Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites
PERSEGUIÇÃO IMPLACAVEL
Dorothy não imaginou que uma simples visita ao gerente do banco poderia mudar sua vida para sempre. Mudou sua vida e a de seu irmão. Assaltantes... tiros... mortes... um sobrevivente... uma caçada implacável do investigador McGuire aos homens que acabaram com sua vida. Mas, mesmo com tanto ódio, um amor pode nascer? Um misto de ódio e vingança movem os personagens deste livro, em busca de um final justo para todos, em busca de um final feliz...
O Assalto
O Nacional Bank de Nova York podia não ser o maior do país, mas trabalhava com grande parte do dinheiro e investimentos que estavam sendo feitos em toda a costa leste.
Além disso, tinha a confiança das pessoas simples que procuravam juntar suas economias num local seguro. Nunca havia sido assaltado, e seus diretores e gerentes se orgulhavam disso. Até aquela manhã de terça-feira.
Por volta das 11 horas, quando o movimento ainda não havia atingido seu auge, cinco homens entraram na agência, com intervalo de alguns minutos uns dos outros. Fingiam preencher guias ou procurar informações nos balcões, enquanto o trabalho seguia normalmente. Eles 1evavam armas escondidas sob os casacos, aproveitando o frio do inverno que se aproximava para disfarçar o volume. Nos bolsos estavam suas máscaras.
Pouco depois das 11 horas, Dorothy McGuire entrou na agência do banco. Ficava um pouco distante de sua casa, mas seu irmão lhe dissera para procurar o gerente, velho conhecido seu, pois tinha plena confiança no homem e no banco. E seu irmão entendia dessas coisas. Seu trabalho como investigador da polícia lhe ensinara alguns truques, e Dorothy também aprendia com o que ele sabia.
Ela estava a meio caminho entre a entrada e a mesa do gerente, quando os cinco homens decidiram que havia chegado o momento propício. Com imperceptíveis sinais de cabeça uns aos outros, rapidamente colocaram suas máscaras e sacaram as armas de seus esconderijos. O líder, um homem alto e moreno, disparou um tiro para o alto, e as pessoas começaram a gritar. Dorothy parou imediatamente, enquanto os homens se espalhavam em diferentes posições e gritavam.
— Ninguém se mexe. Ninguém dá um pio ou morre.
Um deles, baixo e forte, correu para os caixas e mandou que colocassem o dinheiro num saco, enquanto o líder pegava o gerente pelo colarinho e o sacudia de um lado para outro.
— Eu sei que tem um cofre forte lá atrás. E eu sei que você não vai querer morrer, não é?
O homem estava tão apavorado que nem era capaz de responder. O líder continuou.
— Isso, bem quietinho, que tudo vai dar certo. Agora, nós vamos até o cofre, e você vai abri-lo para nós. Certo?
— C... C... certo — conseguiu finalmente gaguejar, enquanto começava a suar abundantemente.
— E nós vamos levar todo seu dinheirinho. Certo?
— Certo, certo, eu abro. Mas fiquem calmos. Não machuquem ninguém.
— É só fazer como eu disse e tudo vai sair bem.
Levou o gerente aos trancos até a parte traseira do banco, atravessando uma porta comum. Os outros já haviam esvaziado os caixas, e começavam a mostrar sinais de nervosismo. Um deles dirigiu-se até a porta traseira, gritando para o líder para saber se tudo estava bem. Retornou até os outros mais calmo, dizendo que já estava acabando.
Dois minutos depois, Dorothy, ainda parada no meio do saguão, viu o líder sair do cofre carregando o gerente até sua mesa. Mandou-o sentar-se, deu as costas para ele, e foi verificar com os outros se tudo estava bem.
Por alguma razão que só ele sabia, o gerente pensou que poderia resolver a situação sozinho, e começou a abrir a gaveta da mesa onde guardava seu revólver. Um dos assaltantes percebeu o movimento, e não pensou duas vezes, disparando um tiro certeiro entre os olhos. O gerente voou da mesa, bateu na parede por trás desta, e escorregou lentamente para o chão. Uma das mulheres no caixa gritou, mais de raiva do que de desespero. Sem pensar no que fazia, tentou arranhar o rosto do assaltante, que estava encostado ali no balcão. Não conseguiu, mas retirou sua máscara.
Houve um momento de silêncio absoluto, em que todos esperavam para ver o que aconteceria a seguir. Foi o líder que falou.
— Você é mesmo um imbecil Granger. Será que nunca pode fazer nada certo?
— E você falou o meu nome. E agora? — o homem disse.
— Que diferença faz o seu nome, se todos já viram seu rosto, seu idiota?
Lentamente, já tendo decidido o que deveria fazer, ele começou a recuar em direção à porta de entrada, guardada por um dos bandidos, e mandou que os outros se colocassem ao seu lado. Mandou todos os que estavam no banco encostarem no balcão. Mais lentamente ainda, com uma espécie de prazer mórbido, retirou a máscara do rosto. Os outros bandidos olharam para ele sem saber o que ele pretendia.
— O que é isso, chefe? Ficou louco? — perguntou o menor deles.
— Nós combinamos, não foi? Ninguém podia ter a menor pista. Nada! Se eles identificarem o Granger, pegam todos nós. Basta saber quem é um de nós, e todos seremos caçados.
Os prisioneiros já entendiam o que estava para acontecer, e alguns começaram a gritar. Mas os bandidos nem deram tempo para isso.
Esvaziaram suas armas nas vítimas, indefesas, encolhendo-se e tentando fugir às balas, mas sem a menor chance. O barulho foi imenso, mas durou pouco tempo. A fumaça dos disparos enchia o saguão, e muitas pessoas na rua tentavam se aproximar para ver o que estava acontecendo, mas o homem que estava de vigia fez com que se afastassem, disparando para o alto sobre a multidão.
Tendo terminado o trabalho, os bandidos ainda recarregaram suas armas e liquidaram as pessoas que ainda estavam vivas, gemendo de dor. Depois, saíram do banco novamente com as máscaras colocadas nos rostos.
Lá fora, alguns policiais tinham se aproximado, e trocaram tiros com os bandidos. Mas eram em menor número, e eles conseguiram fugir sem maiores problemas.
Dentro do banco, cerca de vinte pessoas, homens e mulheres, estavam caídos em verdadeiras poças de sangue, mortos ou morrendo lentamente. Dorothy McGuire era uma delas.
Uma Fazenda no Kansas
— Senhor Vincent?
— Sim, sou eu.
— Greg Vincent? — o homem insistiu.
— O próprio. O que você quer?
— Na cidade me disseram para procurá-lo — o homem era alto, forte e estava bastante sujo de poeira. Parecia que estivera cavalgando por muitas semanas, mas o senhor Vincent não estranhou o fato.
Era comum ver homens assim por ali. Ele apresentava-se, ao contrário, imaculadamente vestido, como sempre. Gostava de roupas caras que mandava vir da costa leste. Nova York, Chicago, e às vezes da Europa. Também era alto e forte, e tinha um olhar que já deixara muitos homens embaraçados. Parecia querer olhar dentro deles, adivinhando como eles realmente eram por dentro.
— E porque disseram para me procurar? — continuou Vincent.
— Estou procurando trabalho — o homem respondeu, e parecia não se importar nem um pouco com o olhar de avaliação de Vincent. Permanecia em pé, firme, olhando diretamente para Vincent como se estivesse a desafiá-lo. Vincent não gostava muito de homens assim. Preferia trabalhar com aqueles a quem pudesse comandar facilmente, aqueles que jamais discutiam suas ordens. E suas ordens às vezes eram bem discutíveis.
— Para trabalhar aqui — disse Vincent — você precisa ter um nome. Ninguém trabalha aqui sem ter um nome. Você tem um, por acaso?
— Posso ter quantos o senhor quiser — provocou o homem.
— Basta que diga o verdadeiro — Replicou Vincent, até mesmo gostando da brincadeira.
— Eu tenho vários nomes verdadeiros, senhor Vincent. Tudo depende de que estado eu estou no momento. Em Montana era um, no Texas outro. Aqui no Kansas meu nome é Clarke. Matthew Broderick Clarke.
— Broderick? — zombou Vincent, começando a rir abertamente, e fazendo com que os outros funcionários que acompanhavam a conversa também rissem do estrangeiro recém-chegado. — Mas que diabo de nome é esse?
— Tem piores — disse o homem, rindo calmamente, sem se abalar com o que se passava à sua volta.
— Sem dúvida — disse Vincent — Mas o que eu queria saber mesmo, é porque tantos nomes. E porque tantos estados? Você não é nenhum foragido da justiça, não é? Isso poderia causar problemas para mim. E depois, não gosto de tantos mistérios e segredos.
— Todo homem tem seus segredinhos, não é senhor Vincent? — o homem não se abalava e continuava com seu sorriso no rosto — Eu também. E não tenho nada a dizer, nem ao senhor nem a ninguém mais. Andei por vários estados, simplesmente porque eles estavam lá. E eu gosto de ver as coisas, lugares diferentes. Problemas... bem, isso todo mundo tem, mas eu resolvo meus problemas sozinho. Disso o senhor pode ter a certeza.
— Aposto que sim — disse Vincent, já começando a perder a paciência com Clarke — Mas isso não me diz nada. Você foge das perguntas, e eu continuo sem saber quem é você.
— Um homem com vontade de arrumar um trabalho no Kansas. Um homem que não gosta de responder muitas perguntas.
— Para mim não é o bastante — disse Vincent, preparando-se para virar as costas e entrar na casa.
— Muito bem, senhor Vincent. Se não precisa de mais um homem na fazenda, eu vou embora. Só vim aqui porque me disseram que o senhor Vincent não fazia muitas perguntas, mas estou vendo que me enganaram.
Vincent deu meia volta e encarou Matt Clarke novamente. Não gostava do jeito dele, mas achou que talvez fosse melhor tê-lo trabalhando por perto do que em alguma outra fazenda da região. Algo lhe dizia que aquele homem era importante para ele e seus planos.
— Estou vendo, senhor Broderick, que traz uma arma. For acaso sabe usá-la?
— Sei. E muito bem. E se o senhor não se importa, gostaria que me chamasse de Clarke, Matt, estranho, ou qualquer coisa do gênero. Mas esqueça o Broderick.
— Muito bem, senhor estranho — disse Vincent, aceitando a brincadeira e aliviando o ambiente — Pode trabalhar aqui, se realmente souber usar essa arma. Pode ser preciso... algum dia. Gene vai indicar um lugar para você ficar. E tome um banho. Mesmo daqui posso sentir que você está precisando.
Matt agradeceu em silêncio, fazendo uma continência com os dedos, e Gene carregou-o para o alojamento, apresentando aos outros homens pelo caminho. Todos sorriam, mas sentiam que Matt Clarke não era um homem comum. Era o único ali, com exceção talvez de Gene, o capataz, capaz de encarar Vincent de frente e conversar com ele no mesmo nível. Sem medo. E carregava o coldre de sua arma amarrado, como os pistoleiros contratados que por vezes apareciam pela região. Sempre prontos para atirar ao menor sinal de problemas.
À noite, depois de tomar seu banho e comer à vontade, Matt conversava com Gene, encostados numa árvore perto do dormitório.
— Nada de Broderick, não é? — começou Gene, querendo dar um tom de brincadeira à conversa.
.— Isso. Qualquer coisa menos Broderick.
— Acho que ninguém vai insistir nisso. Não com você andando por aí carregando uma arma desse jeito.
— Sempre preparado — disse Matt — Ao contrário do que você possa pensar, não sou pistoleiro, nem nunca fui. Mas gosto de estar sempre atento ao que está acontecendo à minha volta. É uma mania. E também serve para manter alguns curiosos à distância.
Gene ficou um tanto tenso, entendendo que Matt estava se referindo à ele. Matt percebeu.
— Não quis dizer isso para você não fazer perguntas. É que, andando sozinho por aí, a gente não pode se descuidar.
— É, eu sei que as coisas não são fáceis — disse Gene, um tanto triste.
— E você, Gene? Também tem segredos?
— Eu? Não. Não. Sou um sujeito simples. Vim do Texas. Trabalhava com gado por lá, tinha uma pequena propriedade, mas acabei perdendo tudo.
— No jogo?
— Não. Foi pior. Uns sujeitos chegaram por lá com muito dinheiro. Compraram terras e o que não podiam comprar, roubaram. Usaram pistoleiros contratados e coisas piores. Vim para cá tentar levantar algum dinheiro, e ver se consigo começar de novo.
— Bom... se você está sozinho é sempre mais fácil.
— Mas eu não estou. Vim com minha irmã.
— Ela está aqui? — perguntou Matt.
— Na fazenda? No meio de todos esses homens? Não, de jeito nenhum. Não sou tão louco assim. Consegui arrumar um lugar para ela na cidade. Queria que ela ficasse em Kansas City, mas tive medo. Tem muita gente por lá, e ela não saberia como se livrar dos espertinhos. Então ela ajuda a senhora Wilson. É a senhora que tem um restaurante na cidade.
— Conheci. Não pude comer nada porque não tinha dinheiro, mas achei o lugar muito bom. Limpo.
— Pois foi justamente por isso que eu quis que Clare ficasse com ela, ajudando na cozinha e na casa. Ela é viúva e mora na parte de cima do restaurante. Arrumou um quarto para Clare, e as duas se dão muito bem. E assim, ela fica longe da fazenda e dos homens. E do senhor Vincent.
— Do jeito que você fala do patrão, parece que não confia nele — disse Matt, tentando saber o que Gene pensava a respeito do homem mais rico da região.
— Não confio muito em ninguém para ser sincero. Clare esteve aqui uma vez, e eu pude perceber o olhar de Vincent para ela. E não gostei. E Clare me disse, mais tarde, que também não gostou nem um pouco dele, tentando se insinuar com ela. Insistiu para que ela viesse jantar com ele qualquer dia, mas ela nunca apareceu.
— Quando foi isso?
— Logo depois que chegamos e consegui o emprego de capataz. Já faz quase um ano.
— Um ano é tempo de sobra para se saber se um homem é bom ou não — disse Matt.
— Não com Vincent. A gente sabe que ele está sempre planejando alguma coisa, mas não sabe o que é. Se é ruim ou bom. Já ouvi alguns dos homens que estão aqui há mais tempo falarem de coisas que ele fez. Mais ou menos o que fizeram comigo no Texas. No começo fiquei com receio de trabalhar para ele, mas precisava do dinheiro. E depois... bom, depois, desde que eu estou aqui, não vi nada de errado. Mas sinto que alguma coisa está para acontecer.
— A quanto tempo Vincent está por aqui? — quis saber Matt.
— Não sei. Dizem que uns três anos. Talvez mais. Também é cheio de mistérios, como você. Ninguém sabe nada de sua vida antes de chegar ao Kansas e se estabelecer. Tinha dinheiro. Isso todo mundo sabe. Manda na cidade, ou com dinheiro ou com pistoleiros. E comanda todas as atividades dos outros fazendeiros da região.
— O que você tinha na sua fazenda, Gene?— perguntou Matt.
—-Não era uma fazenda, mas um rancho. Tinha pouco gado, plantava algumas coisas, conseguia viver bem. Preparava a terra para vendê-la por um bom preço, e depois ir para a Califórnia. Dizem que lá é melhor para se plantar, e isso é o que eu sei fazer. Melhor do que cuidar de vacas estúpidas.
— O Kansas também não é nada mal para isso, Gene. A terra é razoável. Você poderia ter um rancho aqui mesmo.
— Essa região é de gado. Quem manda são os criadores, como o Vincent. Como eu disse, nunca vi nada de errado, mas pelo que me contaram algumas pessoas já tentaram ocupar terras vazias por aqui.
— E aí?
— É só você dar uma volta pelas redondezas, que já fica sabendo. Não tem nenhum deles por aqui. Foram embora. Ou ficaram, mas estão enterrados tão fundo que não conseguiriam plantar nada, mesmo que estivessem vivos.
— E você, Gene?
— Eu o que?
— Qual é sua posição?
— Ora Matt, e que posição eu posso ter. Já disse que preciso ganhar mais algum, dinheiro. Tenho que pensar em Clare. Preciso trabalhar mais algum tempo, e torcer para que não ocorra nenhum problema enquanto isso.
— Certo. Eu entendo. Mas, a verdade é que você não gosta muito do Vincent, não é?
— Hum... É, não gosto muito dele. Na verdade, não gosto nada. Mas, às vezes, temos que fazer alguns sacrifícios.
Os dois ficaram sentados em silêncio algum tempo, apenas olhando as estrelas e satisfeitos com a conversa. Matt e Gene percebiam que não pertenciam àquela lugar. Pelo menos, não enquanto homens como Vincent controlassem tudo o que as pessoas faziam. Gene, mais uma vez, teve a sensação de que alguma coisa estava para acontecer, em breve. E que Matt tinha algo a ver com isso, mas não quis perguntar diretamente à ele. Parecia querer esconder alguma coisa e, apesar de Gene já saber que seriam amigos, sabia também que Matt não se abriria com muita facilidade. Se Vincent tinha planos, Matt também, e Gene .percebia claramente. Resolveu continuar a conversa, mas mudando de rumo.
— Matt. Acho que você devia conhecer Clare.
— Quem?
— Clare, minha irmã. Eu lhe falei nela a pouco.
— Ah, claro Gene. Estava distraído. Mas porque você acha que eu deferia conhecê-la?
— Não sei muito bem. Mas me parece que vocês iam se dar bem. E depois eu já estou começando a ficar preocupado com ela. Sempre sozinha, apenas com a senhora Wilson e...
— Espere um pouco Gene — interrompeu Matt, levantando-se rapidamente para colocar-se à frente de Gene — Mas que tipo de sujeito é você afinal. Agora a pouco estava falando da maneira como eu carrego as armas, estava falando de pistoleiros, e de repente está falando da sua irmã que está sozinha e...
— Pronto, xerife Needler. Os criminosos...
— Calma Matt — desta vez Gene interrompeu, levantando os braços e sorrindo, para apaziguá-lo — Eu nunca disse que você era pistoleiro. Eu conheci pistoleiros, e olhei nos olhos deles. E sei que neles falta alguma coisa que em você sobra. Não me peça para dizer o que é, mas eu sei que é diferente.
— Mas isso não quer dizer que...
— Espere, Matt, deixe eu acabar — Gene interrompeu-o mais uma vez — Eu não quis dizer que você e Clare devem namorar, ou algo parecido. Só disse que eu acho que vão se dar bem. E que ela está sozinha, e você também, então...
— Então nada — disse Matt — Você está querendo achar um marido para ela? É isso? Se for pode esquecer, porque eu sou completamente contrário à idéia de me casar.
— Mas ela é bonita Matt — Gene estava se divertindo com a reação de Matt — Você vai gostar muito dela.
— Não me casei até agora, Gene. Não vou me casar mais.
— Besteira. Você é jovem.
— Já tenho trinta anos, e isso é muito mais do que eu julgava possível viver.
— Mas você tem que parar em algum lugar, Matt. Não é possível passar a vida inteira viajando de um lugar para outro. Você precisa achar um lugar para parar.
— Eu sei — disse Matt, enquanto voltava a sentar-se ao lado de Gene e acalmava-se — Eu sei que preciso parar. Eu sei de todas essas coisas que todo mundo sempre fala. Mas sei de outras coisas que você não sabe. Nem tem idéia. E existem coisas que eu preciso fazer na vida, antes de tomar qualquer outra decisão importante, Gene, Algumas dessas coisas são bem perigosas. Eu diria que são muito perigosas, e eu posso morrer. E não pretendo deixar nenhuma viúva, e muito menos alguma criança sem pai.
—- Por um momento pensei que você tivesse pavor ao casamento — disse Gene — Mas, afinal, vejo que eu tinha razão desde o início.
— O que você quer dizer? — perguntou Matt.
Que desde que você chegou, pela manhã, eu percebi que alguma coisa estava para acontecer por aqui.
— Por quê?
— Pela maneira como você falou com Vincent, pela sua forma de andar, ou de ficar ali parado de pé encarando o homem.
Não sei. Mas eu sentia que alguma coisa importante estava para acontecer.
— Você tinha razão, Gene — disse Matt — Está mesmo. E pode ter certeza de que Vincent também percebeu isso. Só me contratou porque quer que eu fique por perto, para saber exatamente onde eu estou e o que estou fazendo.
— Mas por quê? O que é? Ou talvez eu não devesse perguntar...
— Não, está tudo certo. O problema não é perguntar. É que, se eu responder, você pode sofrer as conseqüências. Já deu para perceber que você é um daqueles homens bons, Gene. É melhor que você não fique sabendo de tudo. Mesmo porque, o próprio Vincent não sabe nem da metade do que está por vir.
— É coisa ruim? — Gene arriscou perguntar, curioso de saber o que estava se passando, pelo menos uma parte da história.
— Para o Vincent, com certeza. Talvez para mais algumas pessoas. Talvez para mim. Mas, depois de tudo o que você me contou sobre a sua vida, eu espero sinceramente que não seja ruim para você. Portanto, acho melhor ficar de fora de qualquer coisa que cheire a confusão.
— E você? O que vai fazer?
— Primeiro: ficar por aqui. Segundo: Não conhecer a Clare. Terceiro: atrapalhar um pouco a vida do senhor Vincent.
— Atrapalhar?
— Isso mesmo, Gene. Eu sei de muitas coisas das quais ele não tem a menor idéia. A menor desconfiança. Conheço a vida dele melhor do que você imagina. E tenho algumas surpresas preparadas para ele.
— Quando?
— No momento certo.
Matt disse isso e esticou os braços e pernas, espreguiçando-se e dando a entender a Gene que a conversa estava acabada, e que não ficaria sabendo de mais nada por enquanto. Os dois se levantaram e começaram a caminhar de volta ao dormitório. Matt parou e pôs a mão no ombro de Gene.
— Sabe de uma coisa, Gene?
— O que?
— Gostei de conhecê-lo. Acho que se tudo acabar bem, podemos até ser amigos.
Gene sorriu, satisfeito. Também gostara de Matt, e não duvidava de sua capacidade em avaliar as pessoas. Sabia que ele era um bom homem. Sorriu mais ainda ao pensar que talvez ele e Clare se dessem bem. Como se estivesse lendo seus pensamentos, Matt ainda disse:
— Mas eu NÃO VOU conhecer Clare.
Ainda riam muito quando entraram no dormitório.
Clare
— Muito prazer — disse Clare.
— O prazer é todo meu, senhorita Clare — disse Matt, enquanto mantinha a mão da jovem entre as suas.
Gene, parado ao lado dos dois após apresentá-los, olhava de um para o outro e sorria. Estava satisfeito com o efeito que haviam causado um no outro. Clare, mais tímida e sem ter tido muitos contatos com homens em sua vida, estava sem jeito, com as faces rosadas e tremendo um pouco. Matt era grande, e podia ser considerado um sujeito bem apanhado. Principalmente depois de ter tomado outro banho. O primeiro, Gene lhe dissera, fora para tirar a primeira camada de pó e sujeira. O segundo, no dia seguinte logo pela manhã, fora pára tirar o que não fora possível sair no primeiro banho. Havia também recebido roupas novas na fazenda, e estava bem melhor assim, apesar de não se separar de sua arma nem por um instante. Ainda trazia o coldre amarrado à perna, colocado baixo, para poder sacar mais facilmente.
Matt também não parecia muito à vontade na presença de Clare. Com certeza não esperava encontrar uma mulher tão bonita. Claro que Gene o avisara, mas afinal de contas, ele era seu irmão. Era de esperar que exagerasse um pouco. Ele segurou a mão de Clare mais tempo do que deveria, e a jovem não a retirou, com receio de ofendê-lo. Mas Gene resolveu o problema, segurando Matt pelo braço.
— Vamos lá, Matt. Vamos sentar e comer alguma coisa antes que vocês dois se derretam aqui mesmo.
Suas palavras foram suficientes para fazer com que Matt largasse a mão de Clare, envergonhado, e Clare corasse ainda mais.
— Eu preciso ajudar a senhora Wilson, Gene — ela falou ao irmão evitando encarar mais uma vez Matt. Sabia que se olhasse novamente para ele, seria capaz de ficar paralisada como antes.
— Está bem, Clare. Depois, venha sentar conosco, se não estiver muito atarefada.
Clare murmurou alguma coisa ininteligível e saiu às pressas para a cozinha, onde a senhora Wilson cantava alegremente, como se para ela cozinhar para os outros fosse a ocupação mais deliciosa do mundo. E realmente era.
Gene praticamente carregou Matt para a mesa, sempre puxando-o pelo braço. Não esperava aquela reação do amigo recém-conquistado. Sabia que Clare era realmente bonita, mas achava que Matt iria dizer alguma coisa grosseira, para se ver livre do encontro.
E como fora difícil levá-lo até Clare. Bem cedo pela manhã Matt se convenceu de que Gene era o maior casamenteiro de todo o Kansas, e talvez até mesmo do Texas e Nebraska, tamanha a vontade com que ele se empenhou na tarefa de levar Matt à cidade. Não tinham nenhum trabalho para fazer naquele sábado, e era a oportunidade perfeita. A proposta do segundo banho já deixou Matt preparado. Não acreditou que ainda estivesse tão sujo assim, mas os outros homens também brincaram com ele, insistindo em que ninguém poderia dormir em paz com ele no dormitório. As roupas novas, surgiram rapidamente após o banho, deram a Matt a certeza de que Gene estava preparando alguma coisa. E teve suas suspeitas confirmadas.
— Bom, Matt. E então? — disse Gene, sempre sorrindo.
— Então o que Gene?
— Ora, precisamos comer alguma coisa, não é. Vamos ter que almoçar.
— E daí. Se temos que almoçar, então almoçamos.
— Mas não tem ninguém na fazenda. Não tem comida.
— Como, não tem comida? ;
— Hoje é sábado, Matt. Foram todos para a cidade. Ou então para mais longe ainda. Não tem comida aqui. Temos que ir para a cidade Matt.
— E almoçar no restaurante da senhora Wilson, eu aposto — disse Matt, começando a ficar nervoso.
— É o melhor lugar para se comer em todo o Kansas. Na verdade, é o único restaurante na cidade, sem contar com aquela porcaria do Stanley, uma comida que nem os porcos aceitam.
— O melhor — disse Matt — o único, e aquele no qual Clare trabalha.
— Bom, Matt, eu não posso evitar isso.
— Claro que não. Mas podemos comer por aqui mesmo, fazer alguma comida nós mesmos.
— De jeito nenhum. Imagine se vou deixar meu amigo comer qualquer coisa, qualquer porcaria. Vamos lá que eu pago e você vai ter o que há de melhor.
Matt não aceitou facilmente, e a discussão durou uma hora. Mas Gene conseguiu carregá-lo. E agora, ali estava ele, sentado à mesa, um tanto pálido, e sem conseguir abrir a boca, como se fosse um garoto. Gene se divertia muito.
— Você está um pouco estranho Matt. O que foi que aconteceu?
— Mas, Gene... Ela é linda — Matt conseguiu falar.
— Eu avisei, não foi?
— Mas eu não pensei... quer dizer... eu não imaginava que... bem... que ela fosse... assim.
E Gene ria sem parar, dando tapinhas nas costas de Matt, que só conseguiu se recuperar após o segundo copo de uísque. O almoço foi conturbado para Matt, remexendo-se na cadeira e virando o corpo para acompanhar Clare cada vez que ela entrava na sala.
Só puderam conversar mais calmamente à tarde. A senhora Wilson, que percebera muito bem a agitação em que Clare se encontrava, fez questão de que eles ficassem conversando na sala principal da casa após o almoço. Gene e Clare trocaram as informações da semana, pois só se viam aos sábados e domingos, e depois disso, Gene inventou uma desculpa qualquer para deixá-los a sós.
Matt estava preocupado, mas também não podia deixar de gostar do que estava acontecendo. Após alguns instantes de um silêncio perturbador, ele resolveu começar a conversa, da maneira mais sincera possível.
— Bem, senhorita Clare...
— Pode me chamar de Clare.
— Certo... Clare. E pode me chamar de Matt. Acho que fica mais fácil assim, não é?
— Sem dúvida — ela disse, e parecia aliviada percebendo que não seria tão difícil conversar com ele.
— Parece — ele continuou — que seu irmão está querendo nos juntar de qualquer maneira.
— É. E eu achei estranho, porque normalmente ele não é tão expansivo assim.
— E isso que ele só me conheceu ontem.
Aos poucos foram relaxando e pensando no que iriam dizer.
— Gene falou que você... bem... ele disse que nós... hum... nos entenderíamos muito bem — falou Matt. — Não sei por que ele achou isso, mas parece que ele estava certo, não é? Já conseguimos até mesmo nos tratar pelo primeiro nome.
Depois disso os dois não conseguiam mais parar de rir, abandonando completamente a timidez e percebendo que estavam agindo como crianças. Agora que já sabiam que sentiam-se tremendamente atraídos um pelo outro, já não sentiam necessidade de tentar esconder isso. Conversaram durante uma hora, mas Matt não disse quase nada sobre sua vida.
— Estou intrigada — disse Clare — Gene disse que você era misterioso, mas não pensei que fosse tanto assim, Matt.
— Isso perturba você?
— Nem tanto. Mas é que todo mundo quer saber mais sobre as pessoas que estão próximas. É natural. Por exemplo, você não me contou nada sobre sua família.
— É porque não tenho.
— Ninguém?
— Ninguém mesmo.
— Nem uma irmã para fazer companhia ao Gene? — perguntou Clare, e sorriu, querendo fazer uma brincadeira. Mas Matt ficou sério e nada disse. Preocupada em ter falado algo de errado, Clare apressou-se em se desculpar.
— Sinto muito Matt, eu não queria me intrometer, mas...
— Não, não, está tudo bem — ele disse, recuperando-se — É que eu já tive uma irmã. Ela morreu.
— Ah, desculpe Matt.
— Assassinada.
— Meu Deus, que coisa horrível. E eu aqui falando sem parar. Eu sinto muito mesmo.
— Tudo bem, você não tinha como saber. E depois, eu nunca comentei isso com ninguém.
— Eu acho que você não quer mais falar sobre isso, não é?
— É melhor não falar. Pelo menos por enquanto Clare. Depois que eu acabar o que devo fazer, se eu acabar, quem sabe...
— O que você deve fazer? O que é? Algum trabalho na fazenda? É disso que você está falando?
— Não, não. É alguma coisa que eu tenho perseguido há muito tempo. E agora chegou a hora de terminar de uma vez por todas.
— Outro mistério? — ela perguntou. Matt ia se zangar com a insistência, mas, quando olhou para Clare, desistiu. Ela havia conquistado Matt mais fácil do que ele imaginara.
Talvez, ele pensava, estivesse sozinho a tempo demais. Havia se esquecido como era conversar com uma mulher a quem não tivesse que pagar depois. Uma mulher limpa, educada, e que também estava interessada nele. Pensar em estar com Clare fez com que Matt desejasse se ver livre de sua missão de uma vez por todas. Podia até mesmo desistir do que queria fazer. Não devia nada a ninguém, não devia explicações. Podia simplesmente parar. Arrumar um emprego decente, casar, ter filhos. Levar uma vida como todas as pessoas costumam levar.
Mas, como sempre, esses pensamentos não persistiam em sua mente. Ele logo se lembrava do que tinha pela frente, e dizia a si mesmo que não iria desistir agora. Não depois de ter gasto três anos de sua vida para chegar a isso.
Clare percebeu que Matt estava perdido em seus pensamentos e não insistiu em querer saber mais sobre sua vida e seus mistérios. Mas o próprio Matt, pela primeira vez em tantos anos, tinha vontade de se abrir com alguém.
— São mistérios sim, Clare — ele disse, baixando o tom de voz e se arriscando a segurar sua mão. Clare não deu sinal de se importar com isso. Pelo contrário, apertou a mão de Matt, e sentaram-se mais próximos no sofá. Matt prosseguiu.
— Mas não será sempre assim. Quanto a isso você pode ter certeza. Ontem, falei com Gene mais do que havia falado nos últimos três anos, e nem mesmo sei por quê.
— Gene inspira isso nas pessoas — disse Clare — É assim desde criança. Ele sorri de uma forma que desarma os outros.
Matt também sorriu.
— Pode ser. — ele disse — Mas acho que também tem a ver com o fato de eu estar chegando ao final de uma missão. Uma missão que eu devo cumprir. Por isso estou me sentindo tão à vontade com você.
— Pode ser de família, também — ela zombou — Devo ter algo do que Gene tem, e você confiou em mim também.
— Mas você é bem mais bonita do que ele — ele disse aproximando-se ainda mais. Clare não se afastou, mas baixou os olhos, um tanto sem jeito. Matt continuou falando, nem mesmo acreditando que estava se envolvendo daquela forma.
— E eu acho. Clare, que vou me envolver muito com você. Ainda que eu não deseje isso, não consigo evitar.
— Mas isso não é uma coisa ruim, Matt — ela disse — Se eu não gostasse de você, não estaríamos aqui, agora, falando dessas coisas. Você já deve ter percebido que eu também estou me envolvendo. Só que não acho tão ruim quanto você está achando.
— Não me entenda mal, Clare. Não acho ruim. Acho maravilhoso. O que é ruim é o momento. Eu disse que tinha uma missão. E ela é perigosa.
— O quanto é perigosa?
— Bastante. Eu posso morrer.
— Então desista — ela quase gritou, aproximando seu rosto de Matt.
— Não agora. É tarde demais, Clare.
— Então, apenas não morra.
— Eu vou tentar.
Depois, não tiveram mais vontade de conversar, e beijaram-se, esquecidos por um instante de qualquer problema que existisse no mundo.
Clare e Matt foram tirados de seu devaneio pelos gritos de Gene, entrando na sala correndo e chamando por eles.
Matt não conseguiu perceber, pela expressão de seu rosto, se era coisa boa ou não. O próprio Gene não havia decidido se era algo de ruim, mas sabia que vinha confusão.
— Calma Gene — disse Clare — Você vai incomodar a senhora Wilson, gritando dessa maneira.
— Matt — ele prosseguiu, falando rapidamente — Vincent mandou chamar todos os homens de volta à fazenda.
— Ah, mas porque? — Clare estava brava por perder a companhia de Matt — Isso nunca acontece. Nunca num sábado de folga.
— Não sei o que foi — disse Gene, olhando fixamente para Matt, adivinhando que ele sabia exatamente do que se tratava.
— Eu sei! — disse Matt, com muita calma. Como não falasse nada, os irmãos pediram que dissesse de uma vez. Matt sorria, calmo, e começava a colocar de volta em torno da cintura a arma que deixara em cima da mesa, ao lado do sofá.
— Está chegando a hora — ele disse, olhando-os fixamente — A hora de se saber quem é quem. De mostrar claramente quem são os coelhos, e quem é a raposa. Ou será um lobo?
— Faz parte desse mistério todo Matt? — quis saber Gene.
— Apenas uma parte, Gene. Algo que eu soube a caminho daqui. Os colonos devem estar chegando. Por isso ele mandou reunir todo mundo.
— Que colonos? — perguntou Clare.
— Eu os encontrei a caminho, uma semana antes de chegar aqui. Conversei com eles, e disseram que vinham para tomar posse das terras que o governo lhes vendeu .
— E daí? — perguntou Clare — Qual é o problema nisso?
— Tem muitos problemas — disse Gene, que já tinha entendido o que iria acontecer — Os fazendeiros querem as terras que não estão ainda ocupadas, Clare. Só que essas terras vão ser ocupadas pelos colonos.
— E vai haver confusão? — ela perguntou.
— Muita — disse Matt, já pronto para sair — Muito mais do que se imagina. Gene, os colonos não traziam gado. Não são criadores de gado. Eles vão cultivar a terra. Como você fazia no seu pedaço, no seu rancho que foi tomado. O que você acha que vai acontecer por aqui? Acha que vai ser diferente?
— Não — ele disse, agora muito sério e preocupado.
— Não vai. Nós sabemos disso. E quem é o maior interessado nessas terras? Você? Eu?
— Vincent.
— É isso, Gene. Vincent! O homem que chegou ao Kansas já milionário. O homem que não precisou de muito tempo para dominar completamente a região, e que não vai querer perder esse domínio justo agora.
— E ele vai nos dar ordens — disse Gene — Vai querer que nós expulsemos os colonos daqui. De um jeito ou de outro.
— É isso mesmo Gene — disse Matt
— Ele vai dar essas ordens, e quem não cumprir vai se dar mal também.
— O que você vai fazer agora, Matt? — ele perguntou.
— Eu sei o que eu não vou fazer Gene. Não vou expulsar nenhum colono, ou fazer qualquer mal à eles. Vou fazer o que tenho que fazer. Vou cumprir a minha missão, de um jeito ou de outro. Eu vou acabar com a festa do senhor Vincent. Depois de três anos, finalmente, o poderoso senhor Vincent vai receber a visita da Justiça.
E Matt Clarke saiu da casa deixando Clare e Gene sem saber o que fazer. Clare começou a chorar baixinho, com medo, mas Gene nada podia fazer para confortá-la.
Ele também saiu. Ia com o amigo, para o que desse e viesse.
Perseguição
Os cinco ladrões que assaltaram o National Bank de Nova York, naquela manhã em que Dorothy McGuirre teve o azar de resolver visitar o gerente, também não tiveram muita sorte. Nem uma carreira muito longa.
Não foram tão cuidadosos como pensaram, e uma das vítimas sobreviveu. Um homem de cerca de 40 anos, que recebeu três tiros, mas nenhum fatal. O corpo de uma mulher protegeu-o dos disparos finais, quando os bandidos já se preparavam para deixar o banco.
O homem ficou muito abalado, principalmente depois de já acordado e no hospital, saber que tinha sobrevivido graças a proteção da mulher que caiu por cima de seu corpo como um escudo não intencional. Mas pode ajudar nas investigações. Sua descrição do homem que teve sua máscara arrancada pela jovem do caixa não deixou qualquer dúvida à polícia. Era um dos bandidos mais conhecidos do estado. Jimmy Douglas, com várias ordens de prisão contra si.
A perseguição de Malcolm McGuire começou por ele.
Malcolm recebeu a notícia de que o Banco havia sido assaltado por volta do meio-dia. Foi até o local porque era o mais indicado para as investigações. Não tinha idéia das intenções da irmã, e a única coisa em que pensou foi em Everett, o gerente do Banco, que ele conhecera cerca de um ano antes. Não eram grandes amigos, mas de vez em quando saíam juntos para beber uma cerveja e pôr as notícias em dia. Everett era casado, e tinha duas filhas.
O inspetor esperava-o à entrada do banco, e Malcolm percebeu imediatamente que algo estava errado. O inspetor Curtis estava branco como um lençol, o que não era comum, mesmo em se tratando de um massacre como aquele.
Malcolm cumprimentou-o e tentou entrar no banco, mas Curtis segurou-o por um braço, impedindo sua entrada.
— Espere aqui fora um instante, Malcolm — ele disse, sem coragem de olhar em seu rosto diretamente.
— O que foi, inspetor? Tenho que entrar, por mais terrível que seja, não é?
— Não, não tem de entrar. É melhor ficar aqui fora.
Cada vez mais desconfiado de que algo não estava certo naquela história, Malcolm observou o interior do banco, percebendo os corpos amontoados junto ao balcão, e a quantidade assombrosa de sangue no chão.
— O que está havendo, Curtis? — ele insistiu — Vocês me chamaram aqui para iniciar as investigações. Eu sou o melhor nesse trabalho, e você sabe disso. E agora quer me impedir de entrar...
— Malcolm — o inspetor conseguiu fazer com que ele o seguisse até a calçada, liberando a porta do banco — Malcolm, escute bem. É melhor você não entrar. Tem alguém que você conhece lá dentro. Entre as vítimas.
— Ora, Curtis. Eu já sei disso. Everett era gerente desse banco. Eu o conhecia. Mas não fomos tão íntimos assim. Estou triste com o destino que ele teve, mas...
— Malcolm, eu não estou falando de Everett.
— Não? Então...
Curtis procurou uma forma mais delicada de dizer o que precisava, mas simplesmente não encontrou. Eles lidavam com assassinatos violentos todos os dias, era algo comum para eles. E Curtis não conhecendo uma maneira diferente de tratar do assunto, ficou calado, olhando para o chão. Malcolm insistiu:
— E então Curtis? Quem é que está lá?
— Dorothy — ele finalmente conseguiu dizer — É a Dorothy, Malcolm. Sua irmã estava no banco na hora do assalto. Ela está morta.
Dois dias depois, Malcolm estava sentado numa cadeira desconfortável de madeira, na sala do inspetor Curtis, e tentava convencê-lo de que estava bem, e podia voltar ao serviço.
Quando Curtis lhe contara de Dorothy, ele invadira o banco, e não conseguiu resistir à visão da irmã caída ao chão, com o rosto deformado por um tiro à queima-roupa. Malcolm desmaiou, e só foi acordar horas depois, numa cama de hospital. Lá, deu muito trabalho aos médicos e enfermeiras, e Curtis, que o acompanhara até lá, achou que o homem havia enlouquecido completamente.
Mas não. Malcolm pôs para fora toda sua dor, perdendo a única pessoa que tinha no mundo, e com quem tinha passado muitas dificuldades, até conseguirem ter uma vida relativamente boa em Nova York. Dorothy iria se casar, e Malcolm não precisaria mais se preocupar com ela. Mas agora, nunca mais veria Dorothy, e ele não conseguia imaginar uma coisa dessas. Seu delírio durou um dia inteiro, mas acabou.
Observando o homem sentado à sua frente, Curtis não conseguia ligá-lo à imagem do homem enlouquecido de dor e desespero que vira no hospital.
Malcolm estava sério, porém frio. Era a imagem de um homem decidido. Curtis já o conhecia o suficiente para saber que ele tinha tomado uma decisão. Tinha uma idéia, e iria segui-la à risca, e não importava o que isso custaria.
Curtis não iniciou a conversa, pois sabia que Malcolm iria direto ao assunto.
— Quero esse caso para mim, Curtis — ele disse, exatamente como Curtis previra.
— Você precisa descansar Malcolm — ele tentou tranqüilizá-lo, mas não acreditando muito que fosse possível.
— Eu descanso quando acabar. Mas me dê o caso, Curtis.
— Você está diretamente envolvido Malcolm. Não acho que seja uma boa idéia você cuidar disso.
— Você sabe que eu sou o melhor homem que você tem. Eu sou o sujeito que vai pegar esses bandidos, e você sabe que só eu posso fazê-lo.
— Certo, Malcolm. Você é muito bom, e todos sabem disso. Mas não é o único. Todos os policiais e delegados estão revoltados com o que aconteceu. Não se fala de outra coisa em todo o estado. E muita gente já começou as investigações por conta própria.
— Não vai adiantar, Curtis. Você acha que vai conseguir me enrolar com essa conversa fiada. Os canalhas eram profissionais. Não eram ladrões iniciantes. Frios, assassinos. Dispostos a tudo. Não é qualquer um que vai conseguir se aproximar deles. Devem ter encoberto suas pistas muito bem.
— Está certo, Malcolm. Eu sei de tudo isso. Mas você está perturbado pela morte de Dorothy. E eu não quero, entenda bem Malcolm, não quero que isso se torne um assunto pessoal.
— E como poderia deixar de ser, Curtis. Não pode ser de outra maneira. Era minha irmã que estava lá. Não posso deixar isso de lado. E vou atrás dos culpados, Curtis. De um jeito ou de outro.
Continuaram discutindo por mais de uma hora, mas Malcolm estava determinado. Curtis fez de tudo para que desistisse, ou pelo menos aceitasse cumprir a missão com outros dois agentes, mas ele entendia que precisava ir sozinho.
Curtis sabia que ele era realmente muito bom naquilo que fazia. Afinal, ele mesmo o colocara na polícia, e acompanhara todo seu desenvolvimento, cuidando para que aprendesse tudo sobre a investigação policial. Mas também sabia que não era o único. Haviam outros bons investigadores, que também poderiam conseguir resultados satisfatórios, e que certamente iriam realizar o trabalho sem se arriscar tanto quanto Malcolm.
Curtis acabou concordando em entregar-lhe a missão, mas não por ter sido convencido por seus argumentos. Quando Malcolm dissera que iria atrás dos culpados, de um jeito ou de outro, estava falando sério. E Curtis sabia disso. Se entregasse a missão à outros, Malcolm se desligaria da polícia para resolver o caso. Iria contra qualquer ordem, perderia seus direitos como representante da lei e poderia até mesmo ser preso caso acabasse matando um dos ladrões. E isso Curtis não poderia permitir. A vida de Malcolm já estava meio arruinada com a morte de Dorothy. Não iria permitir que se arruinasse por completo, tendo em cima dele a acusação de assassinato. Como homem da lei, ele teria pelo menos o direito de se defender, e os bandidos que enfrentavam eram sujeitos sem qualquer escrúpulos.
E foi assim que Malcolm iniciou um período de perseguição que, naqueles instantes, nem ele nem Curtis poderiam imaginar que se estenderia por três anos, e por vários estados.
Jimmy Douglas foi o mais azarado de todos, o único a ser reconhecido e, portanto, o primeiro a ser procurado. E estava tranqüilo em seu canto, num bairro pobre de Nova York, certo de sua segurança. Já que não havia sobrado ninguém para contar a história. Os jornais não falavam do homem que sobrevivera, pois a polícia precisava esconder o fato até agarrar Douglas.
A primeira fase foi a mais fácil para Malcolm. Encontrar Douglas não demorou mais do que um dia. O homem era o mais burro do bando, e gastava sua parte do dinheiro, sem se preocupar se dava nas vistas ou não. Malcolm foi pelo faro, sentindo o cheiro do bandido. Encontrou-o estirado numa cama imunda, completamente bêbado e na companhia de uma prostituta. No momento em que arrombou a porta do quarto, Douglas estava apagado sobre a cama, enquanto ela revirava seus bolsos à procura de dinheiro para roubar. Ela gritou e fugiu sem que Malcolm tentasse detê-la.
Douglas era o único que podia indicar o paradeiro dos outros quatro. Malcolm sentou-se numa cadeira, esperando que ele acordasse.
Iriam ter uma longa noite de interrogatórios.
Quando o inspetor Curtis foi informado de que o corpo de Jimmy Douglas havia sido encontrado, Malcolm já não estava mais no estado.
Douglas tinha muitas marcas de espancamento, em todas as partes do corpo, e algumas marcas de queimaduras de cigarro. Assim que examinou o cadáver. Curtis percebeu que nada iria deter Malcolm. Aquilo fugia de seu estilo mais tinha que admitir que o homem conseguira uma pista qualquer. Junto com o corpo havia uma carta, que foi entregue a Curtis. Nela havia apenas um recado simples.
"Consegui a informação. Estou atrás do bandido número 2. Aviso quando encontrar. M."
Nada sobre seu nome ou paradeiro. Malcolm não queria ninguém atrás dele. Curtis não sentia pena por Douglas, mas temia que Malcolm entrasse demais no mundo de violência sem limites dos bandidos, acabando por se transformar num deles, ou quase isso. Mas agora, de nada adiantava pensar nisso. Malcolm iria até o fim, e Curtis só podia rezar para que ele não sofresse muito pelo caminho difícil que escolhera.
Quando encontrou John Philby bebendo numa espelunca, entre St. Louis e Kansas City, Malcolm foi direto ao assunto. Philby, o Rato, como era chamado pelos outros companheiros, estava encostado no balcão, distraído, e pensando para onde iria a seguir, quando Malcolm entrou.
— Olá, Rato — disse, parado à porta.
Philby não pensou duas vezes, virando-se rapidamente e sacando a arma. Não chegou a completar a volta, e foi atingido na mão direita, a arma voando longe.
As pessoas no bar correram para fora, enquanto Philby se contorcia de dor, e aproveitava para tirar uma faca que trazia escondida por dentro das calças. Também não adiantou. Malcolm já havia guardado a arma no coldre, mas o Rato não era páreo para ele. Acertou-o na perna. Ele caiu ao chão. Malcolm pegou-o pela gola da camisa e arrastou-o para fora do bar, amarrou suas pernas e braços, e jogou-o para a sela do cavalo, subindo depois no seu próprio. Ninguém ali ouviu falar de Philby novamente.
Curtis recebeu um comunicado do delegado de St. Joseph, ao norte de Kansas City, no qual constavam as atividades de Malcolm na região. John Philby, conhecido como Rato, era o bandido número 2. Tinha sido deixado na porta da delegacia, morto, com um bilhete dentro do bolso do colete. O homem tinha uma bala na mão direita, outra na perna esquerda, e seus pés estavam destroçados por vários tiros. Morrera com um tiro entre os olhos. E isso era tudo.
Curtis mandou uma mensagem ao delegado, agradecendo e explicando que seu agente especial estava na captura de ladrões de banco e assassinos, e que não se preocupasse pois ele não iria causar qualquer problema.
Mas ele próprio não tinha assim tanta certeza.
O bandido número três era um pouco mais esperto. Tentou mudar de aparência, passar por respeitável. Escolheu uma cidadezinha no Nebraska, onde se apresentou como comerciante. Mais um vindo do leste para tentar a sorte no oeste. Como tinha dinheiro, logo conseguiu uma sociedade vantajosa numa loja de variedades, comprou uma casa, e descansou. Seu nome era Mark Holland, e ele era rápido no gatilho.
Com o Rato, Malcolm dera sorte. Ele sabia do paradeiro de dois dos bandidos. E Malcolm quase não perdeu tempo com Holland, que na cidade se chamava Collins. Quando perguntou na barbearia onde poderia encontrar o sr. Collins, o barbeiro apontou para o meio da rua, dizendo:
— Ali mesmo, meu senhor. Ali vai ele em direção à sua loja.
Malcolm apressou o passo, e a poucos metros de distância de Holland, gritou:
— Vai aonde Holland? Roubar um banco?
Ele estava armado, mas não tentou responder imediatamente. Virou-se lentamente e encarou Malcolm.
— Meu nome é Collins. Você deve ter se enganado.
— Não me enganei Holland. A propósito, já conheci seus amiguinhos. O Rato e aquele verme do Douglas. Tive muito prazer em conversar com eles. Pena que a conversa não durou muito. De você eu não preciso de nada. Eu já sei que você não tem as informações que eu preciso. Portanto, só lhe resta se entregar, ou tentar sacar sua arma.
— Você deve estar louco homem — mas ele começava a ficar preocupado.
— Não estou louco, não. É que tem uma coisa que você ainda não sabe. Nem todos morreram naquele banco. Um homem sobreviveu. E conseguimos pegar o Douglas. Eu peguei. E ele me disse onde estava o Rato, que agora está morto. E o Rato me disse onde você estava, e por enquanto você ainda está vivo.
Holland mostrou porque era tão temido, quando sacou sua arma com incrível velocidade, percebendo que não teria outra saída. Mataria o homem da lei, e fugiria da cidade com o que pudesse levar. Não teve oportunidade de fazer nada disso. Caiu no meio da rua com um tiro entre os olhos.
Malcolm entregou o corpo ao xerife local, explicando quem era e qual sua missão.
Dias mais tarde, Curtis receberia outra mensagem. O número três estava morto.
Só um ano mais tarde é que Malcolm conseguiu encontrar o quarto bandido. Joseph O'Connor. Malcolm achou que o sujeito adivinhava, pressentia que alguém estava atrás dele, pulando de uma cidade para outra, sumindo sempre alguns dias antes dele chegar à cidade. Mas, quando finalmente o encontrou no sul do Texas, pensando talvez em descer de vez para o México, Malcolm soube que o bandido era simplesmente covarde demais. Tinha medo, um medo constante, que o obrigava a fugir sem parar em lugar nenhum.
Não deu qualquer trabalho a Malcolm. Não sabia exatamente onde estava o quinto bandido, mas sabia que estava no Kansas. O líder do grupo, o que ficava com a maior parte do roubo, e que planejara tudo. E sabia, também, que nome ele estava usando a última vez que se encontraram, um ano atrás, exatamente na época em que Malcolm saíra atrás dele. Por questão de dias, poderia ter encontrado os dois juntos, no Kansas.
Malcolm teria matado o homem sem pensar duas vezes, se o encontrasse tempos atrás. Mas estava começando a ficar cansado de tudo aquilo. O'Connor foi deixado numa delegacia de uma cidadezinha, no seu caminho para o Kansas. O'Connor também era procurado por crimes no Texas. Eles que o julgassem.
Quando recebeu a mensagem vinda do Texas, Curtis quase não conseguia acreditar. Chamou todos os antigos companheiros de Malcolm para contar as novidades. Depois de um ano sem notícias, todos acreditavam que ele estava morto em algum lugar do oeste.
Mas Curtis sabia que ele não morreria tão facilmente. Estava vivo. E o melhor. Não matara o bandido O'Connor. Prendera-o e nem sequer tinha marcas de tortura. Curtis esperava que Malcolm estivesse, aos poucos, esquecendo-se de sua dor. Curando-se enquanto percorria o país. Seria mais fácil para ele viver sem essa dor, e em paz consigo mesmo.
Mas, ainda faltava um. O quinto homem. O líder do bando. E Malcolm estava atrás dele.
Os Colonos
Todos os homens da fazenda de Vincent estavam reunidos num grande círculo. Alguns capatazes e homens de confiança dos proprietários das fazendas vizinhas também estavam presentes na reunião.
No centro, controlando tudo, Vincent falava sem parar, enquanto os proprietários ouviam, com poucas e tímidas intervenções. Vincent estava furioso, e ninguém tinha muita vontade de ir contra suas idéias e opiniões.
Gene e Matt ouviam com atenção. Gene já estava mais descansado, agora. Ao deixarem Clare chorando no meio da sala, Gene achava que Matt iria cometer alguma imprudência, fazer alguma bobagem. Alcançou o amigo antes que ele subisse no seu cavalo, segurando-o pelo braço.
— O que você vai fazer Matt?
— Não precisa se preocupar Gene — disse enquanto tentava subir para a sela. Gene não deixou.
— Quero saber o que você está pensando em fazer.
— Nada demais. Por enquanto.
— Eu vi seu rosto agora há pouco, Matt. Você ficou diferente quando falou na justiça chegando para o senhor Vincent.
— É que eu sei de coisas sobre ele que você não sabe, Gene. E sei também que a hora dele vai chegar. Está cada vez mais perto. E eu sou um pouco sádico, eu acho. Gosto de saborear a derrota de um canalha, vê-lo se desesperar e ser destruído aos poucos.
— Mas você não vai fazer nenhuma loucura, não é?
Vendo que Gene estava realmente preocupado, Matt tratou de acalmá-lo.
.— Olhe, Gene. Não precisa se preocupar. Eu não vou entrar na fazenda dando tiros, ou cair em cima do Vincent feito um guerreiro índio. Tenha calma, eu sei o que faço, e não pretendo me arriscar à toa.
— Eu ajudo.
— É melhor não.
— É melhor sim. Seja lá o que você for fazer, com dois fica mais fácil.
— Gene, eu ainda não posso dizer tudo o que sei. Só iria prejudicar você. E pior ainda, a Clare. Agora que a conheci, não quero que nada aconteça a ela ou a você.
Gene não estava muito convencido, mas a menção de Clare pareceu reforçar a posição de Matt.
— Confie em mim, Gene. Na hora certa, você vai saber de tudo. E talvez, possa me ajudar no que eu tenho que fazer.
Gene resolveu confiar. De qualquer maneira, não teria outra opção. Observava Matt enquanto ele ouvia o discurso de Vincent. Ele estava tranquilo, sem aquela sombra que vira em seu rosto antes. Estava prestando muita atenção ao que Vincent falava, como um gato antes de dar o bote no rato.
— Essa terra é nossa! — gritava Vincent. Erguia os punhos fechados e batia na mesa que fora colocada no centro do terreno onde se desenrolava a reunião.
— Ninguém vai pegar o que nos pertence — ele estava cada vez mais irritado, como que possuído e ficando com o rosto cada vez mais vermelho. Alguns proprietários começaram a ficar nervosos com o rumo que a conversa estava tomando. Vincent tentava, nitidamente, dirigir o grupo para alguma ação violenta. Continuou:
— O que é que o governo sabe disso. Não entende nada. Não sabe que tipo de terras existem aqui.
— Vincent, vamos com calma — quem falou foi Thomas O'Harlon, outro grande proprietário local, e muito respeitado em todo o Kansas. Era um homem bom, mas que apesar de ter algum poder, não ousava ir diretamente contra Vincent. Sempre acabava concordando. Mas via-se que estava preocupado — Ninguém vai tirar nossas terras. O que nós temos é nosso. O governo não pretende roubar nossa propriedade. Mas existem terras vazias por aqui. Todos nós sabemos disso. E sabemos que são terras férteis.
— São terras de gado, O'Harlon. Gado. É isso que nós cultivamos aqui. É nisso que nossas terras são férteis.
— Mas Vincent, não são carneiros, nem nada parecido, o que está vindo para cá. Eles não vão concorrer conosco, nem tomar as pastagens. Nada vai mudar.
— Muda tudo, Thomas, e se você não pode perceber isso, você é um idiota.
Thomas ficou furioso com a reprimenda de Vincent, e todos se calaram, esperando sua reação. Por um instante, Matt achou que havia chegado a hora, e que alguém iria se rebelar contra o controle de Vincent. Mas Thomas acalmou-se, e não teve coragem. Ele via os homens de Vincent à sua volta. Tinha alguns homens de confiança por perto, mas de nada adiantava. Vincent, de propósito, mandara que seus homens levassem suas armas à reunião. Sabia que os outros donos de terras ficariam intimidados com aquilo, ainda que as terras não fossem utilizadas.
— É isso mesmo. Seremos todos idiotas se não fizermos nada numa situação dessas. As terras que os colonos vão ocupar são exatamente aquelas terras que nós estávamos reservando para o crescimento dos rebanhos. E agora? Vamos crescer para onde? Vamos colocar o gado em cima das árvores? É isso que vocês pretendem fazer? Colocar vários bois em cada árvore, enquanto os colonos burros escavam a terra e a estragam para sempre?
Alguns já estavam convencidos. Não pensavam seriamente no assunto, mas apenas seguiam tudo o que Vincent propunha. Nem sequer paravam para pensar no que ele dissera, porque era sabido que quando ele falava das "nossas" terras, ele estava a se referir às "suas" terras. Vincent jamais pensara em ajudar os demais proprietários a aumentar seu rebanho. Queria as terras para ele. Queria crescer tanto que ninguém conseguiria competir. E então, ele compraria as terras dos outros, os mesmos que agora o estavam ajudando. Era como pôr o laço da forca no próprio pescoço. E começar a apertar lentamente.
Homens mais honestos e inteligentes, como O'Harlon, sabiam que aquilo estava errado. Havia espaço bastante para todos. Mas isso apenas até Vincent chegar. Ele não se esquecia de que, logo após Vincent se estabelecer na região, muitos proprietários haviam sofrido perdas consideráveis em seus rebanhos. Roubos que nunca tinham acontecido, mortes misteriosas de reses. E enquanto isso, Vincent engordava o seu próprio rebanho e seus lucros. Inclusive contratando trabalhadores: das fazendas que iam mal das pernas! Chegou a comprar alguns dos ranchos menores, anexando-os à sua propriedade. As coisas tinham ficado muito estranhas depois da chegada de Vincent, e homens como O'Harlon não costumavam se esquecer disso. Mas também ele tinha família. Ele também sabia que, quem se opusesse a Vincent podia sofrer o mesmo destino do gado. Amanheceria morto em circunstâncias misteriosas, e nunca explicadas.
Vendo que controlava a situação, Vincent continuou.
— Tab — chamou por um de seus funcionários — Conte à todos o que você viu.
Tab levantou-se e, meio sem jeito, começou a falar.
— Bem... hum... eu estava lá na estrada do Riacho, para lá do vale Newport. Tinha ido levar um recado para o senhor Simpson. Percebi uma nuvem de poeira a distancia, e não entendi. Primeiro pensei que pudesse ser uma parte do rebanho do senhor Simpson que tivesse se desviado, e resolvi subir numa colina para ver melhor. Teria que voltar e avisá-lo, pois nenhum de seus homens havia falado nada sobre terem perdido gado. E nós conversamos bastante, porque eu passei o dia inteiro lá, e o Ned me disse...
— Pelo amor de Deus, Tab — cortou Vincent, com raiva pela demora do homem. Ele gostava de contar uma história, alongar ao máximo, prendendo a atenção das pessoas — Conte logo o que aconteceu.
— Sim, senhor Vincent. Bem, eu subi a colina e vi que não era gado. Era uma caravana. Enorme. Alguns cavaleiros, algum gado, e muitas carroças. Na verdade, nunca vi tantas ao mesmo tempo. Seguem a trilha que vem do leste, e devem estar acampados, nesse momento, no próprio vale, no lado norte. Lá não é propriedade de ninguém.
Muitos dos proprietários presentes não tinham sido avisados do motivo da reunião. Alguns sabiam que Vincent pretendia falar sobre a utilização das terras pelos colonos, mas ainda não tinham a informação de que eles já haviam chegado.
Vincent calculou bem o efeito que a notícia teria. Falar de uma ameaça remota era uma coisa. Agora, depois de exaltar os ânimos, ele dava sua jogada final, e dizia que o "perigo" já estava ali, na casa deles, por assim dizer. Até mesmo O'Harlon ficou perturbado. A água que ele utilizava em sua fazenda vinha, em grande parte, do pequeno rio que passava pela parte norte do vale. Juntamente onde os colonos estavam se instalando. Se resolvessem erguer uma cidade ali, poderiam desviar o curso do rio, ou sujá-lo muito. E isso não era nada bom. Claro que, se Vincent não tivesse tocado no assunto, essas coisas nem passariam por sua cabeça. Havia muita água na região, e isso não seria um problema em momento algum.
Vincent conseguira transformar uma reunião comum num verdadeiro conselho de guerra. E as pessoas pareciam prontas para entrar em ação. Muitos gritavam para dizer o que pensavam, e uma grande confusão se formou no local. Matt observava Vincent sorrindo, satisfeito, e certamente preparando o próximo passo.
Também gritando muito e erguendo os braços para pedir silêncio, conseguiu restabelecer a ordem na reunião. Só depois de alguns momentos de silêncio recomeçou a falar.
— Não podemos permitir que nossos direitos sejam esquecidos. A terra é nossa, ninguém pode negar isso. Nós chegamos aqui primeiro, nós tivemos o trabalho de construir uma cidade, e casas e galpões. Levamos o gado para ser vendido, e trazemos o dinheiro para a região. Muitos de vocês que já estão aqui há mais tempo do que eu sabem que sempre foi assim. Essa região pertence aos criadores de gado, e deve continuar assim.
Dessa vez, todos concordaram.
— Acho que temos que agir rapidamente — ele continuou — Não podemos esperar que os colonos se instalem definitivamente. Eles vão levar pouco tempo para escolher o local onde deverão levantar sua cidade. Pois é claro, que vão querer sua própria cidade. Se eles se instalarem, não conseguiremos tirá-los de lá. Temos que agir agora. Temos que nos unir, e expulsá-los da região, para que nunca mais voltem. E, se necessário, com violência. Para ter certeza de que entenderam bem o recado.
Matt estava preocupado. Não podia simplesmente atirar em Vincent. Muito menos dar ordem de prisão. Ele não tinha qualquer prova contra o homem, e os dias em que torturava pessoas, mesmo sendo criminosos, já estavam longe. E Matt pensava realmente em sua segurança. Não conseguia tirar Clare de seu pensamento e desejava continuar vivo, e com ela. Nem mesmo Vincent valia sua felicidade e de Clare.
Mas também não podia permitir que os colonos sofressem. Quando os encontrou dias antes, soube que eles não tinham qualquer intenção de construir outra cidade. Sabiam que já existia uma por ali, e seria ótimo para os comerciantes locais, e os que iriam se instalar agora, que houvesse mais gente no local. A cidade iria crescer, e mesmo os criadores de gado iam ganhar com isso. O único que realmente perderia, era Vincent. Ele era o único com tanta sede de poder. Quanto mais território e pessoas dominasse, melhor para ele, mas a chegada dos colonos independentes da criação do gado, atrapalhava tudo.
Matt puxou Gene pelo braço, e os dois afastaram-se dos outros.
— A coisa está feia — disse Gene — Não vou me envolver nisso de jeito nenhum, Matt.
— Nem deve. Estão todos loucos. Falam de assassinar os colonos como se fosse a coisa mais natural do mundo. Vincent conseguiu isso. Deixou todos tão loucos quanto ele.
— O que vamos fazer, Matt? Não podemos simplesmente ficar parados aqui, não é?
— Não. Acho que a primeira coisa a fazer é avisar os colonos do que está acontecendo. Eles tem, no mínimo, o direito de se protegerem.
— Mas talvez Vincent ataque-os esta noite. Como vamos avisá-los?
— É preciso sair agora. E rápido. E você deve ir, Gene.
— Eu? Eles já o conhecem, talvez fosse melhor você ir.
— Vincent está de olho em mim. Ele me quer por perto. Se você sair, ele talvez não desconfie. Afinal, você vai muito à cidade, e ele pode pensar que você foi visitar Clare. Você deve avisá-los, Gene. Vão ser pegos de surpresa. Serão massacrados. Eles não esperam uma recepção dessas. Eu sei, conversei com eles. Estão com esperanças e muito alegres com a nova vida que os espera.
— Muito bem, Matt. Você me convenceu. Eu vou. Mas Vincent talvez queira que você participe da ação.
— Acho que ele tem outros planos para mim.
— Porque?
— Insisto, eu acho. Instinto de caçador.
— E é isso que você é? — perguntou Gene.
— É isso, Gene. Um caçador de bandidos. — e Matt explicou rapidamente à Gene quem ele realmente era, mas sem deixar que Gene fizesse muitas perguntas.
Quando Gene finalmente conseguiu deixar a fazenda para avisar os colonos, já não havia quase ninguém por lá. Voltavam aos seus lares, para preparar a ação que deveria ocorrer de madrugada.
Matt viu que Vincent permanecia em pé na porta da casa, sorrindo enquanto olhava em sua direção.
— Venha, Matt — chamou-o enquanto entrava na casa — Vamos conversar um pouco.
Matt entrou na casa, tentando imaginar qual seria o próximo passo do bandido.
— Sente-se Matt. Fique à vontade — disse Vincent, indicando uma cadeira que ficava de costas para o interior da casa.
Matt sentou-se, com Vincent à sua frente, sempre sorrindo. O lobo prestes a atacar sua vítima. Um arrepio percorreu a espinha de Matt.
— Tenho uma surpresa para você, Matt. Acho que você vai gostar.
— E o que é?
— Chegou essa tarde. Um amigo seu, que percorreu um longo caminho para encontrá-lo.
Matt não teve tempo de falar nada. Ouviu uma voz conhecida vinda por trás.
— Boa noite, senhor McGuire. Caçando muitos bandidos ultimamente?
Quando tentou sacar sua arma, já era tarde. Vincent apontava um revólver em sua direção.
— Nada disso, senhor investigador McGuire. Nem eu nem nosso amigo gostaríamos de confusão. Não agora, não é mesmo?
— Nada de confusão, por enquanto — disse o homem, enquanto dava a volta na cadeira e encarava Malcolm McGuire, conhecido naquela região do Kansas como Matt Clarke.
— Nos encontramos novamente, senhor McGuire. Só que, agora, eu não estou mais fugindo. E, como pode ver, também não estou mais preso.
Parado à frente de Malcolm estava Joseph O'Connor, mostrando uma coragem que, na verdade, não possuía.
O homem cuja vida ele havia poupado, podia pôr tudo a perder.
Por mais que tentasse sentir ódio, Malcolm só conseguia pensar em Clare.
McGuire em Apuros
— Adeus senhor McGuire — disse O'Connor, e preparou-se para disparar a arma, apontada para o coração de Malcolm.
Os dois estavam sozinhos na sala da casa de Vincent. Quando O'Connor aparecera, Vincent desarmara Malcolm, e ficara muito feliz por saber que ele iria morrer em seguida.
— Vai ser uma pena, McGuire — ele falou — Eu gostaria muito de brincar um pouco com você, antes de liquidá-lo. Como eu fiquei sabendo que você fez com nossos amigos, queria retribuir a gentileza. Mas, infelizmente, tenho assuntos de maior importância para tratar, como você bem sabe.
— Acho que não vai adiantar nada, Vincent. Ou devo chamá-lo por outro nome? — falou Malcolm.
— Vincent está perfeito, McGuire. Ou Matt? Eu não tenho tantos nomes quanto você, eu suponho.
— Neste caso, eu poderia chamá-lo apenas de canalha. — disse Malcolm. Vincent fez um sinal com a cabeça para O'Connor, que deu um soco no queixo de Malcolm.
— Você não está em condições de brincar comigo, McGuire. Daqui a pouco você vai morrer. E mortos não brincam.
— Posso acabar com ele agora? — perguntou O'Connor
— Espere eu sair. Vou encontrar os outros no caminho! Espere meia hora, e depois mate o idiota. E trate de enterrar o corpo bem longe. E bem fundo também.
— O inspetor Curtis vai acabar pegando você, Vincent. — disse Malcolm.
Ele sabia que Curtis não tinha qualquer pista para seguir, mas precisava falar alguma coisa, qualquer coisa que pudesse deter seus planos, ou pelo menos atrasá-lo o suficiente para que Malcolm pensasse numa saída para sua situação.
— Inspetor Curtis? Ah, já sei! É aquele velho imbecil da polícia de Nova York, não é? Um incompetente. Fizemos dezenas, talvez centenas de roubos na cidade, durante anos. E ele jamais chegou perto de nós. Não vai ser agora que ele vai me encontrar.
— Eu encontrei. Ele encontra também. Ele me ensinou tudo o que sei da profissão.— insistiu Malcolm.
— Ensinou tudo o que, seu palhaço. Você vai morrer daqui a trinta minutos, e ainda acha que aprendeu alguma coisa na vida? Você é um idiota muito grande, e eu não estou mais com vontade de agüentar essa conversa.
Vincent juntou suas coisas, pegou mais um rifle, e se despediu.
— Até nunca mais, McGuire. Espero que tenha uma boa morte,
E saiu da sala rindo feito um louco. Na porta, ainda repetiu para O’Connor:
— Trinta minutos, O'Connor. Não vá enganar. Só trinta minutos.
Os trinta minutos passaram muito rapidamente para Malcolm. O'Connor não quis falar nada. Só ficou parado à sua frente, rindo silenciosamente, enquanto Malcolm observava tudo à sua volta, tentando desesperadamente encontrar algum objeto que pudesse utilizar. Alguma coisa.
Quando O'Connor falou, Malcolm já havia quase desistido, e encarava a morte como uma solução para seus problemas. Só sentia por Clare. Nem mais por Dorothy. Ela estava morta, e não havia nada que ele pudesse fazer quanto a isso. Mas Clare estava viva, bem viva. E esperava por ele.
No último segundo, Malcolm percebeu que estivera pensando da maneira errada. Procurava uma arma para atingir O'Connor, mas a arma sempre estivera ali, com ele, naquilo que sabia sobre O'Connor e Vincent. O homenzinho era um covarde por natureza. Pulava cada vez que Vincent dava uma ordem, e Malcolm já tinha visto como ele era incapaz de cometer qualquer ato que pusesse em grande risco sua própria vida. O'Connor queria viver. Acima de qualquer coisa, ele procurava viver. Se para viver ele tivesse que matar alguém, ele matava. Se tivesse que fugir, ele fugia. Assim era O'Connor, e foi sabendo disso que Malcolm resolveu falar com ele.
— Já está na hora do senhor morrer. Trinta minutos — disse O'Connor.
— Vamos morrer quase juntos, então? — insinuou Malcolm.
— Sem papo, McGuire. Vai levantando. Vamos até os fundos da casa. Não quero encher a sala de Vincent de sangue. Ele não ia gostar nada.
— E o Vincent? O que você acha que ele vai fazer com você? — perguntou Malcolm.
— O que você quer dizer com isso?
— Nada. Só estou curioso para saber de que forma o Vincent vai se livrar de você. Só isso. Talvez ele apenas dê um tiro na sua cabeça. Ou quem sabe ele o afogue no rio, para deixar ser corpo boiar rio abaixo até ser encontrado bem longe daqui.
— Você está louco mesmo, hein McGuire? — disse O'Connor. Mas Malcolm percebia que havia atingido o ponto certo. Ele estava nervoso. Malcolm só esperava que ele não estivesse tão nervoso a ponto de disparar a arma antes do tempo.
— Porque Vincent faria uma coisa dessas? Eu o estou ajudando, vim avisá-lo sobre você. Eu o reconheci na reunião de hoje. Sou eu que estou salvando a pele dele.
— Por isso mesmo, Você acha que um homem inteligente, uma raposa como o Vincent, vai deixar você andando por aí? Sabendo quem ele é, o que fez? Não seja estúpido, O'Connor. Ele vai matá-lo.
— Nunca. Não mesmo. Já combinamos tudo. Ele vai me entregar um pedacinho de terra, e eu vou poder levar a vida que sempre quis.
— Vincent não daria um pedacinho de terra nem para a mãe dele, se é que um dia ele já teve mãe. Ele vai simplesmente se livrar de você, assim como ele se livra de tudo o que atrapalhe seus planos.
— Não acredito nisso.
— Pense um pouco O'Connor. Vincent precisa se livrar de mim. Mas não sabe como. Se me matar, as pessoas vão falar sobre isso. A notícia pode chegar até Curtis, ou outro delegado que me conheça. E conheci muitos deles durante esses três anos em que viajei por aí, caçando bandidos como você. Se isso acontecer, tudo o que Vincent pretendia na região estará perdido, e ele teria que fugir e começar tudo de novo. Acho que ele não quer isso, não é?
— Claro que não. Ele tem outros planos — começava a funcionar. O'Connor sabia muito bem que Vincent era um canalha.
— Como ele faz, então, para se livrar de mim? Muito simples. Pede para você me matar.
— Ele não gosta de fazer essas coisas.
—- Imagino... Só tem um detalhe que você esqueceu. Você é procurado em vários estados. Você já esteve preso recentemente. Não sei como conseguiu fugir, mas com certeza existem cartazes com a sua cara feia por todo o Kansas.
— Tem mesmo. Mas e daí? O Vincent me esconde e...
— Você disse que ele ia lhe dar um pedaço de terra. Como você vai se esconder, se tiver um pedaço de terra?
— Não pensei nisso.
— Mas ele pensou. Ele é o chefe, não é? É sempre ele quem planeja tudo, não é? Então? Você me mata. Aí chega o Vincent, e mata você. Quando as pessoas perguntarem o que aconteceu, ele diz que alguém entrou na fazenda e atirou em mim. E ele atirou no sujeito. Quando forem verificar sua identidade, vai ser fácil perceber que você é procurado pela polícia. Ele se livrar de dois inoportunos e ainda fica com a fama de livrar a região de um mal-feitor. Não poderia ser melhor para o que ele tem em mente.
O'Connor ficou realmente atrapalhado. Parou a meio caminho do terreno traseiro, e não conseguia se decidir quanto a decisão a tomar. O que Malcolm dissera fazia todo o sentido do mundo. Era exatamente o tipo de coisa que Vincent pensaria em fazer. Sempre levando a vantagem, sempre eliminando quem se colocasse em seu caminho, e sempre usando as outras pessoas.
— Só tem uma coisa — disse O'Connor — Tudo isso faz sentido, só que eu não posso me arriscar. Se resolver não matá-lo, Vincent com certeza me mata. Não posso saber se esse plano existe mesmo ou não.
— É simples — arriscou Malcolm — Basta esperar mais um pouco. Se for verdade, com certeza o Vincent vai aparecer daqui a pouco, para verificar se você realmente fez o serviço. Quando você confirmar então ele te mata.
— É, pode ser. Mas, o que eu faço então?
— Você pode me deixar escondido no galpão, perto do portão de entrada. E espera por ele ali. Quando ele perguntar se eu estou acabado, você confirma.
— E aí ele me mata, ótimo. Seu plano não parece muito bom.
— Você pode deixar uma arma comigo. Se ele tentar alguma coisa, eu pego ele.
— Você perdeu o juízo? Acha que eu vou deixar uma arma com você? Você acaba comigo, e depois acaba com ele. Ou ele vai antes de mim, o que não faz muita diferença.
— Isso é bobagem, O'Connor. Eu podia ter te matado a muito tempo, e você sabe muito bem disso. Poderia ter liquidado com você, poderia ter torturado, acabado com sua vida bem lentamente, arrancando sua pele fora. Como fiz com os outros. Mas deixei você em paz. Ou não foi?
— É verdade.
— Não estou mais interessado nesse assunto, O'Connor. No que me diz respeito, você pode dar o fora, depois que tudo acabar. Eu quero mesmo é me livrar de Vincent. E depois, gostei daqui. Pretendo me estabelecer, e para isso preciso limpar a região da influência desse homem.
— Não sei... não sei — O'Connor estava quase desesperado, e Malcolm pôde perceber o quanto Vincent o aterrorizava. Mas por outro lado, ele queria se ver livre da influência dele também, e acabou concordando.
Retornaram à casa, e Malcolm encontrou um rifle, que ele pegou. Como haviam combinado, Malcolm foi para o interior do galpão, de onde podia ter uma visão completa do terreno fronteiro da casa, e do portão por onde Vincent teria que passar. O'Connor ficou encostado a uma árvore, como alguém com o dever já cumprido e à espera de novas ordens.
Não precisaram esperar muito até ouvirem o ruído dos cascos de um cavalo aproximando-se lentamente. Malcolm não tinha muita certeza de estar certo no seu modo de pensar, mas rezava para que as coisas saíssem como queria. A cada minuto que se passava, ele pensava mais e mais em Clare, em abraçá-la e beijá-la novamente. Quando se lembrava dos rostos felizes e esperançosos dos colonos, chegando para sua nova vida, ele pensava que era isso que ele deveria fazer. Largar a carreira de policial. Arrumar um pedaço de terra, mesmo que fosse pequeno e viver tranqüilo com Clare. Ela sem dúvida, não iria rejeitar sua proposta. Tinha percebido claramente que ela sentia o mesmo que ele. Tantos anos vivendo sozinho em Nova York, sem uma mulher para amar, quase haviam feito com que ele enlouquecesse, como podia ser bom ter a companhia de alguém, sempre a seu lado. Mesmo que vivesse na cidade, era sempre melhor do que a confusão que aumentava a cada dia em Nova York. Bandidos, mortes, violência. Malcolm McGuire estava muito cansado dessa vida. Mas, agora, estava a poucos minutos de resolver seus problemas para sempre.
Seu sonho acordado foi interrompido quando percebeu que Vincent entrava no terreno. O'Connor ficou em pé, tenso, e por um instante Malcolm temeu que ele estragasse tudo. Se resolvesse disparar antes dele descer do cavalo, Vincent não pensaria duas vezes antes de fugir. E então, nunca o encontrariam cavalgando à noite. Malcolm sequer conseguia imaginar mais uma perseguição, quanto mais três anos como os que ele passara.
Mas O'Connor agüentou firme. A escuridão devia ajudar bastante, pois Vincent não podia ver seu rosto, que a essas alturas devia estar transformado pelo medo. Ele desceu do cavalo, e ainda a alguns metros de O'Connor resolveu parar...
— Tudo bem? — perguntou.
— Tudo em ordem.
— Está morto? Sem problemas?
— Mortinho.
— Como foi?
— Ora, Vincent. Como podia ser? Acertei no coração, e ele caiu. Para confirmar, atirei mais uma vez. Na cabeça. Não pode haver dúvida.
— Ótimo. E onde você enterrou o corpo?
— Onde você mandou. Depois da cerca, no meio do mato. Ninguém vai perceber nada. E depois de algumas semanas, o mato já cobriu tudo de novo.
— Muito bom, muito bom mesmo — disse Vincent. Fingiu que se virava de costas para O'Connor, e sacou a arma.'
— Agora é sua vez, colega.
— O que é isso Vincent. Ficou louco? — O'Connor nem precisava fingir. Estava apavorado mesmo. Acreditara no que Malcolm falara, mas ver a arma apontada para seu peito era a confirmação de tudo.
— Vou matar você, O'Connor. Sinto muito, mas é necessário. Você sabe demais a meu respeito. E eu não quero que ninguém saiba. Você entende, não é?
— Mas eu não vou falar nada. Eu vou embora e você nunca mais me vê.
— Não é o suficiente. Você precisa morrer.
O'Connor agora olhava desesperado em direção ao galpão, esperando o disparo de Malcolm, que apenas observava a cena. O rifle estava apontado em Vincent, mas Malcolm não queria disparar ainda. Naquele momento, vendo os dois juntos, permitiu-se um último momento de crueldade. Acabar com aquilo de uma vez por todas, esvaziar o ódio que ainda trazia dentro de si. Via O'Connor olhar em sua direção, quase gritando para que ele atirasse logo. Mas Malcolm esperou.
— Não adianta olhar à sua volta, O'Connor — disse Vincent — Ninguém vai ajudá-lo. Você não tem amigos. Você é um bandido. Eu vou livrar o Kansas de um perigoso bandido, que invadiu minha propriedade, matou um funcionário, e que iria me matar. Você ainda vai fazer de mim um herói. Dá para imaginar? Eu vou ser um herói, O'Connor.
—Pelo amor de Deus, Vincent, me deixe ir embora, me deixe...
E Vincent atirou. Acertou duas vezes no peito de O'Connor, que não emitiu nem um grito, caiu ao chão e ali ficou, Vincent guardou a arma no coldre, e só então Malcolm atirou.
Vincent gritou de dor quando a bala atravessou seu braço direito. Caiu ao chão, arrastou-se e se escondeu atrás da árvore,
Malcolm atirou três vezes seguidas, acertando na árvore e arrancando pedaços de madeira. No quarto tiro, acertou a perna esquerda de Vincent, que mais uma vez gritou de dor, rolando para o lado e perdendo a proteção dá árvore. Vincent tentou tirar seu revólver do coldre e segurá-lo com a mão esquerda. Malcolm já sairá do galpão e caminhava em sua direção, com a arma pronta para atirar.
Vincent esperou que ele chegasse mais perto, e conseguiu atirar, acertando no ombro esquerdo de Malcolm, que deu dois passos para trás, mas não caiu.
Determinado a acabar com Vincent, seguiu em frente, segurando o rifle com a mão esquerda. Vincent ainda atirou mais uma vez. Malcolm pôde sentir a bala raspando sua têmpora direita, mas não se importava com nada naquele momento. Deu três passos largos em sua direção. Vincent conseguira se ajoelhar, mas Malcolm acertou em cheio em sua mão esquerda, o revólver voou longe, e Vincent se contorceu com a dor, sentindo os ossos da mão completamente destroçados.
Malcolm ficou a um passo de Vincent, que agora chorava abertamente, com a cabeça enterrada entre os joelhos, como uma criança que não soubesse onde estava, nem como voltar para casa.
— Está na hora, Vincent — disse Malcolm, enquanto erguia o rifle na direção de Vincent.
— Me deixe em paz homem. Você é louco. Três anos perseguindo todos nós. Nenhum policial faz isso. Porque você?
— Quer saber, canalha? Esqueceu das pessoas que vocês mataram no banco?
— Pessoas são mortas em todos os lugares. Mas ninguém percorre o país por causa disso — disse Vincent, as lágrimas de dor e frustração escorrendo pelo rosto.
— Uma das pessoas no banco se chamava Dorothy. Dorothy McGuire. E era minha irmã.
Vincent ergueu a cabeça, até encontrar o olhar de Malcolm. Não viu o sangue ensopando sua camisa, nem o sangue escorrendo do corte na cabeça. Só percebeu o olhar de ódio que Malcolm lhe dirigia. Algo como nunca tinha visto em sua vida.
Nesse momento, Vincent soube que estava morto. Não havia qualquer oportunidade de Malcolm mudar de idéia.
Malcolm encostou o cano do rifle na cabeça de Vincent, e disparou. Ainda teve forças para caminhar onde o corpo de O'Connor, havia caído. O homem ainda estava vivo, mas não duraria muito mais tempo.
— Por que, McGuire? — sussurrou O'Connor, quase sem forças. — Você prometeu que me deixaria vivo.
— Eu menti. — disse Malcolm, a voz quase tão fraca quanto a de O'Connor, que ainda tentou falar mais alguma coisa, mas não conseguiu. Morreu com o braço levantado para o céu, e sem nenhum ruído.
Depois, Malcolm não conseguiu se manter em pé. A dor tomou conta de todo seu corpo, e ele desmaiou.
Gene chegou à fazenda quase uma hora depois. Com ele vinha O'Harlon e alguns de seus homens.
Quando chegou próximo o bastante para ver os três homens caídos ao chão, Gene quase entrou em pânico. Tinha pedido à Matt para ajudá-lo no que fosse preciso, e ele não deixara. Agora, ele estava estendido no chão, envolto em sangue, e Vincent, sem qualquer sombra de dúvida, estava morto. A cabeça estava estilhaçada por um tiro à queima roupa.
Gene ajoelhou-se ao lado do amigo, e rezou para que ele não morresse. Nem Matt, nem Clare mereciam tanto azar assim.
Malcolm e Clare
— Finalmente.
— Graças a Deus
— Cheguei a duvidar de que ficaria bom.
— Eu não. Sempre soube que iria se recuperar.
Malcolm acordou numa cama estranha, ouvindo as pessoas falarem à sua volta. Seu corpo doía em vários lugares, mas seu primeiro pensamento foi: "Estou vivo. Consegui".
Aos poucos sua visão foi voltando ao normal. Pelas vozes que ouvira já sabia que Clare e Gene estavam no quarto, provavelmente já a muito tempo, esperando que ele voltasse a si. Malcolm não fazia idéia de quanto tempo estava desmaiado.
— Clare, Clare — ele chamou, estendendo a mão.
— Estou aqui, querido — Clare segurou sua mão, sem conseguir parar de sorrir. — Estou aqui.
— Meu Deus. Sinto como se uma manada houvesse me atropelado.
— Você ainda precisa descansar, meu amor.
— Que bom ouvir você falar isso. É bom estar vivo, com você.
Gene saiu do quarto silenciosamente, não querendo atrapalhar o momento dos dois. Minutos depois, ouvia Malcolm chamá-lo.
Depois de se abraçarem com cuidado, para não machucar Malcolm ainda mais, este exigiu de Gene as explicações do que havia acontecido, apesar de Gene insistir em que ele descansasse um pouco mais.
— Os colonos, Gene. O que aconteceu com os coitados dos colonos?
— Não aconteceu nada, Malcolm. Não precisa mais se preocupar com isso.
— Você conseguiu avisá-los?
— Não foi preciso. As coisas se ajeitaram sozinhas.
— Mas como?
— O'Harlon. Ele resolveu tudo.
— O que ele fez? — disse Malcolm, tentando sentar-se na cama para ouvir a história. Clare ajudou-o, sob protestos, mas colocando dois travesseiros em suas costas e deixando que ele se apoiasse em seu braço.
— O'Harlon jamais gostou de Vincent. Assim que saiu da fazenda, esfriou a cabeça. Pensou no que estava acontecendo. E decidiu que não queria matar ninguém. Muito menos colonos indefesos.
— E os outros?
— Ele reuniu os outros fazendeiros em sua própria fazenda. Os homens de Vincent estavam sem saber o que fazer, porque não tinham ninguém para comandá-los. Não foi difícil para O'Harlon convencer a todos de que uma matança era a última coisa que deveriam fazer. Na verdade, ninguém aqui é assassino, apesar de alguns deles serem sujeitos bem ruins.
— Então nem foram até o vale?
— Não. Eu os encontrei reunidos na fazendo O'Harlon, e resolvi ver o que estava acontecendo. Acho que já imaginava alguma coisa parecida. Sei, sei, não adianta se zangar agora. Você me disse para ir direto para lá. Só que eu conheço essas pessoas melhor do que você. Vivo com eles diariamente, e já faz bastante tempo. Eu sabia que eles não estavam gostando. Mas sabe como é. Na hora do discurso de Vincent, ninguém queria se mostrar fraco. Tinham medo dele, e do que poderia fazer. Quando estavam longe, puderam conversar com mais calma. E já estavam resolvidos a encarar Vincent, e não permitir que nenhuma ação violenta fosse levada a cabo.
Malcolm estava completamente feliz agora. As coisas tinham saído melhor do que ele esperava. Tinha a certeza, mais do que nunca, de que aquele era o lugar onde deveria ficar e formar sua família. Só havia mais uma coisa que precisava fazer.
— Gene, as pessoas precisam saber quem eu sou. É preciso que eles saibam que não sou um criminoso.
— Todos já sabem disso, amigo.
— Mas eu tenho muito para contar.
— Mas isso pode ser em outra hora. Depois de descansar. E depois, você já me disse quem era, e eu contei a eles. Quanto à morte do Vincent, não é motivo para preocupação. Foi um verdadeiro alívio para toda a comunidade. Pode estar certo disso.
— Mas, pelo menos para vocês dois, eu preciso contar, preciso contar tudo a vocês. Quem exatamente eu sou, e porque vim parar aqui.
— Mas não agora, meu amor. Você precisa dormir mais um pouco. A sua história você pode contar a qualquer momento.
— Eu preciso contar agora. Depois eu durmo. E durmo bem melhor sabendo que vocês já sabem de tudo.
E contou. Começou com sua vida em Nova York, seu trabalho. Continuou falando de Dorothy e do assalto. Contou de sua insana perseguição aos bandidos, os três anos de sua vida em que não pensou em nada além do seu ódio. E terminou dizendo como estava feliz por tudo ter acabado.
— Sinto-me aliviado. Como se estivesse carregando uma enorme pedra amarrada ao pescoço esse tempo todo. Agora posso andar livremente. Não preciso mais pensar em mortes, ou em minha antiga profissão.
— Você vai abandonar a polícia? — perguntou timidamente Clare.
— Mas claro, Clare.
— O que você vai fazer, agora?
— Agora eu vou viver num lugar distante desta violência, dessa matança, e do ódio que sentia. Vou viver aqui mesmo. E se você me quiser, Clare, posso dizer que vou viver com a mulher que eu amo.
Clare abraçou-o com ternura, e disse:
— Você sabe que eu o quero, Malcolm. Não há nada nesse mundo que eu deseje mais do que estar com você.
— Não sei o que vou fazer. Mas me sinto capaz de fazer qualquer coisa. Desde dirigir uma loja, um comércio, até arar a terra, para tirar dela nosso sustento. E você, Clare, é a responsável por eu me sentir assim, forte, e feliz. Mais feliz do que eu julgava ser possível.
Clare não conseguiu dizer mais nada. Apenas aproximou-se de Malcolm, e o beijou.
Mais uma vez, Gene saiu silenciosamente do quarto, e os deixou a sós com seu amor.
Andrew Milligan
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