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Poesia & Contos Infantis

 

 

 


Pista no Tempo e no Espaço / Clark Darlton
Pista no Tempo e no Espaço / Clark Darlton

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

Pista no Tempo e no Espaço

 

O incógnito guardião do segredo dos imortais parecia ter preparado uma série completa de testes a que deveriam se submeter todos os que tencionassem desvendá-lo.

Perry Rhodan, o chefe da Terceira Potência, já se adiantara a tal ponto em sua busca que não mais podia nem queria retroceder. Após uma aventura que exigira o máximo dos nervos de todos os participantes, tinha agora em seu poder mais uma mensagem do desconhecido. Ela se tornou o prelúdio da mais incrível aventura de Perry Rhodan: PISTA NO TEMPO E NO ESPAÇO...

 

                 

 

A grande expedição espacial da Terra já se encontrava a algum tempo no sistema Vega, a vinte e sete anos-luz de distância da Terra. Tinham estabelecido relações cordiais com os habitantes do oitavo planeta, os ferrônios, e ultimado um acordo comercial. Do ponto de vista técnico, não havia nenhum motivo plausível para protelar mais a volta à Terra.

Mas sobreexistem outros motivos além da pura técnica.

O planeta Ferrol girava em volta de seu sol Vega a tal distância, que de modo geral o seu clima se assemelhava ao tropical quente da Terra. Os ferrônios, uma raça humanóide, se diferenciavam dos homens pela abundante cabeleira e pela testa que muito saliente, protegia os olhos — uma defesa de que os dotara a natureza contra a forte radiação ultravioleta de Vega. Além disso, menores e de pele azulada, não chegavam a ser cômicos. Principalmente para quem levasse em conta a grandeza e a multiplicidade do Universo.

Como era o caso, por exemplo, de Reginald Bell.

De cabelo ruivo eriçado e mãos possantes, ele andava, agitado, de um lado para o outro na central da gigantesca esfera espacial. De uma cor próxima ao gelo, seus olhos faiscavam agora de um modo fora do comum.

— Diga-me o que quiser — vociferava, furioso, com um gesto expansivo da mão — este cérebro positrônico tem é dor de cabeça, nem sequer pensa em dar uma resposta à sua pergunta. Está nos esnobando!

Na enorme central do cérebro positrônico, em forma de meia-lua, estava ainda presente um segundo homem: Perry Rhodan, o chefe da expedição. Sua figura magra sugeria tenacidade e coragem, e nos seus olhos cinzentos não somente brilhavam determinação e cinismo, mas também humor.

— Acha? — Rhodan contemplou, pensativo, o rosto do seu colaborador mais próximo, sem perceber ali sinal algum de revolta verdadeira. — Não está querendo desistir, hein?

— Como desistir, Rhodan? Há semanas que nos sentamos aqui, à espera de que este monstro de cérebro eletrônico se decida. Alega que a mensagem é particularmente difícil de ser decifrada. Boa desculpa para um fracasso total! Que peça nos hão de ter pregado esses pretensos imortais!

Enquanto isso, quase despercebido, um outro homem havia entrado e ouvido as últimas palavras de Bell. Um ser humano, sem dúvida, mas com qualquer coisa de quase sobre-humano. Porte alto, idade indefinida, cabelo claro, quase branco, e espesso, testa alta, olhos de um vermelho albino, em especial o olhar que estes lançavam... tudo o fazia diferente e estranho. No entanto, certamente ninguém haveria de perceber que se tratava de um arcônida, vindo de um sistema solar a trinta e quatro mil anos-luz da Terra. Há milênios sua raça dominava todos os segredos das viagens espaciais. O que não evitara, porém, que a sua nave tivesse feito um pouso forçado na Lua, obrigando Perry Rhodan a tomar providências para o seu salvamento.

— Nada de conclusões apressadas — virou-se o arcônida para Bell, um leve tom de censura na voz. — Os imortais, atrás de quem estamos indo, não hão de ter facilitado as coisas para nós.

— É, eu sei, meu caro Crest — tornou Bell, impaciente. — Sua raça infalível já descobriu há uns milhares de anos que neste sistema há um planeta onde vivem os imortais. Agora este planeta desapareceu. Para seguir sua pista, precisaremos de inteligência excepcional, pois os emigrantes tramaram uma charada. Só os seres capazes de pensar de maneira pentadimensional poderão encontrar o planeta da vida eterna. Bem pensado. Eis-nos agora, quebrando a cabeça. Mas quando se quer viver para sempre, o que é que não se faz?

Perry Rhodan sorriu para Crest, meneando a cabeça.

— Nosso bom Reginald Bell está triste porque o cérebro positrônico ainda não conseguiu decifrar a mensagem dos imortais.

— Triste como? — rosnou Bell. — Estou é farto desta espera.

Rhodan já não sorria mais. Tinha o rosto sério, enquanto observava o quadro de comutadores do cérebro positrônico, oculto atrás de paredes de arconita. Sabia que por detrás daquelas paredes havia mecanismos intricados e positrônicos, quase se poderia dizer inteligentes, ocupados em traduzir em linguagem clara as informações cifradas de uma língua estranha. Ninguém poderia esperar que a solução fosse fácil, muito menos depois das dificuldades que tiveram para ir buscar estas informações na arca sob o palácio real do Thort, equipada com um fecho de tempo. Ali, os segredos da desaparecida raça dos imortais haviam repousado durante milhares de anos. Os ferrônios não tinham podido abrir a arca; Perry Rhodan foi o primeiro a consegui-lo.

Agora Bell exigia que a mensagem em código fosse decifrada num abrir e fechar de olhos.

— Quem pretende alcançar a imortalidade, deve pelo menos se armar de paciência, Bell — advertiu ele. — O que temos a perder? Na Terra está tudo em ordem. Caso contrário, o coronel Freyt já teria enviado algum comunicado através do hipertransmissor. Só faria isso em caso de emergência, para não denunciar a outros seres inteligentes do universo a posição galáctica da Terra. Então, acaso tem proposta melhor do que aguardar a tradução da mensagem que obtivemos com tanta dificuldade?

Era uma pergunta bastante concreta. Com algum mal-estar, Bell percebeu que sua resposta também deveria sê-lo.

— Infelizmente não, Rhodan — retorquiu, com um riso amarelo. — Continuemos a esperar, portanto.

Crest meneou a cabeça.

— Como os homens são estranhos — observou. — Aí estão discutindo sobre coisas a respeito das quais no fundo têm a mesma opinião, apenas para matar o tempo. Bell, esperava que ao menos tivesse uma boa contra-proposta, já que se mostra tão insatisfeito com a situação atual.

— Você é claro que tem uma — presumiu Bell, sempre sorrindo. — Voltar para Árcon, seu sistema nativo, se não me engano. Thora o deve estar pressionando novamente.

Thora era a antiga comandante da nave arcônida que tivera de realizar um pouso de emergência na Lua. Desde que Rhodan salvara-os, seu orgulho sofrerá terrível golpe. A seus olhos, o homem estava apenas no limiar do conhecimento, na melhor das hipóteses. E eis que agora se tornava dependente desses seres humanos.

— É natural que Thora queira voltar a Árcon, entretanto ela respeita nosso pacto: primeiro vamos achar o planeta da vida eterna, e só então voltaremos para Árcon. Vou desapontá-lo, Bell, mas não estou do seu lado. Rhodan tem toda razão. Temos de decifrar a mensagem dos imortais. Só então poderemos saber o que fazer para penetrar no segredo da vida eterna. É um objetivo que vale a pena, ou não acha?

Antes que Bell pudesse responder, uma lâmpada acendeu ao lado da tela de imagem. O vidro fosco iluminou-se.

Rhodan girou um botão.

Na tela surgiu o rosto de um homem ainda jovem, cujo cabelo cor de palha formava um contraste marcante com o bronzeado da pele. A boca apertada parecia sorrir, mas quem conhecia o major Deringhouse sabia que raramente sorria. Esta era apenas sua expressão habitual.

— Comunicado para o comandante! — disse o homem na tela. — A última patrulha dos caças espaciais está de volta do vôo de reconhecimento. Nada de especial no sistema Vega. Os vôos devem continuar na mesma intensidade de antes?

Rhodan olhou com simpatia o comandante do Grupo de Caças Espaciais da Terceira Potência:

— Afinal você e Nyssen nada têm mesmo para fazer, não é? Mantenha seus pilotos em alguma atividade. Além disso, é bom conservar os olhos bem abertos. Este sistema tem quarenta e dois planetas. Viajantes espaciais desconhecidos poderiam pousar aqui sem que percebêssemos. Sabemos por experiência própria que suas intenções nem sempre são amistosas. Portanto, não reduza a ação de patrulhamento, Deringhouse. Entendido?

— Muito bem, chefe — respondeu o major.

Piscou para Bell com o canto do olho, antes da tela escurecer.

Minutos mais tarde, os pequenos veículos espaciais que viajavam com a velocidade da luz decolavam novamente para seus vôos de patrulha. E em Ferrol se poderia ter certeza de que ninguém chegaria ou deixaria o sistema Vega despercebido.

Rhodan olhou para Bell.

— Como vê, nenhum perigo nos ameaça aqui. Podemos esperar com toda a calma, até conseguirmos a próxima indicação que seja importante para a solução da charada galáctica, organizada há dez mil anos pelos imortais. Precisa se acostumar com a idéia de que o tempo não representa problema para os seres da vida eterna.

Perry Rhodan ainda não fazia idéia de que suas palavras se tornariam verdade, nem poderia adivinhar que exatamente o tempo muito em breve o colocaria em grande perigo. Igualmente era uma sorte que Bell não o adivinhasse.

O zumbido monótono do cérebro positrônico sofreu uma interrupção que não passou despercebida ao ouvido treinado de Rhodan. Fez um gesto de silêncio para Bell, que queria dizer alguma coisa. Crest também se pôs à escuta. Atrás das paredes maciças, ouviam-se os estalidos de contatos. No quadro de comutadores, pequenas lâmpadas se acendiam. Pelo alto-falante do transmissor também vinham estalidos.

Pela primeira vez em semanas, o cérebro positrônico estava pronto para uma declaração.

Seria afinal a solução da mensagem misteriosa, escrita há milhares de anos para aqueles cuja inteligência fosse capaz de desvendar a charada galáctica? Seria a mensagem do imortal desconhecido, cuja pista Rhodan seguia? Seria a resposta à indagação sobre o paradeiro atual do planeta da vida eterna, o local onde procurá-lo?

A mão de Rhodan tremeu de modo imperceptível ao abaixar a alavanca que havia debaixo da lâmpada vermelha. A luz apagou-se. Ao mesmo tempo, ouviu-se no alto-falante outro estalido. Uma voz mecânica e inexpressiva falou com timbre metálico:

— É uma solução parcial. Só a primeira parte da mensagem pôde ser decifrada. Darei o texto por escrito. Por favor, queiram fazer a ligação correspondente. A solução definitiva continuará a ser estudada. Fim da transmissão.

— Uma solução parcial! — Bell gemeu alto. — Isto não nos leva a nada!

— Silêncio! — ordenou Rhodan, procurando esconder a própria decepção. — Deveríamos nos dar por satisfeitos de que alguma coisa tenha surgido daí.

Deixou a mão direita deslizar sobre os controles do cérebro positrônico e apertou vários botões. Algumas lâmpadas se acenderam, outras se apagaram. Em algum lugar surgiu um outro ruído. Uma fenda larga se abriu. Os três homens fixaram nela o olhar, na expectativa do texto decifrado que deveria sair agora.

Antes que isso acontecesse, porém, decorreram ainda quase dois minutos.

Uma tira de papel caiu sobre a mesinha frente ao painel de comutadores, exatamente diante de Rhodan. A escrita era graúda e bem legível:

 

Quando o planeta onde agora te encontras houver girado 21,3562 vezes sobre o próprio eixo, a escrita se apagará. Se quiseres achar a luz, deveras te apressar.

 

E isto era tudo.

Perry Rhodan tentou esconder novamente a decepção e a preocupação. Tinha idéia de que viria mais, porém, ainda assim, não seria o caso de ficar satisfeito? Não conseguira, pelo menos, saltar a primeira barreira?

Bem, era o texto já decifrado sem dúvida, mas o que significava?

Ferrol girava em torno de seu eixo em exatamente 28,23 horas. O relógio de bordo marcava sempre os mesmos dias de vinte e quatro horas da Terra. 21,3562 dias de Ferrol correspondiam, portanto, a mais ou menos 24,700423 dias terrestres.

— Encontramos a mensagem há exatamente três semanas na arca sob o Palácio Vermelho, em Thorta, a capital de Ferrol — disse Rhodan, acentuando os pormenores. — Isto nos deixa exatamente três dias e cerca de quinze horas de prazo. Para ser mais exato: o cérebro positrônico tem este prazo para conseguir decifrar o resto da mensagem. Caso contrário, a escrita se apagará.

Era assombroso. Antes fora Bell que se fizera de pessimista. Agora, de um momento para o outro, transformava-se em otimista. Todo o seu rosto irradiava alegria.

— E daí? Deixe que se apague! Por mim, esta escrita engraçada pode desaparecer quando quiser. Já a registramos em fotografias e filmes! Se o original sumir, as cópias continuarão à nossa disposição.

Rhodan levantou os olhos. Seu olhar interrogativo voltou-se para Crest, que o retribuiu em silêncio. Por alguns instantes pareceu que o argumento de Bell houvesse feito desaparecer todas as preocupações. O arcônida, entretanto, meneando lentamente a cabeça, proferiu:

— Meu caro Bell, está cometendo um grave erro ao pensar de maneira tridimensional. É o que não se deve fazer, quando se pretende resolver um enigma proposto por seres que raciocinam em cinco dimensões. Se nos foi dito que a escrita da mensagem desaparecerá, isto significa sem dúvida que as cópias fotográficas também deixarão de existir, esgotado o prazo.

O rosto de Bell mostrava incredulidade.

— Mas Crest, está falando de coisas impossíveis. Que influências poderiam ter sobre nossas fotos esses imortais separados de nós por milhares de anos? Que bases científicas fornece para a sua afirmação?

— Muito simples — Rhodan interveio novamente. — Sei o que Crest quer dizer. Esses imortais, em sua visão do mundo, referem-se de duas maneiras ao tempo. Em primeiro lugar, ao passado permanente, a quarta dimensão. Depois, à forma mutável, a que chamamos quinta dimensão. Todas as frases da charada galáctica se seguem automaticamente. Portanto, deve ter sido inserido, na escrita, uma espécie de bloqueio automático. Quando o prazo estiver esgotado, as palavras da mensagem que o nosso cérebro positrônico tem de decifrar simplesmente serão anuladas. No mesmo momento, como a mensagem jamais teria sido escrita, também não existiria no presente, e nós nunca poderíamos tê-la copiado. Passaria a nunca ter existido. Compreendeu agora?

Os cabelos de Bell eriçaram-se, sinal seguro da agitação em que se encontrava. Os olhos se arregalaram. Podia-se ver muito bem a luta que travava consigo mesmo, da razão contra algo inconcebível.

— Mas então isso é... — balbuciou.

— Terrível, admito — Rhodan aquiesceu friamente. — Mas é de uma lógica perfeita. Pode ter certeza de que a escrita se apagará dentro de três dias e quinze horas, e que nada no mundo poderá trazê-la de volta.

— Assim é — confirmou Crest.

A agitação de Bell extinguira-se, mediante a pronta receptividade de seu cérebro. Recebera, além do mais, o hipnotreinamento por parte do arcônida, que lhe transmitira o conhecimento milenar da raça antiqüíssima. Não havia o impossível, tudo tinha sua explicação. Portanto, aquilo também.

— Bem, então dispomos de pouco tempo. Esperemos que o cérebro positrônico da Stardust-III consiga resolver tudo.

A Stardust-III era o gigantesco cruzador espacial esférico, da classe império, tomada dos arcônidas por uma raça guerreira, e que Rhodan conseguira reconquistar. Com isso, se assegurara o direito de ser igualmente o comandante da imensa nave de oitocentos metros de diâmetro. Era ela o produto de uma civilização perto da qual a Terra pareceria um mundo de homens da idade da pedra. A propulsão da Stardust-III permitia-lhe saltar milhares de anos-luz através do espaço, quase sem perda de tempo. Seu hipertransmissor tornava possível a transmissão e recepção de som e imagem dentro de uma parte considerável da galáxia, com eliminação total do tempo como fator de impedimento. As ondas de rádio atravessavam o hiperespaço, tornando todas as distâncias supérfluas.

A Stardust-III era a mais perfeita nave que um ser humano poderia imaginar, e o cérebro positrônico era apenas uma parte dela.

— Estamos na inteira dependência dele — reconheceu Rhodan. — Caso não tenha êxito, nossa caçada estará terminada e nos caberá apenas cumprir a promessa de levar Thora e Crest de volta a Árcon.

— Disso é que tenho medo! — asseverou Bell, categórico.

— Medo? — Crest teve um sorriso um tanto desamparado. — Por quê?

— Ora, escute bem. Se somente a Stardust-III já nos arrasa, o que acontecerá quando conhecermos Árcon, o planeta líder do Grande Império? Sejamos honestos: o que é a Terra perto de Árcon?

Crest já não sorria ao responder:

— Tem razão... é um grão de poeira, só isso.

Percebia-se claramente certa compaixão em sua voz.

Compaixão por Bell... ou pela Terra? Ninguém poderia responder.

Três dias se passaram, sem que o cérebro positrônico tivesse decifrado a mensagem. Nem fora dado a conhecer qualquer outro resultado parcial. O gigantesco e aparentemente onisciente cérebro calava-se.

Em Ferrol, oitavo planeta do sistema Vega, tudo corria segundo o plano traçado. Deringhouse fiscalizava os vôos de patrulhamento de seus caças espaciais e diariamente transmitia a Rhodan um resumo dos acontecimentos. Fora deles e dos ferrônios, nativos do planeta, não havia nesse sistema ser algum inteligente ou sequer semi-inteligente. Nada indicava que criaturas estranhas de outros sistemas tivessem percebido sua presença. Os caças espaciais patrulhavam através de mundos vazios e desabitados.

Enquanto isso, a indústria dos ferrônios intensificava sua produção de mercadorias requeridas no comércio com a Terra. Rhodan tencionava levá-las em sua próxima viagem à Terra, a fim de trocá-las por artigos terrestres. Conquanto as boas relações comerciais sempre tivessem sido uma condição essencial de relacionamento amistoso entre povos e raças, isso ainda mais se acentuava no caso de raças pertencentes a mundos separados um do outro por vinte e sete anos-luz.

Entretanto, no íntimo, Rhodan se preocupava com a Terra. Os ferrônios possuíam uma forma de governo unitário e eram governados por um soberano, o Thort. Por outro lado, a Terra...

Suspirou. Claro, o medo da superioridade técnica dos arcônidas e, portanto, do próprio poder de Rhodan, tinham unido os governos do mundo e evitado uma guerra atômica. Essa união ainda não significava, no entanto, que o planejado governo mundial se tivesse tornado realidade. Por baixo da superfície pacífica da vida política, continuavam a fervilhar a desconfiança e as rivalidades nacionais.

Contudo, talvez o exemplo dos ferrônios acelerasse o desenvolvimento natural.

“Caso ele não se processe”, pensou Rhodan, irritado, “terei naturalmente que dar uma ajuda. De qualquer forma, a Terra já deverá estar forte e unida quando for descoberta pelos arcônidas. De modo algum quero que os arcônidas decadentes venham a encarar a Terra e seus habitantes como uma nova colônia de seu império estelar. Nesse caso”, Rhodan sorriu interiormente, “que aconteça exatamente o contrário.”

Estava sozinho na central do cérebro positrônico. Mais treze horas e o prazo estaria esgotado. Tempo demais para quem tinha de ficar esperando. Ridiculamente pouco, entretanto, levando-se em conta os vinte e quatro dias decorridos sem que o cérebro positrônico conseguisse dar a solução.

Rhodan ouvia o zumbido incessante através das poderosas paredes de arconita. O cérebro trabalhava a toda força, para decifrar um texto escrito há dez mil anos.

Por volta do meio-dia, Bell entrou para ver como andavam as coisas. Fez algumas observações totalmente supérfluas e desapareceu de novo. Crest e Thora também vieram procurar Rhodan. Fizeram-no prometer que os informaria assim que surgisse o primeiro resultado. Rhodan assentiu de bom grado.

Mais oito horas apenas.

A tarde já estava no fim. Rhodan havia comido, mas não quisera se mexer do lugar, desistindo da vigilância. Dois membros do Exército de Mutantes lhe faziam companhia, o teleportador Ras Tshubai, um africano, e Ralf Marten, filho de um alemão e de uma japonesa. Os dois homens pertenciam ao grupo de pessoas nascidas depois das primeiras explosões atômicas da Terra. Os cromossomos de seus pais haviam sido alterados pelas radiações nucleares. Em muitos casos isso viera a constituir uma vantagem, pois algumas funções cerebrais, até então adormecidas, foram ativadas. Dispunham de aptidões que deviam parecer mágicas para o comum dos mortais.

Ralf Marten possuía o dom da exopersonificação. Conseguia separar o espírito do corpo e ver com os olhos e os ouvidos dos outros, podendo até falar através de suas bocas. Enquanto isso, seu próprio corpo caía numa espécie de rigidez, da qual só despertava quando deixava o espírito voltar.

Ras Tshubai, pela força de vontade, podia transportar-se através de grandes distâncias, mediante o controle da materialização. Era o que se poderia chamar de teleportação.

Muitos outros mutantes faziam parte do exército: telepatas, telecinetas, supercérebros, espias e videntes de freqüência. O Exército de Mutantes era a tropa em que Rhodan mais confiava, sendo os seus melhores auxiliares quando se tratava de representar a raça humana junto aos extraterrenos, que também possuíam aptidões assombrosas.

Ralf Marten e Ras Tshubai se esforçavam para que o tempo passasse mais rapidamente para seu chefe.

— Se o cérebro positrônico realmente falhar — declarou o africano, com um gesto de desdém — nem tudo estará perdido. Há outras pistas. Lembre-se da pirâmide que existe na lua exterior do décimo terceiro planeta. O sábio ferrônio Lossos descobriu-a. Eles mesmos revelam que ela constitui outro caminho para a nossa meta. Se o caminho mais curto se tornar difícil, iremos pelo mais longo.

Rhodan discordou.

— O caminho direto é mais perto e não dispomos de muito tempo. Os arcônidas estão impacientes. Querem voltar para Árcon, o que acho compreensível. Já estão conosco há muitos anos. Somente o seu desejo de encontrar o planeta da vida eterna os impediu até agora de impor energicamente suas exigências.

— Talvez o cérebro ainda o consiga — disse Ralf Marten, lançando um olhar esperançoso sobre o complicado painel de comutadores. — Vinte e quatro dias é um bocado de tempo.

— Exatamente! — exclamou Rhodan, suspirando. — Se vinte e quatro dias não foram suficientes, então as oito horas que ainda restam também não o serão.

Ras Tshubai quis dizer alguma coisa, mas calou-se repentinamente. O zumbido atrás das paredes modificou-se. Tornou-se mais forte e irregular. Algumas lâmpadas de controle acenderam-se. Uma fila inteira delas começou a acender e apagar a intervalos regulares, como se quisessem transmitir um sinal.

E assim era.

No alto-falante do aparelho de transmissão começou a se ouvir distintamente um estalido. E então surgiu a voz inexpressiva do cérebro positrônico, sem expressão alguma de triunfo.

— Solução encontrada. Darei novamente o texto por escrito. Fim da transmissão.

Com auxílio das instalações de bordo, Rhodan avisou Crest e Thora. Do mesmo modo, ordenara a Bell que viesse imediatamente à central.

Enquanto os arcônidas e Bell se apressavam em direção à central, a comprida tira de papel contendo o texto traduzido era impelida para fora da fenda. O lado escrito estava virado para cima. Rhodan ia lendo as palavras à medida que brotavam do cérebro positrônico.

 

Se você sabe alguma coisa sobre a nossa luz, verifique então de quem obteve esta informação. Apenas um maravilhou-se ante as máquinas do saber. Veio nos últimos tempos, apenas segundos para mim. Encontre-o e interrogue-o! Se quiser ir até ele, desça à arca de tempo, mas não venha sem o conhecimento sobre a sua pessoa. Perguntarão a você o seu nome.

 

Rhodan pegou a tira de papel e olhou demoradamente as letras claras e definidas, que formavam palavras compreensíveis, mas seu sentido permanecia obscuro e misterioso. Leu o texto mais três vezes, antes de entregar a mensagem a Crest, que a leu rapidamente. Uma sombra de decepção percorreu-lhe as feições, ao passar a tira de papel para Thora, ao mesmo tempo que dirigia um olhar interrogativo a Rhodan.

A arcônida também não parecia ser capaz de saber o que fazer com a mensagem. Bell, tampouco, lhe deu tempo para isso. Sem pedir permissão, arrancou-lhe o papel da mão e devorou as poucas linhas como se disso dependesse a vida. Sua decepção ainda foi maior. Com um olhar de estranheza, devolveu-o a Rhodan.

— Que significado tem isto? Quem é que você tem de achar?

— Não sabe ler? — retrucou Rhodan, um tanto irritado. — Neste momento sei tanto quanto você. Julgo, no entanto, que logo saberemos o que os imortais querem dizer. Para compreender o sentido, basta raciocinar com um pouco de lógica. Talvez aqui o cérebro positrônico pudesse ajudar, acho, porém, que nós mesmos é que teremos de nos esforçar. É preciso descobrir o nome de alguém que se maravilhou ante as máquinas do saber nos últimos tempos. Pergunta: o que são as máquinas do saber? E mais: o que os imortais entendem por “Veio nos últimos tempos, apenas segundos para mim?” Temos de esclarecer estas duas perguntas, se quisermos descobrir qual o nome que eles querem ouvir.

— As máquinas do saber — adiantou Crest tranqüilamente — podem muito bem ser os hipertransmissores de matéria dos ferrônios.

Rhodan atinou, de um momento para o outro, que Crest havia respondido à primeira parte da pergunta. Eram, sem dúvida, os hipertransmissores de matéria, trazidos por uma raça desconhecida de astronautas para os ferrônios, que então se encontravam num estágio primitivo de civilização; os surpreendentes aparelhos foram deixados ali como recompensa por algum serviço que os ferrônios haviam prestado aos náufragos. Os hipertransmissores ainda funcionavam, apesar de ninguém entender como. Sua construção baseava-se na matemática pentadimensional e transportavam matéria através do hiperespaço. Eram presente de uma inteligência superior.

Mas quem se maravilhara ante estes aparelhos? Ou melhor: quem se maravilhara, e quando?

Devemos organizar de maneira lógica nossas idéias — disse Rhodan, lançando a Bell um olhar de advertência, para que não perturbasse tais idéias com apartes muito pouco inteligentes. — Temos uma indicação. Devo verificar de quem obtive a informação sobre a luz. Aqui, a luz significa, como sempre, a imortalidade. E foi de você, meu caro Crest, que a obtive. Sua expedição procurava o planeta da vida eterna. Portanto, você é a primeira pessoa-chave do enigma. Agora, devemos procurar descobrir de quem você a obteve.

Crest assentiu lentamente. As outras pessoas presentes calaram-se, observando, emudecidas, o duelo dos dois homens que procuravam descobrir uma pista na escuridão.

— A pergunta é fácil de responder. Foi através do arquivo central dos arcônidas, que nosso Conselho Científico nos deu a missão de descobrir o planeta da vida eterna. Portanto, deve haver anotações sobre isso. Só podem ter vindo da época em que nossas expedições espaciais ainda exploravam o Universo e depararam nessas viagens com a raça dos imortais. Mas no arquivo estão registrados os nomes de milhares de expedições. Como acharemos qual delas foi?

Rhodan suspirou audivelmente.

— Não será tão difícil como você imagina, Crest. Somente os arcônidas que exploraram as proximidades da Terra há dez mil anos é que poderão ter encontrado a pista dos imortais. Provavelmente os mesmos que instalaram a base de Vênus, na qual se encontra o maior de todos os cérebros positrônicos existentes. Como sabemos, os arcônidas se estabeleceram na Terra, mas desapareceram então na corrente sangüínea da Humanidade. Catástrofes poderão tê-los dizimado... a Atlântida talvez. Agora, no entanto, cabe-nos supor que pelo menos um relatório dessa expedição alcançou Árcon, senão não poderia haver indicação alguma a respeito no arquivo central e você, Crest, jamais teria sido enviado à Terra.

Thora concordou com entusiasmo.

— Claro, é isto mesmo! Temos agora de descobrir o nome do comandante que transmitiu esse relatório. Só nos resta voar para Árcon e dar uma espiada no arquivo central.

Ela não conseguia esconder uma nota de triunfo na voz. Bell contemplou a bela arcônida com desconfiança. Ele mesmo não sabia direito se simpatizava com ela ou se a detestava. Sim, Thora era bonita. Seus cabelos brancos faziam um contraste maravilhoso com a pele levemente bronzeada. Os olhos avermelhados tinham expressão inteligente e um pouco desdenhosa. Percebia-se que aquela mulher não conhecia sentimento humano algum. Mas talvez fosse um engano, quem sabe?

Rhodan sorriu.

— Está enganada, Thora, sinto muitíssimo por você. Não precisamos voar até Árcon para verificar o nome desse homem que enviou há dez mil anos o relatório para o arquivo central. Não há dúvida de que a expedição esteve naquela época aqui no sistema Vega, mas se não voltou e se mesmo assim Árcon tomou conhecimento disso, é porque a transmissão de notícias só pode ter sido feita através da base em Vênus. E tudo o que aconteceu foi registrado pelo cérebro positrônico. Thora, como está vendo, não temos outra coisa a fazer senão nos dirigirmos a Vênus e interrogar o cérebro positrônico. Viu como é simples?

— Muito simples, sim — admitiu Thora, a contragosto. — E o que acontecerá quando você souber o nome?

Rhodan apontou a tira de papel sobre a mesinha à sua frente.

— Tomarei nota do nome e voltarei à arca de tempo. Tudo o mais decorrerá automaticamente.

Bell estouraria se continuassem impedindo que falasse.

— Voaremos então para perto de casa! — concluiu alegremente. — Aproveitaremos a oportunidade para descobrir o que é que a velha mãe Terra anda fazendo. Terei a alegria de rever o coronel Freyt. Puxa, vou poder lhe contar umas histórias bem interessantes...

— ...das quais garanto como ele não acreditará em palavra alguma! — atalhou Rhodan. — Tive de esclarecê-lo em alguns pontos, depois que você lhe contou as mais loucas histórias de terror. O pobre Freyt ficou inteiramente confuso. Não, meu caro, já tomei providências! Avisei todo o pessoal da cidade de Galáxia para não acreditar em palavra alguma do que você disser. Já não dá mais para você bancar o grande herói de inacreditáveis aventuras, Bell.

Os olhos de Bell pareceram abatidos. Mas todos os que se achavam ali o conheciam bem, de modo que ao tentar se defender, só conseguiu ser envolvido pelas brincadeiras gerais. Com um olhar ressentido para Rhodan, desistiu prontamente de continuar. Consolou-se com a idéia de que certamente encontraria na Terra ouvintes ainda desprevenidos, que manifestariam interesse em ouvir o relato de suas aventuras.

— Portanto — resumiu Crest — a primeira parte da tarefa consistirá em descobrir o homem ou o nome do homem, uma vez que ele já está morto há dez mil anos, que se maravilhou ante os hipertransmissores existentes nesse sistema. Por conseguinte, eles sem dúvida se originam dos imortais. Em seguida, Rhodan, você deverá voltar à arca que fica sob o Palácio Vermelho. E depois, só nos resta esperar pelo que acontecer.

— Voltar de novo à horrível sala das máquinas? — estremeceu Bell.

— Não necessariamente — tranqüilizou-o Rhodan. — Acho que desta vez nos espera uma tarefa diferente.

Ele mesmo não podia imaginar como o futuro lhe daria razão.

 

As mercadorias dos ferrônios já tinham sido embarcadas. Em Ferrol ficaria uma esquadrilha de cinqüenta e quatro caças espaciais sob o comando do major Nyssen. Com isso Rhodan pretendia atingir um duplo objetivo. Garantia a segurança da primeira base da Terceira Potência — nome que dava à união entre homens e arcônidas — e, além disso, o gigantesco hangar da nave teria bastante lugar para a carga dos ferrônios. Na Terra, esses artigos originais e estranhos, concebidos por uma raça de outro sistema solar, seriam muito disputados. Rhodan esperava realizar um ótimo negócio, pois a ampliação da Terceira Potência exigia muito dinheiro.

A Stardust-III deu a partida. Depois de dar a volta ao planeta, deslizou para a imensidão do sistema Vega. A nave dos arcônidas ultrapassou as órbitas dos outros planetas na velocidade da luz e depois de muitas horas foi lançada no espaço exterior. Só ali seria possível dar o salto interestelar, que de outro modo abalaria a estrutura tempo-espaço das órbitas dos planetas.

As coordenadas estavam corretas.

Como sempre, todos os tripulantes foram tomados pela excitação já rotineira diante do hipersalto. Não havia perigo algum, mas era sempre difícil pensar no assunto sem perder a tranqüilidade. A nave e os homens deixavam de existir, pelo menos na terceira dimensão. O tempo influía duplamente nos acontecimentos. Em poucas horas, considerando-se a aceleração e o retardamento, percorria-se um espaço de vinte e sete anos-luz. E para os que estavam na nave, era como se não tivesse acontecido nada.

Contudo, através do salto interestelar, todo o hiperespaço sofria um abalo que se propagava imediatamente. Seres inteligentes que habitavam as profundezas do Universo haviam construído instrumentos com os quais podiam registrar e localizar essas deformações da estrutura espacial. Os sensores estruturais significavam perigo para os que desejavam manter-se ocultos. E o que Rhodan mais queria era que ninguém descobrisse a existência da Humanidade.

Assim, cada hipersalto significava um risco que tinham de correr.

Tudo parecia ter saído bem. Naturalmente, Perry Rhodan não podia saber se alguém a cem ou dez mil anos-luz de distância registrara algo. Podia apenas ter esperança de que isso não tivesse acontecido.

A Stardust-III materializou-se ainda longe de seu sistema solar de origem. O próprio Sol ainda parecia uma estrela muito clara e amarelada, situada bem na direção em que seguiam. Rhodan, erguendo-se da poltrona inclinada, pôde reconhecê-lo na tela.

Bell entrou na central alguns segundos mais tarde. Preferiu permanecer em sua própria cabina durante a desmaterialização.

— É o Sol? — perguntou, apontando a imagem na tela.

Rhodan assentiu com a cabeça, enquanto batia um pedido de informações sobre os dados de navegação no teclado do computador. Quase de imediato as respostas brotaram da fenda na forma de uma tira perfurada. Rhodan enfiou o início da tira em outro computador, que utilizava os resultados para manter a Stardust-III automaticamente na direção correta.

Vênus estava do outro lado do Sol.

Depois de três horas de viagem passaram por Plutão. Usando o sistema normal de transmissão foi realizada a conexão com a base de observação que ali se localizava. Sua tarefa era comunicar à central da cidade de Galáxia a chegada de objetos voadores não-identificados. Nesse caso, o coronel Freyt teria a permissão de informar Rhodan através do hipertransmissor.

Dez horas mais tarde, Vênus já era uma brilhante lua crescente diante da Stardust-III. A cada segundo se tornava maior e mais clara. O segundo planeta do sistema solar se revelara habitável. Ali viviam répteis gigantescos e um tipo de foca quase inteligente, que habitava os numerosos mares. O clima era úmido e tropical. Havia oxigênio suficiente nas partes baixas, enquanto o hidrogênio, mais leve, tornava as camadas superiores da atmosfera irrespiráveis para os seres humanos. A superfície estava quase sempre oculta por um manto espesso de nuvens e não se podia vê-la. Chovia mais em Vênus do que em qualquer ponto da Terra.

Outra dificuldade era a presença de bióxido de carbono, em quantidades maiores, mas ainda não prejudiciais. Um dia de Vênus durava duzentas e quarenta horas da Terra. No equador, a gravidade era de cerca de 0,85 g, menor que a da Terra. A velocidade de vôo, atualmente um fator inexpressivo nas viagens espaciais, era de mais ou menos 10,1 km/s.

Os arcônidas que aterrizaram nesse planeta há dez mil anos haviam instalado ali sua base mais importante. Escavaram uma montanha e a reconstruíram de acordo com suas necessidades. Os arcônidas foram embora, mas suas instalações técnicas e seus robôs ficaram. Pertenciam agora a Rhodan e seus aliados.

As armas de defesa antiaérea entravam automaticamente em atividade, quando se aproximava da montanha-fortaleza uma nave sem todas as características arcônidas. Só uma frota gigantesca de seres altamente inteligentes e com uma experiência militar de milhares de anos teria a possibilidade de dominar a defesa mecânica dos antigos arcônidas.

Uma das entradas do labirinto subterrâneo ficava no planalto que havia no alto da montanha. A Stardust-III mergulhou lentamente em direção a essa superfície quase lisa. Raios invisíveis apalparam a nave, examinaram suas características e permitiram que continuasse se aproximando.

O cérebro positrônico situado no interior da montanha já sabia que uma nave de seus construtores se aproximava.

 

Só aterrizaram meia-hora mais tarde.

Crest e Rhodan foram os únicos a ficar em Vênus, onde teriam um diálogo com o robô onisciente. Na ausência de Rhodan, Bell assumiu o comando da Stardust-III. No entanto, aceitou de bom grado a assessoria de Thora em seu vôo para a Terra.

Não se podia dizer que a missão de transportar carga lhe fosse desagradável. Muito pelo contrário. Era agora o comandante e o representante de Rhodan. Ninguém lhe faria críticas, nem mesmo Thora.

A Terra ainda estava bem longe quando se estabeleceram os primeiros contatos de rádio. Depois de poucos minutos, Bell ouviu a voz do coronel Freyt, que durante a ausência de Rhodan respondia pelos interesses políticos e econômicos da Terceira Potência na Terra.

— Aqui é Freyt falando! Na cidade de Galáxia tudo segue o rumo previsto. É uma alegria ter a Stardust-III novamente conosco. Quais as novidades?

A velocidade da nave foi diminuindo. A Lua já ficara para trás. A Terra ia crescendo diante deles, uma bola azul-acinzentada, cercada por uma auréola clara de atmosfera.

“Uma visão maravilhosa”, pensou Bell. “É o planeta mais lindo do Universo. Ainda bem que os homens não conseguiram destruí-lo.”

E o estranho é que, se tivessem conseguido, provavelmente nem se lamentariam. Só o medo de serem as próprias vítimas da destruição atômica os impedira.

— Obrigado, Freyt. Aqui fala Reginald Bell, comandante da Stardust-III. Rhodan ficou em Vênus com Crest. Têm uma conferência importante com o cérebro positrônico local. Por isso trate de se contentar comigo.

— Quanto sacrifício pela paz — suspirou Freyt, acrescentando: — Mas vou tentar me alegrar. E o que há de tão importante para discutir com o cérebro positrônico?

— É uma história comprida — confidenciou Bell. — Terei muito prazer em contá-la quando estivermos os dois ao lado de uma bela garrafa de vinho.

— Pelo amor de Deus, não! — retrucou Freyt assustado. — Ainda estou com sua última visita entalada na garganta. Aqueles coelhos aquáticos com aparelhos de mergulho embutidos...

A conversa continuou por algum tempo até começarem as manobras de pouso. Enquanto isso a Stardust-III dava uma volta em torno da Terra a pouca altura, para mostrar a todos os povos que Perry Rhodan estava de volta. Em seguida, o continente asiático começou a crescer sob a nave, até que, do meio do deserto de Gobi, emergiu Galáxia.

A cidade de Galáxia! A mais moderna metrópole do mundo!

Há algum tempo, Perry Rhodan, ao voltar da Lua com a nave dos arcônidas, construíra ali sua primeira base, sob o protesto dos governos terrestres. Com o tempo foi surgindo uma enorme cidade, construída por robôs e máquinas automáticas. A cidade ficava fora da Central de Defesa propriamente dita, cujas valiosas instalações eram protegidas por uma cúpula energética. Um exército de robôs defendia o território da Terceira Potência — exatamente quarenta mil quilômetros quadrados — contra o mundo exterior.

O tráfego se movimentava pelas ruas principais; esteiras transportadoras deslizavam entre os arranha-céus, estabelecendo a ligação com as fábricas situadas na periferia, que trabalhavam a todo o vapor. Mais de duzentos e trinta mil pessoas viviam em Galáxia, a mais moderna e poderosa cidade da Terra.

As forças armadas eram compostas de quinhentos homens, que tinham tido o melhor preparo possível e estavam equipados com armas arcônidas. Além disso, havia cinco mil soldados-robôs do tipo arcônida, que só obedeciam a Rhodan e seus representantes.

Também possuíam quatro naves auxiliares esféricas, fortemente armadas, rápidos caças espaciais e o respectivo armamento.

No entanto, todo esse enorme poder militar só servia à paz.

O coronel Freyt, que exteriormente se parecia tanto com Perry Rhodan que poderia passar por seu irmão, esperou a Stardust-III no espetacular espaçoporto. Quando a esfera gigantesca finalmente parou, parecia um edifício incrivelmente alto. A curva de seu revestimento côncavo, feito de metal faiscante, chegava até o azul do céu. Pairava quase que horizontalmente sobre Freyt, que chegara bem perto da escotilha para passageiros, que começava a se abrir. A escada rolante foi descendo silenciosamente. Em sua extremidade superior surgiu a figura de Bell. Foi deslizando para o chão como uma bola, quase aos tropeções, até cair nos braços de Freyt.

— A Terra o recebe novamente! — declarou o coronel, saudando-o em tom indiferente. — Dou-lhe as boas-vindas em nome da Terceira Potência, senhor ministro da segurança. Tudo em ordem!

— É o que espero! — gritou Bell entusiasmado, batendo nas costas magras de Freyt. — Rhodan e Crest mandam muitas lembranças. Thora o cumprimentará pessoalmente. Lá vem ela.

É claro que Freyt não era o único homem que via com prazer a bela arcônida.

Era fria, distante, orgulhosa e arrogante, mas era uma mulher, uma mulher de extraordinária beleza.

— Por que me olha desse jeito, coronel Freyt? — perguntou, estendendo a mão para ele. — Mudei tanto assim?

— Você está bronzeada — murmurou Freyt embaraçado. O risinho de Bell o irritava. — Você vai bem, espero.

— Bem, obrigada — agradeceu Thora com indiferença. — Estou sempre bem quando surge uma oportunidade como essa, de passar alguns dias sem ter de estar continuamente olhando para esse tal de Reginald Bell.

Bell não parou de sorrir. Inclinou-se para Freyt:

— Vê como ela está? Espero que se divirta com ela. Poderão dar uma volta pela cidade enquanto fiscalizo o carregamento das mercadorias para os ferrônios.

— Está tudo pronto — assegurou Freyt, feliz em mudar de assunto. — Por mim você já pode começar.

— Ainda tenho tempo até amanhã, meu caro. Onde fica o bar mais próximo?

Riram. Enquanto isso, alguns dos mutantes, os dois médicos, Dr. Haggard e Dr. Manoli, e o major Deringhouse desciam pela escada rolante. Todos cumprimentaram Freyt com grande efusão. Houve muitas perguntas e respostas de lado a lado, até a chegada dos primeiros planadores de carga. Sem muitas palavras teve início o descarregamento da nave.

Freyt agarrou Bell pelo braço e puxou-o de lado por um momento:

— Tenho boas notícias para Rhodan — confidenciou. — Em pouco tempo teremos um governo mundial. Há negociações sérias nesse sentido.

— Formidável! — elogiou Bell. — Mas eu desvendei uma parte da charada galáctica.

O rosto de Freyt parecia um ponto de interrogação.

— Do quê? Bell sorriu.

— Já lhe conto, é uma história comprida. Diga-me primeiro qual o endereço do bar mais próximo. Você sabe que Rhodan só permite o uso de álcool para fins médicos. E há muito tempo não fico doente...

 

As esteiras transportadoras feitas de metal rolavam através dos corredores subterrâneos da fortaleza de pedra. Era uma visão fantasmagórica. As paredes irradiavam um brilho mortiço. Ouvia-se em algum lugar o zumbido de geradores possantes. De vez em quando, Crest e Rhodan passavam pela entrada de passagens laterais, que levavam a pontos mais profundos da montanha. Robôs silenciosos moviam-se com passos pesados ao lado da esteira. Não reagiam quando Rhodan e Crest passavam per eles deslizando. Seus raios táteis apreendiam os padrões das ondas cerebrais dos dois homens e depois os examinavam e registravam. Aqueles seres mecânicos, aparentemente inofensivos, teriam se transformado em monstros assassinos se os padrões não conferissem.

Já se passara quase um dia inteiro, em tempo terrestre.

Crest deu um risinho fraco.

— Será que a resposta ainda sai hoje?

— Talvez — respondeu Rhodan pensativo. — Inserimos no cérebro positrônico todas as perguntas e dados indispensáveis. Vinte e quatro horas é tempo suficiente. Devemos conseguir pelo menos uma resposta parcial.

Passaram por outro corredor lateral. Sabiam que conduzia ao comando central automático das instalações de defesa. Essas instalações poderiam defender Vênus da invasão de uma frota inteira de naves de combate. Poderiam defender eventualmente todo o sistema solar.

A esteira transportadora foi diminuindo a velocidade. Aproximavam-se de seu destino, a central do cérebro. Seus controles não diferiam muito do cérebro positrônico da Stardust-III, mas era maior, abrangia maior número de conhecimentos. E sua memória armazenava fatos de um passado longínquo, de milhares de anos atrás.

Além disso, esse cérebro positrônico ainda possuía outra vantagem inestimável: era capaz de projetar seu raciocínio em forma de imagens sobre uma tela. Deste modo, podia-se ver pela descrição dos acontecimentos como o cérebro pensava.

Quem quisesse poderia ver um verdadeiro relato filmado do passado mais remoto. Talvez, pensava Perry um pouco chocado, até mesmo uma visão do futuro, se fossem fornecidos ao cérebro as informações indispensáveis.

Todos esses pensamentos passaram pela cabeça de Rhodan enquanto a esteira diminuía a velocidade e finalmente parava. Tinham chegado.

Estavam no fim do corredor. Viram-se diante de uma porta grande e metálica. Crest e Rhodan encaminharam-se para essa porta e se detiveram a um metro de distância. Sabiam que nesse segundo estavam sendo observados e apalpados. Em seguida, a porta deslizou silenciosamente para dentro da parede.

A entrada para a central de comando do cérebro estava livre diante deles.

A luz acendeu-se, iluminando o local. O gigantesco painel de comutadores acordou para a vida. Pequenas lâmpadas acendiam e apagavam continuamente. Alavancas moviam-se, parecendo manejadas por mãos invisíveis. O zumbido atrás das paredes tornou-se mais forte. O cérebro positrônico devia estar esperando pelos dois homens, pois, assim que tomaram seus lugares nas poltronas em frente à tela, o alto-falante deu um estalido e falou com voz mecânica e impessoal:

— Seus dados foram verificados. Os arquivos da memória forneceram as informações desejadas. O resultado será comunicado em forma de filme. Também receberão um resumo por escrito. Se desejarem uma gravação, utilizem o gravador. A transmissão começará dentro de um minuto.

O alto-falante emudeceu. Crest olhou interrogativamente para Rhodan.

— Ver o filme já será suficiente. O que precisamos é o nome do homem que aterrizou em Ferrol naquela época e se surpreendeu com o hipertransmissor. Os ferrônios não têm nenhum registro a respeito disso, nunca nos disseram que algum outro estranho tivesse descido em seu planeta depois dos imortais. Além disso, precisamos saber a data aproximada do pouso. As duas informações certamente vão constar do resumo escrito. Portanto, silêncio! Já vai começar.

A tampa do visor deslizou para trás. O vidro fosco da tela começou a tremeluzir, aparecendo em seguida um desenho abstrato. Permaneceu ali alguns segundos e em seguida desapareceu, surgindo em seu lugar uma imagem natural.

O filme começou. Um autêntico filme, apesar de se passar há milhares de anos. A voz mecânica do cérebro positrônico fazia o comentário.

Três poderosas naves esféricas flutuavam no espaço infinito. Aproximavam-se na velocidade da luz de um sistema solar desconhecido, onde desceram no único planeta habitado. Foram recebidos pelos habitantes primitivos com um misto de respeito e medo.

O comentário dizia o seguinte:

“Há nove mil novecentos e oitenta e cinco anos, de acordo com o tempo terrestre, o comandante Kerlon chegou com suas três astronaves ao sistema Vega, composto de quarenta e três planetas. Uma exploração superficial constatou que só o oitavo planeta tinha vida inteligente. Kerlon realizou o pouso e foi recebido pelos nativos com amizade e temor. Os arcônidas logo perceberam que não eram os primeiros “deuses” vindos do espaço a chegar e descer em Ferrol, nome que os habitantes davam a seu mundo. Outros já tinham estado ali antes deles; estavam em dificuldades e conseguiram ajuda. Como agradecimento, deixaram lá alguns hipertransmissores de matéria, que os arcônidas jamais haviam fabricado e que só conheciam na teoria.

O filme mostrava agora como esses hipertransmissores foram mostrados aos arcônidas.

“Kerlon admirou-se da existência das máquinas e procurou saber os pormenores. Os ferrônios lhe contaram que provinham de seres que viviam mais que o sol. Isso era um indício da raça dos imortais. Kerlon ficou muito espantado e só muito mais tarde enviou ao Arquivo Central as primeiras informações a respeito. Porém, isso só aconteceu quando se encontrava no segundo planeta de um outro sistema.

“As três naves deram a partida e, ao saírem do sistema Vega, iniciaram a transição. Perto do sistema solar saíram do hiperespaço. Desceram no segundo planeta, Vênus. Aqui foi construída a grande base e o relato da expedição foi comunicado a Árcon, onde foi recebido e registrado. Nessa época começou a colonização da Terra. Kerlon morreu lutando conta os selvagens de um continente banhado pelo mar e que mais tarde desapareceu do universo durante um ataque.

“Kerlon já morreu há muito tempo — finalizou o cérebro positrônico — mas foi o primeiro arcônida a encontrar e depois perder a pista dos imortais. Também foi o primeiro a se admirar da existência dos hipertransmissores de matéria e a mandar um relatório a respeito. No entanto, os outros fatos relacionados se perderam, porque a base no sistema solar desapareceu, mas as informações e os robôs ficaram.”

A imagem apagou-se. A voz emudeceu.

Rhodan continuou sentado durante muito tempo, calado e pensativo. O cérebro positrônico emudecera. Atrás das paredes espessas já não se ouvia nenhum ruído. Rhodan percebeu pela primeira vez que havia uma muralha intransponível entre ele e a solução da charada galáctica. Sabia o nome do homem que se surpreendera com o hipertransmissor, mas esse homem já estava morto há dez mil anos. Entre ele e Rhodan se entrepunha a muralha intransponível do tempo.

O filme deixava claro que não poderia obter nenhuma informação com os ferrônios. Na época do pouso dos arcônidas, ainda viviam em um estágio muito primitivo de sistema feudal. Usavam armas de fogo antiquadas, de carregar pelo cano, mas principalmente espadas e lanças. Vestiam cota de malha e armadura, como os homens na Idade Média da Terra. As recordações sobre esse segundo encontro desapareceram, porque nessa época conflitos e guerras devastavam o planeta.

Crest suspirou.

— Já temos o nome: Kerlon. E é só. Que faremos agora?

Rhodan ergueu-se de um salto.

— Vamos ver. Não nos exigiram mais do que isso. Deveríamos descobrir o nome, e isso já fizemos. A arca deve nos dar a próxima resposta. Voaremos para a Terra e depois voltaremos a Ferrol. Lá vamos constatar se perdemos ou não a pista do planeta da vida eterna.

Crest também se levantou.

— Lá fora nos espera a nave que nos levará à Terra. Fico feliz em revê-la.

Rhodan lançou um olhar interrogativo para o arcônida, mas na voz de Crest não se percebia nenhuma ironia.

 

Bell estava em seu elemento.

Selecionava duzentas pessoas, entre os soldados e trabalhadores especializados da Terceira Potência, que passavam a fazer parte da tripulação da Stardust-III. Essa tripulação crescia com isso para quinhentas pessoas, além do estado-maior dirigente e o Exército de Mutantes.

Como sempre acontecia, estava diante da difícil tarefa de testar os voluntários e decidir se poderiam ou não ser aproveitados. Uma das condições que Rhodan exigia era a ausência de qualquer laço pessoal mais forte prendendo o candidato à Terra. Com isso, os casados ficavam de fora.

Mas, nem todos os convocados para servir na Stardust-III eram homens. Também havia moças formadas em radiotelegrafia, eletrônica e química. De agora em diante haveria médicas e técnicas trabalhando na Stardust-III, ajudando a representar a raça humana. Bell ficou intimamente satisfeito com o interesse que essa nova regra despertou entre os membros da antiga tripulação masculina.

Bell foi surpreendido em seu trabalho cansativo pela chegada de Rhodan. Como nesse meio tempo já se tinha efetuado a troca de mercadorias, nada impedia a partida da Stardust-III. Bell recebeu ordem de apressar-se.

No terceiro dia a Stardust-III estava pronta para partir.

Antes da partida, Rhodan e o coronel Freyt conversaram a sós. Os dois homens, representantes do maior poder da Terra, não só se pareciam exteriormente, mas também concordavam em todas as questões políticas e ideológicas.

— Você conhece sua missão, Freyt — disse Rhodan. — Ela já foi claramente planejada e deve ser seguida à risca. O esquema de segurança da Terra está estabelecido, não há necessidade de novas regras. Nossos postos avançados em Plutão informarão a tempo sobre a aproximação de qualquer nave vinda do espaço exterior. Assim a Terra terá condições de se preparar para a defesa, se alguma raça de viajantes espaciais descobrir nosso planeta e pensar em presenteá-lo com sua cultura. Sua principal tarefa vai ser cuidar para que nosso mundo se transforme em um planeta unido: Terra! A existência da Humanidade vai depender de sua capacidade de agir com decisão e hunanimidade. Não estamos sozinhos no universo! Outra tarefa sua é promover a formação de um governo mundial.

— Pode contar comigo, Rhodan.

— Estou sabendo, Freyt. Foi por isso que fiz de você meu representante. Minha missão é no espaço e quero ter certeza de que tudo corre bem por aqui. Preciso do apoio moral da Terra para os meus atos. E só uma Terra unida e poderosa poderá algum dia receber a herança dos arcônidas.

O coronel Freyt não pôde disfarçar o tremor das mãos.

— A herança dos arcônidas?

Rhodan confirmou:

— Ouviu certo, Freyt. Algum dia voaremos para Árcon e ajudaremos os arcônidas a reerguer seu império decadente. Pagarão um alto preço por isso: o seu próprio poder. Crest sabe disso. Vê aí sua única possibilidade de impedir que seu império estelar de milhares de anos caia nas mãos de uma raça não-humanóide. De um certo modo, somos o mal menor.

— Antes nós que aranhas ou amebas — concordou Freyt muito sério. — Compreendo. E o que Thora diz disso?

— Antes de mais nada, ela não sabe. E é melhor assim. Crest é homem e raciocina com lógica, mas Thora é mulher e como tal julga de acordo com seus sentimentos. Algum dia vai ter de se conformar.

— E é desse dia que eu tenho medo — murmurou Freyt.

Rhodan ergueu-se sorrindo.

— E como pensa que eu me sinto, coronel?

 

A Stardust-III disparou pelo céu azul, que envolvia a Terra como uma cortina diante do infinito, escondendo dos olhos humanos a terrível solidão e a grandiosidade do Universo. Ao deixarem para trás Plutão, que não se deslocara muito em sua órbita, a nave passou com a velocidade da luz para o ponto de transição. A cúpula gigantesca começou de repente a brilhar, como se estivesse cercada por uma camada de ar muito quente. Em seguida desapareceu.

O abalo da estrutura espacial, no entanto, se propagava numa velocidade inconcebível e chegava no mesmo segundo aos confins do universo.

Por outro lado, havia muitas raças espalhadas por inúmeros planetas. Era bem possível que algumas delas possuíssem sensores capazes de detectarem esse abalo.

E nelas despertassem idéias...

 

O Thort, governante dos ferrônios, parecia impressionado com as mercadorias vindas da Terra. Suas organizações comerciais começavam a trabalhar. Com isso, além de Rhodan, o Thort também fazia o melhor negócio de sua vida. Estava estabelecido o primeiro contato comercial interestelar entre as duas raças.

Rhodan passou para o major Deringhouse a tarefa de proceder ao descarregamento das mercadorias. Sentia-se inquieto por dentro e sabia que a incerteza era a única responsável por isso. Mal Deringhouse saiu de sua cabina, Rhodan mandou chamar Bell, Crest, Thora, Haggard e John Marshall, o telepata. Nada o impediria de descer ainda naquele dia até a arca sob o Palácio Vermelho.

Mas ainda queria discutir alguns pontos com seus auxiliares mais próximos.

— Todos nós nos recordamos da mensagem decifrada pelo cérebro — começou, erguendo a tira de papel com o texto traduzido. — Há ali três pontos que precisamos observar. Os imortais falam dos segundos que se passaram. Já podemos presumir que esses segundos duraram exatamente nove mil novecentos e oitenta e cinco anos. Portanto, isso já está claro. A mensagem também ordenou: “Encontre o homem que se maravilhou com as máquinas do saber e interrogue-o.” Aqui surge um problema: Como eles querem que eu faça isso? Já encontramos o homem, ou pelo menos seu nome. Mas como poderei interrogar alguém que já morreu há quase dez mil anos? Confesso que não pude decifrar esta parte do problema. Disseram ainda que devo descer à arca, nos subterrâneos do Palácio Vermelho, para interrogá-lo. Isto significa que com a ajuda da quinta dimensão há a possibilidade de interrogar um morto. Não me perguntem como isso é possível; eu mesmo não sei. De qualquer modo logo descobriremos, pois não vou entrar na arca sem o nome do homem, Kerlon. Também há outra coisa na mensagem que me chamou a atenção...

Fez uma pequena pausa e examinou seus amigos. Thora ouvia com interesse e Rhodan teve a impressão de captar em seus olhos um olhar de admiração. Crest, Haggard e Marshall esperavam com calma. Somente Bell se remexia inquieto de um lado para o outro na cadeira, como se já não pudesse conter sua impaciência. Seu olhar implorava a Rhodan para que fosse breve e fosse direto ao assunto.

Rhodan fez-lhe a vontade.

— A mensagem diz textualmente: “...apenas segundos para mim”. Acentuo: para mim segundos. Daí se pode concluir que só há um imortal!

Por algum tempo reinou na cabina um completo silêncio.

Crest parecia alguém que acabou de ouvir sua sentença de morte. Thora permaneceu de lábios entreabertos, Bell de olhos arregalados. Haggard e Marshall falaram ao mesmo tempo:

— Só um imortal?! Isso seria um paradoxo! Impossível!

— Possível — discordou Rhodan. — Absolutamente possível. E vou lhes explicar por quê. Na época em que os imortais chegaram a Ferrol ainda existiam como raça.

Então resolveram emigrar do sistema. As razões são desconhecidas. Ao mesmo tempo, foram atingidos por uma catástrofe que os exterminou, apesar de sua imortalidade. Só um sobreviveu. Não quis guardar seu segredo apenas para si e resolveu encontrar um seguidor. Concebeu a charada galáctica. Quem a resolvesse obteria a imortalidade. Deixou as pistas provavelmente mais tarde do que pensamos a princípio. Encontramos a pista e desde então a seguimos. Não, não vejo paradoxo nenhum em falar de agora em diante do imortal ao invés de falarmos de sua raça, que viveria mais que o sol. Para eles o sol se pôs afinal muito depressa.

— Só um imortal — murmurou Crest absorto. — É mais que uma suposição fantástica. É monstruoso!

— Como deve ser essa criatura? — perguntou Thora baixinho. — Um ser que nos dá um enigma, que para ser solucionado são necessários uma inteligência fora do comum e o saber de um cérebro positrônico gigantesco. Um ser que domina o tempo...

— É isso mesmo — concordou Rhodan em tom sério. — Domina o tempo. E como domina o tempo é imortal. Vamos descer à arca para obter a resposta. Quero pedir a vocês que me acompanhem. Ainda hoje.

— Sem os mutantes?

Crest fez um ar pensativo.

— Levaremos John Marshall, o telepata. E talvez também a telecineta Anne Sloane.

— E nosso robô? — intrometeu-se Bell. Todos sabiam de quem falava. Tinham transformado um dos robôs em um ser metálico de raciocínio pentadimensional. O incrível banco de dados, o encadeamento lógico das idéias, tudo isso o transformava em uma superinteligência, cuja presença constante parecia imprescindível. Nunca se poderia saber que problemas surgiriam.

— Pois bem — concordou Rhodan finalmente. — Desta vez me acompanham Crest, Bell, Marshall, Anne, o Dr. Haggard e o robô. Thora, você tem vontade de tomar parte na operação, não é?

Seus olhares se cruzaram. Rhodan percebeu que, por teimosia, gostaria de ir junto, mas a prudência feminina acabou vencendo.

— Se Crest vai com você, talvez seja melhor que eu fique. Como medida de segurança, é claro.

Bell ponderou:

— Por que não levamos mais alguns mutantes conosco? Pelo menos o teleportador, Ras Tshubai. E talvez também o Ralf Marten, que já se queixou comigo de que nós o deixamos sempre para trás.

— Pois bem — concordou Rhodan, depois de pensar um pouco. — Então comunique isso aos dois e a Anne. Há lugar suficiente para nove pessoas no hipertransmissor de matéria que vamos utilizar. Vamos sair dentro de meia hora.

 

Em um passado remoto, o imortal cuja pista seguiam havia construído uma arca pentadimensional sob o palácio do governante dos ferrônios. Seu conteúdo era invisível, pois achava-se protegido por uma cúpula de raios enfeixados. Só o gerador dos arcônidas conseguira neutralizar essas ondas. Com isso, seu conteúdo voltava ao presente, tornando-se concreto e tridimensional.

Rhodan apertou um botão, fazendo funcionar o gerador. O quadro diante de seus olhos modificou-se imediatamente. Onde antes havia a abóbada vazia e escura, surgia agora um cone cintilante. Parecia ter saído do nada e foi aos poucos se dissolvendo. Mas permitiu que se tornassem visíveis objetos que anteriormente não estavam na enorme abóbada. Contudo, o hipertransmissor de matéria havia desaparecido.

Lá, onde antes estivera, só havia uma poltrona.

Estava sobre uma pequena elevação, como que convidando alguém a se sentar. E isso era tudo o que ainda havia na arca.

Rhodan pensou durante alguns segundos e a lógica o levou a concluir que, se sentasse na poltrona, tudo o mais se seguiria automaticamente. A poltrona lhes daria a primeira resposta.

Crest também tinha chegado à mesma conclusão.

— A poltrona representa a ligação com o imortal. Qualquer um de nós pode sentar-se nela, Rhodan, pois todos sabemos o nome do homem que se surpreendeu com o hipertransmissor.

— Eu faço isso — afirmou Rhodan. — Se alguém aqui tem de correr um risco, que seja eu. Crest, espere aqui com os outros. Observe exatamente tudo o que se passar e corra em meu socorro se for necessário.

Bell quis dizer alguma coisa, mas calou-se, dominando-se com esforço. Cerrou os lábios com tanta força que pareciam um traço fino. Pequenas gotas de suor se formaram em sua testa.

— E se você desaparecer? — quis saber Ras Tshubai.

Rhodan lançou um rápido olhar para o africano.

— Aí você me segue. Afinal, você é ou não é um teleportador?

Ras arreganhou o rosto num sorriso.

— Posso atravessar o espaço, mas não o tempo.

Rhodan não respondeu. Encaminhou-se para a poltrona. Nos segundos que precisou para vencer os poucos metros, gravou todos os pormenores. Em vez do estofo, via-se uma superfície lisa. O espaldar era feito de metal, que parecia piscar traiçoeiramente. Os pés um pouco deselegantes faziam um ângulo reto com o chão, parecendo se enveredar para dentro dele. O assento era maciço e de espessura fora do comum.

Rhodan chegou junto à poltrona.

Hesitou.

O que aconteceria se sentasse? A mensagem o avisara para só vir a esse lugar quando soubesse o nome da pessoa que se surpreendera com o hipertransmissor. Esse nome ele já sabia. Com isso preenchia as condições impostas.

Com uma última passada subiu no estrado e sentou-se na poltrona pronta para recebê-lo.

Parecia quente, como se alguém tivesse acabado de se sentar nela. Era a única coisa que se sentia. Contudo, enquanto Rhodan esperava que acontecesse alguma coisa, ela aconteceu. Veio de repente e de modo surpreendente.

Um zumbido de máquina começando a trabalhar se fez ouvir debaixo dele. Toda a sala vibrava. Ao mesmo tempo Rhodan, a poltrona e o estrado foram envolvidos por uma cúpula energética. Crest, Bell e os outros apareciam para Rhodan como que vistos através de um véu longínquo, mas abruptamente todos os ruídos emudeceram. Estava sozinho debaixo da cúpula, separado do mundo exterior, apesar de poder vê-lo.

Mas, então, isso também acabou.

Ficou tudo escuro em sua volta. Apenas a cúpula emitia alguma luz, mas essa luz era fraca. Não se distinguia nada. Rhodan sentiu alguma coisa estranha começar a se impor em seus pensamentos. Lutou instintivamente contra ela, mas logo desistiu. Que sentido haveria em evitar a pergunta que seria feita ao seu subconsciente? Nem sabia se poderia respondê-la. Sua resistência desapareceu completamente quando percebeu que só estava prejudicando a si mesmo. Sentiu uma sensação quase agradável quando o estranho se apoderou de sua mente de um só golpe.

Durou apenas alguns segundos e logo tudo ficou novamente claro, ao mesmo tempo em que desaparecia a cúpula energética. A vibração sob a placa metálica do assento emudeceu. Rhodan viu os rostos ansiosos de seus companheiros.

— Onde foi que você esteve? — perguntou Bell. — Você desapareceu.

— Vocês também — respondeu Rhodan levantando-se. Continuou em pé perto da poltrona, sem que ele mesmo soubesse bem por quê. O que esperava ainda?

A resposta!

Onde estava a resposta do imortal?

Enquanto isso, os outros se aproximaram. Bell e Crest perguntaram ao mesmo tempo:

— Como foi?

— Nem eu mesmo sei o que aconteceu, mas imagino que minha memória tenha sido investigada pormenorizadamente. O imortal, ou o que quer que seja que tenha criado, agora já deve saber que conheço o nome do homem que se admirou ao encontrar em um Ferrol ainda primitivo o hipertransmissor que funciona em cinco dimensões. Era essa a condição. Eu a preenchi. Agora compete ao imortal nos mostrar os próximos passos a seguir.

Os mutantes, o Dr. Haggard e o robô se aproximaram. Rhodan foi cercado por eles. O mecanismo invisível e silencioso parecia só estar esperando por isso. O chão de pedra, que parecia maciço, começou a afundar lentamente, sem fazer barulho algum. Os sete homens, Anne Sloane e o robô se achavam sobre a plataforma de um elevador, que descia inexoravelmente para as profundezas.

— Espero que tudo corra bem — murmurou Bell com ceticismo. — Poderíamos ter saltado fora. Deram-nos tempo suficiente para fazer isso.

— De propósito! — acentuou Rhodan, em leve tom de censura. — Haggard já nos disse uma vez que o imortal não quer medir apenas o nosso grau de inteligência. Quer conhecer também nossas qualidades. Os covardes não merecem a vida eterna. É assim que ele nos põe à prova.

Bell não respondeu. Reconheceu, por certo, que Rhodan tinha razão.

Nesse meio tempo, a plataforma tinha parado. As paredes do aposento recuaram, aumentando o recinto. Súbito, como se tivesse saído do nada por um passe de mágica, um bloco surgiu no meio do salão vazio.

Um bloco de metal.

Uma luz incandescente, avermelhada, iluminou lentamente todo o ambiente. Estava em tudo, nas paredes e no teto. O salão era grande e quadrado, com cerca de dez metros de lado. Acima deles a clarabóia se fechara. Completamente isolados do mundo, as oito pessoas e o robô se encontravam em uma verdadeira prisão, na armadilha mais perfeita que já existiu.

O cubo metálico?

Atraía imediatamente a atenção, um dado puramente psicológico, já que era a única coisa que havia nesse subterrâneo.

Aos olhos de Rhodan não escapou a presença, na superfície do cubo, das conhecidas irregularidades que já tinham encontrado diversas vezes. A escritura ideográfica e simbólica dos imortais!

O lado do bloco voltado para ele mostrava algumas linhas na escrita desconhecida. Seria a próxima indicação?

— Como decifraremos isso? — quis saber Crest. — Já fixei bem os sinais em minha memória fotográfica, mas poderia sair daqui para chegar até o cérebro positrônico? E como voltaria para cá?

Rhodan não respondeu. Virou-se e indicou o robô. A maravilhosa obra da técnica dos arcônidas reagiu instantaneamente. Robby, este o seu nome, se aproximou. Esperou em silêncio as suas ordens.

— Está vendo a escrita? — perguntou Rhodan.

— Sim, senhor.

— Decifre-a e forneça-nos o texto em caracteres comuns.

— Sim, senhor.

As lentes dos olhos do robô dirigiram-se para o bloco. Ficou completamente imóvel. No interior do corpo os relays estalavam. Contatos se fechavam e novas correntes percorriam regiões do pequeno cérebro positrônico não utilizadas até então. A escrita foi fotografada e passada adiante. O processo de decifração começou.

Bell ficou impaciente.

— Será que vai conseguir? E se não conseguir?

— Agourento! — resmungou John Marshall em voz alta.

— Como?

— Agora, silêncio! — ordenou Rhodan. — Não atrapalhe Robby!

No segundo plano, Ras Tshubai e Ralf Marten cochichavam. O teleportador dizia que gostaria de experimentar se poderia sair desse lugar através da simples desmaterialização, mas não ousava realizar experiências sem a ordem expressa de Rhodan. Talvez a prisão não estivesse separada do mundo exterior apenas por muralhas, mas também por uma barreira de tempo ou um campo pentadimensional. Nesse caso, não poderia atravessá-las.

O robô mexeu-se. Virou-se de modo a que seus olhos lenticulares se fixassem diretamente nos olhos de Rhodan.

— A solução foi fácil. O texto decifrado diz:

 

Encontra agora aquele cujo nome já conhece. Só ele possui o que precisas para encontrar o caminho para a luz. Sabes o que é o tempo?

 

O robô calou-se. Rhodan esperou alguns segundos e perguntou:

— É só isso?

— O texto está completo, senhor. Não há mais nada no conversor do tempo.

Para Rhodan, foi como se um raio o atingisse. Percebeu que seu coração saltou uma ou duas batidas e, em seguida, o sangue afluiu com força nova. Estremeceu.

— O que foi que você disse, Robby? O que é aquilo?

Mostrou o bloco de metal imóvel no meio do salão.

O robô respondeu serenamente. Em sua voz não se notava nenhuma emoção.

— Um conversor de tempo, senhor. Um aparelho que domina a quarta e a quinta dimensão e manipula com elas. Na matemática pentadimensional seria o que na tridimensional se poderia chamar de máquina de calcular.

— E o que se pode fazer com um conversor de tempo?

A Bell, que dera um passo a frente, pareceu como se houvesse pela primeira vez uma certa ironia na voz habitualmente impassível do robô.

— Converter o tempo, senhor. O que mais poderia ser?

— Esse cara está sempre rindo da gente! — insurgiu-se Bell, furioso. — Como se o conversor de tempo fosse uma máquina de calcular esférica, onde as crianças aprendessem o “um vezes um”.

— Agora veja se cala de uma vez essa boca! — ordenou Rhodan com uma aspereza que não lhe era comum. — E quando falar diga, por favor, alguma coisa que possa nos ajudar. Senão é melhor ficar calado — e voltando-se para o robô: — Você disse converter o tempo? Isso quer dizer que esse bloco é uma máquina do tempo?

— O senhor também poderia chamá-la assim. Mas o conversor é diferente da máquina do tempo porque não se pode subir dentro dele e viajar para o passado ou para o futuro. Já está ajustado e leva o viajante apenas em uma direção e depois novamente de volta. Conheço teoricamente o princípio empregado.

— Em que direção? — perguntou Rhodan ansioso.

— Passado, senhor.

Crest se aproximou de Rhodan.

— Começo a perceber. Lá em cima, na poltrona, o imortal se certificou de que você sabia o nome do comandante arcônida. Tendo feito isso, permitiu seu acesso ao conversor de tempo. Não fez objeção ao fato de você trazer alguns amigos. E agora, esta máquina vai nos levar ao passado, para termos a oportunidade de encontrar Kerlon. Pois ele possui, isso é a mensagem que diz, o que precisamos para chegar até a luz. Ninguém pode imaginar o que seja. Mas temos de encontrá-lo e nos apossarmos dele.

Bell e os mutantes encararam atônitos e mudos o bloco de metal. A idéia de que este objeto insignificante os poderia transportar até dez mil anos atrás lhes era inquietante. Só o robô, incapaz de sentir emoções, continuou impassível. Esperou serenamente pelo desenrolar dos acontecimentos.

— Como vamos fazer funcionar o conversor? — perguntou Rhodan, olhando para Crest. — Não vejo nenhum controle.

O robô reagiu imediatamente e respondeu no lugar de Crest:

— O conversor tem conexão com o sistema automático da arca. A seqüência predeterminada dos acontecimentos independe de nossa participação. Acho mesmo que já nos encontramos a caminho do passado.

Rhodan olhou maquinalmente em redor. Os outros tiveram reação semelhante. Nada tinha mudado, tudo parecia igual. Ainda deviam estar sob a abóbada do Palácio Vermelho.

Ou não?

Não puderam continuar fazendo conjecturas, pois algo de extraordinário aconteceu. Rhodan, Crest, Bell e alguns dos mutantes já a conheciam da sala da máquina desde o primeiro enigma. Mas continuavam a sentir uma certa inquietação cada vez que a voz do imortal, gravada há milhares de anos, saía do nada para lhes falar.

Era uma voz sem entonação, sem palavras articuladas, penetrante, que ia direto ao cérebro das pessoas. Deste modo, era capaz de falar qualquer língua.

Esta era a nova mensagem:

 

“Falo a você, que seguiu minha pista até aqui. Quando chegar, não deixe que o matem. Ninguém o ajudará se não ajudar a si mesmo. Só então, quando achar Kerlon e com ele o objeto que lhe mostrará o caminho da luz, poderá voltar à sua própria época. Não espere mais de três dias, mas antes disso a máquina não o levará de volta. Desejo-lhe sorte. Já espero há tanto tempo...”

 

Subitamente, começaram a ouvir ao longe uma série de ruídos indefinidos. Rhodan pensou distinguir gritos e apelos, em meio ao clangor das armas. Parecia o barulho de pessoas lutando com espadas. Em algum lugar ecoou uma explosão abafada.

As paredes do calabouço começaram a modificar-se. O material liso que as cobria desapareceu e surgiu um aposento toscamente talhado na pedra. Onde antes havia a entrada para a arca, surgiu uma porta de madeira grosseira, trancada por dentro por uma pesada trava de madeira. O teto ainda era o mesmo. O chão também.

O conversor de tempo continuava imutável em seu lugar.

O barulho lá fora tornou-se mais intenso. Gritos estridentes misturavam-se a novas detonações. Bem perto, ressoaram ordens de comando. Ouvia-se o ruído de metal contra metal.

— Estou achando — disse Crest — que viemos parar no meio de alguma guerra. De acordo com os registros históricos, naquela época, quero dizer, agora, grassavam muitas guerras. Se realmente vamos ficar por aqui algum tempo, devemos contar com a possibilidade de sermos envolvidos nelas.

— O imortal nos avisou: não deixe que o matem — lembrou Rhodan. — Ainda bem que trouxemos armas.

— Devíamos ter trazido mais — lamentou-se Bell, batendo impaciente na coronha de sua pistola de radiação. — Os trajes de combate, o psicoirradiador e talvez ainda o neutralizador de gravidade.

— Até mesmo um antiquado revólver de tambor serviria agora para ameaçar um exército inteiro — disse Rhodan confiante. — Nessa época, mal conheciam ainda as armas de fogo, e, se as conheciam, eram somente as que são carregadas pela boca. Nossas pistolas de radiação vão servir de sobra para fazer qualquer inimigo que apareça desistir de nos matar. Não devemos ter nenhuma consideração quando se tratar de salvar nossas vidas. Não devemos ter escrúpulos morais, pois afinal estaremos lutando contra ferrônios mortos há dez mil anos. De qualquer maneira, essa idéia me parece um bocado maluca.

— Mais do que maluca! — concordou Bell com veemência.

O barulho da luta lá fora enfraqueceu e afastou-se.

— Temos três dias — Rhodan tornava-se objetivo. — Não sei se a hora em nossos relógios ainda vale, mas são cinco horas da tarde, de acordo com o tempo da Terra. Temos três dias. Não sei em que dia chegamos aqui, mas o imortal deve ter nos dado tempo suficiente para procurarmos e encontrarmos Kerlon. Ainda não sei o que devo dizer ao comandante arcônida. Crest, você pode me dar alguma idéia?

O arcônida abanou lentamente a cabeça.

— Em nossa História não há referência a uma viagem realizada através do tempo. Kerlon enviou seu relatório de Vênus depois de ter estado em Ferrol, e não mencionou o encontro com homens e arcônidas vindos do futuro. Portanto, não lhe contamos nada a respeito, quer dizer, não lhe contaremos.

— Vamos ver. Bell, abra a porta!

A trava de madeira pôde ser empurrada com facilidade. A porta abria-se para fora. A fraca luz do dia entrava através das fendas das janelas. Largos degraus de pedra conduziam ao andar superior e terminavam em um corredor largo e bem iluminado. Aparentemente pelos raios do sol.

Três homens em armaduras reluzentes estavam estendidos no átrio. Rhodan viu logo que estavam mortos. De certo ocorrera ali uma luta terrível.

— Que época desagradável — resmungou Bell estremecendo e tirando precavidamente a pistola de radiação do cinturão. Regulou-a com o polegar para uma intensidade baixa. Quem recebesse um tiro direto da arma sentiria os efeitos de uma descarga elétrica, mas não morreria.

Marshall também tinha trazido seu revólver de tambor, do qual nunca se separava. Rhodan voltou-se para Ras Tshubai.

— Ras, quero que você faça uma sondagem no terreno. Tenha cuidado e desapareça imediatamente se encontrar alguém. Verifique quem está ocupando o Palácio Vermelho, mas, antes de mais nada, procure saber se a frota dos três arcônidas já pousou. Ficamos esperando aqui até você voltar.

O teleportador africano fez que sim com a cabeça. Prendeu sua arma no cinturão e concentrou-se. Os outros observavam fascinados sua figura tornar-se difusa e desaparecer. No mesmo segundo estaria novamente se materializando em algum nutro lugar, lá em cima, no palácio.

A espera converteu-se em uma prova de nervos.

 

Ras Tshubai recompôs-se depois de um pequeno salto.

Nunca podia ver onde ia se materializar. Muitas vezes isso já o tinha colocado em situações perigosas, mas um segundo salto era sempre a salvação para o caso.

Dirigira seu salto para a sala do trono do Thort. Quando abriu os olhos, no entanto, começou imediatamente a cair. Muito abaixo de onde estava viu as torres e as ameias de um castelo baixo, sem semelhança alguma com o Palácio Vermelho que conhecia. Homens com armaduras postavam-se nas seteiras e atiravam com armas volumosas sobre atacantes igualmente blindados, que procuravam tomar o castelo utilizando escadas. No pátio já havia combates corpo a corpo. Os agressores provavelmente já haviam penetrado no castelo e estavam a ponto de apossar-se dele.

Não restava muito tempo a Ras, se não quisesse se espatifar no solo. Desmaterializou-se de novo e desceu no mesmo segundo, são e salvo, em pleno campo, um pouco além do castelo.

Estava numa colina e dali tinha uma boa visão, sem correr perigo de ser surpreendido pelos bárbaros.

O castelo ficava agora a quase dois quilômetros de distância. Ras viu imediatamente que estava sitiado por uma força militar poderosa. O acampamento dos sitiantes ficava em uma descida, na direção oblíqua ao lugar onde se encontrava. As fogueiras de acampamento estavam acesas e grandes animais eram assados no espeto. Tendas altas tinham sido armadas à beira de um regato, escondidas por arbustos dos olhares inimigos. Soldados com armaduras patrulhavam, andando de um lado para o outro.

Ras ouviu barulho atrás de si. Virou-se rapidamente. A encosta suavemente ondulada era coberta por arbustos isolados, que ofereciam excelente esconderijo para adversários que se aproximassem furtivamente. Não prestara atenção a isso.

Eram quatro homens, que se esforçavam em chegar ao topo o mais silenciosamente possível. Não vestiam armadura e diferençavam-se por suas vestimentas dos dois partidos que combatiam.

“Ah!”, pensou Ras divertido. Naquele tempo já existiam os neutros, que sempre acabavam ajudando o vencedor.

Os quatro homens vestiam jaquetas de couro e calças apertadas do mesmo material. Tinham a cabeça descoberta, mas o cabelo longo e escuro oferecia proteção suficiente contra o sol e o frio. Estavam armados com lanças compridas e espadas curtas e largas Os escudos achatados eram presos às costas por uma cinta.

Ras olhou-os calmamente. Conservava na mão a pistola de radiação, pois estava firmemente resolvido a só desaparecer em caso de extrema necessidade. Não queria voltar para Rhodan sem obter alguns resultados. Talvez bastassem algumas frases no idioma da unificação para um entendimento.

Os quatro homens ergueram-se afinal, pois certamente perceberam que seu jogo de esconde-esconde havia sido descoberto. Desconfiados, conservaram as lanças prontas para atirar, mas tiraram logo a mão das espadas. Em seus olhos havia espanto pela presença do desconhecido estranhamente vestido, que os observava sem temor.

Ao chegarem a uma distância de uns dez metros, Ras ergueu as duas mãos.

— Alto! — disse de modo a que o pudessem ouvir. — Quero falar com vocês.

Os quatro ferrônios ficaram parados onde estavam. Na certa, tinham entendido. Seguravam indecisos as suas lanças. Em seus olhos havia uma pergunta. Não sabiam como proceder com o desconhecido. Não pertencia nem aos defensores nem aos atacantes do castelo. Quem era, então?

— Quem é você? — perguntou o mais barbudo deles.

Ras admirou-se de entendê-lo tão bem. O dialeto pouco se diferençava do falado pelo Thort. Assemelhava-se principalmente à língua falada pelos sichas, o povo meio selvagens das montanhas de Ferrol.

Estaria diante dos antepassados dos sichas?

— Sicha? — perguntou sem hesitar.

O barbudo confirmou estupefato. Abaixou sua lança até a ponta tocar o solo. Em seu olhar surgiu uma luz amigável.

— Você amigo? — perguntou.

Ras concordou com entusiasmo. Naturalmente, por que não seria amigo dos sichas? Guardou no cinturão sua pistola de radiação e dirigiu-se aos quatro homens com as mãos estendidas. Não esqueceu de se preparar para um salto imediato, no caso dos sichas mudarem de idéia.

Ainda hesitante, o barbudo estendeu sua mão e retribuiu o aperto. Os três homens restantes também aproveitaram a oportunidade para demonstrar sua amizade. Não podiam disfarçar o interesse com que admiravam a arma maciça no cinturão do estranho. Ras não se ofendeu com isso.

— Moramos lá em cima nas montanhas — disse o chefe, mostrando ao longe uma cadeia de montanhas na linha do horizonte, esfumaçada pela bruma. O sol poente se aproximava de seu topo. — Muita guerra agora. Nós mantemos paz.

— Quem está em guerra?

Não foi fácil extrair o essencial da descrição meio confusa que obteve. Os quatro homens às vezes misturavam os fatos, às vezes passavam a falar um dialeto totalmente incompreensível para Ras. Mas finalmente, acreditou ter compreendido a situação.

O dono do castelo era uma espécie de conde, que reinava sobre essa região. Seu vizinho, também conde, disputava esse domínio. Esta já era a terceira tentativa para tomar o castelo e parecia estar sendo bem sucedida. Os sichas não se interessavam muito pela luta, mas procuravam obter vantagens dela. Roubavam os mortos e atacavam os guerreiros dos dois partidos que encontrassem vagando sozinhos e desorientados pela região.

O barbudo confessou tudo isso abertamente e, quando Ras lhe perguntou a causa de não o terem atacado para roubar, sorriu matreiramente e explicou:

— Você é um estranho e usa roupas estranhas. Tem uma arma admirável, que não conhecemos. Mas sabemos que pode disparar raios. Temos medo de você e por isso você é nosso amigo.

“Terrivelmente simples e de bom senso”, pensou Ras atônito. Mas então, estremeceu como se um raio o tivesse atingido. De onde os primitivos sichas conheceriam uma pistola de radiação e sabiam que era capaz de “disparar raios”?

A primeira vinda dos imortais, muito antes dos arcônidas!

A lembrança desse fato ainda devia estar bem viva. Decidiu interrogar os sichas.

— Quando foi que os últimos estranhos estiveram em seu mundo?

— São amigos seus? Vocês voltaram, deuses do sol? — perguntou o barbudo, inclinando a cabeça.

Ras pensava. Havia uma coisa que não encaixava de jeito nenhum. “Não se admiraram de minha cor de pele. Bem, talvez isso já não tenha mais significado para eles. Afinal sua pele também não é branca e sim preto-azulada.”

— É, eles são meus amigos. Talvez voltem.

O barbudo quis dizer alguma coisa, mas foi subitamente impedido de fazê-lo.

Nos arbustos próximos ressoou um grito estridente e pelo menos uma dúzia de soldados saiu de dentro deles. Obedeceram a uma ordem e se lançaram sobre os cinco homens, completamente surpreendidos pelo ataque. A conversa tinha feito com que relaxassem a vigilância.

Os soldados nada fizeram para coagir aqueles homens aparentemente desprotegidos a se renderem. Parecia que não tinham interesse em aprisioná-los. Por alguns segundos, Ras esteve quase resolvido a dar um salto rápido para um lugar seguro, mas percebeu que isso seria desleal para com seus novos amigos. Afinal era por culpa sua que eles se achavam naquela situação.

Arrancou a pistola de radiação do cinturão, enquanto os sichas jogavam suas lanças contra os inimigos. Quase ao mesmo tempo tiraram as espadas.

Ras apertou o botão que acionava a pistola e a apontou para o adversário mais próximo. O soldado tinha se aproximado até cerca de uns vinte metros e já ia arremessar sua lança contra Ras, quando a descarga o atingiu. Seu rosto crispou-se e ele começou a berrar, como se estivesse sendo atacado por uma companhia inteira. Seus dedos se abriram e ele deixou cair a arma. Atirou-se em seguida ao chão, pedindo misericórdia.

Seus companheiros hesitaram em continuar o ataque, mas logo chegaram à conclusão que seu companheiro tinha sido acometido por uma cãibra e não se perturbaram mais com aquilo. Balançaram novamente as lanças para arremessá-las contra suas vítimas.

Mas, nesse meio tempo, as armas dos sichas alcançaram seu alvo. Quatro dos atacantes caíram ao solo, atingidos, mas os outros também já tinham atirado. O sicha perto do chefe soltou, de súbito, um grito e caiu ao chão, trespassado por uma lança.

Aí Ras Tshubai perdeu finalmente a calma.

Mudou rapidamente a intensidade de sua pistola e apontou-a com fogo permanente para os seis ou sete soldados, que atravessavam com as espadas desembainhadas os poucos metros que os separavam, para lançar-se contra os adversários indefesos.

O ataque parou imediatamente.

Era como se os soldados tivessem ido de encontro a um muro invisível e fossem rechaçados com toda a força. Seus gritos desesperados cortaram o ar. Suas espadas caíram. Seus membros se crisparam e eles caíram inconscientes ao solo.

Não estavam mortos, mas Ras tinha a certeza de que ficariam inconscientes no mínimo por uma meia hora. Só o primeiro, que tinha levado uma carga leve, recobrou logo o ânimo e desceu correndo a montanha, lançando gritos desarticulados.

Ras pôs a mão sobre o braço do sicha barbudo para acalmá-lo. Já estava pronto a jogar a lança sobre o fugitivo.

— Deixe que se vá, meu amigo. É melhor que se salve.

— Por quê? Ele vai buscar os outros.

— Não creio. Vai contar a seus amigos o que lhe aconteceu e aí ninguém mais terá coragem de subir nessa colina. Aqui é mais seguro do que lá no castelo, que logo será tomado.

— Já é tempo de sumirmos daqui — disse o barbudo — porque depois não conseguiremos voltar às montanhas. Logo o olho do deus submergirá na terra e tudo ficará escuro.

— O olho do deus? — perguntou Ras Tshubai admirado, para logo compreender que se tratava do sol. — É, logo será noite. Descrevam-me o lugar onde moram, para que eu possa ir visitá-los.

— Não vem conosco?

Na voz do barbudo havia uma ponta de decepção.

— Não posso ir. Meus amigos esperam por mim. Vou voltar agora para junto deles. Mas prometo ir visitar vocês lá nas montanhas. Descreva-me o caminho.

O chefe olhou para o horizonte e apontou com o braço estendido para um pico muito alto.

— Nossa raça vive lá, atrás da montanha triangular. É um planalto. Ao lado, há um vale largo com um riacho. Não pode errar.

“Não”, pensou Ras, “não posso mesmo.” O sicha tinha descrito exatamente o lugar onde mais tarde se ergueria sua capital, Sic-Horum.

— Eu vou encontrar. Espero que cheguem bem em casa.

O sicha abriu um sorriso largo.

— Conhecemos o atalho melhor que os soldados, que vêem de outras terras. Adeus, estranho. E, obrigado.

Ras apertou a mão dos três guerreiros restantes e guardou a pistola no cinturão. Sabia que os selvagens ainda teriam outra surpresa e lamentou-se por não poder ver seus rostos espantados, quando ele desaparecesse no ar de repente, diante de seus olhos.

Acenou-lhes, concentrou-se no porão do castelo e saltou. Quando abriu os olhos, deu de cara com o rosto assustado de Bell.

 

O Vice-Thort do castelo e da terra de Thorta reconheceu que sua resistência era inútil. Os bárbaros tinham penetrado na fortaleza e estavam na iminência de dominar seus guerreiros que ainda viviam.

Chamou o comandante dos soldados à sua presença.

— Regor, reúna seus homens. Vamos nos retirar para a abóbada que existe sob o castelo. Lá poderemos resistir alguns dias.

— Os inimigos já conseguiram chegar ao porão, Lesur — respondeu o soldado. — Poderemos matá-los. Talvez a câmara secreta nos ofereça proteção.

O Vice-Thort fez um gesto de negativa.

— A câmara secreta é um lugar sagrado e nenhum mortal deve jamais ver seu interior, sem morrer imediatamente. Os outros lugares do porão serão suficientes. Mandei armazenar víveres lá. As mulheres já estão lá também. Ordene a seus soldados que iniciem imediatamente a retirada. Aqui em cima estaremos perdidos.

Regor saudou-o e dirigiu-se apressadamente para onde estava a sua gente.

Lesur, no entanto, um dos muitos thorts de Ferrol, correu no mesmo instante em direção às largas escadas de pedra talhadas na rocha, que levavam ao porão. No pátio do castelo, suas tropas lutavam contra o inimigo invasor. Não, a guerra estava perdida, os bárbaros venciam. Era o fim da civilização. De agora em diante só haveria ação de bárbaros e escravidão.

A porta para a cavidade do porão fora destroçada. Ali deveriam ter ocorrido lutas encarniçadas, pois a madeira fora destruída por poderosos golpes de espada e de maça.

Lesur estremeceu por um momento. O barulho da luta lá em cima nas ameias do castelo tornou-se mais forte. Provavelmente os bárbaros haviam conseguido escalar a muralha. Dificilmente Regor conseguiria colocar seus soldados e ele mesmo em segurança a tempo...

Desceu rapidamente os degraus, atravessou longos corredores e passou pelo primeiro posto de guarda. Até ali os inimigos ainda não haviam penetrado. E ele também quase não o conseguia. As estreitas fendas das janelas bem junto ao teto eram muito apertadas para deixar passar um guerreiro com armadura.

As mulheres e os velhos viram quando Lesur entrou no vasto salão pela pesada porta de madeira. À esquerda e à direita ao lado da entrada havia soldados. As crianças pararam de brincar. O barulho da luta chegava abafado até eles. Ninguém ali sabia como andavam as coisas. O Vice-Thort resolveu não lhes esconder a verdade.

Queria esperar, no entanto, a chegada de Regor e de seus soldados, para então fecharem a porta. Enquanto durassem as provisões, estariam em segurança naquele lugar.

Um soldado atirou-se em direção à porta, viu Lesur e quase tropeçou nele. O Vice-Thort verificou que todo o corpo do homem tremia.

— O que aconteceu? — indagou, irritado. — Não tenha medo de me dizer a verdade. Não pode haver notícias piores do que as já conhecidas.

O homem ergueu a cabeça. As lágrimas saltaram-lhe dos olhos e escorreram pelas faces.

— Oh, senhor! Os deuses...

— Sim, se ao menos eles nos ajudassem! — zombou Lesur, afastando-se. Não tinha agora tempo de se preocupar com as esperanças religiosas de seus soldados. Os deuses o tinham abandonado, portanto deveriam agora ficar lá no lugar a que pertenciam.

— Eles vão nos ajudar! — exclamou o soldado, erguendo-se. — Ouviram nossas preces e vão nos ajudar. Senão, por que teriam vindo?

Lesur enrijeceu o corpo.

— Vieram? — berrou. — Quem veio?

— Os deuses! Eles já estão no castelo. Acabei de encontrar um deles, quando eu rezava diante da câmara secreta. A porta estava aberta...

— O que está dizendo? — gritou Lesur, horrorizado. — A porta está aberta? Você viu isso com os próprios olhos?

— Sim, senhor. Sei que esta porta está fechada desde tempos imemoriais e que não deveria ser aberta. Dizem que os deuses vivem por detrás delas e só aparecem nos momentos de grande perigo. Agora que foi aberta, os deuses vieram nos ajudar.

Lesur ficou como que paralisado alguns segundos, mas logo agarrou o soldado pelo braço e ordenou-lhe:

— Venha comigo! Vamos até a porta dos deuses.

 

Bell quase morreu de susto ao ver Ras Tshubai materializar-se bem diante de seus olhos. Soltou uma praga e recuou.

O africano reprimiu um sorriso.

Em seguida, relatou aos espectadores impacientes tudo o que conseguira perceber da situação. Rhodan assumiu um ar pensativo.

— Não viemos ao passado para nos meter nos acontecimentos da política interna dos ancestrais dos ferrônios. Mas tenho de admitir que o thort desse castelo me é mais simpático que os bárbaros invasores. Estamos diante da pergunta: o que faremos? Pelo que Ras descobriu, os arcônidas ainda não chegaram.

Desta vez foi Anne Sloane quem fez uma proposta, provando com isso que as mulheres também sabem pensar de maneira lógica.

— Se os bárbaros tomarem este castelo, estaremos correndo um grande perigo. Não acredito que esse povo selvagem nos poupe, já que destroem tudo em seu caminho. Talvez seja melhor assegurar a gratidão dos donos do castelo. Assim poderíamos esperar com calma a chegada dos arcônidas.

Ras concordou ansiosamente.

— É um pensamento sensato. Ainda há outra possibilidade. Esperarmos junto aos sichas.

— O caminho até eles é muito difícil, sem meios de transporte — contraveio Rhodan. — Acho que Anne Sloane tem razão.

O semblante de Bell iluminou-se.

— Quer dizer então que defenderemos o castelo? Ótimo! Misturamo-nos por entre os combatentes, sem chamar a atenção!

Rhodan riu.

— Sem chamarmos a atenção? Vai ser quase impossível. Creio que causaremos alguma sensação.

Crest quis dizer alguma coisa, mas de repente calou-se e pôs-se à escuta.

Do lado de fora chegavam ruídos. A porta continuava aberta e podiam ouvir nitidamente passos se aproximando cautelosos. Dois homens conversavam.

Rhodan fez um sinal para os mutantes. Com as armas prontas para atirar, os três homens e Anne Sloane se esgueiraram para o fundo do salão. Crest, o robô e Rhodan permaneceram parados diante da porta. O momento emocionante do primeiro contato aguardava-os.

Quando Lesur viu a porta aberta, verificou que o seu soldado lhe dissera a verdade. Uma veneração inexplicável tomou conta dele, e arrependeu-se do comentário desdenhoso que acabara de fazer sobre os deuses. Será que o perdoariam? Resolveu mostrar-se especialmente humilde.

Avistou três homens parados diante de um bloco cúbico, no meio de um aposento vazio. Sua aparição imponente fez Lesur cair de joelhos. Seu guerreiro já se atirara sobre o chão de pedra.

Rhodan não compreendeu imediatamente. Da parede veio a voz de John Marshall, que podia ler os pensamentos dos ferrônios.

— Ele pensa que somos deuses, que viemos para ajudá-los contra os bárbaros. No momento arquiteta de que modo deverá se dirigir a nós. Fala um idioma compreensível, segundo me parece. É Lesur, o Thort.

Rhodan compreendeu imediatamente a situação.

Deu um passo à frente e parou no limiar da porta. Antes que Lesur pudesse dizer qualquer coisa, ergueu os dois braços na direção dos ferrônios e falou-lhes no idioma da unificação:

— Sim, adivinhaste. Viemos para ajudar-te. Não deixaremos que os adversários tomem o castelo.

Lesur compreendeu as palavras, apesar de parecerem mudadas e declinadas de modo diferente. O que não era de espantar. Acaso não falariam os deuses de modo diferente dos mortais? O principal é que se podia compreendê-los.

Ergueu-se, conservando, porém, uma postura inclinada.

— Recebei meus agradecimentos, ó deuses! Mas o inimigo já penetrou no castelo. Muitos de meus guerreiros foram mortos e agora são as mulheres e as crianças que estão em perigo.

A menção de mulheres e crianças talvez houvesse apressado as ações de Rhodan, além do que pretendera. Voltou-se para os seus.

— Bell, você se encarrega da limpeza da parte de dentro do castelo, juntamente com Crest, Haggard e o robô. Eu me ocuparei da defesa contra os inimigos que estão lá fora. Marten, Ras, Marshall e Anne virão comigo. A estratégia é clara. Bell, você combaterá com o seu grupo da maneira costumeira: pistola de raios em intensidade baixa. Eu e os mutantes procederemos com relação aos bárbaros de modo a intensificar um pouco mais a sua fé nos deuses. Mal é que não fará.

Lesur e seu guerreiro levaram Bell e seus três acompanhantes na direção do grande salão, diante do qual já se combatia. Rhodan, no entanto, subiu com os seus mutantes pela escada de pedra, a fim de ter da plataforma de observação uma visão geral da situação. No pátio encontraram os primeiros bárbaros. O resto dos defensores tinha fugido pelos corredores que levavam ao porão. Os conquistadores já se sentiam como vencedores.

E agora, de repente, surgiam estes estranhos diante deles.

Gagat, conde dos bárbaros, de espada na mão e cercado por seus principais auxiliares, encarou os novos adversários.

Não raciocinou nem por um segundo e nem podia compreender o que aqueles estranhos queriam dele. Com a rapidez de um raio, imaginou que Lesur teria arranjado aliados em terras distantes, e deu ordem a seus soldados de matá-los.

Rhodan segurou a pistola na mão.

O telepata sussurrou rapidamente:

— Eles nos vêem como inimigos. O sujeito com a capa vermelha é o chefe, um tal de Gagat. Acabou de dar a ordem para nos matarem.

— Ótimo — assentiu Rhodan. — Ao menos assim sabemos em que pé estamos. Portanto, mãos à obra! Cada um utilize o seu dom. Eu me contentarei com a minha pistola de raios. Anne, talvez você pudesse mandar esse tal de Gagat um pouquinho para o ar!

Nos primeiros minutos, entretanto, Anne não viu possibilidade alguma de fazer o que ele queria, pois tinha de concentrar toda a sua atenção em desviar com seus poderes telecinéticos as lanças arremessadas sobre eles. Conseguia fazer isso com espantosa habilidade e incrível presença de espírito. O resultado de seus esforços foi um êxito completo.

O subchefe dos bárbaros, ao lado de Gagat, ergueu sua lança e arremessou-a contra Rhodan, a quem reconhecia como a pessoa mais importante. O arremesso foi bem calculado e teria sem dúvida atingido Rhodan, se não tivesse de repente se chocado no ar contra um obstáculo invisível. Por um segundo a lança ficou lá imóvel e, em seguida, descrevendo um arco, voltou para o seu dono, aliás, com bastante velocidade. O bárbaro arregalou os olhos diante de tal prodígio e não teve nem forças para desviar-se de sua própria lança, a qual, depois de um vôo sem rumo, descrevendo arabescos no ar, desceu quase na vertical e cravou seu pé direito no duro chão de argila do pátio do castelo.

Soltou um grito terrível, que igualmente expressava o seu terror. Gagat, a seu lado, não se mexeu. Estava inteiramente ocupado em observar as outras lanças de seus soldados descrevendo as mesmas rotas. Algumas subiam tão alto que desapareciam da vista. Outras, por seu turno, mudavam simplesmente de direção e ricocheteavam de encontro à parede de pedra com tanta força que se partiam ao meio. Nenhuma, porém, alcançou seu alvo.

Enquanto isso, Rhodan dirigia sua pistola de raios para os bárbaros estupefatos. Regulou-a para uma descarga eletrônica fraca. Quando Gagat, furioso, agarrou sua espada, a fim de dar um bom exemplo a seus soldados, surgiu repentinamente a figura negra do africano ao seu lado, tomando-lhe calmamente a espada da mão e desaparecendo sem deixar vestígio.

O bárbaro quedou-se, estarrecido, como que atingido por um raio. Foi então que a corrente elétrica atravessou-o. Aquela forma de energia era-lhe inteiramente desconhecida. Os rostos pálidos de terror de seus guerreiros demonstravam-lhe que não era o único a sofrer ação daquele fenômeno.

Quem seriam aqueles estranhos?

Antes que pudesse chegar a alguma conclusão, um deles falou. Podia até compreender o que ele dizia.

— Gagat, volte para a sua terra, senão os deuses o matarão, juntamente com os seus homens. Como evidência de que falamos sério, lhes daremos um último aviso.

Anne Sloane fez um aceno afirmativo quando Rhodan olhou para ela. Concentrou-se em Gagat e então aconteceu uma coisa terrível.

O chefe dos bárbaros sentiu de repente o formigamento em seus membros desaparecer, mas ao mesmo tempo, o chão sumiu debaixo de seus pés. Ficou suspenso no ar, cada vez mais alto, até alcançar as mais altas ameias do castelo. De olhos arregalados e pernas molemente penduradas, continuou a subir como um balão de gás. Por algum tempo, ficou pairando sobre os guerreiros de ambos os lados, a travarem uma batalha de vida ou de morte pela posse da plataforma do castelo. No início ninguém deu por ele, mas depois alguém soltou um grito.

Todos os olhares dirigiram-se para cima, e os braços já erguidos, de armas prontas para o ataque, abaixaram-se sem forças. Gagat, o bárbaro temido e sem misericórdia, era capaz de voar.

Foi um rude golpe para os soldados de Lesur, mas durou apenas alguns segundos. Em seguida, a reação dos bárbaros mostrou-lhes que não era absolutamente normal que Gagat voasse.

O próprio Gagat se denunciou. Ao flutuar tão desordenadamente por perto das cabeças de seus soldados, começou a berrar:

— Os deuses estão do lado de Lesur! Ergueram-me até aqui e vão me deixar cair lá embaixo. Desistam da luta, nós perdemos! Nada poderemos fazer contra os deuses.

Lá embaixo no pátio do castelo, Marshall não ouviu bem as palavras de Gagat. Voltou-se para Ralf Marten, que possuía o dom da exopersonificação.

— Ralf, entre em contato com Gagat. O que está acontecendo com ele?

O mestiço de japonês, alto e de cabelos escuros, concordou. Afastou-se um pouco e encostou-se à murada do castelo. Ali poderia arriscar-se a deixar seu corpo por alguns momentos. Rhodan se incumbiria de não permitir que alguém se aproximasse, enquanto estivesse indefeso.

Um segundo mais tarde estava vendo através dos olhos de Gagat. Divisou os rostos aterrorizados dos bárbaros e as feições novamente esperançosas dos homens de Lesur. E ouviu também o conde bárbaro gritar outra vez:

— Fujam enquanto é tempo. Talvez a ira dos deuses me poupe se obedecermos. Saiam do castelo de Lesur o mais depressa possível!

Ralf Marten voltou a seu corpo, pois tinha ouvido o suficiente. Rhodan olhou-o na expectativa.

— Eu acho que já chega — disse Marten, sorrindo.

Os bárbaros começaram a fugir precipitadamente.

Não prestavam atenção à descarga dos positrons. Arrancaram suas espadas da bainha e precipitaram-se sobre a muralha do castelo, onde ainda estavam as escadas com as quais haviam escalado o obstáculo. Uns atrapalhavam os outros e mais de uma escada foi ao chão, cheia de gente.

Mais difícil foi a fuga lá em cima na plataforma. Os enraivecidos ferrônios de Lesur queriam evidentemente se vingar dos bárbaros subitamente enfraquecidos. Procuravam impedir sua fuga. Gagat, que continuava suspenso sobre as cabeças dos combatentes, agitava desesperadamente os braços. Ao mesmo tempo, aproximava-se cada vez mais da beirada das ameias. Alcançou-a e ficou suspenso sobre o vazio.

O chão estava muito abaixo dele. Se despencasse agora, estaria perdido.

Mas Anne não tinha a intenção de matá-lo. Deu a ele a impressão de um vôo picado e colocou-o mansamente a pouca distância do castelo. Ali ficou ele, sozinho e abandonado, observando a fuga desenfreada de seus guerreiros, ainda meio entorpecido da terrível experiência.

Pouco a pouco, os sobreviventes foram se agrupando em volta de seu chefe. Ainda não compreendiam como subitamente Gagat fora capaz de voar, mas o fato era que se os deuses, sobretudo inimigos, se tinham metido no jogo, só lhes restava contar com acontecimentos ainda mais incríveis.

Ainda faltavam alguns soldados, que se encontravam no interior do castelo. Teriam sido vítimas do ódio dos homens de Lesur ou estariam apenas perdidos?

O castelo não lhes dava uma resposta.

Rhodan deixou que todos os bárbaros fugissem e esperou que os primeiros ferrônios de Lesur aparecessem. Como era de se esperar, não tinha havido dificuldades. As palavras de Gagat não tinha deixado de fazer efeito. Os deuses haviam intervindo e lhes dado a vitória. Deviam agradecer-lhes por isso.

Portanto, não era de espantar que Rhodan e os quatro mutantes logo se vissem cercados por uma multidão de guerreiros ajoelhados, de cabeças encostadas na poeira do chão, a demonstrarem sua veneração.

“Que pena”, pensou Rhodan, “que Bell não possa ver isto.”

 

Enquanto isso, Bell estava ocupado em repelir os atacantes bárbaros com os raios positrônicos. No entanto, essa tarefa não era tão simples quanto Rhodan talvez houvesse imaginado.

Lesur e seu guerreiro se precipitaram para a frente, mas detiveram-se repentinamente ao chegarem ao corredor, em cuja extremidade ficava a entrada para o último refúgio. Há cinco minutos atrás, o local estava tranqüilo! Agora, porém, o inferno estava solto por ali.

Regor, o comandante dos ferrônios, tinha enviado uma parte de seus soldados para o porão, a fim de preparar uma retirada organizada. Ainda na sala do trono, deram de encontro com as tropas bárbaras invasoras que já tinha começado o saque. Seguiu-se uma intensa luta, na qual os moradores do castelo foram sendo forçados a recuar cada vez mais.

Desesperados, só procuravam impedir que o último refúgio, o salão para onde tinham sido levadas as mulheres e as crianças, fosse tomado pelos bárbaros.

Bell compreendeu a situação.

— Fogo intenso! — ordenou a Crest e a Haggard. Ele mesmo ergueu sua arma em direção aos guerreiros e apertou o botão. Era impossível distinguir amigos ou inimigos, de modo que tanto os bárbaros quanto os ferrônios foram atingidos pela descarga elétrica. Bell havia regulado propositadamente na intensidade mais alta. Desse modo, alguns dos soldados vestidos com armadura não demoraram a levar choques elétricos bastante fortes.

Gritos desesperados ressoaram pelos muros do porão.

Lesur gritou algumas palavras de esclarecimento. Na verdade, seus homens não podiam compreender que a ira dos deuses também os atingisse, mas obedientemente se afastaram do inimigo e recuaram para o refúgio. Alguns, aliás, só o conseguiram quando passaram a andar de gatinhas. Bell não pensou em regular o fogo.

Os bárbaros voltaram a si de seu espanto. Estranhos haviam surgido. Nas mãos tinham objetos de formas esquisitas. E haviam experimentado as descargas elétricas desconhecidas, desagradáveis, mas que não causavam dor insuportável.

O próprio Bogar deu a ordem de ataque aos estranhos. Com a espada erguida, lançou-se sobre Bell.

Os homens podem construir robôs, estes, porém, continuarão sempre como obras humanas. Agem como lhes é ordenado, não conhecem pensamento independente, pois não são inteligentes.

Os robôs dos arcônidas são diferentes. Dispõem de um cérebro capaz de pensamento autônomo. Não precisam de instruções para reconhecer o perigo. Agem com independência, porque são capazes de ter pensamento independente.

Robby estava ao lado de Bell. Viu que estava sendo efetuado um visível ataque contra ele e agiu de acordo com as circunstâncias.

Bogar teve um momento de hesitação, ao ver o estranho ser caminhando em sua direção. No fundo, aquele estranho era o único que não parecia tão estranho assim, pois também usava uma armadura de metal. Como os bárbaros poderiam saber que Robby era um ser metálico?

“Um verdadeiro adversário”, pensou Bogar. Só estranhava que não usasse arma alguma. Teria intenção de lutar de mãos nuas contra uma espada?

Bogar não se preocupou mais com Bell. Concentrou toda sua atenção no robô, que se encaminhava lentamente para ele, com os braços estendidos. Bell observava a cena com o canto dos olhos. Tinha de continuar prestando atenção para que os raios permanecessem dirigidos sobre os bárbaros.

Bogar, inteiramente coberto pela armadura, ergueu a espada com as duas mãos e desceu-a sobre a cabeça de Robby. A força do embate teria rachado qualquer elmo. Mesmo um escudo não teria sido de grande utilidade.

Bell não sabia como poderia absorver tantas impressões ao mesmo tempo. Primeiro a espada do bárbaro se transformou num pedaço de ferro retorcido. Em seguida, foram os dois pulsos de Bogar que se quebraram. Com um grito, deixou cair as armas, agora inúteis, e caiu de joelhos. Lágrimas de dor corriam-lhe pelas faces. Não perdia, porém, de vista o maravilhoso guerreiro que se mostrara tão invulnerável.

Robby não prestou mais atenção em Bogar. Nem parecia ter sentido o golpe. Com passos quase mecânicos foi em frente, passando pelo meio do feixe de raios das pistolas positrônicas, contra os quais tinha uma proteção automática. Com um movimento súbito, pegou a espada levantada do bárbaro mais próximo e bateu-lhe nas costas com o lado chato. O soldado cambaleou, conseguiu reerguer-se e saiu correndo, soltando um urro assustador.

Dois bárbaros se decidiram. Do seu ponto de vista, a escolha não era difícil. Ou morreriam sem poder reagir, ou tentariam chegar guerreando a algum lugar seguro. Lançaram-se com toda a sua força contra o robô. Bell teve que admitir, surpreso, que o robô era um extraordinário esgrimista, e para isso a blindagem de arconita revelava-se uma proteção eficiente. Os golpes de espada ricocheteavam, sem fazer efeito algum. Por outro lado, dois golpes de Robby arrebentaram as armaduras dos bárbaros. Saíram faíscas quando as finas paredes de metal se despedaçaram. Os dois bárbaros procuraram salvar-se pela fuga.

Isso foi suficiente para os demais.

— Os deuses estão do nosso lado! — gritou-lhes Lesur, que assim também esclarecia a situação para os seus próprios homens, prontos a sair em disparada.

Bell suspendeu o fogo. Bogar foi aprisionado. Por precaução, Robby pôs a espada danificada numa saliência do muro e disse para Bell:

— Um modo muito interessante de combater. É preciso uma certa habilidade para isso.

Crest se meteu na conversa.

— Você também tem suas partes vulneráveis, Robby! Se algum golpe de espada tivesse por acaso atingido alguma delas, estaria liquidado.

— Ele tinha de correr o risco — defendeu-o Bell, que cada vez simpatizava mais com o robô.

Enquanto isso, Lesur chegava à entrada do salão. Seu aviso de que os deuses haviam expulsado os inimigos e libertado os ferrônios provocou um júbilo indescritível. As mulheres e os jovens, ainda quase meninos, apinharam-se no corredor e caíram de joelhos diante de Bell e do robô. Crest e Haggar se mantiveram na retaguarda. Observavam o quadro tão fora do comum com um misto de emoções. No centro de uma multidão em adoração, estavam Bell e Robby, um homem e um ser de metal e positrons. Em algum lugar, Bogar estava gemendo. No andar de cima ainda se ouvia o tinir das armas. Os ferrônios expulsavam os inimigos em fuga.

Lesur saiu do salão. Ao chegar diante de Bell, também se jogou ao solo. Ergueu os braços, numa súplica.

— Obrigado, ó deuses! Sabemos que sempre aparecem nos momentos de grande perigo. O inimigo foi derrotado. E agora, digam qual o seu preço. Estamos prontos a pagá-lo.

Bell raciocinou febrilmente. O que Rhodan teria respondido em seu lugar? Por que razão estavam ali?

Havia sido pela nave espacial da expedição arcônida de dez mil anos atrás.

— Nobre Lesur — começou com precaução — não desejamos agradecimentos. Mas é nossa intenção passarmos alguns dias entre vocês. Dê-nos um aposento, onde possamos ficar. Iremos de novo embora, assim que saudarmos nossos amigos que em breve descerão do céu.

— Amigos do céu! — balbuciou Lesur, com veneração. — De volta à câmara fechada?

— É — assentiu Bell, olhando por sobre as cabeças abaixadas a seus pés.

E soltou um suspiro profundo. “Que pena”, pensou, “que Rhodan não possa ver isto.”

 

Passaram-se dois dias.

Hóspedes do Vice-Thort dos ferrônios, os membros da expedição através do tempo continuavam a vagar pelo castelo reconquistado. Servidores diligentes lhes traziam tudo de que precisavam. Enquanto isso, Ras Tshubai fechara por dentro a câmara onde estava o conversor de tempo, de modo a que ninguém pudesse ali penetrar. Não queriam perder, por obra de leviandade, sua única possibilidade de voltar ao presente.

Através de uma conversa com Lesur, havia sido confirmado que os arcônidas não teriam sido os primeiros astronautas a pousarem em Ferrol.

— Há muitos sóis — informou o Vice-Thort, todo mistério — vieram dos céus os primeiros deuses. Nossos antepassados os ajudaram. Em troca, receberam maravilhosos presentes que ainda hoje podem ser vistos por toda a região. Lá embaixo, no porão do castelo, há uma dessas gaiolas. Ninguém deve se aproximar delas, pois seu significado se perdeu. Já houve muitos valentes que entraram nela e desapareceram diante de nossos olhos, sem nunca mais voltarem.

— Nunca mais? — redargüiu Rhodan, erguendo as sobrancelhas. Podia entender bem o antecessor do futuro Thort, mas ainda não tudo. Era evidente que, nessa época, os ferrônios ainda não tinham conhecimento dos hipertransmissores da matéria. Passariam milhares de anos antes que obtivessem os conhecimentos necessários para isso.

— Houve um que voltou — retorquiu Lesur. — Uma história estranha. Era um sábio. Entrou na gaiola, lá embaixo no porão, moveu a alavanca e desapareceu. Dois anos depois é que ressurgiu no castelo, com as roupas rasgadas e meio morto de fome. Afirmou ter vagado por boa parte do planeta, não quis revelar, no entanto, como fora parar tão longe.

Rhodan teve um aceno afirmativo.

Ainda levaria muito tempo até que esses selvagens primitivos pudessem compreender o mecanismo da teleportação. Era cedo demais para isso. E sem dúvida não competia a ele esclarecer os ferrônios. Entretanto, o hipertransmissor o interessava.

— Posso ver o aparelho?

— A gaiola? — Lesur estremeceu. Parecia ter medo de que os deuses, portadores da felicidade, pudessem desaparecer dali sem deixar vestígios. — Se assim ordena, senhor...

— Conhecemos esses aparelhos — sossegou-o Rhodan. — Caso desapareça, voltarei depois.

Rhodan aventurou-se a dar o salto ao meio-dia do segundo dia. Ao materializar-se era noite escura. O hipertransmissor realmente o levara através de meio planeta. Pelo que pôde perceber, o receptor-transmissor ficava em uma espécie de templo, sobre o pico de uma montanha, solitário e esquecido. Um falso santuário de gerações passadas.

Não, não fora esquecido!

Mal Rhodan acabara de se materializar, sombras fugidias moveram-se por entre as pedras do templo em ruínas. Alguns dos vultos lançaram-se, silenciosos, sobre ele. Em suas mãos pôde ver o brilho das espadas. Sob a luz das estrelas, Rhodan reconheceu hábitos esvoaçantes.

Sacerdotes!

Não hesitou um segundo. Com uma pressão na alavanca, acionou o mecanismo de transmissão e apareceu novamente diante do espantado Lesur, no porão do palácio.

Voltou em silêncio para o aposento que servia ao mesmo tempo de sala de estar e de dormitório para os membros da expedição através do tempo. Suas suposições se tinham confirmado. Ao naufragarem em Ferrol, os imortais haviam deixado para seus habitantes um espetacular sistema de transporte, mas era um presente de significado ainda obscuro. Ali no castelo o hiper-transmissor não tinha sentido algum, enquanto do outro lado do planeta era vigiado com veneração por sacerdotes desconfiados.

Não havia dúvida, todos os que se tinham aventurado a ousar o salto para o desconhecido haviam sido mortos por eles, com exceção do sábio.

Na manhã do terceiro dia pousaram as três naves dos arcônidas.

 

A semelhança do comandante Kerlon com Crest era apenas exterior.

A raça dos arcônidas ainda não mostrava sinais de degenerescência, pois ainda se encontrava no auge de seu desenvolvimento. O Grande Império florescia e aumentava a cada expedição bem sucedida.

E Kerlon sabia estar perseguindo um segredo aparentemente impossível: a imortalidade, a vida eterna!

Em algum lugar, nessa parte da galáxia, existia um planeta habitado por uma raça que descobrira o segredo da renovação celular. Os indícios haviam sido obtidos nas diversas escalas feitas. Todas as pistas conduziam a esse sistema. E igualmente, a distância de vinte e sete anos-luz, a um outro, de uma estrela amarela e nove planetas, um dos quais se distinguia por seus três anéis.

Kerlon pousou inicialmente num continente desabitado do oitavo planeta desse primeiro sistema, que possuía quarenta e três planetas. Essa escolha fora involuntária e inteiramente casual. O planalto rochoso não apresentava sinal algum de vida. Apenas a alta pirâmide de base quadrangular de metal desconhecido, denunciava a presença anterior de seres inteligentes.

Há mil anos? Há dez mil anos?

A pirâmide era oca e a entrada podia ser aberta com facilidade. Sem hesitar, corajoso e audaz. Kerlon entrou com alguns cientistas. Não sabia o que o esperava, nem qual era o seu destino. Agia por obra do instinto.

Muito abaixo da superfície, encontrou um pequeno aposento pentagonal. No centro havia uma mesa, tendo em cima um objeto.

As paredes emitiam com regularidade uma luz incandescente, refletida pelo objeto, levando a supor que possuísse luz própria.

Um tubo de metal, talvez um cilindro oco.

Os companheiros de Kerlon observaram o comandante adiantar-se, de mão estendida para o objeto. Pareceu-lhes que a paciência dos desconhecidos se esgotaria agora. Não teriam sido vítimas de uma cilada bem preparada?

Nada aconteceu, entretanto, quando Kerlon ergueu o tubo de metal e levou-o consigo. Era leve e fácil de carregar. Talvez tivesse uns trinta centímetros de comprimento e no máximo uns dez centímetros de diâmetro. Uma cápsula vedava uma das extremidades, desafiando todos os esforços para retirá-la.

Kerlon voltou impaciente para sua nave. A contragosto, entregou o tubo a seus cientistas, verificando com alguma satisfação que também eles nada conseguiram.

Voltou mais uma vez à pirâmide, sem encontrar, todavia, mais nada de importante. A não ser uma estranha gaiola que seus cientistas descobriram num aposento lateral.

Mais uma vez, Kerlon não hesitou em arriscar sua vida pelo bem de seu povo. Conhecia a função daquela alavanca no interior da gaiola. Entrou e puxou-a para baixo.

Seus companheiros tiveram então a certeza de que os desconhecidos agora atacariam, e desta vez Kerlon não escaparia de sua ira. Desaparecendo o comandante diante de seus olhos, dissiparam-se as últimas dúvidas. Tinham perdido seu chefe.

Kerlon, no entanto, não ficou muito tempo desaparecido. Dez segundos mais tarde já estava de volta, um pouco pálido e assustado, mas, para surpresa e alegria dos arcônidas, sem um arranhão sequer. Atacado de perguntas, Kerlon apenas balançou distraidamente a cabeça, olhou para o sol quase a pino lá fora e deixou-se cair sentado sobre uma pedra perto da entrada da pirâmide. Percebeu não mais ser possível deixar de falar.

— Meio-dia agora — disse lentamente. — Por alguns segundos, do outro lado do planeta, em algum lugar, estive sob a noite mais escura. Aquilo lá dentro da pirâmide é um hipertransmissor de matéria. Conhecê-mo-lo teoricamente, mas nunca conseguimos construir um. Como é possível existir um aparelho assim num planeta habitado apenas por selvagens primitivos?

Ninguém lhe pôde responder.

Claro que naquele mundo não havia alguém de inteligência capaz de compreender o que representava esse hipertransmissor. Mesmo os arcônidas. Estava em perigo o nascente império galático. Subitamente surgira um adversário a ser levado a sério. Só que inteiramente desconhecido.

Urgia descobrir, não fosse mediante o tubo, talvez através do hipertransmissor: um dos dois os levaria a seus construtores. Cumpria, portanto, experimentar todos os hipertransmissores daquele planeta.

Tarefa difícil, pois se uma parte de seus habitantes era assustadiça e respeitosa, a outra agia com manifesta hostilidade. Ainda mais que os arcônidas consideravam indigno deles lutar contra raças inferiores, havendo mesmo uma proibição a respeito. Assim, não restava margem à organização eficaz de um sistema defensivo.

Era uma questão de sorte. Para uns eram deuses os viajantes espaciais que ali desciam, para outros, inimigos encarniçados que deveriam ser combatidos. Portanto, restava era procurar os que ainda davam valor às tradições religiosas.

Kerlon partiu com sua frota e, depois de muita procura, pousou exatamente ao lado de um castelo construído no topo de uma pequena colina. Os vastos campos até as montanhas distantes indicavam a presença de uma administração planificada.

Apesar de certa esta conclusão de Kerlon, não deixava, no entanto, de ser falsa.

Não poderia adivinhar que nos bosques próximos se escondiam bárbaros, à espera apenas de uma oportunidade de se vingarem da derrota. Kerlon ignorava também que nesse meio tempo Gagat já se recuperara do choque de ter lutado contra deuses. Aliás, nesse meio tempo chegara à conclusão de que isso eles não eram. O mundo era grande e nele viviam mágicos poderosos. Não bastava a força para vencê-los num ataque de surpresa. Também eram necessárias a astúcia e a inteligência.

Sendo assim, reuniu ao seu redor os sobreviventes do ataque malogrado e juntos puseram-se à espreita. Chegaria um momento que esses forasteiros teriam de deixar o castelo e então seriam liquidados.

Mas qual não foi a surpresa dos bárbaros quando, no terceiro dia, de madrugada, três gigantescas esferas prateadas surgiram no céu matutino! Muito maiores que o sol, o olho do deus. E se aproximavam cada vez mais. Pousaram bem longe do bosque.

Gagat teve de usar toda a sua força de persuasão e autoridade para impedir a fuga imediata de seus guerreiros, que não primavam pela coragem. Contudo, não podiam ser mesmo levados a mal os soldados derrotados. No castelo havia deuses e agora outros mais chegavam do céu como reforço. Pareciam impossíveis de combater.

Mas Gagat era de outra opinião. E os acontecimentos que se seguiram lhe dariam razão, ou ao menos assim se afigurava no princípio.

Quando Rhodan e sua gente foram avisados da chegada das três naves, logo atinaram que a pista dos imortais era infalível.

Os acontecimentos haviam sido fixados em todos os seus pormenores há dez mil anos. Só não atingiria a meta quem perdesse a pista. Uma coisa estava, pois, subordinada à outra.

E Rhodan queria alcançar essa meta.

O próprio Lesur foi quem trouxe as novidades. Estava muito agitado.

— Senhor, eles chegaram, conforme disse.

Somente por fora Rhodan manteve sua calma. Por dentro, desencadeava-se uma tormenta. Haviam chegado os arcônidas, os mesmos que há quase dez mil anos pousaram no sistema solar e construíram sua base em Vênus.

O tempo girara ao contrário. Só agora Rhodan compreendia isso em todo o seu alcance e significado.

— Onde desceram, Lesur?

— Lá fora na planície. Deseja cumprimentá-los?

Rhodan lançou um olhar interrogativo a Crest. O arcônida balançou a cabeça de modo quase imperceptível. Rhodan admirou-se mas não fez perguntas.

— Nós lhe mandaremos um representante. Espere lá fora perto do portão.

Quando o ferrônio saiu, Rhodan olhou interrogativamente para Crest. O arcônida sorriu levemente.

— Não queremos despertar sem necessidade a desconfiança de Kerlon. Além disso, não consta no Arquivo Central que a expedição tenha descoberto seres humanos no sistema Vega. Portanto, eu mesmo irei.

— E será menos suspeito?

— Claro que sim — asseverou Crest. — Há dez mil anos, havia muitas naves arcônidas que exploravam o universo conhecido e o desconhecido. Nem sempre mantinham comunicação entre si. Portanto, Kerlon não me conhece. Direi a ele que chegamos há meses e pesquisamos bem todo o planeta. Talvez o convença a prosseguir até a Terra.

— Isso seria... — ia dizendo Rhodan, mas faltou-lhe o fôlego.

Olhou admirado para Crest. O arcônida continuava a sorrir.

— Isso explicaria o fato de Kerlon ter se dirigido tão depressa para o sistema solar de vocês e levado tanto tempo lá, à procura do planeta da imortalidade, até ser surpreendido pela morte. Posteriormente, devia ter suspeitado de alguma coisa, mas era tarde. A verdade é que nunca confessou ter sido ludibriado.

— Você está tentando influir no futuro.

— De modo algum — contraveio Crest.

— Só estou tentando arranjar as coisas para que daqui a dez mil anos encontremos em Vênus as respostas às nossas perguntas. Como se poderia denominar isso? Realmente não sei.

Rhodan calou-se. Aliás, o que poderia responder?

Crest foi tomado de uma atividade fora do comum. Reacendia-se nele a antiga energia que tinha tornado possível para a sua raça a conquista de um reino estelar. Fora ultrapassado o período de inatividade e o subseqüente aparecimento da degenerescência. Era novamente um daqueles arcônidas que com um simples aceno anexavam ao Grande Império sistemas solares inteiros.

Talvez isto se devesse ao fato de ter voltado ao tempo do apogeu de sua raça. Como saber das influências psicológicas de uma tal viagem?

— Levarei o robô comigo — disse Crest, verificando a carga da sua pistola de radiação. — Naquela época havia robôs desse mesmo modelo.

— A pistola de radiação também vai? — indagou Rhodan, na esperança de ter surpreendido uma negligência de Crest. O arcônida, porém, sorriu com indulgência e bateu de leve na coronha da arma.

— É o mesmo modelo usado há dez mil anos. A arma é perfeita, o que haveriam de mudar nela? Portanto, quem vai mesmo sou eu. Marshall, pode permanecer em contato comigo?

O telepata hesitou, assentindo em seguida.

— Acho que poderia dar certo se me concentrasse em você. Espero que a distância não seja muito grande.

— Há de conseguir, sim — assegurou Crest, dirigindo-se depois ao robô. — Acompanhe-me.

Rhodan, pensativo, seguiu-os com o olhar. Detestava ter de ficar para trás, inútil. Pela primeira vez a iniciativa lhe fugia das mãos pela força da lógica.

 

Kerlon estava organizando uma expedição, quando avistou três vultos se aproximando da nave pousada.

Eram três homens vestidos de maneira diversa.

Caminhavam pela extensa planície, provenientes do castelo. Na frente vinha um monstro prateado que pareceu familiar a Kerlon, tanto por sua forma, quanto pelos movimentos. Primeiro julgou tratar-se de um homem com armadura, mas logo reconheceu um robô.

Robô? Num mundo primitivo?

Voltou-se para os oficiais.

— Gradue o visor para uma ampliação da imagem. Tenho a leve impressão de que chegamos tarde demais.

De início, ninguém entendeu o que ele queria dizer com aquilo, mas quando o visor oval mostrou os três vultos, o oficial finalmente compreendeu.

O ser de metal que se encaminhava para eles era um robô arcônida.

Ao mesmo tempo divisaram Crest, que vinha empertigado, com todo o orgulho inato de sua raça. Trazia roupas estranhas, ao invés dos trajes espaciais usados pelos arcônidas, mas sua origem era inconfundível. Ao seu lado caminhava um homem miúdo, de vistosa capa colorida, certamente um habitante do planeta.

— Que pena — murmurou Kerlon, visivelmente decepcionado. — E eu que nos julgava os primeiros a descobrir este sistema. Estou curioso de saber quem terá chegado na nossa frente.

— Vamos ao seu encontro? — propôs o oficial.

— Seria um gesto de amizade — acedeu Kerlon, erguendo-se. — Desligue o visor e me acompanhe.

Kerlon não mais tinha dúvidas. Uma das muitas expedições que exploravam o universo atrás de sistemas solares habitados chegara àquele planeta, estabelecendo contato com os nativos. Inteiramente normal. Assim, mais cedo ou mais tarde, mais este sistema gigantesco seria incorporado ao Grande Império. Desta vez, porém, não seria por mérito de Kerlon. Pena, mas nada a fazer.

— Dou o alarma? — o oficial perguntou já sabendo a resposta.

Kerlon meneou a cabeça.

— Para quê? Evidentemente são amistosos os habitantes deste planeta. Não fosse assim, o arcônida e o robô não poderiam se movimentar tão livremente. Não há perigo algum, é certo.

Kerlon e seu oficial deixaram, pois, a nave, e foram ao encontro de Crest.

 

Gagat e seus guerreiros mais corajosos conseguiram se esgueirar até junto das três naves, utilizando habilmente os arbustos e as falhas do terreno. Os onze homens agrupavam-se, bem escondidos pela grama alta, à espera dos acontecimentos.

Viram três vultos saírem do castelo e vir caminhando, enquanto da esquerda dois homens iam ao seu encontro. A menos de vinte metros de seu esconderijo, os dois grupos se encontraram. Conversaram, sem que Gagat e seus homens conseguissem compreender nenhuma palavra. Apertaram-se as mãos.

— Eles se conhecem — sussurrou Gagat, decepcionado. — Vieram se apoderar de nosso mundo. E Lesur é seu aliado. Precisamos matá-los.

Radgar, o seu novo comandante, pousou a mão direita no braço do seu chefe. Com voz rouca, segredou:

— Talvez fosse melhor levá-los como prisioneiros, ao invés de matá-los. Enquanto estiverem em nosso poder, os outros deuses não irão arriscar um ataque contra nós.

Gagat assentiu lentamente.

— Muito sagaz que você é — reconheceu. — Mortos, não nos serviriam de nada, mas como reféns, sim. Cuide que nenhum deles seja ferido. Espere até que eu dê o sinal para nos lançarmos sobre eles, num ataque de surpresa.

Tomaram posição novamente no fundo da depressão do terreno, na expectativa de que os forasteiros se aproximassem mais.

 

Crest não se admirou muito de ver os dois arcônidas se encaminharem para ele, sem conseguir reprimir, entretanto, uma estranha emoção.

Há dez mil anos aqueles dois estavam mortos. Apesar desse abismo, logo estariam frente a frente. A morte fora vencida e se tornava possível influir no futuro.

Mas, seria isso verdadeiro? O que ia fazer agora acaso não constituiria algo de inelutável que possibilitaria o que já acontecera dez mil anos depois?

“Contudo, como seria, se eu não estivesse agora aqui e se Kerlon nunca me houvesse encontrado?”, perguntava-se Crest, maravilhado. Descobriu imediatamente a resposta. Outra pessoa estaria em seu lugar e aconselharia Kerlon a seguir para o sistema solar.

Já se encontravam frente a frente.

— Vejo — Kerlon sorriu levemente — que chegamos tarde demais. Você nos passou a frente.

Crest compreendeu imediatamente, assumindo o papel.

— Encontramos este sistema por puro acaso, Kerlon, e nos pareceu possível anexá-lo ao Grande Império. Seus habitantes se acham prontos a se tornarem súditos.

No mesmo instante percebeu que cometera um erro decisivo. De onde saberia o nome de Kerlon?

O outro ergueu as sobrancelhas.

— Conhece-me? Não me lembro de já nos termos encontrado antes.

Crest logo se recobrou.

— Crest é o meu nome. Minha nave explora os outros planetas e fiquei para trás com alguns homens. A Central de Árcon comunicou-nos que você estava a caminho.

Kerlon meneou a cabeça.

— Seria difícil — retorquiu. — Ninguém sabia da minha intenção de explorar esse sistema. Só se for pura suposição. Encontramo-nos por acaso.

— Desde quando fazemos explorações sem ordens? — Crest simulava uma leve censura, a fim de esconder seu embaraço. Sabia que Kerlon evitaria perguntar à Central. Estar ali sem ordens seria um procedimento ilegal. — Deixemos isso de lado — tornou Crest, sorrindo significativamente. — Para ser sincero, não comuniquei à Central onde estou. Julgam que apenas passei pela orla do sistema; Portanto, reivindique para si o mérito da descoberta. Espero que assim sua simpatia por mim aumente.

Kerlon trocou um olhar de surpresa com o seu oficial e em seguida estendeu a mão para Crest.

— Você é muito amável, Crest. Será melhor então não comunicarmos coisa alguma à Central sobre nosso encontro. E para ser sincero, dou grande valor ao fato de poder constar como descobridor oficial desse sistema. Tenho minhas razões. Saiba que estou na pista de um grande segredo, cuja posse dará aos arcônidas o domínio de todo o Universo.

Crest assentiu com a cabeça, pensativo.

— Se quer se referir à imortalidade, posso lhe dar um bom conselho.

Os olhos de Kerlon arregalaram-se de espanto e abalo. O que considerava como segredo seu era mencionado por aquele comandante desconhecido como algo de secundário. Crest viu que talvez tivesse ido um pouco longe demais. Como poderia amenizar o choque?

— Encontrei indícios — disse — de que deve haver no Universo uma raça que descobriu o segredo da renovação das células, o que considero uma loucura. Vejo, porém, que levou a história mais a sério do que eu. Está bem, que cuide disso. Como não pretendo continuar a seguir a pista, passo a lhe transmitir minhas suspeitas. A vinte e sete anos-luz daqui, há um sistema solar...

— Eu sei — retorquiu Kerlon, para espanto de Crest. — A pista leva até lá. Agradeço sua gentileza, Crest. Assim que tiver registrado este sistema, o que será feito imediatamente através do cérebro positrônico, procurarei o outro, que fica a vinte e sete anos-luz daqui. E você, o que fará?

Crest sorriu.

— Minha missão consiste em explorar o setor AM53Y. Uma de nossas naves parece ter caído lá.

Era uma coordenada que Crest escolhera ao acaso.

— Ótimo — assentiu Kerlon, satisfeito. — Então podemos nos unir. Vai deixar este mundo assim que sua nave voltar?

— Pretendo.

— Como conseguiu fazer boas relações com os nativos?

— Existem várias raças. Os habitantes daquele castelo lá em cima pensam que somos deuses e nos são dedicados. Ajudamo-los contra um ataque de seus inimigos, os chamados bárbaros.

— Está se intrometendo nos assuntos de um povo inferior? — admirou-se Kerlon.

— Tivemos de nos defender.

— É proibido lutar contra raças primitivas — ponderou Kerlon.

— Não nos casos de legítima defesa — contraveio Crest.

Kerlon quis dizer alguma coisa, mas as palavras ficaram presas na garganta, pois exatamente naquele momento Gagat resolveu aprisionar os valiosos reféns.

À frente de seus guerreiros, lançou-se sobre o pequeno grupo, cercando-o em poucos segundos. As espadas erguidas não deram tempo a Crest de puxar a pistola de radiação que balançava em seu cinturão. O assalto fora tão perfeito a ponto de não poder oferecer a menor resistência, sem pôr em risco a própria vida.

Até mesmo Robby percebeu aquilo imediatamente. Sabia que se quisesse lutar, provocaria uma situação perigosa. Alguém certamente encontraria oportunidade para matar um dos arcônidas ou mesmo Lesur.

Por isso manteve-se na expectativa. Para ele pessoalmente não havia perigo, porém, a vida de seus criadores estaria acima da sua própria. Mas, ainda que assim não fosse, não poderia ter agido de outra forma.

Gagat encostou a ponta de sua espada no peito de Lesur.

— Será que os deuses poderiam ajudá-lo agora? — perguntou, zombeteiro. — Não tenha medo, nada irá acontecer com você ou com seus amigos. Logo que entreguem as três esferas que vieram do céu, deixo-os livres.

Ao contrário de Kerlon, naturalmente, Crest compreendeu aquelas palavras. Desconfiava das intenções dos bárbaros, sem fazer a mínima idéia, contudo, do que fariam com as naves.

— Estou lhe avisando, Gagat — disse Lesur corajosamente, pois jamais estivera tão perto da morte em sua vida. — Nossos deuses podem acabar com vocês se quiserem. Se não o fazem, é porque desejam dar a você uma oportunidade. Liberte-nos ou se arrependerá.

Kerlon não via possibilidade de salvação. Certamente o pessoal das naves observara o incidente, impossibilitados, entretanto, de ajudá-los, a menos que se colocassem em perigo. Além do mais, havia a proibição do uso de armas mortais contra povos primitivos.

Com uma gargalhada sardônica, Gagat guardou de volta a espada, num aceno à sua gente.

— Cada prisioneiro segue no meio de dois homens. Prestem atenção, estejam prontos a matá-los a qualquer momento, não se deixem surpreender.

Kerlon olhou para Crest.

— Certamente ainda não está a par dos costumes dos nativos — proferiu, numa leve censura — para que isso possa ter acontecido. O que tem a dizer?

— Não se preocupe, Kerlon. Sem demora estaremos livres. Meus amigos já sabem o que aconteceu e podem intervir a qualquer momento. Talvez aguardem apenas uma ocasião mais propícia. Caso isso aconteça, Kerlon, é favor não se espantar, nem fazer indagações.

— Como assim?

— Silêncio, agora! Os bárbaros podem desconfiar. Mais uma coisa apenas: meus amigos mantêm contato permanente comigo, ouvem cada palavra que dizemos. Devem atacar imediatamente, só espero que enquanto isso os seus homens fiquem quietos nas naves.

— Se desobedecerem à ordem e tentarem me libertar, não posso censurá-los.

— Claro que não, mas observe apenas! Nossa prisão está prestes a findar. Mais uma vez lhe peço para não fazer perguntas.

O conselho era necessário, pois os acontecimentos subseqüentes deviam parecer inverossímeis aos olhos de Kerlon.

A espada de Gagat como que adquiriu vida própria. Escapou de sua mão e subiu lentamente, a poucos centímetros acima da grama, flutuando no ar. Os bárbaros mostraram-se tão estupefatos a ponto de esquecerem inteiramente de suas intenções, desapercebidos de que o mesmo poderia ocorrer com eles. Portanto, não foi de espantar quando nove outras espadas acompanharam a primeira. Aparentemente sem peso, formavam no alto uma figura bem delineada contra o céu claro. Suspensas, as pontas encostando umas nas outras, num círculo. Uma lacuna indicava a falta da décima primeira espada.

Apesar de toda a mágica, seu dono não parecia disposto a desistir facilmente. Aferrava-se convulsivamente à arma em sua mão.

Os dons telecinéticos de Anne Sloane eram, porém, mais fortes.

A espada subiu, arrebatando o bárbaro, agarrado a ela com desespero. O valente soldado esperneava, tentando alcançar o chão com os pés. Tudo inútil! Já a dois ou três metros do solo, continuava sendo puxado inexoravelmente pelo ar. Finalmente, deve ter compreendido que não adiantava contrariar a vontade dos deuses.

Soltou-se, caindo para o chão. Anne não se esforçou para suavizar-lhe a queda. Já era trabalho demais manter paradas em ornamento as onze espadas.

Os bárbaros estavam desarmados.

Crest puxou tranqüilamente a pistola de radiação e apontou-a para Gagat.

— Vejam como é inútil insurgirem-se contra nós. E agora o melhor é desaparecerem o mais depressa que puderem. No próximo encontro, posso perder a paciência.

Gagat lançou um último olhar para a espada fora de seu alcance, recordou-se do efeito da fantástica arma na mão do super-homem de cabelos brancos e seguiu o conselho. À frente de seus guerreiros, iniciou a retirada para a orla do bosque.

Kerlon pouco tempo tinha para se ocupar dos bárbaros em retirada. Perplexo de todo, continuava a fitar as onze espadas suspensas. Via-se que seu cérebro trabalhava febrilmente para compreender.

Crest viu-se forçado a dar uma explicação.

— Já disse, Kerlon, para não se surpreender. Deve ter notado como os bárbaros não ficaram muito admirados com o que aconteceu. Apesar do primitivismo, há neste mundo coisas que mal conhecemos. O que está vendo é o trabalho de um telecineta.

— Foi o que pensei — assentiu Kerlon placidamente. — Você o conhece?

— É um ferrônio, cujo cérebro está adiante de seu tempo, só isso. Como sabemos, há raças inteiras de telecinetas. Nossos sábios...

— Eu sei — atalhou Kerlon, resignado. — Nunca compreenderemos de todo, o que é pena. Agora, esse a quem se refere nos salvou de uma situação perigosa. Devemos agradecer-lhe.

— Faremos isso esquecendo o incidente — advertiu Crest. — Os ferrônios acreditam que fomos nós que lhes conferimos esse dom. Se fizermos muito estardalhaço a respeito, poderão suspeitar.

Kerlon acedeu, olhando mais uma vez para as espadas lá no alto. Em seguida, apontou para as naves à espera.

— Pode me dar a honra de uma visita?

Crest aceitou.

Ainda não sabia o que precisava obter de Kerlon, para encontrar o caminho para a luz.

 

Enquanto isso, Rhodan se via diante de uma difícil decisão.

— A última indicação nos induzia a não esperarmos mais de três dias para voltar ao conversor de tempo. Hoje é o terceiro dia, mas de Ferrol. Os três dias terrestres já se escoaram.

Bell empalideceu.

— E se queriam dizer dias da Terra, e interpretamos a informação de maneira errada?

— Nesse caso não poderemos sair daqui — respondeu Rhodan calmamente. — Acho, entretanto, que o imortal deve ter se guiado pelo tempo do planeta onde estávamos. Com isso, nosso prazo termina hoje à tarde. Marshall, o que está acontecendo agora?

O telepata estava sentado num sofá, a um canto do aposento a eles reservado. Guardava silêncio, numa grande concentração.

— Crest e Lesur acompanham Kerlon na nave capitania da expedição. Robby ficou esperando do lado de fora. Kerlon diz que quer mostrar uma coisa a Crest.

— Olhe! — fez Bell. — É isso aí!

— Isso o quê? — Rhodan ergueu as sobrancelhas.

— O que procuramos, é claro. O caminho para a luz. Ralf Marten não poderia atacar? De qualquer modo, não está fazendo mesmo nada, só se aborrecendo por aí.

O mutante de olhos amendoados sorriu.

— Aborrecendo? Um pouco de exagero. Contudo, talvez fosse realmente uma boa idéia se eu pudesse me apossar por algum tempo dos sentidos de Kerlon. Marshall poderia ler meus pensamentos e comunicar-lhes o que vejo e escuto. Para isso, deixarei no meu corpo uma pequena parte de minha consciência. A outra parte deverá ser suficiente para controlar Kerlon. Ele nada perceberá, e assim teremos uma boa visão do que acontece lá na nave capitania dos arcônidas.

Rhodan concordou, satisfeito.

— Também prefiro que Crest e Kerlon não fiquem tão sozinhos. Afinal são arcônidas.

— Não confia inteiramente em Crest? — surpreendeu-se Bell. — Ele evitará qualquer bobagem.

— Não creio que seja de propósito, Bell, mas os arcônidas também não são infalíveis, como já vimos. Devemos estar prontos a intervir nos acontecimentos. O que teria acontecido se Anne não afugentasse os bárbaros?

— Ela pôde fazer isso aqui da torre do castelo, mas não do interior da nave, onde não vê nada. Portanto, mantenhamo-nos duplamente vigilantes, pelos menos é o que penso. Bem, Marten, trate de enviar seu espírito.

Marten estirou-se no sofá, depois que Marshall lhe deu lugar. Entrou logo em transe. Não foi difícil para Marshall captar as impressões que o outro mutante, agora dentro de Kerlon, recebia e enviava.

— Crest e Lesur estão sentados com Kerlon e seu oficial em volta de uma mesa — relatou o telepata, a voz calma. — Kerlon fala alguma coisa sobre certa pirâmide que descobriu em algum lugar de Ferrol. É nas montanhas. E nesta pirâmide havia um hipertransmissor de matéria que lhe causou admiração. Achou também outra coisa, um cilindro de metal. Vai mostrá-lo a Crest.

Rhodan olhou para Bell.

— É, acho que deve ser o que procuramos! — proferiu devagar.

Bell assentiu.

John Marshall continuou falando.

— Prosseguiu tentando abrir a cápsula de metal, mas até agora nada conseguiu. Crest quer pegá-la, mas Kerlon impediu-o. Alegou que pertence a ele e que talvez venha a pôr em perigo o seu hóspede. Ninguém está apto a saber dos perigos deste mundo desconhecido. Acabou de passar por um deles. Crest age como se o cilindro não o interessasse. Boa tática, pois agora Kerlon se sente logrado na sensação que pretendia causar. Afirma que o cilindro guarda relação com a raça dos imortais, existente em algum lugar deste universo. Crest, no entanto, acha improvável. Representa bem o seu papel.

Marshall calou-se. Marten permanecia imóvel. O silêncio era absoluto no aposento, sendo interrompido finalmente pela entrada de Anne Sloane, de regresso da torre.

— Deixei que as espadas caíssem bem lá do alto, para se arrebentarem sobre as pedras. Não poderão usá-las por enquanto.

Rhodan aprovou com a cabeça, pedindo-lhe que se calasse, com um aceno de mão. Anne compreendeu imediatamente. Sentou-se ao lado de Ras Tshubai, impaciente por entrar em ação.

Marshall recomeçou a falar e relatou o que Marten via através dos olhos de Kerlon.

— Um oficial entra na cabina onde os quatro homens se encontram sentados. Revela que um grupo de nativos se esgueiram em direção à nave, como que para tomá-la de assalto. Pela descrição, só podem ser bárbaros. Kerlon está preso às suas instruções. Não pode iniciar luta alguma. Crest decide deixar imediatamente a nave. Lesur parece desesperado. Sem a proteção da nave, julga-se perdido, apesar de toda a mágica dos deuses. Crest ergue-se, mas hesita. A cápsula de metal, como levá-la com ele? Kerlon parece notar seu interesse. Sorri, enfiando o cilindo no cinturão, onde crê que esteja em segurança. Em seguida, se oferece para acompanhar seus hóspedes até a escotilha.

Rhodan voltou-se, rápido, para Anne.

— Pode-se ver bem a nave lá da torre? A telecineta assentiu, solícita.

— Muito bem, até. Como também a Robby. Está debaixo da escotilha da nave central.

— Esplêndido! Ras, venha conosco. Anne, também. Marshall, fique aqui e escute o que Marten tern a contar. Vamos! Você também, Bell!

Passaram correndo por alguns ferrônios espantados, e subiram os muitos degraus ascendendo à plataforma, e de lá à torre.

Ali de cima tinha-se uma visão magnífica até as montanhas distantes. Na planície havia três naves gigantescas elevando-se até o céu, tampando a vista daquele lado. Saindo do bosque, cerca de cem bárbaros se lançavam sobre as naves. A distância era ainda de meio quilômetro. Naquela última tentativa desesperada, Gagat não procurava mais disfarçar suas intenções. Atacava abertamente as naves espaciais com lanças e espadas. A indulgência até agora demonstrada pelos deuses certamente o encorajava. Confundia benevolência com fraqueza.

Crest abandonou a nave em companhia de Lesur. Na escotilha se achava Kerlon. Via-se distintamente o cilindro em seu cinturão. Fez um aceno, aparentemente sem se preocupar em averiguar como Crest se poria em segurança. Talvez, no fundo, aguardasse que a testemunha do seu suposto fracasso viesse a desaparecer.

O que seria uma loucura. Afinal Crest lhe garantira que desistiria do direito da descoberta. Qualquer que fosse a razão, no entanto, Kerlon seria curioso o suficiente para esperar um pouco antes de partir, à espera de ver como o outro se sairia da situação.

O robô esperava por seu senhor. Sem se preocupar com os bárbaros que avançavam, começou a andar em direção ao castelo.

Gagat já se atinara o bastante para não se preocupar com os três homens que tentara agarrar inutilmente. As naves eram a sua meta, apenas isso.

Crest sabia que falhara em sua missão. Avistara o cilindro de metal e adivinhara instintivamente ser aquilo que deveriam buscar no passado. Mas como tirá-lo à força de Kerlon? Que aconteceria se Kerlon começasse a desconfiar? Seguiria em direção ao sistema solar?

Rhodan precisava intervir agora.

Kerlon acompanhou Crest com o olhar.

Começava aos poucos a sentir como era estranho aquele encontro. Quem seria aquele homem, que sabia tanto, mas fazia tantas perguntas? Por que desistiria espontaneamente da glória de ser considerado o descobridor de um sistema habitado? O que saberia daquela raça, a respeito da qual tudo se ignorava?

Perguntas e mais perguntas, sem resposta alguma.

Kerlon verificou que os bárbaros não se preocupavam com Crest, nem com o robô, nem com o nativo. Os três se encaminhavam, desinteressados, em direção ao castelo próximo. Os bárbaros, no entanto, estavam mais próximos, balançando as espadas primitivas, sedentos de luta.

Kerlon virou-se de súbito, querendo subir para a comporta de ar. Tropeçou e perdeu o equilíbrio por alguns segundos. Agarrou-se na borda da escotilha., mas com esse movimento inesperado, o cinturão afrouxou-se. O cilindro liso escorregou, caindo verticalmente lá embaixo, sobre a grama alta, sob a escada.

Kerlon viu-o cair numa pequena depressão do terreno, rolar para um lado e lá ficar.

Hesitou. O tubo era uma parte componente da pista a ser seguida. Precisava reavê-lo. Além do mais, os bárbaros já se aproximavam e começavam a jogar suas lanças sobre ele. Não podia se defender, nem usar força. Lei é lei, e Kerlon não haveria de saber que essas leis seriam mudadas dentro de algumas centenas de anos.

Gritou uma ordem. Um oficial ouviu-a e passou adiante. Alguns segundos depois, as duas outras naves decolaram, ganhando lentamente altura. Apenas a capitania permanecia em seu lugar. Alguns segundos depois, entraram em ação alguns canhões caloríferos.

Os bárbaros apavoraram-se ao virem surgir a seus pés um círculo de fogo aproximando-se inexoravelmente. A grama começava a se queimar. A fumaça subia aos céus. Hesitaram no ataque, que parecia ter começado tão bem.

Kerlon soltou a escada rolante e desceu no meio da proteção do círculo de fogo que os canhões haviam formado em volta da nave. Ninguém poderia penetrar ali. Precisava pegar o cilindro de metal.

Saltou na grama ressequida, à cata da depressão no chão. Havia de ser por ali. Olhou em volta, indeciso, sem se preocupar com as poucas lanças atiradas a esmo atravessando a cortina de fumaça.

E então, ao ver o tubo no chão, próximo a seus pés, uma coisa terrível aconteceu.

No meio da fumaça, um vulto negro materializou-se.

A aparição usava uniforme, mas era de rosto escuro, assim como as mãos e os braços nus.

Kerlon quase morreu de susto, mesmo nada tendo de supersticioso. Antes que pudesse se mover, a aparição negra curvou-se para o cilindro de metal e apanhou-o. Enquanto Kerlon ainda olhava, perplexo, alguém lhe tomar a dianteira, Ras Tshubai dissipou-se novamente no ar e desapareceu.

E com ele, conforme Kerlon constatou na sua fúria impotente, o tubo de metal a que dava tanta importância.

Uma lança passou sibilando junto à sua cabeça, recordando-lhe o fato de se achar em perigo imediato. Pulou depressa na escada rolante que agora se movia em sentido contrário, alçando-se em direção à escotilha. Tinha um ódio gelado, a esse Crest, à aparição negra e a tudo o que havia nesse planeta habitado.

Mas lei continuava sendo lei.

Deu partida à nave, à procura das duas outras esferas espaciais que já o esperavam na camada superior da atmosfera.

Aterrizaram em outra região de Ferrol, onde permaneceram três dias. Só então deixaram definitivamente o planeta.

Cruzaram o sistema sem parar, passando por planetas mortos e desabitados, até alcançarem o espaço exterior, além do quadragésimo terceiro planeta, quando Kerlon ordenou a transição. A meta era um sistema a mais de vinte e sete anos-luz de distância, onde o terceiro planeta mostrava os primeiros sinais de uma civilização emergente, que procurava se livrar dos traços de primitivismo.

Ali estavam nascendo os antepassados dos que iriam construir a Torre de Babel.

 

Rhodan fitava, indeciso, o tubo de metal.

Bell fazia suas observações costumeiras.

— Parece uma caixa de colecionar ervas — resmungou. — O que pode ter dentro?

— Uma das muitas respostas de que precisamos para chegar à solução da charada galáctica, um pequeno passo adiante na pista sem fim para a eternidade. Não nos resta muito tempo para especulações a respeito. Nosso prazo está quase terminado.

Já se tinham despedido de Lesur e dos consternados ferrônios e se achavam de volta à câmara vazia embaixo do castelo. O bloco metálico continuava imóvel, inalterado no centro do aposento. Mediante seu aspecto, não se podia saber se ainda se encontravam num passado remoto ou se já estavam de volta ao presente. A única indicação era o tamanho da abóbada. Ao chegarem, ela havia se alargado. Deveria, portanto, estreitar-se quando começasse a viagem para o futuro.

Rhodan consultou o relógio.

— Os três dias terminaram. Somente uma questão de minutos e então...

Calou-se de repente e pôs-se à escuta. Em algum lugar dos extensos corredores lá fora, diante da porta, alguém gritara. Um grito prolongado. Em seguida, ouviu-se o tinir das espadas umas contra as outras. Segundos mais tarde, o barulho do início de um ataque contra as tábuas da pesada porta de madeira.

Ras Tshubai ergueu-se. Olhou Rhodan interrogativamente. Bell lançou um olhar rápido para o tubo de metal e disse apressadamente:

— São os bárbaros. Tomaram novamente o castelo. Nossa ajuda aos ferrônios foi inútil.

— O destino tem cartas marcadas — retrucou Rhodan, pensativo. — A vitória do pessoal de Lesur não tinha mesmo de acontecer. Agora é tarde demais para ajudá-los.

Bell quis dar uma resposta, mas já não conseguia. Violentos golpes vibravam contra a porta que os separava da abóbada subterrânea do castelo. Vozes nervosas vociferavam. Deram-se ordens e em seguida fez-se um silêncio repentino. Uma voz profunda disse algumas palavras e uma gritaria de triunfo irrompeu. Passos se afastaram e retornaram segundos depois. Colocaram-se objetos diante da porta. Homens riam na expectativa.

Rhodan olhou para Ras Tshubai.

— Vá ver o que pretendem. Mas tenha cuidado e volte imediatamente.

Ras assentiu e o lugar onde estava ficou vazio.

Apenas cinco segundos, porém, e logo Ras estava de volta. Materializou-se e Rhodan imediatamente notou uma ferida que sangrava em seu pescoço.

— Querem fazer voar a porta! — arquejou o africano, apertando o ferimento com a mão. — Devem ter achado pólvora no castelo. Um dos bárbaros tinha tanta presença de espírito que atirou sua espada em minha direção. Não foi nada grave, mas temos de desaparecer imediatamente, ou estaremos perdidos.

— Desaparecer é uma boa — gemeu Bell, furioso. — Se esse conversor de tempo não funcionar, voaremos pelos ares. Com todo esse cilindro de metal!

Rhodan viu de novo a hora.

— Já é tempo. Agora ou nunca.

Voltou-se para Crest:

— Como é que o imortal pode saber que cumprimos a missão? Ele se encontra no presente ou veio conosco para o passado?

Antes que Crest pudesse responder, o robô falou:

— Ele não veio conosco, mas seu espírito está entre nós, no conversor do tempo. Ponha o cilindro de metal sobre o conversor, senhor, que o sistema eletrônico verificará então se é isso o que devemos buscar.

Rhodan obedeceu em silêncio.

Enquanto isso, lá fora diante da porta, pairava um silêncio absoluto. Os bárbaros deviam ter se retirado. Talvez a mecha já estivesse acesa.

— Tente apagá-la, Ras.

Enquanto isso, Anne colocara uma atadura ligeira no ferimento do africano. Sem raciocinar muito, Ras obedeceu ao comando de Rhodan, apesar de com isso arriscar-se a ter de ficar para trás, no caso de uma súbita transição do aposento para o futuro.

Três segundos depois, já estava de volta.

— Impossível! — gritou, de olhos arregalados. — Inteiramente impossível! Não dispõem de uma mecha, mas simplesmente de pólvora espalhada por todo o porão. Acho que vão fazê-la explodir com uma flecha incendiaria. Contra isso não posso fazer nada.

— Então temos imediatamente de impedir — principiou Crest, mas logo foi interrompido pelo zumbido que começava a vir do conversor do tempo. O chão sob seus pés começou a vibrar. Lentamente, o aposento começou a encolher. As paredes se tornaram novamente lisas.

A viagem para o futuro começara.

Quase que tarde demais.

Enquanto a porta de madeira desaparecia e se transformava numa parede lisa de metal, as ondas de pressão causadas por uma explosão jogavam ao chão os viajantes do tempo. Um intenso brilho luminoso fez com que fechassem os olhos, mas o calor que de repente sentiram desapareceu imediatamente. Ao mesmo tempo, voltou a escurecer.

— Estamos a caminho — disse Rhodan, aliviado, mas com tamanha naturalidade como se as viagens temporais fossem rotina em sua vida. — Acho que conseguimos.

Ao retornarem à base de Ferrol, avistaram Thora.

A arcônida olhou-os, espantada, não se mexendo ao ver Rhodan, Crest e os demais. Podia-se ver a decepção estampada em seu rosto. Mas então, ao descobrir nos rostos dos homens a barba de três dias, a decepção transformou-se em perplexidade.

Caminhou, vacilante, até o grupo e observou o rolo de metal nas mãos de Rhodan. Só com muito esforço conseguiu que as palavras lhe viessem aos lábios.

— O que significa isso? — indagou. — De onde foi que o trouxeram?

— De Kerlon — respondeu Rhodan. — Por que acha tão estranho? Nosso empreendimento não visava isso?

Thora fez que sim.

— Como poderia esquecer... em tão pouco tempo!

Acentuou particularmente as quatro últimas palavras, pousando o olhar interrogativamente nos rostos dos homens. Crest compreendeu logo. O imortal gostava de pregar peças nos mortais. Já acontecera uma vez. Para ele a modificação do conceito de tempo era apenas um brinquedo e portanto um meio de enganar e desconcertar os perseguidores voluntariamente atraídos pelas pistas.

— Quanto tempo estivemos fora? — perguntou Crest.

— Exatamente meia hora — respondeu Thora, em voz baixa.

Rhodan assentiu lentamente com a cabeça.

— Acho — observou com segurança — que devemos nos acostumar com esse tipo de coisas, enquanto tivermos de lidar com esse ser que domina o tempo e as dimensões. Muitas vezes procuro imaginar qual seria sua aparência, mas não chego a conclusão alguma.

E, para espanto de todos, o robô meteu-se de novo na conversa, sem ter sido convidado a falar.

— O imortal não tem absolutamente aparência...

 

Rhodan estava sentado na central do cérebro positrônico.

Fora fácil abrir a cápsula de metal. O fecho automático da tampa abrira-se ao chegarem ao presente. Um fecho temporal, nada mais.

No tubo havia uma folha fina de metal, coberta com uma escrita luminosa. Rhodan tirou apenas uma fotocópia antes de inserir a folha original no cérebro positrônico. Em seguida, o alto-falante anunciou:

— Não está em código. O texto será traduzido imediatamente e fornecido por escrito. Estará pronto dentro de meia hora.

Isso acontecera há vinte minutos.

Crest, Bell, Haggard e Thora esperavam, em companhia de Rhodan.

O chefe da Terceira Potência voltou-se para Crest e disse:

— Devemos ter em mente que as tarefas estão se tornando cada vez mais difíceis. O imortal tem cada vez menos consideração conosco. Se nos metermos em algum perigo mortal, teremos de nos livrar sozinhos. Se morrermos... — encolheu os ombros.

Crest assentiu, em tom grave:

— A pista se torna mais confusa e mais difícil de seguir. Disposta de tal forma, porém, que seres de inteligência excepcional e com dons especiais não a pudessem perder. Quem não possuir essas qualidades no grau exigido, estará perdido. E se morrer durante a busca, será porque não merece a imortalidade. Nosso amigo desconhecido calculou tudo.

— Tenho certeza de que nossa próxima tarefa será um pouco mais difícil, Crest.

— Pode ter certeza disso. Mas em compensação, estaremos mais próximos de nossa meta. Isso nos deve servir de consolo.

— E da próxima vez — atalhou Thora, em tom indiferente — irei junto. Também tenho direito a isso.

Antes que Rhodan pudesse responder, intensificou-se o zumbido do cérebro positrônico. O cartão com o texto traduzido, expelido através da fenda de emissão, caiu em cima da mesa, com a parte escrita para cima. Bell agiu com rapidez e foi o primeiro a apanhá-lo. Ergueu-o bem perto dos olhos e viu o que estava escrito:

 

Aquele que quer encontrar o caminho ainda tem permissão de desistir. Mas, se quiser prosseguir, saiba que não receberá mais auxílio. Em breve, o espaço sofrerá um abalo. Esteja atento e procure, mas lembre-se de que este mundo é gigantesco e desconhecido.

 

Bell baixou a folha de papel depois de lê-la em voz alta, e olhou, perplexo, para Rhodan.

— Afinal o que quer dizer dessa vez? Será que se trata mesmo de um texto compreensível?

Rhodan não respondeu. Permaneceu sentado, imóvel, de olhos semicerrados. Crest tirou o papel da mão de Bell e leu a misteriosa mensagem várias vezes, com toda a atenção, antes de passá-la para Thora. A arcônida também procurou encontrar um sentido nas palavras.

Bell mais uma vez revelou sua natureza impaciente.

— O espaço vai sofrer um abalo — berrou, batendo na mesa com o punho cerrado. — E temos de esperar por isso? Talvez uma explosão atômica?

— Absurdo! — exclamou Crest. — A simples transição de uma nave grande pode abalar o espaço. Talvez surja alguma nave. Mas o que significa a menção de um mundo gigantesco e desconhecido? Não pode ser Ferrol.

— Minha intuição me avisa, Crest! — proferiu Thora. — O que nos espera não é nada bom. Estamos sendo postos à prova. Até agora temos tido sorte, muita sorte mesmo. Mas, e se ela nos abandonar?

— Sem a esperança de ter sorte, a vida deixa de ter sentido! — filosofou Haggard. — Quero dizer é que não devemos desistir. O que acha, Rhodan?

Perry Rhodan fez lentamente que sim. Todos notaram o brilho duro em seus olhos e perceberam que a busca do planeta da vida eterna continuaria. O caminho estava diante deles, e não iriam se desviar. No fim dele, estaria a eternidade.

— Não quebremos a cabeça quanto ao que significa esse abalo — declarou Rhodan, com voz firme. — No tempo certo, saberemos. Saberemos também a que mundo se refere. Há outra coisa, porém, que me causa preocupação, outra coisa muito diferente. E vocês todos vão saber a que me refiro. Não será preciso que cada um descubra sozinho.

Bell curvou-se para a frente.

— Como assim, Rhodan?

— Na mensagem está escrito que muito breve o espaço sofrerá um abalo. Quando foi escrito isso? Há dez mil anos? Antes ainda? Pergunto simplesmente o que um imortal compreenderá por “em breve”?

Ninguém foi capaz de lhe dar uma resposta.

“Em breve” podia significar daqui a mil anos.

Mas também podia ser amanhã!

 

                                                                                            Clark Darlton

 

 

                      

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