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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


PAWN / T.M. Frazier
PAWN / T.M. Frazier

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

Biblio VT

 

 

 

 

Nascido no inferno. Batizado por traição.
Sua vida gira em torno da violência. Minha vida está em jogo.
Estou presa tanto física quanto emocionalmente. Um peão em um jogo que não sabia que estava jogando.
Até conhecê-lo.
Pike age sem emoção, mas sei que ele sente algo por mim. Eu vejo em seus olhos quando ele olha para mim. Sinto quando ele está perto.
Sei que é real porque eu também sinto.
Luxúria. Desejo. Isso complica tudo.
Faço parte do plano de vingança de Pike.
O que ele não sabe é que ele faz parte do meu.


“A crença de que existe apenas uma verdade, e de que a pessoa está em posse dela, é a raiz de todo mal no mundo.”
MAX BORN

 

 

 


 

 

 


CAPÍTULO UM

MICKEY

VIAJAR NO TEMPO É POSSÍVEL.

Não o tipo de viagem no tempo De Volta para o Futuro, capacitor de fluxo. E não do tipo Outlander, viajando através das pedras também. Embora, mesmo em minha mente cientificamente orientada para os fatos, ainda tenha esperança nessa última.

Mas, no entanto, existe, não lá fora, no mundo, mas dentro de nós mesmos.

O tempo é uma unidade de medida intangível que costura o tecido do passado em uma colcha proverbial de memórias que compõem a linha do tempo de nossas vidas.

Embora o tempo em si seja uma constante, durante certos momentos, ele pode diminuir para a velocidade de um caracol ou pode desfocar como um trem em alta velocidade.

Reações emocionais muitas vezes podem desencadear memórias que nos transportarão no tempo, para um momento específico da colcha.

Um que foi definido ou destruído.

A pesquisa já foi escrita, mas nenhuma publicação sobre o assunto poderia me preparar para minha própria experiência com viagens no tempo.

Porque em um momento estou no armazém do Four Reich, incapaz de acreditar no que estou vendo diante dos meus olhos, e no próximo estou de volta à van com minha família, atravessando a barricada na fria água escura. Só que não há respingos, e o frio que sinto não vem da minha volta, mas de dentro de mim, expandindo-se através do meu corpo, me arrepiando até o âmago.

De repente, sou atirada da van e estou novamente na cama de Pike. Meu corpo esquenta quando ele envolve seu calor em torno de mim, me puxando para perto de seu peito. Eu quero tanto ficar aqui, neste lugar e neste momento. A barba por fazer em sua mandíbula arranha levemente minha bochecha e estou arrependida por tê-lo deixado.

Os braços de Pike me deixam muito cedo, e sou jogada de volta ao frio, mas desta vez, é cortesia da água sendo derramada sobre minha cabeça por trás. Observo minhas três irmãs mais novas correndo pela praia, carregando consigo um balde agora vazio e os doces sons de suas risadas infantis. Mesmo sob o sol quente, a brisa esfria a água na minha pele.

Eu tremo.

Continuo saltando em torno de diferentes momentos da minha própria linha do tempo. Alguns doces e quentes. Outros comoventes e arrepiantes.

Várias vezes, me encontro em momentos com Pike. Momentos que ocorreram nas últimas semanas. Parece um período de tempo tão pequeno, mas só precisei de três semanas para me apaixonar por Pike. Três semanas para meu coração quebrar. Três semanas para vislumbrar o tipo de vida que nunca terei.

Porque fiz o que achei certo, escolhendo meus planos de vingança e sua segurança em vez de ficar e escolhê-lo.

Pelo menos, parecia que escolhi isso na época, mas agora, revivendo momentos do passado recente, já não tenho certeza se foi isso que fiz.

A vingança foi o que me impulsionou a seguir em frente há cinco anos. Quem sou eu sem vingança?

Sozinha.

É isso que sou sem ela.

Mas, em um instante, o puxão de um único fio na minha linha do tempo, o plano muda.

O famoso físico Leonard Susskind disse uma vez: “Surpresas imprevistas são a regra da ciência, não a exceção. Lembre-se: coisas acontecem.”

Cheguei a esperar surpresas na minha pesquisa e até na minha vida, mas nada - e quero dizer nada - poderia ter me preparado para esse momento. Para essa surpresa.

Para minha irmã estar viva.

Esse pensamento me traz de volta ao presente, de volta à verdade que está me encarando através das barras enferrujadas de uma pequena gaiola.

Uma repentina onda de tontura e confusão, misturada com um sentimento de euforia avassaladora, toma conta de mim. Fechando meus olhos com força, tento diminuir a excitação no meu peito, porque isso não pode ser real.

Ela não pode ser real.

É apenas mais uma ilusão, Mickey.

Abro os olhos e rapidamente afasto o borrão. Ela ainda está aqui. Minha irmã está viva.

— M ... Mi ... Mickey? — Mindy murmura as palavras, pressionando a mão contra a garganta para indicar que ela não pode falar. Ela tenta novamente, mas mesmo assim, com som ou não, meu nome em seus lábios tira o ar dos meus pulmões.

Mindy toca seus lábios trêmulos e rachados com os dedos. Seu braço está coberto de terra e cores de vários hematomas, variando de roxo escuro a amarelo.

Ajoelhando, me inclino mais perto. Envolvo minhas mãos em torno das barras frias da gaiola. Lágrimas caem dos meus olhos. Se isso é apenas mais um produto da minha imaginação, é ao mesmo tempo grande e terrível.

Mãos trêmulas se estendem na minha direção, Mindy passa um dedo sujo e fino pela minha articulação, respirando fundo com o contato. A sensação do toque dela ilumina meus sentidos e me deixa temporariamente tonta. Ela rapidamente retira seu toque como se estivesse puxando sua mão de uma chama.

— É realmente você, — sussurro, olhando para esta nova, mais velha, mas quebrada versão da minha irmã. Tento abrir a porta, mas está trancada. Olho em volta procurando uma chave ou algo para abrir, mas não vejo nada na minha visão imediata. — Temos que tirá-la daqui, — digo a ela.

Ela balança a cabeça e se encolhe novamente no outro lado da gaiola, como se achasse que eu fosse tão imaginária quanto ela tem sido na minha vida há anos. Mas a razão pela qual sei que ela é real não é só por causa de seu toque, mas porque todas as milhares de vezes que imaginei minha família, os conjurei como espíritos imaginários para estar diante de mim e me fazer companhia no mundo solitário que criei para mim, eles sempre pareciam iguais. Saudáveis. Inteiros.

Nada como o ser humano despedaçado enjaulado diante de mim.

Minha garganta parece grossa e seca com soluços não derramados. Estou equilibrando o peso do mundo no meu peito, e o sinto empurrando contra minha caixa torácica e ameaçando esmagar meu coração já frágil. Se isso é algum tipo de jogo - algum tipo de novo colapso mental que não experimentei antes - não sei como posso superar isso.

— O que aconteceu com você? — Pergunto, tentando firmar minha voz da mesma maneira que faria persuadindo um animal assustado a não se esconder. — Como é possível que você esteja aqui?

Lágrimas brotam em seus olhos vermelhos. Ela afasta uma mecha de cabelo do rosto que cai de volta no lugar. Ela rasteja para a frente lentamente até estarmos olho no olho. Ela cheira a fezes e algo pútrido, mas não me importo porque ela é real e está aqui. Ela tenta envolver suas mãos nas minhas, que estão apertando as barras. Nós duas respiramos fundo, trêmulas. Ela fica em silêncio por um momento, mas depois me olha novamente, seus olhos encontrando os meus.

Ela abre a boca para falar.

As palavras não têm chance de sair de sua boca porque o barulho alto da porta se abrindo nos assusta. Ela pula de volta para o canto da gaiola enquanto vários passos pesados atravessam o concreto. Ela está tremendo violentamente. Coloco meu dedo nos lábios e ela assente. Rastejo devagar e silenciosamente atrás da gaiola, me encaixando atrás de um par de barris de cerveja vazios.

Uma fresta entre os barris me dá uma pequena visão de Percy e Darius quando eles se aproximam. — Que porra é essa, velho? — Percy pergunta, acenando com a mão para a gaiola onde minha irmã finge estar dormindo.

— Isto é um presente. Para sua esposa — Darius anuncia com orgulho. — De você.

Percy coça a cabeça careca. — Ok, mas por quê? — Ele acende um cigarro.

Darius balança o dedo para Percy, então se agacha para admirar sua cativa. — Porque ela vai adorar. Porque isso fará de você um herói por lhe dar o presente de uma vida. Você sabe como ela está sempre resgatando coisas. Pássaros feridos, gatos vadios. Agora, ela não é a única. Agora você é um salvador e, portanto, mais parecido com ela. Adorável, até. Um presente perfeito.

— E por que isto? — Percy pergunta, cruzando os braços sobre o peito.

Darius coloca a mão nos ombros de Percy. — Você será um homem casado e, mais importante, o futuro líder do Reich. Você precisa exercer controle em todas as situações. Você e Michaela se conhecem desde que eram crianças no Reich, mas não se conhecem como marido e mulher. Ainda não. Vejo como vocês interagem um com o outro. Vocês agem como completos estranhos.

Percy zomba. — Sim, mas você já pensou que é porque não nos víamos desde que fui preso? Ela era apenas uma criança então. Eu era apenas uma adolescente. Não nos conhecemos como adultos. E não sei, mas talvez, porque ter um casamento arranjado não torne exatamente a merda menos embaraçosa?

— Exatamente, este é um novo começo entre vocês. Se não for um novo começo, considere isso uma lição de controle. Use este presente para influenciar sua nova esposa. Ameace-a com ele quando necessário. Mate-a na frente de Mickey, se e quando chegar a hora.

Referir-se à minha irmã como uma coisa, me fez fechar os punhos e cerrar o maxilar com raiva. Como eles podem falar tão casualmente sobre a vida da minha irmã como se ela não passasse de um rato?

Percy amplia sua postura e dá uma tragada profunda em seu cigarro, batendo as cinzas muito perto da gaiola. — Fiquei preso muito tempo, então me perdoe, porque não estou vendo realmente o valor disso.

Darius segura seus ombros e depois tira as mãos, dando um passo para trás. — Você pode me agradecer mais tarde quando entender. Confie em mim, chegará um momento em que você precisará utilizá-la. Sempre existe.

Percy olha para a gaiola, depois volta para Darius. — Então, você quer mantê-la em uma gaiola até que esse momento chegue? — Ele cheira o ar. — O cheiro de mijo e merda está queimando meus malditos olhos.

Darius lhe dá um tapa na parte de trás da cabeça. — Não, idiota. Acredito que sua esposa não gostaria de mantê-la na gaiola. Limpe-a antes de entregá-la a Mickey. Não acho que ela ficaria feliz em vê-la nesse estado patético.

— E se ela não estiver saudável? Mickey não ficará feliz se ela morrer segundos depois de tirá-la da gaiola — Percy medita. — E ela não parece muito bem.

— Tenho que planejar tudo para você também? — Darius suspira. — Deixe-a cuidar dela. Se ela não for capaz de fazer sua esposa feliz, leve-a para um campo aberto e coloque uma bala na porra da sua cabeça. Mickey nunca saberá que você a tinha para começar. — Seus passos pesados ecoam, assim como a batida da porta do armazém quando se fecha atrás dele.

— Obrigado por nada, Pops, — Percy murmura, inclinando-se sobre a gaiola e olhando para dentro. A perna da minha irmã se contrai contra as barras.

Percy pula para trás e limpa as palmas das mãos. Ele a inspeciona novamente e descobre que ela está dormindo. Ele suspira e dá outra tragada no cigarro.

Ele tira o telefone do bolso e pressiona alguns botões, caminhando para o canto mais distante do armazém, onde não consigo identificar com quem ele está falando, sem contar o que ele está dizendo.

Não importa. Não há tempo para identificar sua ligação dele. O que preciso agora é de uma arma.

O concreto frio arrepia minha pele enquanto rastejo para o outro lado do armazém. Mindy abre os olhos quando passo pela gaiola. Pressiono o dedo sobre meus lábios. Sei que ela entende o que estou dizendo, porque ela fecha os olhos novamente, continuando seu sono falso. Acima de mim há uma torre de estantes até o teto. Sem me levantar e chamar atenção para mim mesma, tateio cuidadosamente em torno da primeira prateleira empoeirada até finalmente envolver minha mão em algo que sei que posso usar.

Cautelosamente, tiro o pé de cabra da prateleira e o coloco contra o peito, rastejando de volta pelo armazém o mais rápido possível, mas é difícil sem usar a mão segurando minha nova arma. Minha coxa pulsa e arde quando minha ferida auto infligida começa a sangrar. Cerro os dentes contra a dor. Sangue quente e fresco encharca o curativo envolvendo minha perna.

Consigo me esconder atrás dos barris assim que Percy reaparece, enfiando o telefone no bolso de trás.

Minha respiração é superficial e calma enquanto espero o momento perfeito. Ele se agacha para olhar novamente para minha irmã.

É agora ou nunca.

Levantando-me, ergo o pé de cabra no ar no momento em que a porta se abre e sou forçada a me esconder novamente.

— Que porra você precisa, P? — Pergunta uma voz masculina que reconheço como Hoppy, amigo de Percy e um dos membros mais importantes do Reich.

— Você sabe alguma coisa sobre isso? — Percy pergunta, acenando com a mão para a gaiola.

Hoppy sorri. — Claro que sim, — ele responde com orgulho. — O que você quer que eu faça com ela?

— Bem, já que ela é um presente, acho que tenho que consertar a porra da embalagem, — responde Percy. — Tire-a deste armazém quente do diabo e chame Knox. Diga-lhe para trazer seu kit médico e peça para examiná-la e ver o que precisa ser consertado. Vou pedir que Mary leve comida e água para ela.

Hoppy o olha desconfiado. — P? — Ele pergunta, como se de alguma forma tivesse entendido mal suas ordens. Não posso fingir não estar decepcionada por não conseguir matar Percy hoje, mas também não posso negar o alívio que sinto por Mindy ser tratada adequadamente, pelo menos até que possa tirá-la daqui. Além disso, será mais fácil tirá-la de uma sala trancada do que de uma gaiola trancada.

Percy levanta a voz, claramente irritado. — Não posso dar um presente danificado à minha esposa, posso? — Ele pergunta. — Diga-me, Hop, você daria à sua senhora um vestido com um buraco ou um anel com uma pedra faltando?

Hoppy balança a cabeça. — Não, cara. Eu escolheria o melhor, com certeza. Isto é, se tivesse uma esposa.

Percy cruza os braços sobre o peito nu e tatuado. — Bem, então me diga se acha uma boa ideia dar a Mickey um presente todo estragado e quase morto de fome? — Ele olha para minha irmã. — Em uma maldita gaiola?

— Sim, isso não seria bom. — Hoppy balança a cabeça e esfrega a barriga saliente, satisfeito com a explicação de Percy. — Nada bom mesmo. Você tem razão, cara. Veja, é por isso que é o inteligente. Você será um bom líder, P.

— Apenas me avise o que Knox diz — Percy ordena.

Hoppy pega um grande carrinho. Travando os freios, estaciona ao lado da gaiola. Ele levanta Mindy sem muito esforço e a coloca no carrinho.

— Ninguém deve saber sobre isso. Nem mesmo os membros. Estamos entendidos? — Percy aponta o dedo severamente para Hoppy.

— Claro como ... bem ... alguma merda que seja clara. — Hoppy sacode as mãos e segue Percy para fora da sala com minha irmã a reboque. — O que então? O que você vai fazer se Knox disser que ela não está bem? Ela não parece muito bem.

Percy abre a porta, permitindo que Hoppy passe. — Então, carregarei a porra da minha espingarda.

A porta bate e fico sozinha no escuro. Meu corpo inteiro está tremendo.

O plano mudou. Foda-se a vingança. Existe apenas um plano agora. Tenho que tirar minha irmã daqui.

Antes que o façam.


CAPÍTULO DOIS

PIKE


Nas últimas vinte e quatro horas, alternei entre a necessidade de ir até o Four Reich e colocar uma bala na cabeça de tudo e todos com um batimento cardíaco e um desejo ardente profundo de esquecer tudo o que aconteceu ao longo nas últimas semanas. Poderia vender a porra da minha loja de penhores e dirigir até o canto mais distante do país, deixando tudo no espelho retrovisor do meu caminhão.

O problema com esse plano é que a memória de Mickey não pode ser deixada para trás com todo o resto. Porque sei que, por mais que tente, nunca a tirarei do meu cérebro. Meu peito aperta. Ou onde deveria estar meu peito. O peso de Mickey saindo sem nem um ‘Até mais, Pike. É real, mas vou voltar para a porra dos racistas’, me esmaga repetidamente como um carro caindo do macaco, me prendendo embaixo.

Um miado suave penetra meus pensamentos. Quanto mais ignoro o som, mais alto fica, mas ignorar a criatura é o que quero fazer, porque só me lembra Mickey, no chão no beco, tratando-os como se fossem membros respeitados da família dela.

Família que ela não tem porque estão todos mortos.

Daí sua necessidade de vingança do Four Reich e a própria razão pela qual ela partiu. Por que, de certa forma, ela os escolheu em vez de mim.

Se isso é mesmo verdade.

Confiança é algo em que nunca fui bom, mas o que ateia fogo em minhas veias é que queria confiar em Mickey. Ainda quero. Mas a dúvida cresce a cada hora que passa, transformando-se em uma centelha de raiva.

Além disso, seria estúpido se não achasse que havia uma pequena possibilidade de Mickey ter me enganado, e toda a farsa, incluindo o show que ela interpretou na minha cama, fosse tudo em benefício de uma fuga mais fácil para ela.

Não, essa parte não foi um show. Você não pode fingir o que tivemos na minha cama. Sua resposta ao meu toque.

Balanço a cabeça. Só porque ela gostou quando a fiz gozar não significa que não mentiu sobre o resto. Isso significa que ela é humana.

Ela ainda pode ser um deles.

— Porra! — Grito no meu apartamento vazio, mais vazio agora que Mickey não está aqui preenchendo-o com sua constante necessidade de tentar me entender. Rio, lembrando de quando ela fez a observação sobre o meu distúrbio de aprendizagem. Procurei seu diagnóstico e ela estava certa. Sobre tudo isso. Sobre mim.

Pena que eu não estava certo sobre ela.

O miado continua, em um ritmo mais rápido e mais alto. O equivalente felino ao ‘você não pode me ignorar para sempre!’

— Porra, tudo bem, espere, porra! — Grito. Largando minha garrafa de uísque, marcho até a porta, abrindo-a. Volto para o sofá, me jogando sobre o couro gasto. Pegando a garrafa de uísque da mesa, jogo a cabeça para trás e tomo um muito necessário gole.

A fonte do miado pula no meu colo e se posiciona de modo que suas patinhas listradas de cinza e branco estão no meu peito, sua cabeça em forma de maçã descansando abaixo do meu queixo. Ele não pesa mais do que alguns quilos e não é maior que a minha Glock 43. A pequena criatura olha para mim com o nariz escorrendo e os olhos escorrendo mais ainda. Ele mia novamente, o som vibrando contra o meu peito.

Suspiro. — Eu sei. Ela se foi. Também não sei o que fazer sobre isso, — digo, coçando atrás das suas orelhas.

Minha explicação, aparentemente, não é boa o suficiente para a coisinha esquelética, porque de repente ele crava suas garras na minha pele através da camisa. Salto de pé com a garrafa de uísque ainda na mão, mas a coisa não solta, apenas afunda suas garras ainda mais, pendurado na minha camisa e principalmente da minha pele como um pequeno parasita felpudo. Sacudi-lo também não funciona e só ganho um assobio.

— Estamos interrompendo um recital de dança interpretativa? — Nine pergunta da porta aberta. — Porque não lembro de você me dizer que estava tendo aulas de dança.

— A dança interpretativa é superestimada, — Preppy diz, empurrando seu irmão mais novo para dentro da sala. — É tudo sobre dança teatral agora.

— E como você sabe disso? — Nine pergunta, entrando na cozinha enquanto Preppy senta no sofá, colocando uma perna sobre o apoio de braço.

Preppy zomba. — Como alguém não sabe disso?

Agarro a parte de trás do pescoço do gatinho e puxo, conseguindo afastá-lo da minha pele e da minha camisa. Ele assobia de novo e assobio de volta. — Maldito idiota, — resmungo.

Isso me garante outro assobio.

— O que há com o gato? — Nine pergunta, abrindo a geladeira e pegando uma cerveja. Ele usa a borda do balcão para tirar a tampa com o punho. — Novo amigo?

Atravesso a sala e coloco a coisa de volta no corredor. Chuto a porta atrás de mim. Vou ficar com a porra do miado implacável ao invés de ser atingido por vinte minúsculas unhas.

Nine levanta as sobrancelhas e aponta para a minha camisa. Olho para baixo e vejo que está cheio de gotas de sangue. — Pequeno filho da puta, — murmuro, tirando a camisa e jogando-a no balcão. Tomo outro gole da garrafa e depois outro, e outro, até ter tomado vários goles. Limpo a boca com as costas da mão enquanto minha garganta queima e o sangue escorre pelo meu peito.

— Você precisa de uma reunião do AA ou algo assim? —Preppy pergunta, olhando a garrafa agora meio vazia.

— Você, de todas as pessoas, precisa fazer essa pergunta? — Cuspo de volta. Sento-me na poltrona e descanso a garrafa no joelho.

— Estamos sensíveis? Além disso, posso te perguntar isso porque não sou um viciado. Sou um festeiro oportunista. Há uma diferença. — Preppy tira um grande saco de cocaína do bolso e mergulha uma chave do seu chaveiro dentro. Ele fecha uma narina e aspira. Ele, então, oferece a chave para mim. — Um empurrão?

— Vou passar. Não estou com vontade de me sentir alerta.

Nine ri. — Festeiro oportunista? Isso não é exatamente uma festa, Prep.

Preppy cheira, enfiando o saco de volta no bolso da camisa. Ele aperta suas narinas e depois funga novamente, balançando a cabeça rapidamente de um lado para o outro. — Sim, festeiro oportunista. — Ele aponta para si mesmo, Nine e depois eu. — Temos três pessoas, bebida e coca. Vejo a oportunidade para uma festa e aproveito.

Nine revira os olhos. — Então, podemos voltar para o gato? Que porra é essa?

Coço meu queixo. — Não é nada. Apenas uma porra de gato.

— Mentiroso, — diz Nine, arrancando a garrafa da minha mão. Ele derrama uma grande quantidade em um copo e me entrega como se isso de alguma forma fosse impedir minha bebedeira. Ele coloca a garrafa de volta no balcão. — Sei que Mickey amava aqueles malditos gatos do beco. Foi por isso que você trouxe um deles aqui para cima?

— Era para ser um presente, — admito com relutância. — Para Mickey. Esse estava sempre no colo dela. Ela odiava deixá-lo lá fora, e a coisinha sempre a esperava no... — Afasto as memórias. — Foi uma ideia estupida. Não importa agora.

— Sim, foi uma ideia estupida. As cadelas não querem gatos, — Preppy ri. — Gatos são uma escolha muito óbvia ao considerar opções de animais domésticos.

Nine aponta sua cerveja para Preppy: — Diz o homem com um porco de estimação.

Preppy aponta um dedo acusador e tatuado para Nine. — Deixe o nome sagrado do meu Oscar fora disso. Ele é uma companhia melhor do que qualquer um de vocês merdinhas choronas. E Bear tem um maldito coiote. Então pronto. — Ele se senta. — Ok, vamos falar sobre o verdadeiro motivo pelo qual estamos aqui. Como o fato de que faz vinte e quatro horas que você cancelou os planos para invadirmos o complexo do Four Reich, e não temos data imediata no calendário para matá-los, e por que está chafurdando aqui como uma maldita senhora dos gatos.

Levanto uma sobrancelha para ele.

— Confie em mim, é verdade. Conheço muitas senhoras dos gatos, e o que você está fazendo aqui em cima seria um insulto a todas as adoráveis senhoras dos gatos.

— Não estou chafurdando, — argumento, mesmo não tendo muita certeza do que significa chafurdar, mas tomo nota para procurar depois que esses filhos da puta me deixarem sozinho. — E um gato não faz uma senhora dos gatos.

— Sério, precisamos conversar, — diz Nine, parecendo muito sério e focado quando eu estava realmente buscando mais um borrão bêbado.

— Então, porra, fale, — digo, tomando minha bebida e colocando o copo vazio no meu joelho. — Não estou te impedindo, porra. — Quanto mais rápido eles falarem, mais rápido sairão, e mais rápido posso voltar aos meus planos de me embebedar e me perguntar quando minha vida se transformou em uma merda completa.

Merda. Eu acho que é isso que significa chafurdar.

Preppy respira fundo e ajeita a gravata borboleta. Ele coloca os polegares sob os suspensórios combinando. — Então, odeio ser o único a te dizer...

— O que? — Grito, ficando irritado. — Cuspa, porra.

— Odeio ser o único a te dizer que é possível que Mickey seja uma grande e gorda mentirosa, e a cadela tem que morrer? — Ele eleva o tom de sua voz e, no final, soa como se tivesse sugado hélio.

— Não é como se eu não tivesse pensado na possibilidade, — resmungo. Não faz com que seja mais fácil ouvi-la atravessar os lábios de Preppy ou saber que não sou o único que tem essas dúvidas.

— Ele tem razão. — Nine fala. — Sabemos os fatos sobre o pai de Mickey. Sobre quem ele era e sobre ter fundado o Reich com Darius. Sabemos que esses fatos são verdadeiros porque verificamos. O que não sabemos é se as outras partes da sua história eram mentira. As razões que ela nos deu para sua afiliação ao Reich. A vingança. A parte sobre ela crescer ao redor deles, mas não acreditar nos seus ensinamentos. — Nine parece tão relutante falar sobre isso quanto eu. — A parte em que ela está com eles, mas não é realmente um deles.

— Eu tenho uma solução, — anuncia Preppy. Ele se levanta e pega a garrafa de uísque no balcão e toma um longo gole no caminho de volta para o sofá. Ele senta novamente e faz um som satisfatório. Ele tira um fiapo de algodão da sua calça cáqui. — Então, Pike, o que você precisa fazer é fodê-la e depois matá-la. Dessa forma, ela estará fora do seu sistema antes de enviá-la para fora deste mundo. Problema do caralho resolvido. — Ele esfrega as palmas das mãos, limpando-as dos meus problemas, que ele não conseguiu resolver.

Se fosse assim tão fácil, mas nada envolvendo Mickey tem sido fácil ou claro. Nem mesmo meus sentimentos por ela.

Depois de vomitar essas palavras, qualquer outra pessoa estaria rindo ou sorrindo, porque ele não está falando sério. Não Preppy, mas eu deveria saber melhor por agora. Ele é todo negócios, inclinado para a frente nos cotovelos, sua gravata xadrez amarela reta como sempre, parecendo mais do que satisfeito pela solução oferecida.

Nine se afasta do balcão e senta ao lado de Preppy no sofá de couro gasto. Ele dá um tapa nas costas do irmão. — Pontos pela criatividade, Prep, mas não acho que esse seja exatamente o tipo de conselho que Pike está querendo no momento.

Ele levanta as mãos, as palmas voltadas para cima. — O que quer dizer? Esse tipo de conselho ele não quer? Conselho sólido? Ótimo conselho? Conselho do grande filho da puta Samuel Clearwater? — Ele olha para mim. — Não é o que você está procurando? — O queixo de Preppy cai, horrorizado por eu rejeitar seu conselho genial.

— Nine está certo, — respondo, novamente voltando aos sentimentos de mágoa e decepção e raiva por ter que discutir a possibilidade de que Mickey me traiu. Que tudo isso foi um jogo para ela.

Que eu fui um jogo.

Preppy senta para trás e cruza uma perna sobre o joelho. O dedo indicador e o polegar apoiados no queixo, os lábios retorcidos em pensamento. Ele estala os dedos e seus olhos brilham. — Que tal isso? Você a mata primeiro e depois a fode. Não é minha coisa, mas não vou te julgar se foder uma puta morta for a sua coisa. — Ele encolhe os ombros. — Algumas pessoas realmente fazem isso.

Fecho os olhos e seguro o copo frio na minha têmpora. — Só preciso pensar sobre qual deve ser o meu próximo passo. E sem ofensa, Prep, mas necrofilia não é minha coisa.

Uma lembrança de Mickey quente, nua e muito viva na minha cama inunda minha mente. Meus olhos se abrem, não querendo reviver esse momento por mais um segundo.

Agora não é a porra do momento, me repreendo.

Nine está me encarando com preocupação escrita por todo o rosto e isso me deixa desconfortável como o inferno. Ele olha para baixo, tirando um fio solto da costura do apoio de braço. — Nós não deveríamos tê-la deixado ir. É tanto minha culpa quanto sua. Deveríamos tê-la trancado. Eu deveria ter dito para você mantê-la trancada até termos certeza de que ela estava dizendo a verdade. — A decepção em sua voz é uma pílula difícil de engolir, porque nada disso é culpa dele. É minha e nós não a deixamos ir. Ela se foi. Se alguém tem culpa, sou eu. — E se ela teve algo a ver com a morte de Gutter? Você a levou para o pântano, certo? Ela o conheceu? E se ela lhes disse onde ele estava e o quanto significava para você? E se foi ideia dela...

Suas palavras cessam quando o pensamento se instala, mas não preciso ouvi-las para saber exatamente o que ele está dizendo e não me ocorreu antes que ela pudesse ter algo a ver com a morte de Gutter.

O tempo todo que ela me confortou depois que ele morreu, é possível que nada disso foi real? Que ela planejou tudo? Sabia que essa porra aconteceria?

Olho para Nine, que espera minha resposta. — Verifique meus computadores no andar de baixo antes de sair. — Eu jogo meu telefone para ele. — Isto também. Verifique o histórico de pesquisas excluídas. Veja se consegue hackear os registros telefônicos de todas as chamadas feitas deste prédio, incluindo o bar, veja se consegue encontrar algum tipo de prova de que Mickey estava se comunicando com o Reich.

— Agora, isso eu posso fazer, — diz Nine, os dedos voando sobre as teclas. Ele coloca meu telefone no bolso. — Hacker para o resgate.

O rosto de Gutter quando ele disse que me amava logo antes de encontrar seu fim por meio de um pé de cabra na parte de trás da cabeça, passa pela minha mente. Minha mandíbula enrijece e o meu aperto no copo de vidro também. Estilhaça na minha mão.

Nine se levanta para me ajudar, mas aceno para ele. — Estou bem. — Levanto-me e escovo o vidro para o chão, arranhando e cortando meu peito e dedos no processo. Não importa. Não posso senti-los sobre a dor dentro do meu peito. A raiva. Além disso, alguns cortes adicionais podem ser resolvidos com um Band-Aid. Os maiores podem ser resolvidos com um pouco de maconha e bebida.

A dúvida persistente que atravessa a porra do meu coração não pode ser corrigida tão facilmente.

Se puder.

Vidro estala e fatiam meus pés enquanto entro na cozinha e pego outra garrafa de uísque. Volto para o sofá, arranco a tampa e dou outro grande gole.

Nine senta novamente.

Preppy limpa a garganta. — Nine está certo. Vocês não deveriam tê-la deixado ir. Essa nunca foi uma das opções. Casar ou matar. Era isso. Você leu Os Mandamentos dos Sequestradores? Passei muito tempo nisso, você sabe, e não apenas escrevendo. Tive que invadir a The Copy Store para imprimir isso, e não foi exatamente fácil já que Trekkie, que opera a impressora, realiza suas reuniões de Dungeons and Dragons lá à noite. Fui um maldito elfo em uma missão por seis malditas semanas, até que consegui me esgueirar e imprimi-lo. — Ele suspira e olha para o teto com arrependimento nos olhos. — Nunca tive a chance de encontrar o diário da princesa Elfington e liberar seus poderes de volta ao mundo, restaurando os direitos básicos e poderes mágicos de todos os elfos meninos e meninas de todo o Reino de CopyStoreland.

— Eu li sua merda, — ofereço. Não só eu li, mas Mickey também. Me pego prestes a sorrir, lembrando o choque em seu rosto quando ela encontrou o manifesto estranhamente redigido de Preppy no banco do passageiro do meu caminhão.

Preppy assente. — Ok, então você deve saber as regras. Você não se casou com ela, então a cadela tem que ir. Ele pega um baseado do bolso de sua camisa e acende. —E, só para esclarecer, você sabe que por ir quero dizer que tem que matá-la.

— Sim, acho que te entendemos na primeira vez, — diz Nine, arrancando o baseado da mão de Preppy e dando uma tragada profunda.

Preppy pega de volta. — Bem, gosto de ser o mais claro possível. A chave para um bom relacionamento é uma boa comunicação. — Ele me passa o baseado.

Dou uma tragada profunda e deixo a fumaça queimar minha garganta até os pulmões. Talvez, se ficar o mais chapado possível, encontre uma solução para toda essa merda. No pior cenário, pelo menos, talvez consiga adormecer hoje à noite sem sonhar com Mickey.

Nine levanta uma sobrancelha para o irmão.

— O que? — Preppy lhe dá um encolher de ombros. — Estou lendo alguns livros de relacionamento aqui e ali. Quero ser capaz de manter minha mulher feliz dentro e fora do aspecto sexual. Você deveria experimentar. Talvez Poe goste mais de você.

— Ela gosta muito de mim, — argumenta Nine.

— Algo errado com Poe? — Pergunto. — Achei que você tivesse dito que ela parou de beber.

— Está tudo bem. — Nine arranha a barba por fazer. — Preppy simplesmente acha que qualquer garota que esteja comigo não gosta muito de mim.

— Você não é tão sexy quanto eu. Não há problema em viver o resto da sua vida na minha sombra. É um ótimo lugar para estar. Muito espaçoso. Alta taxa de criminalidade, mas a comida e as drogas são excelentes — Preppy bagunça o cabelo do irmão.

Nine responde enfiando o cotovelo na lateral de Preppy.

— Como... se fosse possível, — diz Nine, escolhendo cuidadosamente suas palavras. — Você ler livros sobre como agradar sua mulher.

— Eu não estou nada, se não evoluindo e aprendendo coisas novas. — Ele olha para mim e solta uma longa corrente de fumaça no ar. — Agora, se eu conseguir que o garoto Pikey aqui entenda que foi enganado, podemos cavar um buraco e meu trabalho aqui está feito.

— Ainda não sabemos disso, — argumento, virando a garrafa no meu joelho.

Preppy se inclina para a frente, seus cotovelos nos joelhos. — Me ouça. Mickey é uma informante. Ela admitiu isso para vocês dois. Ela conversou com os FEDERAIS sobre Percy e usava uma escuta quando o visitava na prisão. Uma informante que também admitiu manipular Logan's Beach igual à porra da Klan para seus próprios propósitos por anos, e se isso não for verdade, significa que o único que ela manipulou, foi você, Pike. Uma informante, que embora seja inteligente, perde a cabeça de vez em quando e acha que sua família ainda está viva, ou fala com aparições que vê diante dela? Como estou indo até agora?

Nine e eu trocamos olhares que dizem: Bem, ele não está errado.

Preppy continua. — É simples. Mickey te enganou, e ela é uma informante, e de acordo com a rima, no mínimo, ela precisa de uma surra, porque você sabe, os informantes são...

— Pontas soltas, — Nine termina. — Nós sabemos como é.

— Não pode ser mais simples do que apresentar a você em formato de poesia, mas ainda não tenho certeza de que vocês dois estejam entendendo completamente o que estou tentando dizer aqui. Devo colocar em uma música? Preppy limpa a garganta. — Me, me, me, me, filho da puta, meeeee...

Levanto minha mão para detê-lo antes que seu aquecimento leve a uma música que não conseguirei fazê-lo parar de cantar ou pior, tirar da minha cabeça. Preppy é um filho da puta louco que vive de acordo com seu próprio conjunto de regras equivocadas, sem motivos por trás delas que qualquer um entenda, exceto, talvez, sua esposa, mas uma coisa que ele é, é leal. Outra coisa que não posso deixar passar é que tudo o que ele disse está certo. Mickey denunciou Percy. Ela até acha que a razão pela qual sua família foi morta poderia, de alguma forma, estar ligada a ter usado uma escuta enquanto Percy estava na prisão. Mas, por que ela admitiria tudo isso para nós, se não fosse verdade? E por que voltar ao Reich se ela acha que existe a possibilidade deles saberem sobre sua mentira?

A única coisa que faz sentido é que nada disso faz sentido. No entanto, depois de tudo o que o Preppy acabou de dizer, ainda sinto a avassaladora necessidade defendê-la. Protegê-la. — Ela delatou quando era uma criança, e foi só Percy. Nine e eu sabemos que aquele filho da puta estava pedindo. O garoto sempre teve alguns parafusos soltos, mesmo no reformatório.

Preppy inclina a cabeça para o lado. — Tudo bem, com esse raciocínio em mente, deixe-me perguntar uma coisa: você poderia ou teria denunciado alguém quando tinha catorze anos? Já considerou isso?

Quando eu tinha catorze anos, estava profundamente envolvido em negociar e construir meu próprio negócio nas ruas. Já tinha feito um nome para mim e sabia as regras do jogo que estava jogando. O código de honra entre os ladrões. A resposta é simples, mas muito difícil de admitir. — Não.

Preppy continua: — E, novamente, com esse raciocínio ainda em mente, você diria que é alguém que, de vez em quando, fez algumas coisas questionáveis e possivelmente altamente ilegais que, na mente da sociedade como um todo, merecem ser denunciadas?

Suspiro porque sei onde ele quer chegar. — Sim.

— E ela é um gênio, certo. Uma professora de psicologia, ou alguma merda, certo? — Preppy pergunta, cruzando as mãos. — Um mestre da mente?

— Doutora, — corrijo.

— Melhor ainda. Então ela é doutora em psicologia. Portanto, sabe como a mente funciona. Como responde. Você pode até dizer que ela é formada em manipulação. Claro, ela afirma ter usado seus poderes para enganar o Reich, mas o que garante que ela não está usando essa merda em você também? Mesmo que não esteja jogando do lado deles, não há garantia que ela está jogando no seu, além da palavra dela, que hoje provei aqui ser uma besteira não confiável.

— Gosto mais de você quando está falando bobagens, — admito, cansado dessa linha de pensamento e do fato de que tenho que pensar sobre isso.

Preppy bate as mãos nas coxas, esfregando as calças cáqui. — Bem, aí está, meu amigo. — Ele enumera, marcando os dedos enquanto segue. — Ela delatou. — Dedo para baixo. — Ela tentou te roubar. — Dedo para baixo. — Ela desempenhou um papel no roubo de sua merda e tentou virar King contra você. — Dedo para baixo. — Ela vive com neonazistas e tem a marca deles queimada em seu ombro. Ela cantou seus cânticos e seguiu os passos deles desde a infância. — Dedo para baixo. — E por último, mas certamente não menos importante, te deixou quando você descobriu quem ela realmente era e que seu pai era um membro fundador, o que ela afirma não saber, mas como diabos ela não sabia disso? — Não resta mais dedos em sua mão. Ele abre o punho e mexe os dedos, apontando para eles. — Esses porquinhos não mentem, meu amigo, e decidiram que ela não soa exatamente como material de esposa. — Ele se recosta com as mãos apoiadas na nuca. — Acusação filha da puta encerrada. — Ele franze os lábios. — Nunca pensei que diria isso. Ouvi várias vezes do outro lado da sala do tribunal.

Olho para Nine e depois para Preppy, sentindo-me furioso e derrotado. — Sabe, tenho travado batalhas e perdendo a cada passo, e estou muito cansado disso. Está na hora de fazer algumas mudanças.

— Esse é o espírito! — Preppy exclama feliz e me dá um tapa no ombro. — Um pequeno homicídio te fará sentir tão bem quanto a porra da chuva. Sou praticamente um especialista. Eu saberia.

Rio do que diria a Mickey antes de encontrar meu apartamento vazio e perceber que ela partiu. Parece ridículo agora. — Não acredito que pretendia lhe dizer que a ajudaria a se vingar e a tirá-la do Reich. — Por mais que queira odiar Mickey, não posso. Simplesmente não está lá, e não estará até que eu tenha provas de que ela é uma mentirosa manipuladora.

— Você ainda deve fazer isso, — Nine fala. Seus olhos estão arregalados quando ele pula e atravessa a sala, o vidro triturando sob suas botas. — Você ainda deve lhe dizer que vai ajudá-la.

— O que? — Preppy e eu perguntamos ao mesmo tempo.

Nine para atrás da poltrona, apoiando as mãos no encosto alto. — Você ainda deve se oferecer para ajudá-la a se vingar. Na pior das hipóteses, ela dirá não, que não quer sua ajuda, e então você saberá que é porque ela está protegendo o Reich. Saberá que ela esteve mentindo o tempo todo porque é um deles. Se estiver mentindo, você se vingará do Reich e dela.

— Uma centena de racistas com uma única pedra maldita, — Preppy diz, parecendo mais do que um pouco chapado, com os olhos vermelhos e venosos. — Sabia que você tinha alguns desses genes inteligentes que eu possuo. Estava começando a duvidar disso por um tempo, irmão.

Nine revira os olhos para o irmão. Nine é o melhor hacker do mundo. Ele fala melhor a linguagem do computador do que o idioma inglês. Ele não é exatamente burro.

A ideia de Nine afunda no meu cérebro cheio de álcool. Não odeio isso. — Qual é a melhor estratégia? —Pergunto, precisando ouvir em voz alta para processar adequadamente no que estou entrando aqui.

— Manipulação? — Preppy pergunta, torcendo os lábios. — Você sabe, porque...

Nine acena para ele. — Sim, nós estabelecemos isso. — Ele contorna o sofá e senta na beira da almofada. — O melhor cenário é ela concordar com sua ajuda, e não esteja mentindo, e derrubarmos os filhos da puta que mataram Gutter. De qualquer maneira, o Reich cai.

— Não se esqueça do roubo das drogas, da tentativa de jogar Pike contra King e do sequestro da filha de King manipulando a mamãe biológica durante um maldito furacão, — diz Preppy, sugando uma grande quantidade de ar quando terminar de enumerar todas as razões pelas quais Percy e Darius devem morrer. — Porque você sabe que King também vai querer isso.

— O que ele disse, — Nine concorda.

Nine está certo. Antes de fazer qualquer coisa, tenho que descobrir de que lado Mickey está. Qual é o plano dela? Seu jogo final.

Preppy arranca a garrafa de uísque do meu colo. — De qualquer forma, ainda termina com um pequeno assassinato a princípio e possivelmente um pouco de necrofilia. Quem sabe o que pode acontecer? É um mundo louco esse que vivemos, mas eu diria que parece uma vitória para todos. Ah, exceto os caras mortos. — Ele sorri e levanta a garrafa no ar. — Mas eles estarão mortos, então tanto faz.

A neblina persistente que venho sentido volta para algo familiar, algo com o qual posso trabalhar. Algo que posso usar.

Raiva pura não adulterada.

Agora entendo por que a busca de vingança de Mickey é tão importante para ela.

Isso é bom. Pensar sobre isso. Imaginar isso. Merda, hoje à noite provavelmente sonharei com isso.

— Então, estamos todos de acordo. E depois de resolvermos a situação de Mickey, precisaremos de algumas informações antes de agir. Precisaremos de um plano melhor do que da última vez. Precisa ser mais limpo. Mais preciso. Precisamos saber quantos guardas eles têm. Mudanças de turno e a horários. Estoques de armas.

Preppy sorri brilhantemente. — Concordo. Então, teremos um enorme churrasco racista. Ouvi que mestiços odiosos tem gosto de frango.

— Se Mickey não quiser minha ajuda, não será nosso infiltrado. Se esse for o caso, precisaremos mandar outra pessoa, — digo, subitamente mais sóbrio do que nas últimas vinte e quatro horas.

— Quem? — Preppy pergunta. — Quem mandaremos, não pode ser eu. Já tenho problemas suficientes. Doc queimará meus cabelos se eu lhe disser que decidi assumir o racismo como hobby. Ela ainda está brava com todo o equipamento que encomendei para o time de quadribol que nunca comecei ocupando todo o espaço da garagem.

Concordo. — Tem que ser alguém que não levante suspeitas. Alguém que eles não conhecem e que se encaixará.

Nine torce os lábios. — Não pode ser nenhum de nós, King ou Bear. Smoke provavelmente poderia fazer isso, ele é ótimo nesse tipo de merda, mas está fora da cidade com Frankie em um trabalho.

—Então, quem? — Pergunto, vasculhando meu cérebro por alguém que conhecemos que seja digno de confiança o suficiente para penetrar no Reich e corajoso o bastante para arriscar sua vida e nos alimentar com informações.

Preppy pega o telefone. — Não se preocupem, meninos. Tenho alguém em mente. — Ele sai para o corredor com o telefone no ouvido. Ele fecha a porta, mas ainda podemos ouvir sua voz abafada do outro lado junto com um miado alto.

— Oh, ei gatinho. Gostaria de se juntar à minha equipe de quadribol? Ei, é Prep, — ele diz à pessoa na linha. — Bem, olá para você também, seu raio de sol negro. Não espere! Não desligue. Preciso da sua ajuda. Bem, acho que preciso da sua ajuda. Foda-se, também não gosto de você. Estava esperando que você não atendesse por ter se explodido acidentalmente ou algo assim. Independentemente do que os outros possam dizer, não te acho nem um pouco atraente. Na verdade, acho você muito nojenta. Ok, não espere. Sinto muito. Acho que você é levemente bonita, mas apenas quando não está perto de mim. Não, foda-se, ouça! Tenho um possível trabalho para você e prometo que podemos atirar facas um no outro quando tudo estiver acabado, e todo mundo estiver morto. Não, você não pode escolher as facas. OK. Claro, vou limpá-las com antecedência. Que tipo de monstro você acha que eu sou? — Seus passos e voz desaparecem quando ele desce as escadas.

Nine olha para a porta, balançando a cabeça. Ele faz uma careta. — Se Mickey realmente for um deles? — Ele não precisa elaborar. Ele está me perguntando se estou disposto a executar o plano e fazer o que precisa ser feito quando chegar a hora. Ele está me perguntando se chegar a isso, poderei matar Mickey.

O pensamento me deixa doente, mas as razões pelas quais teria que matá-la me deixam ainda mais doente.

Olho meu amigo mais antigo nos olhos e digo a verdade dolorosa. — Se ela for um deles... morrerá como um deles.


CAPÍTULO TrÊS

Mickey


Nossas atividades no Fourth Reich não eram reais. Foi nisso que cresci acreditando. Claro, estávamos lá todo verão, mas nossa presença e participação eram consideradas apenas uma piada entre os estudiosos e a família.

Um entendimento compartilhado de que nossa adesão era por um bem maior. Pela educação. Para melhorar o mundo através das informações que meu pai estava coletando.

Para entender melhor o ódio.

Mas o que minhas irmãs e eu vimos como forasteiras invadindo um mundo sombrio por conhecimento, não era uma mentira, afinal. As únicas mentiras foram as que meu pai contou para que minha família participasse. Ele era um fundador. Nine me mostrou a foto dele e de Darius. Juntos. Sorridentes. Orgulhosos do que criaram juntos. Para meu pai, tudo era real. Para os membros do Reich, para Darius, Percy e meu pai, é tudo real.

Eu estava muito longe para enxergar isso antes, mas agora, olhando a marca do Fourth Reich no meu ombro no espelho e pensando em todos os outros símbolos de ódio que revestem as paredes do complexo. As tatuagens de Percy. Os cantos odiosos. Minha irmã em uma gaiola.

Meu estômago revira.

Inclinando-me sobre o vaso sanitário, tiro meu cabelo do caminho bem a tempo. Vomito agressivamente o conteúdo do meu estômago repetidamente. Se ao menos fosse fácil purgar o conteúdo da minha alma, eliminando as partes escuras para sempre com uma simples descarga.

Papai estava vivendo sua verdade enquanto todas nós fomos apanhadas em sua odiosa vida de mentiras. Sei porque ele mentiu. Minha mãe, que optou por ficar em casa em vez usar seu diploma de direito em Harvard, nunca teria participado desse tipo de ódio, mas nunca recuaria de um experimento, especialmente se isso significasse um mundo melhor e menos racista no final.

A pessoa que eu mais admirava no mundo era um monstro odioso.

Apenas quando acho que meu estômago está vazio, ele revira novamente. Vomito até sentir o gosto da bile.

Não posso simplesmente matar Darius e Percy. Não agora não. Não enquanto minha irmã está aqui em algum lugar. É muito arriscado. Não vou arriscar a vida dela como o pai arriscou a nossa.

Dou a descarga no vaso sanitário e limpo a boca com uma toalha. Quando saio do banheiro, a imagem do meu pai está parada aos pés da minha cama, esperando por mim.

— Você mentiu para mim, — acuso.

Papai olha para o chão e depois para mim com olhos cheios de lágrimas. Ele levanta as mãos se desculpando e balança a cabeça.

— Você acreditava nessa merda! — Choro, me ajoelhando. — O tempo todo! Você matou sua esposa e filhas! E para quê? Por isto?

Seus ombros caem.

— Você é apenas um produto da minha imaginação. Um mecanismo de enfrentamento. Sei disso. Mas estou feliz que por algum motivo meu cérebro decidiu me permitir vê-lo, mas não te ouvir hoje, porque não há nada que você diga que eu queira ouvir. — Rio amargamente. — Lutei por você. Adoeci, pensando na noite em que te perdi. Concordei com tudo o que você me pediu para fazer durante todos esses anos e para quê? Para que você pudesse desfilar sua família branca perfeita para esses pedaços de merda? —Balanço a cabeça. — Sabe, eu costumava pensar que você era o homem mais inteligente do mundo. — Lágrimas ardem no fundo dos meus olhos, mas me recuso a chorar por ele. Recuso-me a derramar mais uma lágrima pelo homem responsável pela morte de minha mãe e irmãs. — Pensei que você não era emotivo ou apaixonado por nós porque era do tipo inteligente. O tipo que não pensava nesse tipo de coisas, que não vinha naturalmente para você. Mas agora sei que é porque você era uma pessoa odiosa, e simplesmente incapaz de mostrar amor. Você era tudo para mim quando eu era criança, e agora? Agora você não é nada. Você infectou tantas pessoas com a ideia de ódio, e eles espalharam para muitos mais, deixando vidas e pessoas quebradas e perdidas, tudo porque pegaram sua praga. — Ando até sua imagem fantasmagórica, congelada no lugar. Aponto um dedo através do seu peito. — Você não é mais meu papai. Você nunca foi.

Atravesso sua imagem em direção a porta. — Agora, se me der licença, vou encontrar Mindy e dar o fora desse inferno que criaste, enquanto você pode desaparecer e voltar para o inferno em que pertence.

 


O sentido humano do olfato está intimamente ligado a memória, mais ainda do que qualquer um dos nossos outros sentidos. O cheiro de jasmim evoca lembranças do perfume da minha mãe, o caro que ela só usava uma vez por ano no Natal ou no aniversário dela. O cheiro de sal no ar ou protetor solar sempre me lembra os verões de nossa família aqui em Logan’s Beach e as horas ao sol com minhas irmãs. Ainda posso ouvi-las gritando enquanto jogam água uma na outra, o som da bola de praia sendo jogada de um lado para o outro no ar. O som das gaivotas brigando por pedaços de pão que Mallory sempre lhes dava, mesmo que meu pai a avisasse que não. Mas nem todos os cheiros evocam boas lembranças.

O complexo do Fourth Reich, a sede do ódio, fica localizado no meio de um terreno coberto de vegetação nos limites da cidade. É o cheiro de pinheiros, um odor espesso e denso que gruda na parte interna do nariz. Esse cheiro costumava me lembrar desse lugar sempre que sentia o cheiro de limpa piso ou purificador de ar de carro. As lembranças não eram boas nem ruins, apenas lembranças. E agora que sei a verdade, o perfume é absolutamente nauseante, cada estalar dos meus passos sobre as agulhas de pinheiro, exasperante.

Metade do terreno irregular está seco, enquanto outra parte mais próxima do complexo está inundada, cortesia do recente furacão Polly.

O prédio em si é uma antiga escola primária que fechou quando uma junção de escolas primárias e secundárias, abriu do outro lado da cidade. Os anexos consistem em trailers na parte de trás da propriedade, que eram salas de aula móveis usadas provisoriamente. Agora, eles abrigam visitantes ocasionais ou membros do Reich que festejam demais para voltar para casa.

Um deles abriga minha irmã.

Quando chego aos trailers, passo silenciosamente sob o trailer que pertence a Percy. Me mantenho o mais perto possível evitando as janelas. Estou um passo longe do trailer quando a porta se abre. Uma morena sai usando uma saia curta de couro e um top arrastão preto sobre um sutiã magenta. Ela segura uma bolsa prateada estilosa sob o braço. Ela olha para mim por um segundo, me avaliando. Prendo a respiração, esperando que ela grite algo para Percy, alertando-o da minha presença. Mas tudo o que ela faz é me lançar um olhar entediado, obviamente decidindo que não valho o seu tempo. Ela fecha a porta silenciosamente e desce os degraus para o pátio, desaparecendo ao redor do prédio principal.

Expiro e tento recuperar o fôlego, agradecida por ela não ter dito nada ou chamado atenção para a minha presença.

Os trailers estão em cima de blocos de cimento, dificultando a visão através de qualquer uma das janelas. Localizo um bloco descartado deitado de lado na lateral de um dos trailers e tento levantá-lo. É muito mais pesado do que eu pensava, então decido arrastá-lo através da lama espessa. Demora alguns minutos, mas finalmente consigo posicioná-lo sob uma das janelas traseiras fora da vista de qualquer olhar curioso em potencial.

Subo e olho para dentro, colocando as mãos em volta dos olhos. Há uma cortina translucida velando minha visão, mas não a obstruindo.

Nada.

Está vazio, mas cheio de porcaria. Colchões, mesas empilhadas umas sobre as outras e caixas de bebidas ocupam cada centímetro do espaço. Armazenamento.

Merda. Para o próximo. Arrasto o bloco de cimento para o próximo trailer e, quando chego lá, meu braço está queimando, e mesmo que o sol mal tenha iluminado o céu, estou suando profusamente. Também não há nada neste. Verifico mais dois trailers. Um abriga um Hoppy adormecido em um pequeno colchão duplo; o outro está completamente vazio.

Na minha quinta tentativa, espio pela janela e vejo um pequeno cobertor enrolado na cama minúscula.

Meu batimento cardíaco acelera. — Mindy, — sussurro. Pulo do bloco e verifico discretamente o perímetro ao redor do trailer por qualquer sinal de um guarda ou qualquer membro do Reich acordado.

Nada.

Subo na ponta dos pés os degraus de madeira que conduzem à porta. Está trancado. Não apenas trancado, mas preso de um lado ao outro com uma barra de metal aparafusada nos dois lados.

Merda.

Arrasto outro bloco até a janela e o coloco em cima do outro. Felizmente, não está trancada, mas está emperrada. Retiro a faca de Pike da minha bota de chuva e a uso para forçar a janela, libertando-a das camadas de tinta revestindo a vedação.

Quando acho que tirei o suficiente para move-la, tento outra vez. Praticamente aplaudo quando ela se abre o suficiente para que eu rasteje para dentro. Uma vez que piso no que percebo ser a jaula que anteriormente abrigava minha irmã, espio novamente para me certificar de que a barra está limpa. Há um pequeno cervo pastando no canto do campo atrás do complexo, mas no que diz respeito à vida fora da janela, é isso.

Tenho que tirar Mindy daqui antes que Percy decida que sua vida não vale o problema que ela pode trazer para o Reich. Não tenho ideia do que ela sabe ou do que não sabe. Ela ainda não falou, mas isso não significa que não possa. E se eles a levarem a falar, ou pior, a forçarem a falar, a possibilidade de ela saber que eles são os responsáveis pela morte da nossa família é muito alta, especialmente considerando que foram eles que a colocaram em uma gaiola.

Bela maneira de ganhar a confiança dela, idiotas.

— Explicarei mais tarde, Mindy, mas temos que ir. Agora. — Digo. Estou prestes a pular da gaiola quando duas mãos fortes agarram meus ombros, me puxando de volta pela janela.

Meu cóccix vibra quando bato no chão. Com força. Estou atordoada e tonta quando a imagem de um homem grande sobre mim entra em foco.

Um homem grande e furioso. Um com uma tatuagem do Fourth Reich pulsando contra o pescoço pálido.

Percy.

— Você vai se matar bisbilhotando por aqui, — ele murmura. — O que diabos você está fazendo aqui fora, afinal?

Sento-me direito e tento me levantar, mas tropeço e caio de novo, incapaz de recuperar o equilíbrio e de exercer muita pressão sobre a perna machucada. Finalmente consigo me levantar, mas quando fico de pé, Percy já pregou uma tábua na janela. Não ouço nada de dentro e percebo que os colchões revestindo as paredes estão lá por uma razão.

Um amortecedor de som.

— O que você está fazendo? — Choro, desesperada para chegar até minha irmã.

Percy não responde. Ele enfia o martelo no bolso de trás e se aproxima de mim com as sobrancelhas unidas em uma carranca profunda. Ele me agarra pelo braço e me arrasta para longe do trailer.

— Por que ela está lá? Por que não posso vê-la? — Exijo saber.

— Fique quieta, — ele assobia. — Ou acordará todo esse maldito lugar. Eu já falei, você não deveria estar aqui. — Ele olha por cima da minha cabeça e depois atrás dele, procurando por espectadores. Não há nenhum. — E pare de fazer tantas perguntas.

— Mas eu a vi, e não posso evitar. Se coloque no meu lugar. — Tento me lembrar do papel que estou desempenhando e faço o possível para me concentrar novamente no papel de membro do Reich. Alguém que não é inimigo de Percy, mas seu aliado. — Sei que ela é um presente. Obrigada.

— Como diabos você sabe disso? — Ele pergunta, segurando meu braço com mais força.

Dou de ombros. — Complexo pequeno. As pessoas falam. Ela está bem?

— Ainda descobrindo isso. Vamos. — Percy me puxa para a frente do trailer, onde Hoppy está agora do lado de fora, sem camisa, se espreguiçando e bocejando. Ele nos vê e sorri.

— Bom dia, crianças, — ele cumprimenta, coçando um mamilo escuro e peludo.

Percy para, mas não afrouxa o aperto no meu braço. — Ei, Hop, vista uma porra de camisa, sim? — Seu tom é casual e muito diferente do zangado que acabou de usar comigo.

Ele está atuando. Mas por que?

Hoppy esfrega sua barriga grande. — Foda-se, Perc. Você está com ciúmes, porque há muito de mim para as mulheres amarem. — Ele olha de mim para Percy. — Ei, o que fazem acordados tão cedo?

Espero que Percy diga a ele. Diga algo que resulte em eu ficar trancada em um trailer, no mínimo. Em vez disso, ele solta meu cotovelo e passa o braço em volta do meu ombro, me puxando contra ele. — Oh, você sabe, — Percy balança as sobrancelhas sugestivamente e morde o lábio inferior.

O sorriso de Hoppy se ilumina. — Ah, agora entendi. Vocês dois não acordaram cedo, estão fazendo a caminhada da vergonha. Sei como é isso, irmão. É bom ver que estão levando essa coisa de casamento a sério e finalmente fazendo como Deus planejou. — Hoppy fecha os punhos e sacode os quadris, zumbindo no ar. Ele ri e volta para o trailer. — Ainda vamos pegar a peça para o meu caminhão por volta do meio dia, P? — Ele grita de volta.

Percy nos guia de volta ao edifício principal. — Só se você colocar uma porra de camisa, — ele responde.

— Espere, você já deu o presente para a pequena dama? — Hoppy pergunta.

Percy nos para novamente e olha por cima do ombro. — Ainda não, esperando a hora certa. Obrigado por arruinar a porra da surpresa.

— Oopsie, — Hoppy canta.

Percy aperta meu ombro, indicando que eu deveria entrar na brincadeira. — Você tem um presente para mim? — Pergunto a ele, com fingida surpresa. — Você não me contou! O que é?

— Paciência, — responde Percy, seus olhos presos nos meus. — Ainda não está pronto.

— Muito bom. Desculpe por isso. Continuem, crianças. — Hoppy nos dá um único dedo médio e volta para o trailer enquanto assobia um Canção da Disney de... se não me engano, Frozen?

Percy me pega pelo cotovelo mais uma vez, reconsiderando o prédio principal, ele me puxa para dentro de seu trailer, fechando a porta atrás de nós e trancando-a.

Ao contrário dos outros trailers em que procurei, o de Percy é livre de desordem. A decoração esparsa consiste em uma bandeira suástica pendurada sobre sua cama de solteiro desfeita, uma medalha do Fourth Reich pendurada sobre uma mesa torta com uma foto emoldurada de sua falecida mãe em cima.

— O que diabos está acontecendo, Percy? — Bato com o pé no chão, pronta para desencadear o inferno e conseguir respostas a qualquer custo. — Por que você não disse a Hoppy que eu sabia sobre o presente? Por que não posso vê-la?

— Sei que você tem um grande coração, Mickey, mas está fazendo muitas perguntas que não deveria estar, — ele responde, as narinas dilatando. — Pare de bisbilhotar. Estou falando sério. — Ele anda pela pequena sala. — Ela está segura lá. Prometo. Ela nem deveria estar aqui. Você não deveria estar aqui. — Ele dá um passo para a janela e afasta a cortina, olhando para a esquerda e para a direita antes de deixá-la cair no lugar. — Nenhuma dessas ideias de merda foi minha.

O queixo dele cai no peito.

— Espere, do que você está falando? Por que não deveríamos estar aqui? O que não foi ideia sua? — Agora, eu preferiria a versão normal repleta de raiva e ódio de Percy. Pelo menos sei como funciona. Esta versão mais silenciosa e secreta dele é uma que nunca vi antes. Não estou preparada para lidar com isso e, no meu mundo, variáveis imprevistas são as mais surpreendentes, mas também podem ser as mais aterrorizantes.

— Foi um erro você voltar aqui, Mickey. Especialmente porque esse tiro na perna foi obviamente auto infligido. E, como você não está morta, sei que nem tudo foram problemas na casa de Pike. — Ele se vira para mim. — Você deveria ter ficado lá, porra.

— O que? — Pergunto, incapaz de esconder o tremor na minha pergunta e surpresa do quanto subestimei a habilidade de observação de Percy. — Porque faria isso?

— Olha, — diz Percy, seus olhos encontrando os meus. — Sou um idiota, mas não me importo que você estava com Pike. Eu sei que essa coisa de casamento é algo que nossos pais nos empurraram. Não é exatamente como se estivéssemos apaixonados. Eu só me importo por você ter voltado. Você não deveria ter voltado, porra. Nem sempre sou honesto, mas acredite em mim quando digo que sempre gostei de você Mickey. Mesmo quando éramos crianças. Não sabia como mostrar, mas você sempre foi legal comigo, mesmo quando eu não era legal de estar por perto. Mesmo quando eu não era bom para mim mesmo. Isso sempre estará preso a mim.

— Eu...

— Nunca gostou de mim e desejou que ainda estivesse preso? — Ele termina por mim.

Ele não está errado. Ele também não espera por uma resposta, porque já sabe a resposta, junto com muitas outras coisas sobre as quais eu achava que ele não sabia nada.

— Eu não estou tentando machucá-la ou a...

— Mindy, — respondo, finalmente dizendo o nome dela em voz alta.

— O nome da sua irmã. Mindy — ele diz com um sorriso que quero arrancar do seu rosto. Ele trancou minha irmã em um trailer e nem sabe o nome dela ou qual das minhas irmãs trancou.

Endireito meus ombros. — Sim, esse é o nome dela, —respondo — Mindy. — É bom dizer o nome dela, mesmo que seja para um dos homens que a mantêm refém.

— Tudo bem, bem, foi ideia de Darius dar a você como presente de casamento ou algo assim. Ela não estava bem quando ele a trouxe para cá.

— O que aconteceu com ela? Onde ela esteve esse tempo todo?

— Na verdade não tenho certeza. Mas Darius não quer que eu dê a você, se ela não estiver em boa forma.

— Quer dizer que ele quer que você a mate, — acuso.

— Sim, é isso que quero dizer. Ouça, sou um monstro, mas mesmo isso está fora do meu mundo de merda. Acho que ela vai ficar bem. Mas preciso que você confie em mim e fique longe. Você pode voltar a murmurar xingamentos e me dar sorrisos falsos depois. Agora, apenas me prometa. Chega de bisbilhotar, porque confie em mim, você não gostará do que vai encontrar. — Ele suspira e murmura algo quase inaudível. Algo que parece muito, eu sei que não.

— Entendo o que você está tentando me dizer, — respondo, — mas você não está me dizendo o porquê.

— Você é inteligente, Mickey. Continue assim. Use esse seu grande cérebro. Mantenha sua cabeça baixa. Você não precisa gostar de mim. Só precisa confiar em mim o suficiente para me deixar fazer minhas coisas e te manter viva.

— Mindy também? — Pergunto.

Ele faz uma pausa. — Mindy também. Estamos entendidos?

Me levanto da cama e me aproximo de Percy. — Sim, mas me prometa que, quando chegar a hora, você me ajudará a tirá-la daqui, — digo. — Porque você está certo. Ela não deveria estar aqui.

— Posso prometer que vou tentar, — diz ele, estendendo a mão.

Olho para a mão dele, mas não a aceito. — Isso não é bom o suficiente.

Ele revira os olhos e estende a mão novamente. — Prometo que vou tentar tirá-la daqui antes do casamento. Mindy. Vou tentar tirar Mindy daqui antes do casamento.

O casamento. Nosso casamento.

É um lembrete frio de que estou trabalhando com tempo contado.

O casamento é daqui a duas semanas. Esse é todo tempo que tenho para tirar minha irmã deste lugar antes de enfrentar o Reich e fazer votos a Percy que nunca pretendo manter, e essa história complicada se tornar ainda mais trágica.

O sino da velha escola toca, indicando o início da reunião semanal do Reich.

— Tenho tantas perguntas, — digo a ele.

Ele franze a testa e espera que o sino pare de tocar. — Nunca poderei dar a maioria das respostas que você deseja, mas confie em mim. Por favor. Só desta vez.

Não tenho certeza se ele está me fazendo uma promessa ou uma ameaça, mas, independentemente disso, há muito mais acontecendo neste lugar e com Percy do que suspeitava. De repente, ele se tornou um personagem mais complicado nessa história terrível. Estou um pouco curiosa para descobrir quais são as motivações por trás de seu novo papel.

Além disso, como posso prometer ficar longe de Mindy quando acabei de encontrá-la novamente? Quando, independentemente do que ele diz, ela ainda pode estar em perigo?

— Pare. — Percy abre a porta. — Não tenha esses pensamentos, Mickey.

Cruzo os braços teimosamente sobre o peito. — Você não sabe o que estou pensando.

O sorriso dele é triste. — Eu sei. Está escrito por todo o seu rosto ... e fará com que te matem, porra.


CAPÍTULO QUATRO

Pike


— Machine Head de Bush soa através dos alto-falantes do meu caminhão, me impulsionando a frente. Abaixo o volume quando desço uma estrada secundária que corre paralela à que abriga o complexo do Fourth Reich. Mantenho meus faróis acesos até encontrar o caminho que preciso seguir e que me levará através do campo. Apago as luzes quando os pneus do meu caminhão deixam o asfalto. Chacoalho ao longo do caminho, em seguida, desligo o motor quando chego tão longe quanto posso para passar despercebido. Mantenho a chave na ignição, para que a música continue tocando, mas abaixo ainda mais. Não precisaria. Não é como se eles pudessem ouvir a música da minha caminhonete através dos gritos e arranhões estridentes dos seus alto-falantes que atingem meu peito a cada batida.

É música lixo, mas se encaixa perfeitamente ao Reich.

Porque, assim como eles, não tem ritmo, nem rima, nem razão.

É como se fossem um bando de filhos da puta se rebelando contra seus pais.

Sei tudo sobre ser rebelde, mas há uma diferença entre lutar contra um verdadeiro inimigo e lutar contra um que precisa criar para vencer.

Esses fodidos são tão fracos que batalham com pessoas que nem sabem que há uma guerra.

É ridículo pra caralho. O que vem a seguir, brigar com a avó sobre o tipo de chá que ela serve? É ridículo e sem sentido.

Não sou o homem mais inteligente do mundo, mas até eu posso ver que não há lógica por trás das merdas deles. Apenas um bando de crianças mal orientadas encontrando o propósito errado. Gritando por atenção, tentando ser ouvida sobre todo o barulho do caralho.

O cheiro da fogueira permeia o ar. Um perfume que chamo de nogueira, pinho e ódio.

Observo a multidão por um tempo, e justamente quando acho que não vou vê-la, lá está ela. Mickey aparece, vagando pela festa, ficando principalmente do lado de fora da multidão.

Meu peito aperta, e meu pau pulsa de prazer. Por falar em lógica. Meu pau parece não ter nenhuma. — Rapaz, ela pode ser uma garota má, — murmuro.

Ele não escuta.

— Não esse tipo de garota má, — murmuro, apertando o volante com força até meus dedos ficarem brancos.

Embora a imagem de amarrá-la na minha cama agora, nua e espalhada diante de mim, puni-la, não seja exatamente indesejável.

Ela está usando uma saia jeans e uma blusa preta, mostrando a marca no ombro que passou o tempo todo na minha casa tentando esconder. Não mais. Agora, está orgulhosamente em exibição. Uma marca que prova ao Reich que ela é um deles.

Faz meu estômago revirar pensar nela como um deles. Tão doente quanto o pensamento, e por mais provável que seja, não quero acreditar que seja verdade. Todo aquele tempo no beco cuidando de gatos? Isso me dá esperança de que ela não tenha o tipo de ódio em seu coração necessário para se associar a esses merdas.

Mas é por isso que estou aqui. Para descobrir a verdade.

Mas vou lhe dar a porra do crédito. Qualquer que seja o lado que ela está manipulando, ela é boa nisso. Não há dúvida sobre isso. É quase engraçado como você pode fazer alguém acreditar em algo que desejam ver. E também para crédito dela, Mickey é corajosa pra caralho. A marca. O jeito que ela me enfrentou quando a tranquei na porra da minha garagem? Ela é capaz de qualquer coisa, e isso me assusta e me excita.

Vejo Percy, bebendo uma cerveja com um cara grande e corpulento que então esmaga a lata na testa enquanto Mickey assiste. O grandalhão dá um grito vitorioso, depois oscila de um pé para o outro, pelo impacto da lata ou por embriaguez. Possivelmente um pouco de ambos.

Reviro os olhos enquanto Percy levanta outra, e eles repetem o processo com gritos estridentes dos outros idiotas ansiosos em conseguir a aprovação de seu futuro líder todo-poderoso.

Sério, eles deveriam fazer um documentário sobre essas pessoas. Se nada mais, seria bom para rir.

Merda, não sou o homem mais inteligente, mas esses filhos da puta me fazem sentir como se tivesse ganhado alguns pontos de QI nos poucos minutos em estive os observando.

O grandalhão gira em círculo, aceitando vitoriosamente os aplausos por sua idiotice bêbada. Percy bate palmas e dá um tapa nas costas do cara. Não posso deixar de pensar em como seria fácil agora.

Bastaria apenas uma ligação para Sniper. Ele está na tripulação de Bear e é ex-militar. Por uma pequena taxa ou inferno, provavelmente apenas um pacote de cerveja ou pela diversão, poderia pedir que ele matasse esses filhos da puta um por um. Névoa rosa por toda parte.

Não haveria mais Fourth Reich.

Mas isso pode esperar, porque agora eu estou aqui por uma razão, e agora, essa razão está se curvando para pegar as latas de cerveja descartadas que Percy e seu amigo simplesmente jogaram no chão. Pego um vislumbre completo de seu traseiro arredondado preenchendo sua saia jeans. Meu pau pulsa novamente. — Não é esse tipo de confronto, — lembro-o em voz alta porque agora sou uma pessoa louca que fala com meu pau. E em parte porque gostaria que fosse esse tipo de confronto.

Mickey olha em volta, depois lentamente caminha para a escuridão em direção à parte de trás do prédio, onde nenhuma luz brilha através de qualquer uma das janelas.

Qualquer que seja o tipo de confronto, vai acontecer agora. Esta noite vai decidir o destino de Mickey.

E o meu.

 

Mickey

Promessas são o mais doce tipo de mentiras. Também, não significam nada em uma situação de desespero, que é a situação em que me encontro. Perdida em um vazio de desespero. Consumida apenas pelos pensamentos e o desejo de chegar a Mindy. Tudo enquanto interpreto a dedicada noiva do futuro líder do Reich em mais um show de merda numa festa comemorando o quê, não tenho certeza. Eu nunca tenho.

Fugir da festa não é fácil. Espero uma eternidade pelo que parece ser o momento perfeito quando imagino que não sentirão minha falta. Acho esse momento entre a competição de esmagamento de cerveja na testa e o quão rápido você pode atravessar a fogueira sem queimar até a morte.

Lentamente, afasto-me da multidão até estar totalmente envolvida nas sombras da lateral do prédio. Quando sei que não posso ser vista, viro e corro a toda velocidade. Quando chego ao pátio iluminado, diminuo o passo. Me deparo com um casal voltando para o prédio principal. Trocamos cumprimentos educados e tento não respirar muito pesado e mostrar meu esforço. No segundo em que eles desaparecem, corro para o trailer e abro a porta.

Só que está vazio. Pelo menos, está vazio de Mindy. Tudo o que resta são os colchões e outras porcarias que existiam antes. Até a gaiola que estava embaixo da janela sumiu.

Fecho a porta silenciosamente e retomo minha busca. Tento dizer a mim mesma que tudo ficará bem. Que Percy prometeu protegê-la.

Mas promessas são as mentiras mais doces. Você mesma pensou isso. Merda.

Casualmente, tento fazer minha busca parecer um passeio sinuoso, assobiando e olhando ocasionalmente para as estrelas. Enquanto por dentro estou gritando comigo mesma para correr de porta em porta e arrancá-las das dobradiças.

Depois do que parecem horas, cobri todo o complexo, verificando portas abertas e espiando pelas janelas sem sorte alguma.

O baixo da festa sacode as paredes do salão enquanto me aproximo da festa. A luz da fogueira brilha através do arco que leva para fora do terreno. Paro, incapaz de prosseguir. Não posso voltar lá. Simplesmente não posso.

Dou um passo para trás e depois viro, correndo para o banheiro feminino. Verifico os reservados e não encontro ninguém. Tranco a porta atrás de mim e descanso minhas costas contra ela, deslizando para o chão.

Meus pensamentos mudam de minha irmã para Pike e como gostaria que ele estivesse aqui agora. Como gostaria de me perder em seus braços quando tudo fica muito parecido a quando eu estava com ele.

Me pergunto se ele algum dia me perdoará por partir como fiz ou se ele se importa que eu tenha partido?

Provavelmente o último, considerando que lhe trouxe nada além de problemas enquanto estava lá, mas mesmo esse pensamento parece errado quando me lembro de como ele era carinhoso. Como ele tocou minha perna e segurou minha mão enquanto contava a ele e a Nine a verdade sobre meu pai, a verdade sobre por que estava envolvida com o Reich em primeiro lugar.

Descanso minha testa nos joelhos, perdida em meus próprios pensamentos e uma tristeza esmagadora.

Uma batida alta ecoa no pequeno banheiro, e minha cabeça dispara encontrando a fonte dos meus pensamentos sobre mim.

Pike.

— Você, — respiro, clamando ao levantar.

— Esperando outra pessoa? — Pike ruge, os olhos percorrendo meu corpo. Há calor em seus olhos junto com outra coisa. É dor. A mesma dor que vi refletida quando lhe disse que o entendia na sua loja de penhores.

— Não, mas... por que você está aqui? — Pergunto, alisando minha saia e me sentindo tão nervosa como quando ele se aproximou de mim pela primeira vez em sua garagem. Ele tem o mesmo aviso sombrio nos olhos que tinha naquela noite. Um tremor gelado irrompe na base da minha espinha, fazendo todo o meu corpo tremer.

— Tenho uma pergunta para você. — Pike segue avançando, fechando o espaço entre nós. Seu perfume masculino e sua proximidade me envolvem. — Você sabe como é realmente matar alguém? Ter sangue em suas mãos? E não estou falando do ato físico de tirar a vida de alguém. Estou falando sobre o que isso faz com você. O que você sentirá depois. Não é tão fácil quanto você pensa. Não é algo que pode desfazer, e pode não ser algo do qual possa voltar.

De repente, vou de feliz por ele estar aqui para enfurecida. — Por quê? Porque minha mente quebrou antes, e você acha que vai quebrar novamente? Você acha que já não pensei nisso? Que não sei os riscos?

Ele me enjaula, me apoiando em uma das três pias. — Não quero que você vá para um lugar de onde nunca mais voltará. É egoísta, mas não quero te perder. Não posso.

—Eu ... tenho que fazer isso, — digo, minha voz trêmula.

Suas narinas dilatam. — Qual é exatamente o seu grande plano, Mic? Porque o que quer que faça, não os trará de volta e provavelmente acabará te matando.

— Não importa se eu morrer ou não, — tento explicar.

— Isso importa para mim, — diz Pike.

Respiro fundo. — Por quê?

Ele me olha e franze a testa. — Não tenho certeza, mas importa. Isso importa mais do que tudo.

Balanço a cabeça. — Não. Eu não. Você não pode... — Ele envolve uma mão forte em meu pulso.

— Não! — Me afasto dele. — As pessoas que se importam comigo acabam se machucando ou morrendo. Então veja bem, você não pode se importar comigo.

Ele me agarra e me empurra de volta contra a pia. Ele segura minha mandíbula, forçando-me a olhar em seus olhos. — A única pessoa que pode me machucar agora, é você. É a sua jogada de merda, Mic. Certifique-se de fazer o certo.

— Como? — Pergunto, sentindo uma sensação de punhalada repetidamente dentro do meu peito. — Que escolha eu tenho?

Ele abaixa o rosto até que seus lábios estão pairando sobre os meus. — Eu vou te dizer... depois.

— Depois do que? — Pergunto, mas assim que as palavras saem da minha boca, seus lábios estão nos meus. Devorando-me junto com quaisquer pensamentos que tivesse sobre qualquer outra coisa.

Somos só eu e Pike.

Parece certo. Mais do que qualquer coisa nos últimos dias.

Pike parece e cheira a versão feminina de um sonho molhado. Ou talvez, seja apenas a minha reação a ele, embora isso pareça ridículo, por mais que eu ache, porque não há mulher viva que não seja afetada por seus ombros fortes, seu porte grande, o casual e não afetado brilho em seus olhos ardentes. Resposta hormonal ou não, nunca quis nada mais na minha vida do que sentir as mãos de Pike em mim, o peso de seu corpo nu no meu, o calor de sua pele envolvendo-me enquanto ele enfia seu pau quente dentro de mim.

Minhas bochechas queimam de vermelhidão e, de repente, o ar úmido da noite é demais para suportar. Sou uma prisioneira em minhas próprias roupas.

Anseio por Pike me libertar do cativeiro. Senti-lo novamente. Contra mim. Dentro de mim.

— Eu amo isso, — diz ele, passando os nós dos dedos pela minha bochecha, e sei que ele está falando sobre o meu rubor, porque já disse isso antes. Me inclino em seu toque e olho para ele com os lábios entreabertos. — Quero vê-la corar em todos os lugares.

Suas narinas dilatam enquanto ele cai de joelhos e separa minhas coxas com as mãos. Ele empurra minha calcinha para o lado, enterrando o nariz entre as minhas dobras, inspirando profundamente. Fecho minhas pernas por pura vergonha, mas ele balança a cabeça. — Você não pode se esconder de mim, — ele rosna contra o meu clitóris. Sua barba por fazer causa um atrito que envia a sensação pulsante do meu núcleo ao extremo, apertando, precisando, sentindo-me vazia demais. Pike enfia os dedos nas minhas coxas, mantendo-as afastadas. — Não se atreva a tentar me impedir do que é meu. — Ele passa a língua sobre o meu clitóris e pasta os dentes sobre o ponto sensível. Balanço, minhas costas voando da pia quando um flash ofuscante de prazer me choca como se eu tivesse sido atingida por um raio.

Pike me segura, empurrando minha barriga, me mantendo pressionada contra a pia. — Onde você acha que vai? — Ele ri, repetindo a lambida com a mesma resposta, se não mais forte. Ele, então, abre a boca, lambendo e chupando meu clitóris, gentilmente no início, como se estivesse beijando meus lábios, apaixonadamente, furiosamente antes de circular sua língua cada vez mais rápido em um ritmo que me faz virar a cabeça de um lado para o outro, sem saber o que fazer enquanto meu corpo é agredido pelo prazer mais extremo que existe.

Ele agarra meus tornozelos e os empurra, erguendo meus joelhos contra o meu peito e separando minhas pernas ainda mais. Sua língua se move mais rápido. Ele gira e chupa, inserindo um dedo e mordendo levemente meu clitóris ao mesmo tempo. O aperto na parte inferior do meu estômago é liberado como uma bomba atômica em um orgasmo que explode com tanta ferocidade que meus músculos espasmam enquanto se contraem, enviando-me em uma onda ofuscante de prazer que tenho certeza que vou me afogar.

Ele se levanta, me deixando sem fôlego e espalhada diante dele. Sinto a perda de seu toque enquanto queimo por mais.

— Não se preocupe. Não vou a lugar nenhum, — ele garante, sabendo exatamente o que eu quero. O que eu preciso. — Ainda não terminei com você.

Ele coloca a mão atrás do meu pescoço e levanta minha cabeça para me beijar, sua língua explorando minha boca gananciosa. Posso me provar em sua língua. — Você tem um gosto tão bom. Em toda parte, — ele diz contra meus lábios, nunca quebrando o beijo. Estendo a mão e enfio os dedos nos seus cabelos, puxando-o para mais perto. Meus mamilos duros roçam seu peito, enviando um tremor de prazer por todo o meu corpo. — Você quer mais, Mic?

Só consigo assentir contra sua boca, respirando pesadamente.

— Você quer tudo? — Ele pergunta, soando rouco e áspero como se estivesse prestes a perder o controle.

— Sim, — consigo dizer, pegando a barra da camiseta e puxando-a sobre a cabeça. Envolvo minhas pernas em volta de sua cintura novamente e enfio meus calcanhares em sua bunda, incitando-o.

Ele assobia. — Porra, Mic, gostaria de ter um tempo com você.

— Não há tempo. Quero que você me foda, — me ouço dizer, embora não soe como eu. Minha necessidade por Pike tornou-se uma posse de luxúria e desejo.

Pike me gira e me inclina sobre a pia. Seguro na borda evitando bater de cara na porcelana. Olho para ele através do espelho onde ele está parado atrás de mim, avaliando meu corpo com calor feroz em seus olhos ardentes. Ele molda seu corpo contra o meu. Fecho os olhos pela sensação com a qual estou sonhando desde a última vez que o vi. Aprecio seu perfume, seu calor.

— Abra seus olhos, Mic, — ele ordena. — Quero que você veja isso. Nos veja, — ele exige, desafivelando o jeans e baixando a cueca.

Minha única resposta é um gemido. Não tenho palavras. Só desejo.

Como ordenado, abro meus olhos.

Pike roça a parte de trás do meu pescoço com os lábios. — Quero ver sua reação no espelho enquanto toma meu pau. Quero que veja a minha enquanto dou a você. Não vou apenas te foder. Isto é uma mensagem. Uma que quero que você receba alto e claro, para que não haja mais mal-entendidos entre nós. — Ele enfia a mão entre minhas pernas por baixo da saia, tocando minha boceta sobre a calcinha úmida.

Empurro de volta contra ele com um gemido carente. Ele me segura no lugar, deslizando a calcinha pelas minhas pernas antes de retomar seu toque, desta vez contra a carne nua e molhada.

Ele geme quando sente o que está esperando por ele. — Isso pertence a mim. — Ele passa um braço em volta do meu ombro, espalmando minha garganta, mordendo o lóbulo da minha orelha. Suas próximas palavras são ao mesmo tempo uma declaração e um aviso, entregues enquanto o seu pau grosso pressiona contra a fenda da minha bunda. — Você me pertence.

Ele se afasta levemente, depois entra em mim sem aviso e com tanta força que fico tonta enquanto ele me estica, me enchendo completamente. Ele não para antes de iniciar um assalto em minha boceta.

— Puta merda, — ele murmura, ecoando meus pensamentos.

Agarro a pia em busca de apoio enquanto Pike implacavelmente me fode por trás, empurrando e puxando minha cintura enquanto bate em mim. Meu corpo convulsiona toda vez que seus quadris se conectam com a carne da minha bunda.

— Você está olhando, Mic? — ele pergunta, pressionando seus lábios na minha bochecha. Ele segura minha mandíbula e vira meu rosto até que seus beijos duros atingem meus lábios, tão fortes e furiosos quanto ele está me fodendo. Estou sem fôlego quando ele me solta. — Está? — Ele repete, liberando meu rosto.

Minha única resposta é empurrar meus quadris para trás.

Ele assobia com o contato e puxa meu cabelo, picando meu couro cabeludo. Arde, mas a reação dele é a razão pela qual não hesito em fazê-lo novamente. — Mic, — ele avisa, enrolando meu cabelo em sua mão. — Olhe, — ele ordena, usando seu aperto no meu cabelo para direcionar minha cabeça sem me deixar escolha a não ser olhar.

No espelho, vejo Pike, brilhando de suor, parecendo muito com um anjo realizando o trabalho do diabo. De repente, estou muito agradecida por ter uma memória fotográfica, porque essa imagem é uma que sempre lembrarei e pelo resto da minha vida. Um fluxo de umidade escapa do meu corpo, encharcando seu pau em apreciação. — Foda-se, — ele jura. — Acho que você gosta do que vê?

Consigo assentir, puxando contra seu aperto no meu cabelo, meus olhos marejando quando a picada no meu couro cabeludo arde ainda mais.

Pike solta meu cabelo. Minha cabeça cai para frente, mas não me atrevo a desviar o olhar. Ele me disse para olhar, e é exatamente isso que pretendo fazer.

Um sorriso diabólico brinca em seus lábios enquanto ele enfia as unhas na minha bunda. Ele olha para baixo e passa as mãos sobre a minha carne, admirando as marcas que, sem dúvida, está deixando em seu rastro. Os músculos de seus braços e peito estão tensos, esticado contra sua pele tatuada em seu esforço para me foder e me quebrar. Sob suas sobrancelhas franzidas, há um brilho enlouquecido em seus olhos que é ao mesmo tempo assustador e emocionante.

Empurro contra seu impulso mais uma vez, e desta vez, ele rosna. É um som tão baixo e primitivo que posso senti-lo profundamente dentro do meu corpo trêmulo.

— Você está tentando me levar ao limite? — ele grita, encarando meu reflexo com olhos fortemente encobertos.

Não consigo evitar, e talvez esteja tentando levá-lo ao limite. Eu pisco.

Pike faz um som semelhante ao de um animal faminto. Ele agarra minha mandíbula e vira minha cabeça para o lado, forçando minha bochecha contra a porcelana fria. Dois de seus dedos grossos abrem meus lábios, penetrando minha boca. Suas investidas se tornam mais determinadas, mais desesperadas, como se ele estivesse tentando me tirar a insolência.

Pouco provável.

Não tenho certeza se ajo por instinto, ou se é apenas a minha necessidade de lhe provar que ele não está no comando, ou se realmente quero levá-lo ao limite e ver o que acontece, mas certamente não é por sanidade que escolho morder seus dedos.

Com força.

Tanta força que sinto seu sangue acobreado na minha língua.

Sentindo-me vitoriosa, sorrio em torno de seus dedos ensanguentados, mantendo meus dentes enterrados em sua carne.

— Você vai me matar, porra, — Pike geme, mas não puxa os dedos da minha boca. Ele não se afasta. De qualquer forma, a mordida faz com que ele fique mais desequilibrado, alimentando seu ritmo já enlouquecedor, esmagando meus seios contra a pia chacoalhando - poeira de onde a pia e a parede se encontram cai no chão.

Pike empurra meus ombros e ergue meus quadris para que eu fique na ponta dos pés, pernas espalhadas ao máximo, me deixando o mais aberta possível para ele. Ele mete em mim com uma força que não apenas quebrará a parede, mas provavelmente me quebrará ao meio. Agarro a lateral da pia com as duas mãos, segurando com toda a minha força. Encontro todos os seus impulsos com um empurrão meu, determinada a lhe dar tanto quanto posso tomar enquanto meus músculos tensionam, e meu corpo se deleita com o prazer de tudo.

O poder.

Pike finalmente tira os dedos da minha boca. O sangue escorre do canto dos meus lábios. Tento recuperar o fôlego, mas não há interrupções. Há apenas eu e Pike e essa coisa perigosa entre nós que nos puxa e empurra um contra o outro como se estivéssemos possuídos por demônios.

Ou talvez, nós sejamos os demônios.

Possuídas ou não, minhas pernas tremem. Meus joelhos enfraquecem. Para não cair, levanto um braço e pressiono a mão contra o espelho. A parte inferior do meu estômago aperta e começa a espasmar, e não tenho certeza quanto tempo mais posso manter essa posição. Começo a escorregar, mas empurro os dedos dos pés, pressionando mais forte contra o espelho. Por outro lado, minhas juntas estão brancas enquanto aperto a borda da pia, desesperada para permanecer de pé. Desesperado para sentir tudo isso. Senti- lo.

— Porra, Mic, — Pike geme, seu pau engrossando dentro de mim, pulsando contra as minhas paredes internas. Suas coxas atrás tremem contra a parte de trás das minhas pernas. Ainda estou olhando no espelho, mas minha visão borra quando meu corpo aperta em torno de seu pau. Tudo o que vejo é uma imagem agora nebulosa de dois corpos procurando prazer e punindo o outro.

Ajusto minha mão quando meus pés novamente ameaçam escorregar, arranhando o espelho, desejando que não fosse tão liso.

— É melhor você estar olhando, — Pike diz por entre os dentes. Pisco rapidamente e me concentro nos músculos do pescoço de Pike enquanto minha visão clareia.

— Pike! — Choramingo quando uma onda de prazer ameaça explodir dentro de mim. Meu corpo inteiro começa a tremer pelo meu orgasmo iminente, e se isso é apenas uma prévia, estou feliz e aterrorizada com o que está por vir.

O lugar cheira a suor e sexo. Os sons do tapa de pele na pele enchem o pequeno espaço, junto com nossos grunhidos e gemidos.

Uso tudo o que tenho empurrando contra Pike, pegando o que quero, não, o que preciso.

— Sim, — ele rosna. — É isso aí. Mic. Essa é a porra da minha garota. Me dê tudo o que você tem.

Soltando a pia, uso as duas mãos para empurrar contra o espelho, dando-lhe o que ele está pedindo.

É muito. O espelho racha sob a pressão adicional, formando uma teia em volta dos meus dedos e cortando minha pele.

Meu corpo aperta em torno do pênis de Pike, agarrando-o por dentro. O ritmo de Pike se torna irregular e selvagem. Ele envolve seus braços em volta da minha cintura, me segurando firmemente contra seu corpo.

O sangue escorre dos meus dedos, pintando nossos reflexos de vermelho. Nós não paramos de foder.

Pike segura minha mandíbula novamente, colocando o queixo no meu ombro, forçando-me a assistir nossas imagens distorcidas e ensanguentadas no espelho estilhaçado nos partindo em dois pedaços. Pike em um e eu no outro.

Nós não paramos de foder.

O vidro começa a cair, sobre a pia e no corpo, picando a pele.

Nós fodemos mais.

O nome de Pike sai dos meus lábios quando chego ao limite, o vidro chovendo ao nosso redor.

Nós fodemos ainda mais.

O pedaço com a minha imagem cai.

Pike geme meu nome em um grito estrangulado que me empurra para um tipo de prazer que é ao mesmo tempo doloroso e brutal e reconfortante e feliz.

— Mic, — ele ofega, enquanto ainda estou sentindo a felicidade rasgar através do meu corpo. Ele descansa a cabeça no meu ombro.

A última peça, aquela com seu reflexo, cai na pia. O espelho está agora completamente quebrado.

E nós também.

 

 

Ainda estou atordoada com o que acabou de acontecer quando Pike agarra meu rosto em suas mãos e olha profundamente nos meus olhos. — Mic, deixe-me ajudá-la. Não ficarei no seu caminho, mas quero ajudá-la a se vingar. Venha comigo agora, e vamos resolver essa merda juntos.

Balanço a cabeça e penso na minha irmã. Não posso deixá-la, agora não. Nem sei onde ela está. — Não. Você não pode ... eu não posso. — Lágrimas brotam nos meus olhos. — Eu...— Começo, querendo explicar, mas incapaz de encontrar as palavras. O que estou tentando dizer? Eu te amo por favor me entenda? Não posso dizer nada porque quaisquer palavras que saiam dos meus lábios não soariam bem. Eu não sou boa no que envolve sentimentos e, agora, estou sentindo muito. — Eu quero, mas não posso sair porquê...

A maçaneta da porta sacode, seguida por três pancadas fortes. — Quem está aí? Mickey, é você?

— Venha comigo, — diz Pike novamente, puxando as calças. — Por favor, Mic. Vamos. — Ele estende a mão e tudo em que consigo pensar é que, se eu a pegar, minha irmã morrerá.

— Mickey? — A voz pergunta novamente.

Uma lágrima escorre pela minha bochecha. — Eu simplesmente não posso.

Pike olha para mim e posso ver a mágoa em seus olhos até que, de repente, desaparece e é substituída por outra coisa. Eu sei, neste momento, que disse a coisa errada. Algo que não posso desfazer. A mudança nele parece permanente. Uma nova realidade do que está por vir, e posso sentir a intensidade do que ele acabou de decidir nos meus ossos. — Para que conste, eu queria isso. Queria você. O que acontecer agora, você deve saber, é sua responsabilidade.

Ele começa a se erguer até a janela, e eu o seguro, puxando-o pela camisa. Pego seu rosto em minhas mãos, fico na ponta dos pés e o beijo com tudo o que tenho. É muito curto e breve, e quando me afasto, tenho apenas um segundo para vislumbrar o brilho em seus olhos. Um olhar que diz adeus, porque algo me diz que depois do que ele acabou de dizer, é isso para nós.

O fim.

— Mickey! Por que essa merda está trancada! — Percy chama.

Pike me dá um último olhar confuso e ardente, depois pula pela janela, fechando-a atrás dele. Me ajeito no espelho e espero que a aparência adequadamente fodida que estou exibindo também passe por uma aparência bêbada e desgrenhada.

Abro a porta e Percy praticamente cai no banheiro. Ele entra e verifica cada um dos reservados antes de perceber o espelho quebrado e o sangue. — O que diabos aconteceu? — Percy pergunta.

— Bebi demais. Eu vim aqui vomitar e caí direto no espelho, — minto, balançando um pouco para enfatizar.

Percy olha para o espelho novamente, e eu acho que ele está prestes a me desmascarar pela impossibilidade de cair sobre um espelho em cima da pia sem saltar, mas sua postura suaviza, e ele parece acreditar em mim porque seu rosto se transforma de surpresa a preocupação. — Venha comigo. Vamos enfaixar essa mão.

Enrolo um pouco de papel higiênico na minha mão e balanço a cabeça. — Eu mesmo faço. Tenho um kit de primeiros socorros no meu quarto.

— Tem certeza? — Ele pergunta.

Assinto. — Percy, onde está Mindy? — Pergunto, segurando um pedaço de papel higiênico sobre a mão, o sangue encharcando o material branco instantaneamente.

— Já disse para você não bisbilhotar. — Ele olha para a minha mão sangrando novamente. — Ela está segura, Mickey. Vá fazer um curativo.

Sentindo-me derrotada, usada e saciada ao mesmo tempo, passo por Percy para a porta principal e subo as escadas em direção ao meu quarto, deixando uma trilha de sangue no caminho...e muito mais.

 


Horas depois minha cama ainda está balançando no ritmo da música sacudindo as paredes do meu pequeno quarto, a festa ainda furiosa abaixo. A luz da lua brilha através da janela e lança luz sobre meu rosto.

Nunca chorei quando minha família morreu. Não lágrimas reais. Elas foram um disfarce para enganar Darius e meu ato de não saber que ele foi o responsável pela morte deles. Eu não tive tempo para lágrimas de verdade na época, e não tenho tempo para elas agora.

Minhas lágrimas e minha dor são minhas, e me recuso a entregá-las a ele. A hora de lamentar não é agora. É quando tudo acabar. E temo a dor naquele dia mais do que a matança que precisa ser feita por minhas próprias mãos.

Sempre fui uma solitária. Mesmo quando morava em uma casa com minhas irmãs e meus pais. Sempre encontrava tempo para ficar sozinha e com meus próprios pensamentos. Anseio e funciono bem na solidão. Foi o que me fez superar isso. Sozinha. Fazendo planos. Esquemas. Cálculos. Sem confiar em ninguém. Eu passava horas no meio da noite sonhando em como realizar meus planos e agora esses sonhos, embora ainda estejam lá, têm companhia. Novos sonhos.

Com Pike.

Agora que o conheci, agora que senti seu corpo contra o meu, dentro do meu, agora que sei que ele existe neste mundo, minha solidão se tornou sufocante. O ar é espesso e difícil de respirar. O ar está mais quente e mais úmido que o normal. Não apenas sinto falta dele. O desejo, corpo e alma. Me pego arranhando minha própria pele, tentando aliviar uma coceira que não está na superfície e não pode ser aliviada, passando minhas unhas pelos meus braços repetidas vezes até tirar sangue.

Sentir falta de alguém que está morto e nunca mais voltará não acaba, mas diminui com o tempo à medida que a aceitação se instala. A falta de alguém que está vivo é uma dor que só cresce a cada tique do relógio.

Não chorei quando minha família morreu. Não lágrimas reais. Apenas um ato pelo bem de Darius para provar que não sabia o que ele tinha feito.

Se não chorei naquele dia, não vou chorar agora. Mesmo que sinta que meu interior está quebrado. Mesmo que não possa respirar sem sentir uma pontada aguda de arrependimento. Se ao menos fôssemos pessoas diferentes levando vidas diferentes. Talvez eu seria aquela turista de verão que chama sua atenção. Talvez, ele seria o garoto mau dono da loja de penhores que eu não conseguiria resistir, e ficaria caidinha.

Mas nada disso importa agora. Não meu coração dolorido ou minha alma vazia. Voltei ao Fourth Reich para cumprir minha vingança sozinha e agora ficarei por causa da minha irmã.

Aquele brilho em seus olhos antes de sair. O aviso em suas palavras. Foi tudo tão ... final.

Por um segundo, com Pike em sua loja e em sua cama, fui feliz. Rio de mim mesma. De qualquer maneira, o que é a felicidade senão uma mistura de reações químicas dentro do cérebro? Um pouco de dopamina, um pouco de serotonina e um pouco de ocitocina para dar sabor. É uma fórmula, não um sentimento. O mesmo efeito pode ser alcançado com uma pílula. É uma ilusão.

Mas saber que a felicidade é uma ilusão não faz meu peito ficar menos tenso, ou minha garganta menos seca, ou todo o meu corpo sentir menos como se estivesse sendo lentamente enfiado em um buraco escuro para nunca mais sair. Respiro fundo para me estabilizar.

EU. NÃO. VOU. CHORAR.

Pike é a única pessoa em que já me vi. O que parece ilusório pra caralho porque somos muito diferentes, opostos em quase todos os aspectos, exceto onde somos iguais. Nossa determinação, nossa dor, nossa solidão, a maneira como tentamos preencher as lacunas em nossas vidas. Ele com as coisas em sua loja, eu com minha pesquisa e vingança.

Nós dois estamos apenas preenchendo um vazio. Se não fosse pela minha irmã, eu teria pegado a mão dele e ido com ele. A vingança não enche meu coração como Pike. Ele é a chave.

E eu simplesmente mudei a porra da fechadura.


CAPÍTULO CINCO

Pike


Nada pode ser pior do que saber que você tem que matar alguém cuja boceta ainda pode saborear em seus lábios.

Dormência é tudo o que quero sentir, mas toda vez que fecho meus olhos, imagino o brilho nos olhos de Mickey... momentos antes de eu acabar com sua vida.

Não é um pesadelo. É o futuro do caralho. Talvez, tenha sido burro o suficiente para acreditar, esperar, que ela viesse comigo, e não tivesse que lidar com o resto dessa merda. Uma grande parte de mim nunca imaginou que ela ficaria lá, mas ela ficou. Mais uma vez, ela os escolheu.

Mic morrerá. Sumirá. Não pertencente a este mundo de merda. É como se todas as minhas costelas estivessem quebradas.

Ninguém pode ver a lesão, mas está lá e é muito real.

Meu rosto se torce em agonia com cada lembrança dela. Pressiono a mão no meu peito, esfregando a pele como se de alguma forma pudesse aliviar a dor por baixo, mas não ajuda em nada, porque não há cura para o tipo de doença da qual estou sofrendo.

Afogar-me em uísque é o mais próximo que encontrei de alívio, mas apenas porque bebo o suficiente para ficar inconsciente, mas no segundo em que meus olhos se abrem, eu a alcanço. Penso nela. Ainda a sinto no meu travesseiro. Mesmo depois de lavá-los várias vezes. Sei que o cheiro dela não está nele, mas é como se minha mente quisesse me lembrar que já esteve. Para lembrar.

Lembrar dela.

Como se eu pudesse esquecê-la.

Sinto como se tivesse sofrido um terrível acidente de carro e estou sangrando internamente.

Pego a garrafa de uísque na minha mesa, apenas para encontrá-la frustrantemente vazia. A jogo através da sala, e ela bate contra a porta assim que ela se abre.

Esse sentimento é temporário, digo a mim mesmo. Não é real porque a pessoa que você perdeu não é real. Pararei de chafurdar em breve, e quando o fizer, se houver um Deus lá fora, que ele tenha piedade de Mickey.

Porque eu com certeza não terei.

Thorne olha para o vidro quebrado no chão e revira os olhos. — Você acabou sua festa de piedade? Porque temos muito trabalho a fazer.

Gemo. — Você pode administrar a loja de penhores sozinha. Vamos encarar. Você faz isso há anos de qualquer maneira.

— Verdade. Mas não é desse tipo de negócio que estou falando. — Ela paira sobre mim ao lado da cama e bate um jornal enrolado no meu peito.

Mudo para uma posição sentada. — Obrigado, mas nasci em uma década onde minha geração lê essas coisas online. — Empurro o jornal para o chão.

— Uhhhh. — Thorne pega o jornal e o abre. Ela vira de cabeça para baixo e uma nota cai de entre as páginas.

Esta noite. Meu estúdio 20:00. - King

Leio as palavras e esfrego as mãos no rosto. Porra. Ele provavelmente quer discutir o ataque ao complexo. Que noite e a que horas Mickey vai morrer. Quando afasto as mãos, vejo um pé batendo impacientemente no chão, lembrando-me da presença de Thorne. Olho para onde ela está com os braços cruzados sobre o peito e o quadril para o lado com os lábios contraídos.

— Obrigado, — digo. Embora ele pudesse ter enviado uma mensagem para o meu telefone. Acho que ele quer ter cuidado extra, já que trilhas digitais não podem ser realmente excluídas. Pelo menos, é isso que Nine sempre diz. Além disso, quando você planeja um assassinato em massa, é sempre melhor ficar do lado da cautela.

— Tire sua cabeça da sua bunda. — Thorne se inclina sobre mim e funga, depois fecha o nariz, abanando a mão no ar. — E pelo amor de Deus, tome um banho, cara.

É verdade, eu preciso tomar um banho, mas no meu estado de embriaguez na noite passada, foi a última coisa em que pensei. Na verdade, no meu estado de embriaguez, nem tenho certeza de como voltei à loja de penhores. A última coisa que me lembro é de beber uísque com Nine na casa dele. Sento-me, esticando os músculos doloridos e finjo que estou procurando algo embaixo da pilha de papel e recibos empilhados na minha mesa. — É assim que você fala com seu chefe? Porque é isso que sou, caso você tenha problemas para se lembrar. “Seu chefe”.

Sinto-me mal por gritar com ela e usar o cartão do chefe, porque, apesar de ter conhecido Thorne quando ela veio trabalhar aqui, a vejo como uma amiga antes de uma funcionária. Não importa.

Minhas palavras obviamente não têm o impacto que eu pretendia, porque Thorne olha para o teto e ri. Ela para de repente e me encara com olhos acusadores. Ela bate as duas mãos na mesa e se inclina para mais perto. — É assim que falo com meu chefe quando ele era o homem mais destemido que já conheci e de repente se transforma em ... — Ela acena com a mão sobre mim e faz uma careta. — Qualquer que seja essa criatura fétida e covarde.

De repente, a raiva ferve dentro de mim, mas o que me deixa mais zangado é que ela está certa. Afinal, evitar a verdade é a razão de estar bebendo em primeiro lugar. Não preciso da sua dose fria de realidade, preciso de mais uísque. Preciso de mais tempo, porra.

Bato meu punho na mesa.

Thorne não se encolhe. Porque, bem, Thorne não se encolhe.

Falo entre dentes cerrados e aponto um dedo acusador, que deveria estar apontado para mim mesmo, para ela. — Não se atreva a achar que sabe o que está acontecendo comigo agora. Você não faz a menor ideia. — Me viro para sair da sala antes que lhe diga outra coisa que me arrependerei mais tarde.

As palavras de Thorne me impedem. — Oh, por favor, Pike. Você realmente acha que é o único que já teve um coração partido antes? Você acha que é o único que já perdeu alguém? Bem, caso seja o que você acha, deixe-me esclarecer. Você não é o primeiro e não será o último. Você nem mesmo é a única pessoa nesta porra de quarto. Então, faça um favor ao mundo, tome um banho e, enquanto estiver nisso, supere-se.

Me viro e cruzo os braços sobre o peito. A confissão de Thorne jogando um balde frio de verdade sobre a minha raiva. — Quem você perdeu? — Pergunto, curioso. Thorne nunca se abriu para mim assim, e por mais que a considere uma amiga de confiança, não há muita coisa que saiba sobre o passado dela. A família dela, o que só me mostra que tenho sido um amigo de merda, porque nunca pensei em perguntar.

Ela encolhe os ombros e cruza as mãos. — Minha mãe e meu irmão. Faz muito tempo — diz ela olhando para o chão e depois para as unhas. Ela rapidamente se recompõe, endireitando os ombros e me encarando mais uma vez.

— O que aconteceu? — Pergunto, dando um passo em sua direção.

Ela suspira. — Minha mãe morreu e meu irmão, bem, ele está vivo, e nunca o conheci realmente, mas isso faz com que não ter tido a chance de crescer com ele ou conhecê-lo quando criança, seja mais doloroso que perder minha mãe.

— Onde ele está agora? — Pergunto, anos tarde demais.

— Ele está... — Ela balança a cabeça. — Não importa. Ele não é exatamente do tipo família.

Meus punhos se fecham. — Qualquer um que não queira ser sua família precisa tirar a cabeça da bunda mais do que eu.

Ela olha para cima e sorri. — Sabe, eu mesma não poderia ter dito melhor.

Levanto meus braços para abraçar Thorne, algo que nunca me lembro de ter feito antes, por ela ou por qualquer outra pessoa, mas parece que o momento pede esse tipo de coisa.

Thorne se afasta e levanta a mão. — Não. Este não é o momento para essa besteira. — Ela torce o nariz. — Vou adiar esse abraço. Talvez esperar até depois do banho. Ou quando for a hora certa. Ou nunca. — Ela solta o nariz e eu abaixo os braços. — Está na hora de você pegar sua garota de volta sem se matar.

Não tenho certeza do que Thorne não está entendendo. Mickey se foi. — Mickey partiu. Ela poderia ter ficado e partiu. Ela escolheu partir. Ela escolheu novamente ficar lá. Sou da velha escola, mas não sou um homem das cavernas. Eu não vou arrastá-la de volta pelos cabelos. Ela os escolheu.

— Não acredito que você não vê! — Thorne de repente grita batendo o pé, suas palavras ecoando pela sala como se milhares dela estivessem gritando comigo. Ou talvez, não esteja de ressaca, mas ainda bêbado, mas pelo menos, só estou vendo uma dela.

— Ver o que? — Chio, puxando meus próprios cabelos em frustração. — Não há nada para ver. Ela se foi! Acabou! — Olho para minha amiga e não consigo entender o que ela não está entendendo. — Pelo menos ... ela estará em breve.

Ela franze os lábios e se aproxima o suficiente para que eu possa sentir seu xampu de cereja e ver a fúria nadando em seus olhos. — Greyson filho da puta Pike, preste atenção e me escute. Mickey partiu porque achava que não tinha outra escolha! Ela está lá porque ainda acha que não tem outra escolha! — Ela gira em um círculo, depois coloca as mãos nas coxas, dobrando a cintura. — Ela sabia que se você fosse atrás do Fourth Reich, você e as pessoas com quem se importa poderiam morrer. Ela não estava disposta a arriscar, porque perdeu pessoas e não queria te perder também! Ela está fazendo isso sozinha porque acha que precisa te proteger, seu idiota!

— Por quê? Por que ela faria isso? — Pergunto, ainda sem entender por que partir era de alguma forma a melhor escolha. — Eu ainda iria atrás do Reich. De qualquer maneira. Ela sabe disso. Eles armaram para parecer que eu estava roubando de King e ... — Estalo meus dedos, — Oh, sim, eles mataram Gutter. Além disso, a mantive refém, e houve toda aquela coisa de tortura sensorial. Então, Thorne, me diga, por que ela tentaria me proteger? Por que ela iria querer me salvar?

Meu peito está doendo. Minhas perguntas são retóricas, mas ainda assim, espero a resposta de Thorne, imaginando o que perdi que ela vê tão claramente.

Thorne fica ereta e gentilmente coloca as mãos no meu peito. Ela olha nos meus olhos com tristeza e compaixão. Mais emoção do que já vi dela em todos os anos em que ela esteve por aí. — Mickey acha que pode derrubá-los sozinha. Ela quer, para que você não precise. — Ela faz uma pausa e procura algo no meu olhar. — É tão difícil você entender? Ver o que vejo? — Ela faz uma careta. — Ou você simplesmente não se acha digno? — O jeito que ela pergunta me leva a acreditar que ela está se perguntando mais do que a mim.

Tento moderar minha frustração para que a raiva não se sobreponha as minhas palavras. — O que eu não estou vendo? Diga-me, Thorne. Ajude-me a entender, porque pode ser óbvio para você, mas não é para mim. Estou perdido aqui.

Mais perdido do que nunca. Mais do que quando minha mãe partiu. Mais do que quando Gutter morreu.

Thorne segura meu rosto em suas mãos, forçando-me a olhá-la. — Pike, as pessoas protegem aqueles que amam. E Mickey? — Uma lágrima brota nos olhos de Thorne e cai pelo canto, escorrendo por sua bochecha. — Ela te ama, porra.

Suas palavras socam meu peito como um punho de aço. Recuo e tateio a mesa atrás de mim por apoio. Balanço a cabeça. — Não, ela não pode. Pessoas que te amam não te deixam.

— Você acha que é tão preto e branco? — Ela ri. — O amor é complicado.

— Não na minha experiência. É bem fácil. Você ama alguém, e eles partem. Isso significa que eles não retribuem esse amor. — Respondo honestamente.

Ela deixa cair as mãos. — O que você quer dizer é que sua mãe te deixou e você acha que isso significa que ela não te amava, — acusa Thorne, com precisão.

Procuro na minha memória quando contei a Thorne sobre minha mãe, mas fico em branco. — Como você...

Ela acena. — Você estava bêbado atravessando seu passado uma noite e deixou escapar.

Eu sou um confessor bêbado? Bom saber. Talvez o uísque não seja a melhor escolha para o café da manhã.

Thorne cutuca meu ombro. — Você já parou para pensar que ela partiu porque te ama?

— Mickey ou minha mãe? — Pergunto.

— Ambas.

Eu respondo honestamente: — Não.

— Bem, você está errado. — Ela ri. — Muito errado.

Não digo nada porque minha mente está correndo com essa nova ideia. Mickey partiu, mas não porque escolheu a vingança sobre mim, mas porque ela me ama.

Isso muda tudo.

— Alguém finalmente esmagou seu coração de pedra, — diz Thorne, sentando-se na mesa ao meu lado.

Respiro fundo tremendo, dou um meio sorriso com a mão apertada sobre o peito. — Com certeza, parece que sim, porra, — admito, e é um alívio surpreendente admitir uma fraqueza que sempre tentei esconder do resto do mundo.

Um novo plano se forma. Um que precisará de cada pessoa de confiança que conheço e muita paciência.

É um plano que resolverá essa merda. E matarei cada um desses filhos da puta, se for preciso, mas vou trazer Mickey de volta comigo, onde ela pertence.

Casa.


CAPÍTULO SEIS

Mickey


Filmes de terror ou de zumbis, onde as pessoas são cortadas em pedaços e entranhas são espalhadas como decoração do gramado, são destinados a provocar uma reação de repulsa e medo dentro do espectador. Mas depois que um sujeito assiste centenas desses mesmos tipos de filmes violentos, os mesmos sentimentos que tiveram assistindo o primeiro são um mero lampejo do que eram, tornando-se mudo. O espectador agora dessensibilizou as imagens gráficas violentas sendo exibidas em detalhes na tela diante deles.

Isso não se aplica apenas aos filmes. Também se aplica à vida real. Quando cem indivíduos que moravam em bairros de alta criminalidade foram submetidos a uma pesquisa sobre seu nível de medo, surpresa e circunstâncias que provocam adrenalina, setenta por cento desses indivíduos relataram nem pular de surpresa ou sentir adrenalina induzida pelo medo ao ouvir tiros.

Cresci ouvindo as palavras cheias de ódio do Fourth Reich a cada verão durante dois meses. Embora nunca tenha achado o que o Reich pregava certo, não me lembro de um momento específico em que saí da minha mente super analítica científica e pensei: — Isso está errado. — Era assumido. Pelo menos, achei que era. Achava que o fato de estarem errados era a única constante em que todo o experimento psicológico se baseava.

Ou estava apenas insensível aos ensinamentos e, com o tempo, é o mesmo que testemunhar violência todos os dias e os tiros deixaram de ser assustadores?

Mas, descobrindo que meu pai era um membro fundador, havia mesmo um experimento ou isso fazia parte de sua mentira? As anotações e descobertas que ele dizia estar escrevendo existem? E se existirem, onde eu poderia encontra-las? Ele tinha um escritório aqui no Reich, próximo ao de Darius, em um grande prédio externo atrás do armazém. Talvez, se eu invadisse e encontrasse, poderia responder muitas perguntas por trás do seu raciocínio sobre tudo isso, porque ser fundador de um grupo racista de ódio não faz sentido lógico e meu pai não era nada além de lógico.

Ou nunca o conheci realmente?

Estou na área da cafeteria/academia que serve como sala de reuniões do Reich. Percy está ao meu lado enquanto Darius está atrás de um púlpito no pequeno palco, pregando para seus seguidores. Um diácono retorcido vomitando mentiras que seus seguidores estão comendo como ratos ansiosos se deleitando com restos de lixo.

Desligo sua voz e foco nos meus pés. Normalmente, ouço, observo e faço anotações mentais para escrever em meu caderno, aquele escondo embaixo do fundo falso da minha gaveta, mais tarde, mas hoje meu coração não aguenta.

Não é até a reunião terminar que finalmente sintonizo. A multidão canta alto acompanhando Darius com as mãos no ar, a saudação nazista. Os slogans nem são originais. Eles são derivados da Ku Klux Klan. Mesmo a sua marca do racismo não é original.


Torne a América branca de novo! A pureza, o poder! Do sangue e do osso! Ame-a ou deixe-a! América primeiro! Orgulho branco!


Estou com nojo de mim mesma quando a reunião acaba, sinto-me suja só de estar na mesma sala com as palavras que a preenchem. Também sinto outra coisa, algo que nunca senti antes, porque sempre pensei em mim como um dos mocinhos, nisso pela ciência de tudo isso, mas o sentimento puxa meu coração, e quando levanto para sair da sala, paro e respiro fundo. Culpa. O que estou sentindo é pura culpa.

— Michaela, — Darius chama atrás de mim.

— Sim? — Pergunto, me virando.

— Sua próxima tarefa é recrutamento. Traga alguém para o churrasco amanhã.

Engulo em seco. — Sem problema. — Respondo com confiança enquanto grito por dentro. Já é ruim o suficiente ficar sentada de braços cruzados e permitir que esse ódio continue pelo conhecimento, mas agora estou sendo forçada a arrastar outra pobre alma para este inferno?

Lembre-se da sua irmã.

— Bom. Certifique-se de fazer isso, — diz Darius, soando muito como um aviso. Ele deixa a segurança do púlpito e sai pela porta dos fundos em direção ao escritório.

Quando a multidão se dissipa, espero até que a última pessoa desapareça e saio para o corredor vazio fazendo uma verificação mental. É algo que as vítimas de lavagem cerebral são ensinadas a fazer depois de experimentar algo que possa desencadear sentimentos que não são seus ou trazer de volta memórias de sua experiência sob o polegar daqueles que as manipulam. Faz parte do processo de desprogramação, mas sempre o usei para evitar a programação real.

Como estou me sentindo?

Bem, sinto que o tapete foi puxado de baixo de mim. Me sinto um fracasso. Sinto que a popularidade de Darius e a do Reich está crescendo enquanto estou caindo, meio flexível, com os braços girando no ar em uma tentativa inútil de me impedir de me esborrachar no chão.

Sinto que para alguém que sabe tanto, acontece que não sei absolutamente nada.

Como se tudo em que tenho focado, a ciência de tudo isso não importasse mais. Mas o que importa?

O amor importa. Minha irmã importa. Pike importa.

Olho ao redor da sala agora vazia e observo as paredes que abrigam todas as mentiras que compõem o que o Fourth Reich representa.

É engraçado, sabe, o que você possa encontrar humor no racismo e que não, do ponto de vista da psicologia, a maioria das pessoas se junta a grupos como esse para não se juntar a uma comunidade de valores compartilhados. Eles adaptam os valores do grupo onde percebem que encontrarão aceitação. Enquanto o próprio grupo, por sua própria definição, é anti aceitação.

Na época da universidade, tínhamos uma palavra para essas pessoas.

Idiotas.

Encontro-me em um corredor longo e estreito coberto de fotos emolduradas, placas e outras recordações do Fourth Reich. É toda a história deles apresentada em uma colagem elaborada.

Alguém tem Pinterest.

A história do ódio.

É assim que vou chamar esse corredor. O local onde o Fourth Reich montou orgulhosamente suas realizações e crimes para serem vistos por seus membros. Sua versão de troféus exibidos em uma vitrine. Fitas azuis para os mais obtusos.

Muitas molduras contêm recortes de jornais. Artigos sobre o Reich aparecendo em comícios pacíficos para instigar tumultos. Para enfurecer os já enfurecidos. As fotos são em sua maioria homens brancos, com capas, gritando na cara de rostos mais escuros e igualmente determinados, culpados apenas por querer que suas vozes sejam ouvidas e esperando que o Reich recue e permita que eles falem.

Existem outros artigos também. Atos repugnantes de violência contra pessoas de cor estão emoldurados aqui como orgulhosa admissão de responsabilidade.

Meu estômago revira, mas me forço a continuar lendo. Entender suas motivações para que possa usá-las contra eles.

Cada artigo, foto, bandeira ou citação é mais doentio que o anterior.

Em uma extremidade do longo corredor, estão penduradas fotos em preto e branco que, à medida que você avança, se transformam em cores desbotadas e depois clareiam no final.

As capas brancas. Grupos de homens, mulheres e crianças, todos fazendo a saudação nazista para a câmera.

A frase QUATORZE PALAVRAS está pintada em letras cursivas no topo da parede. O primeiro slogan de muitos que revestem o corredor. Eu sei o que isso significa. Ouvi muito ao longo dos anos, mas sempre olhei para isso e para sua propaganda com uma mente científica. Palavras ditas, essencialmente, por doentes mentais. Tentei analisar por que se sentem dessa forma e qual sua composição química sob um microscópio e as respostas das multidões a certas palavras-chave, mas nunca parei e realmente pensei nas próprias palavras. O que eles querem dizer. — Precisamos garantir a existência do nosso povo e um futuro para as crianças brancas. — Isso é o que “quatorze palavras” significa. Quatorze palavras doentias. SWP a seguir. Poder Supremo Branco.

Seguro meu estômago enquanto avanço e, quando faço, as imagens só ficam mais assustadoras. Sabia que tudo isso era errado, mas realmente pensei sobre isso? Já senti empatia pelos alvos do seu ódio como deveria? Se fiz, não me lembro.

Porra. Sou como meu pai. Fria e insensível.

O que faz sentido agora, porque você precisa ser fria e insensível para considerar a maioria da população mundial inferior a si mesma. Como nada além de ratos na rua.

O final do corredor está decorado com bandeiras. As bandeiras confederadas que me disseram uma vez eram um símbolo do orgulho sulista, agora percebo que são símbolos do lado perdedor da guerra civil. É como pendurar uma suástica, que, vejo mais para cima, está pendurada diretamente acima dela.

Meus joelhos estão fracos quando chego ao final do corredor. Todas as coisas que achava serem apenas símbolos da ignorância não são simplesmente o resultado da falta de conhecimento ou informação. Exatamente o oposto. Eles têm todo o conhecimento. Toda a informação. Toda a história. O Reich simplesmente escolheu ver as coisas como querem. Eles escolheram odiar.

Volto pelo corredor, os troféus pendurados lá, mostrando sua história de borrões de ódio, depois ficam claros. Mais claro do que nunca.

Essas coisas costumavam não ser um fator para mim. Essas coisas terríveis que costumava estar ok para mim pelo bem da ciência não estão mais.

Elas deveriam queimar junto com o resto desse lugar, e não apenas porque estou buscando vingança. A vingança ainda está por vir, mas empalidece em comparação a imagem agora maior e muito mais dolorosa apresentada a mim no maldito estilo de colagem.

Não posso mais combater o Reich apenas pelos meus próprios propósitos egoístas. O assassinato da minha família é apenas a ponta do iceberg quando se trata de quantas vidas eles arruinaram. Quantas pessoas inocentes aterrorizaram. Quantas crianças transformaram em monstros, crianças como Percy.

Minha guerra tem um significado maior. Um propósito maior. E esse propósito não é apenas vingança. É humanidade.

O mundo vira um borrão ao meu redor enquanto corro pelo complexo e para o meu quarto. Fecho a porta e encosto minhas costas nela. Com os olhos fechados, solto uma longa expiração. — Você a encontrará. Ela ficará bem, — sussurro para mim mesma. — Você pode fazer isso. Só precisa de um plano.

— Falar consigo mesma é um sintoma comum de esquizofrenia, — uma voz de repente diz. — Pelo menos, foi o que aprendi na prisão.

Meus olhos se abrem para encontrar Percy, sentado na minha cama de costas para mim. A blusa branca esticada sobre suas costas, a cabeça inclinada.

— Também pode ser um sinal de comportamento cognitivo de alto funcionamento, — respondo por instinto. — Por que você está no meu quarto? — Mudo de um pé para o outro, depois me corrijo, endireitando meus ombros e assumindo a posição de alguém que não tem culpa de nada.

Percy gira para me encarar, e meus olhos caem imediatamente para o que ele está segurando em seu colo. Um livro. Não, um diário. Meu corpo gela. Não. Não pode ser...

Mas é.

Percy está segurando o meu diário.


CAPÍTULO sete

Mickey


Cada palavra que já escrevi sobre o Reich está nas mãos de Percy. Cada análise que fiz sobre seus membros, sobre Darius.

Sobre ele.

— Onde você conseguiu isso? — Pergunto, olhando para a cômoda. A gaveta onde o guardo está aberta, o fundo falso jogado ao acaso ao lado.

Ele ignora minha pergunta porque a resposta é óbvia. Ele encontrou exatamente onde o coloquei. — Isso tudo tem sido algum tipo de experimento para você? — Percy fecha o diário.

Pulo, assustada. — Não é... não é o que você está pensando, — gaguejo, tentando descobrir o que dizer e encontrar as palavras que de alguma forma me tirem disso viva. Estudo sua linguagem corporal. Sua mandíbula tensa e olhos escuros me dizem que ele está excitado ou chateado pra caralho, e considerando o que acabou de ler, vou com o último.

— Todo esse tempo, — diz ele, levantando da cama. A ferocidade de seu olhar duro faz minha coluna ficar rígida. Ele balança a cabeça e sorri. — Bem debaixo da porra do meu nariz. — Ele esfrega as palmas das mãos sobre a cabeça raspada. — Foi tudo uma mentira do caralho. Você. Isso tudo é uma pesquisa? Para descobrir o que nos faz funcionar? É um jogo de merda para você! — Uma veia grossa e azul pulsa em sua garganta, movimentando a tatuagem da suástica que cobre seu pomo de Adão.

— Você está me julgando? — Rio, embora não seja uma risada do tipo engraçada. Mas não há como negar agora. Não posso esconder minhas palavras, a confissão escrita em minha própria letra clara e legível.

Seu peito se agita. Ele fecha os punhos. — Me responda! Tudo isso foi um jogo para você?

— Não, — digo. — Jogos são divertidos. Nada disso foi divertido.

— Eu achei... — Ele olha para o teto, depois de volta para mim. — Achei que você era minha amiga. Nós nos conhecemos desde criança. Você me traiu. — Há uma mágoa em suas palavras que nunca esperei ouvir. Nem de Percy, nem de ninguém.

— Como você achou que éramos amigos? Fomos unidos por nossos pais. Nunca tivemos uma conversa que não fosse sobre o Reich. — Aceno minhas mãos no ar descontroladamente, me sentindo tão frustrada quanto ele. — Você nem me conhece.

— Mas você me conhece, certo? — Ele segue em direção à janela e descansa as mãos no peitoril. — Um verdadeiro sociopata, exibindo todas as características pelas quais um sociopata é classicamente definido. Esses comportamentos floresceram sob as luzes fornecidas pelo terreno fértil perfeito, cortesia dos fatores ambientais e sociais encontrados no Fourth Reich, — ele recita, jogando minhas palavras de volta para mim. —Então, Michaela, você faz muitas perguntas nesse seu livro. Fez muitas observações, mas me diga, o que você realmente descobriu? Diga-me o que você descobriu durante o seu tempo aqui nos observando. Me observando. Você descobriu as razões pelas quais odiamos? — O desgosto sai de seus lábios quando ele enfatiza o título da minha pesquisa.

Ele se vira da janela e caminha em minha direção, parando no meio do quarto, me prendendo no lugar com seu olhar sombrio.

Engulo em seco, mas não recuo. Se vou morrer, será com a verdade nos meus lábios.

— Chega de mentiras, — Percy rala. — Diga-me o que você descobriu.

Endireito meus ombros. — Descobri que o ódio é uma doença como qualquer outra aflição humana, mas mais mortal. Descobri que a bondade é a única cura, mas é rejeitada pela sua espécie e nem sequer é considerada uma opção.

— E por que isto? — Ele pergunta, cruzando os braços sobre o peito.

Seguro seu olhar e o devolvo com um ardente. — Vocês rejeitam o conceito de bondade e amor, porque o ódio é uma opção mais fácil. É mais constante. O amor é difícil. Ele flutua. É errático e não confiável. É um trabalho que vocês são muito preguiçosos para realizar, porque estão muito ocupados vivendo suas vidas como monstros.

— Isso não parece muito educativo. Essas são as palavras exatas que você vai usar na sua pesquisa?

Não respondo porque nunca haverá uma pesquisa finalizada. Não mais.

— E você acha que Pike é melhor que eu?

Meus olhos arregalam.

— Sim, sei sobre vocês dois, mas já disse que suspeitava disso. Não negue. Conheço Pike. Você estaria morta caso contrário. — Ele flexiona os dedos. — Você não acha que ele já tirou uma vida por raiva? Porque se acha que a resposta é não, você está errada. Ele já matou. O que torna um monstro diferente do outro? — Ele inclina a cabeça como se não estivesse apenas fazendo uma pergunta retórica, mas como se realmente quisesse saber a resposta.

Então, digo a ele.

— O amor não é perfeito, nem Pike. Mas, pelo menos, sua raiva é produtiva. Alimenta as ações que ele realiza em defesa de seus negócios e para proteger aqueles a quem é leal. Não é deslocada, como a sua, ou um produto de acreditar em uma verdade que não se baseia em lógica ou fato. A violência dele também pode não estar certa, mas é validada. É uma reação. E ao contrário de você, ele não provoca. Seus objetivos não são causar o caos ou ferir pessoas inocentes. Ele não age por ignorância ou racismo flagrante. Você quer saber qual é a diferença entre monstros? Um se esconde no escuro e só sai quando necessário; o outro usa um traje e desfila como se estivesse em algum tipo de concurso, fazendo um show para o mundo ver. Temer. Mas, novamente, provavelmente torna muito mais fácil odiar as pessoas se você as faz odiá-lo primeiro.

Percy examina meus olhos, pelo que, não tenho exatamente certeza. Talvez, ele esteja me vendo pela primeira vez por quem e o que eu realmente sou. Aos seus olhos, uma traidora. Prendo a respiração, esperando por um golpe, uma decisão, uma sentença de morte a ser negociada.

Fico surpresa quando ele se afasta. — Então, a pequena Michaela Lovejoy finalmente decidiu criar coragem — ele reflete.

— O que você fará comigo? — Pergunto, meu peito arfando, meus músculos apertados de medo.

— Oh Mickey, — ele ri, antes de repente dar um passo para trás. Ele joga meu caderno na cama e sorri, abrindo os braços. — Vou me juntar a você.

— Juntar-se a mim? — Pergunto, esfregando meus pulsos. — Juntar-se a mim em quê? — Pergunto, engolindo em seco. Esse é o fim. Fui descoberta. Não haverá volta a partir deste momento.

— Você sabe em que. — Percy gira ao redor do quarto, os braços esticados, apontando para as paredes e depois para o teto. Ele sorri. — A trazer tudo para baixo.

Em cada programa de pegadinhas, há um momento em que a pessoa que está sendo zoada fica parada, silenciosa e atordoada, sem saber o que exatamente está acontecendo, como proceder, o que é real e o que não é.

É nesse momento que estou. Não tenho ideia de como cheguei a isso ou o que realmente aconteceu. Percy acabou de pedir para se juntar a mim na derrocada do Fourth Reich?

Os segundos passam, movendo-se em câmera lenta. Se é uma pegadinha, é uma de merda, pelo menos para mim. Percy e Darius são os homens mais manipuladores vivos. Não vou confessar tudo e morrer antes que tenha a chance de executar meus planos. Não, vou manter minhas cartas perto do peito, fora de vista, caso isso seja algum truque ou teste. É isso aí. Vou pensar nisso como um teste.

Sou boa nisso. Testes são minha área.

Até o fim, baby.

— Uh, Percy? — Começo, dando-lhe o meu melhor, não sei do que você está falando. — Trazer o que para baixo? O que você acha que planejo? — Estou bancando a tola. Bem, no mínimo, ignorante. Posso ter admitido estar com Pike, mas não vou admitir ter um plano para derrubar a organização em que ele nasceu.

— Se fazer de burra não vai funcionar comigo, Mickey. Sei o quão inteligente você é, e sei o que está planejando, — ele insiste.

Porra.

— Alguém encheu sua cabeça e lhe disse...

Percy me interrompe. —Ninguém me disse nada. Sei o que você está fazendo, porque me reconheço em seus olhos. Não conseguia ver isso antes, não até que mudei e passei a ver tudo de forma diferente. Queremos as mesmas coisas, Mickey. Acabar com isso. Tudo isso. — Ele se senta na beira da cama. Os habituais olhos cheios de ódio que estou acostumada a ver me encarando se foram substituídos por uma versão muito mais cansada. E ele está certo. Me vejo nos olhos dele.

— Quando? — Pergunto, saindo de perto da parede e me juntando a ele na cama. — Quando você mudou?

Ele suspira e olha para as mãos. — Quando estava na prisão. Eu... só mudei de ideia. Vi claramente pela primeira vez. Coisas, pessoas, o mundo, mas principalmente eu. Tudo ficou... claro. Pela primeira vez.

— Por quê? — Pressiono, curiosa para saber o que poderia ter mudado as crenças que ele viveu a vida inteira defendendo e me perguntando se o que o mudou pode ser sugado por uma seringa e injetado no resto deles.

— Por quê? — Ele ri. —Porque me sinto uma merda o tempo todo. Porque sentia, sinto, raiva o tempo todo. Estou cansado de sentir raiva. De ser essa pessoa.

— Como sei que você está me dizendo a verdade e isso não é algum tipo de armadilha elaborada para me fazer confessar? — Pergunto, cautelosamente.

Percy puxa uma bandana do bolso de trás e passa na parte de trás do pescoço. Quando o afasta, ele está coberto de tinta e a tatuagem na sua pele está borrada, revelando uma pele sem tatuagens por baixo. — Existe um programa na prisão, — ele começa, — para ajudar os presos a se livrarem das tatuagens de gangues e grupos de ódio. Apagar os símbolos que nos ligam ao nosso passado. Comecei pela cabeça e as que estão no meu pescoço já se foram. Acabarei fazendo o resto do meu corpo, mas leva muito tempo e muitas sessões para que desapareçam e, por mais que eu não queira parecer um boceta, dói como uma cadela.

— É por isso que você está deixando o cabelo crescer, — percebo, apontando para os fios loiros nascendo em sua cabeça.

Percy passa a palma da mão sobre eles. — Sim, também, você sabe que os homens do Reich devem deixar o cabelo crescer quando se casarem. Os skinheads são os soldados, e Darius sempre quis que eu fosse um líder. Nosso casamento deve solidificar isso, e acho que não faz mal que chame April para pontar minha cabeça todas as manhãs.

— Essa é a garota que sempre sai do seu quarto de manhã? Eu pensei...

Ele levanta uma sobrancelha. — Você pensou que ela era uma das garotas do Reich? Uma prostituta?

— Eu ia dizer participante sexual consentida trabalhando para atender às necessidades dos homens do Reich, —corrijo.

— Claro que você pensou, — ele ri. — Bem, ótimo. Acho que se alguém vê-la saindo, não é ruim que essa seja a impressão que tenham, mas não, ela é uma maquiadora. Ela faz a parte de trás do meu pescoço e a da minha garganta. As que eu não seria capaz de esconder, mesmo com a cabeça cheia de cabelo e barba. Ele olha para os braços coloridos, mangas de intolerância exibidas em bela arte colorida. — Ainda tenho muito trabalho a fazer, — ele suspira. — E estou feliz que elas se foram. — Ele passa os dedos pela garganta, cabeça e pescoço, — mas ainda posso senti-las. Posso removê-las da minha pele, mas a razão pela qual quero derrubar o Reich é porque quero removê-los daqui — ele coloca a mão aberta contra o peito. — Vai precisar mais do que algumas sessões a laser para removê-los.

— O que você quer com tudo isso? Por que voltou para cá depois da prisão? — Pergunto.

Seus olhos são determinados e tristes. — Redenção.

Há uma batida na porta. — Michaela, — uma voz chama. — Darius quer vê-la para falar sobre o recrutamento.

— É melhor você ir, — diz Percy. — Conversaremos mais tarde.

Me viro para sair e depois paro. — Como... como ela está? — Pergunto, porque preciso.

— Ela está segura... por enquanto.


CAPÍTULO OITO

Pike


A porta do estúdio de King está destrancada. Chia e range quando passo por ela e entro na sala pouco iluminada e vazia.

Mais uma vez, verifico a mensagem que King me enviou. Ele ordenou que eu estivesse aqui às oito da noite.

Estou alguns minutos adiantado, então enquanto espero, observo a sala ao meu redor. Duas janelas gigantes alinham-se na parede dos fundos, iluminando a sala com o que resta dos raios do sol poente. Abaixo das janelas, há uma fileira de caixas de ferramentas pretas brilhantes com um balcão de mármore acima. Um cavalete retro iluminado fica sobre o balcão com uma pilha de estênceis novos na pequena gaveta aberta abaixo.

Sigo a direção do novo piso de madeira cinza mesclado até o centro da sala, onde um grande e confortável sofá de couro preto e cadeiras dividem os espaços de trabalho de cada lado com uma mesa de café baixa entre eles.

Cada espaço consiste em uma mesa de tatuagem, banco giratório e uma caixa de ferramentas adicionais, como na parede traseira, exceto que estas estão sobre rodas.

A parede sobre um dos espaços de trabalho chama minha atenção. Está coberta por uma versão em grafite da paisagem de Logan's Beach, com um minúsculo pau e bolas pintados em spray na torre de água. Rio para mim mesmo que o vandalismo de Preppy transformou-a em uma obra de arte. Olhando o resto da cidade, posso até distinguir o telhado da minha loja de penhores. Os detalhes são incríveis, mas, novamente, não conseguiria desenhar o pau e as bolas na torre de água, muito menos a obra prima de um mural como este. Portanto, talvez eu não seja a melhor pessoa para julgar arte, com exceção de quanto vale. Giro e continuo do outro lado da sala, onde a arte cobrindo quase cada centímetro de espaço em uma colagem complexa é diferente do mural e, de alguma forma, ainda mais incrível. São principalmente retratos em preto e branco, close-up de rostos de mulheres ou nus sem rosto. Reconheço um dos rostos como Poe, a garota de Nine, e outro como Thia, esposa de Bear.

Meu peito se contrai quando vejo o rosto de Mickey me encarando em um dos retratos. De repente, não consigo respirar. Sento-me em uma das cadeiras e descanso os cotovelos nos joelhos, esfregando as mãos sobre o rosto. Mickey não está nessa parede, me lembro. Quando olho para cima novamente, o retrato não é mais de Mickey, mas de Dre, a esposa de Preppy.

E achei que Mickey era a louca por ver coisas.

À medida que o sol se põe ainda mais no horizonte, o estúdio começa a brilhar. A iluminação em cordas de LED que reveste a sala banha as paredes e pisos em tons de verde neon e laranja. O intradorso acima das janelas tem uma placa com a inscrição Tatuagem do King, em uma placa de neon representando um crânio usando uma coroa e uma gravata borboleta com o número nove no centro. O crânio simboliza Bear, a coroa King, a gravata borboleta Preppy, e o nove no meio é uma adição recente, é claro, do próprio Nine.

Pego-me olhando novamente para o mural e me perguntando se algum dia serei capaz de me provar nesta cidade. Não ouço King até que ele está parado atrás de mim. — Fui eu quem o pintou e fico encarando essa merda com muita frequência, — diz ele.

Viro a cabeça para vê-lo com os braços grandes cruzados sobre o peito. As luzes de neon fazem com que os espigões nos cintos enrolados em seus braços brilhem em branco cintilante.

— Eu não sei nada sobre arte, — admito com um encolher de ombros, — além do quanto vale. Não sei dizer se algo é bom ou ruim, mas só olhando para essa merda, tenho que dizer que é incrível pra caralho.

— Não é tão bom quanto as coisas da minha garota, — ele aponta para a outra parede com seu cigarro. — Ela tem o dom de verdade. Eu posso fazer algo parecer bom, enquanto Ray... — Ele sorri e balança a cabeça como se não acreditasse. Ele distraidamente esfrega o polegar sobre a tatuagem de um pássaro preto nas costas da mão. — A merda dela faz você sentir alguma coisa. Isso é talento de verdade. — Sua voz está cheia de orgulho e admiração. Mais uma vez, me pego pensando em Mickey. Se as coisas fossem diferentes, eu falaria sobre ela da mesma maneira? Não importa. Ela fez sua escolha, e nunca saberei. Tento afastar o pensamento, mas é como varrer um carrapato que já está meio enterrado em sua pele. Difícil de se livrar e pode causar uma doença incurável. No meu caso? A doença é o amor.

Amor?

Merda. Eu a amo. Estou apaixonado por ela.

Lembro-me da minha revelação anterior com Thorne. Não importa que Mickey tenha feito sua escolha, porque pretendo fazer outra por ela.

— Você tem algo que precisa tirar da cabeça? — King pergunta, levantando uma sobrancelha que está perdendo metade do pigmento de um lado.

Passo a mão pelo cabelo e respiro fundo. — Não sei nem por onde começar. Falar nunca foi minha praia. Pensei em repassar um plano que tenho para o Reich. Houve uma evolução.

King pega uma garrafa de Jack Daniel's do armário inferior de uma das caixas de ferramentas e acena para os copos de caveira na mesa de café. Pego dois, e ele enche ambos. Nós batemos nossos copos antes de beber nossas doses. O líquido queima na descida, mas não o suficiente para incinerar o desejo crescendo dentro de mim a cada hora que passa.

— Falar nunca foi minha praia também. Falo quando tenho algo a dizer e, geralmente, é apenas quando estou chateado. Mas com as crianças e Ray, é diferente. Acontece que se alguém começar a chamar o “papai” quarenta e cinco vezes seguidas, continuarão até que você responda. — Ele sorri e serve mais duas doses. — Qual é o seu plano?

Explico para ele, que assente. — É um plano sólido. Complicado pra caralho, mas a situação também é. — Seus olhos encontram os meus, e um lado de sua boca se curva em um meio sorriso sábio. — Então, você decidiu reivindicá-la, afinal. Você percebe que é responsável por ela agora. Por mais que isso signifique que não podemos colocar a mão nela de forma alguma, isso também significa que quaisquer ações de Mickey que nos afete voltará para você. E você não pode voltar atrás nessa merda. Você só receberá um aviso.

Aceno porque sei que não há volta. Eu não quero voltar. — Entendo como isso funciona. Mickey é minha.

King engole a próxima dose, e sigo sua liderança. — Você sabe, — ele começa olhando para o copo vazio. — Fico muito chateado quando da merda, mas isso é só porque tenho grandes expectativas das pessoas com quem escolho me cercar. Você incluso.

Suspiro. — Sim, e venho fazendo muita merda ultimamente. Eu sei.

Ele pousa o copo. — Você não acha que já ferrei tudo antes? — Ele sorri. — Houve um tempo em que tudo que fiz foi foder. Especialmente quando comecei. Inferno, fui preso tantas vezes que comecei a achar que me dariam um daqueles cartões de fidelidade ou alguma merda. Errei mais do que acertei. — Ele olha para uma foto de sua família em cima da caixa de ferramentas. — Até que fiquei preso por alguns anos. Me separei da única coisa que importava na época. Minha filhinha, Max.

Max é aquela que Darius tentou tirar de King através de sua mãe biológica, tudo para causar uma brecha entre eu e King. — Não posso imaginar como foi quando ela... quando a merda atingiu o ventilador durante o furacão.

— Não, não pode, mas você vai, algum dia. — Sua voz muda de triste para determinada. Ele aponta para o meu peito. — Você tem que esquecer isso, e saber que te dou merda, porque me vejo muito em você. O impulso. A atitude de não aceitar besteiras. A porra do olhar que você dá a todos quando sabe que estão cheios de merda. — Ele ri. — Você não estaria por perto se eu não te quisesse por perto. Confio em Nine e confio em você. Tente não foder tudo de novo, mas se fizer isso, resolveremos o problema. É o que as famílias fazem. Famílias de verdade. E não tem nada a ver com sangue. No entanto, parte disso é derramado ao longo do caminho. Especialmente por aqui.

Agradeço sua lealdade, mas também preciso que ele saiba da minha. — Devolverei cada centavo que lhe devo. Vou vender a loja.

King franze a testa e levanta o copo novamente, segurando-o com tanta força que estou surpreso não quebrar em sua mão. — Não, você não vai. Tenho mais dinheiro do que posso enterrar. Emprestei esse dinheiro para você como investimento e, às vezes, os investimentos não dão certo. Você vai me pagar, mas não precisa fazer isso agora. E não vai vender a porra da sua loja. Ponto final.

— Não vejo outra maneira, — respondo.

— Você é um garoto esperto, Pike. Não considere isso um investimento em um negócio que falhou. Considere o dinheiro um investimento em você. Longo prazo.

— Mas... — começo a discutir.

— Você ama sua loja, certo? — Pergunta King. Ele olha em volta de seu próprio estúdio. — Provavelmente tanto quanto eu amo essa porra de lugar.

Assinto. — É a primeira coisa real que já tive que é realmente minha.

— Então, você não vai desistir. Isso é uma ordem. Você tem um futuro pela frente. Estarei aqui quando resolver sua merda, e eu sei que você vai. Porque, como eu disse, me vejo muito em você e sei que agora está pensando em um milhão de maneiras alternativas de me pagar, e não vai parar até que o faça. Não foi sua culpa, mas sei que você vai resolver isso. Tente vendê-la e comprarei em seu nome e você me deverá ainda mais.

Ele tem razão.

King sorri porque ele sabe que está certo. — E nessa nota, você quer uma tatuagem ou algo assim? — Ele pergunta, derramando outra dose para cada um de nós.

Eu engulo a minha rapidamente. Desta vez, não há queimação do álcool, apenas da verdade agridoce escorrendo pela minha garganta.

Balanço a cabeça. — Não hoje à noite, — digo, querendo chegar ao ponto do porquê King queria que eu viesse até aqui agora que expus meus planos para ele.

King vai até o banquinho giratório mais próximo e senta. Mesmo no banquinho, é como se ele estivesse sentado em seu trono no Reino que construiu. — Então, você veio até aqui apenas para encarar minhas paredes, ou foi apenas para me contar seus planos e reivindicar sua garota? — Ele pergunta, acendendo um cigarro e estendendo o maço para mim. Pego um e acendo também, perplexo pela pergunta dele.

— Uh, você me pediu para vir até aqui, — o lembro.

King balança a cabeça. — Tenho muita coisa acontecendo agora, mas lembrar com quem marquei uma reunião não é algo que esqueceria.

Franzo a testa, enfio a mão no bolso de trás e tiro o bilhete que ele me enviou esta manhã. Entrego a King.

Ele dá uma tragada profunda em seu cigarro. Olha da nota para mim. — Não fui eu.

— Então quem? — Pergunto.

A porta se abre lentamente.

Nossos olhos se encontram quando ambos percebemos que fomos enganados. King pula do banco e se dirige para a parede secreta atrás de um dos desenhos, eu tiro minha arma da cintura quando ele pega a dele.

— Quem diabos está aí? — King grita, pegando a arma do cofre, ele se posiciona de um lado da porta enquanto fico do outro.

Um homem entra com as mãos na cabeça como se estivesse sendo preso. Só posso ver suas costas da minha posição. Sua cabeça totalmente raspada. Ele está usando uma camiseta branca e jeans folgado. Ele tem tatuagens, merdas retratando suásticas e ...

— Oh, merda, — sussurro para mim mesmo antes de perceber que não há tempo para hesitação quando se trata de Percy Alban.

Corro e chuto suas pernas por trás, colocando-o de joelhos. Pressiono a arma na parte de trás da sua cabeça. — Você tem dois minutos para falar antes de eu explodir a porra do seu cérebro.

— Não estou armado. Não vim aqui para causar merda, — ele diz, calmamente. Calmo demais. — Vim aqui para conversar.

— Oh sim? Quem mais você trouxe para ter essa conversa? — King pergunta, pisando na frente de Percy.

Percy balança a cabeça. — Ninguém, cara. Verifique suas malditas câmeras. Vim aqui sozinho.

King se aproxima dos monitores ao lado da porta e verifica as câmeras. Ele acena para mim. — Ele está dizendo a verdade. Ele está sozinho.

— Eu te disse, — diz Percy. — Só vim aqui para conversar.

— Por que deveríamos conversar com você, de todas as pessoas? — Resmungo, quando King dá um passo para o outro lado.

Ele olha por cima do ombro para mim. — Porque preciso de ajuda, de vocês dois. — Ele olha para King e depois para mim com o que parece ser lágrimas nos olhos. — E Mickey também.


— Dê-me uma porra de razão pela qual eu não deveria colocar uma bala na porra de sua cabeça agora. — Grito. —Você matou Gutter, seu filho da puta.

Lembrando como Gutter foi assassinado diante dos meus olhos no estacionamento da minha loja e casa. A única pessoa e o único lugar sagrado para mim arruinados com um golpe de bastão de beisebol. Ranjo meus dentes com tanta força que parecem estar prestes a quebrar. Meu queixo enrijece. Minhas mãos tremem pela primeira vez desde que eu era criança. A raiva da lembrança se mistura com a doçura da vingança, que está apenas um gatilho para deixar de ser minha.

Percy balança a cabeça. — Eu não...

Eu não o deixo terminar porque fatos são fatos, porra. — Não negue isso! — Empurro o cano da minha arma contra sua têmpora. — Vi você com seu fodido moletom de esqueleto. Não há nada que você possa dizer que lhe compre uma passagem para se livrar da sentença de morte.

— Eu não estou procurando uma saída. Eu não estava lá, mas éramos nós. Eu deveria ter impedido, mas não o fiz. Mas não é por isso que estou aqui, — ele diz, calmamente. Calmo demais, considerando que a adrenalina em minhas veias, deve ser suficiente para trazer alguém na sepultura de volta à porra da vida.

— Então, o que diabos você quer? — Pressiono, vendo apenas o quão bom o estúdio de King ficaria decorado com seu maldito cérebro.

Percy suspira e olha para o chão. — Redenção, mas sei que não encontrarei isso aqui. — Seus olhos encontram os meus, e não há raiva ou arrogância que me acostumei a ver quando nossos caminhos se cruzaram no passado. — Eu o matei. Não por minhas próprias mãos, mas de maneira indireta. Sabia que ia acontecer, e deixei. A morte de Gutter foi minha culpa. O sangue dele está nas minhas mãos — ele admite. — E sei que não significa nada, mas sinto muito por isso.

— Você está certo. Isso não significa nada. — Respondo, batendo na parte de trás de sua cabeça com o punho da minha arma.

— Ahhhh! — Ele esfrega a cabeça e assobia. — Isso aconteceu porque Darius me disse e ao resto do Reich que Gutter foi o responsável pela morte da minha mãe. Não é uma desculpa. É apenas o motivo. Eu juro.

— A seguir você me dirá que você e seu clã do caralho não tiveram nada a ver com ameaçar King e sua família, só porque achou que eu te denunciei e mandei para a prisão, —zombo. Reviro os olhos porque não estou comprando isso.

— Não, eu sei que não foi você. Bem, sei disso agora. Essa merda com King e tentar chegar até você ameaçando-o e roubando sua merda para colocá-lo contra King? Isso foi Darius. Soube disso antes de sair da prisão. Não posso negar porque é a porra da verdade. — Ele respira fundo. — Mas não é por isso que estou aqui. Como disse, é Mickey. Ela precisa da sua ajuda.

Há um barulho lá fora. Passos leves no cascalho. Mentiroso filho da puta.

— Merda, — Percy amaldiçoa, seu queixo caindo no peito.

— Achei que você tivesse dito que veio sozinho, — observa King, inclinando a arma ainda apontada para a parte de trás da cabeça de Percy. — Acho que queria uma testemunha de sua execução. — King balança a cabeça para mim e eu vou até a porta, ouvindo movimentos do outro lado. Há um leve som de cascalho, e tudo o que vejo é a cor do sangue que estou prestes a derramar de quem diabos Percy trouxe para realizar qualquer plano estúpido que tinha em mente.

Percy olha nervoso para a porta. — Eu disse que vim aqui sozinho, — ele deixa escapar rapidamente. — Tem mais alguém comigo, mas não é o que você...

Alimentado pela raiva, giro a maçaneta, pego minha arma com as duas mãos e chuto a porta. Um pedaço de cabelo escuro e sujo cai aos meus pés.

— ...pensa, — ele termina.

Ela está tremendo de medo, olhando para mim com os olhos arregalados.

— O que diabos você fez com ela? — Acuso Percy, olhando para a garota trêmula que não faz um som.

— Nada, tem um coiote uivando lá fora. Ela provavelmente ficou assustada e quis entrar. Eu disse a Mickey que a protegeria, e este é o único lugar que posso pensar que ela estaria segura. Aqui. Com vocês. — Ele a pega e a coloca cuidadosamente no sofá. —Ela está muda, isso é certo. Penso que há algo errado com suas cordas vocais dela. O nome dela é Mindy.

— Como a irmã morta de Mickey? — Pergunto, surpreso.

— Sim, — ele resmunga. — Ela mesma

Os ouvidos do coiote devem ter zumbido porque Panqueca, que pertence a Bear, decide fazer sua entrada.

— Viu! Eu te disse! — Percy diz, apontando para Panqueca que entra no estúdio de King, fareja o ar e depois fareja Mindy. Ele decide que o que quer que esteja acontecendo não vale o seu tempo ou esforço, então se vira e sai para à noite.

— Ele é domesticado, — diz King a Percy.

Há um grito a distância, o eco de um pequeno animal que parece estar sendo espancado até a morte. O som se torna um grito abafado antes que não haja barulho.

King se aproxima e chuta a porta antes de retomar a guarda a Percy. — Na maioria das vezes, — ele acrescenta. King pega Mindy com cuidado e a coloca gentilmente no sofá. Ela se vira para as almofadas traseiras, pressionando-se contra elas enquanto treme de medo.

— Porra, ela está fodida, — King aponta.

— Podemos conversar agora? — Percy pergunta. — Você ainda pode me matar depois. Apenas me ouça primeiro.

Por mais que gostaria de calá-lo com uma bala na boca, a necessidade de ouvir o que diabos está acontecendo vence. Aceno para King que puxa Percy do chão pelo ombro e o empurra em uma cadeira, vigiando-o.

Minha arma pode estar apontada para o chão, mas meu dedo pressiona o gatilho enquanto olho de Mindy para Percy.

— Então, vamos conversar.


CAPÍTULO nove

Mickey


Percy sumiu a noite toda. O trailer dele está vazio. Minha busca contínua por minha irmã não me levou a lugar nenhum. E hoje, tenho que encontrar um recruta para o Reich e trazer quem quer que a infeliz alma acabe sendo, de volta ao complexo para o churrasco no final da tarde.

Mas primeiro, há mais um lugar em que não procurei por Mindy. Um lugar fora dos limites para todos do Reich, incluindo Percy.

O escritório de Darius.

A lama cobre o pequeno caminho que leva dos trailers através de um espesso trecho de floresta até um pequeno anexo que costumava ser algum tipo de cabana de caçador que Darius reivindicou como seu escritório e onde reina sobre o Reich.

O caminho lamacento não é o caminho que tomo. Não quero ser vista andando em direção ao escritório dele, mais, não quero levantar suspeitas com um rastro de pegadas lamacentas chegando a sua porta. Em vez disso, entro na área arborizada pelo meio do campo aberto, tecendo o caminho através da grama longa e molhada. A água batendo em meus tornozelos salpica ao meu redor. Diminuo meus movimentos para não causar nenhum despertar ou som perceptível. Me movo dolorosamente lento, mas funciona. O único som é o zumbido dos mosquitos e o ocasional coaxar de um sapo.

A cabana em si não é mais do que uma cabana de madeira de um cômodo com uma varanda cercada por uma vegetação exuberante. Vou até a parte de trás do prédio e olho pelas janelas. Como é apenas um quarto, é fácil ver que está vazia. Mindy não está em lugar nenhum. Meu coração afunda, mas há uma possibilidade de que haja algo lá dentro que me leve até ela, então continuo. Meus passos rangem e gemem enquanto caminho até a porta dos fundos.

Claro, está trancada, mas vim preparada. Vinte minutos assistindo a um vídeo do YouTube me deram as habilidades necessárias para abrir uma fechadura. Pego minhas ferramentas, duas longas peças de metal que fiz de um cabide. Uma reta e outra com um gancho no final. Demora alguns minutos a mais do que esperava. Estou suando quando a fechadura cede e a porta se abre com um longo rangido.

A mesa de Darius ocupa a maior parte da sala. Surpreendentemente, não existem símbolos do Fourth Reich ou metais como os que estão pendurados no edifício principal. As paredes estão vazias, com exceção de uma fotografia antiga de Darius e meu pai. A que Nine me mostrou no computador quando descobrimos que meu pai e Darius haviam fundado o Reich juntos.

Que tipo de bastardo doente mantém uma imagem em seu escritório particular do homem por quem foi responsável por matar?

Darius. É a porra de quem.

Vou até a mesa e me escondo atrás dela. As gavetas estão destrancadas e cheias de material de escritório, calendários e outras coisas. Nada útil. Vou até o arquivo. Dentro da gaveta de baixo, há um arquivo de todos os membros do Reich, além de uma conta de taxas pagas e uma descrição de suas funções.

A gaveta superior, no entanto, está bloqueada. Pego o arame de cabide e dessa vez levo menos de um minuto para quebrar a trava e abrir a gaveta. Lá dentro, encontro uma pilha de cadernos. Eu pego o primeiro e abro na primeira página. Reconheço imediatamente a caligrafia do meu pai.

21 de maio de 1999

O verão mal começou, e Darius e eu já tivemos nossa primeira briga por alguns dos recrutas que ele conseguiu durante o ano. Eles são mais violentos do que os anteriores. Percy também está começando a mudar, e me dói ver isso afetando-o. Implorei a Darius que lhe dissesse a verdade, para mantê-lo fora do experimento, mas Darius insiste que, para estudar os efeitos do ódio e da lealdade no cérebro, Percy precisa fazer parte disso.

Não acredito que isso seja verdade. Acho que Darius se acostumou a ver Percy, não como filho, mas como seu monte pessoal de argila para moldar o cãozinho que quer que ele seja. Ele é ganancioso, e sua associação com o cartel só o deixou mais. Era para ser apenas para financiar o experimento, mas acontece que Darius desfruta da riqueza que isso traz. Eu me preocupo que ele esteja viciado na emoção de tudo. A violência. O poder.

Ameacei contar a Percy, mas Darius não quis saber. Por sua vez, ele ameaçou me expor como uma fraude, mas isso não faz sentido para mim, pois ele estaria essencialmente se expondo. Lembro-me de que isto é um jogo longo e está longe de terminar. Eu me pergunto como alguém pode realmente estudar o ódio sem ser um defensor dele?

Eu não posso respirar, porra. Puta merda.

Darius sabia que era um experimento? Eles fundaram o Reich, mas não como racistas procurando seguidores, e sim como um experimento. Então Darius não matou meu pai porque descobriu que ele estava estudando o Reich.

Mas então porque?

 


Com o diário do meu pai escondido debaixo do banco do motorista e com suas palavras nadando em meu cérebro, me propus a cumprir a tarefa da qual Darius me incumbiu.

Hoje, tenho que encontrar um novo recruta e leva-lo até Reich para o churrasco esta tarde.

O gosto do pavor resseca minha boca.

— Você pode fazer isso. Você pode fazer isso — recito para mim mesma. Sim, você pode fazer isso, mas você também não quer.

Em uma das vans pertencentes ao Reich me aproximo da ponte perto ao onde minha família colidiu com o rio há quatro anos. Paro e tento não me lembrar de todas as imagens vívidas que ameaçam dominar meus pensamentos e me concentrar na tarefa em questão. Posso fazer isso. Posso recrutar alguém, e então, quando tudo acabar, contarei a verdade e o tirarei de lá.

Nenhum dano. Nenhuma culpa?

Claro, basta jogar com a vida e a mente de alguém. Está tudo bem. Isso não te faz uma pessoa terrível.

Mas faz sim. E por mais que goste de pensar que fui uma espectadora em tudo isso, não fui. Ajudei a roubar a remessa de Pike naquela noite. Ajudei a arrombar sua loja para roubar seu estoque.

Fui eu quem atirou na perna de Badger. Duas vezes.

A culpa que sinto, apesar de justificada, é completamente inútil. Respiro fundo e tento me concentrar.

Meus olhos pousam em uma garota, sentada sozinha em uma pedra, fumando um cigarro. Seu cabelo vermelho brilhante está preso em um rabo de cavalo baixo. A camiseta preta e o jeans largo são vários tamanhos grandes demais, e os tênis outrora brancos estão sujos, os cadarços pretos.

Vejo uma mochila de acampamento aos seus pés pressionada contra a rocha. Me aproximo dela com cuidado para não assustá-la.

— Você mora por aqui? — Pergunto.

Ela vira a cabeça para me encarar. Seus olhos verdes ficam opacos pelas dificuldades de viver de uma mochila e debaixo da ponte. Ela encolhe os ombros. — Eu moro aqui... e ali.

Enfio minhas mãos nos bolsos traseiros. — Escute, estou prestes a pegar alguma comida. Quer se juntar a mim?

— Você faz parte de algum grupo da igreja ou algo assim? — Ela pergunta, torcendo o nariz.

— Não. Não sou exatamente do tipo religioso.

Ela assente e dá uma tragada no cigarro. — Então, pareço ter dinheiro para comida? — Ela balança a cabeça e apaga o cigarro na pedra, jogando-o na água.

— Não, é por minha conta. Na verdade, é da minha família. Eles farão um churrasco. Você deveria vir, — digo, e a gentileza na minha voz não é falsa. As bochechas da garota estão fundas e ela parece precisar de uma boa refeição. É o mínimo que posso fazer por ela, considerando para onde a estou levando e para o que estou potencialmente expondo-a.

Tudo faz parte do plano maior.

— Por quê? — Ela pergunta, desconfiada e com razão.

Dou alguns passos em sua direção. — Bem, porque você parece perdida e já estive perdida uma vez, e antes que possa se encontrar, você precisa se alimentar, — explico. — Além disso, alguém me deu uma segunda chance uma vez. Alguém me deu esperança quando eu não tinha nenhuma.

E é verdade, mas não estou pensando no Reich quando digo essas palavras. Estou pensando em Pike.

Ela levanta uma sobrancelha com piercing suspeita.

Sorrio. — Talvez eu só queira devolver o favor ao universo, pagá-lo. Alguma merda assim.

Ela balança a cabeça. — Não, eu estou bem. Hoje não estou com vontade de ser vítima de tráfico sexual.

— Você tem um telefone? — Pergunto.

Ela assente lentamente. — Sim, por quê?

— Pegue-o. — Dou um passo para trás. — Não vou roubá-lo, eu juro.

Relutantemente, ela o puxa do bolso.

Eu me viro para o lado e poso como as meninas fazem hoje em dia em suas selfies. Mão no quadril, joelho para cima, ligeiramente virada de lado. — Tire uma foto minha.

Ela revira os olhos e ri. Ela tira uma foto da minha pose ridícula. Ela ri mais quando faço biquinho. — Você vai sair agora?

— Não, quero que você envie essa foto para alguém em quem confie, junto com o meu nome. Michaela Lovejoy. Dra. Michaela Lovejoy, na verdade. Também lhe darei o endereço do churrasco e, se a pessoa a quem você está enviando mensagens de texto gostar de churrasco, convide-a para vir.

Ela torce os lábios e depois os polegares voam sobre as teclas, e sei que ela irá comigo.

Sorrio mais brilhante. — Certifique-se de dizer que se você desaparecer, eu sou a responsável.

Quase esqueço que meus planos são realmente nefastos quando estamos na van cantando uma música pop borbulhante até que ela abaixa o volume e pergunta: — Então, qual é o nome desse seu grupo?

É preciso tudo o que tenho para manter uma atitude casual e impedir que o sorriso no meu rosto caia, mas o canto do meu lábio se contrai com desdém. — Four Reich.

— Nunca ouvi falar, — diz ela, olhando pela janela os campos de milho ao redor da estrada. — Meu nome é Emma, a propósito.

— Prazer em conhecê-la, Emma, — respondo. A van faz um som estridente. — Merda. Preciso de gasolina — digo, percebendo que a linha vermelha está abaixo do vazio. Entro no posto. — Espere aqui. Só vou demorar um segundo.

Saio da van e entro, pagando o combustível. Quando volto, encho o tanque. Coloco o bocal da gasolina no gancho e, quando me viro, me vejo presa, barricada por uma parede de Pike.

— O que? — Respiro. — O que diabos você está fazendo aqui?

— Posso te perguntar a mesma coisa, — diz ele, olhando para o caminhão. — Quem diabos é essa?

— Ninguém, — respondo. Quero ser cruel e rude e gritar com ele, mas olhando em seus olhos, sinto a força entre nós e não posso ignorá-la.

— Achei que nunca mais te veria — sussurro.

Ele olha nos meus olhos. — Você achou errado. — Ele aponta para a van. — Quem diabos é essa?

Eu balanço meu peso de um pé para o outro, não querendo lhe dizer. Envergonhada e constrangida.

— Mic, — ele pressiona, me empurrando contra a traseira da van. Ele afasta um fio de cabelo do meu rosto. — Diga-me por favor

Olho para os meus sapatos. — Bem. Ela é minha tarefa. Tenho que levar um recruta de volta para o churrasco — digo rapidamente. Cruzo os braços sobre o peito como uma criança. — Feliz? Porque eu não estou.

Ele faz uma careta. — Longe disso.

— Não é o eu quero, — sussurro. — Você acha que quero levar alguém para lá?

Pike contorna a van até o lado do passageiro. — Que porra você está fazendo? — Pergunto para ele.

Ele me ignora e abre a porta. Emma quase cai, se apoiando no assento, seus cabelos ruivos soprando ao vento.

— Quem diabos é você? — Ela pergunta.

— Aqui, garota. — Pike diz, passando para ela várias notas de cem dólares da sua carteira.

Ela olha para o dinheiro e depois para Pike, fazendo uma avaliação lenta de seu corpo longo e magro. Ela morde o lábio. — Você não precisa me pagar, baby. Farei de graça. — Ela ri. — Merda, se tivesse algum dinheiro, eu pagaria.

Pike ignora seu comentário e a olha nos olhos. — O lugar para onde a senhorita aqui está te levando é uma organização racista que se preocupa em aterrorizar quem não tem o tom certo de pálido, — diz ele, honestamente. — Eles estão tentando recrutá-la para uma vida que a levará por um caminho que provavelmente terminará com você sendo presa ou morta. O dinheiro é para você sair dessa van. Use-o para ir para casa e, se isso não for uma opção para você, eu possuo a loja de penhores na principal. Pike’s Pawn. Tenho uma cama e um emprego para você, se estiver interessada. Basta perguntar por Thorne. Ela vai providenciar tudo.

Emma lentamente pega o dinheiro como se Pike estivesse prestes a pegá-lo de volta. Ela sai correndo da van e bate a porta atrás dela. Ela olha entre mim e Pike. — Vocês são um casal esquisito, — ela observa.

Antes que eu possa corrigi-la que não somos um casal, ela corre para o banco da estação rodoviária. — Vou aceitar a oferta!

Pike assente e se vira para mim. Ele me pega pelo cotovelo e me leva para trás do posto. — Que porra você está fazendo, Mic?

— Que porra você está fazendo? — ele repete.

— Não posso voltar lá sem um recruta. É um dos meus testes.

— Então, não volte para lá, — ele diz como se fosse simples assim.

— Eu não posso porquê...

— Por quê? — Ele exige.

Ele me gira para que minhas costas estejam niveladas contra o estuque do prédio. Estou respirando pesadamente e meu rosto está vermelho. — Porque percebi recentemente que tudo isso é mais do que minha vingança. Trata-se de corrigir os erros que meu pai cometeu. Não posso simplesmente matar Darius e Percy. Tenho que derrubar o Reich. Desmontá-los por dentro. Mas há muita coisa que não sei. Ainda tenho que descobrir antes que possa fazer algo. — Conto a ele sobre o diário de meu pai e o estranho comportamento de Percy depois que ele encontrou o meu. — Além disso, Mindy está em algum lugar do Reich, mas Percy a moveu, e eu não a encontro.

Pike não parece tão chocado quanto pensei que ficaria ao lhe contar que minha irmã, que pensei estar morta, está viva e escondida em algum lugar do complexo. — Diga-me qual seu plano e diga-me agora, — exige Pike, pressionando o joelho entre as minhas pernas. A raiva de seus olhos desaparece. — Não te perguntei da última vez. Preciso saber. Diga-me como você vai derrubá-los quando conseguir as informações necessárias.

Meus dedos se contraem para tocá-lo, mas mantenho minhas mãos pressionadas contra a parede ao meu lado, porque sei que, uma vez que o fizer, talvez não consiga formar um pensamento coerente. — Primeiro, descobrir a principal fonte de financiamento do Reich e cortá-la. Segundo encontrar provas das mentiras de meu pai e qualquer esqueleto no armário de Darius e expor aos membros do Reich. Terceiro...

— Matar Darius, — Pike termina por mim.

— E possivelmente Percy, — acrescento. — É isso aí, —digo, colocando tudo em risco. Para viver de acordo com meu conjunto de verdades, preciso que Pike saiba onde está meu coração. Ser a única pessoa que sabe quem realmente sou.

Mesmo que algumas vezes eu não tenha certeza.

— Você tem certeza que não há como convencê-la a me deixar ajudar nisso? — Pike pergunta. — Porque eu e meus meninos podemos ajudar. Você pode simplesmente voltar para casa comigo. Agora.

— Eu quero, — admito. — Você não tem ideia do quanto quero fazer exatamente isso, mas isso é maior do que eu agora. — Balanço a cabeça. — Meu problema atual é que não posso voltar ao Reich sem um recruta, e você simplesmente deu um monte de dinheiro para a minha e a mandou se ferrar. — Suspiro e deixo minha cabeça cair em seu ombro. — Mas não posso deixar de estar feliz que você fez isso.

Pike descansa a cabeça na minha e depois a levanta. Seus olhos arregalados com uma ideia. — Tenho uma solução.

— Qual? — Eu pergunto, esperançosamente.

— Não é um qual. É um quem, — ele diz. — Você já a encontrou antes.

Instantaneamente, sei de quem ele está falando. — Não, ela não. De novo não.

Pike sorri e quero tanto beijá-lo e bater nele por ser tão presunçoso.

— Gostaria que você ficasse fora disso para não ter que me preocupar que seja pego na minha bagunça! — Choro. Enquanto as palavras saem dos meus lábios, sei que não é verdade. Sim, quero manter Pike seguro, mas não, não quero que ele fique fora disso. Na verdade, não. Preciso de toda a ajuda que conseguir e Pike é a única pessoa viva em quem confio.

Ele esfrega a ponta do polegar sobre meus lábios e eles se separam por instinto. — Não é só sua bagunça, Mic. Embora seja engraçado pensar que você causou toda essa merda. É tanto minha quanto sua e se goste você ou não, não dou a mínima. Vou te ajudar. Nos ajudar. E você vai deixar — ele escova os lábios nos meus.

Meu corpo inteiro treme. — Porque eu faria isso?

— Porque, no fundo, você quer, e se isso não for suficiente, — ele traça os lábios sobre a pele sensível da minha orelha. — Porque Mindy está comigo.


CAPÍTULO DEZ

Mickey


Entro no trailer de Percy sem aviso prévio e bato a porta atrás de mim, encostada nela, sem fôlego e tonta.

Percy está na cama, deitado sobre os cobertores, empoleirado contra a cabeceira com um caderno aberto no colo e uma caneta pressionada no canto da boca. — Você está sendo perseguida ou algo assim? — Ele pergunta, colocando a caneta entre as páginas e fechando o caderno, empurrando-o do colo para a cama.

Expulsa da porra da escuridão, talvez. — Por que Pike está com Mindy? — Deixo escapar.

Percy sorri. — Porque ele não a machucará, e porque você confia nele. Não a queria perto dessas pessoas e te fiz uma promessa. Deus sabe o que aconteceria com ela aqui. Achei que você gostaria de encontrá-la na casa de Pike quando toda essa merda acabar.

— Você foi lá? Ver Pike? — Pergunto sem fôlego. — E ele não te matou? Por quê? — Estou gritando com ele porque estou com raiva, embora não tenha certeza se é porque ele reuniu Pike e minha irmã sem me avisar ou porque ele arriscou sua vida fazendo isso. De qualquer maneira, foi uma jogada impressionante e muito corajosa, mas não posso evitar a raiva que explode dentro de mim com todas as perguntas não respondidas que continuam se acumulando umas sobre as outras a cada batida do relógio.

Ele encolhe os ombros. — Eu disse a ele que estou do seu lado. Contei tudo a ele. Além disso, fizemos um acordo.

— Que tipo de acordo? — Exijo saber com uma mão no meu quadril.

— O tipo de acordo que acontecerá quando tudo acabar. Ele concordou.

— Mas por que você está do meu lado? Quando você se tornou essa pessoa? Você não me disse nada — deixo escapar, ficando frustrada por não saber e irritada por ter sido deixada no escuro.

Embora, aliviada que minha irmã esteja com Pike. Ela está segura. Ela está finalmente a salvo.

— Sente-se. Vou te contar. — Percy dá um tapinha na cama ao lado dele, e me sento. Ele tira uma foto das páginas do caderno e a passa para mim. É de uma mulher bonita, com olhos castanhos brilhantes e um sorriso que pode derrubar um homem. — Ela é linda, — digo com admiração.

— Eu sei, — diz ele com um suspiro, colocando a foto de volta no caderno e o enfiando em uma gaveta.

— Odeio apontar o óbvio, mas ela é policial, — digo, referindo-me ao seu uniforme azul escuro.

Ele ri. — Oficial penitenciária — diz ele, com puro orgulho em sua voz. — Estou surpreso que você não tenha mencionado que ela também é negra.

— Estava esperando que você mencionasse — digo. — Como vocês se conheceram? — Ele sorri.

— Ela era uma das agentes penitenciárias da prisão. Ela era responsável pelo meu bloco de celas.

Meus olhos se arregalam de surpresa. — Bem, agora isso é chocante. Continue.

Ele coloca as mãos embaixo da cabeça e se recosta na memória, olhando para o teto. — Eles podem ser muito maus e rudes com os presos que merecem, e eu com certeza merecia. Ela costumava chutar a minha bunda quase diariamente, mas não era nada que eu não merecesse. Um dia, eu estava sangrando e machucado, e ainda estava lhe dando trabalho, ainda procurando mais punições quando ela guardou o cassetete e me propôs um acordo. Eu teria que ir a uma reunião num desses grupos que ajuda as pessoas a sair de gangues e coisas assim. Uma vez por semana. Não precisava participar, e não precisava acreditar na merda. Só precisava ir, e os espancamentos parariam, e ela me deixaria dizer as merdas que quisesse para ela.

— Então, você aceitou o acordo?

Ele vira a cabeça em minha direção. — Eu teria sido um tolo se não aceitasse, mas ela me superou. Fui à primeira reunião, sentei-me atrás e desliguei. Bem, até que ela entrou e subiu ao pódio.

— O que ela disse?

Há um brilho distante em seus olhos quando ele começa a reviver a memória. — Ela começou explicando o tipo de merda que enfrentava todos os dias. Não apenas por ser preta, mas também por ser policial. Ela explicou como seu irmãozinho foi morto quando bateu em uma porta, pedindo ajuda com o carro avariado, e como o outro irmão foi morto porque se juntou a uma gangue que lhe alimentava de mentiras sobre pertencer quando era dispensável. Um peão para proteger o rei. Como ele sofreu uma lavagem cerebral. Quanto isso a machucou e o quanto ela o odiou quando tudo o que ele precisava era estender a mão. Como outras pessoas negras de sua comunidade, incluindo membros de sua própria família, não falam com ela porque é uma policial e muitos deles desconfiam de qualquer pessoa na aplicação da lei. — Ele suspira. — Ela se culpou pela morte do seu irmão, e a razão pela qual escolheu sua linha de trabalho foi fazer a diferença no sistema. Para promover a mudança. Não podíamos ser mais diferentes, mas reconheci muito na história dela como minha. — Ele sorri de orelha a orelha. — Ela é a pessoa mais corajosa que eu já conheci. Gancho de direita forte também. — Ele esfrega a mandíbula com a memória.

— E foi o que aconteceu? Foi isso que te fez mudar? — Pergunto, curiosamente.

Ele se senta novamente. — Ninguém pode te fazer mudar, mas foi ela quem me fez começar a pensar duas vezes na minha vida. Percebi que a estava desobedecendo e praticamente implorando por espancamentos diários, porque gostava da atenção dela, sabe, de uma maneira pervertida. Não sabia que realmente gostava dela. Nunca pensei que seríamos capazes de nos relacionar... até que aconteceu. Eu não apenas gosto dela. — Ele ri do absurdo disso tudo. — Eu a amo, Mickey.

— Estou... realmente orgulhosa de você, Percy.

— Confie em mim, o choque que você está sentindo não chega nem perto do choque que eu senti. — Ele ri, depois olha para mim. — A doutora não tem mais nada a dizer? Nenhuma das suas palavras chiques flutuando nesse seu cérebro grande agora? Achei que você me daria pelo menos algumas com mais sílabas do que tenho dedos. Admito, estou meio desapontado.

— Cuidado. Talvez um dia você e...

— Benita. Significa abençoada — ele lamenta.

— Bem, talvez um dia vivamos no mundo pós-Fourth Reich. Um onde você e Benita morarão em uma casa, e eu serei sua vizinha. Nós seremos vizinhos. Jantarei na sua casa aos domingos — digo, imaginando como seria esse tipo de vida.

— É um bom pensamento. Você e eu sabemos que não é provável, mas é um bom pensamento, mas por que não jantaremos na sua casa?

— É domingo, meu dia de folga. Não quero cozinhar — brinco.

Percy acende outro cigarro com a ponta acesa da bagana na sua mão. — É um acordo, mas por que você não está incluindo Pike nisso? Isso não quer dizer você e Pike?

Fico quieta quando a tristeza toma conta. — Não, Pike tem uma vida. Uma boa. Minha merda é pesada, e não sou a pessoa mais fácil do mundo. Ele ficaria...

— Não se atreva a dizer que ele ficaria melhor sem você, porque isso não é verdade. Ninguém ficaria melhor sem você, Dra. Michaela Lovejoy.

— Acho que só o tempo dirá, — digo, não querendo discutir.

— Agora, onde estão essas grandes palavras sobre mim e Benita? — Ele incita.

Dou um soco de brincadeira no seu ombro, grata pela mudança de assunto. — Não há grandes palavras hoje, mas posso dizer honestamente que, como sua falsa noiva, estou muito feliz que você esteja apaixonada por outra mulher.

Ele me dá um soco de volta. — E como seu... o que você acabou de dizer que estou assumindo significa noivo falso, posso dizer que estou muito feliz por você estar apaixonado por outro homem. Mesmo que seja Pike.

— Se todos os casais pudessem viver com uma honestidade tão abençoada, — digo, descansando minha cabeça no ombro dele.

— Todos os casais não são tão fodidos quanto nós, — diz ele, passando um braço por cima do meu ombro e beijando o topo da minha cabeça.

— Touché, porra.

Percy torce o nariz. — Isso é francês, tipo eu concordo que estamos fodidos?

Eu assinto. — Com certeza é.

— Ei, olha isso. Eu sou bilíngue agora. — Ele ri.

A risada rapidamente se transforma em silencio. Ficamos sentados na cama, encostados um no outro, assistindo ao pôr do sol através da janela, enquanto nos perguntamos o que o futuro nos reserva e nosso sonho aparentemente impossível.

Se houver algum.

— Realmente gostaria de conhecê-la um dia, — digo a ele.

— Eu não vou trazê-la para essa merda. Nem vou vê-la até que esteja cem por cento fora disso, e que ninguém irá atrás de mim. Não posso colocá-la nesse tipo de perigo. — Ele balança a cabeça. — Eu não vou.

— Assim como eu não queria arrastar Pike para isso, — concordo. — Não funcionou.

— Não, — diz ele, sentando-se e me empurrando para fora de seu ombro. — Não é igual.

— Como não é igual? Nós dois não queremos as pessoas que amamos envolvidas em nossa merda.

— Porque Benita é uma civil. Quero dizer, ela é uma policial, mas não está nesta vida. Pike está. Sempre esteve. Você mantê-lo afastado é como dizer a uma tempestade para conter a chuva. Ele nasceu para essa merda. Ele já está nessa merda. Ele vive isso. Você tem uma arma carregada no bolso e a usa como um batente de porta. Você não precisa protegê-lo. Você precisa usá-lo.

Levanto uma sobrancelha. — Você diria a mesma coisa se Benita fosse Pike nessa situação?

— Porra, não, mas ela não é. — Pike me coloca de volta em seu ombro. — Então eu posso.

— O que você quer que faça, Percy? — Pergunto, mas o que realmente estou perguntando é: — O que devo fazer?

— Você deve falar com ele. Entendê-lo. Saber o que ele quer e respeitar isso como ele respeita o que você quer, embora eu tenha certeza que o está devorando por dentro não invadir aqui e explodir minha cabeça.

— Você não sabe disso, — argumento.

— Eu sei, ele me disse. Além disso, se você fosse ele e ele lhe dissesse para não se envolver, isso não te enfureceria?

Me encolho. — Odeio quando você está certo. Pare com isso. É muito impróprio.

— Acostume-se a isso. Vou tentar estar mais certo daqui para a frente.

Pego seu lóbulo da orelha e dou um puxão. — Tudo bem, tudo bem. Pare com isso. Ninguém me disse que ser amigo de seu noivo falso seria tão chato. Acho que te trocarei por uma cabra.

— Valho pelo menos três cabras. E já temos um cachorro.

Bruno é o cão de guarda do Reich que patrulha a propriedade à noite. Faço uma anotação para ser mais agradável com ele e talvez dar-lhe algumas sobras, já que nunca pensei nele como nosso cachorro antes.

Pressiono meus lábios e coloco um dedo no canto da minha boca. — Vou manter isso em mente e mirar alto. As negociações serão difíceis, mas verei o que posso gerenciar.

O sorriso de Percy se acalma. — Você também pode gerenciar uma alma limpa e liberdade?

Respondo honestamente: — Se pudesse, não estaria aqui.

— Eu costumava entender tudo. Ou, pelo menos, achava que entendia tudo. Agora que percebi que não sei merda nenhuma, e que estou ciente que não sei merda nenhuma? — Ele solta um longo suspiro. —É muito pior.

— Sei como é isso. E gostaria de entender por que as pessoas odeiam. A ciência por trás disso e então poderia resolver. Ou eu poderia tentar resolver isso. Toda a minha pesquisa e tudo o que tenho são mais perguntas. Tipo, por que eles odeiam negros em particular?

Não há resposta que ele possa me dar que justifique ou dê razão a tudo isso. Nada que me faça sentir melhor sobre o que vi no corredor. Nada que possa reprimir o mal-estar e a inquietação. Nada que possa neutralizar a grande dose de curiosidade que agora está correndo pelas minhas veias.

Percy levanta as sobrancelhas. — Isso não é verdade, — ele responde

Aponto para a suástica pendurada em cima da cama dele. — Isso diz o contrário. — Ele balança as pernas para o final da cama. — Não, eu quero dizer que o Reich não odeia apenas pessoas negras. Eles também odeiam judeus, hispânicos, homossexuais, bissexuais, testemunhas de Jeová, feministas... — Ele enumera a lista nos dedos tatuados. — Ah, sim e liberais.

— Então, assim como os nazistas? — Pergunto, sentindo dor no estômago. Ácido tentando purificar o ódio que tenho engolido e ignorado há anos.

Ele bate no canto do lábio com o polegar e se apoia nos cotovelos. — Não. Os nazistas também eram contra alcoólatras. E não sei se você deu uma boa olhada no tamanho dos barris nas reuniões ultimamente, mas não encontrará muita oposição a isso aqui. Os nazistas também matavam doentes mentais e, bem, você não pode ser exatamente sensato ao repetir as merdas que falam aqui. — Ele olha para o chão e esfrega a palma da mão sobre o rosto. — Sei que eu não era. Só queria ter percebido tudo isso mais cedo ou nunca. Essa merda intermediária está me matando. Mas eu era surdo para qualquer outra coisa senão o ódio ecoando em meus ouvidos naquela época. Isso é certo.

— É quem você era, — digo a ele. — Albert Einstein disse uma vez: a medida da inteligência é a capacidade de mudar, e foi isso que você fez. No que você está trabalhando. Mudando. Eu mesmo acabei de perceber o que tenho passado por testemunhas e estudos, é na verdade um comportamento passivo. Estive esperando e assistindo tudo isso. A violência, a propaganda, as coisas nojentas ditas, sem fazer nada a respeito. Como isso me torna melhor?

Percy zomba. — Michaela, não fazer nada não faz de você uma idiota racista. Você nunca aterrorizou empresas de proprietários negros ou foi presa por queimar uma loja de ferragens de um judeu sem motivo. Eu era um idiota racista. Você era um peão nos planos estranhos de nossos pais, — diz ele, tentando me aliviar de um pouco da culpa da qual sinto que ele está muito familiarizado.

— Você também era, — indico.

Ele revira os olhos como se não fosse o mesmo, apesar de sermos um produto da manipulação. — Ainda assim, não fazer nada não te faz um maldito racista. Não te faz um deles, — ressalta. Ele pega um maço de cigarros e tira um com os dentes, jogando o maço de volta na mesa de cabeceira. Ele se recosta na cabeceira da cama e acende, olhando para o símbolo acima de sua cabeça enquanto traga, e rapidamente desvia o olhar do símbolo que provavelmente o assombra à noite, um que ele provavelmente ainda pode ver, mesmo com os olhos fechados. — Você nunca foi uma pessoa má. Sabia disso quando éramos crianças, e sei disso agora.

Um pensamento me ocorre. Uma verdade que posso libertar.

— Há um erro que posso corrigir, — sento-me e respiro fundo. — Não foi Pike quem te delatou. Quem te colocou na prisão.

— Eu sei, — diz ele, sua resposta me pegando de surpresa.

Ele faz uma careta. — Depois que saí da prisão, meu velho ficou vomitando suas besteiras regulares sobre Pike. A culpa que jogou sobre ele por eu pegar tanto tempo só piorou. Piorou as coisas. Pike não apenas havia me entregado como agora ele é o responsável pela morte de minha mãe. No começo, eu comprei. Não achei que o velho mentisse para mim sobre uma merda tão séria quanto a pessoa responsável por matar minha mãe. Então fiz algumas escavações por conta própria. Perguntei a alguns dos membros do OG que estavam por aqui naquela época sobre minha mãe. Os fiz pensar que eu estava apenas relembrando sobre ela. Acontece que ela fugiu dessa porra de lugar, de Darius, quando eu tinha sete anos. Darius sempre me disse que ela estava fugindo de alguém e deixou por isso mesmo. Nunca disse que era dele que ela estava fugindo. Pesquisei o nome dela e encontrei o artigo. Ela morreu em um acidente de carro logo depois que partiu.

— E você não o confrontou? — Pergunto.

Percy levanta as sobrancelhas. — Não, o velho está ficando descuidado em suas mentiras. Desde que o seu velho... bem, você sabe. Pike tem mais ou menos a minha idade e é um filho da puta péssimo, não me entenda mal, eu sei disso, mas mesmo os piores filhos da puta entre nós não andavam pelas ruas matando mulheres sem nenhuma razão quando ainda estão no ensino médio. Mesmo que ele pudesse ter feito isso, Pike não é esse tipo de cara. Ele era um idiota para mim, com certeza, mas eu merecia, e respeito que ele siga um código. Ele não é um rato e nunca será um rato. Além disso, metade da merda que contei para ele no reformatório quando estava abrindo minha boca não foi o que apareceu no relatório do FED. Foi alguma merda interna que poucas pessoas sabiam, mas Pike, não era uma delas.

— Você sabe quem delatou? — Pergunto timidamente, precisando saber exatamente quanto Percy sabe e quão surpreso ficará com o que estou prestes a dizer.

— Sim, e não era nenhum rato. — Percy ri. — Acontece que era um rato mesmo.

— Um rato? — Eu torço o nariz.

Ele sorri. — Um Mickey Mouse.

Merda.

— Você sabia? — Pergunto, pulando da cama.

— Claro que sabia. Você foi me visitar na prisão. Você parecia aterrorizada. Nunca tinha te visto assim antes. Você sempre foi tão forte, tão equilibrada. Você estava do outro lado daquela merda de vidro tremendo como se estivesse nua em uma tempestade de neve. Pude ver que você não queria estar ali e, a princípio, pensei, é claro que ela não quer estar aqui, nem eu, é a porra da prisão. Não apenas isso, mas você me perguntou todo tipo de merda sobre a qual nunca havia me perguntado antes. De fato, conversamos mais naquele dia do que quando éramos crianças.

A culpa rasteja pelo meu cérebro, fazendo meu corpo esfriar.

Aproximo-me lentamente da cama e me sento novamente, puxando nervosamente a bainha da minha bermuda. — O que eu fiz teve algo a ver com o motivo de minha família estar morta?

Percy dá uma tragada em seu cigarro. — Não, Darius nunca soube que foi você. Não contei a ele depois que descobri. Ele assumiu que foi Pike o tempo todo, porque Pike foi transferido do centro de detenção logo após o FBI ter apresentado suas provas para me julgar como adulto. E eu sabia, mas você precisa saber que mesmo monstros têm limites. Eu nunca teria tocado em você ou sua família. Eu preferiria apodrecer naquele lugar do que machucá-la ou a suas irmãs. Sua mãe também era legal pra caralho, sempre me trazendo aquele pão que ela fazia. Qual era o tipo? — Ele estala os dedos enquanto pensa.

— Pão de banana, — ofereço.

— É isso. Era uma boa merda.

— Então por que?

— Seu pai queria sair. Por isso ele foi morto. A merda estava ficando violenta, e isso é algo que seus pais não concordavam. Seu velho queria construir uma irmandade para estudar como a lealdade é construída fora da estrutura familiar.

Lealdade Aprendida. Uma análise aprofundada da lealdade fora da estrutura familiar.

Faz sentido agora. Era o título de um dos artigos do meu pai. Lembro-me de ler quando tinha nove anos de idade. — Como você sabe disso?

— Encontrei recentemente em uma gaveta no escritório de Darius. Ele tem um monte de merda lá dentro.

— Eu sei. Eu os encontrei — admito.

— O que diabos eu te disse sobre bisbilhotar? — Ele diz, levantando a voz em frustração.

— Eu sei. Eu sei. Não pude evitar — respondo. — Mas, por que os diários de meu pai estão no escritório de Darius?

Percy encolhe os ombros. — Meu palpite é que Darius invadiu sua casa e pegou os pertences de seu pai logo após a morte dele para se livrar de qualquer evidência de que isso fosse apenas uma porra de piada. Seu pai estava nisso pelo conhecimento e Darius queria um exército para sua operação de drogas. Quando seu velho disse a Darius que queria sair, Darius fez um grande show dizendo que ele estava livre para ir e que lhe desejava boa sorte, mas para Darius, foi uma traição com a qual ele não podia viver. Ele não estava disposto a deixar seu pai viver com isso também. Ele sabia demais e isso poderia derrubar tudo. — O rosto dele cai. — Eu disse para ele não fazer. Tentei te avisar. Cheguei a mandar homens à casa de praia para avisá-lo, mas já era tarde demais.

— Mas por que matar minha família inteira? — Pergunto, meu peito pesado. — Todos nós? Por que não apenas meu pai?

— Dano colateral, — suponho. — Pelo menos, suspeito que é assim que Darius vê as coisas. — Percy balança a cabeça. — Ele também não deveria te contar que isso era um experimento, mas contou. Se ele não podia deixar seu pai viver com esse conhecimento, provavelmente também não podia viver com sua família sabendo disso.

Dano colateral. Minhas irmãs e mãe morreram porque meu pai nos levou com ele em vez de fugir sozinho. O pensamento me faz odiar meu pai ainda mais. — E Gutter? Porque ele? Isso aconteceu depois que você foi solto — digo, precisando de uma explicação. Não apenas por mim, mas por Pike.

Percy franze a testa, encarando seus pés. — Não fui naquele dia com o resto do grupo. Não estava lá quando Gutter foi morto. Mas sabia o que estava acontecendo. Sabia que um homem inocente morreria como vingança pela morte da minha mãe, quando acreditei brevemente que isso era verdade. — Ele coça a sobrancelha com a mão segurando o cigarro. — Parece ainda mais ridículo agora que estou prestes a dizer isso em voz alta, mas pensei que, por não estar lá, não participar, de alguma forma me salvaria da culpa da sua morte. — Ele solta uma longa nuvem de fumaça. — Acontece que não eu precisava ser aquele a dar o golpe mortal para que o sangue de Gutter estivesse em minhas mãos. — Ele dá outra tragada. Suas sobrancelhas unidas em um V. profundo. — Tudo o que eu já fiz foi por essa causa... uma causa que nem existe. É tão inventada quanto aquele dinossauro roxo do desenho infantil. Uma causa que não pretende fazer nada além de ferir, e no final, mereço sentir toda essa culpa porque a alimentei. Eu alimentei outros!

Quero dizer algo que o faça se sentir melhor, então busco minha memória, minha pesquisa. — Culpa é uma emoção aprendida. Sua relação com os erros do passado e sua existência, quando ausentes anteriormente, sugerem evolução. Progresso. Você aprendeu o que é certo e errado, e a culpa que sente é prova de seu progresso.

Percy zomba. — Agora, você está inventando merda.

— Eu não invento nada, e quero que saiba que não brinco quando se trata de fatos psicológicos. Estes são fatos finitos. Eles não podem ser discutidos. — Digo triunfantemente. — Mas a culpa também pode impedir uma pessoa de ter relacionamentos satisfatórios. Isso mostra que você progrediu, mas não poderá seguir em frente até deixá-la ir. Você não é mais uma pessoa má.

Ele me olha com olhos tristes. — Oh sim? É isso que você está fazendo? Abandonando a culpa para poder seguir em frente?

Esfrego as mãos para cima e para baixo nos braços, subitamente sentindo um calafrio, embora não deva estar menos de vinte e seis graus nesta sala. — Só porque tenho o conhecimento de como a culpa funciona, não significa que já tenha feito uso desse conhecimento.

Ele segura meu olhar. — Responda algo para mim. O que faz de alguém uma boa pessoa? — Ele pergunta, devagar, curiosamente. — Como consertamos essa merda?

— Eu tenho uma ideia ou duas, — admito com um pequeno sorriso no canto da minha boca. — E nunca é tarde para tentar.

— O que está acontecendo nesse seu cérebro, Mickey Mouse? — Percy pergunta. Há uma batida na porta. — Entre, — Percy grita.

Rage entra. A garota que colocou o bracelete falso de prisão domiciliar no meu calcanhar na casa de Pike.

Minha recruta.

Claro, que é ela. Sua aparência por si só poderia lhe dar acesso a qualquer lugar sem muita dúvida. Bonita e inocente. Você não saberia o que realmente se esconde por baixo de todo esse cabelo loiro e pele clara bronzeada.

O rabo de cavalo sedoso de Rage é longo e liso, atingindo sua cintura, seus olhos azuis são brilhantes e, ao mesmo tempo, opacos. Lábios carnudos e maçãs do rosto salientes, ela é a imagem da perfeita boneca Barbie da vida real. Ela está usando minúsculos shorts brancos e uma blusa cor-de-rosa brilhante que diz “Parece fofa, pode te cortar”. Cordas de biquíni brancas aparecem por baixo, amarradas na nuca.

Rage joga sua mochila azul clara na cama e olha em volta do quarto com o nariz torcido de nojo. — Existem teias aqui, — ela aponta. — Teias são teias de aranha abandonadas, coletando poeira e prendendo carcaças em decomposição de outros insetos. Há também fezes de ratos no pátio. Os ratos transmitem doenças, incluindo, mas não se limitando a: hantavírus, leptospirose, coriomeningite linfocítica, tularemia e salmonella. Limpe sua merda e livre-se dos roedores antes mesmo de pensar em me ligar da próxima vez. Não vim aqui para ser uma transportadora de pragas. — Ela tira um frasco de desinfetante para as mãos da bolsa e espalha nas mãos antes de guardá-lo. Ela coloca as mãos nos quadris. — OK?

— Uh ... ok, — diz Percy.

É óbvio para mim agora, quando não foi na primeira vez que nos encontramos, embora eu estivesse um pouco preocupada em estar presa contra minha vontade e ter uma bomba amarrada em minha perna do que em tentar descobrir as peculiaridades de Rage.

— Agora, entendi, — praticamente canto. — Você é uma germofóbica. E acho que, no seu caso, é um sintoma do seu distúrbio obsessivo-compulsivo.

— Exato, — diz Rage, sem parecer nem um pouco ofendida. — E entendo que você é super inteligente em livros, mas, tipo, para apontar as falhas das pessoas porque, embora você tenha um QI alto, duvida de sua capacidade de realmente entender ou conectar-se com as pessoas e, portanto, tem que lhes mostrar seu grande cérebro pau balançando de maneira polida, a fim de fazer as pessoas entenderem que você é inteligente e, portanto, fazê-las se sentirem inferiores e aumentar seu cérebro pau gigantesco colocando-o de volta em suas calças. Então você o balança na próxima mente inferior com quem cruza?

Percy ri, e lhe atiro um olhar assustador. TRAIDOR.

— Quero dizer, — ele corrige, limpando a garganta. — Eu não iria tão longe, mas ela também não está errada.

Sem saber o que dizer para me defender, principalmente porque não tenho certeza de que ela esteja totalmente errada, mostro a língua para Percy e faço o beicinho clássico.

—Então, este é o novo recruta? — Darius diz, entrando no quarto. — Muito bom, — diz ele, avaliando Rage com os olhos. — E qual é o seu nome?

— Regina, — diz ela com um sorriso. — Regina George.

É preciso um esforço enorme da minha parte para não revirar os olhos. Regina George é uma personagem do filme Meninas Malvadas.

Darius estende a mão para Rage. Ela mantém o sorriso falso estampado no rosto, mas dá um grande passo para trás. — Desculpe, germofóbica. Não aperto mãos, mas posso lhe dar uma saudação ou um polegar para cima como substituto.

Darius ri e foca os olhos no peito dela. — Bom, Michaela. Regina pode ajudá-la a se preparar para esta noite.

— Esta noite? — Percy pergunta. — Para o churrasco?

Darius sorri, mostrando seu dente da frente lascado e irregular. — Não será exatamente um churrasco.

— Não será? — Pergunto, inclinando a cabeça e me perguntando o que Darius está escondendo por trás de seu sorriso travesso e maligno.

— Não, tenho outra coisa planejada para hoje à noite, — anuncia. — Vocês dois já esperaram o suficiente. O Reich precisa de vocês. Os membros precisam saber que nossa liderança é sólida e que a próxima geração está pronta para tomar seus devidos lugares na cabeceira da mesa quando chegar a hora. Hoje à noite, solidificaremos essa liderança. Hoje à noite, uniremos vocês dois e garantiremos o futuro do Reich.

— Perdão? — Rage pergunta, com uma mão no quadril.

Percy e eu trocamos olhares. Não precisamos perguntar o que Darius quis dizer. Sabemos exatamente o que ele planejou para esta noite. Um evento sobre o qual ele está falando e planejando a vida toda.

Nosso casamento.


CAPÍTULO ONZE

MICKEY


Do lado de fora do pátio, a brisa sopra quente contra o meu rosto. Minha pele está tensa como se estivesse embrulhada em fita adesiva.

O cheiro de madeira queimada e álcool se mistura com o cheiro dos pinheiros ao redor, o que tornaria um perfume digno de vômito.

O cetim branco do meu vestido simples desliza pelas minhas coxas úmidas enquanto ando pelo corredor, escoltada por Hoppy, cujo próprio suor cheira a vodca e batatas fritas escorrendo pela dobra de seu braço, encharcando o meu.

Casamentos no Reich não são juridicamente vinculativos, uma vez que o Reich não acredita em nada legal. No entanto, eles acreditam em um ritual medieval sobre a noite de núpcias que deixa meu pulso acelerado e meu estômago cheio de pavor enquanto seguro as mãos pegajosas de Percy e me preparo para recitar falsas promessas. Sinto-me entorpecida e furiosa ao mesmo tempo, se isso é possível. Uso cada gota de raiva que flui através do meu sangue para alimentar meu propósito. Cada palavra pingando da minha boca é dita com reverência e sinceridade que me deixa nauseada e ansiosa para ver o sangue de Darius se acumulando aos meus pés. Isso é apenas um ato. Não é algo que não pode ser desfeito e, no entanto, parece uma traição.

Meu estômago revira.

Rage está ao meu lado, usando a mesma camiseta rosa e shorts branco que estava no início do dia. Seus deveres hoje à noite incluem ser dama de honra e testemunha relutante. Ela parece entediada, checando as unhas e se arrastando de um pé para o outro.

Darius está usando um paletó azul escuro, jeans e um sorriso de comedor de merda enorme. Quando ele pergunta se estamos prontos, soa como se estivesse nos perguntando se estamos prontos para nossa coroação como o rei e a rainha desse buraco.

Percy e eu assentimos e trocamos olhares de conhecimento. Darius o levou do trailer mais cedo e, desde então, não tivemos tempo para conversar sobre a cerimônia ou planejar o que está por vir.

Fugir também não era uma opção. Tenho certeza que a razão pela qual vários membros do alto escalão do Reich me seguiram e me puxaram hoje de um lado para o outro não foi porque queriam me ajudar com o vestido e buquê, mas porque Darius queria garantir que essa noite transcorresse sem problemas me lembrando que pés frios não eram uma opção.

Percy recita seus votos, e embora eu tenha assumido que ele atuaria e pareceria mais entusiasmado, sua voz é quase monótona. — Prometo manter a ordem em minha casa e ser responsável por minha esposa. Prometo defender os ensinamentos do Reich e prometo manter as distinções entre as raças como nosso objetivo supremo, quando Deus criou o homem branco à sua imagem.

Desligo para segurar minha merda e impedir que minhas mãos tremam na de Percy. O dedo médio da minha mão direita tem espasmos, e Percy não chama atenção sobre isso. Ele simplesmente o segura mais firme, a fim de acalmar os tremores.

— Você está pronta, Michaela? — Darius pergunta.

Assinto e forço um sorriso. Darius declara as palavras que devo repetir, e o faço sem me encolher externamente, mas apenas porque pratiquei não me encolher. Ele leva horas recitando as palavras até que se tornam vazias e minha comida para de ameaçar voltar.

Os votos são baseados no credo original das mulheres klans usadas pela KKK e das mulheres da KKK, também conhecidas como WKKK. O Fourth Reich se separou deles porque a KKK recrutou mulheres na década de 1920 promovendo essa ideia radical de igualdade feminina, e isso foi demais para alguns dos homens que geralmente não gostavam que alguém fosse igual a eles. Boom. O Fourth Reich nasceu. Ou foi abortado.

De qualquer maneira, aqui estamos nós.

— Acredito no lar americano e entendo que sou o navio para o meu marido. Aquele que cuidará de nossos filhos e garantirá nossa família e o futuro do Reich.

Respiração profunda. Sem bile. Por enquanto, tudo bem.

— Acredito na missão da mulher e no meu papel no Reich. Acredito indistintamente em meu marido e, portanto, concordo em me submeter a ele e a seus conhecimentos pelo benefício da nossa família e pelo benefício da república americana e cumprirei obedientemente meu papel de esposa e serva.

— Prometo proteger as instituições que o Reich apoia e a instituição de uma suprema América branca.

Depois que as últimas palavras saem da minha boca, inclino minha cabeça. Parece ser por respeito e sendo realmente humilde, mas, na verdade, é porque a bílis aumentou e estou tentando não vomitar por todo o meu vestido, porque vomitar no seu casamento é um sinal muito óbvio de que algo não está certo. Trabalhei duro demais para o meu sistema frágil me denunciar e lhes dar motivos para fazer perguntas que ainda estou tentando encontrar as respostas apenas no caso de isso acontecer.

Nem ouço as besteiras com as quais Darius termina a cerimônia. No momento em que tenho certeza de que devolvi tudo ao meu estômago novamente, onde pertence, levanto minha cabeça e Percy levanta meu véu. Ele planta um beijo rápido nos meus lábios antes de recuar e permitir que a multidão aplauda e grite enquanto me puxa pelo corredor. Acho que acabou. Estou aliviada e totalmente aterrorizada porque a noite está longe de terminar.

Olho para Percy, que está apertando a mão do pai e aceitando um tapinha de parabéns nas costas.

Qualquer alívio que esteja sentindo tem vida curta. Mais uma vez, engulo a bile ameaçando tornar sua presença conhecida de maneira dramática demais.

Percy me puxa pela longa fila de pessoas esperando para oferecer seus cumprimentos. Estou entorpecida quando os aceito, respondendo a palavras vazias com apenas um sorriso e um aceno de cabeça e o ocasional obrigada, preocupada demais com o que está por vir. A cerimônia pode ter terminado, mas a noite está longe de terminar.

Porque hoje é a minha noite de núpcias.

 


Rage desapareceu rapidamente depois da cerimônia, não duvido que foi contar a Pike, o que acabou de acontecer. Me sinto ainda mais enjoada com a reação dele assim que entro no trailer de Percy.

Fico feliz que minha família não esteja aparecendo para mim agora, porque nem mesmo os fantasmas precisam testemunhar o que está prestes a acontecer nesta sala. A cerimônia, como é chamada.

Resumindo, é um ritual doentio em que todos os futuros líderes do Reich exigem testemunhas de sua união. Em termos leigos, eles querem nos assistir foder.

Tiro meu vestido e roupas intimas e levanto as cobertas, tremendo enquanto deslizo entre os lençóis frios. Os puxo cobrindo meu corpo nu. Lembro-me da faca de Pike presa à minha perna. A retiro da minha liga e a enfio embaixo de um dos travesseiros.

E espero.

Há mil vespas picando minha pele, perfurando todos os nervos que tenho quando a porta se abre. Darius entra primeiro, envolto em uma túnica branca. Seu rosto enrugado está sem expressão, mas seus olhos escuros brilham de diversão quando ele me olha com aprovação.

Ignoro o impulso de levantar protetoramente os joelhos contra o peito e, em vez disso, sento-me na cama, minhas costas niveladas contra o metal frio da cabeceira.

Os outros anciões o seguem para dentro do trailer, ocupando seus lugares ao redor da cama. Aceno para Darius em saudação, e ele acena de volta, abrindo um pequeno livro em suas mãos.

— Estamos honrados em testemunhar a consumação do futuro do Fourth Reich e estamos aqui para garantir que a união ocorra, produzindo a próxima geração de sangue puro e almas puras. — Daruis fecha o livro e acena para o homem que conheço como Eleven. Ele abre a porta mais uma vez e Percy entra, com as mãos cruzadas na sua frente e olhos no chão. Ele está usando a mesma túnica branca que os mais velhos. A porta é fechada atrás dele. O som da trava clicando faz minha coluna saltar. O único salto que quero fazer agora é pela porra da janela.

— Deus o honrou com este presente de seu escolhido. Que você possa servi-lo e ao Fourth Reich. Que você cumpra seus deveres e a vontade dele como somente ele pretendia.

Quero vomitar e me encolher. Deus? Sério? Eles estão trazendo Deus em suas besteiras? Por outro lado, que melhor autoridade alegar ter do que alguém a quem você não pode fazer perguntas ou exigir a verdade?

Percy dá um passo para o lado da cama e Darius remove a túnica dos ombros de Percy revelando um corpo tatuado e muito nu por baixo.

Percy nem sequer olha para mim enquanto afasta as cobertas do meu corpo, expondo-me aos homens na sala que se inclinam com olhos interessados e cheios de luxúria para vislumbrar enquanto ele coloca as mãos nos meus joelhos e abre minhas pernas.

Engulo em seco, mas não consigo impedir meu corpo de tremer. Não posso fingir que não estou com nojo e medo e ainda mais brava quando o seu peito roça o meu.

Ele deveria estar do meu lado! Por que ele concordou com isso? Diga alguma coisa, Percy! Grito silenciosamente.

Ele puxa o cobertor sobre nós e se apoia nos antebraços, inclinando-se e sussurrando no meu ouvido: — Não se preocupe. Confie em mim. Por favor.

— Continue, — Darius exige, parecendo irritado e ansioso.

Percy desliza a mão sob o travesseiro e pelo canto do meu olho o vejo puxar algo de baixo e, a princípio, acho que é a minha faca, mas ainda posso senti-la embaixo da minha cabeça. Ele se abaixa, e suponho que esteja se ajustando, porque depois de alguns segundos posso senti-lo posicionado na minha entrada e fecho os olhos. Mas não importa o quão fechados estejam, não posso bloquear a sensação dele empurrando dentro de mim. Respiro fundo e, para meu alívio, não dói, mesmo que meu corpo não esteja nem perto de estar pronto. — Confie em mim, — Percy sussurra novamente.

Quero confiar nele, mas é difícil com todo o sexo não consensual acontecendo.

— Teremos que inspecionar antes de deixá-lo continuar, — anuncia Daruis.

— Se apresse, para que eu possa foder minha nova noiva em paz, — Percy vocifera. Suas palavras são grosseiras, mas o jeito que ele está olhando para mim quando diz isso o faz parecer quase apologético por estar dentro de mim.

Se Pike não o matou antes, com certeza vai matá-lo agora.

Darius tira o cobertor de cima de nós, e Percy se inclina para trás para que Darius possa ter uma visão completa da penetração.

Estou tremendo quando Darius assente e depois bate palmas de aprovação. — Temos a consumação. — O resto dos homens aplaude também, parecendo completamente desapontado quando Darius os expulsa da sala enquanto seguram seus livros sobre as virilhas para esconder suas ereções.

Percy puxa o cobertor de volta sobre nós e descansa os cotovelos ao lado da minha cabeça. Ele não está me tocando em lugar nenhum, exceto onde nossos corpos estão conectados.

Isso não foi uma consumação. Foi uma exposição para um monte de pervertidos. Embora agora que eles tenham saído, não tenho ideia do que vai acontecer.

E se ele quiser continuar? Terminar?

— Parabéns, — diz Daruis saindo do trailer e fechando a porta.

Estou prestes a pegar a faca debaixo do travesseiro quando Percy agarra meu pulso. — Espere, — ele geme, saindo de dentro do meu corpo. Ele leva a mão entre nossos corpos mais uma vez e se ajoelha.

E então ele tira o pênis.

Espere, ele está tirando o pênis!

— Que porra é essa? — Suspiro quando ele joga o que percebo é um vibrador tom de carne ao lado da cama. Ele então enfia a mão entre as pernas. Seu rosto se torce em agonia quando ele remove uma longa tira de fita cor de carne, liberando seu pênis real que estava entre as pernas.

— Deus do caralho! — Ele grita, caindo ao meu lado na cama e se cobrindo com os cobertores. — Eu sabia que iria doer, mas merda, — ele ri enquanto seus olhos marejam de dor. — Estava tudo bem até te ver nua. Eu nem achei que fosse ficar duro, mas sou um cara e ahhhh ... doeu muito mais.

Ele senta ao meu lado e se cobre com o cobertor. O rosto dele está vermelho e os dentes estão trincados.

— O que diabos aconteceu aqui? — Pergunto, puxando as cobertas sobre o meu corpo nu e me sentando.

— O que aconteceu foi que um monte de velhos pervertidos acha que comi minha esposa ilegal na noite do nosso falso casamento forçado — ele geme e respira fundo. Quando sua dor diminui, ele se vira para mim. — Desculpe se te machuquei com essa coisa. Foi o mais próximo que pude chegar do negócio real em tão pouco tempo.

Seus olhos apontam para o vibrador.

— Então você não fez. Nós não. — Suspiro aliviada e deixo minha cabeça encostar na cabeceira da cama. O alívio não dura muito. Ergo minha cabeça para olhar Percy, que está respirando com dificuldade, com um sorriso semelhante de alívio no rosto.

— Não, nós não fizemos. — Ele diz, sentando ao meu lado.

— Mas por que? — Pergunto. — Por que passar por todo esse trabalho? Por que não fazer isso de verdade?

— Porque não se consegue que alguém confie em você só porque pediu. Alguém recentemente me ensinou que a confiança deve ser conquistada. — Percy sorri. — E porque eu queria provar a eles, e talvez até a mim mesmo, que não sou o monstro que querem que eu seja. Não mais.

— Obrigada, — respiro, subitamente sem palavras, tentando entender essa nova revelação e o que ela significa.

— E agora? — Finalmente pergunto depois de alguns momentos de silêncio entre nós. A janela se abre e uma mão escura e sombria aparece sobre a borda. Pego a faca.

Percy pega sua túnica no chão, envolvendo-a ao redor do corpo. — O que acontece agora depende inteiramente de você.

— Que diabos está acontecendo? — Pergunto quando um homem grande se inclina sobre a janela. Eu deslizo até a extremidade da cama, segurando minha faca e me perguntando por que diabos Percy não está preocupado com alguém subindo pela janela de seu trailer.

Percy sorri. — Considere isso um presente de casamento.

A luz brilha no braço do homem, vejo uma algema enferrujada em torno de seu pulso. Expirando, afrouxo o aperto na minha arma.

— Pike, — suspiro, aliviada e agradecida por ele estar aqui.

Ele está aqui.

— Por que diabos você está aqui? — Pergunto. — Sinto que continuo perguntando isso a você.

— Porque você continua me perguntando isso, — ele responde. Pike examina meu corpo nu com um olhar escuro tão aquecido que sinto como se estivesse derretendo. Suas narinas dilatam e olho para baixo, percebendo o porquê. Na minha pressa em fugir do invasor, os cobertores não estão mais me cobrindo.

Pike se inclina para frente e os puxa sobre o meu corpo. Coloco-os debaixo do meu queixo e gira para Percy, estalando os nós dos dedos. — Ele te machucou? — Ele diz entre dentes.

— Não. Ele não fez isso. Quero dizer, nós não... — gaguejo.

Ele olha para Percy, arreganhando os dentes como um animal selvagem. — Entenda isso, se seu pau chegar tão perto dela novamente. Se você olhar para ela por mais de um segundo, vou arrancar a porra de seu pau e alimentar os gatos do beco.

Percy levanta a mão em sinal de rendição. — Entendido, cara. Você é um homem melhor que eu. Se outro homem chegasse tão perto da minha senhora, eu...

— Tentando me dar ideias?

— Oh não. — Percy amarra a faixa de sua túnica. — Você não me perguntou se estou machucado.

Pike zomba. — Você está? — Sua voz está cheia de sarcasmo.

— Foda-se sim, estou. Sua ideia funcionou muito bem, mas meu pau não ficará bem por um longo tempo.

Pike sorri. — Vai parecer muito pior quando cortá-lo e deixá-lo sangrar.

— Foi ideia sua, — digo a Pike. Não é uma pergunta.

— Vou tomar isso como minha sugestão para sair. — Percy vai para a porta. — Vou voltar para a festa e dizer-lhes que você está descansando depois que nós...

Pike rosna profundamente em sua garganta, ficando entre mim e Percy.

— Depois, você sabe, a coisa, — Percy recua. — Tranque a porta atrás de mim.

— Percy, espere! — Me ajoelho e empurro Pike para o lado para que possa enxergar Percy.

— Sim?

— Obrigada. Por tudo. — Olho para Pike.

O olhar de Percy muda para o chão, obviamente desconfortável com o sentimento. — Uh, sim. Bem, foi tudo ideia do Pike. Enviei uma mensagem para ele e, bem, ele está aqui agora. — Ele pensa por um momento e ergue os olhos para Pike. — Reconheço que eu e você temos problemas que não podem ser resolvidos. Aceito isso. Mas conheço Mickey desde que éramos crianças. Podemos não ser realmente casados, mas ela é tão próxima de família quanto poderia ser. Eu posso ter largado minha arma, mas se você ferir a porra de um fio de cabelo da cabeça dela, é melhor acreditar que voltarei para pegá-lo.


CAPÍTULO DOZE

MICKEY


Pike está além de lindo. Da profundidade de seus olhos e lábios carnudos ao seu queixo quadrado. Seu cabelo cor de carvalho cai em seu rosto enquanto ele me olha de cima a baixo, casualmente cobrindo seus traços muito sérios.

Sua camiseta branca e justa mostra todos os seus músculos flexionados abaixo. Suas coxas fortes envoltas em jeans leve não o impedem de ser quase gracioso enquanto ele anda na minha direção. Ele vira as algemas de metal nos pulsos.

— Você está bem? — Ele me pergunta novamente.

— Eu... acho que sim. — Respondo, fixada enquanto ele gira a algema repetidamente. — Muita coisa aconteceu. Não tive tempo para fazer um inventário mental. — Ele se agacha ficando ao nível dos meus olhos e empurra suavemente minhas pernas para o lado da cama, apoiando as mãos nos meus joelhos.

— Mas você está bem? — Pike pergunta novamente, procurando em meus olhos a verdade, passando ternamente os polegares sobre a pele acima dos joelhos, sobre as cicatrizes correspondentes que recebi como cortesia de uma queda de bicicleta.

— Sabe, quando eu era mais nova, papai nunca beijava nossas feridas nem nos abraçava quando chorávamos. Em vez disso, ele analisava cientificamente nossa lesão e explicava o processo de cicatrização. — Rio sem sorrir. — Não são exatamente palavras reconfortantes para uma criança de quatro anos que acabou de cair de bicicleta.

Papai não era do tipo reconfortante e, à primeira vista, ninguém em sã consciência acharia que Pike também seria. Mas ele é. Pelo menos para mim. Ele é conforto envolto em uma estrutura de aço. Com ele, me sinto segura. Livre.

— Porque você está fazendo essa cara, Mic? — Ele me puxa contra o peito e inspiro profundamente.

Balanço a cabeça. — Fisicamente, estou bem. Mentalmente... estou pensando em meu pai. Mesmo que este fosse o meu dia do casamento real, sabendo o que sei agora sobre ele, ele ainda não estaria aqui, mesmo se estivesse vivo.

— Ele era um traidor. Um mentiroso, — Pike aponta. — Não desperdice seus pensamentos com ele. Além disso, não era o dia do seu casamento real. — Ele agarra minhas pernas possessivamente.

— Eu sei, e talvez seja porque a aprovação dele era uma competição entre eu e minhas irmãs. Talvez seja porque sempre tive esperança do abraço ou dessas palavras de garantia. Mas elas nunca vieram e, embora minha decepção aumentasse, meu amor por ele nunca diminuiu. — Fungo. — Se qualquer coisa, só cresceu. Mas agora, dizendo isso em voz alta para você, posso finalmente me ouvir a mim mesma, e saber o que ele fez e por quê? Não posso acreditar que não reconheci isso antes. Não acredito que não o vi por quem ele realmente é.

— Reconhecer o que? — Pike pergunta, tirando uma mecha de cabelo dos meus olhos.

Me inclino em seu toque. — Papai era um narcisista clássico. O mundo girava em torno dele. Nós girávamos em torno dele. Ele e seus objetivos distorcidos. Nós não éramos filhas dele. Nós éramos apenas troféus em sua prateleira. Ele não nos confortava porque não se importava. Não sobre nós. Sé ele mesmo.

— Eu nem podia lhe dizer que tive um dia ruim, porque ele ficava irritado e me desconcertava como se meus sentimentos fossem irritantes.

— Você sabe o quanto tentei fazê-lo me amar? Quando minhas realizações não eram suficientes para nada além de um ótimo, o que vem a seguir? Eu me rebelei. Recebi um D em um projeto de ciência uma vez.

Pike levanta uma sobrancelha.

— Eu sei, mas confie em mim, para eu e para meu pai, um D foi o último ato de rebelião. Pode não ser tão direto quanto quebrar a mandíbula de alguém, mas o atingiu com muita força. Mas quando mostrei a ele, só me valeu o tratamento silencioso do papai. Ele não falou comigo até o meu próximo teste. Então, tentei ser honesta com ele. Eu me abri para ele. Fui ao escritório dele uma noite e disse que o amava e gostaria de explicar como estava me sentindo ultimamente e queria conversar com ele sobre a pressão que estava sofrendo. Eu só queria que ele ouvisse. Reagisse. Alguma coisa.

— O que ele disse? — Pike pressiona. Ele segura meu rosto na mão e viro minha cabeça escovando meus lábios sobre a palma da mão aberta.

— Ele me mandou embora. Revirou os olhos e me disse que eu estava sendo emocional devido aos meus hormônios hiperativos. Ele descartou meus sentimentos com um diagnóstico.

— É como se ele não pudesse aguentar nem a emoção humana mais básica. Não sei se ele simplesmente não queria falar sobre elas ou... ou se ele mesmo as tinha. Tentei pensar no que poderia ter acontecido com ele para torná-lo tão frio, tão indisponível, mas isso só me fazia ficar acordada à noite e analisá-lo repetidamente, quando a verdade é que eu não tinha informações suficientes para continuar, e não era como se pudesse dizer: — Ei, papai, aconteceu alguma coisa no seu passado que fez de você uma pessoa emocionalmente distorcida? Já foi espancado em público? Exposto a alguma situação sexual antes da puberdade? — Balanço a cabeça. —Acho que sempre vou me perguntar.

— As pessoas são complicadas, — ele oferece. — Você, de todas as pessoas, deveria saber disso agora.

— Elas são muito mais do que complicados, e ainda... — encaro seus lindos olhos — às vezes, o que sentimos pode ser tão simples.

— Você quer dizer essa merda entre nós? — Pike pressiona um beijo na parte interna do meu joelho. — Porque é complicado pra caralho, mas o que estou sentindo agora, por você, é certo. O que eu quero. De você. — Ele raspa os dentes na parte interna da minha coxa. — É muito simples, porra. É toda a outra merda que vem com isso que é difícil.

Ele se ajoelha e envolve levemente a mão ao redor da minha garganta. Um pouquinho possessivo. — Minha mãe me deixou quando eu era criança. Não tive a chance de saber se ela era do tipo carinhosa ou não, mas pelo que me lembro, acho que ela devia ser. Ela me deixou, Mic, mas você não deixará. Você pode colocar distância entre nós, mas realmente não pode fugir.

— Porque você sempre me encontrará? — Engulo em seco.

— Não, — ele esfrega a mão sobre o peito como se estivesse com dor. — Porque você ainda está aqui. Mas quando você se vai, esse lugar dentro de mim... dói como o inferno. Como se eu quisesse dar um soco dentro do meu próprio peito e arrancar a porra do meu coração para estancar a dor. — Seu aperto na minha garganta aumenta. — Você ainda acha que sou um psicopata?

— Sim, — respondo.

Ele sorri.

— Você ainda acha que sou louca?

Ele morde meu lábio inferior. — A cadela mais louca que já conheci.

Uma louca e um psicopata. Uma história de amor.

— Acho que finalmente te entendi, Pike.

— Achei que você já tivesse feito isso? — Ele abaixa a cabeça, roçando levemente os lábios na minha clavícula.

Meu corpo inteiro formiga. Descansando as mãos no colchão, minha cabeça cai para trás para lhe dar melhor acesso ao meu corpo. — Não. Achei que tinha, mas estava errada. Vi simples comentários e tirei conclusões. Julguei você e sinto muito por isso. Eu não estava nem perto de te entender. Você é muito mais do que um homem com um distúrbio de leitura. Mais do que sua solidão. Você é complicado. Forte. O homem mais forte que já conheci. Você é leal e luta pelo que é seu, mesmo que isso signifique sua própria vida. Encontro conforto em você quando nunca consegui encontrar conforto em meu próprio pai.

Sua voz é baixa e áspera, vibrando contra a minha pele. — Porque você é minha.

Tento sentar, mas ele me faz recuar. — Eu não sou...

Pike me interrompe. — Você não é minha como a merda da minha loja de penhores, Mic. Mas você é minha tanto quanto sou seu. Uma parte de mim. Mas como a merda na minha loja, você estava certa sobre tudo isso. Estava tentando preencher um buraco aqui dentro, mas com você, não há buraco. — Ele lambe uma trilha até o meu umbigo. — Eu morreria por você.

Meu corpo inteiro começa a tremer pelo desejo crescente e pela ideia de que Pike acredita que eu o complete. Suas palavras são emocionantes e aterradoras. — Eu não quero que você faça esse sacrifício. Não por mim.

— E eu não vou, porque não vou morrer... — ele olha para mim enquanto abre minhas pernas. Ele passa o nariz pelas minhas dobras molhadas. — Mas não porque não estou disposto.

Sua confissão me inspira a abaixar o escudo em volta do meu coração à possibilidade de uma vida com Pike. Uma vida real. — O que acontecerá depois que tudo acabar?

Pike rasteja sobre meu corpo, roçando seus lábios nos meus. Estremeço. — Você e eu. É isso que acontecerá. Merda, isso já aconteceu. Não há como voltar agora, Mic.

Eu gostaria que fosse assim tão fácil. Eu penso na minha irmã. Na recuperação dela. Sobre como será a vida fora dessas paredes para nós.

— Mic, — diz ele, olhando para cima de onde sua boca está pressionada contra o meu peito acima do inchaço dos meus seios. — Posso te prometer isso. Depois que essa merda acabar, vou te levar para casa.

Casa.

A palavra rola no meu cérebro e no meu coração enquanto Pike se levanta para beijar as lágrimas do meu rosto. — Deixe-me mostrar, Mic. Não sou bom com palavras do jeito que você é. Não sei explicar como me sinto, mas quero te mostrar.

Ele me beija com força, me respirando. Sua língua ataca a minha e nossos dedos se enroscam nos cabelos um do outro. Depois de um minuto, ele se afasta. Seus olhos encontram os meus, fazendo uma pergunta e um desafio.

— Diga-me que quer que eu te mostre, — ele sussurra.

— Sim. Mostre-me. — Gemo, jogando minha cabeça para trás e fechando os olhos enquanto Pike passa os lábios pelo meu pescoço e depois entre os meus seios. Meus mamilos endurecem, e ele geme enquanto leva um em sua boca. Minhas costas arqueiam ao seu toque enquanto ele lambe e chupa até minhas pernas enrijecerem sob o meu corpo. Ele se move para o outro mamilo, e esfrego minhas pernas, criando atrito. Almejando mais disso. Mais dele. Minhas coxas estão escorregadias com a minha própria umidade, enquanto meu corpo é agredido e acarinhado de uma maneira que eu nunca soube que poderia ser.

Ele solta meu mamilo com um estalo e me pressiona contra a cama. Ele é terno e apaixonado enquanto lambe o caminho entre as minhas pernas, que ele joga por cima dos ombros. Puxo seu cabelo enquanto ele passa sua língua contra meu clitóris, acariciando e lambendo. Provocando e agradando. A tensão na parte inferior do meu estômago aumenta e sinto que estou sendo enrolada por dentro como uma mola sendo colocada no lugar.

Minha visão fica embaçada quando ele usa um e depois dois dedos para me penetrar. Seu rosto desalinhado se esfrega no interior das minhas coxas. — Amo o seu gosto na minha língua, — ele geme contra o meu clitóris.

O que ele está fazendo comigo, por mim, as lambidas que sugam o sentimento que ele está criando dentro de mim, são essas as palavras dele.

Arqueio em seu rosto, segurando firme em seus cabelos. Ele rosna e continua a me devorar. Sinto que vou gozar, mas o jeito que ele desacelera a língua e o toque do dedo é uma doce agonia, o jeito que ele me leva até o limite e me mantém lá. A melhor agonia.

Assim como nós. A melhor agonia que se pode encontrar em outro ser humano. — Goze, — ele rosna. Ele roça os dentes sobre o meu clitóris, e eu desabo, desmoronando sob seu toque de mestre. Ele estende a mão e cobre minha boca, silenciando o som de seu nome sendo gritado pelos meus lábios. Mordo o seu dedo e prendo-o entre os dentes até me acalmar.

Eu entendo agora. Meu coração incha. Pike me entende. Não só meu corpo.

Eu.

Lágrimas escorrem dos meus olhos. Pike se levanta e monta minhas coxas com suas pernas musculosas. Ele mergulha para lambê-las mais uma vez. Estou chorando e pressionando minhas pernas ao redor dele, precisando de mais do que quer que tenha escapado através das comportas quando abri meu coração para ele. Mais dos sentimentos dele. Seu amor.

A porra do seu pau profundamente dentro de mim.

— Machuquei você? — Ele pergunta, me olhando com linhas vincando sua testa.

Fungo. — Não da maneira que você pensa. Estou bem. Estou apenas absorvendo tudo isso. Você. Nós. — Arrasto minhas unhas sobre sua barba e seu queixo, colocando seu cabelo atrás da orelha. — Sou sua. Entendo o que você está tentando me dizer e está certo. Sou totalmente sua.

— Diga isso de novo, — ele ordena, mordendo meu lábio.

— Eu sou sua, — gemo quando seus lábios capturam os meus, e falamos sua linguagem com nossas línguas, nossas bocas, nossos corpos.

— Você precisa de mais? — Pike pergunta, chupando meu lábio inferior em sua boca, segurando meu queixo na mão.

— Sim. — O respiro. Ele roça sua mandíbula na minha bochecha, e o atrito faz com que eu me contorça debaixo dele.

Pike rosna e faz um rápido trabalho com seu jeans, empurrando-o para o chão, ele me levanta da cama e me carrega para o outro lado da sala, me pressionando contra a parede. Seu pau pulsa entre nós. A umidade escorre da ponta, molhando meu estômago.

— Envolva suas pernas a minha volta, — ele exige. Obedeço sem questionar, envolvendo meu núcleo apertado em torno do músculo duro de seu corpo e eixo.

— Você gosta de fazer o que é ordenado, — ele medita, provocando minha boceta com a cabeça de seu pau grosso.

Abro a boca para discutir, mas as palavras não saem porque ele está certo. Nesse contexto, adoro fazer o que me ordenam. Eu amo o jeito que ele sabe tudo o que preciso.

Eu amo que confio nele para fazer tudo isso.

— Quero levar um tempo com você, mas sei que não podemos, então vou aproveitar ao máximo isso. O máximo que pudermos, — ele promete.

— Sim. Por favor. — Imploro.

Suas mãos se movem para minha bunda, enfiando os dedos na minha carne. Seus lábios encontram os meus mais uma vez, provocando e lambendo ao longo da costura. — Você tem um gosto tão doce.

Estou perdida em suas palavras. Abro a boca para a invasão de sua língua e saboreio a sensação dele contra a minha, de nossos corpos pressionados com tanta força.

É como se estivéssemos em nossa própria bolha, e nada pudesse nos tocar aqui, e nunca quero sair se isso significar deixar seus braços, seu calor. Ele tira uma mão da minha bunda para levá-la entre nós, enfiando os dedos para dentro. No momento em que atinge a umidade, reunindo entre as minhas pernas, vejo estrelas.

— Tão molhada pra mim, — diz ele contra o meu queixo. Sua voz é rouca e sombria. — Diga-me o que quer que eu faça com esse seu belo corpo. Com essa boceta linda. — Ele curva o dedo e acaricia aquele local mágico que me faz choramingar e meu corpo parece como se estivesse pegando fogo.

Minha boca parece não formar palavras, mas suspiro quando ele me acaricia com mais força. Mais rápido. Choro e aperto minhas pernas em volta da cintura dele. — Quero você...

— O que quer que eu faça com você?

— Eu... quero que você me foda.

— Eu nunca quis mais nada em toda a minha vida do que te foder agora. — Ele desenrola minhas pernas da sua cintura e me coloca no chão. Ele se ajoelha dando ao meu clitóris outro beijo lento e lânguido que me torna incapaz de ficar de pé, ver ou mesmo respirar.

— Foda-se, Mic, — ele geme. Ele não perde um minuto, me pegando novamente e me colocando em cima da pequena cômoda. Minhas pernas ocupam o lugar de antes em volta do seu corpo. — Você me quer? — Ele pergunta, segurando meu olhar. É uma maneira diferente de expressar o que ele me perguntou antes, mas o jeito que pergunta não tem o mesmo significado. Há algo mais dentro da pergunta. Uma fragilidade que eu não esperava. É quase como se ele estivesse me pedindo permissão. Se é bom o suficiente.

Seguro seu rosto em minhas mãos e olho profundamente em seus olhos verdes. — Pike?

— Sim? — Ele diz, respirando com dificuldade, mal aguentando.

— Foda-me. Agora.

Com um gemido e dentes cerrados, ele empurra dentro de mim com força suficiente para me surpreender que não tenha quebrado a cômoda ou a parede. Não sou mais parte do mundo. O mundo odioso, decepcionante, desanimador, quebrado. Sou parte de Pike. Nós somos um.

Estou sendo impossivelmente aberta enquanto ele me enche com cada centímetro de si mesmo. O sinto escorregadio e quente enquanto pulso em torno de seu pau.

Ele se afasta e empurra com mais força, possessivamente, me dizendo mais do que qualquer conversa que alguém possa ter, não demoro muito para me perder, mente e corpo. — Eu quero senti-la gozar no meu pau. Eu quero te sentir. Toda você. Me dê, Mic. Dê-me você.

Me agarro a ele com unhas e dentes enquanto sou consumida pelo orgasmo que me envolve como se eu estivesse sendo estrangulada. Não consigo respirar, e justamente quando acho que vou desmaiar, sou atingida por uma explosão de prazer que se choca contra mim uma e outra vez. Felicidade pura que se espalha por todo o meu corpo antes de finalmente tecer seu caminho em volta do meu coração. Não é apenas um orgasmo alucinante que me faz esquecer o tempo, o espaço, a ciência, o ódio, a perda. É do tipo que alimenta sua alma e cura seu corpo.

É amor.

O rosto de Pike está tenso. Seu pescoço apertado. Seus músculos abdominais se contraem. — Mic! Oh, merda, Mic! — Pike goza com um gemido alto. Sinto seu pau pulsando seu orgasmo dentro de mim, e suspiro no choque de prazer que chia através do meu corpo pela sensação.

Estou maravilhada com Pike, com seu poder e determinação. Com o jeito que ele me fode como se fosse uma parte do meu corpo.

Ele encosta a testa na minha. — Você entendeu o que estou tentando lhe dizer desta vez?

Concordo com ele, recuperando o fôlego. — Ouvi cada maldita palavra.

— Somos eu e você. Sempre. Nunca esqueça isso. Nunca duvide disso.

— Eu achei que você tivesse dito que não era bom com palavras? — Rio.

Seus olhos são escuros e sérios. — Eu não sou.

— Então, você é um mentiroso? — Provoco.

Ele balança a cabeça lentamente de um lado para o outro. — Não, Mic. Cansei de negar a verdade. — Pike empurra o cabelo úmido dos meus olhos. Ele pressiona um beijo na minha testa suada. — Até que você abriu meus olhos.


PIKE


— Por que você usa isso? — Mickey pergunta, virando uma das algemas quebradas que uso em cada pulso. — Você nunca me disse.

— É um lembrete de onde estive. Para onde nunca mais quero voltar, — explico.

— São algemas reais?

— Estas são as primeiras algemas que foram colocadas nos meus pulsos quando fui preso pela primeira vez. Acho que tinha quinze ou dezesseis anos na época, — respondo.

Mickey continua girando-as inconscientemente, seu corpo nu pressionado contra o meu. Sua suavidade contra a minha dureza. É a primeira vez que sinto algum tipo de paz em anos.

Me apoio no meu cotovelo, encarando-a na cama. — Você sabe, tenho tido esses sonhos loucos desde a noite em que você partiu. Todas as noites, sonho com a cidade, com Logan's Beach, mas como devia ser antes de haver casas ou pessoas aqui. Estéril, como se estivesse passando por uma seca. Nem um pingo de verde. Nem uma folha de grama. Apenas poeira, sujeira e árvores mortas, até onde os olhos podem ver, e então acordo e me pergunto o que diabos comi antes de dormir que está me fazendo sonhar com árvores e sujeira.

Mickey imita minha posição, de frente para mim. — Quando estava trabalhando no meu doutorado, escrevi um artigo sobre análise de sonhos. Não é uma ciência exata, mas algumas imagens apareceram o suficiente nos sonhos dos sujeitos para eu poder analisá-las com base na vida atual e no status emocional de cada um deles. A partir daí, fomos capazes de determinar e atribuir o significado dessas imagens. Por exemplo, uma paisagem árida geralmente significa insatisfação, particularmente insatisfação com a vida amorosa de alguém.

Suas bochechas queimam enquanto ela fala, e não posso deixar de querer lamber seu rubor novamente.

Ela me pega olhando, depois limpa a garganta e continua. — Também pode representar precisar de alguém que não esteja lá ou desejar alguém que não o queira. — Seus olhos encontram os meus, e a puxo para mais perto do meu corpo, inalando o cheiro de seu xampu e saboreando a sensação de seu pequeno corpo contra o meu, seus seios perfeitos esmagados contra o meu peito. — Mas, a última coisa não pode ser verdade, porque se o sonho fosse sobre mim... eu sempre te quis também. Sempre vou te querer.

— Deus, você é sexy quando está falando toda a sua merda inteligente. — Gemo e pressiono meus lábios nos dela. O que começou como um incêndio na cozinha que eu poderia apagar com um cobertor explodiu em um incêndio que não pode ser contido. Foda-se, deixe o lugar queimar ao nosso redor. Mickey está nos meus braços e seus lábios estão nos meus. A porra do mundo inteiro poderia queimar, e eu morreria feliz pela primeira vez na minha vida.

Eu rio, e ela se afasta, examinando meu rosto. — O que é tão engraçado? — Ela pergunta com um sorriso adorável.

— Nada, — digo, mergulhando de volta no beijo, separando seus lábios com a minha língua até que ela geme na minha boca, fazendo meu pau voltar à vida mais uma vez.

Mas é engraçado.

Coletei muita merda ao longo dos anos, revestindo as paredes da loja de penhores com elas, mas agora, tenho algo que realmente me completa. Quando tenho Mickey, tenho tudo. Feliz com o caos que ela traz para minha vida.

— Você me ama? — Mickey pergunta. Ela então balança a cabeça e deixa o rosto cair na mão. — Deixa pra lá. Essa foi uma pergunta estúpida. Apenas meio que saiu.

Puxo a mão dela dos olhos. — Olhe para mim, Mic.

Ela lentamente ergue o olhar para o meu. — Eu não sou bom com toda essa coisa de amor, mas tenho a sensação de que quero protegê-la e estrangulá-la ao mesmo tempo, o que me diz que estamos ligados por uma corda invisível que não pode ser cortada. Aquela que traz consigo uma dor que nunca senti quando não estamos juntos.

Ela respira fundo. — Essa é uma explicação muito melhor do que feromônios e hormônios, e sim, acho que é amor.

Tiro uma das algemas quebradas do meu pulso e aperto em volta do dela. — Então sim, Mic. Eu te amo, porra.

Estou tão envolvido no momento que quase esqueço o que queria lhe dar. — Aqui, — digo, estendendo a mão até o chão, pego meu jeans e tiro um papel do bolso. Nela está um nome e um endereço. — Amanhã ao meio dia. Não se atrase.

— Quem é essa pessoa? — Ela pergunta, lendo o nome na nota. — Para que serve isso?

— É para ajudá-la com seu plano. — Bato um dedo na nota. — Se quiser derrotar Darius definitivamente, é com ele que você precisa conversar. É o fornecedor dele. Vá até lá e faça um acordo. Enquanto estiver lá, descobrirá tudo o que puder sobre Darius. Quem sabe, talvez descubra algo que não sabíamos antes. Algo que pode ajudar a derrubá-lo.

— Você não vai comigo? — Ela pergunta.

— Não posso. Não negocio com eles, o Reich negocia. E você é...

— ...Parte do Reich, — ela termina, com os ombros caídos.

Levanto o queixo dela. — Você pode fazer isso, e fará. Você não é um deles. Nunca foi. Lembre-se disso. Além disso, eles vão adorar o acordo que fará com eles. Confie em mim.

— Que tipo de acordo? — Ela pergunta, sentando-se ereta com os ombros para trás mais uma vez. Ela inclina a cabeça para o lado, parecendo muito intrigada com essa nova possibilidade.

Beijo o canto dos seus lábios. Seu corpo arqueia em minha direção por instinto enquanto meus lábios descem ainda mais por seu belo corpo. A festa ainda está acontecendo lá embaixo. Temos um pouco mais de tempo.

Rio de sua resposta ao meu toque.

— O tipo de acordo que eles não poderão recusar.


CAPÍTULO TREZE

MICKEY


Me encontrar com um chefe de cartel, espere, líder do cartel, grande mago do cartel, ou seja lá como são chamados, encontrar o líder de um cartel de drogas não é exatamente como vi qualquer parte do meu plano acontecendo.

Mas aqui estou, porra.

O hotel fica do lado rico da cidade. O lado que coloca a 'beach' em Logan’s Beach. Não é muito longe da casa que minha família usava todo verão. Me pergunto o que aconteceu com a casa desde então e prometo a mim mesma levar Mickey até lá quando tudo isso acabar e ela estiver com vontade.

Pike me disse antes de sair que Mindy está feliz e ficando mais saudável a cada dia. Ela passa o tempo todo com Thorne na loja de penhores e adora cumprimentar silenciosamente os clientes, pois suas cordas vocais danificadas ainda não se recuperaram. Também me lembro de levá-la até um especialista quando tudo isso acabar.

Estou ansiosa para vê-la. Ver minha irmã sorrindo e muito saudável e viva. É o que me alimenta dos meus medos em relação a esta reunião que está prestes a acontecer e me empurra para frente. Porque não estou mais fazendo isso por mim mesma. Estou fazendo por Pike, por Mindy, e mesmo que eu nunca tenha imaginado isso, por Percy.

Estaciono na rua para que a van não seja pega pelas câmeras de segurança e me esgueiro para dentro do imponente hotel pela entrada dos funcionários, passando por lavadoras e secadoras enormes, uma cozinha maior do que já vi antes, estendendo-se por um corredor inteiro do tamanho de um campo de futebol. Existem dezenas de funcionários em diferentes uniformes e casacos de chef gritando uns com os outros e correndo. Panelas e frigideiras chiam. As sinetas tocam. Um carrinho em movimento zumbe por mim, quase passando por cima do meu pé. Ele está sendo empurrado por um homem que parece um bombeiro correndo em direção a um incêndio violento e não por um garçom com o carrinho cheio de bandejas de serviço de quarto.

Encontro o elevador dos funcionários. As portas estão prestes a fechar, mas consigo correr e virar de lado, passando logo antes de fecharem. Encontro-me ao lado de um homem de smoking segurando o cabo de três bandejas de serviço de quarto.

Quando as portas se abrem no nono andar, saio e encontro a suíte 720 no final do corredor. O único quarto com uma porta dupla de carvalho maciço. Todo o hotel cheira a lavanda, baunilha e roupas limpas. Inspiro profundamente antes de levantar os nós dos dedos para bater.

A porta se abre antes que tenha a chance e tropeço quando sou pega de surpresa. Um homem usando uma camisa havaiana com um dente da frente de ouro me leva para dentro. — Señora Lovejoy, por aqui, — diz ele.

Meu coração dispara quando o sigo através de uma espaçosa sala de estar bem iluminada até uma área de estar maior que o apartamento inteiro de Pike.

O homem estende a mão em direção a um conjunto de portas fechadas e as abre para mim. Entro, mas ele não me segue, fechando as portas atrás de mim.

Este quarto é ainda maior. Decorado com uma moderna paleta cinza e branca com toques de prata e madeira clara espalhados por mesas e armários brancos. Janelas do chão ao teto banham a sala com muita luz, com cortinas transparentes azuis escuras amarradas em cada lado da parede.

Há uma pintura encostada na parede em frente a duas cadeiras brancas de veludo. Um lençol está por cima como se fosse nova e recentemente desembrulhada. A imagem de uma mulher parada no centro do que parece ser um campo de batalha rochoso chama minha atenção. Avanço e me agacho para inspecioná-la mais atentamente. A pintura em si foi criada em vários tons de cinza, verde e dourado. O único toque de cor é quando o artista usa o branco para criar luz.

A mulher parece ser uma guerreira com cabelos ruivos esvoaçantes. Sua armadura justa é ornamentada, mas risível, uma vez que não cobre os ombros ou o peito e tem aquele efeito de coração da Mulher Maravilha em torno de seus seios fartos. Um braço está levantado, apontando uma enorme espada em direção ao céu. Há um efeito de halo ao redor de sua cabeça enquanto as nuvens acima dela se abrem, banhando-a com luz. Ela não é apenas uma guerreira, porém, um grande par de asas brancas ocupa a maior parte do fundo da pintura.

— Você gosta disso? — Uma voz feminina pergunta. — Me chamou a atenção quando entrei nesta suíte. Comprei e vou levar para casa comigo, em Miami. Foi pintado por uma artista local aqui de Logan's Beach. Uma jovem muito talentosa, não concorda?

Uma mulher muito bonita, de pele clara e perfeitamente bronzeada aparece ao meu lado. Ela mesma é uma obra de arte. Roupa branca perfeitamente passada, manicure francesa e cabelos pretos brilhantes.

— Sim, é lindo, — concordo, voltando ao quadro. Quanto mais eu olho para ele, mais detalhes descubro. — Embora admito que não conheço muito sobre arte. Sou um tipo de pessoa de fatos e ciência, mas minha irmã, Mindy, é a artista da minha família. Tudo o que sei sobre arte aprendi com ela. Ela adoraria isso. Tenho certeza.

— Ah, entendo, — ela inclina a cabeça em direção à pintura. — Você sabe quem é ela? Essa mulher na pintura?

— Um anjo de algum tipo? — Pergunto, referindo-me às asas dela.

— Você conhece alguma das histórias de Nemesis, a deusa grega da vingança? — Ela cruza as mãos atrás das costas.

— Creio que não. As histórias que li quando criança eram principalmente histórias reais. Estudos de casos. Papéis científicos.

— Ah, bem, existem muitas histórias sobre Nemesis. Ela gostava de apontar a arrogância dos homens. Uma dessas histórias é de quando ela levou um jovem, Narciso, a uma fonte e mostrou a ele seu reflexo. Ele se apaixonou por sua própria imagem e não conseguiu sair da fonte. Eventualmente, ele morreu lá, sozinho.

Ela olha para mim.

— Parece meu pai, — murmuro.

Ela ri. — O meu também.

Olho para a máscara que cobre os olhos de Nemesis. — Por que ela usa uma venda nos olhos?

— Porque a vingança é egoísta e cega. Ela sabe que isso é verdade, mesmo que seja a razão por trás de sua própria existência, mas também porque os homens só costumam ver o que querem ver, mesmo que isso signifique ser cego à verdade. A vingança em si é egoísta. Vingança pelo bem dos outros? Isso é...

— Amor, — termino por ela.

— Muito bom. — Ela assente. — Sabia que gostaria de você, Michaela Lovejoy.

Os elogios desta completa estranha me fazem sorrir.

Ela me dá um sorriso branco brilhante envolto em lábios vermelhos perfeitos.

Sou a última pessoa viva que alguém poderia considerar sexista. Sou feminista, pelo amor de Deus, mas admito que sou culpada por fazer minhas próprias suposições sobre a pessoa que está fornecendo as drogas ao Reich. Imaginei um homem muito parecido com Darius, mas essa mulher não é nada como Darius. Seus cílios longos tremulam enquanto ela caminha até um iPad em cima da mesa, passando o dedo e batendo nele várias vezes antes de olhar para trás. Seu rosto é levemente arredondado, dando a impressão de juventude, enquanto a inteligência e a sabedoria em seus olhos e sua postura perfeita me dizem que ela provavelmente está mais perto dos trinta e poucos anos.

— Venha aqui. Estava esperando por você — ela diz com sotaque espanhol. — Há muito mais que você quer discutir comigo do que arte, não? — Ela empurra o iPad para longe no momento em que um garotinho entra na sala e se joga contra ela.

— Mami, Didi me bateu de novo! — Ele chora no ombro dela, passando os braços em volta do seu pescoço como uma pequena píton de braços carnudos .

Ela o solta e aperta as mãos dele nas dela. — Diga a sua irmã que eu disse para ela não bater em você, e vou conversar com ela quando terminar com a moça, ok, Papi?

O garotinho olha por cima do ombro para mim e me dá um olhar de desdém entediado antes de voltar para a mãe. — O que a gringa quer?

— É isso que preciso descobrir, e quanto mais cedo você nos deixar tratar de negócios, mais cedo posso me juntar a vocês e dizer à sua irmã para não te bater mais. — Ela o libera, retirando-o de seu corpo e bate em um dedo bem cuidado na ponta do seu nariz. — OK?

O menino não pode ter mais que quatro ou cinco anos, mas quando pula do colo dela, ele faz uma pausa longa o suficiente para dizer: — Eu achei que você não estava mais negociando com gringos sujos e mentirosos?

— Vá! — Ela diz, enxotando-o com a mão.

Cubro minha boca com a mão para esconder minha risada.

Ela ri e bate palmas. — Crianças, — ela me diz antes de focar novamente no filho. — Sim, mas nunca disse nada sobre gringas.

Ele encolhe os ombros e corre para um conjunto de portas duplas. Por um segundo, parece que ele está prestes a colidir com elas, mas no último minuto, elas se abrem como que por magia, e passa correndo sem perder o ritmo. — Mami disse para parar de me bater, Didi, e para deixar de ser uma puta.

As portas se fecham e ela se vira para mim. — Como eu disse, crianças. Você tem alguma?

Balanço a cabeça. - Não, não tenho. Honestamente, tive muita coisa acontecendo na minha vida. Realmente nunca pensei nisso.

Ela se senta em uma das cadeiras brancas e macias, cruzando as pernas nos tornozelos. Ela bate as unhas na mesa. — Você deve saber que investido todos com quem marco uma reunião. E seu histórico é bastante impressionante. Uma doutora, certo? Então me conte. Por que uma garota inteligente como você está enrolada nessa merda em Logan's Beach?

Eu poderia lhe perguntar o mesmo, mas estou na casa dela, então evito.

Seguro o seu olhar. — Meu pai. Ele era um dos membros fundadores do Reich. — Evito fazer careta com minhas próprias palavras.

— Ah. — Ela sacode o dedo. — Lembro dele. Homem inteligente, mas ainda assim... um homem. — Ela aponta da cadeira de canto confortável para a outra. Há uma pequena mesa entre as cadeiras com uma jarra de vidro e dois copos de cristal. — Não sou o que você estava esperando? — Ela pega a jarra e serve duas bebidas antes de se sentar.

Me sento na beira da cadeira. — Mais como uma surpresa inesperada, mas uma boa surpresa.

Ela desabotoa a jaqueta do terno e me entrega um copo do líquido âmbar. Ela se recosta e cruza as pernas mais uma vez, sorrindo para mim por cima do copo de cristal. — Está tudo bem. Acontece o tempo todo. Todo mundo espera que alguém na minha posição seja um velho branco com um pau, e todos ficam tão surpresos quanto você ao encontrar uma latina, uma mulher, no comando de um império assim.

— Eu não queria ter ficado surpresa. Na verdade, estou meio brava comigo mesma por isso, — admito.

Ela acena. — Eu sentiria o mesmo. Cheguei a essa posição com muito trabalho e matando o bastardo do meu ex-marido. — Ela se inclina para frente e curva o dedo para eu fazer o mesmo. Eu o faço, e ela olha em volta antes de sussurrar: — Você sabe o que faço quando os homens acham que podem tirar vantagem de mim só porque sou uma mulher?

— O que? — Sussurro de volta, genuinamente interessada.

Ela se inclina para trás e ri, girando o líquido em seu copo. — Mostro-lhes quem tem o pau maior. E só para você saber, sou sempre eu.

Acho que gosto dessa mulher. — Vou manter isso em mente no futuro. — Gosto dela, mas também tenho medo dela. Talvez seja por isso que gosto dela. Parece ser um tema recorrente comigo. Eu também sinto medo de Pike metade do tempo.

— Eu sou Carmen Rivadulla. — Ela estende a mão.

— Prazer em conhecê-la. — Aceito o aperto de mão dela, que é firme e constante. Ela nunca tira os olhos dos meus quando respondo. É uma jogada de poder. Posso respeitar isso. —Obrigada por me receber.

— Então, — diz ela, batendo palmas e pousando o copo na mesa. — O que fez uma jovem bonita como você me procurar? Você não se parece com um membro padrão do Fourth Reich. — Ela me olha e faz uma pausa. — Meu palpite é que é porque você não é.

— Você está certa. Não sou. Estou aqui porque preciso da sua ajuda.

— São problemas com garotos? Porque vou lhe dizer agora que estou fora da matança porque ele partiu o seu coração. Foi uma vez e acabou e, embora meu marido merecesse, isso não significa que vou criar um hábito. — Ela pensa por um segundo. — A menos que o filho da puta bata em você ou em seu filho. Para isso posso abrir uma exceção.

Quase cuspo minha bebida. Espero um segundo para engolir novamente, para não cuspir em todo o traje dela que provavelmente custa mais do que tudo o que tenho. Na verdade, poderia ser um terno de um brechó e ainda custaria mais do que tudo o que possuo. Balanço a cabeça e ponho o copo ao lado do dela, tomando cuidado para usar o porta copo. — Não, não há corações partidos aqui. Bem, sim, estou com o coração partido, mas não é relevante ao porquê estou aqui. Estou aqui a negócios. Tenho uma proposta para você.

Ela assente lentamente parecendo um pouco impressionada. — Entendo, mas corações partidos são sempre relevantes. Eles são a motivação por trás de tudo o que fazemos. Choramos, comemos, respiramos, fodemos, matamos. Tudo em nome do amor. Então, diga-me, o amor é a motivação por trás do que te trouxe até mim hoje?

Se ela fosse outra pessoa, eu negaria ou desviaria, mas o jeito que ela está olhando para mim como se não pudesse apenas ler meus pensamentos, mas tenha experimentado tudo o que passei, não é algo que eu quero ferrar. Não com alguém tão perigosa quanto ela e não quando as apostas são tão altas.

— Minha família morreu, — admito. — Eles foram assassinados. — Fiz uma careta porque, mesmo que essa tenha sido minha verdade e minha vida há anos, ainda parece uma faca no meu estômago quando as palavras são ditas em voz alta. — O homem que os matou é atualmente um dos seus compradores, e eu gostaria de propor uma alternativa para vender a ele.

— Uma alternativa? — Ela pergunta, erguendo as sobrancelhas.

Respiro fundo. — Quero que você o corte.

Ela se inclina para a frente com o cotovelo no joelho. — Ah, agora chegamos à parte interessante. — Ela acena com a mão. — Continue. Me diga mais.

Eu explico para ela de forma clara e precisa. — Darius Alban é o comprador. Proponho que você o corte e, em troca, te trarei um novo comprador, não para heroína, mas por MDMA. Dobrar a quantidade, quase o triplo dos lucros.

— Ah, Darius. — Ela olha para mim e, por um segundo, acho que a perdi. — Ele costumava ser um homem e tanto, mas desde então se tornou... como você diz, um idiota equivocado. — Ela pega seu copo e bate uma unha vermelha bem cuidada contra a borda. Ela torce os lábios e olha para o copo antes de finalmente falar. — Eu não gosto daquele filho da puta racista tanto quanto do próximo ser humano, mas ele é um grande comprador e, para abandoná-lo e correr esse risco, precisaria de pelo menos quatro vezes o lucro, triplicar a quantidade.

— Feito, — digo, recostando-me na minha cadeira.

— Ahhhhh, — diz ela, balançando um dedo para mim. — Você não começou com sua melhor oferta. Sabia que você era inteligente. Aceito. Apenas saiba que, se você não cumprir sua parte na barganha, isso não terminará bem para você.

— Estou ciente, — digo a ela. Não acrescento que existe a possibilidade de que não termine bem para mim. — E Pike também.

— Agora percebo por que ele quis te enviar. Ele sabia que nos daríamos bem. Bom — diz ela, batendo as mãos nos joelhos.

— Espere, ele queria me enviar? Eu achei que ele tivesse dito que você não o veria porque ele não é um membro do Reich. Porque vocês dois não fazem negócios.

— Tudo isso é verdade, exceto que estou sempre aceitando novas propostas. Também fiquei surpresa quando ele disse que enviaria sua mulher, mas entendi quando ele me disse que era pessoal e que você precisava lidar com isso por conta própria. Gosto disso em uma mulher. Assumindo o controle de seu próprio destino. Lidando com sua própria merda. Você é muito parecida comigo nisso. — Ela toma um gole de sua bebida. — Agora que os negócios estão concluídos, diga-me, antes que os lobos selvagens que se apresentam como meus filhos invadam novamente, o que exatamente Darius fez a você para querer arruiná-lo? Conte-me a história toda. Não é negociável.

— Não é...

Ela levanta a mão. — Não diga que não é relevante, porque é, — diz ela. — Além disso, gosto de saber as razões pelas quais estou esmagando um homem. É... — Ela torce o nariz. — Como se diz... aumenta o prazer.

Pego meu copo, tomo um gole e, como não tenho nada a perder, falo. Mas não apenas falo. Conto tudo para ela.

Cada. Detalhe. Do caralho.

Minha família. Pike. Darius. Percy. Minha irmã. Tudo isso.

— Isso soa como Darius, — diz ela, batendo o dedo contra o copo. — Embora, quando o conheci, ele tivesse outro nome. Ele era completamente outro homem. Ele não tinha esse ódio apodrecendo em seu intestino. Ele era um homem de negócios, como qualquer outro. Ele usou o Reich como uma desculpa para formar um exército. Um disfarce para os negócios reais em questão.

Meu coração bate forte e rápido dentro do meu peito. — Que outro nome ele usava? — Esta é a outra razão pela qual vim aqui hoje. Conseguir informações que possam destruir Darius. Flexiono meus dedos que estão tremendo em antecipação.

Carmen sorri e se recosta na cadeira. — Essas informações custarão dez por cento adicionais na primeira remessa.

Sorrio de volta e espelho sua posição. — Feito.

— Ha! Mais uma vez, você me impressiona, — diz ela. — Deixe-me contar tudo sobre essa pessoa que você conhece como Darius...

Quando saio do hotel, estou carregando um tanque proverbial - cheio de combustível informativo. O suficiente para atear fogo em Darius e queimar o Reich.

Encontro um telefone público fora do hotel e disco zero. — Gostaria de fazer uma ligação a cobrar para Pike’s Pawn em Logan's Beach.

O telefone toca e, depois de um momento, há uma resposta. — Pike’s Pawn, Thorne. Sim, aceito a ligação. — Há uma pausa enquanto a linha se conecta. — Mickey, é você?

— Sou eu. Pike está aí? — Me viro para a rua com as costas contra o telefone.

— Mickey! Ei, eu estava pensando em você. Mindy também está aqui comigo. — Ela faz uma pausa e ri. — Ela mandou um oi. Mas não, Pike não está aqui. Ele saiu. E aí?

— Você pode lhe passar uma mensagem? — Pergunto, olhando em volta para ter certeza de que ninguém está me olhando ou ouvindo.

— Sim claro. Continue.

Respiro fundo. — Diga a ele que tenho o que precisamos. O plano está pronto para avançar.


CAPÍTULO CATORZE

PIKE


Os jogadores de futebol se excitam antes de um jogo gritando um na cara do outro ou imaginando seus adversários afogando seu cão. Eu me excito com dor. Minha própria dor. E para mim, não há dor melhor do que uma nova tatuagem. Tiro o invólucro de plástico do meu antebraço e olho para a tatuagem fresca com o nome de Mickey rabiscado em letras elaboradas do interior do meu cotovelo até o meu pulso. Um lembrete de por quem estou lutando e o que está em jogo hoje à noite.

A verdadeira emoção vem de não apenas ser capaz de ver isso, mas saber que depois desta noite, Mickey voltará para casa.

Verificando o relógio, percebo que só tenho algumas horas. Verifico as câmeras de segurança antes de voltar para o meu apartamento para tomar banho e fazer algumas ligações garantindo que os arranjos finais estejam prontos. A sineta toca acima da porta.

Virando-me, vejo Jo Jo sem o chapéu de sempre. Seus longos cabelos loiros estão sujos e emaranhados. Suas roupas estão rasgadas. Ela está usando apenas um sapato. Há um novo hematoma se formando em sua bochecha e outro ao longo de sua mandíbula.

— O que diabos aconteceu? — Pergunto, correndo até ela.

— Eu estou bem. — Ela encolhe os ombros, tentando agir com força, mas seu lábio está tremendo. Sangue está endurecido no canto da boca. — O namorado de Betty me machucou. Disse que não ia puxar o meu peso pela casa. — Ela olha para mim com olhos tristes e cheios de esperança. — Pike, você acha que posso ficar aqui por um tempo? Só até ele esfriar.

— Não. Você não vai ficar por um tempo. Você vai ficar. Não por um tempo. Você não vai voltar para lá. Nem para Betty e nem para o sistema do caralho. Nem agora, nem nunca. — Asseguro-a enquanto a raiva ferve em minhas veias. — Thorne! — Grito. Jo Jo dá um pulo para trás e depois sorri pedindo desculpas para mim quando sou eu quem deveria estar me desculpando por assustá-la.

Thorne corre da sala dos fundos. — O que há, chefe? — Ela vê Jo Jo e coloca sua prancheta na nova vitrine que acabou de chegar para substituir a que quebrei.

— Leve Jo Jo lá para cima. Dê-lhe um pouco de comida e deixe-a com o PlayStation, — ordeno.

Trocamos olhares conhecedores. — É claro, — diz ela com um sorriso, escondendo sua preocupação óbvia. — Onde você vai?

Meu queixo enrijece. — Resolver uma merda, que deveria ter resolvido há muito tempo atrás.

— Só verifique de estar de volta no horário. — Ela olha para o relógio acima do balcão.

Tenho três horas antes da festa de aniversário de Darius começar. Tempo suficiente para lembrar aqueles filhos da puta que eles mexeram com a porra da garota errada.

Thorne conduz Jo Jo da sala. Antes de subirem as escadas, Jo Jo olha para mim com um sorriso triste. — Obrigada, Pike.

— Você nunca terá que voltar para lá, — repito, precisando que ela saiba que minha promessa é real e não falada com raiva.

Corro para a casa dos pais adotivos de Jo Jo e estaciono caminhonete no centro do gramado. Entro sem bater e arrasto o namorado de Betty para o quintal pelos cabelos, enquanto Betty grita da varanda. — Você não bate em crianças, porra, — resmungo enquanto acerto meu punho em seu rosto. — Você nunca vai tocá-la de novo! — Chovo soco após soco, ficando cego de raiva, expurgando tudo da minha infância nessa desculpa horrível de homem do caralho.

Quando finalmente volto a mim, vejo um par de algemas que não são as minhas em volta dos meus pulsos, em um lugar que já estive antes e reconheço imediatamente.

A parte de trás de uma viatura.

 


— Você está livre para ir. Sua irmã está esperando por você. – Diz o oficial abrindo a porta da cela.

Minha irmã?

No começo, acho que o policial está confuso ou que quem está aqui mentiu para eles e disse que era minha irmã para ter acesso a mim, mas depois ela surge no final do corredor e a verdade que não fui capaz enxergar antes desse exato momento fica muito clara. Ela vem na forma de um metro e meio de piercings e cabelos alaranjados brilhantes.

Minha irmã?

Thorne... é minha irmã.

Puta merda.

Não sei como não vi isso antes. O jeito que ela tem as mesmas expressões que eu. Seu temperamento terrível. A razão de eu nunca ter pensado em tentar transar com ela. Além disso, confiei nela desde o momento em que a conheci, quando todo mundo na minha vida teve que ganhar essa confiança. É porque reconheci e senti uma familiaridade nela desde o primeiro momento, mas nunca entendi esse sentimento até agora.

— Você... é verdade, — digo, incapaz de formar as palavras certas. Tenho muitas perguntas e não consigo escolher a correta do meu cérebro.

Thorne parece surpresa e aliviada, sabendo exatamente ao que estou me referindo sem ter que perguntar. Ela assente. — Sim. É verdade.

Coloco minhas mãos em seus ombros e examino seus olhos da mesma cor que os meus. — Por que você não... por que não me contou?

Os olhos dela brilham. — Você nunca perguntou? — Ela ri nervosamente e funga.

— Sério, Thorne. Por quê? Como?

— Não importa, — diz ela, balançando a cabeça e saindo do meu abraço.

A sigo para fora da delegacia. — Inferno que não, — argumento.

— Não é isso que quero dizer. Isso importa, mas não importa agora. Esta conversa pode esperar. Agora, você não tem um lugar para estar?

Não posso discutir com ela sobre isso. — Teremos essa conversa, — prometo a ela, embora pareça mais um aviso.

O sorriso de Thorne é triste. — Eu sei. E você deve saber que vou te lembrar disso. — Mas ouço outra coisa. Algo que ela não está dizendo, mas ouço mais alto do que suas palavras reais.

Não morra hoje à noite.


CAPÍTULO QUINZE

MICKEY


O plano foi discutido e repassado um milhão de vezes, mas uma preocupação do tamanho de uma bola beisebol está apodrecendo no meu estômago quando a festa começa e o tempo passa.

Está quase na hora.

Para me acalmar, enfio a mão no bolso de trás, segurando uma das algemas de Pike. Sentir o metal enferrujado contra as pontas dos dedos renova minha força pelo que está por vir.

No entanto, toda a preparação do mundo não pode me preparar para Darius subindo no palco ou o que ele diz a seguir. — Membros da Ordem do Fourth Reich, tenho um convidado muito especial para vocês esta noite, — anuncia Darius.

Horror enche minhas entranhas quando a garota que eu tentei recrutar, Emma, a quem Pike deu dinheiro e ofereceu um emprego, sobe ao lado de Darius, olhando para os pés e mexendo nas mãos.

Darius envolve um braço em volta dela, pressionando-a contra o lado dele. — Essa é Emma. Ela me contou algumas coisas muito interessantes hoje cedo. — Os olhos de Darius encontram os meus e brilham com entendimento. Instantaneamente, sei que hoje à noite não vai continuar como planejado. Ele levanta a voz. — Temos um traidor entre nós!

De repente, meus braços estão presos nas minhas costas. Luto e chuto, mas não adianta. Estou presa. Sopro o cabelo do meu rosto e olho Darius em seus olhos cheios de ódio quando ele sai do palco e se aproxima de mim. — Vou lhe dar crédito, Michaela. Você escondeu sua traição muito bem. — Ele cospe na minha cara.

Viro minha cabeça para o lado, tentando limpar sua baba venenosa da minha têmpora. — Foda-se, — fervo.

Meus olhos pousam em Emma, que ainda está congelada no palco. Ela olha para cima e suspira desculpa antes de fugir. Não posso culpar a garota. Darius provavelmente lhe ofereceu algo melhor do que dinheiro e um emprego. Afinal, é o que ele faz. Ele manipula. No entanto, conhecendo seu raciocínio por trás disso, me denunciar não torna essa situação melhor ou menos mortal.

— O que diabos é tudo isso? — Percy pergunta, separando a multidão e pisando ao meu lado.

Darius está ansioso demais para ser dissuadido. — Acontece que sua esposa aqui já pertence a outro. Que seu casamento não é puro, assim como o coração dela não é puro.

Percy fica entre mim e Darius. — Você não sabe do que diabos está falando, velho, — diz ele, cruzando os braços sobre o peito.

— A jovem Emma me disse que Mickey tentou recrutá-la e, em seguida, um homem chamado Pike, dono da loja de penhores da cidade, o mesmo com quem Mickey ficou em cativeiro por semanas e depois escapou de repente, interveio e disse a Emma para fugir. Ela os observou atrás do posto de gasolina. Parece que Mickey e Pike estavam bem... familiarizados um com o outro.

Percy revira os olhos. — É disso que se trata? — Percy pergunta com uma risada. — Eu já sei tudo sobre isso.

— Você sabe? — Darius pergunta, erguendo uma sobrancelha.

— Você acha que minha esposa faz algo que não sei? Você me ensinou melhor que isso. — Percy se vira e olha para mim e depois para seu pai. Todo o Reich agora está reunido ao nosso redor, assistindo a cena se desenrolar. — Então, solte-a, — ele vociferou.

— Não. Não até você explicar por que eu deveria — responde Darius, ampliando sua posição e mantendo-se firme.

Percy revira os olhos. — Ela fez Pike acreditar que eram amigos para que pudesse escapar, ela te disse isso. Então, é claro que ele seria amigável com ela. Ela fez o que tinha que fazer para sobreviver. Ele a fez deixar a garota ir porque ela estava em seu território. Então, ela te trouxe outra no lugar daquela. Ela não é uma traidora. Ela é apenas inteligente. Pena que você não é inteligente o suficiente para reconhecer.

Estou orgulhosa de Percy agora. Ele está usando as técnicas de manipulação do próprio pai e jogando de volta na cara dele.

— Você acredita que o mesmo Pike que matou sua mãe é amigo de um membro do Reich? Talvez você deva perguntar se ela também está nos fazendo acreditar que é uma de nós?

Percy passa as mãos pelo rosto, esticando as bochechas. — Sabe, você está muito concentrado em tentar transformar todos em traidores. — Ele dá um passo à frente, apontando um dedo acusador para o pai. — Isso me faz pensar o porquê. Porque aqueles que procuram falhas nas pessoas ao seu redor são os próprias culpados.

O lábio de Darius se contrai. — Cuidado, rapaz, antes de dizer algo que vá se arrepender.

Percy se vira, de costas para o pai e olha para Hoppy, que está me segurando. — Solte-a ir, Hop. Essa é a porra da minha esposa. Ela tem uma posição mais alta que você. — O brilho nos olhos de Percy não deixa dúvidas de sua autoridade. — Agora.

Hoppy me libera e dá um passo para trás.

Estico meus braços e meu ombro direito dolorosamente volta ao lugar. — Ahh, — gemo, dobrando a cintura.

Percy se ajoelha ao meu lado. — Espero que tenhamos evitado essa porra de bala, — ele sussurra.

Me levanto e envolvo meus braços em torno dele. Sussurro em seu ouvido: — Sim, nós evitamos essa bala. A questão é: quantas balas há na arma dele?

Há uma comoção no palco. Solto Percy, e nos dirigimos para a frente da multidão. Dois dos guardas mascarados do Reich aparecem, com outro atrás dele. Eles estão arrastando algo entre eles. Fico na ponta dos pés para ver melhor. Não, é alguém, não algo, e quem quer que seja... está inconsciente.

Os guardas viram o homem em nossa direção, e meu coração para.

É Pike.

Prendo um suspiro quando meu corpo inteiro grita para correr até ele. Para salvá-lo.

— Falando da porra do diabo, — Darius canta, subindo ao palco. Ele levanta a cabeça de Pike pelos cabelos. O sangue escorre do nariz e da orelha.

— Nós o encontramos circulando o perímetro, senhor. Não vimos mais ninguém. Acertamos sua cabeça em cheio, — diz um dos guardas.

Darius bate as mãos em deleite. — Bem, esta noite ficou muito mais interessante.

— Eu sabia que ele estava vindo, — Percy diz ao pai. — O fiz acreditar que iriamos discutir os termos da trégua. — Ele sobe no palco e Darius solta o cabelo de Pike. Seu queixo cai no peito, assim como meu coração cai no meu estômago. — Ele é um presente. De Mickey e eu. Para você. Para agradecer por tudo que você fez por nós. Você quase estragou tudo por um minuto com suas besteiras, mas estamos dispostos a ignorar isso. Até os melhores líderes entre nós têm suas falhas.

Darius sorri, mas posso vê-lo rangendo os dentes enquanto olha para o filho por falar com ele dessa maneira na frente de seu povo.

Isso não fazia parte do plano. O que você está fazendo, Percy?

Os olhos de Darius brilham, e não tenho certeza se é um ato ou porque ele está realmente emocionado com o nosso 'presente'. — Muito bem, filho, — diz ele, sem me oferecer nenhum tipo de pedido de desculpas. Por outro lado, ele poderia estar diante de um arsenal de armas apontadas para sua cabeça careca, e ainda não conseguiria pedir desculpas. Como meu pai, ele é um narcisista. Não é culpa dele. É culpa de outro ou circunstâncias que o levam a fazer ou dizer as coisas que ele faz e diz.

É besteira, é o que é.

— Tem mais, — ofereço, decidindo seguir em frente com minha parte do plano. O que mais eu tenho a perder? Além disso, não é como se eu tivesse outra oportunidade. — Sente-se, — aponto para o trono improvisado de Darius. Uma grande cadeira de balanço de madeira pregada no palco que na verdade não balança. Os três guardas encapuzados arrastam Pike para o lado do palco abrindo espaço para nós, e é preciso muita força de vontade para não observá-lo. Eu tomo meu lugar ao lado de Percy, que me dá um breve aceno de cabeça.

— Chegou a porra da hora, — ele sussurra.

Pego o papel dobrado do meu bolso de trás. O que Nine encontrou para nós com base nas informações que Carmen havia me dado. Eu limpo minha garganta. — Hoje à noite comemoramos o quinquagésimo aniversário de Darius. — A multidão aplaude e Darius acena de volta como a porra da rainha do baile que ele é. — Darius é nosso líder há muito tempo. Ele fundou o Fourth Reich trinta anos atrás, junto com meu pai. Recentemente, descobri que meu pai era um traidor do Reich.

A plateia suspira e sussurra.

Darius franze as sobrancelhas, provavelmente se perguntando onde diabos quero chegar com isso.

Felizmente, ele não terá que esperar muito.

Continuo. — E Darius estava certo. Há pessoas entre nós que são falsas em suas crenças no Reich e em sua mensagem. Aqueles que desejam acabar com isso, nos derrubar.

Os sussurros ficam mais altos. Os olhos de Darius se arregalam em antecipação à cabeça de alguém em um ponto. Percy acalma a multidão, então acena para eu continuar. — Tenho aqui uma certidão de nascimento de alguém do Reich. Alguém que não é quem afirma ser. — Me viro e olho para Darius. A excitação em seus olhos se transforma em medo.

Aponto meu queixo para Percy, que pega seu telefone. Solto silenciosamente um suspiro de alívio por ele estar seguindo em frente com o plano, apesar de ainda não ter ideia do porquê Pike estar aqui ou se ele está bem. Afasto esse pensamento e sigo em frente.

O pano de fundo do palco acende quando o projetor montado acima do relógio do armazém brilha sobre ele. — Vocês podem ver que esta imagem é de um jovem judeu no bar mitzvah. — A multidão vaia. Percy clica no próximo slide. — Esta é uma imagem do mesmo garoto quando jovem em seu primeiro baile na escola. Seu encontro é Alexa Brown, uma jovem negra. Uma mulher que mais tarde se casou e depois se divorciou desse jovem. — O slide clica novamente e surge a imagem da certidão de nascimento que estou segurando. — Esta é a certidão de nascimento desse mesmo jovem. David Abramson. — Percy clica novamente, e vejo Darius endurecer pelo canto do meu olho. Se eu não estivesse tão aterrorizada, provavelmente riria. — Vocês verão aqui um formulário de mudança de nome arquivado no escritório do secretário do condado há mais de trinta anos, quando David Abramson mudou oficialmente seu nome. — Me viro e olho Darius diretamente em seus olhos aterrorizados e zangados. — Para Darius Alban.

A multidão entra em erupção. Darius se levanta. — Não, isso não é verdade. Ela está mentindo! Ela é a traidora! — Darius puxa uma arma e avança sobre mim. Antes que perceba, estou no chão, o cano da arma pressionado contra minha nuca.

O ar foge dos meus pulmões e não consigo respirar pela pressão do peso de Darius me empurrando contra o chão. Ele bate na parte de trás da minha cabeça com o cano da arma, e fico tão tonta que vomito na minha boca e na terra, sugando pelo nariz. Engasgo e tusso.

Darius novamente pressiona a arma na minha cabeça. — Eu deveria ter feito isso há muito tempo atrás, — ele sussurra no meu ouvido.

— Sai de cima dela! — Percy grita.

— Você. Você está envolvido nisso? — Darius rosna. Ele se vira para a multidão que está ao nosso redor em choque enquanto testemunha a queda de seu líder. — Vocês acham que isso é verdade? São mentiras. Mentiras para que meu filho possa tomar o poder antes que esteja pronto.

Percy zomba. — Não quero o maldito trono. Quero sair. Longe de tudo isso e longe de você. — Ele o está incitando, e eu sei o porquê. Ele está tentando desviar a atenção de Darius de mim.

Ele olha para Percy. — Não. Você é apenas fraco. Ela te fez fraco! — Ele enfatiza o comentário pressionando a arma na minha cabeça. A outra mão dele está pressionando minha bochecha na terra. — E agora, vou remover essa fraqueza da sua vida. Para sempre.

Por instinto, pisco afastando o borrão e procuro por Pike. Se vou morrer, quero vê-lo uma última vez. De repente, ele se levanta. Pisco novamente porque o que estou vendo não pode ser real. Mas é. Ele está de pé e seus braços estão livres porque... nunca estiveram amarrados. Os guardas removem suas máscaras, revelando seus rostos. Eles não são guardas, afinal. Eles nem são membros do Reich.

Sei disso com certeza, porque conheço esses rostos, e eles pertencem a ninguém menos que Nine, King e Preppy.

Pike corre até Darius, que não o vê chegando. Respiro fundo no segundo que Pike o ataca, tirando-o das minhas costas. Darius cai de costas, mas Pike agarra sua camisa e o vira, pressionando seu punho contra o peito de Darius. Pike tira a própria arma da cintura da calça e enfia o cano na boca de Darius. Rolo, tossindo lama e meu próprio vômito. Minha visão começa a clarear a cada respiração que tomo. Me ajoelho e vejo os olhos de Darius se arregalarem de medo e descrença.

Seus lábios se movem e suas palavras são murmuradas enquanto ele tenta falar ao redor da arma em sua boca.

— Você já disse o suficiente nesta vida. Agora, tudo o que resta descobrir é quem vai mandá-lo embora, — Pike ferve, seu peito subindo e descendo com sua raiva contida.

Pike olha para mim. — Ele é seu, Mic. Se o quiser, — ele oferece. — Eu não estou te dando isso. Isso é seu para fazer o que quiser. Sua escolha. Ele morre pela minha mão ou pela sua? De qualquer jeito? — Pike olha para Darius. — Ele vai morrer, porra.

Darius grita e tenta chutar.

Nine, King e Preppy param na frente de Pike, segurando suas armas para a multidão, caso algum deles decida pular em defesa de Darius. Nenhum deles o faz.

— Faça! — Alguém grita da parte de trás da multidão.

— Porra, eu farei isso!

Olho por cima do ombro para encontrar o dono da última voz. Surpreendentemente, é Hoppy. Ele encolhe os ombros. — O que? Tenho certeza que ele matou meu irmão. Além disso, ele não me deu sua senha da Netflix.

Olho de volta para Pike, que ainda está esperando por uma resposta.

O sentimento é quase doce, considerando que ele está perguntando se eu quero matar um homem ou deixá-lo. Por mais que anseie por esse momento que imaginei um milhão de vezes, nunca imaginei que também estaria com o homem que amo. As coisas mudaram. Eu mudei, e meu objetivo também. Não quero odiar quem odeia.

Quero curar.

Todos, exceto Darius, é claro.

Balanço a cabeça. — Não, você estava certo. Não posso fazer isso.

Pike solta um suspiro, parecendo aliviado. — Bom. Porque eu já fiz isso, então sua morte não passará de um entalhe no meu cinto e um motivo para sorrir a noite. — Ele firma o gatilho.

— Não, espere, — grita Percy.

Pike olha para cima. Suas narinas dilatam. — Tínhamos um acordo, porra.

— Eu sei e entendo. Só estou pedindo para você esperar antes que isso piore.

Preppy deixa escapar uma gargalhada. — Não vai ficar muito pior para Darius, — ele aponta.

— Quero dizer para você, — diz Percy, soando sincero.

— O que está acontecendo, Percy? — Pergunto, gemendo quando finalmente consigo me levantar. Oscilo, mas consigo ficar de pé. — Porque esperar? O que você não está nos dizendo?

— O que diabos isso significa, — Pike rosna. Nine, King e Preppy se movem para ficar entre Percy e Pike.

Percy levanta as mãos. — Estou desarmado. E ele merece morrer. Não há dúvida sobre isso. Só espere.

— Quanto tempo? — King pergunta, apontando sua arma para Percy.

— Por quê? — Nine pergunta ao mesmo tempo.

Luzes azuis e vermelhas inundam o complexo, circulando pelo pátio. Homens de uniforme preto, portando armas de nível militar, descem sobre a multidão que corre e grita, espalhando-se como baratas sob a luz.

Pike solta Darius e embainha a arma.

Os amigos dele fazem o mesmo.

— É por isso, — Percy grita sobre as sirenes e a comoção.

— Você! — Darius acusa, olhando para o filho do chão. Ele se apoia em seus braços. — Você fez isso!

Pike corre para o meu lado, me protegendo do caos. Ele acena para os seu amigos que se afastam silenciosamente. Vejo o rabo de cavalo loiro de Rage sentada no campo ao lado do complexo, segurando algo em sua mão.

— Não, você fez isso, velho, — Percy retruca enquanto a multidão é encurralada pelos agentes do FBI. Ele olha em volta e estende os braços. — Isto? Isso tudo é uma farsa do caralho! — Percy passa as costas da mão sobre a tatuagem do Fourth Reich no pescoço, manchando a tinta e revelando a pele cicatrizada, mas sem tatuagem, por baixo. — Você quer saber como saí da prisão mais cedo? — Ele aponta para os agentes que nos cercam. — Bem, agora você sabe, porra. Você tem um novo rato para odiar agora.

— Não. Não pode ser você. — O queixo de Darius cai. Ele pisca confuso como se pudesse mudar o que está vendo diante de seus olhos. — De todas as pessoas do caralho. — Seu rosto fica vermelho quando ele descobre os dentes. — Você!

Percy assente, cruzando as mãos na frente dele em uma posição de oração. — Sim, fui eu. O que? Você realmente acha que saí por algo que você fez? — Ele descruza as mãos e aponta um dedo acusador para Darius. — Por favor. Você estava mais preocupado em se vingar de quem me colocou na prisão do que em me tirar. — Ele olha por cima do ombro para Pike. — Mas Pike? Ele não era o rato, e mesmo que fosse, ainda não seria quem me trancou. Nós dois sabemos que ele não teve nada a ver com a morte da mamãe. Você queria acabar com a concorrência e inventou uma razão, um bode expiatório, para dirigir todo o ódio que me ensinou.

— Então, se não foi Pike, quem te delatou? — Darius pergunta, confusão revestindo seu rosto zangado enquanto os policiais puxam seus braços e fecham as algemas.

— Você ainda está nisso? Você não pode ver a imagem maior aqui? — Percy pergunta, com espanto e raiva.

Darius não pode ouvi-lo por causa do barulho em sua cabeça. — Quem te delatou? Quem, caramba? Diga-me!

Percy sorri. — Fui eu. Eu me delatei. Fiz as coisas que fiz e assumo a responsabilidade por elas, mas nunca teria feito nada se não fosse por você. Você contaminou meu sangue com ódio. Você me deixou com medo do que é diferente. Você me ensinou a ser violento e... — ele para, afastando as imagens do passado com um movimento da cabeça. Ele olha para o céu e morde o lábio inferior antes de focar sua atenção em Darius, que agora está sendo arrastado para trás em direção a uma viatura, enfiando os calcanhares na terra como se pudesse impedir o inevitável. — Assumi a responsabilidade pelo que fiz. Agora, é hora de você fazer o mesmo.

— Essa putinha te fez fazer isso? Claro que ela fez. Ela é uma traidora, assim como o velho dela. Vou matá-la como o matei. Como matei toda a família dela. Eu nunca vou te perdoar por isso! Nenhum de vocês! — Darius ruge, tentando se libertar dos oficiais, sem sucesso. — Vocês todos apodrecerão no inferno!

— Você primeiro, — responde Pike.

Percy se aproxima de seu pai contido. — Ninguém me fez fazer nada, exceto você. E ninguém vai me forçar a fazer mais nada. E não preciso do seu perdão. A única pessoa que preciso perdoar sou eu mesmo. E este é o primeiro passo para isso. — Os policiais enfiaram Darius na traseira da viatura do carro patrulha apagado. — Foi você foi quem começou tudo isso, velho, mas sou eu quem vai acabar com isso. — Percy olha para mim e depois para Pike. — Com alguma ajuda, é claro.

— Nããão! Isso não pode estar acontecendo. Isso não vai acontecer. Eu não vou deixar. Não vou deixar... — Os gritos de Darius são abafados pela batida da porta.

Percy observa a viatura desaparecendo pela estrada. — Tchau, pai, — ele sussurra, depois cospe no chão, chutando a terra com a bota. O resto dos agentes enfia resistências aleatórias em seus vários veículos e, sem dizer uma palavra, um a um, eles partem pela noite, deixando-nos ali no centro do terreno, intocados e sozinhos.

Percy se vira para nos encarar. Ele olha para Pike. — Estamos bem agora?

Pike assente. — Essa última parte foi uma surpresa. Nunca te imaginei um rato.

Percy encolhe os ombros: — Ratos espalham doenças. Esse era Darius. Tudo que espalhei foi a verdade. E uma sentença de morte? Isso é o que o velho teria feito. Estou tentando ser diferente, melhor. — Ele estende a mão. — Então, novamente, vou perguntar: estamos bem agora?

— Um acordo é um acordo, — diz Pike com um breve aceno de cabeça. Ele pega a mão dele e me surpreendo quando os dois fazem aquela coisa de mano, um meio cumprimento em que os caras são tão bons.

— O que diabos está acontecendo? — Pergunto, sacudindo minha cabeça entre Pike e Percy. — Vocês realmente sabem como irritar uma garota mantendo-a no escuro. Parem com isso. Agora!

— Seu homem e eu fizemos um acordo. Ele cumpriu sua parte, e agora é hora de eu cumprir a minha. Estarei fora da cidade ao nascer do sol. — Percy olha para mim. — Sinto muito, Mickey. Por tudo. Por... tudo isso.

A sinceridade em sua voz me alcança alto e claro. — Você corrigiu um erro. Algo que estive tentando fazer sozinha — digo. — Eu te perdoo.

— Obrigado, — diz ele, com olhos brilhantes. Ele tira um pano do bolso de trás e limpa a tinta temporária que cobre o rosto e o pescoço, revelando um homem de aparência menos odiosa por baixo. Ele passa por nós e entra no armazém pegando uma mochila escondida atrás de um latão de gasolina. Ele a joga sobre o ombro e se dirige para a caminhonete. Quando passa por Pike, ele para e olha para nós dois uma última vez. — Pike, cuide dela. Eu estava falando sério. Não a machuque, porra.

Pike assente e coloca minha mão na dele em um gesto tranquilizador. — Você não precisa se preocupar com ela. Nunca.

Meu peito aperta junto com meus dedos ao redor dos de Pike.

— O que você vai fazer agora? — Pergunto a Percy, que joga sua mochila na traseira da caminhonete. Ele abre a porta e para no degrau. Ele respira fundo e sorri como se estivesse sentindo o cheiro do ar salgado e de pinheiro pela primeira vez. — Vou buscar minha garota.

Percy vai embora, e acho que somos só eu e Pike até Rage sair do campo. — Acho que não vou precisar disso, — diz ela, jogando um pequeno controle remoto para Pike. Ela joga sua própria mochila por cima do ombro e caminha até uma Vespa azul bebê, seu rabo de cavalo loiro balançando ao longo do caminho. Ela decola, o zumbido de sua scooter diminuindo enquanto desaparece na estrada de terra no centro do campo.

Pike pega minha mão e começamos a nos afastar, mas eu paro, removendo minha mão da dele.

— O que há de errado? — Ele pergunta.

Me viro e dou uma última olhada no complexo. Ainda posso ouvir os cantos odiosos que foram repetidos aqui. Palavras fantasmagóricas sussurrando ao meu redor. — Ainda há alguém lá dentro? — Pergunto.

Pike balança a cabeça. — Não, o FEDS liberou.

Sorrio. — Bom.— Estendo a mão e pego o controle remoto de suas mãos.

— O que você está...

Aperto o botão e o edifício explode em uma bola de fogo e chamas. O vento sopra meus cabelos e meu rosto esquenta da intensidade.

— Temos que ir, — ordena Pike, me puxando pelo campo até o caminhão dele.

— O que há de errado? — Eu pergunto, ainda aproveitando o brilho da explosão enquanto entramos.

— Nada está errado. Eu só tenho que levá-la para casa. Agora. — Ele joga dá marcha à ré e acelera pela grama alta até a estrada dos fundos. Seu olhar encontra o meu enquanto gira o volante, nos virando.

— Por quê?

Ele estende a mão e pega a minha pressionando a parte de trás em seus lábios. — Porque isso foi incrível, e porque nunca estive tão duro em toda a minha vida.


CAPÍTULO DEZESSEIS

PIKE


— Onde está ela? Onde está Mindy? — Mickey animadamente pergunta a Thorne quando entramos pela porta da frente da loja de penhores. É tarde, e Thorne parece exausta, mas se anima quando nos vê. Seus ombros se levantam quando o peso de sua preocupação desaparece.

— Prazer em vê-la também, — responde Thorne.

— Ei, mana, — eu cumprimento.

— Você já sabe! — Mickey diz, alegremente batendo palmas.

— Espere, você sabia? — Eu pergunto.

Mickey morde o lábio inferior.

Thorne ri. — Sim, levou alguns dias. Apenas vários anos a menos do que você levou.

— Jo Jo? — Eu pergunto.

Ela aponta para o escritório. — Ela percebeu que eu estava esperando por você, então ficou no seu escritório. A última vez que verifiquei, ela estava dormindo em sua mesa.

— Obrigado. Por tudo — digo a ela.

Mickey faz uma careta. — Estou tão feliz em vê-la, Thorne, mas a sério, onde está Mindy? — Ela salta na ponta dos pés, os olhos selvagens de excitação.

Thorne aponta as escadas e Mickey não perde tempo subindo dois degraus de cada vez.

— Vocês dois podem... uh... recuperar o atraso. Já está tarde, então vou cair na cama ao lado de Jo Jo para que vocês não precisem se preocupar com ela.

Coloco meu braço em torno de Thorne, e ela grita de surpresa quando a puxo contra o meu peito em um abraço muito atrasado.

— Pelo menos, você cheira melhor desta vez. — Ela cheira minha camisa. — Mas por que está cheirando a fogo?

— Mais como uma explosão, — eu corrijo.

Ela se afasta de mim e abre a boca antes de fechá-la novamente. — Você sabe, estou realmente cansada, então, seja qual for a história estranha, terá que guardá-la para amanhã. — Ela se junta a Jo Jo no escritório e eu subo as escadas para encontrar Mickey.

Estou adorando o quão entusiasmada Mickey está agora. A maioria das pessoas em sua posição gostaria apenas de um banho e uma soneca. Eu rio para mim mesmo e a vejo irromper pela porta do meu apartamento. Ela provavelmente ainda está alta de toda a adrenalina. Explosões têm uma maneira de fazer isso com as pessoas.

— Você a manteve na gaiola! — Mickey grita, correndo para o canto da sala. Ela cai de joelhos. — Como você pôde fazer isso com ela?

— Eu mantive a porta aberta — Respondo. — Desculpe, eu não sabia que você era tão contra isso.

Um sentimento de afundamento começa na boca do meu estômago. Uma faísca de preocupação que arrepia os cabelos na parte de trás do meu pescoço, puxando-os um por um.

Mickey está tremendo quando entende a mão para dentro da gaiola. Quando ela volta, se senta de pernas cruzadas no chão, de costas para mim. — Está tudo bem agora. Estou aqui. Estamos juntas novamente. Eu te amo. Eu nunca vou te deixar de novo. Estou tão feliz que você esteja viva. — Ela continua sussurrando enquanto balança para frente e para trás.

— Mickey? — Pergunto, dando passos hesitantes até ela, me perguntando o que estou perdendo. Qual seria a causa dessa reação? Eu não sou insensível. Sabia que ela ficaria feliz, mas isso parece um pouco demais, dada a situação.

Mickey olha por cima do ombro. Seus olhos estão arregalados e selvagens, mas não de entusiasmo, mas com o mesmo foco sem vida que tinham na noite em que a encontrei andando pela rua.

Congelo. Meu peito aperta. Merda.

— Obrigada, — diz Mickey, uma lágrima escorrendo por sua bochecha. — Por me devolver Mindy. Por protegê-la.

A sensação de afundamento se transforma em pavor.

Cambaleio para trás e, quando bato na parede, caio de bunda.

Mickey ainda está sorrindo para mim, mas não alcança seus olhos porque, por mais que não queira admitir, Mickey não está mais lá. O que resta é uma sombra confusa da garota que acabou de derrubar todo o Fourth Reich sem mostrar sequer uma pitada de medo.

E então quebrou.

Mickey gira no chão, revelando a bola escura de pelo no seu colo. Ela levanta os braços, abraçando o filhote contorcido com mais força, pressionando a bochecha contra sua cabeça.

— Minha irmã também agradece.

 


Minha cabeça está girando, e meu coração está acelerado. Desço tropeçando as escadas deixando Mickey no meu apartamento com o filhote.

Esbarro em Thorne. — Ei, — diz ela com um sorriso brilhante que cai rapidamente quando vê a expressão no meu rosto. — O que diabos está errado? O que aconteceu?

Não digo nada porque não tenho ideia de que palavras usar.

— Diga-me, Pike! Que porra aconteceu? Cadê Mickey? — Ela olha em volta.

Sigo olhando para a vitrine quebrada. — Ela está lá em cima, e não, não está tudo bem. — Fecho meus olhos com força. — Nada está bem, porra.

Thorne se aproxima cautelosamente de mim. — Ei, me diga.

— Ela quebrou, — digo, encontrando seus olhos. — Foi demais, e isso a quebrou, e não sei para onde ir a partir daqui. — Aponto para as escadas. — Ela está lá em cima agora, asfixiando a porra do cachorro, pensando que é sua irmã morta, Mindy. — Balanço a cabeça. — Não acredito que achei que ela estivesse falando sobre o cachorro o tempo todo. Que ela o chamava de Mindy. Isso... isso não é nada que eu poderia prever. — Raiva e culpa puxam meu coração. — Eu sabia que ela via coisas de tempos em tempos, mas sempre explicava isso como um mecanismo de defesa. Ela sempre soube que não eram reais. Isso ... isso é diferente.

Parece que acabei de dar um soco na barriga de Thorne. Ela envolve uma mão em volta da garganta e a outra ao redor da barriga. — Eu sinto muito. — Ela se afasta com olhos brilhantes. — Alguma ideia do que você vai fazer?

Balanço a cabeça. — Nem uma pista de merda.

— O que você quer que eu faça? Você quer que eu suba e fique de olho em Mickey? — Ela funga. — Te de algum tempo para pensar sobre as coisas?

Aceno e esfrego minhas mãos no meu rosto.— Sim, obrigado, irmã.

Ela morde o lábio e sobe as escadas.

Gutter seria a pessoa para quem eu ligaria para descobrir a melhor coisa a fazer por Mickey, mas ele está morto.

Tão morto quanto o brilho nos olhos de Mickey.

Pego a primeira coisa em que minha mão pousa, um troféu de boliche dourado, e o jogo do outro lado da sala com tudo o que tenho. Ele bate em uma vitrine, estourando-a, espalhando o vidro por toda parte.

O som do meu próprio grito é tudo o que posso ouvir até que um toque no meu ombro me faça girar, assustado.

Thorne está de pé lá com uma expressão assustada no rosto, mas percebo que não é de mim que ela tem medo. É o que ela reluta em dizer.

— Só diga, — cuspo.

Ela morde o lábio e gira nervosamente a conta pendurada na ponta de seu piercing da barriga. — Subi para encontrar Mickey, mas... ela se foi. Com o cachorro.


CAPÍTULO DEZESSETE

PIKE


Quando o sol começa a nascer, não tenho mais lugares onde procurar Mickey.

Meu telefone toca. É Thorne.

— Alguma sorte? — Ela pergunta, parecendo quase tão ansiosa quanto eu.

— Não, — respondo, batendo minha mão contra o volante.

Passando a placa Bem-vindo à Logan's Beach, onde encontrei Mickey naquela primeira noite. Um pensamento me ocorre. Um último lugar em que ela poderia estar.

Puxando o volante, viro o caminhão, batendo no canteiro do meio. Sigo em direção a ponte, para a praia. É literalmente o último lugar que acho que ela iria, e ainda é exatamente onde espero encontrá-la.

Paro na casa de praia fechada e saio do caminhão. Essa é a casa em que ela passou os verões com a família. Onde a levei na noite em que a encontrei na estrada.

Por favor esteja aqui.

Não ouço ou vejo sinais de vida. Nem as gaivotas saem tão cedo assim. O som das ondas quebrando e o farfalhar das folhas das palmeiras são os únicos sons no ar salgado.

— Mickey? — Chamo, contornando o prédio até a praia.

O filhote vem correndo até mim, colidindo com minhas pernas. O levanto nos braços e coço o seu pescoço. — Onde ela está, garota?

Encontro Mickey sentada na areia de frente para a água. A maré subindo espirra em torno de seu corpo, afundando-o na areia molhada. Seus cabelos escuros estão soprando ao seu redor, e além da ligeira subida e descida de seus ombros, ela está completamente imóvel.

— Mickey? — Chamo, colocando a filhote no chão.

A filhote pula em seu colo e, quando não recebe nenhuma reação de Mickey, pula na areia. Quando suas patas atingem a água, ela pula como um gato de volta para a areia seca, enrolando-se em uma bola atrás das costas de Mickey.

— Mickey? — Chamo novamente, de pé ao lado dela.

Ela está olhando para longe, manchas de lágrimas nas bochechas pálidas.

— Não sei mais o que é real e o que não é, — ela finalmente diz.

— Eu sou real, — digo a ela, minha traqueia se fechando. Limpo minha garganta. — Sou real pra caralho.

Ela olha para mim. Seus olhos não estão mais vazios, mas tristes e confusos. Sento-me ao lado dela na areia molhada, e ela descansa a cabeça no meu ombro, pressionando a palma da mão no meu peito. — Sei que você é real, — diz ela, as bochechas manchadas de lágrimas. — Você é minha constante. — Ela solta um suspiro trêmulo. — O resto do mundo, tudo o que vejo, todo o resto... são apenas variáveis.

Ela pressiona um beijo suave no lado da minha boca. — Por favor, preciso de você. Preciso que você me mostre o que ainda é real, — ela implora.

Minha mente acha que é uma péssima ideia, mas ela já está sofrendo muito, e com esse beijo, meu corpo não se importa com o que mais está acontecendo. Meu coração se parte ainda mais quando ela se afasta e tira a blusa e a bermuda, parada ali nua e vulnerável na minha frente. — Por favor, — ela diz mais uma vez, e perco meu controle. A pego em meus braços e a deito no chão. Quero fazê-la se sentir bem. Talvez, pela última vez em muito tempo. Se eu puder lhe dar isso, então morrerei fazendo isso.

A beijo de volta com toda a mágoa, amor, dor e confusão que senti nos últimos meses. Ela geme na minha boca enquanto nossas lágrimas escorrem sobre nossos lábios fundidos. Nossas línguas dançam devagar, apaixonadamente, e quando abro meus olhos, encontro os dela. Ela está comigo. Bem aqui. Agora mesmo.

Sem ilusões, porque ela está certa.

Isso é real. É a coisa mais real que já experimentei na minha vida.

Ela não é apenas real.

Ela é tudo.

Quebro o beijo, me sentindo tonto por todas as novas emoções que tomam conta de mim. Tenho que me lembrar que isso é por ela enquanto meu pau se estica contra o meu zíper. Empurro seu peito até que ela esteja de costas na areia e espalho suas pernas, ajoelhando-me diante dela. Eu a lambo do cu até a boceta repetidas vezes. Quando acho que ela está quase lá, dou o que ela quer, lambendo e chupando seu clitóris inchado até gritar meu nome enquanto goza em um baque violento, o tempo todo seus olhos estão abertos e fixos em mim como se ela os fechasse, eu sumiria para sempre.

Como se implorasse.

— Por favor, Pike. Preciso de você. Preciso de você agora — ela diz.

Seus olhos estão claros, e a aparência vidrada de ilusão não está à vista. Ela senta e pega meu cinto, soltando-o do meu jeans, depois o empurra pelas minhas pernas. Eu o jogo de lado, mantendo contato visual o tempo todo. Pego minha camisa e a tiro sobre minha cabeça. Suas mãos imediatamente vão para o meu peito.

Por instinto, a levanto, colocando-a sobre mim.

— Pegue o que você precisa.

— Preciso de você, — diz ela enquanto ergo a cabeça e pressiono meus lábios nos dela.

— Então, me tome, — ofereço. Ergo seus quadris do meu colo enquanto ela agarra meu pau, posicionando-o em sua boceta, depois solto-a gradualmente até que esteja enterrado dentro da garota mais maravilhosamente maluca que amo.

Ela teria que ser louca por querer ficar comigo. Não dessa maneira, mas de qualquer maneira.

A situação seria engraçada se não fosse tão devastadoramente sem graça.

Ela geme e balança os quadris contra mim, causando o melhor atrito para cima e para baixo do meu eixo dentro de seu calor úmido. Meus olhos querem revirar com o prazer de tudo isso, mas eu permitiria que eles caíssem antes de deixar isso acontecer e perder a conexão que temos.

Ela encontra um ritmo, envolvendo as mãos em volta da minha cabeça, passando os dedos pelos meus cabelos enquanto seus seios perfeitos saltam no meu rosto.

É demais e não é o suficiente. Isso nunca será suficiente.

Não com Mickey.

Nunca.

— Pike, preciso de mais, — ela implora, e percebo o que está pedindo, e não sabe como chegar lá.

Enfio meus dedos em seus quadris e a levanto até que apenas a ponta do meu pau esteja dentro dela. Empurro para cima, erguendo meus quadris enquanto a deixo cair. Subo e desço mais uma vez, a fodo e a faço me foder, pois não ousamos piscar.

Parece tão certo porque estou com o Mickey, mas, ao contrário das outras vezes, também parece muito errado.

Uma lágrima rola por seu rosto quando ela goza, gritando e chorando através de seu orgasmo enquanto sua boceta aperta em torno do meu pau com tanta força que quase gozo de tão bom e doloroso.

Lambo a lágrima de sua bochecha antes que ela possa alcançar seus lábios quando gozo longo e duro dentro dela. Derramando tudo o que tenho nela. Emoções, vulnerabilidade, amor.

— Eu te amo pra caralho, —Sussurro enquanto recupero meus sentidos.

Ela fica no meu colo comigo dentro dela. Nossos olhares finalmente quebrando quando a cabeça dela cai no meu ombro. O sangue corre pelo meu pau pulsando dentro de sua boceta, que ainda está me apertando como um torno do qual nunca quero sair.

Depois de um longo tempo em silêncio, com nada além do som de nossa respiração e o ocasional rangido de uma velha cadeira de balanço na varanda atrás de nós, ela finalmente fala. — Eu também te amo, Pike, — a ouço sussurrar. — Tanto, amo pra caralho. Isso dói. Tudo dói muito.

Ela se senta, me afastando de seu corpo. Ela ajusta o short e levanto minha calça. Sinto a perda dela no segundo em que meu pau desliza de seu corpo. Sinto isso por todo lugar. No meu coração.

No ar ao nosso redor.

Na porra da minha alma.

Quem sabia que tanto amor resultaria em tanta dor?

Mickey soluça. — Algo está muito, muito errado comigo. Preciso de ajuda.

— Shhhh ... está tudo bem. Nós te ajudaremos, — digo enquanto as lágrimas dela encharcam minha camisa.

— Não posso ficar aqui, — diz ela, cravando as unhas na pele na parte de trás do meu pescoço.

— Eu sei, — admito, descansando meu queixo na cabeça dela. — Está tudo bem. Eu sei. — Mickey está perdida, tudo o que ela passou, com sua família morrendo, o Reich. Me encolho.

O que eu a fiz passar.

Não posso nem começar a imaginar tudo isso, muito menos vivê-lo. Não é nenhuma surpresa que é demais para ela aguentar. Não admira que ela esteja quebrada. Se você socar um espelho, ele vai quebrar, porra. Mesmo uma das coisas pelas quais ela passou seria demais para qualquer outra pessoa, mas, no entanto, por quatro anos, ela marchou como um soldado que perdeu um braço e uma perna em batalha, mas pegou sua maldita arma e continuou lutando.

Ela está quebrada e perdida, mas não importa o que aconteça, ela nunca será esquecida.

Não por mim. Nunca.

Estou tremendo enquanto a puxo ainda mais contra o meu peito. Fecho os olhos e, pela primeira vez na vida, permito que os sentimentos fluam. O resultado é embeber o cabelo dela com minhas lágrimas, chorando baixinho pela garota que amo. Durante esse momento, me permito sofrer.

Não apenas por mim.

Não apenas por ela.

Pelo que poderia ter sido.

— Eu te amo, Mic, — sussurro em seus cabelos.

Ela se vira para mim sem nada atrás dos olhos. — Posso ir ver minha irmã agora?


CAPÍTULO DEZOITO

PIKE

UM ANO DEPOIS


Mickey se foi há um ano. No total, a conhecia há menos de um mês.

Então, por que diabos fiquei tão surpreso quando liguei para o centro de tratamento em que ela estava morando para descobrir que ela completou seu programa e saiu há mais de uma semana?

Onde diabos ela está?

Rio para mim mesmo. Por que diabos automaticamente assumi que ela viria para cá quando seu tratamento acabasse?

— Ainda não a encontrou? — Jo Jo pergunta, deslizando até mim no bar ao lado da loja de penhores.

Balanço a cabeça e tomo um gole da minha cerveja. — Não. E você não deveria estar aqui, — repreendo.

Jo Jo revira os olhos. — Sim, e não deveria ter mudado a placa deles para BEBIDAS GRATUITAS PARA PESSOAS NUAS, mas fiz. — Ela ri. — E a expressão no rosto de Sally valeu totalmente a pena quando aqueles caras corpulentos e nus entraram.

A menina tem razão.

Deixo Jo Jo tirar um sorriso de mim quando não achei que fosse possível. Não acho que teria passado pelo último ano sem ela me distraindo da minha própria besteira. Ou, como diria Preppy, chafurdando.

Com a ajuda de Nine, me tornei o guardião oficial de Jo Jo logo após Mickey partir.

Na noite em que fui preso, prometi a Jo Jo que ela não voltaria para um orfanato, e falei sério. Sou muitas coisas, mas não sou um mentiroso.

Aprendi que Jo Jo me lembra muito de mim mesmo. Algumas coisas são boas, como o fato de ela não se importar com ninguém, e algumas são absolutamente aterrorizantes, como sua capacidade de me manipular para conseguir o que quer.

Como agora mesmo. Deveria mandá-la de volta para a loja de penhores, mas ela me fez rir, e esqueço tudo sobre o fato de o Hanson Bar não ser exatamente um lugar apropriado para uma criança de doze anos.

— Então, você vai encontrá-la, ou o quê? — Jo Jo pergunta. Ela fica de joelhos no banquinho e leva a mão atrás do bar. Ela pega um copo de plástico vermelho de uma pilha e a mangueira de refrigerante, enchendo o copo.

Estreito meus olhos para ela.

— Desculpe, — diz ela, não parecendo tão apologética. Ela levanta as mãos em defesa. — Ainda estou me acostumando com essa coisa de 'você está no comando sobre mim e desencoraja fortemente meu terrível comportamento'.

Pego minha carteira e bato algumas notas no bar. — Sally, pela minha cerveja e o refrigerante dela, — digo.

Jo Jo me segue pela porta dos fundos até o beco. — Vou trazer de volta o copo! — Ela grita.

Sally sorri. Ela já está acostumada às travessuras diárias de Jo Jo e até ajuda Jo Jo a fazer sua lição de casa no bar antes de abrir.

— Pike, você não me respondeu, você acha que ela vai voltar?

Me viro para encará-la.

— Achei que você não gostava de Mickey? — Questiono.

— Quero dizer, ela era ok. Gostava do jeito que ela não me deixava vencer em jogos de tabuleiro ou no videogame. E ela nunca falou comigo como se sentisse pena de mim. Da mesma maneira que você. Eu não era uma menina adotiva quebrada para ela. Era apenas uma criança. Uma idiota, mas uma criança. — Ela encolhe os ombros. — Foi bom alguém me ver por quem eu sou, mas não fazer disso tudo o que sou.

Coloquei meu braço em torno de Jo Jo. Por ser tão jovem, a criança já passou por muitas coisas, e isso a tornou sábia além da idade. — O mesmo aqui garota. E como você sabe que eu nunca mentiria para você, a verdade é que Mickey pode não voltar.

— Mas você espera que ela volte? Certo? — As sobrancelhas dela se erguem.

— Claro como a merda. Mas posso esperar o tempo que quiser. Isso não significa que ela voltará.

— Espero que ela volte também, — diz ela.

Acompanho Jo Jo até a porta dos fundos da minha loja de penhores e a abro. Ela tenta passar por baixo do meu braço, mas um miado alto a impede. Ela volta para o beco.

— Os gatos estão bem. Eu já os alimentei, — digo. — Eles estão começando a ser idiotas gananciosos. Alimente-os três vezes ao dia, todos os dias durante um ano, peça a um veterinário para castrá-los, vaciná-los e mantê-los saudáveis e construir uma torre de gatos do tamanho da porra da torre d'água de Logan's Beach, cheia de brinquedos para gatos, e de repente, você é o centro do universo deles e o dono de dezenas de pequenos filhos da puta gananciosos.

— Eu não os chamaria de filhos da puta. Mais como aborrecimentos adoráveis.

Essa voz. Não é de Jo Jo. Eu conheço essa voz.

— Puta merda, — Jo Jo sussurra, puxando minha camisa.

Lentamente, viro para onde uma mulher do outro lado do beco está segurando um gatinho nos braços. Cabelos longos e escuros caem sobre seus ombros. Ela está usando shorts branco com buracos e uma camiseta azul amarrada em seu umbigo. Puta merda é certo.

Mickey. Minha Mickey.

— Então, vocês dois estavam falando de mim? — Mickey pergunta, dando um passo em nossa direção. Ela solta o gatinho que sai correndo, desaparecendo na torre dos gatos.

— Você voltou, — digo, minha garganta grossa.

Ela sorri para mim com olhos claros e determinados. — Voltei.

— Por quanto tempo? — Jo Jo pergunta, tão ansiosa para ouvir a resposta quanto eu. Mickey se aproxima de nós e olha para mim quando responde.

— Pelo tempo que vocês dois me quiserem.

A levanto em meus braços e pressiono meus lábios nos dela.

— Para sempre, — murmuro em sua boca. — Para sempre, porra.

— Eca, não quero testemunhar essa merda, — Jo Jo murmura, entrando na loja. — Me chame quando terminar de ser nojento.

A porta se fecha. Pressiono Mickey contra a parede. — Como você está? — Pergunto, olhando-a.

Ela está aqui. Ela está realmente aqui.

Em todos os sentidos.

Ela sorri e coloca a testa na minha, segurando meu rosto nas mãos. — Eu estou bem. Estou aqui.

— Onde diabos você esteve? Liguei e eles disseram que você saiu há uma semana, — digo.

— Tive muitas despedidas para fazer. Realizei um memorial diferente todos os dias para cada membro da minha família. E tive que me certificar de que seria capaz de lidar com a vida fora do tratamento. Não queria voltar e ser um fardo para você.

A seguro mais apertado. — Você nunca seria um fardo. Nunca. — Respiro fundo. — Você voltou para mim, — digo, ainda incapaz de acreditar que ela é real. Que ela está aqui nos meus braços. E não me refiro apenas aqui fisicamente. Olho profundamente em seus olhos, e ela sabe o que estou tentando ver. Não há nada nublando a luz em seus olhos.

Ela assente. — Eu não simplesmente voltei. Vim para casa.

Meu peito aperta com tudo o que estou sentindo, suas palavras ecoando alegremente no meu cérebro.

Casa.

— Por quê? — Pergunto. — Você poderia ter ido para qualquer lugar. Feito qualquer coisa ...

— Eu te disse. — Seus olhos estão vidrados de lágrimas felizes. — Você é minha constante.


CAPÍTULO DEZENOVE

MICKEY

MAIS UM ANO DEPOIS...

 

UMA RAZÃO PARA ODIAR

Por Dra. Michaela Lovejoy, Sc.D


A vingança não é rápida, e nem a dor.

Só porque tenho alguma compreensão do modo como a mente funciona não significa que poderia fazer com que a minha cooperasse melhor do que a de alguém que não entenda. Isso também não significa que poderia evitar ter que aprender a lidar com minha dor.

Concluindo, pergunto: o que é a verdade?

Fatos são verdades, mas as pessoas geralmente não veem os fatos como finitos. Verdades são opiniões frequentemente relacionadas, mas não fundamentadas em fatos. As verdades pessoais não se baseiam em nenhum tipo de evidência, mas em crenças cultivadas por ideais.

A verdade, em geral, é baseada na opinião transformada em crença.

Os seguidores religiosos acreditam que suas ideologias são a verdade. Existem milhões de religiões no mundo. Quando confrontados com a questão de quem é Deus - ou existe um Deus? Ou o que acontece quando morremos? - um seguidor de cada religião dá uma resposta diferente. No entanto, a ideia por trás da verdade é que apenas um deles pode estar correto, mas, de maneira diferente, milhões de pessoas estão erradas.

Portanto, a chave da verdade está unicamente no crente. O mesmo vale para grupos baseados no ódio.

Criar um crente requer vários elementos. Alguns são biológicos. Alguns são a maneira como os humanos são programados quando crianças, juntamente com um elemento de experiências combinadas que podem ser moldadas para crescer em torno de uma crença. Atitudes pessoais associadas a ideais verdadeiros ou falsos. Isso é o que é crença. Produtos químicos e biologia misturados com circunstâncias psicológicas. Essa é a poção para a crença.

A manipulação pode desempenhar um papel nisso, mas apenas se o sujeito estiver preparado para manipulação psicológica. Tal como a falta de um elemento de nutrição é mais provável que aceite influências sociais mudando seu comportamento ou percepção, como tal, mudando a própria base do que eles veem como verdade, às vezes desconsiderando a compreensão humana básica e fatos amplamente conhecidos para alcançar essa crença.

Se o assunto é feito ou provado que essa verdade cria melhor qualidade de vida para ele ou os motiva de alguma forma, seja com o objetivo de algo ou com medo de algo, como em situações sociais, religiosas ou ecumênicas, o sujeito é muito menos provável a se adaptar a uma verdade nova e mais factual quando confrontada e muitas vezes oferecerá explicações sobre por que outras pessoas se desinformaram da verdade, em vez de admitir que a deles é inequivocamente errada.

Quando a doença mental é apresentada na verdade, ela abre o sujeito a um novo tipo de vulnerabilidade que molda a maneira como a ideia é vista, que, nos casos de transtorno bipolar ou esquizofrenia, aparece ao sujeito como absoluto e, portanto, não discutível. Isso dificulta a manipulação do assunto, a menos que você encontre o objetivo social ou ecumênico mencionado acima.

No dia em que nascemos, começamos nosso condicionamento. Seja pelo meio ambiente ou pelas pessoas que nos cercam, começamos a formar ideais e pensamentos semelhantes aos deles. Nós descobrimos o que é importante na vida frequentemente através do que vemos ser importante para os outros. Se o ódio é importante para sua família, isso se torna parte de sua vida. Você não concorda automaticamente que isso está errado, porque não experimentou vida fora desse mundo cheio de ódio. E quando o faz, leva consigo esses ideais e inventa desculpas para tudo o que é bom. Você usa lógica quebrada para tecer pedaços de uma história que está faltando capítulos.

Mas há esperança. Aprendi que, mesmo que alguém esteja condicionado a odiar a vida inteira. Quem viveu e respirou as palavras e os ideais que foram plantados em seus cérebros jovens desde o nascimento, pode mudar. Os ideais são presos ao cérebro com super cola figurativa, e tudo o que precisa para serem desalojados é um solvente. Algo para dissolver o que está o prendendo.

E esse solvente é o amor.

Demorou muito para o meu sujeito começar a rejeitar seu condicionamento anterior e começar a construir seus próprios conjuntos de crenças. Sua própria vida livre das amarras do ódio. Agora ele está livre para amar.

E eu também.

O verdadeiro amor não é um conto de fadas. Não é o que os influenciadores nas mídias sociais mostram. Ele não pode ser resumido por uma bonita e encenada imagem ou por uma declaração pública de devoção.

O verdadeiro amor não é simples. E, independentemente do que você vê no mundo, também não é fácil. O relacionamento que emerge do amor exige muito trabalho.

Há momentos em que quero estrangular Pike e tenho certeza de que há momentos em que ele quer me estrangular (mesmo fora da nossa cama). Mas o teste para um relacionamento sólido não é a perfeição. É viver todos os dias agradecido pela outra pessoa. É saber que, no quadro geral da vida, essa pessoa te faz querer ser melhor. E através desses momentos quentes, nunca, nunca duvidar do amor que os uniu.

Aprendi que não há razão válida para odiar. E esse amor não é perfeito, mas é real e é poderoso o suficiente para conduzir até o ódio mais forte do coração.

Porque o amor é a única verdade que importa.

Ao sujeito P- Onde quer que você esteja, espero que tenha encontrado a felicidade dentro de si. Por sua vez, espero que o perdão tenha te encontrado e que você tenha se perdoado. Obrigada por me ensinar que o ódio não é uma marca que não pode ser apagada.


— Isso é bom Mic, bom pra caralho. — Thorne diz de onde está sentada lendo as páginas com orgulho. — O que te fez decidir transformar seu artigo em um livro?

Olho para Pike. — Bem, alguém me disse que não eu podia deixar morrer as informações que aprendi com o Reich e que o que fiz precisava de um propósito maior. E meu objetivo é ajudar. Eu precisava expor o Reich pelo que eram e compartilhar minhas descobertas com o mundo. O artigo não chegaria às massas, e assim nasceu este livro. Com ele, espero educar e talvez até mudar algumas mentes por aí.

Pike pressiona um beijo na minha cabeça. Uma silenciosa expressão de orgulho.

Thorne sai correndo da sala quando o som da sineta acima da porta soa.

— Ei garoto, — Preppy diz, entrando no quarto, passando por Thorne no caminho. — Eu só quero que você saiba que sempre soube que você era um dos bons. Nunca perdi a fé em você. Nem por um maldito segundo.

— Realmente? — Pike pergunta.

Preppy sorri. — É verdade. Você deveria perguntar aos outros. Na verdade, pergunte a Ray e King como uni aqueles dois idiotas. É uma história louca.

— Envolve fazer campanha por suas mortes? — Eu pergunto.

Ele sorri com orgulho. — Não, mas envolveu um sequestro e acabou resultando em minha própria morte.

— Do que ele está falando? — Sussurro para Pike.

Ele ri. — Te conto depois.

— Vou lhe dizer uma coisa, — diz Preppy. — Como você é uma autora genuína agora, sua história também daria um livro realmente bom.

— Claro, vou pensar sobre isso, — digo. Nossa gata, Greyson, mia aos meus pés, esfregando seu pelo no meu tornozelo. Os latidos felizes de Mindy ecoam por toda a loja de penhores.

Jo Jo desce as escadas correndo, usando um vestido rosa e leggings de bolinhas azuis. — Ele está aqui? Por que vocês não me disseram, porra! — Choraminga.

— Linguagem, — aviso. Jo Jo sorri timidamente.

Com a ajuda de Nine, que é o guardião no tribunal que representa crianças no sistema, nossa adoção de Jo Jo será oficial em menos de uma semana.

— Desculpe, mãe, — ela canta. — Mas isso é tão legal pra caralho.

Dou-lhe outro aviso severo, mas é difícil ficar brava com ela quando meu coração parece que está prestes a sair do peito de alegria toda vez que a vejo. Toda vez que a coloco na cama. Toda vez que ela adormece enquanto estou lendo um livro para ela.

Pike pisca para ela. Dou-lhe um olhar de aviso severo. — O que? Quem decidiu quais as palavras são ruins? Palavras são formas de expressão, e eu, por exemplo, não apoio a opressão ou limitação da expressão pessoal. Não é emocionalmente saudável.

Jo Jo e eu nos entreolhamos em choque e depois nos voltamos para Pike. — Você citou o livro dela! — Jo Jo aplaude com um sorriso. Ela torce o nariz. — Espere, pai, achei que você odiasse ler?

Pike franze a testa. — Não é que eu odeie ler. Tenho um distúrbio de leitura que me deixa muito frustrado quando leio. — Ele arruma o cabelo dela. — Mas ouvi a versão em áudio.

— Isso é genial! — Jo Jo exclama, e sorrio para a o brilho triunfante nos olhos de Pike quando ele pega Jo Jo e a gira ao redor da sala. É preciso um homem inteligente para saber e admitir suas limitações, e consegui o mais inteligente de todos. Se ao menos mais pessoas pudessem ser como Pike. Altruísta, compreensivo e leal sem limites.

O mundo seria um lugar muito melhor.

Preppy fecha o livro e o abre novamente, folheando as primeiras páginas. — Você já viu isso? — Ele pergunta a Pike.

Pike coloca Jo Jo no chão e espia por cima do ombro de Preppy. Sei exatamente o que ele está lhe mostrando e ainda não contei a ele sobre isso. Assisto a expressão dele enquanto leva seu tempo para ler garantindo que entenda as palavras.

Ele olha para mim. — Isso é... — Ele assente, sua expressão uma mistura de emoções. Ele limpa a garganta. — Isso é... falaremos sobre isso mais tarde. Acho que acabei de ouvir Thorne me chamando. Vamos, Jo Jo — ele a arrasta pela mão.

— Pai, eu não ouvi nada? Você está chapado ou algo assim? — Jo Jo pergunta.

— O que o deixou com pressa? — Thorne pergunta, voltando da área de armazenamento com uma caixa na mão, obviamente não tendo chamado Pike. Preppy segura a página para que Thorne possa ler as palavras que escrevi para agradecer ao homem que me devolveu minha vida. Um verdadeiro propósito. O homem em quem confio e com quem lutarei todos os dias que me resta nesta terra.

PARA PIKE, EU ESCOLHI O AMOR PORQUE VOCÊ ME ENSINOU.


EPÍLOGO

MICKEY


Amor é biologia. Neuroquímicos, hormônios, neuropeptídios. Todos eles precisam se alinhar com testosterona, estrogênio, dopamina, vasopressina e ocitocina para produzir o sentimento de amor. Não é uma tarefa fácil e é por isso que o amor - o verdadeiro amor - é raro.

É por isso que sinto esse amor por Pike, Jo Jo e Thorne maior do que eu . E esse amor é um sentimento em que confio mais que tudo. Uma constante confiável.

Minha verdade.

Pike e eu estamos andando na praia. Estamos de mãos dadas com Jo Jo entre nós, que alterna entre xingar as gaivotas e apontar em voz alta para os homens que usam sungas minúsculas.

Nosso ritmo diminui quando chegamos a casa em que passei tantos verões com minha família. Pra onde fugi na noite em que eles foram mortos. Na noite em que conheci Pike.

Olho para o duplex que foi reformado, onde passei tantos verões felizes. — Espero que quem comprou este lugar ame tanto quanto eu, — lamento. — Passei muitos momentos felizes aqui.

Jo Jo corre à nossa frente, perseguindo um caranguejo na areia. Mindy, o cachorro, a persegue e depois late para o caranguejo, socando as patas na areia.

Pike pega minha mão. — A idosa que era a vizinha se mudou para ficar com os filhos. O outro lado foi vendido em leilão. O comprador pegou as duas metades e a reformou recentemente, combinando os lados e construindo uma casa decente com dois quartos e dois banheiros.

— Isso provavelmente custou uma fortuna, — digo. O tapume rosa agora é um branco brilhante mais moderno. As persianas são pretas em vez da tonalidade anterior roxo desbotado. As escadas e o deck de madeira que estavam lascados e desbotados foram reforçados por vigas cruzadas por baixo e recentemente pintadas. O espaço aberto embaixo que costumava ser um local para estacionar abriga agora um piso pavimentado e uma enorme cozinha externa com sofás e mesas modernas e confortáveis ao ar livre. — É lindo. Estou com ciúmes de quem irá morar aqui.

— Por causa da sua família?

Estreito os olhos contra o sol e os sombreio com a mão para ver melhor a casa. — Não, não apenas pelas lembranças que ela guarda, mas porque é uma linda casa de praia.

Pike aperta minha mão. — E você está certa, custou uma fortuna.

Torço meus lábios. — Como você sabe disso?

Ele enfia a mão no bolso e segura uma chave. — Porque supervisionei tudo e porque... — Ele me entrega a chave. — Nós a possuímos agora.

Viro a chave na minha mão e olho de volta para a casa e depois para Pike. — Você está falando sério?

— Acho que você já sabe que meu senso de humor não se estende a fazê-la acreditar que comprei uma casa para nós apenas para dizer, sim, estou brincando, —, ele ri. — Além disso, um apartamento de um quarto em cima da loja de penhores não é exatamente o suficiente para uma família de três. Mas é perfeito para Thorne. Ela vai se mudar no final da semana.

Mindy late, correndo atrás de Jo Jo.

— Família de quatro, — ele corrige. — Cinco, se você contar a porra do gato.

— Isso é... não posso acreditar. — Pike está certo sobre o apartamento.

Jo Jo veio até nós por uma situação em que ela não se sentia segura, e queríamos fazer todo o possível para fazê-la se sentir assim, incluindo lhe dar o quarto com uma porta com trava. O que significa que Pike e eu estávamos dormindo no sofá- cama. Ruim para nossas costas e nossa privacidade, mas vale a pena fazer Jo Jo se sentir confortável.

— Por que você não me contou! — Exclamo, dando um tapa no peito dele. Ele segura meu pulso no peito.

— Porque não sabia como você se sentiria sobre isso e queria ter certeza, — diz Pike. — Eu queria saber se isso poderia ser uma casa para você. Se você queria. E precisava saber se...

— Se isso me faria enlouquecer de novo?

— Eu ia dizer ficar chateada, mas com certeza, isso funciona também.

Tenho me tratado com terapeutas e conselheiros duas vezes por semana, bem como participando de uma sessão de aconselhamento em grupo de luto uma vez por semana. No próximo mês, começarei a liderar meu próprio grupo, e eles não serão experimentos. Não vou estudar o que os faz funcionar. Meus únicos objetivos serão ouvir e ajudar. Além disso, vou começar minha própria classe no sistema penitenciário como a que Pike me falou. Do tipo que ajuda os presos a deixar gangues e grupos como o Reich, mas mais importante, vou ajudar a ensiná-los a perdoar a si mesmos. Como amar de novo.

Lágrimas brotam nos meus olhos. — Você já me deu muito, — eu digo, enquanto Pike enxuga uma lágrima da minha bochecha com a ponta do polegar.

— Não tanto quanto você me deu, — ele responde.

Acho que ele está prestes a me beijar quando se inclina e me pega em seus braços. Grito de surpresa e chuto minhas pernas. — O que você está fazendo? — Rio.

— Mamãe! Papai! — Jo Jo chama da varanda. Ela vê Pike me carregando em direção a casa. — Isso significa que podemos mostrar a ela agora?

— Sim! — Grito para ela.

Um repentino arrepio na parte de trás do meu pescoço chama minha atenção. — Você pode me colocar no chão? — Eu pergunto a Pike.

Ele franze a testa e me coloca no chão.

— Eu estou bem, — asseguro a ele. — Eu só preciso de um minuto.

— Estarei nos degraus quando estiver pronta, — diz ele, beijando meus dedos antes de largar minha mão.

Respiro fundo o ar salgado e depois me viro para encarar a água. Lá na praia está minha família. Minha mãe e pai. Mallory, Mindy e Maya.

— Não há problema em pensar em nós, você sabe, — diz Mallory. — Estamos tão felizes por você!

— Nós estamos bem onde estamos. Também queremos que você fique bem, — diz Maya.

Minha mãe sorri. — Tudo bem se lembrar de nós. Nós estamos bem. Nada disso foi sua culpa. Nós te amamos, e tudo bem agora você se lembrar que não estamos aqui.

— Sinto muito, — diz meu pai. — Eu fiz tudo errado, mas nem por um momento durante todos esses erros horríveis, deixei de amar você ou suas irmãs.

— Sim, — Mindy responde de novo. — E se você não atingir todo o seu potencial, assombrarei sua bunda por toda a eternidade.

— Linguagem, — minha mãe repreende, assim como eu havia repreendido Jo Jo anteriormente. Acho que sei a quem puxei.

— Pense em nós, — diz minha mãe. — Vamos pensar em você. É hora de irmos agora. Seja feliz, querida e saiba que estamos felizes por você. Viva sua vida e ame com todo o seu coração do jeito que eu te amo com todo o meu.

Meu pai me encara com olhos tristes.

— Eu te perdoo, — sussurro. Jamais conhecerei o verdadeiro coração do meu pai ou as razões por trás do que ele fez, mas as pessoas são complicadas e meu pai não foi exceção. Para deixar ir, tenho que perdoá-lo.

E a mim também.

Nos últimos dois anos, aprendi que carregar o peso do ódio pode esmagar uma pessoa, transformá-la em algo que não é. Seguir em frente significa ser capaz de perdoar e é exatamente isso que quero fazer. Seguir em frente com Pike e Jo Jo.

— Eu amo todos vocês. — Respiro fundo trêmula. — Adeus.

Pike chega ao meu lado e pega minha mão. — Tudo certo? — Ele pergunta, sua testa franzida com preocupação familiar.

Olho para ele e depois para a casa de praia onde Jo Jo está esperando impaciente na varanda, com os braços cruzados e o pé batendo no deck de madeira. Mindy, a cachorra, enfia a cabeça peluda através dos trilhos da grade, a língua rosada para fora enquanto nos lança um olhar que diz que está tão impaciente quanto Jo Jo.

— Estou bem. Mais que bem. Eu estou feliz. — Sorrio. — Vamos para casa. — Pike me pega pela mão e caminhamos pela areia macia. Quando chegamos às escadas, lanço um último olhar por cima do ombro, onde a imagem da minha família desvanece enquanto sorriem até sumirem nas ondas, mas nunca da minha vida. Porque eles são parte da família.

E enquanto as pessoas param de viver, a família nunca morre.

 

 

                                                                  T.M. Frazier

 

 

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