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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


PAOLO / Biazioli, Barbara
PAOLO / Biazioli, Barbara

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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Series & Trilogias Literarias

 

 

 

 

 

 

O som do mar é algo incansável. Por vezes era apenas isso que eu precisava ouvir e era exatamente isso que acontecia. No limite, quando eu apenas queria evitar qualquer tipo de contato humano, eu ficava exatamente onde estou agora, olhando para a imensidão infinita, contornada por casas que quase se escondem. Esse é o lugar que preciso estar.
No meu quarto está Salma, a mulher escolhida esta semana.
Quando o mundo parecia desabar diante de mim, quando soube que não poderia mais deter o encontro de Sofia e Zanatta, quando meu irmão mais novo resolveu testar o limite de minha paciência, foi para ela que liguei, foi ela quem busquei e pensei que pudesse descontar ali, em seu corpo nu, feito de curvas suculentas e perfume inebriante, a minha necessidade de me desligar de tudo.
Eu estava enganado. Nada mudou e ainda penso que poderia um dia esquecer boa parte de tudo que está aqui dentro e forma esse grande penhasco, mas por enquanto, aqui dentro junto dessas coisas tão menos doces e gentis, está o que tento manter longe de contatos mais humanos.
? Estou com medo ? Sofia, abraçada com seu urso de pelúcia de segunda mão, me disse. Éramos ainda crianças e Dom chorava em seu berço. Era um choro de fome.
É essa noite que se remonta em peças que nunca ficam fáceis de encaixar. O choro de fome, o medo de Sofia, os hematomas no corpo de minha mãe. É essa a noite que determinei que seria a última, e foi.
Escuto passos atrás de mim. É Salma e ela está nua, coberta por um dos lençóis de minha cama e ela me abraça por trás.
? Você está sempre pensando em algo que parece inalcançável ? a mulher de curvas generosas e cabelos escuros e ondulados diz baixinho em minhas costas e não imagina a quantidade de coisas que alcanço pensando exatamente assim, em coisas impossíveis.
? Apenas elaborando mentalmente a reunião de amanhã ? sou generoso com ela e abro um pequeno trecho da minha vida. Mas eu minto, sobre a reunião de amanhã tudo já está pronto e agora minha cabeça pensa apenas na última noite que tive antes de ter as noites dessa vida que tenho.
? Estou feliz que tenha me ligado ? ela roça seu rosto em minhas costas e eu levo minha mão até o bolso de meu roupão, ali tenho o que preciso ? Será que hoje vai ser a primeira noite em que dormirei aqui e amanhã poderei tomar café da manhã com você? ? ela sempre tenta e a resposta das outras semanas se repete.
? Salma, não gosto de dividir o meu café da manhã. Esse período do dia eu reservo para organizar meu dia e você sabe que não vou mudar isso. Nos conhecemos e nos respeitamos
há muito tempo, não estrague tudo agora ? falo e me viro de frente a ela ? Vou te levar embora ? falo olhando em seus olhos e beijo seus lábios de maneira agressiva e quase brutal.
? Eu não entendo, vou me mudar amanhã, seria apenas uma noite, nada de mais ? ela tenta me convencer novamente.
? Se é algo tão simples, não deveria ter tanta relevância para você. Coloque sua roupa, eu vou te levar embora, eu preciso dormir ? a beijo e eu sei que por mais que isso seja terrivelmente cruel com ela, eu não posso enganá-la e deixar que esperanças sobre algo que não vai acontecer a confunda em sua partida. Foi exatamente por saber que está se mudando de Gênova que ela foi a pessoa escolhida para essa noite. Nada além disso vai acontecer, não porque Salma seja uma pessoa que não vale a pena, não vai acontecer porque eu sou uma pessoa que ainda prefere um café da manhã acompanhado de uma solidão sensual, que me serve de uma vida antiga, a vida que me fez determinar exatamente o que sou hoje.

 

 


 

 


1
Digito os primeiros números e depois as letras da minha senha minuciosamente escolhida a cada semana. São sete e vinte da manhã e sou a segunda pessoa a chegar. A primeira
foi Eugene e a Bastilli ainda está em completo silêncio.
Eugene está sentado diante de mim, analisando cada palavra do contrato que ele mesmo digitou, é pelo seu perfeccionismo que o remunero muito bem.
Abro meus emails e pelo visto Domenico está disposto a levar a própria vida mais a sério, diferente do que vinha fazendo nos últimos anos. Ele nunca levou a própria vida com
o mínimo de seriedade necessária, sempre foi mais ligado em deixar que acontecesse de qualquer maneira e isso me incomodava profundamente.
Gosto exatamente de como devo proceder em cada uma de minhas decisões e, se possível, saber a futura reação de quem está sendo diretamente ligado a ela.
? Serão absorvidos todos os funcionários e isso implicará em uma folha de pagamento praticamente triplicada a partir do próximo mês ? Eugene fala não perguntando ou esperando
alguma opinião, ele está apenas me alertando sobre o financeiro que é o coração de toda essa operação.
? Sim ? não estou confirmando, estou apenas resumindo nessa breve afirmação que estou ciente de meus futuros custos. E Eugene sabe que já fiz a conta do lucro e foi exatamente
isso que me fez chegar até aqui.
Essa finalização demorou mais do que deveria. Primeiro, por Sofia e seu contratempo com o ex-jogador e agora esperam o seu primeiro filho; depois, Domenico decidiu enfiar
a vida no próprio traseiro, e pelo visto deu tempo de resgatá-la antes que perdesse totalmente o ar. Vejo uma movimentação habitual do lado de fora da minha sala, são os funcionários
chegando.
Escuto alguém bater suavemente na porta da minha sala. Com toda a certeza é Marília que sabe exatamente o que eu penso sobre o barulho.
? Entre ? vejo-a abrir a porta lentamente e entrar com sua postura discreta e silenciosa.
? Bom dia, Sr Bastilli. Bom dia, Sr Ward ? ela nos cumprimenta e me entrega os relatórios financeiros que Sofia deixou com ela. Sofia não vai participar desta reunião, ela
vai estar ocupada fazendo os exames necessários de sua gestação.
? Obrigado, Marília ? alcanço os papéis ? Domenico? ? pergunto porque é ela que enxerga onde meus olhos não alcançam.
? Acabou de chegar e está acompanhado, o pessoal do marketing está com ele ? ela responde e internamente eu sorrio.
? Marília, por enquanto é isso ? ela caminha em direção à porta e nos deixa.
? Domenico fez uma excelente observação sobre o contrato do novo segmento da Xtreme. Encaminhei uma cópia para o seu email ? Eugene fala e ainda mantém os olhos no contrato
e eu estou olhando minhas mensagens na caixa de entrada.
? Eu li na hora em que me enviou. Parece que a Bastilli Barche pode ser o cenário do milagre do século. Meu irmão mais novo resolveu fazer algo de útil com sua vida ? falo
e Eugene sorri sem dentes.
? Em algum momento isso iria acontecer ? Eugene fala.
? Eu temia que não fosse nessa vida ? falo e ele sorri, agora vejo seus dentes ? Conseguiu todas as informações sobre Thereza Bianco? ? pergunto.
? Sim, nada comprometedor, está no seu email pessoal ? ele diz e cruza as pernas ? Essa garota viveu por alguns anos praticamente sem existir diante do governo e acredito
que ela não imaginava que houvesse uma fortuna à sua espera. Ela herdou alguns milhões ? Eugene conclui.
? Ela não tem nenhuma dívida antiga, nenhum inimigo, nada que possa surgir agora e querer colocar tudo a perder? ? pergunto enquanto respondo um email da agência.
? Não, nenhuma ficha policial até o incidente de Paris. Agora ela vai arcar com algumas multas e uma fiança para continuar seguindo, mas nada além disso. Seus cuidadores na
época em que ela morou na Austrália tentaram dezessete vezes se tornarem tutores legais, mas algo sempre os impedia, ou algum documento ou a falta de comprometimento com pequenos
assuntos fiscais. Em seu último depoimento, pelo que foi esclarecido, os maus-tratos contra ela se davam por conta do dinheiro que eles não conseguiam alcançar. Acho inclusive
que eles pensaram que se ela morresse, eles herdariam tudo, mas não seria bem assim ? Eugene explica e eu tiro meus olhos da tela e olho para ele.
? Como ela conseguiu viver por tantos anos sem ser percebida? É como se durante quatro anos ela estivesse dormindo ? a história dessa garota é uma verdadeira colcha de retalhos,
mas está faltando grandes partes.
? Acredito que era exatamente isso que ela queria. Pelo que consta em seu processo, ela ficou em uma espécie de albergue na grande parte do dia, ajudava inclusive nas tarefas
como voluntária e isso lhe garantia um quarto.Ela informou ter conseguido se manter conectada com um perfil falso de corredor. Alimentou esse perfil durante quatro anos, dando
credibilidade e, assim, pôde vigiar seu ex-namorado e assassino confesso de seu irmão. Mas não há nada de terrível, apenas muito dinheiro e pessoas que algum dia quiseram
se aproveitar dessa situação ? Eugene diz e eu volto a olhar para o computador.
? E quanto ao nosso amigo jogador, Bradley? ? pergunto.
? Isento de qualquer coisa do passado. Não há mais dívida e pelo que parece, juntou suas últimas economias e comprou as garrafas de vinho que estavam faltando na caixa que
ele diz supostamente não saber que estavam em seu antigo carro. Pelo visto ele está disposto a reaver sua confiança. Sabemos que Sofia o ajudou com isso, ele não conseguiria
pagar tudo em tão pouco tempo, mas ele me parece bem determinado e disposto e, para sua segurança, ainda há homens vigiando seu cunhado ? Eugene diz.
? Menos mal, mas não existe a possibilidade dele reaver algo que ele nunca teve. Ele vai ter que trabalhar um pouco mais e tentar conquistá-la e isso, meu caro, é algo muito
difícil ? digo.
? Quanto ao contrato ? ele diz mudando de assunto e me entrega os papéis ?, está tudo certo e de acordo com ambas as solicitações. A maior preocupação do Sr Martinelli é com
os funcionários. Quando busquei as informações sobre ele que me pediu, me deparei com um homem altruísta em boa parte de seu tempo. Ele obviamente sempre buscou sucesso e
teve, mas sua função principal era manter satisfeito quem trabalhasse com ele ? Eugene fala e eu coloco os papéis de lado e volto a responder o email.
? Isso é bom, acredito que seja raro e não vou me colocar nessa lista de altruísmo. Eu contrato e remunero bem, o contato funcionário e patrão termina exatamente aí ? coloco
meu limite para Eugene que já o conhece muito bem.
? Paolo ? ele me chama pelo nome e isso anuncia que o que ele vai dizer é algo mais pessoal do que negociável ? Conheço seu trabalho, e por mais que não queira, eu conheço
boa parte de sua vida longe desse estaleiro. Sabemos aqui que essa postura rígida é mais flexível do que se imagina ? Eugene me conhece.
? Sim, Eugene, mas as pessoas não precisam saber nada sobre isso ? sorrio e volto a olhar para a tela ? Eu sei que não vai participar da reunião, mas trouxe o que eu pedi?
Vejo-o retirar o celular do bolso e digitar, em seguida vejo que em meu email chegou a minha solicitação.
? Está tudo aí, todos os detalhes, e me admira muito ser tão parecida com o pai ? Eugene observa e eu não abro o email, estou respondendo a outro.
? Ótimo, mas agora não vou conseguir ler, tenho que terminar de responder essas mensagens e analisar os relatórios que Sofia deixou.
? Eu preciso ir, tenho que levar o que me pediu e o voo dela sai em duas horas, vou alcançá-la no aeroporto ? Eugene se refere ao bracelete de ouro branco que comprei para
Salma. Ela foi compreensiva na noite passada e mesmo sabendo que não ficaria, me deu mais uma dose daquilo que me tira do mundo real.
Subimos para o meu quarto e antes mesmo de chegar, ela deixou o lençol cair e eu já estava pronto. Deslizei o preservativo um segundo antes de estar dentro dela.
Posicionei-a com as mãos na parede e apreciei seu lindo e curvilíneo traseiro rebolar comigo dentro dela. O tipo de foda que finaliza a noite e um contato que nunca foi nada
além disso. Nunca houve um passeio de mãos dadas ou até mesmo um passeio em um dos meus barcos. A verdade é que nunca velejei com mulher alguma. O mar é o meu real caso de
amor, e eu sou fiel.
Eugene se despede e deixa sobre a mesa o cartão do preposto do Franchesco. Eu olho mas não o alcanço, preciso terminar o que comecei. Meu cérebro funciona exatamente assim,
tudo que começo preciso obrigatoriamente terminar na maneira mais eficaz e com o resultado mais perfeito possível.
Meu celular vibra e eu apenas olho e vejo que é Dom. Ele vai fazer uma nova ação de marketing, mas não será divulgada agora, e eu sinto algo que nunca pensei que fosse sentir,
eu estou orgulhoso dele e de certa forma essa garota cheia de partes faltantes em sua história o ajudou a ser diferente, o ajudou a ser responsável.
Eu precisei ser diferente porque em algum momento me foi exigido isso, e sempre fui responsável porque foi essa a função que me era destinada; tudo dependia de mim, até mesmo
quando tínhamos um único pão para ser servido, eu era responsável por trazer esse único para casa.
Sempre tentei blindar meus irmãos e minha mãe depois daquela noite, eu fui responsável pelo que aconteceu, eu teria que ser responsável por cada um deles.
Naquela noite arrumamos tudo que foi quebrado, alguns vizinhos ficaram por perto, mas nunca mais teríamos medo, nunca mais levaríamos uma surra por brincar sem brinquedos
ou por chorar porque tínhamos fome.
Passo para o próximo email e ele é mais complexo. Olho para o relógio na tela do computador e ainda tenho tempo, mas em todo caso o alerta de meu celular vai me lembrar da
reunião e isso vai acontecer de maneira silenciosa, exatamente como prefiro.
Goulart, sócio de Manfred na Tusac Repol, me envia um convite e ele será bem-vindo depois da reunião de hoje. Confirmo, eu sei que vamos encarar uma longa conversa sobre as
novas aquisições da Bastilli, sobre a Martinelli enfim fazer parte do grupo e, o mais importante, o quanto eles desejam fazer parte de tudo isso e obviamente meus cálculos
sobre o quanto isso possa ser rendável é o primeiro item de tudo isso que me anima. Na sexta-feira terei um bom motivo para ir até esse evento.
Não se trata de ambição financeira, se trata de sucesso profissional.
Escuto alguém bater à porta e pela brincadeira possivelmente é Dom que ainda não entendeu, mesmo depois de tantos anos, que não gosto disso.
? Entre, Domenico ? falo e ele abre a porta sorrindo e guardando o celular no bolso.
? Cara, você dorme aqui? ? ele faz piada e sorri, eu não.
? Bom dia, Dom ? o cumprimento mencionando a boa e velha educação.
? Ótimo dia. O marketing aprovou a segunda campanha, mas eu tenho outra ideia sobre a Xtreme ? tenho um pouco de receio das ideias de Dom.
? Essa ideia vai me custar quanto? Ela já está devidamente colocada no papel e enviada como dita nossa regra? Essa ideia tem a ver com alguém que vai passar os próximos trinta
dias em Paris, sem poder sair da cidade para elucidar questões judiciais? ? pergunto e volto meu rosto para o convite.
? Paolo, acho que já comentaram com você o quanto você é animado, certo? ? ele ainda faz brincadeira.
? Sim, quase o tempo todo ? mantenho o rosto sério e respondo outro email.
? Sim, tem a ver com a Tess ? ele confessa e eu prefiro exatamente isso.
? Quanto ainda vai me custar o seu romance? ? pergunto.
? Não é nada de mais ? ele tenta se proteger com um sorriso que espio pelo canto dos meus olhos.
? Quanto seria esse seu cálculo nada de mais? ? não olho para ele, mas eu sei que ele mexe com os dedos. Ele é hiperativo, desde sempre, e não sei como está conseguindo ficar
sentado nessa cadeira por tanto tempo.
? Uma filial fixa em Paris ? ele fala e meu cérebro faz as primeiras contas: espaço, papéis, impostos e custos com pessoal.
? Preciso que faça exatamente como solicitado, coloque tudo isso em um email e tente não colocar nada sobre a sua vocação em fazer coisas idiotas ? respondo e agora que ele
tirou o sorriso da cara eu o encaro.
? Você é preocupado demais com dinheiro ? ele diz.
? Sou preocupado com desperdício, falta de estratégia e atitudes irresponsáveis que possam de alguma forma manchar, mesmo que brevemente, a imagem da Bastilli ? explico pausadamente.
? Sou seu irmão e acho que esse projeto tem tudo para ser um grande sucesso ? ele defende sua ideia.
? Ótimo, se tem argumentos fortes para provar que um custo inicial de pelo menos quinhentos mil me trará algum retorno, por gentileza, coloque tudo isso em um projeto formal,
apresente-o profissionalmente e não com um tom pedante na sala de seu irmão mais velho. A Bastilli é uma empresa que produz, vende, gera emprego, contrata e trabalha rigidamente
dentro de todos os termos fiscais, judiciais e trabalhistas, não quero que trate suas ideias como um pedido ao papai noel na época do Natal ? sou firme com ele.
? Nunca vamos poder chegar a um acordo sem essa sua formalidade? ? ele questiona.
? Claro que vamos, almejo por esse dia desde que comprei a agência há alguns anos, mas ainda assim você insiste em querer tratar tudo como seus saltos de Parkour ? digo e
apoio minhas mãos uma sobre a outra e olho em seus olhos.
? Eu nunca vou conseguir atingir suas expectativas ? ele confessa.
? Dom, vamos esclarecer alguns pontos. Primeiro, sua preocupação não pode ser em relação a mim, o que você faz não atinge a minha vida, mas atinge a minha empresa e isso não
é brincadeira. Tudo que você vê é algo sério, estamos falando de pessoas que saem de suas casas logo pela manhã e entram aqui, aplicando energia e responsabilidade em tudo
que fazem ? ele encosta na cadeira ? O segundo ponto e não menos importante que o primeiro, é que Paolo Bastilli não cria expectativas, trabalho em cima de planejamento, estrutura
e resultado ? concluo.
? Isso faz da sua vida algo chato ? ele parece ter cinco anos e quer a bicicleta a qualquer custo.
? Você veio até aqui para discutir sobre a minha vida, ou melhor, sobre o seu ponto de vista sobre a minha vida ou para tratar profissionalmente de um projeto que podemos
sim chegar a um acordo positivo, basta você percorrer o caminho feito exatamente para isso? ? fecho o assunto e espero que ele responda algo plausível.
? Não posso discutir sobre a sua vida, ela é chata demais para mim ? ele resmunga.
? Eu sei que vou me arrepender de perguntar isso, mas por que você acha que a minha vida é chata? ? questiono.
? Você nunca sorri, nunca escutei uma gargalhada sua, nunca vi uma única foto em que mostre que você carrega aí dentro um pouco de diversão ? ele explica e eu sorrio sem dentes.
? Domenico Bastilli, lembre-se de um grande detalhe sobre mim, não é porque você não vê, que isso implica o fato de não estar acontecendo ? respondo ? Não preciso tornar público
aquilo que me faz gargalhar. Aqui, por exemplo, não é um lugar apropriado para expor meu lado mais bem humorado. Será que você consegue entender isso?
? Em algum momento você não é esse cara? ? ele pergunta.
? Não ? respondo diretamente ? Agora, por favor, pare de se preocupar com a minha vida, você tem um projeto para colocar no papel.
? Eu me preocupo mesmo com você, tenho medo que morra sem sentir algumas emoções básicas para compor uma história feliz ? ele diz.
? E quais seriam essas emoções? Essa paixão que está fazendo você tomar todas as decisões e ter todas as ideias que nunca teve? Esse sentimento que faz você esquecer que tudo
é mais complicado do que um salto de paraquedas? Esse amor que faz você correr alguns riscos desnecessários? ? coloco as questões e ele se apoia sobre a minha mesa.
? Paolo, para mim ruim é viver assim, sem esses riscos; ter tanta certeza do que vai acontecer na manhã seguinte é quase monótono, ter exato conhecimento sobre o próximo passo
é algo que me frustra ? ele responde.
? Mas é com essa postura que levantei o império que te acolhe nesse momento. ? suspendo as sobrancelhas.
? Tudo é dinheiro?
? Não, Domenico, tudo é prudência ? respondo.
? Vou fazer exatamente o que você quer ? ele responde.
? Não, você vai fazer como manda o procedimento para qualquer operação dentro da Bastilli ? o corrijo.
? Deveria estar orgulhoso, estou aqui em plena segunda-feira antes das nove ? ele zomba. Domenico fará piada até em seu leito de morte.
? Quer uma medalha por cumprir o mínimo de sua obrigação ao menos uma vez em sua vida? ? uso o sarcasmo e agora sorrio mostrando meus dentes.
? Você é chato, muito chato. Penso que um dia alguma coisa vai acontecer e você vai ficar dois dias sem fazer a barba, não vai pentear o seu cabelo e não vai aparecer para
o trabalho, então, você vai perceber que o mundo ainda vai girar normalmente em seu eixo ? ele profana e eu quase gargalho.
? Fico feliz que minha vida nunca altere o curso natural da terra ? me levanto ? O que me espanta é o fato dela mover o curso natural da sua vida ? cutuco e ando em sua direção
? Domenico, a questão aqui não é o que sinto, isso não seria questão em nenhum lugar. A questão aqui é que você quer ter benefícios por ser meu irmão. Mas esse elo que nos
liga é fator de privilégios apenas fora da Bastilli, aqui dentro você é empregado assim como os outros e acredite, os seus custos são absurdamente maiores que o dos outros.
Então, anime-se, ainda vou continuar oferecendo alguns benefícios e patrocinando algumas de suas loucuras. Agora ? fico de frente a ele ?, entenda que tudo precisa ser minunciosamente
analisado, não podemos correr o risco de deixar de ser a empresa que compra empresas em fase de quase falência e nos tornarmos o objeto de compra de outra. Compreende a dimensão
de sua ideia? Ela precisa ser analisada em todos os pontos ? falo e escuto meu celular vibrando sobre a mesa.
Alcanço-o e é um aviso sobre a reunião com o preposto da Martinelli. Pego os papéis que Eugene revisou e volto de frente a Domenico.
? Tenho uma reunião agora ? o aviso.
? Sabia que tem alguns sons muito legais e você poderia escolher um deles como seu ringtone? ? ele faz piada... ainda.
? Sim, eu sei desse avanço da tecnologia e é exatamente por ter profundo conhecimento sobre isso que o evito ? respondo e ando para fora da minha sala.
? Vamos, eu te acompanho até a sala, mas infelizmente não vou poder participar ? ele brinca e sabe que nunca participaria de uma reunião como essas. É como oferecer a um macaco
uma arma carregada.
Caminhamos lado a lado e alguns funcionários tentam dentro de suas mentes pouco atarefadas pelo visto, entender a diferença entre nós. Eu estou usando um terno sob medida,
Dom está usando um jeans vindo da segunda guerra mundial e uma camiseta da Xtreme. Somos o exemplo de abismo entre duas pessoas, não acredito que tenha algo entre nós que
seja em comum.
Paro em frente a sala de reunião e olho para ele que está sorrindo.
? Gostaria de entender qual o motivo que o faz rir nesse momento ? falo e olho para o meu celular que vibra novamente com uma mensagem de Eugene. Ele conseguiu entregar o
presente para Salma.
? Não poderia entender, não assim facilmente. Eu teria que colocar as razões no papel e encaminhar para seu planejamento, estratégia e toda essa coisa chata que cerca você
? ele tenta me atingir ? Eu deveria ter um ponto positivo com você ? ele fala e eu cruzo meus braços e o encaro.
? Posso saber onde estou falhando em sua recompensa de escoteiro?
? Eu cortei o cabelo e estou sem barba ? ele responde.
Levo meus olhos dos seus pés, calçando um par de botas de escalada, olho seu jeans extremamente surrado e observo sua camiseta da agência, que já está desbotada o suficiente
para ser descartada e, enfim, repouso sobre sua cabeça, que já mostra os fios crescendo depois do acidente
? Dom, você não cortou o cabelo, sua cabeça tem tantos remendos quanto as minhas roupas quando eu tinha oito anos; não está sem barba, ela ainda está aí, desafiando meu rigor
com a aparência, ela só não está tão visualmente agressiva ? sorrio amplamente.
? Para tirar onda de mim você sorri ? ele fala.
? Ora, você há alguns minutos estava reclamando que não me via sorrir, deveria estar feliz, está sendo responsável pelo meu momento sorridente do dia. Agora, eu preciso fazer
algo de adulto ? falo.
? Trepar? ? ele desce o nível da conversa e não faz ideia de com quem está brincando.
? Isso eu fiz na noite passada, da maneira que seu cérebro ainda em fase de restauração não compreenderia. Agora eu vou fazer a parte em que me ajuda a ter noites como a que
passou ? vejo sua boca abrindo e pelo menos eu consigo fazer com que ele cale a merda da boca e vá, assim como eu, trabalhar.
Ele nega com a cabeça e caminha pelo corredor em direção a outro departamento e eu sorrio novamente. Ele agora sabe duas coisas sobre mim: também gosto de velocidade, mas
no momento certo, e eu tenho uma vida sexualmente satisfatória e sem nenhum tipo de obrigação na manhã seguinte... a não ser entregar um bracelete como forma de carinho que
nunca houve.
Com Salma a relação sempre foi sexual, a respeitava como qualquer mulher merece ser, mas eu nunca deixei que ela pensasse que poderíamos ter algo além disso. Era sexo, horas
de suor e muito encaixe corporal. Mas meu coração sempre ficou num lugar seguro, esperando que eu me vestisse e descesse sozinho para o café da manhã.
2
Nove e vinte e um da manhã, apenas a nove minutos de fechar o que chamaria o meu projeto de vida. Trabalho nessa aquisição há pelo menos um ano, mas desde sempre a Martinelli
foi meu alvo, era como se a Bastilli precisasse dela para chegar em terra firme.
Quando houve o primeiro rumor sobre a possível queda da Martinelli, eu pensei que essa seria a chance de escrever a história da Bastilli de vez sobre Gênova, e foi exatamente
isso que eu fiz. Analisei o mercado e esperei, e como sou propenso ao exagero em alguns pontos, precisei controlar algumas informações para que outros não entrassem na fila
de interesse pela Martinelli.
Franchesco se mostrou inclinado apenas depois de muita conversa e mesmo assim não fechamos absolutamente nada de imediato, a não ser uma possível futura conversa. Espero que
hoje seja a última e com o desfecho que preciso.
Olho para o papel em minhas mãos e o deixo sobre a mesa, caminho até a janela com vista para o mar e penso por alguns instantes sobre o momento exato que fez com que tudo
à minha volta começasse a acontecer. Olho para os barcos com a assinatura Bastilli em seu casco, olho para os funcionários e para o resultado de tudo isso.
Talvez isso não tenha fim e fique para futuras gerações. Quanto a isso, Sofia já se encarregou e Dom pelo visto seguirá pelo mesmo caminho.
Aos sete anos eu desejei mais do que tudo um chocolate que na época era a maior sensação. Todos tinham ao menos experimentado uma única vez, menos eu. Me lembro como se fosse
hoje, naquela noite em que apanhei por pedir o chocolate, eu determinei que não teria apenas o que todos têm, não faria o mesmo percurso que os outros e seria diferente em
tudo. Naquela noite, eu tomei a decisão e nunca mais parei.
Olho para o meu reflexo no vidro e vejo que posso ir mais além, buscar outras águas e conquistar um pouco mais. Olho para baixo e novamente percebo que isso nunca vai ter
fim.
Pego meu celular e leio o dossiê do preposto que Eugene me enviou. Nome completo, bela foto, uma linda mulher, está estudando em Paris, informações sobre patrimônios e outras
coisas menos interessantes, mas que precisam estar aqui, eu preciso saber quem é que vai estar diante de mim em alguns minutos e pelo que estou vendo não é alguém de grandes
segredos ou de vida pública. É apenas uma mulher bonita, rica dentro das possibilidades, com uma boa grade de estudo e que é noiva. Noiva de quem? Percorro a lista e procuro
pelo nome dele.
Escuto alguém batendo à porta e autorizo que entre assim que desligo o celular mesmo não terminando de ler o que eu precisava.
? Sr Bastilli, o preposto lhe aguarda na sala de espera ? Marília diz e me encara esperando algum retorno.
? Peça que entre ? solicito e volto meus olhos para uma das embarcações. Escuto a porta se fechando e meus pensamentos retornam ao passado que explica muito sobre meu futuro.
? Você nunca terá futuro! ? o homem que deveria ao menos injetar confiança em sua prole, lança sobre mim suas palavras e sua total falta de amor e compaixão. Em seguida, sinto
meu rosto queimar e sei que terei marcas de dedos em minha face e outra marca aqui dentro, junto com outros tapas, e outras surras e outras milhares de coisas ruins que aconteceram
sem nenhuma razão plausível.
? Bom dia ? uma voz feminina invade a sala de reuniões, me livrando de outra lembrança e a porta se fecha novamente. Viro-me lentamente e busco a origem da voz suave, macia
e de tom baixo e acolhedor que me despertou.
Observo com cautela a mulher alta, magra, de cabelos longos ondulados que lembram o nascer do sol pelo seu tom dourado. Seus olhos azuis remetem algo que posso afirmar que
lembram a paz.
? Bom dia ? caminho em sua direção e mesmo estando a uma distância segura, me sinto incrivelmente abalado pelo seu perfume adocicado na medida exata para essa hora da manhã
? Paolo Bastilli ? levo minha mão em sua direção e espero que ela a segure.
? Sou Catharina Martinelli ? ela enfim coloca sua mão à disposição da minha e sinto o leve sacolejar. Ela tem um toque suave, macio e gentil em profundidades atraentes além
do recomendado para uma reunião de negócios. E mesmo eu tendo em mãos suas informações e sua foto, ela conseguiu me deixar surpreso.
? Por favor, sente-se e fique à vontade ? peço assim que solto de sua mão, mas ela soltou primeiro, ela começou o movimento antes de mim e isso significa o primeiro limite
imposto.
Ela caminha em direção à ponta da mesa onde alguns papéis estão alinhados diante de dois assentos. Ela usa um conjunto extremamente sofisticado de blazer alinhado perfeitamente
em sua cintura e uma saia até a altura dos joelhos. Ela usa uma cor lilás e saltos altos em uma das nuances do marfim. Conheço sobre as cores por conta da pintura personalizada
das embarcações. Uma pasta e uma bolsa, ambas francesas, de bom gosto e discretas. Será que ela sabe que não podemos brincar por aqui? Que o assunto é mais sério do que a
última moda? Não sei se ela sabe da proporção de toda essa operação, está me parecendo o tipo de mulher mimada que veio apenas concordar e assinar alguns papéis.
Me sento de frente a ela e não na ponta da mesa, isso seria uma maneira rude de impor algum tipo de poder. Estamos iguais, quero comprar e ela tem meu objeto de desejo. A
conta é bem simples.
? Devo imaginar que o advogado tenha lhe passado todos os detalhes, mas, caso haja algo que eu possa esclarecer ? tenho a sensação de que a frase saiu mais baixa do que o
necessário.
? Sr Bastilli, agradeço sua preocupação, mas tanto os advogados quanto Sofia fizeram um excelente trabalho e, mesmo sendo em circunstâncias tão difíceis para toda a minha
família, devo admitir que estou muito feliz em saber que a Martinelli estará em boas mãos ? ela é firme em sua voz e eu sei que fecharemos o acordo nessa reunião, mas antes
vamos falar sobre as pautas e as condições finais.
Ela retira os papéis da pasta e pega um lápis ? Fique tranquilo, essa é uma cópia do contrato ? ela sorri com o lápis na mão. Ela tem uma curva bonita sobre o lábio superior,
lábios cor de rosa apoiados na cor superficial de um batom. Estou analisando a mulher de negócios apenas como mulher nesse exato momento.
Brincos pequenos, uma correntinha que deduzo ser de ouro, mas ela é fina e delicada. Ela usa pouca maquiagem, tem a pele bonita e mãos com dedos finos, unhas bem feitas e
uma aliança. Ela é noiva, isso consta no relatório e se comprova em seu anelar.
? Essa é a parte que me deixa realmente muito feliz com tudo isso ? ela diz e possivelmente percebeu que eu estava perdido entre a beleza de seu lábios e sua aliança que definitivamente
foi escolhida para provar que ela tem alguém. Percebo que não estava prestando atenção em nada do que ela disse e isso é inaceitável.
? Qual parte? ? pergunto.
? Essa que acabei de ler ? ela responde e vejo seus olhos vindo em minha direção. São como uma ameaça, mas ainda vejo a paz que vi no primeiro instante.
? Peço perdão, estava analisando outro fator ? não o do contrato, penso comigo.
? Mencionei o fato da Martinelli ser adquirida em sua totalidade, sem desligamentos ? ela diz sorrindo e isso não deveria, mas me comove em algum ponto e me sinto esquisito.
É como se estivesse praticando alguma boa ação e esse não é o caso, aqui estamos falando de negócios, apenas negócios.
? Não há razão para fazer qualquer tipo de corte, apenas uma fusão de duas empresas, vamos precisar de todo pessoal ? enquanto eu falo ela me olha como se investigasse meus
instintos, como se soubesse algo sobre mim que eu ainda não sei.
Sofia deveria ter me dito mais sobre ela, deveria ter me dito o quanto sua postura profissional é inatingível e sobre seu rosto inapropriadamente bonito. Deixo minha atenção
sobre a curva bonita sobre seu lábio superior e ela fala sobre o estoque, sobre os contratos encerrados e mais alguma coisa que por alguns instantes se tornou irrelevante.
Perco exatos dois minutos analisando a maneira como ela segura o contrato, como seus olhos percorrem as linhas e como eu deveria ao menos escutar o que ela está dizendo.
? Posso te chamar de Paolo? ? ela pergunta e me resgata do abismo azul de seus olhos que eu estava debruçado. Estou imaginando-a nua, nas posições íntimas e inescrupulosas
que prefiro e, então, uma resposta que era para ser negativa quanto a sua pergunta se forma e explode de minha boca.
Inclinei-me em sua direção considerando-a em seu pedido, mas eu deveria ter ficado exatamente onde eu estava, encostado em minha cadeira, onde o perfume dela que havia sentido
com facilidade, não havia me encontrado como definitivamente me encontrou.
? Claro ? respondo e deixo que junto com essa palavra um sorriso se espalhe a deixando mais à vontade e agora tento imaginar a cor de sua lingerie ou se ela prefere tinto
ou branco se tivermos um vinho durante um jantar. Ela é noiva.
Meu raciocínio termina com um lembrete sobre a aliança que ela ostenta e tento desfazer meus pensamentos cruéis em relação a ela, mas não consigo.
Ela descruza as pernas e as cruza novamente, ela coloca uma mecha de seus cabelos atrás de sua orelha e isso é sexy, confuso e talvez eu queira sentir a textura dos seus fios,
de todos eles.
Sou flagrado por olhos azuis e por um sorriso encantador. Ela me encara e tento buscar no dicionário simples uma resposta rápida para qualquer questão que ela possa ter.
? Você lidera toda a Bastilli sozinho? ? ela pergunta algo que não se encaixa no flagrante.
? Não, sou o diretor e único acionista, mas sem minha equipe nada disso seria possível ? sinto-a curiosa sobre o Paolo e não sobre a empresa que está adquirindo a dela.
? Um de seus funcionários voltou para Martinelli e fiquei muito feliz com essa recontratação. Sr Zanatta tem um talento para desenhos singulares e muitos de nossos clientes
apreciam esse tipo de coisa ? ela fala e mexe no papel como se não fosse um contrato milionário ? Mas, por que ele foi demitido tão repentinamente? ? ela questiona e eu esqueci
de perguntar o que foi que Sofia disse a ela sobre isso.
? Sofia poderia ter lhe dado detalhes sobre isso ? detalhes falsos, penso comigo.
? Sim, mas a achei mais protetora do que antiga, como eu poderia dizer... chefe ? é isso, ela o protegeu e agora espera um filho dele.
? Partiu dele a saída. Foi uma cordialidade da parte dele já que mantém um relacionamento com Sofia, ela sendo a irmã do proprietário. Não acho que ele gostaria de ter sua
imagem vinculada a qualquer tipo de benefício que isso poderia gerar ? não acredito que estou defendendo-o. Mas nesse caso estamos falando agora do meu cunhado e se alguém
está com algum tipo de problema em relação ao Bradley, esse alguém sou eu.
? Foi exatamente isso que ela disse ? ela retorna minha resposta com um sorriso mais amplo, como se ficasse feliz e eu agora estou perdido entre o contrato e a realidade de
intenção nessa reunião ? Mas a Martinelli indo para suas mãos, o Sr Zanatta acaba voltando a ser seu funcionário ? ela lembra esse fato e dá um sorriso tão angelical que mesmo
se sua afirmação fosse uma mentira, eu não teria coragem de contradizê-la.
? É verdade ? falo e pego os papéis tentando ter pelo menos o mínimo de foco nessa conversa.
Ela retoma a leitura e fala sobre a queda de oito por cento nos dois primeiros meses do ano; depois, sobre a retomada dos lucros e sobre a expansão da Bastilli no segmento
de turismo e hotelaria.
? O Tambo Real era um hotel que estava sendo negociado por empresas de fora da Itália, mas como sua sede fica aqui em Gênova, não achei que fosse prudente não ser eu o responsável
por eles ? respondo e a vejo novamente olhando para mim.
? Ambição ? ela diz.
? Talvez ? respondo.
? Não era uma pergunta, é uma constatação ? ela retruca de maneira quase grossa dessa vez, mas eu gosto disso.
? Mas é uma boa ambição ? me defendo e não entendo por que estou oferecendo justificativas para ela. Aqui o negócio é entre duas empresas que fabricam barcos, dois estaleiros,
e não sobre minhas aplicações e tudo mais que desejo incluir na Bastilli.
? Ambição e ganância dividem um espaço pequeno, são separados por uma linha tênue e ambos se tornam arriscados caso o mérito de tudo seja esquecido ? ela rebate e apoia os
braços sobre a mesa.
? Me acha ganancioso, Srtª Martinelli? ? pergunto.
? Não o conheço para isentá-lo de tal afirmação ? ela foi contundente e eu definitivamente não deveria ter deixado que essa reunião tomasse esse rumo.
? Mas poderia conhecer ? respondo de maneira incabível, inaceitável e totalmente descontrolada.
? Não teremos tempo para isso e vou guardar a resposta que acredito que seja a ideal sobre a questão, apenas para mim ? ela responde e assim como ela foi a primeira a soltar
a minha mão assim que entrou nessa sala, ela acaba de impor o segundo limite. Isso está se tornando altamente irritante.
? Foi o que pensei ? respondo.
? Sobre o tempo ou sobre guardar a resposta? ? ela pergunta.
? Ambos ? tento não mostrar o quanto seus limites não são tão rigorosos e que posso facilmente quebrá-los.
? Sempre tem uma resposta para tudo? ? ela pergunta.
? Hoje está sendo um dia de sorte ? respondo e ela sorri.
Vejo seus olhos voltarem para o papel e mais do que imaginá-la nua, tenho um propósito por aqui, a Martinelli precisa ser incorporada à Bastilli e essa reunião precisa ser
a última e a definitiva.
Observo seus olhos terminando a leitura da segunda página, ainda faltam oito e tudo agora se tornou uma grande tortura. Preciso vê-la assinando esses papéis e me falando a
resposta que acha coerente sobre a minha ambição/ganância.
Vejo-a virar a página e, de repente, entre as sobrancelhas, um vinco não tão fundo se forma e isso me preocupa.
Vou até a mesma página e leio e não vejo o que fez seu rosto se formar em algo preocupante.
? O que houve? ? pergunto.
? Obviamente eu já li esse contrato e, desde então, não estou de acordo com isso, e eu estava esperando nossa reunião para que pudéssemos chegar a um acordo bom para ambas
as partes ? ela nega com a cabeça e o seu cabelo se movimenta suavemente. Escuto alguém bater à porta e não respondo, seja o que for vai ter que esperar. Mas, eu sinto em
seus olhos uma espécie de brilho feliz por esse erro, é como se ela celebrasse em seu íntimo que a Martinelli ainda não seria tirada de sua família. Eu contava com a assinatura
desses papéis e com a conclusão disso hoje e não com essa jogada dela sobre alguma cláusula.
? E eu posso saber o que deveria ser alterado? ? vejo muita sobriedade em suas palavras e o movimento de sua boca não está ajudando em minha concentração.
? Aumentamos a porcentagem para vinte e cinco por cento ? ela responde sorrindo e isso é covardia de sua parte e fraqueza da minha. Eu posso aceitar isso por conta desse sorriso
e posso aceitar porque é um preço justo a se pagar.
? Vou pedir para que meu advogado refaça ? olho para o contrato e percebo que estou fazendo exatamente o que Eugene pediu para eu não fazer, mas alguns riscos são necessários.
? Ótimo, meu advogado está cuidando de alguns assuntos na Dinamarca e vai voltar apenas na sexta-feira no período da tarde, por isso mencionei o atraso nessa transação. Sem
contar que na cláusula de baixo não foi esse o acordado sobre a porcentagem inicial. Se o erro fosse apenas rever uma cláusula, isso eu mesma faria, mas pelo visto, mesmo
depois de todo esse tempo, ainda não chegamos a uma conclusão unânime. São trinta por cento de capital de entrada e não quinze ? ela explica e isso é mais provocante do que
qualquer outra coisa. Ela está abusando do meu interesse e a verdade é que ela ainda está dentro do que posso e desejo pagar. Quinze por cento não altera a minha vida na terra.
Ela percorre os olhos e aponta para a última cláusula daquela página ? Temos apenas três estaleiros, o quarto que está sendo mencionado aqui não está no nome da Martinelli
e sim em nome de meu irmão mais velho. Houve um erro quando repassaram essa informação. Eu lamento profundamente não ter participado de tudo isso desde o início, esse tipo
de erro possivelmente não estaria acontecendo.
? Lamento por isso e vou tentar fazer com que o novo contrato esteja pronto até sexta-feira ? me redimo e espero que ela diga algo positivo. Eu não deveria me sentir assim,
ela é parcialmente intimidadora.
? De certa forma fico feliz, a Martinelli ainda é de minha família por mais alguns dias ? ela tem uma visão otimista sobre tudo isso e de alguma forma isso se torna encantador,
mesmo não podendo ser. É como se em alguns dias um milagre pudesse acontecer e desfazer tudo e a Martinelli não precisasse ser vendida.
? Imagino que essa decisão seja difícil. Foi o império que seu pai criou do nada e acredite, vamos trabalhar para que tudo saia como sempre foi ? eu minto. Na realidade vamos
fazer um trabalho ainda melhor e vamos tornar esse estaleiro algo grandioso e apenas com um nome, Bastilli.
Vejo seus olhos tristes e é como se um membro saísse de sua casa e estivesse de mudança, para nunca mais voltar.
? Quando eu era criança, me lembro do meu pai falando de barcos, depois, acabei ficando algumas tardes de domingo dentro de alguns; era comum estarmos em barcos e não dentro
de casa ? ela fala algo de seu passado ? Meu pai me ensinou sobre barcos, sobre negócios e, o mais importante, me ensinou a importância de tudo isso não ter tanta importância.
Apesar de ter conseguido muito dinheiro, ele nunca viveu na ostentação de grandes fortunas, ele nos ensinou algo sobre a simplicidade ? ela fala com tanto carinho de uma figura
que não tive.
? Seus irmãos também estão envolvidos com os assuntos da Martinelli? ? mudo totalmente o foco da reunião já que por algum erro imbecil não vamos poder concretizar absolutamente
nada essa manhã.
? Para ser franca não. Meu irmão mais velho nunca quis saber muito sobre os negócios da família. Criou seu próprio negócio e hoje vive na Suécia. Os mais novos, gêmeos, é
o que chamo de sortudos, eles criaram uma plataforma de jogos on line e hoje são mais ricos que meu pai. Eu estava morando em Paris, cursando Economia, e não imaginei que
essa tomada pelas decisões da Martinelli fosse ser tão rápida ? ela guarda os papéis na pasta e por um instante eu desejei que ela ficasse ali, sentada, oferecendo movimentos
simples e encantadores apenas por manusear alguns papéis.
? Vai voltar para Paris assim que concluirmos tudo isso? ? pergunto mas não nego que toda vez que menciono essa cidade, meu irmão e sua lista interminável de confusões geradas
nesse lugar me ocorrem.
? Não, acho que Paris agora é apenas para um jantar no Rio Sena. Vou me casar em dois meses e minha casa aqui já está praticamente pronta ? ela explica, coloca as mãos com
os dedos entrelaçados sobre a mesa.
? Vai seguir a carreira de economista? É uma área agradável para quem tem essa vocação ? digo e faço o mesmo movimento que ela.
? Possivelmente, talvez eu inicie uma consultoria financeira, eu não sei ? ela leva seus dedos até o queixo e coça suavemente. Ela é muito sexy e sabe fazer conta, essa mulher
é um perigo nas mãos erradas.
? Talvez o novo segmento Martinelli não seja mais os barcos, mas quem sabe instruções sobre aplicações monetárias ? observo.
? Independente de qualquer coisa, preciso levar adiante tudo que aprendi com meu pai, preciso ter uma empresa onde os colaboradores se sintam parte importante de tudo ? isso
tudo deve estar sendo muito difícil para ela, ver o império de seu pai saindo, indo para outra empresa e tudo está muito claro, em alguns anos a Martinelli não será mais lembrada.
? Obviamente vai fazer um bom trabalho ? falo e vejo-a se levantando. Ela coloca a bolsa sobre seu ombro, segura a pasta com a outra mão e eu fico de pé, esperando que ela
se movimente até a porta.
? Obrigada, você é muito gentil e pelo visto bem diferente do que dizem ? ela fala e anda em direção à porta. Mas ela me deixa ali, pensando sobre o que falam sobre mim que
chegou até ela; não tem a menor importância a opinião das pessoas sobre mim, mas tem importância a forma como isso é entendido por quem ouve.
? Falam muito, mas como eu disse, a verdade é uma só ? acompanho seus passos, abro a porta e caminhamos lado a lado pelo corredor.
? Não costumo escutar as fofocas, não acredito muito no que dizem, prefiro analisar de acordo com o que vejo e com o que escuto ? sem que eu me dê conta estou no estacionamento
da Bastilli, ao lado do carro dela e ao lado dela.
? Pelo visto essa análise também vai ser algo que não vou conseguir saber ? faço o menor e mais intencional charme interesseiro.
? Acertou ? ela responde, abre a porta do carro, coloca suas coisas no banco do passageiro e estende a mão para mim ? Mas, por favor, não perca o sono em nome do ponto de
vista que tenho sobre você. Eu sou alguém que em breve você não vai mais se lembrar e toda a nossa negociação fará parte de um passado que a sua empresa vai contar. Foi um
prazer conhecê-lo e espero seu contato assim que o novo contrato estiver pronto ? seguro a mão dela e em seguida vejo seu carro sair das dependências da Bastilli.
Caminho de volta para minha sala, me sento na cadeira e a giro ficando de costas para a porta. Ela tem olhos azuis perfeitos, cabelo profundamente sexy e uma boca desenhada
para ser beijada.
O que foi isso que aconteceu?
3
Catharina
? O que foi isso que aconteceu? ? falo em voz alta dentro do carro e mesmo dirigindo, procuro meu celular dentro da bolsa, ele vibra incessantemente. Alcanço-o e olho para
a tela. É meu noivo e ele com certeza vai querer conversar sobre o papel ridículo que fez ontem, vai querer se desculpar e eu ainda não sei se é isso que quero. O momento
não está sendo bom, e ainda tem meu pai com esse problema de saúde, sem contar a Martinelli que em breve será mais uma aquisição da Bastilli.
O grande problema do meu relacionamento com meu noivo é que ele se tornou obsessivo, paranóico e na grande parte do tempo desconfia que eu possa estar saindo com outra pessoa.
São quatro anos de relacionamento, mas nos últimos meses tudo se tornou insuportável e medíocre. Começando por essa cisma dele em ser o detentor de tudo que envolve materiais
para embarcações. Não me ofenderia se fosse apenas crescimento profissional; o que realmente me deixa profundamente decepcionada é o fato dele fazer isso apenas para provar
que pode. Mas ele não entende que isso não significa que ele é o melhor, significa apenas que ele é mais ganancioso do que propriamente um vencedor.
O rosto do Sr Bastilli me vem à mente como alguém que também busca suas vitórias financeiras, mas ao que tudo indica sua escalada para isso é mais uma questão de próxima etapa
a ser superada. Ele não é uma pessoa de fácil leitura, me senti perdida entre as vezes que ele me olhava e as outras em que eu o encarava como se quisesse saber mais sobre
suas intenções e, em determinado momento, pensei que não estivéssemos mais falando sobre negócios.
Paolo é algo que você olha e tenta entender como aquilo tudo foi parar lá dentro, seus olhos azuis, não tão claros quanto os meus, mas são azuis, impetuosos, e seu olhar é
algo escaldante e perverso.
Meu celular vibra novamente e não atendo, é meu noivo e não tenho respostas agradáveis em mente sobre a situação de ontem.
Respiro fundo e analiso em que momento de nossa relação tudo se tornou esse espiral viciado em rotina, onde nossa vida passou a ser resumida a eventos de sua empresa, jantares
com gente que não gosto e muito pouco ou quase nada de sexo. É como se eu fosse o enfeite de cada uma dessas ocasiões. Tudo agora não passa de um grande teatro de marionetes,
tudo em prol de uma imagem e uma reputação sobre bons casamentos. Minha vida agora seria figuração da vida dele e tudo isso pesa de forma quase horripilante. Não sei se é
isso que eu quero.
Ontem ele se mostrou agressivo e não foi a primeira vez e suas palavras me ofendiam, mas não acredito que tenham me magoado. Eu estou confusa e pensando exatamente em como
resolver tudo isso. Talvez tudo seja o grande erro que preciso evitar. O celular volta a vibrar e eu sei que é ele e eu não quero atender. Deixo o celular no banco ao meu
lado, aumento o som da música e dirijo em direção à minha casa.
O celular agora vibra e emite um pequeno sinal, é uma mensagem. Alcanço-o e só confirmo que seja ele, mas além dele tenho mais uma mensagem, Jackeline chegou da Alemanha e
quer almoçar comigo. Isso é ótimo.
Paro o carro na lateral da pista e respondo. Em seguida ela me envia a mensagem que vai me esperar no restaurante Rosmarino e eu aviso que estarei lá ao meio-dia.
Depois da reunião com Paolo, esse almoço é a segunda coisa animadora do dia. Tudo bem que antes de entrar naquela sala eu imaginei um velho chato, cheio de histórias para
contar, cansativo e não muito compensador. Mas, quando aquele homem veio em minha direção e segurou a minha mão, a única coisa que eu pensei era em soltar rápido, andar rápido
e me manter firme o suficiente para que ele não percebesse o quanto mexeu comigo.
Ele levou seu polegar até o lábio inferior e o coçou gentilmente, isso foi atraente além do necessário e minha cota de mulher séria com postura empresarial exemplar quase
caiu da mesa. Eu sei que preciso manter tudo dentro dos trâmites profissionais, mas eu sou humana e algumas coisas são como tentações. Nesse caso não há como evitá-la, ainda
terei mais uma reunião.
Se pelo menos as coisas entre mim e meu noivo estivessem bem, se meu pai não estivesse surtando ou se a minha mãe estivesse viva para me dar dicas importantes de sobrevivência...
Mas tudo parece que se junta, combinam entre si e resolvem atacar de uma única vez.
Volto para a estrada e retomo minha rota, ainda tenho alguns minutos até chegar em casa e mais alguns minutos até o Rosmarino. Mas, ainda terei que aguentar as desculpas de
meu noivo em relação à noite passada.
Eu não entendi o motivo que o levou a agir de maneira tão agressiva, mas isso me despertou a ideia de que eu possa estar cometendo um grande erro ficando com ele pelo resto
de minha vida. Essa medida de convivência é praticamente uma loucura e acho que não estou preparada para esse tipo de insanidade.
Paro com o carro na vaga na garagem de minha casa e subo para o meu quarto, vou colocar um vestido menos formal e um salto não tão alto. Prendo meus cabelos em um rabo de
cavalo no topo de minha nuca e aviso Atília que almoçarei fora com uma amiga, não dou detalhes por que eu sei que meu noivo pode aparecer e exigir respostas. Atília é a mulher
que não consegue resistir a nenhum tipo de pressão, dorme aqui e mantém seus livros de romance sempre em ordem alfabética e seu quarto me lembra algo da época vitoriana. Ela
tem um cabelo curto, louro, e seu único filho foi morar no Brasil assim que terminou a faculdade. Uma vez ao ano ela o visita e agora ela está mais animada, um neto está a
caminho.
Vou em direção ao carro e saio para o almoço com minha melhor amiga, aquela que sabe tudo que está acontecendo e mesmo sendo extremamente imprudente, ela pode me ajudar com
alguns conselhos.
Assim que entro no restaurante, já vejo a figura ruiva artificial. Na realidade, os cabelos dela são tão violentamente vermelhos que chegam a me assustar, sem contar nas milhares
de tatuagens e no piercing na orelha. Jackeline é um ponto de referência.
? Está atrasada dois minutos ? ela se levanta e me abraça.
? Isso não deveria ter perdão, por favor, peça que me levem à masmorra ? brinco e retribuo o abraço.
? Você está mais magra ? isso não foi um elogio.
? Estou a mesma coisa, você que é paranóica e acha que passo fome ? falo e nos sentamos.
? Você está mais magra e fim de assunto ? ela diz e chama o garçom ? Cheguei hoje pela manhã, passei na edição e queria muito conversar com você ? ela fala e o garçom surge
ao nosso lado.
? Vai casar? ? sorrio e zombo. Jackeline já fugiu de três casamentos e hoje tem um namorado sul-africano que, segundo ela, mantém a distância segura para que ela não enjoe.
Jackeline é uma jornalista com grandes prêmios, começou em jornal de fofocas em Paris e agora é editora chefe de um jornal maior.
? Nem por brincadeira você fale isso ? o garçom sai com nossos pedidos.
? Então, qual seria a novidade? ? pergunto ? Tem um bebê a caminho? ? continuo com a brincadeira e ela torce o nariz.
? Acho que não vou contribuir com a humanidade ? ela olha para a tela do celular dela que está sobre a mesa e não para de emitir sinais de que muitas mensagens estão chegando.
? Me fale logo ? pego meu celular dentro da bolsa e coloco também sobre a mesa e espero que ela fale.
? O que está acontecendo? Seu pai está vendendo a Martinelli? ? ela pergunta.
? Isso é uma entrevista? ? pergunto com o semblante fechado.
? Claro que não, não deixaria a vida da sua família exposta. Mas fiquei preocupada porque eu sei o quanto essa empresa significa para o seu pai e para você, acho que aprendeu
a falar barcos antes de papai ou mamãe ? ela quer me fazer chorar? Desgraçada.
? Meu pai já está velho e não tem mais a mesma aptidão de antes e agora está apresentando sinais de demência, por conta da idade ? explico uma parte da história. A outra,
sobre o dinheiro que não é o suficiente para pagar tudo que devemos, desde a folha de pagamentos até os fornecedores, eu deixo em sigilo. Meu pai prefere abrir mão da empresa
a ter funcionários sem salário.
Eu sei que foi a decisão mais difícil de toda a sua vida, mas se ele não a tomasse iria em contradição a tudo que praticou e nos ensinou por toda vida. Eu sei que parte de
sua debilidade também é por conta disso, mas a idade também tem colaborado para que tudo fique pior. Em algum momento eu também não o terei por perto e essa é parte triste
que prefiro não pensar. Fazendo isso é como se eu protelasse em alguns séculos essa perda.
? Não quero que nenhum tipo de notícia falsa chegue a público e é por isso que estou aqui. Nos conhecemos desde a vida toda, eu acho, e se me formei em jornalismo foi graças
ao seu pai e não ao filho da puta do meu ? o garçom deixa as bebidas sobre a mesa e sai rapidamente ? Catharina, eu sou grata à sua família e não poderia deixar que as especulações
que chegaram até mim fossem adiante. Quero que se sinta à vontade para fazer uma nota simples caso a imprensa comece a massacrar sua realidade ? ela é gentil e eu sei que
vou precisar em algum momento tentar me proteger de todos os rumores, e tudo vai se tornar uma grande avalanche.
? Em cima da verdade irão inventar outras e o que é ruim vai ficar pior. Obrigada por estar do meu lado ? olho nos olhos dela.
? E como vai o noivado com o Sr sabe-tudo-de-todos-os-universos? ? ela pergunta e eu não sei se terei adjetivos positivos em relação a ele.
? Jack, eu não sei, estou confusa ? desabafo e engulo seco.
? O que você não sabe? ? ela começa a inquisição.
? Ele tem se mostrado tão egoísta, só pensa em dinheiro, em sucesso, em poder e ontem aconteceu algo tão desagradável ? solto porque preciso dividir com alguém.
? O que aconteceu? ? ela deixa seu rosto tão tenso quanto a pergunta.
? Ele ? respiro fundo e bebo um pouco do suco ? Ontem saímos de uma festa antes mesmo da metade, ele teve uma crise de ciúmes doentia em relação ao anfitrião que estava sendo
gentil, e sem contar que a esposa dele é um doce e tudo ficou tão péssimo que saí de lá envergonhada ? olho para minha amiga e nego com a cabeça.
? E o que mais? Crises de ciúmes assim não te deixariam com esse par de olhos de gato na tempestade ? ela tem algumas maneiras de comparar situações que seriam hilárias se
não fossem propriamente trágicas.
? Ele tem se mostrado agressivo... ? travo a frase, tenho medo que ela tome uma atitude por conta própria.
? Ele encostou em você de maneira agressiva? ? ela pergunta e eu aceno que sim.
? O que foi que ele fez?
Abaixo meus olhos e em seguida olho para ela ? Assim que pisei na saída da casa, ele segurou meu braço e começou a me xingar, falar coisas que eu não entendia o motivo e,
então, me levou arrastada até o carro e me enfiou porta adentro e acelerou até a sua casa ? nego com a cabeça ? Ele bebeu um pouco e ainda acho que foi por conta disso ? tento
defendê-lo porque eu não sei se quero uma vingança jornalística em cima dele.
? Eu te juro que não sei onde estou com a cabeça que não bato em você ? ela me ameaça ? Me explica uma coisa, o que você está fazendo com esse bosta? ? ela fala mais baixo
para que as pessoas não olhem, mas não está funcionando.
? Eu não sei, mas fala mais baixo, ninguém precisa saber ? brigo com ela.
? Não sabe? Que ótimo, está com esse troço no dedo, que vale uns trinta mil? ? ela esnoba.
? Cento e dez mil, Jack? a corrijo.
? Não pago nem dez centavos e sabe por quê? Porque a merda dos seus olhos estão tristes, então, não adianta muita coisa custar muito e não valer nada ? eu sabia que ela ficaria
revoltada.
? Posso te falar a verdade?
? Não, claro que não, minta, por favor, me engane ? ela é irônica.
? Eu não sei se quero me casar com ele ? confesso e ela sorri.
? Eu fico muito aliviada, sinal de que isso aí que está debaixo do seu cabelo está funcionando ? ela bebe um pouco da cerveja que está em seu copo ? Mas, isso foi por ontem
apenas? Ou já aconteceu outras vezes? ? ela me olha tão afiado, quase sinto medo.
? Sim, diversas vezes. Estamos tão distantes, eu não sei o que fazer, eu não sei como ele vai reagir, mas eu quero que tudo isso acabe antes de entrar naquela igreja ? solto
a minha vontade real ? Se estamos assim antes de casar, imagina depois? ? pergunto.
? Vou mandar uma coroa linda para o seu funeral ? ela diz com cinismo ? Se livra dele, ele não vai fazer nada ? ela pede.
? Tenho dois compromissos com ele essa semana, mas não acho que tudo isso vai continuar depois disso, eu não tenho vontade de ficar perto dele, eu não sei mais quem é ele
? confesso.
? Você precisa ir a esses compromissos?
? Infelizmente ? solto com total falta de vontade.
? Não deixe sua vida teleguiada pela necessidade de terceiros, ninguém vai chegar até você e perguntar se precisa dividir a dor ou senti-la por você, algumas coisas são impreterivelmente
mais importantes ? ela alcança a minha mão ? Você não o ama mais, eu sei que não, não vejo mais os fogos de artifício quando se refere a ele. Antes eles estavam aí, em cada
vez que falávamos de amor ou sobre suas viagens, mas acho que em algum momento tudo se tornou menos do que realmente merecia ? sinto um nó na minha garganta, porque no passado
eu achei que ele seria o meu futuro e agora só consigo senti-lo segurando com tanto ódio em meu braço, falando coisas sobre o meu caráter. Acho que se um dia foi amor, ele
não foi forte o suficiente para continuar.
? Você tem razão, eu não vou deixar que tudo se torne ainda pior ? falo.
? Ótimo ? o garçom chega com nossos pratos e o meu com certeza representa um terço do prato dela ? Por isso está tão magra, não come como deveria ? ela fala e eu sorrio.
? Estou evitando o colesterol ? brinco.
? E eu estou evitando a fome ? ela replica.
? Jack, hoje fui até a Bastilli ? corto um pedaço de frango e levo até a boca.
? Meu Deus! Você conheceu o Paolo? ? ela fala com euforia e com a boca cheia.
? Sim.
? Catharina, sabe o lance sobre o que eu penso sobre casamentos? Então, se for com Paolo Bastilli, eu mudo agora de opinião, mudo de religião e pago as promessas de minha
avó Sarita ? ela me faz gargalhar e quase engasgo com o frango.
? Nossa, ele sabe desse amor todo? ? pergunto.
? Que amor? O cara é o tipo que faz a mulher perder a concentração na vida! É sexo mesmo, tenho certeza que ali é coisa de qualidade ? ela fatia um pedaço da carne mal passada
e coloca na boca como se tivesse fazendo isso com o próprio Paolo.
? Não sabia que você o conhecia ? falo e bebo mais um pouco de suco.
? Catharina, onde eu trabalho?
? IL SECOLO XIX ? respondo.
? Já fiz algumas exclusivas com ele. Infelizmente todas foram com roupa, aquele homem me tira do eixo. Eu te juro, tenho pensamentos quase que malignos e nada saudáveis em
relação a ele ? dou risada.
? É, ele até que é interessante ? falo.
? Você ficou louca, Catharina? Meu cachorro, Forever, é interessante. Paolo é um presente, e daqueles que você desembrulha devagar com medo de estragar e depois você pede
para ser estragada por ele ? ela coloca mais um pouco de carne na boca.
? Para ser franca ele me deixou um pouco tensa, mas acho que disfarcei o suficiente para ele não perceber. Ele é sério, sorriu apenas uma vez ou duas e manteve seus olhos
em mim; em alguns momentos eu tive a sensação de que ele queria saber mais sobre a Catharina e não sobre a negociação ? falo e nego com a cabeça.
? Então, minha amiga, era sua chance de saber se era isso ou não. Agora, você arrumou um bom pretexto para revê-lo?
? Não precisei arrumar, o contrato estava errado e vamos ter uma nova reunião ? falo e coloco mais comida em minha boca.
? Então, é o destino. Coloque um lingerie sexy e faça sexo com ele sobre aquela mesa linda que ele ostenta na sala de reunião. Tampo preto de pedra, paredes claras e uma janela
com vista linda para o mar. Seria o melhor sexo do mundo ? ela não tem medo de falar.
? Eu não vou fazer sexo com ele, nem sobre a mesa e nem sobre qualquer outro lugar ? a aviso.
? Não?
? Claro que não! Eu sou noiva e provavelmente ele deva ter mulher, filhos, uma namorada ou ser gay ? falo e bebo um pouco de suco.
? Duas coisas, minha querida, você em breve vai deixar essa patente, e Paolo não tem filhos, mulher, namorada ou coisas assim. A única pessoa que sei que teve alguma coisa
com ele foi a Salma e ela se mudou, mas não foi nada de tão sério ? ela faz a fofoca.
? Como você sabe de tudo isso? ? pergunto.
? Antes de entrar para o jornal que estou hoje, trabalhei naquela revista de fofoca que acabei falando demais sobre aquele político e uma de suas amantes no Caribe, e fiz
alguns amigos, um deles é amigo de Salma e sem querer soltou isso na mesa de um bar que estávamos. Prometemos sigilo, afinal, não podemos prejudicar o colega de trabalho e
isso poderia nos prejudicar em futuros assuntos mais importantes ? ela coloca mais carne na boca e bebe um pouco de cerveja.
? Você não vale nada ? afirmo.
? Claro que valho, mas é que as pessoas não enxergam isso ? ela gargalha ? Escute, prefiro não valer nada e viver a vida plenamente ? ela tilinta o copo de cerveja em meu
copo de suco e eu sinto a direta. Eu deveria apenas me livrar de tudo que não me deixa viver, por exemplo, essa aliança, quem me deu e tudo que está me sufocando nesse momento.
? Ele parece ser um velho dentro de um corpo jovem ? observo.
? E daí? É do corpo mesmo que estou falando. Não estou querendo saber se ele é brilhante ou um gênio, estou querendo é vê-lo pelado mesmo ? solto uma gargalhada assim que
ela fala e agora quem não havia percebido a nossa presença, percebeu.
? Ele levantou tudo o que tem sozinho, isso não é estranho? ? pergunto.
? Catharina, o cara é bom em negócios, abraçou a única oportunidade que a vida lhe deu no momento de sufoco e fez um sobrenome se tornar um império ? ela explica.
? Como você sabe de tudo isso? ? pergunto.
? Isso é informação de domínio público, meu amor ? ela deixa a dica que eu não queria. Não posso investigar a vida dele assim, quando eu chegar em casa. Me sinto estranhamente
curiosa.
4
Sinto meu rosto molhado, assim como meu corpo. Estou há duas horas treinando golpes que sempre treinei apenas por uma hora, mas hoje estou mais tempo do que o ideal e sinto
que houve uma força tarefa para que meu dia se tornasse desgastante e quase inútil.
O contrato chegou quase no final da tarde e a reunião que poderia encerrar tudo positivamente hoje vai acontecer apenas na próxima semana. Desfiro golpes contra o ar, meus
punhos e pernas nada acertam a não ser o cansaço que preciso para que não sobre absolutamente nenhuma energia aqui dentro.
Minha camiseta está colada e encharcada, meus cabelos também estão úmidos e estou treinando dentro da minha sala de musculação, onde nenhum barulho, a não ser dos meus pulmões,
me atrapalha.
Paro e apoio minhas mãos em meus joelhos, respiro fundo e fecho meus olhos e tento entender o que se passa na cabeça de Domenico. Ele deveria repensar antes de se mudar para
Paris definitivamente. Esse foi o primeiro assunto desta sexta-feira. O segundo assunto foi um atraso de mais de quatro horas de um material que será utilizado ainda este
final de semana no estaleiro. Sofia foi a única que me trouxe uma excelente notícia: o filho que está esperando está saudável e perfeito e que tivemos um aumento de mais de
trinta por cento em relação ao mesmo período do ano anterior.
Escuto alguém bater à porta, é Amira.
? Sim? ? digo assim que caminho até a porta e a abro.
? Ward o espera ? ela diz e sai pelo corredor.
Vou até meu celular e verifico o horário, são sete horas e não percebi o tempo passar. Vou até a sala de espera e vejo Eugene parado de frente a um quadro de Salvador Dali.
? Algum problema? ? pergunto e ele se vira para mim.
? Ainda não, mas o atraso de hoje pode resultar em mais trabalho e um leve atraso na entrega das embarcações, por isso tomei a liberdade de buscar mais informações sobre Anderson
Tavarin, e descobri que pontualidade pode ser um grande problema ? ele me entrega alguns papéis e eu os olho.
São duas folhas, as leio com atenção e descubro que o mesmo acordo que fechou comigo, fechou com mais dois estaleiros de fora.
? Ele vai ter que quadruplicar a produção ou não vai conseguir atender a demanda ? falo ainda com os olhos no papel.
? Sim, outro problema serão os valores praticados. Não houve um acordo sobre isso e nada o impede de fazer um valor mais abaixo do mercado para o Danthe e para Tobias ? Eugene
menciona os estaleiros na Escócia que pertencem ao Danthe e o outro ao Tobias.
? Nosso contrato tem quanto tempo? Ainda estamos na carência? Quais são os custos para um possível cancelamento? ? faço perguntas sabendo que Ward já tem as respostas.
? Sim, ainda estamos na carência, esse atraso de hoje já implicaria no cancelamento e isso não teria custos, já que assim foi acordado entre as partes ? isso me agrada e ao
mesmo tempo não.
? Por favor, cancele tudo que houver de ligação entre a Bastilli e a Tavarin. Eu sempre analiso todo o mercado, mas meu instinto me avisa que isso ainda pode me gerar um problema
futuro ? falo ? Eugene, entre em contato com as duas outras empresas que nos fornecem o material e fique duplamente de olho em Tavarin, se continuar nesse caminho, em breve
a Tavarin terá um preço irrisório no mercado.
? Como quiser. Caso me permita, prefiro refazer o adendo de cancelamento ainda essa noite. Acredito que não consigo ir ao evento da Tusac Repol ? ele fala sobre o evento que
pensei em não ir, mas isso não seria bom para os negócios. ? Recebi os documentos necessários para a locação do imóvel em Paris ? ele me entrega uma pasta.
? Domenico não sabe disso ainda, certo?
? Não, senhor.
? Perfeito, Sofia está levantando os custos e se é isso que ele quer, não adianta eu prendê-lo aqui em Gênova. Ele vai acabar fazendo mais besteira ? coloca a pasta sobre
a mesa lateral.
? Perdoe a minha intromissão, mas isso que Domenico está fazendo é excelente ? Eugene defende Dom.
? Posso saber por quê? ? pergunto e caminho até a cozinha.
? Ele está transformando em profissão um segmento que até pouco tempo era marginalizado; isso soma à economia do local e sem contar que gera empregos diretos e indiretos ?
Dom é bem popular, mas para ter conseguido isso tudo de Eugene, fico com medo do tipo de reunião que tiveram ontem à tarde.
? Vejo que o fã clube de Dom ganhou mais um membro ? internamente esboço minha porcentagem grandiosa de orgulho. Enfim, o irresponsável está criando algo que pode ser o começo
de seu legado.
? Sejamos justos, depois que essa mulher apareceu, Dom tem se mostrado maduro e bastante eficiente ? ele suspende as sobrancelhas e sorri.
? Isso é verdade, mas ainda precisamos acompanhar de perto essa evolução, nada disso pode arruinar as pessoas envolvidas e o nome da Bastilli ? o alerto.
? Ele precisa apenas continuar com o trabalho ? Eugene fala, em seguida se despede e vai embora.
Alcanço as pastas e as levo para o meu escritório. De certa forma estou aliviado em romper esse contrato com a Tavarin, atrasos podem ser a guilhotina que tenho evitado todos
esses anos.
Alcanço dentro do roupeiro do corredor uma toalha e vou para o banheiro. Preciso de um banho e preciso de outra coisa, mas isso depende de outra pessoa, a mesma pessoa que
não respondeu meus dois emails enviados essa tarde e talvez tenha sido isso que me levou a treinar tanto.
Não fico ansioso por qualquer motivo e é isso que está me alertando o tempo todo aqui dentro. Há anos não fico assim e quando fiquei não foi por conta de uma pessoa, foi por
conta de uma casa, essa casa.
Ligo o chuveiro e deixo que a água fria caia. São muitos minutos tentando orientar pensamentos simples, que não me tomariam nenhum tempo se ela não estivesse entre eles.
Na quarta-feira, nosso encontro logo após o jantar foi realmente uma surpresa, eu nunca imaginaria que ela comprasse vinhos na mesma adega que eu. Ela estava usando um macacão
cinza, alças finas, sem sutien e seus dedos do pé são lindos, ainda não encontrei o que há de errado nela.
? Oi ? escutei na minha nuca. Quando me virei vi seu rosto com um sorriso lindo e perfeito, mas havia algo em seu rosto, talvez excesso de maquiagem sob seu olho esquerdo.
Ela também estava disfarçando com sua franja longa, jogada ali, por cima de algo que conheço muito bem e sei exatamente o que é um rosto feminino atacado por um selvagem.
? Oi ? retornei seu cumprimento e estiquei a minha mão para ela, mas ela foi tão específica quando disse: Não estamos em uma reunião de negócios! Ela se aproximou e beijou
meu rosto duas vezes, como amigos fazem, mas eu não tenho amigas mulheres.
Aquilo me deixou sem uma reação motora no primeiro instante, mas em seguida me senti terrivelmente bem.
? Safra de oitenta e dois ? ela disse e me mostrou a garrafa. Aquilo não era uma garrafa comprada ao acaso para um jantar simples durante a semana. Ele foi escolhido pela
marca e pelo valor, como se precisasse descontar ali alguma frustração instalada recentemente em sua vida,
? Uma boa escolha, para um bom motivo? ? insinuei e eu sei que insinuações não fazem parte do meu roteiro de conversa.
? Apenas uma boa escolha ? ela disse e caminhou pelo corredor de queijos. Eu permaneci no mesmo lugar, olhei-a parada diante de alguns pedaços triangulares e suculentos. Deus
sabe o que se pode fazer com tudo isso que estava vendo, e não estava falando dos queijos.
? Pelo menos tem algo bom em prol da garrafa que está segurando ? mantive a insinuação e ela abaixou a cabeça e olhou para a garrafa.
? Não ? ela disse triste e olhou para mim ? Escolha boa seria se tudo estivesse acontecendo de outra forma e eu não me sentisse tão incapaz de executar comandos básicos para
ter uma vida feliz ? ela quase explodiu e se aproximou de mim ? Isso é só uma garrafa, cara e que vai fazer com que eu esqueça alguns detalhes que não precisavam ter acontecido
? ela caminhou para outro corredor e eu peguei um pedaço de gruyere e fiz o caminho contrário.
Encontrei-a no outro corredor e ela estava segurando uma caixa de madeira, eram bombons suíços e pelo visto aquilo era uma tentativa de enganar a mente. O chocolate possui
substâncias que entorpecem alguns sentidos.
? Eu posso fazer algo por você? ? perguntei e me lembrei que poderia estar em uma posição que também não é agradável. Estou adquirindo algo que pertence a ela.
? Paolo, nem eu mesma sei o que fazer ? ela respondeu firme e sorriu, quase sem dentes e se mostrou forte, mas aquilo não foi verdade. Existe algo ruim acontecendo com ela
e não se trata de uma negociação sobre a Martinelli.
Olhei para seu rosto, mais precisamente onde uma marca roxa estava ali, sob a maquiagem que agiu de forma fracassada.
Mostrei o queijo para ela e ela voltou a me mostrar a garrafa de vinho, nos sentamos numa das mesas de fora da adega e depois da segunda taça, quando ela estava sorrindo verdadeiramente,
é que percebi uma Catharina mais simples; percebi algo em seus olhos azuis e não era apenas a cor cintilante e atraente. Era como se ali, atrás daqueles pontos, ela estivesse
escondendo um universo de coisas que não quisesse mais e eu acho que entendo como ela se sente, me senti assim aos doze anos e explodi em uma noite.
? Há muito mais do que essa coisa toda de papéis e empresas e pessoas... ? ela falou baixinho e eu queria entender naquele momento o que eu poderia fazer para que ela não
ficasse do jeito que ficou, em alguns momentos eu tive certeza que ela estava isolada e depois era resgatada quando lhe perguntava alguma coisa.
? Catharina, não existe nada que eu possa fazer? ? apontei para a marca roxa em seu rosto e logo ela tentou esconder com uma mecha de cabelo.
? Não ? ela respondeu ? Isso foi um descuido meu, deveria ter prestado mais atenção ? ela tentou mentir e esqueceu da regra primordial para uma mentira bem executada, a pessoa
tem que ser bem apta a fazer isso, não foi o caso dela.
? Tome cuidado com esses descuidos ? falei e ela me olhou querendo saber mais sobre o cuidado ? Descuidos como esse levam pessoas pra cadeia ? a alertei e ela abaixou a cabeça.
Escuto o alerta do meu celular, apenas dois pequenos sinais que me despertam da imagem de Catharina e de sua fuga do mundo real.
Saio com uma toalha enrolada em minha cintura e alcanço meu celular. Não era apenas um alerta sobre o compromisso dessa noite, era a resposta de dois emails, dois emails de
Catharina.
Clico sobre o ícone e espero até que a mensagem seja carregada.
Paolo
Desculpe pela demora em responder esse email. Sim, eu já pedi para encaminharem o relatório financeiro atualizado, acredito que esteja faltando apenas isso.
Catharina
Ela respondeu sucintamente, como se não quisesse prolongar a resposta. Abro o segundo email e imagino que a resposta seja igual ao email anterior.
Paolo,
Obrigada pela companhia na quarta-feira. Foi uma conversa muito agradável e me fez muito bem.
Um beijo
Catharina
Não deveria, mas eu sei que estou sorrindo.
Catharina é agradável, e é por isso que tento entender o que está acontecendo, por que alguém bateria nela e quem seria esse bastardo. Um rosto lindo e ferido, é uma frase
tão controversa e tão rudimentar.
Nenhum rosto feminino deveria ser alvo de coisas desse tipo, e eu entendo tão bem esse sentimento que se esconde depois do que acontece, eu presenciei isso tantas vezes e
de maneiras tão diferentes e todas elas resultaram na mesma equação, havia sempre um lado que perdia e sempre era o mesmo lado.
Coloco meu celular sobre a cama e vou até o closet. Escolho um terno preto, camisa branca e uma gravata azul escura.
Volto a pensar na quarta-feira, quando a última dose da garrafa preencheu nossas taças. Ela olhou com um profundo pesar e lamentou internamente que havia acabado.
? Uma pena que tenha acabado ? ela disse.
? Poderíamos pegar outra, mas não acho que seria prudente ? a alertei porque sua voz estava mais morosa, mais sonolenta e ela se colocaria em risco se dirigisse ? De qualquer
forma, eu te levo embora ? a avisei.
? Estou de carro ? ela falou e apontou para a Mercedes prata do outro lado da rua.
? Não tem problema, vamos com o seu carro e eu volto para cá de taxi e tudo vai estar resolvido ? falei com tom de ordem e ela sorriu.
? Sinto que está impondo sua sugestão ? ela falou sorrindo.
? Apenas fazendo uma boa escolha ? ela negou com a cabeça e olhou para a taça vazia.
? Não precisa, seria muito trabalho ? Catharina tem um jeito bastante intrigante de convencer as pessoas, ela não consegue.
? Eu vou ter que fazer isso, caso contrário vou ficar preocupado e não vou conseguir dormir, e com certeza vou ter um dia com um humor menos atraente amanhã ? sorri para ela.
? Tudo isso é medo de perder o seu contrato? ? assim que ela falou eu percebi que havia esquecido desse detalhe, detalhe que movimentou a minha vida por meses e por alguns
instantes foi esquecido assim como tantas outras coisas.
? Exato ? mantive o sorriso e ela acatou a minha ordem.
Entramos em seu carro e a levei até a entrada de sua sala. Liguei para o serviço de taxi e fui embora. No caminho, pensei no seu beijo no alto do meu rosto me agradecendo
e depois, no seu sorriso e imaginei como seria se ela estivesse nua, sorrindo para mim e de preferência em meu quarto.
Meu celular vibra, é Sofia enviando uma mensagem. É sobre um adiantamento de valor elevado e ela transferiu para contas distintas depois de ter dado entrada no centro de custo
correspondente. Ela é boa com números.
Deixo meu celular sobre a cama e coloco a minha roupa. Catharina volta com sua despedida demorada, com a porta de sua sala aberta e algo me dizia que era um convite, mas era
um convite feito pela fragilidade e pelas taças de vinho. Não é assim que gosto de trabalhar, não pelo vinho, mas a fragilidade distorce o que precisa ser claro e não acho
que seria uma boa ideia ver a mulher que está me vendendo uma empresa, nua. Não que isso não seja a minha vontade, mas é algo que vou ter que me conformar. Não comer a carne
onde se ganha o pão.
Alcanço a chave do meu carro, minha carteira e o meu celular já está no bolso interno do paletó. Caminho em direção à garagem e vejo que Amira colocou mais plantas na entrada
da casa.
Ela tem um cuidado especial com todas elas. Entro no carro e acelero em direção ao evento que não roubará muitas horas da minha noite, tenho outros planos e já tenho alguém
para isso.
Alcanço o celular e faço uma ligação e coloco no viva voz.
? Oi, sou eu ? falo e escuto seu cumprimento. Mas não é a sua voz que quero essa noite ? Nos encontramos às vinte e duas horas ? ela concorda e desliga. Talvez seja essa passividade
de Deniesse que não me permita ficar mais de duas ou três horas com ela.
Não gosto de mulheres que se mantém à disposição, essa facilidade me deixa enjoado antes mesmo de começar a partida.
Paro o carro em frente a casa de Manfred. Há mais convidados do que pensei, o portão da frente está aberto e um segurança está com a lista de convidados. Me posiciono atrás
de outro veículo e aguardo minha vez de entrar.
Escuto a música alta, vejo as pessoas entrando na casa como se fossem todas íntimas do anfitrião. A maioria das pessoas que está aqui está pelo mesmo motivo que eu, e isso
não inclui nenhum nível de amizade.
5
Um garçom me oferece uma taça e outro oferece duas opções de vinho. Goulart sabe realmente promover uma festa, liberou uma excelente safra, e Manfred gosta de ostentar seu
poderio e com certeza desembolsou uma pequena fortuna para essa pequena reunião de farejadores de bons negócios.
A diferença entre essa festa e um encontro náutico está nos ternos e longos vestidos brilhantes, do resto tudo é uma questão de negócios.
A verdade é que tento manter longe da mídia qualquer tipo de operação que faço, isso evita esse tipo de gente me cercando. Mas não é algo que me blinda, eu sei disso porque
um dos piores aproveitadores está vindo em minha direção, e Leandro não é alguém que quero que almoce na minha casa, mas também não o quero longe dos meus olhos.
? Paolo ? ele diz e aproxima a sua taça da minha, mas eu evito o contato, odeio brindes mal intencionados. Isso me fez lembrar do brinde com Catharina tão desinteressado,
apenas para passar o tempo diante da adega enquanto o vinho de trezentos euros se esgotava diante de uma conversa cheia de dúvidas sobre o que realmente queríamos um do outro
naquela noite.
Naquela noite eu não estava negociando, eu estava permitindo que ela fosse a Catharina sem a Martinelli e eu fosse o Paolo sem a Bastilli. E isso é perigoso, foi perigoso,
e se tivesse ocorrido uma segunda garrafa, talvez tudo estaria pior agora, ela possivelmente estaria de maneira ainda mais intensa em meus pensamentos.
? Leandro ? falo e levo a taça até a boca. Imagino que minhas horas aqui serão reduzidas ainda mais se ele tocar no nome da minha irmã. Caminho em direção à parte externa
onde montaram um imenso pergolado com um vinil transparente. Essa noite tinha previsão de chuva.
? E os negócios? ? ele pergunta e eu mal olho em sua direção.
? Caminhando ? respondo de maneira sucinta e tento procurar alguém nessa festa para fugir desse cara.
? E Sofia? ? assim que ele termina de pronunciar o nome da minha irmã, eu o encaro. Leandro tentou de todas as formas conquistar Sofia, mas ela não lhe oferecia a menor chance
e agora poderia ser o momento em que me vingo da quantidade de vezes que o vi perseguindo Sofia em alguns lugares.
? Achei que estava sabendo. Sofia se casou e espera o primeiro filho, agora se me der licença ? observo do outro lado do pergolado duas mulheres, uma é Talisse e a outra é
a que pretendo descobrir.
Não deixo nenhuma pista para que Leandro venha atrás de mim e isso funciona.
Caminho em direção às duas mas alguém segura meu braço, é Goulart.
? Parabéns, conseguiu se livrar do Leandro em tempo recorde ? ele também tem suas observações sobre o agora ex-admirador de Sofia.
? Ele é um cara legal ? uso ironia.
? Sei ? ele sorri e me leva para o lado oposto de onde eu estava indo. Com certeza ele tem algo para me propor ou falar ? Sei que a negociação com a Martinelli é sigilosa
e ainda não foi concretizada, mas peço que não esqueça que podemos fazer um acordo melhor ainda assim que ela passar a ser Bastilli Barche ? Goulart enxerga dinheiro em tudo,
mas infelizmente se limita a apenas isso.
? Vamos nos falando ? tento encerrar o assunto.
? Você está tratando agora com Cat? ? ele abrevia o nome de Catharina e eu não sei se me sinto à vontade com isso; eu não sei se gosto de saber o quanto são íntimos ou foram
antes do atual noivo dela. Penso por um instante quem seria esse noivo imbecil que teria coragem de bater em um rosto tão lindo como o dela.
? Catharina ? meu instinto pede que eu o corrija, mas acredito que o tom de voz saiu mais rude do que o necessário.
? Cat, Paolo, a conheço há muitos anos, tenho liberdade de chamá-la assim. Soube que o pai dela está com problemas e não consegue se orientar com algumas coisas, segundo os
médicos é por conta da idade ? ele está sabendo mais do que o necessário sobre a vida dela.
? Não a conheço há tanto tempo, por isso abreviações e detalhes sobre a sua vida pessoal não fazem parte do meu conhecimento ? ainda continuo na defensiva ? Você a conhece
de onde? ? não deveria ter perguntado.
? Eventos, negócios com o velho e uma tentativa frustrada de trepar com ela ? bebo mais um gole do vinho e tento engolir essa pedra que ele acabou de me entregar.
? Ela é noiva, deveria evitar esse tipo de contato ? olho para o outro lado da festa e vejo pessoas que possam me salvar da segunda conversa irritante desta noite.
? O cara é um imbecil ? Goulart fala e internamente eu concordo com ele. Um homem que bate em uma mulher não merece outro adjetivo. Merece também um bom susto, um susto daqueles
que o faz sumir por alguns dias e depois voltar como uma mocinha indefesa.
? Goulart, vamos manter contato sim, mas eu preciso falar com uma pessoa ? me afasto dele e Marcelo, junto com Guilherme e Joel, vem em minha direção.
Espero que Joel não fale nada sobre Sofia, essa noite já está sendo mais difícil do que pensei.
? Paolo ? Marcelo fala ? Resolveu sair da toca? ? ele pergunta.
? Estou trabalhando mais do que deveria ? falo e aperto a mão de todos. Joel está me olhando de um jeito que não deveria. Minha paciência acabou ainda com a conversa com Leandro,
e a força de vontade se esgotou quando Goulart disse ter tentado trepar com Catharina, que segundo ele, a intimidade e o tempo de amizade o permite chamá-la de Cat. Cat? Não
sei se gosto disso.
? Achei que fosse me ligar por conta de Sofia ? Joel fala e Guilherme dá uma cotovelada discreta nele.
? Por que eu faria isso? ? pergunto e fecho meu rosto. Ele me conhece há tempo suficiente para saber que essa expressão de meu rosto significa que não quero falar sobre isso
e que isso não é da minha conta.
? Porque ela quis voltar a nado assim que rompeu nosso namoro ? ele explica.
? Cara, você deve ser muito chato ? Guilherme é o cara que perde o amigo, mas nunca perde a piada.
? A vida de Sofia não é da minha conta ? não sei se é um bom momento para contar a novidade. Que ela vai casar e está esperando um filho.
? Eu sei que ela ainda me ama ? assim que ele fala, eu abro um sorriso e quase debocho dele.
? Por que você sorriu? ? ele pergunta.
? Por que para o ser humano é mais fácil se enganar do que encarar algo com a realidade que precisa? ? pergunto.
? Não estou me enganando, sua irmã ainda me ama e eu sei que vamos voltar. Minha mãe ficou de conversar com a sua ? ele diz e agora eu não consigo segurar, gargalho e perco
a discrição.
? E, então, você acha que as duas vão acertar os detalhes de seu casamento com ela? Vão definir tudo e apenas ligar para vocês comparecerem à cerimônia? ? Marcelo também faz
piada.
? Joel, escute cara, esqueça a Sofia ? Guilherme toma a frente e me parece que ele sabe de mais informações do que Joel.
? Por que está me falando isso? ? Joel e sua ingenuidade.
? Jo, eu encontrei com ela no sábado de manhã no Mercatto Orientalle. Ela estava mais linda do que nunca, com um anel de noivado em seu dedo e ao que tudo indica em breve
nosso amigo Paolo será titio.
Guilherme despeja de uma única vez e Joel fica mudo, estático e espero que não faça nenhuma cena. Eu não deveria ter saído de casa esta noite.
? Isso é verdade, Paolo? ? Joel pergunta e eu confirmo com um singelo movimento de minhas sobrancelhas ? Achei que você fosse meu amigo ? devo concordar com Sofia, ele é mimado
e usa frases do jardim de infância.
? Sou seu amigo e não santo casamenteiro ? sou frio na resposta.
? Por isso não me ligou ? ele fala com raiva e eu não entendo essa reação.
? Escute, Joel, ela já não estava mais na sua, ela não gostava mais de você e você precisa aceitar isso ? falo sério e caminho para perto da entrada do jardim lateral.
Marcelo e Guilherme logo se aproximam e Joel vem em seguida.
? Eu tinha esperança ? ele desabafa e se senta no muro baixo que contorna o espaço.
? A vida é assim ? Marcelo toma a frente e fala alguma coisa, eu prefiro olhar para as mulheres da festa. Meus olhos estão em Talisse e ela ainda não me viu, mas tudo é questão
de tempo.
? Viu quem está ai? ? Guilherme pergunta para Marcelo e discretamente aponta com os rosto a direção de Talisse.
? Eu tinha visto, eu sabia que Verônica acabaria vindo com Talisse ? Marcelo responde e eu acabo de excluir meus planos com a amiga de Talisse, que acabo de descobrir que
se chama Verônica.
Talisse não pode fazer parte de nenhum plano meu, ela é a foda que acontece de vez em quando com Guilherme. Esse caso é antigo e ainda acredito que eles vão se casar, mas
isso não vai ser agora.
? Marcelo, é nova? ? pergunto e Joel se mantém em silêncio.
? Uma filha da puta ? ele está bravo ? Mulheres que trepam bem deveriam no mínimo serem extintas na manhã seguinte. Depois dessa cretina está difícil achar outra à altura
? ele vira a dose que está em seu copo.
? Não acha que seria injusto com os outros homens? ? Guilherme pergunta e gargalha.
? Isso evitaria esta merda de ter que ficar procurando alguém que supere o que elas fazem. Essa desgraçada da Verônica é a melhor boca que já tive e estou me referindo às
duas ? ele usa um vocabulário tão gentil, penso comigo.
? Talvez o grande problema seja que você não tenha superado as expectativas dela, isso está bem claro para mim. Você quer fazer uma sessão replay com ela e ela por sua vez
não acha interessante investir seu tempo com você ? falo e bebo a última dose de minha taça.
? Isso é bem reconfortante ? Marcelo diz.
? Não é para lhe trazer conforto, é para lhe trazer à realidade ? sorrio de lado e Joel ainda está quieto, como um garotinho mimado criado pela avó e que solta pipa no ventilador.
Ele não me incomoda.
Vejo Goulart e Manfred sorrindo e provavelmente fecharam algum acordo muito bom, é fácil sorrir quando se tem alguns milhões na conta. Mas isso é o que chamo de felicidade
passageira, não podemos responsabilizar o dinheiro pela felicidade e isso é controverso, porque quando ele falta é impossível sorrir. Eu nunca soube de um pai que, assistindo
seus filhos passarem fome, pudesse sorrir. Na realidade eu soube de um, apenas um.
Acredito que o dinheiro isoladamente não é capaz de trazer alegria para ninguém, mas ele contribui para que pequenas sensações de fracasso e frustração desapareçam.
É muito hipocrisia dizer que é possível viver sem dinheiro, até acredito que seja, desde que saúde, educação e alimentação não sejam primordiais. Prezo meu dinheiro, mas tenho
consciência do poder mascarado que ele oferece.
? Ela está feliz? ? Joel me tira dos pensamentos monetários e pergunta de Sofia.
? Muito, acredito que nunca a tenha visto tão feliz. Se aceita uma sugestão, parta para outra ? coloco a mão em seu ombro e coloco minha taça vazia perto da mesa redonda ao
lado do muro.
? Paolo, e Salma? Ela foi embora mesmo? ? Guilherme pergunta.
? Sim ? respondo sem emoção e isso me parece cruel. Achei que sentiria falta dela, mas acho que não tive tempo para isso.
? Cara, achei que você fosse se casar com ela ? Marcelo diz e eu franzo o cenho.
? Às vezes acho que vocês querem me ver casando ? brinco.
? Qual é o problema do casamento, Paolo? ? Marcelo pergunta.
? Você deveria me responder isso, sua mulher te deixou por conta de um personal trainer ? alfineto.
? Patife ? ele me xinga e eu sorrio ? Tem medo de levar um par de chifres? ? ele zomba ? Fica tranquilo, incomoda um pouco mas não mata ? ele zomba dele mesmo.
Pobre Marcelo, foi trocado há oito anos pelo personal de sua até então esposa. Recentemente soubemos que ela está com o peso acima do ideal e é mãe de três crianças. O personal
a deixou por conta de outra esposa e tudo é tão obvio. É um circulo vicioso.
? Você é um exemplo de superação ? Guilherme brinca com ele e vejo Goulart e Manfred se aproximando pela direita; pela esquerda Leandro e Juan, e essa festa está começando
a ficar mais angustiante. Espero que estejam apenas usando o mesmo caminho mas não para chegar até mim.
Manfred e Goulart se aproximam e Leandro e Juan vão para o outro lado, me livrei de dois, mas ainda tem dois que querem informações privilegiadas sobre as minhas negociações.
? Paolo ? Manfred me cumprimenta. Marcelo, Guilherme e Joel andam para mais perto do pergolado e me deixam ali, com os dois que se autointitulam bem sucedidos.
? Bela festa, Manfred ? elogio e olho para o trio que agora riem de alguma coisa que Guilherme disse. Guilherme sempre terá a piada pronta para qualquer ocasião.
? Obrigado, mas, você soube o que aconteceu com Franchesco? ? ele menciona o pai da Catharina.
? Não ? respondo seco.
? Ele foi para a casa do filho mais velho. Me parece que a demência, mesmo que de forma precoce, o fez esquecer de Catharina, a filha com quem ele estava morando e ele simplesmente
acordou essa manhã perguntando quando iria ver o filho e falava como se tivesse apenas esse filho ? ele fala a notícia e sinto em sua voz uma espécie de compaixão sobre Franchesco
e eu penso em Catharina. Tenho pensado nela mais do que deveria nos últimos dias.
? Não tenho notícias dele há algum tempo ? sou direto e não quero falar muito sobre nada relacionado a Martinelli e nem a pessoas no qual estou tratando toda a operação.
? Franchesco e meu pai são amigos de infância e essa manhã ele esteve na casa de Catharina enquanto Franchesco saía com sua mala e uma equipe contratada para a viagem até
a casa do filho ? ele nega com a cabeça ? Penso que o dinheiro pode não trazer muitos benefícios depois de determinada etapa da vida.
O fato de mencionarem o nome dela me preocupa. Na quarta-feira ela não disse nada a respeito disso e em nenhum momento se fez de vítima diante de qualquer situação.
? Infelizmente, em alguns momentos, a cura para o que precisamos não pode ser encontrada em prateleiras ? falo e procuro por algum garçom. Agora eu preciso de uma bebida e
algo mais forte do que o habitual.
Gostaria de saber como ela está.
? Acredito que depois da perda da Martinelli ele tenha piorado ? Goulart fala e isso me incomoda, mas não deveria, não foi eu quem a derrubou, foram o mercado e as derrapadas
da Marquisé.
? Se me derem licença ? saio da presença dos dois e caminho pela lateral da casa, onde tenho visão sobre o estacionamento onde estão os carros. Vejo uma movimentação de alguns
garçons que estão descansando e acendendo seus cigarros. Caminho até eles e peço uma garrafa de qualquer bebida forte.
Um deles se coloca solícito e traz uma garrafa de Uísque e um copo. Eu coloco uma nota de cinquenta em seu bolso e caminho para perto de algumas mesas postas na frente no
estacionamento.
Encho o copo e viro. Ela precisa sair da minha mente de alguma forma e eu preciso não agir assim, é como se o espírito de Dom estivesse aqui, me tentando em ser irresponsável
como ele.
Coloco mais um pouco no copo, mas eu não bebo, apenas olho para o líquido e deixo o copo em cima da mesa. Caminho em direção ao meu carro e me sento por alguns instantes no
banco do motorista e seguro a direção. Abaixo todos os vidros, preciso de ar fresco e isolamento.
Em qual momento ela conseguiu fazer isso? Entrar em meus pensamentos sem nenhuma razão em especial.
Vejo um carro passar ao lado do meu em uma velocidade inadequada para o tamanho do estacionamento e, então, escuto a freada e uma das portas se abrindo. Ouço um homem falando
alto e o estacionamento é isolado da festa apenas por uma cerca viva.
Ele está mais à frente, trinta ou quarenta metros depois do meu carro.
? Você não presta! ? o homem fala e acredito que seja uma discussão de casal, talvez se eu ligar meu carro, o barulho do motor possa impedir que a briga continue. Acho que
é melhor eu ir embora. Deniesse já sabe que vou aparecer.
? Fala baixo ? a mulher fala e eu coloco a chave na ignição.
? Falo como eu quiser, Catharina ? assim que escuto o nome dela, meu corpo prontamente se colocou para fora do carro e fiquei diante da discussão.
O homem de costa para mim, segura o braço dela e a chacoalha como se fosse algo sem importância. Me aproximo rápido e vejo o momento em que ele golpeia seu rosto com as costas
da mão.
Avanço mais rápido e quando percebo estou com seu colarinho enfiado em meus dedos e minha outra mão deposita de maneira certeira um soco em seu rosto. Catharina está no chão
por conta do golpe, seu vestido está rasgado mostrando a sua perna e o bastardo vem para cima de mim.
Anderson Tavarin, além de atrasar entregas primordiais, bate em mulheres. Sinto sua mão me alcançar, mas ele não consegue atingir meu rosto. Deixo que meu punho se solte sobre
o seu nariz e percebo o momento em que ele se quebra sob meus dedos.
Ele cai no chão, profanando palavrões e isso faz com que uma pequena multidão chegue até o estacionamento e a cena que Joel não fez, eu estou fazendo.
Anderson se levanta e vem para cima de mim ? Eu acho que temos aqui um defensor ? ele tenta acertar meu rosto e eu sei que mais um soco em cima do nariz dele o fará desmaiar
com a dor.
? Não faça isso ? falo, mas ele vem em minha direção e tenta de maneira fracassada acertar o meu rosto. Antes que eu possa perceber, acerto mais um soco em seu nariz e ele
cai, grita com a dor. Vejo as pessoas com seus celulares e agora tudo se tornou um imenso espetáculo circense.
Vou em direção à Catharina que está encostada no pneu do carro, chorando. Me abaixo e vejo que ela está segurando a alça do vestido com uma das mãos e a outra está em seu
rosto ferido.
Tiro meu paletó e coloco sobre os ombros dela ? Vem comigo ? falo baixo e a levanto do chão abraçando seu corpo.
Ela trava o choro e eu a levo para o meu carro. Sento-a no banco do passageiro, coloco o cinto de segurança e dou a volta entrando no carro e ligando o motor.
Minha vontade é passar com o carro em cima dele porque ele não imagina o quanto pesam as lembranças que ele me trouxa ao bater em Catharina na minha frente.
Foi como voltar aos meus seis anos e ver a primeira surra que minha mãe levou daquele que se dizia meu pai.
Eram nove horas da noite e eu sei que aquela noite não foi a primeira vez que aconteceu, mamãe sempre tinha olhos roxos, braços machucados e um nariz que sempre sangrava.
Mas aquela noite eu presenciei tudo, vi o momento em que ele chegou da rua, bêbado como sempre e partiu para cima dela. Ela apanhou sem saber o motivo e Sofia chorava em seu
berço. Era fome, ela tinha um ano ou talvez nem isso, e nós sempre tínhamos fome, sempre apanhávamos por conta desse choro que nascia em nossos estômagos vazios.
Ele bateu nela até seus braços não terem mais força, até o álcool o derrubar sobre o sofá rasgado, e ela apanhou em silêncio, porque se gritasse tudo seria pior e até hoje
eu sempre penso o quão pior aquilo poderia ser.
Assim que ele caiu no sono alcoolizado, mamãe olhou para mim perto do móvel que serviria para estocar alimento, mas nunca o fez, e se aproximou de mim.
? Vai ficar tudo bem ? ela me olhou dentro dos olhos e naquela noite aprendi sobre covardia ao ver meu pai batendo em minha mãe, e sobre a mentira, quando olhei nos olhos
dela.
Ela foi até uma lata antiga, pegou um pouco de farinha, misturou com o resto de açúcar e colocou o único ovo que tinha na geladeira velha. Bateu tudo sentada em sua cama para
que o homem bêbado não acordasse e colocou em uma forma de ferro antiga dentro do forno à lenha. Isso além de nos aquecer, também seria a primeira refeição do dia.
Olho para Catharina, ainda pensando sobre aquela noite e vejo o rosto de minha mãe. Acelero e saio daquele lugar, já do meu passado eu tenho plena certeza de que nunca mais
vou conseguir sair.
6
Entro com meu carro em minha garagem e em todo percurso ela ficou em silêncio, e ainda está nele, como se estivesse em um mundo paralelo, onde nenhum mal possa atingi-la.
Dei a volta no carro, peguei-a no colo e a levei para o banheiro do meu quarto. Coloquei-a sobre a bancada da hidro e entre nós não havia a conversa que houve na quarta-feira;
ali estava apenas o silêncio que faz tudo ficar pior. Para mim era um silêncio de tristeza, mas para ela era um silêncio de dor, de todas as suas dores desta sexta-feira que
para ela, imagino que não tenha fim.
Me aproximo dela, tiro meu paletó de suas costas e o jogo em cima de uma poltrona no canto do banheiro. Vou até o registro da hidromassagem e a ligo, deixo a água morna e
pressinto que seja exatamente disso que ela precisa. Seus cabelos estão enrolados, ela deve ter investido o tempo que mulheres gostam de investir para isso. Catharina deveria
saber que estava linda na quarta-feira, mesmo com seus cabelos que me lembravam uma surfista e sem nenhum vestido de gala.
Ela ainda segura a alça de seu vestido e eu me abaixo diante dela. Olho em seus olhos e espero alguns segundos ? Licença? ? tiro a mecha de seus cabelos de cima do rosto marcado
pelos dedos de Anderson. Fecho meus olhos e volto aos meus nove anos.
Sofia era pequena e brincava com sua boneca velha e sem braço no sofá. A noite estava chegando e desde que Sofia aprendeu a andar, o meu objetivo era protegê-la do homem bêbado.
Escutei o barulho do portão velho de madeira e fui correndo em direção a ela.
? Vamos, Sofia, está na hora da brincadeira do silêncio ? a peguei no colo e a levei para o quarto dos fundos, onde ficavam nossos colchões. Ela sempre acatou, ela sempre
achou que essa brincadeira tinha que acontecer todas as noites e ela tinha razão, era a brincadeira que nos livrava de surras sem motivo.
? Obrigada ? Catharina pronuncia um sussurro que me traz de volta.
? Posso? ? pergunto e coloco a mão sobre a alça de seu vestido que está rasgada.
Ela acena com a cabeça de maneira positiva e deixa sua mão sobre sua perna.
Coloco a alça de maneira que seu seio ainda não seja exposto e a coloco de pé para poder remover o vestido.
Desço o zíper das costas do vestido e tiro a alça que ainda estava ali, sustentando o vestido em seu corpo. O tecido azul claro desce pelo seu corpo e agora vejo seu traseiro
bem desenhado, redondo e nada desproporcional. Sua calcinha é pequena, mas não é minúscula.
Vejo seus braços imóveis para baixo, faço menção de retirar o vestido e ela levanta um pé de cada vez. Coloco o vestido no canto perto da hidromassagem e fico de frente a
ela.
Seus cabelos cobrem parte de seus seios e acredito que essa seja a imagem mais sexy que vi de uma mulher em toda a minha vida. Ela não estava ali para ter algo meu, era eu
que estava ali por ela.
Ela está olhando para baixo e eu levanto seu rosto com meu polegar e indicador. Olho para o machucado e vejo seus olhos fechados, como se ela estivesse presa em seu próprio
corpo.
Abaixo-me e removo sua calcinha e jogo em cima do vestido. Ela tem um sexo bonito, um caminho de pelos bem curtos e ralos, são dourados como seus cabelos, mas não tão claros.
Ela ainda cheira a hidratante, possivelmente passou logo após o banho antes de ir para a festa.
Levanto-me e ela agora olha em meus olhos, levo minhas mãos até sua orelha e tiro seus brincos, depois vou até sua correntinha mas ela coloca a mão em cima e nega singelamente
com a cabeça. Eu entendo o recado. Retiro seus anéis e olho para a aliança, ela acena que sim e eu a removo também.
Levo-a para dentro da hidro e observo o momento em que ela se senta e encosta, buscando um refúgio lá dentro, onde pessoas não acertam seu rosto.
Levo para perto dela o cesto acoplado a hidro com tudo que ela precisa, shampoo, condicionador, sabonete, espuma de banho e uma esponja grande e macia.
Vou até o armário e pego duas toalhas e o meu roupão. Volto para o banheiro e penduro o roupão e coloco as toalhas sobre a bancada da hidro.
Aproximo-me dela e involuntariamente beijo sua testa, era isso que eu desejava fazer com a minha mãe quando ela estava em silêncio depois das surras.
Vou para a cozinha e separo leite, suco e alguns pães. Coloco manteiga em um pequeno pote de cerâmica, separo os talheres e arrumo tudo em uma bandeja. Levo para o quarto
e deixo sobre o criado mudo do lado esquerdo, o lado em que eu durmo.
Alcanço dentro do meu closet uma pequena maleta de primeiros socorros e vou em direção ao banheiro. Me sento na bancada da hidro e ela abre os olhos e os coloca em minha direção.
Abro a maleta e alcanço algodão e o soro ? Posso? ? ela acena que sim e eu começo a limpar delicadamente seu rosto. Não há sangue, é apenas para remover superficialmente um
pouco da maquiagem. Em seguida, coloco um pouco de pomada anestésica e vejo que ela faz cara de dor.
Essa expressão eu também conheço bem, e na noite em que determinei que nunca mais a veria, eu não só me livrei do homem bêbado, eu me livrei de um futuro ruim que chegaria
a acontecer.
? Seu moleque ? ele virou um tapa em meu rosto. Eu me levantei e poderia fazer aquilo a noite toda, foram tantos anos naquela vida miserável de surras sem fundamentos que
me fizeram forte para colocar um ponto final naquela noite.
Levantei-me e fui para cima dele, mesmo sendo menor do que ele, eu o enfrentei. Quando minhas mãos magras e machucadas se cansaram e ele começava a acertar meu rosto, eu tirava
força do rosto dolorido de minha mãe e junto aos golpes, eu comecei a gritar por socorro, gritar pelos vizinhos e essa foi a primeira vez que um deles entrou em casa, e depois
entrou outro e outro, até que o homem bêbado foi levado embora pela polícia.
Corri para o quarto, olhei para o berço onde Domenico estava chorando e olhei para Sofia.
? Ele não sabe brincar a brincadeira do silêncio ? Sofia estava desesperada porque Dom estava aos berros e isso era contra as regras do jogo que inventei.
? A brincadeira do silêncio acabou, ela não precisa mais acontecer ? peguei Dom em meu colo e Sofia pulou o berço. Fomos ao encontro de minha mãe que estava sendo amparada
por uma das mulheres vizinhas. Foi essa mulher que percebeu que não tínhamos o que comer há dias e foi ela quem mais nos ajudou.
Os dias passaram e aos poucos, os vizinhos se uniram e todo dia passamos a ter pão de manhã, tínhamos almoço todos os dias e mamãe começou a trabalhar com essa vizinha em
uma pequena casa de costura.
Ninguém sabia de nossos problemas, achavam que éramos apenas quietos por sermos bem-educados. Éramos bem-educados, mas nosso silêncio era porque tínhamos medo.
O homem bêbado foi levado naquela noite e profetizou que nunca seríamos nada, que nunca sairíamos daquela situação. É uma pena que ele tenha morrido na cadeia de tanto apanhar,
gostaria que ele visse o quanto estava errado.
? Obrigada ? Catharina diz e me desperta.
? Não precisa agradecer ? me levanto e coloco minhas mãos no bolso e a encaro ? Eu não sabia que era noiva de Anderson Tavarin ? falo com o mais profundo tom de decepção e
dou dois passos para o centro do banheiro. Não cheguei a ler a informação sobre o noivo no dossiê. Eugene não me alertou sobre isso.
? Não sabia que o conhecia, até imaginei por serem do mesmo ramo ? ela diz e se ajeita dentro da banheira.
? Eu cancelei o contrato com a empresa dele hoje à tarde ? falo e olho para os olhos dela.
? Você e mais dois, e isso o deixou ainda mais furioso ? esse filho de uma puta desconta na noiva seu fracasso profissional?
? Eu lamento por isso ? falo.
? Não lamente ? ela diz ? A briga começou há algumas semanas e tudo tomou um rumo difícil. Eu estava rompendo com ele e ele não aceitou, disse que se eu não fosse dele não
seria de mais ninguém; acho que escolhi o momento errado para pôr fim a tudo. Eu seria mais um contrato cancelado com ele essa semana ? ela fala e tira os olhos de mim.
? Esse tipo de ameaça deve ser levada a sério ? comento e me aproximo dela na hidromassagem.
? Eu sei, mas não acho que ele seria capaz de fazer algo pior ? ela se esconde na resposta.
Caminho até o armário da pia e alcanço um espelho de mão, vou até ela e entrego ? Veja seu rosto ? ela pega o espelho de minha mão ? Pior do que isso é algo que não consigo
imaginar ? olho para os meus dedos vermelhos e eu sei que amanhã as redes sociais terão assunto suficiente sobre mim. Assunto que não permiti em anos.
? Ele não vai ter essa oportunidade ? ela fala e fecha os olhos ? Assim que assinarmos o contrato, eu vou embora. Vou voltar para Paris, não vai haver mais nada que me prenda
aqui. ? Seus olhos se abrem e o fato dela falar o que falou não deveria ter me deixado incomodado. Mas deixou.
? Então, a partir de segunda-feira você vai estar livre ? falo e penso o que pode ter em Paris que está sempre me atormentando de alguma maneira, isso pode ser a praga de
Dom sobre mim.
? Ou não ? ela murmura para ela mesma e eu finjo que não ouvi.
? Você precisa de alguma coisa? ? pergunto.
? Preciso de muitas coisas, mas essa noite não. Preciso apenas disso que está acontecendo nesse momento, estou sem celular, ninguém sabe onde estou e estou dentro de uma hidromassagem
aproveitando essa paz que não tem sido comum em meus dias ? me aproximo e me sento novamente na bancada da hidro.
? Escute ? coço minha testa ? Eu não sei o que pretende fazer, mas não acha arriscado ficar sozinha com esse seu noivo fazendo ameaças? ? por favor, Catharina, responda algo
rude e saia da minha mente levando tudo que está aqui agora. Ela tem feito dos meus pensamentos algo descentralizado e bem diferente do que costumo agir.
? São apenas alguns dias, vou ficar em um hotel. Isso seria inevitável já que em breve venderei os imóveis de meu pai aqui e isso inclui a casa que eu estava morando ? ela
está sendo mais firme do que o desejado e isso é um péssimo sinal. Estou gradativamente perdendo forças primordiais para ela. Sinto-me ligeiramente ineficiente em me afastar
dela.
? Se eu puder fazer alguma coisa ? me coloco à disposição e não quero ter que ficar pensando se esse filho da puta está perseguindo ou a ameaçando.
? Já fez o bastante ? ela me olha como se sentisse vergonha e por mais estranho que isso possa parecer, eu a entendo ? Me desculpe por tudo isso ? ela pede.
? Está me pedindo desculpas pelo quê exatamente? ? pergunto.
? Por eu não ser a mulher tão forte que te mostrei em nossa reunião, odeio decepcionar as pessoas ? ela confessa e eu sinto um alívio imenso em saber que eu não era o único
naquela reunião que estava tentando manter algo que não existia.
Desde o momento em que coloquei meus olhos nela, eu sabia que alguma coisa poderia acontecer além de contratos e acordos.
? Não estou decepcionado ? falo e me levanto.
? Não?
? Não ? ando em direção à porta e paro sem olhar para trás ? Preocupado seria a palavra ? saio do banheiro e vou até a cozinha.
***
Catharina
Escuto seus passos para fora do banheiro e ele infelizmente não me olha com desejo, mesmo estando nua e em sua banheira. É como se meu rosto machucado doesse mais nele do
que em mim.
Talvez eu não devesse contar a ele que essa última discussão foi a mais violenta de todas as outras e tudo ficou assim depois que mencionei o nome de Paolo Bastilli. Naquele
momento foi como ter usado um palavrão contra sua família e todo esse ódio surgiu porque Paolo decidiu rescindir o contrato com a Tavarin.
Paolo deveria saber que Anderson não é bom com prazos, promessas e coisas que envolvem responsabilidade. Culpo-me por ter deixado chegar a esse ponto, o ponto onde o término
evita a morte e não há possibilidade de tudo acabar com o mínimo de respeito possível. Ainda não sei como acabar com tudo isso e a verdade é que estou com medo, por isso vou
ficar em algum hotel e espero terminar tudo isso até terça-feira.
Talvez eu fique na casa de Jackeline, ela sabe de tudo e com certeza me ajudaria. Por mais que eu tenha um sobrenome forte, hoje a minha família está a um passo da falência
e não posso contar com muitos recursos.
Levanto-me da hidro, enxugo meu corpo e coloco o roupão dele, caberiam mais duas Catharinas. Vejo um chinelo que é parecido com o tecido do roupão perto da pia, o calço e
vou para frente do espelho.
Minha maquiagem está borrada, meu cabelo está parcialmente molhado e aqui dentro tudo está mais bagunçado do que deveria. Eu perdi o controle de tudo e agora estou na casa
do homem que em poucos dias será proprietário da empresa que meu pai ergueu do nada, mas preferiu vendê-la antes que ela acabasse em nada também.
Prendo meus cabelos no alto de minha cabeça, lavo bem o meu rosto e tento tirar toda a maquiagem de meus olhos que no primeiro momento tudo fica borrado, distorcido e é como
se fosse uma réplica de como estou me sentindo.
Consigo tirar quase tudo e vejo algum vestígio do rímel por aqui, mas o roxo abaixo do meu olho tem destaque maior.
Vou até o quarto e percebo que a cortina se movimenta lentamente com o vento calmo e não tão frio, me aproximo e vejo uma bela sacada de frente ao mar. Apoio-me no parapeito
e vejo o oceano. Tudo está escuro, e vejo Paolo, com suas mãos no bolso, olhando para o mar assim como eu.
Ele não imagina o quanto foi o motivo de tantas brigas essa semana, mas ele não é o culpado. Anderson apenas detesta qualquer um que se aproxime de mim, e ter ido à reunião
na segunda-feira e ter ficado tanto tempo ali e não concluir o que precisava, foi o suficiente para alguns golpes na quarta-feira e tudo que um dia senti por ele se foi e
eu cheguei a pensar que fosse o tal do lance eterno.
Olho para ele mas não quero que ele me veja ali. Paolo tem algo escondido e não se trata de nenhum relacionamento, senão possivelmente eu não estaria em seu quarto usando
seu roupão.
Existe algo especial ali. Ele removeu cada uma de minhas roupas e se colocou tão discreto e nada vulnerável que chegou a me causar arrepios, mas ele também se manteve discreto
em relação à minha pele.
A forma como tirou meu vestido, a educação antes de tocar em cada parte e a curiosidade que ele me despertou em ser assim, tão habilidoso e silencioso, me faz pensar o que
estaria ali dentro dele além dessa gana por ser um empresário bem sucedido.
Volto para dentro do quarto e vejo a bandeja posta com dois analgésicos em um pequeno pote de cerâmica. O cuidado e o olhar dele, isso deveria ser registrado, seria uma prova
excelente para mostrar que o mundo ainda é cenário de belas atitudes vindas de homens de verdade.
Coloco suco no copo e os comprimidos na boca, bebo e me deito. Olho para o teto cinza claro com um lustre colocado mais ao centro do quarto. Tudo combina, móveis escuros,
tecidos azuis e cinzas, cortinas no mesmo padrão e chego a mais uma conclusão: ele é atraente em tudo.
Imagino quantas mulheres estiveram aqui, exatamente onde estou, talvez não nas mesmas circunstâncias, mas estiveram aqui, nuas como eu e estiveram com ele, tão nu quanto.
Esse pensamento me incomoda e tento mudar o foco. Programo meu dia logo pela manhã ligando para Jackeline, mas não posso ligar do meu celular, ele foi destruído por Anderson.
Anderson destruiu muitas coisas essa noite, uma delas foi o respeito que eu tinha por ele. Eu estive no momento mais difícil de sua vida, quando seus pais morreram em um acidente
de carro em Mônaco e agora, quando eu mais precisei dele, vendo meu pai se esquecer de tudo sem um motivo a não ser a idade, tive que aguentar seu punho em meu rosto e não
seu abraço me dizendo que tudo ia ficar bem.
Sinto uma lágrima escorrer e fecho meus olhos, tento me lembrar do momento mais feliz de minha infância e isso foi tão fácil. Meu pai sempre amoroso, presente e me mostrando
que o dinheiro não era tudo e que poderíamos ter muito mais do que quantias em nossas contas, que poderíamos acumular valores em nossas vidas ajudando outras pessoas.
Perco-me no silêncio feliz do meu passado, sorrio e, então, tudo se faz no silêncio perfeito entre o oceano lá fora e o meu mar turbulento aqui dentro.
7
Coloco uma camiseta branca, uma bermuda cinza e nos meus pés apenas o chinelo. Não penteei meu cabelo, não tenho intenção alguma de sair de casa e preciso de uma maneira eficiente
para me livrar de Catharina.
Não fisicamente, porque ela foi embora antes mesmo do dia nascer. Ela foi embora enquanto eu dormia, deixou apenas o seu sono envolvida em meus braços, meu roupão aos pés
da cama e um bilhete:
Paolo
Não quis lhe acordar. Para ser franca senti vergonha porque eu sei que fui covarde, não pela quarta vez que apanhei, mas porque deixei chegar nesse número. Não sou fraca,
estou apenas perdida. Sinto como se estivesse no olho de um furacão e eu não posso permitir que isso chegue até você, afinal, você será o homem que vai salvar os meus funcionários
e se isso estivesse acontecendo no cinema, teria o nome de herói.
Obrigada por me salvar ontem, me salvar na quarta-feira, por me emprestar seu roupão e por deixar que dormisse do seu lado da cama. Algumas atitudes deixam marcas, as que
você deixou foram as que me levaram a voltar a ter fé na humanidade. Meu pai sempre disse: No mundo há homens bons e homens com escolhas ruins. Obrigada por fazer parte dos
que escolhem coisas boas.
P.S - Peguei uma camiseta, uma calça de malha e um chinelo do seu closet, e da sua carteira precisei de algum dinheiro para pagar o taxi, prometo devolver.
Mais uma vez, obrigada.
Um beijo,
Catharina
Ela deixou parte dela aqui e agora esse café da manhã posto não faz sentido algum sem ela. Achei que ela estaria aqui essa manhã.
Vou até a área externa e olho para o mar, me recordo do momento em que entrei no quarto e a vi ali, dormindo profundamente. Tomei um banho e me deitei ao seu lado e demorei
para dormir, demorei tempo suficiente para que ela se virasse em minha direção e se acomodasse em meu peito e braço. Ali eu falhei, ali eu deixei que minha armadura, espada
e escudo caíssem e eu a abracei.
Abracei querendo que ela não levasse adiante o mesmo sentimento que minha mãe arrastou, porque é isso que acontece, mulheres agredidas se sentem culpadas em determinado momento.
Adormeci com Catharina em meus braços e isso foi tão diferente de tudo, tão sublime e agora é praticamente caótico. Não posso pensar nela como estou pensando, como a companhia
em uma adega ou a companhia em um sono simples.
Escuto alguém caminhar em minha direção, me viro e vejo Dom com um jornal, e o celular na mão. Domenico não tem por hábito ler nenhum tipo de documento que mostre a realidade
do planeta, ele vive em outro mundo e eu percebo que meu humor despencou para um nível inaceitável para a sociedade.
? Bom dia ? ele diz e não está sorrindo.
? Bom dia ? retorno o cumprimento apenas para manter a boa educação. Ele deve estar estranhando como estou vestido, usando chinelo e com o cabelo bagunçado. Mas hoje é sábado
e ele não tem o hábito de me visitar nos finais de semana. Aliás, ele não me visita nunca.
? Eu queria apenas saber como você está. Estou indo para Paris agora à tarde, mas depois que vi os jornais, achei melhor vir até aqui ? ele me entrega o jornal e estou lá,
na primeira página, acertando a cara de um ex-fornecedor e ao lado a foto de Catharina encostada no pneu do carro.
? Apenas uma noite de sexta-feira ? falo e devolvo o jornal e caminho para perto do parapeito da área externa.
? Paolo, você acelerar um carro, ter trepadas com todas as mulheres da cidade até me impressiona, mas no fundo, eu sempre imaginei que houvesse uma identidade secreta que
te protegesse ? ele diz e para do meu lado ? Pode não parecer, mas minhas rebeldias aconteciam por que eu sabia que tinha um cara lá para me ajudar ? ele coloca a mão sobre
meu ombro ? Quando eu vi essa imagem, esse rosto enfurecido, eu imaginei o que esse homem teria feito para merecer o estrago que você fez na cara dele. Então, depois de ler,
eu entendi que o cara que já me tirou da prisão, me visitou no hospital algumas vezes e negou-se a pagar por um carro novo, é o melhor que Deus pode ter arranjado como irmão
? me viro para ele e olho em seus olhos.
? Covardia, um homem bater em uma mulher é inadmissível ? falo ? Mamãe está sabendo? ? pergunto.
? Ainda não, mas alertei o Phill sobre isso, ele vai blindá-la ? Dom sorri e eu também ? Quem é ela? ? ele pergunta com péssimas intenções e eu o conheço muito bem para saber
o que está pensando.
? Catharina Martinelli ? respondo apenas isso e deixo munição para sua imaginação.
? Você está comprando a Martinelli que está quase no buraco e de quebra está pegando a herdeira com a qual está negociando? ? finalmente ele faz piada.
? Não estou pegando ninguém, apenas evitei que ela levasse mais alguns socos ? respondo e volto a olhar para o mar.
? Qual é, Paolo? Quando você se colocaria assim? Na primeira página arrebentando a cara de um homem? ? ele questiona e tem razão na pergunta.
? Ele não é homem, homem não bate em mulher ? tento parar a conversa e imaginava outra companhia nesse café da manhã, não meu irmão curioso.
? Concordo, mas ela é especial, não é? ? curioso e chato.
? Dom, estou perdendo a paciência...
? E eu, a força de vontade. Vamos, Paolo, me fala o que está acontecendo! ? ele insiste.
? O que está acontecendo é que pela primeira vez gostaria que estivesse em Paris, escalando algum prédio e sendo preso, assim eu estaria tranquilo a essa hora da manhã ? sorrio
e vou para dentro de casa.
Percebo que ele está vindo atrás de mim e quando coloco os pés na parte interna da casa, vejo Eugene caminhando ao lado de Amira e eu não estou socialmente agradável essa
manhã por uma série de motivos.
? Bom dia ? Eugene me cumprimenta e percebo que ele quer falar comigo a sós. Prevejo um sábado turbulento e isso é o oposto do que aprecio.
? Bom dia ? retorno o cumprimento e olho para Dom.
? Eu vou nessa ? ele diz e bate a mão em meu ombro e depois joga o jornal sobre a mesa perto da porta.
? Boa viagem, Dom ? falo e ele sai pela porta fazendo um aceno qualquer de despedida ? Qual é o tamanho do meu problema? ? pergunto para Eugene.
? Não é tão grande e eu já resolvi boa parte. Agora teremos a parte mais chata já que Anderson prestou queixa contra você. Em todo caso já consegui algumas testemunhas a seu
favor dizendo que foi legítima defesa ? Eugene é bem pago para isso, ele resolve os problemas antes que eles cheguem até mim. Mas isso não é para todos os casos. Estou com
um problema agora e não faço ideia de como resolver.
? Ótimo ? respondo.
? Minha visita agora não é apenas por conta disso. Trouxe o contrato pronto. Desta vez não houve falha e já foi lido e conferido duas vezes ? ele retira de sua maleta um envelope
? Fiz três cópias e ao que tudo indica, a Martinelli passa a ser sua nesta segunda-feira.
Essa notícia deveria me animar, mas algo não deixa nenhum tipo de comemoração acontecer aqui dentro. Pego o envelope e olho para Eugene ? Obrigado ? agradeço e sinto que Eugene
percebe algo de errado, mas como sempre se mantém dentro de sua discrição.
? Posso ajudar em mais alguma coisa? ? ele pergunta e eu penso em responder que não, que nesse momento ele não vai conseguir me ajudar, mas uma ideia me ocorre.
? Pode, mas isso seria extra oficial ? o alerto.
? Isso é apenas um detalhe ? ele sorri sem dentes e se coloca à disposição.
? Preciso que mantenha uma pessoa sob proteção ? falo e olho para os papéis em minhas mãos.
? Srtª Martinelli? ? ele pergunta.
? Sim ? respondo e sorrio.
? Como quiser. Vou colocar Marco e Renan a postos ? ele menciona os homens que cuidam de nossa segurança corporativa.
? Mas eu não quero que ela perceba, a quero segura ? alerto.
? Será feito ? ele acata ? Algo mais? ? ele pergunta novamente.
? Faça apenas isso, me mantenha informado, hoje não tenho a intenção de sair ? concluo e ele se despede e sai.
Coloco o envelope sobre a mesa perto do sofá e saio novamente para a área externa. Tiro o bilhete do bolso e penso que poderia ir cobrar meu dinheiro ou recuperar as minhas
roupas, ou deixá-la nua novamente.
Ela tem um corpo perfeito, alinhado em medidas lindas, seios redondos de bicos rosados e pude sentir o gosto dele em minha boca dentro do meu território imaginário. Sua barriga
é lisa, com pelos dourados que seguem um percurso que eu mesmo seguiria mil vezes e quis fazê-lo, eu queria saber sobre o gosto dela, o gosto de suas bocas e me enfiar em
suas dobras tão perfeitas e possivelmente tão macias quanto um fruto maduro.
Catharina se foi e deixou coisas dela por aqui, está tudo aqui espalhado em vontades que por um segundo me parecem proibidas e, ao mesmo tempo, me parecem uma excelente escolha.
Volto para dentro de casa e me sento diante do café da manhã, disposto a ingerir qualquer coisa para engolir essa vontade de estar com ela, mas eu quero estar devidamente
com ela. Olho para as cadeiras em torno da mesa e desde que comprei essa casa, eu nunca me senti sozinho em nenhum café da manhã. Mas hoje isso mudou e isso não estava nos
meus planos.
Levanto-me e vou para o bar no canto da sala, coloco um pouco de uísque no copo e olho para o líquido um segundo antes da campainha tocar. Coloco o copo sobre o bar e vejo
Amira cruzar a sala e abrir a porta.
Ela cumprimenta a pessoa que está ali e me olha em seguida, pela voz eu sei quem é e é como se ela estivesse escutando atrás da porta da minha mente cada plano que tenho com
ela.
Ela entra e assim que surge na minha frente, eu a vejo como um acalento, um pedido de paz e sinto tudo dando errado aqui dentro.
? Bom dia ? ela diz. De todos que me falaram isso hoje, esse foi o único que realmente queria ouvir.
? Bom dia ? me aproximo e vejo que ela está com um short rosa de linho e uma blusa fina de alças teimosas que caem e deixam parte de seu colo a mostra. Ela deveria se cobrir
mais ? Café da manhã? ? pergunto e coloco minha mão em seu cotovelo e a levo suavemente para a mesa posta.
? Mesa linda ? ela elogia e se senta. Ela passou um pouco de corretivo sobre a mancha roxa abaixo de seu olho e isso me incomoda ao ponto de eu querer levantar agora e ir
atrás desse monte de bosta e fazer com que sua cara fique sem chance alguma de ser recuperada.
? Amira sempre acha que devo comer tudo que está exposto aqui ? falo e sorrio. Tento manter o clima mais alegre e longe das lembranças da noite anterior, mas seu rosto não
me deixa esquecer.
? Eu acho que você come ? ela brinca e olha para minha barriga.
? Por favor, já tenho um grave problema com minha autoestima ? zombo.
? Eu lamento por ontem ? ela fala e faz uma longa pausa, como se tivesse que escolher qual palavra usar nesse momento ? Sei que fui grosseira ao sair como saí, mas eu estava
com vergonha. Na realidade ainda estou, mas eu precisava vir até aqui, para lhe agradecer e para lhe devolver os vinte euros ? ela tira uma nota de seu bolso e coloca sobre
a mesa. Confesso que mulheres e dinheiro são um prato perfeito para qualquer um, mas não nesse caso.
? Não precisa agradecer e quanto aos vinte euros, acredito que poderia sobreviver sem eles ? sorrio.
? Você foi gentil, me protegeu e no fundo acho que estou aqui por culpa, porque eu achei que você fosse um carrasco por estar comprando a empresa do meu pai por um valor quase
que simbólico, mas depois, durante o trajeto da sua casa até a casa de Jackeline, minha melhor amiga, eu percebi que precisava mesmo vender barato, que a sua empresa terá
um custo alto para acertar todos os problemas ? ela olha no fundo dos meus olhos ? Eu sei que você vai fazer um excelente trabalho ? ela me elogia e eu queria encontrar algo
errado nela, mas não consigo.
? Vou fazer o que estiver ao meu alcance ? penso em fazer tantas coisas nesse momento, mas eu não estou pensando exatamente na fusão de duas empresas, estou pensando na fusão
de duas pessoas.
? Seu advogado foi muito rápido e me enviou por email o novo contrato. Já enviei ao meu para verificar se tudo está de acordo ? ela fala e eu sei que assim que assinarmos
esse contrato nosso contato será parte de um passado que não quero que fique apenas na lembrança sobre algo que deveríamos ter feito diferente.
Mas algumas coisas não estão sob meu controle e eu lamento por isso.
? Fico feliz em saber ? respondo e vejo-a alcançar uma xícara.
? Posso? ? ela pergunta e me lembro de todas as vezes que perguntei isso para ela ontem à noite. Pedi permissão para tocar em seu corpo e para tirar suas roupas, se fosse
em outra situação eu teria feito com toda educação, ou não.
? Fique à vontade ? respondo e pego um copo e coloco um pouco de suco.
? Atrapalhei seus planos ontem à noite, mas eu não costumo fazer isso ? ela diz e bebe um pouco de café.
? Não tinha muitos planos ? respondo mentindo. Eu tinha apenas um e agora me dei conta de que não liguei para cancelar. Deniesse que me perdoe, mas eu tive meus motivos. Provavelmente
ela já os viu no jornal de hoje.
? Bom, pelo menos vou riscar essa culpa da minha lista ? ela me olha e eu tenho muita vontade de beijar a sua boca. Tenho vontade de beijá-la inteira.
? Devo colocar uma camiseta, uma calça e um chinelo como prejuízo? ? brinco com ela.
? Deve, não vou poder devolver ? ela sorri ? Aconteceu um pequeno problema ? ela conclui e eu não quero saber o que aconteceu com as minhas roupas. Esse não é um problema.
? Eu deveria imaginar ? sorrio para ela e ela mexe no guardanapo e não me olha.
? Escute, eu não sou o tipo que faz drama, não sou de chorar e muito menos tolerar o que tolerei de Anderson nesses últimos dias. Eu apenas perdi totalmente o controle da
situação e agradeço muito pelo que fez. Vi seu rosto em um jornal quando entregaram na casa da minha amiga e precisei mais do que nunca vir até aqui e pedir desculpas se causei
muitos problemas para você ? ela diz e então eleva seus olhos até mim.
? O único problema é que perdi uma troca de roupa e já incluí como único prejuízo do mês ? brinco e ela sorri ? Anderson procurou por você? ? pergunto e ela olha novamente
para baixo ? O que houve?
? Ele esteve em minha casa ontem à noite e ficou por lá esperando que eu voltasse. Quando o taxi se aproximou de minha casa e eu o vi, me abaixei no banco e pedi para o motorista
seguir para outro endereço ? ela responde.
? Foi para casa de sua amiga?
? Sim, Jackeline. Ele não sabe o quanto somos amigas e ela é a única que sabe que estou aqui nesse momento. Essas roupas são delas, estou presa do lado de fora da minha casa
? Catharina deixa as palavras mais tristes e eu não gosto de vê-la assim, e eu tenho meus inúmeros motivos, desde minha infância até agora, nesse momento.
? Ele também não sabe onde ela mora? ? pergunto
? Acredito que não e tudo isso será por pouco tempo. Lembre-se eu vou embora na terça-feira ? ela me lembra algo que não anima, que deveria ser apenas indiferente, mas não
é. Eu a vi nua, despi seu corpo e não a toquei como meu imaginário profano determinava. Ela é como o gol não marcado quando o goleiro estava ausente.
? Me parece que quer ir embora o quanto antes ? insinuo odiando fazer isso, é o que tenho feito constantemente quando estou com ela. Nunca fui um homem de insinuações, eu
sou o que fala exatamente o que deve acontecer e como vai acontecer, mas Catharina chegou como um furacão, mas em silêncio e eu deveria ter escutado todos os meus instintos
quando ela entrou naquela sala de reunião e despejou sobre mim um sorriso encantador, palavras diretas e um perfume que se eu fechar os meus olhos posso sentir a mesma sensação
que senti quando a vi pela primeira vez.
? Quem não desejaria deixar para trás uma vida cheia de problemas, uma empresa falida e um relacionamento fracassado? ? ela pergunta e continua ? Me perdoa, mas acho que você
não tem ideia do que seja tudo isso. Seu café da manhã extremamente afortunado indica que nunca o aproveita sozinho, os lençóis de sua cama possivelmente não foram escolhidos
por você, talvez tenha alguém que cuide de seus detalhes e acredito que sua vida seja perfeita o suficiente para não entender metade de tudo isso que estou falando ? ela tirou
as conclusões dela, mas eu não a culpo, a culpa é minha, ela está vendo apenas o que eu quero que ela veja.
? Acredita que minha vida seja perfeita? ? pergunto e a encaro.
? E não é? ? ela responde com outra pergunta. Desta vez é ela que faz a insinuação e eu lamento muito por isso, mas acho que estou aos pés dela nesse momento.
? Quando eu tinha treze anos, consegui juntar algum dinheiro limpando calçadas, tirando aqueles matos pequenos que crescem por toda parte. Aquilo era desgastante e no final
do dia eu sabia que graças àquele trabalho, haveria mais dois pães sobre a mesa. Naquela época, eu imaginava uma vida perfeita e ela era assim, da maneira como você está enxergando
agora, mas depois que você chega em seu objetivo, algo te impulsiona a pensar que ainda não está bom o suficiente e tudo passa a ser uma grande maratona sobre tempo, dinheiro
e interesses comerciais ? me ajeito na cadeira e a encaro ? Hoje, eu tenho plena consciência que uma vida perfeita era aquela que eu tinha, de joelhos na calçada, levando
dois pães e o repartindo para quatro pessoas. Naquela época, havia uma família que o tempo e a busca por algo perfeito acabou distanciando e agora, minha vida perfeita se
resume em um almoço, no primeiro domingo de cada mês, em torno de uma mesa farta e vidas que se tornaram extremamente diferentes.
? Não consigo imaginar você com apenas metade de um pão ? ela diz.
? E eu por diversas noites rezei para ao menos ter isso no dia seguinte ? me inclino e me aproximo dela ? Nem sempre a mesa posta com fartura é sinal de que estou acompanhado,
e por favor, não saia correndo depois do que vou lhe contar, mas depois da minha mãe que raramente aparece por aqui, você é a única pessoa que está dividindo o café da manhã
comigo, mesmo que seja apenas uma xícara dele ? vejo sua boca se abrindo e eu sinto tanta vontade de beijá-la, e tenho medo que isso esteja estampado em meu rosto.
? Quanta honra ? ela levanta a xícara e toca suavemente meu copo ? Mas não espere que eu acredite nisso ? ela zomba.
? Não espero ? sorrio e vejo seu rosto corar e a marca roxa está estragando tudo e dentro de mim o ódio que surgiu na noite em que o homem bêbado foi embora, brota como uma
explosão. Fecho meu punho e eu peço que Deus me ajude se eu encontrar esse cara na minha frente.
? Eu sempre tenho a sensação de que tenho algo para descobrir sobre você ? ela fala sorrindo.
? A ideia é essa ? respondo e ela nega com a cabeça em um gesto lindo.
? Bom, eu preciso ir ? ela se levanta e caminha em direção à porta e eu não sei se quero que ela vá. A conversa está boa e ela ainda não descobriu o que acha que tem que descobrir.
? Precisa ou quer? ? pergunto e ela para em frente a porta.
? O que isso muda? ? ela pergunta ainda de costas e ela não imagina, mas isso muda tudo. Porque desde que a vi, ela tem mudado muita coisa, isso inclui meu comportamento e
minha forma de pensar. Receio que quando ela descobrir algo que está aqui dentro, ela descubra a si mesma.
Caminho até a porta, seguro a maçaneta e giro. Abro lentamente a porta e percebo que ela caminha, ela está saindo e isso não estava nos meus planos. Ela anda e algo aqui dentro
rui e se parte, como se o que estou vendo fosse totalmente contra o meu desejo, e é.
8
Catharina
? Catharina ? escuto meu nome e eu paro, cesso meus passos e fecho meus olhos. Internamente peço que ele não fale nada, que ele não me dê nenhum motivo para ficar, porque
é isso que eu quero, e eu também preciso, mas eu não devo ? Olhe para mim ? ele pede e eu respiro fundo, me mantenho onde estou porque eu não sei como agir nesse momento.
Ele tem estado constantemente em meus pensamentos, eu sempre penso no que ele está guardando com tanto zelo dentro dele.
Percebo-o se aproximando e no instante seguinte sinto sua mão em meu cotovelo. Mãos macias, eu sei que são, elas já estiveram em meu corpo nu e ele apenas fez com que eu o
desejasse ainda mais.
Ele me vira lentamente e me deixa na mira de seus olhos azuis, misteriosos e tão cruelmente investigativos que me sinto obrigada a permanecer sob eles, como se fosse uma custódia
irrevogável.
Vejo seu maxilar fechado, duramente enfrentando meu rosto e eu me sinto fraca diante dele, diante dos olhos dele. Agora sou uma covarde declarada, assumida e estou feliz por
me sentir assim com ele. Porque foi ele que me protegeu e mesmo agora me ameaçando internamente, sinto-me confortável em sentir a imposição de sua mão em meu corpo.
? Não faça isso ? peço e mantenho os olhos nos olhos dele e por um instante penso que eu não deveria estar em outro lugar se não aqui.
? Ainda não fiz ? ele diz e leva meu corpo para junto do dele ? Termine seu café da manhã, depois eu deixo você ir ? ele diz e aproxima seu rosto do meu e nossas respirações
duelam, se enfrentam e se entregam em um único movimento. Sua boca encosta na minha e ele percorre meus lábios com os dele, macios, e encosta com mais intensidade, obrigando-me
a abrir meus lábios e receber sua língua que encontra a minha e eu pensei que isso poderia ser menos agradável do que está realmente sendo.
Entrego-me em seus lábios e sinto seu hálito gostoso de boca tão bem cuidada, ele cheira a perfume forte, madeirado, com notas tão intensas quanto ele.
Questiono-me se ele está realizando dentro de seu interior enigmático uma lista infinita de adjetivos positivos em relação a minha boca, assim como estou fazendo em relação
a dele.
? Não estou com fome ? falo assim que ele deixa a minha boca e olha dentro dos meus olhos.
? Mas vai ficar ? ele rebate e eu sinto como se fosse um soco em meu estômago ? Há outras fomes a serem saciadas.
Ele segura a minha mão e me leva para dentro da casa, fecha a porta e me conduz ao quarto que já conheço, mas acho que vou conhecer um pouco melhor.
? Confia em mim? ? ele pergunta e eu não sei como responder isso, porque meu racional me lembra que ele é o homem que está comprando tudo que meu pai levantou, mas o resto
de mim apenas discorda e insiste que eu siga adiante.
? Se eu disser que não, corro algum risco? ? pergunto e percebo que ele sorri.
? O mesmo risco se respondesse que sim ? ele responde e se vira de frente para mim. Estamos na metade da escada e ele desce um degrau e eu quase fico na mesma altura que ele
? Acha que corre riscos comigo? ? ele pergunta e eu não sei a resposta.
? Acho que são os mesmos riscos que corro não estando ? sorrio para ele e sinto seus braços em torno da minha cintura e de repente ele me envolve e eu o abraço com as minhas
pernas.
Ele me leva até seu quarto e não deixa de me beijar por isso, seus movimentos são precisos, sua boca é hábil, doce e macia. Sinto meu corpo pulsar por ele, desejo carnal e
me dou conta de que fiz a coisa certa tomando um bom banho essa manhã.
Ele me deita na cama e se coloca sobre mim .
? Há algumas horas eu a vi aqui, dormindo, linda, e imaginei como seria estar dentro de você ? ele fala em meu ouvido e eu sinto sua mão acomodando meu seio e eu nem percebi
o momento em que ele se enfiou por baixo de minha blusa. Ele me chamou a atenção enquanto falava em meu ouvido e me distraí não percebendo sua invasão tão ligeira e hábil
sob a minha blusa.
? Pelo visto não sou a única que imaginou algumas coisas essa noite ? falo e ele cerra seus olhos em minha direção e sorri.
Ele puxa a minha blusa e eu fico novamente exposta para ele, mas desta vez ele não perguntou se poderia fazer, porque ele sabe que é seu dever agora fazer tudo isso valer
a pena.
Paolo volta a me beijar e sinto seus dedos brincando com meu mamilo, o deixando ainda mais enrijecido. Ele desce a boca até ele e o suga gentilmente e mordisca, isso me faz
gemer baixinho e enquanto me distraio com sua boca, sinto sua mão abrir meu short e deslizar para dentro de minha calcinha.
? Hummm ? solto involuntariamente e ele retira meu short, retira a minha calcinha e tudo isso apenas com uma mão, a outra ainda brinca com meu seio e sua boca voltou para
junto da minha.
Ele se posiciona entre as minhas pernas e retira a camiseta e se deita sobre mim, mas apoia apenas o tórax sobre meus seios, faz isso apenas para continuar beijando a minha
boca. Sinto seus dedos descerem pela lateral de meu corpo e um arrepio interno me sufoca e quase gemo apenas por isso.
Paolo se afasta, sai da cama e fica de frente para mim, observando meu corpo como uma fera olha com compaixão à sua presa.
Ele tira a bermuda e a cueca de uma só vez e caminha até o criado mudo. Abre a gaveta e retira um preservativo e o desembrulha, naturalmente, como se o fizesse sempre e provavelmente
o faz.
Ele desenrola a camisinha sobre seu... Meu Deus! Ele é habilidoso mesmo e me sinto mais molhada do que deveria. Ele não tem pressa, ele não está desesperado para que tudo
comece e depois possa se repetir. Sinto que ele quer gravar com precisão esse momento em minha mente, ele quer que eu pense nele enquanto estiver longe. Talvez isso acontecesse
de qualquer jeito, mas sem esse envolvimento seriam apenas recordações frustrantes.
Ele se aproxima novamente, se coloca entre as minhas pernas e antes de penetrar ele olha em meus olhos e me beija, suavemente, me perco em sua língua macia, seu movimento
tão tenro e tão generoso e deixo escapar mais um gemido quando o sinto me penetrando. Ele precisa parar de tirar a minha atenção, céus!
? Hummm ? murmuro e ele não tira a boca da minha. Sinto-o entrar vagarosamente, me preenchendo perfeitamente e me torno mais receptiva do que deveria, estou mais molhada do
que o indicado e acho que estava precisando mais dele do que imaginei.
Ele abre os olhos enquanto me beija e entra fundo em mim, mas não violento. Ele entra e fica, se movimenta, circunda meu interior com o corpo dele, percebo sua excitação em
seu rosto tão ruborizado quando o meu.
Sua mão alcança novamente meu seio e sinto que isso é melhor quando feito assim, por quem sabe exatamente o que precisa ser feito. Sinto meu corpo se entregando ao seu beijo,
ao seu corpo, e sinto vontades maiores e mais ambiciosas com ele.
Levanto meu corpo e ele para de me beijar, abraço sua cintura com minhas pernas e ele me vira me colocando sentada sobre ele.
Remexo meu corpo e agora o sinto mais profundo, com mais intensidade, e suas mãos massageiam meus seios, descem pela minha barriga, ele segura cada lado de meu traseiro.
Ele me ajuda no rebolado e suspende meu corpo alguns centímetros e desce, absorvo seu singelo pedido e me inclino para frente, apoio minhas mãos de cada lado de sua cabeça
e alcanço sua boca para mais um beijo. Subo e desço lentamente e escuto seu gemido que fica ali, preso entre nossas bocas.
Uma energia serpenteia meu peito, desce com euforia e sinto que vou me entregar a esse momento. Ele percebe e suas mãos estão em meus seios, meu corpo agora só rebola junto
com o dele e sinto que ele também vai chegar ao ponto principal desta conversa.
Deixo o clímax sucumbir, relaxo meu corpo sobre o dele e me apoio em seu peito. Seus braços agora me protegem, e isso também não é novo para mim e esse está sendo meu maior
problema, tudo nele está se tornando mais familiar do que pensei, mais agradável do que deveria ser e eu sei que alguns sintomas depois que tudo isso terminar podem ser irreversíveis.
Rolo para o lado dele na cama, o lado que eu dormi na noite passada e fico de lado, olhando seu perfil, analisando sua respiração profunda e rápida e noto que ele é muito
mais bonito agora.
Ele se vira de frente para mim e olha dentro dos meus olhos ? Melhor do que imaginei ? ele diz e coloca meu cabelo atrás da minha orelha ? Mas, eu preciso de mais, muito mais
? ele confessa.
? Idem ? respondo e ele se aproxima, beijando a minha boca e, por Deus, eu faria isso repetidas vezes e de outras formas por um período de tempo ilimitado.
***
Paolo
Escuto sua respiração calma, ela está em um sono intocável e quase imaculado. Ela tem a serenidade que tanto lhe fez falta nesses últimos dias. Acredito que naquela quarta-feira
o vinho aliviou ou mascarou suas reais emoções e eu não percebi que ela estava realmente precisando de ajuda.
? Por que estou me culpando? ? falo comigo mesmo, me questiono sobre as necessidades dela e penso que poderia ter feito algo mais.
Levanto-me da cama, coloco a minha roupa e fecho as portas da varanda do quarto, a cubro com uma manta fina e vou até a cozinha. Ela tem um corpo delicioso, analiso internamente
e eu preciso muito mais dela em mim.
Piso na cozinha e Amira está me olhando como se eu tivesse chegado junto com um tornado.
? Está tudo bem? ? pergunto.
? Sim, senhor ? ela responde e sorri. Eu sei, Amira, mulher nesta casa durante o dia era limitado apenas a você, mamãe e Sofia, mas essa loura chegou e parece que ela gosta
mesmo de tirar as coisas de dentro do padrão que estabeleci ? O senhor quer comer alguma coisa? ? uma resposta altamente sem pudor me ocorre, mas prefiro não responder que
repetiria a última que fiz ? Eu acabei de retirar a mesa do café ? ela se retrata.
? Por enquanto não, mas a próxima refeição, arrume a mesa para dois ? ordeno e ela abre um par de olhos que quase me fez rir. Sim, Amira, nós temos uma deliciosa companhia
que neste momento está esgotada em minha cama.
Vou até a área externa e me apoio no parapeito diante do mar. É como se ao olhar essa infinita cor azul diante de mim, tudo ficasse em paz aqui dentro, mas desta vez tudo
ficou em paz no momento em que a senti totalmente ao meu redor.
Meu corpo pede por ela, como uma droga, como se ela fosse algo interminável e sem conclusão. Pela primeira vez me flagro querendo algo que não sei o resultado.
Sinto-me bem, como em anos não me sentia, como se estivesse liberto e fosse merecedor desse sentimento que me transmite paz.
Olho para a varanda do meu quarto, acima, e descubro que estou sendo friamente analisado por ela, e ela não imagina o quanto está detendo muitos dos meus pensamentos.
? Não ter vizinhos é uma vantagem? ? ela pergunta.
? Sim ? respondo e sorrio.
? Quais? ? ela questiona e apoia seu corpo coberto apenas pela manta e eu agradeço por mais ninguém poder vislumbrar a vista que estou tendo nesse momento.
? O que estou olhando com exclusividade é uma delas ? respondo e espero que ela fique sem jeito.
? Imagino que essa seja sua resposta para todas que se apoiam aqui e façam exatamente essa mesma pergunta ? ela me alfineta.
? Todas que estiveram nesse horário e perguntaram da mesma forma receberam essa mesma resposta ? retruco e não sei se ela merece saber que ela é a primeira mulher a estar
aqui comigo no café da manhã e que depois foi parar em minha cama.
? Isso não é animador ? ela responde.
? O que seria animador para você? ? questiono e cruzo meus braços.
? Isso ? ela se livra da manta e apoia novamente em seus braços, deixando a mostra os seios que terei prazer em colocar em minha boca novamente.
Olho para ela e nego com a cabeça. Olho para baixo e volto a encará-la, mas antes que ela pudesse pronunciar qualquer tipo de provocação, eu subo em disparada em direção ao
meu quarto e a vejo exatamente onde estava, debruçada, com seu traseiro lindo em minha direção e meu corpo manda todos os sinais e todas as informações que preciso para a
região que vou novamente utilizar essa manhã.
Vou até o criado mudo, alcanço outra camisinha, me livro de minhas roupas e coloco o preservativo. Caminho em direção à Catharina e seguro seus cabelos pela nuca, suspendo
seu queixo e deixo seu ouvido bem próximo à minha boca.
? Me provoca dentro do meu território? ? pergunto calmamente e me enterro dentro dela e eu sinto que não sou forte como preciso quando estou dentro de Catharina.
? Sim, porque estou gostando do resultado que estou tendo ? ela fala com malícia e me sinto ficar mais duro, com mais tesão e entro com mais força. Faço diferente do que fiz
antes. A primeira vez foi reconhecimento de território, agora posso dizer que estou na categoria de exploração.
? Gosta? ? seguro com mais firmeza seus cabelos e entro com mais força. Seu gemido alimenta minha libido e com a outra mão seguro em seu seio, o acomodo em minha mão e depois
aplico um pouco mais de força. Seu mamilo fica mais rígido e brinco com ele em meus dedos.
Saio de dentro dela e a viro de frente para mim.
? O que você está fazendo? ? pergunto.
? Sexo ? ela responde.
? Não foi essa a minha pergunta ? levanto uma de suas pernas e novamente me enterro dentro dela e ela suspende a outra perna, me obrigando a segurar seu corpo lindo pelo traseiro.
? Qual foi a sua pergunta? Seja mais específico ? ela dispara e me beija ardentemente. Levo-a para dentro do quarto e a coloco sentada na mesa abaixo da televisão presa à
parede.
? Perguntei o que você está fazendo comigo ? falo secamente, porque tudo está incrivelmente molhado por aqui.
? Estou fazendo o quê? ? ela pergunta e geme ao olhar meu corpo invadindo o dela.
? Foi exatamente essa pergunta que lhe fiz ? entro com mais força, faço a mesa balançar, o pequeno vaso cair e me vejo à beira de explodir.
? O mesmo que você está fazendo comigo ? ela me deixa uma pequena dúvida e isso retarda um pouco o que estava para acontecer.
? Então, estamos em guerra? ? continuo entrando e saindo e ela está tão molhada, tão entregue e eu posso dizer, sobre a situação dela nesse momento, eu idem.
? Não diria guerra ? ela geme e eu sei que ela está gozando, em mim; sinto meu corpo molhado e isso não é bom para o negócios, me esvaio dentro dela, enchendo o preservativo
e internamente escuto um pedido por mais.
? O que seria então? ? pergunto e não saio dela, a levo para a cama e vou para o banheiro.
? Duas pessoas que precisavam exatamente da mesma coisa ? ela responde e eu termino minha higiene básica e volto para o quarto, visto minhas roupas que ficaram no chão e me
aproximo dela na cama.
Ela está deitada de lado, seus seios formam um desenho bonito, sexy e completamente irresistível. Ela tem uma pele macia, como um tecido fino de extremo bom gosto.
? E o que exatamente estávamos precisando? ? pergunto e me deito ao seu lado. Deslizo minha mão na lateral exposta de seu corpo e eu gosto mais do que deveria de sentir a
sua pele.
? De fuga ? ela responde e isso faz com meu cenho questione tal resposta.
? Do que estaríamos fugindo? ? pergunto.
? Do mundo lá fora, que exige super poderes, alta habilidade com milagres e uma destreza impecável com pessoas ? meu rosto suaviza e eu sou obrigado a concordar com ela.
? E agora? O que faremos diante de sua tão perspicaz conclusão sobre nós? ? falo mais próximo de seu rosto e beijo sua face.
? Podemos fugir até amanhã e na segunda-feira voltamos para o teatro da vida real, com cenas prontas, falas perfeitas e uma saudade terrível dessa fuga que tivemos por dois
dias ? ela sorri.
? Ficaria aqui até amanhã? ? pergunto.
? Desde que me empreste alguma roupa e me dê o que comer ? ela brinca.
? Acabou de fazer uma refeição, está com fome? E quanto a roupas, prevejo futuros prejuízos ? zombo e ela tem o sorriso mais majestoso que vi em toda a minha vida.
Deus, qual é o defeito desta mulher?, me pergunto enquanto deslizo a minha mão em seus cabelos.
? Agora sinto fome de alimento mesmo, daquele tipo de alimento de sua mesa farta no café da manhã ? ela se aproxima e coloca a cabeça em minha perna. Paraliso a minha mão
no ar e receio que cheguei no ponto onde tudo se torna irreversível.
***
Catharina
? Boa tarde ? uma jovem senhora me cumprimenta assim que chego à cozinha, onde uma mesa posta para duas pessoas, mas com comida para trinta, me espera.
? Boa tarde ? retorno seu cumprimento e retribuo o sorriso que ela está me oferendo.
? Amira, esta é Catharina e ela é minha convidada. Até a amanhã à noite as refeições serão para duas pessoas ? Paolo observa e eu penso que ele não precisaria alertá-la sobre
isso, já que a quantidade de comida sobre essa mesa possivelmente mataria a fome de um vilarejo todo aqui de Gênova.
? Não precisa se preocupar, ele tem uma tendência ao exagero ? brinco com Paolo e Amira sorri, acho que ela está animada em ter mais pessoas por aqui para comer ? Muito prazer
? me aproximo dela e estendo a minha mão.
? Você é muito gentil, Srtª Martinelli ? ele coloca a mão em meus cabelos e para na minha frente ? Deveria enxugar melhor seus cabelos, eles estão molhados o suficiente para
lhe deixar doente ? escuto-o falando em minha nuca e olho para Amira que sorri ainda mais. Ela nos deixa a sós e eu me viro de frente para ele.
? Você está preocupado comigo? É por conta de nossa negociação? ? tenho a nítida impressão de que fui grossa com ele, mas a verdade é que animais em isolamento não têm um
temperamento fácil e eu me enquadro nessa condição em algumas circunstâncias.
? Acha que estou fazendo tudo isso por interesse comercial? Acha realmente que sou um homem que venderia minha alma tão facilmente por conta de uma operação empresarial? Acredita
que eu seja realmente assim? ? ele me obriga a engolir a seco toda a grosseria que eu disse e internamente eu sei que toda a porcaria que pronunciei de maneira rude vai ser
lembrada por mim quando eu for embora.
? Não ? respondo e olho para baixo ? Me desculpe, estou tão acostumada a isso que acho que atingi a pessoa errada.
? Levantei cada tijolo da minha empresa sem precisar usar nenhum tipo de atitude inescrupulosa e eu lhe garanto, não foi fácil ser honesto quando todos à minha volta estavam
fazendo exatamente o contrário ? sinto seu rosto se fechando e ele caminha para perto da mesa.
? Me desculpe, não tive essa intenção ? ele afasta uma cadeira e me olha.
? Sente-se ? ele ordena apontando o lugar e eu apenas obedeço e uma sensação boa surge em meu peito ao ser obrigada a fazer isso. Posso dizer que sua ordem me deixou excitada
e o sexo que fizemos há alguns minutos me obrigava a cruzar minhas pernas, como se alertasse ao meu sexo que agora era hora da refeição e não era uma refeição que ele seria
incluído.
? Olha, eu não pensei, falei sem imaginar nas consequências ? tento me retratar.
? Café ou chá? ? ele pergunta e ignora minhas desculpas.
? Você está me ouvindo? ? seguro a mão dele e o encaro.
? Escute ? ele se levanta e apoia as duas mãos sobre a mesa ? Sua atitude em ser tão respondona está quase me obrigando a retirar toda a sua roupa, a lhe colocar aqui em cima
desta mesa e te explicar muito detalhadamente a minha intenção com você, então, apenas colabore para que essa refeição seja de fato apenas direcionada para os alimentos que
estão sobre o mesa neste momento, do contrário, eu possivelmente não vou responder por mim ? encosto na cadeira e abro meus olhos delatando o quanto ele me deixou assustada.
Ele volta a se sentar e se ajeita sobre a cadeira.
? Café ou chá? ? ele repete a pergunta.
? Suco ? o contrario e dou um breve sorriso de lado e ele me olha negando com a cabeça.
? Isso com certeza não é uma base promissora para qualquer tipo de relacionamento ? ele murmura para ele mesmo.
? Talvez seja para um relacionamento de dois dias ? zombo e espero que ele coloque um pouco de suco no copo.
Vejo seu rosto mudar de zangado para preocupado, é nítida sua expressão e algo o incomoda neste momento. Olho para seus braços torneados e me sinto atraída por sua mão segurando
a jarra de suco.
Tento imaginar como são seus dias. Eu sei que ele pratica alguma luta marcial, não apenas pelo corpo esculpido, mas pelas fotos no corredor de cima. Ele é mais bonito agora
do que há cinco minutos e estou com medo de já estar sentindo falta dele antes mesmo de tudo isso acabar.
O celular dele vibra e ele pede licença saindo da mesa, seu rosto ainda está fechado e eu vejo Amira entrando com algumas roupas dobradas dentro de um cesto.
? Essa casa é grande para apenas uma pessoa ? comento e pego um pedaço de bolo e ela para com o cesto do meu lado.
? Eu também acho isso, e é por isso que estou impressionada em lhe ver aqui ? ela sussurra como se estivesse me contando um segredo.
? Ele não recebe visitas? ? pergunto tão baixinho quanto ela.
? Recebe alguns amigos de vez em quando, de sábado às vezes, mas eu nunca vi em todos esses anos uma mulher que não fosse a mãe ou a irmã dividindo o café da manhã com ele.
Você deve ser muito especial ? ela pisca para mim e sai em direção ao andar de cima. Agora tudo se torna uma frase resumida dentro de mim: tarde demais, agora não tem volta.
Tento escutar o que ele está falando ou com quem e ele praticamente sussurra, mas eu escuto o momento em que ele fala que ainda estou aqui e que os serviços solicitados estão
dispensados.
Escuto seus passos voltando à mesa e ele se senta colocando o celular de lado. Estou com a boca cheia e olho para ele enquanto mastigo.
? Tudo bem? ? pergunto colocando os dedos à frente da minha boca para evitar um visão desagradável do que está mastigado.
? Sim, agora está.
9
Alguns raios de sol lutam para invadir o quarto através da pequena fenda da cortina que se movimenta muito lentamente. É uma linda e agradável manhã de domingo e ela está
ali, do meu lado da cama e eu sei que amanhã o cheiro de sua pele vai estar impregnado em meu travesseiro e seus movimentos estarão presos em minha mente que não está conseguindo
elaborar uma rota de fuga.
Estou olhando para ela enquanto dorme e daqui, desta poltrona, onde o percurso do seu corpo nu é mais do que simplesmente saboroso, ele é algo que deixa meus olhos felizes.
Ela tem um sexo perfeito, com dobras lindas, ela é uma mulher gostosa e todos os meus problemas estariam resolvidos se ela fosse apenas isso.
Mas não, na noite passada ela discutiu sobre madeiras, barcos, metais e mergulhos e como se não bastasse, falou sobre economia, me ensinou quatro palavras em mandarim que
já foram esquecidas e ela fez um bolo. Porra, a culpa foi do bolo, ela não precisava mostrar mais nenhuma habilidade, ela já tinha me provado seu QI, ela já havia me engolido
deliciosamente na beira da piscina, ela nadava nua enquanto Amira estava fazendo compras no mercado. Ela me devorou e seus lábios eram como uma espécie de veneno, me deixando
fraco e tão vulnerável.
Eu sei o tamanho do problema que adotei quando ela pegou as suas roupas e as vestiu assim que eu sugeri que sairíamos antes do fim da tarde.
Entramos no carro e fomos até a Bastilli. Estacionei o meu carro e a levei para conhecer Luna, meu primeiro veleiro e acredito que o único bem material que eu tenha ciúmes.
A minha relação com esse barco começou quando eu era o garoto que cuidava da limpeza dele. Trabalhava para Agnelo, o dono do barco e foi aí que aprendi tudo sobre as máquinas
que caminham sobre as águas.
Comecei limpando o chão, depois passei a fazer parte da tripulação em passeios quando o barco era alugado e, então, comecei a trabalhar diretamente para o Miollo Fiuri, um
estaleiro pequeno e mal administrado. Descobri que além de uma paixão inexplicável por barcos, eu também poderia ser bom em estratégia comercial. Em dois anos gerenciava o
estaleiro, em quatro anos era sócio, e no ano seguinte passei a ser o único proprietário da Miollo que dois anos depois se transformou em Bastilli Barche. Há oito anos ninguém
mais fala sobre a Miollo e eu trabalhei muito para isso.
? Um veleiro ? ela falou e eu a ajudei a entrar no Luna. Nunca nenhuma mulher esteve aqui, não conto Sofia ou mamãe. Estou falando de uma mulher que eu tenha feito sexo e
que me fez querer dividir Luna.
? Que perspicaz ? zombei e ela franziu o nariz.
? O sol vai começar a descer para o horizonte ? ela me alertou e eu sorri.
? A minha intenção é essa, é o horário que gosto de sair ? falei e olhei em seus olhos.
? Tem uma rota de navegação? Isso é obrigatório e deveria entregá-la ao dono deste estaleiro ? ela brincou.
? Ah, sim, eu já o fiz porque o dono da Bastilli Barche é um homem metódico e muito sistemático, e também verifiquei se o bujão está fechado, não queremos que o Luna chegue
ao fundo do mar por um erro tão primário ? expliquei para ela e ela sorriu lindamente.
? Estou tendo uma verdadeira aula sobre veleiros? ? ela falou e se aproximou de mim enquanto eu soltava as cordas.
? Fala como se não soubesse nada sobre esse mundo ? falei e ela suspendeu os ombros.
? Não sei quase nada... ? ela sorriu ? Quando dois veleiros navegam em rumos convergentes, estando ambos com a retranca do mesmo lado, o de barlavento (que recebe o vento
primeiro) deve dar preferência ao veleiro de sotavento. Se estiverem com as retrancas em bordos opostos, o que estiver com as velas à esquerda do centro do barco tem preferência
de passagem sobre o veleiro que estiver com as retrancas à direita do centro do barco ? ela concluiu e meu coração disparou assim que ela se sentou perto das velas e novamente
suspendeu os ombros e desta vez ela destruiu mais alguma coisa que estava aqui dentro e acredito que era minha última defesa em relação a ela.
Saí lentamente como de praxe, as saídas sempre precisam ser lentas. Esperei de cinco a dez minutos para que o motor alcançasse a temperatura normal de funcionamento e, depois,
apenas prestei atenção aos instrumentos de navegação e ganhei parte do oceno. Parei o Luna e percebi que Catharina por diversas vezes me olhava.
O pôr-do-sol pintava de maneira animada o mar com seu tom alaranjado e quente. Aproximei-me dela e a puxei para junto de meu corpo.
? Gosta desse barco ? ela afirmou e deslizou suas mãos em minhas costas. Ela tem alguma coisa que me detém junto dela e isso é tão singular, tão diferente, e eu não sei exatamente
a conclusão disso. Apenas por isso eu deveria me manter distante como sempre fiz em tudo na minha vida quando tive dúvidas. Mas definitivamente eu não consigo ser o que eu
era com Catharina.
? Gosto, mas confesso que hoje em especial estou gostando mais ? falei e ela sorriu. Levei meus lábios para junto dos seus e acariciei-os com carinho e sem pressa. Eu queria
naquele momento apenas estar junto dela, e depois eu gostaria muito de estar novamente dentro dela.
Levei-a para a parte interna do veleiro, onde um pequeno sofá, devidamente colocado em um canto, se dispõe perto de uma mesa.
Enquanto minha língua sentia o hálito fresco de Catharina, eu me livrei de nossas roupas e me coloquei sentado, esperando apenas que seu corpo se rendesse junto ao meu.
Penetrei e a preenchi, tirando dela um gemido lindo e, no instante seguinte, éramos suor, prazer e algo novo aqui dentro. Algo que se soma a todas as outras coisas que ela
trouxe para minha vida.
Catharina se movimenta em minha cama e eu retorno de nosso passeio ao pôr-do-sol com o Luna. Ela ainda dorme.
Chega-me à memória seu gosto e viajo até as duas da manhã, quando ela estava dormindo depois do banho e eu estava completamente sem sono, meu corpo me alertava o tempo todo
que era necessário ter mais dela e eu descobri que isso não tem fim, é como um vício.
Ela estava nua, dormindo com a barriga para cima, uma de suas pernas estava dobrada e seu corpo estava coberto pelo lençol que havia sido trocado por motivos de força maior.
Aproximei-me e puxei lentamente, libertando primeiro seus seios, lindos, suculentos e excitantes em um nível incontrolável. Depois foi sua barriga, lisa, pelos dourados e
me levam ao ponto onde quero beijar.
Seu sexo estava ali, exposto por conta da perna dobrada e eu soltei o lençol.
Aproximei-me pelos pés da cama, abri sua perna já dobrada e pude admirar melhor seu sexo cheiroso e tão perfeito. Abri delicadamente seus lábios, aproximei a minha boca e
coloquei lentamente minha língua sobre seu ponto sensível. Deixei ali por dois pequenos segundos e deslizei muito lentamente em um movimento circular até que ela despertou
com um gemido e essa era a senha para eu experimentar com vontade o gosto de Catharina.
Abocanhei todo seu sexo e o massageei todo com minha língua, o mesmo movimento que faço quando beijo sua boca. Ela agarrou o lençol e gemeu mais alto, desci minha língua até
a entrada de seu sexo e enfiei suavemente e voltei ao seu clitóris, precisei que ela gozasse em minha boca.
Mantive o movimento sutil e em alguns momentos quase parei apenas para sentir seu sexo pulsando em minha boca. Voltei a sugá-la em seu ponto sensível e ela tentou mexer o
quadril como uma busca alucinada pelo que inevitavelmente vai acontecer.
Apoiei-me em meus joelhos e coloquei suas pernas em cima dos meus ombros e ela gemeu mais alto e ali eu estava a dois segundos de sentir Catharina gozando em minha boca.
? Hummmm ? ela soltou enquanto atingia um lindo orgasmo e eu a devorei, apetitosamente. Não me lembro de ter feito isso assim, com tanta vontade antes.
Deixei-a ali deitada e me aproximei de seu rosto, olhando dentro dos olhos dela.
? Agora eu deixo você dormir ? disse e ela sorriu ? Isso foi para retribuir o que fez na piscina ? beijei o centro entre suas sobrancelhas, me deitei ao lado dela e a trouxe
encaixada para junto a mim.
Naquele momento, eu pensei que ela poderia ficar mais do que dois dias, porque eu sei que ela vai ficar, mesmo quando for embora, porque agora ela está por toda parte, ela
está para qualquer lado que levo meus olhos e na tentativa de fugir dessas visões de Catharina pela minha casa, eu fecho meus olhos e novamente a encontro. Ela está aqui dentro.
E isso é totalmente incoerente.
Levanto-me e vou até a varanda e olho para o horizonte azul, dividido por uma linha tão fina, e penso que de alguma forma isso vai precisar ter um limite. Paolo com Catharina
na cama é uma situação; Bastilli Barche adquirindo a Martinelli é outra e isso precisa ser finalizado como combinado.
Desço para a sala e levo meu celular, ligo para Eugene.
? Eugene ? o chamo assim que ele atende ? Como lhe disse ontem, ela está aqui, mas isso não muda o percurso da negociação com a Martinelli, nenhuma diretriz foi alterada ?
esclareço e assim que ele me posiciona com seu ok, eu desligo.
Vou até a cozinha e vejo a mesa do café já posta, para duas pessoas como havia sugerido, e nesse momento me dou conta de que mesmo sendo tão diferente do que sempre fiz, essa
manhã estou mais feliz do que as outras.
Pensei que a solidão matinal fosse meu matrimônio até que a morte nos separasse. Acho que me enganei.
Vou até meu escritório, acesso minha conta de email e vejo que o trabalho não parou por ser domingo e um grande acordo foi fechado com a empresa espanhola que estávamos negociando.
Sorrio para a tela e compreendo que mesmo de maneira rápida, tudo aconteceu com o trabalho de mil homens, mas foi executado apenas por um.
Um email de Sofia com um anexo. Clico e vejo a foto de sua primeira ultrassonografia. Na legenda ela diz que acaba de ver o rosto do que ela mais ama nessa vida e eu imagino
a mãe que ela vai ser. Bebê de sorte.
Mais abaixo um email de Dom com vinte e cinco anexos e isso possivelmente vai estragar meu bom humor nessa manhã de domingo. Mas, mesmo sabendo que vou me arrepender, abro
o anexo e vejo o que ele está fazendo.
Na legenda ele pede para ver as fotos na sequência e por isso é bom colocar em slide show. O que será que ele está aprontando? Clico na primeira foto e assim que observo o
lugar onde ele está, algo me diz que o juízo que achei que ele tinha adquirido se foi assim que ele voltou para Paris e pelo que me parece isso foi apenas uma escala.
O que Domenico está fazendo no Japão? Deixo as fotos no modo slide show e pelo visto o Parkour também é popular por lá, mas ele não me mandaria isso apenas para me mostrar
sua total falta de responsabilidade com compromissos.
Pego meu celular e me levanto assim que termino de ver as fotos. Ligo para ele e na terceira chamada escuto-o atender no meio de um barulho que repudio totalmente. Minha infância
foi baseada em barulho, pratos sendo quebrados, palavrões, móveis virando lixo e uma conversa sem o menor tom de carinho para que as coisas dessem certo.
? Eu sei que vou me arrepender por perguntar, mas o que você está fazendo no Japão? ? vou até a janela e espero que a resposta seja algo que possa ser controlado a distância,
não posso mais perder tempo em resolver essa operação com a Martinelli.
? Paolo, você não vai acreditar! ? ele diz eufórico e isso chega a me arrepiar.
? Eu já não estou acreditando ? respondo.
? Que animação, hein, maninho? É domingo e tenho ótimas notícias! ? ele está mais empolgado ainda depois de zombar da minha resposta.
? Tenho medo da sua definição por "ótimas notícias" ? rebato e o barulho ao redor dele é cada vez mais insuportável.
? Tenha mais fé na vida, meu irmão. Uma empresa japonesa quer comprar uma franquia da Xtreme e me convidaram para expor todo o projeto ? tento analisar rapidamente essa loucura
e vejo que malucos têm mais sorte em algumas coisas, mas se trata de uma operação de alto risco.
? Dom, analise todos os contras, não adianta ganhar o mundo em um dia e o perder em alguns minutos. Eu sei que o projeto é excelente e que você não vai fazer nenhuma loucura
de vendê-lo abaixo do dobro do que vale, mas mantenha a calma ? me preocupo com o nome da empresa, com as pessoas que estarão envolvidas e tudo pode virar uma grande avalanche.
? Não vim até aqui para fechar absolutamente nada. Eu vim apresentar o projeto, mas antes eu queria falar com você. Preciso saber detalhes que nunca me interessei e possivelmente
amanhã durante a reunião irão me perguntar ? ele cumprimenta alguém e eu aprecio tanto quanto uma dor de dente quando ele faz isso ? Eu não tenho ideia do quanto crescemos
na agência no último ano ? passo a mão pelos cabelos e respiro fundo. Ele vai me fazer trabalhar no domingo porque não compareceu à nenhuma reunião que falava sobre isso no
último ano.
? Como não faz ideia? Falamos sobre isso em todas reuniões... Ah... mas você não estava presente, deve ser por isso ? uso ironia e sorrio olhando pela janela.
? Agora não é hora de você ser tão legal, me ajuda a fechar isso? ? por mais que eu tenha imaginado como seria dar uma boa surra nele, ele é a porra do meu irmão caçula e
Sofia não me perdoaria por isso.
? Vou cobrar os honorários por trabalhar no domingo ? brinco.
? Coloca na minha conta! ? ele zomba.
? Vou te enviar por email o planejamento base para essa loucura que você vai fazer. Não assine nada sem que Eugene leia e concorde, você entendeu bem o que acabei de dizer?
? pergunto e volto para a frente do meu computador.
? Não entendi, você pode repetir? ? ele gargalha e eu volto a pensar na surra.
? Não me provoque ? falo ? Estou encaminhando agora para o seu email ? aviso e escuto uma voz de mulher falando com ele.
? Dom?
? Sim? ? ele fala com a mulher. Na realidade, ele faz uma declaração de amor do tipo clichê e volta a falar comigo. A surra vai se tornando mais real em meu imaginário.
? É Thereza que está com você? ? pergunto com tom alarmado.
? É claro que é a Tess! ? ele responde e eu aposto tudo que está em minha conta corrente que ele disse isso sorrindo.
? Espero que essa viagem esteja dentro dos trâmites legais para ela ? o advirto.
? Não, ela veio em um navio cargueiro que transporta escravos para o oriente ? a surra será realizada com sucesso.
? Tudo que precisa está em seu email. Seja coerente, tenha juízo e não faça nenhuma bobagem ? exijo.
? Cara, você está pedindo um verdadeiro milagre. Eu não sei se tenho tempo hábil para tudo isso, mas garanto que vou tentar ? ele gargalha e agora eu realmente não posso ir
até ele e fazer o que estou pensando.
? Me ligue quando terminar ? ordeno.
? Sim, senhor, mais alguma coisa senhor? ? ele zomba.
? Não enfie a Xtreme em um lugar onde eu não vou conseguir resgatar ? concluo.
? Confie em mim ? ele pede e eu faço um longo silêncio. Penso em seu pedido simples e que me parece mais importante para ele agora. Respiro fundo e vou contra todo seu histórico
de besteiras do passado e penso na resposta.
? Eu confio ? outro silêncio se fez e de repente escuto sua respiração.
? Não vai se arrepender! ? ele diz comemorando, se despede e desliga.
? Já estou arrependido ? falo olhando para a tela do celular.
? Do que está arrependido? De mim... aqui? ? Catharina está apoiada no batente da porta, usando uma camisa social minha e eu desejo que não tenha absolutamente nada por baixo
dela.
? Muito, sua presença aqui é algo totalmente desagradável, a começar pela beleza extraordinária que tem, mesmo quando acaba de acordar, sem falar que agora está usando as
minhas roupas ? brinco e viro a cadeira em sua direção e a encaro.
? Não seja por isso ? ela desabotoa lentamente cada botão da camisa e a retira, deixando-a cair no chão e com isso manda meu psicológico para um estado onde ele possivelmente
não vai se recuperar.
Levanto rapidamente e vou em direção a seu corpo nu e a levo para dentro do escritório, pego a camisa que está no chão.
? O que pensa que está fazendo? ? pergunto e a suspendo em minha cintura.
? Devolvendo sua roupa. Já lhe causei muito prejuízo com a outra troca que não vou lhe devolver ? ela é malcriada e mesmo assim estou feito um idiota olhando para ela.
? O que eu faço com você? ? pergunto.
? Matar não pode, não seria bom para os negócios, então, por que não aproveita que ainda temos algumas horas e faça valer a pena? ? ela me provoca e sou tomado por algo imprudente,
totalmente sem juízo e acredito que isso seja pelo fato de eu estar sempre criticando Dom.
Sento-a ao lado do meu computador, abro o zíper da minha bermuda e me enfio dentro dela. Ela beija a minha boca e eu sinto o gosto de menta fresca em seu hálito, a sinto ao
meu redor, molhada, quente e isso é quase uma tortura.
Ela me enlaça com suas pernas e eu vou em direção ao sofá, me sento e a deixo sobre mim. Ela se apoia em seus pés e começa um subir e descer que vai com certeza tornar tudo
isso mais rápido do que imaginei.
? Pare ? peço.
? Por quê? ? ela pergunta sorrindo e morde meu lábio inferior.
? Porque eu não vou aguentar ? confesso e ela me beija e mantém o ritmo e eu me entrego junto com ela em um movimento perfeito, dois orgasmos juntos e eu sei que isso deveria
me preocupar, mas não me preocupo.
? Você é maluca?
? Fique tranquilo, eu tomo remédio e sou saudável, acredito que você também seja ? ela fala com tanta convicção.
? Como pode ter tanta certeza?
? Quando fui pegar a camisa vi seus exames de uma semana atrás e me parece que seus níveis de colesterol estão ótimos, sinal que toda aquela comida não está prejudicando sua
saúde ? ela sorri.
? Isso foi ótimo ? a elogio e a abraço e sinto como se estivesse expondo minhas fraquezas para ela.
? Sempre é, você consegue algo de mim que eu não sabia que tinha ? ela beija meu pescoço e se levanta ? Posso colocar? ? ela segura a camisa.
? Prefiro sem, mas nesse caso vou lhe conceder uma exceção ? brinco e ela é sexy até abotoando a merda da camisa.
Onde eu fui me meter?, penso enquanto ela entra no banheiro para se limpar e retorna.
? Você é muito gentil ? ela diz e se aproxima ? Mais gentil do que o necessário e isso é um perigo ? ela conclui e se senta em meu colo assim que me recomponho.
? Estou abrindo uma exceção com você em relação a isso também ? ele aproxima seu rosto do meu e desliza seus dedos em meus cabelos e essa sensação de carinho eu já tive antes,
mas é a primeira vez que desejo profundamente que isso não acabe.
Olho no profundo dos seus olhos azuis e tento não ver tudo que estou vendo e que me agrada tanto, mas não consigo.
? Então você está arrependido de tudo isso? ? ela continua mexendo em meus cabelos.
? Como eu posso me arrepender? Não consigo encontrar um motivo para isso e olha que já procurei ? sorrio para ela e ela abre o melhor de todos os sorrisos.
? Foi realmente muito bom e eu sei que tudo vai estar diferente depois de nossa reunião amanhã, mas eu não gostaria de perder o contato com você mesmo eu voltando para Paris.
Quando for à cidade luz, me faça uma visita ? ela diz e eu penso que assim que for até lá para dar uma surra em Dom, eu possa desfrutar de uma tarde e possivelmente uma noite
em sua companhia.
? Está com fome? ? mudo de assunto porque eu não quero falar sobre isso.
? Não muita ? ela responde e acomoda seu rosto em meu pescoço.
Sinto sua respiração calma, tranquila e eu a abraço, mantendo-a firme em meu colo. Gosto da companhia dela, mesmo não devendo gostar.
Deixo que apenas o silêncio dessa manhã de domingo fique ali, tentando acalmar o que está acontecendo rápido o suficiente para me deixar parcialmente receoso.
Preciso encarar isso como uma de minhas negociações, em algum momento ela vai ser concluída.
? Quando eu era pequena, me lembro que eu e meus irmãos tínhamos códigos quando ficávamos de castigo ? ele ri ? Não sei por que me lembrei disso, talvez por eu estar em seu
colo e era isso que meu pai fazia assim que saía do meu momento sozinha em meu quarto ? ela continua.
? E quais eram esses códigos?
? Escrevíamos bilhetes e fazíamos bolinhas de papel e depois jogávamos pela janela, tentando manter contato entre os quartos sobre o andamento do castigo. Uma vez meu pai
nos tirou do castigo e tinha mais de cinquenta bolinhas de papel na sala nos esperando. Pensei que levaríamos uma surra, mas meu pai era do tipo que ensinava pelo amor, ele
disse naquela tarde que havia aprendido uma valiosa lição ? ela está emocionada.
? Qual lição?
? Mesmo enrascados com nossa traquinagem e mesmo todos de castigo por conta de um que não soube manter a parceria, nunca entregamos ninguém e nunca ficávamos brigados, e isso
é verdade. Meus irmãos e eu erámos unidos, mas o tempo acabou se encarregando de deixar todos assim... distantes.
? Mas e as bolinhas de papel? ? brinco para quebrar o clima triste que começa a se instaurar.
? Tínhamos que recolher todas, independente de qualquer lição grandiosa que tivéssemos aprendido ? ela gargalha e eu sorrio para ela.
Ela tem uma alegria contagiante, mas eu sinto que em todo momento algo dentro dela a alerta sobre a sua realidade.
10
Uma garoa fina e severa resolveu aparecer nessa manhã de segunda-feira. A casa está em silêncio e ainda sinto a presença dela aqui, ou pela casa, mais precisamente em meu
quarto ou aqui dentro, de uma forma que ela não foi convidada. Mas ela entrou e eu não sei como estabelecer que ela saia. Eu não quero que ela saia.
A casa está em silêncio e Amira ainda não chegou. Ela não está atrasada, sou eu que resolvi sair da cama muito antes do habitual.
Deixo meus olhos pela vidraça que a chuva brinda e lembro da noite anterior.
Ela me olhou do alto da escada e eu estava esperando por ela, eu certamente a levaria embora para a casa da tal amiga.
? Vai ficar livre de mim ? ela disse e desceu a escada lentamente, caminhando em minha direção. Ela se movimentou como se isso fosse uma imposição para que eu a olhasse, como
se essa fosse a minha única alternativa. E agora, pensando sobre isso, posso admitir, ela tinha razão.
? Eu estava preocupado com isso, achei que esse momento não chegaria nunca ? quem me dera ter ficado livre dela. Gostaria que essa segunda-feira fosse a habitual segunda-feira
de sempre, eu com meu péssimo humor por conta das coisas ou de algum imbecil, e não por que estou sentindo falta dela.
? Eu imagino, uma mulher some com suas roupas, furta dinheiro de sua carteira e ainda come de sua comida, que pelo visto está para acabar. Eu realmente acho que você terá
uma semana mais tranquila ? ela se enrolou em meu pescoço e eu lamentei muito por ter que levá-la. Porque de certa forma eu não sei se ela estará partindo integralmente.
Escuto a porta da sala se abrindo e pelo silêncio como caminha eu sei que é Amira.
? Senhor? ? ela diz e eu viro muito discretamente minha cabeça olhando por cima do meu ombro esquerdo. Me mantenho diante da porta de vidro que me separa da área da piscina.
A água da chuva tilinta rapidamente sobre a água da piscina e eu a vejo ali, nua e depois com sua boca em mim. Fecho meus olhos e respiro fundo.
? Está tudo bem? Já vou colocar o café ? Amira se mostra preocupada com o horário como se ela tivesse falhado. O único falho aqui sou eu.
? Não precisa ? respondo sucinto e volto meu rosto para a garoa e por mais que eu lute contra isso, vejo seu sorriso assim que chegamos à casa de Jackeline que não é tão longe
daqui. Ela estava tímida e me apresentou como um amigo e eu sorri por isso, mesmo aproveitando a situação caótica da empresa de seu pai, ela me considera um amigo.
? Jackeline, esse é Paolo ? ela disse e Jackeline beijou duas vezes meu rosto deliberadamente e nem sentiu o limite que tentei impor assim que cheguei. Eu sei quem é ela,
já concedi duas entrevistas para ela e uma delas foi na minha sala de reunião.
? Lembra de mim, certo? ? ela observou.
? Vagamente ? ironizei profundamente a resposta. Geralmente não gosto de jornalistas, eles tendem a deixar a notícia comercial em algumas vezes.
? Trabalho na Il Secolo XIX ? ela acreditou na minha ironia ou também foi irônica. Ela sorri ? Bebem alguma coisa? ? ela se mostrou uma anfitriã sem nenhum tipo de frescura
e me senti mais à vontade do que geralmente fico.
? Jack, conseguiu pegar minhas coisas? ? Catharina perguntou e eu me sentei na poltrona perto do bar no canto de sua sala. Uma bela casa, com decoração sóbria e ela entende
pelo menos o básico de decoração. Meus olhos sempre buscam o que está fora do contexto.
? Sim, fui até sua casa e peguei tudo que coube em quatro malas que encontrei em seu closet ? Jackeline respondeu e colocou uísque para ela e me mostrou o copo e eu acatei,
mas preferiria um vinho.
? Obrigada, achou meu celular antigo? ? Catharina se aproximou e sentou no braço da poltrona onde eu estava.
? Achei. Trouxe seus perfumes, alguns livros, roupas sociais e tudo que você possa precisar ? Jackeline virou a dose de uma única vez e Catharina se levantou com os braços
cruzados.
? Jack, o que está acontecendo? ? Catharina deve conhecer a amiga muito bem. Eu me levantei e me posicionei diante de uma pintura ao lado do bar.
? Catharina, ele estava na frente da sua casa ? Jackeline falou e foi para perto de Catharina ? Eu vi os jornais, e você, meu amigo, tem um soco bem certeiro. Além de ele
ter quebrado o nariz, levou quatro pontos no supercílio ? Jackeline falou para mim e eu a encarei com o rosto fechado como se quisesse afastá-la das minhas habilidades.
? Ele falou com você? ? Catharina perguntou e isso me incomodou mais do que o necessário.
? Não dei essa chance, mas ele estava com aquele imbecil do Ryan. Eu não suporto aquele cara, é um guarda-costas ogro e quebrou uma câmera minha quando ele fazia a segurança
daquele bancário que foi preso depois do escândalo do desvio de verbas ? Jackeline deve ser aquele tipo de jornalista que vasculha o lixo das pessoas na calçada.
Peguei meu celular e liguei para Eugene.
? Preciso que monte o esquema de segurança que havia lhe pedido, anote o endereço ? passei o endereço de Jackeline e desliguei. Quando olhei para elas, ambas estavam me encarando
como se eu fosse um alienígena ? Não vou poder espancar esse cara cada vez que ele se aproximar de você, isso pode não acabar bem ? falei e andei em direção à porta e a abri.
? O que foi? ? Catharina se aproximou e perguntou o que eu estava olhando para a rua e eu, por instinto, a afastei da porta e a fechei.
? Ward vai cuidar para que ele não se aproxime de você. Apenas tente ficar aqui dentro e só sair quando realmente for necessário ? me aproximei de Jackeline e entreguei um
cartão meu para ela ? Me ligue se algo acontecer ? meu rosto estava nitidamente alarmado.
? Não vai acontecer nada. Amanhã vou para a nossa reunião e na terça-feira já embarco para Paris ? Catharina me lembra de mais esse detalhe e minha noite que estava razoável
ficou uma porcaria.
? Por falar em Paris, já comprei nossas passagens ? Jackeline falou e eu a odiei por isso.
? Nossas passagens? ? Catharina riu e acho que naquele momento ela esqueceu que seu ex-alguma coisa estava na porta da sua casa e isso na minha opinião não é um bom sinal.
? Vou com você, consegui alguns dias de descanso ? Jackeline falou empolgada e colocou mais uísque em seu copo e eu coloquei o meu sobre o móvel do bar.
? Você está mentindo. Com certeza tem alguma celebridade fazendo besteira por lá e você vai atrás ? Catharina falou e pelo visto acertou em cheio.
? Acho que você deveria me escutar ? me aproximei e segurei em seu braço ? Não saia sem nenhuma razão. Em breve alguém a mando do Ward vai estar a postos e espero profundamente
que seus serviços não sejam utilizados ? ordenei e percebi que seus olhos ficaram sérios e instintivamente a abracei. Ali, eu percebi que estava me despedindo e lhe desejando
boa sorte.
? Senhor? ? Amira me desperta das lembranças da noite anterior.
? Sim ? respondo sem tirar os olhos da chuva.
? Acredito que isso seja para o senhor ? ela se aproxima e me entrega um bilhete ? Estava sobre a mesa ? ela conclui e se afasta.
Abro o papel dobrado em duas partes e leio:
Paolo,
Há muito tempo, não sei precisar quanto, não me sentia tão livre mesmo estando presa dentro de sua casa, no melhor cárcere que já conheci. Foi bom saber que ainda caminha
sobre essa terra homens que meu pai me ensinou que existiam, e você é um deles.
Obrigada pelo café da manhã e todas as refeições íntimas que fizemos e tenha certeza que em minha nova vida haverá sua bondade, gentileza e habilidade em minhas lembranças.
Em algumas horas vamos nos encontrar e tudo fará parte de um histórico de vida pessoal e profissional.
Você fez do meu histórico algo mais feliz.
Um beijo,
Catharina
Dobro o bilhete, guardo no bolso interno do meu paletó e admiro a garoa por mais alguns instantes. Viajo para um pensamento profundo e inadequado e tento buscar um motivo
para que ela fique apenas no histórico que ela mesmo menciona.
Mas eu não consigo.
***
Estaciono meu carro na minha vaga na Bastilli e hoje era para ser um dia comum e mais um acordo sendo fechado. Mas algo está me incomodando e eu não consigo identificar se
isso está vindo de um final de semana totalmente incomum ou de uma súbita saudade de tê-la no café da manhã.
Ando em direção ao meu escritório e eu sei que sou o único aqui, são sete horas e trinta e oito minutos e a única coisa que preciso nesse momento é que nenhum novo problema
apareça. Ainda estou tentando resolver os antigos.
Chego em minha sala e abro meus emails. Tento me distrair nas solicitações do marketing, na pesquisa de mercado da agência e volto a ver as fotos de Dom e isso indica que
realmente estou querendo, mesmo que por alguns minutos, fugir da minha realidade.
Olho novamente o contrato e o releio, tenho tempo para isso e minha cabeça não está habilmente funcional para outra coisa que não seja encerrar esse assunto e tentar tomar
um café da manhã como sempre fiz.
Escuto alguém bater à porta e autorizo a entrar. Sofia entra lindamente com um vestido branco justo ao seu corpo e com uma cara não tão animadora.
? Bom dia ? ela diz e se aproxima de mim. Me levanto e beijo seu rosto.
? Bom dia, cedo demais para estar aqui ? observo.
? Não, hoje teríamos que entregar os dois barcos de Almader e o transporte ainda não chegou. Ele está atrasado duas horas e isso começa a implicar nosso prazo. Damos folga
de algumas horas, mas se esse atraso se estender, teremos problemas e lamentavelmente esse será nosso primeiro atraso desde que a Bastilli começou suas operações ? essa gravidez
tem dado energia para Sofia no período da manhã, sono depois do almoço e um humor quase trágico em algumas horas do dia.
? Ligou para a transportadora? Nosso transporte não está disponível? ? pergunto e ela nega com a cabeça.
? Paolo, nosso transporte está chegando em Ligúria nesse exato momento com oito barcos, por isso contratamos um terceiro para esse serviço ? ela responde rápido e eu me sento
diante do computador e ligo para a transportadora.
? Eu vou tentar resolver ? tento manter a calma porque agora parece que somos só nós dois dentro desta sala, mas estamos em três e estou preocupado com o bebê ? Sente-se ?
peço.
Pego o número e ligo para o transporte que está começando a deixar minha segunda-feira ainda pior.
Na segunda chamada, uma voz de alguém que me parece ainda dormindo atende e se tem algo que não suporto é alguém que se predispõe a fazer algo e o faz com total falta de vontade.
Passo o problema para ela e exijo que ela resolva dentro do tempo que eu estabeleci, já que sou eu que estou pagando pelo serviço. Desligo o telefone com garantias de que
em menos de uma hora o transporte vai estar aqui.
? Tudo resolvido ? olho para Sofia e ela está me encarando e eu não sei se gosto muito da inquisição que seu olhar coloca sobre mim.
? Tudo bem, Paolo? ? ela pergunta.
? Agora está, não vamos perder o prazo ? respondo.
? Não estou falando disso ? ela rebate.
? E do que precisamente você está falando?
? Desse vinco em sua testa dizendo que tem algo de errado acontecendo. Não se esqueça, assim como você, eu também tenho alguns dons agora ? ela diz e aponta para barriga.
? Está tudo bem ? minto.
? Paolo, você é o pior mentiroso que existe sobre essa terra, nunca conseguiu mentir, e ainda não te perdoei por não ter me falado do acidente de Dom, mas isso resolvemos
depois ? ela afirma com tanta propriedade e eu não sei se quero falar o que realmente está me incomodando.
? Por que acha que estou mentindo?
? Porque se estivesse me falando a verdade, teria dado uma de suas respostas secas e não estaria me questionando isso agora ? ela me metralha e me deixa sem saída ? Por que
não divide comigo? Acha que vou pensar que você é fraco por isso? Somos humanos, Paolo, não tente fugir da sua natureza. Eu sei que aí dentro bate um coração ? ela diz com
mais convicção e me sinto intimidado por ela por pelo menos dois segundos. Ela fala do meu coração, e eu estava bem mais tranquilo quando a hipótese dele não existir ainda
era uma opção.
? Não posso perder meu tempo com assuntos triviais ? respondo e olho para o computador.
? Mulher virou assunto trivial? ? o que está acontecendo com Sofia.
? Mulher? ? pergunto e tento acabar com esse assunto.
? Eu acredito que sim, mas se for um homem não terá problema algum ? ela zomba com cara séria.
? Você só pode estar de brincadeira comigo, Sofia ? ralho com ela e me lembro das nossas discussões voltando da escola; eu sempre a provocava e agora sinto que ela está se
vingando.
? Então, é uma mulher? ? ela insiste ? Vamos Paolo, me fale o que está acontecendo!
? Eu não sei ? murmuro e me apoio sobre a mesa olhando para a minha irmã.
? Você foi dispensado? Quem seria essa maluca? ? ela zomba.
? Não é isso, só é complicado demais para eu tentar te explicar ? tento contornar a conversa.
? Quanto complicado? ? ela continua com sua inquisição e eu não quero ser rude com ela, ela não tem culpa e está em um estado interessante.
? O suficiente para eu não querer falar sobre isso ? falo com serenidade e ela assente com a cabeça. Pelo visto Dom falou com Brad e a poupou das notícias de sexta-feira à
noite.
? Se quiser falar sabe onde fica a minha sala ? ela se levanta e olha em meus olhos ? Posso apenas te pedir um favor? ? ela pergunta.
? Sim.
? Tente ser apenas humano. Viva e esqueça por alguns instantes a necessidade de ser perfeito. As pessoas sofrem e isso faz parte da vida, e não estou falando do que passamos
em nossa infância, estou falando da sensação de risco que a vida nos coloca ? ela dá a volta na mesa, beija minha testa e me deixa ali, jogado em meu amontoado de coisas elevadas
a serem atingidas.
Meu celular vibra e é Eugene avisando que Catharina ainda está na casa de Jackeline e isso me deixa menos preocupado, mas o dia ainda está começando.
Vejo um email de Dom e o abro. Ele está entrando na reunião com os japoneses e parece animado em dividir essa notícia. Lá são quase três horas da tarde
Quem diria que eu viveria para ver meu irmão irresponsável participando de uma reunião internacional para expandir a sua marca.
Afundo-me nos papéis que estão em minha mesa e tento não pensar sobre essa segunda-feira que começou turbulenta e está longe de terminar.
Observo o movimento do lado de fora do escritório e tudo começa a ganhar o ritmo do dia. Mas eu ainda estou perdido nos dias que acabei de viver e alguma coisa em mim está
diferente e eu me sinto frustrado por não conseguir detectar o que foi que mudou.
***
Catharina
Escuto Jackeline se aproximar. Estou encolhida no sofá e tentando pensar na reunião que vai acontecer em algumas horas. Estou também tentando me convencer de que os últimos
dias foram apenas dois dias perfeitos que podem muito bem se repetir com outra pessoa e em outro país. Estou fazendo isso desde que saí da cama e ainda não tive nenhum progresso.
? Vi que separou algumas coisas, aquelas duas malas você vai levar para Paris? ? Jackeline pergunta naturalmente como se minha partida estivesse sendo a coisa mais fácil do
mundo.
? Sim ? respondo e ela estica seus olhos para mim, me encara dos pés à cabeça e nega com a cabeça estalando a língua.
? Vai de pijama mesmo ou vai escolher uma camisola rendada para a reunião? ? ela aponta o indicador para meu pijama de bolinhas coloridas que simboliza uma pequena ponta triste
que cresce sem nenhuma razão. Tudo bem, eu tenho uma razão.
Olho para ela e não consigo uma resposta, não consigo fazer outra coisa a não ser olhar para ela e deixar meu desapontamento interno transparecer em meu rosto.
? Jackeline ? falo seu nome e ela me encara e se senta ao meu lado no sofá.
? Oi ? ela coloca a mão sobre a minha perna ? Por que não me diz o que está aí dentro te incomodando tanto ao ponto de deixar isso cravado nesse vinco entre suas sobrancelhas?
? ela diz e eu sei que meu rosto denuncia o quanto não estou bem.
? Acho que me apaixonei por ele ? confesso e olho para minha unha do dedo indicador.
? Não entendi, poderia explicar melhor? Fala isso e olha para a cor do seu esmalte? ? ela cruza os braços e se vira de frente para mim no sofá.
? Eu não paro de pensar em Paolo, nos dois dias em que vivemos intensamente, no nosso passeio de barco e no pôr-do-sol. Acho que foi durante esse passeio que eu entreguei
de maneira irreversível meu coração pra ele ? falo e Jackeline está com os olhos cerrados em minha direção.
? Bom, vamos entender alguns pontos. Um deles é o que você pode estar pensando sobre o homem que está comprando o império de seu pai. Se for esse o caso, entenda que Paolo
Bastilli é um homem de negócios e ele com certeza sempre vai pensar na evolução de seu patrimônio. Ele não está comprando por alguns trocados, ele está pagando o que vocês
aceitaram e vai saldar a dívida da Martinelli, que diga-se de passagem é gigantesca e por pouco os funcionários não ficaram sem salário e, o mais importante, eu não sabia
que o coração seguia uma diretriz coerente. Você está se culpando por estar apaixonada pelo homem que está fazendo o que seu pai pediu? Não foi isso que você me disse? Seu
pai exigiu que ele mantivesse o quadro de funcionários e, pelo que também me contou, isso consta em contrato ? Jackeline fala como se ele fosse um herói.
? Não estou me culpando e nem pensando sobre isso, estou apenas tentando entender como eu pude me deixar chegar a esse ponto. Eu sei que ele está fazendo tudo que foi acordado,
mas eu não queria que ele estivesse em meu coração, porque eu acho que não estou no coração dele ? tento explicar minha condição diante do Paolo e não diante de nossa operação
comercial que foi previamente estabelecida. Esse ponto não me incomoda, pelo menos não mais, porque eu sei que a Martinelli vai estar em excelentes mãos. E que mãos...
? Eu percebi isso mesmo, e achei que fosse coisa da minha cabeça, porque falou tanto do final de semana, com piscina, e alguns detalhes que me deixaram com inveja. Achei que
todo o carinho como falava o nome dele era um dos sintomas da paixão que está estampada em sua cara ? ela entorta a boca e nega com a cabeça. Sorrio para ela.
? O que eu faço? ? estou perdida.
? O que você quer fazer? ? é bom quando a resposta é outra pergunta.
? Você poderia não exigir de meu cérebro uma resposta? Por mim eu iria até ele e falaria que gostaria de apreciar a imagem dele guiando o Luna para o meio do oceano enquanto
seus olhos protegidos por seus óculos modelo aviador me espiavam de vez em quando. Eu poderia falar que ele fica bem segurando com firmeza o leme de seu veleiro de casco escuro
e velas brancas. Mas, eu não sei o quanto isso seria obviamente ridículo e unilateral.
? Catharina, o problema aqui não é o seu cérebro, é o seu coração que não é nada bobo e escolheu justo o solteirão molha calcinha de Gênova ? ela faz piada e levanta os ombros.
? Não quero ir para Paris, mas eu também não posso ficar aqui com esse maluco me ameaçando a todo momento ? desabafo e me levanto.
? Contou para Paolo sobre as ligações que recebi? Sobre o telefone da minha casa que não para e eu precisei tirá-lo da tomada? Contou para Paolo que ele esteve aqui essa madrugada
e, desde então, você está aqui nesse sofá como uma indigente e com um cabelo que Deus me livre? ? Jackeline se levanta e se aproxima de mim.
? Eu não achei necessário contar tudo isso, ia parecer um pedido de socorro desesperado ? sei me defender e não ia bancar a tonta que fica aos prantos por conta de um idiota
que está tentando me colocar medo. Apesar que ele está conseguindo.
? Ele pediu para avisá-lo e eu não entendo qual é o problema em se pedir ajuda quando se precisa dela ? Jackeline tem um modo menos complexo de enxergar a realidade.
? Não vou falar nada e isso é assunto finalizado, amanhã estaremos em Paris ? me levanto e tento mostrar uma animação sem convicção nenhuma. Eu quero é ficar com ele, mas
eu quero que ele também queira ficar comigo.
? Bom, você é quem manda, mas acho que está sendo orgulhosa, qual o problema de você pedir ajuda se está precisando? Mas você já determinou o que quer fazer ? ela fala e eu
tenho certeza que não sei o que quero fazer. Na realidade eu sei, mas ainda estou pensando sobre isso.
? Vai ser melhor assim ? falo e vou em direção ao quarto de hóspedes e eu sei que ela está vindo atrás.
Tiro meu pijama, vou até o banheiro e deixo que a água quente caia sobre mim.
? Mas o lance da paixão não é legal quando se pode dividir? ? ela pergunta assim que se senta no vaso sanitário.
? Eu divido com ele a minha paixão e ele divide comigo o quê? ? questiono no meio do barulho da água.
? O cara passa dois dias fazendo você atingir orgasmos intergalácticos, sai como chamada principal de um jornal e me entrega um cartão com todos os seus contatos caso haja
algum problema, acredito que ele tenha alguma migalha para lhe oferecer. Acorda, Catharina! Acho que ele tenha se apaixonado por você antes mesmo de você por ele ? ela fala
algo que me anima.
? Acha mesmo que ele possa também estar pensando em mim? ? pergunto com a animação adolescente da descoberta da primeira paixão do colégio.
? Acho? Não, minha amiga, esse homem fez em dois dias o que nenhum fez por mim em anos, se isso não for paixão eu mudo meu nome para Enganada Para Sempre ? ela faz piada e
eu sorrio.
? Fui a primeira mulher a velejar com ele ? falo e sorrio.
? Você já disse isso e se repetir que treparam em alto mar, eu vou descer e cortar meus pulsos ? ela se encara no espelho do banheiro que começa a ficar embaçado ? Vai lá
e fala o que está sentindo, ou está com medo de levar um fora? ? Jack brinca.
? Você tem razão, acho que vou me arrepender e muito se não tentar ? falo e ela começa a bater palma.
? É essa a Catharina que conheço. E pare de encarar esse encontro de negócios como está encarando ? ela me adverte.
? E como estou encarando?
? Acredita que assim que assinar os papéis seu elo com Paolo será rompido, por isso está com medo ? odeio quando terceiros tem razão sobre o que estou sentindo.
? Eu te odeio ? falo sorrindo.
? Eu sei, e por favor, se quiser trepar com ele sobre a mesa de reunião, faça ? ela diz e sai do banheiro.
Penso sobre isso e chego a conclusão que seria altamente excitante sentir Paolo dentro de mim sobre aquela mesa gigantesca.
11
Eugene está sentado à minha frente falando sobre os termos mais importantes do contrato e eu já sei tudo isso, mas ele insiste em me lembrar.
? Ela saiu ontem ou hoje pela manhã? ? pergunto.
? Como havia dito, ela não saiu de casa nem para ir até o quintal ? eu sei que ele havia dito, mas eu precisava confirmar.
? Quem está lá agora? ? pergunto sobre o segurança que está de plantão em frente a casa de Jackeline.
? Solomon ? ele responde.
? Bom ? falo e meu pensamento que deveria estar trabalhando em função de minha empresa não consegue se desligar de Catharina.
? Paolo ? Eugene me chama pelo nome e nesse momento eu sei que o assunto será pessoal.
? Sim?
? Se ela o faz perder o foco de algo que era tão primordial, como a Martinelli por exemplo, não acha prudente que ela saiba sobre isso? ? ele pergunta e eu levo meus olhos
até ele.
? Ela vai embora para Paris amanhã, vai recomeçar a vida dela e eu não posso ser o homem que vai impedir tudo isso ? desabafo mesmo querendo ser o homem que pode impedir tudo
isso.
? E se ela estiver esperando de você exatamente isso? ? ele me deixa em uma situação delicada, porque eu nunca precisei tomar essa decisão ? Para Salma foi um bracelete, conseguiria
fazer o mesmo com Catharina? ? Eugene tem razão.
? Não, não conheço nenhuma joalheria que venda um bracelete à altura de Catharina ? olho para a tela do meu computador e não vejo nada de importante.
? O conheço o suficiente para saber quando se sente derrotado, ainda não chegou nesse ponto e peço que não se deixe chegar ? ele fala e eu confio em Eugene por muitos motivos.
? Obrigado ? minha guarda está baixa e agora não é uma conversa entre patrão e funcionário, é uma conversa entre amigos.
? Falta uma hora para a reunião ? ele me lembra e se levanta ? Acredito que minha presença não será importante. Vou estar no departamento de recursos humanos analisando as
contratações ? ele diz e sai da minha sala.
Ela simplesmente poderia mudar de ideia e ficar, pelo menos por mais dois dias... ou mais. O final de semana passou rápido e agora essa segunda-feira se arrasta como algo
quebrado e velho.
Me levanto e vou para a sala de reunião.
Aviso Marília sobre o que preciso que seja servido durante a reunião e ela acata avisando à copa tudo que foi solicitado e eu me sinto como um adolescente e isso pode não
ser bom para os negócios.
Olho para a mesa e meu cérebro me leva a pensamentos nada apropriados com ela sobre essa mesa. A devoraria aqui mesmo, e não pensaria duas vezes em repetir.
Ela tem um corpo perfeito e um encaixe que nunca havia sentido antes. Nesse momento, eu lamento profundamente por não ser tão frio quanto pensei que fosse.
Meu celular recebe uma mensagem, é de Eugene avisando que ela está saindo agora da casa de Jackeline e meu coração me avisa que ele está ali. Gosto de pensar que em breve
ela estará chegando, vai entrar triunfante por aquela porta e eu vou fazer de tudo para que essa reunião não acabe tão cedo e, de preferência, termine em minha casa, comigo
dentro dela.
Vou até a vidraça e olho para os barcos, para os homens trabalhando e penso que a grande maioria no final do dia pode chegar em casa e encontrar suas esposas, filhos e mesmo
não querendo, acabo comparando com a minha vida. Quando chego em casa, eu encontro a mim mesmo.
Observo dois homens conversando e apontando para o barco, imagino o que eles possam estar sugerindo, ou analisando sobre a embarcação.
Fico por algum tempo olhando a vida alheia e esquecendo um pouco da minha, até que escuto a porta se abrindo, se fechando e sinto o perfume que reconheceria em qualquer lugar
nesse mundo.
? Tenho a sensação de já ter visto essa cena antes ? ela me remete à primeira vez que estivemos nesta sala.
? Isso está se tornando uma tortura ? fecho as persianas e isolo a sala do mundo. Ando em direção da loura que sabe como se vestir e sabe o que fazer quando está nua. Aproximo-me
de Catharina e olho dentro dos seus olhos, a marca roxa abaixo de seu olho já pode ser coberta com sucesso pela maquiagem.
? Estou tentando me livrar disso mas é praticamente um tipo de carma ? ela sorri e eu ajo como alguém irresponsável e que não parece nem um pouco com um diretor de uma corporação.
Agarro-a e a beijo como se fizesse anos que não a tocava, sinto seus lábios macios, mentolados e viciantes e consigo sentir o gosto de seu corpo todo, como se o beijo desencadeasse
tudo que existe dela em minha memória.
? Amanhã vai estar livre ? minha voz sai mais triste do que planejei e isso pode não ser bom para os negócios, ou para mim.
? Ansioso por isso? ? ela pergunta e deixa espaço suficiente para minha imaginação.
? Pelo nosso encontro? ? pergunto.
? Não, ansioso para ficar livre de mim também? ? ela sorri e eu volto a beijá-la.
Prefiro não responder e a suspendo facilmente, fazendo com que ela solte suas coisas no chão. Ela usa um conjunto de calça justa ao corpo e um terninho que possivelmente foi
escolhido por conta do tempo que resolveu mudar essa manhã. A chuva foi embora, mas o frio está por aqui.
? Então, vamos terminar logo com isso ? ela ainda está sorrindo e fala com a boca colada na minha e eu não deveria estar tão animado com isso. Eu já saí com mulheres lindas,
ricas e gostosas. Mas é como se tudo isso não tivesse mais sentido.
Solto-a e deslizo minhas mãos em seus cabelos ? Você está linda ? a elogio antes que meu peito exploda.
? Gostou da roupa? ? ela faz charme.
? Me referia aos seus olhos ? faço com que sua boca se abra e seu queixo caia, vagarosamente.
Guio-a até a mesa e indico lugar para ela se sentar e ela o faz.
? Você deixou um homem na frente da casa de Jackeline desde ontem? ? ela pergunta.
? Tecnicamente quem deixou foi Eugene a meu pedido ? me sento de frente a ela, eu na ponta da mesa e ela no canto. Estou evitando grandes distâncias enquanto ela estiver na
minha presença.
? Me deixou tranquila depois que ele se identificou ? ela fala e coloca o cabelo atrás da orelha ? Meu advogado deu o ok sobre o contrato. Poderemos finalizar toda a negociação
desta vez.
Alcanço um dos contratos que está sobre a mesa.
Catharina pega uma caneta dentro de sua bolsa que havia retirado do chão e colocado sobre a mesa em frente a sua cadeira e começa a assinar.
Pego a caneta que está na parte interna do meu paletó e olho para ela assinando cada página e seus olhos se perdem e eles devem estar em seu pai, que lutou e muito para que
isso não acontecesse.
Ela termina de assinar e olha para mim e eu começo, assino a primeira página, sem pressa, agora não existe mais a ânsia em ter uma Martinelli que fabrica barcos. Eu agora
quero a Martinelli que nada nua e me enlouquece apenas por me olhar como me olhou durante dois dias.
Assim que assino a última página, encaro seus olhos azuis e eu não gostaria que ela estivesse triste, por que eu sei que ela está, mas está disfarçando.
Os papéis que tanto almejei estão ali, de lado, assinados, e parecem não ter mais tanta importância. Ela é dona de minha total atenção nesse momento
Marília bate à porta e entra com o que pedi para ser servido, um café da manhã, mas no período da tarde. O café da manhã que não tomei essa manhã, e tudo por causa dela, ela
não estava lá.
? O almoço acabou há pouco tempo, ainda está com fome? ? ela pergunta.
? Não tomei café da manhã hoje e não gosto de pular refeições ? respondo e coloco suco para ela sem ao menos perguntar se era isso mesmo que ela queria.
? Acordou atrasado? Amira não foi trabalhar? ? ela pergunta sorrindo.
? Não ? coloco suco para mim ? Você não estava lá ? respondo e vejo seu rosto formar um semblante feliz e isso me faz sorrir.
? Se o problema era esse, poderia ter me ligado. Eu pegaria um taxi e faríamos a refeição juntos ? ela pega um pedaço de corneto sem nenhum recheio e coloca um pouco de geleia.
O canto de sua boca fica sujo, cor de morango, e eu passo meu polegar suavemente e o coloco em minha boca.
? Então, seriam várias refeições ? me levanto e vou até a porta e a tranco ? Escute ? falo ainda segurando a maçaneta ?, eu não fico perdido em nenhuma situação, mas você
saiu da minha casa e me deixou totalmente deslocado. Não consigo não pensar em você ? assumo porque eu não quero que ela vá para Paris ou para qualquer lugar que seja a dois
palmos longe de mim.
? Temo que poderá passar fome então ? ela se levanta e desabotoa seu terninho, calmamente.
? Tenho a sensação de já ter visto essa cena antes ? repito sua frase, mas me lembro quando tirou a minha camisa em meu escritório e eu peço que ninguém bata nessa porta enquanto
eu não terminar o que pretendo fazer.
? Isso está se tornando uma tortura, não acha? ? ela repete a minha frase assim que termina de tirar o terno e agora vejo que sob ele há apenas o sutien de renda, quase no
mesmo tom de rosa que sua roupa. Ela desabotoa sua calça, desce o zíper, se livra dos saltos e se coloca à minha frente apenas de lingerie
? Tenho pensado sobre isso e acredito que seja realmente um carma ? sorrio e estou a poucos passos dela, minha calça pouco consegue fazer para disfarçar o que estou sentindo.
? Fique tranquilo, amanhã você vai estar livre ? ela pisca e eu vou em sua direção rapidamente, a beijo com tanta vontade que busco mais oxigênio sem sair de sua boca.
? Não quero ficar livre ? confesso e percebo-a sorrindo.
? Fiquei com medo de ser a única a querer mais disso ? ela fala e eu desço o zíper da minha calça e não me preocupo com o que realmente deveria me preocupar. Levo-a para a
mesa, ao lado do café da manhã servido no período da tarde.
Sento-a e beijo sua boca um pouco antes de tirar seu sutien e deitá-la sobre a mesa. Alcanço a geleia e coloco meu indicador dentro do pequeno pote e o sujo o suficiente para
poder sujar o que preciso nela.
Passo o dedo em seu mamilo e desço a minha boca até ele e o sugo, ela geme e eu empurro sua calcinha de lado, e roço meu membro em seu sexo já molhado o suficiente para me
deixar ainda mais duro.
? Gostei dessa geleia, mas acho que não a usaria em um pedaço de pão ? me enterro nela e ela solta um gemido baixo, discreto e eu tento não acelerar o que precisa ser demorado.
Ela se senta e enlaça meu corpo com suas pernas e puxa meu rosto para perto do dela e eu a beijo. Entro vagarosamente e saio tão devagar quanto e os minutos que deveriam não
existir mais passam e quando percebo me esvaio dentro dela e ela faz o mesmo ao meu redor.
Abraço-a e nossas respirações parecem que já sabem uma da outra, assim como o meu corpo já reconhece o dela e tudo aqui tem um encaixe que não deveria ser assim, tão perfeito.
Fico ali por alguns instantes, beijo seu ombro e saio calmamente e espero que o tecido escuro do meu terno não delate o que acabou de acontecer.
Recomponho-me e a ajudo a fazer o mesmo, minutos depois estamos vestidos nos encarando e eu tentando ser menos explícito em relação a ela. Mas agora evitar isso é tarde demais.
? Eu também não consigo parar de pensar em você e isso é tão intenso que parece que se eu for para Paris, será o maior erro de toda a minha vida ? ela fala e se aproxima de
mim ? Acho que aqui dentro você se tornou uma espécie de herói, primeiro, por me defender e depois, por aceitar a condição sobre os funcionários da Martinelli. Eu sei que
isso foi contra a sua vontade, mas você cedeu ? ela desliza as mãos em meus cabelos e eu gosto de olhar para ela assim, quando ela está falando e sua boca se faz ainda mais
atraente.
? São coisas diferentes, Catharina. Não admito um homem bater em uma mulher, nunca admitiria ? falo e ela se aproxima e beija a minha boca.
? São iguais, só muda o ponto de vista ? ela justifica e anda até as persianas e as abre, iluminando ainda mais a sala de reunião.
? Presenciei meu pai espancando minha mãe durante anos, depois eu também fui vítima, mas quando Sofia nasceu, eu precisava defendê-la, mas eu ainda era muito novo ? falo e
permaneço no mesmo lugar ? Mas uma noite, quando pensei que minha mãe fosse morrer, algo me ajudou a enfrentá-lo, e eu gritei e na manhã seguinte eu prometi a mim mesmo que
nunca mais permitiria isso, nem comigo e nem com ninguém ? essa é a primeira vez que falo isso para uma mulher e me sinto bem.
Ela se vira e fica de frente para mim. Aproximo-me e encosto na mesa, de frente para ela e para a vidraça.
? Todo mundo aprende alguma coisa boa de algo ruim, mas eu sei que você tem um bom coração, mesmo tentando disfarçar o tempo todo ? ela sorri e eu a puxo para perto de mim.
? Eu precisei aprender ? falo e ela me beija.
? Acho que vou ter que cancelar a minha viagem para Paris ? ela diz e volta a me beijar.
? Se não estiver disposta, eu mesmo cancelo para você ? sorrio e ela também ? Talvez sua amiga fique chateada em ter que viajar sozinha ? falo e mexo em seus cabelos.
? Ela foi a primeira a me chamar de idiota caso não encarasse o que estou sentindo ? ela diz e isso me anima, não estou sozinho nisso e acho que podemos resolver.
? E o que está sentindo?
? Você ? não encontro nenhuma resposta à altura e ela tem feito isso comigo, ela tem me deixado grande parte do tempo com mais dúvidas do que respostas ? Mas, você sabe que
tenho um problema, tenho receio que Anderson faça alguma coisa com você ? ela se mostra preocupada e a única coisa que me preocupa é eu não estar por perto caso esse imbecil
apareça.
? Não precisa se preocupar comigo ? puxo seu rosto para perto do meu e a beijo. Não consigo localizar em minha memória um momento em minha vida em que eu estivesse sentindo
isso que estou sentindo.
? Viu? Você é bom, não quer nem que eu me preocupe ? ela sela a minha boca e caminha em direção à sua bolsa. Seu celular está tocando e ela olha para o visor e o joga dentro
da bolsa de novo.
? Era ele? ? pergunto seco.
? Não importa ? ela responde e se senta.
? Claro que importa, não gosto de homens ligando para minha namorada ? ela sorri.
? Sim, ele não para de ligar e está acabando com a minha saúde mental desde ontem, depois que você foi embora ? fecho meus olhos e não consigo entender por que só agora estou
sabendo disso.
? E posso saber por que não me ligou? Acredito que tenha deixado claro que deveria me ligar caso acontecesse alguma coisa ? ela me olha assustada ? E não me olhe como se não
soubesse que sou assim ? ela sorri, se levanta e vem em minha direção.
? Achei que tudo era por conta de nossa negociação ? ela para diante dos meus olhos e me enfrenta.
? Até foi, mas então, você resolveu entrar na minha vida e acabou com todos os meus planos de uma única noite ? sorrio para ela e ela me beija.
? Você tirou algo bom de uma situação ruim, gosto de saber que aí dentro tem um caráter digno ? ela mexe em minha gravata.
? Posso ser mau também, não se iluda ? beijo sua testa e fico com ela ali, em meus lábios, sem pressa, sem a pressa que sempre tive e que nunca me trouxe isso.
? Duvido muito ? ela mexe em meus cabelos e o celular dela toca novamente.
? Poderia por gentileza pegar o seu celular e entregá-lo na minha mão? ? ordeno.
Ela vai até a bolsa e no instante seguinte o aparelho está em minha mão como solicitado. Ela nem olha para a tela e me entrega.
Vejo o nome que está ligando e é Jackeline, devolvo o celular para ela e ela gargalha da situação. Eu não, permaneço sério e espero que ela atenda.
? Alô ? ela atende sorrindo ? Claro que não esqueci, vamos sim, a reunião já acabou ? ela sorri e me encara ? Não posso falar sobre isso agora ? ela está olhando para o meu
rosto ? Sim, estou com ele, estou te esperando, um beijo ? ela desliga e eu permaneço sério.
? Alguém já te informou que quando está bravo fica ainda mais sexy? ? ela se aproxima de mim.
? Onde você vai? ? não me importo muito com seu elogio, ela está sob ameaça e ainda quer andar por aí como se absolutamente nada estivesse acontecendo.
? Jackeline quer comprar algumas coisas para a viagem e me pediu para ir junto com ela ao shopping ? ela responde com a cara mais linda do mundo e eu não ando muito forte
com essas feições de Catharina.
? Você sabe que alguém vai estar por perto e, caso precise, não hesite em pedir ajuda ? falo e ela acena que sim com a cabeça. Beijo sua testa e ela se afasta, alcançando
o copo e a jarra de suco.
? Não vai acontecer nada ? ela diz com tanta convicção ? Eu prometo.
? Sou bom em cobrar promessas ? sorrio para ela e a beijo.
? Você me contou algo sobre o seu pai, vou contar algo sobre o meu ? ela diz e eu me encosto na mesa e cruzo meus braços.
? Então me conte, mas espero que seja algo diferente do que eu lhe contei ? falo e ela acena que sim.
? É bem diferente, acredite ? ela coloca o copo sobre a mesa e para novamente na minha frente ? Eu e meus irmãos estávamos na casa da minha avó paterna em Roma e meu pai estava
aqui em Gênova, sozinho, para fechar alguns acordos na época e eu não me lembro muito bem o que eram. Nessa mesma época, Gênova só tinha um assunto, segundo meu pai, a inauguração
do aquário ? ela fala e me lembro nitidamente dessa inauguração, eu estava lá com Sofia ? Então, meu pai resolveu conhecer o lugar. Foi sozinho e não ficou muito tempo, não
há muito o que se fazer lá sem crianças. Quando ele saiu, ele conta que havia duas crianças sentadas perto da entrada, não me lembro se ele falou se elas estavam na escada
ou algo assim. Meu pai se aproximou delas e perguntou: Vocês não vão entrar? ? o mundo lá fora parou, eu sei que parou, e um aperto em meu peito se revirou como se pegasse
fogo assim que ela falou isso ? A menina abriu a palma da mão e mostrou poucas moedas e não era o suficiente para a entrada. Meu pai em mais um gesto de desprendimento financeiro
os levou até o guichê, pagou a entrada de todas as atrações e ainda lhes deu mais algum dinheiro para comerem. O menino que estava junto foi agradecer grandiosamente pelo
ato de meu pai, então meu pai disse: Não me agradeça, mas se tiver a oportunidade, faça por outra pessoa ? ela conclui e meu coração está pequeno demais nesse momento. É como
se eu voltasse no tempo e visse o rosto de Sofia sorridente por termos conseguido entrar no aquário.
O telefone dela toca novamente, ela pega e diz que é Jackeline, ela atende e começa a falar com a amiga. Estou perdido dentro de uma parte do meu passado que classifico como
boa e eu a olho, falando sorridente, como se o mundo não quisesse lhe fazer mal algum.
? Jackeline chegou ? ela diz ? Preciso ir ? ela se aproxima de mim e estou preso dentro do meu corpo, um grito está entalado em meu esôfago e eu sei que não posso gritar.
? Posso buscar você na casa de Jackeline assim que chegarem? Passe a semana em minha casa ? peço.
? Assim que eu chegar eu te ligo, mas não pense que vou devolver as suas roupas ? ela se aproxima e beija a minha boca ? Elas têm o seu cheiro e estão guardadas com as minhas
coisas ? ela desliza sua mão em meu rosto e eu fecho meus olhos.
? Pode ficar, você tem muito mais de mim do que uma troca de roupas ? seguro forte seu corpo contra o meu e a beijo, forte, de maneira intensa e a deixo partir.
A porta da sala de reunião se fecha e eu me lembro de cada minuto daquele dia, e me lembro de todos os dias em que voltei ao aquário para tentar agradecer àquele homem. Lembro
que Sofia comprou um carrinho em vez da pipoca e levou para Dom. Ela é a culpada pelo gosto por carros que meu irmão tem.
Franchesco Martinelli foi o responsável pelo dia incrível que tive em minha infância, acredito que esse dia tenha sido o único.
Pego meu celular e ligo para Eugene.
? Poderia vir até a sala de reunião? ? pergunto e não me reconheço mais. O que Catharina fez comigo?
Eugene assente e eu desligo.
Passei um mês visitando o aquário, mas não entrava, ficava ali na entrada, engraxando sapatos e esperando que aquele homem aparecesse e eu lhe engraxaria os sapatos de graça
para sempre.
Escuto alguém bater à porta e eu peço que entre.
? Posso ajudar? ? Eugene pergunta.
? Sempre. Catharina vai sair com Jackeline, quero alguém de olho nelas, parece que houve algumas ameaças e eu não duvido do que Anderson seja capaz de fazer ? falo.
? Solomon saiu agora mesmo com o carro e está acompanhando ambas, fique tranquilo ? Eugene algumas vezes está a um passo na minha frente.
? Obrigado.
? Mais alguma coisa, senhor?
? Sim, Eugene, preciso de mais um grande favor.
12
Jackeline acelera o carro e está sorridente, e eu também.
? Você sabia que o cara que passou a noite toda na porta da minha casa agora está nos seguindo? ? Jackeline pergunta.
? Sim... Paolo ? sorrio e ela me olha negando com a cabeça.
? Amiga, você é a personificação da palavra sorte. Sai de uma merda de relacionamento e cai de cara no pau de Paolo, não precisa de mais nada nessa vida, só agradece a papai
do céu e pronto ? Jackeline me faz gargalhar.
? Vou passar a semana na casa dele ? falo e ela olha para mim e começa a gritar comemorando.
? Catharina, eu te juro, uma semana trepando com ele? Eu não precisaria nem de aumento, um copo de água e pacote de macarrão instantâneo já me bastaria ? ela faz piada e nem
parece que estou passando por uma situação bem delicada, ameaça e a Martinelli que agora não é mais de minha família.
Minutos depois, Jackeline estaciona o carro no Fiumara, um shopping muito popular e está sempre lotado. O carro do segurança de Paolo para exatamente ao lado do nosso e eu
até espero que ele vá descer, mas ele não o faz.
Entramos no shopping e Jackeline estava com uma lista de coisas para comprar.
? Jackeline, você está indo para Paris, por que vai gastar dinheiro aqui em Gênova? ? pergunto e entramos em uma loja de malas de viagem.
? Mas eu preciso de uma mala de viagem nova, a minha foi destruída na última viagem? ela diz e sorri.
? Lamento por você ir sozinha, iríamos ficar juntas e poderíamos fazer muita coisa ? falo e ela me olha.
? Não lamente, não estou indo sozinha, assim que foi para reunião, transferi sua passagem para uma outra pessoa. ? Ela levanta os ombros e sorri.
? Sua aproveitadora! É o... ? ela me interrompe.
? Não, estou fazendo uma sessão de terapia intensiva com meu passado ? ela fala e olha para uma mala gigante vermelha ? Terminei com o atual e Mike me ligou em seguida e aí,
quando me dei conta, estava transferindo sua passagem para ele ? fico feliz por ela. Mike foi o cara do passado que sempre está no presente e ela sempre fazia planos para
o futuro com ele.
? Aproveite ? falo e ela sorri.
? Eu vou ? ela aponta para uma mala do outro lado e solta um grunhido estranho e eu fico com vergonha, mas mesmo assim a acompanho.
? Poderia ser mais discreta ? peço e seguro uma bolsa de mão ? Olha essa que linda ? mostro para ela e ela a pega na mão.
? Catharina? ? escuto alguém falando meu nome e eu me viro para ver quem é a mulher que está me chamando.
? Não acredito! Jill! ? uma grande amiga de Paris que se mudou para Gênova com o marido e os dois filhos há um pouco mais de um ano ? Como você está linda! ? passo a mão em
sua barriga de grávida.
? Linda está você. Grávidas são um problema no quesito beldade e você não imagina mas aqui dentro são duas meninas ? ela fala e eu a abraço. Lembro que uma vez falei para
ela que gêmeos eram tudo de bom por conta de ser um trabalho só e seria um número legal de filhos.
? Jill, você vai ficar com dois casais, muito legal ? a elogio.
? Vem aqui, Gary está la fora e vai gostar de ver você ? ela menciona o irmão gay dela que também estava em Paris, mas escolheu Gênova assim que visitou Jill pela primeira
vez. Adorava fazer compras com ele, ele sempre sabia o que estava na moda e o que era tendência.
Olho para Jackeline que está analisando quatro malas diferentes ? Jack, estou aqui na frente da loja ? falo e ela acena de maneira positiva com o dedão.
? Jill, e sua mãe e os meninos? ? pergunto e saímos da loja, vejo os meninos correndo animados com um balão em cada mão.
? Ela está morando com a minha tia em Veneza. Try e And, venham aqui, onde está o seu tio? ? Jill chama pelos meninos que devem ter sete e oito anos. Os meninos apontam uma
loja de relógio e eu sei que isso é a fraqueza de Gary.
Um dos meninos passa correndo na minha frente e uma pequena turma de turistas se aproxima e as crianças estão correndo em volta da gente. Jill as segura pelo braço ? Catharina,
me envie uma mensagem, vamos marcar alguma coisa? ? ela pergunta.
? Com toda a certeza ? respondo e passo a mão sobre a cabeça dos meninos que não param.
? Eu preciso ir, era para o Gary tomar conta deles, mas ele não consegue e no meio do caminho acaba desistindo ? ela beija meu rosto e vai em direção à loja.
Viro-me para entrar na loja onde Jackeline agora analisa seis malas diferentes e novamente escuto meu nome.
? Catharina ? agora é um homem, me viro e me assusto.
? Gary! ? o abraço e ele me gira no meio do corredor do shopping e quase perde o equilíbrio.
? Cat, sempre linda. Estou aqui com a minha irmã e com aquelas duas promessas que ela tem, porque depois de aguentar aqueles dois o dia todo, eu tenho certeza que não fico
devendo mais nada para Deus ? dou risada.
? Eu sei, ela foi atrás de você, ela está com os meninos e eles são agitados demais ? gargalho.
? Agitados? Aquilo é um brinde do manicômio ? dou risada e ele me abraça forte ? Você não fica feia, não fica velha, acho que você tem algum segredo ? ele brinca.
? Sexo ? zombo.
? Ah, eu sabia, é o mesmo segredo que o meu ? gargalhamos juntos e ele suspende o rosto e vê a Jill chamando-o ? Minha deusa, preciso ir, mas vou te encontrar nas redes sociais
e vamos sair para beber alguma coisa que me faça esquecer aquelas duas crianças que ficam comigo o dia todo ? ele beija meu rosto, se despede e vai embora.
Gary é o cara que todo mundo ama, e quem não o ama, possivelmente tem desejo de matá-lo.
? Apenas ande ? escuto em minha nuca ? Não olhe para trás, não faça nada que possa fazer essa faca atravessar seu rim ? sinto algo me espetando e eu gostaria muito que Jackeline
saísse de sua dúvida e viesse me procurar. Anderson me empurra e me leva para a saída oposta de onde entrei. Caminhamos por dez minutos no meio dos carros e chegamos a um
carro de passeio e convencional, não chama muito atenção.
? O que você quer? ? pergunto e outra pessoa abre a porta lateral da van.
? Eu vou te explicar no caminho ? alguém aproxima um lenço do meu rosto e por mais que eu tente escapar, agora tudo está mais quieto. Um silêncio quase que palpável e o rosto
de Paolo diante dos meus olhos no momento em que eu disse: Eu prometo.
***
Paolo
Eugene me olha como se não entendesse nada, mas em nenhum momento ele coloca sua opinião.
? Paolo ? ele diz meu nome novamente e acredito que estou mais exposto do que imaginava.
? Sim?
? Tem certeza de tudo isso? ? ele pergunta e coloca o dedo indicador sobre os papéis que estão na minha mesa. Olho para fora da minha sala e vejo que não tem mais nenhum funcionário
do departamento.
? Sim ? olho para ele e ele sorri.
? Está fazendo algo grandioso o suficiente para ser lembrado ? ele diz.
? A minha meta é apenas não ser esquecido. Preciso fazer isso, é mais por mim do que por qualquer outra pessoa, acredite. Existe uma dose exagerada de egoísmo nessa atitude,
é a forma que estou encontrando de ficar em paz ? explico e volta a sorrir.
Eugene se levanta e começa a organizar seus papéis dentro de sua pasta e seu rosto está feliz, como se ele estivesse orgulhoso do que estou fazendo. Mas, como disse, estou
fazendo por mim.
Meu celular toca e eu não reconheço o número.
? Paolo ? atendo.
? Paolo, é a Jackeline, Catharina desapareceu ? a voz dela é desesperada e eu me levanto em um salto da minha cadeira.
? Eugene ? o chamo, seu rosto agora está alarmado ? Catharina desapareceu, ligue para Solomon.
? Jackeline, onde vocês estavam? ? pergunto e vejo Eugene ligando para Solomon.
? No shopping Fiumara. Estávamos vendo algumas malas e uma amiga dela apareceu e ela foi para fora da loja e eu não estou encontrado ela. Já liguei para o celular, mas cai
direto na caixa postal ? sinto um sinal péssimo vindo do meu instinto.
? Tinha um segurança com vocês, onde ele está?
? Ele estacionou o carro do lado do meu e ficou nos esperando no estacionamento.
? Fique aí, chego em alguns minutos e não desligue o celular ? peço e desligo a ligação.
? Conseguiu falar com ele, Eugene?
? O celular só chama, Solomon não deixaria de atender ? conheço Solomon, ele não esperaria por elas no estacionamento, ele provavelmente esperou que elas se afastassem e andaria
na espreita sem levantar suspeitas. Aconteceu alguma coisa e não foi apenas com Catharina.
? Vamos ao shopping, possivelmente as câmeras gravaram alguma coisa ? falo e saímos em seguida.
Estaciono o carro e retorno a ligação para Jackeline.
? Onde você está? ? pergunto.
? No corredor principal, estou com os seguranças e eles estão solicitando as gravações das câmeras ? ela fala e eu vejo um aglomerado de pessoas com uniforme e Jackeline gesticulando.
Ando rapidamente em sua direção e ela está apavorada.
? Paolo, foi uma questão de cinco minutos. Já a procuramos, anunciamos pelos alto falantes, os seguranças já procuraram em todos os pontos, eu não sei ? ela anda e tenta fazer
uma ligação ? Caixa postal de novo.
? As gravações desse corredor, isso não pode esperar. Ela estava sofrendo ameaças e havia um segurança com ela ? o rádio de um deles chama e eu escuto o momento em que ele
fala que um homem foi encontrado desacordado ao lado de um carro. Eugene pergunta onde o homem foi encontrado e um dos homens se oferece para levá-lo até o lugar.
Um homem se aproxima e nos leva para uma sala de segurança na administração do shopping.
Colocam-nos diante de uma tela e as imagens do horário começam a aparecer, e de repente Catharina sai da loja, fala com uma mulher aparentemente grávida, depois um homem a
cumprimenta de uma maneira que não aprovo e a gira. Ninguém tem o direito de tocar em Catharina. Ela não sabe, mas ela agora é minha.
De repente, na imagem, um homem que conheço bem a leva para fora do shopping. Os seguranças vão trocando de câmera e acompanham cada passo dela até ela entrar em um Panda
Cross, da marca FIAT.
? Anderson Tavarin ? Jackeline fala e eu me levanto e ligo para Eugene.
? Eugene ? eu o chamo assim que ele atende ? Foi Anderson, Panda Cross, da marca FIAT, consegue mais alguma informação com o departamento de polícia? ? pergunto.
? Sim, Solomon levou uma pancada na nuca, mas já foi socorrido e está a caminho do hospital ? ele me passa a informação e desliga em seguida.
? Vocês conhecem esse homem? ? um dos homens pergunta e outro está ligando para a polícia .
? Ele é um ex-namorado que a agredia e ela terminou tudo. Ele a vinha ameaçando o tempo todo, chegou a ir na minha casa essa madrugada, mas Paolo ? ela aponta para mim ? colocou
um segurança e isso o deixou com medo e ele foi embora sem fazer nada. Mas as ligações continuaram e estávamos tranquilas porque tinha alguém conosco ? Jackeline está tremendo
e um homem chega com um copo d'água para ela.
? Calma, vamos ajudar em tudo que for preciso ? um dos homens fala.
? Calma? Sabe o que essa mulher tem passado e não fez nenhum alarde porque a família já estava com problemas o suficiente perante a mídia? Catharina não merece isso ? ela
se emociona e sinto um aperto aqui dentro. Eu conheço isso, o nome disso é pena, eu senti isso muitas vezes ao ver minha mãe dormindo no chão porque o homem bêbado a obrigava
a fazer isso.
Não vou responder por mim se eu encontrar esse filho da puta.
***
Catharina
Abro meus olhos e me sinto confortável. Uma iluminação quase nula vem de um abajur ao lado da cama sobre o criado mudo. Estou quase nua, usando apenas uma calcinha em uma
cama de casal gigante com um edredom branco e fofo. Tudo cheira a limpeza e por um segundo pensei que pudesse estar na minha casa. Mas olho ao meu redor e percebo que não
estou.
Tem um quadro na parede, uma imitação barata de Monet, a janela está fechada e trancada com um cadeado.
Me lembro do shopping, de Jackeline e Jill, me lembro de Gary e das crianças correndo. Paro e respiro fundo, posso escutar a voz de Anderson na minha nuca e me lembro de algo
espetando as minhas costas, ele estava com uma faca.
Escuto uma porta se abrindo e homens conversando, escuto o som de sapatos pisando firme na madeira, estão caminhando pelo corredor e sinto medo. Temo pelo que possam fazer
comigo, estou nua e eu não sei quem Anderson trouxe para esse serviço.
? Cala a merda da boca, Jorge! ? assim que escuto o nome me deito onde estava e fecho meus olhos. Eles estão chegando.
? Seu imbecil, por que tirou a roupa dela? Está maluco? E quanto você colocou no que aplicou nela? Ela está demorando para acordar, preciso dela bem acordada para assinar
o que preciso ? tento respirar o mais calmamente possível.
Sinto meu corpo sendo coberto pelo edredom e alguém mexe em minha perna devagar tentando me acordar do suposto sono. Minha consciência se retoma por completo e eu sei quem
é você, Jorge, trabalhava na casa de meu pai e foi dispensado por roubo, mesmo depois de tudo que meu pai fez pela sua família.
? Vamos, uma hora ela vai acordar e não vai ter por onde sair se não pela porta da cozinha. Quem mais tem esse endereço? ? Anderson interroga Jorge.
? Minha tia, mas ela está em Ligúria ? Jorge responde e sinto sua voz trêmula.
? Coloque fogo na roupa dela e no celular, mas faça isso no quintal dos fundos e não aqui na frente ? Anderson acaba de me dar a localização de onde estou dentro da casa ?
Assim que terminar isso, me ajude a colocar aquelas caixas que estão la no fundo em meu carro, essa mercadoria sem nota fiscal pode me dar problema ? maldito me sequestra
e está com medo de ter problemas com a receita.
Eles se afastam e eu vejo o momento em que eles trancam a porta. Espero alguns minutos até que os passos deles desapareçam e me levanto rapidamente e tento abrir o cadeado.
Tento espiar pela fresta da janela e vejo que está escuro, estou no quarto de frente para rua e escuto novamente os passos.
A porta se abre e Jorge explica que está fazendo muita fumaça o fogo que colocou em minhas coisas e Anderson parece infeliz com isso.
? Não tenho tempo para você agora ? ele diz e se aproxima de mim. Sinto medo.
? Minha linda, acorda, temos uma viagem para fazer ? ele fala e me chacoalha ? Jorge, pega uma jarra d'água para mim, vou acordar essa vadia e me mandar daqui. Ela precisa
transferir o dinheiro para minha conta, não posso mais ter problema com Saramago ? Jorge se afasta e vai em direção à escada e volta no instante seguinte com uma jarra d'água.
Agora não há o que ser feito. Não vou conseguir fingir mais nada e só espero que esse seja o pior ponto desta noite.
***
Paolo
? Sim, Eugene ? escuto o que ele diz ? Quantos possíveis endereços? ? Eugene está na delegacia e eu estou na casa de Catharina com Jackeline ? Algum perto de onde estou? ?
Eugene sabe que estou aqui buscando algo que possa ajudar a localizar Catharina ? Dois? Me passe o endereço ? peço e ele avisa que um deles é o mais suspeito e ele está indo
para lá junto com uma viatura.
Desligo o telefone e Jackeline vem em minha direção.
? Paolo, olha isso ? ela me entrega um iPad e aperta play
"Oi
Sou Catharina Martinelli, e normalmente meu olho não tem esse tom roxo coberto com maquiagem. E normalmente esse tipo de coisa não deveria acontecer, mas estou sendo coagida
a entregar uma determinada quantia a Anderson Tavarin e ao que tudo indica ele está devendo para um agiota e está sendo ameaçado. Acho que estou gravando isso porque tomei
uma garrafa de vinho com uma companhia excelente, que me fez esquecer a merda toda que está acontecendo, meu pai perdendo sua empresa, eu apanhando todas as noites e sofrendo
ameaças e me sentindo culpada por ser a responsável por assinar o contrato que vai mudar completamente o destino da Martinelli. Eu sei que Paolo vai fazer um bom trabalho,
ele é habilidoso e estava comigo até agora há pouco e isso me fez feliz. Estou com medo de morrer."
O vídeo acaba e eu coloco o iPad sobre a mesa da sala e me sento no sofá.
? Eu imaginava que ela estava apanhando, e agora tento imaginar o quanto ela se sentiu sozinha com tudo acontecendo ao mesmo tempo ? Jackeline fala e eu não consigo pensar
em muita coisa a não ser acabar com a vida desse bastardo.
? Eu não sei o que posso fazer com ele se eu o encontrar ? falo apenas isso e me levanto, ando em direção à porta e saio da casa. Aqui dentro tem uma espécie de explosão raivosa
acontecendo e estou me controlando com punhos fechados. Sei que Jackeline me deixou sair sozinho e isso é bom, eu não sei o que poderia fazer.
? Eu vou até o quarto dela, de repente encontro alguma coisa, não sei ? Jackeline fala da porta, se sentindo tão perdida quanto eu.
Olho para lugar algum e meu celular toca.
? Sim ? é Eugene.
? A polícia localizou a casa, encontraram Catharina ? ele fala ? Vou te enviar o endereço, mas, por favor, tente manter a calma ? ele pede o impossível ? Um vizinho fez uma
denúncia anônima, sobre um movimento suspeito ? ele conclui.
? Ela está bem? ? é minha única preocupação.
? Está em choque, mas está bem ? ele responde e eu vejo que ele mandou o endereço por mensagem e avisou que também estava a caminho.
Desligo e saio, nem me lembro se Jackeline estava comigo e acho melhor ela não presenciar o que vai acontecer.
Entro no meu carro e acelero.
Chego no endereço minutos depois. Viaturas estão sobre o gramado, os vizinhos estão olhando e eu freio o carro bruscamente e ando em direção à casa e a única coisa que enxergo
é vermelho à minha frente. Alguns policiais tentam me impedir de entrar e eu não faria isso se fosse eles.
? Ela é a minha mulher ? falo e eles abrem passagem.
Entro na casa e procuro por Catharina, até que vejo algumas policiais em um quarto no fim de um corredor e vou até lá. Ela está sentada na cama, enrolada com um edredom e
uma policial está falando com ela. Ela não consegue me ver, a policial está impedindo.
Me aproximo rapidamente dela e me ajoelho à sua frente.
? Oi ? foi a única coisa que ela me disse e seu rosto estava machucado, sua testa tinha um corte pequeno e ela estava chorando. Aqui dentro algo doeu ainda mais, porque a
porra da minha história começou assim e eu não posso permitir que termine do mesmo jeito.
? Posso levá-la ao hospital? Seria mais rápido do que esperar uma ambulância ? falo para a policial e ela diz apenas que a ambulância está a caminho e que os policiais que
estão com os suspeitos no fundo da casa pediram para aguardar.
Assim que ela me fala que o filho da puta ainda está aqui eu não vejo mais nada na minha frente.
Saio em disparada e vejo um policial à direita e mais dois à esquerda, o monte de merda está no meio e tem um corpo caído ao fundo da casa. Caminho rapidamente e não dou tempo
para esse filho da puta ver de onde estava vindo o que iria acabar com a cara dele.
Desci um soco atrás do outro, senti os ossos de sua cara de bosta se partindo e só parei quando depois de muito tempo os policiais resolveram intervir.
Meus dedos estavam machucados, mas esse lixo estava inconsciente.
? Acredito que tenha sido legítima defesa ? um dos policiais fala.
? Também concordo com isso. Esse lixo acha que pode bater em mulher? Meu pai levou uma surra do meu irmão por muito menos quando agrediu a minha mãe, foi uma vez só ? o outro
policial fala e isso me faz lembrar que esse não é o primeiro monte de coisa alguma que espanco. O problema é que o primeiro era para estar do meu lado, vendo a família prosperar
e não destruir como ele fez.
Volto para junto de Catharina e a pego em meu colo ? Não tente me impedir de levá-la agora para o hospital ? aviso à policial que vê meu desespero com Catharina em meu colo.
Ela acena de maneira positiva e eu a levo comigo.
Assim que piso no gramado na frente da casa, vejo Eugene chegando.
? Vou precisar resolver alguma coisa por aqui? ? ele pergunta olhando para minha mão e eu continuo caminhando em direção ao meu carro.
? Apenas abra a porta do meu carro e dirija até o hospital ? ordeno e ele acata.
Acomodo Catharina em meu colo e a abraço. Ela está tremendo, mas não é de frio, é medo. Eu quero apenas que ela fique bem. Beijo sua cabeça e sinto seu corpo tremer.
? Eugene, ligue o ar quente ? peço e ele faz. Ele acelera e eu fecho meus olhos, deixando tudo em silêncio, o silêncio que nesse momento é importante para mim e também para
ela.
13
?Levante daí, sua imunda! ? o homem bêbado gritou em direção à minha mãe que estava no colchão no chão, comigo e com meus irmãos. Eu estava no meu limite, um limite imposto
durante toda uma vida de doze anos.
? Deixe-a em paz! ? gritei e fui para cima dele sem nenhuma habilidade.
? Você é a pior coisa que me aconteceu nesta merda de vida! ? ele berrou e me empurrou contra a parede.
A verdade é que posso dizer o mesmo sobre ele.
Escuto a porta se abrindo lentamente e o barulho de uma máquina ligada a Catharina, junto ao cheiro típico de um hospital, me trazem da recordação que já tentei esquecer,
mas definitivamente não consigo.
? Oi ? minha mãe diz baixinho e me olha e eu ainda posso ver seu rosto triste daquela noite. É como se esse pesadelo fosse reiniciado cada vez que vivo uma experiência semelhante.
? Oi ? me levanto e a abraço.
? Isso tudo é uma novidade muito grande para mim, mas acredito que em algum momento você vai me dizer tudo, ou pelo menos quase tudo ? ela beija meu rosto ? Ela está bem?
? ela pergunta.
? Sim, não sofreu nenhum trauma grave fisicamente, mas o problema é ali dentro ? respondo em um tom baixo de voz, não quero que Catharina acorde.
? Paolo, você melhor do que ninguém conhece minhas dores, todas elas acredito, e eu conheço as suas. Sinto orgulho do filho que você é, porque mesmo na situação mais precária
que uma criança poderia crescer, você se tornou um homem de bem ? ela segura as minhas mãos ? Ela é muito importante para você, estou certa? ? minha mãe pergunta e eu deixo
meus olhos nos olhos dela, os olhos de Alma são o melhor espelho realista desta vida.
? Como nunca nenhuma outra foi ? confesso isso para alguém que não seja eu pela primeira vez.
? Então, cuide para que ela nunca mais sinta nenhum tipo de golpe, nenhum tipo de dor movida pelo ódio e, o mais importante, a lembre todos os dias do quanto ela significa
para você ? olho para Catharina e volto a olhar para minha mãe.
? Eu vou fazer ? digo ? Mas como soube?
? Phill tentou me impedir por duas vezes de ler os jornais essa manhã, então, o ameacei e ele obviamente não obedeceria mais outra pessoa se não a mim. Para minha surpresa
soube de coisas sobre Sofia e Dom que depois iremos conversar a respeito ? ela sorri no meio de seu singelo puxão de orelha ? Às vezes imagino como cabe tudo isso aqui dentro
? ela coloca a mão sobre o meu coração ? Eu sei o que você carrega ? ela me olha com ternura e ela com certeza não faz ideia do quanto representa para mim.
Se eu fechar meus olhos agora sou capaz de ouvir a máquina de costura de segunda mão que ela conseguiu comprar depois de muitos meses de trabalho. Lembro nitidamente do cheiro
dos tecidos. Ela costurava e Sofia e eu dobrávamos como ela havia ensinado. Dom ainda era pequeno e algumas vezes era impossível deixar uma pilha de roupas dobradas por muito
tempo sem que ele derrubasse tudo.
Minha mãe dizia: Assim que eu entregar essas, vamos à praça e poderemos comprar um sorvete para cada um. Em algumas outras vezes ela dizia que teríamos o dinheiro para comida,
e outras apenas fazia um bolo e estávamos felizes da mesma forma.
Foi ela que me mostrou o que é ser forte, e isso aconteceu cada vez que ela abafava seus gritos de dor que aconteciam com cada pancada que levava. Ela fazia isso para não
nos acordar, mas eu sabia o que estava acontecendo; eu via tudo pela fresta da porta e foi a soma de muitas surras e muitos gritos calados que me fortaleceu e me fez tomar
a frente de tudo naquela noite em que o homem bêbado foi embora.
? Talvez não tenha muito aqui dentro ? falo e beijo seus dedos.
? Tem o suficiente e acredite, tem muito mais do que qualquer outra pessoa suportaria ? ela beija meu rosto ? Eu vou embora, mas mesmo nesta circunstância, estou indo embora
feliz porque eu sei que ainda que alguma coisa aí dentro lhe machuque, você é incapaz de fazer o mesmo com outra pessoa ? ela inclina a cabeça e aponta para Catharina ? Eu
amo você, meu filho. E tão logo ela esteja bem, quero-a em nosso almoço de domingo. ? ela beija meu rosto e sai, tão silenciosamente quanto entrou.
Aproximo-me de Catharina e olho para o seu rosto. Preciso dar um jeito para que esse olho não fique nunca mais machucado e preciso cuidar do seu coração. Talvez esse seja
o momento em que eu precise usar o meu.
A porta se abre novamente e Eugene apenas coloca a cabeça e me chama para fora do quarto. Inclino-me e beijo o alto de sua sobrancelha e saio.
? Sim? ? falo e ele me entrega um envelope.
? Como solicitou. Foi o mais rápido que pude fazer e está tudo aí. O financeiro da Bastilli já deu as baixas necessárias e fez a aplicação. Quanto ao que me pediu, fui até
sua casa e Amira me ajudou a localizar ? ele me entrega uma sacola de papel pardo.
? Sobre a ideia inicial de comprar a Tavarin, esqueça, não negocio com bandido ? o lembro sobre nossa conversa de meses atrás quando havia fechado um acordo com Anderson Tavarin
sobre entregas e na realidade meu propósito era apenas colocar sua empresa na minha lista de aquisições.
? Imaginei mesmo que fosse tomar essa decisão, e ela está bem? ? ele pergunta por Catharina.
? Ela vai ficar bem ? respondo ? E quanto ao Anderson?
? Está preso, mas antes precisou de alguns pontos e futuramente vai precisar repor alguns dentes. Ele tem mais dois processos por agressão em andamento, e vai responder por
algumas mercadorias que a receita federal localizou em sua casa sem as devidas notas. Ao que tudo indica, Sr Anderson Tavarin estava sofrendo uma pressão muito grande por
conta de algumas dívidas e entrou para o mundo do contrabando ? Eugene passa a ficha policial daquele monte de bosta.
? O outro cara que estava com ele ontem à noite?
? Faleceu, parece que tentou fugir e levou dois tiros nas costas. Ele também estava envolvido em algumas contravenções com Anderson, mas sua ficha era muito maior. Para nível
de informação, Sr Martinelli o tirou de um abrigo e o levou para trabalhar com ele, acreditando na recuperação do indivíduo ? eu não fui o único a ser beneficiado pela bondade
de Franchesco.
? Um merda a menos ? respondo.
? Existe mais alguma coisa que eu possa fazer? ? Eugene pergunta.
? Me mantenha informado sobre o que Dom está fazendo no Japão ? peço e quando faço um pequeno gesto de retorno para o quarto escuto Eugene limpar a garganta.
Levo meus olhos até ele lentamente e eu não sei se quero saber nesse momento sobre o que Domenico está destruindo além da minha escassa paciência.
? Sobre isso ? ele pausa ? Quer realmente falar disso agora? ? ele sorri sem dentes.
? Só me diz o quanto é grave ? peço.
? Grave não seria a palavra, talvez maluco estaria mais dentro dos padrões ? ele diz.
? Quanto? ? pergunto.
? Quanto o quê? ? Eugene responde com outra pergunta e me obriga a ficar de frente a ele.
? Quanto vou ter que pagar pelo que Dom acabou de fazer? ? tento ser didático.
? Eis que essa também foi a minha surpresa. Assim que recebi o email dele sobre a proposta dos japoneses eu mesmo não acreditei, para ser honesto não sabia que Dom poderia
fazer algo nesse nível ? Eugene está elogiando Dom pela segunda vez na mesma vida.
? O que aconteceu?
? Sete dígitos na conta da Bastilli apenas de royalties sobre a marca Xtreme, é isso que estão propondo. Pelo visto Dom também tem talento para assuntos comerciais ? Eugene
sorri e isso me anima, não o dinheiro, mas o fato de Dom estar enxergando um pouco mais além de seus olhos.
? Você me assustou, achei que ele tivesse feito alguma outra maluquice ? falo e nego com a cabeça.
? Ele fez, mas isso eu conto depois que eu mesmo resolver e quando Srtª Martinelli estiver prontamente recuperada ? ele coloca a mão em meu ombro ? Estou feliz pelo senhor
? ele diz.
? Paolo ? digo meu próprio nome ? Não posso aceitar um amigo me chamando por algo que não seja meu nome ? estendo a mão para ele ? Obrigado por todos esses anos de lealdade.
? É sempre uma grande aventura, Paolo ? ele aperta a minha mão e anda em direção ao corredor. Olho para ele e vejo Sofia vindo e espero-a chegar.
Ela não precisa andar tão rápido. Observo seus passos apressados e ela para na minha frente.
? E não quis me falar nada ontem? ? o que a gravidez está fazendo com ela?
? Oi, Sofia, como vai você e o bebê?
? Escute, Paolo, estou com minha sensibilidade à flor da pele, estou triste por não ter me dito nada, mas estou feliz que você tenha um coração ? ela me abraça.
? Não havia nada a ser dito ? falo e ela entorta a boca para mim. Eu odeio quando fazem isso.
? Ela está bem?
? Sim, mas ela vai ficar melhor, ela está aqui agora apenas em observação ? falo e abro a porta e entramos. Deixo o envelope e a sacola sobre a poltrona.
? Paolo, quando eu a vi pela primeira vez naquela reunião que você não pôde estar presente, a única coisa que estava na minha cabeça era como alguém poderia ser tão bonita,
e se não bastasse também inteligente e humilde ? Sofia espia Catharina que ainda está dormindo.
? Quando eu a vi pela primeira vez pensei o mesmo, o problema foi o que pensei nas vezes seguintes ? confesso.
? O que pensou?
? Como ela conseguiu meu coração.
Sofia me olha e me abraça ? Você é apaixonante, mas antes de descobrir isso, as pessoas têm que passar pelo seu crivo exigente, mal humorado e chato, então, elas desistem.
Mas encontrou alguém à altura e ela foi persistente ? ela zomba ? Eu não quero ficar muito aqui no hospital por conta do bebê, queria apenas ver vocês dois.
? Obrigado ? ela se aproxima de mim, beija meu rosto e vai embora.
Olho para o rosto de Catharina e vou em direção à janela. Olho o pôr-do-sol e sinto que os raios não têm força para iluminar. É um crepúsculo frio, de virada de estação e
tudo parece tão diferente. Me dou conta de que há muito tempo eu não observava um fim de tarde, e isso tem acontecido depois que ela apareceu.
? Veio cobrar a promessa que fiz e não cumpri? ? fecho os olhos e deixo a voz dela terminar de preencher tudo aqui dentro. Viro-me, olho em seus olhos e me aproximo.
? E também a troca de roupa ? sorrio, inclino meu corpo e deixo um beijo em sua testa demoradamente.
? Lamento ? ela diz.
? Não faça isso ? peço.
? Não faça o quê? ? ela pergunta e se ajeita na cama.
? Não se culpe, a vítima nunca pode ser culpada ? a advirto.
? Eu poderia ter evitado ? ela diz.
? Como?
? Assim que aconteceu a primeira vez, eu deveria ter feito uma denúncia, eu não deveria ter tido medo, eu não deveria ter sido uma covarde ? ela é cruel consigo mesma, com
um pouco de raiva.
? Sim para tudo isso, mas não o fez e isso você não tem como mudar ? chamo sua atenção e seguro sua mão.
? Você me trouxe para o hospital mais caro de Gênova ? ela puxa a minha orelha.
? Isso para você não é um problema ? afirmo com convicção.
? Você é louco, você sabe de tudo ? ela diz e levanta as palmas das mãos para cima.
? Você acaba de acordar e já quer discutir, quer ter razão, e não tem ideia do quanto me deixou preocupado ? beijo a ponta de seus dedos ? Não pode querer sair da minha vida
assim.
? Eu não sabia que estava nela ? ele diz e sorri lindamente.
? Você entrou na minha vida antes de nos conhecermos ? ela enruga o centro de sua testa e isso é algo bom de olhar. Vou até a sacola e peço que ela se sente na cama. Ela obedece.
? O que é isso? ? ela pergunta.
? O momento em que sua vida faria parte da minha impreterivelmente ? entrego uma pequena caixa de madeira para ela e ela abre.
Catharina olha para mim sem entender muita coisa, mas isso é uma questão de tempo.
Ela retira dois ingressos antigos, amarelados e gastos, dois palitos de pirulito, um saco de pipoca dobrado e uma foto, minha e de Sofia juntos na entrada do parque. Foi nessa
foto que gastamos nossas últimas moedas. Essa é a primeira foto que tenho com a minha irmã.
? Não estou entendendo ? ela segura os objetos e suspende os ombros lindamente.
? Eu explico ? me sento na beirada da cama e olho em seus olhos ? Eu havia juntado algum dinheiro, mas não era o suficiente para eu e minha irmã entrarmos no aquário, mas
mesmo assim estávamos felizes porque era um dia diferente dos outros e podíamos ver as pessoas felizes entrando no aquário. Começamos a imaginar e fantasiar como seria lá
dentro e, então, nos sentamos perto das escadas de acesso. Contamos mais de dez vezes as mesmas moedas como se o milagre do pão e dos peixes pudesse ser feito ali, mas o que
tínhamos não daria nem para uma única entrada. Então, quando estávamos quase decididos a ir embora, um homem parou do nosso lado e nos encarou. Naquele momento até pensei
que fosse expulsar-nos dali, mas não
? Ei ? ele disse e tanto eu quanto Sofia olhamos para ele ? Vocês não vão entrar?
? Não ? respondemos com a voz triste e mostramos o que tínhamos nas mãos, dois pares de moedas, apenas isso. Ele olhou para nossas mãos e depois para os nossos rostos.
? Venham ? ele disse e a princípio Sofia ficou com medo e agarrou o meu braço. Mas fomos porque havia tanta gente ali e aquele homem não parecia ser alguém cruel ? Duas entradas
para o aquário e para todas as atrações ? ele disse para a mulher do guichê e se eu fechar os meus olhos agora sou capaz de detalhar com precisão a cor verde da blusa de seu
pai e a calça jeans clara.
? Tome ? ele separou nossos ingressos e entregou tanto para mim quanto para Sofia ? E isso é para o lanche ? ele colocou uma nota de vinte e eu nunca tinha visto uma nota
tão alta em toda a minha vida ? Agora aproveitem o dia e tomem cuidado ao voltarem para casa ? ele disse e bagunçou meu cabelo.
? Obrigado ? eu disse alto e eu queria abraçá-lo naquele momento e eu o fiz ? Muito obrigado ? repeti.
? Não precisa me agradecer, mas vamos combinar o seguinte, quando você tiver a oportunidade de fazer isso por alguém, o faça, combinado? ? ele perguntou e eu estendi a mão
para ele e nos cumprimentamos como dois cavaleiros da mesma idade.
? Combinado ? eu disse a ele como se tivesse dito: Eu prometo. Entramos no parque, nos divertimos e fomos embora com doces, sacolas e tudo que o dinheiro que aquele homem
nos deu pôde comprar.
?Naquela noite, eu e Sofia rezamos para aquele homem bom que não nos conhecia, e tinha feito algo inacreditável. Na manhã seguinte, eu fui até a entrada do aquário, na esperança
de reencontrá-lo, e fiz isso todos os dias com minha caixa de engraxate, mas eu nunca mais o vi.
"Quando eu adquiri a patente Bastilli Barche para barcos, eu tentei fazer com muitas crianças o que aquele homem fez por mim e pela minha irmã, e desde então, todos os anos,
levamos mais de cem crianças sem condições ao aquário que hoje é uma das parceiras da Bastilli Barche Turismo.
Catharina está com os olhos cheios o suficiente para me comover também, mas isso acontece internamente. Vejo uma lágrima escorrer pela sua face e ela está com os dedos na
frente da boca.
? Eu tenho me esforçado para cumprir o que prometi naquele dia ao homem que não imaginava que um dia me daria muito mais do que um dia em um aquário. Talvez eu não tenha tempo
nessa vida de retribuir ao seu pai o quanto ele fez por mim, desde aquele dia, até o momento em que você entrou na minha sala de reunião, mas eu estou prometendo novamente,
agora para você, que vou tentar ? caminho até o envelope e entrego em suas mãos.
? O que é isso? ? ela pergunta e tira as folhas de dentro e começa a ler. Vejo-a chorando e ela não deveria chorar, nunca mais e por nenhum motivo.
? Estou cumprindo o combinado, estou tendo a oportunidade de fazer por alguém o que o seu pai fez por mim naquele dia ? falo e me aproximo dela ? Você chegou negociando condições
entre duas empresas e em algum momento tudo isso perdeu toda a importância. ? beijo sua boca e a abraço.
? Você está dando uma empresa sem dívidas para o meu pai ? ela diz chorando em meu ombro.
? Não, estou apenas oferecendo um ingresso com tudo pago para ele, é diferente ? falo e ela me aperta ainda mais.
? Paolo, você tem ideia do que está fazendo por mim? ? ela pergunta e vejo em seus olhos algo que eu não pensei que pudesse fazer por alguém. O problema é que me apaixonei
por Catharina... covardemente.
? O que estou fazendo por você? ? pergunto e massageio seus dedos e os beijo.
? Está me fazendo a pessoa mais feliz deste mundo e não estou falando em nome do quanto isso custa, mas em nome do quanto tudo isso vale ? ela responde, mas ela não faz ideia
do quanto fez por mim. É como se ela tivesse me resgatado de tudo que achei que fosse coerente e me mostrado um mundo diferente e melhor.
Os milhões que destinei à recuperação da Martinelli e a doação da empresa para seus proprietários de origem não pagariam o quanto tudo isso representa para mim.
Volto no tempo, na noite em que chegamos do aquário, querendo contar tudo para mamãe e ela pedia calma e não havia como ter calma, havíamos conhecido pessoalmente um anjo
enviado por Deus.
? Catharina, acredite, isso não é absolutamente nada perto de tudo que seu pai fez por mim no passado, e não é nada perto do que você fez por mim nos últimos dias ? falo.
? O que eu fiz por você? ? ela pergunta sorrindo.
? Me fez verdadeiramente feliz ? respondo e me aproximo de seu rosto. Olho dentro dos olhos dela e fico por um longo minuto admirando a cor exuberante de algo que reflete
a minha imagem.
Aproximo minha boca da sua e eu pagaria com toda a minha fortuna por mais momentos como esse. Sinto sua língua macia, aveludada, percorrer suavemente minha boca e eu sei que
aqui dentro ela conseguiu mais do que me fazer feliz. Acredito que ela sempre vai conseguir muito mais do que possa imaginar.
Abraço-a e sinto sua respiração em meu pescoço e agora eu entendo sobre os riscos que Sofia e Dom resolveram viver. Talvez eu tenha vivido riscos calculados e isso não me
fez ver os riscos que realmente valeriam a pena.
Sinto o tempo passar e o sol desaparecer na linha infinita do horizonte. Nesse momento, eu sei que somos eu e ela, da maneira incoerente que sempre evitei, mas sou realmente
grato por isso.
***
? Atrapalho? ? Jackeline entra no quarto e nos flagra em um beijo logo após o jantar de Catharina.
? Sim ? Catharina responde e não me larga.
? Tudo bem, eu fico assim mesmo. Trouxe o que me pediu, Paolo ? Jackeline deixa a sacola com roupas para Catharina que me solta e olha para a amiga ? Eu deveria estar em Paris!
? Jackeline fala e eu me levanto e encosto na janela.
? Por que não foi? ? Catharina pergunta e as duas se abraçam.
? Porque você resolveu desaparecer ? Jackeline responde e beija o rosto de Catharina.
? Desculpe ? Catharina diz.
? Não desculpo! ? Jackeline brinca e escuto alguém bater à porta, diferente de Jackeline que entrou abruptamente. Peço que entre ? E para ser franca não é mais o mesmo Mike
de antes, então, eu pedi reembolso das passagens e tudo está resolvido.
? Senhor ? Eugene entra no quarto e ele com certeza nunca vai me chamar de Paolo na frente de outras pessoas.
? Algum problema, Eugene?
? Não, é que esqueci de lhe entregar isso ? ele me entrega um pendrive com as informações que pedi sobre a vida financeira de Catharina. Eugene descobriu que a casa onde ela
mora estava bloqueada por conta das dívidas do pai e a casa que o ex-noivo estava construindo foi embargada por conta de um erro estrutural, agora é que essa casa não chega
ao fim mesmo.
Vejo Jackeline se levantando e encarando Eugene e Catharina percebe o mesmo que eu.
? Eugene, essa é Jackeline. Jackeline, esse é Eugene ? os apresento e eles apertam a mão um do outro e Catharina suspende os ombros e eu me aproximo dela. Eles falam alguma
coisa que faz parte desta tradição estranha da primeira conversa. Mas eu conheço Eugene, e sei que o interesse dele não seria numa mulher como Jackeline. Eugene é o homem
que frequenta o Hamashi, mas ele não imagina que eu sei disso, ele não imagina que na noite da Rubra, uma noite onde mulheres fazem um verdadeiro banquete humano, comemorando
a virada das estações inverno/primavera, eu também estava lá. Conheço as regras daquele lugar e eu sei que ele esteve lá há algumas noites.
Eugene é o homem que pratica seu kung fu, que gosta de ternos sob medida e é o homem que acolhe segredos dos bastidores de uma vida escondida atrás do seu diploma de Direito.
Ward é o mais novo de dois irmãos. Bornell Ward, seu irmão mais velho, trabalha para Danthe e isso é o que chamo de ter segredos por duas vidas.
Definitivamente, Jackeline não seria uma presa de Eugene. Gosto de saber sobre a vida das pessoas, ainda mais quando são pessoas que me cercam.
O médico entra e eu espero que ele me fale sobre a alta de Catharina.
? Acredito que tenha uma pessoa a mais nesse quarto para o horário de visita ? o Dr Esteban diz.
? Acredito que aquele homem ? ela aponta para mim ? Deva deixar o quarto, ele não é da família ? ela brinca e Esteban sorri.
? Na realidade podem sair todos, aqui está a sua alta ? ele entrega os papéis para mim e Catharina sorri.
? Ótimo, vou poder voltar ao trabalho e à minha terça-feira sem graça ? Jackeline faz piada e vejo Eugene perguntar alguma coisa apenas para ela. No instante seguinte, ambos
saem do quarto e na sequência o médico, e de novo estou a sós com ela.
? Como posso te agradecer? ? ela pergunta.
? Quando chegarmos em casa eu te explico como ? pisco o olho para ela e ela sorri.
? Isso tem a ver com sexo violento e orgasmos? ? ela pergunta e morde o lábio inferior.
? Tem, mas isso não entra na parte em que me agradece ? rebato e me aproximo, beijando sua boca e olhando para os seus olhos que me focam como duas joias.
***
Levei-a para o meu quarto e depois para o closet e mostrei suas roupas. Expliquei que foi Jackeline quem trouxe algumas coisas e outras que estavam em sua casa foram retiradas
por Eugene e ela me olha com um olhar de espanto.
? Tudo isso para uma semana? ? ela pergunta fazendo menção ao meu convite de ontem.
? Talvez duas ? brinco com ela dando de ombros.
? É assim que vou poder lhe agradecer? ? ela pergunta e faz um charme irresistível.
? Não ? respondo com o semblante sério.
? Não, e como vou poder fazer isso? Sexo? Bolo? Roubando suas roupas? ? ela pergunta.
? Pode ficar com tudo, mas fique comigo essa noite, tome o café da manhã e depois apenas fique, porque de alguma forma, mesmo quando você não está nesta casa, tudo me faz
lembrar que você está aqui dentro e é isso que tem feito dos meus dias, algo muito melhor ? beijo-a.
? Me quer em sua vida? ? ela questiona sorrindo, como se vangloriasse da situação e ela pode fazer isso, foi ela quem meu coração escolheu.
? Não, eu quero que fique para eu ter uma vida de verdade. Eu preciso que entenda que é você que eu quero em todas as manhãs. Meu café da manhã nunca mais será o mesmo sem
você.
Epílogo
Alma Maria Bastilli
O primeiro livro que li foi O Amor nos Tempos do Cólera e eu me lembro perfeitamente do dia em que pude comprá-lo, de segunda mão em uma pequena loja de coisas usadas. Demorei
algum tempo para ler, eu precisava trabalhar para cuidar de Paolo, Sofia e Domenico, que ainda era um bebê. Eu estava sozinha depois que ele, o homem que prefiro não mencionar
o nome, foi embora. Mas eu já estava sozinha antes mesmo dele partir. Minha vida era motivada pelos meus filhos, e ainda é.
Uma das passagens do livro ficou registrada em minha memória e durante muito tempo a tomei como verdade, e até hoje acredito que seja exatamente isso:
"Hildebranda tinha uma concepção universal do amor e achava que qualquer coisa que acontecesse com uma pessoa afetava todos os amores do mundo inteiro. "
Demorou muito tempo até conseguir entender que eu não havia passado por uma prova de amor, eu havia passado pelo oposto disto e sabia que um dia tudo faria parte de um passado
distante e não palpável. Eu tinha certeza de que seria feliz, mas não imaginava o quanto seria e nem como seria. Até que eu pude saber.
? Vovó! ? meu pequeno Matheus me chama e eu o vejo com uma flor na mão. Ele está brincando no meu jardim, sob meus cuidados, enquanto Sofia, Thereza e Catharina preparam nosso
tradicional almoço de domingo. Esse almoço nunca falhou e eu tenho uma lista imensa de motivos para que ele aconteça independente do problema. Ele é a forma de união da nossa
família, que aumentou um pouquinho e espero que aumente mais. Essa casa estava organizada demais antes da chegada de Matheus, que acaba de completar três anos.
? Meu amor, que flor mais linda ? digo e ele vem em minha direção e a coloca em minha orelha.
? A flor ficou mais bonita agora ? ele diz e eu não consigo imaginar a minha vida antes disso. Pelo menos Matheus me ensinou o quanto o amor pode crescer depois dos filhos.
Ele tem a boca carnuda de Sofia e os olhos azuis de Bradley. Levo meus olhos até Paolo, Dom e Bradley que conversam perto dos carros.
Bradley se mostrou o marido que não imaginei que fosse ser. Ele faz minha filha feliz e com isso já gosto dele além das expectativas. O que pareceu começar como um grande
golpe, tomou proporções que o pegaram de surpresa e esta é a graça da vida, quando o inesperado bate à porta e não há como fugir. Vejo-o completamente preso a Sofia na forma
em que a olha quando ela está distraída, com adoração; no carinho de suas palavras com ela, mesmo quando ela se mostra teimosa, como a boa italiana que é, e principalmente,
na paciência e amor que demonstra ao filho deles. Matheus é amado e jamais passará pelo o que os meus pequenos passaram.
Dom surpreendeu a todos quando voltou casado de Paris, mas lá foi a cerimônia no estilo aventureiro dele, pulando de paraquedas. A cerimônia oficial aconteceu aqui em Gênova.
Ele tem mantido seus cabelos mais curtos, dificilmente sua barba fica comprida e tem surpreendido o irmão mais velho em suas habilidades comerciais.
Tess é uma bênção para ele. Ah, sim, ela se mostrou ser tão perigosa quanto ele. Os dois vivem se aventurando em locais e esportes radicais que prefiro não ficar sabendo para
não sofrer antecipadamente. Mas os dois se complementam e foi isso que trouxe paz e sossego ao coração dele. Dom ainda é viciado em adrenalina, mas ele é mais viciado na esposa
e isso os faz a família perfeita, ao modo deles.
Olho para Paolo que nunca deixou que nada do passado o atingisse, se manteve diante da família desde sempre e se fez de escudo quando precisamos, e de espada também. Ele nunca
se permitiu errar, nunca fraquejou e isso sempre, por mais que tenha sofrido, ficou de forma invisível para o mundo. Paolo é homem que de alguma forma reciclou o que viveu
de ruim e transformou em tudo de bom que ele é hoje. Percebo que ele me olha e ele vem em minha direção.
? Tio Paolo ? Matheus dá os bracinhos para Paolo que sempre o trata como se ele fosse quinze anos mais velho.
? Escute aqui, meu rapaz, essa linda senhora é mais minha do que sua ? Paolo fala sério com ele e ele abre os olhos azuis do pai de maneira linda e Paolo espera que ele responda.
? Mas ela é minha vovó! ? Matheus justifica de alguma forma o que Paolo disse mesmo sem entender.
? Tudo bem, você venceu ? Paolo diz e Matheus mexe nos óculos que está pendurado na camiseta de Paolo.
? Você combina com uma criança nos braços ? o elogio e ele olha com ternura para o sobrinho ? Está casado há dois anos, espero que logo possa saber o que é o amor de verdade
? digo e ele sorri.
? Poderia cobrar Dom, ele se casou antes de mim, ou até mesmo Sofia, que já adquiriu prática e habilidade para a função ? ele desvia do assunto e eu escuto as meninas rindo
na cozinha.
? Não estou cobrando, estou sugerindo ? pisco para ele e Dom e Bradley se aproximam.
? Muito bonito, estamos lá dentro cozinhando e vocês aqui assim, sem fazer nada? ? Sofia aparece na área com um guardanapo na mão e em seguida surge Tess que vai ao encontro
de Dom e Catarina, que assim que aparece Matheus a chama.
? Cat! ? Matheus grita e pula no colo de Paolo. Ele é o único que tem permissão de chamá-la dessa forma.
? Meu amigo ? Paolo diz para Matheus ? Precisamos realmente conversar, você quer todas as minhas mulheres? ? Paolo fala mas Matheus já está com os bracinhos para Catharina
que o pega e beija seu rosto.
? Carinha, você é muito novo para dominar todo mundo, eu fui aprender a fazer isso depois dos vinte anos ? Dom brinca.
? Aprendeu? ? Paolo interroga em tom zombeteiro.
? Eu não sei o que Matheus viu em Catharina, está desde de manhã grudado nela ? Sofia fala e Catharina olha para mim e abre os olhos um pouco mais, e eu acho que entendo,
mas não sei se o que entendo é o certo.
Catharina já havia perdido a mãe ainda muito jovem e há dois anos Franchesco se despediu desse plano. Eu tive a oportunidade de agradecê-lo pelo que fez aos meus filhos, mesmo
que ele não se lembrasse mais pela demência da idade.
? Você? ? pergunto sem som e ela acena que sim e se aproxima do meu ouvido.
? Ninguém sabe ainda, apenas a senhora, e acho que o sexto sentido de Matheus ? ela é sempre tão educada e tão perfumada, tenho certeza que essa mulher foi moldada para Paolo
em todos os sentidos ? Mas vão saber na hora do almoço ? ela cochicha em meu ouvido mesmo com Matheus em seu colo.
? Mamãe ? Matheus chama por Sofia que o pega e eu levo Catharina para um lado mais afastado de todos.
? Era para ser surpresa inclusive para a senhora, mas estou nervosa por conta de Paolo ? ela confessa.
? Ele não queria que você engravidasse? ? pergunto com certa vontade de puxar a orelha de Paolo.
? Paolo? Era tudo que ele mais queria, falava disso o tempo todo, mas eu precisava terminar meu curso e ele esteve viajando a trabalho, preferi esperar. Na realidade, eu peguei
o resultado ontem, dez semanas e... são gêmeos ? ela fala e eu tenho vontade de comemorar abraçando-a, mas isso estragaria a surpresa de todos ? Meu sonho era ter gêmeos,
sempre foi ? ela está sorrindo e falando baixo o suficiente para que ninguém nos ouça.
? Eu não imaginava que ele queria, sempre fugindo desse assunto ? digo e olho para o sorriso lindo dessa jovem mulher que obviamente detém os maiores e melhores sentimentos
de meu filho.
? O almoço está servido ? Cinthia nos avisa e todos entramos em direção à mesa na área da piscina, que é maior e cabe todo mundo.
Olho para todos e vejo seus sorrisos, vejo que não existe noite tão escura que possa vencer os primeiros raios de sol. Todos se acomodam e desde que Catharina entrou na vida
de Paolo, ela acrescentou um detalhe muito importante. Em nossos almoços de domingo, incluímos uma oração antes de nos servir. Era um hábito de seu pai e a primeira vez que
ela esteve aqui para o nosso tradicional almoço ela sugeriu para mim de forma bem discreta e eu acatei na mesma hora.
Vejo todos dando as mãos e eu pergunto quem poderia fazer as honras e Sofia se manifesta.
"Por mais oportunidades como essa, com pessoas como as que estão aqui, que dividem um amor tão bonito e tentam ser melhores a cada dia. Agradeço pela união e pela sorte em
podermos viver um momento como esse. Amém"
? Bom ? Paolo se manifesta em falar alguma coisa e isso nos surpreende, mas eu vejo em seus olhos um brilho que me transmite calma, o brilho que sempre me transmitiu paz ?
Gostaria de propor um brinde aos novos acionistas da Bastilli Barche ? ele levanta seu copo e eu vejo no rosto de Sofia e Nico um semblante de dúvida como se alguém ou mais
pessoas estivessem entrando porta a dentro de minha casa para esse almoço
? Novos acionistas? ? Sofia, a mulher que sempre viveu entre os meus meninos, pergunta, ela se preocupa com a informação
? A Bastilli está em dificuldades? ? Nico se mostra mais preocupado ainda e olha para Paolo esperando uma resposta
? Não, a Bastilli Barche nunca esteve tão bem e é por isso que fico feliz em brindar aos novos acionistas da empresa ? ele movimenta seu copo e espera que todos façam o mesmo
? À Sofia Bastilli Zanatta e a Domenico Bastilli, que a partir de segunda-feira, passam a responder por quarenta e nove por cento da Bastilli Barche e eu estou feliz com essa
nomeação ? ele sorri e eu posso ver nos seus olhos de paz algo único, inédito e que peço a Deus que dure por toda a vida; eu vejo amor.
? Não acredito! ? Sofia se levanta e vai até o irmão e beija seu rosto.
? Demais! ? Nico também vai até o irmão e aperta sua mão ? Obrigado ? ele diz.
? Não me agradeça, apenas continuem fazendo o que já estão fazendo, isso já é o bastante ? Paolo conclui.
Nico e Sofia voltam para os seus lugares com sorrisos que já tinha visto antes. Sofia quando ganhou sua boneca e Nico quando ganhou seu primeiro carro. Não era o quanto custava,
era apenas o valor que cada um dos presentes representava para ambos.
? Se não se importam, eu gostaria de fazer um pequeno agradecimento ? Catharina diz e meu coração de mãe e avó vibra com isso.
? Fique à vontade ? digo e sorrio para ela.
? Apesar de ter irmãos, não acho que eles sejam tão próximos a mim quanto vocês. Sinto como se estivesse aqui desde sempre e tenho um carinho especial por todos, espero que
dias como esse sejam repetidos inúmeras vezes ? ela conclui e eu peço para Cinthia nos servir.
Ela serve todos e deixa Paolo por último e ele nem percebe ou faz de conta sobre isso. Seus olhos estão em Catharina, que está sentada ao seu lado e o distrai ao ponto dele
não perceber que Cinthia já o serviu.
Ele olha rapidamente para o prato e vê uma caixinha verde água com um pequeno laço branco em cima.
? Minha comida não era para viagem, ou eu pedi embrulhada para presente e não me lembro? ? Paolo brinca e abre a caixinha e pela primeira vez vejo seus olhos assim, úmidos
e quase desistentes.
Ele se levanta, afasta a cadeira e puxa Catharina para os seus braços. O que ele está sentindo e falando obviamente vai pertencer apenas aos dois. Paolo a beija e eu vejo
o sorriso do menino que sempre confiei a minha vida em suas mãos.
? Alguém pode me explicar o que está acontecendo? ? Dom pede.
? Vamos ter mais pessoas por aqui em alguns meses ? respondo.
? A senhora sabia o tempo todo? ? Paolo pergunta ainda abraçado a sua esposa.
? Eu sempre sei, meu filho, sempre.
"Era ainda jovem demais para saber que a memória do coração elimina as más lembranças e enaltece.

 

 

                                                   Barbara Biazioli         

 

 

 

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