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Desde o dia 1o de janeiro de 2.115, data em que Atlan renunciou ao cargo de Imperador de Árcon, o Império Solar e o Império de Arcônida deixaram de existir. Em seu lugar surgiu o Império Unido, governado por Perry Rhodan, na qualidade de Administrador Geral. O arcônida Atlan exerce as funções de Chefe da USO, cujos especialistas formam uma espécie de polícia galáctica, também chamada de “Corpo de Bombeiros Galácticos”.
A necessidade dessa força de segurança foi demonstrada claramente durante a caça aos ativadores celulares, que transformou amigos em inimigos e semeou o tumulto entre quase todas as criaturas inteligentes da Galáxia.
A partir de 4 de agosto de 2.326 a Galáxia encontra-se novamente em estado de alarma geral. Quantidades fantásticas de vorazes gafanhotos córneos representam um perigo terrível. As notícias catastróficas precipitam-se. As frotas espaciais viajam incessantemente por todos os setores da Via Láctea a fim de salvar o que ainda pode ser salvo, pois a torrente violeta dos gafanhotos córneos cobre muitos planetas e seu ácido destrói tudo que se interpõe em seu caminho.
Como se isso não bastasse, surgem os vermes do pavor. Trata-se de monstros gigantescos, ainda mais invulneráveis que os gafanhotos córneos, e que dispõem de armas com poderes destrutivos incríveis.
Alguns comandos especiais terranos, formados por cientistas, soldados, especialistas e mutantes, sofreram graves reveses durante as tentativas de desvendar o mistério dos vermes do pavor. Ao que parece, porém, os quatro membros da USO que pousaram no planeta Euhja tiveram mais sorte, pois ainda estão vivos, embora por várias vezes tenham encarado o temível verme do pavor face a face. Contudo, a obstinação dos quatro terranos supera qualquer obstáculo, e eles chegam a uma decisão: arriscar tudo celebrando... um Pacto de Morte!
O mar era cinzento e infinito; parecia cobrir toda a superfície desse mundo. Uma chuva torrencial desabava sobre a pesada blindagem de terconite da nave Eric Manoli. Aquele colosso de 1.500 metros de diâmetro era a nave-capitânia do Império. Tratava-se de um supercouraçado da classe Império com 2 000 tripulantes. Nos hangares exteriores estavam ancorados quarenta barcos espaciais do tipo girino.
Perto de vinte canhões de conversão completavam as ameaçadoras torres de artilharia de radiação que se viam por toda parte. No interior da nave gigantesca havia potentíssimas usinas geradoras, que envolviam a esfera espacial num campo defensivo energético assim que a mesma fosse atacada por naves inimigas.
A Eric Manoli corria velozmente sobre Euhja, que era o terceiro mundo do sistema da estrela Euthet. O planeta possuía um único continente, que antigamente havia servido de base aos aras, os médicos galácticos.
Em virtude de certas experiências levianas realizadas pelos aras, os gafanhotos córneos foram parar em Euhja, e esse fato representou a sentença de morte para todas as formas de vida existentes no continente.
Perry Rhodan, que estava parado à frente da tela panorâmica da Eric Manoli, ao lado do Lorde-Almirante Atlan, fitou a imagem projetada com uma expressão séria. Esperava que aparecesse o continente solitário do planeta.
O Coronel Kors Dantur, um homem nascido em Epsal, que comandava a nave-capitânia, fazia o trabalho de pilotagem juntamente com dois oficiais. Como devesse esperar constantemente novas ordens para mudar de rumo, julgou supérfluo ligar o piloto automático. Kors Dantur era um verdadeiro gigante. Media 1,60 m de largura e seu punho era capaz de abater um touro nurbense. Prosseguia nas tradições dos epsalenses, que costumavam comandar as naves-capitânias da frota do Império desde o tempo do inesquecível Jefe Claudrin.
Os pensamentos de Rhodan podiam ser tudo, menos amáveis. Um cruzador ligeiro da frota captara o pedido de socorro da nave Carbula, que naquele momento deveria contornar Euhja. Dirigiram-se a esse planeta assim que receberam a notícia, mas não encontraram o menor sinal da Carbula.
A nave continuava desaparecida. Ninguém sabia o que tinha acontecido com a mesma. Rhodan acreditava que o cruzador ligeiro da USO tivesse sido destruído, mas guardou esta idéia para si.
A única chance de conseguir outras informações sobre o destino da Carbula, era por meio dos quatro especialistas da USO comandados pelo Capitão Brent Firgolt, que haviam desembarcado em Euhja. A Carbula, que havia trazido os homens, devia tê-los tirado do planeta. Mas isso não acontecera.
Rhodan esperava que nada tivesse acontecido aos agentes. Firgolt e os Tenentes Collignot, Warren e Kopenziak deveriam observar o verme do pavor nascido em Euhja depois da praga dos gafanhotos córneos. Por vários motivos o Administrador Geral estava muito interessado em saber qual era o papel que os vermes do pavor desempenhavam para os desconhecidos, os benévolos, que apareciam em toda parte, para recolher o molkex produzido pelos gafanhotos córneos.
O centro hiperimpotrônico de computação da Lua terrana, conhecido como Natan, chegara à conclusão de que os vermes do pavor possuem dez vezes mais inteligência que o cão, mas ainda não havia nenhuma prova de que realmente fosse assim.
Os homens que se encontravam a bordo da Eric Manoli haviam tentado por várias vezes entrar em contacto por intermédio de rádio com os quatro agentes, mas por enquanto não tinham obtido nenhuma resposta.
Aquele mundo aquático parecia abandonado.
Atlan passou a mão pela mecha de cabelo louro-claro que lhe descia pela testa. Seus olhos avermelhados pareciam emitir um brilho irônico.
— Até parece que tudo quanto já trouxemos para este mundo se afogou neste oceano gigantesco — disse. — Acredito que qualquer terrano pagaria um preço absurdo por uma fotografia deste mundo, que seria usada nos comerciais de capas de chuva. Não poderia haver propaganda mais eficiente.
Dificilmente Atlan deixava passar uma oportunidade de zombar das fraquezas dos terranos. Era arcônida, e por isso jamais compreenderia a publicidade sofisticada dessa raça amiga.
— Terra à vista, sir! — gritou Kors Dantur, que também observava o mar, livrando, assim, Rhodan da obrigação de responder à brincadeira de Atlan.
O único continente de Euhja, cujo tamanho correspondia mais ou menos ao da Groenlândia terrana, apareceu na tela. Rhodan não esperara ver um paraíso verdejante, mas quando a Eric Manoli se aproximou da ilha sem reduzir a velocidade, espantou-se com a desolação desse pedaço de terra.
As montanhas baixas que ficavam perto do mar eram de um marrom sujo, enquanto o resto da terra era cinzento e vazio. Não se via o menor sinal de vegetação ou outras formas de vida. Tudo tinha sucumbido à voracidade dos gafanhotos-do-inferno.
As chuvas intermináveis haviam criado quatro enormes lagos no interior do continente. Pareciam quatro olhos gigantescos. Nos lugares em que não era de pedra ou rocha, o chão parecia mole e lamacento.
Nenhum raio de sol rompia a espessa camada de nuvens para mitigar aquele aspecto de desolação.
Kors Dantur parecia sentir a mesma coisa que Rhodan.
— Não estou gostando, sir — disse. — Nos romances os crimes costumam acontecer em paisagens desse tipo.
Rhodan mandou que os radio-operadores tentassem mais uma vez entrar em contato com os agentes desembarcados em Euhja. O Coronel Dantur fez a Eric Manoli passar junto à beira-mar.
A primeira reação partiu dos rastreadores de matéria. Kors Dantur pediu que Rhodan se aproximasse.
— Localizamos alguma coisa, sir! — informou. — Lá embaixo existe algo que não podemos ver nas telas. A reação não pode ter sido causada por uma espaçonave, pois é muito fraca.
Rhodan refletiu um instante.
— Acho que acabamos de descobrir o submarino usado pelos especialistas. A Carbula não os largou diretamente na ilha, mas deixou-os lá fora, no mar.
— Tenho certeza de que é o Moonshine — disse Atlan. — Quer dizer que o submarino não foi destruído.
A esperança de encontrar os agentes com vida fez voltar o espírito resoluto de Rhodan, que tinha o pressentimento de que estavam na pista de um acontecimento cujas conseqüências se estenderiam a toda a Galáxia. O desaparecimento da Carbula, por si só, representava um grande mistério. O pedido de socorro apenas mencionara o fato de que o cruzador ligeiro estava sendo atacado. Ao que parecia, o radio-operador da Carbula não tivera tempo de transmitir outras informações.
Quem teria atacado a nave? Onde estavam os quatro especialistas da USO? E onde estava o verme do pavor?
— Vamos pousar junto ao mar, coronel — ordenou Rhodan. — Procure descer nas imediações do lugar onde está ancorado o Moonshine.
— Perfeitamente, sir — trovejou Dantur, que de tão nervoso esqueceu-se de moderar a voz. Parecia que um alto-falante superpotente entrara em ação.
Apesar de seu volume tremendo, o supercouraçado era muito ágil. Todavia, o pouso exigia muito da capacidade dos pilotos. E o mais importante não era a habilidade de fazer a nave voar. O que se tornava necessário, antes de tudo, era a capacidade de colocar as colunas de apoio da nave numa posição tal que parte delas não afundasse ou vergasse no momento em que o comandante desativasse os campos antigravitacionais.
Era bem verdade que os pilotos podiam ler nos instrumentos todas as reações da nave, por menores que fossem, mas cabia a eles verificar se essas indicações constituíam sinal de um erro ou de uma manobra precisa.
Kors Dantur manipulava os controles com uma habilidade aparentemente desleixada. Até parecia que estava pilotando um caça-esporte, capaz de pousar em qualquer platô, por menor que fosse.
O continente, que até há pouco só enchera parte das telas, expandiu-se numa mancha cinzenta que cobria tudo, e na qual dificilmente se conseguia distinguir qualquer detalhe.
A figura angulosa de Dantur, que parecia ter sido deformada sob uma prensa hidráulica, ergueu-se do assento do piloto.
— Macio que nem uma pluma — disse todo satisfeito, numa alusão evidente ao pouso que acabara de ser completado.
Rhodan não era homem de sair às cegas num mundo desconhecido, à frente de seus homens, mesmo que este parecesse abandonado. Já concebera um plano bem definido, que lhe permitiria descobrir o mais cedo possível o que havia acontecido em Euhja. De início um grupo de robôs sairia das eclusas a fim de verificar se realmente não havia ninguém que pudesse se aborrecer, com o aparecimento da nave gigantesca, a ponto de tentar um ataque.
Rhodan formou uma equipe de técnicos, que foram incumbidos de resgatar o submarino Moonshine. Queria garantir a posse do mesmo. Um exame superficial não seria suficiente. Outros homens receberam ordem de vasculhar a área, à procura de cavernas ou depósitos subterrâneos. De qualquer maneira haveriam de encontrar uma pista dos agentes.
Atlan dirigiu-se aos laboratórios da Eric Manoli, a fim de colher junto aos cientistas informações completas sobre todas as modificações ocorridas na atmosfera de Euhja. Robôs trouxeram amostras de solo e de pedras. A água do mar também foi submetida a análises minuciosas. Mal a nave havia pousado, os trabalhos científicos já estavam em andamento. Uma atividade entrosava-se perfeitamente com a outra, e não se fazia nada que não fosse necessário. Antes que qualquer homem saísse da nave-capitânia, as pessoas que se encontravam na sala de comando da mesma já estavam informadas sobre as características do mundo exterior.
O lorde-almirante voltou à sala de comando com resultados plenamente satisfatórios.
— A atmosfera continua a ser segura para nós — disse, dirigindo-se a Rhodan. — Os microorganismos existentes no solo são bastante escassos, devido sem dúvida, aos gafanhotos córneos. Os cientistas não manifestaram a menor dúvida quanto à possibilidade de sairmos da nave.
Rhodan tivera a cautela de mandar guarnecer a central de tiro da Eric Manoli. A qualquer momento poderia haver um ataque de surpresa. Não queria que a nave-capitânia tivesse o mesmo destino da Carbula.
Centenas de robôs de guerra espalharam-se pela área. Câmaras teleguiadas sobrevoaram o continente e transmitiam ininterruptamente as fotografias que tiravam.
Foi só depois disso que os primeiros tripulantes saíram da nave. Usavam trajes de batalha e estavam fortemente armados. Perry Rhodan saiu com o primeiro grupo e Atlan com o segundo. Kors Dantur permaneceu a bordo, depois de formular o protesto costumeiro, a fim de poder agir imediatamente, caso isso se tornasse necessário. Depois saiu o Major Peterson junto com os técnicos incumbidos de recolherem o Moonshine.
Menos de vinte minutos haviam passado desde o pouso da Eric Manoli, quando Perry Rhodan saltou do passadiço e pisou o chão daquele mundo estranho.
Não houve perda de tempo. Cada um sabia exatamente o que devia fazer. Aos poucos os homens foram saindo de baixo do abaulamento gigantesco da nave.
Rhodan levantou o braço. Ligou o propulsor do traje de combate e ficou parado a três metros de altura. Finalmente voou em direção ao terreno aberto, seguido de um verdadeiro enxame de homens.
Junto à praia os primeiros técnicos estavam entrando no mar com seus trajes subaquáticos. A Eric Manoli estava pousada junto a uma baía muito extensa.
Rhodan voou em direção a um dos istmos, enquanto o grupo de Atlan seguia em direção ao outro. Até parecia que uma máquina de precisão acabara de entrar em funcionamento. Até mesmo os homens agiam como peças de máquinas naquele pouso executado com a maior perfeição.
Mas as aparências enganavam.
Quem dava causa a tudo isso e controlava os acontecimentos eram seres humanos — não as máquinas.
Pouco menos de uma hora depois disso a proa esguia do Moonshine foi aparecendo nas águas rasas junto à praia. O Major Peterson abriu a escotilha da torre. Fez um sinal para os homens que se encontravam na praia. O submarino não conseguiria chegar mais longe por seus próprios recursos. Mas para o equipamento da Eric Manoli isso não representava nenhum problema. Os cabos magnéticos partiram da nave, em direção ao Moonshine. Os mesmos funcionavam em conjunto com os elevadores antigravitacionais.
Vinte minutos antes Rhodan e seu grupo já haviam descoberto a caverna em cujo interior Firgolt e os outros agentes tinham escondido seu equipamento. Não havia o menor sinal dos próprios agentes, mas Rhodan descobriu que, num espaço de tempo que não conseguiram determinar, o verme do pavor também estivera no interior da caverna.
Face a isso Rhodan convenceu-se de que os especialistas estavam mortos — até o momento em que encontrou a fita gravada pelo Capitão Brent Firgolt.
Rhodan mandou que regressassem imediatamente. O comando de Atlan também foi chamado de volta à nave. Só Peterson e os técnicos ficaram fora da nave, a fim de completar a operação de resgate do Moonshine.
Rhodan e o lorde-almirante tiraram os trajes de combate bastante desconfortáveis e foram encontrar-se na sala de comando da Eric Manoli.
— Conseguimos recolher o equipamento de Firgolt, com exceção do conversor de símbolos e de algumas armas — disse Rhodan. — Ainda bem que o capitão teve a idéia de fazer uma gravação em fita. Dessa forma talvez consigamos descobrir o que aconteceu com os agentes.
Ligou o pequeno aparelho que haviam encontrado na caverna. Atlan fitava Rhodan com uma expressão de ceticismo, enquanto este colocava a fita. Não acreditava que a mesma lhes fornecesse alguma indicação.
Os agentes costumavam morrer depressa — depressa demais para deixar uma mensagem.
O Coronel Kors Dantur mantinha contacto radiofônico com o Major Peterson. O comandante falava com a voz tão alta que tornava impossível qualquer forma de reprodução.
— Faça o favor de moderar a voz, coronel! — gritou Rhodan para o homem nascido em Epsal. — Queremos ouvir uma fita gravada pelo Capitão Firgolt.
Dantur levantou-se de um salto. Quase chegou a arrancar o assento do suporte. Aproximou-se dos dois homens.
Rhodan ligou o gravador para a reprodução e os homens inclinaram-se sobre a mesa, numa atitude de expectativa. Ouviu-se uma voz masculina muito clara.
— É Firgolt — disse Atlan em voz baixa.
Ouviram o relato do capitão, que contou em palavras lacônicas e precisas o que havia acontecido em Euhja. Firgolt relatou como haviam observado o verme do pavor, até o momento em que o monstro o salvara da morte certa, ao livrá-lo do ataque do animal marinho. Firgolt mencionou a mensagem captada pelo conversor de símbolos, que o verme do pavor irradiara inconscientemente.
— Já não existe nenhuma dúvida de que não se trata de um animal, conforme supúnhamos — disse a voz de Firgolt. — Até mesmo a interpretação de Natan é enganadora. Tenho certeza de que o verme do pavor pertence a uma raça muito inteligente, que tem algum motivo para evitar que se reconheçam suas capacidades intelectuais. Meus companheiros são da mesma opinião.
Rhodan comprimiu um botão e interrompeu o relato.
— Caramba! — resmungou Dantur. — Faço votos de que o capitão soubesse o que estava dizendo nessa ocasião.
Rhodan e Atlan entreolharam-se. Estavam surpresos. As observações de Firgolt inutilizavam todas as teorias relativas aos vermes do pavor.
— Acho que não temos nenhum motivo para duvidar das palavras de Firgolt — disse Atlan com a voz tranqüila. — É um dos oficiais mais competentes da USO. Não seria capaz de fazer afirmações desse tipo com base numa simples suspeita.
Rhodan obrigou-se a interromper suas reflexões. Se os vermes do pavor realmente fossem inteligentes, perspectivas tremendas se abririam à sua frente. O fato lançava uma luz totalmente nova sobre os desconhecidos, que deviam manter alguma espécie de contato com os monstros.
— Vamos ouvir o resto — sugeriu e voltou a ligar o gravador.
À medida que ouviam, o relato deixava-os cada vez mais fascinados. Coisas fantásticas deviam ter acontecido em Euhja. Depois de algum tempo Firgolt aludiu à chegada da nave dos desconhecidos.
— A nave desconhecida está totalmente coberta de molkex — disse a voz do capitão, na qual vibrava uma boa dose de emoção. — Nunca vimos um veículo espacial como este. O Tenente Kopenziak chega a duvidar de que seja capaz de enfrentar o espaço. Infelizmente somos levados a supor que essa nave tenha alguma relação com o desaparecimento da Carbula.
— Foram eles que derrubaram o cruzador — disse Dantur, interrompendo a reprodução da fita. Rhodan fez um gesto para que se calasse.
— Quando voltamos à caverna, encontramos o verme do pavor — prosseguiu Firgolt. — Recolhera-se ao nosso esconderijo, sem danificar nada. Assim que nos viu ele se fez de doido, mas não partiu para o ataque. A nave desconhecida voltou a levantar vôo, mas ao que parece não... Está voltando!... Ouvimos seus propulsores.
Firgolt passou a falar mais depressa. Sua voz parecia apavorada.
— Pousou perto daqui — disse então com a voz abafada. — Tenho a impressão de que os desconhecidos descobriram nossa caverna. A presença do verme do pavor representa um perigo para nós.
O aparelho emitiu um estalo. Ao que parecia, Firgolt resolvera interromper a gravação neste ponto. Por algum tempo a fita correu em silêncio. Já começavam a acreditar que o relato tivesse chegado ao fim, mas de repente a voz do especialista voltou a soar. Firgolt falava apressadamente. Parecia que não dispunha de muito tempo.
— O verme está saindo da caverna. Grupos de desconhecidos apareceram nas colinas, mas quase não se consegue distingui-los em meio à chuva. O verme agora está saltando para cima deles... — De repente Firgolt soltou um grito. Ouvia-se sua respiração. — Ele os está dizimando, está matando os desconhecidos! — Seguiu-se uma ligeira pausa. — Uma coisa horrível está acontecendo.
Surgiu outra pausa. Rhodan e Atlan estavam tão abalados que não conseguiram dizer nada.
— Parece que os desconhecidos que se encontravam lá em cima, na colina, estão todos mortos — prosseguiu a voz de Firgolt. — O verme do pavor desapareceu. Tudo está calmo. Tentarei penetrar na nave juntamente com os três tenentes. Talvez possamos descobrir coisas interessantes. Final.
Por algum tempo o silêncio reinou na sala de comando da Eric Manoli. Finalmente Kors Dantur pigarreou fortemente.
— Quer dizer que os quatro especialistas estão na nave dos desconhecidos — constatou.
— Onde estará essa nave? — perguntou Atlan em tom de perplexidade.
Rhodan logo percebeu que esta era a pergunta da qual dependia tudo. Sua importância ultrapassava o pequeno sistema da estrela Euthet. Os acontecimentos poderiam tomar um rumo muito perigoso. Defrontavam-se com uma nova ameaça, vinda das profundezas do espaço intergaláctico. Quatro agentes da USO haviam sido seqüestrados por uma nave desconhecida. Face a isso tornava-se perfeitamente possível que essa raça desconhecida poderia descobrir tudo o que precisava saber para iniciar a invasão do Império Unido.
— Firgolt e os tenentes foram levados para o espaço — disse Atlan, bastante contrariado. — Tenho certeza de que não foram espontaneamente. E não acredito que tenham sido eles que fizeram decolar a nave. Isso dificilmente seria possível num espaço de tempo tão reduzido.
— Não devemos esquecer o verme do pavor — ponderou Rhodan. — Que papel terá desempenhado? Matou grande número de desconhecidos. Será que depois disso o monstro foi preso e levado para a nave?
— Essa raça misteriosa está dançando na ponta do nosso nariz, sir — trovejou Kors Dantur. Rhodan não pôde deixar de sorrir. A idéia de ver alguém dançar no nariz largo de Dantur era muito esquisita. O coronel franziu o sobrecenho. — São abusos intoleráveis, Administrador Geral.
Rhodan fitou o comandante com uma expressão de censura. Não gostava que alguém o chamasse de Administrador Geral.
— Faremos tudo para evitar outros ataques — garantiu ao coronel. — Até agora estávamos tateando no escuro, mas isso passou. Graças à ação dos agentes, pela primeira vez dispomos de dados e materiais.
Chamou um técnico e mandou que o mesmo guardasse o gravador de fita. Não demoraria a ser levado à Lua terrana, para ser submetido a uma interpretação minuciosa. Para Natan essas observações representavam um grande achado. Finalmente o centro de computação possuía um volume de dados que lhe permitia elaborar um relatório bem fundamentado.
— Coronel! — disse Rhodan em voz de comando. — Providencie para que o Major Peterson coloque o submarino na Eric Manoli o mais depressa possível. Temos muito trabalho pela frente.
Dantur precipitou-se sobre o trabalho com a fúria de um leão faminto. Berrou para Peterson, fazendo com que o mesmo receasse pela conservação de seu alto-falante.
Enquanto Rhodan e o lorde-almirante discutiam a situação, o submarino Moonshine foi levado para bordo. Peterson entrou na sala de comando, seguido por uma dúzia de técnicos suando em bicas, que praguejavam porque como astronautas eram obrigados a lidar com submarinos.
— Tudo em ordem, coronel — disse Peterson, dirigindo-se ao seu superior. — O Moonshine foi recolhido e ancorado nos suportes.
Perry Rhodan deu ordem para que a gigantesca nave-capitânia decolasse. Os propulsores entraram em funcionamento. Logo após o supercouraçado desprendeu-se da superfície do planeta Euhja. Dentro de alguns segundos o continente transformou-se numa mancha cinzenta e meio ao oceano.
* * *
No dia 26 de dezembro de 2.326, quando no planeta Terra e nos mundos coloniais terranos mal se acabara de festejar o Natal, Perry Rhodan deu o alarma geral para a gigantesca frota do Império Unido. O Administrador Geral não tinha outra alternativa, face aos acontecimentos que se haviam desenrolado em Euhja.
No momento não havia qualquer perigo iminente, mas os acontecimentos levavam à conclusão de que a qualquer momento poderia chegar a notícia da presença de uma grande concentração de frotas desconhecidas vindas das áreas inexploradas da Galáxia. Se isso acontecesse, Rhodan queria estar preparado. Em hipótese alguma queria que o Império ficasse indefeso diante de um ataque.
Qualquer invasão tinha de ser contida no estágio inicial. Imediatamente os pos-bis colocaram à sua disposição mil naves fragmentárias. Tratava-se de uma força capaz de espalhar a confusão entre o inimigo, fosse ele quem fosse. Rhodan reuniu um total de cinqüenta mil unidades leves e pesadas para a proteção do Império.
O número das naves de vigilância e patrulhamento foi aumentado. Naves exploradoras partiram para o espaço. Milhares de reservistas foram convocados nos diversos mundos.
Rhodan era o homem que manipulava tudo isso. Controlava os acontecimentos juntamente com seus homens de confiança. Sabia o que estava em jogo, pois em inúmeras batalhas espaciais reconhecera os pontos vulneráveis do Império. Reginald Bell, que comandava a antiga frota de Árcon, também destacou um contingente de naves.
Evidentemente a enorme concentração de forças não poderia deixar de ser notada. Os povos coloniais, que haviam adquirido a independência há poucos anos, começaram a inquietar-se.
Via-se que Horton Cohrane era um homem duro, acostumado a passar privações. Apesar disso seu rosto enrugado revelava uma profunda satisfação.
Cohrane era colono. Emigrara há alguns anos para Moluk, um planeta desértico do qual só uma pequena parte era habitada pelos chamados Greens. Para os nativos era totalmente indiferente que alguns malucos se incomodassem com as areias do deserto, tentando transformar a área num paraíso.
Horton Cohrane era o porta-voz dos colonos de Moluk. Não era inteligente nem loquaz. Mas sempre sabia o que dizer, e era difícil impedi-lo de expor sua opinião.
Por isso fora escolhido para indagar em Terrânia que esquadrilha era essa que aparecera no sistema do sol Greenol e, ao que parecia, estava desempenhando uma tarefa especial.
Naquele dia o representante da Administração Geral, Secretário Heith, tinha a impressão de ser a criatura mais infeliz deste mundo. Juntamente com Cohrane já havia recebido doze enviados naquele dia.
Felizmente Cohrane não aparecera pessoalmente. Seu rosto enérgico fitava-o com uma expressão indagadora da tela do videofone.
Cohrane repetiu obstinadamente a mesma pergunta que já formulara duas vezes diante de Heith:
— Qual é a explicação que o senhor nos dá para a presença das naves do Império em nosso sistema, Mr. Heith?
O olhar de Heith tornou-se um tanto rígido, o que constituía um sinal evidente de que usava lentes de contacto. Fitou Cohrane com uma expressão de lástima.
— Eu lhe garanto, Mr. Cohrag, que a...
— Cohrane — retificou o colono. — Meu nome é Cohrane.
— A presença destas naves não tem nenhuma relação com sua colônia, Mr. Cohrane — disse Heith com a voz cansada.
— Mas elas devem estar ali com alguma finalidade. Há uma guerra espacial à vista? Contra quem se dirigem essas medidas de segurança? — Cohrane tinha a impressão de que Heith não era o homem certo para o cargo que ocupava, e isso o incomodava. Queria falar com uma pessoa que parecesse ser competente, mas de nada adiantaria porque qualquer uma dessas pessoas pedia-lhe que falasse com Heith.
— O senhor pode ficar tranqüilo — asseverou o secretário. — A concentração da Frota não tem a menor relação com qualquer povo conhecido. Não posso dizer mais nada, mesmo que queira.
Via-se perfeitamente que os pensamentos trabalhavam no cérebro do colono. Tinha de cumprir uma tarefa que lhe fora confiada por sua colônia. Cohrane costumava executar meticulosamente qualquer trabalho de que fosse incumbido. Mas viu que desta vez estava gastando seus dentes no granito. Heith parecia um marreco e falava igualzinho: vivia grasnando sem dizer nada que fizesse sentido.
Furioso, Cohrane desligou.
Heith soltou um suspiro de alívio.
— As coisas não podem continuar assim — disse aos seus colaboradores. — Quero uma ligação com o quartel-general, terrano. O mesmo deve emitir uma proclamação oficial às colônias, pois do contrário essa gente ainda acaba enlouquecendo.
Heith não era o único colaborador do Administrador Geral que naqueles dias vinha sendo bombardeado com perguntas. Também em Árcon III as consultas se sucediam.
Diante disso Perry Rhodan e Atlan não tiveram outra alternativa senão formular um comunicado oficial dirigido aos planetas autônomos. Nesse comunicado se dizia que a concentração da Frota não se dirigia contra qualquer povo do Império. Era provável que todas as unidades fossem chamadas de volta num espaço de tempo muito reduzido. Ninguém conseguiu saber mais que isso. Apesar disso os ânimos exaltados serenaram um pouco. Afinal, a explicação trazia a assinatura de Perry Rhodan.
Entre as pessoas que cercavam Rhodan a tensão tornava-se cada vez mais forte. Parecia haver uma ameaça misteriosa que paralisava a todos. A consciência dos perigos que se aproximavam fez com que os colaboradores do Administrador Geral permanecessem mudos. Perry Rhodan já conhecia esses sinais, mas não fez nada para evitar que os mesmos se verificassem.
Afinal, com ele estava acontecendo a mesma coisa...
Uma das muitas moças de que o Tenente Collignot se tornara noivo, no curso dos anos, possuía bastante inteligência para compreender que ninguém seria capaz de casar com esse homem.
Certa vez ela lhe perguntou:
— Por que você gosta tanto de trabalhar como agente no espaço?
Collignot, que não costumava ficar embaraçado diante das perguntas que lhe eram dirigidas, hesitou por um instante e respondeu:
— Acho que é a consciência do perigo constante. Mas não é só isso. É também a extensão imensa do espaço, são as distâncias que não parecem ter fim. É a sensação de ser importante, apesar de constituir apenas uma parte insignificante do todo, de não estar perdido no infinito.
O Tenente Collignot lembrou-se destas palavras quando se encontrava no corredor principal da nave desconhecida, ao lado dos Tenentes Warren e Kopenziak, e refletia sobre a maneira de saírem da armadilha em que haviam caído.
— Quer dizer que foi o verme do pavor que fez a nave decolar de Euhja — observou Kopenziak. — Foi por isso que matou a tripulação.
Collignot sugou um dos seus longos charutos negros. Parecia pensativo. Só tinha mais três desses charutos no cinto do traje subaquático. Era triste, mas seria muito difícil modificar isso.
— Não tenho tanta certeza de que o verme do pavor seja responsável por essa decolagem — disse Collignot, que descobrira o monstro na sala de comando. — Não acredito, sir, que suas condições físicas lhe permitam manipular os controles.
Aos poucos Firgolt começou a sentir que diminuía o choque provocado pela descoberta do monstro. Deviam conformar-se com a nova situação. A objeção de Collignot parecia bem fundamentada. Provavelmente a nave estava sendo dirigida por algum dispositivo automático, sobre cujo funcionamento tanto eles como o verme do pavor no momento não possuíam a menor influência.
Para interromper o vôo teriam de entrar na sala de comando, custasse o que custasse. Acontece que a mesma estava sendo ocupada pelo repulsivo verme. Sem dúvida o monstro inteligente procuraria impedir que os terranos chegassem lá. E a fera não era o único perigo que havia a bordo. Era de supor que houvesse boa quantidade de robôs, que atacariam qualquer pessoa estranha.
— Só podemos formular suposições sobre o destino da nave — disse Firgolt. — Parece que está realizando um vôo linear, pois por enquanto não sentimos a dor típica da deformação provocada pela transição. Então... suponhamos que estamos nos aproximando de algum planeta dominado pelos desconhecidos.
— Isso significaria que acabaríamos como prisioneiros — disse Warren, cujo rosto juvenil estava mais pálido que nunca. Mas seu corpo franzino parecia encerrar energias inesgotáveis.
— E o pior: é perfeitamente possível que nos responsabilizem pela morte dos tripulantes da nave — observou Collignot. — Nesse caso dificilmente se contentarão em prender-nos.
Fez um gesto inconfundível em torno do pescoço.
Firgolt comprimiu as mãos contra as têmporas. Estava cansado, mas não queria voltar a tomar um estimulante. Das costelas quebradas irradiava uma dor surda, que se estendia a todo o tórax.
— Se não queremos ser presos, devemos encontrar um meio de assumir o controle da nave — disse.
— Isso não será nada fácil — disse Kopenziak. — Acredito que o verme do pavor pretenda a mesma coisa, e dificilmente liberará a sala de comando. Sua presença na mesma parece indicar que também não está satisfeito com a rota do vôo.
— Talvez consigamos chegar a um acordo com o verme — sugeriu Warren em tom pensativo. — Poderíamos celebrar um pacto com ele, porque ambas as partes não estão satisfeitas com a direção da nave. Por isso poderíamos unir-nos para realizar as modificações que se tornam necessárias.
— Isso é muito mais complicado do que pode parecer — disse Firgolt. Seu rosto magro contorceu-se numa expressão de contrariedade. — As intenções do dispositivo automático diferem tanto das nossas como das do “bebê-gigante”, mas não há dúvida de que nossas opiniões e as de nosso “amigo” quanto aos planetas aos quais devemos dirigir-nos também divergem. Tenho certeza de que o acordo será impossível. Outra coisa: acontece que o verme do pavor deve estar desconfiado. Se estivéssemos no seu lugar, também estaríamos. Afinal, no momento a sala de comando é dele, e isso representa uma grande vantagem em qualquer tipo de negociação. As condições seriam formuladas exclusivamente por ele.
— É verdade, capitão — admitiu Collignot. — Não acredito que haja uma solução pacífica para nosso problema.
Kopenziak emitiu um som que parecia um grasnado.
— Vamos expulsá-lo à força — sugeriu.
Um sorriso irônico aflorou aos lábios de Firgolt.
— Como pretende fazer isso, tenente? — perguntou. — Acredita que essa criatura se manterá inativa enquanto a levarmos para fora?
O Tenente Aldo Kopenziak, que era o mais idoso dos quatro especialistas, cocou violentamente a calva.
— Teremos de usar algum estratagema, capitão.
Possuíam carabinas de radiações e armas térmicas, mas as mesmas não poderiam representar um perigo sério para o verme do pavor. Além disso os controles poderiam ser danificados no tiroteio. Talvez houvesse uma chance de atrair o verme do pavor para fora da sala de comando e ocupar o recinto numa ação-relâmpago.
Os agentes não tinham nada a perder. O dispositivo automático ou o verme do pavor, qualquer um deles os levaria a um mundo desconhecido, para um destino incerto. O monstro era o menor dos males, mas não se sabia se o mesmo seria capaz de assumir o controle da nave.
Para aqueles homens o maior obstáculo consistia no fato de não conhecerem a nave. Não sabiam para onde levavam os diversos corredores e poços de elevadores. A qualquer momento poderiam sofrer um ataque de robôs.
Nem a violência nem a reflexão prolongada lhes poderia ser útil. Precisavam usar de astúcia contra o verme do pavor. Acontece que o monstro já provara que era muito inteligente e não se deixaria enganar por um estratagema grosseiro.
Nem sequer tinham certeza de como seria a reação do gigantesco animal. As características de sua mentalidade eram diferentes, e por isso qualquer ação poderia produzir resultados totalmente inesperados.
O Capitão Firgolt defrontava-se com um problema aparentemente insolúvel. Tinha de cumprir uma tarefa, e além disso era responsável pela vida de três homens. A idéia de entrar na nave partira dele. Firgolt não se recriminava diretamente, mas não conseguiu reprimir o sentimento de culpa.
— Alguém tem uma idéia? — perguntou Firgolt. — Que tal o senhor, Claude?
— Neste momento um vazio total reina em meu cérebro — disse Collignot como quem pede desculpas.
— Poderíamos atacar a sala de comando de vários lados ao mesmo tempo — sugeriu Warren. — Talvez consigamos iludir nosso amigo com um ataque simulado, fazendo com que saia por um instante, e assim o outro grupo poderia ocupar e trancar a sala de comando.
— Acho que não será nada fácil manter a sala trancada — objetou Firgolt. — Tenho a impressão de que nenhuma das escotilhas desta nave seria capaz de resistir por muito tempo aos ataques de um verme do pavor enfurecido.
— Mas precisamos fazer alguma coisa — resmungou Kopenziak. — Acho que contra qualquer plano podem ser formuladas objeções. Apesar disso precisamos tentar.
Firgolt assentiu. O tenente tinha razão. Qualquer idéia, por melhor que fosse, apresentaria suas falhas. Não havia nenhum meio absolutamente seguro de dominar o verme do pavor. No momento, o verdadeiro inimigo não era o monstro, mas, para pôr as mãos no dispositivo automático que os levava para a morte, teriam de encontrar um meio de afastá-lo do caminho. Isso parecia impossível, mas Firgolt não estava disposto a desistir sem ter feito uma tentativa.
— Antes de mais nada vamos verificar quantos acessos possui a sala de comando — ordenou. — Evidentemente tudo quanto é entrada deve ser considerado. Não devemos esquecer os poços de ventilação, os dutos de climatização e coisas semelhantes. Assim que tivermos esclarecido este ponto, elaboraremos uma estratégia de ataque ao verme do pavor.
Collignot levou-os ao corredor em que havia descoberto a entrada da sala de comando. Firgolt viu a extremidade de um poço junto à parede.
Mandou que todos parassem.
— Será que este poço pode levar à sala de comando, Claude? — perguntou.
— O corredor descreve uma curva suave — respondeu Collignot. — Não sei para onde segue este buraco. Parece muito estreito.
— Não sou gordo — disse Firgolt com um sorriso. — Para um homem magro não será difícil passar por lá. Precisamos verificar se é apenas um nicho, ou se é a saída de um poço de ventilação que leva à sala de comando.
— Sou mais magro que o senhor, sir — disse Warren em voz baixa. — Deixe-me ir.
— Prefiro cuidar disso pessoalmente — respondeu Firgolt.
Fez um sinal para que Kopenziak se aproximasse da entrada do corredor.
— Coloque-se embaixo do poço, tenente — ordenou. — Subirei aos seus ombros e me impulsionarei para dentro do poço.
O agente de estatura baixa plantou-se com as pernas abertas. Ajudado por Collignot e Warren, Firgolt subiu aos ombros de Kopenziak. Estendeu as mãos para segurar-se na borda da abertura.
Nesse momento Kopenziak recebeu um golpe. Soltou um grito de surpresa. Cambaleou. De repente Firgolt sentiu que perdia o apoio. Ao cair bateu bem em cima de dois robôs que haviam saído do corredor e estavam atacando Kopenziak. Firgolt pôs-se de pé com a agilidade de um gato. Viu Collignot levantar a carabina de radiações e deixou-se cair.
O raio energético passou por cima de sua cabeça. Ouviu um som borbulhante. A figura desajeitada de um robô dobrou-se bem à frente de Firgolt. O segundo robô estendeu a mão e segurou a jaqueta do capitão. Firgolt segurou o braço metálico e procurou libertar-se.
Kopenziak, que acabara de levantar-se, também fez pontaria sobre o inimigo de Firgolt. Mas sua posição era altamente desfavorável. Havia o risco de atingir o capitão.
A mão do robô passou a segurá-lo com mais força. Firgolt sentiu que as dores do tórax se tornavam mais intensas. Anéis coloridos começaram a dançar diante de seus olhos. Reuniu todas as reservas de energia para resistir à força da máquina.
Foi quando Warren atirou. Por coincidência Firgolt olhou nesse instante para o jovem especialista. Até parecia que o mesmo nem chegara a fazer pontaria. A carabina de radiações voou para junto de seu rosto.
Foi um tiro magistral. O raio muito fino derreteu uma das juntas do braço metálico do robô. Firgolt conseguiu libertar-se. Cambaleou de encontro à parede. A fumaça e o mau cheiro enchiam o corredor.
Os agentes tossiram. Os olhos de Firgolt começaram a lacrimejar.
Os robôs que os haviam atacado pareciam ter vindo do nada. Representavam um perigo constante para os terranos.
— Tudo bem, sir? — perguntou Collignot.
— Tudo bem — respondeu Firgolt.
Ao que parecia, não havia outros inimigos por perto. Os ataques eram esporádicos e, segundo parecia, eram dirigidos pelas mesmas forças que conduziam a nave através do espaço.
— Está bem, Tenente Kopenziak. Vamos tentar de novo.
O agente de olhos largos teve a cautela de olhar em torno. Queria certificar-se de que desta vez poderia agir em segurança. Colocou-se em posição, e Firgolt subiu nele. Desta vez ninguém os perturbou. O capitão conseguiu entrar no poço. Era bem estreito, conforme Collignot previra.
— O senhor consegue passar, sir? — gritou Kopenziak.
— Consigo — respondeu Firgolt, erguendo a voz. O som da mesma era abafado e parecia provocar um eco. Continuou a arrastar-se. Os tenentes viram suas pernas desaparecerem no poço.
Collignot atirou fora o toco do charuto e apagou-o com o calcanhar, enquanto erguia os olhos para Firgolt.
— Agora só restam três — disse em tom sombrio.
— Tenho certeza de que o capitão voltará — respondeu Kopenziak em tom indignado.
Collignot fitou-o com uma expressão de censura.
— Refiro-me aos charutos que ainda possuo, tenente — disse em tom áspero.
Kopenziak chegou a abrir a boca para dar uma resposta, mas chegou à conclusão de que era preferível ignorar um homem sarcástico e malévolo como o Tenente Collignot.
Dali a pouco cessaram os ruídos arranhentos causados pela locomoção do Capitão Firgolt. Este havia avançado a um ponto tal que os sons por ele produzidos não atingiam os homens que se mantinham à espera.
Os rostos dos três homens espelharam a mesma pergunta muda.
Em que lugar sairia Brent Firgolt?
Os quatro desconhecidos o haviam seguido para dentro da nave dos benévolos.
Essa constatação deixou-o muito mais abalado que a decolagem da nave, que fora prevista por ele. Aquelas quatro criaturas encontravam-se juntamente com ele no interior da nave dirigida por robôs. Se a situação não fosse tão desesperadora, o verme do pavor acharia isso engraçado.
O coração da nave, formado pela extensa sala de comando, era ocupado por ele. Nenhum robô e nenhum desconhecido seria capaz de desalojá-lo de lá. Mas ali acabavam as vantagens. Um destino que parecia fazer troça dele impedia-o de tirar qualquer proveito de sua situação de predomínio. Parecia um inseto que depois de muito esforço finalmente conseguiu entrar num vidro de melaço, para morrer afogado no mesmo.
Sua mente conseguiu abranger a nave. Não demorou a descobrir o significado dos diversos painéis. Sabia ler as escalas, compreendia as indicações dos aparelhos de controle e sabia interpretar corretamente a diferença das cores dos dispositivos de alerta. Até conseguiu classificar os ruídos débeis vindos de todos os lados. Conhecia o zumbido do computador e o murmúrio rítmico do piloto automático.
Teoricamente deveria ser capaz de levar a nave maravilhosa para qualquer ponto da Galáxia.
Mas para isso não bastava ter uma inteligência extraordinária.
A sensação de triunfo logo foi substituída por um triste sentimento de desamparo, pois notou que não estava em condições de controlar uma nave por meio dos dispositivos manuais. Não tinha a menor chance possível de manipular as chaves altamente sensíveis; não poderia colocar jamais as alavancas e os botões na posição necessária.
Estava condenado a conformar-se com a rota traçada pelo dispositivo automático. Na melhor das hipóteses poderia destruí-lo, mas neste caso morreria na solidão do espaço. A nave levava-o para junto dos seres que vingariam a morte dos tripulantes.
Seu destino estava inexoravelmente traçado.
Dominado pelo desânimo, arrastou-se pela sala de comando. Fez mais uma tentativa de modificar a programação da pilotagem robotizada. Aproximou desajeitadamente as patas gigantescas dos braços dos respectivos aparelhos. Sentiu a resistência do engaste, mas as minúsculas teclas eram inatingíveis. Não poderia segurar as alavancas embutidas, pois nesse caso as quebraria.
Sentiu uma tendência selvagem para a destruição. Teve de fazer um grande esforço para conservar o autocontrole. Lembrou-se das ordens antiqüíssimas que continuavam a viver em sua raça. Sabia manipular as alavancas compridas, especialmente construídas, do equipamento de alarma, que costumava chamar os benévolos para algum planeta de molkex. Muitos seres de sua espécie já haviam feito isso, seguindo um instinto natural, que era transmitido de um verme do pavor a outro.
Mas assim que se defrontava com qualquer aparelhagem que não tivesse sido feita especialmente para ele, estava condenado ao fracasso.
Um terrano nunca seria capaz de executar os trabalhos micromecânicos de um siganês, por mais precisas que fossem as ferramentas que tivesse em mãos. A mesma coisa estava acontecendo com o verme do pavor. Sua inteligência extraordinária, que lhe permitia a compreensão de todas as coisas, não lhe servia para muita coisa.
O que adiantava ler os instrumentos, entender as cifras indicadas pelos mesmos, se não podia tirar proveito disso?
A nave fora construída para uma raça de anões — ao menos sob o ponto de vista do verme.
Enquanto procurava lidar com os controles, vieram rolando quatro das ridículas máquinas que o incomodavam desde o momento em que entrara na nave. Dispararam tiros de radiações contra ele.
Finalmente encontrou um alvo para sua raiva incontida. A parte anterior de seu corpo virou-se abruptamente. Com a primeira patada dividiu um dos robôs em várias partes que se espalharam ruidosamente pela sala de comando. Os pólos energéticos de sua boca soltaram uma descarga chamejante. Dois atacantes derreteram-se e ruíram como se fossem feitos de uma substância mole.
Esperava que o quarto robô fugisse. Mas tal comportamento seria contrário à lógica robotista. A máquina fora acionada por um comando e não suspenderia sua ação enquanto não fosse destruída ou chamada de volta.
O colosso esticou as patas como se estivesse fazendo uma coisa muito agradável. Ouviu-se um rangido. A parte superior da máquina arrebentou como se alguma pressão interna quisesse sair. Rodas dentadas, relês, pedaços de fio e fragmentos metálicos caíram ao chão.
O verme do pavor libertou sua vítima. O envoltório da máquina produziu um barulho ensurdecedor ao atingir o chão bem à sua frente. Com um movimento do braço o gigante levou os fragmentos a um canto.
Enquanto houvesse robôs na nave, os mesmos tentariam atacá-lo. Isso não o preocupava muito, pois saberia enfrentar as máquinas. O que não sabia enfrentar eram os instrumentos e os controles que serviam para dirigir a nave.
Retirou-se dos controles e pôs-se a refletir. Não podia desanimar, pois ainda havia um meio de modificar a rota da nave. Era bem verdade que para isso precisaria dos desconhecidos que ali se encontravam. Tinham condições físicas e mentais para manipular os controles. Provavelmente já teriam tentado fazê-lo, se não fosse o obstáculo que ele mesmo representava a seus olhos.
Naturalmente devia contar com um ataque violento dos anões, mas isso apenas reforçaria as tomadas de posições a tal ponto que haveria poucas chances para um acordo.
Se descobrisse um meio de comunicar-se com os desconhecidos, não poderia deixar de revelar o segredo da inteligência de sua raça.
Até então nunca um verme do pavor quisera assumir esse risco. Era por um imperativo de autoconservação que os seres de sua raça evitavam mostrar as faculdades de seus cérebros. Entre os inúmeros tabus que pesavam sobre os vermes do pavor, o mais grave era o do segredo quanto à sua inteligência. O preceito que mandava guardar esse segredo não admitia nenhuma exceção. Devia ser observado, houvesse o que houvesse.
No entanto, desde o início ele se envolvera num jogo em que os lances eram muito elevados. Todos os seus trunfos já haviam sido usados. Só restava a carta de cima, que era a de sua inteligência.
Qualquer criatura que visse essa carta teria que morrer.
Foi nesse fato que baseou seu plano. Poderia fazer certas promessas aos desconhecidos a fim de levá-los a ajudá-lo. Quando não precisasse mais deles, os destruiria.
Seria uma traição, mas o verme do pavor não conhecia escrúpulos. A única coisa que importava era a conservação da própria vida.
Não teve a impressão de que seu procedimento fosse menos digno. Achou que não havia nada demais no que pretendia fazer. Sua espécie vivia sob a ameaça constante da extinção, e por isso criara um egoísmo racial muito acentuado, que o levara a não atribuir nenhum valor à vida de outros seres.
Tanto mais estranhável era a decisão do verme do pavor: a de entrar em contato com os desconhecidos. Apesar do caráter revolucionário que se manifestara desde o nascimento, do ponto de vista de qualquer outro verme do pavor seu comportamento representaria uma verdadeira blasfêmia contra os valores há muito estabelecidos.
Pôs-se a refletir sobre os meios de comunicação de que poderia lançar mão. Se saísse da sala de comando para procurar os desconhecidos pela nave, os mesmos seriam levados a crer que ele os perseguia para matá-los. De resto, isso lhes daria uma chance de entrar na sala de comando e manipular os controles segundo sua conveniência.
Ele mesmo queria fixar o destino da nave.
No momento o impulso de rádio que poderia emitir com o hipersetor de seu cérebro representava o menor risco. Uma vez transmitido o mesmo, poderia aguardar calmamente a reação dos desconhecidos — isto se os mesmos estivessem em condições de captar e decifrar impulsos dessa espécie. Devia agir com muita cautela. Não poderia emitir nenhum pronunciamento nem fazer o menor gesto capaz de revelar o destino que reservava a seus eventuais auxiliares. E, o que era muito importante, sua pequenez e debilidade física não deveria levá-lo a subestimar esses seres.
Refletiu sobre a formulação do impulso de rádio. Não devia desenvolver suas próprias concepções e idéias no âmbito do mesmo. Os desconhecidos eram bastante inteligentes para perceber imediatamente o menor indício de que alguém lhes estava armando uma cilada.
Começou a titubear em sua resolução. Seu plano já continha um erro que queria evitar de qualquer maneira. Baseava-se numa subestimação dos desconhecidos. Se partia do pressuposto de que os mesmos não descobririam suas reais intenções, ele se entregava a um falso otimismo, pois estes saberiam imediatamente que seriam mortos assim que tivessem prestado o auxílio que se esperava deles.
Com mentiras não conseguiria nada. Deveria usar a arma da psicologia.
Tomou como ponto de partida o fato de que os desconhecidos queriam entrar na sala de comando. Tal desejo seria gerado pelo instinto natural de autoconservação. Sem dúvida sabiam que a nave corria para um destino desconhecido, para um lugar em que a morte os esperava.
Por isso assumiriam qualquer risco para entrar na sala de comando. Fariam a mesma coisa que ele próprio pretendera fazer com eles: lançariam mão de todas as oportunidades a fim de enganá-lo.
Pouco importava quem fosse o mais forte. Quanto a isso, não havia mesmo a menor dúvida. O importante era ser mais esperto.
Ele lhes diria com toda franqueza que pretendia matá-los assim que a nave se aproximasse de um mundo em que tivessem oportunidade de transmitir o que sabiam a respeito de sua inteligência. O fato de poderem viver até lá nutriria nessas criaturas a esperança de pô-lo fora de combate durante a viagem.
Gostou muito mais desta idéia que da primeira. Ele lhes apresentaria um ultimato.
“Ou morrem já”, ele lhes diria, “ou então me ajudam a pilotar a nave e ganham mais alguns dias de vida!”
Era um jogo desavergonhado com a vida alheia, mas o verme do pavor não tinha a menor dúvida de que os planos dos desconhecidos não eram muito diferentes.
O Tenente Claude Collignot acendeu lentamente o antepenúltimo dos seus charutos e lançou um olhar pensativo para o poço de ventilação em cujo interior acabara de desaparecer o Capitão Firgolt.
— Dificilmente conseguirá voltar — observou. — O poço é muito estreito, e ele está levando o conversor de símbolos e a carabina de radiações.
— Quer dizer que terá de ir até o fim, seja lá onde for isso — disse Warren.
Kopenziak, que nunca hesitava em manifestar certos pensamentos que outras pessoas preferiam guardar para si, disse:
— Nas naves terranas existem poços de ventilação que levam a conversores, instalações de trituração de lixo e propulsores.
— Felizmente também existem os que levam a observatórios, laboratórios e salas de comando — respondeu Collignot.
— O senhor sabe onde fica a entrada da sala de comando — disse Warren, dirigindo-se a Collignot. — Deveríamos ficar por lá, para podermos ajudar Firgolt, caso isso se torne necessário.
Kopenziak apontou para o outro lado do corredor.
— É verdade — disse, apoiando a sugestão de Warren. — Por aqui não poderemos fazer mais nada.
Um traço duro surgiu no rosto de Collignot. Lançou um olhar para o corredor lateral, onde estavam jogados os restos dos robôs.
— Provavelmente voltaremos a ser atacados no caminho. Precisamos ter cuidado. Esta nave parece enfeitiçada. Ninguém sabe por quem está sendo dirigida pelo espaço. Só temos certeza de uma coisa: não somos nós que estamos sentados diante dos controles.
Tirou uma profunda baforada do charuto. O Tenente Kopenziak sentiu certo alívio ao pensar que não precisaria suportar esse cheiro repugnante por muito tempo. O estoque de charutos de Collignot estava chegando ao fim. Só lhe restavam três charutos, ou melhor, dois e meio.
Collignot levou-os ao corredor que dava para a sala de comando. O corredor principal estava vazio, mas parecia haver certo tipo de vida no mesmo. Tudo parecia novinho e bem polido. Tinha-se a impressão de que os desconhecidos mal haviam abandonado a nave, deixando atrás de si um sopro invisível.
Toda a nave parecia estar à espera do regresso dos verdadeiros donos, cujos cadáveres jaziam nas colinas de Euhja, inertes, e por lá apodreceriam no curso dos anos, até que o vento vindo do mar tivesse força bastante para soprar seus restos minguados em todas as direções: pela ilha, entre as rochas, por cima do oceano.
Uma nave abandonada sempre dava uma impressão triste. Abalava a mente, pois constituía a expressão da impotência de todas as inteligências diante da morte, que acabava por alcançá-las, mesmo que fossem capazes de realizar viagens interestelares.
“Um agente como eu deveria encarar as coisas com mais realismo”, pensou Collignot. “Deve-se ver apenas o essencial, como Kopenziak, ou envolver-se no manto protetor da indiferença, como Warren.”
“Quantas raças já teriam percorrido a Galáxia, em naves potentes e orgulhosas? Quantos impérios, quantas guerras já teriam sido vistos na Galáxia?
“Até os reinos estelares desmoronavam um dia, esfacelavam-se em inúmeras porções independentes, que seguiam caminhos próprios. A raça primitiva, o planeta de origem, o sol do sistema, tudo se transformava numa lenda, num relato encontrado nos velhos livros, que se movia entre a ficção e a realidade.
“Um dia a própria humanidade seria apenas uma lenda. Os filhos do planeta Terra estariam espalhados pelo Universo, transformados numa infinidade de formas de vida humanóide e não-humanóide.
“Ninguém saberia da existência da Terra, a não ser que alguém soprasse a poeira dos livros para reencontrar o caminho que levava para a pátria dos ancestrais.
“Quem sabe”, pensou Collignot, “se nós mesmos não somos indivíduos dispersos, remanescentes de uma raça que já foi poderosa. Nossa pátria é a Terra, até um dia, quando descobrirmos que somos apenas os descendentes de uma raça poderosa. A idéia é perfeitamente plausível.”
Em momentos como este a razão poderia dizer ao tenente que tudo que fizesse parecia inútil diante do tempo. Seus atos não tinham sentido, nenhum deles produziria qualquer influência na história do Universo.
Mas os sentimentos, as aspirações humanas, os anseios e a ambição eram mais fortes que a voz da razão. Por isso trabalharia incansavelmente, faria coisas que não tinham a menor importância, continuaria a trabalhar como agente.
Durante toda a vida estaria à caça, à procura de uma nesga de conhecimento, de alguma coisa que lhe pudesse mostrar o que realmente era importante e grandioso. Era um objetivo menos compensador, uma tarefa que não prometia grandes resultados, mas valia muito menos que uma vida sonolenta, menos que a aceitação pouco dignificante de todas as coisas.
— Por onde devemos seguir? — disse a voz de Warren em meio às suas reflexões, como se viesse de um outro mundo.
Collignot apontou para um corredor secundário.
— Por aqui — disse. — Este corredor leva diretamente à entrada da sala de comando.
Lembrou-se do Capitão Firgolt, que naquele momento rastejava pelo poço de ventilação, em direção a um destino desconhecido. Collignot reconheceu sem a menor inveja que Firgolt era o melhor entre eles. Mas será que isso bastaria para continuar vivo se o poço de ventilação o levasse diretamente para a sala de comando — para as garras do verme do pavor?
Firgolt nunca suara tanto. Acreditava que se encontrasse em cima de alguma sala de máquinas, de onde o calor irradiava para cima deles. As vestes estavam grudadas ao corpo. Pelos seus cálculos a temperatura devia ser superior a trinta graus centígrados.
Até mesmo o ar que soprava pelo poço parecia aquecido. Sentiu uma pressão surda na altura da testa. Continuou a avançar resolutamente.
De repente teve a impressão de que o ar que vinha ao seu encontro era soprado com maior violência. Começou a clarear. Aproximava-se da extremidade do poço.
Teve uma sensação de alívio, mas no mesmo instante perdeu o apoio. Num movimento instintivo procurou segurar-se, mas suas mãos escorregaram nas paredes lisas.
Soltou um grito enquanto caía. De repente viu-se num ambiente profusamente iluminado. Alguma coisa parecia mover-se lá embaixo, mas não tinha muita certeza.
O impacto da queda quase o deixou inconsciente. O cano da carabina de radiações golpeou-o na altura do estômago. Levantou-se. Sua vista estava meio turva. Teve a impressão de sentir um movimento entre os pés, um torvelinho confuso.
De repente sentiu uma dor lancinante no tornozelo. Até parecia que fora mordido por um cão. A vista começou a clarear.
Encontrava-se num recinto que media mais de vinte metros quadrados.
Não estava só.
Havia centenas de animaizinhos semelhantes a ratos, que pareciam cobrir todo o soalho. Estes investiram contra ele e procuraram mordê-lo.
Apavorado, procurou defender-se com os pés. Matou alguns, quebrando-lhes a nuca, enquanto atirava outros com tamanha violência que os fez bater nas paredes, onde ficaram chiando e choramingando. Mas a quantidade era incrível. Quando conseguia matar um, logo surgiam outros que se precipitavam sobre ele.
Onde fora parar? Conseguiu recuar até a parede. Agora estava com as costas protegidas. Um dos pés começou a sangrar. O cheiro parecia enlouquecer os bichos. Cercaram-no, assobiando e uivando, enquanto os olhos rasgados o fitavam com uma expressão de ódio.
Firgolt lembrou-se de que nas velhas naves mercantes do Império costumava haver ratos que se esgueiravam por todos os cantos, à procura de lixo.
Não tinha a menor dúvida de que os animais que se encontravam à sua frente pertenciam à família dos roedores. Haviam-no farejado e seu instinto lhes dissera que cairia neste lugar. Saíram de todos os cantos para precipitar-se sobre a vítima.
O rosto de Firgolt estava mais pálido que a parede à qual estava encostado.
Pisando incessantemente nos animais, arrancou a carabina do ombro. Fez pontaria e disparou para dentro de um monte de animais enfurecidos. Morreram às dezenas. Seus corpos, que eram de um verde repugnante, desmancharam-se em fogo, desintegraram-se, explodiram. Um cheiro horrível espalhou-se pela sala.
Apavorado, Firgolt viu os animais vivos avançarem para os mortos. Sempre que algum deles conseguia abocanhar um companheiro morto, retirava-se imediatamente com a presa. Houve lutas violentas em torno dos cadáveres.
A pressão contra Firgolt diminuiu um pouco. Voltou a atirar. O calor das radiações fez turbilhonar os corpos, fazendo-os esvoaçar como folhas secas.
Soltavam gritos estridentes e, ao morrerem, ainda procuravam cravar os dentes afiados em alguma porção de carne.
Firgolt saiu cambaleando. Eram poucos os animais que continuavam a persegui-lo. Lançou um olhar desesperado para as paredes. Ao que parecia, não havia nenhuma saída. O único lugar aberto era o alçapão por onde havia caído.
O canal continuava, levando a outro recinto, de onde vinha a claridade. Firgolt viu algumas barras trapezoidais num canto. Correu apressadamente para lá, com dezenas de criaturas chiando nos seus calcanhares. Pegou uma das barras para sentir seu peso. Esse peso chegava a alguns quilos. Firgolt pôs-se a trabalhar como um possesso. Levou os volumes para um lugar situado bem embaixo do alçapão e começou a empilhá-los.
Só queria uma coisa: sair o quanto antes do recinto em que se encontrava. Não sabia de que material eram feitas as barras. Talvez fosse algum material de construção.
Levou pouco tempo para erguer uma torre embaixo do alçapão. O soalho enegrecera por causa dos tiros. Em alguns lugares estava derretido e vitrificado. Em toda parte viam-se animais semicarbonizados. O cheiro era tão desagradável que Firgolt mal conseguia respirar.
Subiu à pilha. Alguns dos animais procuraram segui-lo, mas escorregaram nas superfícies lisas. Retiraram-se, decepcionados.
Firgolt levantou as mãos esfoladas em direção ao alçapão. Conseguiu agarrar-se à parte inferior do canal. Embaixo dele os repugnantes animais semelhantes a ratos assobiavam e soltavam gritos estridentes, acompanhando seus movimentos com os olhos gulosos.
Firgolt sentiu que ainda possuía bastante força nos braços. Puxou-se para cima, até que a parte superior do corpo caísse para dentro do canal. Ficou deitado por algum tempo, respirando fortemente, enquanto as pernas executavam movimentos pendulares.
Conseguiu entrar de vez no canal de ventilação. Os pés ardiam, mas os ferimentos provocados pelas mordidas não representariam qualquer problema, face à pequena farmácia de Warren.
Viu uma abertura iluminada à sua frente. Era o fim do poço. Deslocou-se em direção à mesma.
Resolveu ser mais cauteloso. Suas mãos apalparam cada palmo de chão pelo qual seu corpo tinha de escorregar, pois era possível que houvesse outros alçapões.
O calor diminuiu bastante. Sentiu-se aliviado ao poder respirar ar puro.
Estava olhando diretamente para dentro da sala de comando!...
Finalmente conseguiu formular uma mensagem dirigida aos desconhecidos que o deixou satisfeito. Não fora nada simples encontrar as palavras adequadas; tivera de refletir bastante. Ele lhes formularia um ultimato, conforme pretendera.
Estava curioso para ver a reação daquelas criaturas corajosas!
Seus sentidos ultra-sensíveis lhe haviam revelado que já houvera vários tiroteios no interior da nave. Parecia que os desconhecidos tinham que defender-se contra as investidas dos robôs. Fazia votos de que conseguissem livrar-se das máquinas.
O verme do pavor estava deitado num dos cantos da sala de comando, com a cabeça pousada no chão.
Do lado oposto, logo embaixo do teto, uma cabeça humana surgiu por um instante num buraco e recuou imediatamente. O verme do pavor não notou o movimento. E não viu o cano da carabina de radiações que dali a pouco apontou para a sala.
Estava concentrado na mensagem que pretendia enviar.
Queria começar logo.
Imediatamente, nesse mesmo instante!
Conforme afirmara Collignot, o verme do pavor estava lá. Firgolt recuou apressadamente. O monstro estava deitado do outro lado, sem desconfiar da presença de um ser humano. Os pensamentos de Firgolt precipitaram-se. Nunca um ser humano conseguira chegar tão perto do monstro sem que sua presença fosse notada.
O capitão foi tirando lentamente a carabina de radiações de baixo do corpo. Talvez conseguisse matar o gigante, já que o pegara desprevenido. Se fizesse pontaria para os grandes olhos, que por certo eram muito sensíveis, talvez sua tentativa fosse bem-sucedida.
Firgolt sentiu-se surpreso ao notar que essa idéia o deixava contrariado. Afinal, a criatura contra a qual pretendia atirar não era nenhum animal selvagem. O verme do pavor era um ser inteligente — e isso modificava muita coisa.
Podia-se matar um animal, não por puro prazer, mas podia-se fazê-lo quando havia circunstâncias imperiosas que o exigissem. Nesse caso o ato não pesaria na consciência de ninguém.
Mas o gigante que se encontrava lá embaixo não era um animal.
— Caramba! — disse Firgolt de si para si. — Ele nos está atrapalhando.
O poço de ventilação carregou sua voz, que se uniu ao sussurro da corrente de ar, transformando-se num murmúrio surdo, carregado de pressentimento.
Firgolt fez pontaria. Tremeu, as mãos ficaram nervosas, o alvo parecia desmanchar-se diante de seus olhos.
“É ele ou eu”, pensou Firgolt.
Mas as coisas não eram tão simples assim. Bastava puxar o gatilho, e a decisão estava tomada. A nave corria em direção a um planeta desconhecido, a um mundo em que os especialistas não encontrariam nenhuma compaixão. Por isso precisavam fazer aquilo que evidentemente o verme do pavor não estava em condições de fazer. Precisavam modificar a rota da nave.
“Este tiro modificará minha vida por completo”, disse Firgolt. Não por fora. A modificação se realizaria em seu interior. Disse a si mesmo que o tiro não seria disparado apenas em benefício de si mesmo e dos três tenentes. Rememorava constantemente a tarefa que lhes fora confiada. Apesar de tudo, certo setor de seu cérebro só encontraria uma palavra para isso: “Assassino!”
O Capitão Brent Firgolt cerrou os dentes e ergueu a carabina de radiações. O que viria depois não tinha a menor importância naquele momento. A única coisa que importava era conquistar a sala de comando.
“Atire!”, disse uma voz retumbante em seu cérebro. “Atire logo!”
Firgolt fez pontaria e moveu o dedo...
A caça à nave de molkex empolgou toda a Frota como se fosse uma febre. Mas Perry Rhodan teve bastante inteligência para só enviar grupos de naves pouco numerosos em busca dos misteriosos seqüestradores dos quatro agentes da USO. As naves maiores tinham outra tarefa a cumprir: proteger o Império contra qualquer ataque de uma potência desconhecida. A nave a que aludira Firgolt no relato gravado em fita até parecia um fantasma. Não conseguiram descobrir o menor vestígio da mesma. As buscas fracassaram, embora Rhodan seguisse qualquer indício, por mais insignificante que fosse.
A vida no Império Unido parecia paralisada. Esperava-se uma coisa, mas nada aconteceu. Rhodan sabia perfeitamente que esse estado de coisas fatalmente haveria de levar a uma crise. A ameaça estava presente. Sempre se revelara por pouco tempo, golpeara e deixara seus vestígios.
Onde estaria o verdadeiro perigo, a potência que estava atrás dos acontecimentos?
Naquele dia — era o último do mês de dezembro — Rhodan ficou muito satisfeito ao receber uma mensagem de hiper-rádio expedida por Atlan. O rosto do arcônida apareceu na tela do hipercomunicador. Trazia a expressão irônica que lhe era peculiar.
— A caça às sombras já fez algum progresso, meu velho? — perguntou.
— Não conseguimos mais que a USO — respondeu Rhodan. — Por isso sugiro que você volte para a Eric Manoli. No momento sua presença em Quinto Center não é necessária.
— O que poderei fazer a bordo da nave-capitânia?
— Se acontecer alguma coisa, poderemos agir mais depressa. Nossas ordens poderão ser ajustadas no local dos acontecimentos. Não preciso pegar o rádio para saber o que fará a USO em cada caso concreto.
Atlan sorriu.
— Parece que você está levando isso muito a sério, bárbaro.
— É verdade, almirante. Mas já estou curioso para conhecer o motivo do seu chamado.
— Trata-se de uma informação que nos foi fornecida por um mercador galáctico. O sujeito anda em áreas proibidas com sua nave. Quanto a isso não existe a menor dúvida. Por isso admiro a coragem que demonstra ao entrar em contato conosco. Depois que sua carga foi examinada, garanti-lhe que não será punido. Não observou nada além...
— O que foi mesmo que ele observou? — interrompeu Rhodan.
— Fala num misterioso objeto voador que diz ter localizado naquele setor. Admite que talvez se tenha enganado.
O lorde-almirante sorriu.
— Evidentemente espera uma recompensa...
— Quer dizer que também desta vez não é nada — disse Rhodan. — De qualquer maneira, é bom fornecer as coordenadas. Enviaremos algumas naves à área.
— Está bem — disse Atlan.
— Espero-o na Eric Manoli — disse Rhodan.
Desligaram. Rhodan viu a expressão indagadora no rosto do Coronel Dantur.
— Nada, comandante — disse. — Trata-se apenas de um saltador que fareja um bom negócio.
Kors Dantur confirmou com um gesto. Parecia decepcionado. A cada dia que se passava, sem que localizassem os agentes, as chances de encontrá-los vivos diminuíam.
Soava como o vento da noite que acaricia as folhagens, como o cochicho de vozes finas que falassem não se sabe de onde. Seu dedo já começara a puxar o gatilho. Mais uma pressão muito leve, e a carga energética sairia do cano da carabina.
De repente Firgolt estremeceu.
Um murmúrio saiu do conversor de símbolos que trazia consigo. Concentrara-se tanto no tiro que o mundo que o cercava parecia ter desaparecido. Num gesto apressado puxou a arma para trás. Só com muita habilidade conseguiu colocar o conversor de símbolos junto ao ouvido no interior daquela galeria estreita.
Firgolt lançou um olhar para a sala de comando. O verme do pavor continuava deitado, completamente imóvel. Parecia cochilar.
O especialista ligou o dispositivo de reprodução do aparelho.
— Não sei se vocês poderão captar esta mensagem — disse a voz saída do conversor.
Firgolt ficou espantado. O verme do pavor estava irradiando uma comunicação dirigida a eles!
— Somos prisioneiros desta nave — disse o aparelho, traduzindo os impulsos expedidos pelo monstro. — Agora, que lhes falo, vocês já devem ter compreendido que possuo inteligência. Mas torna-se necessário guardar este segredo antiqüíssimo de minha raça. Por isso tenho de matá-los. Não me resta outra alternativa. Mas vocês têm uma chance de prolongar a vida, mesmo que seja por pouco tempo. Em troca disso exijo que assumam os controles desta nave e os manipulem em conformidade com as instruções que lhes darei. Em compensação continuarão vivos até o momento em que cheguemos a um mundo em que vocês poderiam revelar o que sabem. Quando isso acontecer, terei de eliminá-los. Reflitam sobre o que parece valer mais: morrer logo ou continuar vivos até que eu chegue ao meu destino. Aguardo sua resposta à minha oferta.
Firgolt refletiu. De uma hora para outra a situação mudara por completo. A oferta do verme do pavor constituía uma prova evidente de que o gigante era incapaz de pilotar a nave. E o mesmo acontecia com eles, enquanto estavam à mercê da pilotagem robotizada. E agora o monstro tirava proveito do fato de dominar a sala de comando para fazer uma chantagem brutal.
A perspectiva que se abria diante deles era a morte imediata para todos, ou a concessão de mais alguns dias de vida, até que tivessem cumprido os desejos do verme do pavor.
Era um mau acordo, que só lhes daria um certo retardamento da morte certa.
Os pensamentos de Firgolt atropelaram-se. Não poderia demorar com a resposta, pois do contrário o bebê-gigante poderia ser levado a acreditar que sua oferta estava sendo ignorada.
Se recusassem o ultimato, correriam o risco de que o verme do pavor cumprisse sua ameaça e os matasse. Sempre lhes restava a possibilidade de concordarem aparentemente com as propostas do inimigo. Dessa forma conseguiriam entrar na sala de comando sem correr perigo. Enquanto a fera precisasse deles, não seriam mortos.
Disporiam de mais um prazo, que talvez lhes desse a possibilidade de enganarem o monstro.
O verme do pavor os deixaria entrar. Depois disso disporiam de certo tempo para lutar contra o destino que os ameaçava. O capitão reconheceu que não lhes restava outra alternativa.
Mas seria um erro aceitar o ultimato imediatamente e sem demonstrar nenhuma dúvida. Isso só deixaria o verme gigante desconfiado.
Firgolt voltou a apontar a arma. Desde o início não acreditara que a mesma lhe pudesse servir de coisa alguma, mas tinha de fazer de conta que estava exercendo certa pressão contra o verme do pavor.
— Recebemos sua mensagem — transmitiu pelo conversor de símbolos. — Exigimos um acordo sob as nossas condições.
Viu a criatura gigantesca fazer alguns movimentos nervosos.
— Como é que vocês podem impor condições? — disse a voz saída do aparelho. — Sou invulnerável. Vocês podem morrer agora ou mais tarde; a escolha é sua. Não existe outra possibilidade.
Firgolt resolveu assumir o risco de revelar sua posição.
— Há uma arma apontada para você — transmitiu. — Atirarei dentro de seu olho.
— Vocês não me poderão causar nenhum ferimento sério — respondeu o monstro. — Sou insensível às suas armas fracas.
Firgolt notou que o verme do pavor estava olhando para ele.
— Eu o vejo. Você está no poço de ventilação, do outro lado da sala de comando. Bastaria um tiro meu para soprá-lo de volta.
Firgolt teve um calafrio. A idéia não era nada agradável. Apesar disso prosseguiu no jogo arriscado. Regulou a carabina para uma carga fraca e disparou um tiro contra o verme do pavor. A criatura não demonstrou a menor reação.
Uma risada diabólica parecia sair do conversor de símbolos.
— Criatura miserável — disse o gigante saltador. — Só lhe dou mais alguns segundos para aceitar minha proposta.
Firgolt fez como se refletisse intensamente. Tinha de dar a impressão de que a decisão de entregar-se ao verme do pavor lhe custava um grande esforço.
— Gostaria que você me desse um prazo de reflexão — disse em tom hesitante. — Quero discutir a proposta com meus amigos.
— Você é o chefe deles?
— Sou — confessou Firgolt.
— Nesse caso você terá que decidir logo. Na minha opinião não há nenhuma necessidade de você falar com seus amigos.
— Está bem — respondeu Firgolt como se isso lhe custasse um grande esforço. — Concordo.
O verme do pavor levantou o crânio enorme em sua direção.
— Onde estão seus companheiros?
— Ali, pela nave — respondeu Firgolt. — Eu os chamarei assim que estiver aí, na sala de comando.
Os olhos do gigante fitaram-no.
— Desça daí! — ordenou.
Firgolt olhou para baixo. O chão ficava a cinco metros de distância.
— Isso não é tão fácil assim — disse. — Preciso de alguma coisa para segurar-me na descida.
O verme do pavor arrastou-se pela sala de comando. Postou-se embaixo da abertura, colocando a nuca larga bem embaixo de Firgolt.
— Segure-se em mim!
O conversor de símbolos estava funcionando perfeitamente. Captou os impulsos de rádio emitidos pelo verme do pavor e traduziu-os numa língua compreensível para Firgolt, que era o intercosmo. Da mesma forma, as palavras deste eram convertidas em impulsos de rádio transmitidos ao inimigo.
Firgolt saiu do poço e colocou os pés sobre o monstro. O corpo do mesmo era duro e inelástico. O agente desceu ao chão o mais depressa que pôde.
O pacto com a morte acabara de ser concluído...
Os três mal cabiam no nicho. Dali enxergavam a entrada da sala de comando.
— Fechou a escotilha — observou Collignot, com o corpo comprimido contra a parede. — Quando estive aqui da primeira vez, a escotilha estava aberta e pude ver o que havia lá dentro.
Warren procurou olhar para além dele.
— Talvez tenha saído da sala de comando.
— Não acredito — respondeu Collignot. — Acho que o monstro não está interessado em que nós o observemos.
— Tenho a impressão de que o capitão está demorando demais em voltar — disse Kopenziak. — Por quanto tempo ainda teremos de ficar parados?
Collignot sentiu um terrível cansaço. Tirou um comprimido estimulante do bolso do cinto e enfiou-o na boca. Procurou lembrar-se há quanto tempo não dormia de verdade.
Um robô passou na outra extremidade do corredor sem notar sua presença. Provavelmente os autômatos uniriam forças para atacá-los, assim que começassem a lidar com os controles da nave.
Collignot ainda pretendia discutir este ponto com o Capitão Firgolt. Qualquer modificação na pilotagem automática poderia trazer conseqüências imprevisíveis.
— O senhor está tomando pílulas demais — disse Kopenziak em tom contrariado.
— Dê-se por satisfeito por não precisar tomá-las — respondeu Collignot.
Ficaram de olho na escotilha fechada e permaneceram à espera. Onde estaria o capitão?
Collignot pensou em chamar Firgolt pelo rádio de pulso, mas isso representaria um grande risco, pois o verme do pavor ou os robôs poderiam perceber alguma coisa e enfurecer-se.
Com uma expressão azeda no rosto Collignot pegou o penúltimo charuto. Farejou-o e acendeu-o. Era preto, fino e comprido que nem os outros.
Entristeceu-se ao pensar nas reservas que havia no Moonshine. Nunca mais as veria, a não ser que acontecesse um milagre. Isso representava um prejuízo enorme, pois os preços dos charutos eram absurdos.
O tenente continuou a fitar a escotilha fechada com o rosto sombrio.
O que estaria fazendo o verme do pavor nesse momento? Será que olhara para o piloto automático sem poder fazer nada? Estaria resignado? Ou estaria prestes a destruir a instalação?
Não era fácil colocar-se na situação de uma criatura estranha, ainda mais quando a mesma possui vinte metros de comprimento e um crânio com cinco metros de diâmetro. O que estaria acontecendo no interior dessa cabeça monstruosa? Era bem verdade que os galatopsicólogos afirmavam que os instintos fundamentais de todos os seres inteligentes devem ser idênticos, desde que os mesmos dependam de um corpo orgânico, mas por enquanto ninguém provara que realmente era assim.
Collignot não era muito versado na Metafísica, mas em sua opinião era perfeitamente possível que as concepções e os instintos do verme do pavor fossem bem diferentes dos seus. “Devemos usar isto como ponto de partida”, pensou. Quanto mais descobrissem a seu respeito sem que ele pudesse fazer o mesmo, e quanto mais cedo isso acontecesse, maiores seriam suas chances de derrotá-lo.
De repente a escotilha que dava para a sala de comando abriu-se.
Os três homens recuaram para dentro do nicho.
Mas quem saiu para o corredor, caminhando tranqüilamente, foi o Capitão Brent Firgolt...
Viu o chefe dos desconhecidos passar pela escotilha para trazer seus companheiros. Entregou-se a uma sensação de tremendo alívio. Seu plano funcionara. O ser hesitara um pouco, mas não tivera outra alternativa senão aceitar seu plano.
Riu ao pensar no tiro que aquela criatura disparara contra ele do poço de ventilação. Foi um ato de puro desespero. Compreendia perfeitamente esse tipo de comportamento. O desconhecido quis aproveitar a última chance.
O verme do pavor disse a si mesmo que devia continuar a ficar atento aos menores movimentos dos anões. Com a perspectiva da morte certa que se abria diante deles, não deixariam escapar nenhuma chance de eliminá-lo.
Devia vigiá-los atentamente. Suas condições físicas permitiam a realização de controles ininterruptos. E esses controles deveriam dirigir-se não apenas aos desconhecidos, mas também aos controles robotizados da nave. Assim que aquelas criaturas conseguissem manipular alguns dos instrumentos da sala de comando, a força de robôs por certo marcharia contra ele.
De repente a situação, que há pouco parecia desesperadora, oferecia novas esperanças. Era possível que com o auxílio dos anões conseguisse escapar dos benévolos, dirigindo-se a um planeta que não era dominado por eles. Mas isso ficava num futuro distante. Por enquanto deveria ocupar-se com os fatos próximos.
Lançou um olhar atento para os instrumentos. A trajetória da nave ainda estava sendo controlada pelo piloto automático. Mas isso não continuaria assim por muito tempo. Sua mente controlava os instrumentos. Os desconhecidos não passariam de órgãos de execução.
“Um verme do pavor inteligente pode resolver qualquer problema”, pensou. “Basta fazer um esforço.”
E a única coisa que tinha a fazer no momento era esperar que os desconhecidos chegassem à sala de comando e assumissem sua tarefa.
— Capitão! — exclamou Collignot, surpreso. — De onde veio?
Firgolt sorriu e apontou para suas próprias costas.
— Da sala de comando — disse. — Não está vendo, tenente?
Collignot sentiu que Warren e Kopenziak se espremeram para passar por ele.
— Liquidou o monstro, sir? — perguntou o agente calvo.
— Não. Continua lá dentro, e está à nossa espera.
O rosto de Kopenziak retratou um forte desapontamento. Collignot refletiu intensamente para compreender o sentido dessas palavras.
— Acabo de falar com ele — disse Firgolt.
Kopenziak deixou cair o queixo. Warren soltou um assobio, enquanto Collignot ficou tão surpreso que mordeu um pedaço do charuto.
Firgolt tirou os sapatos. Os três tenentes ficaram assustados ao ver que o capitão sangrava de várias feridas.
— Faça um curativo, Elmer — disse, dirigindo-se a Warren. — Enquanto isso contarei o que aconteceu.
Contou-lhes como rastejara pelo poço de ventilação e caíra no ninho dos animais parecidos com ratos. Finalmente informou os companheiros sobre o ultimato do verme do pavor.
— Não temos outra alternativa — disse com a voz tranqüila. — Se não aceitarmos sua proposta, ele nos matará imediatamente. Se o ajudarmos, temos a chance de continuar vivos até que cheguemos em algum planeta no qual queira ficar. Quando isso acontecer, terá de matar-nos, pois ao que parece sua raça não quer em hipótese alguma que sua inteligência se torne conhecida. Aceitei a chantagem.
Warren suspendeu instintivamente o curativo. Seu rosto, geralmente pálido, ficou vermelho de raiva. Levantou os olhos para Firgolt.
— Sir — resmungou Kopenziak. — Seria a primeira vez que os especialistas da USO aceitam um ultimato infame. Na minha opinião devemos lutar com o monstro, mesmo que isso nos custe a vida.
Firgolt acenou com a cabeça. As palavras de Kopenziak não pareciam impressioná-lo.
— O que acha, Claude? — perguntou, dirigindo-se a Collignot.
O tenente piscou os olhos negros. Fez o charuto girar entre os dedos polegar e indicador.
— Não sei aonde quer chegar, sir — disse, esticando as palavras. — Mas não compreendo como o senhor pode oferecer nossa capitulação sem mais aquela. O que realmente pretende conseguir com isso?
— Todos sabemos que precisamos chegar à sala de comando. E não existe a menor dúvida de que o verme do pavor pode impedir isso, pois não lhe podemos criar um problema sério com as armas de que dispomos. Só nos resta uma alternativa: precisamos criar uma situação em que o verme do pavor nos deixe entrar espontaneamente.
— Espontaneamente — disse Kopenziak em tom sarcástico. — É bom não esquecer as condições que nos são impostas.
— Nosso amigo está em dificuldades — disse Firgolt. Levantou um dos pés, para facilitar o trabalho de Warren; este continuou a fazer o curativo. — Não está em condições de manipular os controles. Quer dizer que precisa de nós, a não ser que queira cair na mesma armadilha que estará à nossa espera se esta nave chegar a um planeta dos desconhecidos. Quer salvar tanto sua vida como também o segredo da inteligência de sua raça. Isso o obriga a fazer um jogo arriscado. Assume riscos consideráveis e permite nossa entrada na sala de comando.
— Deve ter muita confiança no seu plano, pois confessa francamente que morreremos assim que tivermos cumprido nossa tarefa — observou Warren, levantando-se e voltando a entregar os sapatos a Firgolt. — Pronto, sir.
O capitão fez um gesto de assentimento.
— Bem, acho que ele não tem tanta certeza assim. Só revela seus planos porque sabe que somos suficientemente inteligentes para descobri-los de qualquer maneira. Dessa forma nos tira um dos nossos trunfos.
Kopenziak brandiu os punhos na direção que sabia estar o verme do pavor.
— Sir — disse em tom enfático. — Esse negócio é muito arriscado. Quando estivermos na sala de comando, ficaremos tão próximos dele que nos poderá matar quando quiser. Sugiro que nos distribuamos pela nave. Depois disso poderá tentar matar-nos, e então travaremos uma luta com ele de que nunca se esquecerá.
— Aprecio sua coragem, Aldo — disse Firgolt em tom controlado. — Mas acho que no presente caso um estratagema vale mais. Se nos escondermos na nave, ele nos encontrará um após o outro e nos matará. É possível que leve muito tempo. Nesse caso a nave pousará num mundo dos desconhecidos, e não podemos permitir que isso aconteça. O piloto automático deve ser eliminado imediatamente. Como o verme do pavor não está em condições de fazê-lo, isso terá de ser feito por nós.
— Capitão! — disse Collignot.
— Alguma sugestão, tenente?
— Hum! Concordo com o senhor, sir. Temos de entrar na cova do leão.
— Até o senhor? — gritou Kopenziak. — Será que seu cérebro foi afetado pelo fedor que anda produzindo?
Ficou embaraçado ao dar-se conta de que também estava ofendendo Firgolt.
— Desculpe, sir — gaguejou apressadamente.
— Não é nada, tenente — disse Firgolt com um sorriso. — Qual é mesmo sua sugestão, Claude?
— Quem manipulará os controles e os instrumentos seremos nós — disse Collignot em tom enfático.
— E daí?
— Ora, em vez de levar esta nave a um mundo que corresponda aos desejos do bebê-gigante, poderemos conduzi-lo a um planeta do Império.
— E se o bicho perceber? — perguntou Warren.
— Ele não pode perceber — respondeu Collignot. — Devemos apresentar-lhe um belo espetáculo. Deve estar cheio de esperanças quando passar pela eclusa e tiver uma recepção carinhosa por parte dos homens da Frota.
— Ele descobrirá — profetizou Warren em tom sombrio.
— Sempre vale a pena tentar — disse Collignot. — Não temos nada a perder. Qualquer outra alternativa leva à morte. Acontece que ainda não estou interessado em morrer. Lá em casa ainda tenho algumas centenas destes maravilhosos charutos que...
Firgolt interrompeu-o com um gesto ligeiro.
— Quer dizer que vamos entrar — disse em tom indiferente.
— Tenho a impressão de que estou caminhando para o meu próprio enterro — informou Kopenziak.
Firgolt abaixou-se e voltou a calçar os sapatos. Surpreendeu-se ao notar que quase não sentia mais dores. O curativo evitaria qualquer infecção. A única coisa que ainda incomodava eram as costelas fraturadas.
Levantou numa atitude resoluta. Não deu atenção à expressão contrariada do rosto do Tenente Kopenziak.
— Vamos — disse.
Entraram em grupos de dois, numa expressão de seu triunfo. Seus vultos finos e quebradiços pareciam balançar. A luz que penetrava na sala de comando fazia com que quase parecessem transparentes. Sua pele era fina e devia ser escorregadia e desagradável ao tato. Eram pequenos, feios, repugnantes.
Mas eram inteligentes.
Reprimiu a antipatia, que sua inteligência lógica atribuiu exclusivamente ao aspecto dessas criaturas. Tinha de vencer a aversão, pois precisava conviver com eles na mesma sala até o momento em que resolvesse matá-los.
O chefe dos desconhecidos manipulou o estranho aparelho que, segundo parecia, servia para transmitir as mensagens destinadas a ele. Esse aparelho constituía uma prova de que sua tecnologia era bastante evoluída. Era possível que sua civilização até fosse superior à dos benévolos.
Seu cérebro-rádio captou os impulsos transmitidos pelo conversor de símbolos.
— Aqui estamos — anunciaram os seres. — Comuniquei suas condições aos meus amigos. Estão de acordo com as mesmas.
“Isso é pouco provável”, pensou o verme do pavor. “Podem estar tudo, menos de acordo.”
Mas não transmitiu essa impressão. Os impulsos que irradiou diziam o seguinte:
— Vejo que são razoáveis. Vocês só farão aquilo que eu mandar. Qualquer ato adicional, ou que não tenha sido ordenado por mim, acarretará uma punição imediata.
Sem dúvida os cérebros minúsculos desses seres já estavam elaborando um plano para assumir seu lugar. Mas pensar nisso não lhes adiantaria muito.
Afinal, era ele que estava dominando a sala de comando!
O cheiro estranho exalado por um verme do pavor encheu toda a sala. De certa forma aquela criatura monstruosa parecia uma coisa situada fora de seu tempo. A sala de comando não fora construída para gigantes desse tipo. Firgolt teve a impressão de que o monstro era desajeitado; e realmente era.
Os três tenentes ficaram surpresos e fascinados ao ver a comunicação que se realizava por meio do conversor de símbolos.
— Parece que o bebê-gigante está transmitindo sinais de rádio — disse Collignot. — Mas não tem qualquer aparelho.
— O verme do pavor usa o cérebro para isso — disse Firgolt. — É a única explicação que encontro para o fenômeno. Para exprimir a coisa de forma mais simples, direi que seu cérebro deve ter as características de um aparelho de rádio. É capaz de captar transmissões em inúmeras freqüências, provavelmente num âmbito n-dimensional.
Isso explica o porquê do seu enorme crânio.
— Acontece que também transmite — lembrou Warren.
Firgolt confirmou com um gesto.
— Isso leva desde logo à conclusão de que não é de origem natural — disse Kopenziak. — Talvez seja um robô, ou uma criatura semi-orgânica.
— Não é nenhum robô — respondeu o capitão. — Nem um andróide. Não existe a menor dúvida de que se trata de um ser puramente orgânico. É bem verdade que, se conseguirmos examiná-lo mais de perto, este animal dará muito o que pensar aos cientistas. Talvez seja o produto de uma mutação artificialmente provocada. Existe um mistério atrás da origem dos vermes do pavor.
Firgolt não sabia que sua suposição era parcialmente correta, mas a verdade que a Humanidade descobriria um dia era muito mais terrível do que o capitão poderia imaginar.
— Sugerimos que cuidemos logo da pilotagem robotizada da nave — transmitiu Firgolt por meio do conversor de símbolos.
Ficaram curiosos para ouvir a resposta. Kopenziak foi o único que tirou a carabina de radiações de cima do ombro. Segurou-a na mão, como se quisesse dar mostras de sua vigilância e da desconfiança com que encarava o verme do pavor. O agente de estatura baixa não ocultou o fato de que não concordava com o procedimento que estavam adotando.
Kopenziak era antes de mais nada um lutador. Não deixava de ser inteligente, mas gostava de ir diretamente ao alvo. Se alguma coisa lhe fechava o caminho, tinha que destruir essa coisa — ou, se a mesma era mais forte que ele, desistia.
— De acordo — transmitiu o monstro.
O crânio de cinco metros de diâmetro girou em sua direção. Os olhos enormes pareciam chispar fogo.
De repente Firgolt viu a desconfiança naqueles olhos, a preocupação profunda que dominava aquele ser. Por estranho que pudesse parecer, isso o deixou mais aliviado, pois fazia o monstro parecer mais humano.
O verme do pavor fez um movimento de cabeça em direção a alguns controles.
— Aí está a direção — comunicou. — Em primeiro lugar terão de estabelecer a ligação com os propulsores, que foi cortada e transferida para o piloto automático. Para isso basta mover a chave quadrangular que fica embaixo do painel.
— É ali, sir — disse Warren, que passava os olhos ininterruptamente pelos controles.
O monstro afastou-se, para que pudessem chegar aos instrumentos.
Firgolt inclinou-se sobre os controles. Ainda estava hesitando. Muitas coisas imprevistas poderiam acontecer.
— O que estão esperando? — perguntou o verme do pavor.
Firgolt começou a sentir raiva. Não gostava de ser apressado. Examinou todos os controles e procurou compreender o sistema.
— O que houve com o senhor, Aldo? — perguntou, dirigindo-se a Kopenziak. — Será que o senhor consegue compreender isto?
Kopenziak era o único que tinha um curso completo de pilotagem.
— Não, capitão. Isso é muito confuso. Não existe o menor ponto de referência com relação às nossas naves.
— Está bem — disse Firgolt em tom de resignação.
Comprimiu a chave para baixo. Assim que retirou a mão, a tecla voltou a sair. Firgolt compreendeu imediatamente que alguma coisa não estava funcionando.
Pegou o conversor de símbolos.
— A chave está voltando para a posição zero — disse.
— Tente de novo — ordenou o verme do pavor.
Firgolt repetiu a experiência.
— Criarei um calo no dedo antes de conseguir encaixar isto — disse em tom violento.
— Sir! — gritou Collignot, que observara ininterruptamente a entrada da sala de comando.
Um exército de robôs estava passando pela mesma.
A nave, que tinha sido programada para todas as situações, percebera que as coisas começavam a ficar sérias. Depois das tentativas inocentes do verme do pavor, surgiam agora esforços mais sérios para desligar o controle robotizado. Isso fez com que os robôs entrassem em ação.
— O que vamos fazer? — perguntou Warren.
Firgolt não sabia. Qualquer tiroteio destruiria os controles. E com isso qualquer tentativa de controlar a nave estaria condenada ao fracasso.
Era impossível que aqueles robôs tivessem sido feitos à imagem dos seus construtores. Pareciam ter sido criados segundo uma concepção puramente finalista. Seus corpos eram ovais ou quadráticos, e moviam-se sobre rolos. Suas juntas metálicas estavam dispostas de tal forma que poderiam atingir qualquer ponto situado dentro do alcance das tenazes, sem que precisassem virar o corpo.
Felizmente as máquinas também pareciam interessadas em evitar um conflito armado no interior da sala de comando. Algumas carregavam armas, mas não parecia que pretendiam fazer uso das mesmas.
Firgolt estava tão entretido na observação dos robôs que só notou as intenções de Kopenziak quando já era tarde. O agente calvo segurou a carabina na altura dos quadris e disparou uma salva contra os atacantes. Firgolt viu dois robôs caírem ao chão.
Kopenziak resmungou, satisfeito.
— Pare com isso! — gritou Firgolt, mas a ordem foi abafada pela barulheira que se seguiu. Os robôs que iam na frente foram empurrados pelos das fileiras de trás e os corpos metálicos bateram uns nos outros, locomovendo-os todos de uma vez, fazendo com que irrompessem pela sala que nem uma torrente cinza.
Antes que os agentes compreendessem o que estava acontecendo, viram-se cercados pelos inimigos.
Kopenziak era o único que ainda dispunha de alguma liberdade de movimentos, pois desde o início mantivera a arma apontada. Firgolt segurou o cano da carabina de radiações e brandiu-a que nem uma clava.
Warren e Collignot estavam totalmente encobertos pelos robôs. O corpo enorme do verme do pavor parecia uma muralha intransponível. Apesar da barulheira, Firgolt ouviu o ranger dos corpos metálicos em que o monstro conseguiu pôr as garras.
A coronha de sua arma não produzia o menor efeito nos atacantes duros como aço. Firgolt percebeu que, se não conseguisse sair dali, seria esmagado dentro de alguns minutos.
Abaixou-se entre um par de tenazes que procurava agarrá-lo. Ouviu o som crepitante de uma carabina de radiações e concluiu que Kopenziak continuava a atirar.
De repente viu Warren.
O jovem tenente apareceu acima dos robôs, erguido por tentáculos metálicos. Firgolt prendeu a respiração. O rosto de Warren estava desfigurado de dor e os olhos se arregalaram diante do pavor da morte. Os tentáculos agitavam-no sem o menor esforço. Warren tentou em vão libertar-se. Apontou a arma por cima dos robôs. Nesse momento foi agarrado de trás e arrastado para o lado.
Os robôs eram tão numerosos que se embaraçavam uns aos outros. Dois deles seguravam Firgolt e praticamente lutavam por ele.
Firgolt foi arrastado de um lado para o outro. Lutou desesperadamente, mas nada pôde fazer diante da superioridade de forças.
Pensou que iria morrer. A idéia nem chegou a assustá-lo. Pelo contrário, de repente uma grande calma e resolução surgiu em sua mente.
Viu os tentáculos atirarem Warren para longe. Warren soltou um grito e foi bater no chão nos fundos da sala, num lugar em que não havia robôs, já que o verme do pavor lhes fechava o caminho.
De repente uma coisa quente passou por cima de seu rosto. Teve a impressão de que a pele estava encolhendo.
“Os robôs também estão atirando”, pensou.
Mas não eram os inimigos.
Era o verme do pavor que disparava tiros energéticos. Três robôs fundiram-se bem à frente de Firgolt. Os que vinham atrás ficaram presos nos mesmos. O capitão conseguiu libertar-se um pouco e aspirou avidamente o ar.
Por estranho que pudesse parecer, só estava vivo graças à circunstância de que os robôs eram muito numerosos.
— Capitão! — gritou uma voz, superando o barulho.
Firgolt virou-se abruptamente. Viu o Tenente Claude Collignot no tubo de ventilação, na parede oposta. De lá o especialista disparava com boa pontaria contra os seres mecânicos que investiam contra Firgolt.
Collignot atirava com a calma de quem faz exercícios de tiro ao alvo. O charuto indispensável estava pendurado num canto da boca. Firgolt perguntou a si mesmo como o tenente teria chegado a esse lugar.
Em torno dele os robôs atingidos caíam ao chão. Mas acabaria por ser agarrado.
De repente teve a idéia salvadora. Os inimigos ainda não haviam disparado um único tiro. Isso provava que queriam evitar de qualquer maneira a destruição dos instrumentos e controles vitais.
— Claude! — gritou, dirigindo-se a Collignot. — Atire nos instrumentos.
Por um instante Collignot fitou-o com uma expressão de perplexidade, mas logo sorriu com a expressão de quem compreende.
Os tiros seguintes disparados por ele passaram por cima de Firgolt e atingiram os quadros dos painéis de instrumentos.
A massa de robôs estacou. Collignot ficou tão nervoso que quase caiu do poço de ventilação. Mas logo continuou a atirar, tendo o cuidado de não atingir nenhum ponto vital.
De repente aconteceu o inesperado. Os atacantes retiraram-se. Fugiram às pressas. Para eles a segurança dos controles parecia ser mais importante que a morte dos intrusos.
Passando por cima dos “corpos dos companheiros abatidos”, os servos da pilotagem automática da nave abandonaram a sala de comando.
Levaram quase uma hora para retirar os restos dos robôs destruídos da sala de comando. Durante esse tempo o verme do pavor manteve uma atitude inteiramente passiva. Firgolt fez três tentativas para entrar em contato com ele, mas o monstro nem tomou conhecimento das mesmas. Ajudou os especialistas no trabalho de remoção dos “cadáveres”.
Enquanto Firgolt, Kopenziak e Collignot carregavam o último bloco de metal para o corredor, o primeiro refletiu para encontrar um meio de se apoderarem da nave.
Não poderiam contar com Warren, que jazia inconsciente na sala de comando. Haviam colocado uma tipóia provisória em sua perna fraturada. Seu rosto mostrava os maus-tratos que havia recebido. Estava em perigo de vida.
Collignot, que acabara de consumir o último charuto, estava mal-humorado.
— Não se consegue falar com o bebê-gigante — disse. — Parece amuado.
Reuniram-se em torno de Warren e sentaram no chão. O verme do pavor estava agachado na frente dos instrumentos. Parecia desorientado.
— O que houve com ele? — perguntou Kopenziak.
Firgolt chegou à conclusão de que a única coisa que poderiam fazer era esperar. Não tomaria a iniciativa de pôr as mãos em qualquer dos controles. Não fazia a menor questão de que as massas de robôs voltassem. Os mesmos prefeririam destruir a nave a deixá-la nas mãos dos intrusos.
Não cairiam de novo no truque de Firgolt.
De repente o verme do pavor voltou a dirigir-se a eles.
— Vocês são muito fracos? — disse a voz saída do conversor de símbolos.
Era antes uma constatação que uma pergunta. Firgolt fitou os companheiros com uma expressão de perplexidade.
— Não temos armas de grande potência — respondeu o capitão.
— Pois eu não tenho nenhuma arma — respondeu o monstro.
Firgolt perguntou-se aonde queria chegar o monstro do pavor. Será que o monstro queria ofendê-los? Sorriu. Nessa altura não conseguiria nada.
— Apesar da fraqueza vocês são muito corajosos — prosseguiu o colosso em tom de elogio. — Possuem bastante coragem para tentar de novo.
— Não — disseram Collignot e Kopenziak a uma voz.
— Não — disse Firgolt para dentro do conversor de símbolos.
— Receiam que as máquinas voltem?
— Elas voltarão; quanto a isso não existe a menor dúvida — confirmou Firgolt em tom enérgico. — E desta vez dificilmente hesitarão diante da destruição da nave. Se não lhes deixarmos outra alternativa, atacarão sem a menor contemplação.
O verme do pavor parecia refletir por um instante.
— A chave-mestra parece estar bloqueada — disse. — Tentaremos abrir a trava à força. Isto é, vocês tentarão. Enquanto isso vigiarei a entrada para evitar outro ataque.
Firgolt mordeu o lábio. Refletiu intensamente. A tentativa de romper o bloqueio do comando, de eliminá-lo pela força, envolvia um risco considerável. Em todas as naves terranas os dispositivos de bloqueio da direção possuíam um dispositivo adicional de segurança, que proporcionaria surpresas nada agradáveis a qualquer pessoa não autorizada.
Era bem verdade que o verme do pavor sem dúvida conseguiria evitar outro ataque.
Warren soltou um gemido e abriu os olhos. Parecia que iria morrer a qualquer momento. Firgolt fitou-o com uma expressão apavorada.
— Então? — perguntou a voz insistente do animal gigantesco.
Firgolt inclinou-se sobre Warren, sem dar atenção ao verme do pavor.
— Sir — cochichou Warren com grande esforço. — Estamos... estamos em segurança?
— Estamos, sim, meu filho — disse Firgolt com a voz suave.
Tirou o pequeno estojo de medicamentos que Warren trazia no cinto e enfiou um comprimido de analgésico em sua boca.
Warren tentou levantar. Num gesto cuidadoso, mas insistente, Firgolt empurrou-o para o chão.
Warren olhou em torno com uma expressão febril.
— Onde estão os robôs? — perguntou em tom apavorado.
O polegar de Firgolt apontou para baixo.
— Foram destruídos — limitou-se a dizer.
Os olhos de Warren fecharam-se.
“É tão jovem”, pensou Firgolt, desanimado. “Jovem demais. Tomara que agüente.”
Era estranho. Apesar de sua juventude extrema, Warren sempre fora aceito de igual para igual pelos membros do comando. O jovem agente soubera tomar atitudes que lhe garantiram o respeito dos amigos. Era possível que por vezes demonstrasse uma exagerada autoconfiança, que sua calma fosse acentuada demais, mas sempre mostrara ser digno de confiança.
Firgolt afastou-se do ferido. Warren bem que merecia mais um risco.
— Procuraremos destruir os bloqueios — disse.
— Vejo que são razoáveis — transmitiu o gigante.
“Razoáveis?”, pensou Firgolt com certo sarcasmo. “Na melhor das hipóteses é um ato de loucura praticado por um grupo de desesperados que quer escapar a um destino que parece inevitável.”
Com muita habilidade o verme do pavor conseguiu arrastar o corpo gigantesco até a entrada. Deitou à frente da mesma. Por enquanto os robôs não poderiam atacá-los.
Os bloqueios dos comandos das naves de guerra terranas costumavam ser construídos de tal forma que só poderiam ser removidos por uma pessoa familiarizada. O truque especial dos técnicos consistia no fato de que o dispositivo de segurança eletrônico estava ligado diretamente ao comando principal. O bloqueio e o comando estavam acoplados e só podiam ser desligados por meio de um código especial.
Sempre que uma pessoa estranha tentasse destruir o bloqueio sem aplicar o código correto, o alarma geral soava na nave. Se dentro de uma hora as condições não voltassem ao normal, ela destruiria a si mesma.
Firgolt perguntou a si mesmo se os desconhecidos teriam criado um sistema semelhante. Nem ele e nem o verme do pavor estavam em condições de eliminar o bloqueio pelos meios normais. Só poderiam modificar a situação pela força.
Estremeceu ao lembrar-se do perigo que isso representava. Era possível que a nave explodisse numa questão de segundos, soprando-os para o espaço sob a forma de poeiras atômicas. E outras coisas de que nem cogitava poderiam ocorrer.
Mas de qualquer maneira a viagem vertiginosa devia ser interrompida.
Fez sinal para que Collignot e Kopenziak se aproximassem.
Por perto dos controles não havia nenhum objeto que parecesse adequado para que alguém sentasse nele. Firgolt concluiu que os desconhecidos não tinham necessidade de trabalhar sentados. Talvez fosse por causa da configuração de seus corpos, mas Firgolt não tinha condições de chegar a conclusões mais precisas sobre a mesma.
— Como estão presas as chapas de revestimento? — perguntou Firgolt, dirigindo-se ao verme do pavor. — Há possibilidade de removê-las?
— Imãs — respondeu a criatura. Firgolt enfiou os dedos em algumas reentrâncias e puxou a chapa, que se desprendeu com a maior facilidade. Dobrou-a entre os dedos e chegou à conclusão de que devia ser feita de um material semelhante ao plástico. Collignot e Kopenziak ajudaram sem dizer uma palavra. Dentro de pouco tempo os aparelhos de controle da nave de molkex estavam à vista.
No primeiro instante, o quadro que viram à sua frente parecia confuso. Das chaves e dos botões saíam fios que se juntavam em bobinas e em inúmeros relês. Os fios não se distinguiam na cor, mas apenas na espessura.
Do comando central saíam mais de quarenta cabos que terminavam numa caixa situada embaixo do revestimento. Um ou mais desses cabos formavam o bloqueio.
Firgolt lembrou-se de um cego que recebesse ordem de retirar prontamente a peça defeituosa de um aparelho de rádio. Os fios que saíam da chave-mestra convergiam para um relê que ficava embaixo da mesma. Dali saía um cabo da espessura de um braço humano, que se ligaria aos diversos propulsores situados nas profundezas da nave.
Não poderiam sem mais aquela provocar curtos-circuitos em alguns dos quarenta fios. Com isso a nave ficaria entregue definitivamente ao piloto automático.
A única coisa de que tinham certeza era que a parte das instalações que formava o bloqueio não ultrapassava o relê.
Talvez nem chegasse lá.
Era possível que o bloqueio fosse formado por um minúsculo relê embutido na chave-mestra. Era até provável que fosse assim, pois quanto menor, quanto menos complicado, maiores eram as garantias de seu bom funcionamento.
— Vamos examinar a chave-mestre — ordenou Firgolt.
Dali a dez minutos Kopenziak descobriu um fio da grossura de um cabelo, que saía de um estojo quadrado de plástico, que media menos de um centímetro quadrado.
Firgolt cortou a ligação. Arrancou o fio e dobrou-o para cima. Não aconteceu nada. Firgolt voltou a comprimir a tecla de comando, mas ainda desta vez a mesma não ficou na posição desejada.
De repente Firgolt teve a impressão de que o chão estava esquentando embaixo de seus pés.
Perplexo, desistiu dos seus esforços.
— O que houve, sir? — perguntou Collignot.
— Não está sentindo nada?
Antes que Collignot pudesse responder, Firgolt abaixou-se e apalpou o chão. Não se enganara. O material já estava quente.
E esquentou ainda mais.
Os outros também sentiram.
Firgolt sentiu-se muito mal. Será que sua atuação acabara de provocar uma reação nuclear? Será que o incêndio atômico estava lavrando no interior da nave?
Dentro de um minuto o calor tornou-se tão forte que atravessou os sapatos. Uma fumaça fina começou a subir ao ar.
— Precisamos sair daqui! — gritou Kopenziak.
— Até parece que querem nos torrar — disse Collignot em tom irônico. — Filé de verme do pavor com anões terranos.
Firgolt não conseguiu ficar parado no mesmo lugar, de tanto que o calor o fustigava. A temperatura aumentou de um instante para outro em pelo menos dez graus.
— Warren — disse. — Vamos levá-lo para fora.
Kopenziak e Collignot levantaram o ferido. Firgolt acionou o conversor de símbolos.
— Deixe-nos passar — disse. — Não suportamos o calor. Se ficarmos aqui morreremos.
Os grandes olhos fitaram-nos com uma expressão de indiferença.
— Pois morram em sua própria armadilha! — respondeu o animal.
A mente de Firgolt levou algum tempo para absorver o significado destas palavras.
— Ele acredita que nós somos responsáveis por isso, sir — gaguejou Collignot. — Por isso não quer que escapemos.
Não havia dúvida de que o tenente tinha razão. O suor corria pelo rosto de Firgolt. O calor era insuportável. O chão parecia queimar. O verme do pavor continuava imóvel junto à entrada.
— Temos de sair daqui — insistiu Firgolt. — Não temos nada com o que está acontecendo. Não seria nada lógico fazermos alguma coisa que nos possa trazer tamanhas dificuldades.
— É verdade — admitiu o monstro.
— Então deixe-nos sair! — pediu Firgolt com a voz rouca.
— Não!
— Por que não? O que você tem a ganhar se morrermos de calor? Seremos queimados, ou então o ar se tornará tão quente que não poderemos respirar mais.
— Não adianta sair — respondeu a criatura.
Uma terrível suspeita surgiu na mente de Firgolt. Mas todo seu ser se revoltava contra a mesma.
— Por que não adianta? — perguntou.
— Porque o fenômeno atingiu toda a nave — respondeu o monstro. — Daqui a pouco a temperatura subirá ainda mais. As paredes, os tetos, tudo será aquecido.
Firgolt recuou, cambaleante. Não havia motivo para não acreditar na explicação do gigante.
Lançou um olhar para Warren, cujo rosto brilhava de suor. Em seu subconsciente invejava o jovem agente. Se tivessem de morrer, passaria da inconsciência à morte. Ficaria livre dos sofrimentos que aguardavam os outros.
O ar que Firgolt respirava ressecou-o. A vista começou a turvar-se. Em qualquer lugar em que colocasse os pés, só encontrava calor.
Haviam arriscado muito — e perdido tudo...!
A chegada do Lorde-Almirante Atlan à Eric Manoli transcorreu calmamente e sem incidentes. A nave-correio que trouxera o arcônida desapareceu imediatamente.
Atlan foi à sala de comando sem demonstrar muita pressa. Rhodan já o aguardava. Estava com o rosto sério e marcado pelo cansaço.
Mas a voz do Administrador Geral ao cumprimentar o velho amigo parecia animada:
— Bem-vindo a bordo, almirante. Espero que traga novidades.
Para Atlan não foi nada fácil decepcionar este homem, em cujos ombros repousava a responsabilidade por um Império. Limitou-se a sacudir a cabeça.
— Um dos mundos autônomos formulou um protesto e exigiu a retirada das naves que surgiram em seu sistema — disse.
A sensibilidade dos colonos não era novidade para Rhodan. Compreendia-os perfeitamente, mas às vezes não podia deixar de pisar nos seus calos.
— O que foi que você respondeu?
Atlan sorriu.
— Formulei as promessas de sempre e as garantias às quais em circunstâncias como estas sempre atribuímos grande efeito psicológico, mas que na melhor das hipóteses apenas nos proporcionam um pequeno prazo. A inquietação está aumentando. Se não conseguirmos apresentar resultados palpáveis dentro de pouco tempo, os boatos começarão a surgir.
— Boatos? — perguntou Rhodan, esticando a palavra.
— Certos grupos políticos verão em nosso silêncio um sinal de medo. De medo por um inimigo misterioso, que atacará o Império num futuro previsível.
Rhodan reconheceu que o lorde-almirante estava com a razão.
— Recebi relatórios de alguns agentes — prosseguiu Atlan. — Alguns velhos inimigos nossos se preparam para, se necessário, aparecer como os salvadores do Império.
— Compreendo — disse Rhodan. — De quanto tempo ainda dispomos?
— Dentro de uma semana, aproximadamente, surgirão os primeiros tumultos, que começarão a levar a atos de violência, isso nos lugares em que os agitadores estão trabalhando. Depois disso a rapidez com que se disseminarão as revoltas dependerá de nossa capacidade de controlar as mesmas.
— Esse controle não será nada fácil, pois precisamos de todas as naves para proteger as buscas — conjeturou Rhodan.
— Paciência; não podemos fazer nada. Mais uma vez dependemos exclusivamente dos agentes. É uma fase estranha na história do Império. Se quisermos ser unidos, precisamos arranjar um inimigo poderoso — e logo.
— Ou precisamos retirar nossas unidades e apresentar a operação como se fosse uma manobra.
— Nesse caso — disse Atlan — os desconhecidos não demorarão a aparecer com sua frota e iniciarão a conquista do Império sem encontrar resistência.
A mobilização da Frota despertara o Império do seu sossego. Acontece que os planetas autônomos resistiriam, se fossem levados a acreditar que a movimentação da Frota não tinha nenhuma relação com qualquer potência estranha. Os agitadores espalhariam o boato de que os dirigentes do Império pretendiam cercear a soberania dos diversos mundos. Diriam aos colonos perplexos que as naves que apareciam em toda parte só serviriam para reforçar qualquer exigência nesse sentido.
A sensibilidade das colônias tinha sua origem justamente em sua impotência militar. Possuíam autonomia completa nos seus assuntos internos, mas qualquer contingente de forças que formassem obedecia à direção central do Administrador Geral.
Um estado de coisas como este só poderia basear-se na confiança mútua. Acontece que nos dias agitados não há nada mais fácil de ser abalado que a confiança, principalmente quando é coletiva e não individual.
Rhodan desejava que um grupo reduzido dos desconhecidos penetrasse na área do Império. Com isso os problemas seriam resolvidos de uma hora para outra.
Por isso seria preferível que o ataque, que viria de qualquer maneira, fosse desfechado logo.
Não era possível dizer que os gafanhotos córneos e os vermes do pavor eram o perigo que justificava as manobras da Frota. Nesse estágio só seria aceita a ameaça partida de uma raça inteligente. Os gafanhotos córneos costumavam ser equiparados a uma catástrofe natural.
Se alguém dissesse que os vermes do pavor eram inteligentes, isso só provocaria um sorriso de compaixão. E as provas da inteligência dessas criaturas só poderiam ser fornecidas pelo Capitão Firgolt com os três tenentes.
Mas para isso teriam de encontrar os agentes da USO.
Acontece que continuavam sem a menor pista dos mesmos. A indicação do saltador também se revelara falha. O mercador galáctico apenas havia encontrado os destroços de uma velha nave destruída nas guerras contra os pos-bis.
— O que podemos fazer? — disse a voz de Atlan em meio às suas reflexões.
— Esperar — respondeu Rhodan.
Sabia que era a única possibilidade. Estavam num beco sem saída e uma crise ameaçava o Império. Rhodan não se arrependeu de ter ordenado a mobilização imediata. Uma sublevação interna é mais fácil de ser controlada que um ataque vindo das profundezas da Galáxia.
— Esperar — repetiu Atlan em tom pensativo. — Realmente é tudo que podemos fazer no momento, bárbaro?
— Sim — respondeu Rhodan. — É tudo, almirante.
O fracasso dos desconhecidos revelou-se de forma trágica numa série de erros. Isso lhe roubou as últimas esperanças. Só agora se deu conta da intensidade do desejo de que os desconhecidos conseguissem modificar a rota da nave.
Acreditara que o ataque dos robôs tivesse esgotado as defesas da nave. Um dos desconhecidos quase estava morto, mas os outros deveriam ser suficientes para dirigir a nave.
Mas os bloqueios haviam frustrado seus planos.
O calor no interior da sala de comando aumentava cada vez mais. Isso não o afetava, mas as pequenas criaturas sofriam bastante. Seu chefe dissera que teriam de morrer se as coisas continuassem assim.
Isso não o incomodava muito, pois apenas o livraria do trabalho de matá-los, já que acabara de constatar que não poderiam fazer nada por ele. O ar já estava tão aquecido que tremeluzia. Três dos desconhecidos estavam encostados à parede, totalmente exaustos, enquanto o quarto jazia no chão. Talvez já estivesse morto.
Um sentimento de compaixão apossou-se dele.
Surpreendeu-se ao pensar se não havia um meio de salvá-los. Foi rastejando em direção ao centro da sala. Nenhuma corrente de ar fresco vinha da escotilha aberta, pois o bloqueio diabólico aquecia sistematicamente toda a nave.
— Vocês me ouvem? — transmitiu por meio de um impulso.
Desta vez a resposta demorou mais.
— Estamos ouvindo... O que deseja? Daqui a pouco estaremos mortos.
— Subam às minhas costas — pediu. — Dessa forma estarão protegidos contra o calor direto.
Enquanto formulava a proposta, espantou-se com a mesma. Por que resolvera ajudar os desconhecidos? Para matá-los depois? Sua mente esquivou-se à pergunta. O tempo traria a resposta.
— Venha para cá — transmitiram os desconhecidos. — Coloque a parte traseira de seu corpo perto de nós, para que possamos subir.
Agarraram-se a essa chance pequenina, pois continuavam a ter esperanças. O verme do pavor sentiu certa admiração por sua coragem. Essa raça possuía a qualidade de nunca desistir. Lutavam pela vida, embora praticamente não houvesse nenhuma esperança de salvação.
Sentiu que aos poucos ia criando certa simpatia pelos desconhecidos. Seu saber coletivo disse-lhe que em sua raça nunca houvera uma coisa dessas.
Conforme esperara, cuidaram em primeiro lugar do ferido. Uniram suas forças para empurrá-lo para cima de seu corpo. Ajudou-os na medida do possível.
Era possível protegê-los do chão incandescente. E também estava em condições de mantê-los afastados das paredes superaquecidas.
Mas havia uma coisa que não podia fazer. Não poderia levá-los a um lugar em que estivessem a salvo do ar escaldante.
Durante o período de treinamento Firgolt e os tenentes tiveram de submeter-se a um teste de verificação de resistência às temperaturas extremas. Lembrou-se de que praticamente fora congelado e ficara trancado durante várias horas numa câmara frigorífica. Agüentara o tempo previsto sem que sua saúde sofresse um prejuízo sensível. Depois disso viera a prova do calor. Fora muito mais desagradável. Ao fim dela perdera três quilos e meio e desmaiara.
Teve a impressão de que ainda ouvia a voz do treinador, que lhe dissera assim que despertara:
— Mandei que ficasse oito horas na câmara tropical, cadete Firgolt, não doze.
Em comparação com a temperatura que reinava naquele momento no interior da nave de molkex, a câmara tropical parecia um paraíso de esquiadores.
Foram estes os pensamentos que lhe atravessaram a cabeça. Ajudou Collignot e Kopenziak a colocar Warren em cima do verme do pavor. A pele do gigante também parecia quente, mas em comparação com a do chão chegava a ser agradável.
Obrigou-se a respirar ligeiramente pelo nariz, a fim de evitar queimaduras internas se o ar ficasse ainda mais quente.
Amarraram Warren nas costas do verme do pavor e subiram à nuca do gigante, que ficou quieto. Esse comportamento não se encaixava na teoria de Firgolt, segundo a qual seriam mortos assim que os controles tivessem sido alterados.
O choque de Firgolt foi diminuindo. Pôs-se a refletir sobre se havia uma possibilidade de reduzir o calor.
Pôs o conversor de símbolos junto ao peito. Até mesmo o estojo do aparelho parecia quente.
— De onde vem essa onda de calor? — perguntou, dirigindo-se ao verme do pavor.
— Parece que seu foco não fica na sala de comando.
— O que pretende fazer, desconhecido? — perguntou o monstro.
— Precisamos encontrar o centro da fogueira. Talvez possamos fazer alguma coisa — apressou-se Firgolt em transmitir.
— Teríamos que atravessar a nave, que está transformada num verdadeiro inferno — respondeu a voz saída do conversor.
— Dificilmente as coisas poderão ser piores que aqui — interveio Collignot.
Seus cabelos negros estavam grudados à testa e tinha as faces encovadas. Tinha o aspecto de quem acabava de sair de um banho turco.
Firgolt enfiou um drop de água na boca.
— Vamos tentar — disse, dirigindo-se ao verme do pavor.
O colosso começou a movimentar-se. Os homens agarraram-se à pele metálica, que não podia ser afetada nem pelo fogo, nem pelos ácidos.
O verme do pavor foi rastejando corredor afora, penetrando no calor que parecia ser ainda mais insuportável. Tiveram de segurar Warren, pois os cintos com que estava amarrado se soltaram.
A cabeça de Firgolt retumbava. Cada movimento do gigante parecia uma martelada em sua testa. Os lábios estavam rachados e ressequidos. Teve a impressão de que quase não sentia a língua inchada.
Pendurados às costas da montaria, Collignot e Kopenziak pareciam ter perdido os sentidos. O verme do pavor continuava a rastejar. A temperatura anormal não o afetava. Sentiu o sofrimento dos seres montados em suas costas e passou a deslocar-se mais depressa.
Firgolt fez um esforço sobre-humano para agarrar o conversor de símbolos.
— Aonde nos leva? — perguntou.
— Ao lugar de que, segundo suponho, vem o calor — respondeu o verme do pavor.
Firgolt quis ordenar que parasse, mas não conseguiu proferir uma única palavra. Adaptou instintivamente o corpo aos movimentos do gigante. O corredor parecia nunca terminar. Firgolt teve a impressão de que estava passando por um pesadelo.
No seu subconsciente sentiu que o verme do pavor entrara num corredor lateral. Tateou o cinto, à procura da bolsa. Num movimento preguiçoso tirou um drop de água. O comprimido quase não lhe proporcionava mais nenhum alívio.
Firgolt não sabia quanto tempo já se passara, quando os movimentos do monstro cessaram. O capitão deixou cair a cabeça sobre o peito. Teve a impressão de estar cercado por uma parede de chamas.
— Ali estão os geradores — disse a voz saída do conversor de símbolos, que mal conseguiu penetrar em sua consciência. — Destruam-nos!
Firgolt arregalou os olhos. Os objetos que o cercavam confundiram-se numa massa de fogo. Distinguiu os contornos apagados de uma escotilha aberta, que dava para outro compartimento.
Firgolt desceu pesadamente pelo corpo do verme do pavor. No momento seus sentimentos não funcionavam. Parecia uma múmia que, depois de um tempo infinito, tivesse sido despertada para a vida — para uma vida fantasmagórica e irreal.
Alguma coisa desceu a seu lado. Parecia um fantasma, um vulto cambaleante de olhos encovados. Era Collignot. O tenente de cabelos negros aproximou-se lentamente de Firgolt, apoiando-se no corpo do verme do pavor.
Firgolt sentiu uma alegria infantil. Dava risadinhas que nem um ancião. Mas de repente a raiva pelas próprias fraquezas despertou em seu interior. Foi o que o salvou da loucura. Entregou-se à raiva, deixou que o ódio penetrasse em sua mente até enchê-la por completo.
— O radiador — disse com a voz rouca na direção em que estava Collignot.
Num gesto que poderia parecer triunfal o tenente ergueu a arma. Cambalearam em torno do verme do pavor, que se mantinha imóvel e acompanhava cada um dos seus movimentos, como se não compreendesse o que estava acontecendo em torno dele.
Collignot cambaleou de encontro a Firgolt. Por pouco o impacto não derruba os dois. Mas continuaram cambaleantes, até chegarem à escotilha aberta.
De repente viram Kopenziak, aquele homem baixo e calvo.
Estava ajoelhado à sua frente a sua carabina cuspia a morte e a destruição. Firgolt não conseguiu distinguir o alvo contra o qual disparava o tenente, mas viu que a torrente energética encontrou uma resistência, pois alguma coisa se desfez numa chuva de fogo. O capitão teve a impressão de olhar num caleidoscópio cujas linhas e cores mudavam constantemente.
O Tenente Aldo Kopenziak levantou-se. Tinha o rosto vermelho e inchado. Estava mais feio que nunca.
Apesar disso, sorriu.
— Consegui derretê-los — disse. — Consegui derreter esses aparelhos do demônio, que produziam o calor
O estado de inconsciência abateu-se sobre ele como as ondas de um oceano. Libertou-o da tortura do calor. Quando recuperou os sentidos, não sabia por quanto tempo ficara deitado, inconsciente.
Um frescor agradável envolveu-o e trouxe consigo uma sensação de alívio.
O Capitão Brent Firgolt abriu os olhos.
Encontrava-se novamente na sala de comando na nave de molkex. A temperatura era mais baixa. Kopenziak estava de pé junto aos controles, e o verme do pavor voltara ao seu posto de vigia junto à entrada.
Collignot estava sentado nos fundos da sala, ao lado de Warren, que estava morto ou inconsciente.
Kopenziak virou a cabeça e viu que Firgolt se aproximara.
— Olá, sir — disse em tom de alívio. — Como está passando?
Como sempre, Firgolt pensou no que realmente importava.
— Por que está tão fresco? — perguntou.
Kopenziak cocou a calva.
— Assim que destruí os geradores, uma aparelhagem automática de climatização entrou em funcionamento — informou. — A temperatura quase voltou ao normal.
Tirou alguns drops e alimentos concentrados da bolsa que trazia no cinto e entregou-os a Firgolt. O verme do pavor fitava-os com uma expressão de curiosidade.
— Sinto um enjôo — disse Firgolt.
— Isso passa, sir — disse Kopenziak para tranqüilizá-lo. — Todos fomos afetados pelo calor. Para o senhor e para Collignot as coisas ficaram piores do que para mim.
Firgolt arriscou um olhar para o canto em que estava Warren. Não conseguiu fazer uma pergunta sobre o estado do jovem. Mas o velho agente parecia adivinhar a pergunta que Firgolt trazia na mente.
— Warren está vivo — disse. — Mas está muito mal.
Ajudado por Kopenziak, Firgolt conseguiu pôr-se de pé.
O rosto de Firgolt assumiu uma expressão esperançosa.
— Descobriu alguma coisa, tenente? — perguntou.
Kopenziak fez que sim.
— Ao que parece, o propulsor central parece ter uma estrutura semelhante à de um conversor kalupiano. Suponho que seu funcionamento também seja parecido. De qualquer maneira está protegida contra todas as influências em base n-dimensional, muito embora estejamos voando a velocidade superior à da luz.
— Como soube disso?
— Por intermédio do nosso amigo, sir. Ele sabe ler os instrumentos. Tomei a liberdade de usar o conversor de símbolos para comunicar-me com ele. No momento estamos desenvolvendo cinqüenta vezes a velocidade da luz.
Firgolt esforçou-se para reprimir o enjôo. Por um instante travou uma luta surda.
— Quer dizer que nos encontramos numa espécie de vôo linear?
— Isso mesmo, sir. A nave de molkex percorre uma área de semi-espaço por ela mesma criado. Quanto a isso não existe a menor dúvida. Suponho que deveremos chegar ao destino desconhecido, ainda mais que o verme do pavor afirmou que nossa velocidade já foi bem maior. O dispositivo automático está freando por algum motivo desconhecido. Já chegamos a desenvolver mais de noventa vezes a velocidade da luz.
— Tomara que a desaceleração não signifique que já estamos perto do destino — disse Firgolt em tom pessimista.
— Na opinião do verme do pavor, a redução da velocidade é devido à onda de calor — disse Kopenziak.
Firgolt esforçou-se para refletir. Isso se tornou muito difícil. O calor parecia ter ressequido seu crânio. Mas era muito importante recuperar a clareza do pensamento. Haviam arriscado a vida por mais de uma vez, mas o comando robotizado continuava a controlar a nave.
Esse controle parecia resistir a todos os esforços dos terranos. Nem mesmo o verme do pavor com sua inteligência formidável conseguiu fazer nada.
Firgolt teve uma visão realista da situação. Não se entregou a qualquer ilusão. Deviam influenciar logo o piloto automático, pois do contrário os desconhecidos poriam as mãos neles. Seria a morte certa. Provavelmente o destino do verme do pavor seria o mesmo, pois o mesmo não poderia explicar a falta da tripulação sem revelar sua inteligência.
Firgolt teve a impressão de que a situação do verme do pavor era ainda mais difícil do que a deles. Os agentes só estavam lutando pela própria vida, mas para aquele ser gigantesco outras coisas pareciam estar em jogo. Firgolt não pôde ver o que havia atrás disso, e o verme do pavor não parecia disposto a mostrar suas cartas.
Mas o especialista teve uma impressão instintiva de que o monstro tinha coisas muito mais preciosas a proteger que a própria vida.
“Como poderíamos aproveitar esse conjunto de circunstâncias para os fins que temos em vista?”, perguntou a si mesmo.
Se a suposição de que o cérebro extraordinário do verme do pavor estava em condições de captar e transmitir impulsos de rádio em freqüências n-dimensionais fosse correta, ele também deveria estar em condições de enviar uma mensagem à Frota.
Mas havia pouca esperança de convencê-lo a tomar uma atitude como esta. Para o monstro a perspectiva da prisão entre os terranos poderia ser mais apavorante que a da morte pelas mãos dos desconhecidos.
“É que os desconhecidos não têm conhecimento de sua inteligência e por isso mesmo não podem revelar a mesma”, refletiu Firgolt. Já os humanos sabiam dessa inteligência e não deixariam de transmitir essa informação à Humanidade.
Se Firgolt fosse um hábil galatopsicólogo, teria desistido da tarefa. Mas a inteligência fria lhe disse que deveria aproveitar qualquer chance que se oferecesse.
Antes de mais nada teriam de convencer o verme do pavor de que não havia a menor possibilidade de deter a nave ou modificar sua rota. Nas circunstâncias em que se encontravam isso não seria muito difícil, pois o monstro vira com seus próprios olhos que as tentativas dos terranos haviam fracassado.
O passo seguinte exigiria uma boa dose de inteligência e compreensão.
O pedido de transmitir uma mensagem de rádio teria de ser formulado de maneira a não dar a impressão de que se tratava de uma armadilha. Devia ser bem simples, parecendo o que realmente era aos olhos de Firgolt: uma súplica desesperada.
— Sir — disse a voz de Kopenziak em meio às suas reflexões. — Parece que estamos num beco sem saída.
— Venha comigo — disse Firgolt. — Vamos discutir o assunto com Claude.
Dirigiram-se ao canto em que Collignot estava sentado ao lado de Warren. O jovem agente recuperara a consciência. Seus olhos abertos fitaram Firgolt com uma expressão séria e de certa forma esperançosa. O capitão teve de fazer um grande esforço para enfrentar esse olhar. E teve de fazer um esforço ainda maior para esboçar um sorriso tranqüilizador.
— Sir — disse Warren em voz baixa, que soava como vidro rachado. — Há uma coisa embaixo do meu terno. Faça o favor de tirar.
Num movimento lento Warren apontou para o peito.
Firgolt abriu o fecho-patente e tirou um embrulhozinho revestido de tecido impermeável, fechado por meio de uma borracha.
— Abra — cochichou Warren.
As mãos do capitão tremiam. Rasgou a borracha, e duas tampas dobráveis abriram-se. O capitão viu o retrato de uma moça.
Examinou-o e ficou sem saber o que dizer. Geralmente não se permitia muito que um agente da USO assumisse compromissos firmes, se bem que isso não era proibido.
A moça usava vestido claro. Era morena e magra e parecia um tanto desamparada. Era difícil imaginar uma ligação entre Warren e essa moça. O especialista parecia muito tranqüilo, seguro e equilibrado.
— É possível que alguma coisa... — Warren hesitou um pouco e prosseguiu — ...que alguma coisa me aconteça, capitão.
Firgolt engoliu em seco. Gostaria que o episódio já tivesse chegado ao fim.
— Caramba, Warren — disse, não se lembrando de mais nada que pudesse dizer.
— O endereço está escrito atrás do retrato — disse Warren em tom violento, como se quisesse liquidar o assunto o quanto antes. — Caso me aconteça alguma coisa, o senhor poderá devolvê-lo, sir.
— As coisas não deverão chegar a esse ponto — respondeu Firgolt em tom áspero.
Warren fez como se não tivesse ouvido.
— Diga a ela... — sua voz tornou-se mais apagada. — Diga-lhe que... — então voltou a perder os sentidos.
Firgolt empertigou-se.
— Estou torcendo por você — disse com a voz firme. — Estou torcendo para que você mesmo possa dizer a ela.
A discussão foi ligeira. Kopenziak e Collignot concordaram com o plano de Firgolt. O Tenente Warren não estava em condições de dar seu voto. Continuava mergulhado num estado de profunda inconsciência.
— É bem possível que a única coisa que ouviremos em resposta à nossa proposta seja uma observação sarcástica — disse Firgolt para preparar os dois tenentes. — A idéia só pode ter nascido do desespero. Representa uma última tentativa de evitar a desgraça.
— Acredito que o senhor seja capaz de convencê-lo, sir — disse Kopenziak.
— Não serei eu — objetou o capitão. — Quem cuidará disso será nosso amigo bem-falante que atende pelo nome de Claude Collignot. É o melhor orador que temos. Sua argumentação seria acolhida em qualquer parlamento. Se o conversor de símbolos der às suas palavras metade da força convincente que realmente têm, então poderemos ter uma chance.
Collignot sorriu. Sem que o soubesse passou a mão pelo cinto. Estava à procura de um charuto.
— Se tivesse alguma coisa para fumar minhas possibilidades seriam bem maiores — disse.
Kopenziak pigarreou. De repente entesou o corpo, abriu a bolsa do cinto e tirou um longo charuto negro. Collignot arregalou os olhos. Suas mãos tremeram.
— Caramba! Onde foi que o senhor arranjou isso? — resmungou.
— Roubei — respondeu Kopenziak com a maior franqueza. — Roubei isso na caverna de Euhja, porque o cheiro me estava atacando os nervos. Pelos planetas da Galáxia, capitão, esse sujeito fuma os charutos mais compridos, mais negros e mais fedorentos da Galáxia.
— Aldo — exclamou Collignot em tom de enlevo. — O senhor é um anjo.
— Pode ser — disse Kopenziak e, com um movimento cerimonioso, entregou o charuto a Collignot.
Este acendeu-o, tirou uma grande baforada e expeliu a fumaça.
— Sir — disse. — Se desejar, conquistarei a Galáxia.
— Ficarei satisfeito se conseguir convencer o verme do pavor a transmitir uma mensagem à Frota — respondeu o capitão.
Entregou o conversor de símbolos a Collignot. O tenente prendeu-o ao cinto e fez um gesto de assentimento.
— Tudo bem, sir. Estou preparado.
— O senhor sabe o que fazer. Convença o verme do pavor de que só podemos salvar nossas vidas — e também a dele — se conseguirmos chamar naves terranas para ajudar-nos.
— O bicho dirá que para ele é indiferente morrer nas mãos dos desconhecidos ou nas nossas.
— Garanta-lhe plena liberdade de ir e vir. Prometa-lhe tudo de que consiga lembrar-se.
Collignot deu uma risadinha.
— Lembro-me de muita coisa, sir, mas não acredito que o bebê-gigante concorde com isso.
Levantou-se, ligou o conversor de símbolos e deu um passo em direção ao verme do pavor.
Os desconhecidos haviam sobrevivido ao calor, mas era só. Ao que parecia eles mesmos perceberam que era extremamente difícil interferir no comando robotizado. Desistiram dos seus esforços. Poderia matá-los logo, mas preferia cumprir sua promessa. Só morreriam quando a nave se aproximasse de um planeta dos benévolos. E isso não demoraria muito.
Lembrando os fatos, não pôde deixar de sentir certa admiração por si mesmo. Travara uma luta tremenda. Além das dificuldades resultantes dos problemas exteriores tivera de controlar sua angústia mental.
As tradições antiqüíssimas haviam surgido em sua mente, uma após a outra, advertindo-o, insistindo, ameaçando. Ele as derrotara, não fazendo caso delas. Qualquer outro verme do pavor que soubesse de tais feitos os julgaria impossíveis. Era um revolucionário de nascimento.
Mas teve de reconhecer com certa amargura que sua revolta não valera a pena. Só saíra perdendo; não ganhara nada. O problema do transporte continuava sem solução. A morte dos benévolos seria vingada. E o maior segredo de sua raça, o da inteligência, corria um perigo muito sério.
Se no futuro os vermes do pavor falassem nele, eles o fariam com um sentimento de profundo desprezo.
Ele mesmo se marcara como pária, como proscrito. Face a isso todo orgulho pelos seus feitos parecia não ter sentido.
Sentiu um tatear suave em seu cérebro. Era o sinal de que os desconhecidos queriam entrar em contato com ele. Ficou aborrecido. O que estavam querendo a essa hora? Será que pretendiam implorar por suas vidas miseráveis?
— Queremos falar com você — transmitiram.
Desta vez não foi o chefe que conversou com ele, mas outra pessoa.
Nem se esforçou para dissimular a raiva.
— O que querem? — perguntou em tom áspero.
— Queremos fazer um negócio com você.
— O que vem a ser um negócio?
Ao proferir a resposta teve uma sensação de alegria, que mitigou sua raiva.
— Um negócio — disse o anão — é uma coisa na qual se dá uma coisa e se recebe outra coisa.
Refletiu sobre estas palavras. O que queria dizer a criatura? Por que falava em negócio e não em troca? Sem dúvida querem dar pouca coisa e receber muito.
Será que isso era um negócio?
Pôs-se a refletir.
— Não costumo fazer negócios — acabou por transmitir.
— Nem mesmo em troca da vida? — perguntaram.
A perspectiva da morte certa tornava essas criaturas ainda mais atrevidas. Será que pretendiam formular um ultimato? O meio mais rápido de descobrir era perguntar.
— Está bem — disse. — O que querem?
A pergunta decisiva acabara de ser formulada. Claude Collignot empertigou-se. Por enquanto o monstro ainda estava muito desconfiado. A desvantagem principal da situação consistia no fato de que nunca se sabia exatamente qual era o símbolo que o aparelho transmitia ao verme do pavor face a cada palavra falada. Sem dúvida havia símbolos que não significavam nada para uma raça diferente. Collignot percebera imediatamente que cometera um erro ao usar a palavra “negócio”. E seria difícil reparar o mesmo.
— Discutimos o assunto...
“Tomara que ele saiba o que é discutir”, pensou Collignot.
— e... chegamos à conclusão de que é impossível modificar a rota desta nave. O perigo seria muito grande.
— É verdade — admitiu o verme do pavor. — Neste ponto estamos perdidos. Vocês não puderam dar-me o auxílio esperado. Não vejo a menor chance de fazer alguma coisa.
Collignot passou a língua pelos lábios ressequidos.
— Qual é o destino que o espera no fim do vôo?
— A morte — respondeu prontamente o gigante.
— Nosso destino não será diferente — declarou Collignot. — Logicamente, qualquer solução diferente seria aceitável.
— A não ser que também leve à morte — objetou o verme do pavor.
— Conhecemos uma possibilidade de afastar a morte certa que nos ameaça — disse Collignot em tom misterioso. — Nem você nem nós morreremos, se seguirmos a trilha a que estou aludindo.
Os olhos escuros do gigante pareciam olhar para o fundo de sua alma. Collignot não se sentiu muito à vontade.
— Se esse caminho existe, por que não o usam?
Collignot já esperara essa pergunta. Era lógica.
— Precisamos de seu auxílio. Sem isso o caminho se torna impossível — informou.
Aguardou por um momento. Como o verme do pavor não transmitisse nada, prosseguiu:
— Chame as naves de nossa raça. Temos um código especial, que usamos quando nos encontramos em dificuldades. Nossos aparelhos são muito fracos para vencer as grandes distâncias, mas acreditamos que você conseguiria. Forneceremos os símbolos que deverão ser transmitidos.
O monstro abriu a boca. A cada instante Collignot aguardava uma mortífera língua de fogo.
— Você sabe perfeitamente que não posso aceitar essa proposta — disse o verme do pavor.
— Não acredito — objetou o tenente em voz firme. — Do jeito que estão as coisas, você morrerá. Por que não iria aproveitar a possibilidade que se oferece para salvar sua vida?
— Existe uma coisa mais importante que minha vida. É o segredo de nossa inteligência. Em hipótese alguma o mesmo deve ser revelado à sua raça. Nunca ninguém deverá descobrir nossas faculdades.
Collignot virou-se para Firgolt. O capitão acenou com a cabeça. Esse gesto tinha um sentido bem definido:
— Continue.
Como faria para convencer o monstro de que estaria muito mais seguro entre os terranos se os mesmos tivessem conhecimento de sua inteligência? Para um ser humano tornava-se muito mais difícil atirar contra um ser dotado de inteligência que contra um animal sanguinário. Provavelmente sua dúvida provinha de um velho tabu dos vermes do pavor. O complexo estava gravado em sua mente, da mesma forma que o cerimonial do sepultamento se fixou na mente dos terranos.
Sabia perfeitamente que seria inútil prometer seu silêncio ao verme do pavor. Além disso era duvidoso que a mentalidade do mesmo fosse capaz de compreender o sentido de uma promessa. Collignot confessou a si mesmo que em qualquer hipótese a lealdade para com a própria espécie era mais importante que qualquer promessa.
— Será que sua vida não vale o risco de fazer uma tentativa de irradiar o impulso goniométrico? — perguntou em tom de desespero. — Você deve aproveitar a chance.
— É o que pretendo fazer — respondeu o gigante.
Collignot fitou o verme do pavor. Quase não acreditava no que acabara de ouvir. Qual seria o motivo da súbita mudança de atitude? O especialista teve a impressão segura de que havia algo de errado, de que deixara de notar alguma coisa que o verme do pavor estava incluindo em seus cálculos.
O que seria?
— Dê-me o código — pediu o estranho parceiro de negociações.
Collignot virou a cabeça, perplexo.
— Ele quer o sinal goniométrico, sir — disse, esticando as palavras.
Firgolt soltou um suspiro de alívio.
— Conseguimos — exclamou. — Nem tive coragem de esperar que isso acontecesse. Dê-lhe o código, Claude.
Firgolt possuía bastante senso psicológico para notar imediatamente a hesitação de Collignot. Por algum motivo o tenente não estava satisfeito com o resultado das negociações.
— Há algo de errado, tenente?
Um sorriso embaraçado surgiu no rosto de Collignot.
— Expliquei ao bebê-gigante o que vem a ser um negócio. Talvez tenha cometido um erro.
— O que quer dizer com isso? — perguntou Firgolt, que parecia não compreender nada.
— Tenho um pressentimento desagradável, capitão. Acredito que o verme do pavor chegou a compreender que um negócio pode ser feito de tal maneira que uma das partes receba tudo e a outra nada.
— Não vejo motivo para desconfiança — disse Firgolt em tom severo.
— Qual é o motivo do súbito pessimismo, Claude? — perguntou Kopenziak. — Deixaremos que avise a Frota, e tudo estará bem.
Firgolt tomou sua decisão com um movimento brusco da mão.
— Vamos dar-lhe o código — ordenou.
O plano do verme do pavor era bem simples. Tivera a idéia durante as negociações realizadas com Collignot.
Por que não iria chamar as naves dos desconhecidos para escapar à morte certa pelas mãos dos benévolos? As criaturas que se encontravam à sua frente nunca teriam possibilidade de transmitir seus conhecimentos à raça a que pertenciam. Ele os mataria no momento em que as primeiras naves aparecessem nas proximidades da nave de molkex. Quando os desconhecidos subissem a bordo, só encontrariam quatro cadáveres e um animal selvagem, que era ele mesmo. Seus cientistas constatariam que uma tremenda onda de calor atravessara a nave desconhecida. Atribuiriam a morte dos indivíduos de sua espécie a essa circunstância, desde que ele mesmo, o verme do pavor, agisse com bastante habilidade. Não seria alvo de qualquer desejo de vingança; os desconhecidos apenas tentariam submetê-lo a um exame.
Provavelmente seria levado a outra nave. Uma vez lá, poderia obrigar os tripulantes a dirigi-la segundo seus desejos. Talvez chegassem mesmo a libertá-lo quando constatassem que qualquer exame seria inútil.
De qualquer maneira as chances seriam muito maiores que as que lhe restariam se fosse parar num dos mundos dos benévolos.
Assim que tivesse recebido o código dos anões, ele lhes contaria o que pretendia fazer. Não queria que vivessem até o último instante numa alegria ilusória. Mas teria de ficar calado até que lhe explicassem os impulsos goniométricos.
Lamentou-se de ter que matar esses seres, pois já criara certa simpatia pelos mesmos.
Muito tenso, viu-os confabularem. Ao que parecia tornava-se difícil fornecer-lhe o sinal. Talvez estivessem desconfiados.
Obrigou-se a permanecer calmo.
Depois de algum tempo o chefe dos desconhecidos voltou a pegar o aparelho por meio do qual se comunicavam com ele.
— Nós lhe daremos o código que lhe permitirá chamar nossas naves — dizia a mensagem captada pelo verme do pavor. — Ficamos muito gratos pelo auxílio que nos está prestando. Faremos tudo para encontrar uma solução que também seja satisfatória para você.
“É claro que sim”, pensou o verme do pavor num assomo de ironia.
Esperou até que lhe dessem os sinais. Gravou-os na memória. Isso não representava qualquer problema para o hipersetor de seu cérebro-rádio, que teria a maior facilidade em transmitir os impulsos para o espaço.
— Então? — perguntou o anão. — É capaz de fazê-lo?
Por algum tempo contemplou aquele corpo miserável, que poderia destruir com uma única patada.
— Chamarei suas naves — disse. — Mas antes que outro membro de sua raça entre nesta sala, eu os matarei!
O pedido de socorro foi captado não só pela Eric Manoli, mas pelos receptores de hiper-rádio de todas as naves da Frota Espacial que se encontrava em estado de prontidão.
Os impulsos foram repetidos a intervalos regulares, ao todo cinco vezes. As primeiras tentativas de determinação goniométrica revelaram que, segundo tudo indicava, o ponto de origem dos impulsos seria uma espaçonave. É que a intensidade com que era recebido o pedido de socorro variava a cada transmissão. Dali se poderia concluir que provinham de uma nave que percorria o espaço a uma velocidade várias vezes superior à da luz.
Assim que foi recebido o primeiro sinal, uma atividade febril começou a desenvolver-se a bordo da Eric Manoli.
Rhodan chamou os chefes de todos os destacamentos da Frota, para saber se havia naves estacionadas no setor de poucas estrelas situado junto ao centro da Via Láctea do qual vinham os impulsos. Todos os almirantes deram resposta negativa.
— Preciso ter certeza — disse Perry Rhodan, dirigindo-se a Atlan. — É possível que seja uma nave de agentes da USO. Além disso pode-se cogitar de uma nave cargueira.
Dali a uma hora tinham certeza de que, se os dados colhidos eram verdadeiros, a unidade que transmitira os impulsos não era uma nave cargueira ou de agentes.
Apesar disso Rhodan deu ordem a um oficial para que realizasse pesquisas também junto aos saltadores, aos aras e aos aconenses.
— Isso pode levar várias horas, Perry — ponderou Atlan. — Até lá a pessoa que precisa de auxílio pode estar perdida.
— Devemos procurar em todos os lados — disse Rhodan. — Coronel Dantur, preciso de uma ligação direta com a Lua terrana.
— Perfeitamente, sir — respondeu o comandante.
— O que pretende fazer? — perguntou Atlan.
— Devemos recorrer imediatamente ao cérebro hiperimpotrônico — respondeu Rhodan. — Será o meio mais rápido de averiguar a posição exata da nave misteriosa.
— Se o objeto voador se desloca à velocidade da luz, a tarefa será difícil até mesmo para Natan — objetou Atlan.
— Seja como for, o cérebro deve estar preparado — disse Rhodan.
— Pronto, sir! — disse Dantur, que se encontrava na cabine de rádio. — O hiper-comunicador está funcionando.
Rhodan fez um sinal para Atlan e juntou-se aos radio-operadores. Dali a pouco o Major Runyon colocou-se ao lado de Atlan.
— Tentei receber dos aconenses alguma informação relativa a essa mensagem de rádio — disse.
Runyon era o oficial que fora incumbido por Rhodan de fazer pesquisas junto aos aliados.
Atlan viu pelo rosto do homem o que havia acontecido.
— Algum problema, major? — perguntou em voz baixa.
— Sim — respondeu Runyon em tom indignado. — Essa gente diz que não nos interessa o que eles fazem com suas naves. Só temos algo a ver com a parte miserável de sua frota que foi destacada para apoiar-nos. O resto diz respeito exclusivamente a eles.
— Continue, major — ordenou Atlan.
Foi para junto de Rhodan, que continuava na cabine de rádio, e olhou por cima do ombro dele. O Administrador Geral estava falando com os cientistas que no momento estavam de serviço junto a Natan.
— Se o pedido de socorro for repetido, fornecerei imediatamente novos dados — asseverou Rhodan.
Atlan não pôde deixar de sorrir. Pelos rostos dos dois homens que apareciam na tela via-se perfeitamente o que achavam dos resultados tão escassos. Mas não se atreveram a desobedecer às ordens de Rhodan.
— Por enquanto temos pouca coisa, sir — disse um deles em tom azedo.
— Sabemos disso — respondeu Rhodan. — Mas no momento é só o que há. Realize três processamentos, para que se possa fazer uma aproximação.
— Isso demorará três horas, sir.
— Quanto mais o senhor fala, mais tempo perdemos — disse Rhodan com uma perigosa calma.
Os cientistas retiraram-se às pressas. Atlan colocou a mão no ombro do amigo.
— Os aconenses voltaram a bancar os teimosos — disse com a voz triste. — Runyon não conseguiu descobrir se no momento há uma nave deles na área em questão.
Rhodan lançou um olhar para Runyon, que estava parado atrás de um dos radio-operadores.
— Mande-o parar — ordenou. — Não acredito que os aconenses tenham algo a ver com isso.
Dantur entrou que nem um búfalo furioso. Estava com o rosto muito vermelho.
— Vamos mudar de rota, sir? — perguntou.
— Ainda não, coronel — decidiu Rhodan. — Vamos aguardar outros resultados.
Dantur virou-se num gesto impaciente. Os dias de espera pareciam ter atacado seus nervos.
— Sir! — gritou Dandroin, chefe da equipe de rádio. — O pedido de socorro está sendo repetido.
Os dedos ágeis de Dandroin ligaram os amplificadores, para que os homens que se encontrassem mais distantes também pudessem ouvir os ruídos transmitidos pelo aparelho. Desta vez o pedido de socorro codificado da Frota foi repetido seis vezes.
— Pelos meus cálculos, a esta altura a nave está voando a uma velocidade inferior à da luz — disse Dandroin. — Quase não houve diferença entre os sinais; sua intensidade permaneceu constante.
— Transmita imediatamente à Lua os dados que acabam de ser apurados — ordenou Rhodan. — Desta vez Natan não demorará a determinar a posição do emissor.
Atlan saiu da cabine de rádio depois de Rhodan. Kors Dantur, que se encontrava na poltrona de comando, fitou-os com uma expressão de curiosidade.
— Não estou gostando — disse Atlan.
Rhodan parou e encarou o arcônida de frente.
— Está com um zumbido nos ouvidos, almirante?
— Quem dera que fosse só isto. Gostaria de saber por que a nave desconhecida reduziu a velocidade de repente. Isso pode ser sinal de catástrofe.
— É possível que a explicação seja outra — disse Rhodan.
Desta vez não obteve resposta. Atlan guardou suas idéias para si. Rhodan perguntou a si mesmo quem poderia ter transmitido o sinal. Não acreditava que o mesmo tivesse qualquer relação com o Capitão Firgolt e seu grupo de comando. Por isso tornava-se difícil manifestar qualquer suspeita.
Talvez fosse uma armadilha para a Frota do Império.
Agiriam com a maior cautela, assim que Natan lhes fornecesse a posição exata da nave.
Rhodan já passara inúmeras vezes por situações semelhantes, mas as mesmas sempre o deixavam tenso.
Talvez fosse porque nunca se podia prever como isso terminaria.
Desta vez também não se podia...
— Ele não pode fazer uma coisa dessas! — gritou Kopenziak e arrancou a carabina de radiações de cima do ombro. Mas antes que pudesse dar um tiro, Firgolt deu uma pancada no cano da arma, afastando-a para o lado.
— Não faça isso, tenente! — disse em tom áspero. — Não vale a pena. Apenas aumentaria nossos problemas.
O rosto de Kopenziak estava pálido como cera.
— Ele nos traiu, sir — gritou com a voz estridente. — Nós lhe revelamos o código do pedido de socorro, e em compensação ele nos oferece a morte.
— A culpa é nossa — disse Firgolt com a maior tranqüilidade. — Deveríamos ter previsto que isso acontecesse.
No seu íntimo Firgolt confessou que do seu ponto de vista o verme do pavor tinha toda razão em agir assim. Seria injusto condená-lo por isso. Ele os enganara, mas o truque não tivera sua origem em qualquer tipo de maldade ou brutalidade. Eles mesmos lhe haviam dado a idéia.
Qualquer lance, por mais esperto que fosse, podia ser superado por outro ainda mais esperto.
O Capitão Firgolt não estava disposto a permitir que o colosso o matasse minutos antes de ser salvo. Deviam agir assim que aparecessem as naves terranas.
Voltou a acionar o conversor de símbolos.
— Será que nossas naves chegarão em tempo? — perguntou. — Não acha que é perigoso permanecermos inativos? A nave pode pousar antes que chegue o auxílio.
— Deduzo de suas palavras que vocês ainda acreditam numa possibilidade de salvarem suas vidas — respondeu o verme do pavor. — Mas sua observação é correta. Temos de encontrar um meio de retardar o vôo da nave.
— Podemos destruir o conversor de compensação — sugeriu Firgolt. — Isso fará com que a nave saia do espaço linear. Depois disso sua velocidade será inferior à da luz.
— É um plano perigoso, desconhecido.
Firgolt não respondeu. Queria que o gigante abandonasse a atitude de reserva.
Depois de algum tempo, o verme do pavor perguntou:
— Como pretende destruir os propulsores?
— Possuímos armas — respondeu Firgolt. — Você também pode dar uma ajuda. Basta danificar os grandes conversores que sustentam o vôo linear da nave. — Refletiu por um instante e prosseguiu: — É perfeitamente possível que depois disso surjam radiações que representem um perigo para nossas vidas.
— Será que vocês se preocupam com isso? — perguntou o monstro. — Acho que é indiferente que vocês morram disso ou daquilo.
Os planos mais absurdos atravessaram a cabeça de Firgolt. Chegou a pensar na possibilidade de se fingirem de mortos, fazendo de conta que tinham sucumbido às radiações. Mas o método era tão primitivo que não serviria para blefar o verme do pavor.
Acreditava que a solução de seu problema seria simples, mas por mais que forçasse as idéias, não a encontrou. O Tenente Collignot estava sentado ao lado de Warren.
Parecia abatido. Ao que parecia, acreditava ser responsável por tudo.
Firgolt teve de negociar mais alguns minutos com o verme do pavor para vencer a desconfiança do mesmo. Finalmente o mesmo se mostrou disposto a praticar a sabotagem juntamente com os terranos.
— É possível que durante a operação voltemos a ser atacados por robôs — disse Firgolt. — Devemos agir com cautela. — Lançou um olhar para Warren. O ferido não poderia ser deixado só. Um único robô seria capaz de matar aquele homem indefeso.
— Claude, fique com o rapaz — ordenou.
Firgolt, Kopenziak e o verme do pavor saíram da sala de comando. O monstro serviu de guia. No caminho encontraram vários cadáveres dos animais semelhantes a ratos que haviam atacado Firgolt.
— O calor matou-os — disse Firgolt, satisfeito.
Ficou apavorado ao lembrar-se do seu encontro com esses bichos.
Prosseguiram. O verme do pavor teve de fazer um grande esforço para espremer-se pelos corredores, que eram muito estreitos para ele.
Kopenziak estava muito calado. Parecia revoltado por ter recebido ordem de não atirar contra o inimigo. Não se encontraram com nenhum robô. Firgolt sentiu-se satisfeito. Apesar dos comprimidos que tomava regularmente sentia-se totalmente exausto. Para qualquer organismo chega o momento em que suas reservas de força se esgotam. Sabia que o colapso estava próximo, e nada podia fazer para evitar o mesmo.
Depois de algum tempo o verme do pavor parou.
Firgolt aguardou a informação que deveria sair do conversor de símbolos. Em vez disso o gigante começou a disparar descargas energéticas contra a escotilha fechada da sala que se encontrava à sua frente.
Firgolt fez um sinal para Kopenziak.
— Vamos ajudar, tenente.
Também abriram fogo contra a escotilha com suas carabinas de radiações. Kopenziak preferiria atirar em outros alvos, mas preferiu cumprir as ordens que lhe eram dadas.
Dentro de alguns segundos queimaram um furo na escotilha.
O grito áspero de triunfo morreu nos lábios de Firgolt, quando a escotilha se abriu de repente e os robôs começaram a sair pela mesma.
Soltou um grito de alerta destinado ao verme do pavor, mas o mesmo já notara o perigo e estava atirando contra os atacantes.
— Querem proteger o conversor, custe o que custar — gritou Firgolt para Kopenziak, superando o barulho.
— Tomara que com isso matem o bebê-gigante — disse Kopenziak.
Depois disso não teve mais tempo para falar. A luta em torno dos propulsores estava em pleno andamento. O corpo gigantesco do verme do pavor evitou que os robôs os atropelassem. Dentro de um minuto as máquinas destruídas amontoaram-se à sua frente.
A temperatura no corredor subiu imediatamente. O ruído crepitante das energias liberadas encheu o ambiente. Chamas azuladas lambiam o teto. A escotilha foi arrancada por uma terrível explosão. Os dois agentes foram atirados ao chão. Firgolt executou um rolamento e foi bater no verme do pavor. Teve a impressão de ter batido num muro.
Apesar da resistência violenta dos robôs, o colosso continuou a avançar lentamente, lutando sempre. Firgolt e Kopenziak voltaram a intervir na luta. Seus tiros atingiam os inimigos que conseguiam superar a barreira formada pelo corpo gigantesco do monstro.
Chamas surgiram em vários pontos do corredor. Uma fumaça ardente passou por cima deles. Apesar da defesa encarniçada dos robôs, acabaram por atravessar a entrada. Firgolt viu os grandes conversores à sua frente.
Os inimigos se amontoavam, vindos de todos os lados. O capitão não teve a menor contemplação. Pôs-se a disparar diretamente contra os conversores. O raio atômico disparado por sua arma atingiu o revestimento dos propulsores, rompeu-o e penetrou em certas peças vitais.
Um bando de robôs precipitou-se sobre o local do vazamento e iniciou um trabalho inútil de reparos. Kopenziak fez pontaria e derrubou um após o outro. O enorme recinto parecia vibrar com o fragor da luta. Ou era a nave que se rebelava contra a destruição?
Firgolt passou correndo pelo verme do pavor e entrou na sala de máquinas. Viu Kopenziak do lado oposto. Os propulsores estavam ardendo em vários pontos.
De repente uma detonação que se verificou bem ao lado de Firgolt atirou-o para o ar. O teto da sala turbilhonava acima de sua cabeça como se fosse uma nuvem de fumaça cinzenta. Uma dor lancinante penetrou em seu corpo, apagando qualquer outra sensação.
Caiu pesadamente. Antes de desmaiar viu Kopenziak aproximar-se. O rosto do agente estava enegrecido pela fumaça.
Depois disso Firgolt não viu mais nada.
Levou muito tempo para acordar. Sua cabeça retumbava. Estava deitado ao lado de Warren, na sala de comando da nave de molkex. Collignot, que estava de pé a seu lado, fitava-o.
Firgolt ouviu a voz do tenente como se a mesma o atingisse através de uma neblina.
— Faz dez minutos que a nave saiu do espaço linear e retornou ao universo einsteiniano, sir — informou Collignot. — No momento desenvolve metade da velocidade da luz e está ardendo em dois lugares diferentes. As radiações são muito perigosas. O verme do pavor transmitiu o pedido de socorro mais seis vezes.
— Onde está Kopenziak? — conseguiu dizer Firgolt com um grande esforço.
— Nos controles — respondeu Collignot.
Firgolt esforçou-se para lembrar-se de uma coisa em que pensara durante a luta junto aos conversores. Seu pensamento tinha algo a ver com a intenção do verme do pavor, que pretendia matá-los assim que as naves terranas aparecessem por perto.
De repente seu rosto iluminou-se.
— Ajude-me a levantar — pediu, dirigindo-se a Collignot.
— Será que o senhor acaba de lançar um olhar no paraíso, sir? — perguntou Collignot com o rosto sombrio. — A alegria que o senhor parece sentir neste momento deixa-me espantado.
— Já acredito que continuaremos vivos, tenente — disse Firgolt.
Os resultados apurados pelo computador hiperimpotrônico conhecido como Natan foram recebidos a bordo da Eric Manoli trinta minutos após a chegada do último pedido de socorro.
No momento do cálculo o ser misterioso que pedira socorro se encontrava a cerca de 62.000 anos-luz da Terra.
Rhodan esperou que todas as coordenadas fossem transmitidas. Kors Dantur escorregava nervosamente de um lado para outro na poltrona.
— A coisa vai começar, sir? — perguntou.
Por enquanto Rhodan teve que desapontá-lo. Não entraria apressadamente numa aventura perigosa, nem mesmo com um couraçado como o Eric Manoli. O nome desse couraçado era o de um velho amigo de Perry Rhodan, o Dr. Eric. Manoli, que chegara a acompanhar a fase inicial da astronáutica terrana, inclusive a viagem lendária que o Major Perry Rhodan fez à Lua, no ano de 1.971. Manoli morrera porque não conseguira a ducha celular do planeta Peregrino, depois que Aquilo fugira.
Rhodan iniciou a formação de um potente grupo de naves que participariam do vôo. Decidiu que a Eric Manoli seria acompanhada por cinco mil naves.
Entre essas naves havia mil naves fragmentárias dos pos-bis, quinhentos supercouraçados de construção terrana e duas mil naves robotizadas da velha frota de Árcon, sob o comando supremo de Reginald Bell.
— Parece que você faz questão de viajar bem comboiado — disse Atlan numa leve ironia.
— Dessa forma evitaremos o risco de sermos destruídos por forças superiores — retrucou Rhodan. — Além disso o grande número de naves facilitará a localização exata do transmissor desconhecido.
Esperaram em silêncio, até que chegassem as confirmações dos diversos grupos de naves que deveriam participar da operação. Rhodan forneceu as coordenadas da área de destino. As cinco mil naves levaram apenas alguns minutos para preparar a partida.
— Esta concentração de forças representará outro mistério para muita gente do interior do Império — conjeturou Atlan. — A tensão crescerá.
— Dessa forma os governos exaltados terão o que fazer — disse Rhodan com um sorriso. — Poderão refletir sobre nosso destino. De qualquer maneira não demorarão a descobrir que o mesmo não é representado por um mundo independente.
— Não devemos ser muito severos no seu julgamento — disse Atlan. — O medo de perderem a independência é perfeitamente compreensível.
O rosto de Rhodan assumiu uma expressão séria.
— Enquanto eu for o Administrador Geral do Império — disse em tom enfático — ninguém procurará privar qualquer colônia de sua independência.
O último a confirmar o recebimento da mensagem foi Reginald Bell, que mais uma vez não pôde deixar de acrescentar sua opinião particular à mensagem oficial.
— Acredito que seja a nave que seqüestrou Firgolt.
— Tomara que tenha razão — disse Atlan.
— Coronel — disse Rhodan, dirigindo-se ao homem nascido em Epsal. — Prepare-se. A Eric Manoli iniciará a viagem em direção à área de destino.
Kors Dantur movia-se pesadamente na poltrona. Sua voz trovejante retumbava pela sala de comando.
— Até que enfim, sir.
Transmitiu suas ordens aos oficiais. Dali a pouco a Eric Manoli começou a acelerar. Estava sendo arrastada por forças titânicas.
Juntamente com ela outras cinco mil naves cortavam o espaço. O poderio militar do Império Unido estava pronto para golpear. As tripulações das diversas naves aguardavam confiantes as novas ordens da nave-capitânia.
As cinco mil naves formavam uma poderosíssima armada espacial.
Acontece que o poder e a impotência costumam andar muito próximos.
Rhodan não pôde deixar de pensar nisso quando o supercouraçado abandonou o espaço normal para penetrar na zona de libração.
Ainda possuíam o poder que lhes permitia proteger o Império. Mas era possível que existissem inimigos mais fortes que eles, adversários que os precipitariam para a impotência.
O simples desejo de que os mesmos não existissem não bastava para garantir a segurança do Império.
Rhodan lançou um olhar para Atlan, cujo império se esfacelara. Os remanescentes do Império de Árcon haviam sido absorvidos pelo Império Unido.
Talvez um dia eles mesmos também seriam engolidos e incorporados num império maior e mais poderoso. Essa possibilidade existia sempre que surgiam indícios da intervenção de uma potência estranha.
E era o que estava acontecendo...!
No momento a possibilidade de três formas diferentes de morrer abriam-se diante deles, pensou Collignot num assomo filosófico.
Poderiam continuar a vagar pelo espaço por um tempo infinito, sem que ninguém se interessasse por eles. Nesse caso disporiam de mais quinze dias de vida, pois nesse intervalo de tempo seus estoques de alimentos concentrados se esgotariam. A segunda possibilidade não era muito mais atraente. Podiam ser presos e mortos pelos desconhecidos.
A terceira forma de morte representaria uma verdadeira ironia do destino, pois a mesma se verificaria quando aparecessem as naves terranas. O verme do pavor anunciara que, quando isso acontecesse, eles os mataria.
Não lhes restava outra alternativa senão aguardar para ver de que forma seriam arrancados do círculo dos vivos,
Era bem verdade une o Capitão Firgolt afirmava ter um plano de salvação para a última alternativa, mas não comunicou quaisquer detalhes capazes de tranqüilizar Collignot.
Este ansiava por um charuto, desejava que, por ocasião do roubo na caverna de Euhja, Kopenziak não tivesse sido tão discreto. Se é que aquilo realmente fora um roubo. Kopenziak era um homem estranho, que à primeira vista poderia parecer insensível.
Warren gemeu baixinho. Collignot virou o rosto em sua direção e viu que estava com os olhos abertos. Geralmente permanecia em estado de inconsciência. Collignot teve a impressão de que a pele do rosto de Warren não estava tão pálida como antes. Talvez o mesmo tivesse superado a crise.
No seu íntimo Collignot admirava o capitão, que demonstrava uma resistência inacreditável. Afinal, Firgolt era o membro do grupo que havia sido mais maltratado.
— Warren está acordado? — perguntou Kopenziak, afastando-se dos controles.
— Parece que está melhor — respondeu Collignot.
Kopenziak examinou o ferido e mandou que ficasse quieto.
— Como está a situação? — perguntou Warren.
— Estamos esperando a chegada das naves de resgate — disse Kopenziak.
O rosto de Warren revelou certa incredulidade.
Kopenziak afastou-se apressadamente, para não ter que dar explicações a Warren. Este dirigiu-se a Collignot.
— É mesmo? — perguntou.
Collignot esforçou-se para dar um tom alegre à voz, mas tinha certeza de que não iria conseguir.
— É — respondeu. — O verme do pavor irradiou o pedido de socorro para a Frota.
— Acho que há uma falha nisso — cochichou Warren.
Collignot sentiu-se satisfeito porque o mesmo não formulou outras perguntas.
O tempo foi passando sem que falassem muita coisa. Cada um seguia os próprios pensamentos. O verme do pavor também mantinha uma atitude discreta. Um silêncio sepulcral reinava na nave.
O Capitão Firgolt não sabia quanto tempo já tinha passado quando seu pequeno rádio de pulso deu um sinal. Estremeceu. A reação de Collignot e Kopenziak levava à conclusão de que também haviam percebido. O verme do pavor parecia nervoso. Não compreendia a transmissão, mas captava os sinais.
— Estão à nossa procura! — gritou Collignot. — Há naves do Império por perto.
Irradiaram juntos o impulso goniométrico usado por todos os náufragos da Frota. Naquela altura os aparelhos que traziam no pulso já eram suficientes.
Esperaram. Estavam muito tensos. Finalmente uma voz débil, mas perfeitamente compreensível, saiu dos aparelhos.
— Aqui fala Perry Rhodan. Encontro-me a bordo da Eric Manoli. Identifiquem-se.
— Aqui fala o Capitão Brent Firgolt. Estou a bordo de uma nave de molkex, juntamente com os Tenentes Aldo Kopenziak, Elmer Warren e Claude Collignot. o senhor já nos localizou?
Ouviu-se uma risadinha.
— Não os perderemos mais, capitão. Têm algum problema?
— Se temos — disse Firgolt. — Além de nós há um verme do pavor a bordo. O bicho pretende matar-nos assim que o primeiro terrano pisar nesta nave.
A resposta foi superada por um estalido do conversor de símbolos. Num nervosismo evidente o verme do pavor rastejou em sua direção.
Firgolt achou que seria preferível ligar o conversor.
— São as naves da raça de vocês? — perguntou o gigante.
Firgolt compreendeu que seria inútil mentir.
— São. Vieram para salvar-nos.
— Vocês sabem o que preciso fazer agora.
Firgolt apontou a carabina de radiações. Sentiu-se dominado por uma raiva impotente. Kopenziak e Collignot também puseram as mãos nas armas.
— Posso garantir que lutaremos — gritou para o verme do pavor. — Mas quero que você me ouça antes de fazer uma tolice.
— Não existe nenhum argumento que possa salvá-los — respondeu o verme do pavor.
As linhas do rosto de Firgolt acentuaram-se. De uma hora para outra parecia ter envelhecido alguns anos. O rádio de pulso estava funcionando, mas no momento não podia dar atenção ao mesmo.
— Você só tem um motivo para matar-nos. Não quer que revelemos a inteligência de sua raça. É verdade ou não?
— É verdade.
Firgolt acenou com a cabeça. Parecia zangado.
— Pois seu plano já fracassou. Nossa raça já sabe da sua inteligência. Deixamos um relatório em Euhja, o mundo em que você nasceu, e esse relatório contém informações completas sobre suas faculdades. Será que você acredita que se não fosse assim teríamos entrada nesta nave?
O verme do pavor contorceu-se como se estivesse sentindo dores. Os terranos recuaram até a parede.
— Ele nos atacará — cochichou Collignot, apavorado. — Quebramos alguma coisa dentro dele.
O coração de Firgolt começou a bater mais depressa. Continuou a falar em tom insistente.
— Se você nos matar, estará pronunciando sua própria sentença de morte. Nossos amigos saberão perfeitamente o que aconteceu por aqui, pois já os informamos de que você pretende destruir-nos. Só lhe resta uma chance: deixar que vivamos, para que também possa continuar a viver. Se nos matar, esta nave se desmanchará numa explosão à qual nem mesmo você resistirá.
Firgolt baixou o cano da carabina. Dissera tudo que poderia ser capaz de fazer o verme do pavor mudar de idéia. Eliminara um dos motivos que o gigante teria para matá-los.
Ao mesmo tempo dera-lhe outro motivo: a decepção terrível resultante do fato de que o segredo mais antigo de sua raça deixara de existir...
— Quer dizer que já sabemos o que aconteceu com o verme do pavor de Euhja — disse Atlan. — Também se encontra a bordo da nave de molkex. Fico admirado em saber que os quatro especialistas ainda estão vivos.
Os oficiais da Eric Manoli comprimiam-se na cabine de rádio. O Coronel Kors Dantur era o único que controlava o vôo da nave.
— Estão com problemas — disse Rhodan. — Não respondem mais aos nossos chamados, embora ao que tudo indica os aparelhos continuem a funcionar.
— Por que não largamos um barco espacial para verificar o que está acontecendo naquela nave? — perguntou o Major Runyon.
— Não quero arriscar a vida dos especialistas sem necessidade. Talvez exista outra possibilidade de tirá-los de lá.
— Vamos enviar um teleportador — sugeriu Atlan.
— Isso seria muito perigoso — objetou Rhodan. — Ele não poderia transportar todos os agentes num único salto. Os que ficassem para trás teriam de contar com a possibilidade de um ato de vingança.
Dandroin, o chefe da equipe de rádio, fez outra tentativa de entrar em contato com Firgolt. Desta vez foi bem-sucedido.
— Já pode vir a bordo, sir — disse o Capitão Firgolt.
Sua voz parecia abatida. Parecia sentir uma tristeza profunda por algum motivo desconhecido. Rhodan logo notou esse tom em sua voz.
— Há algo de errado, capitão? Será que alguém o está obrigando a colocar-nos numa cilada?
— Não é nada disso, sir — respondeu Firgolt. — Acabo de destruir uma tradição.
Os oficiais fitaram o aparelho de rádio com uma expressão de perplexidade.
— O que quer dizer com isso, Firgolt? — perguntou Rhodan.
— Fizemos um negócio, sir — respondeu Firgolt. — Vendemos uma mercadoria ilícita, para salvar a vida.
— Acho que ele enlouqueceu — disse Runyon.
Rhodan abanou a cabeça.
— Não — disse. — Deve estar cansado.
Prometeram a Firgolt o envio de um comando num tempo brevíssimo. Até lá poderia descobrir o modo de funcionamento da eclusa de ar.
— Estamos à sua espera, sir — concluiu Firgolt.
Na decepção infinita, que foi sua primeira reação interior, tivera a intenção de matar os quatro desconhecidos com um disparo de fogo. Mas alguma coisa o impedira de fazer isso, alguma coisa lhe dissera que com isso só pioraria as coisas, Afinal de contas, o verdadeiro traidor de sua raça era ele mesmo. Sua traição já tivera início no mundo aquático. O germe da traição nascera no instante em que se dedicara aos pensamentos revolucionários, quando vira em si mesmo o salvador de sua raça e o indivíduo que resolveria o problema do transporte.
Matara os benévolos e tentara conquistar a nave. Tudo que fizera no seu estado de fúria cairia como uma maldição sobre sua raça.
Ficou completamente apático diante do que se passava em torno dele. Naquele momento não se importava nem um pouco com o que pudesse acontecer-lhe. Fazia votos de que os desconhecidos o matassem, pois não tinha forças para tirar a própria vida.
Ficou indiferente ao ver as três criaturas saírem da sala de comando. Provavelmente abririam a eclusa de ar.
Fechou os olhos, pois não queria ver quando voltassem com os astronautas.
Doze homens que envergavam trajes espaciais e estavam equipados com armas pesadas saíram do barco espacial e planaram em direção à eclusa de ar da nave de molkex. Rhodan e Atlan iam na ponta. Ao que parecia Firgolt já conseguira abrir a eclusa, pois conseguiram entrar imediatamente na câmara de ar.
Rhodan esperou pacientemente que a parede externa se fechasse. Depois disso o caminho para o interior da nave ficou livre.
O homem alto e magro que se mantinha em atitude de expectativa devia ser o Capitão Firgolt. Suas roupas estavam esfarrapadas e havia queimaduras em seu corpo. Atrás dele havia dois homens mais baixos que vestiam trajes subaquáticos bastante estragados.
— Bem-vindo, sir — disse Firgolt com a voz tranqüila.
Rhodan abriu o capacete protetor e olhou em torno. Tudo parecia estranho, mas parecia ter sido construído segundo uma finalidade bem definida.
— Os senhores não eram quatro, capitão?
— O Tenente Warren está ferido, sir. Encontra-se na sala de comando. O verme do pavor também está lá. Apresento os Tenentes Collignot e Kopenziak.
Apertaram-se as mãos. Rhodan sentia perfeitamente o alívio que se apossara desses homens.
Mas não era hora de falar em coisas sem importância.
— O que houve com o verme do pavor? — perguntou, dirigindo-se ao capitão.
— Desistiu, sir, depois de descobrir que o segredo de sua inteligência já foi espalhado. Pretendia matar-nos para guardar esse segredo.
— Será que há algum perigo em aparecer na frente dele?
— Não, sir. Há uma coisa que o distingue: a honestidade. Se garante que não vai recorrer à violência, pode-se confiar nisso.
Esperaram que todos os homens saíssem da eclusa. Rhodan estava impaciente diante da perspectiva do primeiro encontro com um verme do pavor que não ocultaria sua inteligência.
— O Tenente Collignot deu-lhe um nome — informou Firgolt. — Costumamos chamá-lo de Pedrinho.
Rhodan sorriu. Um sorriso infeliz surgiu no rosto de Collignot.
— Não me lembrei de coisa melhor, sir — disse como quem pede desculpas.
Saíram andando.
— A nave está ardendo em dois lugares diferentes — prosseguiu Firgolt. — Destruímos os conversores de compensação. Dessa forma conseguimos fazer a nave sair do espaço linear e reduzir a velocidade ao nível atual.
Os desconhecidos possuíam um sistema de propulsão linear. Seus veículos espaciais não eram menos velozes e perigosos que as naves terranas. E o revestimento de molkex conferia-lhes mais um formidável meio de defesa.
Enquanto caminhavam em direção à sala de comando, Rhodan e seus companheiros foram informados sobre os robôs que haviam feito tudo para salvar a nave.
— Se não fosse o verme do pavor, estaríamos perdidos — confessou Firgolt.
Quando entraram na sala de comando, Warren já conseguira erguer ligeiramente o corpo. Sorriu com o rosto desfigurado pela dor. Rhodan e Atlan cumprimentaram-no.
O verme do pavor estava deitado calmamente num canto. Estava com os olhos fechados. Até se poderia acreditar que estivesse morto. Os homens vindos da Eric Manoli sentiram-se fascinados diante da criatura poderosa.
Firgolt entregou o conversor de símbolos a Rhodan.
— Se quiser pode conversar com ele, sir. Está muito abatido, mas talvez o senhor consiga animá-lo um pouco.
Rhodan fitou o capitão com uma expressão séria.
— Pelos planetas da Galáxia, Firgolt, até parece que o senhor gosta dele.
— É isso mesmo, sir — confirmou Firgolt em voz baixa.
— É claro que gostamos dele — interveio Collignot. — Estivemos em contato com ele por bastante tempo para compreendê-lo. A gente logo se acostuma à sua feiúra. É verdade que tem certas manias que nunca entenderemos, mas pelo que vejo a gente pode perfeitamente entender-se com ele, sir.
Collignot passou a mão pelo rosto. Animara-se sem que se desse conta disso.
— Por acaso alguém tem um charuto? — perguntou, dirigindo-se aos homens que haviam vindo com Rhodan.
Os homens deram uma gargalhada, mas ninguém pôde atender ao desejo do tenente.
Rhodan observou o verme do pavor. Era difícil imaginar que nesse corpo monstruoso estivesse encerrada uma inteligência superior. Como já acontecera tantas vezes, haviam permitido que o aspecto exterior os enganasse. Esses gigantes souberam usar seu aspecto como máscara.
— Temos mais um passageiro para a Eric Manoli — disse em voz baixa, dirigindo-se a Atlan.
— Vamos levá-lo para lá? — perguntou Atlan.
Rhodan confirmou com um gesto resoluto.
— Entrarei em contato com ele. Parece que ainda se sente chocado, mas acho que conseguiremos convencê-lo a acompanhar-nos voluntariamente.
Cuidaram de Warren.
— A bordo da nave-capitânia o senhor terá toda a assistência de que precisa, tenente — prometeu Rhodan ao jovem agente.
Firgolt, que se encontrava atrás do Administrador Geral, entregou uma fotografia a Warren. Não disse uma palavra.
— Todos têm necessidade urgente de descanso e tratamento médico — disse Atlan, dirigindo-se aos especialistas da USO. — Sabemos o que conseguiram. Oportunamente serão condecorados por isso. Acho que neste momento todos desejam...
— Sir! — gritou um dos astronautas. Era o que carregava o rádio. — Há um chamado urgente da nave-capitânia. É o coronel.
Rhodan chegou ao aparelho juntamente com Atlan.
— O que houve, coronel? — perguntou, respirando fortemente.
A voz de Dantur era áspera, mas controlada.
— Chefe — disse. — Acabamos de localizar espaçonaves desconhecidas.
Os homens que se encontravam em lugar mais afastado começaram a inquietar-se.
— Quantas são? — perguntou Rhodan.
A voz de Dantur parecia nervosa.
— São muitas, sir. Tantas que nem conseguimos contá-las. Deve ser uma frota inteira. Estão penduradas no espaço que nem um colar de pérolas.
Rhodan entesou o corpo. Sentiu que a tensão de vários dias o estava abandonando. A hora chegara. Os desconhecidos acabavam de aparecer.
Muito sério, fitou os homens que o cercavam.
— Os primeiros enviados apareceram lá fora — disse em tom tranqüilo. Seu rosto magro permaneceu impassível. Era um grande homem, ao qual o senso de responsabilidade ensinara a arte de não revelar seus sentimentos.
Na sala de comando reinava um silêncio absoluto. Ninguém se atrevia a fazer o menor movimento.
O verme do pavor abriu os olhos. Até parecia que o silêncio o deixava nervoso. Encarou Rhodan de frente.
— São os enviados de outro império, do Segundo Império — disse Rhodan.
Depois seus olhos fixaram-se nos do verme do pavor. Entreolharam-se: um homem e uma criatura monstruosa.
WilliamVoltz
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