mais uma palavra.

Noir foi descendo lentamente a manga da jaqueta. Os dois guardas observaram-no. Bem no íntimo Noir sentia um desespero nunca experimentado. Estava à mercê daquele monstro.

— Agora o senhor é um dos nossos — disse um dos guardas. — Daqui a quatro semanas precisará da primeira aplicação do antídoto.

O homem parecia sentir-se feliz em ver mais alguém compartilhar seu destino.

— Quem sabe se estas injeções não são um truque? — conjeturou Noir.

— Um truque? — O guarda deu uma risada cínica. — Outras pessoas já disseram isso. Quando viram que estavam enganadas, já era tarde.

— O que será feito de nós? — perguntou Noir.

— Serão todos levados para Greendoor, onde Al já está à sua espera. Al Jiggers. Ele cuidará dos senhores. Quando tiver terminado, o senhor e seus amigos serão cidadãos plofosianos perfeitamente aproveitáveis.

Jiggers, repetiu Noir de si para si. Era um nome que devia guardar.

 

Três mil lança-chamas e igual número de chuveiros de ácido formavam um anel em torno de Central City, a capital de Greendoor. Mais de metade desses aparelhos automáticos estava constantemente em atividade, a fim de destruir a vegetação que avançava sobre a cidade.

Na periferia da metrópole o ar estava empesteado pelo cheiro de drenhols, parupcas e fegranzas queimadas. Uma camada de húmus de um metro de altura estendia-se em torno da cidade. Esta camada era formada pelos restos das plantas destruídas e pelos restos mortais de certos plofosianos que não acreditavam que uma planta pode ser mais perigosa que um animal selvagem.

De um lado, Central City estendia-se até a margem de um grande oceano, enquanto do outro lado os construtores da cidade haviam avançado até os flancos da grande cadeia de montanhas que separava a cidade do restante da região.

Nem as montanhas nem o mar representavam um obstáculo para as plantas, mas, por outro lado, reduziam a pressão da natureza indômita a tal ponto que Central City se transformara na cidade mais segura de Greendoor. Havia outras cidades, cidades que tinham de lutar contra a destruição a cada hora que passava.

Os lança-chamas e os chuveiros ácidos não eram a única proteção de Central City. Colunas de robôs especialmente construídos para este fim estavam empenhadas constantemente no trabalho de abrir brechas na mata que se estendia em torno da cidade. Pequenos veículos aéreos equipados com armas energéticas sobrevoavam a cidade para intervir assim que isso se tornasse necessário.

Raramente eram vistos sobre a mata. O piloto que sobrevoasse a mata estaria arriscando a própria vida. As parupcas tinham desenvolvido um método mortífero de derrubar aqueles pequenos veículos. Com uma segurança que quase chegava a ser milagrosa atiravam sementes grossas e grudentas contra os veículos voadores. Os grãos penetravam nos bocais dos jatos onde se transformavam numa substância sólida e indestrutível.

O avião atacado dessa maneira caía, transformando-se numa presa segura dos drenhols, que matavam os tripulantes com seus braços-chicote, depois de espalhar ácido sobre os veículos.

Os drenhols formavam a vegetação predominante em Greendoor. Graças à sua superioridade, essa árvore conseguira espalhar-se em toda parte. Estava em condições de executar uma rapidíssima mudança de posição, retirando as raízes gigantescas do solo e locomovendo-se sobre as mesmas.

Os drenhols viviam em simbiose com inúmeras plantas menores. Mas também tinham inimigos. Além das parupcas e das fegranzas, existiam centenas de plantas que lutavam pela vida. Como a fauna tinha sido quase completamente exterminada, as plantas tiveram de adaptar-se para viver de suas semelhantes.

Desta forma Central City estava cercada por um inferno vegetal que se mantinha em contínuo movimento. Quem se aventurasse a entrar na selva estaria praticamente perdido. Só quem sobrevoava as matas nativas em grande altura não tinha nada a recear. Por terra ainda tornava-se mais perigosa, pois a mesma era praticamente insuportável. Nenhum ser humano tinha tido até então a idéia tola de embrenhar-se por aquelas matas.

Alguns grupos de pesquisadores arriscaram-se a entrar na selva com veículos e trajes especiais supermodernos, mas poucos regressaram. Os relatórios por eles publicados evitaram que outros cientistas seguissem seu exemplo.

A exuberância da flora tinha sua origem na órbita extrema de Greendoor em torno do sol duplo conhecido pelo nome de Gêmeos. Greendoor esgueirava-se entre os dois sóis juntamente com mais três planetas. Em virtude disso verificavam-se enormes oscilações de temperatura. Às vezes reinava um calor escaldante, mas depois, quando o planeta iniciava sua caminhada pelas regiões periféricas do sistema, havia eras glaciais que duravam vários anos.

Durante as eras glaciais a maior parte das plantas morria, somente para brotar com uma exuberância ainda maior quando tivesse início novo período de calor. Depois de cada era glacial o número de drenhols que sobreviviam ao frio aumentava. As árvores sabiam retirar-se para as regiões relativamente quentes de Greendoor. Era bem verdade que nessa época os plofosianos costumavam caçá-los, mas por enquanto não tinham conseguido exterminar os mesmos.

Greendoor foi colonizada pelos antigos plofosianos há mais de um século, mas as cidades ainda estavam em construção. O planeta tinha uma gravitação de 0,97 gravos, que podia ser considerada bastante favorável. Havia grandes oceanos e continentes em sua superfície. A atmosfera era rica em oxigênio, mas no período de calor tornava-se extremamente abafada na maior parte das regiões.

Acontece que em toda a Via Láctea dificilmente existe uma criatura inteligente que com tanta facilidade se adapta ao meio ambiente como o homem. Por isso mesmo os plofosianos estabeleceram-se firmemente em Greendoor, que passou a ser sua base secreta, onde criaram calmamente uma gigantesca indústria.

Um dos principais produtos de Greendoor foram os emissores de raios emotio, com os quais os plofosianos pretendiam combater outros povos e raças.

O chefe supremo conseguiu levar seus irmãos de raça a acreditarem que a Via Láctea só estava à espera do momento em que seria conquistada por eles. Em sua maioria a população dos planetas plofosianos via em Iratio Hondro o homem que os conduziria a altitudes nunca imaginadas. Quase ninguém tinha conhecimento dos procedimentos que Hondro costumava utilizar.

Para os plofosianos Perry Rhodan era uma lenda. Mas Hondro era a realidade. Era um homem com o qual se podia falar. Aparecia com freqüência, falava muito e fazia-se passar pelo homem pequeno que conseguiu fazer carreira graças à dedicação e à competência.

Para um plofosiano as palavras Rhodan e Terra não diziam muita coisa.

E Hondro sabia disso... E aproveitava este fato ao máximo em prol dos seus objetivos...

 

Mostraram-lhe tudo.

Excursionaram com ele por Greendoor, como se este mundo fosse uma gigantesca exposição. Viu as fábricas de propulsores de espaçonaves, cascos de espaçonaves, armas de todos os tipos e outros produtos da indústria pesada. Sobrevoou as cidades parcialmente construídas embaixo da superfície e circulou bem alto sobre as terríveis matas.

O chefe supremo e sua guarda pessoal sempre ficaram por perto. Hondro fez um relato objetivo ao prisioneiro sobre o que estava sendo feito nas diversas cidades. Em sua voz nunca havia um tom de orgulho, de triunfo, mas este homem estava imbuído de uma agressividade constante. Para ele cada edifício parecia ser uma arma contra o Império Unido. Aos poucos Rhodan foi traçando o quadro desse homem. Hondro era mais terrano que qualquer terrano. Era mais duro, brutal, esperto e robusto que qualquer terrano. Por isso é que só assim podia comandar este povo em ascensão.

— Vamos levá-lo para junto dos outros quatro prisioneiros — disse Hondro assim que chegaram a Central City. — Esta cidade é a capital. O senhor e seus companheiros ficarão aqui enquanto eu não decidir o que faremos com os senhores.

Fazia cerca de seis horas que tinham chegado a Greendoor a bordo da Fênix. Rhodan surpreendeu-se com as medidas de segurança adotadas durante o pouso. A rede energética que isolava este mundo não ficava nada a dever à do Sistema Solar.

Kasom, Atlan, Bell e Noir foram levados a algum lugar, enquanto Hondro convidou Rhodan a conhecer Greendoor.

Agora, depois de seis horas, Rhodan obteve uma impressão ligeira, mas profunda sobre as condições reinantes em Greendoor.

O veículo aéreo que usaram aterrissou no campo de pouso particular do chefe supremo, em Central City. Quando saiu pela escotilha, Rhodan percebeu que se encontravam na cobertura de um grande edifício.

Hondro e sua guarda pessoal saíram da máquina voadora. O vento que soprava constantemente do mar balançou as mantas dos plofosianos. Greendoor, a capital, estendia-se à frente de Rhodan.

Até onde alcançava a vista, a cidade estava hermeticamente fechada. Atrás dele ficava o oceano, enquanto do outro lado se estendia uma grande cadeia de montanhas. Além disso, a mata — a mata impenetrável — estava em toda parte. Ninguém poderia fugir desta cidade a não ser de avião.

— Olhe bem — recomendou Hondro. — O senhor vai ficar aqui por algum tempo.

— Depende — respondeu Rhodan numa alusão ambígua.

Hondro deu uma risada. Estava despreocupado.

— O senhor é bastante inteligente para não pensar em fugir. Espera receber auxílio, mas não receberá. O Império está desmoronando. Os retratos da Crest depois de destruída foram exibidos em toda parte. A Galáxia acredita que o senhor está morto. Isto significa que já não existe a mão forte que mantém a ordem. A guerra está sendo deflagrada em todos os cantos da Via Láctea. Os aconenses celebraram uma aliança militar com alguns povos dos blues.

Rhodan já contara com isso, mas esperava que Mercant e Tifflor, juntamente com mais alguns dirigentes, conseguissem manter a supremacia do Império.

— Venha! — gritou Hondro, que se encontrava do lado oposto da cobertura do edifício. — Vamos entrar.

Desapareceu numa porta. Um dos guardas pessoais segurou Rhodan de forma nada delicada e obrigou-o a atravessar a cobertura. Com um último olhar Rhodan verificou que o edifício ficava a cerca de trezentos metros do limite da cidade.

O guarda de Hondro arrastou-o pela porta e obrigou-o a entrar num elevador iluminado. Hondro e o resto de sua guarda pessoal já se encontravam no interior do mesmo. Um sorriso apareceu no rosto do chefe supremo quando o elevador começou a movimentar-se.

— Por enquanto nossos caminhos se separarão — disse, dirigindo-se a Rhodan. — Daqui por diante Jiggers cuidará do senhor. Procure não irritá-lo, pois é um homem muito nervoso.

O elevador parou e a porta deslizou para o lado. Hondro sorriu e saiu. Dois guardas ficaram com Rhodan. Assim que Hondro desapareceu e a porta do elevador se fechou, este voltou a movimentar-se. Desceu.

Os guardas não disseram uma palavra. Rhodan também não estava muito interessado em conversar com eles.

O elevador voltou a parar. Assim que a porta se abriu, os guardas deram um empurrão em Rhodan, fazendo-o cambalear ao sair. Viu-se no interior de um pavilhão de teto baixo, em cujas paredes havia várias portas.

— Para lá! — berraram os guardas.

Rhodan saiu caminhando. Os guardas de Hondro estavam armados. Não valia a pena tentar alguma coisa contra eles.

Atravessaram o pavilhão. Rhodan imaginou que deviam estar no subsolo do edifício. Não viu nenhuma janela. As paredes e o teto estavam pintados de branco, enquanto as portas eram de metal inoxidável. Uma série de luminárias quadradas embutidas no teto iluminava o recinto. O chão estava revestido de plástico.

— Pare! — comandou um dos plofosianos.

Estavam perto de uma porta. Os guardas abriram-na e obrigaram Rhodan a entrar num corredor escuro. A luz que penetrava vinda do pavilhão permitiu que Rhodan notasse que as paredes não tinham nenhum revestimento. O chão era úmido e o cheiro de águas servidas enchia o ambiente.

Os dois guardas ligaram seus faróis. As luzes mostraram um ambiente sinistro. O corredor subterrâneo era abaulado e havia cogumelos de mofo nas paredes úmidas. Os passos dos homens provocavam um ruído surdo. Rhodan começou a recear de que seria trancado nesse subsolo.

O corredor terminava num amplo recinto. Os guardas acenderam duas lâmpadas presas à parede. Rhodan observou que o recinto era muito mais limpo que o corredor pelo qual tinham vindo, e nele havia quatro portas.

Os guardas levaram Rhodan para perto de uma dessas portas e abriram-na.

Rhodan viu então um homem de meia-idade sentado num minúsculo quarto, e, quando entrou juntamente com os dois plofosianos, o homem levantou-se e fitou-o com uma expressão de curiosidade. Tinha os olhos embaçados, dando a impressão de que há anos não via a luz do sol do seu mundo. Usava traje cinzento e tinha um aspecto meio negligente.

— Este é Mackers — disse um dos guardas. — Se quiser alguma coisa, terá de falar com ele.

Mackers pôs à mostra o interior de sua boca desdentada e exibiu um sorriso malvado. Rhodan calculou que devia ter uns sessenta anos de idade.

Mackers abriu uma porta que ficava do outro lado do recinto. Os guardas empurraram Rhodan para a frente, obrigando-o a entrar na peça contígua. Era um quarto acolhedor e bem iluminado. Havia cinco camas, uma mesa grande e cinco cadeiras. Uma pequena toalete estava separada do resto por uma pequena parede.

Em cada uma das cadeiras havia um homem sentado. Todos fitaram Rhodan com os olhos ardentes. Rhodan conhecia esse olhar. Um belo dia também se apresentaria com ele.

Havia nestes olhares a ânsia indomável da liberdade.

Era o olhar dos prisioneiros que pensavam na fuga.

 

— Quatro semanas — disse Noir com a voz cansada. — Disponho de quatro semanas para descobrir se tenho forças para resistir ao chefe supremo.

Kasom, que quase chegava a esmagar a cadeira em que estava sentado, levantou-se de repente.

— Daqui a quatro semanas não estaremos mais aqui — afirmou. — Fugiremos.

Dirigiu-se a Rhodan.

— O senhor teve oportunidade de ver Central City. Sem dúvida ficou refletindo sobre como poderemos empreender a fuga.

Rhodan apontou para a porta.

— Mackers está sentado lá fora — disse. — Não acredito que seja um guarda. Apenas ficou encarregado de providenciar o que precisamos. Hondro sabe perfeitamente que fugir deste lugar é praticamente impossível.

— A fuga — disse André Noir em tom pensativo. — Durante a fuga ficarei cada vez mais próximo à morte, à medida que me afastar de Hondro. O senhor pensou nisso, Kasom?

— Sinto muito — disse o ertruso. — Naturalmente no seu caso as coisas são diferentes. Daqui a quatro semanas o senhor precisará do antídoto. E não temos como arranjá-lo.

— A decisão tem de ficar exclusivamente por conta de André — interveio Bell. — Fica a seu critério participar ou não da fuga.

Rhodan constatou que os homens já falavam abertamente na possibilidade de fuga. Seria inútil tentar demovê-los da idéia. A discussão de uma fuga que provavelmente nunca seria realizada era o melhor meio de evitar que os homens se resignassem ao seu destino.

— Se resolvermos fugir, fugiremos juntos — declarou Noir com a voz firme. — Quatro semanas são um tempo muito longo. Haveremos de encontrar uma solução.

Kasom tirou a garrafa de cinco litros do cinto e encostou-a aos lábios. No mesmo instante Mackers entrou. Tinha algumas cobertas sob o braço, que certamente se destinavam a Rhodan, que chegara por último.

Mackers abriu a boca desdentada e lançou um olhar fascinado para Kasom.

— O que está bebendo? — perguntou com a voz rouca.

Kasom engasgou, tossiu e fez descer um chuvisco de álcool sobre o velho.

Mackers farejou o ar. Um brilho guloso apareceu, em seus olhos.

— É aguardente — constatou.

Kasom deu um passo em sua direção. Mackers imediatamente ficou com a arma na mão. O ertruso parou.

— Não fique nervoso — disse em tom apressado.

— O consumo do álcool é proibido em Greendoor — disse Mackers. — Tenho que tirar esta garrafa do senhor.

— A proibição pode ser válida para o senhor — disse Kasom, esticando as palavras. — Sou apenas um hóspede neste planeta.

Mackers passou a mão nervosamente pela testa. Sua boca crispou-se quando Kasom tomou mais um gole e suspirou todo feliz.

Mackers levantou a arma.

— Passe para cá a garrafa! — ordenou em tom zangado.

— Tenho a impressão de que o senhor quer apoderar-se desta garrafa para seu uso particular — disse Kasom sem abalar-se. — Vou queixar-me ao chefe supremo.

Mackers começou a tremer. Seus sentimentos alternavam entre a gula e o medo. O medo acabou levando a melhor. Mackers era um velho, mas até mesmo os velhos gostam da vida. E quem se opusesse a uma ordem do chefe supremo teria de contar com um castigo muito rigoroso.

Então Mackers mudou de tática.

— Quero comprar a garrafa — disse.

Rhodan já percebera que o ertruso estava seguindo um plano bem definido. Acompanhou atentamente a conversa, disposto a intervir assim que o especialista da USO cometesse um erro.

— Quer que eu a venda? — respondeu Kasom.

Cheirou o gargalo da garrafa, exibiu um sorriso feliz e tomou mais um gole. Mackers contemplou-o com uma raiva impotente. Kasom descansou a garrafa e sacudiu-a lentamente. Alguns pingos transbordaram, o que significava que a garrafa ainda não estava muito vazia.

— Não — disse Kasom. — Se eu lhe der esta garrafa, estarei desobedecendo a uma proibição.

Mackers olhou cautelosamente em torno.

— Ninguém precisa saber disso — observou. — Poderei ser-lhe muito útil enquanto estiver preso. Arranjarei boa comida, conseguirei informações e providenciarei para que este quarto seja mais bem aquecido.

Kasom bateu com o dedo na garrafa.

— Isto aqui substitui a boa comida e aquece melhor que qualquer equipamento de calefação. Além disso, não precisamos de informações.

— Vá para o inferno! — chiou Mackers. — Diga logo seu preço!

— Para onde leva este corredor subterrâneo? — perguntou Kasom.

Mackers fitou-o com uma expressão de perplexidade, atirou a cabeça para trás e soltou uma gargalhada.

Kasom esperou pacientemente que o plofosiano parasse de rir.

— Vejo que os senhores pretendem fugir — constatou Mackers. — A cidade em que estamos é uma única prisão cujas saídas levam, sem exceção de nenhuma para o inferno, mas assim mesmo pretendem fugir.

Hesitou um pouco, depois falou:

— O corredor leva para a grande sala subterrânea pela qual vieram. A outra ramificação vai dar nos canais de esgoto.

— Obrigado — disse Kasom e atirou a garrafa para Mackers.

O plofosiano agarrou habilmente a mercadoria tão cobiçada e colocou-a embaixo da jaqueta. Seu rosto assumiu um ar preocupado.

— Não venha me dizer que realmente pretendem fugir — disse. — O chefe supremo me puniria com rigor se alguma coisa lhes acontecesse.

— Ninguém falou em fugir — disse Kasom.

O rosto do velho mudou de expressão. Nele se via um ar de resignação.

— Muitos adversários políticos do chefe supremo já tentaram fugir daqui — informou.

— Estão todos mortos. Não se esqueçam disso. É verdade que se diz por aí que há alguns combatentes da resistência na selva, mas quem conhece as matas deste planeta sabe que isso é impossível. Se tiverem afeição pela vida, fiquem onde estão.

Ao dizer estas palavras, o velho retirou-se. Por algum tempo o silêncio reinou na prisão.

— Ele se embriagará — disse Kasom finalmente.

Rhodan notou um tom de compaixão na voz do ertruso. Era a compaixão por um velho que vivia só e sem ilusões embaixo da superfície de um planeta perigoso.

— Os canais de esgoto — disse Bell. — São nosso caminho para a liberdade.

Atlan, que se encontrava na outra extremidade da mesa, levantou-se. Até então o arcônida se mantivera num silêncio obstinado.

— Devagar, amigos — disse. — Acho que esquecemos um detalhe importante. O chefe supremo só mandou vigiar-nos de forma bastante superficial.

— Mackers está na sala ao lado — lembrou Bell.

— É um velho — disse Atlan. — Velho e sem forças.

— Todos os acessos aos pavimentes superiores devem estar bloqueados — disse Noir.

O arcônida abanou a cabeça.

— O motivo por que praticamente não estamos sendo vigiados é outro. — Fez um gesto amplo. — Hondro sabe perfeitamente que por aqui realmente não existe nenhuma possibilidade de fuga. Talvez conseguíssemos dominar Mackers e penetrar nos canais de esgoto, mas não iríamos longe. O chefe supremo sabe que pensamos em fugir. Ele nos conhece. Mas também sabe que não podemos fazer o impossível. Por isso não precisa de ninguém além de Mackers para vigiar-nos. E é por isso que não vamos fugir.

— O almirante tem razão — confirmou Rhodan. — As palavras de Mackers não deixam nenhuma dúvida de que qualquer tentativa de fuga seria um suicídio. E possível que o chefe supremo até faça votos de que tentemos sair daqui.

— Suicídio para cá, suicídio para lá! — exclamou Bell em tom apaixonado. — Quer que fiquemos sem fazer nada, até que esse ditador megalomaníaco resolva matar-nos e mande o carrasco?

— Vamos pôr o assunto em votação — sugeriu André Noir.

— De acordo — disse Rhodan. Kasom, Bell e Noir votaram a favor da tentativa de fuga, enquanto o voto de Rhodan e Atlan foi contrário. Rhodan era de opinião que se deveria aguardar uma ocasião mais favorável, mas Kasom e Bell insistiram em que deveriam agir imediatamente.

— Está bem — disse Rhodan finalmente. — Qual é seu plano, Kasom?

 

Um grupo de homenzinhos verdes ficou desfilando sobre a mesa, à frente de Mackers. O que mais o deixava admirado era a leveza aparente com que se movimentavam. Mackers observou-os por algum tempo e passou a mão pela mesa. As figuras desapareceram e um elefante rosado ficou suspenso no ar diante dos olhos de Mackers.

A garrafa recebida de Kasom estava numa banqueta ao lado de Mackers. Havia um caneco na mesa. Mackers pegou a garrafa, olhou pelo gargalo como se pudesse ver quanto líquido restava no interior da mesma e encheu o caneco pela décima primeira vez.

Enquanto bebia, ouviu um ruído estranho vindo da prisão. Parecia que alguém estava batendo com os punhos contra a porta.

— Silêncio! — ordenou Mackers com a voz trêmula. — Querem alarmar os homens que se encontram nos andares de cima?

Lembrou-se de que isso realmente poderia acontecer. Nesse caso os homens de Hondro o encontrariam embriagado.

Mackers levantou-se cambaleante. As dores nas juntas que costumavam fustigá-lo tinham desaparecido.

Mackers aproximou-se da porta e encostou o ouvido à mesma. Não havia dúvida de que o ruído era causado pelos prisioneiros. Mackers praguejou baixinho. Tirou a arma do cinto e abriu a porta.

No mesmo instante foi agarrado e levantado do chão que nem uma pluma. A arma caiu ao chão. Mackers ficou tonto. Foi arrastado rapidamente para a sala contígua. Uma mão que tinha três vezes o tamanho da sua comprimiu sua boca.

— Não grite! — ordenou alguém.

Mackers encontrava-se num estado tão miserável que era incapaz de emitir qualquer som. Foi colocado no chão e cambaleou em direção à mesa. Encontrou um apoio e procurou fazer um reconhecimento do ambiente.

— Não adianta pegar-me de surpresa — balbuciou. — Vocês não irão longe.

Os prisioneiros embrulharam-no nos cobertores e amarraram-no cuidadosamente. Além disso, colocaram uma mordaça em sua boca. Finalmente foi atirado de forma pouco delicada sobre a cama.

Perry Rhodan tomou sua arma.

— Transmita nossos cumprimentos ao chefe supremo — disse, dirigindo-se a Mackers.

— Brrr! — fez Mackers, enquanto seu rosto ficava cada vez mais vermelho. — Brrrr!

De repente estava sóbrio e novo. Era claro que os fugitivos não iriam longe, mas o chefe supremo não ficaria nada contente ao saber que ele se embriagara.

Mackers seguiu os prisioneiros com os olhos. De qualquer maneira iria revê-los.

Vivos ou mortos...

 

Quando chegaram à ante-sala, Kasom pegou a garrafa e voltou a prendê-la ao cinto. Enfiou o caneco de Mackers no bolso.

Atravessaram o recinto amplo que ficava junto à sala de Mackers e chegaram ao corredor. Logo sentiram o ar viciado. Rhodan lamentou que não tivessem nenhum holofote, pois no lugar em que se encontravam a escuridão era completa.

A pistola energética de Mackers era a única arma que possuíam.

— Nós nos perderemos no labirinto dos canais de esgoto assim que entrarmos nos mesmos — profetizou Atlan. — Sugiro que voltemos enquanto é tempo.

— Não — objetou Rhodan. — Agora que já começamos teremos de ir até o fim.

Seus dedos tocaram a parede úmida e escorregadia. Com a mão direita que segurava a arma bem estendida, Rhodan avançava às apalpadelas. Os outros seguiram-no de perto.

Depois de alguns minutos atingiram uma porta que levava ao interior do edifício. Estava trancada. Dessa forma só lhes restava o caminho que dava para as instalações subterrâneas de Central City.

Era um caminho que dava para a escuridão, o frio e a umidade.

Um caminho cheio de perigos desconhecidos.

 

Os núcleos populacionais plofosianos de Greendoor utilizavam duas espécies de plantas. Uma delas era um cogumelo gigantesco, que estourava uma vez atingida a maturação e com o excesso de pressão atirava milhões de esporos para o ar. O vento tangia esses esporos para longe, até que uma pancada de chuva os fizesse cair ao chão. Naturalmente a maior parte dos esporos ia parar no mato, onde não tinham a menor chance de desenvolver-se, já que a luta impiedosa travada pelas plantas de rapina não se detinha diante de um broto de cogumelo.

Porém milhares de esporos eram carregados para os esgotos de Central City e das outras cidades. O cogumelo gigante, é claro, aproveitava a oportunidade de conservar sua espécie.

Alterava seu ciclo vital, como fazem inúmeras plantas.

A sobrevivência a todo custo era uma regra que também se aplicava ao cogumelo.

Os esporos ficavam presos na lama e medravam longe da luz do sol do sistema. Assim que os cogumelos atingiam determinado tamanho, que parecia facilitar a sobrevivência na superfície, eles se desprendiam da lama como se estivessem obedecendo a um impulso secreto e deixavam-se carregar para o mar juntamente com o líquido despejado pelos esgotos.

Os cogumelos jovens eram ocos, o que lhes permitia boiar na água do mar. Na época em que os cogumelos se desprendiam da lama às vezes tinha-se a impressão de que centenas de bóias cobriam o mar. Somente um terço dos cogumelos era levado para a terra. O resto enchia-se de água com o tempo e afundava.

Em sua maioria os sobreviventes que chegavam à costa eram devorados pelos drenhols e outras plantas. Mas uma parte conseguia firmar-se no solo e crescia até atingir o estágio em que o cogumelo gigante explodia e atirava outros milhões de esporos para o ar.

Este cogumelo gigante era o habitante menos perigoso dos canais.

Havia outra planta que preferia permanecer embaixo da superfície nos estágios iniciais de seu desenvolvimento.

Os plofosianos davam a essa planta o nome de erva rápida. No estado adulto era uma planta relativamente inofensiva. Era incapaz de movimentar-se e contentava-se em “coletar” as folhas caídas de outras plantas com seus caules pegajosos e dissolvê-las lentamente.

Mas as cápsulas que envolviam as sementes da erva rápida tinham algumas qualidades muito perigosas.

Assim que se desprendiam da planta adulta, davam início à sua caminhada. Uma quantidade enorme de fios finíssimos entrelaçavam-se em torno dela e podiam contrair-se e dilatar-se segundo as necessidades. Quando a cápsula se contraía, ela se transformava numa espécie de mola natural; bastava uma dilatação rapidíssima de seus fios para que desse saltos de vários metros. Dessa forma as sementes caminhavam várias milhas pela superfície de Greendoor. Morriam aos milhares, mas outros milhares chegavam a um lugar em que podiam fixar-se e crescer. Desde que foram fundadas as cidades plofosianas, as redes de canalização incluíam-se entre os locais de fixação preferidos das sementes da erva rápida.

Uma vez atingida a posição de repouso, as cápsulas abriam-se na face superior para absorver alimentos. Insetos, roedores e os cogumelos gigantes eram as vítimas mais freqüentes das cápsulas que se fechavam sobre eles. Nesse estágio as cápsulas iniciavam o crescimento. Aumentavam de tamanho, até que uma nova planta começasse a medrar em seu interior. Com isso a cápsula cumpria sua última finalidade. Servia de barco à jovem planta, que boiava nela pelos canais e saía para as águas livres. Da mesma forma que os cogumelos gigantes, também as ervas rápidas sofriam grandes perdas no mar, mas inúmeras cascas que serviam de navio às plantas chegavam à costa. Mais uma vez as cápsulas saltavam com sua preciosa carga. Dando a impressão de que estavam nas convulsões da agonia, penetravam nas matas onde apodreciam, enquanto seu passageiro já começava a produzir novas sementes.

Centenas de parasitas vegetais, minúsculos e insignificantes, também se fixaram nas canalizações dos esgotos e ali criaram um novo habitat. Muitas vezes os plofosianos viram-se obrigados a limpar os esgotos com banhos de ácido e lança-chamas, para remover os cogumelos, liquens e musgos que se desenvolviam sob a proteção que encontravam embaixo da superfície.

As canalizações de esgoto representavam a vanguarda da selva, que firmava o pé onde quer que se oferecesse uma oportunidade.

 

Quando tinham percorrido uns cem metros, Perry Rhodan parou. O mau cheiro que os acompanhara o tempo todo transformara-se num fedor quase insuportável. As paredes que apalpavam apresentavam rachaduras e eram úmidas e frias. Os pés dos fugitivos pisavam nas primeiras poças de água.

Kasom, que caminhava logo atrás de Rhodan, segurou o braço do Administrador Geral.

— O que houve, senhor? — cochichou.

— Noto certa escassez de oxigênio — respondeu Rhodan. — E mais adiante o ar ficará ainda mais viciado.

— Deve haver galerias de exaustão e insuflação de ar por aí — disse o ertruso. — A qualquer momento devemos chegar lá.

Rhodan viu os outros se aproximarem. Perguntou a si mesmo se poderia assumir a responsabilidade de fazê-los penetrarem mais profundamente no canal.

— Por que não prosseguimos? — disse a voz impaciente de Bell vinda da escuridão.

Rhodan explicou o motivo da parada.

— Se as coisas piorarem, ainda poderemos voltar — disse Bell. — Meu nariz não é muito sensível. Vamos andando.

Rhodan ouviu Kasom resmungar para manifestar sua concordância. Seus pés arrastavam-se pelo chão molhado. Ouviram o ruído da água vindo não se sabe de onde.

— Temos de ficar bem juntos — ordenou Rhodan. — É possível que haja galerias de infiltração ou buracos no chão. Como estou caminhando na frente, posso cair. Kasom, acho que o senhor deveria segurar-me pelo ombro, para poder levantar-me quando isso se tornar necessário.

Dali a pouco sentiu a mão enorme do ertruso pousada em seu ombro. Na situação em que se encontravam era tranqüilizador saber que um homem tão forte como ele se encontrava perto dele.

— Muito bem — disse Rhodan. — Vamos andando.

Não andou muito depressa. Rhodan achou que seria preferível cuidarem de sua segurança em vez de correr às cegas pelos canais. O chão, que estava cada vez mais úmido, obrigava-o, a cada passo que dava, a tatear o chão com os pés. O número de poças aumentava, e as gotas continuavam a cair do teto invisível.

Pequenos animais, espantados de seus esconderijos, corriam entre suas pernas. Se havia animais, também devia haver oxigênio.

Rhodan ouviu um ruído de água, que aumentava constantemente à medida que avançavam.

— Será que é um canal? — perguntou Kasom.

Não precisou levantar a voz para superar o ruído.

— Logo veremos — respondeu Rhodan. — Segure-me bem.

Quando tinham caminhado mais cinqüenta metros, os pés de Rhodan bateram numa coisa dura. Rhodan parou e abaixou-se.

— É uma grade metálica — informou. — Lá embaixo deve passar um canal.

Ouviram o ruído da água. Um ruído vindo de baixo atingiu seus ouvidos. Parecia alguém movimentando uma dobradiça enferrujada. Rhodan estremeceu. O mau cheiro era tão forte que Rhodan teve a impressão de estar numa montanha de lixo.

Rhodan enfiou a arma de Mackers no bolso e apalpou a grade. Ao que parecia, era uma grade de retenção colocada ali para evitar a passagem de objetos maiores capazes de entupir o canal.

Rhodan venceu a repugnância causada pelo metal escorregadio e procurou localizar uma eventual trava ou fechadura.

— Nada — disse depois de algum tempo. — Por aqui não poderemos passar.

— Deixe-me experimentar — sugeriu Kasom.

Rhodan deu um passo para o lado. O ertruso segurou a grade com ambas as mãos e começou a levantá-la. A peça cedeu com um rangido. Kasom soltou uma risada de triunfo.

— Pare! — ordenou Rhodan apressadamente. — Deixe a grade onde está. Se os plofosianos nos seguirem com holofotes, descobrirão a direção exata em que fugimos.

Kasom deu um ronco decepcionado.

Prosseguiram. Um animal saltou sobre Rhodan e enfiou os dentes em sua calça. Rhodan atirou-o para longe com um pontapé. O animal chiou ao bater na parede.

O caminho pela escuridão completa era mais difícil do que acreditavam.

Mas Rhodan sabia que poderia confiar em seus companheiros. Enquanto continuasse a caminhar, ninguém desistiria.

De repente a mão de Rhodan, que tateava pela parede, pegou no vazio. Rhodan parou imediatamente. Revistou cuidadosamente a área, mas só encontrou apoio na parte de trás. Um ramal secundário da canalização devia penetrar na terra em ângulo reto. Rhodan relatou sua descoberta aos outros.

— É possível que do outro lado haja alguma saída — disse Noir.

— Fiquem onde estão — disse Rhodan, — Kasom e eu faremos uma verificação.

Deslocaram-se juntos pela noite: Kasom, o pesado ertruso, e Rhodan, o Administrador Geral.

Depois de terem caminhado por um minuto, sempre para a direita, Kasom parou.

— A parede, senhor — disse em tom aliviado. — Acho que o canal pelo qual viemos apresenta uma bifurcação neste lugar. Podemos seguir pela direita ou pela esquerda, conforme quisermos.

— Para a direita — decidiu Rhodan.

Chamaram os outros e continuaram na fuga. Dali a pouco chegaram a um lugar em que o canal estava parcialmente desabado. Tiveram de escalar os escombros e atravessar um lago com uma calda malcheirosa antes de prosseguir na mesma velocidade de antes. Rhodan, que ficou na água até os joelhos, sentiu o tecido da calça grudado nas pernas.

Teve a impressão de que estava mais quente. Talvez Central City possuísse um sistema de aquecimento subterrâneo. Quem sabe se não estavam passando embaixo de um dos grandes túneis de calefação, semelhantes aos das cidades terranas?

Em torno deles ouvia-se ininterruptamente o ruído da água corrente. Dali a pouco atingiram o primeiro canal propriamente dito. Tinha um aprofundamento no centro, onde corria uma calha metálica. De ambos os lados da calha havia uma espécie de passarela. Mas estas passarelas estavam embaixo da água. Lama, algas e outras parasitas tinham-se fixado sobre as mesmas. Por isso o chão ficou escorregadio. A passarela sobre a qual caminhavam não possuía corrimão do lado da calha, mas as mãos tateantes dos homens encontraram argolas presas à parede a intervalos regulares.

De inúmeros canais secundários a água corria ininterruptamente para a calha principal. Depois de terem caminhado alguns metros os fugitivos estavam completamente molhados. Rhodan ficou aliviado ao notar que as águas servidas que corriam pela calha já tinham passado por algum tipo de filtragem, e dessa forma o cheiro tornou-se mais suportável. Dificilmente haveria bactérias na água, pois os plofosianos também estavam interessados em manter suas cidades livres de germes.

Mas nem eles mesmo seriam capazes de evitar que as bactérias se desenvolvessem nas canalizações, onde encontrariam um ambiente favorável ao seu desenvolvimento.

De repente o ruído da água vindo de trás tornou-se mais forte. Até parecia que uma grande queda de água fora ativada de repente. O ruído aproximou-se rapidamente.

— Segurem-se! — gritou Rhodan.

Ele mesmo agarrou-se com ambas as mãos a uma argola e prendeu os pés no ângulo formado pelo chão e pela parede.

Dali a alguns segundos viu confirmada sua suposição de que uma grande descarga de água estava atravessando o canal. Uma massa de espuma, produtos químicos e sujeira aproximou-se vertiginosamente. Rhodan inspirou profundamente e reteve o ar. No mesmo instante a água foi de encontro ao seu corpo, arrancou os pés do apoio precário e por pouco não o carregou. Rhodan segurou-se firmemente com as mãos. Um chiado e estrondo atingiu seus ouvidos. Teve a impressão de que a qualquer momento seria obrigado a respirar ou largar a argola. A primeira avalanche passou. Rhodan pôde respirar ligeiramente, embora ainda estivesse com água até o pescoço.

— Tudo bem, senhor? — perguntou a voz retumbante de Kasom.

— Tudo bem — respondeu Rhodan. Para o ertruso não era difícil resistir à força da água.

— Estou segurando um dos homens — anunciou Kasom. — Se não o tivesse agarrado, teria sido arrastado.

— Se não me soltar logo morrerei sufocado, Kasom — exclamou a voz inconfundível de Bell.

A água baixou numa questão de segundos. Os fugitivos puderam apoiar-se novamente sobre os pés. As roupas pesavam de tão encharcadas que estavam. Apesar disso Rhodan continuou imediatamente a fuga.

O chão tornou-se cada vez mais acidentado. Lama e detritos cobriam as duas passarelas e enchiam a calha central. Os homens afundavam na massa pegajosa até os tornozelos.

De repente Rhodan esbarrou numa coisa mole, que cedeu imediatamente. Abaixou-se e apalpou o chão. Alguma coisa boiava na água bem à sua frente. Parecia ser uma formação espumosa. Rhodan não poderia saber que se tratava de um exemplar jovem de cogumelo gigante.

— Encontrei uma coisa — informou. — Estava presa no chão, mas parece que está boiando.

Suas mãos examinaram o objeto misterioso.

— É difícil fazê-lo afundar. Talvez seja algum objeto flutuante. Vamos levá-lo. Uma bóia salva-vidas não pode fazer mal a ninguém.

Entregou o cogumelo, que tinha meio metro de diâmetro, a Kasom, que o apalpou com suas mãos gigantescas.

— Acho que é uma planta, senhor — disse o ertruso.

— Uma planta?! — perguntou Atlan. — Aqui embaixo?

— Você não teve oportunidade de ver a fauna deste planeta, almirante — disse Rhodan.

Prosseguiram. Por algum tempo mantiveram-se em silêncio. Cada um estava absorto nos seus próprios pensamentos. O único ruído que se ouvia era o do impacto de seus pés na água e o farfalhar ininterrupto dos canais. Receberam um banho de ácido saído de um canal secundário, mas suportaram resignados o ardor na pele.

Passaram por uma área represada e atingiram um canal situado em nível mais baixo. Vários metros de espuma cobriam a placa de proteção da represa. O turbilhonar da água que saía da represa fez com que os fugitivos literalmente tomassem um banho de espuma.

Kasom sentou no centro da barragem, segurando-se com uma das mãos. A outra desempenhou o papel de guindaste. Levou seus companheiros um por um ao canal de baixo. Face à escuridão a tarefa era difícil e perigosa. Bastaria um passo em falso para que Kasom caísse.

Depois que todos tinham mudado de canal, o ertruso seguiu-os. Pedaços de espuma agitaram-se no ar atrás dele.

Rhodan lembrou-se da arma de Mackers que trazia no bolso. Tinha suas dúvidas de que ainda estivesse funcionando, pois ficara molhada várias vezes.

Como todos possuíam um ativador celular, com exceção de Kasom, demoraria bastante até que aparecessem os primeiros sinais de cansaço. O ertruso, por sua vez, possuía reservas de energia praticamente inesgotáveis em seu corpo enorme, motivo por que não precisariam fazer nenhuma pausa.

O que mais preocupava Rhodan era o lugar em que sairiam. Havia inúmeras possibilidades, mas nenhuma delas parecia ser muito promissora. Quer fossem tangidos para o alto-mar ou fossem ter à superfície através de uma galeria de ventilação, sua vida sempre estaria em perigo.

Ao lembrar-se do tamanho de Central City, Rhodan teve um calafrio. As canalizações subterrâneas estendiam-se por vários quilômetros. Formavam um labirinto imenso, uma enorme teia de aranha cheia de ciladas e perigos. Poderiam perder-se e rastejar pelos canais por vários dias, sem chegar a lugar algum.

Alguns minutos depois de terem entrado no canal de baixo descobriram uma verdadeira coleção de jovens cogumelos gigantes. Rhodan foi diretamente para dentro do canteiro. Fez questão de que cada homem ficasse com uma das misteriosas plantas. Ele mesmo prendeu uma ao cinto.

Os efeitos do túnel de calefação diminuíram sensivelmente. As roupas da parte superior do corpo de Rhodan secavam lentamente. Na parte de baixo sempre se molhavam de novo. Sentia frio quase todo o tempo, mas não teve tempo para preocupar-se com isso. Tinha que dedicar sua atenção exclusivamente ao ambiente que o cercava.

O grito de Noir foi tão repentino que Rhodan estremeceu. Parou imediatamente. Noir gemia e praguejava ao mesmo tempo.

— O que houve? — perguntou Rhodan.

— Não sei — respondeu Noir em tom inseguro. — Pisei numa armadilha.

— Numa armadilha? — Rhodan passou as mãos pelo rosto frio e molhado.

— Alguma coisa me mordeu — informou Noir. — Meu pé está preso; não consigo tirá-lo.

Era pouco provável que os plofosianos tivessem colocado num lugar como este armadilhas para pegar ratos ou animais semelhantes. Havia meios muito mais eficientes de combater esta praga.

— Onde está o senhor? — perguntou Rhodan.

— Atrás de Atlan e Kasom — respondeu Noir.

Rhodan ouviu um dos homens movimentar-se na água que alcançava até os tornozelos.

— Vou ver o que é — anunciou Atlan.

Os outros esperaram pacientemente que o arcônida revistasse o fundo da água.

— Parece que é uma concha — disse Atlan depois de algum tempo. — E bem grande.

Bell deu uma risada.

— Plantas e conchas. Isto parece uma loucura.

— Não sabemos o que é mesmo — disse Rhodan.

— Está segurando firmemente o pé de Noir e por sua vez está preso na lama — anunciou Atlan. — Por fora é duro que nem pedra, mas na abertura é mais mole.

— A dor é muito forte, André? — perguntou Rhodan.

Noir emitiu um som borbulhante.

— Um banho de pé seria bem mais agradável — disse Noir com uma alegria forçada. Seus dentes rangeram.

— Se pelo menos tivéssemos uma lanterna — disse Kasom.

Rhodan refletiu para descobrir um meio de ajudar o mutante.

— Seu pé está em ordem? — perguntou.

— Sinto-o — respondeu Noir em tom seco. — Quer dizer que continua no lugar.

— Kasom — ordenou Atlan. — Venha para cá e veja se pode libertar Noir.

Kasom foi para trás. Até parecia um navio de roda abrindo caminho. Abaixou-se e examinou a perna de Noir com a estranha concha presa ao pé.

— Tentarei quebrar isso — disse.

Ouviu-se a água esguichar, enquanto Kasom fungava igualmente a uma máquina a vapor. Um gemido saiu de sua boca, seguido de um praguejar resignado.

— Parece soldado — disse. — E olhe que não é maior que uma banheira de criança.

Mais uma vez pôs-se a trabalhar com Noir. Os outros prenderam a respiração para ouvir melhor. Os ruídos eram o único meio de saberem o que estava acontecendo na escuridão.

Finalmente ouviu-se um baque: Kasom e Noir tinham caído na calha. Saíram tossindo e cuspindo água.

— Ficou livre, André? — perguntou Rhodan em tom esperançoso.

Noir sacudiu-se todo, para tirar a água do corpo.

— Em parte — disse com a voz cansada. — A coisa que me pegou soltou-se do chão, mas meu pé continua preso. Quer dizer que daqui por diante terei de carregar uma banheira de criança.

— É muito pesado — disse Kasom. — Ele não pode caminhar com isso.

Rhodan tirou a arma de Mackers do bolso. Talvez fosse imune à umidade e ainda estivesse funcionando. Não poderiam exigir de Noir que o mesmo saísse caminhando com um peso no pé.

— Tentarei abrir a concha a tiro — disse.

Saiu na direção em que supunha estivesse Noir. Quando tinha dado dois passos, sentiu alguma coisa fechar-se em torno da barriga da perna direita.

Compreendeu imediatamente o que tinha acontecido.

Caíra na armadilha, tal qual Noir. Havia alguma coisa escondida na lama, à espreita de vítimas.

Fosse o que fosse, devia ser perigoso.

Os outros ficaram quietos. Pareciam desconfiar de que alguma coisa tinha acontecido.

— Venha para cá, Kasom — disse Rhodan. — Também estou preso. Tenha cuidado. Parece que há mais conchas deste tipo por aqui.

Era muito raro que mais de uma cápsula de semente de erva rápida se fixassem no mesmo lugar. Geralmente espalhavam-se por toda a extensão de um canal. Os homens do Império tiveram azar por estarem justamente num lugar em que havia várias cápsulas.

Antes mesmo, porém, de saírem para o ar livre, viram-se ameaçados pelos guardas avançados da selva.

 

— Faça o favor de entrar — disse a porta depois de Jiggers se ter identificado.

O agente plofosiano, que era um homem baixo, recuou do sistema de controle de rotina e foi para a entrada. Entrou silenciosamente na sala bem iluminada que se estendia à sua frente. A fechadura deu um estalo quando a porta voltou a fechar-se atrás dele.

— Sente; fique à vontade — disse uma poltrona.

O rosto de Jiggers não demonstrou a menor surpresa. Mas Hondro, que se encontrava atrás de uma gigantesca escrivaninha e fitava o melhor agente de Plofos, sorriu de forma quase imperceptível.

— Estes detalhes contribuem para tornar suportável o ambiente — disse Hondro a título de cumprimento. — Este é meu gabinete em Greendoor.

Jiggers acomodou-se na poltrona. Quase desapareceu atrás dos encostos altos.

Hondro girava uma fichinha entre os dedos. Contemplava Jiggers num misto de benevolência e curiosidade.

— Faz quase quatro semanas que o senhor recebeu o antídoto pela última vez — disse. — Não está preocupado por ainda não ter sido convidado a receber a dose seguinte?

— Não, senhor — respondeu Al.

— Por que não?

— Sou seu agente — disse Jiggers com a voz tranqüila. — Provavelmente sou um dos melhores. E não cometi nenhum erro. Portanto, não há motivo para não me dar o antídoto.

Hondro soltou uma risada alegre.

— Estou gostando do senhor — disse. — Tenho grandes planos para o senhor, assim que conseguirmos destruir de vez o Império.

— Está bem, senhor — disse Al em tom indiferente.

Hondro empurrou uma pilha de papéis em direção de Jiggers. Via-se que não gostava dos serviços burocráticos. O chefe supremo gostava de tomar a iniciativa, mas não era do tipo de homem que resolvia as coisas a partir da escrivaninha.

— Aqui o senhor encontrará todos os pontos de dúvida — disse. — O senhor verá que há muitos aspectos obscuros, especialmente aqueles que dizem respeito aos nossos amigos do Império Unido. Como sabe, é muito importante obter informações sobre o potencial militar terrano. — Fez um gesto de desprezo. — Não estamos interessados na Frota do Império, pois esta se esfacelará no primeiro ataque. Os aliados dos terranos já começam a sentir-se inseguros. Nossa propaganda funciona muito bem. Mas precisamos saber tudo que diz respeito à Terra propriamente dita. É o único lugar em que existe a ameaça de perigo e de uma resistência séria.

Jiggers ouvia tudo em silêncio. Ficou com os cotovelos apoiados nas braçadeiras da poltrona e encostou as pontas dos dedos indicadores uma na outra.

— Os cinco homens mais importantes do Império estão em nosso poder. Rhodan, Atlan e Bell estão entre eles. Quer dizer que as informações mais importantes praticamente estão em conserva em Greendoor. Portanto, basta abrirmos as conservas.

— Sim, senhor — disse Jiggers.

Um brilho débil de seus olhos revelava o interesse que estas palavras lhe despertaram.

— O senhor vai cuidar dos prisioneiros, Al — disse o primeiro-ministro do sistema de Eugaul, no exercício do governo, que ao mesmo tempo exercia as funções de ditador de muitos outros mundos, todos eles colonizados por plofosianos. — Preencha as lacunas destes documentos com seus conhecimentos.

Jiggers acenou ligeiramente com a cabeça.

Hondro levantou-se. Contornou a mesa a passos largos.

— Use todos os meios no interrogatório — disse.

— Sim, senhor — disse Jiggers.

— Não quero nenhum morto — advertiu o chefe supremo. — Se necessário, poderei usar estes homens para exercer pressão contra a Terra. Depois de mortos não nos poderão ser mais úteis.

— Também existem mortos-vivos — disse Jiggers.

— Está bem — disse Hondro. — Comece imediatamente. Basearei meus planos no pressuposto de que o senhor obterá todas as informações em que estamos interessados. E que as obterá depressa.

— Confie em mim — disse Jiggers.

— Até logo, senhor — disse a poltrona assim que Al se levantou.

Jiggers despediu-se e saiu. Uma vez do lado de fora, dirigiu-se ao interfone mais próximo e entrou em contato com seu escritório. Deu ordem para que três dos seus homens preparassem tudo para o interrogatório.

Depois entrou no elevador e desceu para o subsolo.

Quando chegou ao compartimento contíguo à prisão, teve de constatar que Mackers não estava lá. Uma ruga vertical surgiu, então, em sua testa.

Tirou do bolso uma arma energética pequena, mas muito potente, e abriu a porta da prisão com um pontapé.

Brrrr! — fez Mackers num esforço desesperado de tirar a mordaça.

Jiggers guardou a arma e libertou o velho. Os sobrecílios de Mackers agitavam-se. Tremendo por todo corpo, dirigiu-se a Al.

— Eles me do... — principiou.

Jiggers interrompeu-o com um gesto.

— Há quanto tempo desapareceram? — perguntou.

— Faz uma hora — informou Mackers, cabisbaixo. — Talvez tenha sido há mais tempo. Disseram que iriam usar o canal.

Jiggers bateu-lhe duas vezes no rosto. Mackers começou a choramingar. Em seus olhos lia-se o medo de morrer.

— Se eles morrerem na fuga, eu mesmo o castigarei, Mackers — prometeu Al.

Deu um empurrão no velho, fazendo com que o mesmo caísse na cama e soltasse um grito de pavor.

Jiggers voltou apressadamente à sala contígua. Não demorou em encontrar o interfone. A primeira coisa que fez foi ligar para o gabinete do chefe supremo. Contou o que tinha acontecido.

— Eles não têm nenhuma chance — disse o chefe supremo.

— É possível que morram — disse Jiggers. — O senhor disse que não queria que isso acontecesse. Precisamos encontrá-los antes que sejam mortos.

— Darei o alarme — prometeu Hondro. — Todas as saídas do sistema de canalização serão ocupadas. Quem vai perseguir os fugitivos?

— Meus homens e eu — disse Al apressadamente.

— Muito bem — disse Hondro. — Ficaremos em contato. Acho que nunca encontrarão a saída deste labirinto.

Jiggers entrou em contato com seu escritório e mandou que seu representante mandasse ao porão um grupo de trinta homens com equipamentos especiais.

— E urgente — disse. — Apressem-se.

Depois disso Jiggers voltou à prisão. Mackers estava sentado junto à mesa, na ante-sala. Parecia muito abatido. Apoiava a cabeça nas mãos. Al Jiggers levantou o nariz e farejou o ar.

— Sinto o cheiro de álcool — constatou. — O senhor andou bebendo?

Mackers abanou a cabeça.

Jiggers deu dois passos em direção à mesa e afastou-a de Mackers. Este caiu para a frente. O agente plantou-se diante dele.

— Como é? — perguntou com uma calma perigosa. — Andou bebendo?

— Um pouco — respondeu Mackers, todo trêmulo.

— Aguardente — disse Al em tom de desprezo. — O senhor se vendeu por um pouco de aguardente.

Mackers teve sorte, pois dali a pouco chegaram os primeiros homens do comando de busca. Dessa forma Jiggers teve a atenção desviada de sua pessoa. Quando o agente e seus companheiros entraram na canalização, Mackers continuava sentado na mesma cadeira. Seu rosto estava inchado. Jiggers era um homem brutal. Os êxitos que alcançara resultavam do fato de ser mais duro que os inimigos. E ainda desta vez pretendia seguir esta regra.

Não tinha a menor dúvida de que, se os fugitivos ainda estivessem vivos, ele os capturaria dentro de pouco tempo.

 

Em 10 de outubro de 2.328, no mesmo dia em que Rhodan e seus companheiros fugiram de Greendoor, a situação da Galáxia era mais confusa que nunca.

A notícia da destruição da Crest deixara muita gente consternada, mas também provocara contentamento em toda parte. A grande maioria das pessoas acreditava que Perry Rhodan estivesse morto. E como Atlan e Bell também não tinham aparecido mais em público, acreditava-se que os mesmos também haviam encontrado a morte a bordo da Crest.

Os desmentidos assinados por Mercant e Tifflor não puderam impedir que o caos se espalhasse cada vez mais. As informações fornecidas pelos dois terranos não mereciam crédito. pois não podiam ser reforçadas pela presença dos três homens mais importantes do Império.

A decadência do Império Unido começou de vez. Em toda parte notava-se a falta da mão firme que conduzia os acontecimentos. Os diversos sistemas coloniais passavam a agir em extensão cada vez maior por sua própria conta. Deixavam claro que não estavam mais interessados na colaboração com a Terra. Os governantes dos mundos coloniais seguiam seus próprios caminhos.

Era possível que Rhodan e Atlan ainda pudessem salvar a situação com uma ação rápida — mas eles continuavam desaparecidos.

Mas os aconenses, arcônidas e saltadores mostraram-se muito mais desagradáveis que os povos coloniais. Os aconenses contribuíram para que a guerra dos povos blues fosse transferida para o setor ocidental da Galáxia. Os homens do Sistema Azul estavam enviando grupos de guerrilheiros para apoiar os blues. Isso deixava claro que os aconenses viam nos blues os futuros donos da Galáxia. Na verdade, os blues ainda eram suficientemente fortes para assumir a herança do planeta Terra.

Quanto aos saltadores, seus interesses eram mais comerciais que militares. Forneciam armas a qualquer um que se dispusesse a pagar um bom preço. Instrumentos de destruição em massa e meios de defesa dos tipos mais modernos mudaram de dono. Dessa forma os blues receberam armas que nem mesmo depois de algumas décadas de pesquisas seriam capazes de produzir.

Tornava-se cada vez mais difícil fixar os limites das diversas zonas de combate. Batalhas espaciais eram travadas em inúmeros pontos da Galáxia. Revoltas irromperam. Planetas foram conquistados e cidades gigantescas arrasadas.

Qualquer pessoa que fosse capaz de usar uma arma e entrar numa espaçonave parecia estar a caminho para fazer crescer o tumulto. Só no Sistema Solar continuava a reinar a calma. Nenhuma nave se arriscava a penetrar no mesmo.

A Terra era uma ilha de paz em meio à guerra galáctica. Mas a calma era enganadora. Mercant e Tifflor não ficaram inativos. Sabiam perfeitamente que nas condições reinantes não havia como impedir a decadência do Império. Por isso limitavam-se a proteger a Terra contra qualquer ataque vindo do espaço.

Parte das naves empenhadas na procura de Rhodan foi chamada de volta. O Sistema Solar preparava-se para rechaçar qualquer inimigo que se atrevesse a avançar até lá.

Um Império construído por Perry Rhodan no curso de três séculos desmantelava-se numa questão de dias. Havia inúmeros grupos de combate muito poderosos, cada um dos quais defendia seus próprios interesses.

Por enquanto a Terra estava fora dos conflitos. Em Plofos também reinava uma estranha calma. Parecia que os colonos estavam aguardando o momento oportuno.

O chefe supremo era a única pessoa que conhecia o momento exato em que os plofosianos desfeririam seu golpe fatal.

E tinham todos os trunfos...

 

Uma mão saiu da escuridão e segurou-o pelo braço.

— É o senhor, Kasom? — perguntou Rhodan.

— Sou eu, sim, senhor — confirmou o intruso com a voz retumbante. — Cuidarei de seu pé.

Rhodan sentiu as mãos enormes do especialista da USO descerem por seu corpo. Dali a pouco Kasom começou a puxar aquilo que acreditava ser uma concha. Não deu um tratamento muito delicado à perna de Rhodan. Dali a pouco o estranho objeto desprendeu-se do chão e, da mesma forma que Noir, Rhodan podia levantar o pé, mas este continuava na armadilha.

— Pegue a arma de Mackers — disse Rhodan. — Apesar da umidade é possível que ainda esteja funcionando.

— Isso seria perigoso, senhor — advertiu o gigante. — O senhor pode ficar sem o pé.

— Apalpe a borda da concha — ordenou Rhodan. — Se eu permanecer imóvel, o senhor pode acertar a borda sem me ferir, mesmo no escuro.

Atlan aproximou-se em meio à escuridão.

— Dê um tiro para experimentar a arma — disse. — Precisamos saber se ainda está funcionando.

Kasom apontou a arma na direção da qual tinham vindo e puxou o gatilho. Um raio da grossura de um lápis, que logo se abriu em forma de leque, iluminou o canal por alguns segundos. Os homens não viram muita coisa, mas o que viram bastou para fazer descer seu estado de ânimo ao ponto mais baixo.

As paredes laterais estavam cobertas por uma camada de sujeira de alguns centímetros de espessura. Fios gordurosos pendurados do teto soltavam pingos. As duas passarelas estavam cobertas com a lama que transbordava da calha. Em toda parte havia imundícies. Por um instante Rhodan viu o objeto preso ao seu pé.

Tinha pouco menos de meio metro de comprimento e metade da largura. Parecia tratar-se de uma planta primitiva que crescia no interior da concha. Não, não era possível. Se a coisa abocanhava as presas, não toleraria nenhum hóspede. Rhodan pensou na hipótese de uma simbiose, mas provavelmente nunca descobriria a verdade.

— A arma está funcionando, senhor — disse Kasom depois de algum tempo. Parecia que a idéia de cumprir a ordem não lhe agradava nem um pouco.

— Não perca tempo — animou-o Rhodan. — Não podemos esperar mais.

Quanto mais tempo o pé ficasse preso na armadilha, maior era a pressão exercida pela concha. A mesma parecia ter forças para estrangular a perna na altura do tornozelo. A situação de Noir provavelmente não era muito melhor.

Pelo cálculo de Rhodan, pelo menos dois minutos se passaram antes que Kasom atirasse. Embaixo de Rhodan tudo se transformou numa incandescência, dando a impressão de que havia um fogo de santelmo preso à sua perna. O calor subiu por seu corpo. Rhodan olhou para baixo. Viu os contornos do gigante ertruso bem à sua frente. O objeto que envolvia seu pé emitia um desagradável brilho verde. Parecia possuir uma luminosidade própria.

Mas logo começou a escurecer de um lado. Kasom levantou-se do chão e suspirou aliviado.

— Acho que fiz boa pontaria — disse.

Neste momento a concha presa à perna de Rhodan contraiu-se. Ele teve de cerrar os dentes para não soltar um gemido de dor. O sangue abandonou sua cabeça. Rhodan sentiu um suor frio irromper de seu corpo.

Kasom parecia ter percebido que havia algo de errado. Fazia movimentos nervosos. De repente a concha começou a puxar o pé de Rhodan.

— A coisa quer ir embora! — exclamou Rhodan, surpreso. — Procura movimentar-se.

Ouviu-se um ruído produzido por uma sucção e o pé de Rhodan ficou livre. Alguma coisa caiu de volta na água no momento em que Rhodan levantou a perna com um movimento muito rápido. Uma dor lancinante partia do pé ferido.

— “Plache” — fez uma coisa na escuridão. — “Plache; plache; plache”.

Os cabelos da nuca de Rhodan eriçaram-se. O Administrador Geral teve uma forte impressão de que a estranha concha se afastava dele. Pelo ruído que produzia parecia que o objeto desaparecia em grandes saltos.

— Agora é sua vez, Noir — disse com a voz um pouco mais tranqüila.

O êxito alcançado fez com que Kasom ficasse mais calmo e seguro. Não demorou mais de um minuto e Noir também ficou livre. Kasom devolveu, então, a arma a Rhodan.

— Por aqui deve haver outros bichos desse tipo — conjeturou. — O que podemos fazer para proteger-nos deles?

— Temos de ser ainda mais cautelosos — disse Rhodan. — É a única coisa que podemos fazer no momento.

Rhodan saiu mancando cautelosamente para a ponta do grupo e mandou que partissem. Noir e ele não tinham sofrido nenhum ferimento, mas por enquanto caminhavam com certa dificuldade.

Caminharam pelo menos por mais uma hora, sem que houvesse novos incidentes. A única coisa que aconteceu foi Bell tocar numa concha, mas como ele a atingiu de lado conseguiu retirar o pé antes que ela o abocanhasse.

Havia duas bifurcações no canal. Seguiram sempre para a direita, pois só assim teriam uma esperança de sair em algum lugar. Como perderam a noção do tempo, não sabiam por quantas horas já tinham vagado pelo labirinto da canalização de esgoto.

De repente o canal pelo qual estavam caminhando foi interrompido por uma barreira. A mão de Rhodan tocou o metal. Mais embaixo passava a água, mas os vãos da grade eram muito pequenos para dar passagem aos homens.

— Por aqui não podemos continuar — gritou Rhodan para os companheiros.

Junto a seus pés boiavam inúmeros cogumelos, que também se acumulavam junto à barreira. Rhodan teve a impressão de sentir várias conchas que roçavam suas pernas, mas as mesmas mantinham-se numa surpreendente passividade.

Kasom examinou a barreira.

— Ela não fica sempre nesta posição — disse depois de algum tempo. — Parece que só é baixada quando querem impedir a passagem de objetos maiores.

— Já descobriram que fugimos — disse Atlan. — Por isso estão trancando os canais.

— Descobri um canal secundário — informou Bell. — Mas também está trancado.

Rhodan atravessou a aglomeração de cogumelos que boiavam e avançou até o lugar em que se encontrava o amigo. O canal secundário não era grande, só tinha dois metros de diâmetro. Depois de ter dado dez passos no interior do mesmo, Rhodan encontrou uma parede metálica.

— Aqui há uma alavanca ou coisa que o valha! — exclamou Noir, que,continuava no interior do canal principal. — É possível que tenha sido instalada para alguma emergência, caso o comando automático deixe de funcionar.

— Cuidado, Noir! — advertiu Atlan. — Não mexa nela.

Rhodan apressou-se em ir ao lugar em que estava o mutante. Noir segurou seu braço e levou-o para onde ficava a alavanca. Rhodan estendeu a mão e segurou um cabo de metal. Fez uma tentativa cautelosa de empurrar a alavanca para cima ou para baixo. A mesma balançou um pouco, mas não cedeu. Rhodan aumentou a pressão.

De repente a alavanca cedeu. Subiu com um solavanco e entrou numa nova posição de repouso. Ouviu-se um rangido. Pareciam duas superfícies metálicas ásperas que se atritavam. O ruído provocou um calafrio em Rhodan.

— A barreira está se abrindo! — gritou Kasom.

De repente uma torrente de água saiu do canal secundário e despejou-se com uma violência surpreendente sobre os homens. Rhodan perdeu o apoio dos pés e caiu no líquido espumante e malcheiroso. Kasom soltou um grito. Sua voz parecia vir de cima. Rhodan assustou-se ao lembrar-se da possibilidade de o ertruso se ter deixado arrastar para cima com a barreira do canal principal.

Sem dúvida o canal secundário estava cheio de água. No momento em que Rhodan abriu as barreiras, as águas paradas penetraram imediatamente no canal principal. A torrente parecia não ter fim. Rhodan foi arrastado pela água em meio a centenas de cogumelos. Não teve alternativa senão segurar-se fortemente a um desses cogumelos para não morrer afogado. Nas condições em que se encontrava nem podia pensar em nadar.

Finalmente foi carregado pelas águas. Alguma coisa dura e pontuda abriu uma ferida profunda em sua perna. A cabeça estava coberta de espuma. Toda vez que tentava respirar aspirava o caldo imundo. Foi sacudido pelas cãibras do estômago. Passou a ser carregado cada vez mais depressa. Não sabia onde estavam seus companheiros. Provavelmente também nadavam pelo canal em velocidade alucinante, para um destino desconhecido.

Constantemente esbarrava em alguma coisa. As mãos que procuravam apoio sempre escorregavam, pois nas paredes molhadas e escorregadias não havia nenhuma saliência ou argola em que pudessem agarrar-se.

Em certo momento esbarrou em outro homem, mas não sabia quem era o homem. Este soltou um grito rouco e voltou a ser engolido pela água e pela escuridão.

A claridade veio tão de repente que Rhodan foi ofuscado e fechou os olhos, pois tinham de habituar-se novamente à luz. A água em que boiava começou a ficar mais calma.

Finalmente conseguiu enxergar os arredores — e um quadro fantástico ofereceu-se aos seus olhos...

Estava em pleno mar! Em volta dele boiavam milhares de cogumelos e conchas. Bem atrás dele os canais de esgoto de Central City avançavam centenas de metros mar afora. A cidade propriamente dita parecia um castelo alto erguido à beira-mar.

A correnteza afastou-o rapidamente da cidade. Percebeu que se encontrava numa grande baía. Viu um traço escuro mais adiante. Era a margem oposta da cidade, onde começava a mata de Greendoor. Viu no horizonte alguma coisa parecida com nuvens baixas, mas eram as montanhas que separavam o interior do oceano.

Virando a cabeça, Rhodan ficou olhando para o mar aberto. A luz dos dois sóis refletia-se na superfície mansa. Com um movimento resoluto Rhodan girou o corpo, colocando-se em cima do cogumelo, e começou a remar com as pernas.

Desta forma foi chegando cada vez mais perto da costa distante.

 

Teve a impressão de só ter ficado inconsciente por um instante. Era a única explicação para o fato de ainda estar vivo. O cogumelo preso ao cinto mantivera-o em cima da água.

Reginald Bell lembrou-se de que, alguns segundos após a penetração da torrente de água, fora atirado contra a parede e perdera os sentidos. Agora estava indefeso diante da força das águas. O atordoamento foi cedendo aos poucos. Bell engolira tanta água que vomitou. Estava também com os olhos lacrimejantes de cansaço.

Fazia votos de que seus companheiros não tivessem sido tão duramente atingidos. As águas carregavam-no para um destino desconhecido. Talvez Rhodan ou outro dos seus companheiros estivesse bem perto sem que ele o soubesse. Lamentou-se ao pensar em Gucky. O rato-castor poderia tê-lo tirado facilmente da situação difícil em que se encontrava. Mas a esta hora Gucky provavelmente estava correndo a Galáxia à procura de seus amigos.

 

Bell puxou mais um cogumelo para perto de si. Prendeu os dois corpos ocos embaixo dos braços para manter-se sobre a água.

Não resistiu às águas que o carregavam. De vez em quando sentia chão sob os pés, mas a correnteza sempre acabava por arrastá-lo de novo.

Depois de bastante tempo teve a impressão de ver uma luminosidade à sua frente. Estreitou os olhos para enxergar melhor. Uma mancha luminosa apareceu à sua frente. Estava sendo arrastado exatamente na direção da mesma. A velocidade com que se deslocava voltou a aumentar. Até parecia que as águas se precipitavam com toda força em direção à luz do dia. Bell escorregou por cima de um tubo e encolheu a cabeça ao ver os contornos de uma grade.

Dali a pouco encontrava-se ao ar livre. De ambos os lados as rochas erguiam-se para o alto. O mar aberto parecia ficar mais à frente. Depois que seus olhos se acostumaram à claridade, Bell viu outros detalhes. Ao que tudo indicava, o canal fora aberto à força de explosões em meio às rochas. Era apenas um entre muitos. Enquanto ia nadando mar afora, Bell reconheceu outros braços de canal que saíam para o oceano a intervalos regulares. Somente no lugar em que ficavam os rochedos os plofosianos tinham dispensado o prolongamento artificial dos canais, limitando-se a uma abertura nas rochas. Bell foi levado de encontro a uma rocha saliente e segurou-se na mesma.

Fez um grande esforço e conseguiu sair da água. Bandos de insetos descansavam sobre a pedra aquecida pelo sol duplo. Tinham sido atraídos pelo cheiro das águas servidas.

Bell subiu na rocha, rastejando de quatro. Teve uma visão melhor da área que o cercava. Atrás dele erguia-se Central City. Era uma cidade gigantesca, que impressionava bastante. A sua frente estendia-se uma baía que formava um porto natural, mas este era completamente inútil para uma raça de astronautas como os plofosianos. Do lado oposto da baía, até onde Central City ainda não se havia estendido, começava a mata virgem.

Bell gemeu baixinho e tentou levantar-se.

— Fique deitado! — gritou alguém.

Bell virou-se abruptamente. O rosto magro e imundo que o fitava entre as rochas pertencia a Atlan.

— Olhe para cima! — disse o arcônida.

Totalmente perturbado, Bell deitou de costas e olhou para o céu.

A pequena distância uma minúscula espaçonave planava em cima deles: era um planador.

— Já estão revistando a área há algum tempo — informou Atlan. — Lá adiante há mais duas. Parece que esperam que apareçamos por aqui.

Bell olhou em torno.

— Onde estão os outros? — perguntou.

Atlan rastejou lentamente em sua direção.

— Não faço a menor idéia — disse. — A água deve tê-los carregado para fora de um dos canais.

Bell fez um movimento com a cabeça em direção ao mar.

— Será que estão ali? — perguntou.

— Provavelmente — respondeu o arcônida. — Você e eu também vamos dar o fora daqui.

Bell passou a mão pelo cabelo grudado de sujeira. Ficou reconfortado ao sentir o calor do sol duplo sobre o corpo quase enrijecido pelo frio.

— Que direção devemos tomar? — perguntou.

— Vamos atravessar a baía — disse Atlan. — Suponho que Rhodan esteja seguindo na mesma direção. Dentro de pouco tempo alguns planadores pousarão entre as pedras para revistar os canais.

Reginald Bell examinou seu corpo. O que viu não o deixou muito animado. Os restos de sua vestimenta, que o cinto mal conseguia manter juntos, eram apenas alguns farrapos pendurados no corpo. A pele estava coberta de manchas roxas. Os quadris apresentavam um corte que sangrava. Nem sentira o ferimento. Arrancou uma faixa de pano da calça e improvisou uma atadura.

— Do outro lado da baía começa a selva — disse. — Pelo que contou Perry, a mesma não é muito atraente. Por que não ficamos por aqui e procuramos esconder-nos na cidade?

Atlan apontou para a roupa de Bell.

— Neste estado? — perguntou em tom irônico. — Qualquer pessoa nos reconheceria imediatamente.

O planador circulava ininterruptamente sobre o mar.

— Será que os plofosianos não nos descobrirão? — perguntou Bell em tom preocupado.

— Há milhares de cogumelos boiando na baía — respondeu Atlan. — Basta misturar-nos aos mesmos para não sermos vistos.

Ficaram deitados mais alguns minutos em silêncio, a cinco metros de distância um do outro. As rochas os aqueciam. Embaixo ouvia-se o ruído das águas que saíam do canal de esgoto.

— Acho que não adianta esperar mais — disse Atlan finalmente. — Parece que os outros não vão sair por aqui.

O arcônida passou rastejando por Bell, em direção à água. Bell ouviu o burburinho da mesma quando Atlan mergulhou e também começou a movimentar-se. A cabeça de Atlan era a única parte do corpo que aparecia sobre a superfície e era quase impossível distingui-la de um dos numerosos cogumelos, que boiavam por toda parte.

Num movimento resoluto, Bell escorregou para baixo. Dali a pouco os dois estavam nadando lado a lado para o mar aberto. Bell lançou um olhar desconfiado para o planador, mas este continuava a voar em círculos. Para os tripulantes da máquina voadora os cogumelos deviam ser pontos do tamanho de uma cabeça de alfinete. Seria difícil distinguir a cabeça de um homem entre os mesmos.

Bell sorriu satisfeito e virou a cabeça para lançar mais um olhar para a cidade. Mas viu outra coisa que o deixou bastante assustado.

— Almirante! — gritou.

Atlan interrompeu os movimentos de natação e olhou na direção indicada.

Na parte baixa da cidade três barcos modernos estavam largando de um cais e seguiram em direção aos rochedos.

— Eles pensam em tudo — disse Atlan. — Vamos embora, Bell! Temos de sair daqui antes que cheguem.

As pernas robustas de Bell agitaram a água. Estava feliz porque as mesmas tinham escapado do caldo imundo dos canais. Atlan era um nadador mais hábil e veloz. Bell teve de esforçar-se para acompanhá-lo.

Viu os planadores ao longo da costa. Atrás deles os barcos de reconhecimento plofosianos corriam em sua direção, refletindo a luz do sol duplo.

 

Melbar forçou o ouvido para ouvir o que se passava na escuridão. Não ouviu nada, além do ruído da água que diminuía cada vez mais. O gigante ertruso foi descendo lentamente pela barreira. Teve de dar um salto para vencer a última etapa da mesma. Com um ruído borbulhante foi parar na água, que ainda lhe chegava até os joelhos.

— Quem é? — perguntou uma voz.

— Noir! — exclamou Kasom, aliviado. — Pensei que todo mundo tivesse sido carregado pela água.

— Segurei-me numa argola — disse Noir. — Fiquei me debatendo na água que nem um peixe preso a um anzol. Quase cheguei a arrancar a argola.

Se não estivessem numa situação tão difícil, o relato fantasioso de Noir sem dúvida teria provocado um sorriso em Kasom. Acontece que o senso de humor o tinha abandonado por completo. Rhodan, Atlan e Bell tinham desaparecido nos canais. De repente Kasom sentiu-se cansado. Afinal, o que vinha a ser o trabalho a serviço do Império senão uma corrida ininterrupta contra a morte?

Que diabo”, pensou. Estava zangado consigo mesmo. “Preciso parar de curtir tristezas aqui embaixo. Afinal, fui eu mesmo que escolhi este trabalho e nunca tive motivo para queixar-me do mesmo.”

Atravessou a água em direção a Noir e tocou seu corpo.

— A água baixou — disse com a voz tranqüila. — Pode soltar a argola.

Noir encostou-se ao braço de Kasom.

— O que vamos fazer? — perguntou. — Tem algum plano?

— Vamos ver se conseguimos alcançar os outros — respondeu o ertruso.

Noir tinha muita autoconfiança e possuía uma experiência de quase trezentos anos mais longa que a de Kasom. Mas neste momento o mutante parecia concordar tacitamente em que Kasom assumisse o comando.

Quem sabe”, pensou o ertruso, “se a gente não precisa lutar tanto tempo contra a morte como Noir e as outras pessoas que usam um ativador, para enfrentar o risco de vida com calma e coragem?

Noir já se deslocava em direção à barreira. Kasom impulsionou-se e seguiu-o. Acompanhavam a correnteza das águas servidas. O canal apresentou mais três bifurcações; mantiveram-se sempre à direita.

— O senhor é muito rápido, Kasom — disse Noir depois de algum tempo com um gemido. — Ficar-lhe-ia muito grato se pudesse encurtar seus passos de elefante, para que o cidadão comum possa continuar na sua pista.

Kasom reduziu a velocidade. Há alguns minutos começara a ter a impressão de sentir uma lufada de ar puro. Talvez fosse apenas uma impressão. Fazia votos de que não houvesse outra torrente de água, pois no lugar em que se encontravam não havia nada em que pudessem segurar-se.

— Luz! — exclamou Noir e colocou-se ao lado de Kasom.

— É mesmo! — concordou Kasom. — Acho que lá adiante é o fim do canal. Já sinto o ar puro.

Um novo sentimento de confiança começou a tomar conta dele. O simples fato de terem encontrado uma saída do labirinto representava um êxito notável. Noir passou a caminhar mais depressa. A perspectiva de respirar ar puro parecia dar-lhe novas forças.

A claridade ia aumentando cada vez mais. Dali a pouco viram o mar através da saída do canal.

De repente Kasom parou.

— Que houve? — perguntou Noir com a voz tensa.

— Um barco — cochichou Kasom. — Acho que lá fora passou uma lancha.

Prosseguiram, mantendo-se sempre bem encostados à parede. Depois de terem caminhado mais um pouco viu que os olhos aguçados de Kasom não o tinham enganado. Um barco-patrulha plofosiano circulava à frente da saída do canal. Mais dois cruzavam pela extensa baía que surgiu à sua frente. Um tanto confuso, Kasom olhava para o barco que atravessava lentamente a água a uns quinhentos metros de distância.

— E agora? — perguntou Noir com a voz tranqüila.

— Aqui não podemos ficar — respondeu o agente da USO. — Estão à nossa procura; quanto a isso não existe a menor dúvida. Provavelmente não demorarão a aparecer nos canais.

Noir afastou a sujeira que endurecera em seu rosto. Parecia um vagabundo. Seus olhos, porém, exprimiam a firme resolução de prosseguir na fuga já iniciada.

— Tomara que ainda não tenham agarrado ninguém — observou Kasom.

— Eles nos descobrirão assim que sairmos daqui — profetizou Noir com a voz triste.

Kasom pôs-se a refletir por um instante. Para alguém que se encontrasse por perto o ertruso dava a impressão de ser uma rocha, e sua aparência atual ainda reforçava essa impressão.

— Tive uma idéia — disse, dirigindo-se a Noir.

Desprendeu o cogumelo que trazia preso ao cinto e seus dedos fortes começaram a abrir um buraco no mesmo. Noir acompanhou-o com uma expressão de curiosidade no rosto. O ertruso trabalhava em silêncio. Os poderosos músculos de seus antebraços entesaram-se quando começou a arrancar grandes pedaços do cogumelo. Finalmente conseguiu abrir uma cova no mesmo.

— Assim talvez consigamos — disse.

— O que pretende fazer, Kasom? — perguntou o hipno.

O especialista apontou para os inúmeros cogumelos que boiavam.

— Eles não podem examinar cada um dos cogumelos — explicou. — Aí está nossa chance... — ao dizer estas palavras, enfiou o caule escavado para a cabeça. O chapéu grotesco deu-lhe um aspecto ainda mais selvagem.

— Acho que os plofosianos fugirão assim que o virem desse jeito — disse Noir, revelando certo humor fúnebre.

Kasom confirmou com um gesto. Tirou mais um cogumelo da água e fabricou um disfarce para o mutante.

Noir enfiou o chapéu rudimentar sobre a cabeça e sorriu para Kasom.

— Quem sabe não acabamos de criar uma nova moda? — disse.

Kasom começou a movimentar-se. A planta balançava em seu crânio enorme, dando a impressão de que cairia a qualquer momento. Mas Noir logo percebeu que suas preocupações não tinham razão de ser. O ertruso fizera um bom trabalho.

Dali a pouco atingiram uma região de águas mais profundas, onde puderam nadar. Kasom ajoelhou-se e foi vagando canal afora, dando remadas amplas com os braços. Parecia não ter nem um pouco de medo. Noir deixou-se cair na água e seguiu-o. Nunca fora um bom nadador, mas tinha esperança de alcançar Kasom.

Os dois homens saíram para a baía sem dar atenção ao barco plofosiano. Dali a pouco viram os planadores que circulavam sobre a água.

Tudo isso significava que os plofosianos estavam decididos a recapturar os prisioneiros, custasse o que custasse. Noir estreitou os olhos, para enxergar melhor em meio aos reflexos lançados pela superfície da água. Em toda parte agrupavam-se os estranhos cogumelos, e isso aumentava suas chances de alcançarem o outro lado da baía.

Num gesto temerário, Kasom seguiu exatamente na direção em que estava o barco-patrulha plofosiano. Noir sentiu-se aliviado quando o barco mudou de rumo, seguindo em direção a outro canal.

Quando estava novamente nadando, o hipno sentiu-se perdido. De repente teve a impressão de que não havia a menor possibilidade de alcançar êxito na fuga. Para onde iriam num mundo como este?

Kasom não parecia martirizar-se com pensamentos deste tipo. Saiu nadando resolutamente, sem olhar para trás.

 

— Nada — disse Jiggers. — Até parece que se dissolveram no ar.

— Talvez tenham tomado outra direção — disse um dos homens que o acompanhavam.

— Nesse caso cairão nas mãos de um dos grupos que patrulham a cidade — lembrou Al. — Quanto a mim, tenho certeza de que Rhodan tem um instinto bastante poderoso para ter encontrado a saída para o mar. Na minha opinião, os fugitivos já não se encontram nos canais. Estão lá fora, na baía.

Se outra pessoa que não Al Jiggers tivesse manifestado esta opinião, só teria colhido zombarias e incredulidade. Mas ninguém se atreveria a fazer pouco caso de uma observação do agente.

— E os barcos-patrulha? — lembrou alguém. — Já os teriam encontrado. Além disso temos planadores circulando sobre a baía.

— Os planadores dificilmente poderão encontrá-los enquanto estiverem na água — disse Al. — E os barcos de patrulhamento provavelmente chegaram tarde.

— Nesse caso só lhes resta um caminho: têm de entrar na selva — interveio outro homem.

— E verdade — admitiu Jiggers. — E é isso que me preocupa. Se continuarem vivos por mais algum tempo, teremos muito trabalho para pegá-los.

Entrou em contato pelo rádio com as outras unidades de busca. Os planadores e as lanchas-patrulha receberam ordem para concentrar sua ação principalmente na margem oposta da baía. Parte das unidades de busca que operavam no interior dos esgotos foi mandada de volta. Os plofosianos só continuaram a vasculhar os canais subterrâneos embaixo do centro da cidade.

Depois disso Jiggers entrou em contato com o chefe supremo.

— Olá, Al — respondeu Hondro. — Já conseguiu pegá-los?

— Não — respondeu Jiggers. — Chegamos perto da saída dos canais e não encontramos sinal deles. Os grupos de busca que operam embaixo da cidade também não anunciaram nenhum resultado positivo.

Por um instante ficou tudo em silêncio. Só se ouvia o chiado do receptor.

— O senhor sabe que é muito importante para nós pegar estes homens vivos, Al — disse o chefe supremo finalmente.

— Sei — respondeu Jiggers. Em sua voz vibrava certa contrariedade pela impaciência de Hondro, mas Jiggers nem pensou em dar vazão desta contrariedade através de palavras.

— Como pretende agir daqui por diante? — perguntou Hondro.

— Concentraremos nossa atenção na margem oposta da baía — disse Jiggers. — Acredito que tentarão entrar na selva.

— Está brincando! — disse Hondro. — Rhodan não seria louco a ponto de assumir um risco destes, pois colocaria em perigo a vida dos seus companheiros.

— Os fugitivos não têm mais nada a perder, senhor — disse Jiggers. — Rhodan sabe disso. Colocará tudo numa só cartada, mesmo que acabe sendo obrigado a desistir.

Pela primeira vez a voz de Hondro revelou certo nervosismo.

— E se os homens nem fugiram pelos canais de esgoto?

— Então onde poderiam estar? — perguntou Al em tom de surpresa.

— Aqui mesmo, na cidade — respondeu Hondro.

— Não é possível! — exclamou Jiggers.

— Já pensou nos controles que teriam de atravessar para atingir os andares superiores do edifício?

— Sim — disse Hondro. — Acho que o senhor tem razão, Al. Prossiga nas buscas.

— Está bem — confirmou Jiggers.

— Mais uma coisa — disse o chefe supremo em tom delicado.

— Pois não.

— Lembre-se do antídoto que terá de tomar... isso ajuda.

 

Vista da água, a parede colorida que avançava quase até a água parecia impenetrável. Devia ser mesmo. Pela primeira vez Rhodan viu a selva de Greendoor a uma distância de apenas cem metros. Seus pés tocaram o chão. Acabara de atingir a margem.

Olhou para trás. Central City estendia-se na margem oposta da baía, banhada pelas luzes. Vista dali a capital de Greendoor não impressionava tanto como da cobertura do edifício principal. Provavelmente isso resultava da proximidade da mata, da ameaça sombria que emanava da mesma.

As árvores mais altas atingiam quase duzentos metros, mas assim mesmo quase não se distinguiam em meio à vegetação abundante.

Ao lado deste quadro primitivo da evolução natural A imagem de Central City era apagada, embora fosse uma cidade que se espalharia cada vez mais e acabaria por derrotar a selva, lenta mas seguramente.

Rhodan viu lanchas-patrulha no meio da baía, mas as mesmas não poderiam alcançá-lo mais. Os planadores continuavam circulando sobre a baía, mas ao que tudo indicava seus ocupantes ainda não haviam alcançado nenhum resultado.

Rhodan estava com água até o peito e contemplava a selva numa atitude pensativa. A pequena arma de Mackers era seu único meio de defesa contra a vegetação selvagem. Era pouco, muito pouco mesmo, por mais otimista que se quisesse ser.

Mas Rhodan sabia que os grupos de busca plofosianos não demorariam a libertá-lo do peso da decisão. Obrigá-lo-iam a agir. O terrano esbelto ainda estava hesitando, embora já soubesse perfeitamente o que faria.

Sairia do mar e, sem dar atenção ao perigo, procuraria esconder-se na selva. Fazia votos de que Atlan ou Bell, Noir e Atlan aparecessem logo, pois juntos as chances de sobreviver a um eventual ataque das plantas seriam melhores.

Nas proximidades da costa a água era agradavelmente tépida, o que era uma verdadeira bênção para o corpo estropiado de Rhodan. Ruídos inexplicáveis saíam da selva. Até parecia que a parede vegetal se mantinha em movimento ininterrupto, que as plantas lutavam constantemente umas contra as outras, disputando cada palmo do solo vital.

De repente a superfície calma da água dividiu-se ao lado de Rhodan, e um caule que, embora só tivesse a grossura de um dedo, parecia estender-se ao infinito, foi rolando convulsivamente em direção à margem. Na ponta do caule via-se um peixe que estrebuchava, mas não conseguiu libertar-se do anzol criado pela natureza. Peixe e caule desapareceram na mata, motivo por que Rhodan não conseguiu identificar a planta cujas raízes se haviam transformado em vara de pesca.

Dali a pouco a raiz fina chicoteou o ar e voltou a mergulhar na água. Ficou parada no fundo, à espera de uma nova presa. Rhodan perguntou a si mesmo quantas raízes estariam escondidas lá embaixo. Felizmente as mesmas não representavam nenhum perigo para ele.

Rhodan foi andando cautelosamente em direção à margem. Inúmeros cogumelos cresciam junto à água. De muitos deles restava pouca coisa; a outra parte parecia ter sido devorada por alguma planta de rapina.

Em cima dos cogumelos gigantescos cresciam outras plantas, que abriam cicatrizes profundas no corpo dos cogumelos. Um em cada dois caules de cogumelo estava cercado por trepadeiras, que se esforçavam com resultados variáveis para arrastar a presa pesada para dentro da mata.

A margem tinha sido revolta por chicotadas e arranhões. Não passava de uma faixa estreita de terra de ninguém, em torno da qual se travavam lutas violentas. A proximidade da água salgada impedia a mata de avançar até o mar.

Muito assustado, Rhodan observou o ambiente. Presenciou fenômenos notáveis, acontecimentos que provavam mais uma vez a formidável capacidade de adaptação das diversas formas de vida.

Embaixo dos cogumelos gigantescos cresciam plantas pequenas, cuja atividade de rapinagem se limitava em fazer sair da areia caules curtos, em cuja ponta havia um espinho. Toda vez que o cogumelo perdia um pedaço de carne — e isso acontecia com muita freqüência, já que sobre ele se travavam lutas ferozes pela supremacia relativamente segura neste lugar — a planta espinhenta tentava espetar essa carne. Logo que conseguia, retirava-se rapidamente para baixo da superfície. A presa jazia no chão, mas era dissolvida sistematicamente por baixo.

Rhodan olhou para trás. As lanchas-patrulha iam se aproximando da margem em que se encontrava. Os planadores também mudaram de rumo e dirigiram-se para o lado oposto da baía. Rhodan compreendeu que não lhe restava muito tempo. Precisava encontrar logo um lugar para se esconder.

Lançou os olhos em torno e descobriu um cogumelo enorme, um exemplar muito velho, cujo caule cheio de cicatrizes devia ter três metros de diâmetro. A um metro do mesmo as trepadeiras, parasitas, resíduos e musgos formavam uma espécie de telhado. Este telhado tinha dez metros de diâmetro.

Era marrom-escuro e estava cheio de cavidades. Mais em cima havia uma pequena floresta. Inúmeras trepadeiras estendiam-se entre a floresta e o caule do cogumelo como se formassem uma rede de fios telefônicos. Mas não havia nada que pudesse abalar o gigantesco cogumelo.

Rhodan saiu da água e pôs cautelosamente os pés em terra. Uma folha de aspecto inofensivo, do tamanho de um prato, veio planando em sua direção. Pousou sobre seu ombro. Parecia leve que nem uma pluma. No mesmo instante Rhodan sentiu um líquido cáustico descer pelas suas costas. Arrancou violentamente a folha. Esta planou em direção ao mar e afundou, deixando para trás uma ferida sangrenta.

Rhodan teve o cuidado de não pisar numa planta espinhenta. Um cipó preso a um cogumelo pequeno caiu sobre ele e procurou enlaçá-lo. Rhodan afastou-o com as mãos e seguiu em direção ao cogumelo gigante.

Mais uma folha veio planando em sua direção, mas desta vez Rhodan desviou-se e viu a folha alojar-se sobre um cogumelo.

Rhodan chegou são e salvo ao cogumelo grande. O telhado gigantesco lançava uma sombra enorme. Galhos e raízes de outras plantas caíam dele como se fossem uma cortina.

Rhodan cerrou os dentes e abriu caminho entre a confusão com as mãos. Atingiu o caule propriamente dito. Até mesmo para um mau alpinista como Rhodan não seria nada difícil subir pelo mesmo. As trepadeiras que se haviam entrelaçado em forma de grade formavam uma verdadeira escada. Rhodan subiu rapidamente. Sentiu algumas trepadeiras estenderem os tentáculos em sua direção, mas as mesmas não tiveram forças para deter seu avanço. Chegou bem embaixo do telhado, onde havia um terrível mau cheiro. Pelo menos um terço do cogumelo tinha entrado em estado de putrefação. Rhodan escolheu uma trepadeira bem forte, que chegasse à beira do telhado. Continuou a avançar pendurado na mesma. Os pés pendurados para baixo formavam um alvo excelente para tudo quanto era trepadeira.

No início foi somente uma. Deixou arrastar-se agilmente. Mas logo o pé direito de Rhodan foi enlaçado por uma planta mais forte, que logo começou a puxá-lo. Por um instante Rhodan teve de ficar pendurado quieto embaixo do telhado, para não perder o equilíbrio. Mais três tentáculos de plantas desconhecidas aproveitaram a pausa para cercar o tronco do terrano.

Apesar disso, Rhodan conseguia avançar muito bem. Quando tinha percorrido metade do caminho, viu que estava envolvido por pelo menos uma dezena de braços de plantas. Percebeu que nestas condições nunca chegaria ao destino. Felizmente os cipós procuravam arrastá-lo em várias direções, de forma que suas forças anulavam-se em parte. Uma delas foi mais desagradável que as outras, pois seu contato produzia uma ardência dolorosa na pele.

Rhodan foi assumindo a forma de um grande casulo. Segurou-se apenas com uma das mãos e com a outra conseguiu pegar a arma de Mackers, que já provara que não era sensível à água. Rhodan fazia votos de que também desta vez funcionasse.

Atirou. O raio energético concentrado cortou imediatamente a maior parte das trepadeiras. Rhodan voltou a guardar a arma e prosseguiu no seu caminho. Antes que novas cordas o envolvessem, atingiu a beirada do telhado.

Saltou para a mesma e foi parando em meio a uma vegetação exuberante. Ergueu-se imediatamente, pois queria estar preparado para enfrentar eventuais atacantes. Foi apressadamente para o centro do telhado. Em alguns lugares o chão era duro como concreto, mas havia áreas de podridão onde as pernas de Rhodan afundavam a cada passo.

Encontrou uma depressão que poderia abrigar confortavelmente três ou quatro pessoas. Acomodou-se na mesma depois de fazer um cuidadoso exame da área adjacente.

Por enquanto parecia estar em segurança. Pela primeira vez sentiu fome e sede. Ficou deitado por algum tempo, completamente imóvel, para recuperar as forças. Finalmente levantou-se e olhou para o mar.

O que viu fez com que as batidas de seu coração se acelerassem.

Dois homens corriam junto ao mar para salvar a vida. Um deles era Atlan. O outro, uma figura esfarrapada e imunda, parecia ser Bell.

Atrás deles vinha o trio de perseguidores. Três árvores gigantescas que se locomoviam sobre as raízes como se fossem centopéias chegavam cada vez mais perto, desenvolvendo uma velocidade incrível. As árvores tinham pelo menos cem metros de altura, e delas pendiam inúmeros braços em forma de chicote. De vez em quando um dos tentáculos cobertos de espinhos chicoteava o ar, tentando alcançar os homens. Mas a distância ainda era muito grande.

Mas as árvores não eram o único perigo. Os planadores já tinham chegado perto da costa, enquanto as lanchas-patrulha se encontravam mais ou menos no centro da baía.

Rhodan ficou parado em cima do cogumelo que nem uma estátua.

O que poderia fazer para salvar a vida dos dois amigos?

Atlan e Bell tentavam desesperadamente aumentar a distância que os separava dos drenhols, mas as plantas possuíam centenas de raízes móveis em vez de um par de pernas cansadas, e avançavam sobre as mesmas com a velocidade de um tanque de sapatas.

Era a visão mais fantástica que Rhodan já tivera diante dos olhos. Aquelas árvores pareciam fazer parte de um pesadelo, das alucinações de um louco.

Rhodan sentiu-se vazio por dentro e cansado. Em comparação com os perigos que os esperavam a prisão dos plofosianos parecia um agradável período de férias.

Parado em cima do cogumelo, teve de permanecer inativo enquanto via os drenhols chegarem cada vez mais perto de Atlan e Bell.

 

Bell ergueu-se e fez sair um esguicho de água do mar da boca. Depois correu para a terra.

— Devagar — advertiu Atlan. — Não sabemos o que nos espera por lá.

Bell avançou entusiasmado. O simples fato de terem escapado aos plofosianos aumentou bastante sua autoconfiança.

Saiu caminhando pela areia, enquanto a água pingava de suas roupas. Dali a pouco soltou um grito estridente e começou a saltar como um louco.

Atlan, que também já estava em terra firme, contemplou o quadro, alegre e preocupado ao mesmo tempo.

— Um cacto — informou Bell. — Pisei num cacto.

— Um cacto aqui? — perguntou Atlan.

— Sempre pensei que os cactos preferissem os lugares secos.

Bell ficou pulando sobre uma perna, enquanto segurava o pé ferido com ambas as mãos. Atlan viu que em todo lugar havia hastes pequenas cobertas de espinhos em torno dos cogumelos. Ao que tudo indicava, a pressa fizera com que Bell pisasse numa planta e se espetasse.

— Não importa que sejam cactos ou não — resmungou Bell em tom irritado. — De qualquer maneira esta coisa deve ser exterminada. — Olhou em torno. — Parece que fomos os primeiros a chegar.

— Vamos procurar um esconderijo perto da praia — sugeriu Atlan. — Assim não seremos descobertos e poderemos observar o mar. Bell lançou um olhar desconfiado para a selva próxima.

— Esconderijos não faltam — disse. — Resta saber por quanto tempo continuaremos vivos depois que tivermos entrado em um.

Era uma objeção de peso. Atlan imaginava que a mata encerrava uma série de perigos mortais. Se quisessem ter uma chance de sobreviver deveriam agir com muita cautela.

De repente Bell interrompeu seus saltos. Ficou duro que nem uma estátua e olhava com o queixo caído para alguma coisa que estava acontecendo atrás das costas de Atlan. Este notou pelo rosto de Bell que o mesmo estava apavorado.

Atlan virou-se abruptamente. Três árvores corriam pela praia, aproximando-se deles. As gigantescas plantas chicoteavam o ar com galhos em forma de tentáculos. Viam-se espinhos em cada um dos galhos móveis.

Atlan foi o primeiro a recuperar o auto-controle.

— Vamos embora! — gritou, alarmado.

O terrano atarracado estremeceu como se tivesse sido atingido por uma descarga elétrica. De repente parecia compreender o que estava acontecendo. Começou a movimentar as pernas.

Atlan não perdeu tempo. Saiu correndo entre os cogumelos o mais depressa que pôde. O arcônida que vivera mais que qualquer terrano teve de reconhecer mais uma vez que mesmo para ele o cosmos ainda conservava muitas surpresas.

Era inacreditável que uma árvore tão alta pudesse locomover-se sobre as próprias raízes. Com isso os vegetais gigantes transformavam-se nos donos da selva de Greendoor. Provavelmente essa espécie vegetal criara a capacidade de locomoção em virtude da pressão exercida por inúmeros inimigos.

Atlan lançou um olhar ligeiro para trás. Os drenhols já tinham chegado mais perto, esmagando as plantas que se interpunham em seu caminho.

Atlan constatou que não demorariam a ser alcançados pelas plantas de rapina. Não possuíam resistência física para manter os perseguidores à distância por muito tempo.

Ainda havia o perigo representado pelas outras plantas. Seus olhos tinham de revistar constantemente o solo, à procura de espinhos. A idéia de que de repente outras árvores pudessem sair da mata à sua frente deixou Atlan bastante preocupado.

Alguma coisa chiou atrás dele e bateu no chão. Um dos galhos-chicote cobertos de espinhos passara perto dele. O arcônida fez um esforço desesperado para correr ainda mais depressa. Ouviu a respiração ofegante de Bell atrás dele.

— Para a água! — gritou uma voz. — Fujam para dentro da água!

Atlan levantou os olhos e viu Rhodan parado em cima de um enorme cogumelo a uns trinta metros de distância. Apesar do seu aspecto descuidado, reconheceu imediatamente o terrano.

Atlan não custou a compreender. O mar era sua única chance. Como não tiveram esta idéia?

Mudou de rumo e atirou-se à água. Bell seguiu-o com um segundo de diferença. Nadando e saltando ao mesmo tempo, conseguiram afastar-se da margem.

Os três drenhols ficaram parados na praia. Os perigosos galhos-chicote bateram na água.

Bell respirava com dificuldade.

— Foi por pouco — disse com um gemido. — Ainda bem que não vêm atrás de nós na água.

Rhodan já se abrigara novamente na depressão do cogumelo, para evitar que as árvores o descobrissem. As perigosas plantas mantinham-se imóveis junto à água. Até parecia que estavam observando a presa que lhes escapara.

Mas será que podiam...?

Como é que as árvores podiam saber que os dois homens continuavam lá? Atlan sabia que seria um absurdo atribuir uma capacidade visual às gigantescas plantas. Deviam ter desenvolvido outro método que lhes permitia perseguir um alvo móvel.

— Parece que estes monstros querem fixar-se ali — disse Bell. — O que vamos fazer? As lanchas plofosianas vêm pelo mar. Os planadores aproximam-se pela costa. Não demorarão a descobrir-nos.

— Quando estiverem bem perto, mergulharemos — decidiu Atlan. — No momento não podemos voltar à praia.

Dois cogumelos vieram nadando em sua direção. Produziram mais ondas e barulho do que seria de esperar diante de seu tamanho. Atlan contemplou as plantas. Estava bastante desconfiado. Em Greendoor devia-se estar preparado para tudo.

— Boa noite, senhor — disse o primeiro dos cogumelos. — Por que não sai da água, se os plofosianos já estão tão perto?

 

— Cá estamos — disse Noir, ao qual não escapara a perplexidade de Atlan e Bell. Saiu da água e o cogumelo que cobria sua cabeça balançou. Kasom também se levantou.

Atlan suspirou aliviado. Por enquanto todos estavam vivos. Tinha certeza de que Rhodan também notara a chegada de Kasom e Noir.

— Não podemos ir à praia — disse. — As árvores estão à nossa espera.

Relatou em poucas palavras o que tinha acontecido. Mostrou o esconderijo de Rhodan aos dois homens.

— Quase chego a acreditar que estas árvores possuem um reduzido grau de inteligência. De qualquer maneira seu comportamento é muito estranho.

Kasom apontou para trás.

— Devemos pensar logo em alguma coisa — disse.

Tirou o chapéu-cogumelo da cabeça e atirou-o à água.

— Noir — disse Atlan. — Será que o senhor poderia espantar essas árvores?

Noir sacudiu a cabeça num gesto de dúvida.

— Não acredito que reajam às faculdades paranormais — disse. — Já consegui alguns resultados com animais, mas aqui as coisas são diferentes.

— Tente — insistiu Kasom. — Não temos tempo para discutir.

Noir concentrou-se. No início não sentiu nenhuma resistência; suas emanações parapsicológicas fluíam livremente por cima das árvores. Mas de repente surgiu a resistência típica, a pressão surda no cérebro de Noir que era a característica do impacto de um fluido psíquico. No dizer dos mutantes, era o contato negativo. Usavam esta expressão porque só um dos parceiros, o mutante, gerava fluidos psíquicos, enquanto o receptor mantinha uma atitude passiva.

O contato negativo com os drenhols era muito fraco, mas existia. Por pouco Noir não perde o controle de suas forças, de tão surpreso que ficou no primeiro instante.

Acenou ligeiramente com a cabeça, para que os homens que esperavam ansiosamente estivessem informados.

Bell praguejou baixinho, dando a entender claramente que nunca acreditara no êxito da ação de Noir, e que continuava a não acreditar.

Noir passou a irradiar seus comandos mentais a intervalos cada vez menores. Teve o cuidado de não transmitir ordens diretas. Contentou-se em transmitir símbolos mentais para levar as árvores a se afastarem. Seus olhos estreitaram-se. Quando já começava a não acreditar no êxito da operação, uma das árvores começou a movimentar-se.

De repente, como se tivessem chegado a uma súbita decisão, os drenhols fizeram meia-volta e foram caminhando em direção à mata.

— Pronto! — exclamou Atlan, aliviado. — Vamos dar o fora daqui.

No mesmo instante um jato de água levantou-se a seu lado. Alguma coisa atirava a água para cima.

— Eles nos descobriram! — gritou Bell fora de si. — Estão atirando em nós.

Atlan virou-se abruptamente e olhou para o mar. Uma das lanchas-patrulha aproximava-se em alta velocidade. O tiro provavelmente fora disparado a título de advertência, para levá-los a capitular.

Mas Atlan nem pensava em render-se naquele momento.

— Vamos embora! — disse.

Com braçadas vigorosas venceram a distância reduzida que os separava da praia. Depois saíram correndo pela areia. Não se preocuparam com a possibilidade de pisar numa das plantas espinhentas. A única coisa que importava no momento era libertar-se dos plofosianos.

A selva ia chegando cada vez mais perto. A lancha-patrulha voltou a disparar uma salva. Bem ao lado dos homens o impacto de um tiro abriu um vale de vários metros. Finalmente desapareceram entre os cogumelos, tornando-se invisíveis aos olhos de seus perseguidores. À medida que se aproximavam da mata, tornavam-se cada vez mais nítidos os caminhos largos que provavelmente eram abertos por árvores capazes de locomover-se sobre as raízes. Havia trepadeiras espalhadas por toda parte, mas a vegetação parecia evitar os caminhos dos drenhols.

O arcônida lembrou-se de Rhodan. O Administrador Geral continuava deitado sobre o cogumelo gigante, onde no momento estava em segurança.

Um rangido penetrante atingiu o ouvido de Atlan. A lancha plofosiana acabara de tocar a areia. Imaginou que um grupo de homens equipados com armas paralisantes saltaria da mesma e se espalharia pela área.

Atlan sorriu. Fazia votos de que a selva preparasse uma recepção calorosa para os plofosianos.

 

Não era muito freqüente que Al Jiggers demonstrasse algo parecido com uma emoção. Mas quando recebeu a breve mensagem expedida pela lancha-patrulha, segundo a qual os fugitivos acabavam de ser descobertos na margem da baía, o agente deu uma forte pancada no ombro do homem que pilotava o planador.

— Vamos! — disse. — Pousaremos perto da lancha.

Depois de verificarem que os fugitivos não se encontravam mais no interior do labirinto dos canais de esgoto, Jiggers mandara que um dos planadores pousasse e, subindo a bordo do mesmo, passara a dirigir a perseguição de cima.

Entrou imediatamente em contato com o quartel-general do chefe supremo.

— Já sabemos onde estão — disse em tom satisfeito, assim que Hondro respondeu ao chamado. — Acabam de ser descobertos por uma das lanchas-patrulha.

— Muito bem — disse Hondro laconicamente. — Estão todos vivos?

Jiggers constatou que o chefe supremo não estava compreendendo muito bem o que ele acabara de dizer. Segundo parecia, Hondro acreditava que os homens do Império já estavam novamente em seu poder. Explicou a situação.

— Entraram na selva?! — exclamou Hondro, furioso. — Sabe o que pode acontecer nestas condições, Al.

— Sei perfeitamente — disse Jiggers em tom penetrante. — De qualquer maneira já sabemos onde procurá-los. Mandei que todos os planadores e lanchas se dirigissem imediatamente ao respectivo trecho da costa. Pousarei com o planador no qual me encontro e comandarei pessoalmente a perseguição.

— Tenha cuidado, Al — advertiu Hondro. — Não quero perder um grande número de homens na operação.

Jiggers ficou furioso, mas sabia que seria completamente inútil discutir com Hondro.

— Estamos bem equipados — disse depois de algum tempo. — Rhodan e seus companheiros não irão longe. Daqui a pouco ficarão satisfeitos se puderem voltar à prisão.

— Se eu fosse o senhor, não teria tanta certeza — respondeu Hondro, interrompendo a ligação.

Jiggers desligou e olhou por cima do ombro do piloto para ver melhor. Lá embaixo, junto à praia, os primeiros homens estavam saindo da lancha para iniciar a perseguição. Para Jiggers foi tudo muito devagar.

— Não pode ir mais depressa? — gritou para o piloto.

O homem virou a cabeça e respondeu com a maior tranqüilidade:

— Seria inútil. Já estamos pousando.

Jiggers fitou-o com uma expressão de raiva. O planador descia rapidamente. Jiggers ficou impaciente enquanto via a praia chegar mais perto. O piloto fez pousar o planador ao lado da lancha-patrulha.

Jiggers colocou a máscara protetora e dirigiu-se apressadamente à saída. Foi o primeiro a descer do planador. Homens continuavam a sair da lancha.

Jiggers segurou o braço do primeiro que apareceu por perto e gritou:

— Em que direção eles foram?

O homem apontou para a mata que se estendia à frente de Jiggers e soltou-se para seguir os outros. O agente lançou um ligeiro olhar para o planador. Fez sinal para que os tripulantes se aproximassem.

Neste momento Jiggers esqueceu por completo os perigos que a selva de Greendoor encerrava e concentrou-se fanaticamente em sua tarefa. Não porque Jiggers fosse um homem sem sentimento, mas porque Al Jiggers queria viver. E isso só seria possível se recebesse o antídoto que se encontrava em poder do chefe supremo.

Que negócio formidável”, pensou Jiggers num assomo de sarcasmo. “Cinco prisioneiros em troca de quatro semanas de vida.

 

Nos últimos minutos os acontecimentos precipitaram-se. Mal acabou de gritar para que Atlan e Bell fugissem para o mar, Kasom e Noir apareceram no mar. Rhodan notou que os drenhols retiraram-se dentro de pouco tempo e desapareceram na mata. Bem que gostaria de saber o que levara as árvores a bater em retirada. Tentou estabelecer contato telepático com Noir, mas não conseguiu. O hipno devia estar exausto, ou então concentrava-se em outra coisa.

Dali a pouco os quatro homens foram descobertos pela lancha plofosiana. Na opinião de Rhodan, o tiro só fora disparado pela lancha para intimidar os homens.

Os fugitivos atingiram a mata e desapareceram no interior da mesma. Rhodan percebeu que no momento não havia possibilidade de segui-los. A lancha já tinha chegado muito perto. Se descesse do cogumelo, fatalmente seria descoberto.

Assim que a proa da lancha tocou a areia, os primeiros plofosianos saltaram da mesma e saíram correndo em direção à mata. Rhodan viu que alguns dos homens hesitavam. O medo dos perigos que a selva encerrava estava profundamente enraizado em sua mente.

Outras lanchas e alguns barcos aéreos aproximaram-se. O primeiro planador pousou alguns segundos depois do instante em que o fundo da primeira lancha tocou a areia da praia.

Quem primeiro apareceu na escotilha do primeiro planador foi um homem muito baixo. Rhodan notou que a maioria dos plofosianos usava máscaras especiais, que certamente se destinavam a proteger o rosto contra os ataques das plantas.

Ninguém prestou atenção à área adjacente. No momento Rhodan estava em segurança absoluta. Os plofosianos até chegavam a desviar de sua pessoa a atenção de possíveis inimigos que poderia haver na selva.

Mas sua segurança pessoal, só por si, não era capaz de tranqüilizá-lo. Rhodan sentiu-se deprimido ao pensar em Atlan, Bell, Kasom e Noir. Para eles as coisas não estavam nada boas. Se não acontecesse um milagre, teriam de voltar à prisão ou sofreriam o ataque de plantas de rapina.

Mais uma lancha foi ter à praia, e pelo menos seis planadores pousaram no mesmo instante. Dentro de alguns minutos a praia estaria repleta de plofosianos. Sem dúvida os mesmos já tinham pedido aparelhos de rastreamento de alta sensibilidade. Mas não era isto que preocupava Rhodan. Por melhores que fossem os aparelhos, os mesmos falhariam numa selva desse tipo, onde praticamente tudo se mantinha constantemente em movimento, onde o impulso registrado por qualquer aparelho poderia provir tanto de um homem como de uma planta.

Por isso os plofosianos não teriam outra alternativa senão agir com o maior cuidado. Não poderiam correr às cegas atrás dos fugitivos.

Rhodan notou que o plofosiano baixo que ia à frente de um grupo de oito homens também desapareceu na mata. Das lanchas e planadores que vieram depois saíam outros homens, que participavam da operação de busca.

Em condições normais os quatro homens não teriam a menor chance de escapar, mas a mata virgem de Greendoor oferecia inúmeros esconderijos.

Rhodan foi penetrando mais para o fundo da depressão e deitou de costas. Poderia ficar ali várias horas, a não ser que o encontrassem por acaso. Fazia votos de que só uns poucos plofosianos tivessem ficado para manter guarda junto às lanchas e aos planadores. Talvez chegasse o momento em que poderia dar seu golpe. Afinal, ainda possuía a pequena arma de Mackers. Mas o mais importante era a resolução que o animava, típica de um homem que não tinha mais nada a perder. Por um ligeiro instante pensou no Império Unido, do qual provavelmente só restava o nome. Perguntou a si mesmo por que não se sentia desesperado por ter perdido tudo. Provavelmente estava envolvido demais nas dificuldades do momento.

Plofos”, pensou. “Talvez seja este o nome que substituirá a Terra”.

Ou será que os antigos colonos terranos também não conseguiriam manter-se depois que tivessem assumido o poder na Galáxia?

Será que nenhuma raça era capaz de avançar cada vez mais, penetrar sempre mais profundamente no Universo? Milhares de reinos estelares já tinham desaparecido, não se falava mais neles, nem sequer tinham sido conservado nas lendas.

Será que um dia o nome Terra também cairia no esquecimento? Chegaria o momento em que não haveria mais um único ser humano entre as estrelas?

 

Aos poucos o movimento foi diminuindo na praia. O barulho dos grupos de busca plofosianos tinha desaparecido ao longe. Rhodan saiu da depressão existente na cobertura do cogumelo para observar a área adjacente. Os plofosianos tinham sido engolidos pela selva. Tentariam encontrar os prisioneiros fugidos.

Rhodan ficou observando a praia. Havia três lanchas encostadas à mesma. Os barcos voadores tinham pousado mais adiante. Grupos de plofosianos patrulhavam a área que ficava entre a selva e o mar. Rhodan resignou-se. Apesar da pressa, o comandante da operação não cometera o erro de abandonar as lanchas e os planadores.

Rhodan convenceu-se cada vez mais de que esses descendentes dos terranos eram inimigos muito perigosos. Sua mentalidade era muito semelhante à dos outros humanos. Devia partir deste pressuposto.

Rhodan foi avançando em direção à beira da cobertura. Teve o cuidado de se movimentar somente quando tinha certeza de que nenhum dos guardas atentos o descobriria. Era claro que os plofosianos se concentravam na mata, pois acreditavam que qualquer surpresa só poderia vir de lá.

Rhodan sabia perfeitamente que nas próximas horas não teria outra oportunidade tão favorável para abandonar o cogumelo.

Suas mãos tatearam embaixo da cobertura, à procura de uma trepadeira pela qual pudesse descer.

De repente sentiu que o cogumelo estava sendo sacudido por um leve tremor. Recuou imediatamente.

Qual era a causa do abalo?...

Será que embaixo da cobertura estava acontecendo alguma coisa que ele não via de cima? Era possível que os plofosianos se tivessem aproximado pelo outro lado e estivessem subindo pela haste do cogumelo. Rhodan voltou apressadamente para o interior da depressão e sacou a arma de que se apoderara.

O cogumelo vibrou novamente, desta vez com muito mais força. Rhodan teve a impressão de que o abalo vinha de dentro da cobertura. Idéias fantásticas atravessaram sua cabeça. Quem sabe se alguma coisa não se alojara no interior do cogumelo, e estava saindo à força?

O cogumelo gigante parecia inchar, o envoltório cheio de cicatrizes ficou tenso, as plantas que cresciam sobre ele começaram a balançar como se um vento forte estivesse soprando. Rhodan acompanhou o fenômeno misterioso com a maior atenção.

A única coisa que podia fazer era ficar deitado na depressão de arma em punho e esperar. O cogumelo começou a emitir ruídos: “Plup! Plup! Plup! Plup! Plupupup!”

De repente a cobertura do cogumelo pareceu esticar-se igualmente a uma tenda inflada por uma tempestade.

O cogumelo gigante no qual Rhodan se escondera era velho. Provavelmente era um dos exemplares mais velhos existentes em Greendoor. Até mesmo as outras plantas teriam dificuldade em atacá-lo. Os inimigos maiores contentavam-se com os cogumelos pequenos, mais fáceis de derrotar.

Aquele patriarca dos cogumelos já estava supermaduro. Em seu interior milhões de esporos aguardavam o momento de serem atirados para o ar. Mas o gigante macróbio tinha dificuldades em largá-los, pois sua pele coberta de cicatrizes e plantas era dura e pouco elástica. Por mais que se esforçasse, o velho cogumelo ainda não conseguira produzir a explosão salvadora, por meio da qual se libertaria das sementes.

Porém, acabara de receber um auxílio inesperado: o peso de Rhodan e seus movimentos fizeram aquilo que a planta não conseguira em todo esse tempo ou seja, estender-se em todos os lugares não atacados pela podridão, e pronto para atirar para o alto sua última carga de sementes.

Rhodan não sabia disso e nem imaginava o que estava para acontecer. Continuava absorto, refletindo sobre a origem das vibrações. Lembrou-se dos terremotos e maremotos, dos plofosianos e dos animais selvagens.

Ergueu ligeiramente o corpo, para olhar para o mar. Apoiou-se nos cotovelos. A superfície do cogumelo ficou cada vez mais agitada.

Na praia continuava tudo como antes. Os guardas ainda faziam suas rondas, olhando constantemente para a selva.

Então o cogumelo explodiu!

Arrebentou em três pontos diferentes e o excesso de pressão existente em seu interior descarregou-se.

Foi tudo tão rápido que Rhodan mal teve tempo para esboçar qualquer reação. A depressão em que se abrigara estourou com um estampido seco. Rhodan foi atirado para o alto, envolto em milhares de esporos. Mas seu peso não permitiu que a força da explosão o levantasse a mais de um metro. As sementes que o cercavam pareciam uma névoa que impedia a visão.

Rhodan caiu para dentro do cogumelo, rompeu as membranas que se tinham tornado frouxas e atravessou a grossa cobertura. Foi detido pela confusão de trepadeiras. Tudo isso aconteceu numa fração de segundo. Incapaz de fazer qualquer coisa de tão atordoado que estava, Rhodan segurou-se instintivamente. Viu-se envolto numa penumbra, mas teve a impressão de que a perna direita ficou pendurada do lado de fora.

A primeira coisa em que pensou foram nos plofosianos. A explosão certamente despertara a atenção dos guardas para o cogumelo. Talvez já tivessem cercado a planta e esperassem com as armas apontadas o momento de prendê-lo.

 

O estrondo com que a gigantesca planta atirou suas sementes para a atmosfera fez com que Kretang e os outros guardas estremecessem. Ele virou-se abruptamente, tentando descobrir o atirador. Mas quando viu o gigantesco cogumelo envolto no pó da semente, baixou a arma, aliviado.

— Caramba! — exclamou outro plofosiano, profundamente impressionado. — Nunca vi um cogumelo deste tamanho.

Kretang confirmou com um gesto de cabeça.

— Provavelmente foi sua última descarga de semente. Está todo encolhido.

Viram parte dos esporos cair ao chão. Mas uma parte muito maior foi carregada pelo vento. Aos poucos a nuvem de semente foi-se desfazendo, e o cogumelo apareceu à sua frente.

Kretang arregalou os olhos, de tão incrédulo que ficou.

Embaixo da cobertura do cogumelo havia uma perna humana pendurada. Esta perna estava enfiada numa calça esfarrapada. Kretang fechou os olhos e voltou a abri-los. Não se enganara: do cogumelo pendia uma perna!...

O raciocínio de Kretang não era muito rápido. Além disso, a surpresa deixara-o sem fala. Mas seu rosto logo se tingiu de vermelho. Se a perna estava lá, o resto do corpo poderia ser encontrado no mesmo lugar.

Kretang começou a tremer de nervoso.

Havia alguém naquele cogumelo. Provavelmente fora ferido ou até morto pela explosão. Kretang pôs-se a refletir intensamente. No primeiro instante pensou em informar os outros sobre sua descoberta. Mas logo mudou de idéia, pois viu que os outros guardas já não se interessavam pelo acontecimento corriqueiro.

Kretang farejou uma chance. Se a perna pertencesse a um dos prisioneiros que tinham fugido, poderia prender o mesmo. A façanha mereceria o reconhecimento de seus superiores. E não era só. Possivelmente a mesma chegaria ao conhecimento do chefe supremo, e este mandaria promovê-lo.

Kretang certificou-se de que os outros não o observavam e foi caminhando com uma indiferença fingida em direção ao cogumelo. Os homens que se encontravam entre os planadores teriam a impressão de que ele se interessava pelo cogumelo.

Foi avançando sistematicamente em direção à planta. A perna começou a movimentar-se mais rapidamente, o que era um sinal seguro de que o dono da mesma ainda estava vivo. O coração de Kretang começou a bater mais depressa. Segurou com mais firmeza a arma.

Finalmente chegou perto do cogumelo e lançou os olhos para as trepadeiras que se entrelaçavam numa perfeita confusão.

Olhou exatamente para dentro da abertura de uma pequena arma térmica que estava sendo apontada para ele, e empalideceu.

Uma voz bastante calma que Kretang nunca a esqueceria disse:

— Quieto, meu chapa!

Diante da ameaça mortal, o plofosiano não teve alternativa. Obedeceu. Olhou pelas ramificações e viu uma figura desleixada em cujo rosto se destacava um par de olhos claros. Estes olhos estavam fixados em Kretang. Este não se lembrava de que alguém já o tivesse olhado desse jeito. Começou a sentir-se inseguro. Ao mesmo tempo teve medo, não só do desconhecido, mas também dos superiores, que depois deste resultado não teriam muita compreensão por sua ação solitária.

— Ande bem devagar em torno do cogumelo — ordenou o homem. — Fique parado do outro lado, para que os caras que se encontram na praia não possam vê-lo.

Kretang obedeceu mais uma vez. Saiu caminhando para o lugar indicado, praguejando no seu íntimo contra a desdita que sofrera.

— Muito bem — disse o desconhecido em tom de satisfação. — Passe para cá a arma. Devagar e com cuidado.

Kretang engoliu em seco. Girou cautelosamente a arma paralisante, para que a mesma ficasse com a coronha voltada para cima, e estendeu-a ao homem que estava lá em cima.

— Gostei de ver — disse o homem em tom de elogio, como se Kretang acabasse de praticar uma boa ação.

Desolado, Kretang ficou à espera dos acontecimentos. Esperava ser morto pelo desconhecido. Suas mãos estavam ficando úmidas. A impressão de que cada vez que inalava o ar poderia ser a última, não o soltava. Mas apesar disso não teve coragem para fazer qualquer coisa contra esse terrível desconhecido.

— Agora você vai subir para cá — ordenou a voz vinda de cima.

Kretang já não sabia o que pensar. O que significava isso? Por que o fugitivo não atirava nele do lugar em que estava? Kretang voltou a ter alguma esperança. Virou-se e foi subindo pelo cogumelo. O terrano usou o cano do paralisador para conduzi-lo na direção que queria. Finalmente Kretang penetrou na cobertura parcialmente arrebentada. O cheiro de podridão quase fez com que perdesse os sentidos.

De repente o desconhecido atirou. Kretang sentiu que suas juntas endureceram. Era incapaz de fazer qualquer coisa. Seu corpo amoleceu. Imaginava que o inimigo se aproximaria dele. O que desejava este louco? Não sabia que lá embaixo havia um comitê de recepção armado à sua espera?

Um rosto inclinou-se sobre Kretang. Era um rosto barbudo e selvagem.

— Permita que tome emprestado seu uniforme — disse o homem em tom delicado.

O desconhecido pôs-se a despi-lo com movimentos bem cuidados. Não se apressou muito, mas também não perdeu tempo. Finalmente terminou e cobriu Kretang com os farrapos que ele mesmo trazia no corpo.

— Não é uma boa troca — disse. — Mas o senhor pode dar-se por feliz por ainda estar vivo.

Antes estivesse morto”, pensou Kretang.

O inimigo lançou mais um olhar para seus novos trajes. Parecia satisfeito, pois sorriu amavelmente para Kretang.

— Passe bem — disse. — O senhor acaba de prestar um grande serviço ao Império Unido.

Vá para o inferno”, pensou Kretang, furioso, lamentando que não pudesse exprimir este desejo primitivo em palavras vigorosas.

O terrano desapareceu. Kretang ficou apavorado em pensar quais poderiam ser as intenções deste homem. Provavelmente tentaria passar despercebido pelos guardas para fugir num dos planadores.

Mas o plofosiano logo se acalmou. Seria simplesmente impossível concretizar uma intenção como esta. O desconhecido estava sendo movido pelo desespero.

E o desespero do outro fez com que Kretang julgasse sua situação um pouco mais suportável.

 

Quando voltou a ter chão firme sob os pés, Perry Rhodan ainda não tinha nenhum plano. Não sabia como agir dali por diante. Teria de tomar suas decisões numa adaptação instantânea à situação de cada momento. Sabia perfeitamente que não tinha a menor chance de apoderar-se de um planador, mas, precisava tentar. Uma vez descoberto pelo plofosiano, não tivera alternativa senão pô-lo discretamente fora de ação. Felizmente aquele homem fora leviano a ponto de não avisar os outros guardas.

Rhodan contornou o cogumelo com a cabeça baixa e foi caminhando lentamente pela praia. Devia evitar de qualquer maneira que algum dos plofosianos visse seu rosto. Além de não ter a menor semelhança com o do homem inconsciente que estava deitado no cogumelo, Rhodan tinha uma grande barba cheia de imundícies.

Foi-se aproximando da primeira lancha-patrulha sem que ninguém lhe desse atenção. Os plofosianos dedicavam sua atenção à selva e faziam suas rondas em silêncio.

Rhodan viu que havia muitos guardas patrulhando a área que ficava entre ele e os planadores. Nunca chegaria lá. Mudou então de plano. Resolveu entrar em uma das lanchas. Poderia esconder-se na mesma e depois disso só lhe restaria esperar até que fosse transportado de volta para Central City sem ser descoberto. O que viria depois não importava no momento. Precisava aproveitar a chance que se oferecia.

Foi-se aproximando passo a passo da lancha plofosiana. O marulhar das ondas de encontro ao barco superava o ruído dos seus passos na areia.

O passadiço continuava estendido. Rhodan sentiu-se aliviado ao colocar o pé no mesmo. Tudo parecia ser incrivelmente fácil. Rhodan foi subindo para a lancha sem olhar para trás.

— Kretang! — gritou alguém de repente. O sentimento de confiança que acabara de ser despertado em Rhodan morreu. Mas este obrigou-se a prosseguir. Era possível que a pessoa que estavam chamando não fosse ele.

— Kretang! — voltou a gritar a pessoa. — Que é isso? Vai abandonar seu posto?

Rhodan parou. Estava perdido. Quanto a isso não havia a menor duvida. Pela segunda vez caíra nas mãos dos plofosianos.

Virou-se lentamente, como se tivesse de refletir sobre o que deveria fazer. No momento em que levantou a cabeça, mostrando o rosto aos homens que o fitavam surpresos da praia, levantou o paralisador de que se apoderara e começou a atirar.

Mesmo só Perry Rhodan era um inimigo muito poderoso.

Mas não podia fazer milagres.

Conseguiram atingi-lo dois minutos depois de ele ter dado o primeiro tiro. Quando caiu ao chão sob o impacto de um raio paralisante, havia sete plofosianos estendidos na praia.

Voltara a tornar-se prisioneiro de Iratio Hondro, primeiro-ministro do sistema de Eugaul...

 

O braço-chicote do drenhol parecia ter vindo do nada. Interpôs-se no caminho dos homens e derrubou Bell, que caminhava na ponta. O terrano atarracado soltou um grito surdo e rolou, ficando deitado de costas. No mesmo instante seu corpo foi enlaçado por trepadeiras verdes.

O próprio drenhol saiu para o caminho com um forte estrondo. No interior da selva continuava a reinar a penumbra, já que o sol duplo não conseguia vencer a tessitura densa formada pela mata, que cobria o chão como se fosse um telhado. Só os drenhols subiam acima da mata, além de certas plantas menores que tiveram a felicidade de fixar-se como parasitas nos galhos das gigantescas árvores.

O chão parecia vibrar. Ouviu-se um zumbido e uma série de estalos, mas o drenhol avançava ininterruptamente. Os homens faziam votos de que Bell tivesse perdido os sentidos.

— Noir! — cochichou Atlan em tom insistente. — Ajude-lhe, Noir.

O arcônida sabia perfeitamente que aquilo que estava pedindo a Noir era quase impossível. Tinham pela frente um inimigo muito poderoso, mais perigoso e voraz que qualquer outra planta de Greendoor — e ele queria que o hipno se concentrasse.

Mas Noir era incapaz de abandonar um amigo. A vida de Reginald Bell estava em jogo. O risco que assumiriam se tentassem arrastar o homem inconsciente para fora da área de perigo seria grande demais. O drenhol voltaria a golpear.

Atlan e Kasom recuaram um pouco, enquanto Noir ficou parado mais próximo à árvore.

A proximidade do drenhol não deixava de ter sua vantagem. As outras espécies vegetais que habitavam a selva retiravam-se, fugiam do mais terrível dos inimigos. Flores fechavam-se, folhas encrespavam-se, garras que ficavam à espreita em cima do chão eram recolhidas às pressas, folhas que velejavam pelo ar mudavam de rumo, dando a impressão de que sabiam o que lhes aconteceria se chegassem perto do gigante.

Forçou-se a desprender os olhos de Bell e dirigiu seus fluxos paranormais para o drenhol. Para sua surpresa, desta vez o contato foi muito mais rápido que com as três árvores que vira junto à praia. Noir até teve a impressão de que o inimigo que tinha pela frente era dotado de uma receptividade extraordinária.

Depois de acalmar-se um pouco, o hipno atuou com suas energias psi sobre a planta. Para ele, que estava repetindo um procedimento muitas vezes executado, aquilo não tinha nada de extraordinário, mas o alvo escolhido era mais estranho que qualquer outro em que já se concentrara.

Um terrano não muito alto encontrava-se a uns cinqüenta metros de uma gigantesca árvore e tentava submeter a mesma ao seu domínio mental. Num homem terrano o procedimento provavelmente provocaria riso, mas o mutante não teve vontade de rir. Sua vida estava em jogo — e não somente a sua.

Aos poucos o drenhol foi parando de chicotear o ar com seus tentáculos.

De repente Kasom passou correndo por Noir e precipitou-se sobre Bell. Levantou o homem inconsciente do chão como se fosse um saco vazio e colocou-o sobre o ombro. Depois de olhar ligeiramente para trás, o ertruso saiu correndo. Brindou Noir com um sorriso de alívio.

— Muito bem, André — disse Atlan com os lábios ressequidos. — Bell está salvo.

Noir fez um gesto para dar a entender que ainda não terminara. Continuava a manter a árvore submetida a seu controle mental. Constatou que era capaz de dirigir o gigante. Quanto mais demorava o controle exercido sobre o drenhol, melhor conseguia lidar com ele.

Finalmente pôde assumir o risco de manter a árvore na base psi e ao mesmo tempo falar com alguém.

— Prendi-a no chão — disse, dirigindo-se a Atlan. Em suas palavras vibrava certo orgulho misturado a um pouco de cansaço.

Atlan procurou ouvir os ruídos saídos da selva, para verificar se os perseguidores tinham chegado mais perto. Mas era impossível distinguir determinados ruídos em meio ao inferno verde.

Kasom estava cuidando de Bell, que acabara de recuperar os sentidos. Dentro de alguns segundos o terrano, que era bastante resistente, voltou a ficar de pé. Lançou um olhar zangado para a árvore que conseguira dominá-lo.

— Mande embora a árvore, Noir — disse Atlan.

Noir abanou a cabeça.

— Estou segurando esta árvore — disse, enfatizando as palavras. — Quero que me compreenda bem, almirante. Daqui por diante esta árvore obedecerá às minhas ordens. Não nos fará nada.

Bell fitou-o estupefato, como se tivesse um louco à sua frente.

— Será que o senhor ficou maluco? — perguntou.

Noir sorriu, Sabia que não se devia levar muito a sério as observações de Bell. Ainda mais nas condições em que se encontravam.

— De forma alguma — disse. — É possível que esta árvore passe a cumprir minhas ordens.

Atlan fitou o drenhol imobilizado com uma expressão de desconfiança. Era possível que Noir tivesse razão, mas a proximidade do gigante não deixava de ser desagradável.

— O que pretende fazer? — perguntou, bastante tenso.

O mutante fez um gesto amplo.

— Aqui estamos constantemente em perigo — disse. — Temos de contar com a possibilidade de que apareçam outras plantas, muito menos desenvolvidas que esta árvore, que não podem ser influenciadas parapsicologicamente. Isto significa que devemos tomar nossas precauções.

Atlan imaginou que o hipno já devia ter certas idéias sobre o procedimento que adotariam dali por diante, mas não queria falar sobre isso. Mas o arcônida achou conveniente que estivesse informado sobre os planos de seus companheiros. A experiência colhida em inúmeros mundos fazia com que enxergasse as coisas de outro ângulo que estes homens. Apesar de tudo preferiu não forçar Noir, pois isso deixaria o mutante bastante perturbado.

Mas Noir começou a falar sem que ninguém pedisse.

— Acho que estas árvores conseguem comunicar-se entre si — disse.

O rosto magro de Atlan não mostrou o menor Sinal da surpresa que a observação de Noir produzira nele. O imortal sabia controlar-se melhor que qualquer outra pessoa.

— Explique melhor — disse.

Por um momento Noir dava a impressão de estar um tanto perplexo — e foi quando Atlan viu as barreiras que se interpunham entre ele e o mutante. Nunca seria capaz de compreender inteiramente as capacidades psi de um mutante. Parecia que para Noir era muito difícil explicar a capacidade de que era dotado. Parecia um daltônico que nunca é capaz de explicar a um homem que possua visão normal de que forma ele enxerga as cores.

— Trata-se de uma espécie de comunicação na base psi — disse Noir em tom enfático.

— Isso é inacreditável — observou Atlan. — Não venha me dizer que estas plantas sofreram um processo de mutação!

— Sofreram, sim — respondeu Noir apressadamente. — A capacidade de locomoção resultou de uma mutação repentina, da mesma forma que os galhos-chicote.

— Neste caso trata-se de mudanças exteriores — ponderou Bell.

— Na minha opinião estas árvores já possuíam a capacidade de comunicar-se entre si quando suas raízes ainda estavam bem presas no solo. Podem comunicar-se com os outros indivíduos de sua espécie. Quanto a isso não há a menor dúvida.

Atlan olhou para o outro lado do caminho envolto na penumbra, fitando a planta imobilizada. Quase chegou a acreditar que a afirmação de Noir era uma tolice. Mas o hipno não seria capaz de afirmar alguma coisa com base numa simples suspeita. Parecia que Noir pretendia aproveitar justamente esta capacidade de comunicação dos drenhols entre si em prol dos seus objetivos.

— Suponhamos que o senhor tenha razão — disse Atlan com a voz tranqüila. — O que pretende fazer com suas vítimas.

Desta vez Noir sorriu.

— Esta plantinha passa a ser nossa intérprete — disse Noir. — Vai ajudar-nos a estabelecer um contato complicado mas eficiente com os outros indivíduos de sua espécie. O mais importante é que dessa forma evitaremos que essas árvores nos ataquem.

— Mas não é tudo — conjeturou Atlan.

— De forma alguma. Já dispomos de um meio de transporte e de um esconderijo relativamente seguro, onde os plofosianos não nos encontrarão tão depressa.

Noir ainda não dissera para onde pretendia levá-los, mas Atlan já começava a imaginar qual era o plano elaborado pelo mesmo. Tratava-se de um plano que só poderia ter sido gerado no cérebro de um terrano: era arrojado ao extremo, incrível e maluco.

Noir parecia ter adivinhado seus pensamentos. Apontou para o drenhol, que continuava parado à sua frente, e disse com a maior calma:

— Esta árvore nos recolherá.

Bell protestou imediatamente. Seu corpo ainda mostrava os sinais do ataque-relâmpago. Não conseguia compreender que Noir insistisse em que voltasse a aproximar-se do monstro.

— É bobagem — disse em tom contrariado. — Se quiser, suba na copa da árvore, André. Eu vou fugir a pé.

— Quem diz que queremos ficar sentados nos galhos que nem urubus? — perguntou Noir bem-humorado. — Vamos alojar-nos dentro da árvore.

— Ha, ha — fez Bell em tom áspero.

— Noir — interveio Atlan. — Não aguce mais nossa curiosidade. Os plofosianos podem aparecer a qualquer momento, e o senhor nos vem com charadas.

— Desculpe, senhor — disse o mutante.

— No interior deste gigante existem vários espaços ocos, que geralmente são habitados por plantas que vivem em simbiose com a árvore.

— Despejaremos os velhos inquilinos e ocuparemos seu lugar — disse Kasom em tom seco.

— Isso mesmo — confirmou Noir. — Desta forma o tronco da árvore já não nos poderá fazer mal.

— É claro que o senhor vai entrar primeiro — sugeriu Bell.

Noir não respondeu. Saiu andando em direção ao drenhol. Não parecia ter nem um pouco de medo.

— Segure-o, Kasom — gritou Bell, muito nervoso. — Não vê que ele está se suicidando?

— Um momento, Melbar! — pediu Atlan. — Espere só um instante.

Viram que Noir se aproximava cada vez mais do monstro sem ser perturbado. Nenhum braço-chicote levantou-se num gesto de ameaça, nenhuma raiz rastejou pelo chão. A presença de Noir não parecia incomodar o drenhol.

O mutante passou com grande agilidade sobre as raízes e alcançou o tronco. Fez sinal para que os outros se aproximassem. Bell e Atlan entreolharam-se. Kasom resmungou alguma coisa.

Provavelmente teriam hesitado mais algum tempo, mas um ruído vindo de trás, que se tornava cada vez mais vivo, fez com que se decidissem.

— Os plofosianos! — chiou Atlan. Já se distinguia perfeitamente o barulho causado pelos perseguidores entre os ruídos da selva. Devia ser um grupo maior que avançava pela mata. Ao que parecia, os plofosianos estavam usando o mesmo caminho do drenhol pelo qual tinham vindo os fugitivos.

Noir também ouviu o ruído e começou a preocupar-se.

— Andem logo — gritou para os três homens. — A árvore ficou completamente inofensiva.

Os três saíram correndo quase ao mesmo tempo. Noir enfiou-se às pressas pelo buraco aberto por um galho caído, que tinha mais de um metro de diâmetro. Viram-no desaparecer no interior da árvore. O drenhol não esboçou a menor reação.

Apesar de estar com o microgravitador ligado, Kasom foi o primeiro a chegar às raízes. De repente estacou. Seu rosto assumiu uma expressão sombria.

— Não passo por este buraco de camundongo, senhor — disse em tom apressado.

Atlan ficou apavorado ao constatar que o ertruso tinha razão. Para Kasom seria impossível entrar na árvore, pelo menos do lado em que se encontravam.

— Do outro lado do tronco também deve haver aberturas — disse. — Procure uma.

Kasom soltou por cima das inúmeras ramificações das raízes com a agilidade de uma corça. Bell, que já alcançara o buraco, seguiu o mutante.

Atlan olhou para trás. Já se viam confusamente os primeiros uniformes plofosianos. Por enquanto a luz mortiça protegia-o contra uma descoberta prematura, Kasom, que apesar de seu corpo enorme era rápido como um gato, desapareceu atrás de uma curvatura do tronco. Uma raiz quebrou sob o peso de seu corpo.

Quando Atlan quase tinha alcançado a abertura, os gritos de triunfo dos perseguidores atingiram seu ouvido. Fora visto por eles. Mas os gritos dos plofosianos cessaram quando viram que a vítima, que já acreditavam terem apanhado, desapareceu no interior de um drenhol.

 

Al Jiggers parou tão de repente que os homens que corriam à sua retaguarda esbarraram nele. Os gritos silenciaram atrás de Jiggers. Dizia-se que não havia nada que pudesse pegar Al de surpresa.

Acontece que a cem metros do lugar em que se encontrava um dos fugitivos, em que mal conseguiu pôr os olhos, o mesmo estava entrando são e salvo num drenhol. Jiggers passava a maior parte do tempo em Plofos, mas tinha um escritório em Greendoor e estava muito bem informado sobre as características da selva. Qualquer um que se aproximasse de uma árvore desta espécie sem armas e sem tomar as necessárias precauções poderia considerar-se morto.

Os drenhols haviam matado mais colonos em Greendoor que todas as outras plantas juntas. Eram inimigos impiedosos.

— Não é possível — disse um dos homens que se encontravam ao lado de Jiggers. — Desapareceram no interior da árvore.

— Desapareceram?! — repetiu Jiggers em tom áspero. — Só vimos desaparecer um homem. Por enquanto não sabemos se os outros também estão lá dentro. O mais importante é que Rhodan se encontra novamente em nosso poder.

Há alguns instantes os homens que se encontravam na praia haviam informado Jiggers pelo rádio sobre os acontecimentos. Ao que tudo indicava, Al receberia mais uma vez o antídoto.

Mas Al Jiggers não gostava de deixar as coisas pela metade. Já agarrara Rhodan. Mas também queria os outros, que não eram menos importantes.

Mas a esta altura dos acontecimentos a fuga acabara de tomar um rumo inesperado. Pelo menos um dos fugitivos estava no interior do tronco do drenhol e esperava que o perigo passasse.

Jiggers chamou os outros grupos pelo rádio. Mandou que todos se reunissem no lugar em que ele se encontrava. Precisaria de uma força mais numerosa para enfrentar os drenhols.

— Tirar os lança-chamas! — gritou Jiggers.

Os plofosianos que o cercavam afastaram-se para que os soldados que carregavam o armamento pesado pudesse ocupar a linha da frente. Neste mesmo instante o drenhol começou a movimentar-se.

Jiggers, que estava impaciente, mandou que os homens se apressassem.

— Façam pontaria para a árvore da frente — ordenou. — Arrancaremos esses imbecis de lá a fogo.

Antes que houvesse tempo para disparar um único tiro, mais três drenhols colocaram-se sobre o caminho, impedindo a visão para a árvore em cujo interior estavam escondidos os fugitivos.

— Fogo! — gritou Al. — Precisamos desimpedir o caminho.

Três lança-chamas despejaram suas línguas de fogo. As plantas menores que os cercavam começaram a queimar imediatamente. Finalmente os drenhols foram atingidos.

Jiggers esforçou-se para reconhecer alguma coisa em meio à fumaça e ao fogo. Dois dos inimigos saíram da cortina de fumaça. Seus braços-chicote agitaram o ar. Os soldados recuaram instintivamente.

O terceiro drenhol fora atingido em cheio. Estava em chamas. Seus galhos contorciam-se em convulsões ao longo do tronco. As raízes vibravam, dando a impressão de que queriam fugir num pânico cego. A gigantesca árvore deu um salto e caiu com um estrondo formidável no meio da selva, arrastando consigo inúmeras flores e plantas.

— Fogo! — gritou Al em tom excitado.

A seu lado os lança-chamas despejavam a morte e a destruição. Os dois drenhols já se tinham aproximado tanto que seus tentáculos quase atingiram os soldados que se encontravam na frente. Mas um novo golpe de fogo envolveu-os e pôs fim ao seu avanço.

O primeiro drenhol tombou de lado, levantando as raízes que continuavam a fazer movimentos convulsivos.

A segunda árvore ficou parada no caminho, balançando. Depois de algum tempo começou a inclinar-se. As chamas avançaram rapidamente até a copa, dando à árvore o aspecto de uma enorme tocha. O incêndio começou a espalhar-se em torno dela.

— Está caindo sobre nós! — gritou uma voz apavorada.

Dali a alguns segundos os plofosianos fizeram menção de fugir aterrorizados, mas a voz de Jiggers fez com que permanecessem nos seus lugares.

— Atirem! — gritou. — Atirem até arrebentar o monstro.

Os homens que guarneciam os gigantescos lança-chamas voltaram a atirar desesperadamente. O drenhol cambaleou como se estivesse exposto a um furacão. Ainda dava a impressão de que iria cair diretamente sobre os homens.

Mas o fogo concentrado modificou a direção da queda. O drenhol girou em torno do próprio eixo e caiu no meio do caos criado pela outra árvore.

Jiggers olhou para a cortina de chamas que se estendia à sua frente. Precisavam atravessá-la, pois dali a pouco seria tarde.

Os fugitivos estavam atrás do incêndio que se propagava pela área.

— Sigam-me! — gritou.

Não perdeu tempo. Correu para dentro da fumaça ardente, seguido pela equipe de busca.

 

Atlan olhou pela abertura e viu o caminho à sua frente. Os plofosianos mantinham-se numa distância respeitável. Dali a pouco o arcônida viu que arrastavam lança-chamas. Noir e Bell, que se encontravam a seu lado, também viram.

— Lança-chamas — constatou Bell, amargurado.

A árvore em cujo interior se tinham escondido começou a afastar-se do palco dos acontecimentos.

O tronco balançou. Atlan procurou adaptar-se aos movimentos. No interior da árvore havia um terrível mau cheiro. As plantas que viviam em simbiose com o drenhol tinham deixado o cheiro de mofo e podridão dentro do tronco.

O arcônida estava muito preocupado com Kasom. Onde estaria o ertruso?

Teria encontrado um buraco para entrar na árvore?

Os acontecimentos que se desenrolavam atrás dele voltaram a exigir sua atenção. Três árvores gigantescas interpuseram-se no caminho dos plofosianos. Os lança-chamas despejaram seu primeiro clarão de fogo. Atlan fechou instintivamente os olhos.

Sentiu-se aliviado ao pensar que a árvore que os carregava afastava-se cada vez mais do campo de batalha. Os plofosianos teriam de brigar com outros drenhols antes de poderem continuar a perseguição.

Quando Atlan abriu os olhos, viu que Noir estava sorrindo.

— Estas são nossas forças armadas — explicou o mutante e apontou para o caminho que estava em chamas.

O imortal fitou-o com uma expressão de incredulidade.

— Não venha me dizer que isso é obra sua.

— E, sim — respondeu Noir em tom modesto. — Consegui convencer nossa árvore a pedir socorro a alguns indivíduos de sua espécie.

Atlan sacudiu a cabeça. A presença das árvores era a melhor prova de que o mutante estava dizendo a verdade. Apesar disso, era difícil de acreditar. O fogo e a fumaça impediam a visão para o lado onde estavam os plofosianos.

Mas Atlan não teve a menor dúvida de que a perseguição continuaria. Os descendentes dos antigos colonos não eram menos obstinados que os próprios terranos. O arcônida sabia perfeitamente o que isso significava. Sentiu-se um tanto amargurado ao recordar as advertências tantas vezes formuladas perante Rhodan. Vivia dizendo ao terrano que um dia várias colônias iriam proclamar sua independência. Era um processo que não poderia desenvolver-se sem luta.

— Para onde seremos carregados por esta árvore? — disse a voz de Bell em meio aos seus pensamentos.

Atlan dirigiu-se a Noir.

— O senhor sabe? — perguntou.

— Não — respondeu Noir com a maior tranqüilidade. — Só sei que por enquanto estamos em segurança.

 

Do outro lado do tronco o emaranhado das raízes parecia ser ainda mais denso.

Kasom enfiou-se entre as ramificações e passou os olhos pelo tronco. Bem em cima de uma raiz mais alta descobriu uma abertura que era estreita, porém tinha mais de dois metros de comprimento. Era sua chance. Passou por cima das raízes com a agilidade de um macaco. Ninguém suspeitaria de que um homem com seu peso pudesse ter tanta mobilidade.

Chegou embaixo da entrada natural e segurou a borda inferior da mesma com ambas as mãos. Não precisou fazer nenhum esforço para suspender o corpo. Enfiou a perna esquerda na abertura e deixou-se cair lentamente na mesma.

Só voltou a sentir chão firme sob os pés depois de esticar bem o corpo. O buraco em cujo interior se encontrava devia avançar bem para baixo. Kasom soltou a borda do buraco e saltou para baixo.

Mal seus pés tocaram o chão, sentiu-se agarrado por trás e arrastado pela cavidade. No primeiro instante ficou tão assustado que não conseguiu esboçar a menor reação.

Ao que parecia, a cavidade já estava habitada. O primeiro inquilino certamente não tinha a intenção de deixar-se expulsar por Kasom. Pelo contrário. O ertruso parecia representar uma agradável variação em seu cardápio.

Kasom foi regado com um líquido cáustico, que aparentemente tinha por fim prepará-lo para servir de refeição. Como no interior da árvore a escuridão era completa, Kasom fechou os olhos para protegê-los contra o ácido.

Galhos que tinham a consistência de borracha enlaçaram o corpo de Kasom e arrastaram-no em direção ao corpo da planta. O habitante da cavidade não parecia ser pequeno. Quando Kasom atingiu o centro da planta de rapina, notou que se encontrava sobre um vegetal em forma de bulbo com quase dois metros de diâmetro.

Kasom rosnou zangado e segurou um dos tentáculos que o segurava na altura dos quadris. Comprimiu o galho elástico com ambas as mãos, até quebrá-lo. A planta em forma de bulbo emitia ruídos semelhantes aos de quem está antegozando um prato saboroso. Kasom foi submetido a outra rega de ácido. A planta carnívora parecia acreditar que ainda não amolecera suficientemente sua vítima.

Mas isto só fez com que Kasom se descontrolasse. Soltou um grito selvagem e saltou para cima do vegetal assassino que ia inchando perto dele. Tentáculos estenderam-se em sua direção, apalparam seus ombros e tatearam suas pernas. Mas Kasom tinha a força de um elefante. Rasgou os tentáculos com as mãos, enquanto seus pés pisoteavam o espécime vegetal.

A luta terminou dentro de um minuto. O inimigo do ertruso desistiu do seu intento e recolheu os tentáculos, que continuavam intactos, para o interior do bulbo. Depois disso, a planta fechou-se sobre si mesma e endureceu igualmente a uma pedra.

Kasom parou de pisotear o vegetal, pois isso não poderia levar a nada. Acabara de derrotar a assassina. Dali por diante estabeleceriam uma forma de coexistência.

O especialista da USO sacudiu o corpo. De sua roupa não sobrava quase nada, mas isso não incomodava o ertruso. Este não perdeu tempo. Juntou galhos e húmus e dentro de pouco tempo levantou uma “colina” na qual pôde subir. Dessa forma teve a possibilidade de olhar pela abertura e ver o que se passava do lado de fora; porém o que viu não era de molde a deixá-lo mais animado. Em torno dele a selva ardia em vários lugares. Mas isso não era o pior. O que deixou o ertruso muito mais abalado foram os plofosianos que cercavam a árvore e preparavam seus lança-chamas.

 

— Olhem a árvore! — gritou Jiggers totalmente exausto. — Vamos! Cerquem-na!

Os homens contornaram o drenhol bem de longe. Por enquanto a árvore não recebera outros reforços. Precisavam aproveitar a oportunidade. O drenhol golpeava furiosamente o ar com seus galhos-chicote.

Um dos soldados foi atingido e caiu ao chão com um grito. O rosto de Jiggers estava coberto de suor, mas isto não o incomodou. Parecia um louco.

Naquele momento até mesmo a lembrança do chefe supremo apagara-se de sua mente.

Por algum motivo desconhecido o drenhol que estava sendo perseguido não atingiu a velocidade que estas árvores costumam alcançar. Os plofosianos conseguiram colocar alguns lança-chamas do lado oposto. Al Jiggers olhou em torno. Estava aflito. Se aparecessem outras árvores, muitos dos seus homens seriam mortos. Ele mesmo estaria em perigo.

Os lança-chamas que se encontravam do outro lado da árvore entraram em atividade. O drenhol hesitou e parou. Provavelmente não sabia para onde ir. Mais um plofosiano foi atingido por um dos seus galhos.

De repente as chamas começaram a subir pelo tronco. Al soltou um grito de triunfo. Os fugitivos não teriam alternativa. Seriam obrigados a deixar a árvore. Jiggers mandou suspender o fogo. Não queria os terranos mortos, pois não era este o desejo do chefe supremo.

De repente viu três vultos saírem das chamas. Corriam com as mãos levantadas em direção aos plofosianos. Jiggers atirou a cabeça para trás.

A caçada estava no fim. Acabavam de recapturar os prisioneiros.

Naquele instante o drenhol virou-se abruptamente e correu para a selva como se estivesse sendo fustigado pelas dores. Sua reação foi tão inesperada que os soldados que se encontravam atrás dele não tiveram tempo para fazer qualquer coisa. Foram esmagados pelo gigante vegetal.

— Suspender a perseguição! — gritou Jiggers, triunfante.

Quatro dos prisioneiros já se encontravam novamente em seu poder. O quinto, que se encontrava no interior de um drenhol em chamas, também acabaria sendo capturado.

Os três fugitivos aproximaram-se lentamente de Jiggers. A fuga deixara marcas em seus corpos. Jiggers tinha certeza de que em toda vida nunca vira homens tão cansados. Suas vestes estavam reduzidas a farrapos.

Pararam bem à sua frente.

— Então — disse Jiggers em tom sarcástico. — Foi tudo em vão.

O homem alto e esbelto que tinha tanta semelhança com Perry Rhodan só podia ser Atlan.

— Nada é em vão — disse o arcônida.

Sua voz tinha um tom áspero.

Jiggers fez um sinal para seus homens.

— Algemem-nos! — ordenou. Esperou que a ordem fosse cumprida.

Seus olhos faiscavam. Não fez o menor esforço para dissimular a alegria.

— Os senhores poderiam ter evitado todo esse sofrimento — disse, dirigindo-se a Atlan.

O arcônida sorriu — e o sorriso fez com que Jiggers perdesse o autocontrole. Não conseguia compreender como um homem que se encontra nessa situação podia sorrir, sorrir de forma tão tranqüila e espontânea.

A reação de Atlan era resultado de uma experiência milenar. O arcônida sabia que as raças aparecem e desaparecem, que os reinos estelares atingem o auge e desmoronam. Para ele, Al Jiggers era um nada; não passava de um grão de areia na Galáxia.

Jiggers sentiu a superioridade do arcônida. A raiva dominou-o. Deu um passo na direção de Atlan e bateu em seu rosto. Bell fez menção de precipitar-se sobre o plofosiano.

— Não — disse Atlan com a voz calma.

Jiggers tremia de raiva. Mandou que os três prisioneiros fossem amarrados um no outro e ordenou a partida.

Al Jiggers já ansiava pelo interrogatório. Jurou a si mesmo que quebraria o orgulho desses homens.

 

O cheiro de sabonete ainda enchia o ar, e as janelas estavam embaçadas pelos vapores quentes quando Iratio Hondro entrou no pequeno aposento. Trazia consigo um aleijadinho com ares de louco.

Hondro deixou a porta aberta. Sua guarda pessoal estava postada no corredor.

Sem dizer uma palavra, o chefe supremo olhou para os quatro prisioneiros, que estavam de pé à sua frente, limpos e com roupas novas. Mal se notava que poucas horas atrás tinham atravessado os piores sofrimentos. Era por causa dos ativadores celulares. Como Hondro também possuía um desses aparelhos, o estado dos quatro homens não o impressionou muito.

Um robô de guerra entrou rolando e parou junto à porta. Apontou os braços armados ameaçadoramente para os prisioneiros.

— Como vêem, os senhores não têm a menor chance — principiou Hondro. — Não acredito que haja melhor guarda que o próprio planeta Greendoor. Ninguém escapa deste mundo.

Rhodan alisou a roupa que lhe fora dada.

— Apenas tentamos — disse.

— Admiro sua coragem — disse Hondro. — Mas não compreendo por que arriscaram a vida. Já tomamos todas as providências para que a notícia de sua morte se espalhasse pela Galáxia. Ninguém conta com seu regresso. Até acredito que nem estão procurando pelo senhor.

— Acontece que um dos nossos homens escapou — disse Rhodan.

— O ertruso? — Hondro riu com uma expressão de tédio no rosto. O aleijado que entrara com ele contornou Bell e golpeou-o levemente com os punhos. — Dentro de algumas horas prenderemos este homem, a não ser que ele morra antes. — Dirigiu-se ao bobo.

— Deixe-os em paz, Plog.

O aleijado deu uma risadinha e voltou para junto de Hondro.

— Seu império vai desmoronar, Rhodan. Procure conformar-se com isso — disse Hondro. — Somos os novos donos da Galáxia. E posso garantir que Iratio Hondro nunca cometerá os mesmos erros que foram praticados por um Perry Rhodan.

Ditas estas palavras, deu as costas a Rhodan e retirou-se, seguido pelo idiota e pelo robô. A porta fechou-se ruidosamente atrás deles.

— Coitado de Kasom — disse Atlan.

— Talvez consiga escapar — disse Noir bastante otimista. — As árvores não o combaterão.

Rhodan não participou da conversa. Estava pensando no Império Unido e na Terra. Tudo isto parecia pertencer ao passado. Seu próprio destino era incerto. Provavelmente o chefe supremo mandaria matá-los quando não precisasse mais deles.

Rhodan foi à janela e olhou para fora. Deviam estar num dos andares superiores do edifício, pois Central City estendia-se muito abaixo dele.

Rhodan olhou para a jovem cidade. Viu suas construções arrojadas, que não ficavam atrás das da Terra. Os táxis aéreos que deslizavam sobre os edifícios pareciam bandos de pássaros. Em toda parte agitava-se a vida, para onde quer que se lançassem os olhos viam-se os sinais do gênio vigoroso dos plofosianos.

Teve a impressão de ver a selva bem ao longe. Central City e a mata virgem, a natureza selvagem e a civilização, tudo bem perto.

Por trezentos anos Rhodan acompanhara o crescimento do Império, por trezentos anos lutara pela Humanidade. E agora?

Para seu espanto não se sentiu nem um pouco resignado. Ainda continuava a ter esperanças.

Atlan certamente iria rir quando soubesse.

Para o arcônida a esperança num momento destes era um absurdo.

Rhodan percebeu que acreditaria numa mudança até o dia de sua morte.

Era um terrano.

E um terrano nunca desiste...

 

 

                                                                  WilliamVoltz

 

 

              Voltar à “Página do Autor"

 

 

                                                   

O melhor da literatura para todos os gostos e idades