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PECADOS / Jackie Collins
PECADOS / Jackie Collins

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

PECADOS

 

Herbert Lincoln Jefferson olhou com desagrado para a mulher, Marge. Estava sentada em frente do televisor, pernas abertas, coxas gordas à mostra comendo uma laranja cujo suco lhe escorregava pelo queixo abaixo, segurando numa das mãos uma lata de cerveja de onde bebia um trago de vez em quando. Trazia um vestido de algodão azul tão justo que rebentara debaixo de um dos braços. O peito farto estava metido num soutien branco e sujo que se via através da cava do vestido. Um estranho que a olhasse teria dificuldade em calcular a idade, e talvez lhe desse mais dez anos do que na realidade tinha. Na verdade, tinha trinta e cinco anos.

- Vou-me embora - anunciou Herbert.

Marge não desviou os olhos do televisor. Enfiou mais uns bocados de laranja na boca e murmurou:

- Òk, querido.

Herbert saiu da casa cor-de-rosa desbotada, mais uma num correr de casas desbotadas. Deu um pontapé no gato de Marge que lhe rondava os pés e dirigiu-se para a paragem do autocarro. Era o princípio da tarde e fazia muito calor. Herbert sentiu raiva por não possuir um carro. Toda a gente em Los Angeles tinha um carro. Na semana anterior tivera um belo e reluzente Chevrolet cinzento mas tinham-lho levado por falta de pagamento das prestações.

Herbert era um homem magro, de altura média, cabelo castanho e feições duras. Não era atraente, nem sequer feio, tinha um ar absolutamente normal. Era o tipo de homem que passava despercebido, isto é, a menos que fixasse as pessoas com os seus olhos oblíquos castanhos que provocavam arrepios. Eram maus e cruéis.

Na paragem do autocarro estava uma jovem mexicana que ele olhou com ar apreciativo. Demasiado magra e nova, mas virgem, disso tinha A certeza. Encostou-se bem a ela quando subiram para o autocarro e ela voltou-se para trás, surpreendida. Ignorou-a e sentou-se ao lado de uma matrona gorda, provavelmente governanta de alguma estrela de cinema. Não, se fosse, teria o seu próprio carro.

Havia um cheiro a suor seco e Herbert franziu o nariz em desagrado. Tomara um duche antes de sair de casa. Às vezes, fazia-o quatro ou cinco vezes por dia. O homem que realmente admirava era Tiny Tim porque lera algures que tomava banho cada vez que mijava. Herbert admirava tanta limpeza.

A matrona grande mexeu-se no seu lugar. Não estava a gostar da pressão da perna de Herbert. Mas ele olhava em frente como se nada fosse e ela ficou sem saber se ele estava a fazer de propósito.

O saco velho usa ligas, pensou Herbert. Uma delas estava a magoá-lo. Moveu o braço contra o peito dela. Ela mexeu-se desconfortavelmente no seu lugar mas Herbert continuou a olhar impassivelmente em frente.

Na paragem seguinte a mulher levantou-se e Herbert ergueu os joelhos para ela passar por ele. Sentiu-lhe as nádegas e riu-se silenciosamente. Coitada da vaca, deixá-la ter uma boa emoção. Todas gostam, até as mais velhas.

Pensou com enlevo na carta que enviara à estrela de cinema, a ruiva sexy Angela Carter. Metera-a no correio a noite anterior e naquela altura já ela a devia ter lido. Conseguira a morada dela; essa era uma das vantagens do emprego onde trabalhava agora. Lá no escritório havia uma lista com a morada da maior parte das estrelas de cinema.

Trabalhara como motorista para uma agência de serviços contratada pela Radiant Productions. Quando se escrevia para as pessoas era muito importante ter-se a certeza de que elas próprias abririam as cartas.

Para Angela escrevera uma carta que explicava em pormenor o que gostaria de lhe fazer. Não poupara palavras e juntara um pequeno saco de plástico para dentro do qual se masturbara. Fora um dos seus melhores esforços literários e esperava que Miss Angela apreciasse.

O autocarro chegou à paragem e percorreu a pé o curto caminho até à Supreme Chauffeur Company.

A mulher acariciou o homem que se encontrava debaixo dela e passou-lhe os dedos pelas costas arqueadas.

Ela era de uma beleza que nada tinha de convencional. Cabelo comprido que enquadrava um rosto bronzeado. Os olhos, uma mistura de castanho e dourado. Boca grande e sensual.

Estavam deitados numa cama com lençóis de seda negra e um deles cobria a mulher quase até à cintura. Tinha um corpo maravilhoso, uma combinação de pernas compridas e boas curvas.

Suspirou e curvou-se para beijar o homem que também estava nu.

Um corpo firme e bronzeado com pelos no peito e muito músculo. Enquanto se beijavam ela esticou o braço e retirou debaixo da cama uma arma que lhe apontou à cabeça.

Terminado o beijo, sussurrou:

- Adeus, Mr. Fountain. Num movimento rápido ele afastou-a e retirou-lhe a arma da mão. Furiosa, ela caiu no chão, e olhou-o, com raiva.

Ele riu-se. - Pode ser que para a próxima tenhas mais sorte, querida, não estás a lidar com nenhum escuteiro.

Ela ergueu a mão para o agredir e uma voz gritou:

- Corta!

Sunday Simmons tapou o corpo com as mãos. Imediatamente a seguir apareceu a mulher do guarda-roupa que lhe pôs um roupão sobre os ombros.

Abe Stein, o realizador, aproximou-se. Era gordo e mascava um charuto mal cheiroso. Falou para o homem que estava deitado sobre a cama.

- Desculpa, Jack. São mamas a mais.

Jack Milan sorriu. Tinha quarenta e nove anos bem conservados cabelo negro e um sorriso que o mantinha na crista da onda havia vinte anos.

- Para mim nunca são mamas a mais, meu velho.

Toda a gente ali à volta se riu, excepto Sunday que continuou no meio do chão, enrolada no roupão.

Por que raio tinha concordado em fazer aquele filme? Em Itália e na maior parte dos países europeus era considerada uma estrela, ali, em Hollywood, era tratada como se fosse uma desconhecida.

Abe dirigiu-se-lhe.

- Olha querida, sei que tens aí um bom par de mamas, mas mantém-nas viradas para Mr. Milan, está bem?

- Desculpe -disse ela, contraída. - Mas quando ele me atira para o chão é muito difícil. Talvez se me deixassem pôr alguma coisa em cima, como eu queria...

- Não, isso ainda era pior.

Ele referia-se aos autocolantes que algumas actrizes insistem em usar em todo o tipo de cenas de nus. Tinham a cor da carne e agarravam-se aos mamilos. Sunday pedira para os usar, mas o seu contrato exigia que ela obedecesse às indicações da produtora e esta não autorizava postiços. Por isso, ali estava, unicamente com um par de cuecas, exposta aos olhos de toda a equipa que parecia ter duplicado naquele dia. Detestou pensar que teria de despir novamente o roupão. Como se lhe lesse o pensamento, Abe disse:

- Deita-te lá na cama para eu te explicar o que quero. Importas-te, Jack?

- Se me importo? Dá-me um uísque e um cigarro e repito a cena durante todo o dia.

Houve mais gargalhadas e Sunday despiu relutantemente o roupão. Tentou esquecer os rostos que a observavam.

Meteu-se na cama, com metade do corpo dentro dos lençóis e a outra metade sobre Jack Milan.

- Então vamos lá filmar em câmara lenta - disse Abe. - Mostra lá como é que a afastas de cima de ti.

Os braços fortes de Jack ergueram-se lentamente e puseram-na de lado. Os braços gordos de Abe também a agarraram.

- Tenta mantê-la assim - disse Abe. - Isso mesmo, maravilhoso. Agora no chão, querida, quando lhe fores bater certifica-te de que estás de costas para a câmara. Assim.

Mais uma vez lhe mexeu no corpo e ela teve a certeza que as mãos dele passaram propositadamente pelos seios.

- Vamos fazer um intervalo para o almoço.

Voltou-se para Jack Milan que saiu da cama, com uns calções laranja e meias a condizer.

- Quero toda a gente aqui às duas horas em ponto. Anda lá, Jack, pago-te um uísque.

Sunday dirigiu-se lentamente para o camarim. Estava à beira das lágrimas. Era tão humilhante ser tratada daquela maneira.

Pensara que fazer um filme de Jack Milan fora uma boa idéia, mas acabara por ser apenas mais uma, num filme de espionagem com muitas mulheres. Mostrara-se tão ansiosa por sair de Roma que mal olhara para o script. E quisera conhecer Hollywood. O sítio mais perto que conhecia era o Rio, onde nascera.

Sunday tivera uma infância feliz. O pai era sul-americano, a mãe francesa e as duas nacionalidades eram bem compatíveis.

Aos dezasseis anos decidira ser actriz e persuadira os pais a mandá-la para uma academia dramática em Londres. Era a melhor que havia e foram tomadas medidas para que Sunday ficasse em Londres com a irmã mais velha da mãe, a tia Jasmin. Claro que regressaria ao Rio nas férias ou então, se não se desse bem em Londres, regressaria de imediato.

Acabou por não fazer qualquer diferença que se desse bem ou não. Os pais morreram num acidente de viação passados dois dias.

Sunday ficou despedaçada. Culpou-se, argumentando que se lá estivesse aquilo podia não ter acontecido.

O pai não deixou praticamente dinheiro Nenhum. Generoso, vivera sempre à grande, gastando e emprestando em todas as direcções.

Depois do funeral Sunday resolveu ficar em Londres e continuar os estudos. Tinha alguns milhares de libras deixados pela mãe.

Teve de se adaptar a uma vida diferente. Um pequeno apartamento em Kensington, o clima mais frio e a tia Jasmin para quem mostrar um pouco de afeição era pecado.

Sunday achou tudo estranho e preocupante. Tinha necessidade de amor e afeição e parecia que não havia ninguém para quem se virar.

Atirou-se ao trabalho na academia.

Andava lá havia ano e meio quando conheceu Raf Souza.

Raf era um jovem dinâmico e o mais procurado fotógrafo do momento.

Apareceu na escola com três modelos, umas raparigas magrinhas, um cabeleireiro, um arsenal de equipamento e três cães enormes. Obtivera autorização para utilizar o interior da academia, com estudantes como figurantes para um trabalho a aparecer na Vogue.

Nessa altura Sunday usava o cabelo liso e apanhado atrás. Vestia-se de acordo com o frio, usando, pelo menos, três camisolas e um par de calças largas. Não usava maquilhagem.

Raf reparou logo nela, fê-la soltar o cabelo e ajoelhar ao pé dos cães, olhando para as modelos.

Ela ficou secretamente deliciada, mas para as outras estudantes fingiu que tinha sido uma maçada.

Quando Raf acabou o trabalho entregou-lhe um cartão e disse:

- Se queres uma fotografia, aparece amanhã por volta das seis. O estúdio de Raf ficava num dos extremos de Fulham Road e levou

muito tempo a encontrar. Ele mal a olhou quando ela chegou, limitando-se a atirar-lhe as provas de contacto.

Ela examinou-as com atenção. Como o seu rosto parecia não ter expressão junto ao dos modelos. Que desajeitada, com todas aquelas camisolas em cima.

- Que idade tens? - perguntou Raf como que por acaso.

- Quase dezassete. Porquê?

- Curiosidade. Tenho uma idéia que era capaz de ser boa para ti. Queres fazer uns testes?

- Sim, quero.

- Se ficarem bem, significa que vais ter de passar uma semana no estrangeiro com as despesas pagas e mais cem libras.

Raf não era estúpido. Pagavam-lhe mil pelo trabalho e se levasse uma verdadeira profissional conseguiria mais de cem. De qualquer modo via que a rapariga tinha muito potencial. Aquela pele fabulosa, fotografada a cores faria um milhão de dólares, e com o penteado e maquiIhagem certas, ficaria um espanto. Estava farto de rostos vulgares. Pareciam-se todos. Aquela rapariga poderia ser uma diversão.

Raf, durante a sua curta carreira fora para a cama com muitos dos melhores modelos fotográficos, editoras de revistas e, de forma geral, qualquer fêmea que lhe pudesse trazer vantagens. Era robusto, desleixado e tinha um sorriso gaiato que atraía as mulheres. Usou-o com Sunday.

- Que achas? Não tens problemas familiares? Ela pensou que ele era muito simpático.

- Sim, tenho a certeza que posso. O período acaba amanhã, e não tenho planos definidos.

- Óptimo. Vamos então, começar. É melhor despires a roupa. Dou-te uma camisa para pores por cima. Olha, solta o cabelo. Fica bestial assim puxado para trás.

Ela começou a pensar. Que tipo de fotografias queria ele tirar, afinal? Hesitou quando ele lhe atirou a camisa. Ele apercebeu-se da hesitação dela.

- Vão ser fotografias de moda. Preciso de ver se tens um corpo por debaixo disso. Muda de roupa lá em cima, se quiseres - disse, enquanto se ocupava com a máquina fotográfica.

Raios! pensou Raf. Desta vez tinha acertado. A rapariga era magnífica. Tinha o par de pernas mais jeitoso que ele já vira e imaginou logo as fotografias loucas que podia fazer com ela. Os seios adivinhavam-se através da blusa e tinha um andar muito especial. Muito, muito sexy.

Passou uma hora a tirar fotografias. Ela pousava com naturalidade. Estava morto por a ver sem a camisa. Além de lhe achar graça, ela ia fazer com que o trabalho saísse mesmo bem. Acertaram os pormenores e foram para Marrocos.

Raf, que se servia das mulheres segundo a sua conveniência, estava completamente fascinado por Sunday.

Devido à situação da tia, Sunday cada vez passava mais tempo com ele. No décimo sétimo aniversário, festejou os anos com ela e passado pouco tempo passaram a viver juntos. A tia Jasmin aceitou a mudança da mesma forma com que aceitava tudo na vida: de lábios cerrados e silenciosos.

- Vou-me mantendo em contacto - prometeu Sunday.

A tia Jasmin limitou-se a encolher os ombros desaprovadoramente.

Raf era a primeira pessoa de quem Sunday se sentia verdadeiramente próxima desde que os pais tinham morrido. Viviam juntos havia vários meses, Sunday a acabar o período na academia e Raf a continuar com o seu trabalho. Então apareceram as fotografias de Sunday em Marrocos e a revista foi inundada com telefonemas que queriam saber quem ela era. Apareceram ofertas para fazer um anúncio a um champô, a uma pasta de dentes e uma empresa cinematográfica convidou-a para fazer um teste.

Raf ficou mal disposto e Sunday maravilhada.

A revista quiz que Raf arranjasse de imediato outra sessão com ela. Convenceu-a a não aceitar os anúncios, embora fossem bem pagos. Mas ela insistiu em fazer o teste para o cinema.

Raf levou-a para Roma e enquanto tiravam fotografias ela apaixonou-se pela cidade. Fez-lhe lembrar o Rio.

Quando regressaram ela participou no filme para que fizera o teste. Raf resmungou com ciúmes por ter de a partilhar. Pela primeira vez desde que viviam juntos, arranjou outras mulheres, embebedava-se antes de entrar em casa e ridicularizava-a à frente dos amigos.

Ela não entendia a razão por que Raf se tornara tão azedo. Que fizera de mal?

Mas ele não podia explicar que tinha um medo terrível de a perder.

Fez mais alguns pequenos papéis e então apareceu o primeiro filme e recebeu logo oferta para fazer um filme em Roma.

- Aceita - disse Raf, com amargura. - De qualquer modo está tudo acabado.

Sunday alcançou grande sucesso em Roma, aparecendo em filmes que mostravam os seus atributos físicos. Todas as idéias de se tornar numa "actriz" ficaram para trás. Gostava da excitação e das atenções de que era alvo para onde quer que fosse. Os homens italianos perseguiam-na mas o coração dela continuava com Raf. Fora o seu primeiro homem e amara-o. Julgava que ele também a amara.

Depois, apareceu Paulo. O conde Paulo Gennerra Rizzo. Só havia de trazer problemas.

- Miss Simmons - ouviu-se uma pancada na porta do camarim.

- Miss Simmons, pede-se para comparecer no local das filmagens.

Automaticamente verificou a aparência ao espelho e apercebeu-se vagamente de que não almoçara. Bem, lá ia de novo para junto dos encantadores Abe Stein e Jack Milan que não lhe tinham dirigido uma única palavra. Que bela maneira de começar o primeiro dia de trabalho em Hollywood.

No estúdio havia imensa actividade. Constava que ia haver a cena de nus e pequenos grupos de homens em quem ela não reparara antes tinham-se aglomerado aos cantos. Também reparou que havia mais máquinas de filmar e fotografar. Nem Jack Milan nem Abe Stein se encontravam lá.

Um maquilhador com quem discutira nessa manhã, aproximou-se. Fora uma discussão estúpida. Ela pedira para fazer a sua própria maquilhagem, como sempre, e o homem recusara. Isso aborrecera-a, pois conhecia o seu rosto muito bem, melhor do que alguém que só a olhara durante cinco minutos. Insistira e o homem saira do camarim em fúria, dizendo entre dentes "estrelazinhas estrangeiras e ordinárias".

Naquele momento aproximou-se com as pinturas e uma esponja na mão e disse:

- Dispa o vestido. Preciso de verificar a maquilhagem do corpo. Ela olhou para o homem que tinha levado para ali uma porção de mirones.

- Onde está a mulher que fez esse trabalho esta manhã? perguntou.

- Noutro estúdio. Não se arme em púdica. Já toda a gente lhe viu as mamas.

Sentiu o rosto a ferver e preparava-se para sair quando deu de caras com Jack Milan e Abe.

- Para quê tanta pressa, querida? - perguntou Abe, com a mão sapuda. - Vamos lá a fazer a cena.

Sentiu de repente a convicção de que não seria capaz de despir o roupão em frente daquele grupo. Disse para Abe:

- Em Itália, quando filmávamos uma cena destas, toda a gente saía do estúdio, só ficavam os técnicos essenciais... Queria que isso também fosse feito aqui, por favor.

- Ai querias? - perguntou Abe, tossindo e cuspindo. - Isto aqui não é a Itália, minha filha e estes tipos são todos precisos.

Sunday, que raramente perdia a cabeça, ficou doida.

- Nesse caso, podem filmar a cena sem mim. Não sou nenhum animal para ficarem aí especados. Sou uma actriz.

- Ah! - rosnou Abe. - Uma actriz, com que então? Uma actriz que nem sabe afastar as mamas da câmara. Não te armes em importante comigo, querida. Tens um contrato, lembras-te?

- Sim, lembro-me bem. No entanto, não posso trabalhar nestas condições. Lamento.

E com isto saiu.

Era a primeira vez que alguém saía de um filme de Jack Milan.

Charlie Brick e a rapariga estavam sentados lado a lado num restaurante mal iluminado que dava para Park Avenue, com vários criados à volta, prontos para saltar ao menor sinal.

Bebiam o café, a rapariga avidamente, com os olhos brilhantes a percorrerem a sala. Era jovem e bonita. Charlie era muito mais velho, estava perto dos quarenta. Tinha um rosto comprido e triste e usava óculos muito graduados.

- Quem dera que a mama me pudesse ver agora - disse a rapariga, subitamente.

- O quê - perguntou Charlie, curvando-se sobre ela e agarrando-lhe a mão por debaixo da toalha.

- A mama - continuou a rapariga toda satisfeita. - Nem iria acreditar, eu sentada num sítio destes, contigo.

- Porque não? - perguntou ele, afastando-lhe a mão.

- Bem, sabes - riu a rapariga. - Eles nem queriam acreditar quando eu ganhei o concurso e vim para Londres. Lá na minha terra são um bocado quadrados. Por isso, podes imaginar o que iriam pensar se soubessem que eu estava sentada num restaurante destes com uma verdadeira estrela de cinema.

- És uma coisinha tão fofa. Ela mostrou-se satisfeita.

- Achas? - perguntou, cobrindo a mão dele com a sua. - A mama sempre disse que eu devia fazer filmes.

Olhou para ele com ar esperançado. - E tu, que achas? Ele largou-lhe a mão e chamou um dos criados.

- Acho que temos de ir embora. Tenho um encontro de manhã cedo.

- Oh! -exclamou ela com ar desiludido. - Julguei que me ias levar ao hotel.

- Fica para outra vez.

A atitude dele mudara. Estava agora distante e apressado. O criado aproximou-se.

- Tudo bem, Mr. Brick? Charlie levantou-se.

- Tudo óptimo, Luigi. Obrigado.

- Vi o seu último filme na semana passada, Mr. Brick. É muito engraçado. Foi um prazer tê-lo cá esta noite.

- Obrigado, Luigi.

Sairam para a noite londrina que estava chuvosa e fria. O porteiro apressou-se a dizer:

- Boa noite, Mr. Brick, o carro vem já aí. Um Bentley preto apareceu. Eles entraram.

- Obrigado, muito obrigado, senhor - disse o porteiro enquanto embolsava uma generosa gorgeta.

O carro arrancou silenciosamente.

- Para onde? - perguntou o motorista.

- Deixa-me no hotel, George e depois leva Miss Marymount a casa.

- Sim, senhor - respondeu George, permitindo-se um sorriso. Mais uma para levar a casa.

Seguiram em silêncio até ao hotel. A rapariga ia admirada com a súbita mudança de disposição dele.

- Não queres mesmo que eu suba? - perguntou quando chegaram.

- És muito gentil, querida, mas tenho que me levantar muito cedo. Telefono-te para a semana.

Saiu rapidamente do carro.

- Adeus.

Ficou a ver o carro afastar-se por entre o trânsito. Rapariguinha palerma, pensou, seria aquela a única razão por que saíam com ele. Acreditariam que ele se deixaria usar e as meteria no meio cinematográfico?

Quantas vezes já ouvira? E de quantas maneiras diferentes. A abordagem directa: Achas que arranjas maneira de eu fazer um teste? A deixa indirecta: o meu sonho sempre foi representar e a abordagem da actriz: o meu agente diz que sou a rapariga indicada para o teu próximo filme.

Lorna avisara-o, rira-se dele.

- Oh, sim, claro - dissera ela - tens montes de raparigas prontas para irem para a cama contigo. Mas, meu querido, será a ti que elas querem. Ou será Charlie Brick.

O divórcio tinha ocorrido havia um mês. Doze anos de casamento abalados. Lorna com outro homem. As crianças de um lado para o outro. E uma terrível solidão que não podia ser preenchida por muita gente que tivesse à sua volta.

Entrou no hotel. O recepcionista mandou logo o paquete ter com ele.

- Tem uma chamada de Hollywood, Mr. Brick.

- Atendo na minha suite - disse ele. O ascensorista ficou satisfeito por o ver.

- A minha filhita ficou encantada com a fotografia, Mr. Brick. Já viu quatro vezes o seu último filme.

Charlie sorriu, sempre satisfeito por ouvir elogios.

O telefone estava a tocar quando ele entrou. Era o seu agente Marshall K. Marshall, de Hollywood que queria saber pormenores acerca da chegada dele na semana seguinte. Conversaram durante um bocado e Marshall concluiu, dizendo:

- Charlie, então cá ficamos à espera de te ver no dia vinte e oito. Toda a gente comparecerá à recepção.

Fez uma pequena pausa e depois perguntou:

- Queres que te arranje umas miúdas? Não? Então, está bem. Despediram-se e Charlie desligou. Percorreu o quarto de um lado para o outro, inquieto. Parecia haver uma conspiração geral para o aborrecer. Não imaginava Robert Redford ou Michael Caine a serem interrogados sobre se queriam umas miúdas. Porquê ele? Oh, claro, sabia que não era propriamente um ídolo de matinês, mas tinha Os dentes todos e um rosto agradável, atraente até. E desde que tinha perdido peso para o último filme, então ainda estava em melhor forma. Afinal de contas ainda era jovem e nunca tivera dificuldades em arranjar miúdas que fossem com ele para a cama. Na verdade, até tinha dificuldade em se ver livre delas mais tarde. Um olhar rápido para o relógio.

- Meu Deus! Já é tão tarde? Não fazia idéia. E com esta deixa elas geralmente iam embora.

A suite estava fria e impessoal apesar da riqueza dos objectos espalhados. Máquinas fotográficas, livros, scripts, uma requintada aparelhagem estereofónica e montes de discos.

Não iriam lamentar a partida. Um quarto de hotel nunca dava a sensação de permanência.

O telefone voltou a tocar. Atendeu.

- Deixei a senhora em casa - disse o motorista. - Não pareceu muito satisfeita. Precisa de mais alguma coisa esta noite?

- Não - respondeu bocejando. - Acho que me vou meter na cama. Boa noite, George.

Desligou. Quase imediatamente a seguir o telefone voltou a tocar. A voz do outro lado era feminina e com um forte sotaque. Disse, em tom de reprovação:

- Querido, não telefonaste. Que aconteceu?

Kristen Sweetzer, uma candidata a actriz, de mamas grandes que ele conhecera numa festa na noite anterior e com quem vivera uma cena. Já estava um tanto pedrado e lembrava-se vagamente.

- Oh, olá querida - disse. - Desculpa, fiquei de te telefonar hoje?

- Sim, amor, mas por esta perdoo-te. Quando te vejo outra vez? Lembrou-se subitamente que não a suportava. Fazia-lhe lembrar

uma professora de ginástica mandona, com o seu sotaque gutural.

- Vamos para minha casa - dissera ela na noite anterior. Gostavas de ir? Vamos?

E ele fora.

- Ouve, querida - disse ele. - Um dia destes vamos jantar fora. Estou muito ocupado durante os próximos dias, mas depois telefono-te, está bem?

Ela suspirou.

- Esperava ver-te mais cedo. Ele não cedeu.

- Quinta ou sexta-feira telefono-te.

- Muito bem, mas acho que és um mauzão.

- Sim, querida, provavelmente tens razão.

Poisou rapidamente o auscultador, antes que ela continuasse com a conversa. As mulheres nunca paravam de o desiludir. Tanto quanto ele se lembrava sempre o tinham desiludido. Até a sua ex-mulher, Lorna, depois de tantos anos juntos, provara ser igual às outras.

A amargura dos últimos meses voltou à tona. As acusações de ambos os lados, os longos silêncios seguidos de discussões intermináveis. E, pior de tudo, o ódio e falta de interesse que Lorna parecia projectar em relação a ele.

Comprara-lhe presentes, jóias, peles, um automóvel novo. Ela aceitara tudo sem grande entusiasmo, da mesma forma que o aceitava na cama. Nunca fora de natureza muito apaixonada, mas nos meses que precederam a ruptura, muito menos. Numa noite memorável em que ele se encontrava em cima dela, tentando despachar a coisa o mais rapidamente possível, ela começara a chorar, com soluços convulsivos.

Ele retirara-se imediatamente e sentira nessa altura não ser possível haver um fosso maior entre eles.

Quando pensava em Lorna imaginava talvez que ela tivesse todos os atributos que uma mulher deveria ter. Mas ter-se-ia ele portado tão mal que ela não lhe pudesse perdoar?

No fim, fora ela quem acabara e não ele.

Deixou de pensar no passado e voltou o espírito para o futuro.

Charlie Brick, um nome conhecido por milhões de pessoas. Fizera muitos filmes. Muito dinheiro. Nada mau para quem tinha começado pelas salas de variedades como comediante, ganhando quinze libras por semana. Se assim o quisesse, poderia não trabalhar mais durante o resto da vida. Era uma sensação confortável.

A mãe vivia numa bela casa de Richmond, com duas criadas, um automóvel e motorista. Os seus dois filhos tinham dinheiro a prazo em seu nome. Fora ele quem insistira. Lorna não quisera um tostão, mas ele fizera questão de que as crianças ficassem materialmente bem defendidas.

Do lado material as coisas não podiam estar a correr melhor.

O novo filme devia ser interessante. O realizador era um velho amigo. A protagonista feminina, Michelle Thomas, também era uma velha amiga mas de forma diferente, Michelle era uma estrela importante, uma mulher grande e voluptuosa. Fora descoberta no sul de França, vestindo um biquíni aos dezanove anos, e passados dez anos tinha ganho reputação internacional, como actriz e como mulher. Charlie conhecia-a havia cinco anos, quando a sua carreira como actor corria muito bem e a dela começava a empalidecer.

Pela primeira vez num filme, em vez de desempenhar um papel cômico, fora-lhe dado um papel também romântico. As mulheres passaram a vê-lo no papel de amante. Se servia para fazer amor com Michelle Lomar, então também servia para elas.

Começou a receber cartas e a sua carreira deu um salto.

Foi o princípio do fim no que respeitava a Lorna e ele. O início da sua ligação com Michelle alterara-lhe a vida. A princípio não queria acreditar que um famoso sex-symbol, provavelmente a mais famosa de toda a Europa, se interessasse por ele. Mas por acaso interessara-se. A maior parte das adaptações tinham sido feitas por ela. Tinha um marido que muito convenientemente vivia em Paris só aparecendo ocasionalmente.

- És um homem maravilhoso - costumava ela sussurrar-lhe. Um grande amante, o melhor.

Nunca ninguém lhe dissera aquilo antes. Sentia que não era nada de especial na cama. Mas Michelle alterara tudo. Fizera-o sentir-se como um rei.

Claro que o seu casamento se ressentira. Começou a chegar a casa cada vez mais tarde. Aos fins-de-semana dizia que tinha de trabalhar. Por fim, já quase não via Lorna; acontecia viverem na mesma casa.

De vez em quando viam-se o tempo suficiente para trocarem alguns insultos.

Lorna:

- Sei muito bem que andas a fornicar com a vaca francesa. Charlie:

- Não te percebo. Como podes dizer uma coisa dessas? Lorna:

- És como um cão atrás de uma cadela com cio. Fazes cá uma figura de parvo.

E assim continuavam as coisas, discussão após discussão, insulto após insulto, até que um dia as coisas tiveram outro desfecho. Charlie tencionava ir ter com Michelle a França. Ela partira duas semanas depois de ter acabado as filmagens e falavam diariamente ao telefone.

- O meu marido vai para o sul durante dez dias - disse-lhe ela, por fim. - Como ele parte amanhã, podes vir.

O azar foi que isto coincidiu com o aniversário da filha e Lorna preparava uma festa. Disse-lhe que tinha de partir imediatamente para discutir os planos de um filme.

Ela olhara para ele, longa e duramente.

- Se vais - disse - então agüenta as conseqüências. Quando regressou as coisas estavam diferentes. Deixou de haver

discussões pois Lorna quase nunca lá estava. Saía logo que ele entrava. Passava as noites fora, não se dando ao trabalho de dizer para onde ia.

Ele não a interrogava. Estava demasiado entretido com Michelle. A sua carreira continuava em sentido ascendente. Conseguiu a invejável posição de poder escolher os filmes. As críticas eram sempre as melhores: "Charlie Birck brilha de novo", "Brick salva o filme", "O gênio cômico de Charlie Brick".

Lorna e ele decidiram mudar-se da sua casa de subúrbios para um luxuoso apartamento em Kingsbridge. A ligação com Michelle tinha praticamente terminado, devido ao facto de se encontrarem a trabalhar em países diferentes, e os encontros começarem a ser impossíveis. Claro que se apercebeu que fora um parvo. E a culpa era toda sua. Mas o facto de poder fornicar com Michelle Lomar fora de mais para ele. De certa forma até sentia que talvez por isso Lorna e ele se pudessem aproximar.

Ela não pensava assim. Mantinha-se fria e distante apesar das atenções dele.

Resolveu comprar o apartamento na esperança de que um novo ambiente os juntasse de novo. Lorna não se mostrou entusiasmada. Insistiu em contratar um decorador de interiores e encarregou-o de tudo.

Duas semanas depois de terem feito a mudança Charlie teve que se deslocar a Espanha. Quando regressou, Lorna tinha-se mudado. Deixara as crianças e um bilhete curto que dizia: "A culpa é toda tua. "

Desaparecera sem deixar rasto e Charlie levou duas semanas a encontrá-la. Um detective privado descobriu-a num hotel de Bayswater. na cama com um enfezado desempregado. O detective tirou fotografias e o caso ficou resolvido. Mais um divórcio.

A princípio Charlie não queria acreditar que Lorna o tivesse trocado por um zé-ninguém. Que raio, o homem nem sequer era atraente.

Mas Lorna parecia não se importar com nada.

- Vá lá, divorcia-te - dizia-lhe. - Vai ser um prazer.

Ficou com as crianças, a ama, o motorista e um apartamento de luxo.

Custou-lhe a aceitar a situação. Tinha rompido com Michelle. Queria Lorna. Ela era sua mulher. Não perceberia isso? Estava disposto a perdoar-lhe a aventura com o desempregado. E ela também poderia perdoar-lhe, não? Pelas crianças, deveria dispôr-se a fazer mais uma tentativa. Mas ela não quis saber disso. Foi viver com o namorado e passado pouco tempo o seu advogado pediu a custódia das crianças. Sendo a lei o que é, conseguiu ficar com elas, mas Charlie podia vê-las sempre que quisesse. Vendeu o apartamento e mudou-se para uma suite de hotel. Passava longas noites sozinho, às vezes a fixar a parede, às vezes pedrado com erva.

Havia muitas raparigas. Passava uma noite com uma corista, a noite seguinte com outra mulher cujo marido se encontrava fora da cidade.

E todas o desiludiam. Todas tentavam servir-se dele de uma maneira ou de outra.

A todas elas contava a mesma história: como se sentia infeliz porque a mulher o tinha trocado por outro homem. Como a vida e o êxito só valiam a pena quando eram partilhados.

As mulheres com quem saía mais do que uma vez quase esperavam que ele as pedisse em casamento. Fazia sentir cada uma delas como se fosse a mulher dos seus sonhos. Mas tratava-as mal, deixava-as à espera, nunca telefonava a não ser quando lhe apetecia, o que por vezes acontecia às duas da manhã. Sentia que de certa forma se estava a vingar de Lorna. Uma mulher diferente todas as noites. Mas nenhuma delas significava nada.

Tudo era muito diferente dos tempos em que andara atrás de Lorna. Nessa altura ela fizera-o passar um mau bocado. Tinham-se conhecido numa festa em Manchester. Lembrava-se nitidamente das primeiras impressões, pois ela era muito diferente das outras raparigas. O cabelo loiro pálido, severamente apanhado atrás, óculos graduados que lhe davam ao rosto um ar patético. Não usava maquilhagem e era um pouco atarracada. Não era, definitivamente beleza nenhuma, mas para Charlie era maravilhosa. Um ano depois estavam casados e passavam a lua de mel no melhor hotel de Manchester, uma extravagância que quase não tinham dinheiro para pagar mas que Charlie pensara ter valido a pena. Não valeu.

Embora Charlie saísse com ela havia um ano, não se tinham visto muito. A maior parte do tempo ele andava em viagem pelo país. Ela vivia com a família e dissera-lhe claramente que não haveria "nada para ninguém", enquanto não estivessem casados.

Foi essa uma das razões que o levou a casar mais depressa. Estava a safar-se bem por outros lados e a idéia de casar com uma rapariga e ter filhos era agradável. Além disso, ela parecia gostar dele. Aos vinte e um anos Lorna era ainda virgem, e, pelo andar das coisas, parecia que ia continuar a sê-lo. Despia-se no quarto de banho e recusava-se a sair antes de as luzes estarem apagadas. Enfiava-se então rapidamente na cama e quando Charlie saía do quarto de banho, lavado e preparado, fingia estar a dormir, embrulhada nos cobertores e com a camisa de dormir vestida.

Ele metia-se na cama ao lado dela. Passados dez meses de convívio ainda eram estranhos no que respeitava ao conhecimento do corpo de cada um.

- Estás a dormir? - sussurrou ele, tentando mexer-lhe por debaixo da camisa de dormir justa. Não obtinha resposta.

Tocava-lhe os seios e brincava com eles, gentilmente. Ela continuava como que adormecida, com os olhos fechados.

Para ele era muito excitante acariciar aquele corpo tão estranhamente imóvel. Ficava excitado tão rapidamente que puxava a roupa da cama e lhe arrancava a camisa de dormir.

Ela abria os olhos e começava a protestar.

Era a única virgem que ele conhecia e estava tão entusiasmado que se esqueceu que para ela era a primeira vez.

Penetrou-a sucessivamente cada vez com mais força, até que finalmente parou com um estremecimento e se deixou cair sobre ela, exausto.

Ela deixou-se ficar ali a soluçar, até que o som do choro começou a mexer com ele. Estendeu a mão, preguiçosamente e acariciou-a - Pronto - disse, ternamente. - Está tudo bem.

-Não está nada bem - respondeu ela, entre soluços.

- De que estás a falar? - perguntou ele, genuinamente surpreendido. - Amo-te. Sei que a primeira vez não é bom e quanto mais depressa acabar, melhor. Da próxima vez vais adorar. Mas a próxima vez não ocorreu durante meses, e quando finalmente ela consentiu, foi contrariada. Nas poucas ocasiões em que fizeram amor ela deixou-se ficar debaixo dele, rija como uma pedra. Talvez se o comportamento dela tivesse sido outro, não houvesse Michelle nenhuma...

As coisas melhoraram quando Charlie arranjou um emprego em Londres. Foi num clube nocturno de segunda ordem, mas sempre era melhor do que andar de cidade em cidade. Lorna ficou satisfeita. Alugaram um pequeno apartamento em Old Compton Street e embora não fosse mais do que uma assoalhada grande, era algo de permanente. Tirando a sua vida sexual, as coisas corriam bem. Charlie manteve-se no clube durante três anos. Foi lá visto uma noite por um produtor americano que foi ter com ele aos bastidores.

- Quero que amanhã vá ao meu escritório e leia o papel de Bernie, o Chulo, do meu novo espectáculo. É um papel pequeno mas dá muito nas vistas.

Charlie tentou argumentar que não era actor, mas o produtor atirou-lhe o cartão e disse que não fazia mal. No dia seguinte leu o papel e conseguiu-o. Depois de seis semanas em tournée, o espectáculo fixou-se em Londres e Charlie com o seu "pequeno papel", saiu em todas as críticas. O espectáculo acabou, mas Charlie saiu dele em beleza.

Arranjou um agente e lenta mas firmemente as coisas começaram a acontecer. Um outro espectáculo, onde foi completamente aplaudido pela crítica, um pequeno papel num filme, um outro papel, também muito bem recebido. Uma aparição na televisão que se tornou numa série de grande êxito. Uma peça. Mais alguns filmes e depois o grande furo: uma importante comédia britânica em que ele tinha o papel principal. A partir daí nunca mais olhou para trás.

Depois do êxito no seu primeiro espectáculo, Lorna engravidou e tiveram um filho, Sean. Dois anos mais tarde, uma rapariguinha, Cindy. Mudaram-se para uma casa enorme em Wimbledon e tudo correu bem até ao filme com Michelle.

Charlie perguntou-se como Michelle o iria receber. Tinham decorrido dois anos desde a última vez que se tinham visto. Estava farto da procissão de raparigas, dispostas a irem com ele para a cama ou a serem vistas na sua companhia. Uma mulher como Michelle era diferente. Graças a Deus.

Agarrou num argumento que se encontrava sobre a secretária Gostava de ler tudo o que lhe mandavam. Assim, não havia hipóteses de lhe escapar alguma coisa boa que pudesse ir parar às mãos de outro actor.

Começou a ler. Pensou em Lorna. Deprimia-o, mas passado pouco tempo ficou absorvido pela leitura e depois adormeceu.

Carey St. Martin era uma rapariga negra, alta e atraente, de vinte e oito anos. Usava o cabelo apanhado atrás, à Vidal Sassoon, as suas roupas eram elegantes e pareciam caras. Fumava vinte cigarros por dia, conduzia um Thunderbird bege-pálido e vivia num elegante apartamento de três assoalhadas.

Carey tinha-se safado muito bem. Era um dia quente de Junho e o nevoeiro pairava sobre Hollywood como uma enorme teia de aranha.

Carey bocejou. Que chatice a agência tê-la escolhido para persuadir Sunday Simmons a voltar para o filme. As estrelas eram sempre a mesma coisa. Engraçadinhas, estúpidas, pedaços de carne que tinha ido para a cama com o número suficiente de tipos para conseguirem entrar num filme. Carey sentia-se orgulhosa por pensar que não precisara de ir com ninguém para a cama para chegar onde estava.

Deteve-se num sinal encarnado e um homem que conduzia um Lincoln tentou galá-la. Ignorou-o e abriu mais o ar condicionado. Que calor estava. Carey trabalhava para Marshall e Marshal, um dos maiores agentes da cidade. Começara como secretária havia sete anos e desde há dois que era sua representante pessoal, tratando de alguns dos clientes dele.

Na verdade, há já algum tempo que Carey pensava em se estabelecer por conta própria. O que queria verdadeiramente fazer era montar uma agência - Carey St. Martin, Relações Públicas & Gestão. Incrível.

Estacionou o carro perto de Chateau Marmont onde Sunday estava hospedada e agarrou no contrato que estava sobre o banco ao seu lado. Estipulava que Sunday Simmons era contratada por Milan Productions de três a vinte e quatro de Junho. A cláusula três mencionava uma cena de nu do peito para cima, tal como estava escrito no script.

Carey perguntou-se qual seria o problema de Sunday. Deveria ter lido o contrato antes de o assinar.

Marshall dissera-lhe:

- Leva aquela pateta para o estúdio, e rapidamente. Se não aparecer até às quatro, sai do filme e eles provavelmente procuram-na. De qualquer modo, não vai conseguir arranjar trabalho em mais sítio nenhum. Estúpida cabra!

Carey pôs os óculos escuros e entrou no Chateau. Levava um fato de duas peças de linho verde, comprado no Orbach, cópia de um modelo parisiense.

- Sim? - perguntou a velhota da recepção. Perguntou onde ficava o quarto de Sunday. Era engraçado como o átrio do Château fazia sempre recordar um pedaço de Hollywood dos velhos tempos. Sombras de "Sunset Boulevard".

Sunday ocupava uma suite no quinto andar e Carey tomou o elevador decorado de novo. Pelo seu espírito passaram as imagens de um escritório para alugar que visitara a semana anterior. Tencionava mesmo separar-se de Marshall.

Sunday abriu a porta. Vestia uma túnica cor-delaranja, tinha os pés descalços e ainda trazia a maquilhagem do estúdio.

Carey sentiu um impulso magnético ao ver o rosto da rapariga. Estendeu a mão e disse:

- Olá, sou Carey St. Martin. Marshall e Marshall mandou-me cá para ver se conseguimos resolver o problema.

- Então é melhor entrar.

Os olhos grandes de Sunday estavam turvos.

Levou Carey para a sala que estava apinhada de roupas e malas abertas. Carey não chegou a perceber se ela estava a fazer as malas ou a desfazê-las.

- Quer uma coca-cola? Acho que não há gelo.

- Óptimo. vou buscá-la.

- Não, deixe estar - disse Sunday dirigindo-se para a cozinha.

Carey sentou-se e desdobrou o contrato. Perguntou-se se Marshall conhecia a rapariga.

Sunday regressou com um copo na mão, que lhe estendeu.

- Desculpe tudo isto - disse. - Sei que parece que me estou a fazer difícil mas tenho de lhe explicar.

- com certeza, claro - respondeu Carey, admirada. Não esperava aquele tom contrito. - A propósito, se se apresentar no estúdio às quatro horas, tudo ficará resolvido.

- Desculpe, mas não posso voltar. A não ser que as coisas sejam diferentes.

- Sabe que assinou um contrato?

- Sei. Toda a gente passa a vida a lembrar-me isso. Mas tenho certos princípios e um deles é ser tratada como um ser humano, não como uma peça de carne. Deixe-me contar-lhe. Como mulher que é, tenho a certeza que compreenderá.

No fim até sentiu pena dela. Que bando de aldrabões eram os homens, de uma maneira geral. Contudo, não mereciam que ela saísse do filme. Afinal, não era nenhuma estrela e só as estrelas podiam dar-se a esse luxo. Além de que havia ainda o contrato a considerar.

- Olhe querida, sei que é duro. Mas os tipos não são mal intencionados e você concordou em tirar as roupas. E se eu fosse até ao estúdio, desse uma palavrinha a Abe Stein e lá ficasse consigo?

Sunday abanou a cabeça teimosamente.

- Não, não volto. A não ser que Mr. Stein peça desculpa e as filmagens não tenham espectadores.

Carey suspirou.

- Está a pedir o impossível.

O telefone tocou e Sunday atendeu. A telefonista disse:

- O Hollywood Repórter está na linha, e tenho mais três jornais à espera.

Ela voltou-se para Carey.

- Os jornais. Que lhes digo? Carey agarrou no telefone.

- Deixe-me tratar disso.

Como raio tinham sabido as coisas tão depressa? Respondeu com suavidade. Não, Miss Simmons não estava disponível para prestar declarações. Sim, tudo se iria resolver. Não, não tinha discutido com Jack Milan. Sim, Miss Simmons voltaria a filmar nessa tarde.

- Por que não lhes disse a verdade? - perguntou Sunday, depois de Carey ter desligado.

- Porque, querida, se você for esperta, vai voltar para o estúdio. Não quer ter um processo nas mãos, pois não? E suponho que terá planos para voltar a trabalhar nesta cidade. Afinal de contas, hoje em dia toda a gente se despe.

Sunday riu-se.

- Carey, você é uma rapariga simpática, muito prestável, mas como obviamente não vamos chegar a acordo, acho que não deve perder mais tempo.

Carey olhou-a surpreendida. Estava a mandá-la embora? Que vontade de rir! Esperava entrar ali, lidar com uma actrizinha histérica, arrastá-la até ao estúdio. Em vez disso, encontrou uma rapariga que parecia saber o que queria, calma e decidida.

O telefone voltou a tocar e desta vez Sunday respondeu:

- Sim, sou eu. Sim, é correcto. Não, não volto a não ser que o realizador peça formalmente desculpa e Mr. Milan também. Acho que como mulher tenho todo o direito de ser tratada com respeito e...

Carey ouviu espantada. Tinha a sensação que Sunday Simmons ia ser uma grande estrela. Sentia-o.

A entrevista foi perfeita. Carey já a imaginava impressa. Abe Stein e Jack Milan iam aparecer como vilões e Sunday como a inocente.

Pronto, tinha feito o seu dever para com Marshall e Marshall. E se agora passasse a ver as coisas do ponto de vista de Sunday e se tornasse sua agente? Aquela rapariga era genuína.

Londres estava sob uma vaga de calor e Charlie sentia-se muito satisfeito por ter insistido em mandar construir uma piscina no jardim da casa da mãe.

Era fim-de-semana e chegara para passar o dia com as crianças que estavam a passar umas férias com a avó. Parecera-lhe que Lorna se mostrava demasiado ansiosa por se ver livre de Cindy e Sean sempre que podia. Era uma pena que o juiz não lhe tivesse dado a ele a custódia das crianças. Sean, com oito anos é alto e robusto, e Cindy dois anos mais nova era uma linda versão da mãe.

Charlie estava estendido numa cadeira comprida, ao lado da mãe vê-los brincar na piscina. Era uma mulher franzina, metida num bikini que mostrava a pele plástica e os peitos descaídos. Estava muito maquilhada - rouge de cor forte, sombra para os olhos verde e uma mancha de carmim na boca. O cabelo estava oculto sob um lenço ciclame e da boca saía-lhe permanentemente um cigarro.

- Para os meus sessenta anos estou muito conservada - costumava dizer. E, na verdade, quase sempre tinha à sua volta um "cavalheiro amigo". Charlie adorava a mãe. Que mulher, sempre feliz, vivendo a vida em todo o seu potencial. Serafina Brick, exilada dos casinos de variedades ingleses.

Charlie trouxera uma rapariga consigo. Chamava-se Polly Quinn. Pelo menos, não falava demais. Saiu da casa envergando um bikini minúsculo. Seios carnudos e rolos de gordura adolescente. Sentou-se na relva ao lado de Charlie.

- O tempo está bestial, não está? - perguntou, estendendo-se e desatando as tiras da parte de cima do bikini. Não se lhe ouviu outra palavra até ao almoço.

Natalie, Clay Allen e o filho de três anos chegaram ao meio-dia. Clay era um dos melhores amigos de Charlie, um ex-actor agora argumentista de sucesso. Conheciam-se desde os tempos do primeiro filme de Charlie. Natalie Allen era magra e atraente. Ela e Charlie tinham uma espécie de questão não resolvida. Ele sabia que ela lhe achava piada, mas sendo casada com Clay, nunca avançava mais. Uma vez, durante uma festa, em que ambos estavam bêbedos, tinham feito marmelada mas Charlie sentia-se envergonhado por esse lapso.

- Olá, querido - disse Natalie. - Que dia divino. Vou-me despir e atirar-me para a piscina.

Beijou-o na face e foi para dentro de casa mudar de roupa. Clay apontou para o corpo imóvel de Polly.

- Está a dormir - explicou Charlie. Clay piscou o olho.

- A noite foi difícil, calculo - disse, com um sorriso. Serafina gargalhou com ar entendido, enquanto Cindy e Sean se

aproximavam correndo para o cumprimentar. O almoço foi servido no jardim.

- Quem precisa de Hollywood? - disse Natalie, enfiando na boca colheradas de morangos com natas. - Isto é o céu Clay, por que não mandamos fazer uma piscina?

- Porque, meu amor, para duas semanas de Verão por ano, não vale a pena.

- Charlie achou que valia a pena. Se ele pode fazer, porque é que nós não podemos?

Clay pensou que por vezes Natalie conseguia ser muito chata.

- Vê lá se te sentas - disse Charlie, para a mãe. - A criada limpa isso.

Serafina riu-se jovialmente, revelando dentes estragados.

- Tenho muita energia nervosa - disse. - Não posso parar. É esse o meu segredo.

- Qual segredo? - perguntou Natalie.

- Juventude eterna, minha querida. Alegria e vitalidade. Natalie olhou para Clay que se apressou a desviar os olhos. Sabia

que ela estava a gozar a pobre senhora.

- Podemos ir nadar, papá? - pediu Cindy.

- Sim, vamos lá. Queres vir, Poli?

Polly acabara de almoçar. Levantou-se obedientemente e juntou-se a Charlie e às crianças.

- Que monte de banhas - comentou Natalie. - Na verdade, o Charlie não é muito exigente.

Clay estivera a admirar o traseiro de Polly.

- Achas mesmo? - perguntou. Natalie respondeu.

- Acho que gostas dela. Deve ser o teu tipo. Mamas grandes e grande cu.

Sim, não é pele e osso como tu, pensou Clay. Desde o nascimento da criança que Natalie fazia dieta sem efeito.

Na piscina, Cindy estava sentada às cavalitas de Charlie dando gritos de alegria. Ele deixou-a cair à água e ela pediu mais. Polly nadava de um lado para o outro da piscina. Depois saiu e estendeu-se sobre a relva.

Charlie juntou-se-lhe.

- Onde queres ir jantar hoje? - perguntou.

- Sou boa boca - disse ela, abrindo os braços para o sol. Isso sei eu, pensou ele.

- Bem, comemos qualquer coisa no meu hotel. Mando servir no terraço.

- Óptimo - respondeu ela com os olhos fechados.

Na verdade, ele já tinha deixado tudo preparado antes de sair. Champanhe no gelo. Caviar e natas, bife e espargos. Natalie aproximou-se.

- Em que dia te vais embora?

- Na quarta-feira!

- Mais duas semanas e vou lá ter contigo. É uma pena sair de Inglaterra com um tempo tão bom.

Charlie fez uma careta.

- Vai ser bom sair daqui.

Natalie poisou-lhe a mão sobre o ombro, compreensiva.

- Eu sei. Tem sido duro para ti.

Os olhos dele humedeceram-se. Era tão bom ter amigos.

- Tu entendes, não entendes, querida?

- Claro que entendo. E quando quiseres falar disso, não hesites em me telefonar. O Clay está sempre tão ocupado. Eu tenho montes de tempo livre. Se quiseres ir almoçar antes de partir, telefona-me. A sério, Charlie, fazia-te bem desabafar. Amanhã até estou livre. Olha, eu apareço lá no hotel ao meio-dia e conversamos.

- vou almoçar com o meu agente. És muito querida, mas...

- Sabes, - disse Natalie, fixando o espaço. - Acho que sou uma das poucas pessoas que conheceu a Lorna a sério. Costumávamos falar e ela confiava em mim.

- Confiava? - perguntou Charlie, logo interessado. - E que tal tomarmos chá amanhã? Acho que consigo estar no hotel por volta das três.

- Penso que é possível - disse Natalie, olhando para Polly que respirava pesadamente e parecia adormecida. - Mas não fales nisto ao Clay. Em princípio, vou visitar os pais dele.

O tempo manteve-se quente todo o dia e passava das sete quando Charlie e Polly saíram.

No hotel, Polly deixou-se cair numa cadeira e anunciou:

- Estou completamente exausta.

Charlie olhou-a surpreendido. Passara o dia deitada na relva sem se mexer.

Pôs a tocar uma cassete do Sérgio Mendez e ligou para a recepção para saber se havia recados. O seu espírito estava ocupado a pensar se Polly fumaria um charro. Precisava de algo que o descontraísse.

Da portaria disseram-lhe que Mrs. Lorna Brick telefonara duas vezes e pedia para ele ligar.

Charlie sentou-se calmamente junto ao telefone. Lorna telefonara-lhe. Lorna, que não falava com ele, excepto por intermédio dos advogados, havia anos. Esqueceu Polly, os charros e o jantar.

Talvez Lorna quisesse voltar. Talvez ele a aceitasse de volta.

Afinal tinham passado os dois por tanta coisa e havia ainda as crianças para considerar.

Sempre soubera que Lorna recuperaria o bom senso. Podia ir com ele para Hollywood, seria uma segunda lua-de-mel.

Olhou de lado para Polly, esparramada numa cadeira, com os olhos fechados.

- Ouve, querida, estou arrumado. Foi do sol. Vamos esquecer o jantar. Chamo-te um táxi.

Ela arregalou os olhos.

- Não estou assim tão cansada, Charlie.

Mas ele já estava ao telefone a chamar um táxi.

Quando Polly saiu ele começou a andar de um lado para o outro do quarto perguntando-se como é que havia de agir. Deveria mostrar-se duro e inflexível, amaciando à medida que a conversa progredisse? Ou deveria aquiescer imediatamente e dizer algo do gênero: - Ambos cometemos erros. Vamos esquecer isso e começar de novo.

Teve um momento de dúvida em relação ao motivo por que Lorna lhe tinha telefonado mas isso passou e ficou convencido de que o motivo só poderia ter sido um.

Discou o número sentindo-se inebriado. Era quase como telefonar pela primeira vez a uma pequena de quem se gostava.

Foi uma voz de homem que atendeu, o que o perturbou. Então o palerma ainda não tinha ido embora.

Lorna apareceu na linha com voz impessoal.

- Olá, Charlie. Obrigado por telefonares.

- Não tem importância - respondeu ele, sentindo-se pouco à vontade e ficando à espera que ela dissesse alguma coisa.

- Como vão as coisas?

- Bem, acho que está tudo bem. Estive até agora com a Cindy e com o Sean.

- Ouve, Charlie, quero pedir-te um favor. Lá vinha. Inspirou profundamente.

- Sim?

- Podia ter pedido à tua mãe, mas ela mal fala comigo. O que se passa é que me vou casar.

- Vais o quê?

A voz dela tornou-se fria.

- Vou-me casar e queria perguntar-te se as crianças poderiam ficar contigo na América a quinze de Junho em vez de vinte e nove. É que eu vou para África com o Jim e não vou cá estar quando acabarem as aulas. Pareceu-me que seria melhor eles ficarem contigo.

Charlie ficou estupefacto.

- Não vais casar com esse imbecil.

- Não vamos utilizar insultos infantis, por favor. Não suporto isso. Agora que já não temos nada a ver um com o outro não poderemos ser civilizados? Podes ficar com as crianças ou não?

- Sim, claro que posso. Até posso ficar com elas para sempre.

Lorna suspirou.

- Regressarão no final de Agosto, conforme combinado. Nessa altura já cá estou.

- Vaca estúpida! Por que razão vais casar com aquele palerma? É bom na cama? Tu até nem gostas disso, pois não?

- Adeus, Charlie. O meu advogado tratará dos pormenores. Desligou.

Ele ficou parado a olhar para o auscultador. Cabra estúpida! Como era possível ir casar com um enfezado rasco? Não tinha lógica, muito menos quando ele estava preparado para perdoar, esquecer e aceitá-la de novo. Raios, por que tinha mandado Polly embora? Do que estava a precisar era do corpo dela.

Era óptimo ser uma estrela de cinema, não era? Óptimo. Estar sentado numa suite de hotel sozinho, sem ter ninguém com quem foder. Talvez tudo fosse melhor se tivesse continuado a ser unicamente Charlie e não o Charlie Erick. O telefone tocou e ele interrogou-se abruptamente se seria Lorna a pedir desculpa. Não era. Era Kristeh Sweetzer.

- Pensei que tinhas ficado de me telefonar - disse ela num tom de reprovação. - Passamos uns bons tempos juntos. Quando te posso ver?

- Em breve, em breve. Mas esta semana é impossível. Amanhã vou para fora. Telefono-te quando voltar.

Perguntou-se por que razão estaria a mentir e a tentar ser simpático. Não tinha a mínima intenção de tornar a ver aquela égua.

- Charlie, és um rapazinho muito mau. Mas perdoo-te. Quanto tempo vais ficar fora?

- Não muito. Agora, tenho de ir. Até breve. Adeus.

Poisou o auscultador. Detestava aquelas mulheres que o perseguiam. Ou se excitavam com a idéia de estar com um astro do cinema ou tentavam arrastá-lo, insultando-o e aos seus filmes, na esperança de que isso as tornasse mais interessantes aos olhos dele.

Perguntou-se o que Natalie teria para lhe dizer no dia seguinte. Esperava que fosse alguma coisa com interesse. Decidido a não passar a noite só, telefonou ao motorista e disse-lhe que arranjasse um bom filme para verem.

George que gozava o seu dia de folga na cama com uma secretária gorducha, mandou-a embora com relutância e fez o que o patrão lhe mandava. Tinha um bom emprego, era mais um amigo do que um empregado. Estava com Charlie havia seis anos, e orgulhava-se de estar sempre disponível. com Charlie Brick nunca se sabia o que queria, e o que quer que fosse, George faria os possíveis para lho conseguir.

Sunday gostara imediatamente de Carey, por isso quando ela lhe perguntou se podia ser sua representante, ficou surpreendida e satisfeita.

Não queria sair do filme e também não queria voltar para Roma, mas queria que Abe Stein e Jack Milan apresentassem desculpas.

Quando Carey se apercebeu de que Sunday não iria ceder em relação a isto, acabou por concordar com ela.

E resultou! Se resultou!

No dia seguinte Sunday vinha nas manchetes dos jornais. Nada de especial acontecera. Os jornais andavam com falta de histórias e por isso alinharam. Sunday era a heroína e Abe e Jack os terríveis vilões.

Carey tratou de tudo. Concedeu pequenas entrevistas, arranjou entrevistas na televisão e no final da semana já Sunday se encontrava novamente a filmar. Abe Stein enviara-lhe uma carta curta, exprimindo a sua preocupação pelos sentimentos dela e pedindo desculpa. Fê-lo furioso mas consciente de que não tinha outra alternativa.

Jack Milan deu uma festa para a imprensa e excedeu-se em atenções para com Carey. Em privado, disse para a mulher: "aquela cabra ainda me pode dar cabo da reputação". Lera algumas cartas das suas fãs que tinham ficado chocadas com a forma como tratara Sunday.

Entretanto, o papel de Sunday no filme foi aumentado e a cena de nu foi filmada num cenário fechado, com Carey ali ao pé.

Apesar de Carey andar a dizer há algum tempo a Marsh al que se ia embora este continuava preocupado.

- Pelo menos dá-nos algumas semanas de pré-aviso - disse. Que vou fazer com o Charlie Brick a aparecer por aí e o contrato com Salamanda Smith? Já estou pelos cabelos.

- Foste tu quem me ensinou a ser dura neste negócio e a agarrar as oportunidades - disse Carey, debruçando-se sobre a secretária e abanando as pernas compridas.

- Desculpa, Marsh. Se quiseres, manda-me o Charlie Brick como cliente.

- Ouve, filha. com quem estás a brincar? Aqui não te safas. Já todos têm agente. Vai-te lixar.

- Veremos - disse ela, sorrindo. - A propósito, agora que sou a representante de Sunday Simmons, que tal ela tornar-se tua cliente exclusiva?

- Esquece isso. Já tenho que chegue. Ela é só mais uma. Vais aprender a lição e daqui por uns tempos estás de volta.

- Achas que sim? Não te sintas assim tão seguro. Bem, vou andando, pois tenho muito que fazer.

Marshall levantou-se e abraçou-a. Era um cinquentão bem vestido mas nada podia esconder o facto de ter uma perna mais curta que a outra.

- Bem, desejo-te sorte, querida - disse ele. - E acredita que bem vais precisar.

Quando acabaram as filmagens, Jack Milan decidiu dar uma festa na mansão de Bel Air. Sunday foi convidada. Detestava festas. Não gostava de beber, nem de conversar, nem de atiranços de bêbedos que tinham as mulheres ao lado.

Todos os importantes de Hollywood lá estariam. Logo a seguir à publicidade, fora abordada por vários actores conhecidos que a tinham convidado para sair, mas recusara-os a todos.

- Para que preciso deles? -perguntara a Carey. - Não me apetece ir a não ser com alguém de quem goste.

Carey encolheu os ombros.

- A tua vida pessoal é contigo. Faz o que quiseres.

E Sunday assim fez. Comprou um terrier Yorkshire e uma pilha de livros e todas as noites ficava em casa a ler.

Lembrou-se da sua última experiência com um homem, o marido, e não se sentiu com arcaboiço para novas relações. Por isso é que saíra de Roma.

Parecia que tudo tinha acontecido no dia anterior, e não três anos antes, quando fora apresentada ao conde Paulo Gennerra Rizzo. Estava em Itália havia sete meses e ainda pensava muito em Raf. Paulo conseguira finalmente fazê-la esquecer.

Ele era um romântico, um perito na arte de fazer com que uma mulher se sentisse maravilhosa. Apaparicava-a constantemente, inundava-a com flores, e mergulhava no olhar dela com ar de adoração. Quando entravam num restaurante toda a gente voltava a cabeça. Que par! A imprensa adorava-os, e Paulo adorava a publicidade. Casaram passados três meses.

Algumas semanas depois Sunday descobriu a verdade acerca de Paulo. Encontrou-o uma vez no quarto de banho, com o cinto à volta do braço, os olhos esbugalhados, prestes a enfiar uma agulha na veia.

Gritou horrorizada. Os olhos dele arregalaram-se ainda mais, distorcendo as arrogantes feições romanas, depois a agulha entrou e ele inspirou profundamente voltando-lhe as costas.

Ela saiu a correr do quarto. Quando Paulo saiu, tinha o rosto composto.

- Não te assustes, pequerrucha - disse ele. - Injecto-me todos os dias. São ordens do médico. Não te quis dizer antes, mas...

Encolheu os ombros, completamente à vontade.

- Porquê? - perguntou Sunday ainda horrorizada com o que tinha visto.

- Oh, depressão, sabes, nada de sério.

- Nunca te vi deprimido.

- Isso é porque tenho um bom médico. Estás a ver? Não tens com que te preocupar.

- Pois - disse ela, pouco à-vontade. - Mas por que razão tens que te injectar? É horrível.

- Não posso incomodar os médicos todos os dias, pois não? Ele mostrou-me como se fazia e eu faço. É muito simples. Deixa-me levar-te até à praia a almoçar. Põe-te ainda mais belíssima.

Mais tarde saíram do apartamento e seguiram para a praia no Lamborghini de Paulo, onde almoçaram com amigos e depois jogaram mini-golfe e estenderam-se na areia em Freggenni. Paulo tranquilizou-a. Afinal de contas, se o seu médico lhe tinha dito para o fazer, devia estar certo.

Ela apreciou a tarde. Deveria começar a filmar no dia seguinte e sabia-lhe bem descontrair-se.

Começaram a filmar e desta vez a voz dela não foi dobrada. Falou o seu papel em italiano, o que a obrigou a uma grande concentração. Paulo ia buscá-la ao fim do dia e jantavam com amigos. Quando chegava a casa, atirava-se exausta, para cima da cama. Só depois de as filmagens acabarem é que lhe ocorreu que Paulo tinha deixado de fazer amor com ela. Também reparou que ele quando julgava que ela estava a dormir, saía da cama e punha-se às voltas no apartamento.

A primeira noite em que se apercebeu disso, adormeceu logo a seguir. Mas na noite seguinte fez um esforço para se manter acordada e passada uma hora levantou-se e foi à procura dele.

A porta do apartamento estava aberta e não se via ninguém. Ela sabia que ele não se podia ter vestido sem ela ter visto, e não podia ter ido muito longe de pijama, por isso ficou a aguardá-lo à porta. Voltou com um embrulho que atirou para o chão quando a viu, espalhando o conteúdo: caixas com ampolas de vidro, seringas e dois frascos com cápsulas verdes.

Ficaram a olhar um para o outro.

- Por que razão estás a pé? Por que me andas a espiar? perguntou ele, friamente, enquanto se curvava para apanhar as coisas.

- A porta estava aberta - balbuciou ela. - Onde foste? Para que precisas disso?

Ele bateu a porta com fúria. Depois, com olhos maus, esbofeteou-a, e gritou:

- Cabra curiosa!

A seguir enfiou-se no quarto de banho trancando a porta.

Ela ficou paralisada. Tinha o rosto marcado. Espreitou pelo buraco da fechadura. Ele injectava-se. Assustada, correu para a cama.

De manhã, ele apareceu tão encantador e bem disposto como se nada tivesse acontecido.

Sunday descobriu quem era o médico dele e foi falar-lhe. Este ficou igualmente chocado. Nunca receitara quaisquer drogas a Paulo. Juntos, planearam apanhá-lo.

No dia seguinte à tarde Sunday saiu, para voltar logo a seguir com o médico que tinha ficado à espera nas escadas. Apanharam Paulo no quarto de banho a injectar-se numa perna.

De certa forma pareceu aliviado por ter sido apanhado. Injectava-se cinco vezes por dia, mais as doses maciças de comprimidos que tomava para se acalmar. Andava a tomar metadina que, passado algum tempo o podia viciar tanto como a heroína.

O médico mandou-o logo para uma clínica particular e ali Sunday encontrou pela primeira vez o homem com quem casara. Passava os dias deitado na cama, com olhar vidrado, mal falando, completamente passivo.

Ela visitava-o diariamente e passadas algumas semanas ele começou a implorar-lhe que o levasse para casa, assegurando-lhe que estava completamente curado.

O médico disse que era cedo demais. Mas ela tinha pena de o ver ali. Estava convencida de que em casa ele se sentiria melhor.

Convenceu o médico a dar-lhe alta e passados dois dias de estar em casa ele fez uma recuperação espectacular e voltou a ser o mesmo homem seguro de si. Claro que voltou às drogas.

Os dois anos que se seguiram foram um pesadelo. Ela tornou-se sua enfermeira, inimiga, espia, assistente social e carcereira. E ele andava de médico para médico, de hospital para clínica com intervalos em casa, supostamente curado. Mas ela descobria sempre a verdade.

Lá ia ele novamente para outro médico. A vida dela confinava-se às visitas que lhe fazia ou se ele estava em casa, a vigiá-lo. Também tinha de trabalhar o mais que podia pois de repente viram-se sem dinheiro e a família dele não queria saber.

O fim chegou numa manhã em que ela acordou, perturbada. Paulo encontrava-se em casa havia uma semana, sem tomar drogas, estendido na cama a fixar o tecto, o rosto atraente exausto e por barbear. Agora, não estava ao lado dela.

Primeiro, correu para o quarto de banho. A porta estava trancada. Bateu e chamou por ele mas não obteve resposta. Espreitou pelo buraco da fechadura, e viu-o estendido no chão, imóvel. Em pânico chamou o médico e os dois arrombaram a porta. Paulo estava morto, devido a uma overdose.

No inquérito disseram que tinha sido morte acidental. Mas Sunday não ficara com essa certeza.

Agüentou o falatório durante semanas e depois surgiu a oportunidade de ir para Hollywood e ela não hesitou.

Roma já não tinha a mesma magia.

- Olha, acho que devias ir à festa do Jack - disse Carey pela segunda vez.

Sunday olhava pela janela, acariciando o cãozinho.

- Sabias que o meu marido se matou? - perguntou.

- O quê? - reagiu Carey, espantada. Nunca tinham discutido a vida anterior de Sunday, embora Carey conhecesse os recortes dos jornais.

- Sim - concordou Sunday com ar sonhador. - Como é que isso se vai enquadrar nos meus planos de publicidade?

- Ouve, querida - disse Carey, poisando-lhe a mão sobre o ombro. Conheço o teu passado, que é isso mesmo, passado. Não é normal que te feches aqui. És uma rapariga muito bonita, tens de sair e divertir-te. Além de que será muito bom para a tua imagem seres vista. Comecemos pela festa do Jack, está bem?

- Acho que tens razão - concordou Sunday. - Ok, vou.

- Óptimo. Assim é que é. Agora, o que vais vestir para os deixar embasbacados?

Herbert Lincoln Jefferson deu lustro ao couro já gasto dos seus melhores sapatos de cabedal. Tinha-os havia oito anos, mas ainda se encontravam em bom estado.

Marge foi à cozinha buscar uma cerveja. Mastigava uma perna de galinha.

- Queres que engraxe isso? - perguntou com a boca cheia. Herbert abanou a cabeça. Todas as noites lhe perguntava o mesmo

e todas as noites ele dizia que não, Marge puxou a tampa da lata de cerveja e caiu algum líquido sobre os sapatos de Herbert que este limpava em cima da mesa.

-Oh, Herbie, desculpa-disse ela, nervosamente, agarrando numa ponta do vestido e tentando limpar os sapatos. Ele empurrou-a.

Ela olhou-o, magoada.

- Desculpa, Herbie. Já te pedi desculpa... -Agarrou na lata e saiu da cozinha.

Resmungando sozinho, Herbie acabou de engraxar os sapatos. Calçou-os e depois admirou-os, um de cada vez.

Depois vestiu o casaco, deu uma pancadinha na carta que tinha no bolso, saiu de casa e dirigiu-se para a paragem do autocarro.

Gostava de trabalhar à noite como motorista da Supreme Chauffeur Company. Detestava o trabalho de dia, as idas e voltas até ao aeroporto.

Perguntou-se quem iria conduzir nessa noite. A semana anterior fora muito monótona, só velhos casais. Gostava de actores solteiros com os seus pares. Esses é que eram interessantes. Eram aqueles que punham uma pessoa à espera à porta de casa no fim do dia, enquanto as fornicavam.

Uma ocasião conseguira ver. A rapariga vivia numa colina deserta, numa casa envidraçada e ela e o par tinham começado ali logo no meio do chão. Herbert espreitara por uma janela e vira tudo. Escrevia à rapariga uma vez por semana.

O autocarro chegou e ele entrou. A viagem foi abafada e ficou satisfeito por sair. Apressou-se a chegar ao local de trabalho, metendo a carta no correio.

- Olá, Jefferson - disse o homem atrás da secretária, acenando com a cabeça. - Hoje vais conduzir Sunday Simmons. Vais buscá-la ao Chateau Marmont às oito e levá-la a uma festa em casa de Jack Milan. Sabes onde é a casa dele em Bel Air?

Herbert assentiu.

- É para esperares. Leva o Cadillac preto número quatro. Precisa de gasolina e de uma lavagem.

Voltou a assentir, satisfeito com o trabalho. Lera muita coisa sobre Sunday Simmons. Era uma daquelas que não mostrava as mamas. Agora, iria ter uma oportunidade de a olhar bem e de ver se valia a pena escrever-lhe.

Charlie chegou ao hotel pouco depois das três horas. Natalie Allen aguardava-o no átrio.

- Desculpa, querida - disse ele. - Sabes como é o Elefante à hora de almoço. Vamos lá.

Natalie fora ao cabeleireiro e tinha o cabelo curto e escuro agarrado à cabeça. Vestia um fato de linho amarelo e Charlie não pôde deixar de pensar como ela estava atraente. Clay era um tipo com sorte.

- Deves ter montes de coisas para fazer antes de ires embora comentou ela.

- Nem por isso. Estou preparado. O George vai arrumar tudo.

- Oh, sim, o bom do George. Vais levá-lo contigo?

- Claro. Nem sei o que faria sem ele.

- A Lorna não gostava dele, sabes?

- Não? - perguntou ele com ar surpreendido. Por que razão não iria gostar do George? E Lorna não lhe dissera nada sobre o assunto.

- Pois, ela tinha ciúmes. Quer dizer, ele é mais teu amigo do que criado.

Ele franziu o sobrolho ao ouvir a palavra criado. Não gostava dela. George trabalhava para si porque queria, não por que fosse obrigado.

- Queres um chá ou uma bebida?

Encontravam-se na suite e Natalie despiu o casaco e sentou-se no sofá.

- Acho que quero uma bebida. Pernod com muito gelo. Sabes que é esta a primeira vez que estamos juntos desde a festa?

Ele não se apercebera do facto mas ficou embaraçado só de se lembrar. Clay e Natalie tinham tido uma discussão e Clay saíra em fúria.

Depois, Charlie tentara consolá-la e acabara por a beijar. Felizmente que Clay regressara, mas Charlie sentiu-se pouco à vontade com a história. Não gostava de andar por aí agarrado às mulheres dos outros, principalmente quando eram casadas com o melhor amigo.

- Desculpa aquilo daquela noite - disse ele. - Esqueçamos o assunto. Eu estava bêbedo e tu também.

Ela sorriu tenuamente.

- Mas eu não quero esquecer. Gostei. Tu, não?

- Claro que sim. Mas sabes, querida, é um bocado chato. O Clay é o meu melhor amigo e quero que continue a ser.

Charlie estava a ficar incomodado com o rumo da conversa. Pensara que Natalie iria falar de Lorna.

- O Clay é uma merda - disse Natalie, firmemente. - Um egoísta de merda. Sei das miúdas que ele fornica. Por que razão não me posso divertir? Eu agrado-te, não agrado, Charlie? Claro, sei que sim.

Ela levantou-se e aproximou-se lentamente dele.

Ele recuou.

Ela abraçou-o e começou a beijá-lo.

Como iria sair-se daquela?

- Sempre gostei de ti - sussurrou ela. - A Lorna não prestava para ti. Sempre senti que havia entre nós uma corrente especial, tu não?

O telefone tocou e, aliviado, ele libertou-se e correu a atender. Era George, que estava no átrio.

- Se não precisa de mim, acho que vou ao Hayward buscar os seus fatos.

- O quê, agora? - perguntou Charlie, em voz alta, aborrecido.

- Não tenho de ir. Pensei que era melhor...

- Oh, raios. Está bem. Se tem mesmo de ser, desço já. E desligou o telefone a um George atônito.

- Que se passa? - perguntou Natalie.

- Negócios. Um raio de um encontro de que me tinha esquecido. Desculpa, querida, é uma chatice.

- Espero por ti?

- Só Deus sabe o tempo que vou demorar, por isso é melhor não esperares.

Ela suspirou.

- Quem quer que inventou os telefones devia ser abatido.

- Tens razão - disse ele, ajudando-a a vestir o casaco e acompanhando-a à porta.

- E quanto a nós - disse Natalie. - Que vai acontecer?

- Pensaremos nalguma coisa - respondeu ele, pensando que nunca mais se deixaria apanhar sozinho com Natalie Allen.

- Adeus, querido - disse ela, beijando-o. - Não te esqueças que daqui a duas semanas estaremos em Hollywood. Espera por mim.

Ele assentiu. Que encanto! Afinal o Clay não era assim tão sortudo.

No aeroporto, Charlie estava pedrado. Tinha horror a andar de avião e só o fazia quando estava completamente fora de si. Antes de sair para o aeroporto fumara dois charros e agora o avião parecia-lhe um pássaro enorme e maravilhoso a recebê-lo. Sorriu amigavelmente para os fotógrafos, fazendo-lhes caretas e acenando-lhes com os óculos na mão.

George murmurou-lhe:

- Mas você não gosta que lhe tirem fotografias sem óculos.

- Oh, sim, pois - disse Charlie, imitando a voz de um índio. Uma bonita hospedeira aproximou-se para os acompanhar à sala V. I. P.

- Embarcam dentro de dez minutos - disse ela. - Querem beber alguma coisa?

Ele assentiu.

- Um uísque duplo, querida.

Bem precisava.

- Já no ar, caiu num sono profundo.

A casa de Jack Milan fora construída sobre um terreno rodeado por um gradeamento electrónico. À entrada havia uma pequena casa do guarda. Ninguém tinha acesso à casa principal sem passar por ele. Isto devia-se ao facto de Jack ter cinco filhos e de no passado ter havido várias ameaças de morte. Embora as crianças agora estivessem crescidas ele continuava a não querer correr riscos.

Sunday estava nervosamente sentada no carro, enquanto o motorista mostrava o convite ao guarda.

Depois, o carro subiu um caminho comprido até à grande mansão colonial.

Sunday sentia-se nervosa. Primeiro, chegara à conclusão de que Carey tinha razão e que deveria ter levado companhia. Em segundo lugar não sabia se encontraria lá alguém conhecido. E em terceiro lugar, desde a morte de Paulo que detestava ver-se no meio de multidões. Na verdade, até nem lhe apetecia estar ali.

Estava maravilhosa num vestido comprido preto que mandara fazer para um filme em Itália. Não trazia nada por baixo e o corpo sobressaía-lhe com vantagem.

Um mordomo cumprimentou-a conduzindo-a através da casa até os terraços da parte de trás.

- Miss Sunday Simmons - anunciou pelo sistema de altifalantes e deixou-a à espera.

Todas as pessoas que se encontravam no terraço se voltaram para a olhar. O seu nome já era conhecido.

Uma mulher gorducha com cerca de quarenta anos, aproximou-se de mão estendida.

- Olá, querida Sunday. Sou Ellie a mulher do Jack. Que bom vê-la. Venha comigo. vou apresentá-la.

Sunday gostou imediatamente da gorducha da Ellie. Seguiu-a até junto de um grupo de pessoas e passado pouco tempo já conversava.

Afinal, não ia ser assim tão mau. Depois de jantar, faria uma saída discreta. Já teria cumprido o seu dever. Conversava com um médico loiro, uma bicha muito conhecida e uma mulher ruiva idosa que mantinha uma mão protectora sobre o braço da bicha, quando uma rapariga disse:

- Sunday! Que bom ver-te. Como estás?

Olhou para a rapariga. Cabelo loiro comprido e um grande peito apertado num vestido encarnado brilhante. Sunday sabia que a conhecia de qualquer lado, mas não se lembrava de onde.

- Olá - disse. A rapariga riu-se.

- Não te lembras de mim? Dindi Sydne, a amiga do príncipe Benno. Costumávamos ir juntos para a praia. Tu e o Paulo, oh desculpa, não devia ter falado nele. Foi tão horrível o que aconteceu. De qualquer modo, lembras-te de mim, não lembras?

- Sim, claro.

- Bem, cá estou, de novo na cidade - continuou Dindi. Aquilo com o Benno não resultou. De qualquer modo, ofereceram-me um papel num filme e cá estou novamente. Acreditas que foi preciso estar em Roma para me oferecerem um emprego aqui? Não é engraçada, a vida? Tu estás com um óptimo aspecto. Estás a divertir-te? A tua publicidade é óptima. Já viste o Steve Magnum? Gostava muito de o conhecer. Conhece-lo?

Sunday abanou a cabeça. Claro que sabia quem ele era. Uma estrela de cinema, quatro vezes casado (sempre com mulheres famosas), milionário.

- Ele é um grande amigo de Jack Milan - disse Dindi. - Por isso é natural que o venhas a conhecer. Eu ainda nem sequer conheço o Jack. A minha companhia desta noite é um safado de um operador de câmara. Não conhece ninguém. Nem sequer percebo como é que foi convidado. A propósito, onde estás instalada? Temos de nos encontrar.

- Estou no Château Marmont. Mas não saio muito e...

- Vamos alterar isso tudo. Eu arranjo-te umas coisas bem vivas. As coisas por aqui podem tornar-se monótonas se nos misturarmos só com os importantes. Claro que é uma boa cena, mas um pouco de acção à margem não faz mal nenhum. Depois telefono-te, agora tenho de ir. Há anos que ando atrás daquele realizador ali.

Dindi afastou-se no seu vestido justo e Sunday viu-se sozinha. Olhou à volta. A festa estava no seu melhor. Esperava que em breve servissem o jantar, e a odisséia acabaria. Sentia-se muito só, mas essa era uma sensação constante desde a morte de Paulo. Nos meses anteriores tinha assistido à degradação dele. Alguma vez esquecera a manha dele, escondendo-lhe as drogas? Enfiando-as sob os mosaicos do quarto de banho, debaixo do colchão até na parte exterior das janelas. Por fim, já pensava em divórcio e na semana anterior à morte dele, ameaçara-o. Ele chorava como um bebê, fazendo promessas fervorosas de que se iria curar.

- Sunday, querida - disse Ellie Millan, debruçando-se sobre ela. - vou pôr-te numa mesa com o Jack. Mesa número dois, vais ver um cartão com o teu nome. vou ver se consigo que toda a gente se sente.

Ela sorriu.

- Obrigada.

Seguiu os grupos que se dirigiam para as mesas. Dindi estava sentada a uma mesa, com o braço casualmente poisado sobre o de um homem gordo que tinha os olhos fixos no decote dela.

- Olá, Sunday - acenou-lhe. - Jack Milan na mesa número dois. Ela aproximou-se retribuindo-lhe o sorriso e apertando as mãos

a pessoas que já lá estavam sentadas e a quem ela a foi apresentando.

Abe Stein encontrava-se entre eles, acompanhado pela mulher com cara de égua.

Ficou sentada ao lado de Jack, com dois lugares vagos do outro lado.

- Estás com um aspecto maravilhoso - disse ele. - E também andas na berra. Ouvi dizer que a Radiant vai fazer um contrato contigo.

- Bem, ofereceram-me um contrato, mas não vou aceitar. Não acredito em contratos muito longos. Acho que são restritivos.

Abe disse:

- Se fosse a ti aceitava.

- Eu não me saí muito mal - disse Jack. - Estou com a Radiant há dezassete anos.

- Não, a miúda tem razão.

Steve Magnum apareceu, acompanhado pela sua última namorada, Angela Carter. Sentou-se ao lado de Sunday.

- Nem penses nisso. Os contratos longos pertencem ao passado. A Radiant é das únicas que continua a fazer isso. Não os deixes convencerem-te, miúda.

- Não deixo - disse ela, tentando evitar olhar para ele, O rosto dele era tão familiar. No Rio, quando ainda andava na escola, ele fora o actor preferido dela. Steve Magnum envelhecera. Aos cinqüenta anos ainda tinha estilo. Mal chegara ao metro e meio, e era muito magro (os críticos mais impiedosos chamavam-no (trinca espinhas), mas o seu rosto ainda mantinha a mesma ossatura fina de há vinte e cinco anos. Steve Magnum era uma lenda do seu próprio tempo. As mulheres eram loucas por ele. Até as quatro ex-mulheres não se cansavam de dizer que não se importariam de voltar para ele. Estava solteiro havia oito anos e os jornais e colunas sociais passavam a vida a especular sobre quem seria a próxima Mrs. Magnum. Havia muitas candidatas mas a maior parte das pessoas que estavam dentro do assunto garantiam que não haveria nenhuma nova Mrs. Magnum. Até havia quem dissesse que ele poderia voltar para a mulher de quem tinha três filhos.

- Olha lá - disse ele, olhando para Sunday, com os seus famosos olhos azuis-claros. - Até agora portaste-te muito bem. Vieste para a cidade e provocaste logo agitação. Até meteste o Abe e o Jack na ordem.

Jack riu-se, mas Abe fez uma careta e tentou ignorar a mulher que o beliscava para que ele respondesse.

- A Carey St. Martin representa-me. É óptima. Sei que lhe devo todas as ofertas que estou a ter. Se não fosse ela provavelmente tinha apanhado um avião para Roma.

Angela riu-se.

- Que engraçado. Só por causa de uma cena de nus sem importância. Querida, agora é o que está a dar. Se queres entrar neste mundo tens que aprender a despires-te.

Rodeou Stev com o braço e fixou-o com ar de adoração.

- Pois, querida, e tu bem percebes disso - disse ele. - Dentro e fora do écran.

Durante a refeição Steve continuou a falar com Sunday. Esta apercebeu-se de que Angela, do outro lado, estava a ouvir tudo, tentando meter-se na conversa.

Angela era namorada dele havia três meses e alimentava grandes esperanças de continuar a sê-lo, talvez até com caracter permanente. Ficou furiosa com o comportamento de Steve para com Sunday. Quem fora o idiota que os sentara lado a lado? E que história era aquela sobre princípios e bons argumentos? Nem podia acreditar nos seus ouvidos quando Steve disse para Sunday:

- Sabes, ficarias óptima com o papel da miúda sexy do meu próximo filme. Queres fazer um teste?

Angela andava com esperança que Steve a deixasse fazer esse papel. Não era nenhum papel de estrela mas era bom. Já dera a entender que gostaria de o ter, mas Steve dera-lhe para trás. E agora estava praticamente a oferecer o papel àquela cabra desconhecida. E a cabra desconhecida respondia:

- Lamento. Não faço testes. Já tenho alguns filmes italianos que você poderá projectar. Não acredito nos testes.

Steve olhou para Jack e ambos desataram a rir.

- Filho da puta! -disse Steve. - Tinhas razão. Esta tipa é diferente.

Marshall K. Marshall deixou o Rolls-Royce branco com o porteiro do Beverly Hill Hotel e entrou.

Actores, raio de actores. Estavam a tornar-se tão exigentes. Queriam meter a colherada em tudo. Recordou os tempos em que eles se limitavam a assinar os contratos e a cumpri-los. Marshall chegara ao hotel para estar presente no encontro entre Cy Hamilton Jr. produtor de Roundabout e Charlie Brick, estrela do dito filme. O encontro devia-se ao facto de já não conseguirem segurar Charlie que não era palerma nenhum e já se tinham apercebido de que Michelle Lomar não iria entrar. Já andavam atrás dela e no dia anterior Charlie desandara do plateau, deixando um recado dizendo que só trabalharia se Michelle aparecesse. Por isso, chegara a altura de lhe dizer que Michelle Lomar estava grávida, um facto confirmado no dia anterior. Encontrava-se isolada na sua casa do Lago Lugano e não se mexeria, seguindo indicações médicas rigorosas, durante nove meses. Marshall levava consigo uma pequena mala que continha fotografias biografias de possíveis substitutas. O grande problema era convencer Charlie de que valia a pena fazer o filme mesmo sem Michelle. Ele estava no direito de desistir do filme, se quisesse. Competia a Marshall, como seu agente convencê-lo a não desistir.

Na suite sobriamente decorada em tons bege e com dois televisores ligados, Charlie atravessou a sala com um toalhão de banho a envolver o corpo e chinelos Cucci castanhos.

George mantinha-se respeitosamente a um canto, um olho na televisão e outro em Charlie. Uma secretária contratada à hora, estava sentada a uma mesa sonhando ser descoberta. Noutra mesa havia um tabuleiro com ovos, torradas, fruta e café, em que ninguém tinha tocado.

- Devias comer qualquer coisa - disse George, suavemente. Charlie resmungou continuando a andar de um lado para outro.

O seu trabalho era mais importante do que tudo o resto e estava danado. Sem Michelle, o filme não seria o mesmo. Onde raio estava ela? Por que não aparecia?

Não ia fazê-lo. Voltaria para Londres, e que se lixasse. Não iam enganá-lo com uma substituta qualquer. Durante seis dias esperara por Michelle e, tirando uma festa com a imprensa onde lhe tinham feito uma série de perguntas, não estivera em mais nenhum sítio a não ser no estúdio.

Claro que recebera uma porção de convites. Hollywood ficava sempre satisfeita com uma cara nova na cidade. Qualquer pretexto servia para dar uma festa. Algumas senhoras famosas disputavam entre si o primeiro lugar para lhe organizarem uma festa. Desta vez não tinham sorte. Recusou todos os convites. Não acreditava na utilidade da vida social até o filme estar encaminhado.

Bateram à porta e Marshall K. Marshall entrou a coxear. Apesar do ar condicionado, suava abundantemente. Raramente deixava o escritório, a não ser numa emergência.

- Estás com óptimo aspecto - disse. - Mais magro do que a semana passada.

- Sim, estou a conseguir abater um bocado - disse Charlie, sorrindo. Sabia que só uma grande força de vontade conseguia manter tão boa aparência. Quatro semanas de refeições normais e voltaria a ser gorducho como antes.

- Não vais gostar disto - disse Marshall. - O Cy também não ficou satisfeito. A Michelle está grávida e deixou-nos pendurados.

Charlie deixou-se cair numa cadeira. Aquela era a última coisa que esperava.

- Conseguimos ontem a confirmação escrita de um médico. Quem imaginava que Michele se deixaria engravidar? E ainda por cima está toda satisfeita. O Cy quer que eu faça o filme à mesma, pois só daqui a quatro ou cinco meses é que se vai notar, mas ela não quer correr riscos. Desculpa, Charlie, mas é mesmo assim. O Cy está tramado e pior vai ficar se tu saires, o que podes fazer, e pessoalmente nem te censuro.

Mas ouve, filho, se conseguíssemos arranjar uma substituta, alguém do teu agrado, então acho que resulta. Que pensas tu?

A secretária mexeu-se na cadeira tentando escutar. George conservava-se ainda num canto. Charlie fechou os olhos e tentou pensar. Quem poderia substituir Michelle?

Como se lhe tivesse lido os pensamentos, Marshall disse:

- Reescreveremos o argumento. Em vez dos papéis serem iguais, aumentamos o teu e cortamos o dela. Continuaria a ser o teu filme. Não se pode desligar o raio desses televisores?

- George, desliga-os - disse Charlie, pensando a toda a velocidade.

- E já não preciso de ti, querida - disse para a secretária. Volta amanhã à mesma hora.

A rapariga levantou-se, alisou a mini-saia e passou a ondular por Marshall. Talvez ele reparasse nela. Mas nem sequer olhou.

À porta deteve-se sem saber se lhes deveria dizer que era actriz, mas George bloqueou-lhe o caminho e fechou-lhe a porta na cara.

Saiu furiosa por não ter sido descoberta.

Charlie, disse devagar:

- Não me parece mal. E o Cy? Concordou? Marshall, suspirou aliviado.

- Vai concordar.

Quando Cy Hamilton Jr. chegou depois de ter tido uma discussão com a recente mulher, Charlie e Marshall já tinham tudo resolvido.

Cy era um homem agradável cujo temperamento explodia de tempos a tempos.

- Filhos da puta estão a encostar-me à parede - disse, mas acabou por concordar com que o papel de Charlie fosse aumentado.

O que faltava agora era uma nova actriz e todos tinham idéias diferentes.

- Magda Seal - disse Charlie.

- Esquece, não está disponível.

- Mireille Montane - disse Cy.

- Não tem mamas, só pele e osso.

- Anna Karl.

- Velha demais.

Discutiram as possibilidades até esgotarem as actrizes e acabaram por concordar que a rapariga poderia ser estrangeira.

- E se fosse uma nova? - sugeriu Marshall abrindo a pasta, e retirando fotografias. - Sunday Simmons.

- Sunday quê? - perguntou Charlie.

- Simmons. Já a viste, Cy, não viste? Óptimo corpo, boas mamas, bom potencial publicitário.

Cy assentiu.

- Não é má idéia. Sabe representar? Marshall encolheu os ombros.

- Sabe-se lá. Podíamos ver algum desempenho dela. Entra no novo filme de Jack Milan.

- Não quero uma desconhecida - disse Charlie.

- Olha bem para as fotografias - sugeriu Marshall. - É uma miúda muito gira.

Charlie passou em revista as fotos, detendo-se numa que mostrava Sunday numa cena de nu com Jack Milan. Sentiu-se subitamente excitado. Lembrou-se que não possuía uma mulher havia pelo menos duas semanas. Tinha de fazer alguma coisa.

- É gira - disse. - Qual é o número de telefone dela?

- Sim, qual é o número de telefone? - perguntou Cy sorrindo lentamente.

Marshall riu-se.

- Passamos algum filme dela?

Ambos assen tiram.

- Outra idéia - disse Marshall - não fiquem admirados, Angela Carter.

- Angela Carter! - exclamou Cy.

- Pois a Angela. É conhecida. Acho que consigo convencê-la a fazer um teste.

Charlie concordou.

- Por mim está bem. Parece-me boa idéia.

Arranjaram mais três nomes possíveis e combinaram encontrar-se às oito em casa de Cy onde passariam os filmes das cinco candidatas.

Quando Marshall saía, Charlie chamou-o de lado e disse-lhe uma coisa contra vontade.

- Arranjas-me uma miúda para mais logo?

- Claro. Tens preferência?

Charlie abanou a cabeça já arrependido de ter pedido a Marshall. Mas afinal de contas não conhecia ninguém na cidade e não queria correr o risco de ir com uma prostituta.

- Deixa isso comigo - disse Marshall, saindo, aliviado, por regressar ao escritório.

- Adoro drive-ins! - exclamou Sunday, analisando o menu num expositor junto à janela de automóvel. - Quero dois hamburgers e um malte de chocolate.

Carey riu-se.

- Vais engordar.

- Não me interessa. Acho que começo a gostar disto aqui.

- Não me surpreendes.

Carey carregou no botão do intercomunicador e fez a encomenda.

- Se estivesse no teu lugar já tinha dado em maluca. Vejamos. Chegas cá com um pequeno papel num filme de Jack Milan. Saíste como uma estrela, chegas às caixas dos jornais, regressas com desculpas e tudo. Conheces Steve Magnum numa festa. Ele inunda-te com rosas e convites. Recusas encontrar-te com ele, Mr. Hollywood número um. E hoje uma oferta para apareceres num filme dele. Seis semanas gloriosas em Acapulco. Hm, não me admira que estejas a gostar.

Sunday sorriu.

- Graças a ti. Se não fosses tu, eu já teria voltado a Roma. Graças mas é a ti, miúda. Saí daquela agência e as coisas agora

correm-me às mil maravilhas. Todos os dias me aparecem novos clientes. Sabes que a Angela Carter me telefonou ontem a perguntar se eu estaria interessada em a representar. Ela deve detestar-te. Sunday franziu o sobrolho.

- Não sei porquê. A vida é demasiado curta para andarmos a odiar as pessoas.

Um criado de calças brancas justas aproximou-se com dois tabuleiros.

- Você não é Sunday Simmons? - perguntou com voz estridente, espreitando pela janela.

Ela assentiu.

- Muita sorte, querida, nós achámo-la maravilhosa. Vimo-la outro dia na televisão.

- Obrigada.

Carey esperou que o rapaz se retirasse e depois disse:

- É a fama, querida, é a fama. Sunday mastigou o seu hamburger.

- Delicioso - exclamou.

Carey começou a comer o queijo fresco e a salada de frutas.

- És mesmo uma rapariga estranha. Convido-te para comemorarmos a pensar no Polo-lounge ou no Bistro, e o que escolhes tu? Um drive-in! vou ficar satisfeita por te despachar para Acapulco.

- Quando é que tenho de ir? E quando é que me dão uma cópia do argumento? E não te esqueças das cláusulas com as cenas a nu.

- Como é que me podia esquecer? - disse. - Vão mandar hoje o script ao hotel. Para a semana começas a provar a roupa e a fazer testes de penteado e maquilhagem. Querem que vás no dia dez de Julho. Que vais fazer quanto ao Steve Magnum?

Sunday sorriu docemente.

- Nada.

- Oh, meu Deus, és demais. Por que razão não queres sair com ele? Não te come e mesmo que coma, ele é um borracho.

- Não quero que digam que entrei no filme por ter uma ligação com ele. Se está assim tão ansioso em sair comigo terá de esperar até Acapulco e depois veremos.

Falou calmamente, mas a verdade é que tinha pensado bastante em Steve Magnum. Sentia-se atraída por ele, mas conhecia a sua reputação com as mulheres, o instinto dizia-lhe que a única forma de manter o interesse para além de alguns encontros era manter o sangue frio. Também a assustava a idéia de uma relação com Steve Magnum. Só houvera dois homens na sua vida - Raf e Paulo, e não tinha ainda a certeza de estar preparada para um terceiro.

- Acho que Steve, o grande conquistador encontrou par à sua altura - disse Carey, soltando uma gargalhada. - Mas convém não o subestimar, pois ele anda a brincar aos namorados já há algum tempo. O que quer que faças, não o tomes a sério. Há mais corações despedaçados pelo Magnum do que carros descapotáveis no sul da Califórnia.

- Já percebi, obrigada.

Pediram a conta e Carey deixou Sunday no Chateau.

- Quando vieres do México vamos arranjar-te uma casa ou apartamento e também precisas de um carro.

- Acho que gostava de uma casinha na praia.

- vou perguntar por aí. Falo contigo mais logo. Oh, a propósito, amanhã vamos divulgar o filme à imprensa, por isso não te comprometas.

Sunday dirigiu-se lentamente lá para dentro. Decidira passar a tarde junto à piscina. Estava tão quente que as calças finas de algodão e a blusa se lhe colavam ao corpo.

A velhota da recepção chamou-a.

- Tem aí mais flores, Miss Simmons. E uma carta de Inglaterra. Será que posso ficar com o selo? É que o meu neto faz colecção. E está uma senhora à sua espera.

Sunday olhou, surpreendida, e viu uma rapariga enterrada numa cadeira, com óculos escuros a protegerem-lhe os olhos.

- Quem é?

A velhota agarrou no bloco.

- Dindi Sydne.

- Oh.

Sunday lembrava-se dela da festa de Jack Milan. A rapariga que conhecera Paulo. Que raio estava a fazer ali? Sunday pegou nas flores, retirou cuidadosamente o selo do envelope e entregou-o à velhota. A carta era da tia. Lê-la-ia mais tarde.

O cartão que acompanhava as duas dúzias de rosas dizia "Quando vais mudar de idéias?" S. M.

Dirigiu-se até junto da rapariga e abanou-a gentilmente. Dindi

deu um salto como um coelho assustado.

- Merda! - exclamou em voz alta. - Sunday, oh, e trazes flores! que simpática!

Levantou-se. Trazia calças justas cor-de-laranja e uma camisola curta.

- Adivinha o que me aconteceu? Seguia nas calmas pelo Sunset no meu belo T-BzW e o monstro vai e explode. Felizmente aconteceu aqui perto junto a uma estação de serviço e este adorável mecânico com músculos de super-homens está a compôr-mo. Lembrei-me que vivias aqui e aí achei bem vir passar a tarde contigo. O mecânico vem cá trazer o carro quando estiver pronto. Devias vê-lo. É uma autêntica máquina sexual.

Sunday ainda pensou dar uma desculpa mas detestava mentir e de qualquer maneira, a rapariga só estava a querer ser amigável.

- Pronto. Vamos então até à piscina.

- Óptimo. Tens de me emprestar um bikini.

- vou lá acima e trago-te um. Dindi agarrou-lhe no braço.

- vou também.

Lá em cima, Limbo, o cãozinho de Sunday veio recebê-las. Os quartos estavam abafados e Sunday ligou o ar condicionado.

Dindi olhou à volta, aproveitando para inspecionar tudo.

- De quem são todas estas flores? - perguntou.

- De um amigo - respondeu Sunday sucintamente.

- Um bom amigo - disse Dindi dando um estalido com a boca.

- Adoro bons amigos. Uma vez fiz amor com um tipo em cima de seis dúzias de rosas vermelhas. Foi o fim. Muito sexy. Só que ele não se conseguiu vir. Disse que o cheiro o incomodava. Alguns tipos são tão esquisitos.

- Toma - disse Sunday, entregando-lhe um bikini branco e verde.

Dindi despiu as calças e a camisola, revelando não trazer nada por baixo. Vestiu o bikini.

- Livra! Tens umas mamas grandes. Dá-me aí uns bocados de algodão para acabar de encher isto. Quem me dera ter um bom par delas. Os tipos adoram.

Sunday observou que Dindi não era propriamente nenhuma tábua de engomar.

Meteram-se no elevador e dirigiram-se para a piscina. Estava deserta, encontrando-se lá unicamente uma velha com um chapéu às flores e um homem musculado estendido, todo untado com óleo.

- Pouco movimento - comentou Dindi desapontada. - Devias ter ido para o Beverly Hills Hotel onde as coisas são muito mais movimentadas.

- Ouve, Dindi. Vamos lá esclarecer uma coisa. Não ando à procura de acção. Só quero paz e sossego.

Dindi levantou os óculos de sol cor-de-laranja e olhou-a com incredulidade.

- Desculpa, não me apercebi que eras susceptível. Queres que me vá embora, para te deixar com paz e sossego?

- Não. Só queria que soubesses isso, nada mais.

- Pronto, já sei. Olha, vou pedir àquele tipo que me dê um pouco de óleo.

Sunday concluiu que gostava dela. Era inconveniente, metódica. um bocado atiradiça com os homens mas tinha um encanto honesto.

Regressou passados dez minutos trazendo triunfalmente um frasco de óleo.

- É Brandi Strong - anunciou. - Ele está em Nova Iorque para fazer um teste. E dá para os dois lados.

- Como sabes? - perguntou Sunday, com curiosidade.

- Tenho cá um feeling para essas coisas. De qualquer modo, foi trazido pelo Sam Plum que é o agente das bichas.

Sunday esfregou um pouco de óleo no corpo e estendeu-se. Era agradável conhecer pessoas. Carey dissera que ela era estranha porque passava a maior parte do tempo sozinha. Bem, Carey, não sabia a história completa de Paulo. A mágoa que ele deixara e a sensação de culpa que ela sabia não ter razão para sentir mas que não podia evitar.

Passado pouco tempo Branch Strong (noutros tempos Sydney Blumcor de Bronx) aproximava-se delas. Tinha um ar agradável sem qualquer vinco de personalidade.

- Olá, meninas - disse. - Não chego para vocês?

- Chegas - sorriu Dindi. - Ei, Branch, esta é a Sunday Simmons.

- Muito prazer - disse ele, esfregando as mãos oleosas no estômago musculado. Nunca vira uma rapariga tão gira, e que corpo, que par faziam os dois.

- Quando vais fazer os testes? - perguntou Dindi.

- Amanhã - respondeu ele, nervosamente. - Cruza os dedos por mim.

- Podes crer - riu-se ela. - Também era capaz de cruzar as pernas mas seria muito chato.

Sunday levantou-se.

- Acho que vou nadar.

Dirigiu-se para a piscina e mergulhou, começando depois a nadar.

Branch observava-a, com admiração.

- Ela é bestial - disse com uma nota de inveja.

-Pois é - concordou Dindi. - Mas é um bocado parada. Falta-lhe acção, percebes?

- Hm?

- Esquece.

Concluiu que Brandi Strong era um idiota chapado. Ainda estava a olhar para Sunday, de boca aberta, a língua a andar nervosamente para cima e para baixo.

Dindi teve que admitir que Sunday tinha um óptimo aspecto, mas não primava pela personalidade. Perguntou-se o que diria Sunday se soubesse da cena protagonizada por ela, pelo seu namorado italiano, o velho príncipe Benno e pelo marido bicha, o que se tinha matado. Três dias metidos num quarto de hotel! Que tempos! Poucas semanas antes de ele se ter suicidado.

Sunday saiu da piscina e deitou-se.

- A água está óptima. Deviam experimentar.

Espalhou o cabelo molhado pelas costas de uma cadeira e fechou os olhos. O sol estava quente e enquanto secava as gotas de água do corpo, caiu no sono.

Branch não conseguia desviar os olhos dela.

Herbert Lincoln Jefferson sorriu satisfeito, mostrando um dente negro no meio de uma fiada de dentes brancos.

Para alguém tão obcecado com o corpo, tinha descuidado por completo o interior da boca, lavando os dentes só quando se lembrava, o que não acontecia muitas vezes. Estava debaixo do chuveiro ensaboando o corpo magro e sem pêlos.

Levara duas semanas mas finalmente conseguira. Escrevera uma carta a Sunday Símmons com tanta obscenidade poética que só de pensar ficava excitado, apesar de cinco minutos antes ter ejaculado para um saco de plástico que iria juntar à preciosa carta. Acariciou o pénis erecto com sabão e sentiu-se orgulhoso. Que homem! Que alegria e prazer não podia dar a qualquer mulher!

A espera valera a pena. Logo que viu Sunday apercebeu-se de que ela era a rapariga indicada para ele. Para o diabo com Angela Carter e todas as anteriores destinatárias das suas cartas. Aquela era a mulher com quem tinha sonhado. Perfeita, desde o cabelo comprido até ao corpo redondo e sensual. Até os pés, espreitando através de sandálias douradas eram sexy.

A caminho de casa de Milan observou-a pelo espelho retrovisor. De uma das vezes os grandes olhos amarelados dela encontraram os dele que tossiu, atrapalhado, fazendo um comentário qualquer sobre o tempo.

Desde essa noite que esperava ser novamente chamado para a conduzir mas não tivera sorte. Por isso, começara a escrever uma carta. Mas os primeiros esforços não lhe agradaram. A primeira carta tinha de ser algo especial que a intrigasse e excitasse ao ponto de querer conhecer o homem que escrevia com tanta paixão explícita e conhecimento de causa.

E agora, finalmente, conseguira escrever a carta. Uma obra prima. O toque final tinham sido as instruções sobre como deveria utilizar a oferta dentro do saco de plástico. Amanhã sentar-se-ia e pôr-se-ia a imaginá-la a ler a carta e a seguir as instruções. Encheria outro saco de plástico e escreveria outra carta maravilhosa, explicando que o segundo saco tinha sido cheio a pensar no que ela fizera com o primeiro.

- Herbie.

Ouviu-se a voz aguda da mulher acompanhada por uma pancada na porta do quarto de banho.

- Herbie, preciso de ir à retrete. Deixas-me ir à retrete, por favor? Já aí estás há uma boa hora.

A vaca gorda tinha de lhe estragar os poucos momentos agradáveis.

- Só um minuto, querida - disse, suavemente. Embrulhou-se numa toalha e abriu a porta.

- Não sei por que razão tens de fechar a porta - queixou-se ela.

- Fazes-me sentir como uma intrusa.

Levantou as saias, sentou-se na retrete e Herbert saiu rapidamente. Coxas pesadas, Marge tinha coxas pesadas. Esquecia-se de depilar as pernas que estavam cheias de pêlo. Estavam casados há dez anos e, olhando para a fotografia na mesinha de cabeceira, Herbert mal podia acreditar que aquela ruiva bonita se tivesse tornado na gorda Marge. Sabia que ia casar com uma comedora compulsiva? Uma mulher que costumava comer ao pequeno-almoço seis ovos e um pão grande?

Fora tão bonita. Tinham-se conhecido perto do aeroporto de Los Angeles, num bar à hora do almoço, fora tudo tão romântico. Fora tomar uma cerveja com um amigo, nessa altura era motorista de pesados, e fora Marge quem os servira, com uma saia de franjas à cow-boy, botas brancas e um chapéu Stetson. Era um bar topless e as mamas grandes dela tinham-no hipnotizado, com uma estrela de xerife a tapar cada mamilo.

- Que vão tomar? - perguntara ela, junto à mesa, com um bloco na mão e uma estrela de xerife quase dentro da boca dele. Herbert nunca esquecera esse primeiro encontro. Casaram-se alguns meses depois, já Marge estava grávida. Mas perdera o bebê e depois outro. Pouco depois começara a comer e Herbert passara a escrever cartas.

- Querido - disse Marge. - Que achas que devo vestir? -Vestir? - perguntou ele, surpreendido. - Para quê? Eram horas de ela se sentar à frente da televisão. Estava a tentar meter o corpo gordo dentro da bata justa.

- Já te disse, querido, vou ao cinema com a nova vizinha. Convidou-me há dois dias. Já te tinha dito.

- Oh, sim.

Recordou-se. Um casal mudara-se para a casa amarela ao lado da deles e Marge, nas suas idas diárias ao supermercado, metera conversa com a mulher. As duas tinham combinado ir ao cinema. Marge ficara entusiasmada. Não tinha amigas e Herbert não a levava a lado nenhum, por isso ir ao cinema era um grande acontecimento.

Marge tentara enfiar-se dentro de um vestido azul de marinheiro que já não lhe servia. Todos os anos engordava.

- Vamos ver um filme - repetiu. - Parece que é um filme esquisito.

Desistiu de se enfiar na bata e escolheu um vestido largueirão que comprara no ano anterior para o casamento da irmã. Conseguiu caber nele embora já não estivesse largo.

Herbert disse:

- A que horas vais?

Não lhe agradava muito a idéia de saber que a mulher se divertia a ver filmes porcos enquanto ele estava a trabalhar.

- Ela vem-me cá buscar às sete. Tem carro.

Mirou-se ao espelho, aplicou um bâton encarnado que também pôs no rosto, limpando o excesso ao vestido.

- Está tão quente - disse, suspirando e passando um pente pelo cabelo ruivo.

- Pois está - concordou Herbert, mas o seu espírito já não estava com Marge. Estava com a carta que ia meter no correio. Depois de Marge descer as escadas, meteria a carta no bolso e iria pô-la no correio.

Salpicou com água de colônia barata os braços gordos e calçou um par de sapatos cambados.

- Pronto. Estou bem?

Parecia um elefante metido num vestido às bolinhas.

- Muito bem - respondeu ele, reparando que a parte traseira da bainha estava descosida.

- Não se ponham a namorar.

Ela cacarejou.

- Herbie!

Rebolou pelas escadas e ele enfiou a carta rapidamente no bolso. Ah, Miss Sunday Simmons, que tratamento te estou a reservar!

Charlie estava satisfeito com a maneira como as coisas corriam. Ia fazer muito dinheiro, seria a estrela principal de Roundabout, iam deixá-lo escolher uma actriz para o papel principal. Afinal de contas, se queria ser honesto consigo próprio, a principal razão por que tinha querido Michelle era pessoal. O seu ego fora-se abaixo com o divórcio e ele sentira a necessidade de saber que um símbolo sexual, uma mulher o desejava, não como celebridade mas como homem. A deserção de Michelle foi uma grande desilusão. Mas tinha que admitir que provavelmente fora melhor assim.

Vestiu-se antes de se dirigir para a casa de Cy. As roupas reflectiam o novo Charlie Brick, o Charlie Brick livre e divorciado, o Charlie Brick elegante. Vestiu calças castanhas e uma camisa indiana larga. Ajustou os óculos e olhando-se ao espelho concluiu que devia experimentar umas lentes fumadas, algo novo.

George estava à espera em frente ao hotel, dentro do carro encarnado.

- Acho que vou guiar hoje - disse Charlie. Sentia-se bem. Tão bem que até enviara a Michelle um telegrama de parabéns.

- Tens a certeza? - perguntou George, duvidoso. O carro ficava sempre num estado horrível depois de Charlie o conduzir.

- Claro que tenho a certeza. Leva o Mercedes e diverte-te. Vemo-nos amanhã de manhã.

- Está bem.

George ficou muito satisfeito com a perspectiva de uma noite de folga. Estava farto de ficar sentado à noite no hotel, tentando animar Charlie. Saiu do carro.

Charlie entrou e pôs o motor a funcionar. Uma rapariga bonita, que ia a sair com um caniche, voltou-se para o fixar. Ele piscou o olho e ela correspondeu.

Por que raio tinha dito a Marshall para lhe arranjar companhia? Era muito bem capaz de se desenrascar sozinho.

A mulher de Cy Hamilton Jr. Emerald era luxuriante. Era atraente, com cabelo comprido preto e risca ao meio. Trazia um pijama dourado e bebia uísque on the rocks enquanto arrasava o marido de cada vez que ele falava. Agarrava-se ao braço de Charlie, oscilando ligeiramente e mandando-lhe para cima vapores letais de álcool.

Marshall agarrou Charlie pelo braço enquanto entravam na sala de jantar.

- Não ligues à Emerald - sussurrou. - Está sempre pedrada. Se calhar até te vai tentar apalpar por debaixo da mesa. Faz de conta.

- O quê? - perguntou Charlie, achando divertida a idéia de Emerald o tentar apalpar, ainda mais com o marido à frente.

- Já te deveria ter avisado - murmurou Marshall. - O Cy fica muito ofendido se disseres alguma coisa. Ela atira-se a todos, é a sua forma de o arrasar.

- Porquê?

- É uma história muito comprida. Para resumir, depois de casar com ela, deixou de poder endireitar-se. Até anda a fazer análise por causa disso.

- Ah, sim. Deve precisar.

Charlie sentiu uma identidade imediata com Cy. Que posição tão ingrata! Sempre albergara o secreto receio de que aquilo lhe pudesse acontecer um dia.

Sentaram-se os quatro à mesa, servidos por duas criadas mexicanas de uniformes pretos e brancos.

Emerald derrubou um copo de vinho e logo acusou Cy de lhe ter empurrado o cotovelo. Discutiram como duas crianças, sem tocar no melão e presunto que tinham à sua frente.

Marshall e Charlie tentavam ignorar o acidente! Marshall disse muito calmamente:

- Há uma pequena que vai ter ao teu hotel às onze. É simpática e tua admíradora. Na verdade até quer ser actriz. Não costuma alinhar nestes esquemas, mas, como já disse é uma grande admiradora tua. Vais gostar dela. Chama-se Dindi Sydne.

- Óptimo - disse Charlie, franzindo o sobrolho. - Isto vai continuar durante todo o jantar? - perguntou, apontando para os outros dois.

- Não. Ela daqui a pouco atira-lhe com qualquer coisa e vai-se embora. Só volta para a sobremesa.

E Emerald levantou-se passado pouco tempo, chamou a Cy uma porção de nomes feios, e atirando-lhe com um cesto de pão saiu.

- Mulheres! -exclamou Cy.

De acordo com a previsão de Marshall ela regressou na fase do bolo de morango. Mudara para um vestido comprido de jersey sedoso que se lhe colava ao corpo como uma segunda pele, e era aberto do pescoço até à perna, mostrando uma pele ligeiramente bronzeada e um peito quase chato.

Sorriu a toda a gente e sentou-se, bebendo por um grande copo de uísque que trouxera consigo.

Cy continuou a falar sobre a sua última produção.

Será uma mão a subir-me pela perna? - pensou Charlie. - Meu Deus, é mesmo. Dedos ligeiros mexiam-lhe na braguilha. Sentiu-se grato por aquelas calças modernas terem botões em vez de fecho. Marshall conhecia mesmo a ordem dos acontecimentos.

Emerald não fazia progressos com os botões e os seus dedos começaram a esfregar impacientemente. Para seu grande embaraço Charlie começou a sentir uma erecção.

Emerald sorriu e bebeu. Cy continuava monotonamente a falar.

Charlie meteu uma colher de bolo à boca, pouco à vontade, tentando pensar noutras coisas. Por fim o jantar acabou e Charlie desculpou-se e dirigiu-se para o quarto de banho. Que cena incrível! E Marshall dissera que ela o fazia com toda a gente. A mulher devia ser louca e Cy ainda mais louco por agüentar aquilo.

Lavou as mãos e os dentes e reuniu-se aos outros.

- Pensei que íamos tomar café na sala de projecção - disse Cy.

- Também vens assistir, querida?

Emerald abanou a cabeça e disse algo sobre ter coisas mais interessantes para fazer do que ver uma série de coristas parvas, só que não usou a palavra corista.

A sala de projecção de Cy era toda em couro vermelho. Até o écran estava enquadrado por couro vermelho e pregos doirados.

Charlie admirou aquilo e pensou que quando aquele filme acabasse iria comprar uma casa algures. Era importante sair de hotéis. Agora que sabia que ia ficar para fazer o filme, poria George à procura de uma casa para alugar. As crianças iriam reunir-se-lhe em breve e elas mereciam o melhor.

A primeira rapariga apareceu no écran. Era loira e cheia de curvas mas faltava-lhe qualquer coisa. Os três homens disseram que não. O segundo dip foi de Angela Carter. Era alta com um ar de rapariguinha que agradou a Charlie. Vestia uns collants que lhe tornavam as pernas esguias e compridas.

- Sabem, acho que esta não está mal.

- Pois não - concordou Marshall. Angela não o largava a pedir o papel.

- Afinal é uma comédia e não é nenhum drama. Acho que seria boa idéia.

- Mas ela parece uma pequinês - disse Cy.

- Mas é sexy - continuou Marshall. - E diz-se por aí que está para casar com Steve Magnum. Só por isso seria uma grande publicidade.

- Vamos ver as outras antes de decidirmos qualquer coisa.

A rapariga seguinte era uma principiante inglesa que acabara de fazer o seu primeiro filme. Corria o boato de que ela ia para a cama com toda a gente, desde o actor principal até ao moço de recados.

- Não - disse Charlie, abanando a cabeça. - Ela fala como se tivesse uma ameixa na boca.

- Se calhar foi alguém gago que lá deixou a gaita - disse Marshall com um riso porco.

A rapariga número quatro era Sunday Simmons, na cena de cama com Jack Milan.

- Ora esta é o que se pode chamar sensacional - disse Cy, sentando-se muito direito. - Não sei se a devemos usar no filme mas quero conhecê-la. Trata disso, Marsh. Aquilo é só mulher.

Charlie concordou. Ela era fabulosa. Mas quem a conhecia? Nesse aspecto, Angela Carter era uma aposta mais certa.

Era a primeira vez que Marshall via Sunday no ecran e de repente percebeu todo o entusiasmo de Carey. Aquela rapariga possuía o dom. Tinha que telefonar a Carey. Sentiu um formigueiro na perna doente, sinal de que estava no bom caminho.

- Não seria má idéia usar uma desconhecida - disse, lentamente.

- Ela já fez uma porção de filmes italianos.

- Não - disse Charlie, abanando a cabeça. - Não serve.

- Tem um bom par de mamas! - exclamou Cy, passando novamente a cena.

- Não se julga uma actriz pelo tamanho das mamas - respondeu Charlie, friamente. Recusava contracenar com uma desconhecida só porque o Cy a queria levar para a cama.

- Vamos passar a última - disse Cy.

A última era uma actriz de televisão, atraente e simpática, maS não suficientemente sexy.

- Cá por mim escolhia a Angela Carter - declarou Charlie. Cy assentiu.

- Sim, acho que é a melhor escolha. Ela está livre, Marsh?

- Livre como um passarinho. E que tal Sunday Simmons para

o papel mais pequeno?

-Não é má idéia. Que achas, Charlie?

- Por mim, tudo bem.

Olhou para o relógio. Eram dez e meia, horas de se chegar ao hotel e preparar para o encontro. Levantou-se e espreguiçou-se.

-Agradece à tua mulher o... excelente jantar.

- O prazer foi meu - disse Cy, levantando-se também. Espero que não tenhas ficado aborrecido com o nosso arrufo. A Emerald passa o dia sozinha e fica aborrecida. As discussões são para ela descomprimir.

- Claro. Bem, deixo-vos para discutirem os pormenores.

- Charlie, começou-se hoje a reescrever o argumento, se tudo correr bem podemos começar a filmar na próxima semana.

De regresso ao hotel Charlie vestiu um fato preto. Depois, achou que não gostava e estava a enfiar o fato que já trazia quando Dindi chegou. Vestira-se cuidadosamente para a ocasião. Nada de muito ousado, não queria assustá-lo. Afinal, cada estrela tem a sua oportunidade doirada, e um dia destes ia ficar rica. Naturalmente que já ouvira falar de Charlie Brick, quem não ouvira? E quando Marshall lhe telefonara para ir entreter Charlie, saltara perante a oportunidade.

Marshall prometera arranjar-lhe um pequeno papel para Roundabouí. Tinham um bom entendimento profissional.

Lembrou-se divertida do seu primeiro encontro com Marshall. Sabendo que ele era um agente importante, achara melhor atirar-se. Mas ele quase desmaiara de embaraço quando ela correra o fecho do vestido e lhe mostrara o traseiro.

Nos momentos de ócio, que eram poucos na vida de Dindi, tentara entender qual era a falha sexual do agente. Não alinhava com raparigas? Gostaria de rapazes? Não lhe parecia. De qualquer forma ela entretinha os clientes mais importantes e ele arranjava-lhe um pequeno contrato com papéis pouco falados e por isso no que lhe dizia respeito era um bom negócio.

Charlie Brick era mais magro e mais atraente do que no ecran. Embora não fosse o tipo dela. Gostava deles grandes, jovens e bem parecidos. Talvez fosse sensacional na cama. Os ingleses eram danados para isso.

Mostrou-se simpática e amigável.

- Olá, sou Dindi Sydne. Que suite tão gira. Adorava um daiquiri gelado de banana.

Charlie achou-a muito simpática, obviamente não era nenhuma prostituta: muito bonita, com cabelo loiro sedoso, apanhado atrás e atado com um laço azul que condizia com o vestido sem mangas. O vestido caía-lhe bem nos sítios certos e fazia-lhe sobressair a pele bronzeada.

- O Marshall disse-me que você é actriz - disse ele, perguntando-se por que raio mencionara aquele assunto.

- Tento ser mas não ando demasiado ansiosa - respondeu ela, sorrindo de forma desarmante.

Ele mandou vir bebidas, colocou uma cassete de José Feliciano, mostrou a Dindi um livro com fotografias do seu último filme e tomou nota de que deveria agradecer a Marshall ter-lhe mandado uma rapariga tão simpática.

Dindi admirou as fotografias das crianças, sorveu a bebida como uma senhora, entusiasmou-se com as fotografias do filme e cuidadosa e discretamente fez com que a saia subisse uns palmos, mostrando uma boa porção de pernas bronzeadas.

Alguns daiquiris de banana depois já fingia que estava ligeiramente bêbeda. Na verdade, não estava nada afectada mas era suficientemente esperta para fazer de conta e armar em menina inocente. Charlie, entretanto, falava-lhe da mulher, do divórcio e de como se sentia só. Ela ia fazendo ruídos compreensivos enquanto secretamente pensava que ali estava um pato para ser depenado.

Depois de ele se ter queixado amargamente das mulheres andarem com ele por causa do dinheiro, da fama ou de ambas as coisas, ela disse:

- Que horror. Acho que as pessoas te usam e as raparigas só querem é entrar nos teus filmes.

- É isso, querida, é isso mesmo.

Que rapariga inteligente, pensou ele, mal se dando conta de que estava a fazer todas as despesas da conversa.

- Sabes, se me voltar a casar, uma coisa é certa. Havemos de ter camas separadas. Compreendo que a minha mulher não queira estar sempre comigo.

O tipo é maluco, pensou Dindi, completamente maluco.

- Compreendo como te sentes - disse, suavemente. - Embora se eu fosse tua mulher não quisesse nada - acrescentou.

Charlie agarrou-a subitamente e beijou-a. Que rapariga tão compreensiva. Acariciou-lhe os seios e ela arfou.

- Ouve, querida - disse ele suavemente, largando-a e dirigindo-se para uma gaveta da cômoda. - Quero que experimentes uma coisa comigo.

Oh, óptimo, acção, enfim, pensou Dindi.

- Sim? - disse ela num sussurro, enquanto ele baixava as luzes e aumentava o som da música.

- Quero que fumes uma ervinha comigo. Vais gostar. Toma.

Acendeu um charro e passou-lho.

- Puxa com força e inala suavemente.

Ela reprimiu uma gargalhada. Fumava desde os catorze anos.

Agarrou no charro e inalou, simulando uma tosse assustada. Era material fraco.

- Linda menina - disse Charlie, satisfeito. Retirou-lhe o charro

e inspirou com força. Era a única coisa no mundo que verdadeiramente relaxava.

Estenderam-se no sofá e fumaram o resto. Dindi já estava a desesperar por ele não esboçar nenhum movimento. Finalmente começou a beijá-la e passar-lhe as mãos pelo corpo.

Ela suspirou, gemeu e disse:

- Sinto-me tão bem. Fazes-me sentir tão bem.

Então ele despiu-lhe o vestido com delicadeza, retirando-lhe o soutien (modelo especial de cetim preto com florinhas cor-de-rosa) e beijou-lhe os mamilos até ficarem rijos. Ela reprimiu a vontade de lhe dizer o que havia de fazer a seguir. Ele era tão lento. Passados cinco minutos de lhe mexer nos seios o que ela queria era que ele lha enfiasse com força, mas não via sinais disso. Merda, pensou. Merda! Merda! Merda! E ondulou desconfortavelmente, até que, por fim, atingiu um orgasmo insatisfatório.

Sem se aperceber disso, Charlie continuava a brincar com os

mamilos. Nessa altura já ela estava numa pilha de nervos, implorando-lhe silenciosamente que parasse.

Poderia uma boa rapariga agarrar-lhe na picha?

Por que não, se naquele momento era uma boa rapariga pedrada?

Afastou-se dele e procurou a braguilha. Que raio de botões.

- Posso tocar-te? - perguntou, meigamente.

- Claro, querida, claro.

Ele levantou-se rapidamente, sentindo-se um pouco culpado por a ter excitado, e despiu as calças.

Antes que se pudesse sentar ela colou-lhe a boca, forçando-o a um clímax rápido.

Ele deu um gemido longo e angustiado.

Ela largou-o e deixou-se cair no sofá a murmurar:

- Oh, Charlie, nunca tinha feito isto. És tão sexy. Tão bom!

Ele sorriu. Sim, conseguia dar prazer a uma mulher. Estrela de cinema ou varredor de lixo era um bom amante. Então aquela rapariguinha não acabara de o dizer?

O telefone tocou e ele levantou-se para o atender, sentindo-se estúpido de camisa, peúgas e óculos.

Dindi deixou-se ficar deitada, satisfeita consigo própria. Sem dúvida que tinha jogado bem as cartas, com um pouco de sorte arranjaria um bom papel em Roundabout e talvez ainda conseguisse ser namorada de Charlie Brick. Era sempre bom sair com uma estrela, ia-se a estréias e festas importantes onde se conhecia gente. Era óbvio que ele gostava dela. Já percebera que o fraco dele era a lisonja e ela era muito boa nisso. A melhor conversa para um tipo é dizer-lhe que ele é um garanhão.

Charlie ficou admirado por ver que era Clay Allen quem estava ao telefone. Era manhã cedo em Londres e uma vez que Clay chegaria a Hollywood na semana seguinte, perguntou-se o que lhe quereria ele. Esperava bem que Natalie não tivesse tido nada. Não que houvesse alguma coisa para dizer, mas com as mulheres nunca se sabe. Têm sempre formas de inventar.

Trocaram cumprimentos e depois Clay disse:

- Olha, rapaz, é melhor dizer-te antes que algum jornalista espertalhão o faça. É sobre a Lorna. Como sabes, ela vai casar com aquele palerma, e, o que é mais, está grávida de cinco meses.

- O filho é dele? - perguntou Charlie. estupidamente, em estado de choque.

- Bem, teu não é de certeza. A Natalie descobriu isto e achámos que devias saber.

- Sim, sim, obrigado, Clay - disse ele, poisando o auscultador. Lorna arrumara o assunto. Agora já não havia hipótese de se

reconciliarem. A sua Lorna, grávida de outro homem. Olhou para Dindi, deitada no sofá. Cabelo loiro rodeando-lhe o rosto bonito, seios que espreitavam do soutien, pernas compridas e bronzeadas. Era, pelo menos, dez anos mais nova do que Lorna, uma verdadeira beleza. Os seus amigos de Londres iam apreciá-la.

- Ei - disse Charlie. - Vamos meter-nos no Maseratí, até qualquer lado. E se fosse Las Vegas? Nunca lá fui. Vamos casar.

- Sorri - sussurrou Carey para Sunday. - Parece que recebeste alguma má notícia.

Sunday preparou obedientemente um sorriso para os fotógrafos que pairavam à volta dela e de Steve Magnum. Na verdade, a última coisa que lhe apetecia fazer era sorrir. Passara uma manhã horrível. Primeiro, a carta pornográfica com o conteúdo nojento. Depois, no meio da confusão, o seu cãozinho Limbo perdera-se. Imaginava-o a ser apanhado em Sunset Boulevard e estava ansiosa pelo final da conferência de imprensa para poder continuar as buscas.

- Tens feito um óptimo trabalho a evitar-me - disse Steve abraçando-a à frente dos fotógrafos.

- Obrigada pelas flores - disse ela em tom pouco convincente.

- É só o que tens a dizer sobre o assunto? Por que não o discutimos hoje ao jantar?

- Desculpa mas estou ocupada.

Ele olhou para ela com ar crítico. Era tão excitante encontrar uma mulher que se fizesse difícil. Tinha reputação de comer todas as mulheres e todas elas ansiavam por ser comidas por ele. Em toda a vida de Steve só houvera duas mulheres que tinham desperdiçado a oportunidade de irem com ele para a cama. Uma delas fora uma colega no liceu que lhe chamara magricela e a outra a melhor amigade sua mãe. Apostava que se tinham arrependido depois. Também agora deviam ser uns sacos velhos.

Era refrescante encontrar uma rapariga como Sunday. Tão diferente das estrelas de Hollywood, bonita, sem postiços. Jack Milan dissera:

- Tens de conhecer uma miúda. vou pôr-te ao lado dela.

Angela estava a tornar-se num hábito. Sunday aparecera na altura exacta.

- Que se passa? Sou demasiado velho para ti? - perguntou com um sorriso. Sabia que aos cinqüenta anos não era demasiado velho para ninguém. Não com a fama que tinha, os milhões, as diversas casas à volta do mundo, o avião privado e a reputação, principalmente a Reputação.

- Que idade tens? - perguntou Sunday, docemente, perguntando-se se Limbo estaria fechado nalgum armário.

Carey, que observava de lado enquanto os fotógrafos procuravam os melhores ângulos, desejava que Sunday se descontraísse. Estava tão tensa. A melhor coisa para ela era ter uma aventura com alguém como Steve Magnum, embora aquelas estrelas de cinema fossem uns estupores tão imprevisíveis.

- Chega, rapazes - disse Steve. - Vão ver muito mais a Sunday no nosso novo filme.

Voltou-se para ela fixando-a com os seus famosos olhos azuis-claros.

- O convite para jantar mantém-se aberto. De outra forma, vemo-nos em Acapulco.

- Ok.

Ela achava-o atraente, ou seria porque o seu rosto lhe era tão familiar?

Foi um acontecimento Steve Magnum ter aparecido na conferência de imprensa para apresentar a sua partenaire no filme. Conferia outra grandeza às coisas.

Carey estava satisfeitíssima.

- Estás com um óptimo aspecto, querida. Amanhã apareces em todas as primeiras páginas.

- Tenho de voltar para o Chateau. Podemos ir agora?

- Claro. Não te preocupes. Provavelmente o Limbo está a dormir debaixo da cama.

Mas não estava. Sunday procurou novamente por todo o lado, deu uma volta pelo hotel. Alugou um táxi e andou na rua, para cima e para baixo. Telefonou à polícia. Por volta das seis horas desistiu e foi para casa.

Levou algum tempo a ouvir a pancada na porta. Passava das sete horas e tinha os olhos inchados e a face molhada.

Branch Strong ali estava, com Limbo a ladrar-lhe nos braços.

- Eh, Miss, acho que este é o seu cão, não é? Encontrei-o perto da piscina. Deve lá ter caído algumas vezes porque está todo molhado.

Entregou-lhe o cãozito que imediatamente a começou a lamber.

- Oh, sim, entre.

O seu rosto animou-se enquanto murmurava para o cão palavras meias-zangadas e meias-carinhosas.

Branch entrou balançando-se inconscientemente, nas jeans justas e t-shirt branca. Estava mesmo apanhado por Sunday.

- Nem sei como lhe hei-de agradecer. Tenho estado doida com a preocupação. Já estava a imaginar as coisas mais horríveis.

- Pois.

Branch estava especado, desajeitadamente, com as mãos pendentes ao lado do tronco.

- Então foi bom tê-lo encontrado.

- Pode ter a certeza que foi. Estou tão aliviada. Se poder fazer alguma coisa por si, é só dizer.

- Eu digo - hesitou ele. - he... pensei que... talvez pudesse jantar comigo esta noite.

E depois rapidamente assentiu.

- Nada de especial, há um sítio muito giro de comida macrobiótica. Que acha?

- Podemos levar o Limbo?

- Sim, claro que sim. Quer dizer que vem? O rosto dele iluminou-se.

- Óptimo. Então vou-me lavar e venho buscá-la daqui a meia hora. Está bem?

- Está óptimo.

Ela levou Limbo para a cozinha e deu-lhe um prato com carne e água, depois ficou a vê-lo engolir aquilo tudo. Então, vestiu umas calças brancas e uma camisola e escovou o cabelo.

Branch parecia simpático. Não podia haver mal nenhum em jantar calmamente com ele. No quarto reparou na carta nojenta que recebera naquela manhã, ainda em pedaços no cesto dos papéis. Estremeceu. Era tão vil, tão obsceno. Carey rira-se quando ela lhe contara.

- Vais ver-te inundada de lixo desse. Nem te preocupes a lê-las. Esses tarados também só se limitam a escrever.

Ou não? Apesar de parecerem convencidos de que fariam as coisas de que falavam?

Claro que não. Só que Sunday sentia-se mal em saber que algures alguém sabia onde ela estava e alimentava tais idéias.

Charlie tentou encontrar George mas não o conseguiu localizar em sítio nenhum.

George, aproveitando a sua noite de liberdade estava sentado num clube de strip-tease a admirar o cenário.

Charlie estava muito pedrado e completamente entusiasmado com a idéia de fugir para Las Vegas com Dindi.

Ela estava céptica. Seria que aquele palerma estava a falar a sério em relação ao casamento? Mas se fosse verdade, que furo!

Charlie pensou; Que se fodam a Lorna, a Michelle, a Natalie! Vou-vos mostrar como é.

Quando lessem os jornais iriam ver como ele se preocupava com elas.

Disse a Dindi que não valia a pena ir buscar as coisas dela, pois em Las Vegas teria tudo aquilo de que precisasse. Depois, atirando alguma roupa para dentro de um saco pequeno, encaminharam-se para o Maseratí e arrancaram.

Foi uma viagem fácil, com o caminho desimpedido e Charlie acelerou. Pôs a funcionar o gravador estéreo e partilharam outro charro.

Dindi esperou que não os mandassem parar por excesso de velocidade. Se fossem presos por fumar erva, a cena ficaria estragada. Ainda pensou em lhe fazer umas carícias enquanto conduzia mas à velocidade a que seguiam era sem dúvida, imprudente. De qualquer modo, não queria parecer demasiado atrevida, pelo menos por enquanto. Talvez o que o atraísse nela fosse a sua suposta inocência. Recostou-se no seu lugar e pôs-se a ouvir música.

Eram cerca de quatro da manhã quando avistaram Las Vegas. Era uma amálgama de neons. Apesar da hora, as ruas e locais de jogo estavam apinhados. Em Las Vegas era um desperdício uma pessoa ir para a cama, a não ser, claro, que fosse esse o modo de vida. Charlie nunca lá tinha estado mas mandara a recepcionista do Beverly Hills telefonar para o Hotel Fórum a fim de os avisar da sua chegada. Fora o último hotel a ser construído na via principal.

Dindi adormecera. Charlie acordou-a.

- Qual é o caminho para Strip? - perguntou.

Ela já lhe dissera que lá estivera antes, embora não tivesse explicado em que circunstâncias. Nessa altura saía com um tipo que a deixara ali especada sem um tostão após alguns dias gloriosos. Ficara por ali a trabalhar como criada de bar, fora para a cama com alguns treinadores de natação, e depois apanhara uma boleia para Los Angeles com um candidato a actor. Mas isso fora antes de Roma.

- Segue por esta rua e lá ao cimo vira à direita. Ela pensou durante um minuto e depois acrescentou:

- Olha, há um hotel novo, fabuloso, o Fórum. Gostava muito de ficar lá, dizem que é maluco, televisão na retrete e máquinas de fruta no elevador.

Decidira que era melhor irem para qualquer lado onde não fosse conhecida.

Seria muito desagradável se os croupiers a tratassem pelo nome.

- É mesmo para lá que vamos.

Aproximaram-se do Fórum seguindo por uma alameda ladeada por soldados romanos: muito impressionante. Alguns rapazinhos de togas curtas ladeavam o Maserati quando este parou à entrada. Abriram as portas, retiraram um saco e acompanharam Charlie e Dindi.

Charlie pediu para falar com o gerente, que apareceu logo a seguir. Avaliou Dindi com um olhar, cumprimentou efusivamente e arranjou-lhes a melhor suite do hotel. Não era perro em reconhecer celebridades e estava habituado a suportar as suas exigências peculiares. Contudo, ficou um tanto abalado quando Charlie disse que pretendiam casar ali.

- Dê-me uma hora - pediu.

Charlie assentiu. Parecia bastante razoável ao seu presente estado de espírito que fosse possível tratar de um casamento em Las vegas às quatro da manhã. Dindi começou a sentir-se tremer. O filho da mãe estava mesmo a falar a sério.

Charlie apontou para as arcadas com lojas à volta do átrio.

- Miss Sydne gostaria de comprar um vestido e eu quero ir à joalharia. - com certeza.

Desta vez o gerente excedeu-se. Charlie passara-lhe uma gorgeta generosa e, no que lhe dizia respeito, Charlie tinha direito a pedir tudo.

- vou mandar um conjunto de vestidos à sua suite. Tamanho oito, Miss Sydne?

Ela assentiu. O gerente tinha aquele tipo bem parecido que lhe agradava.

Ok, Mr. Brick. Logo que eu localize o joalheiro ponho-o em contacto consigo. Entretanto, deixe tudo comigo. Vai haver convidados?

Charlie abanou a cabeça.

- Tem alguma objecção em relação à publicidade?

- Não. Nenhuma.

Charlie tinha era todo o interesse em que aparecessem nos jornais enormes fotografias dele e da loira e atraente Dindi.

O padre era um duro do sul. Apressadamente enfiado num fato azul brilhante, olhou para o casal que tinha à sua frente e começou a debitar a sua versão da cerimônia do casamento.

Dindi reparou que ele tinha a braguilha desapertada e dissimulou uma gargalhada. Trazia um vestido cor-de-rosa franzido e o cabelo loiro caía-lhe sobre os ombros. No dedo exibia um enorme anel de diamantes, presente de Charlie. Este também tinha reparado na braguilha desabotoada do padre e não conseguiu afastar os olhos dali. O tipo se calhar tinha estado a dormir. Que sotaque. Ouviu atentamente. Aquela voz era óptima para usar num filme.

O gerente que combinara o casamento na penthouse, e falara com o fotógrafo, o relações públicas e dois representantes da imprensa local. O gerente e a namorada foram as testemunhas.

O padre pronunciou-os marido e mulher e apertou a mão de Charlie. Depois, seguiu-se o champanhe, as fotografias e as felicitações.

O padre estendeu a Charlie um cartão.

Encantador, pensou Charlie. Ainda agora nos casou e já está a ver se preciso dele novamente.

Eram sete horas da manhã quando regressaram à suite. Charlie começava a dar provas de tensão. Doíam-lhe os olhos e a energia que sentia começava a esvair-se. Pela primeira vez pensou a sério naquilo em que se tinha metido. Casara com uma rapariga que mal conhecia. Era uma coisa completamente louca. Ela era muito bonita mas ele mal a conhecia.

A culpa toda era de Lorna. Fizera-o por despeito. Que iria dizer Serafína?

Dindi estava tonta mas por razões diferentes. Assim, sem mais nem menos, tornara-se alguém. Casara com uma estrela de cinema.

Despiu o vestido e viu que Charlie a olhava, confundido.

Deu uma gargalhada.

- Então, querido, agora já o podemos fazer e é legal.

Sunday ficou tão surpreendida quanto o resto de Hollywood quando Dindi e Charlie Brick apareceram nas primeiras páginas de todos os jornais - casados em Las vegas. Não entendia a razão por que Dindi não lhe falara nisso, pois ela não era o tipo de rapariga capaz de guardar um segredo.

Carey ria-se.

- Olha, querida, o Marsh vai ficar de cara à banda. Parece que aquilo foi um engate que ele preparou para o Charlie e o palerma vai e casa com ela. Estás a imaginar? Aquela tipa que tem dado para aí tantas voltas.

- Talvez fosse amor à primeira vista - respondeu Sunday, sempre romântica.

- Uma ova. Ela deve-lhe ter deitado qualquer olhado.

- É muito bonita e tem montes de personalidade. Por que razão não poderia ser amor à primeira vista?

- Oh, Sunday, querida. Às vezes és tão ingênua. É nestas alturas que me apercebo de que só tens vinte anos e não os quarenta e cinco habituais nas pessoas que conheço. A propósito, tu e o Steve já não vêm nas primeiras páginas mas continuam a ter boa cobertura lá dentro.

- De qualquer modo, acho muito bom para a Dindi. vou mandar-lhe um telegrama.

- Poupa o dinheiro. Não lhe dou duas semanas. Quando o Charlie vier a si e descobrir a puta que ela é, então, bem, acaba-se a festa.

- Carey, és demasiado cínica. Carey desatou a rir.

- A propósito, acabo de recusar para ti um papel em Roundabout. A altura não era a ideal. O Marshall subitamente aceitou o facto de que tu existes e deu-lhe uma coisa. Viu uma cena de um filme do Milan.

As duas raparigas continuaram a conversar enquanto comiam o gelado. Sunday meteu uma colher de gelado de menta à boca e disse:

- Como é que Branch se vai sair com o teste?

Falara a Carey da sua saída com ele na noite anterior e de como fora agradável.

- Ouve, miúda, eu sei que pensas que estou sempre a dar para trás às pessoas, mas andei a fazer umas investigações sobre Mr. Branch Strong e andar a perder tempo. É uma bicha e não é bom saires com ele.

- Para ti as pessoas ou são putas ou bichas. Não tenciono ir para a cama com ele. É simples e franco. Gosto dele meramente como amigo.

- Simples é a palavra certa. Está bem, desde que não contes com uma grande ligação amorosa. E já que estamos a falar neste assunto, quanto à tua vida sexual?

- Olha, aprecio tudo o que tens feito por mim, mas a minha vida sexual é comigo e se não me apetecer ter nenhuma isso também é comigo.

Carey passou as mãos pelo cabelo negro. Às vezes Sunday era muito fria.

Acabaram de comer os gelados em silêncio, e depois Carey disse:

- Levo-te lá para fazeres as provas.

Reparou que toda a gente se voltava para olhar para Sunday Quando aquela rapariga estivesse verdadeiramente exposta ao público quando os filmes dela saíssem já não poderia viajar sozinha. Estava destinada a ser uma celebridade tipo Monroe ou Sinatra, daquelas que as pessoas querem tocar. A reacção de Marshall ao vê-la no filme fora indicador disso. Ele nunca se excitava sem razão.

Carey pensou saudosamente em Marshall durante alguns momentos. Tinha saudades dele, dos seus acessos de fúria, dos seus passos pesados quando entrava no escritório. Era um tipo engraçado. Embora tivesse trabalhado com ele durante sete anos, não sabia praticamente nada em relação à sua vida pessoal, e, aparentemente, também mais ninguém sabia. Houvera uma esposa, há muito divorciada que vivia agora em Pasadena. A única razão por que sabia da esposa era devido aos cheques da pensão que ele lhe enviava todos os meses.

- Queres ir hoje ao cinema? - perguntou Carey quando a deixou à porta do costureiro.

- Obrigada, mas acho que vou estudar o argumento.

- Então, falamos amanhã.

As provas foram perfeitas: um mini-vestido de cabedal branco com bikini a condizer, uma saia comprida de godés, um vestido de linho branco com um enorme chapéu de cow-boy a condizer.

Steve Magnum decidira que o guarda-roupa dela deveria ser todo branco para contrastar com o dourado da pele e o cabelo escuro.

- Vai adorar Acapulco - disse Hanna. Hanna, uma senhora inglesa de fato masculino e sapatos de couro era quem fazia as provas.

- Tenho a certeza que sim.

Sunday estremeceu quando os dedos sapudos de Hanna mergulharam no seu peito para ajustar um botão.

- Pronto - disse Hanna, dando um passo para trás a fim de observar o seu trabalho. - Está maravilhosa.

- Agora as roupas - disse Sunday. - com quem terei de falar para arranjar mais depois do filme?

Hanna olhou-a com estranheza.

- Acho que com o Steve Magnum não vai ter dificuldade. Ele é muito generoso principalmente com amigos chegados.

Permitiu-se um sorriso velado que Sunday entendeu demasiado bem.

- Obrigada, mas não penso pedir a Mr. Magnum favores desses.

- Não? - Hanna teve um sorriso que significava. - Quem queres enganar com isso?

Então era o que todos pensavam. Sunday estava furiosa e cada vez mais determinada em manter a sua relação com Steve a um nível absolutamente profissional. Haviam de ver como estavam enganados.

Herbert fez um perfeito esguicho de urina que foi cair delicadamente em forma de ferradura sobre a piscina de Cy Hamilton. Apertou o fecho das calças com prazer. Mais uma piscina de Hollywood a contar com o seu sumo. Mais um golpe desferido pelas classes trabalhadoras.

Herbert tinha o hábito de se aliviar nas melhores piscinas de Hollywood desde que trabalhava para a Supreme Chauffeur Company, havia dois anos. Não desperdiçava as oportunidades e desde que não houvesse criados nas imediações conseguia fazê-lo enquanto esperava pelos clientes.

Faziam-no sempre esperar e excitava-se quando os passageiros entravam no carro, todos vestidos, e ele pensava que no dia seguinte iriam nadar na sua urina.

Já não era a primeira vez que transportava os Hamilton e detestava-os. A bêbeda da mulher com olhos de aço e pele e osso dando-lhe propositadamente uma panorâmica das partes íntimas quando se sentava. E o homem, tão obviamente rico e poderoso, sentado a ouvir o tagarelar da mulher todo o caminho.

Hoje havia uma festa. A mulher trazia umas calças muito justas de chiffon a imitar pele de leopardo e um top minúsculo.

Herbert pensou desgostoso, como é que alguns homens deixavam as mulheres andar assim. Na verdade, até andava preocupado com Marge, a boa gorda da Marge, que durante tantos anos se contentara em ficar sentada frente à televisão a comer. Mudara desde que saíra pela primeira vez com a nova vizinha. Louella Crisp. Passava a vida a ir a casa dela e os seus vestidos agora até já tinham um aspecto limpo. Maquilhava-se e até fora a um instituto de beleza arranjar o cabelo.

Herbert ficara admirado e nada satisfeito,

A última gota caíra nessa noite antes de ele sair para o trabalho.

- A Louella vai dar uma festa na próxima semana - anunciou Marge. - Quer saber se podes ir. Vai ser muito giro, com jogos e tudo.

O marido dela também lá vai estar. Vens, não vens? Eu vou arranjar um vestido novo e fazer uma dieta.

Herbert olhou com frieza a forma paquidérmica da mulher.

- Não quero que vás a festa nenhuma.

Os olhos de Marge encheram-se de lágrimas, que misturadas com o rimel lhe sujaram a cara.

- Mas, Herbie, querido, ela é minha amiga, a minha única amiga...

- É má companhia para ti. Não quero que te dês com ela. Olha bem para ti. Pareces uma puta.

Ela mordeu o lábio inferior, deixou de chorar e disse com voz esganiçada:

- Se não me deixas ir vou à polícia falar dessas cartas porcas que escreves e eles vão meter-te na cadeia...

Interrompeu-se quando viu a expressão malévola nos olhos de Herbert.

- Que cartas? - perguntou ele com voz controlada mas interiormente a ferver de cólera. Ninguém sabia das cartas. Escrevia-as lá em cima, fechado na arrecadação. Marge estava sempre entretida a ver televisão.

- Que cartas? - repetiu, apertando-lhe o braço gorducho.

Ela ficou assustada. O Herbert às vezes era tão estranho. Desejou não ter falado nas cartas, afinal só encontrara duas e não se importava que ele escrevesse às estrelas de cinema.

- Angela Carter - disse. - Estava rasgada mas juntei os pedaços. Não faz mal, Herbie, estava só a brincar. Herbie, estás a magoar-me, Herbie...

Gritou, quando ele a agarrou fazendo sangue, depois pôs-se a fungar enquanto ele andava de um lado para o outro.

Como podia ter sido tão descuidado? Costumava rasgar e deitar na sanita os esforços inacabados.

- Vai buscá-las - ordenou.

Ela saiu de imediato e trouxe as duas cartas que tinha escondido sob o colchão. Foi com relutância que se desfez delas. Tinham-lhe feito companhia durante muitas noites solitárias.

Entregou-lhas.

- Quem me dera que me fizesses algumas dessas coisas de que falas aí - disse. - Já não me fazes nada.

Esfregou os seios amplos contra ele.

- Gostava de voltar a fazer essas coisas, Herbie. Não podemos recomeçar?

Ele empurrou-a.

- Estás muito gorda - murmurou.

Como podia sequer pensar em tocar naquele corpo gordo quando tinha alguém como Sunday Simmons.

- Mas, Herbie...

Em desespero de causa, Marge desapertou a blusa revelando uns seios de mamute saídos de um soutien branco muito sujo.

- Olha o que tenho. Tenho umas mamas boas. Antigamente gostavas delas.

Olhou para ela, desgostoso. Mamas gordas. Voltou-lhe as costas.

- Ves te-te, minha puta. E vê se ficas em casa esta noite. Depois, agarrou no casaco e saiu.

Sim, o episódio com Marge tinha sido muito perturbante. Acima de tudo a parte sexual, a exibição que ela fizera.

Não se teria ela apercebido que parte da vida em comum tinha

acabado? Só de pensar nisso sentia-se sujo.

- Eh, motorista - disse a mulher, bêbeda, curvando-se em direcção a ele, com um cigarro pendente dos lábios. - Tem lume?

- Emerald, senta-te, por favor. Eu acendo-te o cigarro. A voz de Cy era tensa.

- Nem sonhava em te incomodar, querido. Tu não queres que eu fume. Achas que não é de senhora entrar numa festa a fumar. Pois bem, vai-te foder.

- Emerald, por favor.

Acenou com o cigarro em direcção a Herbert.

- Dá-me lume, Sam.

Furioso com o homem por deixar a mulher dizer tantos disparates, entregou-lhe o isqueiro automático em silêncio.

Ela atirou o isqueiro para o banco da frente e Herbert queimou os dedos a repô-lo no sítio. Depois, o homem que seguia atrás carregou num botão e o vidro desceu, cortando a conversa. Herbert resolveu que iria mijar-lhe na piscina. Beberia muita cerveja e mijaria em arco.

Charlie não se lembrava bem de quando é que se tinha apercebido do erro terrível que cometera. Fora no dia seguinte ao casamento de Las vegas, ou no outro?

Analisando as coisas à luz fria da realidade não percebia por que razão o tinha feito. Díndi era muito bonita, mas uma idiota. Cada vex que abria a boca era para pedir alguma coisa.

Passados dois dias já aquilo estava a pô-lo doido.

- Querido, dás-me um dinheirinho para a roleta? Amor, ofereces-me aquele maravilhoso brinco de diamantes e turquesas? Meu bichaninho e se me desses um casaco de visou para me aquecer?

Deu-lhe tudo aquilo que ela pediu. Afinal, estavam em lua-de-mel. A reacção pública ao casamento foi variada. As manchetes da maior parte dos jornais dizia: "Bela starlet casa com Charlie Brick" e outras no mesmo gênero.

Os conhecimentos pessoais eram outra coisa. George chegou de avião e ele e Dindi pareciam inimigos constantes.

Pelo telefone, Marshall foi absolutamente mal educado; falou de negócios e ignorou o casamento até ao fim da conversa, e depois murmurou: votos de sorte, bem vais precisar.

De Inglaterra chegou um comprido telegrama da mãe.

"Meu filho, que fizeste? Chego em breve. Serafina, tua mãe que te adora." Ficou furioso por Lorna não lhe ter mandado nem uma palavra.

Serafina ficou furiosa por não ter estado presente. Detestava fazer o que quer que fosse, e estava ansiosa por ir até Hollywood. Não estava nada à espera de uma nova nora.

Dindi teve logo ciúmes de George. Este chegou logo após o casamento, convocado por Charlie, e, como sempre não saía de junto dele pronto a satisfazer-lhe as solicitações.

- Ele vai andar connosco para todo o lado? - perguntou ela, agastada por George ter estado junto deles durante todo o dia, na piscina.

- Ele não te incomoda, pois não, querida? - perguntou Charlie, suavemente.

- Oh, não - disse ela, encolhendo os ombros. - Acho que vou até lá abaixo ver montras. Dás-me taco?

Charlie começava a ficar irritado com a fraseologia vulgar de Díndi.

Deu-lhe mais um maço de notas, ela parecia gastar o dinheiro como se fosse confetti. Saiu e ele foi ver George a reparar a aparelhagem.

- Quanto tempo vamos ficar aqui? - perguntou George. Já tinha concluído que aquele casamento não ia dar nada e não percebia como Charlie pudera ser tão tolo.

- Alguns dias, talvez até mais. Estava a pensar que tu levasses o Maserati e nos viesses buscar no Mercedes. Quero que vejas umas casas para mim. Preciso de ter alguma antes de as crianças começarem A chegar.

Cá em baixo, Dindi comprou três novos bikinis e um enorme chapéu de palha. O resto do dinheiro, levou-o para a roleta e apostou no número vinte. Mordeu os lábios com excitação, quando viu a roda a girar e, bingo, apareceu o vinte. Deu um gritinho de alegria e logo o gerente se pôs ao lado dela, murmurando: - Deixe seguir. Ela sorriu. -O dinheiro? - Para já.

Entenderam-se mutuamente.

Dindi sentiu um estremecimento de excitação. Charlie não a exaltava. Não se sentia ela própria. com ele tinha de se armar em ingênua. - Oiça, se quiser contar o dinheiro, tenho um apartamento no décimo oitavo andar, apartamento E. Piscou-lhe o olho e afastou-se.

Bem, o filho da mãe estava mesmo seguro de si, mas que raio, ela também não tinha nada a perder. Era uma senhora casada e diversão era diversão. Agarrou nas fichas e foi trocá-las.

Depois, tomou o elevador até ao décimo oitavo andar.

Ficaram cinco dias em Las vegas, até que Charlie se aborreceu e teve vontade de ir trabalhar. Angela Carter fora contratada para Roundabout e o novo argumento estava completo. Ainda andavam à procura de outra rapariga, já que Sunday Simmons não estava disponível. Era um pequeno papel e não apresentava problemas de maior. Sem Charlie saber, Dindi tinha planos para apanhar o papel. Uma conversinha com Marshall, umas dicas a Charlie e era canja.

George escolhera uma casa em Bel Air, que pensava, mereceria a aprovação de Charlie. Era uma mansão enorme com piscinas interiores e exteriores, courts de tênis, ala para hóspedes e numerosos quartos e salas. A escolha fora entre aquela casa ou um espaço moderno de vidro e aço nas colinas de Hollywood. George soubera instintivamente que Dindi teria preferido a moderna, por isso escolhera a outra.

Charlie ficou deliciado com ela. Havia espaço mais que suficiente para colocar a aparelhagem estereofónica, os discos, as gravações, as câmaras e todos os outros objectos de que ele gostava. Era um grande coleccionador, interessando-se pela mesma coisa durante algum tempo e largando-a em seguida.

Naquele momento, eram aparelhagens estéreo e automóveis, mas estava a entrar na fase das fotografias. Dindi ficou impressionada com a casa. Divertia-se imenso em Las vegas e voltara a Hollywood carregada de jóias, roupas e um marido estrela de cinema. Que mais podia uma rapariga desejar? Nem sequer se dera ao trabalho de regressar ao velho apartamento. Limitara-se a telefonar à senhoria, pedindo-lhe que lhe enviasse o passaporte por correio aéreo. Para quê recuperar coisas velhas quando podia ter tudo novo?

Abriu contas em todo o lado, e, logo no primeiro dia comprou desalmadamente.

Clay e Natalie Allen chegaram à cidade.

- Por que não damos um jantar, uma espécie de comemoração? - perguntou Charlie a Dindi. - Podes convidar os amigos que quiseres.

Decidira aproveitar o melhor possível o erro que cometera. Afinal. Dindi era muito jovem e seria concerteza muito simples transformá-la no tipo de rapariga com quem ele pensara ter casado. E ela devia estar disposta a valorizar-se.

- Tá bem - concordou Dindi, pensativa. Que tipo de amigos podia convidar? Todos os tipos com quem tinha ido para a cama. E quanto a amigas, quem é que precisava daquelas gralhas? A única pessoa que lhe ocorreu foi Sunday Simmons.

- Não tenho muitos amigos aqui - disse. - A maior parte deles assim como a minha família estão em Filadélfia.

Nunca fora a Filadélfia mas parecera-lhe uma cidade respeitável para mencionar. Na verdade, nascera no Arizona e não voltara lá desde que, aos quinze anos, fugira com um caixeiro viajante.

- Não é preciso que seja uma grande festa - disse Charlie. Não queria apresentá-la sozinha aos Allens. No meio de muita gente Dindi parecia mais inteligente.

- Gostava de convidar a minha melhor amiga, Sunday Simmons.

- Óptimo. Faz a lista e tentaremos marcar isso para o fim-de-semana.

Saiu para estudar o novo script. Tudo ia sair bem. Pelo menos, não precisava de andar atrás de miúdas. Concentrar-se-ia no trabalho e Dindi em breve teria crianças para a manter ocupada. Talvez ela e Natalie se tornassem amigas. Natalie podia ensinar-lhe bastante. Ele precisava de se lembrar que ela era dezassete anos mais nova e sem experiência. Ia resultar.

Sunday começou a passar muito tempo com Branch. Ele era simpático e agradável. Nem o desejava sexualmente; via-o como um irmão mais velho, e desejava que ele lhe retribuísse da mesma forma. Não se esquecera que Dindi e Carey tinham dito que ele era maricas e uma vez que ainda não se atirara a ela começava a acreditar que assim era.

Em muitas coisas era um rapaz estranho. Detestava falar de si próprio ou do seu passado, estava muito nervoso com o teste que se aproximava e detestava pensar em regressar a Nova Iorque se falhasse.

Para Sunday era bom ter uma companhia masculina. Quando saíra com Carey à noite tinham sido sempre incomodadas por homens. Agora, com Branch ao lado, ninguém se metia com ela.

Carey estava aborrecida com a situação.

- Se o teu nome tem que estar associado a alguém, ao menos que seja Steve Magnum e não um palerma que ninguém conhece.

Sunday ria-se e passado pouco tempo as pessoas começaram a habituar-se a vê-los como par.

Steve Magnum é que não achou graça. Não era freqüente ver-se trocado por um Zé-ninguém. Miss Sunday Simmons que esperasse até chegarem a Acapulco.

O teste de Branch correu bem. Foi contratado para um filme de cow-boys que iria começar a ser rodado no México. Ficou satisfeitíssimo.

Na noite antes de partir, Sunday levou-o à festa de Dindi e Charlie. Estava com vontade de voltar a ver Dindi depois de casada. Também a entusiasmava a perspectiva de conhecer Charlie Brick. Era fã dele e considerava-o um brilhante actor de comédia. Era uma pena que ela não estivesse livre para desempenhar o papel em Roundabout, mas Carey dissera que o papel era pequeno e o de Cash mais importante.

Dindi recebia os convidados. Tinha o cabelo com caracóis que lhe caíam pelas costas e trazia um vestido comprido de chiffon verde com uma guarnição de cetim à frente. Tinha penduradas todas as jóias que Charlie lhe comprara.

- Querida! - exclamou para Sunday, com voz estridente e tensa

- Que bom ver-te!

Fez brilhar o anel de diamantes e curvou-se para beijar Sunday enquanto lhe murmurava ao ouvido:

- Ainda bem que vieste. Esta malta é do piorio.

- Que casa maravilhosa - disse Sunday. Passou os olhos pela sala, pelas paredes cobertas de quadros interessantes. Havia ali cerca de doze pessoas a beber e conversar.

- Lembras-te de Branch Strong?

- Claro - disse Dindi, sorrindo. - Li em qualquer parte que o teu teste foi magnífico.

Ele pareceu ficar embaraçado.

- Venham tomar uma bebida. Sunday, estás com um óptimo aspecto. Quando começas a filmar com Steve Magnum? Estou verde de inveja. Ouvi dizer que é uma das melhores camas de Hollywood.

Dindi não mudou, pensou Sunday, olhando à volta à procura de Charlie. Estava curiosa por ver o tipo de homem que ele era. Branch foi arrastado por Emerald Hamilton que o encurralou num canto.

Marshall chegou acompanhado por Carey e Sunday passou o tempo a falar com eles. Ficou surpreendida por ver Carey que não tinha dito que iria assistir à festa.

- Foi uma decisão da última hora - explicou Carey. - Marsh telefonou-me e disse-me que tinha umas coisas importantes a discutir comigo, por isso desmarquei o encontro que tinha e vim. O trabalho, antes do prazer. Além disso, queria aproveitar para ver.

Sunday achou que ela estava muito atraente, a pele escura sobressaindo contra o vestido de cetim branco que lhe caía na perfeição.

Charlie aproximou-se. Mais magro do que Sunday esperara, rosto comprido e triste com óculos muito graduados. Cabelo preto. Sorriu para Sunday, um sorriso gaiato. A sua voz era calorosa. Gostou imediatamente dele e perguntou-se por que razão os olhos dele eram tão tristes.

- Dindi falou muito de si - disse ele, impressionado pelos seus olhos estranhos dourados e pela boca sensual. Ela era bastante mais bonita do que parecera nas poucas cenas que vira.

- Sim? -perguntou Sunday, sorrindo. Marshall disse:

- Charlie, não conheces Carey, pois não? O meu ex-braço direito.

Estabeleceu-se por conta própria.

- E fez muito bem - disse Charlie, admirando-a. - Todos têm

o direito de tratar da sua vida. Principalmente se isso significa verem-se

livres do Marshall. Deve ser um safado. Carey riu-se.

- E é.

Charlie voltou os olhos para Sunday que retribuiu o olhar. Perguntou-se se os mexericos sobre ela e Steve Magnum seriam verdadeiros. Provavelmente, sim, a maior parte das actrizes era assim, bastava falar num papel num filme que até eram capazes de vender a mãe.

Sunday pensou "este homem não é feliz". - Adoro a sua casa - disse, para quebrar o olhar.

- Gosta? Obrigada. É alugada, mas estou muito satisfeito com ela.

Dindi apareceu e deu-lhe o braço.

- Querido, o chefe dos criados está a ficar nervoso porque quer servir o jantar. Posso dizer-lhe que sim?

- Está bem, amor.

Deu-lhe um beijo distraído e foi tratar do assunto. Dindi piscou o olho para Marshall:

- Então, que dizes? Cá a rapariga sempre se conseguiu safar. Eh, meninas, importam-se que eu leve o Marshall para um tête-à-tête?

- À vontade - disse Carey, sorvendo lentamente o martini, Dindi afastou-se com Marshall.

- Então? - perguntou Carey. - Que pensas?

- Sobre o quê? - replicou Sunday.

- Sobre tudo isto. Ainda achas que foi amor à primeira vista?

- Não sei. Quem poderá saber? A Dindi parece feliz.

- E o Charlie?

- Não conheço o Charlie.

- Não, mas ele gostava de te conhecer.

- Que queres dizer?

- Sabes o que quero dizer. Entre vocês os dois passou uma corrente de electricidade.

- Às vezes acho que és maluca.

Mas Sunday percebeu exactamente o que a outra quiz dizer.

- Olá, Carey - disse Cy, aproximando-se. - E se me apresentásses à tua cliente?

- Claro. Sunday, este é Cy Hamilton, o meu produtor preferido.

- Olá.

- Olá.

Cy agarrou-lhe a mão com força e reteve-a. Os seus olhos trespassaram-lhe a blusa fixando-se nos seios. Ela libertou a mão.

- Estou desapontado por você não estar disponível para fazer o Roundabout comigo - disse ele. - Mas tenho a certeza que em breve arranjaremos alguma coisa.

Olhou para Carey.

- Acho que Sunday e eu devíamos encontrar-nos para discutir juntos futuros projectos. E se almoçássemos no domingo?

Sunday disse.

- É Carey quem me trata das combinações. Limito-me a seguir os conselhos dela. É com ela que você devia ir almoçar. Carey, o Branch está ali encurralado com uma mulher. Quem é?

- É a mulher do Cy.

- Oh!

Cy virou-se.

- Ciumenta!

- Claro que não. Só queria saber quem ela era.

- E para sua informação o amigo musculoso é que encurralou a minha mulher. Sabe que mais? Você é uma tipa maldosa.

E com isto afastou-se.

- Francamente! - exclamou Sunday.

- Não ligues - comentou Carey. -Ele ficou chatiado porque lhe deste para trás. Não é todos os dias que apanha com um não. Já engatou praticamente todas as actrizes que entraram nos filmes dele. A mulher é uma bêbeda que fornica com quem calha. São um casal muito giro.

Natalie e Clay ficaram adequadamente impressionados com a casa de Charlie. Também viviam numa casa alugada mas mais modesta. Chegaram uma hora antes da festa começar e Charlie sentou-se com eles na sala a ouvir os mexericos de Londres. Não via Natalie desde aquele dia no hotel e a atitude dela em relação a ele era rigorosamente a mesma. Sentiu-se aliviado e desejou que, agora que estava novamente casado, ela esquecesse o que se passara.

- Onde está a tua mulher? -perguntou. Estou ansiosa por conhecê-la. O Clay disse que a conhece.

- Conhece? - perguntou Charlie com ar incrédulo.

- Só vagamente - apressou-se Charlie a responder, deitando a Natalie um olhar que queria dizer: "por que não calas essa boca? ".

-Conheci-a em Roma há cerca de um ano. De certeza que ela

não se lembra de mim.

Clay estava a apostar no facto de que concerteza que Dindi preferiria não se lembrar dele. Tinham-se conhecido numa festa e ele e um produtor italiano tinham fornicado com ela à vez, enquanto ela gemia e dizia:

-Espero com isto conseguir o papel no filme.

Claro que Clay não contara a Natalie a história completa e na verdade, desejava até nem lhe ter contado nada. Mas ficara tão surpreendido quando agarrara no jornal da manhã e encontrara uma fotografia de Dindi e Charlie na primeira página que exclamara:

- Meu Deus! Onde é que ele foi encontrar esta?

- Sim. Dindi passou algum tempo em Roma com os pais - disse Charlie. - Está a acabar de se vestir.

- Espero que não te importes de eu ter convidado Max Thorpe

- disse Clay rapidamente para mudar de assunto. - O espectáculo que ele tem na televisão está a ser um grande êxito.

- Não me importo nada - respondeu Charlie. Na verdade, não suportava Max Thorpe, um palerma de um tipo que lia na mão das pessoas e que tivera a sorte de ter previsto alguns acontecimentos e acabara por ter o seu próprio espectáculo em Hollywood chamado "Prevejo". Charlie conhecia-o dos dias difíceis em que ambos trabalhavam em Soho. Numa noite de bebedeira lera a palma da mão a Charlie e não previra coisas nada agradáveis.

- Sabes, já não vejo o Max para aí há três anos - comentou Clay. - Nessa altura ele disse-me que eu ia viajar bastante.

- Viram a Lorna? - perguntou Charlie com ar casual, embora lhe fosse difícil dizer o nome dela sem sentir que ainda era sua mulher.

- Sim, na verdade, encontrámo-la num restaurante em Hampstead

- disse Natalie. - Está com uma barriga enorme, embora diga que só tem seis meses. Na verdade, até parece que vai desovar a qualquer momento. Acho que se casam esta semana.

- Ainda bem - disse Charlie, tentando manter a voz neutra. Falou em mim?

Natalie e Clay responderam ao mesmo tempo. Natalie disse que sim e Clay que não.

Charlie riu-se nervosamente.

- Não faz mal, eu agora estou imune aos comentários dela. Serviu-se de outro uísque com mão trêmula.

- Disse que estava satisfeita por teres casado tão depressa. Natalie sorriu, saboreando o que ia dizer a seguir.

- Disse que te fazia bem casares com uma rapariga muito mais nova.

- Por que raio ela disse isso?

- Oh, sabem como é a Lorna. Sempre com comentários críticos. Dindi entrou, beijou Charlie e sorriu para os Allen. O sorriso paralisou-lhe quando reencontrou Clay. Dindi fornicara com duzentos e vinte e três homens e lembrava-se dos rostos de todos eles, embora não dos nomes.

Clay disfarçou rapidamente, não sem que Natalie tivesse reparado no ar chocado da rapariga.

- Conhecemo-nos em Roma - disse Clay. - Lembra-se? Na festa de Cláudio Finca. Eu até me meti consigo por estar com a sua mãe.

- Oh, sim - sorriu Dindi, já descontraída. - Aquele tipo era esperto. - A mama voltou para Filadélfia.

Charlie disse:

- Esta é a Natalie, querida. Clay e Natalie são os dois meus amigos mais antigos.

- Então, então - disse Natalie. - Cuidado quando falares em idades. Sou muito sensível. Como estás, Dindi? Estava ansiosa por te conhecer.

As duas mulheres mediram-se. Natalie viu uma loira atraente com muito cabelo e muito peito. Reparou que tinha olhos azuis brilhantes e não a subestimou. Dindi viu uma morena magra e atraente na casa dos vinte, muito segura de si e muito possessiva em relação a Charlie. Até era possível que tivesse dormido com ele.

- O Charlie falou muito de vocês - disse Dindi. - Parece-me que conheço já tudo acerca de vocês.

- Oh, óptimo - sorriu Natalie.

A rapariga pensava que ela e Charlie tinham tido uma ligação.

- Estás muito bonita - disse Charlie, dando uma palmada no rabo de Dindi. - Não é mesmo um amor?

- Adorável - respondeu Natalie.

- Sim - concordou Clay, lembrando-se como ela tinha sido tão adorável com as calcinhas para baixo. Ocorreu-lhe que talvez devesse ter sido franco com Charlie. Afinal, tinham sido amigos chegados durante anos. Mas ele casou com a rapariga, portanto de que valia fazê-lo agora?

Mais ao fim do dia Marshall K. Marshall sentiu a mesma coisa. Fora ele quem apresentara Dindi a Charlie. Como é que podia adivinhar que o idiota ia perder a cabeça e casar com a rapariga? Agora que estava casado com ela não era altura para lhe dizer que ela era uma espécie de prostituta que aceitava papéis em filmes em vez de dinheiro, embora Marshall se lembrasse que uma ocasião lhe dera quinhentos dólares para ela passar um fim-de-semana em Palm Springs com um tipo alemão que lá estava para receber um prêmio como actor secundário. De qualquer modo, Charlie com certeza que não levaria muito tempo a aperceber-se da verdade.

Dindi aproximou-se dele durante a festa e disse-lhe que queria o outro papel feminino em Roundabout.

- Tu podes convencer o Charlie - disse ela. - Será uma publicidade muito maior para o filme, e sei que sou capaz de o fazer. Só preciso de uma oportunidade decente.

Apesar de tudo ele gostava de Dindi, e seria uma boa publicidade metê-la no filme e ela era a pessoa indicada para o papel. Era um desempenho simples que só exigia que ela se mostrasse bonita e sexy, e isso ela conseguia sem dúvida fazer. - vou falar com o Charlie. Ela beijou-o na face.

- És um amor. Não te vais arrepender. vou tornar-me uma grande estrela e ganhar uma fortuna. E olha, Marsh, vou saber retribuirte - acrescentou, piscando o olho. - É só dizeres.

Max Thorpe era um homem pesado com a idade de Charlie. Estava bronzeado e o seu cabelo castanho tinha farripas amarelas. Vestia um fato de algodão às riscas pretas e brancas com camisa e gravata a condizer.

- Só lhe falta um chapéu de palha com a inscrição "Beija-me já" para parecer um passageiro do barco para Brighton - comentou Charlie para Natalie.

Max Thorpe foi o êxito da festa. Ninguém podia resistir a saber as coisas boas que o futuro lhes reservava e era política de Max prever unicamente coisas boas. Logo se viu rodeado por palmas de mãos estendidas mas a mão que verdadeiramente lhe interessava era a de Branch Strong. Max, tal como Charlie, viera de Soho. E durante o percurso, os seus gostos tinham mudado de raparigas de pernas esguias para jovens rapazes musculados. Max sentiu o coração bater, o que não lhe acontecia desde que conhecera um falso índio na Disneylândia.

Reconheceu imediatamente no espírito de Branch um tipo com sucesso e previu grande fortuna e êxito, e também que alguém com a inicial se tornaria muito importante na sua vida. Aconselhou Branch a seguir as suas inclinações naturais e perguntou-lhe se gostaria de aparecer no seu espectáculo televisivo "Prevejo".

Branch ouvia atentamente com um sorriso largo. Fama, fortuna e sucesso era o que ele queria e então talvez se pudesse ver livre dos pervertidos que não o largavam. O "M" devia ser de Mãe. Havia dois anos que tinha vergonha de se apresentar em casa. Seguir as inclinações naturais devia querer dizer que as bichas deviam manter-se longe dele. Logo que conseguisse a fortuna e a fama faria exactamente isso, incluindo ver-se livre do seu agente, cujas exigências estavam a ser demasiadas. Depois, talvez pudesse iniciar uma relação a sério com Sunday. Não achava conveniente abordá-la nesse sentido sem ter rompido completamente com as suas ligações anteriores.

- E que tal aparecer no meu show? - insistiu Max.

- Pois, mas é que amanhã parto para o México. Arranjei um óptimo papel num filme de cow-boys, mas quando voltar gostaria muito.

Max perguntou ansiosamente.

- E quando voltará?

- Eles calculam que devo lá ficar seis ou sete semanas - respondeu Branch, afastando dos olhos um caracol loiro.

- Podíamos pagar adiantado - disse Max, baixando a voz, acrescentando rapidamente. - Se quiser ir lá a minha casa receber. Mil e quinhentos dólares.

- Ah, sim?

Branch percebeu subitamente aquilo que ia no espírito de Max Thorpe. Se já fosse conhecido e rico dar-lhe-ia um murro nas ventas. Mas ainda não tinha atingido nenhuma destas coisas e mil e quinhentos dólares era muito dinheiro.

- Sim? Bem, acho que lá podia passar mais tarde. Primeiro tenho de levar uma senhora a casa.

- Muito bem, muito bem.

Max sentiu o corpo descontrair-se de alívio.

- vou dar-lhe a minha morada.

Passado algum tempo era Charlie o objecto das atenções de Max.

- Lembra-te do que te ensinei, rapaz. Na altura não gostaste, mas verificou-se tudo.

- Algumas coisas - admitiu Charlie com relutância.

- Eu bem tinha razão.

Max estava todo satisfeito com a sua esperteza e também porque sabia que estava a irritar Charlie, de quem não gostava.

- Casamento desfeito. Novo casamento a caminho. As iniciais R. e S. Bem, é a segunda inicial da tua mulher, não é? Mais duas crianças.

- Sim, sim - interrompeu Charlie, mas e as coisas que não aconteceram? Um acidente ou doença? Um escândalo. As iniciais "H. S. ". Então?

- Oh, não te preocupes com isso - disse Max, maldosamente. Tens muito tempo. Tanto quanto me lembro tens uma boa linha da vida. Queres que te leia novamente as linhas da mão?

- Não, obrigada.

Depois do jantar, Carey perguntou:

- Sobre que assunto querias falar, Marsh? Este fumava um charuto grosso e não respondeu.

- Ouve lá, cancelei um daqueles encontros quentes por tua causa, por isso não me venhas com esse ar de agente.

Ele retirou o charuto da boca e analisou-o. Depois, disse subitamente:

- Tenho cinqüenta e seis anos, sou um aleijado, e não me venhas com essa conversa de que um tipo coxo não é nenhum aleijado. Experimenta andar assim durante uma semana. Já fui casado uma vez e deu para o torto. Por outro lado sou rico, poderoso à minha maneira. Não jogo, não bebo, muito menos ando para aí a fornicar com uma qualquer. Sou simpático, generoso e limpo. Estou-me nas tintas para os problemas dos negros e quero que cases comigo.

Carey olhou para ele, atônita.

- O quê?

- Ouviste-me bem. Quero casar contigo. És uma tipa esperta e até devias ficar contente.

Estava a tentar ser engraçado, mas a forma como esmagava o tabaco do charuto com dedos nervosos denunciava a seriedade com que falava.

Carey recuperou a compustura. Nunca pensara em Marshall do ponto de vista romântico. Ele fora seu patrão durante sete anos e nesse tempo observara e aprendera com ele, tendo chegado à sua custa, de simples secretária ao que era agora.

- Não precisas de me responder já - disse-lhe. - Pensa no assunto. Sei que está a ser um choque, mas ando a pensar muito desde o ano passado. Faremos bem um ao outro. Se quiseres, até te namoro, levo-te a jantar fora, mando-te flores, embora Deus saiba que já estou velho demais para isso. Mas se assim o quiseres, fá-lo-ei. E levantou-se.

- Pensa nisso. Depois voltamos a falar, ou não, conforme quiseres. Levantou-se e foi juntar-se à multidão que se reunira à volta de Max Thorpe.

- Prevejo - dizia Max para Natalie Allen. - Mais dois bebês lindíssimos, até podem ser gêmeos e muitas viagens, vai andar sempre na mó de cima. Ao que parece, tu e Clay vão ter uma óptima vida juntos.

Natalie retirou a mão e ocultou a sua irritação por detrás de um sorriso encantador. Não era aquilo que ela queria ouvir.

- Quem se segue? - perguntou Max, muito divertido. - E você? - acrescentou, dirigindo-se a Sunday.

Ela começou a protestar mas viu-se empurrada por Dindi.

- Você tem umas mãos muito delicadas - comentou Max. Não é casada mas talvez já tenha sido. Sim, vejo aqui uma indicação de que já foi. Não foi um casamento feliz. Vejo sinais de grande tensão, muita tensão. Os seus pais morreram, num acidente, talvez de avião. Vive sozinha e é muito calma. Vejo muitos amantes, talvez até outro casamento.

Sunday estava muito quieta, ouvindo atentamente. Aquele homem era perspicaz. Sabia tudo. Esqueceu-se de que toda a gente estava a ouvir.

- Está certo - sussurrou. - Que mais vê? vou ser feliz? Uma pergunta estranha, pensou Max. Geralmente elas perguntavam se iriam ser ricas ou famosas.

Disse:

- Para lhe dizer isso precisaria de fazer um mapa. Vejo uma linha profissional muito forte, um êxito fantástico, vejo... uma carta, uma carta. Não a deve ignorar. A linha da vida interrompida, não... não... quer dizer casamento.

Deteve-se abruptamente.

- Não vejo mais nada.

- Oh, por favor!

Perguntou-se se Paulo lhe teria deixado alguma carta que ela não tivesse visto. Voltou a estender a mão para Max.

-Por favor, diga-me mais.

Os olhos dele turvaram-se e a cabeça doeu-lhe. Às vezes acontecia aquilo e ele deixava-se levar longe demais. Tinha ido longe demais com aquela rapariga. Nunca deveria ter falado na interrupção da linha Ida vida. Era tão estranho aquele poder que tinha.

- Desculpe, minha querida. Não há mais nada. Não vejo mais nada.

Charlie reparou que ela estava perturbada e começou a contar uma história cômica. Passado um bocado, quando toda a gente já estava a beber, foi procurá-la. Reparara que se tinha escapado para o pátio.

Estava ao lado da piscina mas enquanto se dirigia para ela Branch apareceu. Por entre as sombras viu-os falar durante um bocado e depois voltar-se e dirigir-se para casa. Charlie voltou para dentro.

Uma vez em casa Max Thorpe vestiu um roupão de seda, com os signos do Zodíaco bordados à mão. Antes de o fazer tomara banho e salpicara o corpo gorducho com um perfume intenso a musgo.

Pôs a tocar uma música japonesa, reconfortante e abriu uma garrafa de champanhe para comemorar a chegada de Branch. Depois, sentou-se sobre um monte de almofadas e deixou que o espírito regressasse à noite passada. Fora outro triunfo seu. Praticamente toda a gente sucumbira à sua magia. O grande Max Thorpe concedia audiências e toda a gente importante se juntava à sua volta. Por norma, não dizia às pessoas as coisas más; elas só estavam interessadas em ouvir coisas agradáveis. Às vezes, era difícil. Às vezes, os seus rostos tornavam-se meras sombras e as palavras saíam-lhe da boca e eram difíceis de controlar. Lembrou-se do ano anterior em que um actor famoso se sentara a seu lado e na palma da mão só vira o vazio. Falara rapidamente sobre novos negócios, triunfos e êxitos. O homem ficara satisfeito. Dois dias depois morrera num despenhamento de avião a caminho de Espanha. A vida era assim. Max não o teria concerteza tornado mais feliz dizendo-lhe que não tinha futuro. com aquela rapariga tinha visto coisas estranhas, não necessariamente a morte, mas coisas estranhas.

A campainha da porta tocou e ele apressou-se a ir abrir. Que físico maravilhoso tinha Branch Strong. A noite prometia.

Aumentou o volume da música japonesa e abriu a porta.

Branch apoiava-se ora num pé, ora noutro, sem fazer qualquer tentativa para entrar.

- Olá - murmurou.

- Então, caro rapaz, entra.

Dirigiram-se os dois para a sala onde Max convidou Brandi a sentar-se sobre as almofadas. A seguir serviu-lhe uma taça de champanhe, apontando-lhe um dedo gordo e rosado.

- Esta noite, prevejo que vais ser fodido.

As semanas que se seguiram passaram rapidamente para Sunday. Esteve ocupada com provas, entrevistas e sessões de fotografias. Steve Magnum só lhe telefonou uma vez para saber se ela quereria servir-se do seu avião particular para ir até Acapulco. Recusou polidamente.

Carey arranjara algumas casas para ela ver, por isso alugou um carro que lhe permitia andar de um lado para o outro sem ter de depender de Carey ou de táxis. A maior parte delas não lhe serviam, ou eram demasiado grandes ou demasiado sofisticadas, ou não suficientemente perto do mar. Finalmente encontrou uma casa de praia em Malibu que estava vaga durante o ano e era perfeita. Tinha uma rua particular, ficava junto ao mar, e, embora pequena, correspondia precisamente ao que ela desejava. Adorou o pequeno pátio das traseiras, com degraus de madeira que davam para a praia. A casa estaria vaga quando regressasse de Acapulco, por isso alugou-a de imediato.

Branch escrevera-lhe uma carta rabiscada e longa. Tinha saudades dele e dos jantares no seu restaurante macrobiótico preferido.

Desde a festa em casa de Dindi tentara em vão avistar-se com Max Thorpe. Parecia-lhe imperativo falar com aquele homem. Talvez ele lhe pudesse dizer mais. De qualquer modo estava a tornar-se uma obsessão encontrar-se com o homem.

Era impossível falar com aquele homem. A secretária informara que ele já não dava consultas privadas. Tentara contactá-lo para o estúdio da televisão mas ele estava incomunicável. Escreveu e não obteve resposta. Finalmente, pediu o conselho de Carey.

Carey disse:

- Esquece, ele é uma bicha velha. Mas se de facto queres vê-lo, fala com o teu amigo Branch. Não vais ter problemas em conseguir falar com ele.

Telefonou para o México. Levou três dias a localizar Branch, que prometeu fazer o que lhe fosse possível.

No dia seguinte a secretária de Max Thorpe telefonou-lhe dizendo que lhe tinha marcado uma entrevista para o meio-dia de sábado. Ia custar-lhe mil dólares em dinheiro. E, a propósito, qual era a data e a hora do nascimento dela?

Max Thorpe, já quase não fazia estudos pessoais. Ocupava-o muito e ele tinha outras coisas com que se preocupar. O espectáculo de televisão tomava-lhe grande parte do tempo e também escrevia uma coluna semanal de horóscopos que era publicada em cento e quarenta jornais. Tinha outras formas de lucro. T-shirts, posters e crachás. Na verdade, até estava envolvido em negociações para abrir pelo país uma cadeia de lojas "Prevejo".

Max Thorpe estava mesmo a safar-se muito bem.

Só concordara em receber Sunday devido ao telefonema de Branch. Havia dias que tentava contactar com aquele rapaz. Enviara telegramas cartas e tentara apanhá-lo pelo telefone, mas em vão. Depois da noite passada em sua casa, Branch levara os seis mil e quinhentos dólares e partira para o México. Não chegara sequer a acusar a recepção dos telegramas. Mas ficara deliciado e perguntara se podia visitá-lo no fim-de-semana.

- Claro - respondera Branch. - Só que teremos que nos ver fora do local das filmagens e tenho um favor a pedir-te.

- Tudo o que quiseres - declarara Max.

Branch suplantara de longe o falso índio da Disneylândia. E foi assim que Sunday conseguiu a entrevista.

Chegou pontualmente ao meio-dia à casa de Max. Os mil dólares pagos em dinheiro tinham-na assustado mas queria mesmo vê-lo e ia pagar, custasse o que custasse. Ele fê-la esperar vinte minutos num quarto escuro privado de luz solar.

Apareceu, finalmente, vestindo uma camisa com os signos do zodíaco e calças de couro pretas que lhe realçavam a gordura. Depois, falou durante meia-hora acerca de si mesmo, do seu espectáculo, do seu talento. Sunday começava a desesperar quando ele, finalmente, disse:

- Acho que podemos começar com as cartas. Tenho aqui uma carta mas talvez você queira tirar notas.

Estendeu-lhe um bloco de notas, cujas páginas tinham gravadas ao cimo as palavras "Max Thorpe - Prevejo". Começou a falar muito rapidamente em frases curtas e sincopadas, dizendo coisas que ela tinha a certeza que ninguém lhe poderia ter contado. Era incrível.

Percorreu-lhe rapidamente o passado até chegar à altura do casamento. Falou durante algum tempo sobre como ela não se devia culpar pelo que acontecera. Olhou-a com olhos molhados.

- Deve esquecer tudo. É um período acabado da sua vida. Você não tem culpa. Deve distrair-se. Olhe para o futuro com coração leve e não pense mais nisso.

Indicou-lhe as iniciais de pessoas importantes no seu futuro. Falou-lhe de contratos, de conselhos, de um homem mais velho que ela devia ouvir. Depois calou-se. Não podia ir mais longe. Havia algo estranho, algo que não conseguia definir, não era a morte, era outra coisa...

Levantou-se.

- Sunday, você é uma rapariga com sorte. A sua fama não vai ser efêmera. Tome muito cuidado consigo e haja sempre com precaução. Mas acredite-me, deve esquecer o passado.

Tinha estado a falar durante uma hora.

- Obrigado, Mr. Thorpe. Agradeço muito ter-me recebido. Sentia-se mais aliviada. Ele tivera razão em relação a tudo, por isso talvez toda a história de Paulo não fosse culpa dela. Meteu a mão na carteira branca. Ele ergueu a mão.

- Não. Mudei de idéias. Não quero pagamento. Esteja à vontade se quiser cá voltar. Havemos de ser amigos.

Concluirá que aceitar-lhe o dinheiro seria incorrecto e talvez Branch não gostasse.

Afinal, não precisava e até gostava da rapariga. Podiam ser amigos. E, se não se enganasse acerca do futuro dela, era uma amiga que valia a pena ter.

Sunday seguiu para Acapulco sentindo-se muito melhor. De qualquer modo, a sessão com Max Thorpe aliviara-a imenso. O facto de ele lhe ter dito que devia esquecer o passado parecera alterar as coisas. Ia esquecer. Esqueceria Roma e Paulo e começaria do nada. Sairia, marcaria encontros e faria tudo o que Carey lhe tinha aconselhado. Acapulco e o novo filme seriam um ponto de partida e depois, quando regressasse, iria para a casa da praia.

Carey ficou satisfeitíssima com a mudança.

- Esse Max deve ser um óptimo analista - disse ela. - Talvez eu devesse também ir falar com ele.

Desde a festa em que Marshall a pedira em casamento que andava confusa. Nunca vira Marshall como o namorado potencial e muito menos como amante. Tinha a vida bem organizada - vários namorados ao mesmo tempo, dormindo com um de cada vez. Quando o caso se começava a tornar vagamente sério passava para o seguinte.

Contudo, Marshall era diferente. Sempre o admirara, copiara e até sentira uma certa inveja dele. A proposta causara-lhe um grande choque.

Decidiu ir até Acapulco com Sunday e ficar lá alguns dias, para tentar aclarar idéias. Seguiram no Cadillac que as foi esperar ao aeroporto, com o ar condicionado ligado e o vidro corrido a separá-las do jovem condutor mexicano.

- Que hei-de fazer? - perguntou Carey pela décima quinta vez

- É simples - respondeu Sunday, pacientemente. - Se gostares dele casas, se não gostares não casas.

- Oh, querida, que tem o amor a ver com isto? É tudo mais complexo. Até posso não me dar bem na cama. E se tivermos crianças negras? E se...

- um sintoma saudável, pelo menos estás a pensar em crianças.

- Adorava ter filhos - disse Carey com os olhos toldados. - Só que podem sair uns pretos aleijadinhos. Já visto o que era?

- Carey, cala-te. É esse o teu problema? Estás preocupada com a perna dele? Ou é por ele ser branco?

- Não é bem isso. Não sei. Tenho medo. Nunca me envolvi com um tipo como ele.

- Vai para a cama. Talvez isso te ajude a compreender os teus sentimentos.

- Olha para ela - a Miss Anti-Sexo. Sunday riu-se.

- Nunca disse que era anti-sexo, mas anti-tudo.

- Hm, vai ser muito giro ver a nova Sunday com Steve Magnum. Da maneira que estás até te come ao pequeno-almoço.

- Não me vou atirar para a cama de Steve. Posso ter mudado, mas tanto não.

Carey riu-se.

- DÍzem que ele é o melhor.

O condutor carregou num botão e o vidro abriu-se.

- O seu hotel, Miss Simmons. Muito bonito, não é?

- Sim.

Recordava-lhe o Rio. Chalets cor-de-rosa pálido erguidos nas colinas, cada um com a sua piscina.

- vou adorar isto - disse para Carey. Esta assentiu.

- Quem não gostaria?

Nem um trabalho decente. Nem uma boa fornicadela para observar. Nada de acção. E Marge que não o largava, sempre a observá-lo.

Herbert sentia-se completamente frustrado. Nem sequer fora capaz de dar seqüência à primeira gloriosa carta que escrevera a Sunday Simmons. Estaria ela a perguntar-se o que lhe acontecera?

Acabara o trabalho ao fim da tarde: a condução de uma estrela de filmes de horror que comparecera à abertura de um supermercado. Como não aparecera ninguém, Herbert despachara-se três horas mais cedo. Resolveu utilizá-las em seu proveito. A Supreme Chauffeur company nunca o saberia. Eram nove horas quando saiu da área de Beverly Hils. Conduziu lentamente ao longo de Strip. Os hippies estavam reunidos na rua, em grupos habituais, sentados nas beiras dos passeios ou vagueando. Herbert cuspiu pela janela. Aqueles idiotas precisavam de disciplina. As raparigas eram todas putas, prostitutas de catorze e quinze anos com cabelos encaracolados e vestimentas esquisitas.

Uma delas aproximou-se do carro quando ele se deteve num semáforo.

- Fornico por dez dólares - murmurou.

Herbert mirou-a dos pés à cabeça. Tinha cerca de dezoito anos, era magra com um rosto bicudo e cabelo desgrenhado. Trazia um vestido comprido com muitas cores e muitos colares.

Começou a suar. Já passara muito tempo.

- Entra - disse, abruptamente.

A rapariga correu e entrou pelo outro lado. Começou a roer as unhas e Herbert olhou com olhos congestionados.

- Não vás muito longe - disse ela. - Segue até àquele quarteirão. Por uma foda simples são quinze. Se for uma especial é mais caro.

Ele não respondeu, limitando-se a fazer a curva em Miller Dive.

- Não vás muito longe - repetiu a rapariga. Ele continuou calado.

- Raios! És surdo-mudo?

Encontrou um sítio indicado e parou o carro. Estava escuro e só se ouvia o ruído dos grilos. A rapariga começou a despir o vestido. Ele observou-a. Tinha o peito chato como um rapaz.

- Ok. Passa para cá o taco e vamos lá despachar isto - disse ela.

Eram todas umas putas. Queriam era dinheiro e sexo, por esta ordem. Às vezes, pela ordem inversa. Todas iguais.

- Anda lá - insistiu. - Não tenho a noite toda. Agarrou-lhe na braguilha e começou a desabotoá-la.

- Pagas-me depois. Dou-te uma especial por vinte. Pareces um tipo porreiro.

Enquanto falava, começou a manipulá-lo. Ele manteve-se sentado, frente ao volante, muito hirto. Sentiu vários odores quando ela se inclinou, tentando enfiar o membro dele na boca.

- Pára - gritou, batendo-lhe com força na cabeça. - Tira essa boca porca. Pára. Pára.

Não deixou de lhe bater até que ela caiu no chão do carro ficando muito quieta.

Ele soluçava de raiva. A cabra! Por que razão se metera com ele?

com um pontapé empurrou-a para fora do carro, atirando-lhe com o vestido para cima.

Compôs a roupa e acalmou-se. Depois, pensou em Sunday Simmons e miraculosamente sentiu-se viril, um homem a sério. Se ao menos lhe pudesse escrever e enviar a preciosa oferta! Não havia outro caminho para ele, nem com Marge nem com ninguém. Ia fechar-se em casa a escrever uma obra-prima. Depois, tomaria um duche purificador. Mais tarde iria devolver o carro e meter a carta no correio.

Marge tinha saído.

- Cabra! - murmurou Herbert. Dissera-lhe claramente que não queria que ela saísse à noite. Devia estar com a vizinha. Bem, em breve poria cobro àquilo. Quando acabasse de escrever a carta iria lá bater à porta e arrastá-la-ia para casa.

Foi até à cozinha e serviu-se de um copo de leite. Uma mosca enorme voava à volta da lâmpada. Calmamente, apanhou-a arrancando-lhe as asas antes de a atirar para o caixote do lixo.

Depois, foi para a arrecadação. Agarrou na caneta...

Era uma carta maravilhosa. Tão cheia e explícita, e a acompanhá-la um pequeno saco de plástico. Sentia-se satisfeito. Talvez um dia Sunday e ele lessem juntos aquelas cartas e tudo o resto que ele escrevera sobre ela. com certeza que as guardava, talvez até atadas com uma fita cor-de-rosa. Afinal, sempre eram cartas de amor.

Pôs-se a cantar no chuveiro. Tinha uma voz átona, mas gostava de pensar que soava como Perry Como.

Depois vestiu-se e colocou cuidadosamente a carta no compartimento das luvas do Cadillac, fechando-o bem antes de ir à procura de Marge.

O pátio dos vizinhos era uma confusão de ervas por aparar. Os Crisp ainda não lhe tinham tocado desde que se haviam mudado para lá. Herbert imaginava-os pessoas desleixadas, como Marge. Raio de desleixados. Bem, que não pensassem em pôr as mãos sujas na mulher dele.

Estavam em casa pois tinham as luzes todas acesas, embora as cortinas estivessem corridas.

Encaminhou-se para a casa tencionando surpreendê-los. Uma das janelas tinha a cortina mal corrida. Curvou-se e espreitou. Era-lhe difícil ver pois só conseguia encaixar um olho. O que viu deixou-o atônito. Marge estava de pernas abertas sobre o sofá, completamente nua, tendo à sua volta dez homens e mulheres nus. Pareciam estar a cantar. Marge acompanhava-os e sorria. Tinha uma espécie de pintura, ou seria sangue, à volta dos seios. Herbert ficou petrificado. Um dos homens, careca e gordo avançou para ela. Usava uma máscara preta.

Uma das mulheres entregou-lhe velas pretas e quando elas foram acesas, apagaram as luzes, o gordo atirou-se sobre Marge, balançando para cima e para baixo, enquanto os outros se ajoelhavam a observar.

Herbert não queria acreditar no que estava a ver. Era revoltante. Mas estava a excitá-lo e deixou-se ali ficar calmamente.

Um a um, os homens do grupo avançaram e caíram sobre Marge e só quando todos se despacharam é que as velas foram apagadas e as luzes ligadas.

Marge levantou-se, satisfeita, e aceitou um copo com qualquer coisa e uma pancadinha afectuosa de uma mulher alta com cabelos brancos e seios descaídos.

Herbert continuava petrificado. Doía-lhe o olho e tinha a boca seca.

Finalmente regressou a casa. Apagou todos os vestígios que pudessem indicar que já lá tinha estado. Depois, meteu-se no Cadillac e afastou-se silenciosamente.

Serafina adorava Hollywood. Chegou vestida de carmim, dos pés à cabeça, com um casaco de raposa prateada sobre os ombros.

Charlie estava orgulhoso dela. Era uma mulher dos diabos que parecia ter metade da idade.

Os filhos estavam solenes e calmos como se Lorna os tivesse mentalizado antes.

- Papá, não temos que chamar Mama à tua nova mulher, pois não? -perguntou Sean no carro, em frente ao aeroporto.

- Não, podem chamá-la o que quiserem - respondeu Charlie. Havia até alguns nomes que ele próprio gostaria de chamar a

Dindi, que se recusara a ir ao aeroporto, alegando uma dor de cabeça. Uma dor de cabeça, com franqueza. Devia ter mais uma dor de barriga por ele lhe ter recusado o papel em Roundabout. Apercebeu-se de que, se queria que Serafina e os miúdos tivessem umas férias decentes, teria de ceder e de a deixar entrar no filme, embora a última coisa que lhe apetecia ter era uma mulher aspirante a actriz.

- Isto aqui é maravilhoso, Charlie. Onde está a tua mulher? perguntou Serafina, com os seus olhinhos perspicazes.

- Ela achou melhor esperar por ti em casa.

- Ah, sim? Que querida. Aposto que é esperta. Esperta que nem um alho. Não sei por que razão te voltaste a prender tão cedo. Agora podes gozar um bom bocado. Ela... não está...

Ele riu-se. Serafina pensava sempre no pior.

- Não, não está grávida. Vais gostar dela.

- Espero que sim.

Serafina apanhou algumas madeixas de cabelo ruivo que lhe caía por debaixo do gorro púrpura.

- Gostava de ter assistido ao casamento. Adoro casamentos. Gostava de ter visto essa Vega Perdida.

- Las vegas - corrigiu Charlie. - Vamos lá, talvez no próximo fim-de-semana. Pode ser que a Natalie e o Clay venham.

- Podemos ir à Disneylandia, papá? - pergunttou Cindy. Era igualzinha a Lorna, para desgosto de Charlie.

- Podemos ir onde vocês quiserem. Sam veio em apoio da irmã.

- A Mama disse que devíamos ir à Disneylândia porque é uma maravilha.

- Ela nunca lá foi - argumentou Charlie.

- Pois não, mas o tio Jim já e ele diz que é bestial com índios verdadeiros, e cow-boys, e barcos, e comboios...

- Já disse que vamos - respondeu Charlie, furioso com a referência ao tio Jim.

Em casa, nem sinais de Dindi. Mandaram George chamá-la. Serafina disse:

- Uma boa chávena de chá é do que preciso. Mostra-me lá onde é a cozinha. Trouxe seis caixas de Lyons Quick.

Procurou na mala de mão e retirou um embrulho.

- Não te vais pôr a trabalhar na cozinha. A criada trata disso. Quando é que a mãe se aperceberia de que ele era uma estrela que tinha quem lhe fizesse as coisas?

- Eu cá não confio em nenhum americano para me fazer chá resmungou Serafina. - Leva-me à cozinha!

Dindi andava às compras. Até ao momento tinha gasto dois mil e quinhentos dólares e ainda estava cheia de dinheiro. Experimentou um vestido de jérsei de seda cor de laranja e mirou-se ao espelho.

- Que acha? -perguntou à vendedora.

- Muito bem - respondeu esta, já farta de ver Mrs. Brick a comprar tudo.

- Ok. Levo-o. Que cores há?

- Branco, preto e ameixa.

- Levo um de cada.

- Dindi?

- Sim. Oh, olá, Natalie.

- Olá. Disseram-me que este era o sítio onde se compra roupa. Que vestido tão giro.

- Pois.

Dindi desejou ter ficado no vestiário em vez de ter saído para se ver ao espelho do salão.

Julguei que a mãe de Charlie e as crianças chegavam hoje.

- Pois, já devem ter chegado. Pensei que quisessem ficar sozinhos. Oh - sorriu Natalie. - Muito bem pensado. Ainda não conheces

a Serafina, pois não?

- Não.

Dindi abanou a cabeça, dirigindo-se para a sala de provas.

Natalie seguiu-a.

-Ela é uma mulher curiosa, adora o Charlie e ele adora-a a ela.

Espero que vocês duas se dêem bem.

- Por que razão não nos havíamos de dar? - perguntou Dindi,

despindo o vestido e revelando por baixo unicamente o bikini.

Natalie olhou com inveja os seios rijos da rapariga.

-Não há razão nenhuma, claro, mas ela é uma pessoa difícil.

é velha e ainda quer homens...

Dindi deu uma gargalhada.

- Parece engraçada. Acho que também vou continuar a querer

Homens quando for velha. E tu?

Natalie corou.

-Só quis avisar-te.

Raios, Charlie casara com uma perfeita cabra.

Para se ver livre dela teria de se mexer bem.

- Ah, pois, obrigada pelo aviso. vou tratar muito bem a mãezinha do Charlie. oh, a propósito, como está o Clay?

-Está óptimo - respondeu Natalie, contraída. - Conheceste-o

em Roma há muito tempo?

Dindi piscou o olho. - Há algum.

Deu uma gargalhada enquanto Natalie abria a boca para responder.

- Estou a brincar. Tens ciúmes?

- De forma nenhuma. Na verdade, até estou habituada a que Clay. vá para a cama com qualquer putéfia que lhe dê luz verde.

Dindi semicerrou os olhos.

- Bem, adeus querida. Espero voltar a ver-te em breve.

- Adeus, Natalie, querida.

Furiosa, Dindi vestiu-se e chamou a vendedora.

- Por amor de Deus, despache-se com as minhas coisas. Não tenho o dia todo.

- Por onde tens andado?

Charlie não estava a armar em marido ciumento, mas, depois de ter estado todo o dia a arranjar desculpas para Serafina sobre a ausência de Dindi, tinha ficado furioso.

- Nas compras. Já estava farta de não fazer nada.

- Mas sabias que a minha mãe vinha hoje. Sabias que eu tinha ido ao aeroporto.

Ela pareceu envergonhada.

- Acho que me esqueci.

- Pois esqueceste.

Furioso, encaminhou-se para a janela e olhou cá para fora. Cindy e Sean brincavam na piscina. Serafina estava no andar de cima a descansar.

- Olha, se queres tanto o papel no filme, ele é teu. O rosto dela iluminou-se.

- A sério, querido? Que maravilha. vou ser óptima, não te preocupes.

Correu para ele, abraçando-o por trás e esfregando-se contra ele. Ele voltou-se e enfiou-lhe as mãos sob a camisa.

- Não queria casar com nenhuma actriz - comentou ele.

Ela enfiou-lhe as mãos pelas calças e agarrou-o. Sentiu-o endurecer e ajoelhou-se.

- Aqui, não, Dindi - murmurou ele.

- Porque não? Somos casados, não somos?

- O segredo da juventude eterna, minha querida é mantermo-nos ocupados - anunciou Serafina ao jantar. - Eu cá nunca estive desocupada.

- Acredito - respondeu Dindi, cansada de ver Serafina dirigir-se para a cozinha cada cinco minutos.

Quando trabalhara no teatro era conhecida nos bastidores por Miss Vitalidade.

- A sério? - perguntou Dindi, parecendo interessada. Desde que Charlie lhe dissera que ficava com o papel em Roundabout que se dedicara a seduzir Serafina e os filhos mimados dele.

- Sim, Miss Vitalidade. Oh, esses é que eram bons tempos. Ainda me lembro da fila de homens à minha espera à porta do camarim, todos jeitosos, e então conheci o pai de Charlie, Deus tenha a sua alma em descanso, um bom homem. Tivemos uma vida feliz.

Charlie olhou para a mãe, surpreendido. Devia estar a ficar velho. com que então, uma boa vida? O velho fora um safado que a abandonara.

- O Charlie já falou dos velhos tempos?

- Não - disse Dindi, abanando a cabeça. - Deve estar à espera que você fale.

Disfarçou um bocejo e sorriu. Estava morta por dizer: "e você já se apercebeu de que é uma grande chata? "

O telefone tocou e Charlie agarrou na extensão junto à mesa. Quando desligou, disse:

- Clay e Natalie vão aparecer para tomar café.

- Óptimo - disse Serafina. - Vem mais alguém?

Charlie sabia que ela se interrogava sobre se ele lhe teria arranjado alguns "amigos" potenciais. Quando a convidara para ir para Hollywood com as crianças, ela quisera levar Archie, o namorado do momento. Mas Charlie não podia com ele e por isso prometera apresentar-lhe muitos homens interessantes se ela fosse sozinha. Era um problema arranjar companhia para uma mãe. Não que ela gostasse de jovens, pois preferia-os mais velhos, mas em Hollywood era impossível encontrar um homem mais velho para uma mulher de setenta anos. Hollywood estava cheia de jovens disponíveis. Era um problema que Charlie resolvera ignorar e quando Serafina se mostrasse impaciente mandaria vir Archie.

- Não, acho que não. A propósito, pensei em irmos de avião até Las vegas neste fim-de-semana. Gostavas de ir?

Serafina assentiu. Não tencionava passar as férias fechada em casa de Charlie. Ainda era uma mulher atraente e devia sair para ser vista. Tudo por causa de Charlie ter ciúmes de a apresentar a outros homens. Imagine-se, o próprio filho com ciúmes. Bem, até era compreensível.

- Tenho sessenta e três anos - comunicou a Dindi, inteligentemente deduzindo seis anos. - E sinto-me como uma rapariga.

- Tem um aspecto maravilhoso - murmurou Dindi, pensando para si que poderia ser bastante melhor se ela retirasse toda aquela maquilhagem. E pestanas falsas com aquela idade! Francamente!

- Sim. É difícil as pessoas acreditarem mas é verdade. E você, minha querida, que idade tem?

- Vinte - respondeu Dindi com um sorriso doce, retirando três anos.

- Oh, vinte - murmurou Serafina. - Vinte. No meu tempo as raparigas de vinte...

- Já te mostrei fotografias de Serafina quando tinha vinte anos?

- interrompeu Charlie.

- Não - respondeu Dindi, pensando que então era assim que se passara uma noite quando se estava casado com uma estrela de cinema.

- vou ter que te mostrar. Ela era mesmo de gritos, não eras, querida? - perguntou, rodeando-lhe os ombros com o braço.

Ela sorriu e Charlie pensou que tinha de a levar a um dentista.

- Lembras-te dos velhos tempos, meu querido?

Sim, lembrava-se. Os teatros decadentes, o cheiro a bafio e os namorados de Serafina.

- Isso é que foram tempos.

Uma lágrima assomou-lhe aos olhos.

- Isso é que foram bons tempos. Só o teu pai, tu e eu.

Que bons tempos? - interrogou-se Charlíe. Ficava especado à porta de um bar qualquer, numa estúpida de uma cidade com um pacote de batatas fritas e uma limonada, enquanto Serafina e o namorado andavam no bem bom. Mas quê? Não valia a pena olhar para trás. Amava Serafina. Era sua mãe. Conservara-o com ela enquanto miúdo e isso era o principal.

- Sempre soube que Charlie ia ser uma estrela - disse Serafina. - Encorajei-o em tudo o que quis fazer. Ele tem a minha vitalidade e fibra. Eu cá também poderia ter sido uma estrela mas desisti de tudo por causa dele.

Dindi bocejou abertamente. O passado das pessoas era uma chatice. O que lhe interessava era que Charlie era uma estrela, e antes disso, não queria saber.

- Cansada? - perguntou Serafina.

- Sim - respondeu Dindi. - Tive de fazer umas coisas que me cansaram.

Dirigiu um sorriso íntimo a Charlie. Ele retribuiu. Ela tinha um ar tão bonito e inocente! Mal conseguia acreditar que fosse a mesma rapariga que fizera amor com ele antes.

- Vai indo para a cama, querida - disse ele. - A Serafina não se importa e eu explico aos Allen.

- Tens a certeza, querido? Gostava de ir.

Estava morta por ir lá para cima experimentar as roupas novas e ler o argumento de Roudabout.

- Vai indo que já lá vou ter.

Ficou a vê-la despedir-se de Serafina e depois beliscou-lhe a face. Tinha um corpo tão compacto e sexy. Sabia-lhe bem pensar que lhe pertencia. E talvez nem fosse má idéia metê-la nos filmes. Os outros homens podiam olhar, mas tocar, não. Que todos vissem o que era de Charlie Brick.

Acapulco estava quente. Após o primeiro dia de filmagens nas montanhas, Sunday estava estoirada, sem agüentar o calor. Trabalhara no duro, rodeada por uma equipa maioritariamente mexicana, e três americanos: o realizador, Woody, o operador de câmara, Mike e a rapariga da continuidade, Marisa.

Woody e Marisa mantinham uma ligação. Ele era um homem

agradável e trintão que Steve Magnum tinha escolhido pessoalmente.

Nunca dirigira um filme, a não ser para a televisão. Marisa tinha vinte

e quatro anos e era bonita. Sunday gostou deles. Como realizador, Woody era calmo, educado e muito encorajador. Era essa a grande diferença entre ele e Abe Stern. Abe representava o velho estilo de Hollywood. Woody, o novo. Logo à chegada recebera um enorme cesto de flores, da parte de Steve, com um bilhete que dizia: "Bem vinda".

Aparte isso, não tivera notícias dele.

- Tiveste a tua oportunidade e deixaste-a escapar - disse Carey.

- Provavelmente está enclausurado na mansão com uma bela virgem mexicana.

- Espero que sim - respondeu Sunday. Sentia-se secretamente satisfeita. Agora que chegara à fase de decidir se se queria envolver, não tinha de o fazer.

Durante uma semana ela e Carey não fizeram mais nada senão passear e tomar banhos de sol. No dia antes de começar a trabalhar, Carey foi-se embora dizendo:

- Bem, acho que chegou o momento das decisões.

Sentiu-se só, sem a companhia de Carey. O bar do Hilton Hotel era muito bonito mas para Sunday era um sítio onde se devia estar jumto com um homem.

Passou uma tarde calma, sozinha, mandando vir a comida e estudando o argumento. No dia seguinte Steve deveria aparecer para filmar uma cena nas montanhas onde era suposto salvá-la. No script ela escapara-se depois de ter sido raptada.

Também era uma cena de amor e esperava-o com um misto de ansiedade e incerteza.

- Ah! -exclamou Marisa. - E aquele monte de coisas ali? Brincou com Sunday que estava sentada na cadeira de lona ao seu lado.

Steve Magnum aproximou-se, acompanhado por uma jovem mexicana cheia de curvas, com cabelo comprido até às costas e ávidos olhos verdes.

- Olá, minhas senhoras.

Steve acenou descontraidamente à distância, e, dando uma palmadinha no rabo da rapariga, empurrou-a para a frente.

- Toma-me conta aqui da Enchilada, Marisa - disse, enquanto se afastava com Woody.

- Este homem! - disse Marisa abanando a cabeça e rindo-se. É demais.

A rapariga, cuja alcunha era Enchilada, aproximou-se com olhos desconfiados.

- Olá - disse Marisa. - Agarra aí numa cadeira e senta-te que o dia vai ser muito longo. Eu sou a Marisa e esta é Sunday Simmons.

A rapariga acenou com a cabeça e sentou-se a alguns metros de distância. Depois, voltou-se na direcção de Steve e Woody.

- Simpática - comentou Marisa. - Sunday, acho que eles estão quase prontos. Se te quiseres vestir mando lá a roupa.

- Boa idéia.

Eram onze da manhã e Sunday estava farta de estar sentada. Os mexicanos pareciam muito mais lentos do que os americanos. Chegara às oito, passara duas horas na maquilhagem e no cabeleireiro e depois seguira-se a longa espera. Steve já tinha desaparecido na caravana da maquilhagem, por isso talvez já não demorassem muito. Na cena ela usava umas calças brancas e um top também branco, muito justo. Sobre os ombros, um casaco a condizer: Era suposto aparecer descomposta e perturbada.

- Está óptima - disse Steve, quando, finalmente, ficaram frente às câmaras. - Gosta de Acapulco?

- É giro - respondeu ela, sorrindo com os olhos. - Obrigada pelas flores.

- Está sempre a agradecer-me as flores. E se me mandasse algumas?

- Tomei umas precauções - disse ele.

Riram-se os dois, enquanto Enchilada os olhava de esguelha.

- Precauções?

- Contra ti, querida, contra ti. Aquela doce mexicana só tem dezasseis anos, por isso espero conseguir manter as mãos longe de ti. É o que queres, não é?

Ela limitou-se a sorrir. Não sabia, na verdade, se era isso que queria.

A primeira cena depois do almoço foi uma cena de amor. Começava com Steve a tirar o casaco colocando-o no chão e deitando-se por cima. Ela deveria debater-se primeiro para depois se submeter.

- Olha - explicou Woody. - Quando estiveres no chão, quero que ele te dispa a blusa. E aí ficas muito quieta a fixá-lo com esses olhos.

- Despir-me a blusa como? -perguntou Sunday, desconfiada.

- Toda, querida. A câmara não vê nada porque o Steve vai ficar por cima de ti.

- Nesse caso não preciso de tirar a blusa. Woody riu-se.

- Não quero espectáculo à boda, mas a blusa tem de sair. Quando digo que a câmara não vê nada quero dizer que não vamos fazer nenhum grande plano do teu peito. Mas é óbvio que não te podes limitar a puxar a blusa para baixo, vai parecer esquisito. Ele tem de ta arrancar. Depois, como vais estar abraçada a ele, só vamos ver braços e pele.

- Woody, no meu contrato há uma cláusula contra as cenas de nu. Nãu sabias?

- Não, não sabia - atirou ele. - Porra, fazes-me sentir um libidinoso à espera de ver as mamas de uma mulher. Sou um realizador, espero que bom, e, nesta época de realismo vais parecer meia tola agarrada à blusa só para preservar um pudor fora de moda.

O tom dele alterou-se, tornando-se persuasivo.

- Confia em mim, querida. Eu é que sei. Ela suspirou.

- Não percebo qual é a diferença entre despir-me ou não.

- Pronto, vês? -perguntou ele com voz triunfante. - Não percebes a diferença mas eu percebo. Por isso, acredita em mim.

- Tive uma experiência horrível com Abe Stein sobre...

- Não sou Abe Stein. Vamos mandar embora as pessoas que não são precisas. Está bem, querida?

Desejou que Carey ali estivesse. A que se devia aquela obsessão com a nudez? Por que razão não tinha força para manter a decisão? Seria porque gostava de Woody e confiava nele? Ou teria a consciência mental de que a cena seria mais realista da forma que ele queria?

Steve regressou no helicóptero com Enchilada, cabisbaixa, ao lado.

Woody livrara-se da presença de elementos da equipa que não eram necessários.

Marisa entrou na caravana de Sunday e ofereceu-lhe uma pastilha elástica.

- Acredita - disse. - Eu seria a primeira a gritar se a cena não fosse adequada. Julgas que quero que o meu namorado veja aquilo que eu julgo ser um bom par de mamas?

Primeiro, ensaiaram a cena. Steve agarrou-a por trás, tirou-lhe o casaco e obrigou-a a deitar-se no chão, prendendo-lhe os braços. Depois, beijou-a.

- A mecânica está óptima - disse Woody.

- Pois está! - concordou Steve. Estava deitado sobre Sunday e ela sentia o corpo magro e rijo dele. Estremeceu, contra vontade. Os lábios dele tinham sido insistentes e exigentes.

- Não - disse Woody. - Quero que a prendas com uma mão. Vamos fazer desde o princípio.

Steve sorriu-lhe quando se levantou.

- Só um plano? com que então? Ela sorriu-lhe. - vou tentar.

Sentiu-se excitada. Sabia que Steve estava impressionado com o seu corpo. Perdeu a consciência da presença da equipa, de Woody, de toda a gente e mergulhou no papel.

A cena começou muito bem mas depois Steve saltou uma linha e Woody gritou:

- Corta!

Recomeçaram, com o rapaz da claquete a dizer, no seu inglês macarrónico.

- Cash, cena trinta e um. Tomada Dois.

Tudo estava a correr bem. Steve começou a beijá-la e tirou-lhe a blusa.

- Mamma mia! - murmurou, contendo a respiração, enquanto olhava de relance e a observava com força. Tinha a camisa aberta e ela sentiu um fio de suor correr entre eles. Passou-lhe as unhas pelas costas.

- Corta! - gritou Woody. Corta! - Repetiu, enquanto eles não faziam menção de se separar.

Steve afastou-se lentamente. Ela respirava ofegante e olhava para ele.

- Acho que dei cabo do meu seguro de vida - disse.

Roundabout ia muito bem. O novo argumento favorecia Charlie, o que, obviamente lhe agradava.

Dedicou-se completamente ao seu papel, divertindo-se. Sabia que estava a efectuar um bom desempenho, pelo menos pelas reacções que lhe chegavam, e pela maneira como o pessoal das filmagens se ria depois de certas cenas. Costumava ser difícil conseguir reacções das equipas. Estavam ali para fazer o seu trabalho e nada os costumava demover. Mas Charlie amoleceu-os.

Angela e ele tinham relações amigáveis. Desde que rompera com Steve Magnum iniciara um caso com Cy. Ocorreu-lhe que, profissionalmente Cy era uma aposta mais segura. Por isso, concentrou-se em fazer bem o seu papel e em esforçar-se para que Cy largasse Emerald.

Desencadeou-se uma onda de publicidade quando Dindi se juntou ao elenco. Os jornais começaram a referir-se-lhe como a actriz Dindi Sydne ou Mrs. Charlie Brick. Posava sem parar e divertia-se imenso.

No écran aparecia surpreendentemente fresca e atraente, e Angela começou a queixar-se a Cy de que o papel dela era demasiado grande.

De certa forma Charlie ficou satisfeito, mas não gostou quando os repórteres começaram a ir ao estúdio e se interessaram mais por ela que por ele.

Afinal, era ele a vedeta da família. Acabou por fazer com que fosse proibida a entrada aos repórteres, desencadeando uma guerra com o departamento de publicidade.

Dindi pôs-se do lado do departamento de publicidade e ela e Chariie tiveram várias discussões por causa da atitude dele. Também discutiram sobre o dinheiro que ela andava a gastar. E sobre Serafina e as crianças que tinham passado com eles cerca de um mês.

Charlie queixava-se que Dindi não passava tempo nenhum com eles. Ele estava ocupado no estúdio durante todo o dia mas ela só era necessária alguns dias por semana e portanto tinha muito tempo para passar com a família dele se o quisesse fazer.

Ela não queria. Detestava Serafina e achava os miúdos insuportáveis. Charlie ficou furioso, principalmente porque só tinha concordado em que ela aparecesse em Roundabout para conseguir que ela fosse simpática com a família. Secretamente tentou retirá-la do filme mas não conseguiu. Era demasiado tarde.

Apercebeu-se então de que tinha casado com uma mulher ambiciosa e ávida de dinheiro. Exactamente o tipo de quem sempre procurara fugir. À hora do almoço confessou o erro perante Clay.

- Não sei o que fazer. Não sei o que me passou pela cabeça. Devia estar maluco. Já não lhe acho graça nenhuma.

Não contou a Clay que a razão por que já não gostava dela era que numa discussão recente ela lhe gritara: -Podes ser um bom actov mas na cama não prestas.

Aquele comentário ficara-lhe na cabeça. Era muito sensível em relação às suas aptidões sexuais.

Seria mau na cama? Michelle Lomar não pensava isso. Meditou sobre o assunto e finalmente foi para a cama com uma miúda bonita que lhe garantiu que ele era fantástico.

Clay ficou embaraçado. Hesitou em contar a Charlie o caso de Dindi em Roma. Resolveu não o fazer. O casamento estava a afundar-se e Charlie podia ficar chocado por não ter falado nisso antes.

Felizmente que Serafina arranjara um namorado. Era jardineiro, actor, da mesma idade que ela e muito simpático. Formavam um par colorido e jovial.

Charlie sugeriu que fizessem uma viagem a Las vegas que já tinha prometido a Serafina. Iria regressar a Londres com as crianças dali a duas semanas e queria que ela se divertisse. Alugou um jacto privado para a curta viagem.

Dindi não se mostrou entusiasmada, mas era isso ou ficar em Los Angeles com as crianças, e acabou por concordar. Seria só uma viagem de dois dias e talvez conseguisse arranjar uma pequena sessão com um empresário tipo George Raft.

Clay e Natalie também foram, assim como o amigo de Serafina que se chamava Morton e a quem Dindi maldosamente alcunhou de "Mortuário". Ficou particularmente furiosa por ele os acompanhar.

- Um raio de um jardineiro. Só a tua mãe engataria um jardineiro! - lamentou-se.

Chegaram no sábado de manhã e instalaram-se no Fórum.

Clay, Natalie e Charlie puseram-se junto à piscina, enquanto Serafina e Morton, armados com seiscentos dólares oferecidos por Charlie, tentavam a sorte nas mesas de jogo.

Dindi queixou-se que estava cansada e queria fazer uma sesta.

- Isto é que é vida! -exclamou Clay, enquanto um criado de toga vermelha lhe servia um punch gigante junto à piscina.

- Isto é que é um sítio!

- Qualquer sítio onde haja tipas a meterem-te o cu na cara é bom para ti - disse Natalie, maldosamente. Sorriu para Charlie.

- Vamos dar um mergulho?

- Não, querida. Quero descontrair-me.

Duas mulheres, metidas em roupões multicoloridos discutiam ali perto.

- É ele, Ethel! Sei que é.

- Não é, não, ele é muito mais gordo. - Ethel, estou-te a dizer que é ele.

Olharam fixamente para Charlie até que a que se chamava Ethel se aproximou e perguntou em voz alta:

- Você é Charlie Brick?

Ele respondeu com sotaque indiano.

- Desculpe, senhora, mas está enganada. Clay acrescentou:

- Este senhor é um famoso poeta suaili, chamado Charles Blackworth.

- Oh! -exclamou a mulher, desapontada. - Eu que disse à minha amiga que você não era ninguém importante.

A mulher foi-se embora, deixando Charlie e Clay às gargalhadas. Aquele era um jogo que jogavam havia muitos anos, inventando nomes e personagens e confundindo as pessoas. Para uma estrela de cinema, Charlie não era reconhecido muitas vezes, coisa que o perturbava e satisfazia ao mesmo tempo.

Levava tão a sério o seu papel que se tornava no personagem que desempenhava e como cada papel era diferente, o verdadeiro Charlie Brick raramente vinha à superfície.

À hora de almoço Charlie perguntou-se se deveria ligar para o quarto e acordar Dindi.

- Eu vou buscá-la - disse Natalie. - De qualquer maneira tenho que ir lá acima.

- Nós vamos ter com a Serafina e encontramo-nos na Sala das Orgias.

-Na quê?

- É um restaurante com óptima comida e criadas quase nuas.

- Oh, o Clay vai adorar. Então encontramo-nos lá daqui a vinte minutos.

- É uma boa rapariga - comentou Charlie, observando Natalie.

- És um homem com sorte.

Clay riu-se.

- Acho que sou. Sabes, este mês fazemos sete anos de casados? Sete anos!

- Lorna e eu. faríamos treze anos em Dezembro. Cinco de Dezembro - suspirou. - Sabes, dava tudo o que tenho agora, o dinheiro, e a fama para ter a Lorna.

- Anda lá, Charlie, acabou. Ela agora está casada com outra pessoa e tu também. Por amor de Deus, deixa de pensar nela. Tens aos teus pés as miúdas que quiseres.

- Só pensas nisso?

Clay riu-se.

- Dá-me outro motivo melhor. Já comi duas miúdas desde que cá cheguei.

Charlie ficava irritado quando Clay falava da sua vida sexual. Era do domínio público que ele era bem equipado, o que tornava Charlie extremamente ciumento. Fazia questão de nunca ir para a cama com uma rapariga com quem Clay já tivesse ido.

- A Natalie não se importa? -perguntou, pensando no episódio embaraçoso que ocorrera em Londres.

- Ela não sabe - respondeu Clay. - Às vezes suspeita. Na verdade, só me apanhou uma vez e foi com a au pair alemã. Terrível discussão. Contei-te, não contei? Quando ela me perseguiu toda nua e eu caí no lago?

- Sim - disse Charlie, rindo-se, recordando a história.

- Essa tipa alemã tinha um bom par de mamas. A culpa foi de Natalie que a contratou. Ela sabe que sou doido por mamas. A propósito, aquela amiga de Dindi, Sunday Simmons, dava tudo para a comer.

- Hm - murmurou Charlie, pensando em Sunday. Pensara nela várias vezes desde a festa e chegara à conclusão de que era uma das mulheres mais bonitas que já vira. Até se recordava dos olhos dela, amarelados.

- Será que ela fode? - continuou Clay.

- Fodem todas - replicou Charlie. - Ofereces-lhes um bom emprego e fodem todas.

Natalie foi até ao quarto e vestiu umas calças e uma camisa. Decidiu que depois do almoço iria ao cabeleireiro. Nessa noite queria estar bonita. Bateu à porta do quarto de Dindi que ficava ao lado. Não obteve resposta. Raios partissem a porta. Não ia procurá-la por todo o hotel. Teria de passar sem o almoço.

Natalie dirigiu-se lentamente para o elevador. As coisas entre ela e Charlie iam bem. Reparara nos olhares íntimos que ele lhe dirigia. Sorriu. Não faltava muito.

O elevador chegou e ela entrou. Ia para cima.

Uma morena com uma túnica curta disse:

- Deve ter carregado no botão errado, passam a vida a fazer isto. Tem de ir até ao cimo e depois ele pára em todos os andares.

O elevador seguiu lentamente, detendo-se finalmente no décimo oitavo andar. A rapariga de túnica saiu e entraram outras duas que seguraram na porta para dar entrada a um terceiro.

Natalie, do fundo do elevador, viu Dindi sair de um quarto com um homem moreno e bem parecido. Depois, as portas do elevador fecharam-se.

- As raparigas conversavam.

-Então, ele agarrou-me na perna, e eu disse: larga-me, palerma. -Há tipos que têm cá uma lata! - Chateiam-nos por tudo e por nada.

- Desculpem - disse Natalie. - O que há no décimo oitavo andar? Pertence ao hotel?

As raparigas olharam para ela. - Escritórios - respondeu uma.

- Sauna, quartos dos empregados e dos gerentes. - Você é inglesa? - perguntou a outra. - Sou.

- Sabe que o Charlie Brick está cá? - confidenciou a terceira rapariga.

- E o tom Jones veio cá uma noite. Olhe, tenho uma prima num sítio chamado Leeds, será que a conhece? Chama-se Myrthe Long e é modelo.

- Não conheço, não - respondeu Natalie, abanando a cabeça. - Adoro actores ingleses - disse a primeira rapariga. - O Roger Moore, o Peter Sellers, o Ornar Sharif.

- O Ornar Sharif não é inglês - disse a rapariga da prima. É árabe.

- Bem, também gosto de árabes.

Natalie sorriu. Saunas, escritórios, alojamento do pessoal, ali é que Dindi devia ter estado. Perguntou-se com quem. Tencionava descobrir brevemente.

- Acho que a Dindi está a dormir - comentou Natalie, chegando para almoçar.

Serafina resmungou, furiosa, por ter sido arrastada da roleta.

-Aquela rapariga há-de morrer a dormir. Uma pessoa normal não precisa de dormir mais de seis horas.

Morton bocejou, como que para confirmar que Serafina só precisava de seis horas por noite.

Clay sorria para a empregada escultural, que, de bloco na mão, esperava que escolhessem.

Charlie desejou estar na sua casa de Los Angeles a apanhar uma pedrada. Não se sentia sociável. Não gostava de passar um fim-de-semana movimentado quando estava a trabalhar. Devia estar a descansar, a estudar o argumento. Desejou ter trazido George, em vez de o deixar com as crianças.

- Que há para esta tarde? -perguntou Clay.

- Eu vou ao cabeleireiro - comunicou Natalie.

- Morton e eu voltamos à roleta - disse Serafina. - O sol tira-nos a energia e dá cabo da pele.

- Acho que vou dormir - disse Charlie.

Nesse momento, apareceu Dindi, corada e bonita.

- Olá. Calculei que estivessem aqui. Charlie, querido, esta tarde vou posar. Dás-me umas massas? Preciso de fazer compras.

- Posar para onde? - perguntou Charlie, que ignorava que o estúdio tivesse combinado alguma coisa com Dindi para o fim-de-semana.

- Para uma revista.

- Que revista?

- Sei lá, uma revista.

- Bem, é melhor que saibas, senão, esquece.

- Esqueço? - perguntou ela, de olhos semicerrados. - Que queres dizer com isso?

Charlie apercebeu-se de que toda a mesa os ouvia. Clay com ar embaraçado, Serafina com escárnio, Natalie com compreensão e Morton, desinteressado.

Sorriu friamente.

- Dindi, querida, vai lá saber qual é a revista. Agora que és uma actriz em ascensão não era bom apareceres numa revista qualquer.

A voz estava calma mas Dindi percebeu que tinha ido longe de mais.

- Está bem, amor. Até logo, pessoal.

Charlie suspirou. Não queria aquilo, nem sequer precisava. No fim do filme, poria Dindi a andar. Depois do almoço foi ao quarto e telefonou a George.

- Manda-me um telegrama - pediu. - com um texto assim: "Reunião importante sobre Roundabout. Urgente. Regressa de imediato". Assina. "Cy Hamilton".

Uma hora depois chegou o telegrama e, desfazendo-se em desculpas, Charlie mostrou-o a Serafina. Ela ficou aborrecida.

- Quer dizer que temos que ir?

- Não, querida. Deixo-te dinheiro e podes ficar o tempo que tínhamos planeado. A Dindi também fica, e o Clay e a Natalie. Ficas muito bem.

Serafina não discutiu.

A seguir, localizou Clay junto à piscina, a falar com uma rapariga. Mostrou-lhe o telegrama.

- Desculpa, pá. É uma chatice. Toma conta de Serafina, está bem? Deixo-lhe crédito mas se precisar de dinheiro, dá-lho.

Clay assentiu.

- E Dindi?

- Também fica. Não sei onde está, mas deixei-lhe um bilhete. Vê lá se ela fica mesmo e que seja simpática com a Serafina.

- sim, chefe.

- Não sei o que faria sem ti e Nat. Clay sorriu.

- Desenrascavas-te.

Passada meia hora Charlie encontrava-se a bordo de um avião a caminho de Los Angeles.

O artigo dizia "Steve Magnum e a bela Sunday Simmons parecem ter-se descoberto nas costas solarengas de Acapulco onde se encontram a filmar Cash. Será que vamos ter casamento?

Outro artigo dizia: "A sexacional Sunday Simmons e o veterano Steve Magnum são companheiros inseparáveis". Outro dizia: "Steve Magnum parece ter enfeitiçado a bela Sunday Simmons. Amigos mútuos dizem que são inseparáveis. Encontram-se a filmar Cash.

Por aquela vez os mexericos de Hollywood estavam certos. Sunday e Steve não se separavam. Ela achava-o encantador, amável e muito atraente. Era tão diferente dos outros que conhecera. Sempre a controlar as situações, a rir e a brincar. Como não tinha a certeza de estar apaixonada recusava-se a dormir com ele.

Ele não queria aceitar.

- Querida, até parece que és virgem. Há quanto tempo não és? Ela sorriu.

- Há muito tempo. Mas não quero ser mais uma conquista de Steve Magnum. Deixa-me ter a certeza.

E assim ficaram as coisas.

- Estou em estado de choque - confessou ele aos amigos. Aquela miúda pôs-me em estado de choque.

Mas ria-se quando dizia isto e não a forçou. Instalou Enchilada num hotel próximo e ela visitava-o quando Sunday regressava à noite para Las Brisas. Parecia justo. O que Sunday ignorava não a podia magoar, e logo que ela resolvesse as dúvidas, ele mandaria Enchilada com as malas e alguns milhares de dólares para acalmar o orgulho ferido.

Na verdade Steve até gostava que Sunday não estivesse disposta a saltar logo para a cama, pelo menos, isso queria dizer que não havia muitos tipos à sua frente. Ela contara-lhe e ele acreditara, que não houvera ninguém desde o marido. Que diferença fazia da cena habitual em Hollywood que era um jogo bizarro de constante troca de pares.

Cash aproximava-se do fim. O filme que Sunday fizera com Jack Milan foi estreado e embora o papel dela fosse pequeno as referências críticas foram favoráveis e começou a receber uma avalanche de correio.

Carey telefonou-lhe diariamente para a informar das propostas que recebia. Havia um filme em Itália. Um filme do tipo Bonnie e Clyde no Texas. Uma comédia em Hollywood.

Steve aconselhou-a a não aceitar nada.

- Põe-nos à espera e o teu preço sobe logo. Quando te virem no novo filme poderás pedir o que quiseres.

Sunday estava indecisa. Levaria alguns meses até Cash estrear, e ela não queria esperar tanto tempo. Era um risco demasiado grande. Carey deixou-se convencer.

- Está bem, vamos aproveitar enquanto é tempo. E assim Sunday assinou contrato para uma comédia. Steve ficou aborrecido.

- Não ligaste ao que eu disse, hem? -queixou-se. - Estás nisto há dois dias e pensas que sabes tudo.

- Não estou nisto há dois dias. Além do mais, a história é boa. Estavam sentados junto à piscina. Era o princípio da tarde e

tinham acabado as filmagens.

- vou dar um mergulho - comunicou ela, dirigindo-se para um cubículo onde vestiu um biquíni branco.

- Olha, querida, faz cá um favor ao velhote e vai nadar em pêlo.

- O quê? - perguntou ela a rir. - És igual a todos os realizadores com quem tenho trabalhado.

- Ouve, querida, já me chega não te poder ter. Se alguém sabe, lá se vai a minha reputação. Por isso, dá-me esse prazer.

- Steve, não posso. A casa está cheia de criados. Além disso, acho que não...

- Ok. - disse ele, encolhendo os ombros. - Se não gostas de mim o suficiente para fazer isso. Sabes que estamos completamente isolados nesta casa.

Afastou os olhos e fixou as paredes cor-de-rosa, pondo-se a pensar por que razão se sentia tão preso a ela.

Ouviu-se um splash e depois ela chamou-o.

Estava a flutuar, com o cabelo solto e os seios nus sobressaindo na água azul. Só tinha vestido a parte de baixo do biquíni. Ficou satisfeito.

- Assim é que é, querida.

Ela esperava que ele mergulhasse, mas ele limitou-se a dizer:

- Querida, és uma maravilha.

Estava já tão condicionado ao facto de não a poder ter que nem lhe passou pela cabeça que ela estivesse preparada. Além disso, na noite anterior tivera uma sessão de três horas com Enchilada, o que, na sua idade, era fatigante.

Ela nadou lentamente à volta da piscina. Dentro de pouco tempo o filme chegaria ao fim e teria de se decidir quanto a Steve.

- Olha, querida-disse ele. - Prometi que esta noite iríamos a uma festa. Está bem?

Ela saiu da piscina, tapando os seios com as mãos.

- Por mim, está óptimo.

O Festival de Cinema de Acapulco encontrava-se no seu auge e Sunday e Steve já tinham assistido juntos a várias festas. Sunday divertia-se. Era interessante conhecer estrangeiros e já encontrara duas ou três pessoas com quem trabalhara em Roma.

- Já és uma celebridade - disse Steve, com um misto de ciúme e orgulho quando um importante realizador de cinema a cumprimentou e felicitou sobre um filme que tinham feito juntos.

- Antes de Hollywood eu já existia - respondeu ela, sorrindo.

- Aposto que sim mas não quero ouvir nada. Claude Hussan, o realizador francês foi-lhe apresentado. Claude era um homem alto e magro, com feições morenas, olhos

pretos e cabelo comprido. Era a coqueluche do cinema francês e estava casado com uma actriz que protagonizara o seu último filme. Este filme estava a recolher uma série de prêmios e a mulher a ser aplaudida como a nova Garbo. Sunday ficou excitada por o conhecer, mas ele

saudou-a com olhos enfastiados e desinteresse, limitando-se a conversar com Steve. Isso perturbou-a. Não entendia por que razão ele se mostrava tão rude. Vira o seu último filme e gostara imenso. Secretamente alimentava o desejo de trabalhar com ele. Sabia que se preparava para fazer o seu primeiro filme americano embora não houvesse ainda muitas informações acerca dele.

A caminho de casa Steve disse:

- Que achaste de Claude? Ela encolheu os ombros.

- Tem a mania que é importante.

- Pois é, um antipático. Ouvi dizer que é um estupor com as mulheres.

- Bem, tu também não és propriamente nenhum santo. Ele mandou o motorista parar.

- Ouve, miúda, não tens razão de queixa. vou dizer-te o que estava a pensar. Queres experimentar o casamento?

- De que estás a falar?

- De casamento, querida. Casemo-nos. Então talvez se consiga por aqui um poquito de sexo.

A recordação de Sunday meio nua na água provocou-lhe uma erecção.

- Não estás a falar a sério, pois não?

- Estou. Quando queres casar? Pensei que tinham acabado os tempos em que uma raiva se guardava até ter a aliança enfiada no dedo, mas afinal parece que não. Quando pode ser, querida? É só dizeres o dia.

- Não... não sei.

Uma proposta de casamento era a última coisa que esperava. E não se tinham estado a guardar por esse motivo.

- Quer dizer, seremos compatíveis? Gostaremos das mesmas coisas?

- Despe-te filha, que logo ficaremos a saber.

- Steve, não brinques. vou ter de pensar. A voz dele exprimiu incredulidade.

- Vais pensar? Mas pensar em quê? Meu Deus, já encontrei miúdas difíceis mas tu és demais.

- Não me posso precipitar. A questão não é assim tão simples.

- Meu Deus, Sunday. Achas que agora que somos praticamente casados eu poderei continuar com a minha vida sexual? Já lá vai tanto tempo que até me sinto um monge.

- É por isso que queres casar comigo? Pelo sexo?

- Não fales como uma idiota.

- Fazemos assim. Vamos para a cama e logo se vê.

- O quê?

- Se queremos casar. Ele abanou a cabeça.

- És mesmo uma miúda teimosa.

- Não sou nenhuma miúda.

- Não, acho que não és. Acendeu um cigarro e acrescentou:

- Então quando é que me torno um homem com sorte?

Ela sorriu.

- Prometo que em breve.

No dia seguinte, Steve, sem a consultar, anunciou o casamento deles. Jornalistas de todo o mundo começaram a aparecer em Acapulco. Cash teve mais de um milhão de dólares de publicidade à borla. Sunday Simmons tornou-se conhecida em todos os lares.

Ficou zangada.

- Devias ter esperado. Não é justo.

Ele sorriu e presenteou-a com um anel de diamantes quadrado. Era difícil continuar zangada. Ele estava tão feliz.

Telefonou a Carey que se mostrou satisfeita. Depois telefonou a Max Thorpe. Esse não previa um casamento tão imediato.

- Gostava de te ver - disse ela. - Amanhã damos uma festa de noivado. Podes vir?

- Adorava - disse Max. - O Branch também vai?

- Espero que sim.

Max deu um estalido com a boca e imaginou-se na sua camisa de cerimônia cor-de-rosa.

Parecia que Acapulco inteira lá estava mais uma certa secção de Hollywood e a maior parte dos elementos do jet-set,

Sunday estava admirada com a quantidade de amigos que Steve tinha. Os seus convidados eram poucos: Carey, com Marshall a sorrir-lhe e a segredar-lhe "Quero ouvir a história completa", Branch estava calmo e taciturno. Max Thorpe, a ler a sina, em particular a um jovem ídolo de música rock. Dindi, sozinha e bonita, metida num vestido que lhe realçava todas as formas.

- Onde está o Charlie? -perguntou Sunday, desapontada com a sua ausência.

- Aquele homem é um chato - respondeu Dindi. - Só pensa em trabalho. Estou a pensar seriamente em o trocar por um jovem modelo agora que já estou lançada.

- Sabias que estou a fazer o papel "Ali the world loves stripper?" É um papel fabuloso. Montes de cenas de nus, mas é tudo muito artístico, e. a história é fabulosa.

- Que bom. Lamento que as coisas não corram bem entre ti e o Charlie.

- Deixa lá, filha. Não quero saber - respondeu Dindi, encostando-se a Sunday. - Ouve lá, sempre é verdade?

- O quê?

- O sexy. Mr. Magnum. Está cá ou não? Quer dizer, ele mexe-se tanto como dizem? É assim tão bom?

- Desculpa, Dindi, venho já. Tenho de ir ali falar com umas pessoas - disse Sunday, afastando-se com rapidez.

- Para uma rapariga tão bonita é muito sonsa - murmurou Dindi. Aposto que não distingue um tipo bom na cama à primeira vista.

Dindi tinha ficado particularmente perturbada com o noivado. Arranjara um actorzeco inglês e Sunday tinha engatado Steve Magnum em pessoa.

Steve conversava com um conhecido senador quando Dindi se intrometeu.

- Olá - disse. - Sou Dindi Sydne. Mrs. Charlie Brick. Sou a melhor amiga de Sunday. Suponho que ela já lhe falou de mim.

- Mais um bocado e já é dona do estúdio - disse Steve com uma gargalhada.

Dindi também se riu, assim como o senador, que disse:

- A minha mulher é uma grande admiradora do seu marido.

- Não me diga - comentou Dindi. - Que engraçado. vou dizer ao Charlie. Tens aqui uma bela casa, Steve.

- Obrigado.

Onde é que Sunday tinha encontrado aquela pelintra?

Isto é, se fosse amiga de Sunday pois nunca a ouvira falar dela.

- Talvez consiga que o Charlie compre aqui uma casa. Gostava de nos ter como vizinhos? - fixou Steve com os olhos arregalados.

Ele mirou-a dos pés à cabeça.

- Não tenho dúvidas de que valorizaria bastante o cenário.

Carey conseguiu libertar-se da mulher do senador e foi ter com Sunday.

- Já sei que agora não podemos estar com grandes conversas, mas diz-me, és feliz?

- Feliz? - repetiu Sunday. - Alguém é feliz? Acho que sou.

sei que o Steve é.

- Surpreendeste-nos a todos. Quer dizer, toda a gente pensava que ele não se deixava apanhar com facilidade.

- Não o apanhei. Não lhe armei nenhum laço. Ele quer casar comigo.

- Claro que quer. O que estou a dizer é que jogaste de forma inteligente.

- Carey, eu não joguei. Ainda nem sequer fui para a cama com ele.

- O quê?

- Oh, não te preocupes. Amanhã vai ser o grande dia. Não sou tão tola que vá casar com um homem a quem não conheço sexualmente.

- Vocês andam juntos há dois meses e ainda não foste para a cama com ele e isso não é fazer o joguinho? Bolas, deves ser feita de pedra.

Desatou a rir.

- Não te atrevas a dizer nada a ninguém. O Steve mata-me se souber que ando a falar nisto.

- Sabes que podes confiar em mim. E que tem ele feito para se entreter?

- Pareces a Dindi. Nada. Essa é uma das razões por que gosto dele, tem sido capaz de esperar.

- Anda lá. O Steve Magnum?

- Sim, o Steve Magnum.

- Se assim o dizes.

Mas Carey não estava disposta a acreditar, Ele devia ter-se entretido com alguém.

- E tu? - perguntou Sunday. - Já te decidiste quanto ao Marshall?

Carey pareceu pouco à vontade.

- Bem, não sei, é tão difícil. Ele é muito querido e simpático, mas daí ao casamento... temos muitos problemas que os outros não têm.

- Espero que consigas resolver a situação. Acho que o único lugar seguro é um casamento que não seja inteiramente baseado no sexo.

Mais tarde, Max levou Sunday para um canto e analisou-lhe a mão.

- Está tudo aqui, sabes? -disse. - Um homem forte, uma influência poderosa. Não vi isso como casamento. Mas não há dúvida que é.

- Vês crianças? - perguntou ela com ansiedade.

- Talvez, daqui por uns tempos...

A mão de Sunday deixava-o perplexo, havia um corte estranho, e abrupto, algo...

- Sim, vejo crianças. Duas. Ela sorriu.

- Sabes, Max, desde aquela visita que te fiz que me sinto outra pessoa.

Ele assentiu. Sabia que tinha a capacidade de tranqüilizar as pessoas. Isso dava-lhe satisfação.

- Diz-me, minha querida, conheces o senador? Gostava de lhe ser apresentado.

Max sentiu que devia conhecer o senador. Adorava ver as pessoas sucumbirem ao seu sortilégio assim que falava com elas. O senador podia ser uma aquisição importante. Mas estava desgostoso com a forma como Branch o tratava. Tinha tentado marcar um encontro mas Branch repelira-o com rudeza. E isto ainda fizera aumentar a atracção que sentia por ele.

- Um rapaz tão sexy - murmurou Max entre dentes. - E que músculos.

Pensou que era uma pena não poder prever o seu próprio futuro.

Branch estava disposto a cortar com Max Thorpe. Parecia que para onde quer que se voltasse só encontrava maricas. Até o realizador do filme era e tinha mulher e filhos.

Isto desgostava Branch. Quando fosse uma estrela que não lhe aparecessem à frente.

Observou Sunday com olhos amorosos. Por que razão não tinha esperado por ele?

Dindi seguiu Steve, colocando-se perto dele para o observar. Quando subiu as escadas ela manteve-se a uma distância prudente Ele entrou num quarto e fechou a porta.

Passados alguns minutos ela seguiu-o. O compartimento era um estúdio que dava para um quarto de banho de mármore preto.

Ele estava lá a mijar.

- Oh, desculpe - disse Dindi. - Andava à procura do toilette. Ele acabou o que estava a fazer e apertou o fecho com à-vontade.

- Sim?

- Bem, na verdade - continuou ela com uma risadinha. - Vinha segui-lo.

Ignorando-a ele mirou-se ao espelho, penteando-se e pensando se deveria proceder a uma lavagem dos olhos que estavam congestionados.

- Segui-o porque gosto de si e pensei, bem você não vai ser solteiro por muito mais tempo e como tem cá uma destas reputações pensei que talvez fosse engraçado, tanto para si como para mim, darmos uma grande cambalhota.

Ele desatou a rir.

- Você é cá uma amiga.

- Na verdade, não sou propriamente uma amiga de Sunday. Até mal a conheço. Vim para cá com um tipo. Ela nunca vai descobrir.

- Esquece, filha - disse ele, voltando-se para o espelho. Dindi saiu do quarto de banho e fechou a porta do estúdio. Despiu-se, ficando unicamente com a corrente dourada que trazia ao pescoço. Depois, voltou para o quarto de banho e disse:

- Sei que adoras ser chicoteado. Talvez uma última vez...

Herbert Lincoln Jefferson levou algum tempo a adaptar-se. O facto de a sua mulher Marge estar envolvida nalgum tipo de magia negra sexual já era mau, mas antes de se resolver a fazer qualquer coisa, ficou atordoado com a notícia do assassinato de uma rapariguínha em Miüer Dive. A descrição dela assentava à da rapariga que engatara na noite anterior.

Ficou chocado. Não podia tê-la morto. Era impossível. Só lhe batera um bocadinho. Dera-lhe o tipo de tratamento que ela merecia. Não era a primeira mulher em quem batia e com as outras tivera sempre razão. Naturalmente logo a seguir a ele encontrara outro.

No jornal havia a fotografia de dois polícias junto ao local onde ela fora encontrada. O relatório dizia que devia ter dezoito ou dezanove anos, era viciada em heroína e fora vítima de espancamento brutal. Fora encontrada nua, mas não havia vestígios de violação. Não estava identificada. A polícia dizia ter várias pistas.

Herbert ficou petrificado quando leu aquilo. Se a polícia o pren desse não ia agüentar. Significaria prisão e vergonha. Já ouvira falar do que se passava nas prisões onde homens violavam outros homens.

Havia alguma coisa que o associasse à rapariga? Alguém a teria visto entrar no carro dele? Teriam reparado na matrícula?

Deixara o carro na garagem da Supreme Chauffeur Company. As impressões digitais deviam ter lá ficado. E se a polícia o encontrasse? Tinha de as eliminar. Tremendo de medo, apressou-se a subir as escadas e a vestir-se. Marge ainda dormia, ressonando. Parecia sorrir.

Ele abanou-a.

- Se alguém perguntar onde estive a noite passada, estive contigo das nove até à meia-noite e depois fui entregar o carro. Percebeste?

- Que se passa? - perguntou ela com os olhos sonolentos.

- Estive contigo - gritou ele. - Toda a noite.

- Mas estiveste a trabalhar a noite passada - disse ela. Controlando o impulso de a arrastar da cama e abanar ele disse:

- Estive aqui contigo. É o que lhes vais dizer. Aconteça o que acontecer. Está bem?

- Estás metido em sarilhos? -perguntou ela, desconfiada.

- Talvez - murmurou ele. - Mas é melhor fazeres o que te digo. Caso contrário poderás arrepender-te.

- Está bem. Onde vais?

- Tenho de ir à garagem. Há lá um trabalho para mim.

- Mas estás no turno da noite.

- Então, lembra-te que vim para casa às nove porque acabei mais cedo. Depois, ao meio dia fui entregar o carro e voltei logo.

- Ok.

Ela arrastou o corpo pesado para fora da cama e agarrou numa tablette de chocolate.

Depois de ele sair levantou-se. O Herbert estava metido em trabalhos, isso era evidente. Mas como poderia ser o álibi dele se passara toda a noite em casa da vizinha? Tinha de falar com Louella Crisp.

Que vizinha maravilhosa era Louella. Tão simpática e compreensiva. Graças a Deus que se mudara para ali salvando Marge de uma vida que consistia unicamente em comer, ver televisão e Herbie.

Foi à cozinha preparar o pequeno-almoço habitual de ovos, tosta e chocolate de baixas calorias. Estava a tentar emagrecer, tal como prometera a Louella. Era tão maravilhoso a Louella tê-la deixado fazer parte do seu "círculo de amigos". A noite anterior fora a sua iniciação e envolvera sexo com os cinco homens presentes. Mas Marge não se importara. Louella explicara-lhe que tinha de se submeter para poder fazer parte do grupo, todos os membros novos passavam por aquilo.

- É uma grande honra - dissera-lhe Louella. - Muito poucos são os eleitos. Os homens com quem vais estar são respeitáveis membros da comunidade.

Excitada, Marge olhara atentamente para os rostos deles, na esperança de reconhecer alguma estrela de cinema. Ficou ligeiramente desiludida pois eles não lhe tinham parecido importantes, mas sim vulgares. Mas, de qualquer maneira, passara tanto tempo desde que Herbie lhe tocara, que a aparência dos homens pouca importância tinha.

Apanhou o jornal que Herbie deixara no chão e leu o anúncio de um chapéu de imitação de vison. Depois leu a notícia do assassinato da rapariga hippie, enquanto ferrava os dentes num suculento pêssego.

Herbert chegou à Supreme Chauffeur Company em tempo recorde.

- Que estás aqui a fazer, Jefferson? - perguntou-lhe o homem na recepção. - Não estás a fazer dia e noite, pois não?

Herbert abanou a cabeça, pouco à vontade.

- Não. Perdi o isqueiro. É valioso. Achei melhor vir procurá-lo. Ü carro com que andei ontem ainda está na garagem?

O homem consultou um livro.

-Não. Está em serviço desde manhã. Volta às seis.

Herbert começou a suar.

- Para onde foi?

- O local habitual em La Crénega.

Herbert veio-se embora. Se estava em serviço acabaria por ser limpo de alto a baixo. Mas não podia arriscar. Teria de ir à garagem examiná-lo. Talvez a rapariga lá tivesse deixado cair alguma coisa. Apressou o passo em direcção à paragem do autocarro e praguejou contra o facto de não possuir ainda um carro. Em Los Angeles, sem carro não se ia a lado nenhum. Estava uma manhã desesperadamente abafada e precisava desesperadamente de tomar um duche. Detestava sentir-se sujo. No tempo em que a mãe era viva, costumava bater-lhe se ele tentava escapar ao banho nocturno.

- Meu sacana porco - costumava ela gritar. - És um porco, tal como o teu pai.

Como ela ficaria satisfeita se o pudesse ver agora, a tomar banho duas ou três vezes por dia.

No autocarro, teve o cuidado de se sentar sozinho. Pensou na carta que tinha enviado a Sunday Simmons. Fazia-o sentir-se bem.

Pensou no seu suposto noivado com Steve Magnum. Claro que não era verdade, era publicidade porque estavam os

dois a fazer um filme.

Herbert pensou em Marge e na estranha cena que testemunhara na casa ao lado. Não lhe agradava nada. Quando tivesse resolvido aquele assunto do assassínio, iria tomar medidas. Não admitia que a mulher andasse metida com um bando de pervertidos. Entretanto, deixaria Marge na convicção de que não sabia nada.

O carro estava sobre um bloco e um mecânico trabalhava no motor.

- Preciso de ir ao carro - disse Herbert abruptamente.

- Sim? -perguntou o homem, erguendo os olhos.

- Trabalho na Supreme Chauffeur Company. Um cliente perdeu uma coisa e tenho de a procurar.

O homem semícerrou os olhos.

- Não tirei nada.

Herbert acenou com a cabeça, impaciente.

- Sei que não tirou nada, mas tenho de procurar. Resmungando, o homem desceu o carro e Herbert meteu-se lá

dentro. Sentou-se ao volante, agarrando-o com força e olhou à volta. Depois, saiu e examinou os bancos, curvando-se para ver os tapetes.

Procurou cuidadosamente, com os seus olhinhos maldosos a prescrutarem tudo. Satisfeito, preparava-se para sair quando, os seus olhos se fixaram no brilho de algo que estava encravado, no tapete. Apanhou, Era um bom fio de ouro com um pequeno disco. Neste, havia três pequenos diamantes que formavam a palavra "Papá".

Meteu-o de imediato ao bolso e afastou-se.

O mecânico estava a falar com um companheiro quando ele saiu.

Louella Crisp, uma loira com ar de pássaro, fixou Marge Lincoln Jefferson.

- Tens de descobrir o que ele fex - disse, pela terceira vez.

- Não sei como vou conseguir - respondeu Marge. - Ele só diz o que lhe apetece.

- Estou-te a dizer que tens de descobrir. Ele tem de te dizer, uma vez que precisa de ti como álibi.

- vou tentar - prometeu Marge com relutância.

- Vê lá se consegues - disse Louella, batendo com as mãos. - No próximo sábado vai haver outra reunião. Outros homens vão iniciar-te. Daqui a pouco és um dos nossos. Lamento ter que te pedir novamente a jóia de quinhentos dólares. Tem-los?

Marge mexeu-se desconfortavelmente.

- Eu dou-te o dinheiro em breve. Tenho-o mas o Herbert é que anda com o livro de cheques. No sábado peço-lho.

- Espero que sim, de outro modo não vai ser possível continuares a assistir às nossas reuniões.

Louella poisou-lhe a mão sobre os ombros.

- Gosto muito de ti, querida Marge, mas se os outros membros descobrem que não pagaste a jóia, não te vão querer.

- Eu pago, juro que pago - disse Marge, rapidamente. Agora que conhecera Louella e o seu grupo de amigos, receava perdê-los. Tinha mil e quinhentos dólares no banco, dinheiro que poupara antes de ter conhecido o Herbie. Ele tentara várias vezes sacar-lho mas ela recusara. Era todo o seu pecúlio. Furioso, numa ocasião ele agarrara no livro de cheques e dissera que, já que não podia ter o dinheiro, então ela também não o teria. Escondera-o mas ela sabia bem que tinha de o descobrir e dá-lo a Louella.

Acabaram as filmagens de Roundabout.

Serafina e as crianças tinham regressado a Londres. Na enorme casa ficaram Charlie, Dindi, George e os criados.

Na garagem estava um Lamborghini branco, novinho em folha. No estúdio amontoavam-se os mais modernos equipamentos fotográficos. Charlie estava deprimido. A ultimação de um filme deixava-o sempre estranhamente melancólico e só. Levava dias a adaptar-se, a livrar-se do personagem que desempenhara e a tornar-se ele mesmo. Felizmente que a sua personagem em Roundabout não fora muito complicada. Um homem vulgar que se metia em situações extraordinárias. O homem de rua era dos desempenhos mais conseguidos de Charlie. O filme iria ser um sucesso financeiro.

Angela Carter ia muito bem, mas toda a gente comentava Dindi. Aparecia bela e atraente, fazendo o tipo infantil que desempenhara para Charlie quando se tinham conhecido. Tinha sorte em ter Marshall como agente.

- Estou espantado - confidenciou Marshall para Carey. - Ela fica mesmo bem no écran. Até as mulheres gostam dela. O Cy quere-a já para outro filme.

Desde Las vegas que as relações entre Dindi e Charlie se tinham tornado mais tensas. Viviam juntos mas a hostilidade cortava o ar como uma faca. Uma das queixas contínuas de Dindi era que ele a deixara com os Allen, a mãe e um jardineiro!

- Tu sabes tomar conta de ti - dissera Charlie quando ela telefonara, furiosa, de Las vegas.

- Podes crer que sei, e vais ver como é!

Notícias das suas aventuras com o gerente do hotel chegaram através de Serafina e de Natalie.

- Foi horrível e humilhante - queixou-se Serafina. - A tua mulher, Charlie, a mulher do meu filho, indo para todo o lado com outro homem.

Natalie foi mais subtil.

- Acho que te devo dizer. Charlie, como amiga. Sei que ela é muito nova, mas, na verdade, ter uma aventura com um tipo com ar de gangster...

Olhando-o compreensiva, Natalie poisou-lhe a mão sobre o braço:

- Precisas de uma mulher mais madura que te aprecie.

- Tens razão, querida - concordou ele. - Cometi um erro terrível.

Natalie sorriu. Em breve poderia entrar em cena.

Passado pouco tempo ficou perturbada por ver que estava grávida. Clay estragara-lhe os planos. Por que raio haveria de ser uma das mulheres a quem a pílula pregou uma partida?

Clay ficou satisfeito e recusou que ela fizesse alguma coisa.

- O velho manhoso Max Thorpe tinha razão - disse. - Não te lembras de ele nos ter dito na festa do Charlie que ias ficar novamente grávida.

De lábios cerrados, Natalie pensou quanto tempo iria decorrer até aquilo tudo acabar e ficar novamente em forma. Pelo menos um ano. Charlie iria esperar tanto tempo? Suspirou. Que raio de azar! Na altura em que Dindi ia sair do caminho.

Passado pouco tempo depois de regressar a Londres, Serafina adoeceu. Charlie ficou sem saber o que fazer.

- Como está ela? -perguntou ao amigo, Archie, que telefonara.

- Muito mal - respondeu Archie, lugubremente. - Levaram-na hoje para o hospital. Pediu para o ver.

- Que hospital? Qual é o telefone do médico dela? Está num quarto particular?

Charlie telefonou ao médico e ficou a saber que ela sofrera um leve ataque cardíaco.

- É preciso ir aí? - perguntou.

- Acho que não é necessário - respondeu o médico. - Embora, claro, ela já não seja muito nova.

Charlie desligou. Se não tivesse tanto medo de voar, meter-se-ia no primeiro avião. Mas só a idéia de ir preso no ar e pensar que a qualquer momento se poderia desintegrar no espaço aterrorizava-o. Já tinha decidido que quando regressasse a Londres iria de comboio e de barco. As palavras do médico não lhe saíam dos ouvidos. - "Ela já não é muito nova. Nunca se sabe. "

Estava numa agonia de indecisão.

Mais tarde, nesse dia, Dindi regressou de Acapulco. Irrompeu pela casa, às gargalhadas.

- Acapulco estava uma maravilha, devias ter ido. O grupo era giríssimo, conheci imensa gente...

- A Serafina está muito doente - disse ele gravemente.

- Sim? A propósito, que achas desta idéia? Em "AH the World loves a Stripper", tu apareces como convidado? Foi o Jerry quem sugeriu. Acho que ele é o máximo em publicidade. Sabias que...

- Dindi, ouviste o que eu disse? A Serafina está muito doente. Fixou-a, furioso.

- Ouvi. Está doente. E que queres que faça? É de fornicar demais. Na idade dela.

Deu-lhe uma bofetada. Ela deixou cair o chapéu e ficou com os dedos marcados na pele.

- Estupor-soluçou. - Estupor inglês. Porque fizeste isso?

- Estavas a falar da minha mãe - berrou ele. - Ela é uma

pessoa maravilhosa e nem te quero ouvir dizer o seu nome. És uma vadia, Dindi, uma vadia. Não penses que não sei o que se passou em Las vegas, depois de me vir embora. Serafina ficou envergonhada. - Aquela rata velha envergonhada. Ora, eu é que tive vergonha de andar com ela, tão pintada que parecia uma drogaria. Como te atreves a falar de mim, quando ela anda a fornicar com um jardineiro. Tens ali uma mãe e peras...

- Daqui para fora. Faz as malas e desaparece.

- Estás a brincar, não estás? Isto aqui é a Califórnia, filho, portanto tu é que vais sair da minha casa.

Enojado, ele voltou-lhe as costas e afastou-se. Agarrando numa moldura prateada com a fotografia de Serafina, Dindi atirou-lha.

- É isto que penso da tua mãe - gritou.

A moldura partiu-se no chão. Charlie curvou-se para retirar a fotografia da mãe. Numa fúria, Dindi apoderou-se dela e rasgou-a. Ele esbofeteou-a novamente e ela cuspiu-lhe, com as lágrimas a escorrerem-lhe pelo rosto.

- Sei que tentaste tirar-me do filme. O que tu tens é medo do meu sucesso. És um triste sem amigos. Sem amigos, ouviste? Toda a gente do filme te detestou.

Lentamente, ele agarrou na fotografia rasgada.

- Sabes, tenho muita sorte.

Fez um esforço para se manter calmo.

- Tenho muita sorte por não ter demorado a ver a cabra com quem casei.

E com isto saiu de casa, meteu-se no Lamborghini e desapareceu. Dindi seguiu-o gritando insultos, até o carro desaparecer de vista. Filho da puta! Cabrão! murmurou, até que, gradualmente, as lágrimas secaram e o seu espírito começou a funcionar. Afinal, não era nada mau. E a publicidade seria óptima. Já se imaginava nos tribunais, olhos azuis grandes e inocentes, enfiada num vestidínho cor-de-rosa.

- Sim, ele bateu-me. Fez isso porque tinha ciúmes do meu sucesso. Agüentei até onde pude.

Nesta altura a declaração poderia ser interrompida por um soluço sentido.

- Eu trato daquele filho da puta! - murmurou. - Dou cabo dele.

Charlie seguiu até ao hotel Beverly Hills. O seu espírito estava muito calmo. Telefonou a George e mandou-o preparar um saco para seguir para Londres. Depois fez uma reserva para o jacto da noite. A seguir telefonou a Marshall e obteve o nome do melhor advogado da cidade.

Conseguiu avistar-se com ele antes de partir.

- Quero o divórcio - afirmou. - Não me interessa quanto vai custar, estou disposto a pagar, mas quero ver-me livre dela.

Conhecendo o amor de Dindi pelo dinheiro, estava convencido que ela aceitaria uma quantia elevada. A idéia de lhe ter de dar uma pensão enojava-o.

- Vai ficar muito caro - disse o advogado.

- Eu sei - respondeu Charlie. - Vamos a isto.

O rosto de Serafina valeu as longas horas de terror que passara amarrado ao seu lugar sobrevoando o Atlântico.

- És um bom rapaz - comentou ela.

Ele ficou chocado por a ver sem maquilhagem. Desde que se lembrava que o rosto dela estava ornamentado com sombras azuis, espessas camadas de base e batons vermelhos.

Agora jazia na cama do hospital, a pele branca esverdeada, os olhos encovados e sem vida. Pela primeira vez apercebeu-se de como a mãe era velha.

- vou ficar boa, filho - disse ela. - O Archie está a tomar conta de mim.

Archie, um homenzinho apagado, agachado a um canto, assentiu avidamente.

- Eu tomo conta dela, Charlie. Não te preocupes.

Charlie sabia que ela ia morrer. O seu rosto cansado assim o indicava. Mas sorriu e disse:

- Onde está toda essa vida e vitalidade de que sempre ouvi falar? Julguei que já estavas pronta para ir fazer um chá.

Ela conseguiu mostrar os dentes estragados.

- Em breve, Charlie, em breve.

Depois, pareceu cair no sono e mais tarde, nessa noite faleceu.

Charlie dirigiu-se à enorme casa em Richmond e vagueou por ali.

Cá em baixo tudo estava em ordem, com a bela mobília arranjada pelo decorador que contratara.

Cá em cima os dois únicos quartos que pareciam ter sido usados eram o de Serafina e a sala contígua onde dormia o Archie. O quarto estava repleto de pedaços da vida dela. Havia fotografias de Charlie por todo o lado. Fotografias dele enquanto rapaz, sorrindo sob uma máscara de farinha na sua primeira aparição no palco. Mais gordo. A casar com Lorna. Uma foto única do pai. Serafina com dezasseis anos, uma bela e magra rapariga, com luxuriantes caracóis ruivos.

Depois vinham as fotografias de Charlie Brick, a estrela. Cumprimentando a Rainha. Recebendo um prêmio. Comparecendo a uma estreia. Estavam lá todos. Um registo pictórico da sua vida.

No guarda fatos estavam pendurados os velhos vestidos de palco, poeirentos e desbotados mas ainda com o cheiro dos velhos tempos a teatro, a maquilhagem.

Charlie enfiou neles o nariz e foi invadido por tantas recordações que na sua garganta se formou um nó. Era difícil acreditar que Serafina estava doente. A sua Serafina. A sua mãe.

Nessa noite dormiu na cama dela e no dia seguinte tratou do funeral e confortou Archie que se fora completamente abaixo.

Charlie lamentou não o ter levado para Hollywood com Serafina. Não imaginava que o homem se preocupasse tanto.

Lorna telefonou-lhe logo que soube.

- Queres que eu leve aí as crianças? -perguntou.

- Não, acho que não. Gostava de as ver no funeral. É amanhã. Se lá fosses ter às dez podíamos ir juntos.

- Claro. Olha, Charlie, lamento muito. Serafina e eu nunca fomos grandes amigas mas ela era uma velhota simpática e as crianças adoravam-na.

- Obrigada.

Desligou à beira das lágrimas.

Lorna chegou pontualmente no dia seguinte. Decorrera tanto tempo desde que a vira e ela mudara. Tinha o cabelo mais comprido, mais sedoso e ganhara peso, mas também acabara de ter um bebê.

Beijou-o no rosto e o cheiro do seu perfume familiar fê-lo pensar por momentos que nada tinha mudado.

- Meu Deus! Estás magro! -exclamou ela.

Ele abraçou as crianças. A pequena Cindy chorava. - Quero a berry, papá - disse.

Serafina insistia que não a chamassem avó.

- Pareço uma avó? - passava a vida a perguntar às pessoas.

George chegou a tempo do funeral. Ficara para transferir os pertences de Charlie da casa de Bel Air para o Beverly Hills Hotel e em seguida apanhar o próximo avião. Resolvera não mencionar que Dindi dera uma grande festa na noite em que Charlie saira. Até se sentia aliviado por o patrão se ter livrado dela tão depressa.

- Quanto tempo vais ficar? - perguntou Lorna a Charlie a caminho do cemitério.

Ele encolheu os ombros.

- Acho que vou voltar já. No dia trinta começo outro filme. Além disso, nada tenho a fazer aqui.

- Estive a... a falar com o Jim e ele gostaria que fosses jantar a nossa casa antes de partires.

Ele engoliu uma resposta brusca. Afinal ela estava a tentar ser simpática.

- Não, querida, obrigada. Acho que não ia resultar.

- Se mudares de idéias, temos uma casa em Islington. Ainda precisa de muitas obras mas quando acabarmos vai ficar linda.

Apertou-lhe o braço, impulsivamente.

- Ainda bem que podemos ser amigos, Charlie. Quero que sejanos amigos. Jim e eu somos felizes e ainda bem que voltaste a casar. A Natalie escreveu-me a contar que ela era muito bonita.

Lorna riu-se acidamente.

- Eu nunca fui suficientemente bonita, para ti Charlie. Ele quis interromper mas ela continuou:

- Não, não me digas mentiras. Logo que te tornaste uma estrela de cinema vi que toda a gente pensava: oh, ele podia ter arranjado melhor.

- Não é verdade - objectou ele.

- Oh, sim, é. Sabes como as pessoas são más nesse meio. Uma vez estávamos numa festa e havia duas raparigas a discutir no quarto de banho.

- O Charlie Brick é muito sexy - disse uma delas. Não sabiam quem eu era, claro. - Sim - respondeu outra - e é um homem disponível pois tem a mulher enfiada em qualquer lado. Nunca a vi mas ouvi dizer que é um frasco.

- Não acredito.

- Então não acredites. Agora já não faz diferença, mas é verdade. Seguiram em silêncio o resto do caminho, com as crianças estranhamente calmas à frente.

Se calhar era verdade, reflectiu Charlie. As pessoas eram muito más quando a mulher de uma estrela não era uma beleza atraente. com mágoa, lembrou-se de ele próprio já ter feito aqueles comentários

- conhecer uma estrela e pensar: "bem, a mulher não é grande coisa".

Por que razão as pessoas davam tanta importância aos atributos físicos? Ele próprio também era assim. Por isso fazia tantas dietas, só saía com modelos e candidatas a estrelas e até casara com uma. A encantadora Dindi que não possuía mais nada além de beleza.

Talvez fosse por isso que ainda desejava Lorna, porque ela era uma pessoa normal que o conhecera quando ele era um zé-ninguém. Não a desejava sexualmente, mas queria-a.

O funeral foi deprimente. Parecia que familiares cuja existência

se ignorava tinham aparecido vindos de todo o país. A irmã mais

velha de Serafina, Lily, caiu em cima dele a gemer e a chorar. Sabia que nunca se tinham dado muito bem e que já não se viam há cinco anos.

- Têm todas ciúmes - dissera Serafina uma vez. - Ciúmes da minha juventude e vitalidade e do meu famoso filho. Sempre fui a rainha da família.

Serafina tinha seis irmãs e três irmãos e todos apareceram com os respectivos filhos, filhas, genros, noras e netos. Charlie mal os conhecia. A cerimônia foi breve. Serafina nunca fora uma mulher religiosa. Depois todos se dirigiram para o cemitério, onde o caixão foi descido à terra. Charlie cerrou, os dentes. Achava que os funerais eram desnecessários. As pessoas deviam ter o direito de morrer com dignidade e privacidade. Resolveu deixar escrito que queria ser cremado e que não haveria funeral.

Lorna manteve-se a seu lado, tanto na igreja como no funeral. Cada um dava a mão a um dos filhos. Apertou-lhe o braço e ele retribuiu. Nunca se sentira tão próximo de ninguém. Depois do funeral houve a desagradável obrigação de receber a família em casa.

Apareceram nos seus Morris Oxford e Mini e velhos Fords.

Caíram sobre a mesa das bebidas como abutres.

Fizeram "ahs" e "ohs". Três crianças caíram na piscina. Um dos irmãos de Serafina pôs-se a contar anedotas porcas. Lily perguntou o que ia acontecer às coisas de Serafina. Serafina foi esquecida.

Por fim, o último Mini Minor partiu às cinco da tarde.

- Que palhaçada! - exclamou Charlie. - Que palhaçada horrível. Se a Serafina visse tinha um ataque.

- George, que vais fazer agora? - perguntou Lorna, preocupada, enquanto pegava nos casacos das crianças.

- Não te preocupes comigo, querida. Archie e eu vamos comer qualquer coisa.

- Tens a certeza que não queres vir jantar? Timidamente acrescentou:

- Gostava que visses o bebê. É amorosa. Chama-se Gemma.

- Desculpa. Nem te perguntei pelo bebê.

- Na verdade, não há nada a perguntar. Um bebê é um bebê e todos pensam que o seu é o mais bonito. Na verdade, ela até é parecida com a Cindy.

Charlie ficou a pensar se aquilo seria piada para ele mas concluiu que não. Depois, só queria agradar-lhe.

- Resolvi ir amanhã para Hollywood. Talvez da próxima vez que cá vier apareça.

- Meu Deus, agora resolve-se ir para todo o lado de um momento para o outro.

George preparou bacon e ovos para Charlie e Archie. Sentaram-se na cozinha e Charlie reparou como Archie estava abatido com a morte de Serafina.

Ali estava aquele homenzinho que tanto gostara de Serafina.

- Amanhã de manhã vou-me embora - disse Archie, de olhos congestionados e tristes.

- Para onde. vais?

- Não sei. Viajar por aí, Há um clube de Manchester que me quer de volta.

- Ouve, Archie - disse Charlie, impulsivamente. - Não precisas de ir. Foste bom para a minha mãe. Quero que fiques com esta casa. Era o que ela queria.

- Não, Charlie, não - disse Archie, abanando lentamente a cabeça. - Não tens de me dar uma casa só porque tratei de Serafina. Além disso, não conseguiria viver aqui sem ela.

- Mas quero que fiques com ela. Vende-a, fax o que quiseres. É tua.

Archie levantou-se com dificuldade.

- Não. Já disse que não. Agora vou-me deitar. Até amanhã.

O homenzinho saiu, deixando Charlie sozinho. Deprimido, foi para a cama, a cama de Serafina. Teve pesadelos, sonhos com quedas de aviões. Levantou-se, cheio de suores frios às quatro da manhã, e não conseguiu voltar a adormecer.

De manhã, Archie foi-se embora. Não deixou morada nem nada. Fez a mala e saiu rapidamente.

Charlie ficou aborrecido. Pelo menos, queria dar-lhe algum dinheiro.

George ajudou-o a empacotar os pertences de Serafina que foram colocados no armazém.

A casa foi posta à venda.

Às quatro da tarde, fortalecido com comprimidos e protegido dos repórteres por George, Charlie estava a bordo de um avião de regresso a Los Angeles.

Na manhã seguinte à festa de noivado de Sunday, acordou com o toque de telefone. Era Carey, a falar do aeroporto.

- Desculpa ir-me embora assim, mas tu e Steve não precisam de mim e estou à espera de uns contratos importantes.

- Não podias ao menos ficar alguns dias? Mal te vi.

- Eu sei, mas o dever chama-me. Então, quando é o grande dia? Não te esqueças, quero ser a primeira a saber.

- Não te preocupes. Se resolvermos antes de voltares telefono-te. A propósito, se as coisas correrem bem esta noite tenciono mudar-me para casa dele.

Carey deu um estalido com os lábios.

- com Steve Magnum ao volante e eu sentada ao lado, aposto que as coisas vão funcionar muito bem.

Sunday sorriu. Assim o esperava. Precisava tanto de um homem. Precisava de Steve.

Estava uma manhã maravilhosa. Um dia quente e claro. Steve prometera telefonar-lhe logo que acordasse, o que não aconteceria cedo pois a festa ainda estava animada às quatro da manhã, quando ela saira com Marisa e Woody.

Tinha lá estado tanta gente. Steve tinha muitos amigos. Calmamente beijara-o e sussurrara:

- Amanhã quero jantar contigo, em casa. Só os dois. Ele estava bêbedo. Rira-se e gritara:

- Digam boa-noite à minha princesa. Depois, retirara um embrulho do bolso.

- Abre isto quando estiveres na cama.

Fizera como ele tinha dito. O embrulho continha as figuras de um homem e uma mulher de mãos dadas. Eram de ouro maciço.

A figura feminina tinha dois diamantes brilhantes no lugar dos seios e um diamante em forma de pera, estrategicamente colocado. A figura masculina era quase toda em diamantes.

Tinha um bilhete. Dizia: "Não me quero armar, mas... "

Sunday riu-se. Era o presente mais ordinário que alguma vez já recebera.

O pequeno-almoço consistia numa manga e alguns pêssegos junto à piscina privativa. Depois nadou, para curar a ligeira ressaca. A seguir executou os habituais exercícios debaixo de água.

- Meu Deus, tanta energia! -exclamou Dindi, oculta sob um enorme chapéu de vaqueira, óculos escuros e fato amarelo. - Pensei que estarias levantada por isso me vim despedir.

Sunday saiu da piscina, a pingar água e vestiu a parte de baixo do bikini.

- Também te vais embora? Que pena, Carey telefonou-me agora mesmo do aeroporto. Suponho que tens que regressar para junto de Charlie.

Díndi desatou a rir.

- Estás a brincar, não estás? Tenho é que voltar para o trabalho, querida, trabalho. Já te disse que vou entrar em "Ali the World loves a stripper". As críticas a Roundabout dizem que ofusquei todos os outros.

- Isso é óptimo. Estou morta por ver.

- Eu faço uma projecção para ti - disse ela. - Quando regressas?

Sunday encolheu os ombros.

- Não sei. Como o Steve quiser.

Dindi tirou o chapéu e pôs o rosto ao sol.

- Acho que te devo dizer, afinal somos amigas, e eu não sou de segredos. Bem, eu no meu caso gostaria de saber.

- Saber o quê?

- Bem, a culpa também foi minha - admitiu ela. -Mas eu estava pedrada e sabes como fico quando estou com um tipo e tive curiosidade.

- Estás a falar de quê?

- Sunday, não te quero magoar. Sei que és muito rígida em relação ao sexo, e Deus sabe que passaste um mau bocado com aquele teu primeiro marido. Mas devo ser honesta e é melhor que saibas.

Friamente, Sunday replicou:

-Por favor, não chames nomes ao meu primeiro marido. Ele era doente, só isso. Além de que mal o conheceste. Dindi suspirou.

- Acho que já te devia ter dito. Conhecia-o muito bem. Na verdade, o Benno obrigava-me a entrar em cenas com os dois. Eu estava maluca pelo Benno. Já me via como uma princesa romena. Era como todos os homens, uma merda, e depois do Paulo morrer pôs-me na rua. Concerteza que sabes que o Benno andava metido com o Paulo?

Muito pálida, Sunday respondeu:

- Deves estar doida. Dindi encolheu os ombros.

- Acredita se quiseres. Vai a Roma e pergunta a Benno. Pensei que sabias, toda a gente sabia. Aqueles condes romanos e princesas que dão para os dois lados, está-lhes no sangue. Ouve, os três estivemos enfiados num hotel durante três dias, uma semana antes de ele morrer.

Calmamente, Sunday disse:

- É melhor pores-te a andar.

- Oh, merda - exclamou Dindi. - Eu faço-te o favor de dizer a verdade. Acho que vives numa torre de marfim. Mas não foi por isso que vim falar contigo. O que te queria dizer era sobre o teu namorado, Mr. Magnum.

- Não quero ouvir mais nada. Percebeste?

- Sim, percebo que foges das coisas. Bem, quer gostes ou não, a verdade é que ontem à noite forniquei com o teu namorado. São todos uns safados, filha, e Steve Magnum não é diferente. Fornicou comigo na tua festa enquanto entretinhas os seus convidados.

Suspirou.

- Nesta vida anda-se sempre à procura do número um e está-se sempre só. Podes pensar que sou uma cabra, mas gosto de ti e é melhor que saibas quem é o tipo com quem vais casar.

Levantou-se.

- Bem, é assim, lamento mas é a vida. E a propósito, ele é uma cama fantástica.

Durante algum tempo Sunday ficou em silêncio. Instintivamente soube que Dindi falara verdade. Passou a informação sobre Paulo para um canto da memória. Trataria dela mais tarde.

Steve Magnum.

Adeus.

Não queria ouvir as mentiras dele. Rapidamente dirigiu-se ao bengalow, fez as malas e mandou vir a limusina. Depois telefonou à secretária de Carey em Los Angeles e ditou-lhe uma breve declaração à imprensa.

- vou para fora durante umas semanas - disse à rapariga. - Diga a Miss Martin que estou bem e que depois telefono.

Agarrou nas duas figuras de ouro que Steve lhe dera e voltou a colocá-las no estojo. Depois, escreveu um bilhete a dizer: "Ouvi dizer que és muito bom".

Juntou também o anel de noivado.

- Depois de me levar ao aeroporto entregue isto a Steve Magnum. O condutor assentiu, com os olhos presos nos seios dela.

-És um amigo verdadeiro! com amigos assim nem preciso de inimigos.

Charlie estava sentado no seu bengaló do Hotel Beverly Hills a olhar para Clay.

Foste para a cama com ela, não foste? A história da mãe é só conversa. o pior é que estou aqui sentado como um parvo.

Abanou a cabeça.

- Obrigadinho, meu amigo.

Clay engoliu rapidamente o uísque.

- Que queres que diga, por amor de Deus, oh, sim, conheci a tua mulher, forniquei com ela em Roma. E quando a voltei a ver já tinhas casado com ela.

- Treta! Somos amigos há muito tempo. Podias ter-me dito.

- E que é que isso adiantaria? Pensei que ela se tivesse reformado. Se te dissesse ainda acabavas por me detestar.

- Nem se quer te preocupaste com o facto de eu ir casar com uma vagabunda. Só pensaste em ti. És um safado.

Clay serviu-se de outro uísque.

- Vamos lá, Charlie. Esquece isso. Toda a gente comete erros. Afinal, por que razão casaste com ela?

- Sei lá! Estava a curar-me da ressaca da Lorna. E ela parecia um anjinho inocente e fazia uns óptimos broches.

- A maior parte das putas de Hollywood também - comentou Clay secamente.

Eram dez horas. Charlie encontrava-se em Los Angeles havia uma semana e ele e Clay tinham assistido a uma projecção especial. - Tem estado com crises de enjôo - comentou Clay, rindo-se. Desta vez, tenho a certeza de que vai ser um rapaz.

Depois de verem o filme, regressaram ao bengaló de Charlie conversando e bebendo. Era a primeira vez que Charlie saía desde que regressara. Tinha-se enfiado no hotel a trabalhar no script e a brincar com os gravadores e máquinas de filmar.

Dindi conseguira o máximo de publicidade com o anúncio do divórcio, deu inúmeras entrevistas e pousou para várias revistas até que o seu advogado a obrigou a calar-se. Charlie limitou-se a declarar a frase habitual: Sem comentários.

Juntamente com o anúncio da ruptura do noivado de Sunday Simmons com Steve Magnum, Dindi e Charlie foram o objecto das conversas dessa semana.

- E se nos fôssemos divertir? -perguntou Clay. - Não acon tece muitas vezes ter uma noite de folga.

- Onde queres ir?

- Dar uma volta. E depois engatávamos duas queridas.

Charlie riu-se.

- Não mudaste muito, pois não? Lembras-te da primeira vez que nos encontrámos?

- Podia lá esquecer! - exclamou Clay. - Estúdios Victory. Eu estava a dar uma das boas no camarote quando tu entraste por ali dentro. Ela puxou as cuecas tão depressa que me ia entalando a gaita.

- Sempre foste um estupor - disse Charlie, com um estalido admirativo.

- Entraste com aquele sotaque à paneleiro que usavas na altura e disseste: Oh, cheguei na altura errada? Tive vontade de te matar. A miúda pôs-se a andar e eu fiquei a ver navios.

- Foi o início de uma boa amizade.

- Sim, já passamos por muita coisa, desde aí não foi? Claro que tu é que estás melhor na vida. Estrela famosa. Consegues o que quiseres. Quando tiveste aquele caso com a Michelle Lomas fiquei cheio de ciúmes.

- Ficaste?

- Fiquei. Qualquer tipo com tomates teria ficado. Charlie riu-se modestamente.

- Michelle era uma miúda bestial.

- Vamos lá. Bebamos outro copo à saúde de Serafina, que sempre gostou de um copo de uísque. vou ter saudades dessa mulher.

Solenemente, voltaram a encher os copos e brindaram a Serafina. Clay disse:

- E se fossemos até uma discoteca? Charlie abanou a cabeça.

- Vai tu.

- Anda lá. Faz-te bem. Até porque me apetece dar uma volta no teu carro novo.

A discoteca estava apinhada, como habitualmente. Charlie já lá tinha estado uma vez com Dindi. Não se sentia bem ali. Estava cheia de estrelas de segunda, garanhões de praia, actores, jovens celebridades, velhas celebridades que ainda pensavam que eram novas, prostitutas e prostitutos.

Clay abriu caminho e arranjou lugar junto ao bar. Meteu de imediato conversa com uma loira de vestido amarelo que parecia completamente pedrada. Charlie desejou não ter ido. Clay era bem intencionado, mas aquela não era a onda dele.

- Você é o Charlie Brick, não é? - perguntou uma versão mais baixinha e não tão bonita como Dindi. Tinha o mesmo cabelo oxigenado e os mesmos olhos azuis.

- Estou aqui com o meu namorado mas queria dizer-lhe que você me põe doida.

Ajustou o vestido e distraidamente acariciou os seios.

- Os seus óculos são tão sexy. Qual é o seu signo?

- Virgem - respondeu Charlie, fascinado ao ver os mamilos dela endurecerem com o seu próprio toque.

- Hm - murmurou ela, piscando os olhos no infinito. - Bem me pareceu. Eu sou aquariana. Sou actriz.

Como se eu não soubesse, pensou ele.

- Bem, acho que é melhor voltar para junto do meu namorado. Quer que lhe telefone?

- Não. Telefono eu.

- O quê?

- Não. É uma brincadeira. Sim, telefone-me. Estou no Hilton. Ela afastou-se e Charlie voltou-se para ver como Clay se estava

a safar. Estava muito bem, sussurrando ao ouvido de uma loira.

- Bem, acho que já estou farto disto - comentou Charlie. Vamos embora?

Relutante, Clay concordou, enquanto apontava o número de telefone da loira. Depois sugeriu que fossem até Strip ver acção.

- com um bocado de sorte ainda engato uma de doze anos brincou.

Charlie já tinha perdido todo o entusiasmo. Mais valia terem mandado vir umas prostitutas porque quem quer que encontrassem àquela hora deveria sê-lo. Nem sabia se lhe apetecia fornicar.

- Abranda. Encosta aí - disse Clay, excitado.

Duas raparigas caminhavam na direcção deles, de roupa muito justa, mascando pastilha elástica. Olharam para os lados verificando se havia polícia, e depois abordaram-nos.

- À procura de acção? - perguntou a primeira rapariga, encostando-se à janela e olhando para Clay. - Estamos disponíveis para dar uma volta.

Ia para responder quando Charlie carregou no acelerador e o carro arrancou com um solavanco.

- Eh, que se passa? - perguntou Clay, indignado.

- Por amor de Deus, elas fediam. Parecia que tinham saído de uma retrete.

- Não percebi que andavas à procura de Miss Limpinha.

- Vai-te foder. Seguiram em silêncio.

- Afinal o que queres? - perguntou Clay, por fim.

Charlie encolheu os ombros. Estava cansado. O que lhe apetecia mesmo era ir para a cama. Nesse momento passaram por uma espelunca de strip-tease.

- Vamos entrar - disse, conduzindo o Lamborghini para o parque de estacionamento. Sempre era melhor do que andar por ali de carro como dois miúdos no engate.

- Boa idéia - disse Clay, mais animado. Charlie pensou:

- Afinal o que é que andamos a fazer aqui? Que raio procuramos? Ver um par de mamas como os putos?

Estava aborrecido consigo mesmo e com Clay.

O lugar era uma espelunca com mesas de madeira colocadas à volta de um palco em forma de L. Uma criada de collantts pretos e soutien muito gasto encarnado, veio perguntar o que tomavam. Estava uma rapariga no palco, a fazer o número rotineiro. Vestia um fato de banho preto com uma inscrição: "Miss Hot Califórnia". Tinha cabelo encarnado e um peito enorme, graças às injecções de silicone.

Mexia-se energicamente, despindo o fato de banho num abrir e fechar de olhos e ficando unicamente com uma tanga.

- Olha-me só para aquilo - disse Clay, excitado.

Charlie suspirou. A rapariga não parecia mal. Dois globos enormes de carne. Mandou vir uma garrafa de uísque que logo começou a esvaziar, A vedeta a seguir tinha montes de cabelo e um vestido curto de missangas. Foi apresentada como Crazy Harold. Começou a saracotear-se à volta do palco ao som de "Big Spender".

Charlie achou tudo aquilo perfeitamente assexual. Clay parecia um rapazinho excitado.

Entre as actuações um comediante contava anedotas sem piada com sotaque de Brooklyn. Charlie analisou a voz. Achou-a muito mais interessante do que as raparigas. Tinha uma entoação nasal que ele queria captar para o personagem do seu próximo filme.

- Agora vou-vos dar a conhecer dois loucos Mustangs! A Pele e Osso e a Fantástica Gorda Fanny - disse o comediante,

A maneira como pronunciou a palavra "Mustangs", impressionou Charlie. Repetiu-a entre dentes tentando captar a entoação.

Clay ria às gargalhadas, juntamente com os outros espectadores quando apareceram as duas strippers.

Pele e Osso era uma rapariga magra, tipo Twiggy, bonitinha, com um mini-vestido cor-de-rosa.

A Fantástica Corda Fanny também era bonita mas descomunalmente gorda, desde o duplo queixo até às pernas. Vestia igualmente uma mini cor-de-rosa.

Mexeram-se no palco ao som de Tunny.

- Meu Deus! - murmurou Clay. - Sempre me apeteceu ir com uma gorda. Já a magricela era outra conversa. Era atraente com o seu cabelo loiro e olhos claros.

As raparigas despiram-se ao mesmo tempo. Primeiro os vestidos, sob os quais traziam soutiens, cuecas e meias presas a ligas.

A gorda Fanny era grotesca com rolos de gordura que tremiam ao som da música. Pele e Osso era esquelética, com as costelas quase a perfurarem a pele. A combinação das duas mulheres era quase obscena. Despirem os soutiens ao mesmo tempo.

- Tenho que ter a gorda - murmurou Clay.

Se a Natalie o visse agora, pensou Charlie, divertido com o entusiasmo de Clay. A gorda Fanny era animalesca, com as mamas enormes para cima e para baixo e os mamilos do tamanho das mamas da magricela. O espectáculo terminou. O apresentador saltou para o palco, debitou duas graçolas e prometeu a todos um novo espectáculo para dali a uma hora.

Clay agarrou o homem a caminho do bar. Charlie chamou o empregado e pagou a conta. Ia levar Clay ao carro e depois seguiria para casa. Se Clay quisesse continuar a festa que fosse sozinho.

Clay meteu a mão no bolso e entregou algumas notas ao apresentador. Charlie levantou-se. Tinha tirado os óculos porque ninguém o reconheceria sem eles.

- Anda lá - disse pacientemente.

- Está tudo tratado - disse Clay, excitado. - Tudo tratado.

- Tudo o quê?

- A fantástica gorda Fanny e a magricela. Dei duzentos dólares ao tipo e só temos que atravessar a rua para o apartamento delas. Só têm uma hora. E que tal esta combinação?

- Duzentos dólares por duas vagabundas. Acho que estás a ficar maluco.

- Maluco não sou. Vamos.

Relutante, Charlie seguiu-o. Natalie tinha dito que Clay fornicaria com quem quer que fosse, mas aquilo era ridículo. A Pele é Osso abriu a porta do apartamento. Vestia um roupão ornamentado com penas e tinha um sorriso vago.

O apartamento contava com uma única assoalhada, o que fez Charlie lembrar-se da sua primeira experiência sexual há muito tempo. Tinha os mesmos cheiros: perfume barato e suor.

Clay entrou avidamente.

- Há alguma coisa que se beba? - perguntou. Pele e Osso olhou para ele.

- O Jack não disse que as bebidas estavam incluídas. Ouviu-se o barulho do autoclismo e Fanny saiu do quarto de banho.

Vestia um roupão igual ao de Pele e Osso. Tomou imediatamente conta da situação.

- Querem uísque, são dez dólares cada um. Tirem as calças e ponham-se à vontade, não demasiado à vontade pois só temos uma hora. Cenas esquisitas são à parte, perceberam? E se quiserem fazer comigo ao mesmo tempo, também é à parte.

Falou rapidamente numa voz fininha que não estava de acordo com as suas dimensões.

Clay olhou para Charlie. Charlie para Clay e desataram ambos a rir.

- Bem, tu se calhar consegues pô-la em pé, mas eu não - disse Charlie.

- Por duzentos dólares vou tentar - respondeu Clay, despindo as calças.

- vou ficar a ver - disse Charlie, delicadamente quando a magricela se aproximou.

A gorda despiu o roupão e deitou-se no sofá. Clay pôs-se em cima dela com um esgar tonto.

- Diz ao meu amigo que espero no carro - pediu Charlie à magricela, saindo.

Sunday apanhou o primeiro avião que saiu de Acapulco. Destino: Cidade do México.

Prendeu o cabelo na nuca, pôs óculos escuros e comprou um bilhete em nome de Miss Sands. Não tinha decidido onde ia mas tinha de se mexer com rapidez antes que estalasse a publicidade.

O noivado com Steve Magnum catapultara-a para a atenção do público. E agora tinha, de se afastar, principalmente de Steve. Sabia que se ele a encontrasse ia haver desculpas e, por fim, insultos. Não queria passar por isso.

Uma vez na Cidade do México informou-se dos próximos vôos. Não queria ir muito longe. Ocorreu-lhe a idéia do Rio. Porque não o Rio? Não tinha lá voltado desde a morte dos pais e aquela era a oportunidade perfeita. Um avião partia dali a uma hora.

O rapazinho estava de olhos arregalados junto à cancela de embarque. Sunday reparou logo nele pois parecia demasiado criança para viajar sozinho - tinha cinco ou seis anos - e porque era a criança mais bonita que tinha visto. Tinha cabelo escuro e grandes olhos negros num rosto oval. Se algum dia tiver uma criança, pensou, gostaria que se parecesse com esta.

O rapaz estava muito quieto, olhando de vez em quando ansiosamente à volta, obviamente à espera de alguém. Quando o vôo foi anunciado desatou a chorar. Não convulsivamente mas com as lágrimas a correrem-lhe pelo rosto.

Aproximou-se.

- Estás à espera da tua mãe? Ele abanou a cabeça.

- Vem alguém buscar-te? A criança assentiu.

- Oui, Papa,

- És francês?

- Sim, é francês - respondeu uma antipática voz masculina por detrás dela. - Ele está muito bem, obrigada, por isso pode deixá-lo em paz.

O homem agarrou firmemente na mão do rapazinho e encaminhou-se para o avião, deixando Sunday ali especada.

Ela seguiu-os, apanhando-os quando entraram no avião.

- Desculpe - disse. - Pensei que ele estava sozinho. Só quis ajudá-lo. Estava a chorar.

- A chorar? -perguntou o homem. - O Jean Pierre nunca chora.

- Oh, você é Claude Hussan, não é?

Ficou com vontade de morder a língua, parecia uma admiradora qualquer.

Ele ignorou-a, ocupando os lugares sem se dignar olhá-la.

Apercebeu-se de que não se lembrava dela. Estava toda arranjada quando se tinham conhecido em Acapulco. Agora estava escondida atrás de óculos escuros e tinha o cabelo de forma diferente. Ainda assim ele era mal educado e a criança tinha estado mesmo a chorar.

"O Jean Claude nunca chora. "

Que afirmação ridícula e tipicamente, masculina.

O avião avançou pela pista e levantou vôo. Sunday adorava voar. Era tão divertido, dava a sensação de poder.

Sentia-se descontraída, e, de certo modo, aliviada. Steve Magnum não era o homem ideal para ela. Aceitara-o pelas razões erradas. Ao fundo do corredor, Claude Hussan conversava com uma hospedeira que sorria mostrando os dentes todos. com ela, não se mostrara mal educado.

A viagem correu rapidamente. Na escala, Sunday comprou jornais, mas não havia notícias sobre ela ou Steve Magnum. Tomou um café, foi ao quarto de banho e novamente reparou no rapazinho que estava sozinho. Sorriu-lhe, ele retribuiu. Faltavam-lhe dois dentes da frente e parecia um pequeno diabrete.

Perguntou-se onde estaria o pai. Provavelmente nalgum bar, a embebedar-se. Voltou para o avião e pouco antes deste descolar Claude apareceu com Jean Pierre. Virou a cabeça quando eles passaram.

Carey chegou ao escritório vinda directamente do aeroporto. Estava cansada e tinha calor, e o fato imitação St. Laurent estava amarrotado.

Marshall, que viajara com ela, passara a viagem a convencê-la de que deveriam casar imediatamente. Subitamente, e sem razão aparente, desaparecera todo o seu ar calmo após ela ter dormido com ele pela primeira vez, a seguir à festa de Sunday e Steve. Em vez de dizer "pensa nisso" e "demora o tempo que for preciso" ou "sei que sou mais velho que tu", dizia "marca o dia, Carey, e que seja rápido, na semana que vem seria óptimo".

Ela sentou-se à secretária a mascar a ponta de um lápis. Tinha uma pilha de mensagens que não se deu ao trabalho de ler.

Marshall fora óptimo na cama. O que era surpreendente num homem de cinqüenta e seis anos. Melhor na verdade do que o actor de vinte e três anos com quem estivera antes.

Fora engraçado ir para a cama com Marshall. O velho Marshall com quem trabalhava há sete anos. Na altura, parecera incestuoso e tivera de se embebedar para ir até ao quartp dele. Havia muito a dizer quanto à técnica do homem na cama. Tinha energia.

Riu-se. Que a impedia de casar? Tinha vinte e oito anos, já dera muitas voltas, estava preparada para assentar com um homem e Marshall dissera-lhe que poderia continuar a trabalhar. Claro que a mãe que vivia numa agradável casa em Pasadena, com o irmão e a mulher, teria um ataque. Quando Carey os visitava tentavam arranjar-lhe simpá ticos advogados ou contabilistas. Seria a desgraça da família se casasse com um branco. E então? Não tinha preconceitos.

Tocou para chamar a secretária. Que raio! Se não mergulhasse agora nunca mais o faria.

- Sue, liga-me à Sunday Simmons em Acapulco. Resolvera que Sunday seria a primeira a saber.

- Ela não está lá, pois não? - disse Sue. - Tenho aqui o Steve Magnum na linha.

- Passa-o.

Houve uma pausa e depois ouviu-se a voz nervosa de Steve.

- Onde está ela, Carey?

- Onde está quem?

- Não te armes em esperta. Onde está ela?

- Steve, acabei de chegar. A viagem foi horrível e não me sinto muito bem, por isso pára lá de gritar. Se andas à procura de Sunday, falei com ela antes de partir e estava na cama. Por que razão não passam a viver juntos, pois assim não ficarias tão nervoso cada vez que ela sai para ir às compras.

- Acaba lá com essa merda - disse Steve, friamente.

Sue, que tinha o hábito de ouvir as conversas de Carey, entrou a correr no gabinete e apontou para o bloco de mensagens. Carey leu rapidamente.

- Mas que raio se passa? - gritou Steve. - Vais-me dÍzer onde ela está ou não?

- Que aconteceu? -perguntou Carey. - Estava tudo bem quando parti, mas a palerma da minha secretária veio mostrar-me agora uma mensagem.

- Que mensagem?

- Parece que quer que eu difunda uma notícia para a imprensa. E diz que está bem, e que telefona daqui a uns dias.

- Que diz a notícia?

- Diz "Sunday Simmons e Steve Magnum decidiram, de mútuo acordo, cancelar o noivado".

- Mútuo acordo, uma merda-atirou ele. - Já passaste isso?

- Já te disse que só o vi agora.

- Não quero que difundas isso.

- Tu não és meu cliente, Steve.

- Agora, sou, querida. Vou-te mandar um bom sinal.

- Desculpa. Se Sunclay quer que eu difunda isto é o que vou fazer.

- Se há coisa que não suporto é estares a armar-te em íntegra. Fez-se silêncio, durante o qual ela pensou em desligar o telefone.

- Ah, desculpa - disse Steve. - Bem, de qualquer maneira vou-te contratar.

- Que se passou entre Sunday e tu? - perguntou ela.

- Que aconteceu? Quem sabe? A Sunday é muito estranha. A noite passada bebi demais e se calhar fiz alguma coisa que não devia, isto de acordo com os discutíveis padrões dela.

- Que fizeste?

- Nada de especial - disse ele, hesitante. - Qualquer pessoa se teria rido.

- O que foi, por amor de Deus! Deve ter sido grave, para Sunday acabar com tudo.

Tive uma cena com uma pequena, coisa de cinco minutos.

- E contaste a Sunday?

- Estás maluca? Claro que não. Mas ela deve ter descoberto. Devolveu-me o anel com um bilhete e pôs-se a andar. Quando me levantei já tinha partido.

- Dindi?

- Hm?

- Foi Dindi Sydne, não foi?

- Não sei quem foi. Estas tipas parecem-me todas iguais. Uma loira casada com aquele actor inglês, como é que se chama, Charlie Brick. Uma vagabunda.

- Sim, é a Dindi. Aposto que não descansou enquanto não foi contar a Sunday. A sério, Steve, que te levou a fazer isso?

- Um grande tesão, querida. Faz-me um favor. Não divulgues isto nas vinte e quatro horas próximas. É só até eu falar com ela.

- Não sei, Steve. Acho que...

- Vinte e quatro horas, por amor de Deus. Não te estou a pedir dez milhões de dólares. Gosto mesmo dela. Dá-me uma oportunidade.

- Está bem. Mas só vinte e quatro horas, e então, se não me disseres nada, divulgo a notícia.

- Não te vais arrepender quando fores levar as alianças. Mandei vir um detective de Los Angeles que a vai localizar rapidamente.

- Claro que me calo, mas o mesmo não posso dizer em relação à Dindi.

- Não te preocupes. Dessa trato eu. Se souberes alguma coisa, diz-me.

Desligou.

Óptimo, pensou Carey. Mas que sarilho. Conhecendo Sunday sabia que Steve já tinha perdido.

Suspirou. Do ponto de vista estritamente profissional, aquela publicidade não tinha preço.

Marge Lincoln Jefferson estava sentada, muito nervosa, no gabinete do gerente do banco. Tinha as palmas das mãos húmidas. Limpou-as sub-repticiamente à saia de algodão.

Louella dissera-lhe repetidas vezes como se deveria portar e o que deveria dizer. Mesmo assim ainda estava nervosa, esperando que o homem recusasse o seu discurso.

- Então, Mrs. Lincoln Jefferson, perdeu o seu livro de cheques. Devia ser mais cuidadosa, sabe? Deve-se ter muito cuidado para não os perder e não ter problemas em receber os juros. Olhou-a, mirando os seios fartos sob o vestido de algodão e o velho e sujo soutien. Andava a guardar o novo para os encontros de sábado.

- Sim, eu sei - disse, reunindo toda a coragem. - Mas preciso de quinhentos dólares com urgência, para hoje.

- Para hoje? Hm, não me parece que hoje se consiga alguma coisa. Temos sete dias para levantamentos, sabe? De qualquer modo, vou recolher a sua assinatura e daqui a uma semana, quando voltar, já deve estar tudo regularizado.

Que iria Louella pensar daquilo? Podia até nem a deixar ir ao próximo encontro.

Marge deixou cair duas lágrimas gordas.

- Preciso dele hoje. Uma semana pode ser tarde demais. Tenho que ir para o hospital. Problemas de mulheres, percebe?

O gerente do banco corou. Não queria saber dos problemas íntimos daquela gorda.

Marge lembrou-se do que Louella lhe dissera.

- Se houver dificuldade, fala-lhe ao coração.

Levantou-se e debruçou-se sobre a secretária, poisando o peito enorme sobre o tampo.

- Tem. de me ajudar - disse, lembrando-se desta expressão de um filme com a Mac West que vira algumas seis vezes na televisão.

Seja bonzinho comigo que eu serei boazinha consigo, percebe o que quero dizer?

O gerente do banco percebia demasiado bem o que ela queria dizer. Pigarreou e tossiu nervosamente.

- vou ver se podemos abrir uma excepção, Mrs. Lincoln Jefferson. Quer aguardar um minuto?

Valia tudo para se livrar daquela mulher horrível.

Marge sentou-se e esperou. Se Herbie soubesse o que estava a fazer, matá-la-ia, mas Louella dissera que estava bem.

Louella dissera-lhe que tinha de o fazer, de outra forma não haveria mais círculo de amigos, nem mais reuniões, nem festas e diversões.

Entrou uma secretária que sorriu para Marge.

-Quer assinar estes documentos, por favor? -pediu. - Mr Marvin teve de sair, mas autorizou-me a entregar-lhe quinhentos dolares da sua conta.

Passaram-se dois dias e nada aconteceu. Herbert desempenhava o seu trabalho como habitualmente. Todos os dias lia o jornal, à procura de mais notícias sobre o assassínio, mas depois das primeiras nada se seguira. Os assassínios eram ocorrências diárias em Los Angeles, e já não constituíam novidade a não ser quando a vítima era famosa ou o crime demasiado horrendo.

Marge continuava a perguntar-lhe na sua voz nasalada:

- Que fizeste, Herbie? Por que razão queres que eu diga à polícia que estiveste aqui?

Ele ignorava-a. Tomava mais duches do que habitualmente e pensava sonhadoramente no que teria feito se tivesse sido Sunday Simmons em vez daquela hippie mal cheirosa: Sunday Simmons despindo o vestido e oferecendo-se a ele.

Apanhou o autocarro para o trabalho, como de costume, tentando encontrar um lugar sentado e decidindo que logo que lhe pagassem daria sinal para um carro. Não suportava andar de autocarro, para mais com aquele cheiro das pessoas. Precisava de pagar a renda da casa que já estava atrasada dois meses. Também tinha de pagar as prestações do frigorífico e da televisão, mas um carro era mais importante. Um carro era uma necessidade básica.

Era uma pena que Marge não tivesse voltado a trabalhar, embora já não fosse possível ser contratada para criada despida de um bar.

Herbert tossiu, desagradado. Já não a queria. Fora-lhe útil, para lhe cozinhar as refeições e lavar a roupa, mas podia arranjar uma criada que lhe fizesse isso. Não, depois do que tinha presenciado na outra noite, não queria mais aquela vaca.

O divórcio era coisa cara. Pensou cuidadosamente noutras formas de se livrar dela.

- Tenho o dinheiro - comunicou Marge, triunfante.

Louella, sentada de lábios apertados no seu velho Chevy verde, retirou-o da mão de Marge e contou-o. Depois, enfiou-o na bolsa e sorriu.

- Que rapariga esperta. Agora já fazes parte do grupo. Seguiram para casa de Louella. Esta fez um chá de ervas e depois

passou em revista as notícias dos jornais dos dois últimos dias, mostrando a Marge os títulos que tinha sublinhado.

Houvera quarenta assaltos, doze arrombamentos, um assalto a um banco, trinta e três violações e dois assassínios.

- Deve ser um destes - disse Louella. - Quero que leias tudo com cuidado, até saberes de cor.

- É mesmo preciso, Louey? Não sou grande coisa a decorar.

- Se quisermos saber o que o teu marido tem andado a tramar é preciso. Se por acaso descobrirmos que foi ele que violou aquela mulher que estava sozinha em casa, então, ele nunca mais te poderá chatear. Seremos nós a estar por cima.

Marge deu uma gargalhadinha.

- Acho que tens razão, mas o Herbie não era capaz de viol-ar ninguém.

- Como sabes? Precisas de decorar estes casos e falar neles a. Herbert. Quando acertares, logo vês a reacção dele.

- E se não for nenhum destes? Louella encolheu os ombros.

- Então, pensaremos numa maneira de descobrir.

- Ok, Louey. Eu não sei o que teria sido feito de mim se não tivesses vindo viver aqui para o lado. És tão boa para mim, deixando-me fazer parte do teu círculo de amigos.

Agarrou no braço de Louella com a sua mão sapuda.

- Mudaste a minha vida por completo.

Louella sorriu, com um sorriso que nunca chegava aos seus olhos violetas. Via Marge como Herbert, como uma idiota sem préstimo. Mas eram as mulheres estúpidas como a Marge que lhe davam a vida a ganhar. Que faria Marge se soubesse que o "círculo de amigos" consistia num punhado de homens de negócios que só conseguiam ter prazer fingindo que se encontravam numa orgia? Era muito fácil encontrar mulheres solitárias em Los Angeles: viúvas, divorciadas, actrizes que nunca tinham passado além dos portões dos estúdios. Sem excepção, logo que Louella se fazia amiga, mostravam-se felizes por se juntarem ao grupo e nenhuma delas punha objecções aos chamados convites sexuais, Todas queriam sexo e dar a isso um nome respeitável além de lhes cobrar quinhentos dólares tornava tudo certo.

Louella arranjava as mulheres. O marido arranjava os machos falhados que pagavam cinqüenta dólares e só iam uma vez. Se Marge acaso se lhes tivesse oferecido por cinqüenta dólares teriam provavelmente recusado, mas a bizarria da situação tornava toda a gente feliz. Passados dois meses, altura em que Marge já devia ter sido iniciada por cinqüenta homens, Louella e o marido desapareceriam calmamente com a maior parte dos quinhentos dólares deixando Marge sozinha, e novamente sem amigos.

Em quatro anos já tinham tratado da saúde a quarenta mulheres e o futuro mostrava-se brilhante, pois nem sequer tinham ainda coberto metade do estado da Califórnia. Nenhuma mulher se queixara ainda. Que poderiam dizer?

Louella descobrira também que saber alguma coisa sobre as vítimas ou sobre o seu passado era lucrativo e às vezes dava mais algumas centenas de dólares. Louella sabia que se havia algo de estranho no marido de Marge, lhes conseguiria arrancar o resto da poupança. Herbert Lincoln Jeferson era um tipo suspeito. Um violador, no mínimo.

Quando Herbert se apresentou ao trabalho na Supreme Chauffeur Company no sábado à noite, o homem da recepção disse:

- Jefferson, querem que vás ao escritório.

- Eu? - respondeu Herbert estupidamente.

- Sim, tu. Houve uma queixa.

Herbert começou a suar frio. Uma queixa? Tentou decidir o que fazer. Devia ser a polícia que tinha descoberto alguma coisa acerca da rapariga. Devia fugir. E para onde? Só trazia alguns dólares e, sem carro, não iria muito longe.

Não, o melhor era ficar e negar tudo. Marge apoiá-lo-ia com o álibi. Pelo menos assim o esperava. A única coisa que de facto o podia relacionar com a rapariga era o fio que encontrara no carro e que escondera cuidadosamente debaixo do colchão. Marge quase nunca fazia a cama, portanto era pouco provável que alguma vez desse com ele.

Estava em lugar seguro. Nem sequer tinha a certeza de ter pertencido à rapariga, qualquer dos seus passageiros o poderia ter perdido.

No escritório principal, Mr. Snake, o gerente, baloiçava numa cadeira de couro preto e tinha os pés sobre a secretária. Estava ao telefone e ignorou Herbert quando este entrou.

Herbert ficou pouco à vontade e pensou em sentar-se. Mr. Snake não o convidara a fazê-lo e, face aos patrões, Herbert gostava de agir correctamente. Pelo menos a polícia não estava presente, o que já era bom.

Mr. Snake acabou a conversa, atirou com o auscultador, procurou um cigarro e atirou:

- Andaste a mijar nas piscinas dos nossos clientes, Jefferson.

- O quê? - perguntou Herbert, corado.

- Ouviste bem. Verdade ou mentira?

- Mentira - respondeu com rapidez. Não podiam provar aquilo.

- Estás despedido. Dei-te a oportunidade de dizeres a verdade. Havia um miúdo a filmar a mãe que te viu a mijar na piscina. Eu próprio vi o filme esta tarde. Pega nas tuas coisas e põe-te a andar. Na caixa tens o cheque com o pagamento até hoje.

Mr. Snake tornou a pegar no telefone e quando Herbert saiu já estava entretido em grande conversa.

Após o incidente com Clay e as duas strippers, Charlie entrou em profunda depressão. Fechou-se no bengaló do hotel com o fiei George e recusou-se a ver quem quer que fosse excepto alguém em serviço sobre o filme que estava prestes a começar. Era uma comédia e chamava-se Fred.

O principal papel feminino iria ser desempenhado por Laurel Jones, uma feia-bonita que estivera nomeada no ano anterior para o Oscar de melhor actriz secundária. Foi jantar com Charlie ao hotel, levando o marido de dois meses, um cabeludo membro de um conhecido grupo rock chamado Sons.

Charlie gostou dos dois: falavam muito de política, poluição do ar, subalimentação. Para Charlie era uma variação refrescante das conversas habituais sobre a indústria cinematográfica ou sobre quem ia para a cama com quem.

Laurel e o marido, Floss, eram vegetarianos e planeavam tirar seis meses para se envolverem num projecto contra a fome na índia.

- É o que dá nos anos setenta, meu - dizia Floss. - Ajudar as pessoas que precisam.

Laurel assentiu.

- Sim, mas e as vossas carreiras? -perguntou Charlie. - Estão ambos no começo. Vão muito bem, mas atiram tudo a perder se...

- Já pensamos em tudo - disse Floss.

- Sim - corroborou Laurel. - Floss e os rapazes vão gravar material suficiente para se agüentarem e eu tenho outro filme para fazer depois de Fred.

- Meu, se não podes dispensar seis meses do teu tempo para ajudar outros seres humanos, então não sei-disse Floss, abanando a cabeça tristemente.

Charlie tentou recordar o que já tinha feito para ajudar outras pessoas. Costumava dar as roupas velhas a George, e oferecera mais de cinqüenta mil dólares a várias instituições de caridade, nos últimos anos. Claro que tudo isso era deduzido nos impostos. Alguns meses antes fora abordado para apoiar publicamente os desalojados mas recusara não porque não acreditasse na causa, mas porque o embaraçava aparecer em público sem ser a representar. Assinara uma petição juntamente com outras personalidades para legalizar a marijuana. Laurel e Floss, ambos com dezanove anos, faziam-no sentir velho.

Depois de jantar sugeriu que fumassem um charro.

Laurel e Floss trocaram sorrisos.

- Deixamo-nos disso - disse Laurel.

- Pois, ou se precisa, ou não e nós chegámos a um ponto em que já não precisamos - disse Floss, passando a mão pelo cabelo loiro.

- Fuma tu... - acrescentou. Envergonhado, Charlie pôs de parte o charro.

- Não, não preciso - disse. - Só pensei que vocês...

- Toda a gente pensa que andamos sempre a "tripar". Laurel e eu queremos mostrar às pessoas que a nossa principal preocupação é o futuro do mundo em que vivemos. Todos os dias meditamos durante uma hora. É óptimo. Tira a roupa, meu, e medita. É melhor do que apanhar uma pedrada.

Depois de ele sair, Charlie despiu a camisola e as calças. Como é que se medita?

Sentou-se de pernas cruzadas no meio do chão, em contemplação. Passados cinco minutos disse: -Que se foda.

Acendeu um charro, pôs uma música e foi-se deitar.

Além de Laurel Jones era suposto haver mais seis beldades em Fred. Charlie, que deveria aprovar o elenco disse a Cy Hamilton que escolhesse quem quisesse. Eram pequenos papéis, e Charlie não estava para se ralar a ouvir principiantes.

Cy disse ao telefone:

- Passa cá pelo escritório, pá. Tenho aqui o melhor material que já viste.

Charlie perguntou-se que gozo daria a homens como Cy e Clay andarem sempre à procura de novas raparigas. Eram casados, portanto qual era a necessidade? Quantas raparigas se podia fornicar ao mesmo tempo? Quando casara com Lorna nunca se incomodou em olhar à volta. Só houvera a Michelle. Mas pensando bem, tinha que admitir que antes de Dindi ele fizera exactamente o mesmo: procurara a cara mais bonita, as mamas maiores, as pernas mais esguias. Não importava que fossem idiotas, só a aparência exterior contava. Debaixo das cabeleiras fartas e pestanas postiças haveria algum cérebro?

- Aprendi sem dúvida a minha lição - confidenciou Charlie a George que já estava habituado às confidencias do patrão. - Acabaram-se as actrizes estúpidas.

George assentiu com sensatez. Não se importaria de ir ao caixote do lixo de Charlie.

No primeiro dia de filmagens Charlie trabalhava com uma ruiva chamada Thames Mason.

Ela sorriu e arregalou os olhos cor de avelã.

- Mr. Brick, é um prazer tão grande trabalhar consigo. Adorei todos os seus filmes. Não sabe como este dia é importante para mim.

Falava com sotaque do sul. Charlie puxou pela personagem que representava e tornou-se Fred. Embora o sotaque fosse fascinante, não tencionava fazer amizade com ninguém. Todos o conheciam como Fred, e mais nada, excepto Laurel. Ela e Floss começaram a visitar Charlie que gostava de os ouvir.

Visitou-os em casa e conheceu os amigos. Eram diferentes do pessoal dos filmes - jovens produtores, cantores, músicos. A maior parte deles cultivava o estilo hippie e aceitaram Charlie com facilidade. O que ele mais apreciava era que ninguém se sentia impressionado por ser quem era, na verdade, até duvidava que soubessem. Era só mais um amigo de Laurel e Floss.

Habituou-se a visitá-los quase todas as noites após o trabalho. Tinham a casa permanentemente aberta aos amigos. Um casal mexicano tomava conta da casa e havia sempre comida em abundância.

Charlie levou a sua dose de erva, porque, apesar de Laurel e Floss não fumarem, não se opunham a que os amigos o fizessem.

Para Charlie, era agradável. Arranjou túnicas e calças largas e colares. Deixou de usar os óculos muito graduados e substituí-os por óculos à velho. Não podia deixar crescer o cabelo devido ao filme, mas tencionava fazê-lo logo que este acabasse.

- Estás com um ar bestial, pá - disse-lhe Floss. - Agora fazes mesmo parte dos anos setenta.

Charlie sorriu. Estava sentado no chão da sala a ver slides de borboletas projectados na parede e a ouvir um álbum novo. Passou o charro ao rapaz louro que estava a seu lado, o qual por sua vez o passou a uma rapariga.

- Devias era experimentar a meditação - comentou Floss. A Laurel andava muito confusa até que a meti nisso.

Charlie assentiu.

- Sim, vou tentar.

Vinha ali a casa deles há dez dias e Floss insistia sempre com ele para meditar. Todas as noites, por volta das onze, Laurel e Floss mais quem quisesse despiam-se e sentavam-se silenciosamente no meio da sala durante, pelo menos, meia hora.

Charlie não via o interesse daquilo. Nunca fora muito adepto do nudismo em grupo.

Laurel tinha um corpo perfeito. Tudo era minúsculo e compacto. Floss era todo músculo. O sexo naquela casa parecia uma coisa natural. Havia dois quartos para os amigos e freqüentemente um casal passava lá uma hora, reunindo-se depois aos outros. Charlie andava interessado numa rapariga. Era inglesa e só a vira ali uma vez. Não era bonita. Tinha uma cara esguia e sombria com olhos desconfiados, mas nas discussões falava sempre com inteligência. Era nova, muito magra, com cabelo castanho comprido. Charlie nunca falara com ela, mas ela já aceitara um charro e apanhara Charlie a observá-la quando despia a roupa para meditar. Era magricela, as costelas saíam-lhe e tinha seios erectos.

Quando ela se vestiu ele meteu conversa.

- És inglesa - comentou.

- Acho que isso é evidente - respondeu ela, olhando-o desconfiada.

- Sim, claro. De Londres, com um sotaque do Norte.

- Acertaste. Por que razão não meditas? E porque te pões a olhar para o meu corpo? Não sou bonita.

- Hm, bem, querida, bem, feia não és. Ela riu-se. Tinha dentes de miúda.

- Apetecia-me uma coisa doce. Achas que há por aqui um bolo de chocolate?

- Vamos ver.

- Ok.

Saíram silenciosamente. Ela não fez comentários ao carro dele. agindo como se toda a vida tivesse andado de Lamborghini.

- Segue para o mercado em Doheny - disse.

Ele seguiu até lá e compraram bolos de chocolate, biscoitos, amendoins e gelados com diversos sabores e chocolates.

- Que banquete! - exclamou ela.

Pobre miúda, pensou ele. Se calhar não comeu. Provavelmente até desperdiçava a vida nalguma espelunca na Strip.

- Voltamos para casa da Laurel e do Floss? - sugeriu.

- Como quiseres.

O que ele queria era ir para a cama. Não houvera ninguém desde a Dindi. Mas para o diabo, queria mais do que uma cambalhota. Queria uma relação com uma rapariga com quem pudesse conversar. Na noite seguinte soube por Laurel que a rapariga era Lady Phillipa Longmead que estava de visita à mãe e ao padrasto que viviam em Beverly Drive.

Enquanto conversava com Laurel a quem apanhara antes da meditação, Phillipa estava sentada no chão a enfiar mãos cheias de bolo de chocolate na boca de um rapaz efeminado.

Charlie aproximou-se e perguntou:

- Vais meditar hoje? Ela encolheu os ombros.

- Talvez, se não houver mais nada para fazer. E tu?

Ele apressou-se a abanar a cabeça.

- Tens vergonha do corpo? -perguntou ela com ar casual.

- Claro que não.

- Liberta-te - cantou o rapaz efeminado.

- Podia levar-te a casa - aventurou-se Charlie.

- A quem, a mim? - perguntou o rapaz.

Phillipa enfiou-lhe na boca o último pedaço do bolo de chocolate.

- Não costumo ir para casa tão cedo, mas se tens erva vou até tua casa.

Durante a viagem até ao hotel ele falou sobre as ultimas agitações na rua.

- É lamentável que os miúdos sejam agredidos na cabeça. Depois falou de um festival rock que iria ter lugar ao ar livre em

São Francisco durante o fim-de-semana seguinte.

- Laurel e Floss vão. Se calhar vou com eles.

No hotel, remexeu os discos dele com ar desagradado.

Escolheu finalmente um álbum dos Rolling Stones. Depois, colocou os pés sujos sobre uma mesa e fumou o charro que ele lhe passou. Dava passas profundas, fechando os olhos e deixando o fumo sair pelas narinas.

Charlie sentou-se em frente. Sentia uma necessidade enorme de ter a aprovação daquela rapariga. Queria que ela entendesse que ele podia ter mais de trinta anos sem ser careta, era jovem e ainda estava para as curvas.

Ouviram os Stones em silêncio. Quando o disco chegou ao fim, ela disse:

- Se quiseres sexo é só dizeres. Eu não ligo muito a isso mas não me importo.

Ele ficou imediatamente excitado.

- Não, não - disse. - Não te preocupes. Nem me passou tal coisa pela cabeça.

- Suponho que não me deves achar muito atraente depois daquela" vampes com mamas grandes com quem costumas andar. Eu cá acho que o sexo é uma questão mental.

Ele abanou a cabeça.

- Concordo.

- Concordas? -ela ficou surpreendida. - Concordas mesmo?

- Pois, não era capaz de ir para a cama com uma rapariga sem conseguir falar com ela. O sexo só pelo sexo não interessa...

Calou-se, à procura das palavras. Se o Clay estivesse aqui a ouvir, pensou.

- Acho que é muito louvável. A maior parte dos homens não pensa assim. Os amigos do meu padrasto estão sempre a tocar-me. Até enjoam.

Homens de idade. Charlie estava chocado. Pensaria ela que ele era velho? Só tinha trinta e nove anos, um corpo em boa forma, vestia à última moda. Como podia ela achá-lo velho?

- Que idade pensas que tenho? - perguntou. Ela encolheu os ombros, um gesto habitual.

- Não sei. Que idade tens?

- A sério, anda lá. Adivinha.

- Se calcular para mais ficas zangado e se for para menos ficas lisonjeado.

- Diz lá.

Ela estudou-o com os olhos semicerrados.

- Trinta e nove - disse, por fim.

- Estás a brincar?

- Não. Porquê? És mais novo ou mais velho?

- Acertaste. Como adivinhaste? Ela encolheu os ombros.

- Pareces ter trinta e nove.

- Pareço?

Ela sorriu com um sorriso mauzinho.

- Disse-te que ias ficar zangado.

- Não estou zangado-respondeu ele rapidamente. - Por que havia de estar?

Ela levantou-se e roeu as unhas durante um bocado.

- Tenho dezoito anos e sinto-me velha. Por isso compreendo que seja horrível ter a tua idade.

- Levo-te a casa - disse ele abruptamente. A rapariga era uma idiota.

- Não precisas de te incomodar. Ainda não vou para casa. Tenho uns amigos na Strip.

Ela era pior do que as estrelas em decadência.

- Óptimo - disse ele friamente. - Na recepção chamam-te um táxi.

- Adeus - disse ela. - Obrigada pela erva. Charlie telefonou então a Thames Mason.

Ela apareceu em menos de meia hora com o corpo avantajado enfiado num pijama florido. Esmiuçou a carreira durante dez minutos, sugeriu que talvez lhe pudessem aumentar o papel em Freã e despiu-se, revelando um corpo de amazona. Charlie fez amor com ela rápida e desajeitadamente. Mandou-a depois para casa com a promessa de que se iria escrever uma cena só para ela.

Quando ela saiu, sentiu-se mais só do que nunca. Se não fosse ele ter telefonado ela não teria vindo a correr.

Eram todas a mesma merda.

Sunday dirigiu-se directamente para o hotel, logo que saiu do aeroporto. Estava cansada e zangada. Que parva fora em confiar num homem como Steve Magnum. Preocupara-a o facto de ter pensado em casar com ele. Que tipo de relação podia uma mulher esperar de um actor já várias vezes casado? O problema é que não tinha uma vida normal. Chegara a Hollywood deprimida e exausta, fizera dois filmes de seguida e Steve Magnum atirara-se na altura exacta. Despiu-se, mandou vir um hamburger e um batido de leite. Encomendou também os jornais mas ainda não vinha nada sobre ela e Steve. Se não aparecesse até ao dia seguinte teria de telefonar a Carey para saber o que se passara. Encostou-se à janela a admirar a vista. Valeria a pena ir até Roma descobrir a verdade acerca de Benno? Não, claro que não, porque Dindi falara a verdade, e, de qualquer forma, agora que sabia, tudo se encaixava. Na verdade, não parecia que o Paulo tivesse apreciado muito fazer amor com ela, sempre se mostrara distante e às vezes aborrecido. As únicas vezes em que mostrara paixão genuína fora quando a persuadira a pôr-se de joelhos enquanto ele admirava o seu belo corpo em frente ao espelho.

Os dois homens da sua vida, Raf e Paulo nunca lhe tinham dado completa satisfação.

Pensando nisso, começou a excitar-se. Enfiou-se na cama. Conhecia muito bem a frustração. Quando acabasse o caso Steve Magnum começaria a sair como uma rapariga qualquer e arranjaria ligações com quem lhe apetecesse.

Não conseguia dormir. A cabeça não parava. Depois de passar uma hora às voltas na cama tomou dois comprimidos para dormir que lhe tinham sido receitados em Roma após a morte de Paulo. Era a primeira vez que o fazia desde essa altura. Sabendo o que as drogas tinham feito a Paulo, evitava tomá-las, mas precisava desesperadamente de dormir.

Por fim, adormeceu, um sono profundo porque não estava habituada aos comprimidos. Sonhou com Steve. Ele estava na cama com ela, puxando-lhe a camisa de dormir e acariciando-lhe os seios com mãos rudes. Gemeu. Ele penetrava-a com força e ela arfava enquanto enrolava as pernas à volta dele, cravando-lhe as unhas nas costas.

Depois, os nervos pareceram explodir-lhe num climax fantástico. Nada importava excepto chegar ao topo da montanha e quando lá chegou começou a rir e o alívio e a alegria eram incríveis.

Depois abriu os olhos a tempo de ver Claude Hussan sair de cima dela.

Deixou-se ficar imóvel, com a cabeça confusa.

Calmamente ele acendeu um cigarro. Em seguida, passou-lho. Ela apercebeu-se então da realidade. Ele conseguira entrar no quarto e violara-a e ela nem sequer acordara. Ou acordara?

- Que faz aqui? - perguntou em voz baixa, apercebendo-se do ridículo da pergunta. - Como entrou?

- Foi à minha maneira. Limitei-me a responder ao seu convite no avião.

- Que convite? Ele riu-se.

- Minha querida senhora, eu sabia o que você queria, mesmo que você própria não o soubesse.

Ela sentiu-se envergonhada. Era assim tão óbvio que andava com falta de homem?

Sentia-se saciada e satisfeita.

As mãos dele recomeçaram a acariciá-la.

- Se me enganei vou-me embora - disse ele. Ela levantou-se rapidamente.

- Saia daqui.

Ele mexeu-lhe no cabelo e puxou-a para si. Depois, beijou-a longamente.

- É melhor assim - disse. - Agora poderemos ter uma relação decente sem passar por aquela merda de encontros e outras coisas juvenis. Ela gemeu, correspondendo. Que tinha a perder? Era tarde demais para melindres e queixas de violação, e desde o encontro em Acapulco que se sentia atraída por ele.

- Está bem - murmurou, surpreendendo-se a si própria.

- És uma mulher esperta, Sunday - disse Claude, com um ligeiro sotaque francês. - Agora vou fazer amor contigo enquanto estás acordada e amanhã já nos conhecemos.

Quando os detectives de Steve Magnum localizaram Sunday já ela e Claude Hussan se tinham tornado inseparáveis. Steve ficou furioso. Estava convencido de que Sunday fugira dele em Acapulco por causa do realizador francês. Disse a Carey que difundisse o comunicado à imprensa, o que ela fez de imediato e a bisbilhotice e especulação começaram. Steve começou a sair imediatamente com todas as raparigas da cidade. Até deixou de culpar Dindi e saiu também com ela, que se colou como uma sanguessuga, conseguindo ver-se livre das rivais e tornando-se sua companheira constante. Carey discordava das escolhas de Sunday no que respeitava a homens. Claude Hussan tinha a reputação de ser um estupor mau e cínico que tinha muito sucesso com as mulheres. A mulher era lésbica e ele tinha em Paris duas amantes, ambas com filhos seus. Era um realizador brilhante mas de relacionamento difícil e completamente cruel no que respeitava aos sentimentos dos outros. Constava também que tinha preferências por desvios sexuais, principalmente orgias.

Carey abanou a cabeça. Não parecia nada o tipo de Sunday. Desejou que ela, pelo menos, telefonasse.

Não tivera quaisquer notícias e embora lhe deixasse inúmeras mensagens no hotel do Rio não obtivera qualquer resposta.

Marshall disse:

- Não te preocupes. Desde que ela apareça a tempo do próximo filme não temos nada com isso. Ela é tua cliente, mais nada.

- Também é minha amiga - respondeu Carey, continuando a preocupar-se.

Claude Hussan encontrava-se no Rio para entrevistar dois actores que queria para o filme. Como era o seu primeiro filme americano queria que o elenco fosse perfeito.

Deu o script para Sunday ler. Ela ficou entusiasmada. Se ao menos ele a considerasse para o papel feminino.

- Em quem estás a pensar para fazer o papel de Stephanie? perguntou uma noite com ar casual.

- Numa actriz de grande força - respondeu Claude. - Uma mulher como Bancroft ou Woodward. Uma Moreau americana.

Ela ficou em silêncio. Obviamente que ele nem sequer se lembrara dela, embora tivesse a certeza de que era capaz de desempenhar o papel. Stephanie, uma ricaça de Beverly Hills que vive numa grande mansão, com um marido idoso e voyeur. Um dia a casa é assaltada por dois rapazes que fazem amor com Stephanie, obrigando o marido a assistir. Ali permanecem mantendo o casal prisioneiro, até que, gradualmente, a lealdade de Stephania é transferida do marido para os rapazes tornando-se como eles.

- Preciso de regressar a Los Angeles - comentou nessa noite. Tenho que avisar Carey.

- Não te impeço - disse ele, bruscamente. - A nossa combinação é fazermos o que quisermos quando quisermos.

- Mas eu não quero ir. Sabes bem que vou fazer um filme.

- Um filme? Chamas filme àquelas merdas que fazes? Estavam juntos havia duas semanas. Ela sabia que devia estar

apaixonada pois só lhe apetecia estar com ele. Ele era incrivelmente malcriado com toda a gente: criados, recepcionistas de hotel, etc. Tratava-os a todos como se fossem lixo. Tinha uma atitude desdenhosa em relação a toda a gente.

Um dia ela perguntou-lhe:

- Como podes tratar assim as pessoas?

- Se não têm outra ambição que não seja serem criados toda a vida, então não merecem outro tratamento - atirou ele.

Ela sentia-se embaraçada com aquele comportamento. Sorria para as pessoas com quem ele gritava, dava uma gorgeta à empregada que ele pusera fora do quarto, conversava amigavelmente com a ama que fora contratada para tomar conta do miúdo. Jean Pierre era uma criança adorável, embora demasiado calmo para os seus cinco anos. Claude mal parecia dar-se conta da existência dele mas Sunday fazia-lhe muita companhia. Levava-o a brincar para a praia, davam passeios e começou a ensinar-lhe inglês.

Por que razão é que o tens contigo? - perguntou um dia a Claude. - Nunca lhe dás atenção. Onde está a mãe dele?

Ele ignorou-a, um hábito que tinha quando não queria responder a uma pergunta.

Ela suspirou. Ele era impossível, difícil, um homem mimado. Mas era tão bom e tão bonito quando faziam amor que ela fechava os olhos às falhas.

Sabia que não podia fugir mais de Carey. Até ali não lhe telefonara, sabendo que seria criticada, mas teria de o fazer quando chegasse a Los Angeles. Não iria ser assim tão mau. Claude ia para Paris uma semana e depois também seguiria para Los Angeles.

- Trazes o Jean Pierre contigo? - perguntou. - Ou vais deixá-lo em Paris com a mãe?

- A mãe não o quer - respondeu Claude sucintamente. - Costuma ficar com a avó. mas ela está doente, por isso devo ter de ficar com ele.

- Entristece-me muito a maneira como o tratas - disse ela. Não lhe ligas nenhuma. Não gostas dele?

- Ele anda comigo, não anda? Isso deve querer dizer que me

importo, não? - perguntou ele, furioso. - Podia tê-lo deixado, mas trouxe-o.

- Queres que o leve comigo para Los Angeles? perguntou ela impulsivamente. Damo-nos bem. Acho que ele gosta de mim e afinal de contas daqui a uma semana já lá estás.

Ele afastou-se dela. Estavam deitados na cama a descansar, antes de um jantar de negócios.

Ela tocou-lhe delicadamente.

- Por favor, deixa-o vir comigo, Claude. Vai-me fazer bem ter um bocadinho de ti ao pé de mim. vou sentir tanto a tua falta. Podemos telefonar à ama e mandar preparar as coisas dele. Só parto à tarde, ainda temos tempo.

Ele puxou o cobertor para trás e pôs-se de costas.

- Faz amor comigo como eu gosto e, se for bem, logo veremos.

O advogado de Charlie telefonou-lhe para o local das filmagens.

- Ela concordou com o pagamento por inteiro - comunicou. - Os advogados aconselharam-na a pedir uma pensão mas ela resolveu aceitar a oferta.

- A ganância dela venceu - disse Charlie, aliviado. - Eu sabia que isso ia acontecer. Arruma a questão o mais depressa possível.

Desligou satisfeito. O dinheiro que ia pagar valia bem a pena quando era para se ver livre de Dindi.

Dindi também ficou contente. Charlie Brick servira os seus propósitos e ver-se livre dele e ainda por cima recebendo uma boa maquia era mais do que esperara. Tudo lhe estava a correr de feição. All the World loves a Stripper ia bem. Conseguira bastante publicidade e não só do filme. Nas colunas sociais o seu nome era referido como sendo o da rapariga que estava a consolar Steve Magnum após a ruptura do noivado deste. E era verdade, ela estava a consolá-lo. Nada mais o consolava do que uma longa sessão com o chicote. E ela não se importava nada de fazer isso. Na verdade, até gostava e, nas costas dele entretinha-se com um rapazinho loiro que lá ia três vezes por semana fazer a manutenção da piscina.

A maneira como as coisas lhe tinham corrido fora muito conveniente. Sunday atrelada a Claude Hussan e Steve a culpá-lo do comportamento de Sunday. Claro que Dindi sabia que Steve estava com a grande dor de cotovelo mas isso era por não ter chegado a vias de facto com Sunday, confissão que fizera a Dindi numa noite de bebedeira. Secretamente Dindi admirava Sunday. Miss Simmons sabia sem dúvida cativar um homem.

Perguntou-se como se estaria ela a sair com o querido Claude. Uma vez em Roma, Dindi tinha participado numa cena de cama com a mulher, enquanto ele ficara a observar. Nunca falara com ela, limitara-se a pagar-lhe o dinheiro acordado com o agente que a levara até lá. Sunday tinha mesmo tendência para tipos esquisitos.

Quando o filme acabasse, Dindi tencionava visitar Las vegas na companhia de Steve. Ao mesmo tempo poderia conseguir um divórcio rápido de Charlie. Estava tão ansiosa por se ver livre dele como ele dela e se fizesse o jogo bem feito talvez Dindi Brick, nascida Sydne conseguisse tornar-se Mrs. Steve Magnum.

- Ouvi dizer que vão todos àquele festival de rock - disse Charlie a Laurel.

- Vamos - confirmou ela. - Vai ser bestial. Alugámos um autocarro e vamos dormir em tendas. O Floss diz que vai ser uma experiência muito gira. - Ouve lá, por que não vens connosco?

- Não, não vou estragar o grupo.

- Charlie, por favor, vem. Adorávamos que fosses connosco. O Floss ficaria satisfeito.

- Talvez vos siga de carro. Ela fez uma careta.

- Isso assim não teria jeito. Não podes vir connosco no autocarro? O Mick vai, e a Tina, e o Rex, a Janie, a Phillipa...

- Bem, se houver lugar...

- Há, sim. Vamos divertir-nos imenso. Saímos na sexta-feira depois das filmagens.

Ele assentiu. Por que razão não haveria de ir? Fazia parte do grupo, eles aceitavam-no. Além do que queria ver novamente Phillipa para lhe provar que não era tão velho como ela pensava.

Quando acabou o trabalho mandou George conduzi-lo à mais moderna loja psicadélica onde vagueou por entre os ponchos, casacos do exército, t-shirts com inscrições. Por fim, decidiu-se por uma túnica branca indiana e um casaco às franjas parecido com o de Floss.

Cá fora, junto ao Mercedes, George perguntava-se quanto tempo esta fase iria durar.

Charlie resolveu não ir nessa noite a casa de Laurel e Floss, Mandou George levá-lo directamente ao hotel. Tinha lá muitos scripts para ler. Apetecia-lhe descontrair. Tinha lá muitas mensagens de pessoas que pediam para o contactar. Natalie Allen deixara várias vezes o nome durante as últimas semanas e Marshall K. Marshall pedia-lhe que telefonasse o mais rapidamente possível. Foram as únicas chamadas que Charlie se sentiu na obrigação de retribuir.

Primeiro telefonou a Natalie, sentindo-se culpado porque não falara com eles desde que saíra à noite com Clay.

- Então, estranho - perguntou ela. - Que tens feito? Ando a tentar encontrar-te há dias.

- Desculpa, querida - respondeu ele, calorosamente. - Tenho andado tão ocupado com o filme que me tem faltado o tempo.

- Mas não te faltou o tempo para o Clay naquela noite. Apareceu aqui a cambalear às quatro da manhã, a cheirar a álcool. Onde se meteram os dois?

Ele mudou de assunto.

- Por que não me vais visitar às filmagens? Mando o George buscar-te.

- Adorava, mas ando estoirada. Não me apetece sair de casa. Porque não vens cá a casa jantar? Que tal amanhã?

O dia seguinte era quinta-feira e ele queria preparar-se para a viagem de fim-de-semana.

- Não posso.

- Então na sexta ou no sábado. Aproveitas e passas cá o dia.

- Não posso querida. vou para fora.

- Para onde?

- vou... àquele festival de rock. Natalie riu-se.

- Fazer o quê?

Na defensiva, Charlie disse:

- O festival rock ao ar livre. Deve ser óptimo.

- A que propósito tu vais? São só drogados. Vi um documentário na semana passada e era incrível. Têm todos um aspecto de porcos. Não vais gostar.

Como é que ela sabia do que ele gostava ou não? O problema de Natalie é que ela não acompanhava os tempos.

- O Clay está por aí? - perguntou. Ainda a rir, ela disse:

- Só um minuto. vou chamá-lo.

Depois ouviu vagamente uma conversa e mais risos enquanto ela explicava a Clay onde ele ia.

- Então vais com a malta das flores - disse Clay, associando-se à brincadeira. - Vê se me arranjas uma queridinha com treze anos.

- Sim, e não gostavas de ir?

- Gostava. Natalie quer saber se vens jantar no domingo.

- Está óptimo.

- Então, diverte-te. Até domingo.

A seguir Charlie ligou para Marshall K. Marshall.

- Gostava de me encontrar contigo - disse Marshall. - Receio que sejam más notícias.

- Más notícias? O quê?

- Prefiro encontrar-me contigo quanto antes, Charlie, para podermos falar.

- Que é, por amor de Deus? Se há coisa que não suporto é a expectativa.

- Olha, se amanhã estiveres livre para almoçar, vou ter contigo ao estúdio.

- E se fosse agora? Não podem vir agora?

- Não, não posso - atirou Marshall. - Tive um dia duro e vou-me enfiar na cama.

- Posso aparecer aí? Já que é tão importante...

- Não é caso de vida ou de morte. É só uma discussão de negócios que quanto mais cedo tivermos, melhor.

Tal como todos os actores, Charlie não conseguia esperar. Era super-sensível quando se tratava da sua carreira.

- Se não te importas estarei aí daqui a meia hora.

- Está bem. Tu é que és o cliente.

Marshall desligou e olhou para Carey, adormecida a seu lado. Tinha a pele mais bonita que já vira, uma bela cor de leite com chocolate. Acordou-a. Tinham-se metido na cama às cinco horas e já eram quase oito.

Ela acordou, sorridente.

- Nunca estás satisfeito, pois não? És pior do que um colegial de dezanove anos. Se casar contigo dás logo cabo de mim e...

Ele esfregou as mãos amareladas de nicotina nos seios erectos dela.

- Descontrai-te. É que o Charlie Brick vem aí, por isso é melhor ires para casa resolver quando é que vai ser. E tem de ser para a semana. Não quero mais protelações.

Ela sorriu.

- O que eu gosto em ti é que ainda me falas como se eu fosse a secretariazinha que contrataste há muito tempo.

Foi a vez dele sorrir.

- E estás assim tão diferente?

- Agora ando com o patrão. Perdão, o ex-patrão. Trazia um fato azul imitação de Cardin.

- vou ter com a Sunday ao aeroporto e telefono-te quando voltar ao escritório.

Quando ela ia a sair, entrava Charlie Brick. Marshall desceu as escadas, de roupão. Carey beijou-o ternamente e saiu.

- Que rapariga dos diabos - comentou ele.

- É muito atraente - concordou Charlie. Ouvira rumores de que Marshall tencionava casar com ela.

Dirigiram-se para a sala e Charlie aceitou um brande.

- Bem, vamos lá - disse ele, não conseguindo disfarçar o aborrecimento. - Que raio de más notícias são essas?

- Não quis falar ao telefone - disse Marshall. - Nunca se sabe quem está a ouvir e nesta terra as notícias propagam-se com grande rapidez. A verdade é que o teu novo filme foi cancelado.

- O quê?

- Sim, eu sei que é muito chato. Roundabout vai fazer muito dinheiro e ouvi dizer que não podia estar a correr melhor. Mas tu sabes como as coisas estão, toda a gente tem medo. E não há muito dinheiro. Não conseguiram levar a coisa avante, e para falar verdade, o argumento nunca me convenceu muito.

- Mas isso não faz sentido. Ainda não tive nenhum fracasso. Sou uma das dez primeiras estrelas. É ridículo.

- Claro que é ridículo e eles hão-de aperceber-se. Ouve, isso não te vai afectar muito. Acho que devias ficar satisfeito por poderes ficar com algum tempo para ti.

- Não gosto de estar sem trabalhar - respondeu Charlie, tenso.

- Não gosto de ficar parado enquanto outros actores mais novos se lançam para a frente. Arranja-me qualquer coisa para fazer num filme independente de pequeno orçamento. Não me importava de mudar. Até desço o cachet se for alguma coisa que me interesse.

- Ok, Charlie.

- Até posso estar disposto a financiar alguma coisa. Marshall abanou a cabeça com incredulidade.

- Vocês actores são todos iguais. Até pagam para se verem no ecrã.

-Quem é o miúdo? - perguntou Carey, de boca aberta.

Sunday, maravilhosamente bela num vestido amarelo e com o rosto bronzeado, sorriu:

- Jean Pierre, esta é a Carey. Carey, este é o Jean Pierre Hussan? O rapazinho olhou para Carey com ar solene e estendeu a mão.

- Olá -suspirou Carey. - Se o pai se parecer com o filho já percebo por que razão ficaste apanhada.

- O pai é igual - disse Sunday a rir. - Oh, Carey, estou tão feliz.

- Assim parece. Estás com óptimo aspecto. Quero que me contes tudo, mas vamos para o carro antes que algum fotógrafo te descubra. A propósito, porque não quiseste que avisasse a imprensa?

Sunday apontou para o miúdo.

- O Claude não quis. De qualquer modo, só iam fazer-me perguntas estúpidas sobre o Steve Magnum.

- Temos que ir já para as provas. Devias cá estar há duas semanas.

- Lamento, mas tem sido tudo tão maravilhoso que não consegui vir mais cedo.

- Percebo.

Depois das provas seguiram para Chateau Marmornt onde Sunday recolheu as restantes bagagens. Havia lá uma porção de correio que tinha pedido para lhe guardarem.

- Não percebo por que não pediste para to mandarem para Acapulco - disse Carey. - É ridículo. Podia haver algumas coisas importantes.

Sunday abanou a cabeça.

- A única carta que poderia ser remotamente importante seria da minha tia de Inglaterra, mas ela só me escreve duas vezes por ano. Na verdade, nem imagino de quem estas cartas possam ser.

- Nem imaginas de quem se recebe cartas quando se é famoso. Provavelmente de outros agentes que te querem roubar. Sunday riu-se.

- Abro-as em casa. Estou tão entusiasmada. O Jean Pierre vai adorar o mar ali em frente. Não vais, querido?

Abraçou o rapazinho e este sorriu, coisa que começara a aprender. Carey disse:

- Ontem dei uma volta pela casa e está tudo em ordem. Comprei mercearias. Na verdade, não entendo por que é que te queres enfiar em Malibu.

- Não me vou enfiar em Malibu. Vou-me enfiar numa óptima casa com vista para o mar, longe dos mexericos e dos fotógrafos. Acho que o Claude vai adorar.

- O Claude vai viver contigo?

- Espero que sim. Carey, tenho a certeza de que vais gostar dele. Estou ansiosa que os dois se conheçam. vou fazer um churrasco quando ele chegar só para ti e para o Marshall, o Branch, se já estiver de volta, talvez o Max Thorpe.

- Parece um grupo divertido. Porque não convidas a Dindi e o Steve para ser ainda mais engraçado?

- Eles andam juntos?

- É o que corre por aí. Diz-se que se tem esforçado tanto que já nem a consegue pôr de pé.

- És uma tristeza - disse Sunday, mas riu-se e mais uma vez Carey se admirou com a alteração na disposição. bom, mau ou indiferente, Claude Hussan tinha-lhe dado a volta.

Pararam no apartamento de Carey para levarem Limbo e depois dirigiram-se directamente para casa.

- Que maravilha - exclamou Sunday. - Muito melhor do que me lembrava. Por que não pedes um fato de banho emprestado e vamos dar um mergulho? Vamos lá, Jean Pierre, vai mudar de roupa.

Abriu a mala e atirou-lhe uns calções. Limbo andava aos saltinhos doido de alegria.

- Não posso ficar - disse Carey, cheia de pena. - Gostava muito, mas tenho estado fora do escritório todo o dia e há coisas para fazer. A tua conferência de imprensa é amanhã, às duas horas. Mando um carro buscar-te. E é boa idéia não trazeres a criança. A criada vem às dez, pode ficar com ele. Há algumas propostas interessantes que gostava de discutir contigo, por isso pensei em jantarmos em casa do Marshall amanhã à noite.

- Quero saber isso. Vai haver casamento?

- Ouve, miúda, tenho de ir. Telefono-te mais logo. Na cozinha tens uma lista com números de telefone para o caso de precisares de alguma coisa e também me podes ligar.

- Não vamos precisar de nada. Damos um mergulho, comemos qualquer coisa e, cama.

O mar estava tépido, atirando ondas enormes que derrubavam Jean Pierre e punham Limbo a andar em círculo. Sunday pôs o rapazinho às cavalitas e avançou pelo mar.

Mais tarde, depois da criança estar na cama, desfez as malas, deu de comer a Limbo e pôs-se a explorar a casa. Carey telefonou e tiveram uma pequena conversa. Claude não telefonou embora tivesse prometido fazê-lo. Perguntou-se se ele gostaria da casa; era num sítio calmo onde se poderia descontrair. Estava tão envolvido no trabalho sempre a fazer planos e a pensar, e ocupado com reuniões.

Achava que isso era bom. Um homem devia dedicar-se ao seu trabalho. Não se importava de não voltar a trabalhar. Se as coisas corressem bem com Claude talvez largasse tudo. Bastar-lhe-ia estar com ele, ter filhos dele, muitos, todos parecidos com Jean Pierre. Suspirou. Era um sonho. Ele ainda estava casado e mesmo que não estivesse, não era do tipo de casar. Bem, também não se importava. Podiam viver juntos. Não o ia amarrar.

E, afinal de contas, o que era a carreira dela? Ninguém queria saber dela como actriz, como pessoa. Só queriam saber de lhe ver as mamas e as pernas e tudo o resto. Mesmo que se tornasse uma estrela seria isso que continuaria a interessar.

Sentou-se e começou a abrir o correio. Carey tinha razão. Duas cartas de agentes a oferecerem os seus serviços, circulares sobre automóveis, televisão e equipamento doméstico, uma carta da tia com recortes da imprensa inglesa e queixas acerca da falta de roupa nas fotografias. E três envelopes volumosos escritos com a mesma caligrafia rude. Examinou o carimbo dos correios e abriu a primeira. Um pequeno saco de plástico caiu.

"Sunday... quando é que... "

- Oh, meu Deus - gemeu. Estava cheio de obscenidades sobre O que o autor das missivas gostaria de fazer com ela e dizia que faria em breve. Leu-a rapidamente. Era obscena. Rasgou-a.

As outras duas eram iguais, produto de uma mente doente.

Era muito deprimente, e, por o homem dizer que em breve estariam juntos, também assustadora. Sentiu-se satisfeita por o homem não conhecer agora o seu paradeiro, quanto muito, sabia o hotel onde estivera. Tomada de pânico ligou para o Chateau e ordenou que não dessem a morada a ninguém.

Não era caso para preocupação. Carey dissera que todas as actrizes recebiam cartas daquelas.

Foi-se deitar mal disposta e ansiosa pela claridade da manhã.

Era o terceiro duche que Herbert tomava. A água escorria, quente, pelo seu corpo sem pelos. Tinha os olhos fechados enquanto recordava o que apanhara a puta da mulher a fazer. De pernas abertas, na casa ao lado. Claro que da janela onde tinha espreitado não vira tudo, mas percebera bem o que se passara. Ainda bem que não dissera a Marge que tinha sido despedido da Supreme Chauffeur. Assim podia espiá-la à vontade. Assim podia fazer o que muito bem lhe apetecesse pois ficava com os dias livres.

Como estivera a trabalhar nos turnos da noite, saía da casa à hora habitual. Depois, passava a noite no cinema onde exibiam o filme de Jack Milan com Sunday Simmons, ou então ia a um bar de strip-tease onde observava o espectáculo com os seus olhinhos frios. Sabia quando Marge tencionava sair. Tornava-se nervosa, sempre à volta dele, tentando fazê-lo sair. Ele fazia-lhe a vontade, mas depois regressava e observava-a da janela.

O dinheiro começava a escassear. Tinha de arranjar rapidamente outro emprego. Não estava preocupado porque muito antes de ser despedido tivera o cuidado de roubar algum papel timbrado da Companhia e escrevera umas quantas cartas com boas referências. Quando arranjasse emprego deixaria Marge. Por que razão havia de alimentar uma puta daquelas?

Mas primeiro ia levantar as poupanças dela e comprar o carro. Fá-la-ia assinar um papel dando-lhe acesso ao dinheiro, ou então falsificar-lhe-ia a assinatura. Não era difícil.

- Vais ficar aí todo o dia? -perguntou Marge, da porta. Passava a vida a resmungar e a fazer-lhe perguntas sobre assaltos a bancos e mulheres a serem violadas. Ainda nessa manhã lhe perguntara:

- Herbie, não é difícil violar uma mulher?

- Só pensas em sexo - respondeu ele, aborrecido.

- Não há nada de mal nisso, pois não? Ainda me lembro de quando ficavas de língua de fora só de me veres lá no bar com as mamas de fora. Adoravas.

- Mas agora já não gosto. És uma vaca gorda. Não tens vergonha do teu corpo?

Marge bateu com força na porta do quarto de banho.

- Mijo-me toda se não me deixas entrar. Relutantemente, ele saiu do chuveiro, e, tapando-se com uma toalha, abriu a porta.

Ela atirou-se lá para dentro e assentou as coxas gordas na retrete.

- Ouve lá, Herbie, lembras-te daquele assassínio lá em Millce Drive? Uma miúda? Que se passa?

Ele ficara branco. A toalha caiu-lhe e ficou a olhar para ela com incredulidade. Ela sabia. A cabra sabia!

com uma sensação de triunfo, Marge apercebeu-se que tinha acertado. Louella tinha razão! O plano dera resultado. Valera a pena andar a ler os jornais e ter fixado o nome dos bancos, das ruas e das vítimas.

- Que sabes tu? - perguntou ele, com rudeza.

- O suficiente - respondeu ela, lembrando-se do conselho de Louella para manter a calma.

- O suficiente para te pôr atrás das grades durante o resto da vida.

Acrescentou a última frase por impulso, soava-lhe bem. Lana Turner dissera-a no filme da noite, dois dias antes, e o tipo a quem o dissera enterrara a cabeça entre as mãos e pedira misericórdia.

Herbert não fez nada disto. Deixou-se ali ficar, em pêlo, mordendo o lábio superior, e semicerrando os olhos maldosos. Marge sentiu-se satisfeita. Em todos aqueles anos de casamento ele tratara-a como se fosse uma peça de mobiliário, sempre a dar ordens e chegara a bater-lhe. Nem admirava que se tivesse deixado engordar. Antes de conhecer Louella, e durante anos, só saía de casa para ir às compras. E deixara de haver sexo quando perdera a criança. Não que Herbert fosse grande coisa. Entrava e saía como um coelho e corria logo para o duche, mas era melhor do que nada. Mais tarde Marge começara a acumular esses sentimentos contra ele, principalmente quando descobrira as cartas sujas que ele escrevia às estrelas de cinema. No entanto, as cartas tinham ajudado. Levara-as para a cama e imaginara que era Herbert quem falava com ela. Herbert raciocinava rapidamente. Como é que aquela cabra tinha descoberto? Falaria ele durante o sono? Como é que descobrira? E, mais importante do que isso, que pretendia ela?

- Que vais fazer? - perguntou ele, agarrando na toalha e colocando-a à volta do corpo, tentando manter-se frio e não esbofetear aquela cabra pois podia dar-se o caso de ela ter dito a alguém. Se calhar tinha feito confidencias àquela vizinha tenebrosa ou a um dos homens com quem participava em orgias.

- Não te preocupes - disse Marge, metendo-se em cima da retrete. - Por que razão ia fazer alguma coisa? És meu marido, não és? Marido e mulher devem manter-se unidos.

Impulsivamente abraçou-o, contorcendo-se contra ele. Horrorizado ele percebeu o que ela pretendia.

- Pois, és meu marido e eu tua mulher, por isso mesmo se eu quisesse ir à polícia não estaria certo, pois não?

Despiu subitamente o vestido de algodão barato, puxando-o impacientemente sobre a cabeça. Depois libertou os seios de mamute do soutien cor-de-rosa e abanou-os à frente dele.

- Acho que devíamos fazer algumas das coisas que os casais habitualmente fazem, não concordas? Acho que ia ser divertido.

Agarrou na toalha que ele tinha à volta do corpo.

Ele deixou-se ficar quieto. Se fizesse alguma coisa com ela podia apanhar alguma doença. Vira-a com os outros homens, devia estar cheia de micróbios.

Mas ela não devia querer que ele fizesse aquilo. Queria algo mais íntimo, algo que tentara que ele fizesse quando tinham casado mas que ele sempre recusara. Agora não podia recusar. Nauseado, meteu-se ao trabalho.

Mais tarde, depois de Marge sair, sorridente, triunfante e por lavar, Herbert escreveu a Sunday Simmons, deitando cá para fora todos os desejos e necessidades, e descarregou a sua frustração para um saco de plástico. Ela era tudo o que lhe restava, a única coisa boa. Saiu, meteu a carta no correio e depois foi ao cinema ver o filme de Jack Milan, e lá passou o resto do dia vendo-o quatro vezes. Saiu depois de ter passado a mão nas pernas de uma mulher respeitável. Antes que ela tivesse tempo de se queixar retirou-se.

Comprou um jornal e sentou-se num café a ver os anúncios de emprego. Sublinhou vários possíveis. No dia seguinte tinha de arranjar trabalho. Não tinha dinheiro e agora que Marge sabia, não podia largá-la pois ela iria logo à polícia.

Apercebeu-se que a única solução era livrar-se de Marge, rapidamente e de uma vez por todas.

Precisava de planificação mas era possível.

- Nunca me passaria pela cabeça que esta era a tua cena - disse Lady Phillipa. Seguia sentada ao lado de Charlie, no autocarro, o cabelo crespo espetado à volta do rosto por maquilhar. Trazia um vestido comprido às flores e estava descalça.

- Porque não? - perguntou Charlie, servindo-se do grupo com aquelas roupas.

- Bem, tu estás metido no mundo do espectáculo, não estás? Grandes automóveis e casas. Rodeado de riquezas. As possessões são o teu fraco não são? Se calhar também usas as mulheres como se fossem tua propriedade. Diz-me, uma mulher é para ti um objecto sexual, não é?

- Não, não é - respondeu ele secamente.

Aquela rapariga tinha o condão de o enfurecer. - E as possessões não são o meu fraco, como tu dizes. Nem sequer tenho uma casa minha.

- Que pena - disse ela, rindo. - Nem uma casinha tua. Mas que pena.

- Há alguma coisa em mim que te desagrada? - perguntou ele, crispado.

- Nada de pessoal. Só tu, em geral. Quer dizer, tu fazes parte do sistema. És um deles, não um de nós. Por que andas atrás de mim?

- Não ando atrás de vocês. Participo de uma viagem com Laurel e Floss e os outros. Por que razão isso te incomoda?

- Porque tu pertences a uma geração diferente. És da cena da minha mãe. Não pertences aqui.

Aquela conversa de gerações magoou Charlie. Olhou pela janela e desejou não ter vindo.

Passado um bocado, Phillipa disse:

- Fazia-me bem dar umas passas. Tens alguma coisa?

- Ah, mas para te arranjar erva já sirvo, não é?

- Sim. Se quiseres pago-te indo para a cama contigo.

- É a segunda vez que me ofereces sexo. Não tens dinheiro? Ela corou.

- Já te disse que não gosto muito de sexo e o dinheiro é importante para mim. Por isso ofereci-te a menos importante.

- Óptimo.

Afinal talvez estivesse melhor com alguma mamalhuda estúpida.

- A propósito, nem sequer conheço a tua mãe.

- Nem tens que a conhecer. Fazes parte do grande mundo do espectáculo, não fazes?

- E a Laurel e o Floss também - comentou ele com voz branda.

- Esses são diferentes.

Retirou um charro e perguntou-se se não faria mal fumar no autocarro. Não lhe apetecia muito mas queria fazer companhia a Phillipa.

Imediatamente Floss aproximou-se dele, furioso:

- Estás doido? Se os chuis nos mandam parar não há viagem para ninguém.

- Desculpa - disse Charlie, apagando rapidamente o cigarro. Phillipa riu-se.

- Estão todos muito nervosos. Quer-se curtir e acham isso mal.

- Concordo contigo.

- Sim, mas o resto deste grupo neurótico, não concorda. Lá começava ela outra vez com aquela conversa da idade.

- Não gostam de ver os jovens curtir. Detestam pensar que fazemos o que queremos, e que temos sexo sem nos sentirmos culpados por isso.

- Tu sentes-te culpada em relação ao sexo.

- Isso é que não.

- Sim, sentes. De outra maneira gostavas de ter relações. Pacientemente ela explicou.

- Não aprecio o sexo porque não consigo ter orgasmo. Sou assim.

- Como podes ter a certeza?

- Sei. Vá, agora diz-me que és o único homem que pode levar-me a um clímax maravilhoso.

- Talvez consiga.

Ele começou a sentir-se ligeiramente excitado. Talvez conseguisse. Ela riu-se com desdém.

- Sabes quantos velhos já me disseram isso?

- com quantos homens velhos já estiveste?

- Quatro... bem, cinco se contarmos com o meu padrasto, e esse era horrível. E é interessante que ele me disse que a minha mãe tambem não consegue ter orgasmo. E esta? E já foi casada duas vezes e teve inúmeros namorados.

- E eu que pensei que eras uma rapariga moderna. Mas és encantadoramente antiquada, apesar de te teres metido com o teu padrasto. Não podia ter sido com o teu pai?

Ela encolheu os ombros.

- Não me interessa que acredites ou não. Já passei a fase de me preocupar com o que os outros pensam.

Ele perguntou-se quanto tempo levaria George a ir ali buscá-lo. Lady Phillipa Longmead era uma adolescente mimada e não o que ele precisava.

Laurel aproximou-se.

- Não é divertido? - perguntou de rosto corado. - Só faltam mais três horas e depois espera-nos uma noite maravilhosa sob as estrelas. Charlie, estou tão satisfeita por teres vindo connosco. Lembráste-te de trazer o saco-cama?

- Não me disseste que era preciso.

- Não? Às vezes sou muito esquecida. Philly, achas que o Charlie cabe no teu?

- Acho que de qualquer modo era isso que ele estava a pensar - Laurell sorriu.

- Adoro-vos. A sério.

Tocou-lhes nos ombros como se fosse uma curandeira e afastou-se.

- Andámos juntas no colégio na Suíça - comentou Phillipa. Aprendemos a falar francês, a cozinhar e a masturbar-nos.

- E que fazes agora? - perguntou Charlie.

- Ando por aí. Deveria estudar design mas na verdade estou a descansar do aborto que fiz. Não preciso de fazer nada. Tenho muito dinheiro, acções e coisas assim. Quando voltar para Londres vou comprar uma casa perto de Hampstead ou talvez no campo e formo uma comuna. As pessoas serão livres de sair e entrar quando quiserem. Nada de regras, mas sim uma vida simples.

- E és tu que vais pagar as compras?

- Por que não? Tenho dinheiro. Por que não hei-de empregá-lo com as outras pessoas? E tu que fazes com o teu dinheiro?

- Pago impostos, sustento os meus filhos e pago contas. Às vezes compro um carro ou uma máquina de filmar ou qualquer coisa que me agrade.

- Incluindo uma mulher.

- Para quem não está interessado em sexo, esse parece ser o teu único tema de conversa.

- A minha mãe também não entende. É como tu, sempre a tentar armar-se em esperta. Mandou-me a um analista. Vais ver um homem daqueles e ele manda-te despir a roupa e deitar no sofá. Tem que vir tudo cá para fora. Ele diz que assim pode ver no corpo os locais de tensão. E esta? Teve um choque quando me viu, está habituado às

ricaças de Beverly Hills com grandes mamas e pernas sexy. Comigo teve uma desilusão. Não pôde apreciar o panorama. Charlie riu-se. Estava a imaginar a cena.

- Por que razão vais?

- Porque a minha mãe é quem controla os dinheiros. Só recebo quando fizer vinte e um anos, e até lá ela vai-me dando aquilo que acha necessário. Na verdade, ela não pode comigo, nem eu com ela. Gostavas de a conhecer? Ela ia adorar.

- Estás a convidar-me? Ela bocejou.

- Não estás já farta de rnim? Geralmente as pessoas fartam-se rapidamente.

bom, aquela era mesmo diferente.

O festival ia decorrer nos campos de uma velha quinta. Hectares e hectares de campos verdes a fervilhar de jovens visitantes que chegavam constantemente.

Era um espectáculo digno de nota. Chegavam a pé, de carro, de motorizada, de autocarro e de comboio. Uma procissão colorida. Algumas das raparigas traziam bebês e muitas crianças acompanhavam os mais crescidos. Quase todos tinham cabelos compridos e vestes floridas. As pessoas normalmente vestidas eram olhadas com desconfiança.

Viam-se alguns polícias, aos pares, com ar soturno dentro dos seus uniformes escuros.

Começava a escurecer. Laurel e Floss, com o seu grupo penetraram pela multidão tentando arranjar um local para passar a noite. Por todo o lado havia quiosques de cachorros, hamburgers e gelados. Montavam-se tendas. Algumas pessoas preparavam-se para dormir sobre cobertores.

Phillipa caminhava em silêncio ao lado de Charlie que transportava o pesado saco-cama. Não era bem assim que tinha imaginado. Laurel falara em tendas e ele pensara que estava tudo tratado. Imaginara tendas luxuosamente armadas numa colina sobranceira, e não sacos-cama colocados no chão.

Estava cansado devido ao dia que passara no estúdio, à longa viagem de autocarro e àquela caminhada. Também estava cheio de fome e ansioso por mijar. Uma rapariga de olhar sonhador estava sentada na relva a dar de mamar a um bebê. Dois adolescentes reconheceram Floss e puseram-se a girar à volta dele. Um grupo de rapazes com blusões de cabedal e cabelo com gel passou por eles. Por todo o lado pairava o cheiro agridoce de marijuana.

Laurel e Floss encontraram finalmente um local onde poisar e Laurel perguntou a todos eles:

- Este sítio está bem? Tens a certeza? Phillipa disse para Charlie:

- Tenho de ir à retrete.

Por fim, um interesse comum. Foram os dois procurar os quartos de banho improvisados que Floss assegurou não ficarem muito longe. Na verdade, caminharam durante dez minutos até os encontrarem e quando lá chegaram já era escuro, o que fez com que Charlie se perguntasse como iriam dar com o caminho.

- Espera por mim cá fora - ordenou a Phillipa. Ela sorriu, o que era raro.

- Sabes, nem és mau de todo. Não estou a ver a minha mãe a fazer isto.

Óptimo, pensou ele. Devia era ter-me atirado à mãe.

No quarto de banho mal cheiroso um rapaz barbudo com um cinto atado ao braço injectava-se. Dois tipos também barbudos observavam. Charlie saiu o mais depressa que pode.

Phillipa demorou mais e saiu agitada.

- Nem calculas a cena que vai lá dentro -comentou. - Duas tipas da polícia a revistarem toda a gente à procura de ácido, ou erva, ou lá o que é. Que lata!

Charlie ficou satisfeito por não se lhe terem dirigido. Já imaginava os cabeçalhos dos jornais, "Actor apanhado com maríjuana num festival rock".

- Nunca mais vamos encontrar o caminho - queixou-se ela.

Ele agarrou-lhe na mão e conduziu-a por entre a multidão. Sempre tivera um bom sentido de orientação.

Que diria ela se sugerisse que cavassem dali e fossem para casa? Começou a chover, uma chuva miúda e morna que mal se notava.

- Tenho fome - gemeu ela.

Charlie perguntou-se como seria dormir à chuva dentro de um saco-cama. Parou e comprou dois cachorros quentes, terríveis para a dieta, e continuaram a procurar o grupo.

Estão ali - gritou Phillipa, por fim. - Lá está a Janie e o Rex. Eh, onde param os outros?

Janie, uma rapariga gorda vestida a cigana disse:

- Foram todos embora. Não gostaram da cena. Andam para aí os chuis com cães enormes. Não se pode curtir à vontade.

- Para onde foram? - perguntou Charlie, furioso por o terem deixado para trás.

- Para uma festa de um dos grupos de rock. Voltam amanhã para o espectáculo. Nós ficámos a guardar o lugar. E se me desses um bocado do teu cachorro?

- A Laurel e o Floss não deixaram nenhum recado para nós? - perguntou Charlie, furioso.

Janie abanou a cabeça.

- Acho que não.

- Anda daí.

Atirou os restos do cachorro à rapariga e agarrou no braço de Phillipa. - Vamos cavar daqui.

A conferência de imprensa de Sunday decorreu calmamente. Ela respondeu às perguntas sobre o caso de Steve Magnum com tacto e simpatia.

Carey decidira que a melhor maneira de apresentar Sunday à imprensa era fazê-lo durante um cocktail onde ela poderia circular livremente entre os repórteres. Era assunto quente. À custa do filme de Jack Milan estava a receber inúmeras cartas de admiradoras.

Carey teve várias ofertas. Fora combinado não assinar nada. Agora podia escolher.

- E sobre você e Claude Hussan? - perguntou uma colunista atenta.

Sunday sorriu. Queria dizer "estamos apaixonados e esperamos ficar juntos para sempre", mas Carey avisara-a para não dizer nada além de que eram bons amigos.

- Somos apenas amigos - limitou-se a dizer.

- Mas você esteve na América do Sul com ele e com o filho, não esteve? -insistiu a rapariga.

- Bem, sim.

Sunday ficou surpreendida. Não era suposto saber-se aquilo.

- É verdade que ele se está a divorciar da mulher?

- Não sei. Está?

- Acho que se alguém sabe será você.

O tom de voz da rapariga era sarcástico. Não gostava da actriz. Ela própria o fora e não tivera sucesso.

- Desculpe-me - disse Sunday educadamente. - Estão à minha espera para uma fotografia.

- Mais uma pergunta antes de ir. Seria capaz de amar um homem como Claude Hussan? Não será mais um Steve Magnum com um sotaque francês?

Sunday piscou os olhos.

- Agora vão-me desculpar.

E afastou-se.

Mais tarde foi o jantar em casa de Marshall, só para os três onde discutiram as diversas ofertas.

- Não quero tomar decisões antes de falar com Claude - declarou Sunday.

Carey encolheu os ombros.

- Óptimo. Mas a minha opinião é que devíamos aceitar o novo filme de Milan. Afinal, é um bom papel e um óptimo argumento. E a seguir agarrávamos o filme de Constable que é um óptimo realizador.

Sunday assentiu. Nenhuma das propostas a entusiasmava particularmente. Todas lhe prometiam um óptimo papel, e o dinheiro era bom, mas seria demais desejar que o papel requeresse alguma capacidade de representação?

- Sabes que a indústria se encontra num estado lastimável disse Marshall. - Está difícil para todos. Tu pareces estar na berra. Aproveita, querida enquanto podes.

Sunday levantou-se para se retirar.

- Não te esqueças das provas e dos testes de maquilhagem amanhã às dez - lembrou-lhe Carey. - Um carro vai-te buscar às nove. A propósito, quando chega o Claude?

- No fim-de-semana. Devia ter-me telefonado mas deve estar muito ocupado. Trabalha tanto que às vezes se esquece de comer.

Carey e Marshall trocaram olhares.

No dia seguinte, uma cotada coluna de mexericos dizia "Sunday simons é a nova bela deusa do sexo da nossa cidade. Estive com ela ontem à noite e ela disse-me em confidencia, batendo as pestanas postiças e abanando a cabeleira ruiva que para ela, Claude Hussan, com quem se lhe atribuiu uma ligação, não passa de outro Steve Magnum com sotaque francês. O nosso Steve, como devem estar lembrados, foi namorado recente de Miss Simmons. Esta encantadora rapariga com corpo de Raquel Welch e conversa de Rato Mickey vê longe".

Sunday ficou perturbada. E se Claude lesse aquilo? Fazia-a parecer uma idiota de cabeça oca.

Descarregou a fúria sobre Carey.

-A cabaram-se as conferências de imprensa. Não me interessa que o meu nome apareça nas colunas de mexericos. Não volto a falar com estas cabras frustradas.

- Óptimo - acalmou-a Carey. - Mas não são todas assim. Não é assim tão mau. As pessoas lembram-se de que viram o teu nome não do que foi dito.

- Isso é o que tu pensas - retorquiu Sunday. - Eu cá lembro-me sempre do que leio, e como achas que o Claude se vai sentir?

- O Claude nem sequer vai ver a não ser que lhe mostres.

Nessa noite Sunday jantou com Branch. Ele levou-a ao seu restaurante macrobiótico preferido. Max Thorpe apareceu para tomar café, anafado e de rosto corado, com o cabelo pintado de loiro. Cumprimentou calorosamente Sunday e sentou-se.

- Eu disse-te que depois passávamos lá por casa - comentou Branch.

- Eu sei, eu sei, mas estou morto por ver a bela Sunday Simmons - retorquiu Max.

Os seus olhos aguados percorreram a sala e depois fixaram-se em Branch.

- Não te importas, pois não? Carrancudo, Branch abanou a cabeça.

- Ele vai tão bem - disse Max, dando uma palmadinha na mão de Sunday.

- Sim, eu sei - respondeu ela, sorrindo. - Acho que a série de televisão o vai ajudar muito.

- Ele não te disse que se vai mudar para a minha casa? Não fazia sentido estar a pagar um dinheirão num hotel quando eu tenho uma casa tão grande.

Max passou a mão para a de Branch onde a deixou ficar.

- Às vezes, sinto-me só, vai saber bem ter companhia. Branch olhou para Sunday com ar infeliz, e simulou um bocejo.

- Desculpem lá mas são horas de me ir embora. Amanhã tenho de me levantar cedo.

- Não me agrada que vás para casa sozinha - murmurou Branch.

- Esta casa está cheia de tarados.

- Não sejas pateta. Tenho um Ford alugado, com o depósito

cheio, e vou trancar as portas e janelas.

Branch resmungou e pediu a conta que Max pagou. Dirigiram-se todos para o parque de estacionamento onde Branch seguiu no Rolh Royce de Max e Sunday no Ford azul claro. Conduziu velozmente, mantendo-se na faixa do meio, sem olhar à volta quando ficava retida nalgum sinal vermelho. Quando se olha para os lados, apanha-se invariavelmente o olhar de um homem que poderia ver aquilo como um Convite. Los Angeles era uma cidade onde as mulheres, principalmente as mulheres com o aspecto de Sunday, raramente andavam sozinhas de noite.

Claude não telefonara e ela estava preocupada. Nem sequer sabia quando ele chegava. Pensou em Branch e Max, Carey e Marshall.

Não reparou no velho Buick cinzento que. a seguia, com a matrícula tapada por uma camada de lama e o motorista oculto sob óculos escuros. Estava demasiado ocupada a pensar e não reparou em nada. Nem mesmo quando meteu pela solitária estrada da praia.

- Há quanto tempo cá estás? - perguntou Natalie, ocultando

o desagrado em relação à rapariga magricela e descalça que Charlie

levara para jantar.

Phillipa bocejou ostensivamente sem tapar a boca com a mão.

-Há muito tempo - respondeu com o seu sotaque do norte.

Fizera Charlíe prometer não divulgar a sua identidade até depois de Jantar. Queria provar-lhe que as pessoas mudavam de atitude quando sabiam quem ela era.

Natalie comeu mais um bocado de cocktail de camarão. Quem pensava aquela parva que era? Algum engate que foi feito naquela coisa de hippies onde Charlie estivera.

- Gosto da tua roupa - comentou Clay. - Muito fora do vulgar.

- Muito obrigada - disse Phillipa, concedendo-lhe um sorriso.

- Comprei-o em segunda mão numa espelunca de Portobello Road.

Trazia um vestido transparente com adereços de renda e aberto no peito. Os seus seios pequenos só se viam quando se servia de vinho.

Clay observava fascinado.

- Como foi o concerto? - perguntou Natalie. - Vimos nas notícias que uma rapariga teve lá o bebê.

Bateu com ar protector na sua barriga ainda pequena.

- Deve ter sido terrível.

- Pior ainda para quem estava a ver - disse Phillipa, retirando um camarão da boca e examinando-o antes de o colocar no prato.

- Passa-se alguma coisa? - perguntou Natalie, quando a rapariga fez aquilo pela segunda vez.

- Acho que não estão bons - respondeu Phillipa.

Todos pararam de comer e Natalie ficou furiosa. Se havia coisa que não suportava era ver comida desperdiçada.

- Não podem estar estragados - disse, rapidamente. - Fui comprá-los hoje de manhã ao mercado.

Clay afastou o prato.

- Não vale a pena correr o risco, querida.

Os olhos de Natalie encheram-se de lágrimas de fúria.

- Que há a seguir? -perguntou Clay.

- Carne assada - respondeu Natalie.

- Eh, pessoal - disse Clay. - Estejam descansados. Nós não vos vvamos dar carne estragada.

E desatou a rir.

- Não tem graça nenhuma - disse Natalie batendo com os pratos enquanto saía da sala.

- Não sei o que se passa com ela - comentou Clay. - Anda mais sensível ultimamente.

- Está grávida - disse Charlie, calmamente. - As mulheres ficam mais sensíveis quando estão grávidas.

Durante um breve momento lembrou-se de Lorna grávida dos filhos. Fora a época mais feliz da sua vida. Ela mostrara-se afectuosa e bem disposta. As mulheres são belíssimas quando estão grávidas. Foi ter com Natalie à cozinha.

Phillipa pôs-se a roer uma unha e Clay encheu-lhe o copo com vinho.

- Onde é que tu e o velho Charlie se conheceram? - perguntou.

- Numa orgia - respondeu Phillipa, continuando a roer a unha. Depois do jantar foram para o pátio tomar café. Natalie estava

calma e feliz. Charlie fora particularmente meigo com ela, E aquela inacreditável amiga dele remetera-se ao silêncio.

Parecia não valer a pena dizer aos Allen que Phillipa era na verdade Lady Phillipa Longmead. Charlie tinha a certeza que para ela não fazia qualquer diferença.

- Hoje contratei um motorista - disse Clay. - Um tipo calmo e simpático para levar Natalie a dar umas voltas. O médico diz que Já não pode guiar por causa das costas.

- Acho que me devias ter deixado falar com ele - disse Natalie.

- Afinal, é comigo que ele vai andar.

- Estavas a dormir, querida. De qualquer modo tive muita sorte. Está aqui amanhã às dez. Chama-se Herbert Lincoln Jefferson.

Ficaram sentados no Lamborghini em frente à casa dos pais de Phillipa.

- Os teus amigos não gostaram de mim e eu não me ralo disse ela.

- Bem, também não foste propriamente um modelo de educação, pois não? Dizeres a Natalie que os camarões estavam estragados. Devias ter ficado calada.

- Porquê?

- Porque teria sido muito mais educado.

- Oh, Charlie, o mal dessa vossa estúpida geração é que estão tão preocupados a ser bem educados que não enxergam um palmo à frente do nariz. Guerra e violência, pessoas a morrerem à fome, miúdos mandados para a guerra e a ficarem estropiados e que depois são atirados para um hospital onde ficam a apodrecer.

- Não estou para ouvir os teus discursos. Sei muito bem o que se passa. Também não gosto, mas é a vida e temos que a aceitar.

- Aceitar? - respondeu ela, sarcasticamente. - É isso mesmo que não vamos fazer.

Saiu do carro e dirigiu-se para casa sem sequer olhar para trás.

Charlie ficou imóvel, a vê-la desaparecer. Era uma rapariga estranha. Fazia-o sentir-se culpado. Fazia-o sentir a inutilidade da sua vida. Bem, pelo menos ela podia abrir a boca e falar. Era lúcida e isso já constituía uma qualidade.

Pôs o carro a trabalhar, e, sentindo-se deprimido, seguiu para o hotel.

Charlie e Laurel mal se falavam. Ele não conseguia esquecer a fúria pela forma como ela e Floss tinham desaparecido durante o festival rock. Nenhum deles mencionou o assunto mas formara-se uma barreira de frieza entre eles. Charlie deixou de lá ir a casa. De qualquer modo estava ocupado a ler argumentos, à procura de qualquer coisa para meter no buraco deixado pelo filme que fora cancelado. Não tinha motivos para regressar a Inglaterra antes do fim do ano.

Continuava a ver Phillipa. Ela aparecia no hotel quase todas as noites e ficava sentada enquanto ele lia. Às vezes lia-lhe os scripts. Fazia comentários surpreendentemente brilhantes e à medida que a foi conhecendo melhor, ela começou a descontrair-se e revelou-se muito mais simpática e boa companhia. Continuava a ser uma relação puramente platônica e como ela não o atraía fisicamente, não forçou nada Claro que toda a gente pensava que andavam metidos um com o outro. À parte um amigo que aparecia de vez em quando, não viam mais ninguém. Um dia Phillipa disse:

- A minha mãe vai dar uma festa. Quer que te leve. Charlie olhou-a surpreendido.

- Pensei que detestavas festas.

- E detesto. Mas ela chateou-me tanto com esta que tive um momento de fraqueza e disse sim.

- Não sabia que tinhas momentos de fraqueza. Ela corou.

- É amanhã às oito. Vens?

- Se fazes questão...

A mãe de Phillipa, Jane andava na casa dos quarenta. Era alta. magra, com uma beleza tipicamente inglesa. Não-se parecia nada com a filha. Trazia um vestido comprido encarnado e duas pulseiras de diamantes em cada pulso. Tinha o cabelo amarrado atrás, e contrastando com o marido, era o expoente do bom gosto.

Sol, o marido, atarracado e barrigudo, com um charuto obcessivamente pendente dos lábios não fazia concessão alguma ao facto de estarem a dar uma festa. Vestia uma camisa de praia e umas calças largueironas. Jane estendeu uma mão elegante e disse:

- Estou encantada por o conhecer, Mr. Brick. A Phillipa passa a vida a falar em si.

Sol passou o charuto para o canto da boca e disse, com sotaque d Brooklyn:

- Ei, Charlie, meu filho, diz lá o que vais beber.

Phillipa não se via por ali. Charlie instalou-se no bar a falar com Angela Carter e o seu acompanhante.

Passou uma hora até Phillipa aparecer. Charlie mal a reconheceu - O cabelo habitualmente solto estava apanhado e em vez dos vestidos mal feitos trazia um vestido branco vitoriano e sapatos! O rosto, com pequena camada de maquilhagem que aplicara, estava menos interessante mas mais atraente.

- Estás óptima - disse ele, sorrindo.

- Achas?

De repente ela pareceu uma adolescente tímida e não a hípie Independente a que ele estava habituado.

A mãe levou as mãos ao rosto, horrorizada.

- Phillipa, que trazes vestido? Francamente, Mr. Brick. Não sei que hei-de fazer com esta rapariga, anda sempre horrível.

Pelo rosto de Phillipa passou um esgar magoado. Descalçou-se com ar desafiador.

- Desculpa, Jane. Sei que detestas o cheiro dos meus pés, mas é muito mais saudável.

Jane sorriu.

- É muito novinha, mas vai aprender, não acha? Estava cada uma do seu lado: Phillipa, de olhos soturnos e desafiadores, Jane, confiante e composta. Esperavam para ver que lado ele havia de tomar.

Ele fez de conta e perguntou:

- Esta casa é magnífica. Vivem cá há muito tempo?

Quando Jane se afastou para receber outros convidados, Phillipa sussurrou:

- Vamos. Isto é horrível. Não suporto esta gente. Charlie preparava-se para concordar quando avistou Dindi à porta.

Encontrava-se com Steve Magnum e acompanhantes.

Charlie sentiu-se ultrajado só de a ver. Nunca esqueceria a forma como ela falara de Serafina na véspera da morte desta. Odiava-a e detestava o facto de ela se estar a tornar popular. Usara-o, e isso é que nunca esqueceria. Abruptamente, engoliu o resto da bebida e disse para Phillipa:

- Mais uma bebida e piramo-nos, está bem, querida?

Não estava para sair na altura em que Dindi entrava. Do outro lado Dindi avistou-o e, em voz alta, perguntou a Steve:

- com quem é que o Charlie está?

- Charlie quem? - perguntou Steve.

- Sempre pensei que ele podia arranjar melhor - disse ela com uma gargalhada. - Os tempos são difíceis, suponho. Ouvi dizer que cancelaram o seu próximo filme.

Steve não estava a ouvir. Abraçava Jane com quem já tivera uma ligação.

Dindi atravessou a sala, dirigindo-se a Charlie.

- Olá - disse em voz alta.

Ele teve vontade de a ignorar mas apercebeu-se que isso lhe agradaria mais do que um frio cumprimento. Baixou a cabeça com secura.

- Dindi.

- Engordaste um bocadinho - disse ela, dando uma pequena gargalhada.

Ele sorriu forçadamente. Ela tocara-lhe num ponto fraco. Jane reuniu-se-lhes nesta altura beijando Dindi em ambas as faces e dizendo:

- Mas, claro, vocês conhecem-se. É difícil a gente recordar-se quem é que já foi casado com quem nesta cidade.

- Tu vais conseguindo - murmurou Phillipa, entre dentes.

- O quê, querida? Oh, Dindi, já conheces a minha menina? Faz-me sentir uma velha. Phillipa, esta é Dindi Sydne. A ex-mulher de Mr. Brick, ou ainda não estão divorciados?

Silenciosamente, Charlie observou as três mulheres: Jane, segura de si, com um brilho velhaco no olhar cinzento. Dindi quase a rebentar dentro da blusa apertada, toda cabelos loiros. Phillipa corada, e prestes a entrar em pânico.

Agarrou Phillipa pelo braço magro e disse:

- Lembrei-me agora de um encontro urgente. Muito obrigado. E atravessou a sala, dirigindo-se para a porta.

-Graças a Deus que fizeste aquilo! -exclamou ela. - Acho que não agüentava ficar ali nem mais um minuto. Foste mesmo casado com aquela?

- É uma história curta - murmurou ele. - Vamos para o hotel fumar um charro. Preciso de tirar do meu nariz o cheiro daquela casa.

- Quem? Jane ou Dindi?

- As duas. Ligam lindamente.

Mais tarde, quando já estavam agradável mente pedrados e a voz de Nina Simone enchia a sala, Charlie despiu-a.

Já era tempo. Andavam juntos há algumas semanas sem de facto terem estado juntos.

Ela era terrivelmente magra e estava tensa, embora nunca se tivesse oposto. Estava fria, tensa e distante. Ele retirou uma bisnaga de vaselina e ela afastou-se enjoada. Aquilo não estava certo.

Charlie sentiu todo o desejo desaparecer e mandou-a vestir-se.

- Desculpa. Disse-te que não gostava. Avisei-te.

Ele fechou-se no quarto de banho e observou a sua imagem no espelho. Lentamente, retirou os óculos e partiu-os em dois. Que estava a tentar provar? Que era muito jovem? Se fosse algum garanhão novo ela teria gostado.

Quando saiu, ela já tinha desaparecido.

Claude Hussan chegou à cidade e registou-se no Hotel Beverly Hills.

Sunday tomou conhecimento disto através do Hollywood Repórter. Ficou furiosa e telefonou imediatamente a Carey: -Podemos ir almoçar? -pediu. - Preciso da tua opinião. -Concerteza, estarei aí ao meio-dia. Carey ficou pensativa. Tambem lera os jornais.

O realizador foi paciente com Sunday. Ela saltou frases e interrompeu várias vezes os outros actores, o que não era habitual. Carey foi a primeira a chegar ao restaurante do estúdio. Fumou um cigarro e pensou no que iria dizer.

Sunday apareceu passados quinze minutos. Trazia uma bata de seda cor-de-rosa e as suas pernas esbeltas e bronzeadas atraíam todas as atenções. Sentou-se, pediu um sumo de laranja e uma salada de ovos e disse:

-Não percebo, é ridículo. Telefonei para o hotel mas dizem que ele deu ordens para não ser incomodado. Carey, não é por mim, mas tenho a criança. Ele não telefonou nem sequer uma vez desde que veio do Rio. E isso foi há duas semanas, - Acalma-te.

Era a primeira vez que Carey via Sunday perder a calma. - Tem calma que eu conto-te os factos. - Que factos?

- Ele chegou ontem de manhã com a mulher. Aparentemente tem andado ocupado com audições. O Marshall mandou lá três clientes hoje. Como sabes o filme dele deve começar dentro de três semanas e ainda não têm o protagonista.

Sunday mordeu o lábio.

- A mulher. - Mas pensei que estavam separados, a divorciar-se.

- Ele disse-te isso?

- Não, mas foi o que percebi. Nunca falou nela excepto para dizer que ela não queria o Jean Pierre. Não posso acreditar que estejan juntos. Por que razão não me telefona ele?

- Não quis ser desmancha-prazeres pois parecias-me tão feliz. Mas esse tipo não presta. Tem uma reputação terrível e francamente fiquei espantada por te teres envolvido com ele.

- Pensas sempre o pior das pessoas. O Claude é um homem extremamente sensível.

Mas mesmo ao dizê-las, estas palavras, soaram a falso. Não Era verdade. Claude era um safado, mas ela amava-o.

- Então, por que razão ele não te telefonou?

- Deve haver um motivo. Estou certa de que há uma explicação lógica. Se calhar chego a casa e vou encontrá-lo na praia com o Jean Pierre.

Como está a correr o filme? - perguntou Carey. - Pensei ir

amanhã até às filmagens.

- Está bem. A propósito, continuo a receber aquelas cartas porcas de que já te falei. Só esta semana foram três, e quem as escreve sabe a minha morada. Tenho medo, Carey.

- Já te disse para as rasgares e não ligares. Se calhar são do teu leiteiro. Esses tarados nunca avançam mais do que isso.

- Mas este é o mesmo que me escrevia para o Château. acho que devia...

-Olá, Carey - disse Charlie Brick, detendo-se junto da mesa. - Onde está o Marshall?

- Sabes, não andamos sempre colados. Deve estar a trabalhar no escritório. Charlie, conheces Sunday Simmons?

- Um, sim.

Ele sorriu-lhe, depois lembrou-se de que ela era amiga de Dindi e o sorriso gelou-lhe.

- Noutro dia espreitei as filmagens - disse Sunday. - Você estava maravilhoso. Quando era miúda era, uma grande fã sua e ainda sou.

Por que razão soava sempre tão mal quando se admirava alguém. - Deus todo Poderoso. Andaria toda a vida a levar indirectas à sua idade? Quando era miúda! Ele só fazia filmes há dez anos.

- Obrigada. Aparece outra vez por lá. Convido-te para um café.

- Adoraria. Quando tiver tempo passo por lá.

- Ele é muito atraente àquela sua maneira inglesa - comentou Carey, quando ele se afastou. - Quer dizer, é mesmo. Tem qualquer coisa que atrai. O Marshall também. Acho que um dia destes vamos casar. Conseguiu convencer-me.

- Que bom. Não me tinhas dito.

- Porque haveria de te dizer? Já tens problemas que cheguem. De qualquer maneira tomei a decisão fatal e agora só me falta marcar o dia. A minha mãe mata-me.

Sunday acabou cedo as filmagens. O realizador aconselhou-a a ir para casa e a deitar-se cedo.

Passou duas vezes pelo Hotel Beverly Hills sem saber se devia entrar. Sabia que era a forma errada de abordar Claude, no entanto queria desesperadamente que tudo estivesse bem.

Frustrada, dirigiu-se para Malibu. Jean Pierre brincava na praia com Katia, a jovem mexicana que contratara para se ocupar dele. Mr. Hussan não telefonara.

Jack Milan chegou às seis para tomar uma bebida trazendo consigo a filha mais nova, Victoria. Possuía uma casa ali perto, e telefonara a Sunday dizendo que queria falar com ela.

- Ainda bem que te vejo. Noutro dia disse à Ellie que te devíamos convidar para jantar.

Ela sorriu.

- Que vais tomar?

- Uísque on the rocks.

Ele deu uma volta pela casa.

- Isto aqui é agradável e confortável.

- Eu gosto.

- Pois. Sabes, só agora é que descobri que também tens um miúdo. Sabes mesmo conservar um segredo.

- Não é meu filho. Quem me dera que- fosse. Estou só a tomar conta dele.

- Claro - disse Jack sem acreditar. - É uma pena aquela tua história com o Steve. Eu que já me estava a congratular por ter feito de cupido.

Ela sorriu novamente e perguntou-se o que quereria ele. Estava convencida de que aquilo não era uma visita social. O telefone tocou e automaticamente ela atendeu.

- Quero foder-te - murmurou uma voz. - Quero... Bateu rapidamente com o auscultador.

- Oh, meu Deus.

Tudo junto fora demais e desatou a chorar.

- Então, querida, que se passa? -perguntou Jack embaraçado.

- Jack, por favor, vai-te embora. Estou cansada, são coisas a mais. Por favor, compreende.

A criança observava com indisfarçável curiosidade. Jack levantou-se com relutância.

- Tens a certeza de que não posso fazer nada?

- Tenho. Desculpa.

- Só se me prometeres jantar connosco para a semana. A Fillíe telefona-te.

- Está bem.

Saiu e ela telefonou para o Hotel Beverly Hills, mas Mr. Hussan não estava por isso deixou o nome, o número do telefone e foi para a cama.

Lá fora, um velho Buick cinzento passou lentamente pela casa.

Arranjar o emprego com Clay Allen fora fácil. Herbert respondera ao anúncio do jornal e comparecera enfiado no seu único fato, mostrara as referências que ele próprio escrevera e fora contratado.

Era um trabalho fácil. Passava grande parte do dia na cozinha dos Allen pois nenhum deles saía muito. Clay punha-se a escrever junto da piscina e Natalie ia de vez em quando ao Saks ou ao Magnum. Mandava a criada à praça e por vezes ele tinha de levar as crianças e a ama a casa de alguém. Era muito metido consigo, não se dando nem com a criada nem com a ama.

Clay pagara-lhe adiantado e ele comprara um velho Buick cinzento. Se não fosse por causa de Marge até se consideraria feliz. Mas ela tornara-se insuportável. Mandona e exigente, sempre à volta dele. O pior de tudo é que lhe exigia serviços sexuais, o que o deixava estupefacto, depois de saber o que se passava na porta ao lado. Agora que tinha um automóvel começou a fazer cuidadosos planos para se livrar dela. A primeira coisa era afastar-se daquela vizinhança e ir para um sítio onde não fossem conhecidos. Não seria coisa fácil e Marge ficaria furiosa, mas ele tinha um plano e agora com carro e emprego as coisas estavam a compôr-se.

Arranjou tempo para seguir Sunday Simmons. Soubera da chegada dela do Rio e fora muito simples: pusera-se à porta do escritório de Carey St. Martin e seguira-a até à casa de praia de Sunday. Depois disso seguiu-a sempre que tinha tempo. Sabia a que horas ela costumava sair do estúdio, e se possível, ia até lá. Às vezes dormia no carro perto da casa dela e depois, às sete da manhã, seguia-a até ao estúdio. (mesmo àquela hora matinal ela tinha um aspecto maravilhoso, com o cabelo apanhado atrás e óculos de sol.

Um dia ficou à espera que Sunday saísse e que a criada mexicana levasse a criança às compras. Foi-lhe fácil entrar pelo pátio. Andou por ali às voltas, cheirando ansiosamente as coisas de Sunday. Apontou o número de telefone e retirou algumas fotografias. No quarto, meteu ao bolso um soutien e umas cuecas de cetim, depois saiu tão calmamente como tinha entrado.

No seu espírito estava claro que com Marge fora do caminho ele e Sunday ficariam juntos. Nunca lhe ocorreu que ela o pudesse rejeitar.

Escrevia-lhe muitas cartas cada uma melhor que a outra. Por duas vezes até lhe telefonou mas ela desligara e ele decidira esperar até se encontrar em posição de se apresentar pessoalmente.

Marge esperou duas semanas para contar a sua descoberta a Louella. Estava a divertir-se. Herbert fazia o que ela queria.

E afinal, por que razão havia de contar a Louella? Não tinha nada com isso. Às vezes, Louella até era tão má como Herbert, principalmente no sábado passado quando a obrigara a aceitar um grupo de amigos de uma forma indescritível.

- Não gosto de fazer assim! -protestara Marge. - Dói.

- Queres sair do círculo? - perguntara Louella, friamente. Há muitas mulheres que gostariam de estar no teu lugar.

Marge concordou e desatou a chorar. Louella rira-se à frente de toda a gente.

- Estás a portar-te como uma virgem de dezasseis anos dissera.

Mais tarde pedira-lhe desculpa e preparara-lhe leite quente.

Foi somente o orgulho da descoberta que fez com que ela finalmente revelasse a Louella o que Herbert tinha feito. O orgulho de ter conseguido descobrir. Enquanto contava a Louella é que se apercebeu da gravidade do caso. Herbert matara uma rapariga, assassinara-a. Era inconcebível.

Começou a chorar, em pânico. Talvez só pelo facto de saber pudesse ser considerada cúmplice.

Louella confirmou os seus receios.

- Claro que também estás metida - afirmou. - Só o facto de não ires à polícia te torna tão culpada quanto ele.

Marge deu um salto, assustada.

- Tu também sabes - disse.

- Sim, mas eu ainda posso ir à polícia. Marge ficou horrorizada.

- Mas não eras capaz de fazer isso.

- Talvez fosse. Não me apercebi da gravidade disto.

Marge começou a chorar alto. Por que se metera naquilo? Por que se tornara amiga de Louella Crisp? Fora feliz a ver televisão e a comer.

- Contudo - continuou Louella. - Talvez como tua amiga te possa ajudar. Claro que vai custar dinheiro. Quanto tens?

- Mil dólares - balbuciou Marge. - É todo o meu dinheiro, a minha poupança para a velhice.

Fez uma careta e acrescentou:

- Para que precisas do dinheiro? Louella respondeu:

- Se vais fazer perguntas estúpidas acho que não te posso ajudar. Precisamos de ajuda profissional e eu tenho um amigo lá na esquadra. Mil dólares não vão chegar para abafarmos as investigações.

- Que investigações? -perguntou Marge, alarmada.

- Não te quis preocupar, mas suspeitei do que Herbert tinha feito, perguntei e descobri que andam a fazer grandes investigações.

- Oh! -exclamou Marge, tornando-se pálida.

- Claro que com, digamos, três mil dólares, podemos arranjar tudo. Marge recomeçou a chorar.

- Não tenho três mil dólares.

- Então e o Herbert?

Louella pensava com rapidez. Seria demasiado pedir três mil dólares? Marge, aquela estúpida, acreditara na história, mas seria que Herbert não se aperceberia da chantagem? Provavelmente era mais esperto que Marge, mas não deveria sê-lo muito mais para ter casado com ela.

- O Herbie não tem dinheiro - lamentou-se Marge. - Andamos sempre aflitos com pagamentos atrasados.

- É melhor falares com ele - disse Louella friamente.

- Não posso! Ele mata-me!

- Então, não te posso ajudar! vou ter que ir direita à polícia, senão fico na mesma posição que tu, e não quero passar o resto da vida na cadeia.

Marge estremeceu.

- Arranjo-te mil dólares - disse rapidamente - E vou falar com o Herbie. Ele há-de arranjar qualquer coisa. Está bem assim! Ajudas-me?

Louella assentiü.

- Acho que sim. Só que o meu amigo não vai esperar eternamente pelo resto do dinheiro.

Nessa noite Herbert não foi dormir a casa. Descobrira uma maneira de entrar em casa de Sunday pelo pátio traseiro. Rastejando depois de bruços conseguia espreitar pelas cortinas do quarto dela.

Esperou duas horas após as luzes se apagarem para ter a certeza de que toda a gente dormia.

Estava particularmente nervoso e com medo que o cachorro acordasse e começasse a ladrar, denunciando-o. Despiu-se silenciosamente e depois espreitou junto da janela.

Estava com sorte. Ela não se dera ao trabalho de correr as cortinas e ele viu-a esticada na cama, tapada unicamente com um fino lençol. Tinha uma perna bronzeada à vista e um braço nu.

Ocorreu-lhe que talvez ela estivesse nua sob o lençol e que, se esperasse pacientemente a poderia observar desprevenida. A boca secou-lhe e a respiração tornou-se pesada.

Seria tão fácil! Forçar a janela e entrar! Estava confiante que uma vez que se identificasse como o autor das cartas ela o receberia de braços abertos.

Mas era demasiado cedo. Ainda não estava preparado. Primeiro tinha que ficar livre.

Mordendo o lábio inferior, agachou-se, ficando a observar até ao romper da aurora. Depois, voltou para o carro e dormitou até que às sete da manhã ela saiu para se dirigir aos estúdios.

Ele seguiu-a. Só quando ela já se encontrava lá dentro é que foi para casa.

Charlie estava deprimido. Passou o aniversário sozinho no hotel.

Não voltara a telefonar a Phillipa desde a noite em que ela o deixara. No que dizia respeito a ela, desistira de lutar.

Saía com Thames Mason que o aborrecia com conversas sobre o número de capas de revistas em que aparecera durante o ano. Saía com uma secretariazeca que também o aborrecia. Saía com uma escritora pseudo-intelectual que queria ser atada e violada. Saía com uma pateta loira que infelizmente, lhe fazia lembrar Dindi. Saía. com uma mulher diferente todas as noites.

Uma noite, sentado no banco traseiro do Mercedes ao lado de uma actriz sueca, queixou-se a George:

- Conduz este carro como se fosse um autocarro. Não podes acelerar?

George olhou-o pelo retrovisor. Não era costume George embirrar com ele, quando, de qualquer forma, até já seguia em excesso de velocidade.

Charlíe recostou-se, tentando evitar a torrente de palavras da sueca. Não se calara durante toda a noite. Passados cinco minutos de estar com ela já lhe apetecia esganá-la, e agora estavam juntos havia duas horas.

"E então o produtor disse-me: és uma rapariga maravilhosa, Lena, por isso a estrela recusou ter-te na mesma cena. E podes censurá-la? perguntou ele. E então cortaram-me. Claro que eu percebo. A Clara é dez anos mais velha e... "

Charlie desligou. Já bastava. No dia seguinte telefonaria a Phillipa.

- Anda lá, George. Amanhã tenho um encontro às sete - disse, irritado, para George.

George carregou no acelerador e o carro deu um esticão. Aproximavam-se de um semáforo que ia mudar de cor e, apercebendo-se da impaciência do patrão, George acelerou ainda mais. Talvez ainda conseguissem. Foi a última coisa que George lembrou antes do acidente. Nem sequer chegou a ver o Cadillac no outro sentido.

No minuto antes da colisão Charlie apercebeu-se do que estava a acontecer e agarrou a rapariga, tapando-a com o corpo.

Acordou passados dois dias no Hospital Cedros do Líbano.

Era uma sensação estranha abrir os olhos e não saber onde estava. Tinha um tubo preso no braço, mas aparte isso, não sentiu nem via qualquer outro ferimento.

Estava num quarto todo branco. Tinha uma enfermeira sentada ao lado dele, a tricotar, com a cabeça pendente em concentração.

- Enfermeira - tentou dizer. A voz saiu-lhe quase imperceptível. Ela deixou cair o tricot e deu um salto.

- Mr. Brick - disse. - Está acordado. Que maravilha. Não se mexa, por favor, vou chamar o médico.

- Quero água - disse ele, a arfar.

Tinha a garganta dorida e seca.

Ela ergueu-lhe a cabeça e chegou-lhe alguns goles embora ele quisesse bebê-la toda. Depois saiu, regressando com o médico e mais duas enfermeiras.

Lentamente, reconstituiu a história. Os dois carros, seguindo em dírecções opostas tinham tentado passar os sinais. O passageiro do banco da frente do Cadillac morrera. O motorista e George sofriam de fracturas múltiplas. Charlie, ao tentar proteger a rapariga, batera com a cabeça e ficara inconsciente durante duas noites. A rapariga, Lena, escapara com algumas arranhadelas. Charlie tinha na cabeça um galo do tamanho de um ovo e um corte fundo na testa.

Sentia-se aliviado por estar vivo. Fora por pouco e os médicos não tinham sabido dizer quanto tempo ele ficaria inconsciente. Podiam ser semanas e até meses.

- Nunca pensei que houvesse tanta gente a preocupar-se - disse para Clay uma semana mais tarde. - Devias ver algumas cartas que recebi. Uma maravilha.

Estava a pensar particularmente numa carta de Lorna, uma carta cheia de amor e afeição que ela nunca lhe dera durante o casamento. Ela mudara. Mas ele também.

- Houve muita gente que pensou que não escapavas - comentou Clay. - Aquelas feridas na cabeça não eram nenhuma brincadeira.

- Eu li os jornais. Meu Deus, os ingleses eram verdadeiros obituários. Mas sinto-me bem. Na verdade, nunca senti nada a não ser uma terrível dor de cabeça quando acordei. É com o pobre do George que estou preocupado. Dizem que ele vai ficar bem mas vai demorar algum tempo. Não sei o que farei sem ele.

- Quero falar contigo sobre isso. Nós temos um óptimo motorista muito pouco ocupado. A Natalie anda demasiado cansada para ir às compras e de qualquer maneira eu prefiro andar sozinho, por isso ele é todo teu.

- Espera aí. Não quero que...

- Nada de discussões, Charlie. Não precisas de passar pelo trabalho de entrevistar motoristas. Este tipo serve-te perfeitamente. Chama-se Herbert. Amanhã mando-o ter contigo. Até venho com ele.

Charlie estava ansioso por sair do hospital. Os médicos insistiram Para que ele ficasse mais uma semana em observações, mas estava aborrecido e enervado e achava que não precisava. Além disso, havia o filme que estava a filmar, o atraso saía-lhe caro. Sabia que enquanto estivera inconsciente se falara na sua substituição. O realizador e o produtor tinham-no visitado e ele assegurara-lhes que estaria de regresso dentro de uma semana.

Recebeu inúmeras visitas. Laurel e Floss apareceram, calorosos e preocupados com um bolo de chocolate todo impregnado de erva, que Charlie, sem saber, ofereceu às enfermeiras que nunca mais foram as mesmas.

Ficou satisfeito por ver Philipa, séria e apologética em relação à última noite que tinham passado juntos. Afinal, havia coisas numa relação além do sexo.

À actriz sueca que tivera o acidente com ele não faltava publicidade. Visitou-o com dois fotógrafos.

Ele recebeu-a, mas mandou embora os fotógrafos. Ela ficou furiosa.

Na idade dele e na sua posição sabia que era ridículo andar com actrizecas só para as pessoas pensarem que era um grande garanhão. Por que razão se haveria de preocupar com o que os outros pensavam?

Cumprindo o que prometera, Clay chegou com o motorista para levar Charlie para casa.

A casa era a suite no Hotel Beverly Hills, que lhe pareceu deprimentemente calmo e vazio sem o George.

Clay convidara-o a passar alguns dias com eles mas Charlie recusara. Queria acabar o filme e depois tirar umas férias. De certa forma as coisas até tinham corrido bem. Agora estava livre até ao fim do ano e podia fazer o que quisesse.

Entrou mais uma vez na rotina do trabalho no estúdio durante o dia, e de ver Phillipa à noite. Utilizava o motorista de Clay mas achava-o frio e reservado e não conseguia estabelecer contacto com ele. Isso preocupava-o. Necessitava de sentir alguma ligação às pessoas que trabalhavam com ele.

Phillipa queixava-se de que Herbert a olhava de forma estranha. Charlie respondia que era porque as roupas compridas que ela usava eram transparentes.

- Já o vi antes - disse ela. - Não me lembro onde. Não gosto dele. Devias pô-lo a andar.

No dia seguinte Charlie deu a Herbert uma gratificação de cem dólares e mandou-o para junto de Clay.

Clay, que já não precisava dele, pagou-lhe um mês de salário e despediu-o. Passou-se quase uma semana até Phillipa se lembrar onde o tinha visto.

- Foi na Strip, uma noite, há muitos meses. Ia sozinho num carro preto e deu boleia àquela rapariga. Não a conhecia mas tínhamos estado a conversar e ela estava mal, precisava de dinheiro. Então este tipo deu-Lhe boleia e no dia seguinte ela foi encontrada assassinada nos montes.

Charlie riu-se, incrédulo:

- Isso é ridículo.

-Porquê? -perguntou ela, de rosto sério. - Era ele, tenho a certeza.

- Oh, anda lá, parece uma cena de um filme ordinário. Também se fosse assim tão importante ter-te-ias lembrado dele antes.

- Acho que devíamos fazer alguma coisa. Charlie riu-se.

- O quê? Telefonar ao Clay e dizer: "Olha aqui a Phillipa lembra-se de ter visto o teu motorista aqui há alguns meses dar boleia a uma rapariga que mais tarde foi encontrada morta?"

- Não percebo esse tom. Pareces a minha mãe. Ela sabia onde o havia de magoar.

- Está bem, se isso te faz feliz, vamos à polícia e ficas a saber que o caso foi resolvido no dia seguinte e o tal Herbert pede-te uma fortuna de indemnização.

- Esquece isso, Phillipa.

Uma semana após o seu regresso Claude telefonou a Sunday. Ela não conseguiu disfarçar a mágoa e o aborrecimento.

- Tenho andado muito ocupado - lamentou-se ele.

-Não recebeste os meus recados? - perguntou ela.

- Vem cá ao hotel à noite. Jantamos e eu explico-te.

- Não queres vir a minha casa ver o Jean Pierre?

- Ele está bem, não está?

- Sim, claro.

Ela mordeu o lábio, amando e odiando ao mesmo tempo. - Mas pensei que o querias ver.

- Fica para outra vez - disse ele, bruscamente. - Esta noite quero falar contigo. Aparece cá às oito.

Desligou, deixando-a zangada e confusa. Sabia que se fosse esperta lhe entregaria a criança e acabaria com aquela ligação, E tencionava ser esperta.

Claude abriu a porta da suite. Vestia um fato preto e óculos escuros. Fumava uma cigarrilha.

Sunday não pôde deixar de pensar que ele se parecia com um actor. Aquele rosto atraente, quase feio, o corpo esguio. Sentiu as reservas começarem a esgotar-se.

A atracção, lembrou-se ela era puramente física. Ele atraíra-a com o corpo e fora só o que lhe dera.

- Olá.

Beijou-a ao de leve no rosto.

Ela passou nervosamente a mão pelo cabelo, decidida a não se mostrar afectada.

-Olá, Claude. Estás com bom aspecto.

Tudo o que ela queria dizer soava como acusação, por isso manteve-se calada. Precisava de tomar uma bebida e discutir a forma como Jean Pierre seria levado de volta - nada de dramático nem de histérico.

- As tuas mamas estão a ficar mais pequenas - comentou ele, esfregando-lhe as mãos sobre o peito.

Ela recuou, zangada. com uma tontura súbita ela apercebeu-se que só o toque a fazia desejá-lo, e sabia que isso era recíproco.

Teria importância ir com ele para a cama mais uma vez? Os homens tinham constantemente esse comportamento. Afinal, era uma mulher adulta e não havia nada de errado em querer sexo.

- Vamos fornicar primeiro e falamos depois.

Ela hesitou. Ele pôs-se à frente dela, nu, agarrando no cinto de pele de cobra que ela trazia.

Ela deixou-se ficar ali enquanto ele a despia, peça a peça.

Depois pôs-se em cima dela, empurrando-a para o chão com as mãos rudes.

Ela ficou calada a ouvir a torrente de obscenidades proferidas em inglês e francês. De certa forma, fazia-lhe lembrar as cartas sujas que recebera. O seu corpo correspondeu mas o espírito manteve-se distanciado.

Depois, quando Claude se dirigiu para o quarto de banho ela aninhou-se no chão e examinou as mordidelas e arranhões que ele lhe fizera. Por que razão o amava ainda tanto?

Ele regressou bem humorado.

- Mudaste - disse. - Agora estás melhor. Quem te tem ensinado?

Ofendeu-a o facto dele não se importar que ela tivesse ido com outros homens.

- Quero-te no meu filme - disse ele, abruptamente. - Se calhar és uma péssima actriz mas como realizador posso fazer de ti alguma coisa. Não acredito na falsa modéstia. Se o fizeres tornar-te-ás numa actriz. Mas tens de te colocar inteiramente nas minhas mãos. Tens que viver, comer e respirar como a Stephanie.

Ela lera o argumento. Sabia que podia desempenhar o papel, mas nunca pensara que ele lho desse.

Ficou a olhar para ele durante alguns momentos, e depois assentiu:

- Obrigada, Claude. Não te vais arrepender.

Carey não estava entusiasmada com a perspectiva de conhecer Claude Hussan. Achava que ele não prestava e estava céptica em relação à participação de Sunday no filme. Seria o veículo certo para ela? Carey lera o argumento e não se sentia segura. Sunday era demasiado jovem e bela para fazer aquele papel. E mais importante, seria boa actriz? O papel não era fácil e também havia cenas explícitas de sexo. Nas mãos de um realizador americano não seria embaraçoso, mas quem sabia o que Hussan exigiria da actriz principal?

Sunday telefonara nessa manhã, toda satisfeita. No que lhe dizia respeito não havia hesitações. Faria o filme e pronto. Carey teve que insistir em que lhe mandassem logo o argumento, uma vez que Claude queria assinar os contratos naquela tarde.

- Aceita seja o que for - dissera Sunday. - Tenho de o fazer. Carey ter-se-ia sentido muito mais satisfeita se ela fizesse o filme

com Jack Milan. E agora aparecia esta bomba, o primeiro filme americano de Claude Hussan. Grande coisa.

Insistira em se encontrar com Carey na suite, embora ela preferisse recebê-lo no escritório.

Uma secretária veio à porta, o exemplo típico de uma actriz desempregada que também sabia escrever à máquina. Convidou Carey a sentar-se e depois entrou no quarto.

Carey folheou um exemplar de "Filmes e Filmagens".

A secretária apareceu logo a seguir, agora enfiada num reduzido biquíni. Recolheu alguns papéis da secretária e disse:

- Mr. Hussan vem já.

O que primeiro impressionou Carey foram os olhos de Hussan. Eram os olhos de um homem que tinha conseguido tudo sem olhar a meios. Depois examinou-lhe o rosto e compreendeu a razão do fascínio de Sunday.

- Queres uma bebida? - ofereceu ele.

Ela disse que não, aborrecida por ele não se ter apresentado nem ter dado a entender que sabia quem ela era. Mas estava a ser tonta. Claro que ele sabia quem ela era.

Ele esticou-se numa cadeira e pôs-se a olhar.

Ela tentou manter-se senhora da situação.

- Não sei bem se este papel é indicado para a minha cliente começou.

Ele interrompeu.

- Eu também não. Se calhar é uma péssima actriz, mas nas minhas mãos isso não interessa. Sei o que quero e estou preparado para correr o risco. Este filme é que lhe vai dar nome.

- Já tem. Se quisesse, já amanhã lhe arranjava novos contratos. É muito pretendida.

- Porcaria, é só o que ela tem feito. Porcarias comerciais. Eu faço desta rapariga uma actriz.

- Não posso discutir - disse Carey. - A Sunday já se decidiu, como você sabe. O preço será alto e ela terá de aprovar toda a publicidade, nada de cenas de nu e...

- Não perca tempo. Pagamos-lhe cinqüenta mil dólares depois de ela assinar um contrato pessoal comigo. Se eu a quiser nua pendurada num candeeiro, ela terá de o fazer. Não se preocupe com isso. diga a Sunday que ela concordará.

Foi à secretária e recolheu alguns papéis.

- Aqui está o contrato. Quero-o assinado amanhã.

Carey, tremendo de raiva, seguiu directamente para o estúdio.

- Não podes aceitar - disse para Sunday quando esta apareceu.

- Ele não vai pagar o que queremos nem admite cláusulas especiais. Ficarás completamente nas mãos dele. Pode arruinar-te.

- Descansa, não me arruina. Já viste os filmes dele? São brilhantes.

- Mas agora não podes descer o preço, vai cair mal. Como é que eu vou poder conseguir bom dinheiro no filme do Milan e talvez até...

- Não te chateies, Carey. Gosto muito de ti e agradeço o que tens feito por mim, mas quer queiras quer não eu tenho de fazer o filme do Claude.

Carey suspirou.

- Este tipo tem qualquer poder sobre ti e aposto que sei onde. Entre as pernas.

- Estás enganada. Não é isso. Sê paciente e alinha comigo. Sei que este filme me convém, e, se me enganar, retiro-me.

Lena, -a actrizinha sueca processou Charlie em três milhões de dólares.

- Mas ela só sofreu uns arranhõezinhos - disse ele ao advogado, com incredulidade.

- Ela alega lesões nas costas, enxaquecas constantes, uma cicatriz numa perna e problemas de visão.

- E já agora porque não um pescoço partido? Meu Deus, estas pegas gananciosas são incríveis.

- Claro que tu não és o responsável. O seguro cobre-te. Manter-te-ei informado.

- Obrigado.

Acabara as filmagens e estava instalado com Phillipa numa casa alugada em Palm Springs. Por indicação médica teria de descansar durante alguns meses. Não sabia como iria conseguir, pois após uma semana de inactividade já estava a dar em maluco.

Phillipa não dava grande apoio. Limitava-se a andar por ali nada de sexo, só companhia, e estranha. Raramente falava, a não ser para comentar qualquer cataclismo ocorrido no mundo.

Muitas vezes ele se perguntava por que razão, já que ela se preocupava tanto com o que acontecia, não fazia alguma coisa. Parecia satisfeita por viver ali naquele luxo que tanto criticava.

O dia-a-dia era rotina. Levantava-se às nove, ginástica, sauna e natação. Depois, lia os jornais, junto à piscina até que a criada lhe servia o almoço. A seguir, dormia uma sesta e das quatro até às sete, hora de jantar, entretinha-se com a aparelhagem e as máquinas de filmar.

Phillipa era um relutante modelo fotográfico. Ele tinha que a arrastar quase à força. Fazia-o rir. Mostrava claramente a diferença entre as actrizes e as outras raparigas. As actrizes estavam sempre prontas a posar para inúmeras revistas, mudavam constantemente de roupa, de expressão, de penteado, tudo o que fosse preciso. Lembrava-se que um dia de manhã começara a fotografar Dindi e ela posara até às oito da noite. Mudara de roupa quarenta vezes!

Depois de jantar viam televisão enquanto fumavam um charro.

Charlie tinha vontade de fazer algo criativo como pintar ou escrever, mas o seu talento resumia-se a saber representar. Nunca tivera tão bom aspecto - magro, bronzeado e em grande forma.

Passava muito tempo ao telefone com os filhos ou a conversar com George que estava no hospital. Falava com Lorna que agora se sentia embaraçada por causa da carta que lhe enviara quando pensava que ele não recuperaria. As conversas eram curtas e embaraçosas. Perguntava-se se ela seria feliz. Ou sentiria saudades dele e da vida que tinham vivido juntos? Mas afinal que vida tinham vivido juntos? Era sempre ele que fazia tudo. Ela ficava metida em casa com os miúdos.

Sem dúvida que tinha agora um casamento mais feliz. Talvez devesse ter feito Dindi engravidar. Podia ser que assim ela ficasse mais calma e em casa. Mas como se fazia engravidar uma rapariga que usava diafragma e tomava a pílula?

Recebia imensos convites para jantares, festas, barbecues, mas não os aceitava e Phillipa também não era propriamente um animal social.

Sentia inconscientemente que aquela relação não fazia bem a nenhum deles. Ela parecia ter renunciado a tudo e, enquanto ele preenchia os dias com pequenas actividades, Phillipa aparecia de manhã, deixava-se cair numa cadeira e dormia o dia inteiro.

Depois havia o sexo. Ela não queria tentar novamente e ele não queria forçá-la, mas as coisas estavam a ficar desesperadas. A sua aptidão física fazia aumentar o apetite sexual.

Era um problema delicado. Não queria perturbar Phillipa por quem sentia um afecto fraterno, mas a necessidade tornava-se cada vez mais premente.

Finalmente resolveu convidar uma pessoa para passar o fim-de -semana. Natalie e Clay, Marshall e Carey, e Thames Mason com uma bicha chamada Marvin Mariboo que trabalhava em publicidade no último filme. Isso resolveria as coisas pelo lado de Phillipa, e com uma promessa de um papel Thames seria discreta.

O fim-de-semana começou mal. Carcy apareceu na sexta à noite sem Marshall. Disse que ele ficara a trabalhar e chegaria no dia seguinte. Clay chegou à tarde sem Natalie que se sentira enjoada e resolvera ficar em casa. Para cúmulo, Thames aparecera dizendo que Marvin apanhara uma tareia de um marinheiro e não viria.

O jantar consistiu em Clay se atirar primeiro a Carey e depois si Thames. Agradavam-lhe as duas obviamente.

Phillipa, sentada numa das extremidades da mesa, fazia caretas para Charlie, a sua forma de lhe dizer que não aprovava nenhum dos convidados.

Carey deu com os pés a Clay. Foi bem clara a dar a entender que com ela ele não iria a parte nenhuma.

Contudo, Thames achou-o fascinante, principalmente quando disse que seria uma óptima idéia escrever uma série de televisão para ela.

- É estranho que ninguém se tenha ainda lembrado de fazer isso - disse, encostando-se a ela. - Qualquer idiota percebe que você tem um potencial cômico. Podia ser uma Lucille Bali.

Thames não cabia em si de contente.

- Meu pinga amor idiota - disse Charlie, furioso, ao ver que o mais provável era Thames partilhar a cama de Clay e não a sua.

- vou dar uma volta - anunciou Phillipa, levantando-se abruptamente. - Mas o jantar ainda não acabou - protestou Charlie.

- Não tenho fome. Até amanhã.

Percebeu que ela se sentia infeliz. Sabia a razão por que ele organizara o fim-de-semana e obviamente não queria ficar a ver Clay a atirar-se a Thames. Riu-se alto. A situação pareceu-lhe, de repente, terrivelmente engraçada.

- Que se passa? - perguntou Carey.

Então ele reparou na fantástica cor de café com leite da pele dela.

- Nada, querida, estava só a pensar.

Ela era uma mulheraça. E ele nunca tinha ido com uma... Deteve-se. Ela era de Marshall. Depois de jantar foi para o estúdio, escolher umas gravações.

Clay seguiu-o bêbedo e feliz.

- Não te importas, pois não, meu velho? - perguntou. - Ela está madurinha. Onde raio a foste descobrir? Graças a Deus que Natalie não veio.

Tal como toda a gente, Clay pensava que Charlie e Phillipa tinham uma ligação. Não lhe ocorreu que Charlie convidara Thames para si próprio.

- Avança. Faz o que te apetecer.

Estava enojado com Clay. Não lhe parecia justo que ele andasse a fornicar quando tinha a mulher grávida, em casa.

- Claro, eu gosto é da preta-continuou Clay. - Mas dali já vi que não levo nada.

- Bem feita - disse Charlie, colocando uma gravação de Miles Davis.

Sentaram-se os quatro na sala a beber, a conversar e a ouvir música. Charlie preparou uns charros e todos alinharam, incluindo Carey. Tinha vontade de se ir deitar pois já não fumava havia muito tempo e Marshall não alinhava. Apeteceu-lhe. Lá pelo facto de ir casar com Marshall não ia deixar de viver.

Thames desfazia-se em gargalhadinhas. Teria deixado Clay despi-la e possuí-la à frente de toda a gente se ele quisesse, mas ele arrastou-a até ao quarto, com um tímido "boa-noite" a todos.

- Onde está Phillipa - perguntou Clay.

- Não sei - respondeu Charlie, irritado. - É uma rapariga estranha. Provavelmente anda às voltas no deserto.

- Conheces Claude Hussan? É um filho da puta, um estupor... Os pensamentos de Carey tornavam-se descoordenados quando estava pedrada, passando de um assunto para o outro sem esperar resposta.

Por outro lado, Charlie se não estava envolvido em nenhuma actividade sexual tornava-se melancólico e mórbido.

- O que é que se passa, querida? -perguntou, subitamente. - Onde vamos parar todos?

- O Marshall gosta de ti - comentou Carey. - Põe lá um disco da Aretha Franklin.

Ele mudou a gravação e sentiu uma vontade muito forte de fazer amor com Carey. Ela estava esticada na cadeira, de olhos fechados.

- Nunca quiseste ser actriz? - perguntou ele. - A maior parte das mulheres bonitas, principalmente nesta cidade fazem disso a sua maior ambição.

Ela abanou a cabeça.

- Não. Para quê? Nunca conseguiria ser como Sunday. Ela é que sabe, ou pelo menos, sabia até conhecer Claude.

- Como é ela? -perguntou ele com um interesse vago. Afinal, pensava, o Marshall não é assim meu amigo muito chegado, e se fossemos para a cama quem ia saber?

- Sunday é uma rapariga maravilhosa. Muito jovem nalguns aspectos, mais velha noutros. Às vezes... Charlie, que estás a fazer?

Ele aproximou-se por detrás, curvou-se e enfiou as mãos no decote do vestido dela. Não trazia soutien e conseguiu expor-lhe os seios. Ela levantou-se rapidamente.

-Grande estupor. Não sou nenhuma puta de Hollywood! Como te atreves?

Não esperava tal reacção. Ser uma estrela significava ter todas as damas.

- Desculpa - murmurou humildemente, afastando-se. - Eu... pensei...

- Bem, então pensa melhor.

A fúria dela devia-se ao facto dele lhe agradar e de estar furiosa consigo mesma. Decidira que quando casasse com Marshall lhe seria fiel, isso significava que não andaria a fornicar nas costas dele como faziam todos os casais infelizes que ela conhecia.

- Sempre me pareceu - disse, com tristeza. - Que as mulheres que quero são aquelas que não posso ter. Gostava de ter uma mulher a quem pudesse chegar a casa e dizer "quero foder" e ela respondesse "sim" querido, vamos para a cama. Às vezes penso que é melhor ir com uma puta, pelo menos sabemos com o que contamos. Querem todas o mesmo.

Compondo o vestido, Carey ouvia atentamente.

- Estás enganado, Charlie - disse. - Há muitas raparigas que não gostam de ti só por seres o que és. És um homem muito atraente.

- Achas? -perguntou ele, animado.

- Sim, acho. O teu problema é misturares-te com as pessoas erradas. Aposto que os teus amigos estão todos no meio do espectácculo. Assim só conheces gente que quer estar com estrelas. Então tu e a Phillipa?

- Platônico. Pura amizade. Ela é uma rapariga simpática mas muito nova.

Carey beijou-o no rosto.

- vou para a cama. Ele abraçou-a.

- Nada de ressentimentos.

- Já passou. Sejamos amigos, Charlie.

- Está bem, querida. Eu quero.

Perturbava Sunday o facto de Carey não aprovar Claude. Sabia que ele não era nada, simpático mas tinha a certeza de que se se conhecessem melhor a atmosfera desanuviaria.

De Carey, Claude tinha dito:

- Ela está furiosa porque não vai tirar uma grande comissão.

- A Carey não liga ao dinheiro - defendeu Sunday. - Ela acha que este papel não é para mim.

Era fim-de-semana e estavam estendidos ao sol no terraço que dava para a praia. Sunday conseguira finalmente levá-lo a casa e ele parecia satisfeito. A princípio Jean Pierre mostrara-se tímido, mas agora tinha ido nadar com Katia.

- O miúdo gosta de ti - comentou Claude. - Mais do que da mãe.

Sunday teve vontade de perguntar:

- É verdade que ela estava cá contigo? Em vez disso, mordeu os lábios e disse:

- Não achas que ele devia andar contigo? A ama é muito boa, fica com ele.

- Já estás farta? - perguntou Claude.

- Não sejas pateta. Adorava que ele cá ficasse mas estava a pensar em ti.

- Pensa no rapaz, ele é muito mais feliz contigo.

- E aquela coisa de Palm Springs? Ele vai comigo ou contigo?

- Fica aqui com a ama. Vamos trabalhar, criar uma personagem. Não quero miúdos à volta. Já vai ser difícil ter a equipa toda a olhar para ti enquanto mostras as mamas. A propósito, vamos viver lá em casa.

- Que casa?

- A casa de Palm Springs onde vou filmar - acrescentou ele, bocejando. - Vais ver que vai ser bom para ti.

Mais tarde ela reflectiu sobre a conversa. Já nem tinha a certeza do que sentia. Amava-o ou era só atracção física? Ele era mimado, arrogante, mal criado, um estupor. Como podia amar um homem assim?

Conformou-se com o facto de aquela relação ser passageira e durar enquanto decorriam as filmagens.

Estou a ficar dura, pensou ela, só penso no que é bom para mim.

De certa forma estou a servir-me do Claude, mas ele também se está a servir de mim, por isso ficamos quites.

O tempo em Palm Springs estava insuportavelmente quente. Aquela idéia que Claude tinha de viver e filmar na mesma casa era bizarra.

A casa, rodeada de deserto por todos os lados, era agradável. Tinha uma piscina, um court de tênis, sauna, sala de bilhar, e todos os habituais que os executivos de Los Angeles gostam de ter nos seus refúgios. Para seu espanto Sunday percebeu que Claude queria que dormissem no mesmo quarto onde filmavam. Era horrível dormir num quarto com câmara de filmar cabos e equipamento de som por todo o lado.

- Não agüento isto - comunicou na primeira noite. - Não temos privacidade. É como estar numa montra.

Ele pôs-se a olhar para ela.

- Se queres ser uma verdadeira actriz, deixa de te preocupar com merda.

Ele era duro, exigente, crítico, rude. Todos os pormenores tinham de ser cuidados, todos os planos perfeitos. Só ali estavam três actores

- o homem que fazia de marido e os dois jovens que arrombavam a porta e a violam.

Os olhos de Claude para escolher o elenco eram perfeitos. Os três homens adequavam-se perfeitamente aos papéis. O marido era barrigudo, de olhos gulosos. O primeiro rapaz, magro, loiro, com um sorriso mau e olhos verdes. O segundo, que Claude tinha arranjado, no Rio era moreno, com cerca de vinte anos. Tinha pestanas compridas, olhos negros, andar de pantera. Chamava-se Carlos.

Claude não permitia a Sunday qualquer contacto com eles, a não ser quando tinham alguma cena juntos. Era uma medida inteligente que resultara em cheio.

Os quatro actores tornaram-se os personagens do filme e Claude limitava-se a manipulá-los à sua vontade.

Herbert leu que Sunday Simmons ia para Palm Springs. Talvez a seguisse. Podia enganar Marge com a desculpa de que os Allen iam viajar. Talvez esta fosse a solução de todos os seus problemas. Arranjaria um pretexto para se apresentar a Sunday, que, com o seu dinheiro e a sua influência o ajudaria. Talvez o levasse para a Europa, longe de Marge e das suas acusações.

A idéia agradava-lhe.

Nessa noite seguiu Sunday até Malibu. Sentado no carro estacionado, observou com desagrado um Cadillac preto que parou em frente à casa dela. De dentro saiu um homem. Isto significava que ela não se ia deitar cedo como habitualmente e que ele teria de ficar à espera que o homem saísse para poder rastejar até junto da janela e observá-la enquanto dormia.

Sentou-se no banco traseiro e apercebeu-se, com desagrado, de que estava a precisar de um duche. Teria sido bom ter ido a casa tomar banho mas evitava Marge o mais que podia, agora que tinha de executar horríveis actos sexuais logo que chegava. Aquele saco de batatas tornava-se insaciável. Só de pensar nela veio-lhe a bilis à boca.

- Preciso de falar contigo, Herbie - dissera ela nessa manhã. Vê se vens cedo.

Ele não era parvo. Sabia por que razão ela o queria em casa cedo.

Devia ter adormecido porque quando olhou para o relógio era uma hora e o Cadillac ainda lá estava, embora agora a casa se encontrasse às escuras.

Sentia o corpo rígido e dorido. Saiu do carro e dirigiu-se para a casa. Estava silenciosa. Rastejou contra a parede e, agachou-se junto à janela de Sunday.

Ela dormia, deitada de costas, nua. A seu lado, um braço peludo rodeando-lhe a barriga, estava um homem.

A primeira reacção de Herbert foi de dor - uma dor tão forte que teve de se dobrar. Não se movia, ficou a olhar, observando os contornos daqueles seios perfeitos, das pernas esguias e bronzeadas e o espaço minúsculo que uma tira branca do bikini tapava.

A dor provocou-lhe convulsões e deixou-se ficar quieto até acalmar e ser substituída por ódio profundo.

Puta! Por que razão não esperara por ele?

Como gostaria de ver o rosto dela, se naquele momento, a confrontasse. Ela pediria desculpa, imploraria o seu perdão. Seria tarde demais.

Sentiu-se de repente muito excitado, uma sensação difícil de reprimir. com um trejeito convulsivo aliviou-se. Depois, silenciosamente, regressou ao carro e foi para junto de Marge.

Marge estava esticada na cama a ver o filme da noite e a comer com determinação quatro barras de chocolate, um pacote gigante de pipocas, três pacotes de nozes e duas bananas. Precisava daquilo tudo. Representava uma espécie de defesa contra a barreira de fúria que viria de Herbert quando ela lhe contasse que Louella sabia de tudo.

Não podia adiar mais. Embora já tivesse dado a Louella um milhar de dólares, esta pressionava-a para ter o resto. Acabou por adormecer com a televisão ligada e meia laranja na mão e sumo a escorrer da colcha.

Herbert que chegou muito tarde ficou muito aborrecido por ver as luzes ainda acesas. Queria entrar, sem ser visto, despir as calças sujas, e tomar um bom duche. Agora Marge agarrá-lo-ia.

Ficou satisfeito por ver que ela dormia. Enfiou-se na cama com muito cuidado para não a acordar.

Custava-lhe a crer ter visto Sunday nos braços de outro homem. Sabia que de vez em quando as mulheres, até mesmo as mulheres respeitáveis tinham necessidade de sexo. Mas Sunday concerteza que não tinha necessidade de mais nada além das cartas que ele lhe enviava. Devia estar preparada para esperar por ele. Dissera-lhe claramente que haviam de ficar juntos. Merecia ser castigada.

Logo que desligou a televisão Marge acordou. com olhos sonolentos começou imediatamente a contar a verdade.

- Herbie, fiz uma coisa muito estúpida, quer dizer, não foi completamente estúpida", tu é que foste parvo. Sabes...

Ele ouviu em silêncio, a fúria unicamente aliviada porque já não precisava de ir para a cama com ela, e, uma vez mais, retomara o controlo do casamento. Ela estava tão assustada com Louella e com ele. Mas arranjaria uma forma de se entender com a cabra do lado.

Marge lamentava-se e chorava. Perguntou-lhe friamente com quem tinha andado a fornicar. Ela falou-lhe, entre soluços, dos amigos de Louella.

Começou a bater-lhe, cheio de ódio. Ela submeteu-se, demasiado assustada para gritar e ele continuou a bater-lhe até se sentir melhor. Depois, sentou-se na cama e examinou as mãos, mãos magras e brancas com unhas cuidadas.

Lentamente, as idéias começaram a ocorrer-lhe. Idéias que contemplavam toda a gente. Castigaria Sunday e ao mesmo tempo pagaria a Louella os dois mil dólares.

Era uma idéia bizarra que poderia resultar.

A inactividade não condizia com Charlie. Começou a sentir-se inseguro. Precisava de sentir os olhos tranquilizadores de uma câmara de filmar.

No que lhe dizia respeito, os médicos não prestavam, e, após duas semanas entediantes ao sol de Palm Springs, telefonou a Marshall para desabafar.

Ele não esteve com contemplações.

- Tens de descansar - recordou-lhe. - Além do mais, agora não há nada para fazer.

- Apareço como convidado - insistiu Charlie. - Que tal um especial na TV?

Marshall ficou calado durante um bocado.

- Não ias gostar.

- Por amor de Deus, pá, deve haver qualquer coisa. Phillipa levara dois dias a regressar após ter saído durante o jantar.

Esperou que os convidados se fossem embora.

- Onde estiveste? - perguntou Charlie, de rompante. Tinha um ar sujo e descuidado.

- Fiquei com uns amigos. Tripámos durante dois dias, foi uma experiência maravilhosa. Arranjei-te um haxe bestial.

Tinha os olhos arregalados e ele percebeu que ela tinha andado metida no ácido. Não aprovava. Fumar erva era uma coisa, agora o resto...

- Fiz uma descoberta muito interessante - anunciou ela. - Se misturar erva com speed consigo.

- Consegues o quê? - perguntou ele.

- Foder, claro. Ter sexo. Sabes o que quero dizer.

- Acho que é altura de voltares para a tua mãe. Se pensas que me sinto lisonjeado por me dizeres que só consegues se estiveres pedrada, é melhor pensares outra vez.

- Bem, tu estavas tão desesperado por ir para a cama, e aquele teu amigo horrível, o Clay e aquela Carey. Detesto os teus amigos, são uma merda.

- E tu também és, Phillipa, querida. Na verdade, até és muito mais falsa do que eles porque finges ser o que não és.

- Velho estúpido - gritou ela. - És um velho estúpido. E tu? A fazer dieta, a deixar crescer o cabelo, usando roupas à hippie, só sendo aceite por seres uma estrela de cinema. As pessoas riem-se de ti. És tão ridículo! Pensa nisso.

O telegrama para Marshall foi desesperado. Ficar sozinho na casa de Palm Springs dava cabo dele. Se Marshall não lhe arranjasse alguma coisa dentro dos próximos dias, pensaria seriamente regressar a Londres.

Entristecia-o o facto de cada vez que uma relação terminava se sentir arrasado. Até Phillipa lhe atirara à cara que só era aceite por ser Charlie Brick, aquela estrela de cinema. Nunca pensara que ela o visse assim.

As estrelas de cinema, essas ao menos eram do mesmo ofício e era muito mais divertido no que dizia respeito ao sexo.

Carey estava na cidade e Charlie levou-a a jantar. Ela estava furiosa. -Aquele filho da puta do realizador francês vai dar cabo da carreira de Sunday. Fechou-se lá em casa e nem sequer me deixa falar Hcom ela nem dois minutos. Pensa que é Deus. - Carey, querida, tens de falar com o Marsh. Aqui ainda dou em maluco. Toda a vida trabalhei e não consigo estar inactivo. Estou fino. Diz-lhe para me arranjar alguma coisa. - Mas os médicos disseram que devias descansar. - Que se fodam os médicos, querida. Eu preciso de trabalhar. -vou falar com o Marshall. Sei que ele acha que deves levar as coisas com calma. Afinal de contas tens dois filmes para fazer lá até o fim do ano. Vens ao nosso casamento, não vens? - Não ia faltar. Olha, querida, tive uma idéia. Quantas pessoas vais convidar?

- Cinqüenta. Vamos insultar meia Hollywood mas não estou para aturar guerrazinhas. É só família e amigos mais chegados.

- Por que não fazemos a festa aqui?

- Onde?

- Aqui em minha casa. Nesta espelunca de luxo. O jardim seria perfeito. Contratamos um padre. Trazemos toda a gente num avião especial. É uma óptima idéia. É. o meu presente de casamento para ti e para o Marsh.

Ela riu-se.

- É uma idéia maluca. Porque não? Ainda não combinámos nada. Ela debruçou-se para a frente e beijou-o na face.

- Acho maravilhoso. Achas que conseguimos tratar de tudo até sábado?

- Deixa isso comigo.

Charlie queria que o casamento fosse especial. Conhecia Marshall havia muitos anos e gostava dele, e também de Carey. Contratou uma secretária chamada Maggi para se ocupar de todos os pormenores e deu-lhe instruções.

Maggí era uma ruiva gorducha, cheia de sardas. Fez-lhe companhia.

Era uma boa ouvinte, e não falava muito.

Charlie não estava para conversas.

- Toma estes comprimidos.

- Já te disse que não tomo comprimidos. Põem-me enjoada e de qualquer modo não preciso de pílulas para dormir.

Sunday estava deitada na cama com Claude, e a câmara de filmar pairava sobre eles como uma terceira pessoa. Eram três da manhã e apetecia-lhe fechar os olhos e dormir.

Claude estivera toda a noite com uma estranha disposição falando do filme, das personagens, do significado de tudo aquilo. Depois, à uma da manhã, quisera fazer amor e ela nunca o vira tão controlado. Excitava-a quase até ao auge, e depois parava, acendia um cigarro, dava uma volta pelo quarto. Acabou por se tornar insuportável. Agora ela sentia-se descontraída e ele insistia nos comprimidos para dormir.

- Quero que os tomes - insistiu ele. - Há uma razão muito importante.

- Que razão?

- Olha, já te disse que se amanhã trabalhares bem te deixo ir ao casamento da tua amiga. Pronto, eu ajudo-te e tu ajudas-me. Agora toma isto e deixa de te portar como um bebê.

Entregou-lhe duas cápsulas turquesas.

- Não, Claude. Não tomo comprimidos. Além disso, se vamos começar a filmar às sete ainda vou estar a dormir.

Ele suspirou.

- Rapariga esperta, meia a dormir, é como eu te quero. Ia fazer-te uma surpresa, mas já que estás a ser tão difícil... Amanhã vamos filmar a cena da violação. Não quero que saias da cama.

- Oh, anda lá.

Ela nem queria acreditar.

- com a cara e os dentes por lavar?

- Como é que pensas que a Stephanie estava quando os rapazes entraram por ali dentro? Estava na cama, não? Estava a dormir, não? E também tomava comprimidos, não? E é assim, minha querida, que vamos filmar. Se queres ser actriz fazes as coisas à minha maneira.

Relutantemente, ela engoliu os comprimidos e fechou os olhos. A cena não tinha diálogos, só luta. Perguntou-se como é que Claude iria filmar. Faria grandes planos do rosto dela, naturalmente, por isso queria que tivesse um ar natural.

Adormeceu despreocupadamente. Ele era um realizador brilhante.

Confiava nele.

A primeira sensação foi a de sentir os cobertores a serem puxados, depois um peso e alguém a subir para cima dela.

Tentou mover-se. Depois sentiu que lhe arrancavam a camisa de dormir. Tentou abrir os olhos mas as pálpebras não lhe obedeceram. Mãos desajeitadas agarravam-lhe os seios. Ouviu um ruído, a câmara a filmar. Onde estava Claude?

Conseguiu abrir os olhos mas a intensidade dos focos fez com que os fechasse rapidamente. Disse:

- Larguem-me.

Abriu novamente os olhos e olhou com incredulidade para o rosto de Carlos Lo. Estava sentado ao lado dela, as mãos nos seios. Do outro lado estava o outro actor, rindo-se com suavidade.

- Que é isto? - perguntou. Sentia-se fraca, sem forças, meia a dormir. - Oh, o estupor - murmurou ela. - O estupor. Está mesmo a filmar. Vai deixar estes vadios violarem-me.

Começou a debater-se mas não tinha forças.

Um dos actores prendeu-lhe os braços enquanto o outro lhe abria as pernas, e, no momento da penetração, Claude pôs-se a filmar por cima, com a câmara quase sobre o rosto dela.

- Seus estupores - gritou, debilmente.

Depois foi a vez do mais magro, com os olhinhos velhacos a sorrir-lhe. Deixou de se debater. Não valia a pena.

Ele lambeu-lhe o rosto enquanto a penetrava. Depois, afastou-se e a câmara filmou-a de cima como se fosse outro amante.

Ela deixou-se ficar muito quieta, deitada sobre a cama, de pernas abertas.

- Nunca te perdoarei, Claude. Nunca - murmurou.

- Talvez perdoes quando leres as críticas.

Poisou a câmara e ela reparou que a maior continuava a filmar. Os dois actores já tinham saído.

- A propósito - disse Claude. - Quero apresentar-te a minha mulher.

Uma loira magra na casa dos trinta anos, aproximou-se. Sorriu cordialmente.

- Não te preocupes com isto, querida. É à moda do Claude. O resultado final é que conta. Sei que concordas comigo.

Sunday sentou-se, rodeando os joelhos com os braços e abanando-se de um lado para o outro, incrédula.

- Sempre soubemos que eras a pessoa indicada para fazer o papel de Stephanie. Tens um corpo maravilhoso. O Claude é um homem com sorte. Mas agora, aqui, as coisas são diferentes. Sei que compreendes. Três podem ser, como hei-de dizer... três compatible. Tenho a certeza de que te vou ensinar umas coisas que nem o Claude conhece.

- Vocês não pensam que eu vou cá ficar a acabar o filme, pois não? - perguntou Sunday, tentando controlar o tremor da voz.

- Serias muito tonta se não o fizesses. Não ganhavas nada e perdias tudo.

Ela riu-se com incredulidade. Aquilo parecia um pesadelo e ainda se sentia meia tonta para discutir.

- Não tem outra saída senão acabar o filme - continuou a mulher de Claude. - Em primeiro lugar, temos um contrato. Em segundo lugar, se recusares continuar, aquilo que filmámos será utili zado, quero dizer, não relacionado com este filme. Estas coisas têm um bom mercado.

Sunday olhou para Claude.

- O quê? - gritou.

A mulher respondeu por ele:

- Tudo deve sair perfeito porque o Claude é um artista, um gênio. Do material que filmou esta manhã só irá usar o teu rosto, o teu olhar. Será perfeito. Serás aclamada como uma grande actriz. Olha, minha querida, quando este filme estrear, ainda nos vais agradecer.

Trêmula, Sunday levantou-se da cama. Sentia-se suja e usada. Só queria afastar-se daquelas pessoas doentias. Só queria sair daquela casa.

Enfiou umas jeans e uma camisola.

- Onde vais? - perguntou Claude, enquanto ela cambaleava para a porta.

- A um casamento.

- Óptimo. Mas amanhã continuamos. Sei que depois de reflectires vais ver que tudo está certo.

Ela agarrou no saco e saiu sem mais uma palavra.

Felizmente tinha o carro cá fora. Encostou a cabeça ao volante e tentou pensar para onde devia ir. Era demasiado tarde para seguir em direcção a Los Angeles, pelo menos no estado em que se encontrava. No entanto, não tinha mais para onde ir. Eram sete da manhã. Um hotel? Subitamente pensou em Charlie. Ele tinha uma casa. Carey casava-se nessa tarde. Procurou o convite na mala, depois seguiu para o posto de gasolina mais próximo e pediu indicações sobre o caminho a tomar.

Charlie costumava acordar cedo. Gostava de nadar antes de o tempo aquecer demasiado. Naquela manhã estava particularmente ansioso por verificar tudo, para examinar o pátio e as flores, e testar a plataforma que mandara construir e onde o casal se casaria.

Compridas mesas brancas aguardavam a comida, protegidas por toldos floridos.

Preparou cuidadosamente as duas câmaras de filmar, a Argus japonesa e a Bole x colocando-as sobre uma mesa especial. Ao lado, estavam as máquinas fotográficas, a Leica, a Rolleiflex, a Pentax e alguns rolos de filme. Carey chegaria às onze, os empregados de mesa ao meio-dia, o padre à uma, os convidados às duas. O casamento estava marcado para as duas. Havia muito tempo.

Olhou para o relógio. Pouco passava das sete. Não tinha muito mais para fazer. Já escolhera o que havia de vestir. Talvez devesse telefonar ao velho Marshall para o acordar e convidar para tomar um café. Marshall estava em casa de amigos, ali perto. Depois ouviu um carro chegar e veio à entrada ver quem era. O carro parou e Sunday Simmons saiu.

A princípio não a reconheceu. Estava desgrenhada e tinha olheiras fundas. Depois, mirou-a melhor e lembrou-se. Não havia mais ninguém com aquele corpo.

- Chegaste muito cedo, querida - brincou, e depois, reparando que ela não estava bem, acrescentou:

- Eh, que se passa?

Ela encostou-se a ele, cansada e mal disposta, ainda admirada pr ter encontrado o caminho.

- Acho que vou vomitar.

Ele levou-a para dentro até ao quarto de banho. Segurou-a enquanto vomitava.

Que se passara? Teria bebido? Estaria com alguma ressaca?

Sob a camisola fina não trazia, nada. Provavelmente zangara-se com o namorado. Mas por que razão viera ter com ele? Quando verificou que ela estava melhor, deixou-a sozinha e foi à cozinha mandar fazer um chá e torradas. Bebeu mais um copo de sumo de maçã e comeu duas colheres de germe de trigo e mel. Estava numa de comida racional.

Ela só apareceu passados vinte minutos. Lavara a cara e escovara o cabelo. Pegou-lhe na mão, levou-a para a sala e fê-la beber o chá açucarado.

Nenhum deles falou.

Ela recostou-se na cadeira e observou lá fora os preparativos para o casamento.

Ele pensou que nunca tinha visto uma mulher tão bonita.

- Esta é a melhor chávena de chá que bebo desde que vim de Londres - disse ela, por fim. - Posso beber mais uma chávena?

Ele serviu-a.

- Trago sempre o meu chá - disse, com sotaque cockney. Estes ianques não percebem nada de chás.

Ela sorriu.

O telefone tocou e ela acenou freneticamente que não estava ali. Era Marshall. Charlie não se alongou e disse-lhe que ligaria mais tarde. Virou-se para Sunday e perguntou:

- Não achas que devo saber o que se passa?

Ela concordou.

- Acho que sim, uma vez que te vim bater à porta. É uma história muito comprida e sinto-me muito mal. O que queria mesmo era tomar um banho e dormir um sono. Vim para aqui porque não queria faltar ao casamento de Carey. Sabes, ela é que tinha razão. Bem me avisou...

Deteve-se abruptamente quando Maggi entrou, bamboleante, de fato de banho e cabeleira ruiva apanhada atrás.

- Oh, desculpem. Interrompo alguma coisa? - perguntou toda animada. - Pensei em vir dar uma ajuda.

- Não faz mal, querida.

Charlie estava admirado. Maggi nunca se levantava antes das dez. Era uma metediça. - Maggi, esta é Sunday Simmons.

- Olá - disse Maggi, sentando-se e servindo-se de uma torrada.

- Acho que o teu quarto já deve estar preparado - disse Charlie para Sunday. - Olha, querida, foi mesmo uma surpresa teres chegado tão cedo. Vamos, ensino-te o caminho.

Conduziu-a ao andar de cima.

- Não ligues à Maggi - disse. - É uma idiota. Tens algum vestido para o casamento?

Ela abanou a cabeça.

- Nem sequer tenho sapatos.

- Escreve aí os tamanhos e eu mando alguém ao Saks. Conduziu-a a uma suite que dava para o jardim.

- Tens sido muito simpático - disse ela. - Explico-te tudo mais tarde, mas promete que não dizes nada à Carey.

- Nem tenho nada para lhe dizer, pois não? Ela chega às onze mas vou pô-la no outro extremo da casa e venho-te buscar antes do casamento. Está bem?

- Óptimo. Mais uma vez, obrigada, Charlie. Nem sei como te agradecer.

Eu sei, pensou ele. Conheço a maneira ideal. Adeusinho, Maggi.

Carey sofreu um pequeno ataque de pânico de mistura com uma crise de nervos. Chegou acompanhada da irmã, uma rapariga gorda, toda vestida de cor-de-rosa. Que erro ter trazido Mary Jane antes dos outros. Ela não entendia nem aprovava nada daquilo. Casar com um homem mais velho já era mau; quanto mais um branco. A família de Carey formava uma frente de desaprovação.

Dirigiu-se a Charlie.

- Ouve, não costumo fumar antes do almoço, mas se não queres ficar com uma noiva inanimada nos braços, arranja-me uma passa.

Ele sorriu.

- Que boa idéia, querida. Vamos até ao quarto.

- Deixa-me safar da minha irmã e já lá vou ter. Sentaram-se na cama dele a rir e Carey perguntou:

- Não é uma estupidez? Porque é que hei-de ter medo de me casar?

Charlie concordou, passando-lhe o charro. Quando saíram, Maggi dirigiu-se-lhes:

- Que estiveram vocês a fazer?

- Nada que lhe interesse, querida - respondeu Charlie, pensando que não podia fazer qualquer movimento sem ter Maggi à perna.

Sentiu-se tentado a falar a Carey sobre Sunday. Era amiga dela e devia-lhe lealdade, não? Mas Sunday tinha qualquer coisa e sentiu que não a podia atraiçoar.

O casamento correu às mil maravilhas. Carey estava uma noiva maravilhosa com um vestido de brocado dourado e flores brancas no cabelo. Marshall estava nervoso e perturbado.

Havia familiares e amigos por todo o lado e embora os noivos não tivessem preconceitos, brancos e negros estavam separados, mirando-se com desconfiança.

A cerimônia foi curta e simples, e houve champanhe, um buffet frio, e um enorme bolo de casamento com a inscrição: "Até que enfim, cem por cento",

Charlie tentou localizar Sunday, mas logo a seguir a Carey e Marshall terem partido para a lua de mel deixou de a ver. Pegara no carro e partira.

Sunday esperava que ninguém tivesse dado pela sua saída. Raspou-se antes de Carey e Marshall. Sentia-se mal em relação a Charlie Brick. Ele fora extremamente compreensivo e simpático e talvez ela lhe devesse uma explicação, mas por que razão também o haveria de envolver na sua vida? Tinha que tomar uma decisão que não cabia a mais ninguém.

Estava furiosa e cheia de raiva por ter sido tão parva. Não aprendera nada sobre os homens? Logo no princípio devia ter percebido quem era Claude Hussan. Que tipo de homem é aquele que entra pelo quarto de uma mulher para fazer amor, logo como forma de apresentação? E que tipo de mulher corresponderia?

- Só uma frustrada - murmurou ela. - E ele entendeu e avançou.

Conduzia o automóvel com grande velocidade, na direcção de Los Angeles e da sanidade.

Seria que Claude e a mulher pensariam que ela ia aceitar o que acontecera e continuar o filme?

Desejou ter contado a Carey mas ela fora para o Havaí durante uma semana e não lhe queria estragar a lua de mel. Conhecendo Carey como conhecia sabia que ela teria cancelado a viagem e ficado para esclarecer as coisas. Na verdade, não havia nada para esclarecer. O que quer que acontecesse, decidira não acabar o filme. Claude também iria perder. Jogara com o facto da carreira dela ter mais peso do que o orgulho. Afinal era uma actriz e as actrizes punham as carreiras à frente de tudo, não era?

No meio de toda a mágoa restava-lhe a satisfação de o poder magoar. Ia para casa e aguardaria. Claude teria de dar o primeiro passo. Fora ele quem provocara a situação,

E também havia o rapaz Jean Pierre, ainda em sua casa. Não se importava nada de ficar com ele, e de não ter de o entregar a Claude e à mulher. Mas sabia que era impossível.

Chegou à cidade cansada e com fome. Parou o carro num drive-in e encomendou uma sanduíche de atum e um copo de leite.

- Eh, Sunday, nem posso crer.

Era Branch Strong. Estava bronzeado e trazia nas mãos quatro batidos de leite em copos de cartão.

- Pensei que ainda estavas em Springs. Quando voltaste? Porque não telefonaste?

- Cheguei agora. vou para casa.

- Vieste a conduzir? Sozinha? Se tivesses dito teria ido buscar-te. Ela sorriu.

- Onde vais com esses batidos todos? Ele pareceu embaraçado.

- Bem... quer dizer... são para o Max. Apeteceu-lhe e é como uma velha. Olha, porque não vens vê-lo? Ia gostar.

Branch sabia perfeitamente que Max não ia ficar nada satisfeito pois naquele momento devia estar a preparar-se para o regresso de Branch enrolando o seu corpo nu na manta de pele acabada de comprar. Mas gostava de sexo a seguir aos batidos de leite e não lhe agradava alterar a rotina.

- Só vou comer uma sanduíche e depois sigo logo para casa, Estou mesmo arrasada.

Branch encolheu os ombros, desiludido e aliviado.

- Ouve, quero pedir-te um grande favor. Amanhã há a estreia de Doze Revólveres. Só tenho um papel pequeno, mas importante para mim. É uma grande estreia, vai lá estar toda a gente. Queres ser a minha acompanhante?

- Acabei de chegar. Não sei. Detesto estréias. Acho que não vou. Ele ficou triste.

- Oh, Sunday, por favor. Preciso de ti. Seria tão bom para mim verem-me chegar contigo. Na verdade, até disse lá no estúdio que serias a minha acompanhante. Deram-me uns lugares óptimos.

- Como fizeste isso? Nem sequer sabias se eu ia cá estar. Ele ficou atrapalhado.

- Eu sei. Dizia que tinhas tido um impedimento de última hora. Foi uma estupidez. O teu nome está na lista das estrelas que lá vão. Que tal se me desses uma mãozinha?

- Pronto, está bem.

Que Claude visse bem que ela se estava nas tintas.

Fizeram as combinações e saíram. Branch estava eufórico. Correu a assobiar para casa de Max Thorpe, Max, como era de prever, estava estendido nu, sobre a manta de pele.

- Más notícias - murmurou Branch, colocando cuidadosamente os batidos sobre a mesinha de cabeceira. - Encontrei agora mesmo a Sunday e ela voltou propositadamente para ir comigo à estreia. Viu os anúncios e achou que devia ir.

- O quê? - perguntou Max, ficando congestionado. - E eu? Prometeste que o bilhete era para mim.

- Sim, eu sei. Mas no estúdio tive de dizer que levava uma rapariga e tu é que ti veste a idéia de nomear Sunday porque não estava cá. Bem, agora já está.

Tentando ocultar um sorriso, Branch despiu as jeans e a T-shirt antes de se juntar a Max na cama. Este afastou-o.

- Esta noite não te quero - disse com voz petulante. - E o meu casaco violeta? Completamente novo e desperdiçado.

Branch encolheu os ombros, levantando-se rapidamente e vestindo-se.

- Lamento, mas a culpa não é minha. Já estava farto de Max e daquela cena.

Gostava de raparigas. Quanto tempo mais teria de esperar até poder dizer a Max Thorpe que se fosse lixar?

Sunday ficou surpreendida pois havia luzes e ouvia-se música em sua casa. Olhou para o relógio. Eram quase onze horas. Que estaria Katia a fazer? Fora contratada porque parecera calma e responsável. Entrou em casa e deu com uma série de rostos desconhecidos, mexicanos na sua maior parte, a dançarem ao som de James Brown, barulhentos e com roupas coloridas.

No meio da confusão avistou Katia encostada contra um jovenzinho. Trazia um vestido azul que pertencia a Sunday e ali ao lado, aninhado a um canto estava Jean Pierre, observando tudo com os seus sérios olhos azuis.

- Ouve lá, querida? -perguntou um miúdo, agarrando o braço de Sunday. - De onde saíste?

Ela afastou-o. Um fim perfeito, para um dia perfeito. Nem queria acreditar. Furiosa, avançou, agarrou em Jean Pierre e voltou-se para Katia.

Os olhos da rapariga estavam assustados, enquanto murmurava algo sobre o seu aniversário.

- Toda a gente daqui para fora - disse Sunday, saindo da sala com Jean Pierre e dirigindo-se para o quarto. Tinha a roupa toda espalhada sobre a cama. Um frasco de perfume entornado pingava da mesinha de cabeceira.

-Estás bem? -perguntou abraçando o rapazinho. Ele assentiu timidamente, escondendo o rosto no ombro dela. Ela puxou a roupa para trás e meteu Jean Pierre na cama.

Cá fora ouviam-se portas a bater e motores de automóveis. Escovou o cabelo, exausta, e suspirou. Seria que aquele dia nunca mais acabaria?

Herbert Lincoln Jefferson confrontou-se com Louella Jefferson um dia depois de Marge lhe ter falado do acordo e do dinheiro que seria preciso dar a Louella. Nunca tinham falado, embora ele já a tivesse visto pela janela enquanto espiava Marge. Tinha seios pendentes, pernas curtas com varizes e rolos de gordura à volta da barriga.

Arranjou-se cuidadosamente, tomando banho, barbeando-se e escovando o cabelo. Limpou as unhas e mandou Marge engraxar-lhe os sapatos, trabalho que ela já se tinha dispensado de fazer. Vestiu um fato cinzento lavado e uma camisa amarela com uma gravata verde de lã.

Achou que ficava com um ar imaculado e admirou-se durante algum tempo ao espelho.

Louella Crísp iria entender que estava a lidar com um tipo importante e não com um tolo patético como Marge.

Mas Louella olhou para Herbert e concluiu que ele era um grande filho da puta. Não queria confissões. Tendo o dinheiro pôr-se-ia andar. Até talvez esquecesse o dinheiro. Ele tinha olhos tão maus e frios.

Sentou-se na sala e olhou para ela.

- Não sou a Marge, sabe - disse, por fim. - Você tem-se andado a aproveitar dela. Sei o que se tem passado. Tenho visto as coisas que fazem nesta casa.

- Não interessa o que tem visto - disse Louella, rapidamente, decidindo que afinal sempre lhe iria sacar dois mil dólares. - Então e as coisas que eu sei? Coisas pessoais, coisas que os meus amigos da polícia gostariam de saber?

Ele fixou-a com olhos parados e sem expressão.

- Não está a falar com Marge. Não sou parvo. O dinheiro é para si. Dois mil dólares, e pronto. Arranjo o dinheiro mas preciso da sua ajuda.

- De que maneira? - perguntou ela, desconfiada.

- Da maneira que quiser. Da maneira que agora ganha o dinheiro.

- De que está você a falar?

Ele meteu a mão no bolso do casaco e retirou as fotografias de Sunday Simmons que lhe tinha roubado de casa. Sobre uma delas escrevera "Sempre que quiseres, Sunday".

Entregou as fotos a Louella que as mirou sem entender.

- Quem é esta?

- Uma amiga minha - respondeu ele, bruscamente. - Uma amiga muito íntima. Na verdade, somos tão amigos que ela faria o que quer que fosse por mim. O que quer que fosse.

Quando os últimos convidados partiram, Charlie sentiu-se deprimido. Mandara Maggi fazer as malas durante a tarde. Ela começara a dizer coisas como: "todos os meus amigos dizem que devia ser actriz. Que achas? "

- Acho que é melhor ires para casa - respondeu ele.

Agora estava novamente só e infeliz. Tão infeliz que impulsivamente se meteu no novo Ferrari negro em direcção a Los Angeles. Precisava de companhia e de mudança de ares. Tencionava instalar-se no Beverly Hills Hotel e telefonar a Clay.

Eram duas da manhã quando chegou e achou que não devia acordar Natalie. Telefonou a Thames Mason porque se sentia sozinho. Ela levantou-se da cama com pouca vontade, foi ter com ele e consolou-o. Contou-lhe a cena com Clay, rindo-se. Depois, rematou, dizendo; - Meu Deus, a pedalada que aquele tipo tem.

Charlie sentiu-se imediatamente pouco à vontade e mandou-a embora, não sem antes o fazer prometer que a levaria no dia seguinte à estreia de Doze Revólveres.

Perguntou-se se ela teria discutido com Clay as intimidades de alcova e decidiu perguntar a Clay.

Dormiu bem e teve um sonho estranho sexual que envolvia Natalie, Thames, Sunday e a sua mãe. Acordou muito mal disposto e foi até à piscina.

Era muito cedo e nadou sozinho. Resolvera voltar para Londres.

"Não valia a pena continuar por ali sem fazer nada. Decidira regressar e construir uma casa, criar raízes algures. Manter-se-ia ocupado e quando a casa estivesse pronta diria a Lorna que queria ter as crianças ao fim-de-semana. Iam adorar. Deixá-las-ia desenhar os seus aposentos. Telefonou a Clay que apareceu para tomar o pequeno-almoço. Impulsivamente, falou-lhe de Sunday. Clay disse:

-Bem, eu cá acho que tu lhe agradas e, depois de acabares, não direi que não.

Se eu lhe agradasse ela teria ficado, não?

-As mulheres são criaturas esquisitas. Se calhar achou que não te agradava.

Charlie abanou a cabeça.

- Gorda. Adorava ver-te. Por que não vais jantar hoje connosco?

- Que raio de lógica, a tua. Como está a Natalie?

- Não posso. vou levar a Thames Mason a uma estreia. Clay assobiou.

- Isso é que é gaja!

- Pois sim.

- Não sabia que já lá tinhas andado.

- Não sabes todos os sítios por onde andei.

Mais tarde vestiu um smoking Dony Hayward para a estreia. Observou-se ao espelho e foi forçado a admitir que o descanso lhe fizera bem. Estava mais magro, em forma e com um belo bronzeado. Abandonara os óculos à John Lennon e voltara ao estilo clássico. Conduziu o Ferrari até ao apartamento de Thames.

Ela vivia num típico apartamento de Hollywood para solteiros, com fotografias suas por todo o lado.

- Tenho de te fotografar - disse ele, aceitando um copo de plástico com uísque.

- Oh, adoraria - cacarejou ela. - Sou muito fotogénica. Até já me disseram que tenho umas feições perfeitas. Talvez pudéssemos fazer uma sessão para uma revista. Tu a fotografares-me e eles a fotografarem-nos.

Estava espampanante com botas prateadas de salto muito alto e vestido prateado com algumas falhas intrigantes.

- Se calhar volto para Londres esta semana - confidenciou ele. Ela não se mostrou nada interessada.

- Achas que as minhas pestanas estão muito farfalhudas? perguntou.

Ele mirou-a. Era difícil dizer com tanta sombra prateada nos olhos.

- Não sei, querida, não sou perito em maquilhagem mas estás muito bonita.

- Estou? - ela rodopiou à volta dele. - Vai ser uma estreia fantástica. Vai lá estar muita gente e todos me vão ver contigo.

com ou sem ele, achava que ela não ia passar despercebida. Uma mulher alta e ruiva como Thames Mason não se via todos os dias.

- Seria diferente se eu não fosse o Charlie Brick? Se eu fosse um Zé-ninguém ainda querias ir comigo?

Ela franziu o sobrolho.

- Quem é o Zé-ninguém? Nunca ouvi falar dele. Oh, já percebi. Deu uma gargalhada.

- Estás a meter-te comigo, hem?

- Anda, se não chegamos tarde.

Cá fora Thames observou o Ferrari com desapontamento.

- Não tens um Rolls e um motorista? - perguntou surpreendida. Charlie começava a ficar exasperado. Nunca mais ia aprender? Aquela era positivamente a última estrelazita.

Sunday detestava cenas. Detestava despedir pessoal, mas Katia

tinha de ir. Na manhã seguinte pagou-lhe duas semanas e mandou-aembora. A rapariga ficou triste mas a sua partida não pareceu afectar jean Pierre. Ficou tão satisfeito com o regresso de Sunday que não se afastava dela.

Foram à praça e abasteceram-se pois Katia deixara o frigorífico cheio de feijão frio e cachorros rançosos.

- Que tens andado a comer? - perguntou Sunday.

O rapaz sorriu e sentou-se no carrinho do supermercado, escolhendo gelados, maçãs, bolinhos de chocolate, todas as coisas de que gostava.

Limbo estava magro e nervoso. Sunday sentia-se furiosa consigo mesma por ter ido para Palm Springs, abandonando-os. Era culpa de Claude. Tudo aquilo era culpa de Claude. Branch telefonou à hora do almoço.

- A que horas queres que te vá buscar? - perguntou. - Tenho uma limusina.

- Oh!

Esquecera-se da estreia. - Ouve, Branch, acho que não posso ir. Tive de despedir a criada e não tenho quem tome conta do Jean Pierre.

- Tens de ir. Prometeste. Eu arranjo uma baby-sitter, não te preocupes. Põe-te bonita que eu já volto a telefonar.

Estava entalada. Não queria ir mas como podia desapontar Branch?

Para a estreia decidiu usar um top de chiffon sobre calças largas metidas dentro de botas de cetim. Tinha o cabelo solto deixando ver brincos dourados de cigana. Estava linda.

Branch chegou a tempo, trazendo consigo Mac, a velha criada de Max Thorpe. Uma mulher gorda e calma que se tornou imediatamente amiga de Jean Pierre e Limbo.

Sunday ficou tranqüila. Deixou instruções sobre como poderia ser localizada se fosse necessário. No seu espírito pairava a vaga possibilidade de que Claude lá pudesse ir buscar Jean Pierre.

Branch vestia um fato branco de couro e botas de cow-boy. Ria-se muito e estava satisfeito consigo próprio.

- Posso ter apenas um pequeno papel neste filme, mas tenho a certeza de que vão reparar em mim quando entrar contigo.

Achou que Branch era o retrato típico do idiota bem parecido de Hollywood. Terno e simpático mas burro. Subitamente deu consigo a pensar em Charlie Brick e em como ele era diferente. Caloroso, divertido, e, sim, atraente. Desejou atrair esse tipo de homem em vez de estupores.

- Como está o Max? - perguntou, para fazer conversa.

- Está óptimo - respondeu Branch com falso entusiasmo. Max não estava nada óptimo. Andava furioso desde que Branch lhe dissera que não o podia levar à estreia, e então hoje nem lhe tinha dirigido A palavra. Sunday suspirou e recostou-se na limusina. Quem lhe dera que a noite acabasse.

Planear a operação não fora coisa fácil, e até Herbert ler no jornal que Sunday Simmons assistiria à estreia de Doze Revólveres, não sabia como atingir os seus objectivos. Quando leu que ela lá iria estar, tudo encaixou e decidiu que aquela seria a noite. A sua única preocupação era que ela não regressasse de Palm Springs, mas os jornais tinham anunciado a sua presença e teria de correr o risco.

Louella estava a mostrar-se impaciente mas parecera satisfeita quando ele lhe dera a data e as indicações para fazer os preparativos.

Marge andava aborrecida. Ninguém lhe dizia o que se estava a passar. Louella deixara, pura e simplesmente de a contactar e Herbert andava mal disposto. O que a preocupava a sério era o facto de Louella e Herbert se encontrarem. Encontrava consolação no supermercado e depressa engordou cinco quilos. Felizmente vendiam a crédito. Herbert levantou-se cedo no dia da estreia. Havia muito a fazer. Passara a noite anterior estacionado à porta da casa de praia de Sunday Simmons e fora recompensado com o seu regresso de madrugada.

Ficou satisfeitíssimo quando todos saíram passado um bocado. A criada mexicana era uma cabra. Telefonara várias vezes durante a ausência de Sunday e quando lhe dera o prazer de algumas liberdades poéticas ela desatara, num chorrilho de palavras estrangeiras e desligara o telefone.

Marge perguntou:

- Queres o pequeno-almoço? Ele olhou-a com desdém.

- Não.

Seria que a vaca não percebia que aquela era a última manhã que passavam juntos?

Claro que não! Na verdade, nem Louella estava a par dos seus planos em relação a Marge.

Tomou banho e vestiu roupa limpa. Depois foi a casa de Louella.

- Está tudo preparado? - perguntou.

- Sim. Tens a certeza de que ela alinha?

- Passas a vida a perguntar isso - respondeu ele, irritado. Ela já me disse que sim. Temos uma relação muito especial. Já te disse que ela faz tudo por mim.

- Então por que razão não te dá o dinheiro e dispensamos tudo isto?

- Porque-quer fazer - respondeu ele, com paciência. - Quantos

homens cá vão estar?

- Catorze tipos a cento e cinqüenta dólares cada um. Já estão preparadinhos, portanto não te baldes. Vão pagar uma porrada de massa e têm direito ao melhor.

- Ela vem às nove. Venho cá trazê-la. Os homens vão um de cada vez como faziam com Marge e depois eu levo-a a casa.

Louella abanou a cabeça.

- Quem havia de dizer que uma estrela de cinema alinharia numa coisa destas?

- Oh, ela é que quer. É muito boa nisso.

Mais tarde, vestiu o uniforme de motorista e foi buscar um Lincoln Continental preto. O carro era perfeito para os seus propósitos pois pertencera a uma estrela de cinema e tinha os vidros foscos e vários mecanismos nas portas e janelas que garantiam a privacidade. Além disso, era um carro extremamente rápido.

O homem da agência ficou satisfeito quando Herbert apareceu e lhe disse que trabalhava para Charlie Brick. Foi com prazer que lho entregou. Herbert era um mentiroso convincente. Pegou no carro e seguiu para a praia. Ali, naquele local deserto, trocou a matrícula. Depois. arranjou a divisória de vidro de maneira que só podia ser aberta pelo lado do motorista. Alterou também o mecanismo interior para que as portas fechassem automaticamente. Quem quer que se sentasse no banco traseiro ficaria prisioneiro. Satisfeito com o trabalho, seguiu até casa de Sunday, e pôs-se à espera.

Em breve ela sairia e ele poderia entrar e arranjar o que precisava.

E depois os passos finais.

As luzes enormes iluminavam o céu à volta do Cinerama, onde Doze Revólveres ia ser estreado.

A polícia detinha hordas de fãs histéricos que se acotovelavam para verem a sua estrela preferida.

Um aparelho de televisão instalado no átrio transmitia entrevistas com gente importante.

Os fotógrafos, nervosos, andavam de um lado para o outro.

Stu Waterman, chefe de publicidade das Now Productions, desapareceu no quarto de banho pela quinta vez nos últimos vinte minutos, a fim de beber uns goles de uísque do frasco que trazia consigo. As coisas não estavam a correr conforme programado. Carol Shipman, que trabalhara durante dez dias, recusara-se a aparecer sentada num cavalo pois não achava isso dignificante. Realmente, aquilo vindo de uma putéfia inglesa que mostrava a passarinha a quem pedia.

Stu ficou fora de si. Como alternativa tivera de se contentar com Cindy Lawrence, uma actrizeca de grandes mamas que nunca aparecera em nada.

Cindy trazia uma peruca comprida e esvoaçante que não tapava nada e um cartaz dizendo Os Doze Revólveres. Stu ajudou-a a montar o cavalo e ela dirigiu-se para a entrada, acompanhada pelos seus cinco cow-boys.

Stu deu uma volta pelo cinema verificando se tudo estava em ordem. Chegou mesmo a tempo de ver a chegada de Cindy. O cavalo, nervoso com a gritaria da multidão, parou de repente e Cindy caiu, partindo um braço e revelando muito mais do que estava previsto. De qualquer modo, uma loira de blusão grande, estatelada nua no meio do chão não teve o impacto que se esperava.

Carol Shipman chegou metida no que parecia um hábito de freira, sem maquilhagem e com o cabelo apanhado atrás. Stu teve de ir chamar o seu próprio fotógrafo pois Jack Julip não mostrou qualquer interesse em a fotografar.

-Parece que te disse para te pores sexy - ralhou Stu, furioso.

Ela olhou para ele, sem se dar ao trabalho de responder.

Ele mordeu os lábios. Onde estavam as novas estrelas? Aquelas putazinhas nem se davam ao trabalho de passar o pente pelos cabelos.

Angela Carter chegou, toda ruiva e cheia de peles brancas. A multidão avançou, os flashes dispararam e Jack Tulip agarrou-a com sofreguidão. Stu suspirou de alívio e foi ver como corriam as coisas. Jack, o seu assistente, ajudava uma morena de cu redondo a montar o cavalo.

- Quem é? - gritou Stu.

- Não sei - respondeu Mike. - Está com o Brad Lamb.

- Então, tira-a daí. O interesse desta coisa está em serem as

estrelas a chegarem a cavalo e não as vagabundas que ninguém conhece.

Mike ajudou a rapariga a desmontar. Ela olhou furiosa para Stu enquanto este bebia mais um trago do frasco e se dirigia para a entrada.

Nessa altura chegou um Bentley branco e o motorista abriu a porta para deixar sair Dindi Sydne e o seu acompanhante.

- Olá, Dindi, querida - disse Stu, abraçando-a. Trazia pouco mais do que uns minúsculos calções de couro preto e botas de salto muito alto.

- Tenho aí uma coisa preparada que é ideal para ti.

- É só dizeres, querido - riu-se ela. - Sabes que sou capaz de fazer tudo.

-Tinhas razão - disse Charlie, irritadamente, para Thames. - Esta noite eu devia ter arranjado um Rolls com motorista.

Havia dez minutos que estavam empatados nuns semáforos perto do cinema.

Thames examinava o rosto num espelho de aumento.

- Estaríamos na mesma aqui com motorista ou sem ele comentou.

- Podíamos ir a pé - sugeriu ele.

- com esta multidão? Estás a brincar? Davam cabo de mim. Riu-se bruscamente, fechando a caixa de pó de arroz, satisfeita consigo mesma.

Um polícia aproximou-se deles, verificando a placa de identificação.

- Mr. Brick? - perguntou. Charlie assentiu.

- Por favor, Mr. Brick, volte na primeira. Arranjámos um caminho para chegar mais depressa ao cinema.

- Mas tenho um motorista à minha espera lá à frente.

- Está tudo tratado, senhor.

Charlie encolheu os ombros. Qualquer coisa era melhor do que ficar num engarrafamento, que era uma das coisas que mais detestava. Seguiu as indicações e logo a seguir foi mandado parar por outro polícia.

- Olha para os cavalos - disse Thames. - Deve ser um desfile. Mike aproximou-se a correr, estendendo uma mão suada.

- Sou o assistente de Stu Waterman - disse. - Stu achou que seria melhor para si e para a senhora chegarem montados em cavalos, ou os dois num só, se preferirem.

- A cavalo era giro - disse Thames. Charlie riu-se em voz alta.

- Eu cá, não, pá. A única vez que montei um cavalo pagaram-me bem e acabei por cair de cu.

- Acho que isto não é pago - disse Mike com ar sério. Quem lhe dera que Stu aparecesse. Não era justo terem espetado com ele nas traseiras junto dos cavalos que ninguém queria montar.

- Oh, Charlie - pedinchou Thames. - Era tão engraçado. Por favor!

- Nem penses nisso - respondeu ele com firmeza.

- Teriam uma boa escolta de cinco cow-boys - continuou Mike.

- É muito impressionante. Há muita gente que vai aparecer a cavalo.

- Bem, eu cá não vou - disse Charlie. - Mas tu podes ir, acrescentou para Thames.

- Sozinha não posso - respondeu ela, desanimada. - Não queria perder a oportunidade de entrar acompanhada por Charlie.

Branch exclamou:

- Que idéia louca!

A idéia de chegar a cavalo, juntamente com Sunday e mais cinco cow-boys agradava-lhe de sobremaneira. Sunday não ficou tão impressionada.

- Vai tu, Branch. Encontramo-nos no átrio.

- Eh, querida, que queres dizer com isso? Estamos juntos. Eu seguro-te bem.

- Não tenho medo de cair. Simplesmente não me apetece.

Stu Waterman ouvira pacientemente. Agarrou em Sunday pelo braço.

-Querida, pensa na publicidade, nas câmaras de televisão, nos...

Ela libertou-se.

- Acho um desfile ridículo.

Branch tossiu, embaraçado.

- Eh, Stu, talvez eu possa montar sozinho e ela vai ter comigo.

- Também não vou fazer isso.

Estava cansada de ser empurrada para as coisas.

- Ouve lá, querida - disse Stu Waterman. - Conseguiste tudo à custa da publicidade e agora todos os pouquinhos ajudam.

- Concerteza que sim, Mr. Waterman. Ajudam-no a si.

Voltou a entrar na limusina e disse para Branch:

- Encontramo-nos lá dentro.

Dividido entre o desejo de ser visto com Sunday ou chegar montado num garanhão, Branch hesitou. Stu resolveu-lhe o problema.

-Anda lá, rapaz - disse. - Amanhã vens em todos os jornais.

Tendo tratado dos seus assuntos na praia, Herbert estacionou a limusina a alguns quarteirões do Cinerama Dome e dirigiu-se para junto da multidão que se concentrava cá fora. Rompeu caminho até à frente sem ligar aos insultos que lhe eram dirigidos enquanto fumava.

Colocou-se na primeira fila entre duas bichas e um grupo de

adolescentes.

As bichas abanavam tristemente a cabeça e diziam:

- Quem há hoje para que se possa comparar com a Joan Crawford? Os adolescentes gritavam:

- Lá está o Randy! É mesmo ele. F-a-n-t-á-s-t-i-c-o!

Herbert apalpou o rabo de uma das raparigas. Ela nem se apercebeu. Vestia umas jeans muito justas e uma camisa muito fina que lhe dava pelo umbigo.

Herbert pensou que era muito triste a maneira como as mães deixavam as filhas andar. Beliscou-lhe o rabo e ela olhou à volta. Cochichou para uma amiga e ambas se riram.

Herbert pôs-se a olhar em frente, assistindo, impassível, à chegada de Angela Carter que já fora o objecto das suas cartas mas que nunca chegara a ter a felicidade de o conhecer. Esse ia ser o privilégio de Sunday Simmons e já nessa noite.

Charlie viu Sunday chegar enquanto falava com Jack Julip. Entrou sozinha, ligeiramente hesitante. Os operadores de câmara avançaram. Jack estava já a acabar de falar com Charlie e fez sinal a um assistente para que fosse buscar Sunday. Apertou hipocritamente a mão a Charlie.

Thames, que se mantivera calada, disse:

- Esse tipo é um palerma e este espectáculo cheira tão mal como ele.

Pelo canto do olho, Charlie observou Sunday recusar uma entrevista. O ar de incredulidade no rosto de Jack Julip era impressionante. No meio da confusão, Jack agarrou em Thames e anunciou:

- E esta linda jovem acompanhante de Charlie Brick é, nem mais nem menos do que a estrela em ascensão...

- Thames Mason - disse logo ela, acenando para a multidão, És um amor, Jack, adoro o teu espectáculo.

Depois, pôs-se a fornecer todos os pormenores sobre como se despira no último filme, tudo em nome da arte. Charlie aproximou-se de Sunday.

- Deves-me uma explicação, para já não falar no dinheiro do vestido que vale centenas de dólares... -disse, brincalhão.

- Chegaste a cavalo? - perguntou ela.

- Não.

- Nesse caso, pago-te. Riram-se os dois.

- com quem vieste? -perguntou ele.

- com o Branch Strong. - Deve estar a chegar a cavalo.

- Se eu soubesse tínhamos feito uma troca. Sunday estava ansiosa por chegar a cavalo.

Ela sorriu.

- Desculpa ter desaparecido. Devia-te explicar, foste simpático e compreensivo.

- Que tal se fosse mais tarde? Thames tem uma cena de nu que quer ensaiar e a mim não me apetece nada.

Arrependeu-se logo. Ela tornou-se mais fria, sorriu ligeiramente e disse:

- Desculpa, mas estou ocupada. Se me disseres quanto te devo, mando-te um cheque amanhã.

- Não quero o dinheiro. Estava a brincar.

- Mas eu insisto.

Um fotógrafo intrépido tirava-lhe fotografias e logo que acabou a entrevista com Thames aproximou-se.

- Acho que podíamos entrar - disse, agarrando possessivamente na mão de Charlie e olhando para Sunday.

- Temos muito tempo, querida. Vocês já se conhecem?

Satisfeito, Herbert, viu Sunday chegar. Encontrava-se agora lá dentro e tudo corria às mil maravilhas.

Viu as horas e começou a afastar-se da multidão.

Dentro do cinema as pessoas instalavam-se. Ouvia-se algum burburinho enquanto se verificavam as marcações. Era importante ficar sentado no lugar certo e não ser atirado para os lugares mais baratos - escondidos.

Charlie tinha bons lugares e Thames ficou satisfeita. A maior parte das estréias a que tinha assistido fora na companhia de actorzecos de segunda. Costumavam oferecer-lhe os bilhetes que correspondiam, invariavelmente, a maus lugares. As empresas convidavam-na para as estréias unicamente pela publicidade que ela poderia conseguir posando no átrio, mas não estavam dispostas a oferecer-lhe bons lugares.

- O Jack Julip não é óptimo? - perguntou ela, lambendo os lábios e sorrindo para um fotógrafo que conseguira entrar.

Sunday e Branch ficaram sentados numa fila junto à coxia.

Branch estava tão nervoso que até lhe doía o estômago. Duas filas à sua frente sentava-se Maxwell Thorpe, com o seu fato novo violeta, e a seu lado, estava Oliver Ritz, extremamente atraente. Tal como Branch, também tivera um pequeno papel em Doze Revólveres, mas toda a gente sabia que era bicha. Até àquela semana vivera oficialmente com um actor muito famoso.

Branch engoliu em seco. Gostava muito de Sunday, mas não o suficiente para dar cabo do seu futuro. Se soubesse que Maxwell se iria vingar nem teria hesitado em o acompanhar. Raios, gostava de viver numa grande mansão de Hollywood. Gostava de poder escolher entre conduzir um Excalibur ou um Lincoln. Gostava de passear em Cy Denore e de comprar o que lhe apetecia. Ainda teria direito a tudo isso depois dessa noite? Ou seria a forma de Maxwell Thorpe lhe dizer que estava tudo acabado?

Sunday fechou os olhos e desejou que o filme começasse. Detestava toda aquela palhaçada, os olás das pessoas que não se tinham dignado cumprimentá-la quando ainda era uma desconhecida.

Já resolvera não acompanhar Branch à festa que se seguiria. Alegaria uma dor de cabeça e não lhe importava que ele acreditasse ou não. Estava farta de ser simpática para os outros com prejuízo de si própria.

Por seu lado, Branch pensava na forma como se poderia reabilitar aos olhos de Max, depois de se livrar de Sunday.

Já estava quase resolvido a ir ter com Max e convidá-lo, quando as luzes se apagassem.

Cá fora no átrio, Stu Waterman dizia para Mike:

- Não me interessa o que vais fazer com os cavalos -, mas tira-mos já daqui.

As equipas de televisão retiravam o material. Os fotógrafos já tinham saído. A multidão dispersara, assim como os polícias.

Stu bebeu um trago do frasco e praguejou quando viu que estava vazio.

Precisava de férias, a úlcera estava a dar cabo dele. Trabalhar para actores era uma forma danada de ganhar a vida.

Herbert estava sentado no carro. Tinha as palmas das mãos a suar mas exteriormente permanecia calmo. Era importante manter um comportamento normal.

Pôs a limusina a trabalhar. Olhou para o relógio mais uma vez. Os Doze Revólveres estavam em exibição havia exactamente uma hora.

Conduziu o carro até ao parque de estacionamento do cinema e saiu. Depois, abriu o porta-bagagens e retirou um saco castanho de papel que colocou sobre o banco da frente. Trancou cuidadosamente o carro e dirigiu-se para o cinema.

Charlie não conseguia acreditar que alguém falasse tanto. Durante a exibição do filme, Thames não parara de fazer comentários pelo canto da boca.

- Vês aquele tipo, andámos juntos no conservatório. E aquele ali, filho, aquele é fogo, vive com duas miúdas e dá pinocadas dia e noite... agora aquela tem um corpo de merda, não sei onde a foram buscar. Olha só para aquelas mamas penduradas.

- Vê lá se te calas - disse-lhe pela vigésima vez.

Ela passou a ver o filme. Passado um minuto, exclamou:

- Olha só, pelos púbicos num western? Onde já se viu?

- Já te disse - exclamou Charlie, zangado. - Se não te calas vou-me embora e ficas a falar sozinha. Estou farto!

Thames roeu uma unha. Jack Julip prometera-lhe um pequeno papel no seu espectáculo de televisão se fosse ter a casa dele mais tarde. Era tentador. Por muito que quisesse ir à festa com Charlie talvez uma aparição na televisão lhe fosse mais útil.

- Eh - disse. - Olha para o cu daquele tipo. Há mais cus neste filme do que no Ob, Calcutá.

Sunday achou o filme aborrecido e de mau gosto. Era uma combinação forte de violência e sexo, e, aparentemente, mais nada.

Branch estava deslumbrado. Acabara de aparecer num grande plano, e se era fotogénico! Até a cicatriz junto à boca parecia bem. Aquela era a sua melhor cena do filme: quatro grandes planos, duas frases.

Herbert atravessou o átrio. Estava muito calmo. Dirigiu-se à bilheteira onde estava sentada uma rapariga a pintar as unhas e a pensar em como era muito mais bonita do que todas aquelas estrelas que vira nessa noite.

- Tenho um recado urgente para Miss Sunday Simmons - disse Herbert. - Sabe onde ela está sentada?

A rapariga examinou Herbert, vulgar e limpo no seu uniforme de motorista. Tinha de ser muito cuidadosa pois o que havia mais era lunáticos nos tempos que corriam. Tinha um botão de segurança aos pés, onde carregaria se fosse atacada. Mas aquele homem parecia normal.

- Não sei onde está sentada - respondeu. - Vi-a entrar. Talvez o porteiro saiba. Sabe, com certeza, pois costuma reparar nas celebridades.

- Onde o posso encontrar? - perguntou, olhando rapidamente para o relógio. - Está ao fundo da sala. É um rapaz alto.

Uma gorgeta de cinco dólares e foi imediatamente conduzido ao lugar de Sunday.

No écran, Branch desabotoava lentamente a camisa, fixando a câmara.

O rapaz curvou-se e disse, num sussurro:

- Miss Simmons, desculpe incomodá-la, mas o seu motorista está aqui. Diz que é muito urgente.

- Urgente? -perguntou Sunday com voz assustada.

No écran, Branch desabotoava lentamente as calças, fixando a câmara.

Sunday levantou-se e abanou Branch que estava totalmente embebido a ver-se no écran. Nem se mexeu.

A câmara mostrava o seu rosto que agora enchia o écran. Perguntava-se como é que Max se sentiria naquele momento. Nem reparou na saída de Sunday.

Thames disse:

- Aquele tipo é mesmo um bom bocado. Ouvi dizer que é bicha, Não é uma pena? Aposto que lhe dava a volta...

Charlie levantou-se. Não estava para aturar aquilo. Deixá-la falar! Ele ia embora.

Uma vez no átrio, Herbert tomou conta da situação. Afastando o porteiro que se preparava para lhe pedir o autógrafo, disse para Sunday:

- Miss Simmons, temos que nos despachar. O miúdo teve um acidente. Mandaram-me cá buscá-la.

Sunday ficou lívida. Se Claude Hussan tivesse tocado naquele miúdo...

- É grave? - perguntou com voz embargada.

Herbert assentiu, com ar sério, conduzindo-a para o parque de estacionamento.

Educadamente abriu-lhe a porta. Depois, suspirou de alívio. Até ali tudo bem. Ela caira na ratoeira.

Sunday recostou-se e fechou os olhos. Se acontecesse alguma coisa a Jean Pierre por sua causa... nem queria pensar nisso. Não via nada. O motorista estava tapado pelo vidro escuro e as janelas também. Premiu o botão para abrir o vidro mas parecia estar avariado.

Curvou-se para a frente e bateu. O carro continuou a andar.

Ocorreu-lhe que talvez aquilo fosse alguma partida de Claude.

Herbert permitiu-se um sorriso triunfante. Tudo fora tão fácil. Magistralmente planeado por si próprio, claro.

Ouviu-a bater no vidro e sorriu. Não iria revelar-se rapidamente. Deixá-la imaginar coisas. Só lhe fazia bem preocupar-se. As mulheres hoje em dia eram muito seguras, tudo lhes era oferecido de bandeja. Quando tratasse de Miss Sunday Simmons ela ficaria a saber quem é que mandava.

O carro abrandou. Seria um semáforo? Logo que se deteve, tentou abrir a porta. Estava trancada. O carro arrancou novamente.

Não estava assustada. Nada do que Claude fizesse a assustaria. Era a criança que a preocupava. Iria ele fazer chantagem para ela acabar o filme?

Raios partissem Branch mais a sua vaidade. Devia ter ido com ela. Não a devia ter deixado ir sozinha.

Recostou-se no lugar e preparou-se para o encontro com Claude.

Já no átrio, Charlie pensou melhor. Não seria deselegante deixar Thames sozinha?

Bem, uma rapariga como Thames não estaria só durante muito tempo. Além disso, a culpa era dela. Pusera-o maluco com aquela conversa de chacha.

Enquanto se dirigia para o automóvel viu Sunday entrar para um carro preto. Havia algo familiar no motorista. Não era o Herbert qualquer coisa que o Clay lhe cedera? Apressou o passo. Ambos tinham achado que o filme não prestava, portanto talvez agora ela fosse jantar com ele.

Antes de chegar junto do Lincoln este arrancou na direcção oposta. Meteu-se no Ferrari. Talvez a seguisse durante um bocado para ver onde ia. Afinal, não tinha nada que fazer.

Herbert falou para um pequeno microfone.

- Temos o miúdo. Está bem e assim continuará desde que faça tudo o que dissermos.

- Quem é você? - perguntou Sunday, zangada. - Onde está Mr. Hussan?

Herbert calou-se, momentaneamente abalado pela fúria dela. Esperava medo.

- Temos a criança - continuou. - A segurança dele depende do seu comportamento. Mr. Hussan não a pode ajudar. Está nas nossas mãos. Deve ser obediente, senão a criança acaba como o cão.

- Que cão? perguntou ela, nauseada. Já ouvira aquela voz.

- Olhe para o saco que tem à sua direita.

Abruptamente, as luzes acenderam-se. Olhou à volta. Parecia que estava presa numa cela negra.

O carro avançou e ela não conseguiu ver nada através dos vidros opacos. Sobre o banco encontrava-se um saco de papel castanho. Tocou-o. Estava húmido. Meteu a mão lá dentro, olhou e deu um grito. O saco continha a cabeça de Limbo.

Marge Lincoln Jefferson meteu mais um chocolate na boca. Estava farta. Desde que contara a Herbert que Louella queria o dinheiro que fora posta à margem. Louella arranjava sempre desculpas para não falar com ela. Não conseguia passar da entrada.

- Então, e o círculo de amigos? - perguntara Marge. - Quando é a próxima reunião?

- Não sei dizer - murmurara Louella, fechando-lhe a porta na cara.

Herbert não se portava melhor. Sempre fora um homem difícil, mas agora tudo o que ela fazia estava mal e ele passava a vida a bater-lhe.

Estava reduzida uma vez mais à televisão e mesmo essa ameaçavam tirar-lha porque Herbert não pagara a última prestação. Marge sentou-se a pensar. Sabia que eles estavam a tramar alguma pois ainda naquela manhã Herbert se mostrara muito animado e quando voltara oferecera-lhe uma grande caixa de bombons. Ela ficara espantada.

Reparara que havia actividade em casa dos vizinhos. Louella e o marido tinham passado o dia a transportar caixas e malas para a carrinha como se fossem partir de viagem.

Marge enfiou outro chocolate na boca, e olhou uma vez mais pela janela. Tinha dali um bom panorama do que estava a acontecer.

Se nessa noite houvesse nova reunião de amigos ela estaria lá.

- Ouça, com atenção - instruiu Herbert. - Aproximaram-se do destino e era altura de dar indicações.

Sunday encolheu-se o mais longe possível do embrulho macabro.

O facto de não poder ver o homem ainda tornava as coisas piores. Estava assustada mas decidida a conservar-se calma.

- Quem é você? -perguntou novamente. Que quer?

- Ouça - insistiu Herbert. - Se obedecer, tudo correrá bem. Se não, o rapaz morre como o cão.

- Quanto quer? - Tenho dinheiro e posso arranjar mais. Quanto? Ele fez uma pausa. Não lhe ocorreu sacar dinheiro. A idéia atraía-o

mas ainda lhe agradava mais levar a cabo o plano inicial.

- O dinheiro não ajuda o rapaz. Vamos para uma casa. Aí você fará o que lhe dissermos. Não falará com ninguém a não ser comigo. Uma palavra no sítio errado e o miúdo morre. A um sinal meu, haverá pessoas que entram em acção, por isso não se arme em esperta. Percebe?

- Sim. Percebo.

Tentou desesperadamente lembrar-se donde ouvira aquela voz.

- Que tenho de fazer?

- Nada que já não tenha feito e que não saiba fazer. Devia ter esperado por mim. Se tivesse esperado, agora não se sujeitava a isto.

- Esperar por si? Eu conheço-o?

- Oh, sim, você conhece-me.

Era como uma continuação do pesadelo em Palm Springs. Sentia-se nauseada e acossada. Aquilo devia ser obra de Claude Hussan, mas como seria possível envolver também o Jean Pierre? E quem era aquele louco que conduzia o carro? Conhecia a voz dele. Mas quem era?

Charlie estava a ficar aborrecido. Ter seguido Sunday fora um acto infantil. Nem sequer tinha a certeza de que era ela quem ia no carro: só a vira de relance. E onde raio iam eles? Afastavam-se de Beverly Hills e metiam-se pelas ruas escuras e lúgubres.

Por duas vezes decidiu parar e por duas vezes mudou de idéias, pois, uma vez que já tinha ido tão longe bem podia continuar. Claro, não deixaria que ela o visse. Seria demasiado embaraçoso.

Ocorreu-lhe que lhe achava graça. Não, era algo mais forte do que isso. Havia algo nela... um não sei quê...

Esme Mac espreitou mais uma vez Jean Pierre. Estava profundamente adormecido. Por onde andaria o cão? Procurara-o por todo o lado. Tinha o jantar à espera e Miss Simmons recomendara que lho desse.

Devia andar a brincar algures na praia.

Aconchegou a roupa a Jean Pierre e foi à cozinha tomar uma boa chávena de café.

O carro parou. A voz avisou:

- Agora lembre-se de tudo o que lhe disse. Se fizer tudo direitinho estará de regresso dentro de algumas horas. Vamos buscar o miúdo e levo-os a casa. Se não cooperar... bem já sabe com o que contar. A vida do miúdo está nas suas mãos.

Esperou silenciosamente que o dono da voz se apresentasse. Não valia a pena gritar ou fugir. Uma vez que ele tinha o Jean Pierre era melhor obedecer-lhe.

A porta abriu-se e ela viu que se encontravam numa rua calma. Os olhos de Herbert evitaram os dela quando a agarrou pelo braço para a ajudar a sair do carro. Ela ficou com a certeza de nunca o ter visto.

Ele subiu silenciosamente um caminho até uma casa de aspecto lúgubre e bateu à porta.

Uma mulher de baixa estatura, vestido de cetim verde e montes de jóias falsas veio abrir.

Não falaram um com o outro mas os seus olhos examinaram Sunday com curiosidade.

Herbert subiu apressadamente as escadas rangentes até um quarto e fechou rapidamente a porta. Suava em bica. Sentia a roupa demasiado apertada e pegajosa. Apetecia-lhe um banho. Encostou-se à porta.

- Dispa-se - disse. - E vista isto.

Apontou para um roupão negro que estava sobre a cama. Ela olhou para ele.

- Dispa-se - rosnou ele, mais uma vez.

Lentamente, ela curvou-se e descalçou as botas, depois voltando-se de costas para ele, despiu a blusa e as calças de chiffon. Por baixo trazia cuecas e soutien cremes. Enfiou o roupão.

- Dispa-se toda - ordenou. - Já sentia um inchaço desconfortável dentro das calças.

- Diga ao Claude que a brincadeira já foi longe demais - disse ela, debilmente. - Eu acabo o raio do filme.

Começou a chorar.

- Isto não tem nada a ver com o Claude. Tem a ver comigo. Comigo. Não sabe quem sou?

- Que quer de mim? Que fiz eu?

Deixe-se de choraminguices e dispa-se. Para uma puta como você não deve haver problema em se despir.

Lentamente ela despiu as cuecas sob o roupão. Ele tirou-lhas e enfiou-as no bolso.

Ela mexeu no soutien e ele disse:

- Tira o roupão. Quero ver-te nua.

Ela perguntou-se se ele a iria matar. Tinha um olhar tão mau. Tremeu íncontrolavelmente.

- Quem é você? -perguntou. - Por que me está a fazer isto?

- Despe o roupão - murmurou ele. Sentiu-se sufocar. Latejava-lhe uma veia no pescoço. Tinha os olhos vítreos. Ela despiu o roupão e encarou-o.

Ele olhou-a, cheio de ódio. Os seus olhos percorreram-lhe o corpo. Depois, antes que fosse tarde demais, ordenou:

- Vira-te e não olhes para trás. Se olhares o rapaz morre.

Ela voltou-se, fechando os olhos, aterrorizada com o que viria a seguir.

Ele desabotoou as calças e, convulsivamente, aliviou-se nas cuecas dela, com um grunhido angustiado.

Não fez menção de se aproximar. Que esperasse, que sofresse até ele a tocar.

Ela ouviu-o mexer na roupa e depois ouviu o grunhido. Reteve a respiração, enojada. Percebera o que ele tinha feito.

E então ficou a saber quem ele era. Era o maníaco que lhe escrevera as cartas obscenas. Tinha de ser. E a voz... tinha praticamente a certeza de que era a mesma voz que lhe murmurara obscenidades ao telefone.

Herbert sentiu-se forte, de novo. Mais uma vez controlara a situação. Olhou culpado para o relógio. A Louella devia estar à espera.

- Veste o roupão e segue-me - ordenou.

Charlie estacionou do outro lado da rua.

Observou Sunday a ser conduzida pelo motorista até à casa. Aquilo era muito esquisito. Por que razão haveria ela de sair a meio de uma estreia para ir até ali? Talvez ali tivesse família. Mas lembrava-se vagamente de Carey ter contado que ela viera da América do Sul e que os pais já tinham morrido.

Não era nada com ele, claro, e provavelmente ela ficaria embaraçada se soubesse que ele a tinha seguido. No entanto, talvez valesse a pena ficar por ali mais cinco minutos. Algo estava errado.

Acendeu um cigarro e perguntou-se qual a razão daquele súbito interesse por Sunday Simmons. Não passava de mais uma actriz. Bonita, sim, mas do tipo de quem ele jurara afastar-se.

Hm... havia na verdade algo diferente nela. Queria vê-la, conhecê-la, talvez passar algum tempo com ela. Provavelmente ela não quereria nada com ele. Provavelmente tinha atrás de si todos os tipos de Hollywood. Encolheu os ombros e resolveu ir embora, mas hesitou pois enquanto estivera ali a pensar nela vira três homens a entrar na casa e vinha outro a chegar.

Que era aquilo? Uma festa? Se sim, onde estavam as miúdas? Resolveu esperar mais um pouco.

Marge sabia bem o que se estava a passar. Mais uma reunião. Roeu as unhas e praguejou. Louella pensava que era muito espertinha. E o Herbert, a conspirar com ela para a privar dos seus direitos.

Bem, afinal não eram assim tão espertos. Tinha todo o direito a assistir à reunião. Pagara, não pagara? Era membro, não era? Iria fazer valer os seus direitos, e já. O problema era que não se sentia bem. Tinha uma dor no estômago mas não ia deixar que isso a impedisse de ir. Foi buscar uma garrafa de brande e sorveu uns goles. Depois, enfiou mais alguns chocolates na boca para tirar o sabor. Doía-lhe a cabeça, e sentia-se tonta devido ao álcool.

Para o diabo com Louella e Herbert. Ia pôr-se a caminho.

Herbert sussurrou secamente para Sunday. Encontravam-se no hall junto a uma porta fechada.

- Agora, lembra-te, puta - disse. - Nem uma palavra ou é o miúdo que paga. Faz o que te dizem. vou ficar de olho em ti o tempo todo.

Ela estremeceu sob o fino roupão preto.

Ele abriu a porta e entraram. A sala estava iluminada por enormes velas negras e à volta só se viam homens nus com os rostos ocultos por máscaras.

A mulher que lhe abrira a porta aproximou-se de braços estendidos. Também estava nua e tinha os seios caídos.

- Benvinda ao nosso círculo de amigos, minha querida.

Sunday afastou-se enquanto a mulher tentava abraçá-la e Herbert empurrou-a.

Louella agarrou-a pela mão e conduziu-a ao que parecia ser uma bancada coberta com veludo preto, encostada à parede. Estava rodeada de velas pretas e fazia lembrar um caixão. A atmosfera era estranhíssima com todos aqueles homens nus à volta das velas, e Herbert, vigilante, completamente vestido.

- Tira o roupão, minha querida - disse Louella, com suavidade.

- Despe a roupa e livrar-te-ás do pecado.

Meia tonta ela deixou que lhe despissem o roupão e depois Louela e um homem conduziram-na à bancada onde se deitou.

Louella entoava uma espécie de cântico. Os homens secundavam-na.

Enfiou a mão num frasco de creme preto e esfregou-a nos mamilos de Sunday até eles ficarem negros e oleosos.

Trêmula de nojo e terror Sunday contraiu o corpo tentando não sentir os dedos sapudos de Louella. Fez um esforço para afastar do espírito todos os pensamentos e tornar-se só num corpo. Era o corpo que eles queriam. Se ao menos conseguisse desligar o espírito não teria importância. Nada teria importância. Conseguiriam o que queriam e nem sequer lhe tocariam. Deixou-se ficar muito quieta. Tinha que garantir que nada acontecera a Jean Pierre.

Louella cantava novamente. Deram-se as mãos e caminharam na sua direcção. Rostos mascarados e corpos nus que se aproximavam cada vez mais...

A gorda despertou a curiosidade de Charlie. Saíra da porta ao lado, aproximara-se da porta por onde Sunday entrara, mudara de idéias, e agora estava parada no relvado, parecendo indecisa.

Charlie saiu do carro. Tencionava dar uma volta junto da casa e depois ir-se embora. Aquilo estava tudo a tornar-se ridículo. Provavelmente Sunday tinha boas razões para ali estar e aquilo não era da sua conta. Conhecia-a mal e não tinha o direito de a espiar.

Marge cambaleou. Sentia uma dor forte na bexiga. Era tão desconfortável que mal conseguia respirar. Queria entrar na casa de Louella e apanhá-los de surpresa, mas tinha de esperar até a dor passar e recuperar o fôlego. Pelas janelas não via nada. As cortinas estavam corridas.

Ajoelhou-se na relva, e, subitamente caiu para o lado. Deixou-se ali ficar, estupidamente, na esperança de se poder sentir melhor.

Charlie viu a gorda cair e percebeu que ali estava uma boa oportunidade para entrar dentro de casa. Aproximou-se dela.

- Está bem? -perguntou. - Deixe-me ajudá-la.

Ela olhou-o com olhos doentes e achou que ele era um membro do círculo de amigos.

- Leve-me consigo lá para dentro - balbuciou. - Tenho os meus direitos.

- Claro - respondeu ele com voz tranquilizadora. A mulher parecia mesmo muito doente. Puxou-a para cima. Era mesmo pesada.

-Vamos lá, filha - disse. - Faça um esforço. Ela levantou-se.

- Aquele estupor não vai levar a melhor - disse, cambaleante. Juntos chegaram à porta da frente.

- Tenho chave - disse ela. Louella dera-lha uma vez e ela esquecera-se de a devolver.

Charlie abriu a porta da frente. Depois ocorreu-lhe que Sunday poderia não ficar satisfeita por o ver. Perceberia que ele a tinha seguido e faria figura de parvo.

Marge agarrou-lhe o braço.

- Vamos - murmurou. - Vamos fazer-lhes uma surpresa. Arrastou-o até uma porta que abriu.

Não conseguia ver quase nada. A sala estava iluminada só com velas. Depois os seus olhos habituaram-se e viu tudo. Marge começou a gritar.

- Estou aqui pelos meus direitos. Não pensem que se vão livrar de mim, seus estupores...

Lá estava Sunday, pálida e bela, repousando sobre uma bancada negra, rodeada por um círculo de gente nua e mascarada.

Herbert, o motorista, começou a esbofetear a mulher gorda.

Oh, meu Deus, pensou Charlie! É uma cena de magia negra. Ela está metida nalgum culto esquisito. Merda!

Marge caiu pesadamente no chão, gemendo. Os homens nus correram a pegar na roupa amontoada num canto.

Uma mulher atarracada dirigiu-se-lhes:

- Esperem, está tudo bem. Eu livro-me dela. Apontou para o monte volumoso que era Marge.

- É minha irmã e está bêbeda. Esperem.

Ninguém lhe prestou atenção. A confusão era grande.

Charlie estava encostado à porta. Ninguém tinha dado por ele. Abanou a cabeça com incredulidade. Sabia que Hollywood estava cheia de tarados mas não lhe ocorrera que Sunday fosse um deles.

A dor diminuía. Atravessou a rua a correr e meteu-se no Ferrari. Tudo estava tão claro agora.

Ela não se movera. Estava imóvel, como que hipnotizada.

Encolheu os ombros. Não tinha nada a fazer ali e no entanto sentia uma enorme vontade de ir ter com ela e convencê-la a acompanhá-lo e a sair daquela casa sinistra.

Herbert olhou à volta em pânico. Que acontecera com os seus planos? Por que razão Marge estava ali? Dera-lhe os chocolates, não dera? Se os tivesse comido já estaria morta. Morta e fora da sua vida. Cada chocolate fora cuidadosamente tratado. Usara arsênico suficiente para matar um elefante.

Talvez estivesse morta. Não se mexia. Era altura de se pôr a andar.

Sunday continuava imóvel. Forçara-se a um estado de inconsciência que qualquer médico chamaria choque grave. Completamente imóvel, aguardava o inevitável. O mais importante era que não acontecesse nada a Jean Pierre. Reparou na confusão como se estivesse longe.

No momento em que Charlie resolveu tentar meter-lhe algum juízo na cabeça, Herbert agarrou-a, rudemente, pelos braços e ordenou:

- Mexe-te - empurrando-a para a porta na direcção de Charlie. Que raio, pensou Charlie. Já que tinha ido até ali, porque não

continuar? Barrou-lhes o caminho.

Antes de poder dizer alguma coisa, Herbert deu-lhe um pontapé nos tomates e arrastou Sunday para fora de casa. Durante um breve momento, ela viu-o e, reconhecendo-o, veio a si e começou a gritar.

Charlie curvou-se, com dores. Não se podia mexer. A dor era intensa. Agora Sunday gritava descontroladamente. Louella ouviu os gritos. Vestira um roupão velho e andava de um lado para o outro tentando repor alguma ordem. Correu para a janela. Algo estava errado. Marge encontrava-se ainda caída no chão. Se Sunday Simmons viera de livre vontade, então porque gritava desesperadamente?

Lembrou-se da origem daquela noite. Era porque Herbert assassinara a rapariga.

Charlie tentava levantar-se.

- É melhor impedi-lo de a meter no carro - gritou Louella para os poucos homens que lá se encontravam a vestir-se. - Ele é doido, vai matá-la.

Charlie foi o único a mexer-se. Correu para a porta da frente a tempo de ver Herbert empurrar Sunday para o banco traseiro do Lincoln. Chegou lá no momento em que o carro arrancava.

O homem era Herbert Lincoln Jefferson, o motorista contra quem Phillipa fizera aquelas incríveis acusações. E ele rira-se e não lhe ligara a mínima atenção.

E agora o homem tinha Sunday.

No final do filme houve aplausos. Branch estava satisfeito, orgulhoso por ter participado. Olhou para o lado a fim de receber as felicitações de Sunday e percebeu que ela tinha saído.

Onde se teria metido? Lembrava-se vagamente de alguém a ter vindo buscar no final do filme. Pensou que talvez fosse melhor telefonar e verificar se estava tudo bem, mas nesse momento apareceu Max Thorpe com o seu jovem actor e Branch levantou-se de um salto.

- Mandei-a para casa - sussurrou. - Quero levar-te a ti à festa. Max sorriu.

- Vens demasiado tarde, querido, mas se quiseres podes ir connosco.

- Óptimo, Max, eu vou - disse Branch com avidez. - Gostaste do filme?

Já esquecera Sunday.

- Sei quem você é - disse Sunday. Tentou manter a voz calma, embora estivesse aterrorizada, aninhada no banco traseiro. Não sabia que os amplificadores estavam ligados e se ele a conseguia ouvir, mas estava decidida a não perder o controlo. Sentiu que com aquele louco era importante não perder o controlo.

- Está a ouvir? - perguntou. - Tenho frio. Foi você quem me escreveu a carta, não foi?

Silêncio.

- Escreveu-me as cartas, não escreveu? - insistiu ela. - Responda-me. Escreveu?

Mais uma vez não houve resposta. Mordeu o lábio com força. Para onde se dirigiam? Que se seguiria? Jean Pierre estaria bem? E, mais importante, de onde tinha aparecido Charlie Brick? Herbert conduzia como um louco. Tinha que a levar para um lugar calmo.

Tinha treze anos e estava a masturbar-se quando a tia entrara no quarto. Era muito mais nova que a mãe com mamas bicudas que não se dava ao trabalho de ocultar. Ficou a olhar para ele e depois pôs-se a rir. O riso continuou enquanto apontava, para o pénis dele e dizia:

- Não te vais estragar assim, filho.

Despiu o roupão fino e fê-lo deitar-se. Depois, pôs-se a mexer para cima e para baixo, sempre a rir. Depois, ele metera-se debaixo do chuveiro durante horas, esfregando-se, mas passaram dias até se livrar daquele cheiro de perfume barato.

Saiu de casa, cresceu e havia prostitutas, montes delas mas nenhuma o ajudava. Só conseguia ter prazer masturbando-se.

Depois conhecera a Marge das grandes tetas. Serviu-lhe atum com pão de centeio e uma cerveja e acabara casando-se com ela.

Ela fazia-lhe lembrar uma fotografia que costumava utilizar nas suas fantasias. A foto era de uma rapariga nua com botas pretas, a montar um cavalo, uma perna sobre a sela. Quando conseguiu identificar a rapariga da fotografia com Marge passou a ser capaz de desempenhar a sua função e logo a seguir ela ficou grávida. Perdeu o primeiro bebê e o segundo. Depois disso, ele voltou a ficar impotente. Gostaria de ter tido uma criança, uma rapariguinha para levar a passear. Lá teve de voltar às fotografias, e às cartas e aos telefonemas. Isso satisfazia-o relativamente mas de vez em quando fazia nova tentativa e antes da híppie de Sunset houvera várias prostitutas a quem agredira com fúria e frustração.

Agora tinha Sunday Simmons, a expressão máxima do seu desejo. Se não fosse capaz com ela, então era melhor perder a esperança e também mais ninguém a ia ter.

Se subisse até ao cimo das colinas poderia estacionar o carro com segurança e ela já estava no carro, nua e pronta para ele. Se resultasse, poderiam fugir os dois. Se não resultasse, também o que é que havia a perder? Uma mulher não se satisfazia sem nada e ela não queria ficar com ele.

Conhecia um lugar na parte alta de Hollywood e podia atirar o carro dali a baixo com os dois.

Era a única solução.

Charlie tinha uma sensação de irrealidade. Coisas assim só aconteciam nos filmes. Mas ouvira-a gritar. Vira-a metida à força dentro do carro.

Sentiu-se excitado como se estivesse pedrado. Pôs-se atrás do Lincoln. Dirigiam-se para a parte de trás de Hollywood e ocorreu-lhe que deveria chamar a polícia. Tinha um telefone no carro, convenientemente colocado junto à mão direita. Mas que poderia dizer? E como iria soar?

- Daqui fala Charlie Brick. Estou a seguir um louco que leva Sunday Simmons seqüestrada no seu carro.

- Ah sim?

Já imaginava a resposta. - E eu sou o Rato Mickey.

Mas, e se não chamasse a polícia? O Lincoln acabaria por parar, o louco havia de sair, e depois que aconteceria?

Charlie não era muito forte, e se Herbert tivesse uma arma?

Na primeira oportunidade ligou para a telefonista. Teve dificuldade em retirar a mão do volante porque o Lincoln passava luzes de tráfego, sinais de stop, tudo. Dirigiam-se agora para a Strip.

- Quero participar um rapto - disse, quando lhe fizeram a ligação. - É Sunday Simmons.

- Oh, pois - disse o chui. - E eu sou o Pato Donald.

- Tenho frio - queixou-se Sunday novamente. - Por favor, pare. Dê-me qualquer coisa para vestir e depois conversamos.

Fez uma pausa.

- Podemos falar das cartas.

Não houve resposta. O carro seguia a uma velocidade alucinante. Se ao menos ele dissesse alguma coisa. Sentiu que estava a entrar em pânico. Começava a faltar-lhe o ar.

- Por favor, pare - implorou. -Acho que vou desmaiar...

Estavam quase a chegar.

Herbert passou a língua pelos lábios, que estavam secos. Meteu a mão no bolso para retirar o creme e sentiu o fio de ouro com o medalhão que caíra do pescoço da rapariga assassinada. Tencionava oferecê-lo a Sunday. Meteu-o novamente no bolso, e retirou o baton hidratante que aplicou nos lábios.

Nervosamente, abriu o fecho das calças e. acariciou-se lentamente, como se estivesse a acariciar uma cobra.

Já eram quase horas. Estavam a chegar ao local escolhido. Ficava afastado da estrada onde havia uma casa semi-construída.

Parou o carro. Saiu e abriu a porta de trás.

Sunday olhou-o no escuro. Via-lhe o perfil. O único som que se ouvia era o dos grilos. Cheirou-lhe a erva e a terra húmida.

Herbert entrou no carro deixando a porta aberta. As suas mãos caíram sobre os seios dela como escavadoras, apertando-lhas.

Ela encolheu-se quando ele fechou os lábios sobre um dos seios. Debateu-se para se libertar. Ele prendeu-a. Era forte.

Lutaram em silêncio. Abriu-lhe as pernas. Ela arranhou-lhe a cara.

- Puta! -murmurou ele, esbofeteando-a.

Depois, quando ele a penetrou, deu-se um alívio de pressão e ele afastou-se.

Charlie parou o Ferrari quando o outro carro voltou. Deixou os piscas ligados e continuou o caminho a pé. Estava mais do que nervoso.

Não teve que andar muito até chegar ao carro. Conseguiu ouvir a luta sem palavras, os gemidos e os grunhidos.

Não hesitou e atirou-se para cima de Herbert, agarrando-lhe o colarinho e puxando-o para fora do carro. Charlie nunca se envolvera numa luta mas seguiu os seus instintos e prendeu Herbert com a perna direita enquanto lhe dava um valente pontapé nos tomates.

- Isto é para pagar o outro que me deste, pá - murmurou. - Um bom pontapé nos tomates merece outro.

Herbert rolou pelo chão.

Charlie puxou Sunday para fora do carro.

- Vamos pôr-nos a andar antes que ele se levante - disse, agarrando-a e começando a correr em direcção ao Ferrari.

- Pare aí, senhor - disse um polícia junto ao carro, com a arma apontada a eles.

Uma semana mais tarde Charlie e Sunday estavam sentados a bordo de um jacto lado a lado. Iam de mãos dadas, a dele protectoramente colocada sobre a dela.

Eram o casal mais falado do momento. As pessoas perguntavam-se o que acontecera de facto naquela noite e as especulações eram abundantes. Hollywood inteira tinha a sua própria teoria:

"Ambos faziam parte daquele estranho culto de magia negra". "Ela andava sempre metida em orgias". "Ele é um conhecido tarado". Marge Lincoln Jefferson foi encontrada morta devido a uma dose maciça de veneno.

Herbert Lincoln Jefferson foi preso e acusado, primeiro de tentativa de seqüestro e violação, e após a descoberta de Marge, de assassínio.

Louela Crisp foi localizada juntamente com o marido, no Arizona, e trazida para interrogações. Mais tarde foi acusada como cúmplice. Carey e Marshall regressaram de avião a Los Angeles quando ouviram as notícias.

Sunday estava no hospital sob o efeito de sedativos. Encontrava-se bem mas em estado de choque.

Charlie tomou conta da situação. Tratou com a polícia e com a imprensa.

- Ela não pode ser incomodada por ninguém nem por nada disse ele para Carey.

- Claro - concordou esta. - Mas eu é que tenho uma porção de perguntas para te fazer...

Claude Hussan chegou a Palm Springs para ir buscar o filho. Foi ao escritório de Carey falar com ela. - Lamento mas vou cancelar o contrato de Sunday. Vamos filmar de novo - disse ele.

- Estás a brincar? - exclamou Carey. - Deves ter lido o que aconteceu em todos os jornais.

Claude encolheu os ombros.

- Pouca sorte. Foi ela que largou o filme. De qualquer modo dá-lhe cumprimentos meus e diz-lhe que aqueles últimos planos que filmámos não vão ser utilizados.

Carey olhou-o furiosa.

- Se vais filmar novamente, para que haverias de precisar dos últimos planos?

- Dá-lhe o recado.

Os olhos dele fixaram-na e ela sentiu a atracção física.

- Adeus - disse, abruptamente.

Carey não teve pena do filme, mas perguntou-se como Sunday se sentiria. Por que razão regressara a Los Angeles?

Passados dois dias Sunday saiu do hospital. Perseguida pelos fotógrafos e repórteres refugiou-se na casa de Carey e Marshall que a protegeram o melhor possível. Tomara várias decisões nas últimas semanas. Informou Carey que não tencionava fazer mais nenhum filme. De certa maneira sentia-se responsável por toda aquela confusão.

Carey nem queria acreditar.

- Então que vais fazer? - perguntou.

- Seja o que for, não irá dar nas vistas?

Fora anunciado que Dindi Sydne iria substituir Sunday no filme de Claude Hussan. Carey ficou surpreendida com a forma como Sunday recebeu a notícia. Limitou-se a sorrir e a dizer:

- Agora é que ele arranjou a rapariga indicada.

Algo acontecera entre Claude e Sunday mas Carey achou que não era altura para perguntar. Charlie visitava Sunday todos os dias e ficavam a conversar no jardim. Fazia-a rir. Fazia-a feliz.

E quando a convidou a regressar a Londres com ele ela aceitou.

Sentia-se em baixo, deprimida e só Charlie a animava.

Charlie disse:

- O que lá vai, lá vai. Veremos o que acontece.

- Vou-te levar a Manchester - disse Charlie. - É um sítio horrível, mas foi lá que nasci. Serafina entrou no hospital e pariu-me entre dois espectáculos.

Sunday apertou-lhe a mão.

- Quem me dera tê-la conhecido. Deve ter sido uma mulher e peras.

- Sim, e ela havia de gostar de ti. Não é engraçado, querida? Aqui estamos, lado a lado, como se sempre nos tivéssemos conhecido. Quanto tempo perdido.

- Nunca se perde nada na vida, Charlie. Aprende-se sempre qualquer coisa.

- Sim - respondeu ele, olhando-a com intensidade. - Acho que tens razão.

O avião preparava-se para aterrar.

- Põe-te atrás de mim como se fosses uma esposa japonesa e deixa a imprensa comigo - disse Charlie. - Eu respondo a algumas perguntas e digo que és a minha secretária.

Ela sorriu docemente.

- Ora isso é que era um bom lugar para mim. Sei bater à máquina.

- Sim? Oh, que bom. Talentos ocultos? Riram-se os dois.

Cedric Homer espreitou pelo espelho retrovisor do Rolls Royce prateado arrumado junto à saída do aeroporto de Londres. Penteou o cabelo liso castanho-escuro. Era um homem de aspecto vulgar e magro. com o seu uniforme cinzento parecia fundir-se com o carro.

Parou de se pentear e olhou rudemente para uma rapariga de mini-saia que ia a passar.

- Suas ordinárias - murmurou. - Andam por aí a abanar os cus. Os seus olhos seguiram-na e depois saiu do carro.

Pensou na noite anterior que passara com a mãe no velho apartamento que partilhavam em Islington. Fora uma noite agradável. Tinham passado em revista fotografias e recortes antigos. Reunira tudo o que se publicara sobre Sunday Simmons em jornais e revistas inglesas. Era tão bonita, tão encantadora, até a mãe concordava nisso.

Depois, mais tarde, fechara-se no quarto e a noite fora ainda melhor...

Um polícia aproximou-se do carro.

- Isto não é um parque de estacionamento. - Está aqui há quinze minutos. É melhor pôr-se a andar.

- A pessoa de quem estou à espera deve estar a chegar - disse Cedric. - Estou à espera de Charlie Brick.

- Oh, Charlie Brick. Então está bem. Chega esta manhã, hem? Cedric assentiu. Tivera sorte em o patrão o ter escolhido para ir buscar Charlie Brick ao aeroporto. Charlie Brick conhecia Sunday Simmons. Se falasse com Charlie e lhe explicasse que queria escrever a Sunday uma carta a exprimir admiração, tinha a certeza que ele lha dava.

Charlie - trauteou em voz baixa...

 

                                                                                Jackie Collins  

 

                      

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