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PERDIDA - P. 3
PERDIDA - P. 3

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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PERDIDA - Parte III

 

Series & Trilogias Literarias

 

 

 

 

 

 

24

Zoey

– É super estranho como tudo parece igual, né? – Stevie Rae falou quando os três pararam de ver pontinhos de luz e voltaram a enxergar.

– É, parece que estamos em casa – eu disse. Então olhei melhor. – Bom, quase. – As plantações de lavanda eram as mesmas. A casa era a mesma. Com uma diferença importante: de todas as beiras do telhado da varanda frontal, assim como de todas as janelas da casa de Vovó e das árvores ao redor, pendiam cordões de contas. Centenas e centenas de contas.

– Essa decoração é bonita – Rephaim comentou.

– É mais do que isso – eu disse. – Esses cordões de contas são feitos de turquesa... um monte de turquesa.

– Uma pedra de proteção forte – Stevie Rae afirmou.

– Sim, e vejam os feixes de erva-doce, sálvia e.... – Fiz uma pausa, analisando os ramos de ervas mais de perto conforme nos aproximávamos da varanda. – Cedro. Estão espalhados por toda parte.

– Mais proteção? – Rephaim perguntou.

– Sim. – Guiei os meus amigos até a escada da varanda e respirei fundo. – Ela deve estar queimando mirra e incenso na lareira junto com a lenha. – Identifiquei aqueles aromas característicos facilmente, embora senti-los ao redor da casa de Vovó fosse uma surpresa.

– O cheiro é bom. Pra que servem? – Stevie Rae questionou.

– Proteção, mas também para limpeza do espírito e para fortalecer a intuição – eu expliquei.

– Uau, Vovó Redbird está usando artilharia pesada – Stevie Rae observou.

– Tanta turquesa e tantas ervas poderosas de limpeza e proteção! A sua avó deve sentir que está em sério perigo – Rephaim disse em voz alta o que eu estava pensando.

Por favor, esteja bem... por favor, esteja bem... por favor, esteja bem... Essa prece para Nyx ficou rodando sem parar na minha mente quando eu levantei a mão para bater na porta da frente.

A porta que abriu antes sequer que eu a tocasse.

Vovó Redbird estava lá, vestindo uma saia comprida que parecia confortável e uma blusa de algodão simples. Ela tinha um xale colorido em volta dos ombros, e o seu longo cabelo escuro com fios prateados estava solto. Ela me encarou com olhos enormes, sombrios e em choque, e de repente eu percebi que talvez Kevin não a tivesse encontrado. Talvez ela não soubesse sobre o Outro Mundo.

– Vovó, sou eu. Não sou um fantasma. Juro.

Como se as minhas palavras tivessem acendido uma luz dentro dela, a expressão chocada de Vovó se alterou instantaneamente. Ela ofegou e os seus olhos se encheram de lágrimas que transbordaram, enquanto o seu sorriso irradiava tanta alegria e amor que era como uma benção.

– Oh, u-we-tsi-a-ge-ya! Minha menina, meu coração, é você! É você!

Então ela abriu a porta e, chorando e sorrindo ao mesmo tempo, Vovó Redbird me tomou em seus braços.

Eu inspirei profundamente. Não importava em qual mundo a gente estivesse ou qual fosse a versão de minha avó, o seu cheiro, o seu toque e o seu amor eram sempre os mesmos.

– Eu senti tanto a sua falta – ela disse em meio às lágrimas enquanto continuava a me abraçar.

– Sinto muito, Vovó. Minha morte deve ter sido terrível para você.

Então ela riu e se afastou um pouco, se distanciando, e usou a ponta do xale para enxugar o rosto.

– Acho que foi muito pior para você, u-we-tsi-a-ge-ya.

Eu estremeci e assenti, lembrando cada instante da morte de Zoey. Não conte nada sobre isso para Vovó. Ela não precisa saber dos detalhes sórdidos que eu sei. Jamais.

Vovó deu uma olhada para ver quem estava comigo.

– Uma vampira vermelha mulher? Ela deve ser do seu mundo, Zoey Passarinha.

– Ela é! Esta é minha melhor amiga, Stevie Rae, e o companheiro dela, Rephaim.

– Saudações, Stevie Rae, e osiyo, Rephaim – Vovó disse.

– É sempre bom te encontrar em qualquer mundo, Vovó Redbird – Stevie Rae falou.

Rephaim pareceu não entender nada.

– Ah, desculpe, Vovó. A mãe de Rephaim era Cherokee, mas ele não fala nossa língua.

– Bom, então, olá, Rephaim – ela corrigiu.

– Olá, Vovó Redbird. Como disse Stevie Rae, é realmente muito bom te encontrar.

Vovó olhou por cima do meu ombro.

– Kevin está com vocês? Não escutei um carro estacionando, mas tive a sensação que costumava ter quando você vinha me visitar. – Ela sorriu docemente para mim e tocou o meu rosto. – Por isso pensei que você era um espírito logo que a vi.

– Não quis te assustar, Vovó.

– Ah, você nunca conseguiria me assustar, Zoey Passarinha. O seu espírito é tão bem-vindo aqui quanto você. Mas o seu irmão não veio com vocês hoje?

– Kev não está conosco, e a gente não veio dirigindo até aqui, mas fico realmente aliviada que ele já falou com você. Sabe onde ele está?

– Não, mas sei de alguém que sabe. Entre, Zoey Passarinha. – Ela gesticulou para que eu entrasse, o que eu fiz. Stevie Rae não pôde prosseguir, é claro, e Rephaim ficou com ela na varanda esperando.

– Ahn, Vovó, você precisa convidar Stevie Rae para entrar na sua casa.

– Juro que nunca machucaria você – Stevie Rae prometeu.

– É claro, minha querida. Por favor, entre. Você é bem-vinda na minha casa.

– Obrigada! Vovó... ei, você se importa se eu a chamar assim? Todos os amigos de Z do nosso mundo a chamam de Vovó – Stevie Rae disse.

– Não me importo de jeito nenhum. Na verdade, eu gosto.

– Ótimo! Então, Vovó, será que por acaso você teria aqueles cookies de chocolate e lavanda?

– Claro que tenho. Vocês três, vão até a lareira e sintam-se em casa. Vou pegar um pouco de cookies. Esta é uma noite tão abençoada e maravilhosa!

Vovó foi apressada até a cozinha enquanto nos instalávamos confortavelmente na sala de estar. Eu olhei em volta embasbacada. Era incrível como tudo era familiar e ao mesmo tempo diferente. Vovó tinha as mesmas estantes de livros, mas os livros eram diferentes. As paredes estavam repletas de arte, como no meu mundo, mas havia diferenças sutis nas peças expostas. E o sofá e as poltronas estavam no mesmo lugar, mas eram de cores e estilos completamente diferentes daqueles com que eu estava acostumada. Era estranho, mas perfeito, como ver outra camada da mulher que tinha sido minha avó, mãe e melhor amiga na maior parte da minha infância.

– Aqui está. – Ela colocou uma travessa de cookies cheirosos e três copos de chá gelado na mesa de centro diante de nós, e nós atacamos. – Então, Zoey Passarinha, você inverteu o feitiço e reabriu a divisão entre os mundos? Foi assim que você chegou aqui?

– Não – eu respondi com a boca cheia daquele cookie delicioso. – Desta vez tive ajuda de um espírito da árvore.

– Um espírito da árvore de Magia Antiga? Ela falou qual era o seu nome?

– Sim, Vovó – Stevie Rae respondeu. – O nome dela é Oak, e a gente acha que ela te conhece.

– Ela me conhece, sim. – Vovó pareceu séria. – O seu irmão e eu a encontramos alguns dias atrás. Parece que os espíritos pegaram gosto pela gente.

– Então, você estava com Kevin quando ele usou Magia Antiga? – eu perguntei.

– Sim, duas vezes.

Soltei um longo suspiro.

– Essa é a razão principal pela qual estou aqui. Kevin precisa parar de usar Magia Antiga. É superperigoso.

– Anastasia alertou Kevin que precisa sempre ter um pagamento pronto pelo uso de Magia Antiga – Vovó disse.

– Isso é verdade, mas também é verdade que a Magia Antiga pode mudar qualquer um que a for brandir.

– Mudar? Como assim? – ela questionou.

– Não é nada bom, Vovó. E eu não sou especialista. Tem muita coisa sobre Magia Antiga que eu simplesmente não compreendo, mas tive que usar isso para derrotar Neferet no nosso mundo, e quase me transformou em alguém que você não teria reconhecido.

– Z ficou raivosa – Stevie Rae falou baixinho. – E parou de conversar com a gente.

– E você está com medo de que isso aconteça com o nosso Kevin? – Vovó quis saber.

– Estou com medo de que aconteça coisa pior com Kev – eu respondi.

– Então nós precisamos chegar até ele e alertá-lo – Vovó afirmou. – Zoey, embrulhe o resto desses cookies. Vou pegar a minha cesta. Só vou levar um minuto para ficar pronta.

– Para onde você vai, Vovó? – eu perguntei.

– Vou com vocês, é claro.

– Mas para onde?

– Para o quartel-general da Resistência. Kevin agora é um espião que trabalha para eles, então vão conseguir dar o recado.

Rephaim, Stevie Rae e eu trocamos olhares. Limpei a garganta e disse:

– Hum, Vovó, que tal você nos contar onde eles estão, e a gente vai até lá? Pelo que Kevin falou, é muito perigoso andar por aí.

Vovó parou um pouco antes de subir a escada para o seu quarto.

– U-we-tsi-a-ge-ya, por acaso eu sou uma velha frágil no seu mundo?

Stevie Rae riu alto e respondeu antes que eu conseguisse.

– De jeito nenhum, Vovó! Você é incrível. Você até foi capturada por Neferet uma vez, colocada em uma jaula e torturada, mas você sobreviveu.

– E triunfou! – Rephaim acrescentou.

– É claro que sim. Porque não sou uma velha frágil. Meus filhos, este mundo está repleto de perigos, mas eu faço parte da Resistência. Eu enfrento e combato as Trevas. Qualquer outra postura é inconcebível. Além disso, vocês precisam da minha ajuda para chegar ao acampamento.

– Ok, você está certa. Desculpe por ter duvidado de você – eu disse.

– Vovó, o acampamento da Resistência é muito longe daqui? – Stevie Rae perguntou.

– Ah, vai levar mais ou menos uma hora e meia até lá.

– Isso pode ser um problema. Vai amanhecer em uma hora e quarenta e oito minutos – Stevie Rae falou.

– Ah, você está certa, filha. Você é uma vampira vermelha e o sol é mortal para você. Bom, vejamos. Vamos levar a minha van de entregas. Não tem janelas na parte de trás e aposto que o seu jovem companheiro é hábil o bastante para colocar um cobertor como cortina para evitar que o sol entre na parte de trás pela janela da frente. Vamos bastante rápido. A Resistência está situada em uma caverna, então você vai ficar bem quando chegarmos lá.

Stevie Rae olhou para Rephaim e depois de novo para Vovó.

– Há mais alguma coisa que eu deva saber? Os vampiros vermelhos do seu mundo são especialmente suscetíveis ao sol, mesmo se estiverem protegidos?

– Não! Na verdade, se o céu está nublado e nós estamos cobertos, podemos sair ao ar livre durante o dia – Stevie Rae explicou.

– Mas é desconfortável – eu acrescentei. – Vá em frente, conte sobre Rephaim para Vovó. Ela vai entender.

– Ok, aí vai. Rephaim era um Raven Mocker, mas ele deu as costas para as Trevas para seguir a Deusa, e Nyx o perdoou, concedendo-lhe um corpo humano.

– Mas só entre o pôr do sol e o nascer do sol – Rephaim continuou. – Enquanto o sol está no céu, eu assumo a forma de um corvo. É a minha penitência pelas coisas terríveis que fiz antes de conhecer e amar Stevie Rae.

Stevie Rae pegou a mão dele.

– Tudo bem. Todo mundo comete erros. É só que o seu pedido de desculpas é complicado porque os seus erros foram muito ruins. – Ela olhou para Vovó Redbird. – Mas ele sente muito de verdade. E ele realmente segue os ensinamentos de Nyx agora. Prometo.

Vovó estava encarando Rephaim como se apenas agora ela estivesse realmente o enxergando.

– Raven Mocker... Não escuto esse nome terrível sendo pronunciado há muitas décadas.

– É um passado do qual me arrependo – Rephaim afirmou.

– Os Raven Mockers são metade homens, metade corvos. Criaturas de Trevas que perseguem os fracos, os desamparados, os doentes e os moribundos. Eles são vis. Você deve ter um bem maior no seu interior para Nyx perdoá-lo – Vovó disse. – E, se Nyx pode ver esse bem, então também devo fazer isso. Então, querida, o que você estava dizendo é que nós precisamos estar preparados também para o seu companheiro se transformar em um corvo ao nascer do sol?

– Sim.

– Bom, então é melhor nos apressarmos. Isso é algo que precisamos contar para os líderes da Resistência, de preferência antes que aconteça. Só que eu também tenho um pedido.

– Diga-nos – Rephaim falou.

– Eu gostaria de ouvir a história de como você nasceu. Os Raven Mockers são apenas espíritos neste mundo, não possuem carne. Não têm algo que alguém pudesse amar.

Rephaim sorriu para Vovó Redbird.

– É uma longa história, mas vou ficar feliz em contá-la para você durante o nosso trajeto.

– Excelente! Agora, Zoey, imagino que você conheça bem a minha cozinha para encontrar um Tupperware, para que a gente possa levar o resto desses cookies conosco. Certo?

– Sim, Vovó. – Eu levantei e fui na direção da cozinha estranhamente familiar.

– Ótimo. Saímos em cinco minutos. – Mas, antes de subir as escadas, Vovó veio até mim e segurou o meu rosto entre suas mãos desgastadas pelo tempo. – Ver você de novo antes de me encontrar com minha Zoey Passarinha no mundo dos espíritos é realmente o maior presente da minha vida.

Ela me beijou suavemente, e eu a abracei de novo antes que ela subisse correndo as escadas, dois degraus por vez, como uma mulher décadas mais jovem.

– A mesma Vovó, só que em um mundo diferente – Rephaim falou.

– É muito legal – Stevie Rae assentiu e enxugou lágrimas de alegria.

– A mesma Vovó, e o mesmo amor – eu concordei.

E, sentindo mais confiança do que eu sentira quando contei o meu plano para Stark, comecei a fuçar nas gavetas da cozinha. E Vovó estava certa, como sempre. Não levei nem um minuto para encontrar o Tupperware.


A mudança do tempo foi radical quando chegamos à montanha em Sapulpa. A noite estava fria, mas límpida – enquanto avançamos mais e mais por uma estrada cheia de curvas chamada Lone Star Road, a qual não era nada estranha perto do comboio de veículos militares que saiu da Lone Star quando entramos nela.

– Fiquem abaixados aí atrás! – Vovó disse para Rephaim e Stevie Rae. – Olhe para o outro lado, u-we-tsi-a-ge-ya! Não quero que eles vejam as suas Marcas.

Fiz o que ela disse, fingindo estar muito interessada no cenário enquanto deixava o meu longo cabelo preto cair sobre a maior parte do meu rosto. Depois que a fila de caminhões de transporte passou por nós, Vovó continuou checando o seu espelho retrovisor nervosamente por vários minutos longos e silenciosos.

Finalmente, ela soltou um suspiro de alívio.

– Parece que eles estavam com pressa demais para se preocuparem com a gente.

– Isso é normal? – eu perguntei para Vovó.

– Passar por um comboio militar? Sim. Aqui? Não exatamente, apesar de que havia vampiros vermelhos sob o comando de Stark fazendo buscas na montanha na noite que eu trouxe Kevin para ele encontrar a Resistência.

– Aposto que as coisas não correram muito bem para o pobre Outro Kev – Stevie Rae disse da parte de trás da van.

– No começo, não, mas quando Kevin invocou os espíritos e os convenceu a encobrir a montanha e proteger a Resistência dos exércitos de Neferet, bom, então Dragon ficou mais receptivo a acreditar que ele estava do lado da Luz.

– Eu tinha esquecido que Kevin falou que Dragon e Anastasia estão vivos neste mundo! Aiminhadeusa, mal posso esperar para vê-los de novo – Stevie Rae exclamou. Então a expressão dela mudou. – Ah, não. Dragon!

– E Anastasia – Rephaim acrescentou, parecendo pálido e triste.

– O que foi? Por que Dragon e Anastasia deixam vocês tristes? – Vovó perguntou, olhando pelo retrovisor para Stevie Rae e Rephaim.

Como eles não responderam, e em vez disso se viraram para mim, eu contei a verdade para Vovó, mesmo que eu realmente não quisesse falar disso.

– Quando Rephaim era um Raven Mocker, antes de conhecer Stevie Rae e quando ainda estava sob a influência das Trevas, foi ele quem matou Anastasia. Dragon sabia disso. Foi muito difícil para ele perdoar Rephaim, mesmo depois que Nyx o perdoou.

– Eu nunca o culpei por isso – Rephaim falou rapidamente. – Ele é mais forte do que eu. Acho que eu nunca conseguiria perdoar se alguém matasse a minha Stevie Rae.

Stevie Rae tocou o rosto dele.

– Claro que conseguiria. Você saberia que eu gostaria que fizesse isso, assim como Nyx.

– Eu não creio que contar essa história para a Anastasia e o Dragon deste mundo traga algum benefício para qualquer um de nós – Vovó disse com firmeza.

– Concordo com Vovó – eu afirmei.

– Não é desonesto esconder isso deles? – Rephaim perguntou.

– Não. Isso aconteceu em outro mundo, e você não era nem você quando atacou a Morada da Noite e matou Anastasia – eu o lembrei.

– Z está certa – Stevie Rae apoiou. – Não há motivo para entristecer Anastasia nem Dragon neste mundo. Eles estão vivos e bem, e você vai ser amigo e aliado deles.

– Rephaim, você não pode desfazer o que fez em outro mundo, em outra época. Tudo que você pode fazer é seguir em frente no amor e na Luz – Vovó Redbird disse.

Rephaim abaixou a cabeça, parecendo triste, mas não derrotado.

– Então é isso o que eu irei fazer. E irei proteger a Anastasia deste mundo com a minha vida.

Com essa determinação feita, a minha mente ainda estava zunindo por causa de outro nome.

– Vovó, você disse que Stark liderou os vampiros vermelhos que estavam vasculhando a montanha na noite em que Kevin chegou aqui. Então, ele realmente é um figurão no exército?

– Ele é um general, um dos comandantes principais. Aparentemente, Neferet confia bastante nele. Você o conhece no seu mundo, Zoey Passarinha? – O olhar dela desviou rapidamente da estrada para encontrar o meu.

Suspirei.

– De maneira íntima. Ele é o meu Guerreiro Juramentado e muito mais. Estamos apaixonados.

– E, no nosso mundo, ele não é um vampiro azul. Ele é vermelho. Assim como eu – Stevie Rae contou.

– O coração dele é bom. Muito bom – Rephaim disse.

– No mundo de vocês isso pode ser verdade, mas neste mundo ele é uma força das Trevas – Vovó afirmou, apertando a direção com força até as juntas dos dedos dela ficarem brancas.

– Não é “pode ser”, Vovó. Nós somos ligados. Eu conheço o coração dele tão bem quanto o meu, e eu não acredito que Stark saiba que ele está sendo usado como uma força das Trevas – eu disse com firmeza. – Não sou especialista em universos alternativos, mas as três pessoas que conheci neste mundo, Kevin, Jack e você, Vovó, são muito parecidas com as versões no meu mundo. Essa é outra razão pela qual eu tive que vir. Acho que Neferet está manipulando Stark. Eu acredito que posso mudá-lo.

Vovó observou a estrada silenciosamente antes de relaxar um pouco e dizer:

– Espero que você esteja certa. Se Stark se voltasse contra Neferet, seria um golpe importante para a Resistência.

– Bom, o meu Stark é tão devotado a Nyx quanto é devotado a mim. Talvez ele só precise saber que Neferet deu as costas para a Deusa. Só sei que o meu Stark enfrentou Neferet e Kalona quando teria sido muito mais fácil para ele fazer o que aqueles dois mandavam.

– Eu também acredito nele, Z. De jeito nenhum Stark iria ficar conscientemente do lado de alguém que é contra Nyx – Stevie Rae disse.

– Eu confiaria minha vida a ele – Rephaim afirmou. – Em qualquer mundo.

Nessa hora, Vovó virou em um caminho barrado por um portão de ferro gigante. Ela colocou a mão para fora da janela e apertou o botão do interfone. Uma voz de mulher atendeu e, ao fundo, dava para ouvir um monte de cachorros latindo.

– É cedo demais para vender alguma coisa e eu não vou comprar. Vá embora!

– É Sylvia Redbird, Tina – Vovó falou, olhando para uma pequena câmera. – Eu telefonei para você a respeito dos cachorrinhos. Espero que você não se importe, eu e meus amigos queremos dar uma olhada neles.

– Você disse que estaria com pressa, então deixei as chaves no Polaris. Está estacionado ao lado do castelo de carros – Tina respondeu. – Eu também juntei alguns suprimentos. Desde que construíram aquela caverna, a Resistência quadruplicou de tamanho.

– Obrigada, minha amiga. Desculpe por incomodá-la a esta hora. Volte para o seu descanso. Eu assumo daqui em diante.

– Eu não preciso mandar Babos aí fora de novo, certo? – Tina perguntou.

Observei Vovó sorrir para a câmera do interfone.

– Não se você confiar em mim.

O portão fez um zunido e abriu.

– Em você eu confio. Tenha um bom dia, Sylvia.

– Wado, Tina – Vovó respondeu.

– O que significa wado? – Rephaim perguntou enquanto Vovó atravessava o portão e dirigia por um caminho longo e cercado de árvores.

– Significa obrigada – Vovó respondeu. – Filho, espero que você fique aqui por tempo suficiente para que eu ensine a você um pouco da sua língua, mas, se não ficar, você me faria um favor?

– Qualquer coisa, Vovó Redbird.

– Peça à minha versão no seu mundo para ensiná-lo, e diga que ela tem falhado na instrução tribal.

– Vou fazer isso! – Rephaim prometeu.

– Aaaah! Posso aprender também? – Stevie Rae perguntou.

– Ela é da família? – Vovó me questionou.

– Com certeza – eu respondi.

– Então, sim, você pode – Vovó disse, parando perto do Polaris, que estava estacionado exatamente onde Tina disse que estaria.

– “Castelo de carros” com certeza é bem adequado – Stevie Rae comentou quando levantamos os olhos para a garagem de pedra com uma pérgula em cima, além de balaustradas.

– Bom, Tina é realmente uma pessoa muito interessante – Vovó disse. – Agora vamos logo. O amanhecer não tarda. Ah, algum de vocês sabe dirigir essas coisas? Eu sei um pouquinho, mas vamos ter que passar rápido por trilhas acidentadas e sem pavimentação, e as minhas habilidades não são tão boas assim.

– Com certeza, sei dirigir qualquer quadriciclo. Eu tenho irmãos – Stevie Rae se ofereceu, e todos nós subimos no Polaris, que eu descobri que era basicamente um carrinho de golfe disfarçado que podia andar rápido.

– Eu tenho um irmão, mas não sei dirigir esta coisa – eu disse.

– Z, não quero ofender nem nada, mas pode ser que eu seja uma garota de Oklahoma melhor que você.

– Não tenho dúvida disso.

Vovó riu e falou:

– Siga em frente naquela estrada de terra. Vire à esquerda quando chegarmos no topo do primeiro penhasco e depois vire à direita e continue sempre virando à direita quando houver uma bifurcação. Eu aviso quando for para ir devagar.

– Facinho! – Stevie Rae exclamou. – Segurem-se aí, pessoal!

O motor do Polaris rugiu ao dar a partida e nós nos seguramos. Desviando de teias de aranha e de buracos gigantes como uma profissional, Stevie Rae foi dirigindo para cima da montanha, subindo e serpenteando, acompanhando a face de um penhasco enquanto o tempo ia ficando mais frio, com mais neblina e simplesmente cada vez mais esquisito quanto mais longe nós subíamos. Quando a baixa visibilidade fez que Stevie Rae fosse muito mais devagar, Vovó falou mais alto que o motor do carro:

– Pare um instante, por favor, filha!

Stevie Rae estacionou o quadriciclo. Então Vovó fez algo muito estranho. Ela se levantou, de modo que a cabeça dela saiu para fora das barras de proteção que imitavam um teto, e gritou para o céu cinza que anunciava o amanhecer:

– Oak! Sou eu, Sylvia Redbird! Eu dou a minha palavra de que estes aqui comigo não representam nenhum perigo para o meu neto ou o seu povo.

Houve uma pausa carregada, e então a voz suave de Oak respondeu de dentro das farfalhantes folhas marrons do inverno nas árvores que nos cercavam:

– Eu a vejo, Mulher Sábia, e reconheço aqueles que estão com você. Podem passar em paz.

E então a noite simplesmente esquentou e a neblina gelada ao nosso redor se levantou, embora a apenas alguns metros de nós eu conseguisse ver a neblina ficando espessa de novo, escondendo a montanha em gelo e névoa.

– Ok, está seguro para continuarmos agora – Vovó disse. – Mas não é muito longe. Fique de olho em uma grande árvore caída no caminho.

– Pode deixar! – Stevie Rae engatou a marcha do Polaris e acelerou.

Eu me inclinei perto de Vovó para que ela pudesse me ouvir mesmo com o barulho do motor.

– Então, Kevin fez isto? Proteger esta montanha foi uma das razões que o fez usar Magia Antiga?

– Sim. Ele foi obrigado a fazer isso. Stark estava liderando o Exército Vermelho direto para a base da Resistência. Havia inocentes aqui. Todos teriam sido massacrados.

Eu assenti, começando a entender o tamanho da necessidade de Kevin. Eu não poderia culpá-lo por invocar os espíritos. Provavelmente, eu teria feito o mesmo se estivesse no lugar dele.

– Árvore caída, bem na frente! – Stevie Rae anunciou quando os faróis iluminaram a tora abatida. – E nós temos cerca de quinze minutos até o amanhecer.

– Vá em frente e estacione perto da árvore – Vovó a orientou. Então ela ficou em pé de novo e gritou: – Estou tentando colher pés de mostarda à luz da lua. É nessa hora que eles ficam mais potentes!

– Ahn? – eu disse.

– Shhh, a gente não vai ter que esperar muito até...

Das árvores acima de nós, vampiros com roupas camufladas saltaram no chão. Todos estavam segurando arcos com flechas encaixadas e apontadas diretamente para nós. Um vampiro se destacou do grupo. Eu o reconheci antes de ver a sua Marca. Só havia um Guerreiro que se portava com aquela confiança, que se movia com aquela graça ágil e controlada e que empunhava uma espada enorme como se fosse uma pena.

– Dragon! – não consegui segurar a minha boca e gritei.

– Aiminhadeusa! É tão bom ver você! – Stevie Rae disse. Ela começou a sair do Polaris, sem dúvida para dar nele um grande abraço típico de Oklahoma, mas Dragon franziu o cenho, e a enorme espada que ele continuava apontando na direção dela definitivamente diminuiu o entusiasmo de Stevie Rae. Isso também fez com que Rephaim ficasse ao lado da sua companheira de modo protetor.

Foi a minha avó que saiu do veículo antes de todos nós. Ela foi até Dragon, ignorando a sua espada.

– Merry meet, amigo Dragon. Trouxe aliados de um outro mundo... o mundo do qual Kevin falou. – Vovó se virou, fazendo um gesto para que eu me juntasse a ela, o que fiz, indo com cuidado para que eu não acabasse acidentalmente virando um espetinho de carne. – Esta é a minha neta...

– Zoey Redbird! – Saindo das sombras escuras da floresta, Anastasia Lankford andou na minha direção, com o sorriso iluminado. – Merry meet. É ótimo ver você viva e bem.

– Digo o mesmo, Anastasia. – Os meus olhos começaram a se encher de lágrimas de alegria, e não consegui deixar de abraçá-la com força. – Eu senti sua falta.

– Eu também! – Stevie Rae disse. – Posso te dar um abraço?

Anastasia se virou para Stevie Rae e arregalou os olhos ao ver a complexa Marca vermelha que emoldurava o rosto dela.

– Ah, desculpe. Talvez você não me conheça neste mundo. O meu nome é Stevie Rae Johnson.

– Eu me lembro de uma jovem novata com este nome, mas ela rejeitou a Transformação logo no primeiro ano na Morada da Noite e não estava em nenhuma das minhas aulas.

– Sim – Stevie Rae suspirou. – Isso aconteceu no meu mundo também, mas depois eu voltei.

– Uma vampira vermelha mulher. Isso é muito estranho – Dragon falou.

– Bom, Dragon, se você pensa que eu sou estranha, espere alguns minutos até o sol nascer e veja o que acontece com Rephaim! – Stevie Rae exclamou.

– Stevie Rae, eu vou te dar um abraço – Anastasia disse.

– Eba! – Stevie Rae voou para os braços dela e, enquanto abraçava forte Anastasia, ela sorriu por sobre o ombro para Dragon. – Você é o próximo, Mestre da Espada.

A resposta de Dragon foi um grunhido.

Então Rephaim deu um passo em frente e parou diante de Anastasia, e eu prendi a respiração. Ele colocou um joelho no chão e levantou a cabeça para a Sacerdotisa com olhos brilhantes cheios de lágrimas represadas.

– Anastasia Lankford, eu juro protegê-la.

– Bem, obrigada, meu jovem – Anastasia sorriu para ele, embora eu pudesse ver que ela estava confusa. – Você e eu devemos nos conhecer do seu mundo.

– De fato. Mas não foi por muito tempo. Eu deveria ter protegido você lá. Vou proteger você aqui.

– Isso é ótimo, garoto. Mas você vai ter que ficar na fila atrás de mim – Dragon disse.

– Oh, Bryan. Proteção nunca é demais para uma Sacerdotisa, especialmente nestes tempos tão perigosos. – Anastasia estendeu a mão, e Rephaim a pegou, beijando-a formalmente. – Fico feliz de aceitar a sua oferta de proteção, apesar de esperar que eu nunca precise dela.

– Obrigado, Sacerdotisa. Obrigado – Rephaim agradeceu e se levantou.

– Eu detesto ter que interromper esta reunião adorável, mas o amanhecer está quase chegando e nós realmente precisamos levar Stevie Rae para dentro e Rephaim para algum lugar em que ele se sinta seguro para fazer a sua transformação – eu falei.

– Certo – Dragon concordou com a sua relutância mal-humorada de sempre. – Johnny B, esconda o Polaris.

Minha avó apontou para a traseira do quadriciclo.

– Tina enviou suprimentos. Eles estão na caixa aí atrás. E, antes que você pergunte, sim, eu trouxe mais cookies.

Então Dragon sorriu.

– Sylvia, você é uma enviada da Deusa.

– Eu sou mesmo – Vovó respondeu atrevidamente.

– Drew, ajude Johnny B a descarregar os suprimentos e levá-los para a caverna. Os outros fiquem aqui e certifiquem-se de que o Exército Vermelho não passou pelos espíritos.

– Nós vimos o exército indo embora. – Eu tentei não ficar olhando embasbacada para a versão deste mundo de Johnny B e Drew.

– Sim, um comboio passou por nós assim que entramos na Lone Star – Vovó confirmou. – O que aconteceu aqui hoje?

– O que não aconteceu é que é de maior importância – Anastasia respondeu. – O seu neto salvou dois grupos de humanos e novatos azuis refugiados.

– Oh, graças à Grande Mãe Terra – Vovó murmurou em oração.

– Exatamente – Anastasia concordou. – Agora, por favor, sigam-me. Como a sua avó sabe, a caverna não fica longe daqui, mas é uma subida íngreme.

Nós começamos a árdua caminhada atrás de Anastasia e Dragon. Fiquei olhando para os dois, pensando em como era incrivelmente maravilhoso vê-los de mãos dadas e com as cabeças inclinadas um em direção ao outro. Por um momento, eu não queria mais nada além de invocar o espírito e descobrir um pagamento que permitisse que Outro Kevin, Outro Stark, Outra Aphrodite e o resto das pessoas boas daqui voltassem para o meu mundo com a gente, e eu pudesse esquecer de toda a morte e Trevas que permeava este lugar.

Mas eu sabia que isso não seria certo. Este mundo precisava de pessoas boas também.

– É tentador, não é, Z? – Stevie Rae falou baixo ao meu lado.

– Você está lendo a minha mente?

Ela abriu o sorriso.

– Não é difícil. Estou pensando a mesma coisa. Em como seria ótimo levar Dragon e Anastasia de volta com a gente.

– Seria, mas só para nós. Para este mundo... nem tanto.

– Às vezes é um saco não ser egoísta – ela disse.

– Sim – eu concordei.

Então não falamos mais nada porque tivemos que escalar um caminho pedregoso em fila única que parecia não terminar em lugar nenhum – até que fizemos uma curva estreita e vimos a abertura de uma caverna. Aromas de um ensopado saíram lá de dentro, junto de vozes abafadas de mulheres e crianças.

– Uau, isso é simplesmente incrível! – Stevie Rae exclamou. E então ela ofegou e se virou rapidamente para Rephaim. – Oh-oh! E eu não os avisei.

– Não nos avisou sobre o quê? – Dragon ficou instantaneamente alerta.

– Bom, hum, lembra quando eu disse para você esperar e ver o que acontecia com Rephaim ao nascer do sol? Ok, não surte. Eu explico tudo depois que ele sair voando.

– O que está acontecendo? – Dragon falou de forma contundente, se mexendo para bloquear preventivamente o máximo da entrada da caverna que ele podia, com a espada levantada.

– Não há nenhum perigo, amigo Dragon – Vovó afirmou. – Rephaim simplesmente não é o que parece ser, assim como a maioria de nós.

– O sol está nascendo agora! – Stevie Rae abaixou a cabeça, encolhendo-se para se proteger do sol que eu nem conseguia ver ainda.

– Ela tem que entrar na caverna! – eu exclamei.

Eu já estava tirando a minha jaqueta para jogá-la sobre a cabeça exposta de Stevie Rae quando Dragon se afastou para que ela pudesse passar por ele. Então ela parou logo perto da entrada e se virou para encarar Rephaim.

Todos nós viramos para encarar Rephaim.

Ele tinha tirado a camisa e estava olhando em volta freneticamente, o que me fez pensar no que aconteceria com as suas calças e a sua cueca se ele ainda as estivesse usando quando se transformasse em um corvo.

Mas nada aconteceu. Nada mesmo.

– Eu não estou julgando, mas o seu companheiro tira a roupa em todo nascer do sol? Por quê? – Anastasia perguntou para Stevie Rae.

Ela não respondeu. Só o que ela conseguia fazer era ficar encarando Rephaim.

– Você tem certeza de que o sol já nasceu? – Vovó perguntou delicadamente. – É difícil dizer com a cobertura das árvores.

– Sim – a voz de Stevie Rae estava trêmula. – Não tenho dúvida. O sol nasceu há três minutos.

Rephaim estendeu os braços, olhando fixamente para as suas mãos muito humanas.

– Não está acontecendo. Eu não estou me transformando! – Ele se virou para mim, encontrando o meu olhar. – Por quê? Não compreendo.

– Nem eu – disse Dragon.

– Rephaim se transforma em um corvo todo dia, do nascer do sol ao pôr do sol – eu expliquei, apesar de a minha voz estremecer, já que eu me sentia trêmula também.

– Por quê? Que tipo de criatura ele é? – Dragon perguntou.

– Ele era algo chamado Raven Mocker – eu disse. – Mas eles eram criaturas antigas, do mal, e ele deu as costas para as Trevas quando se apaixonou por Stevie Rae. Nyx o perdoou, dando a ele o corpo que você vê agora.

– Mas eu tenho uma penitência a pagar pelo mal que já fiz – Rephaim acrescentou. E, embora ele estivesse respondendo a Dragon, o seu olhar encontrou o de Stevie Rae e permaneceu com ela. – Então, quando o sol se levanta, eu volto a ter a forma de uma fera. Só não aconteceu aqui. Não aconteceu agora.

– Talvez isso aconteça porque você não cometeu nenhum mal neste mundo – Anastasia disse. – Nyx não tem um motivo para cobrar sua penitência aqui.

Queria poder explicar para Anastasia a ironia contida nas suas palavras – e como eram catárticas para Rephaim –, mas sabia que não poderia fazer isso. Então, tudo o que fiz foi assistir com olhos cheios de lágrimas quando Rephaim foi até Stevie Rae, pegou-a em seus braços e a abraçou forte, enquanto ela chorava lágrimas de alegria sobre o seu peito nu inteiramente humano.


25

Stevie Rae

– Aiminhadeusa, Kev fez tudo isso? – Stevie Rae ficou de queixo caído, assim como Rephaim e Z, enquanto eles seguiam Anastasia para dentro da caverna.

A entrada era modesta. Apenas cerca de uma dúzia de pessoas cabia confortavelmente ali – se elas não fossem muito grandes ou altas, mas apenas alguns passos adiante e de repente a caverna se tornava uma enorme catedral subterrânea com fogueiras queimando alegremente em diversos lugares ao redor de toda a circunferência.

– Sim e não – Anastasia respondeu. – Ele invocou os espíritos de Magia Antiga e pagou com as bolsas medicinais das duas Sylvias Redbirds, a deste mundo e aquela do mundo de vocês. Os espíritos fizeram o resto.

– Foi uma coisa maravilhosa testemunhar isso. Fiquei tão feliz de ter desempenhado uma pequena parte – Vovó Redbird disse.

– Parece que você desempenhou mais do que uma pequena parte, Vovó – Zoey comentou. – Você pagou o preço.

– Ah, mas o preço não foi alto, e tenho certeza de que a minha contraparte no seu mundo iria concordar comigo de que valeu muito a pena.

– Bom, é super legal! – Stevie Rae exclamou. Ela estava segurando a mão de Rephaim como se nunca mais fosse soltar, e ainda mal podia acreditar que já era dia lá fora e que ele ainda estava ali, ao lado dela e na sua forma humana, sorrindo. Stevie Rae estava mais do que inebriada. Como a canção de Frankie Ballard dizia, parecia uma explosão de luz do sol com uísque.

– Croak! Croak! – Da entrada, um corvo enorme precipitou-se na direção deles, voando baixo e em círculos até aterrissar no braço erguido de Anastasia.

– Oh, Tatsuwa! Estou tão feliz que você esteja aqui. – A Sacerdotisa acariciou a cabeça escura do pássaro enquanto ele se entregava para a mão dela com adoração.

– Você tem um corvo? – Rephaim perguntou.

Stevie Rae sentiu a tensão no corpo dele através das mãos dadas, e ela levantou os olhos para o seu amante alto, bonito e bastante humano. Ela nunca tinha visto Rephaim perto de nenhum outro corvo, e ele estava encarando aquele com uma expressão mista de curiosidade e medo.

Anastasia sorriu com carinho para Rephaim.

– Se eu sou dona dele? Ah, não! Ninguém pode ser dono de outro ser. Eu simplesmente encontrei Tatsuwa quando ele estava começando a voar. Eu o ajudei, e ele escolheu permanecer perto de mim.

– Não foi exatamente assim, meu amor – Dragon Lankford a corrigiu. – Ele ainda não tinha voado quando você o encontrou.

– Você está certo, Bryan. Este garoto adorável tinha caído do seu ninho durante uma terrível tempestade quase um ano atrás. Eu o encontrei e cuidei dele até que ele pudesse voar.

– E ele retribui a sua gentileza com absoluta devoção – Dragon concluiu.

– Acho que eu entendo como ele se sente – Rephaim disse, trocando um olhar íntimo com Stevie Rae.

– Bom, você não era um bebê quando eu te encontrei – ela falou.

– Não, mas eu estava ferido e desamparado e não podia voar. – Ele olhou para Anastasia. – Você acha que ele se importa se eu tocá-lo?

– Tatsuwa pertence a si mesmo. Eu não respondo por ele. Pode perguntar diretamente.

Rephaim apertou a mão de Stevie Rae antes de soltá-la. Então ele se aproximou do grande pássaro. Ele tinha saído do braço de Anastasia e se empoleirado no ombro dela. E estava observando Rephaim com olhos brilhantes e inteligentes.

– Olá, Tatsuwa. Eu sou Rephaim. Acho que eu e você temos muito em comum. – Ele levantou a mão, oferecendo-a para o grande pássaro como se ele fosse um cachorro. Tatsuwa inclinou a cabeça de lado, analisando Rephaim, e então se inclinou para a frente, permitindo que Rephaim acariciasse suas penas.

– Ele gosta quando fazem carinho logo acima do seu bico – Anastasia o aconselhou.

– Ele é lindo – Rephaim falou com voz baixa enquanto acariciava o corvo.

– É parecido com você – Stevie Rae disse, vindo para o lado de Rephaim. – Só que você é maior.

Rephaim olhou chocado para ela.

– Maior? Mas ele é enorme!

Stevie Rae riu.

– Você entendeu por que Aphrodite está sempre provocando a gente, falando que vai arranjar uma gaiola gigante?

– Aphrodite... – Dragon murmurou.

– Oh-oh, o que ela fez? – Zoey perguntou.

Antes que Dragon pudesse responder, a sua companheira se adiantou.

– Apenas algo simples. Ela fez com que um grupo inteiro de novatos e crianças humanas não fosse massacrado pelo comboio do Exército Vermelho que vocês cruzaram no caminho para cá. E o seu irmão também estava com ela.

– Sim. Kevin impediu que eu capturasse Aphrodite e a trouxesse para cá – Dragon confirmou.

– Mas, espere aí, isso é bom, certo? – Stevie Rae questionou. – Kev encontrou Aphrodite, e ela só pode estar do nosso lado, ou não teria salvado todas aquelas pessoas.

– Exatamente – Anastasia disse com firmeza.

– O único lado que Aphrodite está é o dela mesma – Dragon falou. – Todos nós precisamos nos lembrar disso.

– Não quero ser maldosa nem nada, mas era isso que a gente pensava no nosso mundo, e estávamos errados – Stevie Rae afirmou. – Sem Aphrodite, eu seria tão nojenta quanto todos os vampiros vermelhos aqui do seu mundo. Bom, todos os vampiros vermelhos, menos Kev.

– Aphrodite é muito mais do que a máscara que ela mostra em público – Zoey lembrou.

– Se a minha opinião conta, gostaria de dizer que, apesar de ser preciso se acostumar com ela, e de eu não gostar quando ela me chama de Menino-Pássaro, Aphrodite tem mais Luz do que Trevas dentro dela.

Dragon encarou Rephaim por um longo momento e então disse:

– A sua opinião conta bastante, já que acredito que você conheceu as Trevas intimamente.

– Eu conheci, Mestre da Espada. – Rephaim abaixou a sua cabeça levemente para Dragon. – Assim como você, embora talvez não neste mundo.

Dragon abaixou a cabeça de volta para Rephaim.

– Há muita coisa sobre as quais você e eu podemos conversar.

– Aguardo ansiosamente por isso – Rephaim afirmou.

– Viu só? Eu sabia que você e Dragon iam ser bons amigos! – Stevie Rae exclamou, encostando a cabeça no ombro de Rephaim e dando um bocejo alto.

– Eu mal vejo a hora de ouvir a história sobre o namoro de vocês – Anastasia falou. – Mas imagino que Stevie Rae gostaria de ser levada primeiro a um lugar para dormir.

Stevie Rae tentou, sem sucesso, reprimir outro bocejo.

– Isso seria incrível. Eu consigo ficar acordada quando o sol está lá fora, mas não é fácil.

– Ei, vá em frente e durma. Eu atualizo Dragon e Anastasia sobre o nosso plano e depois também vou dormir um pouco – Zoey disse. – Hum, vocês podem avisar ao Kevin que eu estou aqui? Acho que não seria inteligente da minha parte simplesmente entrar na Morada da Noite e começar a procurar por ele.

– Tatsuwa pode ajudá-la! Não é, bonitão? – Anastasia murmurou carinhosamente para o grande pássaro, que realmente ronronou de volta enquanto esfregava a sua cabeça contra o rosto dela. – Bom menino! – ela riu com doçura.

– O pássaro conhece Kevin? – Zoey perguntou.

– Ah, com certeza. E ele pode levar um recado seu para o seu irmão – Anastasia respondeu.

– Como um pombo-correio? – Stevie Rae perguntou.

– Mais como um cachorro São Bernardo – Dragon falou. – Anastasia vai mostrar a vocês.

– Mas, primeiro, vocês estão com fome, queridos? Ou preferem ser levados para os seus quartos? – Anastasia quis saber.

– Eu já estou cheia de cookies – Stevie Rae disse, sonolenta, esfregando os olhos. – Rephaim, você precisa de algo para comer?

– Tudo o que eu preciso é ter você dormindo em meus braços. – Ele colocou o braço em volta do ombro de Stevie Rae e a puxou para mais perto.

– Isso soa melhor do que uma canção de amor de Kenny Chesney. – Ela se derreteu.

– Se Zoey e Sylvia vão ficar aqui com Bryan, eu levo Stevie Rae e Rephaim até um dos nossos quartos vazios – Anastasia se ofereceu. Então ela acariciou a cabeça do corvo de novo e se dirigiu a ele. – Gostaria que você ficasse aqui também, meu amigo. Zoey vai precisar que você leve a mensagem dela para Kevin.

– Garoto Redbird! – Tatsuwa grasnou.

– Espere aí, todos vocês podem falar quando são corvos? – Stevie Rae deu uma cutucada com o ombro em Rephaim.

– Eu não tinha ideia – respondeu o seu companheiro, parecendo chocado.

– Precisamos trabalhar nisso – Stevie Rae falou. Então ela abraçou Vovó Redbird e Z. – Vejo vocês ao anoitecer.

Z a abraçou de volta antes de dizer:

– Ei, vocês por acaso teriam um pouco de refrigerante de cola? Qualquer coisa com cafeína e açúcar deve funcionar. Preciso ficar desperta e focada.

– Sim, há várias bebidas no corredor principal da caverna – Anastasia explicou. – Ficam logo ali dentro, no caminho para os aposentos de dormir. Posso mostrar, e depois você volta para cá.

– Ótimo! – Z exclamou.

Os quatro, então, entraram na enorme caverna, que fez Stevie Rae se lembrar da sua excursão de escola do meio do oitavo ano até as Cavernas Meramec no Missouri, só que sem as incríveis estalactites e estalagmites.

A parte principal da caverna esculpida pelos espíritos era um círculo subterrâneo enorme, e pontilhando essa circunferência estavam grupos de pessoas – a maioria novatos e vampiros azuis, mas Stevie Rae percebeu que havia vários humanos entre eles, a maioria jovens ou de idade avançada. Cada grupo estava posicionado ao redor de uma fogueira, e todos estavam ocupados. Alguns estavam cozinhando, alguns estavam remendando roupas e outros simplesmente pareciam estar contando histórias. Gatos também andavam pela caverna, encontrando os melhores colos para descansar ou os lugares mais aconchegantes perto do fogo crepitante. Stevie Rae achou que o lugar inteiro era simplesmente incrível.

– Está na hora de dormir – Anastasia explicou enquanto eles atravessavam o amplo círculo. – Então, não está tão movimentado quanto costuma ser. Normalmente, os Guerreiros ficam praticando esgrima ou arco e flecha e ensinando os mais jovens a se protegerem.

E então Anastasia fez uma pausa na sua explicação quando uma das novatas azuis reparou neles e começou a apontar para Stevie Rae com uma expressão chocada e boquiaberta.

– Hum, Anastasia, parece que aquela garota ali acabou de ver o bicho-papão, e o bicho-papão sou eu – Stevie Rae comentou.

– De fato – Anastasia concordou. – Eu vou resolver isso agora.

A adorável Sacerdotisa fez um gesto para que Stevie Rae a acompanhasse, e juntas elas andaram decididamente até o centro da caverna. Anastasia bateu palmas algumas vezes, atraindo a atenção de todos. Quando ela falou, as suas palavras foram claras, nítidas e preencheram toda a caverna.

– Atenção, todos vocês, quero que conheçam os nossos mais novos membros da Resistência. Esta é Stevie Rae. Sim, ela é uma vampira vermelha, mas, assim como Kevin, ela também é nossa aliada. Tratem-na como fariam com qualquer amigo. O companheiro dela é Rephaim e a outra companheira é Zoey Redbird, irmã do nosso Kevin.

Todos ficaram encarando, mas houve vários cumprimentos e, para surpresa de Stevie Rae, logo as pessoas pararam de olhar e voltaram ao que estavam fazendo – bem, todos, exceto um vampiro azul alto, moreno e muito bonito. Ele se aproximou do pequeno grupo, mas só tinha olhos para Zoey.

– Ai, senhor – Stevie Rae murmurou baixinho. Então ela e Z falaram o nome dele juntas.

– Erik!

– E aí, gatas? Acho que não conheço vocês e pensei em me apresentar. – O sorriso dele era de estrela de cinema, com muitos watts de potência. – Mas parece que vocês já me conhecem.

– Sim, com certeza conhecemos – Stevie Rae respondeu, segurando uma risadinha.

– Pelo menos ele faz parte da Resistência – Z disse para Stevie Rae, ignorando o sorriso sedutor de Erik.

– Bom, Z, ele deve ter crescido – Stevie Rae comentou.

– Você é sempre positiva, Stevie Rae. Essa é uma das coisas que eu amo em você – Z respondeu.

– Desculpem, estou confuso – Erik falou.

– A gente sabe! – Z e Stevie Rae disseram juntas antes de se acabarem de rir feito garotinhas.

Rephaim deu um passo à frente, oferecendo sua mão para Erik.

– Eu sou Rephaim. Prazer em conhecê-lo. De novo.

Erik apertou a mão dele, mas franziu a testa ligeiramente.

– De novo? Não lembro de ter conhecido você. – Então a sua confusão se dissipou. – Ah, entendi. Você é um fã humano.

– Algo desse tipo – Rephaim disse.

Então Erik se virou para Zoey.

– Você realmente me parece familiar. A gente se conhece?

Z riu delicadamente.

– Não neste mundo, Erik, mas é bom te ver aqui, com a Resistência.

– É, sim, essa guerra é péssima para Hollywood. Minha carreira está parada no momento, então essa coisa de lutas definitivamente precisa acabar.

– O que você disse mesmo sobre ele ter crescido? – Z perguntou para Stevie Rae.

– Retiro o que disse – Stevie Rae deu uma risadinha.

Erik abriu a boca para responder, mas Anastasia falou primeiro.

– Erik, Johnny B e Drew estão trazendo novos suprimentos pela trilha principal. Você pode ver se eles precisam da sua ajuda, já que é um querido?

– Qualquer coisa por você, milady! – Erik fez uma reverência para Anastasia com um floreio. Então ele piscou para Zoey. – Te vejo mais tarde, Senhorita Zoey.

E saiu rapidamente.

– Espero que não – Stevie Rae falou baixinho.

– Imagino que vocês conheçam Erik no seu mundo – Anastasia comentou.

– Muito bem – Z respondeu.

– Ele é muito, hum, jovem – Anastasia disse cuidadosamente.

– Sim, mas ele melhora – Z contou.

– Se ele for forçado a fazer isso – Stevie Rae acrescentou. – Não deixe que ele se dê bem só com base na aparência. Realmente ele pode ser mais do que aparenta, mas neste momento ele nem sabe disso.

– Vou manter isso em mente – Anastasia afirmou.

– Ei, por que não tem fumaça aqui com todas essas fogueiras? – Zoey perguntou.

– Na verdade, a gente não sabe ao certo. Tudo isto aqui, exceto a pequena entrada lá em cima, foi criado pelos espíritos, então nós estamos apenas gratos por ter um refúgio seguro e pelo fato de não ser cheio de fumaça. – Anastasia foi na direção do lado esquerdo do amplo espaço, onde um córrego passava borbulhando, saindo de algum lugar no chão de pedra e correndo profundamente por toda a lateral da caverna antes de desaparecer na pedra de novo. Flutuando na água estavam diversas latas e garrafas, todas juntas em uma rede. – Ali vocês podem encontrar refrigerante de cola gelado, garrafas de água e até vinho.

Zoey foi até o córrego e colocou os dedos na água.

– Uau! É gelado mesmo!

– Sim, e ele corre para dentro e para fora de todo este sistema de túneis e cavernas. Há até uma ramificação do córrego que usamos como o nosso banheiro.

– Bom trabalho, Kev! – Stevie Rae exclamou quando Rephaim pescou duas garrafas de água no córrego e uma lata de refrigerante, que ele arremessou para Z.

– Obrigada! Vejo vocês no pôr do sol.

Stevie Rae jogou um beijo para Z e então se voltou para Anastasia.

– Esta caverna é linda. É como se estivesse aqui há séculos.

– Penso do mesmo jeito... parece tão antiga quanto os espíritos que a esculpiram. E talvez seja. Talvez ela só estivesse esperando que alguém revelasse o que o tempo havia encoberto.

– É um bonito modo de pensar – Rephaim disse, colocando o seu braço em volta do ombro de Stevie Rae e a abraçando forte.

– Venham, o quarto de vocês não fica longe daqui.

Eles seguiram Anastasia, saindo da caverna principal. Havia várias opções de túneis, mas cada uma estava marcada com linhas de giz de cores diferentes que pareciam setas – algumas apontavam na direção da caverna principal e outras no sentido contrário.

– Todos nós temos excelente visão noturna, mas como há humanos aqui – Anastasia fez uma pausa, e então continuou –, e outros tipos de seres... – Rephaim assentiu, reconhecendo que ela estava se referindo a ele –, vocês vão encontrar lamparinas penduradas nas paredes, assim como uma no seu quarto. Vocês só precisam se lembrar de seguir as setas de giz vermelhas para voltarem para a caverna principal. As outras cores também têm um significado. Nós estamos seguindo as setas azuis. Elas levam aos aposentos de dormir. As amarelas levam até a área do banheiro, onde podem se limpar, mas estejam avisados: a água é sempre fria. – Anastasia estremeceu.

– Isso não é problema. Logo que nós mudamos para os túneis embaixo da estação, eles eram muito piores do que isso – Stevie Rae lembrou.

– Então, vocês também usam os velhos túneis de Tulsa no seu mundo?

– Sim, mas, pelo que Kevin nos contou, os nossos são diferentes dos túneis que o Exército Vermelho ocupa – Rephaim respondeu.

– Posso imaginar, já que os vampiros vermelhos no seu mundo são tão diferentes dos nossos.

– Esperamos que não por muito tempo – Stevie Rae disse.

– Isso parece um sonho impossível – Anastasia respondeu.

– Mas eu sou a prova viva de que não é impossível!

– Isso é verdade. Você e Kevin são a esperança em pessoa para nós – Anastasia concordou. Eles tinham chegado a um túnel estreito e a uma área que fez Stevie Rae se lembrar de um queijo suíço, com um monte de pequenas alcovas escavadas em buracos de ambos os lados do túnel. Várias tinham cobertores pendurados na frente, bloqueando a visão do lado de dentro. Anastasia parou diante de uma em que o cobertor estava puxado para o lado. – Essa aqui é bem confortável. E, como eu disse, se precisarem se limpar, sigam as setas amarelas e depois voltem seguindo as setas azuis. Vocês precisam de mais alguma coisa?

Rephaim e Stevie Rae trocaram um longo olhar íntimo, e ela respondeu:

– Não, obrigada, Anastasia. Nós já temos tudo que precisamos.

– Então desejo a vocês os sonhos mais agradáveis.

Finalmente sozinhos, Stevie Rae e Rephaim entraram no pequeno espaço escavado, soltando o cobertor da lateral e deixando que ele encobrisse a entrada depois de passarem por ela.

O quarto era arrumado e aconchegante. Havia uma lamparina na parte plana de um monte de arenito de Oklahoma do tamanho de uma cadeira. A sua luz tremulava contra as paredes curvas de pedra, provocando o efeito de uma lareira. Não muito longe da lamparina, um estrado grosso estava arrumado com dois sacos de dormir lado a lado. Os travesseiros e os edredons eram macios, limpos e tinham aroma de sabonete de lavanda.

Stevie Rae pegou um travesseiro e o cheirou.

– Aposto que Vovó Redbird tem algo a ver com isso tudo.

– Eu já aprendi a nunca apostar contra você.

– Sempre digo que você aprende rápido – Stevie Rae disse. Ela soltou o travesseiro e ficou em pé meio sem jeito ao lado da cama, inesperadamente nervosa.

– O que foi? Por que você parece desconfortável? – Rephaim perguntou.

– Bom. Hum. A gente nunca dormiu junto assim antes.

– Mas isso não é algo que deveríamos comemorar, em vez de te deixar nervosa?

– Sim, mas avise isso pro meu coração. Ele está batendo tão forte que parece que vai sair para fora do meu peito. – Ela pegou a mão de Rephaim e a colocou sobre o coração dela.

Ele sorriu para ela e a puxou para o seu abraço familiar.

– Lembra do que você costumava me falar quando eu ficava assustado com as coisas novas?

Ela assentiu, soando ofegante.

– Sim. Eu dizia para você só me abraçar forte que tudo ficaria bem.

– Stevie Rae, meu único e eterno amor, só me abrace forte que tudo vai ficar bem.

Ele se inclinou e a beijou, e Stevie Rae sentiu seus ossos ficando líquidos. O beijo dele apagou tudo que estava ao redor, e ele se tornou o mundo dela. Cuidadosamente, Rephaim a guiou até o colchão e eles se deitaram. Ele a abraçou de modo que os seus corpos ficaram pressionados intimamente, e o beijo deixou de ser suave e doce e passou a ser quente e intenso. Parecia que o tempo tinha parado. O nascer do sol sempre a deixava lânguida, e Stevie Rae sempre se perguntava como seria fazer amor com Rephaim quando ela estava nesse estado tão vulnerável. Ela sonhava com isso enquanto ele estava voando alto pelo céu iluminado pelo sol. Ela ansiava por sentir os seus braços fortes em volta dela, e o seu belo corpo dentro do seu – os dois corpos se unindo completamente antes de adormecerem juntos.

Logo Stevie Rae percebeu que a realidade era muito, muito melhor do que os seus sonhos.

Devagar, cuidadoso, Rephaim tirou as roupas dela e então, também sem pressa, Stevie Rae fez o mesmo, aproveitando para deslizar as mãos e os lábios pelo peito magro e musculoso do seu companheiro. Ela se deleitou na beleza dele e na maciez da sua pele marrom.

Por sua vez, ele explorou o corpo dela demoradamente. Eles já tinham feito amor muitas vezes, mas nunca durante o dia – e Stevie Rae se sentiu suspensa no tempo e repleta de prazer. O toque dele era como fogo, deixando-a ardente e incandescente. Ela amava como os dois não tinham a menor pressa. Ela ofegava com o prazer que as mãos e a boca dele provocavam, e ela o fazia tremer de desejo quando o tocava intimamente, demoradamente. Stevie Rae cobriu o seu amante de beijos até que nenhum deles conseguisse aguentar mais. Então os corpos deles se uniram e eles se movimentaram juntos em uma dança tão ancestral quando o próprio amor.

E no instante do ápice, Rephaim disse o nome dela, e ela falou o dele, com os seus lábios colados e as respirações ofegantes. Então, envolta no abraço muito humano de Rephaim, Stevie Rae fez uma prece de agradecimento a Nyx por permitir que eles tivessem esse momento mágico antes de adormecerem – finalmente, finalmente juntos.


26

Outro Kevin

– Eu vou com você – Aphrodite disse com firmeza. – E pare de andar de um lado para o outro. Você está me deixando tonta e isso não é nada atraente.

– É impossível você não ser atraente – Kevin falou e então acrescentou rapidamente. – Mas, não, você não vai comigo.

– Ahn, eu estou acostumada demais a receber elogios para ficar abalada por unzinho. E eu não pedi para ir com você. Foi uma afirmação.

Kevin parou de andar em círculos e a encarou.

– E se Dragon não deixar você voltar?

– Então você vai obrigá-lo.

Ele passou a mão pelo cabelo e segurou a vontade de dar um chacoalhão nela.

– Dragon é um Mestre da Espada. E um Guerreiro extremamente experiente. Eu não posso enfrentá-lo. Nem mesmo para protegê-la.

Ela revirou os olhos.

– Kev, eu não quis dizer que você deva lutar contra ele. Eu quero que você me ajude a discutir com ele... de novo. E, sinceramente, ser “capturada” pela Resistência não pode ser pior do que viver com o estresse das ameaças intermináveis de Neferet e o jeito que ela está me usando.

Kevin a analisou, reparando novamente nas olheiras escuras embaixo dos seus olhos e na aparência sem brilho de sua pele. E ela estava tão magra! Isso o deixava preocupado. Será que ela nunca comia ou dormia de verdade?

– A Resistência também vai querer usar as suas visões – ele disse, sendo honesto.

Ela deu de ombros.

– E daí? Pelo menos elas vão ser usadas para o bem. – Aphrodite estendeu a mão para impedir que Kevin respondesse. – Sim, eu entendi que Neferet não está mais seguindo a vontade de Nyx. Sim, levei tempo demais para encarar isso. Mas, agora que cheguei até aqui, preciso fazer algo mais do que ficar sentada esperando a minha próxima visão mostrar qual coisa horrível Neferet vai fazer em seguida. Você é responsável por isso, então devo ir com você para a Resistência.

– Eu sou responsável?

– Claro! Se um vampiro vermelho pode deixar de ser um monstro e se transformar em um cara legal, então eu posso me levantar e fazer a coisa certa também.

Ele sorriu lentamente.

– Você acha que eu sou um cara legal.

– Não fique se achando. Eu não falei um cara incrível. Quanto tempo falta para o pôr do sol?

– Quinze longos minutos.

– Ok, então nós vamos fazer o seguinte. Assim que o sol sumir, nós vamos até o escritório de Neferet. Vou dizer a ela que você vai me levar de carro até Dallas porque eu preciso de um pouco de terapia de compras na Nordstrom para repor a bota que quebrei naquele maldito campo no fim de mundo. Não tem como a gente fazer a viagem em um dia, então isso nos dá bastante tempo para encontrar a sua irmã e a Resistência e depois voltar para cá. Se a gente for voltar para cá.

– E se Neferet disser que não?

– Ela não vai. Ela pode me ameaçar e fazer bullying comigo, mas ela sabe que só pode me pressionar até certo ponto. E ela vai ver essa viagem de compras como uma coisa que faço sempre. Ela não vai nem questionar, só que ela vai questionar o fato de você me levar. Mas eu resolvo isso.

– Aphrodite, você tem certeza mesmo? Eu posso ir encontrar a minha irmã e voltar discretamente. Você não precisa se envolver nisso de jeito nenhum.

– Kev, eu estou envolvida nisso desde o momento em que não contei para Stark sobre Dragon nem entreguei você por ser um vampiro vermelho esquisito. Já é tarde demais para eu voltar atrás, e eu não quero fazer isso. Já cansei de me esconder atrás das minhas visões. – Ela encarou a lareira. – Não aguento mais ser a causa de tantas mortes.

Ele se sentou ao lado dela no sofá.

– Ei, você não foi a causa de nenhuma morte. Neferet e os seus exércitos é que foram.

Os olhos de Aphrodite encontraram os dele, e Kevin viu tanta tristeza escondida nas írises que perdeu o fôlego.

– Mas não fiz nada para impedi-las, e eu poderia ter feito.

– Você fez na noite passada. Você salvou Dragon e todas aquelas pessoas.

Ela balançou a cabeça.

– Eu era a razão de o Exército Vermelho estar lá, pra começo de conversa. Kevin, eu era uma egoísta, uma imprestável no mundo de Zoey?

– Não! Claro que não!

– Bom, aqui eu sou. E eu não quero mais ser. Você não precisa me ajudar a ser melhor. Eu tenho que fazer isso sozinha. Mas, por favor, não fique no meu caminho.

Lentamente, Kevin pegou a mão dela.

– Eu vou te ajudar. Eu sempre vou te ajudar. – Ele levou a mão dela até os lábios e a beijou suavemente.

Uma sobrancelha loira e perfeita se levantou, mas ela não retirou a mão – o que Kevin definitivamente considerou como uma vitória.

– Agora, vá espalhar um pouco daquela coisa nojenta de sangue em você, mas não muito. Eu vou tentar encobrir o cheiro.

– Ahn?

Ela suspirou.

– Kevin, Neferet nunca vai acreditar que eu deixaria um vampiro vermelho fedido me levar até Dallas e voltar, mesmo no sedã de luxo com divisória de vidro entre o passageiro e o motorista. Eu vou ter que tentar disfarçar o fedor.

– Sedã de luxo? Divisória de vidro?

– Você foi criado por lobos?

– Não. Fui um dos Filhos da Fé – ele respondeu.

Ela estremeceu de leve.

– Pior ainda. Não é de se espantar que você seja tão selvagem. Deusa, você tem muito a aprender. Mas primeiro as prioridades. Ponha aquele perfume de sangue nojento com moderação e me traga a minha maleta para eu fingir que passaremos a noite fora. Está atrás da porta do banheiro.

Kevin fez o que ela pediu, fazendo uma careta e prendendo a respiração quando ele desatarraxou a tampa do vidro que continha aquela massa gelatinosa e nojenta. Ele a espalhou – com moderação – embaixo de suas roupas. Quando terminou, ele pegou a mala de Aphrodite, que decididamente era mais do que uma maleta para uma noite, além da sua própria mochila, e se juntou a ela de novo na sala de estar.

– Isto não é uma maleta para uma noite.

– Ah, você não sabe de nada, Kevin Snow.13

– Ei! Eu entendi essa referência!

– Bom, ainda há esperanças para você. – Então fez uma careta. – Eca! Estou sentindo o seu cheiro! Deusa, isso é nojento.

– Eu sei. Odeio isso.

– Ok, venha até aqui.

Kevin foi até Aphrodite. Ela pegou uma bonita garrafinha de cristal roxo que tinha uma coisa estranha de borracha em forma de bulbo presa na tampa. Então ela pressionou o bulbo, o que jogou uma névoa fina de spray de água com aroma de lavanda nele. Ele respirou fundo e espirrou.

– Você não gostou? – ela perguntou, com uma sobrancelha levantada de novo.

– Sim, eu gostei. O cheiro é muito melhor do que o daquela gosma de sangue.

– Cara, merda de gato tem um cheiro melhor do que o daquela gosma de sangue. – Ela enfiou a garrafinha na sua bolsa Louis Vuitton gigante. – Já está na hora?

– Sim. O sol se pôs há quarenta e nove segundos.

– Esse é um talento realmente estranho. – Ela ficou parada perto da porta esperando que ele a abrisse.

– Mas bem útil – ele respondeu.

– Verdade. Certo... lembre-se de...

– Andar atrás de você. Carregar as suas coisas. Parecer subserviente e idiota.

O sorriso de Aphrodite fez o sangue dele correr rápido e quente pelas suas veias.

– Você consegue aprender! Muito bem. E agora vamos.

Ela se virou e saiu andando, e ele foi atrás dela, tentando não sorrir para o que via.

– Posso sentir você olhando para a minha bunda – ela falou sem dar nem uma olhada para trás. – Pode parar. Você deve ser subserviente. Além do mais, isso é meio pervertido.

– Ah, certo. Desculpe.

Ela chegou até a porta do edifício e parou, esperando que Kevin passasse rápido por ela e a abrisse. Quando ele o fez, perguntou:

– Então, só para registrar, há algum momento em que não seja pervertido olhar para a sua bunda?

Desta vez, ela levantou as duas sobrancelhas perfeitas.

– Se houver, eu vou ser a primeira a informar.

– Obrigado – ele sorriu para ela.

– Não me agradeça até isso acontecer. Se acontecer. – Ela deu um tapinha na bochecha de Kevin ao passar rápido por ele.

– Ah, vai acontecer – ele murmurou baixinho.

– Eu escutei isso! – ela disse.

Ele conteve o sorriso e deixou que ela ficasse vários passos à frente dele. Então ele deixou os ombros caídos e manteve uma expressão neutra no rosto, que ele esperava que parecesse idiota, e a seguiu.

O campus estava começando a se agitar, com professores e estudantes andando apressados, preparando-se para um novo dia escolar. Todos olhavam para Aphrodite. É claro que olhavam. Ela estava atravessando o campus com passos largos, o queixo empinado e o seu cabelo loiro e grosso ondulando atrás dela como um manto. Kevin só conseguia pensar em como ela era incrível.

Ela também estava desviando todos os olhares da presença dele.

Quando Aphrodite parou diante do prédio dos escritórios administrativos, Kevin passou rápido por ela e abriu a porta. Aphrodite entrou marchando e virou à esquerda. Exatamente na direção do corredor principal onde ficava o escritório luxuoso de Neferet. Aphrodite não hesitou. Ela levantou a mão para bater na porta espessa, dando uma olhada para Kevin logo atrás.

Pronto? Ela perguntou apenas movendo a boca, sem emitir som.

Kevin respirou fundo e assentiu, esperando que ele fosse um bom ator.

Aphrodite bateu duas vezes na porta.

– Entre!

Kevin nunca tinha estado no escritório de Neferet até agora, é claro, e definitivamente não foi uma encenação quando ele parou do lado de dentro e ficou olhando embasbacado ao redor como um turista sem cérebro.

Tudo que estava dentro do complexo de salas era bonito. Se ele já tivesse imaginado algum dia como Neferet decorava os seus escritórios, o que ele não tinha feito, Kevin teria pensado que ela preencheria tudo de dourado, mármore e cristal de modo espalhafatoso. Ele estaria totalmente errado.

A sala principal, em que ficava a mesa de Neferet, era quase completamente decorada em branco. Nas paredes havia belas fotos em preto e branco de Neferet – em todas, ela parecia uma versão de Nyx encarnada na Terra. Em uma delas, Neferet inclusive estava usando uma tiara de diamantes para imitar a tiara de estrelas da Deusa.

Era super perturbador.

A mesa era uma obra de arte. Feita inteiramente de ônix verde – da cor exata dos olhos de Neferet – e iluminada por dentro, era a moldura perfeita para a beleza sobrenatural da Grande Sacerdotisa. Ela estava sentada elegantemente atrás dela em uma cadeira parecida com um trono. Diante da mesa, havia duas cadeiras de veludo da mesma cor.

James Stark estava sentado em uma das cadeiras. Quando eles entraram no escritório, Stark se virou e arregalou os olhos ao reconhecer o tenente. Kevin o saudou brevemente e então ficou parado em posição de descansar, sem olhar nada em particular.

– Aphrodite! Os seus ouvidos devem estar queimando. O General Stark e eu estávamos justamente falando de você.

Aphrodite não perdeu o compasso. Ela sentou na cadeira ao lado de Stark, cruzou suas longas pernas e atirou o cabelo para trás.

– Sério? Que coincidência. Eu estava justamente pensando em conversar com você sobre Stark.

– Conte-me tudo! – Neferet falou entusiasmada e se inclinou para a frente, como se ela e Aphrodite fossem melhores amigas.

Kevin sabia que esse não era o caso.

– O General Cara do Arco contou que eu quebrei o salto da minha bota Jimmy Choo na noite passada, marchando no meio da selva?

– Não lembro de ele ter mencionado isso. Você mencionou, Stark?

Stark franziu o cenho para Aphrodite e então voltou sua atenção para Neferet.

– Não mencionei porque isso não é importante. O fato de que não capturamos nenhum membro da Resistência ontem, no entanto, é importante.

– Não é minha culpa que o Exército Vermelho é tão barulhento e fedido que eles não são capazes de fazer uma emboscada. Eca, por falar nisso – a mão de Aphrodite desapareceu dentro da sua bolsa e reapareceu com o vidro roxo de perfume, o qual ela esguichou distraidamente sobre o ombro na direção aproximada de Kevin –, da próxima vez que você designar um soldado para mim, pode, por favor, escolher um que não seja tão fedido?

Stark apenas ficou olhando para ela. Aphrodite deu de ombros e o ignorou.

– Enfim, gostaria de avisar que vou para Dallas fazer um pouco de terapia de compras. E para repor a minha bota, coisa que eu realmente deveria cobrar do Cara do Arco aqui, mas, como sou tão generosa, eu mesma vou assumir o custo.

– Espere aí, então de alguma forma ela está me culpando pela sua bota quebrada idiota e pelo fato de que a sua visão era mentira? – Stark protestou.

– A minha visão não era mentira. Era real. Era verdadeira. Todas elas são.

– Então, minha querida, por que Stark não matou nenhum membro da Resistência ontem à noite, nem capturou um único vampiro azul traidor que fugiu? – Neferet perguntou em uma voz gelada como o inverno.

Aphrodite não pareceu nem um pouco perturbada.

– Simples. Mudar o resultado de uma visão é fácil. Só precisa que uma pessoa faça alguma coisinha diferente do que potencialmente teria feito e voilà! A visão muda. Exemplo: se apenas um membro da Resistência possuísse um nariz decente, ele deveria ter sentido o cheiro do Exército Vermelho e alertado os outros. Não é culpa minha que ele chegou cedo demais.

– Você não me deu nenhuma instrução sobre horário! – Stark rebateu, completamente exasperado.

– Eu dei a localização e um resultado bem sangrento. Eu tenho que fazer tudo por você?

– Chega! – Neferet levantou a mão.

Kevin sentiu o ambiente se transformar, ficando pesado e opressivo. Ele não conseguiu se conter. Ele olhou diretamente para a Grande Sacerdotisa.

Por trás e abaixo dela, Kevin viu sombras começarem a pulsar e a se mover. Uma das sombras se soltou das outras, deslizou pelo braço de Neferet e se enrolou na cintura dela, desaparecendo do seu campo de visão.

Os olhos verdes de Neferet encontraram os dele.

Kevin abaixou a cabeça instantaneamente, sentindo o gosto amargo de bile e do terror completo no fundo da garganta.

– Não sou uma criança, Aphrodite. Eu não preciso de uma explicação sobre como as visões proféticas funcionam. Eu sou a escolhida de Nyx na Terra. Não se esqueça disso.

Aphrodite abaixou a cabeça levemente.

– Eu nunca me esqueço disso, Grande Sacerdotisa.

– Ótimo. General Stark, talvez da próxima vez você deva cuidar para que todos os vampiros vermelhos permaneçam dentro de veículos fechados até depois dos membros da Resistência caírem na emboscada.

– Sim, Grande Sacerdotisa – Stark respondeu sem nenhuma expressão.

– Agora, Aphrodite, você pode ir para Dallas, mas certifique-se de que você voltará a tempo do jogo de futebol amanhã à noite. O General Stark e eu estamos planejando uma pequena surpresa de Ano-Novo, e eu detestaria que você a perdesse. – Ela gesticulou com sua mão de unhas bem-feitas, dispensando Aphrodite. – Você pode ir.

– Obrigada, Grande Sacerdotisa – Aphrodite disse formalmente. Ela se levantou e começou a se curvar numa saudação tradicional, com o punho sobre o coração, mas de repente ela tropeçou e teria caído se Kevin não tivesse se movido rapidamente e segurado o seu cotovelo. Ela instantaneamente afastou o seu braço dele e jogou o cabelo para trás. – Eca! Eu não disse para você nunca me tocar?

– Sim, Profetisa – Kevin deixou os ombros caídos e se afastou dela.

– Aphrodite, você está bem?

Os olhos aguçados de Neferet estavam dissecando a Profetisa.

Aphrodite atirou o cabelo para trás e suspirou pesadamente.

– Estou bem. É provável que o fedor dele esteja deixando o meu estômago enjoado. Fedido! – Ela o fuzilou com os olhos. – Você pegou aquelas garrafas de vinho com sangue que eu encomendei na cozinha?

– Ahn, nã-não. Eu, eu não sabia que você...

– Ah, por favor. Não abra a boca. – Aphrodite franziu os olhos para Stark. – Muito obrigada por me empurrar essa coisa.

– Mas eu...

– Venha, Fedido! Será que eu tenho sempre que fazer tudo sozinha? Agora vou ter que esperar que você vá até a cozinha. Deusa! Como minha mãe diz, é impossível encontrar bons empregados.

– Sua mãe é sábia para uma humana – Neferet comentou. – Aphrodite, você vai tomar bastante cuidado, não vai? Eu detestaria que algo acontecesse a você, principalmente antes da minha surpresa amanhã à noite.

– Ah, eu estou bem. E tenho o Fedido aqui para me proteger se nós dermos de cara com membros da Resistência fazendo compras na Nordstrom. – Aphrodite se virou e encontrou os olhos de Kevin, e ele teve que se segurar para não ofegar.

Os olhos dela estavam injetados de sangue. Ele tinha certeza de que não estavam assim quando entraram no escritório.

Aphrodite foi até a porta, a qual Kevin abriu rapidamente, e depois a seguiu.

No instante em que a porta se fechou atrás deles, Aphrodite cambaleou para trás, caindo sobre Kevin.

– O que foi? – ele sussurrou ansiosamente, colocando o seu braço ao redor dela.

– Kev, leve-me até o carro. Agora. Ele está na fila da frente do estacionamento. Aqui estão as chaves. – Com mãos trêmulas, ela as pegou no bolso lateral da sua bolsa e as entregou para Kevin.

Kevin a segurou pelo cotovelo, estabilizando-a de novo, e eles saíram apressados pelo corredor, afastando-se do escritório de Neferet.

– Isto não é como nenhuma visão que já tive antes. Tem algo errado com os meus olhos! – Aphrodite tropeçou e quase caiu.

– Aqui, segure em mim. – Kevin deu o braço a ela. – Ah, merda! Os seus olhos. Parece que eles estão se enchendo de sangue!

– Deusa! Se eu desabar... se Neferet perceber que eu estou tendo algum tipo de visão estranha, ela não vai me deixar sair de jeito nenhum. E eu não quero contar para ela, seja o que for. Não quero contar nada para ela nunca mais! Ajude-me. Por favor.

– Eu estou aqui. Vai dar tudo certo. Você tem óculos de sol nessa bolsa?

– Eu... ahn... tenho sim. No bolso grande do meio.

Kevin pegou a bolsa dela e encontrou a caixa da Chanel, abrindo-a e colocando os óculos escuros no rosto dela.

– Agora segure em mim. Não solte. Não vou deixar você cair.

– A-as pessoas vão me ver segurando em você. Elas vão falar.

– Tudo bem. Vai ser como se eu estivesse a escoltando. Você pode inventar algo horrível para dizer sobre como eu sou péssimo nisso por causa do meu cheiro ruim. – Enquanto falava, ele continuou em movimento, praticamente a carregando.

– Kevin! Ah, Deusa! Está ruim. Está tudo ficando vermelho! Não consigo ver nada! – ela choramingou baixinho.

– Feche os olhos. Eu estou aqui com você. Já estamos quase lá. – Kevin os impulsionou para a frente o mais rápido possível. – Vire a cabeça para a direita, como se você estivesse olhando para fora da janela. Agora! – ele sussurrou com urgência. Ela fez isso, e ele soltou um pequeno suspiro de alívio depois que um grupo de novatos curiosos passou por eles pela esquerda. Kevin se empinou todo, endireitou os ombros e fuzilou cada um dos jovens estudantes da Morada da Noite com o seu melhor olhar aterrorizante de vampiro vermelho.

Eles rapidamente olharam para o outro lado, mal reparando em Aphrodite.

Então os dois estavam do lado de fora, e ele passou o braço ao redor da cintura de Aphrodite quando os joelhos dela cederam. Ele apertou o botão vermelho da chave e um sedã preto bem na frente deles apitou. Meio carregando, meio arrastando, ele a levou até o carro, abriu a porta e cuidadosamente ajudou Aphrodite a se deitar dentro do luxuoso assento traseiro de couro preto. Ele jogou a bagagem no porta-malas, sentou atrás da direção, colocou o carro em movimento e dirigiu o mais rápido que podia sem espalhar cascalho por toda a escola.

– Aphrodite? Tudo bem aí atrás? O que eu posso fazer?

– Leve-me até a Resistência – ela falou em meio a soluços de dor. – Eu... eu acabei de ver o que Neferet está planejando para o jogo de futebol amanhã!

13 Referência à famosa frase “Você não sabe de nada, Jon Snow”, da série “Game of Thrones”. (N.T.)


27

Zoey

– Quando ele vai chegar aqui? Será que a gente deveria encontrá-lo no meio do caminho? Por que não podemos ligar para ele? – Senti como se eu fosse surtar enquanto esperava perto da boca da caverna e assistia ao cair da noite sobre a montanha.

– O bilhete que Tatsuwa trouxe do seu irmão disse que ele sairia da Morada da Noite depois do pôr do sol. Ou seja, ele deve estar aqui a qualquer momento – Anastasia respondeu.

– Se ele não se meter em nenhum problema – Dragon acrescentou.

– Não se aflija, u-we-tsi-a-ge-ya. O seu irmão é um jovem responsável. Ele vai chegar logo – Vovó Redbird tentou me acalmar.

– O que a gente perdeu? Kev já está aqui? – Stevie Rae chegou apressada com Rephaim. Ambos estavam segurando canecas fumegantes de café e parecendo muito mais felizes e descansados do que eu. Tentei não sentir inveja. Afinal, tinha sido escolha minha deixar Stark para trás.

– Ainda não – eu disse, tentando não soar tão estressada e irritada quanto me sentia. – Queria que ele se apressasse.

– Tenho certeza de que ele está fazendo o melhor que pode. Só tenha um pouco de paciência e... – Vovó começou.

Houve uma série de pios de coruja que vieram de algum lugar ao longe, respondidos por outra série de pios parecidos mais perto.

– Aí está. – Anastasia sorriu. – Deve ser ele. Esse é o aviso dos Guerreiros para um amigo que está chegando.

Ela estava certa. Passaram-se apenas mais alguns minutos (incrivelmente longos), e então Kevin surgiu na curva que levava à caverna.

– Aiminhadeusa! Ele está carregando... – Stevie Rae observou.

– Aphrodite! – eu gritei e corri para encontrar o meu irmão e a mulher que ele levava em seus braços.

– Zo! É muito bom ver você!

– Nós já chegamos? – Aphrodite perguntou com voz fraca.

– Kevin, qual sua intenção trazendo Aphrodite aqui? – Dragon abriu caminho e passou na minha frente, fazendo eu me lembrar do babaca intolerante que ele tinha se tornado depois que Anastasia morreu.

Eu o empurrei de volta. Com força. Passei por ele e dei uma boa olhada em Aphrodite. O meu irmão estava com ela em seus braços e se mexia devagar e cuidadosamente. Aphrodite estava com uma camiseta dobrada cobrindo os seus olhos, e eu pude ver manchas escuras nela, além de rastros de lágrimas de sangue sobre o seu rosto pálido.

– Ela teve uma visão – eu disse para Dragon com um olhar duro. Toquei o braço dela delicadamente. – Como você está, Aphrodite?

– Pior do que eu pareço. Imaginando que ainda estou tão maravilhosa como sempre. Quem é você?

– Essa é a minha irmã, Zoey. – Kevin sorriu para mim.

– Oi. Ouvi dizer que nós somos amigas em outro mundo – ela falou.

– Somos sim. O que é bom, porque eu sei exatamente o que fazer para você se sentir melhor.

– Bebida e uns remédios? – ela respondeu cheia de esperanças.

Eu reconheci facilmente a sua tentativa de esconder o fato de que ela estava com uma enxaqueca debilitante e provavelmente ainda estava cega.

– Ela soa como a nossa Aphrodite, isso dá pra afirmar – Stevie Rae comentou.

– Eu não sei quem é essa, mas sei de onde ela é – Aphrodite afirmou. – Fim do mundo, em Oklahoma. Acertei?

– Mundo diferente... a mesma pessoa – Rephaim murmurou.

– Isto aqui não é uma reunião de família. É a Resistência – Dragon resmungou. – Kevin, você entende que, como ela está aqui, no nosso quartel-general, não pode mais ir embora.

– Eu pensei nisso, Dragon. E você precisa entender que, primeiro, isto é uma reunião. Ser parte da Resistência não significa que nós não podemos também ser parte de uma família. Segundo, Aphrodite está cega. Ela não conseguiu enxergar nada desde que saímos da Morada da Noite. Não tem como ela encontrar o caminho para cá de novo. Agora, será que eu preciso descer até a casa do rancho de Tina para que Aphrodite seja cuidada lá, ou você vai nos deixar entrar na caverna que foi construída por causa da minha conexão com a Magia Antiga?

Devo admitir que fiquei chocada por Kevin resolver enfrentar Dragon. O Mestre da Espada podia com certeza chutar o traseiro do meu irmão, e mesmo assim ali estava Kevin, segurando Aphrodite em seus braços, em confronto direto com ele.

– Bryan, Kevin é um dos nossos. E ele está certo... nós somos uma família. – Anastasia colocou a mão delicadamente no braço do seu companheiro. – Meu amor, você não confia nele?

– Confio. Kevin provou o seu valor – Dragon disse com relutância.

– Então nós precisamos confiar no julgamento dele também.

– Traga-a para dentro – foi tudo o que Dragon disse, e então ele abriu passagem.

– Anastasia, eu vou precisar de algo frio e úmido para colocar sobre os olhos de Aphrodite, e ela precisa de algo para beber. – Eu lembrei que neste mundo ela era uma vampira azul completamente Transformada e continuei: – Vinho com um pouco de sangue seria perfeito.

– Nós podemos fornecer isso. Eu volto em um instante. – Anastasia saiu apressada.

Kevin entrou na caverna e foi até a fogueira mais próxima, onde ele se ajoelhou e depositou Aphrodite com cuidado sobre o chão de pedra, recostada na parede curva.

– Rephaim, você pode correr até o nosso quarto e pegar um dos sacos de dormir para Aphrodite? Isso vai ajudá-la a ficar mais confortável – Stevie Rae pediu. Ele assentiu e foi rapidamente.

Aphrodite inclinou a cabeça para o lado.

– Eu sou amiga de uma caipira no outro mundo?

– Sim, senhora – Stevie Rae respondeu. – Mas não se preocupe. Você também tem uns parafusos a menos no nosso mundo.

– Parafusos a menos? Sério? Estou sentindo que preciso ir lá para ter uma conversa séria comigo mesma – Aphrodite falou, pressionando a camiseta que cobria os seus olhos com a mão trêmula.

Eu me sentei ao lado dela.

– Quanto tempo faz, uns quarenta e cinco minutos desde a visão?

– Sim – Kevin respondeu. – Ela teve a visão assim que estávamos saindo da Morada da Noite. Ela foi tão corajosa. Foi muito difícil para ela. Os seus olhos se encheram de sangue e ela ficou cega, mas continuou andando, continuou seguindo em frente para que Neferet não soubesse de nada. Ela é tipo um super-herói.

– Kev, você parece arrebatado. Pare com isso. – O tom de voz suave de Aphrodite tirou a dureza das suas palavras.

– Não tenho cem por cento de certeza de que sei o que é isso, mas acho que por mim tudo bem – Kevin disse.

– Isso meio que significa que você bebe a água da banheira dela, Kev. – Stevie Rae abriu um sorriso. – E gosta disso.

– Hum. Aphrodite, você gostaria que eu fizesse isso? – ele perguntou.

Eu dei um soco de leve no braço dele.

– Você vai fazer Aphrodite revirar os olhos, e isso vai doer.

– Desculpe – Kevin pareceu desapontado.

– Aphrodite vai melhorar logo. Ela só precisa descansar – eu afirmei. – Obrigada, Anastasia. – Peguei o tecido de linho limpo e molhado que a Sacerdotisa trouxe para usar como curativo. – Aphrodite, eu vou tirar a camiseta dos seus olhos e colocar um pano úmido no lugar. Você vai se sentir melhor.

– Ok – ela concordou, assentindo de modo trêmulo.

– Fique de olhos fechados. A nossa Aphrodite diz que isso ajuda – Stevie Rae acrescentou.

– Só se concentre na respiração, filha – Vovó Redbird a aconselhou.

– Quem disse isso? – Aphrodite perguntou.

– A nossa avó – eu disse. – Você vai adorá-la. Todos nós a amamos... em qualquer mundo que seja.

– Que gentileza, Zoey Passarinha. Eu vou ver se encontro um pouco de uma boa sopa reforçada. Isso vai ajudar também. – Vovó desapareceu caverna adentro.

– Ok, aqui vamos nós.

Cuidadosamente, tirei a camiseta ensanguentada do rosto de Aphrodite. Eu sabia o que veria embaixo. Quer dizer, eu já tinha ajudado Aphrodite a enfrentar as consequências das visões tantas vezes que perdi as contas. Ainda assim, era horrível. O sangue tinha coagulado nos cantos e ao redor dos seus olhos. Os cílios estavam emaranhados com a crosta. Sangue, rímel e sombra tinham escorrido pelo seu rosto, fazendo-a parecer um palhaço macabro.

– Não abra os olhos. Eu vou dar uma limpadinha. – Olhei para Anastasia, que estava olhando chocada para o rosto de Aphrodite. – Eu vou precisar de mais um desses tecidos.

– E eu vou precisar daquele vinho com sangue – Aphrodite pediu.

– É claro! Já volto.

– Aqui está o saco de dormir – Rephaim apareceu.

– Aphrodite, eu vou levantar você de novo para que consigam colocar o saco de dormir aí embaixo. Tudo bem? – Kevin perguntou.

– Sim, mas não muito rápido. Minha cabeça parece que vai explodir.

Kevin não poderia ser mais cuidadoso com Aphrodite mesmo se ela fosse um recém-nascido. Ele está totalmente apaixonado por ela. E àquele pensamento se seguiu outro: Onde está Darius neste mundo?

Anastasia voltou rápido, bem a tempo de eu terminar de limpar o rosto de Aphrodite.

– Ok – eu falei –, coloque isso contra os olhos, e eu ajudo você a beber o vinho.

Em vez de fazer isso, ela virou a cabeça na minha direção, com os olhos ensanguentados ainda fechados.

– Nós somos mesmo boas amigas, não somos?

– Com certeza – eu respondi.

– Você e eu brigamos de vez em quando – Stevie Rae disse, tocando o ombro de Aphrodite delicadamente e sentando do outro lado dela –, principalmente porque você não gosta do meu estilo de me vestir, mas você quase deu sua vida por mim. Nós também somos amigas. Boas amigas de verdade.

Aphrodite pressionou o curativo frio e úmido contra os olhos e me deixou guiar a sua mão até a caneca de vinho com sangue, a qual ela matou em apenas alguns goles. Então ela se recostou de novo na parede e suspirou.

– Melhor. Está ficando melhor. – Ela empinou o queixo e virou a cabeça na minha direção de novo. – Espere aí. Você já fez isso antes.

– Sim, muitas vezes – eu falei.

Ela ajeitou o cabelo e deu um longo e trêmulo suspiro.

– Então, como a Aphrodite de vocês lida com o fato de ser cega?

– Ela não é cega! – Stevie Rae e Kevin exclamaram juntos.

– Então por que diabos estou assim?

– Aphrodite, esta é a primeira vez que os seus olhos sangram durante uma visão? – eu perguntei.

– Sim. Normalmente eu desmaio, mas nem sempre. Nada parecido com isso já aconteceu comigo antes. É isso que acontece com a Aphrodite de vocês em todas as visões dela?

– Sim. Bom, todas desde que... – Então perdi as palavras ao me dar conta do que poderia estar acontecendo. – Dragon, você me contou que Aphrodite não entregou vocês para o Exército Vermelho na noite passada, certo?

– Certo. – O Mestre da Espada se aproximou e se agachou perto de nós.

– É claro que não. Eu não sou um maldito monstro. Eu odeio essa merda de guerra.

– E ela odeia que Neferet use as visões dela como arma – Kevin acrescentou.

– Kev, eu posso falar por mim. Mas o que ele disse é verdade.

– Há quanto tempo? – eu perguntei.

– Eu não sei o que você...

– Desculpe, eu não estou sendo clara. Há quanto tempo você odeia ser usada por Neferet?

Ela encolheu um ombro.

– Não sei.

– Sim, você sabe – Kevin disse. – Conte a ela. Zoey vai entender.

A cabeça dela se virou na direção de Kevin.

– Ela pode entender, mas ninguém mais vai.

– Eu entendi – ele rebateu.

– Eu vou me esforçar ao máximo para entender – Stevie Rae prometeu.

– Assim como eu – Rephaim falou. – Ah, eu sou Rephaim. O companheiro de Stevie Rae. Não tenho certeza se nós somos realmente amigos no nosso mundo, mas você me chama de Menino-Pássaro, o que eu gosto de pensar que é um apelido em vez de um insulto.

– Não tenho ideia do que você quer dizer com isso – Aphrodite respondeu. – Mas oi. Você deve ser alto. Isso é um ponto a seu favor. – Então ela limpou a garganta e continuou. – Eu odeio como Neferet me usa desde que tive a visão com Lenobia e Travis. Os seus amigos e os seus cavalos. Todos sendo assassinados.

– Foi você! Você é o motivo de estarem todos mortos! – Dragon fuzilou Aphrodite e Kevin com os olhos. – E você a trouxe aqui?

– Ei, espere aí. Você não ouviu a história inteira. Aphrodite...

– Kev! Eu disse que posso falar por mim. Dragon Lankford e quem mais estiver escutando, eu vou contar a história. Eu tive uma visão horrível que mostrou a morte de Lenobia. Eu era Lenobia. Eu senti tudo que ela sentiu quando perdeu o seu amante, os seus amigos e os cavalos que amava mais do que a própria vida. Vocês sabiam que Lenobia foi a última a morrer? Que ela assistiu ao massacre inteiro? Eu não fui até Neferet para contar a visão que tive. Eu estava com Neferet quando aconteceu. Ela agiu como se estivesse preocupada comigo. Ela me ajudou a passar por isso. O tempo todo, ela estava apenas extraindo os detalhes para saber para onde enviaria o seu terrível Exército Vermelho. E foi aí que eu comecei a odiá-la.

– Mas você não foi embora. Você não se juntou à Resistência – Dragon afirmou.

– Não. Eu não me levantei contra ela como deveria. Eu fui complacente. Mas eu a evitei. Comecei a passar muito tempo sozinha, para o caso de eu ter uma visão. E, quando eu não conseguia evitá-la, quando ela sabia que eu estava tendo uma visão, ou quando ela me ameaçava para que eu admitisse ter tido uma, eu só contava detalhes confusos. Foi só recentemente que eu percebi que isso ainda me fazia ser sua cúmplice. Então, eu decidi lutar quando vi você no riacho. E eu vou continuar lutando. Não quero mais sangue nas minhas mãos – ela suspirou. – Posso tomar mais um copo de vinho, por favor? Tem champanhe na minha mala. Você trouxe, certo, Kev?

– Prove – Dragon disse.

Aphrodite curvou seus lábios carnudos em um meio-sorriso irônico muito familiar.

– Bom, eu não posso pegar minha maldita mala pessoalmente agora, mas se alguém buscá-la para mim posso mostrar que trouxe champanhe.

– Você sabe que não foi isso o que eu quis dizer! – Dragon berrou. – Estou pedindo provas de que você mudou de lado.

– Bryan, deixe a garota descansar primeiro – Anastasia pediu.

– Não, meu amor. Nós estamos em guerra. Não existe isso de “descansar primeiro” quando você está em guerra. Aphrodite, se você se voltou contra Neferet, prove que é verdade.

– Ahn, Dragon, eu posso provar – eu falei.

– Isso vai ser ótimo – Aphrodite comentou.

Eu dei um chute de leve na perna dela e sussurrei:

– Isso não ajuda em nada. – Então encarei Dragon, sentindo-me um pouco parecida com o meu irmão. – A Aphrodite do nosso mundo só começou a ter visões que deixam os olhos ensanguentados depois que ela tomou a decisão de se tornar uma força do bem, uma decisão que Nyx aprovou. Eu sei disso porque a Deusa apareceu diversas vezes no nosso mundo. Aphrodite mudou. Aposto a minha vida nisso.

– Eu também – Kevin afirmou.

– Isso aconteceu no seu mundo. Não no nosso – Dragon disse com teimosia.

– Ótimo. Então, que tal isto? Vocês sabem que Neferet determinou que o jogo de futebol Bedlam aconteça amanhã à noite no Estádio Skelly, certo?

– Todo mundo em Oklahoma sabe disso – Dragon respondeu.

– E a maior parte do Texas também – Anastasia acrescentou.

– É claro que sim. Os caipiras realmente adoram o futebolzinho deles. – Aphrodite balançou a cabeça de desgosto e então fez uma careta para a dor que o movimento causou. – Mas o que vocês não sabem é que eu acabei de ver tudo em uma visão. A ideia de Neferet para a celebração de Ano-Novo é ordenar que o seu Exército Vermelho massacre o time perdedor. Todos. Jogadores, líderes de torcida, o que eu acho pessoalmente inaceitável, e técnicos. Todo mundo da equipe. E, depois disso, ninguém vai se atrever a desafiá-la.

– Isso é horrível! – Stevie Rae exclamou.

– Ah, Deusa! Isso é muito ruim! – Anastasia disse.

– Espere aí, Bedlam? – O meu olhar chocado encontrou o do meu irmão.

Ele assentiu.

– Sim. Heath vai estar lá, como quarterback titular da Universidade de Oklahoma.


28

Zoey

A visão de Aphrodite percorreu a Resistência como um choque. Dragon e Anastasia instantaneamente se puseram em movimento, levando todos nós – Kevin, Aphrodite, Stevie Rae, Rephaim, Vovó Redbird e eu – para um lugar que eles chamavam de centro de briefing: uma sala oval com teto baixo e só uma entrada e saída. Alguém havia colocado ali pedras com a parte de cima plana, grandes o suficiente para servirem de cadeiras improvisadas, dispostas em um círculo. Sentamos todos, até mesmo Aphrodite, que estava apenas começando a recuperar sua visão.

– Imagino que você veio para cá com um plano – Dragon focou sua atenção em mim assim que estavam todos sentados.

– Sim – respondi.

– Agora é uma boa hora para você compartilhar esse plano conosco – ele me estimulou a prosseguir.

– Ok, mas eu vou contar um monte de coisas sobre o meu mundo, e sei que vocês vão ter perguntas, então por favor deixem-me terminar antes de começarem a fazê-las.

– Parece razoável – Dragon disse, e Anastasia assentiu.

Enxuguei minhas mãos suadas na calça jeans e desandei a falar sobre o meu plano, que consistia em duas partes, explicando sobre Kalona o mais rápido e o mais completamente que conseguia – quem ele realmente era, o que ele fez no nosso mundo. Contei até sobre o meu círculo e como eu precisaria do poder daqueles com afinidades elementais para ajudar a conter Kalona quando eu o libertasse, até que nós conseguíssemos convencê-lo a trabalhar conosco, influenciando vampiros em toda parte a acreditar na verdade: que Neferet não estava seguindo a vontade de Nyx. Contei a eles sobre como o sacrifício de Aphrodite no nosso mundo tinha permitido que os nossos vampiros e novatos vermelhos mantivessem a sua humanidade. E também contei sobre a nossa Neferet. Eles já tinham lido o diário dela. Kevin o havia trazido com ele do nosso mundo, então eles conheciam as origens dela, mas eu forneci ainda mais detalhes: como ela tinha se aliado às Trevas e ao Touro Branco e se tornado uma bruxa Tsi Sgili, uma imortal tão completamente em conluio com o mal que ela tratava filamentos de Trevas como se fossem filhos.

Quando terminei, a sala estava quase totalmente em silêncio, e as palavras de Aphrodite cortaram esse silêncio como um barco rasgando águas plácidas.

– Bom plano, mas, se nós vamos impedir o massacre amanhã, só há tempo para a parte onde eu, de algum modo, devolvo a humanidade ao Exército Vermelho.

– Sim, eu já me dei conta disso – concordei com tristeza.

– Filamentos de Trevas? Como eles são? – Kevin perguntou.

Stevie Rae estremeceu.

– São super nojentos. Como cobras pretas gigantes, sem olhos e com grandes bocas cheias de dentes horríveis. No nosso mundo, Neferet os manteve escondidos por um tempo dos vampiros azuis, mas eles não podem se esconder de quem já barganhou com as Trevas.

– O que isso significa? – Dragon questionou.

– Significa que Neferet poderia esconder os filamentos de mim, de você ou de Anastasia, mas não poderia escondê-los de Stevie Rae nem de Rephaim, porque Rephaim já foi uma criatura das Trevas e Stevie Rae era aliada das Trevas antes de o sacrifício de Aphrodite salvá-la.

– Oh. – Kevin pareceu enjoado. – Foi por isso que ela não conseguiu escondê-los de mim hoje no escritório.

– Você viu alguma coisa? – eu quis saber.

Ele estalou as juntas dos dedos e passou a mão no rosto para enxugar o suor.

– Sim, eu vi. Eles deslizaram das sombras atrás dela. Eu não sabia que diabos estava vendo. Na verdade, pensei que estava imaginando coisas, e depois meio que esqueci disso quando Aphrodite teve a sua visão. Mas eles eram exatamente como Stevie Rae descreveu. Coisas horríveis parecidas com cobras, só que não pareciam muito sólidos. Era como se ainda fossem parte das sombras... por mais estranho que pareça.

– Não parece nada estranho, Kev – Stevie Rae disse. – Parece que ela acabou de começar a manifestá-los.

– Espere aí, o quê? – Aphrodite tirou o tecido do rosto e se virou, com olhos franzidos, para Kevin. – Eu não vi nada.

– O que é mais uma prova de que a nossa Aphrodite aqui tem sido imatura e egoísta, mas nunca se aliou às Trevas, não é mesmo, Zoey Passarinha? – Vovó Redbird perguntou.

– Com certeza – eu respondi. Aphrodite franziu o cenho e começou a protestar, então eu continuei rapidamente: – E também é uma prova de que o nosso tempo está se esgotando.

– Você acha que a nossa Neferet está se tornando imortal – Anastasia afirmou.

– Sim, é disso que tenho medo – eu concordei.

– Então nós temos que tirar dela o máximo de poder que pudermos agora, antes que seja tarde demais – Aphrodite concluiu. – Ela já é péssima pra cacete. Ela quase dominou o mundo de vocês, e lá ela nem sequer tem um Exército Vermelho.

– Vai ser impossível detê-la como a líder dessas criaturas quando ela manifestar completamente o poder das Trevas e se tornar imortal – Dragon disse sombriamente. – Nós não vamos ter nenhuma chance.

– Isso tudo é horrível. – Vovó balançou a cabeça de desgosto. – Neferet mexeu com o equilíbrio entre Luz e Trevas usando esses pobres e atormentados vampiros vermelhos. É uma verdadeira abominação da natureza.

Como se tivesse levado um choque, eu endireitei as costas no banco de pedra.

– Vovó! O que você acabou de falar?

– Que Neferet é uma abominação da natureza?

– Não! Não sobre Neferet! – Eu mal podia conter a minha excitação. – Os vampiros vermelhos! O Exército Vermelho dela é uma abominação da natureza... uma deturpação de nós, vampiros azuis. Isso é bom. Isso é muito, muito bom.

– A sua irmã está falando coisas sem sentido – Dragon se dirigiu a Kevin.

– Tem sentido sim! – Os olhos azuis de Stevie Rae estavam faiscando de euforia. – Você está pensando no que o espírito disse sobre Magia Antiga, né?

– Sim! – Eu tentei explicar. – Não sou especialista em Magia Antiga, mas já a usei várias vezes e sei algumas verdades sobre ela. Primeiro, ela é caprichosa, instável. A Magia Antiga não toma partido. Ela não funcionou comigo só porque eu sou da galera do bem, assim como ela não funcionou com Kev pela mesma razão. Funcionou porque eles reconheceram nosso sangue ancestral e demos a eles pagamentos que foram aceitos.

Vovó Redbird assentiu.

– A Magia Antiga funciona com Neferet, e ela definitivamente não é do bem.

– Exatamente. De algum modo, a Magia Antiga a reconheceu – eu afirmei.

– Isso provavelmente aconteceu quando ela era uma jovem garota e de algum modo ficou ligada ao abuso que ela sofreu nas mãos do pai dela – Anastasia concluiu.

– E ninguém pode imaginar o preço horrível que ela pagou por isso – Kevin acrescentou.

– Certo. Neferet apenas seguiu as regras dos espíritos e, como eles não tomam partido na batalha entre Luz e Trevas, não tiveram nenhum problema ético em ajudá-la. É assim que a Magia Antiga funciona. A menos que uma abominação da natureza ocorra e precise ser consertada. Sei disso porque Oak me fez purificar uma árvore no jardim da nossa escola que tinha sido arruinada pelas Trevas. Oak me disse isso. Ela queria que a árvore fosse purificada porque os espíritos não toleram algo que consideram uma abominação da natureza.

– Oak? A minha Oak, o espírito da terra? Você a conhece? – Kevin perguntou.

– Sim, e não diga que ela é sua. Nunca se esqueça de que ela é perigosa... todos eles são. Todo mundo aqui tem que entender isso: a Magia Antiga muda quem a usa. Ela vicia. É destrutiva. A única vampira que eu conheço que fez isso de forma muito bem-sucedida é a Rainha Sgiach da Ilha de Skye, e tenho certeza de que ela não é mais realmente uma vampira.

– A Rainha Sgiach também está neste mundo – Anastasia disse. – Embora ninguém fale com ela nem entre na sua ilha há mais de um século.

– Era assim no meu mundo também, antes de eu ir até lá.

– Ela permitiu que você entrasse na ilha? – Dragon soou incrédulo.

– Mais do que isso. – Stevie Rae sorriu orgulhosamente para mim. – Ela e Z se tornaram boas amigas, tão amigas que Sgiach a nomeou como uma Rainha também.

– Isso é realmente incrível! Talvez a gente deva levar você até Skye – Anastasia sugeriu. – A ajuda de Sgiach definitivamente seria útil para nós.

– Eu ficaria feliz de ir até lá e conversar com ela – eu ofereci.

– Não há tempo para isso – Aphrodite lembrou. – Não antes do massacre de amanhã à noite.

– Eu não posso ir para Skye a tempo de impedir isso, mas eu posso invocar a Magia Antiga. Tudo que eu tenho que fazer é convencer os espíritos de que os vampiros vermelhos no seu estado atual são uma abominação da natureza, e conseguir a ajuda deles para purificá-los.

– Mas usar tanta Magia Antiga assim não vai mudar você? – Kevin perguntou.

– Não. Eu, na verdade, não vou brandir Magia Antiga. Os espíritos vão estar por conta própria. Eles não vão trabalhar através de mim.

– Mas eles ainda exigirão um pagamento – Rephaim disse. – A Magia Antiga sempre exige um pagamento.

– Eu pago.

Todo mundo encarou Aphrodite.

Ela deu de ombros.

– O que foi? A outra eu fez isso no mundo de Zoey. Por que diabos eu não faria isso neste mundo? – Aphrodite encontrou o meu olhar. – A sua Aphrodite perdeu a Marca quando salvou os vampiros vermelhos, certo?

– Sim, ela perdeu.

– Mas ela não era uma vampira completamente Transformada como eu. Certo?

– Certo de novo – eu confirmei. – Ela ainda era uma novata, apesar de já estar tendo visões.

– Bom, então, eu provavelmente vou perder parte da minha Marca. Isso não feriu a sua Aphrodite, e ela, no fim, se tornou uma Grande Sacerdotisa e uma Profetisa de Nyx com poderes especiais, não foi?

– Bem, sim – eu respondi. – Mas não foi assim tão simples. A nossa Aphrodite teve que passar por muita coisa para se tornar tudo isso. Na verdade, não tem como saber qual vai ser o custo disso neste mundo.

Ela deu de ombros de novo.

– Será menor do que as mortes de centenas de pessoas inocentes.

– Aphrodite, como estão a sua mãe e o seu pai aqui? – Stevie Rae perguntou.

Aphrodite pareceu surpresa com a pergunta, mas a respondeu facilmente.

– O meu pai morreu um ano atrás de ataque cardíaco. A minha teoria é de que a minha mãe encheu tanto o saco dele que ele morreu. Agora ela é prefeita de Tulsa.

Dragon bufou de desprezo.

– Frances LaFont está firmemente do lado de Neferet.

– Mas não literalmente – Aphrodite completou. – Ela nunca botou os pés na propriedade da Morada da Noite. Ela prefere ficar a salvo no luxo da Mansão Skelly e simplesmente concorda com tudo que Neferet fala. Por que a pergunta, Stevie Rae?

– Bom, o seu pai morreu no nosso mundo também. – Stevie Rae deu uma olhada para mim, e eu assenti. – E a sua mãe também. Mas, antes de ela morrer, você deu uma dura nela, e o que aconteceu entre vocês de certa forma levou a nossa Aphrodite até o seu limite.

– E daí? A minha mãe é péssima. Em qualquer mundo nós não nos damos bem.

– Você quase morreu de tanto beber e se drogar – eu contei. – E, quando você chegou lá no fundo do poço, foi aí que conseguiu se livrar dos seus pais horríveis e superar as coisas péssimas que eles fizeram com você. Você cresceu, enfim.

Aphrodite franziu os olhos para mim.

– Eu sou uma vampira azul adulta e uma Profetisa de Nyx.

– Eu não estava falando sobre isso. Você também já era assim no meu mundo.

– Não. Você disse que eu perdi a minha Marca. Eu não era uma vampira ainda.

Eu suspirei.

– Ok, está bem. O que eu estou tentando fazer você entender é que...

– Eu entendi. É perigoso. Eu vou perder alguma coisa em troca de fazer essa coisa boa. Tudo bem. – Aphrodite se virou para encontrar o olhar de Dragon. – Se eu fizer isso, você vai acreditar que eu sou diferente agora? Vai ser uma compensação por Lenobia?

– Isso não vai trazê-la de volta, é claro – Dragon respondeu. – Mas é um sacrifício válido por ela, e ela seria grata por isso.

– Ótimo. Então é isso. Nós vamos para o jogo de futebol e eu vou tratar de fazer com que o Exército Vermelho desperte.


A noite passou rápido demais. A caverna – a qual eu nem tive tempo bastante para explorar, mas podia dizer, pelo pouco que vi, que era simplesmente incrível – estava repleta de energia enquanto Dragon colocou todo o quartel-general da Resistência em movimento para se preparar para o que estava por vir.

– Mas como vocês vão levar discretamente todos esses combatentes da Resistência para dentro do jogo sem que Stark e os outros suspeitem? – Aphrodite perguntou.

Nós tínhamos saído da sala de briefing para nos reunirmos mais confortavelmente em volta da fogueira principal perto da entrada da caverna. A visão de Aphrodite havia voltado e eu me espantava a todo momento com a sua familiaridade – e, ao mesmo tempo, a diferença da minha Aphrodite. Esta era mais magra e de algum modo parecia mais velha, embora as duas tivessem exatamente a mesma idade. E ela parecia mais triste e mais vulnerável, o que definitivamente tentava esconder sob uma fachada arrogante típica de Aphrodite. Claro, isso era muito parecido com o que a minha Aphrodite fazia logo que a conheci, mas ela era melhor em esconder as coisas do que esta Aphrodite.

Depois de conhecê-la por menos de um dia, para mim era muito fácil dizer que esta Aphrodite era solitária. Muito solitária. Eu sentia uma dor no coração por ela, e isso também me fazia entender, de novo, como a amizade era importante. Sem a gente – sem a força e a amizade da nossa Horda Nerd, a Outra Aphrodite era triste e perdida.

Eu estava determinada a ajudá-la a encontrar a si mesma.

– Facinho! – Stevie Rae respondeu. – A resposta está na mochila de Z. A gente só precisa tomar cuidado com a quantidade que vamos usar para garantir que vai dar pra cobrir todo mundo que precisa.

– Do que ela está falando? – Aphrodite me perguntou.

– Eu trouxe um pote grande de cobertura profissional para tatuagens de vampiros. A gente pensou que precisaria disso para Stevie Rae e provavelmente para mim também. – Levantei as mãos e então puxei de lado a gola da minha camiseta para deixar que eles vissem um pouco das tatuagens que adornavam o resto do meu corpo.

– Você foi em um tatuador? – Aphrodite franziu o nariz.

– Não. Nyx me deu estas tatuagens. E mais algumas além destas. Antes de eu passar pela Transformação, ela costumava me dar uma tatuagem extra a cada vez que eu fazia algo importante para mostrar que eu estava seguindo o seu caminho.

– Achei essas tatuagens adoráveis antes de saber que eram um presente de Nyx. – Vovó passou os dedos levemente sobre o desenho intrincado na palma da minha mão. – Agora acho que elas são extraordinárias.

– Obrigada, Vovó. Enfim, só é preciso de um pouco da maquiagem que eu trouxe para que um vampiro vire um humano, mesmo se chover – eu concluí.

Dragon assentiu.

– Essa é uma ideia excelente, mas não vai funcionar para mim e Anastasia. Os nossos rostos são muito reconhecíveis.

– Ah, eu acho que você vai se surpreender com os resultados – eu disse. – Cubram as suas Marcas. Coloquem uns moletons do Eskimo Joe’s14 e bonés da Universidade de Oklahoma e levem alguns pompons de torcida e essas coisas, e juro que nenhum vampiro azul, principalmente um general ou Grande Sacerdotisa, vai sequer prestar atenção em vocês.

– Ela está certa – Aphrodite concordou. – Vocês vão ser apenas mais uma geladeira ambulante para eles. Mal vão olhar para vocês.

– Pode ser que funcione mesmo – Dragon falou.

– Tem que funcionar – eu afirmei.

– Como você vai invocar os espíritos? – Anastasia perguntou.

– Juntos! – Kevin e eu respondemos ao mesmo tempo.

– Toque no verde! – ele exclamou e deu um soquinho no meu ombro.

– Pode parar! Além disso, tenho certeza de que eu ganho de você. De novo – eu disse para ele. – Mas, sim. Nós vamos chamar os espíritos juntos. Eles devem nos escutar e aparecer.

– Vocês não podem chamá-los aqui e explicar o que está rolando? – Aphrodite perguntou. – Não parece muito inteligente deixar a parte mais importante do plano para arriscar no último minuto com uma magia que, como você disse, é caprichosa.

– O meu instinto me diz para esperar até o jogo e chamar os espíritos só quando Neferet der a ordem para o Exército Vermelho devorar o time perdedor – Kevin disse. – Zo falou que eles não tomam partido, mas que abominações da natureza os deixam irritados. Bom, uma horda salivante de vampiros vermelhos tipo zumbis é uma abominação bem grande.

– Acho que Kevin está certo – eu concordei. – Os espíritos têm que entender como os vampiros vermelhos são péssimos, e a melhor maneira de fazer isso é demonstrando na hora em que estão se preparando para massacrar um monte de gente inocente. Mas entendo o que Aphrodite está dizendo. A gente precisa conversar sobre o nosso círculo.

– Que círculo? – Aphrodite perguntou.

– Exatamente – eu falei. – A gente precisa de um. Um círculo forte. Se a gente se espalhar ao redor da circunferência do estádio e traçar um círculo amplo em volta dele, vamos ter certeza de que os espíritos vão ouvir o nosso chamado.

– Parece razoável – Anastasia comentou. – Mas você também explicou que precisa de um círculo feito com gente que tenha afinidades elementais, e nós não temos nenhum vampiro com esses dons aqui.

– Eu falei que precisava desse tipo de poder no círculo para conter Kalona, um imortal nervoso e meio doido. – Dei uma olhada para Rephaim. – Sem ofensas.

– Não me ofendeu. O meu pai ficou enlouquecido quando foi sepultado pelas Mulheres Sábias.

– Mas – continuei –, para um círculo normal que só precisa ser forte o suficiente para concentrar a nossa invocação dos espíritos, não precisaremos de mais poder do que temos bem aqui. – Então eu sorri para Anastasia. – E vocês têm, sim, pelo menos um vampiro com uma afinidade elemental. Ou, para ser mais precisa, com afinidades elementais. – Apontei para Kevin. – O meu irmão, assim como eu, tem afinidade com os cinco elementos.

– É verdade! Você é tão jovem que eu me esqueço de como você é um vampiro poderoso e cheio de dons, Kevin – Anastasia lembrou.

– Espere aí, o quê? – Aphrodite pareceu totalmente chocada. – Por que você não me contou nada disso, Kevin?

Ele encolheu os ombros e as suas bochechas ficaram vermelhas.

– Acho que o assunto não surgiu.

– E eu tenho afinidade com a terra – Stevie Rae afirmou.

– Então, três das cinco pessoas no círculo têm verdadeiras conexões com os elementos, certo? – Dragon perguntou.

– Certo – eu respondi. Então sorri para ele. – Dragon, acho que você seria perfeito para invocar o fogo.

Ele piscou os olhos, surpreso.

– Eu? Mas não sou uma Sacerdotisa.

– Não, mas você definitivamente é inflamado – Kevin disse. – E não estou sendo desrespeitoso com isso.

Anastasia conteve uma risadinha, o que a fez parecer uma adorável garotinha.

– Bryan, Zoey está certa. Você tem o dragão dentro de você, e ele definitivamente é ardente.

Eu sorri para Anastasia.

– O que faz com que você seja a escolha perfeita para invocar o ar. Você sempre vai ser capaz de alimentar o fogo do dragão e sempre vai saber quando assoprar para apagá-lo.

O sorriso de Anastasia resplandeceu quando ela inclinou a cabeça levemente para mim.

– Grande Sacerdotisa, eu reconheço a sua sabedoria e concordo. Serei o ar amanhã à noite.

– Obrigada, Grande Sacerdotisa. – Inclinei a cabeça para ela em retribuição.

– Oh, Zoey. Eu não sou uma Grande Sacerdotisa – ela falou rapidamente.

– Claro que é – eu afirmei. – Esse é um título que não pode ser tirado por ninguém, exceto Nyx, e eu sei que você e a Deusa são muito próximas.

– Isso enche meu coração de alegria – ela respondeu, com lágrimas de felicidade se represando em seus olhos.

– O que eu devo ser? Água ou espírito? – Kevin perguntou.

– Você escolhe – eu respondi.

Ele pensou por um instante, e então eu vi quando o olhar dele encontrou Aphrodite.

– Água – ele disse. – Gosto de pensar em lavar a tristeza e mandá-la embora.

Eu assenti e não disse mais nada, porque sabia que isso só ia deixá-lo constrangido de novo, mas naquele momento eu não poderia sentir mais orgulho dele. E pensei que, se Darius não estivesse vivo neste mundo, talvez, apenas talvez, Kevin e Aphrodite poderiam encontrar a felicidade juntos.

– Johnny B! – Dragon gritou, fazendo com que eu desse um pulo e perdesse a minha linha de pensamento.

O garoto veio correndo, e eu tentei não ficar olhando embasbacada. Neste mundo, ele era um vampiro completamente Transformado com uma tatuagem feita com linhas geométricas fortes cor de safira, que formavam bonitos triângulos.

– Sim, Dragon – ele disse, chegando de uma fogueira próxima, onde estava flertando com uma novata.

– Pegue o caminhão de Tina emprestado. Depois cubra a sua tatuagem com a maquiagem que Zoey trouxe. Vá para a cidade e compre o máximo de camisetas e toda aquela parafernália de torcedor da Universidade Estadual de Oklahoma e da Universidade de Oklahoma que você encontrar. O suficiente para que cada Guerreiro esteja usando alguma coisa.

– E para nós – Anastasia acrescentou. – Para nós também.

– Sim, precisamente. Pegue o bastante para Anastasia, Zoey, Stevie Rae e Aphrodite também – Dragon falou. – E seja cuidadoso indo a várias lojas diferentes. Não compre muita coisa em um lugar só. Não atraia a atenção de ninguém.

– Sim, Dragon! – Ele saiu apressado.

– Como vamos conseguir levar armas para dentro do estádio? – Dragon perguntou. – Devem ter detectores de metal. Sempre tem.

– Nós não vamos levar as armas para dentro. O Exército Vermelho é que vai – Kevin afirmou.

– E como isso vai nos ajudar? – Dragon questionou.

– Isso vai nos ajudar muito quando a gente pegar as armas do Exército Vermelho. Uma por uma. Enquanto o jogo estiver rolando. Vai ser super fácil para qualquer humano atrair soldados do Exército Vermelho sozinhos para um lugar escuro... uma cabine de banheiro ou qualquer lugar em que eles não estejam à vista de nenhum dos Guerreiros azuis de Stark. E quando o humano revelar que é um Guerreiro da Resistência disfarçado, o vampiro vermelho não vai ter a menor chance.

– Mas tentem não matar os vampiros vermelhos – Stevie Rae acrescentou. – Eles vão voltar a si assim que Aphrodite der um jeito neles, e todos merecem uma segunda chance.

– Eles fizeram coisas terríveis – Dragon lembrou.

– Mas não porque queriam – Stevie Rae argumentou. – Eles não têm vontade própria. Eles só têm fome e raiva. Eu sei. Já estive no lugar deles. Dê uma segunda chance a eles, Dragon Lankford.

O Mestre da Espada assentiu devagar.

– De acordo. Vou dar a ordem para rendê-los e deixá-los inconscientes.

– Você é um bom Guerreiro, Bryan, e um homem ainda melhor. – Anastasia se inclinou sobre ele e o beijou com carinho.

– Só porque eu sou o seu Guerreiro e o seu homem.

Tive que desviar os olhos deles porque eu estava me sentindo sufocada. Era ótimo vê-los de novo, juntos e felizes, mas isso também me fazia lembrar de como eu sentia falta deles, e isso era algo que eu tinha que levar de volta para o meu mundo. Olhei para Aphrodite. A sua cabeça loira estava inclinada na direção de Kevin e ela estava rindo de algo que ele disse. E, de repente, eu me dei conta de que eu ia sentir falta dessa Aphrodite também.

14 Bar e restaurante na frente da Universidade Estadual de Oklahoma. (N.T.)


29

Zoey

– Só faltam três horas para o sol nascer – Dragon falou com uma voz que preencheu toda a grande entrada do sistema de cavernas onde os membros da Resistência haviam se reunido. – Todos que vão conosco sabem como funcionará o nosso plano. Terminem de se preparar. Comam. E depois durmam. Aqueles que vão permanecer aqui também precisam ficar alertas e prontos para se mexer, e rápido. Se as coisas não seguirem de acordo com o plano, Anastasia vai enviar Tatsuwa para cá com um aviso. – Dragon olhou em volta até que avistou a minha avó. – Sylvia Redbird, eu gostaria de pedir que você assumisse a responsabilidade sobre aqueles que vamos deixar para trás. Você pode fazer isso?

Vovó abaixou a cabeça levemente.

– Será uma grande honra.

– Obrigado. Tatsuwa vai ser avisado para encontrar você. Se ele vier portando uma mensagem ruim, você precisa fazer a evacuação imediatamente. Leve as pessoas até o riacho Polecat. Nós temos jangadas escondidas na vegetação perto da velha ponte de madeira. Drew! – Dragon gritou.

O jovem, baixo e muito musculoso vampiro se levantou.

– Sim, Mestre da Espada!

– Quero que você seja o Guerreiro que permanecerá aqui. Sylvia vai precisar de ajuda para levar os mais jovens até o rio, e você sabe exatamente onde as jangadas estão escondidas.

– Farei isso, e vou cuidar daqueles deixados sob minha responsabilidade. Eu juro por Nyx.

– Excelente. Sylvia, se chegar a esse ponto, vocês devem seguir nas jangadas até o ponto em que o Polecat deságua no rio Arkansas, perto do Aquário de Oklahoma em Jenks. Lá, vocês se encontrarão com o dono de uma barcaça que vai escondê-los dentro de caixas de transporte até que vocês cheguem a Fort Gibson. De lá, a Resistência do Arkansas levará vocês para as cavernas escondidas deles.

– Mas nós temos fé de que seremos vitoriosos! – Anastasia disse, levantando o punho em uma saudação de vitória que foi ovacionada por todos. – Descansem agora. Passem tempo com aqueles que vocês amam, já que esse tempo nunca é desperdiçado. E que as bênçãos de Nyx estejam conosco para que todos nós sejamos abençoados.

– Abençoados sejam todos! – As pessoas responderam e depois se dividiram em casais e grupos pequenos.

Eu apreciei a energia de todos. Nós estávamos todos preocupados, é claro, mas não tinha um nervosismo frenético ali. Só havia um sentimento sereno de determinação. Todos compreendíamos que poderíamos morrer ou ser capturados no dia seguinte, mas tínhamos o mesmo foco: acabar com o reino de Trevas e abusos de Neferet, e esse foco compartilhado era também força e conforto compartilhados.

Kevin deu um tapinha no meu ombro e fez um gesto para que eu o seguisse até a boca da caverna.

– Ei, venha aqui um segundo.

Nós fomos até a abertura da caverna, onde estava mais frio e escuro do que lá dentro.

– Está sempre congelando aqui fora – eu disse.

– São os espíritos – Kev explicou. – Eles mantêm esta montanha gelada e com neblina e, se alguém suspeito chega perto demais, começa a chover granizo. É incrível, de verdade.

– Magia Antiga – eu suspirei. – É bem louco no bom sentido, mas às vezes é só louco mesmo.

– É verdade. – Ele se virou para encontrar o meu olhar. – Obrigado. Sei que você está aqui porque estava preocupada comigo.

– Sim, bem, eu não queria que você virasse alguém como Neferet.

Ele estremeceu e estalou a junta dos dedos.

– Eu realmente nunca tive nada a ver com ela até voltar do seu mundo e, sério, Zo, aquela vampira é assustadora.

– Ei, antes de ela canalizar os poderes para se tornar uma imortal surtada com filhotes tipo cobras, ela conseguia ler mentes no meu mundo. Isso era um pé-no-saco.

– Sério? Ela não parece capaz de fazer isso neste mundo. Graças à Deusa. Como vocês contornavam isso?

Eu abri um sorriso.

– Bom, ela nunca conseguiu ler a minha mente, mas Damien fez todo mundo memorizar palavras do dicionário e suas definições para usar sempre que ela estivesse por perto. Era super educativo e super irritante.

– Aposto que ele se divertia fazendo isso.

– Sim, muito. Damien está no seu nível máximo de felicidade quando está bancando o professor. E isso é uma coisa que eu preciso lembrar quando chegar em casa. Então, nota mental: fazer com que Damien tenha sua própria sala de aula e possa ensinar qualquer coisa que o deixe feliz.

– Você é mesmo uma boa Grande Sacerdotisa.

O elogio dele me deu uma onda de alegria.

– Obrigada, Kev! Ei, você está sendo incrível aqui. Por causa de você, a Resistência tem tudo isto, e Aphrodite está indo em direção ao caminho certo.

– Só espero que ela seja forte o bastante para trilhá-lo – ele disse em voz baixa.

– Ela é forte no meu mundo. Você sabe disso. Ela vai ser forte o bastante aqui também.

Ele assentiu.

– Você está certa. Uma das coisas que ela mais odeia é ser subestimada. Não vou cometer esse erro.

– Assim como você não vai cometer o erro de se apaixonar por ela? – eu perguntei, em parte para provocá-lo, mas também falando sério.

– Tarde demais para isso.

– É, eu já percebi. Tome cuidado com seu coração, Kev. Darius é o Guerreiro dela. Eles se completam. Você viu os dois juntos, então sabe que isso é fato. Quando ele aparecer neste mundo, você provavelmente vai perdê-la, e eu não quero ferir os seus sentimentos nem dar a entender que você não importa. Eu só quero lembrá-lo da verdade.

– Eu sei. – Ele ficou encarando a noite. – Mas eu não posso evitar. Eu a amo, Zo.

Eu já temia isso, então a declaração dele não me pegou de surpresa.

– Eu entendo. Só esteja preparado. Kev, ela sabe sobre Darius?

Ele balançou a cabeça.

– Acho que não. Ela não o mencionou e eu não conheço nenhum Darius neste mundo – Kevin suspirou. – Os Guerreiros foram espalhados por todo o Meio-Oeste para comandar os estados que Neferet controla. Ele pode estar em qualquer lugar. Ou pode ter morrido em batalha.

– E você não contou a Aphrodite sobre o Guerreiro dela no meu mundo?

– Não, Zo, porque ela não está no seu mundo! – ele falou rispidamente. Então suspirou de novo e passou a mão pelo seu cabelo grosso e escuro. – Desculpe. Eu não quis soar como um babaca. Só estou tentando fazer o melhor que posso. Aconteceu um monte de coisa em um espaço muito curto de tempo.

– Eu entendo. Só cuide bem do seu coração, ok?

– Ok. Então, a gente tem algumas horas até o pôr do sol, e pensei se você gostaria que eu a levasse para casa.

Eu pisquei, surpresa.

– Para casa?

– Sim. Para casa. Hum, para a nossa antiga casa. East Fargo, 1405, em Broken Arrow. Você quer ver a Mamãe?

Senti como se tivesse levado um soco no peito e ficado sem ar.

– Mamãe?

– A gente pode pegar o caminhão da Tina. Aposto que Vovó iria conosco também. Você sabe, pra servir de escudo.

– A Mamãe ainda está casada com o padrastotário neste mundo?

– Sim.

Mordi a parte interna da minha bochecha.

– Como ela estava no meu funeral?

– Histérica. Aquele pastor idiota falou merda sobre como era uma pena que você tinha escolhido um demônio pagão em vez de Jesus Cristo ou alguma outra coisa sem sentido, e ela surtou.

– Espere aí, o pastor falou no meu funeral que eu ia para o inferno?

– Sim. Você sabe como é o Povo da Fé. Se você não acredita exatamente no que eles dizem, então está condenado ao inferno ou coisa pior. Zo, aquele pastor imbecil realmente falou que, se você não for crente e não seguir a Bíblia, e claro, a interpretação dele da Bíblia, hum, espere, o que ele disse mesmo? Ah, lembrei! Ele falou que, se você não segue a Bíblia, não possui códigos morais e não tem como saber que é errado ser um pedófilo ou um estuprador.

– Você só pode estar brincando.

– Não. Foi péssimo. Um show de horror.

– Uau. Essa é uma das coisas mais idiotas, de gente com mente mais fechada, que já ouvi na vida. Kev, isso foi parte do discurso em minha homenagem?

– Foi. E olha que essa foi a parte mais legal, a menos intolerante.

– Nojento.

– Total.

– Ninguém mais disse nada? – eu perguntei, sem saber ao certo por que me sentia tão perturbada. Quer dizer, eu não estava morta, e a Zoey morta estava na paz perfeita junto de Nyx no Bosque da Deusa. Mas, mesmo assim, aquilo me deixou irritada.

– Você está brincando? O Povo da Fé não deixa nem alguém receber a comunhão se não assistiu a todas as aulas deles e beijou bastante os anéis dos líderes da igreja. Ou melhor, os anéis não, os sacos deles mesmo.

– Certo, disso eu sei.

– Então, não deixaram ninguém mais falar mesmo.

– Isso na verdade não me surpreende. – Eu olhei para o meu irmão e então disse a verdade que não tinha contado a ninguém. – Eu vi Neferet matá-la.

– Matá-la?

– A Outra Zoey. A sua irmã aqui.

– O quê? Como?

– Não sei como, mas ela chegou até mim em um sonho. Aquela Zoey me deixou assistir o que Neferet fez com ela. – Eu estremeci e enxuguei minhas mãos repentinamente úmidas na calça jeans. – Foi horrível, Kev. Mas foi rápido. Ela não sofreu. E, no meio daquela coisa que era meio visão, meio sonho, ela olhou diretamente para mim e disse que eu precisava vir para cá e ajudar você a derrotar Neferet.

– Caramba, deve ter sido horrível.

Eu assenti.

– Foi. Até pior do que esse meu péssimo funeral.

Aquilo deixou o clima mais leve e o fez rir.

– Ei, você vai gostar de saber que Heath e mais um monte de gente saiu do seu funeral péssimo quando eles fizeram um chamado para nós, pecadores, darmos um passo à frente e aceitarmos Jesus Cristo como o nosso salvador e tal.

– Eles transformaram o meu funeral em um evento de proselitismo?

– Prose... o quê?

– Kev, você realmente precisa ler mais e melhorar esse seu vocabulário. Proselitismo quer dizer salvar, redimir, rezar para recrutamento. Em outras palavras, converter as outras pessoas para aquilo que eles acreditam.

– Ah. Sim. É isso que eles fazem. E foi nessa hora que um grande grupo de nós saiu andando.

– Bom, isso foi legal da sua parte. Obrigada. Ahn, onde me enterraram?

– No Floral Haven. Eles a cremaram. Você tem uma espécie de gaveta com o seu nome escrito: Zoey Heffer.

– Ai. Minha. Deusa! Zoey Heffer! Esse não é o meu nome.

– Foi exatamente isso o que eu disse para Mamãe. Mas o padrastotário falou mais alto. Ele disse que estava pagando, então ia mandar escrever o que quisesse.

– Eu queria dar um tapa na cara daquele filho da mãe.

– Entre na fila. Ei! Quer ir lá fazer isso? Eu posso usar aquela coisa bacana de controle mental de vampiro vermelho nele, e você pode bater nele o quanto quiser. Eu posso até fazer com que a Mamãe seja legal com a gente. Temporariamente.

– Ela foi ver você depois de ter sido Marcado? – eu perguntei.

– Não, mas, você sabe... a coisa dos novatos vermelhos é assustadora.

– Ok, eu sei. Mas, e isso aqui: ela veio me ver depois que fui Marcada? Pelo menos uma vez antes que eu morresse?

Ele balançou a cabeça.

– Não que eu saiba, e tenho certeza de que eu saberia, porque ela e o padrastotário teriam brigado por causa disso.

– É, eles sempre pensaram que a gente não podia ouvi-los porque o quarto deles era do outro lado da casa.

– Eles estavam errados.

– Uma negligência parental imensa – eu disse.

– E aí, você quer ir?

Não precisei nem pensar muito na possibilidade.

– Não, mas obrigada por perguntar. Eles só iriam ferir meus sentimentos, e eles já fizeram isso o suficiente no meu próprio mundo. Não preciso disso neste mundo também.

– Ok, entendo. E Heath?

– Heath? – Senti um aperto no estômago.

– Sim, Heath. O seu namoradinho de infância e adolescência. Tenho certeza de que, se você estivesse viva, ele seria o seu namorado da fase adulta também. Você sabe que ele está vivo aqui. Ele mora no Headington Hall, no campus da Universidade de Oklahoma. É super fácil de encontrá-lo porque ele é um quarterback fodão.

– Espere aí, ele é um calouro. Ele não pode ser um quarterback famoso. Pelo menos ainda não.

– Ah, ele é, sim. Ele está arrasando. A Universidade de Oklahoma está invicta nesta temporada com ele liderando o time.

– Que demais! Isso é incrível. Os sonhos dele estão virando realidade.

– Sim, é muito legal. E aí, quer ir para a Universidade de Oklahoma?

– Hum, bom, hum, a gente não consegue ir até Norman e voltar em três horas – eu falei pateticamente.

– Eu sei, mas você pode dirigir na volta, certo? Eu levo uns cobertores para me cobrir. Vai dar certo.

– Você está falando sério?

– Sim, Zo. Claro. Ele era o seu cara. Eu imaginei que você iria querer vê-lo.

Soltei um longo suspiro.

– Não antes do jogo mais importante da vida dele. Isso ia bagunçar a cabeça dele, e eu conheço Heath – acrescentei com um sorriso hesitante. – Não precisa de muita coisa para mexer com a cabeça dele.

– Verdade – ele concordou.

– Então, não. Foi muito legal da sua parte me oferecer essa possibilidade, mas acho que não seria a melhor coisa para Heath.

– Ok. – Ele me deu um olhar contemplativo. – Isso é bem maduro da sua parte, Zo.

– Bom, estou tentando ser madura – eu disse.

Então, de algum lugar do lado de fora da caverna, eu escutei a coisa mais estranha. Kevin tinha começado a falar algo, mas levantei a mão e o calei.

– Mi-auf!

– Kev, você ouviu isso? – Dei alguns passos do lado de fora da caverna, tentando enxergar em meio à escuridão e à névoa.

– Parece um gato. Nada surpreendente, Zo. Tem um monte de gatos por aqui.

– Não, não é um gato qualquer. É a minha gata. Pss-pss-pss! Nala? É você, meu bebê?

– Mi-auf! Mi-auf! Mi-auf! – Resmungando como uma velhinha gorda, um gato laranja saltou de uma das rochas e correu na nossa direção.

Eu me ajoelhei, estendendo as mãos para ela.

– Oh, Nal! Você está tão molhada e gelada... e magra! Venha aqui comigo!

Ela veio e se esfregou brevemente nas minhas pernas, mas não deixou que eu a pegasse. Em vez disso, ela caminhou diretamente até Kevin. Ela andou em círculos ao redor das pernas dele, esfregando-se nele e ronronando sem parar com a sua voz de velha.

– E aí, Nala? – Kevin se abaixou para pegá-la. – Como você chegou aqui? – Ele me lançou um olhar confuso por sobre o topo da cabeça molhada da gata quando ela ligou o seu motor de ronronar e se aconchegou nos braços dele. – Será que a sua gata seguiu você?

Eu balancei a cabeça, sentindo-me feliz e triste, e também um pouco enciumada, tudo ao mesmo tempo.

– Não, Kev. Aposto que a minha Nala está encolhida na minha cama neste exato momento, provavelmente resmungando para Stark. Essa aí obviamente é a sua Nala.

Ele piscou os olhos, surpreso.

– Minha? Sério?

Eu sorri e estendi o braço para acariciar o seu pelo úmido, sentindo o corpo dela ressoar com o seu ronronado impressionante.

– Sério. Neste mundo, você é a pessoa dela.

– Uau! Isso é muito legal. Eu nunca tive um gato. Os animais odeiam vampiros vermelhos aqui.

– Não o seu tipo de vampiro vermelho. Parabéns, Kev. Ela é uma gata incrível. Ela pode ser meio ranzinza e ela vai espirrar na sua cara, mas, se você precisar de um aconchego, ela sempre vai estar pronta para te dar apoio. E ela tem o melhor motor de ronronar em qualquer mundo.

– Ei! Aí estão vocês! – Stevie Rae chegou rápido como um minitornado de Oklahoma, com Rephaim e Aphrodite seguindo o seu rastro. – Aiminhadeusa! Nala! O que você está fazendo aqui?

Stevie Rae coçou o topo da cabeça dela, o que a fez ronronar ainda mais alto.

– Está é a Outra Nala, e ela acabou de aparecer e escolheu Kevin como o vampiro dela – eu contei.

– É uma notícia maravilhosa – Rephaim comentou, acariciando a pequena gata laranja malhada.

– Como você conhece esse gato? – Aphrodite perguntou, olhando meio desconfiada para Nala.

– Eu sou a vampira dela no meu mundo. Então, faz total sentido que Kev seja o vampiro dela aqui – eu afirmei.

– Ela é ruiva – Aphrodite falou –, o que dá azar, mas ainda assim ela é bonitinha. Nenhum gato nunca me escolheu, mas eu gosto deles. – Ela estendeu o braço de modo hesitante para tocar Nala, que virou de costas no colo de Kevin para que Aphrodite pudesse acariciar a sua barriga.

– Alguém sabe se nesta Tulsa aqui existe um grupo de resgate de gatos chamado Street Cats? – eu perguntei e troquei olhares conspiratórios com Stevie Rae e Rephaim.

– Tem sim. A Morada da Noite os apoia. Ou apoiava, antes de Neferet começar a sua guerra irritante – Aphrodite respondeu, ainda acariciando Nala.

Stevie Rae deu um sorriso de satisfação.

– Bom, depois que a gente consertar essa bagunça de Neferet, talvez você possa dar um pulo nos Street Cats. E é só isso que vou dizer.

– Você é uma pessoa estranha, né? – Aphrodite disse. Quando Stevie Rae abriu a boca para responder, ela levantou a mão. – Não, foi só uma pergunta retórica.

Stevie Rae franziu o cenho para ela e então se voltou para mim.

– Z, Anastasia disse que iria mostrar os quartos para vocês, para que todo mundo tenha bastante tempo para se limpar, comer e depois ter um bom dia de sono.

Rephaim deslizou o seu braço de modo íntimo ao redor da cintura dela.

– Acho que eu não faço questão de dormir – ele falou, e Stevie Rae ficou corada.

– Ah, que merda. Encontrem um quarto, urgente. Afe – Aphrodite soou tão exatamente igual à minha Aphrodite que eu ri alto.

– Ir para os nossos quartos parece uma boa ideia. E parece que vou precisar de coisas para o gato também – Kevin disse. – Certo, Nala? Certo, gatinha? – Ele fez barulhos de beijo para ela, o que me fez sorrir. – Além disso, eu preciso me lavar. Eu tirei aquela porcaria nojenta e fedida de sangue que eu tenho que espalhar em mim em um posto de gasolina no caminho para cá, mas juro que ainda sinto aquele cheiro embaixo da lavanda que Aphrodite esguichou em mim.

– Ah, então é isso que estou sentindo? Todo esse tempo eu pensei que você estivesse peidando! – Stevie Rae riu.

– E você tem certeza mesmo de que a caipira e eu somos amigas no seu mundo? – Aphrodite murmurou para mim.

– Sim – eu respondi. – Você é o motivo de ela ser assim. Se a nossa Aphrodite não tivesse se sacrificado por Stevie Rae, ela seria um monstro fedorento e definitivamente não estaria aqui com a gente.

– De novo, eu realmente gostaria de ter uma conversa com a minha outra eu – Aphrodite comentou.

– Ei, você vai se acostumar comigo – Stevie Rae prometeu. – Você vai ver, se a gente ficar aqui tempo suficiente.

– Tipo uma década, mais ou menos? – Aphrodite falou sem nenhuma expressão.

Eu segurei a risada limpando a garganta e rapidamente mudei de assunto.

– Então, onde a gente vai encontrar Anastasia? Eu gostaria de comer um pouco e tomar banho antes de dormir também.

– Por aqui, Z. Anastasia está separando as camisetas das universidades que Johnny B trouxe de Tulsa. Cara, eu amo futebol americano. Espero que a gente consiga assistir pelo menos um pouco do jogo. Boomer Sooner! – Stevie Rae, de mãos dadas com Rephaim, começou a andar na direção de Anastasia.

– Ela me dá dor de cabeça – Aphrodite reclamou.

– Às vezes, as coisas são estranhamente iguais em nossos dois mundos – foi tudo que eu disse.

– Venha, Zo. Vamos achar os nossos quartos – Kevin me chamou.

– Vocês vão na frente. Eu preciso de uns minutos para mim mesma aqui fora. Rezar parece uma boa ideia agora.

– Ok, sem problemas. Depois alguém te fala onde encontrar Anastasia – Kevin disse.

Aphrodite e Kevin saíram andando com as cabeças inclinadas, continuando a acariciar Nala, e eu senti um choque de surpresa. Quando Kev ficou tão alto? Ele parece totalmente um adulto! Esse pensamento me deu um aperto no coração.

Ele e Aphrodite seguiram Stevie Rae e Rephaim, que estavam de mãos dadas e trocando beijinhos. Eu fiquei observando os dois casais – porque eles obviamente eram casais. O olhar de Aphrodite não perdia Kevin de vista, onde quer que ele estivesse na caverna, que normalmente não era longe de onde Aphrodite estava. Ele estava totalmente apaixonado por ela, o que não era surpresa nenhuma.

Isso me deixou ainda mais solitária.

Senti falta de Stark. Não de Heath. Nem de ninguém mais. Só de Stark. E com cada pedaço de espírito, vontade e amor dentro de mim, eu pensei: Eu vou voltar para você, Stark! Por favor, saiba o quanto eu te amo. Por favor, acredite em mim como eu acredito em você.

Eu esperei, torcendo para sentir algo de volta – mesmo um eco minúsculo da nossa conexão. Mas tudo que eu senti foi vazio, e só o que eu escutei foi a batida solitária do meu coração solitário.

– Zoey Passarinha? Posso me juntar a você?

– Claro, Vovó. Quer sentar aqui fora comigo um pouquinho? – Eu apontei para duas pedras com a parte de cima plana que não pareciam muito molhadas.

– Sim, vamos.

Nos sentamos em um silêncio amigável por um tempo. A noite escura estava começando a se transformar com a claridade do amanhecer, que me lembrava penas de um pássaro. A montanha era bonita. Eu amava o fato de ela não ter se desenvolvido e ter basicamente a aparência que tinha há cem anos ou mais.

Obrigada, Nyx, por lugares como este, que me lembram da minha conexão com a terra e com os meus ancestrais que cuidaram dela. Ajude-me a encontrar força através dessa conexão para o que está por vir esta noite. Ajude-me a fazer a coisa certa e a trilhar o seu caminho com integridade e bondade. O que quer que aconteça, por favor, reconforte Stark e faça com que ele saiba que eu realmente o amo... muito, muito mesmo.

– U-we-tsi-a-ge-ya, você parece muito distante e muito preocupada. Ajudaria se conversássemos sobre isso?

– Bom, sempre me ajuda conversar com você, então, sim, eu gostaria de conversar. Vovó, eu tenho medo de que Stark guarde mágoa de mim para sempre por eu ter vindo para cá. Ele acha que eu estou aqui por causa de Heath.

– Oh, porque no seu mundo Heath está morto.

– Exato. Mas essa não é a razão principal pela qual estou aqui. Eu tentei explicar isso para Stark antes de vir, mas ele não acreditou em mim. Eu o magoei; eu o estou magoando neste exato momento. E eu detesto isso.

– Mas você veio assim mesmo. Por quê?

– Para ajudar Kev, é claro. E, não sei, Vovó... talvez para me despedir. Mas por que isso tiraria algo de Stark? Isso não muda o amor que tenho por ele. Acho que nada pode mudar isso nunca.

– Zoey Passarinha, é difícil amar outra pessoa adequadamente ou mesmo integralmente se você não conhece a si mesmo. Então, talvez você deva gastar menos tempo preocupada com Stark e mais tempo olhando para dentro de si mesma e descobrindo o que, ou quem, você realmente quer.

– Como sempre, o que você diz tem muito sentido – eu concordei.

– Acho que eu só falei em voz alta o que você já sabe dentro do seu coração.

– Obrigada por sempre acreditar em mim. – Coloquei meu braço ao redor dela, e nos inclinamos uma em direção à outra.

– Foi um grande presente vê-la de novo, u-we-tsi-a-ge-ya. Um presente pelo qual vou ser eternamente grata à Grande Mãe Terra.

– Bom, Vovó, algum dia, e espero que não logo, porque Kev definitivamente precisa de você por perto, você vai poder agradecê-la pessoalmente. Nyx a conhece bem, independentemente de ela ter tido a oportunidade de dizer isso a você neste mundo ou não.

– E esse é outro grande presente que eu recebi. Obrigada, filha. Vai ser muito difícil dizer adeus para você de novo.

Eu a abracei mais forte e a puxei para mais perto.

– Então não diga. Vamos apenas falar “te vejo mais tarde”.

– Isso parece uma ideia maravilhosa, minha Zoey Passarinha.

Vovó e eu ficamos sentadas ali, de braços dados, observando o céu se preparar para o nascer do sol e conversando sobre nada e sobre tudo ao mesmo tempo – e, antes de entrar para procurar Anastasia, eu percebi que o meu espírito não estava nem agitado nem triste. O meu espírito estava calmo e pronto. Pronto para fazer tudo que eu podia para ajudar o meu irmão a derrotar Neferet – e pronto para voltar para casa, para o meu mundo, a minha Morada da Noite, o meu Stark.


30

Outro Stark

– Neferet, não quero ser desrespeitoso, mas eu realmente acho que não é uma boa ideia deixar o Exército Vermelho entrar dentro do estádio. – Stark estava andando em círculos na frente da mesa verde de ônix de Neferet. – Isso é arranjar encrenca, mesmo se eles forem alimentados antes do jogo. Tantos humanos juntos concentrados em um só lugar é simplesmente tentação demais para eles.

– Ah, Stark, você se preocupa tanto! Isso é parte do seu charme, mas é só uma parte dele. Esse seu belo corpo jovem é a outra parte, muito mais significante. – De forma sedutora, Neferet deslizou um dedo com unha afiada e pintada de vermelho pelo pescoço até o decote profundo em V do seu vestido de seda cor de esmeralda.

Ele desviou o olhar dos seios dela e franziu o cenho.

– Eu não estou brincando. É um problema sério.

– Mesmo? Os dois times já estão aqui?

– Sim. Os ônibus chegaram há algumas horas. Os jogadores vão dormir ou pelo menos descansar hoje. O sol se põe às cinco e vinte, e mais ou menos nessa hora eles vão sair dos dormitórios que você esvaziou para recebê-los e vão para o estádio para se trocarem e fazerem o aquecimento. Nós vamos abrir o estádio para os torcedores às oito. A partida começa às dez em ponto.

– Eles trouxeram as líderes de torcida e as bandas também, não é?

– Sim, sim. E os clubes de torcedores deles também. Você disse que queria um espetáculo de Bedlam completo, e é isso que vai ter.

– E o Exército Azul vai estar lá, com os meus Guerreiros presentes como a minha guarda pessoal, certo?

– Claro. Alguém tem que evitar que o Exército Vermelho devore todo mundo – ele resmungou.

– Então eu não estou vendo nenhum problema. Vejo que você deixou tudo organizado.

– Mas, Neferet, o que eu estou tentando fazer você entender é que ter vampiros vermelhos presentes é perigoso para cada um dos humanos naquele estádio. E você ordenou que o estádio esteja cheio de humanos.

– Exatamente. Responda-me, meu querido jovem vampiro, quais são mais descartáveis na sua opinião: vampiros azuis, vampiros vermelhos ou humanos?

– Não entendi.

O tom sedutor dela mudou instantaneamente.

– É claro que entendeu. É uma pergunta simples. Responda.

– Acho que vampiros vermelhos – ele falou de modo hesitante, sem saber ao certo aonde ela queria chegar.

– Eu argumentaria que o meu Exército Vermelho não é descartável, porque é o meu exército. Com isso, os humanos sobram como descartáveis porque, é claro, nós não somos descartáveis.

– Mas os humanos nos alimentam. Nós precisamos deles, Neferet. – Stark sentiu um calafrio com o tom de voz da Grande Sacerdotisa. Ela foi tão fria, tão absolutamente insensível, que estava se tornando irreconhecível. Stark até achou que ela estava mudando fisicamente, mas, quando tentou identificar diferenças específicas, parecia que era incapaz de pensar em algo por mais de alguns segundos. Algo estranho está acontecendo com Neferet. Algo estranho e sombrio.

– É claro que eles nos alimentam! – ela continuou. – Mas eles também se reproduzem com uma taxa ridiculamente alta. Então, fazer mais humanos é bem fácil, não é?

– Ahn, eu nunca pensei nisso dessa forma.

– Bom, então pode começar a pensar. E, enquanto você faz isso, certifique-se de que o Exército Vermelho esteja armado.

– Não, Neferet! Isso não é...

– Nunca me diga não! – Ela se levantou ao gritar com ele, e Stark achou que viu movimentos estranhos de algo se contorcendo nas sombras ao redor da mesa dela. – Você é meu general. Você cumpre a minha vontade.

– Neferet, eu cumpro a vontade da Deusa. Foi isso que eu jurei fazer – Stark falou cuidadosamente, com calma, embora tenha dado vários passos para trás, afastando-se de Neferet, da sua mesa e do que quer que fosse aquela coisa assustadora que ela estava escondendo embaixo dela.

A atitude dela mudou instantaneamente de novo. Ela sorriu como uma gata satisfeita que bebia leite.

– Bom, então isso torna tudo mais fácil, não é? Quem neste mundo conhece melhor a vontade da Deusa do que a única Grande Sacerdotisa escolhida por ela?

– Ninguém mais, Grande Sacerdotisa – ele respondeu automaticamente.

– Exatamente. E Nyx foi muito clara sobre o que deve acontecer no jogo hoje à noite. Você sabe disso. Você sabe que eu contei que estou planejando uma surpresa de Ano-Novo que a Deusa abençoou completamente. Agora, pode ir, General Stark. Cuide para que o Exército Vermelho coma e beba até o pôr do sol. E depois certifique-se de que cada membro esteja armado. Nada elaborado, veja bem. Facas e espadas simples é mais do que suficiente. Não precisa de flechas. Os humanos podem sair da mira tão facilmente, não é? Bom, a não ser que você esteja os alvejando. Então, não deixe de levar o seu arco, certo? – Ela não esperou pela resposta dele e se acomodou de volta na cadeira. – Depois que estiverem armados, leve-os para o estádio. Posicione-os no nível do campo perto de cada saída, por toda a volta do estádio, de modo que ele pareça estar contido em um anel escarlate. Essa não é uma imagem visual adorável?

– Não sei se entendi. Você quer o Exército Vermelho postado em cada saída do campo? Perto dos jogadores e das líderes de torcida? Não muito longe de uns trinta mil humanos nas arquibancadas?

Neferet suspirou.

– Sim. É exatamente isso o que eu quero. Um extraordinário anel cor de sangue ao redor do campo.

– Neferet, mesmo se o Exército Vermelho estiver alimentado, vai ser difícil controlá-lo.

– Isso é problema seu, General Stark! Você tem o seu arco e flechas. Você não consegue errar. Se um soldado tentar devorar um humano, atinja-o. Mesmo o vampiro vermelho mais selvagem entende de autopreservação. Mostre que, para se preservarem, eles não podem comer os humanos. Bom, a menos que eles recebam ordens para isso, é claro.

– Mas por que você ordenaria que eles devorassem alguém no jogo? Não é só um jogo? Apenas um entretenimento para humanos e vampiros?

– Porque, meu querido, às vezes o sacrifício de alguns é necessário para salvar muitos.

– Mas o que isso tem a ver com o jogo?

– Bem, vamos dizer que os humanos saiam de controle. Você sabe como esses caipiras terríveis podem ser em relação ao seu patriotismo ridículo. E se eles decidirem protestar contra o nosso governo? Alguns exemplos devem servir para evitar a destruição de muitos.

– Ok, eu entendo isso, mas nós estivemos em muitos jogos de futebol universitário, e o público humano nenhuma vez tentou protestar contra os vampiros. Neferet, não sei se você entende totalmente do que se trata o futebol americano... é realmente apenas um jogo.

– Oh, meu querido, nada que coloque um grupo de humanos contra o outro é apenas um jogo, mas é extremamente útil que as suas briguinhas e rivalidades idiotas os mantenham divididos e fracos. Imagine se todos se unissem contra nós. – Ela estremeceu levemente. – Eles são em maior número. Eles têm mais armas. Nós voltaríamos a ser cidadãos vulneráveis, de segunda classe. Eu, com certeza, nunca vou retroceder.

– Então, basicamente, o Exército Vermelho vai estar lá para o caso de os humanos tentarem algo.

Neferet gargalhou, e o som da sua risada foi como o de unhas arranhando uma lousa, provocando terríveis arrepios de mau pressentimento na espinha de Stark.

– Ah, Stark bobinho, eles estarão lá para muito mais. Eles estarão lá para mostrar o meu poder e o nosso domínio sobre a infestação de humanos neste planeta. Você estará lá para mantê-los sob controle, a menos que eu precise que eles sejam ordenados. Você pode cuidar disso, General? Ou será que devo procurar um substituto para você?

– Eu vou seguir as suas ordens. Eu estou aqui só para servir a Deusa.

– Excelente! Isso não foi fácil? Você realmente deveria parar de se preocupar tanto. Tudo vai ficar bem, desde que você cumpra a minha vontade. E a vontade da Deusa, é claro.

– É claro – Stark respondeu, apesar de ter certeza de que Neferet não percebeu o sarcasmo no seu tom de voz.

– Sabe, meu querido, você realmente deveria sorrir mais. Você é muito bonito para ficar sisudo. Tente. Dê um sorriso para mim. Só um sorrisinho.

Stark forçou os seus lábios a se curvarem, embora sentisse que o seu rosto iria rachar.

– Viu? Assim é muito mais agradável, não é? Eu prefiro um homem sorridente do que um mal-humorado. Agora, pode ir. Você tem muito a fazer. Mande Artus vir aqui. Ele e eu precisamos discutir a minha escolta de Guerreiros. Você está dispensado.

Stark colocou sua mão em punho sobre o coração e se curvou para Neferet antes de sair do escritório dela. Só depois de fechar a porta, ele sentiu que conseguia respirar fundo.

Com relutância, Stark foi na direção do Ginásio, onde ele sabia que encontraria o velho Mestre da Espada de Neferet, Artus. Então ele teria que ir até aqueles malditos túneis e deixar o Exército Vermelho pronto para aquele show que Neferet estava armando. Tirando o aborrecimento do Exército Vermelho, aquele jogo deveria ser pouco mais do que um entretenimento normal para os vampiros. Neferet estava errada sobre os humanos. De maneira alguma eles iriam se unir e atacar em um jogo de futebol americano. Tudo deveria correr bem esta noite, então Stark não conseguia entender por que continuava sentindo um aperto no estômago. Provavelmente porque parece uma merda grande para organizar. Vou ficar tão feliz quando essa maldita noite acabar...


Outro Kevin

– Veja bem, eu não vou dar banho em você, Nalinha, mas você tem que me deixar secá-la com esta toalha. Você ainda parece muito molhada e desgrenhada. – Kevin voltou a enxugar a bola de pelos laranja e resmungona, determinado a ignorar os seus uivos.

– Kevin Redbird, você está matando esse gatinho?

Ele levantou os olhos e viu Aphrodite parada na entrada do pequeno quarto que Anastasia havia designado para ele. Ela estava usando uma camiseta bem larga e meias ainda maiores, e o seu cabelo estava preso em um rabo de cavalo, que deixava mechas loiras soltas como uma moldura do seu rosto.

Ele pensou que ela era a garota mais maravilhosa que já tinha visto na vida e teve que limpar a garganta antes de conseguir pronunciar qualquer palavra.

– Eu estou secando a gata, não matando. Só que ela definitivamente não está nada feliz comigo. Quer me ajudar?

– Claro, mas talvez você não queira a minha ajuda. Eu disse que gosto de gatos, mas o que eu não disse é que normalmente eles não gostam de mim.

– Parece que ela não está gostando muito de mim neste momento, então imagino que não vá fazer diferença. Entre.

Aphrodite entrou silenciosamente, pisando com suas meias dentro do quartinho escavado na pedra, que para Kevin parecia uma bolha, e fechou o cobertor que servia como uma porta. Kevin estava sentado no estrado de dormir, com a Nala ranzinza toda enrolada em uma toalha em seu colo.

Aphrodite sentou ao lado dele. Ela cruzou as pernas e ajeitou a camiseta grande para que ela cobrisse os seus joelhos.

– Seguinte, você segura a gata e eu pego uma ponta da toalha para secá-la.

– Boa sorte. Ela tem garras – Kevin avisou.

– É claro que ela tem. Ela precisa dessas garras para subir nas coisas e caçar ratos, não é, menina bonita? – ela falou carinhosamente com Nala, que parou de reclamar e arqueou as costas quando Aphrodite usou a ponta da toalha como uma escova, esfregando-a delicadamente pelo seu corpo.

– Ei, ela gosta disso! – Kevin exclamou.

– Sim, ela gosta. Talvez ela só precisasse que alguém arrumasse o cabelo dela. É isso, Nala? Eu sei como é precisar de um dia de beleza.

Nala levantou os olhos para Aphrodite e espirrou na cara dela.

Kevin prendeu a respiração, esperando que Aphrodite surtasse, mas ela não surtou. Ela riu alto. Musicalmente, com alegria, ela deu risada e enxugou o rosto com a outra ponta da toalha, enquanto conversava com Nala como se ela fosse um bebê.

– Você pegou um resfriado lá fora procurando pelo seu Kevin? Coitadinha. Agora a gente vai deixar você seca e quentinha. Não precisa se preocupar.

Nala acelerou o seu motor de ronronar e deu três voltas antes de se aconchegar no colo de Kevin e fechar os olhos, enquanto Aphrodite terminava de secá-la.

– Pensei que você tinha dito que os gatos não gostavam de você.

– Não, eu disse que normalmente eles não gostam de mim. Nala obviamente é mais esperta do que a maioria dos gatos e tem um gosto muito melhor.

– Não poderia concordar mais – Kevin falou, e eles sorriram um para o outro, olhando-se bem nos olhos. Ele sentia as batidas do seu coração por todo o corpo. Ela estava tão perto! E era tão, mas tão linda.

– Bom, ela parece bem seca agora – Aphrodite disse. – Também parece que ela dormiu.

– Você domou a fera selvagem!

– Ela não é selvagem. Ela é um doce. – Aphrodite deu uma olhada no quarto. – Então, eles colocaram você na frente do meu quarto. Melhor você do que Stevie Rae e Rephaim. Eu passei pelo quarto deles no caminho de volta do banheiro e tudo o que eu posso dizer é que Rephaim é do tipo que geme alto e juro que ouvi a caipira gritando “Irra!”.

Kevin deu uma gargalhada.

– Eu podia passar a vida inteira sem saber disso.

– Eu também.

A trilha sonora do silêncio entre eles era o ronronar de Nala, que rapidamente se dissolveu em um ronco, o que fez Kevin e Aphrodite sorrirem um para o outro.

– Eu vou colocá-la naquela caminha de gato que Anastasia me deu – Kevin sussurrou. – Não respire. – Ele cuidadosamente a levou para a cama em forma de donut, depositando-a bem no meio. Então ele voltou e sentou ao lado de Aphrodite. – Acho que você a ninou tanto que ela entrou em um coma de gato. Ela ainda está roncando.

– É legal ela gostar de mim. Isso nunca aconteceu comigo antes. Minha mãe, que era horrível, diga-se de passagem, se recusava a me deixar ter qualquer animal de estimação. Ela dizia que todos eles eram criaturas sem alma que desperdiçavam oxigênio – Aphrodite bufou. – Eu costumava pensar que ela estava descrevendo a si mesma. – Ela se inclinou, recostando-se na parede da caverna, e lançou um olhar contemplativo para Kevin. – Você conheceu a minha mãe quando estava no mundo da sua irmã?

– Não, mas eu sei que ela era um pesadelo por lá também.

– Bom, pelo menos ela é coerente. Ela ia gostar de saber disso, e ela não costuma gostar de muitas coisas. – Aphrodite fez uma pausa e então continuou: – Kevin, você promete que vai me falar a verdade... não importa o que eu perguntar?

– Esse foi o trato que nós fizemos.

– Você tem razão, foi mesmo. Eu gosto de poder confiar em você, gosto de saber que a gente só vai falar a verdade um pro outro. Isso não aconteceu muito não minha vida.

– Eu gostaria de mudar isso – ele disse.

– Você já mudou – ela disse, e continuou rapidamente. – Então, eu sou muito diferente naquele outro mundo?

Kevin levou um tempo pensando antes de responder. Ele estava determinado a contar a verdade, mas também sabia que ela estava abaixando a guarda perto dele, e ele queria isso – queria ter intimidade com ela, e estava determinado a não dizer alguma coisa idiota que pudesse estragar tudo.

– É estranho. Vocês são parecidas, mas diferentes. Tenho certeza de que ambas tiveram infâncias péssimas. As duas são Profetisas. As duas são lindas e meio malvadas.

Ela levantou as sobrancelhas para ele.

– Foi um elogio – ele disse.

– Seja elogio ou não, é a verdade. Continue.

– Mas a Aphrodite de Zoey é parte de uma família grande, muito chegada.

– Pensei que você tinha dito que ela teve os mesmos pais péssimos que eu. Hum, eu não tenho nenhum irmão. Minha mãe se recusou a engravidar duas vezes. Ela disse que a gravidez deixou o corpo dela muito pouco atraente para depois ter tão pouco retorno.

– Deusa, ela é uma mãe horrível. Ainda pior do que a minha mãe ultrarreligiosa.

– Essa é uma competição que eu preferia não ganhar sempre. Enfim, como eu posso ser parte de uma grande família?

– Porque a Morada da Noite de Zo e o fato de se chamarem a Horda Nerd fazem deles uma família.

– Espere aí, volte um pouco. Você falou Horda Nerd?

Ele abriu um sorriso.

– Falei. Quando eu estava lá, perguntei como eles inventaram esse nome. Foi você que o nomeou.

– Ah, que merda! Eu chamei todos de nerds e depois me juntei a eles?

– Sim, a história é essa.

– E eu pensei que tinha problemas neste mundo aqui.

– Então, essa é a maior diferença. Você é feliz lá. Você está cercada de amigos e família. Você é valorizada por Zoey como uma grande Profetisa. E, claro, você tem aquele vermelho extra na sua Marca, e aqueles poderes extras também.

– E você jura que Nyx me deu esse poder.

Aphrodite não formulou a frase como uma pergunta, mas Kevin sabia que ela precisava ouvir uma resposta.

– Sim. Com toda a certeza. Eu juro que Nyx deu a você o poder de conceder segundas chances.

– É tão estranho. Claro, eu tenho visões, mas nunca, nem uma vez sequer, eu escutei a voz da Deusa nem senti a sua presença.

– Talvez Nyx esteja esperando a hora certa.

– E quando seria isso?

– Quando você estiver pronta para ouvir a voz dela e estar na sua presença – Kevin afirmou.

– Você já a ouviu ou sentiu?

O olhar de Kevin ficou distante enquanto ele lembrava de quando entrou no Templo de Nyx e, pela primeira vez, sentiu a presença de sua Deusa. Ele teve que limpar a garganta antes de conseguir falar e, quando fez isso, as suas palavras saíram roucas com a emoção.

– Sim. Eu conheci Nyx. Eu a senti. Ela me tocou.

– Como foi?

– Puro amor – ele respondeu. Então o seu olhar encontrou o dela de novo. – Você vai ver um dia.

– Como você pode ter tanta certeza?

– Porque você é uma Profetisa de Nyx. E porque eu acredito em Nyx e no amor dela.

– Essa é uma boa história, Kev.

– É uma história verdadeira, Aphrodite.

– Você está com medo do que pode acontecer hoje à noite? – ela mudou de assunto abruptamente.

– Bom, sim. É claro – ele disse sinceramente.

– Por que você acha que eu não consigo?

– Nada disso. Eu sei que você consegue. Estou com medo porque o Exército Vermelho é uma porra de um pesadelo. E eu estou com medo de que pessoas inocentes provavelmente vão se machucar porque Neferet é uma vaca do mal. Zoey pode se machucar também, o que me deixa apavorado, e não só porque ela é minha irmã e eu não quero que ela morra. De novo. Se alguma coisa acontecer com ela, o Stark do mundo dela vai vir pra cá e arrancar o meu coração do peito, o que não vai ser muito legal.

– Definitivamente, não. Então, Zoey e Stark estão seriamente apaixonados?

– Sim, mas é mais do que amor. Eles são conectados. Ele é o Guerreiro dela e até mais do que isso. Eles se completam. Eu fico feliz por eles. É isso que eu quero. Alguém que me complete.

– É isso que eu quero também, mas não conte pra ninguém. Todo mundo pensa que só o que eu quero é um cara gostoso e diferente na minha cama toda noite. Ou talvez dia sim, dia não.

– E não é isso o que você quer?

– Não. Isso é cansativo. Mas é menos assustador do que amar alguém.

– A menos que você ame a pessoa certa.

Aphrodite suspirou e jogou o rabo de cavalo para trás.

– Mas como diabos você vai saber quando alguém é a pessoa certa? Tenho certeza de que o meu pai pensou que amava a minha mãe, tipo, um milhão de anos atrás, mas o casamento deles foi uma farsa. Quando ele morreu, os dois se odiavam. Eu decidi naquela hora que preferia ficar sozinha do que arriscar a viver aquele pesadelo todos os dias. Enfim, e em relação aos caras? Eu tenho um amante ou algo do tipo por lá?

Kevin sentiu uma dor súbita no peito, mas ele não poderia – não iria mentir para ela.

– É, bom, essa é outra coisa diferente entre aquela Aphrodite e você. No mundo de Zoey, você tem um Guerreiro Juramentado chamado Darius. Ele te ama. Você o ama. Vocês dois se completam.

Ele não conseguiu olhar para ela, então, em vez disso, abaixou a cabeça e ficou olhando fixamente para as próprias mãos.

– Espere aí, eu pensei que Aphrodite e você tinham um lance por lá.

Kevin sorriu com tristeza para as suas mãos.

– Não. Bom, só um pouco. Só o que tinha de espaço sobrando no seu coração. Você não me amava. Você gostava de mim. – Ele sentiu o seu rosto esquentando e desejou não ter aumentado tanto a maldita luz da lamparina quando estava tentando secar Nala. – Você realmente me beijou e me disse para procurar você neste mundo, e para ser eu mesmo, porque você me amaria neste mundo também.

– Também? Parece que eu posso ter amado você um pouco.

– Talvez um pouco.

– E você? Como você se sentiu?

Ele engoliu em seco e mexeu os ombros.

– Como poderia qualquer cara não se apaixonar por você?

Ela não disse mais nada por tanto tempo que o rosto ardente de Kevin ficou frio com o tipo de constrangimento que só é decorrente de um coração partido.

E então Kevin sentiu que ela se mexeu. Ela deslizou para mais perto, tão perto que podia tocá-lo. Aphrodite estendeu a mão e segurou o queixo dele, levantando-o delicadamente e virando o seu rosto para que ele encontrasse os olhos dela.

– Nenhum cara nunca me amou. Nenhum. Eles sempre me quiseram e me desejaram. Tentaram me usar. Eles tiveram medo de mim e me odiaram. Mas nunca me amaram.

– Então todos eram idiotas.

– Mas você não é. Kevin Redbird, você não é nenhum idiota – ela disse.

Ele riu sem humor.

– Acho que a definição de idiota é alguém que se apaixona por uma mulher que não é sua para amar.

– Aquele Guerreiro não está aqui, Kev – ela falou em voz baixa, passando a olhar para os lábios dele. – E se neste mundo você for o meu Darius?

Aphrodite se inclinou na direção dele, puxando-o para mais perto. Ela o beijou por muito tempo, de um jeito quente e profundo. As suas línguas se encontraram, se tocaram, se provocaram. Ela passou os braços ao redor dos ombros dele, e de repente ela estava sentada no colo dele, e a mão dele acariciava toda a sua perna macia.

– Eu quero ficar com você esta noite – ela sussurrou contra os lábios dele. – Eu preciso ficar com você esta noite.

– Você pode ficar comigo para sempre – ele murmurou de volta, levantando-a e virando-a de modo que os seus corpos ficaram pressionados um contra o outro, enquanto eles exploravam os lugares secretos e extraordinários que somente os amantes compartilhavam.

E então, finalmente, eles se encaixaram. Perfeitamente.


31

Zoey

– O que aconteceu com a Universidade de Tulsa? – Stevie Rae perguntou quando entramos no estacionamento já lotado.

O tempo havia sido calculado para que os Guerreiros da Resistência, que estavam todos com suas tatuagens cobertas e usando parafernália de um dos times que iam jogar, chegassem mais tarde, só um pouco antes do início do jogo. Isso funcionaria para que tivessem uma desculpa para entrar correndo com os outros humanos, que deviam esperar até o último minuto para entrar, porque os vampiros sempre sentavam na frente – e sempre nos melhores lugares.

– O que você quer dizer? A Universidade de Tulsa está como sempre esteve – Dragon falou, sentado no banco do motorista da van de Vovó Redbird.

– No nosso mundo, o campus é muito maior e, bem, melhor – eu tentei explicar ao olhar para os esparsos edifícios antigos de pedra ao redor de um estádio super moderno. – Mas o estádio de vocês é mais legal, mesmo depois de a gente ter reformado o nosso.

– Não acontece muita coisa em termos acadêmicos na Universidade de Tulsa – Anastasia contou. – Era uma universidade maravilhosa algumas décadas atrás. Só contava com os alunos mais brilhantes e os cursos mais procurados, mas ela não conseguiu competir com os programas de esportes da Universidade de Oklahoma e da Universidade Estadual de Oklahoma, então entrou em declínio. Bom, como você já percebeu, exceto pelo estádio. Os outros times o utilizam, então aquele ricaço... Bryan, como é mesmo o nome dele?

– Boone Pick, ou Pick Boone, algo desse gênero.

– Sim, obrigada, meu amor, ele mesmo. Ele doou dinheiro para a escola, mas não para a parte acadêmica, é claro. Foi para reconstruir o estádio para que eles pudessem receber times semiprofissionais. Acho que o novo estádio tem trinta mil lugares.

– Que droga – Stevie Rae protestou. – Isso me deixa triste. Eu sempre quis ir para a Universidade de Tulsa. Eles têm... bom, a nossa Universidade de Tulsa tem um curso de cinema incrível.

– Eu não sabia que você gostava desse tipo de coisa – eu disse.

– Sim, no ensino médio eu queria mesmo ser uma diretora de cinema. Sabe, como a Patty Jenkins. Daí eu fui Marcada e morri. E então eu desmorri e me Transformei na primeira Grande Sacerdotisa vampira vermelha, então eu meio que acabei desviando desse caminho.

– Se você quiser ir para a Universidade de Tulsa quando a gente voltar, você pode fazer isso – eu afirmei.

– Z, isso seria simplesmente incrível! Você acha que eu vou ter tempo, mesmo cuidando do Restaurante da Estação?

– A gente cria esse tempo. Ninguém deve ignorar os seus sonhos.

– Ok, todo mundo pronto? – Dragon perguntou. Ele girou no assento para olhar para nós na parte de trás. Stevie Rae, Rephaim, Anastasia, Dragon e eu tínhamos decidido chegar juntos. O resto da Resistência, incluindo Kevin e Aphrodite, havia se dividido em carros e caminhões que Tina costumava disponibilizar para os membros da Resistência. Kevin e Aphrodite foram no seu sedã de luxo, fingindo ter voltado da sua viagem de compras a Dallas direto para o estádio.

– Estou pronta! – Eu reuni o máximo de confiança que podia, embora a preocupação estivesse corroendo o meu estômago. Havia tantas coisas que podiam acontecer em um lugar tão gigante e cheio de tantas pessoas e de um exército de vampiros vorazes e desumanos. Quer dizer, o que podia dar errado senão tudo isso? Então eu me sacudi mentalmente. Recomponha-se, garota. Aja como uma Grande Sacerdotisa. – A gente vai conseguir – eu disse com firmeza. – Todo mundo entendeu o que deve fazer?

– Nós nos separamos e vamos para o alto da arquibancada, cada um na direção do elemento que representa – Anastasia respondeu.

– E então assistimos ao jogo e esperamos – Dragon completou.

– Essa é a minha parte favorita! – Stevie Rae se empolgou. – Boomer Sooner! – Então ela pareceu envergonhada. – Ahn, mas eu não quis dizer que a parte em que Aphrodite salva todos os vampiros vermelhos não vai ser tão legal quanto um jogo de futebol.

– Eles entenderam – Rephaim falou e a beijou com carinho.

– Eu não gosto do fato de que vamos estar separados – Dragon comentou.

– A gente tem isto aqui. – Eu levantei o walkie-talkie super tecnológico que estava no meu bolso. Ele parecia um daqueles antigos telefones dobráveis, só que não abria de verdade. Havia um botão do lado e, quando eu o pressionava, podia falar com os outros. Cada um de nós tinha um: Dragon, Anastasia, Stevie Rae, Rephaim e eu. O meu papel era dar um sinal para os outros, e então Anastasia começaria a invocação dos elementos com o ar.

– Eu queria que pudéssemos ter dado um walkie-talkie para Aphrodite. É ela quem deve fazer o sacrifício – Stevie Rae lamentou.

– Era arriscado demais. Ela tem que fazer um relatório a Neferet. Se Neferet a obrigar a ficar lá na cabine de imprensa com ela, nós seríamos descobertos assim que o bipe do walkie-talkie dela tocasse – Anastasia lembrou.

– Mas ela vai saber quando a gente traçar o círculo. Deve ser óbvio para ela sentir – eu acrescentei.

– Espero que sim – Dragon resmungou.

Eu olhei para o Mestre da Espada ranzinza.

– Espere e verá. Todo mundo vai saber quando a gente traçar o círculo.

Nós descemos da van e adentramos na corrente de humanos usando vermelho da Universidade de Oklahoma ou laranja da Universidade Estadual de Oklahoma. Era uma multidão menos arruaceira do que seria o normal para um clássico Bedlam, mas isso não foi um grande choque, principalmente porque tivemos que passar em silêncio por uma fileira de Guerreiros vampiros azuis carrancudos. A boa notícia era que ninguém precisava pagar para entrar no jogo. Percebi que essa era a única boa notícia quando entramos no estádio e demos a primeira olhada no campo – e nos vampiros vermelhos que estavam agrupados ao redor de cada saída, formando um bizarro círculo cor de sangue em volta de jogadores e líderes de torcida.

– Ah, Deusa! – Anastasia ofegou ao meu lado. – Ela os colocou lá embaixo no nível do campo.

– Prontos para devorar qualquer um que tente sair – Rephaim observou.

– Isso é péssimo, Z – Stevie Rae comentou.

– Talvez não tanto. – Eu fiz um gesto para o meu grupo me seguir até um estande de comida, onde nos agrupamos em um círculo apertado, fingindo que estávamos tentando escolher entre cachorro-quente e nachos. Eu falei em voz baixa e rapidamente: – Já estão todos juntos lá embaixo.

– Mas como vamos tirar as armas deles se estão no campo e os nossos Guerreiros estão espalhados por todo o estádio? – Anastasia perguntou.

– Os nossos Guerreiros não vão conseguir se armar – Dragon falou sombriamente.

– Tudo isso só quer dizer que a gente precisa ser rápido – eu afirmei. – Sabemos que o massacre não vai acontecer até o final do jogo. Aphrodite profetizou até esse ponto. Imagino que Neferet vá fazer algum tipo de discurso ridículo primeiro.

– Faz sentido – Dragon concordou.

– Então, assim que ela começar o discurso, a gente se prepara para invocar os elementos.

– Talvez seja melhor começar a invocação assim que o jogo acabar – Rephaim sugeriu.

– Isso só vai funcionar se ninguém perceber que estamos traçando um círculo. – Dragon olhou para mim. – E você tem certeza de que as pessoas vão perceber o que estamos fazendo?

Eu assenti, ainda falando baixo.

– Uma faixa de luz nos conectando deve aparecer. As pessoas definitivamente vão notar isso, principalmente Neferet.

– Certo. Então nós esperamos até que ela dê a ordem – Dragon disse.

– Anastasia, esteja pronta para invocar o ar – eu falei.

– Eu estarei. Não se preocupe comigo.

– Você vai ser o próximo, Dragon – eu o lembrei, tentando não soar tão nervosa quanto me sentia.

– Eu sei a ordem dos elementos, Zoey – ele respondeu, mas não de um modo grosseiro.

– Todos nós sabemos, Z. Vai dar tudo certo – Stevie Rae afirmou.

– Ok. Eu vou pegar um lugar lá embaixo, o mais próximo do centro do campo que eu conseguir. Vou estar lá para invocar o espírito. Abençoados sejam todos.

– Eu vou ficar no leste. Abençoados sejam. – Anastasia deu um beijo em Dragon e então saiu apressada.

– Eu vou para o sul. Abençoados sejam – Dragon disse. Eu o vi começar a levar o punho sobre o coração, já que ele automaticamente ia me demonstrar o respeito devido a uma Grande Sacerdotisa e se curvar, mas ele notou a tempo e, com um sorriso forçado, deu uma piscadela para mim antes de sair na direção do lado sul do estádio, deixando-me só com Stevie Rae e Rephaim.

– Z, isso vai funcionar? – minha melhor amiga perguntou.

– Tem que funcionar, mas, se alguma coisa terrível acontecer, você e Rephaim têm que ir embora. Não esperem por mim. Não esperem por Kevin, Aphrodite, nem por ninguém. Só vão embora. E não voltem para a montanha. Peguem a van. Vão para a fazenda de Vovó. Eu encontro com vocês lá.

– Entendido – Rephaim assentiu sobriamente. – Eu vou mantê-la em segurança.

– Pelo menos nós estamos usando as camisetas certas – Stevie Rae apontou para os moletons vermelhos da Universidade de Oklahoma que o meu grupo inteiro tinha escolhido usar. – A Universidade de Oklahoma quase sempre ganha.

– Boomer Sooner! – eu disse. – E abençoados sejam vocês dois.

Demos um rápido abraço em grupo, e então eles foram para o lado norte do estádio. Respirei fundo, tentando me preparar. Eu me virei para ir na direção do campo quando escutei uma voz que me deixou paralisada. Olhei freneticamente em volta. Stark estava parado perto do banheiro masculino, falando com – e outro choque me atingiu – Dallas! Neste mundo, Dallas era um vampiro azul, mas ele estava exatamente igual à última vez em que eu o tinha visto, logo antes de morrer.

Abaixei a cabeça e passei por eles, como se eu tivesse que ir para o banheiro feminino rápido, bem rápido. Então fiz uma pausa depois de uma parede de concreto, escondendo-me em sua sombra e escutando atentamente.

– Dallas, pare de reclamar e vá para o nível do campo agora – Stark disse. – Eu preciso que você e todos os oficiais que não estiverem na cabine de imprensa com Neferet fiquem lá embaixo. Mantenha aqueles soldados vermelhos unidos. Mantenha-os sob controle. Faça com que fiquem em posição de descanso. Que inferno, faça com que eles fiquem de ponta-cabeça, qualquer coisa que seja. Só evite que eles devorem as líderes de torcida!

– Ei, eu entendi. Vou fazer o melhor que posso, mas tem muitos soldados vermelhos. Eles estão em um número muito maior do que nós.

– Então mate um deles, se for preciso. Faça com que eles tenham mais medo de você do que fome. Que merda, Tenente, eles acabaram de comer!

– Né? A fome deles é irritante demais.

– Bom, mantenha todos sob controle! A última coisa que precisamos é de um massacre lá embaixo.

Stark não sabe o que Neferet está planejando! A compreensão me atravessou. Eu sabia! Eu sabia que ele não podia ser como Neferet. Ela está usando Stark e a devoção dele a Nyx. Aquele pensamento deixou meu humor mais leve e alterou a minha atitude.

Stark e Dallas se separaram. Eu observei Stark desaparecer dentro de uma entrada vigiada, coberta com uma cortina, em que se lia CABINE DE IMPRENSA em uma placa acima da porta.

Ótimo. Pelo menos eu sei onde ele está. Stark não vai aceitar Neferet ordenando que o Exército Vermelho devore inocentes. Ele vai se rebelar contra esse massacre. Ele vai tentar impedir isso. E, quando ele fizer isso, nós seremos a sua retaguarda.

Sentindo-me muito mais confiante, eu me preparei e entrei no estádio. O jogo já tinha começado e as bandas – nas pontas dos lados opostos do estádio – estavam tocando algum tipo de duelo de músicas que fazia com que muitas pessoas estivessem em pé. Eu fiquei de olho na arquibancada, tentando encontrar um lugar vazio o mais perto possível do centro do campo. Na fileira vinte e cinco, finalmente avistei um lugar e abri caminho em meio a um mar vermelho até chegar lá, onde tentei sentar – mas o juiz tinha acabado de apitar falta contra a Universidade de Oklahoma, então, claro, todos os Sooners em volta de mim se levantaram e vaiaram.

Então fiquei em pé também, e finalmente deixei que o meu olhar fosse na direção do campo.

Heath estava lá. Ele tinha corrido para a lateral do gramado, tirado o capacete e gesticulava muito em uma discussão com o juiz, que estava balançando a cabeça e apontando para o campo, para a aglomeração de jogadores da Universidade de Oklahoma onde Heath deveria estar.

Eu fiquei olhando fixamente e coloquei a mão no peito porque o meu coração estava batendo tão forte que eu tinha a sensação de que ia sair para fora do meu corpo. Ele estava usando a camisa número três, como sempre. Tive que piscar com força para não chorar. O número três não era por causa de Daryle Lamonica, o famoso “Mad Bomber” do Oakland, que jogou futebol americano tipo milhões de anos atrás, nos anos 1960. (Eu só ouvi falar nele porque Heath sabia simplesmente tudo de futebol americano.) Enfim, Heath sempre usou o número três porque foi quando nos conhecemos. No terceiro ano.

Eu enxuguei os olhos e continuei olhando para Heath. Ele era tão fofo! Parecia que uma vaquinha tinha lambido o cabelo dele, levantando adoráveis tufos loiros cor de areia. Ele estava com aquelas linhas escuras desenhadas embaixo dos olhos que os quarterbacks usavam, o que me levou de volta para o ensino médio, e tive que segurar a vontade de berrar o nome dele e de exclamar o bom e velho grito de guerra da Broken Arrow, “Go Tigers!”.

O juiz fez um gesto dispensando Heath, e ele enfiou o capacete de novo na cabeça, juntando-se ao grupo de jogadores.

Ele parece tão adulto! Percebi isso enquanto observava o seu time – um time mais velho e mais experiente – olhar para Heath enquanto ele comandava a próxima jogada. Meu coração doeu, mas juro que eu poderia ficar assistindo a Heath durante dias. Eu cresci vendo Heath jogar futebol americano, ficando cada vez melhor, transformando-se em um atleta de destaque e, finalmente, em um líder de destaque. Eu fiquei feliz de ver que ele tinha segurado a onda. Obviamente, ele não tinha se afundado em um barril de cerveja e desistido de tudo depois que eu morri.

Claro, uma parte de mim ficou um pouco ressentida – a parte egoísta e imatura. Mas o resto de mim... bom, o resto de mim amou assisti-lo vivendo o seu sonho. E, quando ele fez o primeiro touchdown do jogo, eu fiquei em pé também, juntando-me aos torcedores mais fanáticos da Universidade de Oklahoma e ao seu novo canto de “Nós temos Luck! Nós temos Luck! Nós temos Luck!”.

Ele saiu do campo com o ataque, e foi nessa hora que eu a vi. Uma das líderes de torcida – uma garota negra atraente, usando o uniforme minúsculo da Universidade de Oklahoma – correu até Heath, colocou os braços ao redor dele e o beijou na boca. Enquanto a multidão vibrava, Heath retribuiu totalmente o beijo.

– Touchdown para Universidade de Oklahoma! – anunciou o locutor. – E o seu quarterback acaba de receber uma saudação de Oklahoma de Jenn Amala, uma das líderes de torcida. Parece que a sorte dele é muito mais do que um nome.

Senti um aperto na garganta quando vi Heath dar aquele seu sorriso doce para a garota, enquanto ela saía dando pulos (pulos! sério!) para se juntar com o resto do seu grupo com pouquíssima vestimenta. Heath acenou para a multidão.

Então o pequeno walkie-talkie no meu bolso chiou.

– Zo. Atenda, Zo!

Eu sentei, cobri uma orelha, coloquei a mão sobre o walkie-talkie e tentei fingir que estava falando no telefone.

– Kev?

– Estão todos aqui?

– Sim. Estamos nas nossas posições.

– Ignore aquela garota. Ele sempre vai amar você.

Eu suspirei.

– Isso não é importante agora. Onde você está?

– Na parte mais alta do lado oeste. Ironicamente, logo abaixo da cabine de imprensa. Na direção do centro do campo, mas beeeeem acima. Pronto para chamar a água quando você der o sinal.

– Ei, isso significa que você está aí em cima bem atrás de mim. Eu estou na fileira vinte e cinco, perto do centro do campo. Onde está Aphrodite?

– Na cabine de imprensa com Aquela-Que-Não-Deve-Ser-Nomeada.

– Entendi – eu falei.

Então a voz de Kevin ficou fazendo eco porque ele deve ter coberto o walkie-talkie para sussurrar.

– Ei, a gente não consegue pegar nenhuma arma porque todos os vampiros vermelhos estão no campo.

– Dragon já sabe disso. Eles vão ter que improvisar – eu falei.

– O que significa que a gente vai ter que trabalhar rápido.

– Esse é o plano – eu disse. O estádio ressoou de novo quando a Universidade Estadual de Oklahoma perdeu a bola e o outro time recuperou. – Tenho que ir. Não estou te ouvindo muito bem.

– Boomer Soo... – Kev gritou antes de o walkie talkie cortar o som.

Heath correu de volta pelo campo e os meus olhos o seguiam. Bom, quando eu não estava encarando a namorada dele. Eu tinha que admitir que Jenn Amala era bonita. E achei bom que ela não era uma loira qualquer como Kayla. Estremeci só de pensar nisso. Shaunee ficaria feliz por Heath estar variando mais o seu gosto. Tentei ficar feliz também.

E, como não consegui, voltei a assisti-lo e a tentar controlar a bile que continuava subindo pela minha garganta.


Outra Aphrodite

– Este jogo é um tédio – Neferet reclamou, dando um gole em uma taça de cristal cheia de vinho tinto misturado com sangue bem vermelho. – Pensei que essa coisa toda do Bedlam fosse uma rivalidade magnífica.

– Bom, e é – Aphrodite disse com relutância, dispensando com a mão um dos Guerreiros de Neferet que tentou servi-la com mais vinho misturado com sangue. – Mas é que o time da Universidade Estadual de Oklahoma não é muito bom, só isso.

– Não muito bom parece gentileza da sua parte. Está na interrupção e o placar está trinta e oito a três. Três. Um field goal foi tudo que o time laranja conseguiu.

– Intervalo – Aphrodite a corrigiu.

– O quê? – A cabeça de Neferet girou como a de uma coruja para olhar para Aphrodite. – E por que você está com essa roupa tão simples?

Aphrodite olhou para a sua calça jeans, os seus sapatos de salto Jimmy Choo favoritos, prateados e brilhantes, e a camiseta vermelha da Universidade de Oklahoma que ela havia amarrado com um nó para mostrar um pouco da sua barriga chapada e maravilhosa.

– Neferet, eu estou vestida para um jogo de futebol. E essa pausa no jogo não se chama interrupção. É intervalo.

– Questão de semântica. – Ela gesticulou desprezando o comentário de Aphrodite.

– As bandas são boas. – Aphrodite tentou manter uma conversa fiada que continuasse tranquila.

– Boas? São pavorosas. Barulho demais e pouca elegância. – Ela tamborilou suas unhas vermelhas compridas no vidro da cabine de imprensa e estendeu a sua taça vazia. – Artus. Mais vinho.

O Guerreiro grisalho se moveu com a velocidade e a graça de um predador, enchendo a taça da sua Grande Sacerdotisa. Ao fazer isso, Neferet deslizou uma unha afiada pelo seu braço, delineando o bíceps e deixando um rastro rosado e aparentemente dolorido.

O Guerreiro reprimiu um gemido de prazer.

Enojada, Aphrodite desviou o olhar.

– Você tem mais alguma coisa a dizer? Talvez um “obrigada” por estes lugares formidáveis? – Neferet perguntou a Aphrodite.

– São ótimos lugares. Eu costumava sentar aqui em cima com o meu pai. Ele foi aluno da Universidade de Tulsa – Aphrodite falou.

– De novo... que tédio. Pais humanos são tão superestimados. Achei que você entendia isso.

Aphrodite deu de ombros.

– Comparado com a minha mãe, ele ganhava o troféu de pai do ano, todos os anos. – Ela percebeu o olhar sombrio de Neferet e rapidamente mudou de assunto. – Mas ele nunca teve o poder que você tem. É incrível ter a cabine de imprensa toda para nós. Obrigada pelo convite, Neferet. Esses lugares realmente são ótimos.

Aphrodite olhou em volta, colocando um sorriso de gratidão forçado em seu rosto engessado. A única outra pessoa na cabine com elas, além dos Guerreiros de Neferet, era um humano muito suado que estava comentando o jogo. Neferet tinha tocado o homem para o canto mais distante do ambiente e ignorado completamente sua presença. Aphrodite percebeu que ele tinha começado a gaguejar no meio do jogo quando Neferet começou a reclamar do tédio.

– O que você fez com aquele jovem vampiro vermelho que estava seguindo você por aí? – Neferet tinha desviado o olhar da enorme parede de vidro e estava analisando Aphrodite com uma concentração desconcertante.

– Quem? Ah, você está falando do Tenente Fedido. – Ela deu de ombros novamente. – Eu disse para ele ir procurar o seu pelotão ou esquadrão ou sei lá como chama. Não me importo com o que Stark diz, eu não aguento mais o cheiro dele.

– Stark disse que não designou aquele soldado para você.

O coração de Aphrodite começou a bater mais forte, mas ela havia passado a infância inteira escondendo o medo que tinha da mãe – e aquela habilidade nunca a abandonou. Ela revirou os olhos.

– Ah, certo. Foi escolha minha ter um vampiro vermelho rançoso me seguindo por aí. Espere aí! Eu pensei que Stark estava seguindo as suas ordens. – Ela se endireitou na cadeira, como se aquele pensamento tivesse acabado de ocorrer a ela. – Quer dizer que você não mandou Stark me acorrentar àquela criatura fedida?

– Não, minha querida. Não mandei.

Ela bufou.

– Bom, eu vou ter uma palavrinha com o General Cara do Arco. Onde ele está, afinal?

– Cuidando do Exército Vermelho. Ele deve voltar a qualquer momento – Neferet respondeu.

– Ótimo. Vou dizer a ele que, se a ideia de designar o Fedido para mim foi uma piada, eu não achei graça nenhuma.

– Hum. Isso é interessante. – O olhar de Neferet então se voltou para o campo abaixo delas, onde as bandas haviam terminado de tocar e os jogadores estavam se aquecendo. – Ao contrário desse jogo, mas eu sei como posso deixá-lo muito mais interessante. Artus, pegue o microfone daquele humano inconsequente ali e traga para mim. Está na hora.

Aphrodite se sentiu enjoada.

– Hora do quê?

– Você não é Profetisa? Não é você quem deveria me dizer? – Os olhos aguçados de Neferet a aprisionaram.

Aphrodite fez o melhor que podia para parecer confusa.

– Não. Eu não tive nenhuma visão desde aquela com o campo de feno.

– Bem, então olhe e aprenda. – Neferet pegou o microfone que o Guerreiro havia tirado do comentarista. – Preciso daquela câmera em mim. Quero aparecer no telão com o placar para que todos possam me ver.

– Humano! Vire a câmera para a Grande Sacerdotisa! – Artus ordenou.

O pobre rapaz estava tremendo tanto que quase não conseguiu virar a câmera na direção de Neferet.

– O que você vai fazer? – O estômago de Aphrodite estava revirando tanto que ela estava achando difícil respirar.

– Bom, eu simplesmente vou dar uma animada nas coisas. Está pronto?

– Si-si-sim, senhora.

– Grande Sacerdotisa! – Neferet berrou. – Quantas vezes eu vou ter que dizer a vocês, humanos simples e ridículos, principalmente vocês, homens, que o meu título é Grande Sacerdotisa, não querida, nem docinho, nem senhora!

– E-eu si-sinto muito, Grande Sacerdotisa – ele choramingou.

– É claro que você sente. Eu o perdoo. – Ela sorriu como um réptil. – Agora ligue essa coisa.

A luz vermelha piscou e o homem assentiu para ela. Aphrodite olhou para o campo e viu o rosto de Neferet aparecer de repente em cada telão e monitor de TV do estádio.

– Boa noite a todos vocês. Eu sou Neferet. A sua Grande Sacerdotisa. Eu estou empolgada que vocês aceitaram o meu convite e vieram celebrar o Bedlam comigo. Eu tenho certeza de que muitos de vocês, especialmente aqueles vestidos de laranja, estão desapontados e talvez um pouco entediados com o desenrolar do jogo. Eu posso dizer que eu estou. Felizmente, preparei uma solução, embora minha intenção fosse deixar isso para quando o jogo estivesse oficialmente encerrado, mas não importa. Agora é a hora perfeita. Talvez vocês tenham notado que o meu adorável Exército Vermelho está no nível do campo, guardando todas as saídas. Com esse cheiro, certamente é difícil não reparar neles! – Ela riu da própria piada antes de continuar. – Bom, assim como tudo que eu faço, posicioná-los ali teve um propósito, e agora vou explicar o porquê. O time vencedor vai levar para casa aquele sino de vidro idiota. O time perdedor, incluindo líderes de torcida, banda e técnicos, vai ser todo devorado pelo meu Exército Vermelho. Perdedores são realmente desprezíveis, vocês não concordam? Então, continuem e façam o seu melhor. Metade de vocês tem pouco tempo de vida restante.


32

Zoey

Quando a imagem de Neferet sumiu dos monitores de vídeo, o estádio irrompeu em pânico. Os humanos em toda parte se levantaram imediatamente e começaram a empurrar uns aos outros para chegar até as saídas. Lutei para ficar no meu assento enquanto as pessoas ao meu redor se empurravam, xingando e chorando. Horrorizada, abaixei os olhos para o campo. Heath tinha arrancado o seu capacete e estava encarando o time adversário. Eu assisti paralisada quando ele caminhou decidido na direção deles e se ajoelhou. Então, virando-se para encarar a cabine de imprensa, Heath ergueu a mão em um gesto desafiador. Devagar, os seus companheiros de time se juntaram a ele, cercando-o, e fizeram o mesmo.

Eu pude ver as lágrimas nos olhos dos jogadores da Universidade Estadual de Oklahoma quando eles seguiram o exemplo. Técnicos, líderes de torcida, árbitros... todos se ajoelharam e levantaram os punhos em protesto.

E, apenas com esse gesto, as pessoas ao meu redor também mudaram sua postura. O pânico cessou quando a primeira pessoa fez uma pausa e ergueu o punho para o céu, virando-se para encarar a cabine de imprensa de modo desafiador. Então outra parou, depois outra, até que um mar laranja e vermelho começou a ondular junto em protesto.

O rosto de Neferet surgiu de novo nas telas, só que desta vez ela não parecia linda e serena. Desta vez ela estava mais como a Neferet que eu conhecia muito bem – totalmente louca. Os seus olhos verdes estavam manchados de vermelho e saliva voava dos seus lábios enquanto ela gritava para a câmera.

– Vocês vão voltar a jogar ou eu soltarei o meu Exército Vermelho em cima de todos! Vocês têm até o final da interrupção para decidir!

Isso disparou uma onda de medo pelo estádio, mas Heath não se moveu. E o resto das pessoas em campo se manteve firme também.

Eu apertei o botão do walkie-talkie.

– Anastasia!

– Aqui!

– Chame o ar!

Eu me concentrei e senti uma corrente do ar quente da noite passando por mim em direção ao leste, atendendo ao chamado de Anastasia.

– Dragon... vai!

Fiz uma pausa até sentir o calor do fogo, como se alguém tivesse ligado um desses aquecedores a gás para áreas externas que os restaurantes usam. Então apertei o botão do walkie-talkie de novo.

– Kev, sua vez! – eu gritei para o walkie-talkie, sabendo que ele estava em algum lugar no alto das arquibancadas atrás de mim.

Assim que senti o cheiro do oceano, eu disse:

– Terra! Sua vez, Stevie Rae!

– Facinho! – a resposta dela chegou, seguida pelo aroma de grama recém-cortada.

– Espírito, eu preciso de você! Por favor, venha e complete o meu círculo!

As pessoas mais próximas de mim haviam começado a me encarar, então eu fiz a única coisa na qual consegui pensar. Passei a manga do meu moletom na minha testa e no meu rosto, expondo as minhas tatuagens de vampira adulta. E sorri para as pessoas ao meu redor.

– A Resistência está aqui. Nós vamos ajudar vocês. Espalhem a notícia. Tentem ficar calmos.

– Mas o que vocês podem fazer contra o Exército Vermelho? Eles são monstros! E, se eles nos morderem, a gente morre!

– Vejam! – Eu apontei, fazendo um movimento circular com o dedo, seguindo a faixa de luz prateada incandescente que circundava o estádio inteiro. – Esse é o meu círculo. Nós temos mais poder do que vocês imaginam. Confiem em nós. Estamos aqui para deter Neferet para sempre.

As pessoas ao meu redor ofegaram, surpresas. Uma mulher deu um passo à frente.

– Boa sorte. Nós contamos com vocês – ela disse. – E abençoados sejam. A minha irmã foi Marcada muito tempo atrás. Ainda sinto falta dela.

– Obrigada! – eu agradeci.

– O que nós podemos fazer para ajudar? – o homem ao lado dela perguntou.

– Eu preciso chegar lá em cima. Rápido. – Apontei para os assentos acima de nós e logo abaixo da cabine de imprensa.

A mulher que tinha falado primeiro se virou e gritou para a fileira à sua direita.

– Jeremy! Ajude esta jovem, por favor? Ela precisa chegar lá em cima bem rápido. – A mulher apontou para cima.

Um homem gigante se levantou e olhou na minha direção. Percebi que ele era bem parecido com a mulher mais velha.

– Claro, mamãe – ele respondeu e olhou para mim. – Bom, mana. Fique atrás de mim e bora lá. Segura aí no meu cinto pra eu não te perder.

Eu não questionei a ordem, só fiz o que ele mandou. Ele se virou. Eu agarrei o cinto dele, e então ele começou a subir, dando passos gigantes para cima de cada fileira, enquanto as pessoas abriam caminho ou ele simplesmente as empurrava de lado como se fossem cortinas e ele estivesse determinado a atravessá-las para chegar ao palco.

Eu segui em seu rastro, agradecida, segurando o cinto dele com as duas mãos de modo que ele praticamente me carregou como uma cauda atrás dele.

– Mana, tem um cara lá berrando e acenando pra gente. É pra ele que eu tô te levando?

Eu espiei pelo lado da montanha humana na minha frente e vi Kev, abanando os braços por cima da cabeça na nossa direção.

– É, é o meu irmão.

– Guenta aí!

Eu me segurei firme, e logo Jeremy me depositou bem na frente de Kevin. Ele estava sozinho na última fileira da arquibancada. Todo mundo tinha saído correndo na direção das saídas.

– Cara, isso foi demais! – Kevin estendeu a mão para cumprimentar o cara gigante.

– Sem problemas. Precisam de mais alguma coisa?

– Não – eu respondi. – Volte para a sua família e deixe todo mundo junto e calmo. A gente assume daqui. E obrigada. Muito obrigada.

– De nada, mana. – E, tão facilmente quanto ele tinha subido até lá, Jeremy, o Gigante, fez o seu caminho de volta até lá embaixo.

– Ok, a gente vai chamar Oak e os espíritos agora, certo? – Kev perguntou.

– Ainda não. Primeiro, temos que ir até a cabine de imprensa. – Eu dei uma olhada no quadro do placar. – A gente tem exatamente um minuto e vinte e dois segundos antes que o intervalo acabe. Não dá tempo de negociar com Oak para consertar essa bagunça e, se a gente não conseguir conter a ordem de “Devorem todos” da Neferet, um monte de humanos inocentes vai morrer.

– Como diabos você acha que vai impedir Neferet de mandar o Exército Vermelho começar a matança?

– Eu vi Stark indo para lá. Espero que ele ainda esteja na cabine. Eu não vou impedir Neferet. Ele também não precisa impedi-la. Tudo que ele tem que fazer é...

– Dar uma contraordem! – Kevin sorriu. – Isso pelo menos vai deixar os exércitos confusos e fazer com que eles hesitem.

– Sim, por tempo suficiente para que a gente invoque os espíritos e faça com que eles curem os vampiros vermelhos.

– Bom plano, Zo, mas como a gente vai chegar lá? – Ele apontou para a caixa de vidro gigante acima de nós.

– Bom, como Stevie Rae diria, já que nós temos todos os cinco elementos aqui, isso deve ser facinho. Confie em mim. Não sou uma Sacerdotisa de primeira viagem. – Eu apertei o botão do walkie-talkie. – Anastasia! A gente precisa do ar. Isso significa que você tem que se concentrar e nos ajudar a controlar o seu elemento. Pronta para fazer isso?

– Sim, estou! – ela disse.

– Ok, aí vai! – Eu estendi a mão para Kevin, e ele a pegou sem hesitação. – Foque no ar... em como ele é forte, em como ele nos cerca e nos preenche e está sempre aqui para nós. – Então eu me virei, de modo que Kevin e eu ficamos olhando para o leste. – Ar! Escute o meu chamado! Eu sou Zoey Redbird. Este é meu irmão, Kevin Redbird. Nyx nos concedeu afinidade com o ar e precisamos que você nos ouça. Para o bem deste mundo, nós precisamos ser levados até lá em cima. – Eu apontei para a parte mais alta da cabine de imprensa, sabendo que Neferet nunca se contentaria com assentos que não fossem os melhores. – Ar, leve-nos para lá! – Eu apertei a mão de Kevin com força. – Tenha foco! E não solte!

Kevin e eu fechamos os olhos. Eu imaginei o ar rodopiando ao nosso redor, tornando-se tangível, como uma rajada de vento transformada na mão da Deusa – envolvendo-nos com a palma de sua mão e nos levantando. Dentro da minha imaginação, eu de repente vi uma imagem clara de Anastasia. Ela estava sentada de pernas cruzadas no alto da arquibancada leste, com os olhos fechados e a sua cabeça inclinada para trás. O rosto dela estava completamente sereno. O seu longo cabelo loiro com mechas grisalhas flutuava ao seu redor em correntes invisíveis de ar. Ela estava radiante e bonita como eu nunca tinha visto antes.

E então Kevin e eu fomos cercados por um funil de ar, mas esse funil não era como um tornado louco de Oklahoma. Era reconfortante, sereno e quente. Seguros dentro do olho da tempestade, nós começamos a levantar.

– Uau! É, a gente manda bem!

Eu podia ouvir a multidão abaixo de nós exclamando surpresa, mas continuei focada, pensando no ar e em como eu estava grata ao elemento invisível, mas sempre poderoso. Em alguns segundos, nós estávamos flutuando em frente à parede de vidro onde Neferet estava, de onde ela nos encarava furiosa. Aphrodite também estava lá, com olhos arregalados. Também havia um Guerreiro mais velho, enrugado, cheio de cicatrizes e com olhos malvados, observando-nos com uma expressão fria e calculista.

E lá estava Stark, que tinha acabado de entrar correndo na cabine de imprensa, boquiaberto e nos encarando.

– Como vamos entrar? – Kevin gritou mais alto que o barulho do funil de vento.

– Do mesmo jeito que a gente subiu até aqui. O ar pode nos levantar, então também pode quebrar aquele vidro. – Eu vi o olhar chocado de Aphrodite e pronunciei com a boca, sem som: Abaixe-se. Ela não hesitou. Ela se jogou no chão, e então levantei as minhas mãos, junto com as de Kevin. Virei a cabeça para olhar para ele, que encontrou o meu olhar. – Imagine o que a gente quer, e depois a gente pede para o ar empurrar forte – eu falei, e ele assentiu. Fechei os olhos de novo, concentrando em uma visão do ar batendo com força contra o vidro e o estilhaçando em milhões de pedacinhos, que caíam inofensivamente nas arquibancadas vazias abaixo de nós. Então abri os olhos e falei para Kevin. – Com força! Agora!

Kev e eu nos concentramos e, milagrosamente, o ar respondeu, batendo com força contra o vidro e o estilhaçando em uma poeira de diamante, antes de nos levar através da moldura da janela vazia e nos depositar gentilmente do lado de dentro, a apenas alguns passos de Neferet.


33

Zoey

– Obrigada, ar! – Eu agradeci antes de encarar uma Neferet furiosa. – Oi, Neferet. Lembra de mim?

– Criança insolente! – ela gritou. – Eu nunca vi você antes na minha... – Ela perdeu as palavras abruptamente, e eu vi um lampejo no seu rosto no instante em que ela me reconheceu.

– Isso mesmo. Você pensou que tinha me matado. Adivinha? Eu voltei! – E, sem pensar, o meu corpo fez algo que eu tinha vontade de fazer há eras. Encurtei o espaço que nos separava e tasquei um tapa, com força, na cara dela.

– Sua putinha! – Neferet colocou rapidamente a mão no rosto enquanto as sombras ao redor dela se desdobravam em filamentos de Trevas e começavam a sibilar de raiva e a deslizar na minha direção.

– Ah, que inferno, não! Já passei por essa droga antes. – Eu olhei para Kevin, que estava bem atrás de mim. – Concentre-se no espírito! – Eu o vi assentir e então levantei as mãos. – Espírito, ilumine essas criaturas de Trevas com a Luz da Deusa!

Uma bola de luz roxa brilhante se formou nas minhas mãos, e eu a arremessei dentro das sombras retorcidas.

O grito de Neferet espelhou os berros inumanos dos filamentos. Estava torcendo para que esta Neferet ainda não pudesse manifestar completamente os seus “filhotes” neste mundo e, assim, incapazes de suportar a Luz da Deusa, eles bateram em retirada para o vácuo das Trevas – ou para qualquer outro inferno (literalmente) de onde tinham vindo.

– Artus, meu Guerreiro! Mate-os! – Neferet ordenou.

Eu estava tentando pensar freneticamente qual elemento podia invocar para nos ajudar a enfrentar o Guerreiro quando Kevin deu um passo na minha frente e, com um movimento rápido, tirou de uma bainha na sua perna uma faca com uma lâmina branca de aparência estranha. Ele gritou:

– Ar, guie isto para o lugar certo! – Ele atirou a faca.

Com uma rajada uivante de um vento forte como um furacão, a adaga se encravou até o punho no pescoço do Guerreiro. Artus levou a mão até ela por um momento, até que os seus olhos ficaram brancos e, como uma torre em um terremoto, ele desabou.

– Você trouxe uma faca para cá? – eu perguntei, atordoada.

Aphrodite sorriu.

– Foi ideia minha. É feita de porcelana. Não aparece nos detectores de metal.

– General Stark! Proteja a sua Grande Sacerdotisa! Mate esses assassinos!

Stark pegou o seu arco e engatou uma flecha nele.

Eu sabia que estávamos ferrados se Stark atirasse. O meu Guardião, o meu Guerreiro, o meu amante nunca, nunca errava.

Aphrodite ficou de pé e correu para se colocar na frente de Kevin e de mim.

– Não faça isso, Stark. Eles são os mocinhos da história... não Neferet.

– Você me traiu? A minha própria Profetisa? – O rosto de Neferet empalideceu. Os seus olhos faiscavam com uma estranha luz vermelha.

Sem se afetar nem um pouco pelo ódio de Neferet, Aphrodite jogou o cabelo para trás e encarou a Grande Sacerdotisa enlouquecida.

– Ah, que merda! Eu não sou a sua Profetisa! Assim como Stark não é o seu general. Em primeiro lugar e para sempre, nós juramos servir a Nyx, e já ficou óbvio para mim há algum tempo que você não está servindo a Deusa. Você se aliou às Trevas. – Aphrodite desviou o olhar de Neferet e se voltou para Stark. – Você também sabe disso. Stark, você e eu não somos amigos, mas você não é como ela. Você ainda segue Nyx.

– Mate essas crianças insolentes! Todos eles! E, enquanto você faz isso, eu vou ordenar que o meu Exército Vermelho ensine a esses humanos patéticos uma lição que eles nunca mais vão esquecer. – Ela se levantou para pegar o microfone, mas Stark a interceptou, pegando primeiro.

– O que você está fazendo? – A voz de Neferet estava repleta de ódio. – Você quer dar a ordem para matar ou vai me trair também, provando ser um mentiroso e quebrando o seu Juramento como Aphrodite?

Eu falei antes que ele respondesse, rapidamente.

– Stark, eu diria para você não escutar o que ela diz, mas você precisa escutar. Ouça Neferet cuidadosamente. Observe-a. Pense. Aposto que você já a vem observando há algum tempo, porque você não é nada disso. Você não é um mentiroso. Você não quebraria o seu Juramento. Você leva os seus votos muito a sério e você deve saber que Neferet não está seguindo Nyx há muito tempo.

– General Stark, cale essa criança ridícula!

– Não, Neferet. Você já fez isso uma vez, quando você me matou para começar essa maldita guerra. Você nunca mais vai fazer isso de novo.

– Zoey Redbird? – Os olhos de Stark se arregalaram de choque quando ele finalmente me reconheceu. – Você é a novata que foi morta pelo Povo da Fé mais de um ano atrás.

– Bem, sim. Mais ou menos. Uma versão de mim foi morta, mas não pelo Povo da Fé. Neferet me matou e arrumou a cena do crime para parecer que o assassinato foi cometido por humanos radicais. Neferet foi ferida quando criança antes de ser Marcada. Em vez de se curar, ela escolheu o caminho da vingança e do ódio. Ela detesta todos os humanos. Toda essa guerra não é nada mais do que a maneira de Neferet revidar o estupro que sofreu do pai.

– Sua vadia! Você não sabe nada sobre mim!

– Você está totalmente errada. Eu provavelmente conheço você melhor do que você mesma. Eu sei que em breve você iria tentar libertar um imortal alado da sua prisão eterna para que pudesse fingir que ele é Erebus. Eu sei que você tem estudado a terrível Tsi Sgili. Eu também sei que você está considerando a ideia de ser consorte das Trevas em seu estado bruto, o Touro Branco. – Enquanto eu falava, observei os olhos de Neferet e vi a verdade dentro deles, quando eles registraram o choque por eu saber de tudo aquilo. Voltei a minha atenção para Stark. – Stark, você realmente acredita que há alguma chance de Nyx aprovar que vampiros vermelhos matem um estádio inteiro cheio de humanos inocentes?

– É claro que Nyx aprova – Neferet afirmou. – E por que não aprovaria? O tempo dos humanos acabou. O que eles fizeram em todos esses séculos, desde que permitimos que eles usurpassem o nosso poder sobre este mundo? Eles envenenaram esta terra preciosa, guerrearam interminavelmente entre si mesmos e cometeram atrocidades em nome de diversos deuses. A Deusa sabe que eles só servem como alimento e força de trabalho. Senão, por que ela criaria os vampiros vermelhos, a não ser para nos dar a vitória sobre os homens? Agora, faça o que a sua Deusa e eu ordenamos... mate todos eles!

Eu encontrei o olhar de Stark.

– Você sabe que ela está errada, mas eu posso provar. Só diga para o Exército Vermelho se afastar e eu mostro a você.

– Esse não é o tenente vampiro vermelho em quem você confiou? – Neferet fez um gesto na direção de Kevin, que se retraiu. – Aquele que essa Profetisa vadia e mentirosa disse que você designou para ela? Não é de se espantar que a sua última missão tenha falhado, General Stark. Ele não é um vampiro vermelho! Ele nem sequer tem uma Marca! Ele faz parte da Resistência!

Não consegui impedir que o meu olhar se voltasse para o campo. O Exército Vermelho não tinha atacado, mas eles estavam se movimentando lá embaixo. Eu vi soldados vampiros azuis tentando contê-los enquanto aguardavam a ordem de Neferet para começar a matança. Os dois times de futebol americano tinham formado um grupo em forma de círculo no meio do campo – jogadores do lado externo e líderes de torcida, árbitros e técnicos do lado de dentro. Não consegui ver Heath, mas eu tinha certeza absoluta de que ele seria um dos primeiros a morrer se Stark não escolhesse o nosso lado.

Ao meu lado, Kevin tirou a maquiagem da sua Marca vermelha.

– Errou de novo, Neferet. Eu sou o que todos aqueles soldados lá embaixo podem se tornar se a humanidade deles for restaurada, que é exatamente o que Zoey, Aphrodite e eu pretendemos fazer hoje. – Ele se voltou para Stark. – Desculpe por ter mentido, mas eu tenho uma mensagem para você de William Chidsey. Ele está envergonhado por você estar ao lado de Neferet. Ele sabe que você é melhor do que isso.

O rosto de Stark ficou branco ao ouvir a menção ao nome do seu amado mentor.

– William está morto.

– Neste mundo, ele está – eu disse. – Mas isso só significa que ele está junto da Deusa. Você realmente acredita que ele ficaria orgulhoso das coisas que você fez em nome de Neferet?

Sem responder, Stark levou o microfone aos seus lábios e apertou o botão para falar.

– Aqui é o General Stark. A ordem de Neferet para matar foi retirada. Eu repito: abaixem a guarda. Abaixem a guarda agora. Mantenham o controle do Exército Vermelho e aguardem as minhas ordens. Acenem se vocês entenderam!

Ele fez uma pausa, e todos nós olhamos para o campo lá embaixo, onde um oficial vampiro azul, depois outro e depois outro, parados entre os humanos no campo e os vampiros vermelhos agitados, deram um passo em frente e acenaram, indicando que haviam recebido a ordem.

Eu estava observando os oficiais quando senti um choque ao reconhecer um deles. Eu tinha certeza de que sabia quem era. Mesmo daquela distância, o corpo poderoso e o modo como se mexia eram evidentes. É Darius. Eu sei que é!

Stark pressionou o botão do microfone de novo.

– Excelente. Darei novas ordens em breve. Humanos, fiquem onde estão. Vocês estão seguros. – Ele soltou o botão. – Prove que você está dizendo a verdade, Zoey Redbird.

– Não! – Neferet berrou. Levantando as mãos e mostrando as garras, ela se precipitou na direção de Stark, que facilmente desviou para o lado, segurando os braços dela para trás e empurrando-a para uma cadeira.

– Fique quieta e sentada aí ou eu vou amordaçar e amarrar você. Tenho ouvido as suas vontades e seguido as suas ordens há meses, acreditando que eu estava cumprindo a vontade da Deusa. Agora é a sua vez de ouvir. Vamos ver de uma vez por todas exatamente quem está seguindo Nyx e quem é a pessoa quebrando Juramento e mentindo. – Ele assentiu para mim. – Mostre para mim.

– Vamos olhar para a janela e invocá-los juntos – eu disse para Kevin.

– Estou com você, Zo.

– Eu também – Aphrodite disse.

Nós fomos até o local onde antes havia uma parede de vidro e que agora estava aberto para o enorme céu.

– Você começa – eu falei para Kevin. – Eles conhecem você melhor neste mundo.

Eu o vi respirar fundo e soltar o ar devagar. Então a sua voz forte e confiante ecoou para a noite.

– Espíritos de Magia Antiga, seres elementais tão ancestrais quanto a terra, eu sou aquele a quem vocês conhecem como Garoto Redbird. Eu preciso da sua ajuda. Oak! Eu peço que você e os seus elementais venham até mim. Há uma abominação que vocês precisam consertar!

– Bom trabalho – eu sussurrei para ele.

– Obrigado. Aphrodite me ajudou a ensaiar. – Ele sorriu para ela, e senti um aperto no coração ao ver o amor que ardia entre eles.

Respirei fundo, assim como Kevin tinha feito, e soltei o ar devagar. Então levantei a voz para me juntar ao chamado do meu irmão.

– Espíritos de Magia Antiga, eu sou aquela que vem de muito longe e a quem vocês chamam de Garota Redbird. Eu me junto ao meu irmão ao suplicar por sua ajuda. Oak! Eu peço que você e os seus elementos de ar, fogo, água e terra venham até mim. Vocês precisam conhecer essa abominação da natureza!

Nós esperamos e o meu estômago se revirou algumas vezes. Tive tempo de pensar na minha síndrome do intestino irritável e de desejar que o fato de eu ser uma adulta completamente Transformada e Grande Sacerdotisa pudesse ter curado isso.

Então o céu na nossa frente começou a brilhar e, com um estranho som de Pop!, espíritos começaram a se materializar de repente. Eu engoli o ar e ouvi Kevin e Aphrodite ofegando em surpresa, e o som ecoou pelo estádio cheio abaixo de nós.

Eu nunca tinha visto tantos espíritos – nem em Skye quando eu os invoquei com a ajuda da Rainha Sgiach. Eles preencheram o céu acima do estádio, e eram magníficos. Eles vieram em tantas formas e tamanhos que a minha mente mortal não conseguia processar tudo. Muitos pareciam pássaros com cabeças de mulheres. Alguns pareciam mais com insetos, como enormes borboletas e libélulas – cada parte dos seus corpos era fosforescente e brilhava como pérolas reluzindo.

De dentro do grupo, Oak flutuou até nós enquanto os outros espíritos abriram caminho para ela passar. Ela estava maior do que quando nos trouxe para este mundo e parecia mais selvagem, de algum modo menos humanoide e mais parecida com a personificação de uma árvore.

– Garoto Redbird e Garota Redbird, o seu chamado é uma surpresa. Eu achei intrigante. Qual é essa abominação da qual vocês falam?

– Olhe para o campo lá embaixo – eu disse. – E veja bem os vampiros vermelhos. Sinta o cheiro deles. Observe a sua fome insaciável.

– E por que eu deveria fazer isso? – o espírito perguntou.

Aphrodite respondeu antes que eu conseguisse.

– Porque eles são uma abominação do que é natural. Eles estão sem a sua humanidade.

O espírito ficou alerta em choque, o que provocou sussurros entre os outros seres de Magia Antiga. Então ela franziu os seus olhos amendoados de forma suspeita.

– Mesmo? Ou eles são simplesmente uma força que se opõe a vocês? Nós não interferimos nas disputas entre os mortais, mesmo que esses mortais tenham vidas longas como os vampiros, sejam eles vermelhos ou azuis.

– Eu já fui um deles – Kevin afirmou. – A minha humanidade foi restaurada através de um grande sacrifício no mundo da minha irmã. Mas, mesmo com o meu sangue, que me liga à terra, eu senti a mesma fome e a mesma fúria interminável. Não é natural. Não é uma força que se opõe a nós. É uma oposição à natureza e ao mundo.

– Desça lá embaixo e veja com os seus próprios olhos – eu reforcei. – Você vai entender quando examiná-los mais de perto.

– Não dê ouvidos a essas crianças. – Neferet se levantou, ajeitando o seu longo cabelo ruivo e endireitando os ombros. Nesse momento, ela parecia completamente uma Grande Sacerdotisa, amada por Nyx. – Os vampiros vermelhos são simplesmente os meus soldados. Eles são, de fato, menos evoluídos do que os vampiros azuis, mas eles são meus. Dados a mim por Nyx. Sou eu que falo pela Deusa, não esses hereges.

A risada de Oak foi visível, criando tremulações brilhantes de som cadenciado ao nosso redor.

– Neferet, eu vejo você. Eu conheço você. Você não fala por Nyx há mais de um século. – O espírito se virou e ordenou. – Espíritos de ar! Vão até os vermelhos no campo. Entrem neles. Conheçam todos por dentro. Depois me contem o que aprenderam.

Como uma miniexplosão de fogos de artifício, um grupo de espíritos saiu em disparada, caindo sobre o campo e o grupo de vampiros vermelhos confusos, que começaram a gritar de raiva e de medo e tentaram bater nos espíritos como se eles fossem insetos.

Levou apenas alguns segundos. Os espíritos de ar voltaram e Oak os encontrou. Eles a cercaram, obscurecendo a nossa visão do espírito da árvore. E então ela voltou, flutuando diante de nós, com a expressão severa. Quando ela falou, pude ver os seus dentes pontudos e afiados. Os seus olhos faiscavam de raiva.

“Abominação da natureza de fato!

O pedido do conserto dos seres putrefatos

Nós atenderemos sem hiato.”

Kevin e eu soltamos suspiros idênticos de alívio quando reconhecemos o tom ritmado que o espírito usava sempre que decidia fazer um acordo.

– Muito obrigada... – eu comecei.

“Mas, como a abominação não foi feita por nós,

Deve haver um pagamento para este algoz.”

– Sou eu – Aphrodite disse. Ela deu um passo na direção da janela e dos espíritos pairando no ar. – Eu vou pagar o preço para devolver a humanidade aos vampiros vermelhos.

“Profetisa, há muito que precisa

aqui ser consertado

E, embora a sua humanidade brilhe incisiva,

não é luz bastante para o encantado.”

– Aphrodite, tenha cuidado – eu falei rápido para ela em voz baixa. – Tenha certeza de que você sabe o preço exato que deve pagar.

Os seus olhos azuis me encontraram, e eu vi a verdade solitária dentro deles. Esta Aphrodite parecia com a minha, mas de repente eu percebi que, lá dentro, ela estava muito, muito mais ferida.

– Eu sei o que eu tenho que fazer e estou bem com isso. Estou mais do que bem. Estou feliz com isso. – Ela se virou para Kevin e entrou no abraço dele, levantando na ponta dos pés para beijá-lo. Eu a ouvi sussurrar para ele. – Eu te amo. Me perdoa. – Então ela se afastou dele e se aproximou mais da janela. – Eu entendo. Eu vou pagar o preço. Você tem a minha palavra como Profetisa de Nyx. O meu sangue é suficiente para consertá-los? Todos eles?

“É suficiente como compensação.

Você basta para completar a transação.”

– Espere aí. Não. Isso não parece certo – Kevin interveio.

Ele começou a estender o braço na direção de Aphrodite, mas eu segurei o pulso dele antes.

– Você não pode parar isso – eu disse.

Aphrodite olhou por sobre o ombro para mim.

– Diga a sua Aphrodite que eu fiz a coisa certa.

Os meus olhos se encheram de lágrimas, que escorreram pelo meu rosto.

– Eu vou contar. Obrigada.

– Zo, espere – Kevin falou. – A gente precisa impedi-la antes que...

Oak estendeu a mão delicada e incandescente para Aphrodite.

“Venha, Profetisa, o nosso acordo está feito.

Pague o preço que é de direito.

Eu selo este acordo entre mim e ti.

E tenho dito – que assim seja.”

– Aphrodite! Não! – Kevin pulou na direção dela, mas ela foi mais rápida. Sem hesitar, ela atravessou a janela quebrada e agarrou a mão de Oak.

Eu prendi a respiração, certa de que a gente ia assistir Aphrodite cair até as arquibancadas lá embaixo, mas isso não aconteceu.

Aphrodite flutuou com o espírito. Eles pairaram no ar juntos, enquanto as pessoas abaixo apontavam e gritavam. Eu consegui ver o rosto de Aphrodite. Ela estava radiante. O seu sorriso estava repleto de alegria, e ela parecia uma garota que não conheceu o abuso, a tristeza, a dor ou a solidão. Então os espíritos a cercaram, engolfando-a em uma bola de luz prateada brilhante.

– O que está acontecendo? – Kevin correu até a janela, olhando para fora.

Eu não conseguia dizer nada porque eu sabia o que estava acontecendo. Aphrodite estava se sacrificando para salvar este mundo.

A bola prateada incandescente flutuou devagar para baixo e, enquanto ela chegava mais perto do campo, a luz mudou sua cor para um rosa parecido com o de sapatilhas de bailarina e depois para um adorável tom salmão. Quando a bola finalmente parou na linha do centro de campo, fazendo com que os dois times debandassem para as linhas laterais do gramado, ela ainda mudou de cor mais uma vez para a sua tonalidade final: o vermelho perfeito do sangue fresco.

No instante em que tocou no campo, a bola de luz explodiu, disparando feixes de luz escarlate de dentro dela. Como ondas batendo numa praia, a luz ensanguentada banhou os humanos, os vampiros azuis e alcançou o Exército Vermelho. Os vampiros vermelhos gritaram quando a luz se chocou contra eles, cobrindo-os em um vermelho fulgurante e tão brilhante que todos nós tivemos que desviar os olhos.

Então tudo ficou escuro. Eu vi pontinhos de luz quando a choradeira começou. Ela se ergueu lá do campo e foi levada pelo vento da noite como fumaça. Eu esfreguei os olhos, frustrada que ainda estivesse tão difícil de enxergar. Então a minha visão de repente clareou, e eu entendi o que era aquele som. No campo, os vampiros vermelhos estavam chorando. Alguns tinha caído de joelhos. Alguns estavam de pé, com os braços ao redor de si mesmos. Outros ainda estavam deitados de lado em posição fetal. Mas todos estavam chorando incontrolavelmente. Cada um deles.

Eu me virei para encarar Neferet.

– Você fez isso. Você os usou ao invés de tentar ajudá-los. A agonia deles estará para sempre ligada a você. E tenho dito. Que assim seja!

Neferet se levantou, com o rosto totalmente sem expressão – quase serena. Então ela sorriu, e eu nunca tinha visto tanto mal refletido na alma de outra pessoa.

– E por que eu deveria me importar com esses homens? Homens são todos iguais, não importa a pele em que habitem. Eles são agressores. Eles subjugaram as mulheres e as usaram por séculos. Eles nos estupraram. Eles nos compraram e nos venderam. Eles vivem para nos controlar. Qualquer agonia que esses homens sintam é menos do que cada um do seu gênero merece.

– Tenho pena de você – eu disse.

– Neferet, Grande Sacerdotisa da Morada da Noite de Tulsa – Stark falou formalmente –, eu vou escoltá-la de volta aos seus aposentos. Você será mantida lá até que o Conselho Supremo dos Vampiros decida o seu destino.

– Não, garoto. Você não vai. – Com um movimento rápido, de um modo tão sobrenatural que ninguém conseguiria detê-la, Neferet se atirou da janela sem vidro.

Nós olhamos para baixo, esperando ver o seu corpo quebrado e ensanguentado nas arquibancadas abaixo, mas não havia nada. Nenhum corpo. Nada de Neferet.

– Droga! – eu exclamei. – Eu deveria ter imaginado! Eu deveria ter trazido turquesas para amarrá-la. Droga!

– O que aconteceu com eles? – Stark perguntou quando olhou para o campo cheio de vampiros vermelhos aos prantos.

– Eles estão de luto – Kevin explicou. – A humanidade deles foi restaurada, e eles compreendem exatamente as coisas monstruosas que fizeram.

– Isso... isso é terrível – Stark disse, passando a mão no rosto. – Eles são perigosos?

– Só para si mesmos – eu respondi.

Stark pegou o microfone e ordenou:

– Oficiais azuis, escoltem todos os humanos para fora do campo e do estádio. Deixem o Exército Vermelho onde está. Nós vamos lidar com eles depois que os humanos estiverem seguros do lado de fora.

Os oficiais e soldados azuis instantaneamente começaram a fazer o que Stark ordenou, conduzindo os humanos para as saídas.

– O que Neferet é? – Stark se virou para mim e perguntou.

– Bom, ela não é imortal. Ainda. Ou não teria sido tão fácil derrotá-la. Só que ela definitivamente está trilhando esse caminho. Stark, você precisa conversar com a minha avó, Sylvia Redbird. Ela pode ajudá-lo a aprender sobre a Tsi Sgili.

– Sobre o quê?

– É o que Neferet está se tornando. E isso é péssimo, de verdade – eu disse. – Mas você pode derrotá-la. Você só tem que trabalhar junto com o meu irmão, Kevin – eu assenti para Kev, que não estava prestando atenção. Ele estava olhando fixamente para o campo... para onde Aphrodite tinha ido. – E também com Dragon e Anastasia Lankford, e todo o resto de Grandes Sacerdotisas e Guerreiros que Neferet baniu ou forçou a fugir e que juntos se tornaram a Resistência. Eles vão ajudá-lo... e você vai precisar deles.

– Zo, nós temos que ir. Os espíritos foram embora e Aphrodite está sozinha lá embaixo – Kevin falou.

– Eu sei. O ar vai nos levar de volta lá para baixo.

Kevin estendeu a mão para mim, mas, antes que eu pudesse pegá-la, Stark se colocou entre nós dois.

– Esperem, não vão ainda. Quem são vocês? Ou melhor, o que são vocês? Por que eu sinto como se a conhecesse? Eu encontrei a outra Zoey uma vez, um pouco antes de ela ser morta, mas ela não tinha os seus poderes... ou pelo menos eu acho que ela não tinha. Eu mal cheguei a conhecê-la.

– Você realmente me conhece, mas não neste mundo. Neferet estragou tudo para nós dois aqui. Eu sou a mesma Zoey que você conheceu, só um pouco mais velha e espero que muito mais sábia. O que eu sou? Uma Grande Sacerdotisa que acredita que nós somos mais fortes, melhores e mais humanos juntos, e isso inclui vampiros vermelhos, vampiros azuis e também humanos. Eles não são as nossas geladeiras ambulantes. Eles não são tão diferentes de nós. Que inferno, Stark, nós já fomos como eles, mas você já sabe disso porque é realmente um bom homem. Nyx o conhece. Ela confia em você. Você pode fazer grandes coisas neste mundo. Você pode ser uma grande parte da cura que precisa acontecer entre humanos e vampiros. Mas você tem que dar ouvidos ao seu instinto. E confiar na Deusa.

– Você vai me ajudar também, certo?

Eu sorri com tristeza para ele.

– Não, Stark. Eu tenho que ir para casa.

– Mas eu vou vê-la de novo algum dia?

– Procure por mim embaixo da Árvore de Pendurar Desejos no Bosque da Deusa. Mas não tenha pressa para chegar lá. Viva uma vida longa e feliz. Ame com paixão, e com frequência. E que você seja sempre abençoado, meu amor.

Eu coloquei os meus braços ao redor dele e o puxei para mais perto, beijando-o como eu queria beijar o meu Stark.

Então eu fui até Kevin e peguei a sua mão. Não olhei para Stark de novo. Não conseguiria, já que eu estava mesmo indo embora.

– Ar! Venha para nós de novo, por favor. Leve-nos para o campo de futebol lá embaixo.

Juntos, Kevin e eu demos um passo para fora e entramos nos braços do ar da noite, que nos segurou firme até nos colocar suavemente no campo.

– Aphrodite! – Kevin gritou ao vê-la. Ela estava caída de lado e deitada muito imóvel. Um Guerreiro em pé perto dela mantinha afastada a multidão que ficava olhando embasbacada, enquanto outros Guerreiros ajudavam apressadamente os times e as líderes de torcida a saírem do campo.

Kevin correu até ela, chegando lá primeiro. Eu podia ter corrido com ele, mas sabia o que ia encontrar e, talvez de modo egoísta, eu quisesse apenas mais um momento sem ter que sentir meu coração partido.

Quando eu os alcancei, não fiquei chocada ao reconhecer que o Guerreiro vampiro que estava parado perto de Aphrodite era Darius.

Kevin havia colocado Aphrodite em seu colo e a estava embalando como uma criança. Eu me ajoelhei ao lado dele.

– Está tudo bem. Está tudo bem. Eu estou com você. Tudo vai ficar bem agora – Kevin estava falando baixinho para ela, enquanto a balançava de um lado para o outro e as lágrimas escorriam silenciosamente pelo seu rosto.

Os olhos de Aphrodite tremularam e se abriram. Eu não conseguia acreditar que ela ainda estava viva. Ela estava tão pálida que a sua pele parecia transparente. A respiração dela estava ofegante.

– Kev. – A voz dela estava tão baixa que a gente teve que se inclinar para ouvi-la.

– Shhh, não fale. Eu vou buscar ajuda – Kevin disse.

– Tarde demais. Eu estava esperando para me despedir de você. – Então o rosto dela desabou. – Não queria partir, mas eu preciso. Medo, Kev. Estou com medo.

– Ei, ei! Não. Você vai ficar...

Eu toquei o braço dele.

– Isso não vai ajudá-la. Ela está morrendo, Kevin.

Um desespero bruto brilhou nos olhos dele, mas ele assentiu e levantou Aphrodite em seus braços até que ela ficasse quase sentada.

– Você não precisa ter medo de nada. Você conseguiu. Você salvou todos eles.

– Deu certo?

– Sim, você foi fantástica. E agora você vai ver Nyx. Zoey diz que é incrível lá com ela, certo, Zo?

Eu me inclinei mais e peguei a mão fria e sem vida de Aphrodite.

– É mais bonito do que eu posso descrever. Você vai amar. Eu prometo. A versão de mim deste mundo está lá. Encontre-me lá, ok?

Aphrodite assentiu e tentou sorrir para mim, mas não conseguiu.

– E algum dia eu vou encontrar você lá... se o seu Darius não estiver lá em cima esperando por você – Kevin disse.

Pelo canto do olho, eu vi que o corpo do Guerreiro alto se mexeu surpreso, mas Kevin e Aphrodite estavam em um mundo só deles e, por apenas mais alguns momentos, ninguém mais estava vivo além deles.

Aphrodite tentou tocar o rosto de Kevin, mas não conseguiu. Kevin pegou a mão dela e a colocou contra a sua bochecha.

– Seu bobo – ela falou. – Você ainda não sabe que você é o meu Darius neste mundo? Era isso que eu estava tentando dizer pra você.

– Eu te amo, Aphrodite. Para sempre – Kevin afirmou.

– Eu também. Você é a minha pessoa favorita no mundo, a que me completa perfeitamente. Me dê um beijo de despedida, Kev.

Kevin se abaixou e a beijou. Aphrodite deu um longo suspiro – e então não respirou mais.

Darius se aproximou de nós devagar, respeitosamente. Ele estendeu a mão e tocou o cabelo dourado de Aphrodite.

– Eu não a conhecia, mas mesmo assim ela me parece tão familiar. E tão espetacular – ele disse.

Kevin levantou os olhos para ele.

– O nome dela era Aphrodite, e ela é espetacular. Em qualquer mundo que seja.

Darius assentiu, curvou-se respeitosamente para mim, e então se juntou de novo aos outros Guerreiros que tentavam descobrir o que fazer com um exército de vampiros histéricos.

Eu sabia que eles precisavam de ajuda. Eu sabia que devia pensar em algo a fazer por eles, mas naquele momento eu estava me sentindo tão atordoada, tão vazia, que tudo o que consegui fazer foi ficar sentada ali com os braços em volta do meu irmão, enquanto o choro dele se juntava ao dos vampiros vermelhos e subia aos céus.

– Ela conseguiu! Aqueles espíritos eram tão incrí... – Stevie Rae estava falando empolgada enquanto ela e Rephaim chegavam correndo até nós.

E então ela viu Aphrodite.

– Ah, Deusa. Não. – Stevie Rae desabou no gramado ao nosso lado, com Rephaim perto dela. – Por quê?

– Eu não sei – respondi.

– Deu certo! – Escutei a voz de Dragon atrás de mim.

– Aphrodite foi incrível! – A voz de Anastasia veio por trás dos meus ombros também.

Eu me virei e vi os dois correndo até nós, vitoriosos... até que viram Aphrodite.

– Oh, Aphrodite. – Anastasia se agachou ao meu lado e fechou os olhos de Aphrodite com delicadeza. – Que a sua reunião com Nyx seja repleta de alegria.

– Eu não entendo. Esse sacrifício não tirou a vida dela no seu mundo – Dragon falou.

– Não, não tirou. – Eu enxuguei o nariz com a manga do moletom. – Eu também não entendo.

– Então deixe-me explicar, Filha.

Calafrios percorreram a minha pele quando a voz familiar da Deusa preencheu o ar ao nosso redor. O estádio inteiro ofegou junto e depois ficou em completo silêncio quando todos os vampiros, vermelhos e azuis, caíram de joelhos e abaixaram as cabeças.

Parada em pé a apenas alguns passos de nós, estava Nyx. Nessa encarnação, ela parecia uma extraordinária jovem Cherokee. Eu reconheci instantaneamente o vestido feito no tear que ela estava usando – era de calicô brilhante estampado com todas as cores do arco-íris. Fitas incandescentes decoravam as mangas três quartos e, ao redor da saia, logo acima do babado, havia diamantes radiantes criando o desenho da estrela de sete pontas do nosso povo. Ela estava com o seu longo cabelo solto, que flutuava em uma cascata negra até a sua cintura.

– Olá, Nyx. – Eu abaixei minha cabeça e coloquei a mão em punho sobre o meu coração. – Merry meet.

Ela deslizou no ar até mim e levantou o meu rosto, dando um beijo em cada uma das minhas bochechas e secando instantaneamente as minhas lágrimas.

– Merry meet, u-we-tsi-a-ge-ya. Você fez bem de vir para cá, embora eu saiba que o custo para o seu coração tenha sido grande. – Ela voltou o seu olhar luminoso para Kevin, que ainda estava com o corpo de Aphrodite em seus braços e de cabeça baixa.

– U-we-tsi, você pode levantar a cabeça.

O meu irmão obedeceu. O rosto dele estava devastado de tristeza e lágrimas, mas ele sorriu para a sua Deusa.

– Merry meet, Nyx.

– Quero que vocês saibam por que a vida de Aphrodite foi sacrificada hoje aqui. Neste mundo, ela não era forte o bastante para resistir à perda de sua humanidade. Ela não tinha amigos aqui. Ela só conheceu o amor brevemente, com você, Kevin Redbird. A sua solidão a destruiu. – O olhar da Deusa incluiu Dragon e Anastasia. – Façam com que a perda dela se torne um aprendizado. Vocês precisam uns dos outros. Não importa a cor da Marca do seu rosto, nem se você é vampiro, novato ou humano. Vocês precisam uns dos outros para viver de verdade. E vocês sempre vão ser mais fortes juntos.

Então a Deusa se virou devagar, e os seus olhos negros miraram os vampiros vermelhos que estavam ajoelhados ou deitados. Todos estavam olhando fixamente para ela e continuavam a chorar em silêncio, com lágrimas de partir o coração.

– Oh, meus pobres filhos – ela falou baixo, mas a sua voz chegou a cada canto do estádio. – Vocês não são responsáveis pelas atrocidades que cometeram. Vocês foram usados por alguém em meu nome, como se eu aprovasse jogar meus filhos uns contra os outros. Eu não aprovo! Nenhum deus ou deusa digno aprova a guerra, a violência e a matança. Não, sou eu quem tenho que suportar essa tristeza, e não vocês.

Então a Deusa começou a chorar e, enquanto as lágrimas escorriam pelas suas bochechas, o céu se abriu e uma chuva quente e suave começou a cair – apenas sobre o estádio. Ela nos atingiu, mas não nos molhou. Em vez disso, ela atravessou as nossas roupas, a nossa pele e se derramou dentro dos nossos corpos até encontrar os nossos corações – as nossas almas. E ela lavou toda a tristeza, o luto e a dor, levando tudo isso embora completamente.

As lágrimas dos vampiros vermelhos também mudaram do desespero para a alegria, e todos começaram a se abraçar e dar graças em nome da Deusa.

Eu olhei para Kevin. Ele ainda chorava, mas estava sorrindo para o corpo imóvel de Aphrodite, acariciando o cabelo dela e a abraçando pela última vez. E então eu vi quando ele fez uma careta e sentiu um solavanco, como se algo tivesse acabado de atingi-lo nas costas. Ele virou a cabeça e puxou a camisa, e eu vi a sua nova tatuagem safira, que parecia exatamente com a que se estendia de um dos meus ombros até o outro.

Ele levantou a cabeça e encontrou os meus olhos.

– Sério? – ele perguntou, incrédulo.

– Sério – eu assenti.

Nós dois olhamos para a Deusa, mas ela estava encarando o céu da noite.

– Oak! Volte – Nyx ordenou.

O espírito da árvore instantaneamente se materializou, curvando-se em uma reverência profunda para a Deusa.

– Querido espírito, você tem a minha gratidão por consertar o erro terrível que foi feito com os meus filhos vampiros vermelhos.

– Qualquer coisa por você, Grande Deusa – Oak respondeu.

– Então eu tenho um pedido.

– Diga qual é, Nyx, Deusa da Noite.

– Deixe que o sacrifício desta filha seja um pagamento suficiente para levar meus três filhos para o mundo ao qual eles pertencem.

– Assim você falou, Mãe Terra Imortal. Que assim seja.

Nyx veio até nós.

– Vocês precisam voltar agora, filhos. Há um limite que pode ser permitido para a interferência de um mundo no outro, e o seu tempo aqui acabou. – Ela fez uma pausa e encontrou o meu olhar. – Zoey Redbird, você gostaria de dar um último adeus antes de voltar?

Eu sabia a que ela estava se referindo – ou melhor, a quem ela estava se referindo. E a minha resposta foi fácil.

– Não, obrigada. Eu conheço o meu coração. Nós já nos despedimos no seu bosque. – Pronunciar essas palavras me deu a maior sensação de alívio que eu já tinha sentido na vida. Eu amava Heath. Eu ia amar Heath para sempre. Só que o homem que estava com o rosto dele neste mundo não era o meu Heath. Ele não compartilhava as minhas memórias e não poderia compartilhar o meu futuro. Vê-lo agora, e tão brevemente, só iria causar confusão e dor para nós dois. – Mas ele sabe que eu estou aqui? Ele sabe que esta sou eu?

– Não, filha. Ele só viu uma Grande Sacerdotisa vampira poderosa, de cabelos negros, não a Zo dele. Você fez uma escolha sábia, como eu sabia que faria.

– Obrigada, Nyx. Muito obrigada.

Só que eu ainda precisava de algumas despedidas. Kevin olhou para mim e, com cuidado, deitou o corpo de Aphrodite no gramado. Ele deu um beijo na testa dela e então se levantou e me puxou para um abraço.

– Eu vou sentir a sua falta – ele disse.

– Eu também.

– Você vai ser legal com o outro eu lá no seu mundo?

– Vou. Você não é tão bobo quanto eu pensava que era.

– Ótimo. Seja amiga dele. Não o deixe sozinho – Kevin falou.

– Nunca. Eu jamais vou deixar que ele se sinta sozinho – eu garanti a ele. – Eu te amo, Kev.

– Eu também te amo, Zo.

Eu o abracei de novo e sussurrei para ele:

– Você pode encontrar o amor de novo. Eu juro. Já estive no seu lugar.

Ele não respondeu nada, mas me abraçou mais forte. E eu desejei que ele se lembrasse do que eu disse e se permitisse estar aberto para amar de novo.

Quando ele me soltou, dei um abraço em Anastasia e Dragon, e Stevie Rae e Rephaim também se despediram de todos.

Sem conseguir me conter, levantei os olhos para a cabine de imprensa. Stark estava lá, parado na frente da parede de vidro quebrada. Devagar, ele ergueu a mão em um gesto simples de adeus. Eu toquei os meus lábios com os dedos e então levantei a mão, retribuindo o gesto de despedida.

Eu me virei para os meus amigos, e nós três demos as mãos e encaramos a nossa Deusa.

– Estamos prontos para ir para casa agora.

– Então devo dizer merry meet, merry part e merry meet again, já que devo receber uma nova Profetisa em meu bosque. Lembrem-se de que estamos todos ligados pelo amor... sempre o amor.

Enquanto a Deusa desaparecia em uma grande explosão de brilho escuro, Oak fez gestos circulares repetidamente na nossa frente, até que o círculo se tornou tangível e nós conseguimos ver a porta entre os mundos.

– Chame se precisar de mim de novo. Eu a achei muito interessante, Zoey Redbird.

Eu sorri e assenti, mas murmurei:

– Não se eu puder evitar.

E então guiei os meus amigos através da abertura e deixamos o mundo do meu irmão para trás...


Eu senti a diferença instantaneamente. Aquela sensação estranha de que eu estava perdida, que tinha me acompanhado nos últimos dias, finalmente desapareceu. Finalmente.

Este é o meu mundo. É a ele que eu pertenço. Soltei um suspiro de alívio quando Stevie Rae e Rephaim apareceram na minha frente, o que fez com que a abertura circular se fechasse.

– Cara, como é bom estar... – Stevie Rae começou, mas foi cortada por um grito efusivo.

– Z!

Eu virei a tempo de ver Stark, que me abraçou e me levantou no ar, me dando beijos sem parar. Antes que eu conseguisse recuperar o fôlego, ele me colocou no chão e começou a apalpar os meus braços, tocar o meu rosto e até me virou para olhar as minhas costas.

– O que você está fazendo? – eu perguntei ofegante para ele.

– Estou conferindo se você está cem por cento bem! Você está, não está?

Eu abri a boca para responder e então o que estava atrás dele chamou a minha atenção. Ali, armada bem ao lado da árvore agora purificada, havia uma barraca.

– O que é isso? – eu perguntei, com o coração acelerado.

– É a minha barraca – ele respondeu. Então ele deu aquele seu meio-sorriso metidinho. – Pode ser que você tenha que me deixar para trás de vez em quando, mas você vai voltar. E, quando voltar, você precisa saber que eu vou estar bem aqui. Esperando. Sempre.

– Você me perguntou se eu estava cem por cento.

– Sim, perguntei.

Eu me aproximei mais e coloquei os braços dele ao meu redor.

– Agora eu posso responder de verdade. Sim, James Stark. Agora que estou de volta ao lugar ao qual pertenço, estou totalmente cem por cento.

Foi a minha vez de beijá-lo, e eu fiz isso, e eu não queria parar nunca mais.

– Z! Ei, Z está de volta! – o grito de Jack ecoou o de Damien e o de Shaunee.

Olhei por cima do ombro de Stark e vi os três, juntos com Erik, Shaylin, Nicole, Lenobia e Travis, atravessando o gramado correndo na nossa direção, e o meu coração flutuou de felicidade.

– Ei, Rephaim, sabe qual é a coisa mais forte em qualquer mundo? – Stevie Rae perguntou.

– Sim, eu sei. É o amor... sempre o amor – Rephaim respondeu.

E eu não poderia concordar mais.

 

 

                                                   P.C. Cast & Kristin Cast         

 

 

 

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