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Series & Trilogias Literarias
XXI
EXPLICAÇÕES
Nunca tinha pensado que o COD era o avião que mais voava em toda a esquadrilha aérea do porta-aviões, mas era assim. Os movimentos desse aparelho a hélice, feio e lento, interessavam pouco a um piloto que “nascera” num F-4N “Phantom-II” e pouco depois subira num F-14 “Tomcat”. Há várias semanas que não pilotava um avião de combate, e quando subiu no COD – cuja designação oficial, C-2A
“Greyhound”, era muito apropriada, porque era um verdadeiro cão – resolveu que iria em segredo à base de River Patuxent para passar umas horas no ar com um avião de verdade. “Preciso desse ar fresco”, pensou com um sorriso para si. O COD ia ser lançado pela catapulta de estibordo. Ali, Robby viu o A-6E
“Intruder”, o avião do chefe de esquadro, junto à ilha. A um lado dessa estrutura havia um setor estreito, chamado “Incubadora de Bombas”, onde armazenavam e preparavam os explosivos. Era um setor muito estreito sem espaço para um avião e muito perto da amurada, a fim de poder jogar as bombas no mar em caso de necessidade.
As bombas eram transportadas em carrinhos de mão de pequenas rodas, e Robby teve tempo de ver um, levando uma bomba azul, de “treinamento”, para o “Intruder”.
O artefato tinha aqueles estranhos acessórios para ser guiada a distancia por laser.
Então temos esta noite um novo exercício – pensou Robby com um sorriso – . Acerte bem na bunda deles, Jensen. Dez minutos depois o COD partiu rumo ao Panamá. Dali, um avião da Força Aérea o levaria para Califórnia.
O avião, um DC-9 da “American Airlines”, sobrevoava West Virginia. Era bem menos confortável que um avião VIP da Força Aérea, mas nessa ocasião não existia motivo para dar a Ryan esse tipo de tratamento. Era acompanhado por um guarda-costas. Começava a se acostumar com isso. Era um agente que sofrera um acidente: uma fratura no quadril por causa de uma queda. Quando se recuperasse, o enviariam de volta para o seu setor, que era de Operações. chamava-se Roger Harris, tinha pouco mais de trinta anos, e a Jack parecia um sujeito bem inteligente.
– Que você fazia antes de entrar na Agência? – perguntou Jack.
– Bem, senhor, eu...
– Meu nome é Jack. Meu posto não vem com uma coroa.
– Embora possa não acreditar em mim, era policial em Newart. Decidi que queria um trabalho menos arriscado, assim solicitei o ingresso. E veja o que aconteceu comigo – riu.
Havia poucos passageiros no avião, e nenhum perto deles. Além disso, o zumbido dos motores anulava sempre os microfones.
– Onde aconteceu?
– Na Polônia. Um encontro que deu errado...; quer dizer, achei que tinha algo errado, assim o cancelei. Meu contato escapou e eu fui noutra direção. A duas quadras da Embaixada saltei sobre um muro. Melhor dizendo, tentei fazê-lo. Apareceu um gato, um pobre gato vira-lata. Pisei nele, ele chiou, e eu caí e quebrei o quadril como um velho que escorrega na banheira. – Fez uma careta risonha– . O
trabalho de espião não tem nada que vê nos filmes, não é verdade?
Jack assentiu:
– Comigo aconteceu algo muito parecido, algum dia te contarei.
– Numa missão? – perguntou Harris, surpreso. Sabia que Jack era da Inteligência, não da Operações.
– É uma história divertidíssima. Infelizmente que por hora não possa contá-la.
– Bem, e o que dirá a J. Robert Fowler?
– Isso é o mais divertido. Tudo o que vou dizer lhe, ele pode ler nos jornais. Mas não é oficial se nós não o dissermos.
Passou a aeromoça. O voo era muito curto para uma refeição, mas Ryan pediu cerveja para os dois.
– Não posso beber quando estou de serviço, senhor.
– Acabo de lhe dar permissão especial – disse Ryan– . Eu não gosto de beber sozinho, e sempre bebo quando voo.
– Já haviam me dito que não gostava de voar – comentou Harris.
– Esse problema eu já superei – disse Jack, quase sem mentir.
– Bem, o que está acontecendo? – perguntou Escobedo.
– Várias coisas – disse Cortez em tom meditativo. Queria demonstrar ao chefe que, embora não entendesse o quadro todo, empenhava seu impressionante talento analítico para achar a resposta correta– .
Acho que há dois ou três grupos de mercenários americanos nas montanhas. Como você sabe, atacam os centros de produção, eu diria que com fins psicológicos. Os camponeses se mostram já relutantes a nos ajudar. Esse pessoal se assusta com facilidade. Se as operações continuarem teremos problemas para produzir a mercadoria.
– Por que diz que são mercenários?
– É um termo técnico, chefe. Como você sabe, mercenário é aquele que vende seus serviços por dinheiro; mas, em geral, são serviços paramilitares. Quem são? Sabemos que falam espanhol. Poderiam ser cidadãos colombianos, ou argentinos dissidentes. Lembre-se que os americanos empregaram elementos do Exército argentino para treinar os contra. São gente perigosa, da época da Junta. Agora que há tantos distúrbios no seu país, talvez eles decidiram trabalhar de maneira semipermanente com os americanos. É uma possibilidade entre várias outras. Compreenda, chefe, que esse tipo de operações devem se realizar sem que se possa identificar aos responsáveis. Esse pessoal, quem quer que seja, talvez nem sequer saiba para quem trabalha.
– Bom, quem quer que seja, o que propõe você que façamos?
– Caçá-los e matá-los a todos, claro – disse Cortez em tom prático – . Precisamos de uns duzentos homens armados, mas podemos reunir essa força sem problema. Já tenho exploradores por ali. Preciso de sua permissão para reunir pessoas e varrer a região metro a metro.
– Tem minha permissão. O que me diz da bomba?
– Carregaram quatrocentos quilos de um explosivo de muito alta potencia na caçamba do caminhão.
Um trabalho muito bem feito, chefe. Em qualquer outro veículo teria sido impossível, mas esse caminhão...
– Sim. Cada pneu pesava mais que isso. Quem fez isso?
– Os americanos e seus empregados, não – disse Cortez com convicção.
– Mas...
– Pense um pouco, chefe – disse Félix– . Quem podia ter acesso ao caminhão?
Escobedo meditou por alguns minutos. Estavam em sua enorme “Mercedes”, uma velha 600 que mantinha sempre em perfeito estado. O “Mercedes-benz” é o automóvel preferido dos que têm inimigos violentos. Veículo pesado, provido de um motor potente, estava reforçado com mais de quinhentos quilos de kevlar nos pontos fracos, e suas janelas eram de policarbonato grosso, capaz de parar um projétil de metralhadora de 30 milímetros.
Seus pneus não continham ar e sim espuma de poliuretano para que uma perfuração não as desinflasse, pelo menos de imediato. No interior do tanque do combustível havia um reticulado metálico que embora não impedisse um incêndio podia deter uma explosão. A cinquenta metros de distância era precedido e seguido por “BMW” M3, veículos ágeis, poderosos, cheios de homens armados, como numa escolta de segurança de um chefe de Estado.
– Acha que é um dos nossos? – perguntou Escobedo ao fim de vários minutos.
– É uma possibilidade, chefe – disse Cortez em um tom que dizia algo mais. Espaçava suas revelações cuidadosamente, sem deixar de olhar as placa no flanco da estrada.
– Quem?
– Isso que pode deve responder é você, não acha? Sou oficial de Inteligência, não detetive. – Era uma flagrante mentira, mas Escobedo, em sua paranoia, acreditou.
– E os aviões derrubados?
– Também o ignoro – disse Cortez– . Alguém vigiava as pistas. Talvez fossem paramilitares americanos, mas para mim que são os mesmos mercenários que andam pelas montanhas. Diria que sabotaram os aparelhos, talvez com a cumplicidade de nossos guardas. Antes de ir embora mataram os guardas para que não pudessem delatá-los e montaram as armadilhas explosivas com a finalidade de dar a impressão de que aconteceu algo muito diferente. Uma operação muito ardilosa, mas que poderíamos aproveitar, se não fosse pelos assassinatos em Bogotá.
Cortez tomou fôlego antes de seguir.
– O ataque aos americanos em Bogotá foi um erro, chefe. Obrigou-lhes a transformar uma operação que era um simples incomodo em algo que ameaça todas nossas atividades. subornaram um membro da organização para executar sua vingança por meio das ambições ou a raiva de um de seus colegas. –
Cortez falava num tom sereno e professoral que já empregara com seus superiores em Havana, como um professor a um aluno brilhante. Falava como um médico, o que era muito persuasivo para os latinos, pessoas propensas à polêmica mas que, por isso mesmo, respeitam quem sabe conservar a serenidade. Ao reprovar a Escobedo pela morte dos americanos (o chefe não gostava que o censurassem; Cortez sabia; Escobedo sabia que Cortez sabia), Félix não fazia mais que melhorar sua credibilidade– . Os americanos o disseram publicamente, talvez num intento torpe de nos enganar ao falar de um ajuste de contas dentro da organização. De passagem, é um recurso típico dos espiões de usar a verdade para negar a verdade.
Muito ardiloso, mas o usaram muitas vezes. Talvez achem que a organização não conhece esse recurso, mas na comunidade da espionagem, todos o nós conhecemos. – Essa última frase acabava de inventar, mas estava certo que parecia crível. Em todo caso, o efeito era o que ele desejava. Escobedo olhava a paisagem, enquanto quebrava a cabeça.
– Pergunto quem...
– Isso é que eu não sei. Talvez você e o senhor Fontes possam descobrir algo esta noite. – O muito difícil para Cortez não se trair com um gesto. O chefe era ardiloso e implacável, mas sabendo como o tratar, podia dirigi-lo como uma criança.
O caminho seguia o fundo de um vale, junto a uma via férrea. Ambos ocupavam o leito de rocha de um rio de montanha. Do ponto de vista tático, não era para sentir-se confortável. Embora Cortez não fosse soldado – mas tinha recebido alguns tipos de tática paramilitar nas escolas cubanas– , sabia que em terreno baixo se achava em desvantagem. Do alto eram visíveis a grande distancia. As placas de sinalização adquiriam um significado novo, premonitório. Félix conhecia bem o carro. Tinha sido modificado por uma empresa líder na fabricação de blindados, cujos técnicos submetiam a controles periódicos. Trocavam os vidros cada seis meses, porque a luz do sol alterava a estrutura cristalina do policarbonato, sobre tudo na zona do Equador e nas terras altas. Os guichês eram capazes de deter um projétil 7.62 da OTAN e as pranchas de kevlar que revestiam as portinholas e a zona do motor eram a prova de calibres ainda mais grossos. Estava nervoso, embora conseguisse ocultá-lo por pura força de vontade.
– Quem será que...? – perguntou Escobedo, na hora que fazia uma curva fechada.
Eram cinco pares, formados por um carregador e um disparador. Estavam equipados com metralhadoras MG3 de fabricação alemã, recentemente importadas pelo Exército colombiano porque utilizava o mesmo projétil 7.62 que sua arma de infantaria habitual, a G3, da mesma origem. Estas tinham sido “roubadas” – na verdade, compradas de um sargento do arsenal ansioso por se tornar rico– de um depósito militar. A MG3 se baseava na célebre MG-42 alemã da Segunda Guerra Mundial; conservava a velocidade de tiro de 1.200 projéteis por minuto, ou vinte por segundo. As metralhadoras estavam convocadas a trinta metros uma da outra. Dois apontavam para o carro da frente, dois no traseiro, mas só uma na “Mercedes”. Cortez não confiava na blindagem do automóvel. Olhou o relógio digital. Bem a tempo. Os motoristas de Escobedo eram de primeira. Mas Untiveros também contava com empregados leais.
O cano de cada arma tinha em sua extremidade um acessório cônico cujo objetivo era proteger a visão do atirador, para que seus próprios disparos não lhe cegassem. O que não se podia fazer era ocultar a chama da vista dos outros.
Todos abriram fogo ao mesmo tempo, cinco cilindros de chama branca apareceram à direita da estrada. Da boca de cada cano saltou uma fila de balas traçantes que permitia apontar sem usar a mira da arma.
Os ocupantes dos carros não escutaram o ruído das armas, mas os impactos dos projéteis..., pelo menos os que sobreviveram ao primeiro ataque.
O corpo do Escobedo ficou rígido como uma barra de aço ao ver como as traçantes atravessavam a carroceria do M-3 que ia na dianteira. A blindagem daquele carro não era grosso como o dele. As luzes traseiras patinaram a direita e esquerda, depois o veículo saiu da estrada e rodou como um brinquedo.
antes que isso acontecesse, ele e Cortez sentiram o impacto de vinte projéteis em seu carro. O ruído era o do granizo sobre um telhado de zinco. Mas eram balas, não granizo, que impactavam sobre aço e kevlar, não zinco. O motorista, hábil e alerta, girou o volante para esquivar-se do carro da frente e, ao mesmo tempo, apertou o acelerador até fundo. O motor “Mercedes” de seis litros reagiu imediatamente – estava protegido pela blindagem– , duplicando em um segundo a potência e o momento da curva e jogando os passageiros contra os assentos. Escobedo virou a cabeça para olhar e teve a impressão que os projéteis que vinham direitos a seu rosto se detinham milagrosamente nas grosas janelas começavam a romper-se.
Cortez jogou seu corpo contra o de Escobedo e ambos caíram no chão do veículo. Não tiveram tempo para dizer uma só palavra. No momento do ataque, o automóvel corria a cem quilômetros por hora.
Agora sua velocidade alcançava os cento e trinta, escapava da zona de fogo sem dar tempo aos atacantes para refazer a pontaria. A carroceria recebeu mais de quarenta impactos. Cortez ergueu a cabeça.
Surpreso, percebeu que dois projéteis impactaram nas janelas do lado esquerdo, de dentro. Os atacantes eram muito bons; acertaram várias vezes nas janelas blindadas. Não havia sinais da escolta.
Félix tomou fôlego. Acabava de ganhar a aposta mais arriscada de sua vida.
– Pegue a primeira saída para qualquer lugar! – gritou ao condutor.
– Não! – exclamou Escobedo– . Direito pa...
– Idiota! – Cortez o ajudou a se endireitar quer topar com outra emboscada! Não percebe que estavam nos esperando para nos matar! Na primeira saída! – gritou de novo ao motorista.
Este, que tinha alguma noção de tática, apertou o freio e girou à direita. O carro se introduziu em um caminho vicinal que penetrava entre os cafezais.
– Procure um lugar tranquilo e pare – ordenou Cortez.
– Mas...
– Eles esperam que tentemos escapar, não que paremos. Esperam que façamos como nos manuais de antiterrorismo. Só um idiota faz o previsível – comentou Cortez enquanto se passava os dedos pelo cabelo para tirar deles fragmentos de vidro. Tirou a pistola, mas agora a guardava outra vez no coldre – .
José, é um motorista de primeira!
– Não há sinal da escolta – disse o motorista.
– Não me surpreende – repôs Cortez. Falava sério – . Jesus Maria, desta vez, quase, quase...
Escobedo não era covarde. Olhou os impactos de bala na janela, a uns centímetros de sua cabeça.
Duas delas tinham atravessado o veículo e estavam enterradas no vidro. O chefe extraiu uma, que ainda estava quente.
– Devo falar com o fabricante das janelas – disse com frieza. Estava consciente que Cortez salvara vida.
O mais estranho era que tinha razão. Mas Cortez estava mais impressionado ainda por seus próprios reflexos: embora soubesse o que ia acontecer, reagira com rapidez para salvar sua própria vida. Fazia muito que não se submetia aos testes físicos. Em momentos como esse, o homem mais circunspeto se sente invencível.
– Quem estava sabendo da visita a Fontes? – perguntou.
– Já saberemos. – Escobedo pegou o telefone; mas Cortez tirou dele antes que pudesse digitar o número.
– Acho que seria um erro, chefe – disse– . Com o devido respeito, senhor, deixe que eu me ocupe disto. É um assunto para um profissional.
Escobedo nunca havia sentido tanto respeito por Cortez como nesse momento.
– Você será recompensado – disse a seu fiel vassalo, lamentando no seu interior o haver tratado mal alguma vez e, pior ainda, não escutar seus bons conselhos– . O que faremos?
– José, procure um lugar alto que se consiga ver a casa de Fontes.
Minutos depois, o motorista parou o carro numa estrada alta, com vista ao vale. Parou e os três desceram. José inspecionou o veículo. Por sorte, nem o motor nem os pneus sofreram danos. A carroceria precisava de uma reforma completa, mas podia manobrar sem dificuldade. José amava esse carro, e embora lamentasse os danos que tinha sofrido, não cabia em si de orgulho por ter salvado a vida dos três.
No bagageiro tinham armas – GR alemães como os do Exército, mas adquiridos legalmente – e um par de binóculos. Cortez deixou que os outros pegassem os fuzis. Pegou os binóculos e estudou a bem iluminada casa do Luis Fontes, a uns dez quilômetros dali.
– O que você está procurando? – perguntou Escobedo.
– Chefe, se ele ordenou o ataque, nessas alturas saberá que fracassou e então haverá muito movimento. Se o ignorar tudo, não haverá movimentos fora do normal.
– E os que atiraram na gente?
– Acho que sabem que escapamos? – Cortez balançou a cabeça– . Não, não estão certos, e sua primeira reação será descobrir se tiveram êxito, se o carro só se afastou um pouco. José, quantas curvas você fez até chegar aqui?
– Seis, senhor, e há muitos outras estradas – disse o motorista. Armado com um fuzil, parecia um tipo de soldado.
– Compreendeu o problema, chefe? Se não tiverem muitos homens, há muitas estradas para percorrer. Não são policiais nem militares. Se fossem, não nos teríamos parado.
Emboscadas como esta, quando fracassam... fracassam. Olhe. – Entregou-lhe os binóculos. Era o momento de fazer um alarde de sua valentia. Abriu o carro e tirou um par de garrafas de “Perrier”, que Escobedo gostava. Abriu-as as inserindo nos orifícios de bala na tampa da mala. José riu, e Escobedo admirou essa frieza.
– O perigo me dá sede – disse Cortez, passando as garrafas aos outros.
– Passamos uma noite emocionante – assentiu Escobedo, e deu um longo trago.
O capitão de fragata Jensen e seu bombardeiro/navegante não podiam dizer o mesmo. A primeira vez tinha sido emocionante, justamente por isso, mas na segunda era rotina. O problema era que tudo estava muito fácil. Quando tinha vinte anos, Jensen sofria ataques de mísseis terra-ar e de canhões antiaéreos orientados por radar: a experiência dos vietnamitas foi uma prova para sua coragem. Esta missão era tão emocionante quanto uma viagem ao correio, mas então pensou que o correio está costumava transportar coisas importantes. A missão foi cumprida de acordo com os planos.
O computador lançou a bomba no momento certo e o B/N apontou a mira para o alvo. Desta vez, Jensen deixou que o seu olho direito descesse à tela do televisor.
– Pergunto-me por que Escobedo demora tanto– disse Larson.
– Talvez tenha chegado antes – murmurou Clark com o olho posto no ILT.
– É possível – assentiu seu colega– . Olhe, dessa vez não há carros estacionados perto da casa.
– Sim, bom, esta bomba tem um atraso de um centésimo de segundo – disse Clark– . Explorará justo ao chegar à mesa de conferências.
À distância era mais impressionante que visto de perto, pensou Cortez. Não viu cair a bomba nem escutou o ruído do avião que a lançou, o que era bem estranho, mas viu o clarão da explosão muito antes de escutar o ruído. Os americanos e seus brinquedos – pensou– . São tão perigosos. Mas o mais perigoso era que possuíam uma fonte de informação de primeira, e Félix não tinha a menor ideia de quem seria.
Isso lhe preocupava mais que tudo.
– Parece que Fontes não teve nada a ver – disse Cortez antes de escutar o ruído.
– Se tivéssemos estado ali...
– Mas não estávamos. Acho que é hora de nos afastarmos deste lugar, chefe.
– O que é aquilo? – perguntou Larson. Dois faróis de automóvel apareceram a uns cinco quilômetros. Não tinham visto a Mercedes quando parou para estudar o terreno. Estavam muito absortos no alvo, mas Clark se fustigou mentalmente por não ter lançado um olhar a seu redor. Esse tipo de erro podia ser fatal, mas ele tinha esquecido.
Os faróis se apartaram e Clark enfocou nele o “Noctron”. Era um enorme...
– Qual é o carro de Escobedo?
– O que ele tem vários – disse Larson– . É como perguntar quais cavalos existem no dia do grande Derby. “Porsche”, “Rolls Royce”, “Mercedes”...
– Parecia uma limusine enorme, “Mercedes” talvez. Que estranho ver um de esses por aqui, não?
Bom, vamos embora, acabaram-se as bombas para nós.
Oitenta minutos mais tarde tiveram que diminuir a velocidade. Ambulâncias e carros de polícia estacionados no acostamento, e suas vermelhas luzes giratórias iluminavam intermitentemente os homens uniformizados. Junto a estrada havia dois “BMW” negros, virados de lado. Parecia que seus donos tinham inimigos, pensou Clark. O trânsito era escasso mas, como em qualquer outro lugar do mundo onde existe o automóvel, os condutores passavam muito lentamente para lançar um olhar à cena.
– Os mandaram para o inferno – comentou Larson, mas Clark preferiu uma avaliação mais profissional.
– Projéteis calibre trinta. Metralhadoras pesadas, quase a queima-roupa. Uma emboscada bem profissional. Os carros são “BMW”, modelo M3.
– Os mais potentes, não é? Tem que ter muito dinheiro para..., então você acha que...
– Não temos dados para fazer uma suposição. Quanto vai demorar para averiguar o que aconteceu?
– Duas horas a partir de hora em que chegarmos.
– Está bem.
A Polícia estudava os carros ao passar, mas sem revistá-los. Um agente iluminou a caçamba do
“Subaru” com sua lanterna. Viu vários objetos estranhos, mas nenhum tinha o tamanho nem a forma de uma metralhadora, e os mandou prosseguir rapidamente. O fato não passou despercebido para Clark, que ficou a meditar sobre o assunto. Seria o começo da guerra entre narcotraficantes que esperava detonar?
Robby Jackson teve que aguardar duas horas antes de embarcar no C-141B da Força Aérea, que ao reabastecer-se de combustível parecia uma espécie de víbora alada verde. Transportava uns sessenta soldados com seu equipamento. O piloto de combate os observou com um sorriso divertido. Faziam o mesmo trabalho que seu irmão mais novo. Um major se sentou a seu lado depois de pedir permissão: a patente de Robby era superior a dele.
– Que unidade é esta?
– Sétima leve.
O major se acomodou no assento o melhor que pôde e deixou o capacete sobre suas pernas. Robby o pegou para examiná-lo. A forma era parecida com a do capacete alemão da Segunda guerra mundial.
Era de kevlar coberto de tecido, e além disso tinha um emaranhado de tiras de tecido cheias de nós, presas por meio de uma tira elástica verde.
– Meu irmão usa um destes. Bem pesado, não é? Para que serve?
– Nós o chamamos de repolho – sorriu o major sem abrir os olhos– . O kevlar é para impedir que um objeto qualquer rompa a sua cabeça, e as tiras distorcem a silhueta, dificultando ser visto numa selva.
Disse que seu irmão é um dos nossos, senhor?
– Uma diamante bruto... tenente, ou aspirante, acho... Está com... ahããã..., os ninjas, é isso?
– O terceiro da décima sétima. Primeira Brigada. Eu estou na segunda, na Inteligência. E você?
– Por hora, no Pentágono. Quando não estou atrás de uma mesa, sou piloto de combate.
– É agradável trabalhar sentado, não? – observou o major.
– Nem tanto – riu Robby– . A única vantagem é que eu posso ir para o inferno quando as coisas ficam difíceis.
– Nisso eu o entendo, senhor. O que o trouxe para o Panamá?
– Manobras navais com o porta-aviões. Estou aqui como observador. E você?
– Missão de treinamento do batalhão. Trabalhamos na selva e na montanha, quase sempre cobertos.
– Táticas de guerrilhas?
– Algo assim. Fizemos uma operação de reconhecimento, para obter informação, montar um par de incursões rápidas, e coisas assim.
– Como foi?
– Não tão bem como esperávamos – grunhiu o major – . Nos tiraram nosso melhor pessoal de alguns postos chave. Com vocês acontece a mesma coisa não? Os veteranos se vão e chegam os novatos, que precisam de tempo para se aclimar. Nossas unidades de reconhecimento perderam alguns de seus melhores homens. Por isso os treinamentos – sublinhou o major– . É um ciclo que nunca termina.
– Para nós é diferente. Quando formamos uma unidade, não transferimos a ninguém até que acabarmos a missão.
– Sempre pensei que na Marinha eram mais inteligentes que nós, senhor.
– É tão grave o problema? Meu irmão diz que tiraram dele um sargento muito bom... Comandante de pelotão, é isso?
– Às vezes é muito grave. Eu tinha um sargento, um tal de Muñoz. Ninguém melhor que ele para se meter na selva a descobrir coisas. Um belo dia desapareceu, disseram-me que estava em não sei que operação especial. O sargento que o substituiu não é tão bom quanto ele. Bom, assim é que são essas coisas. A gente acaba aceitando.
Jackson tentou se lembrar onde tinha escutara nome Muñoz, mas não conseguiu.
– Posso conseguir transporte até o Monterrey?
– Claro, senhor, é muito perto. Quer que o levemos? Aviso que não temos os mesmos confortos que a Marinha.
– De vez em quando fazemos um pouco de sacrifício, major. Uma vez passou três dias sem que me trocassem os lençóis, e na mesma semana nos deram salsichas para o jantar. Essa viagem foi um horror, não o esquecerei jamais. Imagino que os jipes do Exército estão climatizados, não?
olharam-se e soltaram uma gargalhada.
Alojaram Ryan numa suíte bem acima da que era ocupada pela comitiva do governador. Para sua surpresa, o candidato pagou com os recursos de sua campanha.
Assim facilitava a tarefa da segurança. Tinham atribuído a Fowler toda uma equipe oficial de guardas de segurança, que conservaria até o dia das eleições, e, se ganhasse, durante quatro anos a mais.
Era um hotel confortável, moderno, com grossos pisos de concreto que, no entanto, não conseguiam isolar os ruídos das festas no piso de baixo.
Ao sair do chuveiro, escutou as batidas na porta. Colocou o robe com o logotipo do hotel bordado no bolso e foi abrir. encontrou-se de frente com uma mulher de uns quarenta anos, vestida com grande elegância: toda de vermelho, a cor de moda nos círculos do “poder”. Jack, que não sabia nada de moda feminina, perguntava-se que efeito tinha a cor sobre outro sentido que não fosse o da visão.
– É você o doutor Ryan? – perguntou, em um tom que despertou a imediata antipatia de Jack, como se fosse a portadora de uma doença.
– Sim. Quem é a senhora?
– Sou Elizabeth Elliot.
– Doutora Elliot – disse Jack. Tinha cara de doutora– . Estou em desvantagem, já que não sei quem é você.
– Assistente do assessor em política externa.
– Ah! Bem entre. – Ryan abriu a porta. Deveria ter suspeitado que se achava em frente da célebre
“E.E.”, professora de ciências políticas em Bennington, com umas ideias de geopolítica que Lenin, ao lado dela, parecia Teodoro Roosevelt. Virou e deu vários passos antes de observar que ela não o seguia– .
Quer entrar ou não?
– Mas você não está vestido. – Passaram dez segundos antes que voltasse a abrir a boca.
Jack secava o cabelo em silêncio. Sentia mais curiosidade que outra coisa.
– Sei quem você é – disse ela, desafiadoramente, Jack se perguntou a quem ela estava desafiando.
Em todo caso, foi um dia muito longo e ainda não se adaptara à mudança do fuso horário na viagem a Europa, que se somava a ter cruzado um fuso horário mais. Daí sua resposta.
– Veja, doutora, estava-me tomando um banho. Tenho dois filhos e esposa, que, se diga de passagem, é formada em Bennington. Não sou um mulherengo no estilo James Bond. Se quer me dizer alguma coisa, tenha a bondade de fazê-lo. Faz uma semana que trabalho sem descanso. Quero ir dormir.
– Sempre é tão grosseiro?
Merda!
– Doutora Elliot, se você quer jogar na primeira divisão em Washington, a primeira coisa que tem que saber é que não deve andar-se com rodeios e sim ir direito ao ponto. Se quer dizer algo, faça. Se quer perguntar, pergunte.
– Que diabos estão fazendo na Colômbia?
– Não estou entendendo – disse Jack, baixando o tom.
– Sim você compreende. Não me engana.
– Sendo assim, tenha a bondade de me refrescar a memória.
– Acabam de explodir outro chefe do narcotráfico – disse ela, com um olhar nervoso a esquerda e direita do corredor. Talvez temesse que tomassem por uma prostituta negociando o preço com um cliente.
Isso era frequente nos congressos políticos, e E.E. não deixava de ter atrativos físicos.
– Não tenho conhecimento de que semelhante operação tenha sido realizada pelo Governo dos Estados Unidos ou de outro país. Dito de outra maneira, a informação que possuo sobre o tema de sua inquietação é nula. Não sou onisciente. Creia ou não, o fato de trabalhar na CIA não significa que alguém esteja a par de tudo que acontece em cada rocha, colina e atoleiro que há no mundo. O que dizem os jornais?
– Mas se supõe que você saiba... – protestou Elizabeth Elliot, perplexa.
– Doutora Elliot, há dois anos, você escreveu um livro sobre o enorme poder de penetração da CIA, que me lembrou de uma velha piada judia. Aconteceu na época czarista, que um camponês muito pobre, que só possuía dois frangos e um cavalo meio manco, estava lendo um periódico antissemita, desses que acusam os judeus de tudo de ruim que acontece no mundo. Um vizinho lhe pergunta: “por que você lê isso?”. Ele responde: “Eu gosto de saber quão poderoso eu sou”.
Me perdoe, mas isso é o que eu achei do seu livro: um por cento de informação, e um noventa e nove por cento de insultos. Se quer saber seriamente o que podemos fazer ou não fazer, posso lhe dar alguma informação, dentro dos limites de confidencialidade. Asseguro-lhe que se sentirá tão decepcionada como eu. Quem dera que fôssemos a metade do que você acredita.
– Mas você matou.
– Se refere a mim como indivíduo?
– Sim!
Talvez esse fosse o motivo de sua hostilidade.
– Sim, matei. Possivelmente em alguma ocasião queira me perguntar se tive pesadelos. – Ryan fez um pausa – . É motivo de satisfação para mim? Não. Penso que se fiz bem? Sim. Por quê? Porque nesses momentos, eu, minha esposa, minha filha e outros inocentes corriam perigo. Tive que fazê-lo para defender essas vidas. Acho que você conhece os fatos.
Isso não interessava a Elliot.
– O governador o espera às oito e quinze.
Seis horas de sono, pensou Ryan.
– Estarei lá – disse.
– Ele vai te perguntar sobre a Colômbia.
– Então, antecipo a resposta para que você fique bem com seu chefe: não sei de nada.
– Doutor Ryan, se ele ganhar as eleições, você...
– Serei despedido? – Jack esboçou um amável sorriso– . Doutora Elliot, isto parece o diálogo de um filme ruim. Se seu candidato ganhar, você terá o poder de me demitir. Me permita lhe explicar o que isso significa.
“Você terá o poder de me privar de duas horas e meia de viagem de carro a cada útil; me tirar de um trabalho árduo e tenso, que me mantém afastado de minha família; de me obrigar a levar um padrão de vida acordo com meus ganhos de dez anos, muito mais elevados que os atuais; de me obrigar a retomar os livros e a cadeira universitária, e, de passagem, lembro-lhe que para isso obtive meu doutorado em Historia doutora Elliot, vi homens armados com metralhadoras apontarem para minha esposa e minha filha, e sobrevivi a essa ameaça. Se quer me ameaçar, digo-lhe nesse instante que a demissão não é suficiente. A verei pela manhã, mas devo advertir que só apresentarei meu relatório ao governador Fowler. Tenho ordem de que ninguém mais esteja presente.
– Fechou a porta uma dupla girada na chave. Bebeu muito no avião, mas ninguém o tinha provocado antes até esse grau.
A doutora preferia a escada ao elevador. Foi em busca do assessor principal do governador Fowler, que diferente do resto da comitiva, estava perfeitamente sóbrio e já começava a planejar uma campanha que começaria ao fim de uma semana, em lugar de esperar até setembro, segundo o costume.
– E então? – perguntou a E.E.
– Diz que não sabe nada, mas acho que está mentindo.
– Que mais? – perguntou Arnold van Damm.
– É uma pessoa arrogante, ofensivo e insultante.
– Então é como você, Beth.
Riram. Não sentiam estima mútua, mas nas campanhas políticas se formam as alianças mais estranhas. O diretor de campanha lia um relatório sobre Ryan escrito pelo deputado Albert Trent, presidente da Comissão Parlamentaria de Supervisão das Atividades de Inteligência. E.E. não conhecia o relatório. Ela lhe havia dito algo que já sabia (embora não entendesse bem do que se tratava): uma vez, numa reunião em Washington, Ryan enfrentou a Trent e o tinha chamou de maricas em público. Trent não era homem que perdoasse ou esquecesse um insulto. Tampouco era generoso com os elogios. Mas em seu relatório sobre Ryan abundavam termos tais como inteligente, valente e honesto. Que diabos significa isto?, perguntou van Damm.
Chávez estava certo que não haveria contato, como nas duas noites anteriores. Saíram ao anoitecer e acabavam de passar por outro centro de produção, ou o que restava dele. A terra desbotada pelo ácido derramado, pegadas e os resíduos, tudo indicava a presença do homem, mas não nessa noite nem nas duas anteriores. Era de se esperar, pensou Ding. Em todos os manuais tinha lido e nas aulas que tinha assistido se esperava que as operações de combate fossem uma mistura louca de tédio e terror: o tédio porque não acontecia nada durante a maior parte do tempo; e o terror porque podia acontecer a qualquer momento.
Agora compreendia por que os homens ficavam descuidados em campanha. Durante os exercícios, a gente sabia que..., que algo ia acontecer. O Exército não perdia muito tempo em exercícios sem contato.
O tempo era muito caro. E agora enfrentava o fato irritante que as operações de combate reais eram menos emocionantes que as de treinamento, mas imensamente mais perigosas. Esse dualismo lhe provocava fortes dores de cabeça.
E estava farto dessas dores. Tomava duas cápsulas de Tylenol cada quatro horas devido às dores musculares, os dos pequenos entorses... a tensão e o estresse. O jovem aprendia que a combinação do exercício árduo com estresse mental envelhecia rapidamente o homem. Na verdade, seu cansaço não era maior que o de um empregado de escritório ao fim de uma jornada um pouco mais longa que o habitual, mas a missão e o ambiente conspiravam para magnificar todas as sensações. A alegria e a tristeza, a euforia e a depressão, o medo como a onipotência: todas eram mais fortes aqui. Numa palavra, as operações de combate não eram divertidas. Mas então, por que sentia que gostava...? Não, a sensação era outra... qual? Chávez sacudiu a cabeça para limpá-la. Essas ideias afetavam sua concentração.
Essa era a resposta, embora não soubesse. Ding Chávez era um combatente nato. Assim como um cirurgião não sentia o menor prazer a ver os ossos quebrados da vítima de um acidente, Chávez teria preferido encontrar-se numa lanchonete com uma garota bonita, ou num estádio de beisebol com seus amigos. Mas o cirurgião sabia que seus conhecimentos no sala de cirurgia eram os que salvavam a vida do paciente, e Chávez era consciente de que sua habilidade como esclarecedor avançado eram cruciais para o êxito da missão. Durante uma missão, tudo estava perfeitamente claro. Havia momentos de confusão, mas, em certo sentido, também eram claros. Seus sentidos se estendiam para as árvores como um radar, filtravam os gorjeios dos pássaros e o sussurro das folhas, a menos quando esses ruídos transmitiam uma mensagem especial. Em sua mente, a paranoia e a confiança estavam perfeitamente equilibradas.
Ele era uma arma de seu país. Sabia disso apesar do medo, do tédio que o acossava, a luta para manter a concentração e a preocupação por seus camaradas, Chávez era uma máquina viva e pensante, cujo único fim era destruir aos inimigos de sua pátria. Era de uma tarefa árdua, e ele era o homem certo.
Mas nessa noite não havia nada que encontrar. Os rastros estavam frios. Os centros de produção, abandonados. Chávez chegou a um ponto de reunião e esperou a que o resto da unidade o alcançasse.
tirou os óculos de visão noturna – que em todo caso não se usavam durante todo o tempo– e bebeu um longo gole de água. Era fresca e deliciosa, a água dos riachos da montanha.
– Absolutamente nada, capitão – disse a Ramírez quando o oficial parou no seu lado– . Não vi nem ouvido nada.
– Alguma trilha ou rastro?
– Nada que não estivesse abandonado há dois ou três dias.
Ramírez sabia determinar se um caminho era transitado ou não, mas não com tanta precisão quanto o sargento Chávez. Soltou o fôlego em uma forma que pareceu quase um suspiro de alívio.
– Bom, vamos retornar. Dois minutos de descanso, e em marcha.
– Entendido. Eeeee... capitão.
– Sim, Ding?
– Parece que por aqui já não está acontecendo nada.
– Pode ser que tenha razão, mas esperemos uns dias para estar certos – disse Ramírez. De algum jeito sentia grande alívio de que não tivesse tido contato com o inimigo depois da morte de Rocha, mas esse sentimento bloqueava certos sinais de alerta que deveria ter percebido. A emoção lhe dizia que tudo estava bem, mas a inteligência e a análise lhe teriam indicado que algo estava errado.
Tampouco Chávez o percebia. Havia uma espécie de murmúrio na periferia de sua consciência, como a estranha calma que precede um terremoto ou as primeiras nuvens no horizonte. A juventude e a inexperiência não lhe permitiam ser consciente disso. Tinha o talento necessário. Era o homem indicado para seu posto, mas lhe faltava experiência. E tampouco era consciente disso.
Em todo caso, o momento de partir tinha chegado. Subiram pela ladeira, longe dos caminhos e dos lugares por onde tinham descido, preparados para qualquer perigo imediato, mas cegos de um perigo que por estar longe era menos claro.
A aterrissagem do C-14B foi bem dura, pensou Robby, embora teve a sensação que os soldados não o perceberam. Pelo contrário, estavam dormindo e teria que despertá-los. Jackson dificilmente dormia enquanto viajava de avião. Considerava que era um mau hábito para um piloto de combate. O aparelho de transporte diminuiu a velocidade e deslizou tão pesadamente quanto um caça na pista de um porta-aviões, até que parou e abriram as portas da cauda.
– Venha comigo, capitão – disse o major. levantou-se e agarrou sua mochila, que parecia muito pesada– . Minha esposa trouxe o carro.
– E como ela retornou para casa?
– As esposas entram em acordo. Assim, o comandante do batalhão e eu temos tempo para analisar a operação na viagem a Ord. Deixaremos você em Monterrey.
– Podem me levar diretamente ao quartel? Me hospedarei com meu irmão.
– Possivelmente ele estará em manobras.
– Uma sexta-feira a noite? Correrei esse risco.
Na verdade, tinha outros motivos. Fazia anos que Robby não conversava com um oficial do Exército. Como capitão de navio, estava a um passo do almirantado.
Se optasse por dar esse passo – Robby era tão crédulo como qualquer piloto de combate, mas o salto de capitão de navio a contra-almirante é o mais perigoso de toda a carreira naval– , um pouco mais de conhecimento não seria nada mal. Com isso seria melhor oficial superior, e, depois de seu próximo destino em um porta-aviões, correspondia-lhe voltar para Estado Maior.
– De acordo.
A viagem de duas horas da base aérea Travis até Fort Ord – cuja pista é muito pequena para que um avião de transporte possa aterrissar– foi interessante e Robby teve sorte. Foram duas horas de intercambiar anedotas navais por terrestres e inteirar-se de coisas que jamais tinha suspeitado. Ao chegar se encontrou com o Tim, que voltava de uma longa noite de farra. O irmão mais velho aceitou dormir no sofá. Certamente que não estava habituado a semelhantes sacrifícios, mas pensou que sobreviveria.
Na hora indicada, Jack e seu guarda-costas se apresentaram na suíte do governador. Não conhecia os agentes, mas eles já o esperavam, e só lhe pediram suas credenciais da CIA. Era um cartão plastificado do tamanho de uma carta de baralho comum, com foto e número, mas sem nome, que estava costumava ser pendurado como uma espécie de medalha religiosa. Nesta ocasião, guardou-a no bolso depois de mostrá-la aos agentes.
Apresentaria seu relatório nessa grande instituição política que era o café da manhã de trabalho. Do ponto de vista social, o café da manhã tinha menos relevância que o almoço, e nem se comparava com a importância do jantar, mas o considerava um assunto de grande importância, um assunto sério.
Sua excelência J. (de Jonathan, nome que detestava) Robert (me chamem Bob) Fowler, governador de Ohio, tinha um pouco mais que cinquenta anos. Como o Presidente, foi promotor e tinha uma trajetória impressionante como guardião da lei. A fama de ter eliminado à máfia de Cleveland lhe servira para cumprir seis mandatos na Câmara dos Deputados, mas não havia maneira de saltar desta à Casa Branca, e as vagas de senador de seu Estado não estavam em jogo. Por isso, seis anos antes, ganhou as eleições para governador, e todos concordaram que sua gestão tinha sido efetiva.
Vinte anos antes se fixou no seu grande objetivo político, e acabava de chegar a grande final, Era um homem alto, esbelto, de olhos e cabelo castanhos, um pouco grisalho nas têmporas. Estava muito cansado. O país é muito exigente com seus candidatos presidenciais. O campo de treinamento dos fuzileiros é brincadeira de criança comparado a campanha presidencial. Tinha uns vinte anos a mais que Jack, e há seis meses sobrevivia na base de café e da comida insalubre que é servida nos jantares políticos. Entretanto, ria de todas as piadas runs contadas por pessoas que lhe desagradavam e, o mais notável, era capaz de repetir o mesmo discurso quatro vezes por dia sem que a mensagem perdesse sua frescura e espontaneidade. Segundo Ryan, sabia tanto de política externa quanto Ryan da teoria geral da relatividade de Einstein, que não era muito.
– O doutor John Ryan, suponho. – Fowler ergueu os olhos do jornal matutino.
– Sim, senhor.
– Perdoe se não me levanto. Torci o tornozelo na semana passada e o filho da puta dói como o demônio – disse Fowler, mostrando a bengala no seu lado. Jack não tinha visto a bengala nos jornais da manhã. Fowler aceitou a candidatura, dançando por todo o cenário..., com entorse. Era um homem com garra. Jack se aproximou para lhe apertar a mão.
– Me disseram que você é o subdiretor de Inteligência em exercício.
– Desculpe, governador, o título exato é subdiretor de Inteligência, quer dizer, que sou o chefe de uma das diretorias principais da CIA. As demais são Operações, Ciência e Tecnologia e Administração, ou Admin, como é chamada no serviço. os agentes de Operações saem para procurar informação no modo antigo, são os verdadeiros espiões. os de C e T dirigem os programas via satélite e tudo o que tem que ver com a ciência. Nós da Inteligência tentamos interpretar a informação que os de Operações e C e T nos trazem. Esse é meu trabalho. O SDI titular é o almirante James Greer, que...
– Eu sei e lamento muito. comenta-se que é uma excelente pessoa. Seus inimigos dizem que é um homem íntegro: acho que melhor elogio não há. Vamos tomar o café da manhã?
Fowler reunia as condições mais importantes do político. Era amável e encantador.
– Com muito prazer. Posso lhe ajudar?
– Obrigado, não é necessário. – Fowler se levantou apoiando-se na bengala – . Você foi fuzileiro, corredor da Bolsa e professor de História. Meu pessoal... melhor dizendo, minhas fontes – sorriu– dizem que você escalou posições na CIA muito rapidamente, mas não explicaram o porquê. Os jornais tampouco, o que me parece estranho.
– Guardamos alguns segredos, governador. Há certas coisas que você vai querer saber mas sobre as que não posso falar e em todo caso, no que se refere para mim, terá que perguntar aos outros. Não sou objetivo.
O governador assentiu com um amável sorriso.
– Você e Al Trent tiveram uma briga muito dura faz algum tempo, mas se ruborizaria se soubesse o que ele diz de você. A que se deve isso?
– Isso o Sr deve perguntar ao Sr. Trent.
– Eu perguntei, mas não quis me responder. A verdade é que não sente muita estima por você.
– Perdoe-me, senhor, mas não posso falar sobre isso. Mas saberá se ganhar as eleições. – Como explicar que Al Trent ajudou a CIA a montar a deserção do chefe da KGB, para vingar-se dos que tinham enviado a um russo amigo seu aos campos de trabalhos forçados? E se pudesse contar, quem acreditaria?
– E deixou Beth Elliot realmente furiosa.
– O que prefere, senhor? Que lhe fale como político, que não sou, ou que lhe diga o que sinto?
– Prefiro esse último, filho. É um dos prazeres menos frequentes para um homem em minha posição
– disse Fowler, mas a mensagem não chegou a Ryan.
– A senhora Elliot é uma pessoa grosseira e altiva. Eu não gosto que me pressionem. Talvez lhe deva uma desculpa, mas ela também me deve isso.
– Quer que chute o seu traseiro, e isso por que ainda não estamos em campanha – riu Fowler.
– Meu traseiro não é dela, governador. Poderá tentar chutá-lo, mas não conseguirá.
– Jamais se candidate para um posto eletivo, doutor Ryan.
– Espero que não me interprete errado, senhor, mas lhe asseguro que jamais submeteria às provas que pessoas como o senhor tem que suportar.
– Gosta de ser funcionário de Governo? É uma pergunta, não uma ameaça – acrescentou rapidamente.
– Faço este trabalho porque me parece importante e porque acho que sou eficiente.
– Ou seja, que o país o necessita? – sorriu o candidato, e o SDI em exercício ergueu os olhos rapidamente– . Pergunta difícil, não é verdade? Se responder que não, então deveria deixar o posto para outro que o faça melhor. Se responder que sim, é um convencido filho da puta que se acha o melhor.
Espero que isto lhe sirva de lição, doutor Ryan. É meu conselho do dia. Agora quero conhecer o seu. me explique o mundo... quer dizer, sua visão do mundo.
Jack tirou seus apontamentos e falou durante menos de uma hora. O tempo justo para duas xícaras de café. Fowler sabia escutar, e suas perguntas era penetrantes.
– Se o entendi bem, você ignora as intenções dos soviéticos. Acho que conhece secretário Geral...
– Bem... – Ryan se interrompeu– . Senhor, não posso..., isto é... apertei sua mão duas vezes, em recepções diplomáticas.
– E em algumas outras ocasiões das que não pode falar. Enganei-me? Muito interessante. Você não é político, doutor Ryan. Seu primeiro instinto é dizer a verdade antes de pensar na mentira. Conforme diz, a situação mundial é bem positiva.
– Recordo de situações muito piores, governador – disse Jack, agradecido pela mudança de tema.
– Então, o que tem de mau minha proposta de melhorar a situação mediante um desarmamento parcial?
– Acho que ainda não é o momento.
– Eu acho que sim.
– Nisso, discordamos, governador.
– O que está acontecendo na América do Sul?
– Não sei.
– O sua resposta significa que: não sabe o que estamos fazendo, ou que não sabe se estamos fazendo algo ou que sim sabe o que estamos fazendo, mas lhe ordenaram não comentá-lo?
Fala como um advogado.
– Como adiantei ontem à doutora Elliot, desconheço o tema por completo. É a pura verdade. Já lhe mencionei alguns temas que conheço, mas sobre os que não conheço não posso falar.
– Parece-me muito estranho, já que tem um posto tão alto.
– É que quando os eventos começaram, eu estava numa reunião de Inteligência da OTAN, na Europa. Sou especialista em questões soviéticas e europeias.
– Em sua opinião, como devemos responder ao assassinato do diretor Jacobs?
– Em abstrato, eu diria que devemos responder com a força ao assassinato de qualquer cidadão, mais ainda num caso como este. Mas estou na diretoria de Inteligência, não na de Operações.
– Isso inclui o assassinato a sangue frio?
– Se o Governo decidir que é necessário matar certas pessoas em altares do interesse da nacional, parece-me que isso está fora da definição legal do assassinato.
– Uma posição interessante. Prossiga.
– Nosso Governo funciona de maneira tal, que semelhante decisão deve ser... deve refletir os desejos do povo; quer dizer, o que o povo faria se tivesse acesso à informação de que dispõem os responsáveis por tomar as decisões. Por isso as operações clandestinas são fiscalizadas pelo Congresso: para assegurar-se de que são apropriadas e para as despolitizar.
– Dito de outra forma, esse tipo de decisão depende de que homens sensatos tomem a decisão sensata de... assassinar.
– É uma simplificação excessiva, mas sim, diria que é assim mesmo.
– Não estou de acordo. O povo americano é partidário da pena de morte. Isso está errado. Com isso nos rebaixamos, traímos os ideais da nação. O que me diz você?
– Acredito que se equivoca, governador. Mas eu não formulo a política do Governo mas sim reúno informação para os que o fazem.
– Esclareçamos bem isto – o tom de voz do Fowler soou alterado– , só para saber o que pensamos.
Haviam-me dito a verdade, doutor Ryan: você é um homem honesto. Mas, apesar de sua juventude, suas ideias refletem o passado. Pessoas como você formulam sim a política, ao orientar sua análise em determinadas direções, escolhidas por vocês mesmos... espere, não se altere! – Fowler ergueu a mão– .
Não ponho em dúvida sua integridade. Você realiza seu trabalho de acordo com seu leal saber e entender, mas dizer que não formula a política do Governo é um grande disparate.
Ryan se ruborizou violentamente e muito a pesar dele. Fowler não punha em questão sua integridade, e sim a segunda estrela de seu amor próprio: a inteligência.
Queria responder com um insulto, mas não podia.
– Agora me dirá que se eu soubesse o que você sabe, pensaria diferente. Acertei? – perguntou Fowler.
– Não, senhor. Eu não gosto desse argumento. Cheira a merda pura. Você tem dois caminhos: acreditar em mim ou não acreditar. Tudo o que posso fazer é tentar lhe persuadir, não lhe convencer. É
possível que eu me engane às vezes; mas tudo o que posso fazer é lhe dar o melhor que tenho, permite-me, senhor?
– Adiante.
– O mundo não é sempre o que desejaríamos que fosse, mas desejamos que não mude.
Fowler se estava divertindo.
– Ou seja, que eu deveria lhe escutar mesmo que esteja enganado. E o que ocorreria se eu soubesse que você se engana?
Teria iniciado uma discussão filosófica apaixonante, mas Ryan sabia que o tinham derrotado.
Noventa minutos perdidos. Tentaria-o pela última vez.
– Governador, há tigres aí fora, no mundo. Minha filha esteve na beira da morte, num hospital, porque um homem que me odiava tentou matá-la. Foi horrível, desejei com toda a alma que não tivesse acontecido, mas isso não adianta. Foi uma lição muito dura. Espero que não tenha que aprendê-la.
– Obrigado. bom dia, doutor Ryan.
Ryan juntou seus papéis e saiu. Acreditou recordar vagamente um versículo da Bíblia. Tinha sido pesado em uma balança e achado falta pelo homem que talvez fosse o próximo Presidente de seu país.
Mas o mais inquietante era sua própria reação. Que se foda. Com isso, ratificava o que Fowler pensava: era um idiota.
– Vamos, mano! – exclamou Tim Jackson. Robby abriu um olho: Timmy vestiu seu uniforme multicolorido e suas botas– . Hora de sair para correr.
– Ainda lembro de quando trocava as suas fraldas.
– Se quer fazer agora, primeiro terá que me alcançar.
O capitão Jackson sorriu com malícia. Era professor de artes marciais, e estava em um bom estado físico.
– Quer fazer o teste?
Deus castiga a soberba, pensou o capitão Jackson quinze minutos mais tarde. Uma queda não seria mau recebida: assim descansaria alguns segundos. Tim percebeu seu cansaço e diminuiu a velocidade do trote.
– Ganhou – ofegou Robby– . Não voltarei a te trocar as fraldas.
– Só depois que corremos três quilômetros.
– Mas o convés do porta-aviões mede menos de trezentos metros.
– Sim, e correr sobre piso de aço é ruim para os joelhos. Volte e prepare o café da manhã, senhor.
Ainda me faltam três quilômetros.
– Entendido, tenente. – Mas não te faça de espertinho, que sou professor de karate e posso chutar o seu traseiro!, pensou Robby.
Cinco minutos depois chegou no alojamento de oficiais. Vários destes saíam para correr ou voltavam para tomar o café da manhã, e, pela primeira vez na sua vida, Robby Jackson sentiu que se estava ficando velho. Não lhe pareceu justo. Era um dos capitães de navio mais jovens da Marinha, e um excelente piloto de combate.
Também sabia preparar um excelente café da manhã, como Timmy comprovou ao voltar.
– Não se aflija, Rob. Esta é minha especialidade, a sua é pilotar aviões.
– Cala a boca e bebe o suco.
– Onde diabos você estava?
– A bordo do Ranger, é um porta-aviões. Fiscalizando umas manobras em frente ao Panamá. Meu chefe vem a Monterrey esta tarde, devo me reunir com ele.
– Assim esteve onde caem as bombas – comentou Tim enquanto lubrificava a torrada com manteiga.
– Mais uma? – perguntou Robby. Pensando bem fazia sentido.
– Parece que acabamos com outro narcotraficante. É bom ver que a CIA ou alguém no Governo tem culhão. Agora eu gostaria de saber como conseguem colocar as bombas lá.
– A que se refere? – perguntou Robby. Algo estava errado.
– Sei o que está acontecendo no Sul, Robb. Tem gente nossa lá embaixo.
– Tim, não tenho a menor ideia do que está falando.
O tenente de Infantaria Timothy Jackson se inclinou sobre a mesa do café da manhã com ar de conspirador, à maneira dos oficiais ajudantes:
– Ouça, sei que é Top secret e tudo mais, mas não é preciso ser um gênio para perceber, não é? Um de meus homens está lá. Pense um pouco, irmão. Um de meus melhores homens desaparece, não o encontro onde deveria estar... merda! Onde o Exército acha que ele está. É um latino. Igual aos outros que desapareceram, como Muñoz, Leon e outros mais que me inteirei. Todos latinos, percebeu? E, de repente, caem bombas sobre aqueles safados. O que eu gostaria de saber é quem pôs as bombas. Então, como eu disse antes, não é preciso ser um gênio para perceber.
– Com quem você falou sobre isso?
– Com ninguém, para que? Me preocupo com Chávez. É um de meus homens, um soldado de primeira, mas me preocupa pouco. É um soldado danado de bom. Agora, se ele quer matar narcotraficantes, parece-me perfeito. Mas me interessa saber como puseram as bombas. Algum dia me vai ser útil. Estou pensando em passar para as Operações Especiais.
A Marinha pôs as bombas, irmão, disse uma voz no interior de seu cérebro.
– Mas se comenta muito isso por aí?
– Quando a primeira bomba caiu, a todos acharam muito bom. O que ninguém diz, por mais que alguns o pensem, é que os nossos se encontram ali. Questão de segurança, não?
– Claro que sim.
– Você conhece um alto diretor da CIA, não é verdade?
– Mais ou menos. Sou o padrinho do filho dele.
– Diga a ele que de nossa parte que quantos mais traficantes matarem, melhor.
– Farei isso – disse Robby. Tinha que ser uma operação da CIA, e das mais “negras”. Mas não era tão negra quanto devia. Se um novato recém saído de West Point era capaz de perceber... Os do depósito de bombas no Ranger, os oficiais e suboficiais de pessoal de todo o Exército: muita gente já teria tirado suas próprias conclusões. E nem todos os que sabiam pertenceriam ao grupo dos bons.
– Vou te dar um bom conselho. Quando escutar que falam disto, diga a eles que calem a boca.
Quando se espalham boatos, começam a morrer pessoas.
– Escute, Rob, que se meta com o Chávez, Leon e outros...
– Não, me escute você. Eu vivi uma situação como esta. Atiraram em mim com metralhadoras; uma vez, meu “Tomcat” recebeu um impacto de míssil, quase matou meu melhor tripulante. É perigoso, e quando se fala muito, as pessoas morrem. Já não está na Universidade, Tim.
Tim o pensou uns instantes. Seu irmão tinha razão. Este, por sua vez, perguntava-se o que podia fazer. Uma das possibilidades era não fazer nada. Mas Rob era piloto de combate, homem de ação, a ideia de não fazer nada lhe era desconhecida. Pelo menos, decidiu, falaria com o Jack para lhe advertir que a segurança da operação era menos segura do que devia ser.
XXII
DIVULGAÇÃO
A diferente dos generais da Força Aérea e do Exército, a maioria dos altos chefes da Marinha não tinham um avião particular para viajar para todas os lugares; por isso usavam voos comerciais. Claro que contavam com toda uma comitiva de ajudantes e motoristas para aliviar sua dor, e Robby Jackson não desdenhava o recurso de apresentar-se no aeroporto para receber a seu chefe. Chegou a São José quando o voo 727 aterrissava, mas teve que esperar a que desembarcassem os passageiros de primeira, porque os marinheiros, embora fossem almirantes, viajam de classe turística.
O vice-almirante Joshua Painter era o segundo chefe de operações navais no comando da guerra aérea, mas o conheciam por sua “chave”, OP-05, ou, mais simplesmente, por “zero cinco”. Parecia um milagre que tivesse alcançado esse posto. Em primeiro lugar, Painter era um homem honesto; em segundo lugar, não ocultava seus pensamentos; em terceiro, estava convencido de que a Marinha verdadeira era a que navegava os mares, não os escritórios de Washington, por último, e a pior de todos, era escritor. A Marinha não incentiva seus homens que ponham seus pensamentos por escrito, salvo algum trabalho sobre termodinâmica ou sobre a trajetória dos nêutrons no reator de um navio. Era um intelectual, um rebelde, um guerreiro num serviço que tendia a tornar-se cada vez mais anti-intelectual, conformista e burocrático: a exceção a regra em na “Marinha Empresarial”. Nativo de Vermont, baixinho, de olhos celestes muito claros, destacava-se por seu caráter áspero e sua língua afiada. Ao mesmo tempo, era o ídolo da comunidade de pilotos. Completara mais de quatrocentas missões de voo sobre o Vietnam do Norte em diferentes modelos de F-4 “Phantom” e derrubou dois MIG. Na parede de seu escritório, no Pentágono, tinha pendurado o painel lateral de seu jato, com duas estrelas vermelhas e o lema, O MÍSSIL
SIDEWINDER SIGNIFICA QUE NÃO TEM QUE PEDIR PERMISSÃO PARA NINGUÉM. Era um perfeccionista e um chefe muito exigente, mas se esforçava por seus pilotos e tripulantes, sobre tudo por estes últimos.
– Vejo que você recebeu a mensagem – disse Josh Painter, assinalando os flamejantes galões de capitão de navio.
– Sim, senhor.
– Também soube que sua nova tática fracassou por completo.
– Terei melhorá-la bastante – reconheceu o capitão Jackson.
– Sim, sempre é bom evitar que afundem o porta-aviões. Talvez se lembre melhor quando passar a comandar sua esquadrilha. Acabo de aprovar sua designação – anunciou o OP-05 – . Lhe darão a sexta.
Destinada ao Abraham Lincoln enquanto o Indianápolis está na oficina. Felicito-te, Robby. Quero ver se consegue te manter a tona durante os próximos dezoito meses. Agora me conte por que falhou a operação
– disse enquanto se dirigiam para onde lhes esperava o carro.
– Os russos fizeram uma armadilha – disse Robby– . Agiram com inteligência.
Seu chefe riu: apesar de sua rudeza, Painter não deixava de ter um agudo senso de humor.
Continuaram a discussão durante toda a viagem até o alojamento dos oficiais superiores, na Escola Naval de Posgrado, na costa californiana, na altura do Monterrey.
– O que dizem as notícias sobre os filhos da puta dos narcotraficantes? – perguntou Painter.
– Parece que os estamos os acossando bastante, não é?
O vice-almirante parou de repente.
– Que merda significa isso?
– Sei que não é de minha incumbência, senhor, mas estive lá e vi o que estava acontecendo.
Painter o deixou passar.
– Tem bebidas na geladeira. me prepare um martini enquanto eu fico mais confortável. Se sirva também de alguma coisa.
Robby foi à cozinha. Quem tinha preparado o alojamento conhecia os gostos de Painter em matéria de bebidas. Preparou um martini e abriu uma lata de cerveja leve para si.
Painter voltou e tinha tirado a camisa. Bebeu um gole e depois se despediu de seu ajudante. Então olhou para Jackson nos olhos:
– Capitão, repita o que me disse aí fora.
– Senhor, sei que não estou autorizado para saber nada disto, mas não sou cego. Vi no radar quando o A-6 ia para a costa e não me pareceu que fosse uma casualidade. A segurança da operação deixa muito a desejar, senhor.
– Me desculpe, Jackson, mas acabo de passar cinco horas e meia sentado perto das turbinas de um velho 727. Quer dizer que essas bombas que eliminaram os narcotraficantes foram lançadas por um de meus A-6?
– Sim, senhor. Não sabia?
– Não, Robby, não sabia. – Painter esvaziou sua taça – . Merda! Quem é o lunático que montou esta loucura?
– Mas essa bomba nova teve que..., quero dizer, as ordens... merda, não se pode fazer uma coisa dessas sem autorização do zero-cinco.
– Que bomba nova? – exclamou Painter, controlando sua voz com esforço.
– Uma com camisa nova, de papelão, fibra de vidro, ou sei lá o que. Parece uma aerodinâmica comum de mil quilos com os acessórios de orientação, mas não é de aço, nem de nenhum outro metal, e a pintaram de azul, como uma bomba de treinamento.
– Ah, essa bomba. estiveram fazendo provas com uma bomba nova para o ATA – se referia ao novo avião da Marinha, invisível para o radar – , mas ainda estão na etapa preliminar. É um projeto experimental. Nem sequer usam um explosivo comum. Acredito que vou vetá-lo é muito caro. Ainda tem delas em China Lake.
– Mas há vários aparelhos desses no depósito de bombas do Ranger. Vi-os com meus próprios olhos, senhor. Toquei-os. Vi como montavam um em um A-6. Segui toda a operação por radar, de um E-2, e vi o A-6 quando ia à costa, e depois quando voltava de outro rumo. Dirão que é casualidade, mas eu não poria a mão no fogo. Na noite que voltei, vi outra bomba montada no mesmo avião e no dia seguinte, explode a casa de outro narcotraficante. Meia tonelada de HEI é mais que suficiente, e uma camisa combustível desaparece sem deixar um fodido rastro.
– Quatrocentos e trinta quilos de Octol... esse é o explosivo que usam – grunhiu Painter– . Mais que suficiente para uma casa. Conhece o piloto?
– Roy Jensen, o chefe de...
– Conheço ele estivemos juntos no... Robby, que merda está acontecendo? Veja me conte tudo, do começo, e com todos os detalhes.
O capitão Jackson falou sem interrupção durante dez minutos.
– De onde era o representante técnico?
– Não lhe perguntei, senhor.
– Aposto contigo que nem sequer está registrado a bordo do Ranger. Nos enganaram, filho. Merda, fui enganado. Essas ordens não ser dadas sem minha autorização. Algum filho da puta esteve usando meus aviões sem me dizer nada.
Robby compreendia: o problema não eram os bombardeios em si, e sim o procedimento e as falhas de segurança. A Marinha teria planejado melhor as coisas. Painter e seus peritos em missões com A-6 o teriam feito de tal maneira que nenhum Robby a bordo de um E-2C teria visto nada. O vice-almirante temia que algum subordinado seu ficasse agora como responsável por uma operação vinda de cima, saltando-a cadeia de comando.
– E se o senhor mandar chamar o Jensen?
– Isso me ocorreu, mas dá muito na vista e poderíamos lhe causar problemas. Tenho que saber quem diabos deu a ordem. O Ranger fica parado uns dez dias a mais, não é?
– Eu acho que sim, senhor.
– Tem que ser coisa da CIA – murmurou Josh Painter– . A autorização vem de cima, mas é coisa da Agência.
– Não sei se servirá para alguma coisa, senhor, mas tenho um bom amigo lá. Sou o padrinho de um de seus filhos.
– Quem é?
– Jack Ryan.
– Ah, sim, conheço ele. Esteve comigo no Kennedy quando... mas acho que você se lembrará dessa missão, Rob – sorriu Painter– . Foi bem antes que o míssil lhe alcançasse. Mas então, ele tinha ido para o HMS Invencível.
– Como? Quer dizer que Jack esteve lá? E por que diabos ele não foi me ver?
– Alguma vez te falaram dessa operação? – Painter meneou a cabeça; pensava no assunto do
“Outubro Vermelho”– . Talvez ele possa te dizer algo. Eu, não.
Robby aceitou a resposta e voltou para o assunto:
– Almirante, esta operação tem um componente terrestre – disse, e se explicou melhor.
– Charlie-Fox – disse Painter. Era a versão, no jargão sintético da Marinha, de uma expressão empregada pelos marinheiros para referir-se a uma operação militar confusa e autodestrutiva: uma confusão do demônio– . Robert, tome o primeiro avião para Washington e diga a seu amigo que a operação de mal a pior. Droga, esses palhaços da CIA não aprendem nunca. Por isso dizem, o segredo já não é mais secreto, e isso vai nos fazer mal. Vai ser mau para o país. E é bem o que precisamos no meio de uma campanha eleitoral em que se apresenta o idiota do Fowler. Diga que a próxima vez que a CIA tenha vontades de jogar com os soldados, será melhor que consultem aos que sabem.
O Cartel possuía uma abundante provisão de homens habituados a usar armas; reuniram-nos em questão de horas. Cortez estava no comando da operação.
Instalou seu centro de operações em Anserma, uma aldeia no centro da zona onde aparentemente operavam os “mercenários”. Certamente que ele não tinha revelado a seu chefe toda a informação que possuía, nem seus objetivos finais. O Cartel funcionava como uma cooperativa. Quase trezentos homens tinham chegado de carro, caminhão e trem: eram dos guardas pessoais dos chefes do Cartel, homens com um bom estado físico e habituados à violência.
Seus chefes reduziram seus serviços de segurança pessoais. Com isso, Escobedo obtinha uma vantagem importante enquanto tentava averiguar qual de seus colegas preparava o “golpe de estado”.
Quanto a Cortez, sua intenção era encurralar os soldados americanos. Estava certo que eram tropas de elite, talvez Boinas Verdes, temíveis, dignos de todo respeito. Por isso, era de se esperar que sofressem algumas baixas. Depois teria que eliminar a alguns de seus homens a fim de modificar a relação de força dentro do Cartel em benefício próprio.
Certamente que convinha não comentar isso com a turba. Esses homens rudes e brutais gritavam e agitavam suas armas como os guerreiros samurai desses filmes ruins que tanto gostavam; e igual a esses atores que se faziam de valentões, estavam habituados a que as pessoas tremessem de medo na sua presença. Eram os todo-poderosos e invencíveis guerreiros do Cartel, que se pavoneavam nas ruas da aldeia com seu AK-47. Uma trupe de palhaços, pensou Cortez.
No fundo, era bem engraçado, mas isso não lhe incomodava. Quinhentos anos antes, os homens costumavam lançar um urso aos cães. O urso acabava morrendo e embora os cães sofressem muito, havia cachorrinhos de sobra para substituí-los. Os cães novos eram adestrados de outra maneira, para inculcar lealdade a seus novos donos... Que maravilha, pensou Cortez, repetir esse jogo mas com homens em lugar de cães e de ursos, como se fazia na época dos Césares. Agora compreendia por que alguns dos chefes do narcotráfico eram como eram. A posse desse poder igual ao de Deus degenerava o espírito. Teria que lembrar disso mais tarde. Mas, antes, a missão.
Criou-se uma cadeia de comando. Formaram-se cinco grupos de cinquenta homens e a cada um lhe atribuiu uma zona de operações. As comunicações se realizariam por rádio, Cortez os coordenaria de uma casa nos subúrbios da aldeia. A única dificuldade seria uma intervenção do Exército colombiano, mas Escobedo se ocuparia disso. O M-19 e as FARC provocariam uma distração em outra parte do país, para manter ocupados os militares.
Os “soldados” – adotaram essa designação– subiram nos caminhões que os levariam às montanhas.
Boa sorte, disse Cortez aos chefes de grupo. Embora, na verdade, não a desejasse. A sorte deixou de cumprir um papel na operação, algo que ao ex-coronel do DGI parecia perfeito. Quando as pessoas planejavam bem as coisas, a sorte ficava de lado.
176
Era um dia sereno nas montanhas. O tangido dos sinos ressonava nos vales e convocava os fiéis à liturgia dominical. É domingo?, perguntou-se Chávez. Perdera a noção dos dias. Em todo caso, o trafego parecia mais escasso do habitual. Apesar da morte de Rocha, seu estado era bem aceitável. Gastaram poucas munições e em alguns dias receberiam mais do helicóptero que abastecia a operação. Munição nunca era demais.
Chávez aprendeu essa grande verdade. A felicidade é uma cartucheira cheia. E um cantil pleno. E
comida quente.
A topografia do vale favorecia a transmissão dos ruídos, que subiam pelas ladeiras sem perder força e com uma nitidez assombrosa, graças ao ar puro. Ao escutar ruídos de caminhões, Chávez enfocou seus binóculos para uma curva na estrada, a vários quilômetros de seu posto de vigilância. Não estava preocupado. Um caminhão era um alvo para seu fuzil, não um motivo de preocupação. Enfocou com cuidado para obter a imagem mais nítida possível, e além disso sua visão era aguda. Ao fim de alguns minutos apareceram três caminhões tipo prancha, como os usados pelos agricultores, com costados desmontáveis.
Mas transportavam homens, e estes pareciam carregar fuzis. Os caminhões pararam, seus passageiros saltaram para o chão. Chávez sacudiu com violência seu companheiro, que estava dormindo.
– Urso, chame o capitão, imediatamente.
Um minuto depois, Ramírez apareceu com seus próprios binóculos.
– Está parado, capitão! – grunhiu Chávez– . Bem aqui embaixo, caralho!
– Está bem, Ding.
– Consegue Vê-los senhor?
– Certamente.
Embora não parecessem soldados, suas armas estavam à vista, penduradas em bandoleira.
dividiram-se em quatro grupos que pouco depois abandonaram a estrada para perder-se entre as árvores.
– Calculo que estarão aqui dentro de três horas, capitão.
– E nós então, estaremos a dez quilômetros ao norte daqui. Preparem-se.
Ramírez instalou seu rádio via satélite.
– VARIÁVEL, aqui Faca, câmbio. – Responderam à primeira chamada.
– FACA, aqui Variável, o escuto bem, câmbio.
– FACA informa, homens armados sobem a montanha a este sudeste de nossa posição. Estimamos um pelotão, dirigem-se para nós.
– São soldados?, câmbio.
– Negativo, repito, negativo. Armas à vista, mas não estão de uniforme. Repito, parece que não usam uniformes. Nos preparamos para partir.
– Aprovado, Faca. Movam-se o quanto antes, voltem a comunicar-se assim que possível.
Verificaremos o que está acontecendo.
– Entendido. Desligo.
– O que está acontecendo lá abaixo? – perguntou um dos oficiais.
– Eu sei lá – disse seu companheiro– . Quem dera que Clark estivesse aqui. Bem falemos com o quartel.
Jackson conseguiu um voo direto de São Francisco para o aeroporto internacional de Dulles, em Washington. Por ordem do almirante Painter, um carro da Marinha o levou a praça de estacionamento onde tinha deixado seu “Corvette”. Para sua surpresa, estava intacto. Durante o voo teve muito tempo para meditar. Em resuma, as operações da CIA eram uma piada: espiões furtivos que realizavam todo o tipo de missões. Essa em particular não tinha nada de tão ruim, mas, merda, usaram a Marinha sem dizer nada a ninguém. Foi para sua casa mudar de roupa. Depois fez uma chamada telefônica.
Ryan desfrutava de um fim de semana em sua casa. Na sexta-feira de noite chegou em casa antes que sua esposa e no sábado dormiu até muito tarde para descansar da viagem. Durante o resto do dia jogou com seus filhos e os levou na missa vespertina. Dedicou a noite para descansar e a renovar os vínculos do casamento.
Agora no domingo pela manhã, cortava a grama com seu trator de jardim “John Deere”. Embora fosse um dos principais funcionários da CIA, continuava cuidando de seu jardim. Alguns preferiam semear ou jogar fertilizante, mas sua terapia era a tarefa campestre de cortar a grama. Era uma liturgia bimensal de três horas, embora um pouco mais frequente na primavera, mas agora o crescimento se produzia a ritmo normal. Gostava do aroma da grama recém cortada.
Também o da graxa do trator, e até desfrutava das vibrações do motor. Claro que não podia isolar-se por completo da realidade. Levava consigo um telefone portátil preso ao cinto, cujo zumbido eletrônico se fazia ouvir apesar do ruído surdo do cortador. Desligou um e atendeu o outro.
– Sim?
– Jack, sou eu Rob.
– Robby! Como você está?
– Acabaram de me promover.
– Parabéns, senhor capitão de navio! Não é muito jovem para chegar a esse posto?
– Bom, digamos que querem dar uma mão para que os pobres pilotos alcancem os astronautas.
Ouça, Sissy e eu vamos para em Annapolis. Podemos passar ai para uma visita?
– Claro, almocem conosco.
– Não vai ser incomodo?
– Ora essa, desde quando você nos incomoda?
– Bem... já que é funcionário tão importante.
Ryan replicou com uma frase pouco acadêmica.
– Chegaremos em uma hora, mais ou menos, está bem?
– Sim, assim tenho tempo de terminar de cortar a grama. Até mais tarde. – Ryan desligou e chamou a sua casa, que tinha três linhas. Embora telefonasse de seu próprio jardim, era chamada de longa distância. Seu trabalho exigia uma linha direta para Washington; o de Cathy, uma para Baltimore. Além disso, tinham uma linha local.
– Fale – respondeu Cathy.
– Rob e Sis vêm almoçar com a gente – disse Jack a sua esposa–. Assaremos salsichas na churrasqueira?
– Mas meu cabelo está horrível! – gemeu Caroline Ryan.
– Bom, se quiser asso isso com as salsichas. Acenda o carvão, por favor. Ainda faltam uns vinte minutos.
Na verdade, foram pouco mais de trinta. Ryan deixou a cortadora junto com seu “Jaguar” e foi se lavar e barbear. Saía do banho quando o carro de Robby parou em frente a sua casa.
– Como diabos chegou tão rápido? – perguntou Jack, que não tinha tido tempo para mudar de roupa.
– Preferia que eu me atrasasse, doutor Ryan? – perguntou Robby ao descer do automóvel com sua esposa. Cathy saiu à porta e houve troca de beijos, cumprimentos e perguntas sobre o que faziam ultimamente. As mulheres passaram à sala, os homens, ao pátio. As brasas não estavam ainda acesas.
– Feliz com a promoção?
– Estarei mais quando promoverem meu salário. – Durante um tempo, teria os galões de capitão de navio, mas receberia o salário de seu posto anterior–. Além disso, vão me dar o comando de uma esquadrilha. O almirante Painter me disse isso ontem à noite.
– Caramba! – Jack bateu no ombro dele com força–. Um grande salto, não é?
– É enquanto fizer bem meu trabalho. A Marinha dá e a Marinha tira. Isso acontecerá dentro de um ano e meio, o que significa abandonar meu escritório no Pentágono antes do esperado, ai de mim! –
Bruscamente sério, acrescentou –: Mas esse não é o motivo da visita.
– Qual é então?
– Jack, que merda vocês estão fazendo na Colômbia?
– Não sei Rob.
– Por favor. Falemos sério. Merda estou informado! A clandestinidade da operação não vale uma moeda furada. Já sei, já sei, há coisas que não se podem dizer, mas o meu almirante está meio furioso de que usem suas tropas sem lhe avisar.
– Quem é?
– Josh Painter – disse Jackson–. O conheceu a bordo do Kennedy, recorda?
– Quem lhe disse isso?
– Uma fonte digna de crédito. Estive pensando. Nessa época me disseram que os russos perderam um submarino e que nós os ajudávamos a procurá-lo, mas nessa ocasião tiveram que operar meu chefe e meu avião precisou de três semanas na oficina. Havia algo mais por trás disso, algo que nunca apareceu nos jornais. Pena que não possam me dizer mais nada. Bem, deixemos isso de lado, quero te explicar por que vim.
“Essas duas casas de chefões do trafico que foram explodidas... As bombas foram lançadas de um caça-bombardeiro médio A-6E “Intruder” da Marinha. Não sou o único que está informado, Jack. quem montou a operação... quer dizer, a segurança é uma merda. Além disso, temos alguns soldados da Infantaria leve correndo por aquelas montanhas. Não sei o que fazem ali, mas, de novo, há muitos que estão sabendo. Se não puder me dizer nada, compreenderei. Tudo está compartimentado, cada um só sabe o indispensável, etcétera, etcétera, mas quero que saiba que o assunto está se espalhando. E que no Pentágono vai haver gente muito, mas que muito zangada quando isto começar a aparecer nos noticiários.
Não sei quem é o cretino que montou tudo isto, mas na cúpula dizem que não serão os marinheiros os que pagarão o pato. Desta vez, não.
– Vamos, Rob, se acalme. – Ryan abriu um par de latas de cerveja.
– Jack, não deixaria de ser seu amigo por nada nesse mundo. Sei que seria incapaz...
– É que não sei do que me está falando! Merda, não sei de nada! A semana passada, na Bélgica, disse-lhes que não sabia nada. na sexta-feira passada, em Chicago, disse a esse cara, Fowler, e a sua assessora que não sei nada. E o mesmo digo a você.
Jackson refletiu antes de responder.
– Jack, se fosse outro, te acusaria de mentiroso. Fala sério? Deus Santo! é um problema dos grandes.
– Capitão, dou-lhe minha palavra de honra que não sei de nada.
– Isso sempre acontece – disse Robby depois de esvaziar a lata de cerveja –. Há homens nossos ali, matando e talvez morrendo, mas ninguém sabe nada. Droga, eu adoro que me usem como um peão. Sabe se for questão de arriscar-se, por mim não há problema, mas eu gosto de saber por que.
– Tentarei verificar o que está acontecendo.
– Perfeito. Então não lhe disseram nada?
– Nenhuma palavra, mas vou saber. Já que estamos nisso, pode passar uma sugestão a seu chefe.
– Sim?
– Diga a ele que não fale com ninguém até que eu me comunique contigo.
As últimas dúvidas dos irmãos Patterson se dissiparam no domingo a tarde. Na hora da visita, cada uma jurou a seu homem – não tinham o menor problema para distinguir-se entre eles– amor eterno por havê-la liberado do cafetão. Já não era só questão de sair da prisão. Ao voltar para a cela, tomaram sua decisão.
Henry e Harvey ocupavam a mesma cela por razões de segurança. Se fossem separados, teria bastado uma troca de camisa para mudarem de cela e – posto que fossem ardilosos – armar uma confusão dos diabos. Além disso, a diferente da maioria da população carcerária, não brigavam entre si, eram presos tranquilos que não causavam problemas. Por isso podiam trabalhar em paz.
As prisões são edifícios destinados a sofrer maus tratos. O chão é de concreto sem revestimento, porque se houvesse tapetes ou linóleo, os detentos poderiam atear fogo. A superfície lisa de concreto é uma excelente pedra de amolar. Cada irmão tinha uma boa parte de arame grosso tirado do estrado da cama. Ainda não se inventou uma cama de prisão que não precise de metal, o que serve por sua vez para fabricar armas brancas. No jargão carcerário essas armas se chamam puas, um nome feio, de acordo com sua finalidade. A lei diz que as prisões não são meras jaulas onde se encerra os homens como animais num zoológico, e essa prisão, como muitas outras, tinha uma oficina de carpintaria. Mente vazia oficina do capeta, dizem os juízes. O fato de que o demônio já vive na mente dos criminosos significa que nessas oficinas há ferramentas e materiais para fabricar puas mais eficazes. Cada irmão tinha consigo um pedaço de madeira perfurado e um pedaço de fita isolante. Trabalhando em turnos, eles esfregavam sua pua no chão até obter uma ponta aguda como a de uma agulha enquanto o outro montava guarda se por acaso aparecesse um guarda. O arame era duro, de boa qualidade, mas na prisão a tempo de sobra. Finalizada essa tarefa, cada arame foi introduzido na ranhura de seu correspondente pedaço de madeira, feita com toda precisão com o buril da oficina. Preso o arame por meio da fita isolante, cada irmão tinha uma pua de quinze centímetros, capaz de infligir uma funda ferida no corpo humano.
Esconderam suas armas – os prisioneiros são muito hábeis– e começaram a elaborar as táticas.
Qualquer graduado de uma escola de guerrilha ou terrorismo os teria escutado com respeito. Apesar da crueldade da linguagem e da ausência dos termos técnicos que os especialistas em guerra urbana empregavam, os irmãos Patterson compreendiam muito bem o conceito de missão. Sabiam aproximar-se furtivamente, criar uma manobra de distração e limpar os rastros depois de executar a missão. Contavam com a ajuda tácita de seus companheiros de cela, porque as prisões são comunidades de homens maus e violentos, mas unidos até o fim; nesta, os piratas não gozavam da menor estima, e os Patterson eram considerados malfeitores rudes e “íntegros”. Além disso, sabia-se que não era conveniente ficar mau com eles: essa fama respirava a colaboração e desestimulava os falatórios.
Outra característica da prisão é a higiene pessoal. Os criminosos não são pessoas de tomar banho com frequência se fossem liberados a seu próprio arbítrio, e em razão dessa conduta favorece as doenças, a visita à ducha é parte de uma rotina invariável. Os irmãos Patterson contavam com isso.
– O que significa isso? – perguntou o homem de sotaque espanhol ao doutor Stuart.
– Significa que sairão em liberdade dentro de oito anos. Tendo em vista que assassinaram uma família inteira e que os encontraram em posse de uma grande quantidade de cocaína, é um acordo muito bom – disse o advogado.
Não gostava de receber clientes aos domingos, sobre tudo um cliente como esse, no escritório de sua residência, estando sua mulher e seus filhos no jardim. Mas a decisão de tratar com os traficantes tinha sido dele. A cada caso que assumia voltava a sentir o mesmo remorso por ter aceitado o primeiro: nessa ocasião tinha obtivera a liberdade do acusado graças a um “tecnicismo legal”, porque os agentes da DEA tinham contaminado as provas. Com essa vitória ganhou cinquenta mil dólares por quatro dias de trabalho e certa fama na comunidade dos traficantes, que tinha dinheiro de sobra para gastar, inclusive em advogados criminalistas. As pessoas não podiam lhes negar nada. Infundiam terror, inclusive matavam aos advogados os desagradavam.
Ao mesmo tempo, pagavam honorários tão altos, que Stuart podia se ar ao luxo de oferecer gratuitamente seus valiosos serviços a clientes de poucos recursos.
Ao menos isso, repetia isso às vezes durante suas noites de insônia, para justificar seu trato com esses animais.
– Veja bem eles seriam mandados para a cadeira elétrica, ou no melhor dos casos, prisão perpétua, e eu consegui que reduzissem a pena para vinte anos, com liberdade condicional aos oito de pena cumprida.
Merda, melhor trato que esse não há!
– Eu acho que sim – disse o homem, com um olhar e uma voz tão absolutamente inexpressiva, que parecia uma máquina. O advogado estava apavorado: jamais havia possuído uma arma, e muito menos disparou uma.
Esse era o outro termo da questão. Não contratavam um só advogado. Sempre havia outro profissional, que lhes aconselhava sem aparecer no caso. era uma medida de segurança e certamente do ponto de vista profissional, era lógico que procurassem uma segunda opinião. Em certos casos especiais, era uma maneira de assegurar-se que o advogado não fazia acordos desleais com o Estado, como costumava acontecer nos países de origem dos traficantes. E nos Estados Unidos também, diriam alguns.
Stuart podia usar a informação obtida dos guarda costeira para que o juiz não aceitasse o caso antes de chegar a julgamento. As probabilidades eram de cinquenta por cento. Stuart era um homem hábil, inclusive brilhante, no foro, mas Davidoff não ia ficar para trás e ninguém podia prever a decisão de um jure – integrado por sulistas conservadores, fanáticos da lei e da ordem– num caso semelhante.
O homem que aconselhava a seus clientes das sombras não sabia o que era ir a julgamento.
Provavelmente era um acadêmico, pensou o advogado; um professor que se dedicava a assessorar os traficantes para aumentar seus ganhos. Quem quer que fosse Stuart sentiu que o (ou a) detestava?
– Se fizemos o que você diz, corremos o risco de perder o caso e mandá-los para a cadeira elétrica.
– Também significava arruinar a carreira de dois marinheiros da guarda costeira que, embora tivessem cometido um erro, de maneira nenhuma tinha a gravidade da de seus clientes. A ética obrigava o advogado a dar a seus clientes a melhor defesa possível dentro da lei e as pautas de conduta profissional; mas, sobre tudo, dentro dos limites de seus conhecimentos e sua experiência, quer dizer, seu instinto, que era tão real e valioso como intangível. Nas faculdades de Direito dedicavam horas e horas de cadeira a elucidar como se equilibrava essa balança de três pratos, mas as respostas que surgiam nos anfiteatros eram mais claras que as do mundo real, além dos jardins da cidade universitária.
– Mas poderiam sair em liberdade.
Refere-se à apelação, pensou Stuart. Isso lhe convenceu de que recebiam assessoramento acadêmico.
– O melhor conselho profissional que posso dar a meus clientes é que aceitem o acordo que negociei.
– Seus clientes rechaçarão esse conselho. Dirão a você que..., como se diz...? procure o objetivo de máxima segurança. – O homem sorriu como uma máquina perigosa.
– Essas são suas instruções. bom dia, doutor Stuart. Não se incomode, conheço o caminho à porta. –
A máquina saiu.
Stuart contemplou sua biblioteca uns instantes antes de telefonar. Melhor fazer o de uma vez. Não havia motivos para que não avisasse a Davidoff o mais cedo possível. Embora não se tivesse feito um anúncio formal, os rumores ganharam a rua. perguntou-se como reagiria o promotor geral. Sua resposta inicial era previsível: Fizemos um acordo! – diria com indignação, e adicionaria resolvido: De acordo.
Veremos o que diz o jure!
Davidoff empenharia todo seu talento e se produziria uma batalha épica no tribunal federal do distrito. Para isso existiam os tribunais de justiça, depois de tudo. Haveria uma discussão fascinante em torno da teoria do direito; mas, como na maioria dos casos, a polêmica teria pouco a ver com o bem e o mal, menos ainda com o que tinha acontecido a bordo do navio Empire Builder, e nada absolutamente com a justiça.
Murray estava em seu escritório. Ter se instalado na cidade não tinha modificado sua rotina.
Geralmente – não sempre – ia a sua casa para dormir, mas passava menos tempo nela que quando vivia no distrito londrino de Kensington e era adido legal da Embaixada em Grosvenor Square. Não era justo.
O custo de viver na capital era elevado – sobre tudo para os que viviam com um salário do Estado–, e nem sequer podia aproveitar sua casa.
Era domingo, dia de descanso de sua secretária, por isso teve que atender ele mesmo a chamada que chegou por sua linha privada direta.
– Sim? Aqui fala Murray.
– Sou Mark Bright. houve novidades no caso dos piratas. Seu advogado telefonou ao promotor para anular o acordo. Diz que o vai apresentar. Levará os guarda costeira no estrado para que o juiz dite o desistência sobre a base do que fizeram. Daviddoff está muito preocupado.
– O que lhe parece que decidirá?
– Vai tentar de todas as formas para pedir a pena de morte por homicídio relacionado com o narcotráfico. E se para isso tiver que crucificar os guarda costeira, esse será o preço da justiça. Não sou eu que estou dizendo, mas ele é que disse. – Como muitos agentes do FBI, Bright era advogado –. Sobre a base de minha experiência, parece-me bem nebuloso. Dan. Davidoff é bom, sabe convencer os jurados, mas o defensor também é. Chama-se Stuart, os caras da DEA o detestam, mas é um sujeito hábil. A lei não é muito clara. O que dirá o juiz? Impossível saber. O que decidirá o jure? Depende do que diga e faça o juiz.
É como querer apostar na final, quando o campeonato não começou ainda. E isso que ainda não falamos do que vai acontecer na Câmara Federal de Apelações depois do julgamento em primeira instância. A única coisa certa é que vão crucificar os guarda costeira. É uma pena, mas Davidoff chutar o traseiro deles por colocá-lo nesta confusão.
– Avise a eles. – Murray se disse que era uma reação impulsiva, mas sabia que não. Acreditava na lei, mas acreditava mais ainda na justiça.
– Pode repetir senhor?
– Devemos a eles a Operação TARPON.
– Sr. Murray – já não o tratava de “Dan”–, é possível que tenha que prendê-los. Talvez o promotor os leve a julgamento...
– Avise a eles. É uma ordem, Sr. Bright. Imagino que a Polícia local conta com um bom advogado de defesa. Recomende esse advogado ao capitão Wegener e seu pessoal.
Bright vacilou antes de responder:
– Senhor, essa ordem poderia aparecer como...
– Faz muito que estou no FBI, Mark. Muito tempo, diria eu. – Era o cansaço, e algo mais, o que lhe levava a falar assim–. Mas não vou ficar tão tranquilo enquanto armam uma armadilha para esses homens que nos ajudaram. Deverão prestar contas ante a lei, mas pelo menos vão ter as mesmas oportunidades que esses piratas filhos da puta. Devemos a eles isso e muito mais. Anote que eu lhe dei essa ordem e cumpra-a.
– Entendido – disse Bright, e Murray percebeu claramente que se abstinha de adicionar em voz alta, merda!
– Precisam de nossa ajuda para o caso?
– Não, senhor. Já temos os resultados das análise. Desse ângulo, o caso está assegurado. A prova do DNA indica que as amostras de sêmen pertencem aos dois acusados e as de sangre a duas das vítimas. A mulher era doadora, achamos um quarto de litro de seu sangue em uma geladeira da Cruz Vermelha.
A outra amostra era da filha. Davidoff diz que isso é suficiente para ganhar o caso.
A prova do DNA se convertia rapidamente em uma das armas forenses mais efetivas do FBI. Na Califórnia, dois homens que achavam ter cometido o crime perfeito – violação e assassinato– estavam a ponto de entrar na câmara de gás graças aos trabalhos de dois bioquímicos do FBI e uma análise clínica relativamente barata.
– Se precisar de algo me chame nesta linha. Lembre que em tudo o que esteja relacionado com o assassinato de Emil tenho a autoridade necessária.
– Sim, senhor. Perdoe que o incomodo no domingo.
– Adeus.
Era para rir. Murray fez girar a cadeira para contemplar a avenida Pennsylvania através da janela.
Era uma agradável tarde de domingo. As pessoas percorriam a avenida presidencial e se paravam para comprar sorvete e camisetas alusivas nos postos guias de ruas. Mas por essa mesma rua, mais à frente do Congresso, chegava-se a um distrito que os turistas evitavam cuidadosamente; lá havia outras coisas para ver e sobre tudo para comprar.
– Droga maldita! – sussurrou. Quanto mais danos iriam causar?
O subdiretor no comando das Operações também estava em seu escritório. Em um intervalo de duas horas recebeu três sinais de VARIÁVEL. Enfim, era esperada uma reação por parte do oponente, mas, parecia mais rápida e organizada que o previsto. Em todo caso, não era algo que não esperassem. As tropas foram selecionadas por suas habilidades e destreza... e porque eram desconhecidas. Os Boinas Verdes do “Special Warfare Center”, em Fort Bragg, Carolina do Norte; os rangers de Fort Stewart, Georgia ou os efetivos do novo comando de Operações especiais de MacDill teriam chamado à atenção.
Em troca, a Infantaria leve tinha quatro divisões quase completas e muito separadas entre si: eram quarenta mil homens disseminados entre Nova Iorque e Hawai, com as mesmas habilidades que os soldados das unidades mais célebres; a escolha de quarenta entre quarenta mil era mais fácil de esconder.
Alguns não voltariam. Sabia desde o começo, e estava certo que eles também. Eram efetivos, e os efetivos se gastam; era uma realidade dura, mas inevitável. O homem que aspirava a uma vida sem risco não se alistava na Infantaria leve nem se reengajava ao terminar seu serviço, nem aceitava uma missão que lhe apresentavam como perigosa. Não eram uns empregados de escritório que tinham lançado à selva com a ordem de se virar o que pudessem. Eram soldados profissionais, sabiam o que os esperava.
Isso se dizia Ritter algumas vezes. Mas se você mesmo não sabe o que os espera, como poderiam eles saber? – perguntava sua mente.
Mas o insólito era que a operação estava de acordo com os planos, e não sobre papéis, mas na realidade. A genial ideia de Clark de desatar uma guerra interna no Cartel por meio de alguns atos de violência isolados parecia estar alcançando seus objetivos. Como explicar então o atentado contra Escobedo? Alegrava-lhe que Cortez e seu chefe tivessem saído com vida. Haveria vinganças, confusão, alvoroço: era a oportunidade para que a CIA se retirasse do campo sem deixar rastros.
E nós o que temos a ver com isso? – responderia a Agência aos jornalistas que começariam a acossá-la no dia seguinte. Ritter estava certo disso; mais ainda, surpreendia-lhe que não tivessem começado ainda. Mas as peças do quebra-cabeças começavam a separar-se ao invés de unir-se. A esquadrilha de batalha do Ranger navegaria para o Norte para prosseguir seus exercícios durante a lenta travessia até San Diego. O representante da CIA abandonara o navio e voava de volta com a segunda fita, a última. As demais bombas de “treinamento” ficariam sobre balsas abandonadas, como parte de um exercício normal de lançamento. Ninguém se daria conta de que a base de provas da Marinha na Califórnia não as tinha entregado oficialmente. Ou talvez sim. Em tal caso, atribuiriam a um dessas confusões que ninguém poderia explicar. Não, o único problema eram os efetivos no terreno. Podia mandar que fossem retirados imediatamente, mas convinha que permanecessem lá uns dias a mais.
Sempre podiam fazer algo, e, enquanto tomassem cuidado, não lhes aconteceria nada. O oponente não podia ser tão hábil.
– Bom o que está acontecendo? – perguntou o coronel Johns.
– Temos que trocar os motores – disse Zimmer –. Este se fundiu. Os cilindros estão bem, mas o compressor não presta. Talvez na base possam reconstruí-lo, mas aqui não dispomos de ferramentas, senhor.
– Quanto tempo?
– Seis horas, mas temos que começar agora.
– Prossiga Buck.
Tinham dois motores de reposição. Entretanto, o hangar que alojava o “Pave Low” III não tinha espaço para o helicóptero e o MC-130 que o abastecia de combustível e reposição. Zimmer indicou a outro suboficial que abrisse a porta. Além disso, precisavam de um carrinho de mão especial e uma guia para erguer os motores turvo T-64.
As portas deslizantes do hangar começaram a abrir no momento em que um antigo caminhão entrava na base. Vários homens se precipitaram para o veículo. Era um dia abafado no Panamá – um lugar do mundo onde só se vê neve nos filmes –, e os homens tinham sede. Todos conheciam condutor, um panamenho que lhes vendia bebidas frias desde sempre e ganhava a vida com isso.
Além disso, era aficionado por aviões. Depois de anos a observá-los e de conversar com os mecânicos, estava familiarizado com todo o inventário da Força Aérea dos Estados Unidos: teria sido um elemento útil para qualquer serviço de Inteligência que se tivesse se incomodado em contratá-lo. Mas ele era incapaz de prejudicá-los. Embora estivesse acostumado a mostrar-se arrogante quando seu caminhão sofria um defeito, não faltava um mecânico de macacão de trabalho verde que o reparasse sem cobrar. No Natal sempre havia presentes para ele e seus filhos. Inclusive tinha conseguido que os levassem a passear de helicóptero para ver sua casa do ar. Um não era qualquer pai que podia dar semelhante alegria a seus filhos! Os norte-americanos não eram perfeitos, mas muito justos e, além disso, se mostravam generosos se não tentasse enganá-los. Não esperavam que os “nativos” fossem honestos, e menos agora que os governava esse palhaço com cara picada como a casca de uma abacaxi.
Ao distribuir coca-colas e batatas fritas viu um “Pave Low” III no hangar: um helicóptero enorme, terrível e, a sua maneira, muito formoso. Assim se explicava a presença do avião tanque “Combat Talon”, e a dos sentinelas armados que lhe obrigavam a mudar de rota. Conhecia bem os dois aparelhos, e embora jamais revelasse tudo o que sabia deles, a mera menção de sua presença não fazia mal a ninguém, não é verdade?
Mas da próxima vez, depois de lhe pagar o combinado, pediriam a ele que tomasse nota das horas de partida e retornos.
Durante uma hora seguiram numa marcha forçada, mas depois voltaram ao seu passo normal, lento, cauteloso e concentrado. Não gostavam de se deslocar durante o dia.
A noite era dos ninjas, mas o dia era de todos: qualquer um podia caçar quando havia luz. Os soldados levavam vantagem sobre qualquer que os viesse caçar – embora os outros também fossem soldados–, mas a luz do dia eliminava algumas vantagens. Como jogadores profissionais, gostavam de jogar com o máximo de vantagens. Um bom esportista teria dito que isso era jogo “sujo”, mas o combate tinha deixou de ser um esporte no dia em que um gladiador chamado Espartacus resolveu trabalhar por conta própria, embora os romanos tenham precisado de duas gerações a mais para compreendê-lo.
Todos estavam pintados para a guerra. A pesar do calor, estavam de luvas. Sabiam que o grupo SHOWBOAT mais próximo estava a quinze quilômetros ao sul. Por isso, qualquer que um que cruzasse seu caminho era um elemento hostil ou inocente, mas nunca amistoso, e os soldados que tentam manter sua presença ignorada desconhecem o conceito de “inocência”. Deviam evitar qualquer contato, e se este acontecesse teriam que tomar medidas imediatamente.
Várias regras tinham mudado. Não se deslocavam em fila indiana, porque dessa forma deixavam rastros. Chávez ia na ponta, seguido a vinte metros por Urso, mas o resto do pelotão avançava em linha, mudando constantemente de direção igual à defesa de uma equipe de futebol americano, embora sobre um frente imensamente maior. Depois começariam a voltar sobre seus rastros para surpreender qualquer que pretendesse segui-los. No momento, deviam deslocar-se até um ponto designado para observar o inimigo. E esperar novas ordens.
O tenente de polícia não costumava ir à missa vespertina na igreja batista da rua Grace, mas nessa noite o fez. Chegou tarde, embora isso fosse habitual para ele, apesar de ir a todas as partes no seu carro de policia sem identificação. Parou o carro perto do beira do estacionamento, entrou, sentou-se bem atrás e se certificou que sua voz desafinada fosse ouvida no hino.
Quinze minutos depois, outro automóvel sem placa parou ao lado do dele. Um homem armado com uma barra de ferro quebrou a janela dianteira direita e rapidamente subtraiu o radiotransmissor, a escopeta presa sob o painel... e a maleta sobre o assento, a mesmo que continha às provas. Essa maleta reapareceria só se os irmãos Patterson não cumprissem sua palavra. Os policiais são pessoas honradas.
XXIII
COMEÇAM OS JOGOS
Apesar da ausência de Ryan durante uma semana, a rotina matinal não tinha variado. O motorista acordou cedo, foi em seu carro a Langley, entrou no “Buick” oficial e recolheu vários papéis para o passageiro. Estes foram numa maleta metálica com fechadura de segurança e dispositivo de autodestruição.
Ninguém nunca antes havia atacado esse veículo ou seus ocupantes, mas não se poderia estar certo que nunca aconteceria. O motorista, que era guarda de segurança da CIA, trazia uma pistola “Beretta” 92-F, calibre nove milímetros, e havia uma metralhadora “Uzi” sob o painel. Treinava com o Serviço Secreto e era especialista em proteção de pessoas, neste caso do SDI. Teria desejado que o sujeito vivesse mais perto da capital, ou que lhe aumentassem o salário por ter que dirigir tanto. Percorreu o percurso da capital até a saída da estrada 50 de Maryland.
Jack Ryan acordou às 6:15, uma hora que lhe parecia mais e mais cedo à medida que se aproximava dos quarenta. Sua rotina era similar a da maioria das pessoas que trabalham; embora, por ser casado com uma médica, o que lhe serviam no café da manhã não era saboroso, mas saudável. depois de tudo o que tinham de ruim as gorduras, o açúcar e os conservantes químicos?
Às 6:55 já tinha tomado o café da manhã, estava vestido e lia o jornal da manhã. As crianças se preparavam para ir à escola: levá-los era tarefa de Cathy. Beijou sua filha, mas não a Jack filho, que já era um homenzinho e desdenhava desses costumes de bebê. Nesse momento chegou seu carro oficial, tão pontual quanto uma ferrovia ou uma linha aérea deveriam ser.
– Bom dia, doutor Ryan.
– Bom dia, Phil.
Abriu a porta – não gostava que o motorista fizesse isso –, sentou-se e terminou de ler o Washington Post. Sempre se reservava as tirinhas cômicas para o final: sua preferida, como a de todos em Langley, era a de Gary Larson. Quando o veículo se afundou no pesado trânsito da estrada 50 que se dirigia à capital, Ryan abriu a maleta e desativou o dispositivo de autodestruição por meio de seu cartão da CIA. Os documentos eram importantes, mas qualquer que atacasse o carro se interessaria mais por ele que pelos papéis, e na CIA ninguém se tinha ilusões que Ryan – ou qualquer outro funcionário – fosse capaz de resistir um interrogatório. Tinha quarenta minutos para inteirar-se dos acontecimentos da noite anterior; isto servia de complemento das informações que os chefes de seção e os oficiais de guarda noturno lhe apresentariam.
A leitura prévia do jornal servia para pôr as informações oficiais em perspectiva. Ryan sabia que as análise jornalísticas costumavam ser errôneas, mas, no fundo, faziam o mesmo que a CIA: reuniam informação e a difundiam. Deixando de lado algumas áreas muito técnicas – e de importância vital, como o controle de armamentos–, às vezes eram tão eficientes quanto os funcionários do Governo especializados que enviavam suas informações para Langley. Certamente o salário de um bom correspondente estrangeiro era muito melhor que o de um agente, e o dinheiro atraía o talento. Além disso, os jornalistas estavam autorizados a escrever livros, fato que os correspondentes em Moscou aproveitavam há muitos anos. Ryan sabia que a diferença entre ter ou não ter acesso aos segredos estava em relação direta com as fontes. Apesar de ocupava um cargo tão alto, a informação a que tinha acesso não era muito diferente da que aparecia nos jornais mais sérios. A diferença era que Jack conhecia as fontes da informação, o que lhe permitia apreciar sua confiabilidade. Era uma diferença sutil, mas, em algumas ocasiões, crucial.
O primeiro relatório se referia à União Soviética, onde estava em marcha um processo extremamente interessante, embora ninguém fosse capaz de prever sua dinâmica.
Perfeito. Jack e a CIA o tinham antecipado muito antes. Mas se esperava algo a mais deles. Por exemplo, a doutora Elliot detestava a Agência pelo que fazia – na verdade, por coisas que tinha deixado de fazer–, mas esperava que fora onisciente. Quando compreenderiam que era tão fácil para um analista de Inteligência prever o futuro como para um jornalista esportivo profetizar que equipes chegariam a final do campeonato de beisebol?
Embora faltassem poucas partidas, em uma só zona havia três equipes em condições de chegar a final. Nesta situação, as agências de apostas faziam uma fortuna. Pena, pensou Ryan cinicamente, que as agências não aceitassem apostas sobre quem chegariam ao Politburo ou até onde iria a glasnost, ou como resolveria o problema das “nacionalidades”, porque lhe serviria de guia. Quando chegaram ao entorno da capital, já tinha entrado nas informações da América Latina, onde uma bomba tinha eliminou um chefe do narcotráfico chamado Fontes.
Pobre diabo – pensou Jack. Em seguida voltou do pensamento abstrato para a terra. Não dessas mortes ninguém chorava, mas lhe preocupava que a causa fosse uma bomba lançada por um avião americano. Isso era o que Beth Elliot detestava: que alguém se evocasse ser o juiz, jure e carrasco. Não era tanto um problema do bem contra o mal mas de conveniência política, e talvez de ética. Os políticos se preocupavam mais com os “problemas” que com os “princípios”, mas usavam os dois essencialmente como se fossem sinônimos.
Droga como você está cínico hoje Ryan. Como diabos Robby Jackson soube desses fatos? Quem montou a operação? O que vai acontecer se a notícia se espalhar?
Mais ainda: será que é problema meu? Sim ou não?
É um problema político, Jack. O que você tem a ver com a política no seu trabalho? Deve fazer alguma coisa ou não?
Era um tema apaixonante para uma discussão filosófica; com sua formação jesuítica, Jack estava em condições de sustentá-la, além disso, fascinava-lhe. Mas neste caso não se tratava da análise abstrata de alguns princípios e hipóteses. Tinha que estar informado. Em qualquer momento podiam obrigá-lo a comparecer ante o Comitê do Senado, e nesse caso, deveria responder imediatamente.
Se mentisse, o enviariam para a prisão. Era a outra face de sua promoção.
Se respondesse que não sabia, embora fosse verdade, o Comitê não acreditaria; o jure, tampouco.
Nesse caso, a honestidade não lhe serviria de escudo. Que bela ideia, não?
Jack observou o templo mórmon na Avenida Connecticut, perto do cinturão. Era um edifício de aspecto estranho, embora fosse grandioso, com essas colunas de mármore e essas cúpulas douradas. Esse imponente edifício era o monumento a uma fé estranha para um católico praticante como Ryan, mas as pessoas que a professava eram honradas e trabalhadoras, e fervorosamente leal a seu país, porque acreditava nos ideais dos Estados Unidos. No fundo, isso era o mais importante, pensou Ryan. Um luta por algo ou não o faz patriota. Qualquer idiota pode estar contra algo, como uma criança mimada ao dizer que não gosta de uma comida que não provou. Essas pessoas acreditavam em algo muito claro. Pagavam seus dízimos e com esses recursos, construíam esse monumento a sua fé, assim como os camponeses da Idade Média, apesar de sua miséria, ajudaram a erigir as grandes catedrais, e com a mesma finalidade.
Ninguém os levava em conta, apenas Deus, em que acreditavam. As catedrais – testemunhas da fé–
conservavam toda sua glória e ainda eram usadas para seus fins próprios. Quem recordava os problemas políticos da época? Os nobres e seus castelos caíram, as dinastias reais desapareceram e a única coisa que se conservava dessa época eram os monumentos da fé, da crença em algo que transcendia a existência corporal do homem, expresso em pedras esculpidas pelas mãos do homem. Podia haver melhor prova do que era o importante? Certamente, Jack não era o primeiro a formular esses perguntas, mas a muito poucos era dado perceber a verdade com tanta clareza como a Ryan nessa manhã de segunda-feira.
Comparado a isso a conveniência política era algo superficial, efêmero e bem inútil.
Ainda faltava determinar o que faria, e sabia que talvez outros determinariam suas ações, mas ao menos tinha um norte para se orientar. No momento, isso lhe bastava.
Quinze minutos mais tarde, o carro atravessou o portão, contornou o edifício principal e entrou na garagem. Ryan guardou os documentos na maleta e subiu para o sétimo andar. Nancy já tinha ligado à cafeteira. Em cinco minutos chegariam seus subordinados para apresentar as informações. Restava a ele esses minutos para pensar.
O que tinha sido suficiente no caminho pelo cinturão da cidade, já não o era. Tinha que agir, e embora se guiasse pelos princípios, a ação requeria uma tática. Para isso não tinha respostas ainda.
Os chefes de departamento chegaram a tempo e apresentaram suas informações. O chefe estava muito calado e introspectivo nessa manhã. Em geral, estava costumava fazer perguntas e algumas brincadeiras, mas dessa vez se limitava a assentir e dizer: “Ok”. Talvez tenha passado um fim de semana ruim.
Para outros a segunda-feira era o dia para ir ao tribunal, consultar seu advogado e enfrentar o jure.
O acusado num julgamento criminal tinha direito a apresentar-se limpo e arrumado perante o jure, por isso era a hora do banho na prisão de Mobile.
Como em todos os aspectos da vida carcerária, a segurança era o primeiro. abriram-se as portas das celas e os prisioneiros, com suas toalhas e sandálias, partiram em fila para o extremo do corredor, vigiados de perto por três carcereiros experientes. O bate-papo entre eles era normal: grunhidos, brincadeiras, alguns palavrões. No refeitório, no pátio de exercícios ou em seus momentos de descanso, os detentos se dividiam espontaneamente em grupos raciais, mas a lei proibia a segregação nos pavilhões.
Os guardas sabiam que isso gerava violência, mas os juízes não se guiavam pela realidade, mas sim pelos princípios. E se alguém morresse, era culpa dos guardas. Estes constituem o setor mais cínico dos servidores da lei: a polícia os despreza, os detentos os odeiam, e a sociedade em geral não os olha com bons olhos. É difícil gostar de seu trabalho, quando sua primeira preocupação é a segurança pessoal. Era um trabalho verdadeiramente perigoso. A morte de um detento não podia ser tratado com leviandade.
Dava lugar a uma investigação realizada pelos guardas, a polícia e inclusive o promotor; mas, para eles, a vida do criminoso era de pouco valor comparado à própria.
Contudo se esforçavam em fazer as coisas da melhor forma possível. Eram peritos e sabiam vigiar.
Claro que os detentos também sabiam disso e em última análise se desenvolvia um processo similar ao de um campo de batalha ou ao das guerras clandestinas entre agências de espionagem. Medidas e contramedidas táticas evoluíam com o tempo. Alguns detentos eram mais ardilosos que outros. Alguns eram verdadeiros gênios. Outros, sobre tudo os jovens, mostravam-se temerosos e submissos, e sua única ambição era a mesma dos guardas: sobreviver num ambiente perigoso. Cada tipo de prisioneiro requeria uma forma de vigilância diferente. Era um trabalho exigente, e os erros, inevitáveis.
Cada um deixou sua toalha no gancho correspondente e partiu nu, com o sabão na mão, para o compartimento de banho, onde havia vinte chuveiros. O guarda que os vigiava não viu arma alguma. Mas era jovem, ainda não aprendera que há um lugar em que um homem resoluto pode esconder alguma coisa.
Henry e Harvey Patterson ocuparam duchas contiguas em frente aos piratas, que tinham cometido à estupidez de ir para um canto onde o guarda não pudesse vê-los. Trocaram um sorriso furtivo. Os filhos da puta se achavam uma dupla de duques, mas não eram muito espertos. Os irmãos se sentiam incomodados.
Os pedaços de madeira estavam recobertos com fita isolante, que era Lisa mas tinha bordas cortantes. Não era fácil caminhar de forma normal. Doía. A água quente começou a cair e o recinto se encheu de vapor. Os irmãos Patterson aplicaram em si mesmos sabão no lugar necessário para facilitar a saída das puas, que seriam visíveis para um guarda atento, mas sabiam que este era novato. Harvey fez um sinal a uma dupla de presos perto da porta. A distração se iniciou com um diálogo bem vulgar:
– Me devolva o sabão seu filho da puta!
– Puta é sua mãe – respondeu o outro sem perder a calma.
Cruzaram-se alguns golpes.
– Que merda está acontecendo? Vamos, acabem já, droga! – gritou o guarda.
Nesse momento, outros dois se uniram à refrega: os detentos sabiam o porquê do que fazia, o outro era um jovem novato que estava assustado e se limitava a se defender.
A reação em cadeia se estendeu a todo o compartimento. O guardião retrocedeu para a porta para pedir ajuda.
Henry e Harvey se voltaram de puas na mão. Ramón e Jesus não os viram. Olhavam a briga, certos de que não se meteriam nela; não sabiam que era puro teatro.
Harvey encarou a Jesus; Henry, a Ramón.
Jesus não teve tempo de se dar conta, só viu uma forma marrom que se aproximava e sentiu um par de golpes no peito. Ao abaixar os olhos viu sair sangue de um buraco que lhe alcançava o coração – cada pulsação aumentava a ferida– ; mas, então, a mão parda voltou a golpeá-lo e um terceiro arco vermelho se uniu aos dois primeiros. Apavorado, tentou tampar os buracos com a mão para deter a hemorragia: não sabia que a maior parte do sangue invadia o pericárdio, onde causava a morte por congestão cardíaca.
Apoiou as costas contra a parede e se deslizou até ficar estendido no chão. Morreu sem saber o porquê.
Henry, que era mais inteligente, procurou um meio mais rápido. Ramón facilitou a tarefa, porque, ao vê-lo, girou a cabeça. Henry o empurrou contra a parede de azulejos e lhe cravou a pua na têmpora, ali onde o osso do crânio é fino como a casca de um ovo. De cima para baixo, direita-esquerda: Ramón se agitou como um peixe fisgado e caiu morto antes de chegar ao chão.
Cada Patterson pôs sua arma na mão da vítima do outro – no chuveiro, não havia impressões digitais– Juntaram os dois cadáveres e voltaram para seus chuveiros, onde se lavaram mutuamente e com vigor para eliminar qualquer possível rastro de sangue. De novo reinava a calma. Os que brigaram por uma pedaço de sabonete apertavam as mãos, apresentaram suas desculpas ao guarda e já terminavam seu banho. O vapor o ocultava tudo, e os Patterson continuavam se lavando. Em se tratando de evidencias, a limpeza era sagrada. Cinco minutos depois, cortou-se a água e todos saíram em fila.
O guarda fez a contagem de rotina – os guardas das prisões sabem contar muito bem – , e descobriu que faltavam dois, enquanto os dezoito restantes se secavam.
O guarda meteu a cabeça no compartimento dos chuveiros, preparado para gritar algo em seu espanhol primitivo, mas achou que viu um cadáver em meio da nuvem de vapor.
– puta que pariu! – Girou e chamou aos gritos os outros guardas– . Ninguém se mexe, merda! –
chiou.
– O que tá acontecendo? – perguntou uma voz anônima.
– Cara tenho que me apresentar no tribunal em uma hora – disse outra.
Os irmãos Patterson calçaram as sandálias, secaram-se e esperaram em silêncio. Outros talvez tivessem trocado um olhar de satisfação – acabavam de cometer um duplo assassinato a cinco metros de um policial – , mas eles não. Cada um sabia o que seu gêmeo pensava: a liberdade. Pagaram por um crime cometendo outros dois. Sabiam que a Polícia cumpriria sua palavra. O tenente era um policial incorruptível, e os incorruptíveis cumpriam suas promessas.
A notícia correu com uma rapidez digna da melhor agencia de notícias. O tenente escrevia um relatório quando chegou a sua mesa. Assentiu ao escutá-la e retomou a fastidiosa tarefa de explicar como tinham roubado de seu carro um radiotransmissor caro, uma maleta e, para cúmulo do azar uma escopeta.
– Talvez Deus quisesse te dizer que ficasse na sua casa para ver a televisão – disse outro tenente.
– Seu ateu de merda, por uma vez que... merda!
– Algum problema?
– O caso Patterson. Estava com os projéteis na maleta, esqueci de tirá-los. Duane, levaram as balas!
A nota do laboratório, as fotos, tudo.
– Huy, espere uma boa bronca por parte do promotor! Acaba de pôr em liberdade os caras, velho.
valeu a pena, pensou o tenente, embora não tenha dito.
Stuart recebeu a mensagem em seu estúdio, a quatro quadras dali, e lançou um suspiro de alívio. Por mais que se esforçasse, não podia lamentar a morte de seus dois defendidos: sim a do sistema que tinha sido incapaz de evitá-la, mas não a deles, que em vida não lhe tinham feito bem a ninguém. Além disso, como famoso defensor de narcotraficantes, tinha cobrado seus honorários antecipadamente.
Quinze minutos mais tarde, o promotor federal emitia uma declaração em que expressava sua indignação pela morte dos dois prisioneiros do Estado e assegurava que as autoridades realizariam uma investigação exaustiva. Acrescentou que queria executá-los legalmente, mas que a pena capital não tinha nada que ver com a morte nas mãos de um assassino anônimo. Foi uma declaração excelente, que recebeu ampla cobertura nos serviços de informação do meio-dia e nos da noite, para grande satisfação de Edward Davidoff. Suas possibilidades de ganhar uma cadeira no Senado dependiam, em grande parte, desse caso.
Agora, o povo diria que tinha sido feita justiça e o associariam com sua declaração e com seu rosto. Era quase como ganhar o caso no tribunal.
Certamente o advogado dos Patterson estava presente. Jamais falavam com a polícia sem a presença de seu advogado..., ou, ao menos, isso achava ele.
– Ouça – disse Harvey– , se ninguém se meter comigo, eu não me meto com ninguém. Escutei uma briga. Nada mais. Quando escuta uma coisa assim aqui dentro, se for esperto se olha para outro lado.
Quanto menos se souber melhor.
– Parece que meus clientes não podem contribuir com grande coisa para a sua investigação – disse o advogado aos investigadores– . Verificaram a possibilidade de que se mataram entre eles?
– No momento não estudamos nada, só estamos interrogando os que se achavam presentes nos chuveiros quando aconteceu.
– Portanto, não estão pensando em acusar a meus clientes de ter tido alguma participação neste lamentável incidente.
– Por hora não, advogado – disse o oficial superior.
– Muito bem, quero que conste na ata deste interrogatório. Que conste também que meus clientes não possuem informação alguma que seja de útil para esta investigação. Por último, que conste que não interrogarão meus clientes se não ser em minha presença.
– Muito bem, advogado.
– Obrigado. Agora, se me permitirem, desejo conversar com meus clientes em particular.
A conversa durou um quarto de hora, ao fim da qual o advogado compreendeu o que tinha acontecido. Não “sabia” num sentido metafísico ou legal, ou que tivesse algo que ver com a ética forense... mas sabia. Qualquer medida que tomasse sobre com base nas suas especulações constituiria uma violação da ética e de seu juramento como funcionário da Justiça. Fez a única coisa que cabia fazer: interpôs um recurso no caso contra seus defendidos. Antes que o dia terminasse, teria novas provas que desconhecia.
– Bom dia, juiz – disse Ryan.
– Bom dia, Jack. Lamento não poder lhe dedicar muito tempo, saio de viagem dentro de uns minutos.
– Senhor, se me perguntarem que diabos está acontecendo na Colômbia, o que eu respondo?
– Parece que o excluídos desta operação, não é verdade?
– Assim parece.
– É que tenho essa ordem. Imagine quem me deu ela. O que posso te dizer é que a Agência não explodiu ninguém. De acordo? É verdade que temos uma operação em curso ali, na Colômbia, mas não pusemos nenhuma bomba em um carro.
– Me alegro, senhor. Sabia que não era nosso estilo – disse com toda a serenidade que era capaz de fingir. Merda! Nem sequer o juiz me diz a verdade! – Então, se me chamarem no Congresso, digo o que senhor acaba de me dizer.
Moore se levantou de sua poltrona e sorriu.
– Terá que aprender a lidar com eles, Jack. Não é fácil nem agradável, mas verá que são pessoas sérias..., mais que Fowler e seu pessoal, se meus informantes não se enganaram.
– Poderia ter feito melhor, senhor – assentiu Ryan– . Me disseram que o almirante fez antes.
Deveria ter falado com ele.
– Ninguém quer que você seja perfeito, Jack.
– Obrigado, senhor.
– Bom, tenho que pegar um avião para a Califórnia.
– Boa viagem, juiz – disse Ryan ao sair do escritório. Foi a seu escritório e fechou a porta antes de permitir uma mudança de expressão.
“Merda – suspirou. Uma mentira simples e direta teria sido mais fácil de aceitar. Mas este não o era o caso. Tinham-na elaborado, estudado e ensaiado. Não pusemos nenhuma bomba em um carro.
Claro que não: deixaram que a Marinha o fizesse.
Muito bem, Jack. Agora, o que você fará?
Não sabia, mas tinha um dia inteiro para preocupar-se com isso.
Se retara alguma dúvida, na segunda-feira ao amanhecer se desvaneceu. Os sujeitos que andavam pela montanha não se foram. Passaram a noite num acampamento, a dois quilômetros ao sul, e Chávez os ouvia com clareza. Inclusive escutaram um disparo, mas não estava dirigido para o pelotão. Talvez tivessem visto um cervo, ou talvez fosse um acidente. O que fosse, era para se assustar.
O pelotão estava bem entrincheirado numa posição defensiva. Bem ocultos e camuflados, os ângulos de tiro eram adequados, sobre tudo, ninguém esperaria encontrá-los ali. Tinham enchido os cantis e se encontravam longe de qualquer manancial de água: qualquer que saísse para caçar soldados esperaria o contrário. Também os buscaria em terreno mais alto, mas quase dava no mesmo. Para cima, a ladeira estava densamente arborizada, ninguém poderia aproximar-se sem fazer ruído. Para baixo, era escorregadia e todos os caminhos visíveis do posto de vigia, de maneira que podiam esperar sua oportunidade para deslocar-se fosse necessário. Ramírez sabia escolher o terreno. Tinham ordens de evitar o contato com o inimigo; se não podiam evitá-lo, deviam golpear rapidamente e partir. Isso só significava uma coisa: que havia outros caçadores no bosque, além de Chávez e seus camaradas. Nenhum deles tinha confessado que tinha medo, mas todos se mostravam duplamente cautelosos.
Chávez ocupava um posto de escuta e observação fora do perímetro. Dali tinha uma boa visão das vias de aproximação e um caminho oculto por onde retornar se fosse necessário. Acompanhava-o Guerra, o sargento especialista em operações. Ramírez queria ter as duas SAW no acampamento.
– Talvez vão eles embora– sussurrou Ding, pensando em voz alta.
Guerra grunhiu com desdém:
– Parece-me que os fodemos muito. Agora o que nos faz falta é um bom esconderijo.
– Pelo ruído, devem ter parado para almoçar. Talvez se tomem seu tempo.
– Sim, e também fazem ruído de estar penteando a montanha como se fossem uma vassoura, que merda! Se não me enganar, veremos eles aparecerem por ali, embaixo dessa ladeira e reaparecer justo diante de nós.
– Pode que tenha razão Paco.
– Deveríamos ir de uma vez.
– Melhor se esperarmos a noite – disse Ding– . Agora que sabemos o que fazem, podemos evitá-los.
– Possivelmente. Parece que vai chover, Ding. Irão para as suas casas em vez de se molharem como uns idiotas?
– Saberemos dentro de duas horas.
– E a visibilidade vai a merda.
– Isso também.
– Ali! – exclamou Guerra.
– Vejo-os. – Chávez enfocou seus binóculos para as árvores.
Viu dois homens e pouco depois a outros seis. Apesar da distância, era evidente que ofegavam depois de um duro esforço. Alguém parou para beber de uma garrafa.
Cerveja?, perguntou-se Ding, muito erguido em meio de um clareira, como se quisesse que lhe disparassem. Quem era esse pessoal? Vestiam roupa civil e não tentavam se ocultar, mas levavam cintos militares. Suas armas eram AK-47, de culatra dobradiça.
– Ponta a Seis, câmbio.
– Aqui, Seis.
– Vejo oito... não, dez homens armados com AK, quinhentos metros a oeste e quase no topo da colina dois zero um. Não fazem nada, só estão parados. Câmbio.
– O que estão olhando? Câmbio.
– Nada, só estão fumando capitão. Câmbio.
– Me mantenha informado – ordenou Ramírez.
– Entendido. Câmbio desligo.
Chávez ergueu os binóculos. Um deles apontou o topo. Três homens iniciaram a marcha para lá, com evidente falta de entusiasmo.
– Que pobre menino não fique chateado por subir a fodida montanha? – disse Ding, imitando um suboficial que tinha conhecido na Coréia– . Parecem cansados, Paco.
– Perfeito, tomara que vão para a casa.
Sim estavam cansados. Subiram sem a menor pressa. Do topo avisaram a gritos que não viam nada.
Outros os olhavam da clareira, parados como idiotas. Ding estava surpreso. A confiança era uma boa aliada do soldado, mas isso não era confiança, e esses sujeitos não eram soldados. Quando os três iniciavam a descida, as nuvens taparam o sol e começou a chover. Na ladeira ocidental da colina começou uma forte tempestade elétrica tropical. Depois da chuva começaram a cair os raios. Um raio caiu no topo, justo no lugar onde momentos antes tinham estado os três escaladores.
Permaneceu ali durante um segundo interminável, como o dedo de um deus furioso. Depois começaram a cair por toda parte e a chuva se tornou um dilúvio.
A visibilidade, antes limitada, reduziu-se a um raio de uns quatrocentos metros que se estendia e contraía segundo as espessas cortinas de água avançavam ou retrocediam. Chávez e Guerra estavam preocupados. Sua missão era escutar e observar, mas se via pouco e se ouvia menos ainda. O pior era que a terra estaria molhada depois da tempestade. As folhas e os ramos não rangeriam sob os pés e a umidade absorveria os ruídos. Esses bufões poderiam aproximar-se muito mais do posto de vigilância sem ser vistos. Ao mesmo tempo, se era necessário abandonar o lugar, o pelotão poderia deslocar-se mais rapidamente que antes, pelas mesmas razões. como sempre, o meio no que se encontravam era neutro: dava vantagens aos que sabiam as aproveitar e punha os mesmos obstáculos diante de todos.
A tempestade durou toda à tarde: foram muitos metros cúbicos de chuva. Um raio caiu a cem metros do posto de guarda, e o brusco estalo de ruído e luz foi tão aterrador para os dois sargentos quanto uma salva de artilharia. Para cúmulo do azar, fazia frio, a temperatura baixou a uns quinze graus.
– Olhe lá, Ding – sussurrou Guerra de repente.
– Merda! – Não era difícil adivinhar como se aproximaram tanto: a terra estava impregnada de água, e ainda estavam aturdidos pelos trovões. Eram dois, a menos de duzentos metros.
– Ponta a Seis, há um par de sujeitos a duzentos metros a sudeste do posto – avisou Guerra ao capitão– . Atentos, câmbio.
– Entendido, estamos atentos – replicou Ramírez– . Tranquilo, Paco.
Guerra confirmou o recebimento da ordem com um estalo do botão de transmissão. Com movimentos muito lentos, Chávez colocou sua arma em posição de disparo, com a trava acionada, mas sem apartar o polegar do botão. Sabia que eram quase invisíveis, ocultos sob o manto de folhas e arbustos. Tinham os rostos pintados e até a uns cinquenta metros, fundiam-se na paisagem. Tinham que permanecer imóveis porque o olho humano percebe rapidamente tudo o que se move, mas em repouso eram invisíveis. Era uma demonstração prática dos benefícios da disciplina que o Exército lhes inculcava.
Os sargentos lamentavam não estarem com o uniforme de camuflagem, mas não havia nada que se podia fazer; além disso, sua roupa estava impregnada de barro. Por acordo tácito, cada um vigiava um setor diferente para não ter que girar a cabeça. Podiam falar em sussurros, mas não o fariam se não fosse estritamente necessário.
– Há algo detrás de nós – disse Chávez dez minutos mais tarde.
– Por que não olha – disse Guerra.
Teve que fazê-lo muito lentamente: demorou mais de trinta segundos em girar o corpo e a cabeça.
– Merda! – Vários homens estendiam sacos de dormir no chão– . vão passar a noite.
Então compreenderam o que tinha acontecido. Os homens que observavam seguiam uma rotina preestabelecida e sem sabê-lo, seu acampamento noturno rodeava o posto de observação dos soldados.
Havia mais de vinte homens ao alcance da vista ou o ouvido.
– Vamos passar uma noite agitada – sussurrou Guerra.
– Eu, com a vontade de mijar que estou – disse Ding, tentando fazer piada.
Olhou para o céu. O dilúvio se reduziu a uma tênue garoa, mas as nuvens eram tão espessas quanto antes. Faltavam umas duas horas para o anoitecer.
O inimigo se dividiu, muito inteligente, em três grupos; mas cada um tinha cometido a estupidez de acender uma fogueira para cozinhar. Conversavam e riam em voz alta, como numa cantina de aldeia. Isso permitia a Chávez e Guerra comunicar-se com o acampamento.
– Ponta a Seis, câmbio.
– Aqui, Seis.
– Seis, ééééé... – vacilou– . Estamos rodeados pelo acampamento deles, mas eles não perceberam.
– Me diga o que querem fazer.
– Por hora, nada. Acho que poderemos sair sem problemas depois de escurecer. Avisaremos.
– Entendido. Desligo.
– Sair sem problema? – sussurrou Guerra.
– Eu disse isso para que não se preocupasse, Paco.
– Ouça, mano, eu é que estou preocupado.
– Isso não ajuda em nada.
Ainda não sabia as respostas. Ryan abandonou seu escritório depois de uma jornada aparentemente normal, durante a qual se pôs em dia com a correspondência e as informações. Entretanto, não tinha avançado muito: tinha muito em que pensar.
Pediu ao motorista que o levasse a Bethesda. Não anunciou sua visita, embora sua presença ali não chamaria a atenção. A vigilância na suíte VIP era tão restrita como antes, mas todos conheciam Ryan. o da porta balançou a cabeça com tristeza. Ryan compreendeu o sinal. antes de entrar, fez uma pausa para serenar-se. Não convinha que Greer visse as expressões de tristeza de suas visitas, mas Jack sentia muito mais que isso.
Ele quase não pesava nem quarenta e cinco quilos, era apenas o despojo de um oficial naval de carreira, comandante de navios e de homens a serviço de sua nação.
Cinquenta anos de fiéis serviços agonizavam nessa cama de hospital. Não morria só um homem, e sim uma era, um código de conduta. Cinquenta anos de experiência, sabedoria e inteligência. Jack se sentou junto à cama e indicou ao guarda que saísse.
– Olá, chefe.
Abriu os olhos.
O que lhe digo? Pergunto como se sente! Que linda saudação para um homem que agoniza!
– Que tal sua viagem? – A voz era muito débil.
– Passei-o bem na Bélgica, Todos enviam cumprimentos. Na sexta-feira informei a Fowler, como você nas eleições anteriores.
– Qual a sua opinião?
– Precisa de assessoramento sobre política externa.
Sorriu.
– O mesmo pensei eu. Mas ele fala bem.
– Não me dei muito bem com uma de suas assessoras. Elliot, a garota de Bennington. Bem grosseira. Diz que se seu candidato ganhar, eu serei despedido.
Era justamente o que não devia ter dito. Greer tentou se endireitar, mas não pôde.
– Então vá procurar ela, lhe dê um beijo, se reconcilie. Se tiver que lhe beijar a bunda ao meio dia numa praça, faça isso. Quando aprenderá a abaixar um pouco essa cabeça irlandesa? Da próxima vez que ver Basil, lhe pergunte o que acha de seus chefes. Seu dever é servir a seu país, Jack. Não às pessoas que você gosta.
Era como um direto no fígado, mas mais doloroso.
– Tem razão, senhor. Tenho muito que aprender.
– Aprenda depressa, filho. Não resta há mim muito tempo para te ensinar.
– Não diga isso, almirante. – Era o pedido de um menino.
– Chegou a minha hora. Alguns de meus camaradas morreram há cinquenta anos, na ilha Savo, no Leyte, em todos os mares. Eu tive mais sorte, mas trombeta já soou. Agora você deve assumir. Quero que seja meu sucessor, Jack.
– Preciso de um conselho, almirante.
– Sobre a Colômbia?
– Perguntaria como soube, mas vamos ao ponto.
– Quando Arthur Moore se nega a te olhar nos olhos, é porque algo está cheirando mal. Veio para ver-me no sábado. Desviava os olhos cada vez que eu o olhava.
– Mentiu para mim – disse Ryan, e explicou rapidamente o problema: o que sabia, suspeitava e temia.
– E agora quer saber o que fazer – disse Greer.
– Um pouco de orientação não seria ruim, senhor.
– Não te faz falta, Jack. Você é esperto . Conhece às pessoas. Sabe distinguir o bem do mal.
– Mas, e...
– A política? É uma merda. – Greer conteve a risada– . Sabe no que se pensa quando está estendido aqui? No que pôde fazer e o não fez, nos erros que cometeu, as pessoas que tratou mal, e agradece a Deus que não foi pior. Nunca lamentará ter sido honesto, Jack, embora alguém tenha que sofrer por isso.
Quando o promoveram a tenente dos fuzileiros, pronunciou um juramento perante Deus. Agora compreenda o significado desse ato. Não é uma ameaça, e sim uma coisa destinada a te ajudar. É para que tenha sempre em mente a importância das palavras, das ideias, dos princípios. O mais importante de tudo é sua palavra, porque sua palavra é você mesmo. Esta é a última lição que posso te dar, Jack. daqui pra frente, continuará sozinho. – Fez uma pausa: a dor era mais forte que a medicação– . Tem uma família, Jack. Vá para eles. lhes dê minhas saudações, diga a eles que, na minha opinião, seu papai é um bom sujeito, que podem estar muito orgulhosos dele. boa noite, Jack. – Greer dormiu.
Jack permaneceu sentado durante vários minutos, o tempo necessário para serenar-se. secou os olhos e saiu do quarto, justamente quando o médico entrava. Ele se apresentou.
– Ele tem pouco tempo, menos de uma semana. Lamento. Não tenha esperança.
– Mas que ele não sofra – rogou.
– Fazemos o necessário – disse o oncologista– . Por isso o mantemos dormindo durante quase todo o tempo. Acordado, está bem lúcido. Tivemos umas conversas muito interessantes, é um homem fascinante. – Embora estivesse acostumado a perder pacientes, sempre lhe produzia o mesmo desgosto– .
Em uns anos talvez o teríamos o salvado, mas o progresso não chegou a tempo.
– Assim acontece sempre. Mas obrigado pelo esforço e pelos cuidados, doutor.
Ryan desceu no elevador até o térreo e ordenou ao motorista que o levasse de volta para a sua casa.
Ao passar, contemplou de novo o templo mórmon, com a fachada de mármore iluminada pelos refletores.
Faltava determinar os meios, mas os fins estavam muito claros. Jack fez uma promessa tácita a um homem moribundo: nada podia ser mais sagrado.
O céu se limpava, a lua não demoraria para sair. Hora de seguir em marcha. O inimigo postara vários sentinelas, que andavam daqui para lá, como os que vigiavam os centros de produção. As fogueiras continuavam acesas, mas não havia mais conversas. Os homens dormiam, exaustos.
– Afastaremo-nos andando normalmente – disse Chávez– . Se nos virem agachados ou nos arrastando, sabem que somos “bandidos”. Se nos virem caminhando, somos aliados deles.
– Está bem – assentiu Guerra.
Penduraram as armas em bandoleira, sobre o peito. Ao ver as armas o inimigo saberia que não eram como as suas, mas levando elas apertadas contra o corpo apagavam os contornos, e uma também as tinham na mãos para seu uso imediato. Ding tinha seu MP5SD2 para matar em silêncio. Guerra tirou seu facão. Era de aço anodizado, e a única parte que brilhava era a borda, afiado como uma navalha. Guerra era especialista em armas brancas e as afiava constantemente. Também era ambidestro, levava o facão na canhota, e a mão direita sobre a culatra do M-16.
O pelotão se deslocou a um ponto a uns cem metros do acampamento que deviam atravessar e estava preparado para prestar apoio. Seria, no melhor dos casos, uma operação difícil. Todos rogavam que não fosse necessária sua intervenção.
– Bom, vamos. Você primeiro, Ding. – Guerra era o superior de Chávez, mas esta era uma dessas situações nas que a experiência contava mais que a antiguidade.
Chávez iniciou a marcha ladeira abaixo. manteve-se no caminho enquanto pôde, depois dobrou à esquerda, para a segurança do pelotão. Deixou seus óculos de visão noturna em sua mochila, na guarda do pelotão, porque deviam retomá-lo antes do anoitecer. Mas sentia falta dele.
Deslocavam-se sigilosamente, a terra molhada absorvia os ruídos, mas a mata era espessa e a distância a percorrer, trezentos ou quatrocentos metros, excessiva.
Não caminhavam pelos caminhos, mas tampouco podiam os evitar de todo e uma delas estava cheia de curvas. Quando Chávez e Guerra às cruzavam, apareceram dois homens a menos de quatro metros.
– O que fazem por aqui? – perguntou um deles. Chávez ergueu a mão como saudação, mas os dois continuaram se aproximando. Quando descobriram o tipo de arma que Ding levava, já era tarde.
Chávez pegou a metralhadora com as duas mãos e a ergueu bem presa pela dupla volta da bandoleira. O projétil penetrou sob o queixo e fez saltar a tampa dos miolos. Guerra girou, brandiu o facão e, igual aos filmes, decapitou a seu inimigo com toda limpeza. Cada um apanhou rapidamente o corpo de sua vítima para que não fizesse ruído ao cair.
Merda!, pensou Ding. Já não havia maneira de ocultar sua presença. Não havia tempo para enterrar os cadáveres, em qualquer momento apareceriam outros homens.
Nesse caso, pensou, convinha explorar essas duas mortes o máximo possível. Procurou a cabeça cortada por Guerra e a pôs sobre o peito da vítima, entre as duas mãos inertes. A mensagem era clara: Não nos irritem!
Guerra assentiu ao vê-lo, e Ding retomou a marcha. Dez minutos depois escutaram o ruído de um cusparada a sua direita.
– Estou-lhes vigiando há uma eternidade – disse Urso.
– Novidades? – perguntou Ramírez.
– Cruzamo-nos com dois tipos. Estão mortos – disse Guerra.
– Em marcha, antes que os encontrem.
Não pôde ser. Momentos mais tarde escutaram o ruído surdo de um corpo ao cair, seguido de um grito e uma rajada do AK-47. Foi um disparo ao ar, mas o bastante ruidoso para despertar a todo mundo em vários quilômetros à volta. Os soldados colocaram o equipamento visão noturna para afastar-se rapidamente entre a mata, enquanto no acampamento, a suas costas, se erguesse um coro de gritos e maldições.
Seguiram durante duas horas. Sabiam como se tivessem comunicado oficialmente pela rede via satélite: os caçadores eram os caçados.
Aconteceu com uma rapidez inusitada, a cento e cinquenta quilômetros das ilhas de Cabo Verde. As câmeras do satélite varriam a região há vários dias e tiravam fotografias da tempestade em diferentes frequências de luz. Qualquer equipe receptora adequada podia receber essas fotos e os navios já alteravam seus rumos para evitar a tempestade. Uma massa de ar muito quente e seco tinha transbordado do deserto ocidental africano em meio a um verão em que se registraram temperaturas muito altos; arrastada pelos ventos alísios, a massa se mesclou com o ar úmido do mar para formar imensos amontoados, centenas de nuvens de tempestade que começavam a unir-se. As nuvens roçavam a superfície cálida do mar, de onde sugavam calor que se unia à energia já contida nelas. Alcançada uma massa crítica de calor, chuva e nuvens, a tempestade começou a consolidar-se.
Os cientistas do National Hurricane Center ignoravam o que acontecia, porque, dadas as circunstâncias, era um fenômeno incomum, mas o fato era inacreditável.
O chefe do laboratório manipulou os controles do computador para observar as fotos várias vezes.
Era evidente: as nuvens giravam em sentido contrário ao movimento do relógio, ao redor de um ponto no espaço. A tempestade se consolidava, aproveitava seu movimento circular para adquirir consistência e poder, como se fosse consciente que essa atividade lhe daria vida. O ano estava um pouco avançado, mas as condições eram excepcionalmente “boas” para que se gerasse essa tempestade. Que belas eram essas fotos, esses quadros abstratos em que as nuvens eram espirais de gás. Que belas seriam – se retificou o cientista – se não matassem tantas pessoas. Pensando bem, batizavam essas tempestades com nomes humanos porque não era justo que um número destruísse a milhares de vidas. Está se formando uma dessas, pensou o meteorologista. No momento anunciariam que era uma depressão tropical, mas à medida que seu raio e sua energia aumentassem se converteria numa tempestade tropical. Então a batizariam Adela.
A única coisa que os filmes mostravam de bom, pensou Clark, eram as reuniões de espiões nos bares. O bar era uma instituição útil nos países civilizados.
Ali os homens iam beber, reunir-se com outros homens e conversar em recintos anônimos, mal iluminados, onde a música impede de distinguir as palavras além de um pequeno raio. Larson chegou depois e se acomodou junto a Clark. A cantina não tinha banquinhos, só uma barra de bronze para apoiar o pé. Larson pediu uma cerveja, de uma excelente marca local. Os colombianos faziam muitas coisas bem, pensou Clark. Se não fosse pela droga, o país progrediria muito. Mas sofria tanto quanto o seu. Não: aqui, o problema era ainda mais grave. O Governo tinha que confrontar o fato de que estava perdendo a guerra contra os narcotraficantes. E o que dizer dos Estados Unidos?, perguntou-se o agente da CIA. O
Governo colombiano está ameaçado...
E o norte-americano? Ah, não, pensou com ironia: vai muito melhor.
– Novidades? – perguntou uma vez que o barman se afastou ao outro extremo da barra.
– Está confirmado – disse Larson em espanhol – . Os efetivos que os chefes têm na rua diminuíram.
– Para onde foram?
– Dizem que ao Sudoeste. Falam de ir a montanha para caçar.
– Merda! – murmurou Clark.
– O que está acontecendo?
– Há uns quarenta soldados da Infantaria leve... – explicou-lhe tudo em poucos minutos.
– Invadimos o país? – Larson cravou a vista sobre o balcão – . Mer... da! Quem é o louco que teve essa genial ideia?
– Nosso chefe... ou, melhor dizendo, nossos chefes.
– Merrrda, se houver algo que não podíamos fazer com esse pessoal é justamente isso.
– Certo. Então pegue o primeiro avião para Washington e diga ao SDO. Ritter os tirará seguida, se é que sobrou um átomo bom senso.
Clark se voltou. Estava pensando, e ocorriam algumas ideia bastante inquietantes. Recordou uma missão de infiltração em que...
– Que tal se formos para lá amanhã?
– Se quiser que perca minha cobertura... – disse Larson.
– Tem um esconderijo? – perguntou Clark. Todo espião tem um lugar onde se esconder em caso de necessidade.
– O papa é polonês? – perguntou Larson com desdém.
– E sua amiga?
– Se não cuidarmos dela, a Agência não conta mais comigo.
A CIA estimulava a lealdade entre agentes, inclusive quando não eram amantes, e Larson sentia bastante afeto pela mulher com quem se deitava há um ano.
– Diremos que é uma missão de prospecção, mas, depois desta missão, você corre perigo aqui.
Voltará para Washington que lhe atribuam um novo destino.
Ela também. É uma ordem.
– Não sabia que você...
– Oficialmente, não – sorriu Clark– , mas eu e o Sr. Ritter temos um acordo. Eu faço o que considero conveniente e ele não altera minhas disposições.
– Ninguém tem tanta influência – disse Larson. A resposta foi uma sobrancelha levantada e o olhar mais perigoso que tinha visto até esse momento.
Cortez ocupava o único cômodo confortável da casa. Era a cozinha, maior do habitual, com uma mesa onde colocar os rádios, os mapas e a folha onde tinha as contas. Até então tinha sofrera onze baixas em escaramuças breves, violentas e silenciosas. Em troca de... nada. Seus “soldados” sentiam mais fúria que medo, o que convinha a seus propósitos. O mapa tático principal estava coberto com uma lâmina de acetato transparente sobre a qual marcava as zonas de atividade por meio de um lápis de cera vermelho.
Descobriu dois, talvez três, grupos de soldados norte-americanos. Ao menos, isso era o que deduzia depois de perder onze homens. Queria acreditar que eram onze idiotas. Certamente, era um critério relativo porque a sorte era um fator importante no combate, embora a história ensinasse que os estúpidos eram os primeiros a cair, e que no campo de batalha existia um processo de seleção darwiniano. Estava resolvido a sofrer meia centena de baixas antes de alterar suas táticas. Nesse momento pediria reforços, a fim de debilitar ainda mais as guardas pretorianas. Depois informaria a seu chefe que os homens enviados por dois ou três de seus colegas da cúpula – certamente, já tinha determinado a quem acusaria– tinham uma atitude bem estranha no campo de batalha; no dia seguinte, informaria a um dos três – já o tinha selecionado – que ultimamente seu chefe se comportava de maneira bem estranha e que ele, Cortez, era leal à organização em seu conjunto, não aos indivíduos.
O plano era que matassem a Escobedo. Era um passo necessário. Os norte-americanos já mataram dois dos chefes mais ardilosos, e ele lhes ajudaria a eliminar os dois cérebros restantes. Os sobreviventes precisariam de um sujeito como Cortez e seriam conscientes disso. Como chefe de Segurança e Inteligência, teria direito a sentar-se à mesa. O Cartel se converteria numa organização mais ágil e segura, de acordo com suas concepções.
Em um ano, seria o primeiro entre seus pares; em dois, o primeiro isolado. Não teria que matar os outros. Tinha manipulado facilmente a Escobedo, um dos mais inteligentes. Os outros eram crianças, mais interessados no seu dinheiro e seus brinquedos de luxo que nas perspectivas reais da organização.
Suas ideias a respeito eram bem vagas. Cortez só era capaz de prever os quatro ou cinco, não os dez passos seguintes.
Estudou os mapas. Em pouco tempo, os Estados Unidos compreenderiam o perigo e reagiriam com força. Abriu sua maleta e comparou as fotografias aéreas com os mapas. Sabia que os soldados tinham chegado por ar e que eram abastecidos por um só helicóptero. Era uma ousadia, ou, mais ainda, uma estupidez. A experiência nas planícies do Irã não lhes tinha ensinado nada? Tinha que descobrir as zonas de aterrissagem... ou talvez não.
Fechou os olhos e obrigou a sua mente a voltar para princípio. O perigo nas operações era que ao planejar os detalhes, as pessoas perdia a visão do conjunto.
Talvez existisse outro meio. Os norte-americanos já o tinham ajudado. Talvez o fizessem outra vez.
Como fazer isso? O que podia fazer por eles? O que podiam fazer eles por ele? Pensou nisso durante o resto dessa noite insone.
O mau tempo da noite anterior não lhes permitiu testar o motor novo e por isso mesmo tiveram que esperar até 03:00, hora local, para tentar outra vez. O “Pave Low” não podia aparecer durante o dia sob nenhuma circunstância, salvo que recebesse ordens diretas da cúpula.
Um carrinho de mão o arrastou do hangar; desdobraram e colocaram a hélice antes de ligar os motores. PJ e Willis ocuparam a cabine, o sargento Zimmer seu painel. deslizaram-se normalmente até o extremo da pista; o helicóptero se sacudiu com força quando as toneladas de aço e combustível iniciaram sua ascensão relutante, como uma criança subindo a escada pela primeira vez.
Ninguém conseguiu determinar a exata sucessão dos acontecimentos. Um chiado agudo e fortíssimo atravessou o capacete extraterrestre do piloto e brocou seus ouvidos. Um milissegundo antes, Zimmer conseguiu dar uma voz de alerta excessivamente forte pelo intercomunicador. Qualquer que fosse o primeiro alerta, os olhos do coronel Johns desceram para o painel de controle e perceberam que os diais do motor número um indicavam que havia graves problemas. Willis e Zimmer desligaram o motor, enquanto PJ fazia girar o aparelho, que, por sorte, ergueu-se apenas quinze metros. Três segundos depois, caía outra vez a terra e desligava o único motor que continuava funcionando.
– O que aconteceu?
– O motor novo, senhor. S fez em pedaços... Parece-me que é o compressor. vou ter que desarmá-lo a ver se se danificou alguma outra coisa – disse Zimmer.
– Teve problemas para instalá-lo?
– Negativo. Fiz como o manual manda, senhor. É a segunda vez que acontece com este lote de motores, senhor. A culpa é do fabricante, são essas lâminas da turbina. vamos ter que parar tudo até que descubramos onde está o defeito e enquanto isso, nem a Marinha nem o Exército nem nós vamos poder usar estes aparelhos.
No motor novo, as lâminas do turbocompressor eram de cerâmica, mais leve – o que permitia carregar mais combustível – e econômica – o que permitia comprar motores – que o aço. Tinham demonstrado ser tão confiáveis como as lâminas de aço... mas só no bancos de teste, não no ar. A primeira falha atribuíram a outros problemas, mas dois aparelhos da Marinha desapareceram no mar sem deixar rastro. Zimmer tinha razão. Nenhum aparelho voltaria a voar com esse motor até que identificassem e resolvessem o defeito.
– Mas que boa notícia, Buck – disse Johns– . E a outra reposição?
– Adivinhe, senhor. Posso pedir que nos enviem outro dos velhos.
– O que lhe parece melhor?
– Pedir um velho ou talvez tirar de outro aparelho em Hurlburt.
– Chame-os agora, ao descer – ordenou o coronel– . Quero que mandem dois motores de reposição mais cedo possível.
– Entendido, senhor.
Os tripulantes trocaram um olhar significativo. O que seria do pessoal quem deviam prestar apoio?
Chamava-se Esteves, era sargento do Exército dos Estados Unidos, batalhão Onze-Bravo. Antes servira na unidade de reconhecimento do 5° Batalhão, Regimento de Infantaria 14, 1ª Brigada da 25ª
Divisão de Infantaria Leve Tropical Lightning, com base em Schofield Barracks, Hawai. Jovem, valente e orgulhoso como todos os soldados da operação SHOWBOAT, nesse momento se sentia cansado e furioso. E para cúmulo do azar, doía-lhe o estômago.
Alguma coisa que comeu ou bebeu tinha assentado mal. À primeira oportunidade pediria algum medicamento ao enfermeiro do pelotão, mas nesse momento sentia dor nas tripas e debilidade nos braços.
Chegaram apenas vinte e sete minutos atrás do pelotão Faca, mas depois de destruir uma pista aérea não haviam tornado a ter contato com o inimigo. Tinham descoberto seis centros de produção, quatro deles abandonados pouco antes, mas nenhum ser humano. Esteves estava certo que outros pelotões tinham entrado em contato, e queria começar a ganhar pontos. Como Chávez, criou-se num bairro onde pululavam as gangues; a diferente dele, foi membro de uma delas até que o destino dispôs que entrasse no Exército. Diferente de Chávez, foi um usuário de drogas, até que sua irmã morreu por causa de uma overdose de heroína pura. Viu como se apagava sua vida, igual a quando se desliga um aparelho elétrico do tomada. Na noite seguinte procurou o traficante e depois se alistou no Exército para evitar a prisão. A fazer isso nunca sonhava que seria um soldado profissional e que a vida podia lhe oferecer algo mais que ser um lavador de carros e os cheques do seguro desemprego. Aceitou essa missão, ansioso por vingar-se da escória humana que matou sua irmã e escravizava seu povo. Mas ainda não tinha matado ninguém, não ganhou um só ponto. A fadiga e a sensação de impotência eram uma combinação fatal frente ao inimigo.
Por fim, pensou ao ver o clarão de uma fogueira a quinhentos metros de sua posição. Fez o que devia fazer. Comunicou-o ao capitão, esperou a que o pelotão se dividisse em duas equipes e se aproximou para eliminar os homens que realizava essa dança idiota na tina cheia de ácido. Embora estivesse cansado e ansioso, a disciplina continuava sendo o eixo de sua vida. Conduziu seu grupo, formado por ele e outros dois homens para uma posição da qual podiam fazer fogo de apoio ao grupo de assalto, comandado pelo capitão. No momento em que teve a certeza de que essa noite aconteceria algo distinto, sua premonição se cumpriu.
Não viu uma tina, nem mochilas cheias de folhas, e sim quinze homens armados. Enviou o sinal de alerta, mas não obteve resposta: não percebeu que, dez minutos antes, um ramo quebrou a antena de seu transmissor. Parou olhou ao redor em busca de um indício, um sinal que lhe ajudasse a tomar uma decisão, enquanto os outros dois se perguntavam que diabos estava acontecendo. Nesse momento sofreu um violento espasmo estomacal, dobrou-se, tropeçou com uma raiz e deixou cair sua arma. O fuzil não disparou, mas a culatra golpeou contra o chão com um metálico clack. Então percebeu que, a uns seis metros de sua posição havia um homem cuja presença não tinha detectado.
Este não dormia: massageava as doloridas panturrilhas que lhe impediam de dormir. O ruído o sobressaltou. Caçador acostumado, sua primeira reação foi de estupor.
Quem andava por ali? Certificou-se de que nenhum dos seus passeasse além de seu posto de guarda, mas o ruído era indubitavelmente humano, e provocado pela ação de uma arma. Tinham-lhes prevenido que tinha havido encontros com... quem merda fossem, que mataram os homens enviados para matá-los.
Depois do estupor sobreveio o medo. Apontou à esquerda e disparou um carregador inteiro. Quatro projéteis acertaram Esteves, que teve tempo de amaldiçoar o destino antes de morrer. Seus dois camaradas varreram o lugar de origem dos disparos com desordenadas e ruidosas rajadas que mataram o homem; mas então, os que caras que rodeavam a fogueira fugiam, e o elemento de assalto não estava preparado para atacar. Ao escutar o ruído, o capitão chegou à conclusão mais lógica: o grupo de apoio caira numa emboscada, por isso, devia tomar o objetivo rapidamente para desviar o fogo inimigo. O
grupo de apoio apontou para o acampamento, para descobrir que havia outros homens nas cercanias.
Quase todos se afastavam do fogo, mas chocaram com o elemento de assalto, que corria em direção contrária aos que fugiam.
Se alguém houvesse redigido um relatório dessa ação de combate, haveria dito, em primeiro lugar que ambos os bandos perderam o controle. O capitão que comandava o pelotão reagiu com excessiva precipitação ao encabeçar o ataque em lugar de parar e pensar... e foi um dos primeiros a cair. O pelotão perdeu seu chefe, mas não sabia. Cada soldado conservava suas habilidades individuais, mas os soldados são, acima de tudo, integrantes de equipes, organismos vivos e pensantes cuja força é muito superior a da soma de suas partes. Sem um chefe que os dirigisse, deixaram-se levar por seu treinamento, mas se achavam aturdidos pelos ruídos e a escuridão. Os grupos estavam misturados, e a falta de direção e treinamento dos colombianos perdia importância ante o fato de que o combate liberavam indivíduos contra duplas que se apoiavam mutuamente.
Ao fim de cinco minutos de confusão e sangue, a “vitória” foi para as duplas. Mataram com rapidez e eficiência, afastaram-se se arrastando e depois correram para seu acampamento, enquanto os inimigos sobreviventes seguiam disparando e matando-se entre si. Só cinco chegaram ao ponto de reunião: três do elemento de assalto mais os dois do grupo do Esteves. A metade do pelotão tinha caira: entre eles, o capitão, o enfermeiro e o operador de rádio. Os soldados não sabiam com quem toparam já que, devido a uma falha nas comunicações, não estavam inteirados da operação iniciada pelo Cartel.
O pouco que sabiam bastou para deprimi-los. Voltaram para acampamento, reuniram seu equipamento se afastaram.
Os colombianos sabiam mais e menos que eles. Sabiam que tinham mataram cinco americanos –
ainda não tinham descoberto o cadáver de Esteves – e perdido vinte e seis homens. Não sabiam se algum norte-americano escapara, desconheciam a força da unidade que os tinha atacado, nem sequer podiam afirmar que fossem norte-americanos: as armas eram, mas em qualquer país sul-americano podia se conseguir um M-16. Igual aos homens que tinham afugentado, sabiam que algo terrível acontecera.
juntaram-se, sentaram-se, vomitaram e sofreram o choque que sobrevém depois do combate, quando o homem descobre que o mero fato de ter uma arma automática não o converte num deus. Pouco depois, ao juntar os cadáveres, a raiva substituiu o choque.
O pelotão Bandeira – o que restava dele– não podia se dar esse luxo, nem parar para refletir sobre quem ganhou ou perdeu o embate. Cada soldado aprendeu uma dura lição sobre o combate. Uma pessoa culta haveria dito que o mundo não era determinista, mas cada um dos cinco soldados de Bandeira se consolava com a mais sombria das reflexões que um militar pode fazer: merda é a pior coisa que pode acontecer.
XXIV
AS REGRAS DO JOGO
Muito antes do amanhecer, Clark e Larson partiram para o Sul na “Subaru” de tração 4X4. No assento dianteiro levavam uma maleta. Atrás, na caçamba, várias caixas cheias de pedras e embaixo dessas, um par de pistolas automáticas “Beretta” com os canos preparados para enroscar um silenciador.
Era uma pena submeter às armas a semelhante trato, mas não pensavam trazê-las de volta depois de terminar a tarefa e além disso, rogavam com ardor que não precisassem usá-las.
Ao fim de uma hora, Larson rompeu o silêncio:
– O que estamos procurando?
– Esperava que você soubesse. Algo fora do comum.
– Pessoas armadas é fora do comum nesta parte do mundo, mas acho que já se deu conta disso, não?
– E pessoas armadas agindo coordenadamente?
– Também não é estranho, mas é algo o que pensar. Não acho que veremos o Exército – disse Larson.
– Por que?
– Ontem à noite a guerrilha assaltou um destacamento. Não se sabe se foi o M-19 ou as FARC.
Ouvi isso nesta manhã pelo rádio.
– Cortez – disse Clark sem vacilar.
– Sim, pode ser. Fazer que as autoridades olhar para outro lado.
– Quero conhecer esse cara – disse o Sr. Clark a uma árvore que passava.
– Para que? – perguntou Larson.
– Como para que? O filho da puta ajudou a matar um embaixador, e ao diretor do FBI e ao da DEA, além de um motorista e vários guardas. É um terrorista.
– Para devolvê-lo aos Estados Unidos?
– Tenho cara de polícia?
– Ouça, nós não...
– Eu, sim. E, já que estamos nisso, o que me diz das bombas? Você teve algo que ver com isso, se bem me lembro.
– Não é...
– ... a mesma coisa? – Clark riu disso – todo mundo diz isso. “Não é o mesmo.” Eu não sou universitário como você, Larson. Não vejo onde está a diferença.
– Isto é uma merda de filme – replicou Larson, com raiva.
– Se fosse um filme, Carlos, você seria uma loira tetuda com a blusa desabotoada. Sabe?, estou nisto bem antes que você tivesse seu primeiro carrinho de brinquedo, e não me atirei numa só mulher durante uma missão. Nenhuma só. É injusto, não é verdade? – Podia ter agregado que tomava suas promessas matrimoniais muito a sério, mas não queria confundir o rapaz.
Larson sorriu. A tensão estava rota.
– Acho que nisso lhe levo alguma vantagem, Sr. Clark.
– Onde está ela?
– Longe daqui até o fim de semana, num voo para a Europa. Deixei-lhe a mensagem em três lugares diferentes. A mensagem de que vá para Miami no primeiro avião.
– Perfeito. Isto já está se tornando muito complicado. Quando terminarmos, case-se com ela, compre uma casa, tenham filhos.
– Já tinha pensado nisso. Mas me pergunto... quer dizer... não seria injusto com...?
– Do ponto de vista estatístico – o interrompeu – , seu trabalho é menos perigoso que atender uma loja de bebidas numa grande cidade. Todos têm família. E quando está longe, em meio de uma missão difícil, a única coisa que te salva do desespero é saber que alguém o espera. Acredite em mim eu sei.
– Bom, mas por hora estamos na região que quer investigar. O que faremos?
– Percorremos os caminhos vicinais. Devagar. – Clark baixou seu vidro e farejou o ar. Abriu a maleta, de onde tirou um mapa topográfico. Concentrou-se durante vários minutos, para sincronizar sua mente com a situação. Nessas montanhas tinha soldados, combatentes bem adestrados em território inimigo que tentavam evitar que os caçassem. Olhando sucessivamente o terreno e o mapa, tentava formar uma ideia da situação– . Juro Por Deus que seria capaz de matar para obter o rádio que eu preciso.
É sua culpa, Johnny – pensou Clark– . Deveria ter exigido. Deveria ter dito a Ritter que os soldados precisam de um contato em terra, não só uma comunicação via satélite, como se fosse um maldito trabalho de rotina.
– Para se comunicar com eles? – perguntou Larson.
– Quanta vigilância vimos até agora?
– Nenhuma absolutamente.
– Exato. Se tivesse um transmissor, diria a eles que descessem da montanha, daria roupa limpa e os levaria ao aeroporto para que fossem de uma vez para casa, merda – disse Clark, sem poder ocultar sua impotência.
– Mas é uma locu..., merda, tem razão. O que é uma loucura é a situação. – Agora que compreendia, parecia-lhe incrível que tivesse interpretado tão mal os fatos.
– Tome nota: isto é o que acontecesse quando se dirige uma operação de Washington em vez de fazê-lo sobre no terreno. Lembre-se. Talvez algum dia o nomeiem supervisor. Ritter pensa exclusivamente como um chefe, faz muito tempo que não tem contato com a tropa nem com o terreno.
Esse é o problema mais grave de Langley: os que comandam não lembram o que significa estar aqui, e as regras mudam muito desde que deixaram seus esconderijos em Budapest. Além disso, a situação não é como eles pensam. Isto não é espionagem, e sim um conflito de baixa intensidade. Terá que saber sair da clandestinidade. No fundo, o que mudou não são as regras, e sim o jogo em si.
– Na Granja não nos disseram nada disso.
– Não me surpreende. Quase todos os instrutores são uns velhos... – Clark fez uma pausa– . Mais devagar.
– O que está acontecendo?
– Pare.
Larson parou a caminhonete no acostamento de cascalho. Clark desceu com sua maleta, o que lhe pareceu muito estranho, e com as chaves do veículo. A seguir abriu a porta traseira e devolveu as chaves a Larson. Introduziu a mão numa das caixas, debaixo das rochas de mineral de ouro, de onde tirou sua
“Beretta” com silenciador. A pôs sob o cinturão, às costas, onde ficou oculta sob sua folgada jaqueta de caçador. Indicou a Larson que o seguisse no carro, pouco a pouco. Com uma fotografia e um mapa desdobrado nas mãos, dirigiu-se para uma curva do caminho. além da curva havia um caminhão rodeado por homens armados. Olhava o mapa, mas levantou a cabeça, surpreso, ao escutar gritos. Um dos nomes agitou seu AK em um gesto inconfundível:
– Se aproxime, ou eu atiro.
Larson estava a ponto de urinar nas calças, mas Clark lhe fez um gesto para que o seguisse e se dirigiu resolutamente para o caminhão. O reboque era uma prancha coberta com uma lona, mas Clark sabia o que se ocultava debaixo dela. Tinha-o cheirado. Por isso lhe tinha ordenado a Larson que detivera a caminhonete.
– Bom dia – disse ao homem mais próximo, que levava um rifle entre as mãos.
– Escolheu um dia ruim para andar por aqui, amigo.
– Ele me disse que vocês estariam por aqui. Tenho permissão – disse Clark.
– Como? Permissão de quem?
– Do senhor Escobedo. De quem, se não ele? – escutou Larson dizer.
Meu deus, não pode ser, me diga que estou vendo visões!
– Quem é você? – perguntou o homem, furioso e receoso ao mesmo tempo.
– Sou caçador de ouro. Olhe. – Clark lhe mostrou a fotografia – . Veja esta zona que marquei. Acho que neste lugar há ouro. É obvio que não estaria aqui sem permissão do senhor Escobedo. Disse-me que, se cruzasse com vocês, dissesse que estou sob sua proteção.
– Ouro? Você está dizendo que procura por ouro? – perguntou outro homem. O primeiro se mostrava respeitoso, de maneira que este devia ser o chefe.
– Sim. Venha vou lhes mostrar. – Clark os convidou a segui-lo a “Subaru”, de onde tirou duas pedras– . Meu motorista é o senhor Larson. Ele me apresentou ao senhor Escobedo. Se conhecerem senhor Escobedo... conhecem ele não é?
Evidentemente o homem estava perplexo. Clark falava bem o espanhol, com um leve sotaque estrangeiro, e lhe via tão tranquilo como se estivesse pedindo indicações a um policial em plena cidade.
– Olhe – disse Clark, lhe mostrando uma pedra– . O vê? Aqui há ouro. A jazida mais importante desde que Pizarro chegou. Parece-me que o senhor Escobedo e seus amigos vão comprar estas terras.
– Não me disseram nada – disse o homem, para ganhar tempo.
– Claro que não. É um segredo, e eu te aviso, senhor, que se espalhar, direi ao senhor Escobedo quem é o culpado.
Controlar sua bexiga era o principal problema de Larson nesse momento.
– Vamos embora ou não? – perguntou uma voz do caminhão.
Clark olhou ao seu redor enquanto os dois pistoleiros tentavam decidir-se. No caminhão havia um homem, talvez dois. Ninguém mais ao alcance da visão ou do ouvido. dirigiu-se para o caminhão.
Bastaram-lhe um par de passos para confirmar suas previsões, seus temores. Sob o bordo da lona aparecia à boca do cano de um fuzil M-16A2. Precisou de menos de um segundo para decidir-se. Ele mesmo se assombrava ao comprovar a persistência de seus velhos hábitos...
– Alto! – exclamou o chefe.
– Me permita carregar minhas amostras no seu caminhão – disse Clark sem dar volta– . Leve-as ao senhor Escobedo. Asseguro que ele se mostrará muito agradecido com o achado. – E acrescentou– : Eu asseguro.
Os dois correram para ele, os fuzis agarrados pelas correias. Esperou a que se aproximassem e então girou, pegando a “Beretta” com a mão direita e erguendo-a, enquanto com a canhota agitava o mapa e a foto. Larson percebeu que nenhum dos dois se deu conta. Era tão rápido...
– Neste caminhão não, senhor. Tenho...
Foi uma surpresa a mais, e a última para ele. A mão de Clark apontou e disparou à frente do homem a três metros. antes que o chefe começasse a cair, o segundo já tinha morrido pela mesma razão. Sem vacilar, correu para a cabine do caminhão, subiu ao estribo direito e comprovou que havia um só homem.
Também este recebeu um tiro silencioso na cabeça. Larson desceu da caminhonete e se aproximava de Clark pelas costas; esteve a ponto de morrer por esse erro.
– Nunca faça isso! – exclamou Clark ao pôr a trava de sua pistola.
– Merda, é que...
– Numa situação como esta, tem que se anunciar. Esteve a ponto de morrer por não fazer isso.
Lembre-se disso. Vamos ver. – Clark subiu ao caminhão e ergueu a lona.
A julgar pela roupa, a maioria dos mortos eram pessoal local, mas Clark reconheceu dois dos rostos, e pouco depois recordou os nomes...
– Capitão Rojas. Sinto muito, cara – murmurou, olhando o cadáver.
– Quem é ele?
– Era o comandante do pelotão Bandeira. Um dos nossos. Os filhos da puta mataram alguns dos nossos. – Parecia muito cansado.
– Parece que os nossos fizeram o seu...
– Vou te falar algo sobre a guerra. No campo de batalha, há dois tipos de soldados: os próprios e outros. Entre estes há pessoas não combatentes que se tenta não prejudicar, se puder; mas, no fundo, a única coisa que importa é a nossa própria tropa. Tem um lenço?
– Tenho dois.
– Me dê isso, coloque esses dois cadáveres no caminhão.
Clark tirou a tampa do depósito de gasolina, atou os lenços e os introduziu no buraco. O depósito estava cheio, os lenços se impregnaram rapidamente.
– Vamos voltar para a caminhonete. – Clark tirou o silenciador da pistola, guardou as duas peças na caixa das rochas, fechou a porta traseira e se sentou de novo no assento dianteiro. Apertou o acendedor do painel– . Aproxime-se do caminhão.
Larson obedeceu. O acendedor saltou. Clark o pegou e o aproximou dos lenços. A gasolina ardeu imediatamente. Larson acelerou sem necessidade de que o dissessem e, antes que o fogo se propagasse, já tinham chegado à curva seguinte.
– Voltemos para a cidade o mais rápido possível – ordenou Clark– . Qual é a maneira mais rápida de chegar ao Panamá?
– Posso levá-lo num par de horas, mas, para isso...
– Conhece os códigos de acesso de uma base aérea militar?
– Sim, mas...
– Você sairá do país. Ficou descoberto – disse Clark– . lhe Faça chegar à mensagem à garota antes que volte. Que abandone ou se atire pela amurada ou o que faça o que tiver que fazer para não voltar.
Também está descoberta. Os dois correm perigo, e digo seriamente. Talvez alguém nos tenha visto.
Talvez alguém viu que estava comigo. Talvez alguém percebeu que alugou o mesmo veículo duas vezes seguidas. O mais provável é que não, mas, se quer chegar à velhice neste ofício, jamais corra riscos desnecessários. Não podem contribuir mais para esta operação, sendo assim devem ir embora.
– Entendido. – Larson não voltou a abrir a boca até chegar à estrada principal– . O que você fez lá em cima...
– Sim. O que há com isso?
– Tem razão. Não podemos permitir que saiam...
– Engana-se. Quer saber por que eu fiz aquilo? – perguntou Clark em tom profissional. Deu uma só das razões – . Você continua pensando como um espião, mas isto deixou que ser uma operação de Inteligência. Lá encima, nessas Montanhas, há soldados nossos. O que eu fiz foi uma manobra de divisionária, para lhes fazer acreditar que os nossos soldados desceram para vingar de seus mortos. Se acreditarem, talvez vão procurar nossos amigos no lugar errado. Não é grande coisa, mas é melhor que nada. – Fez uma breve pausa– . Se quer saber se eu gostei, eu não vou negar o. Se houver algo que me revolta, é ver como matam os nossos, no Oriente Médio, em todas partes, e nós não fazemos uma porcaria nenhuma para impedir isso. Desta vez tive um bom pretexto para fazê-lo, e o fiz. E já que me pergunta: sinto-me muito bem – disse Clark, com acento gelado– . Agora, feche o bico e dirija. Tenho que pensar em algo.
A sós em seu escritório, Ryan continuava pensando. O juiz Moore procurava todo o tipo de pretextos para viajar. Ritter estava ausente a maior parte do tempo.
Em consequência, Jack não podia lhes fazer perguntas; mas, ao mesmo tempo, era o funcionário de maior graduação, o que o obrigava a ocupar-se da papelada e receber algumas chamadas. Talvez pudesse tirar proveito dessa situação. A única coisa que sabia com certeza era que devia averiguar que diabos estava acontecendo.
Evidentemente, Moore e Ritter equivocavam em dobro. Por um lado, achavam que Ryan não estava informado de nada, sem se dar conta que uma pessoa não chegava a um cargo tão alto na CIA se não soubesse raciocinar e descobrir as coisas por sua conta. Pelo outro, achavam que, embora começasse a averiguar algo, se absteria de avançar em suas investigações por falta de experiência. Em definitivo raciocinavam como burocratas. O homem que vive preso a uma mesa teme violar as regras, porque por essa via se perde o emprego e a carreira. Mas Jack havia resolvido esse dilema muito antes. Não sabia qual era sua profissão.
Tinha sido oficial dos fuzileiros, corretor da Bolsa, professor adjunto de história e agora era funcionário da CIA. Podia voltar para a docência. A Universidade da Virginia dado uma cadeira na Faculdade de Medicina a Cathy, e Jeff Pelt queria que Ryan entrasse no departamento de história como professor convidado, para lhe injetar um pouco de oxigênio. Gostava da ideia de voltar para a docência.
Era um trabalho menos árduo que o atual. Qualquer que fosse seu futuro, não se sentia preso a sua mesa.
E James Greer lhe tinha indicado o caminho reto: “Faça o que te pareça certo.”
– Nancy – disse pelo interfone– . Quando o Sr. Ritter volta?
– Amanhã de manhã. Tem uma reunião na Granja.
– Ah! bem. Poderia chamar a minha esposa para lhe dizer que esta noite vou chegar muito tarde?
– Tudo bem, senhor.
– Obrigado. Consiga para mim o expediente de verificação do FNM e o relatório preliminar da OIAE.
– O Sr. Molina foi a Sunnyvale com o juiz – disse Nancy.
Tom Molina era o diretor do Escritório de Investigações sobre Armas Estratégicas, e, como tal, tinha a seu comando os métodos de verificação do Tratado sobre Forças Nucleares de Médio Alcance.
– Sei. Quero repassar o relatório para discuti-lo com ele quando voltar.
– Demorarei uns quinze minutos para consegui-lo.
– Não há pressa – disse Jack, e desligou.
O rei Salomão em pessoa precisaria de três dias para desentranhar esse relatório, que lhe dava o melhor pretexto para trabalhar até muito tarde. Os dois lados estavam desmantelando os foguetes, mas ultimamente o Congresso se mostrava preocupado por alguns aspectos técnicos da questão. Ryan e Molina estavam citados para prestar declarações na semana seguinte. Jack tirou a bandeja do flanco da mesa. Já sabia o que ia fazer quando terminasse a jornada de Nancy e de outros empregados administrativos.
Cortez era um agudo observador político. Por esse motivo, entre outros, alcançara o grau de coronel muito jovem, num organismo tão burocratizado como o DGI. Este, que seguia o modelo da KGB
soviética, tinha uma quantidade de empregados, inspetores e oficiais de segurança muito superior a da CIA: daí que a eficiência relativa de cada um fosse motivo de surpresa. Apesar de suas vantagens, os americanos careciam de vontade política, discutiam constantemente sobre questões que estavam muito claras. Um professor da academia da KGB os comparava com o antigo Parlamento polonês, uma corporação de quinhentos nobres que tinham que chegar a um acordo unânime para tomar qualquer medida... razão pela qual jamais tomavam nenhuma, deixando a Polônia a mercê de qualquer estrangeiro capaz de decidir algo.
Entretanto, neste caso, os norte-americanos tinham atuado com resolução e eficácia. O que tinha mudado?
O que tinha mudado – não tinha outra possibilidade– era que os norte-americanos tinham violado suas próprias leis. deixaram-se levar pelos sentimentos... não, não devia ser injusto com eles, pensou Félix. Tinham respondido com firmeza a um desafio direto e soberbo; o mesmo, embora com pequenas diferenças de tática, teriam feito os soviéticos. Os sentimentos os tinham levado a violar seus inconcebíveis normas de controle parlamentário. E justamente no ano das eleições presidenciais...
– Mas, claro – disse Cortez em voz alta. No fundo, era tão simples. Os americanos lhe tinham ajudado antes e voltariam a fazê-lo. Só era questão de escolher o alvo mais adequado. Isso lhe levou outros dez minutos. O que apropriado – pensou– que meu grau militar seja o de coronel. Na história da América Latina, eram os coronéis os que levavam a cabo esse tipo de empresas.
O que diria Fidel? Cortez conteve uma gargalhada. O ódio que sentia o barbudo ideólogo pelos norte-americanos era tão grande quanto o de um evangelista pelo pecado; desfrutava de cada afronta que lhes infligia; tinha mandado todos os criminosos e lunáticos da ilha ao ingênuo Carter e empregado todas as táticas conhecidas da guerrilha diplomática – qualquer era capaz de aproveitar-se desse idiota, –
pensou com um sorriso. Esta jogada lhe teria fascinado.
Agora era só questão de encontrar a maneira de transmitir a mensagem. Corria um risco muito alto, mas até esse momento ganhou cada lance, e sentia que os dados estavam a seu favor.
Talvez tivessem cometido um erro, pensou Chávez. Possivelmente isso de deixar a cabeça sobre o peito do homem tenha servido só para enfurecê-los.
Em todo caso, os colombianos varriam a selva com avidez. Não tinham descoberto o rastro do pelotão Faca, os soldados se esforçavam por apagar seus rastros, mas ele tinha uma certeza: a batalha campal, sem quartel, era iminente.
O capitão Ramírez não pensava nisso nem em nenhuma outra coisa, além da ordem de evadir e evitar. A maioria de seus homens não duvidava dessa ordem, mas Chávez sim, e queria fazer um par de perguntas ao capitão. Só que um suboficial não deve interrogar seu capitão, salvo que seja um sargento major, com o direito, consagrado pela tradição, de falar a sós com o oficial. Já que ia haver combate –
disso quase não restava a menor duvida– , por que não liberá-lo nas condições mais favoráveis? Dez bons soldados armados com metralhadoras, amadurecidas e dois SAW podiam montar uma emboscada perfeita: deixar um rastro que conduzisse o inimigo direito à zona de fogo. Ainda sobrava um par de minas. Com sorte, matariam entre dez e quinze homens em três segundos. Os outros – os que pudessem fugir– não iriam furiosos, e sim com as calças cagadas de medo, com pouca vontade de continuar a busca.
Era incompreensível que Ramírez não compreendesse isso. Mantinha-os nessa marcha exaustiva em vez de procurar um lugar onde descansar bem, preparar a emboscada, levá-la a cabo e depois fugir de novo. Havia um tempo para ocultar-se e um tempo para combater. O significado da palavra “iniciativa”, a mais apreciada do léxico militar, era quem decidia quando era a hora. Chávez sabia por instinto.
Suspeitava que Ramírez pensava muito. Ignorava no que, mas lhe preocupava que seu superior meditasse tanto.
Larson devolveu o veículo e levou Clark ao aeroporto em seu “BMW”. Vou sentir falta deste carrinho, pensou ao dirigir-se ao avião. Clark levava uma maleta com materiais secretos ou comprometedores, nada mais. Deixou tudo, inclusive a navalha de barbear mas levava a “Beretta” 92-F
com silenciador entre o cinto e suas costas. Sua atitude era serena, natural, mas Larson aprendera a reconhecer os sinais de tensão no Sr. Clark. Nesses momentos parecia um ser tranquilo, afável e algo ausente, quer dizer, inofensivo de todo. Era um sujeito bem perigoso. A mente de Larson evocava as imagens do tiroteio junto ao caminhão: como tinha tranquilizado os pistoleiros, como os tinha desconcertado ao lhes pedir ajuda. Não sabia que havia sujeitos assim na CIA, sobre tudo depois da investigação realizada a pedido do Comitê Iglesias.
Clark subiu no avião, jogou a maleta no assento traseiro e aguardou com impaciência a que Larson realizasse a rotina de pré-voo. Só recuperou sua atitude normal quando subiram o trem de aterrissagem.
– Quanto demoraremos para chegar ao Panamá?
– Duas horas.
– Vá para o mar o mais rapidamente possível.
– Está nervoso?
– Só com seu jeito de voar – disse Clark com um sorriso malicioso– . Não, o que me preocupa é a sorte de trinta e tantos rapazes perdidos nas montanhas colombianas.
Quarenta minutos mais tarde, saíram do espaço aéreo colombiano. Clark pegou a maleta, abriu a portinhola e o jogou nas águas da baía do Panamá.
– Posso perguntar...?
– Suponhamos por um momento que esta operação se está desmoronando. Quantas provas queremos ter nas nossas mãos quando nos citarem a comparecer em frente à Comissão do Senado? Já sei que não há muitas probabilidades de que isso ocorra, mas sempre é possível que alguém se pergunte quem somos, o que há na maleta e por que a levamos.
– Ah, sim, entendo.
– Pense, Larson, pense. Como Henry Kissinger disse, até os que sofrem mania perseguição têm inimigos de verdade. Se estiverem dispostos a abandonar a esses soldados, o que me diz de você e eu?
– Mas..., o Sr. Ritter...
– Conheço Bob Ritter há uns quarenta anos. Quero lhe fazer um par de perguntas, e ver se ele pode me responder. A única coisa que sei é que nos escondeu umas coisas que nos deveria ter dito. Talvez seja mais um exemplo mais de como se veem as coisas de um escritório na capital da nação. Ou talvez não.
– Mas você não pensa que...
– na verdade, não sei o que pensar. Anuncie nossa chegada – ordenou Clark. Melhor que Larson não pensasse muito nisso. Era muito novo na CIA para compreender o que estava em jogo.
O piloto assentiu e obedeceu imediatamente. Sintonizou uma frequência pouco habitual e se comunicou.
– X Golfe Uísque Delta a torre de controle do Howard, peço permissão para aterrissar, câmbio.
– Torre de Howard a Uísque Delta, espere, câmbio – disse a voz imaterial do controlador, que, imediatamente, verificou no livro de códigos. Não sabia quem era XGWD, mas essa matrícula estava na lista “vermelha”. A CIA, pensou, ou qualquer outra dessas Agências que mandam gente aonde não devem ir. Isso era suficiente– . Uísque Delta barra um-três-um-sete, tem autorização para entrada visual direta.
Ventos um-nove-cinco a dez nós.
– Entendido, obrigado, desligo. – Ao menos, não tudo está perdido hoje, pensou. Dez minutos depois, o “Beechcraft” deslizava lentamente atrás de um jipe até o lugar de estacionamento. Dali, a Polícia Aérea Militar escoltou os dois funcionários ao centro de operações da base. declarou-se um alerta de segurança; todo mundo vestia o uniforme verde de combate e quase todos levavam uma arma curta. O
pessoal de operações também vestia uniforme, para mostrar-se corajosos.
– Quando partirá um voo ao continente? – perguntou Clark a uma jovem capitã, com insígnia chapeada de piloto no uniforme. Clark se perguntou se realmente pilotaria aviões.
– Temos um C-141 no Charleston. Mas, se quiser lugar...
– Garota, procure este número na lista de operações especiais – disse Clark, lhe entregando seu passaporte em nome do J. T. Williams– . Na seção IS – acrescentou, amável.
A capitã parou, abriu a primeira gaveta do arquivo de segurança, fechado com combinação dupla.
dali extraiu uma pasta com marcas vermelhas e várias divisões. A última levava o rótulo “Inteligência Especial” e continha dados sobre pessoas e objetos, custodiados com mais zelo que esmero. Top secret.
Ele voltou em poucos segundos.
– Sim, coronel Williams, o voo parte em vinte minutos. Precisa de mais alguma coisa?
– Avise a Charleston que tenha um avião preparado para nos levar diretamente a Washington, capitã, por favor. Lamento chegar assim, sem aviso prévio. Obrigado por sua ajuda.
– Com muito prazer, senhor – disse a jovem, sorrindo para esse coronel tão amável.
– Coronel? – perguntou Larson quando saíam.
– Sim, e de Operações Especiais. Não está ruim, para um sujeito que depois que chegou a suboficial principal ajudante de contramestre, não lhe parece?
Cinco minutos depois, o jipe os deixou na escadinha do “Lockheed Starlifter”. A cabine de carga era um imenso túnel deserto. Era um voo da Força Aérea, disse o chefe de carga, que ia direito à base.
Depois que o aparelho levantou o voo, Clark se estendeu com satisfação. É assombroso, pensou, que em algumas coisas seus compatriotas fossem tão hábeis. A transição do perigo mortal à segurança total era questão de horas. O mesmo país que enviava gente para lutar sem o apoio adequado, os tratava como reis... se tivessem o crédito adequado, cotada na lista correspondente, como se isso justificasse tudo. Tudo era uma loucura: o que se fazia e o que se deixava de fazer. Momentos mais tarde, roncava com força, para assombro de Carlos
Larson. Despertou cinco horas mais tarde, durante a aterrissagem.
A CIA, como qualquer outra organização oficial, funcionava durante as horas úteis. Os dois primeiros turnos foram embora às 15:30, antes da horário de pico, e às 17:30 o silêncio reinava inclusive no andar dos executivos. Na recepção de Jack, Nancy Cummings pôs a capa sobre sua máquina de escrever “IBM” – sabia usar o word processor, mas preferia a máquina– , e apertou o botão do intercomunicador.
– Precisa de alguma coisa Sr. Ryan?
– Não, obrigado. Até manhã.
– Bem, boa noite, senhor.
Jack girou a cadeira para contemplar as árvores que defendiam o complexo dos olhares do exterior.
Tentava pensar, mas tinha a mente em branco. Não sabia o que ia descobrir e em parte desejava que não houvesse nada a descobrir. Sabia que lhe custaria sua carreira na Agência, mas não se importava com isso. Um trabalho que lhe obrigava a fazer estas coisas não valia a pena conservar.
O que diria o almirante se pudesse saber o que penso?
Não sabia. Tirou um livro da gaveta e ficou a lendo. Umas centena de páginas depois, eram sete da noite.
O momento esperado. Ryan telefonou ao escritório de Segurança. Quando as secretárias se foram, os rapazes da segurança recebiam os recados.
– Aqui sala o Sr. Ryan. Preciso de uns dossiês do arquivo central. – Levou três minutos– . São muito volumosos – acrescentou– . Que vão dois, vão precisar de ajuda.
– Sim, senhor. Os traremos em seguida.
– Não há pressa – disse Ryan, e desligou. Já tinha fama de ser um chefe atento e considerado.
Deixou o auricular na forquilha e imediatamente se levantou e ligou sua “Xerox” pessoal. Saiu para o mesa de Nancy e escutou os passos dos agentes de segurança que se afastavam pelo corredor principal.
Nesse andar não fechavam as portas com chave. Não era necessário.
Para chegar a ela, teria que passar dez postos de segurança com homens armados, fiscalizados por outras tantos escritórios centrais no térreo. Também havia um guarda móvel. No quartel da CIA, a segurança era mais restrita que numa prisão federal e igualmente de cansativa. Mas isso não valia para os altos chefes: Jack só tinha que cruzar o corredor e abrir a porta do escritório de Bob Ritter.
A caixa forte do SDO – similar à caixa de segurança de um Banco– estava instalada atrás de um painel corrediço da parede. Não por uma questão de sigilo, já que qualquer ladrão a descobriria em segundos, mas sim de estética. Jack correu o painel e girou o disco da combinação. perguntou-se se Ritter saberia que Greer conhecia a combinação. Talvez sim, mas certamente ignorava que o almirante a tinha escrito. Era uma possibilidade tão insólita, que ninguém pensou nela. Os cérebros mais ardilosos do mundo tinham seus pontos fracos.
É obvio que as caixas de segurança estavam conectadas a alarmes. Estes eram infalíveis, com sistemas similares aos das travas de segurança dos artefatos nucleares, quer dizer, os melhores do mundo..., ou não? Se alguém se enganasse ao digitar a combinação, o alarme soava. No primeiro erro, acendia-se uma luz indicadora de que alguém tinha dez segundos para acertar a combinação; caso contrário, acendiam-se luzes em dois escritórios de segurança diferentes.
No segundo erro, acendiam-se vários alarmes adicionais. No terceiro bem a caixa ficava totalmente bloqueada durante duas horas. Vários executivos da CIA aprenderam a amaldiçoar o sistema, e eram objeto de brincadeiras no departamento de segurança. Não era o caso de Ryan, a quem nenhum sistema de segurança era capaz de intimidar. O computador que dava as ordens decidiu que, bem, era o S. Ritter quem abria, e ponto.
Seu coração pulsava com força. Havia uma vintena de dossiês na caixa, e tinha poucos minutos para agir. De novo se aproveitou das rotinas da Agência.
Na primeira folha de cada dossiê havia um breve resumo do conteúdo de “Operação X ou Operação E”. Sem prestar muita atenção ao texto, pôde identificar os temas que lhe interessavam. Em dois minutos tirou os dossiês rotulados OLHO DE ÁGUIA, SHOWBOAT-1, SHOWBOAT-2, CAPER e RECIPROCIDADE. A pilha media quase meio metro. Depois de tomar nota do lugar ocupado por cada dossiê, fechou a caixa sem a trava de segurança. Voltou para seu escritório, deixou os papéis no chão, atrás do escritório, e abriu o dossiê OLHO DE ÁGUIA.
– Mer... da!
“Descobrimento e interceptação de voo de narcotraficantes” significava... derrubar um avião!
Bateram na porta.
– Entre.
Os agentes de segurança entraram levando os dossiês solicitados, deixaram-nos sobre a cadeira, tal como ele lhes indicou, e saíram.
Tinha uma hora, no máximo dois, para trabalhar. Isso lhe permitiria uma leitura rápida. Cada dossiê incluía uma descrição dos objetivos e métodos da operação, junto a um Diário dos sucessos. A fotocopiadora do Jack era uma “Xerox” grande, moderna, que, além de copiar as folhas a grande velocidade, reunia os documentos. Podia ler e copiar ao mesmo tempo graças à entrada automática. Em noventa minutos pôde copiar umas seiscentas folhas, uma quarta parte do total. Era suficiente, mas não restava mais tempo. Desordenou um pouco os dossiês que tinha pedido e chamou os guardas para que os levassem. Depois que eles se afastaram, reuniu os dossiês que havia... roubado? De repente caiu na ficha de que acabava de violar a lei. Não pensava nisso, seriamente que não. Ao guardá-los na caixa de segurança, disse-se que, na verdade, não tinha violado nada. Era um funcionário hierárquico, tinha direito a estar informado, as normas de segurança não lhe afetavam... Não, não devia pensar assim. Servia a uma causa superior, a Causa do Bem. Estava...
– Merda! – exclamou em voz alta ao fechar a caixa– . Não sabe o que faz. – Voltou para seu escritório. antes de ir-se, devia anotar a quantidade de fotocópias na pasta de seu “Xerox”. Cada cópia devia estar justificada com sua assinatura, mas isso já o tinha previsto. Reuniu a quantidade necessária de folhas e as guardou em sua caixa forte, em um dossiê com o rótulo OIAE, o mesmo que lhe tinha pedido a Nancy. Os chefes de diretório tinham certa liberdade para fazer essas cópias, e em sua caixa forte guardava o manual para manusear a fotocopiadora. Colocou as cópias em sua maleta. a última coisa que fez antes de sair foi alterar a combinação de sua caixa: ninguém poderia adivinhar ela. Ao sair, saudou o agente de segurança postado junto ao elevador. Quando chegou ao estacionamento, no porão, seu motorista da noite já o esperava com o motor ligado.
– Lamento te reter até tão tarde, Fred.
– Não há problema, senhor. Para casa?
– Sim, por favor.
Teve que fazer um grande esforço para não começar a ler durante a viagem. acomodou-se no assento para dormir: tinha a certeza de que essa noite não poderia deitar-se.
Clark chegou à base de Andrews pouco depois das oito. Chamou o escritório de Ritter, mas lhe disseram que o SDO estava ausente e que seria impossível achá-lo antes da manhã seguinte. A falta de algo melhor que fazer, Clark e Larson ficaram num quarto num hotel, perto do Pentágono. Compraram aparelhos de barbear, escovas de dentes e outros artigos de higiene pessoal; depois, Clark se foi para cama, para grande surpresa do agente jovem que se sentia muito excitado para imitá-lo.
– Bem, como é ruim a notícia? – perguntou o Presidente.
– Perdemos a nove homens – respondeu Cutter– . Era inevitável, senhor. Sabíamos que a operação era perigosa; eles também. O que podemos fazer...
– O que podemos fazer é pôr fim a esta operação de uma vez por todas. Agora mesmo. E guardá-la embaixo sete selos. Isto jamais aconteceu. Nunca pensei que haveria mortos civis, nem certamente que perderíamos a nove dos nossos. Maldito seja! Almirante, você me assegurou que estes rapazes eram tão bons...
– Senhor Presidente, eu nunca...
– Não me venha com essa! – exclamou o Presidente, e o agente de segurança sentado do lado de fora do escritório se sobressaltou– . Se pode saber como diabos me meteu nesta confusão?
O aristocrático rosto do Cutter adquiriu a palidez de um cadáver. Três anos de trabalho, de propostas... Ritter dizia que seria um êxito. Isso era o mais incrível.
– Senhor, nosso objetivo era golpear o Cartel. Conseguimos isso. O agente da CIA a cargo da RECIPROCIDADE na Colômbia disse que era capaz de iniciar uma guerra interna no Cartel..., e o fez!
Tentaram assassinar Escobedo, um dos chefes. Há menos embarques de drogas que antes. Ainda não dissemos nada, mas já os jornais comentam que aumentaram o preço. Estamos ganhando.
– Perfeito, agora vá e diga-lhe a Fowler. – O Presidente deu um murro sobre um dossiê em sua mesa . Na sua pesquisa privada, o oponente tinha quatorze pontos de vantagem.
– Mas depois da convenção, a oposição sempre...
– Quer me ensinar política? O senhor, não se mostrou muito competente em sua suposta especialidade.
– Senhor Presidente, eu...
– Quero terminar com tudo isto. Com discrição. Você mesmo o fará, e muito rápido. Você, como pai da criança que é, se ocupará dela.
Cutter vacilou.
– Como quer que proceda, senhor?
– Não sei, nem me interessa. Não volte para ver-me até que tudo esteja liquidado.
– Talvez tenha que desaparecer por uns dias.
– Então desapareça de uma vez!
– Isso poderia chamar a atenção.
– Nesse caso, diremos que você foi enviado pelo Presidente a uma missão secreta. Almirante, quero que isto se acabe. Não importa o que terei que fazer. Faça-o!
Cutter se ergueu em posição militar de sentido. Ainda lembrava como se fazia.
– Entendido, senhor Presidente.
– Leme em reverso – disse Wegener. O navio da guarda costeira Pana Che girou com o giro brusco do leme e entrou pelo canal.
– Direito.
– Leme direito, entendido. Senhor, o leme está direito – disse o jovem timoneiro, sob o olhar atento do suboficial contramestre principal Oreza.
– Muito bem, adiante a um terço de máquina, rumo um e nove cinco. – Wegener olhou o jovem oficial de coberta– . Tome o comando. Zarpamos.
– Entendido, senhor, tomo o comando – disse o tenente de corveta, surpreso. A ordem de zarpar se dá quando a nave ainda está junto ao cais, mas o capitão se mostrava extremamente cauteloso. O
timoneiro era muito jovem, mas podia arrumar-se sozinho. Wegener acendeu o cigarro e saiu à ponte, seguido pelo “Português”.
– Nunca me havia sentido tão feliz de me fazer ao mar – disse Wegener.
– Eu o compreendo, capitão.
Nesse dia tinham sofrido um susto maiúsculo. Um só, mas era mais que suficiente. A advertência do agente do FBI os havia chocado. Wegener interrogou seus homens um por um – tarefa tão desagradável quanto infrutífera– para averiguar quem tinha sido o linguarudo. Oreza acreditava saber, mas não estava certo. Graças a Deus não teria que averiguá-lo. Os piratas morreram: não havia perigo.
Mas os dois tinham aprendido a lição: jamais voltariam a violar o regulamento.
– Capitão, por que o sujeito do FBI veio nos advertir?
– Boa pergunta, “Português”. Para mim, a confissão que lhe tiramos desse filho da puta lhes serviu para lançar mão de todo esse dinheiro. Então, esta é uma maneira de nos devolver o favor. Além disso, o sujeito disse que tinha vindo a nos avisar por ordem de seu chefe em Washington.
– Parece-me que lhe devemos um favor – disse Oreza.
– Eu também acho.
Ficaram na ponte para desfrutar uma vez mais de pôr do sol sobre o mar, enquanto o Panache tomava rumo um-oito para sua zona de patrulha, no canal do Yucatán.
Chávez gastava suas últimas baterias. A situação piorara. Alguém os perseguia, o que os obrigava a manter uma retaguarda. Como homem de ponta, não devia preocupar-se com isso, mas o temor não deixava de rondar por sua cabeça, e era tão real como essa dor muscular que lhe obrigava a tomar uma cápsula do Tylenol” cada três ou quatro horas. Talvez os seguissem. Talvez fosse pura casualidade... ou possivelmente as táticas de evasão de Ramírez se tornaram previsíveis. Chávez opinava que não, mas o cansaço tornava muito difícil raciocinar com certa coerência, e ele sabia. Talvez o capitão tivesse o mesmo problema. Isso era inquietante. Os sargentos eram pagos para combater, os capitães para pensar.
Se Ramírez estava fatigado, era igual ter que não o ter.
Ruído. O suave assobio de um ramo ao açoitar o ar. Mas não havia ar. Talvez era um animal.
Talvez não.
Chávez parou e ergueu a mão. Vega, que o seguia a cinquenta metros, parou por sua vez e passou o sinal. Ding se aproximou de uma árvore e procurou o melhor ângulo visual. apoiou-se contra o tronco e sentiu que dormia. O sargento balançou a cabeça com força para limpar-se. A fadiga quase o dominava.
Ali. Movimento. Um homem. Uma silhueta verde, espectral, apenas uma forma nos óculos, quase duzentos metros à frente, levemente à direita. Subia à costa e... outro o seguia, a uns vinte metros.
Caminhavam como... soldados, com esse passo complicado, que a qualquer outro teria se parecido uma dança maluca...
Podia verificar. Os óculos PVS-7 tinham uma pequena luz infravermelha que se utilizava para ler o mapa. Embora fosse invisível ao olho humano, seria como um farol para qualquer que usasse outro PSV-7. Nem sequer fazia ruído. Os soldados olhavam constantemente para todos lados. Igualmente, era arriscado.
Chávez se separou da árvore. Estavam muito longe, era impossível ver se levavam os óculos, se moviam...
Sim. O primeiro girava a cabeça constantemente à direita e esquerda. Deixou de movê-la ao olhar de frente para Chávez. Ding ergueu seus óculos para apontar com a luz infravermelha e a fez piscar três vezes. Baixou-as bem a tempo para ver que o outro repetia o sinal.
– Acho que são nossos amigos – sussurrou no transmissor.
– Então, estão perdidos – disse a voz do Ramírez no aparelho– . Cuidado, sargento.
Clique-clique.
– Entendido.
Chávez lhe deu tempo a Urso para que montasse seu SAW, depois avançou pelo outro lado, preocupando-se em se manter resguardo para que Vega pudesse defendê-lo.
A distância parecia enorme, sobre tudo porque não podia apontar para o outro com sua arma. Viu um homem mais, e certamente havia outros que o olhavam através das miras de suas armas. Se não fossem amigos, suas probabilidades de ver o amanhecer eram zero, ou bem escassas.
– Ding, é você? – sussurrou uma voz quando restavam dez metros– . Sou Leon.
Chávez assentiu. Os dois tomaram fôlego, avançaram e se abraçaram. Um aperto de mãos não lhes parecia suficiente nessas circunstâncias.
– Está perdido, Berto.
– Não me diga. Sei onde diabos nos encontramos, mas estamos perdidos, merda.
– O capitão Rojas?
– Morto. O mesmo com Esteves, Magro... a metade do pelotão.
– Você está bem. Espere. – Pegou o transmissor– : Ponta a Seis. Fizemos contato com Bandeira. Há problemas, capitão. Pode vir, por favor?
Clique-clique.
Leon agitou a mão para chamar seu pessoal. Chávez não se incomodou em contá-los. Era evidente que faltava a metade. sentaram-se sobre um tronco cansados.
– O que aconteceu com vocês?
– Caímos direitos numa emboscada. Pensamos que era um centro de produção, mas não era. Eram trinta, quarenta sujeitos. Acho que Esteves se descuidou e fomos a merda. Como uma briga gangues de ruas com armas. O capitão Rojas caiu e... bem, a partir de então estamos correndo, irmão.
– Também nos seguem.
– Alguma boa notícia? – perguntou Leon.
– Ultimamente, nenhuma, Berto. Acho que é hora de darmos o fora.
– Eu também acho isso – disse Leon, justo quando o capitão Ramírez se aproximou. O sargento apresentou seu relatório.
– Capitão – disse Chávez– , estamos acabados. Precisamos de umas horas de descanso.
– Ele tem razão, capitão – disse Guerra.
– O que está acontecendo na retaguarda?
– Nada há duas horas, capitão – disse Guerra– . Essa elevação parece um bom lugar.
Não podia pressionar mais seu superior, mas foi suficiente.
– De acordo, chame o pessoal. Montem o perímetro e dois postos de guarda. Descansaremos até o anoitecer. Vou me comunicar, e ver se nos mandam ajuda.
– É bom ouvir isso, capitão.
Guerra se afastou para organizar o acampamento. Chávez foi patrulhar o perímetro enquanto o resto do pelotão preparava o bivaque.
– Meu deus! – suspirou Ryan. Eram quatro da madrugada. O café e a indignação o mantinham acordado. Na Agência descobrira um par de coisas, mas nada comparável com isso. Agora, a primeira coisa que devia fazer era... o que?
Dormir um pouco, umas duas horas, pensou. Jack pegou o telefone para chamar o escritório.
Atendeu o oficial de serviço.
– Sou o doutor Ryan. vou chegar tarde. Comi algo que me fez mal e me passei a noite vomitando...
Não, já estou melhor, obrigado, mas preciso dormir um pouco. Avise ao motorista que não venha me buscar, irei no meu carro. Até manhã... não, até mais tarde – retificou– . Sim, está bem. Obrigado, adeus.
Deixou uma nota para sua esposa na porta da geladeira e foi dormir no quarto de hóspedes para evitar incomodá-la.
98
Transmitir a mensagem era a parte mais fácil para Cortez. A outra parte era a mais difícil, mas a primeira coisa que fez ao se unir ao Cartel foi obter uma série de números telefônicos da região de Washington. Não lhe deu trabalho algum, como sempre, se tentava verificar quem tinha o que alguém precisava, e essa era justamente a especialidade de Cortez. Obteve os telefones necessários em troca de dez mil dólares – era um excelente investimento, sobre tudo porque o dinheiro não era dele– , e depois só foi questão de verificar os horários. Claro que corria um risco, porque o destinatário talvez não se encontrasse na cidade, mas em quase todos os casos bastava para afastar as olhares indiscretos. As secretárias desses funcionários eram pessoas disciplinadas e sabiam que o excesso de curiosidade podia lhes custar o emprego.
Mas o que facilitava tudo era esse novo avanço tecnológico chamado impressora fac-símile.
Simbolizava a importância de seu proprietário, era o complemento indispensável da linha Telefônica direta, que nem sequer a secretária privada conhecia. Cortez foi a seu escritório particular em Medellín para escrever a mensagem. Conhecia o jargão das mensagens oficiais e sabia imitá-la. O cabeçalho dizia Confidencial-Nimbus. No campo Remetente escreveu um nome falso, mas no do Destinatário era autêntico, e importante mais que o suficiente para chamar sua atenção. A mensagem, breve e eloquente, incluía uma direção cifrada do remetente. Como reagiria o destinatário? Impossível saber, mas Cortez estava convencido de que as probabilidades de obter uma resposta favorável eram boas. A máquina fez o seu trabalho. Depois que escutou o gorjeio eletrônico de outro fax, transmitiu a mensagem. Cortez tirou o original, dobrou-o e o guardou em sua carteira.
O zumbido do fax ao imprimir a mensagem surpreendeu o destinatário. Só podia ser uma mensagem oficial, porque essa linha direta era conhecida por uma meia dúzia de pessoas. (Não lhe ocorreu pensar que o computador da empresa telefônica também a conhecia.) Terminou de fazer o que estava fazendo, esticou o braço e pegou a mensagem.
Que diabos é Nimbus? – perguntou-se. Seja o que for, era uma mensagem confidencial para ele de maneira que o leu enquanto sorvia sua terceira xícara de café matutino, mas teve a sorte de derramá-lo sobre a mesa, não sobre suas calças.
Para Cathy Ryan, a pontualidade estava acima de tudo. O telefone do quarto de hóspedes soou às 8:30 em ponto. Jack estremeceu como se tivesse recebido um choque elétrico, estendeu o braço e pegou o fone do horrível aparelho.
– Olá.
– Bom dia, Jack – disse sua esposa, com voz alegre – . Qual é o problema?
– Trabalhei até muito tarde. Leu o recado?
– Sim, mas, quais são...?
– Sei o que ele diz, amor – interrompeu Jack– . Não deixe de ligar para ele, é muito importante. – A doutora Caroline Ryan era inteligente, sabia interpretar as frases tácitas.
– Está bem, Jack. Como você está?
– Muito mal, mas tenho muito trabalho a fazer.
– Eu também, meu amor. Até mais tarde.
– Até logo. – Com um grande esforço, Jack se levantou da cama e correu para o chuveiro.
Ela teve que se apressar, porque a esperavam na sala de cirurgia. Desde sua mesa chamou um telefone em Washington. Soou uma só vez.
– Aqui Dan Murray.
– Dan, sou Cathy Ryan.
– Minha querida doutora, bom dia! A que devo o prazer!
– Jack me pediu que te avisasse de que irá te ver às dez horas. Pede que autorize o estacionamento dele nas vagas da entrada e sobre tudo, que os rapazes do escritório de trás não sejam informados. Não me pergunte o que ele quer falar com você, só repito textualmente suas palavras.
Cathy não sabia se ria ou sentir-se aborrecida. Jack gostava de fazer brincadeiras – que lhe pareciam bem idiotas – com pessoas autorizadas a saber os mesmos segredos que ele, sobre tudo com seu amigo do FBI. Talvez só fosse uma brincadeira.
– Está bem, Cathy, farei isso.
– Tenho que correr para salvar o olho de um sujeito. Dê um beijo a Liz de minha parte.
– Farei isso. Até mais tarde.
Murray cortou a comunicação, perplexo. Que os rapazes do escritório de trás não sejam informados.
Tinha usado essa expressão quando se conheceram no hospital “St. Thomas”, de Londres. Dan era adido legal da Embaixada dos Estados Unidos, em Grosvenor Square. Os rapazes do escritório do fundo eram agentes da CIA.
Mas Ryan era um dos seis primeiros na hierarquia de Langley, inclusive um dos três primeiros.
Que diabos quereria lhe dizer?
– Beth... – Por intermédio de sua secretaria ordenou ao guarda que deixassem Ryan passar pela entrada principal do edifício “Hoover”. Fosse o que fosse, saberia muito em breve.
Clark chegou a Langley às nove da manhã. Não tinha uma credencial especial – ninguém leva isso para o território inimigo – e teve que dizer o nome e a senha para que lhe permitissem cruzar a porta principal. Estacionou no espaço reservado para visitantes – a CIA costuma recebê-los– , passou pela entrada principal e virou à esquerda, onde lhe deram uma espécie de cartão laminado de visitante, que, entretanto, abria as portas eletrônicas.
Depois, virou à direita, por um corredor decorado com murais que davam a impressão de que um menino gigantesco esteve brincando com barro. Clark estava convencido de que o artista era um infiltrado da KGB. Ou talvez o tivessem mandado para o pior posto. Subiu para sétimo andar, percorreu o corredor, dobrou e pegou o corredor em frente, que correspondia aos escritórios dos altos chefes. Finalmente, chegou até a secretária particular do SDO.
– Por favor, anuncie ao Sr. Ritter que o Sr. Clark quer vê-lo – disse.
– Tem uma entrevista marcada? – perguntou a secretária.
– Não, mas acho que ele me receberá – disse Clark, amável. Não tinha sentido mostrar-se rude com ela, e além disso desde soa infância lhe tinham ensinado a ser atencioso com as senhoras.
A secretária pegou seu telefone para fazer a consulta e ergueu os olhos.
– Entre, por favor.
– Obrigado.
Entrou e fechou a porta, que era muito grosa e a prova de som. Perfeito.
– Que diabos está fazendo aqui? – perguntou o SDO.
– Tem que encerrar a SHOWBOAT– disse Clark sem rodeios– . está caindo aos pedaços. O inimigo começou a caçar a nossos rapazes e...
– Sei disso me disseram-me isso ontem à noite. Veja, eu nunca pensei que sairíamos desta operação sem sofrer perdas. Faz trinta e seis horas atacaram um dos pelotões; parece que o golpearam duramente, mas bateram mais que apanharam e depois se vingaram dos que...
– Não quem se vingou fui eu – disse Clark.
– Como? – perguntou Ritter, surpreso.
– Ontem nesta mesma hora, Larson e eu saímos a dar um passeio e topamos com três desses... o que quer que sejam. Acabavam de carregar os cadáveres no caminhão. Não encontrei nenhum motivo para deixá-los com vida – disse Clark com toda naturalidade. Fazia muito tempo que ninguém falava assim na CIA.
– John, pelo amor de Deus! – Ritter estava tão surpreso, que não lhe ocorreu advertir a Clark por se meter numa operação alheia, o que constituía uma grave violação da segurança.
– Reconheci os cadáveres – prosseguiu Clark– . Capitão do Exército, Emilio Rojas. Um bom sujeito.
– Lamento a morte dele. Mas sabíamos que era perigoso.
– Estou certo que isso será de grande consolo para a família dele, se é que a tem. A operação acabou. Devemos evitar mais baixas. O que faremos para tirá-los dali?
– Estou-me trabalhando nisso, mas tenho que coordenar com outra pessoa, que não sei se estará de acordo.
– Nesse caso, senhor – disse Clark a seu chefe– , me permita lhe sugerir que se mostre convincente em seus argumentos.
– É uma ameaça? – perguntou Ritter, baixando a voz.
– Não, senhor, lamento que interprete assim. Digo-lhe, com base de minha experiência, que é necessário terminar a operação o mais cedo possível. Sua tarefa é demonstrar à pessoa que a autorizou. Se não obter essa permissão, eu diria que a cancele de qualquer forma.
– Perderia meu posto – disse o SDO.
– Depois de identificar o cadáver do capitão Rojas, incendiei o caminhão. Por duas razões. Uma, criar uma estratagema para atrair ao inimigo. Dois para torná-los irreconhecíveis. Jamais queimei o cadáver de um dos nossos. Eu não gostei. Larson não compreende por que fiz aquilo, é muito jovem. Mas você não, senhor. Enviou a essa gente para combater, é responsável por eles. Se me disser que seu posto é mais importante que essa responsabilidade, eu lhe digo que se engana, senhor. – Clark conservava o tom de voz de um homem racional numa reunião de negócios; mas, pela primeira vez em muito tempo, Bob Ritter sentiu que sua integridade física corria perigo.
– O estratagema obteve seu objetivo. Há quarenta inimigos procurando em todos os lugares, menos onde deveriam fazer.
– Me alegro. Isso facilitará a tarefa de tirar os nossos homens.
– John, não posso aceitar que me dê ordens.
– Não pretendo lhe dar ordens, senhor. Só lhe digo o que terá que fazer. Você me disse que levasse adiante a operação a minha maneira.
– Falava de RECIPROCIDADE, não de SHOWBOAT.
– Não é hora de discussões semânticas, senhor. Se não os tirar dali, haverá mais baixas, talvez os eliminem a todos. É sua responsabilidade, senhor. Não pode enviar às pessoas para lá e tirar todo o apoio.
Você sabe.
– Nisso você tem toda a razão – disse Ritter, depois de uma pausa– . Mas não posso fazê-lo por minha conta. Tenho que informar..., bom, já sabe a quem. Farei isso. Vamos tirá-los de lá o mais rápido possível.
– Obrigado, senhor.
Clark relaxou. Ritter era um chefe exigente, muito rude com seus subordinados às vezes, mas era um homem de palavra. Além disso, Clark estava certo que o SDO era muito esperto para traí-lo em semelhante questão. Tinha esclarecido sua posição, e Ritter recebeu o sinal com toda clareza.
– O que me diz de Larson e seu correio?
– Tirei-os dali. Deixou o avião no Panamá, ele está dormindo num hotel perto daqui. É muito bom agente. Mas me parece que já não tem mais nada a fazer na Colômbia. Acho que umas semanas de licença lhe viriam a calhar.
– De acordo. E você?
– Posso voltar amanhã, se quiser. Acho que serei útil para a retirada.
– Parece que estamos na pista do Cortez.
– Sério?
– Você o fotografou.
– Ah, sim? Onde...? Ah, já sei, é o que escapou por um triz quando bombardeamos a casa de Untiveros.
– Exato. A mulher que ele seduziu o identificou. Controla seu pessoal de uma casa perto de Anserma.
– Para apanhá-lo, Larson teria que me levar lá.
– Vale a pena correr o risco?
– Se pegarmos Cortez? – Clark refletiu uns instantes– . Depende. Acho que vale a pena tentar. O
que sabemos de sua segurança?
– Nada – confessou Ritter– . Só temos uma ideia aproximada da situação da casa, graças a uma interceptação. Será bom trazê-lo com vida. Tem muita informação que nos interessa. Traremos ele e o ameaçaremos com a pena de morte por homicídio.
Clark assentiu, pensativo. Uma das fraudes mais frequentes nas novelas de espionagem era a do agente disposto a tomar cianeto ou enfrentar o pelotão de fuzilamento com um sorriso desdenhoso. Na vida real, acontecia justamente o contrário. O homem enfrentava à morte com coragem se não tivesse uma alternativa mais atraente. Então, tentava-se dar essa alternativa, para o qual não se necessitava da inteligência de um físico nuclear, segundo o ditado da moda. Se apanhassem Cortez, o submeteriam a julgamento, o condenariam a morte – era só questão de escolher o juiz, e em matéria de segurança nacional havia muita margem– , e depois lhe fariam uma oferta. O homem se quebraria rapidamente, inclusive antes que se iniciasse o julgamento. Cortez não era idiota, sabia como e quando convinha negociar. Já traíra a sua pátria. depois disso, trair o Cartel era uma bagatela.
Clark assentiu.
– Me dê duas horas para pensar nisso.
Ryan entrou pela porta principal da Rua 10, sob o grande arco. Havia guardas uniformizados e a paisana, um dos quais tinha uma prancheta com papéis presos. Aproximou-se do carro.
– Jack Ryan. Tenho audiência com Dan Murray.
– Sua identificação, por favor.
Jack mostrou sua credencial da CIA. O guarda a reconheceu e lhe fez um gesto para um outro, que apertou o botão para descer a barreira de aço encarregada de impedir que um carro-bomba penetrasse no Quartel-General do FBI. Passou e estacionou seu carro. Um jovem agente o recebeu no vestíbulo e lhe entregou um cartão para de abrir portas eletrônicas. Se alguém inventasse um vírus de computador adequado, pensou Jack, a metade do governo não poderia chegar a seus postos de trabalho. E talvez o país estivesse a salvo até que se resolvesse o problema.
A planta do edifício “Hoover” é bem estranha, um labirinto de corredores em diagonal que interceptam outros em esquadro. Para os estranhos, é mais confuso que o Pentágono. Quando chegou ao escritório que procurava, estava totalmente enjoado.
Dan o esperava. O fez entrar e fechou a porta.
– Bom, o que está acontecendo?
Ryan pôs sua maleta sobre a mesa e a abriu.
– Preciso de um conselho. Não sei o que fazer.
– Do que se trata?
– De uma operação que me parece ilegal. Na verdade, são várias operações.
– Ilegal? Em que sentido?
– Homicídio – falou Jack com toda a naturalidade que foi capaz de fingir.
– As bombas na Colômbia? – perguntou Murray de sua cadeira giratória– . As que colocaram puseram caminhões?
– Acertou, mas não de todo. As bombas não estavam nos caminhões.
Como! Dan refletiu durante uns segundos antes de responder: o fato era em retaliação pela morte de Emil e dos outros.
– Sabe?, a lei é bem confusa a respeito. A proibição de matar pessoas numa operação é um decreto do Poder Executivo, assinado pelo Presidente. Se no último artigo da ordem escreve exceto nesse caso, então é legal... até certo ponto. A lei não é clara. trata-se, acima de tudo, de um problema constitucional, e a Constituição é bem vaga em certos aspectos.
– Sim eu sei. O ilegal é que me ordenaram informar mal o Congresso. Se a Comissão Supervisora estivesse sabendo de tudo, não seria assassinato, e sim justamente o contrário: uma medida governamental com os devidos rescaldos legais. É mais, se interpretar bem a lei, não seria assassinato nem sequer se informássemos o Congresso depois do fato, porque a lei nos dá uma margem para iniciar uma operação se os da Comissão estão fora da cidade. Mas, se o diretor da CIA me ordena dar informação falsa ao Congresso, viola-se a lei e se comete assassinato. Isso não é o pior de tudo, Dan.
– Estou escutando.
– O pior é que há muita gente sabendo dos fatos, e se isto vier a tona, certos rapazes nossos o vão passar muito, mas muito mal. Vamos deixar de lado por hora o aspecto político do assunto, que o tem, Dan, em mais de um sentido. Não sei que merdas fazer!
Como sempre, a análise de Ryan era muito precisa. Continha um só erro: achava saber o pior, mas estava enganado.
Murray sorriu, não porque quisesse, mas sim porque seu amigo precisava disso.
– O que te faz pensar que eu sei a resposta?
Ryan se distendeu um pouco.
– Poderia lhe pedir conselho a um padre, só que não conheço nenhum que esteja autorizado a conhecer estes segredos. Você, sim. Além disso, o FBI é um verdadeiro sacerdócio, não é? – Era uma brincadeira entre eles: os dois estudaram numa Universidade dos jesuítas.
– Quem dirige a operação?
– Adivinhe. Não é um funcionário de Langley, e sim um que trabalha a seis quadras daqui.
– Ou seja, que não posso ir ao Secretário de Justiça.
– Claro, porque talvez lhe ocorresse consultar seu superior.
– Você vai me meter numa confusão com minha própria burocracia – sorriu Murray.
– Às vezes me pergunto se vale a pena viver com tanta tensão – disse Jack, deprimido– . Merda, poderíamos pedir a demissão juntos. Bom, pode confiar em alguém?
– Sim em Bill Shaw – respondeu Murray, sem vacilar– . Venha comigo vamos falar com ele.
A palavra loop, originaria na informática, passou ultimamente à linguagem geral. refere-se a um sucesso e a seus autores, um ciclo de ação ou decisão independente de seu ambiente imediato. Em todo governo há uma enorme quantidade de loops, cada um com suas próprias regras, conhecidas pelos participantes.
Em questão de horas, criou-se um novo. Incluía certos membros do FBI, mas não o Secretário de Justiça dos Estados Unidos, embora este fosse o chefe do diretor dessa Agência. Também incluía certos agentes do Serviço Secreto, mas não o secretário do Tesouro, que era seu chefe. Quase todas estas investigações requeriam muita meditação e análise, e Murray, designado chefe desta, percebeu, surpreso, que um de seus “homens” entrava rapidamente em ação. De nada lhe serviu inteirar-se de que se dirigia à base aérea de Andrews.
Nessa hora, Ryan estava em seu escritório. Estava um pouco pálido, mas todos atribuíram a seu mal-estar da noite anterior, provocado por alguma comida.
Agora sabia o que fazer: nada. Ritter saíra, o juiz não havia retornado. Era difícil não fazer nada.
Era mais difícil fazer coisas que não tinham a menor importância. Num certo sentido se sentia melhor: o problema não estava só em suas mãos. Ele ignorava que esse não era motivo para sentir-se melhor.
XXV
ARQUIVO “ODYSSEY”
É obvio que Murray enviou um agente hierárquico a Andrews; este chegou quando um jato pequeno se dirigia para o extremo da pista Um-esquerda. Por meio de sua credencial, o agente chegou ao escritório do chefe do Esquadrão de Transporte Aéreo 89, que era um coronel. Ali obteve o plano de voo do avião que acabava de decolar. comunicou-se com Murray, e, continuando, avisou ao coronel que nenhum agente fora ver o nem efetuou uma investigação oficial; que se tratava de um importante caso criminal e que o procedimento era Top secret. A chave do dossiê era ODISSEIA.
Um minuto depois, Murray se reuniu com o Shaw. Este descobriu que era perfeitamente capaz de cumprir a função de diretor. Sabia que não o confirmariam no posto e que, depois que encontrassem a figura adequada, voltaria a ser diretor executivo adjunto no comando de Investigações. Parte dele lamentava isso. Por que um policial de carreira não podia ser chefe do FBI? Mas, claro: era um posto político e esse veterano de trinta anos na força não gostava da política.
– Temos que enviar alguém – disse Shaw– . Mas como, pelo amor de Deus?
– O adido legal no Panamá? Conheço-o, é de confiança.
– Sim, mas está colaborando com a DEA, só voltará em alguns dias. Seu substituto não pode fazer isso, falta-lhe experiência para fazer por sua conta.
– Se tirarmos morais de Bogotá... não, sua ausência chamaria a atenção... Isto é urgente, Bill, o sujeito já está a caminho, a setecentos quilômetros por hora... Ouça, por que não usamos Mark Bright?
Poderia lhe roubar um jato à Força Aérea.
– Bem!
– Agente especial Mark Bright – disse a voz pelo telefone.
– Mark, Dan Murray. vou encarregar lhe uma missão. Tome nota.
Dois minutos mais tarde, Bright murmurou uma palavra obscena e desligou. Chamou sucessivamente à base aérea militar de Eglin, ao escritório local do Serviço da Guarda costeira, e a sua casa. Se de algo estava certo, era de que não chegaria a tempo para jantar com sua família. Recolheu um par de coisas e se fez outro agente o levar ao porto, onde o esperava um helicóptero da guarda costeira.
Este decolou imediatamente para levá-lo ao Eglin.
A Força Aérea tinha somente três F-15E “Strike-Eagle”, protótipos de um modelo de ataque terrestre do grande caça bimotor; dois deles estavam em Eglin, onde os submetiam a uma bateria de testes técnicos antes que o Congresso autorizasse sua produção em série. Além de alguns aparelhos de adestramento em outras bases, este era o único modelo do principal avião de combate da Força Aérea com capacidade para duas pessoas. O piloto aguardava Bright junto ao avião. Um par de suboficiais lhe ajudaram a colocar o traje de voo, o paraquedas e o colete salva-vidas. O capacete estava sobre o assento evitável. Dez minutos mais tarde, o avião estava preparado para a decolagem.
– O que nos faremos? – perguntou o piloto.
– Tenho que chegar ao Panamá o mais rápido possível.
– Ou seja, que quer voar rápido – riu o oficial– . Então, não há pressa.
– Como diz?
– O avião tanque decolou há três minutos. Deixaremos ele subir a dez mil metros antes de separar.
Reabastece-nos lá encima e vamos a toda velocidade.
Outro avião tanque vai sair a nosso encontro do Panamá... para nos dar o combustível necessário para aterrissar. Assim poderemos voar a velocidade supersônica.
Disse que tinha pressa, não?
– Positivo. – Bright tentava colocar o capacete, que era bem pesado. Fazia calor no cockpit e o sistema de refrigeração ainda não fazia efeito– . O que acontece o outro cisterna não aparece?
– O “Eagle” é um planador de primeira – disse o major– . Não teremos que nadar muito.
Bright escutou um rangido do transmissor. O major recebeu a mensagem e se voltou para seu passageiro:
– Agarre, senhor. Vamos lá.
O “Eagle” deslizou até o extremo da pista, onde parou. Começou a vibrar quando o piloto deu toda a potência aos motores e soltou os freios.
Dez segundos depois, Bright se perguntou se a decolagem de um porta-aviões, com catapulta, era uma experiência tão emocionante quanto a que estava vivendo.
O F-15E subiu em um ângulo de quarenta e cinco graus, mais e mais rápido, até deixar a costa da Florida muito para atrás. reabasteceu a cento e cinquenta quilômetros da costa – apesar da sacudida, Bright estava muito fascinado para sentir medo – e depois da separação, o piloto abriu seus queimadores.
A tarefa do ocupante do assento traseiro era lançar bombas e mísseis, mas seu painel tinha alguns indicadores: por um deles, o agente soube que a velocidade era pouco superior a mil e quinhentos quilômetros por hora.
– Por que tanta pressa? – perguntou o piloto.
– Tenho que chegar ao Panamá antes que outra pessoa.
– Pode me dar algum detalhe que me ajude?
– É um desses jato de empresa, acredito que um “G-três”. Decolou de Andrews ha oitenta e cinco minutos.
O piloto riu.
– Se for isso, você vai chegar no seu hotel antes que ele cheque a base. Já levamos vantagem. A esta velocidade se gasta muito combustível.
– Gaste e não se preocupe.
– Por mim não há problema, senhor. Parado em terra ou voando em Mach-dois, meu salário é o mesmo. vai chegar uns noventa minutos antes que seu homem. Gosta de voar assim?
– Não servem bebidas neste avião?
– Há uma garrafa junto a seu joelho direita. Uma boa colheita, excelente buquet, mas sem rótulos pretensiosos.
Bright o saboreou por pura curiosidade e perguntou o que era.
– Água com sais e eletrólitos, para se manter acordado – disse o piloto– . Você é do FBI, não é?
– É.
– Pode me dizer o que está acontecendo?
– Não. O que é isso? – perguntou ao escutar um bip intermitente.
– O radar do SAM.
– O que?
– Abaixo de nós está Cuba – explicou o major– . No extremo desse cabo há uma bateria de mísseis SAM. Por incrível que pareça, não gostam dos aviões militares norte-americanos. Mas não se preocupe, estamos fora de seu alcance. Usamos eles para calibrar nossos instrumentos. Regras do jogo, sabe?
Murray e Shaw liam o material que Jack lhes tinha deixado. Os problemas imediatos eram: primeiro, determinar o que se supunha que estava acontecendo; segundo, o que acontecia na verdade; terceiro, se era legal ou não; quarto, caso fosse ilegal, tomar medidas adequadas, uma vez determinadas quais seriam. O que Ryan tinha descoberto não era uma um poço de vermes, e sim um verdadeiro ninho de víboras.
– Sabe o que causar tudo isto? – Shaw se separou da mesa – . O que menos o país precisa é de outro escândalo – disse. E se depender de mim, não vai acontecer, absteve-se de dizer.
– Gostemos ou não disso é um fato – disse Murray– . Reconheço que quando penso nos motivos, tenho vontade de gritar “prossiga, até o fim”, mas, por isso Jack diz, aqui se cometeu uma violação das leis de supervisão e, certamente, do segredo presidencial.
– Salvo que contenha um artigo secreto que não conhecemos. E se o secretário souber?
– E se tiver parte nisto? O dia em que mataram Emil, ele foi um dos que voou a Camp David para se reunir com o Presidente, recorda?
– O que eu gostaria de saber é por que diabos o nosso amigo viajou ao Panamá.
– Descobriremos isso. Viaja sozinho, sem guarda-costas, todos os que sabem juraram guardar segredo. Quem enviou a Andrews?
– Pat Ou'Day – disse Murray. Isso o explicava tudo – . Quero que seja nosso contato com o Serviço Secreto. Ele trabalha com esse pessoal. Claro que falta muito para chegar esse momento.
– De acordo. Temos dezoito agentes em ODISSÉIA. São poucos.
– Por hora precisamos ser muito cuidadosos, Bill. Parece-me que o passo seguinte é nos cobrir no Ministério. Quem pode fazer isso?
– Merda, não sei! – exclamou Shaw aborrecido – . Uma investigação com o conhecimento, mas sem a participação do secretário, vá lá, mas fazer algo a suas costas. Enfim...
– Vamos agir com cautela. Por hora, o mais importante é descobrir no que consistia o plano.
Depois, veremos.
A observação de Murray era muito lógica. Mas, ao mesmo tempo, errônea. Era só um dos muitos erros que se cometeriam no transcurso do dia.
O F-15E aterrissou na base Howard oitenta minutos antes da hora de chegada prevista para o voo de Andrews. Bright lhe deu parabéns ao piloto, que reabasteceu e iniciou sem demora o voo de retorno ao Eglin. O oficial de Inteligência da base saiu para receber Bright junto com o agente de maior hierarquia do escritório do adido legal na cidade do Panamá, um jovem inteligente, mas carente de experiência necessária para fazer se encarregar dum caso tão delicado. O visitante informou seus colegas do pouco que sabia e tomou o juramento de guardar silêncio. Isso bastou para pôr o plano em marcha. Na loja da base comprou roupa de fabricação local. O oficial de Inteligência trouxe um automóvel comum com placas locais, que deixou fora da base. Dentro se deslocariam num quatro portas azul da Força Aérea. O
“Plymouth” estacionou junto à pista e pouco depois apareceu o VC-20A. Bright tirou sua câmara “Nikon”
com lente telescópica de mil milímetros. O avião deslizou até um dos hangares; abriu-se uma porta e a escada desceu. Bright acomodou sua câmara e de sua posição, a duzentos metros, tirou um primeiro plano atrás de outro do único passageiro.
– Jesus, é ele. – Rebobinou, tirou o cilindro de filme, entregou-o a seu colega do FBI e pôs outro.
O carro que seguiam era da Força Aérea, idêntico ao deles, e saiu diretamente da base. Bright e seus companheiros tiveram apenas o tempo suficiente para passar ao outro carro, mas o coronel da Força Aérea que o conduzia tinha presunções de piloto de corridas, e em pouco tempo pôde tomar posição a cem metros do objetivo.
– Como é que não ele não trás guarda-costas? – perguntou.
– Dizem que não os usa – respondeu Bright– . É estranho, não?
– Sim, diabos, claro. Sobre tudo, ao se levar em conta quem ele é, quanto sabe e onde merda se encontra.
Chegaram à cidade sem novidade. O quatro portas da Força Aérea deixou Cutter na porta de um luxuoso hotel nos subúrbios. Bright desceu e teve tempo de ver como pedia um quarto, igual a um empresário em viagem de negócios. Pouco depois, o outro agente entrou. O coronel ficou no carro.
– E agora, o que?
– Tem a alguém de confiança na polícia local?
– Conhecidos, sim, e são boa gente. Mas, de confiança, não.
– Bom, teremos que fazê-lo à moda antiga – suspirou Bright.
– De acordo. – O adido legal adjunto tirou sua carteira e se dirigiu a recepção. Voltou pouco depois– . O FBI me deve vinte dólares. Registrou-se como Robert Fisher, com o cartão da “American Express”. – Lhe entregou um recibo enrugado, com cópia da assinatura.
– Mande o escritório verificar o número. Temos que vigiar o quarto e também... merda!, com quanta pessoas contamos? – disse Bright enquanto saíam.
– Poucas para o que temos que fazer.
O rosto do Bright se crispou numa careta desagradável. Não se tratava de uma decisão fácil.
ODISSÉIA era uma operação secreta. Murray insistira na importância fundamental da clandestinidade, mas – nunca faltava um “mas”– terei que fazer isso. Por ser o agente de maior hierarquia no teatro dos operações, a decisão era dele. Sabia que sua carreira dependia do êxito ou do fracasso da missão. Reinava uma temperatura e uma umidade elevadíssimas, mas esse não era o único motivo que Mark Bright estivesse suado.
– Está bem, avise que precisamos de meia dúzia de homens de confiança para nos ajudar a vigiá-lo.
– Está certo disso...?
– Nestas altura não estou certo de absolutamente nada! O sujeito que estamos seguindo... se suspeitarmos que ... Deus todo-poderoso, se suspeitarmos dele... – Bright parou. Com isso estava dito tudo.
– Sim, claro.
– Eu ficarei aqui, diga ao coronel que organize a operação.
Depois se soube que não havia tanta pressa. Três horas mais tarde, o sujeito – assim o chamava Bright– desceu ao vestíbulo, descansado, banhado e elegante com seu traje de tecido fino. Quatro carros o esperavam, mas Cutter só sabia do pequeno “Mercedes” branco no qual subiu, e que foi para o Norte. Os outros três o seguiam a uma distância prudente.
Anoitecia. Bright usara só três quadros de seu segundo cilindro, mas tirou para trocá-lo por um filme em preto e branco de alta velocidade. Tirou algumas fotos do carro para certificasse da placa. Seu motorista não era o coronel, e sim um sargento do destacamento de Investigação Criminal, conhecedor do terreno e encantado em trabalhar numa operação clandestina com o FBI. Identificou a casa onde parou o
“Mercedes”. Deveriam havê-lo visto.
O sargento conhecia um lugar com visão para a casa a menos de mil metros dali, mas chegaram tarde, e não podiam deixar o carro na estrada. Bright e o agente local do FBI acharam um lugar úmido e fedorento onde estender-se para esperar. O sargento lhes deixou um transmissor para que o chamassem em caso de necessidade; desejou-lhes sorte, e se foi.
Certamente o dono da casa estava ausente, ocupado em assuntos de Estado, mas tinha tido a amabilidade de ceder-lhe para essa noitada. Uns poucos empregados, amáveis e discretos, serviram-lhes um refrigerante e se retiraram depois de ligar – os dois estavam certos disso– os gravadores ocultas. Mas isso não tinha importância, não é verdade?
Merda, como não! Os dois eram conscientes da delicada situação, e foi Cortez quem surpreendeu seu hóspede com a sugestão de que falassem do lado de fora, apesar do calor. Os dois tiraram as jaquetas e saíram para o jardim. A menor dos incômodos eram essas luzes que atraíam os insetos e os eletrocutavam aos milhares, com um ruído que fazia impossível qualquer tentativa de gravar a conversa.
Quem teria imaginado que desprezariam o ambiente climatizado da casa?
– Obrigado por responder a minha mensagem – disse Cortez, amável. Não era o momento de mostrar-se arrogante nem prepotente. Negócios eram negócios, e requeriam que se mostrasse humilde ante esse interlocutor. Para ele, não era problema. O trato com os personagens dessa hierarquia assim o requeria e teria que habituar-se a isso. Esperavam que lhes tratasse com a devida consideração. Isso facilitava a capitulação.
– Sobre o que você quer falar comigo? – perguntou o almirante Cutter.
– Certamente, sobre a operação contra o Cartel. – Indicou-lhe uma poltrona de vime, afastou-se e voltou com uma bandeja com copos e bebidas. Em semelhante ocasião, o álcool estava fora de questão: os dois se serviram de água mineral. O primeiro bom sinal, pensou Félix.
– A que operação se refere?
– Acima de tudo, quero que saiba que não tive nada a ver com o assassinato do Sr. Jacobs. Foi um ato psicótico.
– Por que eu deveria acreditar em você?
– Quando aconteceu o ataque eu estava nos Estados Unidos. Não disseram isso ao senhor? – Cortez adicionou alguns detalhes– . Uma fonte de informação como a Sra. Wolfe – disse em conclusão– vale muito mais que um estúpido ato de vingança. Desafiar assim a uma nação poderosa é o erro mais idiota que se possa cometer. Sua reação foi muito hábil. Quando tive a primeira suspeita de que vigiavam nossos aeroportos, já era tarde, e quanto à maneira de simular que as bombas estavam plantadas nos caminhões...
me permita lhe dizer que isso foi uma verdadeira obra de arte. Me diga, qual é o objetivo estratégico de sua operação?
– Vamos lá coronel.
– Almirante, posso revelar a totalidade de suas atividades à Imprensa. Se não me disser isso , terá que dizer a seus próprios parlamentares. Verá que sou muito mais pormenorizado que eles. depois de tudo, somos colegas.
Cutter vacilou um instante, mas o disse. Para seu aborrecimento, seu interlocutor soltou uma gargalhada.
– Brilhante! – exclamou Cortez ao recuperar o fôlego– . Eu gostaria de conhecer autor da ideia. É
um autêntico profissional!
Cutter assentiu como se aceitasse o cumprimento. Félix se perguntou se não era verdade... mas já o averiguaria.
– Me perdoe, almirante Cutter. Você acha que eu estou zombando do plano, mas lhe digo com toda franqueza que está enganado. A verdade é que conseguiram seus objetivos.
– Sabemos. Sabemos que atentaram contra você e Escobedo.
– Sim, é obvio. Também eu gostaria de saber como obtêm informação tão valiosa sobre nós, mas sei que você não me dirá isso.
Cutter jogou sua carta mais alta.
– Temos mais recursos que você acha, coronel. – Na verdade, valiam bem pouco.
– Sem dúvida, sem dúvida – assentiu Cortez– . Acho que nisso estamos de acordo.
– No que?
– Você quer iniciar uma guerra interna no Cartel. Eu também.
Seu fôlego entrecortado o traiu.
– Ah, sim? E como?
Cortez sabia que tinha ganhado a partida. E esse imbecil era assessor do Presidente dos Estados Unidos?
– Pois eu serei parte de fato de sua operação e reestruturarei o Cartel. Para isso, terá que eliminar aos chefes mais perigosos.
Cutter não era de todo imbecil, mas cometeu outro erro ao expressar sua ansiedade em forma de pergunta:
– E você será o novo chefe?
– Você sabe que tipo de gente são esses “senhores da droga”? Camponeses perversos, bárbaros ignorantes, bêbados de poder. Ao mesmo tempo, choram como crianças malcriadas porque não são respeitados. – Cortez ergueu os olhos paras estrelas e sorriu– . Homens como nós não podemos sentir respeito por eles. Acho que você concordará comigo que o mundo se beneficiará com seu desaparecimento.
– Como você diz eu já o tinha pensado nisso.
– Então, estamos de acordo?
– No que?
– Seus “carros-bomba” já mataram cinco chefes. Eu eliminarei vários mais, e, entre eles, os que decidiram o assassinato do embaixador e seus acompanhantes. Semelhante ações, quando ficam impunes, provocam o caos no mundo. Além disso, como sinal de boa vontade, reduzirei os envios de cocaína a seu país pela metade. O narcotráfico está desorganizado, tornou-se excessivamente violento. Devemos reestruturá-lo – disse o ex-coronel do DGI com ar pensativo.
– Queremos eliminá-lo! – exclamou Cutter, mas se deu conta de que era uma observação idiota.
Cortez bebeu um gole de sua água mineral antes de prosseguir, sempre em tom didático:
– Isso é impossível. Enquanto houver cidadãos dispostos a destruir seus cérebros, haverá alguém que lhes ajude a realizar seus desejos. A questão é como introduzimos um pouco de ordem no processo.
Com suas campanhas educativas, conseguirão que a demanda de drogas baixe a níveis passáveis. Até então, posso regular o tráfico para reduzir os transtornos sociais. Haverá menos exportações. Inclusive posso lhes dar informação que lhes permitirá efetuar uma série de detenções importantes: assim, o mérito por essa redução será para a polícia. Este ano há eleições, se não me engano.
Cutter não pôde reprimir seus ofegos. As apostas da partida eram muito altas, e Cortez acabava de anunciar que as cartas estavam marcadas.
– Prossiga – resmungou.
– Por acaso não era esse o objetivo das operações na Colômbia? Golpear o Cartel e reduzir o tráfico de drogas? Ofereço-lhe o êxito da operação, um êxito que seu Presidente poderá aproveitar em sua campanha. Redução de exportações, prisão de traficantes importantes, expropriação de carregamentos, uma guerra interna no Cartel pela qual vocês não terão a culpa mas sim os méritos. Enfim: a vitória total.
– Em troca de...?
– Bom, eu também tenho que obter uma pequena vitória para consolidar minha posição entre os chefes, não é assim? Retirem o apoio aos “Boinas Verdes” que andam por essas montanhas. Já sabe a quem me refiro: os homens abastecidos por esse grande helicóptero negro que têm oculto no hangar três da base aérea Howard. Os chefes a quem quero depor têm enormes guardas pretorianas que preciso debilitar. Isso o farão seus soldados. Mas, por infelicidade, para ganhar prestígio ante meus superiores – o disse em um tom irônico, capaz de obter uma marca alta na escala Richter– , minha sangrenta e custosa operação também deve ter seus resultados positivos. É lamentável; mas, olhando de seu ponto de vista, também elimina um possível problema de segurança, não é assim?
Meu deus, Cutter cravou a vista na selva, além de Cortez e das luzes inseticidas.
– Tem ideia do que estão dizendo?
– Absolutamente – disse Bright. Usava o último cilindro de filme. Apesar da alta sensibilidade, a essa distância, e com essa luz, tinha que reduzir a velocidade do obturador ao mínimo. Isso o obrigava a sustentar a câmara com pulso firme, como um caçador que aponta a um cervo distante.
Que diabos disse o Presidente? Quero que isto tenha um fim, não me importa o que teria que fazer...
Mas não posso fazer isto...
– Lamento – disse Cutter– . É impossível.
Cortez ergueu as mãos em um gesto de impotência.
– Nesse caso, o mundo saberá que seu governo invadiu a Colômbia e cometeu homicídio a escala de genocídio. Certamente, você sabe o que aguarda a você, a seu Presidente e a vários altos funcionários do governo. E depois de tantos escândalos. Deve ser difícil trabalhar para um Governo que tem tantos problemas com suas leis e depois as esgrime contra seus próprios interesses.
– O Governo dos Estados Unidos não admite chantagens.
– Por que não, almirante? Nossa profissão comum tem seus riscos, não é verdade? Sua primeira bomba esteve a ponto de me matar; entretanto, não me sinto ofendido. Em seu caso, o risco é que se saiba da verdade. Pense na família de Untiveros: na esposa, nos filhos, onze empregados. Todos mortos. Isso, sem contar os guardas. O soldado deve correr esse risco. Como eu, como você, almirante, a menos que seu campo não é o de batalha, e sim o dos Tribunais, e as câmeras de TV e os comitês parlamentares. O
que dizia o velho código militar? – perguntou-se Cortez– . Antes a morte que a desonra. Sabia que seu hóspede não era capaz de confrontar nem um nem outro.
– Preciso de tempo para...
– Para pensar? Almirante, me perdoe, mas devo voltar dentro de quatro horas, o que me obriga a partir em quinze minutos. Meus superiores não estão sabendo de minha ausência. Não tenho tempo, e você, tampouco. Ofereço-lhe a vitória que você e seu Presidente desejam. Preciso algo em troca disso. Se não estarmos de acordo, as consequências serão desagradáveis para os dois. É simples assim. Sim ou não, almirante?
– Por que você acha que apertaram as mãos?
– Cutter não parece muito feliz. Avise o carro! Parece que se ele vão embora.
– Quem diabos é o outro? Não o reconheci. Se estiver no jogo, não é daqui.
– Ignoro isso.
O carro demorou para voltar, mas o de reserva seguiu a Cutter até seu hotel. No aeroporto, Bright se inteirou de que o sujeito havia resolvido dormir bem essa noite. A hora de partida do VC-20A para voltar para Andrews era as doze do dia seguinte. Bright chegaria antes: tomaria o primeiro voo comercial da manhã para Miami e dali faria transferência para Washington. Chegaria meio morto de caçasse, mas antes que o outro.
Ryan recebeu a chamada destinada ao diretor. O juiz Moore estava voltando, mas faltavam três horas para sua chegada ao aeroporto internacional Dulles. Desceu ao estacionamento, onde seu motorista já tinha o carro ligado. Partiram imediatamente para “Bethesda”, mas chegaram tarde... Quando abriu a porta do quarto, encontrou-se com uma cama coberta com um lençol. Os médicos se foram.
– Estive com ele no final. Morreu serenamente – disse um dos agentes da CIA. Jack não o reconheceu, mas teve a impressão de que o outro o esperava– . Doutor Ryan?
– Sim – murmurou Jack.
– Uma hora antes que dormisse para sempre, disse algo sobre... que recordasse o que vocês dois tinham falado em sua última conversa. Não sei o que quis dizer, senhor.
– Quem é você?
– John Clark. – aproximou-se com a mão estendida– . Estou nas Operações, mas foi o almirante Greer quem me recrutou, faz muitos anos. – Clark suspirou– . Como perder a um pai, pela segunda vez.
– Sim – disse Jack com voz entrecortada. Exausto, abatido, não tinha ânimo para ocultar suas emoções.
– Vamos, beberemos um café. Contarei a você um par de anedotas do velho. – Apesar de sua tristeza, Clark estava habituado à morte. Ryan, evidentemente, não: melhor para ele.
A cafeteria estava fechada, mas havia café numa das salas de espera. Estava azedo, várias vezes reaquecido, mas Ryan não queria voltar para sua casa e acabava de lembrar que essa manhã tinha saído em seu carro particular. Estava muito cansado para dirigir. Seria melhor chamar Cathy e passar a noite na cidade. A CIA dispunha de vários quartos de hotel para esses casos. Clark ofereceu levá-lo e Jack deu licença ao seu chofer. Convieram em que uns drinques não cairiam nada mal.
Larson foi embora, deixando uma nota de que Maria chegaria mais tarde e ele passaria a recolhê-la.
Clark tinha consigo uma garrafa de uísque norte-americano, e no hotel havia copos de cristal, não de plástico. Serviu duas medidas, mescladas com água, e ofereceu uma ao Jack Ryan.
– À memória de James Greer, o último dos bons – disse Clark, erguendo seu copo.
Jack sorveu o uísque, que era muito forte, e sentiu um ligeiro sufoco.
– Se ele o recrutou, então não entendo...
– Por que estou nas Operações? – Clark sorriu– . Bem, senhor, nunca fui à Universidade, mas Greer me descobriu através de seus contatos na Marinha.
É uma longa história, há partes que não devo contar, mas meu caminho se cruzou com o seu em três ocasiões, senhor.
– Não sabia.
– Quando os franceses lançaram o ataque aos rapazes do Action Directe que você pescou com as fotos via satélite, eu era o oficial de ligação no Chad. A segunda vez que entraram, para perseguir esses líbios que o buscavam, eu ia no helicóptero. E eu sou o idiota que foi à praia a procurar a Sra. Gerasimov e sua filha. Culpa dela, senhor. Sou eu que faz essas loucuras pelas que os rapazes da espionagem se mijam nas calças. Claro que talvez sejam mais espertos que eu.
– Eu ignorava todo isso.
– Não saber. Lamento que não pudéssemos apanhar a esses líbios filhos da puta. Sempre quis conhecê-lo para lhe pedir desculpas. Os franceses se comportaram tão bem. Estavam tão agradecidos de que lhes entregássemos Action Directe, que estavam dispostos a nos entregar as cabeças dos líbios como troféus para pô-los na parede. Mas o helicóptero tropeçou com uma unidade líbia que andava em manobras, esse é o problema de voar muito baixo, e além disso resultou que o acampamento estava abandonado. Todos o lamentamos muitíssimo. Teríamos lhe poupado alguns ferimentos. Mas tentamos, doutor Ryan, asseguro-lhe que tentamos.
– Meu nome é Jack. – Ryan ergue seu copo vazio.
– Estupendo, me chame John. – Clark encheu os dois– . O almirante me disse que te falasse disto.
Também me comentou que descobriu por acaso o que acontecia no Sul. Eu estive ali. O que quer saber?
– Está certo de que pode falar?
– O almirante disse. É... perdão, era subdiretor, ou seja que se ele o autorizou, posso fazê-lo. Sou um humilde soldado, estes assuntos burocráticos me confundem. Sempre pensei que a verdade não faz muito dano. E, além disso, Ritter me disse que tudo é legal, que tinha a autorização necessária para sair a caça. Essa autorização só uma pessoa pode dar. Alguém decidiu que o narcotráfico representa um “um perigo real e imediato” para a segurança nacional. Só um homem nos Estados Unidos tem o poder de dizê-lo a sério e de autorizar a ação correspondente. Embora eu não seja universitário, leio muito. Por onde quer que comece?
– Pelo princípio – disse Jack.
O relato lhes levou algo mais de uma hora.
– Voltará para lá? – perguntou depois.
– Acho que vale a pena apanhar o Cortez, e posso ajudar a tirar os rapazes da montanha. Eu não gosto da ideia, mas é meu trabalho. Sua esposa é médica, suspeito que não gosta de tudo o que tem que fazer.
– Tenho que te perguntar algo. O que sentiu quando guiou essas bombas?
– O que sentiu ao matar a aquelas pessoas que matou?
Jack assentiu.
– Me perdoe. Mereço saber disso.
– Fui comando da Marinha. Passei anos no Sudeste asiático. Quando me ordenavam matar a certas pessoas, o fazia. Não era o que se chama uma guerra declarada, não? Uma pessoas não se gaba disso, mas assim é o trabalho. Na CIA não o fiz com frequência, e, em alguns casos, lamentei-o, porque, ao fazer salvei outras vidas. Tive a cabeça de Abu Ninho na mira de meu fuzil, mas não tinha permissão para matar esse filho de puta. O mesmo ocorreu com outros dois sujeitos tão maus como ele. Teria sido uma operação limpa, sem possibilidade que nos acusassem de nada, mas os maricas de Langley não se decidiram. Disseram-me que verificasse se era possível, o que é tão perigoso como levá-lo a cabo, mas não me deram luz verde para seguir até o final. Para mim, é uma missão que vale a pena. Esses filhos da puta são inimigos de nosso país, matam nossa gente. Assassinaram alguns rapazes da Agência, e não sem dor, asseguro-lhe isso, mas não podemos lhes devolver o golpe. O que te parece. Mas enfim, outros mandam e eu obedeço. Jamais desobedeci uma ordem.
– Você gostaria de trabalhar com o FBI?
– O que você acha. Embora eu goste, a única coisa que me interessa agora são esses rapazes que estão nas montanhas. Jack, se não fizermos algo, podem morrer. Ritter me perguntou hoje se estava disposto a voltar. Minha resposta é que tomo o avião de amanhã às oito e quarenta para o Panamá, e dali voo a Colômbia.
– Darei a você um telefone onde possa me achar.
– Essa parece ser uma boa ideia – conveio Clark.
O descanso tinha feito bem para eles. As dores tinham desaparecido e todos esperavam que com algumas horas de exercício físico os músculos se desentorpeceriam.
O capitão Ramírez reuniu os homens para lhes explicar a nova situação. Comunicou-se por meio da conexão via satélite para pedir que a retirada, anúncio que contou com a aprovação geral. Infelizmente, prosseguiu, esse pedido seria autorizada mais a frente – com perspectivas favoráveis, segundo VARIÁVEL– , e além disso, o helicóptero tinha problemas com os motores. Passariam uma noite mais em território inimigo, ou talvez dois. Até então, sua missão era evitar o contato e dirigir-se a um dos pontos de extração, que já estavam determinados, e Ramírez indicou que iriam ao que estava situado a quinze quilômetros ao sul. A tarefa da noite era voltar sobre seus passos, rodeando o grupo que os perseguia. Não era fácil, mas uma vez superado esse obstáculo teriam o campo livre, e o terreno lhes era conhecido. Fariam oito ou nove quilômetros na primeira noite e o resto na seguinte. Seja como for, a missão tinha terminado e eles se retirariam. Os recém-chegados do pelotão Bandeira formariam um terceiro grupo de ataque, para incrementar o grande poder de fogo de Faca, impressionante por si mesmo.
Todos conservavam uns dois terços de suas munições. A comida escasseava um pouco, mas havia suficiente para duas noites se ninguém se queixasse de algumas dores estomacais. Ramírez conseguiu pôr um tom de confiança na sua voz. Não tinha sido barato, nem tinha sido fácil, mas a missão estava cumprida: tinham-lhes dado um duro golpe nos narcotraficantes. Agora todo mundo devia ter muita paciência até o momento de partir.
Vinte minutos mais tarde, Chávez iniciou a marcha. O plano era mantê-lo mais perto possível da crista enquanto pudessem, a fim de minimizar as probabilidades de um encontro com o inimigo, que tendia acampar mais abaixo. Também deviam evitar os lugares povoados, fossem fazendas, cafezais ou aldeias, tal como faziam do começo da missão. Deviam avançar o mais rápido que a cautela lhes permitisse, mas isso significava diminuir importância a desta. Era algo que se fazia com frequência nos exercícios, sempre com muita confiança. Mas ante a experiência adquirida no terreno, Ding não se sentia tão certo disso. Pelo menos, Ramírez começava a agir de novo como correspondia a um oficial. Talvez o cansaço lhe tivesse afetado.
Perto dos cafezais, o bosque era bastante mais espaçado. As pessoas iam procurar lenha, sem preocupar-se com a erosão do terreno; mas isso não era assunto de Chávez. Ao contrário, ajudava-lhe a avançar mais rápido que o previsto, quase dois quilômetros por hora. A meia-noite, suas pernas sentiam cada passo. Seguia observando que a fadiga era um fator cumulativo. Um dia de descanso não bastava para eliminar todos seus efeitos, por mais que se estivesse em excelente forma física. Talvez, pensou, também era afetado pela altitude. Seja como for, lutava para manter o passo, conservar-se acordado e lembrar o caminho que devia seguir para sair dali. Do ponto de vista intelectual, as operações de infantaria são mais exigentes do que se pensa, e o intelecto é sempre a primeira vítima da fadiga.
Recordou ter visto, no mapa, uma aldeia a uns quinhentos metros ladeira abaixo de onde se encontrava nesse momento. Um quilômetro e quarenta minutos antes, tinha-o verificado enquanto descansavam. Chamaram-lhe a atenção certos ruídos humanos que pareciam lhe chegar de lá. Haviam-lhe dito que o trabalho nos cafezais era muito duro; há essa hora, os camponeses deviam estar dormindo.
Apesar de que o sinal era evidente, Ding não a captou. Mas escutou o grito, em realidade o ofego, que se produz quando... colocou-se os óculos e viu uma silhueta que corria para ele. Ao princípio não soube..., mas então sim. Era uma garota, que corria agilmente entre as árvores.
Mais atrás se escutavam ruídos de outra pessoa, menos ágil, que a perseguia. Chávez apertou uma vez o botão de seu transmissor: sinal de perigo. O resto do pelotão se deteve imediatamente, à espera do sinal de seguir a marcha.
Este segundo sinal não se produziu. A moça tropeçou e mudou de direção. Segundos depois voltou a tropeçar e caiu aos pés do Chávez.
O sargento lhe tampou a boca com a mão esquerda. Com a outra levou o dedo aos lábios, em universal sinal de silêncio. Ela abriu muito os olhos ao ver o homem... melhor dizendo, a esse rosto pintado que parecia saído de um filme de terror.
– Senhorita, não tem nada a temer de mim. Sou um soldado. Não faço mal às mulheres. Quem a persegue? – Tirou a mão, com a esperança de que a moça não gritasse.
Mas, embora quisesse isso não poda: tinha ido muito rápido e muito longe.
– Um de seus soldados, os homens armados – ofegou– . Eu...
Tapou-lhe a boca outra vez: o ruído se aproximava.
– Onde está, lindinha? – cantarolou uma voz.
Merda!
– Corra para lá – disse Chávez, assinalando com o dedo– . Não pare nem olhe para trás. Corra!
A moça saiu correndo e o homem se lançou atrás dela. Passou perto do Ding Chávez e alcançou a dar um passo mais. O sargento lhe tapou a boca dele com uma mão e o arrastou para o chão, ao mesmo tempo puxava a cabeça dele para trás. No momento que ele caiu, sua faca de combate efetuou um só corte lateral.
O ruído surpreendeu o soldado. O ar que escapava da traqueia seccionada se mesclou com o sangue que brotava produzindo uma espécie de gorgolejo repugnante. O homem se agitou inutilmente durante uns segundos, depois ficou imóvel. Chávez tirou a faca que ele levava e a pôs na garganta dele.
Esperava que não culpassem à moça, mas não podia fazer mais por ela. O capitão Ramírez, que chegou pouco depois, não se mostrou precisamente agradado.
– Eu não tive escolha capitão – disse Chávez em sua defesa. Na verdade, estava orgulhoso de sua façanha. Por acaso o soldado não deveria proteger os fracos?
– Movam os traseiros de uma vez!
O pelotão se afastou do lugar o mais rápido que pôde, sem escutar sinais de ninguém que saísse em busca do amante frustrado. Foi o último incidente da noite. Logo depois do amanhecer, chegaram ao lugar onde pensavam passar o dia. Ramírez instalou seu rádio e falou por ele.
– Entendido, Faca, copiamos sua posição e objetivo. A retirada ainda não está confirmada. Chame outra vez ao redor das dezoito Lima. Acho que até lá tudo estará acertado. Câmbio.
– Entendido, chamarei as dezoito. Faca desligo.
– Que pena o que aconteceu com BANDEIRA – disse um dos técnicos de comunicações a seu companheiro.
– Essas coisas acontecem.
– Você é Johns?
– Sim – disse o coronel sem se voltar.
Acabava de concluir um voo de teste. O motor novo – na verdade, tinha cinco anos, mas o tinham reconstruído– funcionava muito bem. O “Pave Low” III voltava para a ação. O coronel Johns se voltou para seu interlocutor.
– Sabe quem eu sou? – perguntou o almirante Cutter secamente. Pela primeira vez em muito tempo, vestia o uniforme completo. As três estrelas em cada galão dourado brilhavam sob o sol, junto com os galões e sua insígnia de oficial de guerra de superfície. No geral o uniforme de totalmente branco era impressionante, da boina até os sapatos brancos. Essa era justamente sua intenção.
– Sim, eu o reconheço. Me desculpe, almirante.
– Novas ordens, coronel. Você deve voltar para sua base o mais rápido possível, quer dizer, hoje mesmo – disse Cutter com energia.
– Mas, o que acontecerá com...?
– Outros tomarão conta disso. Acho que não é necessário te dizer de onde veio essa ordem.
– Não, senhor.
– Não falará disso com ninguém. Insisto: com ninguém, jamais, e em nenhum lugar. Precisa de mais esclarecimentos, coronel?
– Não, senhor, suas ordens foram muito claras.
– Bom.
Cutter voltou para seu carro oficial, que partiu imediatamente. A parada seguinte foi numa elevação perto da enseada Gaillard, onde havia um caminhão de comunicações. Cutter passou junto do sentinela sem olhá-lo – vestia uniforme da Marinha e tinha uma arma, mas era um civil– , entrou no caminhão e deu a mesma ordem. Para sua surpresa, responderam-lhe que era difícil tirá-lo dali, porque o caminho era muito estreito para um caminhão tão grande. Ordenou-lhes que interrompessem as comunicações e esperassem sem fazer nada até que o helicóptero chegasse para buscá-los. Tinham descoberto sua presença, e qualquer tentativa de comunicação poria em risco à vida de quem recebia as transmissões. Os técnicos assentiram e ele partiu. Embarcou em seu avião às onze da manhã: chegaria a Washington na hora do jantar.
Mark Bright chegou pouco depois do almoço. Entregou os filmes ao técnico do laboratório e correu ao escritório de Dan Murray, onde apresentou seu relatório.
– Não reconheci a seu interlocutor, mas já o verão nas fotografias. E o número do cartão?
– É uma conta da CIA que ele tem acesso há dois anos, embora esta seja a primeira vez que a usa.
Enviaram-nos uma cópia por fax para reconhecer a assinatura. O laboratório forense já encontrou uma amostra grafológica – disse Murray–. Você tem cara de cansado.
– Eu não sei por quê..., diabos! Acho que não dormi mais de três horas nas últimas quarenta e oito horas. Já estou farto da capital. Me disseram que Mobile era como estar de férias.
– Bem-vindo ao mundo irreal de Washington – repôs Murray com um sorriso malicioso.
– Tive que pedir ajuda – disse Bright, e o sorriso do Murray se apagou imediatamente.
– A quem? – perguntou.
– Pessoal da Força Aérea, os caras da Inteligência e da Polícia Militar. Disse-lhes que era Top secret, e embora não tenha dito a eles o que sei, e para constar não o fiz, eu mesmo não sabia muito. É
obvio que me assumo a responsabilidade por tudo, mas quero esclarecer que, sem essa ajuda, não teria feito as fotografias.
– Parece-me que você fez o que devia. Não tinha alternativa. Enfim, costuma acontecer assim.
– Obrigado – disse Bright, confirmando o recebimento do perdão oficial.
As fotografias chegaram cinco minutos mais tarde. O caso tinha prioridade sobre todos outros, mas, mesmo assim, essas coisas levavam seu tempo, para aborrecimento de todos. Quando o técnico – que era um chefe de seção– as entregou, ainda estavam úmidas.
– Pensei que as quisesse o mais rápido possível.
– Pensou bem, Mar... Merda! – exclamou Murray– . Mar, isto é ultrassecreto.
– Já me disse isso antes, Dan. Meus lábios estão selados. Queríamos dar mais definição às fotografias, mas precisamos de mais uma hora. Faço isso agora?
– Isso mesmo – assentiu Murray, e o técnico saiu– . Mark você tirou boas fotos.
– Pode-se saber quem diabos é o sujeito?
– Félix Cortez.
– E quem é ele?
– Um ex-coronel do DGI. Escapou por um fio de cabelo quando pegamos Filiberto Ojeda.
– O caso dos Cortadores? – Não entendia nada.
– Não desta vez não. – Murray balançou a cabeça. Seu tom era quase reverente. Chamou Bill Shaw, que desceu em seguida. O agente seguia sem entender nada quando Murray entregou as fotografias a seu chefe– . Ver para crer, Bill.
– Bom não vão me dizer quem diabos é esse Félix Cortez? – perguntou Bright.
Foi Shaw quem respondeu:
– Quando escapou de Porto Rico, foi se trabalhar com o Cartel. Está ligado ao assassinato de Emil, não sabemos até que ponto, mas não cabe dúvida de que participou dele. E aqui está ele com ninguém menos que com o assessor presidencial de Segurança Nacional. Do que estariam falando?
– Vejo que ainda não revelaram a fotografia em que se estão apertando as mãos – disse o agente.
Shaw e Murray se olharam, sobressaltados. O maior responsável pela Segurança Nacional apertou a de um sujeito do Cartel da droga...?
– Dan – disse Shaw– , quer-me dizer que diabos está acontecendo? Parece que o mundo ficou maluco
– O que quer que eu te diga? Parece mesmo que o mundo ficou maluco.
– Chame seu amigo Ryan. E diga a ele que... diga a sua secretária que os terroristas... não, não corramos riscos. Podem mandar buscá-lo?
– Ele tem motorista.
– Ah, que bom.
– Deixa comigo. – Murray pegou o fone do telefone e discou um número de Baltimore– . Olá, Cathy? Sou eu Dan Murray. Muito bem, obrigado. A que hora o motorista leva o Jack? Ah, não? Bom, quero te pedir um favor muito importante, Cathy. diga a Jack que ao voltar para casa passe pelo do Danny A... ahhhh... para procurar os livros... Tal como te digo, Cathy... Não, não é brincadeira. Fará isso por mim? Obrigado, doutora. – Desligou – . Que ar de conspirador! Não é?
– Esse Ryan não é da CIA?
– Sim – respondeu Shaw– . É o sujeito que nos deu este caso. Lamento Mark, não podemos lhe dizer mais nada.
– Entendo, senhor.
– Volte para sua casa o mais rápido possível e dê um beijo no seu bebê. Felicito-o pelo seu trabalho
– disse o diretor em exercício.
Pat Ou'Day, um recém-promovido inspetor que trabalhava no quartel central do FBI, observou do estacionamento seu subordinado na pista de aterrissagem, vestido com um uniforme manchado de graxa de um mecânico da Força Aérea, com galões de sargento. Era um dia claro e quente na base aérea de Andrews. Um F-4C da Guarda Nacional aterrissou antes que o VC-20A. O jato modificado para empresa deslizou até o terminal do esquadrão 89, no extremo ocidental do complexo. A escada baixou e Cutter saiu, vestido em trajes civis. O FBI sabia então, graças ao pessoal de Inteligência da Força Aérea, que ele tinha falado com a tripulação de um helicóptero e com a de um caminhão de comunicações. Até então, ninguém tinha interrogado a essas tripulações para averiguar o que estava acontecendo porque os chefes continuavam tentando encontrar a ponta do novelo e, segundo Ou'Day, sem conseguir..., mas assim eram os chefes. Queria voltar para verdadeiro trabalho policial, embora este caso não deixasse de ter seus atrativos.
Cutter se dirigiu a seu carro, pôs a mala no assento traseiro e se afastou, seguido por Ou'Day e seu motorista. O assessor de Segurança Nacional foi pela Suitland Parkway até a capital e desta passou pela I-395. Pensaram que sairia pela Avenida Maine para a Casa Branca, mas foi diretamente até sua residência oficial no Fort Myer, Virginia. Uma vigilância mais rotineira, impossível.
– Cortez? Claro, o ex-oficial do DGI. Cutter esteve com ele?
– Olhe a fotografia – disse Murray. O laboratório a tinha submetido ao processo de definição por computador, uma das artes forenses mais efetivas que o FBI possuía, e o quadro granuloso se converteu em uma brilhante e perfeita imagem. Moira Wolfe o tinha identificado outra vez– . E olhe esta, como se cumprimentam.
– O promotor vai ficar encantado – disse Ryan ao as devolver.
– Não é uma prova judicial válida.
– Como é?
– Não é estranho que um alto funcionário do Governo se reúna com... com pessoas estranhas –
explicou Shaw– . Lembre-se da viagem secreta de Kissinger a China?
– Mas isso foi... – Ryan se deu conta de que sua objeção era uma tolice. Ele mesmo se reuniu com o presidente do Partido Comunista Soviético, mas não podia comentar com ninguém. O que diria certa pessoas se soubessem?
– Não é prova de um crime, nem sequer de conspiração, salvo que demonstremos que o tema de conversa foi ilegal – explicou Murray– . Seu advogado argumentará, eu diria que com sucesso, que a reunião com Cortez, apesar de sua aparência misteriosa, era parte de uma operação secreta, mas não ilegal.
– Merda! – exclamou Jack.
– O advogado protestará por sua escolha das palavras, o juiz manaria retirar dos registros, instruía ao jure que não as levasse em conta e você receberia uma admoestação por usar esse tipo de termos no Tribunal, advogado Ryan – disse Shaw– . O que possuímos é informação, mas não a prova de um crime; e não o será até que estabeleçamos que esteja sendo cometido um crime. Além disso, coincido com você: Merda!
– Bom, conheço sujeito que guiou as bombas para o alvo.
– Onde ele está? – perguntou Murray.
– Acho que retornou para a Colômbia – disse Jack. E lhes explicou um pouco mais.
– Merda, quem é esse sujeito? – inquiriu Murray.
– Por hora, deixemos ele fora disso, certo.
– Parece que deveríamos falar com ele – disse Shaw.
– Não quer falar com vocês. Não quer ir para a cadeia.
– Isso não vai acontecer. – Shaw se levantou e começou a passear pelo escritório – . Vou te dizer se por acaso você o ignorava, que sou advogado, doutorado em Jurisprudência.
Se o levássemos a julgamento, seu advogado alegaria falha no caso Martinez-Baker, uma das derivações menos conhecidas do caso Watergate. Martínez e Baker eram dois dos acusados, nesse caso, de conspiração. Em sua defesa alegaram, acho que com sinceridade, que o roubo tinha sido ordenado por uma autoridade competente como parte de uma investigação relacionada com segurança nacional. A Câmara de Apelações deu uma decisão bem longa, aprovado por maioria, de que não houve intenção de dolo, que os acusados agiram de boa fé e não tinham cometido crime algum. Seu amigo dirá no estrado que, escutou a expressão “perigo real e imediato” da boca de seus superiores, que lhe disseram que a ordem vinha dos elos mais altos da cadeia de comando, limitou-se a cumprir ordens emitidas pela autoridade constitucional competente. Dan já lhe terá explicado que não existe uma lei para esse tipo de casos. E lhe digo mais: qualquer um de meus agentes estaria encantado de o convidar para um drinque por vingar a morte de Emil.
– O que eu lhes posso dizer é que o sujeito é veterano de guerra e, até onde sou capaz de recordar, um homem íntegro.
– Não duvido. Quanto a matar...; alguns advogados sustentam que a ação de um atirador da policia é similar ao assassinato a sangue frio. Nem sempre é fácil distinguir entre a ação policial e a militar. Neste caso, onde está o limite entre o assassinato e uma operação de contraterrorismo?
Definitivamente, a decisão vai refletir a posição política dos juízes que assumirem o caso, desde a primeira instância até a última apelação. Enfim, sempre a política – concluiu Shaw– . É mais fácil perseguir os ladrões de Bancos. Aí está muito claro quem é quem.
– Sim, aí está a chave – disse Ryan– . Quanto você quer apostar que essa coisa toda começou porque é um ano de eleições presidenciais.
O telefone de Murray tocou.
– Ah, sim? Perfeito, obrigado. – Desligou– . Cutter está de carro, vai pela avenida George Washington. Adivinhem para aonde se dirige.
XXVI
INSTRUMENTOS DO ESTADO
O inspetor Ou'Day agradeceu a sua boa estrela – era irlandês e acreditava nessas coisas – que Cutter fosse tão idiota. Ao igual a muitos de seus predecessores no cargo, optara por prescindir dos agentes do Serviço Secreto, e evidentemente não tinha a menor ideia de técnicas de contravigilancia. O sujeito tomou a avenida George Washington e voltou para o Norte, convencido de que ninguém se daria conta de nada.
Não tentou voltar por onde tinha ido nem se meter num beco sem saída nem nada dessas coisas que se aprendiam nas séries policiais de televisão ou, melhor ainda, nas novelas de Philip Marlowe, as preferidas de Patrick Ou'Day. Escutava as gravadas nas fitas a toda hora, inclusive quando estava de vigilância.
Esses casos eram mais difíceis de resolver que os da vida real, o que demonstrava que Marlowe teria sido um agente de primeira. Mas para esta missão não requeria tanta astúcia. Apesar das suas três estrelas de almirante da Marinha, Cutter, como conspirador, era um ingênuo. Sem tomar sequer um atalho, seu carro tomou a saída para ir à a CIA, salvo, pensou Ou'Day, que, por alguma razão, quisesse visitar o Centro de Investigações da Administração Nacional de Estradas, o que, por outra parte, estaria fechado nessas horas. O único problema era retomar a perseguição quando Cutter saísse dali. Não havia um bom lugar onde esconder um carro, e os caras da CIA eram cuidadosos. Ou'Day postou seu companheiro no bosque junto à estrada e pediu outro veículo.
Estava certo de que Cutter sairia rapidamente e iria para sua casa.
O assessor de Segurança Nacional, que em nenhum momento percebeu que o vigiavam, estacionou no setor VIP, como sempre, alguém abriu a porta e o acompanhou ao escritório de Ritter, no sétimo andar. O almirante se sentou sem uma palavra de saudação.
– Sua operação está caindo aos pedaços – disse, sem preâmbulos e em tom áspero.
– O que quer dizer?
– Quero dizer que ontem à noite falei com Félix Cortez. Está informado de tudo: das tropas, da vigilância das pistas aéreas, das bombas, do helicóptero que abastece a SHOWBOAT... vou cancelar toda a operação. Já ordenei ao helicóptero que volte para Eglin, e para o pessoal de VARIÁVEL que cancele as comunicações.
– Merda, não pode ser! – exclamou Ritter.
– Mas é, merda. Eu dou as ordens, Ritter. Está claro?
– E os soldados? – perguntou o SDO.
– Já cuidei disso. Não precisa saber mais nada. Tudo vai se acalmar – explicou Cutter – . Você conseguiu o que queria. A guerra interna começou. As exportações de drogas vão se reduzir pela metade.
A Imprensa pode informar que estamos ganhando a guerra contra as drogas.
– E Cortez toma o comando do Cartel, não é verdade? Não lhe ocorreu pensar que, quando isso acontecer, tudo voltará a ser igual à antes?
– E a você não ocorreu pensar que ele está em condições de desbaratar toda a operação? E no que acontecerá a você e ao juiz quando isso acontecer?
– A mesma coisa que vai acontecer com você– grunhiu Ritter.
– A mim, não. Não estive lá, igual ao secretário de Justiça. O Presidente não autorizou a morte de ninguém, e, muito menos, invadir um país estrangeiro.
– A operação foi ideia dele, Cutter.
– Prove isso. Mostre minha assinatura em um só documento – disse o almirante– . Se isto vier a público, o melhor que podemos esperar é que nos coloquem na mesma cela. Se Fowler ganhar, nos foderá a todos. Ou seja, que não podemos permitir que venha a público. Não entende?
– Seu nome aparece num memorando.
– Claro, de uma operação que já acabou e da qual não restaram provas. Como vai me delatar sem ficar exposto a acusações muito mais graves? Não só você, mas também a CIA em seu conjunto. – Cutter se sentia ufano. Durante o voo de volta do Panamá fazia todos seus cálculos– . Bem, seja como for, quem dá as ordens sou eu. A CIA já não tem nada a ver com isto. Você é o único que guarda os documentos de toda a operação. Sugiro-lhe que os destrua. Destrua todas as transcrições do SHOWBOAT, VARIÁVEL, RECIPROCIDADE e OLHO DE ÁGUIA. Guarde as do CAPER. É o único aspecto da operação que não foi descoberto. Converta-o numa operação clandestina a mais, ainda podemos aproveitá-la. Bem, essas são as suas ordens. Cumpra-as!
– Restam pontas soltas.
– Onde? Acha que alguém está disposto a passar uma temporada numa prisão federal? Que o seu Sr.
Clark anunciará com toda alegria que matou a mais de trinta pessoas? Que os pilotos da Marinha vão escrever um livro para relatar como jogaram duas bombas inteligentes sobre domicílios particulares num país amigo? Os de VARIÁVEL não viram nada. O piloto de caça derrubou um par de aviões: a quem o vai dizer? O do avião radar que o guiava não sabe nada, porque sempre interrompiam as comunicações antes de entrar em ação. Os das Operações Especiais que dirigiram a parte terrestre da missão de Pensacola, não dirão nada. Só sobraram um par de prisioneiros dos voos que interceptamos. Certamente poderemos chegar a um acordo com eles.
– Não esqueça que há nossos rapazes na montanha – disse Ritter, baixando a voz. Já sabia todo isso.
– Preciso saber onde estão para tirá-los de lá. Farei isso através de meus próprios canais; assim me faça o favor de me dar essa informação.
– Não.
– Não lhe estou fazendo um pedido e sim te dando uma ordem. Pensa que eu poderia ser o que o delatasse. Então, qualquer tentativa de me envolver nisto pareceria como um esforço desesperado para compartilhar a responsabilidade com outro.
– Mas perderia a eleição.
– E você iria para a prisão. Merda, Fowler se opõe à pena de morte, inclusive para os assassinos em série. O que ele diria a respeito das bombas jogadas sobre pessoas que nem sequer foram levadas a julgamento? Sem falar dos “danos colaterais” a que você se refere com tanto desdém. Não há alternativa, Ritter.
– Clark voltou para a Colômbia, enviei-o para pegar o Cortez. Essa é a alternativa, que também permite liquidar todo o assunto. – Era o último argumento de Ritter, e seu efeito não foi o que esperava.
Cutter se ergueu no assento.
– E se ele falar? Não, é muito arriscado. Chame a seu cão, eu o ordeno. Me dê de uma vez a informação e triture os papéis.
Ritter não queria fazê-lo, mas não restava alternativa. Abriu sua caixa forte – o painel que a ocultava estava deslocado– e tirou os dossiês. O de SHOWBOAT-II continha um mapa que indicava os pontos de retirada. Entregou-o ao Cutter.
– Quero que o faça isso hoje mesmo.
– Farei como mandou – suspirou Ritter.
– Bem. – Cutter pregou o mapa, guardou-o em seu bolso e saiu sem dizer uma palavra.
E assim termina tudo, pensou Ritter. Depois de trinta anos no Governo, de enviar agentes a todas partes do mundo para fazer o que seu país precisava que fosse feito, encontrava-se ante a alternativa de obedecer uma ordem ultrajante ou ir parar ao Congresso, ser processado e ir para a prisão. Na melhor das hipóteses, arrastaria outros consigo. Não valia a pena. Preocupava-se com a situação dos homens na montanha, mas Cutter havia dito que se ocuparia deles. O subdiretor de Operações da Agência Central de Inteligência pensou que podia confiar na palavra do outro; entretanto, sabia que não era assim, que fingir o contrário era pura covardia.
Pegou os dossiês das prateleiras metálicas e os levou a sua mesa. Junto à parede havia um triturador de papel, importante ferramenta da política contemporânea. Essas eram as únicas cópias dos documentos.
Os técnicos de comunicações no Panamá trituravam cada papel depois de ter enviado a mensagem ao escritório do Ritter. CAPER passava pela Agência Nacional de Segurança, mas ali não havia comunicações operacionais, e esses dossiês se perderiam no amontoado de dados no porão, em Fort Meade.
Era uma máquina grande, com bandeja de auto-alimentação. A destruição de documentos do Governo era um fato de rotina. As cópias não representavam uma segurança, e sim um perigo. Ninguém perceberia o fato de que a bolsa de plástico, vazia até então, enchesse-se de macarrão de papel, últimos restos de importantes documentos de espionagem. A CIA queimava toneladas de papel, que depois utilizava, em parte, para esquentar a água dos banheiros. Ritter fez pilhas de papel de um centímetro de altura e as pôs na bandeja uma por uma. Em questão de minutos, a história de suas operações se converteu em pó.
– Lá vai ele – disse o agente ajudante– . Para o Sul.
Ou'Day passou para recolhê-lo três minutos depois. A substituição seguia Cutter, e quando Ou'Day o alcançou, era evidente que voltava para Fort Meyer, setor VIP de Sherman Road, perto do clube militar.
Cutter vivia em uma casa de tijolo vermelho; da sacada, cercada com malha de arame, via-se o Cemitério Nacional do Arlington, o último repouso dos heróis. O inspetor Ou'Day combatera no Vietnam: pelo pouco que sabia do homem e do caso, parecia uma blasfêmia que vivesse ali. O agente do FBI pensou consigo que não devia precipitar-se a tirar conclusões erradas, mas seu instinto lhe dizia que tinha razão.
Enquanto isso, o homem que vigiava saiu do carro e entrou em casa.
Um dos benefícios daqueles que faziam parte do gabinete presidencial era obter a melhor segurança pessoal quando a solicitavam, e um excelente serviço técnico de segurança, que era realizado como uma questão de rotina. O Serviço Secreto e outras Agências se asseguravam de que ninguém tivesse acesso a suas comunicações telefônicas. O FBI não podia interceptar suas linhas sem a permissão do Serviço Secreto e uma ordem judicial; mas o FBI não tinha feito nada disso. Cutter discou um número da central WATTS – com código 800, livre de impostos – , e disse algumas palavras. Qualquer um que gravasse a conversa, teria achado difícil decifrá-la, igual ao próprio destinatário. Cada palavra pronunciada era primeira de determinada página de certo dicionário, e cada uma delas tinha três dígitos. Era um velho dicionário rústico que lhe tinham entregue no Panamá, destruiria-o imediatamente. O código era simples e eficaz: os números das páginas indicavam as coordenadas correspondentes a certos pontos num mapa da Colômbia.
O homem que estava do outro lado da linha repetiu as palavras e desligou. Embora a chamada fosse de longa distância, não apareceria na conta de Cutter.
Fecharia essa conta no dia seguinte. Finalmente, tirou o disquete de computador de seu bolso, tomou um ímã que usava para prender mensagens familiares na geladeira, e destruiu os dados contidos no disco magnético. Esse disquete era a última prova documentária da existência dos soldados da Operação SHOWBOAT. Era o único meio que permitia restabelecer a comunicação via satélite com eles. Jogou-o na lata de lixo. SHOWBOAT nunca existiu.
Isso pensou o vice-almirante James A. Cutter, da Marinha dos Estados Unidos. serviu-se de um drinque e saiu à sacada para contemplar as intermináveis fileiras de lápides sobre o tapete verde. Mais de uma vez se aproximou da tumba do Soldado Desconhecido, para observar a Guarda Presidencial em sua rotina de comemoração a quem tinha servido a seu país até as últimas consequências. Pensou que agora haveria mais soldados desconhecidos, mortos em um campo de batalha anônimo. O primeiro soldado desconhecido tinha caído na França, durante a Primeira guerra mundial. Soube por que combatia... ou achava que sabia, se auto corrigiu Cutter. A maioria deles não chegavam a compreender na realidade do que se tratava. Não sempre lhes dizia a verdade, mas seu país os convocava e eles iam a cumprir com seu dever. Para compreender do que se tratava, e como eram as regras do jogo, precisava-se ter uma visão em perspectiva. Mas isso dificilmente – alguma vez era assim?– harmonizava com o era dito para eles.
Recordou seu próprio serviço na costa do Vietnam, um jovem oficial num destróier: tinha visto os obuses caindo sobre a praia e se perguntou como era a vida dos soldados, arrastando-se na lama. Eles serviam a seu país sem saber que este não era consciente do tipo de serviços que queria ou precisava. Um Exército era um conjunto de jovens que realizavam suas tarefas sem compreender que davam suas vidas e, em alguns casos – como este – , até a morte.
– Pobres diabos – suspirou. Era uma pena, verdade não é? Mas não havia nada que ele pudesse fazer.
A conexão de rádio deixou de funcionar, para surpresa de todos. O sargento de Comunicações disse que o transmissor funcionava bem, mas que às seis, hora local, não obtinha resposta de VARIÁVEL. O
capitão Ramírez franziu a sobrancelha ao escutar isso, mas decidiu seguir adiante até o ponto de retirada O breve encontro de Chávez com o estuprador frustrado não tinha tido consequências, e o jovem sargento iniciou a marcha convencido de que era a última vez que o fazia. As forças inimigas tinham varrido o terreno, a sua torpe e ineficaz maneira, e não voltariam. A noite transcorreu sem incidentes.
Avançaram durante uma hora, reuniam-se num ponto pré-determinado, e depois retrocediam um lance para verificar se os seguiam, mas sem novidade. Às quatro da madrugada chegaram ao ponto de retirada, uma clareira perto de um cume de três mil metros, um pouco mais baixo que as colinas circundantes, e onde se podia realizar uma aterrissagem clandestina. O helicóptero poderia recolhê-los em qualquer outro lugar, mas o sigilo seguia sendo a consideração prioritária. Sairiam dali e ninguém saberia.
Lamentavam as mortes, mas ninguém sabia por que tinham ido ali e apesar das baixas, completaram sua missão. O capitão Ramírez havia dito isso.
Postou os homens num perímetro amplo de onde vigiassem todos os acessos e lhes desse margem para retroceder para posições defensivas no caso de acontecer alguma coisa inesperada e perigosa.
Cumprida esta tarefa, instalou seu rádio e tentou se comunicar com VARIÁVEL, que, uma vez mais, negou-se a responder. Não sabia qual era o problema, mas até então não tinham tido a menor dificuldade, e não havia oficial de Infantaria que não tivesse sofrido as consequências de uma falha nas comunicações.
Não estava muito preocupado. Ainda, não.
A mensagem surpreendeu a Clark. Recebeu-a enquanto planejava o voo para a Colômbia com o Larson. A breve mensagem cifrada bastou para lhe enfurecer; sabia que seu próprio caráter, tão forte e difícil de controlar, era seu inimigo mais perigoso. Queria chamar Langley, mas resolveu não fazê-lo por medo que repetissem a ordem numa forma tal que ele não pudesse desconhecê-la. Assim que conseguiu se acalmar, seu cérebro voltou a funcionar. Esse era o perigo de seu temperamento, reconheceu para si, que lhe impedia de pensar. Isto era justamente o precisava fazer. Chegou à conclusão que a situação requeria um pouco de iniciativa de sua parte.
– Vamos dar um pequeno passeio, Larson.
Com sua identidade de “coronel Williams”, obteve um carro da Força Aérea. Depois conseguiu um mapa e espremeu o cérebro para lembrar o caminho até o topo da colina... Demorou uma hora, os últimos duzentos metros foram um pesadelo de curvas e poços. O caminhão continuava ali, com seu único sentinela, que não se mostrou feliz ao vê-los.
– Fique tranquilo, soldado. Já estive antes aqui.
– Ah, sim, senhor. Mas tenho ordem... senhor...
– Não discuta comigo – o interrompeu Clark– . Conheço suas ordens. A para que diabos acha que vim fazer? Agora, seja um bom menino, e ponha a trava na arma se não quiser ferir a si mesmo.
Clark passou por ele, para assombro do Larson, que as armas carregadas ainda amedrontavam.
– O que está acontecendo aqui? – perguntou Clark depois que entrou. Deu uma olhada a seu redor.
Todos os aparelhos estavam desligados. O único som que havia era o produzido pelos aparelhos do ar condicionado.
– Desconectaram-nos – disse o técnico chefe.
– Quem?
– Olha só não posso te dizer nada mais. Tenho ordens de fazer a desconexão. Se quer saber algo mais, pergunte ao Sr. Ritter.
Clark se aproximou.
– Ele está muito longe.
– Ordenaram-me isso.
– O que te ordenaram?
– Que desconectasse a transmissão, merda! Não enviamos nem recebemos nada desde ontem ao meio dia – disse o homem.
– Quem deu essa ordem?
– Não posso dizer-lhe
– Quem está se comunicando com os soldados?
– Não sei. Outra pessoa está fazendo isso. Ele disse que nossa segurança tinha sido violada, que outros iriam se encarregar das comunicações.
– Quem? Aconselho-lhe que responda – disse Clark com pavorosa serenidade.
– Não posso.
– Pode comunicar-se com os pelotões na montanha?
– Não.
– Por que?
– Os rádios via satélite estão cifradas. O algoritmo está gravado em um disquete. Baixamos as três cópias das chaves da cifra, apagamos duas delas.
Ele nos olhou fazendo isso e depois guardou o terceiro disquete.
– Como se restabelece a comunicação?
– É impossível. trata-se de um algoritmo único, apoiado nas transmissões horários dos satélites
“NAVSTAR”. Seguro como o diabo, e quase impossível de copiar.
– Ou seja, que esses rapazes estão incomunicáveis.
– Bom, eu não diria isso. Ele tem o terceiro disquete para que alguém se ocupe...
– Acredita seriamente nisso? – perguntou Clark. A falta de resposta foi muito eloquente. Quando o agente falou de novo, fez num tom que não admitia réplica– : Acaba de dizer que a conexão é impossível de interferir, mas quando um homem, que você não conhece, assegura-lhe que a segurança foi violada, você acredita. Há trinta rapazes na montanha, e me dá a impressão de que foram abandonados. Por última vez, quem deu a ordem?
– Cutter.
– Esteve aqui?
– Ontem.
– Merda! – Clark olhou a seu redor. O outro oficial fugiu de seu olhar. Ambos os homens tinham especulado sobre as possibilidades, e chegado à mesma conclusão.
– Quem armou esta instalação?
– Eu.
– As rádios dos soldados?
– Modelos comerciais, com ligeiras modificações. Dez canais de frequência.
– Você tem essas frequências?
– Bem, sim, mas...
– Dê-me isso imediatamente.
O homem pensou que não podia fazer algo assim; mas decidiu justamente o contrário. Depois poderia alegar que Clark o tinha ameaçado, e não era o momento de iniciar uma pequena guerra no caminhão. Essa era uma possibilidade muito concreta. Sentia muito medo do Sr. Clark. Tirou a folha de uma gaveta. Cutter não tinha mandado destruí-la; mas, além disso, ele conservava todos os canais na mente.
– Se qualquer um te perguntar...
– Você nunca esteve aqui, senhor.
– Muito bem. – Clark saiu à escuridão– . Voltemos para a base aérea – disse a Larson– . Precisamos de um helicóptero.
Quando Cortez voltou para a Anserma, ninguém tinha percebido sua ausência de sete horas.
Montara um dispositivo telefônico para que pudessem localizá-lo e agora, depois de umas horas de sono e um banho, sentou-se para esperar que o chamassem. Felicitava-se por ter montado uma rede de comunicações nos Estados Unidos no começo de seu trabalho com o Cartel, e também, embora nem tanto, por seu trabalho com Cutter. Era uma jogada impossível de perder, facilitada pela própria estupidez do americano. Era similar a do Carter e os marielitos, embora o Ex-presidente atuasse movido por fins humanitários, não políticos. Agora era questão de esperar. A parte divertida do assunto era o código que tinha empregado, distinto do habitual. Os códigos apoiados em livros transmitiam números para identificar palavras, mas este usava palavras para indicar números. Cortez tinha os mapas norte-americanos – eram de venda livre no departamento cartográfico da Secretaria de Defesa– e os tinha empregado para perseguir os “Boinas Verdes”. O sistema do livro era um método seguro para transmitir informação, e agora ainda mais que nunca.
A espera o impacientava como a qualquer um, mas fazia planos para passar o tempo. Tinha previsto as duas jogadas seguintes, nada mais. Agora devia pensar um pouco mais à frente. O Cartel tinha se descuidado dos mercados europeu e japonês. Nas duas áreas havia moeda forte em abundância, e embora fosse difícil penetrar no Japão – onde existiam graves restrições à importação legal – , na Europa era mais fácil. Agora que a Comunidade Econômica Europeia avançava para a integração do Continente numa só entidade política, as barreiras comerciais começariam a cair e se criariam grandes oportunidades.
Era só questão de achar os portos de entrada onde a segurança fosse ineficaz ou “negociável” e montar uma rede de distribuição. Não podia permitir que a redução das exportações para os Estados Unidos diminuíssem os ganhos do Cartel. Europa era um mercado quase virgem, e para ali se ampliariam os horizontes do Cartel. Nos Estados Unidos, a redução da oferta elevaria o preço, por isso pensava que sua promessa a Cutter – que de maneira nenhuma respeitaria por muito tempo– teria consequências leves, embora positivas, para os ganhos do Cartel. Além disso, a redução da oferta serviria para pôr ordem nas anárquicas redes de distribuição. Sobreviveriam as mais fortes e eficazes, que se consolidariam e realizariam seus negócios de maneira menos caótica. Os ianques não se preocupava tanto com o dependente de drogas em si, mas o fato de que provocava crimes violentos. Se a violência diminuísse, o dependente de drogas perderia seu lugar prioritário na lista dos problemas sociais norte-americanos. Isso seria vantajoso para o Cartel, cujo poder e riquezas continuariam aumentando enquanto existisse demanda de seu produto.
Ao mesmo tempo, a subversão do Estado colombiano prosseguiria de forma mais sutil agora.
Cortez também foi treinado nessa disciplina.
Os senhores do narcotráfico recorriam à força bruta, ao suborno combinado com ameaças de morte.
Teria que terminar com isso. A fome de cocaína nos países desenvolvidos era um fenômeno transitório.
cedo ou tarde essa moda terminaria e a demanda diminuiria. Isso era algo que os senhores da droga não viam. Quando esse momento chegasse, era necessário que o Cartel tivesse consolidado sua base política e diversificado suas atividades econômicas a fim de sobreviver à diminuição de seu poder. Isso exigia uma melhor adaptação no seu país de origem, e Cortez sabia como obtê-lo. O primeiro passo consistia em eliminar os chefes mais agressivos. A História ensinava que se podia obter um modus vivendi quase com qualquer um, e Cortez acabava de verificar isso.
O telefone tocou. Ele respondeu à chamada, anotou as palavras que lhe ditaram, e o dependurou.
Então foi procurar o dicionário, E, durante uns minutos, esteve fazendo marcas em seu mapa tático. Os
“Boinas Verdes” não eram idiotas. Instalaram-se em lugares de difícil acesso; atacá-los e destruí-los seria uma ação custosa. Era uma pena, mas tudo tinha um preço. Chamou a seus ajudantes e lhes entregou uma série de mensagens. Em menos de uma hora, os caçadores começaram a descer das montanhas a receber novas ordens. Decidiu atacar um pelotão cada vez. Dessa maneira teria forças suficientes para envolver cada destacamento e sofreria as baixas necessárias para pedir reforços, debilitando ainda mais os guardas pretorianas do Cartel.
Infelizmente, não podia subir a montanha com os homens. O espetáculo teria sido divertido.
Ryan não dormira bem. Não achava errado conspirar contra um inimigo externo. Em última análise, seu trabalho na CIA consistia em obter vantagens para seu país, às vezes com prejuízos de outros. Esse era seu trabalho, como funcionário de seu Governo. Mas agora era parte de uma conspiração que, em certo sentido, era contra seu Governo. Isso lhe provocava insônia.
Sentado na sua biblioteca, lia à luz do abajur da mesa. Tinha dois telefones, um de segurança, o outro, não. Este último tocou.
– Sim?
– Sou eu, John – disse a voz.
– Qual é o problema?
– Alguém cortou a comunicação com os soldados e os deixou sem apoio.
– Mas por que?
– Talvez alguém quer que desapareçam.
Ryan sentiu um calafrio ao longo de suas costas.
– Onde você está?
– No Panamá. Cortaram as comunicações e enviaram o helicóptero de volta à base. Há trinta caras numa colina, à espera de uma ajuda que não vão receber.
– Me dê um telefone onde te localizar. – Clark o fez– . Bem, chamarei você em breve.
– Não percamos tempo. – cortou-se a comunicação.
– Jesus! – Por um instante contemplou as sombras da biblioteca. Avisou seu escritório que iria no seu carro particular. Depois telefonou a Dan Murray.
Sessenta minutos mais tarde, Ryan passava sob o arco da entrada do FBI, onde Murray o esperava.
Subiram ao escritório, Shaw se uniu a eles e se serviram de café.
– Nosso agente de campo me chamou. Cancelaram VARIÁVEL, e o helicóptero voltou para sua base. Ele acha que vão aban... merda, acha que...
– Sim eu sei – disse Shaw– . Aqui sim temos uma violação da lei. Homicídio agravado com conspiração. Claro que não vai ser fácil de provar, acho.
– Deixemos a lei de lado, o que tem que os soldados?
– Sim, a questão é tirar os da lá – disse Murray– . Podemos pedir... não, não podemos colocar os colombianos neste assunto.
– Como acha que reagiriam perante a invasão de um exército estrangeiro? – observou Shaw– .
Fariam o mesmo que nós, não é?
– Se forçarmos Cutter? – perguntou Jack.
– O confrontaremos com o que? – replicou Shaw– . O que temos para isso? Oh, claro, podemos falar com os técnicos da conexão via satélite e com a tripulação do helicóptero, mas a princípio vão se negar a falar, e depois, o que? Quando tivermos todas as provas reunidas, os soldados estarão mortos.
– E embora possamos tirá-los dali, que provas teremos? – disse Murray– . Todos correm para salvar o pele, trituram-se os papéis.
– Cavalheiros, permitem-me uma sugestão? Por que não esquecemos dos tribunais, ao menos por um momento, e tentamos nos concentrar em tirar esses rapazes da Colômbia?
– Sim, devemos fazer isso, mas...
– Acha que se sairá melhor no Tribunal se tiver trinta ou quarenta vítimas a mais? Qual é nosso objetivo?
– Esse foi um golpe baixo, Jack – disse Murray.
– Que provas você tem? Se o Presidente autorizou a operação e usou Cutter como intermediário, se não houver ordens escritas... A CIA cumpriu ordens verbais, todas elas legais, salvo que devo mentir ao Congresso se me perguntarem, e não o fizeram. Além disso, a lei diz que podemos iniciar uma ação clandestina, de qualquer natureza, sem dizer nada a ninguém, e lembrem-se que a ordem para fazer uma operação clandestina tem que vir do Executivo. Depois, sim temos que informar. portanto, uma morte autorizada pelo sujeito que assina a ordem executiva se converte em homicídio retroativo se não acontecer algo estranho ao fato em si. Quem é o idiota que redigiu essas leis? Há alguma jurisprudência?
– Esqueceu de mencionar um fator – disse Murray.
– Claro: Cutter dirá que não é uma operação clandestina mas sim de contraterrorismo paramilitar, portanto, não cai no âmbito da lei sobre supervisão de espionagem. Aqui entra em vigor a resolução sobre poderes presidenciais em tempo de guerra, que também inclui o fator tempo. Insisto: não há jurisprudência sobre estas questões?
– A verdade é que não – respondeu Shaw– . Se falou muito do tema, mas ninguém foi ao cerne da questão. O dos poderes em tempo de guerra é um problema constitucional que ninguém quis dirimir diante de um juiz. Todos têm medo de fazê-lo. Não entendo aonde quer chegar, Ryan.
– Tenho que proteger à Agência. Se isto sair vazar, a CIA volta a ser o que era nos anos setenta. Por exemplo, o que aconteceria deixássemos de dar ao FBI a informação que precisa para suas operações de contraterrorismo? – Jack percebeu que era um argumento de peso. A CIA, o sócio mudo na guerra contra o terrorismo, subministrava informação ao FBI, como Shaw sabia muito bem– . Agora, por isso falamos nos últimos dias, do que pode ser acusado?
– Ao tirar o apoio de SHOWBOAT, Cutter permitiu que Cortez mate os soldados, então se violou uma lei do Distrito Federal sobre a conspiração para cometer homicídio. A falta de uma lei federal, num crime cometido num prédio federal, pode se aplicar a lei municipal, que tem jurisdição sobre esta cidade e sobre todas as propriedades federais. Assim investigamos os casos dos anos setenta.
– Que casos? – perguntou Jack ao Shaw.
– Foi uma derivação das investigações realizadas pela comissão Church, sobre os complôs da CIA para assassinar Castro e a outros sujeitos. Não se chegou a ir a julgamento. Teríamos aplicado a lei sobre conspiração, mas o problema constitucional estava tão enredado, que a investigação morreu de causas naturais, para grande alívio de todos.
– E aqui está acontecendo o mesmo, não? Exceto enquanto nós falamos de...
– Sim, claro – o interrompeu o diretor interino – . A prioridade número um é tirá-los da lá. Podemos fazer o de uma forma clandestina?
– Ainda não sei.
– Para começar, temos que nos comunicar com seu agente – sugeriu Murray.
– Ele não quer...
– Prometo-lhe imunidade, ou o que quer que ele queira – disse Shaw rapidamente– . Lhe dou minha palavra d honra. A verdade é que até agora não violou nenhuma lei, segundo o caso Martínez– Barker, mas tem minha palavra, Ryan: não deve se preocupar com isso.
– De acordo. – Jack tirou um papel do bolso de sua camisa. O número que Clark lhe tinha dado não era o verdadeiro, é obvio, mas, graças à soma e subtração pre-concertada dos dígitos, a chamada chegou ao destino.
– Sou eu, Ryan. Chamo você do quartel geral do FBI. Espere e escuta. – Entregou o fone.
– Sou Bill Shaw, diretor interino. Primeiro, acabo de dizer a Ryan que você está limpo. Dou-lhe minha palavra de que não lhe acusaremos de nada. Confia no que te digo? Bem. – Shaw sorriu, surpreso –
. Esta linha é segura, estou certo que a sua também é. Preciso saber o que você acha que está acontecendo e o que podemos fazer. Sabemos o dos rapazes, estamos estudando a maneira de tirá-los. Por isso Jack diz, você tem algumas ideia sobre a melhor maneira de fazê-lo. Nos deixe as ouvir. – Shaw apertou um botão de seu telefone para que todos pudessem escutar e tomar nota.
– Quanto demoraremos para instalar os transmissores? – perguntou Jack depois de escutar o plano de Clark.
– Os técnicos chegam às sete e meia, assim digamos que terminarão em torno do meio-dia. E o transporte?
– Eu me ocupo disso – disse Jack– . Pode ser em segredo, se você o quiser assim. Isso significa que precisamos de alguém mais; mas esse alguém é de confiança.
– Não há forma de falarmos com os rapazes? – perguntou Shaw a Clark, cujo o nome ele não conhecia ainda.
– Negativo – respondeu a voz– . Estão certos que vão conseguir?
– Certos, não; mas faremos o impossível – respondeu Shaw.
– Nos veremos esta noite. – interrompeu-se a comunicação.
– Bem, agora só falta roubar um par de aviões – disse Murray, pensando em voz alta– . Talvez um navio também. quanto mais secreto, melhor, não é?
– Como? – perguntou Ryan, atônito.
Murray explicou.
O almirante Cutter saiu de sua casa às 6:15 para iniciar sua corrida matinal. Desceu a ladeira para o rio e tomou o caminho junto à avenida George Washington. O inspetor Ou'Day o seguia. Tinha deixado de fumar, e não teve problemas para manter o ritmo da corrida. Não houve incidentes: nem uma mensagem recebida ou entregue, era só um senhor cinquentão que trotava para conservar sua forma física.
Ou'Day foi mudar de roupa para segui-lo no trabalho, e se perguntou se haveria alguma novidade.
Jack chegou a seu escritório na hora habitual, sem poder ocultar seu cansaço. A reunião no escritório do juiz Moore começou às 8:30, com a presença de todos os chefes de departamento, embora fosse igual. O diretor e o SDO escutavam em silêncio, quase sem tomar notas.
Eram... bem, amigos, não, pensou Ryan. O almirante Greer tinha sido seu amigo e professor. Mas o juiz Moore era um bom chefe, e quanto a Ritter, embora nunca tivessem se dado bem, jamais tinha sido injusto com ele. Tinha que lhes dar a última oportunidade. Ao finalizar a conferência, Jack recolheu seus papéis muito lentamente enquanto outros saíam. Moore e Ritter captaram o sinal.
– Quer dizer algo, Jack?
– Parece-me que não sou o homem indicado para o posto de diretor.
– Por que diz isso? – perguntou Moore.
– Porque acontecem coisas que vocês não querem comentar comigo. Se não confiarem em mim, não devo ocupar esse posto.
– Ordens – disse Ritter, sem poder ocultar seu descontentamento.
– Então, me olhem nos olhos e me digam que tudo é legal. Suponho que devo saber, que tenho o direito de saber.
Ritter olhou ao juiz Moore.
– Eu gostaria de dizer-lhe tudo, doutor Ryan – disse o diretor da CIA. Tentou de erguer os olhos, vacilou, cravou-a em um ponto na parede– . Eu obedeço ordens, como todos nós.
– Está bem. Eu tenho uma licença. Quero aproveitá-lo para pensar. Meu trabalho está em dia. Vou sairei dentro de uma hora, e voltarei em dois dias.
– Amanhã é o enterro, Jack.
– Não faltarei, juiz – mentiu Ryan, e abandonou o escritório.
– Ele sabe de tudo – disse Moore a porta fechou.
– É impossível.
– Sabe, e não quer estar aqui.
– E se você tiver razão, o que faremos?
O diretor da CIA ergueu a vista, desta vez com firmeza.
– Nada. Isso é o melhor que podemos fazer agora.
Era evidente. Cutter tinha sido muito eficaz, mais do que sabia. Ao destruir os códigos de rádio necessários para comunicar-se com os pelotões Faca, Bandeira, Quadro e Profecia, tinha despojado à a CIA do poder de afetar o rumo dos acontecimentos. Nem Ritter nem Moore achavam que o assessor de Segurança Nacional fosse salvar os soldados, mas não podiam fazer nada sem prejudicar-se a si mesmos, à a CIA, ao Presidente... e inclusive ao país. Se Ryan queria conservar distância agora que tudo caía aos pedaços... bem, pensou Moore, talvez tivesse intuído algo. O diretor não podia lhe reprovar por que queria permanecer à margem.
Claro que faltavam algumas coisa ha fazer. Ryan saiu do edifício pouco depois das onze. Do telefone instalado em seu “Jaguar” chamou o Pentágono.
– Me ponha em contato com o capitão Jackson, por favor – pediu quando responderam a sua chamada– . Da parte do Jack Ryan.
Robby atendeu o aparelho poucos minutos depois.
– Olá, Jack!
– Vamos Almoçar?
– Certo. Você vem aqui ou vou aí?
– Conhece “Artie's Deli”?
– Sim, na rua K, perto do rio.
– Espero você ali em meia hora.
– De acordo.
Robby viu seu amigo numa mesa do canto e se dirigiu para ali. Havia um talher posto para ele; outro homem se achava sentado à mesa com Jack.
– Esperava-te como a água de maio – disse Jack, para, depois, lhe apresentar ao outro homem– : Robby, este é Dan Murray.
– Do FBI? – perguntou, ao lhe apertar a mão.
– Sim capitão. Sou um dos subdiretores adjuntos.
– E o que você faz?
– Se supõe que pertença ao Departamento de Investigação Criminal, mas ultimamente estive no ligado a dois casos muito importantes. Adivinhe quais são.
– Ahhh – disse Robby ao morder seu sanduiche.
– Precisamos de sua ajuda, Rob.
– O que quer que eu faça?
– Que nos leve a um lugar sem ninguém saber.
– Que lugar?
– Hurlburt Field, na...
– Sim, já sei, na base Eglin. Aí funciona o esquadro de Operações Especiais; está perto de Pensacola. ultimamente usaram muitos aviões da Marinha. A meu chefe não gostou.
– Conte tudo a ele, mas para mais ninguém. É um trabalho de limpeza que precisamos fazer.
– Do que se trata?
– Não posso te contar nada mais, Rob. Tem a ver com o que me disse faz uns dias, só que a situação é muito mais grave. Temos que agir com toda rapidez, e sem que ninguém saiba. Digamos que precisamos de um serviço de táxi aéreo muito discreto.
– Farei isso, mas só com a autorização do almirante Painter.
– De acordo. O que faremos?
– Vamos nos encontrar às quatorze no rio Patuxent, na altura do Strike. Me deu uma vontade louca de pilotar um pouco.
– Mas, antes, acabe de almoçar.
Jackson saiu em cinco minutos. Ryan e Murray foram à casa deste. Jack chamou a sua esposa dali e lhe disse que se ausentaria por dois dias, que não se preocupasse. foram-se no automóvel de Ryan.
O centro de testes da aviação naval no rio Patuxent está a uma hora de Washington, na margem ocidental da baía de Chesapeake. Foi uma bela fazenda antes da guerra civil. Na atualidade, era o principal centro de provas e avaliação de voo da Marinha, com funções similares à conhecida base Edwards da Força Aérea, na Califórnia. Ali se encontra a Escola de Pilotos da Marinha, onde Robby tinha sido instrutor, e as casas de vários tipos de testes. Uma delas, situada a três ou quatro quilômetros da Escola, chama-se Strike. Em Strike se testam os planos de luta e ataque no campo da sexualidade. A credencial do FBI que Murray exibiu bastou para que lhes permitissem a entrada na base; uma vez foram registrados, dirigiram-se ao hangar de segurança de Strike, onde pararam para esperar, aturdidos pelo trovejar dos motores. Vinte minutos mais tarde, Robby chegou em seu “Corvette” e os fez entrar no hangar.
– Têm sorte – disse– . Temos que levar um par de Tomcat” para Pensacola. O almirante deu a ordem, já estão em rotina de pré voo. Eu, estou...
Outro oficial entrou.
– Capitão Jackson? Sou Joe Bramer, senhor – se apresentou o tenente– . Me disseram que vamos par o sul, senhor.
– Sim é verdade, Sr. Bramer. Vamos com estes cavalheiros. Jack Murphy e Dan Tomlinson, empregados do Governo, que precisam conhecer algumas rotinas de voo. Pode lhes conseguir trajes e capacetes?
– Imediatamente, senhor.
– Bem, queriam fazer em segredo, não é?, pois já é secreto – riu Jackson, enquanto colocava seu traje de voo– . Trazem bagagem?
– Aparelho de barbear e uma bolsa – disse Murray.
– Podemos levar isso.
Quinze minutos mais tarde subiram nos aviões. A Jack atribuíram o de seu amigo. Cinco minutos depois, rodavam pela pista até o extremo de decolagem.
– Com cuidado, Rob, por favor – pediu Ryan, enquanto aguardavam a permissão para decolar.
– Como num avião de linha comercial – lhe assegurou Jackson, mas não foi assim. Os caça saltaram da pista e alcançaram a altitude de cruzeiro no dobro da velocidade de um 727. No alto, a viagem foi serena e sem sobressaltos.
– O que está acontecendo Jack? – perguntou pelo intercomunicador.
– Robby, não posso...
– Alguma vez te falei que o que sou capaz de fazer com este aparelho? Jack, rapaz posso conseguir que cante. Posso virar ele dentro da bunda de uma virgem.
– Robby, o objeto de tudo isto é resgatar certas pessoas que talvez estejam isoladas. Se mencionar isso a alguém, inclusive a seu almirante, é possível que arruíne a todos. Acho que te disse o suficiente.
– Está bem. E seu carro?
– Deixei-o aqui.
– Farei que o guardem.
– Boa ideia.
– Vejo que agora voa melhor, Jack. Ainda não gemeu.
– Oh!, bem. Hoje tenho que voar duas vezes, e uma delas é neste fodido helicóptero. Não havia voltado de helicóptero desde que quebrou as costas em Creta. – Fazia bem a ele falar, embora, na verdade, Jack virasse a cabeça para olhar pela janela e ficou atônito ao ver que outro “Tomcat” voava a escassos metros do extremo da asa direita. Murray agitou a mão– . Robby, Por Deus!
– Ah!
– O outro avião!
– Diabos!, disse-lhe que se afastasse um pouco. Deve estar a seis metros, pelo menos. Sempre voamos em formação.
– Te parabenizo. Acaba de conseguir seu gemido.
O voo durou pouco mais de uma hora. O golfo do México apareceu como uma fita azul no horizonte, que cresceu até se tornar uma massa de água, quando os dois caças viraram para aterrissar. A magra península de Pensacola, apenas visível para do oeste, desapareceu na bruma. Que estranho, pensou Ryan, que sentisse menos medo de voar num aparelho militar que num avião civil: talvez fosse por que no avião militar a visão fosse mais ampla. Os caças aterrissaram em formação, o que lhe pareceu uma loucura, embora não houve incidentes. O outro aparelho tocou em terra, seguido por Robby a um par de segundos. Os “Tomcat” rodaram até o extremo da pista, viraram e pararam junto a um par de automóveis.
A tripulação de terra aproximou as escadas.
– Boa sorte, Jack – disse Robby ao erguer a nacele.
– Obrigado pelo passeio, cara.
Jack saiu sem ajuda e desceu. Murray o fez segundos depois. Sentaram nos carros, enquanto os
“Tomcat” se preparavam para decolar para completar o voo até a próxima Estação Aérea Naval de Pensacola.
Murray chamou antes por telefone, e o chefe de Inteligência do 1ª Esquadrilha de Operações Especiais saiu a seu encontro.
– Queremos falar com o coronel Johns – disse Murray, depois de identificar-se. Não foi necessário dizer mais.
Levaram-nos a um edifício baixo, com janelas ordinárias, passando junto a uns helicópteros gigantescos, como Ryan nunca tinha visto. O oficial de Inteligência os fez passar, apresentou-os –
acreditava que Ryan também fosse do FBI– e saiu.
– No que posso lhes ajudar? – perguntou Johns com cautela.
– Queremos falar sobre certos voos seus ao Panamá e a Colômbia – disse Murray.
– Sinto muito, nós não falamos o que fazemos aqui, assim, sem mais nem menos.
– Há uns dois dias você recebeu certas ordens do vice-almirante Cutter. Você se estava então no Panamá – prosseguiu Murray– . Antes, você tinha levou tropas armadas para a Colômbia. Primeiro, levou-as a zona costeira, depois as recolheu e as transladou à parte montanhosa do país. Enganei-me?
– Não posso comentar nada disto, senhor. As deduções correm por sua conta, não pela minha.
– Sou da polícia, não sou jornalista. Deram-lhe ordens ilegais. Se as cumprir, poderia te acusar de cúmplice de um crime maior. – Murray era partidário de pôr as cartas sobre na mesa, e, neste caso, conseguiu o que queria. Ao escutar de boca de um alto oficial do FBI que as ordens recebidas podiam ser ilegais, Johns começou a afrouxar.
– Senhor, você me faz uma pergunta que não sei como responder.
Murray tirou uma fotografia de um envelope de papel manilha e a mostrou a Johns.
– O homem que deu essas ordens é assessor presidencial de segurança nacional. Antes de reunir-se com você, falou com o homem desta foto. É Félix Cortez, antes coronel do DGI e agora chefe de segurança do Cartel de Medellín. Autor intelectual do atentado em Bogotá. Ignoramos o teor exato do que falaram, mas lhe direi o que sabemos. O contato de rádio com os quatro pelotões se realizava por meio de um caminhão de comunicações, na enseada Gaillard. Cutter foi ali e o desligou. Depois veio aqui ver você, disse que voltasse para sua base e que jamais voltasse a mencionar esta missão. Agora, some esses três elementos e me diga se gosta do resultado, sobre tudo, se quer ter algo a ver com isso.
– Não sei, senhor. – A resposta do Johns foi maquinal; mas tinha o rosto vermelho.
– Coronel, esses pelotões sofreram baixas. Aparentemente, o objeto das ordens que você recebeu é que matem a todos. Já os estão caçando – disse Ryan– . Lhe pedimos sua ajuda para tirá-los de lá.
– Pode-se saber quem é você de verdade?
– CIA.
– Mas se esta maldita operação é de vocês!
– Não é, mas deixemos isso de lado agora – disse Jack– . Precisamos de sua ajuda. Se não, esses soldados vão morrer. É simples assim.
– Ou seja, que nos enviam a recolher seus pratos quebrados. Assim são vocês com a gente; primeiro nos mandam a...
– A verdade – disse Murray– é que pensávamos lhe acompanhar, pelo menos, uma parte do trajeto.
Quando partimos?
– Me diga exatamente o que quer eu que faça. – Murray o fez. O coronel Johns assentiu e olhou seu relógio – . Uma hora e meia.
O MH-53J era muito maior que o CH-46 que quase matara Ryan aos vinte e três anos; mas, para ele, não menos aterrador. Contemplou o motor e lembrou que lhes esperava uma longa travessia sobre o mar. A tripulação era séria e muito profissional. Conectou aos civis ao intercomunicador e lhes indicou onde sentar-se e o que deviam fazer. Ryan escutou com muita atenção, sobre tudo, as instruções para abandonar a nave. Murray se interessava pelas metralhadoras, esses aparelhos de seis canos giratórios e as enormes gavetas de projéteis. Nessa ocasião levavam três. O helicóptero decolou pouco depois das quatro e foi para sudoeste. Uma vez no ar, Murray se prendeu ao chão com uma corda de segurança a fim de passear pela nave. A escotilha traseira, aberta pela metade, permitia-lhe contemplar o oceano. Ryan não se moveu. O voo era menos agitado que nos helicópteros dos fuzileiros, mas a grande hélice de seis paletas sacudia e fazia vibrar o aparelho como um candelabro no meio de um terremoto. Conseguia ver um dos pilotos na cabine, tão sereno como se conduzisse um carro. Mas isto não é um carro, pensou Ryan.
A novidade para ele foi o reabastecimento em voo. Percebeu que o aparelho acelerava e erguia a tromba. Olhou através da janela dianteira e viu a asa de um avião. Murray foi situar se atrás do chefe de tripulação, sargento Zimmer, para observar melhor a operação de reabastecimento.
– O que aconteceria a mangueira se enrolasse? – perguntou Murray ao ver descender seu extremo cônico.
– Não sei – disse o coronel Johns, com serena frieza– . Nunca me ocorreu. Por favor, mantenha silêncio, senhor.
Ryan olhou ao seu redor em busca da “privada”. Viu uma coisa parecida com uma latrina de acampamento, mas decidiu não ir, porque teria que desabotoar o cinto de segurança. O reabastecimento se realizou sem nenhum inconveniente; Jack estava certo que se devia à eficácia de suas orações.
O Panache patrulhava o canal de Yucatán, entre Cuba e a costa mexicana, seguindo um rumo em forma de pista de corrida. Não houve incidentes desde que o guarda costeira voltou para seu posto, mas a tripulação estava feliz de ter ido para o mar. A grande novidade eram as mulheres que tinham passado a fazer parte da tripulação. Tinham uma alferes recém formado na Academia de Connecticut, meia dúzia de marinheiras rasas e duas suboficiais, especialistas em eletrônica, conhecedoras do ofício, conforme admitiam com relutância seus colegas masculinos. O capitão Wegener observava a alferes, que cumpria seu turno como oficial ajudante de convés. Como todos os alferes, estava nervosa e ansiosa, e também um pouco assustada, de ver o capitão na ponte de comando. Além disso, era muito bonita; Wegener jamais lhe tinha ocorrido que alguma vez diria isso de um alferes.
– Chefe de coberta, chefe de coberta – disse a voz pelo autofalante no biombo.
Wegener pegou o telefone junto a sua poltrona na ponte.
– Fala o capitão. O que está acontecendo?
– Pode vir à sala de rádio, senhor?
– Já vou. – Rede Wegener se levantou–. Continue – disse ao alferes.
– Senhor – disse a suboficial na sala de rádio–, recebemos uma mensagem de um helicóptero da Força Aérea. Diz que tem que deixar uma pessoa a bordo. Afirma que é secreto senhor. Na tabela não diz nada e... Bom, senhor, não sabia o que fazer senhor. Por isso o chamei.
– Bom, vejamos. – A mulher lhe entregou o microfone. Wegener apertou o botão transmissor–.
Panache aqui fala o capitão. Com quem estou falando?
– Panache, aqui César. Helicóptero vai para sua posição em Sierra-Oscar. Deixarei uma pessoa a bordo, câmbio.
Sierra-Oscar significava operação especial. Wegener pensou um instante. Depois, decidiu que não havia muito que pensar.
– Entendido, César, me dê seu ETA.
– ETA um zero minutos.
– Entendido, um zero minutos. Esperamos. Desligo. – Wegener devolveu o microfone e retornou à ponte–. Postos de serviço – disse a oficial de convés–. Miss Walters, nos leve a “Hotel Corpin”.
– Entendido, senhor.
A rotina se cumpriu com rapidez e eficiência. O contramestre de guarda tomou o MC-1 e disse:
– Postos de serviço, postos de serviço, todos a seus postos para receber avião. Proibido fumar.
Os cigarros foram jogados na água e os marinheiros tiraram as boinas para evitar que uma turbina as aspirasse. O alferes Walters verificou a direção do vento e modificou sua posição. Ao mesmo tempo, acelerou a quinze nós para pôr o navio em posição “Hotel Corpin” para uma operação de voo. E sem que ninguém lhe desse instruções, disse para si. Wegener voltou-se de costas e sorriu. Era um dos primeiros passos na carreira de um oficial.
Ela sabia o que fazer, e o fazia sem ajuda. Para o capitão, era como observar os primeiros passos de um filho. Tinha inteligência, e desejava fazer bem o seu trabalho.
– Merda é dos grandes – disse Riley na ala da ponte.
Wegener saiu para olhar.
Era um MH-53 da Força Aérea, muito maior que qualquer aparelho da guarda costeira. O piloto manobrou e o aparelho se aproximou da popa, girando para ficar de flanco. Um homem preso ao cabo de resgate foi recebido pelos braços de quatro tripulantes. Quando o passageiro tirou as correias, o helicóptero baixou o nariz e virou para o Sul. Rápido e seguro, pensou Rede.
– Não sabia que teríamos companhia, senhor – disse Riley, enquanto pegava um cigarro.
– Ainda estamos em postos de serviços, suboficial! – exclamou o alferes Walters do leme.
– Ah, sim, senhora, perdoe, mas tinha esquecido – disse o contramestre, e olhou para Wegener com um sorriso cúmplice. Uma prova a mais. Não se sentia intimidada por um suboficial principal que podia ser seu pai.
– Dê ordens de abandonar os postos – disse o capitão, e se voltou para Riley–. Eu também não sabia. Vou ver quem é. – Ao afastar-se, escutou a alferes Walters dar ordens sob o atento olhar de um tenente e um par de suboficiais.
Quando chegou ao convés viu que o visitante tirava o traje verde de voo. Aparentemente não levava pacote algum, o que lhe pareceu estranho. E mais ainda quando o homem se voltou para olhar o de frente.
– Tudo bem, capitão? – disse Murray.
– O que está acontecendo?
– Podemos falar a sós?
– Venha. – encerraram-se no camarote de Wegener–. Me parece que lhe devo alguns favores. Podia ter me dado mau por causa daquilo que fizemos. Obrigado pela dica sobre o advogado. Assustou-me o bastante, mas depois eu soube que esses dois filhos da puta já tinham morrido – disse o capitão –. Agora, se não me engano, quer que eu lhe devolva o favor.
– Sim é verdade.
– Bom, me conte o que está acontecendo. Esses helicópteros das Operações Especiais não fazem favores pessoais a ninguém.
– Quero que manhã de noite você esteja num determinado lugar.
– Onde?
Murray tirou um envelope do bolso.
– Estas são as coordenadas, e aqui tenho o plano de rádio. – Adicionou alguns detalhes.
– Você que planejou isso?
– Sim. Por quê?
– Não lhe ocorreu verificar as condições metrológicas.
XXVII
A BATALHA DE MONTE NINJA
Qualquer exército tem seus costumes. Para os leigos, algumas podem parecer estranhos, inclusive idiotas, mas atrás de cada um há um propósito, aprendido ao longo dos quatro milênios em que os homens combateram de maneira organizada. Quase todas as lições são negativas. Quando os homens morrem em vão, os exércitos aprendem erro e tomam precauções para não repetir o erro. Certamente que os erros se repetem na profissão militar com tanta frequência como em qualquer outra; mas, em todas, os melhores profissionais são os que nunca esquecem os princípios. O capitão Ramírez era um deles.
Aprendera que era muito sentimental; que a perda de vidas, que tomavam parte do modo de vida escolhido por ele, era um peso muito difícil de aguentar, mas também se lembrava das outras lições, sobre tudo uma delas, ratificada por uma revelação recente e desagradável. Esperava que o helicóptero da Força Aérea passasse para buscá-lo nessa mesma noite e tinha uma razoável certeza de ter despistado os homens que procuravam seu pelotão, mas lembrava das lições do passado, que soldados tinham morrido por imprevistos, por descuido e por esquecer-se dos princípios do combate.
E o princípio que deveria aplicar nessa ocasião era que uma unidade num lugar fixo se torna vulnerável; para diminuir essa vulnerabilidade, o bom chefe sempre preparava um plano defensivo.
Ramírez se lembrava disso; por outro lado, tinha um bom olho para escolher o terreno. Embora estivesse convencido de que ninguém os incomodaria nessa noite, preparou-se para essa eventualidade.
Tomou suas precauções na base de que seria atacado por uma força grande, mas relativamente inexperiente, e levando em conta sua dupla vantagem: os soldados dispunham de rádios para comunicar-se entre eles, e de três armas com silenciador. Tinha a esperança de não receber visitas, mas, se as recebesse, eles lhes teriam algumas surpresas desagradáveis.
Os homens estavam distribuídos em duplas de apoio mútuo, porque não há nada mais aterrador que estar sozinho no meio do combate, e a mera presença de um camarada aumenta enormemente a eficiência do soldado. Cada dupla cavou três tocas, chamadas de: “Principal”, “Alternativa” e “Complementar”, como parte de três dispositivos de defesa; todos os soldados estavam bem camuflados, e situados de maneira tal que pudessem prestar entre si apoio recíproco. Onde foi possível, limparam o terreno para ter boas linhas de fogo, mas sempre em sentido oblíquo, não frontal: dessa maneira, obrigavam o atacante a deslocar-se na direção antecipada por cada dupla. Por último, se fossem cercados, contavam com três vias de fuga e seus correspondentes lugares de reunião. Assim manteve ocupados seus homens durante todo o dia, cavando tocas, preparando posições, colocando minas terrestres, a fim de que usassem os momentos de descanso para dormir, não para conversar. Mas ele não podia ficar tão ocupado, nem tampouco deixar de pensar.
A situação estava piorando. A comunicação por rádio estava interrompida, e cada vez que Ramírez tentava estabelecer contato na hora prevista e não consegui, suas explicações estavam cada vez mais débeis. Já não podia atribuir a uma falha do equipamento ou a um corte de energia na recepção. Durante toda a tarde pensou que era impossível que estivessem isolados de propósito; mais ainda, descartava essa ideia. Mas uma voz interior insistia em que ele e seus homens foram abandonados, longe de seu país, frente a uma ameaça potencial e que só podiam a enfrentar com os recursos que possuíam.
O helicóptero voltou para a base de que tinha partido dois dias antes e se entrou no hangar, cuja porta se fechou imediatamente. O MC-130 que os tinha acompanhado ficou encerrado em outro.
Esgotado pelo voo, Ryan desceu a terra com as pernas tremendo; Clark o esperava. A única novidade realmente positiva era que Cutter não tomara a precaução elementar de falar com o comandante da base: jamais lhe passou pela cabeça que alguém pudesse desobedecer a suas ordens. Por isso, o reaparecimento dos misteriosos aparelhos ficou registrada como um fato mais entre tantos, e um helicóptero verde – na penumbra parecia negro– era igual a qualquer outro.
Jack voltou para aparelho depois de visitar o banheiro e beber um litro de água da geladeira. Já tinham se apresentado, e o coronel Johns conversava animadamente com o Sr. Clark.
– Então esteve no terceiro SOG.
– Sim coronel. Não estive no Laos, mas vocês salvaram a alguns dos nossos. Depois fui para a Agência, quer dizer, quase retificou.
– Não sei para onde ir. Esse marinheiro de merda nos obrigou a destruir os mapas. Zimmer recorda de algumas frequências de rádio, mas...
– Eu tenho todas elas– disse Clark.
– Está bem, mas de toda a maneira terá que buscá-los. Embora me apoie um avião tanque, não tenho autonomia suficiente para rastrear aquele terreno. A região é muito grande, e nas altitude mais elevadas o combustível se esgota rapidamente. Como é o inimigo?
– Muita gente armada com AK. Soa familiar?
– É claro que sim – disse Johns com uma careta–. Tenho três metralhadoras. Sem apoio aéreo...
– Adivinhou: o apoio aéreo é você mesmo. Deixe as metralhadoras preparadas. Agora, acho que os pontos de retirada já estavam acertados, não é?
– Sim, um principal e dois alternativos para cada pelotão, doze no total.
– Devemos supor que o inimigo os conhece. A missão desta noite é encontrá-los para que vão para um lugar que nós conheçamos, mas eles não.
E amanhã você vai recolher eles.
– E depois... O sujeito do FBI quer que aterrissemos nesse barco. Estou preocupado com o Adela. O
boletim meteorológico de meio-dia diz que vai para o Norte, em direção a Cuba. Preciso de um relatório mais recente.
– Acabo de recebê-lo – disse Larson ao reunir-se com outros–. Adela virou para o oeste há uma hora e já é um furacão. Ventos centrais a setenta e cinco quilômetros por hora.
– Merda! – exclamou Johns–. E a velocidade de deslocamento?
– Possivelmente teremos problemas amanhã à noite, mas esta noite podemos voar tranquilos.
– O que quer dizer com isso desta noite?
– Larson e eu vamos para lá, a situar o pessoal – disse Clark. Tirou um transmissor da bolsa de Murray–. Sobrevoaremos por todo o vale, chamando-os com isto. Se tivermos sorte, faremos contato.
– Você sim acredita na sorte, amigo – disse Johns.
O agente Ou'Day refletia em que a vida do agente do FBI não era tão atraente como se pensava.
Para cúmulo do azar, contava com menos de vinte agentes, e não podia relegar essa tarefa desagradável a um subordinado. Era um caso muito problemático. Ainda não tinham pensado em obter um mandado de busca, e quanto à penetração clandestina na casa do Cutter – algo que o FBI quase tinha deixado de fazer–
, melhor nem pensar. A esposa do almirante estava em casa e dirigia os empregados com ares de duquesa.
Mas a Corte Suprema, uns anos antes, tinha decidido que não precisava de uma ordem judicial para revistar o lixo. Graças a essa resolução, Ou'Day acabava de exercitar os músculos dos braços e do tórax como poucas vezes nos últimos anos. Tinha jogado algumas toneladas de sacos de resíduos fedorentos no caminhão branco e quase não podia levantar os braços. Possivelmente ter sido numa das várias latas. O
setor VIP de Fort Meyer era um bairro militar; as latas de lixo deviam ficar alinhadas nos seus lugares correspondentes, cada um dos quais correspondia a duas casas. Ou'Day tinha marcado as bolsas antes de jogá-las no caminhão, e agora havia quinze delas num dos muitos laboratórios do FBI; mas não num dos que faziam parte do circuito turístico, porque quem visita o edifício “Hoover” só veem as salas mais limpas e antissépticas. Por sorte para eles, havia boa ventilação e várias latas de desodorizador de ambienta para dissimular os cheiros que atravessavam as máscaras cirúrgicas dos técnicos. Ou'Day estava convencido que jamais voltaria a livrar-se dessa esquadra de moscas que o perseguiam por toda parte.
Jogaram tudo sobre uma mesa branca, imitação de mármore, e revistaram com extremo cuidado e atenção os resíduos de quatro dias: sedimentos de café, pãezinhos mordiscados, merengues em estado de decomposição e várias fraldas descartáveis: o oficial vizinho a Cutter tinha a sua neta em visita.
– Bingo! – exclamou um técnico, erguendo um disquete com sua mão enluvada. Agarrou-o pelas pontas e o guardou num saco plástico. Ou'Day a levou a laboratório, no piso superior.
Dois técnicos estavam fazendo horas extras nessa noite. Tinham feito uma pequena armadilha para obter um jogo de impressões digitais de almirante Cutter – Tiram as impressões digitais de todo o pessoal militar ao ingressar– e tinham todo o seu equipamento preparado, inclusive o laser.
– O que havia junto com isto? – perguntou um deles.
– Jornais, nada mais – respondeu Ou'Day.
– Sorte! Não há graxa, e o papel o protege do calor. Vejamos. – O técnico o tirou da bolsa e ficou a trabalhar, enquanto Ou'Day passeava pela sala.
– Tenho uma digital do polegar com oito pontos na frente, e outra que parece ser de um anular no verso: um ponto muito claro e outro impreciso. Há outro jogo, impossível de identificar, mas é diferente, pertence à outra pessoa.
Melhor, impossível, dadas as circunstâncias, pensou Ou'Day. Para identificar uma digital eram necessários dez pontos – as irregularidades que faziam da datiloscopia uma arte –, mas essa era uma cifra arbitrária. O inspetor estava certo que Cutter tinha tido esse disquete em suas mãos, embora talvez não bastasse para convencer a um jure, se é que levariam a julgamento. Tinha chegado o momento de verificar o que tinha no disquete. Levou-o a outro laboratório.
A partir da venda livre dos PC no mercado, era inevitável que alguns os usassem com fins criminosos. O FBI tinha seu próprio departamento, mas os especialistas mais empregados por eles eram os privados, os hackers contratados; pessoas para quem os computadores eram brinquedos maravilhosos.
Quando uma agência importante do Governo os contratava, sentiam-se realizados como um jogador de futebol ao entrar num time da primeira divisão. Justamente, um dos campeões o esperava. Tinha vinte e cinco anos e era universitário com altas qualificações. Seu cabelo e barba avermelhados estavam bastante sujos. Ou'Day lhe entregou o disquete.
– É um código de palavras – lhe disse.
– Que bom – repôs o técnico– . Este disquete é um “Sony MFD-2DD” microfloppy de dupla face e dupla densidade, “135TPI”; é provável que esteja formatado para oitocentas K, diria eu. O que se supõe que contém?
– Não estamos certos, acham que é um algoritmo de codificação.
– Ahhh! Comunicações dos sistemas russos. Parece que os estão se sofisticando, como nós.
– Você não precisa saber – disse Ou'Day.
– Vocês não sabem do que é uma brincadeira – disse o especialista enquanto introduzia o disquete no drive. O computador com que trabalhava era um novo “Apple Macintosh IIx”, cujos programas estavas ocupado por um circuito especial; dois deles tinham sido desenhados pelo técnico em questão.
Ou'Day tinha entendido que o homem só trabalharia com uma “IBM” se alguém lhe apontasse uma arma para a sua cabeça.
Os programas tinham sido preparados por outros hackers com o fim de resgatar informação de disquetes danificados. O primeiro se chamava Rescuedata. Era uma operação complexa. As cabeças de leitura percorriam as zonas magnéticas do disquete para transferir a informação à memória de oito megabytes da “IIx” e copiá-la no disco rígido e outro floppy. O técnico devolveu o original a Ou'Day para que o guardasse na bolsa.
– Apagaram-no – disse.
– Como?
– foi apagado. Não inicializado, nem formatado, e sim apagado. Com um ímã de brinquedo, diria eu.
– Merda! – suspirou Ou'Day. Embora não fosse perito, sabia que um ímã podia destruir a informação armazenada por meios magnéticos.
– Mas não se preocupe.
– O que?
– Se esse sujeito o houvesse formatado, estaríamos fodidos, mas se limitou a lhe passar o ímã.
Destruiu parte da informação, mas não toda. Acho que em algumas horas poderei resgatá-la, ao menos em parte... olhe, aqui há algo. Está na linguagem da máquina, mas não reconheço o formato. Não entendo nada de códigos, senhor. Parece bem complicado. – Ergueu a vista– . Preciso de tempo.
– Quanto?
– Quanto tempo demoraram para pintar a Mona Lisa? Quanto se precisa para destruir uma catedral?
Quanto...?
Ou'Day saiu antes de ouvir a terceira. Guardou o disquete em sua caixa forte e foi ao ginásio tomar um banho e passar meia hora na hidromassagem. A primeira lhe tirou o aroma de lixo; o segundo, as dores musculares. Ou'Day refletiu que estavam juntando muitas provas para as apresentar contra aquele filho da puta.
– Não há ninguém, capitão.
Ramírez assentiu ao devolver os fones. Não podia negar isso. Olhou o sargento de operações Guerra.
– Parece-me que nos esqueceram.
– Bem, essas são as boas notícias, capitão. O que faremos agora?
– Nossa próxima transmissão será a uma. Vamos lhes dar a última oportunidade e vamos embora.
– Para onde, capitão?
– Descemos da montanha, pedimos emprestado algum transporte e... merda, eu sei lá! Acho que temos dinheiro suficiente para pegar um avião e voar para fora daqui.
– Mas não temos passaportes, nenhum tipo de identificação.
– Podemos ir à Embaixada em Bogotá.
– E assim desobedecemos meia dúzia de ordens, capitão.
– Sempre há uma primeira vez – repôs Ramírez– . Que todos comam as últimas rações e descansem bem. Despertamos em duas horas e passamos a noite em alerta.
Quero que Chávez e Leon patrulhem a montanha em... digamos, em um raio de dois quilômetros. –
Ramírez não teve que esclarecer por que estava preocupado. Apesar da diferença de educação, ele e Guerra sintonizavam na mesma onda.
– Tudo bem, capitão – lhe assegurou o sargento– . Tudo dará certo uma vez que esses REMF se decidam a agir.
Durante quinze minutos explicou para eles a missão. Estavam furiosos e inquietos, não compreendiam o perigo que os aguardava, só queriam vingar a seus mortos.
Pura fanfarronice e machismo – pensou Cortez– . Idiotas.
O primeiro alvo estava a uns trinta quilômetros dali – primeiro queria eliminar o mais próximo, por razões evidentes – e podiam percorrer os primeiros vinte e dois quilômetros de caminhão. Esperaram até o anoitecer, quando dezesseis caminhões partiram, com quinze homens cada um. Cortez observou a partida, os homens murmuravam entre si. Certamente, reteve sua própria guarda. Eram dez homens, leais a ele. Tinha-os recrutado bem, sem se preocupar com bobagens tais como quem eram seus pais ou a quantas pessoas matou. Eles os tinha selecionado por suas habilidades. A maioria, desertores do M-19 e das FARC, estavam fartos de brincar de guerrilha durante cinco anos. Alguns em Cuba, outros na Nicarágua, todos tinham recebido instrução militar básica: na verdade, era instrução terrorista, mas os
“soldados” do Cartel careciam de treinamento. Eram mercenários. Seguiam a Cortez porque lhes tinha pago algo e prometido mais. Além disso, não tinham para onde ir. O Governo colombiano não os queria.
O Cartel desconfiava deles. E tinham traído dois grupos marxistas cuja corrupção política era tal, que se vendiam ao Cartel. Só sobrava Cortez. Estavam dispostos a matar por ele. Não confiava neles, nem em ninguém, mas todos os grandes movimentos tinham começado a partir de pequenos grupos cujos métodos eram tão inconfessáveis como seus fins, e permaneciam leais a um só homem. Isso tinham ensinado a Cortez. Ele mesmo não estava convencido, mas, no momento, bastava-lhe. Não pensava que pudesse dirigir uma revolução. No momento se limitava a levar a cabo – como o chamavam?– um “aquisição”
hostil. Sim, era isso. Cortez riu para seus si, entrou e desdobrou os mapas.
– Sorte para nós que não somos fumantes – disse Larson ao subir o trem de aterrissagem. Levavam um depósito de combustível auxiliar na cabine: suficiente para as duas horas de ida, as duas de volta e três de patrulha – . Acha que o plano vai funcionar?
– Se não funcionar, alguém vai pagar muito caro – disse Clark– . E a tempestade?
– Hoje ficaremos na frente dela; amanhã será outra história.
Chávez e Leon estavam a dois quilômetros do posto de guarda exterior. Os dois levavam armas com silenciador. Leon não tinha sido o homem de ponta de Bandeira, mas chamou a atenção de Chávez sua habilidade para deslocar-se pelo bosque. Tinham sorte de não haver topado com nada. O capitão Ramírez lhe tinha instruído sobre os problemas possíveis. Até esse momento não tinham visto nada, para alívio de ambos. Primeiro, desceram a ladeira em direção ao norte, percorrendo depois um arco de vários quilômetros para o Sul, sempre com os olhos e os ouvidos muito abertos. Iniciavam o retorno ao acampamento, quando Chávez se deteve e virou rapidamente.
Era um ruído metálico. Fez um gesto a Leon para que permanecesse imóvel onde estava e voltou à cabeça com a esperança de... que?, perguntou-se. De que fosse verdade? Ou fosse sua imaginação?
Colocou os óculos e olhou ladeira abaixo, onde o caminho serpenteava. Se havia visitas, chegariam por ali.
Ao princípio era difícil distinguir alguma coisa. O arvoredo era muito espesso, e a relativa ausência de luz lhe obrigava a dar máximo brilho a seus óculos. A imagem era um pouco imprecisa, como um sinal de televisão de uma cidade distante. O que procurava devia estar longe, pelo menos a quinhentos metros.
Esse era seu raio visual máximo num setor destruído do bosque. A tensão não só aguçava seus sentidos, mas também sua imaginação; devia cuidar para não ver coisas onde não havia nada.
Mas havia algo lá abaixo. Intuiu-o antes que os ruídos chegassem até ele. Não eram metálicos, e sim... um sussurro muito forte de folhas, seguido de silêncio. Chávez olhou para Leon, que era uma imagem espectral em sua tela: ele também colocou os óculos e olhava na mesma direção. O rosto se voltou para o Chávez e a cabeça assentiu. Não era um gesto emotivo, e sim a transmissão profissional de um pensamento perturbador. Chávez se ajoelhou para usar seu transmissor.
– Ponta a Seis.
– Aqui, Seis.
– Estamos no ponto de retorno. Há movimento lá abaixo. Esperaremos para ver.
– Entendido. Cuidado, sargento.
– Entendido.Desligo.
Leon se aproximou.
– O que vamos fazer?
– Ficaremos juntos e tentaremos não nos movermos muito até ver o que eles estão fazendo.
– Bem, cinquenta metros mais à frente há onde se esconder melhor.
– Prossiga, estou atrás de você. – Chávez deu um último olhar ladeira abaixo antes de seguir seu camarada até um arvoredo pequena e muito espesso. Ainda não apareciam imagens definidas em sua tela.
Dois minutos depois chegaram ao novo refúgio.
Berto foi o primeiro a vê-los, e assinalou um caminho. Os pontos móveis eram maiores que o ruído gerado pelo sistema de visualização. Eram cabeças a quatrocentos ou quinhentos metros. Vinham ladeira acima.
Bem – pensou Chávez– . Agora, vejamos quantos são. Começava a relaxar.
Isso era muito sério, mas o tinha feito antes. A grande incógnita tinha ficado para trás. O combate os aguardava. Sabia o que devia fazer.
– Ponta a Seis, parece uma companhia, vai direto para você.
– Algo mais?
– Caminham devagar, com cuidado.
– Podem ficar aí?
– Alguns minutos a mais.
– Permaneçam nesse lugar todo o tempo que puderem; depois, venham. Tentem segui-los um quilômetros mais. Queremos eliminar o maior número possível deles.
– Entendido.
– São muitos, os filhos da puta – sussurrou Leon.
– Temos que reduzir bem o seu número antes de correr – indicou Chávez, enquanto contemplava o inimigo que avançava.
Pareciam desorganizados. tomavam seu tempo, avançavam lentamente e com bastante ruído.
Formavam grupos de três ou quatro, provavelmente de amigos, pensou.
Igual às gangues, a gente queria ter as costas protegida por um amigo.
As gangues, pensou. Não estavam separadas como em seu bairro, e esses caras levavam esses malditos AK. Não tinham um plano de ataque nem estavam formados em grupos de fogo e de manobra.
comunicavam-se entre eles por rádio? Era provável que não. Mas então percebeu que sabiam aonde iriam.
Não compreendia como tinham descoberto eles, e, em todo caso, dirigiam-se a uma emboscada terrível.
Mas dava no mesmo eram muitos. Muitos, que merda!
– Vamos – disse Ding a Berto.
Correram ladeira acima na maior velocidade que seu adestramento lhes permitia, escolhendo de antemão os postos de observação e informando ao comandante sua posição e a do inimigo. O pelotão, situado perto do topo, teve quase duas horas para acomodar-se e preparar a emboscada. Chávez e Leon escutavam as mensagens em seus próprios aparelhos. O pelotão descia para receber o inimigo bem mais a frente de seu principal perímetro defensivo. Era um setor entre dois cumes muito altos, defendido pelos SAW e cobrindo uma rota de ataque de menos de trezentos metros de largura. Se o inimigo cometesse a estupidez de entrar por ali, bem, esse era seu problema. Até então vinha avançando direito ao ponto de aterrissagem do helicóptero. Talvez houvessem dito que era provável, não certo, que Faca estivesse ali, pensou Chávez. Leon e ele tomaram posição justo debaixo do SAW.
– Ponta a Seis, estamos em posição. O inimigo se acha a trezentos metros abaixo.
Click-click.
– Vejo-o – disse uma voz pela rede de transmissão– . Granada Um o vê.
– Médico o vê.
– SAW Um o vê.
– Granada Dois. Vemo-lo.
– Seis a Faca. Todo mundo tranquilo – disse Ramírez– . Parece que vêm direito para nós. Lembrem do sinal, cavalheiros...
Passaram dez minutos. Chávez tirou os óculos para economizar baterias e recuperar a visão normal.
Repassou uma e outra vez o plano de fogo. Leon e ele eram responsáveis por disparar em determinados setores. Cada soldado devia se limitar a um arco. Havia uma certa superposição, mas cada um tinha sua pequena reserva, ninguém devia varrer o fronte. A mesma limitação regia os dois SAW. O terceiro tinha ficado muito atrás da linha de fogo com uma pequena reserva para apoiar o pelotão se o inimigo o repelisse ou se acontecesse algum fato inesperado.
Estavam a cem metros da linha de fogo. A primeira fila inimiga estava formada por dezoito ou vinte homens, enquanto outros tentavam alcançá-los.
Avançavam lenta, mas cuidadosamente, as armas atravessadas sobre o peito. Chávez contou três homens dentro de seu setor. Leon ergueu sua arma sem desviar a vista.
Antigamente se usava a descarga fechada. Na infantaria napoleônica, os soldados formavam ombro com ombro, em duas ou quatro fileiras; à voz de comando, erguiam seus mosquetes e disparavam uma mortífera salva de pólvora e projéteis. O objetivo dessa manobra era provocar o choque. Na atualidade, o objetivo é o mesmo: aturdir os soldados inimigos que têm a sorte de escapar da morte instantânea, lhes dizer que esse é um lugar inóspito para eles, bloquear suas reações, detê-los, os confundir. Já não se faz por meio de uma descarga fechada de centenas de mosquetes. A tática consiste em deixar que se aproximem o mais perto possível, mas, como em épocas passadas, a comoção que sofrem é tão psicológica quanto física.
Click-click-click. Preparados, ordenava Ramírez. Em toda a linha, os fuzileiros acomodaram a culatra contra o ombro e o olho na mira. As metralhadoras pesadas se ergueram sobre seus bipes, destravaram as armas. No centro da linha, o capitão agarrou o extremo de um arame. Media uns cinquenta metros e o outro extremo estava preso a uma lata cheia de pedrinhas. Lenta, cuidadosamente, esticou o arame. E deu um forte puxão.
O inesperado ruído congelou o tempo num instante que pareceu durar horas. Os homens que avançavam para os infantes se voltaram instintivamente para o ruído, com o que desviaram os olhas do perigo que os espreitava à frente e aos flancos, de dedos que começavam a crispar-se sobre os gatilhos.
As chamas brancas voltaram a pôr o tempo em marcha. Os primeiros quinze atacantes caíram imediatamente. Na segunda linha caíram outros cinco, mortos ou feridos, antes que alguém devolvesse o fogo. Bruscamente, os disparos cessaram. Os atacantes reagiram, mas tarde demais. Muitos dispararam às cegas para o cume, até esvaziar seus carregadores; mas os soldados estavam resguardados em suas tocas.
– Quem atirou? Quem atirou? Que merda está acontecendo? – Era a voz do sargento Olivero, cujo acento espanhol era perfeito.
A confusão é a aliada daqueles que estão preparados. Outros homens se precipitaram para a zona de fogo para ver o que estava acontecendo, sem saber quem atirava em quem. Chávez e seus camaradas contaram até dez antes de abrir fogo. Ding viu dois homens a trinta metros de seu posto. Ao pensar “dez”, matou o primeiro com uma rajada de três tiros e feriu o outro. somaram-se doze baixas às da primeira salva.
Click-click-click-click-click. “Todo mundo fora”, indicava o sinal de Ramírez.
Os homens responderam imediatamente: um de cada dupla se lanço cinquenta metros ladeira acima para parar em outro ponto selecionado previamente.
Os SAW, que até esse momento tinham disparado rajadas curtas como se fossem fuzis, dispararam algumas longas para cobrir a retirada. Em menos de um minuto, o pelotão Faca saiu da zona que agora era varrida por um fogo tardio e ineficaz. Um soldado foi roçado por uma bala perdida, mas não teve importância. como sempre, Chávez foi o último em se retirar e o fez lentamente, de árvore em árvore, sob o fogo. Colocou os óculos para obter um panorama da situação. Havia uns trinta corpos caídos na zona de fogo e só a metade deles se moviam um pouco. O inimigo lançava uma coluna para o flanco sul para rodear uma posição já abandonada. Viu-os tomar o posto que ele e Leon tinham ocupado: estavam desconcertados, não entendiam o que tinha acontecido. escutavam-se os gritos dos feridos, e, mais fortes ainda, as maldições, tonantes e obscenas, de homens furiosos, acostumados a espalhar a morte, não a recebê-la. No meio do estrondo de disparos isolados, gemidos e maldições, escutaram-se algumas vozes de comando. Os chefes davam ordens, com energia e em uma linguagem compreensível para qualquer soldado. Chávez estava convencido de que tinham ganho a batalha, mas lhe ocorreu lançar um último olhar.
– Oh, merda! – Pegou seu transmissor– : Ponta a Seis, são mais de uma companhia, capitão. Repito, mais que uma companhia. Calculo três e zero baixas inimigas.
Sobem de novo, e há outros trinta ao Sul. Deram ordem de nos rodear.
– Entendido, Ding. Em marcha para cima, já.
– Já vou. – Chávez começou a correr, saltando sobre Leon, que continuava escondido em seu posto.
– Sr. Clark, parece que vou acreditar nos milagres – disse Larson na cabine de seu “Beechcraf”. À
terceira passada tinham feito contato com o pelotão Profecia, que já se deslocava a sua nova posição, uma clareira a cinco quilômetros de distância, onde o “Pave Low” teria apenas lugar suficiente para descender.
Agora procuravam bandeira. Ou o que restasse dele, pensou Clark. Não sabia que os sobreviventes tinham se unido a Faca, o último de sua lista.
A segunda posição defensiva era necessariamente mais dispersa que a primeira, e Ramírez estava preocupado. O desempenho dos soldados na primeira emboscada tinha sido perfeito, digno de uma tese na Escola de Infantaria, mas uma das imutáveis leis da arte militar diz que um ardil dificilmente se repete com êxito. A morte era a lição mais eficaz de todas. O inimigo tentaria manobrar, de estender-se, coordenar-se, de aproveitar, ao menos, sua superioridade numérica. Agora agia com inteligência.
deslocava-se com rapidez. Sabia que se enfrentava um oponente perigoso e bem armado, e, instintivamente, seguia adiante para tomar a iniciativa e forçar o combate. Ramírez não podia impedi-lo, mas guardava alguns ases na manga.
Os exploradores laterais lhe informavam dos movimentos do inimigo. Eram três grupos, de uns quarenta homens cada um. Não podia enfrentar aos três, mas sim lhes fazer dano em separado. Contava com quinze homens formados em três grupos de fogo. Situou um deles – o que restava de Bandeira – no centro, com um explorador à esquerda para vigiar o terceiro grupo inimigo. Enviou o grosso de suas forças ladeira abaixo, em direção Sul, e o desdobrou em uma linha quebrada em forma de L, com os dois SAW no extremo superior.
A espera foi muito breve. O inimigo se deslocava com mais rapidez do que Ramírez teria desejado.
Os soldados tiveram pouco tempo para escolher suas posições de fogo, mas os atacantes seguiam um caminho previsível sobre o terreno, para sua desgraça. Do extremo inferior, Chávez deu o aviso.
Esperaram que estivessem a cinquenta metros. Chávez e Leon tinham a tarefa de eliminar os chefes.
Deviam abrir fogo com suas armas silenciosas, apontando a quem parecessem coordenar ou dirigir o ataque. Chávez viu um que gesticulava, convocando a outros. Apontou seu MP-5 e disparou uma rajada breve, mas errou. Apesar do silenciador, o ruído do mecanismo chamou a atenção, houve um disparo de réplica e todo o pelotão abriu fogo. Cinco atacantes caíram.
O resto devolveu o fogo, desta vez com precisão, e se formou para o assalto; mas apenas as chamas de seus disparos revelaram sua posição, os dois SAW varreram a linha.
O cenário do combate oferecia um espetáculo dantesco e fascinante. As chamas dos disparos prejudicavam a visão. Chávez tentou de proteger a sua mantendo um olho fechado, como lhe tinham ensinado, mas foi inútil. Línguas de fogo brilhantes, cilíndricas, iluminavam o bosque; globos de luz iluminavam os homens em movimento, como focos estroboscópicos. Os projéteis traçantes das metralhadoras perfuravam a carne. Para os fuzileiros, tinham um significado especial: os três últimos de cada carregador eram traçantes, para indicar que chegava o momento de trocá-lo. Chávez jamais tinha escutado nada parecido. O matraqueio dos M-16 e o outro, mais grave e mais lento, dos AK-47. As vozes de comando, os gritos de raiva e dor, de desespero e de morte.
– Corram!
– Era a voz do capitão Ramírez. retiraram-se por duplas. Melhor dizendo, tentaram fazê-lo. Tinham sofrido duas baixas. Chávez tropeçou num ferido que se afastava rastejando, ergueu-o sobre seus ombros e correu ladeira acima, desconsiderando a dor nas pernas. O homem – era Ingeles– morreu ao chegar ao ponto de reunião. Não era momento para chorá-lo: os soldados repartiram seus carregadores cheios. O
capitão Ramírez reorganizou a defesa em meio aos disparos, os gritos e as maldições que subiam de abaixo. Um só homem mais chegou: Faca tinha tido outros dois mortos e um ferido grave. Olivero tomou conta deles, levou-o a zona de aterrissagem com os outros feridos. Em quinze minutos lhe tinham infligido outras vinte baixas ao inimigo, mas ao custo de trinta por cento da própria força. Se tivesse tido tempo para pensar, o capitão Ramírez teria compreendido que sua astúcia tática não bastava para ganhar a partida. Mas não era o momento de pensar.
Os soldados de Bandeira repeliram um ataque por meio de algumas rajadas, mas perderam um dos seus na retirada. A linha de defesa seguinte se achava a uns quatrocentos metros. Era mais estreita que a segunda e estava muito perto da posição defensiva final. Era o momento de jogar a última cartada.
O inimigo voltou a tomar uma posição abandonada, sem saber quantas baixas tinham causado a esses espíritos malignos que apareciam, matavam e desapareciam, como num pesadelo. Tinham perdido dois dos que ocupavam uma espécie de posição de comando – um morto, o outro ferido gravemente– , e os homens se reagruparam enquanto seus chefes conferenciavam.
A situação dos soldados era bem parecida. Identificadas às perdas, Ramírez redistribuiu os homens, pensando por um instante que era uma sorte não ter que chorar os mortos, porque lhe tinham ensinado a ocupar-se só do problema mais imediato. O helicóptero não ia chegar. Ou sim. Ou isso carecia de importância. Ou quem sabia o que era mais importante.
Devia causar mais baixas ao inimigo para melhorar suas probabilidades de escapar. Em outras palavras, tinham que matar antes de correr. Até o momento, tinham economizado os explosivos. Até o momento ninguém tinha lançado ou disparado uma granada, e a posição estava protegida por minas dispostas em volta das tocas.
Ramírez ergueu a voz:
– O estão esperando? Venham, ainda não terminamos com vocês! Primeiro os matamos, depois atiramos nas suas mulheres!
– Eles não têm mulheres – gritou Veja – . Trepam entre si. São uma bichas, devem morrer.
E vieram. Como um pegador avança sobre um boxeador estilista, levando-o para um canto, movido pela fúria, sem sentir os golpes que recebe, assim avançavam para as vozes, entre gritos e maldições. Mas com cuidado, porque tinham aprendido algo. De árvore em árvore, cobrindo-se mutuamente. Disparando, para impedir que o inimigo levantasse a cabeça.
– Olhe para o sul, há algo ali. Vê as chamas? – disse Larson– . Sobre a ladeira, às duas.
– Sim, já vi.
Durante uma hora tinham sobrevoado os pontos de retirada em busca de Bandeira, mas ninguém respondia às mensagens. Embora Clark não quisesse se afastar, não restava opção. Se isso era o que parecia, tinham que aproximar-se. Até em terreno aberto, o alcance desses transmissores não superava os quinze quilômetros.
– A toda máquina – -disse.
Larson baixou os flaps e empurrou a alavanca até o fundo.
Chamavam-no saco de fogo, término muito gráfico tirado do Exército soviético. O pelotão ocupava um arco amplo, cada homem em sua toca, embora em quatro delas havia um homem em vez de dois e a gente estava deserto. Frente a cada toca havia uma mina ou duas, com o lado convexo para o inimigo. A posição ocupava a borda de um arvoredo, de frente a um pequeno deslizamento de terra ou de rochas, um terreno aberto de setenta metros de largura, com um par de troncos caídos e alguns arbustos muito jovens.
Os ruídos e chamas do inimigo se detiveram nessa linha, mas o fogo não diminuiu.
– Bem, rapazes – disse Ramírez– , à voz de comando nos saímos daqui como diabos, primeiro ao ponto de aterrissagem, e dali pela rota X-dois. Mas antes temos que debilitá-los um pouco mais.
O outro bando também conferenciava, agora com certa astúcia. Usavam nomes em vez de lugares, um meio torpe mas efetivo para ocultar suas intenções, embora seus deslocamentos sobre os acidentes do terreno seguiam sendo previsíveis. Eles têm coragem, pensou Ramírez; fossem o que fossem, o perigo não os amedrontava. Com um pouco de treinamento e um par de comandantes competentes, teriam obtido a vitória muito antes.
Chávez tinha outras coisas em que pensar. Sua arma, além de silenciosa, não produzia chamas; o ninja escolhia seus alvos e os matava sem piedade. Matou um que parecia um chefe. Foi quase muito fácil. O matraqueio do fogo inimigo dissimulava o ruído de sua arma. Mas ao verificar suas munições percebeu que só restavam dois carregadores: sessenta projéteis, além dos que tinha na arma. A jogada do capitão Ramírez era ardilosa, mas arriscada.
Uma cabeça apareceu atrás de uma árvore; depois um braço erguido n um gesto. Ding apontou e disparou um projétil. Ferido na garganta, o homem gritou uma só vez ao cair. Chávez ignorava, mas acabava de abater o comandante inimigo, e seu grito foi como um choque elétrico. O inimigo abriu fogo ao longo da linha de árvores e se lançou ao assalto final.
Ramírez lhes deixou avançar uns metros, depois disparou seu lança-granadas. A granada, que era de fósforo, gerou uma intensas teia de luzes brancas; nesse momento, todos ativaram sua minas.
– Merda, aí está Faca. Grasnadas de fósforo e minas. – Clark estendeu a antena fora do guichê do avião:
– Faca, aqui VARIÁVEL; Faca aqui VARIÁVEL. Adiante, câmbio! Não podia ter escolhido pior momento para tentar os ajudar.
Mais de trinta homens caíram mortos e uns dez feridos pelos estilhaços das minas, que voaram como foices. Depois, foram as granadas, entre elas algumas incendiárias, de fósforo. Vários dos homens estavam muito longe para ser feridos pelas lascas, mas as gotas de fósforo ardente os alcançaram e seus gritos se somaram à cacofonia noturna. As explosões das granadas de mão aumentaram suas baixas.
Ramírez tomou seu transmissor.
– Retirada! Retirada! Agora! – Mas, embora fosse o movimento correto, chegou tarde.
Ao abandonar suas posições, o pelotão Faca foi varrido pelo fogo automático de homens que disparavam por reflexo. Alguns soldados laçaram granadas lacrimogêneas e de fumaça, mas o clarão da pirotecnia os converteu em alvos para uma dúzia de metralhadoras inimigas. Dois morreram e outros dois caíram feridos por fazer o que lhes tinha ensinado. Até então, Ramírez mantivera um férreo controle sobre sua unidade, mas nesse momento o perdeu. Seu fone de ouvido rangeu e escutou uma voz desconhecida.
– Aqui, Faca – disse, ao mesmo tempo em que se erguia– . VARIÁVEL, onde merda vocês estão?
– Estamos acima de vocês. Qual é sua situação? Câmbio.
– Afundados na merda, retrocederemos para a zona de aterrissagem. Desça, desça de uma vez porra! – E a seus homens– : Para a clareira, eles vem nos buscar!
– Negativo, negativo, Faca, não podemos descer agora. Devem escapar, devem escapar. Entendido?
– Clark repetiu suas instruções uma e outra vez, mas não recebeu resposta.
Dos vinte e dois homens, só restavam oito. Ramírez carregava um ferido e o fone tinha caído de sua orelha durante a corrida de duzentos metros ladeira acima até a zona de aterrissagem. Atravessou o último arvoredo, pensando que o helicóptero desceria ali.
Mas o aparelho não apareceu. Ramírez estendeu o homem no chão e ergueu a vista para o céu, depois colocou os óculos: não havia nenhum helicóptero, nem luzes, nem um motor a turbina que esquentasse o ar e iluminasse o céu noturno. O capitão arrancou o fone do transmissor.
– VARIÁVEL, onde diabos vocês estão?
– Faca, aqui VARIÁVEL. Estamos orbitando sobre vocês num avião de asa fixa. Não podemos descer para recolhê-los até manhã de noite. Deve escapar, deve escapar. Responda!
– Só restaram oito de nós, só restaram... – Ramírez se calou, aflito. Foi fatal – . meu Deus. –
Vacilou. Então se deu conta que quase todos seus homens tinham morrido; que ele tinha sido seu comandante, e era o responsável por tudo. Na verdade não era, mas disso jamais saberia.
O inimigo atacava de três lados. Restava uma via de escape, uma das rotas previstas, mas Ramírez olhou para o homem que tinha levado nas suas costas até aí e o viu morrer. Ergueu a vista, olhou para os homens que o rodeavam e não soube o que fazer. O treinamento não servia, simplesmente, por falta de tempo. A cem metros, apareceu à primeira fileira do inimigo, corriam e disparavam ao mesmo tempo. Os soldados devolveram o fogo, mas eram poucos e disparavam seus últimos projéteis.
Chávez o viu de longe. uniu-se a Vega e Leon para ajudar um homem ferido na perna. Enquanto ele olhava, o inimigo se equilibrou sobre a clareira. Ramírez se jogou o corpo na terra para disparar, mas não havia nada que Ding e os seus pudessem fazer para lhe ajudar, de maneira que se afastaram para o Oeste, pela rota de escape. Não olharam para trás. Não precisavam fazê-lo. O ruído o dizia tudo. Disparos de M-16, afogados pelo matraqueio dos AK-47. Explosões de algumas granadas. Gritos e maldições, tudo em espanhol. Depois, só o matraqueio dos AK-47. A batalha por esse monte tinha terminado.
– Será que isso significa o que eu acho que significa? – perguntou Larson.
– Significa que em nosso país, há um REMF que vai morrer – respondeu Clark, com os olhos cheios de lágrimas. Já lhe tinha acontecido uma vez, quando seu helicóptero conseguiu escapar mas o outro não, e durante muito tempo carregou a vergonha de ter sobrevivido enquanto seus camaradas morreram – . Merda! – Sacudiu a cabeça com força, para dominar-se.
“Faca, aqui VARIÁVEL. Estão me escutando? Câmbio. Responda com seu nome, repito, responda com seu nome.
– Um momento – disse Ding– . Aqui, Chávez. Quem está aí?
– Escute bem, garoto, porque a rede está “comprometida”. Sou Clark. Nos conhecemos há algum tempo. Vá na mesma direção que tomou naquela noite, durante o exercício. Lembrasse?
– Entendido. Lembro o que fizemos. Podemos fazer isso.
– Voltamos amanhã. Aguentem, rapazes. Isto não termina aqui. Repito: volto amanhã para lhes buscar. Agora, saiam daí de uma vez. Desligo.
– O que significa isso? – perguntou Vega.
– Vamos para o leste, ladeira abaixo para o norte e voltamos para o leste.
– E depois? – perguntou Urso.
– Como merda quer que eu saiba?
– Vamos voltar para o Norte – ordenou Clark.
– O que é um REMF? – perguntou Larson ao iniciar a volta.
Clark respondeu em voz tão baixa, que Larson teve que esforçar-se para ouvi-lo:
– Um REMF é um filho de puta da retaguarda, um desses generais filhos da puta, que nos mandam para o matadouro como gado. E um deles vai pagar por isso, Larson. Agora, cale-se e voe.
Durante uma hora continuaram a busca em vão do pelotão Bandeira e depois voltaram para o Panamá. Durante as duas horas e quinze da viagem, Clark manteve a boca fechada e Larson teve medo de abrir a sua. O piloto levou o aparelho até o hangar do “Pave Low”, e as comporta se fecharam. Ryan e Johns os aguardavam.
– E aí? – perguntou Jack.
– Fizemos contato com Profecia e Quadro – disse Clark– . Venham. – Conduziu-os a uma mesa, onde desdobrou o mapa.
– O que aconteceu com os outros? – perguntou Jack. O coronel Johns não o fez: bastou ver a expressão de Clark.
– Amanhã à noite, Profecia estará aqui, e Quadro aqui – disse Clark, assinalando dois pontos marcados no mapa.
– Bem, podemos fazê-lo – disse Johns.
– Mas, maldito seja! – grunhiu Jack– . E outros?
– Não houve contato com Bandeira. Vimos esses filhos da puta arrasar Faca. Há sobreviventes – se apressou a esclarecer– . Pelo menos, um. Irei buscá-lo por terra. – voltou-se para o piloto– : Melhor ir dormir, Larson. Quero vê-lo bem acordado e alegre dentro de seis horas. – E a PJ.– : #E as condições climáticas?
– Essa tempestade de merda anda dando voltas por aí como um míssil enlouquecido. Ninguém sabe aonde diabos vai, mas até agora não se dirigiu para lá, e, além disso, não seria a primeira vez que voo com mau tempo.
– De acordo – disse o piloto. Estendeu-se sobre uma das camas de armar preparados no compartimento contiguo e dormiu imediatamente.
– Você disse que irá buscá-los por terra? – perguntou Ryan.
– O que quer que eu faça? Que os abandone? Não, velho, eu não. – Clark afastou o rosto. Seus olhos estavam vermelhos, mas só PJ sabia que não era por causa da tensão e da falta de sono– . me Perdoe, Jack. Há gente nossa lá abaixo. Tenho que ir. Eles o fariam por mim. Mas não se preocupe, sei como fazê-lo.
– Como? – perguntou PJ
– Larson e eu voaremos até lá por volta do meio-dia, conseguiremos um carro e iremos buscá-los.
Disse a Chávez, o rapaz com quem falei, que desça a montanha para o leste. Recolhemos eles e os levamos para o aeroporto e os tiramos o primeiro avião.
– Fácil assim? – perguntou Ryan, incrédulo.
– Claro. por que não?
– Há uma grande diferença entre ser corajoso e ser idiota – disse Ryan.
– Quem disse que sou corajoso? Este é meu trabalho! – disse Clark, e foi dormir.
– Sabe do que tenho medo realmente? – disse Johns– . Me lembro de todas as vezes que pôde ser, mas não foi. Posso lhe fazer uma descrição exata a cada um de meus fracassos em vinte poucos anos de serviço. – O coronel vestia sua camisa azul com as asas de seu grau e todas as condecorações. Tinha algumas.
Jack se fixou em uma delas, uma fita azul pálido com cinco estrelas brancas.
– Mas você...
– É bonita para levá-la presa, não é verdade? Eu gosto que os generais me façam continência e me tratem como alguém especial. Mas o que me importa não é isso, e sim aqueles sujeitos que resgatei. Hoje, um deles é um general; o outro, piloto comercial. Os dois estão vivos, são pais de família. Isso é o que importa, Mr. Ryan. E também os que não pude resgatar. Alguns ficaram ali porque eu não era bom o bastante, ou não fui rápido o bastante, ou não tive bastante sorte. Ou faltou sorte para eles. Ou que tenha acontecido. Deveria ter resgatado eles. Esse é meu trabalho – disse Johns, baixando a voz – é o que eu faço.
Nós os enviamos para ali – pensou Jack– . Minha Agência os enviou a esse lugar. E alguns morreram. E quando alguém nos disse que não fizéssemos nada por eles, não movemos nem um dedo. E
se supõe que eu...
– Parece que vai ser perigoso.
– Sim, assim parece.
Ryan vacilou um instante.
– Você tem três metralhadoras no helicóptero, mas só tem dois artilheiros.
– Não tive tempo para conseguir o terceiro, e...
– Sei dispará-las muito bem – disse Jack.
XXVIII
AJUSTE DE CONTAS
Sentado à mesa, Cortez fazia suas contas. Os norte-americanos se revelaram combatentes extraordinários. Quase duzentos homens do Cartel subiram a montanha. Noventa e seis haviam retornado com vida, dezesseis deles feridos. Trouxeram um norte-americano vivo com eles. Estava ferido gravemente, sangrava profusamente e os pistoleiros colombianos não o tinham tratado bem. Era um jovem valente, tentava conter seus gritos de dor e se estremecia no esforço supremo para dominar-se. Um
“Boina Verde” jovem, e tão corajoso... Não era preciso insultar sua coragem com perguntas.
Além disso, delirava, e Cortez tinha outras coisas para fazer.
Tinha um estojo de primeiro socorros para tratar as feridas da própria tropa. Cortez tirou uma seringa de injeção descartável, encheu-a com morfina, cravou a agulha em uma veia do braço do soldado e empurrou o êmbolo. O moço se relaxou imediatamente, embargado por uma breve e maravilhosa sensação de bem-estar. Então deixou de respirar e sua vida se extinguiu. Que pena! Cortez teria gostado de poder contar com homens como esse, mas dificilmente combatiam por algo que não fosse uma bandeira. Pegou o telefone e discou o número que só ele conhecia.
– Chefe, ontem à noite eliminamos a uma das forças inimigas... Sim, chefe, eram dez, tal como eu suspeitava. Matamos todos. Esta noite iremos para o outro grupo... Mas há um problema, chefe. O
inimigo lutou bem, sofremos muitas baixas. Preciso de mais gente para a missão desta noite. Sim, chefe, obrigado. É suficiente.
Envie os homens de Rio Sucio e que seus chefes se pressentem para mim para receber as instruções.
Sim, isso será excelente. Estaremos esperando por você.
Com sorte, pensou Cortez, o outro pelotão americano combaterá como o primeiro. Assim, em uma semana, eliminaria dois terços da tropa do Cartel e alguns dos chefes. Tudo estava de vento em popa. A jogada era arriscada e difícil, mas os passos mais complicados tinham ficado atrás.
Foi um funeral rápido. Greer era viúvo, e além disso se separou de sua esposa muito antes que ela morresse. O motivo da separação jazia junto à fossa retangular em Arlington, sob a singela lápide branca do primeiro tenente de Infantaria da Marinha Robert White Greer, seu único filho, formado na Academia Naval e morto no Vietnam. Nem Moore nem Ritter tinham conhecido o jovem; James não tinha fotografias dele em sua mesa. O SDI era um homem sentimental, mas não muito sensível. Entretanto, muitos anos antes, pediu que o enterrassem junto ao seu filho, e devido a seu grau e posição foi feita uma exceção e lhe reservaram um lugar para esse acontecimento tão inevitável quanto inoportuno, que afeta todos os homens por igual. Certamente foi um homem sentimental, mas no melhor sentido. As razões estavam à vista, pensou Ritter: os jovens inteligentes que James adotara para os levar a Agência; interessou-se por suas carreiras, tinha-lhes dado sua experiência e sua amizade.
A cerimônia foi breve e austera. Estavam pressente os escassos amigos íntimos de James, e um bom número de funcionários do Governo. Entre eles, o Presidente e – como Bob Ritter percebeu com indignação – o vice-almirante James A. Cutter. O Presidente pronunciou um discurso em memória do homem que servira seu país continuamente durante mais de cinquenta anos: recrutado aos dezessete anos, ingressou depois na Academia, alcançado o posto de contra-almirante e finalmente, ao assumir seu cargo na CIA, o de vice-almirante. “Um nível de profissionalismo, integridade e devoção ao serviço de seu país que poucos igualaram e nenhum superou”; assim resumiu o Presidente a carreira do vice-almirante James Greer.
E esse filho da puta do Cutter escutando aí, na primeira fila, pensou Ritter. Causou-lhe asco, quando o guarda de honra do 3º Regimento de Infantaria pregou a bandeira que havia sobre o ataúde. Não havia ninguém para recebê-la. Ritter pensava que seria...
Onde estava Ryan? Virou a cabeça para olhar ao seu redor. Não percebeu a ausência de Jack na delegação que chegou diretamente de Langley. Na falta de uma pessoa melhor, o juiz Moore a recebeu.
Houve apertos de mãos e troca de palavras. Sim, o melhor era fazer isso o mais breve possível. Sim, homens como ele não apareciam todos os dias. Sim, que pesar, não tinha filhos. Não, não conhecia seu filho, mas soube que... Dez minutos mais tarde, Ritter e Moore pegavam a Avenida George Washington no “Cadillac” da Agência.
– Onde diabos está Ryan? – perguntou o diretor.
– Não sei. Pensei que tinha vindo por sua própria conta.
Era uma falta de consideração, mas Moore não estava indignado, e sim incomodado. Levava a bandeira sobre seus joelhos, com ternura, como se fosse um bebê, sem saber por que..., até que se deu conta de que se havia um Deus, como os pastores batistas lhe tinham ensinado em sua juventude, e se James tinha uma alma, então o que ele levava em suas mãos era seu melhor legado. Sentia sua calidez ao tato, mas, embora soubesse que era produto de sua imaginação ou possivelmente do calor que o tecido tinha absorvido do sol da manhã, a energia que irradiava a bandeira que James tinha servido desde sua adolescência parecia o acusar de traição. Essa manhã tinham assistido a um enterro; mas, a três mil quilômetros dali, homens enviados pela Agência para cumprir uma missão nem sequer receberiam o vão prêmio de uma tumba entre os seus.
– Que diabos fizemos Bob? Como nos envolvemos nisto?
– Não sei, Arthur. Não me pergunte, porque não sei.
– James teve sorte – murmurou o diretor da CIA– . Ele se retirou...
– Com a consciência limpa? – Ritter voltou o rosto para a janela, incapaz no momento de olhar para seu chefe – . Arthur, eu... – Mas não soube o que dizer.
Ingressara na Agência nos anos cinquenta, subiu de agente a investigador, supervisor, chefe de estação e, finalmente, chefe de seção em Langley. Vários subordinados seus tinham morreram, mas sem ter traído ninguém. Sempre há uma primeira vez para morrer, e chegar ao acerto de contas final com a consciência suja era a covardia máxima, o fracasso de toda uma vida. Mas o que podiam fazer?
O trajeto Langley era muito curto, e o carro parou antes que lhe ocorresse à resposta. Entraram no elevador. Moore se fechou em seu escritório; Ritter, no seu. O ônibus das secretárias ainda não tinha chegado. Ritter rondou entre aquelas quatro paredes até que escutou passos e foi ver a Sra. Cummings.
– Ryan não apareceu, nem ligou?
– Não, não o vi. Sabe onde está? – perguntou Nancy.
– Não, não sei.
De volta a seu escritório, Ritter telefonou para casa de Ryan, onde uma secretária eletrônica o atendeu. Procurou o telefone profissional de Cathy em sua agenda, comunicou-se com sua secretária e, finalmente, com ela.
– Eu sou Bob Ritter. Preciso saber onde Jack está.
– Não sei – disse a doutora Ryan cautelosamente– . Ontem me disse que faria uma viagem, mas não aonde.
Ritter estremeceu.
– Cathy, por favor, tenho que saber isso. Isto é mais importante do que imagina. Acredite em mim, por favor. Tenho que saber aonde ele foi.
– Estou dizendo que não sei. Vocês não sabem também? – perguntou assustada.
Ryan sabe.
– Bom eu vou achar ele. Por favor, não se preocupe, de acordo?
Depois tentar em vão tranquiliza-la, o SDO foi direito ao escritório do juiz Arthur Moore, diretor da Agência Central de Inteligência, a quem achou sentado frente a sua mesa, contemplando em silêncio a bandeira dobrada em forma de triângulo chamada chapéu de três picos.
– Jack viajou. Sua esposa diz que não sabe onde está. Sabe, Arthur. Foi fazer alguma coisa.
– Como diabos ele descobriu?
– Eu sei lá. – Ritter pensou um instante– . Vamos ao seu escritório – disse a seu chefe.
Uma vez ali, Ritter correu o painel que ocultava a caixa de segurança, digitou a combinação, mas só conseguiu acender a luz de alerta.
– Merda! – exclamou Ritter– . Estava certo de lembrar dela.
– A combinação de James?
– Sim. Sabe como ele era, detestava estas porcarias, nunca... – Olhou ao seu redor e descobriu na terceira vez, quando tirou a bandeja– . Mas se tiver anotado os números. Deixe ver... – Dessa vez, além da luz, tocou o alarme intermitente. Ritter verificou o número de novo..., e viu que havia algo mais escrito na folha– . Meu Deus.
Moore assentiu e foi à porta.
– Nancy, avise a Segurança que fomos nós que tentamos abrir o cofre. Parece que Jack modificou a combinação sem se lembrar de nos avisar.
– O diretor fechou a porta e retornou.
– Ele sabe de tudo, Arthur.
– É parece. Temos que ter certeza.
Foram ao escritório de Ritter. Ele tinha destruído os papéis, mas não sua memória. A gente não esquece os nomes dos que receberam a Medalha de Honra.
Procurou o número na agenda oficial e chamou o Esquadrão de Operações Especiais 1, na base aérea Eglin.
– Quero falar com o coronel Paul Johns – disse Ritter ao sargento que recebeu a chamada.
– O coronel Johns está ACS, senhor. Não sei aonde foi.
– Quem sabe?
– O chefe de operações do esquadrão talvez saiba, senhor. Esta linha não é segura, senhor –
acrescentou o sargento.
– Me diga o número. – O sargento o fez, e Ritter chamou de uma linha segura para outra igual.
– Preciso encontrar ao coronel Johns – disse, depois de identificar-se.
– Senhor, tenho ordens de não dar essa informação a ninguém. E isso significa a ninguém, senhor.
– Comandante, se ele voltou para o Panamá, preciso saber. Sua vida depende disso. Aconteceu algo que ele deve saber.
– Senhor, tenho ordens...
– Ao diabo com suas ordens, filhinho. Se não me disser isso, e se essa tripulação morrer, você será o culpado. Diga, comandante. Sim ou não?
O oficial nunca tinha estado em combate. Para ele, as decisões de vida ou morte eram uma questão puramente teórica..., até esse momento.
– Senhor, voltaram para mesmo lugar. Com a mesma tripulação. Não lhe direi nada mais.
– Obrigado, comandante. Fez o certo. Não duvide disso. Sugiro que relate esta chamada a quem de direito, e por escrito.
Ritter desligou. Moore escutara pela extensão.
– Sim, é Ryan – assentiu o diretor– . Bom, o que fazemos?
– Você decide, Arthur.
– A quantos mais vamos matar, Bob? – perguntou Moore. Nesse momento, o que mais temia era se olhar num espelho e ver sua imagem degradada.
– Está certo que compreende quais são as consequências?
– À merda com as consequências! – disse o ex-presidente do Tribunal de Apelações do Texas.
Ritter assentiu e apertou um botão de seu telefone interno. Falou com sua voz de comando habitual:
“me tragam tudo o que receberam de CAPER nas últimas quarenta e oito horas”. Outro botão: “Avise ao chefe do destacamento no Panamá que espero sua chamada em meia hora. E que deixe tudo o que está fazendo porque vai ter um dia muito ocupado”. Deixou o fone sobre a forquilha. Tinham que esperar uns minutos, mas não era o momento de fazê-lo em silêncio.
– Graças a Deus – disse Ritter, ao cabo de uns segundos.
– O mesmo digo eu, Robert. – Moore sorriu pela primeira vez em todo o dia – . É muito agradável voltar a se sentir um ser humano, não é verdade?
O policial militar o levou sob a mira de uma pistola. O homem de traje cor de café disse que se chamava Lua, e que já tinham revistado sua maleta em busca de armas. Clark o reconheceu.
– Que diabos faz aqui, Tony?
– Quem é ele? – perguntou Ryan.
– Chefe da estação do Panamá – respondeu Clark– . Tony, espero que tenha um motivo muito bom.
– Trago um telex para o doutor Ryan da parte do juiz Moore.
– Como?
Clark o levou pelo braço a mesa. Tinham pouco tempo. Ele e Larson partiriam em poucos minutos.
– Espero para o seu bem que não seja alguma brincadeira fodida – disse Clark.
– Ouça, eu só trago uma mensagem – replicou Lua– . E deixa de te fazer de machão o único latino aqui sou eu. – Entregou uma folha a Jack.
TOP SECRET– SÓ PARA O SDI
IMPOSSÍVEL RESTABELECER COMUNICAÇÃO COM PELOTÕES SHOWBOAT.
TOME QUALQUER MEDIDA QUE ACHE NECESSÁRIA PARA RETIRAR OS HOMENS DO
PAÍS. AVISE A CLARK PARA TER CUIDADO. MATERIAL ANEXO PODE SERVIR A VOCÊ. C.
NÃO ESTÁ INFORMADO. BOA SORTE. M/R.
– Não pode se dizer que sejam idiotas – suspirou Jack ao entregar a folha a Clark. O cabeçalho constituía uma mensagem por si, que não tinha nada a ver com a distribuição nem com a segurança– . A questão é se significa o que eu acho.
– Significa que há um REMF a menos para se preocupar. Melhor dizendo, dois – disse Clark. Olhou as folhas de fax– . Merda! – Deixou as folhas sobre a mesa, andou, olhou os aparelhos no hangar. Bem, disse para si. Clark não perdia tempo. Falou com o Ryan durante vários minutos. Voltou-se – :vamos, rapaz. Temos muito que fazer.
– Rádios de reserva? – perguntou o coronel Johns ao vê-lo sair.
– Dois, com pilhas novas, vários jogos de reserva – disse Clark.
– Eu gosto de trabalhar com alguém que esteve em combate algumas vezes – disse PJ – . Seis toques, Sr. Clark.
– Como sempre, coronel Johns – disse Clark ao dirigir-se à porta– . Até mais tarde.
Abriram-se as portas do hangar. Um carrinho de mão levou o “Beechcraft” à luz do dia. Ryan escutou o ruído dos motores, primeiro muito forte, depois cada vez mais fraco à medida que o aparelho se afastava pela pista.
– E nós? – perguntou ao coronel Johns.
Entrou nessa hora a capitã Frances Montaigne. Rosto francês, como de seus antepassados, baixinha, cabelos negros. Não era muito bonita, mas a primeira coisa que Ryan pensou foi que devia ser uma fera na cama... Seu próprio pensamento o deixou atônito. Também lhe parecia estranho que fosse piloto de combate de uma unidade especial.
– As condições meteorológicas são uma merda, coronel – anunciou ao entrar– . Adela se desloca do oeste a vinte e cinco nós.
– Bom, não há nada a fazer. Buscá-los e tirá-los dali não vai ser problema.
– Mas a volta é outra coisa, PJ – disse Montaigne com ar lúgubre.
– Uma coisa por vez, Francie. Além disso, temos um lugar de descida alternativo.
– Ninguém é tão louco, coronel. Nem mesmo você.
PJ voltou-se para Ryan e balançou a cabeça.
– Não há mais respeito pelo superior.
A maior parte da travessia foi sobre o mar. Larson pilotava o avião com a confiança e a serenidade de sempre, mas seus olhos se voltavam de vez enquanto para o Nordeste. As nuvens, altas e tênues, eram o inconfundível presságio do furacão. Atrás delas se aproximava o Adela, que já tinha escrito seu capítulo na História. Nascido em frente ao arquipélago de Cabo Verde, cruzou o Atlântico a uma velocidade média de dezessete nós; no Caribe oriental perdeu força, para recuperá-la depois; virou sucessivamente ao norte, ao oeste e inclusive para o leste. Não se via nada igual desde Juana, anos atrás. Embora fosse pequeno por tratar-se de um furacão, e sua força era insignificante em comparação com Camila, Adela era perigoso, com seus ventos de sessenta e cinco nós. E os únicos que voavam perto dos ciclones tropicais eram os abnegados pilotos que resgatavam às vítimas, homens a quem o mero perigo mortal aborrecia.
Não era um lugar para um “Beechcraft” bimotor, mesmo que fosse pilotado por um ás da aviação. Larson fazia já seus planos. Se a missão fracasse, se a tempestade mudasse outra vez de rumo, pensava onde aterrissaria para reabastecer e seguir rumo sudoeste rodeando o redemoinho cinza, que continuava sua marcha inexorável. O tempo estava sereno, não havia vento. Qualquer podia errar. O piloto se perguntou quanto demoraria para se converter em alguma coisa muito diferente. E esse era só um dos perigos que o espreitavam.
A seu lado, Clark mantinha o olhar cravado no para-brisa, o rosto imutável e assombrosamente sereno. Não via a paisagem, e sim rostos, alguns mortos, outros vivos. Lembrava de combates, perigos, medos, fugas que tinha compartilhado com essas pessoas. Recordava sobre tudo as lições, aprendidas nas salas de aula e nas conferências, mas, sobre tudo, em ação. John Terence Clark não era um homem de esquecer. Pouco a pouco, sua memória evocou as lições pertinentes para a missão em curso, referidas ao fato de estar sozinho em território inimigo. Depois viu os rostos que participariam da ação. Viu-os, a poucos centímetros de seus olhos, viu as expressões que esperava ver neles, e as avaliou para compreender seus donos. Por último, formulou seu plano. Passou revista a seus objetivos e os equilibrou contra os prováveis objetivos da oposição. Formulou planos alternativos e pensou em tudo o que podia dar errado. Feito isso, obrigou-se a parar de pensar. A partir de determinado momento, a imaginação se voltava inimigo. Cada segmento da operação estava encerrado em seu próprio compartimento; ele abriria um de cada vez. Confiaria em sua experiência e em seu instinto. Mas não podia sossegar a pergunta: E se essas qualidades não fossem o suficiente?
Isso pode acontecer cedo ou tarde – se disse– . Mas não será hoje.
Sempre pensava a mesma coisa.
PJ, com o capitão Willis e a capitã Montaigne, levou duas horas para planejar a missão em todos seus detalhes: onde se reabasteceriam, onde orbitaria o avião se algo desse errado. As rotas de escape em caso de perigo. Depois informaram todos os tripulantes. Mais que uma necessidade, era uma obrigação moral, porque nessa noite arriscariam suas vidas e deviam saber por que. Como sempre, o sargento Zimmer fez algumas perguntas e uma sugestão importante que foi incorporada ao plano. Chegou o momento de iniciar o pré-voo. Cada um dos sistemas foi submetido a controles e verificações que duraram várias horas. Ao mesmo tempo, treinavam os novos tripulantes.
– Conhece estas metralhadoras? – perguntou Zimmer a Ryan.
– Nunca disparei uma destas bonecas – disse Ryan, com uma mão sobre a antecâmara.
A arma era uma versão em escala reduzida do canhão “Vulcan” de 20 mm, com um jogo de seis canhões calibre 30 que girava no sentido horário impulsionado por um motor elétrico, tomando os projéteis de uma enorme gaveta à esquerda do suporte. Tinha duas velocidades, de quatro ou seis mil projéteis por minuto, ou seja, sessenta e seis ou cem por segundo. A metade dos projéteis eram traçantes.
Isso produzia um efeito psicológico, já que uma rajada da arma parecia um raio laser de filme de ficção científica, a própria encarnação da morte. Também servia para apontar a arma porque, segundo Zimmer explicou, a chama era deslumbrantes como o sol do meio-dia. Mostrou-lhe todo o sistema: os gatilhos, como detê-los, como apontar.
– O que você sabe do combate, senhor?
– Depende. O que quer dizer?
– O combate é uma situação em que pessoas armadas tentam matá-lo – explicou Zimmer com paciência– . É perigoso.
– Sei. Estive em combate algumas vezes. Mas não insista, por favor, que já estou bastante assustado.
Ryan olhou a arma, no interior do helicóptero, e se perguntou uma vez mais por que tinha cometido à estupidez de se oferecer para acompanhá-los. Mas não tinha alternativa. Se estava mandando esses homens para arriscar suas vidas, qual era a diferença entre ele e Cutter? Imóvel sobre o chão de concreto do hangar, o helicóptero parecia tão grande e forte e seguro... Mas era um aparelho desenhado para voar nos céus turbulentos de um espaço aéreo inimigo.
Era um helicóptero: Ryan os detestava mais que aos aviões.
– O mais notável é que possivelmente será uma missão fácil – disse Zimmer– . Sabe de uma coisa?
Se fizermos as coisas direito, é questão de entrar e sair, nada mais.
– Isso é o que me assusta, sargento – disse Ryan falando de seus próprios temores.
Aterrissaram em Santágueda. Larson conhecia administrador do aeroclube local e conseguiu que lhe emprestasse sua caminhonete “Volkswagen”. Os oficiais da CIA foram para o Norte e ao cabo de uma hora chegaram a Anserma. Deram algumas voltas e em meia hora acharam o que procuravam: um caminho particular de terra por onde circulavam alguns caminhões e um automóvel de aspecto luxuoso.
As indicações de CAPER continuavam sendo exatas, e Clark tinha visto o lugar do ar. Efetuada a verificação, partiram de novo para o Norte, até os subúrbios de Vegas del Rio, onde pegaram um caminho lateral que subia às montanhas. Clark estudou seu mapa até que Larson parou no topo de uma ladeira.
Tiraram o transmissor.
– Faca, aqui VARIÁVEL, câmbio. – Tentaram-no em vão durante cinco minutos. Larson pegou diferentes caminhos, em busca de elevações das quais tentar um contato. Na quinta tentativa, às três da tarde, obtiveram resposta.
– Aqui, Faca. Câmbio.
– Chávez, Clark. Onde diabos estão? – Certamente, falou em espanhol.
– Espere, temos que conversar.
– Você é bom de verdade rapaz. No Terceiro SOG você teria sido muito útil.
– Por que deveria confiar em você? Alguém nos abandonou. Alguém que decidiu nos deixar aqui.
– Não fui eu.
– Ah, quanto me alegra isso – foi à resposta, amarga e cética.
– Chávez, estamos falando por uma rede que talvez está sendo interceptada. Se tiver um mapa, nos encontre nas seguintes coordenadas – disse Clark– . Somos dois, numa caminhonete “Volkswagen” azul.
Verifique, tome o tempo que queira.
– Já o fiz isso! – disse o transmissor.
Clark virou rapidamente: a seis metros, um homem lhe apontava um AK-47.
– Todo mundo tranquilo – disse o sargento Vega. Apareceram mais três homens entre as árvores.
Um estava com uma atadura ensanguentada na coxa. Chávez tinha um AK-47 em bandoleira, mas tinha conservado seu MP-5 com silenciador. Foi direito à caminhonete.
– Nada mau, rapaz – disse Clark– . Como conseguiu isso?
– Rádio UHF. Teria que transmitir de lugares altos, não é? Encontrei seis no mapa. Escutei uma de suas transmissões anteriores e vi a caminhonete há meia hora, quando vinha para cá. Agora, pode-se saber que merda está acontecendo?
– Antes de qualquer coisa, vejamos essa ferida. – Clark desceu da caminhonete e entregou sua pistola ao Chávez, sustentando-a pelo cano – . Tenho um estojo de primeiro socorros.
O ferido era o sargento Juardo, fuzileiro do 1º da Infantaria de Montanha, com base em Foil Drum.
Clark abriu a porta traseira da caminhonete, ajudou-o a subir e a se estender, e lhe tirou a atadura.
– Você sabe o que está fazendo? – perguntou Vega.
– Fui comando da Marinha – disse Clark, e ergueu seu braço para mostrar a tatuagem. Terceiro Grupo de Operações Especiais– . Estive muito tempo no Vietnam, mas o que eu fazia, não saía nos noticiários.
– Que graduação?
– Suboficial contramestre principal, o equivalente de um suboficial principal do Exército. – Clark examinou a ferida. Era grave, mas não fatal, salvo que o homem se sangrasse, o que até o momento não tinha acontecido. Aparentemente, os infantes se saíram bem. Clark polvilhou a ferida com sulfalamida– .
Têm espansores de sangue?
– Temos um – disse o sargento Leon. Entregou uma bolsa com agulha intravenosa– . Não sabemos como se usa.
– Não é difícil. Olhem. – Apertou com força o antebraço de Juardo e lhe disse que fechasse o punho. Afundou a agulha na veia da dobra do cotovelo– . Viram?
Bom, não é tão fácil. Eu tenho prática porque minha esposa é médica num hospital. Como se sente, rapaz? – perguntou ao paciente.
– É bom estar sentado – disse Juardo.
– Não quero te dar uma injeção para a dor, talvez precisemos de você acordado. Pode aguentar?
– Você manda, amigo. Ding, tem caramelos?
Chávez lhe deu seu frasco de Tylenol.
– Sem abusar, Pablo. São os últimos.
– Obrigado, Ding.
– Há sanduiches na cabine – disse Larson.
– Comida em fim! – Vega correu para lá e, momentos depois, os quatro soldados, esfomeados, engasgavam-se de sanduiches e “Coca-cola”
– Como conseguiram as armas?
– Do inimigo. Sobravam poucas munições para os dezesseis, e me pareceu que nos convinha nos adaptar um pouco ao meio ambiente, como se diz.
– Sabe pensar, rapaz.
– Bom, qual é o plano?
– Vocês decidem – disse Clark– . Sobem na caminhonete, em três horas os levamos ao aeroporto, mais três horas de avião e acabou, estão de volta em território americano.
– Ou...?
– Me diga Chávez, você gostaria de se vingar do filho da puta que os meteu nisso?
Não precisou esperar para ouvir a resposta.
O almirante Cutter dormia em frente a sua mesa quando o telefone tocou. A luz intermitente lhe indicou quem chamava.
– Pronto, senhor Presidente.
– Venha imediatamente.
– Já vou, senhor.
Durante o verão, a atividade na Casa Branca é tão escassa quanto em qualquer outra repartição oficial. A agenda do Presidente estava mais cheia do que nunca com essas audiências cerimoniosas que fascinavam ao político, mas chateavam sobremaneira o executivo. Apertar a mão à “Rainha do Leite Achocolatado”, como ele chamava à lista interminável de visitas, embora algumas vezes se perguntava se com a mudança drástica que estavam sofrendo os costumes sexuais, não haveria uma “Rainha da Camisinha”. A tarefa era mais árdua do que a maioria das pessoas acham. Para cada visitante havia uma folha de papel, com dois ou três parágrafos de informação para que ele ou ela pensasse, ao partir: Diabos, o Presidente sabe do que se trata. Interessa-lhe seriamente.
Gostava de apertar as mãos, falar com o cidadão comum, mas não agora que faltava uma semana para a convenção de seu partido, e as pesquisa – malditas pesquisas – o mostravam em desvantagem, como o repetiam todos os informativos da televisão pelo menos cada três dias.
– O que está acontecendo na Colômbia? – perguntou o Presidente apenas se fechou a porta.
– Senhor, você me disse que liquidasse esse assunto. É o que estou fazendo.
– Algum problema com a CIA?
– Não, senhor Presidente.
– Me diga exatamente...
– Você me disse que não queria saber, senhor.
– Quer dizer que é algo que eu não devo saber?
– Quer dizer que cumpro suas instruções, senhor. Dei certas ordens que se estão sendo cumpridas.
Não acho que se queixe das consequências.
– Sério?
Cutter relaxou.
– Num certo sentido, senhor Presidente, a operação obteve um êxito total. O contrabando de drogas diminuiu e seguirá diminuindo nos próximos meses. Eu diria que, por hora, o melhor é deixar que a Imprensa diga o que quiser. Você pode fazer alguma declaração mais a frente. Fomos firmes. A Operação TARPÓN é um grande golpe a nosso favor. CAPER nos permite reunir mais informação, e, em alguns meses, haverá resultados espetaculares.
– E como você sabe disso?
– Eu mesmo dispus todos os acertos, senhor.
– Como você fez? – O Presidente vacilou– . Algo mais que eu não devo saber?
Cutter assentiu.
– Certamente tudo o que você tem feito é legal – disse o Presidente para que ficasse um registro no gravador.
– Certamente, pode ter certeza disso, senhor. – Era uma resposta ardilosa, que podia significar muito ou nada, conforme se olhasse. Cutter estava informado da existência do gravador.
– Está certo de que estão cumprindo suas instruções?
– É obvio, senhor Presidente.
– Verifique.
Levou muito mais tempo que o previsto. O inspetor Ou'Day tentou ler a folha impressa pelo computador, mas era como ler curdo. A metade da folha estava coberta de parágrafos que não eram mais que uns e zeros.
– Linguagem de computador – disse o consultor– . O quem fez este programa é um profissional de primeira. Recuperei quarenta por cento, mais ou menos.
É um algoritmo de transposição, tal como pensei.
– Já me disse isso.
– Não é russo. Recebe uma mensagem e o cifra. Isso não é nada de mais, qualquer pode fazer. A armadilha está em que o sistema se baseia num sinal de entrada independente exclusiva para essa transmissão, por cima do algoritmo de codificação já incluído no sistema.
– Não entendo palavra nenhuma.
– Significa que a operação do sistema está regida por uma conexão computadorizada que se encontra em alguma parte. Russo, não é, certamente. Eles não dispõem do hardware necessário, salvo que nos tenham roubado um de última geração. Por outro lado, parece que o sinal de entrada que introduz a variável no sistema provém dos satélites “NAVSTAR”. Especulando um pouco, diria que usa um sinal de tempo muito preciso para fixar a chave de codificação, sinal de tempo, e cada transmissão tem sua própria chave. É de uma astúcia incrível. Ou seja, são os rapazes de Segurança Nacional. Os satélites
“NAVSTAR” usam relógios atômicos para medir o tempo com a máxima precisão, e a parte mais complexa do sistema também está cifrada. Quer dizer, temos um método para cifrar um sinal de maneira tal que um não pode decifrá-la nem duplicá-la embora saiba como se faz. Quem criou o sistema, tem acesso a absolutamente tudo o que temos. Trabalhei para Segurança Nacional, mas nunca tinha ouvido falar desta beleza.
– O que acontece o disco é destruído?
– Acabou-se a conexão. Definitivamente. Se isto for o que parece, há uma conexão ascendente que controla o algoritmo, e estações terrestres que o copiam.
Se destruírem o algoritmo, como fizeram com este, os sujeitos no outro extremo não podem voltar a comunicar-se com você e ninguém voltará a comunicar-se com eles. Sistema mais seguro, não há.
– O que se pode deduzir de tudo isto? Sabe mais alguma coisa?
– A metade do que eu disse é especulação, embora bem fundamentada. Não posso reconstruir o algoritmo, mas acho que sei como funcionava. “NAVSTAR” é uma hipótese, embora bem fundamentada.
Recuperei parcialmente o processo de transposição, que leva o inconfundível selo de Segurança Nacional.
quem escreveu o código de computador é um professor. E é nosso, disso não cabe a menor duvida.
Parece-me que é o código de computador mais complexo que temos.
Quem o usou tem que ser alguém com acesso às altas esferas. E a mesma pessoa, quem quer que seja, destruiu-o. Não se pode usar de novo. Ou seja a operação para a qual o usou deve ter finalizado.
– Sim – disse Ou'Day, enquanto um calafrio lhe percorria as costas– . Fez um bom trabalho.
– Agora você me faça o favor de escrever uma nota para explicar a meu professor por que não apresentei a exame.
– Farei isso não se preocupe – prometeu Ou'Day ao sair. Dirigiu-se ao escritório de Dan Murray, onde soube, com grande surpresa, de que tinha saído. Depois bateu na porta de Bill Shaw.
Meia hora mais tarde, chegaram à conclusão que se cometeu um crime. Faltava resolver o que fazer a respeito.
O helicóptero levava pouca carga. As exigências da missão eram mais árduas que nas de infiltração, e a velocidade, um fator importante. O “Pave Low” chegou a sua altitude de cruzeiro e reabasteceu no MC-130E. Desta vez não houve conversas inúteis.
Ryan viajava perto da porta traseira, preso pelo cinto de segurança enquanto o MH-53J se agitava violentamente sob as turbinas do avião tanque.
Vestia traje de voo e capacete verde. Sobre o traje levava um colete à prova de balas. Zimmer lhe disse que provavelmente era capaz de deter um projétil de pistola, certamente os fragmentos de uma granada, mas dificilmente um tiro de fuzil. Uma preocupação a mais. Separados do avião tanque – com o que se conectariam outra vez antes de aterrissar– Jack se voltou para lançar um olhar para o céu.
Começava a nublar-se: era a vanguarda do Adela.
233/203
A ferida de Juardo complicou um pouco a situação, e lhes obrigou a modificar os planos. O
deixaram no assento de Clark no “Beechcraft”, com um transmissor e pilhas de reposição, e voltaram para a Anserma. Larson seguia as condições meteorológicas, que piorava de hora em hora. Para cumprir sua parte da missão, devia decolar em noventa minutos.
– Como estão de munições? – perguntou Clark na caminhonete.
– Para os AK têm de sobra – disse Chávez – . Para as metralhadoras, umas sessenta cada um. Não sabia que os silenciadores eram tão úteis.
– Sim são bem úteis. Granadas?
– No total? – perguntou Vega– . Cinco de fragmentação, duas de gás.
– Aonde vamos? – perguntou Ding ao fim de um momento.
– A uma granja nos subúrbios da Anserma.
– Há muitos guardas?
– Não sei.
– Espere, no que estamos nos metendo? – exclamou Vega.
– Fique tranquilo, sargento. Se virmos que não podemos com eles, nos retiramos e pronto. A primeira coisa que vamos fazer é nos aproximar de ver o que está acontecendo. Chávez e eu faremos isso.
Antes que me esqueça, tenho pilhas de reposição, se precisarem,
– Merda! – Chávez trocou as pilhas de seus óculos– . Quem está na casa?
– Dois que procuramos faz tempo que. O número um é Félix Cortez – disse Clark, e adicionou alguns dados– . Ele dirige a operação contra SHOWBOAT... Se por acaso não sabiam, é o nome da operação levada a cabo por vocês. Também teve a ver com o assassinato do embaixador. Quero-o vivinho e abanando o rabo.
O número dois é um senhor de sobrenome Escobedo. Um dos chefes máximos do Cartel. Muitos querem vê-lo morto.
– Sim, até agora não agarramos a nenhum dos chefes.
– Pelo contrário, pegamos a cinco ou seis desses filhos da puta. Essa era minha tarefa nesta missão
– disse Clark olhando para Chávez. Tinha que dizê-lo para consolidar sua credibilidade.
– Mas como, onde...
– Escutem, rapazes, já disse mais do que devia. A gente não anda por aí contando que matou certas pessoas, independentemente de quem lhe deu a ordem.
– Serio que é capaz de fazer isso?
Clark balançou a cabeça.
– Às vezes sim, às vezes não. Vocês são soldados de primeira: se não, não estariam aqui. E às vezes tudo é questão de sorte.
– Nós caímos numa armadilha – disse Leon– . Não sei o que foi o que fizemos de errado, mas o capitão Rojas...
– Sei, vi uns filhos da puta que jogavam seu cadáver num caminhão...
Leon se endireitou.
– E o que...?
– O que fiz? Eram três sujeitos. Joguei-os no caminhão. Depois taquei fogo. Eu não gostei de fazer isso, mas queria atrair os sujeitos que caçavam o pelotão Bandeira. Foi pouca coisa; além disso, nesse momento não tinha outro recurso.
– Bom, e quem nos tirou o helicóptero?
– O mesmo que interrompeu as comunicações. Quando esta missão acabar, irei atrás dele. Ninguém manda às pessoas a combater para abandoná-la depois, que merda.
– E o que fará com ele? – quis saber Vega.
– Vou socá-lo com ambas as mãos. Agora, escutem, preocupem-se com o que vamos fazer esta noite. Uma coisa cada vez. Vocês são soldados, não garotas do colegial. A ordem é: falar pouco e pensar muito.
Chávez, Vega e Leon assentiram, e se dedicaram a pôr seu equipamento em condições. A caminhonete era ampla, com lugar de sobra para desmontar e limpar as armas. Chegaram a Anserma ao entardecer, e estacionaram num lugar afastado, a dois quilômetros da casa. Clark colocou os óculos de Vega e saiu com o Chávez.
Eram campos cultivados, mas não se via o que estava plantado ali. As árvores eram escassas, tinham-nos derrubado para cultivar o terreno e para obter lenha. Caminharam rapidamente e em meia hora tiveram a casa à vista. Do bosque até a casa tinha duzentos metros de terreno plano.
– Difícil – comentou Clark de seu posto.
– Conto seis, todos com o AK.
– Chegaram visitas – disse o oficial da CIA. O som era o produzido por um “Mercedes Benz”, o carro mais comum do Cartel. Acompanhavam-no outros dois, um a frente e outro atrás. Seis guardas desceram e inspecionaram o terreno.
– Escobedo e Latorre – disse Clark, olhando-os com os binóculos– . Dois dos chefes visitam coronel Cortez. Pergunto-me...
– São muitos – disse Chávez.
– Observou que não lhes pediram senha, nem nada parecido?
– E o que?
– Quer dizer que se fizermos isso direito, são nossos.
– Mas como...
– Pensa, use sua mente criativa – disse Clark– . Vamos voltar. – Demoraram vinte minutos para chegar à caminhonete. Clark sintonizou um transmissor– : César, aqui Víbora, câmbio.
Reabasteceram-se pela segunda vez à vista da costa. Fariam isso mais uma vez ao voltar para o Panamá. Nesse momento não parecia muito provável que tivessem que recorrer à alternativa. Francie Montaigne pilotava seu “Combat Talon” com a perícia de sempre, e as quatro hélices giravam em uníssono. Os operadores de rádio se comunicavam com as tropas sobreviventes em terra para aliviar essa tarefa ao pessoal do helicóptero. Pela primeira vez desde o começo da missão, as tripulações aéreas funcionavam de acordo com as normas. O MC-130E coordenava as peças, orientava o “Pave Low” para aproximá-lo de seu destino e afastá-lo do perigo, de uma vez que o abastecia de combustível.
Atrás, as coisas andavam melhor. Ryan passeava por todo o interior. Já estava farto de sentir medo e foi capaz de usar o urinol sem errar o alvo.
Os tripulantes o aceitavam como um intruso qualificado, o que parecia ter certa importância para ele.
– Ryan, está me escutando?
Jack apertou o microfone:
– Sim, coronel.
– Seu homem em terra quer mudar alguma coisa.
– Como o que?
PJ disse e acrescentou:
– Além de um reabastecimento mais, não há problema. Você decide.
– Está certo de poder fazê-lo?
– Não faço mais que ganhar meu salário.
– De acordo. Quero esse filho de puta com vida.
– Entendido. Sargento Zimmer, num minuto sobrevoaremos terra. Verifique os sistemas.
O engenheiro de voo estudou seu painel.
– Tudo bem, PJ Parece-me que não há problema, senhor. Luz verde.
– Bem. Primeiro recolhemos Profecia. Tempo estimado de chegada, dois e zero minutos. Ryan, segurasse bem. Vamos roçar o terreno. Tenho que falar com meu apoio.
Jack não entendeu. Mas descobriu depois de cruzarem as primeiras serras costeiras. O “Pave Low”
se elevou como um elevador enlouquecido e depois caiu de repente ao passar o topo. O helicóptero voava com piloto automático computadorizado, programado para seguir os acidentes do terreno a poucos metros de altura.
Seus desenhistas pensaram na segurança, não na comodidade. Ryan não sentia nem um nem o outro.
– Três minutos para a primeira aterrissagem – anunciou o coronel Johns meia eternidade mais tarde– . Ative tudo, Buck.
– Entendido. – Zimmer acionou uma alavanca de seu console– . Controle, ativados. Armas, ativadas.
– Artilheiros, a suas armas. Você também, Ryan – acrescentou PJ
– Obrigado – ofegou Jack sem apertar o botão do microfone. Ocupou seu posto no lado esquerdo do helicóptero e ligou o cano de sua metralhadora, que começou a rodar imediatamente.
– Chegada, um minuto – disse o copiloto– . Vejo um sinal às onze. Bem. César a Profecia, copia-me, câmbio.
Jack só escutava a metade da conversa, mas agradeceu mentalmente aos tripulantes que lhe permitissem escutar algo.
– Entendido, Profecia, repita sua situação... Entendido, lá vamos. Bom sinal. Trinta segundos. Lá atrás, preparados – disse o capitão Willis a Ryan e aos outros– . Arma em segurança, armas em segurança.
Jack tirou os polegares do disparador e apontou a metralhadora para cima. O helicóptero descendeu com o nariz apontando para cima e parou a escassos trinta centímetros de terra.
– Buck, lhe diga ao capitão que venha à cabine imediatamente.
– Entendido, PJ
Ryan escutou os passos de Zimmer ao correr para trás, e depois o piso vibrou sob seus pés: os soldados subiam correndo. Manteve os olhos no exterior, mais à frente do cano giratório da arma, até que o helicóptero decolou. Então apontou para o chão.
– Bom, parece-me que não foi tão mal, não? – comentou o coronel Johns ao virar para o Sul– . E
pensar que nos pagam por isso. Onde está o motivo de aumento de peso?
– Enganchado, senhor – disse Zimmer– . Já subiram todos. Sem novidade, não houve baixas.
– Capitão...
– Sim, coronel.
– Há uma missão para seu pessoal, se acha que estão em condições...
– Me diga do que se trata, senhor.
O MC-130E “Combat Talon” sobrevoava território colombiano. Sua tripulação estava um pouco nervosa, porque o faziam sem autorização. Como principal tarefa tinham a de coordenar as comunicações, o que era impossível levar a cabo enquanto sobrevoavam o oceano, a pesar do equipamento moderno que o quadrimotor de apoio transportava.
Na verdade eles sentiam falta um bom radar. A equipe “Pave Low” “Combat Talon” devia operar sob a supervisão de um AWACS; mas, em lugar disso, um tenente e vários suboficiais faziam marcas em seus mapas enquanto conversavam por uma rede de rádio.
– César, diga o estado do seu combustível – disse a capitã Montaigne.
– Estamos bem, Garra. Continuaremos voando baixo. Calculo o próximo reabastecimento em oito e zero minutos.
– Oito e zero minutos, entendido. Leve em conta a possibilidade de transmissões hostis nessa hora.
– Entendido.
Com certeza era um problema. O que aconteceria se o Cartel tivesse um homem infiltrado na Força Aérea colombiana? Os dois aparelhos norte-americanos seriam presas fáceis para um P-51 da Segunda guerra mundial.
Clark os esperava com dois veículos. Vega roubara um caminhão de tamanho suficiente para suas necessidades. Descobriu-se que ele era bem hábil em ligação sistemas de ignição, uma habilidade sobre cuja aquisição era vago O helicóptero aterrissou, os soldados correram para a luz de Chávez. Clark chamou o oficial e lhe deu instruções. O helicóptero decolou e foi para o Norte, a favor do vento de vinte nós que açoitava o vale. Depois virou a oeste em busca do MC-130, para reabastecer-se uma vez mais.
A caminhonete e o caminhão voltaram para a granja. A mente do Clark trabalhava a toda velocidade. Um sujeito inteligente teria montado seu centro de operações dentro da aldeia, para dificultar qualquer ataque. Cortez queria estar longe dos olhares indiscretos, mas não tinha considerado os problemas de sua segurança física do ponto de vista militar. Pensava como um espião, cuja segurança depende do sigilo, não como um soldado, que pensa em termos de armas e ângulos de fogo. Cada qual tem suas limitações, pensou Jack. Clark viajava na carroceria do caminhão, rodeado pelos soldados do pelotão Profecia, com quem estudava o esboço do objetivo. Uma missão sem prévio aviso, como nos velhos tempos, pensou. Se perguntou se os infantes seriam tão bons quanto os soldados da 3ª SOG. Mas também Clark tinha suas limitações. Os soldados da 3ª SOG tinham sido jovens.
– Dez minutos – disse em conclusão.
– De acordo – assentiu o capitão– . até agora tivemos pouco contato com o inimigo. Possuímos munições de sobra.
– E então? – perguntou Escobedo.
– Ontem à noite matamos dez norte-americanos. Esta noite mataremos outros dez.
– Mas as baixas que sofremos! – objetou Latorre.
– São soldados profissionais muito treinados. Nossos homens os eliminaram, mas eles são corajosos e sabem combater. Houve só um sobrevivente – disse Cortez– . O cadáver está aqui, no outro quarto.
Morreu pouco depois de que o trouxeram.
– Como sabem que não estão perto? – perguntou Escobedo. Até esse momento não tinha pensado em sua própria segurança.
– Sei onde estão todos os grupos inimigos. Esperam ser recolhidos por um helicóptero, mas não sabem que tiraram esse apoio.
– Como você conseguiu? – perguntou Latorre.
– Por favor, permitam que me reserve meus métodos. Vocês me contrataram por meus conhecimentos. Não devem surpreender-se dos resultados.
– E agora?
– Nosso grupo de assalto, de quase duzentos homens, deve estar a ponto de atacar o segundo pelotão, que tem o nome de Profecia. Passemos ao outro assunto que nos preocupa. Trata-se de saber quem são os membros do Cartel que aproveitam a situação... Ou, melhor dizendo, quais são os que trabalham de acordo com os norte-americanos para seus próprios fins. Porque, como costuma acontecer nestes casos, pareceria que cada bando usa ao outro.
– Não me diga – se sobressaltou Escobedo.
– Sim, chefe. E vocês não se surpreenderão ao saber que pude identificar quem traiu seus camaradas. – Olhou-os com um sorriso irônico.
Só havia dois sentinelas no caminho. Clark tinha voltado para a caminhonete, enquanto os soldados de Profecia atravessavam o bosque correndo para chegar ao objetivo. Leon e Vega tinham tirado uma janela lateral, que este sustentavam com as mãos.
– Todos preparados? – perguntou Clark.
– Já! – replicou Chávez.
– Vamos.
Depois da última curva do caminho, Clark diminuiu a velocidade até parar o veículo junto aos dois sentinelas. Estes prepararam suas armas.
– Desculpem, acho que estou perdido – disse Clark.
Era o sinal: Vega deixou cair à janela, Chávez e Leon ergueram seu MP-5 e dispararam direito na cabeça. Os dois caíram imediatamente. O ruído das metralhadoras com silenciador foi muito forte dentro do veículo.
– Bem feito – disse Clark, e tomou seu transmissor– : Profecia, aqui Víbora, relatório de sua situação.
– Víbora, aqui Profecia. Em posição. Repito, em posição.
– Entendido, preparados. Víbora a César.
– César a Víbora, estou escutando.
– Diga sua posição.
– A sete mil e quinhentos metros do objetivo.
– Entendido, César, mantenha essa posição a sete mil e quinhentos metros. Aviso que atacamos.
Clark desligou os faróis, avançou cem metros mais até uma curva. Virou e parou a caminhonete de tal maneira que o caminho ficou bloqueado.
– Quero uma granada – disse. Deixou as chaves no contato. Primeiro, afrouxou a cavilha. Depois, pendeu a granada no trinco. Com outro arame, uniu a cavilha ao pedal do acelerador. Quem abrisse essa porta teria uma linda surpresa.
– Muito esperto, Sr. Clark – comentou Chávez.
– Garoto, eu fui um ninja antes que estivesse na moda. Agora, silêncio e ao trabalho.
Não era o momento para as risadas nem para o bate-papo inútil. A sensação de voltar para a juventude era agradável, mas teria sido melhor se não tivesse dedicado sua juventude em coisas que convinha esquecer.
Voltava a sentir a euforia de conduzir homens à luta. Era algo terrível e perigoso, mas também algo em que ninguém o superava. Nesse momento não era o Sr. Clark, e sim Víbora, o homem cujos passos ninguém tinha escutado. Demoraram cinco minutos para chegar a seu ponto de ataque.
O Exército norte vietnamita era um inimigo mais perigoso que esse. Todas as tropas de segurança rodeavam a casa. Colocou os óculos de Vega para contá-los;
Depois varreu o terreno em busca de sujeitos isolados, mas não havia.
– Víbora a Profecia Seis, diga sua posição.
– Estamos no limite do bosque ao norte do objetivo.
– Mostre o infravermelho para marcar sua posição.
– Feito.
Clark voltou à cabeça: viu em seus óculos a luz infravermelha luz de alerta, a dez metros do limite do bosque. Chávez, que escutava a conversa com seu rádio, fez o mesmo.
– Bem, preparados. Víbora a César. Estamos em posição a leste do objetivo, onde o caminho atravessa o bosque. Profecia entra pelo Norte. Marcamos as posições com duas luzes infravermelhas.
Entendido?
– Entendido, você está no limite do bosque a leste do objetivo, repito, a leste do objetivo, Profecia a norte. Luzes infravermelhas indicam nossas posições. Preparados a sete mil e quinhentos metros – disse PJ com voz de robô.
– Entendido, à carga. Hora de começar, repito, à carga.
– Entendido, César à carga com as armas preparadas.
– Víbora a Profecia. Abram fogo, abram fogo.
Cortez tinha surpreendeu os dois, embora nenhum deles soubesse por que. Na noite anterior, em uma conversa confidencial com Félix, Latorre foi informado que Escobedo era o traidor em suas filas. Por isso foi o primeiro em sacar a pistola.
– O que significa isto? – exclamou Escobedo.
– A emboscada foi um golpe muito ardiloso, chefe, mas eu descobri seu jogo – disse Cortez.
– A é explique-se.
Antes que Cortez pudesse responder, soaram disparos ao norte da casa. Félix não era tolo. A primeira coisa que fez foi apagar as luzes. Latorre apontava para Escobedo e Cortez se precipitou para janela, com a pistola na mão, para ver o que estava acontecendo. Bruscamente consciente de seu erro, deixou-se cair de joelhos e apareceu a cabeça. A casa era de tijolos, suas paredes deteriam um disparo de fuzil, mas a janela era perigosa, pensou.
O fogo era leve e intermitente, de poucas armas; apenas uma distração, que seus homens se ocupariam. Estes, apoiados pelos guarda-costas de Escobedo e de Latorre, devolveram o fogo. Félix observou que seus homens agiam como soldados, dividiam-se em dois grupos e adotavam a rotina da infantaria, de correr, disparar e correr. Se ocupariam rapidamente de tudo. Os guarda-costas do Cartel eram valentes, mas estúpidos. Já tinham sofrido duas baixas.
Sim, o assunto estava já liquidado. Diminuíam os disparos das árvores. Talvez fossem bandidos, que não sabiam a quem atacavam e...
Jamais escutara semelhante ruído.
“Alvo à vista”, escutou Jack. Certamente que não via nada. Embora devesse dirigir uma metralhadora, o coronel Johns sabia que não era artilheiro de verdade. O sargento Zimmer ocupava a metralhadora do lado direito, a que correspondia ao assento do piloto. Voavam tão baixo, que Ryan sentiu... Soube que, se esticasse a mão, roçaria as copas das árvores. O aparelho virou em 180 graus. O
ruído e a vibração o incomodaram a pesar do equipamento protetor, e a luz que acompanhava ao ruído projetava a sombra do helicóptero sobre o chão, onde Jack procurava outros alvos.
Era como um enorme tubo de néon amarelo, pensou Cortez. Onde o raio tocava o chão, grandes nuvens de pó se erguiam. Varreu todo o campo entre a casa e as árvores e depois cessou ao cabo de alguns segundos, que pareceram horas. Cortez não via nada entre a poeira, embora sua mente lhe dizia que ao menos devia ver as chamas das armas de seu pessoal. Então apareceram algumas chamas, mas ao longe, perto das árvores, e o fogo era mais forte.
– César, cessar fogo, cessar fogo.
– Entendido – replicou o transmissor. O ruído horrível que descia do céu cessou. Fazia muitos anos que Clark não o escutava, mas era tão aterrador agora como na sua juventude.
– Profecia, cuidado, vamos atacar, Víbora ataca. Confirmar o recebimento.
– Seis a Profecia, cessar fogo, cessar fogo. – Os disparos entre as árvores cessaram– . Víbora: Já!
– Ao ataque! – Só levava uma pistola com silenciador, sabia que era imprudente ficar à frente nessas condições, mas estava no comando e os bons comandantes sempre ficam à frente de sua tropa.
Cruzaram os duzentos metros até a casa em trinta segundos.
– Porta! – exclamou Clark. Vega destroçou as dobradiças com seu AK e a derrubou com um chute.
Clark se jogou para o interior, rodou ao tocar o chão e viu um só homem na habitação. Este disparou seu AK, mas errou. Clark disparou à cabeça no vulto que caía. O acesso ao quarto contiguo era por uma abertura sem porta. Clark fez um sinal a Chávez, que lançou uma granada de gás lacrimogêneo.
Esperaram a que explodisse e depois se jogaram no interior.
Havia três homens. Alguém apontou sua pistola, mas Clark e Chávez lhe dispararam na cabeça e no peito. O outro, ajoelhado junto à janela, tentou se voltar, mas caiu de flanco. Chávez se jogou sobre ele e o abateu de uma coronhada na frente. Clark esmagou ao terceiro contra a parede. Depois entraram Leon e Vega, saltaram sobre eles e atacaram a última porta. O quarto estava vazio.
– Edifício tomado! – gritou Veja – . Ouçam, eu...
– Vamos! – Clark levou eu homem e Chávez o dele, seguidos por Leon. Vega se atrasou. Depois souberam por que.
Clark pegou seu transmissor:
– Víbora a César. São nossos. Vamos sair daqui.
– Leon – disse Vega– . Olhe o que há aqui.
– É Tony – disse o sargento. O último sobrevivente do Monte Ninja, um homem do pelotão Bandeira. Leon se aproximou de Escobedo, que estava consciente– : Seu grande filho da puta! É um fodido morto! – chiou, e ergueu sua pistola.
– Pare! – gritou Clark. O grito apenas lhe fez vacilar, mas Clark o derrubou – . Você é um soldado, que merda, não um assassino. A ver,Bem você e Vega, levem eles ao helicóptero.
O pelotão Profecia cruzou o campo. Alguns dos defensores estavam ainda vivos, problema que foi corrigido por meio de rápidos disparos. O capitão reuniu a seus homens e os contou com o dedo.
– Bom trabalho – disse Clark– . Estão todos aí?
– Sim!
– Bem, aí vem o transporte.
O “Pave Low” veio do Oeste e novamente parou a meio metro do chão. Como nos velhos tempos.
Se tocasse o chão, podia detonar uma mina.
Ali era pouco provável, mas PJ Chegou a coronel porque jamais corria um risco inútil. Clark agarrou Escobedo pelo braço – já o tinha identificado– e o jogou sobre a rampa. Um tripulante do helicóptero os recebeu, contou a cada homem e, antes que Clark acomodasse a seu prisioneiro, o MH-53J
já se afastava para o Norte. Deixou o senhor Escobedo a cargo de um soldado e foi para frente.
Deus santo, pensou Ryan. Contou oito cadáveres, mas só tinha visto os que estavam de um lado do helicóptero. Desligou o motor de sua metralhadora e relaxou pela primeira vez. Acabava de aprender que relaxar era um termo relativo. Havia algo pior que viajar de helicóptero: estar no meio de um tiroteio. É
assombroso, pensou. Uma mão lhe apertou o ombro.
– Temos Cortez e Escobedo! Com vida! – exclamou Clark.
– Escobedo! Que diabos ele fazia...?
– Não gostou?
– Que merda fazemos com ele? – perguntou Jack.
– Merda, o que queria, que o deixasse lá?
– Mas o que...?
– Se quiser, posso ensinar ele a voar. – Clark apontou a rampa de saída. Se aprender a voar antes de chegar ao chão, melhor para ele...
– Não, que merda! Isso é um fodido assassinato.
Clark sorriu:
– Essa metralhadora não é o que se diz: “um recurso diplomático”, doutor.
– Bem, senhores. – A voz de PJ Pôs um rápido fim à conversa – . Para a última parada e acabou a missão.
XXIX.
PONTAS SOLTAS
Tudo começou com a advertência do Presidente. O almirante Cutter não estava habituado a verificar se suas ordens fossem cumpridas. Sua concepção das ordens era que alguém as dava e outros as acatavam. comunicou-se com Ritter na CIA para lhe fazer a pergunta, consciente de que o insultava com isso. Cutter sabia que já o tinha humilhado: voltar a fazê-lo não era um ato inteligente, embora... e se o Presidente tivesse razão? Era um risco que convinha eliminar. A reação de Ritter não foi à esperada. Em lugar de indignar-se, respondeu com voz imutável de burocrata que sim, claro que tinha obedecido a suas ordens. Ritter era um filho da puta eficiente e calculista, mas tinha seus limites como todo mundo. Cutter sabia que tinha empurrado ao SDO ao limite em que todo homem se deixa levar por suas emoções; entretanto, o estalo de indignação não se produziu.
Algo estava errado. O assessor de Segurança Nacional se obrigou a serenar-se. Talvez algo estivesse errado. Possivelmente Ritter tentava desconcertá-lo. Ou tinha compreendido que a solução proposta era a única viável e terminara por resignar-se ao inevitável. Ritter gostava de seu posto de subdiretor de Operações. Essa era sua tigela de arroz, como diziam no Governo. Cada funcionário, por mais alto que estivesse, tinha o seu. Desgostava-lhes a ideia de perder o escritório, a secretária, o motorista e o título de Pessoa Importante, apesar do exíguo salário. Como diziam num filme, sair do Governo era entrar no mundo real, onde teria que apoiar as posições e avaliações com fatos e resultados.
Quantos seguiam no Governo para desfrutar da estabilidade e dos benefícios, inexistentes no mundo
“real”? Cutter estava convencido de que estes eram muito mais numerosos que os honrados servidores do povo.
Mas a probabilidade não era o mesmo que certeza: convinha assegurar-se. De maneira que se comunicou com a seção de Operações de Hurlburt Field.
– Me comunique com o coronel Johns.
– O coronel está ausente e não lhe pode ser encontrado, senhor.
– Preciso saber onde ele está.
– Não tenho essa informação, senhor.
– O que significa que não tem essa informação, capitão? – O chefe de operações completara seu turno, e agora a guarda estava a cargo de um dos pilotos.
– Significa que não sei, senhor – replicou o capitão. Teria respondido com insolência a uma pergunta tão estúpida, mas a chamada chegou por uma linha segura, e não tinha forma de saber quem diabos era seu interlocutor.
– Quem sabe?
– Ignoro-o, senhor, mas posso verificar.
Tinham interpretado mal as ordens? Perguntou-se Cutter. E se não fosse isso, o que seria?
– Capitão, todos os estão MC-130 em terra?
– Há três aparelhos ACS em alguma parte, senhor. É secreto... melhor dizendo, o destino de nossos aviões quase sempre é secreto. Além disso, com esse furacão que vem do Sul, quase todos os aparelhos estão preparados para partir a qualquer momento.
Cutter teria exigido que lhe dessem essa informação imediatamente. Mas para isso tinha que se identificar para um oficial ajudante de vinte e tantos anos, que talvez se negaria a responder por que essa era a ordem que tinha e o oficial sabia que não o castigariam por negar-se a tomar a iniciativa de fazer algo que lhe tinham ordenado que não fizesse; e, para cúmulo, por telefone. Além disso, se o exigia, chamaria a atenção, algo que devia evitar a todo custa.
– Está bem – disse Cutter. Desligou e chamou à base aérea Andrews.
O primeiro que percebeu o problema foi Larson, que sobrevoava a zona onde deviam recolher o pelotão Quadro. Juardo, ferido gravemente na perna, estudava o terreno com seus óculos.
– Ouça, cara, há uns caminhões lá abaixo, às três. São uns quinze.
– Ah que droga – disse o piloto, e tomou seu microfone– : Olhinhos a Garra, câmbio.
– Garra a Olhinhos– respondeu o “Combat Talon”.
– Aviso possível atividade em terra seis quilômetros a sudeste de Quadro. Por hora não há pessoas à vista. Recomendo que avise a Quadro e César sobre a presença de intrusos.
– Entendido.
– Merda, espero que hoje sejam lentos – disse Larson– . Vamos descer para olhar.
– Se você está dizendo.
Larson estendeu os flaps e reduziu a potência o mais que se atreveu. Com aquela escassa luz, o voo rasante sobre as montanhas não era um jogo. Juardo tentou esquadrinhar o terreno, mas o arvoredo era muito espesso.
– Não vejo nada.
– Pergunto-me há quanto tempo esses caminhões estão aí...
Viram uma chama, muito forte, a uns quinhentos metros custa abaixo, seguido por outros mais fugazes, como faíscas. Larson chamou outra vez:
– Olhinhos a Garra. Possível tiroteio perto da zona onde recolherão a Quadro.
– Entendido.
– Entendido – disse PJ ao MC-130– . Comandante da nave à tripulação: temos um possível tiroteio na próxima aterrissagem. Dessa vez vai haver perigo.
– Nesse instante, produziu-se uma mudança. O aparelho baixou um pouco e a velocidade diminuiu–
. O que acontece, Buck?
– Huy, huy! – exclamou o engenheiro de voo– . Acho que temos uma avaria aqui, no motor número dois. Uma possível perda de pressão, talvez por causa de uma válvula em mal estado. Perdemos velocidade Nf e algo de potencializa Ng. Aumenta a T5.
A uns três metros por cima da cabeça do engenheiro de voo, uma mola se partiu, abrindo uma válvula de par em par, válvula que deixava sair o ar que devia circular por dentro do motor. Isso reduzia a combustão no motor, o que se traduzia em uma perda de velocidade livre da turbina (Nf), assim como de potencializa na turbina produtora de gás (Ng). E, por último, essa redução do volume de ar provocava um aumento da temperatura no tubo de gás (Tg) chamado T5. Johns e Willis podiam ver tudo isto refletido em seus instrumentos, mas eles dependiam do sargento Zimmer para inteirar do problema que havia. As máquinas eram assunto dele.
– Me diga Buck – ordenou PJ
– Perdemos vinte e seis por cento de potencia no motor número dois, senhor. Não o posso arrumar.
Uma válvula falhou, mas penso que não vai piorar.
Espero que a temperatura da T5 se estabilize um pouco e não chegue ao máximo suportável... Ainda não é uma emergência, PJ Não vou a perder de vista.
– Que maravilha – grunhiu o piloto. Falava com a válvula, não ao sargento. Era uma novidade ingrata. Até então tudo tinha ido bem, possivelmente muito bem.
Como a maioria dos veteranos, Paul Johns era um homem prudente. Sua mente calculava a relação entre peso e potência. Tinha que se erguer outra vez sobre essas montanhas de merda para reabastecer e voltar para o Panamá...
Mas primeiro devia recolher os soldados.
– Me dê o tempo.
– Quatro minutos – disse o capitão Willis– . O veremos ao passar a próxima crista. O aparelho está ficando pesado , senhor.
– Sim, já percebi. – Johns olhou o painel. O número um funcionava a 104 por cento de sua potência estimada. O número dois, a 73 por cento. Isso não lhe impediria de realizar o lance seguinte da missão, de maneira que o esqueceu no momento. Marcou maior altura no piloto automático. Ia ser mais difícil passar as cristas, agora que o aparelho carregava mais peso e tinha perdido potência.
– Parece que é um combate sério – disse Johns um minuto depois. Seus sistemas de visão noturna revelavam que havia muita atividade em terra. Pegou seu transmissor– : Quadro, aqui César, câmbio. –
Não houve resposta– . Quadro, aqui César, câmbio. – Teve que repetir a chamada mais duas vezes.
– César aqui Quadro, estão nos atacando.
– Sim, Quadro, já vi, filho. A uns trezentos metros do ponto de aterrissagem. Subam a colina, cobrimos vocês. Repito, cobrimos vocês.
– Temos contato corpo a corpo, César.
– Corram. Repito, corram, cobrimos vocês – disse PJ com calma. Vamos garoto, que isto sei de cor.
Sei como fazer...– . Retirada, já!
– Entendido. Quadro, aqui seis, todos ao ponto de aterrissagem. Repito todos ao ponto de aterrissagem já.
PJ pegou seu microfone:
– Preparados, Buck. Artilheiros a seus postos, há tiroteio lá abaixo. Há amigos em terra. Repito: há amigos em terra. Assim, muito cuidado com esses fodidos disparos!
Johns desejou mil vezes ter um desses aparelhos em Laos. O “Pave Low” transportava uns quinhentos quilos de titânio, uma blindagem que cobria motores, tanques de combustível e transmissão. A tripulação era protegida com kevlar, menos eficaz que o metal. O resto do aparelho era menos afortunado
– a chapa de alumínio se podia cortar com um abridor de latas– , mas assim eram as coisas. Sobrevoou a zona de aterrissagem a trezentos metros de altura e seiscentos de distância, no sentido das agulhas do relógio, para calibrar a situação. Esta não parecia boa.
– Eu não gosto disto, PJ – disse Zimmer pelo intercomunicador. O sargento Bean, que atendia a metralhadora na rampa, pensou o mesmo, mas não disse nada.
Ryan, que não tinha visto nada em nenhuma das zonas de aterrissagem, tampouco falou.
– Há movimento, Buck.
– Assim parece.
– Bem, aí vamos. Comandante a tripulação, desceremos para olhar de perto. Devolvam o fogo dirigido a nós, mas mais nada até nova ordem. Confirmem o recebimento. Quero ouvir que se entenderam.
– Zimmer, entendido.
– Bean, entendido.
– Ryan, de acordo. – Além disso, em quem vou disparar se não vejo nada.
Vista de perto, a situação era ainda mais grave. Os atacantes do Cartel tinham escolhido uma rota de assalto inesperada, que atravessava o ponto de aterrissagem alternativo preparada por Quadro. O pelotão não tinha tido tempo para preparar uma rede defensiva total. Mas o pior de tudo era que alguns dos atacantes, sobreviventes da batalha com Faca, tinham aprendido algumas técnicas, como um avanço rápido costuma ser à tática mais cautelosa. Sabiam da existência do helicóptero, mas não o suficiente. Se tivessem estado inteirados de sua artilharia, a batalha talvez tivesse terminado nesse momento, mas pensavam que estava desarmado, porque nunca tinham visto um aparelho assim. Como sempre, a luta foi definida por uma combinação de acerto e erro, conhecimentos e ignorância. Quadro se retirava rapidamente, deixando algumas armadilhas explosivas e minas postas depressa e correndo; mas, como antes, as baixas não atrasaram ao inimigo mas lhe serviam de incentivo; além disso, os veteranos de Monte Ninja aprendiam rapidamente. Dividiram-se em três grupos e começaram a rodear o ponto de aterrissagem no topo.
– Vejo uma infravermelha – disse Willis.
– Quadro, aqui César, confirme o lugar de aterrissagem.
– César, aqui Quadro, veem o sinal infravermelho?
– Afirmativo. Aí vamos. Saiam todos para a clareira. Repito, saiam todos para a clareira onde possamos vê-los.
– Temos três feridos. Estamos fazendo isso o mais rápido que podemos.
– Trinta segundos – lhe disse PJ
– Estaremos preparados.
Os artilheiros escutaram a metade da conversa, seguida de suas instruções:
– Comandante a tripulação, ordenei aos nossos homens que saiam para a clareira. Uma vez que os contemos, quero que batam a zona. Tudo o que puderam ver provavelmente é amigo. O resto, reprimam.
Ou seja, Ryan, que os mandem para o inferno.
– Entendido – disse Jack.
– Quinze segundos. Abram bem os olhos, rapazes.
Chegou sem prévio aviso. Ninguém viu onde se originou. O “Pave Low” descera voando em círculos pequenos, mas em algum momento tinha que sobrevoar as tropas inimigas. Seis deles escutaram o ruído, viram a negra silueta perfilada contra as nuvens, apontaram ao céu e abriram fogo. Os projéteis de 7.62 mm atravessaram o fundo do helicóptero. Era um ruído particular, como o granizo sobre um telhado de zinco, e os que o escutaram souberam identificá-lo imediatamente. Um grito o ratificou: havia um ferido.
– Estamos sob fogo, PJ – disse Zimmer pelo intercomunicador. Nesse momento, apontou para baixo e disparou uma breve rajada. Novamente o corpo do helicóptero se estremeceu. As traçantes indicaram a todo mundo a natureza e situação do “Pave Low”, que recebeu novos impactos.
– Jesus! – Vários projéteis fizeram impacto no para-brisa reforçado. Não podiam atravessá-lo, mas deixavam entalhes e chispavam como vaga-lumes.
Johns virou instintivamente à direita para afastar do fogo. Com isso, o flanco esquerdo ficou à vista.
Ryan nunca havia sentido tanto medo. Achou que viu cem, duzentos, mil chamas, todos apontando para ele. Queria encolher, mas sabia que sua melhor defesa era a maciça culatra da metralhadora. A arma não tinha uma verdadeira mira. Apontou os canos giratórios para um grupo denso de chamas e apertou o disparador.
A arma vibrava como um martelo pneumático, e o ruído era como o de uma lona gigantesca ao rasgar-se. Ante seus olhos saltou uma fonte de luz, de dois metros de longitude por uma de largura, tão brilhante que era quase impossível ver através dela, mas viu o estreito cilindro das traçantes e o apontou para as chamas no chão. Estes duraram pouco tempo. Com ajuda do giro do helicóptero e de sua própria vibração, varreu toda a zona do alvo durante vários segundos, e quando soltou o disparador, as chamas tinham cessado.
Filho da puta, disse para si, tão surpreso que, por um instante, esqueceu o perigo. O helicóptero continuava sob fogo. Ryan escolheu outro setor e disparou uma série de rajadas curtas, de algumas centenas de projéteis cada uma. Depois, o helicóptero terminou o volta e o deixou sem alvos para disparar.
Na ponte de comando, Willis e Johns estudavam seus instrumentos. Tinham-nos pego de surpresa, mas o aparelho não tinha sofrido danos sérios. Os controles, os motores, a transmissão e os tanques de combustível, protegidos pela blindagem, eram imunes ao fogo e armas. Pelo menos, achavam.
– Temos um par de feridos – informou Zimmer– . Vamos terminar com isso de uma vez, PJ
– Está bem, Buck, lá vou. – PJ virou à esquerda.
– Quadro, aqui César, vamos tentar de novo. – Inclusive sua voz se alterou. O combate não tinha mudado muito, mas ele era mais velho.
– Estão atacando. Mova o traseiro, senhor! Estamos todos aqui, estamos todos aqui.
– Vinte segundos, filho. Comandante a tripulação, desceremos outra vez. Vinte segundos.
Em lugar de continuar sua majestosa espiral, o helicóptero parou e virou bruscamente no ar: era uma manobra para desconcertar ao inimigo. Johns empurrou a alavanca ao máximo e desceu em picado.
A duzentos metros da terra, ergueu o nariz e reduziu de repente a velocidade. Era a manobra de sempre, executada com perfeição. No ponto certo, o “Pave Low” perdeu velocidade... e posou em terra com força.
Johns se encolheu de medo ao pensar que explodiria uma mina, mas não aconteceu, e deixou de pensar nisso.
A operação durou uma eternidade. As mentes e os corpos impregnados de adrenalina têm seu próprio tempo, em que o tictac do relógio para.
Ryan achava que conseguia ver cada paleta do rotor girando sobre sua cabeça. Queria olhar a rampa, ver se o pelotão já tinha subido, mas era responsável pela zona do flanco esquerdo do helicóptero.
de repente compreendeu que não lhe pagavam para economizar munições. Depois de assegurar-se de que não tinha soldados frente a ele, apertou o disparador e varreu a arvoredo em um amplo arco, a uns cinquenta centímetros do chão. No outro flanco, Zimmer fazia o mesmo.
Clark olhava pela porta traseira. Bean tinha a metralhadora, mas não podia disparar. A tropa corria para o helicóptero a toda velocidade, embora desse a sensação que o faziam em câmara lenta. Então mais disparos viam das árvores.
A Ryan parecia impossível que restasse alguém com vida no lugar que acabava de varrer, mas assim era. Viu uma faísca no marco da abertura: era um projétil dirigido a ele. Não se encolheu. Não tinha onde esconder-se e sabia que sua metralhadora era um dos lugares mais seguros. Concentrou-se um instante para ver de onde saíam os disparos, depois apontou e voltou a disparar. Parecia-lhe que o retrocesso da metralhadora tombaria o helicóptero. A fumaça do escapamento abria um buraco na nuvem de pó do rotor, mas as chamas entre as árvores não cessavam.
Clark escutou os gritos que se elevaram sobre o matraqueio das metralhadoras. Sentiu os impactos nos flancos do helicóptero e viu cair a dois homens junto ao rotor de cauda, enquanto outros subiam a toda velocidade.
– Merda! – ficou em pé e correu para buscá-los, seguido por Chávez e Vega. Clark levantou um dos caídos, Chávez e Vega o outro. A seus pés, os projéteis erguiam nuvens de pó. Vega caiu a um metro da rampa, arrastando consigo a sua carga. Clark deixou a seu ferido nos braços de um camarada e se voltou para ajudá-lo. Primeiro agarrou o ferido. Quando se voltou, Chávez tentava erguer Vega. Clark o agarrou pelos ombros e o jogou sobre a rampa. Ding pegou os pés de Urso, ergueu-os e depois saltou para agarrar-se pela base da metralhadora porque o helicóptero levantava voo. O fogo inimigo entrava por atrás, mas Bean tinha o campo livre e varreu a clareira com sua arma.
O helicóptero se erguia com lentidão. Levava várias toneladas de peso adicional, estava a mais de mil e quinhentos metros de altura e tinha perdido potência.
PJ amaldiçoou aparelho. O “Pave Low” ganhava altura, mas de pouco a pouco e sob fogo.
Furiosos ao ver que suas vítimas escapavam, os atacantes redobraram seus esforços para tomar o helicóptero por assalto. Era um troféu, um monstro que os tinha despojado de sua vitória, matando a muitos deles, e estavam resolvidos a impedi-lo. Mais de cem fuzis apontaram para o aparelho, a poucos metros de terra.
Ryan percebeu que vários projéteis atravessavam sua porta, e tentavam destruí-lo junto com sua arma. Tinha superado o medo. As chamas inimigas eram alvos para disparar. Escolheu um, depois outro e outro mais, rapidamente, com rajadas breves. A única segurança possível consistia em eliminar o perigo.
Não havia onde correr; a capacidade de responder ao fogo inimigo era um luxo que todos desejavam, mas que só três desfrutavam. Não podia decepcioná-los.
Durante vários segundos, que lhe pareceram horas, varreu de esquerda à direita e volta; acreditava escutar cada projétil ao sair do cano. Algo golpeou seu capacete com força, mas endireitou a cabeça e varreu toda a zona com uma rajada contínua que teve que mudar de direção, erguendo as mãos para baixar os canos, porque os alvos se afastavam. Por um confuso instante, pareceu-lhe que eram eles, não ele, os que se afastavam. Então acabou. Durante uns segundos, suas mãos se negaram a desprender da arma. Tentou dar um passo atrás, mas teve que concentrar-se para comandar suas mãos que soltassem a culatra da metralhadora. Fizeram-no e caíram seu lado. Sacudiu a cabeça. Estava aturdido pelo estrondo da arma, e passaram vários segundos antes que lhe chegassem os agudos chiados dos feridos. O espaço interior estava cheio da fumaça ácida das armas, que se limpava rapidamente com a esteira da hélice.
Meio cego pelas chamas das armas, as pernas tremulas devido à brusca fadiga que a ação violenta provoca, queria sentar, dormir e despertar em outro lugar.
Escutou um grito, muito perto. Era Zimmer, estendido a pouco mais de um metro dele, de costas e com as mãos sobre o peito. Ryan foi ver qual era o problema.
Recebera três impactos no peito. Aspirava sangue, que lhe saía como espuma rosada da boca e o nariz. Um projétil lhe tinha destroçado o ombro direito, mas outros dois lhe tinham atravessado os pulmões. O homem se sangrava rapidamente. Havia um enfermeiro a bordo? Podiam salvá-lo?
– Aqui Ryan – disse por meio do intercomunicador– . O sargento Zimmer está ferido gravemente.
– Buck! – exclamou PJ imediatamente– . Buck, você está bem?
Zimmer tentou lhe responder, mas não conseguiu. Perdeu o microfone. Gritou algo que Ryan não pôde entender, e Jack gritou furioso com os outros, que parecia não se importar com o que acontecia.
– Médico! Paramédico! – Não sabia como o chamavam no Exército. Clark o escutou e foi para lá.
“Tranquilo, Zimmer, você vai sair dessa – disse Jack. Uma das poucas coisas que recordava dos meses que tinha servido nos fuzileiros era que teria que dar ao ferido um motivo para viver– . vamos curá-lo, vai se recuperar. Coragem, sargento. Sei que dói, mas vai se recuperar.
Clark lhe arrancou o colete balístico sem fazer caso do grito de dor. Para ele também era voltar para passado, às coisas que recordava pela metade. Tinha esquecido do medo dessas situações atrozes, e embora se recuperasse mais rapidamente que os outros, sentia-se aflito pelo horror de ter estado impotente sob o fogo inimigo e por sua impotência para confrontar as consequências. Como nesse caso: aquelas feridas eram mortais. Olhou ao Ryan e balançou a cabeça.
– Meus filhos! – gritou Zimmer. O sargento tinha um motivo para viver, mas não era suficiente.
– Me conte sobre seus filhos – disse Ryan– . Me Fale deles.
– Sete... Tenho sete filhos... Tenho que, não posso morrer! Meus filhos, meus filhos precisam de mim.
– Tranquilo, sargento, já vamos. Vai se recuperar – disse Ryan, os olhos cheios de lágrimas de vergonha por lhe mentir ao homem que agonizava.
– Precisam de mim! – Sua voz era mais fraca agora que o sangue inundava a sua garganta e os pulmões.
Ryan olhou para Clark com a esperança de que pudesse dizer algo. Alguma esperança. Algo. Clark o olhou nos olhos. Jack olhou Zimmer e agarrou sua mão.
– Sete filhos? – perguntou Jack.
– Precisam de mim – gemeu Zimmer. Sabia que não os veria crescer, casar-se, ter seus próprios filhos, que não estaria com eles para guiá-los e protegê-los. Tinha falhado como pai.
– Vou dizer lhe algo sobre seus filhos que você não sabe, Zimmer – disse Ryan ao moribundo.
– O que? Como? – Confundido, olhou para Ryan em busca da resposta a grande pergunta da vida.
Jack não sabia dar-lhe, mas lhe deu o que pôde.
– Vão à Universidade, amigo. – Ryan lhe apertou a mão com força– . Lhe dou minha palavra de honra, Zimmer, todos seus filhos vão estudar. Eu me ocuparei disso por você, meu amigo; juro-lhe Por Deus que o farei.
O rosto do sargento se alterou um pouco, mas antes que Ryan pudesse interpretar sua expressão, voltou a alterar-se e perdeu toda expressão. Ryan pegou seu microfone:
– Coronel, Zimmer morreu.
– Entendido.
Ryan se sentiu ofendido por aquela frieza. Não pôde escutar os pensamentos de Johns: meu Deus, Deus querido, o que vou dizer a Carol e aos meninos?
Ryan sustentava a cabeça de Zimmer sobre suas pernas. Tomou brandamente e a apoiou sobre o piso metálico do helicóptero. Clark pegou ao jovem entre seus fortes braços.
– Certamente que o vou fazer – disse com voz entrecortada– . Não foi uma mentira piedosa. Juro que vou fazer!
– Sei. E ele também sabe. Certamente, sabe.
– Está certo disso? – As lágrimas fluíam, e não lhe era fácil repetir a pergunta mais importante de sua vida– . Está certo disso?
– Escutou o que você disse e acreditou, Jack. Foi algo bonito, doutor. – Clark o envolveu nesse abraço que os homens reservam para suas esposas, seus filhos e os camaradas com os que enfrentaram a morte.
No assento dianteiro direito, o coronel Johns guardou sua dor num compartimento de seu cérebro que mais tarde abriria para experimentá-lo em toda sua plenitude. Mas antes tinha que cumprir sua missão. Buck o compreenderia, claro que sim.
O jato de Cutter aterrissou em Hurlburt Field depois do anoitecer. Um automóvel o levou a comando de Operações. Tinha chegado sem aviso e irrompeu no escritório como o anjo vingador.
– Quem diabos está no comando?
O sargento de guarda reconheceu o assessor presidencial de Segurança Nacional, a quem tinha visto nos noticiários.
– Nessa porta, senhor.
O jovem capitão dormia em sua cadeira giratória. Seus olhos se abriram junto com a porta e o oficial de vinte e nove anos ficou em pé de um salto, embora com um pouco de estupidez.
– Quero saber onde está o coronel Johns – disse o vice-almirante Cutter sem erguer a voz.
– Senhor, eu não posso...
– Sabe você com quem diabos está falando?
– Sim, senhor.
– Nega-se a me obedecer, capitão?
– Tenho ordens, senhor.
– Capitão, suas ordens estão anuladas. Responda a minha pergunta, agora mesmo – disse Cutter, elevando sua voz um par de decibéis.
– Senhor, eu não sei quem...
– Então, chame a alguém que saiba e lhe diga que venha imediatamente.
Atemorizado, o capitão se decidiu pela lei do menor esforço. Chamou um comandante que vivia na base, e que se apresentou em menos de oito minutos.
– Que merda se passa aqui? – perguntou ao entrar.
– O que passa é que eu cheguei, comandante – disse Cutter– . Quero saber onde está o coronel Johns, que, se não me engano, é o chefe desta unidade.
– Sim, senhor! Que diabos está acontecendo?
– Quer me fazer acreditar que o pessoal desta unidade não sabe onde está seu comandante? –
Atônito ao descobrir que sua autoridade não assegurou o cumprimento imediato de suas ordens, Cutter se foi por uma tangente.
– Senhor, nas Operações Especiais costuma ocorrer...
– Estou em um fodido acampamento de escoteiros ou numa unidade militar?
– Numa unidade militar, senhor – disse o comandante– . O coronel Johns está ACS. Tenho a ordem de não revelar sua missão nem seu paradeiro a nenhuma pessoa que não esteja devidamente autorizada, e você não está na minha lista, senhor. Essas são minhas ordens, senhor.
– Está certo de saber quem sou e para quem trabalho? – perguntou Cutter, atônito e cada vez mais furioso. Fazia anos que nenhum ajudante empregava esse tom com ele. O último que se atreveu a fazê-lo, tinha acabado com sua carreira de uma vez.
– Senhor, recebi minhas ordens por escrito. O Presidente tampouco está na lista, senhor – disse o comandante em posição de sentido. Lula maltita, chamando à Força Aérea dos Estados Unidos de acampamento de lobinhos. Foda-se você e o cavalo que cavalga... senhor almirante, disse claramente seu gesto.
Cutter teve que baixar a voz e recuperar o domínio de si. Já teria tempo para ocupar-se desse mucoso insolente, mas agora precisava dessa informação. Portanto, ofereceu suas desculpas de homem para homem:
– Devo pedir que me desculpe, comandante. É um assunto da máxima importância, e não posso lhe explicar a causa dessa importância ou as repercussões que possa ter. Só lhe direi que é uma situação de vida ou morte. O coronel Johns vai precisar de ajuda. A operação está se desintegrando, por isso devo saber o que acontece. Felicito-o por sua lealdade a seu chefe e pela maneira de cumprir seu dever, mas se supõe que o oficial deve saber pensar. É o momento de fazê-lo, comandante. Repito-lhe que preciso dessa informação... e a preciso agora.
A persuasão resultou mais eficaz que a prepotência:
– Senhor, o coronel voltou para o Panamá com um dos MC-130. Não sei por que nem o que foi fazer ali. Isto é normal numa unidade especial, senhor. Quase tudo o que fazemos está compartimentado, esta missão mais do habitual. Disse tudo o que sei, senhor.
– A que base?
– Howard, senhor.
– Bem, quero me comunicar com ele.
– Está fora da rede, senhor. Não tenho meios de fazer isso. Podem comunicar-se conosco, mas nós não podemos com eles.
– É uma loucura – objetou Cutter.
– De maneira nenhuma, senhor. É um procedimento de rotina: o helicóptero e o MC-130 constituem uma unidade autossuficiente. O pessoal de apoio e manutenção viaja no “Hércules”, e a menos que nos chamem, têm autonomia total. Se se produzir uma emergência familiar, podemos estabelecer contato por intermédio do escritório de Operações especiais do Howard, mas neste caso não foi necessário. Se quiser, posso tentar abrir esse canal, mas vai levar umas duas horas para conseguir.
– Obrigado, mas em duas horas eu posso chegar lá.
– O tempo está muito instável, senhor – disse o comandante.
– Não há problema.
Cutter voltou para carro. O avião já tinha sido reabastecido de combustível, e dez minutos depois decolava para o Panamá.
Johns seguia um plano de voo menos árduo, rumo ao Nordeste, com o passar do grande vale andino que formava a espinha dorsal da Colômbia. Era um voo sereno, mas três preocupações o acossavam: Primeira, com o peso que transportava carecia da potência suficiente para erguer-se sobre os picos, ao oeste.
Segunda, tinha que reabastecer em menos de uma hora. Terceira, o tempo piorava.
– César, aqui Garra, câmbio.
– Escutando, Garra.
– Onde vai reabastecer, senhor? – perguntou a capitã Montaigne.
– Quero me aproximar mais da costa, e com menos combustível talvez possa ir para o Oeste.
– Entendido, mas saiba que começamos a receber emissões de radar. Poderiam nos detectar, senhor.
São controladores aéreos, mas o “Hércules” é muito grande, poderia aparecer numa tela.
Merda. Johns tinha esquecido essa questão.
– Temos um problema – disse ao Willis.
– Bem... Mais a frente, há uns vinte minutos, há uma passagem entre as montanhas. Poderíamos tentá-lo por lá.
– Altitude?
– Dois mil e quinhentos, segundo o mapa. Mais a frente é muito mais baixo, mas temos o problema dos radares... e o tempo. Não sei, coronel.
– Vejamos que altitude podemos chegar – disse Johns. Durante meia hora tinha evitado forçar os motores, mas agora tinha que verificar sua capacidade. Avançou a alavanca a plena potência. A agulha indicadora do motor número dois não chegou aos setenta por cento.
– Chefe, a perda em P3 se agrava – disse Willis.
– Sim, já vi. – Tentou obter a máxima potencia do rotor, mas embora não soubesse, este tinha sofrido danos e perda de força ascensorial.
O “Pave Low” subiu lentamente até os dois mil e seiscentos metros; mas, a partir dali, apesar de seus esforços, começou a perder altitude.
– Mas à medida que queimamos combustível... – sugeriu Willis.
– Eu não confiaria nisso – disse PJ– . Garra, aqui César, não podemos cruzar os picos.
– Então, eu descerei.
– Negativo, não é o momento. Temos que nos aproximar da costa.
– César, aqui Olhinhos, escutei seu problema. Que tipo de combustível usa esse monstro? –
perguntou Larson. Seguia de perto o helicóptero, conforme o tinham planejado.
– Filho, a esta altura sou capaz de encher os tanques com urina, se a conseguir.
– Pode chegar até a costa?
– Afirmativo. Não é fácil, consigo.
– Conheço uma pista a cento e cinquenta quilômetros da costa onde há combustível de aviação de sobra. Além disso, tenho um ferido que está sangrando e precisa de ajuda.
Johns e Willis se olharam:
– Onde fica?
– A esta velocidade, quarenta minutos. É uma pista particular para aviões pequenos. A esta hora não tem ninguém lá. Têm um depósito subterrâneo de cinquenta mil litros. É uma concessão “Shell”, estive aí várias vezes.
– Altitude?
– Menos de quinhentos metros. Todo o ar que seu rotor necessita, coronel.
– Vamos fazer isso – disse Willis.
– Garra, ouviu?
– Afirmativo.
– Vamos lá. Afaste-se para o Oeste. Não tanto para que rompa o contato por rádio, mas tem liberdade para fugir do radar.
– Entendido, indo para oeste – disse Montaigne.
Atrás, Ryan descansava junto a sua arma. Havia oito feridos a bordo, mas os enfermeiros se ocupavam deles, e não havia nada em que Ryan pudesse ajudar.
Clark se sentou a seu lado.
– O que faremos com o Cortez e Escobedo?
– Queremos Cortez. Quanto ao outro eu não sei. Como justificamos o sequestro?
– Fala de levá-lo a julgamento? – perguntou Clark erguendo a voz sobre o ruído dos motores e o vento.
– Se o executarmos, seria assassinato a sangue frio. É um prisioneiro, e matar um prisioneiro se considera homicídio, lembra?
Ao diabo com os argumentos legais, pensou Clark, mas sabia que Ryan tinha razão. Matar a um prisioneiro era uma violação do código.
– Então, o levaremos conosco.
– E a operação vaza – disse Ryan. Sabia que não devia erguer a voz, que o tema exigia discrição e reflexão, mas os acontecimentos das últimas horas e o lugar onde se encontravam conspiravam contra essas qualidades– . meu Deus! Não sei o que fazer.
– aonde vamos? Quer dizer... a que lugar nos leva o helicóptero?
– Não sei. – Tomou o microfone para perguntar. A resposta o surpreendeu. Transmitiu-a ao Clark.
– Bem eu me ocuparei disso. Tenho uma ideia. Tomarei conta dele quando aterrissarmos. Larson e eu ataremos essas pontas soltas.
– Mas...
– Seriamente quer saber...?
– Você não matará ele! – insistiu Jack.
– Eu não – disse Clark.
Ryan não soube como interpretar sua resposta, mas aceitou a oferta de uma solução.
Larson chegou primeiro. A pista estava mal iluminada, com um par de faróis de teto, mas conseguiu aterrissar e utilizou suas luzes anti-colisão para mostrar o caminho para a zona de carga. Parou e o helicóptero tocou terra a cinquenta metros dele.
Larson estava atônito. Às tênues luz azuis pôde ver os numerosos orifícios no corpo do helicóptero.
Um homem com traje de voo correu para ele. Larson saiu a seu encontro e o conduziu à mangueira. Era muito longa, e de uns três centímetros de diâmetro; usavam-na para abastecer os aviões particulares. A fonte de eletricidade das bombas estava desconectada, mas Larson sabia onde encontrá-la, e abriu a porta a tiros. Era a primeira vez que o fazia; mas, ao igual aos filmes, bastaram um par de disparos para fazer saltar o ferrolho de bronze. Depois o sargento Bean introduziu a boca da mangueira num dos tanques exteriores. Então Clark saiu com Escobedo. Um soldado apontava um fuzil à cabeça deste, enquanto os agentes da CIA conferenciavam.
– Vamos voltar – disse Clark ao piloto.
– Como? – exclamou Larson. Dois soldados desceram Juardo do avião para levá-lo ao helicóptero.
– Vamos levar nosso amigo a Medellín. Mas antes, temos que fazer umas coisas...
– Perfeito.
Larson voltou para seu avião e tirou as tampas dos tanques de combustível, situados nas asas. Teve que esperar um quarto de hora, porque o helicóptero estava acostumado a beber de uma mangueira muito mais larga... Depois do tripulante retirar a boca, o rotor entrou em marcha, e, pouco depois, o helicóptero saía da zona de carga para a escuridão da noite. Viam-se relâmpagos ao Norte, e Larson se sentiu muito feliz de não ter que voar para lá. Deixou Clark a cargo do combustível, enquanto ia ao escritório para ligar por telefone. O mais divertido era que pagariam muito pelo que ia fazer. Mas pensava nos acontecimentos do último mês e não sentia vontade de rir.
– Senhores – disse PJ à tripulação– , esta foi nossa última parada, vamos para casa.
– Eu não estou gostando das temperaturas – disse Willis. Os motores T-64-G-7 estavam desenhados para queimar querosene de aviação, não gasolina volátil de alta octanagem utilizada pelos aviões de pequeno porte particulares. A garantia de fábrica assegurava que os tanques de combustível ficariam reduzidos a sucata imprestável ao cabo de só trinta horas de voo com esse combustível, mas não falava de molas de válvula quebrados nem da perda de P3.
– Parece-me que temos refrigeração natural de sobra – disse o coronel, assinalando as nuvens de tempestade que os aguardavam.
– Sempre otimista, não? – disse Willis com toda a naturalidade que foi capaz de fingir. O que se interpunha entre eles e Panamá não era uma mera tempestade, e sim um furacão. Isso era pior que o combate: a gente não podia lhe devolver os disparos à tempestade.
– Garra, aqui César, câmbio.
– Na escuta, César.
– Que tipo de tempo temos lá adiante?
– Mau, senhor. Recomendo rumo oeste até encontrar uma passagem entre as montanhas e entrar pelo lado do Pacífico.
Willis estudou o mapa de navegação e balançou a cabeça.
– Garra, acabamos de ganhar quinhentos quilos de peso. Parece que por aí, não.
– Senhor, a tempestade se desloca para oeste a quinze nós, seu atual rumo ao Panamá o leva a quadrante inferior direito.
Vento contra daqui até lá, pensou P. J.
– Me diga um número.
– Ventos em seu rumo estimados em sete e zero nós.
– Perfeito – observou Willis– . Condicione muitos ruins para chegar ao Panamá. Péssimas diria eu, que merda.
Johns assentiu. O vento era um problema grave, mas não o único. A chuva reduzia o rendimento do motor. Sua autonomia de voo era menos da metade do que devia ser... não podia reabastecer em meio a uma tempestade... o mais inteligente seria aterrissar e esperar a que o tempo melhorasse, mas isso era impossível... Johns pegou seu microfone uma vez mais.
– Garra, aqui César, vamos à Alternativa Um.
– Ficou maluco de vez? – perguntou Francie Montaigne.
– Eu não gosto disso, senhor – disse Willis.
– Perfeito, sugiro-lhe que, à primeira oportunidade, presente por escrito ao tribunal. Estaremos a cento e cinquenta quilômetros da costa. Se não pudermos descer, aproveitaremos a força do vento para chegar a terra. Garra, verifique a posição de Alternativa Um.
– Seu grande idiota – suspirou Montaigne. E a seu oficial de comunicações– : Chamem à Alternativa Um. Quero verificar sua posição, agora mesmo.
Para Murray, a situação não era absolutamente agradável. Embora Wegener lhe tivesse assegurado que Adela não era um furacão dos mais fortes, jamais tinha visto nada semelhante. As ondas alcançavam quinze metros de altura e o Panache, que se erguia junto ao mole como uma muralha de aço branco, enfrentava a tempestade como um barquinho de brinquedo numa banheira. Tinham-lhe posto uma gaze empapada em escopolamina atrás e debaixo da orelha para combater o enjoo, mas era insuficiente.
Wegener ocupava sua poltrona na ponte e fumava placidamente como o Velho Homem de Mar em pessoa, enquanto Murray se aferrava a uma barra com desespero, e acreditava estar voando num trapézio.
Não estavam na posição prevista. Wegener tinha explicado a seu hóspede que havia uma só posição possível. O mar estava enfurecido, mas deviam estar ali, e Murray intuía vagamente que o navio se agitava menos que antes. Cambaleou-se para a porta para contemplar os imensos amontoados de nuvens.
– Panache, aqui Garra, câmbio – se escutou pelo falante. Wegener pegou o microfone.
– Garra, aqui Panache, o sinal é débil, mas legível, câmbio.
– Verifique sua posição, câmbio.
Wegener leu as coordenadas de sua posição ao piloto, que era uma mulher. Merda, estão em todas partes, pensou.
– César vai para vocês.
– Entendido. Por favor, avise a César que o estado do tempo está abaixo da margem de segurança.
Repito, aqui embaixo não estamos passando bem.
– Entendido, espere. – Dois minutos depois, voltou-se a escutar a voz– : Panache, aqui Garra. César diz que vai tentar. Pode recebê-lo? Câmbio.
– Afirmativo, vamos tentar. Me dê seu tempo estimado de chegada, câmbio.
– Estimo seis e zero minutos.
– Entendido, estaremos preparados. Nos mantenha informados. Desligo. – Wegener olhou para o outro lado de sua ponte– : Miss Walters, assumirei o comando. Que os suboficiais Oreza e Riley subam imediatamente.
– Entrego o comando ao capitão – disse o alferes Walters, muito decepcionada. Estava no comando, em meio de uma tremenda tempestade tropical, jamais em sua curta vida havia se sentido tão bem. Nem sequer tinha náuseas, como muitos dos homens. Por que diabos o capitão não lhe deixava o comando?
– Leme à esquerda – ordenou Wegener– . Novo rumo, três e três cinco. Adiante a dois terços.
– Entendido, leme à esquerda, novo rumo três e três cinco. – O timoneiro fez girar a roda, logo tomou a alavanca– : Dois terços, senhor.
– Bem. Como se sente, Obrecki? – perguntou o capitão.
– Mais agitado que a merda, mas tomara que continue assim – sorriu o jovem sem tirar os olhos da bússola.
– Está indo muito bem. Mas se estiver cansado, diga.
– Entendido, senhor.
– O que há? – perguntou Oreza ao subir à ponte com o Riley.
– Postos de voo em trinta minutos – disse o capitão.
– Merda! – comentou Riley– . Perdoe, Rede, mas... merda!
– Perfeitamente, suboficial principal, agora que tivemos a oportunidade de lhe ver desafogar-se, espero que cumpra com seu dever – disse Wegener com severidade, e Riley aceitou a repreensão como correspondia a um veterano profissional.
– Minhas desculpas, capitão. Farei o impossível. Ponho o segundo chefe na torre?
Wegener assentiu. Esse oficial era o mais capacitado para dirigir as operações da torre de controle de voo.
– Diga que venha aqui – disse Wegener a Riley, e se voltou para contramestre– : Português, quero que agarre o leme quando entrarmos em “Hotel Corpin”. Eu estarei no comando.
– Não há “Hotel Corpin”, senhor.
– Por isso agarrará o leme. Releve a Obrecki em meia hora, assim tome o pulso da tempestade.
Temos que oferecer o melhor alvo possível.
– Merda! – Oreza olhou pela janela– . Nós o faremos, Rede.
Johns voava baixo, a uns escassos cento e setenta metros do solo. Desconectou o piloto automático porque, nessas circunstâncias, preferia confiar em sua perícia e instinto. Deixou a alavanca de comando ao Willis e se concentrou nos instrumentos de voo. O começo foi muito brusco: do céu limpo, passaram à chuva torrencial.
– Não é tão mau como o pintam – mentiu com todo descaramento à tripulação.
– E até nos pagam por isso – assentiu Willis, não sem certa ironia.
PJ. estudou o painel de navegação. O vento chegava do Noroeste e freava um pouco a velocidade do helicóptero, mas essa situação ia mudar.
Seus olhos saltavam do indicador de velocidade a outro que dependia de um radar doppler enfocado para terra. Os sistemas de navegação inerciais e via satélite indicavam a uma tela de computador onde se achava. Um ponto vermelho assinalava aonde queria ir. Em outra tela, um sistema de radar estudava a tempestade. Os setores mais perigosos estavam coloridos de vermelho: tentaria evitá-los, mas os coloridos de amarelo eram bem perigosos.
– Merda! – gritou Willis. Os dois se jogaram ao mesmo tempo na alavanca para elevar a potência ao máximo. Atravessavam uma corrente de ar descendente. Dois pares de olhos se cravaram na agulha que indicava a velocidade de queda em metros por minuto. Era superior a trezentos, o que deixava trinta segundos de vida a um aparelho a cento e setenta metros de altura. Mas esses bolsões são fenômenos muito localizados. O helicóptero deteve sua queda a setenta metros e iniciou a ascensão. PJ. decidiu que não voaria amenos duzentos e cinquenta metros. Disse uma só palavra:
– Quase.
Willis respondeu com um grunhido.
Os passageiros estavam presos ao chão. Ryan se aferrava à culatra da metralhadora, como se isso mudasse a situação. Através da porta aberta, contemplava... na verdade, nada. Uma massa cinza, iluminada por algum relâmpago. O helicóptero saltava sem cessar, como um cometa, apesar de seus trinta mil quilos de peso. Mas não havia nada a fazer. Sua sorte estava em mãos alheias, e nada do que ele soubesse ou dissesse tinha a menor importância.
Os vômitos não aliviavam a náusea, mas todos vomitavam sem cessar. Queria que aquilo terminasse de uma vez, e só seu intelecto lhe dizia que era importante sobreviver... ou não?
O helicóptero penetrou na tempestade, açoitado por rajadas que mudavam de direção constantemente. A princípio lhes chegavam do Nordeste, mas viraram perceptivelmente em sentido contrário às agulhas do relógio para açoitar o aparelho pelo quarto de bombordo. Com isso sua velocidade absoluta aumentou. Com velocidade própria de um e cinquenta, a absoluta chegou a um e noventa e continuou aumentando.
– Isto nos permite economizar combustível – comentou Johns.
– Setenta e cinco quilômetros – respondeu Willis.
– César, aqui Garra, câmbio.
– Na escuta, Garra. Estamos a cinco e zero milhas de Alternativa Um e a coisa está um pouco agitada... – um pouco agitado, uma merda, pensou a capitã Montaigne, que tinha que as ver-se com ventos muito menos fortes a cento e cinquenta quilômetros dali– ... mas além disso, estamos bem – informou Johns– . Se não pudermos descer, tentaremos ganhar à costa panamenha a favor do vento. – Johns franziu a sobrancelha: a água salpicava seu para-brisa, e sabia que também entrava nos motores.
– Blecaute! Perdemos o Número Dois.
– Ligue-o – disse Johns, esforçando-se por conservar a calma. Baixou o nariz do helicóptero para perder altura e conseguir mais velocidade a fim de sair da chuva torrencial. Supunha-se que era um fenômeno localizado. Isso diziam os livros.
– Estou-me ocupando disso – grunhiu Willis.
– O Número Um perde potência – disse Johns. Abriu a válvula de estrangulamento ao máximo e conseguiu recuperar um pouco. Seu aparelho voava agora com um só motor a 80 por cento de sua potência– . Capitão, ligue o Número Dois de uma vez. Estamos descendo a trinta metros por minuto.
– Estou-me ocupando disso – repetiu Willis. Cedeu a chuva e o Número Dois começou a funcionar outra vez, mas só a 40 por cento– . Acho que a perda de P3 aumenta. Estamos afundados na merda, coronel. Sessenta quilômetros. Alternativa Um ou nada.
– Bom, ao menos temos essa alternativa. Nunca aprendi nadar. – Suas mãos em luvas feitas à mão, estavam empapadas de suor. Falou pelo intercomunicador– : Comandante a tripulação, temos quinze minutos a mais de voo. Um cinco minutos.
Riley tinha reunido um grupo de dez marinheiros veteranos. Cada um se prendeu uma corda de segurança à cintura, e Riley fiscalizou em pessoa cada nó e cada volta da corda. Todos vestiam colete salva-vidas, mas nessas condições, para resgatar a um homem que caísse pela amurada, era necessário um milagre de um Deus excepcionalmente benévolo que essa noite estaria muito ocupado. Já tinham disposto cadeias de amarração e linha mais de duas polegadas foram montadas e fixadas no local, já fixado ao convés, sempre que possível e o outro preparado para prender o helicóptero. O grupo se refugiou junto à parede de popa da estrutura de coberta.
– Grupo de coberta, preparados – disse por telefone ao oficial na torre de controle. E a seus homens– : Ao filho da puta que cair na água, atiro-me detrás dele ao fodido mar e quando o tiver tirado o estrangulo com estas mãos!
Estavam em meio de um torvelinho. A tela de navegação lhes indicava que se achavam ao norte do alvo e se dirigiam para lá a quase duzentos e cinquenta nós. A tempestade estava em todo seu apogeu.
Uma rajada particularmente violenta os jogou para as negras ondas; Johns conseguiu frear a queda a escassos trinta metros. O piloto sentia vontade de vomitar. Jamais tinha voado em condições tão adversas, era ainda pior do que diziam os manuais.
– Quanto falta? – perguntou.
– Já deveríamos estar lá, senhor! – exclamou Willis– . Direita ao sul.
– Bem. – Johns inclinou a alavanca à esquerda. A mudança brusca de direção com relação ao vento esteve a ponto de derrubar o helicóptero, mas o forçou a tomar o rumo que queria, e dois minutos depois saíram do pior da tempestade.
– Panache, aqui César, onde diabos estão?
– Acendam todas as luzes, agora! – exclamou Wegener, e a seguir o Panache se iluminou como uma árvore de Natal.
– Merda, que bonito ver isso daqui! – disse a voz do helicóptero.
Adela era um furacão pequeno, débil e desorganizado que se transformava rapidamente em uma tempestade tropical devido às condições locais. Os ventos não sopravam tão fortes como se temia, mas o olho era pequeno e confuso; e nele se devia efetuar a operação.
Muitos pensam, erroneamente, que no olho da tempestade reina a calma. Acontece que depois de experimentar os terríveis ventos do muro interior de nuvens, as brisas de quinze nós parecem desprezíveis. O problema está em que a direção do vento muda constantemente e o mar, embora as ondas não alcançam a mesma altura que na tempestade propriamente dita, está muito agitado. Wegener tinha situado a nave a mil e quinhentos metros da borda noroeste do olho, que tinha apenas seis quilômetros de diâmetro. A tempestade se deslocava a quinze nós, o que lhes dava quinze minutos para receber o helicóptero.
Por sorte, o céu aparecia limpo, não chovia, e o fluxo estava à vista para que os timoneiros modificassem a posição.
Na torre de controle, o segundo oficial de bordo se colocou os fones de ouvido e tomou seu microfone.
– César, aqui Panache. Sou o oficial a cargo de operações de voo e vou guiar a descida. Temos ventos de quinze nós, direção instável. A nave se agita em ondas de uns cinco metros. Temos dez ou quinze minutos, assim não há pressa – disse isto último para tranquilizar o pessoal do helicóptero, embora se perguntava se seriam capazes de levar a cabo a operação.
– Capitão, com um pouco mais de velocidade poderei estabilizá-lo – disse o Português, que estava ao leme.
– Não podemos sair do olho.
– Sei, senhor, mas necessito de dois nós.
Wegener saiu para dar uma olhada. O helicóptero estava à vista, suas luzes piscavam enquanto o piloto voava em círculos em volto do navio para ter um panorama da situação. Se não sair bem, vão cair na água, pensou. O Português tinha razão, terei que aumentar a velocidade.
– Dois terços de máquina – disse.
– Merda, é como um botizinho – suspirou Willis.
– Espero que os remos não nos estorvem. – PJ. desceu, efetuou o último círculo e baixou direito para a nave, aproximando-se pela popa. Freou a descida a trinta metros, mas descobriu que não podia manter-se no ar. Carecia da potência necessária, e o aparelho se agitava a direita e esquerda.
– Firmem esse maldito bote!
– É o que tratamos de fazer, senhor – disse o oficial– . Neste momento temos rajadas de proa a bombordo. Recomendo se aproxime pelo flanco de bombordo e em ângulo ao convés.
– Entendido, tem razão. – Johns lhe deu mais potencializa e se preparou para descer.
– Bem, vamos lá! – exclamou Riley. Dividiram-se em três grupos para prender o trem de aterrissagem do helicóptero.
O convés não era grande o bastante para uma aterrissagem longitudinal, mas descesse em ângulo, podia plantar as seis rodas sobre a superfície negra...
Desceu com lentidão, quinze nós mais rápido que a nave no começo e diminuindo constantemente a velocidade, mas a direção do vento mudou e o helicóptero girou no ar. Johns balbuciou uma maldição e se afastou para tentar outra vez.
– Lamento, falta de potência – disse.
– Entendido, não se precipite, senhor – respondeu o oficial.
Afastou-se mil metros e voltou a tentar. Dessa vez pôde aproximar-se sem problema. Endireitou a cem metros da popa para perder o excesso de velocidade e baixou pouco a pouco. As rodas dianteiras tocaram a coberta no lugar preciso; mas, nesse preciso momento, a nave se ergueu sobre uma onda, o que jogou o helicóptero para estibordo. Instintivamente, PJ aumentou a potência para elevar-se do convés. Em seguida se deu conta de seu erro, mas já era tarde.
– É difícil – disse pelo transmissor, reprimindo uma maldição ao ganhar altitude outra vez.
– Pena que não temos tempo para praticar – disse o oficial da guarda costeira– . Você o fez muito bem, o que aconteceu é que o navio se agitou. Repita o procedimento mais uma vez, que vai sair bem.
– Muito bem, lá vou eu outra vez – disse PJ
Apesar dos estabilizadores e o lastro, o navio se inclinava vinte graus à direita e esquerda, mas Johns fixou a vista no centro do alvo, um ponto fixo e imóvel no espaço. Isso, pensou, baixar sobre o ponto que não se move. De novo interrompeu a descida para perder o excesso de velocidade e baixou lentamente. Justo antes de tocar a coberta, seus olhos se cravaram no ponto onde devia cair o trem dianteiro e nesse momento empurrou a alavanca ao máximo. O golpe foi muito forte, mas o helicóptero ficou firme sobre a coberta.
Riley foi o primeiro a jogar-se debaixo do aparelho, para o trem dianteiro, seguido por outro suboficial que levava as correntes. O suboficial major as enganchou com firmeza e esticou o braço com o punho fechado. Dois homens estiraram as correntes, depois o suboficial major saiu de abaixo e correu ao trem principal.
Levou-lhes vários minutos. O “Pave Low” deslizou duas vezes, mas finalmente o prenderam com correntes e cordas. Quando terminaram, precisariam usar dinamite para o levantar do convés. A tripulação do convés subiu ao helicóptero pela rampa de popa para ajudar à descida dos passageiros.
Riley contou quinze pessoas. Haviam-lhe dito que eram mais, mas então viu os cadáveres e quão soldados os erguiam.
Na cabine, Johns e Willis desligaram os motores.
– Garra, aqui César. Aterrissamos. Volte para a base. – John se tirou o capacete antes de escutar a resposta, mas Willis a recebeu:
– Entendido, câmbio de desligo.
Johns olhou ao redor. Já não era piloto. Seu aparelho tinha aterrissado, estava a salvo. Era o momento de ocupar-se de outra coisa. Não podia sair sem arriscar-se a cair pela amurada e... Buck Zimmer. Tinha-o esquecido, mas então as comportas de sua mente se abriram. Buck o compreenderia, pensou. O coronel passou por cima do painel do engenheiro de voo. Ryan estava ali, o traje de voo salpicado de vômito. Johns se ajoelhou junto ao corpo de seu sargento.
Serviam juntos há mais de vinte anos.
– Disse-me que tinha sete filhos – disse Ryan.
A voz de Johns estava muito cansada para expressar o que sentia. Falou como um homem de mil anos, farto de viver, de voar, de tudo.
– Sim, são muito bons meninos. Sua esposa é laosiana. Chama-se Carol. Meu deus, Buck, por que...?
– Me ajude – disse Jack. Johns agarrou as pernas, Ryan os braços, e tomaram seu lugar na fila.
Eram vários os corpos para descer, e, muito lógico, os feridos tinham prioridade sobre os mortos. Os soldados baixavam os seus, com ajuda do sargento Bean. Os guarda costeira ofereceram sua ajuda, que os soldados rechaçaram amavelmente, e os marinheiros compreenderam o motivo. Ryan e Johns tampouco aceitaram a ajuda, o coronel porque tinha combatido muitos anos junto a seu camarada; o oficial da CIA porque se impôs um dever. Riley ficou com seu pessoal para recolher as armas e as mochilas, que levaram para debaixo do convés.
Deixaram os cadáveres em um corredor. Levaram os feridos ao refeitório da tripulação. Ryan e os oficiais da Força Aérea foram ao salão dos oficiais, onde por fim conheceram homem que tinha começado isso tudo meses atrás, embora ninguém tinha uma ideia clara de como tinha acontecido. Havia outra pessoa, que Jack reconheceu.
– Olá, Dan.
– Duro, não? – disse o agente do FBI.
Jack não respondeu a isso.
– Temos Cortez. Ferido, acho. Está na enfermaria, vigiado pelos soldados.
– E você? – perguntou Murray, assinalando seu capacete.
Ryan o tirou. Um projétil calibre 7.62 tinha feito um entalhe profundo na fibra de vidro. Jack sabia que devia reagir, mas essa parte de sua vida tinha ficado para trás a seiscentos quilômetros dali. Sentou-se e contemplou o convés, em silêncio, até que Murray o ajudou a estender-se num cama de armar e o cobriu com uma manta.
Voou os últimos três quilômetros em meio de um forte vento contrário, mas a capitã Montaigne era uma piloto de primeira, e o Hércules da Lockheed, um avião excelente. O descida foi um pouco brusca, mas sem maiores inconvenientes, e depois rodou até o hangar, seguindo o jipe. Um homem a paisana e vários oficiais a esperavam. Desligou os motores, desceu da cabine e foi ao seu encontro, mas os fez esperar enquanto ia ao banheiro. Apesar da fadiga, sorriu ao pensar que não havia homem nos Estados Unidos capaz de lhe negar a uma dama uma visita ao banheiro. Antes de sair, olhou-se no espelho.
O aroma de transpiração de seu traje de voo era muito forte, e tinha o cabelo revolto. Esperavam-na junto à porta.
– Capitã, quero saber de onde você vem e o que fez esta noite – disse o civil... só que não era um civil, embora o filho da puta não merecesse ser outra coisa. Montaigne não conhecia o pano de fundo da história, mas esse detalhe sim.
– Acabo de realizar uma missão muito longa, senhor. Minha tripulação e eu estamos esgotados.
– Quero falar com todos vocês sobre o que fizeram.
– Senhor, esta é minha tripulação. Se quiser falar com alguém, fará comigo – lhe espetou.
– Bom, então responda minha pergunta – disse Cutter. Tentou fingir que não falava com uma mulher. Não sabia que ela não fingia que ele não era um homem.
– O coronel Johns foi recolher tropas que realizavam uma missão especial. – esfregou a nuca com as duas mãos – . Os recolhemos... quer dizer, acho que recolheu a quase todos.
– Onde ele está?
Montaigne o olhou aos olhos com fixidez:
– Teve um problema no motor, senhor. Não pôde subir sobre as montanhas. Teve que meter-se na tempestade, mas não pôde sair. Algo mais, senhor? Quero um banho e uma xícara de café antes de iniciar a busca e o resgate.
– A pista está fechada – disse o chefe da base– . Dez horas, pelo menos. Acho que precisa descansar, capitã.
– Sim, senhor, tem razão. Se me desculparem, devo me ocupar de minha tripulação. Em seguida lhes darei as coordenadas do B&R.
– Veja, general, eu quero... – insistiu Cutter.
– Senhor, deixe em paz essa tripulação – disse o general do ar, que, por outro lado, logo receberia se a reserva.
Na mesma hora em que o MC-130 descia sobre o Panamá, Larson aterrissou no aeroporto de Medellín. Tinha sido uma viagem um pouco agitada. Clark viajara atrás, pistola na mão, junto a Escobedo, que estava maniatado. No trajeto pronunciou várias sentenças de morte: a Clark, a Larson, a amiga deste, que era aeromoça da Avianca, a muita gente. Clark as tinha escutado sem deixar de sorrir.
– E bem se pode saber o que farão comigo? Me matarão agora? – perguntou ao escutar que descia o trem de aterrissagem.
Pela primeira vez, Clark lhe respondeu:
– Eu sugeri que o atirássemos do helicóptero, para ver se aprendia a voar, mas não me permitiram isso. Parece que teremos que deixá-lo em liberdade.
Escobedo ficou sem resposta. Apesar de sua prepotência, não compreendia que talvez não quisessem matá-lo. Certamente, estes filhos da puta são covardes, pensou Clark.
– Larson anunciou sua chegada – lhe comunicou Clark.
– Larson, traidor, filho de puta, acredita que vai sair com vida desta?
Clark lhe afundou o cano da pistola nas costelas.
– Não deve incomodar a um homem que pilota este maldito aparelho, senhor. Em seu lugar, eu me sentiria feliz de voltar para casa. Inclusive haverá um comitê de recepção.
– Quem me espera?
– Seus amigos – disse Clark quando o avião tocou a pista. Larson reverteu o giro das hélices para frear– . Os membros do diretório.
Então Escobedo compreendeu onde estava o perigo.
– O que disseram para eles?
– A verdade – respondeu Larson– . Que você saia do país intempestivamente, a pesar do furacão. E
bom, com tudo o que aconteceu nas últimas semanas, veja que coincidência...
– Mas eu direi...
– O que? – perguntou Clark, zombando– . Que nós arriscamos nossa vida só para trazer você de volta? Que é mentira? Perfeito, diga isso.
O avião parou, mas as hélices continuaram girando. Clark amordaçou o chefe, desabotoou-lhe o cinto de segurança e o arrastou à porta. Um carro esperava. Clark desceu com ele, sua silenciosa automática apoiada nas costas do Escobedo.
– Você não é Larson – disse o homem da metralhadora.
– Larson está na cabine. Eu sou seu amigo. Aqui têm a seu homem. Acho que vocês têm algo para nós.
– Não é necessário ir embora – disse o homem da maleta.
– Este tem muitos amigos. Acho que é melhor ir embora.
– Como queiram. Mas de nós, não têm nada que temer. – Então, entregou-lhe a maleta.
– Obrigado, chefe – disse Clark. adoravam que os chamassem assim. Empurrou a Escobedo para eles.
– Não é bom trair os amigos – disse o segundo, quando Clark subia ao avião. O comentário era dirigido ao maniatado e amordaçado chefe, cujos olhos, aterrados, estavam cravados nas costas de Clark e a porta do avião.
– Bom, vamos daqui.
– Teremos que descender na Venezuela – disse Larson ao abrir as válvulas.
– E daí direito ao Gitmo. Está em condições de fazê-lo?
– Sim, se beber uns litros de café. Ali é delicioso.
O avião decolou, enquanto Larson pensava, merda, por fim acabou esta aventura. No seu caso, assim era; mas não no de todos.
XXX
NOS ALTARES DO SERVIÇO
Quando Ryan despertou no salão de oficiais, já tinha passado o pior. O navio navegava para o leste, a dez nós, enquanto a tempestade se deslocava para o Noroeste a quinze nós, de maneira que em seis horas saíram a um mar bem sereno. Então, o Panache elevou a velocidade a vinte.
A tripulação tratou aos soldados como se fossem reis. Apareceram várias garrafas de bebidas alcoólicas – provavelmente dos cofres dos suboficiais, mas ninguém fez perguntas incômodas– que foram esvaziadas rapidamente. Mudaram seus uniformes por roupa de marinheiro. Puseram os cadáveres no frízer, e todos compreenderam que não havia alternativa. Eram cinco: Zimmer e outro tinham morrido durante o resgate. Havia oito feridos, um deles em estado grave, mas os enfermeiros militares e o médico de bordo tinham conseguido estabilizá-lo. Durante a maior parte da travessia, os soldados não fizeram mais que comer e dormir.
Cortez, ferido no braço, estava encerrado na cela, vigiado por Murray. Quando Ryan despertou, os dois desceram com uma câmara de vídeo e um tripé, instalaram-nos e o funcionário do FBI iniciou o interrogatório. Para surpresa de Murray, deduziram imediatamente de que não tinha tido parte no assassinato de Emil Jacobs; do exame posterior da informação chegaram à conclusão de que era o mais lógico. Isso deu lugar a uma complicação inesperada, mas que Ryan achou poderia usar em seu favor.
Começou a interrogar Cortez sobre suas atividades no DGI. Este, que já tinha cometido uma traição, não teve o menor inconveniente em cometer outra, sobre tudo quando Jack lhe prometeu sua liberdade em troca de uma confissão. A promessa teria que ser cumprida ao pé da letra.
Cutter permaneceu no Panamá um dia a mais. O mau tempo atrasou a operação de busca e resgate do helicóptero caído, e ninguém se surpreendeu que não achassem nada. A tempestade seguiu seu rumo para nordeste até a península de Yucatán, onde se transformou numa série de tormentas com rajadas que dias depois provocou meia dúzia de tornados no Texas. Cutter partiu muito antes. Depois que melhorou o tempo, voou de volta a Washington. A capitã Montaigne retornou à base aérea militar em Eglin, não sem antes tomar juramento de seus tripulantes de que guardariam o segredo.
Trinta e seis horas depois da descida do helicóptero, o Panache entrou na base naval de Guantánamo. O capitão Wegener tinha solicitado a permissão correspondente, com o pretexto de ficar a salvo do furacão Adela e reparar um motor avariado. Antes de chegar ao porto, o coronel Johns decolou com seu helicóptero e o levou a base, onde o colocaram, imediatamente, num hangar. O navio chegou uma hora mais tarde: alguns dos danos que seu casco exibia tinham sido provocados pela tempestade.
Clark e Larson esperavam no cais. Seu avião também estava no hangar. Ryan e Murray desceram a seu encontro, e um pelotão de fuzileiros subiu a bordo para tomar conta de Félix Cortez. Depois de várias chamadas telefônicas, chegou o momento de tomar algumas decisões. As soluções não eram fáceis; nada do que tinham que fazer era totalmente legal. Os soldados foram transladados para o hospital da base e no dia seguinte os levaram a Fort MacDill, na Florida. No mesmo dia, Clark e Larson voltaram em seu avião a Washington, com uma escala de reabastecimento nas Bahamas. Ali o entregaram a uma empresa pequena, propriedade da CIA. Larson pediu permissão para descansar enquanto resolvia se se casava com a garota e tinha filhos. Uma coisa havia resolvido: pedir demissão da CIA.
Então aconteceu algo inesperado, um fato misterioso para todos, exceto para uma pessoa.
De volta a Washington, o almirante Cutter tinha voltado para sua rotina diária. O Presidente tinha iniciado uma excursão pelo país para recuperar posições nas pesquisa antes do início da convenção de seu partido. Era uma circunstância afortunada para seu assessor de segurança nacional, que acabava de passar duas semanas muito agitadas. Estava farto de tudo. Tinha servido ao Presidente com lealdade, fazia o necessário e era o momento de cobrar a recompensa. Pensou que o mais apropriado seria o comando de uma frota, se possível, a do Atlântico. Tinham prometido esse posto ao vice-almirante Painter, segundo chefe de operações navais (guerra aérea), mas a decisão final pertencia ao Presidente, e Cutter estava em situação de pedir o que quisesse. Depois, se o Presidente ganhasse a reeleição, pediria a chefia do Estado Maior Conjunto... Esses eram seus pensamentos durante o café da manhã, uma hora civilizada, para variar. Inclusive teria tempo para fazer aeróbica depois de receber o relatório da CIA. Às 7:15, chamaram a sua porta, abriu Cutter em pessoa.
– Quem é você?
– O oficial que devia vir deu parte de doente, senhor. Eu o substituo – disse o homem. Quarentão, com aspecto de veterano de muitas missões.
– De acordo, passe. – Cutter o conduziu a seu escritório. O homem se sentou, satisfeito de ver que havia um televisor e um vídeo.
– Por onde começamos? – perguntou Cutter depois de fechar a porta.
– Gitmo, senhor – disse o homem.
– O que aconteceu em Cuba?
– Está registrado em vídeo, senhor. – O oficial pôs a toca-fitas e oprimiu o botão de play.
– Que caralho é isto...? – Por Deus! O agente da CIA deixou correr a fita durante vários minutos e a deteve.
– E o que quer me dizer com isto? É a palavra de um traidor de seu país – disse Cutter em resposta ao sorriso do agente.
– Há algo mais. – Mostrou-lhe a fotografia– . Eu adorarei vê-lo na prisão federal. É o que o FBI quer. O vão te prender hoje. Imagine qual será a acusação.
O caso está a cargo do subdiretor adjunto Murray. Acho que neste momento se acha reunido com o juiz federal... Enfim, não conheço a mecânica legal, nem me interessa.
– Então, por que...?
– Sou aficionado pelo cinema, e servi na Marinha. Nos filmes, quando se produz uma situação como esta, dão ao réu a possibilidade de arrumar a situação. “Nos altares do serviço”, dizem. Eu se fosse você, não tentaria fugir. Não sei se se deu conta de que o FBI o vigia. Aqui as coisas são um pouco lentas, assim não virão buscá-lo até as dez, ou as onze. Se chegar esse momento, Deus tenha piedade de você, almirante. O condenarão a prisão perpétua. Eu preferiria uma pena mais dura, mas irá parar numa prisão federal, onde algum malfeitor lhe vai romper essa bunda franzina que tem. Pensando bem, não está nada mal. Enfim. – Retirou a fita e a guardou na maleta junto com a fotografia que o FBI não devia ter entregue: haviam a Ryan que só a usariam para identificar ao Cortez– . Bom dia, senhor.
– Mas você tem que...
– O que? Ninguém me fez jurar nada. E que segredo revelei, almirante? Todos sabem que esteve lá.
– Você é Clark, não é verdade?
– Perdão, quem você diz que eu sou? – O homem partiu.
Meia hora mais tarde, Pat Ou'Day viu Cutter, que trotava colina abaixo para a avenida George Washington. O inspetor estava feliz: graças à ausência do Presidente não tinha que se levantar às quatro e meia da manhã para vigiar ao filho da puta. Estava a quarenta minutos em seu posto, fazendo exercícios de alongamento, e aí estava o homem. Ou'Day lhe deu vantagem e o seguiu: não era difícil manter o passo do homem mais velho.
Trotaram um par de quilômetros em direção ao Pentágono. Cutter seguia o caminho entre a rua e o rio. Dava a sensação de que não se sentia bem, porque alternava o trote com a caminhada. Talvez se deu conta de que o seguimos e quer verificar, pensou Ou'Day. Mas... não, de novo começou a trotar.
Frente à grande zona de estacionamento, Cutter saiu do caminho para a rua, como se tivesse intenção de cruzá-la. O inspetor o seguia a cinquenta metros. Algo não estava como devia. Algo, não sabia do que era, mas... Ou sim, era... seu jeito de olhar o transito. Ou'Day se deu conta que, na verdade, não esperava cruzar, mas já era tarde. Um ônibus que vinha do Norte, depois de ter descido da ponte da Rua 14 e...
– Cuidado! – Mas o homem não prestou atenção ao grito.
Os freios chiaram. O ônibus tentou se esquivar do homem, bateu de flanco contra um carro, depois se empilharam outros cinco. Ou'Day se aproximou porque era policial, e tinha o dever de fazê-lo. O vice-almirante James A. Cutter, oficial da Marinha dos Estados Unidos, estava estendido sobre o meio-fio. O
golpe o tinha lançado a mais de quinze metros de distância.
Quis que parecesse um acidente – pensou Ou'Day– , mas não o foi. O agente não percebeu o passo de um automóvel oficial que descia pelo outro lado da avenida, e cujo único ocupante contemplava a cena, como todos outros, mas não com olhar de horror mas sim de satisfação.
Ryan esperava na Casa Branca. O Presidente havia retornado devido à morte de seu assessor, mas seguia sendo o chefe do Estado, e se o SDI solicitava uma audiência com ele, era de algo importante.
Surpreendeu-se ao ver que chegava acompanhado de Trent e Sam Fellows, copresidentes da Comissão de Supervisão de Inteligência da Câmara.
– Em frente – disse com gesto majestoso na porta de seu escritório– . Parece um assunto importante.
– Senhor Presidente, isto está relacionado com certas operações clandestinas; em especial a denominada SHOWBOAT.
– O que é isso? – perguntou ele na defensiva. Ryan o explicou em poucas palavras.
– Ah! Sim, compreendo. O juiz Moore explicou pessoalmente a operação SHOWBOAT a estas duas pessoas em virtude da norma sobre operações perigosas.
– O doutor Ryan diz que há outras questões das que deveríamos estar inteirados – disse o congressista Fellows– . Operações relacionadas com o SHOWBOAT.
– Desconheço esse tema.
– Ao contrário, conhece sim, senhor Presidente – disse Ryan– . Você o autorizou. A lei me obriga a informar ao Congresso, mas me pareceu oportuno notificar-lhe antes de fazê-lo. Convidei os dois congressistas a me acompanharem como testemunhas.
– Sr. Trent, Sr. Fellows, me desculpem um momento? Aqui se está falando de questões que desconheço. Permitem-me interrogar brevemente o doutor Ryan a sós?
Digam que não! Suplicou Ryan para si, mas não lhe pode negar semelhante pedido do Presidente.
– O que está me escondendo, Ryan? – perguntou o chefe do Estado quando ficaram a sós– . Não negue, sei que me está ocultando algo.
– Não o nego, senhor. Oculto a identidade de algumas pessoas, agentes da CIA e militares, que agiram convencidos de que o faziam sob o comando de pessoas autorizadas. – Ryan lhe explicou o que tinha acontecido, enquanto se perguntava se o Presidente realmente o ignorava. Tinha a certeza de que nunca saberia.
Cutter levou os segredos mais importantes para a tumba. Ryan tinha algumas suspeita a respeito, mas... mas já havia resolvido não mexer naquele vespeiro. É possível estar metido em um assunto como este, sem ser corrompido por ele? Perguntou-se.
– Isso que Cutter fez, melhor dizendo, o que você diz que ele fez... eu não sabia de nada. Lamento-o, sobre tudo pelos soldados.
– Tiramos a metade deles com vida, senhor. Estive lá. Isso é o que não posso perdoar. Cutter os abandonou deliberadamente, com a intenção de dar a você uma...
– Eu jamais autorizei isso! – Foi quase um grito.
– Mas permitiu que acontecesse, senhor. – Ryan tentou olhar nos olhos, e quando estava a ponto de vacilar, foi o Presidente quem desviou o olhar– . Meu Deus, senhor, como você pôde permitir algo assim?
– O povo quer que detenhamos o tráfico de drogas.
– Então, detenha-o; tente fazer, mas dentro da lei.
– Assim não se pode.
– Por quê? Alguma vez o povo se opôs a que defendêssemos nossos interesses por meio da força?
– Mas o que fizemos não podia ser divulgado.
– Nesse caso, bastava notificar o Congresso em tempo e forma, e com toda discrição. Você obteve uma autorização parcial e não havia motivos para que a política entrasse no jogo, mas ao violar as regras, você mesmo converteu um problema de segurança nacional em um problema político.
– Ryan, você é um homem inteligente e ardiloso, além de um funcionário eficiente, mas não deixa de ser ingênuo.
Jack não ia cair na armadilha.
– O que quer de mim, senhor Presidente?
– O que é o que o Congresso deve saber?
– Quer que minta no interesse dele? Você me acusa de ingênuo. Há dois dias um homem morreu em meus braços: um sargento da Força Aérea, pai de sete filhos. Parece-lhe ingênuo de minha parte que inclua esse fato em minhas considerações?
– Não lhe permito que me fale assim.
– Acredite em mim quando digo que não gosto, senhor. Mas você não me obrigará a mentir.
– Entretanto está disposto a ocultar as identidades de pessoas que...
– Que acataram suas ordens de boa fé. Sim, senhor Presidente, isso sim estou disposto a fazer.
– Não pensou no país, Jack?
– Concordo com você que um escândalo seria muito prejudicial, mas esse é um problema político que você deverá tratar com os homens que esperam ai fora.
Minha função é proporcionar informação ao governo e realizar determinadas tarefas. Sou um agente do Estado. Esses homens que morreram por seu país também eram senhor, e tinham direito a esperar que o governo a quem serviam valorizasse mais suas vidas. Eram seres humanos, senhor Presidente: jovens que foram cumprir uma missão porque seu país... quer dizer, você, senhor, considerou conveniente. Não sabiam que tinham inimigos em Washington. Não suspeitavam, por isso morreram. Senhor Presidente, nossos soldados, ao receber o uniforme, prestam um juramento de “lealdade e fidelidade” a seu país. Em alguma parte se diz que o país deve lhes retribuir com a mesma moeda. Não é a primeira vez que isto acontece, mas eu jamais tive nada a ver com isso. Não mentirei para lhe proteger, nem a ninguém.
– Eu não sabia, Jack. Juro-lhe que não sabia nada.
– Senhor Presidente, quero acreditar que você é um homem de honra. O que acaba de dizer, seriamente acredita que o exime de culpa? – Jack fez uma pausa, mas só obteve um eloquente silêncio por resposta– . Quer conversar com os congressistas antes que eu dê o relatório?
– Sim. Espere lá fora, por favor.
– Obrigado, senhor Presidente.
Jack teve que reprimir sua impaciência durante uma hora, até que Trent e Fellows saíram para ir a Langley com ele. Os três entraram no escritório do diretor da CIA.
– Juiz – disse Trent– , acho que esse foi o serviço mais importante que você prestou ao país.
– Nessas circunstâncias... – Moore fez uma pausa– . O que outra coisa podia fazer?
– Deixá-los morrer, ou avisar o inimigo – disse Jack– . Nesse caso, eu não estaria aqui. Estou em dívida com você, juiz. Poderia seguir adiante com a mentira.
– E o que me diz de minha consciência? – disse Moore com um sorriso muito estranho, meneando a cabeça.
– O que acontece às operações? – perguntou Ryan. Não sabia do que tinham falado no escritório presidencial e se obrigou a não especular sobre isso.
– Não aconteceram – disse Fellows– . Vocês cumpriram com a regra sobre operações perigosas. É
verdade que se atrasaram um pouco, mas nos damos por notificados. Não queremos outro escândalo, e tal como vão as coisas, a situação resolverá por si só. Não é muito cômoda do ponto de vista político, mas legalmente é inexpugnável.
– Agora, o mais estranho é que esteve a ponto de terminar bem – demarcou Trent– . A operação CAPER é brilhante. Imagino que darão continuidade a ela.
– Positivo. Na verdade, obteve seus fins – disse Ritter, que abria a boca pela primeira vez– . É
verdade. Iniciamos uma guerra dentro do Cartel, e a morte de Escobedo foi o último episódio... ou talvez não. Agora que tantos chefes morreram, talvez a Colômbia possa fazer algo mais que até o momento.
Necessitamos esse recurso, não podemos permitir que nos tirem isso.
– Estou de acordo – disse Ryan– . Necessitamos esse recurso, mas não para formular a política oficial, maldita seja!
– Jack, onde termina o bem e começa o mal? – perguntou Moore – . Parece que você é o perito hoje nisso – adicionou, sem indício de ironia.
– Supõe-se que este é um sistema democrático, onde informamos ao povo, ou pelo menos a seus representantes – disse, assinalando os parlamentares– . Se um governo decide matar pessoas que atentam contra seus interesses ou contra seus cidadãos, isso não tem por que ser assassinato. Nem sempre. Não estou certo de onde está a linha de demarcação, mas não tenho por que estar. Há outras pessoas que têm essa função.
– Bom, depois de janeiro não seremos nós – disse Moore– . Estamos de acordo? A informação não sai daqui. Nada de contra-ataques políticos?
Trent e Fellows – o homossexual de Nova a Inglaterra e o rígido mórmon do Arizona–
representavam os extremos opostos do espectro político. Os dois assentiram.
– Com isto não se joga – disse Trent.
– Seria prejudicial para o país – acrescentou Fellows.
– E o que fizemos... – murmurou Ryan. Que merda temos feito...?
– Não têm fizeram nada – disse Trent– . Foram outros.
– Ahh – grunhiu Jack– . Bom no próximo ano tampouco eu estarei aqui.
– Acredita nisso? – perguntou Fellows.
– Não se engane, Ryan. Não sabemos a quem vai nomear Fowler, talvez a um advogado como ele.
Conheço a lista de candidatos – disse Trent.
– Mas não serei eu. Não gosta de mim – repôs Ryan.
– Isso não tem nada a ver. Você não gosta, e você não será o próximo diretor, mas continuará aqui –
assegurou Trent. Subdiretor, talvez, disse-se o parlamentar.
– Veremos – disse Fellows– . O que passa se tivermos uma surpresa nas eleições? Talvez Fowler cometa algum erro.
– Palavra de honra, Sam – disse Trent– . Se acontecer, aconteceu.
– Fica um fio solto que pode causar problemas – apontou Ritter.
– Já falei com Bill Shaw – disse Moore– . O mais estranho é que não violou nenhuma lei, salvo a de entrada ao país por meios ilegais. Além disso, do ponto de vista legal, a informação que lhe deu não era secreta. Assombroso, não?
Ryan meneou a cabeça e se retirou cedo. Tinha uma entrevista com seu advogado, para abrir uma conta em sigilo destinada à educação de sete meninos que viviam na Florida.
Levaram os infantes ao centro de operações especiais de Fort MacDill. Disseram-lhes que tinham completado sua missão, fizeram um juramento de guardar o segredo, deram-lhes suas promoções e os enviaram a seus novos destinos. Exceto a um.
– Chávez – disse uma voz.
– Sim, Sr. Clark?
– Te convido para jantar.
– Há algum restaurante mexicano perto daqui?
– Podemos procurar um.
– Qual é o motivo?
– Falemos de trabalho – disse Clark– . No meu há uma vaga. O salário é melhor que o do Exército.
Mas, terá que estudar durante um par de anos.
– Eu estava justamente estava pensando nisso – disse Chávez. Tinha pensado que ele tinha madeira de oficial. Se ele tivesse estado no comando, em lugar do Ramírez, talvez...ou talvez não. Mas queria averiguar.
– Você é bom, garoto. Quero que trabalhe comigo.
Valia a pena pensar nisso em todo caso, aceitaria o convite para jantar.
O capitão Winters, chamado o “Potro”, foi destinado a uma base aérea na Alemanha, onde se destacou e passou a comandar uma esquadrilha de aviões F-15.
O jovem tinha exorcizado os demônios da morte de sua mãe, e havia se tornado mais sereno e reflexivo. Jamais voltaria a olhar atrás. Tinham-lhe dado uma tarefa, e a tinha completado.
Em Washington, depois de um verão úmido e tórrido, sobreveio um outono frio e cinza. A população política se derrubou nas eleições de novembro, nas que se revisavam a Presidência, a Câmara de Representantes e um terço dos bancos do Senado, além de centenas de postos no Executivo.
Em princípios do outono, o FBI desbaratou várias operações de espionagem dirigidas pelos cubanos, mas o fato não afetou à campanha política. Deter um feixe de narcotraficantes era um triunfo; deter um grupo de espiões aparecia como uma derrota devido à existência do mesmo bando dentro do país. Isso só trazia rendimentos políticos na comunidade cubana, que, de todas maneiras, era provável que já tivesse decidido seu voto, posto que Fowler falava em “abrir o diálogo” com Cuba que os tinha exilado.
Depois da convenção de seu partido, o Presidente recuperou posições nas pesquisas de opinião, embora logo realizou uma campanha medíocre e se despediu de dois de seus melhores assessores políticos. Mas, sobre tudo, chegou o momento da mudança, e J. Robert Fowler ganhou a eleição por uma estreita margem de dois por cento do voto popular. Alguns disseram que era um mandato, outros que os dois tinham realizado uma campanha bem desorganizada e frouxa. Depois de pensar nisso, Ryan concordou com a segunda opinião.
Em toda a cidade e seus arredores, os funcionários deslocados se preparavam a voltar para seus lugares de origem – quaisquer que fossem– ou a ingressar em escritórios de advocacia para permanecer na capital. como sempre, a composição do Congresso variou muito pouco. Ryan conservou seu posto, embora fosse muito cedo para saber se o ratificariam no cargo do SDI. Sabia, que o Presidente seguia sendo-o, e que além disso era um homem de honra. Antes de deixar o cargo, decretaria todos os indultos e nomeações necessárias. Estes constariam em atas, mas ninguém tomaria nota disso, e Trent se ocuparia de explicar a situação aos seguidores do Fowler.
No sábado depois das eleições, Dan Murray e Moira Wolfe foram à base aérea Andrews, onde um jato os aguardava. Três horas mais tarde, aterrissaram em Guantánamo. Essa sequela da guerra dos Estados Unidos com a Espanha, que os americanos chamam Gitmo, é a única base militar que os Estados Unidos possuem em território comunista, um espinho cravado no flanco de Castro, tão irritante para ele como seu governo o era para o gigantesco vizinho do outro lado do estreito da Florida.
Moira gozava de bom conceito na Secretaria de Agricultura, como secretária executiva de um alto funcionário de carreira. Tinha emagrecido, mas isso não tinha importância. Fazia exercício e continuava com a terapia psicológica. Era a última vítima: Murray pensava que a viagem lhe faria bem.
Assim chegou o grande dia, pensou Cortez. Estava surpreso e decepcionado de que tudo terminasse assim, mas se tinha resignado. Tinha apostado forte e perdido.
Tinha medo, mas não ia demonstrar para os norte-americanos. Fizeram-no subir ao assento posterior de um carro de quatro portas que o conduziu até o portão. Outro carro o precedia, mas não prestou atenção nele.
E ali estava, a alta cerca de arame farpado, com os soldados: de um lado, fuzileiros norte-americanos, com seus uniformize de tarefa multicoloridos – eles os chamavam “utilitários”, conforme tinha entendido Cortez– , e do outro, os cubanos, com seus uniformes de combate. Talvez, só talvez, pensou Cortez, acabaria por sair dessa. O carro parou cinquenta metros da cerca. O cabo a sua esquerda o obrigou a descer do veículo e lhe tirou as algemas, para evitar que enriquecesse com elas um país comunista. Que estupidez, pensou Félix.
– Vamos, Tranquilo – disse o cabo, um negro– . É hora de voltar para casa.
Os dois fuzileiros o agarraram pelos braços para conduzir o de volta a sua mãe pátria. Na porta dois oficiais, de rostos imutáveis, esperavam-no.
Provavelmente o receberiam com abraços, que não significavam nada. Seja como for, enfrentaria seu destino com valor. Endireitou as costas e sorriu como se fosse ao encontro de seus familiares.
– Cortez – disse uma voz.
Duas pessoas saíram da guarita da sentinela, junto ao portão. Não reconheceu o homem, mas a mulher...
Félix parou tão bruscamente que os fuzileiros quase o jogaram no chão. Ela o olhava com fixidez, sem pronunciar uma palavra. Ele não soube o que dizer.
Cortez não tinha querido lhe fazer mal. Usá-la, sim, claro, mas no fundo, não...
– Vamos, Tranquilo. – O cabo o empurrou para o portão– . Ah, para o caminho, isto é teu –
acrescentou, lhe colocando uma videocassete debaixo do cinturão– . Bem-vindo a casa, idiota. – Deu-lhe o último empurrão.
– Bem-vindo ao lar, coronel. – Disse o major dos dois cubanos. Abraçou a seu antigo camarada e lhe sussurrou ao ouvido– : Já ajustaremos as contas!
Antes que o levassem, Félix se voltou pela última vez para olhar Moira; ali, de pé junto ao homem que ele não conhecia, e seu último pensamento quando se voltava para continuar seu caminho foi que ela o tinha compreendido: o silêncio era a paixão mais forte de todas.
Tom Clancy
O melhor da literatura para todos os gostos e idades