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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


PERSEGUIDA / Blake Pierce
PERSEGUIDA / Blake Pierce

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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O carro em alta velocidade da Agente Especial Riley Paige estilhaçou o silêncio das escuras ruas de Fredericksburg. A sua filha de quinze anos estava desaparecida, mas Riley estava mais furiosa do que assustada. Tinha quase a certeza do local onde se encontrava April – com o seu novo namorado, um rapaz de dezassete anos que tinha desistido da escola chamado Joel Lambert. Riley tinha tentado tudo para interromper aquela relação, mas não tinha conseguido.
Esta noite isso vai mudar, Pensou com determinação.
Estacionou o carro em frente à casa de Joel, uma pequena casa decrépita situada num bairro desagradável. Já lá tinha estado anteriormente, altura em que tinha feito um ultimato a Joel para se afastar da filha. Era óbvio que ele o tinha ignorado.
Não havia uma única luz acesa na casa. Talvez não estivesse ninguém. Ou talvez Riley ali encontrasse algo difícil de suportar. Não importava. Bateu à porta.
“Joel Lambert! Abra a porta!” Gritou Riley.
Seguiram-se alguns momentos de silêncio. Riley bateu novamente à porta. E por fim ouviu alguém a praguejar no interior da casa. A luz do alpendre acendeu-se. Ainda com a corrente, a porta abriu-se ligeiramente. À luz do alpendre, Riley deparou-se com um rosto desconhecido. Era um homem de barba e aspeto deprimido com cerca de dezanove anos.
“O que é que quer?” Perguntou o homem ainda ensonado.
“Estou à procura da minha filha,” Disse Riley.
O homem parecia intrigado.
“Está no lugar errado, minha senhora,” Disse.
Ele tentou fechar a porta, mas Riley deu-lhe um pontapé com tanta força que a corrente se partiu e a porta escancarou-se.
“Ei!” Gritou o homem.
Riley entrou pela casa adentro. A casa estava tal como da última vez que Riley lá estivera – uma confusão horrível repleta de odores suspeitos. O homem era alto e sólido. Riley apercebeu-se da semelhança entre ele e Joel, mas aquele homem não tinha idade para ser pai de Joel.
“Quem é você?” Perguntou Riley.
“Chamo-me Guy Lambert,” Respondeu o homem.
“É irmão de Joel?” Questionou Riley.
“Sim. E quem é você?”
Riley mostrou-lhe o distintivo.
“Agente Especial Riley Paige, FBI,” Disse.
Os olhos do homem abriram-se muito, alarmados.
“FBI? Deve haver algum engano.”
Riley não ficou surpreendida. Da última vez que ali estivera, suspeitara que os pais de Joel não existiam. Não fazia a mínima ideia do que que lhes poderia ter sucedido.
“Onde está a minha filha?” Perguntou Riley.
“Ouça, eu nem sequer conheço a sua filha.”
Riley avançou na direção da porta mais próxima. Guy Lambert tentou bloquear-lhe o caminho.
“Não é suposto ter um mandado de busca?” Perguntou o homem.
Riley empurrou-o.
“Agora quem dita as regras sou eu,” Rugiu Riley.
Riley entrou num quarto desarrumado. Ninguém estava ali. Abriu outra porta que lhe revelou uma casa de banho nojenta e outra ainda que fazia ligação a um segundo quarto. Ninguém.
E foi então que ouviu uma voz vinda da sala de estar.
“Não se mexa!”
Riley dirigiu-se à sala de estar onde encontrou o seu parceiro, Bill Jeffreys, na porta de entrada. Riley tinha-lhe ligado antes de sair de casa para a ajudar. Guy Lambert estava caído no sofá, desamparado.
“Este tipo parecia estar de saída,” Disse Bill. “Disse-lhe que devia esperar aqui por ti.”
“Onde é que eles estão?” Perguntou Riley. “Onde está o seu irmão e a minha filha?”
“Não faço ideia.”
Riley agarrou-o firmemente pela T-shirt.
“Onde está o seu irmão e a minha filha?” Repetiu.
Quando ele respondeu, “Não sei,”, Riley empurrou-o contra a parede. Bill libertou um som de insatisfação. Não havia dúvida que receava que Riley perdesse o controlo. Mas ela não queria saber.
Já em pânico, Guy Lambert atirou uma resposta.
“Estão mesmo no próximo quarteirão desta rua. 1334.”
Riley largou-o. Sem dizer mais uma palavra, saiu da casa com Bill no seu encalço.
Riley pegou na lanterna e com ela verificava os números das casas. “É por aqui,” Disse ela.
“Temos que pedir ajuda,” Disse Bill.
“Não precisamos de reforços.” Disse Riley enquanto corria pelo passeio.
“Não é isso que me preocupa.” Bill seguia-a.
Dali a instantes, Riley já se encontrava no quintal de uma casa de dois andares. Estava decrépita e obviamente condenada ao abandono, com terrenos vazios em ambos os lados – uma típica barraca para consumidores de heroína. Lembrou-lhe a casa onde um psicopata sádico chamado Peterson a tinha mantido cativa. Peterson tinha-a aprisionado numa jaula e tinha-a torturado com um maçarico de gás propano até ela conseguir fugir e ter rebentado a casa com o propano que ele lá armazenava.
Hesitou por um momento, abalada pela memória. Mas depois recordou-se:
A April está aqui.
“Prepara-te,” Disse a Bill.
Bill pegou na sua lanterna e na arma, e caminharam juntos na direção da casa.
Quando Riley chegou ao alpendre, viu que as janelas estavam vedadas com tábuas. Desta vez, não planeava bater à porta. Não queria dar a conhecer a sua presença a Joel ou a qualquer outra pessoa que estivesse dentro da casa.
Tentou a maçaneta. Rodou mas a porta estava fechada com uma lingueta. Riley sacou a arma e disparou, rebentando dessa forma com o que a impedia de entrar. Rodou novamente a maçaneta e a porta abriu-se.
Apesar da escuridão do exterior, os seus olhos tiveram que se ajustar ao entrar com Bill na sala de estar. A única luz existente provinha de algumas velas que iluminavam um sinistro cenário de lixo e escombros onde estavam incluídos sacos vazios de heroína, seringas e outra parafernália associada à droga. Conseguia ver sete pessoas – duas ou três tentavam pôr-se de pé vagarosamente depois do estrépito que Riley causara, os restantes estavam deitados no chão ou aninhados em cadeiras num estupor induzido pela droga. Todos pareciam devastados e doentes, e as suas roupas estavam sujas e esfarrapadas.
Riley guardou a arma. Não ia precisar dela – ainda não.
“Onde está a April?” Gritou. “Onde está Joel Lambert?”
Um homem que tinha acabado de se levantar disse numa voz nebulosa, “Lá em cima.”
Com Bill no seu encalço, Riley subiu a escadaria escura, apontando a lanterna à sua frente. Conseguia sentir os degraus podres a cederem sob o seu peso. Ela e Bill entraram num corredor no topo das escadas. Viram três entradas, uma das quais dava para uma casa de banho infecta, todas sem portas e visivelmente vazias. A quarta entrada ainda tinha porta e estava fechada.
Riley dirigiu-se à porta. Bill tentou alcançá-la para a impedir de entrar.
“Deixa-me entrar primeiro,” Disse Bill.
Riley passou por ele, ignorando-o, abriu a porta e entrou no quarto.
As pernas de Riley quase colapsaram perante o cenário que viu. April estava deitada num colchão, murmurando “Não, não, não” sucessivamente. April contorcia-se febrilmente enquanto Joel Lambert lutava para lhe tirar a roupa. Um homem com excesso de peso estava próximo, à espera que Joel terminasse a sua tarefa. Uma seringa e uma colher repousavam na vela que tremeluzia na mesa-de-cabeceira.
Riley compreendeu tudo. Joel tinha drogado April quase até à inconsciência e estava a oferecê-la como favor sexual àquele homem repulsivo – quer fosse a troco de dinheiro ou de outra coisa qualquer, Riley não sabia.
Riley sacou da arma e apontou-a a Joel. Era tudo o que conseguia fazer para evitar abatê-lo naquele momento.
“Afasta-te dela,” Disse Riley.
Joel percebeu de imediato o estado em que Riley se encontrava. Levantou as mãos e afastou-se da cama.
Indicando o outro homem, Riley disse a Bill, “Algema este filho da mãe. Leva-o para o carro. Agora já podes pedir reforços.”
“Riley, ouve-me...” A voz de Bill sumiu-se.
Riley sabia o que Bill deixara por dizer. Ele compreendia perfeitamente que tudo o que Riley queria era alguns minutos a sós com Joel. Bill sentiu relutância em permiti-lo.
Ainda com a arma apontada a Joel, Riley olhou para Bill com uma expressão implorativa. Bill anuiu lentamente, dirigiu-se ao homem, leu-lhe os direitos, algemou-o e levou-o para o exterior da casa.
Riley fechou a porta. Depois ficou silenciosamente a fitar Joel Lambert com a arma ainda erguida. Este era o rapaz por quem April se apaixonara. Mas não se tratava de um adolescente qualquer. Estava profundamente envolvido no negócio da droga. Ele tinha usado essas drogas na sua própria filha e tinha tentado vender o corpo de April. Esta pessoa não era capaz de amar ninguém.
“O que é que pensa que vai fazer, senhora chui?” Disse Joel. “Eu tenho direitos, sabe.” E presenteou-a com o mesmo sorriso de gozo que mostrara no seu último encontro.
A arma tremeu ligeiramente na mão de Riley. Ansiava premir o gatilho e rebentar com aquele verme de uma vez. Mas não se podia permitir fazê-lo.
Riley reparou que Joel se esgueirava na direção da mesa de apoio. Era robusto e um pouco mais alto do que Riley.Tentava alcançar um taco de basebol encostado à mesa, obviamente à mão para fins de autodefesa. Riley reprimiu um sorriso sinistro. Parecia que ele ia fazer exatamente aquilo que ela queria que ele fizesse.
“Estás preso,” Disse Riley.
Guardou a arma e pegou nas algemas. Tal como esperava, Joel pegou no taco de basebol e arremeteu-o contra Riley. Ela conseguiu desviar-se do golpe e preparou-se para a próxima investida.
Desta vez Joel ergueu o taco mais alto, pretendendo esmagar-lhe a cabeça com ele. Mas quando o braço desceu, Riley agachou-se e apanhou a extremidade do bastão. Agarrou-o e atirou-o para longe dele. Riley apreciou o olhar de surpresa no rosto de Joel quando perdeu o equilíbrio.
Joel tentou apoiar-se na mesa de apoio para evitar cair. Quando a mão se agarrou à mesa, Riley esmagou-a com o taco. Foi audível o som de ossos a partirem-se.
Joel soltou um grito patético e caiu no chão.
“Sua cabra maluca!” Gritou. “Partiu-me a mão.”
Tentando recuperar o fôlego, Riley algemou-o a um dos pés da cama.
“Não o consegui evitar,” Disse ela. “Tu resististe e eu, acidentalmente, entalei a tua mão na porta. Peço perdão.”
Riley algemou a mão sã ao pé de uma cama. Depois pisou a mão partida e apoiou todo o seu peso nela.
Joel gritou e contorceu-se. Esperneava indefeso.
“Não, não, não!” Gritava.
Ainda com o pé em cima da mão de Joel, Riley agachou-se próximo do seu rosto.
Riley repetiu, zombeteiramente, “’Não, não, não!’ Onde é que eu já ouvi estas palavras? Nos últimos minutos?”
Joel estremecia de dor e horror.
Riley pisou-o com mais força.
“Quem o disse?” Perguntou ela.
“A sua filha... ela disse-o.”
“Disse o quê?”
“’Não, não, não...’”
Riley libertou um pouco a pressão.
“E porque é que a minha filha disse isso?” Perguntou.
Joel mal conseguia falar por entre os violentos soluços que soltava.
“Porque... estava indefesa... e a sofrer. Eu percebo. Eu compreendo.”
Riley retirou o pé. Parecia-lhe que ele tinha percebido a mensagem – pelo menos por agora, embora talvez não de vez. Mas aquilo era o melhor – ou o pior – que podia fazer para já. Ele merecia a morte ou pior ainda. Mas ela não podia ser o instrumento dessa vontade. Pelo menos de uma coisa tinha a certeza: aquela mão nunca mais se recomporia.
Riley deixou Joel algemado e correu para junto da filha. Os olhos de April estavam dilatados e Riley sabia que ela não estava a conseguir vê-la bem.
“Mãe?” Disse April num queixume baixinho.
O som daquela palavra soltou um mundo de angústia em Riley. Desatou a chorar ao começar a ajudar April a vestir-se.
“Vou tirar-te daqui,” Disse entre soluços. “Vai correr tudo bem.”
Mas ao proferir aquelas palavras, Riley só rezava para que fossem verdadeiras.

 

 

 

 

 


CAPÍTULO UM

Riley rastejava na terra num espaço escuro debaixo de uma casa. Escuridão total a rodeava. Perguntava-se porque é que não tinha consigo uma lanterna. Afinal de contas, já tinha estado naquele lugar horrível.

Mais uma vez, ouviu a voz de April a chamá-la na escuridão.

“Mãe, onde estás?”

O desespero apoderou-se do coração de Riley. Ela sabia que April estava presa algures no meio daquela maléfica escuridão. E estava a ser torturada por um monstro horrível.

“Estou aqui,” Disse Riley. “Estou a ir. Continua a falar para te encontrar.”

“Estou aqui,” Disse April.

Depois a voz ecoou na escuridão.

“Estou aqui... Estou aqui... Estou aqui...”

Já não era apenas uma voz e já não era apenas uma rapariga. Muitas raparigas estavam a pedir a sua ajuda. E Riley não fazia a mínima ideia de como as encontrar a todas.

Riley acordou do seu pesadelo por alguém que lhe apertava a mão. Adormecera a segurar na mão de April e agora a filha começava a acordar. Riley sentou-se e olhou para a filha deitada na cama.

O rosto de April ainda estava algo pastoso e pálido, mas a sua mão estava mais forte e já não estava fria. Tinha muito melhor aspeto do que no dia anterior. A noite que passara na clínica fizera-lhe muito bem.

April conseguiu fixar o olhar em Riley. Depois vieram as lágrimas, tal como Riley previra.

“Mãe, e se tu não tivesses chegado?” Disse April com a voz sufocada.

Riley sentiu os olhos a arder. April já tinha feito aquela pergunta vezes sem conta e Riley nem conseguia imaginar a resposta, quanto mais verbalizá-la.

O telemóvel de Riley tocou. Era Mike Nevins, o psiquiatra forense e grande amigo que tinha ajudado Riley em muitas crises pessoais e que mais uma vez a auxiliava nesta.

“Só para saber se está tudo bem,” Disse Mike. “Espero não estar a ser inoportuno.”

Riley ficou feliz por ouvir a voz amigável de Mike.

“De maneira nenhuma, Mike. Obrigada por ligares.”

“Como é que ela está?”

“Melhor, acho eu.”

Riley não sabia o que teria feito sem a ajuda de Mike. Depois de Riley ter libertado April das garras de Joel, teve que recorrer a serviços de emergência, tratamentos médicos e relatórios de polícia. Na noite anterior, Mike tinha conseguido que April fosse admitida no Centro de Saúde e Reabilitação de Corcoran Hill.

Era muito mais agradável do que um hospital. Mesmo com todo o equipamento necessário, o quarto era agradável e confortável. Pela janela, Riley via árvores dispostas em terrenos bem tratados.

Naquele preciso momento, o médico de April entrou no quarto. Riley terminou a chamada assim que o Dr. Ellis Spears, um homem de aspeto bondoso e rosto jovem com algumas brancas, entrou.

Tocou na mão de April e perguntou, “Como te sentes?”

“Não muito bem,” Disse April.

“Bem, tens que dar algum tempo,” Disse ele. “Vais ficar bem. Senhora Paige, posso falar consigo?”

Riley acenou e seguiu-o até ao corredor. O Dr. Spears relanceou alguma informação que tinha na sua pasta.

“A heroína já quase saiu do sistema,” Disse ele. “O rapaz deu-lhe uma dose perigosa. Felizmente, abandona a corrente sanguínea rapidamente. O mais certo é não ter mais sintomas de dependência. O sofrimento por que está a passar agora é mais psicológico do que físico.”

“Ela terá...?” Riley não conseguiu terminar a pergunta.

Felizmente, o médico compreendeu o que ela queria saber.

“Uma recaída ou necessidade da droga? É difícil dizer. O uso da heroína pela primeira vez fá-los sentirem-se magníficos – como nada igual no mundo. Ela não é viciada, mas não é provável que se vá esquecer daquela sensação. Há sempre o perigo de ser atraída para a sensação fantástica que lhe proporcionou.”

Riley percebeu onde o médico queria chegar. A partir daquele momento, era de extrema importância manter April afastada da possibilidade de usar drogas. Era uma perspetiva terrificante. April agora admitia já ter fumado erva e tomado comprimidos – alguns eram analgésicos, opióides muito perigosos.

“Dr. Spears, eu...”

Por um instante, Riley não conseguiu formular a pergunta que tinha em mente.

“Não compreendo o que é que se passou,” Disse por fim. “Porque é que ela faria algo assim?”

O médico sorriu-lhe e Riley imaginou que o Dr. Spears já ouvira aquela pergunta muitas vezes.

“Fuga,” Disse ele. “Mas não estou a falar de uma fuga absoluta da vida. Ela não é esse tipo de consumidora. Na verdade, nem penso que seja uma consumidora por natureza. Tal como todos os adolescentes, tem dificuldade em controlar os seus impulsos. Trata-se unicamente de uma questão de imaturidade do cérebro. Ela gostava da sensação passageira que as drogas lhe davam. Felizmente, não consumiu durante tempo suficiente para sofrer efeitos a longo-prazo.”

O Dr. Spears pensou em silêncio durante um momento.

“A experiência por que passou foi anormalmente traumática,” Disse. “Falo da forma como aquele rapaz a tentou explorar sexualmente. Só essa memória pode ser suficiente para a manter afastada das drogas para sempre. Mas também é possível que o sofrimento emocional seja um perigoso estímulo.”

Riley ficou desanimada ao ouvir aquelas palavras. O sofrimento emocional parecia ser um facto inevitável na sua família por aqueles dias.

“Temos que a vigiar durante alguns dias,” Disse o Dr. Spears. “Depois disso, vai precisar de imensos cuidados, descanso e ajuda psicológica.”

O médico despediu-se e continuou as suas visitas. Riley ficou no corredor, sentindo-se só e preocupada.

Foi isto o que aconteceu à Jilly? Perguntou-se. Poderia a April ter terminado como aquela criança desesperada?

Há dois meses em Phoenix, Arizona, Riley tinha salvado uma rapariga mais nova do que April da prostituição. Tinha-se formado entre as duas um estranho laço emocional e Riley tinha tentado manter o contacto com ela depois de a colocar num abrigo para adolescentes. Mas há alguns dias, Riley fora informada de que Jilly fugira. Impossibilitada de voltar a Phoenix, Riley pediu a ajuda de um agente do FBI. Ela sabia que o homem se sentia em dívida para com ela e esperava obter notícias naquele mesmo dia.

Entretanto, Riley estava onde tinha que estar: a apoiar April.

Quando se encaminhava para o quarto da filha ouviu uma voz a chamar o seu nome no fundo do corredor. Virou-se e viu o rosto preocupado do seu ex-marido Ryan, a ir ao seu encontro. Quando lhe ligara no dia anterior para lhe comunicar o sucedido, ele estava em Minneapolis a trabalhar.

Riley ficou surpreendida por vê-lo. A filha de Ryan encontrava-se no fundo da sua lista de prioridades – mais abaixo do seu trabalho como advogado e muito mais abaixo da liberdade que agora gozava enquanto homem solteiro. Riley até duvidara que ele aparecesse.

Mas agora Ryan apressou-se a juntar-se a Riley e abraçou-a com o rosto ensombrado pela preocupação.

“Como é que ela está? Como é que ela está?”

Ryan não parava de repetir a pergunta, tornando difícil a Riley responder.

“Vai ficar bem,” Disse Riley finalmente.

Ryan afastou Riley e olhou para ela com uma expressão angustiada.

“Peço desculpa,” Disse. “Peço tanta, tanta desculpa. Tu tinhas-me dito que a April estava com problemas, mas eu não ouvi. Eu devia ter estado aqui para vos apoiar.”

Riley não sabia o que dizer. As desculpas não eram propriamente o estilo de Ryan. Na verdade, esperava que ele desatasse a responsabilizá-la pelo que tinha acontecido. Essa sempre tinha sido a sua forma de lidar com crises familiares. Aparentemente, o que acabara de acontecer a April era demasiado terrível a ponto de o afetar. Com certeza que já tinha falado com o médico e soubera da terrível história completa.

Ele fez um gesto com a cabeça na direção da porta.

“Posso vê-la?” Perguntou.

“Claro que sim,” Disse Riley.

Riley ficou no corredor e observou Ryan a abeirar-se da cama de April, a abraçá-la com força durante algum tempo. Pareceu-lhe ver as costas a agitarem-se com um único soluço. Depois ele sentou-se ao lado de April e segurou-lhe na mão.

April recomeçou a chorar.

“Oh, papá, fiz uma asneira tão grande,” Disse. “Andava com um rapaz...”

Ryan tocou-lhe nos lábios para a silenciar.

“Shh. Não precisas de me dizer nada. Está tudo bem.”

Riley sentiu um nó na garganta. De repente, pela primeira vez em muito tempo, sentiu que os três eram uma família. Seria uma coisa boa ou má? Seria um sinal de que melhores tempos viriam ou outro desenvolvimento rumo à desilusão e à mágoa? Não sabia.

Riley observou da porta Ryan a afagar carinhosamente o cabelo da filha e April a fechar os olhos e a descontrair. Era uma cena comovente.

Quando é que tudo se desmoronou? Pensou Riley.

Deu por si a desejar poder voltar atrás no tempo até algum momento crucial em que cometera algum erro terrível e fazer tudo de forma diferente para que nada daquilo alguma vez tivesse acontecido. E ela tinha a certeza de que Ryan pensava da mesma forma.

Era um pensamento irónico e ela sabia-o. O assassino que prendera há poucos dias era um homem obcecado por relógios que criava poses e dispunha as vítimas como ponteiros do mostrador de um relógio. E agora ali estava ela com os seus próprios anseios sobre o tempo.

Se eu tivesse conseguido manter o Peterson afastado dela, Pensou Riley, estremecendo.

Tal como Riley, April tinha sido aprisionada e torturada por aquela monstro sádico e o seu maçarico. Desde essa altura que April sofria de SPT.

Mas a verdade era que Riley sabia que o problema era mais amplo.

Talvez se o Ryan e eu nunca nos tivéssemos divorciado, Pensou.

Mas como podiam tê-lo evitado? Ryan era distante e desligado enquanto marido e enquanto pai, para além de ser mulherengo. Não que ele fosse o único culpado. Também ela tinha cometido os seus erros. Nunca tinha conseguido encontrar o equilíbrio entre o trabalho no FBI e a maternidade. E não se tinha apercebido dos muitos sinais de aviso em relação a April.

Sentiu-se ainda mais triste. Não, ela não se lembrava de um momento específico onde pudesse ter mudado tudo. A sua vida fora demasiado plena de erros e oportunidades falhadas. Para além disso, ela sabia perfeitamente que não podia recuar no tempo. Não valia a pena desejar o impossível.

O telemóvel tocou e Riley foi para o corredor. O seu coração bateu com mais força quando se apercebeu que a chamada era de Garrett Holbrook, o agente do FBI que andava à procura de Jilly.

“Garrett!” Disse, atendendo a chamada. “O que se passa?”

Garrett respondeu no seu característico tom monótono.

“Tenho boas notícias.”

De imediato, Riley começou a respirar mais confortavelmente.

“A polícia encontrou-a,” Disse Garrett. “Tinha estado na rua a noite toda sem dinheiro ou lugar para ir. Foi apanhada a roubar numa loja de conveniência. Estou com ela aqui na esquadra de polícia. Eu pago a caução, mas...”

Garrett parou de falar. Riley não gostou do som daquela palavra, “mas.”

“Talvez seja melhor falares com ela,” Disse ele.

Uns segundos mais tarde, Riley ouviu a voz familiar de Jilly.

“Olá, Riley.”

Agora que o pânico a abandonara, Riley demonstrou o quão zangada estava.

“Não me venhas com ‘olás’. Onde é que tinhas a cabeça para fugir assim?”

“Não vou voltar para lá,” Disse Jilly.

“Vais sim.”

“Por favor, não me obrigues a voltar para lá.”

Riley não respondeu de imediato. Não sabia o que dizer. Ela sabia que o abrigo onde Jilly fora acolhida era um lugar bom onde era acarinhada. Riley tivera a oportunidade de conhecer alguns elementos do pessoal, pessoas muito prestáveis.

Mas Riley também compreendia como é que Jilly se sentia. Da última vez que tinham falado, Jilly tinha-se queixado que ninguém a queria, que os pais adotivos nem a consideravam.

“Não gostam do meu passado,” Dissera Jilly.

Aquela conversa acabara mal com Jilly desfeita em lágrimas a implorar a Riley para a adotar. Riley não conseguira explicar as milhares de razões que tornavam essa hipótese impossível. Esperava que aquela conversa não acabasse da mesma forma.

Antes de Riley conseguir pensar no que dizer, Jilly disse, “O teu amigo quer falar contigo.”

Riley ouviu outra vez a voz de Garrett Holbrook.

“Não para de dizer isso – não vai voltar para o abrigo. Mas tenho uma ideia. Uma das minhas irmãs, a Bonnie, está a pensar em adotar. Tenho a certeza de que ela e o marido adorariam acolher a Jilly. Isto é se a Jilly...”

Garrett foi interrompido pelos gritinhos de satisfação de Jilly que não parava de gritar, “Sim, sim, sim!”.

Riley sorriu. Era mesmo de uma coisa daquelas que ela precisava naquele momento.

“Parece-me fantástico, Garrett,” Disse. “Diz-me como corre. Muito obrigado pela tua ajuda.”

“Sempre que precisares,” Disse Garrett.

E terminaram a chamada. Riley dirigiu-se novamente à porta do quarto e viu que Ryan e April estavam a conversar despreocupadamente. De repente, tudo parecia correr tão melhor. Apesar das suas falhas e das de Ryan, a verdade era que tinham dado a April uma vida muito melhor do que aquela que muitas outras crianças tinham.

E precisamente naquele momento, Riley sentiu uma mão no ombro e ouviu uma voz.

“Riley.”

Virou-se e viu o rosto amigo de Bill. Ao afastar-se da porta para falar com ele, Riley não conseguiu evitar olhar para o seu parceiro e para o ex-marido repetidamente. Mesmo no seu atual momento de desespero, Ryan aparentava ser o advogado de sucesso que era. O seu aspeto e modos suaves abriam-lhe portas em todo o lado. Bill, como tantas vezes percebera, parecia-se mais consigo. O seu cabelo escuro já tinha brancas e era mais robusto e amarrotado do que Ryan. Mas Bill era competente nas suas áreas de aptidão e fora muito mais fiável na sua vida.

“Como é que ela tem passado?” Perguntou Bill.

“Melhor. O que se passa com o Joel Lambert?”

Bill abanou a cabeça.

“Aquele bandido é cá uma peça,” Disse ele. “Mas está a falar. Diz que conhece uns tipos que fizeram rios de dinheiro com jovens e ele pensou tentar. Não demonstra sinais de remorso, é um sociopata cuspido e escarrado. De qualquer das formas, vai ser condenado e vai passar algum tempo dentro. Mas é capaz de fazer um acordo.”

Riley ficou contrariada. Odiava aqueles acordos e aquele em particular era perturbador.

“Sei o que pensas a esse respeito,” Disse Bill. “Mas parece-me que ele vai despejar tudo e podemos conseguir prender uma data de filhos da mãe. Isso é bom.”

Riley concordou. Era bom saber que algo de positivo se podia retirar deste acontecimento terrível. Mas havia uma coisa que tinha que falar com Bill e não sabia muito bem como dizê-lo.

“Bill, quanto ao meu regresso ao trabalho...”

Bill deu-lhe uma palmadinha no ombro.

“Não é preciso dizeres nada,” Disse Bill. “Não podes trabalhar em casos durante algum tempo. Precisas de uma pausa. Não te preocupes, eu compreendo. E toda a gente vai compreender em Quantico. Tira o tempo que precisares.”

Bill olhou para o relógio.

“Desculpa ter que me ir embora, mas...”

“Vai,” Disse Riley. “E obrigada por tudo.”

Abraçou Bill e ele foi-se embora. Riley ficou no corredor, a pensar no futuro próximo.

“Tira o tempo que precisares,” Dissera-lhe Bill.

Isso podia não ser fácil. O que acabara de acontecer a April era uma recordação de todo o mal que andava à solta. O trabalho dela era impedir que acontecessem o máximo de coisas negativas que conseguisse. E se havia uma coisa que aprendera na vida, era que o mal nunca dormia.


CAPÍTULO DOIS

Sete semanas mais tarde

Quando Riley chegou ao gabinete da psicóloga, encontrou Ryan sozinho numa sala de espera.

“Onde está a April?” Perguntou.

Ryan fez um gesto de cabeça na direção da porta fechada.

“Está com a Dra. Sloat,” Disse, parecendo desconfortável. “Tinham qualquer coisa para falar a sós. Depois devemos entrar e juntar-nos a elas.”

Riley suspirou e sentou-se numa cadeira próxima. Ela, Ryan e April tinham passado muitas horas emocionalmente exigentes nas últimas semanas naquele local. Aquela era a última sessão com a psicóloga antes da pausa para as férias de Natal.

A Dra. Sloat tinha insistido que toda a família participasse na recuperação de April. Tinha sido árduo para todos eles, mas para alívio de Riley, Ryan tinha participado de forma incondicional no processo. Viera a todas as sessões e até pusera o trabalho em segundo plano para ter mais tempo disponível. Hoje fora buscar April à escola.

Riley perscrutava o rosto do ex-marido enquanto ele olhava fixamente para a porta do gabinete. Parecia um homem mudado. Não há muito tempo, era tão desatento que chegara ao ponto de ser negligente enquanto pai. Sempre insistira que todos os problemas de April eram da responsabilidade de Riley.

Mas o consumo de drogas de April e a sua quase introdução no mundo da prostituição forçada, mudara algo em Ryan. Depois da sua permanência na clínica de reabilitação, April já estava em casa com Riley há seis semanas. Ryan visitava-a com frequência e estivera presente no Dia de Ação de Graças. Por vezes até pareciam uma família normal.

Mas Riley não parava de se lembrar de que eles nunca tinham sido uma família normal.

Poderia isso agora mudar? Perguntava-se Riley. Quero que mude?

Riley sentia-se dividida, até um pouco culpada. Há muito que tentava aceitar o facto de que o seu futuro não incluiria Ryan. Talvez até houvesse outro homem na sua vida.

Sempre existira uma atração entre ela e Bill. Mas também se digladiavam e discutiam de vez em quando. Para além disso, a sua relação profissional era suficientemente exigente sem a parte romântica.

O seu vizinho bondoso e atraente, Blaine, parecia coadunar-se melhor com as suas necessidades, sobretudo porque a sua filha Crystal e April eram grandes amigas.

Ainda assim, em momentos como aquele, Ryan quase parecia o mesmo homem por quem ela se tinha apaixonado há tantos anos. Que rumo tomava a sua vida? Não sabia.

A porta do gabinete abriu-se e a Dra. Lesley Sloat saiu.

“Agora já podem entrar,” Disse com um sorriso estampado no rosto.

Riley sempre gostara da psicóloga baixinha, robusta e bondosa, e April também gostava muito dela.

Riley e Ryan entraram no gabinete e sentaram-se numas poltronas confortáveis. Estavam de frente para April que estava sentada no sofá ao lado da Dra. Sloat. April sorria debilmente. A Dra. Sloat fez um gesto com a cabeça para ela começar a falar.

“Aconteceu uma coisa esta semana,” Disse April. “É um pouco difícil falar sobre isso...”

A respiração de Riley acelerou e sentiu o coração bater com mais força.

“Está relacionado com a Gabriela,” Disse April. “Talvez ela também devesse aqui estar para falar sobre isto, mas como não está...”

April calou-se.

Riley estava surpreendida. Gabriela era uma mulher Guatemalteca corpulenta de meia-idade que trabalhava para a família há anos. Mudara-se com Riley e April, e era como um membro da família.

April respirou fundo e continuou, “Há alguns dias atrás, ela disse-me uma coisa que eu não vos disse. Mas penso que devem saber. A Gabriela disse que tinha que se ir embora.”

“Porquê?” Articulou Riley.

Ryan parecia confuso. “Não lhe pagas o suficiente?” Perguntou.

“É por minha causa,” Disse April. “Ela disse que não podia continuar. Disse que era demasiada responsabilidade para ela ter que impedir que eu me magoasse ou que me magoassem.”

April parou de falar. Uma lágrima cintilou no canto do olho.

“Ela disse que era demasiado fácil eu esgueirar-me de casa sem que ela se apercebesse. Não conseguia dormir à noite com medo que eu estivesse em perigo. Disse que agora que estou bem novamente, vai-se embora imediatamente.”

Riley ficou alarmada. Ela não sabia que Gabriela pensava dessa forma.

“Pedi-lhe para não ir,” Disse April. “Eu chorei e ela também chorou, mas não consegui que mudasse de opinião e fiquei apavorada.”

April conteve um soluço e limpou os olhos com um lenço.

“Mãe,” Disse April, “Eu cheguei a ajoelhar-me. Prometi que nunca a faria sentir-se assim novamente. Por fim... por fim ela abraçou-me e disse que não se iria embora desde que eu cumprisse a minha promessa. E vou cumprir. Vou mesmo. Mãe, pai, nunca mais vos vou preocupar ou à Gabriela ou a qualquer outra pessoa daquela forma.”

A Dra. Sloat deu uma palmadinha na mão de April e dirigiu um sorriso a Riley e Ryan.

Disse, “O que a April está a tentar dizer é que está a recuperar.”

Riley viu Ryan a tirar um lenço e a limpar os olhos. Raramente o vira chorar. Mas percebia como é que ele se estava a sentir. Ela própria estava comovida. Fora Gabriela – não Riley ou Ryan – a mostrar a luz a April.

Ainda assim, Riley sentiu-se incrivelmente grata por a sua família estar junta e bem no Natal. Ignorou o medo que se esgueirava dentro de si, a pavorosa sensação de que os monstros da sua vida iam transtornar o seu Natal.


CAPÍTULO TRÊS

Quando Shane Hatcher entrou na biblioteca da prisão no dia de Natal, o relógio de parede indicava que faltavam dois minutos para a hora certa.

Timing perfeito, Pensou.

Dali a alguns minutos ele ia evadir-se.

Estava divertido por ver decorações de Natal penduradas por todo o lado – todas feitas de esferovite, claro, nada duro ou afiado ou que pudesse ser utilizado como corda. Hatcher passara muitos períodos natalícios em Sing Sing e a ideia de tentar evocar o espírito natalício ali sempre lhe parecera absurdo. Quase ria quando via Freddy, o taciturno bibliotecário da prisão, a usar um barrete vermelho de Pai Natal.

Sentado na sua secretária, Freddy virou-se para ele e lançou-lhe um sorriso cadavérico. Aquele sorriso dizia a Hatcher que tudo corria como planeado. Hatcher silenciosamente assentiu com a cabeça e devolveu-lhe o sorriso. Depois Hatcher caminhou entre duas prateleiras e esperou.

Assim que o relógio bateu a hora certa, Hatcher ouviu o som da porta de carregamentos a abrir no extremo oposto da biblioteca. Dali a momentos, o motorista da carrinha surgiu empurrando um grande recipiente de plástico com rodas. A porta fechou-se ruidosamente atrás dele.

“Qué que tens pra mim esta semana, Bader?” Perguntou Freddy.

“O que é que achas que tenho?” Questionou o condutor. “Livros, livros, livros.”

O condutor espreitou rapidamente na direção de Hatcher e depois virou-se. O condutor, como era evidente, estava a par do plano. Daquele momento em diante, tanto o condutor como Freddy trataram Hatcher como se ele não estivesse ali.

Excelente, Pensou Hatcher.

Juntos, Bader e Freddy descarregaram os livros para uma mesa metálica com rodas.

“Que tal um café no comissariado?” Perguntou Freddy ao condutor. “Ou talvez um eggnog quente? Estão servi-lo nesta altura,”

“Parece ótimo.”

Os dois homens conversavam normalmente quando desapareceram pelas portas da biblioteca.

Hatcher permaneceu sossegado por um momento, estudando a exata posição do contentor. Tinha pago a um guarda para desviar uma câmara de vigilância aos poucos durante vários dias até haver um local não vigiado na biblioteca – um local que os guardas que olhavam para os monitores não tinham reparado. Parecia que o condutor tinha acertado em cheio.

Hatcher saiu silenciosamente de entre as estantes e saltou para dentro do contentor. O condutor deixara um cobertor grosso e pesado no fundo. Hatcher tapou-se com o cobertor.

Aquele era o momento do plano de Hatcher em que alguma coisa podia correr mal. Mas mesmo que alguém entrasse na biblioteca, duvidava que se dessem ao trabalho de espreitar para dentro do contentor. Os que inspecionariam o camião também tinham sido pagos.

Não que estivesse preocupado ou nervoso. Não sentia tais emoções há três décadas. Um homem que nada tinha a perder na vida não podia sentir ansiedade ou desconforto. A única coisa que podia suscitar o seu interesse era a promessa do desconhecido.

Permaneceu debaixo do cobertor, escutando atentamente. Ouvia o relógio de parede a emitir o seu ruído à passagem dos minutos.

Mais cinco minutos, Pensou.

E aquele era o plano. Aqueles cinco minutos dariam a Freddy um álibi. Poderia dizer com toda a sinceridade que não vira Hatcher a trepar para o contentor. Poderia dizer que pensara que Hatcher já saíra da biblioteca. Quando terminassem os cinco minutos, Freddy e o condutor voltariam e Hatcher seria transportado para fora da biblioteca e da prisão.

Entretanto, Hatcher deixou os seus pensamentos divagarem para o que faria com a sua liberdade. Ouvira recentemente umas notícias que faziam o risco valer a pena – até o tornavam interessante.

Hatcher sorriu quando pensou noutra pessoa que ficaria muito interessada com a sua fuga. Desejava ver a cara de Riley Paige quando descobrisse que ele fugira.

Riu-se deste pensamento.

Ia ser um prazer vê-la novamente.


CAPÍTULO QUATRO

Riley observava April enquanto esta abria a caixa com o presente de Natal de Ryan. Perguntou-se quão a par dos gostos da filha ele estaria por aqueles dias.

April sorriu quando pegou numa pulseira de prata.

“É linda, papá!” Disse April, dando-lhe um beijo na bochecha.

“Ouvi dizer que é o que está na moda,” Disse Ryan.

“E é!” Disse April. “Obrigada!”

Depois piscou ligeiramente o olho a Riley. Riley conseguiu conter uma risada. Há apenas alguns dias, April tinha-lhe dito o quanto detestava aquelas pulseiras disparatadas que todas as raparigas agora usavam. Apesar disso, April estava perfeita em parecer entusiasmada.

É evidente que Riley sabia que não era só fingimento. Era-lhe possível perceber que April estava contente com o facto de o pai ter feito um esforço para lhe comprar um presente de Natal de que gostasse.

O sentimento de Riley em relação à mala cara que Ryan lhe tinha oferecido era semelhante. Não era o estilo dela e ela nunca a usaria – Exceto quando soubesse que Ryan estaria por perto. E tinha a certeza de que Ryan sentia o mesmo em relação à carteira que ela e April lhe tinham comprado.

Estamos a tentar ser uma família novamente, Pensou Riley.

E naquele dia pareciam estar a conseguir.

Entretanto era manhã de Natal e Ryan acabara de chegar para passar o dia com elas. Riley, April, Ryan e Gabriela estavam sentados junto à aconchegante lareira a beber chocolate quente. O delicioso odor do jantar de Natal de Gabriela pairava no ar vindo da cozinha.

Riley, April e Ryan usavam cachecóis que Gabriela lhes fizera, e Gabriela usava umas pantufas fofas que April e Riley lhe tinham oferecido.

A campainha tocou e Riley foi ver quem era, deparando-se com o vizinho, Blaine e a filha adolescente Crystal.

Riley estava simultaneamente encantada e desconfortável por vê-los. Ryan já demonstrara ciúmes de Blaine – e não sem razão, Riley tinha que admitir. A verdade era que Riley considerava Blaine um homem muito atraente.

Não conseguia deixar de o comparar mentalmente a Bill e Ryan. Blaine era um pouco mais novo do que ela, estava magro e em forma, e Riley gostava que ele assumisse que estava a ficar sem cabelo.

“Entrem!” Disse Riley.

“Peço desculpa mas não posso,” Disse Blaine. “Tenho que ir para o restaurante, mas trouxe a Crystal para ficar.”

Blaine era dono de um popular restaurante no centro da cidade. Riley percebeu que não devia ficar espantada por estar aberto no dia de Natal. O jantar de Natal no Blaine’s Grill devia ser delicioso.

Crystal reuniu-se ao grupo junto da lareira. Aos risinhos, ela e April abriram os presentes que ofereceram uma à outra.

Riley e Blaine trocaram de forma discreta postais de Natal e depois Blaine foi-se embora. Quando Riley se juntou novamente ao grupo, Ryan parecia algo azedo. Riley guardou o cartão sem o abrir. Esperaria até que Ryan se fosse embora.

A minha vida é mesmo complicada, Pensou. Mas começava a parecer uma vida quase normal, uma versão da vida que ela apreciaria.

*

Os passos de Riley ecoavam no compartimento grande e escuro. De repente, o ruído de um interruptor a invadir o silêncio. As luzes agora ligadas cegaram-na durante alguns segundos.

Riley estava agora no corredor do que parecia ser um museu de cera repleto de peças aterradoras. À sua direita estava o corpo nu de uma mulher colocado junto a uma árvore. À esquerda, estava uma mulher morta envolta em correntes e pendurada num poste de eletricidade. Uma outra peça expunha vários corpos de mulheres com os braços amarrados atrás das costas. Para lá dessa peça, viam-se cadáveres esfomeados com os membros grotescamente dispostos.

Riley reconheceu cada uma daquelas cenas. Eram casos em que ela tinha trabalhado. Estava a entrar na sua câmara de horrores pessoal.

Mas o que é que estava ali a fazer?

De repente, ouviu uma voz jovem e aterrorizada a gritar.

“Riley, ajuda-me!”

Riley olhou em frente e viu a silhueta de uma jovem a erguer os braços num apelo desesperado.

Parecia Jilly. Estava novamente metida em sarilhos.

Riley desatou a correr na sua direção, mas então surgiu outra luz que mostrou que não se tratava de Jilly.

Era um homem velho envergando o seu uniforme de Coronel da Marinha.

Era o próprio pai de Riley. E ria-se do erro de Riley.

“Não estavas à espera de encontrar ninguém vivo, pois não?” Dizia. “Só és útil a quem já está morto. Quantas vezes é que tenho que te dizer isto?”

Riley estava intrigada. O pai tinha morrido há meses. Não sentia a sua falta. Fazia os possíveis para nunca pensar nele. Sempre fora um homem duro que só lhe tinha provocado dor.

“O que é que estás aqui a fazer?” Perguntou Riley.

“Só estou de passagem.” Riu. “Para ver como estás a estragar a tua vida. O mesmo de sempre, segundo me parece.”

Riley queria atirar-se a ele. Queria bater-lhe com toda a força que conseguisse. Mas ficou congelada sem se conseguir mexer.

Depois surgiu um som ensurdecedor.

“Gostava que pudéssemos conversar,” Disse ele. “Mas tens assuntos para tratar.”

O som tornou-se cada vez mais ruidoso e o pai virou-se e desapareceu.

“Nunca fizeste nada de bom a ninguém,” Disse ainda. “Nem a ti própria.”

Os olhos de Riley abriram-se. Percebeu que o telefone estava a tocar. O mostrador do relógio indicava que eram 06:00.

Riley viu que a chamada era de Quantico. Uma chamada àquela hora só podia significar algo grave.

Atendeu o telefone e ouviu a voz firme do seu chefe de equipa, o Agente Especial Responsável Brent Meredith.

“Agente Paige, preciso que venha ao meu gabinete agora mesmo,” Disse ele. “Isto é uma ordem.”

Riley esfregou os olhos.

“De que é que se trata?” Perguntou.

Seguiu-se uma curta pausa.

“Temos que falar sobre isso pessoalmente,” Disse ele.

E terminou a chamada. Durante um breve momento, Riley pensou se o que a esperava era uma reprimenda pelo seu comportamento. Mas não, já estava de licença há vários meses. Uma chamada de Meredith só podia significar uma coisa.

É um caso, Pensou Riley.

Ele não lhe ligaria no Natal por outra razão que não essa.

E pelo tom de voz de Meredith, parecia algo grave – talvez algo que transformasse a sua vida.


CAPÍTULO CINCO

A apreensão de Riley aumentou quando entrou no edifício da UAC. Quando penetrou no gabinete de Brent Meredith, o chefe encontrava-se sentado à secretária à sua espera. Meredith, um homem Afro-Americano de feições angulares, era sempre uma presença intimidante. Naquele momento também parecia estar preocupado.

Bill também lá estava. Riley percebeu pela sua expressão que ainda não tinha conhecimento do assunto da reunião.

“Sente-se, Agente Paige,” Disse Meredith.

Riley sentou-se numa cadeira disponível.

“Peço desculpa por interromper as suas férias,” Disse Meredith a Riley. “Há muito tempo que não falamos. Como tem passado?”

Riley foi apanhada de surpresa. Não fazia parte do estilo de Meredith dar nício a uma reunião daquela forma – com um pedido de desculpas e uma pergunta sobre o seu bem-estar. Geralmente ia direto ao assunto. Era evidente que ele sabia que ela estava de licença devido ao problema de April e Riley percebeu que Meredith estava genuinamente preocupado. Ainda assim, pareceu-lhe estranho.

“Estou melhor, obrigada,” Disse Riley.

“E a sua filha?” Perguntou Meredith.

“Está a recuperar bem, obrigada,” Disse Riley.

Meredith fixou o olhar no de Riley em silêncio durante alguns instantes.

“Espero que esteja preparada para regressar ao trabalho,” Disse Meredith. “Porque se há um caso em que precisamos de si, é neste.”

Riley estava confusa enquanto aguardava pela explicação do chefe.

Por fim, Meredith disse, “Shane Hatcher fugiu da Prisão de Sing Sing.”

As palavras de Brent Meredith atingiram-na como uma tonelada de tijolos e ficou contente por estar sentada.

“Meu Deus,” Disse Bill, igualmente surpreendido com a notícia.

Riley conhecia bem Shane Hatcher – demasiado bem para o seu gosto. Hatcher cumpria uma pena de prisão perpétua sem possibilidade de liberdade condicional há várias décadas. No tempo que passara na prisão, tornara-se num perito em criminologia. Publicara artigos em revistas académicas e dera aulas nos programas académicos da prisão. Riley já o tinha visitado várias vezes na prisão em busca de conselho em casos em que estava a trabalhar.

As visitas sempre haviam sido perturbadoras. Hatcher parecia sentir uma afinidade especial por ela. E Riley sabia que, bem no fundo, também ela estava mais fascinada por ele do que era suposto. Para ela, ele era muito possivelmente o homem mais inteligente que já conhecera – e talvez também o mais perigoso.

Após cada visita, Riley jurava sempre nunca mais o ver. Agora lembrava-se bem da última vez que estivera na sala de visitas de Sing Sing.

“Não vou voltar,” Dissera-lhe ela.

“Pode não ter que cá voltar para me ver,” Respondera Hatcher.

Naquele momento, aquelas palavras pareciam perturbadoramente proféticas.

“Como é que ele fugiu?” Perguntou Riley a Meredith.

“Não sei muitos pormenores,” Disse Meredith. “Mas como provavelmente sabe, ele passava muito tempo na biblioteca da prisão e trabalha lá frequentemente como assistente. Ele estava lá ontem quando chegou um carregamento de livros. Deve-se ter escapado para a carrinha que trazia os livros. Quando os guardas deram pela falta dele ontem à noite, a carrinha foi encontrado abandonada a alguns quilómetros de Ossining. Não havia sinais do condutor.”

Meredith calou-se novamente. Riley não tinha qualquer dificuldade em acreditar que Hatcher tinha gizado tal plano de fuga. Quanto ao condutor, Riley nem queria pensar no que lhe sucedera.

Meredith inclinou-se sobre a secretária na direção de Riley.

“Agente Paige, você conhece o Hatcher melhor do que ninguém. O que nos pode dizer sobre ele?”

Ainda a recuperar do impacto que a notícia lhe causara, Riley respirou fundo e disse, “Na sua juventude, Hatcher foi membro de um gang em Syracuse. Era invulgarmente cruel até para um criminoso calejado. As pessoas chamavam-lhe ‘Shane the Chain’ porque gostava de espancar até à morte rivais de outros gangs com correntes.”

Riley fez uma pausa, tentando recordar-se do que Shane lhe dissera.

“Um determinado polícia assumiu como missão pessoal prender Hatcher. Hatcher retaliou pulverizando-o com correntes a ponto de ficar irreconhecível. Deixou o seu corpo desfigurado no alpendre da sua casa para a família o encontrar. E foi aí que Hatcher foi apanhado. Está na prisão há trinta anos. Nunca de lá sairia.”

Outro silêncio se seguiu.

“Neste momento tem cinquenta e cinco anos,” Disse Meredith. “Seria de pensar que após trinta anos na prisão, ele não fosse tão perigoso como era quando jovem.”

Riley abanou a cabeça

“Pensaria mal,” Disse ela. “Naquela altura, ele era apenas um bandido ignorante. Não tinha conhecimento do seu próprio potencial. Mas com o passar dos anos adquiriu muitos conhecimentos. Ele sabe que é um génio. E nunca demonstrou qualquer arrependimento. E desenvolveu uma personalidade polida ao longo dos anos. E comportou-se bem na prisão, o que lhe dá acesso a privilégios, mesmo que a pena não seja reduzida. Mas tenho a certeza de que ele é, neste momento, mais cruel e perigoso do que nunca.”

Riley pensou por alguns instantes. Algo a incomodava, mas não sabia bem o quê.

“Alguém sabe porquê?” Perguntou Riley.

“Porquê o quê?” Disse Bill.

“Porque é que ele fugiu.”

Bill e Meredith trocaram olhares intrigados.

“Por que é que alguém foge da prisão?” Perguntou Bill.

Riley percebeu quão estranha soava a sua pergunta. Lembrava-se de uma altura em que Bill fora com ela falar com Hatcher.

“Bill, tu conheceste-o,” Disse ela. “Pareceu-te alguém insatisfeito? Inquieto?”

Bill franziu o sobrolho enquanto pensava.

“Não, na verdade ele parecia...”

E não prosseguiu.

“Quase satisfeito, talvez?” Disse Riley, terminando o pensamento que Bill deixara incompleto. “A prisão parece assentar-lhe bem. Nunca tive a sensação de que ele desejasse a liberdade. Há quase qualquer coisa de zen a respeito dele, o seu desprendimento em relação a tudo na vida. Que eu saiba, não tem desejos. A liberdade não tem nada a oferecer-lhe. E agora está em fuga, um homem procurado. Porque é que ele decidiu fugir? E porquê agora?”

Meredith tamborilou os dedos na secretária.

“Como ficaram as coisas da última vez que esteve com ele?” Perguntou. “Despediram-se sem problemas?”

Riley mal conseguiu suprimir um sorriso irónico.

“Nunca nos despedimos sem problemas,” Disse ela.

Depois, após uma pausa, acrescentou, “Compreendo onde quer chegar. Está a pensar se eu serei o seu alvo.”

“É possível?” Perguntou Bill.

Riley não respondeu. Mais uma vez se lembrou do que Hatcher lhe tinha dito.

“Pode não ter que cá voltar para me ver.”

Seria uma ameaça? Riley não sabia dizer.

Meredith disse, “Agente Paige, não preciso de lhe dizer que este caso é de grande importância e vai implicar muita pressão. Enquanto falamos, a notícia já está em todos os meios de comunicação social. As fugas de prisões são sempre notícias de grande relevo. Até podem causar pânico generalizado. Seja o que for que ele pretenda, temos que o localizar rapidamente. Tenho pena que tenha que voltar a um caso tão perigoso e difícil como este. Sente-se preparada? Sente-se à altura?”

Riley sentiu uma estranha dormência ao ponderar aquela pergunta. Era uma sensação que se apoderava dela antes de aceitar um caso. Demorou um instante a perceber que a sensação era medo, puro e simples medo.

Mas não era medo por si. Era algo mais. Era algo inominável e irracional. Talvez fosse o facto de que Hatcher a conhecia demasiado bem. Pela sua experiência, todos os prisioneiros sempre queriam algo em troca de informações, mas Hatcher não estava interessado em banalidades como whiskey ou cigarros. O seu quid pro quo tinha tanto de simples como de profundamente perturbador.

Hatcher queria que Riley lhe contassse coisas a seu respeito.

“Algo que não queira que os outros saibam,” Dissera ele. “Algo que não quer que ninguém saiba.”

Riley tinha cumprido, talvez com demasiada facilidade. Agora Hatcher sabia todo o tipo de coisa a seu respeito – que era uma mãe com falhas, que odiava o pai e que não fora ao seu funeral, que havia tensão sexual entre ela e Bill, e que às vezes – tal como o próprio Hatcher – retirava prazer da violência e da morte.

Ela lembrava-se do que ele dissera na sua última visita.

“Eu conheço-a. Em alguns aspetos, conheço-a melhor do que você própria.”

Conseguiria ela ser tão perspicaz como aquele homem? Meredith aguardava pacientemente a resposta à sua pergunta.

“Estou tão pronta quanto me é possível estar,” Disse Riley, tentando soar mais confiante do que na realidade se sentia.

“Ótimo,” Disse Meredith. “Como devemos proceder?”

Riley pensou por alguns instantes.

“O Bill e eu temos que averiguar toda a informação que o FBI tem sobre Shane Hatcher,” Afirmou Riley.

Meredith anuiu e disse, “Já tomei a liberdade de pedir ao Sam Flores para começar a preparar tudo.”

*

Alguns minutos mais tarde, Riley, Bill e Meredith já se encontravam na sala de conferências da UAC a observar as informações multimédia que Sam Flores tinha reunido. Flores era um técnico laboratorial com óculos de aros escuros.

“Penso que tenho aqui tudo aquilo que desejam ver,” Disse Flores. “Certificado de nascimento, registos de detenções, transcrições de tribunal, tudo.”

Riley tinha que admitir que era uma compilação impressionante que não deixava muito espaço à imaginação. Havia várias fotos horríveis das vítimas de Shane Hatcher, incluindo o polícia desfigurado deixado no alpendre da sua própria casa.

“Que informações temos sobre o polícia que Hatcher assassinou?” Perguntou Bill.

Flores mostrou um conjunto de fotos que mostravam um polícia de aspeto amável.

“Trata-se do agente Lucien Wayles que tinha quarenta e seis anos quando morreu em 1986,” Disse Flores. “Era casado e tinha três filhos, fora condecorado, todos gostavam dele e era respeitado. O FBI colaborou com polícias locais e apanharam Hatcher poucos dias depois da morte de Wayles. O que é incrível é que não reduziram Hatcher a um monte ensanguentado no momento em que o apanharam.”

Olhando para a apresentação, Riley ficou atónita com as fotos do próprio Hatcher. Mal o reconhecia. Apesar do homem que conhecia poder ser intimidante, conseguia projetar uma atitude respeitável, até de académico com uns óculos de leitura sempre pendurados na ponta do nariz. O jovem Afro-Americano que surgia nas fotos de 1986 tinha um rosto duro e um olhar cruel e vazio. Riley quase tinha dificuldade em acreditar que se tratava da mesma pessoa.

Por muito detalhada e completa que a apresentação fosse, Riley sentiu-se insatisfeita. Ela pensava que conhecia Shane Hatcher melhor do que qualquer outra pessoa, mas a realidade era que ela não conhecia aquele Shane Hatcher – o cruel jovem bandido a quem deram a alcunha de “Shane the Chain.”

Tenho que o conhecer, Pensou.

Caso não o fizesse, duvidava que o conseguisse apanhar.

De alguma forma, sentia que a sensação fria e digital que a apresentação lhe transmitia trabalhava em seu desfavor. Precisava de algo mais tangível – fotografias reais com vincos e pontas dobradas, relatórios e documentos amarelados e frágeis.

Perguntou a Flores, “Posso ter acesso aos originais?”

Flores manifestou alguma incredulidade.

“Lamento, Agente Paige – mas nem pensar. O FBI destruiu todos os ficheiros em papel em 2014. Agora está tudo digitalizado. O que vê é o que temos.”

Riley libertou um suspiro de desilusão. Sim, ela lembrava-se da destruição de milhões de ficheiros em papel. Outros agentes se tinham queixado, mas na altura não lhe parecera um problema. Agora bem que desejava a antiga sensação de palpabilidade.

Mas naquele momento, o mais importante era tentar adivinhar qual o próximo passo de Hatcher. E ocorreu-lhe uma ideia.

“Quem foi o polícia que prendeu Hatcher?” Perguntou Riley. “Se ainda for vivo, o mais certo é ser o primeiro alvo de Hatcher.”

“Não foi um polícia local,” Disse Flores. “E não foi um polícia.”

Mostrou uma foto antiga de uma agente.

“Chama-se Kelsey Sprigge. Era Agente do FBI no departamento de Syracuse – na altura tinha trinta e cinco anos. Agora tem setenta, está aposentada e vive em Searcy, uma cidade perto de Syracuse.”

Riley ficou surpreendida com o facto de Sprigge ser uma mulher.

“Ela deve-se ter juntado ao FBI...” Começou Riley.

Flores continuou o seu pensamento.

“Entrou em 1972, quando o cadáver de J. Edgar mal tinha arrefecido. Foi nessa altura que as mulheres foram finalmente autorizadas a serem agentes. Anteriormente tinha sido polícia.”

Riley estava impressionada. Kelsey Sprigge tinha vivido muita história.

“O que me podes dizer sobre ela?” Perguntou Riley a Flores.

“Bem, é viúva, tem três filhos e três netos.”

“Liguem ao departamento do FBI de Syracuse e digam-lhes para mantê-la em segurança a todo o custo,” Disse Riley. “Ela está em perigo.”

Flores assentiu.

Depois voltou-se para Meredith.

“Vou precisar de um avião.”

“Porquê?” Perguntou Meredith, confuso.

Riley respirou fundo.

“Shane pode estar a caminho de matar Sprigge,” Disse ela. “E eu quero estar com ela antes que isso possa acontecer.”


CAPÍTULO SEIS

Quando o avião do FBI aterrou na pista do Syracuse Hancock International Airport, Riley lembrou-se de algo que o pai lhe tinha dito no sonho da noite anterior.

“Só és útil a quem já está morto.”

Riley ficou afetada com a ironia. Este era provavelmente o primeiro caso que lhe fora atribuído onde alguém ainda não tinha sido assassinado.

Mas é provável que mude em breve, Pensou.

Estava particularmente preocupada com Kelsey Sprigge. Riley queria conhecer aquela mulher pessoalmente e certificar-se de que estava bem. Depois, dependeria de Riley e de Bill que assim continuasse; e isso implicava localizar Shane Hatcher e prendê-lo novamente.

À medida que o avião se aproximava do terminal, Riley viu que tinham viajado até um mundo invernoso. Apesar da pista estar limpa, enormes montanhas nevadas mostravam a quantidade de trabalho que os equipamentos de limpeza tinham tido recentemente.

Era uma mudança de cenário abrupta em relação à Virginia – e uma mudança bem-vinda. Riley compreendeu naquele momento o quanto precisava de um novo desafio. Ligara a Gabriela de Quantico a explicar que estaria fora a trabalhar num caso. Gabriela ficara feliz por ela e garantiu-lhe que tomaria conta de April.

Quando o avião parou, Riley e Bill pegaram nos seus haveres e desceram as escadas rumo à pista gelada. Quando sentiu o choque do frio extremo no seu rosto, Riley não escondeu a sua satisfação por lhe terem dado um casaco bem quente em Quantico.

Dois homens abordaram-nos e apresentaram-se como Agentes McGill e Newton do departamento de Syracuse.

“Estamos aqui para ajudar no que for preciso,” Disse McGill a Bill e Riley enquanto se apressavam rumo ao terminal.

Riley fez a primeira pergunta que lhe veio à cabeça.

“Têm pessoal a vigiar Kelsey Sprigge? Têm a certeza de que ela está em segurança?”

“Alguns polícias estão à porta da sua casa em Searcy,” Disse Newton. “Temos a certeza de que está bem.”

Riley desejava ter tanta certeza.

Bill disse, “Ok, neste momento só precisamos de uma viatura para irmos até Searcy.”

McGill disse, “ Searcy não fica muito longe de Syracuse e as estradas estão limpas. Trouxemos um SUV que podem usar mas... estão habituados a conduzir condições destas?”

“Sabem, é que Syracuse ganha sempre o Prémio de Golden Snowball,” Acrescentou Newton com orgulho imoderado.

“Golden Snowball?” Perguntou Riley.

“É o prémio do estado de Nova Iorque para quem tem mais neve,” Disse McGill. “Nós somos os campeões. Temos um troféu que o comprova.”

“Talvez um de nós devesse conduzir-vos até lá,” Disse Newton.

Bill deu uma risada, “Obrigado, mas acho que conseguimos. Tive um trabalho de inverno no Dakota do Norte há alguns anos atrás. Fartei-me de conduzir por lá.”

Apesar de não se manifestar, Riley também se sentia preparada para aquele tipo de condução. Aprendera a conduzir nas montanhas da Virginia. A neve lá nunca era tão profunda como aqui, mas as estradas secundárias nunca estavam desimpedidas rapidamente. O mais certo era demorar o mesmo tempo que qualquer outra pessoa a circular naquelas estradas geladas.

Mas não se importava que Bill conduzisse. Naquele momento, estava preocupada com a segurança de Kelsey Sprigge. Bill pegou nas chaves e partiram.

“Devo dizer que me sabe bem estarmos a trabalhar outra vez juntos,” Disse Bill enquanto conduzia. “É capaz de ser egoísta da minha parte. Gosto de trabalhar com a Lucy mas não é a mesma coisa.”

Riley sorriu. Também ela se sentia bem em trabalhar novamente com Bill.

“Ainda assim, por um lado não queria que o teu regresso fosse com este caso,” Acrescentou Bill.

“Porque não?” Perguntou Riley surpreendida.

Bill abanou a cabeça.

“Tenho um mau pressentimento,” Disse ele. “Lembra-te, eu também conheci o Hatcher. É preciso muito para me assustar mas... bem, ele é qualquer coisa de diferente.”

Riley não respondeu, mas não conseguia discordar. Ela sabia que Hatcher tinha alarmado Bill no decorrer daquela visita Com o seu instinto excecional, Hatcher tinha feito observações astutas sobre a vida pessoal de Bill.

Riley lembrava-se de Hatcher apontar para o dedo anelar de Bill e dizer:

“Não vale a pena conciliar-se com a sua mulher. Não é possível.”

Hatcher tinha razão e Bill estava agora a meio de um divórcio tudo menos amigável.

No fim da mesma visita, ele dissera algo a Riley que ainda a assombrava.

“Pare de o combater.”

Até hoje, ela não sabia a que Hatcher se referia. Mas Riley sentia o pavor inexplicável de que um dia descobriria.

*

Um pouco mais tarde, Bill estacionou a viatura junto a uma pilha de neve no exterior da casa de Kelsey Sprigge em Searcy. Riley viu um carro da polícia estacionado ali próximo com dois polícias desfardados no seu interior. Mas dois polícias num carro não lhe inspiravam muita confiança. O criminoso cruel e brilhante que fugira de Sing Sing podia tratar deles em dois tempos se a isso se dispusesse.

Bill e Riley saíram do carro e mostraram os seus distintivos aos polícias. Depois caminharam no passeio limpo em direção à casa. Era uma casa tradicional de dois andares com um prático telhado de duas águas e alpendre fronteiro, e estava coberta de luzes de Natal. Riley tocou à campainha.

Uma mulher abriu a porta com um sorriso encantador. Era magra e estava em forma, usando equipamento de jogging. A sua expressão era luminosa e alegre.

“Bem, devem ser os Agentes Jeffreys e Paige,” Disse ela. “Chamo-me Kelsey Sprigge. Entrem. Saíam deste frio horrível.”

Kelsey Sprigge conduziu Riley e Bill até uma confortável sala de estar com uma lareira acolhedora.

“Gostariam de beber alguma coisa?” Perguntou. “É claro, estão de serviço. Vou buscar café.”

Foi para a cozinha e Bill e Riley sentaram-se. Riley observou as decorações de Natal e as inúmeras fotografias penduradas nas paredes e pousadas na mobília. Eram fotos de Kelsey Sprigge em vários momentos da sua vida adulta com filhos e netos à sua volta. Em muitas das fotografias, um homem sorridente estava a seu lado.

Riley lembrava-se de Flores ter dito que Kelsey era viúva. Pelas fotografias, Riley percebeu que fora um casamento longo e feliz. De alguma forma, Kelsey Sprigge tinha conseguido alcançar o que sempre escapava a Riley. Ela tinha vivido uma vida familiar plena ao mesmo tempo que trabalhava como agente do FBI.

Riley não se importaria nada de lhe perguntar como o tinha conseguido. Mas é claro que aquele não era o momento adequado.

A mulher regressou rapidamente trazendo um tabuleiro com duas chávenas de café, natas e açúcar, e – para surpresa de Riley – um whiskey com gelo para ela.

Riley estava espantada com Kelsey. Para uma mulher com setenta anos, era extremamente enérgica e cheia de vida, e mais dura do que a maior parte das mulheres que conhecera. De alguma forma, Riley sentia que era quase como olhar para o seu próprio futuro e ver a mulher em que ela se tornaria.

“Bem, então,” Disse Kelsey, sentando-se e sorrindo. “Gostava que o nosso clima fosse mais acolhedor.”

Riley estava espantada com a sua descontraída hospitalidade. Nas circunstâncias em que se encontravam, pensava que encontraria uma mulher alarmada.

“Senhora Sprigge...” Começou Bill.

“Kelsey, por favor,” Interrompeu a mulher. “E sei porque é que estão aqui. Estão preocupados que o Shane Hatcher venha atrás de mim, que eu seja o seu primeiro alvo. Pensam que ele me quer matar.”

Riley e Bill entreolharam-se, sem saber muito bem o que dizer.

“E é claro que é por esse mesmo motivo que aqueles polícias estão lá fora,” Disse Kelsey, ainda sorrindo de forma adorável. “Disse-lhes para entrarem e se aquecerem mas eles não quiseram. Nem me deixaram sair para a minha corrida da tarde! Uma pena, eu simplesmente adoro correr com este tempo vigoroso. Bem, não estou preocupada em ser assassinada e não me parece que me deva preocupar. Não penso que o Shane Hatcher pretenda fazer isso.”

Riley quase perguntou, “Por que não?”

Mas em vez disso, disse cautelosamente, “Kelsey, você apanhou-o. Levou-o à justiça. Ele estava na prisão por sua causa. Você pode ser o motivo por que ele fugiu.”

Kelsey não disse nada por alguns instantes. Olhava a arma no coldre de Riley.

“Qual é a sua arma, querida?” Perguntou.

“Uma Glock de calibre quarenta,” Disse Riley.

“Boa!” Disse Kelsey. “Posso vê-la?”

Riley entregou a sua arma a Kelsey. Kelsey retirou a munição e examinou a arma. Manuseava-a com a delicadeza de um connoisseur.

“As Glocks chegaram tarde para mim,” Disse Kelsey. “Mas gosto delas. A armação polimérica é boa – muito leve, equilíbrio excelente. Adoro a disposição da mira.”

Voltou a colocar a munição na arma e entregou-a a Riley. Depois dirigiu-se a uma secretária e dali tirou a sua pistola semiautomática.

“Atingi o Shane Hatcher com esta preciosidade,” Disse, sorrindo. Entregou a arma a Riley e depois voltou a sentar-se. “Smith and Wesson Modelo 459. Feri-o e desarmei-o. O meu parceiro queria matá-lo no local – vingança pelo polícia que tinha assassinado. Bem, eu não o podia permitir. Disse-lhe que se matasse Hatcher, haveria mais do que um corpo para enterrar.”

Kelsey corou um pouco.

“Oh,” Disse. “Gostava que essa história não se divulgasse. Por favor, não contem a ninguém.”

Riley devolveu-lhe a arma.

“De qualquer das formas, sabia que a minha atitude teve a aprovação de Hatcher,” Disse Kelsey. “Sabem, ele tinha um código rígido, mesmo enquanto membro de um gang. Ele sabia que eu só estava a fazer o meu trabalho. Penso que ele respeitou isso. E que também ficou grato. De qualquer das formas, nunca demonstrou qualquer interesse por mim. Eu até lhe escrevi algumas cartas, mas ele nunca me respondeu. Provavelmente nem se lembra do meu nome. Não, tenho a certeza que ele não me quer matar.”

Kelsey olhou para Riley com interesse.

“Mas Riley – posso tratá-la por Riley? – disse-me ao telefone que o visitou na prisão, que o chegou a conhecer. Ele deve ser uma personalidade fascinante.”

Riley pensou detetar uma nota de inveja na voz da mulher.

Kelsey levantou-se da cadeira.

“Mas olhem só para mim a falar enquanto vocês têm um bandido para apanhar! E quem sabe o que ele está a planear neste preciso momento. Tenho algumas informações que vos podem ajudar. Venham daí, vou mostrar-vos tudo o que tenho.”

Kelsey conduziu Riley e Bill por um corredor até à porta de uma cave. Riley ficou subitamente nervosa.

Porque é que tem que ser numa cave? Pensou

Riley tinha uma ligeira mas irracional fobia por caves há algum tempo – vestígios do SPT de estar presa no espaço exíguo em que Peterson a mantivera e mais recentemente por ter apanhado um outro assassino numa cave completamente escura.

Mas ao seguirem Kelsey pelas escadas, Riley não viu nada de sinistro. A cave era usada como sala de recreio. A um canto estava uma área de escritório bem iluminada com uma secretária coberta de pastas manila, um quadro com velhas fotografias e recortes de jornais, e algumas gavetas de arquivo.

“Aqui está – tudo o que querem saber sobre ‘Shane the Chain’ e a sua carreira e a sua queda,” Disse Kelsey. “Estejam à vontade. Perguntem alguma coisa que não entendam.”

Riley e Bill começaram a percorrer as pastas. Riley estava surpreendida e entusiasmada. Era informação arrojada e fascinante, muita da qual nunca tinha sido digitalizada para a base de dados do FBI. A pasta que agora percorria estava pejada com items aparentemente pouco relevantes, incluindo guardanapos de restaurante com notas escritas à mão e esboços relacionados com o caso.

Abriu outra pasta que continha relatórios e outros documentos fotocopiados. Riley divertia-se por saber que Kelsey não os devia ter fotocopiado ou guardado. Os originais há muito que deviam ter sido destruídos depois de digitalizados.

Enquanto Bill e Riley revolviam o material, Kelsey observou, “Devem estar a pensar porque é que não me livrei destas coisas. Às vezes eu própria penso nisso.”

Ficou a pensar durante alguns instantes.

“Shane Hatcher foi o meu único contacto com o mal,” Disse. “Durante os meus primeiros catorze anos no FBI, quase só fazia trabalho administrativo no departamento de Syracuse – a mulher simbólica. Mas trabalhei neste caso desde a raiz, falei com membros de gangs nas ruas, liderei a equipa. Ninguém pensou que eu pudesse apanhar o Hatcher. Na verdade, ninguém tinha a certeza que alguém o pudesse apanhar. Mas eu consegui.”

Agora Riley percorria uma pasta com fotos de má qualidade que o FBI não se devia ter dado ao trabalho de digitalizar. É claro que Kelsey não as deitara fora.

Uma mostrava um polícia a falar com o membro de um gang. Riley imediatamente reconheceu o jovem como sendo Shane Hatcher. Demorou mais um pouco para reconhecer o polícia.

“Este é o agente que o Hatcher matou, não é?” Perguntou Riley.

Kelsey anuiu.

“Agente Lucien Wayles,” Disse ela. “Eu é que tirei essa foto.”

“O que faz ele a conversar com o Hatcher?”

Kelsey sorriu.

“Bem, isso é algo interessante,” Disse. “Suponho que tenham ouvido dizer que o agente Wayles era um polícia exemplar, condecorado. Isso é o que a polícia local ainda quer que todos pensem. Na verdade, ele era corrupto. Nesta foto, tinha-se encontrado com Hatcher para fazer um acordo com ele – uma partilha dos lucros da droga para não interferir no território de Hatcher. Hatcher recusou-se. E Wayles tentou forçá-lo a aceitar.”

“Como sabem, a coisa não resultou favoravelmente para o agente Wayles,” Disse Kelsey.

Riley começou a compreender. Era exatamente este tipo de material que ela procurava. Colocara-a muito, mas muito mais próxima da mente do jovem Hatcher.

Ao olhar para a foto de Hatcher e do polícia, Riley sondou a mente do jovem. Imaginou os pensamentos e sentimentos de Hatcher no momento em que a foto foi tirada. Também se lembrou de algo que Kelsey acabara de dizer.

“Sabem, ele tinha um código rígido, mesmo para membro de um gang.”

Das conversas que entabulara com Hatcher, Riley sabia que ainda hoje isso era verdade. E agora, olhando para a foto, Riley sentia o nojo visceral de Hatcher perante a proposta de Wayles.

Ofendeu-o, Pensou Riley. Soou-lhe a insulto.

Não admirava que Hatcher tivesse feito de Wayles um exemplo. De acordo com o código distorcido de Hatcher, era a coisa certa a fazer.

Dedilhando mais fotos, Riley encontrou uma de outro membro de gang.

“Quem é este?” Perguntou Riley.

“Smokey Moran,” Disse Kelsey. “O tenente em quem Shane the Chain mais confiava – até eu o prender por vender droga. Apanhou uma pena muito longa por isso não tive dificuldade em que ele cooperasse contra Hatcher em troca de alguma clemência. E foi assim que finalmente acabei com o Hatcher.”

Ao entregar a foto, Riley sentia um formigueiro na pele.

“O que foi feito de Moran?”

Kelsey abanou a cabeça.

“Ainda anda por aí.” Disse. “Muitas vezes penso que não devia ter feito aquele acordo. Há anos e anos que lidera todo o tipo de atividades de gang. Os membros mais jovens olham para ele e admiram-no. Ele é esperto e esquivo. Os polícias locais e o FBI nunca o conseguiram apanhar.”

Aquela sensação de formigueiro aumentou. Riley entrou na cabeça de Hatcher, cismando na prisão durante décadas a respeito da traição de Moran. No universo moral de Hatcher, um homem desses não merecia viver. E a justiça já era tardia.

“Tem a sua morada atual?” Perguntou Riley a Kelsey.

“Não, mas tenho a certeza que o departamento tem. Porquê?”

Riley respirou fundo.

“Porque o Shane vai lá matá-lo.”


CAPÍTULO SETE

Riley sabia que Smokey Moran estava em grande perigo. Mas a verdade era que Riley não morria de amores pelo bandido de carreira.

Só Shane Hatcher importava.

A sua missão era prender Hatcher novamente. Se o apanhassem antes de matar Moran pela antiga traição, tudo bem. Ela e Bill iriam à morada de Moran sem qualquer aviso prévio. Ligariam para o departamento local do FBI para que reforços fossem lá ter com eles.

Era uma viagem de meia hora a partir da casa de Kelsey Sprigge situada numa Searcy de classe média até aos bairros sinistros de gangs de Syracuse. O céu estava nublado, mas não caía neve e o trânsito fluía normalmente nas estradas limpas.

Enquanto Bill conduzia, Riley acedeu à base de dados do FBI e fez uma pesquisa rápida no seu telemóvel. Concluiu que a situação local com os gangs era grave. Os gangs tinham-se formado e reagrupado nesta área desde começos dos anos 80. Na época de Shane the Chain eram sobretudo gangs locais. Desde essa altura, os gangs de dimensão nacional tinham entrado em cena, trazendo consigo níveis de violência mais exacerbados.

As drogas que alimentavam esta violência com os seus lucros haviam-se tornado mais estranhas e muito mais perigosas. Agora incluíam cigarros ensopados em fluído de embalsamamento e cristais que induziam paranoia chamados de “sais de banho”. Quem poderia adivinhar as substâncias ainda mais mortíferas que surgiriam de seguida?

Quando Bill estacionou em frente ao prédio degradado onde vivia Moran, Riley viu dois homens com casacos do FBI a saírem de outro carro – os Agentes McGill e Newton que os haviam recebido no aeroporto. Percebeu pelo volume que usavam coletes Kevlar debaixo dos casacos. Ambos traziam consigo espingardas de sniper Remington.

“A casa de Moran fica no terceiro andar,” Disse Riley.

Quando o grupo de agentes entrou no prédio pela porta da frente, depararam-se com vários membros de gang na entrada fria e degradada. Limitavam-se a estar ali com as mãos enfiadas nos bolsos dos casacos e pareciam não prestar atenção ao esquadrão armado que acabara de entrar.

Guarda-costas de Moran?

Não parecia a Riley que tentassem parar o seu pequeno exército de agentes, apesar de poderem avisar Moran de que alguém ia a caminho.

McGill e Newton pareciam conhecer aqueles jovens. Os agentes deram-lhes umas palmadas rápidas nas costas.

“Viemos ver Smokey Moran,” Disse Riley.

Nenhum dos jovens abriu a boca. Apenas fitavam os agentes com uma expressão estranha e vazia. Pareceu um comportamento estranho a Riley.

“Saiam,” Disse Newton e os tipos assentiram e saíram pela porta da frente.

Com Riley à frente, os agentes percorreram três lanços de escadas. Os agentes locais mostraram o caminho, verificando cada corredor cuidadosamente. No terceiro andar pararam à porta do apartamento de Moran.

Riley bateu com força na porta. Quando não obteve resposta, gritou.

“Smokey Moran, sou a Agente do FBI Riley Paige. Os meus colegas e eu queremos falar consigo. Não lhe queremos fazer mal. Não estamos aqui para o prender.”

Mais uma vez, nenhuma resposta.

Riley virou a maçaneta. Para sua surpresa, a porta não estava trancada e a porta abriu-se sem dificuldade.

Os agentes entraram num apartamento bem cuidado e desinteressante com total ausência de decoração. Não havia uma televisão, aparelhos eletrónicos ou sequer um computador. Riley percebeu que Moran conseguia exercer uma tremenda influência no submundo do crime apenas com ordens diretas. Ao nunca estar online ou usar um telefone, permanecia fora do radar da polícia.

Definitivamente um cliente astuto, Pensou Riley. Às vezes, a forma mais antiquada de fazer as coisas funciona melhor.

Mas dele nem sinal. Os dois agentes locais revistaram todos os quartos e armários. Ninguém se encontrava no apartamento.

Desceram as escadas. Quando chegaram à entrada, McGill e Newton ergueram as suas espingardas, prontos para a ação. Os jovens do gang esperavam-nos no fundo das escadas.

Riley observou-os. Compreendeu que era óbvio que tinham ordens para deixar Riley e os colegas revistar o apartamento vazio. Agora parecia que tinham algo a dizer.

“O Smokey disse que calculava que viessem,” Disse um deles.

“Disse-nos para vos deixarmos uma mensagem,” Disse outro.

“Ele disse para irem ter com ele ao velho armazém Bushnell na Dolliver Street,” Disse ainda um terceiro.

Depois, sem proferirem mais uma palavra, os jovens afastaram-se, deixando espaço aos agentes para passarem.

“Ele estava sozinho?” Perguntou Riley.

“Estava quando saiu daqui,” Respondeu um dos jovens.

Pairava no ar uma espécie de presságio. Riley não sabia como o interpretar.

McGill e Newton não tiraram os olhos dos jovens enquanto os agentes saíam do prédio. Uma vez lá fora, Newton disse, “Sei onde fica esse armazém.”

“Eu também,” Disse McGill. “Fica a poucos quarteirões daqui. Mas não estou a gostar disto. Aquele lugar é perfeito para montar uma emboscada.”

Pegou no telemóvel e pediu mais reforços para lá irem ter.

“Temos que ter cuidado,” Disse Riley. “Mostrem-nos o caminho.”

Bill conduzia seguindo o SUV local. Ambos os carros estacionaram em frente a um decrépito edifício de tijolo de quatro andares com uma fachada em ruínas e janelas estilhaçadas. Logo a seguir, outro veículo do FBI chegou.

Observando o edifício, Riley percebeu o que McGill quisera dizer e por que quisera mais reforços. O lugar era enorme e decrépito com três andares de janelas escuras e partidas. Qualquer uma daquelas janelas podia facilmente esconder um atirador com uma espingarda.

Toda a equipa estava armada com armas de cano longo, mas Riley e Bill apenas tinham pistolas. Podiam transformar-se em alvos fáceis num tiroteio.

Ainda assim, uma cilada era algo que não fazia sentido para Riley. Depois de evitar astutamente ser preso durante três décadas, por que é que um tipo como Smokey Moran faria algo tão imprudente como abater agentes do FBI?

Riley comunicou com os outros agentes pelo rádio.

“Ainda estão a usar o Kevlar?” Perguntou.

“Sim,” Responderam.

“Ótimo. Fiquem quietos no carro até vos dizer para saírem.”

Bill já tinha chegado às traseiras do SUV bem abastecido onde encontrara dois coletes Kevlar. Ele e Riley colocaram-nos. Depois Riley encontrou um megafone.

Baixou a janela e falou na direção do edifício.

“Smokey Moran, somos do FBI. Recebemos a sua mensagem. Viemos vê-lo. Não lhe queremos fazer mal. Saia do edifício com as mãos no ar e vamos falar.”

Riley esperou um minuto. Nada aconteceu.

Riley falou outra vez pelo rádio a Newton e McGill.

“O Agente Jeffreys e eu vamos sair do veículo. Quando sairmos, vocês saiem também – com as armas em riste. Encontramo-nos na porta de entrada. Mantenham o olhar para cima. Se virem algum movimento no edifício, protejam-se imediatamente.”

Riley e Bill saíram do SUV, e Newton e McGill saíram do seu carro. Outros três agentes armados até aos dentes saíram do veículo que chegara e juntaram-se a eles.

Os agentes moviam com cautela em direção ao edifício, olhando para as janelas com as armas prontas. Por fim, atingiram a segurança relativa da enorme porta de entrada.

“Qual é o plano?” Perguntou McGill, parecendo bastante nervoso.

“Prender Shane Hatcher se aqui estiver,” Disse Riley. “Matá-lo se necessário. E encontrar Smokey Moran.”

Bill acrescentou, “Temos que vasculhar todo o edifício.”

Riley percebeu que os agentes locais não tinham gostado muito deste plano. Não os podia censurar.

“McGill,” Disse Riley. “comece no rés-do-chão e depois vá subindo. O Jeffreys e eu vamos para o último andar e vamos descendo. Encontramo-nos a meio.”

McGill assentiu. Riley vislumbrou um sinal de alívio no seu rosto. Sabiam que era menos provável encontrar perigo na parte inferior do edifício. Bill e Riley estariam a colocar-se num perigo muito maior.

Newton disse, “Vou subir com vocês.”

Riley percebeu a firmeza das suas palavras e não colocou objeções.

Bill abriu as portas e os cinco agentes entraram. Um vento gelado assobiava nas janelas do andar inferior, um espaço vazio com postes e portas para várias salas adjacentes. Deixando McGill e mais três a começar por ali. Riley e Bill dirigiram-se para a mais ameaçadora escadaria. Newton seguia-os de perto.

Apesar do frio, Riley sentia o suor nas luvas e na testa. Sentiu o coração bater e era com dificuldade que mantinha a respiração sob controlo. Não importava quantas vezes já tinha passado por aquilo, nunca se habituaria. Ninguém poderia.

Finalmente entraram no vasto último andar.

O cadáver foi a primeira coisa que chamou a atenção de Riley.

Estava atado direito a um poste com fita adesiva, tão desfigurado que já não parecia humano. Correntes estavam enroladas em redor do seu pescoço.

A arma preferida de Hatcher, Recordou Riley.

“Tem que ser o Moran,” Disse Newton.

Riley e Bill entreolharam-se. Sabiam que ainda não deviam recolher as armas – ainda não. O corpo podia muito bem ser o isco de Hatcher para os atrair para o espaço aberto.

Ao aproximarem-se do homem morto, Newton tinha a espingarda pronta.

Ao aproximar-se do corpo, poças geladas de sangue prendiam-se às solas dos sapatos de Riley. O rosto estava espancado de tal forma que era impossível reconhecê-lo, só através de ADN ou registos dentários seria possível chegar a uma identificação. Mas Riley não tinha dúvidas de que Newton tinha razão; tinha que ser Smokey Moran. Grotescamente, os olhos ainda estavam bem abertos e a cabeça estava de tal forma presa ao poste com fita adesiva que parecia estar a fitar Riley.

Riley olhou à sua volta outra vez.

“O Hatcher não está aqui,” Disse ela, guardando a arma.

Bill fez o mesmo e caminhou ao lado de Riley em direção ao corpo. Newton permaneceu vigilante, segurando a sua espingarda em posição de disparo e virando-se constantemente para vigiar todos os ângulos.

“O que é isto?” Perguntou Bill, apontando para um pedaço de papel dobrado que saía do bolso do casaco da vítima.

Riley tirou o pedaço de papel onde estava escrito:

“Um cavalo encontra-se preso a uma corrente de 24 elos e come uma maçã que se encontra a 8 metros de distância. Como é que o cavalo chegou à maçã?”

Riley ficou tensa. Não a surpreendia que Shane Hatcher tivesse deixado um enigma. Entregou o papel a Bill. Bill leu-o, depois olhou para Riley com uma expressão intrigada.

“A corrente não está presa a nada,” Disse Riley.

Bill anuiu. Riley sabia que ele compreendera o significado do enigma:

Shane the Chain estava agora liberto.

E começava a desfrutar da sua liberdade.


CAPÍTULO OITO

Sentada na companhia de Bill no bar do hotel naquela noite, Riley não conseguia tirar da cabeça a imagem do homem desfigurado. Nem ela nem Bill conseguiram chegar a uma conclusão do que sucedera. Ela não queria creditar que Shane Hatcher tivesse fugido de Sing Sing só para matar Smokey Moran. Mas não havia dúvidas de que ele tinha morto o homem.

As luzes de Natal do bar pareciam mais berrantes do propriamente um sinal de celebração.

Riley segurava o copo vazio na direção de uma empregada do bar. “Quero outro,” Pediu-lhe, entregando-lhe o copo.

Riley viu que Bill olhava para ela com algum desconforto e ela compreendia porquê. Aquele era o seu segundo bourbon com gelo. Bill sabia da história de Riley com a bebida.

“Não te preocupes,” Disse-lhe. “É o meu último esta noite.”

Não lhe apetecia embebedar-se. Só queria relaxar um pouco. O primeiro copo não ajudara e ela duvidava que o segundo cumprisse esse propósito.

Riley e Bill tinham passado o resto do dia a lidar com as consequências do assassinato de Smokey Moran. Enquanto ela e Bill tinham ficado a trabalhar com a polícia local e com a equipa do médico-legista, tinham enviado os Agentes McGill e Newton ao prédio onde Moran vivera. Deviam falar com os membros do gang que estavam de guarda na entrada. Mas já não encontraram esses jovens. O apartamento de Moran permanecia destrancado e desprotegido.

Quando a empregada colocou a bebida fresca à frente de Riley, ela lembrou-se daquilo que os jovens tinham dito na entrada:

“O Smokey disse que calculava que viessem.”

“Disse-nos para vos deixarmos uma mensagem.”

Depois tinham-lhe dito onde deveriam encontrar Smokey Moran.

Riley abanou a cabeça ao lembrar-se mentalmente daquele momento.

“Devíamos ter falado com aqueles rufias quando tivemos a oportunidade,” Disse a Bill. “Devíamos ter feito perguntas.”

Bill encolheu os ombros.

“Acerca de quê?” Perguntou. “O que é que nos poderiam ter dito?”

Riley não respondeu. A verdade era que também ela não sabia. Mas tudo parecia estranho. Ela lembrava-se da expressão dos membros do gang – rígida, sombria, até triste. Era quase como se soubessem que o seu líder tinha ido ao encontro da morte e já o chorassem. O facto de agora terem abandonado os seus postos, aparentemente para sempre, parecia confirmar isso mesmo.

Então, o que lhes tinha dito Moran antes de partir? Que não regressaria? Riley estava intrigada perante essa possibilidade. Porque é que um bandido esperto e experiente como Moran não se tinha mantido longe do perigo? Porque é que fora para o armazém se não fazia ideia do que o esperava lá?

Interrompendo os pensamentos de Riley, Bill perguntou, “Qual é que achas que vai ser o próximo passo do Hatcher?”

“Não sei,” Respondeu Riley.

Era duro admiti-lo, mas era a verdade. Agentes experientes do FBI estavam agora a vigiar a casa de Kelsey Sprigge no caso de ela poder ser o próximo alvo de Hatcher. Mas Riley julgava que não seria. Kelsey tinha razão. Hatcher não mataria a mulher só por fazer o seu trabalho há tantos anos atrás, sobretudo porque ela lhe salvara a vida.

“Achas que podes ser o próximo alvo dele?” Perguntou Bill.

“Quem me dera,” Disse Riley.

Bill pareceu um pouco chocado.

“Tu não queres que isso aconteça,” Disse Bill.

“Quero sim,” Disse Riley. “Se ele se mostrasse, talvez conseguíssemos alguma coisa, Isto é como jogar um jogo de xadrez de olhos vendados. Como posso jogar se não conheço as jogadas dele?”

Bill e Riley beberam as suas bebidas em silêncio durante alguns instantes.

“Também o conheceste, Bill,” Disse Riley. “O que pensas dele?”

Bill soltou um longo suspiro.

“Bem, não há dúvida de que ele me topou num ápice,” Disse ele. “Disse-me para nem pensar em tentar reconciliar-me com a Maggie. Não fazia ideia em como ele estava certo.”

“Em que ponto estão as coisas com a Maggie agora?” Perguntou Riley.

Bill remexeu o gelo no copo.

“Em ponto nenhum,” Disse ele. “Sinto-me encalhado. Seis meses de separação, sem hipótese de reconciliação, mas seis meses ainda para o divórcio ser definitivo. Parece que a minha vida está num limbo. Ao menos, está a facilitar no que diz respeito à custódia dos rapazes. Já os deixa passar tempo comigo.”

“Isso é bom,” Disse Riley.

Agora reparava que Bill olhava para ela melancolicamente.

Isso não é bom, Pensou.

Ela e Bill tinham passado anos a lutar contra uma atração mútua, por vezes de forma muito desajeitada. Riley ainda estremecia ao lembrar-se de um telefonema que lhe fizera bêbeda propondo-lhe que tivessem um caso. A sua amizade e relação profissional tinha sobrevivido com dificuldade a esse episódio deprimente.

Ela não queria enveredar por esse caminho novamente, sobretudo agora que as coisas estavam algo confusas com Ryan e Blaine. Bebeu de um trago o que lhe restava da bebida.

“Hora de me recolher,” Disse ela.

“Para mim também,” Disse Bill com uma nota de relutância na voz.

Pagaram a conta e saíram do bar. Bill foi logo para o seu quarto. Com toda a confusão daquele dia, Riley ainda não tinha levado as suas malas para o quarto. Desceu umas escadas e entrou no estacionamento subterrâneo do hotel.

Foi atingida por uma corrente de ar frio quando penetrou no espaço de cimento. Não havia ninguém à vista.

Dirigiu-se ao SUV emprestado do FBI que se encontrava no extremo oposto do estacionamento. Quando lá chegou para abrir a viatura, a sua visão periférica detetou um movimento algures à sua esquerda.

Virou-se. Não viu nada exceto carros estacionados, apesar de pensar que os seus ouvidos haviam captado um eco de movimento. Riley tinha a certeza que os seus olhos não a tinham enganado. Havia mais alguém no estacionamento.

“Olá,” Gritou.

A sua voz ressoou no estacionamento, seguida do som lamentoso do vento gelado.

Uma descarga de adrenalina atingiu-a. Ela tinha a certeza que alguém estava ali e evitava ser visto. Quem mais poderia ser a não ser Shane Hatcher?

Sacou a arma, perguntando-se se também ele estaria armado. Se fosse esse o caso, usá-la-ia? Não, atingir alguém a tiro não era o estilo de Hatcher. Nem ficaria surpreendida se ele nem sequer estivesse armado – mas ainda assim, não seria menos perigoso.

Riley caminhou cautelosamente em direção ao lugar de onde pensava vir o som. Agora os seus próprios passos pareciam ensurdecedores ao percorrerem o estacionamento. Tinha andado apenas alguns metros quando ouviu um estampido ruidoso atrás dela seguido de um som forte.

Ela virou-se com a arma erguida e pronta. Mas nesse mesmo momento, ouviu um ruído de passos a correr do lado contrário. Virou-se novamente mas não viu nem ouviu nada.

Num ápice percebeu o que tinha acontecido. Ele tinha atirado alguma coisa – uma pedra talvez – para a distrair. Agora movimentava-se entre os carros estacionados. Mas onde estava ele?

Virando-se sempre à medida que caminhava, encaminhou-se para os carros estacionados, olhando para todos os lados.

Por fim, chegou à saída do estacionamento. A neve caía lá fora. E lá estava ele – uma silhueta inconfundível no espaço aberto contra as luzes cintilantes de um anúncio.

“Hatcher!” Gritou Riley, apontando a arma. “Alto!”

E foi então que ouviu uma risada familiar e sombria. Depois ele desapareceu na noite.

Riley desatou a correr na direção da saída. O vento e o frio eram muito mais agudos fora do estacionamento e Riley não tinha roupa suficientemente quente. Tremeu involuntariamente e quase sufocou no ar frio. Flocos de neve colavam-se ao rosto e picavam-lhe a pele.

A estrada fora do estacionamento dava para uma rua bem iluminada. Virando-se sempre e olhando para todo o lado, Riley gritou.

“Hatcher! Mostre-se!”

Agora o ar estava repleto do som baixo do tráfego próximo. Olhando à sua volta para as formas cobertas de neve de árvores e arbustos, custava a Riley imaginar que ele estivesse ali escondido.

“Hatcher!” Gritou novamente.

Por fim, alcançou a rua e olhou para cima e para baixo dos passeios limpos. Não via vivalma.

Foi-se embora, Pensou.

Ainda a olhar para todos os lados, Riley regressou ao estacionamento. Mas mal entrou na entrada ampla, ouviu um som de movimento.

Antes que conseguisse reagir, foi manietada por trás.


CAPÍTULO NOVE

A arma voou da mão de Riley quando o braço de Hatcher lhe envolveu o pescoço. Ela ouviu a sua arma cair no chão de cimento a alguma distância.

O braço esquerdo de Hatcher estava preso à sua garganta e o antebraço direito estava fixo à sua nuca. Era um bloqueio de cabeça familiar. Riley tinha escapado a dezenas de bloqueios semelhantes ao longo dos anos. Ela agarrava no braço da frente com as duas mãos para o impedir de apertar. Ela sabia que tinha que aninhar o queixo, criando um espaço de contorção para fugir. Mas o aperto de Hatcher era semelhante a uma prensa de ferro e a sua cabeça estava completamente imóvel. Hatcher também a segurava de forma que os seus pés mal tocavam no chão gelado. Nunca conseguiria dar um bom pontapé.

Começou a ficar tonta. O seu braço estava preso sagazmente de forma a não bloquear completamente as vias respiratórias. Apesar de estar amordaçada, ainda conseguia respirar. Mas a pressão interrompia a fluidez das suas artérias carótidas. Riley percebeu que ele aplicava uma quantidade calculada de pressão, não a suficiente para a deixar inconsciente, mas suficiente para a desorientar.

“Calculo que tenha algumas perguntas para me fazer,” Murmurou ele suavemente ao seu ouvido. “Como por exemplo o que é que aconteceu ao Smokey Moran. Bem, não foi assassinato. E também não foi autodefesa. Foi um duelo à moda antiga.”

Como se ele conseguisse sentir o crescer e decrescer da consciência de Riley, Hatcher soltou o suficiente a pressão para permitir uma melhor circulação sanguínea. Era óbvio que ele queria que ela ouvisse cada palavra que ele dissesse.

“Enviei-lhe uma mensagem quando fugi,” Disse Hatcher. “Espalhei a palavra através dos seus subordinados de que chegara o momento de acertarmos contas. Disse-lhe o dia e o local e a escolha de armas – correntes, é claro.”

Hatcher riu sombriamente.

“Pobre coitado,” Murmurou. “A consciência remoía-lhe há décadas pela forma como me denunciara. Sabe, penso que ele já não queria viver com esse peso. Ele apareceu e lutámos e... bem, penso que tem uma ideia bastante clara do que aconteceu depois. Não tinha qualquer hipótese e sabia-o. A primeira coisa honrosa que Moran fez na vida – e a última.”

Agora tudo começava a fazer sentido para Riley. Smokey Moran tinha realmente dito aos seus subordinados que iria provavelmente ao encontro da sua morte. Com Hatcher solto, sabia que as autoridades também apareceriam à convocatória no edifício. Então ordenara aos seus seguidores taciturnos e desesperados que transmitissem as notícias.

Sentiu o gancho do braço de Hatcher apertar. Já tinha acabado de lhe dizer o que queria? Iria finalmente acabar com ela?

Riley sentiu a apagar-se. Sentiu-se a cair longe dele, subitamente liberta do seu gancho. Caiu de cara no chão liso e gélido de cimento.

Quando o sangue começou a circular novamente na sua cabeça, viu onde a arma tinha caído, a uns seis metros de distância. Tentou a custo por-se de pé, esperando correr e apanhá-la.

Mas ouviu a voz de Hatcher atrás dela.

“Não vai querer fazer isso.”

Virou-se. Ele estava lá fora na neve. Ela estava na entrada, exatamente a meio caminho entre ele e a arma.

“Não vai querer fazer isso,” Repetiu Hatcher.

A cabeça de Riley andava à roda. Mal se tinha em pé. De alguma forma, no entanto, percebeu vagamente que Hatcher tinha razão. Ela não queria ir buscar a arma.

Porquê? Interrogou-se

Talvez porque soubesse que era inútil. Tão ágil quanto forte, Hatcher iria embora antes de ela conseguir apanhar a arma.

Ou talvez houvesse outra razão – uma em que ela não queria pensar.

Com a voz ainda rouca do aperto de Hatcher, Riley disse, “Matou Moran. Fez o que planeou fazer. E agora? Para onde vai? O que vai fazer?”

Hatcher recuou alguns passos na neve, metamorfoseando-se novamente em silhueta.

“Pensa que fugi por causa dele?” Disse rindo alto. “Claro, tinha alguns assuntos a resolver com ele. Mas pensa realmente que me dei ao trabalho de fugir de Sing Sing por causa disso? Ele não valia isso.”

“Então porque é que fugiu?”

Hatcher esticou os braços naquilo que parecia ser quase um gesto de generosidade.

“Então, fi-lo por si Riley,” Disse ele. “Estou aqui por sua causa. E precisa de mim neste momento. Precisa mais de mim do que de qualquer outra pessoa no mundo.”

“Não compreendo.”

“Lembra-se de Orin Rhodes?”

Ainda afetada, Riley tentou socorrer-se da sua memória. Sim, o nome era-lhe familiar. Orin Rhodes era um assassino – um dos seus primeiros casos. Ela lembrava-se que fora no estado de Nova Iorque e que fora enviado para Sing Sing pelos crimes que cometera. Mas não se recordava de outros pormenores. Apenas sabia que o caso lhe deixara sentimentos negros.

“O que tem ele?” Perguntou Riley.

“Acabou de ser libertado. Mais cedo, por bom comportamento. Um prisioneiro modelo, dizem. Mas eu sei o que eles não sabem. Conhecemo-nos – porque eu a conhecia, disse ele. Perguntou-me todo o tipo de coisas. Eu não lhe dei respostas. Ele disse-me que se vingaria. Disse-me que ia ser feio. Passou todos estes anos a desejar isso."

Hatcher calou-se por alguns instantes. A neve brincava à volta da sua sombra com um assobio assustador.

“Não podia permitir que uma coisa dessas acontecesse,” Disse ele. “Eu tinha até planeado acabar com ele ali mesmo em Sing Sing. Esse tipo de coisa é possível. E foi então que ele foi libertado mais cedo. Isso apanhou-me de surpresa e tive que alterar os meus planos.”

Encolheu os ombros.

“Para além disso, já estava lá há demasiado tempo,” Disse. “Estava a ficar preguiçoso. Isto vai ser muito mais interessante. Desde que a conheci que admiro a sua mente. Queria trabalhar consigo. E agora não tem alternativa que não seja trabalhar comigo. Acredite em mim, aquele homem é perigoso e vai precisar de mim para o parar. Não tem escolha.”

Deu um passo ameaçador na direção de Riley.

“Mas não me interprete mal,” Disse ele. “Não quero saber de mais nada ou ninguém a não ser você. Todo o resto do maldito mundo é dispensável no que me diz respeito. Que morram. Que morram todos."

Riley viu as luzes e ouviu o som de um carro que se aproximava.

“Mas agora precisa de cuidar daquela que deixou em casa,” Disse Hatcher, virando-se e afastando-se dela.

O carro passou por ele e entrou no estacionamento. Riley apanhou a arma no momento em que o carro passava.

Ainda ouviu a sua voz vinda algures das trevas da noite, “Estamos unidos pela inteligência, Riley Paige.”

Riley correu para o exterior, para a noite nevada.

Não valia a pena. Ele já partira. Ela sabia que nunca o conseguiria apanhar.

Voltou a entrar no estacionamento onde pessoas barulhentas gargalhavam saindo do carro, totalmente inconscientes do que acabara de acontecer ali.

Riley ainda estava tonta e confusa. Não se lembrava completamente de Orin Rhodes, mas o seu nome deixava-a desconfortável. Se ele tinha realmente sido libertado e planeava vingar-se, onde estaria agora e o que estaria a fazer?

Lembrou-se das palavras de Hatcher.

“Precisa de cuidar daquela que deixou em casa.”

Aquelas palavras despoletaram uma onda de pânico.

A April está em perigo, Apercebeu-se.

O ar quente do hotel atingiu Riley em cheio quando saiu do estacionamento gélido. Não parou para pensar no que faria de seguida. Pegou no telemóvel e ligou para o telefone de casa, desejando desesperadamente falar com Gabriela ou com April.

Em vez disso, ouviu a sua própria voz numa mensagem gravada. Depois do beep, começou a gritar.

“April! Gabriela! Onde estão? Atendam já se estão aí!”

Mas ninguém atendeu.

“Por favor,” Sussurrou Riley. Ouviu o beep final e percebeu que ninguém ia atender.

Algo não estava bem.

Riley dirigiu-se ao elevador e carregou no botão. Felizmente, o elevador já lá estava e à espera. Entrou e carregou no botão do terceiro andar onde Bill estava. O elevador parecia mover-se mais lentamente que o habitual, mas pelo menos não fez paragens no caminho.

Teve que acordar Bill. Tinham que partir para Quantico imediatamente. Riley perguntou-se se a neve constituiria um problema. Mas tinham que partir.

Entretanto, Tinha duas chamadas a fazer – uma a Blaine para o alertar do possível perigo e a outra para Quantico para enviarem alguém para lá.

Riley estava aterrorizada pelo facto de poder ser tarde demais.


CAPÍTULO DEZ

Orin Rhodes parou o seu carro à frente da casa. Apesar do carro não ser um último modelo, tinha a certeza de que ninguém questionaria o seu direito de estar ali naquela parte simpática da cidade. Afinal de contas, ele tinha cabelo claro e olhos azuis, e na prisão aprendera habilidades sociais. Sabia como enganar pacóvios quanto às suas verdadeiras intenções.

Manteve o motor a trabalhar enquanto mirava a casa. Havia luzes no seu interior, por isso havia alguém acordado. Ele sabia que não era Riley Paige, a agente que matara Heidi e o mandara para a prisão há dezasseis anos. A imprensa dizia que o FBI estava a investigar a fuga de Shane Hatcher em Syracuse. Ele tinha a certeza de que Riley estava lá. Também tinha a certeza de quem se encontrava dentro de casa.

A filha, Pensou.

Dos anos que passara a seguir a vida e carreira de Paige, Orin sabia que ela tinha uma filha chamada April. Tinha quinze anos, a mesma idade que Heidi tinha quando Riley Paige a assassinara.

April servia perfeitamente, pelo menos por agora. Ainda não estava pronto para matar Paige. Isso ia implicar muita preparação, muito tempo gasto a melhorar um conjunto de habilidades de outra natureza. Entretanto, queria fazê-la sofrer, sofrer o mesmo que ele sofrera por culpa dela. Passara demasiados anos a ser paciente e cuidadoso para não aproveitar ao máximo a desgraça de Paige.

Matá-la será a cereja no topo do bolo, Pensou com um sorriso.

Entretanto, este primeiro ataque parecia quase demasiado fácil. Contudo, entrar na casa pela frente estava fora de questão. Mesmo àquela hora da noite, podia haver pessoas a olhar pela janela ou até a movimentarem-se entre casas.

Talvez ele pudesse apenas caminhar até à casa e tocar à campainha, depois entrar. Apesar da hora tardia, poderia convencer a rapariga a deixá-lo entrar. Ele era bom nisso. Durante praticamente metade da sua vida usara uma máscara de bondade e boa vontade. E fora dessa forma que conseguira sair da prisão antes do tempo. Tinha enganado toda a gente – exceto a si próprio.

Mas tocar à campainha era demasiado arriscado. Não queria correr o risco da rapariga chamar a polícia em vez de abrir a porta. Não, o melhor era realizar o ataque como tinha planeado.

Conduziu o carro até ao fim do quarteirão, virou à direita, depois à direita novamente até um beco que existia entre a fila de casas. O beco possuía vedações altas de ambos os lados, tornando impossível ver os quintais ou andares superiores das casas. Mas o número de cada casa estava pintado num portão traseiro. Esses portões estariam fechados, mas isso não era problema.

Parou o carro no portão atrás da casa de Paige. Desta vez desligou o motor. Abriu o portátil que comprara no dia anterior. Felicitava-se por ter aprendido tanto sobre computadores na prisão. É claro que não tinha aprendido as habilidades de que precisava naquele momento nas aulas normais de Sing Sing. Fora treinado particularmente por um hacker que cumpria pena de prisão.

Manipulou o computador utilizando um software próprio para detetar sinais. Como previra, a casa tinha um sistema de segurança wireless. Conseguia ver o sinal no seu monitor. Se o sinal não estivesse encriptado, ele poderia enviar os seus próprios comandos para os controlos principais. O sistema ignoraria portas ou janelas abertas até a bateria do seu computador terminar. Isso dar-lhe-ia todo o tempo de que precisava.

Quando tudo estava de acordo com o plano, Orin saiu do carro e trancou-o, deixando o computador no seu interior. Não se preocupava em ser visto. O beco estava fracamente iluminado e não havia ninguém à vista.

Parou por um momento ao ouvir um ruído vindo detrás de uma das vedações. Rapidamente percebeu que era apenas alguém a despejar lixo num contentor do outro lado. O som cessou. Alguns momentos depois, tinha a certeza de que a pessoa já tinha regressado a casa.

Trepou para cima do carro. Não se importava se riscava ou danificava o carro que comprara mal saíra da prisão. Do tejadilho do carro conseguiu agarrar-se à vedação com ambas as mãos enluvadas, depois agilmente saltou caindo do outro lado.

Orin olhou rapidamente à sua volta. Viu que tinha duas opções. As escadas conduziam a um terraço no andar principal da casa. Era aí que as luzes estavam ligadas. Debaixo do terraço viu uma entrada para uma cave. Não sabia se estaria alguém lá em baixo ou se a porta que conduzia à casa estaria fechada.

Depois ouviu uma música leve a vir de um dos quartos iluminados. Sorriu com satisfação. A miúda devia lá estar onde a poderia apanhar facilmente. Não havia motivo para subir pela cave. Iria diretamente ao seu encontro.

Subiu as escadas silenciosamente. Passo a passo atravessou o terraço. Viu que as portas de vidro que conduziam ao interior seriam fáceis de abrir. Só tinha que partir uma vidraça para chegar ao trinco. Era aí que descobriria se a sua interceção de sinais funcionara. Se os alarmes de segurança disparassem, fugiria pelo lugar por onde tinha vindo.

Olhou pela porta. Conseguia ver a sala de refeições e a sala de estar. E conseguia ver a rapariga. Estava de pijama e dançava.

Orin Rhodes riu suavemente.

Chegara o momento de agir.


CAPÍTULO ONZE

April murmurava a melodia enquanto a dançava. As palavras da canção eram em Coreano por isso não as compreendia. Mas também não se importava.

Sabia bem estar a pé tarde, estar sozinha, fazer aquilo que lhe apetecesse. Gabriela estava lá em baixo, provavelmente já a dormir. De qualquer das formas, Gabriela não pediria a April para parar de ouvir música e ir para a cama. No final de contas, April não estava a quebrar regras ou a fazer algo de errado. Eram férias de Natal e Gabriela ficava feliz por saber que ela se estava a divertir. Tudo tinha sido demasiado sério por demasiado tempo.

E foi então que April ouviu um ruído ligeiro, um som de vidro a partir. Olhou à volta para ver se tinha derrubado alguma coisa. Em vez disso, viu a porta das traseiras escancarada e um homem a dirigir-se a ela.

April apenas o viu por um milésimo de segundo – o tempo suficiente para ver que era pequeno, esguio e muito rápido. Gritou ou pelo menos começou a gritar. Antes de o terminar, ele embateu contra ela, calando-a.

April sentiu de imediato que ele era muito forte. Como ela resistisse, ele atirou-a ao chão e fixou-a no chão. O homem estava em cima dela segurando-lhe nos dois braços. Ele não era pesado, mas era sólido e tinha uma energia arrebatadora.

Por um momento, April ficou paralisada com o choque. Ela olhou para ele, hipnotizada pelos seus duros olhos azuis.

“Gostas de dançar, é?” Silvou o homem. “Vamos dançar agora e vai ser a tua última dança.”

Ele inclinou-se para a frente e beijou-a na testa. O toque gélido dos seus lábios acordou-a da sua paralisia e começou a pontapeteá-lo. Mas ele era forte e segurou-a firmemente.

Então April ouviu uma voz familiar gritar, “¡Diablo!”

April viu que Gabriela se encontrava no topo das escadas da cave. Carregava em números no telemóvel.

Num repente, o homem ergueu-se. Arremeteu contra Gabriela, tirou-lhe o telemóvel da mão e atirou-o para o chão. Bateu-lhe com força no rosto. Gabriela vergou-se mas segurou-se ao corrimão das escadas. Depois o homem deu-lhe um pontapé no estômago e com um grito, Gabriela caiu pelas escadas abaixo.

April colocou-se de pé novamente. Entrara em pânico por causa de Gabriela e queria ajudá-la. Mas o homem estava no seu caminho. Virou-se e encaminhou-se para a porta de entrada, apesar de se sentir envergonhada da sua cobardia. Quando chegou à porta ouviu o telefone tocar e o som da mensagem de voz da mãe.

Virou a lingueta e libertou a corrente, abrindo a porta. Antes que conseguisse correr para o exterior, sentiu a mão do atacante a agarrar-lhe o braço com força bruta. Puxou-a para dentro e April deslizou no chão da sala de estar. O homem fechou a porta novamente. Antes que April se levantasse, já o homem estava ao pé dela, agarrando-a pelo tornozelo e colocando-se em cima dela.

April ouviu o beep do telefone, seguido da voz repleta de pânico da mãe.

“April! Gabriela! Onde estão? Atendam já se estiveram aí!”

April não conseguia chegar ao telefone. Deu pontapés com o pé livre e ouviu o grunhido do atacante quando o atingiu. A pressão no seu tornozelo soltou-se e ela libertou-se.

De gatas agora, April pegou num candeeiro de pé e derrubou o assaltante. Qualquer esperança de que o pudesse ter ferido desvaneceu-se perante o som do seu riso.

“Tens cá uma coragem!” Disse ele. “A mamã deve estar muito orgulhosa de ti!”

Rastejando freneticamente, April foi para a sala de estar. Agarrou nas pernas de uma cadeira, depois com toda a sua força atirou-a ao homem atrás dela. Ele desviou-a como se fosse uma pena e agarrou na sua cintura por trás.

April gritou e contorceu-se, batendo-lhe com os punhos. De repente, outro homem apareceu atrás dele. April sentiu invadir-se por uma onda de terror.

Tem um parceiro! Pensou.

Sabia que não tinha a mínima hipótese contra dois atacantes.

Mas rapidamente viu que o homem era Blaine Hildreth, o seu vizinho do lado. Ele entrara pela porta da frente que não fora bem fechada. Blaine libertou-a do agressor.

April tentou levantar-se enquanto Blaine lutava com o homem. Blaine era o mais alto dos dois, mas April rapidamente percebeu quão desajeitado era em comparação com o outro. Era óbvio que não estava habituado a combates corpo-a-corpo.

Sabendo que precisava de uma arma, April foi até à lareira e agarrou no atiçador de ferro. Quando se virou de regresso à luta, viu o atacante a acertar um golpe especialmente brutal no abdómen de Blaine. April ouviu Blaine soltar um grito de agonia. Caiu de joelhos, agarrado ao peito. O agressor aproveitou a oportunidade e deu um pontapé na cabeça de Blaine. O atacante colocou-se em cima de Blaine que permanecia em silêncio e quieto. April não sabia se estava vivo ou morto.

Por um momento, o seu caminho para a porta da frente estava livre. Mas lembrara-se da vergonha que sentira quando tentara fugir anteriormente. Desta vez estava determinada em não fugir – sobretudo agora que tinha uma arma.

Dirigiu-se ao agressor e bateu-lhe com o atiçador na cabeça. Ele era hábil e rápido, mas mesmo assim o golpe atingiu-o num lado da cabeça. Ele vacilou para trás.

Com toda a sua força, April bateu-lhe outra vez. Desta vez, o atiçador acertou-lhe no ombro e ele recuou novamente.

Mas até esse golpe não o parou.

O homem recuou, mas depois ficou a fitá-la. Depois riu-se de uma forma selvagem. Ela percebeu que ele estava a gostar daquela luta.

Arremeteu contra ela novamente, a sua expressão era de um brilho louco. O homem bateu-lhe no rosto e ela caiu de joelhos.

O pânico de April aumentou e quase a derrotou. Desesperadamente, usou ambas as mãos para balançar o atiçador para cima.

Apanhou-o no peito. April ouviu-o a emitir um som estranho ao cair no chão. E ali ficou, de olhos fechados, sem se mexer.

April tentou levantar-se. O coração batia dolorosamente e a sua respiração era feita a custo. O atacante continuava parado.

Mesmo assim, ela tinha que ter a certeza. Levantou o atiçador acima da cabeça com ambas as mãos e com toda sua força bateu-lhe na cabeça.

Saltou sangue, o corpo estremeceu e ele permaneceu quieto.

Mortalmente quieto.

Matei-o, Pensou.

E nesse preciso momento, ouviu as sirenes. April suspirou de alívio ao ouvir o som que anunciava a chegada de carros de polícia. Tinha a certeza que a mãe os tinha chamado.

Dirigiu-se à porta da frente e abriu-a.

Depois ouviu um som atrás de si e virou-se.

Sentiu um arrepio de terror.

O homem tinha desaparecido.

O homem que ela pensava ter matado tinha desaparecido.

Não sabia como tal podia ser possível.

A outra pessoa que também se encontrava no compartimento era Blaine que se contorcia no chão. Pelo menos também estava vivo.

Foi então que enquanto os carros de polícia paravam no exterior, April se lembrou de repente de Gabriela. Com renovado pânico, apressou-se pelas escadas abaixo. Gabriela estava inconsciente mas a respirar. Sem saber que ossos pudessem estar partidos, April não se atreveu a mexer-lhe.

Ouviu uma voz no cimo das escadas.

“Chamem uma ambulância. Temos um homem ferido.”

Outra voz gritou, “Somos da polícia! Há aqui mais alguém?”

April subiu as escadas. Tinham entrado em casa três polícias. Dois tinham as armas em riste e o outro estava ajoelhado ao lado de Blaine.

“Estou aqui,” Disse April sem fôlego aos polícias. “Há uma mulher ferida lá em baixo, ajudem-na por favor!”

Um dos polícias passou por April e dirigiu-se ao fundo das escadas. Entretanto, mais dois polícias entraram pela porta da frente. A polícia que tratava de Blaine virou-se para April.

“O que aconteceu ao intruso?” Perguntou.

“Deve ter escapado pelas traseiras,” Disse April, apontando para o local.

A polícia ordenou aos dois que tinham acabado de chegar, “Willis, Jameson, vão atrás dele.”

Quando os polícias saíram, a polícia perguntou a April, “O que é que fizeste?”

April pegou no atiçador que agora estava no chão.

“Bati-lhe com isto,” Disse, mal acreditando nas suas próprias palavras.

Os olhos da polícia abriram-se muito e assentiu com admiração.

“Ótimo,” Disse ela.

A pouco e pouco, April começou a aperceber-se que fizera algo de realmente extraordinário. Mas ainda estava muito abalada para que o orgulho se apoderasse dela.

Os dois polícias que tinham saído pela porta das traseiras regressaram.

“Não está ninguém no quintal,” Disse um deles.

“Também no beco,” Disse o outro. “Fugiu.”

A polícia agora olhava para April com uma expressão que denotava preocupação.

“Jovem, acho que tens que te sentar,” Disse ela.

April abriu a boca para perguntar porquê, mas antes que conseguisse proferir alguma palavra, desmaiou.

*

Quando Orin saiu à pressa do beco, viu as luzes dos carros de polícia a cintilar na rua. Ainda tinha dificuldade em respirar. Conseguir passar a vedação e entrar no carro exigira muito dele.

“A cabra,” Murmurou, ainda afetado pelas dores, com a ferida na cabeça a doer. Olhou pelo espelho retrovisor e ficou aliviado por perceber que pelo menos a ferida não era visível e não afetava a sua aparência.

Ela pensara que o matara e perdera a oportunidade de o conseguir. Que palerma. Será que não sabia que ele era capaz de suportar uma dor milhares de vezes superior àquela?

Agora estava aborrecido consigo próprio. Como era possível ter deixado uma criança levar-lhe a melhor?

Grande vingança, Pensou.

Virou para uma rua que o levava para bem longe da cena do seu desastre. Por muito desencorajado e perturbado que estivesse, ainda tinha a presença de espírito para não exceder o limite de velocidade. Não podia dar aos polícias qualquer razão para o mandarem parar – sobretudo agora.

Ele não acreditava que ela lhe tivesse fraturado alguma coisa, mas tinha muitas dores. Também conseguia sentir um pouco de sangue a escorrer pelo lado da cabeça.

Fez o possível para ignorar tudo isso.

O que importava agora era reagrupar-se e voltar a focar-se no seu objetivo. E agora ainda se sentia mais ressentido. Usaria essa raiva. Iria alimentar a sua vingança e direcionar as suas ações de agora em diante. Faria com que o seu desejo de vingança ardesse com mais força e potência.

“A Riley Paige não faz ideia naquilo em que se meteu,” Sibilou alto.


CAPÍTULO DOZE

Riley manteve as sirenes e luzes ligadas, num frenesim entre Quantico e Fredericksburg. Em Syracuse, a neve permitiu ao piloto do FBI fazer a viagem de regresso. Ali na Virginia, a noite estava clara e as estradas limpas. Apesar de o trânsito ser ligeiro, Riley não queria que nada a abrandasse. April, Gabriela e Blaine estavam no Brewster Memorial Hospital. Riley estava ansiosa por lá chegar.

Começara a saber detalhes de tudo o que acontecera e agora Bill estava no lugar do passageiro a orientá-la para não se enganar no caminho.

“Disseram-te que a April estava bem?” Perguntou Bill.

“Não me disseram muita coisa sobre ela,” Disse Riley. “Parece que a Gabriela tem uma concussão. Ainda estão a averiguar a possibilidade de ter ferimentos internos. Quanto ao Blaine...”

Riley não conseguiu terminar a frase. Pelo que lhe haviam dito, Blaine estava na pior situação. Só ainda não sabia quão grave era.

“Riley, não te podes culpar pelo que aconteceu ao Blaine,” Disse Bill. Ele escolheu entrar e fazer o que tinha a fazer. Não tens culpa que ele não seja um agente policial treinado.”

“Sim, tudo bem,” Disse Riley, “também não tem culpa de ser meu vizinho. Ele pode ter salvado a vida de April. Mas esse é o meu trabalho. Ele nunca pediu para o fazer por mim.”

Perturbava-a o facto de tanto Blaine como Gabriela terem sido vítimas. Mas no fundo do coração, estava mais preocupada com April.

“Bill, o que é que vou fazer?” Perguntou. “Quero dizer, que raio de mãe sou eu ao trazer este tipo de perigo para dentro de minha casa? E nem tentes dizer-me que não é culpa minha.”

“Bem, mas não é,” Disse Bill.

Riley abanou a cabeça incerta do que Bill afirmava. Quer fosse ou não culpa dela, aquela já era a terceira vez que April era vítima de algo. Primeiro fora raptada da casa do pai e aprisionada por Peterson. Mal tinha ultrapassado o SPT dessa experiência quando o namorado a drogou e tentou vender-lhe o corpo. Agora isto. Quanto mais conseguiria uma adolescente aguentar?

“Alguma coisa tem que mudar, Bill,” Disse Riley. “Talvez tenha chegado o momento de eu me afastar deste tipo de serviço.”

“Este não é o momento para tomar decisões,” Disse Bill. “Vais ter que lidar com um problema de cada vez.”

Riley não respondeu, mas sabia que ele tinha razão. E uma das primeiras coisas a fazer era instalar um novo sistema de segurança na sua casa. Não fazia ideia de que aquele que tinha era tão volátil.

Quando entraram nas emergências do hospital, Riley ficou surpreendida com a atividade frenética àquela hora da manhã. Equipas de ambulâncias traziam novos pacientes de vários lugares. O altifalante anunciava chegadas iminentes. Enfermeiras e enfermeiros não paravam quietos. Era um inegável sinal de que o sofrimento e a catástrofe nunca dormiam.

Riley e Bill dirigiram-se à receção. A voz de Riley tremia ligeiramente quando falou com as duas enfermeiras que lá se encontravam.

“Estou aqui para ver a minha filha, April Paige,” Disse. “Sou a mãe.”

As duas enfermeiras olharam para Riley com interesse. Riley imaginou que já sabiam o que tinha acontecido. Mesmo num lugar com emergências constantes, aquela realmente destacava-se das outras.

“Vou levá-la até ela,” Disse uma das enfermeiras.

A enfermeira conduziu Bill e Riley rumo a um cubículo com uma cortina onde April estava deitada numa cama. Tinha muitas nódoas negras nos braços. Ryan estava lá sentado a segurar na mão da filha. Riley ficou satisfeita por ver que Lucy Vargas estava por perto.

Riley agarrou-se a April, abraçando-a, tendo cuidado para não a apertar demasiado.

Lucy disse a Riley, “O médico está a verificar os raios-X, mas parece que só tem cortes e nódoas negras. Disseram que a podes levar para casa em breve.”

April afastou Riley de si.

“Onde é que estavas, mãe?” Disse April num tom zangado. “Fui atacada. Fiquei aterrorizada. Precisava de ti.”

“Peço desculpa,” Disse Riley, tentando abafar um soluço de culpa.

Depois viu a raiva desvanecer-se do rosto de April e de repente abraçou a mãe.

“A culpa não foi tua, mãe,” Disse a chorar.

Riley abraçou-se a April com toda a força possível. Pensou no número de vezes que tinham que lhe dizer que a culpa não era sua até ela acreditar.

Talvez nunca acreditasse, Pensou.

Ryan levantou-se para que Riley se pudesse sentar à beira da cama. Depois deu-lhe uma palmadinha no ombro.

“Ainda bem que estás aqui, Riley,” Disse ele. Riley não detetou a mais ínfima nota de repreensão ou ira na sua voz. “Precisas da minha ajuda?”

“Não agora,” Disse Riley. “Pareces cansado. Devias ir para casa. Ligo-te mais tarde e digo-te o que estamos a fazer.”

“Então vejo-te mais tarde querida,” Disse Ryan a April. Inclinou-se e deu-lhe um beijo na bochecha. Por um instante, parecia que também se inclinaria para beijar Riley, mas limitou-se a sorrir e ir embora.

Riley ficou a olhá-lo enquanto se afastava, ainda surpreendida pela sua mudança de atitude recente.

Depois perguntou a April, “Consegues explicar-me o que é que aconteceu?”

April franziu o sobrolho ao tentar lembrar-se.

“Eu estava a dançar na sala,” Disse. “sabes, como às vezes faço para me divertir. E então apareceu o homem. Entrou pelas traseiras e antes que desse por isso já estava em cima de mim. Ele estava a tentar...”

Riley sabia o que April queria dizer mas não se atreveu também ela a pronunciá-lo.

April prosseguiu, “Depois Gabriela subiu as escadas e ele atirou-a pelas escadas abaixo, e eu tive medo que ele a tivesse matado. Corri para a porta mas ele apanhou-me e...”

A própria April ficou surpreendida com o que começou a verbalizar de seguida.

“Não sei como é que aconteceu, mas... era como se o tempo estive em câmara lenta e a cada segundo eu soubesse melhor o que tinha a fazer. Bati-lhe com um candeeiro, depois com uma cadeira e quando o Blaine entrou e ficou ferido, bati-lhe com um atiçador. Pensava que o tinha matado. Se a polícia não tivessse chegado, eu...”

April sentou-se e ficou com o olhar fixo durante alguns segundos, abarcando a enormidade do que fizera.

Depois disse, “Sei que o teria morto.”

Depois April abraçou novamente a mãe.

Ao abraçar April com força, Riley foi inundada por uma emoção inesperada. Demorou apenas alguns instantes a perceber que era orgulho. De alguma forma, apesar de todas as suas falhas enquanto mãe, conseguira criar uma rapariga forte e resiliente que conseguia enfrentar o perigo.

April afastou-se novamente.

“Mãe!” Exclamou. “Tens que ir ver como está a Gabriela! A queda foi muito feia. Dizem que bateu com a cabeça no chão. Estou muito preocupada com ela.”

Riley perguntou a Lucy, “Viste a Gabriela? Podes levar-me até ela?”

“Tenho a certeza que está ansiosa por te ver,” Disse Lucy. “Ela está por aqui.” Ao conduzir Riley pelas emergências, tiveram que se afastar de uma equipa de ambulância que trazia alguém numa maca. Riley estava grata por April não estar tão ferida mas como estava Gabriela?

A distância até ao cubículo onde se encontrava era curta. Estava um médico a seu lado, a verificar os sinais vitais. O rosto estava ferido e a cabeça ligada, mas estava acordada.

Lucy foi-se embora dizendo, “Vou voltar para junto da April.”

“Oh, Señora Riley,” Disse Gabriela. “Peço tanta desculpa.”

Riley foi para um lado da cama.

“Desculpa? Por amor de Deus, Gabriela, desculpa porquê?”

Uma lágrima rolou no rosto de Gabriela.

“Que tenha acontecido o que aconteceu,” Disse ela. “Não devia ter deixado acontecer.”

Riley sentou-se e pegou na mão de Gabriela.

“Não podia fazer nada,” Disse Riley.

“Mas se tivesse subido as escadas mais rapidamente, talvez pudesse ter feito alguma coisa. E depois apanhou-me de surpresa. Eu não devia ter sido surpreendida. Não devia ter permitido que me atirasse pelas escadas abaixo.”

Riley sorriu tristemente. É claro que Gabriela nada podia ter feito. Mas Riley compreendia como ela se sentia.

“Como está a muchacha?” Perguntou Gabriela.

“Vai ficar ótima,” Disse Riley.

Riley olhou para o médico que acabar de examinar Gabriela.

“Como é que ela está?” Perguntou Riley.

O médico parecia algo surpreendido.

“Espantosamente bem,” Disse. “Três costelas partidas e algumas nódoas negras parecem ser a totalidade dos seus ferimentos. É claro que por causa da concussão temos que a manter sob observação...”

“¡Híjole!” Disse Gabriela. “Não me vão manter aqui para nada. Vou para casa logo que alguém me dê roupa para vestir. Tenho trabalho a fazer.”

Riley sorriu enquanto o médico tentava carinhosamente convencer Gabriela que tinha que ficar. Mal se conseguia fazer ouvir pela paciente que tentava fazer o médico compreender a sua perspetiva num misto de Inglês e Espanhol.

Parece mesmo pronta para ter alta, Pensou Riley.

E duvidava que o médico ganhasse aquela disputa.

Riley olhou para o relógio. Eram seis e meia da manhã. Riley questionava-se se tanto Gabriela como April estariam prontas para ir para casa dentro em pouco.

Depois, a meio do seu alívio de que Gabriela e April estivessem bem, lembrou-se.

Blaine!

Foi ter com a primeira enfermeira que encontrou.

“Onde está o meu vizinho – Blaine Hildreth?” Perguntou.

“Está nos cuidados intensivos,” Disse a enfermeira.

“Leve-me ate lá, por favor,” Disse Riley.

*

A enfermeira encaminhou Riley diretamente para a unidade de cuidados intensivos. Crystal, a filha de Blaine, estava sentada a fitar o espaço de forma abstrata. Uma mulher que Riley não conhecia estava sentada a seu lado. Aparentava estar na casa dos vinte anos, alta e de cabelo curto com um rosto forte mas carinhoso. Naquele momento parecia muito cansada.

Crystal não olhou para Riley quando esta se aproximou. A pobre rapariga parecia estar em estado de choque.

A mulher levantou-se e cumprimentou Riley.

“É a Riley?” Perguntou.

“Sim,”

“Eu sou Felicia Mazur, a gerente do restaurante de Blaine. A Crystal ligou-me quando tudo aconteceu. Veio para aqui na ambulância com o pai. Eu vim o mais rapidamente possível. Vou levar a Crystal comigo para casa até o pai estar melhor.”

Crystal finalmente olhou para Felicia e para Riley.

“Como é que está o pai?” Perguntou como se estivesse numa espécie de transe.

Riley percebeu pelo olhar de Felicia que Crystal não parava de fazer aquela pergunta há várias horas.

“Já te disse, querida, ele vai ficar bem,” Disse Felicia.

Riley olhou pela janela. Desesperou quando viu Blaine deitado na UCI completamente inconsciente. Tinha um tubo intravenoso em cada braço e uma máscara de oxigénio, e estava ligado a monitores.

Quando Riley se dirigiu à porta, Felicia pegou-lhe gentilmente no braço.

“Não pode entrar,” Disse.

E levou Riley para um local onde Crystal não as pudesse ouvir.

“Tem estado sempre inconsciente,” Disse Felicia. “Os médicos dizem que vai acordar, mas precisam de o manter sedado neste momento até avaliarem a extensão dos seus ferimentos. Até agora não encontraram nada exceto um osso do rosto partido e algumas costelas partidas. Têm que ter a certeza de que não há mais nada. Deverá ficar por cá alguns dias.”

Riley ficou a olhar pelo vidro para o vizinho ferido. Sentia-se profundamente grata por Blaine ter tentado salvar April. Ao mesmo tempo, sentia-se terrivelmente culpada. Ela sabia que arriscaria qualquer coisa para proteger April, incluindo a própria vida. Mas teria o direito de colocar outras vidas em risco?

Lembrou-se do que Bill dissera.

“Ele escolheu entrar e fazer o que fez.”

Mas não se sentiu melhor ao recordar-se destas palavras. Porque é que Blaine teria que fazer aquele tipo de escolha?

Porque é meu vizinho, Pensou Riley.

Não parecia justo. Nada parecia justo naquele momento – não para April, Gabriela, Blaine, Crystal ou até para Riley.

Sentou-se no banco ao lado de Crystal e colocou um braço à sua volta. Desejava poder dizer-lhe que a partir de agora tudo ia correr bem. Mas não podia. A verdade era que não fazia ideia do que esperar de seguida – sobretudo agora que um novo assassino tinha como alvo as pessoas que Riley mais amava no mundo.

CAPÍTULO TREZE

O sol já ia alto quando April e Gabiela tiveram alta, e Riley as pode levar para casa. Entretanto, Bill e Lucy foram para Quantico para colocar Meredith ao corrente da situação. Quando Riley estacionou o carro junto a casa, viu que tanto os polícias locais como agentes do FBI ainda se encontravam no local.

Seguida por April e Gabriela, Riley entrou em casa e encontrou-a numa lástima. Um candeeiro de pé partido estava no chão e uma cadeira da sala de refeições com pernas partidas estava deitada de lado. Havia pingos de sangue aqui e ali. E ainda não estava completamente seco. O frio ar de inverno assobiava pela vidraça partida da porta das traseiras.

“¡Ay caramba!” Disse Gabriela. “Tenho que começar a tratar disto.”

“Não vai fazer nada disso,” Disse Riley. “Vão é já sair daqui imediatamente. Nenhuma de vocês está segura aqui.”

Tanto Gabriela como April ficaram a olhar para Riley. Pareciam exaustas e desanimadas. Riley compreendeu porquê. Elas queriam que as coisas voltassem à normalidade. Riley também queria mas ia demorar algum tempo.

“Mas há polícias e agentes ali à porta,” Disse April.

“Eles não vão ficar cá por muito tempo,” Disse Riley. “Vocês têm que ir para algum lugar seguro antes de eles partirem. Gabriela, pode ficar com os seus parentes no Tennessee durante algum tempo?”

“Sí. Mas por quanto tempo?”

“Até eu apanhar este tipo,” Disse Riley. “Faça as malas e chame um táxi para a levar à estação de camionagem. Apanhe o próximo autocarro para lá.”

Gabriela não parecia satisfeita com aquela solução. Riley estava satisfeita por ela não ter contestado.

“E eu?” Perguntou April.

“Tu fazes as malas,” Disse Riley. “Eu já tomo uma decisão.”

“Posso tomar um banho antes?” Perguntou April.

“Não.”

April revirou os olhos e começou a discordar.

Riley disse, “Peço desculpa, mas não temos tempo. Pega em tudo o que precisas para pelo menos dois ou três dias. Agora ambas, por favor – vão fazer as malas.”

Riley abraçou-as, depois April foi para o seu quarto e Gabriela para o seu aprtamento na cave para começarem a fazer as malas. Riley ligou para o gabinete de Meredith. O chefe da equipa atendeu de imediato.

“Agente Paige! Ia ligar-lhe. Os Agentes Jeffreys e Vargas acabarem de chegar e contaram-me o que aconteceu. Meu Deus! A April está bem?”

“Vai ficar,” Disse Riley, desejando que essa fosse a realidade. “É sobre isso que preciso de falar consigo. Agente Meredith, eu preciso de...”

Mas Meredith interrompeu-a.

“Agente Paige, sei aquilo de que precisa. Não vamos ter esta conversa ao telefone. Vou enviar um agente aí para dar início ao processo. Para já, penso que o melhor é darmos esta conversa por terminada.”

“Compreendo,” Disse Riley.

Terminaram a chamada. Riley percebeu que Meredith não estava a ser brusco. Ele sabia que Riley queria colocar April em alguma espécie de casa segura. É claro que não era o tipo de coisa que devessem discutir ao telefone.

Iria ser um grande esforço de Meredith. Riley sabia que ele teria que enfrentar objeções de superiores hierárquicos. Gastar fundos e ter agentes a manter a filha de Riley segura não iria ser uma decisão consensual. Mas através da sua brusquidão, Meredith ia levar a sua avante. Riley sentiu-se invadida por uma onda de gratidão para com o seu chefe áspero mas justo.

Agora só restava a Riley esperar que Gabriela e April acabassem de fazer as malas, e aguardar que um agente chegasse com a morada da casa segura. Riley sentou-se no sofá e olhou à sua volta. Era desanimador ver a sua casa naquele estado.

Riley fora atacada de diversas formas ao longo dos anos. Mas havia sempre algo de especialmente desagradável em ver a sua casa invadida. Já passara por isso e sabia que nunca se habituaria.

Lembrou-se da felicidade que ela, April e Gabriela tinham sentido ao encontrar aquela casa, aquele lar. Tinham-se mudado há seis meses. Estaria o seu sonho de ter uma casa segura e feliz à beira de se desmoronar?

Não, Pensou Riley com determinação. Não vou deixar que isso aconteça.

*

Pela segunda vez, Riley virou o carro e recuou pela autoestrada. Estivera atenta ao trânsito e fizera vários desvios.

“Para onde vamos, mãe?” Perguntou April.

Riley compreendia a confusão da filha. Estavam a seguir uma rota estranha que parecia conduzi-las a lado nenhum.

“Para um lugar onde vais estar segura,” Disse Riley.

Não queria explicar a April que estava a fazer os possíveis para ter a certeza de que não estavam a ser seguidas. Preferia que April não tivesse mais coisas com que se preocupar. De qualquer das formas, Riley agora tinha a certeza de que ninguém seguia no seu encalço. Conduziu diretamente para a morada que lhe fora dada.

Parou no parque de estacionamento de um pequeno motel. Era um motel igual a tantos outros naquela área desagradável à saída da cidade – bastante antigo e com um design engraçado. Conduziu até às traseiras do edifício e encontrou o número do quarto. Estacionou o carro e ela e April saíram do carro e caminharam na direção do quarto.

Uma agente estava à porta à sua espera. Riley conseguia ouvi-la a dar conhecimento a Quantico de que tinham chegado.

“Sou a Agente Tara Bricker,” Apresentou-se. “Entrem.”

Quando entraram no quarto, Riley percebeu porque é que aquele era um local adequado. Por mais normal que aparentasse no exterior, era parte de um antigo edifício de betão sólido com paredes grossas e portas de madeira sólida. As janelas era pequenas e altas com vidro protegido. Ambas as portas exteriores e a porta para o corredor interior tinham vigias e câmaras de segurança.

Enquanto Riley observava o local, a Agente Bricker disse, “O Agente Especial Responsável Meredith quer que lhe transmita que este é um local totalmente seguro. O FBI já o usou anteriormente e pertence a alguém da nossa confiança. Também tem um excelente sistema de segurança.”

Riley viu que April olhava à volta com desânimo para os móveis gastos.

Apontando para a porta que ligava ao compartimento seguinte, a Agente Bricker disse, “ Eu ou outra agente estaremos sempre para lá daquela porta. Trazemos-lhe comida sempre que quiser. Sei que já conhece a Agente Lucy Vargas. Ela ofereceu-se para também estar cá.”

Abril estava estupefacta. Parecia lutar para compreender a sua situação.

“Nem sequer posso ir lá fora?” Perguntou.

“Lamento, mas não,” Disse a Agente Bricker.

April sentou-se na beira da cama, parecendo muito infeliz. A Agente Bricker captou a sua disposição.

“Vou deixá-las instalarem-se,” Disse a April e Riley.

Depois saiu pela porta que dava para o quarto ao lado. Riley sentou-se ao lado de April.

“Mãe, isto vai ser como estar na prisão,” Disse April.

Riley gostava de te dizer o contrário. Depois de tudo por que April tinha passado, parecia terrivelmente injusto fazê-la passar por aquilo. Colocou um braço à sua volta.

“Vou resolver isto rapidamente,” Disse Riley.

“Podes vir visitar-me?”

“Desculpa, mas não posso. Mais tarde ou mais cedo posso ser seguida.”

Riley percebeu que o melhor era não arrastar demasiado as coisas. Beijou April na bochecha e levantou-se para partir.

“Mãe, não vás,” Disse April.

“Tenho que ir, querida.”

“Mas porquê? Há montes de outros agentes. Porque é que não podes ficar comigo? Deixar outra pessoa apanhar este tipo.”

Riley sentiu uma pontada de desespero. Ela bem que desejava fazer o que a filha lhe pedia.

“April, é o meu trabalho. Tenho que ir.”

April levantou-se da cama e abraçou Riley com força.

“Tenho medo,” Disse April.

“Aqui vais estar segura,” Disse Riley.

“Não tenho medo por mim. Tenho medo por ti. Tenho medo que tu...”

April parou de falar por um instante, sufocando um soluço.

Riley retribuiu o abraço de April.

“Eu vou ficar bem,” Disse ela. “Prometo. Vais ver.”

Lutando para não chorar, Riley soltou-se do abraço e saiu do quarto. Quando entrou no carro, pensou na promessa que acabara de fazer. Esperava conseguir cumpri-la.


CAPÍTULO CATORZE

Riley sabia que as coisas estavam prestes a ficar feias. Ela e Bill estavam na sala de conferências a inteirar Brent Meredith das suas atividades em Syracuse. O maior desejo de Riley era que o Agente Especial Responsável Carl Walder não se tivesse juntado à reunião.

Walder era o chefe de Meredith – um homem com cara de menino, sardas e cabelo ruivo encaracolado. Subira na hierarquia do FBI através de negociatas, ligações obscuras e política. Riley não o respeitava – nem ele a respeitava.

A sua história era complicada. Walder tinha-a despedido duas vezes, tirando-lhe a arma e o distintivo. Quando se sentou à sua frente do outro lado da mesa fixando-a, Riley soube que ele estava em pulgas para repetir a proeza – desta vez de forma definitiva.

Pode ser que lhe dê essa oportunidade a qualquer momento, Pensou.

Até ao momento, ela e Bill tinham falado a Meredith e Walder sobre o seu encontro com a agente aposentada Kelsey Sprigge e sobre o corpo que tinham encontrado no armazém decrépito. Os dois chefes já sabiam sobre os eventos em Syracuse, mas Riley e Bill tinha muitos pormenores para transmitir.

Após terminarem a descriçãodo do assassinato de Smokey Moran, um silêncio tomou conta da sala.

“É tudo?” Perguntou Walder.

Bem queria Riley que fosse. Tinham chegado à parte da história que ela preferia contar sem que Walder estivesse presente. Meredith poderia compreender. Walder nunca compreenderia.

“Como sabem,” Disse Riley cautelosamente, “Fui avisada de que Orin Rhodes tinha sido libertado e que se queria vingar. Calculei que April estivesse em perigo.”

Após uma pausa, Riley acrescentou, “Agi em concordância. Pedi ajuda e regressei de Syracuse o mais rapidamente que pude.”

Walder debruçou-se sobre a mesa dirigindo-se a Riley.

“Foi avisada?” Perguntou. “Por quem?”

Riley engoliu em seco. Trocou olhares hesitantes com Bill. Ele era a única pessoa a quem ela até ao momento contara essa parte da história.

“Fui avisada por Shane Hatcher,” Disse Riley.

Bill tamborilou nervosamente os dedos na mesa, prevendo problemas. Walder e Meredith pareciam surpreendidos.

“Shane Hatcher,” Disse Walder num tom de voz rígido e soturno. “O homem que deveria localizar e capturar em Syracuse.”

Riley assentiu. “Sim, senhor.”

“Ele avisou-a.”

Riley repetiu, “Sim, senhor.”

“E como é que isso sucedeu?” Perguntou Walder.

Riley respirou fundo. Ela esperava conseguir contar a história da forma mais simples e curta possível.

“Ele apanhou-me desprevenida no estacionamento do hotel. Manietou-me. Quando me libertou, não consegui apanhar a minha arma, por isso ouvi o que ele tinha a dizer. Ele conhece Orin Rhodes de Sing Sing. Rhodes dissera-lhe que se ia vingar de mim por o ter prendido.”

Riley parou de falar. Deveria contar o resto? Que Hatcher lhe dissera que fugira unicamente para a ajudar e trabalhar com ela, e que apenas ajustara umas contas justas matando Moran?

Lembrou-se das palavras de Hatcher.

“Estamos unidos pela inteligência, Riley Paige.”

Nem tinha contado isso a Bill. Se falasse nisso agora, só criaria mais confusão. E já estava metida em sarilhos que chegassem.

Walder olhava para ela com grande desconfiança.

“Então encontrou o Hatcher num parque de estacionamento...” Começou.

“Não foi propriamente ideia minha.”

“Encontrou o Hatcher num parque de estacionamento...” Repetiu firmemente Walder, “e não o prendeu.”

“Ele é rápido, forte e inteligente. Lamento, mas não foi possível. Julgo nunca ter defrontado ninguém como ele.”

Walder reclinou-se na cadeira.

“Disse que não conseguiu apanhar a arma,” Disse ele. “Explique-me isso.”

Riley estremeceu perante a memória.

“Escapou das minhas mãos quando ele me agarrou,” Disse. “Não a consegui recuperar até ele se ter ido embora.”

“Então deixou-o fugir,” Disse Walder.

“Não de forma deliberada.”

“A sério?”

Walder fitava-a diretamente nos olhos. Riley esperava que ele não detetasse um espasmo de dúvida neles. Poderia ela ter recuperado a arma?

Ela lembrava-se bem do momento. Ela estava na entrada do estacionamento, a meio caminho entre Hatcher e a arma. Pensara em correr para a recuperar. Mas depois Hatcher dissera:

“Não vai querer fazer isso.”

E ela estacara. Se calhar não teria grande importância. Se ela tentasse agarrá-la, Hatcher teria ido embora antes que ela a pudesse usar. Mesmo assim, ela nem sequer tentara. Ela permanecera enfeitiçada pelo que ele tinha para lhe dizer.

Era verdade? Não o tinha apanhado porque não o queria apanhar? Era a sua ligação a ele tão forte que ela, inconscientemente, queria que ele fosse livre?

Walder disse, “Deixou-o fugir e agora vai resolver o problema. Espero que você e o Agente Jeffreys o prendam num prazo máximo de quarenta e oito horas.”

Riley abanou a cabeça.

“Penso que me devia concentrar em apanhar Orin Rhodes,” Disse Riley.

“Porquê?” Perguntou Walder.

“Porque neste momento é uma ameaça maior do que o Hatcher.”

Walder soltou um esgar de descrença.

“Ameaça maior? Agente Paige, desde que fugiu, o Hatcher já matou. Espancou um homem até à morte com correntes.”

Agora Walder estava mesmo zangado.

“O que é isso, uma desculpa? Isso faz com que tudo esteja bem? O mais certo é também ter matado o condutor da carrinha de entrega de livros em que fugiu. Só ainda não encontrámos o corpo. E não pensa que ele seja uma grande ameaça? Ele ainda agora começou.”

Riley sentiu a sua raiva crescer.

“Orin Rhodes tentou matar a minha filha,” Disse ela com a voz a tremer.

Walder bateu com o punho na mesa.

“Motivo pelo qual não a quero nesse caso. Está demasiado envolvida emocionalmente. Vou atribuí-lo a agentes mais distanciados.”

Riley mordeu a língua. Ela sabia que o que quer que dissesse naquele momento apenas corroboraria a perspetiva de Walder.

Tal como saltar por cima da mesa e estrangulá-lo, Pensou.

Walder levantou-se.

“Estragou a sua hipótese de apanhar o Hatcher, Agente Paige.” Disse. “Agora vai emendar esse erro. E tem quarenta e oito horas. Lembre-se disso.”

E saiu de rompante da sala. Riley, Bill e Meredith ficaram em silêncio durante algum tempo.

Por fim, Meredith falou com uma voz calma.

“Agente Paige, a sua filha agora está segura,” Disse ele. “O Rhodes não a pode apanhar. E você não pode fazer disto uma vingança pessoal.”

Riley calou-se.

“Ouça-me,” Disse Meredith. “O FBI está sob grande pressão por causa desta coisa do Hatcher. Toda a sua história nos jornais e na internet – como ‘Shane the Chain’ passou anos a transformar-se num brilhante criminologista, como conseguiu uma ousada fuga de Sing Sing e como está à solta a acertar contas antigas. Ele é o perfeito anti-herói folk da internet – um criminoso genial, admirado e temido em simultâneo. Até já tem clubes de fãs. É uma grande trapalhada para nós. É por isso que o Walder está a ser tão...”

Meredith não prosseguiu.

“Temos que o prender,” Disse. “Você tem que o prender. Você e o Agente Jeffreys.”

“Compreendo,” Disse Riley, quase a sussurrar.

“Ótimo,” Disse Meredith. “Agora quero que vocês os dois façam um relatório escrito sobre o que se passou em Syracuse. Entreguem-mo até ao final do dia. Amanhã de manhã às sete e meia vão voar para Syracuse.”

Bill e Riley deixaram a sala de conferências. Riley pressentiu que Bill estava preocupado com ela.

“Não tens dormido muito,” Disse ele.

Riley não respondeu. A verdade era que não dormia bem desde há duas noites – antes mesmo de terem ido para Syracuse.

“Vou fazer o relatório,” Disse Bill. “Depois envio-te por e-mail quando já tiver um esboço. Agora vai para casa descansar.”

“Obrigada,” Disse Riley.

Riley sentiu a necessidade de se sentar e limpar a cabeça antes de ir para casa. Foi para o seu gabinete e sentou-se à secretária. Girou na cadeira, tentando acalmar os nervos, mas não conseguia. Riley tinha a certeza que Orin Rhodes era a verdadeira ameaça naquele momento, não Hatcher. Mas não havia forma de explicar aos colegas porque é que o sabia.

No meio de todo o caos que se instalara desde o dia anterior, ainda não tivera tempo para pensar em Orin Rhodes e porque é que ela era o alvo da sua vingança. Levantou-se da secretária, foi ao armário de arquivo e pegou numa pasta amarelecida com dezasseis anos repleta de informação sobre o caso. Era o seu ficheiro pessoal, um que tinha guardado depois do material ser digitalizado e ter entrado na base de dados do FBI. Espalhou as fotos e relatórios em cima da sua secretária.

As primeiras imagens a chamarem a sua atenção eram fotos instantâneas de Orin Rhodes. Já lá iam dezasseis anos desde que vira aquele rosto pela última vez. Já se esquecera de quão jovem ele era quando o tinha apanhado – apenas dezassete anos e parecia ainda mais novo. Observando a foto, não conseguia discernir o rosto de um assassino. Mas o rapaz parecia perturbado e soturno.

Remexendo novamente na história do caso, Riley lembrou-se que Orin era proveniente de um lar problemático em Hinton, Nova Iorque. Vivia parte do tempo com um pai alcoólico e parte com uma mãe muito errática. Tinha abandonado a escola. Antes dos crimes, o seu registo criminal mostrava nada mais do que alguns roubos a lojas.

Não era um mau rapaz, Pensou Riley.

Ou pelo menos não mostrara sinais de ser um mau rapaz antes de começar a matar. Fora apenas um adolescente normal que não tivera sorte na vida. Mas num único dia, aconteceu qualquer coisa que mudou tudo.

Antes de Riley se lembrar exatamente do que mudara tudo, o seu olhar captou uma foto da escola de uma menina muito nova. Tinha um aspeto estranho mas era bonita e tinha uma expressão vazia e triste.

E Riley lembrou-se de imediato do nome da rapariga.

Heidi Wright.

Era um nome que não lhe ocorria há muitos anos, um nome que Riley tentara esquecer.

Heidi Wright fora a primeira pessoa que Riley matara.

*

Riley fitou chocada a foto de Heidi Wright durante alguns instantes. Depois, quando começou a ler e o horrível acontecimento assaltou a sua memória.

Heidi era namorada de Orin e tinha apenas quinze anos naquela altura. De acordo com o próprio depoimento de Orin, ela telefonara-lhe para casa um dia, frenética e a chorar, dizendo que estava em perigo e suplicando-lhe que fosse ter com ela e a salvasse.

Orin agarrou no revólver do pai e foi a correr para casa de Heidi, a tempo de a encontrar a ser sexualmente abusada pelo irmão mais velho e pelo pai. Orin matara os dois homens.

Os dois adolescentes desesperados decidiram fugir mas não tinham dinheiro. Heidi tinha a arma do pai. Ambos armados, saíram de sua casa e foram para a loja de bebidas mais próxima. A tentativa de assalto correu mal e acabaram por alvejar e matar o dono e o empregado da loja.

Foi aí que foram apoderados pelos seus demónios interiores. As mortes tinham-lhes dado uma euforia inesperada e queriam voltar a sentir o mesmo. Queriam matar mais. Os dois foram para Jennings, uma pequena cidade próxima onde apanharam duas pessoas na rua – primeiro um homem e depois uma adolescente. De cada vez, torturaram a vítima com a arma, infligindo ferimentos antes da execução final.

E a partir daí tornou-se num caso do FBI. Riley viera de Quantico com o seu então parceiro e mentor Jake Crivaro. Foi um dos primeiros casos de Riley e não estava emocionalmente preparada para o seu desfecho.

A polícia local e os agentes do FBI encurralaram Heidi Wright e Orin Rhodes num motel à saída de Jennings. O jovem casal disparara da janela do seu quarto enquanto polícias e agentes – Riley entre eles – disparavam de trás dos veículos no parque de estacionamento.

Alguns minutos depois do tiroteio, Heidi e Orin pareciam à beira de se render. Mas depois Heidi de repente saiu do quarto na direção do parque de estacionamento com a arma a disparar contra polícias e agentes.

Riley alvejou-a e matou-a. Ela não tinha escolha. Abalado com a dor e sem munições, Orin rendeu-se.

Riley lembrava-se da figura triste e quebrada de Orin no julgamento. Dera-se como culpado de todas as acusações e parecia profundamente arrependido. Se culpava Riley da morte de Heidi, não o demonstrara. Na verdade, dissera que atribuía a culpa da morte de Heidi a si próprio. Quando foi condenado a prisão perpétua, limitou-se a acenar com a cabeça, em dolorosa concordância.

Os dedos de Riley tremiam um pouco ao pegar na velha foto de Heidi que parecia uma adolescente tão normal. Lembrou-se que matara Heidi quando a rapariga tinha a idade de April. A amarga ironia aprofundou-se quando Riley percebeu que April nascera apenas um ano depois da morte de Heidi.

O coração de Riley doeu perante aquela memória que tentara sempre abafar. Mas já não era possível esquecer. Orin queria vingar-se dela – e de April também.

Lembrou-se do que Shane Hatcher lhe dissera.

“Acabou de ser libertado. Mais cedo, por bom comportamento. Um prisioneiro exemplar.”

Parecia estranho. O adolescente penitente que ela vira em tribunal parecia ter procurado algum tipo de redenção, fazer o que fosse possível de bom na prisão, não culpando ninguém a não ser ele próprio pela sua queda e pela morte de Heidi.

Mas agora que estava livre, as coisas tinham mudado.

Ou isso, Pensou Riley, ou as coisas nunca foram o que pareciam ser.


CAPÍTULO QUINZE

Quando Riley e Bill saíram do avião no Syracuse Hancock International Airport, o ar gélido bateu-lhes no rosto como uma rajada fria de déjà vu. Afinal de contas, apenas tinham partido dali anteontem.

Desta vez, não havia agentes locais para os receberem. Em vez disso, um carro de aluguer estava reservado para eles. Bill e Riley dirigiram-se ao balcão de alugueres do aeroporto para pegarem nas chaves. Saíram para o terminal e começaram a caminhar para a garagem onde o carro estava estacionado.

Depois Riley parou.

“Vai para o departamento de campo, Bill,” Disse ela. “Eu vou apanhar um táxi. Eu... quero ir primeiro a outro lugar. Encontramo-nos lá mais tarde.”

Bill olhou para ela surpreendido. Era óbvio que lhe queria perguntar onde é que queria ir.

Ela olhou para ele com uma expressão que implorava carinhosamente:

“Não me perguntes.”

Para seu alívio, Bill limitou-se a assentir.

“Vêmo-nos mais tarde,” Disse ele.

Bill dirigiu-se ao carro de aluguer. Riley ligou a Kelsey Sprigge do seu telemóvel e Kelsey atendeu.

“Kelsey, fala Riley Paige,” Disse. “Aconteceram algumas coisas desde a última vez que falámos consigo.”

“Oh, sim,” Disse Kelsey. “Vi nas notícias. Terrível o que aconteceu ao Smokey Moran. Mas penso que era mais ou menos aquilo que esperava, não era? Eu também o devia ter previsto. Aquele homem horrível estava destinado a ter um mau fim. E agora o Shane Hatcher é famoso! Onde é que isto vai parar?”

Riley calou-se durante alguns instantes.

“Kelsey, queria passar por sua casa para lhe fazer mais algumas perguntas,” Disse.

*

Passado um bocado, Riley já estava sentada ao lado de uma lareira quente na companhia de Kelsey Sprigge. Tinha acabado de contar a Kelsey o que acontecera desde a última vez que se haviam encontrado, incluindo o seu confronto com Hatcher e o ataque de Orin Rhodes a April.

Kelsey assentiu sabiamente quando Riley acabou de falar.

“Sim, recordo-me do caso de Orin Rhodes,” Disse ela. “Não me foi atribuído – na verdade, não me foi permitido. Os homens do departamento estavam algo envergonhados por ter sido uma mulher a apanhar o Shane Hatcher por isso nunca mais me deram um caso daqueles. Era só papelada ou casos chatos. Diziam que estavam apenas a tentar manter-me longe do perigo. Mas eu sabia que não era nada disso.”

Abanando a casbeça, Kelsey acresventou, “Ainda bem que a sua filha não ficou gravemente ferida. E a sua empregada. E o seu vizinho – espero que fiquem bem.”

“Também espero que sim,” Disse Riley.

Durante um momento, o único som que se ouvia eram os estalidos vindos da lareira.

“Mas ainda não me disse porque é que me queria ver, querida,” Disse Kelsey por fim.

Riley não respondeu. A verdade era que nem ela tinha a certeza por que é que viera.

Kelsey olhou para Riley com os seus olhos enrugados repletos de sabedoria.

“Hà qualquer coisa que não me disse,” Afirmou Kelsey. “Qualquer coisa que não disse a ninguém. Não escreveu no relatório. Não disse nem ao seu parceiro.”

Riley sorriu.

“Como é que sabe?” Perguntou.

Kelsey deu uma risada suave.

“Oh, talvez seja um resto de habilidade dos meus tempos de agente. Mas o mais provável é que seja dos meus anos como mulher e mãe. Aprende-se a ouvir – não apenas o que as pessoas dizem, mas também o que não dizem.”

Kelsey esticou-se e deu uma palmadinha no joelho de Riley.

“Não há pressa,” Disse ela. “Mas penso que me deve contar.”

Riley respirou fundo várias vezes.

Por fim, disse, “Quando estava no estacionamento com o Hatcher, ele disse-me o motivo pelo qual tinha fugido. Disse que fora por minha causa. Ele disse que admira a minha mente. Sempre quisera trabalhar comigo. E diz que eu preciso dele – que preciso mesmo da ajuda dele agora.”

Depois de uma pausa, Kelsey perguntou, “Ele tem razão?”

A pergunta atingiu Riley em cheio. Apesar de não se ter apercebido, era exatamente aquela possibilidade que a perturbava.

“Ele disse-me que estávamos unidos pela inteligência´’” Disse Riley. “Se isso é verdade, o que faz de mim? Sou um monstro como ele?”

Kelsey suspirou.

“Bem, pela minha experiência, há muitos tipos de monstros. Veja por exemplo o Lucien Wayles – o polícia que o Hatcher matou de forma tão horrível. As pessoas dizem que era um bom homem. Salvou vidas, protegeu e serviu a comunidade com honra e distinção. Também era corrupto até ao tutano e tenho a certeza de que era culpado de pelo menos um crime.”

Kelsey pensou por um momento e depois prosseguiu.

“E veja o Smokey Moran que denunciou o melhor amigo para sair mais cedo da prisão e depois passou o resto da vida a espalhar morte e destruição à sua volta. Wayles e Moran eram monstros sem um código. Shane Hatcher é um monstro de outra espécie. Não tem nada a ver com eles.”

Kelsey ficou a olhar para o fogo a crepitar antes de voltar a falar,

“Só entre nós as duas, querida, alguns monstros merecem ser respeitados. Não tem que gostar deles. E o seu trabalho é detê-los e prendê-los, matá-los se necessário. Mas ainda assim tem que os respeitar. É a única forma de lidar com eles.”

“Orin Rhodes é esse tipo de monstro?” Perguntou Riley.

“Alguma coisa lhe aconteceu naquele dia há tantos anos,” Disse ela. “A sua vida deixou de fazer sentido, até para ele. Quando ele matou o irmão e o pai da rapariga por tentarem violá-la – bem, aquilo ainda fazia sentido. Depois quando ele e a rapariga mataram o dono e o empregado na loja de bebidas, havia pelo menos uma razão para o fazerem. Mas depois aconteceu algo. Mataram duas pessoas por nenhum motivo. Porquê? Duvido que mesmo eles saibam.”

Kelsey coçou o queixo pensativamente.

“Shane Hatcher disse-lhe que a queria ajudar, que queria trabalhar consigo. Bem, Shane Hatcher pode ser muitas coisas más, mas é um homem de palavra. Tem todas as razões para acreditar nele.”

Kelsey abanou a cabeça.

“Mas o Orin Rhodes é outra história. Ele perdeu-se há muito tempo. E nunca tentou encontrar o caminho de regresso. Ele gosta de estar perdido. Adequa-se a ele. Não tem bússola e não há justificação para o que pensa ou faz. Ele tem acalentado e nutrido a sua raiva e ódio há dezasseis anos e ninguém sabia. A agora é livre de fazer... Deus sabe o quê.”

Ficaram caladas durante algum tempo.

“O Shane Hatcher não é o seu maior problema neste momento, querida,” Disse finalmente Kelsey. “E se o FBI pensa de forma diferente, está enganado. Mas o Orin Rhodes – bem, ele assusta-me e também a deve assustar a si.”

Riley foi avassalada por uma estranha mistura de sentimentos. Estava grata a Kelsey e contente por a ter ido visitar. Precisava da sua perspetiva e sabedoria. E Kelsey acabara de confirmar o que o instinto de Riley já lhe dissera.

Ao mesmo tempo, Riley estava confusa. Ali estava ela em Nova Iorque, com ordem para apanhar e matar Shane Hatcher num prazo máximo de dois dias. Entretanto, Orin Rhodes atacara a sua casa em Fredericksburg e ninguém sabia qual seria o seu próximo passo.

Onde estará ele agora? Interrogou-se Riley. E o que fará de seguida?


CAPÍTULO DEZASSEIS

Orin Rhodes estudava o seu rosto ao espelho. Tinha um corte profundo na têmpora esquerda onde a rapariga o tinha atingido com o atiçador. Mas ele não se importava. Não tinha sido reconhecido e tinha conseguido afastar-se de Fredericksburg para não estar preocupado com isso.

Ele gostava do rosto que via.

Acabou-se a máscara, Pensou, tocando a totalidade do rosto.

Passaram-se dezasseis anos a ver aquele rosto – dezasseis anos a usar uma máscara constantemente.

Lembrou-se com amarga aversão da sua vida solitária de mentira na prisão. As suas intermináveis manifestações de falsa contrição. As horas que passara a fingir “melhorar-se” a si próprio nas aulas. Os muitos jovens prisioneiros de quem fora mentor, aconselhando-os a seguir o caminho do bem. Até organizara o seu pequeno grupo Bíblico! Que importava que ele não acreditasse em nada no mundo, quanto mais em Jesus ou em qualquer outro poder superior.

Em todos aqueles anos, apenas revelara a sua verdadeira natureza a um homem – Shane Hatcher. Orin julgava ter encontrado uma alma gémea, mas Hatcher virara-lhe as costas, não querendo ter nada a ver com ele.

Tinha sido uma esmagadora desilusão.

E agora ouvira na rádio que Hatcher tinha fugido. Não que interessasse muito a Orin. “Shane the Chain” tinha a sua própria agenda, uma que não interessava minimamente a Orin. Tinha a certeza que os seus caminhos não se voltariam a cruzar.

Sorriu ao rosto que agora contemplava. Estava espantado com a juventude que aparentava, como se aquele dia fatal em que fora apanhado e Heidi morta tivesse acontecido apenas no dia anterior.

Chegara finalmente o momento de compensar todos aqueles anos perdidos.

Nada como o presente, Pensou.

Já se escondia há demasiado tempo.

Abriu uma gaveta e tirou a sua pistola CZ P-09, carregada com um round de dezanove munições, e colocou um silenciador no cano. Gastara muito dinheiro naquilo e estava determinado a fazer valer cada cêntimo nela gasto.

Colocou a arma debaixo do cinto, vestiu uma parca quente e saiu da sua cabana alugada. O ar de inverno ali nos bosques era frio e estimulante. Sentia-se mais pleno de energia a cada segundo que passava.

Andou por um caminho na direção do lago, deixando alguma distância entre si e a cabana. Quando avistou o lago, tirou o smartphone do bolso e configurou o cronómetro para dez minutos.

Agia de acordo com um plano com que sonhara há muitos anos na prisão. E o seu plano era basicamente não ter nenhum plano.

Afinal, o acaso era a história da sua vida – e da curta vida de Heidi também. Eles não tinham planeado nada do que lhes sucedera. A culpa não era sua. Se o irmão e o pai de Heidi não tivessem tentado violá-la, Orin nunca os teria matado. Se os dois homens na loja de bebidas não tivessem resistido, ele e Heidi não os tinham matado.

Ao chegarem a Jennings, já tinham aprendido a lição. Compreendiam o seu objetivo de vida. E esse objetivo era simples – destruir vida sem qualquer objetivo, de forma puramente aleatória, sem razão plausível.

Tinham matado o homem e a rapariga só porque haviam sido as primeiras pessoas com quem se haviam cruzado. Se Orin e Heidi tivessem escapado ao tiroteio no motel, teriam continuado a viajar pelo estado, matando de forma aleatória até serem apanhados ou mortos. Um mero acaso podia decidir se uma pessoa inocente viveria ou morreria.

Mas eles não tinham escapado. E aquela cabra do FBI tinha matado a Heidi.

Ele não pensava que fosse intenção de Riley Paige matar alguém. Fora apanhada na teia do acaso, tal como ele e Heidi. Apesar de Paige não o saber, ela estava agora desesperadamente ligada à rede do seu ódio.

E ele odiava-a com toda a força do seu ser – odiava-a por estar no lugar errado à hora errada, odiava-a por ser a agente cujo trabalho fora matar Heidi. Afinal de contas, a vida era feita disso.

Uma porra de uma coisa a seguir à outra.

Cometera o terrível erro de atacar a filha da mulher. Isso fora demasiado pessoal, demasiado premeditado, demasiado planeado. Não admirava que tivesse fracassado. Esquecera-se da lição mais importante da sua vida:

O acaso é tudo.

Como ele e Heidi, toda a gente no mundo era vítima do acaso. A maior parte das pessoas não tinha consciência disso. Mas um homem com uma arma e com o objetivo único de matar, ensinaria as pessoas num ápice.

Vou ensinar a Riley Paige, Pensou. Ela vai procurar-me e não importa onde ou quando o fará.

Já estava quase no fim do caminho que conduzia ao lago. Olhou para o seu smartphone. Já se tinham passado quatro minutos. Se visse alguém, qualquer pessoa nos próximos seis minutos, mataria essa pessoa. Se não visse, esperaria algumas horas até proceder da mesma forma as vezes que fossem necessárias. Quem passasse por ele quando o cronómetro tivesse parado, não sofreria, inconsciente de como o acaso lhe tinha sido favorável.

No preciso momento em que saía do bosque para as rochas enormes à beira do lago, viu um homem a caminhar na sua direção. Pela forma como se movimentava, Orin calculou que já devia ser bastante idoso. Carregava muito equipamento de pesca.

O homem sentou-se numa rocha à beira do lago e começou a preparar o equipamento.

Orin caminhou na sua direção, sorriu e chamou-o.

“Um bocadinho frio para pescar, não lhe parece?”

Surpreendido, o homem virou-se e sorriu.

“É o tempo perfeito para o crappie,” Disse o homem.

Começou a montar a cana de pesca.

Orin tirou a arma do cinto, ergueu-a, apontou e disparou. O silenciador impediu que o ruído ecoasse no lago. Em vez disso, a arma produziu um som seco seguido de um assobio proveniente do voo da bala.

Orin conseguiu ouvir o impacto da bala ao atingir o ombro do homem. O homem encolheu-se com um grito de dor. Depois virou-se e encarou Orin.

“Mas que raio?” Disse.

Orin limitou-se a ficar ali a sorrir, apontando-lhe a arma. O homem tentou erguer-se e tropeçou na direção do bosque na esperança de fugir. Era exatamente o que Orin queria. Disparou outro tiro que atingiu o homem na coxa. Viu a sua presa cair no chão e tentar rastejar desesperadamente na erva.

Ainda faltam dezasseis munições, Lembrou-se Orin enquanto seguia o homem.

Era importante manter a conta. Ele ia manter o homem vivo e em dor crescente até acabar com ele com a última bala.

Exatamente da forma que a Heidi teria gostado, Pensou Orin disparando novamente.


CAPÍTULO DEZASSETE

Riley estava determinada ao conduzir rumo à pequena cidade de Jennings.

“Isto não é boa ideia,” Disse Bill no banco ao lado dela.

Riley não sabia o que dizer para o tranquilizar. A verdade era que ela até que concordava com ele. Que bem faria visitar a cidade onde matara uma rapariga de quinze anos há tantos anos atrás? Não estava propriamente à espera que Orin Rhodes aparecesse por ali.

E claro, estava a atuar contra as ordens explícitas de Walder.

“Espero que você e o Agente Jeffreys prendam o Hatcher num prazo máximo de quarenta e oito horas.”

O tempo escasseava. Enquanto Riley estivera a visitar Kelsey Sprigge, Bill tinha ido para o departamento de campo de Syracuse para saber o ponto da situação no que dizia respeiro ao caso de Hatcher. Também tinha voltado ao apartamento de Smokey Moran e ajudado uns agentes a revistar a casa em busca de pistas. De forma nada surpreendente, não encontraram nada. E claro, os guarda-costas taciturnos de Moran ainda se encontravam em parte incerta.

O rasto de Hatcher era incerto naquele momento e Riley conseguira convencer Bill a acompanhá-la a Jennings. Não, o mais certo era mesmo ser uma péssima ideia. E não era justo arrastar Bill enquanto sabotava a sua própria carreira. Também arriscavam a carreira dele.

Mas lá estavam eles. Teriam que tentar tirar o máximo partido daquilo.

Riley estacionou em frente a uma agradável casa colonial de dois andares com uma cerca de estacas, um quintal coberto de neve e fumo a sair pela chaminé. Era a casa de Ava Strom, cuja filha de dezassete anos Rusty fora raptada por Orin Rhodes e Heidi Wright quando ia para a escola. Tinham-na levado para fora da cidade e mataram-na lentamente com muitas munições.

O casal também tinha morto um homem chamado Myron Wilder exatamente da mesma forma. Mas Wilder não tinha familiares vivos em Jennings. Rusty tinha. Por isso Riley ligara a Ava Strom dizendo-lhe que queriam falar com ela. A mulher não gostara da ideia, mas não tinha recusado.

Bill e Riley caminharam na direção do alpendre e tocaram à campainha. Ava Strom abriu a porta.

“Sim?” Perguntou.

Riley e Bill mostraram os distintivos. Antes de se apresentarem, Ava Strom disse, “Sei quem são. Falou comigo ao telefone. Entrem.”

Riley e Bill entraram. Ava Strom não os convidou a entrar na sala de estar ou a sentarem-se. Era óbvio que ela queria que aquela visita fosse o mais breve possível.

Ava tinha cinquenta e tal anos – uma mulher de aspeto normal com uma estranha expressão vazia.

“O meu marido está a trabalhar,” Disse ela, cruzando os braços. “Tem uma empresa imobiliária aqui em Jennings.”

Ava Strom calou-se. O seu silêncio era uma mensagem não verbalizada de que o marido não devia ser incomodado com nada daquilo.

Riley disse, “ Sra. Strom, Lamento ter que a fazer recordar memórias difíceis. Mas estamos aqui para falar sobre o assassino da sua filha.”

“Porquê?”

O seu olhar e o seu tom de voz áspero desarmaram Riley.

Bill disse, “A verdade é que Orin Rhodes foi libertado da prisão há alguns dias.”

Ava Strom não teve qualquer reação.

“Ouvi dizer que era um prisioneiro exemplar,” Disse Ava Strom.

“Era o que todos pensavam,” Disse Riley. “Mas tornou-se violento outra vez.”

Outro silêncio. Riley tinha a nítida sensação de que Ava Strom simplesmente não queria saber. E talvez não tivesse razão para querer saber. Riley não tivesse qualquer razão para acreditar que ela ou o marido pudessem vir a ser alvos de Orin Rhodes. Ainda assim, a sua ausência de alarme ou até de interesse era vagamente desconcertante.

Por fim Riley disse, “Sra. Strom, antes de acontecer, tinha alguma ideia...?”

Antes que Riley conseguisse terminar a pergunta, Ava Strom disse, “Preparei-lhe o pequeno-almoço naquela manhã. Bacon com ovos e torradas. Ela sentou-a à mesa, comeu e estudou de um livro. Enquanto comia, eu comecei logo a tratar do jantar. Não lhe prestei atenção. Não me lembro de termos trocado uma palavra. Nem lhe disse adeus quando saiu e ela também não. Foi a última vez que a vi.”

Ava Strom olhou para o vazio.

“Não consigo deixar de pensar que devia ter adivinhado. Talvez devesse ter feito ou dito alguma coisa. Só uma palavra ou um sorriso, ou talvez um ralhete por estar a comer demasiado depressa, ou por estar a comer e a estudar ao mesmo tempo, ou ter-lhe perguntado o que ia fazer naquele dia. Não consigo deixar de pensar que uma coisa estúpida como essa pudesse ter mudado alguma coisa. Não faz sentido, pois não?”

“Não, não faz,” Disse Riley.

Ela resistiu à necessidade de acrescentar, “E não está a responder à pergunta que estou a tentar colocar.” Não valia a pena esperar respostas úteis. A mulher não tinha nenhuma para dar. Estava emocionalmente adormecida para o mundo e já assim estava há muitos anos.

Ava Strom encolheu os ombros.

“Bem, aí têm,” Disse. “A história das nossas vidas, do Logan e a minha, desde que aconteceu. Já nada faz sentido. Penso que nada nunca mais fará sentido.”

Caminhou para a porta e abriu-a, deixando o ar frio entrar.

“E agora, se não se importam, parece-me que não há mais nada que eu possa acrescentar de relevante,” Disse ela.

Riley assentiu.

“Obrigada pelo tempo dispensado Sra. Strom,” Disse. “Vamos embora.”

Quando Bill e Riley voltaram para o carro, Bill disse, “Aquilo foi inútil, Riley. Não soubemos nada. Afinal, o que é que estamos aqui a fazer?”

Riley não respondeu e deu a chave ao carro. Não podia discordar. Talvez este desvio fosse uma ideia sem nexo.

Mas ela sabia onde queria ir de seguida. O motel onde decorrera o tiroteio. Pensava que podia ajudar a reviver o que se passara – daquela vez tentando imaginar coisas sob o ponto de vista de Orin Rhodes. Como sempre acontecia quando visitava cenas de crimes, talvez conseguisse colocar-se na sua pele de modo a, finalmente, o compreender.

Ao conduzir pela cidade, reparou como estava diferente decorridos todos aqueles anos. Outrora uma cidade colonial pitoresca e simples, estava agora aburguesada. Até as casas e edifícios mais antigos, haviam perdido o seu encanto graças a famigeradas remodelações.

Encontrou a morada que procurava. Durante alguns instantes pensou que se devia tratar do local errado. Já não havia motel. Em vez disso, no local estava um pequeno centro comercial.

Parou o carro no parque de estacionamento.

“Dá-me só um minuto,” Disse a Bill.

Saiu do carro e caminhou sozinha, tentando imaginar o lugar que ali estivera. Mas era impossível fazê-lo. Era como se a ocorrência, incluindo a morte de Heidi Wright e a prisão de Orin Rhodes, tivessem sido limpos da face da terra.

Começou a instalar-se uma amarga ironia.

A entrevista fora inútil. E agora até aquele local era inútil. Era como se esbarrasse constantemente na inutilidade de tudo aquilo.

Talvez seja isso mesmo, Pensou.

Talvez tivesse chegado o momento de ela parar de esperar que algo fizesse sentido naquele caso. Talvez ela não conseguisse prender novamente Orin Rhodes a não ser que abdicasse de o tentar compreender. O que também ia ser difícil. Era algo que ia contra o seu instinto enquanto agente.

Antes de regressar ao carro, o telemóvel tocou. Não reconheceu o número. Mas ao atender, ouviu uma voz familiar.

“Aposto que já estava a pensar quando é que ia ter novamente notícias minhas.”

Era Shane Hatcher. A próxima coisa que disse foi, “Não se dê ao trabalho de localizar a chamada. Isto é um telemóvel descartável e de qualquer das formas, desapareço num instante.”

“Onde está?” Perguntou Riley. “Está próximo?”

“Não se estiver em Jennings. É onde penso que está. Ou então já lá esteve ou está a planear ir em breve. Mas penso que é aí que está agora. Acertei?”

Riley não respondeu. Hatcher deu uma risada, obviamente assumindo pelo seu silêncio que era lá que se encontrava.

“Não devia ser tão previsível Riley. Sobretudo quando está a lidar com este tipo. Acredite em mim, ele é tudo menos previsível. Não, estou muito longe de Jennings e ele também.”

Riley tentou processar rapidamente as pistas que Hatcher lhe estava a dar.

“Tem estado a segui-lo, não tem?” Perguntou Riley. “Está em Fredericksburg? Está perto de April? Ele está perto dela?”

Riley ouviu um riso.

“O que é que lhe parece?”

Ela não respondeu.

“O que é que lhe parece?” Perguntou novamente de forma mais insistente. “Vai atrás da April novamente agora?”

“Não,” Disse Riley, começando a compreender onde ele queria chegar.

“Porque não?”

“Faz demasiado sentido.”

Hatcher soltou uma risada aprovadora.

“Ele já matou mais alguém?” Perguntou Riley.

Ouviu um suspiro de impaciência.

“Riley, Riley Riley. O que é que lhe disse naquele parque de estacionamento? Eu não quero saber quem é que ele mata. Só quero saber de si. E está a deixar-se ficar para trás.”

Sem mais uma palavra, Hatcher terminou a chamada.

De pé, estupidamente ali no frio, Riley compreendeu:

Já matou. E eu não sei onde, como ou quem.


CAPÍTULO DEZOITO

Riley percebeu que Brent Meredith estava de mau humor. Ela e Bill tinham acabado de chegar a Quantico vindos de Syracuse e iam ter uma reunião no gabinete do chefe de equipa. Riley reparou que Meredith olhava para o relógio, mas esperou que ele desse início à conversa.

“Agentes Paige e Jeffreys,” Disse Meredith, “O Walder deu-vos um prazo de quarenta e oito horas para apanharem o Hatcher. O vosso prazo termina daqui a dezoito horas. Quais as possibilidades de o conseguirem?”

“Não muitas,” Disse Bill. “O Hatcher não está em Syracuse. Disso temos a certeza.”

“E não encontraram uma única pista nova?” Perguntou Meredith.

Riley olhou para Bill. Ele anuiu, indicando que o melhor era dizer a verdade a Meredith.

“Não exatamente uma pista,” Disse Riley. “Mas ele ligou-me.”

Os olhos de Meredith dilataram-se. Riley estava mesmo satisfeita por Walder não estar ali. Felizmente, não era habitual estar presente em reuniões tão tardias. E já ia ser suficientemente duro explicar a Meredith.

“Telefonou-lhe?” Perguntou Meredith. “E só agora sei disto?”

“Ele ligou-me de um telemóvel descartável, impossível de localizar,” Disse Riley. “Não fazia sentido dar conhecimento do sucedido na altura.”

Meredith colocou os pés em cima da secretária de uma forma descontraída.

“Bem, Agente Paige – quer partilhar alguma coisa da sua pequena conversa? Ou a conversa foi de natureza puramente pessoal?”

Riley sentiu-se picada. Pesou mentalmente o que devia dizer. Pensou que não valia a pena mencionar que ela e Bill tinham feito um pequeno desvio até Jennings. Se Bill o decidisse fazer, que o fizesse. Mas tendo em consideração a disposição amarga de Meredith, o melhor era limitar-se aos factos naquele momento.

“Parece que está a vigiar Orin Rhodes,” Disse Riley. “Deu-me a nítida sensação de que Rhodes matou alguém. Quem, porquê ou onde, não faço ideia.”

Meredith pareceu intrigado e nada satisfeito.

“Acredita nele?” Perguntou.

“Acredito,” Disse Riley.

“Porquê?”

A pergunta apanhou Riley desprevenida. Não disse nada.

Meredith disse, “Agente Paige, esta é a segunda vez que foi contactada por um homem que deve prender e não está nem próxima de o apanhar. Que raio se está a passar? Porque é que ele entra em contacto consigo?”

Riley sentia-se cada vez mais afortunada por Walder não estar ali. Meredith já estava a ser suficientemente duro.

E não era uma pergunta fácil de responder. Até ao momento, apenas contara a Kelsey Sprigge o verdadeiro motivo da fuga de Hatcher. Fugira por causa de Riley, porque a admirava e a queria ajudar – ou era o que dizia e Riley não tinha nenhum motivo para não acreditar nele. Mas não o conseguia revelar nem a Bill, quanto mais a Meredith. Riley não sabia bem porquê, exceto que toda a sua ligação com Hatcher a assustava de alguma forma.

“Ele conhece-me,” Disse Riley.

Meredith ficou a pensar durante alguns instantes.

“Vou ter que resolver tudo isto amanhã de manhã com o Walder,” Disse ele. “Agente Jeffreys, quero que esteja na reunião. Agente Paige, penso que talvez o melhor seja não aparecer na UAC pelo menos até amanhã à tarde. Tenho um pressentimento de que o melhor é não se cruzar com o Walder neste momento.”

“Sim,” Disse Riley.

“É tudo por agora,” Disse Meredith. “Vão para casa e durmam.”

*

Quando Riley estacionou em frente à sua casa em Fredericksburg, apercebeu-se da quietude do seu bairro. Há apenas algumas noites, toda a área estava inundada com polícias, agentes e médicos. Agora parecia tão pacífico com decorações discretas adornando a maior parte das portas de entrada e velas artificiais em algumas janelas.

Riley interrogou-se o que pensariam os vizinhos do caos e perigo em que os colocara. Três pessoas tinham sido levadas para o hospital. Os vizinhos tinham todos os motivos para se sentirem alarmados.

Riley abriu a porta e entrou em casa. Quase esperava ouvir alguém chamar o seu nome. Raramente estivera naquela casa sem April ou Gabriela ou ambas. Agora a sua casa estava estranhamente desprovida de vida.

No dia anterior tinha recolhido a cadeira partida e candeeiro no terraço para os reparar mais tarde. O FBI tinha levado o atiçador que April usara como arma. Não havia dúvida de que fariam testes de rotina de ADN do sangue lá encontrado, apesar de ser um ponto discutível. O atacante de April fora Orin Rhodes. Tinha sido claramente identificado a partir de fotografias de prisão.

Quando Riley se sentou na sala de estar, ocorreu-lhe que não comunicara com April durante todo o dia. Não tinha qualquer razão para se preocupar com ela. Ela estava num local seguro sob vigilância rígida e se algo tivesse acontecido, Riley já teria tido conhecimento. Mesmo assim, Riley sentiu uma irracional pontada de ansiedade.

Abriu o seu portátil, esperando não ser demasiado tarde para uma vídeo chamada. Riley fez a chamada e April rapidamente a aceitou. Riley percebeu pelo seu rosto que não estava na melhor das disposições.

“Olá mãe. O que é que se passa?” Perguntou April.

Riley não viu necessidade de lhe contar o que se tinha passado em Nova Iorque e não a queria preocupar mais com Orin Rhodes.

“Lembrei-me de ver como estás,” Disse Riley. “Espero que não seja muito tarde.”

“Não, não conseguia dormir.”

Riley conseguia ver que April pintava as unhas ociosamente.

“Como estás?” Perguntou Riley.

April suspirou. “Estou farta. Este sítio é uma seca.”

“Eu sei que não é um resort,” Disse Riley. “Sê paciente. Quando tudo isto acabar, vamos a um lugar agradável.”

April bocejou. “Não, quando tudo isto acabar vais estar noutro caso. Não te preocupes, eu consigo lidar com isso.”

Subitamente, o rosto de April animou-se um pouco. “Oh, o pai esteve cá hoje,” Disse.

Riley ficou surpreendida. Não sabia que Ryan sabia do paradeiro de April. Talvez uma agente o tenha contactado a pedido de April. Riley não podia culpar April e Ryan por se quererem ver um ao outro. Só esperava que Ryan tivesse lidado com a situação de forma discreta.

“Como é que ele está?” Perguntou Riley.

“Acho que bem. Ainda está perturbado com o que aconteceu. E concorda que este sítio é uma seca. Diz que não devia estar aqui, que me deviam ter colocado noutro local.”

Riley sentiu-se ligeiramente irritada. A decisão não competia a Ryan e ela não gostava que ele andasse a meter ideias na cabeça de April.

“Vais ficar aí mesmo onde estás segura,” Disse Riley.

“Eu sei,” Disse April.

Bocejou novamente.

“Estou cansada. Talvez deva ir dormir.”

“Vai,” Disse Riley. “Amo-te.”

“Também te amo.”

Desligaram a chamada. Riley levantou-se do sofá e pegou num copo e numa garrafa de bourbon do armário da cozinha. Voltou para a sala e serviu-se. Bebeu e a sensação quente na garganta foi bem recebida. Sentiu a sua tensão interior desvanecer. Era mesmo aquilo de que precisava para descontrair.

Talvez adormeça aqui mesmo, Pensou.

Percebeu que uma vantagem de ter a casa só para si mesma era não ter que se preocupar com coisas como onde dormia. Ainda assim, sentia-se sozinha, e ansiava pelo regresso de April e Gabriela.

*

A neve revoluteava em redor de Riley, tão espessa e ofuscante que ela não conseguia ver onde estava. Virava-se vezes sem conta, sem saber para onde ir ou o que fazer.

Então viu uma sombra a alguma distância. A pessoa parecia estar a correr na sua direção. Talvez fosse alguém que viesse acudi-la. Ou talvez fosse alguém que viesse pedir ajuda. Não fazia a mínima ideia.

Quando a figura se aproximou, Riley percebeu que era uma adolescente. A neve abrandou um pouco e Riley viu que se tratava de Heidi Wright. Corria na direção de Riley, segurando uma arma, apontando-a diretamente a ela.

Riley ouviu uma voz dizer friamente...

“Mata-a! De que é que estás à espera?”

Mas não conseguia perceber de quem era a voz – se do pai, se de Shane Hatcher.

“Não posso,” Disse Riley. “É apenas uma criança.”

“Queres viver?” Perguntou a voz.

Então Riley ouviu um tiro. Demorou um momento para perceber que viera da sua Glock, a arma que segurava nas mãos. Tudo mudara. A neve revoluteante ficara vermelha como se estivesse a chover sangue.

A rapariga vacilou mas não caiu. Depois já não era a rapariga. Era a mãe de Riley, morta a seus pés, o peito a sangrar de um ferimento de bala que a matara quando Riley tinha apenas seis anos, olhando para Riley num horror mudo.

“Mamã!” Gritou Riley.

O tom elevado da sua voz surpreendeu-a. Depois percebeu que de repente tinha seis anos. Queria ir ao encontro da mãe mas os pés não se mexiam.

Depois surgiu novamente uma voz masculina – e desta vez Riley sabia que era o pai.

“Só és útil a quem já está morto.”

Os olhos de Riley abriram-se e viu que estava deitada no sofá da sala de estar. O sol da manhã entrava pelas janelas. A casa estava silenciosa.

Riley gemeu ao recordar-se do sonho. Há muito tempo que não sonhava com a morte da mãe e passara toda a sua vida a tentar esquecê-la. Tinha apenas seis anos quando vira a mãe ser abatida por um bandido numa loja de doces. Apesar de Riley ser apenas uma criança, o pai nunca lhe perdoara por não o ter evitado.

Quando tinha sonhos daqueles, Riley interrogava-se se alguma se perdoara.

Olhou para a garrafa e para o copo pousados em cima da mesa. Lembrava.se agora que apenas tomara dois copos de bourbon antes de adormecer. Isso era bom, tendo em consideração que em situações de stress tinha tendência para beber mais do que devia.

Foi até à cozinha e viu que não havia café.

É claro que não há, pensou. A Gabriela não está cá.

Não gostava da ideia de ter que fazer e comer o pequeno-almoço naquela casa solitária. Decidiu tomar banho, vestir-se e ir tomar o pequeno-almoço à rua.

Lembrou-se de Meredith lhe dizer para não ir logo para a UAC. Por ela tudo bem. Havia outro lugar onde queria ir.

*

Quando chegou ao hospital, Riley ficou aliviada por saber que Blaine já tinha saído da UCI e já se encontrava num quarto privado. Quando o encontrou, estava acordado a ver TV. Ainda tinha o rosto ligado de um dos lados. Sorriu quando a viu a entrar pela porta.

“Ei, pensava que andavas a apanhar os maus,” Disse ele.

“Vou fazer isso não tarda nada,” Disse Riley, sentando-se na beira da cama. “E espero conseguir apanhar o mau que nos fez tanto mal.”

“Isso seria muito bom,” Disse Blaine.

Ficaram calados durante alguns instantes. Riley sentiu-se um pouco desconfortável. Ela queria segurar-lhe na mão. Mas o hospital parecia não ser o cenário mais indicado para assumir um gesto tão íntimo, sobretudo porque nenhum dos dois sabia exatamente no que aquela relação ia dar. Riley olhou para ele por um momento.

“Com estás?” Perguntou.

“Bastante bem,” Disse Blaine. “Algumas dores. Não encontraram nada de errado a não ser três costelas partidas e um rosto rachado. Vou para casa amanhã. A Crystal também quer ir para casa. Pelo menos, se achares que é seguro.”

Riley hesitou. Não queria fazer falsas promessas. Ainda assim, tinha a certeza de que Orin Rhodes já estava noutras bandas.

“Penso que é seguro,” Disse ela.

“Ainda bem. A Felicia tem tomado conta da Crystal.”

Riley lembrava-se da mulher atraente que encontrara no hospital há algumas noites atrás – a gerente de Blaine no restaurante, dissera ela. Riley pensou se teria uma rival. Mas agora não era o momento para se preocupar com isso.

“Blaine, só quero que saibas como estou grata por teres feito o que fizeste. O mais certo é teres salvado a vida da April. Podias ter chamado o 112 mas a ajuda não chegaria a tempo. Foste muito corajoso.”

“E estúpido?” Disse Blaine com um sorriso.

Riley riu-se. “Sim, e estúpido. Mas estúpido da melhor forma possível.”

Blaine surpreendeu-a segurando-lhe de súbito na mão.

“Não há nada que eu não fizesse por ti e pela April,” Disse ele.

Riley não sabia o que dizer. Limitou-se a sorrir e a fitá-lo em silêncio. Sentia um enorme carinho por aquele homem atraente e afectuoso. Desejou entrar na cama e aninhar-se a seu lado.

Quase riu perante a ideia de fazer isso num hospital. Não era nem o lugar nem o momento adequado.

Mas talvez em circunstâncias diferentes, Pensou.

O telemóvel de Riley tocou. A chamada era da UAC.

“Tenho que atender,” Disse a Blaine com um suspiro.

Blaine largou-lhe a mão. Riley levantou-se e foi para o corredor.

Quando atendeu a chamada, ouviu a voz de Walder.

“Agente Paige, faça as malas e venha para cá,” Disse. “Vai para a Carolina do Sul.”

“O que é que se passa?” Perguntou Riley.

“Houve um homicídio. Os Agentes Huang e Creighton dão-lhe os pormenores no avião.”

Sem dizer mais uma palavra, Walder desligou a chamada.


CAPÍTULO DEZANOVE

Quando o pequeno jato da UAC decolou, Riley ainda não fazia a mínima ideia do objetivo daquela viagem.

“Houve um crime,” Dissera-lhe Walder ao telemóvel. E Riley não sabia mais do que isto.

Estava sentada na cabina ao lado de Bill. À sua frente do outro lado de uma mesa estavam os Agentes Emily Creighton e Craig Huang. Creighton e Huang eram agentes jovens e relativamente inexperientes que, apesar de tudo, eram os preferidos de Walder. Riley sempre embirrara com Creighton que se considerava melhor agente do que na realidade era. Mas Huang parecia estar a amadurecer e a aprender bem.

Riley pressentiu pela expressão presunçosa de Creighton que ela e Huang haviam sido completamente esclarecidos por Walder. Não havia dúvida de que ela e Bill tinham sido deixados de fora. Era só mais uma das muitas formas que Walder tinha de expressar a sua antipatia por Riley e de a fazer sentir-se pouco importante.

Quase que está a resultar, Pensou Riley.

Quando o avião atingiu velocidade de cruzeiro, Creighton abriu o seu portátil e colocou-o na mesa. Mostrou a fotografia de uma cena de crime de um homem assassinado deitado de barriga para cima numa área florestal. A sua roupa estava suja e manchada de sangue. Estava desfigurado por balas – Riley calculou que deveria ter sido atingido umas vinte vezes. Uma das feridas estava bem no meio da sua testa. Os olhos estavam bem abertos.

Riley estremeceu ao perceber que a vítima estivera viva e consciente até o último tiro ser disparado.

“Kirby Steadman era um diretor de escola reformado que vivia em Worland, Carolina do Sul,” Disse Creighton. “Foi morto ontem de manhã no Lago do Parque Estadual de Elbow. Um guarda do parque encontrou o corpo ao início da tarde.”

Antes de Creighton prosseguir, Riley perguntou, “Qual a distância que rastejou a partir da margem do lago?”

Creighton olhou para Riley surpreendida.

“Como é que sabe que rastejou da margem do lago?” Perguntou.

Riley apontou para a fotografia. “Ele usava um colete de pesca,” Disse. “As calças estão sujas nos joelhos. Calculo que estivesse a pescar quando foi atingido. Depois tentou fugir e o seu atacante continuou a disparar. Até onde foi ele?”

Riley percebeu pelo olhar desagradado de Creighton que acertara. Huang sorriu.

“Rastejou cerca de nove metros,” Disse Creighton.

“Então o que faz disto um caso para a UAC?” Perguntou Bill.

“Os polícias locais não sabiam o que pensar do caso a princípio,” Explicou Huang. “Kirby Steadman não tinha inimigos conhecidos. Mas depois alguém deixou uma estranha mensagem na linha telefónica da polícia.”

Huang ligou um pequeno gravador. Riley ouviu uma voz familiar.

“Fala Shane the Chain. O corpo que acabaram de encontrar no Lago Elbow não é obra minha. Mas a Agente Riley Paige em Quantico estará interessada neste crime. Dêem-lhe conhecimento.”

Huang desligou o gravador.

Creighton disse a Riley, “Presumo que consiga confirmar se se trata da voz de Shane Hatcher.”

“É a voz dele,” Disse Riley.

“E este crime é ‘obra’ de quem?” Perguntou Creighton.

Riley lembrou-se das mortes aleatórias ocorridas há tangtos anos atrás em Jennings, as duas vítimas que tinham sido sádica e repetidamente feridas até serem executadas.

“Orin Rhodes,” Disse Riley.

Creighton anuiu. “O Agente Walder também pensa que sim. E com base na mensagem telefónica, parece que Shane Hatcher também esteve na área recentemente.”

Depois Creighton acrescentou com um sorriso malicioso, “E tem cerca de três horas para o apanhar.”

Riley ficou furiosa. Ela sabia que Creighton se limitava a repetir as palavras de Walder. E claro, Walder sabia melhor do que ninguém que Riley não podia cumprir o prazo de quarenta e oito horas. Passaria metade do tempo que restava num avião. Walder estava apenas à espera do momento de lhe dar uma reprimenda. E planeava saboreá-la.

Entretanto, Creighton estava obviamente a apreciar estar a liderar as operações. Prosseguiu, “Vamos aterrar numa pista logo à saída de Worland. Vamos de imediato para a cena do crime. Depois disso, Agente Paige, você e o Agente Jeffreys devem apanhar e prender Hatcher.”

Riley reparou que Bill começava a parecer incomodado.

Bill disse, “E o que é que vocês os dois vão fazer enquanto eu e a Agente Paige perseguimos o Hatcher?”

“Vamos atrás de Orin Rhodes,” Disse Creighton.

Agora Riley estava em ebulição.

O que é que o Walder pensa que isto é, um jogo?

Tentara dizer a Walder que Rhodes era a verdadeira ameaça naquele momento e não Hatcher. Ela a Bill deviam estar a trabalhar em conjunto com Creighton e Huang para o apanhar antes que matasse novamente – e era certo que o faria. Poderiam ir atrás de Hatcher quando capturassem Rhodes.

Mas Walder não o iria permitir. E não tinha qualquer razão para o fazer a não ser colocar Riley no seu lugar. Para já, tinha-o conseguido.

Riley ouviu o que restava do briefing de Creighton num silêncio zangado. Mal podia esperar que o avião aterrasse.

*

Três horas mais tarde, o chefe da polícia de Worland, Lonny York, levava Riley, Bill, Huang e Creighton para o Elbow Lake State Park. O Chefe York era um homem enorme próximo da idade da reforma. Apesar das árvores do parque estarem nuas naquela altura do ano, Riley podia perceber que a floresta devia ser gloriosa na primavera e no outono. Não viu neve.

Ao aproximarem-se do seu destino, Riley olhou para o seu relógio.

O tempo terminou, Pensou com alguma ironia.

O prazo para apanhar Hatcher chegara ao seu limite. Riley esperava que o seu telemóvel tocasse a qualquer momento e que Walder a culpasse pelo seu falhanço. Mas não, pensou que Walder se regozijaria quando ela regressasse a Quantico.

Ao aproximarem-se do lago, o Chefe York apontou na direção de muitas cabanas por que passavam.

“Foi onde o assassino ficou,” Disse ele. “Estava nesta cabana desde sábado de manhã.”

Quando York estacionou o SUV em frente da cabana, Riley considerou a cronologia de Rhodes. Devia ter conduzido até ali e alugado aquele lugar pouco depois de ter atacado April. Passara ali um dia de lazer e depois matou Kirby Steadman na manhã seguinte, ontem. Agora partira e não deixara pistas quanto ao seu destino.

Saíram todos do SUV e dirigiram-se à cabana que estava envolta em fita amarela da polícia. Agacharam-se por baixo da fita e entraram na cabana.

Riley olhou à sua volta. Com o seu aroma a pinheiro, lembrou-se da cabana onde o pai vivera nos seus últimos anos de vida nas montanhas da Virginia. O lugar não evocava memórias agradáveis, mas ela sabia que devia ser encantandor para os turistas que ali ficavam.

Riley viu sinais de pó de impressões digitais aqui e ali.

“Descobriram impressões?” Perguntou a York.

“Sim, imensas,” Disse York. “Ele não fez qualquer esforço para as limpar. É claro que devia estar com pressa de sair daqui. Mas ainda é cedo para identificarmos as impressões.”

Riley não tinha dúvidas de que algumas das impressões pertenceriam a Orin Rhodes. Mas interrogou-se se as impressões de Shane também surgiriam.

Riley, Bill, Huang e Creighton olharam à sua volta durante alguns instantes. Não havia muito para ver. À parte das impressões digitais, o último ocupante da cabana parecia não ter deixado nada para trás.

Riley reparou em várias brochuras em cima da cómoda. Era o tipo de coisa de turista, publicitando coisas para os visitantes verem. Mas depois olhou com mais atenção. Três mostravam locais turísticos da Carolina do Sul, dois resorts de praias e aquele mesmo local, o Elbow Lake State Park. Os outros dois eram lugares na Flórida, uma reserva histórica e ecológica em Jacksonville e o Everglades National Park perto de Miami.

“As cabanas fornecem sempre este tipo de informação aos visitantes?” Perguntou Riley a York.

“Não sei,” Respondeu o Chefe. “Mas parecem-me bastante comuns.”

“Não devem ser importantes,” Disse ela, mas colocou as brochuras na sua mala.

“Vamos,” Disse York. “Vou mostrar-vos onde Kirby foi morto.”

Foram todos para o exterior, e Riley seguiu logo atrás do Chefe York. Dali a pouco, atravessavam um caminho que dava para o lago.

Atrás dela, Riley ouviu Creighton dizer, “Que pena não ter nevado ultimamente. Poderiamos seguir melhor o seu rasto.”

Mas Riley sabia que não teria problemas em seguir os movimentos de Rhodes. Na verdade, já estava a entrar na sua cabeça. É claro que ele fizera aquele caminho para matar a vítima. Mas já se tinha decidido por Kirby Steadman? Saberia que o encontraria ali?

Não. Riley pressentia que ele não fazia ideia de quem encontraria no lago, se é que encontraria alguém. E no entanto estava armado. Riley podia imaginar o peso da sua pistola semiautomática com o seu cartucho de alta capacidade debaixo do cinto. Era mais pesada do que a sua Glock.

Ele estava completamente preparado para matar se encontrasse alguém – qualquer pessoa. E ele estava preparado para não fazer nada se não encontrasse ninguém.

Aleatoriedade organizada, Pensou Riley.

Isso parecia ser crucial no seu MO. Ele estava totalmente preparado para o que sucedesse por acaso.

O caminho terminou na margem rochosa do lago. Os quatro companheiros de Riley treparam para as rochas mas Riley parou no fim do caminho. Apontou para um rochedo à beira da água.

“A sua cana de pesca foi encontrada aqui, não foi?” Perguntou Riley a York.

“Sim,” Disse York, parecendo algo surpreendido.

Mas para Riley, era fácil de adivinhar. Era o local ideal para se pescar – exatamente o local que o pai escolheria se a levasse a pescar.

As impressões eram agora mais intensas.

“O Rhodes está aqui,” Disse Riley, ainda no fim do caminho. “Chama Kirby Steadman. Provavelmente cumprimenta-o cordialmente. Kirby responde de forma amigável.”

Riley imitou o sacar da arma, apontá-la e dispará-la.

“Então dá o primeiro tiro,” Disse ela.

Riley imaginou o som ruidoso da pistola semiautomática a ecoar no lago. Mas não, não pode ter sido assim. Todo aquele ruído seria prejudicial para ele.

“Ele usa um silenciador e assim o tiro não é ouvido à distância,” Disse ela. “Ele aponta para uma das extremedidades de Steadman. Não o quer matar de imediato. Ele é como um gato a brincar com um rato.”

Riley reparou que Creighton, Huang e York estavam perto e a ouvi-la. Não gostou muito disso. É verdade que ela era bem conhecida no FBI pela sua habilidade de entrar nas mentes dos perpetradores, mas não se tratava de exibição de talento. Bill sempre compreendera isso. Estes três não compreendiam.

“Ele não disparou de imediato o segundo tiro,” Disse ela. “Ele esperou que a presa tentasse fugir.”

Riley apontou para a linha de árvores.

“Steadman vai para ali, esperando conseguir fugir para o bosque. Rhodes dispara um tiro antes dele chegar lá.”

Riley seguiu as pisadas de Rhodes em direção ao local para onde Kirby se tinha dirigido entre as árvores. Ali não há caminho mas um rasto de arbustos partidos marcados onde Kirby rastejou e tentou refugiar-se numa busca desesperada por segurança. Riley conseguia ver onde o sangue se espalhara na erva e em folhas em diversos locais.

Ainda a apontar a sua arma imaginária para esses lugares, Riley continuou a seguir o caminho de Rhodes.

“Ele segue logo atrás de Kirby, disparando aqui... e ali... dezoito ou dezanove tiros e Kirby, ainda vivo, pede misericórdia.”

Por fim, Riley observou o local onde as ervas e arbustos ainda estavam esmagados com a forma do corpo de Kirby.

“Ainda tem uma bala. Está determinado a que seja a bala letal.”

Riley ajoelhou-se e apontou.

“E então dispara para a testa de Kirby que cai para trás morto. Rhodes regressa pelo caminho de onde veio e apressadamente arruma as suas coisas e vai-se embora.”

Riley levanta-se e vira-se para os seus quatro companheiros que a tinham seguido. Os braços de Emily Creighton estão cruzados e tem um ligeiro sorriso no rosto. Estava obviamente a dar o seu melhor para parecer pouco impressionada.

“E o Hatcher?” Perguntou Creighton.

“Peço desculpa?” Disse Riley.

Creighton encolheu os ombros. “Não está aqui para apanhar o Rhodes. Está aqui para apanhar o Hatcher. E o seu tempo já se esgotou, não já? Então e ele? Encontrou algma coisa relacionada com ele aqui?”

Riley não respondeu. Virou-se completamente. Não, Hatcher não tinha deixado traços físicos de que ali estivera. Era demasiado hábil, demasiado astuto. Mas ele estivera ali – talvez minutos após a morte de Kirby. Não o podia provar, mas sentia-o de forma visceral.

Afinal de contas, era como Hatcher lhe tinha dito.

“Estamos unidos pela inteligência, Riley Paige.”


CAPÍTULO VINTE

Algum tempo depois, Riley olhou para o carro alugado em que Huang e Creighton saíam da esquadra de polícia.

Quero mesmo fazer isto? Perguntou a si própria antes de entrar no veículo semelhante que o Chefe York providenciara para ela e Bill. Ligou o carro.

“Oh, não Riley,” Disse Bill, observando-a com uma expressão preocupada. “Nem penses nisso.”

“Pensar no quê?” Perguntou Riley.

“Em seguir o Huang e a Creighton.”

“Porque não?”

Bill disse, “São tantas as razões que nem vale a pena enumerá-las. Eles estão aqui para apanhar o Rhodes. Nós estamos aqui para apanhar o Hatcher. Não estamos aqui para perseguir os nossos colegas. No que é que estás a pensar Riley?”

Riley não respondeu de imediato.

“Riley?” Perguntou Bill novamente.

“Olha Bill, ambos sabemos que tentar localizar o Hatcher agora é uma inutilidade.”

“Então em vez disso vais localizar o Rhodes?”

“Não penso que nenhum dos dois esteja de momento na região. Estamos a perder tempo aqui. Eu só quero saber o que é que a Creighton vai fazer, nem que tenha de a seguir por toda a Carolina do Sul. E vou fazer parte desta investigação, quer ela queira, quer não.”

Bill abanou a cabeça.

“Vais fazer com que sejamos despedidos,” Disse ele.

Riley sentiu uma pontada na consciência. Provavelmente Bill tinha razão. E não parecia justo. Mas o seu próprio rumo estava decidido.

“Bill, se não quiseres ir comigo, não faz mal. Deixo-te aqui e podes regressar à esquadra. Depois podes fazer aquilo que bem entenderes.”

“Deixa lá,” Disse Bill com uma nota de resignação na voz. “Vamos fazer as coisas à tua maneira.”

Riley seguiu o carro pela pequena baixa de Worland até uma agradável área residencial. Creighton abrandou o carro, parecendo estar à procura de uma morada. Riley começou a ter um palpite sobre o seu destino.

Está prestes a cometer um grande erro, Pensou Riley.

Talvez Riley a conseguisse impedir de o fazer. Caso contrário, talvez pudesse fazer algum controlo de danos.

Entretanto, algo perturbava Riley em relação à cena do crime. Algo não fazia sentido. Não que tivesse qualquer razão para crer que as ações de Orin Rhodes fizessem algum sentido. Mas ainda assim, havia algo de errado na forma como ele deixara as coisas.

Como se tivesse deixado algo inacabado, Pensou.

Não conseguia chegar ao cerne da questão.

Creighton estacionou o carro em frente a uma adorável casa de dois andares com paredes em estuque. Riley estacionou alguns carros atrás dela.

“Podes esperar por mim aqui se quiseres Bill,” Disse Riley.

Bill abanou a cabeça.

“Não, tenho uma ideia do que se está a passar. Vou contigo.”

Quando ambos saíram do carro, Emily Creighton encostou o seu carro à espera deles. Não parecia nada satisfeita por ver Riley. Craig Huang estava por perto, olhando para outra direção como se não quisesse estar ali.

“Não pensavam que me seguiam sem eu dar por isso, pois não?” Disparou Creighton.

“Na, só pensei que nos podíamos juntar para dar uma ajudinha,” Respondeu Riley com um sorriso.

Creighton cruzou os braços e olhou para Riley.

“Nem sabem o que é que eu e o Huang estamos aqui a fazer,” Disse ela.

“Oh, parece-me que sei,” Disse Riley. “E deixa-me explicar-te porque é que é uma má ideia...”

“Poupe-me, Agente Paige,” Disse Creighton. “Sei o que estou a fazer.”

Huang olhou para Riley e encolheu os ombros desconfortavelmente, não parecendo tão confiante quanto a sua parceira. Apesar disso, seguiu Creighton pelo passeio até à casa. Riley e Bill seguiram no seu encalço. Riley sabia que não havia maneira de Creighton os impedir de se juntarem a ela, não sem fazer uma cena.

Uma mulher de quarenta e tal anos e aspeto preocupado abriu a porta.

“É a Sra. Steadman?” Perguntou Creighton.

“Sim, sou Cheryl Steadman,” Disse, parecendo um pouco surpreendida.

“O seu marido está em casa?”

“Sim.”

Agora Riley sabia que o seu palpite estava certo. Creighton estava ali para falar com os parentes mais próximos de Kirby Steadman. No que dizia respeito a Riley, era uma péssima ideia que não podia resultar em nada de positivo. A polícia local já lhes tinha fornecido a transcrição e gravação da sua própria entrevista e Riley tinha a certeza de que não havia qualquer relação entre esta família desafortunada e o assassino.

Creighton e Huang mostraram o distintivo.

“Sou a Agente Emily Creighton do FBI. Este é o meu colega, o Agente Craig Huang.”

De forma propositada, não apresentou Bill e Riley.

“Podemos entrar e falar consigo e com o seu marido?” Perguntou Creighton.

“Isto é mesmo necessário?” Perguntou Cheryl Steadman. “O Gilbert está a ter muita dificuldade em aceitar a morte do pai.” Engoliu em seco e acrescentou, “Agora, acima de tudo.”

“Só queremos fazer algumas perguntas,” Disse Creighton.

Cheryl Steadman soluçou e disse, “Já respondemos a tantas.”

Depois abriu a porta e convidou os quatro agentes a entrar. Conduziu-os a uma sala de estar onde Gilbert Steadman olhava fixamente para a lareira. A chama já quase se extinguira mas Steadman não mostrava interesse em espevitá-la.

Riley reparou numa fita difusa, um brilho aqui e ali. Percebeu que os Steadman tinham retirado à pressa todas as decorações de Natal.

Tal como a mulher, Steadman parecia ter quase cinquenta anos. Riley percebeu de imediato a incrível parecença entre ele e a vítima das fotos da cena do crime. Ambos os homens eram altos, magros e musculados.

“Gilbert, estas pessoas são do FBI,” Disse Cheryl Steadman. “Querem fazer algumas perguntas.”

Com um gesto, a mulher convidou os quatro agentes a sentarem-se.

“Lamentamos muito a sua perda, Sr. Steadman,” Disse Creighton.

Gilbert Steadman assentiu.

“O que é que descobriram?” Perguntou numa voz tremente. “A polícia não nos disse grande coisa.”

“Esperamos que nos possa ajudar, Sr. Steadman,” Disse Creighton, tentando soar compreensiva e preocupada. Riley não a considerou nada convincente e tinha a certeza de que os Steadman também não.

“Não sei como,” Disse Steadman. “Não tenho nada para lhe dizer. O pai era viúvo, um diretor de escola reformado. Não tinha um único inimigo no mundo. Gostava de pescar, por amor de Deus. Era o que estava a fazer quando...”

A voz de Steadman sufocou antes de conseguir terminar a frase.

Creighton disse, “Sr. Steadman, cremos que o seu pai tenha sido morto por um certo Orin Rhodes. O nome diz-lhe alguma coisa?”

Steadman abanou a cabeça negativamente.

“E a si?” Perguntou Creighton à mulher.

“Não,” Disse Cheryl Steadman.

“Demorem o tempo que for preciso,” Disse Creighton. “Orin Rhodes acabou de cumprir uma pena de dezasseis anos de prisão em Sing Sing por ter morto seis pessoas. Veio para a Carolina do Sul para matar o seu pai. Devia ter alguma razão. O seu pai já tinha passado alguma temporada em Nova Iorque?”

Riley inquietou-se e Bill olhou para ela preocupado. As coisas estavam a correr da forma que ambos haviam previsto.

Os olhos de Steadman percorreram os agentes, tentando compreender o que se estava a passar.

“Não,” Disse. “Ele nasceu e foi criado aqui, quase nunca saiu da região. Onde é que quer chegar?”

A expressão de Creighton era mais dura agora. Huang, que não dissera uma palavra até ao momento, começava a aparentar algum desassossego.

“Preciso que pensem... ambos,” Disse Creighton. “ele deve ter dito alguma coisa...”

“Mas não disse,” Disparou Steadman, começando a parecer furioso.

Riley não conseguia perceber pela expressão de Creighton que estava a preparar-se para fazer perguntas ainda mais duras. Não podia deixar isso suceder.

Riley falou num tom firme, “Sr. e Sra. Steadman, muito obrigada pelo vosso tempo. Não temos mais perguntas a fazer.”

Creighton parecia mal conseguir acreditar no que ouvia. Em contraste, Huang parecia aliviado. Riley calculou que estava farto da arrogância da parceira.

Creighton começou a protestar. “Agente Paige...”

Huang interrompeu-a, “Penso que terminámos mesmo por aqui.”

Riley sobrepôs-se a Creighton e repetiu, “Não temos mais perguntas.”

Creighton ignorou o parceiro, mas olhou Riley nos olhos.

Riley disse firmemente, “Agente Creighton, vamos falar lá fora.”

Huang despediu-se da família e saiu. Riley e Bill seguiram-no e Creighton apareceu atrás deles.

Quando os quatro agentes saíram da casa e caminhavam em direção aos seus veículos, Creighton estava completamente furiosa.

“O que é que se passou ali?” Perguntou Creighton.

“Eu digo-lhe o que é que se passou ali,” Disse Riley. “Acabei de lhe salvar o coiro. Estava a preparar-se para importunar um filho e a mulher por nenhum motivo.”

“Eu sei o que estava a fazer,” Disse Creighton. “Ou aquele homem estava a ter dificuldade em se lembrar ou...”

“Ou o o quê?” Disse Riley. “Estava a mentir?”

Creighton acenou lentamente com a cabeça.

“Sim, talvez estivesse. Faz sentido, não faz? Está a tentar proteger a memória do pai. Há um segredo na família que não quer que ninguém saiba. Acabou de saber de algo. Tinha que haver uma razão para o Orin Rhodes vir até aqui e matar este homem em específico. Tinha que haver um motivo.”

Riley mal conseguia evitar gritar.

“Não havia motivo! Foi algo sem significado! É assim que o Rhodes opera. Ele mata aleatoriamente.”

Creighton e Riley ficaram a olhar uma para a outra em silêncio durante alguns momentos. Bill e Huang pareciam extremamente desconfortáveis mas mantiveram o silêncio.

Tentando acalmar-se Riley disse, “Agente Creighton, se eu a deixasse esticar-se, teria acontecido um desastre. Fariam uma queixa com toda a certeza.”

O rosto de Creighton estava vermelho e tremia de raiva.

“Oh, vai com certeza haver uma queixa,” Disse ela com os dentes cerrados.

Creighton pegou no telemóvel e começou a marcar um número. Riley sabia que ela estava a ligar para Walder para lhe dizer que Riley tinha interferido na sua investigação. E naturalmente, Walder ia acreditar nela.

Não lhe apetecia ficar a ouvir e começou a caminhar na direção do carro.

“Agora é que vão ser elas,” Disse Bill ao caminhar a seu lado.

“E eu não sei?” Disse Riley. Sabia que teria notícias sobre aquilo em breve.


CAPÍTULO VINTE E UM

Riley temia o que a esperava quando ela e Bill se dirigiram para a sala de conferências na manhã seguinte.

“Prepara-te,” Disse Riley ao parceiro. “Isto vai ser uma reunião espinhosa.”

“Eu sei,” Disse Bill com um suspiro. “Ultimamente também não tivemos reuniões fáceis.”

Pouco depois de Creighton fazer a sua queixa na tarde anterior, Walder tinha ordenado a Bill e Riley que voassem de imediato de regresso a Quantico. Riley não tinha dormido muito na noite anterior. Foi mantida acordada pela possibilidade de no dia seguinte já não ter trabalho. Quando conseguiu dormir, foi atormentada por sonhos familiares. Ainda se lembrava de vislumbrar uma chama na escuridão. Tentou concentrar-se, limpar os seus pemnsamentos. Agora não tinha tempo para lidar com velhos pesadelos.

Quando chegaram à sala de conferências, Riley viu de imediato o que a esperava. Walder estava sentado sozinho na ponta da comprida mesa. No grande ecrã atrás dele estava uma impressionante apresentação multimédia. O Técnico Sam Flores estava sentado num dos lados a controlar as imagens.

Meredith estava ausente. Riley de imediato calculou que Walder tinha puxado os galões para garantir que Riley não tinha aliados presentes, exceto o seu parceiro. E Riley sentia-se cada vez mais culpada por ter envolvido Bill naquela trapalhada. Mas é claro que ele estivera com ela durante todo aquele fiasco na Carolina do Sul. E culpada ou não, ela estava grata por ele estar ali agora.

“Sentem-se,” Disse Walder.

Riley e Bill sentaram-se sem dizer uma palavra. Walder também não falou de imediato. Era óbvio que queria que Riley absorvesse parte da apresentação.

Era enorme, mudando constantemente de imagens, novas histórias, postagens de blogues e vídeos – tudo relacionado com a fuga de Hatcher e o fracasso do FBI em apanhá-lo.

“Nova Iorque vive em terror devido a prisioneiro em fuga,” Lia-se num título.

“’Shane the Chain’ à solta e perigoso,” Dizia outro.

“Polícia local e FBI indefesos contra fugitivo assassino,” Outro ainda dizia.

Vários vídeos de notícias televisivas passavam, incluindo um que mostrava polícias a fazer buscas no campo com cães pisteiros.

Havia fotos sensacionalistas de tablóides do corpo de Smokey Moran embrulhado em correntes. Outras fotos mostravam um homem de aspeto robusto que Riley não reconheceu. Um dos títulos dizia, “Condutor de entregas de Sing Sing desaparecido e presume-se morto.” Era, claro, o homem desaparecido que conduzira a carrinha em que Hatcher fugira.

No meio de tudo aquilo, um relógio digital mostrava o tempo a passar em microssegundos... 19:13.80... 81... 82... 83...

Riley não precisava que lhe dissessem que o relógio contava o tempo que passara desde que o prazo dado para apanhar Hatcher tinha terminado. Walder queria que ela tivesse a noção de cada segundo que passava.

“É óbvio que temos alguns assuntos a discutir,” Disse Walder num tom irónico. “Pedi à Agente Creighton para se juntar a nós.”

Durante alguns instantes, Riley interrogou-se a que se referia. Teria a Agente Creighton vindo para Quantico nas primeiras horas da manhã?

Mas não, o rosto de Creighton apareceu subitamente no centro da apresentação. A reunião era, na verdade, uma chamada de vídeo-conferência.

Riley reparou que Craig Huang não estava incluído na chamada e não ficou surpreendida. Ela lembrava-se das palavras de concordância de Huang quando Riley terminou a famigerada conversa com os Steadman.

“Não temos mais perguntas.”

Ele fora razoável. Ele apoiara Riley. Tal como Meredith, estava excluído da reunião. O mais certo era Huang não estar em sarilhos como Riley, mas estava a ser controlado.

Walder girou a cadeira para encarar o ecrã.

“Agente Creighton,” Disse Walder, “Gostaria que informasse os agentes Paige e Jeffreys do que me reportou ontem.”

Creighton mal conseguia esconder um mal contido sorriso de satisfação.

“A Agente Paige e o parceiro forçaram a entrada numa entrevista,” Disse ela. “Eu e o Craig Huang estávamos a fazer perguntas a Gilbert e Cheryl Steadman, o filho e a nora do pescador assassinado na sua casa. O casal estava a esconder alguma coisa, tenho a certeza. Sabiam alguma coisa sobre Orin Rhodes. E se a Agente Paige me tivesse deixado fazer mais algumas perguntas...”

Bill interrompeu-a com voz irada.

“Espere lá. Eu estava lá. Vi o que se estava a passar. A Agente Paige tomou a decisão correta. A conversa não ia a lado nenhum. Os Steadman nunca ouviram falar de Orin Rhodes até àquele dia.”

Riley queria acalmá-lo mas sabia que não levaria a lado nenhum.

“A sério?” Perguntou Walder, debruçando-se sobre a mesa na direção de Bill. “E como é que sabe disso?”

“Simplesmente sei!” Disse Bill. “A Agente Paige e eu temos três décadas de experiência juntos. Sabemos o que fazemos. Os nossos instintos são sólidos e a nossa opinião segura. Os Agentes Huang e Creighton eram apenas miúdos quando nós entrámos no FBI. E sinceramente, a Agente Creighton está a agir como uma criança neste momento – uma amadora.”

Estava a ser cada vez mais difícil para Creighton esconder a sua soberba.

Disse, “Talvez tenha razão, Agente Jeffreys – quero dizer, sobre os Steadman. Mas agora nunca saberemos, pois não? Tentámos recomeçar onde tínhamos ficado mas agora não falam connosco. Qual era o problema de me terem deixado fazer algumas perguntas?”

Bill passou-se, “Estava a causar um desagrado desnecessário a um filho de luto e à mulher. Estava à beira de os tratar como criminosos. E se a Agente Paige não tivesse posto um ponto final naquilo, ia começar a acusá-los de estarem a mentir.”

Walder olhou para Riley e para Bill.

“A decisão era da Creighton, não vossa,” Disse ele. “Não tinham sequer que estar presentes.” Virando-se para o ecrã, acrescentou, “Agente Creighton, quero que você e o Huang fiquem na Carolina do Sul. Vejam se conseguem que mais alguém fale. Se os Steadman têm segredos, alguém na cidade terá conhecimento deles – amigos, família ou vizinhos.”

“Vamos começar já a trabalhar nisso,” Disse Creighton.

“Obrigado, Agente Creighton. É tudo por agora.”

“Sim, senhor,” Disse Creighton, irradiando prazer ao desaparecer do ecrã.

Walder agora virou toda a sua indignação contra Riley.

“Agente Paige, é preciso lembrar-lhe que tem um prazo a cumprir? Neste momento, está quase vinte e quatro horas atrasada. Enviei-a para a Carolina do Sul para apanhar Shane Hatcher. Desperdiçou a sua oportunidade. Deus sabe onde estará agora. Em que é que estava a pensar?”

Riley sentiu o seu rosto enrubescer de humilhação e fúria.

Disse, “Estou a pensar que Orin Rhodes sentiu o sabor do sangue pela primeira vez em dezasseis anos,” Disse com a voz a tremer. “E começa a lembrar-se do quanto gosta dele. Está ansioso para repetir a proeza. E você tem dois novatos a perseguir as próprias caudas em vez de o apanharem. Temos que estar todos juntos nisto. Vamos precisar de toda a equipa para o capturar.”

Walder abanou a cabeça.

“Agente Paige, se estivesse distraído, diria que está em conluio com o Hatcher.”

A paciência de Riley esgotara-se. Estava à beira de começar a praguejar. Bill impediu-a de o fazer com uma cotovelada.

Ela respirou fundo e calou-se durante alguns instantes. Depois pegou no distintivo e na arma e colocou-os em cima da mesa.

“Aqui tem,” Disse ela a Walder. “Presumo que seja isto o que pretende.”

Walder parecia estar a tentar conter o riso.

“Isso é seu, Agente Paige,” Disse. “Vai precisar de ambos, pelo menos por agora. Vou dar-lhe a oportunidade de se redimir.”

Redimir-me! Riley sufocou a vontade de proferir obscenidades.

Walder prosseguiu, “Você e o Agente Jeffreys vão atrás do Hatcher – a sério desta vez. A primeira coisa que têm que saber é onde é que ele está. Chegando a essa conclusão, dirigem-se ao local e prendem-no, de uma vez por todas.”

Depois, após uma pausa, Walder disse, “É tudo. Espero resultados hoje ao final do dia.”

Durante um momento, Walder ficou ali com um ar zombeteiro estampado no rosto sardento.

Depois acrescentou, “Ah... e Feliz Ano Novo.”

Riley e Bill levantaram-se e saíram da sala de reuniões.

“Bill, peço desculpa por te implicar no meu problema,” Disse Riley.

Bill riu.

“Ei, tudo bem. Um destes dias, vou ser eu o elo mais fraco e podes retribuir o favor.”

Riley também se riu.

“Para além disso,” Acrescentou Bill, “tens razão e aquele filho da mãe com cara de menino e a sua protegida estão errados. Ambos sabemos isso muito bem.”

Riley sentiu invadir-se de emoção ao caminhar ao lado de Bill. Não tinha palavras para descrever a sua gratidão pela sua constante lealdade.

“Já tomaste o pequeno-almoço?” Perguntou Bill. “Talvez pudéssemos ir comer a algum lugar, conversarmos sobre o que faremos de seguida.”

Riley abanou a cabeça.

“Acho que preciso de uma hora sozinha,” Disse. “Tenho que limpar a minha cabeça e pensar sobre o nosso próximo passo. Estou no meu gabiente se precisares de mim.”

Ela e Bill depediram-se, e ela foi diretamente para o seu gabinete. Em cina da sua secretária estava um envelope da FedEx. A morada do remetente era da Carolina do Sul. O nome do remetente era “S. H. Friend.”

Riley nem queria acreditar. Soube de imediato que a encomenda era de Shane Hatcher.


CAPÍTULO VINTE E DOIS

Riley ficou a olhar para o envelope, momentaneamente paralisada de indecisão. Tinha a certeza de que era de Shane Hatcher e podia conter pistas da sua localização. Pensou que o deveria abrir talvez na presença de outro agente e listá-lo como prova. Mas não queria esperar. E definitivamente não queria mostrar o conteúdo ao Walder, pelo menos não até saber de que se tratava.

Também sabia que estava muito mais em causa do que meros procedimentos. Abrir aquele pacote e guardá-lo para si poderia empurrá-la para um limiar perigoso que ainda não conseguia abarcar. Mas não conseguia imaginar mostrá-lo agora a Walder. Poderia ser a atitude profissional a tomar, mas nem sequer era opção.

Com as mãos a tremer, abriu o envelope.

No interior, encontrou três coisas – um envelope manila selado, um envelope branco de carta e uma fotografia grande. A foto era uma imagem de um robusto homem sorridente sentado numa praia. Impecavelmente escrita na foto estava a data – anteontem – seguida de uma curta mensagem.

Wade Rosone envia os seus melhores cumprimentos de ...? Como diz a canção, “Não podemos fazer velhos amigos.”

Riley reconheceu o rosto de imediato. Acabara de ver a fotografia daquele homem na apresentação multimédia de Walder. Wade Rosone era o condutor da carrinha de livros que estava desaparecido e presumivelmente morto.

Então Hatcher não o tinha matado. A foto e a mensagem forneceram a Riley uma ideia bastante clara do que tinha acontecido. Wade Rosone fora um “velho amigo” e um cúmplice disposto a ajudar Hatcher na sua fuga. Hatcher tinha-o recompensado com um agradável retiro num paraíso tropical.

Riley não fazia ideia de onde viera o dinheiro. Mas Hatcher não tinha agido como alguém que não tinha onde cair morto. Agora parecia provável que tivesse acumulado uma fortuna ilícita ao longo dos anos. Ocorreu-lhe que seria um investidor inteligente e que poderia manter contas bancárias escondidas mesmo estando na prisão.

Nunca vou descobrir todos os seus segredos, Pensou Riley.

A pergunta era, será que queria?

De seguida, abriu o envelope manila. Continha uma pequena nota escrita à mão, presa por um anzol colorido ligado a um pedaço curto de linha. A nota dizia:

Dedicado a Riley Paige... Ainda agora estou a começar.

Riley conseguiu perceber de imediato que a letra não era de Hatcher. Pensou por que seria. E o que significaria o anzol?

Então algo começou a fazer sentido. Lembrou-se de como a intrigara a sensação de que Rhodes deixara a cena do crime estranhamente incompleta.

Agora compreendia. Rhodes tinha deixado aquele bilhete preso ao anzol no corpo de Kirby Steadman. Mas quando Hatcher chegou à cena pouco depois, retirara a mensagem. E aqui estava por fim o bilhete e o anzol – recordações sombrias enviadas a Riley pelo próprio Hatcher.

Mas porquê? Interrogou-se Riley.

Não fazia sentido. Hatcher dissera-lhe que fugira unicamente para a ajudar a parar Rhodes. Fora útil manter aquela nota escondida até àquele momento? Aliás, parecia o oposto de útil. Era como se Hatcher estivesse a brincar com Riley, a jogar algum tipo de jogo com ela.

Abriu o envelope mais pequeno, Nele estava uma mensagem escrita pelo punho de Hatcher.

Algo está escondido no quarto que nunca vê a luz do sol.

Espreita dentro da Cela.

E pergunta sempre a ti própria...

“Já sou? Ou estou a tornar-me?”

Riley suspirou desiludida. Hatcher estava novamente a comunicar através de enigmas. Mas as últimas palavras pareciam especialmente pessoais, crípticas e perturbadoras.

“Já sou? Ou estou a tornar-me?”

Não sabia como responder.


CAPÍTULO VINTE E TRÊS

Um pouco mais tarde, Riley e Bill já se encontravam novamente no avião do FBI rumo a Nova Iorque. Apenas Riley sabia porquê.

Depois de ler a mensagem de Hatcher algumas vezes, pensou compreender pelo menos parte do que significava. Com certeza que o “quarto que nunca via a luz do sol” e a “Cela” se referiam à cela de Rhodes em Sing Sing. Hatcher parecia estar a dizer a Riley que ali encontraria alguma pista vital. Por isso era para lá que Riley se devia dirigir.

É claro que não podia contar nada do pacote a Walder. E dizer a Bill apenas o colocaria em risco. Por isso convencera Walder de que ela e Bill tinham que regressar a Sing Sing para investigar a fuga de Hatcher. Walder tinha providenciado o avião de imediato.

Riley estava grata a Bill por não lhe fazer perguntas.

Quando atingiram a velocidade de cruzeiro, Riley abriu o seu portátil e ligou a April para uma vídeo chamada. April atendeu, parecendo ainda mais irritada do que anteriormente.

“Só queria saber se estava tudo bem,” Disse Riley. “Já não falamos há um ou dois dias.”

April revirou os olhos. “Sim, bem, acho que deves saber que é véspera de Ano Novo. Não vais aparecer?”

“Desculpa querida, mas não posso. Estou num avião neste momento e vou estar fora do estado.”

“Pois, bem, isto está a tornar-se cada vez mais insuportável.”

“O teu pai voltou a visitar-te?” Perguntou Riley.

“Sim. Vem todos os dias.”

Riley não sabia bem o que pensar a esse respeito. Finalmente, Ryan demonstrava verdadeira devoção paternal. Mas seria uma boa ideia ele aparecer na casa segura todos os dias? E se alguém o estivesse a vigiar? Riley pensou que talvez devesse entrar em contacto com ele e avisá-lo acerca dos possíveis perigos. Por outro lado, as suas visitas estariam a ajudar April a ultrapassar aquele momento.

“O pai disse que aparecia hoje,” Continuou April. “Mas depois vai a uma festa.”

“April, eu sei que isto é injusto para ti.”

April desabafou, “Mãe, se eu não sair daqui em breve, vou dar em doida. Não me interpretes mal, mas estou tão farta. Sinto que não consigo respirar.”

“Tens que ser paciente só por mais algum tempo,” Disse Riley.

“Por quanto tempo mais?” Perguntou April.

“O tempo que for necessário,” Disse Riley. E ficou alarmada com a nota de impaciência que pressentiu na sua própria voz.

April calou-se durante alguns instantes, depois disse, “Então estás num avião?”

“Sim.”

“A caminho de apanhar um tipo mau?”

“Estou a caminho da prisão de Sing Sing à procura de pistas.”

O rosto de April estava a ficar cada vez mais soturno. Agora parecia furiosa.

“Com que então uma prisão? Bem, reserva-me aí um quarto, OK? Deve ser melhor que este lugar. Quero dizer, desde que nunca mais volte para casa...”

“April, isso não é justo. Eu estou a fazer tudo o que posso...”

Mas April não deu a Riley a hipótese de falar mais.

“Adeus, mãe,” Disse. E terminou a chamada.

Riley ficou sentada a olhar para o monitor do computador. De repente, ouviu a voz de Bill.

“Problemas com a miúda?”

Riley olhou para onde Bill estava sentado. Estivera a espreitar o seu próprio portátil. Riley abanou a cabeça.

“Não posso dizer que a censure,” Disse ela. “Ela não pediu nada disto.”

“A culpa não é tua,” Disse Bill com um caloroso sorriso de preocupação.

Riley não respondeu. Não conseguia evitar pensar que Bill estava errado. Deveria ter sido possível ela ter feito algo para proteger April daquela terrível situação.

Mesmo assim, sorriu a Bill. A sua empatia era muito importante para ela – sobretudo numa altura como aquela. Mais uma vez, sentiu-se grata por ele fazer parte da sua vida.

Mas também sentiu uma pontada de culpa. Apesar de Bill não o ter dito, Riley tinha a certeza que ele sabia que ela não lhe estava a contar tudo. E mesmo assim, ali estava ele, ao seu lado como sempre, nunca a pressionando.

Subitamente, sentiu uma necessidade urgente de mudar isso.

“Bill, quero dizer-te...”

Mas Bill silenciou-a levando um dedo aos seus lábios.

“Shh,” Disse ele. “Não é preciso.”

Depois voltou a sua atenção para o computador.

Riley sentiu-se estranhamente sem fôlego, como se esmagada pelo peso da lealdade de Bill. Ao estar ali sentada a vê-lo a trabalhar, recordou-se do último ano quando a April caiu nas mãos de Joel Lambert. Bill também estivera a seu lado. E fizera-lhe um favor que desde então perturbava a sua consciência.

Ela lembrava-se daquele momento fatídico quando ela e Bill tinham encontrado April drogada num quarto sórdido com Joel e um repulsivo homem pronto a ter relações com ela. Riley tinha implorado a Bill com um simples olhar que a deixasse a sós com Joel.

Com um simples aceno de cabeça, Bill tinha algemado o homem e abandonado o quarto. Riley tinha aproveitado a oportunidade de ferir Joel gratuitamente. A mão do jovem nunca mais seria a mesma.

Ninguém sabia o que havia acontecido, exceto Joel, cuja palavra nada significava, e Bill. Seria terrível se alguém da UAC descobrisse. Mas ela sabia – simplesmente sabia – que podia confiar o segredo a Bill durante toda a sua vida.

Pensou se faria o mesmo por Bill numa situação semelhante?

Era uma pergunta ridícula. Ela sabia que sim, sem pensar duas vezes.

Mas fora a atitude certa a tomar da parte dele? Não – não se pensarmos na ética e nas regras. Quereria isto dizer que ao exigir a lealdade de Bill, Riley tinha manchado a sua integridade para sempre?

A lealdade assume formas bem obscuras, Percebeu.

A lealdade por vezes também tinha um terrível custo pessoal.

Afastou-se de Bill e fechou os olhos. Começou outra vez a pensar no enigma de Hatcher.

E pergunta-te sempre... “Já sou? Ou estou a tornar-me?”

Ainda não sabia o significado das palavras, mas não tinha dúvidas de que estavam repletas de significado. Ela também pressentiu que o seu significado se tornaria tremendamente claro com alguma espécie de auto-revelação.

E depois a citação da canção:

“Não se podem fazer velhos amigos.”

Era assim que Hatcher começava a ver Riley – como uma velha amiga, tal como Wade Rosone, ligados por laços de lealdade selvagem e amoral?

E teria ele razão?

Riley tentou forçar tais pensamentos na sua mente.

A tua cabeça tem que entrar no jogo, Disse a si própria.

Ela e Bill chegariam em breve a Sing Sing. Riley ainda não fazia ideia do que lá encontraria. Esperava ser algo que a levasse até Orin Rhodes, o criminoso de que ela nem se devia estar a ocupar.


CAPÍTULO VINTE E QUATRO

Riley percebeu de imediato que o Guarda Capitão Garth Pyle não gostava dela assim que ela e Bill entraram no seu gabinete em Sing Sing. Riley não sabia porquê, mas tinha um pressentimento que o iria descobrir em breve. Era um homem de aspeto portentoso e com uma voz grave.

“Agente Riley Paige, não é verdade?” Grunhiu Pyle depois de ela e Bill se apresentarem. Riley detetou um sorriso desdenhoso nos seus lábios.

“Presumo que já ouviu falar de mim,” Disse Riley.

“Oh, sim. É a amiga do Shane Hatcher. Toda a gente aqui sabe das suas pequenas visitas. Diga-me, o que anda a fazer o Hatcher? Vocês mantêm o contacto?”

Riley sentiu-se picada. É claro que as palavras eram sarcásticas. Agora Riley compreendia o sentimento de hostilidade que ele lhe transmitia.O facto de ter estado em contacto com um prisioneiro agora fugido não a tornava querida aos olhos do pessoal da prisão.

Não podia propriamente censurar Pyle por ver as coisas naquela perspetiva. Mas as suas palavras estavam mais próximas da verdade do que ele poderia imaginar. Não podia dizer que estivera em contacto com Hatcher. Ele tinha comunicado com ela em Syracuse, mas não era possível explicar isso ao capitão. E não queria mencionar que Hatcher lhe tinha telefonado e lhe tinha enviado material que a tinha direcionado para aquele preciso local.

Riley disse, “Na verdade, hoje estou mais interessada em Orin Rhodes.”

As sobrancelhas de Pyle ergueram-se, revelando a sua surpresa.

“O tipo que foi libertado há cerca de uma semana?” Perguntou. “Não sei porquê. Era bem comportado, não criava problemas. A última vez que soube dele, ia a caminho da sua cidade natal.”

Riley estava contente por ele ainda não saber do caso Rhodes. Já era suficientemente mau o Hatcher estar a ter tanta publicidade.

“Mas não apareceu por lá,” Disse Bill. “Matou um homem na Carolina do Sul. Matou-o lentamente, meteu-lhe dezanove balas no corpo.”

“E antes disso, atacou a minha filha na nossa casa,” Acrescentou Riley. “E agora não vai parar. Ainda está a monte.”

Pyle parecia ter sido verdadeiramente apanhado de surpresa.

“Bem, que raios,” Disse ele. “Não tinha conhecimento de nada disso. Nunca o julguei capaz disso.”

“Gostava de ver a cela dele,” Disse Riley.

Pyle encolheu os ombros.

“Para quê?” Disse. “Ele levou todos os seus pertences quando se foi embora. Se se tivesse esquecido de alguma coisa, o pessoal já se teria visto livre disso. Agora está lá outro prisioneiro.”

Riley não respondeu e o homem finalmente disse,”Mas se é o que quer, tudo bem. Só não esteja à espera de uma receção calorosa.”

Riley e Bill seguiram Pyle por um labirinto de portões e corredores. Por fim, chegaram a um bloco de celas. Estava alinhado de um lado com janelas altas. Do outro lado perfilava-se uma vista espantosa que deixou Riley sem fôlego – um penhasco de celas, uma fila em cima da outra a erguerem-se a partir do piso térreo.

Ao caminharem por elas, Riley percebeu que as celas eram minúsculas, com espaço para apenas um prisioneiro. Cada cela tinha uma cama, sanita, lavatório e armário. Algumas tinham muitos pertences enquanto outras estavam praticamente vazias. Alguns prisioneiros tinham pendurado toalhas nas grades para terem alguma privacidade. Riley não conseguiu evitar pensar que as celas pareciam gaiolas para animais.

Como se para evitar alguma compaixão indevida, os homens daquelas celas agiam como animais naquele momento. Ao avistarem uma mulher, libertavam uma torrente de obscenidades e vaias, e braços tateantes tentavam ultrapassar as grades.

“Estás bem?” Perguntou Bill preocupado ao ver Riley fintar aqueles braços.

“Ótima,” Disse Riley.

“Estes tipos têm sorte de não terem cá estado quando a prisão abriu em 1828,” Disse Pyle, sobrepondo-se à confusão. “O silêncio total era obrigatório. Se abrissem a boca, podiam levar uma tareia com um chicote de várias pontas.”

A imgem atingiu Riley acompanhada de uma memória perturbadora. No ano passado, apanhara um psicopata que torturava mulheres cativas com um chicote de várias pontas. Lembrava-se do confronto final com ele na escuridão total e como ele a atingira no rosto com o chicote. Ainda tinha uma ligeira cicatriz.

Acorda, Disse a si própria. Estás aqui para fazer um trabalho.

Um jovem guarda dirigiu-se a Riley, Bill e Pyle.

“Bem, aqui está um rosto familiar,” Disse ele, olhando para Riley com um sorriso estranho.

“De que é que estás a falar, Finney?” Perguntou Pyle.

“Pergunte-lhe a ela,” Disse o guarda.

Riley não fazia ideia do que o guarda queria dizer.

O guarda olhou atentamente para ela e disse, “Não era namorada do Orin Rhodes ou qualquer coisa do género?”

Riley ficou surpreendida.

“O que é que quer dizer?” Perguntou ela.

“Bem, o Rhodes tinha várias fotografias suas na parede da sua cela,” Disse o guarda. Quase um altar. Logo ali entre as bíblias e livros religiosos e imagens de Jesus.”

Agora Riley sentiu-se ligeiramente agoniada. Ela sabia que o “altar” de Rhodes fora de ódio e vingança. Fora por isso que Hatcher a conduzira até ali – para descobrir a dimensão da obsessão de Rhodes por ela? Não, tinha que haver algo mais.

Pyle disse ao guarda, “Esta é a Agente do FBI Riley Paige.”

Subitamente, a expressão do guarda pareceu mais respeitosa.

“Ah, a amiga de Shane the Chain. Isso já é outra coisa.”Depois acrescentou com um sorriso forçado, “Bem, se está aqui para o visitar, receio que não o consiga apanhar. Não avisaram quando estaria de volta. Ou talvez você saiba.”

Um estranho brilho nos olhos do guarda perturbou Riley. Estaria este guarda relacionado com a fuga de Hatcher? Não o teria conseguido sem ajuda de dentro. E a julgar pela recompensa anafada do condutor da carrinha, o Hatcher tinha certamente muito a oferecer a um guarda prisional.

E que tipo de relação é que o guarda pensava que Riley tinha com Hatcher? Sentiu um sabor amargo na boca.

Pyle disse ao guarda, “Paige está aqui para ver a cela de Rhodes.”

“É já ali,” Disse o guarda.

Conduziu Riley, Bill e Pyle a uma cela onde um prisioneiro gigante de barba estava deitado na cama. Não tinha quaisquer pertences.

O guarda disse ao prisioneiro, “Temos uma visita famosa, Hanford. Está aqui a Agente Riley Paige do FBI.”

O prisioneiro sentou-se e olhou para Riley com uma expressão interessada.

“Prazer em conhecê-la,” Disse o prisioneiro. “Shane the Chain só a elogiava.”

Ignorando a observação, Riley espreitou para dentro da cela.

O prisioneiro disse, “Entre para ver melhor.”

Riley olhou para Pyle que lhe retribuiu o olhar cautelosamente. Ela sabia no que é que ele estava a pensar. Deixar uma mulher atraente entrar numa daquelas celas podia ser problemático. Bill também estava claramente desconfortável com a situação.

Mas Riley não estava assustada. E pensou que o melhor seria tirar o máximo partido da situação.

“Deixe-me entrar,” Disse a Pyle.

Pyle encolheu os ombros, de seguida abriu a porta fechada. Recuou, apalpando o seu bastão e a lata de gás pimenta.

O prisioneiro estava contra a parede aos pés da cama, deixando Riley à vontade para ver a cela. Riley mantinha-o sob vigilância quando se agachou para olhar para debaixo da cama. O prisioneiro não fez quaisquer gestos ameaçadores.

Riley fez uma revista rápida ao quarto. Não havia muito para ver. A cela não tinha cantos ou fendas onde algo pudesse estar escondido. Qualquer prova que Orin Rhodes pudesse ter guardado, já ali não se encontrava há muito.

Ainda assim, estava a aprender algo. O enorme prisioneiro estava em posição de sentinela, olhando para ela com uma espécie de assombrado respeito. As suas ligações com Hatcher assumiam ali uma grande importância. Por mais estranho que parecesse, estava tão segura naquela cela com aquele criminoso condenado como na sua própria casa.

Provavelmente mais segura, Pensou, lembrando-se do ataque de Rhodes.

E outra vez se lembrou da letra da canção que Hatcher citava na sua mensagem.

“Não se podem fazer velhos amigos.”

Estremeu ao imaginar o tipo de coisas que Hatcher podia ter contado ao guarda e ao prisioneiro sobre a sua “amizade”.

Saiu da cela e Pyle fechou a porta atrás dela.

“Talvez queira vez a velha cela do Hatcher já que aqui está,” Disse Pyle.

Riley pensou se seria boa ideia.Voltou a pensar na mensagem de Hatcher.

Espreita dentro da Cela.

Ele não se referira a nenhuma cela em específico. Estaria ela a procurar na cela errada? De qualquer das formas, que vantagem tiraria em ver a cela de Hatcher? Naquele momento, já estaria destituída de qualquer possível prova. De certeza que não haveria mais nada para ver.

Depois lembrou-se da outra parte da mensagem.

Algo está escondido no quarto que nunca vê a luz do sol.

E naquele momento, sentiu o sol nas suas costas. Virou-se e olhou para as janelas altas que ficavam de frente para as celas da prisão. Estava um pouco zangada consigo própria. Deveria ter percebido de imediato que a descrição de Hatcher não se adequava àquele lugar. Tinha que pensar de imediato numa nova teoria.

E uma ideia começou a despontar dentro de si.

Virou-se para o guarda Finney.

“De que é que se recorda da cela de Rhodes?” Perguntou-lhe. “Disse que tinha fotografias minhas, bíblias, livros religiosos, imagens de Jesus. Que mais tinha?”

“Nada de interessante,” Disse Finey. “Ele estudava muito por isso tinha sempre bastantes livros.”

A ideia de Riley começava a ganhar forma. Disse a Pyle, “Quero visitar a vossa biblioteca.”

Pyle conduziu-os dos blocos de celas por mais portões e corredores até chegarem à biblioteca da prisão. Era um compratimento único e grande com filas de prateleiras. Riley percebeu de imediato que não tinha janelas.

“Penso que estamos no lugar certo,” Murmourou a Bill.

Mas o lugar certo para quê? O que é que ela devia procurar ali?

Depois lembrou-se de outra coisa presente na nota de Hatcher. Ele tinha escrito, “Espreita dentro da Cela.”

A palavra “cela” tinha letra maiúscula e estava sublinhada. Agora Riley compreendia que Hatcher não se referia a uma cela de prisão nem à biblioteca. Ele referia-se a outra coisa.

“Dá-me um minuto,” Disse Riley a Bill.

Riley caminhou entre as estantes atenta às descrições dos assuntos. Rapidamente deu com a secção marcada como “CIÊNCIA”.

Percorreu a secção e viu os livros. De imediato descobriu um pesado livro intitulado Biologia das Células.

A sua respiração acelerou ao perceber que estava no caminho certo. Tirou o livro da estante e virou algumas páginas. No meio do livro encontrou um pequeno recorte de jornal:

Quarto mobilado.

O aluguer inclui alguma mobília, eletricidade, gás e água.

Cabo/Telefone é extra.

O anúncio incluía um número de telefone.

Foi ter com Bill com o pedaço de papel.

“Já sei Bill,” Disse ela. “Já sei como o encontrar. Só temos que ligar para este número.”

Depois Riley reparou que o bibliotecário estava a olhar para ela. O seu rosto era sinistro como uma ave de rapina. E sorria-lhe. Com um arrepio, Riley pressentiu que ele sabia exatamente o que ela tinha encontrado. Ele sabia que o anúncio estava no livro. Ele estava à espera que ela o viesse procurar.

Onde é que ele encaixa nesta história? Interrogou-se Riley.

A sua mente tentava montar um cenário plausível. Talvez o bibliotecário tivesse reparado no anúncio quando Orin Rhodes devolvera o livro. Depois talvez lá o tivesse deixado e dado conhecimento a Shane Hatcher, sabendo que poderia estar interessado.

Riley dirigiu-se à secretária e olhou para o bibliotecário.

“O que é que sabe?” Perguntou ela.

Ainda a sorrir, o bibliotecário encolheu ligeiramente os ombros.

“Sobre quê?” Perguntou.

“Sobre isto,” Disse Riley, exibindo o pedaço de papel à sua frente.

O bibliotecário parecia estar a divertir-se.

“Nunca tinha visto isso na minha vida,” Disse.

Riley manteve o olhar fixo nele. Ele nem sequer piscou os olhos e continuou a sorrir. Ela sabia que não valia a pena fazer-lhe mais perguntas. Não havia dúvida de que fazia parte da rede de “velhos amigos” de Hatcher. E qual seria a extensão dessa rede?

O condutor fizera parte dela. Riley também suspeitava do guarda Finney e do prisioneiro que ocupava agora a cela de Rhodes. Mas tinha a certeza de que Hatcher tinha muitos mais aliados.

O que a arrepiava acima de tudo era o facto de talvez também ela se estar a tornar num. E talvez o sorriso do bibliotecário fosse de cumplicidade.

Mais uma vez se lembrou do que Hatcher tinha escrito:

E pergunta sempre a ti própria...

“Já sou? Ou estou a tornar-me?”

Essas perguntas perturbavam-na cada vez mais.

“Vem,” Disse ela a Bill. “Vamos tirar isto a limpo.”


CAPÍTULO VINTE E CINCO

Orin Rhodes estava a passar um bom bocado a comer um hambúrguer, a beber uma cerveja e a pensar se alguma das pessoas ali presentes seria a sua próxima vítima. Gostava daquele bar desportivo ruidoso com a sua música alta e várias televisões a transmitir diferentes eventos. Era magnificamente diferente do lugar onde estivera engaiolado durante tantos anos.

Era véspera de Ano Novo e os clientes pareciam estar a preparar uma festa a sério. Deu uma risada. O mais certo era estragar-lhes as festividades.

Poderia a sua próxima vítima ser um dos tipos que jogava bilhar? O empregado do bar tagarela? A jovem junto à jukebox? O homem de aspeto deprimido sentado no bar a embebedar-se a meio do dia? Uma das duas mulheres de meia-idade que conversavam numa mesa próxima?

É claro que não fazia a mínima ideia. E o facto de não fazer ideia extasiava-o. Ele mataria, e provavelmente mataria em breve, mas quem mataria estava completamente fora do seu controle. Deixava isso nas mãos do acaso.

Lembrou-se do seu lema:

O acaso é tudo.

Afinal de contas, ele escolhera o pescador da Carolina do Sul graças ao acaso. E que sensação fantástica matá-lo tão lentamente, sabendo que o homem não fazia a mínima ideia do porquê! Fora delicioso – quase tão delicioso como o hambúrguer XXL que estava a comer naquele momento.

Alguma vez comera um hambúrguer tão bom como aquele? Se tinha, já fora há mais de dezasseis anos e duvidadva que fosse tão bom. Ele queria que a Heidi estivesse ali para saborear um hambúrguer como aquele.Tudo o que fazia era por ela. Até um hambúrguer saboroso fazia de alguma forma parte da sua vingança em seu nome. A liberdade era mais doce do que imaginara, mas a vingança era ainda mais apetitosa.

Ainda assim, ele sabia que teria que refrear os seus apetites. Desde que fora libertado, algumas das habilidades da sua juventude haviam regressado facilmente. Ainda sabia roubar malas, carteiras e carros. Para além de que acabara de roubar uma gorjeta choruda que uma festa de seis deixara numa mesa próxima da sua. Roubou o suficiente para viver, mas não devia gastar demasiado. Tinha investido muito dinheiro na Virginia, pagando a alguém para seguir uma pessoa.

Terminou o hambúrguer, deixou dinheiro para o pagar e uma gorjeta, e foi à casa de banho. Ali parou para se ver ao espelho. Era reconhecível? A pergunta agora fazia todo o sentido. Desde o homicídio na Carolina do Sul que o seu rosto estava nas notícias. Mas essas imagens eram fotos da prisão e apesar de serem recentes, apresentavam-no com uma aparência austera e infeliz.

Agora parecia outro homem. Após uma semana de liberdade, a sua expressão estava relaxada e até feliz. O corte na sua têmpora esquerda curava bem e conseguia escondê-lo com o cabelo.Também pintara o cabelo e deixara crescer a barba.

Ele sabia que tinha um aspeto bastante vulgar, exceto quando acionava o seu considerável charme. A sua aparência era perfeita. Ele conseguia misturar-se em qualquer lugar. Além disso, viajara para longe daquele lago na Carolina do Sul. Ninguém aqui suspeitaria que ele se encontrava no meio deles, apenas à espera da oportunidade que o acaso lhe oferecesse para matar outra presa.

O seu rosto ensombreceu quando pensou em Riley Paige. Como estaria ela a lidar com a sua fuga? O que estaria a fazer naquele momento? Estaria a sentir-se pressionada e culpada por ele estar a matar pessoas inocentes por sua causa? Estaria a ser bem-sucedida em localizá-lo?

Ele deixara alguma informação – ou desinformação – aqui e ali. Lembrava-se da mensagem que deixara presa ao colete do pescador.

Dedicado a Riley Paige... Ainda agora estou a começar.

Teria a mensagem chamado a sua atenção? Agora estava um pouco preocupado. Pelo que sabia, a nota não llhe chegara. Seria possível que os polícias saloios locais fossem tão estúpidos para não saberem quem era Riley Paige?

E se a mensagem lhe tivesse chegado, saberia ela de quem era? Poderia ela pensar que fosse de outro assassino? Talvez ele devesse ter assinado o seu nome. Ou isso estragaria o efeito pretendido?

Agora chegara o momento de decidir. E parecia errado assinar a próxima mensagem. Faria o que fizera anteriormente. Tirou uma folha de papel e escreveu uma mensagem, só para a ter preparada. Desta vez planeava prendê-lo à vítima com um alfinete.

Abandonou a casa de banho e foi diretamente para o exterior. O ar estava agradavelmente quente, uma mudança refrescante do norte distante e frio. Parou logo à saída da porta. Lá estava outra vez – uma estranha sensação de que estava a ser vigiado e seguido. Já tinha aquela sensação há vários dias.

Talvez a Riley Paige? Interrogou-se.

De certeza que não o tinha localizado. Ainda não. E se tivesse, já teria revelado a sua presença. Não, não era ela. Quando ela o encontrasse, ele saberia e estaria preparado para ela.

Decidou que a sensação era apenas fruto da sua imaginação. Tentou esquecer para que se pudesse concentrar no que o acaso lhe trouxesse.

Caminhou na direção do parque de estacionamento, admirando a sua própria escolha de cenário. Escolhera aquele lugar porque era isolado e se estendia ao longo de uma estrada perto de uma pequena cidade. Havia árvores de ambos os lados e a estrada não era muito frequentada. Não havia muitas pessoas por ali a meio do dia, mas ouvia o ruído das televisões e da música atrás dele à medida que caminhava.

O som desvaneceu-se quando entrou no parque de estacionamento em direção ao seu carro. Era um estacionamento de grandes dimensões com apenas alguns carros estacionados junto ao edifício. Ele estacionara no extremo mais distante do estacionamento. Não muito distante do carro dele, encontravam-se alguns carros, provavelmente de funcionários.

Agora que se encontrava a uma distância segura do local, tirou o seu smartphone e marcou dez minutos no cronómetro. Como anteriormente, só mataria a pessoa que passasse naquele intervalo de dez minutos – se alguém o fizesse. Abriu a porta do seu carro usado, tirou a pistola do porta-luvas e colocou-lhe um silenciador. Depois guardou a arma no bolso e ficou fora do carro em pé à espera.

Ainda nem tinha decorrido um minuto quando a porta do bar se abriu e saiu de lá uma mulher. Era uma morena baixa que usava uma saia preta, uma camisa branca e gravata preta – o uniforme usado pelas empregas do bar. Ao aproximar-se, ele reconheceu-a. Era a empregada que lhe tinha servido o hambúrguer e a etiqueta dizia que se chamava Amber. Aparentemente, acabara de sair do trabalho. E caminhava na sua direção.

Perfeito, Pensou.

Ela percorreu o parque de estacionamento em direção a um SUV estacionado junto ao seu carro. Ao abrir a porta da viatura, ele dirigiu-se a ela, chegando mesmo quando ela estava a fechar a porta.

Ele sorriu e acenou como se quisesse fazer uma pergunta. Ela retribuiu o sorriso e baixou o vidro.

“Posso ajudá-lo?” Perguntou ela.

Agora chegara o momento de aplicar o charme que lhe permitira sair da prisão.

“Ei, chamas-te Amber, não é?”

“Como é que sabe?” Perguntou ela.

“Foste tu que me serviste à mesa.”

Ela assentiu, agradada por ele se lembrar dela. “Ah, sim,” Disse ela.

“Eu chamo-me Tony,” Disse ele, lembrando-se de um nome ao acaso.

“Prazer em conhecê-lo Tony,” Respondeu ela. Ela parecia disposta a ser flirtada e era óbvio que tinha simpatizado com ele de imediato.

Ele disse, “Acabei de chegar de Nova Orleães e vou ficar por cá durante alguns dias. Será que me podia sugerir um bom lugar para ficar...”

“Hmm, deixe-me pensar...”

Enquanto a mulher franzia o sobrolho a pensar, Orin olhou na direção do bar. A situação era perfeita. Não havia ninguém à vista e se alguém saísse do bar, estava fora de alcance graças ao SUV estacionado.

Tirou a pistola e recuou para poder fazer pontaria. Disparou um tiro pelo vidro aberto para o centro do abdómen da mulher. O barulho do silenciador era ainda menos audível do que fora no lago.

O corpo da mulher saltou como se tivesse apanhado um agudo choque elétrico. Os seus olhos abriram-se muito e fixaram-se nele. Ela abriu a boca mas não conseguiu falar. Em vez disso, emitiu ruídos estranhos. Orin calculou que a bala tinha atingido o seu diafragma, paralisando a sua respiração.

Orin estava fascinado. Depois da súplica desesperada do velho pescador, esta seria uma experiência completamente diferente. Mas teria que ser rápido para poder disparar as dezoito balas que faltavam enquanto ela ainda estava consciente. Ele queria que ela estivesse plenamente consciente de cada bala.

Ele abriu a porta do condutor para que tivesse todo o corpo à sua disposição. Disparou tiro após tiro para as extremidades, saboreando o olhar de dor e horror silencioso no seu rosto.

Pensou – Teria Riley Paige uma expressão similarmente deliciosa quando chegasse o seu momento de morrer? A morte dela seria a única que ele planearia. Uma vez concluída essa tarefa, estaria livre para matar como quisesse – ou como o acaso quisesse.

Sorriu aquele sorriso encantador ao apontar a arma diretamente para a testa da mulher. O último e fatal tiro. Orin esperava que algures Heidi o estivesse a observar e a gostar do que via tanto como ele estava a gostar de o fazer.


CAPÍTULO VINTE E SEIS

Quando a senhoria deixou Bill e Riley entrar no pequeno apartamento, Riley ficou estarrecida com o que viu. Uma cama estava por fazer, um refrigerante estava numa mesa ao lado de um copo meio cheio e caixas de fast food estavam espalhadas por todo o lado. Parecia que alguém estava ali a viver.

Talvez o Orin Rhodes tenha saído por um bocado, Pensou Riley.

Estariam ela e Bill à beira de o apanhar?

Riley andou pelo apartamento e olhou para o líquido no copo. Uma mosca morta flutuava nele. Não, a bebida estava ali há vários dias.

Riley suspirou. Apanhar Rhodes não ia ser tão fácil como ela esperava.

O apartamento de Filadélfia tinha sido fácil de localizar – talvez demasiado fácil. Riley ligara para o número no anúncio que encontrara no livro na biblioteca. A senhoria, uma senhora idosa chamada Andrea Parisi, atendeu e confirmou que alugara recentemente o apartamento a um homem chamado Orin Rhodes.

Bill ligara de imediata para Quantico. Dissera a Walder que tinham que ir para Filadélfia para verificar uma pista deixada por Shane Hatcher.

Bem, não era completamente falso, Pensou Riley ao recordar-se. Pelo menos, era verdade que Hatcher os tinha conduzido para a pista deixada no livro da biblioteca de Sing Sing.

Ela e Bill tinham ido até lá no avião do FBI. Encontraram-se com a Sra. Parisi, mostraram-lhe uma foto de Rhodes e explicaram-lhe que se tratava de um assassino a monte. Ela rapidamente concordou em deixá-los fazer buscas no apartamento sem um mandado.

“Quando é que o viu pela última vez?” Perguntou Riley enquanto fazia buscas entre as almofadas de um sofá.

“Deixe-me ver,” Disse a Sra. Parisi. “Ele ficou com o quarto na quinta-feira. Por isso pensou que sexta-feira de manhã terá sido a última vez que o vi. Não disse para onde foi. Gostava tanto dele, espero que regresse.”

A mulher parecia ansiosa e mal-humorada.

“Não fazia ideia de que houvesse algo de errado com ele,” Disse a mulher. “Ele era tão agradável e educado. Têm a certeza de que se trata do homem que procuram?”

“Temos a certeza,” Disse Bill, vasculhando o interior de um armário.

“Ele forneceu-lhe algum tipo de identificação?” Perguntou Riley.

“Sim, mostrou-me a carta de condução. Agora que penso melhor, penso que me enganou quanto ao pagamento. Quando lhe pedi um depósito e prova de rendimento, ele prometeu dar-me em poucos dias. Disse que tinha um emprego novo e que seria pago em breve. Pagou em dinheiro por uma semana e pensei que estava tudo bem.”

Riley não o disse, mas suspeitou que a Sra, Parisi tinha sorte em estar viva.

Entretanto, não encontrava nada de interessante e viu que Bill também não. Seria esta viagem um fiasco? Sabendo que Orin Rhodes estivera em Filadélfia na semana passada não lhe dava quaisquer pistas sobre o lugar onde poderia estar naquele momento.

Foi então que lhe ocorreu uma possibilidade.

“Pode verificar o seu correio?” Perguntou à Sra. Parisi.

“Com certeza,” Disse ela. “Levo-os até às caixas de correio.”

Bill e Riley seguiram-na até à entrada do edifício onde se encontravam as filas de caixas de correio metálicas. A Sra. Parisi abriu a do apartamento de Rhodes. E logo se viu no seu interior um envelope que a Sra. Parisi entregou a Riley.

Estava dirigido a Orin Rhodes, escrito cuidadosamente à mão. Não havia morada do remetente. Mas Riley reparou que havia sido enviado de Ossining, Nova Iorque na terça-feira da semana passada.

Riley abriu o envelope e encontrou uma única folha de papel no seu interior. Também manuscrita estava uma curta mensagem.

Ainda bem que gostou da casa da foto. Vai servir bem os seus objetivos. É lá esperado muito em breve.

A nota não estava assinada. Apesar da caligrafia ser intencional e meticulosa, Riley pensou que poderia talvez ser analisada. Mas duvidava que quem a escrevera tivesse deixado impressões digitais.

Bill estava a seu lado a olhar para a nota.

“Parece que alguém arranjou um esconderijo para o Rhodes,” Disse Bill.

Rileu assentiu, concordando. “Encontraste a fotografia de uma casa quando revistaste a casa?” Perguntou a Bill.

“Não encontrei quaisquer fotografias,” Disse Bill.

“Eu também não. Deve tê-la levado com ele. Ou atirado para o lixo.”

Riley ficou um bocado a pensar na carta. Parecia que Orin Rhodes deixara o apartamento antes da carta chegar. Sera que isso queria dizer que Orin Rhodes não fora à casa em questão? E mesmo que tivesse ido, onde ficaria?

“Parece que ele tem um cúmplice,” Disse Bill.

Riley concordou em silêncio. A possibilidade preocupava-a mais do que desejava reconhecer.

Naquele momento, o telefone de Bill tocou. Ele atendeu a chamada e disse a Riley, “E o Walder. Quer falar connosco.”

Bill colocou o telemóvel em alta voz. Walder parecia ainda mais irritado do que o habitual.

“Ocorreu outro homicídio,” Disse Walder. “Na Flórida, numa pequena cidade perto de Jacksonville chamada Apex. Desta vez foi uma mulher, atingida dezanove vezes como Kirby Steadman.”

Bill dirigiu a Riley um olhar interrogativo. Riley sabia em que é que ele estava a pensar. Porque é que o Walder lhes estava a ligar por causa de outro crime de Rhodes? Para Walder, eles estavam atrás de Hatcher e apenas de Hatcher.

“O corpo foi encontrado rapidamente num parque de estacionamento,” Disse Walder. “Mas antes da polícia chegar à cena, receberam outra pista telefónica. De Shane Hatcher.”

Riley e Bill ficaram a olhar um para o outro em silêncio.

Walder parecia mais zangado. “Paige, Jeffreys, penso que estamos a ser enganados. O Hatcher e o Rhodes estão nisto juntos. Estão a matar em equipa – tanto na Carolina do Sul como agora.”

Riley não respondeu. Ela podia provar o contrário e não is discutir com ele ao telefone.

“Vocês deviam ter chegado a esta conclusão.” Disse Walder. “Já deviam ter apanhado o Hatcher. E agora temos outra morte em mãos. Que raio estão a fazer em Filadélfia? Entrem no avião e vão já para Jacksonville. Agentes do departamento local vão estar à vossa espera no aeroporto. E vou enviar a Creighton e o Huang para evitar que vocês lixem ainda mais as coisas do que aquilo que já estão.”

Sem esperar por uma resposta, Walder terminou a chamada.

“Parabéns,” Disse Bill. “Voltaste ao caso Rhodes.”

Riley percebeu a nota de ironia na voz de Bill. Para ela, nunca estivera fora do caso Rhodes.

Pelo menos o Walder está a enviar-me para onde eu quero ir, Pensou.

*

Já era final da tarde quando Riley e Bill regressaram ao avião para fazerem a viagem até Jacksonville. Sentada ao lado de Bill, Riley olhava pela janela para a paisagem exterior.

“Em que é que estás a pensar?” Perguntou Bill.

Riley abanou a cabeça. Ela não queria arrastar Bill para o pântano de problemas em que se estava a meter. Pressentindo isso, Bill deu-lhe uma palmadinha calorosa na mão.

“Ouve, eu sei que estás a fazer algumas coisas fora da borda,” Disse ele. “Eu percebo. E sei que estás a tentar proteger-me. Mas acho que já chega. Nunca somos uma equipa quando começamos a ter segredos.”

Riley sentiu um nó na garganta. Bill era não só o seu parceiro como também o seu melhor amigo. Não lhe contar toda a verdade não parecia certo.

Bill acrescentou, “Se vais ser desonesta, também vou ter que ser desonesto contigo. É assim que funciona. Nós somos parceiros.”

Riley sentiu os olhos humedecerem. Finalmente sabia que a lealdade de Bill para com ela extrapolava até a lealdade para com o FBI. E pela primeira vez, percebeu que o sentimento era mútuo. Chegara o momento de lhe dizer a verdade.

“Tenho estado a comunicar com o Hatcher mais proximamente do que te tenho dito,” Disse ela. “E a minha relação com ele está tornar-se... bem, complicada.”

Bill anuiu. “Conta-me,” Disse ele.

“Quando o encontrei em Syracuse, ele disse-me mais coisas do que transmiti a todos – incluindo a ti. Eu sei que isto é meio louco, mas ele parece genuinamente preocupado comigo. Falou-me do Rhodes e de como planeava vingar-se de mim. E tinha razão. O ataque à April prova-o.”

Riley parou por um momento.

“Ele disse que sentia algum tipo de ligação especial comigo,” Disse Riley. “Ele disse-me que estávamos ‘unidos pela inteligência’”.

“Jesus,” Disse Bill.

“Mas há mais. Eu recebi um pacote dele em Quantico antes de nós irmos a Sing Sing. Ele queria que eu soubesse que ele não tinha morto o motorista da carrinha de livros. Ele recompensou-o com um fantástico retiro algures.”

Bill parecia algo cético.

“Acreditas mesmo nisso?”

“Penso que sim. É consistente com tudo o que sei sobre ele. E ele deu-me as pistas que me ajudaram a encontrar o livro na biblioteca.”

Riley sentiu-se aliviada por falar livremente com Bill. Ajudou-a a resolver a sua própria confusão.

“Mas ele está a fazer algumas coisas que eu não compreendo. O Rhodes deixou um bilhete no corpo de Kirby Steadman. Rhodes escreveu, ‘Dedicado a Riley Paige... Ainda agora estou a começar.’”

“Porque é que a polícia local não encontrou a nota?” Perguntou Bill.

“Porque o Hatcher a levou. Retirou-a do corpo antes da polícia chegar e enviou-me o recado no pacote que recebi em Quantico. Não sei porquê. Se me está a tentar ajudar, porque é que se está a meter comigo assim? Porque é que está a jogar jogos? Porque é que comunica através de enigmas? Ele age como se quisesse que eu aprendesse alguma coisa sobre mim própria. Não faço ideia do que seja.”

Riley ficou a olhar para a janela durante um bocado.

“E agora tenho mais uma coisa que me preocupa,” Disse ela. “Aquela nota que alguém enviou pelo correio a Rhodes- a nota sobre a casa. Quem a enviou? O Hatcher? Talvez eu esteja a perceber isto tudo ao contrário Bill. Talvez o Walder tenha razão. Talvez o Hatcher esteja em conluio com o Rhodes desde o início. Talvez o Rhodes até o tenha ajudado a fugir. E se isso é verdade...”

Riley não conseguiu concluir o pensamento. O que a preocupava agora era o facto de tanto Hatcher como Rhodes a estarem a manipular. Talvez ela não fosse mais do que um fantoche nas mãos de Hatcher. Se isso fosse verdade, perdera completamente o norte enquanto agente. Talvez até tivesse perdido o seu norte como ser humano.

Bill deu-lhe outra palmadinha na mão.

“Nós vamos resolver isto,” Disse ele. “Estamos nisto juntos.”

Riley queria que as palavras de Bill a confortassem, mas as preocupações estavam a levar-lhe a melhor. Quem é que ela estava realmente a perseguir – Hatcher. Rhodes ou ambos?

Ou talvez só eu esteja a ser perseguida, Pensou aterrorizada.


CAPÍTULO VINTE E SETE

Quando o pai de April apareceu no motel, April fechou rapidamente a porta que separava a dela da de Darlene Olsen, a agente que estava de serviço naquela noite. Sem fôlego da excitação, April falou ao pai em voz baixa para que Darlene não a ouvisse.

“Papá, tens que me tirar daqui,” Disse ela.

Os olhos do pai abriram-se muito.

“O que é que queres dizer com isso?” Perguntou ele.

“O que é que te parece que quero dizer? Este lugar é do pior. É uma porcaria. Até a comida é uma porcaria. Tu próprio o disseste, lembras-te? Não é tão mau quando está cá a Lucy. Conheço-a e é divertido falar com ela. A Tara também é fixe. Mas a Darlene é uma seca. Não faz mais nada que não seja estar no quarto dela ao computador.”

O pai de April observou o quarto com um olhar distante.

“Eu sei como se sentes,” Disse ele. “Não consigo perceber porque é que escolheram este lugar. Com certeza teriam outras acomodações para pessoas que precisam de proteção. Mas o que interessa é manter-te em segurança.”

“Não vejo porque é que estar protegido tenha que ser tão aborrecido.”

O pai não parecia nada convencido. Sentou-se e comentou, “April, é o que é. Há uma boa razão para te manterem em segurança.”

“Estou aqui há cinco dias. Ninguém me tentou fazer mal.”

“Isso só prova o que quero dizer,” Disse ele. “Aqui estás segura.”

April revirou os olhos.

“Por amor de Deus,” Disse ela. “Eu podia estar segura em qualquer lugar desde que estivesses por perto. Quero dizer, tu tens uma arma, não tens? Podias proteger-me se fosse necessário.”

“Não é bem assim.”

“Então é o quê?”

O´pai não respondeu. April decidiu jogar com o seu sentimento de culpa.

“Nem me diverti na época natalícia. Tenho a certeza que perdi algumas festas com os meus amigos da escola.”

“Haverá outras épocas natalícias,” Disse ele. “E eu tenho-te visitado.”

“Mas só tens tempo para me visitares uma meia hora por dia. Claro, é sempre a velha história – a história da minha vida.”

O pai agora parecia magoado. A sua tática estava a resultar.

“Isso não é justo,” Disse ele. “Eu sei que era assim no passado, mas estou a tentar mudar. Se eu achasse que faria algum bem, cancelava tudo o que tenho marcado. Fá-lo-ia agora mesmo.”

“Então porque é que não o fazes?”

O pai de April andou pelo quarto desconfortavelmente enquanto April estava sentada na cama.

“Estas pessoas do FBI são profissionais,” Disse ele. “Eles sabem o que estão a fazer. Onde é que nós estaríamos seguros? Não estavas segura na casa da tua mãe, isso é de certeza. E este tipo que te atacou sabe onde vives.”

“Mas tu tens uma arma!” Disse April. “Tens medo de alguma coisa?”

“Podes ter a certeza que tenho medo. E tu também devias ter medo. Somos doidos se não tivermos medo. Mesmo o FBI não sabe onde é que está o homem que te atacou. Pode estar à tua procura agora mesmo. Onde é que pensas que ele procuraria a seguir?”

O pai sentou-se na cama a seu lado. Ambos ficaram calados durante alguns instantes.

“Ei, tenho uma ideia,” Disse ela finalmente. “Vamos fazer umas férias juntos. Podemos ir esta noite. Podemos começar o Ano Novo num lugar bem melhor que este.”

O pai de April abanou a cabeça.

“Não seria seguro andares no meio da rua,” Disse Ryan.

“É de noite, pai. Ninguém nos veria. E como é que aquele tipo ia adivinhar para onde fomos? Nem sós sabemos ainda para onde vamos!”

O pai sorriu ligeiramente. April conseguia sentir que estava a enfraquecer a sua determinação. Ela sabia que nunca conseguiria manipular a mãe daquela forma. Era mais fácil dar a volta ao pai.

“Pai, quando eu era pequena, tu e a mãe levavam-me a Chincoteague para ver os ponys.”

O pai sorriu abertamente.

“Eu lembro-me. Tu querias que te comprássemos um, mas não tínhamos espaço para ter um pony.”

“Eles eram adoráveis.”

April calou-se durante alguns instantes e depois acrescentou, “Podemos ir para lá agora. Podemos conduzir até lá esta noite.”

“Mas é inverno,” Disse ele. “Não há desfiles de ponys em Fevereiro.”

“O que quer dizer que o lugar estará deserto. Ninguém vai procurar por mim lá neste momento. E o cenário é agradável. E não te preocupes, desta vez não te peço um pony.”

Ambos se riram.

“Vamos ver alguns lugares,” Disse o pai.

Abriram o portátil de April e o pai começou a pesquisar lugares onde poderiam ficar.

“Aqui temos alguns motéis,” Disse ele, apontado para a lista.

April suspirou audivelmente.

“Oh pai, por favor! Não outro motel!”

April pegou no portátil e começou a fazer uma busca. Rapidamente encontrou uma foto de uma casa com vários andares, com várias varandas e alpendres com vista sobre a água.

“Isto é aquilo que precisamos,” Disse ela. “Uma simpática casa para alugar. Tem uma garagem no rés-do chão por isso podemos estacionar e ninguém saberá que estamos lá. Vai ser bom e aposto que muito mais seguro que um motel. Ninguém nos vai ver lá.”

“Não vais poder ir para o exterior,” Disse o pai.

“Ok, eu percebo. Tudo bem. Este lugar tem montes de espaço e uma ótima vista. Tu podes sair e fazer compras ou então podemos pedir que nos entreguem as coisas.”

O pai de April observava o anúncio da casa. Depois com um sorriso, começou a fazer a reserva. April correu o quarto a reunir as suas coisas.

“Vais mesmo faltar à tua festa?” Perguntou April.

“Vou sim,” Disse o pai com orgulho. “Digo-lhes alguma coisa mais tarde.”

Terminou de fazer o que estava a fazer no computador.

“OK, já está,” Disse ele. “Vamos embora.”

“Espera lá!” Disse April. “Não nos podemos limitar a sair daqui. Temos agentes a vigiar o motel num carro lá fora. Temos que dizer à Darlene.”

April foi para a porta que separava os dois quartos e abriu-a. Fez sinal ao pai para se aproximar. Ele não parecia muito confiante. April compreendia porquê. Estavam prestes a quebrar uma data de regras. April esperava que se conseguissem safar.

“Eu e a minha filha vamos embora,” Disse Ryan a Darlene.

Darlene parecia completamente apanhada de surpresa.

“Para onde é que vão?” Perguntou.

“Vou levar a April para outro lugar,” Disse com a voz mais confiante. “Este lugar é completamente inadequado. E sinceramente, não me parece que ela esteja muito segura aqui. Eu consigo fazer muito melhor.”

Darlene parecia agora extremamente confusa.

“Não me parece que lhe compita a si tomar essa decisão,” Disse Darlene.

“É a minha decisão e é o meu direito,” Disse o pai de April.”Ela é menor e sou o pai e guardião legal. Têm-na mantido aqui com a minha permissão tácita, mas agora mudei de ideias.”

Darlene olhava para April e para o pai sem parar.

Ryan acrescentou, “Sou advogado. Sei do que estou a falar.”

April percebeu que Darlene estava hesitante.

“Tenho que ligar à mãe e dar-lhe conhecimento,” Disse Darlene.

Sem parar para pensar, April disse, “Já lhe telefonámos. Ela concorda com o pai. Não se importa que vamos para outro sítio.”

April nem se atreveu a olhar para o pai. Ela sabia que ele estaria com toda a certeza horrorizado com a sua mentira desacarada. Mas pelo menos não a contradisse.

“Então está bem,” Disse Darlene. “Vou dar conhecimento aos agentes no exterior.”

Falou com os agentes pelo rádio. April agarrou na sua mala e levou o pai até à porta de entrada, ansiosa para sair antes que alguém mudasse de ideias.

Ao caminharem na direção do parque de estacionamento, April viu o carro do FBI estacionado discretamente ali por perto. Não conseguia ver bem as pessoas que se encontravam no interior da viatura mas ao menos não estavam a sair do carro para a impedir de sair dali.

“Não devias ter mentido sobre a tua mãe,” Disse Ryan ao caminharem na direção do seu carro.

April deu uma risadinha. “E tu? ‘Sou advogado. Sei do que estou a falar.’ Será que tinhas a noção de que me podias tirar dali?”

O pai soltou uma risada algo relutante.

“Não, acho que não tinha a noção,” Disse ele. “Sou um advogado empresarial.”

“Então, tudo bem. Vamos embora. Podemos dar conhecimento à mãe quando lá chegarmos.”

April sentiu-se positivamente inebriada ao entrar no lado do condutor do carro do pai. Só de saber que ela e o pai se tinham conseguido libertar da casa segura do FBI tornava tudo ainda mais fixe.


CAPÍTULO VINTE E OITO

Riley inclinou-se para a frente para ver melhor o corpo cravejado de balas de Amber Turner. Era de noite e usava a sua lanterna porque o parque de estacionamento não estava suficientemente iluminado para poder examinar pormenores. Os olhos abertos da jovem morta pareciam estar a fitar Riley, a perguntar-lhe:

Porquê?

Riley desejava ter uma resposta, mas nunca havia uma explicação adequada para crimes como aquele. Riley sentiu uma amargura já familiar a revolver-lhe estômago.

Bill estava a seu lado, adicionando a luz da sua lanterna à de Riley.

“Aconteceu em plena luz do dia,” Disse ele. “Deve ter sido um grande choque para o homem que a encontrou.”

Um cliente do restaurante encontrara o corpo nessa tarde. Estava no lugar do ciondutor de um SUV num parque de estacionamento a curta distância do bar. O feixe da lanterna de Riley incidiu numa nota presa ao casaco da mulher. Já lhe tinham falado naquilo e inclinou-se para a poder ler.

Para Riley paige... Está atenta?

Estava escrita no mesmo tipo de papel da nota que Hatcher lhe tinha enviado – a nota que havia retirado do corpo do pescador. Por qualquer razão, desta vez Hatcher não tinha retirado a nota. Mesmo assim, Riley tinha a certeza que ele estivera lá. Afinal de contas, ele dera conhecimento do crime à polícia local.

Riley removeu a nota do corpo e entregou-a a Bill.

“Vamos empacotar esta prova,” Disse ela.

Ao continuar a examinar o corpo, Riley pensou se Walder estaria afinal certo. Estariam Hatcher e Rhodes a trabalhar em equipa?

Riley respirou fundo e tentou imaginar a forma como o crime ocorrera. Poderia ser Hatcher o atirador? Ela não conseguia acreditar. Ele nunca usara uma arma num crime e ela tinha a certeza que não era agora que começaria.

Não, Rhodes tinha disparado os tiros, Riley tinha a certeza. Mas teria Hatcher participado de alguma forma? Estaria o experiente veterano a guiar ou a ser mentor do mais jovem Rhodes? Poderia até estar ao lado de Rhodes quando cometeu o crime?

Não lhe parecia exequível. Quanto mais pensava naquilo, mais tinha a certeza de que Walder estava errado. Hatcher nunca faria equipa com alguém como Rhodes – ou com qualquer outra pessoa. Não era uma característica da sua natureza. Ele era demasiado solitário. E para além de tudo, ela tinha a certeza que Hatcher considerava Rhodes inferior a ele.

No entanto, a chamada não deixava dúvidas quanto à presença de Hatcher no local.

Riley relanceou os bosques nos limtes do parque de estacionamento. Ela sabia que a área já tinha sido revistada. Mas Hatcher era tudo menos óbvio. Talvez os estivesse a observar naquele preciso momento.

Se assim fosse, o que estaria ali a fazer, a seguir cada passo de Rhodes? E se não estivesse a fazer parelha com o assassino do acaso, porque é que o estava a seguir? Ou o que é que Shane Hatcher estava a perseguir?

Examinando as feridas da vítima, Bill disse, “Parece o corpo do Kirby Steadman no lago.”

“Há algumas diferenças,” Disse Riley. “O assassino queria que Steadman rastejasse e implorasse. Desta vez não queria isso. Era pleno dia num lugar público. Ele queria que a vítima ficasse quieta.”

Riley apontou para a ferida no centro do abdómen da mulher.

“Este foi o primeiro tiro,” Disse ela. “Imobilizou-a mas não a matou, não a deixou inconsciente. Mas apesar desses tiros terem sido disparados à queima-roupa, são um pouco mais descuidados do que o crime cometido no lago. Ele tinha mais pressa, em parte porque queria que a vítima estivesse sempre viva e em parte porque estava exposto e podia ser visto. O silenciador da arma manteve o ruído a um nível mínimo.”

Bill acrescentou, “O ruído do bar ter-se-á sobreposto ao ligeiro som que a pistola fez.”

Riley apontou para a ferida na testa.

“O último tiro foi este.”

Um polícia local dirigiu-se a Riley e Bill.

“Aquele tipo ali quer falar com vocês,” Disse ele.

Apontou na direção de um homem jovem sentado num muro baixo logo atrás da fita amarela que demarcava a cena do crime.

Riley e Bill caminharam na sua direção. Pareceu a Riley detetar uma semelhança familiar com a infeliz mulher do SUV – o mesmo cabelo escuro e encaracolado, a mesma forma facial redonda. O homem parecia profundamente afetado.

“Sou Riley Paige do FBI,” Disse ela, mostrando-lhe o distintivo. “Este é o meu parceiro Bill Jeffreys. Como se chama?”

“Roy Turner,” Disse o homem num tom de voz baixo e mecânico. “Sou... era... o irmão da Amber.”

“Foi testemunha do crime?” Perguntou Bill.

O homem abanou a cabeça.

“Recebi uma chamada depois... do ocorrido. Vim. Estou aqui sentado desde então.”

Não falou durante alguns instantes.

“Lamentamos a sua perda,” Disse Bill.

O homem assentiu novamente em silêncio.

“Queria falar connosco?” Perguntou Riley.

“Bem, sim,” Disse o homem. “O que é que sabem? Quem fez isto? Porquê?”

Riley reprimiu um suspiro de desânimo. Lá estava novamente a pergunta:

Porquê?

Ela agachou-se à sua frente e falou num tom tranquilizante.

“Sr. Turner, lamento dizer isto, mas ainda não sabemos nada de concreto. Deve tentar ser paciente.”

Ele fixou-a com uma expressão implorativa.

“Mas devem ter alguma ideia,” Disse. “Isto é apenas uma pequena cidade. Quanto tempo vai demorar?”

Riley sentiu compaixão por aquele homem. Mas também sabia que tinha que pesar muito bem as suas palavras. Por muito que quisesse prometer-lhe que em breve teria respostas, não o podia fazer.

Ficou aliviado quando Bill começou a falar.

“A polícia tem a sua informação de contacto?” Perguntou.

O homem anuiu.

“Nesse caso, penso que deve ir para casa,” Disse Bill. “Deve tentar descansar. Irá ser contactado assim que soubermos de alguma coisa.”

Sem dizer mais uma palavra, o homem levantou-se e foi-se embora.

Riley ouviu o ruído de um rádio de polícia. Um polícia local aproximou-se dela e de Bill.

“São necessários no bar,” Disse ele.

Riley assentiu. Quando ela e Bill se dirigiam ao bar, Riley olhou para o médico-legista. Ele e a equipa estavam junto à sua carrinha, aguardando pacientemente. Riley fez-lhes um sinal de assentimento com a cabeça, indicando que podiam levar o corpo e a equipa dirigiu-se de forma eficiente em direção ao SUV.

Riley e Bill foram para o bar. Emily Creighton e Craig Huang já lá estavam. Tinham transformado o bar num centro de comando improvisado para polícias locais e alguns agentes do FBI provenientes do departamento de campo de Jacksonville.

Vários clientes e funcionários tinham sido ali mantidos para interrogatório. Riley e Bill dirigiram-se a Creighton e a Huang que estavam sentados em frente a um computador.

“Estamos a escrutinar a vídeo-vigilância do bar,” Disse Creighton.

“Tiveram sorte?” Perguntou Bill.

“A qualidade é péssima,” Disse Huang.

Riley olhou para o monitor e percebeu que Huang tinha razão. Quem quer que tivesse instalado a câmara no exterior, não esperava que a mesma pudesse vir a ser necessária para um objetivo tão grave. A imagem era granulosa e o ângulo em que se encontrava dava uma melhor perspetiva do topo das cabeças das pessoas do que dos seus rostos. Muitas das pessoas nessas imagens, sobretudo os homens, pareciam iguais. O vídeo não iria ser de grande ajuda.

Riley olhou à volta do bar para as pessoas que ali se encontravam à espera. Escolheu uma pessoa para falar – um homem de aspeto sólido com peso a mais. Riley percebia pelo seu rosto que era alguém normalmente feliz e extrovertido. Agora parecia terrivelmente perturbado. A expressão do seu rosto parecia particularmente incongruente naquele semblante.

Riley apresentou-se a si e a Bill.

“Chamo-me Marty Hollister,” Disse o homem. “Estava atrás do balcão quando vi a polícia lá fora. Nâo sabia o que tinha acontecido até sair e ver...”

Não conseguiu terminar a frase. Riley pressentiu que a razão para tal era a angústia.

“Ela era sua namorada, não era?” Perguntou Riley.

“Lamentamos muito,” Disse Bill.

Riley pegou no telemóvel e encontrou uma fotografia de Shane Hatcher.

Disse, “Pode dizer-me se viu este homem hoje? No bar ou noutro lugar qualquer?”

Hollister abanou a cabeça negando ao olhar para o homem amplo e negro da foto.

“Penso que me lembraria desse homem,” Disse. “Nâo vemos muitos estranhos por aqui. Apex não é uma cidade turística. Aqui não há nada para as pessoas verem ou fazerem.”

Então Riley mostrou uma foto da prisão de Orin Rhodes.

“E este homem?” Perguntou Riley.

Hollister observou a foto.

“Não sei,” Disse. “Via-a a servir um homem antes de se ir embora. Não o reconheci, por isso parto do princípio que não era daqui. Acho que podia ser este tipo. Mas o cabelo era mais escuro e tinha alguma barba.”

Riley sentiu-se esperançada. Mas antes que pudesse fazer mais perguntas, ouviu Creighton a chamá-los.

“Jeffreys, Paige – venham cá. O Walder está num chat de vídeo.”

Riley e Bill sentaram-se na mesa com Creighton e Huang. O rosto desagradável de Walder espreitava no portátil de Creighton.

“O que é que têm?” Perguntou Walder à equipa concisamente. “Espero que seja bom. Estamos a ser muito pressionados para apanhar o Hatcher.”

Riley conteve um grunhido. A fixação de Walder em Hatcher e não em Rhodes era realmente irritante.

“Estava agora mesmo a falar com o empregado de balcão,” Disse Riley. “É provável que tenha visto o Rhodes. Ele pensa que o Rhodes pode ter sido o último cliente da mulher antes dela ir para o carro e ser morta.”

“Pode ter sido?” Perguntou Walder.

Riley ignorou o seu tom desdenhoso.

“Pois, pode ter sido,” Disse Riley. “Vai ser difícil conseguir uma identificação completa. As imagens de vídeo-vigilância são especialmente más.”

“E o Hatcher?” Perguntou Walder. “Alguém o viu?”

“O empregado do bar pensa que não,” Disse Riley. “E penso que não deixaria de reparar nele.”

Walder ficou calado durante alguns momentos.

“Alguém entrevistou alguém da família da vítima?” Perguntou.

Bill disse, “Eu e a Agente Paige trocámos algumas palavras com o irmão da vítima no parque de estacionamento.”

“’Algumas palavras’?” Rezingou Walder. “Não me parece que tenha sido propriamente uma entrevista. Ele consegue estabelecer alguma ligação dela com o Hatcher ou o Rhodes – ou ambos?”

Riley e Bill olharam um para o outro. Era evidente que não lhes ocorrera perguntar. A ideia era simplesmente demasiado rebuscada.

Riley disse, “Tenho a certeza que a mulher não tinha qualquer ligação com nenhum deles.”

“Tem a ‘certeza’?” Perguntou Walder, parecendo cada vez mais incrédulo. “Pergutaram-lhe?”

“Não,” Afirmou Riley.

“E o empregado do bar? Perguntaram-lhe?”

“Não,” Disse Riley.

Ela não sabia quem estava mais zangado, se ela, se Walder. A mera densidade do chefe da equipa sobre o assunto exasperava-a.

“Bom, nesse caso o melhor é voltarem ao assunto,” Disse Walder. “Falem com ambos agora mesmo – e com um ou outro amigo e familiar da mulher.”

Riley já estava farta.

“É uma perda de tempo,” Disse. “Estas mortes são acasos, não têm qualquer significado. Tal como aconteceu na Carolina do Sul. O Huang e a Creighton entrevistaram alguém que lhes desse a entender que Kirby Steadman tinha alguma relação com o Hatcher ou o Rhodes?”

Agora chegara o momento de Creighton interferir.

“Não – graças a si,” Disse.

Riley sabia que Creighton ainda estava ressentida por causa da forma como encurtara a entrevista com o filho e nora de Kirby Steadman.

“Não há ligações,” Insistiu Riley. “Sei que parece uma loucura que o Rhodes tenha vindo da Carolina do Sul até à Flórida para encontrar uma vítima de forma aleatória, mas é exatamente isso. Não sei porquê, mas tenho a certeza que é o que se está a passar. E o Hatcher não está a ajudá-lo. Homicídios sem sentido não são o seu estilo.”

Walder continuava a olhar para Riley em silêncio.

Por fim disse, “Não fez um relatório sobre o que ocorreu em Filadélfia. Encontraram alguma coisa lá?”

Riley disse, “Fomos a um quarto alugado por Rhodes e...”

As palavras saíram antes de ter tempo para pensar.

“Um quarto alugado pelo Rhodes?” Disparou Walder.

“Sim, senhor,” Disse Riley.

Riley sabia que tinha tropeçado. Agora apenas lhe restava preparar-se para o pior.

“Agente Paige,” Disse Walder numa voz lenta e severa, “quando requisitou o uso do avião para Filadélfia, disse que ia verificar uma pista relacionada com o Hatcher.”

“E fui,” Disse Riley. “Era uma nota deixada num livro na...”

Walder interrompeu-a.

“E agora diz-me que foi ver um quarto alugado pelo Rhodes.”

“Sim, senhor,” Disse Riley. “Não encontrámos nada exceto...”

Mas antes que lhe pudesse contar a respeito da nota críptica encontrada na caixa do correio, Walder interrompeu-a novamente.

“Agente Paige, chega. Está fora do caso.”

Riley engoliu em seco.

“Qual deles?”

“Rhodes, Hatcher – agora é o mesmo caso, por isso não importa. E quero dizer com efeitos imediatos.”

Riley percebeu que Bill fizera um tremendo esforço para estar calado. Mas já não lhe era possível.

“Então e eu? Eu fui com ela, estive envolvido, sabia o que ela estava a fazer.”

Não era bem verdade e Riley sabia-o. Ela só dera conhecimento a Bill do envolvimento no caso do Hatcher durante o voo para Filadélfia. Por muito que apreciasse a sua lealdade, Riley queria que ele mantivesse o bico calado para seu próprio bem.

Bill disse, “Não lhe pode retirar o caso só a ela.”

“É claro que posso, Agente Jeffreys,” Disse Walder. “Lidaremos com a sua insubordinação mais tarde. Neste momento preciso que continue a trabalhar com o Huang e a Creighton.”

Riley pressentiu que Bill estava prestes a contestar. Deu-lhe uma cotovelada para o calar. Depois levantou-se e dirigiu-se à porta. E de repente, Bill também se levantou e seguia atrás dela.

“Não vou aturar isto, Riley,” Disse ele. “Se tu vais, eu também vou.”

Riley parou e olhou para Bill.

“Não vais a lado nenhum,” Disse ela. “Já passámos por isto. Vais ficar aqui. Se fores, não vou ter ninguém para me informar do que se vai passando. E não haverá ninguém competente envolvido neste caso. Tens que ficar e tentar evitar que a Creighton e o Walder estraguem tudo.”

Bill abanou a cabeça cepticamente.

“Isso é uma ordem difícil de cumprir,” Disse Bill.

“Bem, considera-a uma ordem de qualquer das formas,” Disse Riley com firmeza. Depois a sua expressão decidida mudou para outra sombria. “Estou a contar contigo. Mantém-me ao corrente.”

“Para onde vais agora?” Perguntou Bill.

Riley não conseguiu evitar dar uma risada.

“Não sei ao certo,” Disse ela. “O Walder não me propôs a viagem de regresso a Quantico no avião do FBI. Não te preocupes comigo, eu cá me arranjo. Agora volta ao trabalho.”

Bill anuiu e disse, “Depois diz-me por onde andas.”

Deu uma palmadinha no ombro de Riley e voltou para a mesa. Riley dirigiu-se para o exterior.

No extremo mais distante do parque de estacionamento viu um reboque a levar o SUV de Amber Turner. Foi chamada à atenção por algo que se encontrava no chão no local onde o carro estivera.

Talvez uma pista?

Correu na sua direção para ver o que era.


CAPÍTULO VINTE E NOVE

Riley viu um pequeno pedaço de papel colorido no chão, mais precisamente no local onde o carro da mulher assassinada tinha estado estacionado. Ansiosa, apanhou-o e observou-o debaixo de um candeeiro do parque de estacionamento.

Era uma foto que parecia ter sido recortada de uma revista. Mostrava uma velha mansão de tijolo com um alpendre envolvente e colunas majestosas. Pegou na sua lanterna para ver a imagem com mais atenção. Caso tivesse havido uma legenda, uma história ou um título, haviam sido removidos. Riley virou a fotografia. Uma confusão de formas e palavras parcias pareciam fazer parte do anúncio de uma revista.

De onde poderia ter vindo?

A julgar pelo local onde se encontrava no pavimento, Riley pensou que a fotografia podia muito bem ter caído da porta do SUV quando o corpo de Amber Turner foi retirado pela equipa do médico-legista.

Ou talvez não, Pensou.

Se fosse uma pista, teria ali sido deixada por acidente ou deliberadamente? E o que significaria?

Riley tentava compreender a existência de uma ligação entre a imagem a o homicídio que ocorrera naquele local. Então lembrou-se da nota que chegara por correio ao quarto alugado de Rhodes em Filadélfia.

Ainda bem que gostou da casa na fotografia. Servirá os seus objetivos. É lá esperado muito em breve.

Seria aquela a casa a que a nota se referia? Estaria a imagem ligada ao assassino e não à vítima?

A nota fora endereçada a Orin Rhodes, mas não havia qualquer indicação de quem a pudesse ter enviado.

Mais uma vez Riley sentiu uma arrepiante preocupação de que pudesse ter sido Shane Hatcher e que ele ali tivesse deixado a foto, e que estivesse a fazer pouco dela. Por muito que o duvidasse, não podia negar que era uma possibilidade.

Independentemnete de quem a tivesse enviado, onde ficava situada aquela casa? Orin Rhodes estaria lá agora? Como poderia descobrir alguma coisa sobre ela?

Riley olhou para trás na direção do bar. Durante uns instantes, pensou em voltar para junto da equipa e mostrar a foto. Talvez juntos, os agentes conseguissem perceber o seu significado. Era possível que os técnicos em Quantico pudessem detetar a proveniência daquela foto.

Mas rapidamente decidiu que seria inútil. Se o Walder ainda estivesse online, limitar-se-ia a lembrar-lhe que ela fora retirada do caso. E se a videoconferência já tivesse terminado, Emily Creighton seria agora a agente responsável. Creighton iria categoricamente ignorar qualquer coisa trazida por Riley.

No final de contas, era apenas um pedaço de lixo encontrado no parque de estacionamento.

Riley sentiu desanimar-se. Ela sabia que em grande parte se devia à exaustão. Num único dia, voara de Quantico para Sing Sing, depois para Filadélfia e agora estava na Flórida. Precisava de uma boa noite de sono antes de tomar quaisquer decisões sobre o que fazer de seguida.

Mas depois compreendeu:

Onde é que vou passar a noite?

Sorriu amargamente, admitindo que não fazia a mínima ideia. Sem dúvida que haviam sido reservadas acomodações para a equipa de Quantico, mas Riley não tinha vontade de voltar atrás para pedir um quarto, muito menos esperar que alguém lhe desse boleia. Lembrou-se que tinham passado por um pequeno motel a caminho daquele lugar. Ficava a uma curta caminhada do bar. Com sorte, haveria vagas. Não parecia ser uma altura muito concorrida do ano.

Também tinha a certeza de ter visto uma loja de bebidas próxima.

Apetece-me mesmo uma bebida, Pensou Riley, ao percorrer sozinha a estrada escura.

*

O quarto de motel era gasto e cheirava a mofo. Mas tinha uma cama e uma casa de banho e Riley encontrou a garrafa de bourbon de que precisava. Antes de se instalar, tinha uma chamada a fazer. Há muito que já devia ter entrado em contacto com April. Esperando que a filha ainda estivesse acordada, abriu o portátil e fez a chamada.

Quando April atendeu, parecia surpreendentemente animada.

“Então mãe, como vão as coisas?”

Antes que Riley tivesse a oportunidade de responder, notou algo de estranho no ambiente que rodeava April. Não parecia o quarto de motel seguro em que a deixara. Parecia estar num amplo e atraente quarto com grandes janelas.

“Onde é que estás?” Perguntou Riley.

April deu uma risada.

“Bem, acho que eu e o pai temos que nos explicar,” Disse April. “Pai, chega aqui. É a mãe.”

Dali a nada, o rosto de Ryan juntou-se ao de April no ecrã.

“Deves estar a pensar o que é que se passa,” Disse Ryan a sorrir.

Riley começou a entrar em pânico.

“Onde raio é que estão vocês os dois?” Perguntou Riley.

Tanto Ryan como April pareceram algo surpreendidos com o seu tom áspero.

“Ei, acalma-te mãe, não tens que estar chateada com nada,” Disse April.

“Lembras-te o quanto a April adorava Chincoteague quando era criança?” Disse Ryan.

Riley ficou em suspenso.

“Ryan, por favor não me digas que é onde estão,” Disse ela.

“Então, Riley,” Disse ele. “Aquele lugar era um insulto à April. A todos nós.”

Riley lutava para se recompor.

“Era seguro,” Disparou Riley. “Ryan, em que raio é que estavas a pensar? Há quanto tempo aí estão?”

“Acabámos de chegar,” Disse Ryan. “Ouve Riley, não te queria preocupar. A April estava a sentir-se tão mal por estar naquela pocilga. Só quis ser útil.”

“Onde estão os agentes que a estavam a vigiar no motel?” Perguntou Riley.

“Dissémos à agente que estava de serviço que íamos embora,” Disse Ryan.

“Não têm aí ninguém para vos proteger?”

“Eu tenho isto,” Respondeu ele, segurando numa pequena pistola.

“Fixe, não é?” Intrometeu-se April na conversa.

Riley sabia da arma. Ryan já a tinha há vários anos. Era um revólver de calibre .22 – para Riley, era pouco mais do que um brinquedo. Não serviria de nada contra um assassino implacável como Rhodes.

“Alguma vez disparaste essa coisa?” Perguntou Riley.

“É claro que sim,” Disse Ryan. “Não sou estúpido. Fiz um pequeno curso e saí-me muito bem.”

Riley respirou fundo. Não ganharia nada em debater-se com o seu ex-marido naquele momento. “Alguém sabe onde é que vocês estão?” Perguntou ela.

“Não,” Disse April. “Nem mesmo o FBI.”

“Bem, vão-me dizer agora mesmo, mas a mais ninguém, ouviram-me?”

April revirou os olhos.

“Sim, OK mãe. Não sei porque é que estás a fazer um bicho de sete cabeças disto.”

Ryan deu a morada a Riley que a apontou.

Depois disse, “Não quero que nenhum dos dois saia dessa casa.”

“Mãe,” Queixou-se April, “nós somos suficientemente espertos para não andarmos por aí.”

“Nem saiam da porta. E afastem-se das janelas.”

Ryan agora parecia envergonhado.

“Peço desculpa, Riley,” Disse ele. “Nós vamos ter cuidado.”

“Tenho que ir,” Disse Riley. “Vou tentar enviar um agente para aí.”

“Tudo bem,” Respondeu Ryan. “Não me parece que seja necessário mas se achas que é melhor...”

Riley terminou a chamada. Pegou de imediato no telemóvel e ligou a Lucy Vargas. Lucy pareceu surpreendida com a chamada de Riley àquela hora.

Riley disse, “Sabias que a April não está no motel?”

Lucy fez um esgar de descrença.

“O quê?” Disse Lucy.

“Quem é que estava com ela há umas duas horas no motel?”

“Era o turno da Darlene Olsen,” Disse Lucy.

Riley lembrava-se de Darlene Olsen. Considerara-a uma jovem agente promissora mas agora parecia alguém fácil de iludir.

“Lucy, sabes onde fica Chincoteague?”

“Sim,” Disse Lucy.

“Daqui a quanto tempo consegues lá estar?”

Lucy calou-se durante alguns instantes.

“Tenho uma tarefa para amanhã logo de manhã,” Disse Lucy. “Se for esta noite, tenho que voltar de imediato. Seria melhor enviar outra pessoa. Vou entrar em contacto com a Darlene, digo-lhe para ir para lá imediatamente.”

“Faz isso,” Disse Riley. “E obrigada.”

Riley deu a morada a Lucy e terminou a chamada. Depois sentou-se na beira da cama abismada com a total estupidez de Ryan. Desejava ir ela própria a Chincoteague naquele momento. Mas nunca chegaria a tempo de adiantar alguma coisa. Esperava que Darlene Olsen fosse para lá rapidamente.

Entretanto, precisava desesperadamente de alguma coisa para lhe acalmar os nervos. Estava satisfeita por ter comprado a garrafa de bourbon. Serviu um copo. Mas mal tinha tomado alguns goles, recebeu um pedido de chamada de vídeo chat.

A chamada era de Jilly em Phoenix e Riley atendeu-a calorosamente. Cada vez que falava com Jilly, a rapariga parecia mais saudável. Já quase era difícil lembrar a menina subnutrida e negligenciada que conhecera em Phoenix.

“Olá Riley,” Disse Jilly.

“Olá Jilly,” Respondeu Riley sorrindo. “Então, o que é que se passa?” Perguntou.

“Nada de especial,” Disse Jilly.

A voz e expressão de Jilly era aborrecida e um pouco soturna. Riley interrogou-se o que se estaria a passar de errado. Mas então disse a si própria que Jilly era uma jovem adolescente e que aquela era uma expressão bastante típica em jovens da sua idade.

“Estás pronta para voltar à escola?” Perguntou Riley.

“Vou chumbar a álgebra,” Disse Jilly como se fosse um facto consumado.

“E o que é que vais fazer a esse respeito?”

Uma pastilha elástica rebentou na boca de Jilly.

“Acho que estudar mais,” Disse ela.

“Parece-me uma boa ideia.”

Jilly baixou os olhos.

“Riley, isto não está a resultar,” Disse Jilly.

“O que é que não está a resultar?”

“Viver aqui com os Flaxman.”

Riley desanimou. Ela pensava que estava tudo a correr bem na nova casa de Jilly.

“O que é que se passa?” Perguntou Riley.

“Não sei,” Disse Jilly com um encolher de ombros. “Não é um lar, é isso. Sou apenas alguém que está de visita.”

Após uma pausa, Jilly acrescentou, “Penso que vou voltar a viver com o meu pai.”

Riley mal conseguia acreditar no que ouvia. O pai de Jilly era bêbedo e violento. Os Serviços de Proteção a Menores tinham tido muito trabalho para a afastarem dele.

“Isso é uma loucura Jilly.”

“Bem, ao menos ele é família.”

“Não. Não é.”

Riley viu os olhos de Jilly a encherem-se de lágrimas.

“Tem razão, não é,” Disse Jilly numa voz soluçada. “Eu não tenho família. Exceto...”

“Eu não te posso adotar Jilly,” Disse Riley.

“Porque...”

A voz de Jilly apagou-se. Mas Riley sabia o que é que ela queria dizer. Riley engoliu em seco. Ela e Jilly já tinham tido aquela conversa e nunca acabava bem.

Riley simplesmente não sabia por onde começar. Naquele momento, estava assoberbada a manter April em segurança. Só passados quinze anos ela se começava a sentir uma mãe adequada. Tentar criar a Jilly seria mais um desafio com o qual não conseguiria lidar – sobretudo se quisesse continuar a trabalhar.

Para além disso, ela tinha a certeza de que aquela ideia era apenas uma fantasia para Jilly, uma fuga da realidade – mesmo da boa realidade que agora tinha. Jilly passara treze anos a sentir-se desesperada, desamparada e não amada. Nunca aprendera mais nada. Agora que estava a ser tratada por uma família carinhosa, não sabia como lidar com isso.

Riley sabia que tinha que ser firme.

“Tens que dar tempo ao tempo com os Flaxman querida,” Disse Riley, tentando manter a voz controlada.

“Quanto tempo?” Perguntou Jilly.

Agora, as lágrimas escorriam-lhe pelo rosto.

“Estás num lugar bom Jilly,” Disse Riley. “Estás com boas pessoas. Lamento, mas tens que dar o teu melhor.”

Jilly não disse nada. Apenas limpou as lágrimas.

“Agora tenho que ir,” Disse Riley. “Toma conta de ti.”

Jilly continuava a não dizer nada. Riley terminou a chamada. Ficou ali sentada com uma dor incontrolável no peito.

Tomou um gole de bourbon. Ardeu ao descer e soube-lhe bem.

Talvez me ajude a adormecer, Pensou ao tomar mais alguns goles de seguida.

“Feliz Ano Novo,” Murmurou para si quando sentiu invadir-se pela inconsciência.

Percebeu que os seus sonhos iam levá-la até lugares muito escuros. Encolheu os ombros despreocupadamente. Afinal, que mal fazia? Ela tinha mesmo que ir a lugares escuros naquele momento.


CAPÍTULO TRINTA

Riley teve uma sensação de déjà vu. Estava imersa em neve espessa e sabia que a tempestade escondia uma terrível ameaça. Já ali estivera. Tinha a certeza. Mas não se lembrava quando ou em que circunstâncias.

Agora uma figura sombria corria na sua direção pela neve. Ela lembrava-se disso também, mas não podia dizer quem era ou o que se estava a passar. Por um momento, a neve obscureceu a figura completamente, depois clareou o suficiente para revelar uma pessoa cuja mão se levantava – e não estava a cumprimentar, Riley sabia, mas a apontar uma arma na sua direção.

Riley sacou a sua própria Glock e disparou. A figura parou de correr mas não caiu. Desesperadamente, Riley disparou novamente e outra vez e outra vez...

Depois a neve clareou e tudo ficou calmo. Riley deu por si a encarar uma rapariga bonita e de aspeto estranho da idade de April.

Riley sabia que era Heidi Wright.

Estava a sangrar das balas que Riley tinha disparado. Heidi ficou ali a sorrir. Depois a neve começou a cair novamente e a rapariga começou a falar.

“Não vale a pena,” Disse a rapariga. “Não me consegues matar amor. E o Orin ama-me. Vou estar sempre com ele.”

A figura torceu-se e retorceu-se até se transformar noutra coisa. Agora era Orin Rhodes, com a aparência jovem que tivera qundo Riley matou a namorada.

“Agora já sabes,” Disse Orin, ainda a sorrir. “É tudo pela Heidi. Todas as pessoas que matei e as que ainda vou matar. Sobretudo tu, Riley Paige. Vais pagar pelo que lhe fizeste – e a mim.”

Ainda a sorrir, Orin Rhodes virou-se lentamente e afastou-se rumo à neve que caía.

Riley deu por si sozinha na tempestade de neve. Não havia sinal da rapariga que ela matara ou do rapaz que declarara a sua vingança. Não havia som algum exceto o vento gelado.

Ela chamou, esperando que alguém a ouvisse – alguém que se importasse e que compreendesse.

“Diz-me, por favor. Estava errada? Fiz algo tão terrível que outras pessoas tenham que morrer? Mereço isto?”

Riley sentiu uma mão forte tocar-lhe no ombro por trás.

“Fizeste tudo o que podias,” uma voz áspera mas amigável disse. “Fizeste exatamente o que tinhas que fazer.”

A voz era familiar, firme mas carinhosa. Deu a Riley um grande conforto. Mas quando se virou para enfrentar quem falava, não estava lá ninguém. Não viu nada a a não ser a neve que girava.

“Volta!” Gritava desesperadamente. “Ajuda-me!”

Riley acordou na sua cama de motel com lágrimas a escorrerem-lhe pelo rosto. Não entrava luz pela janela, o que queria dizer que ainda não era dia. Lembrava-se de cada pormenor do seu sonho. E ainda sentia a mesma dor, horror e confusão.

Mais memórias traziam mais desespero – memórias de ontem e ser retirada do caso. E finalmente percebeu que tudo tinha acabado – tudo o que valorizava e lhe era querido na vida. Mais valia desistir. Mesmo Bill não a poderia ajudar agora.

Estou acabada, Pensou, chorando. Por fim, estou acabada.

E pior de tudo, estava sozinha.

Depois lembrou-se de algo mais do seu sonho – aquele toque firme mas carinhoso, aquela voz dura mas amiga.

“Fizeste tudo o que podias. Fizeste exatamente o que tinhas que fazer.”

Quem a tinha confortado daquela forma? Quem dissera aquelas palavras?

Depois lembrou-se – ela não estivera sozinha naquele dia fatídico há dezasseis anos atrás quando matara Heidi Wright. Alguém estava a seu lado nesse dia e nos dias que se seguiram. Alguém que a confortou, cuidou dela e a ensinou.

E essa pessoa não estava muito longe dela.

Tenho que o ver, Pensou.

Pegou no telemóvel e ligou para um número para o qual não ligava há muito tempo.


CAPÍTULO TRINTA E UM

Quando saiu do táxi mais tarde nessa manhã em Miami, Riley interrogou-se se estaria na morada certa. Perante ela estava um edifício alto que brilhava à luz do sol – não era propriamente o lugar onde esperava que Jake Crivaro vivesse.

Jake fora seu parceiro e mentor há muitos anos no início da sua carreira no FBI. Agora tinha setenta e cinco anos, estava reformado e vivia ali em Miami. Mas não conseguia imaginá-lo a viver ali naquela estrutura tão alta.

No caminho do aeroporto, Riley estivera sempre à espera que o taxista fizesse o desvio para um dos bairros suburbanos de Miami. Em vez disso, o taxista prosseguira a marcha até estarem entre edifícios altos. A própria Miami não parecia o que ela esperava – pelo menos não aquela parte de Miami. Parecia qualquer outra grande cidade, alta e brilhante com vídro e metal.

Onde é que estão as palmeiras?

Era difícil imaginar praias ali por perto.

Caminhou até à entrada do edifício onde uma rececionsiat sorridente se encontrava atrás de uma secretária.

“Posso ajudá-la, minha senhora?” Perguntou a mulher.

Riley sentia-se cada vez mais intrigada.

“Hmm, estou aqui para ver Jake Crivaro,” Disse ela.

“Pode dizer-me o seu nome, por favor,”

“Riley Paige.”

A mulher olhou para um quadro.

“Ah, sim,” Disse ela. “Ele disse-me que estava à sua espera. Vou dizer-lhe que já chegou.”

A mulher discou um número no telefone e transmitiu, “Riley Paige está aqui para o ver Sr. Crivaro.”

A mulher acenou ao que quer que ele dissera em resposta e desligou.

“Pode ir de elevador, minha senhora. O apartamento fica no trigésimo quinto andar.”

Riley subiu pelo elevador. Quando saiu dele foi imediatamente cumprimentada por Jake que já se encontrava à porta do apartamento.

“Olá estranha! Feliz Ano Novo! Entra!”

Ao entrar no apartamento de Jake, não conseguiu evitar ficar assombrada. O apartamento era fantástico – espaçoso e moderno com muitas janelas e luz solar. Riley seguiu Jake até à sala de estar, decorada com mobília simples mas elegante.

“Pareces algo atordoada,” Disse Jake.

“Sim, talvez um pouco,” Disse Riley. “Não era bem disto que estava à espera.”

“Não estavas à espera que um vagabundo como eu vivesse numa espelunca destas,” Disse ele.

Riley sorriu desconfortavelmente.

Disse, “Não o diria assim mas...”

“Mas o quê? Como é que achas que o consegui?”

Jake tinha um sorriso algo maquiavélico no rosto. Ela sabia que ele se estava a meter com ela, a espicaçar a sua curiosidade. Afinal de contas, como poderia alguém viver num lugar daqueles com uma reforma do FBI?

Riley engoliu em seco quando lhe ocorreu uma possibilidade obscura. Era possível que Jake se tivesse corrompido? Era isso que lhe estava a tentar dizer com o seu sorriso demoníaco?

Parecendo adivinhar os seus pensamentos, Jake deu uma risada.

“Descontrai, é totalmente legal. O meu filho é agente imobiliário aqui em Miami. Ele comprou o apartamento, disse que era um bom investimento. Posso viver aqui e só tenho que pagar as taxas de manutenção. É perfeito para mim.”

Riley sorriu, sentindo-se agora mais confortável. Jake conduziu Riley por umas portas deslizantes até uma varanda estreita. Numa direção havia mais edifícios de vidro. Na outra direção via água, pontes e as ilhas de barreira que deviam incluir a Praia de Miami.

“Bela vista da Baía Biscayne, huh?” Disse Jake. “Belas praias estão logo ali. Não que lá vá muitas vezes. Tenho tudo o que preciso aqui – uma ótima piscina, instalações para fazer exercício físico. E estou mesmo no centro por isso há muito por onde me entreter.”

Riley inspirava o ar quente de Miami. Era difícil acreditar que apenas ontem de manhã tremia perante o frio de Nova Iorque.

O próprio Jake estava com ótimo aspeto – um homem baixo com um aspeto duro e bem vestido. Vira-o pela última vez há alguns meses numa sessão de liberdade condicional. Nessa altura revisitaram o caso que tinha impulsionado a reforma de Jake.

Quando o viu, rabujara acerca de problemas na anca e nos joelhos, problemas oculares, um aparelho de audição e um pacemaker.

Mas ao vê-lo agora, Riley não adivinharia que algo de errado se passasse com ele. Parecia mais novo que os seus setenta e cinco anos, e com pouco menos energia do que a que tivera quando haviam trabalhado juntos.

Com um ar preocupado, ele disse, “Não estás bem, pois não?”

Riley sorriu palidamente.

“Como é que adivinhaste?” Perguntou Riley.

“Vá lá, miúda. Estás a falar com o Jake. Eu tenho instintos. Não são tão bons como os que adquiriste ao logo dos anos – sempre soube que serias melhor do que eu. Mas os meus instintos ainda funcionam.”

Levou-a de volta ao apartamento.

“Vamos conversar sobre isso ao almoço,” Disse ele.

*

Algum tempo depois, Riley estava sentada com Jake na mesa de refeições. Terminavam as sanduíches que ele preparara. Ela acabara de lhe dar conhecimento do caso de Orin Rhodes e como o mesmo lhe tinha sido retirado. Não escondeu factos ou pormenores – nem senquer as suas perturbadoras comunicações com Shane Hatcher.

Jake estava visivelmente chocado ao ouvir Riley descrever o ataque de Rhodes a April e os dois sádicos homícidios que se haviam seguido.

“Jesus, nunca pensei,” Disse ele. “O miúdo que prendemos parecia tão arrependido. E sempre ouvi dizer que era um prisioneiro modelo. Por isso foi tudo fingimento para ser libertado mais cedo. Não há dúvida que nos enganou a todos bem.”

Jake ficou ali sentado por um momento a tentar abarcar toda a situação.

“E agora estás a passar por isto,” Disse por fim. “Sei o que isso é. Tive confrontos com as elites do FBI mais do que uma vez. Às vezes tens que suportar estas coisas se queres o trabalho feito.”

Inclinou-se na sua direção, olhando para ela pensativamente.

“Mas não me contaste tudo, pois não?” Perguntou Jake. “E não estou a falar do caso. Estou a falar de ti.”

Riley sentiu invadir-se por uma onda de desespero com a qual lutava desde a noite anterior. Lembrava-se de imagens do seu sonho – de Heidi Wright com balas e de como ela tinha dito:

“Não me podes matar amor.”

E depois a Heidi a transformar-se no Orin Rhodes que dissera:

“É tudo por causa da Heidi.”

Riley lutou com os seus pensamentos e sentimentos.

Esperou um instante para Jake lhe dizer como aquilo era louco. Ele não disse nada.

Riley disse, “Começou comigo, Jake. Eu matei-a. Eu sei, eu tinha que a matar, mas isso não muda o facto de que a matei. Não estou preparada para lidar com isto. Não sou suficientemente forte para enfrentar Orin Rhodes. A vingança move tudo o que faz. Mas tudo o que eu tenho é... culpa. Sinto-me demasiado fraca.”

Jake coçou o queixo pensativamente.

“Fecha os olhos por um minuto, Riley,” Disse ele.

Riley sabia o que vinha a seguir – ou pelo menos pensava que sabia. Ela era conhecida no FBI pela sua capacidade de entrar na pele do assassino, de encontrar o seu caminho através da escuridão da sua mente. E aprendera essa capacidade com Jake. Por muito bom que ele tivesse sido, ela sabia que o havia ultrapassado há muito.

Riley fechou os olhos.

Jake perguntou, “Alguma vez mataste alguém que realmente quisesses matar?”

Riley ficou algo surpreendida com a pergunta, mas sabia a resposta sem ter que parar para pensar.

“Sim,” Disse.

A última pessoa que realmente quisera matar fora Peterson – o monstro sádico que a tinha aprisionado e torturado a ela e April. E ela sentira uma quase assombrosa satisfação com a sua morte.

“Lembra-te dessa vez,” Disse Jake. “Lembra-te como foi.”

A memória regressou numa torrente de imagens.

Ela estava presa debaixo de uma casa no escuro, a afastar-se de uma chama que se movia na sua direção. Ouviu o riso horrível de Peterson. Mas depois algo mudou. Já não era Riley a ser torturada. Peterson agora torturava a sua amiga Marie com a chama e Riley não conseguia fazer nada para o impedir. Ela sabia que Marie já estava morta, mas ela rastejou pela escuridão em direção à luz mortífera.

Quando se aproximou viu que era April quem gritava e se afastava do maçarico. April lutava para fugir ao homem que havia torturado Marie até ela se matar, que torturara Riley até ela conseguir fugir.

Depois a escuridão tomou conta de tudo e a cena mudou.

Riley estava na margem de um rio e Peterson apoderara-se de April de pés e mãos atadas na água. April lutara para se libertar, mas estava prestes a afogar-se na água gelada. Riley impulsionou-se para a frente com uma determinação assassina que raramente encontrara em si. Ergueu uma pedra pesada e afiada e derrubou o homem com um golpe na cabeça. Depois atingiu-o uma e outra vez, esmagando-lhe o rosto com a pedra à medida que o rio ficava vermelho de sangue.

“Como te sentiste?” Perguntou Jake.

Riley percebeu que descrevera a visão em voz alta.

“Maravilhosa,” Disse ela com os olhos ainda fechados.

“Estás a perceber a ideia,” Disse Jake.

Sim, estou a perceber a ideia, Pensou Riley.

Agora era fácil ligar-se à mente de Orin Rhodes. Tudo o que tinha que fazer era imaginar a morte de Peterson de uma forma diferente. Imaginou-se a si própria no rio novamente. Desta vez pensou em Orin Rhodes quando ele matou Kirby Steadman na Carolina do Sul.

Riley olhou para o homem com a água gelada do rio pelos joelhos. Mas desta vez ela segurava na Glock cheia de munições. Agora ela era Orin Rhodes.

Disparou um tiro para o ombro de Peterson e viu-o a dirigir-se para a margem a tentar fugir.

Deliciada com a dor e terror do seu adversário, Riley disparou outro tiro e depois outro e outro e ainda outro...

Os olhos de Riley abriram-se. Jake fitava-a com uma expressão de total compreensão.

“Sabes do que se trata, não sabes?” Disse ele.

“Sim,” Disse Riley.

Afinal de contas, a sua vontade de vingança não era diferente da de Orin Rhodes.

“E ainda te sentes fraca e mal preparada?” Perguntou Jake.

Riley abanou a cabeça, negando.

Jake sorriu.

“Ótimo,” Disse ele. “Agora vamos deitar mãos à obra.”


CAPÍTULO TRINTA E DOIS

De repente, Riley sentiu-se renovada e cheia de energia, pronta para se focar no caso com intensidade incandescente. E conseguia perceber pelo sorriso de Jake que ele partilhava o seu entusiasmo.

“Então o que é que tens de provas?” Perguntou Jake.

“Ainda estou a tentar perceber algumas coisas,” Disse Riley.

Entregou a Jake a mensagem que ela e Bill tinham encontrado no quarto de Rhodes.

“Eu e o Bill encontrámos isto quando inspecionávamos o quarto que o Rhodes alugou em Filadélfia. Alguém a enviou a Rhodes por correio normal.”

Jake leu parte da mensagem em voz alta.

“’Ainda bem que gostaste da casa da foto.’ Que foto é esta?”

“O Bill e eu não sbemos,” Disse Riley. “Não havia uma foto no envelope. Mas a noite passada encontrei isto no parque de estacionamento onde a Amber Turner foi assassinada. Não enviei ainda para Quantico para ser localizado porque estou fora do caso e talvez não seja relevante neste momento. Ainda assim, tenho a sensação de que é importante.”

Entregou a Jake a foto recortada da revista.

“Parece-me vagamente familiar,” Disse Jake. “Acho que já visto isto algures.”

“Pensa, Jake! Onde poderá ter sido?”

Ele revirou a foto. Por fim, disse, “Não sei de onde a recordo, mas estas árvoes no fundo são mangues e há muitas árvores dessas nos Everglades.”

Riley sentiu invadir-se de entusiasmo. Disse, “O Rhodes deixou folhetos sobre os Everglades na sua cabana na Carolina do Sul. Deve haver algum tipo de ligação.”

“Deixa-me ver o que consigo descobrir.”

Jake abriu o seu computador e murmurou suavemente para si próprio ao fazer algumas breves pesquisas.

“Não aqui. Mas talvez num ficheiro de propriedades abandonadas que um amigo me mostrou.”

Entrou num site específico e percorreu as imagens.

“Ali está ela!” Disse Riley.

Jake clicou na imagem e surgiu em tamanho maior no seu ecrã. Aproximou-se e leu o texto.

“Pois. É uma casa abandonada nos Everglades.”

“Fica no parque nacional?” Perguntou Riley.

“Foi construída antes dos Everglades se tornar num parque nacional. Há outros lugares como este um pouco por toda a Flórida, mansões abandonadas que pertenciam a criminosos poderosos antes dos seus negócios escuros os derrubarem. Esta pertenceu a um don da máfia de antigamente – Fingers Lucanza, penso que era assim que o chamavam.”

Jake recostou-se na cadeira e sorriu. “Um velho amigo meu é o chefe dos guardas do parque – chama-se Wilbur Strait. Ele falou-me deste lugar e mostrou-me uma foto. Tinha-me esquecido completamente.”

Riley ficou radiante com esta identificação.

“É onde está o Rhodes, Jake! Temos três pistas que apontam para isso – a carta que recebeu em Filadélfia, os folhetos sobre os Everglades e agora esta foto. Ele está a esconder-se nessa mansão abandonada. Temos que ir para lá agora mesmo!”

Jake riu-se da impaciência de Riley. “Aguenta um bocadinho os cavalos. Ainda não provámos nada. Antes de irmos para lá, vamos confirmar isto. Vamos ligar ao Wilbur.”

Jake ligou ao amigo, o chefe dos guardas dos Everglades. Colocou o telemóvel em alta voz para que Riley ouvisse a conversa e pudesse participar. Depois de Jake e Wilbur se cumprimentarem, Jake foi direto ao assunto.

“Wilbur, estou aqui com uma amiga do FBI. Nós pensamos que talvez esteja escondido um certo tipo na velha mansão do Fingers Lucanza. Achas que isso é possível?”

Wilbur Strait pensou durante um breve momento.

“Não sei ao certo,” Disse ele. “Mas qualquer coisa de estranho se passa por aqui. Um caminhante desapareceu há alguns dias – na terça-feira. Não o conseguimos encontrar em lado nenhum. Ele andava a explorar o parque sozinho por isso presumimos que tenha sido atacado por um jacaré, mas os amigos dizem que ele é um explorador com muita experiência.”

Começou a parecer a Riley que Orin Rhodes abatera outra vítima. Decidiu tomar parte na conversa.

“Chefe Strait, chamo-me Riley Paige e...”

Strait interrompeu-a.

“Espere lá. Disse Riley Paige?

“Sim, porquê?”

“Bem, raios me partam. Alguém ligou para a nossa central telefónica, deve ter sido no dia em que o caminhante desapareceu. O tipo mão parava de dizer, ‘Digam a Riley Paige para ter cuidado.’ Não sabíamos quem era Riley Paige. Pensámos que alguém se devia ter enganado no número.”

Riley e Jake trocaram olhares. Sabia que estavam a pensar no mesmo. O autor da chamada anónima só podia ser Shane Hatcher, a ligar como fizera depois dos dois crimes de Rhodes. Ainda andava atrás de Rhodes. Ou ainda trabalhava com Rhodes. Riley não conseguia ter a certeza qual das duas situações podia ser verdade.

Riley disse, “Chefe Strait, o homem que procuramos chama-se Orin Rhodes. Está armado e é extremamente perigoso. Matou pelo menos duas pessoas no espaço de poucos dias. E se está escondido naquela mansão, precisamos de o apanhar. Quais as probabilidades de juntar uma equipa para entrarmos na mansão ao estilo SWAT?”

Strait respondeu num tom confiante.

“Tenho alguns rangers aqui que estariam dispostos a fazê-lo. E podemos trazer alguns polícias locais que tiveram treino SWAT.”

Riley perguntou a Jake, “Quanto tempo demoramos de carro até aos Everglades?”

“Um par de horas,” Respondeu.

Riley disse, “Chefe Starit, acha que consegue reunir a equipa a tempo de atacarmos hoje?”

“Claro,” Disse Strait. “Está a ficar tarde mas devemos conseguir reuni-los antes de anoitecer.”

O telemóvel de Riley tocou. Viu que a chamada era de Bill.

“Tenho que atender,” Disse a Jake e ao chefe dos rangers. “Vocês consolidem os planos.”

Riley levantou-se e caminhou para a varanda onde atendeu a chamada de Bill.

“As coisas estão uma trapalhada por aqui, Riley,” Disse Bill. “A Creighton e o Huang estão a entrevistar toda a gente em Apex que conhecia Amber Turner – família, amigos, colegas de trabalho, todos. Não está a dar em nada. A rapariga não tinha qualquer ligação anterior com o Rhodes. Ambos os homicídios terão sido aleatórios, tal como tu tinhas dito.”

“Não estou surpreendida,” Disse Riley.

Bill prosseguiu, “O problema é que a Creighton não desiste. Ela tem a certeza que vai encontrar alguma coisa se entrevistar toda a gente. Está a enlouquecer a cidade e está à beira de provocar uma onda de pânico local. As pessoas começam a pensar que poderão ser o próximo alvo do assassino.”

Bill tinha razão – as coisas estavam mesmo más.

“Então o que é que vais fazer?” Perguntou Riley.

“Estou no aeroporto,” Disse Bill. “Vou regressar a Quantico. O Walder pode não me ouvir mas o Meredith ouvirá. Mas isto não é uma coisa que possa ser resolvida num chat de vídeo. Tenho que tratar disto pessoalmente. E vou fazer os possíveis e os impossíveis para que regresses ao caso.”

Riley estava sem fôlego de excitação.

“Na verdade, eu estou no caso,” Disse ela. “E acho que encontrei alguma coisa. Estou com o Jake Crivaro em Miami. Temos a certeza que o Rhodes está escondido numa velha mansão nos Everglades. O Hatcher também se encontra na área. Eu e o Jake vamos para lá agora. Vamos juntar-nos a uma equipa de intervenção que o chefe dos rangers está a montar.”

Bill ficou calado durante alguns segundos.

“Há algum lugar onde o avião do FBI possa aterrar nessa área?” Perguntou.

“Deixa-me verificar,” Disse Riley. Espreitou para o interior e perguntou a Jake, “Os Everglades têm um aeroporto?”

Ainda a falar com Chefe Strait, Jake assentiu.

“Sim,” Disse Riley a Bill.

“Ótimo. Encontramo-nos lá.”

Ela e Bill terminaram a chamada. Riley permaneceu na varanda durante alguns momentos, olhando para a vastidão de Miami ao mesmo tempo que ordenava os pensamentos. Com Bill a juntar-se a eles, a viagem demoraria um pouco mais, mas tinha a certeza que a sua ajuda seria preciosa.

Isto está realmente a acontecer? Perguntou a si própria. Estamos realmente a apertar o cerco a Rhodes?

Muito risco e esforço seriam necessários para a intervenção que aí vinha. Riley sabia que era bom que estivesse certa.


CAPÍTULO TRINTA E TRÊS

Os nervos de Riley aumentavam cada vez mais à medida que o grande SUV penetrava mais profundamente nos Everglades. Ela tinha a certeza de que algo em grande iria acontecer. Esperava que o reino de terror de Orin Rhodes acabasse muito em breve.

Estava na companhia de Jake Crivaro e vários rangers e polícias, todos eles envergando coletes Kevlar. O Chefe dos Rangers, Wilbur Strait, ia a conduzir. Outro SUV atrás deles transportava mais polícias e rangers bem equipados.

A estrada seguia por um curso de água através de mato baixo. Um pelicano branco levantou voo mais à frente e Riley percebeu que sob outras circunstâncias, ela consideraria aquela viagem muito aprazível. Riley reconheceu bambu a crescer na água, mas não conhecia o resto da vegetação que dominava a área. Então, na luz algo difusa do final da tarde, viu os olhos ameaçadores de jacarés que observavam os veículos que passavam a partir da água. Não era difícil compreender o desaparecimento de um caminhante solitário por ali.

Os dois veículos pararam no aeroporto no momento em que o avião do FBI parava na pista de aterragem. A porta lateral do avião abriu-se e Bill desceu as escadas rumo à pista de asfalto fumegante. Tinha o seu próprio colete Kevlar pendurado no ombro.

Riley correu na sua direção.

“Ainda bem que pudeste aparecer,” Disse ela.

Bill riu-se e deu-lhe uma palmada no ombro.

“Não perderia isto por nada neste mundo,” Disse.

Entraram no SUV. Enquanto o Chefe Strait retomava a marcha do veículo, Riley apresentou Jake a Bill apressadamente. Os dois homens tinham ouvido falar um do outro através de Riley, mas nunca se tinham encontrado. Pareceu a Riley que haviam simpatizado um com o outro.

Riley sentia-se bem por ter tanto Jake como Bill a seu lado. Eles eram as duas pessoas mais importantes com quem já trabalhara. E agora ali estavam os três a trabalhar juntos. Fazia todo o sentido.

Enquanto Bill vestia o colete, Riley mostrou a foto da casa para onde se dirigiam. Ele pegou na foto e analisou-a com a ajuda da sua lanterna.

“Lembras-te da nota que alguém enviou a Rhodes em Filadélfia?” Disse ela.

“Pensas que é esta casa?”

“Pode ser. Descobri-a no parque de estacionamento de Jacksonville. E na Carolina do Sul ele tinha informações sobre os Everglades.”

Bill anuiu lentamente. “Parece que o apanhámos,” Disse finalmente.

“Espero que sim,” Disse Riley.

Alguns minutos depois, o Chefe Strait disse, “Estamos a chegar.”

Strait parou a viatura numa zona privada da estrada que estava fechada com corrente e cadeado. O chefe saiu do carro e cortou a corrente. Depois regressou ao carro e conduziu. O SUV circulava de forma instável numa desmazelada estrada de terra batida.

“Parece que ninguém vem aqui há muito tempo,” Disse Riley.

“Muita gente vem para aqui de aerobarco e não de carro,” Disse o Chefe Strait.

Finalmente a mansão ficou à vista de todos. O Chefe Strait parou o veículo e desligou os faróis. O outro SUV parou logo atrás. A improvisada equipa de dez homens saiu do carro.

Já anoitecera. Riley mal conseguia ver a grande cobra que rastejava no caminho à sua frente.

O Chefe Strait ia à frente, seguido de Bill, Riley e Jake, e depois pelos outros. Ao aproximarem-se silenciosamente da mansão, Riley viu que ficava junto a um curso de água. Rhodes podia realmente ali ter chegado de aerobarco. Talvez estivesse escondido algures na vegetação espessa.

Agora Riley suava. Percebeu que era mais dos nervos do que da temperatura tropical que se fazia sentir. A sua lanterna captou um movimento na margem e revelou jacarés que haviam sido perturbados pela aproximação dos estranhos. Um deles abriu a sua ampla boca cheia de dentes e depois todos entraram na água.

O Chefe Strait reuniu os membros da equipa e separaram-se, encaminhado-se para posições previamente combinadas em torno da casa. Mesmo na quase total escuridão, Riley viu que era mesmo a mansão que vira na foto – com tijolo vermelho e rodeada por um alpendre com colunas brancas. Parecia maior e mais decrépita do que na fotografia, uma ruína depauperada com muitas das suas enornes janelas partidas.

Com a sua aura assombrada, o lugar assanhava a imaginação de Riley. Há quanto tempo não era preenchida por membros de família ou gangsters bem vestidos? Quandos planos criminosos ali tinham sido delineados? Quantos homicídios haviam sido cometidos naquele local?

Orin Rhodes deve sentir-se em casa, Pensou Riley.

Não via luzes no interior do edifício embora tal não significasse que ele não estivesse naquele preciso momento escondido no seu interior.

Strait entregou um altifalante a Riley. Ela levantou-o e disse, “Orin Rhodes, sou a Agente Especial Riley Paige, FBI. Temos a casa cercada. Saia pela porta da frente com as mãos no ar.”

O seu comando ecoou pela casa vazia e pela floresta circundante. Nenhuma resposta surgiu. Riley não ficou surpreendida. Mas não fazia ideia do que esperar de seguida. Estaria Orin Rhodes ali sozinho ou tinha cúmplices à espera para lançarem uma emboscada? Será que Shane Hatcher também lá estava?

Riley falou novamente, “Repito. Saia com as mãos no ar.”

Mais uma vez, não houve resposta. Riley, Bill e o Chefe Strait trocaram olhares e sacaram as armas. Os três já tinham planeado entrar na mansão se necessário. Os outros membros da equipa esperariam no exterior para evitar alguma fuga. Mas quando os três começaram a caminhar na direção do amplo alpendre, Jake Crivaro juntou-se a eles, sorrindo endiabradamente a Riley.

Riley sentiu-se preocupada. Isto não fazia parte do plano. Seria boa ideia Jake juntar-se a eles com os seus joelhos fracos, os problemas oculares, o aparelho auditivo e o pacemaker?

Agora não é tempo de discutir, Pensou Riley.

Para além disso, ela compreendia o que Jake devia estar a sentir. Após anos na reforma, ele não iria ficar de fora. Estava ansioso por participar em alguma ação. Riley não o podia censurar.

Com Riley à frente, o grupo passou as portas duplas entreabertas da entrada. Segurando nas armas e nas lanternas à sua frente, verificaram no interior cada entrada à medida que avançavam através de um amplo corredor.

Pararam e ouviram. Não advinha nenhum som de vida de dentro da casa. O lugar parecia ainda maior, mais imponente do que visto de fora.

O Chefe Strait disse suavemente, “Temos que ver melhor estes quartos.”

Os três homens separaram-se para os ver. Riley virou a lanterna para uma escada circular que desembocava em cima numa galeria. Subiu-a.

No topo das escadas movimentou-se silenciosamente pela varanda, depois emcontrou um par de portas duplas. Empurrou uma porta, abrindo-a cuidadosamente e entrou numa sala enorme. Estava rodeada de janelas panorâmicas que agora estavam escuras. Então a sua luz itinerante detetou algo bem no centro do espaço.

Riley permaneceu quieta e manteve a luz focada no objeto. Era uma cadeira simples de encosto afastada de Riley. Alguém ali estava sentado. Parecia um homem e a sua cabeça estava inclinada de forma estranha para um lado.

“Orin Rhodes?” Perguntou Riley.

Mas já pressentira que não se tratava de Orin Rhodes. O compartaimento estava repleto de um horrível fedor familiar. Quem quer que ali estivesse sentado naquela cadeira já estava morto há vários dias.

Riley apontou a lanterna em redor da sala mais uma vez para se certificar de que ali não estava mais ninguém. Depois gritou para os seus companheiros lá em baixo, “Tenho alguma coisa aqui.”

Ao ouvir passos a subirem as escadas, Riley colocou-se em frente da cadeira. Estava ali sentado um homem. Os olhos e a boca estavam muito abertos. A julgar pelo cheiro e descolaração da pele, estava morto há pelo menos dois dias. Tal como os corpos na Carolina do Sul e na cidade de Apex, este corpo estava cravado de balas.

O cheiro era insuportável. Não tinha dúvidas de que encontrara o caminhante desaparecido. Este homem não tinha sido levado por um jacaré. Não tinha sido presa de um animal selvagem, mas vítima de um louco.

Mas onde está Orin Rhodes? Interrogou-se.

Riley segurava um lenço no rosto, examinando o corpo mais de perto quando Bill, Jake e o Chefe Strait se juntaram a ela.

“Parece-lhe que foi morto aqui?” Perguntou o Chefe Strait.

Era uma boa pergunta para Riley. Estaria Rhodes a seguir à risca o seu MO? Riley apontou detalhes e começou a explicar.

“O Rhodes normalmente gosta de torturar as vítimas, fazê-las suplicar pela vida e tentar fugir. Mas não há sangue à volta da cadeira e não há traços de sangue até aqui. Ele não foi morto aqui.”

Jake também apontou para o corpo.

“As suas roupas estão rasgadas e manchadas,” Disse Jake. “Rhodes trouxe o corpo até aqui. O caminhante era um homem pequeno por isso Rhodes podia fazê-lo sozinho.”

Riley olhou à sua volta. Não viu qualquer prova de que Rhodes tivesse passado ali muito tempo. Mas é claro que isso tinha pouco significado. Ela lembrava-se da limpeza cuidadosa que fizera à cabana na Carolina do Sul antes de se ir embora.

Bill pegou qualquer coisa no bolso do casaco da vítima.

“Está aqui alguma coisa,” Disse.

Tirou um envelope do bolso. Não tinha qualquer nome lá escrito mas Riley sabia que a mensagem no seu interior lhe era dirigida.

Bill também o sabia. Entregou-lhe o envelope e ela abriu-o. Escrito num pedaço de papel com a familiar caligrafia de Rhodes estava uma pequena mensagem.

Perdeste!

Se vieres sozinha, pode ser que ela ainda esteja viva.

Bill, Jake e o Chefe Strait ficaram a olhar para a nota na sua mão.

“Que raio quer isso dizer?” Perguntou Jake.

Riley não disse nada. Mas o significado daquelas palavras eram absolutamente claras para ela. Orin Rhodes obrigara-a a estar no lugar errado à hora errada. Tinha-a atraído para longe de casa.

Porque o o verdadeiro alvo sempre fora April.


CAPÍTULO TRINTA E QUATRO

Estava frio lá fora, mas April adorava a vista da varanda do terceiro andar. Ela e o pai tinham realmente escolhido uma bela casa para alugar em Chincoteague. Tinha três andares e tinha muitos quartos e várias varandas e alpendres que tinham vista para a água.

É claro que April sabia que não era suposto estar ali. Tinha ordens claras para estar dentro de casa e afastada das janelas. Mas a Darlene, a agente cujo trabalho era protegê-la, estava na cozinha a preparar alguma coisa para comer e o pai estava noutro ponto da casa a trabalhar no seu computador.

Grandes “férias”, Pensou.

Já devia calcular que o pai não podia deixar o trabalho nem que fosse por um dia ou dois.

Não que se importasse muito. Ninguém daria conta se ela ali estivesse apenas durante alguns minutos. Pensou que seria uma pena ir até Chincoteague e não apreciar a vista. E era realmnete uma vista maravilhosa de onde se via a margem do Canal Assateague.

Encontrara uns binóculos na casa. Estava a utilizá-los para observar a Ilha de Assateague, mesmo do outro lado do canal. Era ali que as manadas de ponéis selvagens viviam. Podia vê-los agora, um pequeno grupo maravilhoso.

Pensou com carinho nos tempos em que a mãe e o pai a tinham levado ali quando era pequena. Era verão e havia muito mais para ver e fazer naquela altura. Habituara-se a ver a reunião de ponys. Todos os verões, 150 póneis selvagens adultos e as crias que nasciam na primavera nadavam no canal em direção à Ilha Chincoteague.

Ela sorriu ao lembrar-se como chorara quando os ponys tinham sido vendidos e o pai e a mãe lhe disseram que não podia ter um. É claro que agora compreendia que era a decisão certa. Mas naquela altura era demasiado pequena para compreender.

Baixou os binóculos para observar a margem do seu lado do canal. Viu uns bonitos pássaros brancos. Mas ao percorrer a praia com os binóculos, algo fugidio captou a sua atenção – um homem com um casaco, pensou. Ou eram apenas os seus olhos a pregarem-lhe partidas? Movimentou os binóculos para trás e para a frente, tentando encontrá-lo. Foi interrompida pelo ruído das portas de vidro deslizantes atrás dela.

“April! O que é que estás a fazer aqui!”

April baixou os binóculos. Era Darlene, muito descontente com ela.

April apontou para a praia.

“Darlene!” Disse ela. “Vi alguém ali em baixo!”

Entregou os binóculos a Darlene que observou a praia.

“Não vejo ninguém,” Disse Darlene.

April inclinou-se no parapeito e olhou com atenção. Agora também não via ninguém.

“Anda lá para dentro,” Disse Darlene.

“Mas Darlene...”

“É uma ordem!”

April e Darlene voltaram para dentro de casa. April queria pensar que o homem era apenas uma ilusão criada pela luz, um produto da sua imaginação.

Mas a imagem ainda lá estava, como um flash de luz repentino que continuava a piscar na retina mesmo depois de ter desaparecido. O homem era real, não havia dúvida e April tinha a certeza que estivera a observá-la.

*

Orin Rhodes ficou a olhar para as luzes da elegante casa de férias. O pai e a filha estavam lá, a descontrair relaxadamente.

Não fazem ideia do que os espera, Pensou.

Vira a rapariga naquela tarde. Estava na varanda a observar os arredores com binóculos. Depois surgiu uma mulher e levara a rapariga para dentro – sem dúvida, uma agente do FBI.

Orin não estava preocupado com ela. Tinha a certeza que conseguia lidar com ela. E não tinha detetado outros agentes no interior da casa ou carros a vigiar. Já utilizara o seu portátil para descobrir que a casa não tinha sistema de segurança. Ia ser tudo demasiado fácil.

Apesar da noite estar fria, Orin sentiu o calor da auto-satisfação. Jogara de forma perfeita até ao momento. Tinha sido particularmente inteligente da sua parte contratar aquele agente privado barato para vigiar as movimentações de Riley Paige. Fora assim que descobrira que a rapariga estava no motel.

Atacar lá estava fora de questão. A última coisa que queria era um tiroteio com o FBI. Então, fora paciente. E rapidamente a sua paciência compensara. O detetive privado vira a rapariga e o pai a deixarem o hotel e seguira-os até ali.

O detetive dera a morada a Orin e Orin pagara-lhe pela conclusão do trabalho. Orin estava tão satisfeito com o trabalho do detetive que decidira não o matar.

Mas e Riley Paige? Pensou.

Tinha-a levado a persegui-lo pela Carolina do Sul e pela Flórida. Os dois crimes tinham sido duas grandes demonstrações do seu poder e ela não as tinha ignorado. Ele tinha conseguido atraí-la para longe da sua família. Mas será que ela captara as pistas mais subtis?

Por exemplo, a “mensagem” que ele tinha enviado para si próprio em Filadélfia? Os panfletos dos Everglades que deixara na cabana na Carolina do Sul? E a fotografia recortada da mansão nos Everglades?

E a nota que ele deixara no corpo na mansão? Certamente que o compreenderia se o visse. Certamente se manteria calada e iria sozinha sem qualquer reforço.

Na verdade, se tudo corresse perfeitamente, até já podia vir a caminho. Mas isso também já seria pedir demais do acaso. O acaso estivera do seu lado até ao momento e ele sabia que essa sorte não duraria para sempre. Se fosse necessário, uma simples chamada telefónica seria suficiente para atrair Riley Paige a uma armadilha que ele preparara para ela.

Ela sofreria antes de morrer e Heidi seria vingada, E depois o espírito de Heidi seria livre e Orin também seria livre. Podia matar aleatória e cruelmente para sua felicidade até o acaso o permitir.

A vida é bela, Pensou. E a morte também.

Orin observou a praia. Não havia outras casas próximas desta e não havia atividade nas imediações.

As luzes eram mais luminosas no segundo andar da casa. Devia ser o andar principal. Sim, ele podia ver bem de fora as escadas que subiam até à porta dupla da entrada principal. Algumas luzes se acenderam no terceiro andar que devia estar reservado aos quartos.

O primeiro andar estava completamente escuro, o que servia bem os seus propósitos. Essa parte da casa era provavelmente ocupada por áreas de garagem e armazém. Seria o lugar perfeito para entrar sem ser notado.

Ele estava a vigiar a casa logo atrás da nesga de luz deixada pela luminária na garagem. Uma porta de um dos lados parecia promissora. Pensou que devia ter uma fechadura de lingueta, mas isso não o impediria de entrar.

Moveu-se rapidamente pela área iluminada para a entrada. Depois retirou uns grampos do seu bolso. Aprendera a usá-los através de um amigo ladrão que conhecera na prisão. Os grampos já estavam dobrados para os ângulos de que necessitava.

Estar exposto à luz daquela forma, poderia ser a parte mais perigosa da missão. Mas não podia deixar que isso o demovesse. Desacelerou a respiração para acalmar os nervos.

Ao inserir um grampo na fechadura como chave de tensão, inseriu a outra por cima, fazendo-a depois deslizar na sua direção. Foram necessárias três tentativas mas conseguiu abrir a fechadura.

Empurrou a porta silenciosamente, depois fechou-a atrás dele. O compartimento estava escuro e era um alívio estar longe da luz. Ficou parado e durante alguns instantes ouviu. Tal como esperara, a porta não estava ligada a um alarme e ninguém parecia tê-lo ouvido a raspar ligeiramente a fechadura.

Tirou a pistola do casaco e colocou o silenciador nela. Depois observou o que o rodeava com uma pequena lanterna. Estava numa grande dispensa. Dois caiaques estavam nos suportes e os remos estavam pendurados na parede. Havia dezenas de caixas de metal em prateleiras - sem dúvida tudo o que era necessário para umas férias à beira-mar.

Uma pequena lasca de luz surgiu por debaixo da porta do outro lado do compartimento. Abriu-a lentamente e viu que conduzia a um corredor. Uma escada subia e depois desaparecia de vista.

Antes de começar a subir as escadas, ouviu um som vindo de cima – uma porta a abrir, pensou. Será que afinal alguém o tinha ouvido? Ou seria apenas uma verificação noturna de rotina das instalações?

Uma luz ligou-se nas escadas e ele recuou para um local escuro situado debaixo das escadas. Os passos pareciam leves – a mulher ou a rapariga, suspeitou Orin. Depois surgiu – a mulher que ele julgara ser uma agente do FBI. Parecia jovem e inexperiente, descontraída e incauta ao descer as escadas no que parecia ser uma verificação de rotina. Nem tinha sacado a arma do coldre que tinha na anca.

Estava tentado a torturá-la com balas como tinha feito com os outros. Mas não, esta morte tinha que ser rápida e eficiente. Era um assunto meramente prático. A gratificação viria mais tarde.

Saiu das sombras e ergueu a arma. O tempo parou quando ela se virou e o viu. A sua boca abriu-se surpreendida, mas antes que pudesse soltar um som ele disparou diretamente à testa da mulher.

Com os olhos muito abertos, ela manteve-se de pé durante um momento sem cair. Depois caiu para a frente e ele conseguiu apanhá-la. Baixou-a silenciosamente para as escadas e ouviu.

Alguém teria ouvido o tiro abafado?

Se tivessem, ele estava pronto.

Se não tivessem, melhor ainda!

Com a arma pronta, subiu as escadas na direção da sua insuspeita presa.


CAPÍTULO TRINTA E CINCO

April estava a jogar um jogo no portátil quando ouviu passos no corredor atrás dela. Há momentos, Darlene tinha ido fazer a sua verificação de rotina.

“Como estão as coisas Darlene?” Perguntou, sem se preocupar em olhar.

Quando não surgiu uma resposta, April virou-se e viu um homem à porta.

Ela sabia quem era. Nunca mais se esqueceria daquele rosto. Ele tentara parecer diferente com cabelo mais escuro e alguma barba no queixo. Mas ela nunca mais poderia esquecer aqueles olhos frios e maliciosos – não depois de ele tentar matá-la em Fredericksburg.

Levantou-se. Pensamentos confusos acorreram-lhe à cabeça.

Como podia ser? A mãe tinha ido para sul, primeiro para a Carolina do Sul e depois para a Flórida em perseguição deste homem.

Não podia ser verdade.

Mas depois de alguns segundos de atordoamento, percebeu que era mesmo verdade – e que o homem tinha uma arma.

April chamou o pai que estava na mesma sala a ver televisão.

“Pai!” Gritou April.

O pai de April virou a cabeça, descrente perante a visão do intruso. April percebeu que ele nem fazia ideia do perigo que corriam.

Levantou-se e perguntou, “Onde esta a Agente Olsen?”

Parecia mais indignado do que alarmado.

O homem riu-se exibindo a arma.

“Matou-a!” Disse April. “Matou a Darlene!”

O homem encolheu os ombros.

“Como o acaso quis – sim, matei-a,” Disse ele.

Depois ergueu a arma e apontou-a a Ryan.

Não, Pensou April. Não o posso deixar matar o meu pai.

Pegou no portátil, recuou e depois arremeteu com ele na direção do homem com o máximo de força que conseguiu. Ele baixou-se e quase acertou na sua cabeça. Depois ele enfrentou-a.

“Aha, queridinha,” Disse ele. “Desta vez não te safas contra mim.”

Quando ergueu a arma contra ela, April mergulhou atrás de uma poltrona. Ela sentiu o sopro da bala a passar perto do seu ombro. Já fora atacada fisicamente mais do que uma vez, mas nunca tinham tentado alvejá-la. Ela sabia que ele não estava a fazer pontaria para a matar – pelo menos não para já. Ela já estaria morta se ele quisesse.

Mesmo assim, a ideia de ser alvejada deixava-a furiosa.

Da posição em que se encontrava no chão, viu o pai a rastejar pelo chão em direção à sua pasta. Ela sabia que era lá que ele guardava a sua grande e ameaçadora pistola.

Porque é que não a tinha mais à mão? Pensou.

Independentemente disso, ela sabia que tinha que manter o atacante distraído tempo suficiente para que o pai alcançasse a sua arma. Atirou o corpo contra a cadeira à sua frente, derrubando-a. O homem virou-se para olhar para ela.

Estando de frente para ele e arriscando ser alvejada, April pegou num vaso que estava num apoio. Apanhou-o e atirou-o a ele. Ele dobrou-se e o vaso voou em direção às suas costas, indo depois esbarrar no chão partindo-se em mil pedaços.

A distração tinha sido suficiente para permitir ao pai de April abrir a pasta e tirar de lá a pistola. April pensou que parecia bem pequena e miserável em comparação com a arma que o homem tinha em seu poder. E o pai não parecia nada confiante. As mãos tremiam-lhe ao tentar fazer pontaria.

Mas a atenção do homem ainda estava concentrada em April. Não parecia ter notado o que Ryan planeava fazer. E April tinha que manter as coisas assim. Arrancou um quadro da parede, correu na direção do homem e arremeteu. Conseguiu retirar-lhe a arma da mão, atirando-a para o tapete.

Ele olhava para ela, não para o pai. April retribuiu o olhar, sustendo a respiração, esperando que o pai aproveitasse a oportunidade de alvejar aquele homem.

*

Orin manteve a sua atenção virada para a rapariga ao recuar quando a arma caiu. Ele sabia da última vez que a atacara que ela era combativa, esperta e corajosa. Ia ser divertido derrubá-la finalmente.

Antes que conseguisse chegar à arma, ouviu um tiro, seguido da batida de uma bala a penetrar na parede atrás de si. Virou-se. O pai da rapariga tinha uma arma – uma pequena pistola de calibre .22. Apontava para Rhodes, tentando controlar-se para dar outro tiro.

Mas parecia muito mais assustado do que Orin se sentia.

Na realidade, Orin não tinha medo nenhum.

Podia ver nos olhos do homem que ele não tinha o que era necessário para alvejar alguém. Não, o pai da rapariga não era nada como Orin. Era demasiado tímido, demasiado cobarde. Orin imaginou que devia ter infligido bastante dor emocional na sua vida e que, à sua maneira, era um agressor. Mas não era o tipo de agressor que tivesse o estômago para infligir dor física, muito menos matar alguém.

Orin então começou a dançar. O pai disparou um tiro falhado, depois outro e outro. Agora Orin ria-se, sentindo-se tão seguro como se ninguém estivesse a disparar contra ele.

A pontaria do pai era cada vez mais errática. A única preocupação de Orin era que ele acidentalmente alvejasse ou matasse a própria filha, estragando assim os seus planos de vingança. Orin contou cinco tiros, depois abruptamente correu na direção do homem. Tirou-lhe a arma das mãos e apontou-a para ele. Mantendo o homem debaixo de olho, começou a caminhar rumo ao local onde a sua própria arma tinha caído.

Então ouviu a rapariga a gritar atrás dele e subitamente já estava a agredi-lo por trás com os punhos. As pancadas eram fortes e violentas. Ele sacudiu-a, depois virou-se e disparou um tiro que falhou deliberadamente, mas apenas por pouco. Ele sabia que era a última balada da .22.

A rapariga recuou um passo, dando a Orin a oportunidade de apanhar a sua arma. Depois ergueu-a e apontou – não à rapariga mas diretamente à cabeça do pai. A rapariga arfou e recuou, aterrorizada pela segurança do pai.

Segurando o revólver vazio do homem na sua mão esquerda, avançou e bateu com a coronha na parte lateral da cabeça da rapariga. Foi um golpe duro, mas não suficientemente forte para a deixar completamente inconsciente. Ele só a queria atordoar.

E pôde ver que conseguira o efeito pretendido. Ela tentou reagir, mas o seu olhar estava preso ao dele e ainda desafiador. Mesmo assim, estava suficientemente atordoada para não constituir uma ameaça, pelo menos durante alguns instantes. E ele só precisava de alguns instantes.

Livrou-se do revólver vazio, brandindo a sua formidável semiautomática CZ P-09. Removeu o silenciador. Já não estava preocupado com o barulho, não neste lugar isolado. O ruído apenas tornaria mais interessante a dor e o terror que iria infligir.

Balançando a arma entre pai e filha. Direcionou April e Ryan na direção de duas cadeiras.

“Vocês os dois – sentem-se aí,” Disse ele.

April fez um movimento ameaçador, mas Orin apontou a arma ao pai.

“Nem penses nisso,” Disse ele. “Senta-te.”

Ambos obedeceram. Com a sua mão livre, Orin meteu a mão no bolso do casaco para pegar no rolo de fita adesiva. A sua próxima tarefa era atá-los às cadeiras.

E depois?

A sua vingança não estaria completa se Riley Paige não viesse. Começava a duvidar se ela estaria ou não a caminho. Felizmente, tinha o seu número de telemóvel há algum tempo. Ela estava apenas à distância de um telefonema.

Contudo, primeiro, tinha que imobilizar as suas vítimas. Não podia deixar aquela rapariga à solta por muito tempo. Ainda a segurar na arma com uma das mãos, puxou um pedaço de fita adesiva com os dentes.

Num tom de hospitalidade jocosa, disse, “Quero que estejam confortáveis. Isto vai demorar um bocado.”


CAPITULO TRINTA E SEIS

Riley entrou para o lado do condutor do carro que acabara de retirar do aeroporto militar perto de Chincoteague. Mas antes que Bill conseguisse entrar no lado do passageiro, ela fechou todas as portas da viatura. Bill ficou boquiaberto a observá-la do lado de fora.

Riley não gostava nada de fazer aquilo a Bill. Mal haviam encontrado o aviso de Orin Rhodes no corpo do homem morto nos Everglades, Bill fizera tudo o que estava ao seu alcance para os transportar até ali o mais rapidamente possível.

Rhodes avisara Riley para não avisar ninguém do seu ataque iminente à filha e ex-marido. Era um aviso que tanto Bill como Riley tinham levado a sério. Daí não terem chamado uma equipa SWAT.

Bill dirigiu-se à janela do condutor. Riley abriu apenas uma fresta.

“O que é que pensas que estás a fazer?” Disse Bill. “Tenho que ir contigo!”

“Não podes, Bill. Desculpa, mas não podes. Se estivéssemos a lidar com um assassino normal, podíamos ir juntos. Mas o Rhodes não é normal. Subestimá-mo-lo. Enviou-nos numa perseguição selvagem só para poder apanhar a April. E agora vai mesmo matá-la se eu não for sozinha.”

“Mas ele não tem que saber,” Disse Bill.

Riley abanou a cabeça miseravelmente.

“Ele vai saber, Bill. Ele tem antecipado cada movimento meu desde que tudo começou.”

Antes que Bill pudesse continuar a protestar, Riley fechou o vidro e arrancou. Ela sabia que Bill tentaria segui-la, mas antes teria que ter acesso a outro carro. Acima de tudo, ela não lhe dera a morada exata do local onde estavam April e Ryan. Poderia descobrir ligando para Quantico, mas isso demoraria algum tempo. Esperava ter tempo de resolver aquela situação terrível sozinha.

Mal se encontrou na autoestrada, o telemóvel tocou. Ela atendeu a chamada e ouviu uma voz plena de escárnio e desprezo.

“Riley Paige em pessoa! Há quanto tempo não falamos? Parece-me que há pelo menos dezasseis anos! E não foi na melhor das circunstâncias. Temos tanto para por em dia. Onde está? Estou à sua espera.”

“Eles estão vivos?” Perguntou ela.

“Claro,” Respondeu ele. “Estamos aqui sentados à sua espera. Quanto tempo demora?”

Riley mordeu a língua. Ela sabia que não lhe devia dizer que estava apenas a alguns minutos de distância. Pelo que ele sabia, ela ainda estava na Flórida. Precisava de o manter às escuras.

“Então?” Perguntou ele. “Não tem nada para me dizer?”

Riley sentiu invadir-se por uma avalanche de emoções ao ouvir o seu tom de zombaria. Mas para sua surpresa, a emoção não era de pavor ou medo. Ela não se iria permitir assustar. Durante demasiado tempo, ela tentara entender aquele homem e o seu desgosto pela morte da namorada. Ela até tentara sentir empatia por ele. E algures dentro de si, ela culpava-se pelo facto de ele se ter transformado num monstro.

Mas esses sentimentos já não existiam. A emoção que agora a dominava ia muito para além da fúria. Até ia muito para além de Orin Rhodes. Ela sentia uma fúria cega contra cada monstro que apanhara, sobretudo aqueles que a tinham torturado e às pessoas que ela amava.

Estava farta. Orin Rhodes ia arcar com o peso total de anos de fúria reprimida. Ela estava cheia de uma descomunal sede de sangue, algo que nunca sentira antes.

Começou a falar num tom de voz baixo, assassino.

“Ouve-me, seu filho da mãe patético. Gostas de ver a dor dos outros, não gostas? Gostas da forma como as balas doem. Gostas de demorar o tempo necessário. Mas acredita em mim, não fazes ideia do significado da palavra dor. Mas vais descobrir. E não vou usar balas. Vou-te cortar pedaço a pedaço, a começar pelos dedos dos pés e dedos, e depois tronco. Vou assegurar-me que não perdes pitada. E antes de morreres, vais-me ver a segurar o teu coração ainda a bater nas mãos. Estás-me a ouvir?”

Riley ouviu uma risada áspera.

“Oh, ouvi-a muito bem. Estou ansioso por vê-la tentar.”

Orin Rhodes terminou a chamada abruptamente.

Riley carregou no aceleredor. Ela sabia que não tinha tempo a perder.


CAPÍTULO TRINTA E SETE

Orin Rhodes arremeteu ferozmente contra o rosto do homem amarrado. Bateu-lhe com tanta força na bochecha esquerda que o seu próprio punho doeu. A dor sabia bem. Sabia bem libertar alguma pressão. A verdade era que Orin estava frustrado.

Acabara de falar com Riley Paige e sabia que ela vinha a caminho. Mas quanto tempo demoraria a chegar? Se ainda estivesse na Flórida, a sua chegada ainda demoraria horas.

Mas como é que ele podia descobrir o seu paradeiro? Ela não o revelara ao telefone e nesse ponto, ela tinha vantagem sobre ele.

Não que fosse uma grande vantagem. Para já, ele tinha poder absoluto sobre duas vidas que ele sabia lhe eram caras. Ainda assim, tinha que controlar os seus impulsos. Queria tanto matar a tiro o pai e a filha vezes sem conta, desfrutando de cada momento da sua dor. Mas tinha que os manter vivos por agora.

Olhou para o rosto da filha. Com a boca tapada com fita adesiva, olhava para ele e para o pai com um ar de terror. A sua expressão animou-o um pouco. Nem teria que lhe bater para lhe causar dor. Só tinha que continuar a atormentar o pai.

A cabeça do homem caíra para a frente e ele lamuriava-se baixinho. Orin agarrou-o pelo cabelo e ergueu-lhe o rosto.

“Estava a ouvir aquela chamada telefónica?” Disse ele num tom irónico. “Não ouviu o que a sua ex me disse, pois não? Disse-me para estar à vontade e para lhe bater quando me apetecer.”

Com aquela mentira, recuou o punho e deu um murro no queixo do homem.

Interrogou-se quanto tempo o deveria manter vivo até o matar.


CAPÍTULO TRINTA E OITO

Riley encontrou a morada e parou o carro junto à elegante casa de férias. Quando abriu a porta do carro, notou que estava tudo muito silencioso. Mas por muito pacífica que a cena parecesse, Riley sabia que a violência e o horror se escondiam por detrás daquelas paredes.

Saiu do carro e fechou a porta o mais cuidadosamente possível para não fazer barulho. Viu luzes no segundo andar e algumas no terceiro. O primeiro andar estava às escuras.

Pensou em qual seria a melhor forma de entrar. Entrar de rompante pela porta da frente não seria inteligente. Seria melhor se entrasse sem que ninguém desse pela sua presença – se tal fosse possível. Aproximou-se da casa para avaliar outras opções e rapidamente descobriu que uma porta que dava para um dos lados da garagem estava entreaberta.

Sentiu um arrepio quando percebeu que fora por ali que Rhodes entrara. Ainda estaria ali? Se já se tivesse ido embora, ainda estaria alguém vivo?

Ligou a sua lanterna e caminhou na direção do que aparentava ser uma dispensa. Parou e ouviu atentamente. Nenhum som. Toda a casa estava perfeitamente sossegada. Aquilo pareceu-lhe estranho – terrível e doentiamente estranho.

Abriu a porta do lado extremo do compartimento. Vinha luz de cima. Deitado nas escadas, estava um cadáver. Olhando mais atentamente, Riley percebeu que se tratava de Darlene Olsen, a agente que Lucy enviara para proteger April e o pai.

Perante aquela visão, Riley sentiu-se culpada. Ela já devia saber que a jovem e inexperiente agente não poderia enfrenter Orin Rhodes. E agora todas as suas esperanças e potencial tinham sido brutalmente interrompidos.

Mas aquele não era o momento para arrependimentos. Mantendo-se sempre o mais silenciosa possível, passou o corpo e continuou o seu caminho subindo degrau a degrau cuidadosamente.

No topo das escadas, transpôs uma porta que dava para um corredor. As luzes estavam acesas por toda a parte. Ao caminhar pelo corredor, observou a cozinha e sala de refeições. Não viu ninguém. Com crescente apreensão, movimentou-se na direção das portas duplas no extremo oposto do corredor.

Quando entrou na sala de estar, viu-os – Ryan e April. Estavam ambos atados com fita adesiva a cadeiras no meio da sala. As bocas também estavam cobertas de fita adesiva. A cabeça de Ryan estava curvada mas April fitava a mãe com um olhar selvagem.

Riley foi logo ter com a filha. O mais delicadamente possível, tirou a fita adesiva da sua boca. Riley estava prestes a manifestar a sua alegria quando April a interrompeu com um sussurro áspero.

“Cala-te! Ele ainda está na casa!”

Riley anuiu em concordância. Viu que a cabeça de Ryan ainda estava curvada e que parecia estar inconsciente.

“Como está o teu pai?” Perguntou Riley murmurando.

“Não sei,” Disse April. “Ele bateu muito no pai depois de nos amarrar e amordaçar.”

Riley aproximou-se de Ryan e inclinou-se sobre ele. Para seu alívio, verificou que ainda tinha pulso e respirava suavemente. Então Riley ajoelhou-se ao lado de April.

“Onde é que ele está?” Sussurrou.

“Também não sei. Foi na direção do corredor e ainda não voltou.”

Riley levantou-se e escutou. Não conseguia ouvir nada. Caminhou de volta ao corredor, espreitando a cozinha e a sala de refeições novamente. Depois regressou às escadas. Olhando em seu redor cuidadosamente, vislumbrou um fino rasto de sangue no caminho para o terceiro andar.

A porta no topo das escadas abria-se para outro corredor. As luzes estavam acesas.

E lá, para seu completo e absoluto choque, estava deitado de lado no chão Orin Rhodes.

Os seus pulsos e tornozelos estavam amarrados com fita adesiva, e também estava amordaçado com fita adesiva. Uma corrente longa estava embrulhada à volta do seu pescoço. Tilintou quando ele começou a contorcer-se de dores e terror. Riley pode ver que tinha sido severamente espancado, possivelmente com a corrente.

Uma faca de açougueiro repousava no chão. Mas não tinha sangue e Riley duvidava que qualquer dos ferimentos de Orin tivessem sido efetuados com ela.

Incilamente, Riley não conseguira compreender o que sucedera.

Mas depois, fitando o assassino maltratado, começou a entender.

Shane estivera ali.

Tinha distraído Rhodes das suas presas e tinha-lhe feito aquilo.

Mas ainda estaria Hatcher na casa?

De forma algo estranha, Riley não queria saber.

Há poucos momentos atrás, jurara vingança contra Orin e agora ele estava indefeso a seus pés.

Pegou na faca, ajoelhou-se e fixou sombriamente os olhos de Orin Rhodes. Não se lembrava de alguma vez ter vislumbrado tamanho terror num coração. E a verdade era que ele tinha boas razões para estar aterrorizado.

Riley lembrava-se das palavras que lhe dissera.

“Acredita em mim, não fazes ideia do significado da palavra dor. Mas vais descobrir.”

Sentiu a sua fúria a aumentar novamente – aquela sede de sangue que sentira não só contra Rhodes, mas contra todos os monstros que já enfrentera.

Podia fazê-lo agora. Podia esquartejar Rhodes membro a membro. Talvez até pudesse arrancar-lhe o seu ainda pulsante coração e mostrá-lo a ele antes de morrer tal como havia ameaçado. Ela sabia que não era impossível. Há centenas de anos atrás, os carrascos haviam feito isso de forma rotineira à frente de multidões acesas.

O pensamento era delicioso e a melhor parte era que podia levara a sua vingança a bom porto impunemente. Tudo o que precisava de fazer era dizer que Hatcher chegara lá primeiro e o fizera ele mesmo.

E quem não acreditaria nela?

Por que não? Pensou.

Brandiu a faca, procurando um lugar que o fizesse sofrer.


CAPÍTULO TRINTA E NOVE

Com a faca na mão, Riley hesitou. Algo na expressão de Orin Rhodes havia mudado.

Ela retirou a fita adesiva da sua boca. Ele tentou respirar enquando falava.

“É o que ele quer que faça, sabe,” Disse Rhodes. “Por isso aqui deixou a faca. Está a testá-la.”

Riley percebeu que Rhodes tinha razão. Para Hacher aquele era um teste à sua personalidade. E estava relacionado com aquela pergunta que ele pedira para ela colocar a si própria.

“Já sou? Ou estou a tornar-me?”

Agora Orin sorria desdenhosamente. Já não parecia assustado.

Ele não acredita que eu o faça, Pensou Riley.

A verdade era que ela começava a ter dúvidas.

“É melhor fazê-lo,” Disse ele. “Porque se não o fizer, juro por Deus que não a largo. Nem que leve o resto da minha vida, nem que tenha que fugir de cada prisão à face da terra, vou ter a minha vingança. Asseguro-me de que sofre e que depois morre.”

A fúria de Riley crescia novamente.Deu a Orin um pontapé certeiro no estômago. O homem soltou um gemido mas depois começou a rir.

“É só isso que tem?” Perguntou. “Disse-me que ia ensinar o significado da dor e eu mal a senti. Sabe, eu vivi uma vida de dor e vai ser preciso muito mais do que isso para me magoar.”

Riley saboreou o seu convite.

Inclinou-se para trás e deu-lhe um pontapé com força no rosto, com tanta força que ele gemeu a sério desta vez e um dente saltou-lhe da boca.

O sorriso havia desaparecido.

E ali estava Riley, com a respiração ofegante e não sentia o mínimo de piedade ou compaixão por ele. Podia facilmente imaginar-se a infligir uma morte lenta e dolorosa àquele animal e nunca se arrepender de o fazer.

Então, por que não? Perguntou-se novamente.

Havia uma boa razão para não o fazer. Nunca conseguiria esconder os seus atos de Ryan e April. Ela sabia que eles não iriam contradizer as mentiras que teria de dizer para se safar. No entanto, também teriam que viver com o que ela tinha feito. Seriam cúmplices e não mereciam isso.

Riley largou a faca. Ainda a fixar os olhos de Rhodes disse, “Orin Rhodes, está preso.”


CAPÍTULO QUARENTA

A expressão de Rhodes mudou de inexprimível horror para pura perplexidade.

Riley pegou no telemóvel e ligou o 112.

“Fala Riley Paige do FBI. Preciso de polícia e de paramédicos. Vou prender um crimonoso perigoso. Uma agente está morta. O assassino está ferido e outro homem também.”

O operador do 112 apontou diligentemente a morada.

Riley então apressou-se a descer as escadas para ajudar April e Ryan, mas quando se preparava para entrar na sala em que eles se encontravam viu um homem no fundo das escadas.

Era Shane Hatcher, a sorrir-lhe.

Instintivamente, Riley sacou a arma e apontou-a a ele.

Hatcher manteve as mãos de lado com as palmas viradas para ela.

“Estou desarmado,” Disse ele. “O que é que quer fazer?”

Riley ficou ali, paralisada de indecisão. A sua missão era prendê-lo – ou pelo menos assim fora até ela ser suspensa. Podia prendê-lo naquele momento, vivo ou morto. Para o prender vivo tinha pelo menos que o ferir. Só tinha que apontar à coxa e premir o gatilho.

Mas não o conseguia fazer. Por muito monstruoso que fosse, tinha sido um estranho aliado.E se ele não tivesse parado o Rhodes, o que teria acontecido a April e a Ryan?

“Tem perguntas que me quer colocar,” Disse ele.

Riley anuiu. A sua cabeça estava repleta de perguntas.

“Avance, faça as suas perguntas,” Disse Shane.

“Esteve sempre atrás dele,” Disse Riley. “Podia tê-lo morto várias vezes. Podia tê-lo morto agora. Por que é que não o fez?”

Hatcher encolheu os ombros.

“Por que é que você não o fez?” Perguntou ele. “Essa é que é a verdadeira pergunta, não é?”

Riley agora tremia, mas não sabia porquê,

“Não o fiz porque não sou como você,” Disse ela. “Não sou um monstro.”

Hatcher assustou-a com um riso entrondoso.

“Oh, vá lá, Riley. Está mesmo a tentar dizer-me que poupou a vida daquele filho da mãe por bondade?”

A pergunta apanhou Riley desprevenida. Ela sabia que ele estava absolutamente certo. A única razão pela qual não tinha torturado e morto Orin Rhodes fora apenas por preocupação em relação a April e Ryan. Ela bem que gostaria de o ter feito gritar de dor.

Hatcher disse, “Lembra-se da pergunta que pedi para perguntar a si própria? Já é ou está a tornar-se? Bem, penso que agora já sabe a resposta. Está a tornar-se. Está a tornar-se naquilo que no fundo sempre foi. Chame-lhe monstro ou o que quer que seja. E não faltará muito para se tornar nessa pessoa.”

Riley queria dizer-lhe que estava enganado mas as palavras não saiam.

O sorriso de Hatcher tornou-se mais amplo.

“Está em dívida para comigo, Riley Paige,” Disse ele.

Depois virou-se lentamente e desapareceu pelas escadas.

Ela sabia que o podia perseguir, prendê-lo.

Mas não o conseguia fazer.

E não sabia se alguma vez o conseguiria.

E isso, de alguma forma, assustava-a mais do que tudo.

*

Riley voltou rapidamente à sala de estar.

“Vai correr tudo bem,” Disse a April. “Ele não te pode fazer mal.”

As suas mãos tremiam ao tentar tirar a fita adesiva que atava April.

“Vê primeiro o pai,” Disse April.

Riley sabia que April tinha razão. Foi ter com Ryan e removeu a mordaça da sua boca. Para alívio de Riley ele grunhiu suavemente. Estava a recuperar a consciência.

Voltou para junto de April e tirou-lhe a fita adesiva. De forma instável a princípio, April levantou-se e ajudou a desatar Ryan. Ainda mal estava consciente por isso as duas deitaram-no no sofá.

Por essa altura, Riley ouviu a aproximação de sirenes de ambulância.

Também ouviu o ruído de passos a subir as escadas. Num movimento reflexo, Riley sacou a arma. Depois suspirou longamente quando viu Bill a entrar na sala. Como ela esperava, ele descobrira onde é que ela estava e viera ajudar. Nunca pensara que chegasse tão rapidamente.

“Estás bem?” Perguntou Bill.

Por alguma razão que não conseguia descortinar, Riley não conseguia proferir uma palavra. Tudo o que sabia era que não tinha que ser forte – já não, não naquele momento. Atirou-se aos braços de Bill e desatou a chorar.

Alguns minutos mais tarde, Riley estava ao lado de uma maca de ambulância a ver um paramédico a examinar Ryan.

“Como está ele?” Perguntou Riley.

“Vai ficar bem,” Disse o paramédico. “Tem algumas concussões, mas penso que o crâneo não está fraturado. Podia ser muito pior. Penso que só terá que passar alguns dias no hospital.”

Aliviada, Riley pegou na mão de Ryan. Ele ainda estava atordoado e parecia ter dificuldades em fixar os olhos nela. Mexeu a boca como se lhe quisesse dizer alguma coisa. Riley inclinou-se para o conseguir ouvir.

“Riley, eu não fazia ideia,” Murmurou. “Não fazia ideia.”

Antes que Riley pudesse responder, a equipa médica já o levava para o interior da ambulância.

Riley ali ficou, a pensar no que ele quereria dizer. Estaria ele a tentar dizer que tinha uma nova perspetiva do trabalho de Riley? Ou estaria a tentar dizer que nunca compreendera o horror do seu trabalho até àquele momento?

Ela confortou-se com o pensamento de que ele não estava gravemente ferido. E April também parecia estar bem. O problema que ela agora enfrentava era endireitar as coisas com os chefes em Quantico.

Poderei alguma vez voltar a trabalhar?


CAPÍTULO QUARENTA E UM

Riley entregou o seu relatório na reunião tida no dia seguinte em Quantico. Ela sabia que o risco era elevado. Carl Walder e Brent Meredith estavam ambos lá. E também estavam Bill, Emily Creighton e Craig Huang.

Riley descreveu o papel que Shane Hatcher desempenhara em Chincoteague – sobretudo a forma como tinha atado e amordaçado Orin Rhodes.

Mas não relatou o que ela e Hatcher tinham dito um ao outro nas escadas. Riley ainda estava assombrada pelo que ele lhe tinha dito.

“Está a tornar-se naquilo que no fundo sempre foi. Chame-lhe monstro ou o que quer que seja.”

Quando Riley parou de falar, todos ficaram em silêncio durante alguns momentos.

“Uma coisa parece certa,” Disse Brent Meredith. “O Hatcher não era cúmplice de Orin Rhodes. Na verdade, bem pelo contrário.”

“Calma lá,” Disse Walder. “O Hatcher ainda está em fuga e é perigoso. Jà matou um homem – o condutor da carrinha de transporte de livros em Sing Sing.”

“Tenho razões para crer que não foi bem assim,” Disse Riley.

Walder dirigiu-lhe um olhar desconcertado.

“Tenho razões para crer que o condutor foi cúmplice na sua fuga,” Prosseguiu Riley. “Tenho a certeza de que foi bem pago e que se encontra neste momento fora do país.”

Walder olhou de esguelha para Riley.

“Tem razões para crer em tudo isso?” Perguntou ele.

Outro silêncio se instalou. Riley interrogou-se se iria ter que mostrar a foto que Shane Hatcher lhe tinha enviado do condutor a relaxar numa praia.

Em vez disso, Walder disse, “Agente Paige, desobedeceu às minhas ordens diretas constantemente.”

Riley engoliu em seco. Ia ser despedida?

Bill falou. “Com todo o respeito – as coisas teriam corrido melhor se a Agente Paige tivesse obedecido às suas ordens?”

Era a resposta perfeita e Riley resistiu a sorrir. Walder estivera sempre enganado. Se ela tivesse seguido as suas ordens, o mais provável era Rhodes ainda estar em fuga. Walder não tinha uma resposta apropriada para a pergunta de Bill.

“Agente Paige, vou retirá-la do caso Hatcher,” Disse Walder. “Está demasiado envolvida. Agentes Creighton e Huang, assumam a perseguição a Shane Hatcher.”

Apesar de Riley não o querer dizer, as novas ordens de Walder serviam perfeitamente os seus propósitos. Ele tinha razão – ela estava demasiado envolvida com Hatcher. Ela nem tinha a certeza se o queria apanhar. Para além disso, era uma tarefa impossível. Ela sabia que Shane só seria encontrado se quisesse. Sob as suas condições. Creighton e Huang não tinham a mínima hipótese de o apanhar.

“O que é que quer que eu faça?” Perguntou Riley.

Walder tamborilou os dedos na mesa durante alguns instantes.

“Aguarde novas ordens,” Disse por fim. “Tenho a certeza de que será necessária num outro caso em breve.”

Depois Walder dirigiu-se a todo o grupo e disse, “É tudo por hoje. Obrigado a todos pelo vosso bom trabalho.”

Quando a reunião terminou, Riley trocou olhares com Bill e Meredith. Pareciam tão aliviados como ela por ainda ter emprego.

Mais do que isso, pareciam estar orgulhosos dela. Mais uma vez, ela conseguira alcançar o que todos os outros agentes não haviam conseguido.

E apesar de todo o absurdo, toda a política interna, aquele olhar silencioso de aprovação vindo de pessoas que ela tanto respeitava, era tudo o que precisava.


CAPÍTULO QUARENTA E DOIS

Na noite seguinte, já em casa, Riley e April aninharam-se juntas no sofá. Estavam a comer pipocas e a ver os programas mais triviais da televisão.

Riley estava surpreendida com a força e resiliência de April. Apresentava algumas escoriações mas não parecia demonstrar qualquer trauma emocional. Esta experiência fortalecera-a. De alguma forma, fazer frente e vencer Rhodes no seu primeiro ataque enchera-a de confiança.

Riley estava mais preocupada com Ryan. Estava no hospital a recuperar de uma concussão. Iria ficar vem, mas ficaria traumatizado.

Riley lembrava-se do que ele lhe tinha dito.

“Riley, eu não fazia ideia. Não fazia ideia.”

Riley ainda não tinha a certeza do significado daquelas palavras. E não sabia em que pé ficaria a sua relação depois de tudo aquilo. Haveria forma de reavivar alguma da confiança que começavam a sentir juntos? E Blaine? Também ele fora traumatizado e quase morto.

Ela recordava-se do que Blaine lhe dissera no hospital.

“Faria tudo por ti e pela April.”

Qiual o alcance daquelas palavras de Blaine? Teria dúvidas sobre a sua aproximação a ela? Não o censuraria se assim fosse.

Tudo o que Riley sabia era que se sentia terrivelmente por colocar em risco a vida de dois dos homens mais importantes da sua vida. Bill era capaz de lidar com os riscos inerentes à profissão. Mas não podia esperar o mesmo de Ryan e de Blaine.

Outro pensamento lhe vinha à cabeça e provocava-lhe tristeza.

April parecia ter captado a melancolia da mãe.

“O que é que se passa, mãe?” Perguntou, aninhando-se mais perto.

Riley suspirou, tentando pensar na melhor forma de o dizer. Contara recentemente a April o que acontecera em Nova Iorque há dezasseis anos atrás. Talvez agora April a conseguisse ajudar a encerrar esse capítulo da sua vida.

“Não paro de pensar na Heidi – a namorada de Orin Rhodes.”

“A culpa não foi tua, mãe,” Disse April.

“Não foi?” Disse Riley. “Quando a matei, condenei o Orin Rhodes a um longo e distorcido caminho. E agora morreram mais quatro pessoas.”

April afastou-se um pouco e olhou a mãe olhos nos olhos.

“Mãe, pensa. Se não a tivesses morto e se não o tivesses prendido, eles iam continuar a matar. Acredita em mim, eu sei. Senti na pele quão cruel ele pode ser. Quem sabe quantas mais pessoas teriam morrido?”

Riley não respondeu. Tentou que as palavras de April fizessem sentido.

“Além disso,” Disse April, “se não tivesses matado a Heidi, ela tinha-te matado a ti. Eu não teria nascido. Acredita em mim, não gosto nada dessa perspetiva.”

Riley sorriu. “Bem, talvez tivesses nascido – mas de uma mãe diferente.”

April abanou a cabeça.

“Queres dizer que acabaria por ter como mãe uma das socialites do pai? Huh-uh. Se pensas que sou rebelde nesta vida, nem imaginas como seria nessa outra.”

Riley e April riram-se.

Riley percebeu que April tinha de certa forma razão. A jovem mulher sentada agora a seu lado tinha sido o fruto de valores vindos dela e de Ryan. April estava a aprender a fazer escolhas e não apenas a aceitar o que parecia fixe. E estava a aprender a tomar conta dela própria.

*

Riley estava a descontrair e a tentar concentrar-se num estúpido programa televiso quando o telefone tocou.

Era Garrett Holbrook, o seu colega do FBI do Arizona, aquele que encontrara uma casa para a Jilly, a casa da irmã, Bonnie Flaxman. Riley ficou desanimada, preparando-se para receber más notícias.

“Riley, lamento dizer mas a Jilly fugiu outra vez,” Disse Garrett.

“Porquê?” Perguntou Riley. “O que é que aconteceu?”

“A Bonnie e o marido descobriram que a Jilly tinha regressado à paragem de camionagem onde a encontrou da primeira vez.”

O desespero de Riley aprofundou-se. Ela tinha salvado Jilly naquela paragem de camionagem quando estava prestes a entregar-se à prostituição. Riley nem queria acreditar que Jilly retornara àquele mundo horrível.

“A Bonnie e o marido foram à sua procura e encontraram-na, depois puseram-na de castigo,” Disse Garrett. “Ela não aceitou isso bem e um dia mais tarde desapareceu.”

Riley não sabia o que dizer.

“Riley, a Bonnie diz que já não consegue lidar com a situação. Ela queria adotá-la, mas tudo isto a chocou a ponto de mudar de ideias. A Jilly disse que queria visitar amigos, mas a Bonnie tem medo que ela acabe mesmo na prostituição. Eu tenho tentado encontrá-la para a levar de volta ao abrigo. Até agora não tive sorte.”

Riley respirou fundo. A sua disposição estava outra vez em baixo.

“Obrigado por me dizeres, Garrett. Diz-me alguma coisa se – quando a encontrares.”

“Direi.”

Riley desligou a chamada e ficou ali a olhar para a TV no silêncio.

April disse, “É por causa da Jilly, não é? Fugiu outra vez?”

Riley assentiu.

“O que é que vais fazer?” Perguntou April.

A perguntou pairou pesada no ar e Riley apercebeu-se que não fazia a mínima ideia.

“Vais simplesmente deixá-la sozinha e perdida? “ Perguntou finalmente April.

Riley foi apanhada desprevenida pela profundidade da preocupação de April.

“A Jilly precisa de ajuda,” Disse Riley. “Mas o que é que eu posso fazer por ela? Todos os que me rodeiam acabam por se magoar mais cedo ou mais tarde. O mundo está cheio de problemas. Não os consigo resolver a todos.”

“Não,” Disse April. “Não podes. Mas podes resolver este. E para essa pessoa, isso significa o mundo, não é?”

Riley olhou para a filha, espantada e impressionado com a sua sabedoria. Acima de tudo, tocada.

Riley não conseguiu deixar de anuir.

“Eu posso ajudar,” Disse April suavemente, segurando-lhe na mão. “Trá-la para cá e eu posso ajudar a criá-la.” April olhou para ela com um olhar de súplica, de desespero. “Eu preciso de ajudar,” Acrescentou.

Riley sabia que a sua filha naquele momento estava a falar dela; Jilly era um reflexo dela própria e seria de alguma forma catártico salvá-la.

Riley suspirou, sentindo o peso do mundo nos seus ombros.

“Não sei April,” Disse. “Simplesmente não sei.”

*

Mais tarde nessa noite, muito depois de April adormecer, Riley sentou-se na cama, incapaz de adormecer. Viu o relógio: duas da manhã.

Levantou-se e caminhou silenciosamente pela casa sossegada, tudo sossegado exceto ela. As palavras de April ainda ressoavam na sua mente:

Para essa pessoa, isso significa o mundo, não é?

E:

Eu preciso de ajudar.

Riley matutou naquilo.

E quanto mais pensava, mais percebia que também precisava de ajudar.

Havia uma jovem que precisava dela, que não tinha ninguém no mundo a quem recorrer.

E se Riley lhe virasse as costas, era quase como condená-la à morte.

Riley respirou fundo e soube o que tinha a fazer.

Iria ao Arizona.

E traria Jilly com ela.

 

 

                                                   Blake Pierce         

 

 

 

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