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Series & Trilogias Literarias
O belo oficial da cavalaria sir Gabriel Boscastle, retorna de Waterloo como um herói, só para retomar sua busca de prazeres proibidos em Londres. Não há aposta que este cínico cavalheiro não aceite, nem mulher que não possa seduzir. Mas quando viaja a mansão campestre que ganhou nas cartas, descobre que existe um jogo ao qual jamais
jogou, e que poderia ter encontrado a forma de seu sapato. Seu competidor e vizinha não é outra que Alethea Claridge, a única pessoa que o enfrentou durante seus anos mais loucos e a única mulher que conseguiu capturar seu coração.
A formosa e solitária lady Alethea segue, aparentemente, de luto por seu noivo, que morreu na batalha. Mas sob seu escudo de fingida aflição, oculta um atroz segredo que poderia destruir sua reputação para sempre. De modo que, quando uma noite este bonito cavalheiro retorna como um trovão a sua vida, compreensivelmente fica receosa. Alethea defendeu Gabriel quando era um moço travesso. Mas agora que é um sedutor, revela-lhe seus desejos sensuais sem a menor duvida, embora este prometa que se reformará. Redimiri-se-a este irresistível cafajeste e devolverá a Alethea a confiança no amor ou a arruinará para sempre?
Alethea não demorará a ter a resposta enquanto Gabriel põe em dúvida tudo o que ela acredita sobre o amor, de si mesma, e do que se precisa para ser um herói.
CAPÍTULO 01
Enfield, Inglaterra. 1816.
O diabo tinha vindo tomar posse de Helbourne Hall. Não era de tudo surpreendente considerando a história recente do malvado fidalgo proprietário da mansão. Lady Alethea Claridge não podia distinguir apropriadamente os detalhes da indigna chegada de seu vizinho com a gretada luneta que tinha na janela. Entretanto, o que conseguiu perceber trouxe pouco consolo a alguém que tinha procurado isolar-se dos cavalheiros de má conduta na sociedade. Junto a dois criados que estava o seu lado na longa galeria da casa de seu irmão, olhava para o cavaleiro em um encantado silêncio.
Enquanto pensava em sua dramática comparação desta pessoa com Mefistófeles , deu-se conta que podia dizer mais amavelmente, que parecia um cavaleiro sombrio de épocas brumosas, com a missão de arrasar tudo. Esta imagem lhe teria dado mais segurança, se tivesse compreendido a verdadeira natureza de sua busca.
O alto usurpador envolvido em uma capa escura sentava-se em seu formoso andaluz negro como se dirigisse uma brigada de cavalaria.
Vociferou baixando à costa iluminada pela lua com uma indiferença apocalíptica pela segurança e decoro.
Estava atacando ou fugindo? Não viu ninguém que o perseguisse.
- A esposa do hospedeiro disse que quase o mataram em Waterloo.
- disse em voz baixa, a senhora Sudley, a governanta, amontoando-se para ver mais perto. - Tem cicatrizes horrendas no pescoço, de uma ferida que teria matado um homem normal.
- Achei que tinha deixado de escutar falatórios - murmurou Alethea. -
Até mais, essa irrefletida demonstração de equitação, não poderia ter sido efetuada por um homem que não estivesse no máximo de sua destreza física, a menos que seja um fantasma.
O forte som nasal da senhora Sudley, indicou que se ofendera.
- Só escutei o que se diz no povoado para seu próprio bem, Lady Alethea.
- Para meu bem? - Alethea a olhou pela extremidade do olho - O
que tenho que ver com ele?
A senhora Sudley franziu o cenho.
- É vital saber, para seu bem-estar, se será um bom guardião de sua propriedade.
Alethea suspirou ante esta improvável possibilidade.
- Quantos guardiões "bons" rouba de um homem seu lar, em um jogo de cartas, pergunto-me?
- Aparentemente é de Londres. - acrescentou à senhora Sudley em um tom de voz que indicava que ele poderia também ter surgido do mundo subterrâneo.
Ela sorriu.
- Nem todos de Londres...
Um arrepiante ulular se levantou dentro da tranquilidade da noite campestre. Alethea visualizou um reflexo resistente na mão levantada do cavaleiro, não era o escudo medieval que teria preferido que um vizinho empunhasse, mas sim uma espada. Arrepiou-lhe o couro cabeludo com uma premonição.
- Céus - disse com os olhos castanhos enormes pela surpresa - Soa como se tivesse dado um grito de batalha. Estará planejando assaltar sua própria casa?
- Despertou cada menino e cada cão do povoado -murmurou seu lacaio de ombros caídos, com uma sacudida sinistra da cabeça - Só escutem esses endiabrados uivos. Se continuar assim, a próxima vez vai levantar os mortos. Não é decente. Eu digo que fechemos com chave todas as portas e nos armemos até que sua senhoria volte para casa.
- Matar-se-á se não prestar atenção aonde vai. - disse Alethea alarmada - Está se aproximando da ponte velha. Nunca a cruzará indo...
-... como um morcego do inferno - murmurou o lacaio com gosto. -
Que se mate, é o que penso.
Ela o olhou severamente.
- Guarde seus pensamentos para si mesmo, Kemble.
A governanta levou uma mão de veias azuis aos olhos.
- Não posso suportar ser testemunha. Digam-me quando tiver passado, e se forem más notícias, sejam suaves quando descreverem como morreu. Tenho um estômago delicado com o derramamento de sangue e coisas do gênero.
- Aqui - disse o lacaio impacientemente - Há uma advertência justo frente a essa ponte, a menos que esses pequenos rufiões do orfanato da paróquia tornaram a tirá-la. O idiota só poderá jogar a culpa a si mesmo se quebrar o pescoço.
Alethea sacudiu sua cabeça de cachos castanhos.
- Não se pode discutir isso. Entretanto não será culpa do cavalo se o
cavaleiro não se dá ao trabalho de lê-la. Está além do irresponsável.
Golpeou o punho impotentemente na janela enquanto o imprudente cavaleiro dava a volta e levava seu cavalo ao bosque que dava à ponte, a rota mais curta a Helbourne Hall.
- Não. - disse forte enquanto seu rosto ovalado empalidecia - Para, para antes...
É claro que ele não podia ouvi-la; absurdo inclusive tentar uma advertência. O cavaleiro tinha desaparecido de sua vista na fina extensão de árvores que afastava as terras baixas das duas propriedades.
Retrocedeu da janela. Não se perdoaria se o cavalo tivesse uma queda fatal da ponte podre às afiadas rochas debaixo. O fato de que a seu irmão não correspondesse manter a ponte, a não ser quem quer que fosse o dono de Helbourne Hall, não importava nesse momento.
- Solta os cães, Cooper. - deu instruções ao segundo lacaio que tinha subido as escadas para ouvir a comoção - Senhora Sudley, me traga as botas e...
- Fervo água, senhorita? E procuro um lençol limpo e quente?
- Duvido que vá dar a luz. - disse Alethea divertida - Entretanto, uma garrafa de brandy não faria mal. Embora a use só para recuperar meus nervos. - Deu um último olhar preocupado à janela - Talvez esteja esperando matar-se. Sentir-me-ia inclinada a isso se tivesse que tomar a responsabilidade desse lugar.
Helbourne Hall, a propriedade cujas terras de trabalho limitavam com a superfície bem mantida do irmão de Alethea, tinha sido entregue um mês atrás, em uma casa de jogos de Londres, por seu frívolo dono a um amo desconhecido. A outrora grande mansão georgiana parecia ter caído sob uma maldição. Esta era a quarta vez, em igual número de anos, que a hipoteca trocava de mãos.
Cada dono sucessivo tinha sido mais descuidado que o anterior, até
resultar assombroso que ainda existisse. Alethea supunha que não se podiam esperar melhores aspirações de um jogador experiente. Embora não pôde recordar um amo anterior que tomasse seu capital de uma forma tão perturbadora.
Seu lacaio Kemble poderia ter razão. Este assédio noturno não indicava nada bom para um povoado calmo que só tinha uma assembleia ao ano.
Tampouco pressagiava um futuro seguro para uma dama como Alethea que desejava retirar-se do mundo e sarar as feridas que outro homem lhe tinha provocado.
CAPÍTULO 02
O coronel Sir Gabriel Boscastle lançou um rouco grito de guerra de puro prazer, e desembainhou sua espada para atacar aos morcegos que tinha perturbado com seu palpitante e poderoso cavalgar ao passar o aterro. A sua esquerda se erguia uma grande mansão isabelina cujas janelas reforçadas brilhavam com uma calidez dourada. A sua direita se erguia uma monstruosa granja georgiana sem nada majestoso, nem sequer uma vela acesa para dissipar sua imagem de tristeza enfeitiçada.
E em seu caminho imediato, na parte inferior da colina coberta de erva, havia uma ponte que certamente não suportaria o peso de um cavaleiro meio bêbado e seu robusto cavalo espanhol. Contraiu os joelhos, o traseiro e as costas.
- Bem. Então a cruzamos. Ou não. Não estou para discussões. É
sua decisão.
Sua montaria diminuiu a carreira a um trote.
O brandy que Gabriel tinha bebido na última estalagem tinha começado a dissipar-se. A voz da razão que tão frequentemente conseguia subjugar reapareceu para lhe recordar que já não era um general da brigada de cavalaria pesada atacando ladeira abaixo à infantaria francesa, em um cavalo de guerra bem treinado. Cavalgava em direção a uma granja inglesa mal mantida. Não tinha soldados inimigos à vista.
O cavalo andaluz se recusou a seguir, assinalando seu rechaço a saltar a ponte desmantelada. Tampouco obedecia a ordem tardia de Gabriel para trocar de rumo. Sentiu, pela força musculosa debaixo dele, que tinha que preparar-se para um abrupto estacar da montaria.
O garanhão se deteve, agitando sua cauda. Gabriel contraiu os joelhos por puro reflexo e exalou o ar através de seus dentes apertados, obtendo, com força de vontade, manter-se na sela. Quando a cabeça
deixou de lhe dar voltas o suficiente para poder ver, notou que alguém tinha apoiado uma tabuleta de advertência ao lado da ponte.
CUIDADO.
A PONTE HELBOURNE ESTÁ DEFEITUOSA.
Como um antigo oficial de cavalaria, entendia a importância estratégica de uma ponte. Napoleão tinha ordenado a seus construtores de pontes, erigir pontes como uma parte crucial de sua campanha de guerra. Gabriel com sua brigada tinha feito voar uma ou duas, para frustrar um ataque francês.
Os duendes se escondiam debaixo das pontes. E também faziam os dragões franceses homicidas.
Seu cavalo obviamente tinha melhor bom senso que seu amo neste momento, e se recusava a cruzar. Embora Gabriel não fosse particularmente
supersticioso,
tinha
aprendido
que
a
vida
frequentemente sussurrava pequenas advertências a aqueles que escutavam. Uma tabuleta de aviso, entretanto era difícil de ignorar. Não era que tivesse de cruzá-la. Só tinha ganhado esta propriedade, de maneira que poderia jogá-la e voar rápido como uma cotovia.
Entretanto, ao descobrir que estava localizada no povoado de seus anos de infância e humilhações juvenis, tinha decidido que valeria a pena pelo menos uma visita, com a esperança de exorcizar alguns demônios.
Tinha que haver outro caminho para cruzar em alguma parte, podia
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vadear a água com suas botas militares, exceto que não gostava de empapar-se. Podia caminhar pelo bendito bosque. Escondera-se de menino com muita frequência para escapar do chicote de seu padrasto.
Entretanto tinha se esquecido de que os subúrbios de Helbourne Hall se assentavam em meio de terras pantanosas. Bonitas de dia.
Difíceis de noite. Supôs que em sua época, os tetos bicudos e as janelas
sobressalentes eram agradáveis de ver.
Agora as esculturas geométricas de influência gótica com o gesso branco descascando-se e o negro da madeira, dançavam zombadoras em seu campo visual. A menos que...
Ah, essa monstruosidade poderia ser a casa dos zeladores, somente. E o zelador tinha que ser um excêntrico que tinha permitido que um muro de espinhos e ervas daninha crescesse até o torreão, como um elemento dissuasivo para qualquer um que se atrevesse a incomodar. Entretanto, era peculiar. Não podia imaginar que alguém viesse até aqui sob nenhuma outra circunstância que a sua.
Olhou para as águas que passavam depressa sob a ponte. Talvez não devesse cruzá-la. As pontes tinham um papel simbólico na poesia e pintura, não é verdade?
Um passo a outro mundo, a outra vida.
E em seu caso não poderia ser melhor.
Desmontou e deu uma palmada na garupa de seu cavalo.
- O que acha? Confio em seu julgamento. Vamos?
O cavalo permaneceu como uma estátua comemorativa. Gabriel só podia rir.
- Cavalga direto ao fogo do canhão e recusasse a cruzar uma ponte do campo? Está bem. Não se pode discutir com você quando está com esse humor. Eu irei primeiro. Observa.
Caminhou cuidadosamente pelas tábuas de madeira com os joelhos dobrados. As pesadas vigas rangiam, mas seguravam seu peso. Sua montaria, aparentemente, não se convencia que era seguro cruzar e não o seguiu.
- Olhe. - E deu um pontapé em uma tábua retorcida - Resistente como a cama de uma puta. Eu...
O sussurro das folhas, o eco de cascos de cavalos, elevou-se na noite. Em alguma parte um mocho amarelado ululou e pôs-se a voar.
Virou e olhou o bosque.
Podia ouvir a voz de uma mulher por cima do clamor. Esperou com curiosa cautela, na expectativa.
Nunca deixava de assombrá-lo como podia estar cambaleando com um pé na tumba, e o outro apoiado em uma muleta, e, entretanto recuperar-se com toda sua força, quando uma mulher aparecia em cena.
Inclusive seu cavalo ergueu as orelhas e voltou à cabeça ao tumulto.
Infelizmente, os gritos frenéticos da mulher não aumentaram as esperanças de Gabriel de ter uma companhia agradável. Sabia quando uma dama estava desgostosa, quando a escutava.
O que tinha feito ou prometido, desta vez? Parecia que tinha fracassado. Não achava que o tivessem seguido de Londres, ou inclusive da última taverna. Não tinha amantes atuais, ou até onde sabia nenhuma com a que tivesse uma conta que saldar para persegui-lo tão longe. Era irresponsável, e não tinha raízes nem ataduras.
O estrondo de um disparo no bosque acabou com suas reflexões.
Apoiou-se contra o corrimão da ponte. Esta fez um rangido intimidador.
Uma moça, despenteada, irrompeu do bosque.
- Senhor, imploro, não...
Ele levantou as mãos.
- Baixe suas armas. Tem o homem equivocado. Tenho primos por toda a Inglaterra. Inclusive tenho irmãos em alguma parte. Todos somos parecidos. Cabelo negro, olhos azuis, qualquer que seja a injustiça que lhe tenham feito só me posso desculpar, mas a culpa...
- Não cruze a ponte. - finalizou ela com um grito potente - Não a cruze, está balbuciando tolices. Está equivocado.
Ficou olhando-a com um assombro inicial. Não escutou sua advertência. Deus querido. Conhecia-a. Essa selvagem cascata de cabelos encaracolados, atraentes olhos escuros, e se isso não fosse
suficiente para agitar o sangue de um homem e as impressões latentes de seus primitivos desejos, um par de seios voluptuoso que sua horrível capa não ocultava, e que se agitava de preocupação por ele.
Um súbito reconhecimento desceu por suas costas. Lady Alethea Claridge, a filha do conde local, a moça inalcançável das fantasias da infância de Gabriel. Sua lembrança se desvaneceu em um eco que ele treinou para ignorar, mas que tinha persistido invadindo sua mente nos momentos mais inconvenientes.
Alethea, provavelmente, esquecera-se dele fazia muito tempo. Não se tinha casado com o filho do Lorde do povoado e mudado para uma mansão próxima? Embora reconhecesse Gabriel, duvidava que se dignasse a admitir que uma vez tivesse saído em defesa desse malvado moço Boscastle.
Que Deus a abençoasse. Ele se lembrava muito bem. A boca lhe curvou em um sorriso agridoce. A imagem de seu último encontro o encheu de humilhação. A maioria das lembranças de sua infância, o
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fazia. Tinham-no amarrado ao pelourinho da praça e lhe tinham jogado repolhos e nabos podres, e esterco de ovelha.
Um dos nabos, murcho e duro como uma pedra, tinha-lhe cortado à testa. O sangue lhe corria pelos olhos. Seus agressores, a maioria supostos amigos, riam infantilmente.
Então a elegante carruagem do pai de Alethea, o terceiro Conde de Wrexham, diminuiu a velocidade na praça da aldeia. Seu pai, com voz estrondosa, tinha-lhe ordenado que permanecesse dentro da carruagem, advertindo-a para que não se envergonhasse e se aventurasse onde não devia.
Ela não obedeceu, embora fosse uma jovem dama, provavelmente horrorizada de que o próprio padrasto de Gabriel o tivesse entregado a prisão para castigar sua conduta incontrolável.
Tinha-a visto escolher cautelosamente um atalho entre os desfeitos e esmagados pelo gado. Levantou suas saias azuis até os tornozelos e as sapatilhas prateadas de salto baixo apareceram. Não tinha visto um espetáculo mais formoso em sua vida antes ou depois. Agachou-se com graça. Gabriel escutou sua mãe, Lady Wrexham, dar um grito abafado de horror dentro da carruagem.
- Disse-lhe que havia uma fada malvada dentro do meu quarto no dia que ela nasceu, William.
- Sim, sim. - ele respondeu com voz impaciente – Mil e uma vezes.
Mas o que vou fazer a respeito?
- É estúpido, Gabriel Boscastle? - Alethea tinha sussurrado
- Não me sinto particularmente acadêmico neste momento. - Ele recordou levantar o olhar desde esses seios tentadores a seu doce rosto, achando subitamente que todo o corpo lhe doía quando respirava.
Nabo moído e sangue quente escorriam por sua face. Sentia-se horrível
- Vai tomar-me um exame?
- Só quero saber - disse com uma franqueza que não esperava - por que continua fazendo coisas que desatam a ira de seu padrasto, se no final o castiga.
- Não é assunto seu não é verdade? - respondeu com atitude desafiante. Podia ver um bando de conhecidos juntando tomates arrebentados e maçãs podres para lhe atirar.
Se a golpeavam, mataria a cada um com suas próprias mãos quando ficasse livre. Apertou os dentes frustrado. Finalmente tinha conhecido à moça mais formosa que tinha visto, e se sentia como um porco.
- Melhor que volte para carruagem - sussurrou sinistramente.
- Fá-lo-ei. - Dirigiu um olhar de desdém ao grupo sorridente, até que cada moço e homem retrocedesse vários passos. Então ocorreu ao Gabriel que sua beleza aristocrática era uma arma mais potente que
qualquer uma que tivesse empunhado - Lhe limpo o rosto? - sussurrou enquanto se levantava.
- Não - respondeu furioso - Parta, já. Está me doendo o pescoço de tanto olhar para cima.
Ela respirou profundo.
- Bom você me olha com frequência quando vou à igreja.
- Isso é o que pensa? - Achava que tinha sido mais sutil - Está equivocada. Primeiro não vou à igreja. Segundo, admiro os cavalos de seu pai. Olhava-os e não a você. Todos sabem que eu gosto de cavalos.
Sua boca cheia se apertou. Então, antes que pudesse afastar o rosto, lhe tirou da face um molho de nabos misturado com sangue, com o indicador coberto com uma luva de pelica com botões de pérola.
- Minha mãe acredita que vai terminar muito mal. - lhe disse suavemente.
Resmungou ante seu toque. Ela estava deslumbrantemente limpa e pura. Ele cheirava a repolho e excremento.
- Ainda não chegou o final. - Oh, maldição. Sua mãe tem razão.
Também seu pai e seu avô. – Você se importa em me deixar com minha miséria, agora? Não está me ajudando, sabe.
- Não estou?
Amaldiçoou a si mesmo.
- Vai me ocasionar mais problemas.
Aproximou-se devagar aos postes que o aprisionavam. Os lacaios de seu pai tinham saltado da carruagem ostensivamente para protegê-la.
- Mas é o filho de um visconde. O filho de um Boscastle. Como...?
- Meu pai está morto e com ele, tudo de bom e de glória. Não escutou? Com exceção de mim.
- Só estava tratando de ser amável - disse ferida e indignada.
Tratando de ser amável.
Inclusive então poderia lhe ter dito que a gentileza não só era uma
perda de tempo, mas também uma fraqueza que outros explorariam.
Tinha aprendido isso em idade prematura e os anos posteriores não fizeram nada para dissipar essa crença.
- Pedi-lhe algo? - perguntou-lhe com uma voz desapaixonada.
Baixou a vista com uma atitude de desinteresse embora cada músculo de seu corpo confinado se sentisse apertado e algo nele desejava que ficasse. Os dois lacaios a escoltaram delicadamente de volta a seus pais. Podia ver sua mãe na janela da carruagem sustentando um frasco laranja no nariz como se Gabriel estivesse sofrendo de uma enfermidade contagiosa em vez de um padrasto abusador e mau caráter.
Suprimiu uma onda de fúria inútil. Inferno, inferno, inferno. Odiava a todos, especialmente a si mesmo, tendo à moça mais bela que tinha visto agindo como sua heroína.
A sapatilha bordada de Lady Alethea tropeçou num repolho. Um lacaio a segurou antes que perdesse o equilíbrio, e justo quando esperava que lhe enrugasse o nariz de desgosto, agachou-se, pegou o repolho e o jogou em seu assombrado grupo de verdugos. Observou além dela. Agora sua humilhação começava a ferver.
O que esperava provar?
Não sabia que os moços tinham que proteger às moças? E às mulheres? Gabriel fazia tudo o que podia para proteger a sua mãe. Não tinha sido suficiente.
- Vi me olhar, Gabriel Boscastle - sussurrou, soltando os ombros do amparo do criado.
Seu olhar subiu da sapatilha suja ao queixo firme. Preferia que acreditasse que fosse belicoso a débil. Por que tinha se incomodado?
Fazia-o sentir-se pior.
- E o que?
- Notei isso é tudo. E acredito... qualquer que tenha sido a razão,
provavelmente não era decente.
- Olharei o que quiser. - gritou atrás dela, o desafio à única arma ao seu dispor.
Ela se deteve lançando um olhar ao redor.
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- Moço da picota . Não me importa se olha.
CAPÍTULO 03
O bom senso, assim como a experiência passada com seus anteriores vizinhos, advertiu Alethea que não se podia confiar em qualquer homem que tivesse ganhado Helbourne Hall em um jogo de cartas. Mesmo assim, a pessoa tinha que conceder inclusive a um jogador, o benefício da dúvida, sem estender a mão da amizade.
Podia não ter mais esperança de casar-se e ser a senhora de sua própria propriedade. Podia ter renunciado a sua crença em homens bonitos e finais felizes no último ano. Mas sem dúvida o destino poderia ao menos considerar enviar a Helbourne um homem decente que tirasse proveito de sua sorte e se estabelecesse ali.
Parecia um pequeno favor o que pedia. Que por sua vez, Helbourne desafiasse sua verdadeira história e reclamasse um proprietário de boa reputação para que Alethea pudesse seguir isolando-se do mundo e de suas coisas desagradáveis.
O guarda-florestal de seu irmão, Yates, chegou correndo entre as árvores com três mastins enlaçados, ladrando furiosamente à ponte. Seu gorro verde estava deslocado por cima de sua orelha esquerda. Seu
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antigo trabuco , cujo rugido ensurdecedor demonstrava que ainda funcionava, apoiava-se em seu ombro.
- Averiguamos seu nome, milady. Seu cocheiro foi parar em nossa casa por engano. É um Boscastle.
Alethea voltou à cabeça. O assombro lhe disparou os nervos.
- Um...
- Os Boscastles são uma família muito conhecida - acrescentou Cooper, o lacaio que lhe tinha acompanhado - Cada criado em Londres sonha trabalhar para o marquês, e agora uma das irmãs acaba de casar-se com um duque. Sempre estão nos jornais.
Alethea estudou a robusta figura que parecia estar conversando com
seu enorme cavalo. Um cavalheiro escuro pensou de novo. A apreensão se mesclou com uma lembrança comovedora do passado. Assim ele tinha voltado para casa, e aparentemente sem mais decoro que o que tinha tido quando se fora.
O lacaio limpou a garganta.
- Ouviu o que disse milady? Não é um diabo ordinário.
- Um especial, então?
- É um Boscastle de Londres.
- Há mais ramos da família Boscastle que a notória linha de Londres.
- murmurou ela, dando outro olhar furtivo à figura de ombros largos na ponte. O coração lhe começou a pulsar com um ritmo irracional.
- Conhece pessoalmente algum dos Boscastles? - perguntou cuidadosamente o guarda-florestal. Não estava há muito tempo a serviço de seu irmão e, portanto sabia pouco da história de Helbourne.
- Faz muito tempo conheci três dos jovens cavalheiros. - Sorriu a seu pesar - Não relacionávamo-nos. Quando era mais jovem, sua família residia não muito longe daqui. Mas este homem...
- Sir Gabriel Boscastle. - irrompeu o guarda-florestal, seu olhar agora também fixo no homem. - Foi o nome que seu cocheiro nos deu.
- Gabriel. Sir Gabriel agora, não é verdade?
- Sim. - disse o guarda-florestal - Era um coronel de cavalaria.
- Isso parece apropriado. Sempre teve paixão pelos cavalos.
- Ouvi que agora tem outras paixões.
- De verdade, Yates?
- Perdoe Lady Alethea.
Ela se aproximou um pouco mais da ponte. Seu cavaleiro escuro agora também estava olhando-a. Duvidava que pudesse reconhecê-la.
Nos velhos tempos, tinha realizado grandes esforços com sua aparência.
Agora seu cabelo tinha crescido e era rebelde. Vestia-se de um cinza opaco por comodidade e raramente se lembrava de usar luvas.
Não é que lhe importasse impressionar a um cafajeste, que era no que Gabriel se convertera, sem grande surpresa para ninguém.
Pelo que tinha ouvido, seu menino mau tinha sido um soldado na Espanha. Um libertino entre os regimentos, e um jogador desumano que ganhava as propriedades de imprudentes jovens cavalheiros.
Sempre tinha rezado para que não acabasse mau. Mamãe tinha tido razão, exceto que ainda não tinha chegado realmente ao final, não é?
Seus primeiros anos de vida não tinham sido fáceis. Talvez tivesse conseguido o melhor que pôde. Seu padrasto tinha tido reputação de ser cruel.
Agora sabia o que não soube então. Que outras pessoas, inclusive aquelas que dizem preocupar-se com você, podem lhe causar uma profunda dor. Podem feri-la de uma maneira indescritível.
- O que fazemos milady? - perguntou o lacaio - Parece um tipo formidável.
- Acredito que é.
Não estava segura do que fazer. Podia estalar em um ataque de risada pela ironia, ou mais sabiamente cavalgar para a igreja do povoado e pedir asilo ao vigário.
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Sir Gabriel sem dúvida exsudava um ar diabólico que desafiava seu desejo de ver, para variar, um homem decente tomar posse de Helbourne.
De qualquer maneira, ela não era responsável por seus costumes.
Caminhou lentamente para ele.
- Gabriel Boscastle? Não posso acreditar. É realmente você, depois de todos estes anos?
Ele riu um pouco incômodo, sem mover-se, mas observando-a tão atentamente que soube que os rumores a respeito dele deviam ser certos.
- Se admitir essa identidade, vão me disparar por um crime do qual não tenho conhecimento de ter cometido?
- Cometeu muitos crimes? - perguntou zombadora.
Ele sorriu, lhe produzindo um rubor involuntário nas faces.
- Vai me castigar se os admito?
- Não.
- Que lástima.
Ela tinha se aproximado o suficiente para examiná-lo à luz da lua.
Ah, que rosto tão imponente. Esses mesmos traços esculpidos, os intensos olhos azuis que queimavam com fogo interior, mas agora estava mais adulto, mais tenso, todo rastro de dor e humilhação da infância enterrado, se não morto. A cicatriz púrpura que dividia em dois seu maxilar inferior para terminar em um profundo corte enrugado através da garganta era espantosa, mas não o desfigurava. Poderia ter se assustado se não o tivesse conhecido antes.
Gabriel sempre tinha tido uma atitude que fazia que aqueles que se aproximavam dele, fizessem uma pausa. Agora tinha uma marca física para desanimar a qualquer pessoa cuja presença não tivesse sido convidada. Ela supôs que isso não lhe importava o mínimo. Entretanto ainda a tentava, segundo as palavras de seu finado pai, a aventurar-se onde não devia.
Ela não chegou a pisar na ponte.
- Não acredito que devesse cruzar até aqui. - lhe avisou ele calmamente, avaliando seu corpo coberto com a capa - Pode cair e me veria obrigado a salvá-la.
Ela deixou escapar o ar. Sua voz era mais áspera do que recordava, talvez mais cínica, baixa, controlada.
- Tampouco você deveria cruzá-la. Não viu a tabuleta?
Encolheu os ombros. Agora também era mais alto, seus ombros largos, seu torso bem formado.
- Achei que era para manter afastados os intrusos. De todo modo, de quem é a ponte?
- É sua. - Ela fez uma pausa.
Converteu-se em um homem extraordinariamente atraente, e parecia dar-se conta. Certamente, não fez nenhum esforço de ocultar seu evidente interesse em sua aparência feminina, examinando lentamente seu rosto e figura até que o calor lhe subiu pelos ombros e pescoço.
- Me diga que só é um intruso. - disse em voz baixa - Ou que é um visitante da pessoa a quem agora pertence o lugar. Oh, por Deus, Gabriel! Não me recorda?
Ele sorriu, os olhos fixos nos dela.
- Lady Alethea. - E fez uma reverência zombadora. A ponte onde ele estava parado rangeu, outra advertência não tomada em conta - O
prazer de voltar a vê-la é sem dúvida todo meu.
Menino malvado.
Ela lutou contra um sorriso até que rompeu em gargalhada.
- Só posso esperar que fosse mais agradável que a última vez que falei com você. Lembra-se? Ofender-me-ei se se esqueceu.
Era difícil de acreditar que uma vez tivesse sentido pena de Gabriel.
Esteve se metendo em problemas, cada vez mais profundamente, nos meses que seguiram à morte de seu pai. Sempre tinha parecido mais maduro que sua idade. Até essa noite, ainda podia sentir os ferozes olhos azuis, avaliando-a quando ela passou por diante dele com seu delicado e pequeno pônei. Tinha sido grosseiro de sua parte que continuasse olhando-a fixamente. Seu cavalariço havia inclusive repreendido Gabriel uma vez por fazê-lo.
Mas isso não o deteve.
Menino desgraçado. Homem sedutor.
Ele continuava olhando-a dessa maneira que a fazia sentir-se
envergonhada e acalorada.
Entretanto, parecia haver algo diferente em seus olhos agora.
Conhecimento. Uma consciência cautelosa, que ela reconhecia de suas próprias experiências.
- Não acreditava que alguma vez a esquecesse, não é verdade, minha bela campeã? - perguntou com os braços apoiados no fraco corrimão.
Ela olhou a seu séquito envergonhada.
- Mal nos conhecíamos. Acredito que só falamos em algumas ocasiões, a última foi quando esteve preso na praça do povoado.
- Recordo nossa conversa. - Levantou sua mão e a levou ao coração
- As palavras estarão para sempre gravadas nesta cavidade vazia. Temo que essa não seja uma de minhas melhores lembranças. Não por culpa sua.
- Por que voltou? - perguntou em voz baixa.
- Vim reclamar minha propriedade... Helbourne Hall. Poder-me-ia indicar onde está?
Sacudiu a cabeça decepcionada.
- Está cruzando a ponte, justo atrás de você. Não se pode perder. -
Apontou além dele - Lá.
Seus brancos dentes brilharam em um sorriso triste.
- A casa do zelador quererá dizer. - olhou a seu redor dando um bufo de brincadeira - Ou isso é o celeiro?
Ela sorriu lentamente, pensando que de todos os usurpadores anteriores da mansão, Gabriel parecia o mais adequado para a propriedade.
- Vou lhe dar outro aviso sobre o pessoal que herdou. Disseram-me que são propensos a dar problemas e a deixar de lado seus deveres.
Ela ouviu o risinho de seu lacaio, e lançou um olhar para silenciá-lo.
- Os criados são instáveis pela rápida sucessão dos donos -
continuou - Sem estabilidade e uma correta orientação, aprenderam a aproveitar-se. - O que era uma maneira educada de lhe informar que seu pessoal era composto de bêbados, ex-delinquentes e marginais sociais.
Por um momento satisfatório, pensou que havia tocado seus princípios mais elevados. Então levantou uma sobrancelha como um demônio empenhado, e perguntou:
- Suponho que você não vem com a casa?
Dirigiu-lhe um meio sorriso desdenhoso e retrocedeu um passo.
- Doces sonhos, sir Gabriel. Se o rio o levar longe, não diga que ninguém o avisou.
- Alethea...
Ela hesitou.
- Sim?
- Nada. Não importa.
CAPÍTULO 04
Avisei-o. Como se alguma vez em sua vida tivesse prestado atenção a uma advertência, quando uma mulher se preocupava.
Observou sua elegante figura desaparecer sob o atalho coberto de árvores para onde o cavalo esperava até que ele entrasse em razão.
Mesmo quando era uma garota Lady Alethea Claridge tinha ido a ele quando se sentia perdido. Quem ela pensava que era para ir resgatá-lo?
Ele poderia lhe ter dito que recordava o dia que lhe tinha falado no pelourinho, como o ponto mais baixo de sua humilhação pública.
Seu padrasto tinha procurado humilhações mais intensas em privado, mas a intromissão de Alethea só tinha aumentado à vergonha que Gabriel tinha lutado por manter em segredo. Ele nunca se afundara tão profundamente outra vez em sua própria estimativa pessoal, apesar de outros poderem aventurar uma opinião em sentido contrário.
De fato, estava quase tentado a chamá-la outra vez e lhe dizer que se tornara absolutamente louca se pensasse que tanto uma ponte quebrada como uma desmantelada propriedade lhe importavam muito depois das coisas que tinha visto e feito. Grande coisa, que ainda pudesse desconcertá-lo.
Não era um completo inútil, já tinha obtido seus lucros de outras hipotecas anteriormente, segundo seus cálculos, se a deteoriada ponte era indicativo do que havia debaixo, Helbourne Hall lhe custaria provavelmente uma fortuna em reparações sem produzir uma só libra de benefício em troca.
Calculou que desperdiçaria no máximo uma quinzena ou duas ali.
Sua atraente vizinha, Alethea, merecia alguns dias de sua atenção embora só fosse pelos velhos tempos. Depois de tudo, podia contar com uma mão o número de valentes almas que se incomodaram em defendê-
lo. Três de seus primos Boscastle. Seu comandante de infantaria. Uma
garota jovem e teimosa que se atreveu a desafiar sua educação e sujou as luvas limpando a imundície de uma face selvagem.
Valiosas eram aquelas pessoas que tinham ousado fazer-se seus amigos durante seus anos mais escuros, por medo de que se voltasse e os mordesse.
Gostasse ou não, inclusive para os princípios de um patife, devia-lhe um favor. Havia algum indesejável pretendente que desejasse que desaparecesse da face da terra? Algum recalcitrante ao que esperasse pôr ciumento? Possivelmente a jovem se achava de maneira vergonhosa necessitada de recursos. Possivelmente seus pais tinham morrido, e seu irmão, achava recordar que tinha um, havia trazido a desgraça sobre o nome da família.
Dizia-se que como parte de um código pessoal, um membro da família Boscastle nunca esquecia um insulto ou um favor. Algo que não se dizia, mas que se supunha, era que Gabriel deveria levar uma recompensa a Alethea por sua amabilidade passada, que era obrigado a aceitar.
Que tipo de garota desafiava seu pai para ajudar um menino teimoso a quem todos do povoado tinham a precaução de não cruzar o caminho? Fazia que se perguntasse sobre o julgamento da garota. Sua voz flutuava entre as árvores.
- Há fantasmas que perseguem essa ponte, Gabriel. Um amante ciumento afogou seu amor e depois se suicidou. Tente não perturbá-los mais.
Ele a olhou fixamente. Coquetes cachos escapavam do capuz da capa para acariciar seu rosto. Sempre se tinha perguntado se tinha sido tão bonita como recordava.
Era, mas vê-la de novo lhe provocava dor pela pena dos sonhos abandonados nas encruzilhadas.
- Ouça-me, Gabriel. Não sei se é supersticioso, mas um par de
espíritos infelizes persegue o mesmo lugar sobre o qual se encontra.
Sacudiu a cabeça, bufando enquanto se virava para a ponte. Havia fantasmas que o perseguiam também, mas nunca mais se assustaria com eles.
Devolveu-lhe um sorriso. Depois cruzou a ponte. E seu cavalo o seguiu.
CAPÍTULO 05
Gabriel tinha chamado sua atenção pela primeira vez ao vê-lo brigando com um das crianças maiores da aldeia. Mesmo sete anos antes, parecia suficientemente forte para cuidar de si mesmo. Conforme recordava, até esse momento ia ganhando de seu oponente de nariz ensanguentado.
Os dois a viram. Na hora pararam a briga. Então o outro menino fugiu, e Gabriel sacudiu a cabeça com indignação. Ela sabia que provavelmente tinha começado a briga, mas algo em seu modo de agir zangado e ferido induziu-na a acalmá-lo.
Aquilo tinha exigido toda sua coragem, e ganhou uma boa reprimenda de sua preceptora por lhe sorrir de seu pônei, quando a olhou de repente, do banco onde estava reunido com seus amigos, no exterior da taverna.
Olhou-a enfurecido como um jovem dragão. Apesar de saber que deveria sentir-se ofendida, em seu interior estremeceu de emoção quando seus mal-humorados olhos lhe sustentaram o olhar brevemente.
Nem sempre se comportava como um selvagem tinha escutado por acaso que sua mãe explicava a preceptora, embora sua mamãe lhe advertisse repetidamente que o evitasse, fazendo insinuações sobre as graves repercussões que aconteciam às garotas que se envolviam com crianças incorrigíveis.
Outras vezes mamãe quase se compadecera de Gabriel, comentando que ele e seus irmãos tinham sido cavalheiros jovens e corteses antes que assassinassem seu pai, e sua mãe se casasse com aquele comerciante que gostava muito de beber, e que visitava a criada da taverna. Seus três irmãos maiores tinham abandonado o lar. Alethea nunca soube o que tinha sido deles.
Mas sabia que cada vez que via Gabriel havia problemas
maquinando em seus olhos. Sabia, que inclusive o tinham posto no pelourinho, e que não merecia ser castigado.
A filha do farmacêutico Rosalinde tinha lhe contado uma tarde enquanto seu pai preparava um remédio para a dor de dente de seu irmão.
- Não foi sua culpa. - sussurrou Rosalinde. Como Alethea e várias garotas do povoado, ela se sentia intrigada por Gabriel, e suas maldades só aumentavam aquele proibido interesse. - Atirou ao chão o filho do doutor por abusar do velho mascate.
Alethea teria feito o mesmo se pudesse. O velho mascate nunca vendia nada de valor. Tinha sido soldado, e não fazia mal a ninguém. As pessoas do povoado lhe compravam por amabilidade.
Mas mesmo depois de ter atirado o filho do doutor à sarjeta, Gabriel o tinha golpeado, até que vários velhos o tinham detido. A filha do farmacêutico disse que havia grande quantidade de sangue, que o vendedor chorava, e que o farmacêutico tinha levado Gabriel à parte para lhe confiar:
- Todos sabemos que o merecia, Gabriel, mas em privado. Você sofrerá por isso, não ele. Mantém em privado, menino. Todos deveríamos mantê-lo em privado.
Aí deveria ter terminado tudo. O valentão tinha muito medo para
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contar. Mas o médico estava conduzindo seu faetonte , e o padrasto do Gabriel tinha saído da taverna para ver que faziam tantas pessoas no meio da rua.
- Estava bêbado, como sempre. - disse a garota a Alethea. - E
quando averiguou o que tinha acontecido, sacudiu Gabriel como a um rato e zombou dele dizendo: - Não nasceram os Boscastles para serem os melhores? Acaso não é no que acredita? Bom, pois vai ser castigado como se fosse de meu sangue.
De fragmentos de conversas que tinha recolhido durante suas visitas a Londres ao longo dos anos, Alethea compreendeu que Gabriel tinha continuado explorando sua atração pelos problemas. Pensava que era uma lástima, mas ninguém mais no povoado pareceu surpreender-se de que tomasse o caminho duro. Esperava-se que seus irmãos tivessem feito melhor. Sua mãe retornou a sua França natal, quando seu segundo marido morreu uma noite em uma briga. A última coisa que Alethea tinha escutado era que Gabriel se reconciliara com sua família de Londres.
Mesmo assim, sem importar no que se convertera, ou o que tinha feito, ela se perguntava que vida tinha levado durante esses anos, para deixar gravados esses traços cínicos em seu rosto. Era um homem atraente, a quem recordava com triste carinho, embora certamente não o cavalheiro mais educado que tinha conhecido.
Mas então, já sabia que não se podia confiar em um homem só por suas maneiras. E sua facilidade para o engano.
O cavalheiro a quem seus pais a tinham prometido antes de morrer, tinha-a violado durante o baile celebrado a noite em que anunciaram seu compromisso em Londres.
Lorde Jeremy Hazlett tinha planejado partir no dia seguinte, para ir para Waterloo. Obrigou-a a entrar em um dos dormitórios privados dos anfitriões, e lhe tinha explicado que como iriam casar-se, bem podia desfrutar de uma lua de mel antecipada.
Terminou antes que pudesse lutar. De fato, violou-a tão rápida e eficientemente, sem desarrumar sua roupa de festa, que suspeitou que não fosse a primeira vez.
Quando acabou, avisou-lhe que não chorasse.
Mas tinha chorado no banheiro, e uma mulher, uma famosa cortesã chamada Audrey Watson, tinha adivinhado de algum jeito o que tinha ocorrido, e insistido em levá-la discretamente em sua carruagem privada a seu estabelecimento em Bruton Street, até que Alethea se sentisse
melhor e pudesse fazer frente outra vez a outros convidados do baile.
Duas horas mais tarde, o trauma que Jeremy lhe fizera, convertera-se em uma fria ira, e tinha voltado para a festa e estado em pé a seu lado, enquanto todo mundo os felicitava e desejava sorte a Jeremy na batalha. Jeremy ria e a puxava pela mão, como se nada tivesse acontecido, como se não tivesse destroçado totalmente todas suas ilusões, ou mesmo sem dar-se conta de que tinha passado as últimas duas horas, ironicamente, no bordel mais exclusivo de Londres, sendo consolada por sua proprietária.
Jeremy partiu à guerra, sem desculpar-se pelo que tinha feito.
Alethea voltou para sua casa e esperou a chegada de uma carta rompendo o compromisso. Esperou para descobrir se a violação tinha como resultado uma gravidez. E enquanto esperava, uma bala de canhão francesa matava seu noivo e o convertia em herói.
Sinceras expressões de comoção e compaixão chegaram à casa de campo de seu irmão em forma de cartas e visitas. Mas tudo no que Alethea podia pensar enquanto os escutava, e lia aquelas bem-intencionadas palavras, era em que agora não a forçariam a casar-se com o monstro. Tampouco era provável que se casasse com ninguém mais.
De fato, resignara-se a esperar sua volta, e que lhe compensasse o que tinha ocorrido.
Até diante de sua solene lápide, não pôde obrigar-se a chorar, e se sentiu culpada enquanto os enfermos assistentes elogiavam sua coragem, quando em realidade, desejava que seu noivo morto fizesse uma rápida viagem ao inferno.
Era tentador pensar que seu falecimento tinha sido um castigo divino por sua crueldade. Mas para aceitá-lo, deveria acreditar que todos outros soldados, homens honrados que tinham morrido na guerra sem desonrar mulheres, mereciam seu destino.
Conhecia muitos amigos e familiares que tinham perdido seres queridos, para dar crédito a aquela hipótese mais de um minuto. Jeremy tinha ido, um campeão, um dragão de infantaria em Waterloo, e de repente era livre para retirar-se da sociedade, compadecida por sua posição. Talvez se convertesse em uma solteirona, a preceptora dos filhos de seu irmão, desde que este desenvolvesse a coragem para propor matrimônio a jovem senhorita de Londres a quem desejava.
A vida de Alethea tinha sido alterada para sempre. Suportou a mancha, invisível para outros, indelével para ela. Mas pouco a pouco, enquanto passavam os meses, seu espírito reviveu. Continuava viva, e sua natureza prática não poderia tolerar um futuro inútil de autocompaixão.
E agora Gabriel tinha retornado para ameaçar, não só aquela paz mental duramente ganha, mas também a da aldeia que tinha atemorizado em sua juventude. Não sabia o que sentia por ele, só que depois de um longo período de letargia, tinha começado a sentir outra vez.
Não era o primeiro menino na história de Helbourne a quem tinham posto no pelourinho para que aprendesse uma lição. Mas o que tinha aprendido pensava Alethea, não era tanto como comportar-se, mas como sobreviver. E na sua idade, provavelmente era muito tarde para mudar.
E lhe dava medo que o mesmo pudesse dizer-se sobre ela.
CAPÍTULO 06
Gabriel riu de si mesmo ante a ideia de fantasmas enquanto subia a colina para a escurecida propriedade. Acaso não era um homem que jogava com o azar? Fantasmas?
Bom, uma pessoa aprendia a conviver com eles. Pensou no fato de que Alethea lhe tinha avisado que não esperasse muito de Helbourne Hell, estava bastante equivocada embora fosse uma doce tentativa de sua parte. Esperava pouco de seus lucros mal jogados. Poucos homens apostavam uma propriedade com autêntico valor, seria um idiota se esperasse ser bem recebido em Helbourne Hell com vivas de alegria.
Entendia que era um usurpador, considerado vulgar inclusive para os critérios de um condado.
Não esperava, entretanto, a bala que lhe passou zumbindo sobre a cabeça, e que se incrustou no batente da porta na entrada principal da casa.
Soltou um palavrão e puxou os alforjes ao chão. Levantou o olhar para a confusa figura que desapareceu atrás do corrimão da galeria.
- Fique quieto, maldito covarde, ou lhe cortarei as orelhas e as porei em conserva.
- Senhor, senhor... Já atiraram em você? Oh, meu Deus. Isso foi rápido.
O rosto agradável de uma mulher de cabelos grisalhos despenteados se apressava para ele da cortina do corredor. A primeira vista recordou a imagem de uma fada madrinha, agitando o que parecia ser uma varinha mágica entre suas mãos. Uma inspeção mais cuidadosa da varinha a transformou em uma carabina de aspecto mortífero.
Franziu o cenho enquanto a figura que estava em cima das escadas olhou timidamente através do corrimão.
- E você é... a guarda de barreiras?
A mulher baixou a arma com um olhar assustado.
- Sou a governanta, senhor, a senhora Miniver. Rogamos que não se zangue por haver tomado a liberdade de nos defender. Não tivemos nenhum senhor que nos aconselhasse e nos protegesse há meses. Mas agora que está aqui, tudo será a melhor.
- Eu não contaria com isso. - respondeu, olhando atrás dela. - É seu costume, senhora Miniver, receber os convidados, especialmente seu senhor, com uma carabina?
Fez-lhe uma pequena reverência tardia.
- Desculpe-me, senhor, mas a gente nunca sabe quem ronda pela porta nestes dias. Tivemos todo tipo de visitas desagradáveis nos últimos meses, jogadores e pessoas do gênero, se sabe ao que me refiro.
Gabriel caminhou a seu redor. Definitivamente não imaginava um futuro ali.
- Onde está o resto do pessoal? Meu cavalo necessita que o levem ao estábulo, e uma atenção adequada. Eu gostaria de um brandy e a oportunidade de explicar o que espero do pessoal durante minha estadia.
Ela olhou com inquietação em direção à galeria. Gabriel se moveu para ficar contra a carabina que levava em suas mãos e fazê-la apontar para o corrimão.
- Uma de minhas regras pessoais, embora soe tola, é que eu não vou ser usado para prática de tiro. Entende você, aí em cima?
- Sim, senhor - replicou a voz rouca de um ancião. - Pensei que poderia ser uma das crianças da aldeia querendo entrar outra vez. Sou Murphy, seu mordomo.
- Realmente temos um problema com as crianças locais, senhor. -
disse a senhora Miniver. - Com os patrões não são firmes para impor
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seus direitos, a chusma se empenha em aproveitar-se. É claro, agora que está aqui, estaremos protegidos.
- E quem me vai proteger de vocês?
Ela se apressou a ir atrás dele, limpando a capa de pó do vestíbulo com seu avental.
- Um jovem senhor forte como você é o que nos estava faltando, não pretendemos ser desrespeitosos com os lamentáveis bodes anteriores que administraram a casa. Espero que ponha a cada um em seu lugar, agora que está aqui para ensinar a todo mundo como estão às coisas.
Gabriel poderia ter rido. Que Deus fosse misericordioso com as ignorantes almas que pensavam que ele seria quem traria a disciplina a essa casa. Bom, faria-o se tivesse alguma intenção de ficar.
- Meu cavalo necessita de água e comida. - disse firmemente. -
Estou disposto a esperar até amanhã para me apresentar oficialmente e, como disse, pôr cada um em seu lugar.
- Sim, senhor.
- Esse brandy...
- Imediatamente, senhor. Fique a vontade, está em sua casa.
Em casa?
Quem em seu são juizo nos dois séculos passados poderia afirmar sentir-se em casa nesta desculpa coberta de teias de aranhas como uma caverna? Olhou o pó que cobria as pinturas penduradas na parede de carvalho. Suficientemente bom, supôs, para impressionar a aqueles cuja ascendência não tivessem raízes importantes na história inglesa.
Aproximou-se, notando um objeto negro que pendia de um candelabro.
- Que demônios é isso?
- Que me condenem. É um desses morcegos outra vez. - A mulher golpeou a parede com a mão. A criatura não se mexia. - Não sei de onde saem.
Ele se afastou dela.
- De onde é você? De Bedlam?
- Oh, não, senhor. De Newgate. - Ela suspirou atrás dele enquanto ele girava, sacudindo a cabeça. - Rezei para que nos libertassem, senhor - acrescentou. - É um autêntico bom sinal que sobrevivesse aquela maldita ponte.
Ele tirou as luvas de montar.
- Conhece algum dos vizinhos, senhora Miniver?
- Lorde Wrexham? Um perfeito cavalheiro, senhor.
- E sua esposa?
-Ainda não está casado. Algum dia seremos capazes de entendê-lo.
- Tem alguma amante? - perguntou bruscamente.
- Por Deus, não devo nem pensar nisso. Não enquanto Lady Alethea viva na casa.
- E o marido de Lady Alethea vive com eles, suponho.
- Não está casada, senhor. Um coração quebrado. Perdeu seu amado na guerra e não tornou a ser a mesma depois. Costumava estar cheia de encantadoras diabruras, aquela jovem senhorita, e agora cavalga pelos campos ou se senta na casa de seu irmão só com seus livros.
- Tomarei o brandy agora, senhora Miniver. - disse tranquilamente. -
Deveria servi-lo no estábulo. Sou muito exigente sobre onde dorme meu cavalo.
CAPÍTULO 07
Alethea dormiu melhor do que o tinha feito em meses, sonhando com heróis épicos que vestiam capas cheias pelo vento e montavam de forma estrondosa a cavalo. Pela manhã, pela primeira vez em quase um ano, levou tempo para achar em seu armário seu hábito verde favorito para montar em lugar do solene negro de seda que costumava usar.
Escovou o cabelo cem vezes e colocou uma fita branca em seus cachos trançados. Correu escada abaixo, cheia de energia, para brincar com seus três cães antes de sair para dar seu passeio matinal.
De fato, acabara de conduzir seu cavalo castrado a trote quando a senhora Bryant, a vigorosa esposa de pernas longas do vigário, interceptou-a no caminho de acesso com seu coche. O trio de cães de Alethea começou a disparar, sabendo que sempre havia algo encantador em uma das transbordantes cestas da senhora Bryant.
Reuniram-se com entusiasmo enquanto ela deslizava de seu assento.
A senhora Bryant pegou o chapéu de palha e agitou-o através da pradaria para Alethea.
- Tenho um convite para que façamos uma vista juntas.
A senhora Bryant não tinha mantido em segredo o fato de que estava preocupada com o futuro de Alethea. Confiava a quem estivesse disposto a escutar que a jovem se tinha tornado tão retraída em sua dor que era responsável por encerrar-se em si mesma na casa de seu irmão.
Não era um fechamento normal pelo luto, na opinião da senhora Bryant, embora se alguma vez tivesse adivinhado a verdadeira razão da solidão autoimposta por Alethea, não diria nenhuma palavra.
Alethea reprimiu um suspiro.
- Já tenho meu cavalo selado e preparado para fazer exercício.
Alguém ficou doente?
- Não, pelo que eu saiba. É pelo novo amo de Helbourne Hall.
Espero que possa convencê-lo que permaneça aqui. Por que não monta adiante? Eu a alcanço depois de entregar um pouco de sopa à viúva de Hamlin.
Alethea deu uma pancadinha com o chicote no joelho.
- Não estou com humor para fazer uma visita social. Só vou fazer-lhe perder suas boas-vindas.
- Bem, não posso ir só. - insistiu a senhor Bryant, apesar de que agisse por si mesma dia e noite, sobre a colina e o arroio, quando um dos aldeãos adoecia.
A brisa da tarde golpeou o rosto de Alethea, revelando a possibilidade da chegada de um outono prematuro. Pensou em um homem com espesso cabelo negro, uma gravata torcida e os olhos azuis que a atraíam como um cristal escuro.
- Na realidade, já me encontrei com ele à noite, tive que avisá-lo sobre a ponte.
- Bem. - A senhora Bryant se apressou a retornar a seu meio-fio -
Então, pode me apresentar. E vamos estar juntas, isto é só entre você e eu. Já é hora de que alguém assuma Helbourne. Você acredita que...
Sei que só o conheceu, mas será possível que ele seja esse homem que todos estivemos esperando para assumir o controle?
***
Uma centena de demônios perfuravam buracos nos sonhos de Gabriel.
Um
deles
cravou
suas
garras
no
ombro
e
o
sacudiu sem piedade, ele não fez caso da irritação. Tinha os ossos cansados depois da dura viagem de Londres e das quatro horas limpando um lugar digno para seu cavalo em um estábulo de Augean que não tinha visto a palha fresca ou uma forquilha em um mês, pelo menos.
Engoliu duas garrafas de conhaque na madrugada, seu cavalo
saturado com água, escovado e alimentado, lavou-se na bomba antiga, enxaguando o pó da viagem de sua boca e cabelo, depois caiu em um sono profundo.
Não podia dizer que recordava o que esteve sonhando. Uma mulher de olhos escuros e sapatilhas prateadas com um morcego no ombro.
Desejava despi-la.
Despertou a contra gosto. Tinha a camisa desabotoada pendendo de um braço. Gemeu em sinal de protesto, agitando seu cotovelo sobre seu rosto.
O demônio de garras afiadas o sacudiu duramente.
Espírito maligno.
Obrigou-se a abrir um dos olhos injetados em sangue, então rapidamente o fechou ao reconhecer à criatura que estava exigindo sua alma. Que Deus o ajudasse se tivesse que renunciar por alguém, bem poderia ser por ela.
- Sir Gabriel, está bem? - perguntou com uma voz tão afetada que qualquer homem com boa consciência responderia para acalmar seus pensamentos.
Pelo contrário, fez-se de morto, perguntando-se como ia reagir. Seu coração começou a pulsar contra suas costelas. Seu masculino corpo despertou tão bruscamente que o tentou a colocar o casaco naquela parte de sua anatomia que se estava comportando como um barômetro nos momentos mais inoportunos. Mas não tinha seu casaco.
Estirou-se de barriga para baixo.
- Bom você ainda está respirando - murmurou - e há uma garrafa de brandy... Oh, duas delas. Desperte folgado. E pensar que estava preocupada com você. Oh, desperte.
- Estou acordado - murmurou - volte mais tarde quando eu estiver coerente. Quero ficar na cama, se não se importar.
- Você não está em uma cama. - exclamou lhe espremendo o braço.
- a mulher do vigário chegará a um momento. Sente-se e finja pelo menos que não é um insensível.
- O vigário? - isto chamou sua atenção. Abaixou o braço. - Que vigário? Acaso lhe pedi em matrimônio durante a noite?
- Sim. - Ela puxou sua enrugada camisa de cambraia para cima de seu ombro. - E temos um filho a caminho.
Ele soltou um grunhido.
- Lembrar-me-ia disso mesmo se tivesse submergido minha cabeça em um barril de genebra toda a noite.
- Por seu aspecto, esteve perto. Por favor, faça um esforço por apresentar uma aparência decente.
- O que quer a mulher do vigário de mim, de todo modo? - perguntou irritado, coçando a face sem barbear.
Alethea o estudou com desgosto.
- Vem lhe dar as boas-vindas como o novo amo.
- Amo do que? - lhe tirou uma fibra de palha de sua saia.
- De Helbourne Hall - lhe replicou, com o olhar fixo em sua mão até que ele a afastou. - Pode ter escapado a sua atenção, sendo tão sóbrio e atento como é, Sir Gabriel, mas sua casa vem abaixo viga após viga, os estábulos lhe seguem, e seus criados são o grupo mais descuidado de inadaptados desavergonhados que nunca existiu na profissão doméstica.
- Não é por minha culpa - franziu o cenho - e não me importa.
- Tem que lhe importar - disse com um demoníaco tom que o atravessou diretamente para baixo de suas costas como uma navalha -
ganhou a casa. A responsabilidade recai em você. Agora se levante antes que eu...
- Antes que você o que? - perguntou-lhe, seus olhos brilhantes cheios de desafio. De fato, foi uma das poucas coisas que disse que tinha obtido seu interesse.
Ela se inclinou até que seu nariz o tocou.
- Vou arrastar seu ébrio cadáver até o bebedouro de cavalos e molhá-lo até que fique vesgo.
Resignado de que não lhe daria descanso, finalmente se dignou a lhe prestar sua plena atenção. Seu olhar atrás das pálpebras pesadas perambulou sobre ela, retornando a seu escuro rosto cigano.
Surpreendia-lhe como depois de todos esses anos ela podia lhe fazer sentir como se uivasse à lua.
- Com o devido respeito, minha senhora - disse - acabo de retornar da guerra. Minha obrigação moral com a sociedade está saldada.
- Moral?
- Se quero dormir no celeiro toda a noite, farei-o. E se os criados de Helbourne desejam dançar nus escada acima e abaixo enquanto pulem o corrimão, não vejo por que devo detê-los.
- Então, por que veio até aqui? - perguntou-lhe com frustração.
- Não vai me deixar em paz, não é verdade?
Ela mordeu a borda do lábio inferior.
- Não.
- Por que querem que seja o novo amo de Helbourne? - inquiriu divertido, perguntando-se o que faria se a beijasse.
Ela retrocedeu um pouco.
- É dilacerador ver a queda de bens no esquecimento, mas não tanto como ver um cavalheiro fazê-lo.
- Possivelmente poderia ser persuadido de permanecer um mês ou dois. Dependendo da amabilidade de meus vizinhos.
Lançou-lhe um duro olhar.
- Sempre me perguntei o que aconteceu a você depois que desapareceu no inverno passado.
Ele limpou a garganta. Era uma agradável surpresa saber que ela tinha pensado nele, mas sua preocupação era esbanjada. De repente,
em lugar de sentir uma pessoa do mundo, no mais alto de seu jogo, sentia-se arrasado, indigno de seu benevolente espírito.
- Bom, agora sabe - lhe disse com um sorriso de desculpa - e não me diga que não cumpre com suas expectativas do que poderia chegar a ser.
- Sente pena de si mesmo, certo? - perguntou depois de uma longa vacilação.
- Não. - Respondeu com a voz entrecortada.
- Então, se não há nada que possa fazer para persuadi-lo de que mude de opinião, deveria ir.
Agarrou-a pelo pulso sem saber por que e a atraiu para si.
- Eu não disse que não pudesse me persuadir. É o menos que pode fazer depois de me despertar.
Antes que ela pudesse reagir ou ofender-se, passou-lhe o braço por suas costas e a apoiou contra ele. Não lhe deu a oportunidade de falar.
Desceu-a até a palha que havia debaixo dele e a beijou, sua língua abrindo caminho por seus lábios entreabertos. Deus sabia que se ela não tivesse sido Alethea Claridge, ele teria tomado muito mais que um simples beijo. Ela tinha sabor de mel, fogo e vinho. Seu corpo se moldava com a sedução dele. Moveu sua boca sobre seus lábios, percorrendo com sua mão, seu bem formado quadril. Ela não se moveu.
Sentiu-se duro, detento de uma urgência que desconhecia.
Pressionou-a mais profundamente sobre a palha. Ela apertou suas costas, os quentes espaços de seu corpo se acomodavam aos duros músculos dele. Não sabia o que tinha feito para merecer esta visita não solicitada, mas de repente nada em sua cabeça esteve tão claro. Ou seu corpo mais excitado.
- Alethea - se fez a seu lado, sua mão ainda firme sobre seu traseiro... - Posso...
Sentiu o calafrio que a percorreu. Que fácil era convencer-se a si
mesmo que isso era desejo. A emoção sombria em seus olhos despertava algo menos adulador. Entretanto, seus lábios a buscaram, ansiando até a última gota de néctar.
- Gabriel Boscastle.
Ele se acomodou sobre seu cotovelo. Percorreu com o dedo o caminho de sua boca à ordenada fila de botões de seu pescoço até chegar à fenda de seus seios. Seu coração se acelerou quando ergueu o olhar para ela. Era realmente formosa, de uma maneira escura, sutil, com as maçãs do rosto esculpidas e umas grossas pestanas em seus olhos que o fazia sentir-se como o jovem que tinha sido anos atrás.
Agora sabia muito mais. Importaria isso a ela?
Seu polegar deslizou por debaixo da banda de renda da camisa que apertava seus seios.
- Muito formosa. E suave.
Ela gritou sobressaltada. Ele ficou imóvel, momentaneamente, aturdido pela intensidade de sua tentação a continuar. Fez uma pausa, seus impulsos aumentando.
- Se pensa que vai me seduzir em um celeiro, deve ter sua cabeça metida em um barril de genebra.
- Supus que me convidaria a compartilhar sua cama? - perguntou-lhe com um insolente sorriso.
- Realmente, precisa perguntar?
- Se existir a menor possibilidade de que estará de acordo, então sim, devo fazê-lo. E não estou por debaixo da mendicidade, tampouco.
Esperou detento de uma necessidade que não estava seguro que pudesse controlar. E se tinha aprendido algo sobre si mesmo, era que precisava manter o controle.
- Terá que me perdoar. - disse quando se fez evidente que ela não ia permitir mais intimidades - Não estou acostumado a ser despertado assim.
Ela sorriu maliciosamente.
- Então não vou perguntar seus rituais de costume ao levantar-se.
Ofereceu-lhe um sorriso tão culpado que ela pôs-se a rir.
- A mulher do vigário não vai nos achar juntos. Você está pior que a última vez que o vi, Gabriel. Não posso entender por que me incomodo tanto com você, depois de tudo.
- Eu tampouco. Entretanto, em minha defesa, devo dizer que quando uma formosa mulher acorda um homem com má reputação de um profundo sono, deve estar preparada para que ele responda com... bom que ele responda. Qualquer homem responderia da mesma maneira, eu apostaria se encontrasse alguém como você, inclinada sobre ele com esse olhar que me estava oferecendo.
Ela se levantou sobre suas mãos e joelhos, sua saia de montar estava enredada ao redor de suas botas cheias de pó, seu traseiro ao ar.
Era uma posição muito provocadora, uma de suas posturas amorosas favoritas, tanto que ele teve que apertar seus dentes para aplacar a crescente tensão de seu corpo.
- Esperaria que um cão adormecido reagisse, possivelmente - disse ela - ou um...
Levantou seu braço esquerdo com impaciência para limpar um cacho andante de seu ombro. O gesto atraiu a atenção dele, fixando seu olhar em seus firmes e moldados seios que apareciam por debaixo da blusa abotoada de seu traje de montar.
Engoliu com dificuldade, culpando de sua repentina sensação de vertigem à péssima aguardente.
Ele desviou o olhar.
- Quer que lhe ajude a tirar a palha de seu vestido?
- Não. Não me incomoda. Só mantenha essas mãos perversas para você mesmo.
Ele sorriu.
- Muito bem. O que você quiser. Mas em troca vou pedir que não me levante a voz. A cabeça me dói como se se convertesse em um odre de vinho inchado.
Ela olhou com desgosto as garrafas.
- Pergunto-me por que. Esconda essas... E dê-se pressa. Fique sobre seus pés antes que a senhora Bryant chegue.
- Eu não pedi que me desse às boas-vindas - resmungou - não tenho nenhuma intenção de ficar. Poderia estar logo desejando também me despedir. Evite o trabalho de preocupar-se.
Colocou-se atrás dele e tomou uma de suas garrafas de brandy vazias. A intuição lhe advertiu que ela estava contemplando golpeá-lo na cabeça. Para seu alívio, arrastou-se sobre seus pés, sua irritação aparentemente satisfeita em apenas arrojar a garrafa dentro de um compartimento vazio. Decidiu que seu beijo tinha sido o menor de seus ultrajes. E ela poderia golpeá-lo tudo o que quisesse se ele pudesse tê-la para si mesmo durante outra hora.
- Por que se deixa degenerar dentro da escuridão, Gabriel? Poderia ter superado qualquer carga que pesasse sobre você. Nenhum de nós acha que a vida não tem algum tipo de aflição. Esperava que se convertesse, bom, em algo mais.
Sua crítica o golpeou. Mas ela não o entendia e ele se negou a rebaixar a si mesmo por tentar explicar-lhe.
- Possivelmente meu estado foi destinado por minha linhagem.
Ela sacudiu a cabeça, seus lábios tentando-o, úmidos por seu beijo. Sua defesa tinha parecido falsa, inclusive a seus próprios ouvidos.
Ele sabia que não podia culpar aos mais retorcidos giros de sua natureza escura, de sua ascendência Boscastle. A escandalosa prole só tinha irradiado as primeiras lições de amor e uma paixão pela vida que tinha aprendido de seu pai. Durante um tempo, havia-se ressentido pelos estreitos vínculos de seus primos e tinha ocultado sua inveja atrás de
brincadeiras e rivalidade, inclusive quando esperava provar-se a si mesmo como um igual. Nenhum de seus familiares em Londres sabia muito a respeito de suas tribulações anteriores. Durante anos tinha assumido que não lhe perguntavam por que não sentiam verdadeiro interesse no que ele tinha experimentado.
Mas agora que tinha sido aceito dentro da família adequadamente, deu-se conta que eles tinham estado mais provavelmente respeitando sua vida privada que mostrando indiferença. Chegou à conclusão de que se sua orgulhosa mãe francesa tivesse pedido ajuda antes da morte de seu pai, os Boscastle lhe teriam dado seu apoio sem duvidar.
Entretanto, sua mãe havia se sentido envergonhada, culpada e temerosa de que os Boscastle a desprezassem por casar-se tão logo depois da morte de Joshua. Desejou ter sabido então que os Boscastle eram tudo menos uma família intolerante.
Apaixonados pelos escândalos, sim, mas estreitamente vinculados e leais um com o outro. Não se envergonhava de ser parte do clã.
Franziu o cenho.
- No que acredita que me converti, de todo modo? Seja sincera.
- Não sei. Talvez devesse olhar-se ao espelho e perguntar a si mesmo.
- Não tão cedo de manhã, querida.
- Passa das duas da tarde.
- Seriamente? Não deveria me levantar até passadas cinco horas mais. Vamos fazer uma sesta juntos.
- Você era um coronel de cavalaria - disse secamente - Só lutava de noite?
- Não. - Olhou-a com franqueza. Não podia lhe dizer que tinha começado a mudar por seu bem antes de Waterloo. E que inexplicavelmente tinha começado a cair de novo em seus maus hábitos depois de sua última batalha - E o que me diz de você? Segue sendo o
modelo que afeta a todos os jovens homens de Helbourne cegando-os de amor?
- Dificilmente.
- Bom, não sabe olhar-se. - fez uma pausa. Tinha que dar-se conta de quão formosa era - Me inteirei de sua perda. É uma pena.
Ela o olhou com seu rosto determinado e ele desejou de repente não ter trazido o tema à tona. Era muito fácil falar com ela. Tinha caído em uma cômoda conversa sem sequer dar-se conta. Mas agora, depois de ter mencionado a morte do homem que tinha amado, ela parecia distante, desgostosa e ele sabia que isto seria uma barreira entre eles.
- Tudo está bem. - disse torpemente. - Perdi muitos amigos o ano passado, também.
Ela assentiu com a cabeça, olhando a seu redor.
- Ouço o ruído na porta. Onde está sua capa?
- Deixei-a em meu cavalo.
- Oh, Gabriel.
- Bom, as outras estavam sujas.
- O que vou fazer com você?
Ele passou os dedos por seu cabelo e ficou em pé, só um segundo antes que uma alegre mulher madura chegasse a grandes passadas ao celeiro.
- Traga seu casaco - Alethea lhe sussurrou - e não lhe diga o que acaba de acontecer.
CAPÍTULO 08
- Ah! Aí está, Alethea. - gritou uma voz amistosa da porta. - Deveria ter sabido que estaria nos estábulos. E como está limpo aqui. Nosso novo vizinho esteve trabalhando duro, já vejo. Inspira-me ver esta casa antiga restaurada ao que costumava ser. Esses pastos rogam por um puro sangue ou dois, e sem dúvida, um oficial de cavalaria se orgulharia...
Caroline Bryant, a esposa do vigário, era uma amável matrona loira em um vestido de percal com um gorro amarrado debaixo de seu queixo duplo, e conversava com tanta energia que parecia não lhe importar que o novo amo da casa tivesse passado a noite no estábulo. Pelo pouco que Gabriel sabia, Helbourne tinha um histórico de proprietários dissolutos, portanto, seu comportamento provavelmente não era diferente.
Ele se agachou dissimuladamente e pegou o chicote que Alethea tinha deixado cair.
- Isto é seu. - disse em um tom irônico. - Não vou perguntar para que o utiliza.
Por um momento pensou que ela o ignoraria. Depois, com um sorriso ela tomou o chicote e respondeu em voz baixa.
- É uma arma secreta para manter meus vizinhos sob controle. -
Sorriu-lhe novamente. - Nunca se sabe quando um pouco de disciplina será necessária.
Ele apoiou o braço para trás em um fardo de feno e quase perdeu o equilíbrio. Alethea pegou sua manga com um suspiro depreciativo, continuando, afastou-o dela com um gesto de advertência. A esposa do vigário tagarelava alheia ao que ela perdera. Ele poderia ter dito a ambas que era uma esperança perdida, oficial de cavalaria ou não. As boas possibilidades de Gabriel tinham morrido antes de ele ter quinze
anos. Durante a guerra, quando tinha ajudado a voar uma ponte sobre o rio Elba, ele também tinha renunciado a seu próprio espírito. Tinha tido que cortar quase todo seu cabelo, já que se tinha queimado e tinha uma feia cicatriz em sua garganta. Realmente parecia o dragão que os oficiais franceses costumavam chamá-lo.
Piscou, dando-se conta de repente de que a esposa do vigário acabava de passar a mão diante de seu rosto. Não estava certo se ela estava lhe dando uma bênção ou tratando de ressuscitá-lo de entre os mortos. Obrigou a sua garganta a responder.
- Dizia você, senhora? - perguntou com voz rouca.
-Somos abençoados os que vivemos retirados das más influências de nosso tempo. - confirmou com uma voz piedosa, mas alta, que ressoou nas cavidades de seu crânio.
Ele olhou para ela.
- Londres, quer dizer. Escandaloso lugar. Arruína pessoas. Acabo de deixá-lo.
Ela assentiu com a cabeça.
- Aqui no campo vivemos pela fé, amor e caridade.
- Amém - disse, ganhando outro olhar duvidoso de Alethea. O que se supunha que ia dizer? - vamos começar a arar, então.
A senhora Bryant o olhou durante uns instantes. Ele apanhou Alethea revirando os olhos. Era evidente que ele havia dito algo deslocado.
- Aramos em outubro, sir Gabriel.
- Ah. Tinha-me esquecido. Então, talvez deveríamos começar em setembro. - Não é que pensasse em ficar neste pântano tanto tempo. -
Para ir antes dos outros que esperam até outubro.
Alethea lhe concedeu um sorriso malicioso.
- Aí é quando fazemos nossa debulhada.
- Não poderíamos debulhar antes?
Ele olhou sua boca fixamente. Seus olhos zombaram dele. Ia fazer muito mais que lhe dar um beijo se lhe desse outra oportunidade.
- Só se você conhecer alguma maneira de convencer o milho para amadurecer antes do tempo. - Fez uma pausa e ele quis puxá-la para baixo sobre a palha de novo. – Sabe?
Ele sorriu.
- Você pensaria que sou um maldito idiota se dissesse que sim, não é verdade?
Ela pôs-se a rir.
- Sim.
- Não sou agricultor. - encolheu os ombros. - Nunca fui.
Alethea o estudou.
- Talvez você não seja um agricultor, mas tem inquilinos que o são.
Não
muitos,
reconheço.
Os
poucos
que
ficaram
são
sua
responsabilidade.
Ele meneou a cabeça.
- Nem sequer os conheço.
- Poderíamos cavalgar juntos para que possa apresentá-los.
- Talvez outro dia. - disse, tentando que seu olhar parecesse sincero.
E não a enganou nem por um momento. Ela recordava o que ele tinha sido.
Deus queira que se fosse antes que ela descobrisse o que era agora.
A senhora Bryant lhe dirigiu um sorriso alentador.
- Sabemos que você não era um agricultor. Mas posso perguntar o que é?
- Bom, sou um jogador. - disse sem pensar. - E...
- Isso não é útil. - Alethea murmurou.
- E um oficial de cavalaria. Bom, era. Conheço cavalos. Faço isso bem.
A senhora Bryant apreciou sua forte forma.
- Isso é um bom começo.
- Cavalos e mulheres. - ele emendou.
- E suponho que em seu modo de pensar não há muita diferença. -
disse ela com um olhar admoestador.
Sorriu-lhe.
- É claro que há. Um cavalo bem educado pode dar a um homem uma fortuna. Uma mulher bem educada gasta a mesma quantidade dez vezes mais.
Alethea emitiu um suspiro.
- Acredito que é hora de ir, senhora Bryant. O pobre sir Gabriel esteve toda a noite atendendo seu cavalo.
Ele piscou outra vez quando os três saíram fora. O sol estava oculto por um banco de nuvens sombrio. Era um típico dia cinza inglês com um resplendor que lhe provocava uma dor atrás de seus olhos.
E fê-lo dar-se conta de novo de quão verdadeiramente formosa se convertera Alethea. Talvez ela fosse um pouco muito alta para ser vista como uma beleza de Londres.
Seus traços, o nariz patrício, sua boca muito generosa, e seu queixo anguloso, não eram delicados segundo a norma clássica.
Mas ele tinha beijado aquela boca imperfeita e ela continuava falando com ele. O fato o animou grandemente. Depois de tudo, ela o tinha visto no ponto mais baixo de sua vida e embora não se convertera em uma pessoa melhor nos últimos anos, não era pior. Ou ao menos achava que não. E não tinha outros planos para o resto do verão, a menos que visitasse alguns velhos amigos em Veneza.
A senhora Bryant empurrou um pesado cesto para suas mãos.
- Em nome da paróquia, por favor, aceite esta pequena amostra de nosso apreço. Bem-vindo a Helbourne, Sir Gabriel.
Ele engoliu fortemente a saliva.
- Obrigado. - disse, dando-se conta de que ela esperava alguma resposta. - O que é exatamente?
- Geléia de Violetas. Três frascos da mesma. Um suculento presunto. E um livro de orações.
Geléia de Violetas e orações. Perguntou-se se estaria preparado para a dentadura postiça.
- Isso é muito amável de sua parte. - disse amavelmente.
A senhora Bryant o olhou nos olhos.
- Você precisará conservar toda sua força se for estar a cargo de Helbourne. Não deve permitir que seu pessoal o intimide. - lhe disse vigorosamente. - Deve fazer-se encarregado de seu patrimônio.
Gabriel aventurou um olhar a Alethea, seus olhos dançavam de riso.
- Devo?
A senhora Bryant golpeou com seus pés a palha.
- Diga aos rufiões quem tem o controle.
- Fiz isso ontem à noite. Pelo menos acredito que o fiz.
- Então por que, posso perguntar, dormiu no celeiro?
- Bom, por que...
A senhora Bryant assentiu com a cabeça com compreensão.
- Porque tinha medo de dormir na casa. Temeroso do que um desses patifes poderia lhe fazer durante a noite. Não o culpo por ter tomado precauções.
- Acredito que os terei muito controlados logo. - disse, embora o pensamento que tinha cruzado por sua mente depois desse tiro na longa galeria, foi que ele se afastara de uma guerra só para lutar em outra.
- Suponho que Alethea lhe falou do homem que tomou posse de Helbourne faz três anos.
Gabriel negou com a cabeça.
- O que aconteceu com ele? - perguntou com cautela.
- Ninguém sabe - Alethea respondeu. - viram-no correndo pelas
colinas em sua camisa de dormir e nunca mais voltaram a vê-lo.
- Mas isso não vai acontecer a Sir Gabriel - disse a senhora Bryant com um sorriso alentador.
Alethea arqueou as sobrancelhas com curiosidade.
- Por que não?
- Porque por regra não uso roupa de dormir. - respondeu sem rodeios. - E porque ninguém me perseguirá nesta casa até que vá por minha conta.
- Então, está decidido. - disse a senhora Bryant, com um gesto de satisfação. - Helbourne tem um novo amo, e ele não é nenhum fracote que permita a alguém que o jogue fora.
CAPÍTULO 09
Fracote não era, pensou Alethea. Nem sequer em seus primeiros anos poderia ter sido denominado como tal. Resistente, desafiante, obstinado em seu próprio detrimento. Esses defeitos duradouros que ela não podia negar, e provavelmente tampouco o faria ele. Mas ele era um
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réprobo descarado se alguma vez tinha conhecido um. Ela montou em seu cavalo castrado e passou diante da cerca de pastos quebrado com toda a compostura que pôde reunir.
Gabriel estava apoiado contra a porta do estábulo, seu enrugado casaco negro recuperado e pendendo sobre um largo ombro. Sua expressão delatava só uma desconcertada diversão quando ele a olhou.
A senhora Bryant foi realizar suas visitas diárias e orar por seus paroquianos.
- Esta cerca tem que ser reparada. - gritou para ele por impulso.
Ele assentiu com a cabeça.
- Posso vê-lo. Parece forte, entretanto.
Ela sacudiu a cabeça com desprezo. Ele não estava olhando à cerca, absolutamente. Ele estava olhando para ela. Endireitou suas costas. Ela nunca tinha pensado de si mesma como formosa. Seu nariz tinha uma protuberância. Era quase tão alta como seu irmão. Mas se orgulhava de sua postura, o resultado de usar um espartilho de baleia desde a idade escolar todos os dias para corrigir seus ombros arredondados.
Ela franziu o cenho.
- Espero que desfrute de sua geleia de violetas. É deliciosa sobre uma torrada.
Um sorriso cruzou seu rosto.
- É o maior desejo de minhas orações.
A única oração que Alethea podia pensar neste momento era que
devia prestar atenção a sua despedida e não cavalgar na direção equivocada. Ou pior ainda, virar em circulo e retornar a sua alta e sensual figura, esse magro rosto zombador. Ela não podia acreditar que seu inesperado beijo pudesse desequilibrá-la tão fortemente depois do que Jeremy lhe fez. Teria que sentir-se suja e insultada. Pelo contrário, estava tremendo por dentro com uma sensação não de todo desagradável.
E quando ele a tinha beijado, na realidade não tinha tratado de detê-
lo. Sentia-se quase culpada de que ele se desculpasse por isso. Todo o tempo que sua boca esteve sobre a sua, ela tinha estado rindo e chorando por dentro, quereria lhe dizer que era quase tão má como ele, mas nunca deixaria que ninguém soubesse.
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Iria diretamente a casa e beberia meia pinta de dente de leão e
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bardana destilada. E então... endireitou-se na sela. Homem descarado.
Pondo essas atrevidas mãos sobre seu traseiro como se estivesse provando sua suavidade.
É claro, ele não era suave absolutamente. O breve contato com seu musculoso corpo lhe tinha dado uma impressão de forte rocha dura. Ela deveria ter ficado mais aborrecida por ele não se deter no instante em que ela deixou claro que devia comportar-se. Tinha rogado a Jeremy que parasse, suplicando até que sua garganta esteve em carne viva, mas ele tinha seguido adiante e a feriu. Ela estava surpreendida de que o beijo de Gabriel tivesse sido perversamente doce em comparação e que não a ofendesse sua duração, a menos que se contasse a estranha compulsão que tinha sentido para lhe ordenar que continuasse.
Ela cavalgava lentamente, perguntando-se ociosamente se ele teria alguma vez forçado uma mulher e sabendo que não. Era mais provável que machucasse a si mesmo em alguma desventura. Entretanto, ele parecia uma espécie bruta que poderia tornar-se perigoso se fosse
provocado. A preceptora de Alethea tinha afirmado que ele e seus irmãos tinham herdado de sua mãe a afinidade do sangue de origem Bourbon pelas conspirações e intriga. De seu sangue Boscastle tinha conseguido sua impactante aparência e magnetismo.
Ela não podia decidir o que fazer com ele. Ele não tinha mencionado os três irmãos mais velhos que tinham desaparecido antes que ele o fizesse. A mãe da Alethea tinha confessado uma vez que tinha suspirado de alivio em benefício deles. A condessa tinha acreditado que qualquer que fosse a desgraça que os irmãos desaparecidos encontrassem no mundo, não podia ser igual à maldade do que tinham sofrido na intimidade de seu lar.
Mas Gabriel ficou atrás com sua mãe para protegê-la de seu padrasto. Não foi senão anos mais tarde que Alethea tinha chegado a compreender quão miserável a vida deve ter sido para um jovem que tinha perdido um brusco, mas carinhoso pai, só para encontrar um hostil desconhecido ocupando seu lugar. Aprender a defender-se tinha o convertido compreensivelmente em duro de coração.
O que sugeria que, enquanto ele poderia resultar um benefício para Helbourne, um amo formidável que fiscalizasse por uma vez a propriedade, não necessariamente contribuiria à paz mental de Alethea.
Entretanto, era difícil evitar por completo um vizinho. Era enlouquecedoramente difícil quando a pessoa albergava um inexplicável e prolongado interesse em seu destino. Eles tinham se conhecido antes que ele tivesse perdido seu pai, antes que ela tivesse perdido sua autoestima e tudo o que um futuro como mulher casada lhe teria proporcionado. Ela só podia esperar que as duas pessoas que tinham sido uma vez estivessem de acordo em uma associação cortês. Ela não tinha nenhuma razão para ter medo dele.
De certo modo era um alívio estar arruinada. Já não tinha que fingir que nunca se sentia mal ou impaciente ou que não poderia encontrar um
homem como Gabriel em seu próprio terreno.
CAPÍTULO 10
Uma chuva suave começou a repicar uns minutos depois que Alethea cavalgara até desaparecer de sua vista. Não a tinha observado em segredo. Nem pretenderia ser o cavalheiro elegante que desejava como vizinho. Não ia enganá-la. Teria tomado ela se o tivesse animado.
Mas nunca desonraria uma mulher, a menos que fosse parte do decadente jogo amoroso. De fato, não gostaria nunca de angustiar Alethea. Aparentemente ainda estava tratando de obter o melhor de outros. Talvez tivesse tido êxito antes dele.
Fez um gesto quando a chuva do teto do estábulo lhe molhou a face. Voltou-se, quase tropeçando no cesto que lhe entregara à senhora Bryant. O chicote de Alethea estava ao lado. Tomou ambos com um grande sorriso.
- Geleia de violetas e...
O relincho de seu cavalo do fundo de seu posto interrompeu-o.
Olhou ao redor bruscamente e percebeu uma sombra movendo-se às escondidas atrás dos fardos de palha onde tinha dormido. A imprecisa figura passou rápido, mas não sem antes Gabriel reconhecer a cara
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brida e a espada de cavalaria debaixo de um braço comprido.
O sangue lhe amontoou no rosto. Ele era um homem de poucas posses, mas as que tinha, entesourava-as.
- Você, seu ladrão! - gritou indignado - Não dê outro maldito passo a menos que queira se achar trespassado na mesma arma que pensa roubar.
Esta advertência brutal só serviu para dar ímpeto ao ladrão para escapar pela janela traseira do celeiro. Amaldiçoando em voz baixa, deixou cair o chicote e o cesto pesado e o perseguiu seguindo a mesma rota do ágil ladrão furtivo que pensava lhe roubar. Um moço jovem com uma jaqueta amarela e calças remendadas do centro de detenção da
paróquia. Conhecia a roupa muito bem.
- Deixa essa brida e a espada antes que se machuque bastardo estúpido! - rugiu.
A comoção atraiu a atenção de um grupo de criados curiosos, embora nenhum se aventurasse à chuva para ajudar seu amo que bramava irritado. Gabriel lhes dirigiu um olhar desgostoso que os fez desaparecer a todos, mas uma jovem menina da cozinha escapuliu rapidamente para esconder-se. Esta ficou com a boca aberta presenciando a comoção.
Agora, o ágil ladrão, sem dúvida motivado pelo fato de ter roubado a um Lorde lunático, tinha escalado perto do estábulo e se dirigia a um atalho que não se via.
Logo Gabriel o alcançou, já que esses caminhos escondidos eram familiares a um homem que tinha feito piores traquinagens em sua época. Por um momento desorientador, podia ter estado escapando de alguém a quem tinha ofendido, em vez de estar fazendo o contrário.
Ele já tinha jogado este jogo antes, só que com os papéis trocados.
Os anos, entretanto tinham passado voando. Por que tinha voltado?
O que tinha esperado provar? Que era melhor que um menino detido que tinha a garra de tratar de enganá-lo? Ou que era digno de beijar à única menina que se atrevera a olhar nos olhos do dragão?
Esticou a mão, pegou o menino pela gola da jaqueta e caíram ao chão lutando. A espada caiu no barro. A brida voou do ossudo braço do ladrão e aterrissou no pasto.
Baixou o olhar a um rosto vermelho de raiva, e a um par de olhos azuis que queimavam com o ódio do inferno.
- Me solte, nojento. - disse o menino com uma careta desdenhosa.
- Sabe onde terminam os imbecis como você? - perguntou-lhe friamente.
- Sim, mas me diga isso em outro momento.
Gabriel levantou seu punho, sabendo que não serviria para nada, que ninguém podia tirar a golpes os demônios de outro, que a violência só fazia mais forte à rebeldia. Mas ele queria...
Uma mão firme o puxou pelo ombro. Virou a cabeça e viu desconfiado o rosto de Alethea.
- Não, Gabriel. - disse ela - Não lhe faça mal. Tem a metade de seu tamanho.
- Conhece este pequeno ladrão? - perguntou-lhe desconfiado.
- Vi-o pela aldeia, sim.
- Estava roubando a minha espada e a brida. Provavelmente no mesmo momento em que a esposa do vigário estava me dando instruções para que rezasse e...
- Aqui. - Tirando vantagem da falta de atenção de seu captor, o moço se retorceu e se libertou, e se levantou de um salto, só para que Gabriel saltasse por sua vez e lhe fechasse o caminho.
- A dama disse que tinha que me deixar ir. Só estava levando a espada e a brida para poli-las e surpreender você.
- Maldito mentiroso. - lhe respondeu Gabriel divertido.
- É verdade. - insistiu o menino. - Estava procurando trabalho, e pensei provar a mim mesmo primeiro. As teria de volta ao anoitecer. Sou rápido.
Gabriel olhou atrás, distraído pela mulher que estava em pé atrás dele. A chuva estava caindo com mais força agora, filtrando-se pelos ramos que se arqueavam em um matagal sobre eles. Várias mechas do cabelo de Alethea ficaram pegos a seu pescoço. Uma jovem de grandes seios e cabelo escuro, com rosto de cigana. Fez esquecer-se do que tinha estado pensando, Deus saberia o que estava passando pela cabeça dela. Sentiu um brilho de pânico, seu equilíbrio instável. O que se supunha que devia dizer?
- Percebe que ele está mentindo?
Ela assentiu com a cabeça e seu olhar passou sobre ele, brilhando com culpa. Ele ouviu um raminho estalar atrás dele e soube que seu prisioneiro tinha fugido.
- Tem que recolher suas posses e se afastar da chuva. - disse ela. -
Nem sequer agora está usando uma jaqueta.
Ficou olhando-a frustrado. Não sentia a chuva absolutamente. Mas o que sentia lhe tornava difícil respirar.
- Pensei que queria que demonstrasse disciplina em meu papel de amo.
Ela sorriu e o rodeou, tirando a espada do barro.
- Mas sim demonstrou disciplina. - disse enquanto lhe entregava a espada - Dominou sua própria raiva. E tenho plena confiança de que se dá conta que inclusive um ladrão merece uma oportunidade para redimir-se.
Ele riu e esteve a ponto de lhe perguntar o que achava que ele merecia. Nunca tinha se preocupado, realmente, sobre a opinião de ninguém a respeito de si mesmo.
Pelo que sabia de Alethea, dar-lhe-ia uma resposta muito honesta.
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Passou o dia chamando a atenção do seu extraviado pessoal pelos incontáveis delitos.
Repreendeu o cavalariço pela palha mofada dos estábulos e a água escura dos canais. Ordenou que limpassem as cavalariças três vezes ao dia, que retirassem as pedras e fossas dos pastos e reparasse a cerca da pastagem dos cavalos.
Poderia não ter a intenção de ficar, mas tampouco ia caminhar no meio da sujeira do dono anterior, e gostaria de aproximar o ombro do trabalho duro.
As cozinhas cheiravam tão asquerosas como o forno do demônio, com as vigas enegrecidas pela fuligem e salpicaduras de graxa antiga.
Suspeitava que qualquer homem que fosse suficientemente idiota para consumir uma comida completa preparada pelas mãos da cozinheira, morreria agonicamente sob a mesa da sala de jantar.
- Quero que estas cavernas sejam esfregadas de cima abaixo e fiquem suficientemente limpas para que a pessoa possa comer no piso.
- Comemos no piso todo o tempo - informou-o a criada da copa. -
Ninguém adoeceu ainda.
- Está aborrecido, senhor. - disse inutilmente a governanta. - É uma grande responsabilidade fazer-se encarregado da casa de outra pessoa.
Toda essa preocupação se um dos antigos amos voltará às escondidas e o assassinará enquanto dorme.
Gabriel fez um ruído nasal depreciativo.
- Quase fui assassinado no vestíbulo por alguém de meu próprio pessoal.
- Bom isso não voltará a acontecer, senhor. - lhe prometeu - Por um tempo prendemos na despensa o ofensor. Por que não leva uma boa garrafa de genebra ao jardim e se acalma enquanto vejo que posso fazer para o jantar?
- Lar? - murmurou enquanto ela corria rápido à cozinha - Não é muito provável.
Não se podia imaginar senhoreando este lugar. O jardim amuralhado onde se supunha que tinha que acalmar-se, era um matagal de rosas espinhosas, ervas que lhe chegavam até o ombro, ervas fedidas que liberavam o aroma das lembranças amargas ao pisar com as botas.
Como podia alguém preferir a vida rústica à atividade de Londres? O
ar daqui o matava com a acidez das bostas de vaca e as coisas que cresciam. A quietude lhe roia os nervos. Não havia ninguém com quem jogar ou inclusive fumar um charuto. Embora o que mais detestasse era o silêncio porque podia ouvir seus pensamentos, fortes e irritados, por tantas perguntas sem resposta, de uma época sobre a qual tinha
decidido não refletir. Era um homem do presente. Talvez voltar tinha sido um engano. A vingança que tinha esperado podia voltar-se contra si.
Quando anoiteceu, achou inclusive que a lua brilhava muito mais no campo. Esqueceu-se as vezes que tinha observado as estrelas e tinha esperado. Não sabia quando perdera a esperança e agora as estrelas tinham deixado de cintilar, mas estava muito velho para essa tolice.
Lavou-se, enxaguou o sabor da má genebra da boca, e voltou para a sala de jantar. O estômago grunhia. Não tinha comido desde que tinha devorado o presunto da senhora Bryant, fazia horas.
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Pratos Wedgwood que não combinavam e facas de estanho estavam sobre uma mesa coberta com uma toalha adamascada.
Mas não havia nada comestível à vista. Nem tampouco ouvia o estalo contínuo dos pratos a caminho à sala de jantar.
A fome o conduziu às dependências da cozinha, onde achou o penoso lote do pessoal de Helbourne em meio de um jogo de azar na mesa.
- Onde está minha comida, senhora Miniver? - disse enquanto levantava a tampa de uma panela vazia na cozinha.
Escondendo o par de jogos de dados em seu avental, a governanta se levantou para fazer uma reverência.
- Estava a ponto de fazer um bolo fresco, senhor, mas me dei conta que acabou a farinha. Se me autorizar, irei à mansão vizinha pedir emprestada uma tigela.
- Não vai ao mercado, senhora Miniver?
Ela tirou o imundo avental.
- Quando há dinheiro para gastar, senhor. Não me demorarei muito.
Lady Alethea entende.
- Fará isso? - perguntou ele franzindo o cenho.
- Oh, sim, senhor. Tem um olho posto em seus vizinhos, pobre
dama. Espero que isso lhe alivie a pena agora que já não tem expectativas de criar a sua própria família.
- Irei eu, senhora Miniver. Será mais rápido.
- Você, senhor? - perguntou maliciosamente - O Conde não está em casa, já sabe.
Fez caso omisso de seu olhar perspicaz. Queria lhe perguntar mais, mas resistiu. Alethea não tinha parecido estar muito triste, mas a dor que corre profundo não deve ser compartilhada. Tratou de imaginá-la sentada só em sua mesa, um lugar vazio frente a ela. Talvez conservasse um lugar em memória de seu noivo falecido.
Pelo que sabia ela tinha convidado outra pessoa, um menino malditamente estúpido da penitenciária, que causava problemas no povoado.
- Tem certeza, senhor? - A governanta o olhou com curiosidade.
Não tinha certeza de nada, exceto de que se ficasse aqui, certamente se tornaria louco, e que não tinha sentido que Alethea e ele se sentassem sós. Até mais, como já tinha cruzado a ponte sem retorno, tinha pouco que arriscar cruzando-a outra vez.
CAPÍTULO 11
Alethea estava encerrada na biblioteca de seu irmão, Robin Claridge, o Conde de Wrexham, quando o ajudante do lacaio apareceu evidentemente agitado para lhe informar que um estranho estava na porta.
- Um estranho? - deixou a um lado a pena.
- Um cavalheiro que afirma ter uma antiga amizade com você. -
acrescentou com um ar misterioso.
Alethea se sentou estática em sua cadeira. Já tinha soltado o cabelo, lavado os dentes, usado o banho e bebido seu copo de xerez da noite. Não pôde recordar ninguém que viesse visitá-la a esta hora, embora se necessitava pouca imaginação para elucidar quem era sua visita.
Levantou-se, subitamente cheia de coragem. Gabriel poderia ter desfrutado de seus entretenimentos de meia-noite em Londres, onde os jovens senhores recusavam ir para casa até a manhã. Mas no campo se desfrutava de noites tranquilas com alguma festa ocasional. É claro que às vezes desejava atividades mais animadas, mas a festa de máscaras anual logo se levaria a cabo, antes que o frio do outono os mantivesse perto do fogo de noite.
Dissimulada. Solteirona. Nisso se estava convertendo, em uma dessas damas que inspiravam piedade, das quais ela e suas amigas costumavam rir em segredo, não fazia muito tempo. Gabriel devia achá-
la aborrecida comparada com suas passarinhas londrinas, e tinha que admitir que ele vigorizava o ambiente e que esperava que fosse ele. Riu suavemente de si mesma com o pensamento. Não podia acreditar que estivesse ansiosa de repreendê-lo por vir tão tarde de noite. Não se pôde recordar quando tinha sido a última vez que tinha esperado com ansiedade algo.
De qualquer maneira não era Gabriel que estava esperando-a no vestíbulo. E quando a visita se virou, não só sentiu uma grande decepção, mas também um pânico terminante e um desejo de sair correndo a procurar as pistolas de seu irmão.
Um fantasma. O fantasma de Jeremy.
Mas então ele levantou o rosto para a luz. A ilusão se esfumou e se deu conta, com um calafrio de alívio, que se tratava do irmão de Jeremy, o Major Lorde Guy Hazlett. Sério, tinha um aspecto mais gasto que seu irmão falecido. Não tinha trocado mais de três palavras com ele no funeral. Entretanto sentiu que a examinava com uma intensidade desconcertante, como também o estava fazendo agora.
Tinha esperado não vê-lo nunca mais. Junto com sua família, tinham uma grande propriedade próxima a Ashwell. O que o traria ali? O que quereria? O anel de compromisso que seu irmão lhe tinha dado?
Tinha jogado-o pela ponte para os dois amantes que tinham morrido ali. Não tinha nada mais de valor que pudesse dar ao homem que poderia ter sido seu cunhado.
Encontrou-se com seu olhar. Os mesmos olhos verdes de Jeremy, os mesmos traços cinzelados e a maneira arrogante. Guy não se dignara a visitar Helbourne durante anos. Considerava a aldeia abaixo dele.
O que queria?
Adiantou-se depressa e a abraçou calidamente.
- Me perdoe por incomodar a esta hora, Alethea. Tinha negócios pessoais por esta área, e prometi a minha esposa que averiguaria como se achava. Esta foi uma época difícil para nós, agora que Jeremy se foi.
Ele deixou cair à cabeça em um momento de silêncio solene. Seu curto discurso deveria havê-la aliviado. Tinha sentido, quando recordou os olhares de simpatia que sua esposa Mary lhe tinha dado durante o funeral de Jeremy. O fato de que Jeremy tivesse resultado ser um monstro, não significava que seu irmão compartilhasse sua inclinação
para a crueldade.
- Estou bem, milord.
E, entretanto enquanto estava parada diante dele, com seu penhoar vermelho escuro, sentiu-se inexplicavelmente exposta e incômoda.
Assumiu que seu desconforto derivava do muito que se pareciam fisicamente os irmãos.
Sua voz melosa fez que uma faísca desagradável lhe descesse pela coluna.
- Mary queria saber se se achava indisposta por uma boa razão.
Desejamos lhe oferecer nosso apoio.
- Como está sua esposa? - perguntou pensando na agradável embora feia herdeira que adorava abertamente Guy.
- Está esperando outro menino. A matrona nos advertiu que é uma menina outra vez. - Seus olhos pálidos a percorreram, calculadores, inquietantes - Posso falar francamente?
Ela hesitou. Por que não tinha pedido ao lacaio que ficasse? Por que tinha esperado que a visita fosse outro homem?
- Acho que poderiam escutar. Se se tratar de algo pessoal, talvez deveríamos esperar até que meu irmão e meu primo voltem. Não acho adequado que...
- Vamos para fora. - persuadiu - Caminhemos pelo jardim. O ar do campo é seguro para compartilhar confidências.
Não era seguro para outros propósitos. Seu coração se sacudiu contra as costelas. Em sua mente viu Jeremy forçando-a na escuridão, lhe cobrindo a boca com sua mão.
- É muito tarde para caminhar...
- Alethea. - disse delicadamente - Sei o que aconteceu entre você e meu irmão.
Sentiu uma sacudida de alarme em sua cabeça.
- O que disse?
- Sei que foi seu amante uma noite antes de ir-se.
Seu amante. Uma versão retorcida da verdade. Nada de um ato de amor.
Seu mau humor disparou.
- Isso foi o que disse?
Tomou-a suavemente pelos cotovelos.
- Se teve um menino em segredo, Mary e eu discutimos como ajudá-
la melhor.
- Por favor, não me toque, milorde. É a última vez que lhe pedirei isso. E para satisfazer sua curiosidade, não há nenhum menino secreto.
Soltou-lhe os braços. Ela retrocedeu.
- Retirou-se ao campo faz mais de um ano. Tinha pensado... não importa. O que importa é que necessita de um protetor, Alethea. -
Entretanto, a maneira que começou a rodeá-la, não a fez sentir segura -
Uma mulher em sua posição... dolorida, vulnerável. É um convite a certas realidades feias do mundo.
Quanto sabia, realmente? Estava fazendo conjeturas? Ou Jeremy se confessara para limpar sua consciência? Deveria ter pensado que era estranho que não tivesse chorado no funeral de seu irmão.
- Gostaria que me tivesse pedido ajuda, Alethea. - Fez uma pausa -
Se meu irmão se casasse com você, nos teríamos aproximado, estou certo. Teria confiança em mim. Confie em mim.
- Disse-lhe a verdade.
Mas não disse que esperava não vê-lo nunca mais, nem a nenhum outro membro da família de Jeremy. A incerteza a respeito de uma concepção tinha passado fazia muito tempo. Seu fluxo tinha chegado depois de uma semana com os nervos abalados, depois de seu pesadelo. Teria encontrado a força para suportar essa cruz se a tivessem posto sobre os ombros. Agora só tinha que conformar-se com seu estado arruinado e o que isso implicava. Tinha muito pouca
paciência para sofrer por sua virtude roubada.
Tinham-na humilhado, mas ainda tinha seu irmão e seu primo para que a cuidassem, seus amigos na aldeia.
- Lorde Hazlett - disse resolutamente - há algo mais que deseje de mim? O anel de compromisso de seu irmão? Lamento lhe dizer que o perdi no dia que me inteirei de sua morte.
- Não, querida. Além disso posso comprar outro. É isso o que deseja? Deseja jóias? Vestidos bonitos?
Forçou-se para olhá-lo todo o tempo no rosto.
- Não tenho nada de valor para lhe dar em troca, exceto assessoramento sobre maneiras, que suspeito não levaria em conta.
- Está equivocada, Alethea.
Tomou sua preocupação com reticência cínica. Os olhos verdes pareciam lhe oferecer só simpatia; seus instintos não confiavam nele.
Mas agora estava mais zangada que assustada. Não sofreria mais uma violação.
- Temo que não me entenda. - disse ele - Não possuo, digamos, o mau humor e a tendência à agressão de meu irmão.
Assim ele sabia.
- Sua compostura é admirável – acrescentou ele - Não sei se poderia perdoar se estivesse em seu lugar.
- Talvez não haja nada que perdoar.
Sorriu conhecedor.
- Outra mulher teria um ataque de histeria. O idiota de meu irmão temia que dissesse a meia Inglaterra o que lhe tinha feito.
A boca se pôs tensa pela repulsa.
- Bem, deixemos o morto descansar em paz. Não tenho nenhuma confissão a fazer.
- Mas sou digno de sua confidência. Manterei seu segredo. E se me permite, farei sua vida melhor do que seria de outra maneira. Sei o
pequeno porco que era meu irmão. Malcriado, tomando tudo o que desejava.
Engoliu tensamente. Não tinha que entrar em pânico. Se gritasse, os criados a escutariam.
- Minha preocupação primária, é seu futuro, Alethea.
- É minha preocupação, não a tua.
- Essas são as opções para uma mulher caída, como você.
Sentiu que o estômago se revolvia. Entretanto conseguiu dizer:
- Se caí, já estou em pé.
- Entre você e eu, não vejo vergonha na paixão. Jeremy jurou que buscou lhe dar prazer à noite antes de ir-se.
- Fez isso? - perguntou em voz baixa, pois "prazer" era a última palavra que descreveria sua experiência.
- Se foi assim, foi um presente generoso, um que...
- Eu digo que houve vergonha.
Encolheu os ombros, aproximando-se lentamente outra vez.
- Então essa má lembrança deve ser suplantada por uma experiência mais desejável. Talvez pelo desejo.
- É esta uma proposta em nome de seu irmão ou de si mesmo? -
perguntou desgostosa.
- Não está disponível, Alethea, apartada neste lugar. Há acertos para mulheres como você, que já não cabem no mundo bem educado.
- Sei o que sou, e o que esses acertos são. - disse com a voz tremendo de raiva.
- Então saberá o que lhe estou oferecendo, e porque é uma solução sensata para uma bela moça como você, que não foi feita para ser uma preceptora.
CAPÍTULO 12
Gabriel tinha começado a se sentir um pouco idiota enquanto se aproximava da tranquila casa senhorial. Tinha esquecido que no campo todos os camponeses iam para a cama à uma hora ímpia. Certamente não ofendia suas regras de comportamento visitar uma senhorita sem anunciar-se, usando a despensa desabastecida de sua governanta como desculpa. Entretanto, ele não podia recordar quando, ou se alguma vez, tinha visitado uma bela mulher para mendigar uma tigela de farinha para seu jantar.
Era uma situação ridícula. Ele não poderia manter-se sério quando se apresentasse ali, e Alethea veria diretamente através dele, como suspeitava que ela sempre fazia. Era um pensamento agradável, compartilhar uma risada com ela a custa dele. Mas quando alcançou o final do caminho, sua diversão desapareceu. Havia uma carruagem estacionada diante dos degraus da entrada, embora só uma ou duas trêmulas luzes resplandecesse atrás das janelas. Alethea aparentemente ainda não se retirara. E, aparentemente, não estava sozinha. Ele não deveria ficar surpreso, mas estava.
Mas ele não era ingênuo. Negar a implicação de uma visita noturna seria a ingenuidade extrema. Alethea era uma mulher sozinha, convidativa, bela. Não era difícil imaginar que outros homens a desejassem ou queriam atraí-la com enganos enquanto ele estava em sua porta.
Desmontou e atou seu cavalo no poste da curva do caminho. Os dois lacaios apoiados na carruagem assentiram com a cabeça quando passou. Ignorou-os.
Um cavalheiro, é claro, não se intrometeria em um namorico. Mas ele era curioso. Era um jogador. Um mendigo sem princípios com uma tigela vazia.
Subiu correndo os degraus frontais. Golpeou suavemente, esperou alguns segundos, depois entrou por si mesmo.
Vozes moderadas chegavam do final do vestíbulo que conduzia à escada principal. Ele limpou a garganta.
- Há alguém em casa? O mordomo, o padeiro, Alethea? Lady Alethea, está aqui?
Ele fez uma pausa. Ouviu a profunda e refinada voz dela. Pelo som desta, ela não estava no meio de uma conversa agradável.
- Esse deve ser um de seus lacaios chamando-o, meu lorde. - ela estava dizendo. - Dar-lhe-ei boa noite.
- Reconsiderará minha oferta?
Os cabelos do pescoço de Gabriel se arrepiaram. Caminhou para as duas figuras iluminadas pelas velas. Que tipo de oferta fazia um homem a esta hora?
- Bom, aí está - disse Gabriel cordialmente - estive golpeando muito tempo.
- Não ouvi alguém bater. - disse o outro homem.
- Eu sim. - disse ela rapidamente.
Ele estudou seu evidentemente nervoso rosto em busca de sinais de que ele estava sendo inoportuno e decidiu que ela se sentia aliviada pela intrusão. O fato avivou seus instintos agressivos. Sua visita não tinha sido convidada. Olhou além dela avaliando abertamente um homem alto com uma jaqueta floreada de brocado que estava parado a seu lado.
Não era um fazendeiro local, por seu olhar, mas não completamente desconhecido, tampouco. Era um pretendente?
Não um cuja companhia ela tinha procurado, a julgar pelo entusiasmo com o qual se apressou a adiantar-se para conduzi-lo pelo vestíbulo.
- Sir Gabriel - ela o anunciou com tal alegria forçada que ele se perguntou rapidamente se ela se convertera em uma dessas amantes da
bebida de meia-noite. - Que bom que tenha vindo! Tinha perdido as esperanças.
Ele poderia ter jurado que quando se encontraram pela última vez no bosque, separaram-se em termos mais instáveis.
- Bem, realmente...
Ela o pegou por debaixo do braço e o arrastou entre ela e o outro homem.
- Chega uma hora tarde, senhor.
- Assim sou eu. - disse ele suavemente, deliberadamente empurrando-a atrás dele.
- Mais vale tarde que nunca, entretanto - disse com uma risada nervosa.
O outro homem se endireitou.
- Então deve ser mais tarde que o que achei, e deveria estar a caminho se quiser ter uma refeição antes de ir à cama.
Gabriel firmou seu quadril no aparador como se não tivesse intenção de ser o primeiro a sair. De fato, ele não iria até que estivesse seguro de que ela estava livre de seu convidado não desejado. Alethea não se moveu, exceto por um involuntário pequeno tremor quando a visita a percorreu com o olhar.
- O que lhe propus ainda continua em pé. - o cavalheiro disse a Alethea, ao mesmo tempo em que voltava às costas a Gabriel. - Eu não gosto de pensar que está suportando sua pena na solidão.
- Tive um ano para me penalizar. - Alethea lhe replicou.
Gabriel grunhiu ligeiramente. Gostaria de encontrar este homem só em um beco escuro e lhe proporcionar alguma pena. Não chegaria esse momento muito logo pelo que parecia.
- Melhor se apressar. - lhe disse ele. - As pontes nesta área podem ser homicidas. Há fantasmas, também. E morcegos.
O homem mais velho olhou ao redor para lhe dirigir um prolongado e
duro olhar.
- Você não é alguém que reconheça senhor. Conhecemo-nos?
- Não a menos que você frequente os infernos dos jogos de azar.
O lábio superior do homem se curvou em uma careta.
- Felizmente, não o faço. Mas o vi... Boscastle?
Gabriel olhou atrás dele. Agora ele sabia quem era este idiota pomposo. O major Hazlett. O herdeiro. Os irmãos mais velhos de Gabriel tinham roubado o cavalo de Guy e o tinham dado aos ciganos quando o tinham apanhado açoitando-o em uma ravina.
- Você tem vantagem. Eu não conheço seu nome.
- Major Lorde Guy Hazlett.
- Ah. - Gabriel respondeu com um sorriso depreciativo, dando a entender que o nome não significava nada para ele. - E você é... o tio de Lady Alethea? - Perguntou-lhe, como se remarcar a diferença de idade entre os dois fosse um sinal de respeito e não um insulto patente.
Hazlett franziu o cenho.
- Teria sido seu cunhado se não tivesse ocorrido à desgraça em minha família. - Com o qual ele claramente quis dizer que isso lhe dava o direito de visitá-la sem avisar a avançadas horas da noite.
Seu cunhado, seu sem-vergonha. Gabriel riu interiormente. Ele conhecia uma intenção mais escura quando via uma.
Hazlett ergueu seu ombro.
- E sua relação com ela, senhor?
Ele se desabou pesadamente na dura cadeira de carvalho do vestíbulo. Não tinha sido convidado a sentar-se. Era mal educado.
Entretanto, enquanto Alethea não expressasse nenhuma objeção, ele decidiu que era sua responsabilidade despachar Hazelnuts. Ela poderia exortá-lo por sua conduta mais tarde.
- Somos vizinhos. - lhe disse laconicamente - De fato, tenho algo para ela. - Apoiou sua tigela no piso e tirou debaixo de seu braço o
chicote ela tinha deixado cair mais cedo durante o dia. - Deixou isto na palha quando me despertou hoje. - disse candidamente.
As sobrancelhas de Alethea se levantaram.
- Que consideração de sua parte.
- Bom, dado que estava vindo de qualquer maneira...
-Todo esse caminho para entregar um látego. - Hazlett resmungou. -
Como se não pudesse ter esperado até que fosse de manhã ou pudesse ter sido entregue por um criado.
Gabriel sorriu abertamente quando ela tomou o chicote de sua mão.
- A gente nunca sabe quando uma pequena disciplina será muito útil.
- lhe disse. - Entendo que não se pode abrir a porta de noite a qualquer pessoa que não seja segura, inclusive aqui no campo. Quem sabe o que as pessoas repugnantes poderiam estar procurando?
Hazlett sorriu sem humor.
- De fato. Posso levá-lo a sua casa, agora que sua boa obra foi finalizada? Minha carruagem está justo aí fora.
- Não há necessidade. - Gabriel disse frivolamente. - Tenho meu cavalo, obrigado, e de fato, fui enviado por outra pessoa para um assunto diferente. Particular, deveria acrescentar.
- Um assunto particular? - Alethea e Hazlett disseram em coro.
Gabriel fez uma solene inclinação de cabeça.
- É bem embaraçoso. Não tenho a liberdade de revelá-lo a ninguém que não seja Lady Alethea.
Alethea pressionou os lábios e não fez comentários. Hazlett sacudiu a cabeça rendido.
- Deveria me pôr a caminho antes que a estalagem se encha para a noite. - disse. - Encarregarei-me pessoalmente de saber como está de vez em quando, Alethea.
Gabriel saltou sobre seus pés.
- Penso que entre o irmão dela e a paróquia, poderemos preservá-la
das más influências, não acha Alethea?
Ela murmurou algo baixo. Ele voltou a sorrir com brilhante inocência.
Tinha a sensação de que estava metendo-se em problemas com ela por brincar. Possivelmente se ela em realidade gostasse deste Lorde Hazelnuts. Entretanto, quando finalmente o homem se foi, Gabriel não sentiu a mínima culpa. Nenhuma absolutamente.
Nem sequer quando Alethea o olhou e lhe perguntou:
- O que faz você aqui a estas horas da noite, Gabriel?
- Vi uma luz na janela.
- E uma luz o atraiu até minha casa? Mentiroso.
- Pensei que acabava de dizer que tinha sido convidado.
- Oh, honestamente.
- Que bom que tenha vindo! - Ele citou. - Tinha perdido as esperanças.
- Isso foi... - Ela mordeu os lábios. - Uma desculpa.
Ele riu silenciosamente.
- Então não sou realmente bem-vindo?
- Gabriel, usualmente estou deitada a esta hora.
O poderoso sentido de amparo que ele já sentia agora se mesclou à luxúria.
- Melhor tarde que nunca?
- É esse o assunto particular pelo que veio?
Ele hesitou.
- Minha governanta me enviou para uma tigela de farinha.
Ela sacudiu a cabeça com resignação.
- Deveria ter sabido. A Senhora Miniver é a pior governanta do mundo. Siga-me.
- Minha tigela...
- Não importa. Enviar-lhe-ei uma bolsa.
Foi uma longa caminhada até a cozinha. Por uma vez Gabriel
abençoou a antiga arquitetura de épocas passadas que afastava a um edifício de outro. Causava certos desconfortos, mas lhe dava alguns momentos a sós com Alethea, embora ela não parecesse inclinada para apreciar a oportunidade por si mesma.
Entraram em um escuro vestíbulo com vigas de madeira, ao final do qual a luz do fogo resplandecia através da porta arqueada da lareira da cozinha. Pôs-lhe uma mão em seu ombro.
- Não gosta desse homem. - lhe disse suavemente.
Ela se virou, seus escuros olhos fugindo aos dele.
- Não. Obrigada.
- Por...?
- Sua intervenção foi bem-vinda.
- Incomodou-a? - Perguntou-lhe, sua cólera acendendo-se. - Por Deus, cheguei muito tarde ou bem a tempo?
Ela sacudiu a cabeça.
- Chegou no momento perfeito.
- Estava aflita por que lhe trouxe lembranças de seu irmão? - Ele pressagiou, repentinamente sentindo-se torpe e não querendo que este momento terminasse. Suspeitava que ela não tivesse muita vontade de responder, que provavelmente esperava que ele se fosse.
Sua voz foi apenas audível.
- Foi desconcertante vê-lo, isso é tudo.
Ele franziu o cenho, dando-se conta de que ela escapara de uma resposta sincera.
- Estou a incomodando?
Ela riu inesperadamente.
- Sim. Sim. Desde o preciso momento em que posei minha vista sobre você, foi um desconcerto. Sempre tinha esperado...
- Alethea.
Ele a pegou pela cintura, seus olhos fixos nos dela, e lentamente a
moldou contra sua longitude. Por um momento nenhum deles se moveu.
Ele pensou que era melhor agir como se estivesse contemplando a situação em que estavam, que confessar que seu desejo por ela o estava atormentando.
- Gabriel - ela sussurrou - isto é...
- Não me faça ir ainda. Por favor, por favor.
Ela se moveu indecisamente, logo se apaziguou com beneplácito, erguendo a mão para apoiá-la ligeiramente sobre seu braço. O corpo dele se endureceu com desavergonhada antecipação. Precisava beijá-la tão desesperadamente como necessitava o ar. Mas desta vez se preparou para o que lhe faria sentir, e decidiu que ela sentiria uma agitação similar.
Ele a contemplou em silêncio meditando, esperando, até que seus lábios se abriram no mais puro dos suspiros. Seu convite. Ele deslizou sua mão para cima de suas costas, entre suas omoplatas, para sua nuca, para sustentar sua cabeça. Ela não disse nada, seus olhos escuros desfazendo-o, questionando qual seria sua manobra seguinte.
Ele inclinou sua cabeça em resposta. Ela se esticou. Ele localizou sua outra mão firmemente em seu quadril enquanto seus lábios tentavam aos dela. Ela fechou os olhos. Sua guarda baixou, e o coração dele golpeou com excitação até que cada pulso de seu corpo fazia eco com a desumana contenção de seu desejo.
Ela era sua por este momento. Ele sabia isso enquanto a beijava.
Ela foi sua até que fez um som confuso que lhe devolveu os sentidos.
Inclusive então ele não pôde mover-se, sua boca ainda tocando a dela de maneira que saboreava sua exalação de fôlego, o doce sabor que deixara o xerez.
- Sinto muito. Acredito que perdi o fio de nossa conversa.
Ela sorriu, olhando-o nos olhos, e suavemente o esbofeteou na parte traseira de sua coxa com sua vara.
- E eu acho que você foi quem mencionou o momento oportuno para outorgar uma disciplina.
Ele fechou os olhos, permitindo um delicioso momento de autotortura.
- Eu pedi isso.
- E eu lhe perguntei o que está fazendo aqui a estas horas. - disse ela suavemente. - Poderia ter enviado um criado para pedir a farinha.
Ele abriu os olhos.
- Estava resgatando-a, não é verdade?
Arrastou o chicote para cima de seu peito, delicadamente lhe acariciando a cicatriz de sua garganta.
- A menos que você tenha estado espiando através das janelas, não posso imaginar como teria sabido que precisava ser resgatada.
Ela virou, só para achar-se arrastada para trás e apanhada outra vez dentro de seus braços. Seu coração revoou com uma inesperada excitação quando a olhou diretamente nos olhos. Ela não o fez, não podia, achar a força para afastar o olhar. Ele sorriu, então a apertou contra seu peito. Sem uma palavra, abaixou a cabeça e a beijou outra vez.
Ela tomou uma respiração e tentou contar até dez para esclarecer seus pensamentos. Perdeu a conta dos números no três. Seu beijo conseguia que qualquer esforço para ignorá-lo fosse inútil. O calor palpitava abaixo de seus ombros, seus braços, sua coluna vertebral.
Repentinamente se sentia desinibida, pegando fogo. Leve como uma chama, capaz de abrasar algo que tocasse. Gabriel. O único homem de quem ela deveria afastar-se custasse o que custasse. Mas ele tinha chegado para resgatá-la, seu cavalheiro andante. Só por esse único ato ela poderia convencer-se que ele merecia um beijo, embora não tivesse ideia de quem a resgataria dele.
Afastou-se dele. Ele continuou, suas mãos expertamente roçando a
forma de seus seios, suas costas, depois abandonou esse malvado saque antes de ela poder protestar.
Quem teria sabido que seus grossos dedos cheios de calos poderiam evocar este desejo de entregar-se?
- Por quê? - sussurrou com desconcerto - Por que lhe permiti me beijar?
Ele riu.
- Não tenho nem ideia. Meu conselho, a regra que sigo, é gozar agora e me arrepender mais tarde.
CAPÍTULO 13
Dois dias depois, Gabriel vociferava na escuridão antes do amanhecer dessa terça-feira, de volta a Londres, deixando atrás os pedágios, casarios, e a tentação.
Despertou antes da alvorada, olhou pela janela através do jardim coberto de ervas para a casa de Alethea e se deu conta de que estava em perigo de perder-se. Quando era mais jovem sabia perfeitamente contra o que estava vendo. Sua sorte lhe tinha parecido injusta, mas ao menos a entendia.
Não era um cavalheiro rural. Era um jogador, um soldado, e se as circunstâncias lhe tinham formado o caráter de maneira indesejável, não tinha nenhuma razão para mudá-lo. Não era possível que pudesse criar raízes, nem sequer no chão que o tinha visto nascer. Só Deus sabia no que se transformaria. Seria desconsiderado com Alethea se ficasse mais tempo. De fato, seria uma mostra de seu verdadeiro afeto por ela, sair de sua vida.
Vestiu-se, desceu a toda velocidade a escada, pedindo a gritos seu cavalo, seu café da manhã, seu cocheiro. Vociferando a um pessoal indolente que não se movia por nada a menos que o teto viesse abaixo.
Pôs-lhe as bridas e a sela na escuridão. E para falar a verdade o andaluz parecia tão ansioso de escapar à ação, como seu dono. Seu cocheiro, acostumado às maneiras inquietas de Gabriel, tranquilamente concordou em segui-lo.
Não podia ficar outro dia, outra hora, a vida inteira. Isto era do que estava escapando. Havia-se dito tantas vezes que ir-se era uma atenção para Alethea, que o tinha acreditado. Ontem à noite, se tivesse tido um pouco de ânimo, teria lhe demonstrado que não era melhor que seu outro visitante. Teria-lhe prometido algo que ela quisesse, sem realmente desejá-lo.
Ou o tivesse desejado, o que era uma possibilidade ainda pior, sugerindo que não estava correndo de volta a Londres para salvar a honra da Alethea tanto como para salvar-se a si mesmo.
*****
Alethea pensou que era um sinal alentador. Uma indicação de respeito a seus sentimentos que Gabriel não a visitasse nos dois dias seguintes. Se tivesse aparecido sem anunciar-se outra vez em sua porta, depois do desgosto que tinha expressado com a visita inoportuna de Guy, poderia haver-se recusado a recebê-lo. Mas também poderia ter se sentido inclinada a convidá-lo a tomar chá.
E lhe permitir que a beijasse outra vez.
Entretanto, só podia esperar que tivesse seguido seu conselho, e estivesse pondo em ordem sua propriedade. Por outra parte, ela tinha deixado aos cães livres ao redor da casa, soltou os cabelos como uma pagã, e abriu à janela para ver Vênus elevar-se na noite. O fato que um novo dono tivesse chegado a Helbourne Hall, não tinha nada que ver com sua repentina afeição pelo ar noturno, ou a energia que sentia depois de meses de melancolia. Pensava nela como uma tulipa tardia de inverno, rompendo camadas de crosta da terra para desfrutar o sol.
Inclusive seu irmão, Robin, notou seu espírito elevado quando voltou para casa, empoeirado, desordenado e com seu bom humor habitual.
- Os ciganos lhe pagaram adiantado enquanto estive fora? Não te tinha visto sorrir assim em anos.
- Tão áspera me pus? - perguntou penalizada. Quis acrescentar que não tinha se esquecido de rir. Só que não havia muito que a divertisse por estes dias.
Ele a olhou carinhosamente enquanto a seguia ao salão, onde havia uma mesa posta com um café da manhã leve com toucinho, pães doces e café amargo quente.
Ele era só uma polegada mais alto que Alethea, magro, com sedoso
cabelo castanho que constantemente lhe caía sobre a sobrancelha esquerda.
- Gostaria que tivesse vindo a Londres comigo. Seus amigos me suplicaram por notícias tuas. Cassandra Waverly acaba de ter gêmeos.
Far-lhe-ia muito bem visitá-la.
Mas não seria assim. Teria se sentido invejosa, temerosa de só conhecer a proximidade das crianças como preceptora. Ele tagarelava.
Os pensamentos dela vagaram, até que ele fez uma pausa, e para sua vergonha, soltou inesperadamente,
- Temos um novo vizinho. Um antigo, em realidade. É Gabriel Boscastle. - Agora que tinha pronunciado seu nome em voz alta, deu-se conta de que não o tinha banido de sua mente, mas admitiu que ele dominava seus pensamentos. Não ajudava que depois da expressão em branco do rosto de seu irmão, ele tenha ficado observando-a com divertido horror.
- Recorda-o? - apontou - Seu pai morreu...
- Gabriel e seus irmãos bateram nas crianças da escola até deixá-
las com as tripas de fora. Acredito que uma vez o puseram na tabela pública por...
Alethea lhe deslizou um prato de pãezinhos doces.
- Emagreceu desde que se foi. Não lhe deram nenhuma comida decente em Londres?
Ele olhou a mesa.
- Acabo de comer três desses. Agora, voltando para...
- Bem, come outro. Não durarão. Ou come mais toucinho e ovos.
Pedirei à senhora Sudley que faça uns.
- Puseram-no no pelourinho. - Ele continuou, deixando seu prato a um lado. - Espere, ele...
- Nunca lhe deu uma surra, não é verdade? - perguntou-lhe contendo a respiração - Quero dizer que não recordo que tenha voltado
para casa maltratado e machucado. Não brigava com ele, que recorde.
Ele repicou seus largos dedos no bordo da mesa, olhando-a com suspeita.
- Não. Não o fez. E sempre me perguntei por que. Tem alguma ideia?
Alethea levantou a xícara, pretendendo não dar-se conta de seu cauteloso escrutínio.
- Talvez gostasse de você. É bem do tipo agradável, embora seja meu irmão. Sei que Emily acha isso. Falando de Emily, visitou-a em Londres? Ou lhe propôs matrimônio como esteve prometendo nos últimos cinco meses? Ou são cinco anos? Não é justo que a deixe esperando tanto tempo. Não acredito que não se queira casar.
Ficou olhando-a.
- Acredito que deveria vir comigo a próxima vez que vá.
- Quando será? - perguntou ela, exalando aliviada de que o tema de seu notório vizinho tenha sido suplantado pelo do interesse amoroso de Robin. Cada vez que reunia a coragem para declarar-se ao Emily, via-se assaltado por um ataque de nervos. Alethea tinha começado a temer que ambos se fariam velhos sem amor, juntos, sem crianças que lhes enriquecessem o futuro. Provavelmente ele ia estar se alimentando com pãezinhos doces para sempre.
- Partirei outra vez na sexta-feira pela manhã. - disse com um grande sorriso - E se tudo sair bem me declararei essa noite. Quer se esconder atrás do sofá, para que me aponte em caso que a resolução me fraqueje?
- Sexta-feira? Fiz planos, convidei à senhora Bryant e a alguns outros amigos para jantar. Passou um tempo desde que nos juntamos.
Ele suspirou.
- Está bem - disse depois de vários minutos - Entendo. Sente falta dele, e ainda está de luto.
Ele. Queria dizer Jeremy. Esse bastardo flagrante que tinha sido canonizado na memória local.
Sentiu que as lágrimas lhe queimavam os olhos. Não eram lágrimas de dor, mas eram de amargura e frustração. Como gostaria de dizer a Robin a verdade.
Mas se o fizesse, seu irmão nunca se recuperaria. Jogar-se-ia a culpa por não protegê-la. Por não havê-lo confrontado essa noite em Londres. Mesmo assim, as palavras borbulhavam em seu interior, como uma peste apodrecendo-a lentamente, e ansiava eliminá-las.
Mas, porque era a melhor maneira de distrai-lo, disse:
- Convidei Gabriel Boscastle para jantar, também. Pensei que estaria em casa para fazer-se de anfitrião, ou não o teria feito. E seria de má educação lhe dizer agora que não pode vir. Convidei-o, e isso é tudo.
CAPÍTULO 14
Um nômade não deveria reunir nem musgo nem lembranças.
Gabriel estava acostumado a saídas precipitadas e escapadas não planejadas, tanto de cenas de batalha como de quarto. Agora era virtualmente um hábito jogar-se sobre seu cavalo e cavalgar meio adormecido para lugares desconhecidos.
Mas não foi senão três horas depois, no Grande Caminho a Londres que se deu conta que o peso que sentia no peito não se devia ao alívio habitual, mas a arrependimento. Viveria o resto de sua vida perguntando-se o que perdera ao partir.
Maldição, um homem não podia perder o que não conhecia, não é?
E nunca antes tinha tido um namorico com alguém como Alethea. Quem diria que não seria seu fim se ficasse? Além disso, não podia imaginar-se jantando em sua casa sem fazer algo para merecer o desterro para sempre.
Por muito rude que fosse, parecia mais fácil retirar-se que humilhar-se em sua presença.
Parecia mais fácil sonhar com ela, sabendo que seus desejos nunca se realizariam que enfrentar o fim de suas fantasias mais apreciadas.
Ao menos esse era o pensamento com o que se consolava quando chegou à mansão Mayfair de seu primo, o tenente coronel Lorde Heath Boscastle. Poderia ter aparecido como um gato de rua na porta de qualquer dos Boscastles de Londres, e seria convidado a ficar. De fato o tinha feito mais vezes do que podia contar desde que tinha feito as pazes com este lado da família.
O fato era que de todos seus parentes masculinos, Lorde Heath parecia o menos provável a julgar ou fazer perguntas, uma presunção que o mais reservado dos homens Boscastles fez ouvidos surdos no próprio minuto que Gabriel baixou a guarda no estúdio de seu primo.
Era um aposento misterioso, silencioso e reverente, com uma atmosfera de conhecimentos antigos e segredos não revelados, não muito diferente do ex-espião de cabelo negro como um corvo, que estava sentado na penumbra avaliando silenciosamente atrás de sua escrivaninha militar. Livros com lombos quebrados e pergaminhos cobertos de couro, muitos em línguas arcaicas, enchiam as prateleiras que cobriam as paredes. Vários mapas do Egito e Europa, campanhas militares em relevo pendiam entre as cortinas.
Gabriel compreendeu que Heath não só tinha lido todos esses livros escuros de sua biblioteca, mas também o mais provável era que possuísse o intelecto para havê-los escrito. Era a esfinge da família, o Calmo, do qual se dizia que podia persuadir e obter uma confissão do adversário mais duro. Seu silêncio o punha nervoso.
Gabriel se pôs a rir.
- O que fiz? O que acontece? Só estive fora uns dias. O que pôde ter acontecido em uma semana?
- Nesta família? - Heath lhe dirigiu um sorriso malicioso - Não deveria ter que explicar. Os Boscastles mal requerem uma hora para desonrar-se.
- Certo. Não é isso parte de seu encanto?
- Onde esteve, Gabriel?
-Em Enfield, me fazendo encarregado de uma mansão no campo, que ganhei nas cartas.
- Enfield? Não nasceu aí?
Diabos, que memória. Gabriel nunca falava de seu passado com ninguém.
- Sim.
Heath baixou o olhar à pilha ordenada de cartas e documentos sobre sua escrivaninha.
- E achou o filho pródigo o que procurava? Evasão? Diversão?
Nenhuma excursão secreta de retorno a Londres?
Endireitou-se.
- Não na última semana.
Heath ergueu a vista.
Anos atrás, enquanto Gabriel fazia a guerra a seus demônios particulares, isolou-se dos Boscastles, do tronco de Londres da notória árvore genealógica ancestral. Mas em recente passado fez um confortável espaço para si mesmo na família, e enquanto o código de conduta de Gabriel ainda podia elevar as sobrancelhas nas casas distintas, nunca tinha feito confidências, nem se havia visto envolvido em algum tipo de verdadeira deslealdade contra seus primos.
- Que tipo de excursões secretas estamos discutindo, Heath? -
perguntou mais cômodo agora que tinha feito uma avaliação rápida de sua consciência por alguma maldade escura.
Isto não podia ter nada que ver com Alethea. Aborrecido, tinha tido a melhor de suas condutas, ao menos para seu antigo código de descarado. Tinha beijado-a. Isso não era uma mancha negra no livro dos pecados dos Boscastles. Só era o começo... e o mero pensamento de voltar a beijá-la, reforçou seu desejo de voltar.
Heath se limitou a sorrir.
- Que o diabo me leve. - disse aborrecido. - Me esqueci do baile de aniversário de Grayson, não é verdade? No qual os ingressos são para o leilão de uma das organizações beneficentes de Jane? Não posso imaginar que alguém sinta minha falta em uma multidão como essa.
Terei que me emendar. O que poderia comprar para Jane? Gosta de sapatos e jóias, que tal se lhe mando fazer um par de sapatos de baile especiais para seus delicados pés, uns com diamantes nos dedos?
Heath negou com a cabeça.
- O aniversário de Grayson é no fim do mês. Está convidado.
Sempre está convidado.
- Nem sempre. - disse antes de dar-se conta do que tinha admitido.
Aí estava o problema com Heath. As pessoas simplesmente tinham que sentar-se a sós com ele e trocar uns comentários sem sentido, e os segredos começavam a derramar-se como uma fonte.
Ainda assim, tinha havido uma época em que Gabriel não tinha estado em estreita harmonia com seus primos. Havia-se oposto a eles deliberadamente durante as poucas reuniões à que tinha assistido. Tinha parecido fácil, em meio dessa camaradagem Boscastles, fingir que sua própria família não desmoronara e que não tinha olhado com inveja ao buliçoso grupo.
- Essa foi sua escolha Gabriel. - disse Heath, sem nenhum rastro de condenação - Teríamos lhe dado às boas-vindas a qualquer momento.
Se não recorda, foi convidado a todos os atos importantes. Você e seus irmãos rechaçaram-nos a maioria das vezes.
- Esses foram anos difíceis para minha família. Eu não era, precisamente, uma companhia apta para a alta sociedade.
Heath encontrou seu olhar.
- Isso entendo. Entretanto nunca nos disse isso. Nem tampouco o fez sua mãe.
Que mais sabia Heath de seu passado? Coisas que Gabriel tinha esquecido ou que nunca tinha contado?
- Não entendo. - disse. - Se não é um assunto de família o que perdi, por que estou sob sua suspeita? Porque isso é o que sugere essa conversa.
- Minha suspeita, não. Mas tenho que admitir que tenho colegas em Londres que vieram a mim em privado perguntando por seu paradeiro recente.
Heath poderia referir-se a qualquer número de informantes do submundo, incluindo policiais e contrabandistas, políticos e prostitutas.
Como oficial de inteligência retirado, tinha uma lista de partidários leais
que se fizeram amigos dele até hoje.
- Bom, vai dizer-me por que querem saber meu paradeiro, ou se trata de uma forma de tortura Boscastle? - perguntou cordialmente.
Não podia acreditar que seu jogo tivesse despertado as suspeitas da coroa. E pela primeira vez em muitos anos, sua consciência estava realmente limpa, a menos que contasse seu desejo por Alethea Claridge.
Heath tomou sua pena.
- Esperava que você me dissesse isso.
- Poderia, se tivesse a mínima ideia do que vai todo este bate-papo.
- Um homem com sua descrição esteve envolvido em organização de moradas em Londres, que implicam damas dormindo em Mayfair.
Gabriel encolheu os ombros.
- Isso não é nada novo. Dificilmente ando procurando uma dispensa papal por meus pecados.
- Parece estar procurando algo. Olhe isto, por favor. - Heath deslizou sobre a escrivaninha uma das caricaturas cômicas que andavam circulando nas ruas e salões de Londres.
- Oh, não, você não. - disse Gabriel, levantando a mão - Se este for outro desenho que sua mulher fez de suas partes íntimas, não quero ter nada que ver com isso.
- Não sou eu. - replicou Heath aborrecido.
- Bom, certamente não... - olhou a impressão, e subitamente ficou silencioso. Representava um homem saindo por uma janela com um par de calções de uma dama entre os dentes e várias meias de seda enroladas no pescoço.
Como caricaturas, Gabriel as tinha visto mais cruas ainda, incluindo a que Julia Boscastle tinha desenhado representando o órgão masculino de Heath como um canhão de proporções gigantescas.
Não. O que lhe incomodava deste desenho em particular era que o sujeito em questão tinha uma semelhança notável com Gabriel. Mas não
era ele. De fato, fez-lhe graça que Heath sequer o considerasse uma possibilidade.
- Está assumindo que este bonito patife sou eu. - disse, franzindo o cenho asperamente.
- Está assumindo que é bonito. - replicou Heath - E está dizendo que este homem não é você? Não vou duvidar de sua palavra, mas preciso perguntar.
- Confesso que não tenho nem ideia do que está falando. O que fez exatamente este descarado em Mayfair?
Heath se afundou mais em sua poltrona.
- Irrompeu nos dormitórios de várias damas jovens.
- Bem-vindo ou sem convite?
- Sem convite, definitivamente.
- Bom, não era eu. Nunca entro em um dormitório sem um convite.
- E esteve saqueando suas gavetas, procurando um objeto sem especificar.
- Esse não era eu - disse Gabriel, com confiança. - Nunca mexo nas gavetas de uma mulher sem saber exatamente o que estava procurando.
- Em realidade ninguém o acusou. Ou mesmo o nomeou.
Gabriel cruzou os braços sobre seu peito.
- Não é surpreendente, tendo em conta que não era eu.
- Nunca disse que fosse.
Gabriel olhou a porta, sua atenção distraída. Pareceu-lhe ter escutado passos fora do aposento, o que não era surpreendente, já que Heath alojava uma pequena academia para damas jovens, que estava à espera de uma nova localização. Sua irmã Emma tinha aberto a escola, e embora agora estivesse casada com o Duque de Scarfield, não tinha abandonado seus cargos.
Ficou em pé, inquieto, e cada vez mais ofendido.
- Honestamente, pensou que irromperia no dormitório de uma
mulher?
- Não sem uma boa razão. Oh, e supostamente as escrivaninhas de alguns cavalheiros também foram registradas. Deve ser uma coincidência, Gabriel, que o intruso corresponda à sua descrição. Rogo-lhe que aceite minhas desculpas.
- Quem quer que seja, espero que tenha desfrutado.
- Aonde vai? -disse Heath.
Gabriel se voltou.
- Desfrutar por mim mesmo. Talvez possa inventar um novo par de crimes de novela para provocar algumas acusações legítimas.
Heath o seguiu até a porta.
- Poderia ir algumas horas para lhe fazer companhia.
Gabriel pôs-se a rir.
- Quererá dizer para me manter vigiado. Seus informantes devem ser muito persuasivos.
- Não necessariamente. Mas tendem a ser fidedignos, e dizem que onde há fumaça...
- Em geral há um Boscastle - concluiu Gabriel - Ou mais de um. Fica em casa com sua esposa, Heath. Entesoura a paz que ganhou. Estarei bem só. Amanhã podemos nos encontrar no Tattersalls se tiver tempo.
- Vai em busca de uma nova carruagem?
Gabriel fez uma pausa quando o mordomo de Heath abriu a porta para a noite de Londres. Mais que nunca desejava ver Alethea de novo.
- Pensei que poderia criar puros sangues.
Heath assentiu com a cabeça em sinal de aprovação.
- Um soldado de cavalaria poderia tomar uma decisão pior para seu futuro.
CAPÍTULO 15
Ele passou duas horas no Clube do Arthur da rua St. James, sem
envolver-se no jogo, a não ser oferecendo conselhos a uns poucos antigos amigos. Não estava com ânimo de jogar. Não se podia concentrar. De fato, sentiu-se aliviado que ninguém notasse quando se foi do clube, e tomou uma carruagem para um estabelecimento de má fama no Pall Mall que provia entretenimento aos jogadores de alto status. O mesmo antro onde tinha ganhado Helbourne.
Vários cavalheiros levantaram a vista para olhá-lo. Um moço lhe recolheu o sobretudo.
- Que bom que esteja de volta, senhor.
- Tanto tempo desapareci?
- As mesas sentiram sua falta. E mais de umas quantas damas de Londres, conforme ouvi.
- Só foram, quantas... duas semanas? - disse Gabriel sarcástico.
- Só isso, senhor? - O moço ficou ao lado de Gabriel e baixou a voz -
Seu pombinho depenado veio instalar-se em sua cadeira vazia todas as noites.
- Teve sorte?
- Não, senhor. Segundo um rumor, meteu-se em um problema familiar por apostar Helbourne Hall, e o quer recuperar.
- Está aqui agora?
- Foi ver seu agente comercial e advogado para tratar de conseguir uma compra. - comentou um homem aproximando-se dele. Era um antigo amigo de jogo, Lorde Riverdale, um pai de cinco filhos, felizmente casado, que compartilhava com Gabriel a atração pelas mesas de jogo.
- Suponho que ele averiguou que o título da escritura é inflexível e que em realidade eu sou o proprietário da desafortunada propriedade?
- Não quer uma granja à beira do desastre, não é verdade? -
perguntou-lhe Riverdale com um tom divertido.
Gabriel deu de ombros.
- Pode ser útil algum dia. Tenho pensado em criar puros-sangues.
- Ah. Quem é ela? Gosta da casa?
- É uma vizinha. E a detesta, com boas razões.
- Um lugar para criar cavalos. - Riverdale refletiu - Bom, por que...
- Sir Gabriel escolheu a corrupção ou o campo? - uma voz masculina arrastada interveio do canto de uma mesa - Fizemos uma aposta. Sinto-me aliviado de ver que ganhou a corrupção.
Gabriel levantou a vista irritado. Maldição se não era o próprio Oliver Webster, o miolos de campainha que tinha jogado e perdido Helbourne Hall.
- O que está tratando de perder esta noite?
Webster tomou a pergunta de Gabriel como um convite para desafiá-lo a um jogo de cartas em sua mesa. Gabriel aceitou e cortaram para ver quem baralharia as cartas.
Webster perdeu.
- Quero ganhar Helbourne Hall. - anunciou - Sinto falta desse morcego velho.
- A senhora Miniver?
- Não. Esse da muralha.
Gabriel sorriu.
- Interessante. Deve haver um tesouro escondido na cripta da família.
Webster franziu o cenho.
- Não há nada valioso aí, que eu saiba. É um lugar velho e espantoso, mas perdê-lo fez-me parecer como um idiota.
- Helbourne não está na aposta - Gabriel disse - Que tal três mil?
Webster deu de ombros, olhando Gabriel repartir cinco cartas para cada um.
- Por que não vai para casa? - perguntou Gabriel suavemente, olhando a mesa.
Webster ruborizou.
- É fácil para você dizê-lo quando está por cima. Mas não sou bem-vindo neste momento, precisamente.
Gabriel riu, embora já não estivesse prestando atenção. Colocou a décima primeira carta de barriga para cima, um rei. Webster grunhiu.
- Ponto - disse Gabriel sem inflexão na voz.
Webster pediu cartas novas e fez um gesto ao moço para que trouxesse outra garrafa. A vantagem de Gabriel continuava. O jogo continuou, Gabriel ganhando a maioria dos jogos, concentrando-se, até que de repente levantou a vista e olhou ao redor, sentindo que o observavam.
Dois cavalheiros familiares, com uns sorrisos demoníacos, flanqueavam a entrada.
Seus primos Drake e Devon Boscastle, não por mera coincidência neste antro. Assentiu em reconhecimento, malicioso.
- Não me digam que suas esposas lhes tiraram o laço esta noite.
Drake foi o primeiro a aproximar-se, com um sorriso cínico.
- Foram elas que nos mandaram para observá-lo.
- Ele ganhou minha casa - se queixou Webster - Me parece justo ter uma oportunidade para recuperá-la.
Gabriel negou com a cabeça. Tinha perdido o interesse no jogo, mais contente de ver seus primos do que demonstrava. Faziam arder suficientes infernos em seus dias de solteiros, mas sabia que provavelmente era Heath o que os tinha mandado. Realmente, Heath achava que era ele que fazia todas essas estripulia em Mayfair?
- Amanhã vou a Tattersalls. Tenho o olho em cima de um cavalo árabe para melhorar meus estábulos do campo.
Devon, o mais jovem da turma do Boscastle de Londres, apoiou-se contra a janela com cortinas pesadas, com seu longo corpo relaxado.
- É verdade que está se instalando no campo?
- Confiem em mim - disse Riverdale olhando seu copo - Há uma
mulher envolvida.
Webster negou vigorosamente com a cabeça.
- Me acreditem. Não há nenhuma mulher para levar a cama em Helbourne. Nenhuma digna de mencionar-se bom, exceto Alethea Claridge, e ela poderia estar vivendo no Olimpo.
Drake Boscastle rodeou a mesa de cartas. Compartilhavam com Gabriel uma expressão sombria similar e uns ombros largos e poderosos.
- Por que não conta? Está casada?
- Esteve comprometida com o pobre Hazlett - disse Webster - até que lhe voaram as tripas com uma bala de canhão. Quando estive lá, tudo o que fazia era andar a cavalo e caminhar com seus cães. Não me prestou atenção. Não sei por que.
Drake olhou o rosto baixo de Gabriel.
- Bom, às vezes tudo o que uma dama triste precisa é um pouco de consolo, um ombro para chorar.
Webster fez um ruído grosseiro.
- Estamos jogando cartas, ou tomado chá em benefício dos parentes do finado?
- Cinco pontos. Jogo. - Gabriel encostou-se a sua cadeira -
Podemos mudar de assunto?
Webster entrecerrou os olhos.
- Não me diga que Alethea Claridge lhe chamou a atenção, Gabriel.
Ela está acima de todos os homens deste clube.
Gabriel levantou seu duro olhar da mesa. Deu-se conta de que seus primos estavam esperando sua reação como o resto dos homens que estavam ao alcance do ouvido.
- Lady Alethea é só minha vizinha, e uma antiga conhecida. Não referiria a ela como se fosse uma cortesã.
- Talvez nisso terminará algum dia - disse um advogado fraco que se
aproximou da mesa - Vi a dama fazer uma visita à senhora Watson, tarde uma noite, o ano passado. Chamou-me a atenção. Que beleza.
Gabriel parou, com o rosto tenso de raiva.
- Não valoriza sua vida, não é verdade?
A mão de Drake caiu sobre seu ombro.
- Prudência, primo - murmurou - Se desafiar ao cretino a um duelo, pela honra de uma dama, só dará às pessoas uma causa para perguntar-se se suas palavras têm algum mérito.
- Mas não andará dizendo nada se o mato - ameaçou Gabriel - E
não se faça de hipócrita, primo. Brigou mais de um duelo por uma mulher em sua época.
Os olhos de Drake cintilaram.
- É claro que sim. Mas é mais fácil dar conselhos a outro quando a gente não tem o coração comprometido.
Gabriel sentiu uma descarga elétrica através do corpo.
- Meu coração não tem nada que ver - disse rapidamente - Mal conheço suficientemente bem à dama para arriscar minha vida por ela.
- Pensei que a tinha conhecido anos atrás - disse Devon com um sorriso inocente.
Gabriel franziu o cenho. Os diabos o conheciam muito bem.
- Não falamos mais de umas poucas palavras.
Devon assentiu astutamente.
- Frequentemente um assunto amoroso é melhor por não falar.
Aprendi a sabedoria de conter a língua quando Jocelyn está desgostosa.
- Vocês dois poderiam ser condenadamente amáveis? Quero que este boca-aberta engula o que disse, e que nunca mais o repita.
Drake e Devon voltaram toda sua intimidante presença Boscastle para o outro homem, pois embora estivessem de acordo ou não com Gabriel, ele tinha jogado a luva. E o sangue Boscastle era mais espesso que o brandy.
Um brilho de suor apareceu no lábio superior do advogado. Tirou um lenço de seda do bolso. Todos os olhos do salão estavam dirigidos para ele.
- Talvez me... equivoquei.
Gabriel exalou.
- Talvez?
- Bom, estava escuro.
- Geralmente está de noite - disse Drake.
A voz do advogado se quebrou um pouco.
- Pensando bem, a mulher de quem estou falando, usava um desses chapéus com véu.
- Tem certeza sequer que era uma mulher? - perguntou Devon com os braços cruzados no peito.
O advogado fez uma pausa.
- Bom, é claro... tenho certeza. - Engoliu enquanto o poder de seus olhares combinados conspiravam contra seus nervos - Não. Vocês têm absolutamente toda a razão, e como homem de mente legal, devia tê-lo reconsiderado. Em retrospectiva, poderia ter sido a esposa do primeiro-ministro.
- Ou o primeiro-ministro - disse Devon.
- Poderia - disse o advogado.
Drake forçou a risada.
- Aí o tem, Gabriel. Tudo está bem, não é verdade? Desfrutamos do que fica da noite? Não saio desde que me casei.
CAPÍTULO 16
Menos de uma hora depois os três homens Boscastles estavam sentados na carruagem de Drake, estacionado frente ao exclusivo bordel de Audrey Watson. Drake e Devon observavam em silêncio desapaixonado Gabriel soltando a gravata e engolindo meia garrafa de brandy.
Os guardas da senhora Watson tinham saído da casa a investigar.
Ao reconhecer os Boscastles, os sentinelas do prostíbulo imediatamente se retiraram, só para voltar um minuto mais tarde com outra garrafa de brandy e um convite pessoal da proprietária para entrar. Os três homens se desculparam educadamente.
Finalmente se levantou um vento que trouxe uma chuva fina.
Gabriel, olhando pela janela pareceu não dar-se conta. Um dos dois lacaios de Drake tossiu sutilmente para que se decidissem. O cocheiro, um homem mais velho que tinha passado muitos mais anos ao serviço do amo e era menos inclinado às sutilezas, chutou com sua bota pesada, a cabine.
Gabriel se deixou cair para trás no assento, cobrindo o rosto com uma mão. É claro o advogado tinha que estar equivocado, ou havia uma explicação perfeitamente apropriada. Talvez Hazlett tivesse tido uma amante, e através da senhora Watson as duas mulheres tinham querido encontrar-se e, bom, fazer o que duas mulheres faziam quando se davam conta que tinham estado compartilhando o mesmo homem que agora estava morto. Não ia insultar Alethea lhe perguntando por isso.
De fato ia contra seus interesses lhe recordar que tinha amado a outro homem. Seria um cavalheiro e pretenderia que nunca escutou nada a respeito de sua misteriosa visita que podia ou não ter feito ao exclusivo serralho da rua Bruton.
Desgraçadamente, o problema era que Gabriel até recentemente,
não se tinha importado, se o viam como um cavalheiro ou não, e ele mesmo tinha procurado entrar neste estabelecimento, mas nunca tinha visto uma dama como Alethea em nenhuma das peças.
O certo é que Alethea não se envolvera na vida alegre das cortesãs desde a morte de seu noivo. Gabriel a teria reclamado no próprio momento que tivesse sentido que estava no mercado procurando um protetor. Não. Por seu dinheiro, era o que parecia ser: uma formosa moça cujo potencial sensual se enterraria no campo a menos que um latifundiário de mente aguda atraísse sua atenção.
Devon, não era precisamente o mais paciente dos varões Boscastle, finalmente o tocou com o pé.
- Bom, anda. Audrey mandou um convite. Vá ver o que pode descobrir. Não podemos nos sentar aqui como escolares com a boca aberta.
- Não quero entrar - disse Gabriel obstinadamente.
Drake grunhiu.
- Bom. É um capítulo para os livros da história. Que me recorde, nunca antes se negou. Só entre e termine com isto. Quando o coração de um homem está comprometido, é inútil fugir da verdade.
Gabriel negou indignado.
- Por que insiste em dizer que meu coração está comprometido?
- Se não é um assunto do coração - disse Devon - deve ser algo corporal, e não duvido que Audrey também tenha uma resposta para isso.
Gabriel apertou os lábios.
- É tão eloquente e agradável, por que não entra e faz as honras?
- Eu? - Devon levantou as palmas das mãos - Sou um marido devoto, já me meti em um problema antes por uma visita à Audrey, apesar de ser inocente. Jocelyn me coroaria se o faço outra vez.
Gabriel se voltou para olhar Drake, que disse francamente.
- Não. Meus dias de sessões privadas no estabelecimento da Audrey já passaram. O fato que estivemos sentados aqui durante uma hora será publicado em todos os jornais e me pressionarão duramente por uma explicação. O que diz Gabriel?
Sorriu resignado.
- Digo que não há um bálsamo no Gilead nem em Londres para mim. Vamos.
CAPÍTULO 17
Uma simples carne assada acompanhada de batatas com manteiga e manjar branco? Perna de carneiro e repolho picado com compota de frutas? Alethea tinha revisado o cardápio para o jantar da sexta-feira de noite, mais de uma dúzia de vezes. Tinha escutado à senhora Bryant, que tinha escutado da senhora Minivert, que Gabriel tinha ido a Londres uns dias por um negócio não especificado. E quando na quinta-feira pela manhã o céu azul de setembro e as nuvens de tormenta se acumularam sobre as colinas, tratou de não tomar como uma profecia ou de não preocupar-se porque ele não havia voltado. Ou perguntar-se se ao final voltaria.
Ordenhou as vacas, e apesar dos protestos de Wilkins, o cuidador do parque de seu irmão, ajudou a reparar o galinheiro e o pombal.
Também se assegurou que Wilkins pusesse outra tabuleta na ponte de Helbourne Hall, uma boa chuva arrasaria com o riacho, o caminho local, e todo o resto, vivo ou não, que estivesse no seu caminho.
A atividade física lhe acalmava os nervos. Uma dama de campo não podia ficar sentada.
Na quinta-feira pela tarde a tormenta chegou da costa. Alethea mal teve tempo para seu rodeio depois do chá, que incluiu uma passada por Helbourne Hall, e não, não estava comprovando se Gabriel havia voltado. Passava todas as manhãs por sua casa como parte de seu exercício diário.
Mas chovia intensamente, justo quando ia galopando pelo caminho da entrada da casa. Ao anoitecer os campos de Gabriel, ermos e baldios, estariam cobertos de lodo. Embora duvidasse que lhe importasse.
Houve uma vez que ela acreditou em contos de fadas. Tinha confiado no príncipe bonito que seus pais lhe tinham escolhido, que lhe
tinha roubado não só a virtude, mas também os finais felizes.
Portanto não tinha sentido que esperasse domesticar a um homem que nunca tinha pretendido ser virtuoso com ela. E, entretanto isso esperava.
Quando chegou a casa, estava empapada até o forro de sua capa.
Tiritando, mas determinada a manter seu bom ânimo, ordenou aos criados que levassem a sala de jantar, dois candelabros góticos, que mediam mais de 2,10 metros de altura. Comprou um cesto de flores das ciganas que vieram a sua porta, apesar da senhora Sudley a repreender delicadamente pela extravagância e murmurou que as tinham roubado do próprio jardim da Alethea.
E se não voltasse na sexta-feira, Alethea saberia que era uma causa perdida para sempre.
Tinha feito o melhor que podia. Inclusive tinha convidado a um punhado de vizinhos comuns ao jantar para que conhecessem Gabriel e depois compartilhassem um amistoso jogo de cartas.
Se Gabriel escolhesse declinar seu convite só refletiria suas más maneiras e provaria o que cada um em Helbourne pensava em privado dele.
Cada um infelizmente, exceto ela. Não sabia por que tratava de provar ao resto da paróquia que estavam equivocados.
CAPÍTULO 18
Na sexta-feira de manhã, durante um aguaceiro, chegaram duas mensagens separadas para Alethea. A primeira tinha sido enviada por seu irmão onde lhe explicava que se viu obrigado a ficar devido ao mau tempo e que provavelmente estaria de volta sábado pela manhã. Não preocuparia a Alethea cavalgando na tormenta.
A outra vinha de Gabriel que lhe comunicava que o esperasse para comer, com tormenta ou com céu limpo, e por favor, poderia perdoá-lo se não estivesse muito apresentável?
Chegaria diretamente a sua casa e não teria tempo de ir trocar-se.
Alethea tirou do sério sua pobre cozinheira.
15
- O que pensa senhora Hooper? É Sir Gabriel um epicúreo ou não?
A criada de rosto corado franziu o sobrecenho com esta pergunta.
- Bom isso é difícil de responder. Nasceu na Inglaterra, não é verdade? E pertenceu à cavalaria. Assim eu acredito...
Alethea conteve um grande sorriso.
- Acha que não é um comensal sofisticado?
- Não tenho que fazer sopa de tartaruga, não é verdade? Não sou muita afeita aos pratos estrangeiros.
- Santo céu, não. Estava pensando em um saboroso corte de carne e um de seus deliciosos pudins de ameixas.
A senhora Hooper assentiu de acordo.
- Uma comida inglesa abundante. Estabeleço meu limite de tolerância ao servir caracóis em minha mesa. O Senhor Gabriel parece ser um jovem homem saudável que não acredito que aprecie vermes como comida.
- Tampouco poderia imaginar que o Senhor Gabriel coma caracóis.
- Bom, os soldados tem que arrumar-se sob circunstâncias duras.
Confie em mim, milady, organizou uma mesa apropriada.
- Seus talentos culinários não estão em dúvida. - disse Alethea - Só se nosso convidado de honra estará aqui para apreciá-los.
Gabriel tinha realizado a viagem em um tempo considerável de Londres, decidido a que o mau tempo não o dissuadisse. Tinha saído na sexta-feira antes que saísse o sol e chegou a Helbourne Hall com apenas uma hora para banhar-se e trocar-se com sua roupa de vestir.
Com sorte estaria apresentável para o jantar. Felizmente era uma distância curta à casa de Alethea, a chuva tinha parado e não ia envergonhar-se chegando tarde.
Mas tomou uma frustrante meia hora, que não tinha antecipado, atravessar o longo caminho entre os bosques. Desejou, muito tarde, haver-se dado o tempo para reparar a ponte. Enquanto ia a passo lento, pelo ponto fatal do cruzamento, imaginou ter ouvido os espíritos inquietos da jovenzinha e de seu assassino que tinham morrido aí fazia um século.
- Tolo - se disse. Quando tinha começado a acreditar em fantasmas?
Quando, sequer, tinha dedicado um só pensamento aos amantes com má sorte? Ou ao amor, em todo caso?
******
Alethea se apressou pelo corredor, abriu a porta da frente e saiu aos degraus molhados com a chuva. O pequeno parque que rodeava a propriedade brilhava a luz da lua como se a tivessem salpicado de brilhantes. Respirou a umidade com um estremecimento de prazer. Algo mágico cintilava no ar. Pensou que poderia ser a esperança.
- Arruinará o cabelo, milady, e o vestido - advertiu a governanta. -
Nenhuma pessoa em seu são julgamento deverá jantar com este tempo.
Uma vergonha, toda essa excelente comida se perderá.
Alethea não lhe prestava a mínima atenção. Estava olhando com deleite ao cavaleiro vestido de escuro que acabava de sair do bosque.
Gabriel, mais bonito do que podia suportar, estava aqui.
Tinha mantido sua palavra. Desceu correndo os degraus para recebê-lo, levando a mão a sua boca quando viu manchas de barro nas
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botas hessians e na capa forrada em seda.
Com um grande sorriso, desmontou frente a ela. Um dos cavalariços correu para tomar o cavalo de Gabriel.
- Alguém tem que reparar essa ponte - disse ele. - Terei uma séria conversa com o dono da propriedade.
- Oh, Deus - disse com simpatia baixando a mão. - arruinou sua roupa elegante.
- Também você está se molhando. - Embora obviamente ela estivesse elegante com tudo que usasse. Ou com nada. Especialmente com nada. A respiração se deteve ao pensar na chuva deslizando sobre seu corpo nu, em ser convidado a abrigá-la com suas mãos. Sua boca.
Supôs que não podia beijá-la aqui fora sem arriscar serem vistos.
- Gabriel?
Limpou a garganta.
- Sim?
- Há alguma razão para que estejamos parados aqui? -perguntou com um sorriso fugaz que dava a entender que adivinhava o que estava pensando. Não. Não era provável.
Alethea era tão pura de coração, um desses seres inocentes que sempre davam o benefício da dúvida a homens como ele que não o mereciam.
- Estamos esperando seu irmão? - perguntou olhando além dela a casa.
Ela sorriu.
- Meu irmão não poderá reunir-se conosco, infelizmente. Mandou suas desculpas. E recorda-se de você.
Gabriel escondeu uma careta. Podia imaginar que o que Lorde
Wrexham recordava dele não era adulador, todas as brigas na escola, as travessuras. Quanto mais o conde refletisse a respeito desses dias, infelizmente, menos incitaria Alethea a convidar a companhia de Gabriel.
Ela mordeu o lábio, como se estivesse tentada a rir.
- Entre. Vickers, o valete de meu irmão, está em casa. - Girou, e o puxou pela mão - Ele lhe tirará o barro. Está acostumado. E se vai ficar...
- Ela se deteve, lhe soltando a mão de repente. - Cresceu no campo.
Espero que não esteja lhe dizendo algo que saiba.
Ele sorriu.
- Não importa. Provavelmente me esqueci do que sabia. Minha vida era...
- ...desagradável? Isso me lembro. Mas as coisas são diferentes agora.
Ele passou os dedos enluvados através de sua face.
- Está se empapando.
- Não me importa a chuva - disse com uma voz tão suave como a fumaça.
- Tampouco a mim. - Traçou com o dedo um úmido sulco de gotas de chuva desde seu pescoço ao ombro - Podemos jantar aqui fora se quiser. Tudo o que sentiremos falta será a luz das velas.
- Oh, Gabriel. - Ela sacudiu a cabeça como se recuperasse os sentidos - Para um soldado, acredito que tem um pouco de poeta em sua alma.
- Está brincando.
- Nunca pode aceitar um elogio?
- Não sei. Poderia, quando merecer um.
- Vamos. Ouço uma carruagem que vem pelo caminho.
- Realmente convidou outras pessoas?
Ficou olhando-o assombrada.
- Achou que foi o único que devia jantar?
Um sorriso cruzou seu duro rosto bronzeado pelo sol.
- Não me teria importado.
CAPÍTULO 19
Deu-lhe indicações para ir ao quarto de seu irmão, chamou Vickers, e escapou a seu próprio quarto para arrumar o cabelo. Naturalmente, este tinha tomado vida própria, frisando-se grosseiramente em cada direção, desafiando seu pente de prender cabelo. Nunca tinha visto Gabriel em roupa de noite, e sua escura elegância a tinha deixado sem fôlego e decidida a ver-se melhor. Pensou chamar a sua criada, mas em seguida parou e olhou seu reflexo desalinhado no espelho.
- Isto - disse desgostada - é no que se transforma uma moça que passa muito tempo com os cavalos. Oh, caramba, olhe este vestido. Só uma cabeça de vento pararia na chuva com um vestido de seda verde claro. Eu sou o escândalo da paróquia, não Gabriel.
Tinha que trocar-se e apressar-se. Podia ouvir conversas em baixo.
Seus convidados, desafiando a chuva para jantar com ela. Tinha que parecer pelo menos não como uma vagabunda.
Tirou um vestido de noite de gaze fina limão do guarda-roupa e tratou de desabotoá-lo. A porta se abriu atrás dela.
- Estava a ponto de te chamar, Joan. Tenho três minutos para verme apresentável. E se pode me ajudar com estes botões...
- Posso fazê-lo de dois em dois.
Virou assombradíssima, olhando os azuis olhos risonhos de Gabriel.
Seu negro cabelo curto tinha sido escovado e brilhava, sua capa descartada, o barro removido de sua jaqueta de noite e suas calças ajustadas. Gabriel, um demônio bonito como nunca o tinha visto. E como parecia ela? Uma esfarrapada vestida pela metade com o cabelo como um palheiro.
O que estava fazendo ele em seu quarto? E por que não lhe ordenava que saísse imediatamente?
- Me permite? - disse ele.
- Permitir-lhe o que?
- Fazê-la parecer apresentável. - Seu exame quente lhe advertiu que a apresentação era o menos importante em sua mente, uma suspeita que demonstrou ao acrescentar - Embora estaria condenado se houvesse algo mais atraente que você neste momento.
Uma onda de excitação malvada a invadiu. Era estupendo, arrogante, intrometido e estava só com ela em seu dormitório.
- Não devia estar me olhando absolutamente.
- Tem uma meia que possa usar como atadura? - perguntou-lhe, o brilho de seus olhos azuis desmentindo a pergunta bem educada.
- Uma meia?
- Estou tratando, Alethea, de ser um cavalheiro.
Nunca tinha escutado uma afirmação tão absurda em sua vida. E
enquanto estava parada aí, completamente imóvel, ele passou as mãos por seus ombros e lhe desabotoou espertamente o vestido.
Ela engoliu um grito de indignação.
- Gabriel Boscastle - disse em uma voz muito baixa que a fez soar como uma garotinha estúpida saudando um admirador em sua primeira reunião - Isso não foi um ato de cavalheiro.
Ele deu de ombros ligeiramente.
- Só disse que trataria não que teria êxito.
- Bom, se esforce mais. - Ela olhou ao redor procurando um xale para cobrir a si mesma ou a seu bonito e zombador rosto - Desça e tome um brandy.
- Deveria trazer um acima para você?
- Não, desça e se apresente você mesmo a quem quer que tenha chegado.
- Estou suficientemente arrumado para sua festa? - perguntou-lhe com um sorriso viril claramente desenhado para desarmá-la. Usava uma camisa de musselina com babados debaixo de sua longa jaqueta
talhada.
Ela suspirou.
Ele franziu o cenho afetadamente.
- São os babados? Nunca fui um homem de babados e adornos.
- Está em meu dormitório!
- Devo ter me perdido. - Passou a mão ligeiramente sobre seu ombro meio nu - Ou do contrário tenho instintos infalíveis.
- Tem os instintos do diabo - sussurrou.
- Querida - a repreendeu - É essa a forma de falar com um convidado?
- A porta está justo atrás de você. - Ela tremeu suavemente. Os dedos estavam causando encantadores estragos sobre seu ombro - A penteadeira e a cama dão uma impressão de sala de jantar?
Ele olhou ao redor.
- Pensando bem, não. - Aproximou-a mais a ele - Devo admitir, entretanto, que me abre o apetite mais que nenhuma outra coisa que tenha visto em um banquete. - Sua voz se fez mais profunda - É essa sua cama?
Ela tomou fôlego. Tratou de não pensar no que ele tinha em mente, tratou de não imaginar-se debaixo dele em sua cama, seu poderoso corpo sobre ela.
- Sim.
Ele fez uma pausa.
- Onde dorme?
- Pensaria que é claro.
- Justo debaixo dessa janela? - perguntou-lhe, olhando mais à frente.
- Quer uma descrição do teto? Dos beirais?
- Posso ver seu quarto do meu.
- Como sabe que este é o meu? - perguntou sem pensar.
Um sorriso curvou seus lábios.
- Gabriel - disse num sussurro - esta é a casa de meu irmão, e como tal...
- Eu adoro seu cabelo solto - disse em voz muito baixa - Nunca imaginei que fosse tão longo e brilhante. Por que não o usa solto mais frequentemente? Parece uma dessas princesas italianas de uma pintura.
- Uma dama de nossa época deve seguir certas regras -conseguiu pronunciar - e um cavalheiro de hoje, não deve...
-... aproveitar-se?
Mas ele o fez, esfregando sua face recém-barbeada contra a dela, antes de apoderar-se de sua boca com um beijo duro sem desculpas. E
logo outro até que a boca dela se suavizou debaixo da delicada agressão. A mão se fechou ao redor de sua cintura, atraindo-a contra seu corpo, até que ela sentiu-se ceder ante sua fortaleza.
Perigoso? Sem dúvida.
Mas como um fogo a metade do inverno, o calor que lhe oferecia a atraía. E se a queimasse, isso não seria melhor que a fria solidão do ano anterior?
Entristecedor, a calidez de sua boca sobre a dela. Certamente o inverno não duraria para sempre.
- Gabriel...
Quando abriu os lábios foi com a intenção de objetar, mas ele os penetrou com a língua profundamente em sua boca. O rosto dele estava impreciso à luz da vela. Ela estava deslizando, instável, entre a escuridão e a luz, entre a entrega e o auto amparo.
- Cavalguei todo o caminho de volta de Londres na chuva para estar aqui - sussurrou.
- Para jantar - recordou estremecida.
- Sinto muito. - Arrastou a boca contra sua face - Não posso evitar. É
todo encanto, e pureza, e...
Ela sacudiu a cabeça confundida.
- Então por que está beijando-me?
Ele traçou a curva de seu quadril com a ponta dos dedos.
- Porque sou todo perigo e mau, uma tentação para a pureza, e sempre o fui. - Fez uma pausa, seus olhos brilhantes - Quer que a ajude a tirar o vestido?
- O que? - Respondeu ela, morta de risada como se não o tivesse ouvido bem.
- Sei que não é apropriado, mas já que estou aqui, melhor será que demonstre que sou capaz de fazê-lo. Odeio estar parado como um inútil.
Alethea apoiou a mão contra seu firmemente musculoso peito, perguntando-se por que sua voz baixa a estremecia, quando deveria fazê-la correr. Apropriado. Inapropriado.
Uma vez, as linhas que demarcavam sua conduta tinham estado claramente esculpidas. Sabia com quem casar-se, de quem ser amiga, em quem confiar. Agora essa imagem do que devia ser estava manchada. Não podia julgar pelo passado.
Nem poderia voltar para o que tinha sido em seus anos de glória, embora duvidasse que chegasse a ser o que um homem como Gabriel, indevidamente, desejasse.
Arruinada ou não, ela não poderia entregar-se a uma vida de prazer sem amor.
Tomou uma instável respiração. Já lhe tinha libertado os botões impossíveis do vestido. E enquanto ela tinha estado perdida em seus pensamentos, descansando em seu abraço, também tinha desenlaçado a regata em um ombro. Homem malvado e arremetedor. Talvez ela não tivesse solicitado sua sedução, mas tinha feito algo para dissuadi-la?
- Gabriel - disse com severidade.
Sua formosa boca esculpida lhe roçava a parte superior dos seios.
Com alguma magia escura, tinha desamarrado essas ataduras também.
Ela ofegou, seus joelhos dobrando-se em uma involuntária submissão.
Sensações, proibidas e estremecedoras, baixavam como quebradas sobre ela. Seus mamilos se apertaram. Profundamente em seu útero se acumulou um calor pulsante. Ela saboreou o estranho prazer, por alguns minutos mais.
- Diabos, Gabriel. - sussurrou sentindo que seus braços a seguravam - Não o convidei para isto.
Tropeçaram para trás caindo na poltrona ao lado do roupeiro, suas coxas abertas a sustentaram. Ela levantou a mão com toda a intenção de empurrá-lo. Mas pelo contrário, envolveu seu braço sobre o ombro, em um gesto que falava mais de entrega que de determinação.
Era uma sutileza da linguagem que ele entendia muito bem.
- Peço-lhe desculpas. - murmurou ele, seus olhos febris, de um brilhante azul quente.
- É claro que sim.
Levantou a vista brevemente da parte dianteira do vestido.
- Se não fosse uma dama em todo o sentido da palavra, a mais decente que alguma vez tenha visto em minha patética vida, eu...
Ela pressionou os dedos sobre os lábios dele.
- Espero que isto não tenha tido a intenção de ser um exemplo de seu controle.
- Confie em mim, Alethea. Por você pus algemas com chave em meus desejos e engoli a chave.
- Converteu-se em um homem sem princípios.
- Acha que posso mudar?
- Não a tempo para o jantar. - Ela levou as mãos atrás para tratar de fechar o espartilho, torpemente - Oh, como vou explicar por chegar tarde a minha própria festa e mal ser capaz de...
A boca dele se estirou em um sorriso cínico.
- Parece estar tendo dificuldades para respirar. Talvez devesse soltar
mais botões.
- Se não posso respirar apropriadamente, não tem nada que ver com os laços apertados do espartilho.
- Ah. - Sua sensual voz lhe enviou calafrios pelos braços - Então, posso assumir que há só outra razão?
Ela fez uma leve sacudida com sua cabeça. Longe estava ela de admitir que ele tinha conseguido transtorná-la mais que suas ataduras. E
se ela não recuperava o controle, acharia-se completamente desfeita, em todo o sentido da palavra.
- Sabe por que as damas se apertam tanto dentro de seu espartilho?
- perguntou ele, procedendo a juntar as partes do espartilho e do vestido
- Não é para realçar suas encantadoras formas. É para manter afastados a canalhas como eu.
Ela olhou para outro lado, sua resposta mal foi audível.
- Embora não detenha os piores, entretanto.
Estranha resposta.
Por um momento alarmante, ele se perguntou que teria querido dizer. Se não tivesse estado ocupado tratando de restringir seus instintos canalhas, poderia ter tido a perspicácia de lhe perguntar. Mas sendo o homem fraco ante a carne como era, estava totalmente absorto no atraente traseiro dela. Queria qualquer desculpa para continuar.
Ele tinha tido alguma experiência com a inocência. Era mais versado nos prazeres escuros.
Vi a dama fazer uma visita à casa da senhora Watson, tarde uma noite.
Entretanto Gabriel juraria por tudo quão valioso tinha, que ela era inocente. Certamente, Alethea nunca tinha ouvido falar da senhora Watson, e inclusive se o tivesse feito, era muito bem educada para admiti-lo.
- Ouço que vem alguém. - sussurrou alarmada.
Ele não. Ou talvez sim, mas esperava ignorá-lo. Estava dolorosamente excitado. Não podia escondê-lo. Através das camadas de roupa, sua ereção empurrava contra ela, demandando, fora de controle.
Se não ganhasse seu autocontrole, faria... Deus faria algo se lhe outorgasse seu favor, se o convidasse a sua cama.
Seu olhar franco encontrou o dela.
- Há alguma possibilidade de que me deseje tanto como eu a você?
Sua leve hesitação lhe deu esperanças.
- Por favor, Gabriel. - disse ela, seus olhos escuros de emoção - Não envergonhe aos dois, quando convidei meus amigos para que lhe conheçam. Falei-lhes bem de você. Não me faça parecer equivocada.
- Mais tarde, então? - perguntou-lhe ele depois de um momento - Me assegurará, pelo menos, que não se zangará? Promete-me?
Ela riu sem querer.
- Não te prometerei nada exceto um jantar e uma noite de entretenimento no campo. E não estou zangada.
- Bastante claro. - retirou-se com uma expressão divertida. - Não fica mais que me levar bem e parecer um convidado de boas maneiras.
- Não aceitarei nada menos que isso.
Estava um pouco cautelosa por quão fácil ele esteve de acordo. Não eram os canalhas de sua índole conhecidos por ser persuasivos e sedutores? E, em realidade, enquanto lhe permitia levantar-se, ela notou o escuro sorriso que lhe contraía a boca.
- Tome cuidado com as falsas retiradas. - disse com voz zombadora.
- O que quer dizer? - perguntou-lhe, seu coração golpeando com instáveis palpitações. Talvez fosse melhor se não soubesse.
Ele ficou em pé. Estava tão elegantemente estupendo, enquanto ela estava desordenada.
- Vou agora. Se encontrar alguém no corredor, simplesmente lhe explicarei que me perdi na escuridão.
CAPÍTULO 20
Gabriel saiu de seu quarto perplexo, pensando que a última coisa que havia dito não era mentira. Sentia-se perdido, e todos os pontos de sua bússola o dirigiam a ela.
Era a primeira vez em sua vida que abandonava um intento de sedução, porque desejava a uma mulher tão desesperadamente que lhe importava o que poderia pensar dele depois. Esperava que não significasse nada. Alethea estava entrelaçada em seu passado desde que podia recordar. A única mulher que ele sempre tinha sonhado possuir.
Se ela tivesse sabido o que pensava enquanto a beijava, como tinha querido persuadi-la, ela seria justificada em usar seu chicote com ele outra vez.
Fez uma pausa, enquanto chegava à parte alta da escada. Nenhum convidado à vista. Estava a salvo e não a descobririam. Embora não estivesse a salvo dele. Todo seu corpo pulsava com sexualidade primitiva.
Perguntou-se se seria capaz de sobreviver ao jantar sem delatar-se.
Ver-se-ia algo estranho se passava toda a noite com as pernas cruzadas. Originar-se-ia daí o costume de pôr um guardanapo no colo?
- Senhor - uma masculina ansiosa voz juvenil perguntou - Lhe ocorre algo?
Gabriel olhou ao ajudante do lacaio que apareceu ao fundo das escadas.
- Estou bem, obrigado.
Gostaria de poder assegurar a ela, que já não era como o menino rebelde que a punha em ridículo que ela recordava. Desgraçadamente nem ele mesmo estava convencido que fosse muito diferente agora.
Aparentemente não soube que quase tinha assassinado seu
padrasto uma semana antes que matassem ao repugnante sodomita em uma briga na taverna. Algo bom, em todo caso. Era questão de tempo que ele matasse John por todos os abusos aos quais tinha submetido a sua mãe.
Havia algo diferente em Alethea, entretanto, mas não sabia o que.
Ela ainda o aturdia. E pensava que ele também aturdia a ela.
Mas tinha começado a notar em certos momentos, um cinismo nela, que não tinha esperado. Bom, tinha perdido a seu verdadeiro amor, ao homem escolhido por seus pais, que a teria protegido das pequenas bestas como Gabriel. E com razão.
Não queria acreditar que a tristeza que via nela era pena pelo homem que tinha escolhido primeiro. Que era o tipo de mulher que só ama uma vez.
Mas era a resposta óbvia.
CAPÍTULO 21
A prima da Alethea, Lady Miriam Pontsby, uma agradável quarentona intrometida, deteve Alethea antes que entrasse na sala de jantar formal. Lady Pontsby não tinha sido convidada oficialmente.
Entretanto, era uma parenta querida, no minuto em que ouviu que sua prima estava entretendo a um dos notórios homens Boscastle, tinha atravessado conduzindo a si mesma e a seu marido em seu chiante coche, os chuvosos 8 quilômetros entre sua casa e a do conde.
Lady Pontsby tiritou dramaticamente quando o lacaio lhe tirou a capa molhada.
- Vim o mais rápido que pude Alethea, quando soube quem era seu convidado de honra. Canalha, Boscastle, jogador. E seu querido irmão não está aqui para protegê-la. Por que não me fez saber isso antes?
Alethea sorriu com carinho a sua prima baixa e gorduchinha.
- Acredito estar bastante segura. O vigário e sua esposa estão aqui.
E não havia nenhuma necessidade de se alarmar.
- Seu irmão já se declarou a Emily? - perguntou Miriam.
- Acredito que ainda está juntando coragem.
- Já passou um ano! - exclamou Miriam - O que está esperando?
Miriam sufocou o impulso de fazer a mesma pergunta a sua jovem prima. A sua prática maneira de pensar, uma mulher não fracassava se fazia um matrimônio menos que perfeito. O único fracasso era se não se casasse. A difícil situação de Alethea a preocupava. Nem viúva nem solteirona, não precisamente jovem no mercado matrimonial, apresentava um problema que não estava coberto pelas regras da boa sociedade.
Foi uma desgraça que o noivo de Alethea tivesse encontrado seu fim no campo de batalha. A pessoa bem educada não podia discutir os detalhes
vulgares
do
falecimento
pouco
digno
de
Jeremy.
Desgraçadamente se tinha ido, e ninguém podia mudar isso.
Mas o que fazer com a dama que tinha deixado atrás? A Miriam não lhe ocorria nada. Alethea passava suas horas livres cavalgando e atendendo os animais da fazenda, em vez de estar procurando um marido. Sem dar importância ao luto. Ninguém em Helbourne seguia os ditados estúpidos da Sociedade.
E agora sua linda jovem prima, através das mãos de um incompreensível destino, tinha atraído a um dos homens Boscastle a sua mesa. Estava já Alethea enfeitiçada?
Não tinha mostrado interesse em outro homem desde a morte de Jeremy, ou inclusive antes, que Miriam recordasse. O que tinha acontecido a Alethea para convidar um membro da pícara família de Londres a casa enquanto Robin não estava?
Miriam não perdeu um só momento para apressar-se a ir a Helbourne fiscalizar este curioso assunto. O mínimo que podia fazer, como uma parente responsável no campo, era que sua desconsolada prima não fosse persuadida com adulações a um acerto ilícito com um homem do encanto indecente de Sir Gabriel.
- Compreendo seu desejo, querida, em oferecer hospitalidade a um vizinho. - Miriam continuou enquanto seu marido as escoltava a sala de jantar - Mas o que faremos se ele tiver a intenção de converter Helbourne em uma dessas aldeias onde os homens corrompem criadas involuntárias ou voluntárias e fazem orgias a cada lua cheia? - Alethea e Lorde Pontsby trocaram um sorriso sobre a cabeça de Miriam.
- Sem ajuda de ninguém? - Pontsby sussurrou.
- Imagino que há mais descarados de onde ele provém. - disse Miriam - Essa família está cheia deles.
Alethea ergueu suas sobrancelhas.
- Sabia que em realidade nascemos a menos de dois quilômetros de distância? E que seu...?
- A gente boa desta paróquia, incluída você, Alethea, morreriam de vergonha se olhassem pela janela em uma noite de lua, e fossem testemunhas dos nobres perseguindo as criadas nuas, subindo e descendo pelas colinas.
- Por que não esperamos para nos ocupar desse assunto quando e se ocorrer? - Alethea mordeu o lábio inferior - Embora me atreva a dizer que seria uma vista menos alarmante que a do fazendeiro Higgins correndo atrás de sua galinha poedeira.
Miriam empalideceu.
- Sua querida mãe está me franzindo o cenho de sua residência celestial, por ter descuidado meu dever com você.
Alethea se deteve na entrada. Como era uma pessoa que nunca estava pendente das formalidades, fazia com que o lacaio sentasse às pessoas que tinham chegado cedo.
Entretanto, não tinha esperado que cada pessoa que havia convidado, atrevesse-se a sair com chuva para honrar sua mesa. Ela tinha uma nutrida concorrência em suas mãos. Wilkins já havia trazido meia dúzia de cadeiras do salão de música.
A principal atração da noite entrou atrás dela, largo de ombros, cabelos e alma tão escuros como a meia-noite, um homem que não só tinha confundido o engenho de sua anfitriã, mas também ao que parecia tinha alterado a compostura coletiva das cinco, subitamente atentas, convidadas ao jantar.
Que sejam seis corrigiu silenciosamente Alethea enquanto Miriam se voltava para Gabriel com o cenho franzido que rapidamente se dissolveu em um assombro boquiaberto.
De fato sua prima se via tão perplexa com Sir Gabriel em carne e osso, que quase desejou sua desaprovação prévia.
- Miriam - enterrou o cotovelo no flanco de sua prima - Canalha, Boscastle, jogador. Recorda?
- Não acredito em todos os rumores que dizem. - Miriam respirou, apoiando-se contra a porta enquanto Gabriel fazia uma reverência.
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- Madam - Gabriel disse com profunda ironia - não tinha tido o prazer...
Miriam olhou distraidamente para Alethea.
- Uma das melhores famílias da Inglaterra. - Sussurrou por um lado da boca - Por favor, não desmaie nem estrague a noite. Vejo possibilidades em seu futuro que não esperava. Admito que meus comentários anteriores derivavam de minha ignorância.
Alethea tomou com firmeza o braço de sua prima, lhe falando em tom baixo.
- Pensa nos perversos nobres, Miriam. Imagine-me nua indo em busca dos braços do canalha.
A mão enluvada de Miriam bateu as asas em espiral para seu ombro.
- O que acontece se a sociedade o julgou mau? - sussurrou-lhe com um sorriso pensativo. - Temos provas de que é um mulherengo?
Rebaixar-nos-emos ao escândalo e caluniaremos a aqueles que mais nos podem beneficiar?
Gabriel dirigiu um olhar inocente a Alethea.
- Fiz algo de mau?
Ela olhou a outro lado antes que o rubor culpado a delatasse.
- Espero que goste de uma comida normal de campo, Sir Gabriel.
Um bom assado e pudim.
Ficou olhando-a alguns instantes imprudentes, então lhe ofereceu seu braço.
- É com o que cresci.
- E não o prejudicou, pelo que parece. - disse Lady Pontsby, avançando a passadas com seu marido.
Alethea deixou escapar o mais leve suspiro e compôs um sorriso em seu rosto enquanto ela e Gabriel se dispuseram a separar-se para ocupar seus respectivos postos.
Quando sua prima a olhou com um sorriso ladino, pretendeu não notá-la, e disse:
- Sir Gabriel jantou em muitas mesas desde a tenra idade. Espero que nossa hospitalidade campestre não o aborreça.
Ele sorriu galante.
- Só necessito de uma noite tranquila para me entreter.
Alethea afastou os lábios.
- Recordar-lhe-ei se começar a ficar adormecido.
- Com você na sala? - sorriu perversamente - Sua presença faria levantar um morto de sua tumba.
Ela sacudiu a cabeça.
- Não se atreva a dizer nada como isso no jantar.
- Por que não?
-Oh, só sente-se, Gabriel. Coma sua comida e seja um convidado agradável.
Seu sorriso se ampliou.
- Será uma boa anfitriã se o fizer?
CAPÍTULO 22
Ante seu silêncio, ele se sentou entre uma baronesa viúva e Lorde Pontsby. A baronesa imediatamente começou uma conversa com ele.
- O proprietário anterior de Helbourne Hall planejava construir uma
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gruta onde atualmente está localizado o carvalhal . Consultou a um arquiteto estrangeiro para o desenho.
Carvalhal? Gabriel baixou a colher sopeira tratando de parecer receioso, enquanto espremia os miolos. Queria desesperadamente causar uma boa impressão. Mas, onde diabos estava o carvalhal em sua propriedade?
- Ah - disse, tratando de captar a atenção de Alethea - O carvalhal.
Não é uma má ideia para uma gruta, não é verdade?
A baronesa de cabelo prateado pareceu docemente consternada.
- Entendemos que seu predecessor queria utilizar esse edifício para seduzir mulheres jovens para... bom, espero que me entenda.
Gabriel deixou cair a colher. Só tinha falado umas poucas palavras.
Como diabos tinha chegado a sua porta a sedução das jovens? Olhou através da mesa a Alethea, pedindo ajuda.
Fingindo não dar-se conta de seu dilema, deu-lhe um vago sorriso e pôs-se a passar manteiga na sua fatia de pão.
Ele tossiu ligeiramente.
- Bom, de acordo com os antigos druidas, um carvalhal é um refúgio sagrado para... - Não sabia exatamente o que. Entretanto se lembrou dele e seus irmãos despertando na ocasional aurora em meados de verão, para observar às garotas da aldeia que se reuniam para saudar o amanhecer. Se tinha havido carvalhos no fundo, nenhum das crianças percebera ou importara.
- Você é bem alto para ser um druida, não? - aventurou a baronesa depois de uns momentos de silêncio - O suficientemente escuro, mas
nada de diminuto.
Encontrou o olhar divertido de Alethea.
- Não acredito que Sir Gabriel esteja admitindo qualquer tendência pagã, Lady Brimwell.
- Bom, o que está admitindo então? - brincou o Reverendo Peter Bryant - Fale Sir Gabriel. Ouvi todo tipo de pecados confessados.
Alethea meneou a cabeça.
- Não em minha mesa. Pode ter meu convidado em outro momento, por favor.
- O que estou dizendo - continuou Gabriel, dando-se conta de que em realidade estava divertindo-se sem os jogos de azar, sem beber em excesso, nem acumular mais pecados em sua alma mortal. - é que as árvores são bonitas, e despojar inocentes não é.
Não é que Gabriel tivesse dedicado mais que um pensamento fugaz aos inocentes. Entretanto se Deus castigava a morte os culpados ou os hipócritas, logo seria derrubado por um raio através do teto. Levantou a vista pela expectativa. Felizmente tal retribuição divina não ocorreu.
Talvez Deus estivesse guardando sua vingança para quando Gabriel menos o esperava.
Como jogador contumaz, que não podia resistir a correr o risco, acrescentou e o disse de verdade.
- Não se construirão grutas para fins ilícitos enquanto eu estiver em Helbourne. - Um dormitório comum era suficientemente bom.
- E quanto tempo ficará Sir Gabriel? - perguntou Alethea riscando com seus dedos o caule de sua taça.
Maldito se sabia. Estava na ponta de sua língua responder que sua decisão dependia dela. Mas já havia resolvido pôr Helbourne no mercado e voltar para Londres, não é verdade?
- Estou certo que se cansarão de mim antes que vá - disse.
E embora evitasse uma resposta definitiva, estava certo de que não
tinha enganado Alethea. Com muito cuidado, mudou de assunto e levantou a vista enquanto o prato principal chegava à mesa. Gabriel deveria sentir-se aliviado de que Alethea o tivesse liberado de ter que mentir.
Pelo contrário, esforçava-se por compreender. Por que sequer tinha mostrado algum interesse nele? Pelos velhos tempos? Por que tinha um ponto fraco em seu coração para as crianças errantes? Esperava que ela não fosse uma dessas damas que achava que uma natureza torcida podia endireitar-se com uns poucos gestos amáveis.
A conversa mudou dos descarados arruinando mulheres jovens à agricultura. Gabriel falou como se tivesse o mais leve interesse em espantar os corvos dos milharais, o futuro dos artesãos do campo e o emprego para a feira de Michaelmas. Recordaram-lhe comprar seus gansos cedo, antes que todos os bons se fossem. Como se soubesse o que fazer com eles.
Finalmente, fortificados com vinho, nozes confeitadas, pasteizinhos e queijo, os convidados passaram à sala de música para um jogo de Golpear ao que Acontece.
Gabriel ficou ombro com ombro com Alethea até que isso foi tudo o que pôde fazer para não desonrar a si mesmo de novo. Foi quase um
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alívio quando lhe atribuíram outro companheiro para jogar o Whist . Ele e o vigário se sentaram frente à Alethea e a senhora Bryant. Quando as treze cartas foram repartidas, teve que se obrigar a conter um sorriso condescendente. Não era justo apostar contra estes aficionados, e então a senhora Bryant tomou o truque, o que lhe obrigou a abandonar sua atitude condescendente e prestar atenção.
Perdeu.
- Ganhamos do jogador de Londres. - alardeou a senhora Bryant -
Pode acreditar Alethea?
Alethea pretendeu franzir o cenho.
- Não se supõe que devemos estar envergonhadas de nós mesmas por respirar sua afeição ao jogo? Pelo menos não parece correto presumir que tiramos um xelim de um homem cujas atividades criticamos.
- Diga-lhe que da próxima vez subiremos as apostas - disse o padre jovial, enquanto se levantava para ir-se.
- Haverá uma próxima vez? - perguntou Gabriel casualmente, enquanto saíam com Alethea pela porta principal à úmida noite.
- Não o aborrecemos? - perguntou-lhe surpreendida - Realmente voltaria?
- Só se for bem-vindo. Sou? - Deu-lhe um sorriso ingênuo que aumentou o doloroso desejo que o vinha subjugando durante horas.
- Sim. - respondeu, com os olhos cheios de picardia. - Vamos jogar mais jogos. Você gosta Da Caça do Dedal?
Olhou-a fixamente, afetado por uma repentina necessidade de lhe beijar a garganta e a pele cremosa mais abaixo, meio escondida sob os cachos.
- Podemos jogar a sós?
- Não acredito que fosse tão divertido.
Sustentou-lhe o olhar.
- Acredito que a surpreenderia.
- Já veremos. - lhe disse cautelosa.
- Isso soa prometedor.
- Vou trazer minhas duas irmãs mais velhas da próxima vez. -disse a senhora Bryant, atrás deles, enquanto esperava sua capa - Não vão acreditar que ganhei de Sir Gabriel.
- Deixou-a ganhar? - indagou Alethea em voz baixa.
- Não. - ele e Caroline responderam em uníssono.
- Suspeito, entretanto - disse Gabriel com uma fingida careta - que a
senhora Bryant é uma perita trapaceira.
A senhora Bryant endireitou os ombros.
- Pode prová-lo?
Gabriel sorriu.
- Provavelmente, a próxima vez terei que vigiá-la mais de perto em busca de cartas dobradas e piscadas sutis. Agora que penso nisso tossiu bastante e nunca examinamos o maço de naipes por marca.
Parecia encantada.
- Desafiará a um duelo de honra se me descobrir?
- Quais vão ser as armas?
- Versículos da Bíblia - disse com um risinho malicioso.
- Então - disse rindo com impotência - acredito que acabo de ser enganado para fazer uma doação à paróquia.
- A doação não importa. - assegurou à senhora Bryant - Será suficiente que nos encontremos na mesa de novo, para lhe dar a oportunidade de redimir-se.
E Gabriel não tinha nenhuma dúvida de que se referia às cartas, não a uma grande redenção. O problema era que dificilmente podia admitir que a proximidade da Alethea podia dobrar sua necessidade de jogar, mas certamente não diminuía seus outros impulsos.
Porque quando ao fim deixou sua companhia, deu-se conta de que de todos seus prazeres passados e presente, de todas as apostas que tinha ganhado, nenhuma igualava a de ser convidado para estar em sua companhia, regozijando-se com sua risada.
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Alethea correu pelo prado na grama molhada e o viu perder-se ao meio galope na bruma. Que formosa vista. Depois desse interlúdio amoroso em seu dormitório, tinha sido todo um cavalheiro. Amável com seus amigos. Ainda assim, sabia que nem todos os cavalheiros eram atentos na escuridão. E que o mais provável era que Gabriel acreditasse
que sua resistência aos avanços amorosos tinha passado de moda, comparada às condutas das damas que conhecia em Londres.
Todo mundo sabia o que era, e entretanto todos em Helbourne gostaram, desejavam que provasse que os rumores eram falsos. E
ninguém o desejava mais que Alethea.
Tinha-lhe recordado que ela ainda desfrutava de uma boa risada, que apesar de que Jeremy a tinha violado com uma crueldade terrível, recuperar-se-ia.
Gabriel lhe tinha demonstrado que ainda era capaz não só de sentir o desejo, mas também de sofrer seus incautos impulsos. Tendo em conta sua reputação como um professor consumado na arte do amor em Londres, ela sabia que ele entendia como despertar paixões ocultas.
Mas que poderia fazê-la apaixonar-se por ele quando ela sabia o que era... bom, ela mesma se deteria.
Recusava-se a cair por outro verdadeiro príncipe do amor, depois do último ser o rei dos sapos ante seus olhos horrorizados. Seu primeiro coração quebrado.
Não. Isso não era de todo certo. Tinha conhecido Gabriel antes de conhecer Jeremy em um batismo local. Era justo conceder a Gabriel a duvidosa distinção de ter sido o primeiro em lhe romper o coração.
Porque ele tinha ferido profundamente seus sentimentos, quando ela correu o risco de zangar seus pais para ajudá-lo no pelourinho.
Ninguém antes tinha rechaçado seus ternos gestos, e com tanta rudeza. Sempre tinha sido elogiada por sua capacidade de mostrar compaixão para outros. Mas tinha sido orgulhosa ao pensar que as palavras de simpatia de uma menina seriam suficientes para fortalecer um menino como Gabriel.
E o era mais ainda, ao pensar que uma mulher lhe podia estender a mão para ajudá-lo a sair do atalho que tinha escolhido.
CAPÍTULO 23
Dessa maneira se chegou a estabelecer uma pauta durante as últimas semanas do verão. Toda sexta-feira de noite, fizesse bom ou mau tempo, uma festa com jantar ligeiro entretinha à alta burguesia local na casa de campo do conde de Wrexham, com sua irmã Alethea de anfitriã, quando Robin não podia fazer as honras.
Poucos convidados faltavam a esta animada festa, pois desafiar Sir Gabriel nas cartas e poder afirmar que derrotara um jogador profissional tinha derivado em um travesso entretenimento.
Entre um e outro jantar, inventava uma razão atrás de outra para encontrar-se com Alethea em seus passeios diários, até que ela deixou de zombar dele por surpreendê-la, e ele deixou de desculpar-se. Duas vezes a escoltou junto à senhora Bryant em suas visitas à paróquia. Algo que jurou não repetir, depois de uma visita a um viúvo já idoso, que informou a Alethea de que o professor da escola da aldeia tinha pegado Gabriel escrevendo rimas grosseiras em latim.
Ela riu todo o caminho de volta a casa. Também o fez à senhora Bryant.
- Não fui eu. - insistiu - Foi meu irmão Colin. Ele tinha talento.
- Para os problemas? - adivinhou Alethea, com as fitas do chapeuzinho dançando em sua branca garganta. Estava sentada
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incomodamente perto da senhora Bryant, que conduzia como Cibele sua carruagem de leões.
Gabriel cavalgava ao lado em seu cavalo andaluz, desfrutando da vista. Nunca tinha sido tão bom em latim para criar versos, e não podia pensar em um agora. Não lhe importava se ria dele. Gostava de estar com ela, escutar sua voz. Mas quando seus olhos se encontravam algo afiado lhe descia pela espinha dorsal. E não sabia se podia suportá-lo.
Olhou para o bosque, ao longe.
- Deve tomar o chá? - perguntou à senhora Bryant, alegre.
Piscou. Pareceu-lhe ver uma figura entre as árvores, tão furtiva que poderia estar vendo seu próprio reflexo. Chá. Não o queria, mas o beberia.
Ao final da quinta festa, cada uma terminando um pouco mais tarde que a anterior, Gabriel não pôde conformar-se de ir para sua casa. O
conde de Wrexham tinha ido a Londres, visitar os pais da jovem dama a que pretendia. Lorde e Lady Pontsby tinham partido cedo, queixando-se do aborrecido reumatismo.
Gabriel se despediu cortesmente.
Mas como pessoa mal educada que era de coração, cavalgou em círculos ao redor da casa, até que teve certeza de que todos os convidados partiram. E retornou.
Alethea foi à porta com o xale de cachemira de Lady Pontsby.
- Sabia que iria voltar para... Você!
Ele desceu o olhar ao xale caro, fazendo um gesto com os lábios.
- Não é meu estilo. Todas essas franjas, e o desenho. Sou mais um...
- Canalha? - cruzou os braços enquanto ele se auto convidava de retorno ao corredor, fechando a porta à tranquila noite. - Ou é ladrão de casa? Gabriel, pergunto-me no que ocupou seu tempo nestes anos.
Fê-la caminhar de costas pelo corredor, sob os brasões, seus passos apagados pelo estrépito dos criados indo de lá para cá, conduzindo os pratos do jantar e apagando as velas que tinham iluminado a sala de jantar e o salão.
Agora, na escuridão fumegante, havia voltado.
- Mudei de opinião sobre a sobremesa.
Ela sacudiu a cabeça, a ponto de sorrir.
- Muito tarde.
- Para tudo?
- Suponho que ainda sobrará um pouco de brandy e bolo.
- Não é isso o que quero. - lhe disse com uma franqueza que fez que lhe abrissem os olhos.
- Não sei como responder Gabriel. - disse depois de uma pausa -
Certamente sou uma companhia aborrecida em comparação com as damas que conheceu em Londres.
Ele sorriu com remorso.
- Está brincando, sabe como são cabeças ocas essas mulheres?
- Não são cabeças ocas, algumas são bastante brilhantes.
Franziu o cenho.
- Bem, nenhuma de minhas conhecidas parecem saber como jogar Golpeia ao que Acontece.
- Esse dificilmente é um passatempo intelectual.
Os olhos resplandeciam com humor.
- Nenhuma delas nunca me venceu no Whist.
- Deixou-nos ganhar, Gabriel.
Ele fez uma pausa, inclinando-se para jogar com sua simpatia.
- Tem ideia de quão solitário é Londres para um homem como eu?
Sua resposta o pegou com a guarda baixa.
- Não mais que minha vida aqui.
Olhou-a fixamente, ao dar-se conta do que tinha admitido.
- Não posso substitui-lo, não é verdade?
Ela franziu o cenho.
- Nunca o compararia a você. - disse com uma voz surpreendentemente feroz.
Ele se endireitou. Por que não tinha aprendido a manter a boca fechada? Agora tinha estragado sua camaradagem, trazendo a lembrança de outro homem.
- Sinto muito. Sei quão profundamente o amava.
- Não o amava.
- O que?
Ela não tinha amado Jeremy? Tinha querido dizer isso? Com certeza que não.
Ela virou-se, evidentemente angustiada. Ocorreu-lhe que resistia a pronunciar o sagrado nome de Jeremy, por temor a derrubar-se. Apesar de seu descontentamento ao pensar que sua pena era tão enorme que procurava consolo em deixar-se seduzir por um jogador, não se desalentou para rechaçar o que o destino lhe tinha entregado na mão.
Abraçou-a e a beijou na nuca. Ela tremeu, mas não se afastou. O
sangue lhe esquentou com antecipação. Por favor, faça o que fizer, não deixe que arruíne esta oportunidade.
Pois, embora a desejasse desesperadamente, ainda era sua doce menina, de coração atrevido, dos dolorosos dias do passado. Preferiria morrer antes que desonrá-la.
Lentamente a aproximou mais.
Fechou as mãos sob seus seios, tragando um gemido ao senti-la.
Suas curvas voluptuosas se adaptavam à perfeição com os ângulos firmes de seu corpo. Seus sentidos estalaram. Deliciosa. Adorava como se apoiava nele, como se entre eles houvesse mais que um desejo ordinário.
- Advirto-lhe - sussurrou em sua garganta - não me convide a sua cama, a menos que realmente o deseje.
- Deseja-me, Gabriel? - sussurrou, voltando-se lentamente até que ficaram cara a cara, seu sorriso incerto, com os braços ao redor de sua cintura.
- Meu desejo mais profundo é você.
Ela suspirou.
- Que bonito.
Beijou-lhe as comissuras dos lábios, apertando o abraço.
- Impressionam-lhe as palavras bonitas?
- Não.
- Já me parecia isso.
Ela baixou a vista levemente.
- Quer me impressionar?
- Mais que ver sair o sol cada manhã.
Riu e levantou a vista outra vez.
- Palavras lindas e tolas. Mas ele já não está.
Não soube o que responder a isso. Quando mencionou ao homem com o que ia casar-se, alterou-se visivelmente. E, entretanto afirmava não tê-lo amado. Jogou para trás os cachos que obscureciam seu rosto.
- Posso ficar?
Ela estudou seu rosto duro e intimidante.
- Foi um bom companheiro este mês.
Conseguiu sorrir.
- Ambos sabemos por que.
- Nunca achei que fosse adaptar-se a nossos simples prazeres.
- Um homem não pode mudar seus costumes?
- Algumas vezes, suponho.
Ela sabia quem era ele. Mas sabia ele quem era ela? Ainda não, mas queria sabê-lo. Puxou-a pela mão.
- Me leve para dentro.
- Meu dormitório não. Minha criada dorme ao lado. Acima há um salão privado onde costumo ler.
Não ia discutir. Sua mão lhe parecia firme na dela. E não estava certo por que o levava para dentro, só de que não queria levá-la a nenhum dos escuros lugares que tinha conhecido.
Seguiu-a a uma escada lateral. Havia dito que se sentia sozinha.
Estava se aproveitando ele de sua vulnerabilidade? Nem sequer podia pronunciar o nome de Jeremy, quando tinha passado mais de um ano de sua morte. No passado, nunca tinha necessitado planejar seus assuntos
amorosos. Estivesse onde estivesse, eram o momento e o lugar perfeitos.
Mas agora estava morrendo por dentro.
A pequena sala iluminada pelo fogo parecia ser seu retiro privado.
Livros, cartas, uma cesta de fazer bordado. Um lugar de paz e reflexão.
- Talvez não devesse me ter trazido aqui, Alethea. Sei que não posso substituir o que uma vez esperou.
Fechou a porta, com os olhos brilhantes de cólera.
- E você o que sabe?
Ele sacudiu a cabeça. Que Deus o perdoasse. Não desejava aproveitar-se de uma mulher tão inundada na dor, que se oferecia a um cafajeste como ele, para procurar alívio momentâneo. Mas se podia fazê-la esquecer sua dor, apesar de que na manhã o desprezasse, não podia resistir.
- Nunca fui um santo. - disse - Vou tê-la, não importa qual seja sua razão. Embora só seja para acalmar sua pena.
Esperou seu protesto. E quando não chegou, conduziu-a ao que na escuridão parecia ser um fofo sofá com um xale em cima, uma luneta e um montão de papéis. Ela riu quando os puxou para o chão.
- Alethea - disse, e começou a rir - Imaginei este momento em umas cem fantasias....
- Mas em um aposento mais ordenado.
- Isso não importa. - Agora, nada a não ser ela importava.
Aproximou-se, sussurrando. - Por favor! Posso despi-la?
Ela voltou a rir na escuridão, desta vez de incerteza.
- Por quê? Não pode ver nada aqui.
- Vou tocá-la. E vou fazer amor com você.
Com facilidade suas mãos a libertaram das suas roupas, parecia ter todo o direito a deixá-la sem a restrição do vestido e regata. Acariciou-a, lhe dando tempo para relaxar, para antecipar o que viria. Quando se
ajoelhou para lhe tirar as meias, sentiu ela se mover alarmada.
- Gabriel.
- Não mude de opinião. - lhe disse, levantando a vista e olhando-a desolado - Não me peça que pare, ou morrerei.
Ela soltou um risinho trêmulo.
- Parece muito decidido.
- Oh, estou.
Voltou a olhá-la, fascinado com a beleza de seu corpo nu. Seus escuros mamilos se erguiam em seus doces seios, seu ventre ligeiramente arredondado e seus quadris curvados, um arbusto de cachos coroava sua abertura. A garganta se fechou ante seu tímido sorriso.
Devolveu-lhe o sorriso.
- Pensaria que isto é um sonho, se as demandas carnais de meu corpo não me dissessem o contrário.
- Deixei de acreditar nos sonhos. - Passou-lhe os dedos levemente por seu curto cabelo negro.
Tinha-lhe dado tantas chaves esta noite. Revelou-lhe como era sutilmente, e um homem sensível teria reconhecido. Ele tinha perdido cada pista. Sua única desculpa era que o desejo o tornava insensível a tudo, exceto a seus instintos mais baixos. Amanhã poderia refletir sobre os sutis matizes. Era tudo o que podia fazer para seguir suas pistas, para controlar seu desejo.
Beijou-lhe o tornozelo, a panturrilha, o espaço suave do joelho, até que o perfume secreto de sua carne invadiu seus sentidos. Levantou-se do chão para tirar a jaqueta, a gravata, às calças, e desabotoou a camisa.
- Nunca me perdoará por isso. - lhe disse com tristeza enquanto tirava as botas.
Por um momento, enquanto se voltou, com o coração e o corpo nus,
ela não falou. Entretanto não parecia ofendida por suas cicatrizes e sua descarada excitação.
Só podia esperar que o achasse a metade de desejável que ele a ela.
- Como sabe o que vou perdoar? - disse ao fim - Me conhece o suficiente?
Ele se sentou a seu lado.
- Quero conhecê-la. - Acariciou-lhe o rosto e deslizou a mão ao redor de seu pescoço.
- Já não sou como era. - sussurrou.
- É muito melhor - murmurou ele, e inclinou a cabeça para beijá-la.
Com outra dama teria atribuído seus comentários a uma brincadeira, a falsa modéstia. Mas a desejava tão desesperadamente que não pôde compreender o que estava tratando de lhe dizer. Como o idiota arrogante que era, assumiu que tinha o monopólio do sofrimento. Assumiu o que as aparências lhe diziam. Que enquanto o mundo lhe tinha atirado um golpe atrás de outro, Alethea tinha permanecido intacta, a perfeita jovem dama, a salvo do pecado, da dor. Como estava destinado.
- O que eu sei, é que não te deixarei até que seja minha. E que não tenho intenções de te arruinar.
- Não é isso o que os libertinos devem fazer? - disse Alethea, agora com brincadeira.
- Não necessariamente. - Passou-lhe os dedos pela garganta, descendo por seus seios e seu ventre, e mais abaixo ainda, até que ela tremeu. Sentiu o pulso de seu sangue sob a palma - Alguns simplesmente nos arruinamos.
- Acha que aqueles a quem importa não os afeta? - perguntou-lhe, dando um grito abafado quando lhe introduziu um dedo na vagina. Seu corpo se contraiu, não por resistência, mas sim por desesperada necessidade. Acariciou-a. E ela se abriu, derretendo-se lentamente.
A voz enrouqueceu.
- Isso significa que se preocupa por mim?
Moveu os quadris, dolorida, procurando mais.
- Não se tinha dado conta?
- Você me escolheu?
Suprimiu um gemido. O que lhe estava fazendo, esta delicada invasão, era muito, e, entretanto ansiava mais. Mas como se deu conta ele, quando nem ela sabia?
Sua mão ficou imóvel. Tratou de apertar as coxas, de recuperar o fôlego.
- Sinto muito. - disse com voz rouca, fascinante - Tive de partir, mas teria importado se tivesse ficado?
- Sim. Não estou certa... sim.
- Por quê?
- Porque... porque então não poderia ser a noiva dele.
O que lhe estava dizendo? Que sua perda tinha sido tão profunda que desejava não ter amado alguma vez Jeremy?
- Houve outro homem, além de Hazlett? - perguntou-lhe com a respiração e o coração em suspense.
Ela envolveu a mão ao redor de seu pescoço, seus dedos alisando o relevo de sua cicatriz.
- Voltou esta noite para investigar a história de Helbourne, ou para fazer amor comigo? - perguntou com ligeireza.
Ele a pressionou para deitá-la sobre suas costas.
- Seria um idiota se rechaçasse essa oferta, quando mal posso ver com clareza em sua presença.
- Ele se foi, Gabriel. - lhe disse com um sussurro apenas audível -
E eu gostaria que nunca tivesse existido. - disse em voz tão baixa, que não esteve certo de ter escutado.
- Tem certeza de que deseja isso?
- Não. Mas faço, de qualquer maneira. O que quero é esquecer.
Ela viu sua expressão de surpresa, e orou para que não tratasse de obter uma explicação. O que havia dito era certo. Quando estava com Gabriel, esquecia as partes feias e espantosas de sua vida. E o que acontecesse a eles, seria porque assim o tinha decidido. Sim. Ela tinha escolhido esta noite.
Ela enterrou o rosto em seu duro ombro. Cheirava suavemente a almíscar e colônia. Tão maravilhoso. Sua pele estava quente, seus tendões e músculos debaixo de um escudo de força. Que tentador lhe dar poder sobre ela. Derreter-se. O final do inverno.
- Uma vez que nos unamos – ele disse, beijando o alto da cabeça -
há certas consequências que devemos enfrentar.
- Como a concepção de um menino?
Quando havia se tornado tão franca com as realidades da vida? No espelho do tempo, ela tinha permanecido inocente, intocável. Era ele quem perdera as lições mais profundas da vida. Estavam todos seus reflexos distorcidos? Não. Não os dela.
- Sim. - disse engolindo em seco. - É uma consequência que temos que aceitar.
- Tem algum filho, Gabriel?
- Não. Eu... - O que podia dizer? O que era um homem que tinha evitado todo compromisso e escapado de um destino que provavelmente merecia? Não sempre tinha sido cuidadoso, mas agora, subitamente, tantas coisas que sempre tinha desprezado, pareciam importar.
- Desejou-me sempre? - sussurrou - Sei que você gostava de me olhar algumas vezes. Nunca entendi o que significava. No que pensava?
- Não tenho certeza de ter pensado esses dias. Talvez quisesse o que não podia ter. - Pressionou o rosto entre seus seios, inalando seu aroma - Nunca perdi um jogo, uma vez que me concentrasse nele.
- Não sou um jogo, Gabriel. - disse levemente indignada.
- Sei. Mas se fosse o que teria que fazer para ganhar? -Levantou o rosto, com um atraente sorriso - Dependi de brigas e truques toda minha vida para sobreviver. Não conheço outra maneira de viver.
- Não é possível que possa mudar?
- Desejaria me ajudar?
Riu com nostalgia.
- Sempre pensei que se arrumava bem por sua conta.
-Por que derrubava qualquer um que cruzasse em meu caminho?
- Lutou contra seu padrasto. Isso foi valente de sua parte.
Ele engoliu em seco. Envergonhava-lhe que soubesse.
- Nunca fui visto como o cavalheiro branco da aldeia.
Os olhos dela cintilaram com picardia.
- Algumas damas são atraídas pela escuridão.
- Nunca a considerei uma delas.
- Não me deseja Gabriel? - perguntou com voz instável.
- Sim. Mas por mais de uma noite.
- Mas isso não é proibido no livro das regras de um libertino?
- Pode pensar em mim em outros termos? - perguntou-lhe aborrecido.
- Poderia pedir o mesmo de você.
- A meus olhos, sempre foi perfeita.
- Mas não sou perfeita. E se essa é a única razão pela que me deseja, então está se enganando.
- Vai mudar de opinião?
- Oh, Gabriel. Não entende.
Ele fechou os olhos.
- Não quero feri-la.
- Então não me deixe.
Como poderia deixá-la? Seu corpo absorvia seu calor, seu convite.
Sua respiração estremeceu sobre a boca dela. Levantou-se sobre ela.
Tinha-a tomado em milhares de fantasias não cumpridas. Imaginando-a debaixo dele, enquanto outras mulheres compartilhavam sua cama.
Disse-se que depois haveria tempo para discutir o que fosse que lhe rondava pela mente. Em realidade não queria dar mais tempo a ela para refletir ou negar-se.
Seu instinto lhe dizia que selasse sua união.
Não a deixe mudar de opinião. Não a deixe dar-se conta de que sou a pessoa equivocada para ela. Com certeza não mereço a alguém tão perfeita e pura, mas juro que nunca mais pedirei algo na vida se tiver a oportunidade de amá-la.
- Está me olhando como costumava fazê-lo. - disse ela, com os olhos subitamente muito abertos. - No que está pensando agora?
- Em que nunca vi uma mulher mais formosa. - Beijou-a enredando a mão em seu cabelo. Ela gemeu. Com esse som desinibido de aprovação, profundas ondas de prazer se deslocaram dos ombros às pernas dele. Alethea, nua, abrindo as coxas para lhe oferecer prazer. A luxuriosa sensualidade de seu corpo o tinha fascinado.
Apertou-a entre seus braços, arqueando as costas, e seus olhares ficaram fixos. Contrariamente ao que se dizia dele, não tinha por costume deflorar virgens.
Entretanto, compreendeu que a primeira vez não seria tão deliciosa para ela como para ele.
Mesmo assim, o espaço entre suas coxas estava úmido, sua carne preparada, atraindo-o. Separou-lhe as inchadas dobras e a penetrou com dois dedos, o mais profundamente que se atreveu.
Respirou profundamente várias vezes. Não podia imaginar pior pesadelo que ter que parar agora, nem um destino mais desejável que empurrar muito dentro dela.
Beijou-lhe as pálpebras, o rosto.
- Acredito que fui teu sempre.
- Gabriel. - Exalou seu nome, os dedos afundando-se em seus ombros, seu corpo abrindo-se a ele, como se tivesse vontade própria -
Me deseja?
- Por favor. - sussurrou ele com voz rouca.
- É paixão o que nos faz arder, ou amor? - sussurrou ela.
- Não podem ser ambos? - Olhou-a no rosto, transpassando-a com os olhos. Seus seios se erguiam tentadoramente - Importa?
- Sim, embora me pergunte...
Não lhe deu a oportunidade de finalizar, de pensar sua resposta.
Seu coração retumbava. Nesse momento não lhe importavam as palavras que ela demandava.
- Me pergunte mais tarde. - murmurou e deslizou a mão esquerda debaixo de seu suave quadril. - Tome-me completamente em seu interior.
Ela deixou escapar um gemido que rompeu as cadeias de seu controle. Tornou-se para trás, ignorando seu leve grito abafado de vulnerabilidade, e a penetrou até o fundo. A descarga de prazer retumbou em seu peito. Estar enterrado em sua estreita passagem, sentir seus estremecimentos debaixo dele. As mais doces fantasias se fizeram realidade. Apoderando-se de sua mente, de seus sentidos até que não percebeu nada mais que as reações.
Ela se arqueou contra ele. Seu corpo lutava por responder com suavidade, apertou os dentes, e diminuiu o ritmo de suas investidas. Sua primeira vez. Já haveria mais noites juntos de sensual exploração. Ele aprenderia o que gostava, e compartilhariam seus desejos secretos.
Com toda segurança acharia um lugar mais apropriado para fazer amor que um velho sofá tão maciço como, felizmente, resultou ser.
Escutou seu sussurro entrecortado como se soasse muito, mas muito longe.
- Esperei que retornasse.
- Agora estou aqui.
- Me faça esquecer, Gabriel.
CAPÍTULO 24
Quando Jeremy Hazlett a tinha violado, Alethea não se dera conta de que era a inocência de seu coração o que ele tinha quebrado não sua habilidade para amar, nem a capacidade de seu corpo para conhecer o prazer sexual. O apetite carnal que Gabriel tinha avivado, e passado a satisfazer, tinha-a envergonhado tanto como excitado.
Estava convencida de que nenhum outro homem poderia ter despertado sua paixão.
Considerando o próprio ato, ou melhor, sua paródia violenta, só lhe tinha ocasionado repulsa antes e agora sentia seus desejos naturais voltarem com uma intensidade que não podia atenuar. Em seu coração, ele era seu primeiro amante, seu único amor. E para um homem que era inegavelmente bem versado no pecado, sempre tinha havido uma coragem nele que equilibrava seus aspectos mais sombrios. Ela saboreou cada sensação, prazerosa e incômoda, que ele invocou, até que ao final, entregou-se a ele completamente.
Ele avantajou sua vergonha passada, obrigando-a não só a submeter-se, mas também a reconhecer seu desejo. Viril. Fê-la sentir viva e forte, sem medo de revelar o que desejava. Ele exigiu. Ela se rendeu apenas consciente do instante em que seu grande corpo deixou de mover-se. Ela simplesmente soube em sua própria explosão inesperada de prazer, sua libertação que o estremecimento de seus ombros, o profundo calor de sua semente dentro dela, significava que ele tinha encontrado a culminação.
E se inclusive por um momento ela temera que este ato fosse motivado só pelo desejo, ele não perdeu tempo reconfortando-a de outra maneira.
- É a mulher mais desejável, a única mulher que alguma vez desejei verdadeiramente. - disse enquanto levantava a cabeça.
- Eu? - Alethea sussurrou, passando seu dedo para baixo da profunda dobra em sua face.
- Lembro a primeira vez que tocou em meu rosto.
- É muito mais atraente agora.
Ele puxou um de seus escuros cachos que tinham caído através de seu peito.
- Você o é.
- Eu acredito.
- Meus primos de Londres quererão te conhecer.
- Seus primos?
- Minha família. Os outros Boscastles. As crianças.
Ela fez uma tentativa pouco entusiasta para incorporar-se, seus pensamentos repentinamente movendo-se da perturbadora nudez deles às implicações de conhecer seus infames parentes masculinos, não como sua vizinha, não como uma debutante, mas sim como sua amante.
- Acusar-nos-ão de ser impulsivos.
Ele levantou as sobrancelhas. Era impetuoso, seguro de si mesmo, disposto a levar o mundo para diante para impressioná-la.
- Sete anos não é exatamente o que se pode chamar um ato de impulsividade.
Ela o considerou com entusiasmo.
- Não é como se tivéssemos tido um cortejo todo esse tempo.
Ele sorriu abertamente.
- Sim tivemos.
Sua jovialidade era contagiosa, e ainda o segredo que estava no meio deles escurecia seu coração. Ele não tinha sabido, não tinha adivinhado. Mudaria como se sentia ele? Ela não podia suportar estragar esta mágica intimidade, mas a intimidade não poderia sobreviver sem confiança, e a confiança se forjava com a verdade.
Ela tinha que confessar. Mas como, quando? Ele a veria diferente,
ainda a desejaria como agora? Ela olhou para cima a seu escuro rosto sardônico.
- Sete anos. - ele disse outra vez.
- Não tivemos contato! - Ela exclamou.
- Sim, Alethea. Tivemo-lo.
Ela sabia que tinha razão porque o teria recordado. Tinha-o visto só uma vez desde seus mais novos anos em Londres, paquerando no parque, embora ele não a tivesse visto. Se ela esteve tentada a saudá-lo com as mãos, seu batalhão de senhoritas admiradoras a teriam mais que desalentado. Ela, entretanto, frequentemente esquadrinhava os jornais de notícias para inteirar-se de suas atividades, até que havia se tornado dolorosamente claro que ele tinha cumprido com a profecia de seus pais de uma vida decadente.
- Não lembro de que você alguma vez me escrevesse ou que fizesse algum esforço para ver-me. - disse ela, lhe franzindo o cenho.
- Perguntava a Jeremy sobre você cada vez que o via.
Ela afastou o olhar.
- Ele nunca o disse.
Ele beijou seu ombro nu.
- Talvez tivesse a intenção de protegê-la do flagelo da aldeia. E se não a via, você estava tão frequentemente em meus pensamentos que era como se nós ainda tivéssemos contato. - fez uma pausa, sua voz sedutora. - Alguma vez pensava em mim?
- É claro que pensava em você. - disse sem titubear.
- Eu sonhava com você, também.
Ela volteou a cabeça, sorrindo tristemente.
- Poderia lhe ter ocorrido dizer-me isso alguma vez em todos esses anos.
Ele se agachou para recolher suas esparramadas peças de vestuário.
- Estava comprometida em matrimônio com outro homem. Ainda tenho isso contra mim?
- Não.
Guardava rancor a esse outro homem, e só desejava que Gabriel tivesse sido suficientemente desonrado para desafiar sua reclamação.
Mas como poderia ele ter sabido? Inclusive agora ele assumia o que ela tinha deixado o resto do mundo acreditar. Que tinha amado seu noivo, esse Jeremy que não só tinha morrido como um herói, mas tinha vivido como um. Ninguém queria pensar que um cavalheiro refinado, um homem com maneiras antigas e ascendências impecáveis, desonraria a mulher que afirmava adorar.
Mas nesta noite ela tinha necessitado Gabriel, para sustentá-la, para exorcizar a lembrança de sua desonra. Era como se escolhendo-o, ela tivesse desafiado o fantasma do homem que tinha prometido protegê-la.
Se só se atrevesse a ser honesta com ele a respeito do que acontecera.
Vestiram-se lentamente, detendo-se para compartilhar beijos, para ajudar um ao outro. Alethea deveria estar chorando de arrependimento, planejando sua penitência.
Em lugar disso, isto era tudo o que ela podia fazer para não lhe pedir que ficasse. Comprometê-lo-ia seu coração com ela? Não havia garantias de que ele não tivesse falado no calor da paixão, não tinha nenhuma certeza de que pela manhã ele não se arrependesse. Mas ao menos por agora ela se sentia esperançosa, e malvadamente feliz.
Ela tinha confiado em Gabriel com seu corpo. E seria honesta.
Certamente ele tinha ouvido histórias mais desagradáveis de suas mulheres de questionável reputação.
Se somente ele não a tivesse posto sobre um pedestal por sua virtude.
Sua voz rouca a distraiu. Estava parado, levantando-a com ele.
Seu coração se escondeu de seu descarado sorriso.
- Esqueci-me de algo. - Tirou um valioso envelope do bolso de seu casaco de noite. - Tive a intenção de te entregar isto quando a vi mais cedo esta noite. É um convite.
- Para mim? - Perguntou-lhe surpreendida. - De quem é? - Tinha recusado todo convite social que tinha recebido no ano passado até que tinham deixado de chegar. - Vai me dar isso?
- Só se me prometer que virá comigo.
- Ir com você aonde, demônio? - tratou de alcançar a missiva selada, só para achar-se apanhada contra seu duro peito.
Seus olhos escuros a tentaram, calorosamente sedutores.
- É só um convite para a festa anual de aniversário de meu primo Grayson em Mayfair. E se não a deixo ir agora mesmo, ainda estarei aqui no dia da festa.
Ela sorriu olhando para cima a seu rosto escurecido. Ainda podia senti-lo em seu interior, o prazer de sua posse.
- Em Londres - disse, entregando o convite a ela - na festa, apresentá-la-ei.
- Espero que não se importe se levar minha prima ou meu irmão como acompanhante.
Ele se inclinou para beijá-la.
- Embora leve a aldeia inteira de Helbourne, não será afastada de mim outra vez.
Pela mente de Gabriel cruzou só por uma fração de segundo que não tinha encontrado a barreira de seu hímen durante seu encontro sexual. Não é que ele fosse devoto de seduzir virgens ou gritar aleluias pela perda de virtude de uma amante. Os prazeres sexuais estavam envolvidos em mitos e mistérios. Ele entendia instintivamente quando agradava a uma mulher sem haver-se dedicado a um estudo do tema.
Dizia-se que as senhoritas poderiam danificar certas delicadas malhas durante o transcurso de uma vigorosa cavalgada. Certamente Alethea era uma fervente amazona.
E por tudo o que ele sabia, tinha causado seu desconforto, e ela refreara expressar-lhe. Queria pensar que ela tinha ficado tão devastada pela paixão que qualquer dano que ele tinha infligido passara imediatamente ao esquecimento.
Ele, por outro lado, nunca o esqueceria nem seria igual depois. E
não poderia esperar para ver a reação de seus primos em Londres quando lhes dissesse que se apaixonara por Alethea Claridge e que...
sim, ele sabia que ela não teria se entregue a nenhum homem de outra maneira, ela o amava, também.
CAPÍTULO 25
Alethea ficou na cama bastante tempo depois de sua hora habitual, escutando pela metade os criados ocupados embaixo.
Não tinha sonhado, não é verdade? A cálida decadência, o afeto dele. Rodou agarrando o travesseiro. Lentamente se deu conta do profundo despertar de seu corpo.
A ternura que dava um adequado testemunho da proeza de Gabriel.
Sentia-se completamente como uma mulher tomada. Atada.
Seduzida. Fazendo o apropriado. Todas essas palavras que sussurravam em tons baixos somente, se é que o fazia. Gabriel tinha posto em prática cada uma delas no sentido mais perverso.
- Lady Alethea? - A familiar voz de uma mulher a chamou do outro lado da porta. - Sente-se mau?
Suspirou, voltando para a cama. Sabia que havia algo a fazer.
Sempre era assim.
- Não, Joan. Necessita de algo?
- Não acredito que tenha tempo de tomar um café da manhã decente se for às salas da Assembleia às dez.
- As salas da Assembleia?
- Devo-me ter equivocado. Pensei...
Alethea voou da cama. Como podia ter esquecido? Era a
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auspiciadora do baile anual de Helbourne. A pessoa que fiscalizava as comidas, e as decisões que trocavam ao mundo, tais como se as damas
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do comitê comprariam um pianoforte novo, ou poliriam o piso da pista de baile para que as sapatilhas das damas não prendessem em meio ao baile.
E hoje tinha prometido fazer uma inspeção do salão onde as damas tomavam chá antes de dançar. Seu irmão tinha feito uma doação considerável, para gastar como ela quisesse em cortinas ou cadeiras. O
ano passado a mãe do padre tinha transpassado uma cadeira antiga de carvalho e tinha aterrissado em seu traseiro.
Apressou-se com seu asseio matinal e ainda calçava as luvas enquanto Wilkins a levava às salas da Assembleia. Ninguém tinha chegado ainda. Só o antigo zelador que vivia na mesma rua mais abaixo.
Pediu-lhe que pusesse água para o chá, e tomou uns poucos minutos para recuperar-se.
De fato não teve necessidade de perguntar. Mal tinha chegado ao pequeno salão de cima, quando ouviu os sons das xícaras na bandeja.
- Senhor Carson, é muito atento. Como adivinhou que andava tão apressada que não pude tomar meu chá da manhã? Fiquei dormindo.
- Não precisa se desculpar. - deslizou uma voz da porta - Também eu tive uma noite bastante ativa. Espero que sua noite não tenha sido muito exaustiva.
- Gabriel. - Virou-se e riu ao vê-lo conduzir a bandeja com o chá e as torradas - Não tinha ideia de seus talentos domésticos. Que surpresa mais agradável.
Ele franziu o cenho.
- Importaria não ser tão linda, até que tenha as mãos livres? Temo que deixarei cair seu chá e desaprove meu trabalho do lar. - Como evidência de sua declaração, depositou sua carga na mesa entre eles, as xícaras agitando-se precariamente em seus pires. Dirigiu-lhe um sorriso perigoso - Agora tenho as mãos livres e vejo que ainda está encantadora.
Ela sacudiu a cabeça, mais feliz de vê-lo do que podia demonstrar.
- Como soube que estaria aqui?
- Fui a sua casa justo depois de ir, aparentemente, e perguntei a sua governanta onde estava. Deu-me indicações e outro saco de farinha.
- Não notei que alguém me seguisse.
- Adiantei-me, e lhe trouxe seu chá. Posso ser um bom menino
quando tento.
Mas não tinha sido bom ontem à noite. Nem ela tampouco.
O sorriso conhecedor que lhe cruzou o rosto, recordou-lhe como maravilhosamente maus tinham sido juntos ontem à noite.
Ela engoliu em seco, seus olhos cravados nos dele, seu amante demônio-protetor. Seu curto cabelo negro estava despenteado pelo vento. Sua jaqueta cinza escura de equitação e suas calças justas moldavam-se de maneira tão pecaminosa a seu corpo anguloso, que ela repentinamente sentiu a necessidade de deixar-se cair em uma cadeira.
Considerou-a atentamente.
- Quer seu chá?
- Ainda não, obrigada. - Sorriu - Estou surpreendida de que o senhor Carson te tenha deixado conduzir a bandeja. Não se preocupa com muita gente.
Ele caminhou ao redor da mesa.
- Uma vez trabalhou para meu pai. - Por um momento sua expressão revelou uma fresta de vulnerabilidade - E se preocupa com você, o que não me surpreende o mínimo.
- Gosta de me servir o chá. Pergunto-me por que não veio com você.
Levantou os ombros ingenuamente.
- Mandei-o com um pequeno encargo.
- Que tipo de encargo? - perguntou-lhe cética.
- Comprar um pouco de queijo no povoado.
- Queijo?
- Bom, me acabou o presunto.
Cruzou os braços, divertida.
- Mas não a audácia.
Seu olhar a percorreu lentamente, lhe fazendo chispar os nervos.
- Em todo caso, por que está sozinha aqui? - perguntou-lhe.
Ela se obrigou a retroceder alguns passos para as janelas.
- Estou revistando as cortinas procurando traças e mofos. -Embora com Gabriel no aposento não estava certa de poder diferenciar uma coisa da outra.
- Que emocionante. - Foi para ela - Posso ajudá-la?
Ela entrecerrou os olhos. Nem por um instante acreditava na inocência de sua galanteria. De fato seus olhos desprendiam brilhos inequivocamente perigosos. Uma mulher de boa conduta estaria alerta.
Enquanto que uma com tendências mais malignas estaria tentada.
Definitivamente pertencia ao grupo das tentadas.
Ele foi encurralando-a passo a passo, até ficar contra o batente, com uma mão dele a cada lado dela.
Conteve a respiração, na expectativa.
- Bom o que pensa?
Olhou-a para baixo com aberta satisfação.
- Penso que está apanhada. Não pode ir a nenhuma outra parte.
- Cortinas, Gabriel. As cortinas.
Ele piscou, em seguida lançou um olhar desinteressado às desbotadas cortinas que os ladeavam.
- Sim. Picadas de traças e com mofos. Não estabelecemos isso já?
Beijou-a suavemente na boca, suas mãos ainda a cada lado prendendo-a. Os batimentos do coração dela dispararam.
- O que quis dizer é que...
- Vai casar-se comigo? - disse, aliviando sua língua entre seus lábios abertos - Então falaremos de cortinas tudo o que queira.
Seu sangue se acendeu ante o íntimo calor que crescia entre eles.
Com que facilidade seu breve beijo a transtornava.
- Me casar com você?
- Sua resposta?
Ela não podia respirar.
- Onde há cortinas - conseguiu continuar - há geralmente uma janela. Em caso de que não se tenha dado conta, estamos à vista do caminho das carruagens.
- Entendo sua preocupação - sussurrou - Me faça um favor, querida. Volte-se.
- Que...? - Não sabia por que lhe obedecia, mas o fez - E agora?
Sua cálida boca viajava para baixo de sua nuca.
- Não se mova.
- Por que não?
- Por favor, só me dê o gosto. Notou alguma atividade suspeita fora?
- Não. Só diretamente atrás de mim.
Ele riu.
Ela olhou para baixo ao forte braço que a segurava em sua parte média. Que varonil era, inclusive seu pulso, sua pele dourada em um contraste sensual com o imaculado branco do punho da camisa.
Recordou essas mãos em seu corpo ontem à noite. Delicadas, mas sem clemência. Teve um calafrio e fechou os olhos, esperando com antecipação deliciosa...
- Sua resposta. - Gabriel disse. – Estou esperando-a impacientemente.
Ela virou, levantando a vista.
- É sim.
Sua dura boca se curvou em um sorriso.
- Paixão - disse, baixando a cabeça para beijá-la outra vez - E
amor.
Ela suspirou antecipadamente. Mas seus lábios apenas se tocaram levemente antes que ele levantasse a cabeça e amaldiçoasse em voz baixa.
- A janela.
Ela voltou a suspirar.
- Tem razão... Isto pode esperar. - Entretanto, não estava certa se ela poderia.
- Há uma carruagem parada na rua. - disse ele. - Pensei que a estavam esperando.
Ela se voltou penalizada.
- Pertence às primas Shrewsbury, três mulheres casadas que adoram fazer pequenos escândalos de nada.
- Bem. Eu só estou aqui para lhe trazer o chá.
O clique-claque de três pares de saltos de sapatos que subiam as velhas escadas às salas da Assembleia ressoavam na quietude. Alethea ficou olhando a porta com pânico. Meia Helbourne já percebera que não tinha convidado para jantar Gabriel por suas habilidades para jogar às cartas, somente. A outra metade, logo saberia.
- Deveremos casar em Londres. - disse ele rapidamente, soltando-a - Meus primos insistirão em um casamento familiar. E uma festa, para anunciar nosso compromisso.
- Fala a sério.
- Você não?
O estrépito dos passos se fez mais forte. Olhou ao redor pensativamente.
- Quer que me esconda detrás das cortinas?
- Como se isso não parecesse suspeito. É o mesmo que servir...
A porta se abriu. Um torvelinho de sussurros femininos deslizou no silêncio.
- Nestas últimas semanas, Lady Alethea já não parece estar mais de luto por Jeremy.
- Você acha? - A mais jovem das primas perguntou - Boscastle é perversamente bonito.
- E belamente perverso, conforme entendo. - a mais velha disse
com um suspiro.
- É um contraste bastante grande com Lorde Jeremy - disse a do meio enquanto entravam. - Ele era tão educado.
Depois as três levantaram a vista ao belamente perverso tema de seu debate. Ele fez uma reverência.
- Posso procurar mais xícaras para umedecer essas línguas movediças? - perguntou com um sorriso que Alethea sabia por experiência, que lhes tiraria todos os pensamentos de suas cabeças.
- Sentimos muito, Alethea. - disse a mais velha das primas Shrewsbury - Não tínhamos ideia de que Sir Gabriel estava aqui...
- Para ajudar - disse Alethea apressada. - Me está ajudando a tirar as cortinas.
- E para servir o chá. - acrescentou ele.
Alethea o observou com atenção, como o fizeram as outras três mulheres no aposento. Não era surpreendente que tenha saído favorecido quando o compararam com seu falecido noivo. Mas embora seus comentários secretamente a tinham agradado, dado que ela desejava anunciar que ela era dele, seus sussurros também tinham projetado uma sombra sobre seu estado de ânimo.
Jeremy ainda era uma sombra para sua felicidade. Sua vergonha era mais profunda do que achava.
CAPÍTULO 26
Alethea fingiu dormir durante a longa viagem da carruagem para Londres, muito absorta nos pensamentos a respeito de Gabriel e da próxima festa, para lhe importar a conversa. Sua prima, Lady Pontsby, e seu irmão, Robin, falavam em sussurros a seu redor, comentando como ela aparentava estar distraída ultimamente e o bem que lhe faria ir a uma festa da alta sociedade outra vez como lhe correspondia por seu direito de nascimento. Não podiam suspeitar que ela e Gabriel estivessem encontrando-se em privado durante dias e que a causa de sua distração ainda não a tinha revelado. Seu irmão não tinha superado de todo suas dúvidas a respeito de Gabriel, enquanto que ela estava tão irremediavelmente apaixonada pelo homem que não podia dormir de noite ficando com o olhar fixo fora da janela de sua casa.
- Ela é solitária. - disse lady Pontsby preocupada. - Encerrou-se até o ponto de que certamente terminará sendo uma solteirona. E enquanto Sir Gabriel é uma visita encantadora, as pessoas não podem deixar de perguntar-se quanto tempo ficará.
- Necessita de tempo para chorar por Jeremy. - disse Robin discretamente. - Não foi ela mesma desde que ele se foi.
- Tolices. Ela necessita de um marido. Nunca me importou tudo isso de Hazlett, se quer sabê-lo.
- Pensei que o adorava. - disse Robin surpreso.
- Só fingi por amor a Alethea. - lhe confiou lady Pontsby baixo. -
Honestamente pensava que era um jovem mesquinho, sempre dando ordens a sua família.
Alethea conseguiu suprimir um suspiro. Perguntava-se se poderia fingir estar adormecida todo o caminho até a cidade, e continuar o
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simulacro quando encontrasse Gabriel na festa de seu primo. Logo todo mundo saberia.
- Santo Deus! - Exclamou lady Pontsby em tal tom de genuíno horror que Alethea se viu obrigada a esforçar-se mais em sua farsa. -
Bandoleiros! Proteja-nos, Robin.
Alethea abriu seus olhos quando, certamente, as vibrações dos cascos se aproximaram da pesada carruagem. Para seu deleite o cavaleiro que trotava a meio galope ao lado deles, com um manto escuro sobre seus largos ombros, era Gabriel.
- Amigos - ele disse, subindo sua mão enluvada de couro a sua frente. - me permitam lhes oferecer escolta. Há - seus olhos piscaram e evitou olhar diretamente a Alethea - momentos perigosos para o viajante.
- Há momentos perigosos para todos. – Alethea murmurou enquanto se reacomodou nas almofadas outra vez.
Seu irmão a estudou por vários minutos.
- De fato. Acredito que há perigos ao nosso redor, os quais estive ignorando.
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Uma festa para celebrar o aniversário de Grayson Boscastle, o Mais Honorável, o quinto Marquês de Sedgecroft, era uma ocasião que a metade da sociedade não podia recusar. Alguns do mais alto da alta sociedade já tinham retornado da praia ou do país para a Pequena Temporada.
As pessoas não podiam imaginar uma forma mais entretida de retornar à vida londrina que gabar-se de um convite para a magnífica mansão de tijolo vermelho de Grayson em Park Lane, uma vez, embora não fosse mencionado, o lar da forca. Agora sua proximidade ao Hyde Park outorgava uma elegância indisputável.
Os vendedores de gado e as pessoas curiosas da cidade olhavam com atenção através dos principais portões heráldicos sob o escrutínio vigilante de vários lacaios com perucas empoadas e formais calças largas. Weed, o eficiente lacaio mais velho do marquês, fiscalizava os
detalhes pessoais do festejo, desde abastecer ao cantor italiano de ópera com champanha até brincar atrás das colunas do corredor de mármore com o filho de Grayson e herdeiro, Lorde Rowan.
Quando Alethea chegou, a maior parte dos convidados já se deslocara das numerosas salas de recepção para o pavilhão lateral e, por conseguinte dentro de um jardim agradavelmente escurecido por majestosos plátanos e estátuas clássicas de pedras resistentes.
Não havia sinal de Gabriel.
- Mas neste elegante aperto quem pode divisar a seu amigo favorito? - murmurou sem pensar a sua prima.
Lady Pontsby lhe sorriu com consentimento, apesar de estar muito deslumbrada pelo desfile de aristocratas que passavam para fazer um comentário a Alethea a respeito de qualquer reflexão profunda.
- Não o reconheceria, de qualquer maneira, sem um anúncio do mordomo.
- A metade de Londres já foi anunciada, pelo que se vê. - disse Alethea.
- Ainda assim, seria agradável ver...
- Como é lindo vê-la aqui - uma profunda voz zombadora lhe disse detrás delas - confio que sua viagem foi tão agradável como nossas estradas agrestes o permitiram.
Alethea refreou um jubiloso sorriso e voltou-se lentamente para enfrentar seu cavalheiro escuro.
- Como se não nos seguisse através de cada estrada, Sir Gabriel.
- É muito galante de sua parte, certamente. - disse lady Pontsby. -
Uma dama não pode aduzir muitas escoltas nestes dias arriscados.
Gabriel lhe concedeu um sorriso cordial. Antes que ela pudesse continuar, entretanto, ele tinha fixado o olhar em sua prima. Tinha estado à espera... não, caminhando de um lado a outro como um condenado prisioneiro ate que Weed lhe avisou de sua chegada. Embriagara-se
com a vista dela. Escovara seu escuro cabelo crespo para trás em um nó frouxo que ele desejava desfazer para estendê-lo por seu formoso corpo. Não podia acreditar que a tinha conquistado.
Queria anunciar a todo mundo, ou ao menos a sua família, e manter o segredo ao mesmo tempo. Poderia levá-la como por arte de magia a algum lugar recôndito e reatar suas acaloradas intimidades?
Não era como se a casa de seu primo não tivesse presenciado sua parte de escândalos amorosos.
Continuou com os olhos cravados em Alethea até que ela arqueou uma sobrancelha em uma reprimenda sutil. Felizmente, Lady Pontsby parecia inconsciente de que ele desejava nada mais que estar a sós com sua prima. Para o final da festa ou mal pudesse congregar aos outros Boscastles em um quarto, poderia revelar o que ela significava para ele.
Até então teria um endiabrado momento de atuar como se se preocupasse com alguém mais além desta única mulher quem poderia desfazê-lo, castigá-lo, e enobrecê-lo com um olhar negligente. Não havia ninguém mais por quem ele descartasse sua vida anterior sem nenhuma pontada de lamento. Agora queria só a ela, e se jogassem whist no campo toda noite antes que a levasse a cama, bem, ele não poderia ser mais feliz.
- Não está prestando atenção, não é verdade? - disse Lady Pontsby levantando a voz.
Ele sacudiu a cabeça.
- Prestando atenção a que?
Ela o esquadrinhou com um sorriso deliberado.
- Deixo a ambos por alguns momentos para conversar com Lorde e Lady Farnsworth. Não os vi em anos. Robin está ali mesmo, com o pai de Emily. Não os interrompam, de acordo? Estou desejando que este seja o dia pelo qual estivemos esperando.
Ele encolheu os ombros em um esforço de não revelar seu prazer
por esta oportunidade.
- Suponho que podemos nos arrumar por alguns momentos.
- Bem. Agora passem um bom momento.
CAPÍTULO 27
Gabriel estendeu seu braço.
- Posso levá-la para dar um passeio?
- Posso confiar em você? - Perguntou-lhe, como se não fosse evidente que não havia ninguém mais em quem ela confiasse.
- É claro que não. Entretanto, sua prima deu instruções para que passemos um bom momento. E, por certo, senti falta de você.
O brilho perverso em seus olhos a tentou.
- Aonde vamos?
Seus magníficos ombros se levantaram em outro encolher de ombros.
- Aqui e lá.
- E por que razão exatamente?
- Oh, isto e aquilo.
Ela pôs-se a rir.
- Nesse caso não acredito que devamos ser vistos caminhando agarrados pelo braço.
Seu sorriso diabólico desatou um delicioso redemoinho de sensações dentro dela.
- Como quiser. Sinto-me obrigado a recordar-lhe que a partir desta noite já não importará. Nossas famílias saberão que estamos comprometidos.
- O que não significa que podemos desfrutar a vontade de...
- Isto e aquilo? - guiou-a pelo interminável corredor de altas colunas, parecia indiferente ante os olhares chamativos das senhoras que o reconheciam e esperavam por seu reconhecimento.
- Parece que tem uma cadeia de admiradoras. - disse secamente, roubando uma olhada a seu perfil duro e cinzelado.
- Eu?
- Sim. Não se dá conta?
Olhou a seu redor.
- Onde?
- Elas estavam... - hesitou, olhando atrás dele com surpresa.
Enquanto ela esteve prestando atenção à comoção que tinha causado, tinha-a levado por outro corredor a uma sala de recepção aquecida por um pequeno fogo de carvão. Uma cadeira de seda azul marinho ocupava um canto. Uma mesa de palisandro segurava uma cesta de frutas importadas, duas taças e uma garrafa de vinho espumoso - Não podemos entrar aqui. Está claramente destinado a...
- A família. - a guiou através da porta e a fechou atrás deles - Vai ser parte da família mais infame de Londres.
- Como pode estar seguro de que aceitarão nosso compromisso tão facilmente?
Ele a acompanhou uns passos para o centro da sala. O sorriso que curvou sua boca cinzelada fez que saltassem suas pulsações.
- Se me aceitaram no rebanho, eles absolutamente lhe aceitarão como minha esposa.
Ela se aproximou da lareira. Ele se moveu casualmente a sua esquerda, seus olhos azuis dançavam com alegria.
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- Por que sinto como se estivéssemos jogando os Quatro Cantos
- disse, com o cenho franzido.
Sacudiu a cabeça, deu outro passo lânguido em sua direção.
- Prefere outro jogo?
Ela assentiu com firmeza. A cadeira se moveu para ela? Deu-se conta de uma mesa de jogo ao outro lado da sala. Naipes. Isso poderia manter sua mente ocupada.
- O Whist está muito bem. Sentemos-nos.
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- O que acontece com o Trunfo ? - Perguntou, desabotoando sua
jaqueta cinza.
- Esse é um colete encantador, Gabriel - disse, enquanto ele suavemente a puxava pela mão. - Disse Trunfo? É um jogo de cartas?
- Oh, jogou-o antes? - de repente se detiveram na beira da cadeira até que ele pressionou sua boca na dela, e seus joelhos cederam - Meu Deus - murmurou, mantendo-se em pé por cima dela só por um momento - Se sente enjoada? Deveria afrouxar seu vestido?
- Sim. Não. Não... não deve... não é...
Ele abaixou sobre sua forma meio reclinada, beijando-a até que ela se esqueceu do que estava tratando de dizer. Seu musculoso torso e as coxas dificultavam sua luta fraca para deslocá-lo. Quando ela recuperou seu julgamento, assim como a respiração, olhou-o, sentindo que seu coração saltava vários batimentos pela sensual paixão que obscurecia seu rosto.
- Não sei quando vamos ter a oportunidade de estar sós de novo.
Uma vez que os Boscastles se deem conta de que vai ser um deles, a convidarão a todas as partes.
- Nem sequer conheci à maioria de sua família, ainda. - sussurrou.
Seus olhos viajaram de sua boca aos diminutos laços que mantinham presas suas avultadas mangas de seda rosa e seu corpete.
- Não vamos ser família?
Ela se reclinou para trás, sua voz entrecortada.
- Iniciaremos nossa própria família a este ritmo.
Ele tirou sua jaqueta. Para distrair a si mesmo, tomou e dobrou cuidadosamente sobre o espaldar de mogno da cadeira. O agradável indício de colônia sobre o elegante objeto incitou seus sentidos, e ela levantou a vista lentamente. Ele estava magnífico com sua camisa vincada de cambraia, colete marfim e calças justas que mostrava com insistência sua masculinidade. Não era de estranhar que outras mulheres o tivessem olhado com a esperança de atrair sua atenção.
Emanava uma perigosa elegância, uma promessa de prazeres ímpios, que fazia a uma mulher abandonar a prudência e o decoro. E, entretanto, apesar de sua sexualidade sem reservas, tinha-lhe mostrado mais preocupação que o homem que seus pais tinham escolhido para ela. Ainda assim, não deveria deixá-lo que a seduzisse na festa de seu primo.
- Acredito que... - ela começou a levantar-se - Há alguém no corredor?
Seu polegar lhe traçou a linha do maxilar, depois lentamente desceu ao espaço profundo entre seus seios. Ela deslizou para baixo sobre a cadeira, vencida, incapaz de recordar por que tinha querido levantar-se em primeiro lugar.
- Não importa. A porta está fechada.
Ela estremeceu enquanto lhe acariciava os seios inchados. Um formigamento quente de excitação desceu por suas costas. Agitaram-se seus mamilos inchados, seu corpo inquieto.
- Pensei... nem sequer tem um baralho de cartas, Gabriel - lhe disse com indignação.
Seus olhos brilhavam enquanto se acomodava a seu lado.
- Não necessita de nenhum para este jogo. Chama-se Triunfo Boscastle.
- Farsante - sussurrou, o poder de seu corpo duro debilitando-a -
Não há tal jogo. Inventou-o.
Um sorriso malicioso se espalhou em seu rosto. Baixou a cabeça e pressionou beijos quentes através de seu decote. Ela sentiu um calor palpitante entre suas coxas.
- Não o fiz. - Soprou suavemente sobre seus seios. O prazer a inundou - É um jogo de salão real. Para dois jogadores.
- Um deles é a donzela? - perguntou, arqueando suas costas, seu corpo convidando a mais.
Fez uma pausa, olhando sedutoramente nos olhos.
- Agora que penso nisso, é a versão Boscastle de outro jogo.
Seus seios lhe doíam de seus beijos excitantes. Sabia que a estava manipulando.
- Um jogo de triunfo sem cartas?
- É mais um jogo de mãos. - Ele se sentou com uma expressão de seriedade - Uma ilusão - refletiu, trocando sua posição de novo para percorrer com sua mão seus tornozelos cruzados.
Ela cravou o olhar com fascinação nas pontas nuas de seus dedos até que desapareceram sob seu vestido.
- Uma ilusão muito convincente - disse, baixando os olhos com prazer involuntário. - O que devo fazer para ganhar?
Seu ombro esquerdo se levantou em um encolher de ombros. Sua mão, por seu lado, deslizou ao longo de sua meia, depois à liga.
- Bom, o mais rápido ganha a mão.
Ela se agachou para alcançar seu pulso antes que perdesse por completo o julgamento. Era muito hábil para desarmá-la, o calor que se acumulava na boca de seu estômago logo inundaria todo seu corpo se continuasse com seu toque.
- O mais rápido ganha a mão? Isso é tudo?
Ele a olhou de novo, o desejo aceso em seus olhos.
- Há uma habilidade um pouco mais complicada que isso. Quer que lhe ensine o jogo?
Seu corpo queria.
- Vou morrer se somos apanhados.
- Eu morrerei se não puder tê-la. - Levantou o joelho entre suas pernas, sua mão deslizou no espaço úmido por cima de suas coxas. Ela se deixou cair contra a almofada decorada com borlas, libertando seu pulso para tocar os botões inferiores de seu colete.
Seus olhos se estreitaram.
- Não está me despindo, não é verdade?
- Meu Deus, não. Tudo é uma ilusão.
Gabriel dirigiu um escuro olhar sobre sua figura relaxada. A ponta de seus formosos seios aparecia misteriosamente da borda de sua blusa. Sentia arder seu sangue, seu coração pulsando, ao ver seu sensual despertar. Ela tinha fechado os olhos, mas seu corpo respondia a sua ligeira carícia. Seus dedos passavam roçando os sedosos pelos de seu sexo, deliberadamente não tocando a necessitada carne por debaixo que tanto o tentava. Seus músculos do ventre estremeceram.
- As regras deste jogo, Gabriel? - murmurou ela, umedecendo-os lábios com a língua.
Ele levantou seu vestido até a cintura.
- Em geral as faço à medida que as coisas vão ocorrendo.
Ela suspirou.
- Já imaginava.
- Você pode fazer o mesmo. Abre os olhos.
Ela obedeceu.
Ele apoiou o polegar por cima de sua tensa pérola, tentando-a com preguiçosos círculos até que sua respiração se tornou irregular, seus olhos frágeis. Quando sentiu que seu corpo não podia suportar mais a tensão, ele conduziu os dedos profundamente dentro de sua brilhante abertura. O baixo gemido de excitação aguçou sua insaciável fome por ela. A doce essência que se filtrava de seu delicado sexo tentava seu apetite, como a ambrósia.
Ela apanhou a borda de seu lábio com os dentes. Seus escuros mamilos dilatados. Seu suave traseiro levantado da almofada, um sinal que ele sabia que significava que estava perto de seu clímax. Inclinou-se mais perto para desfrutar do momento quando ela explodisse. Empurrou outro dedo dentro de sua passagem, inclinou-se e lambeu seus seios.
Ela pegou sua camisa e a puxou de sua cintura. Seu eixo se endureceu
preparando-se para o sexo da nodosa cabeça até a raiz. Mas se ele tinha que esperar até depois de sua liberação, não lhe importava.
Desarmar Alethea era o afrodisíaco mais potente que podia imaginar.
E ele jogava para ganhar.
- Gabriel. - gemeu ela, puxando a aba de sua camisa. - Acredito que este... jogo...
- Sim. - murmurou ele, refreando um sorriso.
- Acredito que está fazendo trapaça.
Ele se pôs a rir com facilidade.
- Tem importância, se ambos ganharmos?
Ela passou a mão debaixo das ataduras de sua braguilha. Ele apertou a mandíbula até que lhe doeram os dentes. Um véu de luxúria nublou sua visão. Ela estava tão perto, tão palpitantemente molhada que poderia haver-se enterrado dentro dela e com gratidão exalar seu último suspiro. Ele acelerou os movimentos de seus dedos, impulsionando-se em seu interior até que seus quadris se retorceram.
Ela deu outro gemido, depois se convulsionou, com o olhar desfocado, sua mão agarrada ao seu incontrolado pênis. Ele estremeceu quando sentiu a ondulação de prazer de seu corpo, os espasmos minguando. Lentamente retirou os dedos de sua carne palpitante.
Ele jogou para trás a cabeça, tomando várias respirações longas para aquietar o fogo em seu sangue.
- Eu ganho - sussurrou - apesar de meu coração estar golpeando muito duro...
Ela se ergueu de repente.
- Esse não é seu coração, Gabriel. É a porta.
Ele olhou a seu redor, indiferente.
- Não, não é. E está fechada...
- Não procede dessa porta... vem de lá... da lareira.
Antes que ela pudesse apontar para indicar a estreita abertura da
enorme lareira gótica, Gabriel tinha levantado sua blusa, baixado seu vestido, e ele mesmo pôs sua jaqueta e estava em pé. Havia, entretanto, esquecido meter dentro a aba da camisa, o que provocou um gesto desesperado de Alethea.
Esqueceu-se também de que a casa do marquês estava infestada de passadiços secretos e rotas de fuga ocultas que tinham sido mais utilizadas para as artimanhas das crianças Boscastle que para casos de emergência.
Eram artimanhas que enfrentava agora, na figura de cabelo escuro de seu primo Lorde Drake Boscastle.
- Aí está Gabriel - disse Drake amavelmente, desempoeirando o ombro ao sair da sombria abertura - E Lady Alethea. Acredito que jamais tive o prazer de conhecê-la.
Ela sorriu cortesmente, embora lhe tremiam as mãos até que as estreitou em seu colo.
- É uma honra, milord.
- Por que não bateu? - perguntou sem rodeios Gabriel.
-Em realidade, fiz isso. Mas ninguém respondeu. Estava jogando triunfo Boscastle? - adivinhou, seu sorriso suave.
Alethea se levantou sem sentir-se agradecida pelo sorriso de satisfação que Gabriel lhe enviou.
- Foi de má educação nos haver retirado.
- Eu não diria que foi de má educação. - disse Drake, com um significativo olhar para a almofada que caíra da cadeira - De fato detesto estes grandes acontecimentos e sempre procuro sossego na primeira oportunidade.
Gabriel limpou a garganta.
- Qual é a razão por penetrar aqui, somos melhores companhia?
Os olhos de Drake brilharam com bom humor.
- Vim, em realidade, porque sua companhia está sendo procurada
por muitas pessoas na festa e não acredito que nenhum de vocês deseje as inevitáveis conclusões que seriam extraídas. Estava ficando sem desculpas para seu repentino desaparecimento.
Alethea levou a mão a seus olhos.
- Oh. Estou envergonhada.
- Tudo está bem. - disse Drake, com um sorriso de consolo - A família está acostumada a estes momentos.
Ela desceu a mão.
- Meu irmão e minha tia estarão me buscando, também. Tenho que ir, Gabriel.
- Não por essa porta. - disse, Drake, pondo a mão sobre seu ombro guiando-a a lareira. - Este caminho termina em um corredor particular que dá a qualquer número de aposentos. Não é nenhuma mentira afirmar que tomou um giro equivocado.
Ela olhou com ironia a Gabriel.
- Certamente.
- Não se preocupe. - disse, sorrindo-lhe. - Está noite tudo será revelado.
Ele se moveu entre ela e Drake, olhando para a cavidade escura.
- Ela não pode ir sozinha através desse túnel. É asqueroso e...
Drake ergueu a mão.
- Está bem. Weed está esperando para escoltá-la.
Gabriel lhe dirigiu um olhar largo e duro.
- Pensou em tudo, não?
Drake sorriu.
- Bom, não é como se eu nunca tivesse jogado triunfo Boscastle.
CAPÍTULO 28
Alethea estudou as tapeçarias medievais italianas na parede do corredor por vários minutos antes de considerar seguro aventurar-se a
sair. Quando por fim se reuniu com a maioria dos convidados no jardim, descobriu que não tinham sentido sua falta.
Sua prima se afastara para saudar velhos amigos. Seu irmão e sua noiva abriam caminho entre os outros bailarinos na grama.
Aparentemente, Gabriel se reintegrou à festa.
Como Alethea estava num humor reflexivo, vagou pelo jardim coberto de vegetação e seus caminhos privados protegidos pelas estátuas clássicas estrategicamente posicionadas.
Esta noite tudo seria revelado.
Gabriel tinha querido dizer que seu compromisso seria anunciado.
Mas tinha chegado o momento de sua própria confissão. Como? Como lhe diria? Tinha esperado muito tempo?
- Alethea? - uma voz suave perguntou desde atrás de uma estátua da fonte das Três Graças. - Está sozinha? Não se vire a menos que esteja sozinha.
Deteve-se no atalho de cascalho e se virou lentamente para ver uma mulher de cabelos castanhos avermelhados cobertos de seda branca sair detrás da fonte: a Sra. Audrey Watson, cortesã, famosa anfitriã e uma das mais admiradas mulheres mundanas de Londres.
Alethea não a tinha visto desde a noite em que Audrey tinha tratado de lhe oferecer compreensão em sua angústia. Foi um encontro tão cheio de dor que tinha pensado nisso o menos possível.
De fato, Alethea sentia vergonha inclusive agora enquanto recordava detalhes de sua conversa. Audrey a tinha levado rapidamente em sua carruagem da festa a um quarto particular em sua casa no Bruton Street. Recordou que Audrey lhe tinha dado um copo de vinho e tempo precioso para acalmar-se depois de uma explosão de emoção irracional.
Alethea tinha falado com a cortesã entre lágrimas e goles de vinho.
Audrey simplesmente tinha sorrido e lhe deu uns minutos para que
se acalmasse.
- É uma jovem encantadora, Alethea. - disse por fim. - Não tenho nenhuma dúvida de que poderia ganhar a vida como uma prostituta.
- Uma...
-Entretanto - acrescentou Audrey - não acredito que seja apropriada para meu estabelecimento. É simplesmente muito trágica.
Nenhum homem quer pagar uma fortuna para pular com uma companheira infeliz.
- Não pensei que importasse.
- Querida, foi arruinada e desiludida. As damas que trabalham para mim não vêem sua ocupação como um castigo. É um privilégio ser uma cortesã profissional.
- Um privilégio? - perguntou fracamente.
- Teria certa liberdade. Se terminar casando-se com esse seu sem-vergonha, vai compartilhar sua cama e será maltratada pelo resto de sua vida.
- Então o que faço? - sussurrou. - O que faço agora?
- Espere.
- Para que?
- Tenho a sensação de que isto se resolverá com o tempo. Como, não sei.
Inclinou a cabeça, envergonhada, duvidosa. Tinha seguido o conselho de Audrey e esperou. Olhando para o passado, deu-se conta do muito que tinha ajudado ter uma mulher de experiência que a escutasse.
- Me perdoe. - disse agora, encontrando-se com o sorriso precavido de Audrey. - Não...
- Conhece-me absolutamente. - disse Audrey com uma sacudida de cabeça em advertência. - Somos só duas damas em uma festa que se reuniram por acidente no jardim.
Alethea soltou o ar.
- Se o marquês considerou adequado convidá-la a sua festa, madam, não fingirei ignorá-la.
- Valentes palavras. - disse Audrey ironicamente. - Sedgecroft, entretanto, é irrepreensível e não tem necessidade de agradar a ninguém exceto a ele mesmo. - Examinou Alethea com um olhar perito. -
Agrada-me vê-la muito menos trágica que na noite em que nos conhecemos. É certo que captou o interesse de Gabriel Boscastle?
A ameaça de passos que se aproximavam desviou a atenção imediata de Alethea. Voltou-se distraidamente, continuando só quando parecia que a pessoa tinha tomado outro dos inumeráveis atalhos do jardim.
- Sir Gabriel e eu somos vizinhos. - respondeu finalmente, suspeitando que esta resposta não enganaria uma mulher com a experiência da Sra. Watson.
Audrey riu.
- É o último homem na terra que enquadraria como um granjeiro.
- O campo tem seus encantos. - disse Alethea, com um sorriso delatador.
- Sendo você um deles. - disse Audrey com um suspiro afável -
Desejo-lhes o melhor. Houve um tempo, não faz muito tempo quando pensei que Gabriel se converteria em um visitante assíduo. Entendo agora o que ou quem provocou o misterioso desaparecimento de nossas diversões.
Alethea olhou ao redor, baixando sua voz.
- Não lhe vai dizer? Nem sequer estou certa que quando falei com você essa noite estava em plena posse de minhas faculdades mentais.
Não tenho ideia do que faria se soubesse a verdade.
- Prometi-lhe que guardaria seu segredo. - disse suavemente Audrey. - Não poderia ter construído minha reputação divulgando
segredos.
- Tinha a esperança de poder confiar em você.
Audrey a olhou com recriminação.
- Há muito poucas pessoas neste mundo nas quais confio. Sinto-me honrada, entretanto, ao contar com a família Boscastle como meus amigos. Não a trairei.
- Obrigada.
Audrey assentiu gentilmente.
- Pode parecer estranho que uma cortesã se gabe de sua discrição, mas os assuntos privados são meu negócio.
- Entendo. - murmurou Alethea, embora a menção da associação passada de Gabriel com a casa da Sra. Watson não tinha escapado a sua atenção. Duvidava que ele tivesse ido ali para pedir conselho ou consolo, bom, não o consolo de natureza emocional que Alethea tinha necessitado nessa triste noite. Ainda com a amabilidade da Sra. Watson, agradaria muitíssimo a Alethea que nem ela nem Gabriel voltassem a fazer uso de sua experiência.
- Não sei como lhe dizer. - admitiu.
- Acha que a verdade alterará seus sentimentos? - disse Audrey.
- Não estou...
- Silencio. - Audrey se voltou bruscamente para estar de frente à fonte. - Alguém vem vindo. Beneficiaria-a me ignorar até que sejamos apresentadas publicamente. A menos que resolva não me reconhecer.
Alethea se endireitou.
- Aprendi, Sra. Watson, que não são as pessoas mais criticadas da sociedade as que merecem censura. Terei a honra de reconhecer uma relação com você se voltar a nos encontrar.
CAPÍTULO 29
Gabriel olhou para o chão pensativo. Tinha ido diretamente com o irmão de Alethea a lhe dizer sua intenção de casar-se com ela, mas o conde estava enfrascado em sua própria paquera. Gabriel tinha decidido esperar mais ou menos meia hora, aceitando a oferta de Drake para caminhar pelo jardim. Naturalmente, tinha a esperança de encontrar-se com Alethea. E a encontrou. Mas não da forma que esperava.
Era consciente que Drake tinha ouvido tanto dessa conversa condenatória entre Alethea e a Sra. Watson como ele. Sem dúvida seu primo tinha chegado à mesma inevitável, sem dúvida, única conclusão que um homem podia chegar.
O intercâmbio, embora breve, que tinha ocorrido entre Alethea e a Sra. Watson o feriu no mais profundo. Indicava uma aliança prévia, um laço clandestino mais que uma amizade casual. Tinha estudado com suficiente mestria as expressões mascaradas através das inumeráveis mesas de jogo em sua vida para captar um sinal.
E se havia uma pequena esperança no coração de Gabriel de ter interpretado mal esta comunicação, desvaneceu-se pelo evidente intento de seu primo de diminuir o golpe.
- Bom, as festas de meu irmão são uma fonte inesgotável de escândalo e diversão.
Gabriel sacudiu sua cabeça. Sob a sensação de intumescimento, a dor se intensificou.
- Não diga uma palavra mais. Não há necessidade que nenhum dos dois entre em detalhes sobre o que é claro.
Começaram a caminhar para a celebração em curso sobre a grama. Nenhum dos dois falou durante um momento.
- Não sei se o que ouvimos implica necessariamente um engano por parte de Alethea. - disse finalmente Drake. - Ao menos não na
profundidade que suspeita.
- Espera me convencer de que conheceu Audrey Watson em um baile de campo?
- Quanto mais penso nisso - continuou Drake - há uma dúzia de explicações possíveis que não indicam culpa de sua parte.
- Sinto a necessidade de golpear alguém, Drake. Eu adoraria muito cometer um homicídio neste momento. Por favor, não me insulte mais me pedindo que negue o que ambos escutamos.
- Sinto muito.
- Se estivesse em meu lugar, acreditaria que é completamente inocente? - perguntou Gabriel com desprezo.
Drake lhe lançou um sorriso cauteloso.
- Provavelmente não. Mas por outro lado não sou conhecido por ter o temperamento mais calmo de minha família.
O que era um eufemismo completamente. Drake tinha sido famoso pelo mau humor, que seu recente matrimônio parecia ter dominado se não vencido. Ele e Gabriel, de fato, antes tinham discutido frequentemente, uma rivalidade que se converteu em uma inesperada camaradagem.
- E com qual Boscastle - refletiu Gabriel em voz alta - sou comparado mais frequentemente?
Drake riu com simpatia.
- Se insistir em brigar, teremos que ir a Jackson. Jane terá nossas cabeças se arruinarmos o dia de Grayson.
Um jovem de cabelo loiro saiu detrás de um arbusto. Seu rosto se iluminou ao reconhecer os primos Boscastle.
- Ali está, Gabriel. Estive procurando você por toda parte.
Gabriel franziu o cenho enquanto outro homem gêmeo apareceu no caminho.
Os irmãos Mortlock, Ernest e Erwin, um par dos sem vergonhas
mais notáveis da sociedade. Ricos, esbeltos, o dueto de aspecto inocente destacados como assíduos participantes nos passatempos mais vergonhosos de Londres. Gabriel estava francamente surpreso de que a estas alturas ninguém os tinha matado.
- O que querem? - pergunto friamente.
- Bom, minha metade feia e eu acabamos de inteirar que uma pomba gorda estará no Piccadilly esta noite. Hazard está em seu jogo, e tem dinheiro para perder.
Drake suspirou com desgosto.
- Algum de vocês foi convidado no dia de hoje?
- Vem, Gabriel? - perguntou Erwin - Ninguém o viu em nenhuma parte em quase um mês.
Drake xingou em voz baixa.
- Parou de jogar. Vão sós aos infernos.
- Perdoe - Gabriel lhe dirigiu um sorriso ofensivo. - Nem sequer comecei a jogar ainda.
Drake o olhou.
- Como se supõe que vou explicar sua ausência a certa dama quando perguntar aonde foi?
- Sabe o que sou. - Gabriel deu de ombros, retrocedendo uns passos. - Duvido que se surpreenda quando descobrir onde escolhi passar o resto do dia.
Olhou através dos arbustos que afastava seu caminho de um que levava a fonte onde Alethea estava parada. Seu peito se oprimiu enquanto a olhava.
Virou-se sem prévio aviso e olhou em direção a Gabriel.
Não podia imaginá-la em um bordel.
Mas por outro lado, até estas últimas semanas passadas, nunca a teria imaginado nua e apaixonada em seus braços, tampouco.
Fechou os olhos. Que ironia a sua, tinha-lhe preocupado
envergonhá-la.
Reconciliou-se com o desagradável fato de que tinha amado alguém antes dele. E agora... bom, qualquer que seja a verdade, tinha que saber. Nunca tinha feito o papel de idiota com uma mulher.
Era provavelmente muito tarde para desfazer o que sentia por ela.
Mas estaria malditamente certo de proceder com os olhos abertos.
CAPÍTULO 30
Alethea estava mordiscando um bolo de limão e queijo, tagarelando com a prima de Gabriel, Chloe, a Viscondessa de Stratfield e sua cunhada Eloise, a esposa de Drake Boscastle, a antiga preceptora, cujo amor tinha metido a seu perverso marido no caminho.
Surpreendeu-lhe com que calidez as esposas Boscastle a abraçavam para compartilhar confidências. Isto fazia que Alethea desejasse a compreensão feminina, além da senhora Watson, quem poderia divulgar seu próprio opressivo segredo.
Mas isso seria uma feia confissão.
Entretanto, esta aparentava ser uma família em que alguém podia confiar os assuntos privados e contar com uma sincera admissão. Tinha a tranquilizadora sensação de que tudo o que se falava com estas mulheres não seria traído.
Era Gabriel quem merecia a verdade, é claro. Mas à medida que as sombras espreitavam pela tarde, ocorreu a Alethea que seu cavalheiro escuro parecia ter desaparecido.
Talvez não quisesse misturar-se no bate-papo feminino. Talvez estivesse falando com seu irmão.
Sua intuição lhe sussurrou o contrário.
E quando pouco depois o Senhor Drake se aproximou do círculo das damas, agora animado pela presença de Jane, a marquesa de Sedgecroft e a própria prima de Alethea, a senhora Pontsby, reconheceu a fria intuição. Gelou-lhe os ossos.
Os olhos de Drake revelavam importunas, mas não inesperadas, notícias.
- Alethea - começou, dando a sua esposa, Eloise, um sorriso íntimo antes que se inclinasse para beijar a mão de Alethea - Me pediu para lhe entregar uma mensagem.
Por uns instantes não ouviu o aumento inquietante do sangue em suas têmporas. Havia um toque de vergonha nos olhos de Drake, que não podia interpretar mal.
Ela sabia.
Gabriel a tinha abandonado e seu próprio primo, um libertino reformado, tinha sido enviado para pôr desculpas. Quantas vezes tinha feito isto? A quantas mulheres despeitadas?
- Onde foi? - perguntou em voz baixa.
- Reuniu-se com alguns amigos que lhe recordaram uma obrigação prévia.
Sentiu como uma desagradável onda de calor inundava seu rosto.
Apostas, pensou. Ou outra mulher. Talvez ambas as coisas. De repente, recordou por que tinha preferido sempre a vida tranquila à farsa da sociedade londrina. Pelo menos seus cavalos e os vizinhos do campo não a abandonavam a primeira tentação.
- Compreendo. - disse depois de um longo lapso de incômodo silêncio.
- Bom, pois eu não. - disse a senhora Pontsby, estudando Alethea com preocupação. - Entendi que queria falar com nossas mútuas famílias em privado, esta noite. Isto deve ser uma obrigação urgente, já que não houve nem sequer uma apropriada despedida.
- Talvez tenha planejado retornar antes que termine a festa? -
perguntou Jane, com seu olhar posto no rosto de Drake.
Ele tossiu.
- Não poderia dizê-lo. Não pensei em averiguar. O aviso desta prioridade lhe sobreveio de surpresa.
Jane olhou Alethea com um sorriso reconfortante. Era a filha de um conde, uma mulher que poderia ter sido célebre se não se casasse com o descarado marquês.
- Fez isso? Bom, vamos passar bem sem ele. Londres foi privado
da companhia de Alethea muito tempo para perder um só minuto pela ausência de Gabriel. Recorda Alethea, o baile ao que você e eu assistimos onde certa condessa vestida de homem desafiou seu marido a um duelo, porque não a reconheceu?
Alethea forçou um sorriso.
- Não poderia esquecê-lo.
Parecia difícil acreditar que não fazia tantos anos, Alethea tinha gozado de certa popularidade na cidade. É certo que não tinha visitado Londres tão frequentemente como uma jovem moderna deveria fazer com sua decente presença. Mas então, não tinha necessidade de caçar um marido ou desfilar acima e abaixo por Rotten Row com sua acompanhante a determinada hora.
Comprometeu-se com o perfeito cavalheiro. Tinha cavalgado através das colinas do campo até sua casa em seu tempo livre e havia sentido verdadeira comodidade com a convivência com seus vizinhos.
Sua vida tinha sido planejada por seus pais.
Era de uma vez tão desconcertante como interessante lançar-se de novo na cena social de Londres, desarmada e fora de prática como ela estava. Esperava receber comentários sobre a perda não só de seu noivo, mas também de um lugar estável na sociedade. Seus simpatizantes teriam ofegado surpreendidos ao saber quão fortalecida estava ante essas genuínas e superficiais expressões de simpatia.
Não esperava, entretanto, ser sumariamente abandonada pelo homem que tinha conseguido situá-la nesta vulnerável posição. Nem tampouco a atenção dos diversos membros de sua família que a animavam, mas ressaltavam o fato de que Gabriel partira ao inferno sem dizer uma só palavra. Eles sabiam. O que podiam dizer?
- Tenho plena confiança em que Sir Gabriel retornará antes de ir -
murmurou a senhora Pontsby, compartilhando um sorriso forçado com a vivaz prima de cabelo negro, Chloe, que era menos hábil para ocultar
seu aborrecimento que Jane.
Chloe levantou seu copo meio vazio de limonada para o lacaio.
- Não me importa se não o faz. Penso que acharemos outro sem escrúpulos para ocupar seu lugar. Venha comigo, Alethea. Não nos sentaremos aqui a criar raízes como plantas, enquanto haja diversão que ter. Vai contra meus princípios.
A senhora Pontsby suscitou.
- Nos ensine o caminho, senhora Stratfield.
Alethea riu a contra gosto. Seu coração estava fisicamente ferido.
Por que tinha feito isto? Fazia uma hora ele tinha sido tão pícaro, mas então, tinha ganhado o que procurava. Talvez fosse isso tudo o que tinha querido desde o começo.
- Sir Gabriel não me deve sua presença. Não somos mais que velhos amigos e vizinhos recentes.
- Então façamos novos amigos. - disse Chloe com uma contagiosa malícia - Foi maravilhosamente coquete uma vez, Alethea. Invejava com que facilidade revoava dentro e fora da sociedade sem dar um passo falso.
- Sim, mas...
- Mas agora sou uma mulher casada que está possivelmente esperando um filho. Vou viver através de meus amigos. Não é que esteja me queixando a respeito de Dominic.
O resto das mulheres presentes ofegou. Chloe tinha abortado seu primeiro filho e tinha confrontado a profunda perda. Sempre radiante, tinha um brilho excepcional e muita energia a seu redor.
- Sei - disse Jane com um sorriso de júbilo - disse isso a Grayson esta manhã.
- Seu marido sabe? - perguntou Alethea, sorrindo apesar de sua própria decepção. Se Gabriel tinha desaparecido, tinha decidido que não era um homem feito para o matrimônio, não haveria um anúncio de
compromisso matrimonial ou alegres batismos para seus filhos. E se Alethea tivesse um filho, educá-lo-ia sozinha.
Chloe sorriu.
- Está no paraíso ante a ideia do bebê.
- Estou muito contente por você. - disse Alethea, tratando de não sentir tristeza.
- Portanto, acompanhar-me-á? - disse Chloe, tomando-a pela mão.
- Contei-lhe meu segredo. Agora me conte um dos seus, e recorda que é de má sorte negá-lo a uma dama em meu estado.
Ao final, como tinha aprendido para seu próprio prejuízo, não havia nada que realmente pudesse negar a um Boscastle, absolutamente. E
apesar de que Chloe só quisesse compensá-la pelo abandono de Gabriel, Alethea havia sentido o aguilhão no mais profundo de seu ser.
Tinha lhe advertido que não era bom absolutamente.
Era sua culpa se ela tinha decidido não lhe acreditar.
CAPÍTULO 31
Estava de volta em sua familiar zona de recreação, imerso no sob mundo dos prazeres, e, entretanto se sentia um estranho. Como podia ser? Sempre lhe tinham atraído os antros escuros, o perigo da vida secreta de Londres, a incerteza. Se pôde sobreviver a estas ruas, poderia sobreviver a qualquer coisa. Bebia pouco e costumava fazê-lo com seus companheiros quando visitavam alguns velhos refúgios. Uma vez tinha encontrado o encorajado mundo noturno da cidade, o fio que necessitava para seguir com vida.
Nada disso o tentava esta noite. Nem os encontros realizados no Vauxhall, nos camarotes, as conspirações urdidas nos becos de West End. Quando tinha mudado? Em Waterloo? A noite que tinha cruzado a maldita ponte e tinha caído em algo mais profundo que no fundo do rio?
Queria voltar atrás e desfazer tudo. Talvez toda sua vida. Não tinha nada que mostrar em troca, exceto uma modesta pensão militar e uma casa de campo tão lamentável como se sentia.
E a mulher que tinha amado durante o tempo que podia recordar?
E ainda o fazia. Maldita sua obsessão por ela. Desejava não havê-
la ouvido, desejava que suas suaves palavras não lhe tivessem parecido uma faca no coração. E se ela tinha tido uma boa razão para associar-se com Audrey Watson?
Passou diante de dois boxeadores que tomavam conta da porta do inferno da classe alta. O altamente exclusivo estabelecimento atendia aos nobres que preferiam jogar em uma atmosfera mais perigosa que os usuais clubes de cavalheiros.
Aproximou-se da mesa de azar e deu as boas-vindas à rajada de antecipação que correu por suas veias. Um jogo de dados com um bom usufruto. Sua presa, um jovem cavalheiro que tinha girado a capa forrada de seda do reverso procurando a sorte, estava ruborizado com
porte e falsa fanfarronice.
Gabriel sorriu com amargura sobre seu ombro aos irmãos Mortlock.
- Não posso depenar este tolo. É um menino. Sua mãe vai esfolar-me. Não posso acreditar que tenha deixado a festa de aniversário de meu primo por isso.
Para não falar da mulher cuja enganosa doçura invadia sua mente em cada momento. Maldição. Tinha vivido sem ela a maior parte de sua vida. Quão difícil seria pretender que não a necessitava agora?
- Olhe, se jogar, terá algo que lhe dar. - disse Erwin Mortlock por detrás.
Gabriel levantou a vista com irritação.
- De quem está falando?
- De seu primo, o marquês. Pode comprar um bonito presente de aniversário agora que vai ganhar aqui. Todos voltaremos para a festa mais tarde.
- Pode comprar um presente também. - acrescentou seu irmão com um sorriso.
Um garçom que levava um avental negro se aproximou dos três homens e se inclinou.
- Sir Gabriel, me pediram que o convidasse ao andar térreo para um jogo privado.
Gabriel estirou os punhos.
- Quem?
- O Barão Gosfield, senhor.
Gabriel hesitou. A sala do andar térreo do inferno estava reservada para as apostas mais intensas e arriscadas. Conhecia Gosfield só casualmente e não gostava dele.
- Qual é seu pedido? - perguntou.
- Homem55 Típico, jogo de cartas similar ao whist, senhor.
- Vamos, Boscastle – Erwin insistiu – É seu jogo.
Afortunado no jogo, desafortunado no amor. Nunca tinha pensado demonstrar ou refutar o ditado popular. O conceito de amor tinha significado pouco. Sempre se tinha aventurado a perder nas aventuras amorosas. A intimidade emocional tinha sido uma porta em que se negara a bater.
Desceu a escada de caracol para as escuras profundidades do privado inferno. Pela primeira vez desde que se aproximara de uma mesa verde e avaliado seu oponente, teve um momento de incerteza.
Passou. Outra oportunidade de provar a si mesmo.
Afortunado no jogo, desafortunado no amor.
Sentou-se em uma cadeira afastada dele, sua postura relaxada.
Gosfield levantou a vista e o avaliou. O sangue de Gabriel se acelerou.
Reconheceu a rivalidade mascarada atrás desses agradáveis traços.
- É seu jogo – disse Erwin outra vez, sentindo a tensão entre os dois jogadores. – Você sempre ganha.
Tinha pensado o mesmo até que tinha apostado em outro jogo.
Nunca tinha apostado nas batalhas entre cães e galos de briga, acreditando que o risco da vida de um animal indefeso era uma aposta covarde. No concernente a sua própria mortalidade e bem-estar, sempre tinha sido um pouco mais descuidado.
Esta noite não lhe importava nada.
******
Alethea estava fazendo suas malas para ir para casa só três horas mais tarde na sala de cima da casa de seu irmão. Ele e a senhora Pontsby tinham permanecido na festa de Grayson e não esperavam partir até a madrugada.
Alegando uma dor de cabeça, uma desculpa que não era mais que uma invenção, tinha retornado à direção de Cavendish Square para não ter que fingir que estava desfrutando.
Não via razão para arruinar o prazer de sua família em Londres por
culpa de seu próprio dilema.
A família Boscastle fizera todo o possível para desculpar o comportamento de Gabriel até que não pôde suportar sua amabilidade outro momento mais. Tampouco é que respirasse pela promessa de seu amável anfitrião Grayson, o marquês de Sedgecroft, de chamar a atenção de Gabriel quando pusesse suas mãos sobre ele.
Alethea se faria encarregada de Gabriel, ela mesma, se o canalha tivesse a coragem de enfrentá-la cara a cara alguma vez. Era decente com uma pistola. Possivelmente se atirasse no braço ou na perna nunca retornaria ao campo.
Não parecia provável, entretanto, que ela tivesse esta gratificante oportunidade. Se Gabriel fora capaz de escapar tanto da celebração de sua própria família como de sua promessa a ela, duvidava que voltasse a vê-lo.
Uma vez antes em Londres ela tinha sido decepcionada, profundamente ferida. Mas não assim. Gabriel a tinha feito rir, tinha-a feito acreditar novamente no amor. Estava muito intumescida para poder chorar. Não o entendia. Tinha sido todo um jogo? Não podia acreditar.
Pelo menos agora já não teria que revelar seu segredo a ninguém.
Estava agradecida de ter sabido quem era Gabriel antes de lhe confessar o que Jeremy lhe tinha feito.
CAPÍTULO 32
Sua imaginação o conduzia a lugares possivelmente piores que a verdade não revelada. Pelo que sabia, Alethea tinha solicitado uma posição como criada no harém da senhora Watson.
Mas nas cenas que sua mente fabricava enquanto se lançava dentro de sua carruagem e percorria a distância curta à casa de Grayson, e daí ao Plaza Cavendish, via Alethea submetendo-se a todo tipo de degradação e depravação. Quando chegou a seu destino, quase estava jogando fumaça pelo nariz e deixando um rastro de mau humor e confiança chamuscada a sua passagem. E quando deu instruções a seu cocheiro com rosto de pedra para que ficasse, prometendo que não se atrasaria muito tempo, o tipo fez ranger o chicote no ar e moveu a carruagem à beira do caminho.
Depois de se recuperar do golpe inicial ao descobrir que Alethea e Audrey Watson realmente se conheciam, tinha tratado de raciocinar com sua raiva. Quão importante era que Alethea tivesse dormido com outros homens? Que tivesse usado seus encantos para sobreviver?
Supôs que esse tinha sido seu motivo. Podia jogar a culpa a Audrey? Infelizmente, não. De fato teria que ser um maldito hipócrita se desprezasse
uma
mulher
como
Audrey,
que
tinha
ajudado
amigavelmente sua família em mais ocasiões do que poderia contar.
Mas não significava que lhe agradasse que se fizesse amiga de Alethea.
E embora a maioria dos cavalheiros preferisse uma donzela virgem para conseguir a aprovação da família para o matrimônio, Gabriel não tinha pais vivos aos quais impressionar. Em todo caso, seus irmãos, que nunca se incomodaram em manter-se em contato com ele, e que até pudessem estar mortos, não se podiam queixar da mulher que escolhia para esposa, se nem sequer tinha a menor ideia de como lhes informar que ia se casar.
Sentiu a sacudida que lhe tinha infligido até a medula de seus ossos enquanto subia os degraus da residência em Londres do irmão de Alethea. Os criados não se incomodaram em fechar a porta com chave,
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pelo que passou como bólido com a capa ondeando detrás.
Apostou que depois desta noite, a proprietária da casa ia estar mais bem protegida contra os demônios que assediavam de noite.
Fecharia bem todos os ferrolhos a partir desta noite.
Tomou por assalto as escadas, seus passos zangados o levaram pela galeria iluminada pela lua ao salão, sem que nenhuma alma abrisse uma porta, ou uma pálpebra, perguntando o que acontecia.
Não tinha nem ideia do que esperava achar, a sua amada entretendo a sete amantes em sete posições repugnantes? Estava preparado para tudo. Duvidava que fosse sentir-se mais ferido.
******
27
A causa da miséria da Alethea estava estralando pela casa como um foragido. Ela apertou os dentes e se foi à parte alta da escada. Os poucos criados a cargo da moradia em Londres de Robin tinham saído de seus quartos e olhavam para cima, desconcertados. Imaginou que estavam aterrados de que ela tivesse levado seus rudes amigos do campo.
Um dos lacaios ergueu sua voz desgostada.
- Milady, quer que vá procurar a um oficial da polícia?
Ela se apressou a descer, com os ombros preparados para uma confrontação.
- Não, eu vou arrumar isto.
- Mas...
- Vão-se, por favor.
Os seis, dois lacaios, um mordomo, a jovem governanta escocesa, e um par de criadas retrocederam em um silêncio comum que parecia
gritar que Alethea não sobreviveria a um encontro com quem quer que fosse que tinha irrompido na casa como uma besta desatada.
Mas estranhamente, a irrupção grosseira de Gabriel, tinha acalmado-a. Estava furiosa com ele. E se verdadeiramente se tornara louco, explicaria por que tinha fugido dela. Mas não o perdoaria.
Entretanto, pode ser que fizesse um esforço e o visitasse uma vez ao mês no manicômio. Talvez terminasse na cela ao lado da dele.
Deu um olhar rápido ao redor para assegurar-se que os criados tinham desaparecido e se foi pelo corredor confrontá-lo.
- Entre no salão imediatamente, Gabriel, antes que o vigilante ou meu irmão cheguem.
Sua fanfarronice fraquejou quando seus olhares se encontraram.
Olhava-a fixamente com um desafio desconcertante. Sua jaqueta negra, sobretudo e camisa de cambraia, seu colete, estavam enrugados e cheiravam a brandy e fumaça.
- O que tem a me dizer? - exigiu-lhe, zangada pela forma em que a tinha tratado hoje, e inclusive mais, porque ainda podia fazê-la doer de desejo depois de tudo.
Era impensável. Como podia lhe importar um homem que tinha decepcionado tanto a sua família como a dela? Depois de tudo o que tinha sofrido nas mãos de outro homem?
Era ela que estava se tornando louca? Era o amor um veneno que fazia impossível raciocinar?
Passou ante ela direto ao salão, sem responder. Seu passo era lânguido, insolente talvez, com a graça de um oficial de cavalaria.
Quando finalmente se voltou, deu um grito abafado de consternação.
Tinha um olho arroxeado.
- O que lhe aconteceu? - sussurrou - O que esteve fazendo?
- Meti-me em uma briga para separar os irmãos Mortlock - disse bruscamente. - Deveria tê-los deixado que se matassem, ou me
matassem.
Levantou a cabeça com o estrépito das rodas de uma carruagem que vinha pela rua.
- Deus querido, isso soa a Robin.
Pôs-lhe as mãos nos ombros e a forçou a voltar-se para ele.
- Não me importa se Alí Babá e os quarenta ladrões chegam com o arcebispo do Canterbury.
- Importa-lhe algo, acaso? - demandou com os olhos fixos nos dele.
- Pensaria que era claro.
- Sua má educação foi a única coisa clara hoje.
- Soube-o por anos. - respondeu com um sorriso implacável - E, entretanto dormiu comigo e consentiu ser minha esposa.
Ela se encolheu.
- Importou-me durante anos, mas neste momento, não me pergunte por que.
- Sim. Não a mereço. Mas de todas as maneiras a desejo.
Desejava-a. Desejava-o. Havia pouco consolo em dar-se conta destas verdades. Nem em admitir ela mesma que só sua presença a confortava e ameaçava ao mesmo tempo.
Entregou-se a Gabriel por sua própria livre escolha. O único homem em sua vida que lhe tinha roubado o amor.
Ao menos Gabriel era o diabo que tinha escolhido, e se a tinha arrastado a seu mundo decadente, tinha-o feito com gosto, e só podia culpar a si mesma da queda.
Mas não significava que seguiria caindo mais até.
O que seja que Gabriel fosse, vagabundo ou herói, suas vidas se enredaram, inclusive antes que tivesse consciência de aonde podia levar este enredo.
O que importava se seu passado tinha sido problemático?
Também o seu o tinha sido, embora tivesse conseguido manter a parte
mais humilhante para si mesma. Sempre se tinha perguntado quão diferente seria a vida para ela e Gabriel se seu pai, Joseph Boscastle, tivesse vivido. Poderia ter sido a noiva de Gabriel desde o começo.
Era muito tarde para corrigir a história? Gabriel poderia ter estado destinado a lhe romper o coração, pelo que ela sabia. E agora que eles, finalmente, tinham tido a oportunidade de estar junto, o que tinham feito para provar a alguém que pertenciam um ao outro?
- Vou lhe dizer um segredo, Gabriel. - disse resistente a tolerar seu mau humor por outro segundo mais. - Gostaria de não ter vindo jamais a Londres.
Tirou a jaqueta e a lançou a uma poltrona.
- Bom, eu desejaria nunca haver ido daqui.
- Não tem que ficar no campo. - lhe disse, indignada - Pode vender a casa. Não tem futuro como granjeiro. Todos os que viveram em Helbourne Hall, foram-se. Por que teria que aspirar a ser melhor? Não se incomode em responder. Esgotou o caminho da auto compaixão e castigo quando seu pai morreu.
- É verdade? Não me responda. Estou de acordo. Helbourne Hall está enfeitiçado e tem uma reputação perturbadora.
Recusou mover-se enquanto avançava para ela.
- O mesmo se poderia dizer do dono atual.
Avançou até que ficaram frente a frente.
- Se estou enfeitiçado, é por você.
O coração lhe bateu como asas. Nunca antes tinha visto a dor nua no rosto de um homem. Seus instintos femininos desejavam tirá-lo de seu humor atormentado, apesar do que tinha feito hoje.
- Deve estar possuído por um demônio. - lhe disse angustiada -
Nunca o tinha visto com este ânimo.
- Nunca estive com este ânimo, Alethea.
- Então, importar-se-ia em me dizer o que o pôs de tão mau
humor? Estava bem quando o deixei com seu primo. Estava... brincando.
Sorriu friamente.
- Continue.
-Continue com o que? - perguntou com impaciência. - Separamo-nos com o acordo de que anunciaríamos nosso compromisso. E tomei limonada com sua família.
Indagou-a com os olhos.
- E entre nosso último encontro e a limonada?
Ela sacudiu a cabeça confusa.
- Caminhei pelo jardim, Gabriel.
- O jardim das delícias terrestres?
- O jardim do marquês, seu primo. - disse como se fosse tolo.
Olhou-a de outro lado.
- Caminhou sozinha?
- Havia outras pessoas no jardim. - ela hesitou. - Outros convidados.
- Caminhou com Audrey Watson. - lhe disse, olhando-a acusadoramente.
Ficou olhando-o com o coração na garganta.
- Sim.
- E sua defesa? - perguntou-lhe muito baixo.
- Necessito de uma?
Fechou os olhos.
- Estou apaixonado por uma aspirante a cortesã? Se for assim, por favor, me diga isso agora.
Alethea não lhe respondeu a princípio. Estava muito impressionada para achar as palavras. Tinha falado com Audrey? Poderia ter obrigado à mulher ou encantado, para que rompesse a confidência de Alethea?
Quem lhe havia dito que tinha falado com Audrey?
- É isso o que lhe disse a senhora Watson? - perguntou, temendo
sua resposta.
- A senhora Watson não me disse uma maldita coisa. De fato, não falei com ela, depois de vê-las juntas. Entretanto escutei a conversa com meus próprios ouvidos. Com eles por testemunha.
Sentiu que lhe gelava o sangue.
- Escutou às escondidas, Gabriel. - lhe disse em voz baixa - Te escondeu nos arbustos quando podia ter anunciado sua presença e ter satisfeito sua curiosidade.
Ele riu amargamente.
- Talvez não estivesse preparado para saber que a mulher pela qual estou apaixonado é uma...
-...cortesã. - disse com a voz calma - Já o disse antes, e o pode repetir outra vez.
- Não a acuso. - disse rapidamente - Só perguntei... bom, maldição, Alethea. Que conclusão deveria tirar de sua conversa com ela? Acredito que mereço a verdade.
- Quanto bebeu Gabriel?
- Não o suficiente para me afastar de você.
- Acredito que deveria ir desta casa agora. - disse fracamente.
- E não vê-la jamais? - perguntou-lhe desconcertado - Não mereço pelo menos uma explicação?
Ela negou com a cabeça. Que enredo.
- Sim, mas não enquanto esteja tão aborrecido e tenha assustado aos criados de meu irmão.
- Perdi as estribeiras. Não foi honesta comigo, não é verdade?
- Honestamente deseja saber como me sinto neste momento, Gabriel?
- Sim. Honestamente seria uma mudança agradável neste ponto.
Ela entrecerrou os olhos.
- Quero que vá. - disse com a voz quebrada - Não obscureça
minha.. minha vida outra vez.
Ele soprou.
- Diz isso como se você tivesse feito melhor.
Mostrou-se insultada.
- Não foi assim?
- Não. - A boca lhe curvou em um sorriso duro - Me fez miserável.
Ficou sem fôlego, recusando-se a chorar.
- Se fosse um homem o levaria fora e o mataria.
- Muito tarde - lhe disse zombando - morri no momento em que a vi.
Ela ofegou.
- Desprezo o ar que respira.
- Amaldiçoou o dia em que foi concebida.
Ela o afastou com um empurrão.
- Ao menos minha origem é conhecida.
- Pensando nisso, não se parece em nada a seu irmão.
- Bom, e sabe você o que parece? - perguntou ela com um sorriso amargo.
Ele baixou seu rosto ao dela.
- Diga-o.
- Um condenado canalha. Isso. Agora vá embora.
Ele soprou.
- Não posso escapar o suficientemente rápido.
- Ainda está aqui?
- Maldição, Alethea, não devemos brigar.
- Entretanto não fez outra coisa.
Olhou-a devastado. Ela sentia que a raiva lhe desmoronava, queria que a tomasse em seus braços.
- Posso voltar amanhã de manhã? - perguntou mais tranquilo.
- Será um caos. Não estarei sozinha.
- Então vou segui-la ao campo. - ficou olhando-a fixamente - Me enganou com outro?
Ela pôs-se a rir, seus olhos cheios de lágrimas.
- O que acha?
- Ama-me?
Ela fechou os olhos. Seus braços a envolveram. Sua boca se esmagou na dela. Seu beijo acendeu umas pequenas chamas muito profundas em seu interior. Mesmo assim, sentia frio, medo, vergonha por não lhe haver dito a verdade, vergonha da verdade.
- Venha comigo agora. - lhe sussurrou ao ouvido - Fica esta noite em minha casa, e falaremos. Prove-me seu amor.
- Já te provei meus sentimentos. - lhe disse suavemente - Agora te toca esperar até que saiba tudo antes de decidir se ainda me quer.
Sua respiração lhe esquentou o espaço da garganta.
- Vou querê-la sempre.
- Como sua esposa? - perguntou-lhe, negando-se a reagir enquanto a beijava debaixo do queixo.
- Há alguma razão para que não possa se casar comigo? -mordeu-a o ombro em um gentil castigo. - Tem outro marido? -Tomou a mão e a levou ao sofá. - Tem uma vocação secreta?
Ela se voltou, mas ele ainda assegurava sua mão, arrastando-a para baixo a seu lado.
- Tem um golpe na face - disse ela com desespero - E há... esteve em algo perigoso esta noite?
- Talvez.
- Que mal educado.
- Sabia o que era desde o começo. - Passou seus dedos calosos baixando do ombro à corrida de botões da manga - Não era isso o que você gostava em mim, Alethea? A verdadeira pergunta, eu acredito, é: O
que é você? No que te converteste?
- Pode ser antipático, na verdade.
- Também sabia isso.
- Não. Sabia que me importava. Sujo, sombrio, jogado no caminho da autodestruição. Teria parado diretamente nesse caminho para salvá-
lo. Mas nunca imaginei que a batalha seria com você.
- Vai renunciar a mim?
Ela virou a cabeça.
- Há uma carruagem lá fora. Provavelmente é meu irmão e minha prima. Íamos comunicar-lhes esta noite que íamos casar.
- Então faz amor comigo antes que entrem. - Acariciou-a baixando desde sua nuca, suas costas, o começo do traseiro, com os dedos enluvados.
- Por favor, vá para casa agora Gabriel.
Ele escondeu o rosto em seu cabelo.
- Não, não vou. De fato, poderia acampar neste salão até o próximo inverno. Quer-me ainda?
Uma sombra de pena obscureceu os olhos dela. Não queria que outro homem a reclamasse dizendo que a queria quando a única coisa que tinha no coração era raiva.
Sua boca a queimava como ferro na garganta.
- Só quero a você, e quero a verdade. Seja honesta comigo.
- E se depois me odiar? - perguntou angustiada.
Apertou-lhe o peito com um pressentimento. Que verdade poderia estar escondendo? Ofereceu-se como cortesã? Se assim fosse, teria que aceitar essa surpresa desagradável.
Sabia que tinha amado a um homem. Mas outros homens? O que tinha feito esse ano em que todos assumiram que estava de luto? Não sabia se podia tolerar a dor. Podia ser hipócrita, mas em seus sonhos a tinha feito sua há uma década. Quem a tinha arrebatado?
- Me perdoe por insistir na honestidade. - disse com ironia - Nem
sempre recordo ser um cavalheiro.
Os olhos dela resplandeceram.
- Escasseiam por estes dias.
- Não sou tão decente como seu querido finado Hazlett? -continuou incapaz de controlar-se - Foi ele quem liberou o desejo que compartilhamos? - Ela ficou imóvel, e ele soube que a tinha ferido. - Não quis dizer isso.
Desviou o rosto.
- Não?
- Maldição, Alethea, não posso te deixar ir, não importa o que é.
Por favor, veem para casa esta noite.
- Não importa o que sou? - perguntou suavemente.
- Algo que seja, não renunciarei a você.
Sacudiu a cabeça, ferida.
- Não farei amor com você enquanto esteja com este mau humor.
Os cascos dos cavalos soaram na rua. A porta de uma carruagem se abriu e se fechou de uma portada. O olhar cínico de Gabriel lhe examinava o rosto.
- Ama-me, Alethea?
- Sim. Mas não me pergunte por que.
- Há alguém mais?
Ficou olhando-o fixo, à beira das lágrimas.
- Não, homem estúpido.
- Então, dir-me-á tudo?
- Sim. Não é o que está pensando. Audrey só me aconselhou.
- Conselho? Sobre o que?
- Não posso... não posso dizê-lo.
- Por Deus, Alethea. O que é?
Ela sacudiu a cabeça.
A porta detrás dele se abriu.
- Amo-a - disse ele, sua voz baixa. E agora tinha que enfrentar a verdade de que não importava de que se tratasse sua explicação, seus sentimentos por ela não mudariam.
CAPÍTULO 33
Escapou de Lorde Wrexham um palavrão quando voltou da festa e divisou a carruagem de Gabriel em frente a sua casa.
- Não tem nada de decência, este homem? - gritou a Lady Pontsby, que tinha uma opinião completamente diferente da conduta de Gabriel.
- Não se meta na casa sem ser anunciado. - lhe advertiu enquanto desciam do veículo e subiam juntos os degraus.
- O que quer dizer? - perguntou irritado. - É minha casa e pelo que posso ver esse libertino e Alethea, estão sós. Tenho o direito a interromper qualquer...
Robin se calou abruptamente enquanto o lacaio lhe abria a porta para que entrassem.
- O que está fazendo Sir Gabriel aqui, Bastwick? E onde diabos está minha irmã?
O lacaio meneou a cabeça, confuso.
- Pediram-nos que não interferíssemos, milord.
- Interferir no que? - inquiriu Lady Pontsby, plantando-se deliberadamente no meio do corredor para evitar que Robin avançasse.
- Sabe perfeitamente bem que, - replicou ele - essa é uma pergunta que dificilmente se faz a um lacaio.
- Não sei. Tampouco você. Assim se controle.
- Deixa de tratar de me estorvar.
Ela levantou sua voz.
- Estorvar no que, Robin? Sir Gabriel é um cavalheiro de verdade.
Não posso imaginar que esteja fazendo alguma trapaça nesse quarto.
Franziu o cenho completamente aborrecido e subiu as escadas até a porta do salão. Sabia muito bem que tinha tratado de alertar Boscastle e a sua irmã. Para falar a verdade, se Gabriel e Alethea estavam se comportando inapropriadamente, não tinha nenhuma vontade de entrar e pilhá-los despreparados em um encontro amoroso.
Mas era tempo de parar uma situação que parecia não ter limites decentes.
- Pelo menos bata na porta. - apressou-o Lady Pontsby atrás dele.
- Não sou um intruso em minha própria casa.
Entretanto, bateu. Mas para demonstrar sua firmeza, não esperou por um convite para entrar. Para seu grande alívio, Gabriel estava em pé na janela, e Alethea estava rígida como uma baioneta, sentada em uma poltrona.
- Perdão. - disse sem convicção - Não sabia que estava acompanhada, Alethea. Espero que seu convidado...
Gabriel se voltou.
Os olhos de Lady Pontsby se dilataram.
- Seu convidado.... - Robin se engasgou, olhando o olho arroxeado de Gabriel - Alethea te fez isso?
Alethea saltou da poltrona.
- Que hipótese mais ridícula.
Lady Pontsby se colocou ao lado de Gabriel.
- Não importa querida. Seu irmão não quis ofendê-la. É que....
como fez esse desagradável machucado, Sir Gabriel, se não lhe importa nos contar?
Gabriel suspirou.
- Tive a má sorte de interromper uma briga, só para que meu rosto seja utilizado como um amortecedor entre as partes oponentes.
Lorde Wrexham observou preocupado sua irmã.
- E esta briga... que diz ter parado... foi a razão de que
abandonasse tão grosseiramente Alethea, na festa?
- Não, exatamente.
- Então não entendo o que se passou hoje. - disse Lorde Wrexham.
Gabriel lançou um olhar mordaz a Alethea.
- Eu tampouco.
- Então talvez você devesse ir, senhor, assim minha irmã poderia nos dar sua versão da situação.
Gabriel hesitou, estudando Alethea até que ela finalmente o olhou.
- Talvez devesse. - disse ele ao fim - Lhe farei uma visita tão logo volte para o campo.
Lorde Wrexham pareceu confuso com essa declaração.
- Tem mais assuntos pendentes comigo, senhor? - perguntou ele bruscamente, fazendo que sua irmã e Lady Pontsby, franzissem o cenho.
Gabriel suspirou, tomando seu chapéu e jaqueta da cadeira, e se foi solenemente para a porta.
- Com sua permissão, sua irmã e eu nos casaremos assim que seja conveniente. Acredito que deseja umas bodas no campo. Os Boscastles, por sua parte, insistirão no contrário. Dá-me no mesmo onde nos casemos, mas suponho que o marquês preferiria um casamento particular em sua casa.
Lady Pontsby deu um abafado grito de deleite. Alethea podia ter reagido de qualquer maneira, Robin estava muito surpreso para prestar atenção, apesar de seu papel de estrela nesta obra sem precedentes.
Tinha pensado em estrangular Gabriel por supostas ofensas não confirmadas. Mas agora que o Boscastle ia se converter em seu cunhado, tinha que engolir as críticas e fazer boa cara.
- Mas quando aconteceu isto? - perguntou a Gabriel enquanto partia.
- Faz sete anos, quatro meses e treze dias, para ser mais preciso. -
Gabriel parou na porta para sorrir sombriamente a Alethea - Hora mais, hora menos.
CAPÍTULO 34
Ele perguntou-se se essa aliança com Audrey Watson sequer importava.
Poderia amá-la para sempre se tinha sido uma cortesã em segredo? Não podia ter sido uma longa e bem-sucedida carreira. E não era como se ele não tivesse tido relações com prostitutas e procurado um convite aberto de Audrey. Mas era homem, e aí estava a diferença.
Mas então ele se degenerou sem compensação. Uma cortesã, ao menos, punha um valor a seus favores.
Só o pensamento dela debaixo de outro homem, por amor ou por dinheiro, punha-o doente.
Como tinha descido a este humilhante estado de miséria tão pouco varonil? Não o podia explicar. O que sabia, entretanto, era que nunca se havia sentido tão confrontado em sua vida. Não podia imaginar nada que o fizesse sentir-se pior... até que subiu a sua carruagem e achou seus três primos Boscastles, Heath, Devon e Drake, esperando-o. Um trio de diabos de cabelos negros e olhos azuis.
Franziu o cenho e se sentou frente a Devon.
- Não estou com ânimo de discutir meu...
- Alethea lhe fez isso no rosto? - disse Devon com um gesto de simpatia - Se for assim, diria que o ama muito.
Gabriel olhou para seus primos, aborrecido. Era desconcertante o muito que se parecia com eles, tanto no físico assim como na maneira de ser... prova, temia, do dominante sangue Boscastle.
- É que não têm esposas esperando-os em casa com os robes de lã prontas e travessas?
Drake riu.
- Não sei por que tenho a sensação de que logo formará parte desse estimado clube.
Antes do que ninguém pensava. Ao menos Gabriel supunha, esperava, que assim fosse, a menos que Alethea estivesse neste momento informando a Robin que tinha mudado de opinião. Conteve-se e não olhou para trás, à casa, enquanto a carruagem partia. Já era muito que os Boscastles se dessem conta da atração desesperada que sentia por Alethea, para que ainda lhes deixasse entrever quão apaixonado estava.
- Ocorreu alguma vez a vocês três que meus assuntos privados não lhes pertence?
Devon ululou zombando.
- Nasceu na família equivocada. Entre nós não há privacidade.
Cada pecado e escândalo é submetido à opinião pública para seu escrutínio e discussão.
- Meu Deus - murmurou Gabriel levantando a vista ao céu, como se recordasse que alguma vez tinha recebido ajuda daí.
Não. Isso não era justo. Tinha rezado duas vezes em sua vida, que pudesse recordar. Uma vez que sua mãe estava ardendo em febre e o doutor havia predito que morreria.
Não tinha morrido.
O segundo pedido ao Todo-Poderoso tinha sido quando estava no pelourinho de castigo e a carruagem de Alethea tinha entrado na praça.
Rezou para que não o notasse. E o tinha notado. E quanto a ter nascido na família equivocada? Não ia mostrar que quando o incluíram lhe agradou e fez que se perguntasse que diabos tinha passado com seus três selvagens irmãos. Não importava as vezes que se dizia que lhe dava o mesmo seu desaparecimento, sentia igualmente suas ausências em sua vida.
Tinha sobrinhos e sobrinhas que nunca tinha conhecido? Uma parte dele lamentava essa perda. Era como se lhe faltasse um ou dois membros.
Família. Não podia sanar todas as penas, mas as tornava suportáveis.
Heath se inclinou para diante.
- Se alegre, primo. A história de seus pecados não sairá de nossas bocas sob pena de tortura para cair nas delicadas mãos de minha irmã Emma. Despreza a fofoca baixa.
- O que não é nenhuma garantia que outros não falarão de sua má conduta pública. - se apressou em acrescentar Drake.
Devon esticou seus desajeitados membros.
- Em realidade, é garantido que tudo ou todos os crimes que cometa, serão submetidos a julgamento pela opinião pública, até o dia de morrer.
Gabriel olhou fixo a cada um de seus primos de olhos azuis.
- E vocês, só pela bondade de seus corações, decidiram se juntar em minha carruagem para me dar este conselho inútil?
Heath ficou olhando-o.
- Eu gostaria de levá-lo a um lugar.
- Que tal se digo que não quero ir a nenhuma excursão familiar com vocês? - perguntou Gabriel diretamente.
Heath sorriu.
- Acho que teríamos de persuadi-lo.
CAPÍTULO 35
Alethea, desconfortavelmente sentada na poltrona, bebia leite desnatado em uma xícara, enquanto seu irmão e Lady Pontsby a interrogavam sobre o surpreendente anúncio de Gabriel.
- É bastante repentino. - disse Robin pela quarta vez consecutiva.
Lady Pontsby levantou a vista de sua revista de modas.
- Conheceram-se faz sete anos. Atrever-me-ia a dizer que se esperassem mais tempo, estaríamos planejando um funeral, não um casamento.
- Quando será a cerimônia? - perguntou Robin a Alethea.
Franziu o cenho, apertando a xícara, pensando que deveria conter xerez em lugar de leite desnatado. Esta era uma noite que requeria xerez para poder sobrevivê-la.
- É uma boa pergunta.
Lady Pontsby baixou a revista.
- Será em Londres? Foi isso o que entendi?
- Terá que perguntar a meu... a Gabriel. - disse com um suspiro.
Lady Pontsby a olhou com curiosidade.
- Bom isto lança uma luz diferente a sua conduta de hoje. Talvez tivesse uma boa razão para ir-se da festa. Talvez foi ao joalheiro procurar seu anel.
Sua voz passou sobre os pensamentos de Alethea, sobre a tormenta que lhe revolvia o interior. Amava-o desesperadamente, mas neste momento quase desejava ter passado longe esse dia do castigo no pelourinho. Seus pais tinham tido razão.
Tinha sido uma menina que se aventurava onde não devia. Todos os esforços de seu pai para formá-la de acordo com sua linhagem tinham sido inúteis. Apaixonara-se pelo menino do pelourinho, depois pretendeu estar contente quando se comprometera com esse
desgraçado imoral de Jeremy.
Seus pais e Jeremy tinham morrido. Rezou para que suas almas encontrassem a paz, pois ela tinha encontrado uma liberdade inesperada e mais apreciada do que era adequado admitir. E com esta liberdade e um mau passo, tinha encontrado a dor do coração, que todos os modelos de virtudes do mundo tinham prognosticado. Era possível amar sem dor?
- Disse algo? - perguntou, envergonhada, a sua prima - Minha mente estava vagando.
Lady Pontsby a olhou com um indulgente sorriso.
- É compreensível que esteja distraída, considerando as circunstâncias, querida.
Um quarto de hora mais tarde, quando o pequeno grupo se dispersou e Alethea se desculpou para retirar-se a seu quarto, sua prima entrou cautelosamente no dormitório para continuar a conversa.
- Não sei o que se passou hoje, mas posso ver que foi um desgosto. Espero que você e Gabriel o superem.
-Não estou certa de que seja possível Miriam.
- O fundamental é que vocês se amem.
- Mas você não sabe o que se passou. - respondeu Alethea.
- Sei que voltou esta noite e que você queria isso. O resto ficará em seu lugar.
****
Gabriel grunhiu quando se deu conta que o destino era um exclusivo bordel da rua Brutton. A casa fortemente guardada da infame Audrey Watson atraía e admitia só os clientes de elite da alta sociedade londrina.
As delícias que proporcionava em seus salões privados, custavam
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seus bons pennies . Para os cavalheiros que não procuravam
gratificação sexual, a casa também os provia de excelentes vinhos e comida e a conversa e companhia de convidados talentosos. Artistas, poetas e políticos, frequentemente distinguiam o salão de Audrey.
Gabriel, em uma época, tinha ansiado ter o privilégio de entrar e aproveitar os voluptuosos prazeres da casa.
Agora havia só uma mulher que desejava e não pertencia a esta casa, mas a ele. E tinha que acreditar que sua aliança com Audrey não tinha nenhum significado escuro.
- É uma brincadeira? - exigiu de seus primos.
Drake o olhou com um sorriso compungido.
- Segundo lembro, uma vez trouxe minha esposa aqui, para me lançar num mau momento.
Gabriel lhe sorriu sem entusiasmo. Deus, ele tinha sido um demônio de má morte.
- Terminou bem, não é verdade?
- Não graças a você. - respondeu Drake sem rancor.
- Apresse-se, Gabriel. - Heath abriu a porta - O resto de nós estamos casados, e esta pequena excursão vai chegar aos jornais se não formos discretos. Dá a volta a uma entrada que há à esquerda. Um guarda escoltará às escadas secretas. Audrey está esperando.
Recolheremos você em uma hora.
Em poucos minutos foi escoltado aos aposentos particulares de Audrey, um conjunto de aposentos abarrotados de cartas perfumadas,
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livros, dois caniches e um homem jovem que foi guiado fora tão furtivamente como Gabriel foi admitido a uma audiência com a proprietária.
- Oh, Gabriel. - murmurou, submetendo-o languidamente a um exame dos pés a cabeça - O amor deu-lhe um aspecto tão sensual que realmente não posso resistir. Alethea te fez isso no olho?
Levantou as mãos sem responder, em seguida deu uns passos antes de sentar-se no único lugar livre, o sofá, ao lado dela. Se acreditou que se sentiria envergonhado, ou que se manteria em pé, não foi assim.
Não estava sendo deliberadamente mal educado, simplesmente era um homem tão fora de si, que lhe importava um nada que o tivessem chamado ao aposento particular da cortesã mais procurada de Londres.
Ela franziu o cenho, como se lhe tivesse lido a mente.
- Por Deus, Gabriel, poderia ao menos pretender me prestar atenção?
Seu olhar foi para ela em um lento escrutínio.
- Me perdoe. - disse, suspirando pesadamente.
- Como está sua mãe? - perguntou ela, tomando o queixo para lhe voltar o rosto à luz.
Soltou-se de um puxão.
- O que?
- Esse machucado está se escurecendo a cada minuto. Sua mãe...
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Queria tanto assistir a suas bodas. Depois de tudo, quantos ducs
franceses conhecerei em minha vida? Você não foi?
- Não só não fui como, além disso, não sabia... Casou-se minha mãe? Com um duque francês? - perguntou, com uma surpresa tão genuína que era suficiente para deslocar todos seus outros males. Pelo menos por agora. Apoiou a cabeça na almofada de brocado - Tenho que entender que me trouxe aqui para me felicitar pelas bodas de minha mãe?
- Tenho que entender que estava me espiando na festa de Grayson?
- Bom, e o que? Era uma festa. Você estava falando no jardim, não em um confessionário.
- Era uma conversa privada.
- E eu, como futuro marido de Alethea, insisto em conhecer a natureza de sua aliança com minha mulher.
Ela franziu os lábios, sem esconder totalmente o sorriso.
- Sua futura esposa. E o ama. Essa foi a essência do que discutimos.
- Parece-me que falta uma grande parte nessa explicação tão simplificada. Como se conheceram e por que Alethea foi vista nesta casa o ano passado?
Ela entrecerrou os olhos.
- Quem te disse isso?
- Assim que a visitou.
- Não admiti nada parecido. - respondeu causticamente - Só declarei que o ama.
Gabriel assentiu.
- Sim, mas não posso evitar me perguntar a quantos outros homens amou antes que a mim.
O semi sorriso de Audrey não confirmava nem aliviava seus temores.
- Importa acaso? Desejaria-a menos por ser o tipo de mulher que até não faz muito tempo achava irresistível?
A boca lhe contraiu.
- Isto é diferente. Quero me casar com ela.
- Quanto? - perguntou, com a cabeça jogada para trás, com curiosidade.
- O suficiente para não voltar nunca mais aqui, nem para olhar a outra mulher enquanto viva.
Uma risada nostálgica escapou dela.
- Um Boscastle apaixonado é uma força terrível, em realidade. É
muito poderoso Gabriel. Acredito que vou sonhar com esta conversa esta noite. Por que vocês, os homens Boscastle, têm essa forma de
esquentar um aposento?
- Só me diga a verdade.
- Fiz isso. Ama-o. É bem simples, não é verdade?
- Maldição, Audrey. Você sabe o que estou perguntando. Veio aqui para trabalhar? Dormiu com algum desses homens que vi abaixo? Ou com os que me sento a mesa para jogar às cartas? Tenho que sabê-lo.
- Então deve perguntar a ela.
Estava frustrado, temeroso, entretanto precisava saber a verdade.
- Acredito que sempre a amou. - lhe disse em voz baixa, enquanto lhe dava as costas - E agora lhe corresponde. Falta que lhe demonstre que é seu herói.
- Seu herói? - Olhou ao redor, negando com a cabeça - Vou, madam, mais confuso que quando cheguei.
- Não tem que ir, Gabriel. - lhe disse com um atraente sorriso.
Mas se foi antes que ela pudesse acrescentar mais detalhes.
CAPÍTULO 36
Apressou-se a descer a escada central, o decoro era a última coisa em sua mente. Bom, não seu decoro, pelo menos. A aliança de Alethea com Audrey Watson seguia sendo um mistério a desentranhar. Mas como Audrey tinha dito, tinha vivido ao fio da boa sociedade durante mais tempo de que podia recordar.
Jogador. Canalha. Endividado até os olhos um dia, com os bolsos repletos de dinheiro no próximo. Seu padrasto lhe tinha golpeado na cabeça, lhe gritando quão sem valor era em seu ouvido tantas vezes, que era parcialmente surdo de um lado e suspeitava que tivesse sacrificado algumas funções cerebrais do outro.
Entretanto, tinha sobrevivido. Com a força de vontade de seu pai Boscastle e a obstinação do sangue francês de sua mãe, tinha conseguido converter-se em um bom oficial de cavalaria, um maldito inexorável jogador, e parte inerente do infame ramo familiar de Londres.
E Alethea não o tinha banido de sua vida, um bendito milagre tendo em conta que ela o tinha visto em seus piores momentos, e não tinha renunciado a ele, por razões que ele nunca imaginaria. Ele a amava.
Que homem em seu são julgamento não o faria? O que viu nele? Era desconfiado, enganoso, impulsivo, e estava cheio de cicatrizes por cima de tudo.
Só sabia que quando foi derrubado, levantara-se, cambaleando frequentemente, muito intumescido ou tolo para fazer outra coisa. O dia de sua morte seria o dia em que não poderia levantar seu valente corpo da terra. A vida assaltando-o. Assaltaria-a, ele mesmo, de novo. Nunca tinha tido aspirações de ser um herói, exceto talvez no que se refere a Alethea, e se ela pensava que era valente, bem, fazia um trabalho condenadamente bom ao enganá-la, isso era tudo.
Desceu as escadas para chegar ao vestíbulo do andar térreo,
olhando a um cenário que tinha recorrido a ele no que poderia chamar-se sua vida anterior. As cortesãs presentes contavam com uma beleza refinada, suas habilidades eram legendárias em Londres. Reconheceu um membro proeminente do Departamento de Guerra, um secretário da
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Companhia das Índias Orientais , um visconde que fizera um nome conhecendo-se como pintor de retratos. Ouviu que o chamavam, ficou atrás hesitando até que uma figura obscuramente vestida delatou a si mesmo do aparador, levantando uma taça de brandy em reconhecimento.
- É meia-noite passada, Cinderela. Tenho que retornar à casa como um homem casado.
Ele e Drake caminharam juntos em um amigável silêncio para a porta, o rígido mordomo da senhora Watson fez uma reverência e estalou os dedos ossudos no ar. Dois homens apareceram levando tochas para iluminar o caminho dos homens para o transporte que esperava.
- Há algo que possa fazer para que sua viagem de volta a casa seja mais cômoda, Lorde Drake... Sir Gabriel? - perguntou-lhes, tão exato como um relógio Continental.
Drake passou junto a ele.
- Estamos bem para a noite. Se me permite lhe dar...
Gabriel olhou aos hóspedes recém-chegados, que rondavam no degrau mais baixo da casa, e seu olhar imediatamente se endureceu com desprezo. Deteve-se enquanto Drake continuava para a carruagem.
O homem da capa de raias de leopardo o olhou com um sorriso de reconhecimento.
- Ah, Sir Gabriel, vejo que nos encontramos de novo, embora na casa de outra prostituta.
Drake virou no pavimento, seu formoso rosto obscurecendo-se.
- Rogo-lhe que me desculpe senhor. Está se dirigindo a meu primo?
A sutil mudança na postura de Drake deve ter irradiado uma mensagem. No momento em que seus irmãos Heath e Devon Boscastle se uniram a ele na calçada, seu cocheiro e os dois lacaios deram um passo atrás. Gabriel olhou às bengalas de aspecto sinistro que seus primos seguravam, e logo sacudiu a cabeça com firmeza.
Esta era sua luta.
- Lorde Hazlett - disse com voz fria - tinha esperado realmente que você e eu nos encontrássemos outra vez. Há algo sem terminar entre nós.
Guy ficou junto a ele à luz das velas do vestíbulo. Tinha o rosto cruel de um homem privilegiado, acostumado a usar a outros, um homem que verdadeiramente achava que tinha direito a fazer o que quisesse. Agora, estando em pé diante de Sir Gabriel Boscastle e seus primos, parecia assumir que compartilhariam seus pontos de vista degradantes sobre a mulher, e o mundo, em geral.
- Gabriel - disse com um sorriso condescendente - somos cavalheiros que compartilham as mesmas fraquezas. Faltaria a meu dever se não lhe confiasse que Alethea Claridge não é melhor que as garotas da casa da senhora Watson.
Gabriel viu Devon dar um passo para frente para protegê-lo. Fez um gesto repentino, e seu primo ficou atrás.
- O que está dizendo, Hazlett? - perguntou-lhe em voz baixa.
Guy olhou a seu redor como se acabasse de dar-se conta de que ele e Gabriel não estavam sós.
- Está enfeitiçado, meu amigo? Não o esteja. Meu irmão estava disposto a casar-se com ela, ele já a domou para você. Estou certo de que apreciará não ter que iniciar outra virgem. Entendo que ela deu trabalho ao princípio.
Se Guy disse qualquer outra coisa, Gabriel não pôde escutá-lo pelo rugido do sangue em sua cabeça. Deu um passo atrás, seus punhos apertados. Sentiu alguém, Drake ou Devon, pondo uma mão sobre seu braço, tratando de detê-lo. Mas não seria detido. Entendia que só tinham a intenção de lutar por ele. Mas ele tinha passado sua vida lutando suas próprias batalhas.
A verdade era que nunca tinha lutado por nada tão importante para ele, exceto talvez por sua mãe. Não havia sentido esta paixão mesmo em Waterloo.
Golpeou Guy diretamente debaixo do queixo e ouviu o satisfatório rangido dos ossos. Poderia ter quebrado seus próprios dedos, mas não podia sentir nada.
O gemido de dor de Guy indicou que tinha sofrido ao menos uma fratura da articulação da mandíbula, o que deveria lhe manter a boca fechada durante um mês ou dois.
- Vamos, Gabriel. - disse Drake amavelmente por cima do ombro. -
Não é nada agradável cometer assassinato justo antes de suas próprias bodas. Espere uma semana ou duas.
Gabriel se endireitou com a intenção de exigir que o bode de seu primo se fosse e se metesse em seus próprios assuntos quando Guy se levantou de um salto e lhe deu um murro no olho.
Gabriel viu luzes estalar detrás de sua pálpebra direita enquanto cambaleava contra a dura estrutura de Drake, só para ser empurrado de novo para Guy sob um incentivo de Drake.
- Lhe dê uma boa nos ossos por mim. Isso foi um golpe sujo, golpear a um homem quando vira a cabeça. Se eu estivesse em seu lugar...
Essas palavras de incentivo se afiançaram na fértil terra da ira inflamada de Gabriel. Intumescido pela aguda dor em seu olho, ignorando a carne ensanguentada que pendia de seus dedos, golpeou
Guy outra vez. E outra vez. Atacou até quando Hazlett finalmente cambaleou para trás e desabou nas escadas, sem fazer nenhum esforço de levantar-se.
Tinha levado um tempo a Gabriel dar-se conta do que Guy havia dito. Agora, uma insinuação ainda mais escura se propagou por sua mente como uma sombra. Ele já a domou para você. Os homens faziam piadas sobre o sexo todo o tempo. Os irmãos compartilhavam segredos a respeito de suas conquistas, exagerando suas proezas para superar ao outro. A metade do tempo os comentários eram só idiotices e fanfarronadas inflamadas para aumentar a própria ideia da dignidade.
Mas as brincadeiras de Guy tinham insinuado crueldade e violação.
E agora, de repente, Gabriel entendia, ou acreditou que o fazia, por que Alethea vacilou ao mencionar o nome de Jeremy. Por que ela tinha acusado Gabriel de voltar muito tarde.
Me faça esquecer, Gabriel.
Esquecer o que?
Oh, Deus.
Não tinha estado ali para protegê-la. Ela tinha sido degradada tão profundamente que não o pôde admitir ante ninguém. Que idiota era, não tinha tornado mais fácil para ela ser honesta a respeito de sua humilhação. Tinha dirigido tudo mal, sem consideração nem honra.
Não era muito tarde, entretanto. Ele e Alethea poderiam estar quebrados em partes, mas pertenciam um ao outro, e sempre o seriam.
Juntos fariam um ser completo.
Agora compreendia que a tinha ferido com suas ciumentas acusações hoje em vez de compreender o que ela e Audrey não diziam.
Engoliu o sabor amargo na parte posterior de sua garganta. Ele a tinha deixado com uma imagem de si mesmo que não era melhor que a do bastardo que a tinha ferido.
- Gabriel. Gabriel. - Uma voz masculina, a seguir um par de mãos
firmes sobre seus ombros, penetraram sua desconcertada fúria. -
Vamos, entre na carruagem. Fez sua demonstração mais eloquente.
Olhe-me, primo. Quantos dedos sustento?
Deu-se a volta, sem deter-se para considerar a quem assaltava, reagindo por puro reflexo. Um braço musculoso bloqueou o golpe que tinha a intenção de lançar. Ele se afastou, recuperou o equilíbrio, e se achou olhando o dedo indicador de seu primo Devon meneando debaixo de seu nariz.
- Tomou um bom golpe na cabeça, Gabriel. Quantos dedos sustento?
Gabriel golpeou com força a mão de seu primo com um bufo de brincadeira.
- Não me pode enganar. Não é um dedo isso que está ondeando em meu rosto. É sua vara, essa coisa esquálida que tem. Dar-me-ia vergonha mostrá-la em público.
Devon pôs-se a rir.
- Não há necessidade de rebaixar-se a insultos pessoais. Vamos.
- Mas não terminei.
Devon olhou além dele à figura encapuzada estendida aturdidamente nos degraus da entrada de Audrey.
Um par de lacaios já estavam preparados para tirar Guy fora da vista dos transeuntes. Não agradaria aos clientes de classe alta ter que caminhar ao redor desse espetáculo ofensivo.
O ajudante do mordomo saiu da casa, lançou um olhar de reconhecimento aos Boscastles, e logo disse aos criados:
- Levem esta pessoa ao montão de lixo. A senhora Watson não quer que seja admitido em sua casa nem que suje sua entrada. Temos uma reputação a manter.
Gabriel se voltou para os três homens reunidos em um semicírculo a seu redor. Ele sorriu com tristeza. Ninguém tinha estado nunca de
modo tão decisivo para ele antes, com exceção de Alethea Claridge.
Tinha chegado a pensar que não merecia tal lealdade.
Inferno, que tinha trabalhado suficientemente duro para demonstrar quão mau estava, e agora tinha que fazer a escolha final. Poderiam as pessoas que o amavam ter justificativos para acreditar que era um bom homem, ou demonstraria que era tão inútil como seu padrasto tinha afirmado?
Heath lhe pôs a mão no ombro.
- Estamos voltando para a festa. Vem?
- Festa?
- O aniversário de Grayson - disse Drake, apoiando-se na portinhola da carruagem. - Lembra-se? A animação privada para a família e amigos próximos depois de que todo mundo se vai?
Gabriel sorriu com cansaço.
- Agradeço o convite, e em qualquer outro momento me sentiria honrado de celebrar a idade avançada de Grayson.
- Mas? - disse Devon, sorrindo como se não tivesse nenhum interesse. - Outro jogo de cartas?
Gabriel negou com a cabeça.
- Não. Tenho que ir para casa.
Drake se afastou da porta da carruagem.
- A uma casa vazia? - perguntou-lhe com ironia.
Gabriel não respondeu. Não tinha sentido tentar mentir a seus primos, homens que tinham pecado como o tinha feito ele, mas tinham trocado seus caminhos. Eles podiam ver através dele, e se sentia bem não pretender por uma vez que não lhe importava. Estava apaixonado, a ponto de embarcar no maior jogo de azar que nunca tinha jogado.
- Vou para casa, a Helbourne - disse.
Heath assentiu com a cabeça.
- Bom, nos deixe na casa de Grayson a caminho. Faremos um
brinde por você na mesa.
CAPÍTULO 37
Choveu três dias seguidos. Caiu um raio sobre a antiga árvore que crescia sobre o rio, e desabou através da ponte de Helbourne Hall.
Várias crianças ousadas, e umas poucas meninas, já tinham feito um jogo de cruzar ao outro lado.
O prado se inundou e as ervas daninhas brotaram em uma noite, crescendo em vingança até a altura da cintura de uma pessoa. À luz da lua, a muralha de pedra que afastava o lar de Alethea de Helbourne Hall, desaparecia em amontoados de neblina úmida. Os camponeses haviam predito que verdadeiramente o outono chegaria logo. Suas esposas estavam preocupadas, embora não se atrevessem a dizê-lo em voz alta, de que alguns dos fantasmas mais desafiantes se arriscariam à condenação eterna, ao não voltar para seus lugares de descanso depois de visitar seus seres queridos para a véspera do Dia de Todos os Santos. O diabo sempre era justo. E o amor não era uma desculpa.
Alethea fez longas caminhadas sob a chuva, pretendendo não olhar o caminho com frequência, esperando ver aparecer certo cavalheiro escuro. Nem tampouco admitia olhar de noite de sua janela para contar se havia mais janelas iluminadas na casa de Gabriel. Seu irmão declarou que seria temerário que um homem viajasse com este tempo, e que Gabriel tinha pedido sua mão, e manteria sua palavra.
Mas ela sabia que Gabriel não era o tipo de homem que deixaria que uma tormenta lhe impedisse de fazer o que queria. Seus períodos menstruais haviam tornado e se disse quão afortunada tinha sido que não a tivesse deixado esperando seu filho. Não se podia dizer que um canalha preferiria uma mercadoria danificada como esposa.
Apaixonara-se pela Alethea pura e perfeita. E se tinha aborrecido porque a tinha visto falando com Audrey Watson, não se podia imaginar o que ia sentir quando admitisse que ele não era o primeiro homem em
conhecer seu corpo.
Mas tinha prometido lhe dizer a verdade. Voltaria para que mantivesse sua palavra?
Quatro dias depois de ter voltado para casa, amanheceu com o céu limpo e um arco-íris sobre as colinas. Vestiu seu velho vestido de musselina verde-cinza, e as botas de meio cano usadas, e ajudou a tirar o feno sujo dos estábulos. Os cavalariços lhe deram um espaço amplo para que usasse a forquilha. Se adivinharam que estava atacando a um nobre ausente, foram o suficientemente sensatos para permitir-lhe, mas não era estranho ver Lady Alethea trabalhando nos estábulos, assim eles trabalharam a seu lado.
Tarde, nessa noite, depois de esgotar-se fazendo visitas que podiam ter esperado, deu-se um banho bem quente e se vestiu para o jantar, mas trocou de opinião e se deitou na cama com as janelas abertas. Surpreendeu-se quando adormeceu, pois tinha muitas coisas na cabeça. Ainda assim pôde escutar um cavaleiro trovejando em seus sonhos, as patas do cavalo soavam cada vez mais forte e mais forte, até que...
Sentou-se na cama, tremendo mais de antecipação que de frio, enquanto a terra sob sua janela vibrava em sincronia com seu coração.
Alguém cavalgava em seu jardim.
Saltou da cama e se apressou a identificar o intruso a cavalo que esmagava os gerânios desordenados e as flores de veludo que mal tinham sobrevivido o inverno passado. Ele estava cavalgando o mais formoso árabe cinza que alguma vez tinha visto. A luz da lua acentuava o pescoço arqueado e orgulhoso do animal, e os lustrosos quartos traseiros, e seu cavaleiro.... ele era um magnífico animal em si mesmo também.
Morria por olhá-los mais de perto, e justo quando recuperou o fôlego para chamar Gabriel, este enterrou seus calcanhares e saltou o
muro sul sem nenhum esforço, fazendo com que o coração lhe parasse.
- Fanfarrão - lhe gritou suavemente, e o viu voltar-se pela metade para lhe fazer uma cavalheiresca reverência.
Foi em meio galope para as colinas, em seguida virou com uma graça que ela invejou.
- Não quebre o pescoço desse magnífico animal, nem tampouco o teu - sussurrou, voltando-se da janela.
Voou enquanto descia as escadas às escuras e saiu ao jardim, quase esperando que o cavaleiro e o cavalo de fino sangue tivessem desaparecido outra vez. Mas Gabriel a estava esperando no muro, ainda montado no musculoso cavalo árabe, que levantou sua elegante cabeça enquanto ela se aproximava torpemente.
- Não está vestida para cavalgar. - lhe disse, olhando-a tão possessivo e nostálgico, que quase esqueceu que tinha jurado viver sem ele.
Mas não podia. O que Jeremy lhe tinha roubado não era nada comparado à dor que teria sofrido se Gabriel não tivesse voltado. Pois tinha se entregado com prazer a ele, sabendo como mulher, que podia perder.
Havia voltado, não como um cavalheiro, o que era bom pois se considerava mais uma cigana que uma dama, mas sim como a força escura e ingovernável que sempre tinha sido.
O menino rebelde que, como seus pais haviam predito, tirá-la-ia do caminho de virtudes que a sociedade valorizava se não se cuidasse.
- Sabe que horas são?
Ele sorriu.
- É muito tarde para ir cavalgar?
O coração lhe doía com a felicidade de vê-lo, embora por dois xelins lhe poderia apagar esse sorriso pagão do rosto.
- Há esta hora? Está transtornado? Só um louco...
- Ou alguém profundamente apaixonado.
- Andaria galopando este formoso cavalo.
- Você gosta. Que bom é seu presente de bodas. Meus primos me aconselharam que lhe comprasse joias. Assegurei-lhes que preferiria um cavalo elegante.
- Seguro de si mesmo, não é verdade? - Desafiou-o levantando seu rosto ao dele.
- Que nada. Mas eu gostaria de estar seguro de você. - Estirou sua mão enluvada para lhe pegar o pulso. Seus ossos pareciam frágeis, mas o espírito debaixo era forte, inquebrável. - Cavalga comigo.
Ela riu com inseguro regozijo.
- Se alguém nos vir...
- Então saberão que os rumores de que rapto donzelas são verdadeiros. - agachou-se e a levantou, pondo-a diante dele. Seus corpos se ajustavam perfeitamente no lombo sem sela do cavalo.
Voltou-se para Gabriel, a risada desapareceu enquanto a envolvia em seus braços.
- Prometi lhe dizer a verdade na próxima vez que estivéssemos juntos.
- Está tudo bem, Alethea.
- Não está. Você desejava à menina que eu era, que eu fui, faz muito tempo.
- Desejo-a como é agora. - disse devagar.
- Sério? Não sou pura. Estou desonrada, arruinada... Toda essa inocência que achava tão atraente, se foi.
- Alethea.
- Uma vez fui pura, depois já não o era. Não era virgem quando fizemos amor.
Beijou-lhe a nuca.
- Sei.
Empurrou-lhe o braço.
- Não, não sabe. Não pode... a menos que Audrey lhe haja dito isso. Oh... Disse-lhe isso. - A voz lhe tremeu.
Ele respirou profundo. O ar lhe queimava os pulmões, apesar de estar limpo, sem fuligem ou sabão de caldeira. Não a deixaria ir-se, embora estivesse retorcendo para soltar-se.
- Audrey não me disse nada.
Inclinou a cabeça para olhá-lo.
- Então não sabe, não entende o que aconteceu.
- Sei. Vi lorde Guy Hazlett depois que fui da casa de seu irmão.
Ficou imóvel, branca.
- Guy disse o que seu irmão tinha feito?
Ele engoliu a raiva que lhe apertava a garganta. Desejou que Jeremy não estivesse morto para poder matá-lo. Desejou ter matado Guy quando teve a oportunidade.
Desejou ter tido a coragem de ter ficado em Helbourne, para que ninguém tivesse causado esta dor a ela.
- Maldição. - disse com voz rouca - Não a desejava por sua pureza, o que quer que isso signifique.
- Não? - Descansou a cabeça contra seu ombro. Os cachos escuros se esparramaram sobre seu colo. - Mencionou-o mais de uma vez.
Limpou a garganta.
- Fi-lo porque achei que lhe agradaria que eu... bom, que não me atraía a pureza, como minha reputação afirmava.
- Audrey foi amável comigo na noite que aconteceu.
Sentiu-se doente por dentro, envergonhado pela conclusão a que tinha chegado.
- Teria gostado de saber então.
- Não lhe teria dito isso. - lhe respondeu sem fôlego.
- Por que não?
- Viu-me como se tivesse estado em um pedestal toda minha vida.
Ele aprofundou o abraço, afundou os calcanhares e o cavalo saiu disparado.
- Viu-me uma vez no pelourinho, e se então te pus em um pedestal, nada do que alguém te tenha feito, fará que diminua o que é ante meus olhos.
CAPÍTULO 38
Alethea conteve a respiração enquanto Gabriel meio a arrastava pela rangente escada de Helbourne Hall.
- O que foi essa coisa que voou sobre nossas cabeças? -
sussurrou.
- Não o vi. - Ele riu - Pôde ter sido um morcego ou uma bala. Não, não foi uma bala. Todos os criados estão bêbados na cama a esta hora.
- Morcegos? - Sua voz ecoou - Achava que era só um rumor.
Dava-me conta que esta casa é uma desgraça. Mas, morcegos...
- Ouvi que o dono é pior ainda. - A fez voltar-se para trás, contra a balaustrada, seu corpo duro dominando-a. - Diria que tanto ele como esta casa, estão necessitando terrivelmente de uma esposa.
Sua ereção grossa esmagava-se na barriga dela através de suas calças de camurça. De repente lhe surgiu uma necessidade inesperada de explorar os segredos varonis de seu corpo. Deixou escapar o ar, lhe abraçando o pescoço enquanto ele a levantava em seus braços.
- Eu diria que a esposa vai necessitar de um bom fornecimento de
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lixívia , e vários pares de mãos resistentes.
Um sorriso lento se expandiu através de seu rosto.
- O marido tem duas mãos robustas, mas esta noite serão para lhe dar prazer. Poderíamos sair aos estábulos se estiver com ânimo de acrobacias no campo. Estão tão bem esfregados como os penhascos de Dover.
- E tão frio como, imagino. - disse com uma inflexão na voz, de só pensar em suas mãos sobre ela.
Subiu a grandes trancos o resto dos degraus, levando-a pelo corredor, abriu a porta com um pontapé e entrou em um dormitório escassamente iluminado com uma grande cama de carvalho, uma escrivaninha rajada, e um lavabo em um canto. As altas janelas estavam
abertas ao vento da noite, como tinham estado as dela.
Estremeceu quando a depositou na cama desfeita, e se enrolou no travesseiro que cheirava a ele. Seu duro rosto a excitava. Tremeu ao pensar em submeter-se a seus desejos mais perversos. No que se transformara? Não lhe importava. Era dele.
- Ainda a observo de minhas janelas. - murmurou tirando as luvas para em seguida lhe tirar o vestido de musselina verde maçã, as anáguas bordadas, a camisa de seda. Ficou ao lado de seu corpo nu, a mão dele deslizando por suas costas para os globos das nádegas -
Embora deva admitir que prefira a vista daqui. Importaria-se se quiser muito uma vela para vê-la melhor?
Estirou-se e o puxou pelas lapelas de sua grossa capa de lã.
- Sim, importa-me. Só tire a roupa e me abrigue.
Obscureceram-lhe os olhos.
- Farei melhor.
Ela arqueou as costas, sentindo a umidade entre suas coxas.
- Gabriel, desejo-o tanto.
Agachou-se e a beijou, até que se acalmou debaixo dele com um suspiro.
- Sou seu. - E quando deslizou a mão por suas coxas, ela estremeceu com uma descarada de antecipação e se ergueu, convidando seu toque.
- Gabriel. - Sentiu quando seus dedos a abriram e se enterraram profundo, depois mais profundo ainda, até que ofegou, deixando de lado toda pretensão de inibição, fazendo sulcos com os calcanhares no colchão, sacudindo os quadris para lhe oferecer mais – Gabriel preciso de você. Necessito de você dentro de mim.
- Esperei toda minha vida para escutá-la dizer isso.
Retirou a mão. Ela gemeu. Sua fenda palpitava e só ele podia acalmar sua excitação e dor.
Ele tirou a camisa e as calças, estirando seus músculos relaxadamente, como se soubesse que a vista de seu corpo escultural a excitaria. Pôs seu pênis grosso em sua palma, e a olhou nos olhos.
- Não posso respirar quando me olha assim. Quero que me toque.
Riu com isso e se abriu com prazer, permitindo-lhe acreditar que a tinha reclamado fazia muito, quando era uma moça voluntariosa, e o tinha escolhido como seu campeão.
- Não o esperarei outros sete anos, Gabriel.
- E seria uma maldita bênção - sussurrou - porque não acredito poder durar outros sete minutos.
Beijou-a enquanto se ajoelhava entre suas coxas abertas e se introduzia no íntimo calor de seu corpo. Ela gemeu guturalmente e se esforçou para cima para tomar mais dele. Seus mamilos estavam escuros e a umidade de seu sexo facilitava a penetração.
Mas ele queria lhe proporcionar prazer, recusando penetrá-la completamente, zombando, com pequenos impulsos superficiais de seu pênis, lhe esfregando o grosso nódulo entre os inchados lábios vaginais, até que ela começou a mover-se em um ritmo lento e excitante.
Levantou-se apoiada nos cotovelos.
- Farei tudo que me peça.
- Tudo? - disse-lhe, levantando as sobrancelhas. - Lady Alethea, acredito que a levei para o mau caminho.
- Esqueceu-te que não sou o ideal de seu passado? - sussurrou, enquanto acariciava com as pontas dos dedos sua impressionante ereção.
- Uma boa coisa, de qualquer maneira. - disse respirando com dificuldade - O que faria um homem como eu com um ideal?
- O que sugere?
Ela mordeu o lábio inferior, temerosa de perder o juizo. Herói de sangue quente pensou. Queria empurrar. Seu corpo não só respondia às
demandas dele, mas também se achava em uma busca própria. Sorriu-lhe como se soubesse. Homem, mulher. Gabriel, Alethea. Por que tinham demorado tanto?
- Ainda está estreita. - lhe disse com os dentes apertados - Não acredito que esteja pronta para o que quero fazer.
- Estou pronta para jogar.
- Sim? - sussurrou, empurrando lentamente, com as costas arqueadas - Eu gosto de jogar. - retirou-se totalmente e a observou lutar para respirar - E sempre ganho.
- Não no whist.
- Mas este é meu jogo.
Ela desafiou sua afirmação, e nesse desafio rompeu as algemas que a atavam. Criação, humilhação, aceitação de um destino sozinha.
Todos enganos desmascarados por sua mão. Não poderia acreditar que se teria casado com outro homem, sabendo em seu interior que em seus sonhos veria o rosto de Gabriel, e que era a quem desejava cada vez que passava na praça onde o tinham envergonhado e lhe tinha roubado o coração.
E agora estava na cama com o menino mais perverso de Helbourne. Se a natureza seguia seu curso, no próximo ano para esta época, estaria correndo atrás de um menino no parque da aldeia. Deu um grito apagado tratando de respirar. Rogou ter força, e passou as mãos carinhosamente pelas costas, os flancos, as nádegas. Não o podia tomar mais profundamente em seu corpo. Nunca ia poder estar suficientemente perto do homem que tinha amado sua vida inteira.
Penetrou-a mais. Ela convidava cada investida, lhe dando as boas-vindas, até que se partiu em duas com ele.
CAPÍTULO 39
Gabriel despertou uma hora depois, suas pernas enredadas nos lençóis que levavam o anagrama do anterior dono de Helbourne.
Durante uns longos momentos de incomparável ventura não se moveu.
Observou com solene contemplação as costas de Alethea enquanto ela dormia.
Em seus encontros anteriores este poderia ser o momento em que
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ele teria sub-repticiamente se vestido e escapado do aposento. Agora não sentia nenhum desejo de escapar a não ser só uma comovedora gratidão porque ela não o tinha abandonado.
- E não a deixarei partir. - disse em voz baixa.
- Sim, fará. - uma colérica voz disse da porta.
Endireitou-se, alcançando lentamente a pistola aos pés da cama.
Mas quando reconheceu à figura que caminhava através da soleira desceu seu braço e o colocou ao redor dos ombros de Alethea. Ela não despertou. Ele se moveu com cuidado na cabeceira, seu corpo orientado para protegê-la.
- Adverti-a sobre você. - o intruso disse. Era o intrigante ladrão que Gabriel tinha pegado nos bosques. E maldição se o jovem relaxado não só tinha irrompido no quarto de Gabriel, mas também estava brandindo a mesma espada que ele não tinha podido roubar antes.
Gabriel puxou o lençol para cima ao redor dos ombros de Alethea.
- Todo mundo a advertiu sobre mim. Qual é seu nome?
- Gabriel.
Sorriu.
- Quem inferno chamou-o assim?
- A gente da paróquia, que me levou dentro depois que eu escapasse do orfanato. Disseram que recordava a alguém. - A espada tremeu ligeiramente em sua mão - Machucou-a?
- Não. Por que pensaria isso?
- Vi-a chorando nos bosques esta última semana, e você se fora. E
agora... - não olhou para baixo à cama - você está aqui.
- Assim é. Vou-me casar com ela. Essa espada parece pesada.
Penso que deveria deixá-la, Gabriel.
- Ela quer casar-se com você?
Gabriel baixou o olhar ao perfil dela.
- Sim. - Levantou o olhar com um irônico sorriso - É você quem vai lutar contra mim se a machucar?
- Não. Matá-lo-ei.
- Uma valente ambição. Deixe minha espada.
- Tem certeza de que ela está bem?
- Sim. - Gabriel replicou - E estou muito certo de que se acordar e se souber que a viu aqui, estará muito transtornada.
Ele se afastou da cama.
- Deixa a espada na porta. - disse Gabriel, ainda sem mover-se.
O moço deu de ombros, mas baixou seu braço, seu rosto denotando um fugaz alívio.
- Você gosta de cavalos? - Gabriel lhe perguntou com curiosidade.
- Deus, sim.
- E lutaria para proteger Lady Alethea? Por quê?
Encolheu os ombros outra vez.
- Ela foi amável comigo. Não sou um lunático atrás dela, embora, é que isso o que você está conseguindo.
Gabriel sorriu.
- Não é verdade. Mas necessitarei de outro cavalariço para ela e seu cavalo.
- O árabe em seu estábulo?
- Penso que poderia criar puros-sangues. Se estiver interessado, venha a meus estábulos amanhã.
Ele assentiu com a cabeça com entusiasmo.
- E Gabriel...
- Sim.
- Nunca deve levantar uma arma para mim de novo, só se alguém alguma vez ameaçar Lady Alethea.
- Sei o que fazer.- disse e saiu
Alethea suspirou e virou a cabeça.
- Gabriel - murmurou com um sorriso - Disse algo?
Ele sentiu uma onda de protetor amor e desejo físico.
- Tenho que levá-la para sua casa. Quase é de dia.
- Me abrace. Não quero ir.
- Não quero que o faça, tampouco, mas não vou zangar seu irmão outra vez. Depois do café da manhã amanhã irei vê-lo e farei as pazes.
- Ele não entende o que aconteceu a nós. - disse ela.
- Não imagino por que. Mas quando estivermos todos viajando de retorno a Londres para nos reunir com minha família e planejar nossas bodas, prometo ter meu melhor comportamento.
Ela tocou seu ombro. Sempre amou sua escura e morena compleição, uma combinação do sol e de Bourbon.
- Acha que sua mãe virá?
- Duvido. Ao que parece se casou com um duque.
- Uma duquesa francesa?
- Assim contaram. - sacudiu sua cabeça - Ouvi falar dela só duas vezes em um ano. Ela me envia dinheiro. Eu o envio de volta.
Ela rebolou para cima contra seu peito.
- E seus irmãos?
- Não tenho nem ideia. - Olhou fora da janela - Seguiram suas próprias vidas. Se eu fosse mais velho pode ser que tivesse ido com eles, mas, não podia deixá-la com meu padrasto.
- Teria retornado?
- Sim, com o tempo, mas nunca teria ficado se não fosse por você.
- Teria me amado se me tivesse convertido em uma prostituta e trabalhado na casa da Sra. Watson?
Ele se deu conta que provocaria sua ira sem importar que resposta desse assim disse a primeira coisa que lhe veio à mente, nunca o caminho mais prudente ao tratar com uma dama.
- Sim. Todo homem deseja uma cortesã por esposa, assumindo que ela seja só sua cortesã, e... - a fez virar debaixo dele, seu corpo pesadamente musculoso fixando-a à cama - E provavelmente a ofendi.
Assim não a deixarei partir até que me perdoe.
A boca dela se curvou em um sorriso.
- Não estou ofendida. Intrigada, talvez.
Ele olhou em seus olhos.
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- Casar-me-ia com você embora se convertesse em um hussardo prussiano.
Sorriu-lhe.
- Não seria permitido.
- Encontraríamos uma forma. - disse ele, movendo-se com cuidado sobre seu lado - Está amanhecendo. - Olhou pensativamente para baixo a seu fascinante corpo, avermelhado depois de uma noite em sua cama
- Nos vistamos antes que me tente de novo.
- Gabriel. - sua voz foi suave, pensativa.
- Sim? - perguntou, inclinando sua cabeça para introduzir um inchado mamilo em sua boca.
- Estava falando com alguém quando eu estava adormecida?
- Sim. - Levantou a cabeça - Com Gabriel.
Seu olhar vagou sobre seus exuberantes seios e colo quando ela se levantou da cama. Toda essa pele de pêssego acetinada e sua sensual beleza, sua para sempre.
Seus olhos seguiram seus graciosos movimentos enquanto ela se agachava para o chão para por suas meias. Seu selvagem cabelo derramado sobre a cama, sobre suas coxas.
- Estava falando com você mesmo? - perguntou-lhe com diversão, levantando o olhar, suas anáguas em sua mão.
Ele titubeou, olhando a espada junto à porta. Encontraria a forma de dizer-lhe mais adiante sem admitir que seu jovem defensor a tinha apanhado na cama.
- É uma forma de falar. - E havia verdade nisso, porque entendeu o que possivelmente ela tinha visto no menino. A parte quebrada dele mesmo que tinha desejado lutar contra o mundo. - Só se sentia atraída por mim por que eu era um menino travesso? – perguntou com indiferença, puxando suas calças de couro de boi.
Ela afastou o cabelo do rosto, seus olhos castanhos dançando.
- Assim como você se sentiu atraído por mim só porque eu era a dama perfeita.
******
Combinou-se entre Gabriel e o irmão de Alethea no dia seguinte que o casamento seria feito no Dia da Festa de San Miguel em Londres.
Quando Robin revelou esta informação a Lady Pontsby, que tinha estado esperando com a alma na mão pelo anúncio, esta lançou um suspiro de alívio que pôde ser ouvido do aposento contiguo, onde Alethea estava sentada escrevendo cartas às damas Boscastle com quem tinha feito amizade e se converteram em sua família.
- O dia da Festa de San Miguel? - murmurou Lady Pontsby - O dia que Lúcifer foi expulso do céu?
- Se houver uma superstição contra contrair matrimônio nesse dia -
disse Robin - por favor, não o compartilhe com minha irmã.
- A única superstição quanto à Festa de San Miguel da que sou consciente é que uma mulher nunca deve comer amoras depois desse
dia porque o diabo cuspiu sobre elas.
- Então esperemos que se houver amoras servidas no café da manhã de bodas nosso diabo estará a mão para dar de comer a sua noiva.
*******
Passou uma semana de alegre correspondência de ida e volta entre Sir Gabriel, seus velhos amigos e os Boscastles. O conde, sua irmã Alethea, seus amigos e a família Boscastle.
- Deus do céu. - disse Lady Pontsby ante a coleção de cartas e pequenos presentes que chegavam diariamente. - As pessoas pensariam que ela está casando-se com uma instituição.
- A família Boscastle é. - disse Robin - E cada um mais infame que o outro.
Além disso, lembrou que na semana anterior à bodas a passariam em Londres satisfazendo as obrigações sociais e fazendo compras para a noiva, de quem sua prima se lamentara pois se vestia como um camundongo de campo. Alethea indicou que não havia tempo para provas de roupa adequadas de todo modo. Entretanto, de repente se sentiu fora de moda, recordando a elegância natural das mulheres Boscastle que tinha conhecido.
Passou os primeiros três dias na cidade com sua prima e Chloe, a Viscondessa Stratfield, quem a arrastou do chapeleiro à modista e à costureira com inesgotável energia. Na tarde do quarto dia foi convidada por Jane Boscastle, a Marquesa do Sedgecroft, a assistir a uma reunião familiar privada.
Gabriel foi convidado por um de seus antigos oficiais de regimento a assistir um jantar essa mesma noite, o propósito era lamentar a perda de um dos libertinos de Londres pela ratoeira do pároco.
CAPÍTULO 40
O jantar teve lugar em Mayfair na casa de Lorde Timothy Powell e sua amante Merry Raeburn, uma popular jovem atriz de Drury Lane que uma vez tinha fixado suas esperanças em demandar Gabriel como seu protetor. Apesar de outros homens mais velhos e mais ricos a terem assediado, tinha estado encaprichada com ele durante mais de um ano, muito tempo para uma aspirante a cortesã. Ao que parecia o Duque de Wellington declarara a si mesmo como seu pretendente. Vários folhetos exibidos nas janelas de uma imprensa de Londres fizeram alusão a uma relação de boa fé. Merry negou essas acusações, assim como o duque.
Agora se tinha conformado com Timothy, que não era nem tão formoso nem tão excitante como Gabriel Boscastle. Não obstante, ele tinha lutado dois duelos por sua honra e se movia nos círculos aventureiros.
Agora que Gabriel, para incredulidade de todos, casava-se com uma dama que parecia ter poucos interesses nos jogos amorosos da sociedade, as oportunidades de Merry para seduzi-lo pareciam muito débeis. Conseguiu, entretanto, apanhá-lo no corredor durante uns poucos momentos em seu caminho para as escadas que conduziam à sala de jogos.
- Merry. - Parecia incomodamente divertido de estar a sós com ela
- Justo quando vou reunir-me com Timothy. - disse, sem aceitação em seus olhos que alguma vez tinham estado à beira de uma aventura amorosa - Esta é uma esplêndida festa, provavelmente minha última como solteiro. Eu...
Era tão cortês, tão formal em contraste ao cafajeste que ela tinha conhecido em primeiro lugar, que Merry soube que o tinha perdido como potencial protetor.
Entretanto, seu orgulho não lhe permitia soltar totalmente o gancho.
Consolou-se com a possibilidade de que seus instintos varonis tivessem
sido machucados em Waterloo. Por que um libertino se aderia agora às normas que previamente tinha alardeado? Ela achava estar à altura de sua desejável sexualidade. Tinha rechaçado várias ofertas antes que Timothy lhe apresentasse um generoso contrato para ser seu protetor.
Ela havia dito que Gabriel era insuperável na cama. Desejava-o, embora só fosse uma vez. Ele era delicioso, um perigo que as mulheres adoravam.
- Está apaixonado, Gabriel? - perguntou-lhe suavemente, a possibilidade tão intrigante para ela como tão pouco provável de que ela experimentasse alguma vez esse tipo de aflição. Uma cortesã bem-sucedida não se atrevia a pensar em semelhantes termos, inclusive se ocasionalmente caía no engano de afeiçoar-se por um de seus admiradores. Se Gabriel de verdade se apaixonara por essa dama de aldeia, Merry e suas cortes teriam que perguntar-se como tinha acontecido, e como tinham perdido a oportunidade de capturar seu esquivo coração. Nenhuma dela o tinha considerado como um potencial marido.
Colocara-se diretamente em seu caminho, se por acaso ele tivesse a mínima intenção de afastar-se. Merry estava lhe oferecendo todo incentivo. Era magra, apenas vinte e um anos, uma jovem culta, uma beleza loira platinada que vivia para o prazer.
- Nunca imaginei que perderíamos sua companhia. -acrescentou com um carrancudo suspiro - Tem que te casar com ela? - perguntou, como se ele tivesse fecundado à irmã de um conde e isso explicasse a repentina cerimônia.
Ele sorriu.
- Sim, estou apaixonado, e tenho que me casar com ela, embora por nenhuma outra razão mais que porque não posso vislumbrar minha vida sem ela. Isto satisfaz sua curiosidade?
Foi impossível admitir sua franqueza.
- Na verdade Gabriel confesso que minha curiosidade é mais despeito que satisfação. Nunca sonhei que estava disposto a ter uma relação permanente.
Ele sorriu olhando-a no rosto.
- Não estava. De fato, pode ser que tenha estado preso em um pelourinho toda minha vida, esperando-a para me libertar.
Ela enrugou seu nariz.
- Que horroroso sentimento. Espero que não se torne poético conosco depois de se casar. Foi um convidado mais provocante como jogador.
- Falando disso, estou em meu caminho à sala de jogos. Quer me acompanhar? Estou certo de que Timothy está sentindo saudades.
- Vá você mesmo. Não desejo cheirar a cigarros para o resto da noite.
Ele se virou. Não havia nenhum criado no corredor para guiar as correrias dos convidados.
- É a esquerda, não é verdade?
- Sim - disse ela distraidamente quando uma voz a chamou da parte inferior das escadas - A terceira porta ao fundo. Em frente a meu dormitório, não é que esteja interessado. A porta está aberta. Sempre está aberta para você.
Sorriu enquanto ela partia zangada, olhando uma vez para trás para lhe dar um esperançoso olhar.
- Teríamos tido um caso formoso, Gabriel. Nunca saberá o que perdeu.
Ele sacudiu sua cabeça e seguiu caminhando pelo corredor, lançando um olhar divertido ao aposento esplendidamente decorado de Merry.
A colcha de seda âmbar tinha sido posta para a noite. Vinho e taças colocadas sobre uma bandeja junto com um prato de friável queijo
branco, bolachas e bolos de creme de framboesa.
E não o tentou absolutamente.
Quando se virou de novo ao corredor, escutou um débil som de vidro, seguido por uns amortecidos passos. Tinha tido Merry um admirador secreto à espreita? Um que se zangara, ou um que não fora convidado absolutamente? Contou o número de convidados com quem tinha jantado. Cinco tinham ido com Timothy a jogar cartas. Os outros tinham permanecido escada abaixo.
Atravessou a porta.
A janela que dava ao beco traseiro estava aberta, uma brisa fresca franzia as cortinas. Sentiu uma pontada de alerta em sua nuca. Um pequeno pote de cosmético jazia quebrado no chão de madeira. Uma rajada de vento o puxou da penteadeira?
Inverossímil, considerando a distância.
Cruzou o quarto e desceu o olhar ao beco de baixo. Havia outra casa na esquina que era utilizada como uma casa de jogos. Podia ver um punhado de homens bem vestidos jogando no balcão, aristocratas que podiam permitir-se perder e que perdiam frequentemente.
Virou-se da janela e viu a figura mascarada de um homem em pé na porta do armário, olhando-o.
Mas o entretenimento da noite não tinha sido um baile de máscaras.
- Está perdido, senhor? - o homem lhe perguntou com ar de autoridade.
Gabriel caminhou ao redor de uma cadeira. Algo nessa profundamente ressonante voz revolveu uma nebulosa lembrança. Era um dos Boscastles interpretando um ardil em sua última noite de excessos de solteiro?
Reprimiu um sorriso. Merecia ser apanhado depois de todas as perversas táticas que tinha utilizado com seus primos, particularmente
com Drake e Devon, que tinham sido convidados à festa desta noite, mas não tinham apresentado seu comparecimento. Se não olhasse atrás dele, provavelmente terminaria em um carro de nabos rodando pelo Picadilly ou em qualquer outra festa atendido por cada mulher e companheiros de jogos que tivessem rancor contra ele.
O pensamento de aguentar outra festa o tornou impaciente por ver Alethea. Seus amigos ririam se soubessem que ele preferia jogar whist com ela que outro jogo com um príncipe estrangeiro quem não estremeceria se ele ganhasse ou renunciasse a uma fortuna.
Mas ele pareceria uma má presa se ao menos não fingisse estar de acordo com suas brincadeiras, embora ainda não pudesse determinar a identidade deste mascarado cavalheiro-brincalhão.
E toda essa conversa com Merry tinha sido parte de um elaborado esquema para atrai-lo a este aposento?
Só podia imaginar as humilhantes consequências se tivesse sucumbido a sua oferta. Era o tipo de sujo truque que teria jogado ele próprio.
Relaxou-se, olhando fixamente ao outro homem.
Era seu primo Devon Boscastle, cuja curta etapa de vida como salteador de estradas que demandava beijos de suas vítimas femininas havia lhe trazido uma breve, mas embaraçosa celebridade? Entrecerrou os olhos.
Devon não.
Este homem tinha uns ombros ligeiramente mais largos e uma graciosa aura sobre ele, como se estivesse desafiando Gabriel para identificá-lo. Possivelmente precisava ouvi-lo falar outra vez.
- Está você perdido, senhor? - Gabriel perguntou, aproximando-se mais.
- Não - o estranho respondeu com regozijo - Não, mas como todo mundo acredita que estou, agradeceria se você não os iluminasse.
Suponho que posso contar com você.
Gabriel procurou em seu cérebro para situar essa voz.
- É você parte de uma brincadeira que me pregaram?
- Pode ser que o tenha sido alguma vez. - o homem respondeu com um irônico sorriso.
- Então é um Boscastle?
- Sim. E você vai casar-se logo, conforme soube.
- Está convidado ao casamento? - Gabriel perguntou com indiferença, tentando baixar a guarda do homem para que assim continuasse falando. Sua máscara e a capa com capuz tornavam difícil pôr uma cara a essa atitude vagamente familiar.
- Ai! Não vou poder assistir.
- Deve jogar cartas, entretanto? - Gabriel perguntou com curiosidade.
- Em realidade não, estava a ponto de sair.
- Através da janela da sala de seu anfitrião e anfitriã? Isso não demonstra muito boas maneiras.
- Não estou seguro de que a Srta. Raeburn tenha respeitado os bons modelos ela mesma. Ou assim ouvi.
Gabriel assentiu com a cabeça como se estivesse dentro de uma conspiração.
- No que estou me colocando esta noite? Não tem que derramar a vasilha inteira de sopa. Farei o melhor para atuar como o menino retardado da família.
Um suave passo retumbou fora do aposento. O homem da máscara olhou para cima bruscamente.
- Não me reconhece, não é verdade?
Uma suspeita se levantou na mente de Gabriel. Não era um de seus primos.
- Dominic - supôs - O marido de Chloe?
Ante a breve vacilação do homem, essa lembrança oculta se moveu dentro da mente de Gabriel de novo.
- É parte de uma brincadeira? - perguntou-lhe diretamente - Se for assim mais vale que termine com isto. Tomarei meu destino como um homem.
O sibilante sussurro da seda atrás da porta poderia ter passado despercebido para homens menos acostumados a roubar através das sombras. Quando isso aconteceu ambos se viraram para olhar ao uníssono para a interrupção. O instinto inicial de Gabriel foi escapar. Mas então se recordou que pela primeira vez em uma década, não tinha feito nada que lhe exigisse fugir ou ocultar sua presença.
Era o convidado de honra nesta casa esta noite. A presença do homem junto a ele ainda não tinha sido clarificada. Possivelmente não era um brincalhão depois de tudo. Possivelmente Merry tinha uma inclinação pelos mascarados cavalheiros furtivos em seu dormitório. Ela tinha um apetite luxurioso, e de repente ele compreendeu quão torpe seria explicar o que estava fazendo ali dentro.
Não tinha nenhum desejo absolutamente de ser apanhado outra vez
por
Merry,
ou
ainda
pior
por
outro
convidado,
que
compreensivelmente assumiria que Gabriel não estava fazendo nada de bom. Ia casar-se em poucos dias. Alethea nunca acreditaria que ele era inocente. E quem a culparia?
- Penso que deveria ir. - disse o mascarado com precipitação.
- Suponho que a senhora está buscando-o. Francamente foi convidado por ela. - Voltou o olhar ao hóspede mascarado, que se tinha arrojado furtivamente ao vestidor. - Espere um minuto - murmurou - Não se atreva a me deixar só com a mulher que teve todo o trabalho de convidá-lo a sua cama.
Os ombros cobertos do homem se sacudiram pela risada.
- Sua cama? - Travou a porta do vestidor e se virou para abrir o
batente da janela, que dava a um beco repleto de pequenas carruagens de aluguel e coches.
- Posso lhe pedir um favor?
Gabriel deu uns poucos passos aproximando-se, soprando com regozijo. Como demônios tinha terminado neste cilindro?
- Vai saltar?
- Sim, farei-o. Desfrutei conversando com você, mas temo que teremos que continuar nossa conversa em outro momento. - O ferrolho rangeu quando foi manipulado por uma alavanca ou a chave mestra.
Gabriel olhou a seu redor e só então se deu conta de que duas das gavetas do armário prateado não tinham sido empurradas para trás corretamente em seu lugar.
- É um ladrão. - disse com repugnância - Não é nenhum amante nem é parte de nenhuma conspiração Boscastle.
O homem riu de novo, apoiando-se no peitoril da janela.
- Possivelmente não a conspiração que você pensava. É bom vê-lo de novo. Lamento não poder assistir a suas bodas. Sua noiva é muito bonita, segundo lembro. Acontece que o fez bem por si mesmo.
Gabriel arrancou a adaga de sua bota.
- E acontece que não estou acostumado a ser condenadamente cordial com um ladrão de casas.
- Você, Gabriel... no lado da retidão moral? Eu gostaria de poder ficar e descobrir como aconteceu isso ao duro pequeno irmão que recordo com tanto carinho. Acredito que estou orgulhoso de você. Um dia terá que me explicar como chegou a isto.
- Irmão... Você!
A porta se abriu e uma morena, também mascarada e vestida com um elaborado traje isabelino, deslizou gradualmente pelo aposento.
- Onde está, demônio? - sussurrou ela em voz baixa - Estive buscando-o toda a noite.
- Não soa muito amistosa para uma sócia. - Gabriel disse ironicamente, inclinando-se contra a parede.
- Não me delate.
- O inferno que não o farei. Por que devo ajudá-lo? Nenhuma maldita vez fez nada por mim.
- Devolver-lhe-ei o favor. - Os dentes brancos do homem cintilaram com uma careta familiar, e Gabriel baixou sua faca.
- Você bastardo. É o malandro de Mayfair pelo qual me estiveram jogando a culpa.
- Encantador ver-te, também, Gabriel.
E a encapuzada figura deslizou por uma corda que tinha sido presa à travessa, pendeu durante dois segundos no ar, depois aterrissou de cócoras sobre uma carroça cheia de feno.
Outro homem emergiu do beco e saltou na carroça para conduzir um par de pôneis salpicados. Gabriel amaldiçoou e olhou às sombras da noite envolvendo-os até que sentiu a inconfundível boca de uma pistola cravar-se em suas costelas.
- Fique lentamente com suas mãos levantadas. Juro que dispararei se saltar de outra janela esta noite. Como trocaste suas roupas tão rápido?
Capítulo 41
Às seis da tarde dessa mesma quinta-feira, Alethea tinha passado rapidamente da casa de seu irmão em Cavendish Square, à mais impressionante carruagem que tinha tido o prazer de ver. Como irmã de um conde, não se comovia facilmente, como alguém acostumado a mobilizar-se em uma carruagem de postas. E quando os dois lacaios solícitos a tinham instalado no interior, com os seis cavalos brancos relinchando com impaciência aristocrática, uma multidão de curiosos se reuniu no meio-fio a observar.
Alguém perguntou alto se o Marquês de Sedgecroft tinha instalado uma amante.
Ela tirou a cabeça fora pela janela e disse:
- É claro que não. É fiel à marquesa.
Um dos reunidos era sua prima, Lady Pontsby, que acabava de voltar de uma conferência com seu marido. Fez um sinal de aprovação a Alethea, levantou o nariz e secamente deu instruções aos espectadores para que a deixassem passar. Quando este intento falhou, um lacaio alto e intimidante saiu da carruagem a grandes passos , com os saltos soando, e altivamente ordenou que deixassem o caminho livre.
- Poder-me-ia dizer aonde me vão levar? - Alethea perguntou a esta pessoa formidável, que reconheceu como o lacaio do marquês, o mesmo que a tinha guiado através dos corredores secretos da casa de seu patrão.
Usava peruca, tinha o nariz largo, e era muito atento com esta encantadora dama jovem, que conforme lhe tinham informado, ia fazer uma conexão desejável com a dinastia Boscastle.
Disse que se chamava Weed, o que já sabia. Revelou-lhe que tinha um irmão, Thistle, também ao serviço Boscastle, e nenhuma tarefa era muito corriqueira para eles, ou seus ajudantes, para agradar Alethea.
E se dedicou a fazer uma inspeção minuciosa do interior espaçoso da carruagem, para assegurar sua comodidade. Aparentemente tudo estava bem, até que o olhar ardiloso se fixou em suas sapatilhas de cetim azul, gastas.
Pareceu que ia se afogar. A ela lhe acenderam as faces, provavelmente todos seus sapatos tinham uma mancha ou uma nódoa ou lhes faltava um salto.
- Levam-me para ver o marquês? - perguntou subitamente ansiosa ante a perspectiva de um encontro privado, quando tinha estado tão serena. Não havia nenhuma razão para temer um encontro com Grayson outra vez, mas todo este alarde, demonstrava uma importância que a punha nervosa.
- Não, milady - disse gravemente. - foi convidada a um lanche leve com a marquesa e as outras damas da família.
- Oh, céus. Não sei se estou vestida de acordo à ocasião. - Pelo que Alethea recordava, a marquesa poderia ter posado para uma revista de modas.
Weed golpeou no teto, com um sorriso tranquilizador.
- Faremos um pequeno desvio, e então tudo sairá bem.
Alethea se acomodou sob a manta forrada de arminho, sentindo-se em boas mãos. Se Weed tinha mais irmãos disponíveis além de Thistle
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para trabalhar, como Dandelion , com a aprovação da família, rogar-lhes-ia que entrassem em serviço para seu marido.
A possibilidade de voltar para Helbourne Hall, que estava em tão más condições, e criar as crianças de Gabriel aí, a fazia franzir o cenho.
A carruagem rodou pelas ruas e nesse momento estava se detendo frente a uma loja fechada. Lançou uma olhada fora e não se surpreendeu ao ver cintilar uma luz nas janelas em cima da loja e a alguém que se aproximava da porta fazendo gestos a Weed para que
entrasse. Tinham só passado cinco minutos, e o lacaio voltou com duas caixas, que depositou delicadamente no assento frente a ela.
- Cortesia de Lady Sedgecroft.
A carruagem voltou a partir. Olhou à rua e viu um homem jovem, estranho, sentado na calçada, que a olhou com admiração. Desde o dia que tinha sido testemunha da humilhação de Gabriel no pelourinho, cada vez que passeava de carruagem, pensava nele, inclusive quando estava felizmente prometida com outro. Inclusive quando sabia que Gabriel estava longe, brigando na guerra junto a seu irmão e primos.
Talvez sempre tivesse um lugar terno em seu coração para aquelas crianças más, perdidos, e as meninas que não podiam evitar amá-los. E
Gabriel parecia compartilhar esta simpatia, e embora não quisesse admitir nenhuma fraqueza, tinha descoberto que tinha tomado seu xará sob sua proteção, antes de ir-se de Helbourne.
Finalmente a carruagem diminuiu a velocidade. Baixou a vista e se deu conta de que tinha que abrir as caixas que havia trazido Weed.
- Está pronta para escoltá-la dentro, milady? - Weed perguntou aparecendo pela janela.
Rapidamente abriu a primeira caixa, e em meio de um delicioso
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esbanjamento de papel tisú , achou um par de sapatos de seda cinza. A segunda continha um delicado xale de cachemira prateada que cintilava com o brilho de uma teia de aranha em uma noite de verão.
Colocou os sapatos e o xale, um complemento perfeito para seu vestido azul-tormenta, e respondeu:
- Estou pronta, mas esta não é a residência principal do marquês.
Weed inclinou a cabeça e a ajudou a descer ao meio-fio.
- É a residência de seu irmão, Lorde Heath, milady.
- Lorde Heath. - exclamou abrindo muito os olhos. Não o tinha conhecido na festa de Grayson, mas no campo Alethea e a esposa do
padre riram da infame caricatura que expunha as partes privadas de Lorde Heath, e que sua esposa tinha desenhado em brincadeira só para perdê-la e encontrá-la circulando por toda a Inglaterra.
- Oh, céus. - Ela murmurou. - É alguém intimidante, não é verdade?
Que a família chama a Esfinge?
- Lorde Heath não está em casa. - Weed lhe informou, curvando seus finos lábios no que parecia um sorriso - Sua esposa e as outras damas da família a estão esperando.
Por certo foi Julia, a esposa de Heath, a que parou para dar as boas-vindas a Alethea. Em realidade, a reunião se parecia mais à iniciação de um concílio de bonitas bruxas jovens. Não sabia o que a fez se sentir tão a gosto em meio deste círculo cheio de fofocas, mas assim se sentia desde que conheceu essas lindas mulheres.
As damas fizeram uma pausa na conversa para saudar Alethea e lhe oferecer uma seleção de bebidas. Quando se sentou, o animado intercâmbio se reiniciou.
- Os homens Boscastle são retorcidos. - Julia anunciou com seu copo de vinho levantado para dar ênfase.
- Tenho uma condição a isso. - disse Chloe Boscastle do sofá onde estava com a cabeça apoiada no ombro de sua cunhada Jane - As mulheres Boscastle também o são. Temos uma antiga reputação de desenvolvida astúcia como autodefesa.
- Jane e eu não nascemos Boscastle. - Julia disse servindo um copo de vinho a Alethea.
- Mas acredito que somos retorcidas.
- Isso prova minha teoria. - disse Chloe - Os homens Boscastle as empurraram para que bancassem as espertas.
- Eu era ardilosa antes de conhecer Grayson - disse Jane com um sorriso malicioso. - Minha reputação se teria arruinado se não me tivesse casado com ele.
- Mas foi um varão Boscastle o que te forçou ao engano, em primeiro lugar. - disse Julia.
Jane encolheu os ombros.
- É verdade. Oh, eu gosto de seu xale e seus sapatos, Alethea.
- Obrigado - Alethea disse com um sorriso agradecido. - São perfeitos.
- Alethea tem uma reputação irrepreensível. - disse Chloe. - Ou tem algum segredo escuro que confessar?
- Não deve confessar nada até depois das bodas. - disse Jane. - E
me sinto obrigada a mencionar que nosso membro ausente, Emma, que está até seu delicado nariz em assuntos ducais, é a exceção à reputação da família completa, homens e mulheres.
- O tema que estávamos discutindo antes que chegasse - disse Chloe ondeando o dedo em direção a Alethea - é que o varão Boscastle, qualquer homem em realidade, deve ser treinado desde o começo.
Confio que se dê conta do que a espera. Gabriel teve uma vida bastante dura, mas assim foi com meu Dominic.
Alethea abriu a boca.
- Bom, eu...
- Conseguiu mais do que qualquer uma de nós atrevíamos a esperar - intercedeu Julia. - Nunca ninguém pensou que Gabriel seria domesticado.
Os olhos azuis de Chloe cintilavam com picardia.
- Nos diga como o conheceu, Alethea. Todos acreditávamos que nunca se apaixonaria. Vocês, as meninas do campo são muito tranquilas, mas foi no campo que me meti nos melhores problemas.
Charlotte Boscastle moveu o lápis para chamar a atenção. Era uma loira esbelta que tinha sido promovida recentemente à posição de diretora da academia para damas jovens que sua prima Emma tinha mantido nessa mesma casa, até que se tinha casado com o Duque do
Scarfield, um título que tinha herdado fazia dois meses.
- Fale lentamente, se não se importar. Estou registrando a história da família para a posteridade.
CAPÍTULO 42
Gabriel tinha deslizado a navalha dentro de sua manga, permitindo à dama do vestidor que se aproximasse dele, antes de voltar-se divertido e lhe capturar a mão na sua.
- Esteve perto, amor. Mais que um bate-papo é só por convite. E
não acredito que nos tenhamos conhecido como se deve.
Ela retorceu seu pulso para trás com força, como se esperasse que ele se esforçasse para retê-la. Quando não o fez, entrecerrou os olhos atrás da máscara que usava. Ela e seu irmão desaparecido tinham concorrido a um baile de máscaras juntos com o propósito de irromper em outra casa de Mayfair?
Eram sócios nas aventuras criminosas? Prestou atenção para escutar o estrépito da carroça na rua. Tudo o que escutou foi uma enxurrada de palavrões muito pouco femininos que se referiam a sua linhagem.
- Não é ele. - sussurrou exasperada.
- Quem não sou? - perguntou esperando que o iluminasse a respeito dos últimos dez ou mais anos da vida de seu irmão, Sebastian.
Ela se moveu para a janela ignorando a pergunta. Gabriel não a seguiu, mas ficou examinando a pistola que lhe tinha confiscado. Talvez precisasse identificar o outro homem, é claro, mas tinha curiosidade do que sabia de seu irmão. Podia lhe haver dito que Sebastian tinha sido um grande mestre de fugas desde que soube cavalgar.
Olhou-o acusadoramente.
- Deixou-o ir-se. Tem ideia de quem é?
Tinha mais que uma noção.
- Não sei quem é você, nem por que queria atirar nele.
- Não o fiz, em realidade.
- Então por que...?
- Provavelmente é melhor que nunca o descubra. - Voltou para entrecerrar os olhos atrás da máscara. Os cabelos lhe estavam escapando pelas bordas do capuz.
- Parece-se assombrosamente a ele.
- Sim? Bom, não posso discutir ou discrepar, só o vi com o disfarce. - Fez uma pausa. - Importar-se-ia em me dizer por que estão vestidos assim?
- Fomos a um baile de máscaras. - disse lentamente. - Nosso anfitrião nos mandou em busca de um tesouro.
- Ah. E irromperam dentro desta casa em lugar de simplesmente bater à porta, e pedir ajuda a seu dono?
- Não, exatamente. Não estávamos roubando nada. As regras do jogo são manter nossas identidades secretas.
- E então, por que seu companheiro escapou de você?
- Estamos competindo. Temo que não lhe possa dar mais respostas.
- Vai ter que responder às autoridades.
Gabriel olhou o móvel alto contra a parede do vestidor, e de repente notou uma carta dobrada que tinha ficado presa entre as bordas desiguais de duas gavetas parcialmente abertas.
Trocou levemente de posição para bloquear a vista. Quando ela olhou diretamente aí, deu-se conta de que não se tratava de uma busca ordinária de tesouro. E a mascarada não tinha nada de inocente.
Notou como estava tensa. Pensou usá-la para extrair mais informação, mas subitamente já não estavam sós.
Outra pessoa tinha entrado no aposento, uma mulher, que chamou de modo brincalhão.
- Gabriel, é você me esperando? Em meu dormitório? Vá, querido malvado, o que o fez trocar de ideia?
Merry, Deus Santo. Olhou-a através do fio da porta do vestidor e
fez uma careta. Ninguém no mundo acreditaria que não estava aí por um encontro às escondidas.
Ninguém acreditaria que tinha pilhado dois estranhos fazendo não sabia o que, e que um deles tinha sido seu irmão.
E a outra...
Voltou a cabeça. A companheira de seu irmão tinha desaparecido, assim não mais, sigilosa como um gato. Amaldiçoou em voz baixa e foi à janela. Viu-a descer por uma corda e aterrissar agilmente sobre seus pés, suas chatas saias inflando-se.
- O que está acontecendo aqui? - exigiu um homem no fundo.
Retrocedeu da janela. Merry estava agora atrás dele, falando excitadamente a seu anfitrião, Timothy. Gabriel a olhou, aliviado ao comprovar que não tinha feito nada estúpido, como começar a tirar a roupa, enquanto estava distraído.
Levou Timothy ao vestidor.
- Quando ia à sala de jogo, escutei um ruído e vi um homem que andava furtivamente por aqui. Notei-o suspeito e o segui. Acaba de escapar. Olhe.
Timothy e Merry se amontoaram a seu redor, e os três viram a corda que caía à rua.
Timothy levantou a vista a Gabriel, agradecido.
- Poderia ter assassinado a todos enquanto tomávamos brandy, se não tivesse sido por você, Boscastle.
- Gabriel - Merry disse com voz ardilosa. - Há rumores que você esteve furtando das gavetas das damas de Mayfair, estes últimos meses.
Gabriel sorriu.
- É uma invenção encantadora. Estou comprometido, alma e coração, com uma formosa dama. Não tenho nenhum interesse em roubar as gavetas de nenhuma outra dama.
- Não esse tipo de gavetas. - disse Timothy malicioso. - O vilão em
questão esteve saqueando através...
Os três se voltaram em uníssono e ficaram olhando a carta que aparecia entre as gavetas de Merry.
- Minha correspondência privada - exclamou horrorizada. - Se alguém publicar essas...
- Seu preço subirá no mercado e não serei capaz de mantê-la. -
disse Timothy sobre seu ombro.
- É você, realmente, o homem que as autoridades estão procurando? - perguntou-lhe Merry, empurrando a carta à gaveta.
Timothy grunhiu.
- É claro que não. Entretanto, pergunto-me, Gabriel, se pôde olhar bem a esse intruso para que possa ajudar aos detetives a identificá-lo.
Cuide de Merry por mim, enquanto vou procurar um lacaio para que peça ajuda.
CAPÍTULO 43
Sir Gabriel respondeu todas as perguntas que lhe fizeram os detetives tão honestamente como pôde.
Conhecia o intruso?
Não. Não conhecia seu irmão. Era um estranho para ele, e disse isso, exatamente.
Poderia reconhecê-lo em um grupo?
Improvável. E se o reconhecesse não se deteria a renovar a relação. Tampouco se incomodou em mencionar à mulher que parecia estar seguindo Sebastian.
Entretanto, ainda tinha sua pistola, mas como não lhe perguntaram, não ofereceu essa informação. De qualquer maneira, estava vazia.
- Cavalheiros - disse finalmente Gabriel a seus interrogadores - dei-lhes toda a informação que pude, e lhes mencionei que vou casar depois de amanhã? Tinha a esperança de passar minhas duas últimas noites de solteiro em atividades mais estimulantes.
Os dois detetives lhe ofereceram abundantes desculpas.
Explicaram que só detinham os ladrões, e que o oficial regular tinha sido chamado a um assassinato na rua Old Bond.
Uma hora depois, a excitação da aventura do mascarado de Mayfair se esparramou por toda Londres. Não se tinha roubado nada.
Provavelmente se tratava de um brincalhão.
E a testemunha mais confiável até agora, a única pessoa que tinha falado com o homem, Sir Gabriel Boscastle, não podia entregar nenhuma informação útil para identificá-lo.
Desgraçadamente
houve
algumas
almas
suspeitas
que
questionaram a afirmação de Sir Gabriel de ter confrontado uma pessoa que se dizia era muito parecida com ele.
Tratava-se de um complô engenhoso para desviar às autoridades
da pista? Alguns se teriam convencido desta possibilidade, se o cocheiro de uma velha carruagem não tivesse declarado que nessa noite quase tinha se chocado com uma carroça que levava um homem disfarçado.
Quando o interrogatório estava terminando, Lorde Drake e Lorde Devon Boscastle apareceram para procurar Gabriel para levá-lo pela cidade. Contou-lhes o que aconteceu, deixando fora os detalhes.
Era sua última noite de solteiro. Amanhã de noite levaria Alethea ao teatro para ver uma peça. Seus primos não se decidiam em levá-lo ao Covent Garden, o antro de jogo com a pior fama, ou deixá-lo com Audrey Watson para um bom bate-papo.
Afinal ganhou o jogo. Alethea só se zangaria se voltasse com outra hipoteca. Nunca lhe voltaria a falar outra vez se punha um pé no estabelecimento de Audrey, apesar do mútuo apreço que ambos sentiam pela mulher.
Assim partiram em três carruagens diferentes, Gabriel e seus primos em uma, outros amigos da festa de Timothy no segundo e, o terceiro, transportava os seguidores que iam aonde os Boscastles iam, pelo privilégio de poder contar que o grupo infame os haviam convidado.
Os clubes lhes davam as boas-vindas. Os antigos amigos ficavam um momento, a compartilhar uma brincadeira, um gole, lembranças de quando eram solteiros. Mas para a maioria, a vida tinha mudado em Londres. A guerra tinha acabado e a expansão mundial consumia a mente dos políticos. Aqueles que eram suficientemente sensatos para dar-se conta do esforço que se requeria para sanar os problemas em casa, não tinham nenhum interesse em empurrar os limites territoriais para reinos longínquos.
Outros procuravam novas riquezas e terras para saquear.
O resto parecia contente de voltar para suas vidas em casa.
Gabriel tinha muito na mente para desfrutar. Já estava aborrecido com o jogo de cartas que estava ganhando.
Seus primos, Drake e Devon, não estavam jogando, falavam de política com um membro do gabinete.
Os jogadores consagrados foram aparecendo à medida que a noite avançava. Esse era o momento em que Gabriel, tipicamente, fazia sua aparição.
Mas agora somente jogava, e dividiu as três mil libras que ganhou, entre seus amigos. O patife ao que lhe tinha ganhado ficou em silêncio, olhando Gabriel sem expressão, sob o chapéu de palha. Gabriel nunca tinha jogado com ele antes. Mas um amigo disse que tinha estado ganhando continuadamente, e que era um trapaceiro. Tratava-se de um ex-cirurgião do exército de Yorkshire que andava com um grupo violento de soldados descontentes.
- Vou ao Brooks tomar um café - disse Gabriel a Drake - Terminei aqui.
- Espere, iremos todos.
- Me acharão lá. - disse estirando os braços sobre a cabeça -
Preciso caminhar.
Em realidade necessitava tempo para pensar a respeito do que tinha acontecido esta noite.
Certamente seria a última vez que caminharia pelas ruas de Londres, ao menos a caminho de algum entretenimento. O impulso de procurar uma distração tinha sofrido uma morte tão natural, que não se dera conta que já se fora. No passado, teria jogado meia noite, comido carne e peixe no Covent Garden, e em seguida passaria uma hora no Ranelagh ou Vauxhall. Tinha havido clubes, apostas de cavalo, jantares gastronômicos e mulheres bonitas desejosas de compartilhar seus dormitórios com um patife Boscastle. Tinha gozado enfrentando riscos.
Mas nenhum destes ex-lugares favoritos, tentava-o. Inclusive quando cruzou a rua e um grupo de oficiais amigos o chamaram e convidaram a ir de carruagem para comer lagosta na rua Bond, só riu e
os despediu com uma mão. Não seria uma boa companhia com o ânimo que tinha.
Convenceu-se que lhe dava no mesmo que seus irmãos o tivessem abandonado. Tinha sentido raiva quando era mais jovem, quando seu padrasto lhe quebrou uma mão porque tinha levado um cão de rua a casa, quando o homem machucou o rosto de sua mãe por defendê-lo.
Tinha crescido, brigado em uma guerra, fez-se jogador, vivendo das perdas de outros homens. Nunca tinha feito mal a ninguém sem razão.
Inclusive seu mundo tinha regras a seguir.
Porque Alethea o tinha escolhido, ele tinha escolhido deixar esta vida que cedo ou tarde o teria matado. Com sua dama criariam filhos e cavalos puro-sangue, juntos, levariam cães de rua e crianças perdidas a casa, sempre que pudessem. E se morresse jovem, como tinha acontecido a seu pai, sabia que seus parentes Boscastles, protegeriam a sua esposa e família, quando já não estivesse mais.
Era um homem. Seus dias de raiva e irresponsabilidade ficavam atrás. Tinha tido a oportunidade de realizar os sonhos que seus pais tinham tido para ele. Todos os pensamentos de vingança que o tinham impulsionado, já não tinham nenhum valor.
Isto era o que tinha acreditado até umas poucas horas atrás, quando seu irmão tinha reaparecido em sua vida.
Subitamente sentiu raiva outra vez, seus demônios tinham despertado, e as lembranças que achava enterradas se levantaram de suas tumbas para atormentá-lo.
Seu padrasto lhe atirando água suja no rosto quando ficava adormecido, ou cortando com uma faca o cabelo negro lustroso de sua mãe porque um aldeão lhe tinha feito um elogio no mercado. Os livros que Gabriel levava para casa da escola para ler, ardendo na lareira. Os sarcasmos cruéis a respeito da morte de seu pai, e Gabriel aguentando as lágrimas.
Sozinho. Seus três irmãos se foram. O maior escapou antes que morresse seu pai, mas Sebastian e Colin poderiam ter ficado. Por que tinha que proteger Sebastian? Por que não entregava esse bastardo podre às autoridades?
E não queria nada dele.
Deu volta a uma esquina e se deu conta que não estava na rua St.
James, mas em um beco estreito para o Piccadilly.
E não estava só.
Três homens vestidos de preto estavam parados frente a duas carruagens, muito bem vestidos para serem ladrões de carteira, mas pretendendo obviamente algo ruim, e não tinham notado que ele se aproximava.
Lançou um olhar ao outro lado da rua. A loja de chocolate fazia tempo que estava fechada; um bêbado ia à outra direção.
Respirou profundo e continuou caminhando. Um dos homens levantou a vista. E Gabriel o reconheceu. O cirurgião de Yorkshire ao qual tinha ganhado no antro. Com ele havia dois jovens altos, passeando agitados. Seu olhar desceu ao pau que um deles tinha escondido com a capa.
Sussurrou um palavrão, tirou a faca da bota sem perder o passo.
Não havia nenhum outro veículo na rua. Exceto uma carruagem maltratada puxada por um burro carregado com trapos e jornais, diabos, seria a mesma carruagem que...
Olhou ao bêbado desabado contra uma roda, com uma garrafa pendendo da mão.
Imaginou que seus olhos se encontraram?
Este não era... sim era. Sebastian.
Era um acerto? Uma emboscada?
Podia o último jogo ser uma armadilha desde o começo? Algum tipo de intriga política? Uma dívida pessoal que envolvia uma mulher?
Ia ter que figurar os detalhes mais tarde.
No momento tinha que reagir. Agarrou bem a faca.
Talvez pudesse agradecer depois a seu irmão por submetê-lo ao ataque de um bando de rua, justo quando tinha que apresentar-se intacto a suas bodas depois de amanhã.
Entretanto sabia que poderia fugir. Seus instintos lhe disseram que o perseguiriam, mas ele era malditamente rápido com seus pés.
Não tinha passado a rua do vigilante com sua tabuleta de advertência de "Cuidado com as Casas Más". O mais provável era que o raspador de ossos de Yorkshire e seus dois demônios fossem estranhos em Londres. Gabriel poderia lançar-se a toda carreira através da rua Half Moon e perdê-los no Piccadilly. Mas estava começando a garoar.
Preferia brigar em vez de correr como um covarde sob a chuva.
Sentia curiosidade a respeito do que tinha que ver seu irmão neste assunto desagradável.
Examinou a rua; seus passos ecoavam na bruma que baixava. A figura jogada sobre a roda não se moveu, inerte ao mundo, despenteado, e o rosto escurecido com a imundície.
Bom disfarce pensou Gabriel divertido. Os três homens se apressaram contra ele, enquanto uma pequena carruagem estralou pela esquina e desapareceu na névoa. Gabriel jogou na boca-de-lobo o primeiro homem que o atacou, antes que os outros dois o imobilizassem pelo pescoço e ombros e o arrastassem a um beco atrás da taverna.
Um gato passou como uma flecha. Uma portinha se fechou na janela de cima iluminada com uma vela.
- Onde está meu dinheiro? - perguntou o cirurgião com um sorriso, lhe pondo um bisturi no pescoço enquanto seu companheiro lutava por restringi-lo.
Gabriel ficou imóvel um momento, apoiando-se com uma submissão enganosa no peito do outro homem para usá-lo como
alavanca. Com um sorriso sem humor, puxou uma perna para dentro e com um pontapé em dois tempos, mandou ao homem mais alto para trás uns quantos degraus mais abaixo.
- Dei-o para caridade - disse preparando os punhos - Se quiser mais, há uma igreja à volta que admite mendigos.
O cirurgião ficou em pé de um salto.
- Não quero só dinheiro. - A saliva marcava suas palavras e uma folha longa e curva brilhou na garoa - Quero que seu sangue corra pela boca-de-lobo. Quero estripá-lo e alimentar aos ratos da cidade com seu corpo.
Gabriel suspirou. Deus sabia que desfrutava de uma boa briga como qualquer oficial de cavalaria desocupado, mas já tinha um olho arroxeado, e seria feio se prometesse fidelidade a sua esposa com um sorriso sem dentes.
- É um maldito mau jogador. Não tenho nenhuma razão para acreditar que será melhor brigando. E em nome de todos esses pobres bastardos que morreram sob sua faca em nome da medicina, vou igualar o marcador.
A faca de Gabriel brilhou, e imediatamente pôs ao estúpido contra a parede, com a ponta da folha pressionando delicadamente a jugular.
- Realmente deveria matar você. Mas a visão do sangue fresco...
Deixou a frase pela metade enquanto ouvia passos correndo atrás dele, em seguida sentiu o pau lhe golpear o ombro. O primeiro bastardo se recuperara o suficiente para vingar-se. E o golpeou duro, balançando o pau na parte de atrás da cabeça de Gabriel desta vez.
Agachou-se, virou e lhe deu uma cabeçada no estômago.
- Mantém firme. - disse o cirurgião e Gabriel puxou o cotovelo para trás enquanto o bisturi lhe cortava a manga da jaqueta. A pele lhe ardeu.
Nada fatal, uma cicatriz a mais.
- Gabriel!
Viu movimento a sua direita, dobrou a cabeça o suficiente para ver o infeliz da rua que tinha estado atirado a um lado da carruagem. Seus dois assaltantes também o notaram, e com a distração momentânea, pode soltar-se enquanto seu irmão avançava.
- Quem lhe pediu ajuda? - disse, enquanto pegava a espada que Sebastian lhe atirou.
- Nossa mãe. - O rosto sujo de Sebastian rompeu em um sorriso atraente - Parece que descuidei dos meus deveres fraternais com você, e agora tenho que compensá-lo.
Gabriel provou o peso da espada em seu braço, e grunhiu.
- Não tive necessidade de minha família por... nem sequer acredito que tenho uma família, exceto uns quantos primos em Londres.
Sebastian retrocedeu para Gabriel até que ficaram ombro com ombro, as espadas levantadas, os corpos fazendo um círculo ao uníssono, para defender do ataque que viesse de qualquer parte.
- Ainda quer me renegar? - Sebastian perguntou à ligeira.
Gabriel riu.
- Você me renegou faz muito tempo. Não quero saber nada de você. O que quer de mim, em todo caso, além de se fazer passar por mim para roubar às mulheres?
- Achou que eu não iria aparecer para dar os melhores desejos a meu irmão mais novo no dia de seu casamento?
Gabriel entrecerrou os olhos. O cirurgião tinha tirado uma pistola do cinturão.
- Desapareceu sem se despedir quando foi, para que incomodar-se agora? Tem uma pistola, sabe?
- Não é o herói que confiscou quatro canhões inimigos e jogou cartas sobre o quinto? Dirigiu-se muito bem sem mim.
Empurrou Gabriel para trás de si quando a pistola brilhou na garoa.
- A arma funciona, também.
Gabriel começou a amaldiçoar. Uma queimadura que começou a estender-se desde suas costelas inferiores esquerdas, apagou as palavras em sua garganta. Olhou para baixo esperando ver uma mancha escura de sangue. E viu sangue que fluía de sua própria carne assim como do braço de seu irmão que o tinha passado a seu redor para absorver o balaço.
Sangue de irmãos. Diabos, não ia se deixar levar pelo sentimentalismo.
- Não vou esquecer tão facilmente, bastardo. -murmurou, agachando-se em uma posição protetora para lançar a faca, com a espada em alto na outra mão.
Sebastian se deixou cair a seu lado, sorrindo sombriamente.
- Me dá no mesmo se não esquecer. É nossa mãe que me preocupa.
Os outros três homens se aproximaram ao redor dos dois irmãos, que tempos atrás tinham atacado as crianças do povoado por esporte.
- Ela não vai voltar para a Inglaterra, não é? - perguntou Gabriel preocupado.
- Isso depende de seu novo marido. Se o fizer, teremos muito que explicar.
Gabriel saltou para cima atacando com a espada um dos assaltantes e dando um pontapé na virilha do outro. O sabre de Sebastian cintilou. O cirurgião caiu com um gemido em um atoleiro de imundície.
- Tenho-lhe escrito regularmente. - disse Gabriel distraído -Embora não estou orgulhoso de tudo o que tenho feito, não tenho nada que esconder.
- Embora não seja nenhuma surpresa, eu tenho. - disse Sebastian em uma resposta impecável.
- A última coisa que soube - Gabriel fez uma pausa e continuou -
tinha deixado a infantaria e estava desaparecido.
- Bom, ainda estou. - respondeu - Oficialmente falando, isso sim.
Não deixe que mamãe chore por mim, se vier a Inglaterra. Depois lhe contarei tudo.
Gabriel fez retroceder seu oponente até uma parede, com o sabre lhe apontando ao pescoço, mas mudou de ideia e se moveu para deixá-
lo escapar, o que este fez sem nenhum olhar de pesar para trás por seus cúmplices.
- Deveria perguntar por meus outros irmãos?
Gabriel se voltou baixando a espada. Arrastando o cirurgião com ele, o outro atacante desapareceu. E aparentemente isso mesmo tinha feito Sebastian. Sem contar o dano sofrido pelo corpo de Gabriel, só a fina espada francesa que tinha na mão, era prova que o ataque tinha ocorrido.
Quando saiu do beco, já tinha parado de garoar.
A carruagem na esquina também se fora, como se nunca tivesse estado aí, e uma procissão de carruagens de uma festa que estava terminando na rua Curzon, iluminava o caminho com seus faróis.
Doía-lhe o braço, a cabeça lhe zumbia. Parecia um mulherengo pouco respeitável procurando problemas.
Em dois dias, se Deus quisesse, teria uma esposa, a menos que o visse neste momento e desistisse das bodas. Teria sua própria família que não incluía os três irmãos que o abandonaram.
- Oh, meu Deus - disse uma profunda voz varonil, em uma esquina onde tinha chegado caminhando - Deixamos você só uma hora, e olhe como está.
- Suponho que não tem uma garrafa de brandy e um lenço com você, Drake?
Drake se endireitou consternado.
- Se coloque na carruagem. Onde está ferido?
Devon e Heath saltaram ao meio-fio, afastando-se ante os ferimentos de Gabriel.
- Quantos homens eram? - exigiu Heath - Se foram?
- Onde conseguiu essa elegante espada? - disse Devon olhando a espada que Gabriel quase tinha esquecido - Não a tinha quando foi do antro.
- Encontrei-a.
-Encontrou-a? - disse Heath nessa voz calma que tinha desarmado e enganado a incontáveis inimigos que os levava a acreditar que era o que parecia ser: um aristocrata inglês que falava suave, interessado mais em assuntos acadêmico que em qualquer outra coisa.
Mas Gabriel sabia.
Heath tinha sofrido torturas horríveis e não se quebrara.
E Gabriel tampouco ia se quebrar.
- Um dos homens que me atacou, pode havê-la deixado cair - disse dando de ombros - Ou talvez pertencesse a esse personagem tosco da carruagem parada em frente à loja de bonecas quando passei. Talvez a roubou. Tudo o que sei é que a recolhi e me serviu muito bem.
- Importa-se se levo isso para casa? - perguntou Heath.
Gabriel hesitou.
- Já que o menciona, eu gostaria de deixar isso como um talismã.
Examiná-la-ei mais tarde. Se notar algo suspeito ou alguma pista que indique a identidade de seu dono, voltarei correndo de onde estiver.
- Assim não lhe perguntou o nome? - Heath perguntou abrindo a porta da carruagem.
Gabriel moveu a cabeça.
- Não. Tampouco lhe pedi um certificado de antecedentes.
- Acho isso um pouco desconcertante.
- Sabe como é Londres. A maioria das pessoas que andam tão tarde na noite, anda procurando o perigo ou são desequilibrados.
- Bem, confio que tenha recompensado ao misterioso Galahad.
- O teria feito se a guarda Boscastle não tivesse chegado para espantá-lo. - Empurrou a mão contra a porta - Não quero ser mal educado, mas já é tarde para uma conversa, e me estou reformando.
- Tem a camisa rasgada, um olho arroxeado, e está começando a inchar o lábio. Alethea está com a Julia e as damas. Vai dar um bom susto.
Gabriel esfregou a rosto.
- Nunca vai acreditar que não fui eu que comecei a briga.
Haeth lhe deu um sorriso irônico.
- Então somos dois os que pensamos igual.
- Confesso-lhe, Heath, que estou muito cansado para dar sentido a algo esta noite.
- Espero que saiba que pode confiar em mim. Se você, ou qualquer membro de nossa família estão em problemas...
Assim sabia, ou pelo menos suspeitava que o estranho que tinha ajudado Gabriel esta noite, era Sebastian. Que mais sabia? Ou era um truque?
Atirou-se ao assento.
- O único problema que antecipo, é a explicação que vou ter que dar a minha noiva quando chegar maltratado e sangrando, depois de lhe haver prometido que me comportaria.
CAPÍTULO 44
Alethea se deleitou em companhia das damas Boscastles. Tinham-lhe servido sopa de agriões, salsichas, figos cheios e salgadinhos franceses, assim como partes saborosas das fofocas da cidade.
Como tinha sentido falta da companhia de outras mulheres, embora este não se tratasse de um grupo ordinário de mulheres. Nunca tinha ouvido uma conversa tão franca entre os membros de seu próprio sexo.
Jane, a marquesa de cabelos cor de mel, que tinha encantado o ambiente com seu aprumo inimitável, tinha pedido seu melhor champagne para celebrar a incorporação de uma nova aliada contra os bem amados homens da família. Chloe Boscastle, ou melhor, Lady Stratfield, tinha dado generosamente, seu vestido de noiva a Alethea, lhe advertindo que poderia ficar um pouco curto.
- Não me importa. - havia dito Alethea, um pouco apressada, embora por sorte, ninguém pareceu dar-se conta.
Não tinha nenhuma vontade de explicar sua reticência de situar-se no altar ao lado de Gabriel, levando o vestido de noiva que Jeremy lhe tinha escolhido de uma revista francesa de moda. Teria se sentido mais como um sudário, que a formosa criação barroca com pérolas que era.
Tinha tido a tentação de queimá-lo. Agora supunha que doá-lo a uma organização de caridade seria um gesto menos esbanjador e certamente não tão dramático.
- Não espero que algum dos irmãos de Gabriel venha ao casamento. - disse Charlotte Boscastle, levantando a vista do caderno onde estava tomando notas.
Jane voltou a cabeça.
- Gabriel tem irmãos?
- Três. - murmurou Alethea mordiscando outro figo.
- Por que ninguém mencionou isso? - Jane franziu o cenho irritada.
- Como vou convidá-los aos assuntos da família e inclui-los nas festividades, se não estiver a par de sua existência? É realmente imperdoável de sua parte. Grayson deveria me ter dito isso, já que Gabriel não teve o trabalho.
Alethea se revolveu em sua cadeira. Como sua futura esposa, supôs que tinha que defendê-lo, bom, ela não podia defender a seus irmãos.
- Foram-se de casa quando eram muito jovens, e não acredito que Gabriel tenha mantido contato com eles depois. Soube que escreve a sua mãe, mas só de vez em quando.
- Céus. - disse Jane, seus olhos cintilaram com um fogo que eclipsaram aos diamantes que brilhavam em seu pescoço - Gabriel tem uma mãe, e não vai ser uma convidada em suas bodas?
Alethea sorriu. Recordava à mãe de Gabriel como uma mulher vital, uma jovem meio francesa cuja essência parecia animar as funções do povoado. Até que tinha perdido seu marido, Joshua Boscastle, tinha mantido seus formosos filhos sob controle.
- Acredito que atualmente está vivendo na França.
- Ouvi que vai se converter na esposa de um rico duque francês -
disse Charlotte sem pensar - Tudo o que sei de seu apaixonado é que perdeu toda sua família durante a época do Terror.
- Acredito que é verdade - disse Alethea - embora Gabriel não tivesse revelado isto com tantas palavras. Ele nunca fala de sua família.
Por seu silêncio, as pessoas poderiam assumir que para ele já não existiam.
- Bom, teria gostado que alguém de minha família me tivesse informado. - disse Jane aborrecida. - Ainda assim, espero que como mãe se sinta aliviada de que seu filho tenha encontrado um par como Alethea. Onde está Gabriel, Alethea? Tenho algumas instruções do
ministro para a cerimônia.
Alethea deixou a taça de champagne com um tinido agudo.
- Essa é uma pergunta que devo responder sinceramente. Só posso assegurar que se neste momento está fazendo alguma travessura, será a última. Helbourne Hall está literalmente caindo enquanto falamos. Suas obrigações como latifundiário o manterão ocupado por muito tempo. - assim como seus deveres conjugais. Alethea tinha uma boa ideia de como ocuparia seu tempo junto com Gabriel durante as noites frias de outono.
Jane franziu os lábios.
- Já entendo.
- Esperemos que ele também o faça. - acrescentou Alethea, vagamente consciente de que três copos de champagne e um noivo ausente não provocavam seu bom humor, apesar de que fazia afrouxar a língua a um grau alarmante. Se não se continha, terminaria confessando mais do que qualquer uma gostaria de ouvir.
- Eu não me preocuparia com Gabriel esta noite. - disse Charlotte com voz conhecedora - Drake e Devon prometeram lhe fazer companhia até as bodas. Pelo que, suponho, quiseram dizer que o manteriam afastado de qualquer velhacaria.
- Já tem um olho arroxeado. - disse Alethea antes que pudesse deter-se - Se se colocou em alguma travessura, simplesmente para demonstrar que é capaz uma última vez, então, bom será a última vez.
Isso é tudo o que tenho que dizer sobre o assunto.
- Pode dizer mais, se quiser. - a animou Chloe - Eu adoro o escândalo.
Alethea fez uma pausa.
- Há morcegos em Helbourne Hall.
Chloe ofegou.
- Morcegos? De verdade?
- Sim. - suspirou Alethea - Morcegos e maus criados.
Chloe se sentou no sofá.
- Eu me casei com um fantasma. Desafio Boscastle. Agora toca a você, Julia.
Os olhos cinza de Julia se iluminaram.
- Eu atirei em Heath antes de nos casar, porque o confundi com uma raposa raivosa.
- Isso não é nada comparado com a vinheta que desenhou dele. -
murmurou Chloe travessa.
- É a seguinte Jane.
Jane sorriu contrita.
- Apaixonei-me por Grayson no meio de meu casamento com outro homem.
Chloe fez um gesto de bater as asas.
- Seu turno.
Alethea vacilou.
- Apaixonei-me por Gabriel quando estava no pelourinho.
- Meu Deus. - exclamou Jane - Espero que tenha sido capaz de soltá-lo.
- E você, Charlotte? - Chloe perguntou com um sorriso zombador.
- Nunca estive apaixonada. - disse Charlotte erguendo a vista - E
provavelmente nunca me casarei.
- Não se continuar todo o tempo com o nariz metido em um livro e permanecer como diretora do colégio de meninas. - disse Chloe sem rodeios.
- Seu turno chegará um dia. - disse Jane com um gesto contundente que nem sequer o destino teria impugnado.
Chloe se levantou do sofá.
- Há alguém na porta. Provavelmente meus diabólicos irmãos.
Alethea voltou a cabeça.
- E vem o diabo de meu noivo entre eles?
Chloe se afastou das janelas com um suave suspiro.
- Sim, mas está com... - Alethea e as outras damas foram até ela.
- Outra mulher?
Chloe negou com a cabeça.
- Não. Vem com nosso doutor e temo que esteja ferido.
CAPÍTULO 45
Alethea estava muito esgotada para fazer outra coisa além de sentar-se na beira de sua cama, quando retornou duas horas mais tarde a casa de seu irmão. Quando tinha visto o sangue na camisa de Gabriel havia se sentido doente, a seguir zangada e finalmente aliviada quando se deu conta de que sobreviveria a sua última desgraça.
Entretanto, inclusive depois que o médico o atendesse, estava distraído e não parecia ele mesmo. Pensou que sentia mais dor do que admitia.
- Não me dói. - insistiu - Entretanto, estou envergonhado por todo este aborrecimento.
Fechando os olhos, ela caiu de costas sobre a cama. Confissões.
Sopa de agriões e champagne. Um matrimônio iminente. O que tinha acontecido esta noite a Gabriel?
Inclusive seus primos não podiam explicar por que tinha decidido caminhar só pelas ruas. Ou esse sabre de que recusava separar-se sequer um momento.
- O que lhe aconteceu esta noite, Gabriel? - sussurrou - Eu te contei meu segredo.
Sua voz a sobressaltou.
- Eu mesmo não estou certo de entender o que aconteceu. Talvez tenha sentido pela manhã.
Abriu os olhos com incredulidade, olhando seu rosto duro e anguloso.
- Não estará vivo pela manhã se meu irmão o pegar em meu quarto. Como entrou? Desde que irrompeu como um bárbaro, os criados fecham as portas com chave todas as noites.
- Seu irmão me convidou a entrar. - Deu um passo atrás e se deixou cair na cadeira junto à cama - Suspeito que pensou que me
meteria em menos problemas sob seu escrutínio que se ficasse só.
- Nesse caso... - ela se levantou da cama e foi atrás de sua cadeira deslizando suas mãos sobre seus ombros – Por que trouxe essa horrível espada a meu dormitório? Espero que não haja nada de sangue nela.
- Por favor, posso deixá-la aqui? Não é minha.
- Realmente achou isso?
- Deu-me isso um homem que não quer que se conheça sua identidade.
Deu a volta à cadeira para ajoelhar-se frente a ele, seus olhos graves.
- Espionagem?
- Não sei. Duvido.
- Mas não está envolvido em algo perigoso?
- Não.
Examinou-o atentamente.
- É o que o feriu?
- Não. - Acariciou-lhe a face e disse abruptamente - Vou.
- Por quê? - disse - Lhe dói? Vai encontrar-se com esse homem?
- A única dor que tenho é desejar você e ter que honrar a confiança que seu irmão depositou em mim.
- Então confia em mim agora, como eu confiei em você. - disse desafiando-o - Com quem se encontrou esta noite?
Sacudiu a cabeça.
- Um fantasma.
- Pelo amor de Deus, Gabriel!
Olhou-a e riu.
- Foi meu irmão Sebastian. Estava na festa de Timothy esta noite.
- Sebastian? - ela só podia conjurar uma vaga imagem de um Gabriel mais alto e um pouco maior - Tinha três irmãos.
- Era o terceiro.
- E se reuniram por acaso na festa?
Ergueu uma sobrancelha.
- Não nos encontramos comendo na mesa, precisamente. E não posso dizer se foi coincidência ou não. Acredito que o surpreendi no ato de irromper na casa.
- Seu irmão? Confessou-lhe isso?
Sorriu com cansaço.
- Em circunstâncias tensas. Não tinha ideia de que estava fazendo e inclusive se estava vivo. Assim quando me referi a ele como um fantasma, é como cheguei a pensar sobre ele. Sobre todos eles. Nunca trataram de entrar em contato comigo.
- Tentou contatar-se com eles? - perguntou, alisando uma ruga da manga de sua jaqueta.
- Por que deveria fazê-lo?
- Honestamente, Gabriel. Não se pode manter o afeto sem um módico esforço. Nunca me visitou apesar do que afirma a respeito de seus sonhos.
Inclinou a cabeça para ela.
- Sabe por quê?
- Não. Diga-me. - Aspirou profundamente.
- Mesmo em meus sonhos, nunca pensei que me aceitaria.
Levantou-se mais alto em seus joelhos e lhe passou os braços pelo pescoço.
- Dói-lhe muito para uma sedução desavergonhada? A última como homem solteiro?
Aspirou profundamente.
- Não.
Deslizou sua mão pelo ombro até os botões da camisa.
- Então, me permita.
Tomou a mão, seus azuis olhos acesos.
- Esta noite não, amor.
- Está me rechaçando?
- Estou mostrando a seu irmão que sou um homem de palavra.
- E o que tem seu desejo por mim? - sussurrou.
Sua voz rouca lhe acelerou a respiração.
- Quanto mais tempo arde, mais queima. - Olhou significativamente à porta, limpando a garganta - Me esqueci de mencionar que Robin está sentado justo fora, lendo um livro.
Ficou em pé de um salto.
- Não está!
- Sim, está. - respondeu seu irmão do outro lado da porta - Me deixe saber se algum de vocês quer uma xícara de chocolate antes de Gabriel se despedir.
CAPÍTULO 46
Alethea e Gabriel se casaram no dia de Michaelmas, a festa de San Miguel, na capela privada de Mayfair do Marquês de Sedgecroft. Só assistiram a família e seus amigos de confiança. Mas os bancos estavam abarrotados com o apaixonado clã Boscastle e um pequeno grupo dos amigos mais próximos a Alethea, de Helbourne. Seu irmão a entregou em matrimônio e levantou uma sobrancelha quando lady Pontsby começou a chorar.
Alethea conteve a enorme e inapropriada vontade de rir; as gargalhadas e brincadeiras dos primos de Gabriel para lhe alterar a expressão, não a ajudavam o mínimo. Prudentemente, este se manteve de costas à audiência, exceto uma vez que lançou uma olhada ao redor.
Seu olhar procurava na capela seu irmão ou alguém mais? Havia alguém que teria convidado ou que tivesse gostado que fosse testemunha de suas bodas? E se algum de seus irmãos se incomodou em vir, apresentar-se-ia como amigo, ou inimigo?
Suspirou quando se deu conta de que lhe importava mais do que demonstrava. Apesar de afirmar que os tinha esquecido, não tinha sido o mesmo desde a noite que viu Sebastian. Quando viu que seu olhar procurava pela segunda vez, olhou-o com um sorriso compreensivo.
Respondeu-lhe com uma promessa nos olhos, que a fez sentir-se prazenteiramente fraca.
- O fantasma? - sussurrou.
Piscou como surpreso que se dera conta de sua leve distração.
Entretanto, sua resposta foi mais surpreendente.
- Duvido que venha.
- Quer que venha? - perguntou-lhe em voz baixa.
Inclinou a cabeça, aproximando-a a ela. A fragrância de especiarias de seu sabão a fizeram sentir-se frágil.
- Não tenho certeza.
Baixou a vista a seu ramo de rosas vermelhas tardias, crisântemos brancos e hera.
- Devo admitir que espero que não venha. Não se vai se vestir com um estúpido disfarce e brandindo um sabre.
O rosto de Gabriel se relaxou com um grande sorriso.
- Diz-se que quando a família Boscastle se reúne, o escândalo é inevitável.
- Mas não num casamento. - sussurrou.
- Especialmente num casamento. - respondeu - Bom, talvez não neste casamento. Minha prima Emma advertiu a todos na família para que se comportassem, sob pena de morte.
O ministro levantou a vista do livro de salmos. De repente sentiu a sensação de que a estavam olhando. Ao voltar a cabeça à direita se achou sob o escrutínio de Emma, a prima de Gabriel, a Duquesa do Scarfield. Sorriu-lhe. A duquesa lhe devolveu o sorriso.
Fez-se silêncio na capela, mas para seu desconcerto, Alethea não podia se concentrar nesse momento.
Na aldeia onde ela e Gabriel tinham crescido, na praça pública onde o tinham castigado, estar-se-ia levando a cabo uma celebração.
Um menino forte do povoado, geralmente o filho de um Senhor, vestir-se-ia como San Miguel para matar o dragão, que era feito de uma corrente de crianças vestidas de partes verdes. Em geral todos estavam de acordo que a melhor celebração em Helbourne tinha sido quando as entusiasmadas crianças Boscastles vestiam-se de dragão fazendo que San Miguel, nesse tempo era Lorde Jeremy Hazletz... os perseguisse por toda a praça e as colinas, até que teve que se dar por vencido, envergonhado e zangado.
Até esse ano, San Miguel sempre tinha ganhado. Também poderia ter perdido ao ano seguinte, se a tragédia não tivesse golpeado à família
Boscastle, quando Joshua Boscastle morreu, e a vida da viúva e seus filhos se desintegraram.
Portanto, a Alethea parecia estranho estar casando-se com o dragão da aldeia, quando se supunha que pertenceria a seu santo matador e que o herói que seus pais tinham escolhido para ela tinha fracassado.
Só agora entendia que um herói falso podia esconder um coração cruel atrás das façanhas valorosas.
E um homem que tinha pecado como uma segunda natureza podia ser o herói mais poderoso de todos quando lhe davam a oportunidade para provar-se a si mesmo.
Sua voz foi tão segura quando trocaram os votos, que seus primos lhe assobiaram. Dominic, o marido de Chloe, sorriu abertamente. Um par de oficiais da cavalaria que conheciam Gabriel fizeram soar os pés e quando a ameaça de uma anarquia geral era patente, a Delicada Ditadora, a Duquesa do Scarfield, levantou-se, varreu os congregados com o cenho franzido e os sossegou. Depois disso e durante o café da manhã de camarões-rosa, peru assado e croquetes de caranguejo; durante o primeiro baile, os brindes com champanha e o corte do bolo, todos se comportaram.
Posta de sobre aviso com o persuasivo brilho do olhar de seu marido enquanto viajavam pelos caminhos com buracos de volta a Helbourne Hall, Alethea se deu conta que tinha sido sensata ao insistir em devolver o vestido de noiva à Chloe antes de ir-se de Londres.
Gabriel tinha se negado a parar nas duas hospedarias respeitáveis do caminho. Declarou com tom convincente, que ao estar tanto tempo longe de casa, bem podiam fazer um sacrifício e viajar durante a noite.
Alethea sabia bem que o verdadeiro motivo era apressar-se para chegar a casa. Também o seu. Não via o momento de chegar ao leito matrimonial.
- O lar. - disse ela com um sorriso nostálgico - Espero que os criados recordem que vamos chegar.
- Espero que se foram.
Quando a carruagem chegou frente à velha igreja normanda, na praça do povoado, pediu para parar um momento, para que os dois pudessem caminhar entre os fantasmas.
- Ainda parece igual. Não sei por que achei que se veria diferente.
Nada tinha mudado desde que o tinham castigado anos atrás. A antiga jaula balançava com a brisa atrás da tabela de castigo e o pau dos açoites da paróquia.
Não se tinham castigado sem-vergonhas aqui desde que Gabriel havia voltado. Nenhum menino se viu tão desesperado, para que uma dama de linhagem insistisse com seu pai que parasse a carruagem.
- Não sei que lição devia ter aprendido com isso. - disse sua alta figura envolta na capa negra eclipsando o lugar de sua humilhação.
- Lembra-se por que o castigaram?
- Sim.
E recordava a suave mão enluvada de uma menina na face, o sussurro de seu vestido enquanto se agachava a olhá-lo e que quando se levantou, tinha uma mancha nas luvas.
- Incorrigível. - disse sua esposa, abraçando-o.
Aproximou-a do calor de seu corpo, a seu coração.
- Está falando de mim ou de você?
- De ambos, mas não o trocaria por nada.
Embora estivesse muito distraído pelo desejo que sentia por sua esposa, conseguiu conter-se até que chegaram a Helbourne Hall.
Sentiu-se aliviado de que os criados tivessem feito um esforço para pôr a casa em ordem para sua nova proprietária; tinha-lhes mandado uma mensagem fazia vários dias que pagariam com o inferno se não cumprissem. Gabriel, seu cavalariço e xará, estava esperando acordado
no estábulo seu amo, ansioso de lhe demonstrar seu apreço.
Subiu com Alethea nos braços pelas escadas, com um sorriso indecente no rosto que anunciava suas intenções. Os vidros das janelas necessitavam de uma limpeza, mas mesmo assim, a luz da lua conseguia entrar. E bom, se havia morcegos na residência, esconderam-se temporariamente.
Desabotoou-lhe a capa com uma mão e depois as mangas do vestido inclusive antes de chegar ao patamar.
- Gabriel. - disse em um gemido suave, inflamada pelo calor pecaminoso de seus olhos - Desejo você.
- Não diga isso até que estejamos em minha cama. - lhe advertiu -
Ou a tomarei aqui nas escadas, e que os morcegos e os criados vão ao inferno.
- Que maneira de falar com sua esposa. - lhe disse sem fôlego - De qualquer maneira, já é quase de manhã, e prefiro um pouco de privacidade.
A capa lhe escorregou dos ombros. Poderia ter protestado, mas em vez disso o beijou no poderoso pescoço bronzeado e lhe desatou a gravata com a mão livre. Seu corpo musculoso estava quente e convidativo. Moveu-se levemente. A dura protuberância de sua ereção lhe pressionava no traseiro.
- Olhe o que fez. - lhe disse com um grande sorriso.
Ela fechou os olhos.
- Apresse-se ou vou desmaiar.
Agarrou-a firmemente.
- Não desmaiará até que não lhe dê um bom motivo. -Devorou-a com os olhos - E lhe darei isso.
O sangue lhe fluía febril, enquanto entrava no dormitório e a deixava na cama com uma colcha e lençóis limpos e frescos, com o aroma de raminhos de romeiro e sabão de lavanda.
O sorriso dela o convidava à sedução. Havia-se desinibido em seu leito, mas tinha outras lições sensuais a lhe revelar.
Aparentemente, ela também.
Levantou a mão e passou os dedos para baixo por seu peito, desabotoando os botões e laços. Seguiu descendo passando por sua cintura, depois da qual fez um rápido trabalho desabotoando o couro que a atava.
- Sente-se melhor assim? - disse-lhe acariciando seu pênis através de suas calças abertas.
- Sente-se... Não posso...
Por um momento sua garganta se fechou e teve que fazer um esforço para respirar. Ou talvez deixasse de respirar totalmente e sobreviveria de pura alegria.
Anjo. Cigana. Dama. De todas as imagens que tinha dela através dos anos, nada lhe produzia um prazer mais primário que pensar nela como sua esposa.
Despiu-a entre beijos lentos que tiravam o fôlego, estudando seu corpo suave e rosado, como quando se abre um presente ansiado há muito tempo.
- Posso terminar de te despir? - sussurrou. E lhe tirou a camisa pelos ombros sem esperar por sua aprovação.
- Em um minuto. - disse lhe apanhando a mão. Sua língua rodou ao redor da dela com tal destreza erótica, que as mãos caíram ao lado, dominada. - Quero apagar de sua mente toda lembrança que a tenha feito triste.
- Mas quero tocar você. - disse obstinadamente.
- Com cicatrizes e tudo? - perguntou-lhe, mas já estava a sua mercê, antes que ela levantasse as mãos, desta vez para lhe puxar os quadris.
- Quero que esqueça como se fez essas cicatrizes.
Tirou a jaqueta e a camisa e as jogou no armário jacobino que estava contra a parede. Se balançando brevemente para tirar as botas e as calças, estremeceu ao sentir suas mãos descendo por sua espinha dorsal.
- Tenho cicatrizes por toda parte. - disse levantando um momento, a lua acentuando os duros ângulos de seu corpo e sua ereção.
Sua respiração se fez superficial, enquanto ele a estreitava entre suas pernas, com uma mão deslizando debaixo de seu quadril.
- Pensar que me apaixonei pelo filho mais malvado de Helbourne.
Traçou-lhe os delicados mamilos com a língua até que ela levantou as costas estremecendo de prazer.
- Para mim foi bom que não fosse, precisamente, uma menina obediente. - A outra mão a pôs entre suas coxas e seus hábeis dedos a submeteram a uma agonia sensual que lhe escravizou cada sentido.
- Talvez - lhe disse, com os escuros olhos zombadores - não serei uma esposa obediente.
- Mas uma complacente. A obediência é secundária.
- Amo-o, Gabriel.
- E eu a amo mais do que você me ama.
- Amei-o por mais tempo.
Riu.
- Então terei que a amar mais poderosamente.
- Me ame agora mesmo. - ela sussurrou passando seu calcanhar ligeiramente descendo por sua perna musculosa até seu pé.
Mas ele não estava particularmente apressado esta noite, era seu momento de voltar para casa, era sua lua de mel. Entesourava cada momento, gozava cada detalhe, o vento frio que uivava, mas que não penetrava nesta estranha casa, a mulher de sangue quente que o tinha esperado durante sete anos.
Deixaria-a esperar um momento mais, e faria que sua espera
valesse a pena. Como jogador, tinha sabido a primeira vez que a beijou que as probabilidades estavam a seu favor.
Jillian Hunter
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