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Pista Entre as Estrelas
Nos mundos do Império Solar registra-se a metade de abril do ano 2.437. No momento reina a paz na Terra e em sua volta. Não há indícios de que uma ou outra potência galáctica esteja planejando outros golpes contra a humanidade. Somente um foco de crise ocupa Perry Rhodan e as forças de governo do Império Solar: a pequena nuvem de Magalhães, chamada, concisamente, de PNM.
O filho de Perry Rhodan — que a maioria dos terranos conhece apenas como Roi Danton, rei dos livres-mercadores interestelares — não se deixou deter. Em 16.12 do ano anterior ele partiu com sua astronave especial Francis Drake, em muitas voltas, na direção da PNM.
Roi, que sabia que alija haviam desaparecido, sem deixar traços, oito espaçonaves da Frota de Exploração Solar, usou de grande cautela ao penetrar na pequena galáxia. Mesmo assim a nave dos livres-mercadores não conseguiu escapar da armadilha colocada pelos desconhecidos.
Perry Rhodan chega ainda em tempo, com a Crest V, a nova nave-capitânia solar, para salvar Roi e os poucos homens da Francis Drake, que conseguiram sobreviver aos terríveis acontecimentos do mundo-prisão. Agora, entretanto, a sorte parece mudar inequivocamente em favor dos terranos. Fortes formações da frota, equipadas com armas de contracampo, estão estacionadas bem próximas da pequena nuvem de Magalhães — e a Crest V está pronta para seguir a Pista Entre as Estrelas...
“À bordo da nave-capitânia Crest V, 21 de abril de 2.437, contagem de tempo terrana. Estamos parados com um total de cinco mil unidades pesadas da Frota Imperial entre a Via Látea e a pequena nuvem de Magalhães, melhor dito, a trezentos e vinte anos-luz de distância da borda da PNM que fica voltada para a galáxia, chamada assim — PNM —, pelo gosto de abreviações dos terranos — na realidade uma pequena galáxia-satélite.”
O lorde-almirante inclinou a cabeça, escutando. No interior do grande computador positrônico de bordo reinava um zunido, rumorejar e estalar constantes, como se a atmosfera estivesse carregada eletricamente. Os ruídos, entretanto, eram apenas as reações das emissões de campo com os átomos de gases nobres normalmente não-reagentes do ar.
Não fora somente isso que fizera o lorde-almirante, regente da United Stars Organization, apurar o ouvido. — Ele, que já trabalhara há cerca de um milênio e meio com máquinas altamente inteligentes, conhecia as exteriorizações de vida de uma máquina de pensar positrônica tão bem quanto a do seu próprio corpo.
O que ele ouvira não fora normal, apesar de não poder identificá-lo.
— Alguma coisa não está em ordem com você, Salomo? — perguntou ele, preocupado, como se estivesse falando com uma pessoa que lhe fosse muito próxima.
Aquele murmúrio característico aumentou.
— Estou inquieto — declarou a máquina, com aquela voz mal modulada, que é característica de todas as emissões verbais de cérebros positrônicos de alta capacidade.
O arcônida respirou, aliviado. Ao mesmo tempo, um sorriso zombeteiro desenhou-se no seu rosto.
— Você está inquieto, Salomo?... Desde quando uma máquina tem sentimentos? Ou inquietação não é uma expressão de sentimento?
— Inquietação é uma condição tipicamente funcional de todas as inteligências que pensam e raciocinam, Atlan. Ela não corresponde a qualquer emoção ou sentimento, apenas a um impulso puramente intelectual.
Atlan respirou fundo.
— Não me diga! — fez ele, secamente, na falta de um contra-argumento. — Isso é novo para mim. De qualquer modo me interessa a causa da sua inquietação... a causa concreta, por favor!
— Vocês acham estarem muito próximos da solução do problema Primeira Potência de Vibrações, Atlan — retrucou o cérebro positrônico. — Minhas informações sobre a descoberta dos pseudogurrados e as conclusões que os homens tiram daí dizem que vocês vêem, nos assumidores em seu conjunto, a encarnação da Primeira Potência de Vibrações. Isso está correto?
Atlan não demonstrou a sua surpresa devido à ordem de idéias próprias do computador. Afinal de contas, em outros tempos ele já tivera um computador gigante — o chamado regente-robô de Árcon — primeiro como parceiro, depois como adversário.
E também aquela máquina de pensar tinha possuído consciência e iniciativa próprias. Um computador de bordo normal na realidade diferenciava-se do regente-robô apenas pelo seu potencial de rendimento, ou seja, por um fator puramente quantitativo. Entretanto, até agora nunca acontecera que um computador de bordo tivesse desenvolvido alguma forma de iniciativa própria.
— Isso está correto, em parte — respondeu Atlan, hesitante. — Depois de tudo que sabemos, presumimos nos pseudogurrados a Primeira Potência de Vibrações. A forma exterior, nesse caso, é insignificante, pois também sabemos que ela não corresponde às criaturas que encarnam a Primeira Potência de Vibrações.
— Julgo tudo isso um sofisma, Atlan. Vocês acham que se conseguirem quebrar o poderio dos pseudogurrados, poderão também vencer a Potência de Vibrações. A mim me parece duvidoso que esse poder misterioso possa ser vencido tão facilmente.
O arcônida sorriu, chateado. Depois, secamente:
— Facilmente?... Meu caro Salomo, eu conheci pessoalmente o seu xará. Ele teria feito um juízo diferente. Na luta contra os hipnocristais, os condicionados em segundo grau e os dolans, perdemos milhões de homens, milhares de espaçonaves, além de termos que aceitar a destruição de muitos planetas. E a isso você chama de vitória fácil! A Primeira Potência de Vibrações ainda hoje seria invencível praticamente, se nós não tivéssemos recebido do passado o princípio do raio de contracampo.
— As perdas são insignificantes, se você levar em conta que hoje vocês têm capacidade de vencer qualquer frota de dolans. Vocês poderiam conquistar a PNM dentro de poucas semanas e tornar os pseudogurrados impotentes. O que sobraria então da Primeira Potência de Vibrações?
O lorde-almirante Atlan agarrou firmemente os braços do seu cadeirão anatômico, com tal força que as articulações dos dedos chegaram a ficar brancas sob a pele. Ele fora atingido interiormente, quando o computador registrou a perda de milhões de seres humanos como insignificantes.
Logo em seguida, entretanto, ele se recuperou novamente. Uma máquina — por mais inteligente que fosse — naturalmente conseguia captar perdas somente como números abstratos. Jamais poderia sentir aquela dor, emocionalmente condicionada, que um homem sentia.
— Nada — retrucou ele, surdamente. — Mas ainda não chegamos a esse ponto. Ainda temos que verificar se realmente conseguimos deter um ataque maciço de dolans.
— Isso é apenas uma questão de cálculos estratégicos, Atlan. Você sabe que os canhões intervalares dos dolans somente possuem um alcance de três milhões de quilômetros. Os canhões de contracampo e os canhões transformadores da Frota do Império, entretanto, alcançam uma distância de seis milhões de quilômetros. Se essa distância for mantida, vocês poderão decidir qualquer combate espacial, sem sofrer perdas.
— Teoria! — retrucou o arcônida. Ele sorriu fracamente. — Se você acredita nisto, por que a inquietação, Salomo?
— Crença é misticismo e por isso um contra-senso para um pensador lógico. Eu sei! Vocês vão vencer os dolans e não precisam nem temer as naves giroscópicas dos pseudogurrados. Porém, para o que vem depois disso, vocês não estão preparados. Nem tudo pode ser combatido com astronaves e armas energéticas.
Atlan mordeu o lábio inferior. Absorto, passou a mão pelos longos cabelos brancos.
— Dê-me pontos de referência concretos, Salomo!
— Isso no momento ainda não me é possível. Preciso de mais informações, sobretudo que digam respeito às criaturas que se ocultam nos pseudogurrados — e sobre como eles assumem os corpos de outros seres, por que eles apenas utilizam os corpos que sobreviveram à peste hemorrágica explosiva e por que eles precisam levar o seu peso próprio, se é que esta última hipótese realmente é exata.
O lorde-almirante anuiu, pensativamente. Ele escutou para dentro de si mesmo, tentando ouvir o que o setor lógico do seu cérebro tinha para lhe dizer. Depois ele anuiu novamente.
— Você tem razão, Salomo. Nós realmente só sabemos ainda muito pouco a respeito dos estranhos. — Ele sorriu, rapidamente. — Bem, pelo menos você conseguiu, com a sua argumentação, que daqui para a frente eu proceda de modo ainda mais cauteloso do que antes. Eu gostaria apenas que este terrano teimoso, Perry Rhodan, finalmente se desse conta de que a cautela é a sabedoria do homem de Estado. Pelo que conheço dele, certamente fará ouvidos moucos a todas as minhas advertências.
— Ouvidos moucos?... — ecoou o computador. — Essa expressão me é desconhecida, Atlan.
— Está bem — respondeu o arcônida, rindo. — Afinal de contas você não pode saber tudo. E agora deixe-me terminar a gravação de meu relatório.
O computador silenciou. E, então, também aquele ciciar estranho emudeceu.
O arcônida sacudiu a cabeça ao verificar que durante a conversa com Salomo ele esquecera de desligar o seu diário de bordo eletrônico. Os cristais de armazenamento tinham gravado toda a sua conversa com o computador.
Os seus nervos, nos últimos acontecimentos, tinham sido comprometidos de tal maneira que ele esquecia de coisas as mais elementares? Pergunta supérflua, comunicou-lhe o setor de lógica; a preocupação pelo destino de Michael Rhodan tinha realmente enfraquecido os seus nervos.
Atlan suspirou.
“O avanço de Roi Danton e da Francis Drake para dentro da PNM trouxe-nos novos e importantes conhecimentos. Infelizmente a Francis Drake foi perdida. A grande maioria da tripulação, ou foi consumida pela peste hemorrágica explosiva ou caiu em combate. Uma parte dos homens foi assumida pelos desconhecidos. Seus corpos tiveram que ser destruídos. Trinta e um homens salvos encontram-se presentemente na clínica de bordo do ultracouraçado Richthofen, sendo levados para a Terra. Lá tentarão livrá-los dos parceiros-simboflex. Vinte e um homens são de sangue normal. Sua chance de salvação é mínima, em minha opinião. Como influenciados, estão sendo vigiados severamente. Foi uma sorte que pelo menos os paraplantas, ou seja, aqueles homens cujo sangue foi substituído pela seiva simbiótica da planta bra, tenham escapado da influência dos seus parceiros-simboflex. Roi Danton está entre eles. Ele encontra-se na clínica de bordo da Crest. Com ele e seu guarda-costas Oro Masut, neste momento, se procedem experimentos, cujo fim é a libertação dos parceiros-simboflex.
“Hoje pelo menos já sabemos que a PNM é dominada por criaturas que classificamos como representantes da Primeira Potência de Vibrações. Por que estas criaturas preferem não aparecer em suas figuras verdadeiras, mas na forma de outras criaturas — preponderantemente assumindo os corpos dos gurrados —, nós não o sabemos. Eu pessoalmente presumo que eles dificilmente poderiam existir neste universo na sua forma verdadeira. De modo algum pode tratar-se apenas de uma medida de camuflagem, pois um jogo de esconde-esconde desse tipo logo é descoberto, conforme demonstram as experiências com a Francis Drake. Todos nós sentimos que é um fenômeno importante o fato de que os desconhecidos, ao assumirem um corpo estranho, precisam carregar consigo o seu peso real. Possivelmente isso aponta para a possibilidade de os desconhecidos existirem numa outra forma que nós — talvez num outro estado energético, cujo conteúdo de energia então se precipita no corpo assumido como massa, ocasionando o aumento de peso.
“Eu estou ansioso para saber se os desconhecidos agora tentarão nos atacar com uma grande frota de dolans. Neste caso teríamos um pretexto para declarar-lhes a guerra oficialmente. Eu naturalmente acho isso desnecessário, porém a mentalidade dos terranos parece exigir um passo formal como este.
“Além disso, aguardo com ansiedade os relatórios das unidades de reconhecimento, que Perry Rhodan está mandando continuamente através da PNM. Elas devem investigar a intensidade do tráfego de astronaves na microgaláxia, a velocidade com que os desconhecidos reagem e a densidade da ponte de matéria entre a pequena e a grande nuvem.
“O Administrador-Geral se preparou para enfrentar diversas táticas do adversário. Entre a Via Láctea e a pequena nuvem de Magalhães existe uma densa ponte de rádio constituída por cruzadores leves e corvetas. Além disso, a impotrônica Nathan na lua terrestre avalia todas as notícias daqui, enviando-nos análises e cálculos, dentro da maior brevidade possível. As frotas de combate, constituídas de naves pesadas, de números 55, 68, 7O e 72 estão estacionadas entre nós e a franja da galáxia, prontas para partirem ao primeiro alerta. No Setor Alvorada, estão se reunindo as unidades de reforço. Nós podemos lutar defensivamente, mas também, a qualquer momento, deflagrar um ataque geral ã PNM. Eu espero por uma oportunidade para a ofensiva, pois, conforme nossa experiência, ela traz muito menos baixas e perdas que uma operação defensiva. Além disso, seria psicologicamente bom para as tripulações das naves, se, depois de tantas derrotas, finalmente pudessem tomar novamente a iniciativa.
Tudo está parecendo como nos tempos antigos, quando, como Príncipe Cristalino e almirante da frota arcônida, eu lutei contra os maahks. Também então sofremos terríveis perdas e derrotas, até desenvolvermos uma nova arma, batendo o adversário finalmente. Hoje repete-se algo parecido, porém desta vez o meu povo degenerado não participa disso. Desta vez são os terranos, que terão que preparar a batalha decisiva — e eu sou apenas um hóspede deles...”
Atlan desligou o livro de bordo. Por longos minutos ele ficou olhando fixamente a sua frente, perdido nos pensamentos. Depois levantou-se rapidamente e se encaminhou na direção da porta de saída da sala do grande computador.
Quase sem transição a Cartago caiu de volta no espaço-tempo quadridimensional. No setor fronteiro da galeria panorâmica rebrilhavam e piscavam os sóis de um aglomerado estelar esférico.
O Major Eddie Burke olhou o quadro por longos segundos, depois virou a cabeça para a direita, olhando o rosto do homem que estava deitado na sua poltrona anatômica, aberta para trás, e dormia.
O astrônomo Dr. Josef Oster, cedido para uma missão especial do cruzador leve da classe Cidade, emitia sons ofegantes. De vez em quando suas pálpebras tremiam. Evidentemente ele sonhava intensamente. Burke sacudiu a cabeça.
— Ei, Jupp! Acorde!
Josef Oster grunhiu e se esticou ainda mais confortavelmente.
— Devo sacudi-lo, para que acorde, senhor? — perguntou o primeiro-oficial, lambendo os beiços.
O Comandante Burke olhou o epsalense maciço de esguelha, depois riu.
— Mas, com muito carinho, Capitão Brento!
O Capitão Brento anuiu, sorrindo irônico, desatou o cinto e colocou-se atrás da poltrona-cama do astrônomo. Respirou fundo e em seguida emitiu um berro, capaz de despertar defunto.
Josef Oster ergueu-se de um salto, bateu fortemente contra o seu cinto afivelado e gemeu.
— Chama a isso carinho, seu primitivo?! — disse Eddie Burke, censurando.
Brento coçou a cara gorda. Como para desculpar-se, falou:
— Isso foi o estribilho de uma canção de ninar epsalense, senhor. Eu realmente não sabia que...
Oster tirou os dedos dos ouvidos e disse:
— Isso certamente foi esse supertouro epsalense, se não estou enganado. Ele deve andar mole do miolo, para me arrancar do mais belo sonho com seu berreiro primitivo.
Ele bocejou longamente e sem vergonha, depois bateu com o punho fechado na fivela do seu cinto de segurança. Zunindo, o encosto do seu cadeirão anatômico seguiu-o, enquanto se sentava.
Kape Brento fez cara de ofendido e voltou para o seu lugar. Os demais oficiais da central de comando sorriam furtivamente.
— Chegamos ao destino, Jupp — explicou Burke. — O senhor dormiu durante todo o vôo linear.
Josef Oster esfregou os olhos, depois piscou, ao olhar a claridade da tela panorâmica.
— Parece que não perdi muita coisa — resmungou ele. E suspirou fundamente. — No meu sonho uma dúzia de virgens estavam justamente dançando a minha volta — e com pouquíssima roupa. Uma delas estava justamente prestes a me oferecer uma cervejinha gelada, quando o berro primitivo desse bárbaro se meteu no meio. É uma sujeira, se é!
Ele levantou-se e dirigiu-se ao autômato das bebidas. Café quente jorrou de uma torneirinha na sua caneca plástica. Josef Oster o sorveu em pequenos goles. Lentamente a sua vista clareou.
— Pensei que estivéssemos voando dentro da ponte de matéria entre as nuvens de Magalhães — disse ele, com um longo olhar para o aglomerado estelar esférico. — Em vez disso parece que o senhor voou para dentro do halo da galáxia Eddie...
— Engano seu — retrucou o Major Burke. — Nós nos encontramos dentro da chamada ponte de matéria.
O astrônomo Dr. Oster abriu os olhos desmesuradamente e derramou um pouco de café. Depois sorriu, condescendente.
— O senhor certamente está querendo brincar comigo, não? Aglomerados estelares esféricos somente existem no halo das galáxias.
Ele estacou e apertou os olhos.
— De algum modo essa coisa me parece familiar. Um momento. Vou dar uma olhada no meu setor de armazenamento.
O seu rosto assumiu uma expressão pensativa. De repente ele se iluminou todo. Mas já no instante seguinte parecia incrédulo.
— Mas isso não existe — murmurou ele.
Colocou a caneca de café sobre a mesa e deixou a central de comando sem dizer uma só palavra.
— O que me diz desse sujeito? — perguntou o Capitão Brento, indignado.
Eddie Burke repuxou a cara numa expressão de dor.
— Abafe esse seu órgão, capitão. Suas ondas de som chegam a me penetrar até os nervos dos dentes.
— Neste caso certamente está com problemas na raiz dos dentes — explicou o epsalense, secamente. — Em Cosmópolis não há dentistas?
O rosto de Burke turvou-se como uma sombra. Há um ano atrás ele ainda acreditava poder passar o resto de sua vida num trabalho pacífico em Cosmópolis, naquele planeta chamado Uktan, no qual uma boa dúzia de raças inteligentes das mais diversas se tinha reunido para construir uma civilização coletiva — no solo de uma civilização antiga, de há muito desaparecida, e que tinha servido de mentora das civilizações galácticas hodiernas.
A luta sem tréguas contra os condicionados em segundo grau com suas astronaves viventes e contra a Primeira Potência de Vibrações logo tinham terminado suas atividades pacíficas. Tal como seus amigos Franklin Kendall, Roer Garfield, Noowee Logan e John Rawlins, ele tinha recebido instrução como oficial da Frota Solar. E agora o quartel-general tinha apelado para todas as suas reservas. Depois de um curto retreinamento Eddie Burke fora reconvocado para servir como comandante do cruzador-leve Cartago. Sua tarefa agora era examinar a ponte de matéria entre as nuvens de Magalhães, retransmitindo as conclusões imediatamente para o Administrador-Geral. O Dr. Josef Oster, astrônomo-chefe do Instituto Central Cosmocartográfico de Terrânia, deveria proceder às medições, lançando os resultados em cartas estelares.
— Perguntar, afinal de contas, devia ser permitido — resmungou Brento, quando o comandante silenciou teimosamente.
— Está bem — retrucou Burke. — Vamos começar com o trabalho.
Ele fez uma ligação de intercomunicador com o observatório de bordo. Como previra, o Dr. Oster atendeu dali. Ele já estava enfronhado no trabalho e perguntou irritado por que o comandante já não se aproximara do aglomerado estelar esférico há mais tempo.
O Major Burke interrompeu a ligação.
— Com uma curta manobra de espaço intermediário, vamos nos aproximar até uns dezoito anos-luz — explicou ele ao primeiro-oficial. — Em seguida, sempre mantendo a mesma distância, vamos passar para o lado contrário.
O Capitão Brento anuiu, confirmando. Logo em seguida ele apresentou os cálculos de rota.
A Cartago abandonou o espaço normal e em vôo linear e, com uma velocidade mínima de cinco anos-luz apenas por hora, aproximou-se das coordenadas do seu destino.
Quando voltou para o espaço normal, o alerta de rastreamento entrou em funcionamento automático e interrompeu a mensagem oral das diversas seções da nave...
— Objeto desconhecido em movimento a seis minutos-luz e meio à frente, senhor! — anunciou o chefe do rastreamento pelo intercomunicador. — Diâmetro cerca de sessenta metros, velocidade em direção ao aglomerado de estrelas e relativamente a nós, quinhentos quilômetros por segundo ao quadrado.
— Ele está se aprestando à manobra linear — verificou o Capitão Brento, desnecessariamente.
O Major Eddie Burke observou os diagramas de rastreamento e as linhas onduladas do rastreamento energético.
— Parece que temos uma corveta a nossa frente. Brento, solicite dados dos registros. Quero saber se a entrada de uma nave terrana na ponte de matéria foi anunciada.
A resposta veio dez segundos mais tarde. Não havia sido dada nenhuma autorização de aproximação de naves terranas — exceto para a Cartago...
— Essa vamos comprar! — disse Burke, chateado. Ele ligou o intercomunicador. — Comandante ao comando de máquinas. Tire tudo que puder dos reatores de propulsão. E aumente a potência do kalup.
Segundos mais tarde as centrais de força da alimentação dos propulsores berraram literalmente. A Cartago foi atirada para a frente, acelerando com velocidade máxima.
Mesmo assim não conseguiu mais alcançar a nave espacial estranha em tempo. O reflexo do rastreamento sumiu antes de a Cartago ter alcançado sua velocidade de mergulho no espaço linear.
O Comandante Burke apertou os lábios.
— Eu assumo o comando dos kalups — informou ele à casa de máquinas.
Ele arriscou uma manobra forçada, com um terço da velocidade da luz. O rugir da instalação de vôo linear era de arrebentar os tímpanos. A célula da nave foi sacudida violentamente. Ruídos rangentes eram ouvidos, fazendo os homens da tripulação da sala de comando empalidecerem.
Mas a Cartago saiu ilesa da manobra forçada. Ela penetrou no meio singular, misterioso, do semi-espaço, deixando para trás o espaço em que nenhuma massa pode voar mais rapidamente que a simples velocidade da luz. No semi-espaço essa limitação não valia. Aqui reinavam outras normas e outra leis. A base do vôo ultraluz no semi-espaço era que ali não havia velocidade ultraluz — por mais que isso possa parecer paradoxal aos leigos. No semi-espaço a luz não ficava submetida a qualquer limitação de velocidade, razão por que nenhum corpo podia ser mais rápido que a luz. Relativamente ao familiar espaço quadridimensional, entretanto, as astronaves aqui podiam atingir velocidade de luz milhões de vezes maior, e era isso que contava.
O Major Burke ligou o rastreador-L. Pouco depois o vídeo especial mostrou um reflexo de tateamento puntiliforme preto. A astronave que estavam perseguindo.
Eddie Burke admirou mais uma vez a genialidade dessa descoberta. Ele viera a conhecer o rastreador-L pela primeira vez, quando do final de um dos seus cursos de treinamento suplementares. Dizia-se que este aparelho maravilhoso fora inventado por um time de cientistas dos livres-mercadores e, mais tarde, passado ao Império Solar em troca da concessão de autarquia.
Basicamente ele se baseava num princípio tão simples que Burke já se perguntara inúmeras vezes por que já não se topara com ele há centenas de anos antes. O rastreador-L servia-se do fato de que um corpo que se encontrava no semi-espaço jogava uma sombra enquanto ocultava a luz que se movimentava com uma velocidade ilimitada, mas deixava passar a radiação de neutrinos. Deste modo, ele aparecia no tela de ondas progressivas como mancha preta, de raios invisíveis, com os contornos do objeto em questão. Esta explicação naturalmente facilitava, pois era necessária uma quantidade de aparelhos de medição e de ondas progressivas, para tornar em primeira linha a sombra do objeto oticamente alcançável e, em segundo lugar, para diferenciar entre a intensidade da radiação de neutrinos que passava entre um corpo celeste natural e uma astronave.
No semi-espaço a Cartago demonstrou ser consideravelmente mais veloz que o veículo espacial desconhecido. Ela se aproximava visivelmente dele, porém, pouco antes de poder chegar perto o bastante para identificar claramente o objeto, este desapareceu da tela de ondas progressivas.
O Major Eddie Burke imediatamente desligou o kalup. O campo envolvente que absorvia a estrutura estranha apagou, e a Cartago precipitou-se de volta ao espaço normal.
Na tela de imagem do intercomunicador de Burke surgiu a cara, furiosamente vermelha, do Dr. Josef Oster.
— Para quê, essa besteira? — gritou o astrônomo. — Para poder determinar a expansão e a composição de um aglomerado estelar esférico, eu preciso de medições de uma distância suficiente, mas não do centro do aglomerado estelar!
— Acalme-se — retrucou o Comandante Burke. — Estamos perseguindo uma astronave desconhecida, poderá fazer suas medições mais tarde.
— Uma astronave desconhecida... — ecoou Oster. — Menino, nesta galáxia há milhões de astronaves. Se quiser perseguir todas elas, estaríamos mal-arranjados!
— Num sanatório de doidos — retrucou Burke, sarcástico, interrompendo a ligação.
Novamente dedicou-se aos dados, que eram transmitidos pela central de rastreamento continuamente. De conformidade com os mesmos a astronave desconhecida encontrava-se meio minuto-luz atrás da Cartago, mas lentamente ganhando aproximação.
— Aparentemente eles ainda não nos rastrearam — observou o Capitão Brento. — Devíamos retardar, senhor.
Burke sacudiu a cabeça.
— Para que eles possam medir nossas emissões? Não! Vamos desligar totalmente os propulsores, deixando a nave à deriva, até que o desconhecido se aproxime o bastante.
— É indubitavelmente uma corveta terrana, senhor — anunciou o chefe do rastreamento, um minuto mais tarde. — Diâmetro, massa e emissões dos propulsores são características. Eu gostaria de saber o que uma corveta está fazendo por aqui.
— Eu também — retrucou o comandante, chateado. — Esses garotos parecem não saber o perigo que estão correndo. Se surgir uma nave giroscópica dos pseudogurrados por aqui, eles estão fritos.
— Ele deixou a corveta aproximar-se até cinco minutos-luz de distância. Depois travou com impulso máximo. Segundos mais tarde, os tateadores energéticos mostravam as emissões típicas de uma manobra de desvio desesperada.
Eddie Burke solicitou um canal de hipercomunicação para a central de comando, depois pegou o microfone.
— Ainda fala o cruzador da classe Cidade Cartago, o comandante Burke! Estou chamando a corveta terrana. Pare e se identifique!
— Eles continuam tentando desviar-se de nós — anunciou o rastreamento, poucos segundos mais tarde.
Burke engoliu uma praga, trincando os dentes.
— Canhão de impulsos H-3! Uma emissão de fogo de três segundos, para diante da proa do estranho!
O impulso energético, fortemente enfeixado — somente tornado visível pelos tateadores de energia —, precipitou-se na direção dos estranhos, perdendo-se no espaço. Mas, em torno da corveta, repentinamente houve um clarão azul-esbranquiçado. A energia difusa do tiro tinha alcançado o campo energético defensivo dos estranhos, ativando a regulagem totalmente automática dos projetores.
— Safadeza! — ouviu-se a voz de Brento, ecoando pela central. — Quer dizer que eles ativaram o campo defensivo. Isso é simplesmente...
— Silêncio! — ordenou Burke, asperamente. Mais uma vez ligou o hipercornunicador.
— Caso não saibam, meus senhores da corveta. Aqui fala uma espaçonave da Frota do Império, e o seu vôo não está registrado. Dou-lhes dez segundos para seguirem minhas determinações. Depois disso terei que empregar a força.
Ele precisou esperar apenas quatro segundos. Na tela de vídeo do hiper-comunicador apareceu o rosto de um homem de pele clara e um olhar calculado.
— Aqui fala o Dr. Beth Arnulfing, diretor do birô de turismo Cosmovôo, Marte. A nave é a Compart. Estamos fazendo uma viagem de inspeção. Devo preveni-lo de que a direção de nossa empresa tem boas relações com o quartel-general da Frota.
Eddie Burke franziu as sobrancelhas.
— Uma viagem de inspeção!... Muito bem, nós agora queremos inspecionar a sua Compart. Desacelere e desative seu campo energético defensivo. Vamos efetuar uma manobra de ajustagem, mandando depois um comando de inspeção a sua nave.
— O senhor vai pagar caro por isso, Comandante Burke. Nossas relações...
— Essas relações não valem mais nada, depois que o senhor penetrou numa área militar vedada a particulares! — interrompeu-o o Major Burke, asperamente. — Siga imediatamente minhas instruções. Desligo.
O chefe de turismo Arnulfing pareceu achar melhor adaptar-se ao irremediável. A Compart desacelerou, caindo em seguida em deriva, de modo que a Cartago pôde fazer com relativa facilidade sua manobra de ajustagem.
— Mande dez homens para o hangar da eclusa de nosso transporte espacial, capitão — ordenou Burke. — O senhor assume o comando aqui, enquanto eu vou dar uma olhada por lá.
O Capitão Brento confirmou.
Dez minutos mais tarde o transporte espacial da Cartago partiu, vencendo a distância de duzentos metros entre as duas naves. Junto com o Major Eddie Burke, seguiam dez membros armados da tripulação.
Um membro da tripulação da Compart esperava pelo comando na eclusa do pólo sul, vazia. Com um ligeiro solavanco o transporte foi admitido pelos campos de ancoragem. Os homens desembarcaram. Um deles, armado, ficou para trás, junto com o piloto.
Depois que deixaram a eclusa, sendo levados pela correia de transporte para o elevador principal, encontraram diversos passageiros. Eram, em geral, homens de idade madura, algumas mulheres mais velhas, além de muitas mulheres jovens.
Perto do duto do elevador principal, o Major Burke foi interpelado por um homem gordo.
— Preciso falar com o senhor! — gritou o homem. Dizia aquilo ofegante, como se tivesse que fazer um grande esforço a cada palavra.
Burke saltou da esteira rolante, ficou parado, enquanto acenava aos seus homens para que continuassem o caminho. A meta deles era a central de comando.
— Sim, por favor? — perguntou ele, cortesmente. O homem lambeu os beiços inchados.
— Por que está nos detendo, oficial? Todos nós pagamos somas horrendas por este vôo. O senhor Arnulfing nos garantiu, por contrato, que poderíamos observar os combates entre a Frota do Império e os dolans. O senhor não deveria obrigá-lo à quebra de contrato.
Eddie Burke sentiu que a raiva tingia-lhe o rosto de vermelho. Em algum lugar nos limites da pequena nuvem de Magalhães, centenas de milhares de soldados do espaço terranos estavam esperando por um inimigo, sempre prontos a dedicar suas vidas pela segurança da humanidade e das outras civilizações galácticas — e aqui um executivo de idéias organizava uma viagem turística, oferecendo aos seus passageiros o espetáculo fantástico de uma violenta batalha espacial, em troca de muito dinheiro.
Sem dizer uma só palavra, deixou o homem plantado, correndo atrás dos seus homens. Eles já haviam chegado à central de comando.
O Dr. Beth Arnulfing estava parado no meio deles, com cara fechada.
— Isso é pirataria! — gritou ele para o major. — Eu protesto contra esses métodos. Afinal de conta não vivemos num estado policial!
Ele emudeceu ao ver a cara desfigurada de Eddie Burke. O seu olhar afastou-se para o lado.
Burke agarrou-o pela lapela do casaco, puxando-o para si.
— O senhor tem toda razão, nós não vivemos num estado policial. — Ele ergueu a voz. — Mas também não vivemos numa anarquia decadente, na qual criminosos inescrupulosos tiram lucros das mortes de valentes soldados do espaço.
— Sargento Becomp, prenda este cavalheiro. Coloque-o na cela de detenção da Cartago.
O chefe da agência de turismo empalideceu.
— O senhor... o senhor não pode fazer isso, comandante!
O comandante da Compart meteu-se no meio — um homem de pele escura, magro, com o rosto muito marcado e pesadas olheiras.
— Ele pode fazer isso, Dr. Arnulfing. Eu o preveni desde o princípio. Eu lhe disse que isso acabaria mal.
Ele pigarreou, ao notar o olhar interrogativo de Burke.
— Meu nome é Jerisew Bebokamp. Senhor anteriormente fui... — sua boca repuxou-se — major da Frota Imperial. Fui degradado por covardia diante do inimigo e expulso com ignomínia. — Ele encolheu os ombros. — E agora naturalmente vou acabar na cadeia.
— O senhor devia deixar isso para o Tribunal Espacial, Senhor Bebokamp — disse Burke, compreensivamente. Ele, fortemente empático, sentia muito bem os impulsos de abatimento e arrependimento do ex-oficial da Frota. — O senhor me dá sua palavra de honra de que levará a nave imediatamente, pelo caminho mais seguro, de volta para Marte?
Jerisew Bebokamp mordeu o lábio inferior.
— O senhor confia em mim... Senhor?
O Major Burke anuiu.
— O senhor foi major da Frota. Não sei por que falhou diante do inimigo, mas sei que uma coisa dessas é perfeitamente humana. Por isso confio em que o senhor manterá a sua palavra de honra.
— Obrigado, senhor! — retrucou Bebokamp.
Eddie Burke ditou uma mensagem no seu livrinho de notas positrônico e entregou o aparelho chato ao capitão.
— Depois de seu pouso, entregue isto ao comando militar do campo de pouso de Marte, e não se deixe impressionar por eventuais ameaças dos passageiros. Em caso de necessidade poderá fazer uso do seu direito como representante da lei a bordo de sua nave. Se eu pudesse, providenciaria para que todos os passageiros fossem deportados para planetas penais.
Ele estacou, fez continências e saiu. Diante dele, dois homens conduziam o chefe da agência de viagens. O Dr. Beth Arnulfing mantinha a cabeça baixa. Burke, entretanto, não sentiu nele qualquer demonstração de arrependimento. Aparentemente aquele homem estava apenas bancando o pecador arrependido, porque não via qualquer outra saída para o seu caso.
Burke riu, chateado.
Junto dele, não teria muita sorte com essa palhaçada.
Só lentamente ele voltou a si. Via os arredores como através de uma névoa cor-de-rosa, e na parte occipital de sua cabeça, uma fábrica de martelos parecia querer recuperar as sobras de produtos dos últimos dez anos.
— Pode me ouvir? — perguntou uma voz. Parecia vir de muito distante.
Michael Reginald Rhodan, chamado Roi Danton, tentou responder. A sua língua obedecia-lhe apenas com muita dificuldade. Parecia-lhe que ela inchara três vezes o tamanho normal, preenchendo completamente sua boca.
— Sim... — conseguiu ele dizer, finalmente.
Sua consciência, que voltava, ocupava-se com a pergunta sobre onde se encontrava, por que ouvia, via e falava tão mal e por que não se lembrava de nada.
— Ótimo, logo as coisas vão melhorar — prometeu a voz. Contornos estranhamente esfarrapados oscilavam diante dos olhos de Roi de um lado para o outro. Alguma coisa sibilou audivelmente. O ruído surdo de uma escotilha que se fechava foi ouvido, vindo de alguma parte.
As dores na parte occipital da cabeça de Roi diminuíram. Aparentemente a fábrica de martelos conseguira refazer seus estoques. Por segundos o rei dos livres-mercadores pairou numa nuvem cor-de-rosa, através de um jardim paradisíaco. E então ruiu a barreira que até então bloqueara suas lembranças. E ao mesmo tempo desfez-se a nuvem rosada.
Roi Danton viu a cabeceira sobressalente, positrônica, de uma cama, por trás de uma parede, que brilhava num dourado amarelado suave, e dentro da mesma uma escotilha.
A escotilha abriu-se no momento em que o rei dos livres-mercadores quis se erguer. Uma figura alta, bastante magra, vestindo o uniforme de bordo da Frota Imperial, passou pela escotilha, parando diante da cama de Danton. Atrás dela a escotilha fechou-se novamente.
— E então, menino — disse Perry Rhodan, sorrindo —, pelo que vejo você conseguiu sobreviver.
— Olá, pai — murmurou Roi. Sua língua possuía novamente o seu volume normal. — Como vão as coisas?
Perry Rhodan puxou uma banqueta para junto da cama e sentou-se. Ele continuava sorrindo, porém o filho notou as inúmeras rugas de preocupação que marcavam o rosto do pai. Instintivamente sentou-se, tentado a pegar as mãos do seu pai. Mas não o fez.
— Não vão melhores nem piores do que há três semanas atrás — retrucou o Administrador-Geral. — Ainda estamos à espera do ataque dos condicionados em segundo grau ou dos pseudogurrados.
Ele hesitou imperceptivelmente e depois continuou com a voz mudada:
— Posso dar uma olhada na sua nuca, Mike? Instintivamente Roi levou a mão para a nuca, para o lugar onde ainda há pouco tempo atrás, estivera o seu parceiro-simboflex. E respirou aliviado quando sentiu, por baixo de um filme bio-plástico, a pele já sarada.
— Por que não, dad. — Ele sorriu, amarelo e um pouco ironicamente. —- Você ainda se lembra como gritou comigo, quando naquela ocasião entrei em contato com você da corveta? Você me tomou por um monstro.
Rhodan apertou os lábios com tanta força, que finalmente pareciam apenas dois traços brancos, sem sangue. A lembrança daquele momento em que achou que o filho estava perdido — sim, quando ele se viu diante da decisão de matar Mike no interesse da humanidade — tinha se gravado indelevelmente no seu consciente.
Cautelosamente ele tocou a nuca de Roi. Observou o lugar onde antes se encontrara o simbionte. Daqui ele enterrara seus filamentos nervosos profundamente na espinha dorsal de Mike. Hoje somente podia ver-se ainda uma marca, brilhando azuladamente, do tamanho de uma mão.
— Todos nós tivemos uma sorte incrível — murmurou ele. — Se não fosse pelo simbionte sanguíneo vegetal...
— Como é que vai Oro, dad? — perguntou Roi, para desviar a atenção do pai.
— Ele já está novamente acordado, desde ontem. Seu organismo saudável, adaptado ao meio ambiente, livrou-se mais rapidamente das conseqüências da operação que você. Provavelmente logo se precipitará aqui para dentro, quando ficar sabendo que você acordou.
Como se ele tivesse dado o sinal, a porta da escotilha abriu-se e um gigantesco ertrusiano entrou quase correndo. Vestia um pijama listrado e sandálias de madeira que faziam um barulho tremendo a cada passo.
— Majestade acordou! — berrou ele, abrindo muito os braços. — Ouçam, seus anões terranos e verdadeiros homens de Ertrus: o rei dos livres-mercadores acordou!
Roi retrucou, secamente:
— E quase desmaiou novamente. Você precisa mesmo ficar berrando como um bando de sáurios, seu monstro cheio de cicatrizes?
As cicatrizes vermelho-azuladas no rosto de Oro Masut tremeram. Aparentemente lembrava-se do momento em que o seu senhor o salvara de um incêndio atômico. Porém seus olhos brilhavam.
— Suas palavras me comprovam que o senhor já é o mesmo de sempre, majestade. Posso oferecer-lhe um refresco?
Ele levou a mão a um dos bolsos em forma de sacola do cinturão do uniforme, retirando de lá uma garrafa abaulada, na qual brilhava um líquido amarelo-dourado. Retirou a rolha com os dentes, tomou um bom gole e ofereceu o frasco a Roi Danton.
— Legítimo rum da Jamaica, majestade, a bebida certa para homens de verdade.
Roi sorriu irônico e bebeu. Quando tirou o frasco da boca, havia lágrimas nos seus olhos.
— Puxa, isso não está nada diluído!
— Noventa e cinco por cento, majestade. — Ele tirou o frasco das mãos do rei dos livres-mercadores e ofereceu-a ao Administrador-Geral. — Grandseigneur, beba comigo à maravilhosa cura de nosso rei!
A expressão no rosto de Rhodan deveria ser fixada num filme. Primeiro de nojo, depois de irritação e finalmente algo parecido com ternura.
Silenciosamente tomou o frasco das mãos de Oro Masut.
— Bebo a tudo que nos é caro e amado — disse ele, baixinho, levou a garrafa aos lábios e bebeu dois dedos.
Masut estava radiante — alegria espalhando-se por todo o rosto que era de uma largura considerável...
Todos os homens importantes da Crest V, bem como os chefes das flotilhas e os mutantes a bordo, tinham se reunido no chamado armazém da Crest.
O rato-castor Gucky estava entronizado num sofá obrigatório e brincava com o seu ioiô. Entretanto não tirava os olhos dos seus arredores. A sua esquerda, sobre uma mesa, estavam reunidos os homens do Paladino. Eles estavam sentados em cima de alguns feltros desmontados de poltronas, apoiando os braços numa carteira vazia de cigarros. Suas vozes muito finas gorjeavam e trinavam, perdendo-se totalmente naquele vozerio geral.
Gucky resmungou chateado, quando o seu ioiô bateu no chão.
— Para isso é preciso concentração, baixinho — disse Ivan Goratchim sorrindo, acariciando a nuca sedosa do rato-castor.
Gucky olhou familiarmente, com seus olhos escuros semelhantes a botões, para o mutante de cabeça dupla.
— Você entende alguma coisa disso, Ivan Ivanovitch?
Goratchim silenciosamente tirou-lhe o ioiô das mãos, fazendo-o rolar para cima e para baixo, no seu cordão. Ciumentamente o rato-castor ficou apenas olhando.
— Não é de admirar — disse ele finalmente, enraivecido —, você tem dois cérebros para se concentrar. Eu tenho apenas um.
— Será que tem mesmo? — sibilou a voz clara de Harl Dephin, estridentemente.
O siganês estava de pé sobre um maço de cigarros, segurando um megafone na frente da boca. Desde que um soldado do espaço terrano lhe pisara no pé por engano — o que lhe custara um molho de duas semanas na clínica de bordo — ele sempre trazia consigo esse amplificador de voz. Com ele podia, pelo menos, chamar atenção para si, acusticamente, quando os gigantes terranos não se davam conta dele oticamente.
O dente roedor de Gucky desapareceu instantaneamente.
— Quando homens estão falando, os anões têm que calar a boca! — disse ele, furioso.
Teleportou para cima do tampo da mesa, na qual estavam sentados os siganeses, batendo uma vez fortemente com a sua cauda pesada. Os assentos dos anões siganeses saltaram no ar. Harl Dephin perdeu o equilíbrio, caindo de cima do maço de cigarros.
O rato-castor teleportou de volta para o sofá.
— Isso não foi muito simpático de sua parte, Gucky — censurou Goratchim. — Aproveitar-se de sua força física contra pessoas mais fracas demonstra mau caráter.
— Ou um vácuo cerebral! — gritou Harl Dephin, o comandante do super-robô Paladino.
Gucky deixou pender os fios do seu bigode.
— Sinto muito — disse ele, chateado. — Mas você me provocou, Harl. Afinal de contas o seu cérebro não é maior que a cabeça de um alfinete.
— Mas bem mais compacto — retrucou o siganês. — E por isso bem mais capaz de reações do que o seu. Eu vou...
Ele não pôde concluir a sentença. Alguém gritou em voz alta:
— Atenção!
Perry Rhodan e Atlan apareceram juntos no círculo luminoso da escotilha.
O Coronel Merlin Akran, comandante da Crest V, fez o seu relatório. Todos os homens convidados estavam presentes.
O Administrador-Geral sentou-se numa poltrona na extremidade superior da mesa oval. O Lorde-Almirante Atlan tomou lugar do seu lado. Fez-se um silêncio.
Rhodan colocara uma pasta de couro com laminados plásticos diante de si, sobre a mesa. Mas nem olhou para as anotações, enquanto falou.
Antes de mais nada informou em rápidas palavras sobre a situação modificada desde a descoberta dos pseudogurrados, depois explicou o seu plano estratégico.
— Nestas circunstâncias não faria sentido — concluiu ele — penetrar na pequena nuvem de Magalhães com uma grande frota de combate, o que resultaria apenas numa espécie de golpe na água. A PNM com seu diâmetro de 13.000 anos-luz, no centro, e suas 6,8 bilhões de massas solares, é grande demais, para podermos encontrar um adversário, se ele não o quisesse. Além do mais ainda lhe ofereceríamos a possibilidade de controlar constantemente nossos movimentos, construindo sua tática de acordo.
— Vamos esperar aqui. Se o adversário quiser alguma coisa de nós — e ele quer alguma coisa conosco —, terá que deixar o jângal estelar que o protege e nos atacar. Com isso matamos dois coelhos com uma só cajadada.
Ele sorriu do provérbio que a maioria dos presentes provavelmente nem conheciam — exceto os portadores de ativadores.
— Em primeiro lugar não damos oportunidade aos nossos adversários de nos fazer uma armadilha e, em segundo, evitamos que a ponte de rádio fique estropiada. Ao contrário, duzentas naves de observação vigiarão de todos os lados uma luta eventual. Em caso de necessidade a reserva preparada pode intervir dentro de uma hora.
“Muito bem, e agora toca aos senhores.”
Gucky espichou-se e levantou a mão.
— Chefe, o que vamos fazer se algum dos desconhecidos assumir Harl Dephin ou um outro siganês? Imaginem, duas toneladas de peso no volume de uma rola terrana depenada!...
Alguns dos chefes de flotilha riram até mesmo sem querer. Até mesmo os lábios de Atlan se repuxaram suspeitosamente. Homens com força de imaginação marcada, tiveram simplesmente que transformar as alusões em imagens reais. O resultado poderia ser macabro, mas nem por isso menos divertido.
Somente o Dr. Armond Bysiphere, o hiperfísico plofosense ficou sério. Ele levantou os olhos do seu computador-pulseira, com o qual fizera alguns cálculos, e disse totalmente sério:
— Com uma concentração de massa semelhante, provavelmente teríamos o fenômeno de um siganês assumido abandonar a astronave, simplesmente rompendo através de todos os conveses.
Melbar Kasom acabou quebrando o encosto do seu cadeirão e se contorcia no chão, emitindo gritos inarticulados. O Dr. Bysiphere observou-o, indignado.
— Este assunto é absolutamente sério, Senhor Kasom. Estou preocupado com nossos amigos siganeses, e o senhor está rindo.
— Não, estou chorando — gritou Kasom, apoiando-se nas mãos. Ele levantou-se e passou as mãos nos olhos. — Desculpem minha falta de compostura, mas a seriedade inacreditável do Dr. Bysiphere...
— Não mude de assunto! — gritou Perry Rhodan, censurando. — Oficial especial Gucky, nós ainda falaremos sobre a sua observação inconveniente. Espero que saiba o quanto a mesma foi tola. Nenhum desconhecido teria a idéia de assumir o corpo de um siganês. Nossos adversários certamente também sabem calcular. Além disso, o comando de Harl Dephin jamais se apresentará ao inimigo na sua forma verdadeira. E caso eles tentem assumir o suposto halutense Paladino, certamente vão ficar espantados.
— E como! — gritou Harl Dephin, no seu megafone. — Esse ilt patife...
— Está bem — retrucou Rhodan, tentando acalmá-lo. — Todos nós conhecemos suas qualidades. Alguém ainda gostaria de dizer alguma coisa?
John Marshall, chefe do Exército de Mutantes levantou a mão.
— Como é que podemos encaixar nossas experiências sobre os assumidores camuflados, em nosso plano estratégico, senhor? Existem indícios de quem se esconde nesses pseudogurrados?
— Eu gostaria de responder — interveio Atlan. O Administrador-Geral anuiu, concordando.
— As informações sobre os desconhecidos ainda são bastante escassas — explicou o arcônida grisalho, pragmaticamente — para que possamos encaixá-las de algum modo em nossos planos táticos. Ninguém até agora sabe o que se esconde atrás dessas máscaras e que potência têm suas mãos nesse jogo.
O Coronel Akran levantou a mão.
— Senhor, todos nós tínhamos a impressão de que, com os desconhecidos, devia tratar-se da Primeira Potência de Vibrações.
O Lorde-Almirante Atlan anuiu, pausadamente.
— Estas eram nossas impressões, melhor dizendo, nossas especulações, Coronel Akran. Além disso, eu conferenciei, entrementes, com o computador de bordo. O mesmo já raciocinara pessoalmente sobre o assunto, e achou que seria leviano acreditar que a Primeira Potência de Vibrações era idêntica com os assumidores. Ele acha que é pouco provável que uma potência, que já nos deu tanto trabalho, se mostrasse repentinamente tão banal, capaz de ser facilmente vencida com canhões de contracampo. Eu não pude esquivar-me a esse argumentos.
Perry Rhodan pigarreou.
— O que quer dizer que não sabemos praticamente nada a respeito dos desconhecidos. E não vamos ficar sabendo mais muitas coisas, se esperarmos aqui...
— Mas ainda há pouco o senhor disse... — interveio um chefe de flotilha. — Perdão, senhor.
— Por favor! — Perry sorriu, irônico. — Eu disse que seria sem sentido penetrar na pequena nuvem de Magalhães com uma grande frota de combate. Uma nave isolada, entretanto, teria algumas chances, porque o adversário não precisa esconder-se dela.
O Lorde-Almirante Atlan ergueu os olhos, olhando o amigo atentamente. Na sua testa havia um vinco profundo.
— Espero que você não esteja alimentando a idéia de ir pessoalmente e...
Ele estacou, quando a escotilha abriu-se e um ordenança apareceu. O homem fez continência e esperou para que o Administrador-Geral lhe ordenasse falar.
— Senhor, a Cartago acaba de regressar de seu vôo de reconhecimento. O comandante Burke e o astrônomo Dr. Oster informam que trouxeram resultados importantes. Tendo em vista a conferência, achei que seria bom informá-lo pessoalmente, senhor.
— Sua idéia foi excelente — respondeu Rhodan. Ele olhou o jovem tenente com simpatia. Sempre se alegrava quando um homem formava uma opinião própria, procurando defendê-la.
— Mande esses senhores entrarem, logo que estiverem a bordo.
O tenente sorriu timidamente, mas sua resposta não demonstrou nenhuma inibição.
— Eu já tomei a liberdade de mandar que viessem, senhor. Eles devem estar chegando.
Atlan riu secamente. Perry Rhodan sorriu satisfeito.
— Melhor ainda. Como é mesmo o seu nome?
O tenente enrubesceu.
— Perry Solatta, senhor. — Ele enrubesceu ainda mais fortemente, quando percebeu os sorrisos irônicos dos presentes.
— Meus pais achavam... que o nome seria... ah...
— Evidentemente tinham razão — retrucou Rhodan, sorrindo. — E agora, por favor, faça os senhores da Cartago entrarem.
Segundos mais tarde o Major Eddie Burke e o Dr. Josef Oster entraram no armazém. Burke sorriu disfarçadamente, quando percebeu o espanto do Administrador-Geral. Eles tinham se conhecido, quando os Filhos da Luz, como Eddie e seus amigos se autodenominavam, tinham vindo para Terrânia juntos com Modul Baar Lun e Ornar Hawk, para fazer a entrega de notícias importantes de Uktan.
O major fez uma continência exata e fez seu relato. Em seguida veio o relatório do astrônomo.
— Em parte nós, astrônomos, já desconfiávamos que entre as duas nuvens de Magalhães existia uma ponte de matéria, meus senhores. Pensávamos, entretanto, antes numa espécie de invisível ponte de hidrogênio, como a que existe entre a Via Láctea e as nuvens de Magalhães. O vôo de reconhecimento com a Cartago não apenas confirmou essa suposição, mas a superou em grande escala. As duas galáxias menores não são ligadas por uma ponte de hidrogênio, mas por uma ponta falciforme de matéria sólida. Pudemos catalogar três mil e quarenta e cinco sóis separados. As sondas de massa, além disso, indicaram que deve haver um grande número de planetas escuros na ponte de matéria, e eu avaliei este número em noventa.
Ele ergueu a voz e observou cheio de satisfação os rostos espantados dos chefes de flotilha.
— Ao lado destas, entretanto ainda descobrimos três aglomerados estelares esféricos abertos e seis fechados. Dois dos aglomerados estelares já haviam sido registrados pelos nossos observatórios lunares, como galáxias distantes!...
— Inacreditável! — deixou escapar Atlan.
— Mas é verdade! — retrucou Josef Oster, teimosamente. — Cada um dos aglomerados estelares tem aproximadamente três mil massas solares em média. Em vista disso, estes aglomerados apareciam da lua terrestre apenas como manchas luminosas difusas, razão por que provavelmente não lhes davam a atenção que mereciam.
Perry Rhodan anuiu, concordando.
— Isso realmente é uma descoberta fenomenal, Senhor Oster. Suponho que o senhor tenha os documentos cartográficos consigo...
— Naturalmente, senhor! — gritou Oster, retirando uma pasta com laminados do bolso interno de seu uniforme.
O Administrador-Geral fez um gesto defensivo.
— Mais um momento, por favor. Major Burke, o que mais o senhor observou? Naves inimigas...?
— Nada parecido, senhor.
O rosto de Eddie Burke se fechou. Ele informou em rápidas palavras sobre encontro com a Compart.
Imprecações e pragas ecoaram, quando ele terminou.
— Sou inteiramente de sua opinião, meus senhores — disse Rhodan, irônico. — E vou fazer valer minha opinião junto à Administração-Geral, para que esta agência de viagens perca a concessão. Uma batalha espacial, afinal de contas, não é o meio certo para arrancar dinheiro de gente que não tem o que fazer.
Ele ficou refletindo por alguns segundos, depois ordenou:
— Antes de partir, major, faça com que este Dr. Arnulfing seja trazido para bordo da Crest. Talvez ele mude de opinião sobre o sentido e a razão de uma batalha espacial, quando os dolans atacarem.
Burke sorriu, irônico.
— Às suas ordens, senhor!
Ele fez menção de sair, porém o Administrador-Geral o deteve.
— Por favor, sente-se. Nós estamos em vias de resolver um problema importante. Talvez o senhor possa nos fornecer uma indicação ou outra.
Roi Danton praguejou, quando pelo videofone seguiu o que o Major Burke dizia a respeito das manobras de determinada agência de viagens.
— Mas, senhor — disse Oro Masut, assustado. O ertrusiano estava sentado perto dele, na cama. Como o seu patrão não podia deixar o leito por enquanto, ele preferira também não participar pessoalmente da discussão sobre a situação.
Havia lágrimas de raiva nos olhos de Danton.
— Nojento! — conseguiu ele dizer. — Como é que posso ficar quieto, ao ouvir uma coisa dessas. Eu gostaria que o gerente dessa agência de viagens tivesse estado comigo no planeta-prisão. Quando me lembro dos meus homens, que ali...
A voz embargada, ele silenciou.
— Vou quebrar os ossos desse Dr. Arnulfing! — declarou Oro Masut. .O osso do pernil que ele acabara de devorar foi estilhaçado sob a pressão dos seus dedos.
— Você não vai fazer nada, Oro! — ordenou o rei dos livres-mercadores, severamente. — Ninguém muda suas opiniões morais, quando é maltratado fisicamente. Você devia fazer um curso de Cosmopsicologia. Pelo que sei o Professor Piaoh...
O ertrusiano defendeu-se erguendo ambas as mãos.
— Não, esse homem me parece sinistro com seu intelecto aguçado. Quando ele olha para mim, sinto-me como uma lebre diante de uma cobra.
Instintivamente Roi Danton teve que rir com essa comparação. Um ertrusiano que se via como uma lebre era difícil de ser aceito.
Entretanto, logo ficou sério novamente. Tenso, ele seguiu o debate sobre o plano do pai de penetrar sozinho com a Crest V, na pequena nuvem de Magalhães.
— Mas isso é loucura — murmurou ele, espantado. — Será que ele não aprendeu nada, com minhas amargas experiências?
— O Administrador-Geral dificilmente correrá tão facilmente para dentro de uma ratoeira, senhor, se é que me permite dizê-lo — disse Oro.
Roi sacudiu a cabeça.
— O que é que você sabe disso, Oro? Uma boa armadilha a gente só reconhece quando já está preso dentro dela. E ele sabe disso muito bem. Em quantas armadilhas ele já entrou, durante a sua vida!
Masut balançou o crânio enorme, cheio de cicatrizes.
— De qualquer modo sabemos que os dominadores da PNM preferem armadilhas com um look primitivo. Portanto o seu pai já está prevenido.
— Algum dia ele acaba queimando os dedos definitivamente — retrucou Roi Danton, apreensivo.
— Ele sempre acha que é mais esperto que os outros. Eu deveria... — Ele sacudiu a cabeça. — Não, não faria sentido querer dar-lhe conselhos contra isso. Esse cabeça-dura...
— É exatamente tão dura quanto a sua, majestade — disse o ertrusiano, zombeteiro.
Michael Rhodan encolheu os ombros. Contra o argumento de Oro não havia como retrucar plausivelmente.
Ele voltou-se novamente para a tela de vídeo. O lorde-almirante acabara de levantar-se protestando contra o plano de Rhodan. Mas o Administrador-Geral manteve-se irredutível.
De repente abriu-se a escotilha. O oficial-ordenança anunciou um novo visitante, o comandante de um rápido cruzador-correio, que acabara de chegar do Sistema Solar, trazendo novidades do computador impotrônico Nathan.
Nelas, o computador prevenia contra as decisões apressadas. Ele verificara com um grau de probabilidade de oitenta e cinco por centro que as cinco mil naves diante da pequena nuvem de Magalhães já tinham sido rastreadas. Com isso, em princípio, ele não dizia nada de novo, pois o rastreamento fazia parte dos planos de Rhodan. Também a suposição de que se teria que contar com um ataque em massa dos desconhecidos contra a frota, dentro de curto espaço de tempo, não era de trazer agitação. Apenas uma coisa parecia digna de atenção: Nathan comunicava que o ataque devia ser visto como um teste apenas, sempre que dolans participariam do mesmo. Os desconhecidos estavam querendo determinar, antes de dar outros passos, se as naves espaciais terranas estavam em condições de vencer uma grande frota das naves viventes com seus condicionados em segundo grau, de forma decisiva.
— O que é que Nathan diz de nossa suposição, entrementes ultrapassada — interveio Rhodan —, de que os pseudogurrados são idênticos com a Primeira Potência de Vibrações, e com isso superiores aos policiais do tempo?
O comandante da nave-correio balançou a cabeça.
— Basicamente nada, senhor. Nathan calculou, para essa hipótese, exatamente cinqüenta por cento de probabilidade; consequentemente, a probabilidade de que os pseudogurrados sejam idênticos com a Primeira Potência de Vibrações é exatamente a mesma.
— Provavelmente Nathan está exigindo informações mais exatas? — perguntou o Lorde-Almirante Atlan.
— Exatamente, senhor.
O arcônida riu, secamente.
— Salomo disse a mesma coisa.
O rosto do comandante expressou estranheza. Porém Atlan deixou-o no escuro, quanto a quem era Salomo. Em vez disso olhou o seu cronógrafo-pulseira.
— Acho, Perry, que devemos encerrar o debate agora. Se os dolans atacarem, os chefes de flotilha deveriam estar nas suas naves.
O Administrador-Geral concordou.
A reunião dissolveu-se rapidamente. Os chefes de flotilha pareciam ter pressa, depois da mensagem de Nathan, para voltar às suas naves.
Roi Danton desligou o videofone. Pensativamente ficou olhando para a extremidade de sua cama.
— Oro, eu não consigo mais ficar quieto aqui. Se os dolans atacarem, eu não gostaria de estar deitado nesta cama. Faça-me o favor de manter longe de mim médicos, enfermeiras e medo-robôs, até que eu me vista.
Oro Masut pôs o osso, que ele deixara limpinho, no prato e levantou-se.
— O senhor pode confiar em Oro, majestade!
Ele não chegou muito além da escotilha. Quando as sirenes de alerta tocaram na nave, ele estarreceu.
Roi Danton saiu da cama, cambaleando satisfeito na direção do armário embutido onde estavam suas roupas. Os seus pensamentos estavam com os homens na central da Crest V, enquanto se vestia. Somente indistintamente ele ouviu que Oro Masut punha em fuga um médico no corredor, usando apenas a força de sua voz.
Dois membros da tripulação da Cartago trouxeram o diretor da agência de viagens da Compart no momento em que o alarme soava por toda a nave. Dentro daquela confusão organizada na central eles não conseguiram entregar o prisioneiro em nenhum lugar. Deste modo ficaram parados no meio do pavilhão em forma de cúpula. O Dr. Beth Arnulfing no meio deles.
Meio minuto mais tarde as portas do elevador de central deslizaram cada uma para o seu lado. O comandante Merlin
Akran, Perry Rhodan e alguns outros homens desceram e dirigiram-se rapidamente para os seus lugares.
Um gigante ertrusiano com um penteado falciforme gorduroso parou diante dos homens da Cartago.
— O que fazem aqui? Procurem um cadeirão vazio de reserva e afivelem os cintos. Três mil dolans foram anunciados. Nos próximos minutos a coisa pode ficar preta!
Com isso ele afastou-se novamente.
O rosto de Beth Arnulfing parecia mais um queijo fresco recém enformado. O anúncio sobre três mil dolans parecia mostrar-lhe pela primeira vez que na pequena nuvem de Magalhães não se atirava com armas de brinquedo.
— Venha! — gritou-lhe um dos homens da Cartago, agarrando-o pelo braço.
— Espere, por favor! — queixou-se Arnulfing, enquanto os soldados espaciais o arrastavam para um grupo de poltronas-reserva. — Eu tenho que...
— Isso você pode fazer tranquilamente nas calças, diretor de viagens — retrucou um dos soldados, cheio de sarcasmo. — Provavelmente mais do que isso não vai mais conseguir fazer.
Eles afivelaram o homem num cadeirão, enquanto torciam o nariz.
O Dr. Beth Arnulfing ficou sentado apático e de rosto esverdeado, até que os propulsores da Crest V rugiram, quando foram ligados em velocidade máxima.
Então ele acordou de sua letargia e gritou:
— Nós fomos atingidos! Socorro!
Ele gritava e se esfalfava, até ficar rouco, só podendo emitir alguns gemidos. Ninguém se importava com isso. Especialmente porque dentro daquela barulheira infernal dos propulsores, ninguém conseguia entender uma só palavra.
Perry Rhodan desistira de se afivelar. Ele estava de pé, muito ereto, diante da bateria de telas de vídeo e de botões de hiper-comando. Neste instante o último chefe de flotilha anunciava que as suas naves estavam prontas para combate. Os homens haviam sido transportados, ainda em tempo, por transmissor, de volta para as suas naves.
— Distância das pontas, cerca de treze minutos-luz — anunciou a central de rastreamento. — O adversário, contrariando o costume, não ataca em formação cerrada, mas em esquadrilhas triplas, soltas.
O Administrador-Geral podia vê-lo pessoalmente na tela de avaliação do rastreamento. Os reflexos verdes dos sensores ficavam separados numa largura de cerca de vinte minutos-luz entre si, aproximando-se num vôo de seis linhas sobrepostas, cuja altura total era de dez minutos-luz.
Três mil dolans!...
O adversário não fizera uso de sua chance — por quê, ninguém sabia. Talvez ele lutasse com dificuldades, das quais não se tinha nenhuma idéia do lado terrano.
— Formar blocos de cinco, conforme ordem 28 A! — ordenou Rhodan pela onda de hipercomunicação da frota magalhânica.
As unidades terranas reagiram como numa manobra. E não era de admirar, nada fora deixado ao acaso. Todas as eventualidades da luta que se aproximava tinham sido calculadas eletronicamente. Havia cerca de trezentos e cinqüenta planos táticos teoricamente repetidas vezes passados por três computadores positrônicos e examinados quanto a sua eficiência.
O Administrador-Geral observou como as unidades da frota magalhânica se reuniam em blocos de cinco. Sempre uma astronave com armamento de contracampo recebia quatro unidades com armamento normal, pois somente mil naves tinham sido equipadas com as novas armas de raios de contracampo.
— O computador principal espera um salto curto da frota de dolans, senhor — anunciou um cibernético pelo rádio de capacete.
— Preparar manobra linear, em caso amarelo, executar! — ordenou Perry Rhodan. Também isso estava previsto no planejamento.
Quando os três mil dolans passaram de chofre ao hiperespaço, para vencer a distância restante com um salto relâmpago, as unidades terranas mergulharam no espaço linear.
Tratava-se apenas de um décimo de segundo, pois afinal de contas não se queria perder contato com o adversário. As unidades terranas mergulharam de volta ao espaço normal em posições diferenciadas.
Os dolans rematerializados pouco depois ficaram desconcertados. Aparentemente cada dolan, antes do salto, já tinha rastreado a sua vítima. E agora só encontrava, no lugar referido, nada além do vácuo cósmico.
Ficou claro a Rhodan que o adversário não contara com essa reação. Os cérebros planejados dos condicionados evidentemente não conseguiam substituir computadores da mais alta precisão.
Rhodan ergueu o braço, um gesto inútil, relíquia do seu passado.
— Fogo!
O braço desceu.
No mesmo instante o espaço cósmico pareceu explodir.
O Major Eddie Burke e o astrônomo Dr. Oster mal tinham regressado a bordo do seu cruzador leve, quando foi anunciado o surgimento dos dolans, pelas corvetas do anel de vigilância exterior.
— Vamos cair fora — achou Oster. — Esses dolans têm a capacidade de nos reduzir a picadinho.
— Carne moída — corrigiu-o o primeiro-oficial.
— Nós ficamos aqui — decidiu Eddie Burke. — De preferência nas proximidades da nave-capitânia.
Ele ligou o intercomunicador para a central de radiocomunicações.
— Entre em contato com a Crest V e peça que transmitam ordens de como devemos nos comportar.
Por medida cautelar ele colocou os reatores da propulsão em rendimento máximo, para ter reservas suficientes para uma partida imediata. A Cartago era mais rápida que qualquer dolan, mas essa era a sua única arma contra essas criaturas saídas de retortas. Cruzadores leves da classe Cidade não tinham sido construídas para batalhas, mas apenas para um rápido reconhecimento.
A central de rádio deu sinal.
— Senhor, o Administrador-Geral exige que nos afastemos em direção à galáxia, em vôo linear. Disse que o plano de combate era complexo demais, para que pudesse ser-nos transmitido em curto espaço de tempo.
— Eu já sabia, Eddie — murmurou Josef Oster. — O que ainda está esperando?
— Estou esperando para ver os dolans surgirem novamente — retrucou Burke, secamente apontando para a tela de reprodução do hiper-rastreamento, da qual os reflexos dos sensores da frota de dolans acabara de desaparecer.
No instante seguinte desapareceram também os reflexos dos sensores que mostravam as unidades terranas.
O Major Burke empurrou a alavanca de partida de emergência até o seu batente. Com a outra mão ele bateu fortemente na ativação de catástrofe da instalação do kalup.
A Cartago foi atirada para a frente e desapareceu, segundos mais tarde, no semi-espaço, justamente quando as unidades terranas tinham ressurgido.
Com uma praga, Burke anulou a manobra linear. Somente a poucos quilômetros de um grupo de ultracouraçados, a Cartago caiu de volta para o espaço normal.
Na ponta da formação em cunha estava a Crest V, nitidamente visível no característico fogo de identificação da onda de hipercomunicação da Frota.
Eddie Burke nem precisou fazer cálculos. Ele reconheceu instintivamente que era tarde demais para uma fuga rápida. Somente contando consigo mesma a Cartago ficaria entregue sem defesa aos canhões intervalares dos dolans.
Ele levou a nave para o flanco direito da formação em cunha. O grupo dirigia-se com metade da velocidade da luz para cima de um dolan. A astronave vivente tinha se envolvido num campo paratrônico de defesa, conforme registravam os sensores energéticos.
A distância entre ele e a Crest V era de mais ou menos seis milhões de quilômetros, quando o campo defensivo paratrônico começou a chamejar. No meio do espaço abriu-se uma goela vermelha incandescente, uma racha estrutural, através da qual o campo paratrônico anteposto foi catapultado para o hiperespaço.
O dolan perdera a sua arma de maior efeito. — Fogo liberado para canhões transformadores! — ordenou Burke.
O rosto do major parecia mais uma máscara congelada. Somente nos olhos via-se um fogo implacável.
Eddie Burke odiava, por razões ideológicas, qualquer emprego de força. Entretanto dera a ordem de fogo consciente de que não tinha outra alternativa. Os condicionados em segundo grau com seus dolans representavam uma ameaça mortal à humanidade, uma ameaça que não podia ser enfrentada sem o emprego da força, conforme tinha sido comprovado com as tentativas inúteis do Administrador-Geral para um entendimento com os policiais do tempo.
Nestas circunstâncias Burke não podia hesitar. A segurança da humanidade era mais importante que uma humanidade que não era retribuída.
O Major Burke apertou os olhos, quando o dolan explodiu sob o fogo concentrado das seis naves. Frações de segundo mais tarde, somente uma nuvem de gás, brilhando fracamente, ficara à deriva no espaço.
O grupo mudou de rumo e voou ao encontro do próximo dolan. A Cartago segurou-se, sem esforço, no seu lugar. De vez em quando a célula da nave rangia ameaçadoramente. Aliás, aquilo parecia mais perigoso do que o era na realidade. Em nenhum momento a Cartago aproximou-se mais de um dolan que cinco milhões de quilômetros. O que conseguia passar da energia de intervalo adversária a essa distância não conseguia fazer estragos dignos de menção. Os homens queixavam-se apenas de dores de cabeça.
Também o segundo dolan foi destruído pelo fogo concentrado de canhões transformadores, depois que os canhões de raios de contracampo da Crest V tinham destruído o seu campo de defesa paratrônico.
Por toda a parte no cosmo as nuvens de gases brilhantes das naves de retortas estavam à deriva. Mas apareciam sempre outros dolans. As unidades terranas aproveitavam o alcance superior dos seus canhões de raios de contracampo e dos canhões transformadores, não se expondo nunca a dar oportunidade ao adversário de poder utilizar seus canhões intervalares.
De repente não havia mais nenhum dolan para ser atacado. Eddie Burke viu desaparecer, na tela de reprodução do hiper-rastreamento, um grupo de dolans na direção da PNM. Logo em seguida apagaram-se os reflexos dos sensores. Os dolans tinham fugido.
Pelo hipercomunicador chegaram as instruções de Perry Rhodan, às unidades da Frota.
Burke suspirou.
Ele esperou, ansioso, pelos relatórios dos chefes de flotilhas. Quando finalmente vieram, o seu rosto iluminou-se.
A frota não perdera uma única nave nem um único homem.
Na central da Cartago explodiu o júbilo. O Capitão Brento berrava como um tufão oxtorniano. Josef Oster dançava e batia os braços como um galo bêbado.
Somente o Comandante Burke não se rejubilava. Naturalmente sentia profunda satisfação, pela constatação de que a humanidade finalmente encontrara uma arma eficiente contra a ameaça dos condicionados em segundo grau, mas tinham morrido inúmeros seres inteligentes, ainda que não terranos.
— Atenção, aqui fala Perry Rhodan! — veio pelos alto-falantes do hipercomunicador. — Acaba de terminar a avaliação dos relatórios. Conforme a mesma, foram destruídos exatamente dois mil e trinta e quatro dolans. O restante salvou-se apenas por uma fuga rápida no hiperespaço. Agradeço a todos os participantes por sua ação modelar e a cooperação exata. Sabemos agora que a ameaça dos dolans foi praticamente afastada. Estas criaturas de retortas não ousarão mais atacar nossos mundos coloniais, matando suas populações. Peço às tripulações e aos oficiais que continuem se mantendo prontos para a luta. Num tempo já previsível poderemos penetrar na área central do adversário. Desligo.
O Capitão Brento levantou-se de sua poltrona anatômica e iniciou o canto do hino do Império Solar. Excepcionalmente ele abafou a sua voz, de modo que as vozes dos outros homens também podiam ser ouvidas.
Burke cantou também. Ele devia isso aos seus homens. Por pouco tempo ele foi até infectado pelo entusiasmo geral, e não se envergonhou disso mais tarde.
Uma hora depois do término da luta, o Major Burke e o Dr. Oster foram chamados mais uma vez para a Crest V. Para apanhar a sua nova ordem de entrada em ação.
Evidentemente Perry Rhodan calculava que o adversário, depois de sua derrota, se prepararia para a invasão da Frota Solar, e Rhodan nunca abdicara de conseguir a respeito das medidas de um adversário.
O Administrador-Geral esperava-os nos escritório de sua suíte particular. Um sargento pediu que Burke e Oster entrassem.
O escritório mais parecia o espaço interno de um computador positrônico. Eddie Burke também viu, além da aparelhagem de comunicação, uma ligação direta com o computador principal de bordo.
Além de Rhodan estavam presentes Roi Danton e Atlan.
Estranhamente o rosto de Rhodan parecia fechado, apesar de ainda há pouco ter conseguido uma vitória decisiva. Eddie Burke sentiu impulsos de abalo e amargura espiritual.
— Por favor, sentem-se, meus senhores — pediu Atlan. O arcônida sorriu, quando notou o olhar preocupado de Burke.
— Desculpem o mau humor em que nos encontram. Acabamos de receber uma notícia da Richthofen. Os vinte e um homens de sangue normal a bordo infelizmente foram mortos pelos seus parceiros-simboflex, por injeção de veneno.
Ele encolheu os ombros, resignado.
— Nós ganhamos uma grande batalha, é verdade, mas os pequenos combates perdemos sempre. Se nos lembramos o quanto são pequenos os parceiros-simboflex... — Ele interrompeu-se. — Os senhores estão informados sobre o que são parceiros-simboflex e como eles atuam? Burke anuiu. O Dr. Josef Oster coçou a orelha.
— São aqueles vermes neuropatas em forma de salsicha, não é, senhor?
— Vermes neuropatas...?
— Na verdade a sua classificação nem é tão irreal — interveio Roi Danton. — No fundo os parceiros-simboflex se parecem a grandes vermes ou teredos, e eles atuam realmente sobre o sistema nervoso de suas vítimas.
Ele esfregou a nuca e repuxou a cara.
— Afinal de contas eu sofri isso na própria pele. Oster recuou assustado.
— Neste caso o senhor pode ser um monstro, senhor rei! Não se aproxime muito de mim. Eu não gostaria de ser também atacado por vermes.
Perry Rhodan ergueu a cabeça e olhou o astrônomo fixamente.
— Para quê, essa tolice, Dr. Oster! Se Danton estivesse influenciado ele não estaria aqui.
— Desculpem-me — disse Josef Oster. — Eu não sou exatamente um herói, senhor, e tenho medo de parceiros-simboflex, honestamente.
— Nós também — declarou Danton secamente.
O Administrador-Geral pigarreou.
— Agradeço pela sua ação na luta contra os dolans, Major Burke. Suas manobras foram tão exatas que parecia que o senhor tinha se exercitado previamente junto com as outras unidades. Como é que vão, aliás, as coisas em Cosmópolis?
Eddie Burke aceitou agradecido o café que Roi Danton distribuiu. Depois que Rhodan lhe dissera que poderia fumar, mesmo ali entre não-fumantes, ele acendeu um cigarro e soprou a fumaça para o teto.
— As dificuldades do início da primeira década foram definitivamente superadas, senhor. A cidade entrementes conta com novecentos milhões de habitantes e se estende por uma área que corresponde à ilha terrana de Madagascar.
— Mantemos relações de comércio com muitos povos da galáxia, mesmo os springers, os aconenses e... — ele lançou um olhar para o rei dos livres-mercadores, meio irônico — até mesmo com os livres-mercadores da Estrela de Boscyk. Que são, aliás, nossos parceiros mais difíceis. Os comandantes de suas naves acham sempre que podem nos passar a perna.
Danton sorriu amarelo.
O Lorde-Almirante Atlan lançou um olhar de censura para Rhodan.
— Eu sempre soube que esse bando de piratas faziam negócios pouco sérios. Perry, como é que pudemos conceder-lhes a autarquia fora do Império?
Rhodan sorriu.
— Porque esse rapaz esperto — ele apontou para Roi — possuía algumas coisas das quais nós precisávamos urgentemente.
Roi sorriu e baixou a cabeça um pouco.
— E que eu sai totalmente a meu pai, Grandseigneur. Pelo que ouvi dizer ele também é muito esperto. O que ele precisa, vai buscar.
Atlan riu que as paredes estremeceram. Eddie Burke franziu, surpreso, as sobrancelhas.
— O seu pai, Senhor Danton? Eu o conheço? Se ele é um homem de negócios tão esperto, ele também devia ter relações de comércio com Cosmópolis.
Roi Danton pigarreou, desconcertado. O Lorde-Almirante Atlan colocou o dedo sobre os lábios, depois murmurou:
— Sua Majestade costuma ocultar sua origem, Major Burke. O rapaz sofre sem dúvida de complexos transcendentes.
Burke apertou os olhos e inspecionou os presentes. Ele achou poder sentir uma curiosa vibração entre Danton e Rhodan, uma concordância de sentidos como geralmente só existe entre parentes de sangue.
O Administrador-Geral pareceu notar que Burke estava na pista do segredo de Roi. Além disso ele conhecia a capacidade empática de Burke. Por isso desviou a conversa.
— Uktan alguma vez recebeu a visita de dolans, major?
— Duas vezes, senhor — respondeu Eddie, hesitante.
— E... — perguntou Atlan, os olhos avermelhados brilhando de excitação contida — o senhor está querendo dizer que eles não conseguiram fazer nada contra Uktan?
— Exatamente isso, senhor. Os dolans se auto-destruíram, depois de terem penetrado no campo psi protetor.
— E só ficamos sabendo disso agora? — gritou o arcônida, sem poder se conter. — O senhor sabe muito bem com que desespero estávamos à procura de uma arma contra os dolans!
— Deixe-o em paz, Atlan — interveio Rhodan. — Eu sei há muito tempo que em Uktan existe um chamado campo de pacificação. Baar Lun informou-me a respeito, quando trouxe de volta para a Terra os Filhos da Luz. Porém o campo faz parte daqueles segredos do Guardião da Luz, que jamais nos serão acessíveis.
— É isso — disse Eddie Burke. — Uma informação sobre a ação sobre os dolans, consequentemente, de nada lhes serviria. Aliás, nós em Cosmópolis também não conhecemos o princípio do campo psi.
Atlan mordeu o lábio, cruzando os braços diante do peito, olhando fixamente para o chão.
— Esse Guardião da Luz parece ter uma mentalidade que se parece desgraçadamente com aquela do Peregrino. Será que existe alguma conexão?
— A mesma pergunta fizemos naquela ocasião, há décadas atrás, a Baar Lun e Ornar Hawk, senhor — respondeu Burke. — Eles o negaram. Disseram que os Guardiões da Luz eram mais velhos que a civilização que produzira o Peregrino.
Rhodan olhou ostensivamente o relógio.
— Não temos mais muito tempo, meus senhores. Eu mandei chamá-los para dar-lhes uma nova tarefa. Durante o seu reconhecimento da ponte de matéria, não voaram para perto de nenhum planeta?
— Não — respondeu Burke. — Nossa tarefa era sondar a respeito da composição da matéria e voltar pelo caminho mais rápido. Lá naturalmente existem planetas. Os sensores de massa registraram alguns por várias vezes, enquanto voávamos perto de sistemas solares.
— E nenhum tráfego de espaçonaves?
— Não, senhor.
— Ótimo. O senhor partirá o mais depressa possível, depois de ter renovado o estoque de deutério de alta freqüência e bombas de transformação, novamente em direção à ponte de matéria. Execute, em sistemas prometedores, provas ao acaso. O senhor já sabe: planetas dentro de zonas de vida extremamente parecidas com as da Terra e extremamente de outro tipo. Zonas intermediárias, no momento, não nos interessam.
— Claro, senhor.
O Administrador-Geral sorriu cordialmente para os habitantes de Cosmópolis.
— Nós — ele balançou a cabeça na direção de Atlan e de Danton — vamos penetrar para o centro da PNM com a Crest, e nos encontraremos, assim espero, novamente aqui este setor.
O Lorde-Almirante Atlan fez uma cara fechada, mas não disse nada.
— Para o centro...? — disse o Major Burke, devagar. — Ali, pelo que sei, cerca de trezentos cruzadores e corvetas fizeram reconhecimento. Posso saber se eles descobriram alguma coisa especial?
— Pode. Sim, eles descobriram um forte tráfego de naves, mas só isso. Os comandantes tinham instruções para atravessar a PNM sem se deterem, não permanecendo mais de dez minutos de cada vez em pontos de orientação, devido aos sensores de rastreamento. Eu espero ficar sabendo de muito mais.
Ele estendeu a mão para Burke, depois sacudiu também a mão do Dr. Oster.
— Muito sucesso, meus senhores, e tenham cuidado. Astronautas mortos não são bons astronautas.
— Administradores-Gerais mortos também não são bons Administradores-Gerais, seu bárbaro! — interveio Atlan, com zombaria cáustica.
Burke riu.
Cada homem da Frota conhecia os constantes atritos entre o supercauteloso arcônida e seu amigo terrano, que não conseguia deixar de se meter continuamente em perigos de deixar os cabelos em pé.
Roi Danton também riu, mas logo ficou sério novamente.
— O senhor tem uma balança de grande capacidade na Cartago, Major Burke?
Eddie fez um gesto depreciativo.
— Já sei: examine o seu peso. — Também ele, repentinamente ficou sério. — Não nos esqueceremos disso, Senhor Danton.
— Quer dizer que você realmente quer meter a cabeça na jaula dos leões, Perry? — perguntou o arcônida, depois que Oster e Burke deixaram o recinto.
O Administrador-Geral levantou-se e começou a andar lentamente para cima e para baixo ao lado da mesa oval. A testa sulcada, o rosto magro parecendo anguloso. Apesar de a vida ter desenhado inúmeras rugas nele, não se via uma só grama de tecidos moles. O rosto era liso e consistia de músculos, nervos e ossos. O ativador celular, mantenedor de vida, evitava qualquer afrouxamento físico. Sem esse aparelho, sem dúvida alguma ele já teria tido uma dúzia de infartos do miocárdio, com a vida inquieta, irritante, que ele levava, pressionado pelas circunstâncias.
Diante de Atlan ele parou.
— Sim, meu amigo — explicou ele, sem compromisso e quase inamistosamente. — Não podemos dormir nos louros, mas precisamos fazer alguma coisa para não deixar a iniciativa ao adversário. Além disso...
Ele estacou quando o intercomunicador deu sinal. A luzinha vermelha anunciando um chamado tremeluziu.
— Fala Rhodan! — disse ele na direção do aparelho.
A ligação foi ativada só com as palavras. A tela de vídeo iluminou-se. O rosto do chefe da avaliação cibernética apareceu.
— Novas notícias de Nathan, senhor. Devo mandar-lhe uma cópia do rádio, ou o senhor quer vir aqui pessoalmente?
— Mande-me a cópia do radiograma — ordenou Rhodan. Poucos segundos mais tarde um laminado magnético foi cuspido pela abertura do aparelho de transmissão. O Administrador-Geral pegou-o, lendo o texto em voz alta!
“IP/L Nathan pessoalmente ao Administrador-Geral. Lua, 24 de abril, 2437, tempo terrano. 23:14.89 Hora Standard.
“Avaliação lógica 334OOO661/PNM/TS:
“O ataque dos dolans com o fim de testar nossos meios de combate (contracampo, canhões de transformação) deverá ter ocorrido entrementes. Com uma derrota inequívoca, deve contar-se com o fato de que os senhores da PNM fortaleçam sua força defensiva e ao mesmo tempo ponham em andamento planos para uma nova ofensiva. Eu acho necessário — caso tenham ocorrido os acontecimentos conforme minha previsão — que se faça um reconhecimento detalhado dentro da PNM. O reconhecimento deveria ser feito somente com naves isoladas. Ponte de rádio é necessária. Sugestão: construir uma ponte de relê por cima e por baixo do plano da PNM. Entretanto deve-se contar com interferências de rádio dentro da PNM. Mandar examinar mais a ponte de matéria. Proceder de forma cautelosa em geral.
“Fim da avaliação lógica 334OOO661/PNM/TS”
Perry Rhodan ergueu os olhos e encontrou o sorriso resignado de Atlan.
— Você ganhou mais uma vez, pequeno bárbaro — achou o arcônida, cansado. — Mesmo assim, sou de opinião que não é preciso necessariamente que o Administrador-Geral do Império Solar voe pessoalmente para dentro da PNM. Você tem outras tarefas, mais importantes, Perry, e sobretudo você é insubstituível. Os acontecimentos, quando de nossa aventura na M-87, demonstraram isso claramente.
Rhodan sacudiu a cabeça.
— Nas suas palavras há um grãozinho de verdade. Mas você se esquece que a Crest V possui uma tripulação de elite, provada em combates, as melhores máquinas e as melhores armas da Frota. Além do mais, eu acho mais útil formar-me, pessoalmente, uma imagem da situação. Eu não gostaria de me colocar como gênio, mas você sabe quantas vezes um êxito dependeu de minha aparição, para verificar a situação e dar as medidas necessárias.
— Ele veio, viu e venceu — zombou Roi.
— Tolice, menino! — gritou Perry Rhodan para o seu filho. — Eu não sou um super-herói, e não decido nenhuma batalha com minha aparição. Eu só tenho a meu favor uma experiência muito longa, e uma porção de intuição.
— Eu só estava brincando — retrucou Roi. — De qualquer modo eu participo desse vôo, porque também acho que tenho uma boa porção de intuição, mas sobretudo porque quero que você seja constantemente lembrado do destino da Francis Drake e de sua tripulação.
— Maldição!
Ele virou-se, quando notou que a dor tomava conta dele. Com pragas ele tentava refazer novamente o equilíbrio psíquico.
— Você não precisa envergonhar-se dos seus sentimentos, Mike. Se você já tivesse visto morrer, a sua volta, tantos homens bons como eu... Quando tinha base para isso, jamais me envergonhei de minhas lágrimas, menino.
Michael Reginald Rhodan anuiu, assoou o nariz e virou-se.
— Muito obrigado, dad. Esta foi minha primeira experiência com isso. Com o tempo provavelmente o coração endurece.
— Dificilmente — retrucou Rhodan, com a voz áspera. Ele ergueu a cópia do radiograma da avaliação lógica de Nathan.
— Vamos para o departamento de cosmonáutica. Antes de partirmos ainda temos que determinar o nosso curso, e baixar as instruções para as naves-relé.
O Major Eddie Burke deu a conhecer a nova tarefa pelo intercomunicador geral.
— Eu gostaria — concluiu ele — que dentro da próxima meia hora, se apresente a mim cada homem com experiência no trato de inteligências extraterrestres.
Somente três homens apareceram. Isso tinha uma explicação fácil. A tripulação da Cartago consistia em dois terços de rapazes saídos recentemente das academias espaciais e dos campos de treinamento para simples soldados do espaço. O resto eram oficiais da reserva convocados. A Frota do Império tinha que aceitar tudo que fosse útil, depois das terríveis perdas sofridas na luta defensiva contra os condicionados em segundo grau.
Os homens se apresentaram.
Primeiro-Tenente da reserva Katona Haikor, 69 anos, participante da Intervenção em Andrômeda, Tenente Marech Beaucoup, 43 anos, participante das expedições de exploração de uma nave Explorer, Tenente Salvador Hitchen, 38 anos, sobrevivente de um cruzador pesado, que foi destruído na grande nuvem de Magalhães.
— Nós vamos pousar em planetas dentro da conhecida ponte de matéria que ou são extremamente parecidos com a Terra ou extremamente exóticos — explicou Burke. — Com os eventuais habitantes de mundos parecidos com a Terra, dificilmente teremos dificuldades de contato. Nos outros planetas temos que contar com surpresas desagradáveis. Deixem que ali a imaginação entre em jogo, senhores. Inteligências absolutamente estranhas são capazes de se ocultar praticamente em qualquer forma. Sem uma imaginação desenvolvida provavelmente não se encontram nunca essas inteligências, e isso pode ficar desagradável, caso nós formos indesejáveis.
O Tenente Marech Beaucoup sorriu, irônico.
— Em Paris eu escrevi colaborando com uma série de ficção científica muito imaginosa, antes de ser convocado, senhor. Marcel Kantonetta, Caçadores de florestas em mil mundos chama-se ela.
Eddie Burke gemeu.
— Por todas as almas do espaço sideral, quem foi que inventou esse título? — Ele fez um gesto defensivo, quando Beaucoup ia responder. — Deixe isso. No mínimo escritores de séries são obrigados a uma imaginação fora do normal. Isso poderá ser útil aos nossos fins.
Ele virou-se e viu que o Capitão Brento estava prestes a devorar uma perna de carneiro assada, e gritou:
— Primeiro-oficial, programe o automático para o vôo linear ao conglomerado estelar esférico Oster I, mas um pouco de repente, por favor!
O epsalense enrubesceu até as orelhas. Com a manga de seu uniforme de bordo, limpou a gordura da boca, do queixo e do pescoço, praguejou baixinho e jogou o presunto sobre o console de comando.
De bochechas cheias, curvou-se por cima do console computadorizado e deu início aos cálculos cosmonáuticos.
O Dr. Josef Oster saltou de dentro do duto do elevador central e correu para o major.
— Eddie, em Oster I chamou-me a atenção um sistema de sóis duplos. Extremamente excelente, meu caro. Os sensores de massa mostraram dois planetas, um deles deve ser um gigante, o outro um anão semelhante a Mercúrio. Que tal este?
— Concordo — retrucou Burke, depois de refletir um pouco. — Dê as coordenadas ao primeiro-oficial, Jupp.
O astrônomo anuiu cheio de alegria e correu na direção do lugar de Brento. Antes de interpelar o epsalense, cortou para si um pedaço grande do presunto e o engoliu.
Burke sacudiu a cabeça.
— A alimentação ultimamente parece ser deficiente. Preciso realmente dar uma palavrinha com o cozinheiro-chefe.
Kaikor, Beaucoup e Hitchen riram.
— Senhor — disse o tenente Beaucoup —, Marcel Kantonetta também é um epsalense. Geralmente ele conseguia sua alimentação rica em albumina de monstros de mundos florestados desconhecidos. Quem sabe nós poderíamos...
Eddie sorriu, zombeteiro.
— Nesse caso fico espantado por ele já não ter morrido. Alimentos de mundos exóticos geralmente são venenosos para o metabolismo humano.
— Kantonetta levava consigo um ser esférico que assimilava tudo e verificava se o alimento era adequado aos humanos.
— Eu sugiro — achou o Primeiro-Tenente Katona Haikor — que no lugar do ser esférico nós utilizemos o Tenente Beaucoup, senhor.
— O quê?! — gritou Beaucoup. Todos riram.
— Voltem novamente para seus lugares — ordenou o Major Burke. — eu mandarei chamá-los quando precisarmos de sua ajuda.
Ele virou-se para se encaminhar ao lugar do primeiro-oficial.
— Não deixe o seu presunto esfriar, capitão — disse ele.
O Capitão Brento virou-se rapidamente.
— Quem foi, afinal, que interrompeu brutalmente a minha refeição? — Acusadoramente ele ergueu os olhos para o teto em cúpula da central de comando. — Ó grande espírito dos traficantes de escravos, iluminai o Major Burke, para que ele não deixe mais morrer seus escravos de fome.
Eddie Burke riu e bateu no ombro do primeiro-oficial.
— Logo que programar as coordenadas, eu serei iluminado, Brento.
— Só mais dois minutos — respondeu o capitão, chateado. — Esse senhor aqui — ele apontou para Oster — me deteve desnecessariamente com sua conversa mole.
— Eu apenas dei-lhe as coordenadas para o sistema de sóis duplos, Eddie — protestou o astrônomo. — E algumas explicações, para que ele saiba como deve programar o automático para o vôo linear.
O Capitão Brento grunhiu, com desprezo. Depois que a programação tinha terminado, Eddie Burke sentou-se no seu cadeirão e chefiou a partida. A Cartago, nas últimas horas, tinha enchido os seus tanques de deutério até as bordas, tendo ainda colocado a bordo quinze bombas transformadoras, como reposição para as que haviam sido disparadas anteriormente. Além disso, também a água fresca e os alimentos haviam sido renovados.
No recorte da ampliação setorial brilhava o aglomerado esférico de estrelas Oster I como uma mancha pouco clara. Enquanto a Cartago desenvolvia velocidade, a bombordo deslizava lentamente para trás um braço ligeiramente espiralado da pequena nuvem de Magalhães.
Burke pensou em Perry Rhodan, que partira há poucos minutos atrás para lá, com a Crest. Ele o veria de novo?...
Perry Rhodan acordou, quando o despertador eletrônico tocou uma marcha de Eiker Nablus: All Drums of Space.
Parecia que realmente todos os tambores do espaço sideral estavam tocando. O Administrador-Geral gemeu, desligando o despertador.
Um fraco impulso telepático ativou a tela de situação na cabeceira da cama. Os dados armazenados durante o período de sono apareceram no display como escrita verde iluminada: relatório das naves reles, dados de rota, resultados de rastreamentos, relatórios do almirante Hanner Tekenbeck, que durante a ausência de Rhodan assumira o comando da Frota na borda da PNM.
Perry Rhodan bocejou cordialmente. Até agora tudo parecia correr de conformidade com os planos. A Crest V encontrava-se em rota tangencial à pequena nuvem de Magalhães. As espirais das bordas estavam em média a quinze anos-luz de distância. Em quarenta minutos a nave as atravessaria na altura da ponte de matéria, para prosseguir novamente acima da ponte de matéria, no espaço vazio. Depois disso uma manobra linear deveria levá-los em cerca de cem anos-luz para dentro da nuvem, num aglomerado estelar aberto que as naves de exploração tinham examinado. O mesmo estava envolto, por três lados, de grandes nuvens de matéria escura, aliás as duas nuvens de Magalhães continham muito lixo do processo de formação de galáxias. A matéria escura dificultaria um rastreamento prematuro, pelos estranhos, da Crest V, ou até mesmo poderiam impedi-lo.
Rhodan levantou-se decidido, dirigindo-se a uma pequena piscina. Ele nadou durante dez minutos, depois colocou-se embaixo de um chuveiro quente.
Em seguida reuniu o seu desjejum.
Estava na sua terceira xícara de café, quando a campainha da porta tocou.
— Entre! — gritou Rhodan, e o automático da porta abriu a escotilha. — Você gostaria de comer ou tomar alguma coisa? — perguntou Rhodan ao arcônida, que entrou.
— Não, obrigado — retrucou Atlan e sentou-se sem problemas. — Você parece que está tomando nossa expedição por uma excursão. De qualquer modo vejo que você gosta disso, ainda.
O Administrador-Geral arqueou as sobrancelhas.
— Você vai começar de novo! Por que eu não deveria gostar disso? Os alimentos fornecidos por nossa cozinha-robô são excelentes. Além disso cada homem a bordo desta nave tem o dever de tratar ativamente do seu corpo de todos os modos. Eu simplesmente estou me abastecendo de reservas, amigo.
— Portanto você está contando com privações, conseqüentemente com o fato e sermos atraídos para armadilhas certamente existentes...
Rhodan sorriu.
— “Atraídos para armadilhas...”, uma bela sentença, arcônida. Você deveria ter se tornado escritor. — Mas logo ficou sério novamente. — É natural que eu conte com tudo, Atlan. Eu tenho que contar com tudo para estar preparado para tudo. O que é que você me diz dos cálculos multitáticos que realizei com a ajuda do computador de bordo?
Atlan enviou um olhar desesperado ao amigo, de sob suas sobrancelhas brancas, hirsutas.
— Eu cheguei a tremer de frio, enquanto fiquei ouvindo os cristais de armazenamento.
Ele curvou-se por cima da mesa. O seu rosto de repente ficou mais brando.
— Perry! Você certamente não acha que eu esteja com medo por mim. E também não é o medo de perder o melhor amigo, que me leva aos meus avisos, mas o medo por uma humanidade que, num momento de decisões importantíssimas, poderia ficar sem o seu ídolo e sua força impulsionadora.
Perry Rhodan retribuiu o olhar do amigo, calmamente. Tomou o seu café e levantou-se abruptamente.
— Não levando em conta — declarou ele, arrastadamente — que me oprime ser o ídolo da humanidade. Sei perfeitamente que esse ídolo betuma as rachas dos diversos grupos de interesses e de poder do Império. Mas eu seria o ídolo da humanidade, se não estivesse sempre à frente de tudo em favor dessa mesma humanidade?...
O Lorde-Almirante Atlan ficou parado ali por alguns segundos, sem dizer nada. Mas o seu rosto mostrava o que ele refletia.
— Ok! — disse ele, finalmente. — Mais uma vez você me convenceu. Portanto vamos voar para o inferno para atiçar o seu fogo, espero que sem queimar os dedos.
Rhodan sorriu, pegou o amigo pelo braço e saiu com ele na direção da escotilha.
— Você certamente vai cuidar bem de mim, arcônida. Eles chegaram justamente à central para ouvirem também o resumo dos relatos dos comandantes dos grupos-relé. Roi Danton afastou-se da mesa de mapas, quando viu o pai. Novamente estava usando o uniforme de bordo normal da Frota do Império. Evidentemente a perda de sua Francis Drake e da tripulação tinham-lhe roubado o gosto por suas mascaradas extravagantes.
— Tudo em ordem! — anunciou ele. — Dentro de três minutos entramos novamente no semi-espaço. Dormiu bem?
— Firme e sem sonhos — retrucou Rhodan. — Como é que se sente Sua Majestade?
— Estou excelente, exceto por uma coceirinha eventual na nuca. — Ele fez uma careta. — Às vezes penso estar sonhando. Parece-me um milagre que justamente eu consegui escapar, apesar de os desconhecidos me terem já em seu poder. Se eles tivessem imaginado quem eu sou...
Atlan anuiu, sério.
— Felizmente eles não o sabiam. Além disso, o senhor não escapou sozinho.
Eles sentaram-se à mesa de mapas. De repente uma corrente de ar passou pelos seus rostos e o rato-castor materializou perto deles.
— Bom dia! — ciciou ele. — Como vai, chefe?
Rhodan sorriu, depois lembrou-se o quanto ficara chateado com Gucky na conferência do dia anterior. Ele tentou olhá-lo severamente, mas sabia que simplesmente não podia ficar zangado com o rato-castor por muito tempo.
Mesmo assim ele disse, brusco:
— O senhor comportou-se de modo impossível, ontem, Oficial-Especial Gucky. O que pode me oferecer como desculpa?
O dente roedor de Gucky desapareceu imediatamente, sinal seguro para a queda rasante de seu barômetro de humor.
— Peço desculpas... Perry! — Os seus olhos imploravam. — Além disso eu já fiz as pazes novamente com os siganeses. Eu queria apenas melhorar um pouco aquele ambiente sério demais. Por favor, Perry!
Rhodan suspirou.
— Está bem, seu patife. Mas também tenho um pedido. Por favor, não perturbe mais, no futuro, importantes discussões da situação, com suas piadas sem gosto. Está claro?
O dente-roedor de Gucky apareceu, brilhante.
— Está bem, Perry! De futuro farei apenas piadas de bom gosto...
— Piada alguma! — gritou Perry Rhodan, zangado. Alguns oficiais na central de comando viraram-se para ele. — De qualquer modo nunca em lugar onde estão fora de propósito. Sei que é impossível fazer com que você deixe o costume de suas piadas.
— Está bem, nenhuma piada — murmurou o ilt, deprimido. Depois seus olhos iluminaram-se outra vez. — Apenas onde não estiverem fora de lugar. — Ele riu baixinho. — Vocês sabem o que vamos ter hoje para o almoço?
— Não, seu morcego sem asas — disse Roi Danton —, e nem queremos sabê-lo, de qualquer modo não por você. Eu não gostaria de ganhar úlceras do estômago na minha idade.
Gucky assobiou estridentemente, desafinando sobre o seu dente roedor. Ultimamente ele conseguira mais esse dom.
— Atenção. Início da manobra linear!
Ouviu-se a voz de Merlin Akran nos alto-falantes do intercomunicador geral. Como o Coronel Akran era epsalense, ninguém conseguia deixar de ouvir o que dizia.
Os homens na mesa de mapas silenciaram.
Perry Rhodan olhou sonhadoramente para a galeria panorâmica sem entrelinhas. Antigamente ele acreditava que chegaria o dia em que ele não estaria mais interessado na imagem do espaço linear. Mas hoje ele continuava olhando, com a mesma expressão de veneração e espanto, para esta imagem, como nos primeiros dias do vôo no semi-espaço.
A imagem mudava constantemente. Ainda há pouco parecera que a Crest V deslizava através de um corredor multicolorido, cada vez mais estreito — e de repente a nave parecia estar pairando imóvel no centro de um louco turbilhão luminoso, apesar de movimentar-se com dez mil vezes a velocidade da luz relativamente ao espaço normal.
Rhodan voltou a cabeça e olhou para a tela em relevo diante do cadeirão do comandante.
A imagem de um sol azul-esverdeado estava parada exatamente no centro de círculos ordenados concentricamente. Inserções de números e grupos de símbolos nas linhas dos círculos modificavam-se em intervalos diferentes, mostrando velocidade, distância e área do objetivo, além de diminutas correções de rota.
Depois de quarenta e cinco minutos a imagem do sol preenchia totalmente o círculo interno. Ouviu-se um sinal. Monotonamente um autômato com voz de lata dizia números e letras gregas.
De repente o sol saiu de dentro do círculo interno. Sua imagem diluiu-se do lado de fora do círculo, de modo que ora pareceu um limão, depois um ovo bem formado, e logo depois uma bola de rúgbi. Do outro lado apareceu a mancha luminosa fraca de uma galáxia distante, dirigindo-se para o centro.
Quando o processo terminou, a Crest V encerrara o contato tangencial direto com a PNM e corria adiante no semi-espaço, na direção de um ponto coordenado, no qual a saída de orientação deveria se proceder.
Uma vez o rastreador L deu sinal, rapidamente. Ele apanhara uma espaçonave que voava no semi-espaço. O objeto, entretanto, estava afastado demais para tornar possível uma avaliação prometedora de êxito. Segundos mais tarde estava fora do alcance do aparelho.
— Atenção. Saída de orientação! — anunciou Merlin Akran, depois de vinte minutos, pelos alto-falantes.
Os fenômenos óticos do semi-espaço — composições coloridas de algum pintor louco — apagaram-se de um momento para o outro.
A Crest V corria novamente através do negrume familiar do espaço cósmico normal. Por baixo e atrás dela girava imperceptivelmente uma espiral de formato irregular, luminosa: a pequena nuvem de Magalhães.
Os componentes principais do sistema de sóis duplos pareciam parados dentro do círculo interno. Uma voz de autômato disse com uma pressa maquinal alguma coisa, para silenciar novamente. Ouviu-se um sinal.
O Major Eddie Burke apertou a palma da mão em cima da placa de comutação que brilhava vermelha, do impulso linear. A placa tornou-se amarela, depois preta.
Ao mesmo tempo a Cartago caía de dentro do semi-espaço.
A imagem na tela de relevo tinha se apagado. Em seu lugar brilhavam os dois componentes do sistema de sóis duplos, frios e ameaçadores, no setor frontal da galeria panorâmica de vídeo.
Os componentes principais: uma estrela diminuta, brilhando num vermelho esmaecido, cujo diâmetro era praticamente de um terço do Sol terrano.
Burke observou atentamente as eletrolinhas coloridas do campo variável dos sensores de massa. O gigante solar azul dificultava, a esta curta distância, as medições dos planetas que este sistema supostamente devia ter.
O Dr. Josef Oster abandonou o seu lugar, colocando-se junto da poltrona anatômica do comandante.
Quando as eletrolinhas superiores se reuniram, mostrando uma padronagem contínua, Oster instintivamente respirou fundo.
As linhas inferiores, muito mais fracas que as superiores, precisavam de mais tempo para juntar-se numa padronagem clara. Elas mostravam a massa captada dos planetas menores. Curiosamente — ou talvez não — este corpo celeste orbitava muito rapidamente em torno da estrela azul gigante.
O planeta maior, ao contrário, corria numa órbita, que se parecia a um oito irregular, em volta dos dois planetas e por entre eles. Provável duração de sua órbita: trinta e dois anos terranos.
O planeta menor orbitava o gigante azul uma vez em apenas quarenta dias.
— O planeta semelhante a Mercúrio parece desinteressante — achou o Capitão Brento, decisivo.
Eddie Burke anuiu.
— Provavelmente ele é semelhante em muitas coisas ao Mercúrio solar. Portanto resta-nos o planeta maior.
Ele ligou o intercomunicador com a sala de medições.
— Que dados estão disponíveis até agora sobre o planeta maior?
— Momento, senhor. — Ouviu-se o crepitar de laminados. — Tem doze vezes o diâmetro da Terra, massa mais ou menos de trezentos e cinqüenta Terras. Rotação avaliada em treze horas. Duração da órbita do gigante azul: vinte e um anos da Terra. Em torno do astro anão vermelho: onze anos-Terra. Durante a órbita do gigante no planeta podem reinar condições tropicais. Ele se encontra, no momento, no final da primeira década do verão. Quando entra em órbita do anão vermelho, naturalmente deve haver um frio terrível. Provavelmente então congela até mesmo a atmosfera. Eu não gostaria de viver ali, senhor.
Burke repuxou os lábios num sorriso irônico.
— Não como homem. Como nativo, caso existam ali, o senhor provavelmente não se sentiria pior do que na zona de clima moderado da Terra. Muito grato pelas informações. O senhor pode medir a gravidade?
— A avaliação está terminando neste momento, senhor. Hum! 3,1 gravos, nada para meus pés doentes.
Burke riu.
— Muito obrigado!
Ele desfez a ligação e voltou-se para o seu primeiro oficial.
— Os seus pés provavelmente nada sofrerão ali, Brento. — Ele suspirou. — E os meus também terão que pisar ali. Vamos entrar numa órbita em torno de Glutton. Alguém tem um nome melhor estocado?
O Capitão Brento deu uma gargalhada.
— Não, Glutton, comilão, é adequado. Espero que o seu apetite não seja grande demais, para nos comer.
Josef Oster ergueu as mãos, defensivamente.
— O senhor me dá medo, capitão. Eddie, o senhor pretende mesmo pousar ali?
— Talvez, Jupp. Vai depender das avaliações que recebermos da órbita.
Ele empurrou a regulagem de empuxo para a frente. Na nave os impulsores chegaram a rugir. O cruzador-leve acelerou para colocar-se numa órbita parabólica ao grande planeta Glutton, no que o sol gigante azul de certo modo foi passado por baixo.
Três horas e meia mais tarde os propulsores frearam a massa da nave. A Cartago parecia cair sobre a bola gigante do planeta. Duzentos quilômetros acima da densa atmosfera, foi alcançada a velocidade de órbita calculada. A nave transformou-se num satélite artificial de Glutton.
Três vezes o cruzador da classe Cidade orbitou o planeta, no que os aparelhos mais diferentes colhiam milhares de dados, enviando-nos ao computador de bordo para avaliação. A quarta órbita havia sido concluída apenas em um quarto, e já se fizera a avaliação.
Glutton possuía oito continentes. Seis deles erguiam-se até mil metros acima do oceano quase imóvel. Os dois restantes cobriam como antípodas as regiões polares. Consistiam aparentemente de gelo liso, semelhante a porcelana, com a densidade do granito terrano. Ali parecia não haver vida. Porém os outros seis continentes eram cobertos com uma padronagem irregular de vegetação que brilhava em azul, vermelho-ferrugem e num verde vítreo. Não se podia descobrir nada a respeito de colônias de seres inteligentes, se não se imaginava que as manchas brancas como cal, distribuídas por entre a vegetação, fossem povoações.
O comandante Burke reuniu a sua volta os três homens com experiência de extraterrestres.
— Nós quatro — explicou ele —, bem como o Capitão Brento e o bioquímico Janos Korpan voaremos num space-jet para uma das manchas brancas, pousando nas proximidades, para dar uma olhada. A Cartago se posicionará numa órbita estacionária, de modo que a qualquer momento possamos entender-nos pelo rádio ou oticamente. Como equipamento, vamos levar um shift conosco. Além disso vamos vestir os novos trajes de combate, de modo que poderemos acolher a gravidade mais elevada. Como procederemos depois do pouso, eu decidirei caso a caso. Está claro?
Os homens confirmaram, um pouco agastados, porém com os olhos brilhantes, que denunciavam que iam ao encontro de sua aventura com muito interesse.
Manobras de orientação, o que queria dizer, todas as aparelhagens de rastreamento trabalhando em rendimentos máximo — literalmente falando —, bem como revistar os arredores próximos da Crest V como também os setores espaciais a muitos anos-luz de distância em busca de astronaves e suas emissões energéticas. Ao mesmo tempo o setor de cosmonáutica avaliava os dados observados em relação ao seu posicionamento, assinalando a posição da nave exatamente em segundos-luz, e calculando a rota mais propícia para a zona do objetivo.
O objetivo era — por enquanto — um aglomerado estelar aberto, semelhante às Plêiades na galáxia, a cerca de cem anos-luz de distância, dentro da pequena nuvem de Magalhães.
Meia hora depois do regresso ao espaço normal, Perry Rhodan tinha nas mãos as avaliações dos rastreamentos e os cálculos cosmonáuticos.
Discutiu-as rapidamente com Roi Danton e Atlan e com o Coronel Akran, depois liberou os cálculos para a programação do computador positrônico cosmonáutico, bem como para o automático L.
A Crest V deveria primeiramente acelerar em direção da ponte de matéria falciforme entre as nuvens de Magalhães, para enganar eventuais observadores inimigos. Chegados ao semi-espaço, ela daria meia-volta depois de cinco minutos, tomando o rumo da zona real do objetivo em vôo linear ultraluz.
Enquanto transcorriam estas manobras, os membros do Exército de Mutantes entraram na central um depois do outro, tomando lugar aleatoriamente em volta da mesa de mapas.
John Marshall sorriu para o Administrador-Geral. Entre os dois homens não existia propriamente um relacionamento de serviço, mas sim prioritariamente uma amizade levemente distanciada. Eles se conheciam desde os primeiros dias da Terceira Potência.
As duas cabeças de Ivan Ivanovitch Goratchim excepcionalmente mantinham-se calmas. Geralmente brigavam entre si, e isso não era de admirar, quando dois cérebros tinham apenas um corpo em comum.
A tripulação siganesa do robô gigante Paladino tinha imaginado uma nova piada. Os pequenos especialistas da USO pairaram para dentro do recinto numa plataforma antigravitacional do tamanho de um pacote de cigarros, pousando exatamente em cima do mapa projetado da pequena nuvem de Magalhães. Gucky piscou os olhos para eles; Harl Dephin, o chefe do grupo do Paladino, ameaçou-o com o pequeno indicador.
Os gêmeos Woolver riam ironicamente e, ao mesmo tempo, com uma expressão divertida nos seus rostos esverdeados.
— O que há de novo? — perguntou Tako Kakuta, o teleportador, olhando em volta.
Perry Rhodan informou a situação aos seus colaboradores.
— Em princípio — concluiu ele — não vejo nenhuma possibilidade de os senhores entrarem em ação. Isso, entretanto, pode modificar-se rapidamente. Será melhor aproveitarem para descansar, assim estarão mais dispostos quando chegarmos à pequena nuvem de Magalhães.
André Noir sorriu furtivamente. O hipno segurava um ovo de galinha na palma de sua mão, olhando-o de modo penetrante.
— O que é que você está fazendo? — perguntou Gucky, curioso.
— Estou treinando — respondeu Noir seriamente. — Estou tentando transmitir tarefas pós-hipnóticas ao ovo. Talvez eu consiga, usando de bastante intensidade no tratamento, que o pintinho saído da casca execute essas tarefas.
O rato-castor levou os dedos à testa.
— Asneira! Além do mais, como é que você pode saber se o ovo realmente está fecundado? Será que temos algum galo a bordo?
— Não, mas também não temos galinhas — explicou o hipno.
Gucky engasgou.
O vidente de freqüências Son Okura olhou o seu colega mutante de olhos arregalados. Evidentemente ele não conseguia perceber imediatamente tanta pseudológica manhosa.
Os lábios de Tama Yokida tremeram suspeitamente. O telecineta fixou-se discretamente no ovo na mão de Noir, fazendo-o pairar para o alto alguns centímetros.
— Ué!. — fez ele, inocente. — Será que você ordenou-lhe que voasse antes de sair da casca?...
Os siganeses se rolaram de tanto rir, caindo de cima de sua placa antigravitacional, por cima da projeção das espirais da borda da PNM. Roi Danton fez um esforço para não rir, pressionando fortemente os lábios.
André Noir agarrou rapidamente o ovo, quando o mesmo ameaçava pairar acima do seu alcance. Estalando, quebrou a casca.
Calmamente o hipno começou a descascar o ovo. Era cozido.
O rato-castor foi sacudido por um frouxo de riso.
— Ora, Gucky — disse Noir cordialmente —, faça-me o favor de ir buscar um saleiro na cozinha, sim?
— Não posso! — disse Gucky quase sem ar. — Como é que eu vou me concentrar desse jeito?
Tako Kakuta tomou o seu lugar. Desapareceu e voltou segundos depois com o saleiro pedido. Sorrindo cortesmente entregou-o ao colega.
Noir agradeceu e começou a comer o ovo.
Tronar e Rakal Woolver perguntaram como a uma só boca:
— De onde você tirou o otimismo de acreditar que de um ovo cozido poderia sair alguma coisa, André?
— De onde? — ecoou Noir. — Ora, eu não disse que estava apenas treinando? Mas, para treinar...
O resto da frase submergiu no uivar do alarme automático do rastreamento. Uma voz de autômato, sem alma, anunciou:
— Rastreador L anuncia ecos energéticos no setor vermelho, distância dez e doze segundos-luz. Impulso de mudança de rota transmitido ao autômato linear. A modificação exige novos cálculos da rota do objetivo. Desliga
Os propulsores da nave rugiram. Lentamente o reflexo do rastreador do aglomerado estelar aberto deslizou para fora da tela de relevo.
— Cinco segundos mais tarde a mesma voz automática deu o alerta por terminado. Os ecos energéticos não tinham mais sido captados.
O oficial navegador praguejou em voz baixa. A modificação de rota durante o vôo linear em hipervelocidade da luz, derrubou todos os cálculos efetuados até agora. Tudo teria que ser novamente calculado e comparado.
— Solicito novas determinações de posicionamento, devido a modificação da orientação, senhor! — chamou ele pelo intercomunicador.
— Deferido, a partir do tempo-X menos cinco minutos — declarou Rhodan.
Depois chamou a central de rastreamento.
— Mandem-me o mais rapidamente possível a avaliação do rastreamento de energia!
Ela veio, pouco depois que a Crest caíra de volta ao espaço normal. Quando o navegador a ouviu, praguejou em voz mais alta, pois o computador positrônico de avaliação tinha calculado, com probabilidade de setenta por cento, que os ecos de energia vinham de três corvetas da ponte de rádio, que simplesmente tinham executado uma mudança de posição.
— Poderia também ter sido outra coisa — disse Perry Rhodan acalmando-o. — É melhor cauteloso demais do que morto, ou mesmo assumido. Ou o senhor acharia agradável portar um parceiro-simboflex?
O navegador arregalou os olhos e sentiu um frio na espinha.
— Não, naturalmente que não, senhor. Desculpe-me. Eu prefiro repetir os cálculos de rota mais umas dez vezes.
Ele precisou repeti-las apenas mais duas vezes. Mas estes não eram ecos energéticos de naves-relé terranas, mas emissões estranhas, provavelmente as de naves giroscópicas. Não se sabia nada exatamente, pois sobre estas emissões energéticas características não havia nenhuma documentação para ser consultada.
Também não se sabia se os estranhos já tinham observado a Crest V ou não.
Porém quando a nave regressou ao espaço-tempo quadridimensional, na zona do objetivo, estava sozinha. Em volta rebrilhavam as estrelas do aglomerado aberto, e por trás erguiam-se os paredões ameaçadores de três imensas nuvens escuras. O space-jet parecia um meteorito em chamas, quando penetrou na atmosfera densa do planeta Glutton. O seu campo de choque ionizava as moléculas do ar, jogando-as para os lados em forma de plasma com a claridade de um sol.
O Capitão Brento pilotava. Eddie Burke assumira as observações. Entretanto não havia muito para fazer. A mancha branca que era o seu destino, enquanto a nave se aproximava, mostrou ser uma coleção de ilhas de vegetação tramada com bolhas em forma de cúpulas, mas só com isso ainda não se chegava a qualquer conclusão.
A espaçonave em forma de disco passou por dentro de uma nuvem escura de tempestade, deixando para trás uma nuvem de gás em forma de cogumelo, que lentamente subia. Um aguaceiro de pingos de chuva gigantescos caía, como em câmara lenta, através da atmosfera densa, no que os pingos isolados — quase do tamanho de um homem — se achatavam.
A este fenômeno deu-se apenas uma atenção passageira. Cada um já se fizera uma idéia, antes da manobra de pouso, a respeito das condições específicas reinantes num mundo pesado, com atmosfera densa.
Coisas semelhantes já eram bem conhecidas através de mundos parecidos. Glutton na realidade diferenciava destes apenas por sua órbita excêntrica e das oscilações climáticas extremas provocadas pela mesma.
O Capitão Brento pousou o space-jet a duzentos metros daquele grupo trançado, parecendo de liquens. Os apoios de pouso gemeram sob a alta força de atração de Glutton. O ruído era canalizado dentro daquela atmosfera densa numa altura incomum.
Brento ligou os projetores antigravitacionais em carga total. Com isto o space-jet recuperou o seu peso terrano normal — Primeiro-Tenente Haikor — disse Eddie, olhando para o oficial da reserva de sessenta e nove anos de idade —, o senhor fica a bordo, mantendo comunicação de rádio conosco.
Nós outros tomamos o blindado voador, aproximando-nos bastante da formação de liquens.
Katona Haikor confirmou. Ele era calmo e responsável. Burke não poderia ter escolhido um homem melhor — com exceção talvez do Capitão Brento. Mas a capacidade epsalense de Brento ele talvez precisasse mais lá fora.
O shift estava pronto para a partida na eclusa inferior. Ele tinha sido revistado e estava com os tanques cheios. O Tenente Salvador Hitchen assumiu a pilotagem, por ordem de Burke. Este sentou-se no segundo cadeirão da cúpula de comando. O Tenente Marech Beaucoup e o Capitão Brento assumiram os postos armados na proa. O bioquímico sentou-se na poltrona livre do canhão de impulsos. Brento ensinou-lhe o fácil manejo.
Depois os portais da eclusa deslizaram para os lados, a rampa canelada estendeu-se para fora, batendo contra o chão duro. O shift rolou para fora, sobre suas largas lagartas de tração. Os homens vestiam os pesados trajes de combate, e tinham ligado a aparelhagem antigravitacional. Dentro deles reinava uma gravidade de 1,2 gravo. Somente o Capitão Brento não ativara completamente o seu aparelho antigravitacional.
O ruído das lagartas entrava, muito barulhentamente, dos alto-falantes ativados pelos microfones externos. O solo era coberto por uma fina camada de pó, que se levantava atrás do shift em alguns centímetros, para cair novamente ao chão, como aos arrancos.
O Major Burke esperou até que o veículo se aproximou em dez metros do grupo estranho de liquens, depois mandou parar. — Vamos desembarcar todos — ordenou ele pelo rádio de capacete. — O space-jet nos dará cobertura de fogo, em caso de necessidade, apesar de não acreditar numa possibilidade dessas.
— Sim, senhor — respondeu o Primeiro-Tenente Haikor, da nave.
A escotilha interna da eclusa de ar deslizou para os lados, abrindo-se. Os homens apertaram-se na pequena câmara e esperaram até que a compensação de ar se completasse e a eclusa externa abrisse.
O Capitão Brento foi o primeiro a botar os pés em Glutton. Suas botas ergueram alguma poeira. O Major Burke foi o seguinte, depois seguiram-se os outros homens.
Um pingo de chuva caiu lentamente sobre o capacete de pressão do Capitão Brento, espalhou-se e deslizou ao longo do seu traje de combate. Era uma imagem estranha. Chegada ao solo, a umidade espalhou-se circularmente. O pó transformou-se num mingau espesso.
Eddie Burke voltou sua atenção para a bolha seguinte. O complexo encontrava-se dentro de uma ilha parecendo de líquens, subindo em cúpula uns quatro metros. Cipós violetas, da grossura de um braço, atravessavam a bolha, espalhando-se em leque para baixo, nas plantas que não tinham mais que a altura de um dedo.
Janos Korpan aproximou-se da borda das plantas, abaixou-se e observou a parte superior delas.
— Resistente como couro — explicou ele, depois de tentar inutilmente meter os seus dedos ali. — Gostaria de colher uma amostra, comandante...
— Espere um pouco — disse Eddie. — Antes de mais nada eu quero examinar a bolha.
Ele pôs os pés cuidadosamente na parte de cima das plantas, esperou alguns segundos, depois caminhou cautelosamente na direção do abaulamento em forma de bolha. Ali ele tocou os tirantes, tateou a pele e finalmente encolheu os ombros.
— Alguém tem uma teoria sobre o que possa ser isto? Por favor, ativem sua capacidade de imaginação. Provavelmente trata-se de uma planta. Mas também pode ser um ser animal. Como é que se reconhece isso?
— Na estrutura molecular — respondeu o bioquímico. — Se eu pudesse pegar uma amostra, e examiná-la...
— Por mim... — declarou Burke. A sua voz parecia arrastada. Cautelosamente ele desceu da planta.
Janos Korpan cortou uma amostra daquilo, do tamanho da palma de sua mão, utilizando uma faca vibradora, enfiando-a depois no analisador, que ele trazia num cinturão diante de seu peito.
Os homens esperaram pacientemente. Outros pingos de chuva caíram, mas isso não os incomodava.
Finalmente a lâmpada verde do analisador acendeu-se. Um laminado com símbolos saiu da fenda de entrega. Korpan agarrou-a, suspendendo-a depois diante do visor do seu capacete.
— Estrutura molecular desconhecida — leu ele —, um décimo das células contém clorofila, fortes concentrações de elementos minerais de composição semelhante às da Terra. Em média cada milésima célula é uma célula de armazenamento, e o carbono puro cristalizado é armazenado.
Ele olhou para o comandante.
— Com isso temos certeza de que se trata de uma planta, senhor. Organismos animais não possuem clorofila.
— Organismos animais conhecidos — disse Burke. — Mesmo assim também sou de sua opinião. Vamos examinar a bolha.
Ele pigarreou.
— Brento, o senhor fica aqui embaixo e observa os arredores. Eu não sei por quê, mas tenho uma sensação esquisita na barriga. Alguma coisa me incomoda, mesmo que não saiba o que é.
— Eu conheço essa sensação esquisita: é fome. O meu estômago está roncando muito, senhor.
Eddie encolheu os ombros. Junto do bioquímico ele encaminhou-se para a bolha.
Jonas Korpan estendeu a mão com a faca vibradora e fez um recorte de cerca de cinqüenta centímetros de diâmetro no envoltório da bolha.
No mesmo instante Burke deu-se conta do que o inquietava. A irradiação ficou mais forte, e mais nítida. — Uma criatura exótica gritou, do seu modo, a sua dor física.
— Pare! — disse ele, afobado. — Vamos voltar! Janos Korpan já estava enfiado com a parte superior do seu corpo no furo. Quando ele não seguiu a ordem de Burke, o major puxou-o para fora pelos cinturões do ombro.
No instante seguinte Beaucoup e Hitchen deram um grito estridente.
A parte superior do corpo de Korpan desaparecera, tinha se diluído, e a parte que sobrara do seu torso derreteu num líquido amarelado, pegajoso.
Eddie Burke olhou, horrorizado, os despojos do bioquímico. O homem — como todos eles — vestira um pesado traje de combate, fechado. O que era isto, capaz de dissolver este material impossível de ser rasgado, à prova de fogo, em questão de segundos?
O bramido ensurdecedor de um tiro energético trouxe-o de volta à realidade.
O Capitão Brento estava atirando com sua arma automática pesada de impulsos sobre uma das ilhas de líquens, que se aproximara dele até poucos metros.
Aquela formação ficou incandescente, enquanto absorvia a energia, depois arrebentou em chamas intensas.
Burke estremeceu.
Alguma coisa sofrera tomentos terríveis.
— Isso não são plantas, mas criaturas vivas! — gritou ele. — De volta ao shift.
Os homens começaram a correr. Do space-jet partiam tiros energéticos luminosos destruindo os seres viventes que, rapidamente e sem ruído, se haviam colocado entre os fugitivos e o shift.
Num medo pânico os homens entraram atabalhoadamente no blindado voador. Atrás deles fechou-se, com estrondo, a escotilha externa. Respirando com dificuldade eles encostaram-se nas paredes da câmara da eclusa.
Quando a escotilha interna se abriu, Burke correu para a cúpula de comando, ligando imediatamente o acionamento das lagartas.
O reator atômico rugiu, mas o veículo não saía do lugar.
Eddie olhou para fora e empalideceu.
As criaturas-bolhas tinham alcançado o shift segregando nuvens violetas que diluíam o aço Terconit do blindado voador.
Depois de uma parada de duas horas, durante a qual os fortes aparelhos de rastreamento da Crest V perscrutaram o espaço, Perry Rhodan ordenou a continuação do vôo.
Desta vez a nave-capitânia penetrou três mil e novecentos anos-luz na direção do centro. Por sete vezes teve que desviar-se de ecos energéticos estranhos. Como Rhodan, entretanto, havia determinado uma estrela verde estranha, que chamejava num verde inconfundível, como ponto de mira, a Crest V não precisou executar nenhuma manobra de orientação. O Coronel Merlin Akran pilotou a nave pela visibilidade.
No círculo interno do centro da pequena nuvem de Magalhães o ultracouraçado voltou para o espaço normal.
E imediatamente teve que voltar ao vôo linear, pois o rastreamento anunciou uma formação de onze astronaves a apenas dez minutos-luz de distância.
Três anos-luz mais adiante, a Crest V terminou sua manobra de evasão. Perry Rhodan ordenou que todos os aparelhos energéticos não indispensáveis fossem desligados, deixando a nave cair em deriva.
— O que é que você pretende com isso? — perguntou
Atlan. — Provavelmente você poderá medir os ecos energéticos de astronaves transitando. Mas isso as naves de reconhecimento já fizeram suficientemente. E então...?
O Administrador-Geral encolheu os ombros.
— Confesso que não sei ao certo. Mas tenho a sensação de que logo alguma coisa acontecerá, que nos fará progredir mais um passo, amigo.
— Sensações!... — Atlan franziu as sobrancelhas. — Eu sei naturalmente que você, muitas vezes, já previu acontecimentos decisivos, porém isso provavelmente não passou de acasos, coincidências regulares de sensações e acontecimentos!
— Pode ser — disse o Administrador-Geral. — Vamos esperar.
Ele concentrou-se novamente nas mensagens que vinham da central de rastreamento. De acordo com as mesmas, a média de distâncias entre estrelas neste setor cósmico era de apenas 1,5 ano-luz. Aqui, nas proximidades do centro, praticamente não havia nuvens de matéria escura, dignas de menção. O cerne do centro naturalmente tinha uma outra formação, tal como o da Via Láctea, com os típicos círculos de hidrogênio e o hidrogênio aquecido entre os sóis do centro.
Os símbolos das rotas das naves-relé só raramente passavam. A culpa disso eram as frentes de interferência hiperenergéticas do anel exterior do centro.
Depois de uma hora de lenta deriva, Rhodan decidiu-se por uma mudança de posição. Ordenou ao comandante aproximar-se do centro, em seis etapas lineares de dez anos-luz cada uma.
Já depois da primeira etapa puderam ser medidas as massas de planetas nas proximidades de um sol vermelho.
Isso levou Roi Danton à repetição de sua advertência de uma armadilha planetária com look primitivo, do tipo em que a Francis Drake caíra.
— Não se preocupe — declarou Perry Rhodan. — Eu não me aproximarei de nenhum planeta com a Crest, se não souber exatamente o que ocorre no mesmo.
— E como é que você vai saber disso, bárbaro? — perguntou Atlan, zombeteiro.
O Administrador-Geral não respondeu. Ficou escutando atentamente as mensagens do rastreamento e das estações de medições.
Depois da terceira manobra linear, quebrou-se definitivamente a ligação unilateral com a ponte de rádio. Rhodan ordenou que não se fizesse qualquer tentativa de alcançar as naves-relé da Crest V. Impulsos de hiper-rádio podiam ser captados, e ele fazia questão de reconhecer o adversário antes que este soubesse alguma coisa a respeito da presença da nave-capitânia solar.
Depois da quinta etapa linear deu-se o acontecimento pelo qual o Administrador-Geral esperara instintivamente.
A central de rádio retransmitiu uma forte mensagem de rádio, que nitidamente não vinha de nenhuma nave espacial terrana.
Enquanto o grande computador de bordo começou com a avaliação dos sinais, os homens em volta da mesa de mapas ficaram escutando, muito tensos, os sinais desconhecidos.
Atlan olhou Rhodan de modo indefinível.
— Lentamente começo a crer que você tem um sentido especial para captar acontecimentos futuros, Perry. Talvez o velho feiticeiro Marte Uhlenhorst, que conheci durante a época da Guerra de Trinta anos terrana, tivesse mesmo razão. Ele afirmava que possuía o terceiro olho.
— Minha avó dizia a mesma coisa de si — interveio André Noir.
Gucky mostrou seu dente roedor em todo o seu tamanho.
— De qualquer modo é melhor do que quando alguém pretende hipnotizar um ovo cozido.
— Um ovo cru também não se deixaria hipnotizar mais facilmente — retrucou Noir aparentemente ofendido.
— Silêncio, por favor! — gritou Atlan.
O computador deu sinal.
— Avaliação dos hipersinais terminada. Com uma probabilidade de oitenta e três por cento, trata-se de um pedido de socorro. Indícios de codificação não reconhecíveis. Tradução sem informações adicionais impossível. Desligo.
— Hum! — fez Atlan. — Nenhuma indicação, além da suposição de que se trata de um pedido de socorro. Isso poderia significar que se trata de uma raça exótica, de uma raça muito estranha, supostamente.
— Acha que o pedido de socorro possa ser uma armadilha? — perguntou John Marshall.
Atlan ergueu os ombros.
Perry Rhodan sorriu ironicamente e disse com um acento áspero:
— Pedido de socorro decodificado com alto poder de transmissão: primitivo demais para uma armadilha, mas absolutamente imaginável como verdadeira situação de emergência de criaturas viventes que não se identificam com os gurrados.
Atentamente ele olhou para o homem do rastreamento de rádio, que o chamava pelo intercomunicador.
— Distância trezentos e vinte e quatro vírgula cinco zero três anos-luz, senhor. Coordenadas...
A projeção em três dimensões das coordenadas espaciais foi apresentada no vídeo. Rhodan verificou que o transmissor ficava abaixo do plano da rota da Crest V e isto na direção do centro.
Ele agradeceu as informações, depois voltou-se para o arcônida.
— Vamos voar até lá para dar uma olhada. Talvez possamos ajudar os desconhecidos, transformando-os em aliados agradecidos.
Atlan riu, sarcástico.
— Você é e continua sendo o terrano que calcula friamente. Eu me lembro que você também obrigou Crest e Thora a serem agradecidos, quando naufragaram com sua nave na lua terrana.
— No interesse da humanidade — retrucou o Administrador-Geral, calmamente. — Por esta humanidade eu faria muitas outras coisas ainda, amigo.
— Por exemplo, voar para dentro de uma armadilha dos pseudogurrados — interveio Roi Danton. — Não subestime estas criaturas, senhor. Elas tiveram tempo suficiente para estudarem a psiquê terrana. Portanto sabem muito bem do tipo de sedução que nos atrairá mais facilmente.
— Essa também é minha opinião, Perry — disse Atlan. — E com isto até concedo que o pedido de socorro pode ser genuíno. Afinal de contas os pseudogurrados precisam de alguém com um transmissor suficientemente forte, colocando-os em perigo, na esperança de que os terranos, sempre prontos para ajudar, venham correndo.
— Tudo é possível — declarou Perry Rhodan, com decisão. — Mas nós estamos prevenidos. Vamos voar até lá dando atenção a todas as medidas de segurança, para dar uma olhada, secretamente.
Ele ligou o intercomunicador com o comandante.
— Coronel Akran! Faça com que lhe dêem as coordenadas exatas do transmissor e execute um vôo linear até lá, de modo que venhamos a sair a trinta minutos-luz de distância do transmissor.
Ele pigarreou.
— E ordene prontidão para combate total!
— Primeiro-Tenente Haikor! Dependure o space-jet com a eclusa inferior aberta e ative o campo de rampa por cima da cúpula de comando do shift. Nós vamos desembarcar!
Ele anuiu para os homens que se esgueiravam para cima, vindos da parte inferior do shift. Por trás deles entrava um fino véu de gases violetas. Onde ele tocava de metal-plástico, diluía a superfície com uma velocidade incrível.
Eddie Burke colocou a mão sobre o botão vermelho da ejeção do cock-pit, e gritou “Atenção!”, apertando o botão fortemente.
Com um estampido oco o teto do cock-pit voou longe.
Os cacos de vidro foram pressionados de volta para o fundo do blindado voador, pela atmosfera de alta pressão que penetrou. Segundos mais tarde elas se esgueiravam novamente para o alto.
Algumas partículas de vidro passaram pelo capacete de pressão de Eddie transformando o visor numa espécie de vidro fosco. Somente o seu olho direito ainda conseguia ver alguma coisa através de um lugar diminuto ainda claro.
Ele respirou aliviado, quando a sombra gigante do disco apareceu por cima da cabine de pilotagem aberta. A eclusa dos fundos abriu-se. Um clarão luminoso surgiu lá de dentro. Um cintilar do ar demonstrou a ativação do campo da rampa.
Um depois do outro os homens se deram um empurrão deixando-se carregar pelo campo para dentro da eclusa do space-jet. Burke foi o último a pairar para cima.
Por trás dele fechou-se a escotilha exterior. Os impulsores da nave rugiram de furar os tímpanos, quando o Primeiro-Tenente Katona Haikor, deu partida.
Meio minuto mais tarde o Major Burke saiu do duto antigravitacional. para dentro da cúpula de comando da nave. Ele colocou o capacete para trás, acendeu um cigarro e disse:
— Voe para perto da próxima aldeia, Haikor.
Com um sorriso chateado ele registrou os rostos espantados, assustados, dos outros homens.
— Não se preocupem, não vão precisar expor-se ao perigo. Eu desembarcarei sozinho e não repetirei o erro de ainda há pouco, que nos custou um homem.
— Mas as criaturas viventes deste mundo nos são absolutamente hostis, senhor! — retrucou o Tenente Beaucoup. Ele sentiu um calafrio ao lembrar-se da terrível arma das criaturas de Glutton.
— Aquilo foi nossa própria culpa, melhor dizendo culpa minha e de Janos Korpan. As criaturas de Glutton se mantinham totalmente passivas, até que nós ferimos uma delas. Em seguida elas se defenderam.
— O senhor acha que essas criaturas em forma de bolhas e liquens são inteligentes, senhor — perguntou o Capitão Brento.
— Sim, capitão. Somente seres inteligentes são capazes de se manterem pacificamente com relação a criaturas aparentemente bem inferiores, mas golpeando decididamente depois de um ataque. Criaturas predadoras imediatamente teriam caído em cima de nós. O ataque comum demonstra, além disso, que existe um sistema de comunicação que funciona muito bem. Alguém tem alguma idéia sobre como este sistema de comunicação funciona?
— Telepatia...? — aventou Marech Beaucoup.
— É possível, mas não temos certeza. Esta solução fica demasiadamente em linha com nossa mentalidade.
— Freqüência ultra-sônica ou subsônica? — perguntou Brento.
Burke olhou para o primeiro-tenente. Katona Haikor sacudiu a cabeça.
— Eu examinei os instrumentos de medição, senhor. Eles não mostraram nenhuma dessas freqüências.
— Eles também não podem ter raízes — murmurou Salvador Hitchen. — Essas criaturas se movimentam muito depressa.
— Química corporal saliente — disse Marech Beaucoup, baixinho. — Não poderia ser que eles se entendem por caminhos químicos, através do ar ou pelo solo?
— Esta seria uma possibilidade... — retrucou Burke. Ele olhou atentamente para o tenente. — Escrever para ficção científica estimula a imaginação, não?
O Tenente Beaucoup sorriu, irônico.
— A leitura de ficção científica também, senhor.
Burke anuiu.
— Eu vou me lembrar disso. Logo que chegarmos à Terra, irei ao primeiro quiosque de jornais e comprarei revistas desse tipo.
Ele voltou sua atenção para o terreno sobre o qual o space-jet descia cautelosamente.
— Comunicação bioquímica!... Uma linguagem perigosa para seres como nós, que não suportam as secreções químicas das criaturas de Glutton. E para falar difícil. Como é que eu me entendo com os gluttons? Com um galão de ácido nítrico, fumacento?
— Eu sugiro que o senhor leve consigo a pequena pistola de vacinação, misturando na mesma alguns cosmobióticos — achou o Capitão Brento.
Eddie sacudiu a cabeça.
— Não, eu vou enchê-la de sangue, para que os gluttons logo notem como nosso organismo é sensível às suas secreções químicas.
— O senhor acha mesmo que conseguirá estabelecer um contato, senhor? — perguntou Katona Haikor, duvidando.
— Só posso tentá-lo, mais nada. Certamente uma conversa real não vai ser possível, para isso nossos meios auxiliares são insuficientes. Mas caso seja possível mesmo o menor contato amistoso... — Ele olhou significativamente para o primeiro-tenente. — Uma substância em forma de gás, que destrói metal-plástico em segundos, deveria interessar ao quartel-general do Império Solar. Eu posso imaginar que após um contato, logo aparecerão experts por aqui.
— Entendo — disse o Capitão Brento. — Isso seria uma arma de curta distância contra os pseudogurrados, o gás, quero dizer.
O Major Eddie Burke anuiu.
Ele pediu ao Tenente Hitchen para trocar o capacete de pressão com ele, depois ordenou a Haikor que abrisse a eclusa inferior do space-jet já pousado.
O Tenente Beaucoup entrementes já esvaziara uma conserva de sangue no recipiente de pressão de uma pistola de injeção, entregando o aparelho ao major.
— Dou-lhe cobertura de fogo, da eclusa, senhor — disse o Capitão Brento. O epsalense sorriu, aferrado.
— Licença para atirar somente em caso de extrema necessidade, capitão! — ordenou Burke, saindo do recinto.
Tomou o elevador antigravitacional até diante da eclusa inferior e entrou na mesma. A nave em forma de disco tinha pousado a cinqüenta metros de distância da mais próxima aldeia dos gluttons.
Burke deixou-se levar ao solo pela rampa energética, pegou a pistola de vacina na sua mão direita e encaminhou-se para a formação mais próxima, a qual, se não se enganava, era idêntica a um representante da vida inteligente em Glutton.
A um metro de distância o major parou. Uma chuvinha fina vermelha sibilou da boca da pistola de injeção, caindo como um véu em cima da criatura semelhante a um líquen.
Burke tirou o dedo do gatilho e esperou.
De repente ele sentiu-se inseguro.
Os seres de Glutton seriam mesmo capazes de analisarem uma substância que para eles devia ser absolutamente estranha?
Não se levando em conta que estas criaturas não precisavam ser necessariamente inteligentes.
Da bolha no centro da criatura foi atirado um feixe quase invisível de gás que foi tocar a parte da formação sobre a qual se espalhara o plasma sanguíneo.
Burke reteve a respiração e esperou.
De repente teve uma idéia, cujas conseqüências deviam colocar os acontecimentos até agora numa luz totalmente diferente.
Ele aproximou-se mais da criatura, chuviscando o plasma sanguíneo diretamente em cima da bolha.
Quase que imediatamente a bolha envolveu-se num véu de gás violeta.
Instintivamente Eddie ativou o campo defensivo energético do seu traje de combate — e nenhum segundo cedo demais. Uma cascata de gases destrutivos foi atirada para fora da bolha, envolvendo-o. O campo defensivo esférico atirou a substância de volta.
— O senhor está ferido, senhor? — berrou o Capitão Brento, pelo rádio de capacete.
— Sim, meu tímpano foi perfurado! — gritou Burke de volta, sarcástico. — Fique onde está, capitão!
— Mas isso foi um ataque — veio a voz do Primeiro-Tenente Haikor.
— Talvez não — retrucou Burke.
Por alguns instantes reinou o silêncio. A bolha da criatura de Glutton não atirou mais nenhum feixe de gases. Eddie perguntou-se por quê, mas não chegou a nenhuma conclusão clara.
De repente os homens no space-jet gritaram ao mesmo tempo, depois a voz de Katona Haikor se destacou.
— Senhor, os gluttons da ilha vizinha estão vindo! Eddie Burke virou-se. Do lugar em que ainda há pouco se dera combate aos gluttons, cerca de dez criaturas vinham deslizando. Elas se movimentavam silenciosamente pelo solo. Burke viu que elas não vinham diretamente em sua direção.
— Não atirem! — ordenou ele a sua gente.
— Eles vão atacá-lo em massa! — gritou Brento. Burke fez um gesto defensivo.
A poucos metros de distância das criaturas desta aldeia os outros gluttons pararam. Durante dez minutos nada aconteceu, de qualquer forma nada que os terranos pudessem perceber.
Depois, da bolha da criatura que estava mais próxima de Burke, saiu um jato de gás. Ele atingiu o chão, perto dos pés de Burke, mas a uma distância segura.
O Major Burke desativou o campo energético defensivo e apertou o disparo da pistola de injeção. O véu de plasma entrou em contato com o gás glutton. Um segundo jato de gás reuniu-se à mistura.
Passaram-se alguns minutos, e Eddie perguntou-se se os acontecimentos até agora podiam levar à conclusão de que os gluttons pelo menos haviam tentado estabelecer um contato. A prova para isso naturalmente não existia, e Burke não tinha qualquer idéia de como estabelecê-la.
Instintivamente ele recuou um passo, quando da bolha saiu um novo jato, acertando o chão. Desta vez o solo duro não se diluiu. Ali formou-se uma poça vermelho-clara.
— Um recipiente! — gritou Burke.
Segundos mais tarde o epsalense veio correndo, trazendo um caneco de água comum.
Eddie pegou o recipiente e colheu com o mesmo o máximo possível daquele líquido avermelhado. Depois voltou lentamente para o space-jet.
Os gluttons permaneceram sem se mexer.
— Vamos dar partida para voar de volta à Cartago — declarou o Major Burke na cúpula de comando. — Não podemos fazer mais nada.
— O que há na caneca? — perguntou Haikor desconfiado.
Burke sorriu.
— Como a caneca não se diluiu, não se trata de algum ácido mortífero ou coisa parecida. — Ele ficou sério. — Suponho que seja plasma sanguíneo.
Enquanto o space-jet se atirou novamente para o espaço, onde o esperava o cruzador-leve, Eddie Burke acrescentou:
— Aparentemente os gluttons apenas diluíram Korpan para poderem analisá-lo. Quando foram informados do que faziam com isto, desistiram de outros experimentos desse tipo. Isso demonstra a sua inteligência. Caso se trate, no líquido vermelho, de plasma sanguíneo imitado, isso demonstra, além do mais, o seu desejo por contatos mais intensivos. Ao mesmo tempo isto seria um indício de uma química corpórea bem surpreendente dos gluttons.
— Mas eles atacaram o shift com claras intenções de destruí-lo! — retrucou Brento.
Burke encolheu os ombros.
— Mesmo nós homens muitas vezes atiramos primeiro, antes de pensarmos melhor. — Ele sorriu, irônico. — No que já encontramos uma característica comum entre nós.
O seu rosto fechou-se novamente.
A morte horrenda do bioquímico o deprimia. Eddie Burke censurava-se asperamente, por não ter detido Janos Korpan. E decidiu agir com cautela ainda maior, da próxima vez.
Logo depois da passagem ao semi-espaço o sol vermelho-escuro aparecera na tela de vídeo do rastreamento de relevo. Ele ficava praticamente no centro da tela, e como a Crest V tinha mantido o curso sobre o transmissor desconhecido, a concordância indicava que o transmissor devia encontrar-se no sistema daquele sol vermelho.
— Mudança de rota, Coronel Akran! — ordenou o Administrador-Geral. — Não vamos entrar no espaço normal a meia hora-luz e sim a duas horas-luz diante das coordenadas do transmissor.
O Lorde-Almirante Atlan respirou aliviado.
— Quer dizer que você está cético, Perry. Eu, se estivesse em seu lugar, ainda me manteria mais discreto ainda.
— Não se preocupe! — declarou Gucky. — Eu estou aqui. Até agora qualquer empreendimento em que eu estive presente sempre saiu bem.
— Toda honra a sua modéstia, rato-castorzinho — interveio Roi Danton, cinicamente —, mas, com você, também já entramos nos piores lamaçais!
— Mas saímos deles novamente! — Gucky deu o seu trunfo.
Nem Atlan nem Rhodan deram atenção às observações de Gucky. Seguiam seus pensamentos. Perry Rhodan ordenou aos siganeses tripularem o Paladino e o prepararem para o combate.
O tempo até a volta ao espaço normal passou muito lentamente. Dos estandes de artilharia vinham os anúncios de que estava tudo preparado. A Crest V preparava-se para a luta.
Finalmente a nave-capitânia da Frota Solar caiu de volta ao espaço-tempo quadridimensional. Os aparelhos do rastreamento começaram a funcionar.
Enquanto a Crest V corria numa velocidade de 0,35 VL em direção ao sol vermelho-sangue, o grande computador de bordo avaliava os dados do rastreamento e das medições.
Exatamente a uma distância de duas horas-luz do ponto de entrada, a estibordo, foi definida a fonte dos impulsos de rádio — e ao mesmo tempo ainda outras coisas: as emissões energéticas características de forte atividade de intervalo, as radiações difusas de dois propulsores diferentes de astronaves e as ondas de choque de explosões nucleares.
E mais ainda.
Muito próximo das espaçonaves em combate encontrava-se um planeta com massa mais ou menos semelhante à da Terra.
Pouco depois mais dois planetas foram reconhecidos: um pequeno, muito quente, nas proximidades do sol — e o planeta exterior que, entretanto, existia apenas ainda na forma de um anel de asteróides.
— O planeta número três possivelmente foi destruído por impactos de canhões intervalares, senhor — avisou a central de rastreamento. — Pulverizações características ainda são visíveis. A destruição deve ter ocorrido a cerca de quatrocentos e sessenta anos atrás.
Perry Rhodan agradeceu pelas informações. Nos seus olhos brilhavam o fogo de uma grande agitação. Mais uma vez o seu rosto parecia uma máscara. Em segredo ele fazia-se perguntas, pesou as possibilidades e resultados, entre si, e depois decidiu-se a intervir no combate.
As próximas avaliações das medições confirmaram a sua decisão.
Uma das duas naves espaciais possuía aquela forma cônica, que era usada pelos pseudogurrados. A segunda nave era um disco de quinhentos metros de diâmetro, distância entre os pólos, cem metros. Os próprios pólos eram cilindriformes, erguendo-se como os raios de uma roda, raios muito grandes, pois o seu diâmetro chegava a cem metros, sua altura a cento e quarenta metros. Os sensores energéticos verificaram que em cada uma das torres dos pólos se encontravam as posições de fogo da nave em forma de disco.
O que mais chamou a atenção, entretanto, foi a verificação de que os propulsores na protuberância externa emitiam uma estranha luminosidade fluorescente. Aqui evidentemente trabalhavam máquinas desconhecidas à técnica terrana.
— Tipo de nave desconhecida — avisou o computador. — Salvamento não mais possível. Nave-disco já está se desfazendo, caindo em tempo previsível sobre o segundo planeta. Desligo.
— Pena — achou Roi —, agora não vamos mais poder saber que tipo de gente se encontrava no disco.
O Administrador-Geral lançou um olhar indefinível ao seu filho, que fez Roi sentir um calafrio.
Entretanto ele não disse nada, mas ordenou a Merlin Akran que levasse a Crest V imediatamente para a proteção contra rastreamentos do sol vermelho. Em seguida chamou o arquivo do observatório.
— Eu acho que este sistema é suficientemente importante para dar nomes ao seu sol e ao segundo planeta. Os senhores têm sugestões correspondentes?
O seu interlocutor sorriu, inseguro.
— Visalia, para o sol vermelho, e Ukiah para o segundo planeta, senhor.
Rhodan arqueou as sobrancelhas.
— Visalia e Ukiah. Posso perguntar como chegaram a esses nomes?
— As sugestões vieram do computador-arquivo, senhor.
— Hum! Por que, então, estou espantado sobre isso? Pergunte ao computador que motivos foram os padrinhos dessa designação!
O homem enrubesceu.
— Já foi feito, senhor. O computador se nega a comentar.
— O que o torna praticamente humano. Muito bem, deixe os nomes como estão.
Ele interrompeu a ligação.
— Coronel Akran! — disse ele pelo intercomunicador. — Coloque uma projeção setorial das naves na mesa de mapas. Além disso, faça reunir todos os dados sobre o segundo planeta, e prepare um space-jet para partir.
Segundos mais tarde, uma tela especial acendeu-se junto à mesa de mapas. Ela mostrava uma ampliação setorial do setor cósmico perto de Ukiah. Indistintamente reconhecia-se na mesma os contornos das duas naves espaciais adversárias.
A nave giroscópica dos pseudogurrados continuava atirando. Via-se isto quando partes da nave-disco se diluíam ou quebravam. Nos fundos da ampliação do vídeo brilhava num azul esmaecido, em verde e branco, uma parte da superfície de Ukiah.
De repente a ampliação setorial deslizou com bastante rapidez na direção do planeta. Nitidamente podia ver-se o forte albedo.
— A nave-disco tenta pousar em Ukiah — disse John Marshall.
— O senhor consegue captar impulsos mentais, John? — perguntou Rhodan.
O telepata sacudiu a cabeça.
— Nada, senhor. Nem dos pseudogurrados, nem da tripulação da nave disco.
— Tiro em cheio! — comentou Atlan, uma nuvem brilhante abaixo da cúpula do pólo da espaçonave-disco. — Eles não vão conseguir.
No instante seguinte a nave ficou incandescente, num vermelho-claro, inchou e explodiu num relâmpago azul-branco ofuscante, bem perto da atmosfera de Ukiah.
Depois de algum tempo de um silêncio espantado, Atlan disse:
— De qualquer modo ficamos sabendo que dentro da pequena nuvem de Magalhães existe pelo menos mais uma civilização de astronautas. Além dos pseudogurrados. Evidentemente ela é muito superior, no que concerne às armas, aos gurrados — o que me faz pensar seriamente.
— Como assim? — perguntou Perry Rhodan.
— Na realidade — disse o arcônida pragmaticamente — devia ser fácil aos pseudogurrados, tecnicamente superiores, acabar com a cosmonáutica dessa outra raça — se o quisessem. Evidentemente eles não o quiseram...
— Desculpe — interveio Ivan Goratchim —, mas não entendo a sua conclusão. Afinal os pseudogurrados destruíram a nave-disco. Conseqüentemente estão tentando acabar com a cosmonáutica da outra raça.
— Sofisma — retrucou o lorde-almirante. — Como as naves-discos evidentemente existem, e o pedido de socorro demonstra que ainda devem existir outras delas, a cosmonáutica dos estranhos não está sendo necessariamente destruída. Isso poderia ser conseguido com maior facilidade, se tivessem destruído os estaleiros. Talvez a tripulação da nave destruída tenha violado alguma regra definida.
— Compreendo — disse Roi Danton. — Uma vez que os pseudogurrados dominam a PNM, só permitem a cosmonáutica de outras raças em determinadas condições. E destroem qualquer outra que não obedeçam a estas condições.
— Foi isso que quis dizer — disse Atlan. Ele olhou para o Administrador-Geral, como se quisesse hipnotizá-lo. — E uma das condições parece proibir a aproximação do planeta Ukiah, Perry!
Rhodan sorriu, friamente.
— O que o torna especialmente atraente para mim, meu amigo.
Ele levantou-se.
— Vou até a central de rastreamento, para conseguir algumas informações adicionais sobre Ukiah.
— Louco incorrigível! — disse o arcônida quase inaudivelmente, por entre os dentes, levantou-se também e seguiu Rhodan.
— Ukiah não é apenas do tamanho da Terra — explicou o chefe do rastreamento ao Administrador-Geral —, mas também parecido com a Terra. Ele possui uma boa atmosfera de oxigênio, três grandes continentes com inúmeros mares interiores, e sua superfície é coberta de água em mais ou menos dois terços. Conseguimos notar montanhas, savanas, bem como extensas zonas florestadas. O clima parece ser predominantemente tropical. O seu tempo de rotação é de 20,1 horas. Com isso resulta um achatamento mais forte dos pólos que na Terra.
O Administrador-Geral anuiu e voltou-se para o cosmoecólogo, também presente.
— O senhor diria que Ukiah se encontra num estágio no qual tenha produzido vida inteligente?
— Eu afirmo até que já existe uma civilização, naturalmente em escala pré-técnica. As condições naturais são ideais demais, para que criaturas inteligentes se tenham sentido obrigadas a ocupar-se das modificações dessas condições, devido a pressões desfavoráveis.
— Um jardim do Éden, por assim dizer — retrucou o Administrador-Geral.
— Talvez, mas com um grande erro de textura — interveio Atlan. — Os pseudogurrados devem ter uma boa razão, se evitam, tão brutalmente, a aproximação de qualquer estranho de Ukiah.
O chefe do rastreamento tirou uma nova tira perfurada do computador de avaliação.
— A mais nova informação parece confirmar sua suspeita, lorde-almirante. A nave giroscópica interessa-se pelo que acontece em Ukiah. Consequentemente já está informada a esse respeito.
— Muito obrigado — disse Rhodan. — Pode passar outras informações para mim no pequeno depósito. Venha, Atlan.
— Como é que você pretende proceder? — perguntou o arcônida, depois de terem deixado a central de rastreamento.
— Uma coisa depois de outra — retrucou Perry Rhodan, sem muito comentário.
Ele foi até a mesa de mapas e disse:
— Logo que a nave giroscópica deixar este sistema, farei uma visita a Ukiah com um space-jet. Como mais uma vez se trata de uma missão de comando, chamo a atenção das pessoas por mim determinadas sobre o seu direito de recusarem sua participação. Os parágrafos correspondentes são conhecidos de todos.
— Não o torne tão atraente, chefe. Eu, de qualquer forma, não vou recuar — resmungou Gucky.
O Administrador-Geral piscou os olhos para o rato-castor.
— Como é que você sabe que poderá ir também, baixinho? Está bem, — acrescentou ele rapidamente, para adiantar-se ao protesto de Gucky. — Desta vez você vai também. Além disso, peço que me acompanhem Melbar Kasom, o Dr. Bysiphere e Tama Okida. Os senhores concordam?
As pessoas citadas concordaram.
Rhodan anuiu, como se não esperasse outra coisa. Ligou o intercomunicador geral.
— Rhodan à tripulação do Paladino e ao piloto do space-jet preparado para partir. Venham o mais depressa possível ao pequeno armazém. Obrigado.
Roi Danton suspirou, resignado.
— Não vai adiantar nada, se eu tentar desaconselhá-lo de executar esse plano absurdo, Grand seigneur?
— Sem dúvida, majestade — respondeu Rhodan, tentando brincar.
— Além do mais — piou Gucky em triunfo —, o matador-de-todos-os-planetas vai junto mais uma vez!
— Você não regula muito bem! — gritou Roi, furioso. — Você...!
O rato-castor anuiu, seriamente. Levantou o indicador, assumiu uma posição firme e sentenciou:
— Todos os gênios são loucos. Conclusão lógica: quem regula muito bem, não é um gênio.
— Lógica sedutora — retrucou Roi, sarcástico. — Que bom que muitas vezes dizem de mim que não regulo.
— Ora, ora — fez Gucky. — Você está no caminho certo de um sofisma. Não é qualquer pessoa maluca que é um gênio.
Ele escapou de um aparelhinho eletrônico atirado, somente porque desmaterializou rapidamente.
— Uma coisa está clara — declarou o Lorde-Almirante Atlan, incisivo. — Eu não sou um gênio.
Os gêmeos Woolver riram.
Rhodan quis afastar-se em silêncio, quando o alto-falante do intercomunicador chamou. A voz do radioperador-chefe disse:
— Mensagem urgente para o Administrador-Geral. Rhodan encaminhou-se rapidamente para a mesa de mapas e ativou a parte transmissora do aparelho.
— Aqui fala Rhodan, o que há?
— Mensagem sendo recebida, senhor — retrucou o homem. — Neste instante, com força máxima, está sendo recebida a declaração oficial de guerra do Império Solar aos detentores do poder da PNM.
— Passem a mesma pelo intercomunicador-geral — ordenou o Administrador-Geral.
Os alto-falantes estalaram, depois a voz inconfundível de Reginald Bell encheu o recinto, o representante de Rhodan, que ficara para trás na galáxia natal.
—... será imediatamente repetida. — Pausa, depois o ruído típico que ocorre quando da reprodução dos cristais de armazenamento. — Atenção! Aqui fala a Adminstração-Geral do Império Solar. Chamamos os potentados da pequena nuvem de Magalhães. As ações agressivas contra a humanidade não podem mais ser aceitas por nós, como resultantes de mal-entendidos. No passado dissemos, com freqüência e clareza, que queríamos resolver todos os problemas por meios pacíficos e que não fomos nós que cometemos um crime contra o tempo. As mais novas ações contra o Império Solar demonstram que os senhores não se interessam por uma vida em harmonia e paz conosco. Por esta razão o Conselho de Defesa Solar hoje decidiu declarar a guerra aos senhores, detentores do poder da pequena nuvem de Magalhães, bem como a todos os seus aliados e povos agregados. Deste momento em diante a pequena nuvem de Magalhães é território inimigo para o Império Solar. Nossas forças armadas golpearão sem piedade durante o tempo necessário, até que os senhores se demonstrem prontos para negociações. Terrânia, Terra, no dia sete de maio de 2.437, tempo terrano, assinado Reginald Bell, Marechal-de-Estado do Império Solar e Vice-Administrador-Geral.
“Atenção, esta transmissão será repetida continuamente...”
Perry Rhodan agarrou-se no encosto de sua poltrona. Ele estava pálido e apertou os lábios fortemente.
— As mais novas ações... — interveio John Marshall —, o que é que Bell quer dizer com isso?
— Eu tinha combinado com Bell que ele mandasse transmitir a declaração oficial de guerra, através de diversos ultracouraçados acima do plano da PNM, caso os dolans continuassem seus ataques aos mundos do Império. Este é o caso, pois do contrário Bell não reagiria.
— Estou curioso em saber como os pseudogurrados reagirão a isso, — disse Atlan.
— Eles ainda têm a chance de transigir — retrucou Rhodan, baixinho. — Ninguém de nós deseja uma guerra.
Ele respirou fundo, depois virou-se e saiu andando, em passadas rígidas, parecendo desajeitadas, que denunciavam a sua tensão psíquica.
Perry Rhodan ficou olhando, interessado, como o robô-gigante Paladino se ancorava no invólucro do space-jet.
— Pronto, senhor — anunciou o piloto, Tenente Ale Stromberg, pelo telecomunicador de capacete da cápsula de comando.
— Obrigado, já estou indo — avisou Rhodan.
Ele pairou pelo campo da rampa acima, atravessou a câmara da eclusa e deixou-se agarrar pela sucção do elevador antigravitacional.
Na central, além do Tenente Stromberg, encontravam-se somente Melbar Kasom e o Dr. Armond Bysiphere. Gucky e Tama Yokida tinham se acomodado na casa de máquinas, devido à falta de espaço reinante.
O Administrador-Geral afivelou o cinto e depois anuiu para o piloto.
Ale Stromberg falou rapidamente com a chefia do hangar. Depois os portais se abriram e o space-jet foi lançado para o espaço sideral.
Línguas de fogo chamejantes lambiam a pequena nave-disco: as protuberâncias do sol vermelho Visalia. O piloto Stromberg comandava a nave com segurança e calma. Dez minutos mais tarde ele entrou no semi-espaço.
Quinhentos quilômetros afastado de Ukiah, o space-jet caiu de volta ao espaço normal.
Com propulsores freando e cuspindo chamas, a nave caiu rapidamente na direção de Ukiah.
Nenhum tiro caíra. Aparentemente em Ukiah não havia qualquer forte de defesa cósmica.
Desta vez o space-jet aproximou-se do planeta pelo lado da noite. Com velocidade relativamente pequena a nave enfiou-se pela atmosfera, passando a voar a somente trinta quilômetros de altura por cima da sua superfície.
Melbar Kasom ativou os inúmeros aparelhos de registro. O ertrusiano estava de pé, curvado, diante do console de comandos. Ele jamais teria cabido dentro do cadeirão correspondente.
Sistematicamente a superfície de Ukiah foi orbitada. Quatro horas mais tarde não havia nenhum lugar no planeta, que não tivesse sido rastreado por mais de uma dúzia dos mais diferentes aparelhos, que tudo registravam.
Novamente a nave-disco subiu de volta ao espaço.
A avaliação das fotos e das medições começou.
O resultado foi muito interessante e confirmava a previsão do cosmoecólogo.
Os três continentes de Ukiah eram cobertos de inúmeras povoações. Todas tinham o mesmo formato: povoações primitivas, cidades de tamanhos variáveis, rodeadas de muros circulares, construídos de terra batida e blocos de pedra.
— Cidades-castelos como na Idade Média terrana — disse Perry Rhodan. — Diante delas grandes campos e extensas campinas. Aqui, nesta foto, uma espécie de cultura de arroz.
O Dr. Armond Bysiphere retirou uma foto em 3-D de uma pilha de retratos, e deu um assobio.
— Fantástico, senhor!
Ele entregou a foto a Rhodan.
O Administrador-Geral pôde ver duas criaturas do planeta de Ukiah, paradas junto a uma máquina de madeira, parecendo uma catapulta de lanças.
Os nativos eram humanóides, tinham cerca de 1,70 m de altura, e uma estrutura robusta. Esta impressão provavelmente era dada pelos braços e pernas curtos. De algum modo os ukiahs pareciam desproporcionais. Estranha parecia a cor branca — de albino — das criaturas. Os crânios redondos, sem cabelos, tinham enormes olhos fixos.
— Mas isso são olhos facetados! — disse Rhodan, admirado.
— E ainda por cima esses bicos de pato — interveio Bysiphere.
A boca e o nariz dos ukiahs reuniam-se numa formação larga, que justificavam a comparação com um bico de pato.
Rhodan examinou as roupas.
Os nativos vestiam calças, uma espécie de couraça nas costas e no peito e sandálias de atar. Uma das criaturas evidentemente masculina usava um capacete de ponta, metálico. Ambos estavam armados, cada um com um escudo oval e uma machadinha de guerra.
— Aqui! — disse Kasom, empurrando uma ampliação para o outro lado. — Algumas pessoas estão em vias de usarem métodos refinados para se matarem.
A foto mostrava um grande burgo — e um exército sitiante, que no momento da foto se aprestava exatamente para um ataque ao muro circular.
O Administrador-Geral empurrou a foto na direção do piloto.
— À esquerda no alto estão as coordenadas. Vamos dar uma olhada melhor nesta fortaleza. Voe até lá e faça o space-jet descer suavemente. Somente use aparelhos antigravitacionais. Não queremos assustar os nativos desnecessariamente.
O Tenente Stromberg anuiu.
O space-jet mais uma vez precipitou-se na direção de Ukiah, penetrou na atmosfera e aproximou-se do burgo.
A ampliação setorial trazia para perto, nitidamente, os detalhes. Claramente podia ver-se em cima do muro circular de cerca de cinqüenta metros de altura, uma rua pavimentada, bastante larga. Na mesma moviam-se formações estranhas.
Quando o space-jet aproximou-se mais, Perry Rhodan reconheceu naquelas formações, máquinas de guerra de madeira, parecidas com as utilizadas na Terra durante a Idade Média. Naturalmente naqueles tempos ainda não havia máquinas a vapor — mas as máquinas de guerra dos ukiahs eram impulsionadas por pesadas máquinas a vapor.
— E melhor não descer mais que dez quilômetros, tenente — ordenou Rhodan ao piloto. — Talvez seja melhor que essa gente nem nos veja.
— Máquinas a vapor! — resmungou Kasom, com desprezo. — O que é isso?
Rhodan não reagiu à intervenção. Pelo telescópio eletrônico ele observou, fascinado, uma catapulta a vapor que, evidentemente, estava sendo posta em prontidão de tiro. Ele viu como os nativos do exército do bloqueio estavam carregando grandes esferas em grandes canos de pressão. Provavelmente tratava-se de bolas metálicas inteiriças.
E então a catapulta atirou.
As balas foram atiradas irregularmente sobre o muro. A maioria perdia-se bem longe de objetivos que valessem a pena, e apenas algumas caíram nas imediações da catapulta de lanças.
E então aconteceu uma coisa surpreendente.
A catapulta de lanças e suas proximidades de repente foram mergulhadas num mar de fogo amarelo-avermelhado. As chamas consumiram tudo com rapidez e violência, não sobrando nada da catapulta de madeira nem dos homens de sua equipagem.
Rhodan engoliu em seco.
Aqueles projéteis fatalmente lembraram-lhe as bombas de napalm do século vinte.
Ele estava interessado em conhecer melhor a cultura e o desenvolvimento técnico dos ukiahs. Mas para isso não havia tempo. Eles procuraram por sobreviventes da nave-disco que explodira. As fotos, entretanto não mostravam, em nenhum lugar em Ukiah, nem mesmo indícios de destroços, e muito menos uma nave auxiliar de salvamento, pousada, dos desconhecidos.
Ele decidiu-se dar meia-volta e regressar para a Crest V.
O Tenente Ale Stromberg, entretanto não reagiu a sua ordem. Impaciente, Perry Rhodan repetiu as instruções.
O piloto voltou-se. O seu rosto expressava espanto.
— Rastreamento energético, senhor! — disse ele, agitado. — Eu medi duas violentas irrupções de energia!
Ele manipulou uma ordem codificada ao setor de armazenamento do rastreamento energético. Logo depois uma lâmina diagramada deslizou para fora. Rhodan e o Dr. Bysiphere curvaram-se.
— Energia atômica! — gritou o hiperfísico.
— Vamos ficar! — decidiu Rhodan. — Desça mais! Atentamente ele ficou observando o aparelho de radiogoniometria. Quando a curva colorida da tela novamente se iluminou, ele dirigiu a ampliação setorial para o lugar goniometrado.
Pasmado ele franziu a testa.
Porque viu simplesmente um grande carro de combate de madeira dos atacantes.
E então estremeceu.
Claro e fulminante, um raio energético destacou-se da torre do carro de combate, jogando-se contra o muro da cidade, abrindo uma entrada, literalmente fundida. Um segundo tiro seguiu-se e danificou a catapulta a vapor dos defensores da cidade.
— Arma de alta energia, irradiadora de impulsos, verificou o Dr. Armond Bysiphere, pragmático.
Rhodan anuiu.
— Tenente, pouse a alguns quilômetros do muro circular da cidade. — Ele ligou o seu aparelho de pulso. — Gucky e Tama, fechar trajes de combate. Gucky você salta até a cidade para dar uma olhada. Nada de incorrer em riscos e não fique mais de cinco minutos. Aliás, você está conseguindo captar impulsos de pensamentos?
— Grandes quantidades de irradiações mentais, chefe — disse o rato-castor, rapidamente. — Mas nenhum pensamento sensato entre eles. Provavelmente esses garotos têm uma imunidade natural contra telepatas.
— Uma razão a mais para ir ao fundo dessa coisa — murmurou Perry Rhodan.
Ele revistou as armas, e já estava metido no duto do elevador, antes do space-jet ter pousado.
—Tenho a suspeita de que aquela arma de alta energia é um emissor de raios de impulso, tal como nós também o usamos — explicou Armond Bysiphere. — Intensidade e campo de enfeixamento coincidem.
— Mas terranos teriam uma mira melhor, não é mesmo? — retrucou Perry Rhodan.
— Eu ia justamente dizer isso. O artilheiro tem uma pontaria miserável, para sorte dos defensores. Eu acho que...
Ele interrompeu-se, quando Gucky rematerializou. O rato-castor assobiou estridentemente.
— São uns bárbaros! Três desses indivíduos queriam me liquidar com lanças. Provavelmente me tomaram como um bem-vindo enriquecimento do seu cardápio.
— Hum! — fez Kasom, olhando o rato-castor, depreciativamente. — Você ultimamente andou ganhando muita banha. Não é de admirar que os ukiahs, ao verem você, tenham sentido água na boca.
— Eles não se chamam ukiahs, mas pymocs, comilão!
— Como é que você sabe disso? — interveio Rhodan.
— Pude ficar escutando dois desses sujeitos, enquanto se entregavam a um grande barato, fumando alguma coisa. Em estado de transe aparentemente a sua resistência mental se evapora. Aliás, o chefe deles chama-se Hanrally, e também sei onde podemos encontrá-lo. Mais do que isso não consegui retirar daqueles cérebros embebedados.
Perry Rhodan ficou refletindo alguns minutos, depois tomou a sua decisão.
— Vamos fazer uma visita a esse Hanrally.
Ele ativou seu aparelho de rádio de pulso e chamou Ale Stromberg, que ficara para trás na cúpula de comando.
— Tenente Stromberg, vamos voar para o outro lado, para o muro da cidade. Não creio que nos ameace algum perigo do espaço, mas se o senhor receber o menor rastreamento, deve imediatamente dar partida de emergência, voltando ao espaço.
— Sim, senhor! Mas o senhor...
— Não se importe conosco, por favor. Podemos perfeitamente dar conta de nós mesmos.
Ele desligou e voltou-se para seus companheiros.
— Vamos usar os trajes de vôo. O Paladino nos seguirá depois de cinco minutos. Não gostaria de chocar demasiadamente os nativos.
Ele ativou a aparelhagem antigravitacional e de impulso e levantou-se dois metros no ar. Depois voou, com o impulsor rugindo, na direção do muro da cidade. Gucky passou-lhes à frente, mostrando-lhe o caminho. A pouca distância seguiam Kasom, Bysiphere e Tama Yokida.
Eles tiveram que subir para cem metros, quando sobrevoaram a corrente dos sitiantes.
— Ainda há pouco medi os espaços entre os tiros energéticos. Eles são dados a cada cinco segundos, cada vez com uma duração de tiro exata de um décimo de segundo — informou Melbar Kasom.
Rhodan arqueou as sobrancelhas.
— Estranho.
Mais que isso não disse logo. Além disso o rato-castor chamou neste instante, dizendo que descobrira o paradeiro de Hanrally.
Nisto apontou para um grupo de homens muito bem armados, junto de uma catapulta a vapor, em cima do muro da cidade. Atrás do grupo erguia-se um mastro alto, com um estandarte colorido.
— Ele deve estar ali — explicou Gucky.
Eles modificaram a sua direção de vôo e pousaram meio minuto mais tarde a poucos metros do grupo de pymocs.
Os soldados nas suas couraças pesadas fizeram caras furiosas e ergueram as suas lanças, mas ficaram parados. Por trás deles os terranos viram um pymoc velho e magro. Ele manipulava habilmente as rodas das válvulas da máquina a vapor, que alimentava a catapulta.
Perry Rhodan ligou o aparelho tradutor que trazia no peito.
— Queremos falar com Hanrally!
O velho pymoc nas rodas das válvulas virou-se. Seus grandes olhos facetados olharam os seres humanos, sem qualquer expressão. E então fez uma coisa incompreensível. Gritou algumas palavras e cuspiu no chão. Em seguida virou-se novamente.
— Bem que o imaginei — murmurou Rhodan. — Não somos os primeiros astronautas que os pymocs encontram. Caso contrário reagiriam de modo bem diferente. Mas por que este gesto de desprezo...?
Kasom apontou a distância, onde os relâmpagos de alta energia da arma de impulsos continuavam a brilhar.
— Por isso, senhor. Nossos antecessores parecem ter preferido os adversários.
— Nesse caso, não podem ser terranos — interveio Tama Yokida. — Astronautas terranos não intervêm nos assuntos internos de um planeta estranho.
— A não ser que tivessem motivos muito graves para isso — concluiu o Administrador-Geral, pensativo. — Gucky, chame a atenção desse homem, mas com muita cautela, por favor.
O rato-castor assobiou estridentemente com o seu dente roedor. Os portadores de lanças estremeceram. Os seus rostos se fecharam ainda mais.
De repente Hanrally subiu um metro no ar, virou-se sobre si mesmo, subiu mais dois metros e pairou por cima dos seus guarda-costas.
Bem perto de Rhodan, Gucky o pousou suavemente.
O velho pymoc tremia. Os portadores de lanças recuaram um passo, discutindo entre si, grasnando. Os terranos viram apenas nitidamente que os bicos de pato não eram rígidos, mas tão maleáveis quanto bocas humanas.
Depois que Hanrally se recompôs do susto, começou a praguejar violentamente. Perry Rhodan ficou chateado. Com palavras insultuosas certamente o tradutor nada saberia fazer. Ele precisava de palavras e combinações de palavras da linguagem corrente.
Novamente ele tentou fazer com que o pymoc se mostrasse sensato, falando-lhe baixinho mais insistentemente.
Porém Hanrally reagiu de modo diferente. Gritou uma ordem rígida aos seus guarda-costas. Os homens de couraças desceram suas espadas novamente e marcharam em direção aos terranos, naturalmente com joelhos tremendo, mas decididos a obedecer à ordem do seu chefe.
— Devo desarmá-los telecineticamente? — perguntou Gucky, enfurecido.
O aparecimento do Paladino tornou desnecessária uma resposta de Rhodan. O robô parecido com um halutense baixou, como uma pequena nave especial, com os propulsores rugindo, para o solo. Harl Dephin, que o comandava através dos seus impulsos mentais, parecia ter se dado conta da situação. O Paladino agarrou o velho pymoc com a mão do seu braço direito e o levantou. Depois o colocou sobre o outro braço, cruzado sobre o peito.
Hanrally deu-se conta que era absolutamente inferior. Ele devia saber há muito tempo o que Perry Rhodan queria dele. Certamente os primeiros astronautas também tinham feito uso de um tradutor.
Ele falou devagar e claramente, voltando o rosto para Perry Rhodan.
Dentro de um quarto de hora o computador do aparelho tradutor possuía informações suficientes para um simples entendimento.
— Viemos em paz — explicou Rhodan, dizendo o seu nome. — E se podemos e nos permitirem, queremos ajudá-los. Vimos que seus adversários possuem uma arma, que é semelhante a nossas armas. Portanto, antes de nós, outros astronautas devem ter pousado aqui, homens vindos das estrelas... — Ele apontou para o céu.
Hanrally bateu palmas. O Paladino colocou-o no chão diante de Rhodan.
— Eu entender, Roddahn. Só não acreditar. Outros, como vocês, dizer nos ajudar. Somente ajudar tomacs.
Ele estendeu os braços na direção de onde relampejavam os tiros dos impulsores que, sistematicamente, destruíam os muros da cidade.
O Administrador-Geral registrou que os atacantes se chamavam tomacs. Não se referiu a isso, mas perguntou:
— Os outros astronautas se pareciam exatamente conosco, ou eram diferentes...?
— Pareciam como você, Roddahn, e como você... — ele apontou para Bysiphere e Yokida — ... e você. Não tão grande forte e grande muitos braços. — Com isso ele mencionava, evidentemente, Kasom e o Paladino.
A agitação de Rhodan cresceu.
— As suas roupas, eram como as nossas?
— Roupas como vocês — confirmou Hanrally. — Mas fazer mais grande trovão quando cair do céu. Depois grande relâmpago. Fogo e chuva de metal líquido.
Ele ergueu a sua mão direita. A mesma tinha quatro dedos como todas as mãos dos nativos. Hanrally flexionou dois dedos.
— Um, dois homens voam longe do fogo, vêm para Hanrally e falam nos ajudar. Homens não bons. Não mantêm palavra. Vão para Vallejo devido grande promessa.
Ele fechou os punhos que sacudiu no ar.
— Sem dúvida — disse Perry Rhodan a sua gente — devem ter sido terranos. Provavelmente de uma das naves Explorer desaparecidas. Só não entendo por que entregaram armas energéticas aos tomacs.
— Vocês ajudar pymocs? — perguntou Hanrally. Rhodan anuiu.
— Antes de mais nada vamos dar um jeito para tirar de campo o arremessador de raios. Gucky, você pode me levar àquela torre com um salto?
— Gucky pode tudo. Ele não quebrar palavra! — declarou o rato-castor, orgulhoso.
Ele caminhou bamboleando até Perry Rhodan e tomou-o pela mão. No instante seguinte o ar entrou rugindo dentro do vácuo que dois corpos desmaterializados tinham deixado para trás.
Eles rematerializaram no chão de um quarto aberto para os fundos. Dois nativos estavam de costas para eles diante de uma parede metálica. No barulho do combate que ia em volta, certamente não tinham percebido a chegada de Gucky e de Rhodan.
Rhodan viu, perplexo, que os nativos mantinham um barbante forte com uma manopla metálica nas mãos. Eles murmuravam uma espécie de reza, depois puxavam a corda para trás, solenemente.
No mesmo instante ecoou atrás da parede metálica o rugir de um disparo de alta energia.
O Administrador-Geral puxou o seu paralisador, colocou-o em efeito fraco e paralisou os nativos com dois disparos. Gucky tirou-os telecineticamente de perto da parede.
Entrementes Rhodan trocara o seu paralisador por um desintegrador. Línguas esverdeadas de gás saltaram da parede metálica quando o raio desintegrador o acertou. A primitiva placa de ferro diluiu-se dentro de poucos segundos.
Quando Rhodan terminou de atirar, viu num cavalete de madeira a arma energética. O rato-castor retirou-a telecineticamente e tomou-a nas mãos.
— O mais novo modelo da Frota do Império Solar, se não me engano — disse ele.
— Você não se engana, baixinho — retrucou Rhodan e recebeu a arma. — A parede de separação, o cordão e o ritual evidentemente serviam para conservar os nativos longe da arma.
Ele a enfiou no seu cinturão.
Ao grito de atenção de Gucky ele girou sobre si mesmo. Conseguiu ver ainda três tomacs cambalearem de cima da borda da plataforma. Os nativos gritavam, quando subiram no ar, sendo colocados no chão novamente, depois de uma viagem rasante.
Gucky sorria, irônico.
— Nós chamamos atenção, chefe. Vamos dar no pé?
Rhodan sacudiu a cabeça, por causa do modo de se expressar vulgar de Gucky e suspirou. O rato-castor certamente nunca se modificaria.
— Vamos saltar de volta para Hanrally.
Gucky pegou a sua mão e no instante seguinte rematerializaram diante do velho pymoc.
Hanrally recuou, com um grito assustado. O tradutor traduziu uma espécie de conjuração de espíritos.
— Nada de agitação, por favor! — Ouviu-se rugir a voz do Paladino, pelos alto-falantes. — Criaturas estranhas às vezes têm mesmo dons especiais. Vocês também têm alguns, não é verdade?
E continuou em inglês, voltado para Rhodan:
— Eu me permiti radiografar alguns pymocs, senhor. Por baixo das suas couraças do peito e das costas, há um órgão estranho. Parece uma mangueira de jardim que se tenha enrolado no peito e nas costas. Dentro da mangueira eu pude verificar diversos agrupamentos celulares, mas o fim deles, infelizmente não me ficou claro.
— Mais tarde falaremos sobre isso — disse Perry Rhodan. — Muito obrigado, por enquanto, Paladino. Acho que já era tempo de terminar o derramamento de sangue. E esta é uma tarefa para você.
O robô gigante fez continência e saiu marchando.
Depois de poucos minutos houve um relâmpago violento na parte externa dos muros. Um trovejar de furar os tímpanos ecoou. Logo depois o Paladino voltou.
— Tarefa executada, senhor — avisou ele, indiferente. — Eu mandei algumas salvas por cima das cabeças desses sujeitos, com o que eles ficaram bastante desnorteados. E fugiram.
— Obrigado — disse o Administrador-Geral. — Hanrally, peço-lhe que não mande perseguir os tomacs.
O pymoc acenou para que alguns corredores se aproximassem e ordenou-lhes que detivessem as tropas em questão.
— Pymocs não querer luta — explicou ele a Rhodan. — Só se defender.
Ele ficou pensando alguns segundos, depois acrescentou:
— Vocês meus hóspedes. Vir comigo e festejar, sim?
— Aceitamos o convite e agradecemos — respondeu Rhodan.
Hanrally deu algumas ordens aos seus guarda-costas. Os nativos armados se agruparam em duas fileiras. Uma ficou atrás, a outra adiante de Hanrally e os hóspedes. Depois de outra ordem, saíram marchando.
— Vamos tentar saber mais alguma coisa sobre os dois terranos que aqui pousaram de emergência — disse Rhodan a sua gente. Sobretudo eles devem ter tido um bom motivo para apoiarem um dos lados dos nativos. Talvez até consigamos um contato pessoal com eles.
— Eu poderia teleportar para essa cidade chamada Vallejo — sugeriu Gucky.
O Administrador-Geral abriu a boca, mas não chegou mais a uma resposta. O seu telecomunicador de pulso emitiu um estridente sinal de emergência.
Ele o ativou.
— Aqui o Tenente Stromberg! — veio a voz nervosa do piloto, da parte receptiva. — Rastreio nave giroscópica. Está penetrando na atmosfera, senhor.
— Desapareça! — gritou Perry Rhodan de volta. — De acordo com minhas instruções o senhor já devia ter partido. Com cada segundo que se passa desnecessariamente suas chances de sobrevivência diminuem. Dê partida imediata!
— Estou partindo, senhor! — veio a voz rouca de Stromberg.
No local onde se encontrava o space-jet relampejou. O disco envolveu-se numa nuvem de fogo e poeira, depois desapareceu numa partida violenta. A onda de choque veio rolando como um órgão profundo e derrubou os homens.
Quando as massas de ar se aquietaram, Rhodan informou o velho pymoc sucintamente. Ele não acreditava que Hanrally entendesse alguma coisa, mas pelo menos pareceu compreender que os astronautas pretendiam voltar outra vez.
— Não utilizem aparelhos energéticos! — gritou Rhodan aos seus homens. — Paladino, use apenas energia fraca. Sigam-me!
Ele correu ao longo do muro circular, até chegar a um lugar em que um tiro energético tinha fundido uma brecha. Os terranos desceram pelo declive de destroços esfriados.
Perry Rhodan correu pela campina na qual ainda há pouco se agrupara o exército dos tomacs. Os restos de uma máquina a vapor explodida pareciam-lhe adequados para os seus fins.
Instintivamente eles se jogaram ao chão, quando muito alto, acima deles, surgiu um sol artificial. Como em leque espalharam-se traços de fogo e fumaça.
— O space-jet! — murmurou Gucky. — Conseguiram atingi-lo!
Rhodan sentiu uma pontada no coração. Com o space-jet também Ale Stromberg morrera. Talvez isso pudesse ter sido evitado, se ele tivesse ensinado melhor ao piloto o cumprimento de seus deveres.
Porém a situação não era de ruminações nem para autocensuras. A poucos metros diante deles estava caída uma caldeira a vapor estourada.
Rhodan levantou-se de um salto e olhou para dentro da enorme caldeira. Depois voltou-se.
— Vamos nos esconder aqui. Com isto, sobretudo a massa metálica do Paladino fica protegida. Uma vez aí dentro, os senhores também desligam os aparelhos restantes...
O resto submergiu num trovejar de ensurdecer. Harl Dephin entendera, mesmo assim, o que devia ser feito. Ele forçou a passagem pelo buraco, que a detonação arrebentara, enfiando-se no ângulo mais profundo da caldeira. Os outros terranos o seguiram.
Gucky espiou cautelosamente para fora. O trovejar e bramir ainda ficara mais forte.
— Uma nave giroscópica! — gritou o rato-castor aos companheiros. — Está circulando sobre a cidade. Eu gostaria de saber como teve sua atenção despertada para nós. Afinal não pode ter nos rastreado.
— Também não creio nisso — retrucou o Dr. Bysiphere.
— Em algum lugar neste planeta deve haver alguém que tenha medido as irrupções energéticas dos tiros do Paladino, informando a nave depois.
— Espero que os pseudogurrados não pousem aqui — disse Gucky.
O bramido dos propulsores estranhos aumentou.
— Está partindo! — gritou o rato-castor, acima do barulho. — Está desaparecendo novamente!
Perry Rhodan olhou sombriamente diante de si. Ele esperava ardentemente que Atlan não se deixasse levar a intervir nos acontecimentos. Eles precisavam urgentemente de uma chance de desvelar os mistérios e segredos de Ukiah. Estes, entretanto, eles somente saberiam, se a desconfiança dos pseudogurrados pudesse ser adormecida.
— Vamos continuar mantendo-nos quietos — disse ele.
— Depois, caso a nave giroscópica não volte, visitamos Hanrally. Precisamos induzir o pymoc a mostrar-nos o caminho para Vallejo.
— Para quê, afinal? — perguntou Gucky, admirado. — Eu preciso apenas teleportar. E encontro Vallejo muito mais depressa.
Rhodan sacudiu a cabeça.
— Não sabemos se os desconhecidos também podem medir paraimpulsos ou não. Não, Gucky, o caminho mais difícil, desta vez, é o melhor.
Ele trepou para fora da caldeira e olhou para o céu.
Rhodan pensou na astronave em forma de disco, da raça desconhecida. Ela devia ter tido uma razão para aparecer sobre Ukiah. Talvez os terranos em Vallejo soubessem algo a respeito. Isso poderia ser a chave para um outro segredo da pequena nuvem de Magalhães.
Era o que ele esperava - e mais não podia fazer no momento...
H. G. Ewers
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