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POISON PROMICE / Jennifer Estep
POISON PROMICE / Jennifer Estep

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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Gin Blanco é durona, sexy e letal. Chamada de A Aranha, ela é uma assassina Elemental de Pedra que traz sua mistura única de magia e habilidade para cada tarefa, não importando o alvo.
Há uma nova droga nas ruas de Ashland, e seu nome Burn{1} resume o efeito potente que ela tem sobre seus usuários. Quando um de seus funcionários do restaurante é ameaçado por traficantes, Gin entra em cena para corrigir as coisas...

 

 

Capítulo 1

— Alguém tem um aniversário chegando.

A voz em meu ouvido falou em um tom baixo e lento que era tão sexy quanto possível, mas eu ainda fiz uma careta pelas suas palavras.

— Não me lembre — resmunguei. — Eu tenho tentado esquecer essa data em particular no calendário há semanas.

Segurando uma mochila em uma mão e meu telefone na outra, eu parei perto da porta, deixando os estudantes universitários saírem da sala de aula e entrar no corredor. Eles correram em direção à saída, junto com o professor, todos ansiosos para se afastar dos salões sagrados de aprendizado tão depressa quanto podiam, mas eu fiquei onde estava até que os sons de sua tagarelice alegre tivessem desaparecido e eu pudesse retomar minha própria conversa.

— O que há de tão ruim em fazer trinta e um anos? — perguntou Owen.

Embora ele não pudesse me ver, já que nós falávamos ao telefone, eu ainda dei de ombros conforme saía da sala de aula e caminhava em direção às portas no final do corredor.

— Nada, na verdade. É apenas mais um dia e apenas outro número. Não me sentirei diferente antes, durante ou depois desse dia do que em qualquer outro. Mas esta época do ano... Coisas ruins sempre parecem acontecer próximo ao meu aniversário.

— Oh. — A voz do meu amante passou de sexy e provocante para calma e séria em um piscar de olhos. Ele não disse mais nada. Ele sabia exatamente a que coisas ruins eu estava me referindo. Minha mãe e minha irmã mais velha foram assassinadas. Pensando que Bria, minha irmãzinha, também havia sido morta. Fletcher Lane, meu mentor, sendo torturado até a morte...

— Eu apenas... Não quero azarar as coisas falando sobre o meu aniversário — eu disse. — E nem quero pensar na festa surpresa que Finn está planejando.

Silêncio.

— Que festa? — perguntou Owen finalmente, três segundos tarde demais para ser acreditável.

— A festa de sempre.

— O quê? — perguntou novamente, genuinamente confuso desta vez.

— A festa de sempre. A festa que Finn sempre planeja para mim. A que eu sempre digo a ele que prefiro não fazer. Aquela que o bastardo sorrateiro sempre consegue me surpreender de qualquer maneira, apenas quando penso que estou finalmente a salvo dele e de suas travessuras.

Finnegan Lane, meu irmão adotivo, achava que os aniversários eram uma época de grande celebração, júbilo e empolgação, e que deveria sempre ser marcado com bolo, presentes e pessoas se escondendo em uma sala escura esperando para pular e gritar com você no segundo em que acendesse as luzes. Eu estava bem com o bolo e os presentes, mas as pessoas pulando e gritando na minha direção sempre me faziam alcançar uma das minhas facas de silverstone.

Como eram os instintos de um assassino.

— Ele sempre consegue surpreendê-la com uma festa? — perguntou Owen. — Todos os anos? Acho isso difícil de acreditar.

— Sim, bem, não sou páreo para as artimanhas imprevisíveis de Finnegan Lane. Três anos atrás, ele fez a festa uma semana antes do meu aniversário. Dois anos atrás, ele esperou até três semanas depois do meu aniversário.

Ano passado foi o único nos últimos dez anos em que Finn não me dera uma festa, já que Fletcher havia sido assassinado naquela época. Nenhum de nós sentiu vontade de celebrar qualquer coisa.

Contornei um zelador que estava limpando o piso de linóleo. O sol entrando pelas janelas fazia a superfície lisa brilhar como uma moeda nova, mas quanto mais eu olhava para as manchas de água que secavam, mais escuras elas ficavam, transformando-se em um vermelho enferrujado e opaco, transformando-se em outro líquido. Sangue. Sangue de Fletcher escorrendo por toda a faixa de porco azul e rosa no chão do Pork Pit...

— Gin? — chamou Owen. — Você ainda está aí?

Balancei a cabeça para me livrar das memórias indesejáveis. — Desculpe, ainda estou em um dos prédios. A recepção é terrível aqui. Espere um segundo e deixe-me sair.

Cheguei ao final do corredor e empurrei as portas, saindo para uma das quadras da Faculdade Comunitária de Ashland. Construções de pedra cercavam o aberto espaço gramado, e um par de bordos se erguia do chão, com suas folhas vermelhas e alaranjadas formando manchas sombrias que dançavam sobre o gramado. Depois do intenso ar-condicionado dentro do prédio, o calor úmido da noite de setembro parecia um cobertor quente e bem-vindo em volta do meu corpo. Inclinei meu rosto para o sol, curtindo a sensação, antes que ela se transformasse no inevitável calor sufocante, quente e úmido.

Os alunos andavam de um lado ao outro no pátio, olhando para os seus telefones enquanto se dirigiam para outros prédios, ou andavam nos caminhos de paralelepípedos que atravessavam o campus até os estacionamentos. Já passava das sete horas, e este era o último período de aula do dia, então todo mundo estava pronto para ir a outro lugar para passar a noite, fosse para estudar na biblioteca, na casa dos pais para lavar a roupa suja ou encharcar suas células cerebrais em álcool em um bar próximo para fazê-las esquecer de tudo o que aprenderam hoje.

Parei por tempo suficiente para levantar a mochila, com suas canetas, caderno e cópia de You Only Live Twice, de Ian Fleming, um pouco mais alto no meu ombro. O livro era para o curso de literatura de espionagem que eu estava fazendo. Eu gostava de aprender coisas novas, então eu era uma espécie de estudante perpétua na faculdade, sempre me inscrevendo para uma ou duas aulas todos os semestres. Quando eu era mais jovem, as aulas ajudaram a matar o tempo entre minhas tarefas como a assassina Aranha. Agora as aulas ajudavam a matar o tempo entre as pessoas tentando me matar porque eu era a Aranha. Engraçado como minha vida tinha mudado neste último ano.

— Gin? — chamou Owen novamente. — Você ainda está aí?

Andei em direção ao estacionamento onde meu carro estava. — De qualquer forma, como estava dizendo, todo ano, eu imploro para Finn se esquecer de me dar qualquer tipo de festa, e ele sempre não dá a mínima atenção.

— Você quer que eu fale com ele?

Eu bufei. — Você pode tentar, mas ele não vai ouvir.

Owen riu. — Sim, provavelmente não.

— Apenas tente controlá-lo um pouco, ok? Não preciso de uma festa enorme com flamulas e balões e outras coisas. Um jantar agradável e tranquilo com você, Finn e Bria seria ótimo.

— Flamulas e balões? Parece que ele realmente faz tudo — brincou Owen.

— Você não faz ideia — resmunguei de novo. — Em outras festas?

— Sim...

— Uma delas contou com um mini zoológico. Finn alugou uma casa inflável para outra. Colocou-a na frente da casa de Fletcher. Eu fui lá depois do trabalho um dia e surpresa!

Owen riu de novo com o meu tom sarcástico. — Verei o que posso fazer.

Começamos a conversar sobre outras coisas, e deixei a voz dele tomar conta de mim, apreciando o profundo e familiar murmúrio de suas palavras. Todo o tempo, porém, eu me concentrei no que estava ao meu redor, examinando o pátio, olhando para portas e esquinas para o caso de alguém estar à minha espera. Um vampiro mostrando suas presas em antecipação de afundar seus incisivos em mim. Um gigante flexionando as mãos, ansioso para envolver minha garganta e me estrangular. Um anão rolando os ombros, pronto para me atacar e bater a minha cabeça contra o chão. Um Elemental de Fogo criando chamas na palma da mão, preparando-se para me queimar com sua magia.

Só porque ninguém tentou me matar na faculdade comunitária não queria dizer que um tolo otimista não teria a brilhante ideia de tentar. Eles certamente fizeram o esforço em praticamente todos os lugares que eu frequentava. Tantas pessoas tentaram me matar no meu restaurante de churrasco, o Pork Pit, que perdi a conta de quantas eu matei ao invés disso.

As pessoas estavam tentando me matar desde que matei Mab Monroe, a chefe do submundo de Ashland, no inverno. Com a morte de Mab, houve uma abertura para um novo rei ou rainha do crime na cidade, e muitas pessoas viram meu assassinato, o assassinato da Aranha, como um trampolim para o trono.

Eu? Bem, a princípio, eu estava tentando voar fora do radar e sobreviver a todas as tentativas de assassinato. Mas agora as pessoas estavam realmente começando a me irritar. Você pensaria que eu já havia matado suficientes capangas para que todos os outros captassem a mensagem e me deixasse em paz, mas aparentemente, os cérebros não eram abundantes em Ashland. Chocante, eu sei.

Mas cheguei ao estacionamento sem ninguém pular das sombras, gritando e tentando atirar, esfaquear, espancar ou me matar. Ainda assim, permaneci vigilante ao me aproximar do carro, pois esta área ficava perto de Southtown, a parte perigosa de Ashland, lar de gangues, prostitutas, cafetões e vagabundos desabrigados. E essas eram algumas das pessoas mais agradáveis por aqui. Eles não se incomodariam em me matar porque eu era a Aranha. Eles ficariam mais do que felizes em me matar pelo meu telefone, pelas chaves do meu carro e pelo que poderia estar na minha carteira.

Parei no final do caminho e examinei o estacionamento na minha frente. Como a maioria dos lugares perto de Southtown, a área era um pouco pior e desgastada. Fendas irregulares ziguezagueavam pela calçada, antes de se tornarem buracos largos, enquanto a tinta branca que marcava os lugares de estacionamento estava tão desbotada que você mal conseguia distinguir as linhas. Sacos de comida, cigarros triturados e copos de refrigerante do tamanho jumbo transbordavam das lixeiras, e a brisa constante os enviava rolando ao longo do asfalto, junto com o tilintar dos vidros das garrafas de cerveja quebradas.

Uma variedade de runas de gangues e marcas de grafite foi pintada com spray nas barreiras de concreto que cercavam o terreno do canteiro de obras vizinho. As palavras Vaughn Construction estavam em uma placa de metal pendurada na cerca de arame que corria atrás das barreiras, embora o V de Vaughn tivesse sido transformado em um coração vermelho gigante, graças aos talentos artísticos de um grafiteiro. Fiz uma nota mental para pedir que Finn descobrisse o que Charlotte Vaughn estava construindo aqui. Ou talvez eu fizesse uma visita a Charlotte uma noite e perguntaria a ela pessoalmente.

Não vi ninguém, mas em vez de seguir em frente, mantive minha posição e estendi a mão para minha magia. Os sentimentos, as ações e as intenções das pessoas afundam-se em qualquer pedra que estivesse ao seu redor e, como uma Elemental de Pedra, eu podia ouvir e interpretar todas essas vibrações emocionais. Como, digamos, se alguém estivesse se escondendo atrás de uma dessas barreiras de concreto, uma arma na mão, pronto para se levantar e atirar em mim no segundo que eu estivesse ao alcance, então as barreiras murmurariam para mim, da mesma forma que um homem poderia murmurar sob sua respiração enquanto esperava impacientemente que eu me apressasse e chegasse ali.

Mas o concreto e o pavimento apenas resmungaram com desagrado sobre toda a tinta spray, rachaduras e buracos que marcavam suas superfícies. Ninguém estava aqui para tentar me matar. Bom. Talvez eu realmente passaria um dia sem ter que lutar pela minha vida.

Passei pelo estacionamento, ouvindo Owen e ainda procurando por quaisquer sinais de problemas, mas meu Aston Martin prata estava exatamente onde eu havia deixado. Eu comprei o carro há algumas semanas por insistência de Finn. Ele exigiu que eu tivesse meu próprio Aston, já que eu tinha o péssimo hábito de conseguir que o dele fosse batido, espancado, amassado, ensanguentado, e geralmente destruído.

Olhei ao redor pela última vez, ainda meio esperando que algum idiota aparecesse entre dois carros, gritasse e me atacasse com uma arma, mas eu era a única aqui, então me concentrei na minha conversa com Owen de novo.

— Então, o que faremos hoje à noite? — perguntei.

— Bem — disse ele —, pensei em ficarmos em casa e termos uma noite tranquila. Você, eu, um bom jantar, talvez um tempinho juntos assistindo TV no meu quarto.

— Assistindo TV? Sério?

— Bem, se você absolutamente insistir, nós podemos pular a parte de assistir a TV — sugeriu Owen, em um tom rouco.

Mesmo que ele não pudesse me ver, eu ainda sorria. — Vamos.

Ele riu, e nós continuamos conversando enquanto eu puxava minhas chaves do bolso da minha calça jeans e destrancava a porta do carro...

— Onde você pensa que vai?

As palavras duras e o tom presunçoso que acompanhavam me fizeram parar e olhar por cima do meu ombro. Enquanto eu conversava com Owen, três caras de vinte e poucos anos tinham entrado no estacionamento, todos vestindo jeans, camisas polo e tênis. Uma garota da mesma idade corria na frente deles, os braços cruzados sobre o peito e a cabeça baixa, a velocidade aumentando a cada passo enquanto tentava se livrar dos rapazes.

A mochila da garota saltava sobre o ombro direito e um grande boton em forma de porco segurando um prato de comida, tudo feito em cristais azuis e rosa, piscou para mim. Eu fiz uma careta. Eu conhecia esse boton. Era uma aproximação rústica do letreiro de neon que ficava do lado de fora do Pork Pit. Sophia Deveraux, a cozinheira chefe, pediu uma caixa inteira de botons de porco e os entregou a equipe do restaurante para usar.

Concentrei-me na menina e percebi que também a conhecia. Cabelo preto comprido e ondulado, olhos cor de avelã, pele bronzeada, feições bonitas. Catalina Vasquez. Ela trabalhava como garçonete no Pit e tinha aulas na universidade, assim como eu.

E parecia que ela estava em apuros, assim como eu na maioria dos dias.

Catalina avançou, movendo-se o mais rápido que podia sem correr, mas os caras não a deixaram ir embora tão fácil. Um se adiantou e pegou sua mochila, tirando-a do ombro e derrubando-a no chão. Livros, blocos de anotações, canetas e muito mais saíram da bolsa. Catalina fez uma careta, mas não fez nada para se abaixar e pegar as coisas. Em vez disso, ela ficou de pé, as mãos cerradas em punhos apertados, como se quisesse se atirar nos caras e lhes dar uma boa surra.

Eu encostei-me à lateral do meu carro, observando a situação se desenrolar.

— Escute, Troy, eu já te disse antes. Não estou envolvida com drogas. Eu não as uso, não as compro, não as vendo, e com certeza não saio com caras que fazem isso — disse Catalina.

Troy, o cara que havia pegado a mochila, deu um passo à frente. Ele tinha cerca de um metro e oitenta de altura, com cabelo loiro escuro, olhos castanhos escuros, uma constituição corpulenta e um sorriso malvado. Meus próprios lábios se curvaram em resposta, um sorriso que era muito mais malvado que o dele.

— Ah, vamos lá, Cat — ronronou Troy, aproximando-se dela. — Não seja assim. Nós costumávamos ser amigos. Nós costumávamos ser muito mais. Eu me lembro de como nós éramos bons juntos, não é?

Troy estendeu a mão, como se fosse enrolar uma mecha do cabelo de Catalina em torno de seu dedo, mas ela bateu na mão dele antes que ele pudesse tocá-la.

— Isso foi há muito tempo — retrucou. — Antes que eu soubesse melhor.

Os olhos de Troy se estreitaram. — Você sabe, dada a nossa história, eu seria legal sobre isso. Não mais.

Ele estalou os dedos. Um dos outros rapazes se adiantou, abriu o zíper da mochila preta que estava segurando e tirou algumas sacolas plásticas, todas cheias de pílulas. Entregou as sacolas a Troy, que segurou para que Catalina pudesse vê-las.

— Tudo o que você precisa fazer é levar essas pílulas para aquela churrascaria onde trabalha e passá-las para os garçons e os clientes — disse Troy. — Distribuas aqui no campus também. Pense nelas como amostras grátis.

Ele riu, e os outros dois também.

A mandíbula de Catalina apertou forte, e ela olhou para Troy, seus olhos cor de avelã quase pretos de raiva. — Não irei distribuir suas pílulas. Esqueça. Encontre alguém para vender esse veneno para você.

Troy avançou em sua direção uma segunda vez, mas Catalina bateu na mão dele novamente. Troy se adiantou, e os outros dois caras se aproximaram atrás dele, os três cercando Catalina e a forçando a recuar contra a cerca de arame do outro lado do estacionamento. Os dois lacaios de Troy eram na verdade homens mais velhos – vampiros, dado o brilho das presas em suas bocas enquanto eles riam de Catalina.

— Você sai do bairro, e de repente acha que é melhor do que todo mundo. Bem, não tão grande e poderosa agora, não é? — desdenhou Troy. — Não quando somos três e apenas você.

Ela olhou friamente de um cara para o outro, sem um lampejo de medo aparecendo em seu rosto. Impressionante. Catalina era mais forte do que ela já havia demonstrado no restaurante.

— Na verdade, eu diria que há apenas dois — disse Catalina, inclinando a cabeça para os vampiros. — Pelo que eu me lembro, você não gosta de sujar as mãos, Troy.

Um rubor subiu pelo pescoço de Troy, espalhando-se em suas bochechas. — Bem, você sabe tudo sobre ser sujo, não é? Já que tudo que você faz é limpar a merda de outras pessoas o dia todo.

Catalina enrijeceu, mas não respondeu.

— Sabe, se você não vai colaborar, então você não me deixa muitas opções — disse Troy. — Não posso ter você andando por aí depois de me recusar. Isso enviaria a mensagem errada para muitas pessoas. Última chance, Cat. Aceite as pílulas... Ou então.

Os dois vampiros se aproximaram um pouco mais dela, sorrindo ainda mais e exibindo ainda mais suas presas. O significado de Troy era claro: aceite o compromisso de vender as pílulas, ou será drenada.

Catalina ergueu o queixo e olhou para Troy. Ela não estava recuando, não importava o quê. Eu a admirei por isso, realmente, mas também era idiota da parte dela. Ela deveria ter aceitado as pílulas e se livrado delas depois. Ah, eu sabia que Catalina não queria aceitar as pílulas e ser sugada por Troy e seus capangas, mas era tarde demais para isso. Isso estava prestes a ficar muito feio para alguém.

Boa coisa que eu era especializada nisso.

— Gin? — perguntou Owen.

Percebi que ele me fizera uma pergunta, provavelmente mais de uma vez, e me concentrei em sua voz novamente. — Desculpe, querido. Eu tenho que ir.

— Há algo errado? — perguntou ele.

— Nah. Eu só vejo um pouco de lixo que precisa ser cuidado. Estarei aí em breve.

Owen e eu desligamos, e coloquei meu celular no bolso da minha calça jeans, antes de abrir a porta do carro e deixar minha mochila no banco do passageiro. Então fechei a porta com força.

O estalo ecoou pelo estacionamento, e os três caras viraram para olhar para mim. Catalina tentou se afastar, mas os dois vampiros viram seus movimentos furtivos e a cercaram, mantendo-a presa contra a cerca. Afastei-me do carro, coloquei as mãos nos bolsos e caminhei na direção deles.

Catalina me reconheceu, sua chefe, imediatamente. Ela soltou um pequeno suspiro, seu rosto empalideceu, e começou a balançar a cabeça, não-não-não, embora eu não pudesse dizer se ela estava tentando me avisar ou preocupada sobre o que eu faria com os três caras que a incomodavam.

Mas Troy não viu a reação dela. Em vez disso, seu olhar deslizou de mim para o meu carro. Quando percebeu que eu estava dirigindo um Aston Martin, um sorriso ganancioso atravessou seu rosto.

— Ei, ei, senhora safada — gritou ele. — Você está procurando por alguma ação? Você precisa de algo muito bom?

Eu sorri para ele, mostrando quase tantos dentes quanto os dois vampiros. — Algo assim.

Atrás de Troy, Catalina continuou balançando a cabeça não-não-não. Ela abriu os lábios, mas um dos vampiros sacudiu a cerca ao lado dela, um sinal claro para ela manter a boca fechada. Mas não havia necessidade de que ela perdesse mais tempo com esses tolos, especialmente por tentar dizer a eles com quem estavam mexendo. Além disso, Troy não teria prestado atenção em nenhum aviso. Ele estava completamente focado em mim, uma cliente em potencial, e quase que eu podia ver os cifrões revirando em sua cabeça enquanto ele calculava quanto poderia tirar de mim.

— Bem, você está no lugar certo, baby. Porque eu tenho a coisa certa para você.

Ele estendeu uma das sacolas, e eu peguei. Uma única pílula estava dentro do plástico, sua cor vermelha profunda e escura fazia com que parecesse uma gota de sangue coagulado. Virei a sacola e percebi que uma runa foi gravada na superfície da pílula: uma coroa com uma única chama arqueando-se para fora do centro, o símbolo do poder bruto e destrutivo.

Ainda assim, apesar da cor e do símbolo vermelho, a pílula parecia mais uma vitamina infantil do que uma droga perigosa, mas eu sabia muito bem como a aparência podia ser enganadora. A maioria das pessoas não achava que eu parecesse uma assassina perigosa – até que minha faca estivesse cortando suas entranhas.

— O que é isso? — perguntei.

O sorriso de Troy aumentou. — É a última coisa melhor no mercado, baby. Vai abalar o seu mundo. Nah, risque isso. Em vez disso, vai incendiá-lo.

Os dois vampiros riram de seu papo furado. Catalina revirou os olhos. Sim, isso era o que eu queria fazer também, mas decidi deixar as coisas acontecerem.

Coloquei a pílula no bolso da calça jeans. Não porque eu tinha qualquer intenção de tomá-la, mas porque Bria, sem dúvida, estaria interessada nisso. A detetive Bria Coolidge, uma das poucas boas policiais de Ashland, na verdade se importava com coisas como tentar manter as drogas longe das ruas. Eu tentava ajudá-la sempre que podia, apesar da minha própria vida de assassinato e crime.

— Agora que você viu os produtos, vamos falar sobre pagamento, baby — cantarolou Troy. — Normalmente, um sucesso como esse é cinquenta por unidade.

Minhas sobrancelhas subiram. — Cinquenta dólares por um comprimido? Isso deve ser bem divertido.

— Oh, é — disse Troy. — Acredite em mim, é. Mas se você não tem muito dinheiro com você, não se preocupe. Tenho certeza de que podemos trabalhar com alguma outra forma de pagamento.

Seus olhos castanhos desceram pelo meu corpo, pegando minhas botas pretas, calça jeans azul escuro e a blusa verde apertada que eu tinha debaixo da minha jaqueta de couro preta. Atrás dele, os dois vampiros fizeram a mesma coisa, lambendo os lábios como se eu fosse uma garrafa de bebida que eles iriam passar. Ah, todo mundo ia sentir o gosto de Gin Blanco, tudo bem, mas não da forma que eles esperavam.

Eu mostrei meus dentes, toda a pretensão de um sorriso doce há muito desaparecido. — Você me chama de baby mais uma vez, e comerá através de uma sonda pelos próximos seis meses.

Catalina respirou fundo, mas a confusão encheu o rosto musculoso de Troy. Quando ele finalmente percebeu que eu o havia ameaçado, seus olhos castanhos se estreitaram em fendas.

— Essas são palavras grandes vindo de uma pequena dama — retrucou. — Você deveria ser mais respeitosa. Pense com quem você está falando.

— Oh? E quem seria esse?

Seu peito inchou com autossatisfação. — Troy Mannis.

— Nunca ouvi falar de você.

Ele piscou, e seus ombros caíram. Eu não poderia ter esvaziado o ego dele mais rápido se fosse um balão que eu tivesse estourado com um alfinete. Mas a raiva se levantou para preencher o espaço vazio dentro dele. — Bem, você deveria — disse ele, sua voz caindo para um rosnado baixo. — Porque eu administro este campus, e se você está querendo pontuar aqui, então você tem que passar por mim. Não tem escolha. Ninguém aqui tem.

— Oh, há sempre uma escolha — falei. — Como eu passando por você e deixando nada para trás, além de pequenas manchas de sangue na calçada.

Troy jogou a cabeça para trás e riu. O mesmo aconteceu com os dois vampiros, que se afastaram da cerca e agora o flanqueavam. Atrás deles, Catalina olhou cautelosamente para mim. Ela havia ouvido falar que eu era a Aranha, assim como todo mundo que trabalhava no Pork Pit. Bem, ela estava prestes a ver quão verdadeiro era isso.

— Você já deve estar usando algo, voando alto, para dizer algo assim — disse Troy. — Talvez você não saiba quem eu sou, baby, mas você não quer irritar as pessoas para quem trabalho.

Desta vez, meu sorriso foi um pouco mais genuíno. — Na verdade, eu amo irritar as pessoas. Pessoas importantes, pessoas ricas, pessoas perigosas. Eu sou adepta a oferecer oportunidades iguais para todos. Você sabe por quê?

— Por quê? — ele perguntou a pergunta inevitável.

— Porque quanto mais poderosos e mais fortes eles acham que são, mais eles sangram. Assim como você sangrará.

Troy abriu a boca, mas eu estava cansada de falar, então não dei a ele a chance de me insultar novamente. Em vez disso, eu levantei meu punho e lhe dei um soco na garganta.

Os olhos de Troy se arregalaram de surpresa enquanto ele engasgava e ofegava por ar. Os sacos de pílulas caíram de sua mão, e ele apontou o dedo para mim uma e outra vez, em um claro gesto de mate-essa-puta-agora para seus amigos. Os vampiros me atacaram, mas eu estava pronta para eles.

O vampiro à minha direita foi mais rápido e alcançou meu pescoço, provavelmente para que pudesse inclinar minha cabeça para um lado e enterrar suas presas na minha garganta. Mas eu corri, virei meu corpo para o dele, agarrei seu braço direito e o joguei por cima do ombro. Sua cabeça bateu contra o pavimento, e ele gemeu de dor. Ele rolou para o lado e o chutei nas costelas. O vampiro começou a arfar. Ele não se levantaria tão cedo.

Uma mão envolveu minha cintura por trás quando o segundo vampiro me puxou contra o seu corpo. Deixei que ele me puxasse em sua direção, usando seu próprio impulso para me ajudar a bater meu cotovelo no estômago dele. Enquanto ele ofegava por ar, eu bati minha bota no seu pé, em seguida, peguei seu braço e joguei-o por cima do meu ombro também. O vampiro pousou em cima de seu amigo, fazendo o outro homem cair contra o pavimento novamente. Eu avancei e chutei o segundo homem nas costelas também, apenas para que ele pudesse ter a mesma dor de estômago que seu amigo.

Enquanto os dois estavam tossindo e ofegando, eu voltei para Troy. Ele conseguiu sugar ar suficiente para seus pulmões para fazer algo extremamente estúpido: tirar um canivete do bolso da calça.

Eu ri. — Um canivete? Sério? Seu chefe não tem dinheiro suficiente para comprar uma arma para você?

Troy rosnou e me atacou com a arma. Deixei-o balançar para mim, facilmente evitando seus ataques selvagens.

— Fique quieta, sua puta! — gritou ele.

Sorri de novo. — Ora, tudo que você precisava fazer era pedir, docinho.

Eu parei. Troy veio até mim de novo, e desta vez, tirei a lâmina da mão dele, depois o joguei por cima do ombro da mesma maneira que fiz com seus dois amigos. E pela terceira vez, eu segui com um chute forte no estômago. Quando terminei, os três rapazes estavam gemendo e resmungando em uma pilha.

Circulei ao redor deles, debatendo se continuaria chutando-os, mas Catalina deu um passo à frente e levantou a mão.

— Gin — disse ela. — Não. Por favor.

Olhei para ela, depois para Troy e seus amigos. Considerando.

Se esses punks tivessem me atacado no beco atrás do Pork Pit, eu teria tirado uma das minhas adagas e terminado o trabalho. Mas eu estava a céu aberto em plena luz do dia, com Catalina aqui para testemunhar qualquer corte e ferida que eu poderia fazer. Eu tentava evitar traumatizar pessoas inocentes sempre que possível. Além disso, Troy e seus fracassados amigos traficante de drogas não valiam a pena o sangue que teria nas minhas roupas.

Então eu dei a ela um aceno de cabeça afiado. Catalina soltou um suspiro aliviado.

Troy gemeu novamente e rolou de cima de seus dois amigos. Ele começou a se levantar, mas coloquei minha bota contra o pescoço dele, não forte o suficiente para esmagar sua traqueia, mas com pressão mais do que suficiente para obter sua atenção. Com os olhos arregalados, ele olhou para mim, dor e raiva escurecendo seu olhar castanho.

— Acho que nós estabelecemos que você não é, de fato, o príncipe deste reino em particular — eu disse —, mas eu sou certamente a fodida rainha por aqui. E se eu o vir vendendo drogas ou incomodando alguém... Qualquer pessoa, então o que eu fiz para você hoje parecerá uma massagem nos pés. Estamos entendidos?

— Quem diabos for você, você pagará por isto — rosnou Troy, seu olhar furioso cortando para Catalina. — E você também, Cat. Eu prometo a vocês isso.

Catalina soltou outro suspiro, embora este parecesse mais de tristeza do que alívio.

Removi minha bota do pescoço de Troy e me inclinei para que ele pudesse ver que meus olhos cinzentos estavam mais frios e duros do que o pavimento em torno de nós.

— Meu nome é Gin — rosnei. — Como a bebida. Eu acho que você pode descobrir o resto. Você acha que é um cara durão? Bem, venha me procurar e vamos descobrir.

Ele rosnou e agarrou meu tornozelo, então eu o chutei de novo, ainda mais forte do que antes. Depois disso, a única coisa de que Troy era capaz era chiar, beijar o asfalto e tentar desesperadamente não vomitar.

Eu sorri, sabendo que meu trabalho estava terminado.


Capítulo 2

 

 

Vi um flash de movimento pelo canto do olho, lembrando-me que eu não estava sozinha com meus atacantes.

Eu me aproximei cautelosamente de Catalina, que havia se afastado da cerca de arame e estava encarando Troy. Emoções brilhavam em seus olhos cor de avelã, e seus lábios estavam apertados no que quase parecia arrependimento, embora eu não tivesse ideia do por que ela se sentiria assim em relação a Troy.

— Você está bem? — perguntei.

Em vez de responder, Catalina passou por mim e correu para onde sua mochila estava no asfalto rachado. Ela recolocou as canetas, livros e outros itens em sua mochila tão rápido quanto pode. Eu não poderia culpá-la por isso. Eu também gostaria de me afastar, se estivesse no lugar dela. Seus movimentos rápidos e apressados fizeram com que o boton de porco do lado de fora de sua mochila brilhasse, como um personagem de desenho animado rindo loucamente para mim.

Ela estava tão ocupada agarrando suas coisas que não percebeu que sua carteira também caíra da mochila. Agachei-me, peguei o couro da calçada e abri-o.

Catalina Vasquez. Vinte e um. Um metro e sessenta e três. Morava em um apartamento no 1369, Lighting Bug Lane.

Soltei um assobio baixo. — Lighting Bug Lane? Essa é uma parte legal da cidade. Especialmente para uma estudante universitária.

Catalina pegou a carteira da minha mão e colocou-a na mochila. — Apenas esqueça, ok? Esqueça que você me viu, esqueça Troy, e eu esquecerei tudo sobre isso.

Ela apontou para os três rapazes, os quais ainda estavam gemendo na calçada.

Catalina colocou sua mochila no ombro e levantou. Eu fiz o mesmo, e coloquei as mãos nos bolsos da minha jaqueta, tentando parecer menos ameaçadora possível para alguém que acabara de derrotar três caras maiores e mais fortes sem suar a camisa.

— Eu não precisava da sua ajuda, Gin. Estava lidando bem com as coisas sozinha.

— Sim — concordei. — Para alguém prestes a ter a bunda chutada por algum traficante de baixa qualidade e seus amigos.

Raiva chamejou em seus olhos cor de avelã. — Eu poderia ter lidado com Troy. Eu sempre consegui antes.

— Então você o conhece.

Ela deu um forte aceno de cabeça.

— Olha, se você está em algum tipo de problema...

— Esqueça isso — retrucou Catalina. — Não estou em apuros, eu não sou um dos seus casos de caridade, e não preciso de sua ajuda, Gin.

Arqueei uma sobrancelha pelo seu tom veemente. No Pork Pit, Catalina sempre foi positiva, calma, alegre e otimista. Em todos os meses que ela trabalhou para mim eu nunca a ouvi irritada, nem mesmo quando um cliente reclamava, uma criança derramava uma bebida por todo o chão, ou alguém lhe deixava uma péssima gorjeta. Mas agora ela olhava para mim como se eu fosse a pessoa que a ameaçou, em vez de Troy e seus amigos.

Catalina deve ter visto as perguntas no meu rosto, porque beliscou a ponte do nariz antes de abaixar a mão. — Olha, desculpe, eu gritei com você. Obrigada por me ajudar. Eu agradeço. Realmente. Mas isso não é nada. Ok? Vejo você no trabalho amanhã.

— Claro.

Catalina tentou sorrir para mim, mas foi uma tentativa miserável. Ela apertou mais a mochila, virou e atravessou o estacionamento. No começo, eu pensei que ela entraria em uma caminhonete enferrujada que já tinha visto dias melhores, mas Catalina passou pela caminhonete e abriu a porta de um Mercedes-Benz muito bom, um modelo que era bom demais para alguém que trabalhava como garçonete.

Eu pagava bons salários, mas não tão bons assim. E aquela rua onde ela morava ficava em um dos subúrbios mais bonitos da cidade, perto de Northtown, a parte de Ashland onde morava a elite rica, social, poderosa e mágica. Então, o que ela fazia sendo assediada por algum traficante de drogas? Especialmente um que a conhecia? Porque não havia nada casual ou aleatório sobre o modo como Troy havia falado com Catalina. Pelo que ele disse, eles costumavam ser amigos... E mais.

Eu nunca dei muita atenção a Catalina. Tive muitas outras coisas para pensar nesses últimos meses, muitas pessoas tentando me matar, e muitos novos inimigos para encarar do que prestar atenção nela. Ela era apenas uma garota que trabalhava para mim, embora fosse uma excelente empregada e tenha durado mais do que a maioria das minhas outras garçonetes. Mas eu estava muito interessada nela agora. Porque se Troy queria que ela vendesse drogas, então ela já estava na mira dele. E se ele ou aquele para quem ele trabalhava pensava que eu deixaria alguém lidar com drogas no meu restaurante, bem, eu ficaria feliz em mostrar a eles como estavam errados – e como eu lidava com ameaças ao meu negócio.

Catalina engatou a ré, recuou da vaga e saiu do estacionamento o mais rápido que conseguiu sem furar os pneus nas fendas e buracos. Anotei o número da placa para que pudesse passá-lo a Finn mais tarde.

Eu não sabia o que estava acontecendo com Catalina Vasquez, mas ia descobrir.

 

* * *

 

Entrei no meu próprio carro, liguei o motor, e deixei para trás Troy e seus dois amigos ainda choramingando. Saí do estacionamento e cruzei as ruas ao redor da faculdade, fazendo curvas aleatórias e mantendo o olhar no espelho retrovisor. Só porque não vi mais ninguém com Troy não significava que mais amigos dele não estavam escondidos nas sombras, e eu não queria que ninguém me seguisse até o meu destino.

Mas ninguém estava me seguindo, então dei uma volta final no centro da cidade e me dirigi para os limites mais agradáveis, embora não menos perigosos, de Northtown. Meu Aston Martin poderia ser um conjunto de rodas elegante na faculdade, mas aqui em cima, meu carro era completamente comum se comparado com alguns dos Audis, BMWs e Bentleys que passavam zunindo. E as propriedades em que os carros estacionavam eram ainda mais impressionantes, com mansões enormes, piscinas intocadas e jardins projetados que se estendiam até onde os olhos podiam ver.

Atravessei um portão de ferro aberto e estacionei diante de uma das mansões menores, mais modestas e de bom gosto neste bairro em particular. Uma varredura do pátio me garantiu que ninguém estava se esgueirando, então saí do carro e usei a chave para entrar na mansão.

Tapetes grossos cobriam o piso de madeira e esculturas de metal pousadas nos cantos, dando à esplêndida casa espaçosa uma personalidade acolhedora. Barulho e luzes piscando saíam de uma das salas de estar do andar de baixo, então segui naquela direção.

Duas garotas de idade universitária usando calças de ioga e camisetas estavam esparramadas em um sofá, compartilhando um balde de pipoca de queijo, assistindo alguma comédia romântica na TV de tela plana fixada na parede. Uma garota era muito bonita, com cabelos negros, olhos azuis e uma figura esbelta. A outra também era marcante, com cabelos loiros ondulados, olhos escuros e pele morena, que sugeria sua herança Cherokee.

Eva Grayson era a irmãzinha de Owen, e Violet Fox era sua melhor amiga. As duas garotas podiam ser encontradas juntas muito frequentemente, e pareciam estar acomodadas para uma noite de cinema, dado os baldes de pipocas, sacos abertos de M & M's, e pilhas de DVDs que cobriam a mesa de café em frente ao sofá.

— Então, alguém já amou e perdeu? — eu disse, inclinando-me contra a porta aberta.

— Não. — Disse Eva, ainda olhando para a tela. — Ainda estamos na fase do te-odeio-mas-estou-estranhamente-atraído-por-você-de-qualquer maneira.

— Ah — eu disse. — Essa é a minha parte favorita.

O chão rangeu atrás de mim, e um par de braços quentes e fortes envolveu minha cintura. — A minha também — murmurou uma voz rouca no meu ouvido.

Owen pressionou um beijo suave ao lado do meu pescoço. Eu me inclinei contra o corpo dele e respirei, e seu perfume rico e levemente metálico encheu meu nariz. Ele beijou o outro lado do meu pescoço, fazendo-me estremecer, e eu me virei e olhei para seus olhos violetas. Apesar de seu nariz ligeiramente torto e da suave cicatriz que cortava seu queixo, eu achava que Owen Grayson era o homem mais bonito que eu já vi. Afastei uma mecha de cabelo preto que havia caído sobre a sua testa, em seguida, fiquei na ponta dos pés e retornei seus beijos suaves com um muito mais direto e fumegante.

Eva revirou os olhos. — Ugh. Vão para o quarto, pessoal. Temos fogos de artifício suficientes para assistir na tela.

Ela jogou um punhado de pipocas em nós, e, também, em uma Violet rindo. Owen e eu rimos e nos separamos.

— Não se preocupe — disse Owen, inclinando-se para o lado do sofá e bagunçando o cabelo de sua irmã. — Não faremos você testemunhar mais horríveis manifestações públicas de afeto. Embora alguém não me disse que teria um teste de química amanhã?

Eva afastou a mão dele, franziu o nariz e lançou um olhar maligno para um livro grosso que aparecia debaixo de um dos sacos de M & M's. — Talvez. É por isso que Violet e eu estamos tendo uma noite de filmes. Então podemos relaxar antes de estudarmos.

— Certo — falou Owen lentamente. — Deixe-me saber o quão bem isso funciona.

Ele bagunçou o cabelo de Eva pela última vez antes de dar uma piscadela lenta e sugestiva para mim. Ele torceu o dedo para mim e começou a ir para o corredor, em direção ao seu quarto. Sorri e comecei a segui-lo quando um pensamento me ocorreu.

Voltei-me para as meninas. — Vocês conhecem a Catalina do restaurante, certo? Ela também tem aulas na faculdade.

Eva encolheu os ombros, mas Violet assentiu.

— Sim, eu conheço Catalina — disse Violet. — Ela é minha parceira em inglês. Estamos trabalhando em um trabalho de pesquisa sobre mitologia.

— Ela já disse alguma coisa sobre um cara chamado Troy?

— Troy? — perguntou Violet. — Você fala de Troy Mannis?

Assenti.

— Sim. Ele é o ex dela. Os dois costumavam sair antes da mãe de Catalina morrer.

Fiz uma careta. — A mãe dela morreu?

Violet empurrou os óculos escuros no nariz. — Sim, talvez em algum momento do ano passado? Acho que foi antes de começar a trabalhar no Pork Pit. A mãe dela foi atropelada e morta por um motorista bêbado. Isso é tudo que eu realmente sei. Catalina não fala muito sobre ela.

Bem, isso era mais do que eu sabia sobre Catalina. Eu faria Finn cavar mais fundo e preencher o resto dos espaços em branco para mim.

— Por que você está perguntando? — perguntou Violet, com o rosto franzido de preocupação. — Ela está em algum tipo de problema?

Eva olhou para mim também, a mesma preocupação piscando em seus olhos azuis enquanto ela mordia o lábio. Embora Owen e eu tentássemos protegê-las do pior, as duas meninas sabiam exatamente o que eu fizera como a Aranha e todos os problemas que eu estava tendo com os chefes do submundo de Ashland. Ainda assim, não havia razão para arruinar a noite delas com o que aconteceu na faculdade.

— Não. — Eu disse, acenando com a mão. — Catalina me ajudou com algo, então pensei em devolver o favor e dar-lhe um dia extra de folga como pagamento ou algo assim.

Ambas as meninas relaxaram com a minha mentira. Na tela da TV, o casal da comédia romântica murmurou insultos flertando um com o outro em algum restaurante chique.

— Bem, eu vou deixar vocês voltarem ao seu filme —eu disse, balançando as sobrancelhas na direção que Owen tinha ido. — Especialmente desde que eu tenho meu próprio encontro quente hoje à noite.

Eva e Violet riram e jogaram mais pipoca em mim enquanto eu saía da sala.

Eu segui pelo corredor, passando pelo escritório de Owen com suas fileiras de armas presas nas paredes, e fui até o quarto dele. Abri a porta, entrei e soltei um suspiro surpreso.

Uma luz dourada e calorosa envolvia a área, enquanto as chamas dançavam no topo de dezenas de velas acesas. As velas brancas cobriam todas as superfícies disponíveis, desde a cômoda até a mesa de cabeceira e a mesa da escrivaninha, e ainda mais velas tremeluziam no banheiro anexo, como se estivessem observando os próprios reflexos nos espelhos de lá. Sua essência de baunilha fez cócegas no meu nariz de uma forma agradável. O luar entrava através das cortinas abertas, aumentando a suave e silenciosa atmosfera romântica. O mesmo acontecia com a bandeja de chocolates e o champanhe gelando em um balde de gelo ao lado da cama. Música cantarolava no fundo, uma melodia suave de jazz.

Era preciso muita coisa para me surpreender, mas Owen sempre conseguia fazê-lo. Ele deu um passo para fora das sombras ao longo da parede e estendeu a mão. Eu peguei, aproveitando a sensação de seus dedos quentes envolvendo os meus, e o deixei me levar mais para dentro do quarto.

Apontei para as velas, chocolates e champanhe. — Isso é um pouco mais do que apenas jantar e assistir TV.

Ele sorriu e me puxou em seus braços, seus olhos violeta brilhando com uma luz travessa. — Eu sei, mas queria fazer algo especial hoje à noite. Apenas assim. Embora você possa pensar nisso como parte de sua surpresa de aniversário, se quiser, mesmo que seja alguns dias antes.

Engoli em seco, levei minhas mãos ao meu coração e olhei ao redor com horror fingido. — Por favor, por favor, diga que Finn não está se escondendo em seu closet, esperando para pular e gritar comigo.

Owen riu, o som profundo retumbando como um trovão de seu peito. — Confie em mim. Finn não está aqui. Hoje é só você e eu.

Passei meus braços em volta do pescoço dele. — E é assim que eu gosto.

— Eu também — sussurrou ele.

Os lábios de Owen encontraram os meus, e esqueci tudo, exceto dele.


Capítulo 3

 

 

Passamos uma noite muito agradável juntos, antes que eu saísse na manhã seguinte para abrir o Pork Pit para os clientes do dia.

O horário do almoço passou da maneira apressada de sempre, e consegui manter meu humor tranquilo até as três horas, quando algum idiota tentou abrir meu crânio com um taco de beisebol enquanto eu jogava o lixo no beco atrás do restaurante. Não foi uma surpresa, já que muitas das minhas idas até as lixeiras no meio da tarde terminavam assim nesses dias. Pelo menos os sacos de lixo ajudavam a esconder todos os corpos que eu deixava no chão.

Abri a porta e entrei na parte de trás do Pork Pit. Sophia Deveraux, a cozinheira chefe, estava próxima a um dos freezers, amarrando um avental preto estampado com minúsculos crânios rosa choque. O avental combinava com o resto das roupas góticas de Sophia – botas pretas, jeans pretos e uma camiseta preta com um único grande crânio rosa nele. Um gloss rosa brilhante cobria seus lábios, e presilhas prateadas prendiam o cabelo preto. Uma fita preta envolvia sua garganta, um camafeu rosa pendurado na ponta. O colar delicado parecia um pouco estranho com sua camiseta e avental de caveira, mas eu não ousaria dizer isso a Sophia. Eu não tinha nenhum desejo de machucar os sentimentos dela ou ser golpeada até a próxima semana por sua força de anã.

Além disso, eu não estava exatamente apresentável agora, dado o sangue cobrindo minhas mãos. Então fui até uma das pias, liguei a torneira e comecei a lavar as mãos. Os olhos negros de Sophia se fixaram nas manchas rosas claras escorrendo pelo ralo.

— Problema? — murmurou ela, em sua voz estranha e rouca.

Encolhi os ombros. — Não mais do que o habitual. Apenas tenha cuidado onde você pisa. Há outra poça de sangue do lado de fora da porta. E temos outro visitante dormindo embaixo de sacos de lixo que precisa ser colocado no gelo. Tamanho normal. Nada de especial.

Sophia assentiu, entendendo minhas palavras enigmáticas, já que ela se livrava de muitos dos corpos que eu deixava para trás como a Aranha. Em seu intervalo, ela levaria o cara morto para o refrigerador que ela mantinha em um beco próximo para essas situações. Sim, apenas a rotina habitual por aqui nos dias de hoje.

— Quem era ele? — murmurou ela.

Encolhi os ombros novamente. — Só um cara. Não há runas óbvias nele, mas também eu não procurei muito.

Eu estava muito ocupada cortando suas entranhas com uma das minhas facas para prestar muita atenção em como ele parecia. Pensando melhor, eu nunca fazia isso. Não mais. Não atualmente, quando quase todo mundo no submundo me queria morta. Fiquei levemente surpresa que Troy e seus amigos ainda não tivessem feito uma aparição no restaurante para se vingar de mim por chutar suas bundas na noite passada.

Por outro lado, ainda era cedo.

Após lavar o sangue, enxuguei as mãos, coloquei um avental azul limpo sobre meus jeans escuros e camiseta preta de mangas compridas, e atravessei as portas duplas para o restaurante.

O Pork Pit era uma espécie de ponto local, o tipo de lugar que gente de fora fazia cara feia, mas os moradores locais se aglomeravam porque sabiam que servíamos o melhor churrasco de Ashland. Cabines de cor azul e rosa estavam posicionadas ao lado das janelas, enquanto mais mesas e cadeiras se aglomeravam no centro do restaurante. Faixas de porcos azuis e rosas desbotadas combinando se curvavam para os banheiros dos homens e das mulheres, enquanto um longo balcão perto da parede dos fundos contava com bancos acolchoados.

Era muito cedo para a hora do jantar, então apenas algumas pessoas estavam comendo. Meu olhar percorreu os clientes, mas todos estavam absortos em seus sanduíches de churrasco, hambúrgueres, batatas fritas e outros acompanhamentos, junto com seus chás gelados, limonadas e refrigerantes. Ninguém prestou atenção em mim quando fui até uma das mesas, peguei um prato com um sanduíche de queijo grelhado fresco e um monte de anéis de cebola, uma taça de sobremesa com um milk-shake de chocolate, e levei tudo ao balcão.

— Bem, isso levou uma eternidade — falou uma voz sarcástica enquanto eu contornava o balcão. — O que você fez? Matou alguém enquanto estava fora?

A voz e a atitude pertenciam a um sujeito sentado no banco mais próximo da caixa registradora. Com seu terno caro, feições esculpidas e cabelo cor de noz perfeitamente cortado e estilizado, a maioria das mulheres o consideraria excepcionalmente bonito. Eu também, se não soubesse quão totalmente irritante ele poderia ser. Eu parei e dei um olhar frio e fulminante para Finnegan Lane, não que a expressão incomodasse meu irmão adotivo.

— Ah — disse ele, em um tom astuto, sabendo. — Você matou.

Seus olhos verdes fixaram-se na comida em minhas mãos, e ele se animou, como um filhote ansioso prestes a obter um biscoito. — Ei, você vai comer isso?

Revirei os olhos, mas coloquei o prato e o milk-shake no balcão em frente a ele. Finn tirou o paletó cinza, colocou um guardanapo de papel branco no queixo para proteger a camisa de seda cinza e a gravata, e avançou entusiasticamente. Comer a comida de um homem morto não o incomodou nenhum pouco. Poucas coisas faziam.

— Como eu estava dizendo antes de você tão rudemente sair para tirar o lixo — disse Finn, após sorver metade do milk-shake em um longo gole —, eu realmente acho que me superei quando se trata de seu aniversário este ano.

Suspirei. — E eu disse a você, repetidamente, que não quero, preciso ou desejo nenhuma estúpida festa surpresa. Nós passamos por essa mesma música e dança todos os anos.

Finn sorriu. — Exatamente! Por que você pode dizer que é a nossa pequena tradição. Uma que estou mais do que feliz em sustentar.

Eu gemi.

— Eu deixarei você escolher o sabor do bolo, se isso faz você se sentir melhor.

— Muito gentil da sua parte.

Ele sorriu. — Não é?

Suspirei novamente, mas Finn começou a falar sobre bolos versus cupcakes, baunilha versus chocolate, cobertura de creme versus cobertura de cream cheese. Depois de alguns segundos, meus olhos quase fecharam e eu corria sério risco de cair do banco devido ao tédio de suas divagações.

Catalina Vasquez saiu do banheiro e começou a caminhar até a mesa que eu havia limpado. Ela parou ao perceber que a comida e o cara foram embora, então se dirigiu para mim.

— Gin? — perguntou. — Algo está errado? Por que aquele cara foi embora? Eu acabei de servi-lo.

— Aparentemente, ele tinha um compromisso que simplesmente não poderia esperar.

Finn riu da minha fala inexpressiva, mas o ignorei.

— Vá em frente e limpe a mesa, por favor — eu disse. — Confie em mim. Aquele cara não irá voltar.

Aquela mesa pertencia ao idiota com o taco de beisebol que me atacou no beco. Ele não faria muita coisa agora, exceto apodrecer no calor.

Catalina assentiu, não ouvindo ou escolhendo ignorar o sarcasmo em minhas palavras. — Tudo bem. Vou limpar então.

Assenti e peguei o meu livro, como se eu fosse ler algumas páginas, mas mantive meu olhar em Catalina o tempo todo. Quando ela apareceu algumas horas atrás para trabalhar em seu turno, ela murmurou um olá educado para mim, amarrou seu avental e começou a trabalhar. Ela não disse nada sobre eu salvá-la na noite passada, e eu não comentei, mas ela saiu do seu caminho para ficar do lado oposto a mim no restaurante o dia todo. Eu não sabia se era por causa da surra que dei em Troy ou porque não queria que eu fizesse mais perguntas. Não importava muito. Eu chegaria ao fundo das coisas de uma forma ou de outra.

Finn esperou até comer metade de sua comida e Catalina passar para servir outro cliente antes de olhar para mim. — Isso é tão urgente? Eu rastrear informações sobre uma de suas garçonetes? Foi para isso que cancelei meu cochilo da tarde?

Arqueei uma sobrancelha. — Eu não sabia que eles deixavam você tirar cochilos no banco.

Além de me ajudar sempre que a Aranha precisava de um pouco de apoio, Finn também trabalhava ostensivamente como investidor bancário, embora lavador de dinheiro ganancioso e desavergonhado fosse uma descrição muito mais precisa de seu trabalho.

Ele acenou com a mão. — Cochilo é uma palavra tão limitada. Os superiores do banco querem que todos os seus empregados estejam bem descansados. Às vezes acontece de eu descansar no sofá do meu escritório no meio da tarde.

— A próxima coisa que se sabe, você exigirá leite e biscoitos depois, — murmurei.

Finn olhou para os biscoitos de açúcar com sabor de amêndoa no suporte de bolo no balcão com um interesse faminto. — Eu deveria pegar algo daqui para levar, para mais tarde. Você pode me dar, digamos, uma dúzia daqueles cookies. Depois que eu terminar meu milk-shake, é claro.

Bufei.

Enquanto Finn continuava comendo, eu contei a ele sobre meu encontro com Troy e seus capangas, além do belo carro de Catalina e seu endereço ainda melhor. Também repassei a informação que Violet mencionou sobre a morte da mãe de Catalina.

— Eu nunca ouvi falar do cara, mas se a mãe dela morreu, ela poderia estar vivendo de algum tipo de seguro — sugeriu Finn, consumindo o resto do queijo grelhado do homem morto. — Isso pode explicar o carro e o apartamento.

— Talvez — murmurei, observando Catalina acomodar um casal, entregar os cardápios, e anotar suas bebidas. — De qualquer forma, quero saber tudo o que há para saber sobre ela. E Troy Mannis também. Ele não me parece o tipo de cara que aceita a palavra não muito bem, muito menos o chute no traseiro que eu dei a ele e seus amigos.

— Considere isso feito.

Finn empurrou seu prato vazio e bebeu o resto de seu milk-shake. Mas em vez de tirar o guardanapo do queixo, levantar-se e ir embora, ele cruzou os braços sobre o peito e me lançou um olhar de expectativa.

— O quê? — rosnei.

— Você sabe o que — respondeu ele, num tom de voz irritante. — Foi você quem mencionou isso em primeiro lugar.

Suspirando, agarrei o suporte de bolo de vidro e empurrei para ele. Finn gargalhou de alegria enquanto abria o topo e começou a colocar biscoitos na boca.

— Agora que cuidamos dos negócios, vamos voltar para o que é realmente importante: sua festa de aniversário — murmurou ele entre mordidas.

Eu gemi.

— Marque minhas palavras — cantou Finn. — Quando eu terminar, você terá o melhor aniversário de todos.

Fechei os olhos quando ele começou a falar sobre a minha festa novamente. Eu teria deitado a cabeça no balcão e chorado, mas havia muitas testemunhas para isso.

 

* * *

 

Após conseguir sua dose de açúcar, Finn deixou o restaurante. Durante a sua tortura com o que poderia preparar para a minha festa não tão surpresa, ele também prometeu investigar a fundo Catalina, Troy e todos que eles pudessem conhecer. Isso foi reconfortante, mesmo que toda a conversa de aniversário não tenha sido.

Fiquei de olho em Catalina enquanto ela trabalhava em seu turno, mas o resto do dia passou calmamente, e ninguém mais entrou no restaurante com a única intenção de me matar. Na verdade, nada particularmente digno de nota aconteceu, e eu começava a pensar que sairia ilesa.

Até que duas mulheres entraram.

Uma delas era uma gigante de dois metros de altura, com cabelos loiros curtos, olhos cor de avelã e pele leitosa coberta com algumas sardas claras. A outra mulher era do meu tamanho, cerca de um e setenta, com uma linda juba de cabelos ondulados que corriam por seus ombros delgados. No início, o cabelo dela parecia ser marrom, mas depois que ela entrou em um raio de sol, eu percebi que era na verdade um castanho avermelhado, com mechas acobreadas entremeadas por seus cabelos brilhantes, quase como se seu cabelo estivesse brilhando com algum tipo de fogo interno. As duas usavam ternos caros, preto para o gigante e branco para a outra mulher.

Catalina as levou para uma cabine que ficava bem em frente à minha posição na caixa registradora, e as duas mulheres se sentaram.

A gigante olhou ao redor, seu olhar frio visualizando a todos, dos outros clientes, os garçons, para as pessoas que passavam na calçada do lado de fora. Eu reconheci o olhar duro e os cálculos mentais. Então ela era uma guarda-costas, uma que parecia ser excepcionalmente protetora de sua cliente, a julgar pela maneira como avaliava cada pessoa que passava em termos de quanta ameaça potencial poderia ser e com que rapidez ela poderia derrubá-la. E eu estava disposta a apostar que era rápido. Seu corpo não era tão musculoso quanto o de outros gigantes, mas sua figura alta insinuava uma força magra e enroscada que acertava você como um chicote – rápido, pungente e impiedoso.

Em contraste, a segunda mulher mais baixa parecia completamente despreocupada por seus arredores. Então, mais uma vez, por que ela deveria estar preocupada quando tinha um escudo de carne de dois metros de altura cuidando dela?

A mulher de cabelo ruivo pegou o menu que Catalina ofereceu a ela, então olhou ao redor do restaurante. Seu rosto era neutro, mas tive a sensação de que ela estava analisando cada coisa no restaurante, embora de um jeito diferente do que a gigante havia feito.

Finalmente, seu olhar encontrou o meu.

Sobrancelhas esculpidas, maçãs do rosto salientes, boca em forma de coração. Suas feições eram perfeitas em sua beleza simétrica, e sua pele cremosa tinha um leve tom rosado, o que a fazia parecer ainda mais vibrante e viva. Seus olhos eram de um verde vívido, a cor intensa se destacava contra o negro de grandes pupilas.

Ela percebeu que eu olhava para ela e um pequeno sorriso dividiu seus lábios carmesins, revelando seus perfeitos dentes brancos. Ela correspondeu meu olhar com um dos seus, parecendo refletir profundamente antes de acenar para mim. Depois virou para a gigante, inclinou-se e murmurou alguma coisa para a amiga. O olhar fixo da gigante virou-se para mim por alguns segundos antes de também se inclinar. Logo as duas mulheres estavam absortas em sua conversa e não prestavam nenhuma atenção em mim.

Isso deveria ter me tranquilizado, mas não.

Eu fiz uma careta. Algo no sorriso suave da mulher e expressão pensativa me incomodou, me fazendo pensar que talvez eu a tivesse visto em algum lugar antes, em algum lugar importante, algum lugar que eu deveria lembrar...

— Problema? — perguntou Sophia.

A anã gótica estava parada à minha direita e mexendo o pote de molho de churrasco secreto de Fletcher, que borbulhava em um dos fogões, aromatizando o ar com sua rica mistura de cominhos, pimenta preta e outros temperos. Sophia havia notado meu interesse em nossas novas clientes.

Fiquei olhando para as duas mulheres. Ambas me ignoraram completamente, o que fez com que mais e mais sinos de fundo começassem a surgir na minha cabeça. As únicas pessoas que faziam isso comigo em meu próprio restaurante eram aquelas que tinham alguns tipos de planos sinistros e covardes para minha morte.

Nesse ponto, as duas mulheres misteriosas deram a Catalina seu pedido de cheeseburgers, batatas fritas e salada de macarrão e conversavam suavemente entre elas, checando seus telefones. Nenhuma delas sequer olhou na minha direção, mas senti que elas estavam conscientes de mim mesmo assim.

Saí do banquinho, fui até o balcão perto de onde Sophia estava junto aos fogões e comecei a fatiar legumes para o resto dos sanduíches do dia. Enquanto fatiava uma cebola vermelha, eu sutilmente inclinei minha cabeça na direção das duas mulheres.

— Você já as viu aqui antes?

Sophia combinou com meu movimento casual ao se mover, pegando uma concha para o molho de churrasco como se não estivesse realmente de olho nas mulheres.

— Não. — Respondeu, colocando a concha no molho. — Gigante parece forte, no entanto.

— Faça-me um favor. Veja se você pode tirar uma foto delas antes de saírem e envie para Finn. Talvez ele saiba quem elas são.

Sophia grunhiu, e nós duas voltamos ao trabalho.

Uma hora depois, as duas mulheres finalmente terminaram a refeição e empurraram os pratos. Sophia escolheu aquele momento para caminhar para os banheiros, batendo os dedos em seu telefone como se estivesse enviando mensagens. Ela discretamente inclinou o telefone para as mulheres enquanto passava por elas, depois terminou sua mensagem e enfiou o aparelho no bolso de trás da calça jeans antes de desaparecer no banheiro. Ela não deu um sinal de positivo, mas eu sabia que ela havia tirado fotos delas.

As duas mulheres saíram da cabine. Pensei que elas poderiam vir até a caixa registradora para pagar a comida e fazer algumas ameaças não tão veladas sobre o fim da minha existência. Mas, em vez disso, a gigante jogou várias notas sobre a mesa, depois abriu a porta para a outra mulher.

As duas saíram calmamente. Um Audi preto com vidros escuros parou no meio-fio, e a gigante abriu a porta de trás para a mulher de cabelos ruivos. Alguns segundos depois, as duas estavam dentro do veículo e viajando para lugares desconhecidos.

Embora elas tivessem partido e nada tivesse acontecido, a tensão estranha que eu senti desde que entraram no restaurante não diminuiu. Fui até a cabine delas e espiei pelas janelas, mas o carro e as mulheres tinham desaparecido. Talvez elas só quisessem uma refeição quente e nada mais. Talvez não tivessem nenhuma agenda oculta para comer no meu restaurante. Talvez eu estivesse apenas sendo paranoica demais – até para mim.

Suspirei e peguei o prato que a mulher de cabelos ruivos estava usando, junto com os talheres.

No segundo que minha mão fechou em torno de seu garfo, uma sensação de queimação percorreu minha pele, como se os talheres estivessem em brasa.

Fiquei tão surpresa que larguei o utensílio. Ele caiu no chão com um estrondo alto e reverberante, quase como se alguém tivesse disparado uma arma dentro do restaurante. Todos se viraram para olhar para mim – os outros clientes, Catalina, até mesmo Sophia, que havia saído do banheiro. Mas ignorei a curiosidade deles e me concentrei no garfo, esperando ver algum tipo de runa elemental acender no cabo e me perguntando se eu poderia alcançar minha magia de Pedra, usá-la para endurecer minha pele e me jogar em cima dela a tempo de proteger todos os outros da iminente explosão de magia...

Mas nada aconteceu.

Sem runas, sem fogo, sem magia, sem explosões, nada que indicasse que o garfo era algo diferente de um garfo.

Catalina parou de limpar uma mesa próxima. — Gin? — perguntou ela, na mesma voz cautelosa que esteve usando comigo o dia todo. — Algo errado?

Balancei a cabeça. — Não. Não é nada. Apenas um caso de mão furada.

Catalina me deu um olhar estranho, como se não acreditasse em mim, mas terminou de enxugar a mesa, depois passou para a próxima. Os clientes voltaram à comida e às conversas, e Sophia retornou aos fogões, embora erguesse as sobrancelhas negras para mim enquanto passava. Balancei minha cabeça para ela, então me agachei no chão, ainda olhando para o garfo.

As pessoas me deixavam todos os tipos de surpresas desagradáveis dentro e ao redor do Pork Pit nos últimos meses. Tudo, desde runas em forma de serra, que marcada nas portas soltariam agulhas afiadas de Gelo elemental quando alguém tentasse abri-las, fios de nylon pendurados no piso do beco, os quais acionariam uma espingarda de bitola dupla, até as boas e antiquadas bombas-relógio escondidas nos banheiros. Ninguém havia tentado encantar um talher ainda, embora eu supusesse que era apenas uma questão de tempo antes que alguém pensasse nisso.

Mas eu não ia descobrir o que estava errado apenas olhando para o garfo, então tomei uma respiração, estendi a mão, e cuidadosamente o peguei novamente. Mais uma vez, queimou minha mão, embora a sensação fosse muito mais fraca agora. O que quer que tenha feito o metal parecer aquecido em minha pele estava lentamente desaparecendo, como o calor rapidamente se esvaindo de uma panela que foi retirada de um forno quente, mas eu estava certa sobre o que causara a sensação.

Magia... Magia elemental.

Envolvi minha mão em torno do metal e me concentrei, tentando identificar que tipo de magia era, mas não parecia o poder de Fogo que eu esperava que fosse. Caso contrário, alfinetes e agulhas quentes e invisíveis estariam esfaqueando minha pele, e eu teria experimentado uma sensação semelhante se fosse magia do Ar. A queimadura fraca e constante não era fria ou dura, então não era magia de Gelo ou Pedra, as duas áreas em que eu era talentosa, e não parecia uma ramificação de poder como água ou eletricidade.

Franzi a testa. A mulher de cabelo ruivo era definitivamente uma Elemental, e seu poder – o que quer que fosse – deve ter de alguma forma ensopado o garfo enquanto ela comia. Essa foi a única explicação que fez sentido, uma vez que alguns elementais constantemente emitiam ondas invisíveis de magia, mesmo quando não estavam usando ativamente seu poder. Mas qualquer que fosse a magia dela, era algo que eu nunca senti.

E isso me preocupava mais do que qualquer outra coisa.


Capítulo 4

 

 

Mais alguns clientes entraram no restaurante, mas, aparentemente, seria uma noite lenta, então decidi fechar mais cedo.

Além disso, eu queria ir para casa e ler os arquivos de Fletcher para ver se havia alguma menção à mulher de cabelos ruivos e sua amiga gigante. As duas não disseram uma única palavra para mim, mas não pude deixar de pensar que elas eram uma ameaça perigosa do mesmo jeito. As pessoas sempre diziam que os animais podiam farejar o mal, e eu mesma fiquei muito boa nisso nos últimos meses. Eu tive que ficar, para sobreviver,

Catalina foi a última das garçonetes a sair. Ela empurrou as portas duplas e entrou na parte da frente do restaurante, com a mochila pendurada na mão. Ela disse um boa noite suave para Sophia, que grunhiu em resposta, e contornou o balcão.

Catalina parou na minha frente. — Boa noite, Gin — disse ela, mesmo que seu olhar se afastasse do meu, assim como o dia todo.

— Boa noite.

Catalina me deu um sorriso tenso e desajeitado, ainda não olhando para mim, então se dirigiu para a porta da frente, abriu e saiu. Ela ficou na calçada e colocou a mochila no ombro, a luz do sol fazendo o boton de porco na lateral de sua mochila brilhar com uma luz maligna. Catalina tirou o celular do bolso da calça jeans e começou a verificar as mensagens enquanto caminhava pela rua e ficava fora de vista.

Parei de limpar o balcão e a observei, imaginando se Finn tinha descoberto alguma coisa sobre ela, de onde vinha o dinheiro dela, ou o garoto Troy...

Pense no diabo e ele aparece.

Troy Mannis entrou em cena bem do lado de fora das janelas. Ele olhou na direção que Catalina tinha ido, então se virou e disse algo para alguém atrás dele. Um segundo depois, os mesmos dois vampiros que estavam com ele na faculdade comunitária se juntaram a ele. Juntos, os três seguiram atrás de Catalina.

Eu tinha tanta certeza de que Troy viria atrás de mim por chutar a bunda deles que nunca me ocorreu que ele poderia descontar sua raiva em Catalina. Mas eu não precisava da premonição de um Elemental do Ar para saber o que ele e seus amigos fariam com ela no segundo em que a pegassem sozinha.

— Onde Catalina costuma estacionar o carro? — perguntei a Sophia, largando minha toalha.

— Garagem na Broad Street. Por quê? — perguntou a anã.

— O probleminha de ontem à noite reapareceu.

Eu dissera a Sophia o que havia acontecido com Catalina na faculdade quando a anã me ajudara a abrir o restaurante naquela manhã.

Seus olhos negros aguçaram. — Precisa de ajuda?

Balancei a cabeça. — Não. Fique aqui e feche o restaurante, por favor. Além disso, foi um dia lento. Eu poderia aproveitar o exercício. Se eu precisar de você, vou ligar para coleta e descarte depois. Ok?

O sorriso de Sophia combinava com os dos crânios rosa-choque em seu avental. — É um encontro.

 

* * *

 

Eu abri a porta da frente do restaurante e saí. Ainda estava abafado, embora o calor não fosse tão opressivo quanto no início do dia, e a mais leve nota de outono sussurrava no ar, que dizia que o dia quente logo cederia lugar a uma noite deliciosamente fresca.

Observei os pedestres e avistei Troy a cerca de um quarteirão à minha frente. Apesar do calor, ele usava uma jaqueta de couro preta, assim como os dois vampiros que estavam com ele. Você não usava algo assim naquele tempo, a menos que tivesse algo a esconder. Como, digamos, um revólver ou alguma outra arma.

Eu precisava chegar a Catalina antes de Troy e seus amigos, assim eu corri pela rua e atravessei um beco do outro lado. Mas a passagem estreita não estava deserta – longe disso.

Várias prostitutas encostavam-se às lixeiras que estavam alinhadas nas paredes, usando saltos altíssimos, blusa de lantejoulas e minissaias de couro que eram pouco maiores do que as toalhas que eu usava para limpar as mesas. As mulheres estavam conversando e rindo antes de começarem a vender seus produtos na noite, mas a camaradagem e as risadas fáceis desapareceram no segundo em que entrei no beco.

Uma delas me lançou um olhar zangado por ousar entrar em seu território. — Saia, querida. Esta não é hora de amadora por aqui.

Outra prostituta agarrou o braço dela. — Shh! Você não sabe quem ela é? — ela sussurrou algo no ouvido de sua amiga que fez a boca da outra mulher se abrir e os joelhos tremer.

Meu apelido de assassina, muito provavelmente. As prostitutas que trabalhavam nas ruas ao redor do restaurante ouviram os rumores sobre quem eu realmente era, e elas eram espertas o suficiente para acreditar neles. A primeira mulher abaixou a cabeça para mim em um silencioso pedido de desculpas, mas eu estava com muita pressa para me importar.

A maioria das mulheres me deu um aceno de cabeça acentuado e respeitoso enquanto eu passava, indo tão longe a ponto de dar um passo para trás para que eu pudesse correr por elas mais facilmente. Outras, na verdade, moviam-se para trás das lixeiras, colando-se contra as paredes do beco, tão planas e rápidas quanto podiam. Nenhuma delas realmente falou comigo, mas sabiam que eu era ainda mais perigosa do que os cafetões nos carros estacionados nas ruas ao redor, e não queriam fazer nada para atrair minha atenção.

Cheguei ao final daquele beco e cortei mais dois antes de chegar à Broad Street. Como não se tratava de uma das ruas principais, essa área estava quase deserta, exceto pelos poucos trabalhadores que ainda não haviam saído do centro da cidade e corriam para seus carros na esperança de chegarem em casa a tempo do jantar e de colocarem os filhos na cama.

Olhei para a esquerda e direita, mas não vi Catalina em lugar nenhum. Ela já deveria estar na garagem. Se eu tivesse sorte, ela estaria sozinha, e Troy e seus amigos ainda não teriam chegado aqui. Se eu não tivesse sorte, bem, Sophia viria e me ajudaria a limpar a bagunça, como prometera. Então espalmei uma das facas de Silverstone escondidas nas minhas mangas, saltei sobre a haste de metal que impedia a saída e entrei na garagem.

As pedras começaram a murmurar no segundo em que entrei na estrutura.

Naturalmente.

O concreto frio e grafitado gritou como um coro de sapos – baixo, sombrio e sinistro. Aumentei meu aperto na faca e deslizei para a sombra mais próxima, examinando as fileiras de veículos, imaginando se Troy e seus amigos já estavam aqui. Mas a pedra continuou falando em um nível constante, e percebi que ela apenas refletia a paranoia de todas as pessoas que correram para seus carros, preocupadas que seriam assaltadas, e especialmente aqueles que tiveram seus medos concretizados e suas cabeças se chocaram contra os pilares enquanto alguns vagabundos vasculhavam seus bolsos.

Satisfeita por estar sozinha, adentrei ainda mais na garagem. Minhas botas arrastaram no concreto enquanto os odores de gasolina, óleo e exaustor pairavam no ar. Não vi Catalina neste nível, então subi as escadas até o segundo andar. Eu parei na porta aberta, ouvindo. Passos ecoaram nesse nível, as batidas constantes quase abafando a melodia suave que a pedra estava cantarolando, uma que reconheci de todo o seu tempo no Pork Pit. Eu balancei a cabeça. Se Troy não machucasse Catalina, alguém mais estaria à espreita aqui. Ela estava praticamente pintando um alvo nela, fazendo aquele barulho alto em um lugar tão escuro e perigoso quanto este.

Deixei a porta para trás e me dirigi para a parte principal da garagem. Vários carros estavam estacionados, esperando que seus donos fossem atrás deles. Catalina estava descendo a entrada de concreto, sem nem ao menos olhar em volta para ver se alguém a seguia. Balancei minha cabeça novamente. Era uma maravilha que ela não tenha sido assaltada aqui antes.

Catalina girou o chaveiro ao redor do dedo indicador enquanto se aproximava do carro, o mesmo Benz muito bom que ela estava dirigindo na faculdade. Ela parou na porta do motorista.

— Olá, Catalina — falei.

Ela gritou, girou, e as chaves voaram do seu dedo, batendo no concreto. Seus olhos se arregalaram ainda mais quando percebeu que era eu chamando seu nome, mas sua expressão rapidamente se tornou cautelosa, e ela não conseguia esconder o medo que cintilava em seu olhar – medo de mim.

Meu coração apertou com a visão, com o conhecimento de que ela estava com medo de mim, ou pelo menos com medo da minha suposta reputação como a Aranha. Eu nunca machucaria intencionalmente uma pessoa inocente, mas ela não tinha como saber disso.

— Gin? — perguntou Catalina, com a mão na maçaneta da porta, embora o carro ainda estivesse trancado. — O que você está fazendo aqui?

— Salvando você.

Ela franziu a testa. — De quê?

— Seu ex-namorado. O oh-tão-adorável-cavalheiro que estava te incomodando na noite passada.

A carranca dela se aprofundou. — Troy? O que ele tem a ver com isso?

— Tudo. Quando você saiu do Pork Pit, ele e seus amigos estavam bem atrás de você. Chame-me de louca, mas duvido que eles só queiram conversar.

Cruzei os braços sobre o peito. Carregar minhas facas era uma segunda natureza para mim, e nem percebi que ainda segurava uma delas até que o olhar de Catalina se fixou na lâmina brilhando na minha mão direita. Ela se inclinou para o lado, colocando um pouco mais de distância entre nós.

— Troy não iria me machucar — disse ela, sua voz falhando nas duas últimas palavras. — Não mesmo. Ele é um cabeça quente com uma boca grande, só isso.

— E os amigos dele? — perguntei. — Eles não ficarão muito felizes com a derrota que eu dei a eles. Nem aquele para quem eles trabalham, confie em mim. Troy e seus amigos não estão a caminho para lhe oferecer um pedido sincero de desculpas.

Catalina abriu a boca, mas a forte batida de passos a interrompeu.

— Vamos lá. — A voz de Troy chegou até nós de longe. — A cadela deve estar aqui em cima.

Catalina respirou fundo, mas eu já estava me movendo para frente, pegando a mão dela e puxando-a para o lado oposto de seu carro. Eu a fiz agachar ao meu lado nas sombras.

— Você fica aqui — pedi. — Fora do caminho. Eu lidarei com Troy e seus amigos...

Desta vez, fui eu quem foi interrompida pelo guincho dos pneus e pelo estrondo de vários motores.

Corri para frente e espiei a parte de trás do carro de Catalina. Troy e seus dois amigos chegaram mais rápido do que eu esperava, porque agora eles estavam no meio desta seção da garagem. Mas Troy ficou tão surpreso quanto eu com o barulho, e se virou para olhar para trás.

Dois Cadillac Escalades pretos subiram nesse nível, um indo para a direita e o outro virando para a esquerda, ambos parando pouco antes de atingirem as paredes de concreto. Alguns segundos depois, um terceiro carro avançou e estacionou no meio do V de metal que os outros dois veículos criaram.

Ao contrário dos outros carros escuros e anônimos, o terceiro veículo era completamente memorável – um Bentley azul-bebê antiquado que foi cromado, encerado e polido com perfeição. Era o tipo de carro de luxo que Finn sempre babava, conhecido em toda Ashland, mas especialmente em Southtown, onde morava seu dono.

Agora eu sabia exatamente para quem Troy trabalhava. As coisas acabaram de mal a pior. A história da minha vida.

Catalina se aproximou de mim, olhando ao redor do meu ombro. Ela respirou fundo quando viu o carro azul.

— Oh, não — sussurrou ela.

Isso resumia as coisas.

— Fique parada e quieta — murmurei. — Não importa o que aconteça. E se eu disser para você correr, então corra, e não olhe para trás.

Catalina assentiu, muito assustada para fazer qualquer outra coisa.

Homens saíram dos dois Escalades pretos, seis deles no total, todos vestindo ternos escuros e sapatos sociais, os quais estavam tão limpos e brilhantes quanto seus carros. Todos estavam sorrindo, mostrando um conjunto de presas perfeitas e polidas em cada uma de suas bocas. Eu ouvi falar que o chefe deles exigia de seus homens uma boa aparência, até os dentes brancos.

Olhei além dos capangas para o homem que saiu do banco do motorista do Bentley. Ele era baixo e magro, e tudo nele era de um cinza suave, do terno e da camisa até o cabelo e os olhos. Silvio Sanchez. Nunca tive a infelicidade de conhecê-lo, embora eu o conhecesse pela reputação. Inteligente. Cruel. Impiedoso. O tipo de vampiro sorrateiro, dissimulado e traidor com quem você não queria mexer.

Silvio estar aqui já era ruim o suficiente, mas ele abriu a porta de trás do Bentley para que outro homem pudesse sair – um que era cem vezes mais perigoso que Silvio jamais sonhara em ser.

Verdade seja dita, o outro homem não era uma figura impressionante. Ah, ele tinha cerca de um metro e oitenta de altura, mas os seus braços e as suas pernas pareciam quase muito compridas para o resto dele, como se ele fosse um adolescente desengonçado que ainda não havia crescido em seu próprio corpo. Ele tinha um físico de feijão e sem muito músculo, um fato que suas roupas enfatizavam. Suas calças brancas cobriam quase completamente os seus tênis brancos, enquanto a camisa de mangas compridas era duas vezes maior, embora o tecido azul-bebê combinasse perfeitamente com a pintura do Bentley. Uma gravata branca com padrão de bolinhas azul-bebê, solta e frouxa em volta do pescoço.

O rosto dele parecia jovem também, a pele pálida, as bochechas cheias de um pedaço perpétuo de gordura infantil, embora eu soubesse que ele devia ter pelo menos quarenta anos, se não fosse mais velho. Seu cabelo preto estava um pouco desgrenhado, como se ele tivesse passado as mãos nele repetidamente e não se importasse com a aparência. Óculos prateados empoleiravam-se na ponta do nariz, fazendo com que seus olhos azuis parecessem maiores do que realmente eram.

Tudo junto, ele parecia um cara calmo, quieto e geek, um fato ressaltado pelas canetas e pelo bloco de anotações saindo do bolso na frente da camisa. Mas ele era tudo menos o sujeito de maneiras gentis que parecia ser. Eu o conhecia também por sua reputação.

Beauregard Benson, o rei vampiro traficante de drogas de Southtown.


Capítulo 5

 

 

Enquanto Benson estudava Troy, eu estudava Benson.

Mesmo entre os chefes do submundo, Beauregard Benson era alguém de quem todos falavam em sussurros abafados. Ao contrário de alguns dos outros senhores e senhoras do crime, Benson não se preocupava em vender sangue, oferecer prostitutas ou agenciar apostas. As drogas eram o seu forte. Estimulantes, tranquilizantes, maconha, heroína, crack, metanfetamina, oxi. Se quisesse ficar mais alto do que uma pipa, Benson era a pessoa que você pagava para subir até o azul selvagem – e a piranha que estava esperando para te mastigar e te cuspir no caminho.

Benson terminou de examinar Troy antes de se virar para Silvio. — É ele? — perguntou ele, em uma voz alta e nasal que combinava perfeitamente com seu guarda-roupa nerd.

— Sim, senhor — respondeu Silvio, num tom suave e brando.

Benson assentiu, depois apontou para os dois vampiros com Troy, estalou os dedos e apontou o polegar por cima do ombro. — Senhores, vocês podem ir agora.

— Desculpe, Troy — murmurou um dos vampiros.

Os dois vampiros contornaram Benson e Silvio e saíram correndo da garagem o mais rápido que puderam. Enquanto isso, os seis homens que saíram dos Escalades o cercaram, formando um círculo ao redor de Troy. E eu sabia exatamente o que era isso: uma execução.

Troy viera aqui para machucar Catalina, mas ele era o único que não iria embora.

Troy franziu a testa, não compreendendo que ele era um homem morto. — Sr. Benson? O que está acontecendo? Por que você está aqui?

Benson arrancou os óculos do nariz. Ele estendeu a mão e Silvio deu um passo à frente, lhe dando um lenço de seda branco que Benson usou para limpar as lentes.

— Estou aqui porque, aparentemente, você não pode lidar com seu próprio território — disse Benson, concentrando-se em seus óculos. — Você acha que eu não iria descobrir o que aconteceu?

— Se isso é sobre a noite passada, eu posso explicar...

— Claro que isso é sobre a noite passada — disse ele, enfiando a seda no bolso antes de deslizar seus óculos no nariz e olhar através das lentes para Troy. — Você e seus amigos foram a um dos nossos curandeiros de Ar para receber uma cura. Seus amigos foram espertos o suficiente para contatar Silvio logo depois e confessar sua incompetência. Mas você não o fez. Quer me dizer por quê?

— Não foi nada — insistiu Troy. — Alguém teve sorte e me acertou. Eu ia cuidar disso. Esta noite.

— Hmm. — Benson inclinou a cabeça para o lado, como se Troy fosse um espécime curioso que ele estava examinando. — E, no entanto, aqui está você, sozinho, em uma garagem vazia. Isso não me dá muita confiança em você, Sr. Mannis.

Os olhos de Troy voaram do rosto de um vampiro para o próximo. Pela primeira vez ele pareceu perceber que seu chefe e sua comitiva não apareceram para um bate-papo educado. Ele engoliu em seco e esfregou as mãos no jeans para limpar o suor nervoso das palmas das mãos.

— Posso explicar, Sr. Benson...

— Explicar o quê? — Benson o interrompeu novamente. — Como alguém ameaçou, envergonhou e espancou você e dois outros membros da minha organização, os homens que eu especificamente lhe dei para ajudar com a nova distribuição na faculdade? O que você tem a dizer sobre isso?

— Eu... Eu... Eu... — falou Troy, mas não conseguiu pronunciar as palavras.

Elas não teriam o salvado de qualquer maneira.

— Você não sabe que o seu constrangimento é minha vergonha? — disse Benson. — Você sabe que não tolero erros ou pessoas escondendo coisas de mim. E, particularmente, não gosto que meus funcionários falem sobre meus interesses comerciais para pessoas de fora.

Eu fiz uma careta. Aparentemente, Troy estava tagarelando. Mas sobre o quê? E para quem?

— Mas você fez tudo isso — continuou Benson —, com sua pior ofensa sendo abrir sua boca quando deveria ter mantido fechada. E agora temo que você tenha que sofrer as consequências de suas ações, todas as suas ações, Sr. Mannis.

Troy saiu correndo.

Ele sabia o que estava por vir e não queria fazer parte disso. Não poderia culpá-lo por isso. Mas os dois vampiros na frente bloquearam sua saída e o empurraram para os braços dos quatro homens atrás dele. Dois agarraram o braço esquerdo de Troy enquanto os outros dois seguravam firmemente seu lado direito, imobilizando-o.

Ao meu lado, Catalina soltou um suspiro suave, sua mão direita agarrou o tecido da manga da minha camiseta, e ela apertou a mão esquerda sobre a boca para abafar o barulho que fizera. Para nossa sorte, todo mundo se concentrou em Troy e em suas frenéticas tentativas de empurrar, debater e chutar.

Todos, exceto Silvio.

O vampiro franziu a testa, seu olhar cinzento examinando a garagem antes de se prender ao carro de Catalina. Sua carranca se aprofundou, a testa franzida e os olhos estreitados. Fiquei tensa, imaginando se Silvio poderia pedir a um deles para ter certeza de que a garagem estava vazia e quantos vampiros eu poderia cortar antes que eles me cercassem. Mas depois de alguns segundos, Silvio fixou sua atenção em Troy novamente.

Nesse ponto, a luta de Troy diminuiu para tremores que atormentaram seu corpo da cabeça aos pés. — Por favor, Sr. Benson — implorou. — Por favor. Vou fazer melhor. Você sabe que posso fazer melhor.

— Receio que seja tarde demais para desculpas, pedidos e promessas, Sr. Mannis — disse Benson, seu tom de voz, ainda muito nasal. — Você é tão forte quanto parece, e não posso ter nenhum elo fraco na minha organização. Especialmente agora, quando estou lançando um novo produto.

Novo produto? Eu me perguntei se ele falava da pílula vermelha que Troy me dera na faculdade.

Benson estalou os dedos. Silvio colocou a mão no Bentley e tirou um longo casaco branco, do tipo que um cientista poderia usar em um laboratório. Benson estendeu primeiro um braço, depois o outro, e Silvio cuidadosamente ajeitou o chefe na roupa, alisando o tecido sobre os braços e recuando como um camareiro faria. Silvio até fechou os botões na frente, para que o casaco branco cobrisse as roupas de Benson.

Troy estremeceu, como se soubesse o que viria a seguir. Então os vampiros se agarraram a ele.

Benson sorriu, suas presas brilhando como diamantes pontiagudos em sua boca, as pontas afiadas prontas para cortar carne e osso – de Troy. Ele caminhou em direção ao seu lacaio, seu passo suave e firme, e estalou os dedos novamente. No comando, os quatro vampiros segurando Troy soltaram e recuaram. Se eu fosse o garoto, eu estaria me afastando daqui, mas ele não se mexeu. Em vez disso, ele permaneceu absolutamente quieto, como se estivesse congelado no lugar pelo brilho da Medusa dos óculos de Benson.

Pensei que Benson iria agarrar Troy, inclinar o pescoço dele para o lado e enterrar suas presas na garganta do garoto, mas para minha surpresa, Benson bateu a mão no ombro do jovem, como se quisesse informá-lo de que não havia mal algum. Troy afundou em alívio.

E foi aí que Benson fez seu movimento.

Ele estendeu mão e envolveu a garganta de Troy. Benson ergueu o outro homem tão facilmente quanto ele estalou os dedos, depois girou e jogou Troy no chão, com força suficiente para rachar o concreto. Foi uma demonstração impressionante de força, mesmo para um vampiro.

Troy deve ter algum sangue gigante em sua árvore genealógica para sobreviver a esse tipo de golpe no corpo, porque tudo o que pareceu fazer foi atordoa-lo por alguns segundos, antes de começar a engasgar, sufocar e arranhar a mão de Benson ao redor de sua garganta.

Em vez de aumentar o aperto, Benson, na verdade, soltou seu traficante. Ele se agachou sobre o homem aterrorizado e começou a acariciar a bochecha de Troy, tão suave e leve quanto possível.

— Lá, lá — balbuciou. — Não tenha medo. Só doerá por um minuto.

Benson sussurrando só fez o pânico de Troy aumentar. Ele levantou e chutou, se agitando, mas era como se toda a força tivesse subitamente deixado seu corpo, porque ele não chegou a lugar nenhum, e suas lutas eram as debatidas fracas e lamentáveis de um animal moribundo.

Silvio e os outros vampiros aguardavam imóveis e silenciosos, em um anel ao redor dos dois homens. Todos, exceto Silvio, desviaram os olhos.

Um estranho brilho azul começou a emanar da mão de Benson, tão pálida a princípio que achei que era apenas uma das luzes fluorescentes no alto. Mas o brilho cresceu e cresceu, e os olhos de Benson assumiram o mesmo tom assustador, ampliado por seus óculos.

Mas o estranho era que o brilho parecia estar se movendo de Troy para Benson. Toda vez que o vampiro passava a mão na bochecha de Troy, a luz azul se intensificava, como se Troy fosse um cigarro humano que Benson havia acendido rapidamente.

A coisa normal, o resultado esperado, a ação lógica, seria Benson mergulhar suas presas no pescoço de Troy. Todos os vampiros precisavam de sangue para viver, desde que todos aqueles litros gelados de O-negativo continham vitaminas essenciais que eles precisavam, assim como outras pessoas precisavam de comida sólida para manter um peso saudável. E dependendo do sangue bebido por eles, os vampiros poderiam obter mais alguns minerais a partir dele. Sangue humano regular era o suficiente para dar à maioria dos vampiros sentidos aprimorados, ao mesmo tempo em que velocidade e força extra. Mas se eles bebessem de gigantes, anões ou elementais, os vampiros poderiam absorver os traços dessas raças – a força de um gigante, a durabilidade de um anão, a magia de um Elemental.

Mas Benson não foi para a garganta de Troy. Não desnudou suas presas. Não parecia nenhum pouco interessado em todo aquele doce sangue bombeando nele. Em vez disso, Benson continuou acariciando o rosto de Troy, como se para ele fosse suficiente apenas sentir o suor salgado escorrendo pelo rosto de Troy; ouvir os seu gritos pequenos, fracos e incoerentes; e a visão da dor, do pânico e do medo contorcendo em todo o seu corpo.

Talvez isso fosse o suficiente para Benson.

Talvez... Talvez Benson não estivesse se banqueteando com o sangue do traficante de drogas, porque ele estava jantando algo em vez disso: as emoções de Troy.

Alguns vampiros podiam fazer isso, podiam arrancar toda a dor, medo, raiva e amor de uma pessoa tão facilmente quanto podiam abrir a garganta de alguém com suas presas. Eu nunca vi esse tipo de vampiro em ação antes, entretanto.

E desejei não ter visto agora.

Mesmo com o brilho azul se intensificando nas mãos de Benson, Troy parecia esvaziar, como um bolo desmoronando em si mesmo. Seu corpo musculoso ficava cada vez mais magro, sua pele e maçãs do rosto afundando-se, como se fosse vítima de algum tipo de inanição repentina e extrema. Seu cabelo loiro caiu em tufos, e sua respiração veio em um chocante gemido ofegante que eu conhecia muito bem.

Enquanto Troy murchava, Benson parecia crescer e crescer, seu peito expandindo, seu corpo se alongando, seus braços e pernas protuberantes, até que o jaleco branco e as calças mal os contivessem. Em um segundo, ele era um fantoche de homem magro, desajeitado e fibroso. No seguinte, ele inchou como um fisiculturista que parecia que ia estourar se espirrasse com muita força. As emoções de Troy deveriam estar dando o poder, a força e a energia ao vampiro, da mesma forma que o sangue de alguém faria. Parecia que Benson tinha o estranho bônus de conseguir massa muscular real deles também.

Mas a coisa mais desconcertante era que eu realmente podia sentir Benson puxando a dor, o pânico e o medo de Troy, junto com sua vida. Lixa invisível raspou minha pele, esfregando-a brutamente. Eu só podia imaginar a dor excruciante que Troy deveria estar experimentando, sendo o foco daquela lixa enquanto ela penetrava cada vez mais fundo. Mas a lixa não apenas desgastou Troy. Também extraiu pedaços de seus sentimentos ao longo do caminho e então, de alguma forma, transferiu todas as suas emoções, toda a sua energia, toda a sua vida, para Benson, como se o vampiro fosse um espantalho sendo recheado com palha.

Talvez fosse um subproduto da habilidade do vampiro, mas o medo explodiu em mim como o calor de uma sauna. Oh, sim. Eu podia sentir cada pedacinho do medo quente e suado de Troy, como rebarbas desesperadamente grudando na pele do meu próprio corpo, antes que Benson as puxasse e as engolisse.

— Não — sussurrou Catalina —, ele não merece isso. Nós temos que salvá-lo.

Ela começou a avançar, mas apertei minha mão sobre sua boca e a puxei contra mim, certificando-me de que ainda estávamos escondidas atrás de seu carro.

— É tarde demais para ele — murmurei na orelha dela. — E nós também, se você não ficar parada e quieta.

Catalina lutou por um momento antes de cair contra mim em derrota. Ela sabia tão bem quanto eu que Troy já estava morto.

Pobre bastardo. Eu quase senti pena dele.

 

* * *

 

Benson levou menos de dois minutos para sugar todas as emoções de Troy. E quando foi feito, a cabeça esquelética de Troy estava balançando para o lado com a sua morte, o vampiro soltou um suspiro longo, alto e satisfeito, como se tivesse desfrutado da melhor refeição gourmet. Eu meio que esperava que ele arrotasse, mas aparentemente, ele era muito digno para isso.

Benson se levantou. Seus olhos queimavam um azul elétrico da dor e do medo de Troy, as órbitas mais brilhantes do que todas as luzes da garagem juntas. Ele sorriu para ninguém em particular, e o brilho de seus olhos pintou suas presas da mesma cor perturbadora. Nenhum dos outros vampiros se atreveu a encontrar seu olhar, exceto por Silvio, que permaneceu pacientemente, sem nenhuma emoção aparecendo em seu rosto.

— Bem — falou Benson. — Esse foi um lanche agradável. Não havia percebido como estava com fome.

Mesmo sua voz era maior agora, mais ousada, mais forte e mais nasal do que antes. O som reverberou pela garagem, fazendo Catalina estremecer ao meu lado e o concreto lamentar e choramingar com os últimos resíduos do medo de Troy.

Com Troy morto, eu esperava que Benson entrasse no carro e saísse, mas ao invés disso ele colocou a mão dentro do casaco e puxou um pequeno bloco de notas do bolso da camisa, junto com uma caneta. O clique dele estalando o seu polegar em cima da caneta soou tão alto quanto um gongo no silêncio absoluto da garagem.

Ele se agachou sobre o corpo de Troy, examinando-o de todos os ângulos, e começou a rabiscar em seu bloco. Eu fiz uma careta. Benson estava realmente tomando notas sobre o que ele fizera para o traficante de drogas, como se fosse um inocente experimento científico, em vez de uma execução brutal. Ele não apenas anotou, mas pegou o telefone, tirou várias fotos, e então levou o dispositivo aos lábios e começou a gravar suas observações. Eu me perguntei se ele tinha algum tipo de livro de memórias sádico de todas as pessoas que matou. Isso não me surpreenderia.

Silvio permaneceu imóvel e quieto atrás de Benson, embora os outros vampiros se mexessem, olhando para as manchas de óleo no chão, em vez de para o chefe. Ninguém queria pensar que eles poderiam estar na posição de Troy um dia – mortos, drenados e desconstruídos.

— Acabamos aqui — falou Benson finalmente, ficando de pé e guardando o celular, a caneta e o bloco de anotações.

Benson estalou seus dedos, e um dos vampiros correu para abrir a porta traseira do Bentley. Os outros voltaram para os Escalades, mas Silvio foi até Troy, inclinou-se e começou a vasculhar os bolsos, pegando a carteira, o telefone e os sacos de pílulas que Troy havia guardado na jaqueta.

Oh, não. Não podia deixar aqueles para trás quando outro negociante de Benson poderia vendê-los.

Sílvio começou a se levantar, mas seu olhar se fixou em algo cintilando à esquerda: as chaves de Catalina.

Ela as largou quando eu a assustei mais cedo, e estavam a um metro e meio de distância do carro dela, no meio do chão, bem ao ar livre. Inclinei a cabeça e cerrei os dentes para conter uma maldição. Eu ainda estava olhando perto da traseira do carro, e o fraco movimento chamou sua atenção. Seu olhar cinza se fixou no meu invernal. Pior ainda, ele também viu Catalina, já que eu ainda estava segurando-a.

Os olhos de Silvio se arregalaram e seus lábios franziram. Mais um segundo, dois no máximo, e abriria a boca, gritando com os outros vampiros para nos arrastarem de trás do carro. Então seu chefe se deleitaria com nossas emoções ou nos daria aos seus homens para brincar. Nenhuma das duas opções era agradável de contemplar. Ah, eu poderia matar alguns dos homens, mas provavelmente não todos eles. Não antes de se apoderarem de Catalina e, especialmente, não com Benson pronto para uma briga. Nossa melhor chance de sobreviver era a de sairmos daqui o mais rápido que pudéssemos.

— Algo errado, Silvio? — Benson chamou seu segundo em comando da parte de trás do Bentley.

— Prepare-se para correr — murmurei no ouvido de Catalina.

Sílvio me encarou por mais um segundo antes de deixar a mão cair ao lado de Troy e levantar-se suavemente. — Claro que não. Só me certificando que consegui tudo.

Ele girou na ponta dos pés, voltou para o carro e deslizou atrás do volante, como se nada tivesse acontecido. Mas ele nos viu. Eu sabia que ele viu. Então, por que diabos ele não estava gritando sobre nossa presença para Benson e os outros vampiros?

Pensei que deveria ser algum tipo de truque, algum truque para me fazer baixar minha guarda e perder qualquer chance que eu tivesse de correr mais para dentro da garagem e levar Catalina para a segurança. Mas Silvio ligou o motor, virou o carro e conduziu-o pela rampa. Os dois SUVs o seguiram.

Um minuto depois, estávamos sozinhas, e o único som na garagem era o murmúrio sombrio das pedras ao nosso redor.

 

Capítulo 6

Assim que Benson e seus vampiros estavam fora de vista, fiquei de pé.

— Vamos — disse a Catalina. — Precisamos sair. Caso eles decidam voltar.

Catalina continuou caída ao lado do pneu traseiro. Em vez de se levantar, ela se enrolou em si mesma. Um soluçou escapou de seus lábios e ela apenas ficou lá. Ela enterrou o rosto nas mãos, fazendo seu longo e ondulado cabelo preto derramar sobre seus ombros, depois puxou os joelhos até o peito e começou a balançar para trás e para frente no concreto sujo enquanto chorava.

Deixei-a com suas lágrimas. Por agora. Minha faca ainda na minha mão, eu fui até Troy – ou o que restava dele.

Não era bonito.

Eu vi uma Elemental de Água puxar toda a umidade do corpo de um gigante, não deixando nada para trás, além de um deck molhado e uma pilha desleixada de pele e ossos. Isso me lembrou disso – exceto que era pior.

Não era que Troy parecesse particularmente horrível na morte. Dada sua cabeça agora sem cabelos e sua figura magra, ele parecia um paciente com câncer mais do que qualquer outra coisa. E seus olhos esbugalhados e sua boca congelada não me incomodavam nem um pouco, tendo em conta todas as vezes que eu colocava a mesma expressão chocada e horrorizada no rosto de alguém. Mas havia um... Vazio em seu corpo imóvel, como se ele não fosse mais do que uma concha vazia e quebradiça, como um ovo sem uma gema no interior. Supus que era exatamente o que Troy era agora, desde que Benson retirou tudo dentro dele que valesse a pena. Ser mordido e drenado de sangue por um vampiro já era ruim o suficiente, mas o que Benson havia feito, bem, não era algo que eu quisesse ver novamente – nunca.

Deslizei minha faca na minha manga, agachei-me e revistei os bolsos de Troy, apesar de Silvio já os tivesse limpado. Com certeza, eu não obtive nada. Mas meus movimentos mudaram o corpo de Troy para a esquerda, e um brilho de plástico no concreto chamou minha atenção. Abaixei-me e tirei um saco debaixo das dobras de sua jaqueta.

Uma única pílula vermelho-sangue estava dentro do plástico.

Era a mesma pílula estampada com a mesma runa de coroa e chama que Troy me dera na faculdade. Lembrei-me de como a mão de Silvio havia caído ao lado de Troy antes que ele fosse embora com Benson. Ele deliberadamente deixou a pílula para trás. Por quê? Ele me viu e, sem dúvida, sabia exatamente quem eu era. Então por que ele não disse ao seu chefe que eu estava aqui? E por que deixar uma das pílulas para trás? Seja o que for que Silvio Sanchez estivesse fazendo, não fazia sentido.

Levantei e estendi a pílula até a luz, virando-a de um lado ao outro, mas não havia outras runas ou marcas nela, e eu certamente não iria engoli-la para ver o que isso faria comigo. Talvez Bria achasse útil.

Coloquei a pílula no bolso da calça jeans, depois me aproximei, peguei as chaves de Catalina do chão e passei pela lateral do carro. O som agudo de metal cortou seus soluços e ela lentamente levantou a cabeça. Desta vez, não aceitei um não como resposta. Coloquei minha mão em seu braço e gentilmente a ajudei a ficar de pé.

— Vamos — eu disse, destrancando o carro e abrindo a porta do lado do passageiro. — Nós precisamos sair daqui. Eu vou te levar para casa.

— Você não vai... Você não vai apenas deixá-lo lá, vai? — resmungou Catalina.

Ela se afastou do carro e se dirigiu para a direção de Troy.

— Você não quer ver isso — eu gritei.

Mas já era tarde demais. O rosto de Catalina empalideceu ao ver seu ex-namorado deitado no concreto frio e a maneira horrível como ele morreu. Ela apertou a mão na boca, cambaleou alguns centímetros e vomitou.

Suspirei e encostei-me a lateral do carro. Quando ela terminou, Catalina se endireitou, puxou um lenço do bolso da calça jeans e o usou para limpar a boca. Eu esperava que ela corresse para o carro e isso seria o fim das coisas, mas, em vez disso, ela voltou para o corpo de Troy, com repugnância, culpa e tristeza apertando suas feições bonitas enquanto olhava para ele.

— Precisamos ligar para alguém... — Sua voz foi sumindo.

— E dizer o quê? — perguntei, com minha voz mais sarcástica do que deveria ter sido. — Que testemunhamos que Beauregard Benson, um dos homens mais perigosos de Ashland, matou um de seus próprios traficantes? Não é exatamente uma novidade. O que precisamos fazer é sair daqui e esquecer que isso aconteceu.

Catalina se virou, com o cabelo voando ao redor dos ombros, as mãos fechadas em punhos. — Eu não vou deixá-lo! — gritou ela.

O concreto em torno dela soltou um único gemido agudo que se transformou em murmúrios baixos e graves de determinação. O som combinava com a expressão determinada no rosto de Catalina. Eu pensei em derrubá-la, empurrá-la em seu próprio carro e ir embora com ela. Mas eu tinha a sensação de que se desse um passo em direção a ela, ela começaria a gritar de novo – ou, pior, sairia da garagem.

Se ela fizesse isso, alguém certamente a veria, e a notícia seria sobre Catalina fugindo da cena de um assassinato horrível comigo atrás dela. Então nós duas estaríamos em mais problemas do que já estávamos. Talvez eu devesse ter sido mais compreensiva com o trauma que Catalina havia testemunhado, mas eu já tinha problemas suficientes sem atrair a atenção de Beauregard Benson.

Como não consegui que Catalina saísse e não queria que Benson e seus homens voltassem e nos encontrassem, isso me deixou com apenas uma opção.

— Ok, ok — eu disse. — Vou ligar para alguém. Olha, estou fazendo agora, entendeu?

Catalina me encarou, ainda zangada e desconfiada, então puxei meu celular do bolso da calça e botei um número na discagem rápida. Três toques depois, ela atendeu.

— Coolidge.

— Ei, irmãzinha.

— Ei, Gin. — Bria fez uma pausa. — Está tudo bem?

— Por que você pensaria que alguma coisa está acontecendo? — eu disse na minha melhor e mais inocente voz de eu-não-eliminei-ninguém-em-horas.

— Porque você nunca me liga no trabalho a menos que o seu trabalho tenha de alguma forma se tornado o meu trabalho — disse ela, uma nota de provocação rastejando em sua voz. — Então, quem é desta vez, e quantos corpos existem?

O fato dela poder brincar sobre isso era uma espécie de milagre. A detetive Bria Coolidge era uma boa policial, e eu ser a Aranha, era algo que não ficava bem com ela às vezes. Mas nós lentamente chegamos a um acordo desde que ela voltou para Ashland. Bria nunca gostaria que eu fosse uma assassina, mas ela entendeu por que eu fazia isso, da mesma forma que eu entendi ela sendo uma policial e querendo ajudar as pessoas, mesmo que a lei fosse uma piada em nossa cidade e a única justiça que a maioria das pessoas tinha era se fizessem por si mesmos.

— Só um — eu disse, respondendo à pergunta dela sobre corpos. — E não é nem um dos meus.

— O quê? — perguntou ela, sua voz ainda leve. — Finn matou alguém em vez disso? Aposto que ele simplesmente adorou ter seu novo terno Fiona Fine sujo.

— Não. Não foi Finn. Foi Beauregard Benson.

Eu esperava outro comentário provocante, mas Bria ficou imediatamente em silêncio absoluto, tão quieta que eu podia ouvir o leve zumbido de seu telefone.

— Onde você está? — perguntou ela.

Fiz uma careta para o estranho tom intenso em sua voz, mas eu disse a ela sobre a garagem.

— Estarei aí em dez minutos — retrucou ela, cada palavra mais nítida e mais alta que a anterior. — Não se mova, não deixe ninguém ver o corpo, e não toque em nada.

— O que...

Comecei a perguntar o que estava acontecendo, mas ela já havia desligado.

 

* * *

 

Fiquei olhando para o meu telefone, imaginando a reação de raiva inesperada de Bria. Minha irmã lidava com criminosos diariamente, alguns dos quais usavam distintivos e se chamavam de policiais. Mas a mera menção do nome de Benson a fez ir de despreocupada a nuclear em cinco segundos. O que poderia estar acontecendo com Bria e Benson...

— Quem era? — perguntou Catalina, parecendo um pouco mais calma do que antes.

— Bria. Minha irmã, a policial. Você a viu no restaurante.

Ela assentiu. — Ela é legal. Educada. Boas gorjetas. Bonita também.

— Ela estará aqui em breve. Provavelmente com Xavier — eu disse, referindo-me ao parceiro de Bria na força.

Catalina assentiu novamente e olhou para Troy. Ela hesitou, então soltou um suspiro e lentamente caiu no chão ao lado de seu corpo, não se importando com a sujeira, óleo e outras coisas que ela estava espalhando sobre seus jeans. Ela estendeu a mão, como se fosse tocar na mão ressequida, mas pensou melhor e terminou repousando a palma da mão no concreto ao lado dele.

— Não espero que você entenda — disse ela. — Mas não posso deixá-lo.

— Eu sei que ele era seu ex, mas ele estava tentando forçá-la a vender drogas, e te seguiu até aqui esta noite. Ele ia te machucar muito, Catalina. Talvez até te matar.

Ela suspirou, seu rosto de repente décadas mais velho do que seus vinte e um anos. — Eu sei. Mas ele ainda era meu amigo. Desde antes da morte da minha mãe.

Ela olhou para a parede dos fundos da garagem, mas seu olhar estava ainda mais distante. Jo-Jo às vezes ficava com o mesmo olhar, sempre que olhava para o futuro e ouvia sussurros dele. Mas Catalina não era uma Elemental do Ar, então, a única coisa que ela estava vendo eram as memórias de seu próprio passado com Troy.

Eu me abaixei no chão do outro lado do corpo dele. — Sua mãe morreu no ano passado, certo? Assassinada por um motorista bêbado?

— Sim — disse Catalina, seu tom de voz monótono. — Na primavera. O cara bêbado também morreu, assim eu não tinha ninguém para ficar com raiva, sabe?

Sim, eu sabia tudo sobre a raiva que vinha com a perda de um ente querido, especialmente tão de repente, tão sem sentido.

Ela respirou fundo. — Meus pais se separaram quando eu era criança. Eu nunca o conheci. Mas minha mãe era ótima. Antes de morrer, ela e eu... nos mudamos, morávamos em Southtown. Na Undertow Avenue.

Soltei um assobio baixo. A Undertow Avenue era uma das ruas mais violentas de toda Southtown, o tipo de lugar aonde os policiais nem sequer iam, a menos que houvesse pelo menos uma dúzia deles e fosse em plena luz do dia. Mesmo assim, eles ainda seriam superados em número pelos bandidos, traficantes e outras pessoas violentas. A Undertow Avenue também estava no coração do território de Benson. Não admira que Catalina soubesse quem ele era. Ela passou a vida vivendo na sombra dele.

— Troy morava na casa ao lado da nossa — disse Catalina. — O pai dele era um bêbado malvado que batia nele e na sua mãe, então ele sempre vinha à minha casa para se esconder. Minha mãe o alimentava com biscoitos. Troy amava tanto seus biscoitos de chocolate.

Ela sorriu, mas as lágrimas escorreram pelo rosto. — Troy cuidou de mim, sabe? Mesmo quando éramos pequenos, ele me levava para a escola e impedia que as outras crianças me perturbassem. Quando ficamos mais velhos, éramos mais que amigos. Eu o amava. Pelo menos até —... Sua voz sumiu.

— Até que ele começou a traficar drogas para Benson — terminei.

Ela encolheu os ombros. — Não posso culpá-lo por isso. Na nossa vizinhança, é isso que muita gente faz para ganhar dinheiro. Era apenas mais um trabalho para eles, e para ele também.

— Então o que aconteceu?

Em vez de olhar para mim, ela traçou seus dedos sobre uma marca negra de derrapagem ao lado da mão de Troy. — Sendo parte da equipe de Benson, sempre havia pressão para cumprir suas cotas semanais. Troy estava sempre estressado e lutando para acompanhar. Um dia nós estávamos discutindo. Ele queria que eu começasse a vender para ajudá-lo, mas eu não queria. Ele bateu em mim.

Sua mão subiu para a bochecha esquerda, como se ainda pudesse sentir a pontada daquele golpe dado há muito tempo. Talvez no fundo do seu coração.

— Ele disse que isso nunca mais aconteceria, mas eu já havia visto essa história muitas vezes antes, então eu rompi com ele. Um mês depois, minha mãe morreu e eu... Tive a chance de fugir, do bairro, de Troy, de todas as lembranças da minha mãe, então eu peguei. Talvez isso tenha sido uma fraqueza da minha parte, mas eu aceitei, e não olhei para trás desde então.

Eu me perguntei o que ela não estava dizendo, exatamente onde ela conseguiu o dinheiro para escapar de todas as memórias que a assombravam em Southtown. Mas fiquei quieta, querendo ouvir o resto da história dela.

A mão de Catalina caiu no concreto. — Tudo estava bem até o início do outono, algumas semanas atrás. Foi quando eu vi Troy novamente. Ele começou a traficar no campus e eu encontrei com ele em um dos pátios. Ele me implorou para lhe dar uma segunda chance. Eu disse a ele que a única maneira que eu daria era se ele parasse de trabalhar para Benson e conseguisse um emprego regular.

Ela balançou a cabeça. — Ele não gostou nada disso. Ele disse que eu era uma traidora, que havia me mudado e não me lembrava como era a vida em nossa vizinhança. Eu disse a ele que havia muitas pessoas boas, honestas, decentes e trabalhadoras de onde viemos. Eu disse a ele que minha mãe nunca havia lidado com drogas para ganhar dinheiro. Ele disse que eu não tinha nenhuma lealdade a ele, a tudo pelo que nós passamos, ao modo como ele me protegeu durante todos esses anos.

O olhar dela foi para a cabeça careca e as feições afundadas. Ela estremeceu e desviou o olhar. — Eu disse a ele para me deixar em paz, mas ele continuou me seguindo pelo campus, tentando fazer com que eu saísse com ele. Eu poderia dizer que ele estava ficando cada vez mais irritado, mas nunca pensei que ele realmente me machucaria. Ontem à noite, quando ele tinha aqueles dois vampiros com ele... Essa foi a primeira vez que ele realmente me assustou. E agora ele está morto — terminou ela, em um tom fraco e cansado.

— Não é culpa sua. As escolhas que Troy fez, o caminho que ele seguiu, ele fez tudo isso sozinho. E você certamente não é responsável pela morte dele.

— Bem, sinto-me como se fosse responsável — sussurrou Catalina. — Por tudo. Talvez se eu tivesse sido mais compreensiva, talvez se eu não tivesse exigido que ele parasse de lidar com isso, talvez se eu tivesse lhe dado outra oportunidade, eu não estaria sentada ao lado de seu corpo agora.

— Talvez — respondi. — Ou talvez ele estivesse sentado ao lado do seu, caso você o tivesse irritado novamente.

Ela finalmente levantou o olhar para o meu, com culpa, pesar e memórias nadando em seus olhos castanhos e lacrimosos. — Eu sei que ele não era o mesmo cara com quem eu cresci, mas eu ainda me importava com ele, sabe? Ele não merecia o que Benson fez com ele.

— Não — respondi —, o Troy que você conhecia não merecia isso.

Catalina ficou em silêncio, perdida em suas memórias, sua mão finalmente se arrastando para tocar a de Troy. Sentamos assim, perdidas em nossos próprios pensamentos, cada uma de nós assombrada pelo homem morto entre nós.


Capítulo 7

 

 

Dez minutos depois, eu ouvi o ronco distante de um motor, ficando cada vez mais alto à medida que subia em espiral até esse nível da garagem. Eu reconheci o som.

Terminei minha mensagem para Sophia, dizendo a ela que eu estava bem e para ela ir para casa e apertei o enviar. Então olhei para Catalina.

— Os policiais estão aqui — eu disse, ficando de pé.

Catalina assentiu, mas ficou onde estava no chão ao lado de Troy.

Um sedã grande e comum virou a esquina, me pegando em seus faróis. O veículo desacelerou, depois parou e as portas se abriram, revelando duas figuras familiares. A motorista era uma mulher de cabelos loiros e olhos azuis brilhantes, bonita o suficiente para ser modelo, apesar das botas pretas, dos jeans escuros e da camisa azul escura que usava. Um distintivo dourado brilhava em seu cinto de couro preto, ao lado de sua arma no coldre. Um gigante com a cabeça raspada, pele de ébano e olhos escuros manobrava o corpo enorme e musculoso do lado do passageiro. Apesar da hora tardia, um par de óculos escuros de aviador estava preso na gola de sua camisa polo branca.

A detetive Bria Coolidge e Xavier, ambos se dirigiram em minha direção. Xavier parou ao meu lado. Eu abri minha boca para saudar Bria, mas ela nem sequer olhou para mim enquanto passava direto. Corredores de marcha atlética não se moviam tão rápido.

Fiz uma careta. Minha irmã acabou de me ignorar por um cadáver?

Os passos rápidos de Bria diminuíram quando ela viu Catalina sentada no concreto, mas sua presença não impediu que minha irmã avançasse, se curvasse e estudasse o corpo de Troy com um olhar crítico e frio, da mesma forma que Benson fizera anteriormente.

— Sim, esse é o trabalho de Beau, realmente — disse Bria, com nojo pingando de cada uma de suas palavras.

Sua voz poderia ter sido venenosa, mas seus olhos eram escuros, sua boca estava em uma linha dura, e suas mãos estavam cerradas em punhos apertados. Por um segundo, Bria ficou com a mesma aparência de Catalina antes de vomitar – nauseada, ferida e vulnerável.

Bria olhou para Catalina. Um pouco de simpatia brilhou nos olhos da minha irmã, momentaneamente amolecendo-os, mas a expressão foi rapidamente apagada, e suas feições se endureceram novamente.

Bria levantou e recuou para mim, seus movimentos ainda mais rápidos do que antes. — Diga-me o que aconteceu.

Eu olhei para ela, imaginando o que a deixara tão irritada. — Você nem vai perguntar se estou bem?

— Por quê? Você está bem. Você está sempre bem. — Bria acenou com a mão. — Diga-me o que aconteceu, Gin. Agora.

Fiz uma careta para sua atitude desdenhosa e tom abrupto, mas Bria apenas suspirou, revirou os olhos e cruzou os braços sobre o peito, como se fosse eu quem estava sendo grossa e infantil. Então eu cedi e contei a ela e Xavier tudo, desde o encontro de Catalina com Troy na noite passada, com ele a seguindo até a garagem, até Benson aparecendo e matando Troy.

A única coisa que não mencionei foi Silvio Sanchez vendo Catalina e eu, e depois aparentemente deixando uma pílula Burn para eu encontrar. Talvez Silvio achasse que ele poderia me dar algum dinheiro para ficar de boca fechada. Talvez seja por isso que ele não disse a Benson que estávamos aqui. De qualquer maneira, eu queria algum tempo para decifrar os motivos do vampiro. E de Bria também, já que ela estava agindo de forma tão estranha.

O olhar especulativo de Bria se voltou para Catalina. — Ela é uma das suas garçonetes, certo? Ela trabalha para Benson também?

Fiz uma careta novamente, me perguntando por que ela estava tão focada em Benson. — Não, mas ela cresceu com Troy.

Eu contei a eles uma versão condensada do que Catalina havia me revelado sobre o passado dela. Xavier lançou a Catalina um olhar compreensivo, mas Bria começou a bater o pé, a ponta da bota ressoando contra o concreto, acelerando junto com seus pensamentos.

— E aquela pílula que você achou? — perguntou Bria.

Tirei a sacola plástica com a pílula vermelho-sangue do meu bolso e ela a arrancou da minha mão. Por um segundo, pensei em pegá-la de volta. A falta de modos de Bria estava começando a me dar nos nervos.

— Você sabe o que é? — perguntei.

Sua expressão tensa ficou ainda mais sombria. — Chama-se Burn. É a última droga sintética nas ruas, cortesia de Benson.

— Burn? Por que esse nome?

— Porque é suposto fazer você se sentir como se tivesse a metros de altura e como se suas veias estivessem pegando fogo ao mesmo tempo — falou Xavier, em sua voz baixa e profunda.

— Bem, eu suponho que explica a runa estampada sobre isso — murmurei. — Esse design de coroa e chama representa um poder bruto e destrutivo. Mas essa não é a runa de Benson, não é?

— Não. — Bria disse, ainda olhando para a pílula. — A runa dele é a letra B com duas presas saindo.

— Supostamente, apenas um desses bebês vai levá-lo no passeio da sua vida — entrou Xavier na conversa. — Humano, vampiro, gigante, anão. Vai derrubá-lo não importa o quão grande e forte você seja, faz você ver coisas que não estão lá, e geralmente mexe com a sua cabeça, de acordo com os relatórios e o que vimos. É uma viagem real.

— Elementais também? — perguntei.

Ele e Bria trocaram um olhar.

— Na verdade, ouvimos que é ainda mais potente para os Elementais — disse ela. — E aparentemente não importa quão forte ou fraca seja a magia deles ou em que elemento ou ramificação eles são talentosos. Causa realmente uma forte reação neles. Ninguém sabe por que, no entanto.

— Mas vocês não analisaram as pílulas para descobrir o que há nelas?

Ela balançou a cabeça. — Tentamos, mas o pessoal do laboratório não conseguiu descobrir todos os ingredientes. Eles me disseram que há algo que dá as pílulas o seu toque especial, mas ainda não conseguiram identificar isso.

Suas palavras me fizeram lembrar do garfo que eu havia tocado no Pork Pit. O utensílio estava quente, tanto que praticamente chiou com a magia da mulher de cabelo ruivo, o que quer que fosse, antes que a sensação lentamente começasse a se dissipar. E agora aqui estava outra coisa que era desconhecida, perigosa e mortal.

Eu não acreditava em coincidências. Nunca acreditei, e todos os desastres, esquemas mortais e teias emaranhadas que eu navegara desde que matei Mab Monroe me deixaram mais desconfiada e paranoica do que antes. Então, não pude deixar de me perguntar se a mulher no Pork Pit poderia de alguma forma estar ligada a Benson e suas drogas. Mas eu não via como. A mulher de cabelos ruivos tinha magia e Burn era apenas uma pílula, apenas um composto químico. Talvez não tivessem nada a ver um com o outro. Talvez a mulher tinha apenas entrado no restaurante para uma boa refeição. Talvez não quisesse me prejudicar. Talvez...

Esfreguei minhas têmporas latejantes. Talvez sempre causava uma dor de cabeça infernal.

— De qualquer forma — disse Bria, colocando o saco plástico com a pílula no bolso. — Vou ligar para o laboratório e ver se alguém está trabalhando hoje à noite. Talvez não seja muito tarde s para conseguir que esta seja analisada.

Ela tirou o celular do bolso da calça jeans, apertou um botão e levou o aparelho até o ouvido. — Ei, é Coolidge. Preciso falar com quem ficou no laboratório...

Ela começou a andar de um lado ao outro, as botas batendo contra o concreto novamente. Quanto mais Bria falava, mais alta e mais rápida a voz dela ficava, e ela continuava jogando uma mão para o ar, pontuando todas as suas frases, mesmo que a pessoa do outro lado do telefone não pudesse vê-la.

— O que há com Bria? — perguntei a Xavier. — Ela geralmente não é assim...

— Energética? Entusiasta? Ansiosa para pregar a bunda de um cara mau na parede? — disse ele.

— Eu ia dizer fria, rude e desdenhosa. Mas sim. Tudo isso também. Quer dizer, ela está sempre feliz em colocar traficantes de drogas e outros criminosos na cadeia, mas isso parece...

— Pessoal — terminou Xavier.

— Sim.

Ele olhou para Bria, mas ela ainda estava falando em seu telefone. Xavier acenou com a cabeça para mim e deu alguns passos para longe dela. Catalina continuou sua vigília silenciosa pelo corpo de Troy.

— Olha, Bria me pediu para não dizer nada — começou ele. — Mas com o que aconteceu esta noite, eu acho que você merece saber.

— Sobre o quê? — perguntei.

Ele olhou para ter certeza de que Bria não estava nos ouvindo antes de voltar para mim. — Bria e eu estamos trabalhando para derrubar todos os traficantes que vendem Burn há alguns meses, desde que isso começou a aparecer em Ashland durante o verão. Isso deixa as pessoas mais loucas do que qualquer outra coisa que eu já vi, tão loucas que elas arrancam a própria pele, porque acham que está pegando fogo ou derretendo ou algo assim.

— Ok...

— No começo, era apenas uma tarefa de rotina, sabe?

— Até...

Xavier respirou fundo. — Até que um dos informantes de Bria foi pego no meio disso. Max Young, ele era um dos seus delatores, dezoito anos de idade, ainda mais jovem do que aquele garoto morto ali. História típica. Nunca conheceu o pai, a mãe dele morreu quando ele tinha dez anos, saltou de uma casa adotiva para outra até que envelheceu e saiu do sistema aos dezoito anos. Um desses caras que estão sempre à margem, sabe? Não fazem parte de uma gangue, mas ficam nas bordas, a fim de terem a proteção que elas oferecem em Southtown. Fazendo biscates para os verdadeiros membros da gangue para juntar dinheiro suficiente para comida e um péssimo apartamento todo mês. Um garoto legal, um cara simpático, fazendo o melhor que podia para sobreviver.

— Então, como ele conheceu Bria?

Xavier deu de ombros. — Ele estava prestes a levar uma surra de dois caras do lado de fora do bar da Cidade do Sul. Nós estávamos em patrulha, e Bria interferiu e salvou Max deles.

Eu conhecia minha irmã, então podia adivinhar o que aconteceu em seguida. — E ela o colocou sob a sua proteção.

— Sim — disse Xavier. — Deu-lhe algum dinheiro, levou-o para um prédio de apartamentos melhor e mais limpo, até tentou convencê-lo a voltar para a escola. Em troca, Max forneceria informações a Bria sobre os traficantes, cafetões que gostavam de bater nas pessoas que trabalham para eles, membros de gangues que disparariam em seus rivais. Coisas assim.

Meu olhar cortou para Catalina, que ainda segurava a mão de Troy. Ela se esforçou tanto para fugir de Troy e das memórias que teve ao crescer em Southtown, mas aqui estava ela, outra testemunha da violência do mesmo jeito.

— Isso soa como coisas de baixo nível — perguntei. — Então o que aconteceu com Max?

Xavier olhou para Bria novamente. — Max ligou para Bria na semana passada, todo animado e cheio de orgulho. Disse que finalmente tinha alguma informação de alto nível para ela – informação que ia explodir o caso dela sobre Burn. Disse que Benson é quem estava distribuindo. Nós sabíamos disso, é claro, mas não pudemos provar, por que...

— Ninguém fala em Southtown — murmurei, terminando a frase, que era um ditado comum em Ashland.

— Exatamente. — assentiu Xavier. — Mas Max disse que poderia provar que Benson é quem está administrando a droga. Ele ouviu sobre uma grande remessa de Burn vindo de um traficante que ele conhece. Um garoto vendendo na faculdade comunitária, mostrando muito dinheiro e se vangloriando sobre quanto mais ele faria quando as drogas chegassem.

Meus olhos se estreitaram. — Isso soa como nosso amigo morto lá.

E se fosse verdade, então Troy Mannis era um homem marcado antes de eu conhecê-lo. Benson não segurou seu império por tanto tempo deixando seus traficantes se gabarem sobre as drogas que chegavam à cidade. A maioria dos policiais poderia aceitar subornos e olhar para o outro lado, mas havia alguns honestos como Bria que poderiam causar problemas para o vampiro, especialmente se recebessem uma dica que desse certo. Na pior das hipóteses, as drogas poderiam ser apreendidas pela polícia ou levadas por uma gangue rival, e Benson teria perdido centenas de milhares de dólares, se não mais.

Pensei no que Benson dissera a Troy sobre pagar por suas ações, todas as suas ações. Ele devia estar falando sobre a língua solta de Troy. Bem, ele certamente a silenciara esta noite.

— Sim, é o que eu pensei também — disse Xavier. — De qualquer forma, Max marcou um encontro com Bria. Ela foi ao local. Max já está lá, morto. Mas essa não foi a pior parte.

— E qual seria a pior parte?

— A maneira como Benson o matou. — Xavier apontou a cabeça para Troy. — Foi exatamente assim.

Nós dois ficamos em silêncio. Eu olhei para Bria, que ainda falava ao telefone. A morte de qualquer informante seria difícil, mas perder uma criança assim – uma criança que ela estava tentando ajudar – a magoaria profundamente.

— A morte de Max também foi uma mensagem — disse Xavier em uma voz muito mais suave. — Para Bria.

— Por que você diz isso?

— Porque Benson enfiou um rato morto na boca do garoto... E pintou a runa de Bria na testa de Max.

Pensei em todas as canetas que vi no bolso da camisa de Benson. Meu olhar foi para Bria e o pingente de pedra dourada brilhando ao redor de seu pescoço. Uma prímula. O símbolo da beleza. Sua runa pessoal.

— Benson fez alguma ameaça contra Bria? — Minhas mãos se curvaram em punhos com o pensamento.

Xavier balançou a cabeça. — Não, nada disso. Mas ninguém mais está dando informações a ela também. Nenhum de seus informantes retorna suas ligações sobre qualquer coisa, mesmo que não esteja relacionado a Benson. Ninguém quer acabar como Max. Então Bria está pronta para derrubar qualquer um e todo mundo associado com Benson e Burn.

— Por que ela não me contou?

— Ela tentou falar com você sobre Benson uma vez, quando você estava tendo aquele dia de meninas no salão da Jo-Jo. Mas não teve a chance...

— Porque foi o dia em que Sophia foi sequestrada — terminei. — Mas por que ela não tentou de novo? Especialmente depois que Max foi assassinado?

Xavier me deu um olhar aguçado. — E o que você teria feito se ela tivesse dito?

Abri minha boca, pronta para dizer a ele que eu teria apoiado minha irmã e deixado Bria lidar da maneira que ela quisesse, mas isso seria uma mentira.

Suspirei. — Eu teria feito uma visita tranquila a Benson às escondidas. Ou, no mínimo, para alguns de seus homens, o suficiente para enviar uma mensagem para ele não mexer com a minha irmã.

— Bingo — disse Xavier. — Eu conheço você, Gin. Se houver o menor risco para alguém que você gosta, você eliminará esse risco. E todos nós sabemos como você faz isso.

— Esculpindo as pessoas como presuntos de Natal — terminei.

— Exatamente.

Dei de ombros. — As mãos de Bria estão sujas o suficiente apenas estando relacionada comigo. Apenas reconhecendo que eu existo e que temos um relacionamento, que ela se importa comigo. Ela não precisa afundar mais na lama comigo.

— E você precisa perceber que Bria é senhora de si, especialmente quando se trata de ser uma policial — respondeu Xavier. — Ela gosta de fazer as coisas sozinha, da maneira e no tempo dela. Assim como você. Ela realmente gostava de Max. Nós dois gostávamos. Ela sente que a morte de Max está sobre ela, e quer ser a única a derrubar Benson. Você deve entender isso melhor do que qualquer outra pessoa.

Arrastei minha bota por uma marca de derrapagem no concreto. — Oh, eu entendo, mas isso não significa que eu goste disso.

 

* * *

 

Depois que Bria terminou sua conversa, ela colocou o telefone no bolso e voltou para Xavier e eu. — Cassie está no laboratório. Demorou um pouco convencê-la, mas ela concordou em ficar e analisar hoje à noite.

O convencimento de Bria soou mais como intimidação, mas decidi não mencionar isso. Xavier assentiu, e minha irmã virou o olhar para mim.

— E precisarei que você venha a central e faça uma declaração sobre o que você viu. Sobre o Benson matando aquele traficante.

Minhas sobrancelhas se ergueram. — Você quer que eu faça o quê?

— Faça uma declaração formal — respondeu Bria, como se fosse a coisa mais natural do mundo. — Ser uma testemunha e me ajudar a construir o meu caso contra Benson.

Minha boca se abriu. Entre isso e minhas sobrancelhas, sem dúvida eu parecia um personagem de desenho animado cuja face estava esticada em proporções cômicas. E logo depois, meus olhos saltariam da minha cabeça e rolar de surpresa.

— Você não pode estar falando sério.

— Por que não?

— Porque eu sou uma assassina, Bria — retruquei. — Eu mato pessoas. O único testemunho que faço é com minhas facas.

Ela acenou com a mão, como se minha ocupação sombria e todo o sangue em minhas mãos não fossem preocupantes. — Nós podemos contornar isso.

Encarei Bria. Normalmente, ela tentava manter nossas vidas profissionais, por assim dizer, o mais separado possível, embora soubesse que ela sempre me daria cobertura se eu realmente precisasse dela. Mas neste momento ela está perfeitamente disposta a virar o desconfortavelmente brilhante holofote da lei e ordem diretamente em mim. Ela não era assim.

Xavier encolheu os ombros largos e musculosos para mim, como se dissesse, eu lhe disse. A morte de Max deve ter machucado Bria mais do que ela percebeu, se ela estava disposta a me empurrar na frente de todo mundo só para pegar Benson. Surpresa acendeu no meu peito, junto com um pouco de dor por ela querer me usar desse jeito. Mas ela também estava sofrendo, então tentei argumentar com ela.

— Sério? — perguntei. — E como você contornará o fato de eu ter matado tantas pessoas quanto Benson? Talvez mais?

As mãos de Bria baixaram até os quadris e ela bateu os dedos no seu distintivo de detetive. — Pensarei em algo.

— E o que acha que acontecerá se você prender Benson e seu caso realmente for a tribunal? — perguntei. — Qualquer advogado decente ouviu rumores e insinuações suficientes para me desacreditar totalmente. Assassinos não são exatamente as melhores testemunhas. Aposto que Jonah McAllister pagaria a Benson para ser seu advogado apenas pelo prazer de me interrogar.

McAllister foi advogado de Mab antes de eu matá-la, e tentou me assassinar várias vezes desde a morte dela. No verão, eu finalmente me vinguei de McAllister, colocando-o na berlinda com os chefes do submundo, revelando seu envolvimento em um plano para assaltar o museu de arte Briartop. Desde então, ele estava ficando fora de vista e entocado em sua mansão de Northtown, mas eu não tinha dúvidas de que ele passara muitas horas tentando descobrir como virar as coisas contra mim. E algo assim seria uma oportunidade de ouro.

A mão de Bria deslizou de seu distintivo para sua arma, seus dedos instintivamente enrolados em torno da arma. — Você não entende, Gin. Eu preciso pegar o Benson. Eu tenho que fazer isso. E você é a minha melhor chance para isso.

Pela primeira vez, notei o quanto minha irmã parecia cansada, as manchas roxas sob seus olhos, a tensão em seus ombros delgados, a inclinação áspera de sua boca, como se estivesse enojada com ela mesma. Os seus olhos azuis se fixaram nos meus e pude ver a dor brilhando em seu olhar – junto com a culpa.

— Olhe, se você quer acabar com Benson, apenas diga a palavra e começarei a trabalhar nisso — eu disse, tentando encontrar alguma maneira de ajudá-la e ainda manter o que restava do meu anonimato intacto.

Eu sabia que Bria queria fazer isso sozinha, à sua própria maneira, dentro dos limites preto e branco da lei, mas Xavier estava certo. Eu faria qualquer coisa para proteger as pessoas que eu amava, e se pudesse ajudar Bria matando Benson, então eu estava mais do que feliz em fazer isso por ela. Especialmente desde que o vampiro poderia decidir voltar sua atenção para minha irmã caso ela continuasse perseguindo-o.

Respirei fundo. — Não será fácil, e isso pode levar algumas semanas, mas eu descobrirei uma maneira de pegá-lo...

— Não. — Ela balançou a cabeça, seu cabelo loiro saltando os ombros antes de voltar ao lugar. — Não. Eu não pedirei para você fazer isso. Não me rebaixarei ao nível de Benson.

— Estamos falando do meu nível agora. — Minha voz era tão fria quanto a dela era quente. — E posso dizer exatamente o que você pensa disso.

Bria rangeu os dentes, mas não negou ou contradisse minhas palavras. Seu silêncio não deveria ter me machucado, mas machucou. Eu poderia não ter um distintivo, mas lutava pela justiça do meu jeito e ajudava as pessoas quando podia. Pensei que Bria havia entendido isso – que ela tivesse percebido que nós éramos iguais nesse ponto.

Aparentemente não.

— Eu farei isso.

Todos nós nos viramos para encarar Catalina. Ela ficou tão quieta desde que Bria e Xavier chegaram que eu me esqueci dela. Catalina soltou a mão de Troy, levantou e caminhou lentamente até nós.

— Eu farei isso — repetiu ela, com uma voz mais forte. — Eu serei sua testemunha. Eu direi a todos exatamente o que Benson fez com Troy.


Capítulo 8

 

 

— Não. — Eu disse, balançando a cabeça. — Não. Você não tem ideia do que está se metendo.

O olhar de Catalina foi para o corpo de Troy novamente. Seu rosto endureceu e seus olhos castanhos brilharam de raiva. — Eu sei o que estou fazendo, e sei o que vi.

Eu me aproximei dela. — Você não deve nada a Troy. Nenhum tipo de lealdade. Não depois do que ele fez com você na noite passada. Não depois do que ele provavelmente faria com você aqui esta noite.

Sua expressão feroz se transformou em uma mais melancólica. — Você está errada. Eu devo a ele. Ele cuidou de mim todos esses anos atrás. Esta é a última maneira que eu posso cuidar dele. Quero fazer isso, Gin. Quero testemunhar. Eu tenho que fazer isso. Então, por favor, não torne isso mais difícil do que já é. Ok?

Eu poderia dizer pelo sombrio conjunto de seus lábios que nada que eu pudesse dizer mudaria a mente dela, mas eu ainda me sentia compelida a tentar...

— Se você quiser, podemos tomar sua declaração agora — disse Bria, e se aproximou de nós antes que eu pudesse protestar. — Economizar o incômodo de ir até a estação.

Minha boca se abriu, e mais uma vez me senti como um personagem de desenho animado cujo rosto estava esticado para proporções impossíveis. Dois minutos atrás, ela queria que eu entrasse na delegacia de polícia, passando por todos os seus colegas de azul, e agora ela dava a Catalina um passe livre sobre isso? Raiva inundou meu coração, substituindo minha mágoa anterior.

— Desculpe-nos, Catalina — grunhi as palavras. — Preciso falar com a minha irmã, a detetive.

Agarrei o braço de Bria e a puxei para longe. Xavier ficou para trás com Catalina, falando com ela em voz baixa e suave. Levei Bria para o outro lado do carro de Catalina, fora do alcance dos outros, e então virei-me para encará-la.

— Você não tem ideia do que está fazendo — assobiei. — Você vai matar aquela garota. E para que? Apenas para prender Benson? Mesmo se prendê-lo, as chances de ele passar algum tempo na cadeia são mínimas. Ele tem muito dinheiro, muito poder e muitas conexões para isso.

— Ficará tudo bem — insistiu Bria, em um tom teimoso. — Xavier e eu podemos proteger Catalina.

— De Benson? E as dezenas de vampiros que trabalham para ele? Eu duvido disso. No segundo que Benson ouvir que há uma testemunha do assassinato de Troy, ele fará tudo em seu poder para encontrar e matar Catalina... E qualquer pessoa que fique no caminho dele. Isso inclui você.

Bria cruzou os braços sobre o peito. — Eu sou um policial, Gin. Posso cuidar de mim mesma.

— Sim, você pode, mas você está sendo muito espontânea com a vida de Catalina. E de Xavier também.

Seus olhos se estreitaram. — Eu não te digo como matar pessoas, então por que você não me dá a mesma cortesia e deixa de me dizer como fazer o meu trabalho?

Meu corpo inteiro se enrijeceu, e precisei trabalhar muito duro para manter meu rosto em branco, como se as suas armas verbais tivessem escorregado da minha pele, em vez de enterrarem-se profundamente no meu coração.

Bria estremeceu e abriu a boca, quase como se fosse se desculpar. Mas então ela olhou para o corpo de Troy, uma sombra passou por seu rosto, e seus lábios apertaram em uma linha dura e plana. Ela não recuaria, e assim eu decidi tentar outra abordagem.

— Olha, Xavier me contou sobre o seu informante, Max — eu disse, tentando refrear meu próprio temperamento e ignorar a dor que senti.

Seu olhar zangado disparou para o gigante. — Ele não tinha o direito de fazer isso... Não tinha nenhum direito.

— Sei que você se sente responsável pelo que aconteceu com Max.

— Eu sou responsável. — Culpa e amargura enrijeceu sua voz. — Era eu quem queria informações sobre Burn. Eu sou aquela que o empurrou para entrar mais fundo com a equipe de Benson. Max fez exatamente o que eu queria, e agora ele está morto. E eu sou a razão disso.

— Derrubar Benson não mudará o que aconteceu com Max.

— Não. — Bria concordou, esfregando o polegar sobre o distintivo do detetive. — Mas pelo menos eu saberei que o bastardo nunca fará isso com mais ninguém.

— Exceto Catalina, quando ele descobrir sobre ela.

Bria enrijeceu, e suas mãos se fecharam em punhos. Sim, foi um golpe baixo da minha parte, mas isso não fez menos verdadeiro.

— Se você me der licença, eu preciso tomar a declaração da minha testemunha — ela retrucou. — Também ligarei para os peritos. Já que você está tão preocupada em ser identificada, é provavelmente melhor se você não estiver por perto quando todo mundo aparecer.

Bria passou por mim e voltou para Catalina e Xavier. Ela gentilmente colocou a mão no braço de Catalina, acompanhou-a até o carro, tirou um bloco de notas e uma caneta do bolso de trás da calça jeans e começou a escrever a declaração de Catalina. Xavier me deu outro olhar perturbado, depois foi para o lado de Bria. Ele também não gostava disso, mas era o trabalho dele apoiá-la, e ele faria isso, como sempre.

Catalina começou a falar. Não ouvi as palavras dela, mas não precisei. Eu vi a coisa toda. Em vez disso, observei Bria. Quanto mais tempo Catalina falava, mais ansiosa ficava a expressão de minha irmãzinha, e um brilho surgia em seus olhos, quase como se ela estivesse gostando de ouvir sobre o assassinato de um jovem.

Mas o que mais me incomodou foi o sorriso de Bria – uma expressão fria, cruel e satisfeita que eu nunca vi nela.

Mas uma que eu usava com demasiada frequência como a Aranha.

 

* * *

 

Embora Bria tivesse deixado bem claro que eu não era mais bem-vinda ali, eu fiquei na garagem até que ela terminou de tomar a declaração de Catalina. Bria se afastou e começou a falar em seu telefone, notificando o resto da po-po sobre o assassinato. Catalina voltou para o corpo de Troy, dizendo adeus enquanto Xavier se aproximava de mim.

— Eu seguirei Catalina para casa, depois vou voltar e ajudar Bria — disse ele. — Bria concordou em manter a identidade de Catalina em segredo pelo maior tempo possível. Ela não contará a ninguém quem Catalina é até que seja absolutamente necessário. Nem eu.

— Benson ainda vai descobrir. Você sabe que ele vai.

Xavier deu de ombros. Ele não podia negar isso. Ele estendeu a mão, apertou meu braço, depois foi até o sedan e entrou. Catalina se abaixou sobre o corpo de Troy e tocou a mão dele uma última vez antes de se endireitar. Ela enxugou algumas lágrimas e foi até onde eu estava encostada no carro dela.

— Obrigada por estar aqui esta noite — disse ela. — Por me salvar.

Meu coração se contorceu. Eu não a salvei tanto quanto eu havia assinado sua sentença de morte. Eu deveria ter encontrado alguma maneira de tirá-la da garagem ao invés de deixá-la testemunhar o assassinato de Troy. Agora Benson ia matá-la assim que descobrisse que ela viu o que ele havia feito.

— Vejo você no trabalho amanhã? — perguntou ela.

— Claro.

Entreguei as chaves. Catalina me deu um sorriso trêmulo, com mais lágrimas nos olhos, depois entrou no carro e ligou o motor. Ela recuou e seguiu Xavier no sedã para fora da garagem.

Bria ainda falava ao telefone, intencionalmente não olhando na minha direção. Talvez eu devesse ter tentado ser gentil com ela, mas naquele momento eu estava com muita raiva e repugnância para me incomodar.

Então fui até as escadas e desci até o primeiro nível, meus passos suaves como um batimento cardíaco constante contra o concreto sujo. Fiquei nas sombras ao lado da entrada, olhando para a rua. As luzes espaçadas ao longo das calçadas continuavam tremeluzindo, as lâmpadas fracas e gastas zumbindo, anunciando que podiam escurecer a qualquer segundo. Os brilhos crepitantes faziam parecer que os grafites pintados com spray em todos os lugares estavam se movendo, como baratas correndo pela rua e subindo e descendo pelas paredes do prédio. A maioria dos carros estacionados que antes estavam estacionados aqui tinha ido embora, e não vi ninguém andando pelas calçadas, nem mesmo um par de prostitutas esperando por clientes.

Suspirei. Não importava se alguém estivesse assistindo ou não. Os policiais estariam aqui em breve, suas luzes azuis e brancas piscando e chamando a atenção de todos para a garagem. E quando se espalhasse a notícia sobre quão horrível foi o assassinato de Troy e que houve uma testemunha do crime, bem, isso só faria as pessoas mais interessadas em coisas, especialmente Benson em encontrar e eliminar Catalina.

Mas Catalina fez sua escolha de testemunhar, e não havia nada que eu pudesse fazer para detê-la, mesmo que fazer a coisa certa provavelmente acabaria matando-a. Suspirei de novo, um pouco mais alto e mais profundo desta vez, enfiei as mãos nos bolsos da calça jeans e caminhei pela rua.

Eu só havia andado meio quarteirão quando um par de faróis apareceu atrás de mim.

Espalmei uma faca e girei, pensando que talvez Benson já tivesse ouvido alguma coisa na frequência da polícia e voltado com seus vampiros para investigar.

Mas as luzes não eram de um carro passando pela rua. Estavam em um dos carros já estacionados perto do portão da garagem – um Audi preto com vidros escuros.

O motor do Audi rugia constante, soando tão suave e sedoso quanto o ronronar satisfeito de um gato. Eu olhei contra o brilho dos faróis, mas não consegui distinguir quem estava sentado dentro das janelas escuras. Eu duvidava que fosse apenas um viajante desobediente, porém, escondido em seu carro até que a mulher assustadora com a faca decidisse sair. Ah não. Se quem estivesse lá dentro fosse um espectador inocente, ele chamaria a polícia e percorreria a rua o mais rápido que pudesse, em vez de ficar sentado ali testando a minha coragem. Talvez Benson tivesse deixado alguns vampiros para trás para vigiar a garagem por qualquer motivo. De qualquer forma, eu queria saber quem estava naquele carro e por quê.

Então eu corri em direção ao Audi, chegando ao carro de um ângulo lateral, caso o motorista decidisse acelerá-lo, avançar na calçada e tentar me transformar em uma panqueca ensanguentada contra a lateral da garagem. Eu estava a cem metros do carro e aproximando rápido. Setenta e cinco... Sessenta... Cinquenta... Trinta...

O motorista finalmente acelerou, e eu fiquei tensa, pronta para sair do caminho do elegante capô e das rodas em movimento. Mas não precisei. O motorista virou a roda bruscamente para a esquerda... E afastou-se do meio-fio e desceu a rua.

Eu xinguei, virei e corri atrás do carro, embora não houvesse nenhuma maneira de poder alcançá-lo. O Audi virou a esquina. Alguns segundos depois, eu também, mas o carro já estava a dois quarteirões de distância e acelerando. Amaldiçoei ainda mais alto quando finalmente parei. Eu sequer consegui ver o número da placa para dar a Finn.

Não foi até que o carro virou em outra esquina, desaparecendo de vista completamente, que percebi que o Audi preto era exatamente igual ao veículo em que as duas mulheres misteriosas entraram quando saíram do Pork Pit esta noite.


Capítulo 9

 

 

Eu franzi o cenho para a escuridão, minha mente correndo por todas as implicações.

Não havia como a mulher de cabelo ruivo e sua guarda-costas gigante terem me seguido até lá do Pork Pit. Elas deixaram o restaurante antes de mim, e eu cortei muitos becos para elas me acompanharem facilmente. Mas aqui eles eram todos iguais. Por que estacionaram do lado de fora da garagem? Há quanto tempo estavam lá? E o que esperavam?

Se elas quisessem me assassinar, então uma das mulheres deveria ter abaixado a janela, enfiado uma arma na abertura e pulverizado a calçada com balas – no mínimo. Jogado algumas granadas em mim, me atropelado, me prendido contra a parede da garagem e colocado um clipe cheio de balas em mim. Oh, sim. Elas poderiam ter feito qualquer uma dessas coisas.

Além de procurar por possíveis agressores, eu também passava um bom tempo imaginando exatamente como eles poderiam me matar. Supus que era minha mente profissional no trabalho, por assim dizer, desde que eu havia despachado tantas pessoas de maneiras tão variadas. Imaginei todos esses cenários antes, junto com dezenas de outros. Mas ao invés de me atacar, as pessoas no carro foram embora, e não achei que era porque eu as havia assustado com meu sorriso assassino e minha faca reluzente.

Mais teorias rodavam em minha mente, cada uma mais sombria e mais violenta do que a anterior, mas nenhuma delas respondeu minhas perguntas. Tive a sensação de que havia alguns novos jogadores em Ashland – que pareciam saber muito mais sobre mim do que eu sobre eles.

Mas não havia nada que eu pudesse fazer para confirmar minhas suspeitas sobre as mulheres que poderiam ou não estar no Audi. Além disso, Bria estava certa. Os policiais estariam aqui a qualquer momento, e seria melhor se eu fosse embora.

Então deslizei minha faca na minha manga, entrei nas sombras, e desapareci na escuridão.

 

* * *

 

Ainda me mantendo atenta ao carro misterioso, eu voltei ao Pork Pit. Levei alguns minutos para verificar o restaurante, mas as luzes estavam apagadas, as portas trancadas, e não havia ninguém na rua, esperando para me matar. Tudo estava quieto, então andei três quarteirões a leste até a rua lateral onde estacionei meu carro.

Após checar meu veículo em busca de bombas e armadilhas de runas, eu entrei e circulei pelo quarteirão algumas vezes, procurando pelo Audi preto, mas não o vi. Quem estivesse lá dentro, provavelmente já devia estar em Northtown agora. Ainda assim, tive a sensação de que veria o Audi – e as duas mulheres – novamente.

Quando tive certeza de que ninguém estava me seguindo, deixei o centro da cidade para trás e me dirigi para os subúrbios que ladeavam Ashland. Vinte minutos depois, conduzi meu carro por um caminho íngreme, com cascalho em todas as direções, antes que o veículo chegasse ao topo da colina.

A casa de Fletcher – minha casa agora – apareceu. Sombras cobriam a estrutura decrépita, suavizando as bordas ásperas, ângulos estranhos e junções óbvias entre as seções desencontradas de tábuas brancas, tijolos marrons e pedras cinzentas.

Com o motor ligado, permaneci no carro, examinando toda a área do bosque à esquerda, do outro lado do pátio, até a íngreme encosta rochosa que se afastava da frente da casa. Apenas no caso de alguém que tenha estado no Audi soubesse onde eu morava, além de onde eu trabalhava.

Mas ninguém estava escondido dentro da fileira de árvores ou agachado ao lado da casa, e os únicos movimentos eram a brisa soprando entre as árvores e alguns vagalumes voando pelo quintal, piscando desesperadamente suas luzes fluorescentes antes que o frio crescente os matasse. Satisfeita por estar sozinha, desliguei o motor, saí e entrei.

Se a parte externa da casa era uma besta extensa, o interior era o coração entupido da criatura, apenas com quartos, corredores e escadarias que se enrolavam, serpenteavam, e ziguezagueavam de todas as direções, em vez de válvulas, veias e artérias. Fui para o andar de cima, tomei um banho e coloquei um pijama antes de voltar à cozinha.

Servi um pouco de leite para lavar o gosto amargo do escapamento do carro e perguntas da minha boca, então envolvi minha mão ao redor do vidro e peguei minha magia – minha magia de Gelo dessa vez. Eu era uma Elemental talentosa não em uma, mas duas áreas – Gelo e Pedra, no meu caso. Uma luz prateada se acendeu na minha mão, centrada na minha cicatriz de runa de aranha, e cristais gelados de Gelo rapidamente se espalharam por todo o vidro, congelando-o e esfriando ainda mais o leite.

Após fazer isso, eu peguei um pedaço de cheesecake de abóbora com pedaços de maçã da geladeira, cobri com um pouco de chantilly fresco, e polvilhei tudo com um pouco de canela. Abri a gaveta da cozinha e comecei a pegar um garfo, mas a lembrança do talher abrasador no Pork Pit me fez hesitar. Eu nem conhecia o nome da mulher misteriosa, mas ela já estava entrando na minha cabeça.

Resmunguei por minha própria tolice paranoica, então peguei um garfo, alguns guardanapos, meu prato e meu leite e me dirigi para a sala para relaxar no sofá xadrez azul. Afastei todos os pensamentos das mulheres misteriosas, Benson, Bria e Catalina da minha mente enquanto me concentrava em meu lanche. O rico e denso recheio de abóbora, a leve crocância das maçãs, o calor da canela e o suave creme areado fizeram uma deliciosa sobremesa – tão deliciosa que repeti. Eu merecia depois de tudo que aconteceu esta noite.

Enquanto comia meu segundo pedaço de cheesecake, liguei para Finn e disse a ele o que havia acontecido na garagem. Finn foi, bem, Finn, especialmente quando disse a ele o que eu queria que ele fizesse.

— Você sabe quantos tipos de Riquinho em Ashland têm Audis pretos? — choramingou ele no meu ouvido. — Eu mesmo tenho dois. Levará uma eternidade para encontrar o que você está procurando.

— Basta rastrear o carro. Por favor? É importante. Eu sei que é.

— Tudo bem, tudo bem — resmungou. — Estou trabalhando nisso. Sophia me mandou as fotos das duas mulheres que você viu na Pork Pit também.

— Sim, ela me enviou também. — Rolei as fotos no meu telefone enquanto dava outra mordida de cheesecake. — Você já as viu antes?

— Não, mas a morena é qualquer coisa. Uau. Confie em mim. Eu definitivamente teria me lembrado dela.

Mesmo que ele não pudesse me ver, eu ainda revirei os olhos. — Você quer dizer que definitivamente teria se lembrado de ter paquerado alguém como ela.

Finn poderia estar envolvido com Bria, mas isso não o impedia de ser um paquerador incorrigível. Se alguém fosse do sexo feminino, Finn achava que era seu dever encantá-la, não importando a idade, a atratividade ou a disponibilidade. E ele era incrivelmente bom nisso também. Finn podia flertar em quase qualquer situação complicada, incluindo aquelas envolvendo maridos irados e namorados ciumentos.

— Posso não saber quem elas são, mas eu posso descobrir facilmente — murmurou ele. — Pelo menos quando se trata da gigante.

— Sério? Como?

— Vê aquele relógio no pulso dela? É uma bugiganga cara. Não deve ser muito difícil descobrir quem comprou, especialmente porque há apenas uma loja em Ashland que vende aquela marca em particular... E a gerente da Posh por acaso me deve um favor.

Olhei para a tela, mas parecia apenas um relógio para mim. — Todo mundo nesta cidade lhe deve algum favor.

— Isso ajuda a ser popular. — A voz de Finn estava presunçosa no meu ouvido. — Embora, tecnicamente, eu suponho que é seu favor, desde que você foi a pessoa que realmente a salvou e sua assistente daquele anão ladrão.

— É bom saber que você está lucrando com meus favores.

— Sempre — falou ele, nem um pouco envergonhado.

Desligamos, com Finn prometendo encantar alguma gerente desavisada em meu nome. Disquei para Owen em seguida. Ele foi compreensivo e simpático como sempre, o ouvinte calmo que eu precisava que ele fosse, especialmente quando se tratava da tensão repentina entre Bria e eu.

— Irmãos brigam — disse Owen. — Você sabe disso. Eva e eu tivemos algumas ao longo dos anos. Nós sempre conseguimos encontrar uma maneira de superar isso. Você e Bria também irão.

Suspirei e me aconcheguei mais profundamente nas almofadas do sofá. — Eu sei disso, tudo isso. Mas você deveria ter visto Bria hoje à noite. Ela estava praticamente espumando pela boca ao pensar em usar o testemunho de Catalina contra Benson. Isso me lembrou...

— De você mesma? — A voz de Owen era gentil, mas eu ainda estremeci do mesmo jeito.

— Sim.

— Bria é uma policial — disse ele. — Ela é tão forte e valente quanto você, e quando ela tem um trabalho a fazer, não deixa que nada atrapalhe. Vocês duas são assustadoramente parecidas. Deve ser um traço da família Snow.

Seu tom provocante trouxe um fantasma de um sorriso ao meu rosto, mas ele sumiu rapidamente, e meu olhar cinzento subiu até a lareira, onde estava uma série de desenhos emoldurados.

As runas da minha família, mortas e outras.

O floco de neve da minha mãe Eira Snow, por causa da calma gelada. A videira da minha irmã mais velha Annabella, representando a elegância. Seus correspondentes pingentes de silverstone cobriam seus respectivos desenhos. O letreiro em néon do lado de fora do Pork Pit que eu desenhei em homenagem a Fletcher. O martelo de Owen pela força, perseverança e trabalho duro. E, finalmente, a prímula de Bria, simbolizando a beleza.

— Ela sempre será minha irmãzinha — respondi, olhando para o desenho da prímula. — Aquela cujos cabelos eu costumava escovar enquanto ela bebia chá invisível e conversava sem sentido com suas bonecas.

— Eu sei — disse Owen. — Mas você não pode protegê-la para sempre, Gin. Em algum momento, você tem que deixar ir.

Eu não queria deixar ir. Porque toda vez que eu deixava, perdia alguém com quem eu me importava. Eu assisti minha mãe desaparecer em uma bola do fogo elemental da Mab. Eu deixara Annabella descer as escadas em nossa casa, e ela também foi queimada pela Mab. Eu deixei Fletcher para fazer um trabalho como a Aranha, que acabou sendo uma armadilha, e ele foi torturado até a morte em seu próprio restaurante. Então não, eu não estava deixando ir. Eu não perderia Bria também por ficar parada e não agir. Embora eu ainda estivesse com raiva e magoada por todas as palavras duras e ações dela nesta noite.

— Gin? — chamou Owen.

— Sim, você está certo — eu disse, mentindo através dos meus dentes. — Eu deveria deixar Bria lidar com isso.

Nós conversamos por mais alguns minutos. Owen prometeu ir almoçar no Pork Pit amanhã, e eu disse a ele o quanto gostava dele por me deixar desabafar. Então desligamos.

Joguei meu telefone na mesa de café, fazendo o garfo chocalhar no meu prato vazio. Olhei para o garfo, depois para as runas no suporte da lareira e depois para o garfo.

Que diabos. Eu fui e peguei um terceiro pedaço de cheesecake.

 

* * *

 

Algum tempo entre comer minha última rodada de sobremesa e assistir a um programa de TV sem sentido, eu adormeci no sofá.

Os sonhos começaram logo depois disso.

Meus sonhos eram mais do que estranhas imagens aleatórias juntas – eram lembranças de todas as coisas ruins que eu havia visto, feito e sobrevivido. Na maioria das noites, eu sonhava com os trabalhos que eu fizera como a Aranha, as pessoas que tentaram me matar, e todas as que eu matei em troca. Mas esta noite foi uma verdadeira explosão do meu passado, antes de eu conhecer Fletcher, quando comecei a viver nas ruas e não sabia como eu faria isso de um dia para o outro...

Eu estava com tanta fome.

Mais faminta do que eu já estive antes em toda a minha vida. Tanta fome que eu estava realmente pensando em comer a maçã murcha e marrom que eu havia tirado da lixeira atrás desse bar em Southtown. Eu não sabia por que havia uma maçã no lixo do lado de fora de uma espelunca, mas era a única coisa que eu fui capaz de achar hoje que era remotamente comestível.

Apesar das constantes reclamações do meu estômago me incentivando, eu ainda segurava a maçã com dois dedos, como se isso pudesse me morder como os ratos que viviam nas vielas às vezes faziam. Virei a fruta de um lado ao outro, examinando cuidadosamente cada parte dela.

Só duas mordidas foram retiradas. A maior parte ainda estava boa. Isso é o que eu disse a mim mesma. E, na verdade, eu estava faminta demais para me importar com quanto tempo ela estava apodrecendo na lixeira, que tipo de germes tinha nela, ou quão doente que isso poderia me deixar. Na maioria das noites, eu só queria ir dormir em algum beco escuro e nunca mais acordar. Se a maçã me matasse, bem, talvez isso fosse o melhor.

Então afundei meus dentes profundamente na fruta, tentando dizer para mim que o gosto amargo e azedo era normal – natural, até. Mas isso não me impediu de devorar a coisa toda. Muito rápido, a maçã desapareceu, e fiquei com nada além de um miolo podre.

E ainda estava com fome.

Suspirando, joguei o miolo atrás de algumas latas de lixo para os ratos brigarem, depois eu voltei para o lixo e me levantei nas pontas dos pés para que pudesse espiar dentro dele e ver se havia algo mais escondido nos cantos escuros e úmidos que eu havia perdido. E não apenas comida. Mesmo que fosse setembro, as noites estavam ficando cada vez mais frias, e eu rapidamente aprendi que embrulhar alguns jornais em volta do seu corpo era melhor do que deixar o vento assobiar pelos becos e afundar em suas roupas. Mas perdi meu estoque de papel para um vagabundo a algumas ruelas. Aparentemente, eu estava dormindo no lugar dele, sobre aquela grade de esgoto que expelia ar quente, e ele não gostou. Minhas costelas ainda doíam de onde ele havia me chutado esta manhã, e eu ainda conseguia sentir suas mãos sujas e unhas afiadas arrancando os papéis do meu corpo para que ele pudesse colocá-los em seu próprio peito afundado e enrugado.

Depois disso, eu comecei a correr, e não parei até que não pudesse mais correr, que foi como eu acabei nesse beco, procurando por comida mais uma vez...

— O que você quer dizer com você terminou? — grunhiu uma voz masculina irritada.

— Quero dizer que eu terminei. Você tem o que pagou. Quer outra coisa, você paga adiantado. Essas são as regras, camarada — falou uma voz mais jovem e feminina.

Eu me agachei ao lado do contêiner e olhei para o lado. Duas pessoas entraram no beco. Um homem de meia-idade usava um terno barato, com um penteado ruim e uma barriga grande e redonda que fazia parecer que ele havia engolido uma bola de basquete. A outra era uma garota magra, com brilhante cabelo carmesim, uma blusa prateada e shorts prateados, os quais eram muito curtos e apertados, dada a brisa fresca do outono. A garota não era muito mais velha do que eu, talvez quinze ou dezesseis anos, apesar da maquiagem pesada envolvendo seus olhos castanhos.

— Eu lhe disse que tenho o dinheiro — implorou o cara, correndo ao lado da garota, que andava rápido, apesar dos saltos altos prateados em seus pés.

— Claro que você tem, querido — falou ela novamente. — Assim como todos os meus outros amigos especiais.

— Bem, se você não dará para mim, então eu apenas tomarei o que eu quero — rosnou ele.

Ele estendeu a mão e a empurrou contra a parede.

— Ei! — gritou a menina, batendo as mãos no rosto e no peito dele. — Solte-me, perdedor!

Mas ele era mais forte do que ela, e eu sabia o que ia acontecer a seguir. Eu já vi isso acontecer antes com outras garotas em outros becos. Caras também. Eu deveria ter escapado enquanto podia, antes que o homem me visse, mas não podia ignorar o modo como as mãos dele rasgaram suas roupas minúsculas como as do vagabundo fizeram com as minhas naquela manhã. E de repente, eu estava mais brava do que assustada.

Antes que eu realmente soubesse o que estava fazendo, peguei uma garrafa de cerveja vazia ao lado da lixeira, corri pelo beco e a acertei em cima da cabeça do cara. Ele rosnou quando o vidro quebrou e se espalhou em seu crânio, e se virou para me encarar.

— Sua putinha! — gritou ele. — Você pagará por isso!

Ele estendeu a mão para mim, mas eu ataquei com a ponta quebrada da garrafa. Foi um ataque violento, mas tive sorte, e o vidro cortou sua jaqueta e camisa, provocando um corte irregular até o antebraço. Sangue espirrou por toda parte, o cheiro acobreado dominando o fedor de lixo no beco, mas estranhamente, eu não estava com medo. Na verdade, senti... Era bom fazer outra coisa além de fugir.

— Sua putinha! — assobiou o homem. — Você me cortou!

Ele cambaleou para frente, mas a outra garota estendeu o pé, ele tropeçou, e caiu em suas mãos e joelhos.

— Corra! — gritou a garota, agarrando minha mão e me puxando atrás dela. — Corra!

Então corremos e corremos e corremos, terminando em outro beco quatro quarteirões antes de cairmos em cima das escadas que levavam a uma brilhante porta traseira pintada de vermelho de um prédio de apartamentos de aparência turbulenta. Coloquei as mãos nos meus joelhos, sugando goles gigantescos de ar, mas a menina começou a andar ao meu redor, sorrindo de orelha a orelha.

Ela riu e jogou as mãos para cima. — Isso foi incrível! Amei o olhar no rosto daquele cara quando você o cortou. Filho da puta não pagaria por isso. Ele mereceu isso... E mais.

Ela cuspiu no asfalto rachado antes de me encarar novamente. — Sabe, você foi muito boa com essa garrafa. Você fez isso antes?

Olhei para baixo e percebi que ainda segurava o gargalo da garrafa de cerveja quebrada, e que o sangue do homem estava em toda a minha mão. Larguei o vidro e o chutei para longe, enviando-o para o beco. Eu agarrei a ponta da camisa de flanela xadrez vermelha e preta que eu havia tirado de um varal de Southtown há alguns dias e usei-a para limpar o sangue da minha mão, estremecendo enquanto esfregava a pele crua e vermelha da minha palma.

A garota franziu a testa. — O que há de errado com sua mão? O que é essa marca?

Meus dedos se fecharam em punho, escondendo a runa de aranha de silverstone marcada na minha palma. — Nada. Eu apenas me queimei um tempo atrás.

— Oh, tudo bem. Bem, eu sou Coral — disse ela. — Qual é o seu nome?

Dei de ombros, em vez de respondê-la. Eu sabia que não devia contar a ninguém que meu nome era Genevieve Snow. Se a Elemental de Fogo que matou minha família descobrisse que eu ainda estava viva, ela viria e me mataria também. Eu apenas sabia que ela faria.

Coral me olhou, observando a camisa comprida que cobria as três camisetas incompatíveis que eu tinha por baixo, as calças cargo cinzentas que amarrei em volta da minha cintura com barbante de pipa descartado por uma criança, e, também, os grandes tênis que eu roubei de uma mesa de venda quando ninguém estava olhando. A sujeira e a fuligem da vida nas ruas estavam espalhadas por todo o meu rosto e mãos, com ainda mais emaranhando o meu cabelo castanho escuro. Eu não tomava banho há mais de uma semana, e cheirava ainda pior do que parecia.

Ainda assim, o olhar de Coral assumiu um olhar quase especulativo, como se pudesse ver através das camadas de roupas sujas e sujeira a pessoa que eu costumava ser. A garota simpática e quieta com muita comida e roupas e uma família que a amava.

— Você está com fome? — perguntou ela. — Você quer um pouco de comida?

Ela disse a palavra mágica, e um estrondo alto e exigente explodiu do meu estômago, respondendo a sua pergunta.

Coral riu. — Vamos lá, garota. Vamos pegar uma refeição quente para você e limpá-la.

Ela tirou uma chave do bolso do short curto, enfiou-a na porta vermelha e a abriu. Coral curvou o dedo para mim. Mordi o lábio, hesitando, sabendo que era perigoso ir a qualquer lugar com um estranho, não importando quão bonita ela parecesse. Mas eu não tinha outro lugar para ir, e não tinha absolutamente nada para comer, então eu a segui para dentro, nas sombras, deixando a porta se fechar...

Acordei com um suspiro, o som daquela porta há muito tempo batendo despertando-me do meu sonho. Pela primeira vez, eu não me sentei ou me agitei. Em vez disso, eu estava deitada no sofá, minha cabeça torcida em um ângulo agudo, olhando para os desenhos de runas na lareira. Suspirei, e parte da tensão me deixou, mesmo que as lembranças não fizessem.

Elas nunca, jamais fariam isso.

Endireitei meu pescoço e coloquei meus pés para o lado do sofá, sentando-me direito. Esfreguei minhas mãos sobre o meu rosto, em seguida, olhei para as cicatrizes marcadas em minhas palmas. Um pequeno círculo rodeado de finos raios. Minha runa de aranha. O símbolo da paciência.

Algo que eu havia esgotado há muito tempo atrás quando envolvia as minhas memórias. Mas desde que Fletcher foi assassinado, elas continuaram vindo e vindo, lembrando-me de tantas coisas do meu passado que eu preferiria esquecer. Mas os pesadelos estavam piorando, os sonhos mais frequentes, violentos e vívidos, quanto mais perto chegava do meu aniversário. Eles eram tão ruins que eu às vezes tinha sonhos estranhos sobre eles, relembrando qualquer coisa ruim que estivesse enterrada no meu subconsciente em qualquer momento, mesmo quando eu estava acordada. Como ver o sangue de Fletcher no chão da faculdade ontem.

Como eu disse a Owen, essa não era minha época do ano favorita. Longe disso. Mas eu passaria por isso, do jeito que eu fazia com todo o resto.

Então suspirei novamente, desliguei a TV, e fui para a cama, mesmo sabendo que o sono levaria um longo, longo tempo para vir hoje à noite.


Capítulo 10

 

 

Na manhã seguinte, levantei-me, dirigi para o centro, e abri o Pork Pit dentro do horário, como se fosse apenas mais um dia e nada digno de nota tivesse acontecido na noite passada.

E Catalina fez o mesmo.

Ela apareceu alguns minutos antes das onze para trabalhar em seu turno, assim como me disse que faria. Ela me deu um sorriso sombrio ao entrar no restaurante, antes de abaixar os olhos rapidamente, empurrando as portas duplas e indo para a parte de trás. Vários minutos depois, ela reapareceu, usando um avental de trabalho sobre seus jeans e camiseta branca de mangas compridas. Ela parou na extremidade oposta do balcão e começou a enrolar talheres e canudinhos em guardanapos.

Era a mesma coisa que ela sempre fazia quando começava seu turno, mas seus movimentos eram lentos e desajeitados hoje, seus dedos mexendo nos guardanapos como se fossem feitos de manteiga, em vez de papel. Seus ombros curvados para frente, e sua maquiagem suave e sutil não conseguia esconder a inclinação de cansaço em sua boca e a palidez que embotava sua pele bronzeada. Parecia que eu não fui a única que não havia dormido muito na noite passada.

Um garfo escorregou de sua mão e caiu no chão, quebrando o silêncio. Catalina soltou uma maldição suave, inclinou-se para pegá-lo e jogou-o em uma das bacias de plástico cinza que usamos para pratos sujos. Normalmente, ela olhava na minha direção, sorria e fazia alguma piada, mas em vez disso, ela se concentrou nos talheres e guardanapos novamente, debruçando-se sobre o balcão, de modo que seus cabelos negros pendiam sobre o rosto como uma cortina, escondendo seus traços tensos e exaustos da minha vista.

Entre nós, Sophia estava no balcão, misturando uma salada de macarrão. Os corações de silverstone pendurados no colar roxo ao redor do pescoço da anã gótica tilintaram como sinos de vento enquanto ela misturava o macarrão, as cenouras e outros legumes.

Sophia olhou para Catalina, depois para mim, erguendo as sobrancelhas negras em uma pergunta silenciosa. Eu contei a Sophia tudo o que aconteceu, então ela sabia por que a garçonete estava estranhamente silenciosa. Encolhi os ombros. Eu não ia pressionar Catalina para falar sobre o que aconteceu com Troy. Eu sabia melhor do que qualquer outra pessoa que havia algumas coisas sobre as quais você simplesmente não podia falar, não importava o quanto elas assombrassem sua alma.

Em vez disso, eu saí do banquinho, caminhei até a porta da frente e virei a placa pendurada para Aberto. Poucos minutos depois, o primeiro cliente entrou, e Sophia, Catalina e eu começamos a cozinhar e servir, com mais alguns garçons entrando para ajudar.

A hora do almoço chegou e se foi sem problemas. Ainda assim, entre cozinhar, limpar mesas e servir clientes, mantive um olho na porta da frente, esperando que Benson enviasse alguns de seus homens para tentar eliminar Catalina.

O assassinato de Troy estava em todos os noticiários, com Bria sendo citada dizendo que a po-po estava verificando todas as pistas disponíveis. Ela não mencionou ter uma testemunha, mas, mais cedo ou mais tarde, ela teria que contar a um dos superiores do departamento de polícia sobre Catalina. Então seria temporada de caça à garçonete, no que se referia a Benson. Eu estava feliz por Catalina ter aparecido para o turno dela, mesmo que não quisesse falar comigo. Pelo menos enquanto ela estivesse no restaurante, eu poderia protegê-la.

Mas os minutos passaram e se transformaram em horas, e nada aconteceu.

Não houve vampiros, nenhuma ameaça, nenhuma ação de qualquer tipo. Ninguém sequer tentou me matar quando levei o lixo para fora depois da hora do almoço. Isso só me deixou mais desconfiada de que algo sinistro estava acontecendo. Se isso estava relacionado a mim ou Catalina, bem, só o tempo diria.

Mas a coisa mais preocupante foi o fato de que não ouvi nada de Bria. Nem mesmo uma mensagem de texto. Sem dúvida, ela estava completamente envolvida no assassinato de Troy e apertando um laço em volta do pescoço de Benson. Pelo menos era o que eu dizia para mim, em vez de insistir no fato de que a necessidade de vingança de Bria estava consumindo-a do mesmo jeito que me consumiu no passado. De qualquer forma, o silêncio dela não deveria ter me incomodado, mas incomodou.

Especialmente desde que ela ligou para Catalina.

Eu fui para a parte de trás pegar um frasco de ketchup para reabastecer as garrafas nas mesas e encontrei Catalina parada ao lado de um dos congeladores de tamanho industrial, segurando o telefone no ouvido. Assustada, ela respirou fundo e congelou, com o proverbial olhar de veado diante dos faróis{2} em seu rosto. Quando percebeu que era eu, ela relaxou, mas apenas um pouco.

Um murmúrio baixo ecoou em seu telefone, como se alguém estivesse fazendo uma pergunta.

— Estou bem — respondeu Catalina. — Alguém apenas me surpreendeu.

Ela escutou por alguns segundos. — Sim, ela está aqui agora. Você quer falar com ela?

Foi quando eu soube que Bria estava do outro lado. Então parei e esperei.

Silêncio. Então outro murmúrio baixo soou.

— Oh, tudo bem. — Catalina me deu um olhar de desculpas e se aproximou um pouco mais da porta dos fundos, se afastando de mim. — Então, qual é o próximo passo?

Aborrecida, eu peguei o ketchup de uma prateleira de metal, empurrei uma das portas e fui para frente da loja.

 

* * *

 

Catalina entrou na frente do restaurante alguns minutos depois, guardando o celular no bolso. Ela olhou para mim, depois mordeu o lábio, pegou um jarro de chá gelado e começou a encher os copos.

Eu estava na cozinha ao longo da parede do fundo, cortando cenouras e aipo para outro lote de salada de macarrão e sendo muito mais cruel e violenta do que eu precisava ser com os vegetais indefesos. A poucos metros de distância, Sophia levantou um frasco de molho de churrasco de Fletcher do fogão e colocou-o sobre várias luvas de cozinha para que ele pudesse esfriar, os grossos músculos de seus braços rolando com o movimento. Ela olhou para Catalina e depois para mim.

— Não é culpa dela — falou Sophia, vendo minha raiva e frustração. — Inocente.

— Eu sei — murmurei, cortando minha faca em outra cenoura. — E é isso que torna tudo mais trágico e irônico. Mas de quem será a culpa quando Benson a matar por tentar fazer a coisa certa?

Sophia não tinha uma resposta para isso, e nem eu.

Passaram-se mais de trinta minutos, e mais alguns clientes entraram e saíram. Eu acabara de cortar o último aipo quando meu próprio telefone tocou. Limpei minhas mãos, em seguida, tirei o aparelho do bolso e olhei para o número na tela, esperando que fosse Bria, finalmente checando-me, finalmente me deixando entrar, finalmente me pedindo para ajudá-la com isso.

Mas não era.

Decepção me inundou, mas reconheci o número, então eu atendi.

— Gin? — A voz baixa e sensual de Roslyn Phillips encheu minha orelha.

— Ei, Roslyn. O que está acontecendo? É cedo para você ligar.

Era três da tarde, e Roslyn era uma espécie de coruja da noite, já que ela administrava o Northern Aggression, o clube noturno mais decadente de Ashland. Na maioria das noites a bebedeira e a devassidão no clube não começavam até bem depois da meia-noite.

— Oh, cheguei cedo para fazer um inventário. Isso nunca termina. — Ela soltou uma risada que soou mais frágil do que genuína. — De qualquer forma, é sobre isso que eu queria falar com você.

Fiz uma careta. Roslyn nunca falou comigo sobre estoque em todos os anos que eu a conheci. — O que está acontecendo?

— Finalmente tenho aquela garrafa especial de gin que você pediu que eu encomendasse para você.

Minha mão apertou ao redor do telefone e meu radar de perigo entrou no território de alerta vermelho. Eu nunca pedi a Roslyn para encomendar qualquer bebida para mim. Algo estava errado. Alguém estava lá com ela. Alguém estava usando-a para chegar até mim.

— Quantas garrafas existem? — perguntei em uma voz casual, no caso de alguém estar ouvindo do outro lado da linha. — Espero que você tenha mais do que apenas uma. Você sabe o quanto eu amo essas coisas.

— Oh, sim — disse Roslyn, sem perder o ritmo. — Você está certa. Esqueci que você havia pedido três.

Ela sabia o que eu estava realmente perguntando: quantas pessoas estavam lá com ela. Três era mais do que gerenciável, e os idiotas que a ameaçaram a fazer isso iam perceber o erro fatal que eles cometeram assim que eu chegasse lá.

— De qualquer forma, eu pensei que você poderia vir e pegar as garrafas esta tarde — falou Roslyn, sua voz um pouco mais alta, como se alguém estivesse dizendo para ela se apressar. — Antes da abertura do clube.

Minha mente correu, tentando encontrar uma maneira de me comprar – e a Roslyn – mais algum tempo. Meu olhar aterrissou na bacia cheia de pratos sujos que Catalina colocara no balcão. Estendi a mão, peguei um garfo da bacia e comecei a raspá-lo contra um prato que estava dentro.

— Bem, nós estamos um pouco lotados, como você provavelmente pode ouvir. Tenho cerca de dez clientes esperando por comida agora. Mas provavelmente posso estar aí em uma hora, noventa minutos no máximo. Ok? Ou será que isso será muito tarde para você?

Roslyn soltou um suspiro aliviado. — Claro, uma hora ou mais está bom. Vejo você então.

— Oh, você pode contar com isso.


Capítulo 11

 

Encerrei a ligação, recoloquei meu celular no bolso e o garfo na bacia. Meu olhar foi para a esquerda e direita, examinando os clientes, mas todos estavam aqui há pelo menos quinze minutos, e não vi ninguém obviamente me estudando para ver como eu reagia à ligação de Roslyn.

Quando eu estava certa que nenhum deles estava me observando, peguei um jornal ao lado da caixa registradora, depois caminhei em direção às portas duplas na extremidade do balcão, desamarrando meu avental azul e o pendurei em um gancho na parede. Mantive meus movimentos simples e casuais, como se estivesse apenas dando um tempo, mas Sophia notou a fúria fria em meus olhos e o aperto da minha boca quando parei ao lado dela.

— Gin? — perguntou Sophia. — O que há de errado?

— Nada fora do comum — eu disse, engessando um sorriso agradável no meu rosto. — Só preciso correr para a Northern Aggression. Roslyn tem um problema com ratos que ela precisa de ajuda.

A anã franziu a testa. — Ratos? Roslyn nunca —... Ela parou, estreitando seus olhos negros. — Oh. Ratos.

— Sim. Ratos. Importa-se de me ajudar a encontrar o veneno para eles?

Ela assentiu, abriu uma das portas do forno e deslizou uma bandeja de pães dentro para assar. Passei pelas portas de vaivém e fui para a parte de trás.

Desde que o restaurante estava lotado, todos os garçons estavam na frente, servindo os clientes, então não havia ninguém por perto para me ver jogar o jornal de lado, marchar para um dos freezers e arrastar a mochila preta detrás dele. Eu me endireitei, coloquei a bolsa em uma mesa próxima, abri o zíper e fiz um inventário rápido de todos os itens dentro dela. Dinheiro, identidades falsas, latas de unguento cicatrizante de Jo-Jo, roupas pretas não identificáveis, armas, munição e facas suficientes para iniciar uma pequena guerra. Satisfeita, fechei a mochila e pendurei-a no meu ombro.

As portas se abriram atrás de mim e Sophia apareceu. Seu olhar fixo na mochila na minha mão. Ela sabia exatamente o que havia dentro, porque ela tinha uma mochila similar, uma com uma caveira sorridente segurando uma foice impressa na lateral, escondida atrás de outro freezer.

— Problema? — murmurou ela.

— Alguém decidiu usar Roslyn como trunfo — eu disse, e contei a ela sobre a ligação de Roslyn.

— Quer que eu vá junto? — perguntou Sophia quando eu terminei.

Balancei a cabeça. — Obrigada, mas não. Vou ligar para Finn e Owen no caminho até lá. Bria também.

Fui para as portas e olhei através do vidro redondo no topo para Catalina, que estava distribuindo pratos para uma mesa cheia de clientes. Voltei-me para Sophia.

— Fique aqui e fique de olho em Catalina para mim. Ok?

Ela assentiu. — Eu chamarei Jo-Jo também.

Eu sabia o que ela realmente queria dizer. Que ela deixaria Jo-Jo saber o que estava acontecendo, caso eu precisasse da Elemental de Ar para curar Roslyn ou a mim mesma.

— Obrigada. Roslyn parecia bem ao telefone, mas não tenho ideia se ela permanecerá assim.

Sophia assentiu novamente, depois estendeu a mão e segurou meu braço, dando-lhe um aperto suave. — Tenha cuidado.

Eu sorri para ela. — Sempre.

Sophia voltou para frente a fim de vigiar Catalina no caso de Benson enviar alguns de seus vampiros para o Pork Pit em busca dela. Bria provavelmente não havia contado o nome de Catalina para ninguém, mas saber que Sophia cuidaria da garçonete me deixaria concentrar no que necessitava fazer agora: chegar a Roslyn.

Então espalmei uma faca, abri a porta dos fundos e saí no beco atrás do restaurante, minha cabeça girando para a esquerda e para a direita, procurando por alguém agachado ao lado de uma das lixeiras, encostado às paredes, ou até parado em cada extremidade do corredor. Se a pessoa que tinha Roslyn como refém fosse esperta, ele ou ela teria alguém vigiando o restaurante para dizer quando eu saísse para que pudessem estar prontos para a minha chegada à Northern Aggression.

Mas o beco estava vazio. Sem espreitadores, observadores, assaltantes de qualquer tipo assombrando a área, e o único som era o ruído de um saco de papel branco amassado com o logotipo do Pork Pit que era empurrado pelo asfalto rachado pela brisa constante. Bem, só porque ninguém estava esperando no beco, não significava que não houvesse observadores em algum lugar.

Ainda sendo cautelosa, caminhei até o final do beco e caí no fluxo do tráfego de pedestres na calçada. Eu me mantive nas ruas laterais o máximo possível, caminhando rapidamente até o meu carro, o qual eu estacionei a quatro quadras do Pork Pit.

Ninguém estava me seguindo, mas dobrei a esquina bem a tempo de ver alguém tirar uma foto do meu carro, inclinar sua bunda contra o capô e começar a enviar mensagens de texto. Sem dúvida, ele estava compartilhando a localização do veículo com seu chefe. Então, quem estivesse com Roslyn, mandou seus homens vigiarem meu carro em vez do restaurante. Inteligente. Apenas não era inteligente o suficiente.

Aparentemente, os captores de Roslyn acreditaram em minha mentira sobre não ser capaz de sair imediatamente. Caso contrário, o cara estaria se esgueirando em um dos becos próximos em vez de estar ao ar livre ao lado do meu carro. Ainda assim, embora ele não estivesse me esperando por um tempo, era desleixado da parte dele ser tão descarado, e planejei usar seu descuido a meu favor.

Olhei para trás, mas era uma rua estreita, com apenas alguns carros estacionados de um lado, e a maioria das fachadas das lojas estava fechada. Eu era a única neste quarteirão em particular, além do cara no meu carro. Bom.

Ergui minha mochila um pouco mais no meu ombro e comecei a assobiar uma melodia suave e alegre que Sophia me ensinara. O cara levantou os olhos do celular. Ele começou a voltar a sua mensagem, mas seu cérebro finalmente entrou em ação, e ele me reconheceu. Ele congelou, com seus polegares tocando no teclado do telefone e fazendo beep para ele.

Em vez de ir até ele e confrontá-lo, eu dei ao observador um sorriso agradável e caminhei passando por meu carro, como se o veículo não fosse meu. Mantive meus passos lentos e firmes, como se não estivesse com pressa em particular. Após cerca de trinta segundos, os sapatos bateram na calçada atrás de mim. Uma olhada no meu reflexo nas janelas sujas de um antigo restaurante italiano confirmou que o observador estava correndo atrás de mim, com o telefone pendendo da mão dele.

Sorri.

Minha caminhada casual continuou até chegar ao fim do quarteirão. Assim que virei à esquina, larguei minha mochila e me pressionei contra a lateral do prédio, examinando a área. O quarteirão à minha esquerda estava deserto, e uma alcova foi colocada na parede sessenta centímetros além do meu lado esquerdo, levando a uma porta de metal amassada, embora qualquer negócio que estivesse atrás dela estivesse fechado há muito tempo. À minha direita, no outro extremo do quarteirão, um vagabundo usando camadas de trapos esfarrapados, vasculhava um saco plástico de lixo que alguém jogara na calçada, procurando por latas para acrescentar à carga que já estava no seu carrinho de compras.

Normalmente, eu teria continuado até conseguir atrair meu observador para uma área completamente deserta, mas o vagabundo estava focado em sua reciclagem, e eu queria chegar a Roslyn o mais rápido possível.

Além disso, eu era boa em matar as pessoas em silêncio.

Então fiquei contra o prédio, faca na minha mão, desligando o habitual zumbido e buzina de carros nas ruas vizinhas, e concentrei-me no som de batida dos passos do vigia. Ele estava a um minuto e se aproximando rápido. Contei os segundos na minha cabeça. Sessenta... Quarenta e cinco... Trinta... Vinte... Dez.

O sujeito cambaleou ao virar a esquina, o telefone ainda na mão, tentando desesperadamente me acompanhar antes que eu desaparecesse completamente. Peguei a parte de trás do paletó dele, girei-o ao redor, empurrei-o através da alcova e bati-o contra a porta.

Crunch.

O som do nariz dele batendo contra a porta era ainda mais alto do que os passos apressados dele. O cara gritou e se virou, com sangue escorrendo pelo rosto e assassinato em seus olhos.

— Não seja um idiota — avisei.

Tarde demais. Ele deixou cair o telefone, a mão direita correndo em direção à arma presa ao cinto, mas não dei a chance de usá-la. Pulei para frente, apertei minha mão sobre sua boca e cortei sua garganta com a faca ainda na minha outra mão. Ele morreu com um gorgolejo sufocante e ensanguentado.

O cara caiu sobre mim, mas minhas roupas eram escuras o suficiente para esconder o pior das manchas de sangue. Eu o abaixei no chão e apoiei-o contra a porta, com as pernas para fora da alcova e os pés afastados um do outro na calçada, como se estivesse dormindo depois da bebedeira.

Tink-tink-tink.

Minha cabeça estalou para a esquerda com os sons, mas era apenas o vagabundo ainda vasculhando o lixo. Enquanto meu agressor sangrava, o vagabundo berrou de alegria, aparentemente tendo encontrado algo. Ele arremessou a lata em seu carrinho de compras como um jogador de basquete em lances livres. O cara tinha algum talento.

Esperei alguns segundos, mas o vagabundo continuava concentrado na pilhagem de alumínio. Ele estava ocupado por sua busca para me notar ou era esperto o suficiente para fingir que eu não havia acabado de matar um homem a cem metros dele. Não importava muito para mim qual delas.

Como o vagabundo estava aparentemente fascinado com a sua descoberta, concentrei minha atenção no observador morto. Não reconheci o rosto dele, mas um par de presas brilhava em sua boca, que estava congelada em surpresa com a brutal morte que eu acabei de dar a ele.

O homem poderia ter trabalhado para qualquer um, mas não pude deixar de pensar em Benson e seu exército de vamps. Benson poderia estar por trás da ligação de Roslyn? Em caso afirmativo, eu esperava que ele fosse uma das três pessoas esperando por mim no Northern Aggression. Já era hora de conversarmos cara-a-cara.

Comecei a me levantar, peguei minha mochila na calçada e segui meu caminho, quando alguma coisa soltou um bipe.

Eu agachei, mantendo-me afastada da crescente poça de sangue se formando ao redor do corpo do vampiro, e peguei seu telefone debaixo de sua perna. Uma mensagem de um interlocutor desconhecido acendeu a tela.

Ela já saiu?

Mandei uma mensagem para quem estava do outro lado.

Não. Ainda esperando por ela.

Esperei mais alguns segundos, mas aparentemente, a pessoa do outro lado estava satisfeita em esperar que o vampiro respondesse quando me visse saindo. Coloquei o telefone no bolso de trás da minha calça jeans, em seguida, peguei meu próprio telefone e enviei uma mensagem para Sophia.

Observador na entrada da Dalton Street. Deixe como está, ou descarte-o como quiser. Sua escolha. G.

Alguns segundos depois, Sophia me respondeu com um sorriso:

Eu sorri, guardei meu telefone e peguei minha mochila. Também tirei um momento para pegar a carteira do paletó do cara morto e roubar o dinheiro antes de limpar minhas digitais e deixar a carteira vazia na calçada ao lado do corpo, para parecer outro roubo que deu errado.

Então fiquei de pé e fui em direção ao vagabundo, que estava vasculhando as latas em seu carrinho de compras. Ele finalmente olhou para cima quando minha sombra caiu sobre ele. Seus olhos se estreitaram e ele agarrou a alça de seu carrinho, segurando firme com as duas mãos, para eu não tentar arrancá-lo dele. Mas tudo o que fiz foi jogar as notas amassadas que tirei do observador morto em cima do monte de latas pegajosas.

— Por ajudar a manter as ruas limpas — eu disse.

O vagabundo me lançou um olhar desconfiado, mas pegou o dinheiro de cima das latas e colocou-o em seus bolsos.

Pisquei para ele, então virei e voltei para o meu carro, assobiando o tempo todo.


* * *


Ninguém mais estava espreitando em torno do meu veículo, e ninguém plantou qualquer bomba nele, então eu fui capaz de entrar e afastar da vaga de estacionamento sem mais problemas ou atrasos.

Enquanto eu dirigia, peguei meu telefone e liguei para Bria, para que ela soubesse o que estava acontecendo. Mas em vez de atender, minha ligação foi direto para o correio de voz. Oi, você ligou para Detetive Bria Coolidge do Departamento de Polícia de Ashland...

Grunhi em frustração, mas não deixei uma mensagem para ela. A maneira como ocorreram as coisas entre nós na noite passada, ela provavelmente estava filtrando minhas ligações, então eu duvidava que ela escutasse qualquer mensagem de voz que eu deixasse agora.

Tentei Xavier em seguida, já que Roslyn era sua companheira, mas ele não atendeu também. Ele provavelmente estava trabalhando com Bria na melhor maneira de usar o testemunho de Catalina contra Benson. Eu liguei para Owen, mas me dei mal pela terceira vez. Então lembrei que ele tinha uma grande reunião de negócios planejada para esta tarde, então ele provavelmente desligou o celular.

Mas havia uma pessoa para quem eu liguei que realmente atendeu seu telefone.

— Você alcançou o sempre incrível, sempre encantador e obscenamente lindo Finnegan Lane — chiou ele no meu ouvido. — Como posso lhe servir hoje?

— Onde você está?

— Trabalho. No banco. Por quê? — A voz dele se aguçou com cada palavra.

Contei a ele sobre a ligação de Roslyn e seu pedido para que eu fosse até a Northern Aggression pegar minhas garrafas inexistentes de gim. Finn ficou em silêncio por um momento, depois soltou uma série de maldições.

— Você quer que eu vá ajudá-la? — disse ele. — Posso pegar minhas armas nos cofres e estar pronto.

— Não. Roslyn disse que havia apenas três. Eu devo ser capaz de lidar com isso. Veja se você pode rastrear Bria e Xavier. Liguei para os dois, mas os telefones deles vão direto para o correio de voz.

— Vou encontrá-los e levá-los ao clube o mais rápido possível — ele prometeu. — Tenha cuidado.

— Você sabe que eu vou.

Desliguei e joguei meu telefone no assento do passageiro.

Dirigi rápido e cheguei a Northern Aggression em tempo recorde. Eu disse a Roslyn que não estaria aqui por pelo menos uma hora, mas não tinha intenção de seguir esse cronograma. O elemento surpresa poderia me ajudar a resgatar minha amiga, e eu pretendia explorá-lo ao máximo.

Mas em vez de avançar no estacionamento principal do Northern Aggression e parar bruscamente na frente do prédio, estacionei meu carro a duas ruas de distância, em um beco onde ninguém notaria. Olhei de relance para a mochila no banco do passageiro, debatendo se deveria tirar uma arma, alguma munição e um silenciador das suas profundezas escuras. Mas decidi não fazê-lo, já que eu carregava meu arsenal habitual de cinco facas de silverstone – uma em cada manga, uma enfiada na parte de baixo das minhas costas e uma em cada bota.

Minhas facas eram minhas melhores armas, especialmente em uma situação como aquela, que exigia ação rápida e silenciosa. Então peguei meu telefone e saí do carro. Também chequei o telefone do vampiro, mas não havia mais mensagens, então eu o coloquei no meu bolso e fui para o clube.

Pulei de um beco e rua lateral para o outro, até que acabei me agachando atrás de um salgueiro na extremidade do estacionamento em frente ao clube. Olhei através dos longos galhos verdes balançando.

Do lado de fora, Northern Aggression parecia um edifício de escritórios, plano e sem traços, exceto pela placa colocada sobre a entrada – um coração com uma flecha nele. A runa de Roslyn para seu clube. Como era o meio da tarde, o letreiro de neon estava desligado, mas quando a multidão chegasse hoje à noite, ele brilharia um vermelho vivo, depois laranja, depois amarelo, como se o coração perfurado tivesse uma pulsação viva e pulsante, agonizando pela ferida que recebera.

Um homem estava de pé na entrada, os braços cruzados sobre o peito e os olhos varrendo da esquerda para a direita e vice-versa. Não o reconheci como um dos seguranças, e não usava um colar de runa de coração e flecha dourada que o marcaria como uma das prostitutas, bartenders ou outros trabalhadores do clube. Ele se mexeu, com o paletó preto desabotoado o suficiente para que eu visse a arma no coldre do cinto. Bem, isso certamente indicava o fato de que ele não estava com boas intenções. Sorri abertamente. Eu também.

Mas deixei o cara sozinho, já que não havia como eu me aproximar dele sem que ele me visse, dado o pavimento aberto e vazio que se estendia entre nós. Em vez disso, eu corri de árvore em árvore, contornando as bordas do estacionamento até que eu fizera meu caminho para a parte de trás da construção.

Outro homem estava parado nesta entrada, um cara mais jovem, que estava com a cabeça baixa e os olhos em seu telefone em vez de ficar de olho em mim. Idiota descuidado.

Para minha sorte, uma fila de contêineres se estendia da minha posição até a porta dos fundos onde o cara estava de pé, então eu pude usar os contêineres como uma barreira entre nós dois. Demorei menos de um minuto para me mover da beirada do estacionamento para o contêiner mais próximo a ele. Mas ainda havia um intervalo de seis metros entre esse contêiner e sua posição na porta, o que lhe daria tempo mais do que suficiente para soltar um grito bom, longo e alto caso ele me visse chegando.

Então me abaixei, peguei um pedaço solto de metal, e joguei na cabeça dele. O metal bateu na parede à sua direita e depois caiu na calçada, e o cara finalmente levantou os olhos do telefone. Ele amaldiçoou e girou naquela direção, a mão livre puxando a arma do coldre na cintura.

Contornei a lixeira e me esgueirei atrás dele, movendo-me rapidamente. Eu estava tão focada no cara que não vi o vidro quebrado cobrindo o chão atrás dele até que fosse tarde demais.

Crunch.

Ao som das minhas botas esmagando o vidro, o cara levantou sua arma e girou em minha direção, mas eu estava perto o suficiente para avançar, cavar meus dedos em seus cabelos, puxar sua cabeça para trás e cortar sua garganta. Suas pernas deslizaram e ele morreu com um sussurro rouco, seu telefone e arma escapando de seus dedos repentinamente frouxos e batendo na calçada.

Eu me movi para o canto oeste do prédio e me pressionei contra a parede, me perguntando se o barulho do telefone e da arma caindo soariam até a frente do clube, e tentando adivinhar de que lado o primeiro homem poderia se aproximar. Mas passou um minuto, depois outro, e o outro guarda não veio investigar, então percebi que era seguro escorregar para dentro do clube.

Tentei a porta dos fundos, que estava trancada, então peguei minha magia e fiz um par de pinças de Gelo. Menos de um minuto depois, a porta se abriu. Joguei as pinças no chão para derreter, entrei no clube e fechei a porta.

Um longo corredor se estendia na minha frente, com quartos e corredores se ramificando de ambos os lados. Não sabia onde no clube Roslyn e seus captores poderiam estar, então andei na ponta dos pés pelo corredor, olhando em todos os cômodos por onde passei, tomando cuidado de me manter sempre contra a parede, onde era menos provável que o chão de madeira rangesse e desse a minha posição.

Mas ninguém estava na parte de trás do clube. Nenhuma prostituta estava no vestiário se maquiando, colocando o colar de coração e flecha e se preparando para mais uma noite de pecado. Nenhum leão-de-chácara estava carregando caixas de licor para reabastecer o bar de Gelo elemental na frente. Ninguém esperava no escritório de Roslyn para falar com ela. Eles deveriam estar na parte principal do clube, então.

Eu havia começado a deslizar por outro corredor para ver se eu poderia ter um vislumbre do que estava acontecendo lá fora através de um dos muitos buracos cortados nas paredes quando soou a descarga em um dos banheiros masculinos à minha esquerda. Eu me movi para frente e parei do lado de fora da porta. Alguns segundos depois, a porta se abriu e uma figura familiar saiu: Silvio Sanchez.

Ele estava mais uma vez vestindo um terno cinza e parou o suficiente para ajeitar a gravata combinando, o que me deu muito tempo para atacar. Mas em vez de cortar sua garganta como eu fizera com os outros dois homens, passei o braço pela cintura dele e pressionei a ponta da faca contra o pescoço dele, bem onde estava a artéria carótida.

Sílvio endureceu, mas ele fez a coisa mais esperta, e não tentou revidar. Se ele tivesse, eu o teria espetado como um peixe.

— Blanco? — perguntou ele.

— Surpresa, surpresa — assobiei.

Sílvio tentou se afastar de mim, mas o raspar da minha faca contra sua garganta o persuadiu a ficar parado.

— Onde está Roslyn? Quantos homens há no clube?

— Só eu e mais dois — disse ele. — Isso é todo mundo que está dentro. Eu juro.

Ele não disse nada sobre os homens que esperavam do lado de fora, mas eu não esperava que ele dissesse. Ainda assim, o número de funcionários dele se alinhava com o que Roslyn me dissera, então decidi deixar Silvio continuar respirando... Por enquanto.

— Onde?

— Na parte da frente do clube. No meio da pista de dança. Ele queria poder ver você chegando.

Eu não precisava perguntar quem ele era. — Bem, isso foi esperto da parte dele. Caso contrário, ele provavelmente já estaria morto.

— Ele não a machucou, se é com isso que você está preocupada — disse Silvio, tentando salvar seu próprio pescoço e de seu chefe também. — Ele só queria falar com você. Não há necessidade disso se tornar violento.

— Oh, isso já ficou violento — eu disse. — Basta perguntar ao homem que você mandou vigiar o meu carro ou aquele na porta dos fundos. Oh espere. Que boba. Você não pode, porque eles estão indispostos no momento. Para sempre, na verdade.

Silvio engoliu em seco, seu pomo de adão batendo contra a borda da minha faca, mas ele não respondeu à minha provocação.

— Já que você está aqui, estou curiosa sobre uma coisa — eu disse.

— O que?

— Eu sei que você viu a garota e eu na garagem. Então, por que você não nos denunciou? Por que deixar a pílula ao lado do corpo de Troy e ir embora como se não tivesse visto nada? Você achou que poderia me chantagear? Conseguir que eu pague a você para ficar quieto?

— Tenho minhas razões.

Cavei minha lâmina em seu pescoço, cortando a pele e tirando sangue para encorajá-lo a começar. Silvio endureceu ainda mais, parecendo mais como uma tábua dura contra mim do que carne e osso, mas permaneceu em silêncio. O que ele estivesse ocultando, seria preciso mais do que um arranhão da minha faca para fazê-lo derramar suas entranhas. Eu o admirei por isso – mas só um pouco.

— Bem, então, para outros assuntos. Você e eu vamos sair e fazer a reuniãozinha que seu chefe quer tão desesperadamente. Não crie nenhum problema para mim e você pode viver depois disso.

— E se eu criar problemas? — perguntou ele, em um tom irônico, mesmo que ele já soubesse a resposta.

— Faça o mínimo gemido, e cortarei sua garganta — assobiei novamente.

Silvio assentiu uma vez. Homem inteligente.

— Mova-se — falei.

Silvio caminhou em direção à porta no final do corredor. Segurei seu ombro esquerdo com uma mão e usei a outra para manter minha faca em sua garganta, então nosso progresso foi lento, mas estável. Chegamos à porta.

— Abra-a... Devagar.

Silvio começou a assentir de novo, mas pensou melhor, tendo em conta a lâmina no seu pescoço. Ele se inclinou o bastante para girar a maçaneta e abrir a porta. O murmúrio da conversa chegou até mim

—... É bom saber que você se saiu tão bem sozinha, Roslyn — disse uma familiar voz nasalada.

Silêncio.

— Obrigada — respondeu Roslyn, sua voz normalmente leve apertada de tensão. — Mas não vejo necessidade disso.

Uma risada baixa soou. — Oh, eu acho que nós dois sabemos que eu não poderia encontrar sua amiga em nenhuma outra circunstância. Não sem matá-la. E você não iria querer isso agora, não é?

Desta vez, Roslyn riu. — Você sempre foi confiante. Neste caso, muito confiante.

— Vamos ver.

Silvio lentamente terminou de abrir a porta. Inclinei-me para um lado para poder ver por cima do ombro direito dele.

— Ande — ordenei.

Silvio avançou, com os passos lentos, cuidadosos e firmes. Ele não queria ser cortado. Nós veríamos se o mesmo poderia ser dito de seu chefe.

Passamos pela porta e entramos na parte principal do clube. O interior da Northern Aggression era todo glamour opulento, do piso de madeira a cortinas vermelhas de veludo cobrindo as paredes até o brilhante bar de Gelo elemental à minha esquerda. O ar estava fresco, beirando o gelado, para manter o bar intacto até que o Elemental que o mantinha com sua magia entrasse em seu turno, mas o frio que passava pela sala não era nada comparado com a fúria fria correndo por minhas veias.

Roslyn estava sentada em uma mesinha redonda que foi movida para o meio da pista de dança. Com um terno azul-turquesa, ela parecia a dona do clube de sucesso que era. A cor destacava seus cabelos negros e a rica cor caramelo de sua pele, enquanto sua maquiagem discreta realçava seus olhos caramelos e traços perfeitos.

E ela não estava sozinha.

Beauregard Benson estava sentado à sua frente na mesa. Braços e pernas compridos e desajeitados, cabelo preto bagunçado, olhos azuis atrás de óculos prateados. Ele parecia exatamente o mesmo que na garagem na noite anterior, usando calças brancas e tênis, com uma camisa rosa clara e gravata borboleta combinando. Eu não vi o jaleco branco em lugar nenhum, mas adicionando à ilusão de nerd-cientista estava o protetor de plástico, o bloco de anotações, e canetas mais uma vez alinhados no bolso da camisa. Ele tinha um tornozelo cruzado em cima do joelho, a perna da calça puxada o suficiente para expor sua meia, branca com um padrão argyle{3} rosa no centro.

A postura de Benson era agradável e relaxada, mas outro guarda estava a poucos metros atrás do vampiro. Braços cruzados sobre o peito e seu duro olhar fixo em Roslyn, como se esperasse que ela causasse problemas em um segundo.

Esse era o meu trabalho.

Ao som dos passos de Silvio, Benson olhou em nossa direção. — Ah, Silvio. Aí está você. Eu estava pensando por que estava demorando tanto...

A boca de Benson franziu quando me viu, juntamente com a faca que eu tinha na garganta do seu servo, mas a expressão rapidamente se transformou em um sorriso enquanto se levantava. Sua figura estava magra de novo, em vez de ter o aspecto volumoso que tinha na noite passada depois de ter drenado as emoções de Troy. Eu me perguntei no que ele teria gastado toda a vida e energia roubadas tão rapidamente. Provavelmente era melhor não saber.

— Ah, Srta. Blanco — disse ele. — Estou tão feliz que você pode se juntar a nós. E antes do previsto também.

— Bem, recebi seu convite e corri até aqui o mais rápido que pude — falei, com a voz tão calma quanto a dele.

Seu sorriso se alargou. — Acho que não fomos apresentados corretamente. Meu nome é Benson. Beauregard Benson.


Capitulo 12

 

 

Beauregard Benson fez uma reverência a mim, tão baixo, galante e encantador quanto qualquer antiquado cavalheiro sulista. Mas seus olhos azuis estavam vazios como espelhos, apesar de seu verniz de boas maneiras e civilidade.

O terceiro homem amaldiçoou e começou a procurar sua arma sob o paletó, mas Benson estalou os dedos, como se estivesse chamando um cachorro. O outro homem congelou com o som agudo.

— Não há necessidade disso — ronronou Benson novamente, embora sua voz alta e nasal arruinasse suas palavras suaves. — Há, Srta. Blanco?

Em vez de respondê-lo, meu olhar foi para a minha amiga. — Roslyn?

Ela se levantou devagar e recuou, afastando-se da linha de fogo, caso chegasse a isso. — Estou bem, Gin.

Benson apontou para a mesa. — Por favor, Srta. Blanco. Vamos sentar e conversar.

— Se quisesse falar, você poderia ter ligado para mim — eu disse em um tom doce.

— Chame-me de antiquado, mas prefiro conversas cara a cara. — Sua voz era tão falsa e doce quanto a minha.

Ele poderia também ter substituído confrontos por conversas, mas decidi jogar junto – por agora. Roslyn estava ilesa e eu queria mantê-la assim. Cooperar com Benson era a maneira mais fácil de garantir sua segurança. Além disso, parte de mim estava curiosa sobre o que o vampiro possivelmente pensava que ele tinha a dizer para mim. Ah, essa maldita velha curiosidade. Indo me esfaquear nas costas um dia.

Talvez agora mesmo.

— Tudo bem, então — eu disse. — Vamos conversar.

Tirei minha faca da garganta de Silvio e o empurrei. Ele tropeçou alguns passos antes de conseguir se endireitar. A mão de Silvio se esgueirou até o corte em seu pescoço, e então ele afastou a mão e olhou para o sangue brilhando nas pontas dos dedos. Eu pensei que ele poderia me dar um olhar feio por arruinar suas roupas, mas em vez disso, ele suspirou, tirou um lenço de seda cinza do bolso da calça e limpou o sangue de seus dedos e pescoço. Silvio foi ficar perto do terceiro homem.

Benson deu outro olhar curioso ao seu lacaio, como se estivesse interessado na ferida de Silvio, antes de voltar a se sentar à mesa e gesticular para a cadeira vazia em frente a ele.

Mantendo um olho nos vampiros, andei pelo chão de madeira até onde Roslyn estava. Eu toquei seu braço, e ela assentiu.

— Estou bem — disse ela, em voz alta o suficiente para que todos pudessem ouvir. — Sério.

Ela se afastou de Benson e fez um show de colocar o cabelo preto atrás de suas orelhas. Então sussurrou com o canto da boca. — Faça o que fizer, não deixe que ele toque em você.

Olhando para os três vampiros, mantive meu rosto em branco, como se ela não tivesse dito nada, embora eu estivesse pensando nesse estranho conselho. Roslyn sabia que Benson gostava de se alimentar das emoções das pessoas? Eu daria ouvidos ao aviso dela. Depois de ver o que Benson fizera a Troy na noite passada, eu não tinha intenção de deixar o vamp colocar suas mãos em qualquer lugar em mim – nunca.

— Roslyn, minha querida — falou Benson. — Por que não serve uma bebida para nós? Você sabe do que eu gosto. E suponho que você sabe o que a Srta. Blanco também gosta.

Suas palavras indicaram que ela o conhecia. Eu me perguntava exatamente o quão bem eles estavam familiarizados.

Roslyn assentiu para ninguém em particular. — Claro.

— Fique atrás do bar — murmurei para ela.

Ela acenou para mim desta vez, em seguida, contornou o bar de Gelo elemental e fora da minha linha de visão, já que eu ainda estava focando em Benson, Silvio, e o terceiro homem. O tilintar dos cubos de gelo nos copos soou, junto com o suave e constante respingo de líquido e o chocalhar de garrafas e coqueteleiras enquanto Roslyn misturava nossas bebidas.

Deslizei minha faca de volta na minha manga, fui até a mesa e peguei a cadeira vazia em frente a Benson, certificando-me de ficar fora do alcance do braço dele. O vampiro se recostou na cadeira e cruzou o tornozelo direito sobre a perna esquerda, mais uma vez me dando uma visão da meia branca e rosa.

— Então, Beauregard — eu disse. — Por que o truque elaborado? Eu teria ficado feliz em falar com você em algum outro lugar além daqui.

Ele sorriu, o brilho perolado de suas presas me lembrando do sorriso cheio de dentes de uma piranha. — Por favor, chame-me de Benson. Acho que Beauregard é um pouco antiquado. Faz-me sentir como se eu devesse ser um homem velho e grisalho, de terno listrado, bebendo suco de menta na varanda. Quanto à localização, pensei que seria prudente nos encontrarmos em... Território neutro, e é por isso que escolhi o Northern Aggression. Bem, isso e o fato de não ver a minha velha amiga Roslyn há um bom tempo.

Levantei minhas sobrancelhas. — Sério?

— Realmente — respondeu ele. — Eu costumava ser o representante da Roslyn. Seu gerente de negócios, de certa forma.

Então ele a conheceu quando ela trabalhava nas ruas de Southtown. Deve ter sido anos atrás, porque eu nunca ouvi falar de Benson estar envolvido com prostitutas. Eu me perguntava como Roslyn conseguira sair de debaixo do polegar dele. Ele não me pareceu o tipo de cara que deixava qualquer um sair da sua organização, exceto em pedaços.

Roslyn terminou nossas bebidas, e o piso de madeira rangeu sob seus pés quando ela se aproximou e colocou dois copos sobre a mesa. Um gin tônica com uma grossa fatia de limão para mim e um Bloody Mary para Benson, completo com um talo alto e frondoso de aipo. Roslyn olhou para mim, preocupação em seu olhar caramelo, mas inclinei a cabeça, dizendo a ela que eu poderia lidar com as coisas. Então, casualmente, deixei cair a mão ao lado do corpo, apontando o polegar para o bar.

Roslyn acenou para mim e depois para Benson, antes de voltar para o bar. Ela se afastou o suficiente da minha esquerda para que eu pudesse vê-la com o canto do olho, e fez uma demonstração ao guardar as garrafas de licor, o limão e o aipo, embora mantivesse uma mão fora da vista, abaixo da superfície gelada em todos os momentos. Ela estava pronta para pegar a espingarda que Xavier mantinha lá embaixo caso as coisas corressem mal entre Benson e eu.

— Não se preocupe — disse Benson, arrastando sua bebida para o seu lado da mesa. — Não há sangue de verdade nisso.

— Não me incomodaria se tivesse.

— Eu assumi isso, dada a sua reputação. Mas devo admitir que não sou como a maioria dos vampiros — disse ele. — Eu acho que beber sangue é um pouco... Bagunçado. E não é tão interessante quanto as outras... Atividades.

Não dei a ele a satisfação de perguntar sobre suas outras atividades. Eu estava supondo que elas envolviam muitos gritos, violência e morte. Benson tomou um gole de seu Bloody Mary e sorriu para mim. O suco de tomate manchou suas presas de um rosa claro. A cor combinava com a camisa e as meias.

Tomei um gole do meu próprio gin. Normalmente, eu teria apreciado o frio deslizar do álcool pela minha garganta antes que começasse a queimadura lenta e doce na boca do meu estômago. Mas não hoje. Não quando confrontava um monstro como Benson. Não quando Roslyn estava assustada e ainda podia se machucar por minha causa.

— Posso te chamar de Gin? — perguntou Benson.

— Claro — eu disse, levantando meu copo para ele. — Como a bebida.

Ele soltou uma gargalhada satisfeita. — Sim, é o que eu ouço as pessoas dizerem. Que curioso.

Nós ficamos lá e tomamos nossas bebidas durante pelo menos três minutos. Não me importei com o silêncio, pois me deixava especular sobre o que ele poderia querer. Claro, Benson enviou alguns homens para me matar nos últimos meses, como a maioria dos chefões do submundo, mas nunca tivemos nenhum contato direto. Então, por que a reunião? Porque agora? A resposta óbvia foi que deve ter algo a ver com Catalina. Mas Benson não a viu, ou a mim na noite passada, e eu não conseguia entender por que ele iria querer ter uma conversa em vez de apenas enviar alguns de seus homens para me matar, e ela também.

Mas o longo silêncio também deu a Benson tempo para me estudar, tudo, desde o sangue de Silvio manchando minha mão até a boca dura e o frio brilhando em meus olhos cinzentos invernais. Mas não havia luxúria em seu olhar, apenas uma leve curiosidade, como se eu fosse um germe que ele examinava através das lentes microscópicas de seus óculos.

Depois de um minuto disso, ele inclinou a cabeça para o lado. Ele manteve os olhos no meu rosto, mas fiquei sabendo que ele não estava olhando para mim apesar dele estar olhando para mim, se isso era possível. De qualquer maneira, sua expressão sem foco e sonhadora me lembrou do olhar distante que Jo-Jo às vezes tinha quando estava tendo um vislumbre do futuro com sua magia de Ar. Mas foi muito, muito assustador em Benson.

Finalmente, ele piscou e se concentrou em mim novamente. — Você está excepcionalmente calma, Gin.

— Por que não deveria estar? Afinal, estamos apenas tomando uma bebida amigável, certo?

Um sorriso curto curvou seus lábios. — Certo. — Ele se inclinou, colocando os cotovelos sobre a mesa e agarrando seu Bloody Mary entre as mãos ossudas. — Bem, então vamos ao que interessa. Eu quero pedir desculpas por minhas ações em relação à Roslyn, mas como eu disse antes, achei melhor me encontrar em um território neutro para que minha aparição não fosse mal interpretada e provocasse uma... Reação desagradável. Eu não desejo começar uma guerra com você, Gin.

— Por que não? Parece-me que você já começou, dado todos os homens que você enviou ao meu restaurante para tentar me matar.

Ele deu de ombros. — São apenas negócios. Eu tive que tentar, o mesmo que todo mundo. Desculpe-me se você achou... Perturbador.

Ele disse a última palavra com óbvio prazer, depois fez uma pausa e olhou para mim, fazendo aquela coisa esquisita de olhar através de mim de novo. Só que desta vez, algo também roçou minha pele – aquela lixa invisível que notei na garagem quando Benson estava sugando as emoções de Troy.

Mas a sensação era muito mais intensa agora do que fora na noite passada, tão intensa que quase parecia com... Magia. Eu pensei que a drenagem emocional de Benson era algum tipo de habilidade vampírica especial, mas talvez houvesse também um componente elemental nisso. Se assim fosse, isso o tornaria ainda mais forte do que eu percebera – e muito mais perigoso.

A lixa fantasma esfregou e esfregou minha pele, como se tentasse encontrar um ponto fraco para entrar e tirar sangue. Concentrei-me em manter a calma.

Após alguns segundos, a sensação desconfortável desapareceu, e a boca de Benson franziu com a constatação de que eu não havia reagido do jeito que ele queria que eu reagisse.

— É preciso muito para quebrar essa sua fachada calma, não é? — murmurou ele.

— Não é fachada.

— Não — ele murmurou novamente —, não é, de maneira alguma. Quão... Decepcionante.

Eu não diria que era decepcionante. Eu não diria que era alguma coisa diferente da maneira que eu era, mas não tinha ideia do que Benson estava fazendo. Meu olhar passou dele para Silvio, procurando o significado da fala de seu chefe, mas o rosto de Silvio permaneceu tão tranquilo quanto o meu. O terceiro homem parecia um pouco nervoso, os braços cruzados sobre o peito, os dedos batendo contra os cotovelos opostos, mas ele não era o perigo real aqui – Benson era. À minha esquerda, Roslyn manteve sua posição, uma mão ainda embaixo do bar, pronta para pegar sua espingarda.

— Independentemente disso, você pode ter certeza de que nenhum dos meus homens a incomodará novamente — disse Benson.

— Oh, eu não estou preocupada — falei lentamente.

Benson franziu a testa, mas os lábios de Silvio se contorceram com algo que quase parecia diversão. Eu pisquei e a expressão desapareceu.

— Claro que não — disse Benson —, sua reputação precede você.

— O que eu posso dizer? É o preço de ser famosa. Ou melhor, infame, no meu caso.

Os lábios de Silvio se contraíram novamente, mas Benson não parecia ter meu humor negro e seco. Em vez disso, ele se inclinou.

— Bem, então, vamos voltar ao assunto em questão.

— Oh? — perguntei. — E o que seria?

— Sua irmã. Detetive Bria Coolidge.

A voz anasalada de Benson ecoou pelo clube antes das cortinas de veludo vermelho nas paredes absorver o som, se não o perigo que acompanhou suas palavras.

Meus dedos se enrolaram em volta do meu copo de gin, minha mandíbula apertou e minha coluna se endireitou. Pequenos movimentos, mas os olhos de Benson se afiaram com interesse por trás dos óculos.

— Finalmente, uma reação — disse ele. — Eu estava começando a pensar que você era feita da pedra que dizem que você é capaz de controlar.

— Surpresa leve dificilmente é uma reação — eu disse novamente.

— Por que surpresa?

Dei de ombros. — Eu teria pensado que um policial, qualquer policial, estaria abaixo do seu conhecimento. Bem, exceto aqueles que você suborna para manter suas drogas fluindo por Southtown. Mas, mesmo assim, Silvio lida com todos esses detalhes sujos, não é?

Benson deu de ombros. — Claro que ele lida. Mas sua irmã chamou a minha atenção por causa do... Interesse dela em minhas atividades.

— Você quer dizer por que você torturou e matou o informante dela, enfiou um rato na boca dele, e desenhou a runa de Bria na testa dele com uma daquelas canetas em seu bolso — eu disse em uma voz plana. — Difícil imaginar por que ela ficaria chateada com isso.

Ele sorriu. — Não costumo entrar em tal... Show, mas sua irmã tem sido bastante persistente. Eu pensei que finalmente a avisara com a morte daquele menino, mas então ouvi um rumor perturbador essa manhã. Que ela tem uma testemunha que diz que eu matei alguém na noite passada, e que ela está realmente querendo que essa pessoa testemunhe contra mim.

— Quão perturbador para você — brinquei.

Então, isso era sobre Catalina, afinal. Bria dissera aos superiores do departamento de polícia que alguém havia visto Benson matar Troy, e alguém na po-po que estava na folha de pagamento de Benson dera o alerta.

Olhei para ele, imaginando se tudo isso era algum tipo de jogo distorcido, um truque para me afastar do restaurante para que ele pudesse enviar seus homens atrás de Catalina. Não, eu decidi. Se ele soubesse a identidade de Catalina, não teria se incomodado com tudo isso, e já teria despachado alguns homens para matá-la. Mas Silvio a viu na garagem na noite passada, então por que ele não disse ao seu chefe que ele poderia identificar a testemunha? Ele não parecia interessado quando mencionei chantagem antes, o que significava que dinheiro não era sua motivação. Então, por que diabos Silvio protegeria alguém como Catalina?

Olhei para Silvio, mas seu rosto estava calmo e composto como sempre. Ele deveria saber o que eu estava pensando, mas suas feições eram uma máscara perfeita para qualquer que fosse seu verdadeiro pensamento. Impressionante. Então, mais uma vez, como Benson gostava de se deliciar com emoções, seria melhor manter o controle perto do vampiro, e Silvio tivera anos de prática.

Benson recostou-se no banco e cruzou os braços sobre o peito magro. — Como eu disse, não tenho interesse em começar uma guerra com você, Gin, e ouvi o quanto... Você protege sua irmã. É por isso que estou aqui. Um associado de negócios sugeriu que talvez fosse melhor entrar em contato diretamente com você para evitar qualquer desagrado.

Associado de negócios? Eu me perguntei quem poderia ser, mas não lhe dei a satisfação de perguntar.

— Meus termos são bem simples. Faça com que essa testemunha desapareça, fique fora do meu caminho, e faça sua irmã fazer o mesmo, e assegurarei que ninguém em minha organização chegue a um raio de três quarteirões do seu restaurante novamente. Como isso soa?

Tive que fazer a pergunta. — E se eu não fizer?

Um leve sorriso enrugou seus lábios. — Eu talvez não queira começar uma guerra, mas sei como terminar uma. Você não é a única aqui com uma reputação.

Não, eu não era. Benson não se tornou o rei de Southtown e segurou todo esse território por todos esses anos pedindo gentilmente.

Talvez tenha sido um momento de fraqueza, mas não zombei automaticamente e descartei sua oferta. Considerando tudo, não foi a pior proposta que eu já ouvi. Fazer Catalina ficar quieta, ficar fora do negócio dele, fazer Bria fazer o mesmo, e ele nos deixaria em paz.

Mas a coisa mais chocante era que parte de mim realmente queria aceitar o acordo.

Talvez fosse egoísta da minha parte, já que eu sabia que monstro ele era, mas parte de mim ainda queria dizer sim, pois assim haveria menos um chefe do submundo com o qual eu teria que me preocupar, só para não ter que olhar por cima do ombro e me perguntar quando os homens dele viriam atrás de mim. Ou, pior, Bria, Roslyn e todos os outros com quem eu me importava.

Mas parte de mim se irritava com seu tom presunçoso. Eu nunca gostei de valentões, e Benson estava tentando me fazer recuar.

E então havia Bria. Ela nunca, nunca aceitaria tal acordo. A policial nela não deixaria, especialmente não com sua culpa pelo assassinato de seu informante ainda fresco e cru em sua mente e coração.

Mas, principalmente, eu pensei em Catalina, e como ela estava determinada a fazer a coisa certa, porque ela sentia que devia a um velho amigo, o fantasma do doce menino que ela amara uma vez.

E eu sabia qual seria a minha resposta, o que deveria ter sido o tempo todo: de jeito nenhum.

Mas antes que eu pudesse dizer a Benson o que ele podia fazer com sua oferta, uma das portas na frente do clube se abriu e um homem entrou correndo. Era o vampiro posicionado nas portas da frente, aquele que estava tão atento a mim.

— Chefe! — gritou ele, correndo para a pista de dança, com a arma na mão. — Chefe! Acabei de encontrar Johnny na parte de trás do clube. Ele está morto...

O vampiro parou quando me viu sentada com Benson. — Ela... Ela está aqui!

— Sim, Derrick, ela está aqui — disse Benson. — E você deveria me avisar no segundo que a visse. Não a deixar matar Johnny e entrar no clube sem ser detectada. Estou muito desapontado com você.

Sua voz era calma, mas Derrick engoliu, seu rosto de repente pálido. Benson levantou e endireitou os óculos. Atrás do bar, Roslyn ficou tensa, como se soubesse o que estava por vir. O mesmo fez o terceiro homem, que estava atrás de Benson, mas ele ergueu a arma, claramente pronto para atirar em qualquer pessoa que quisesse interferir com seu chefe. Silvio permaneceu tão estoico como sempre, embora um músculo marcasse sua mandíbula e seus olhos brilhassem com alguma emoção que eu não conseguia identificar. Quase parecia que Silvio temia o que seu chefe estava prestes a fazer, embora soubesse que não podia pará-lo. Eu fiquei no meu lugar, mas coloquei uma faca debaixo da mesa.

Benson encarou Derrick. Ele sorriu novamente, mostrando suas presas.

— Oh, merda — sussurrou Derrick.

Aparentemente, ele viu o show de horror antes, e não queria fazer parte dele. Ao contrário de Troy, ele realmente tentou fugir. Derrick levantou a arma e disparou alguns tiros enquanto começava a recuar. Mas sua mira era péssima e as balas zumbiam em direção ao teto, em vez de se chocar contra o peito de Benson. Eu duvidava que elas tivessem feito diferença, de qualquer maneira.

Derrick não deu três passos antes de Benson atacá-lo.

Em um segundo, o vampiro estava ao lado da mesa. No seguinte, ele saltou para o meio da pista de dança, cerca de doze metros para onde sua vítima estava. Beber sangue dava à maioria dos vampiros maior força e velocidade, mas o salto longo de Benson foi realmente espetacular. Eu me perguntei se as emoções que ele tirara da noite passada lhe davam ainda mais poder do que beber sangue. Se assim fosse, isso tornaria Benson duplamente perigoso.

Benson não perdeu tempo tentando acalmar Derrick como fez com Troy. Em vez disso, ele segurou o braço de Derrick, arrastou o outro homem contra ele e enterrou as presas no pescoço de seu servo. O pobre bastardo nem sequer teve tempo de gritar.

Um, dois, três goles depois, Benson deixou Derrick cair no chão da pista de dança – morto.

Eu já vi vampiros beberem antes, e um particularmente desagradável deu mais do que algumas mordidas em mim, mas o ataque de Benson era supremamente cirúrgico – rápido, brutal, eficaz.

E surpreendentemente limpo. De alguma forma, ele conseguiu evitar ter uma única gota de sangue em sua camisa rosa e calça branca. Mas seus olhos agora brilhavam de um azul elétrico por trás de seus óculos, enquanto seu corpo absorvia o sangue, a vida, que ele acabara de tomar. Esperei, imaginando se o corpo dele, os músculos dele, se expandiria do mesmo jeito que expandiram na garagem na noite anterior, mas a figura dele continuava magra e desajeitada. Talvez isso acontecesse quando Benson arrancava as emoções de alguém, em vez de apenas seu sangue.

Benson passou por cima do corpo de Derrick e voltou para a mesa. Silvio estendeu a cadeira e o vampiro caiu no assento novamente. Silvio recuou, e Benson pegou seu Bloody Mary e tomou o resto da bebida.

— Refrescante — murmurou ele, colocando o copo na mesa.

Eu não sabia se ele falava sobre a bebida ou o sangue. Eu realmente não queria saber.

Benson tirou o talo de aipo do copo. O som de seus dentes mastigando o vegetal era ainda mais alto do que os tiros de Derrick. Benson deu mais duas grandes mordidas no aipo antes de deixar cair os restos frondosos no copo.

Mais uma vez ele me olhou atentamente, aquele olhar distante em seu rosto enquanto aquelas lixas invisíveis se apertavam contra a minha pele. Mas ignorei a sensação horrível, abaixei minha raiva e concentrei-me em permanecer calma.

Benson piscou, suas feições limpas, e o brilho azul em seus olhos diminuiu, como se tivesse ficado desapontado pela minha falta de choque, surpresa e desgosto.

— Por favor, pense nos meus termos, Gin. Eu odiaria que sua irmã compartilhasse o destino de Derrick ou, pior, o do informante dela.

Atrás do bar, Roslyn soltou uma exclamação estrangulada. Ela sabia exatamente o que acontecia com as pessoas que ameaçavam minha família. Eles acabaram exatamente como Derrick – ou pior.

Geralmente pior.

Ainda assim, Roslyn era minha família também, e eu não estava prestes a arriscar sua segurança tentando matar Benson. Não enquanto ele estava voando alto com todo o sangue que havia ingerido. Não quando ele estava propositalmente tentando me provocar para atacá-lo. Não quando ele queria que eu fizesse um movimento contra ele, provavelmente para que pudesse usar sua magia para sugar minhas emoções e completar seu banquete vespertino.

Se havia uma coisa em que eu era boa era em esperar, e haveria tempo de sobra para matar Beauregard Benson mais tarde.

— Não falo por minha irmã — eu disse. — Embora eu possa imaginar o que ela diria à sua oferta. Começa com F, termina com se. Você é um cara esperto. Eu tenho certeza que você pode preencher os espaços em branco.

Benson me deu um sorriso curto, seus dentes rosados de sua bebida e o sangue de Derrick. — Talvez você devesse ter uma conversa com ela, então. Considere isso uma sugestão entre colegas.

— Nós não somos colegas — falei.

Ele acenou com a mão. — Qualquer rótulo que você queira colocar, então. De qualquer forma, temo que eu precise ir. Tenho outro compromisso a seguir. Mas pense no que eu disse, Gin.

Benson levantou e estalou os dedos. Silvio deu um passo à frente e enfiou a mão no paletó cinza. Eu fiquei tensa, mas ele apenas tirou um cartão de visita, e colocou na mesa entre seu chefe e eu.

— Se você precisar me encontrar, Silvio pode passar qualquer mensagem — disse Benson, curvando-se para mim novamente. — Bom dia, Gin. Foi um prazer conhecê-la. E deixe-me ser o primeiro a dizer que a lenda da Aranha não decepciona pessoalmente.

Com um aceno final, suave e educado, Benson saiu da pista de dança, passou por cima do corpo de seu homem e foi embora da Northern Aggression.

Silvio e o terceiro homem pararam por tempo suficiente para pegar os braços de Derrick, depois arrastaram seu cadáver para fora do clube, seguindo atrás de seu chefe e da morte que ele deixou em seu rastro.


Capítulo 13

 

 

Esperei até que as portas da frente se fechassem atrás de Benson e seus homens antes de me levantar e correr até Roslyn, que ainda estava de pé atrás do bar de Gelo.

— Você está bem? — perguntei, colocando minha faca no topo da superfície gelada. — O que aconteceu?

Em vez de me responder, Roslyn enfiou a mão embaixo do balcão, pegou uma garrafa de uísque e preparou uma dose dupla. Ela bebeu a bebida como se fosse água, depois fez outro duplo, que também bebeu. Ela tomou um terceiro antes de finalmente encontrar meu olhar. Mesmo assim, o álcool pouco fizera para aliviar o medo que aparecia em seu rosto, ou os tênues tremores que sacudiam seu corpo.

— Houve uma batida na porta dos fundos — disse Roslyn. — Eu estava esperando uma entrega, então abri sem olhar. Eles invadiram o clube, as armas puxadas, e Benson me fez sentar com ele.

Era mais ou menos o que eu esperava, e suas palavras suaves só me deixaram mais irritada. — Então o quê?

— Benson me disse para ligar e fazer você vir aqui. Eu sinto muito, Gin, mas não tive escolha.

Descartei o pedido de desculpas dela. — Eu sei que você não tinha. Obrigada por me avisar que algo estava errado.

Ela olhou para o local na pista de dança onde Derrick havia morrido. Não havia sequer uma partícula de sangue na superfície, mas Roslyn ainda estremeceu. — Eu esqueci o quão cruel ele pode ser.

— Você conhece Benson?

Ela estremeceu novamente. — No tempo quando eu ainda estava nas ruas.

Fiz uma careta. — Mas pensei que ele estava apenas em drogas.

— Ele está agora — disse Roslyn. — Mas naquela época, vinte anos atrás, quando ele estava começando, ele comandava meninas, caras também. Eu não trabalhei para ele, mas ainda lhe paguei dinheiro de proteção para não me machucar. Isso é como ele era cruel. Eventualmente, ele assumiu a maioria das outras gangues. Ele era poderoso o suficiente para que até mesmo Mab o deixasse em paz, contanto que ele ficasse em Southtown e saísse do caminho dela.

— Como você se afastou dele? Benson não parece ser do tipo que deixa alguém sair.

Um sorriso irônico curvou os lábios de Roslyn, afugentando um pouco do seu medo. — Ele não é... Ou não era. Mas eu espremi, trabalhei e economizei cada centavo que eu poderia conseguir, e fiz uma oferta... Cem mil dólares para me deixar trabalhar por conta própria.

Soltei um assobio baixo. — E ele concordou com isso?

— Ele pensou nisso como uma espécie de experimento. Ele costuma fazer isso, sabe. Colocar as pessoas em certas situações, ver como elas reagem e se podem manter suas promessas para ele. — Sua voz caiu para um sussurro novamente. — Ele gosta quando as pessoas falham.

Pensei em Troy e Derrick. — Ações e consequências.

Ela assentiu. — Ele pensou que o clube falharia e eu teria que rastejar de volta para ele. Então ele teria meu dinheiro e eu. — Ela ergueu o queixo. — Mas isso não aconteceu, e nunca, nunca acontecerá.

Roslyn era uma empresária inteligente e experiente. À sua maneira, ela era mais implacável sobre seu clube do que eu com minhas facas. Porque o Northern Aggression não era apenas o seu orgulho e alegria, mas ele também ajudava sua irmã, Lisa, e sua jovem sobrinha, Catherine.

— Xavier disse alguma coisa sobre Bria? Ou o que aconteceu na garagem?

— Ele me contou tudo. — Ela balançou a cabeça. — Pobre Catalina. Aquela garota não tem ideia no que ela se meteu. Ela não sabe que ninguém fala em Southtown?

Ontem à noite, eu teria concordado com Roslyn. Mas agora, depois que Benson a ameaçara e a Bria, minha perspectiva mudou, e vi o quão valente Catalina estava realmente sendo.

Mesmo que fosse provavelmente causar a morte dela.

Roslyn serviu-se de outra bebida, embora apenas segurasse o copo entre as mãos, ao invés de tomar o uísque como antes.

— Você precisa tomar cuidado com Bria. Eu sei que ela enfrentou muitos bandidos, mas Benson é pior que a maioria. Você viu o que ele fez com Derrick. — Outro tremor varreu seu corpo. — E ele não estava usando a magia dele.

— Magia? Que magia? Qual é o negócio dele? Benson disse que não gostava de beber sangue, mas ele parecia feliz o suficiente ao afundar suas presas em Derrick.

— Oh, ele ainda bebe sangue — disse Roslyn. — Todos nós temos que fazer isso. Mas Benson realmente fica animado com as emoções das pessoas. É uma habilidade vampírica rara. Xavier me disse que foi o que ele fez ao informante de Bria e ao cara na garagem. Que ele tirou o medo e o terror de dentro deles e não deixou nada além das cascas vazias de seus corpos. Angústia, luxúria, raiva, tristeza, mágoa – ele consegue tirar o menor sentimento de alguém. E quando ele tira suas emoções, ele extrai o poder que está dentro de você também, seja a força de um gigante ou a magia de um Elemental.

Pensei no modo como Benson ficara olhando para mim e na sensação daquela lixa invisível raspando minha pele. Então eu estava certa, e ele tentava sentir minhas emoções, tentava me irritar, então poderia tirar a raiva de mim, junto com minha magia de Gelo e Pedra.

Bati meus dedos contra o bar gelado. — Ele deve ter alguma forma especial de magia do Ar, talvez uma que só os vampiros tenham, e eles só podem usar isso de uma maneira particular, para ele ser capaz de extrair as emoções das pessoas com apenas um toque de sua mão. Preciso perguntar a Jo-Jo sobre isso...

O bipe de uma buzina de carro do lado de fora do clube, junto com o guincho de pneus na calçada, cortou minhas palavras. Roslyn e eu nos entreolhamos. Alguém queria entrar aqui com pressa.

— Se abaixe! — assobiei. — Atrás do bar!

Roslyn parou por tempo suficiente para arrancar a espingarda da fenda, depois desapareceu atrás da espessa e brilhante folha de Gelo elemental. Peguei minha faca do bar e corri para frente do clube, me encostando à parede do lado de dentro da entrada.

Eu mal havia entrado em posição quando as portas se abriram, e três figuras entraram correndo, todas com armas nas mãos.

 

* * *

 

Dois homens e uma mulher passaram correndo por mim, e eu os deixei ir, em vez de sair das sombras e enfrentá-los. Eu não queria levar um tiro por acidente. As três figuras estavam tão focadas no que estava à frente no clube que nem notaram que eu estava atrás delas. Deslizei minha faca na minha manga e segui-os em um ritmo mais calmo.

Xavier, Bria e Finn derraparam até parar, e se posicionaram de modo que estivessem de costas um para o outro no meio da pista de dança. Armas levantadas, seus olhos cortando para a esquerda e para a direita, procurando por inimigos.

— Roslyn! — chamou Xavier.

— Aqui! Estou aqui! — respondeu Roslyn, ficando de pé atrás do bar de Gelo.

Xavier se aproximou e a agarrou em um abraço feroz, levantando-a com um braço antes de abaixá-la novamente. Ele guardou a arma no coldre, segurou o rosto dela entre as mãos e começou a sussurrar para ela. Roslyn continuou acenando, tentando convencê-lo de que estava bem.

— Onde está Gin? — perguntou Finn.

— No seu ponto cego — eu disse lentamente. — Assim como sempre.

Saí para a pista de dança, onde ele podia me ver. Finn abaixou a arma e levantou as sobrancelhas para mim em uma pergunta silenciosa. Balancei a cabeça, deixando-o saber que eu estava bem.

— E quanto Benson? — exigiu Bria. — Onde ele está?

Ela virou a arma de um lado do clube ao outro, como se pensasse que Benson estaria parado e saltaria de trás das cortinas de veludo vermelho para que ela pudesse atirar nele.

— Fico feliz em saber que você está tão preocupada com a minha segurança — eu disse novamente. — Roslyn também.

Bria deixou a arma cair para o lado e soltou um suspiro exasperado. — Claro que estou feliz que você esteja bem. É só que quando Finn ligou, pensei...

— Que essa fosse sua grande chance de finalmente pegar Benson — terminei. — Sim, acho que todos nós recebemos essa mensagem alta e clara.

Um rubor culpado manchou as bochechas de Bria. O tom rosa claro de sua pele me lembrou dos dentes de Benson. Mas ela não negou minha acusação enquanto guardava sua arma no coldre. — Então, o que aconteceu?

Eu abri a minha boca para dizer a ela quando Finn levantou o dedo indicador.

— Uh-uh — disse ele. — De jeito nenhum eu estou preparado para uma longa história sangrenta e violenta envolvendo Gin e um monte de vampiros traficantes de drogas, a menos que eu tenha uma bebida em uma mão e muitas mais já preparadas no bar na minha frente.

Revirei os olhos enquanto Bria dava a Finn um olhar azedo, mas, como sempre, ele estava alheio aos nossos olhares feios. Ele vagou atrás do bar e começou a examinar as garrafas de bebida.

Eu me sentei na esquina do bar, com Bria, Xavier e Roslyn sentados perto de mim. Finn decidiu desempenhar o papel de bartender, tirando o paletó azul-marinho e enrolando as mangas da camisa branca. Então ele foi para o trabalho, puxando garrafa após garrafa das prateleiras, virando-as em suas mãos, girando-as atrás das costas e exibindo suas habilidades de fazer coquetéis. Alguns minutos depois, ele colocou nossas bebidas no bar, incluindo outro gin tônica para mim e mojitos para Bria e Roslyn. Ele se serviu e a Xavier uma quantidade generosa de uísque.

— Bebidas masculinas para homens viris — disse Finn, piscando para Xavier.

Roslyn bufou, inclinou-se para o outro lado do bar, pegou o Scotch de Finn e bebeu.

— Ei! — gritou Finn. — Eu ia beber isso.

Roslyn deu-lhe um sorriso doce e empurrou o mojito para ele. — Confie em mim. Eu preciso mais do que você. Você pode ter a bebida feminina em vez disso.

Finn olhou para a bebida, em seguida, encolheu os ombros, pegou-a e começou a beber. — Eu faço um ótimo mojito.

— Já chega — retrucou Bria.

Ela tirou um bloco do bolso de trás, junto com uma caneta que ela clicou, pronta para tomar notas. Seus movimentos me lembraram de Benson quando ele gravou o resultado do assassinato de Troy.

— O que aconteceu com Benson? — perguntou ela. — Quero todos os detalhes. Não deixe nada de fora, não importa quão pequeno seja.

Levantei minhas sobrancelhas, mas Bria continuou olhando para mim. Ela não cederia, não quando se tratava disso. Então eu contei a ela, a Xavier e a Finn tudo o que aconteceu, com Roslyn entrando na conversa também. Quando Roslyn e eu terminamos, todos ficaram em silêncio.

Finalmente, Bria virou o olhar para mim, seus olhos azuis brilhantes e acusadores. — E você apenas deixou Benson sair daqui? E os homens dele levarem o corpo com eles?

— O que eu deveria fazer?

Ela deslizou do banquinho e jogou as mãos para cima. — O que você costuma fazer. O que você sempre faz. Cortá-lo com suas facas e esperar por Xavier e eu para limpar a bagunça.

Suas palavras sarcásticas picaram, mas eram verdadeiras. Bria e Xavier cuidaram de mais de uma situação que deixei para trás como a Aranha. Tentei refrear meu temperamento, já que eu sabia que ela estava sofrendo, mas me vi escorregando do meu próprio banquinho, cruzando os braços sobre o peito e olhando fixamente para ela.

— Nunca pensei que você se importasse em fazer isso — eu disse.

Roslyn, Xavier e Finn olharam entre Bria e eu. Nenhum deles se mexeu, e nenhum deles disse uma palavra.

Bria bufou. — Sim, porque é tão fácil explicar vários corpos, dois ou três ou mesmo quatro por semana, todos eles não tão chocantemente agrupados em torno do Pork Pit.

Finn estremeceu com isso. Sim. Eu também.

— Eu ainda não entendo — continuou ela. — Benson ameaçou você e a mim também. Você matou pessoas por menos. Então, por que você não o matou?

— Porque Roslyn estava aqui — eu disse, lutando para manter o nível da minha voz. — Já era ruim o suficiente Benson tê-la feito refém. Eu não queria que ela se machucasse com qualquer luta que eu pudesse ter com ele e seus homens. Além disso, a magia de Benson é um pouco... Preocupante.

Bria bufou novamente, o som mais alto e mais irônico dessa vez. — Você fala sobre ele drenar emocionalmente suas vítimas? Sim, eu sei tudo sobre isso. Eu já vi duas vezes agora, lembra? Mas você é uma assassina, você é a Aranha, você é a maior e pior vadia de toda Ashland. Você mesmo disse isso mais de uma vez. Você não deveria ter medo de coisas assim, e especialmente de bandidos como Benson.

Eu não respondi, e não deixei nenhuma das minhas emoções aparecerem no meu rosto, especialmente a raiva e a mágoa por suas palavras. Pensei que nós estávamos além de nossos problemas com o fato de eu ser uma assassina e Bria sendo uma policial, mas aparentemente, esse não era o caso. Pelo menos, não quando se tratava de Benson.

Xavier se levantou lentamente, raspando seu banco para longe do bar. — Bria, acalme-se.

Ela fez uma careta para ele. — Acalme-se? Você sabe o que Benson fez, você sabe que tipo de monstro ele é, há quanto tempo trabalhamos para tentar derrubá-lo. E Gin apenas o deixa sair daqui e levar um cadáver com ele. Não me diga que você não está chateado com isso.

— Eu ficaria mais chateado se Roslyn e Gin estivessem feridas... Ou pior — respondeu Xavier. — Você não?.

Bria corou de novo, a expressão mais sombria, mais irritada e mais culpada do que antes, mas ela rapidamente recuperou a compostura. — Você é meu parceiro; você deveria me apoiar. Então, por que você está tomando o lado dela? — Ela apontou o dedo para mim.

Xavier cruzou os braços sobre o peito enorme. — Estou te apoiando há semanas, e tudo o que você tem feito é reclamar sobre como não conseguimos encontrar evidências suficientes para prender Benson. E agora você está culpando Gin por ser inteligente, por proteger a si mesma e Roslyn, em vez de tentar matá-lo por você.

Bria balançou a cabeça. — Isso não é verdade.

— Sim, é — respondeu ele, sua voz muito mais calma e sombria do que antes. — Quantas vezes você se queixou de Gin ser a Aranha, agora você está chateada porque ela não sacou as facas e cortou Benson. Isso teria resolvido muitos dos seus problemas, não teria?

A boca de Bria se abriu e fechou, e abriu e fechou novamente, mas ela não podia negar as palavras dele. Mais e mais culpa manchava suas bochechas, tornando-as avermelhadas.

— É ruim o suficiente você ter arrastado Catalina para isso. Aquela pobre garota não sabe nada, mas você sabe. Você precisa refrear essa obsessão que tem com Benson — avisou Xavier. — Você continua indo atrás dele desse jeito, toda imprudente, brava e louca, não se importando com quem você irrita, pisa ou magoa, e você irá cair direto em alguma armadilha que ele preparar para você. Então será você quem encontraremos em um beco em algum lugar, morta, drenada, com um rato na boca e a runa de Benson na pintada na testa.

Bria balançou a cabeça novamente, fazendo seu cabelo loiro voar em volta do rosto, os fios dançando como abelhas zangadas. — Não posso fazer isso. Você sabe que não posso. Não depois do que aconteceu com Max.

Seus lábios franziram, e sua mão subiu até a runa prímula pendurada em volta do pescoço, seus dedos apertando o pingente. Bria me notou olhando para ela segurando sua runa, e ela a soltou. Mas a dor e a culpa do assassinato de Max continuaram brilhando em seus olhos.

Ela se afastou de mim e estendeu a mão, implorando ao gigante. — Você viu o que Benson fez com Max. Você viu, Xavier. Não me diga que você pode esquecer aquilo. Não me diga que pode deixar isso passar.

— Não, eu não posso esquecer, e não posso deixar passar — admitiu, e tristeza retumbava através de suas palavras. — Mas precisamos ser inteligentes e ter tempo para construir nosso caso da maneira que sempre fazemos. É assim que vamos conseguir Benson, e é assim que você conseguirá justiça para Max. Não correndo atrás dele sem nenhum tipo de plano em mente. Isso só vai te matar.

— O que você está dizendo? — perguntou Bria.

Xavier se endireitou em sua altura máxima. — Estou dizendo que devemos fazer uma pausa, pelo menos por alguns dias, depois voltar a isso com olhos frescos e corações mais calmos. Começando agora. Ligue-me quando você estiver pronta para ir atrás de Benson... pelo caminho certo.

Xavier estendeu a mão. Roslyn pegou, e os dois saíram do bar e foram até a porta dos fundos do clube, a qual eu deixei aberta quando forcei Silvio a ir para a pista de dança.

Roslyn não olhou para nós quando passou pela abertura. Tampouco Xavier quando a seguiu e fechou a porta atrás de si.

 

* * *

 

Bria, Finn e eu olhamos para a porta fechada, a pancada forte desaparecendo lentamente.

— Bem — falou Finn lentamente. — Isso foi bem, tão bem, na verdade, que preciso de outra bebida. Ou três. Quem está comigo?

Ele balançou um limão para mim e Bria, em seguida, começou a cortá-lo com uma pequena faca, seus movimentos rápidos e eficientes. O cheiro picante de frutas cítricas chegou até mim, seguido pelo cheiro forte da hortelã que ele esmagou e adicionou à bebida. Ele empurrou o produto acabado para Bria, que o empurrou para ele, tão forte que um pouco do líquido espirrou para fora do topo e respingou contra o bar de Gelo.

— Não quero uma maldita bebida — rosnou ela.

— Eu acho que você precisa de uma — disse ele. — Pode ajudar você a relaxar um pouco. Xavier está certo. Você está obcecada por Benson ultimamente. Mesmo quando está comigo.

Bria fez uma careta para ele. — E como isso é diferente de qualquer um que Gin teve em sua mira nesses últimos meses? Hã? Alguém faz um movimento contra ela, mas quando ela vai atrás deles, facas primeiro, nenhum de vocês diz uma palavra sobre isso... Nem uma única palavra. Então, por que o duplo padrão, Finn?

— Porque você é melhor do que eu — eu disse em voz baixa.

Bria virou seu olhar para mim. — E o que você quer dizer com isso?

Apontei para o distintivo dourado preso ao seu cinto de couro preto. — Quero dizer, você é uma policial, uma boa policial e eu sou uma assassina. Você está certa. Quando alguém vem atrás de mim, eu revido, sem perguntas e sem misericórdia. Mas você deveria ser melhor que isso. Você deveria seguir a lei. Você deveria usar a lei para derrubar pessoas como Benson.

Bria apertou os lábios e raiva brilhou em seus olhos – mais raiva do que eu já vi antes. — Eu tenho usado a lei e isso não me levou a lugar nenhum. Toda vez que recebo a menor evidência de Benson, ou ela desaparece, ou ele consegue dar a volta em torno dela. Eu sinto como se fosse Sísifo{4} empurrando uma rocha para cima de uma montanha, só para que ela role e me acerte repetidas vezes. Estou cansada disso.

Ela balançou a cabeça. — Talvez eu deva desistir da lei. Fazer as coisas do jeito que você sempre faz. Pelo menos eu obteria alguns resultados assim, embora eu preferisse ver Benson apodrecendo na prisão a morto.

— Você diz isso agora, mas não está falando sério. Eu conheço você.

Bria soltou uma risada amarga. — Sim. Porque Gin sempre sabe melhor, certo?

— O que você quer dizer com isso?

— Esqueça isso — murmurou ela. — Você não entenderia, de qualquer maneira.

Mas eu podia ler nas entrelinhas e ouvir exatamente o que ela não estava dizendo. Bria estava chateada comigo, Xavier, Finn e todos os outros que não a ajudavam em sua vingança contra Benson. Eu sabia tudo sobre vinganças. Sabia como elas poderiam puxá-lo para um buraco, o qual você poderia ter dificuldade em achar o seu caminho de volta. Sabia como elas poderiam te consumir. Sabia como poderiam te comer por dentro, até que não houvesse mais nada a não ser sua necessidade de vingança, e então a dor oca que permanecia, caso você realmente atingisse seu objetivo. Eu não queria que Bria acabasse assim.

Eu não queria que ela acabasse como eu.

Mas eu também não sabia como ajudá-la. Não com isso. Não sem ser como uma completa hipócrita.

— Olha — eu disse. — Fique calma, seja esperta e continue trabalhando no caso de Benson, assim como Xavier disse. Você sabe que é ele quem vende Burn. Mais cedo ou mais tarde ele cometerá um erro, e você encontrará um jeito de prendê-lo. Eu tenho fé em você.

— Ele já cometeu um erro quando matou Troy e Catalina o viu fazer isso — disse ela. — Eu tenho a declaração dela, que é exatamente o que eu preciso para pegá-lo.

— E ele sabe que você tem uma testemunha. No segundo em que ele descobrir que é Catalina, ele vai matá-la. Você sabe que ele vai.

Bria me deu um olhar frio, nem mesmo se incomodando em reconhecer minhas palavras com algumas dela. Eu sempre acreditei que minha irmã tinha o perfeito olhar fixo e vazio de policial, mas ela nunca o tinha usado plenamente comigo... Até agora.

— Esqueça Catalina por um segundo. Não posso acreditar que você não esteja espumando pela boca para ir atrás dele — cortou ela. — Especialmente depois do que ele fez para Roslyn.

Suspirei. — Alguma vez lhe ocorreu que talvez eu também me canse?

— E o que teria a feito se cansar?

— Oh, não sei. O sangue, os corpos, os ataques furtivos, estar constantemente olhando por cima do meu ombro, imaginando quando o próximo imbecil vai tentar me matar — retruquei. — E você sabe qual é a pior parte?

Ela não se incomodou em responder.

— Saber que eu tenho que estar vigilante, que preciso estar em guarda a cada minuto de cada dia para o resto da minha vida — falei. — Eu tenho que estar preparada. Preciso estar pronta, sempre. Mas as pessoas que querem me matar? Elas só têm que ter sorte uma vez, por um mísero segundo, e as luzes se apagam para mim. Então me perdoe por tentar sair de uma situação sem derramamento de sangue hoje.

Bria olhou para mim, a raiva ainda beliscando seu rosto, antes de olhar para Finn, que estava preparando outro mojito.

— Você tem estado muito quieto sobre isso. Não me diga que o grande Finnegan Lane não tem algo a dizer. — Sua voz assumiu uma nota zombeteira.

Finn olhou entre Bria e eu. Ele balançou a cabeça, não querendo tomar partido. Não o culpei. Ninguém ganharia essa discussão.

Bria bufou de desgosto antes de voltar sua atenção para mim. — Bem, você sabe do que estou cansada, Gin? Do fato de você nunca confiar em mim para fazer o meu trabalho.

— Você é uma boa policial. Eu nunca disse o contrário.

— Não, mas você não acha que eu posso proteger Catalina de Benson — acusou ela. — Você definitivamente disse isso.

— Só porque Benson não lutará de forma justa. Você sabe que ele tem outros policiais na folha de pagamento dele, policiais que irão te trair para ele em um piscar de olhos.

— E você não acha que eu posso lidar com eles ou Benson. Não como você pode.

— Não. — Eu disse, com a minha voz tão suave quanto a dela estava alta. — Não como eu posso.

Bria me deu outro olhar de desgosto. Ela abriu a boca, mas seu telefone começou a tocar, salvando nós duas de qualquer coisa dura que ela estivesse prestes a dizer. Ela puxou do bolso da calça jeans e olhou para a tela. Sua boca torceu.

— Bem, o dever chama — disse ela, levando o telefone até o ouvido. — Detetive Coolidge.

Então minha irmã mais nova se virou e saiu da Northern Aggression sem outra palavra.


Capítulo 14

 

 

Finn drenou o resto de seu mojito, pegou sua jaqueta e murmurou alguma coisa sobre checar com seus contatos, já que ainda estava investigando várias coisas para mim, incluindo Catalina, de onde vinha o dinheiro dela, e as duas mulheres misteriosas do Pork Pit. Tomei meu próprio gin tônica em resposta. Finn apertou meu ombro e então nós dois saímos do clube. Nenhum de nós estava com vontade de conversar agora.

Caminhei até o beco onde eu havia estacionado meu carro, entrei e comecei a dirigir, tentando limpar minha cabeça.

Acabei nas montanhas acima de Ashland, em um parque que fazia parte da Montanha Bone Nature Preserve, sentei em cima de uma mesa de piquenique azul de fibra de vidro e olhei para a vista panorâmica das encostas rochosas. E eu não estava sozinha. Vários casais estavam fazendo piqueniques nas outras mesas, enquanto outros estavam atrás da parede de pedra que cercava o parque gramado da queda íngreme, suas câmeras clicando conforme tiravam fotos da gloriosa mistura de folhas vermelhas, laranjas e amarelas que coloriam as montanhas.

Na última vez que estive aqui, a polícia usava o parque como área de concentração para que pudessem subir até o acampamento onde Harley Grimes, sua irmã Hazel, e sua gangue de malfeitores viviam antes que as irmãs Deveraux e eu os matássemos. Pensei naquele dia no salão de Jo-Jo, quando Bria disse que queria falar comigo sobre algo antes que Grimes e seus homens invadissem o local. Eu estava tão distraída por resgatar Sophia que eu me esqueci sobre a minha própria irmã. Eu deveria ter lembrado que Bria estava tentando me dizer alguma coisa. Eu deveria ter perguntado a ela sobre isso depois que as coisas se acalmaram.

Talvez se eu tivesse feito isso, Bria não estaria sofrendo, e eu não estaria tão brava com ela.

Sim, ela perdeu seu informante, mas isso não era desculpa para nos atacar. Bria estava irritada conosco quando tudo o que estávamos tentando fazer era levá-la a respirar e pensar nas coisas. Mas ela estava tão empenhada em ir atrás de Benson que não podia ver isso. Bem, se ela queria que eu ficasse fora do caminho dela, tudo bem. Eu ficaria. Feito. Acabado. Ela poderia ir atrás dele como quisesse, dentro da lei ou não. Eu não me importava mais.

Pelo menos era o que eu ficava dizendo a mim mesma.

Apesar da linda vista das montanhas, eu estava muito inquieta e preocupada com muitas coisas para ficar parada por muito tempo, então após meia hora de meditação, entrei em meu carro e fui para casa, esperando que uma refeição quente melhorasse meu humor, se não a minha situação.

Trinta minutos depois, cheguei ao cume que levava à casa de Fletcher, esperando que a entrada da frente da casa estivesse vazia, mas um carro estava no meu lugar habitual – um Audi preto.

Meus olhos se estreitaram e pensei no Audi que eu vi na rua do lado de fora da garagem da noite passada. Levei um momento para perceber que não era o mesmo carro, já que este era na verdade azul escuro ao invés de um preto. Além disso, as janelas não eram escuras, deixando-me vislumbrar algo muito familiar, distinto e ligeiramente inquietante pendurado no espelho retrovisor: um dos brilhantes botons azuis e cor-de-rosa em forma do logotipo do Pork Pit que Sophia havia encomendado para os garçons.

Mas a coisa mais interessante não era o boton ou o carro, mas a quem eles pertenciam. Ao som do meu veículo ressoando pela entrada de automóveis, uma figura se levantou da cadeira de balanço em que estava empoleirado. A mão dele foi para a gravata cinza, alisando-a enquanto andava até a beira da varanda.

Sílvio Sanchez.

Fiquei tão surpresa que tirei o pé do acelerador e o carro parou em um trecho espesso de cascalho. Deixei os pneus pararem, meu olhar indo do bosque à esquerda da casa, do outro lado do pátio, e por cima do cume do lado direito da clareira. Mas não vi nenhum outro vampiro espreitando nas árvores, esperando no Audi, ou espiando pelos cantos da casa. Se Benson tivesse ordenado a seus homens para me matar, haveria pelo menos uma dúzia deles aqui, muitos para que pudessem estar escondidos, mas não consegui detectar nem um tremor de movimento. Silvio parecia ter vindo sozinho, o que só me deixou mais curiosa – e cautelosa – sobre o que ele queria.

Então eu coloquei meu pé no acelerador novamente, me libertando do poço de cascalho, e estacionei. Espalmei uma faca e saí do carro.

Aproximei-me dele devagar, meus olhos varrendo a varanda onde ele estava sentado, imaginando se alguém teria plantado uma bomba lá, se isso era de fato algum tipo de tentativa de assassinato. Mas as cadeiras e mesas estavam exatamente como eu as deixara, exceto a que Silvio havia usado, a qual ainda estava balançando – uma cadeira que agora tinha uma pasta de arquivo gorda e parda no assento. Ele deve ter trazido aquilo com ele, embora não pudesse imaginar que tipo de informação ela pudesse conter.

Parei a alguns passos de distância da varanda e olhei para o vampiro. Ele levantou o queixo e retornou meu olhar com uma expressão ilegível. Eu tinha uma boa cara de pôquer, mas a de Silvio era ainda melhor que a minha. Então, novamente, não seria inteligente deixar suas emoções aparecerem ao redor de Benson, para que ele as tirasse de você.

Como Silvio não estava revelando nada, eu me aproximei ainda mais dele, virando minha faca para que a luz refletisse na lâmina e brilhasse em seus olhos, a fim de ver se isso quebraria sua fachada calma. Ele apertou os olhos, seus lábios franzidos, e seu olhar caiu para a minha arma. Comecei a esfregar o polegar sobre o punho da minha faca, ainda tentando chacoalhá-lo. Mas em vez de parecer preocupado, ele simplesmente suspirou e endireitou os ombros, como se meu corte fosse inevitável.

Talvez fosse.

— Silvio.

— Srta. Blanco.

Nós nos encaramos. Na floresta ao longe, o chilrear dos pássaros silenciava, e os coelhos farfalhando no mato desapareceram e se enterraram nas folhas. Os animais podiam sentir a tensão no ar, e eles não queriam nenhuma parte dela.

Silvio pigarreou, e sua mão alisou a gravata novamente, demorando-se no alfinete que cintilava no meio do tecido, um B com duas presas pontudas saindo nas pontas dele. A runa de Benson. Eu gostava muito mais do logo da Pork Pit.

— Você provavelmente está se perguntando o que estou fazendo aqui — disse ele.

— De jeito nenhum — brinquei. — Eu estava esperando que alguém aparecesse para tentar me matar hoje. Você tirou o palito menor entre os homens de Benson?

Silvio suspirou novamente e ergueu os olhos para o céu, como se achasse meus comentários infantis. Não importava muito para mim. Nesse ponto, ele teve sorte de ainda estar respirando e não sangrando por toda a varanda.

— De qualquer forma — continuou ele —, eu queria me desculpar pelo que aconteceu na Northern Aggression. Roslyn é uma conhecida minha, e eu me arrependo profundamente de assustá-la.

— Oh, eu não acho que tenha sido você, mas sim o seu chefe.

Um leve tremor vincou seus traços de meia-idade. — Tentei persuadi-lo a se aproximar de você de outra forma, mas Beau gosta dos pequenos dramas que ele cria.

— Como o que ele fez com Derrick? Porque aquilo foi certamente um show.

Pela primeira vez, uma verdadeira emoção cintilou nos olhos de Silvio. E a menos que eu estivesse enganada, quase parecia... Pesar. Suas narinas se alargaram, o lábio se encolheu, e sua mandíbula se apertou, indicando que havia mais do que um pouco de raiva e desgosto misturado com sua dor. E de repente eu percebi porque Sílvio estava tão tenso no clube quando Benson matou Derrick.

Sílvio percebeu que eu vi a fenda em sua armadura. Ele piscou, e seu rosto ficou perfeitamente vazio mais uma vez.

— Como eu disse antes, Beau gosta de drama — disse ele, com a voz firme.

— Você se importava com ele... Derrick.

— Nós saímos algumas vezes. Ele era legal. Enfim, tudo acabou agora.

Silvio encolheu os ombros, como se para rejeitar o relacionamento deles como nada especial, mas todo o seu corpo ficou rígido e tenso. Eu senti que havia muito mais em seus sentimentos por Derrick do que suas palavras casuais, mas Silvio não estava disposto a compartilhar isso comigo. Eu duvidava que ele compartilhasse muita coisa com qualquer um. Ele havia estado em torno de Benson por muito tempo e estava muito acostumado a manter tudo o que realmente sentia enterrado no fundo, onde o vampiro não sentiria isso.

— Só acabou porque Benson queria se mostrar para mim — eu disse. — Sinto muito pela sua perda.

E eu realmente sentia. Claro, Derrick havia estragado tudo me deixando passar por ele, mas Benson deveria saber que a chance disso acontecer era alta. Como ele disse, eu não tinha minha reputação como a Aranha por nada. Não, Benson matara seu próprio homem simplesmente porque queria. Ele queria me abalar, queria que eu me preocupasse com o que poderia fazer com Bria, e comigo também, e Derrick teve a infelicidade de ser sua demonstração, com Silvio sendo forçado a testemunhar a morte de alguém com quem ele se importava.

—Sim, bem, você sabe muito sobre a perda, não é? — murmurou Silvio. — Família assassinada, mentor assassinado e, é claro, todas as pessoas que você mesma matou. A morte parece te seguir, Srta. Blanco.

Eu sorri, mas a expressão era mais afiada do que a faca na minha mão. — Talvez porque ela saiba que eu deixarei para trás muitas pessoas para ela escoltar até o outro lado.

A boca de Silvio se curvou em pensamentos. — Eu não tomaria você como uma crente em tal mitologia.

— Eu leio muito.

Ele me estudou novamente, mas mantive meu rosto suave e calmo, esperando por ele. Eu não sabia que tipo de jogo Silvio estava jogando, mas eu estava determinada a vencê-lo.

Passou um minuto, depois dois, depois três... E ainda assim, nenhum de nós se moveu, falou ou fez nada além de respirar. Finalmente, Silvio piscou.

— Eu queria avisá-la para não confiar em Beau — disse ele. — Ele pode ter lhe oferecido uma trégua hoje, mas ele não cumprirá a parte dele do acordo amanhã. Ele continuará mandando homens atrás de você, tentando matar você.

— Não, sério? — brinquei novamente. — Porque ele me pareceu tão confiável ao assassinar seu próprio homem bem na minha frente.

Os lábios de Silvio tremeram com algo que poderia ter sido diversão genuína. Apoiei-me no parapeito da varanda e apontei minha faca para ele.

— Por mais fascinante que tenha sido a nossa conversa, foi um dia longo e gostaria de entrar na minha casa e lavar o fedor persistente do meu encontro com seu chefe — eu disse. — Então as próximas palavras de sua boca devem ser a verdadeira razão pela qual você veio para cá, ou mandarei a Morte coletar alguém esta noite.

A diversão de Silvio congelou e quebrou, deixando suas feições tão frias quanto as minhas. — Muito bem. Você me perguntou mais cedo por que não alertei Beau da sua presença na garagem na noite passada. Eu não queria dizer nada no clube. Ouvidos demais ouvindo.

— Incluindo Benson, você quer dizer. Ele não ficaria muito feliz se percebesse que você era o motivo pelo qual ele necessitava se preocupar em deixar uma testemunha para trás.

Silvio assentiu. — É sobre Catalina que eu quero falar com você.

Meus dedos se enrolaram em torno da faca. Como diabos ele sabia o nome dela? — E o que tem ela?

Silvio endireitou os ombros novamente. — Ela é minha sobrinha.

 

* * *

 

De todas as coisas que ele poderia ter dito, essa era a última que eu esperava. Não, risque isso. Sua confissão nunca entrara em meu reino de possibilidades. Eu me perguntava por que Silvio não disse nada a Benson sobre localizar Catalina e eu na garagem. Pensei que fosse porque ele tinha chantagem em mente, ou até mesmo um sonho nebuloso de assumir a operação de Benson, e Benson sendo preso pelo assassinato de Troy o ajudaria com isso. Mas isso... Isso mudou tudo.

— Catalina Vasquez é sua sobrinha? — perguntei, com minha mente agitada. — Minha Catalina? A estudante que trabalha como garçonete no Pork Pit?

— Isso mesmo.

Meu olhar foi para seu carro e para a brilhante runa de porco pendurada no espelho retrovisor. Bem, agora eu sabia de onde ele tirou isso.

— Posso ver que você está surpresa, mas garanto a você que estou dizendo a verdade. A mãe de Catalina, Laura, era minha irmã. Eu trouxe algumas fotos, no caso de você precisar de mais convencimento. — Ele apontou para a pasta no assento da cadeira de balanço. — Posso?

— Lentamente.

Silvio abriu o arquivo e pegou um pedaço de papel, antes de atravessar a varanda e estendê-lo para mim. Eu peguei, e ele rapidamente saiu do alcance da faca.

Era uma foto de Silvio ao lado de uma mulher mais baixa com feições parecidas – que segurava a jovem Catalina nos braços. A foto deveria ter pelo menos quinze anos, mas eu ainda sabia que era Catalina. Mesmos olhos, mesmo nariz, mesmo sorriso feliz. E agora que vi Silvio e ela no mesmo espaço, pude ver a semelhança familiar. Fraca, mas estava lá, na forma de seus rostos, no arco de suas sobrancelhas e na curva de seus lábios.

— Eu vim aqui porque me importo muito com Catalina — disse Silvio, sua voz firme com mais emoção do que ele mostrou o tempo todo em que estivemos conversando.

Coloquei a foto no corrimão da varanda. Eu sabia o que ele ia dizer em seguida.

— Vim aqui, Srta. Blanco, porque eu quero que você proteja Catalina.

Soltei uma risada suave e balancei a cabeça. — Não, não é isso que você está pedindo. Não é isso que você quer que eu faça. Não realmente. Pelo menos tenha coragem de dizer isso em voz alta.

A mão dele subiu até a runa de Benson apunhalada no meio da gravata dele. Ele esfregou um momento antes de soltar os dedos do alfinete. — Muito bem. Eu vim aqui porque quero contratá-la como a Aranha. Quero que você mate Beau.


Capítulo 15

 

Sua voz era tão suave quanto a minha risada, e seu significado era igualmente sombrio. Mas a curva determinada de sua boca, a ligeira dilatação de suas narinas e a frieza em seus olhos cinzentos me disse que ele queria dizer cada palavra.

— Diga o seu preço — continuou ele. — O que você quiser, eu pagarei de bom grado.

Pela primeira vez, eu vi Silvio Sanchez como mais do que um bandido anônimo e empregado descartável. Eu o vi pelo que ele realmente era naquele momento: um homem tentando desesperadamente proteger sua família.

De certa forma, suas ações espelhavam misteriosamente as minhas. Só que eu queria que Catalina desaparecesse e Bria esquecesse sua vingança contra Benson, enquanto Silvio estava adotando uma abordagem muito mais direta da situação. Eu o admirava por isso, por fazer o que achava necessário, por ter a coragem de vir aqui, sabendo que eu poderia matá-lo simplesmente por causa do que Benson havia feito com Roslyn.

Mas eu disse a verdade para Bria quando disse que estava cansada de todo o sangue, batalhas e corpos. Se eu fizesse o que Silvio queria, então eu estaria no meio das coisas com Benson, lutando contra ele até que um de nós morresse. Eu realmente queria me arriscar desse jeito por Catalina? Até dois dias atrás, ela era uma garota que trabalhava para mim. Nada mais, nada menos. Isso realmente a fazia minha responsabilidade? Era meu dever proteger todos os meus empregados de todas as coisas ruins e perigosas que a vida lhes lançava? E quanto aos seus amigos e familiares? Fazer o trabalho pro bono, ajudando pessoas que não podiam resolver as coisas por si mesmos era certo. Fletcher me ensinou isso. Mas onde isso terminava?

Eu supus que a resposta para a última pergunta era se eu poderia viver comigo mesma caso deixasse Benson matar Catalina apenas por tentar fazer a coisa certa.

E a resposta era um ressonante não.

Mas a ironia da situação não passou despercebida também. Silvio estava fazendo o que eu normalmente fazia – chegando ao ponto do assunto – enquanto eu estava à margem, tentando manter todos seguros, inclusive eu. Nunca me considerei uma covarde, mas é o que eu estava sendo quando se tratava de Benson. Covarde – ou, pelo menos, muito preocupada com meus próprios problemas para ajudar a pessoa que mais precisava disso, Catalina.

— Bem, senhorita Blanco? — perguntou Silvio. — Nós temos um acordo?

Em vez de responder a sua pergunta, eu fiz algumas. — Por que vir até mim? Por que não persuadir Catalina a não testemunhar? Certamente, essa seria a opção mais fácil. Mais barata também.

— Acredite em mim, eu tentei — bufou Silvio. — Passei todo o maldito dia tentando, desde que Benson recebeu a ligação de que havia uma testemunha. No segundo em que ouvi isso, soube que era Catalina. Como você disse, eu vi vocês lá, e você certamente não iria testemunhar.

Levei minha faca ao meu coração. — Oh, Silvio, você me feriu com sua falta de fé. Eu realmente gosto de fazer o meu dever público de vez em quando.

Ele soltou uma risada. — Aposto que você faz. Provavelmente tanto quanto eu. — Ele riu de novo, o que soou ainda mais cáustico do que antes. — E agora Troy a colocou em apuros novamente. Eu nunca gostei do pequeno punk.

— Isso é um pouco duro, não é? Considerando para quem você trabalha e todas as coisas desagradáveis que você fez para ele.

— Bah. — Silvio acenou com a mão, desconsiderando minhas palavras, e começou a andar de um lado para o outro na varanda. — Mesmo se não fosse Troy, Catalina ainda iria querer depor. Sua mãe a criou para ser uma boa menina assim. Laura nunca gostou do que eu fazia e para quem eu trabalhava, como você disse.

— Então por que fazer isso? Por que ficar com Benson?

Ele deu de ombros. — Porque não havia outras opções quando Benson assumiu o Southtown. Era se juntar a ele ou morrer. Então fiz o que precisava fazer. — Ele parou de andar para me encarar. — Você deve entender isso, se nada mais.

Olhei para a minha faca. Talvez fosse a maneira como o sol estava brilhando na lâmina, mas por um momento eu estava de volta a Southtown, naquele beco com Coral, segurando uma garrafa de cerveja quebrada e olhando para o sangue de um homem na minha mão.

— Srta. Blanco?

Afastei a memória e me concentrei em Silvio novamente. Oh, eu entendia, mais do que ele percebia.

Mais do que eu queria.

— Então você acha que me pedir para matar Benson compensará todas as coisas ruins que você fez?

Ele riu novamente. — Claro que não. Eu pagarei pelos meus pecados, assim como todos nós pagaremos no final. Mas Catalina não merece morrer por estar no lugar errado na hora errada. E ela especialmente não merece o que Benson fará com ela. Você viu o que ele fez com Troy.

— Difícil de esquecer.

— E ele sequer estava usando toda a extensão de sua magia de Ar na noite passada. — Um leve estremecimento de preocupação surgiu no rosto de Silvio.

Magia de Ar? Então minha teoria estava certa, e Benson tinha esse poder Elemental misturado com sua própria habilidade vampírica.

Sílvio me encarou, a frieza em seus olhos se derretendo em um apelo desesperado. — Por favor. Por favor, mate Benson. Seja qual for o seu preço atual, eu dobro, triplico. E isso não é tudo. Até te ajudarei, se você quiser. Eu já comecei. Veja! — Ele apontou para a pasta ainda na cadeira de balanço.

— Ajuda? Que tipo de ajuda?

Silvio pegou o arquivo, tirou um monte de papéis e fotos e começou a mostrá-los um a um. — Horários diários e semanais de Benson, plantas da mansão dele, as fotos dos terrenos exteriores e de todos os cômodos dentro da estrutura, as rotas que ele leva para se encontrar com seus fornecedores de drogas — hesitou ele. — Eu não sabia exatamente como você faria... O que você faz, então eu achei muito importante incluir uma ampla gama de material sobre todos os aspectos da vida de Benson.

— Você sempre pode fazer o trabalho sozinho — apontei. — Você é o braço direito dele. Você está perto o suficiente para matá-lo quando quiser.

— Acredite, eu sonhei com isso muitas vezes — murmurou Silvio, colocando os papéis e fotos na pasta. — E se eu achasse que poderia fazer isso, já estaria carregando a arma. Mas Beau pode farejar o menor indício de insurreição. É a sua magia de Ar, veja, isso...

— Dá-lhe um pouco de premonição — terminei. — Sim. Eu sei.

Silvio apertou a ponta do nariz do jeito que eu vi sua sobrinha fazer no restaurante após um turno particularmente estressante. — Então você pode ver minha situação, Srta. Blanco. Não posso deixá-lo machucar Catalina, e não posso matá-lo eu mesmo.

— E talvez nós devêssemos confiar em minha irmã para fazer o trabalho dela. Bria fará o melhor para proteger Catalina. Eu posso te prometer isso. Ela quer demais acabar com Benson para não fazer isso.

Silvio me deu um sorriso triste. — Catalina me contou muitas coisas boas sobre sua irmã. Quão dedicada ela é, quão honesta, quão corajosa. Mas acho que nós dois sabemos que isso não será suficiente. Não contra alguém como Benson.

A imagem do corpo ressecado de Troy encheu minha mente. O pensamento de Benson fazendo a mesma coisa com Catalina, com Bria, revirou meu estômago. E finalmente admiti para mim mesma que minhas ações nos últimos dois dias não passavam de táticas para ganhar tempo. Eu estava cansada de lutar constantemente pela minha vida – de todo o sangue, batalhas e corpos que parecia nunca mais acabar.

Mas eu nunca, jamais, me cansaria de proteger as pessoas que eu amava.

Então eu olhei nos olhos de Silvio e estendi minha mão. Deixei-o ver a promessa de veneno brilhando em meu olhar cinza e frio.

Ele me entregou o arquivo sem outra palavra.

Ergui a pasta na minha mão. Parecia ainda mais grossa e pesada do que as do escritório de Fletcher. Sílvio parecia ter feito o dever de casa. Eu esperava que a informação dele fosse tão útil quanto a do velho sempre foi.

Silvio respirou fundo e abriu a boca, como se quisesse me agradecer, mas ele pensou melhor, e o ar lentamente assobiou entre os dentes. Em vez disso, ele colocou a mão sobre o coração e inclinou-se para mim – ainda mais baixo do que Benson fizera na Northern Aggression. Mas o que mais me surpreendeu foi que não houve zombaria no gesto.

Então ele se endireitou, acenou para mim, saiu da varanda e foi para seu carro. Ele caminhou rapidamente, seus ombros altos e tensos, como se esperasse que eu avançasse e mergulhasse minha faca em suas costas a qualquer segundo.

Eu considerei seriamente.

Eu tinha a informação sobre Benson, que era tudo que eu precisava para fazer o trabalho. E não era como se Silvio fosse inocente em tudo isso. Ele ficou parado e viu Benson matar Troy, Derrick e incontáveis outros antes deles. De certa forma, isso deixou as mãos de Silvio ainda mais ensanguentadas do que as de seu chefe. Além disso, se o que Silvio dissera fosse verdade, e Benson podia sentir as más intenções dos outros em relação a ele, então era melhor cortar a garganta de Silvio aqui e agora, em vez de deixá-lo voltar para Benson e arriscar que o traficante percebesse que seu braço direito estava tramando contra ele – comigo.

Olhei para a foto de Silvio, Laura e Catalina. A expressão dele era sombria, mas ele tinha seu braço em torno do ombro de sua irmã de forma protetora, e Catalina sorria para ele, como se tivesse ganhado a lua.

Deixei Silvio andar.

Ele parou no carro, virando a cabeça lentamente na minha direção, como se esperasse me encontrar logo atrás dele, levantando minha faca para o ataque mortal. Mas quando ele percebeu que eu o estava deixando ir, ele não perdeu tempo em ir embora.

Silvio entrou no veículo, ligou o motor, e dirigiu pela entrada, com a runa do Pork Pit pendurada em seu espelho retrovisor piscando para mim o tempo todo.


Capítulo 16

 

 

— Não posso acreditar que você tenha concordado em matar Benson para ele.

Suspirei, cruzei os braços sobre o peito e encostei-me ao balcão da cozinha. — Sério? Por que não?

— Não é óbvio? — disse Finn, seus olhos verdes arregalados e acusadores. — Porque você nem falou sobre preço!

Owen riu, muito mais divertido com Finn do que eu. Os dois estavam sentados à mesa na copa da cozinha. Assim que Silvio saiu, liguei e pedi que eles viessem à casa de Fletcher para uma reunião. Agora, eu quase desejei não ter feito isso, dada a incessante reclamação de Finn sobre o fato de eu não ter negociado o pagamento pelo trabalho.

Não liguei para Bria – por razões óbvias.

— Quero dizer, realmente, Gin — resmungou ele. — Você não pode continuar matando pessoas de graça. Pro bono não é uma expressão que está no vocabulário de Finnegan Lane.

— Ah, não — eu disse —, mas vigarista ganancioso e sem vergonha certamente está.

— Maldição.

Owen riu novamente. Não adiantava discutir com Finn, então peguei uma colher no balcão e virei para a panela no fogão. Eu já havia examinado o arquivo de Silvio enquanto esperava que eles aparecessem, e decidi preparar o jantar para nós enquanto Finn e Owen revisavam as informações. Depois da montanha-russa de emoções do dia, eu precisava de um pouco de comida de conforto, e decidi pelos bons e velhos sanduíches sloppy joes{5}.

Derreti um pouco de manteiga no fundo da panela antes de dourar um pouco a carne moída, adicionando o ketchup, e deixando tudo borbulhar. Inclinei-me sobre a panela e respirei fundo, apreciando o aroma apimentado do chili e pimenta preta saindo da mistura fervente. Dei uma mexida final, e então desliguei o fogão.

Enquanto Finn e Owen folheavam os papéis e fotos, eu fatiei um pedaço do pão caseiro de Sophia e comecei a fazer os sanduíches. Cobri um pedaço de pão com um pouco de maionese, juntamente com uma espessa camada de minha mistura picante de joe, então finalizei com queijo cheddar e outro pedaço de pão. Eu fiz seis sanduíches, dois para cada um, então peguei as batatas com parmesão que eu estava assando no forno, junto com as taças cheias de mousse de chocolate que eu havia feito no início da semana. Coloquei tudo em uma bandeja e levei para a mesa.

Meu estômago roncou de felicidade quando todos nós cavamos a comida. As batatas quentes e saborosas compensavam o sabor picante das especiarias do sanduíche, enquanto a mousse era uma mistura cremosa de cacau. Complementei tudo isso com uma torta de limão crocante.

Owen e Finn deveriam estar com tanta fome quanto eu, porque todos nós terminamos nossa comida em tempo recorde. Owen retirou os pratos e Finn e eu permanecemos à mesa.

— Nós devemos começar. Não há descanso para os ímpios e tudo o mais — disse Finn, com uma voz animada.

— Ou o cansado — murmurei, mas ele não me ouviu.

Finn pegou o arquivo, colocou-o na frente dele, abriu-o e começou a folhear os conteúdos. — Eu tenho que parabenizar Silvio. Ele sabe o que está fazendo. Há uma longa investigação e depois há o que está nessa pasta. Fotos, plantas, datas, horários, rotas, contatos. Está tudo aqui, junto com todos os cantos, becos e carros estacionados onde os revendedores de Benson estão instalados. Silvio até incluiu a refeição favorita de Benson no Underwood's. Costeletas de vitela, caso você esteja se perguntando. — Ele balançou a cabeça. — Isso é tão bom quanto qualquer arquivo no escritório do papai... E melhor que alguns.

Pensei a mesma coisa, embora eu nunca diria isso em voz alta. Parecia... Desleal.

— Sim — falou Owen, lavando os pratos na pia. — Mas a informação é precisa? Ou está tentando convencer Gin a entrar em algum tipo de armadilha?

— É precisa — falei, apontando para outra pasta na mesa. — Peguei o arquivo de Fletcher sobre Benson. Todas as informações de Silvio coincidem com as do velho.

Algumas das informações de Fletcher estavam desatualizadas, já que tinham mais de um ano, devido à sua morte no outono passado. Mas as coisas importantes que ele notara sobre Benson correspondiam as do arquivo de Silvio.

Finn soltou um assobio baixo. — Bem, certamente parece que Silvio está falando sério sobre querer Benson morto.

— Você não falaria se Catalina fosse sua sobrinha? — perguntou Owen. — E como você perdeu o fato de que Silvio era tio dela?

Finn sacudiu a cabeça. — Fiz uma verificação de antecedentes de Catalina, como eu faço com todos os funcionários do Pork Pit, mas ela começou a trabalhar lá no ano passado, bem antes...

— Antes de eu me revelar como a Aranha ao matar a Mab — terminei.

Ele assentiu. — Então não cavei tão fundo quanto deveria. Mas Silvio foi quem pagou pelo carro de Catalina, o apartamento dela, tudo isso. Na verdade, ele colocou tudo no meu banco, se você pode acreditar nisso. No papel, parece um pagamento mensal de seguro de vida, mas na verdade é uma poupança que ele estabeleceu no nome da Catalina quando ela nasceu. Ela teve acesso a ela a partir dos dezoito anos, mas não tocou no dinheiro...

— Até depois que a mãe dela morreu — terminei seu pensamento.

— Bem, você não pode culpá-la por isso, não é? — murmurou Owen. — Por querer fugir de Southtown e de todas as memórias lá, boas e ruins.

— Não, eu não posso.

Todos nós ficamos em silêncio, e o único som foi o assobio da água enquanto Owen continuava lavando e enxaguando os pratos.

Finn sacudiu a cabeça novamente. — E eu ainda não consigo acreditar que Silvio acabou de te dar todas essas informações sobre Benson. É melhor do que um presente de Natal. Por que as pessoas não podem tornar as coisas fáceis para mim?

— O que posso dizer? Eu sou especial — brinquei. — As pessoas jogam coisas para mim onde quer que eu vá.

Ele bufou. — Você quer dizer que elas pegam armas e tentam atirar em você com elas. Facas, bombas de runas e coisas do gênero.

— Bem, suponho que as pessoas me quererem morta seja sua própria forma de lisonja. Pelo menos, me torna popular. — Coloquei meus cotovelos sobre a mesa e me inclinei. — Então, como isso parece para você?

Finn vasculhou a informação novamente. — Fazê-lo de perto e pessoal está fora de questão. Há muito espaço aberto em torno da mansão, e seus guardas estariam em cima de você no segundo em que colocasse os pés lá. Mas digamos que você consiga entrar na mansão. Adivinha? Há mais guardas em cada andar. Mesmo se você pegasse Benson, eu não acho que você poderia sair novamente. Pelo menos, não sem fazer muito barulho e alertar os guardas do exterior.

— Desde que eu consiga acabar com Benson em primeiro lugar — murmurei.

Algo que eu não tinha tanta certeza, dada a sua magia de Ar. Pegar as pessoas de surpresa era uma das coisas que eu fazia melhor, mas se Benson soubesse que eu estava indo, se a magia dele sussurrasse para ele que eu estava lá, então eu perderia o elemento surpresa. E eu tinha a sensação de que precisaria de todas as vantagens que pudesse conseguir para derrubá-lo.

Owen não me ouviu sobre o barulho da água, mas Finn sim, e ele ergueu as sobrancelhas em óbvia preocupação. Ignorei sua preocupação e acenei com a minha mão, dizendo para ele continuar.

— Atirar de longe é a melhor opção — disse Finn. — Há alguns prédios perto de sua mansão que têm boas linhas de visão. Se eu fosse você, esperaria até que ele fosse ao seu Bentley e colocaria uma bala na cabeça dele.

Ele bateu com o dedo em uma foto que mostrava o Bentley azul-bebê de Benson estacionado sozinho na rua, do lado de fora de sua mansão. — Ele nunca dirige qualquer outra coisa, e o carro está sempre estacionado ali, de acordo com o arquivo de Silvio.

— É uma maravilha que alguém não o roube, se o carro está sempre estacionado lá fora, ao ar livre — disse Owen.

— Ninguém ousaria roubar o carro de Benson, porque todos em Southtown sabem exatamente a quem pertence e o que ele faria com eles assim que os pegasse — eu disse. — E ele os pegaria. Um carro assim seria difícil de tentar passar adiante sem que a notícia chegue ao Benson.

— Sim — disse Finn, em um tom sonhador. — Mas ela não é uma beleza?

Ele passou seus dedos sobre a foto, como se realmente pudesse sentir a pintura perfeita e o cromo polido.

Owen terminou com os pratos, pendurou uma toalha no ombro e encostou-se ao balcão. — Mas você fará isso, Gin? Essa é a verdadeira questão.

Benson certamente me dera uma razão suficiente ao tomar Roslyn como refém e ameaçar Bria. Eu matei pessoas por menos – muito menos – e qualquer um que ameaçasse meus amigos ou minha família era um jogo justo, no que me dizia respeito. Sem mencionar minha culpa por Roslyn ter sido um alvo em primeiro lugar, unicamente por causa da sua amizade comigo. Senti como se tivesse falhado com ela, embora não houvesse nenhuma maneira que eu poderia ter previsto que Benson a usaria para chegar até mim.

— Bem, Gin? — perguntou Finn. — O que você diz?

Ambos olharam para mim, o rosto de Owen calmo e de aceitação, o de Finn estava iluminado e ansioso. Owen não tinha interesse em saber se Benson vivia ou morria, mas Finn certamente sim: Bria.

Benson não poderia machucá-la se estivesse morto, e se eu não o matasse, eu não duvidava que Finn pudesse ele mesmo tentar. Mas o fato de matar o vampiro – ou mesmo Finn fazer o trabalho – não satisfaria Bria. Não realmente. Não com sua necessidade ardente de vingança pela morte de seu informante. Aquele era o tipo de promessa de vingança que você precisava realizar por si mesmo – torcer uma faca no coração de seu inimigo, sentir o sangue quente cobrir suas mãos e ver o fogo se apagar em seus olhos.

— Gin? — Desta vez, Owen fez a pergunta.

Em vez de responder, baixei o olhar para a mesa, observando uma foto em particular, a de Silvio, Laura e Catalina.

Estendi a mão e passei meu dedo indicador sobre o braço de Silvio, que se curvava ao redor do ombro de sua irmã, a mão descansando perto do rosto sorridente de Catalina. Pensei em tudo que Catalina já havia passado com a morte de sua mãe e testemunhando o assassinato de Troy. E tudo o que Silvio havia feito ao longo dos anos, todos os pedaços de si mesmo que foram lixados e sugados, não por causa da magia vampiresca de Benson, mas apenas por Silvio trabalhar para ele. Os dois não mereciam perder mais nada. Não para os gostos de Benson.

Peguei a foto e coloquei-a do outro lado da mesa, onde ela estaria fora do caminho. Então eu peguei as fotos que mostravam o exterior da mansão de Benson, antes de olhar para Owen e Finn, por sua vez.

— Sim — eu disse. — Eu farei isso. Eu vou matar Benson.

 

* * *

 

Terminamos nossa reunião. Antes de partir, Finn prometeu ir ao restaurante amanhã para me ajudar a começar a procurar o melhor local para matar Benson. Owen se ofereceu para passar a noite, mas eu também o mandei para casa. Foi um dia longo, e os próximos seriam ainda mais longos, pelo menos até Benson ser morto, e eu estava determinada a descansar o máximo que pudesse.

Pela primeira vez, não caí em meus sonhos e memórias do passado, e acordei me sentindo revigorada. Ou talvez meu bom humor fosse porque eu tinha finalmente feito a escolha de matar o vampiro. Estive indecisa nos últimos dias, fraca, insossa e simplesmente chorona. Eu sempre me sentia melhor quando tinha um plano de ação.

Mas antes de matar Benson, eu necessitava passar outro dia no Pork Pit.

Abri o restaurante na hora certa, ficando de olho no caso de Benson ter colocado alguns homens ao redor do restaurante para me vigiar, mas a rua na frente estava limpa, assim como o beco detrás. E nenhum dos clientes que iam e vinham estavam interessados em nada além de quanto churrasco eles poderiam comer. Eu saboreei a tranquilidade. Não duraria.

Por volta das três horas, tive tempo suficiente para fazer uma pausa, então sentei no meu banco, puxei o arquivo de informações sobre Benson de um lugar no balcão abaixo da caixa registradora e li. Eu já tinha revisado uma vez ontem à noite antes de ir para a cama, mas esperava que um novo exame hoje me ajudasse a descobrir as coisas.

Finn estava certo. Tentar chegar perto de Benson em sua mansão seria suicídio, mas também não acreditava que poderia matá-lo com um rifle sniper. Com sua magia de Ar e a premonição que vinha junto com ela, ele poderia ser capaz de se esquivar de uma bala no último segundo.

Não, eu faria o ataque cara a cara, com uma das minhas facas, para que pudesse ter certeza que ele morreu. Então, eu teria que descobrir outro lugar para abordar Benson, como talvez do lado de fora do Underwood’s, quando ele estivesse lá para o costumeiro jantar de costeletas de vitela aos domingos à noite. Ele gostava delas mal passada e sangrentas, de acordo com Silvio...

Meu celular tocou, interrompendo minhas reflexões assassinas. Puxei-o do bolso da minha calça jeans e olhei para o identificador de chamadas. Eu fiz uma careta. Não esperava que ele ligasse. Não depois do que aconteceu no clube ontem. Não quando ele deveria estar tirando uma folga.

— Alô?

— Gin? — ressoou a voz de Xavier no meu ouvido.

— Ei, cara, o que aconteceu? Como você está?

Depois que Owen e Finn saíram na noite anterior, eu liguei para Roslyn para ver como ela estava. Ela havia soado bem, e Xavier estava na casa dela, mas não falei com ele. Xavier precisava de um pouco de espaço de Bria e tudo relacionado a Benson agora – inclusive eu.

— Acabei de ouvir de um amigo meu na força policial — disse ele. — Ele me avisou sobre algo.

A nota sombria de preocupação em sua voz me fez ficar mais ereta. — O quê?

Ele soltou um suspiro. — Bria disse aos superiores que ela levaria a testemunha do assassinato de Troy esta tarde. Ela deve estar na estação com Catalina às cinco horas.

Soltei uma maldição tão alta que uma senhora sentada em uma das cabines fungou e balançou a mão para mim em desaprovação.

— Bria realmente disse a eles quando chegaria com Catalina? — perguntei em voz muito baixa. — Ela sabe quão perigoso isso é, certo? Benson certamente ouvirá sobre isso. Ele tentará impedi-las antes de chegarem à estação.

— Tenho certeza que ela enrolou o máximo que pôde, mas precisou contar a eles. — Xavier fez uma pausa. — E eu não acho que neste momento ela se importe com isso, Gin. Sobre algo que não seja prender Benson.

Amaldiçoei novamente, porque ele estava certo. A senhora me deu outra fungada desaprovadora, mas um dos meus olhares a fez abaixar a cabeça e examinar os restos de ketchup em seu prato.

Eu esperava que Bria passasse mais alguns dias colocando os pingos nos is e cruzando seus ts, antes de seguir em frente com seu plano de usar o testemunho de Catalina contra Benson. Ou, pelo menos, até que eu pudesse matá-lo e tornar tudo isso irrelevante. Mas, eu deveria ter adivinhado. Minha irmã poderia ser tão teimosa quanto eu quando se tratava de pessoas que feriam as pessoas com quem ela se importava. Bria prometera a Max, seu informante, que cuidaria das costas dele, que ela cuidaria dele, que o protegeria, então eu poderia entender sua necessidade de vingá-lo, mesmo que isso significasse colocar ela mesma e Catalina em perigo.

Bria e eu poderíamos estar chateadas uma com a outra agora, mas eu não deixaria minha irmã morrer.

— Você sabe que rota Bria seguirá até a estação? — perguntei. — Eu vou chegar à frente dela, ir lá e conferir. Certificar de que tudo esteja bem.

— Nós conversamos sobre isso ontem — disse Xavier. — Antes de recebermos a ligação sobre Roslyn. Vou mandar uma mensagem para você assim que desligarmos. Mas há apenas um ponto potencial de emboscada. É por isso que decidimos por essa rota particular.

Ele falou de um local que eu conhecia e parou novamente. — Eu te encontrarei lá, se estiver tudo bem.

— Tem certeza? Você e Bria não se despediram ontem exatamente em bons termos. Eu entendo se você quiser ficar fora dessa.

— Bria é minha parceira — disse ele. — Ela já teve minhas costas dezenas de vezes. Eu devo a ela o mesmo, mesmo que não estejamos nos dando bem agora. O que Benson fez com Roslyn ontem... Isso me abalou muito. Mas quanto mais penso nisso, mais irritado fico. Bria pode estar obcecada em acabar com Benson, mas ela não está errada sobre querer tirá-lo das ruas.

— Eu sei. Mas matar a si mesma e Catalina não resolve nada, então vamos garantir que isso não aconteça. O que você diz?

— Eu diria que não me importaria de me vingar de Benson. — Eu podia ouvir o sorriso na voz de Xavier.

— Estou no meu caminho. Vejo você lá.

— Sim.

Xavier e eu desligamos. Um segundo depois, meu telefone apitou com informações sobre a rota que ele e Bria haviam combinado...

Uma sombra caiu sobre mim e alguém pigarreou.

A velha que eu irritara com o meu xingamento estava na frente da caixa registradora. Ela estendeu uma nota de vinte dólares e seu pedido, e começou a bater o salto alto no chão. Eu não queria desperdiçar nem um segundo para chegar a Bria e Catalina, mas eu não podia exatamente sair correndo pela porta quando ela estava bem na minha frente.

Então dei a ela um sorriso agradável e rapidamente recebi o dinheiro dela.

— Você devia se policiar, mocinha — disse ela, em um tom arrogante quando entreguei o troco. — Alguns de nós não apreciam essa linguagem vulgar.

Meu sorriso afiou. — Desculpe, senhora — eu disse lentamente. — Mas posso assegurar-lhe que amaldiçoar será o menor dos meus pecados hoje.


Capítulo 17

 

 

Eu disse a Sophia o que estava acontecendo e pedi a ela que vigiasse o restaurante. Ela não gostava de ficar para trás, mas grunhiu e disse que ligaria para Jo-Jo e avisaria sua irmã sobre o que estava acontecendo, antes de voltar a fatiar tomates.

Liguei para Owen e Finn, mas nenhum deles atendeu, então deixei mensagens para ambos. Em seguida, liguei para Bria.

Como esperado, minha chamada foi para o correio de voz. Oi, você ligou para a Detetive Bria Coolidge do Departamento de Polícia de Ashland...

— Bria — falei. — Pegue seu maldito telefone. Benson sabe que você está a caminho do departamento de polícia com Catalina. Ele colocará bloqueios na estrada para tentar pegar você. Dê meia volta. Vá para outro lugar, em qualquer outro lugar. E me ligue no segundo que você ouvir isso.

Mas eu não podia me dar ao luxo de esperar que alguém retornasse minhas ligações, então peguei o arquivo de Silvio, entrei na parte de trás do restaurante e peguei a mesma mochila atrás do mesmo freezer que usei ontem, quando Benson estava mantendo Roslyn como refém. Déjà vu.

Levantei minha mochila no ombro, abri a porta de trás e saí, esquadrinhando os arredores enquanto corria para o fim do beco. Mas ninguém estava agachado atrás de uma lata de lixo ou escondido atrás de uma lixeira. Normalmente, eu ficaria feliz por ninguém estar esperando para tentar me matar, mas agora, a falta de assaltantes me preocupava.

Porque se Benson não tinha nenhum vampiro me observando, então isso significava que ele provavelmente enviou-os atrás de Bria.

Medo me encheu com o pensamento, fazendo-me andar mais e mais rápido, até que minhas botas batiam contra o pavimento. Algumas pessoas na rua lançaram olhares curiosos para mim, ou até irritados, enquanto eu passava por elas, mas eu não me importava. Mesmo que um deles tivesse uma arma ou uma faca, eu os teria derrubado e prosseguido.

Mas é claro que, hoje, de todos os dias, eu decidira estacionar meu Aston Martin a cinco quarteirões do restaurante, então levei vários minutos para chegar ao veículo. Eu queria pular dentro do carro e sair apressadamente do estacionamento, mas consegui ir mais devagar e fazer meu teste habitual de bombas e armadilhas de runas. Eu não poderia ajudar ninguém se explodisse em pedaços.

Mas o carro estava limpo, então coloquei a mochila em cima do capô, abri o zíper e tirei um colete preto com zíper e coberto com todos os tipos de bolsos – e, mais importante, forrado com silverstone. Eu não sabia quanto do poder vampírico de Benson o metal mágico absorveria, caso chegasse a esse ponto, mas, pelo menos, o silverstone bloquearia qualquer bala disparada em minha direção, e impediria que elas explodissem no meu peito.

Conferi todos os bolsos do colete, certificando-me que eu tinha todos os meus suprimentos habituais, incluindo algumas facas extras. Satisfeita, fechei todos os bolsos e depois o colete em cima do peito. Peguei a mochila novamente, abri a porta do carro e a joguei no banco do passageiro. Então eu deslizei atrás do volante, liguei o motor e tirei meu celular do bolso.

Liguei para todos novamente – Owen, Finn e Bria – mas ninguém atendeu. Amaldiçoei durante mais tempo e mais alto do que eu amaldiçoara no restaurante, mas me forcei a controlar o meu temperamento. Se eu não conseguisse avisar Bria, então talvez eu pudesse detê-la antes que Benson e seus homens o fizessem. Então, verifiquei as informações que Xavier me enviara.

Era um mapa de rotas do apartamento de Catalina em Northtown até a principal delegacia de polícia, que ficava no centro da cidade. Mas, em vez de seguir o caminho mais rápido e fácil, o mapa de Xavier mostrava uma série de ruas secundárias que serpenteavam e chegavam à estação do lado oposto da cidade – diretamente por Southtown e o coração do território de Benson.

Bria provavelmente pensava que seria melhor tomar a rota menos esperada, e ela estaria certa caso estivesse lidando com qualquer outra pessoa. Mas Benson tinha vampiros mais do que suficientes para cobrir todas as ruas ao redor da estação, sem mencionar todos os traficantes que trabalhavam para ele e as pessoas comuns que tinham medo demais de não fazer o que ele ordenava que fizessem. Sem dúvida, Benson espalhara a notícia para vigiar um carro de polícia passando por Southtown e que o avisassem no momento em que fosse visto. Então tudo o que ele teria que fazer era fechar as garras em sua armadilha, e Bria e Catalina seriam suas.

Isso é o que eu faria.

Mais temor torceu meu coração, torcendo-o como um pano de prato molhado, mas continuei estudando o mapa, e percebi que Xavier estava certo. Havia apenas um ponto que funcionaria para uma emboscada: uma ponte que se arqueava sobre o rio Aneirin, a cerca de cinco quilômetros da estação. É onde eu esperaria se fosse Benson.

Liguei o carro, acelerei e me afastei do meio-fio. Enquanto dirigia, tentei falar com Bria pela terceira vez.

Sem resposta. Amaldiçoei novamente e comecei a jogar meu telefone de lado, irritada, quando percebi que não liguei para uma pessoa. Então, percorri meus contatos até encontrar o número dela. O telefone tocou... E tocou... E tocou...

— Olá? — A voz de Catalina encheu meu ouvido.

— É Gin — respondi. — Eu sei que você está com Bria, e sei o que você está fazendo e para onde vai. Onde você está agora?

O telefone dela tocou. — Você pode esperar um segundo? — perguntou ela. — Silvio acabou de me mandar uma mensagem.

— Não, eu não posso esperar. Diga-me onde você está.

Silêncio. Pensei que ela não ia me responder – ou, pior, que ela desligaria, mas ela finalmente suspirou.

— Estamos passando por Southtown. Estamos quase na delegacia de polícia — hesitou ela. — Por quê?

— Diga a Bria para parar e virar agora mesmo. Benson sabe que ela está levando você. Ele tem homens esperando por você. E faça o que fizer, não passe pela ponte da Carver Street.

— Mas acabamos de entrar na ponte...

A voz de Catalina se perdeu no súbito guinchar de pneus. Mas o barulho parou tão abruptamente quando começou. Por um momento, tudo estava estranhamente quieto. Então...

Crack!

Crack! Crack!

Crack!

Sons de tiros dispararam pelo telefone e ecoaram em meu ouvido.

— Abaixe! — ouvi Bria gritar. — Abaixe!

Catalina gritou. Algo bateu, como se ela tivesse deixado o telefone cair.

Então a linha ficou muda.

 

* * *

 

Segurei o telefone ao meu ouvido, esperando que Catalina voltasse à linha.

Mas ela não voltou.

E ela não voltaria, a menos que eu chegasse até elas a tempo.

Então joguei meu telefone de lado, agarrei o volante com as duas mãos, e virei uma curva, dirigindo mais rápido do que nunca. Pela primeira vez, fiquei feliz que Finn tivesse me obrigado a comprar o Aston, porque o carro roncava alto sem nenhum esforço visível, e abraçava melhor a rua do que um primo esquisito no Natal, não querendo largar seus jovens parentes.

Fiz outra curva ainda mais rápida, e a ponte Carver Street apareceu a cerca de quatrocentos metros à frente. A ponte era uma das estruturas mais interessantes de Ashland, feita de pedaços irregulares de rocha do rio cinza que foram montadas, de modo que tudo parecia um quebra-cabeça em tamanho natural. Caminhos de ambos os lados das duas ruas deixavam as pessoas passear ao longo da ponte e tirar fotos do rio Aneirin serpenteando a quinze metros abaixo, enquanto postes de ferro curvavam-se no ar, alinhando os dois lados da ponte como se fossem soldados em posição de sentido.

Eu estava em uma rua paralela ao rio, com fachadas de tijolos à minha esquerda e uma estreita faixa de grama à minha direita antes que a encosta desmoronasse até a superfície cinzenta e reluzente da água. Normalmente, a essa hora da tarde, a calçada estaria cheia de pessoas entrando e saindo das lojas, com carros passeando. Mas agora, tudo estava estranhamente parado, as lojas fechadas, a rua deserta. Sem luzes, sem pessoas, ninguém estava aberto para negócios. Eu nem vi nenhum outro veículo.

Exceto aqueles na ponte.

Dois carros pretos estavam parados no final da ponte do meu lado, parados nariz-a-nariz e criando uma barreira na ponte. Mais dois carros pretos estavam posicionados da mesma maneira na outra extremidade da ponte, com um único veículo posicionado sozinho no centro da ponte – o sedã de Bria.

Benson e seus vampiros devem ter esperado nas ruas laterais. Então, assim que receberam a informação sobre a localização da Bria, eles se posicionaram aqui. Assim que Bria colocou o carro na ponte, eles rugiram e bloquearam as duas saídas. Isso era ruim o suficiente, mas ainda pior eram os três vampiros do meu lado da ponte, de pé atrás de seus carros, todos com as armas disparando contra o veículo de Bria.

Crack!

Crack! Crack!

Crack!

Eu podia ouvir os tiros mesmo acima do zumbido suave do motor do Aston. Os vampiros mantiveram um ataque constante com suas armas. Eles só estavam atirando no sedan por um minuto, dois no máximo, mas fizeram valer a pena. Os pneus da frente estavam murchos, o para-brisa estava completamente estourado, e o motor fumegando de todas as balas que o acertavam.

Os vampiros pararam para recarregar. Eu nem percebi que estava prendendo a respiração até que uma mão segurando uma arma se estendeu da janela do sedã do lado do passageiro e disparou, fazendo os vampiros se abaixarem atrás de seus próprios carros.

Eu exalei. Bria estava viva, o que significava que eu ainda tinha a chance de salvar ela e Catalina.

Eu estava dirigindo tão rápido que não sabia em que lado da ponte Benson estava, mas eu tinha certeza de que ele estava aqui, em algum lugar. Eu estaria. Mas isso não importava muito. Eu mataria todos que estavam entre Bria, Catalina e eu. Se eu conseguisse matar Benson aqui na ponte, melhor ainda. Mas se tivesse que voltar para buscá-lo mais tarde, tudo bem.

Eu estava a quinze metros da ponte e me aproximava rapidamente...

Doze metros... Nove...

Estendi a mão, apertando o cinto de segurança sobre o peito.

Seis metros... Três...

Agarrei minha magia de Pedra e usei-a para endurecer meu corpo em uma concha impenetrável. A batida seria brutal, e eu não podia me dar ao luxo de ficar inconsciente.

Dois... Um e meio... Um... Meio... Trinta centímetros...

Meu carro bateu na barreira.

O air bag explodiu em meu rosto, obscurecendo momentaneamente minha visão antes de finalmente se esvaziar. Os vampiros estavam tão focados em matar Bria e Catalina que não perceberam o que acontecia até que fosse tarde demais. Dois deles mergulharam para fora do caminho, mas o terceiro homem não teve tanta sorte. Ele rolou para cima e sobre o meu para-brisa, quebrando o vidro com a cabeça, antes de desaparecer de vista. Mesmo que não estivesse morto, ele não se levantaria tão cedo.

Eu ganhara tanta velocidade que a força do acidente foi forte e violenta o suficiente para fazer o primeiro veículo atingir o segundo, forçando-o pelo meio-fio e depois descendo pela fina faixa de grama, pelo banco coberto de arbustos e pelo rio a quinze metros abaixo. Um dos homens tinha se escondido atrás daquele segundo carro para se proteger, e um grito rasgou o ar quando o carro bateu nele, derrubando-o para uma queda livre. Um estalo alto soou quando ele caiu de barriga na superfície do rio. Um segundo depois, a água envolveu o carro e afundou-o também.

Eu sorri. Bem, essa era uma maneira de acabar com uma barreira.

Mas eu ainda não havia terminado. Joguei meu carro no sentido inverso, recuando cerca de seis metros, depois o acelerei e bati no primeiro carro novamente, enviando-o por cima do meio-fio também. Mas esse impacto não foi tão forte quanto o inicial, então mantive meu pé no acelerador, motor choramingando, pneus gritando, os cheiros de borracha queimada e escapamento inundando o ar. Finalmente, a gravidade assumiu o controle, e o carro foi descendo a margem do rio e colidiu com o emaranhado de sarças para se juntar ao segundo já na água. Esta extremidade da ponte estava liberada agora.

Parei meu veículo. Então eu peguei algumas armas da minha mochila, abri meu cinto de segurança e chutei a porta do lado do motorista. Eu saí e comecei a correr pela frente do meu carro quando vi um movimento com o canto do olho. Eu girei naquela direção...

Crack!

Uma bala acertou o meu peito, mas meu colete de silverstone pegou o projétil. Embora eu ainda não tivesse pego, eu ainda estava usando a minha magia de Pedra para me proteger. Meu olhar foi para o terceiro vampiro, que de alguma forma sobreviveu ao choque com o carro em disparada. Com uma mão, ele segurou o corrimão da ponte para se apoiar. Com a outra, ele ergueu a arma para mim novamente, o dedo apertando o gatilho.

Clique.

Clique. Clique.

Clique.

Ele continuou puxando e puxando o gatilho, sempre sem qualquer resultado. Eu sorri, levantei uma das minhas armas e atirei três vezes no peito dele. Ele estava morto antes de cair no chão.

Mas eu já estava me movendo, correndo em direção ao sedan no meio da ponte, minhas botas quebrando o vidro, acertando cartuchos de balas e pedaços de metal fumegantes que cobriam o asfalto.

— Bria! Catalina! — gritei.

— Gin! — gritou Bria. — Estamos aqui!

Cheguei ao lado do motorista do sedã e olhei pela janela quebrada. Catalina estava agachada no chão do lado do passageiro do carro, com Bria a cobrindo, protegendo a mulher mais jovem da melhor maneira possível. Meu olhar passou por elas. Havia cortes ensanguentados em suas mãos, braços e rostos causados por todo o vidro quebrado, mas nenhuma delas parecia estar seriamente ferida...

Crack!

Crack! Crack!

Crack!

Eu me abaixei ao lado do carro quando mais balas vieram ziguezagueando em minha direção, minha cabeça virando para a direita.

Os homens do outro lado da ponte superaram sua surpresa, puxaram suas próprias armas, e agora atiravam no sedan, tentando me matar, junto com Bria e Catalina. Levantei uma das minhas armas e devolvi o fogo, mas vi pelo menos oito homens naquele lado da ponte, todos armados.

E Benson também estava lá.

O chefe dos vampiros estava a cerca de seis metros de distância de seus homens, à esquerda. Usava as calças e os tênis brancos de sempre, com uma camisa verde-menta e uma gravata borboleta combinando, com a caneta e o bloco de notas nas mãos, como se anotasse detalhes sobre o tiroteio. Não vi Silvio em lugar algum. Eu me perguntei se ele sabia sobre os planos de emboscada de seu chefe. Talvez seja por isso que ele estava mandando mensagens de texto para Catalina, avisando-a para não deixar Bria entrar na ponte.

O olhar de Benson encontrou o meu. Mas em vez de parecer preocupado por eu estar aqui, ele bateu a caneta contra os lábios antes de rabiscar outra nota.

— Gin! — gritou Bria.

— Temos que sair daqui! — gritei, afastando todos os pensamentos estranhos de Benson da minha mente. — Agora! Rasteje para fora do carro pelo para-brisa! Eu vou te cobrir!

Levantei minhas armas e atirei novamente enquanto Bria deslizava pelo para-brisa dianteiro e subia no capô do carro, e então se virou para ajudar a puxar Catalina. As duas haviam acabado de deslizar na frente do capô quando minhas armas clicaram, sem balas. Aborrecida, eu as joguei de lado.

Os vampiros perceberam que eu estava sem munição e se levantaram de trás de seus carros, mirando em mim novamente...

Crack!

Crack! Crack!

Crack!

Eu fiquei tensa, esperando sentir mais balas batendo contra o meu corpo, mas desta vez, não eram os vampiros que estavam atirando.

Era Xavier.

O gigante finalmente chegou, subindo a rua e virando o carro em um ângulo na ponte. Eu o vi se inclinar pela janela do lado do motorista e começar a atirar nos vampiros. Um deles caiu, depois outro.

Mas isso não seria suficiente.

Xavier estava do lado errado da ponte, e não havia como chegarmos ao gigante sem passar por Benson e todos os seus homens. Alguns dos vampiros se viraram para atirar em Xavier, mas os outros saíram de trás de seus carros, com as armas nas mãos, e começaram a vir nessa direção.

— Eles estão vindo! — gritei, recuando. — Precisamos sair da ponte! Agora!

Bria assentiu. Ela agarrou a mão de Catalina, puxou a mulher mais jovem para colocá-la de pé e começou a correr.

Eu me virei e as segui.


Capítulo 18

 

 

Bria, Catalina e eu corremos em direção ao meu carro destruído no final da ponte.

Crack!

Crack! Crack!

Crack! Crack! Crack!

Os vampiros continuaram disparando e balas atravessaram o ar ao nosso redor. Eu mantive meu controle sobre a minha magia de Pedra, correndo bem atrás de Bria e Catalina e tentando usar o meu corpo para protegê-las das balas da melhor forma que podia.

Crack!

Uma bala atingiu o meio das minhas costas. Meu colete a pegou, mas o impacto direto e duro ainda me fez cambalear para frente. Minhas botas deslizaram através de um pedaço de vidro quebrado, e precisei fazer malabarismos para não cair de bunda no chão. Mas consegui recuperar meu equilíbrio e continuar.

Catalina tentou a porta do passageiro do meu carro, mas não se moveu, então ela abriu a porta de trás e se jogou lá dentro. Bria a seguiu. Eu corri e entrei no banco do motorista. Eu tinha deixado o motor ligado, então tudo que eu precisava fazer era engatar o carro, pisar no acelerador e virar o volante.

O Aston derrapou descontroladamente na curva súbita e afiada, com metal, vidro e mais triturando sob os pneus, mas forcei a roda e o carro na direção que eu queria ir – o mais longe possível da ponte.

A rua à frente ainda estava deserta, provavelmente sob as ordens de Benson, mas, na verdade, isso nos ajudaria agora. O carro endireitou-se e o motor começou a zumbir enquanto nós aumentávamos a velocidade.

Por um momento, pensei que iríamos realmente conseguir escapar.

Crack!

Mas então uma bala acertou um dos pneus traseiros, o ar escapando como um suspiro triste. Ainda assim, coloquei meu pé no acelerador, tentando chegar o mais longe possível com o pneu que se esvaziava. O carro seguiu por cerca de um quarteirão, antes que fagulhas brancas começassem a voar da roda. Dirigi o carro até o meio-fio, parei e coloquei o câmbio de marchas em ponto morto.

— Fora, fora, fora! — gritei.

Peguei minha mochila com seus suprimentos no banco do passageiro da frente, em seguida, abri a porta do lado do motorista e saí. Bria e Catalina já esperavam na rua. Catalina colocou a mão na testa, o sangue escorrendo entre os dedos de um corte feio. O rosto, mãos e braços de Bria estavam cobertos de sangue, mas ela tinha a arma apontada para a rua atrás de nós, cobrindo a retaguarda.

E com razão.

Quatro vampiros chegaram ao final da ponte e estavam correndo em nossa direção. Eles devem ter tido um litro ou dois de sangue recentemente, porque se aproximavam mais rápido do que os velocistas olímpicos em direção à linha de chegada.

Mas os homens que corriam não me preocupavam tanto quanto os SUVs.

À distância, no outro extremo da ponte, eu podia ver os vampiros restantes abrindo as portas e entrando nos veículos. Um dos SUVs avançou e bateu no sedã de Bria, tentando tirá-lo do caminho e atravessar a ponte. Os pneus guincharam quando o outro SUV fez um U, provavelmente indo à próxima ponte para que pudessem se aproximar e nos encontrar a partir dessa direção também. Se eles chegassem à nossa frente, poderiam nos cercar, e então esperar que os vampiros chegassem pela retaguarda e nos capturassem. Precisávamos sair daqui antes que isso acontecesse, ou então seríamos mortas.

— E agora? — perguntou Catalina, seu olhar em pânico indo e voltando dos vampiros, para Bria e para mim.

Levantei minha mochila um pouco mais no meu ombro. — Nós corremos.

 

* * *

 

Eu corri para a calçada, com Catalina e Bria ao meu lado, para o beco mais próximo. Catalina olhou para trás por cima do ombro, tirando o cabelo do rosto para que pudesse ver os homens nos seguindo. Mas ela não olhava para onde ia, e então ela bateu em uma caixa de correio, tropeçando vários metros antes de recuperar o equilíbrio.

— Não olhe para trás! — gritei. — Apenas me siga!

Catalina tirou um pouco mais de sangue do rosto e me deu um rápido e assustado aceno de cabeça.

Virei para o beco e passei por cima do asfalto rachado, contornando as lixeiras transbordando, meus pés chutando latas de refrigerante esmagadas e sacos de papel amassados em todas as direções. Atrás de mim, eu podia ouvir os passos de Catalina e Bria batendo contra o pavimento irregular. Respirei fundo e quase engasguei com o fedor avassalador de comida velha e de lixo apodrecendo.

Cheguei ao final daquele beco e diminuí a velocidade o suficiente para ter certeza de que Benson e seus SUVs cheios de vampiros ainda não haviam chegado a essa área. Mas a rua estava limpa, então eu a atravessei e virei no beco seguinte ao que viemos para que os homens que nos perseguiam a pé nos perdesse. Catalina me seguiu, com Bria observando nossas costas.

Nós corremos para o outro lado do segundo beco, e a paisagem mudou, como se tivéssemos entrado em um mundo totalmente diferente. Longe estavam das fachadas de tijolos e calçadas suaves que se alinhavam na rua perto do rio. Em seus lugares estavam casas em ruínas e dilapidadas, buracos grandes o suficiente para estourar seus pneus, e pátios cobertos com mais lixo do que grama. Muitas das casas foram marcadas com grafite de runa que fluía pelas paredes de blocos de concreto, degraus de concreto rachados, calçadas e rua. As manchas vermelhas e pretas de tinta em spray rodeavam os buracos como marcas tortas de batom.

À primeira vista, a área parecia deserta. Ninguém passeava pelas calçadas. Nenhuma criança brincava com brinquedos nos quintais. Nenhum velho estava sentado em suas escadas da frente, apreciando a brisa e tomando copos de chá gelado. Mas ao meu redor, todas as pedras, desde a rua até as calçadas das casas, sussurravam sobre o perigo, o desespero e o medo das pessoas que chamavam esse lugar de lar.

Este era o coração de Southtown.

Era também o pior lugar possível para estarmos agora, já que estava no fundo do território de Benson.

Meus passos diminuíram quando olhei ao redor, minha cabeça virando para a esquerda, depois para a direita, depois de novo. Folhas grossas de papelão presas com fita adesiva estendiam-se pelas janelas de muitas casas, já que o vidro foi destruído há muito tempo por balas, punhos e pedras. Pequenos buracos foram cortados aqui e ali no papelão, e flashes de luz e sombra apareciam quando as pessoas nos espiavam. Sem dúvida, alguém já estava discando para a linha de Benson, e a notícia logo chegaria a ele sobre nossa localização. Nós precisávamos nos mover.

— Gin? — perguntou Bria, parando ao meu lado, sua respiração entrando em suspiros suaves enquanto ela colocava as mãos nos joelhos. — Para onde agora?

Essa era a pergunta – e a resposta determinaria se viveríamos ou morreríamos.

Olhei de relance para a primeira extremidade do quarteirão e depois para a outra. Indo para o sul nos levaria de volta ao rio, o que não era bom, já que Benson poderia sempre chamar mais de seus vampiros para proteger as pontes. A delegacia estava a cerca de três quilômetros ao norte daqui, mas eu duvidava que pudéssemos chegar a pé sem encontrar alguns dos homens de Benson.

Matar os capangas do vampiro em meu caminho não me incomodava. Eu poderia cuidar de mim. Assim como Bria. Mas sangue ainda escorria daquele corte na testa de Catalina, e seu rosto estava branco de medo, adrenalina e a tensão de correr tão longe e tão rápido. Abri o zíper da mochila por tempo suficiente para tirar a lata de pomada de cura de Jo-Jo. A pomada cuidaria do corte feio, mas não demoraria muito para que seu corpo se desligasse completamente e ela entrasse em choque, se já não estivesse lá.

— Aqui — eu disse, empurrando a lata na mão trêmula de Catalina. — Passe isso na sua testa.

Catalina pegou o recipiente, mas em vez de abrir a tampa, curvou-se entre Bria e eu, com as mãos nos joelhos, a respiração entrando em baforadas irregulares, seu olhar castanho preso em uma garrafa de cerveja encostada na calçada, uma que não estava quebrada como todas as outras que atravessamos nas vielas.

Catalina olhou e encarou a garrafa, embora eu soubesse que ela não estava realmente vendo aquilo. Comecei a desviar o olhar, mas me encontrei estranhamente hipnotizada pelo brilho do sol da tarde no vidro, fazendo com que ele se incendiasse com um fogo âmbar interior. Uma leve brisa soprou pela rua, fazendo cócegas no meu nariz com uma sugestão de cerveja amarga e azeda.

A cor, o cheiro, os dedos do vento emaranhando meu cabelo suado... Por um segundo, eu estava em outro lugar, em outra tempo, em outra rua, onde eu segurava uma garrafa de cerveja, me preparando para cortar aquele homem para salvar Coral...

— Gin? — perguntou Bria novamente.

Voltei para este lugar, neste tempo, nesta rua. Eu sabia para onde ir agora.

— Por aqui.

Corri para o outro lado da rua, passei por um portão em uma cerca de arame e corri para o lado de uma casa no meio do quarteirão. O jazz clássico ressoava atrás das paredes, e o cheiro de carne frita saía das janelas cobertas de papelão. Fui para o quintal, abaixei-me debaixo de um varal cheio de camisetas brancas e cuecas azuis que estavam agitando de um lado para o outro no vento, e pulei pela cerca alta até a borda do quintal.

Mais uma vez, repeti o processo, atravessando quintal após quintal, em ziguezague, com Catalina e Bria me seguindo. Finalmente, chegamos à última casa, mas não diminuí o ritmo até atravessar outra rua e entrar em um beco. Mesmo assim, continuei até chegar ao prédio de apartamentos no centro do quarteirão.

Parei em frente à porta dos fundos do prédio. Ainda era vermelho, embora a cor tivesse se desbotado daquele carmesim brilhante e forte que eu me lembrava para uma cor de ferrugem apagada. Mais lembranças surgiram em minha mente sobre todas as coisas terríveis que aconteceram no dia em que eu segui Coral por aquela porta, mas eu as forcei de volta ao fundo do meu cérebro. Coisas mais terríveis aconteceriam se eu não tirasse Bria e Catalina daqui.

— Gin? — perguntou Bria, a arma ainda apertada em sua mão, sua cabeça girando para frente e para trás, de um beco ao outro. — Por que estamos parando?

Em vez de respondê-la, deixei minha mochila cair na calçada e me agachei na frente da porta para que estivesse no nível dos olhos com a fechadura. Catalina caiu contra a parede de tijolos ao meu lado, tentando recuperar o fôlego, o rosto ainda mais pálido e mais ensanguentado do que antes. Ela ainda tinha aquela lata de cura de Jo-Jo apertada nas mãos, e começou a se atrapalhar com a tampa, seus dedos ensanguentados escorregando pela superfície lisa.

— Você ainda tem o seu telefone? — perguntei a Bria.

— Sim. Por quê?

— Mande uma mensagem para Xavier. Veja se ele se afastou dos homens de Benson e se o carro dele está inteiro. Pergunte se ele pode pegá-la neste endereço. — Falei a localização.

Bria franziu a testa, mas pegou o telefone e fez o que eu pedi. Enquanto isso, eu peguei minha magia de Gelo, puxando o poder frio para fora da parte mais profunda de mim e deixando fluir através da minha mão. Uma luz prateada se acendeu na palma da minha mão direita, centralizada na minha cicatriz de runa de aranha. Um segundo depois, eu segurava duas picaretas de gelo finas, as quais eu inseri na fechadura.

O telefone de Bria soou e ela leu a mensagem. — Sim, Xavier está bem. Ele estará nesse local em cinco minutos.

— Bom.

Os pinos se encaixaram. Descartei minhas picaretas de gelo, torci a maçaneta e abri a porta. O interior do prédio estava escuro e sombrio, embora eu pudesse ver a luz se derramando da porta no final do corredor.

— Vamos lá, Catalina — encorajei. — Só mais um pouco agora. Entre e espere por nós. Bria entrará em um segundo.

Ela havia parado de tentar abrir a lata de pomada e estava ali parada, balançando de um lado para o outro. Seus olhos cor de avelã estavam um pouco desfocados, mas ela finalmente suspirou e se arrastou para frente com o entusiasmo sem vida de um zumbi. Ela parou a alguns metros de distância e encostou-se à parede interna.

Eu me virei para Bria. — Você precisa entrar. Siga este corredor até o fim. Vai dar num pátio. Você pode atravessá-lo e entrar no prédio em frente a este. Atravesse o prédio e você sairá na rua onde Xavier estará esperando.

Bria assentiu, então franziu a testa. — Como você sabe tudo isso?

— Porque eu já estive aqui.

Ela abriu a boca, mas depois de um momento, ela engoliu suas muitas perguntas e fez a pergunta que importava. — E você?

— Eu te encontrarei lá. Vou até o final do beco e, em seguida, corro ao redor do quarteirão para garantir que nenhum dos vampiros de Benson apareça atrás de vocês. Nós só temos uma chance de sair daqui, e é assim.

Bria assentiu novamente. Ela mordeu o lábio, olhou para cima e para baixo no beco para ter certeza de que ainda estávamos sozinhas, em seguida, estendeu a mão e me abraçou apertado.

— Sinto muito — sussurrou ela. — Por tudo. Eu só... Eu queria tanto prender o bastardo.

Embora uma dúzia de cortes rasos pontuasse minha mão, eu estendi e alisei seu cabelo, deixando manchas de sangue em seus cabelos dourados emaranhados. — Eu sei.

Bria soltou uma respiração trêmula. Abracei-a ainda mais apertado, mas quando ela deixou o braço cair e se afastou, seu rosto estava tão calmo e composto quanto o meu.

— Vejo você do outro lado...

O guinchar de pneus a cortou. Um SUV preto parou no final do beco. As portas se abriram e vampiros começaram a sair, todos armados, todos correndo em nossa direção. Eles finalmente nos encontraram, e estavam em busca de sangue – o nosso.

A boca de Bria se achatou em uma linha determinada, e ela levantou a arma para atirar neles. Mas agarrei seu ombro, girei-a e a empurrei através da porta aberta para o prédio. Ela caiu para frente, quase esbarrando em Catalina. Enquanto ela lutava para se endireitar, agarrei a mochila cheia de armas, munição e outros suprimentos e a joguei dentro também. Bria se virou, mas atravessei a abertura, agarrei a porta e a fechei. Então envolvi minha mão ao redor da maçaneta e a soltei com uma explosão de magia de Gelo. A intensa luz prateada do meu poder pulsou por um momento, queimando meus olhos, antes de desaparecer. No momento em que pisquei de novo, três polegadas de Gelo elemental revestiam a maçaneta, a porta, e uma boa parte das paredes ao redor. Um bloqueio bruto, mas eficaz. Ninguém passaria por ela agora sem um machado ou algum forte poder de Fogo elemental.

— Gin! — ouvi o grito abafado de Bria através da porta. — O que você está fazendo?

Ela sacudiu a maçaneta do seu lado, mas não conseguiu atravessar a espessa camada de gelo que eu grudei nela.

— Vá! — gritei para ela. — Apenas vá!

Crack!

Crack! Crack!

Crack!

Os vampiros levantaram suas armas e começaram a atirar. Eu amaldiçoei, então agarrei minha magia de Pedra, usando-a para endurecer minha pele. Mas, em vez de fugir, empunhei uma das facas escondidas e corri para os pistoleiros. Eu ainda precisava ganhar tempo para Bria conseguir que Catalina atravessasse o prédio e fosse para a rua a fim de que Xavier pudesse pegá-las, e não consegui pensar em uma maneira melhor de fazer isso do que matando um bando inteiro de homens de Benson.

Os vampiros abriram suas bocas, revelando as presas. Aparentemente, minha investida os surpreendeu, mas eles se recuperaram rápido o suficiente para esvaziar suas armas em mim.

Crack!

Crack! Crack!

Crack!

Balas acertavam as paredes, as latas de lixo, as lixeiras e até a mim, e o aroma de pólvora enchia o ar, dominando o cheiro pungente do lixo. Mas continuei correndo, e os vampiros rapidamente ficaram sem balas.

Ah, eu odiava isso por eles.

Dois deles amaldiçoaram e pararam para recarregar, mas era tarde demais, porque eu já estava lá. Agarrei o primeiro homem que eu alcancei, puxando-o para perto e cortando minha faca em seu estômago uma, duas, três vezes, antes de empurrá-lo. Ele caiu gritando.

Eu me movi para o lado esquerdo do beco. Este vampiro era mais rápido que seu amigo, e acertou uma combinação rápida e forte golpes no meu peito. Mas seus golpes não doeram tanto assim, graças às placas protetoras de meu colete silverstone e minha magia de Pedra, e enterrei minha faca em sua garganta antes que ele pudesse atacar novamente. Ele morreu com um chiado de sangue.

Um terceiro homem se aproximou e agarrou minha mão, tentando dobrar meu pulso para trás para que eu soltasse minha faca. Então eu bati minha cabeça endurecida com Pedra na dele, fazendo seu nariz esmagar como uma batata frita. Ele soltou minha mão e cambaleou para trás, mas estendi a mão, prendi-a na sua gravata e o puxei para mim enquanto colocava a faca em seu coração. Ele gritou uma vez como um animal ferido.

Fiquei ali, os olhos piscando para frente e para trás, o corpo tenso, o sangue escorrendo da ponta da faca, mas não havia mais atacantes para cortar, e o único som era minha respiração áspera e rouca...

Screech-screech-screech.

Mais três SUVs pararam no final do beco, e mais vampiros saíram dos veículos, perto de uma dúzia dessa vez, o que era mais do que eu poderia facilmente controlar. Além disso, eu ainda precisava chegar a Bria e Catalina, então me virei e corri para o outro lado do beco.

Crack! Crack! Crack!

Mais balas zumbiram na minha direção, mas eu estava escapando, e os vampiros tiveram que passar por cima de seus companheiros mortos para mirar em mim. Eu me concentrei na saída à frente e me forcei a correr ainda mais rápido. Bria e Catalina deveriam estar quase com Xavier agora. Eu precisava chegar lá também, então coloquei uma explosão extra de velocidade e saí do beco...

Mais uma vez, ouvi o guincho de pneus, mas não vi o veículo até que fosse tarde demais.

Eu me virei para encontrar um SUV preto vindo em minha direção. O motorista acelerou, fazendo o veículo pular no meio-fio e subir na calçada onde eu estava. Tive apenas tempo suficiente para usar minha magia de Pedra, tentando endurecer minha pele ainda mais, antes do SUV me atropelar.

Rolei sobre o capô, quebrando o para-brisa com a minha cabeça, como o vampiro que eu havia acertado com o meu carro na ponte. O impacto brutal me fez perder o controle da minha magia por um precioso segundo. Mas foi tudo o que eu precisei para voar do lado do carro e bater na calçada.

A luz se apagou.


Capítulo 19

 

 

Eu não sabia quanto tempo estive inconsciente. Provavelmente apenas alguns segundos, desde que eu acordei esparramada na calçada, meus braços presos debaixo do meu peito como se eu tivesse tentado parar a queda com minhas mãos. Cada osso do meu corpo doía, e eu podia sentir mais sangue escorrendo de todos os cortes e arranhões, mas eu ainda estava inteirinha. Devo ter conseguido agarrar o suficiente da minha magia de Pedra para me proteger antes de bater no asfalto e apagar...

Squeak-squeak-squeak.

Squeak-squeak-squeak.

Passos soaram na calçada. Pisquei e me vi olhando para um par de tênis brancos. Ele se moveu para o lado, e a perna da sua calça subiu, revelando uma de suas meias verde-menta com um padrão argyle branco. Estiquei meu pescoço para cima, então desejei não ter feito isso, desde que esse pequeno movimento espalhou as dores nos meus ossos para todas as outras terminações nervosas do meu corpo. Senti-me como um ovo que alguém havia deixado cair na calçada, rachado e escorrendo por toda parte.

Beauregard Benson se elevou sobre mim. Os olhos azuis do vampiro percorreram meu corpo, seu olhar frio e curioso ao mesmo tempo.

— Incrível que seu cérebro não esteja vazando por toda a rua, junto com o resto dela — disse ele. — Mas isso é magia de Pedra em você. Estarei interessado em ver a reação dela no laboratório.

— O laboratório, senhor? Você não quer acabar com ela aqui?

Pisquei novamente. Esse tom suave foi de Silvio. Ele poderia querer que eu matasse Benson, mas, sem dúvida, ele ficaria muito feliz em entregar uma arma ao seu patrão para que Benson pudesse atirar em mim agora.

— E desperdiçar essa rara oportunidade de pesquisa? Absolutamente não — ronronou Benson —, tenho algo muito mais interessante em mente para ela. Dê-lhe um sedativo e leve-a ao carro.

Silvio se agachou ao meu lado, com uma seringa na mão. Ele me deu um olhar quase arrependido, mas seguiu as ordens de seu chefe e se inclinou. A agulha picou o meu braço.

As luzes se apagaram novamente.

 

* * *

 

O mundo não ficou completamente preto desta vez. Mas um nevoeiro envolveu minha mente, o que tornou difícil para eu fazer mais do que apenas piscar lentamente, muito menos reagir. E toda vez que eu abria meus olhos, algo diferente estava acontecendo.

Piscada.

Dois dos vampiros me viraram de costas, e Silvio me revistou, tirando o anel de aranha do meu dedo indicador direito. Ele também removeu todas as minhas facas, incluindo as extras em meu colete, depois pegou a arma que eu segurava quando fui atropelada pelo SUV.

Piscada.

Os dois vampiros me pegaram da calçada e me empurraram para dentro de um SUV. Meus braços e pernas tremeram de todos os lados, como se fossem feitos de gelatina em vez de carne e osso. Silvio deslizou ao meu lado, cuidadosamente me apoiando, endireitando minhas pernas e dobrando minhas mãos em meu corpo, me deixando confortável. Ele até aproveitou o tempo para apertar o cinto de segurança. Eu ri da ironia daquilo, embora o som fosse um pouco mais alto que um grasnido.

Piscada.

O SUV parou na entrada circular que dava para a mansão de Benson. Os vampiros soltaram o cinto, seguraram meus braços e me arrastaram para fora do veículo, subindo um lance de escadas e entrando na construção. Benson caminhou a passos largos à nossa frente, os tênis rangendo como se tivessem soluços. Minhas botas deslizaram pelo chão, os dedos pegando os tapetes e sujando de sangue, sujeira e pedaços de lixo por todos os tecidos finos e madeira brilhante que apareciam entre eles. Silvio alcançou a retaguarda, movendo-se tão silenciosamente quanto um fantasma.

Piscada.

Os vampiros arrastaram-me por uma série de degraus e entraram em um grande porão, cheio de pessoas.

A maioria delas estava provavelmente no final da adolescência e início da casa dos vinte anos, mas os olhos opacos e vidrados deles, as feições enrugadas e os corpos magros e quase emaciados faziam com que parecessem muito, muito mais velhos, como se já tivessem usado a maior parte da vida dentro deles e esperavam que o resto fosse lentamente extinto.

Esses eram os rostos de viciados.

As pessoas espalhavam-se pelos sofás, enroladas em futons, e jaziam de bruços sobre os travesseiros espalhados pelo chão, com os joelhos nodosos e os cotovelos ossudos fazendo com que eles parecessem brinquedos de madeira que uma criança havia espalhado por toda parte em uma birra. Suas roupas variavam de trapos típicos de rua e camisetas rasgadas sobrepostas umas às outras, de calça cáqui e cargo a ternos de seda de alta qualidade. Sacos de plástico cheios de latas de metal, mochilas caras cheias de livros e pastas de silverstone recheadas de papelada jaziam aos pés de seus respectivos donos. Vagabundos, garotos de faculdade, trabalhadores de escritório. Todos vieram por algo para abafar as vozes em suas cabeças, dar-lhes uma viagem emocionante, ou tirar a monotonia de suas vidas. Todos abatidos por essa necessidade, circulando o ralo em direção ao esquecimento final, total.

Drogas era realmente um equalizador terrível.

Incenso queimava em grossos feixes nos cantos, enquanto sacos de sachê de pot-pourri pendiam do teto como bolas de espelho entre vários ventiladores de teto. Mas os intensos perfumes, os redemoinhos de fumaça adocicada, e o ar constante não escondiam o cheiro fétido e desagradável do sangue, do vômito e da urina que ensoparam os sofás, futons e travesseiros. E absolutamente nada poderia abafar o som das paredes de blocos de concreto enquanto a pedra alternadamente gritava, chorava e vomitava sonhos absurdos e sombrios, demônios ainda mais sombrios e outros desejos desesperados e perigosos.

Piscada.

Foi o lamento das paredes de pedra que finalmente penetrou no meu próprio nevoeiro induzido por sedativos, e me concentrei naquele barulho desesperado e triste, deixando-me sair do túnel em que eu estava presa. Lentamente, minha mente clareou. Tentei reunir a energia para me libertar dos homens que me seguravam, ou pelo menos fazer meus braços e pernas se moverem sozinhos. Mas não importava o quanto eu me concentrava, eu não conseguia fazer nada funcionar, nem mesmo a minha língua, que estava tão espessa e seca quanto um monte de algodão recheado no fundo da minha boca.

Também alcancei a minha magia, por todo aquele poder de Gelo e Pedra fluindo em minhas veias. Mas, assim como meus membros, minha magia estava dormente e pesada dentro de mim, como se estivesse tentando levantar uma pedra de duas toneladas. Suor escorria nas minhas têmporas de levantar, forçar, empurrar e arranhar o meu poder, mas qual fosse a droga que Silvio havia me dado me impediu de dominar minha magia, muito menos criar uma faca de Gelo com ela.

As pessoas se mexeram quando Benson passou pelo porão, levantando suas cabeças dos berços frios de seus braços magros, seus olhares repentinamente afiados, alertas e completamente focados nele. Um homem estendeu uma mão esquelética e agarrou a perna da calça do vampiro quando ele passou, uma nota indefesa e suplicante em seus gritos incoerentes. Benson parou, pegou a caneta e o bloco e fez algumas anotações sobre a condição do homem. Então ele deu um tapinha na cabeça do homem como um cachorro e continuou andando.

Benson estalou os dedos, e os vampiros me arrastaram pela cova das drogas, com Silvio ainda nos seguindo. Um espelho cobria a maior parte da parede dos fundos, dando-me um vislumbre do meu próprio reflexo – sujo, espancado, ensanguentado.

Mas não quebrado. Nunca isso.

Benson abriu uma porta na parede ao lado do espelho, e os vampiros me arrastaram através dela. Eu esperava outro covil de drogas, mas onde o porão tinha o mais fino verniz de opulência, essa área tinha a sensação impessoal, estéril e a aparência de um consultório médico. Um leve cheiro de álcool pairava no ar, misturado com algum líquido de limpeza de limão. Tudo era branco, do piso e teto de azulejos a vários congeladores de tamanho industrial ao longo da parede dos fundos. Até mesmo os blocos de concreto foram pintados de branco, embora manchas opacas marcassem o acabamento liso em alguns pontos. Uma longa mesa de metal abraçava outra parede, o topo lotado com morteiros, pilões, bicos, queimadores e prateleiras de madeira cheias de pequenos frascos de vidro cheios de brilhantes pós coloridos.

Mas meus olhos se fixaram na peça central da sala: uma grande cadeira de dentista acolchoada, equipada com algemas de braço, perna e pescoço de silverstone.

E eu percebi que isso não era nada parecido com um consultório médico.

Era um laboratório, e eu era o rato.

— Dispam-na — ordenou Benson, indo até uma das pias ao longo da parede e lavando as mãos.

Os dois vampiros sorriram para mim, mostrando suas presas. Um deles tirou um canivete, abriu-o e cortou minhas roupas com ele. Meu colete, minha camiseta de mangas compridas, meu jeans, minha roupa de baixo. O bastardo até cortou minhas botas e meias.

Tentei mover meus braços e pernas para que pudesse pegar a faca e cortar a garganta do vampiro com ela antes de virar a lâmina em seu amigo. Mas o sedativo ainda estava trabalhando no meu sistema, e não consegui sequer reunir um grunhido.

Silvio ficou parado ao lado do laboratório, calmo e composto como sempre. Ele olhou para mim, seu rosto completamente ilegível, depois pegou o telefone e começou a digitar. Se eu pudesse, teria quebrado os polegares dele, pegado o dispositivo, e o forçado através de seus fodidos dentes.

Benson terminou de lavar as mãos, então ficou parado e observou a maldita coisa toda. Ele até sacou a caneta e o bloco e fez anotações, embora eu não tivesse ideia do que ele achava tão interessante em relação ao meu corpo pálido e nu.

Quando fui despida, Silvio guardou o celular, enfiou a mão em um dos armários sobre as pias e tirou um roupão de hospital branco. Os dois vampiros seguraram minhas mãos, enfiando meus braços pelos buracos enquanto Silvio envolvia o roupão em volta do meu corpo e o amarrava nas costas. Ele também ligou uma série de eletrodos na minha cabeça e no meu peito, junto com um monitor de oxigênio no meu dedo indicador esquerdo, depois encaixou tudo em cima de duas máquinas ao lado da mesa de metal e ligou-as.

— Coloque-a na cadeira — ordenou Benson. Os dois vampiros me pegaram e jogaram minha bunda na cadeira.

Clink. Clink. Clink.

Eles prenderam as algemas de silverstone em volta dos meus braços e pernas, me amarrando na cadeira, forçando a última em volta do meu pescoço. Eu me senti como um cachorro usando uma daquelas malditas coleiras de cone.

Após prender a restrição em volta do meu pescoço, o vampiro com o canivete, aquele que cortou minhas roupas, beliscou minha bochecha com os dedos.

— Como se sente querida? — sussurrou ele. — Não é tão durona agora, não é?

Em vez de responder verbalmente a sua provocação, eu estalei com os dentes e mordi a mão dele.

Ele gritou e tentou se afastar, mas cerrei meus dentes tão forte quanto pude. Jatos de sangue encheram minha boca, e o vampiro bateu na minha cabeça e rosto, mas ignorei os golpes. Quando ele percebeu que eu não o soltaria sem lutar, o segundo vampiro avançou e me deu um soco no estômago. Apesar das minhas melhores intenções, eu não pude deixar de tossir enquanto todo o ar era expulso dos meus pulmões. O primeiro vampiro finalmente afastou sua mão da minha boca e tropeçou para longe, segurando seu membro ferido em seu peito.

Por um momento, tudo ficou quieto, exceto pela respiração ofegante do vampiro e da minha, junto com o constante beep-beep-beep das máquinas monitorando meu batimento cardíaco.

Então virei a cabeça para o lado o máximo possível e cuspi o sangue dele no chão, arruinando o brilho lustroso do ladrilho branco. Eu sorri, sabendo que meus dentes estavam tão ensanguentados quanto, bem, um vampiro depois de um rápido gole de O-negativo.

— Não é tão ruim quanto isso — eu disse, respondendo a sua pergunta anterior. — Você deve observar onde coloca seus dedos do caralho.

Benson olhou para mim com uma expressão quase divertida, como se o ferimento de seu lacaio fosse de alguma maneira divertido. Talvez tenha sido para ele.

O vampiro ferido gritou novamente e se lançou para mim, mas Silvio entrou na frente dele, frustrando seu ataque.

— Chega — disse Silvio. — É o bastante. Você sabe que o chefe não gosta quando você danifica o... Experimento dele.

O vampiro ferido ficou olhando para mim, mas não tentou passar por Silvio. Ele estava com muito medo de Benson para fazer isso.

Enruguei minha boca e fiz um barulho de beijinho para ele.

O rosto do vampiro ficou vermelho como o sangue escorrendo por sua mão ferida, mas o segundo homem agarrou seu ombro, girou-o e o tirou do laboratório, fechando a porta atrás deles.

Isso me deixou sozinha com Benson e Silvio.

— Bem, então, vamos começar — disse Benson, uma nota alta e animada em sua voz nasalada.

Sílvio foi até um suporte de madeira no canto e pegou um longo casaco branco. Benson estendeu os braços, e Silvio ajudou seu chefe a entrar no jaleco, assim como na noite em que Benson assassinou Troy. Silvio até pegou um estetoscópio da mesa e pendurou-o no pescoço do vampiro, como se Benson fosse um médico de verdade, em vez de apenas um bastardo sádico. Quando o vampiro estava vestido adequadamente, enfiou a mão no bolso da camisa e tirou uma caneta e um bloco e começou a circular em torno de mim.

Squeak-squeak-squeak. Scribble-scribble-scribble.

Squeak-squeak-squeak. Scribble-scribble-scribble.

Ele se moveu atrás de mim, então eu não podia vê-lo, mas o chiar de seus tênis no chão se misturava com o arranhar de sua caneta no papel.

— Sabe, a maioria das pessoas estaria chorando e implorando por suas vidas neste momento — disse Benson.

Eu não respondi.

De repente, Benson se inclinou para frente. Ele deve ter bebido um pouco de sangue recentemente para aumentar sua velocidade, porque nem vi ele se mover. Um segundo ele estava atrás de mim. No seguinte, seu rosto estava tão perto que ele poderia ter esticado e beijado minha bochecha, se quisesse. Em vez disso, ele enterrou o nariz no meu cabelo sujo e sugou uma respiração profunda e audível.

— Humm... Raiva — murmurou ele. — Um dos meus petiscos favoritos.

O cheiro de Benson encheu minhas narinas, o mesmo cheiro de álcool e limão que permeava o laboratório. Olhei para ele pelo canto do meu olho. Isso era tudo que eu podia fazer, tendo em conta as algemas e o fato de que eu ainda não conseguia agarrar a minha magia. Mesmo que eu pudesse alcançá-la, meus poderes de Gelo e Pedra eram inúteis nessa situação. Claro, eu poderia endurecer minha pele, mas ainda estaria presa na cadeira, e já que minhas mãos estavam amarradas, eu não tinha esperança de usar um par de picaretas de Gelo para abrir as fechaduras das restrições.

Agora, Benson podia fazer qualquer coisa que ele quisesse comigo – me torturar como quisesse, por quanto tempo quisesse – e eu estava impotente para detê-lo.

Completamente, totalmente, absolutamente impotente.

Pela primeira vez na vida eu não podia revidar, e isso me machucou mais do que qualquer outra coisa.

Benson se inclinou na minha frente para que seu rosto estivesse nivelado com o meu. Encontrei seu olhar com o meu olhar vazio, embora eu mentalmente contasse os segundos para a minha própria morte. Porque seria muito fácil para ele estender a mão, tocar minha bochecha e usar sua magia vampírica de Ar para drenar minha raiva fria – e o resto das minhas emoções – do meu corpo.

Eu não estava particularmente com medo de morrer. Estive perto do fim muitas vezes para me preocupar mais com isso. Quando isso acontecesse, aconteceria. Mas sempre esperei que pelo menos eu fosse morrer lutando. Não assim. Não tão presa.

Não tão impotente.

Mas em vez de acabar comigo, Benson me deu um sorriso satisfeito. — Sabe, Gin, eu fiquei bastante desapontado quando você apareceu na ponte, e ainda mais quando percebi que você havia conseguido levar sua irmã e a testemunha dela para a segurança, afinal.

Mantive meu rosto em branco, embora meu coração tivesse acelerado com suas palavras. Seus homens não encontraram Bria e Catalina. Com alguma sorte, elas conseguiram chegar a Xavier, e o gigante as levara para longe, muito longe.

— Mas então percebi que esse pequeno contratempo não importava — continuou Benson. — Não realmente. Afinal, sempre posso encontrá-las e matá-las depois. Elas não poderão se esconder por muito tempo. Não em Ashland, não de mim.

Isso era muito verdadeiro, e essa era uma das muitas razões pelas quais eu precisava descobrir alguma maneira de sair dessa cadeira. Ou pelo menos me certificar de que Benson estivesse esvaindo-se em sangue antes de eu dar meu último suspiro. Pena que eu não tinha ideia de como fazer qualquer uma dessas coisas acontecerem.

— Mas então, quando meus homens capturaram você, percebi que oportunidade única me foi apresentada — continuou ele.

— Ah, é mesmo? — eu disse lentamente — E o que seria isso?

— De continuar meus estudos.

Um calafrio deslizou pela minha espinha. — Estudos? Que estudos?

Benson endireitou-se e levantou a mão para o lado. — Minhas observações sobre a natureza humana, a vida e especialmente a morte.

Pela primeira vez, percebi que minha cadeira estava de frente para a parede na frente da sala – uma parede feita de vidro unidirecional.

As pessoas estendiam-se em sofás e travesseiros. Fumaça espiralando no ar. Os ventiladores de teto girando ao redor e ao redor. Eu podia ver a cova das drogas tão claramente como se estivesse na outra sala, embora não pudesse ouvir nenhum barulho vindo daquela área. Esta sala devia ser à prova de som, talvez ambas.

— É por isso que você tem todas essas pessoas aqui no seu porão? — perguntei. — Então você pode droga-las e fazer experimentos com elas?

— Claro — sorriu Benson. — Como qualquer bom homem de negócios, tenho que manter as tendências de mercado atualizadas para atender à demanda dos clientes. Tenho que continuar crescendo, mudando e... Inovando. Eu não queria que meus produtos ficassem obsoletos. É aí que as vendas começam a cair e, bem, nós simplesmente não podíamos deixar isso acontecer. Não hoje em dia, quando há uma luta de poder tão desagradável acontecendo em Ashland.

Dei a ele outro olhar enojado. — Você quer dizer que tem que continuar criando novas drogas para empurrar nas pessoas e manter o dinheiro rolando.

Ele riu. — Ah, Gin. É aí que você está errada. Eu não empurro nada sobre ninguém. A primeira dose é sempre gratuita.

— Sim — rosnei. — São todos os outros que pagam o preço por isso.

Ele deu de ombros. Não importava para ele o que suas drogas faziam com as pessoas – só que ele lucrava tanto quanto podia com a dor e o sofrimento delas.

— Me diga quantas dessas pessoas estão viciadas no seu mais novo sucesso recreativo? Como é chamado? Oh, sim. Burn.

— Muito poucos — disse ele, em um tom alegre. — Tem sido bastante popular, mais popular do que eu pensava que seria, na verdade. Ganhei uma pequena quantia nisso, embora não tanto quanto gostaria, já que tive que importá-lo de fora da cidade.

Ele gesticulou para a mesa de metal. Os frascos de vidro com seus brilhantes pós vermelhos, laranjas e amarelos lembraram-me de balas de açúcar que as crianças poderiam comer.

— Mas estou fazendo engenharia reversa da fórmula, e quase consegui, exceto por um pequeno componente. É sempre mais rentável fazer produtos em casa em vez de comprá-los.

Benson continuou olhando para mim e eu me concentrei nele novamente. Talvez ele pensasse que poderia me intimidar com seu olhar fixo e um leve sorriso. Por favor. Se eu ficasse perturbada toda vez que alguém olhasse para mim dessa maneira, eu nunca sairia da cama pela manhã.

— Você está incrivelmente calma — disse ele. — Sua batida do coração mal aumentou esse tempo todo, nem mesmo quando você estava atacando meu homem. É fascinante, realmente, considerando a situação em que você está.

— E que situação seria essa?

Ele sorriu, mostrando-me suas presas. — Na minha mansão. No meu laboratório. À minha mercê.

Combinei seu sorriso com um dos meus. — Imagino que você seja como eu nisso, misericórdia não é exatamente uma palavra popular em seu vocabulário.

Seu sorriso aumentou, e nós caímos em nossa competição de encarar silenciosamente novamente. Silvio estava à minha direita, com as mãos entrelaçadas na frente do corpo, observando Benson e eu, esperando pacientemente pelo próximo pedido do seu chefe. — Acho interessante que você possa ser tão calma — disse Benson. — Mas sua disposição é exatamente o que eu estava procurando para realizar meu último experimento. Envolve o Burn. Você vai ajudar a descobrir uma teoria que eu tenho sobre isso.

Meu estômago se contorceu pela maneira casual que ele disse experimentar, mas forcei meu olhar para ficar no dele. — Sério? Qual?

Excitação explodiu nos olhos de Benson, fazendo-os brilhar um azul elétrico por trás dos óculos. — Burn é uma das drogas mais potentes que já encontrei. Ela dá a todos uma viagem incrível – humanos, vampiros, gigantes, anões. Mas parece afetar mais os Elementais, e quanto mais fortes eles são, mais forte e mais rápido Burn funciona neles.

Isso foi mais ou menos o que Bria e Xavier me disseram na noite em que Troy foi assassinado.

— Como os Elementais têm uma reação tão incomum ao Burn, é mais fácil vicia-los com isso, e eles anseiam por ela mais do que a qualquer outra droga que eu já vi — disse Benson. — Ganhei mais dinheiro vendendo Burn do que com qualquer outro produto que já produzi, incluindo oxi e metanfetamina. Estamos falando de milhões, Gin. E isso é apenas nos poucos meses em que está disponível.

— Então é por isso que você quer fazer engenharia reversa — eu disse. — Você quer cortar seu fornecedor e fazer por si mesmo, para que não tenha que dividir nenhum lucro.

— Isso é parte disso — admitiu. — Mas essa droga? Ela me ajudará a finalmente tomar o meu lugar de direito nesta cidade.

— E qual seria?

Ele zombou. — Empurrar pílulas para vagabundos, prostitutas e gângsteres em Southtown é uma coisa. Mas eu quero subir para um nível mais alto de clientela. Northtown é onde está o dinheiro real. Por que, pense em quanto dinheiro eu posso ganhar conseguindo todos aqueles ricos Elementais de Northtown viciados em Burn. Farei mais em seis meses do que faria por dez anos com meus produtos normais em Southtown. Mab me manteve afastado aqui por anos. Bem, agora que ela se foi, eu planejo pegar o que eu queria o tempo todo.

— Seu lugar como o chefe do submundo de Ashland. — Não tive nenhum problema em esboçar os contornos de seu sonho.

Ele encolheu os ombros novamente. — É apenas um bom negócio. Estou cansado de ser o intermediário de todos, o segredinho que eles não querem que ninguém saiba. Eu aprendi há muito tempo que ou você está no topo ou você não é nada.

Bem, eu não poderia discutir com isso, desde que eu estava atualmente algemada a uma cadeira.

— Embora não seja apenas o poder que estou procurando — continuou Benson. — É a reação dos Elementais a Burn que me fascina. Como eu disse, há um pequeno componente que estou perdendo na fórmula, e eu acho que é a chave de como a droga afeta os Elementais.

— Então, como eu vou te ajudar com sua pequena teoria? — falei.

— Testei em todos os tipos de elementais. Ar, Fogo, Gelo e Pedra. Mas não tive a oportunidade de testá-la em alguém que é talentoso em mais de um elemento, como dizem que você é, Gin. — Benson manteve seu olhar fixo no meu rosto, avaliando minha reação às suas palavras e ao fato de que queria fazer de mim sua própria cobaia humana. Um tentáculo frio de medo se enrolou no fundo do estômago. Meu rosto ficou congelado, mas meu coração me entregou.

Beep- beep-beep. Beep-beep-beep.

A máquina que monitorava meu pulso acelerou quando meu coração bateu no ritmo da minha crescente preocupação.

Benson inclinou a cabeça para o lado. Seus olhos ainda estavam no meu rosto, mas, mais uma vez, eu percebi que ele não estava olhando para mim tanto quanto ele estava olhando dentro de mim. A mais leve sensação varreu meu corpo, uma das lixas invisíveis deslizando pela minha pele. Eu sabia o que era realmente: os dentes fantasmas da magia de Ar de Benson, prontos para rasgar meu corpo e arrancar minhas emoções para ele se deleitar com uma respiração aterrorizada de cada vez.

Isso me enojou.

Não muito tempo atrás, um vampiro chamado Randall Dekes havia me mordido, afundando suas presas em meu corpo repetidamente. Aquele foi um ataque brutal e violento, mas pelo menos foi de frente. A magia de Benson era muito mais sinistra que isso. O tipo de ataque furtivo que você nem perceberia que havia começado até que ele tenha sugado metade de sua alma e lambendo seus beiços em antecipação de jantar o resto.

Beep- beep-beep. Beep-beep-beep.

Meu coração continuou acelerando, mas em vez de ceder ao meu medo, raiva e desgosto, forcei-me a respirar lenta e profundamente e a permanecer calma. De jeito nenhum eu daria a Benson mais munição em seu jogo de médico enlouquecido. Eu me perguntei com quantas pessoas ele fez isso. Quantas pessoas ele acorrentou a esta cadeira. Quantas de suas emoções ele comeu enquanto conduzia seus experimentos distorcidos. Eu fiz uma promessa silenciosa para mim mesma de que seria a última, que eu encontraria algum jeito de acabar com ele – mesmo que isso me matasse.

Os lábios de Benson franziram, seus olhos focados, e a sensação horrível daquela lixa invisível deslizando pela minha pele desapareceu. Aparentemente, eu o aborreci não cedendo ao medo. Bem, que pena.

— Silvio — disse ele. — Por favor, recupere a última amostra para mim.

Silvio saiu da minha linha de visão. A porta de um dos congeladores se abriu, e eu o ouvi mexendo lá dentro. Alguns segundos depois, ele voltou até seu chefe e estendeu um saco de plástico.

Uma única pílula estava lá dentro.

Benson pegou o saco, abriu-o, e cuidadosamente retirou a droga. — Acabei de receber isso esta manhã. É uma fórmula nova e aprimorada que meu fornecedor criou. Uma que supostamente é mais potente do que aquela que meus homens têm distribuído.

Ele segurou-a entre os dedos para que eu pudesse olhar para ela.

Ao contrário das vermelhas que eu havia visto antes, esta pílula era de um verde vivo, embora ainda exibisse a runa da coroa e da chama como as outras. Parecia tão inocente, quase como uma bala prestes a refrescar sua boca, embora fosse tudo menos isso. Eu vi o esconderijo de drogas de Benson, e não tinha dúvida de que tomar apenas aquela pequena pílula me estragaria da pior maneira possível.

— As drogas sempre me fascinaram — disse Benson, olhando para a pílula, uma expressão sonhadora em seu rosto pálido. — Não, isso não está certo. As reações das pessoas às drogas sempre me fascinaram. Você pode dar a uma dúzia de pessoas a mesma droga, a mesma fórmula química na mesma dosagem, e provavelmente terá uma dúzia de reações diferentes. Ah, a maioria deles será mais ou menos a mesma coisa, mas há sempre um ou dois que te surpreendem.

Ele esperou, como se aguardando que eu gritasse. Quando não o fiz, ele continuou com suas reflexões.

— Algumas pessoas têm reações alérgicas violentas, é claro, o que interrompe qualquer tipo de prazer que elas possam sentir com a droga — continuou. — Mas o que é mais interessante para mim são as pessoas que são tão controladas, tão reservadas, tão feridas. Aquelas que têm tal controle de suas emoções e nunca parecem mostrar o que estão realmente pensando ou sentindo. As drogas parecem sempre impactá-las mais – e das formas mais interessantes.

Ele inclinou a cabeça para o lado novamente. — Estou muito curioso para saber o que perder o controle faria com você, Gin.

Eu ainda não respondi, mas aparentemente, Benson estava cansado de conversar. Antes que eu pudesse tentar me mexer, antes que pudesse morder a mão dele, antes que pudesse fazer qualquer coisa, ele se inclinou, abriu minha boca e colocou a pílula dentro.

Tentei cuspi-la, mas ele colocou a mão sobre meu nariz e boca, cortando meu ar. Eu pude ver a promessa silenciosa em seus olhos. Tomar a pílula, ou ele me sufocaria bem aqui, agora mesmo, nesta cadeira, seu experimento que se dane.

Morrer agora, ou esperar que eu possa sobreviver à viagem que Burn poderia me levar.

Sem escolha, na verdade.

Eu engoli a droga.


Capítulo 20

 

 

A pílula começou a se dissolver no segundo em que atingiu minha língua, e minhas lutas fracas com Benson apenas aceleraram o processo de absorção. Ele tirou a mão do meu nariz e da boca, e mal tive tempo de respirar antes do Burn estar no meu sistema.

Bria e Xavier me avisaram sobre os poderosos efeitos da droga, mas uma coisa diferente era experimentá-los em primeira mão. O resto da neblina opaca e lânguida do sedativo que Silvio me deu desapareceu imediatamente. Um gosto ruim, amargo, quase esfumaçado encheu minha boca, e eu quase podia sentir a pílula deslizando pela minha garganta, como se tivesse engolido uma brasa, que ficava mais e mais quente conforme descia pela minha garganta.

Então atingiu meu estômago e o mundo explodiu em chamas.

Fogo explodiu na minha barriga, dezenas de pequenas gavinhas quentes e famintas saíram do epicentro como aranhas correndo em minhas entranhas, arrastando fios ardentes de seda por trás da mandíbula tecendo uma teia de destruição apertada e inescapável.

Olhei para o meu estômago, quase esperando que as aranhas surgissem do meu umbigo e rasgassem o tecido fino do roupão do hospital, amarrando sua seda pungente sobre o lado de fora do meu corpo, bem como o interior. O suor escorria pela minha testa, o sal dele irritava meus olhos, mas aquela dor era pequena comparada com o que a droga estava fazendo comigo.

Queimando, me queimando viva, de dentro para fora.

Empurrei e contorci, me debati na cadeira com tanta força que as restrições machucaram meu pescoço, pulsos e tornozelos, mas eu não conseguia me livrar das algemas. Mesmo se pudesse, eu ainda não poderia ter escapado da droga e do que ela estava fazendo comigo. Muito rápido eu esgotei a pouca força que eu tinha, e caí contra a cadeira, ofegando por ar, embora cada respiração que eu dava apenas parecesse adicionar mais combustível ao fogo que rugia em minhas veias.

Enquanto eu me debatia, Benson puxara uma cadeira bem ao lado da minha, com a caneta e o bloco de anotações na mão, observando minhas lamentáveis lutas. Ele se inclinou, e seu hálito animado roçou meu rosto, tão quente e ansioso quanto a droga percorrendo meu sistema.

As narinas de Benson estremeceram quando ele cheirou minhas emoções novamente. — Finalmente — murmurou ele. — Medo.

Ele olhou para o relógio em seu pulso, rabiscou algo em seu bloco e, em seguida, levantou os olhos para os meus novamente. — Diga-me, Gin — perguntou ele. — Estamos por cinco minutos em nossa experiência. Como se sente? Todos esses doces, doces produtos químicos bombeando em seu corpo. Atirando diretamente em seu coração, circulando seu cérebro, e iniciando o ciclo novamente. Como se sentem, interagindo com sua própria magia, com seu próprio poder elemental? Hmm?

— Está... Queimando —... Isso foi tudo o que eu pude falar.

Não sei quanto tempo eu afundei na cadeira, apenas esperando e esperando pela horrível queimadura deixar meu corpo. Mas em vez de diminuir, ela só se intensificou, e de repente, em um piscar de olhos...

Eu estava voando.

Essa era a única maneira de descrever a sensação. Meu corpo parecia completamente sem peso, e eu subia pelo céu, com grossas nuvens brancas ao meu redor. O laboratório, Benson, Silvio, todos eles desvaneceram, e tudo o que eu pude ver, ouvir e cheirar era o céu azul – o que sempre me lembrava o outono, Fletcher, e minha família assassinada.

Fiquei tão feliz que eu ri.

Passei a maior parte da minha vida aprendendo a controlar minhas emoções, sempre deixando de lado minha dor, medo e ansiedade, especialmente nos últimos meses, com todo mundo me perseguindo. Mas agora, eu não tinha nenhuma preocupação. Sem preocupações, sem queixas, sem preocupações de qualquer tipo. Era só eu e as nuvens flutuando pelo céu.

E adorei, cada segundo.

Mas, ainda mais do que isso, me senti tão forte naquele momento. Poderosa. Invencível. Imparável. Como se eu pudesse me aproximar das nuvens no céu, envolver meu punho em torno de uma estrela e apagá-la. Atravessar a lua com minhas próprias mãos. Eliminar tudo e todos que ousaram me desagradar.

Eu não precisava de Bria, Finn, Owen ou qualquer um dos meus amigos e familiares. Eu era melhor do que todos eles, todos fracos, lamentáveis e pequenos. Especialmente Bria, sempre se preocupando em fazer as coisas do jeito certo. Sempre tagarelando sobre a lei e a justiça, em vez de apenas fazer o que precisava ser feito, como eu sempre fiz.

Eu não precisava de Bria e de suas regras e regulamentos, de sua culpa sobre eu ser uma assassina. Não mais. Eu não precisava dela rondando, o fardo que eu carrego, um fardo tão incômodo.

Tudo o que eu precisava era isso – esse sentimento, esse poder, essa droga.

Tudo o que eu precisava era de Burn.

— Apenas quinze minutos depois, e ela já está na fase da euforia — ouvi Benson murmurar. — Ela está reagindo mais rápido à droga do que qualquer outra pessoa antes. Incrível.

— Não é? — O tom de Silvio estava tão seco quanto o de Benson estava excitado.

Suas vozes penetraram em minha corrida vertiginosa, fazendo-me franzir a testa e olhar para as nuvens agrupadas ao meu redor. Quanto mais eu olhava para elas, mais percebia que algo estava errado. As nuvens brancas e gordas começaram a escurecer e a fumegar, suas bordas chamuscadas como marshmallows que foram mantidos sobre uma fogueira por muito tempo. Derretendo, derretendo em todos os lugares...

E comecei a cair.

Em um instante, eu não estava mais forte. Nem poderosa, nem imparável e certamente nenhum pouco invencível. Não, eu estava fraca, lamentável e pequena.

Meu corpo ficou cada vez mais quente conforme o chão corria para me encontrar. Mas logo antes do meu impacto, a terra marrom se dissolveu em um poço de chamas verdes rugindo. Eu gritei, embora não houvesse nada que eu pudesse fazer para evitar cair direto no coração daquele fogo furioso.

Suguei outra respiração para gritar e voltei à realidade. Para o laboratório e a cadeira, e Benson me observando, o rato em sua jaula.

— Vinte e cinco minutos depois e já está fora da fase de euforia. Fascinante, de fato.

Ele olhou para o relógio e rabiscou outra nota naquele seu maldito bloco de notas.

Mas minha raiva contra o vampiro e sua tortura doentia foi rapidamente substituída por mais dor conforme o Burn continuava correndo pelo meu corpo. O veneno pulsou através de cada parte de mim. Olhei em meus braços, e juro que eu realmente podia ver aquelas aranhas rastejando debaixo da minha pele, suas barrigas gordas, inchadas com lava verde borbulhante, e seus olhos brilhando da mesma cor perversa, enquanto elas puxavam seus fios de seda atrás delas. Os fios queimavam cada parte de mim que eles tocavam, envolvendo-me mais e mais, até que eu pensei que todo o meu corpo entraria em combustão espontânea.

Comecei a gritar e não parei.

Eu não conseguia parar.

Beep-beep-beep-beep-beep-beep.

Misturado com meus gritos, os monitores continuaram a monitorar meu batimento cardíaco, o som e o ritmo aceleraram como um motor de carro.

— Silvio — disse Benson, sua voz parecendo fraca e distante. — Verifique seus sinais vitais. Eu vou conseguir um pouco de adrenalina. Na velocidade em que a droga está passando pelo corpo dela, o choque pode matá-la. E eu odiaria perder uma cobaia tão interessante.

Cobaia? Rosnei com a ideia de que ele queria fazer isso comigo de novo e de novo, embora o som tivesse se perdido em meio aos meus gritos e aos guinchos estridentes dos monitores.

Eu estava vagamente ciente de Benson deslizando sua cadeira para longe da minha, levantando e indo para a parte de trás do laboratório. Então Silvio estava debruçado sobre mim, pressionando os dedos no ponto de pulsação no meu pulso direito. O toque frio e macio de sua mão me fez suspirar, embora meu alívio tenha sido de curta duração, quando outra onda de fogo rugiu em minhas veias.

— Gin — sussurrou Silvio em meu ouvido. — Você está reagindo mal à droga. Acho que tem algum tipo de magia elemental nela. Esse é o ingrediente que eu acho que Benson não está conseguindo achar. Se isso é verdade, então, seja qual for a magia, seu próprio poder não gosta disso. Dessa forma, você precisa lutar contra isso. Precisa lutar contra a magia, ou ela te matará. Você entendeu?

O rosto de Silvio nadou na frente dos meus olhos, sua pele bronzeada derretendo nas bordas, exatamente como as nuvens de marshmallow. Mas respirei fundo e me forcei a me concentrar, me concentrar, até que suas características se solidificaram.

— Gin? — sussurrou ele novamente, seu tom mais urgente do que antes. — Você entendeu?

Olhei em seus olhos, seus olhos cinzentos eram quase da mesma cor que os meus, como o meu poder, como minha magia.

Magia elemental...

As palavras de Silvio giravam em minha mente. Burn continha algum tipo de magia elemental? Sua declaração chocante cortou um pouco da minha confusão. Bem, isso explicaria por que Benson não conseguiu fazer a engenharia reversa da fórmula, e, também, por que a droga afetava mais Elementais, como Benson e Bria me disseram. Eu não gostava da sensação da magia de outros Elementais, muito menos daquela sendo absorvida pelo meu sistema. Silvio estava certo. Se eu não descobrisse que tipo de poder era, ou pelo menos como neutralizá-lo, a droga me mataria.

Então, pela primeira vez, em vez de tentar afastá-la, pará-la ou ignorá-la, eu realmente me concentrei na sensação da droga. Mas não foi o suficiente. Enquanto tentava me concentrar nisso, minhas próprias defesas naturais aumentaram, tentando sufocar o calor com minha própria raiva fria.

— Lute, Gin! — sussurrou Silvio novamente, com urgência, antes de se afastar.

Benson voltou, segurando uma agulha grande cheia de líquido amarelo claro. De alguma forma, eu sabia que se ele aplicasse isso em mim, se ele bombeasse adrenalina em minhas veias, isso não me ajudaria – em vez disso, me mataria.

Então eu me forcei a relaxar. Deixei minhas pernas afrouxarem contra a cadeira, abri as mãos e inclinei a cabeça para trás para que ela descansasse na almofada. Dedo a dedo, músculo a músculo, relaxei toda parte do corpo tanto quanto pude. Eu segurei uma respiração.

E então soltei completamente.

Minha dor, minha raiva, meu medo. Eu só... Soltei. Eu aliviei a tensão no meu corpo, e sem minhas emoções trancadas atrás de sua parede habitual, a droga invadiu meu sistema descontroladamente.

Foi brutal, como ser fervido vivo, mas consegui engolir meus gritos e concentrei-me nas terríveis sensações agonizantes que me varriam, comparando-as com todos os outros tipos de magias usados contra mim ao longo dos anos.

Burn não continha meu próprio poder de Gelo ou Pedra, eu apreciava aquelas sensações frias e sólidas, mesmo quando elas estavam tentando me matar. E também não era Ar, ou alfinetes e agulhas teriam apunhalado meu corpo. Qualquer que fosse a magia que havia na droga parecia mais próxima do Fogo e da queimadura quente e faiscante que eu sempre associava àquele poder.

Mas não era o Fogo.

Não realmente, não exatamente.

Então, o que diabos era isso?

Eu me forcei a me concentrar nas sensações e no fogo que não era o Fogo que ainda corria por mim. O laboratório derreteu e, de repente, eu estava de volta ao Pork Pit, pegando o garfo do chão, aquele que a mulher de cabelos ruivos estivera usando.

Compreensão passou por mim como um raio.

Talvez fosse a droga e as alucinações que a acompanharam, mas naquele instante, tudo se encaixou, incluindo Burn e exatamente que tipo de magia estava nele.

E eu sabia o que precisava fazer para me salvar.

Inclinei a cabeça para um lado e para frente, para que pudesse ver meu pulso direito algemado à cadeira. Eu não conseguia mexer tanto o braço, mas consegui enrolar a mão para poder ver o símbolo de silverstone marcado na palma da minha mão – aquele pequeno círculo cercado por oito raios finos que representava a paciência.

A droga Burn podia ter enviado fios de fogo ácido pelas minhas veias, mas eu tinha minhas próprias aranhas.

Duas delas, uma em cada mão.

Olhei para minha runa e pensei nela como uma verdadeira aranha, sentada na palma da minha mão, pronta para fazer o que eu pedisse. E imaginei a mesma coisa acontecendo com a minha outra runa na minha mão esquerda. Então peguei a minha magia de Gelo. Mais daquele maldito fogo verde e ácido cobriu a fria fonte de cristal do meu poder, tentando queimá-lo até as cinzas, mas rasguei, arranhei e arranquei aqueles fios de seda, cortando as pegajosas teias de aranha, até que pude sentir minha magia. – fria, dura, imparável.

Assim como eu.

Agarrei-me a esse poder e imaginei despejá-lo naquelas aranhas nas palmas das minhas mãos, até que estavam tão gordas e inchadas com a minha magia de Gelo prateada como aquelas que estavam sob a minha pele estavam com seu intenso calor químico verde, dor e sofrimento.

Então soltei minhas aranhas.

Elas atravessaram meu corpo, carregando suas próprias cordas de seda atrás delas, tecendo suas próprias teias frias e cristalinas em padrões delicados, mas mortais. Lentamente, muito, muito lentamente, uma sensação de entorpecimento começou a se espalhar pelo meu corpo enquanto minhas aranhas imaginárias me congelavam de dentro para fora.

E lentamente, muito, muito lentamente, as coisas começaram a mudar.

Minha visão clareou, minha respiração veio mais facilmente, e o suor cobrindo meu corpo esfriou. A agonia da droga diminuiu, embora eu ainda pudesse sentir a combinação ardente dos produtos químicos e do poder elemental lambendo as bordas da minha magia de Gelo, tentando chamuscá-las. Então me concentrei muito mais no meu próprio poder frio , usando-o para continuar a espalhar a dormência em meu corpo. Qualquer outra coisa era demais para mim agora.

Mas isso era o suficiente.

Quanto mais eu segurava a minha magia de Gelo, mais podia senti-la congelando a droga Burn no meu corpo. Eu não estava cem por cento – nem perto disso – mas sabia que o perigo havia passado.

Esse perigo, pelo menos.

— O que está acontecendo? Por que o ritmo cardíaco está caindo? — murmurou Benson, olhando para os monitores. — Ele deveria estar acelerado agora, não estabilizando.

— Talvez aquele lote de pílulas não fosse tão forte como o fornecedor prometeu — murmurou Silvio, sua voz tão suave como sempre. — Parece que desapareceu dela rapidamente.

Benson olhou para os monitores, mostrando os meus sinais vitais, o dele rosto completamente desanimado, como se alguém tivesse acabado de tirar seu brinquedo favorito. Ele colocou a agulha cheia de adrenalina na mesa, em seguida, começou a folhear seu bloco, relendo seus rabiscos. Foi a primeira vez que o vi mostrar alguma emoção, além do prazer distorcido, então decidi atacar com a única coisa que podia: palavras.

— O que há de errado, Beau? — resmunguei, com minha voz rouca de todos os meus gritos. — Você não conseguiu os resultados que queria? Ah, é uma pena que seu pequeno projeto de ciências tenha falhado. Mas, na verdade, você deveria ter sabido melhor.

Ele enrijeceu e me deu um olhar fulminante. — E por que isso?

— Oh, vamos lá, Dr. Frankenstein. Você não sabe que o monstro nunca reage como você imagina?

Suas sobrancelhas negras se juntaram em confusão. Talvez fosse a droga ainda percorrendo meu sistema ou simplesmente meu alívio por estar viva, mas sua expressão intrigada me deixou tonta, tão tonta que comecei a rir, e logo explodi em gargalhadas altas e ruidosas, até as lágrimas escorrerem pelo meu rosto e minhas costelas doerem.

Mas eu não conseguia parar de rir – eu não queria parar.

Benson olhou para mim, ainda mais confuso do que antes. Mas as minhas gargalhadas de prazer logo fizeram a sua incerteza derreter em raiva. Manchas vermelhas de vergonha floresceram em suas bochechas pálidas, e seus olhos azuis estavam cheios de raiva atrás de seus óculos prateados. Ele levantou, atirou a caneta e foi até a mesa, onde arrancou o jaleco branco de laboratório.

— Limpe-a — grunhiu ele, colocando o casaco nas costas da cadeira. — Eu quero que ela esteja pronta para o segundo round o mais rápido possível. Vou checar com o fornecedor e obter um novo lote de comprimidos para usar nela.

Silvio assentiu. Benson me deu mais um olhar enojado antes de sair do laboratório e bater a porta atrás dele para interromper o som das minhas risadas alegres, fortes e maníacas.

 

* * *

 

Silvio passou alguns minutos me soltando dos monitores e outras engenhocas. Ele não disse uma palavra quando meu riso louco finalmente diminuiu, gaguejou e depois parou. Quando terminou de guardar as máquinas, Silvio pegou o telefone e mandou uma mensagem rápida. Então ele se moveu atrás de mim, fora da minha linha de visão, antes de voltar e colocar um saco de lixo de plástico branco grosso em cima da mesa.

Clink-clink-clink.

Inclinei a cabeça para o lado. Eu conhecia aquele som – era o barulho das lâminas de silverstone raspando juntas. Minhas facas estavam naquela sacola. Pena que eu não conseguia chegar até elas. Que pena que não pudesse fazer nada além de me sentar nesta maldita cadeira.

Achei que Silvio iria pegar minhas facas de novo e sair do laboratório, mas ele hesitou, depois veio para o meu lado. E então fez a coisa mais estranha de todas.

Ele estendeu a mão e destrancou a coleira de silverstone em volta do meu pescoço.

Eu pisquei, imaginando se talvez eu ainda estivesse viajando por causa do Burn e alucinando, mas Silvio rapidamente abriu as algemas em volta dos meus pulsos, então aqueles em volta dos meus tornozelos. Nós olhamos um para o outro, ele tão calmo como sempre, eu completamente confusa. Isso deveria ser algum tipo de armadilha, algum tipo de truque da parte de Benson. Sem dúvida, ele ordenou a Silvio para me soltar apenas para que pudesse me ver tentar escapar em estado debilitado e tomar algumas notas estúpidas para as suas chamadas observações científicas.

Mas não me importei, e se havia uma coisa que eu era boa, era sobreviver a situações impossíveis e deixar os corpos dos meus inimigos espalhados pelo meu caminho. Começando aqui e agora, com Silvio.

— Aqui — disse Silvio, inclinando-se sobre a cadeira e estendendo a mão para mim. — Deixe-me ajudá-la...

Estendi a mão, envolvi minha mão direita com força em volta do pescoço dele e usei a mão esquerda para me afastar da cadeira. Nós caímos no chão. Silvio tentou se afastar de mim, mas alcancei a pequena magia que me restou – meu poder de Pedra desta vez – e endureci minha mão com ela. Usei o meu punho para colocar ainda mais pressão em sua garganta, apertando, apertando com força.

— Você faz um som ou um movimento que eu não goste, e esmagarei sua traqueia — assobiei. — O que é isso? Por que você me libertou? Qual jogo Benson está jogando agora? Isso tudo é parte da experiência dele?

— Nenhum... Jogo —... Resmungou Silvio. — Tentando... Apenas... Ajudar.

Deitei em cima do vampiro, esperando que ele começasse a arranhar minha mão ou socar meu rosto. Se ele realmente quisesse, ele poderia me tirar de cima dele. Meus braços e pernas estavam tão firmes quanto uma tigela de sopa agora, e a única razão pela qual eu estava segurando-o era que meu corpo era um peso morto completo.

Mas em vez de lutar, Silvio ficou parado. — Você cumpriu... Sua parte da... Barganha — murmurou ele. — Você salvou... Catalina... Dele. Apenas tentando... Retornar... O favor.

Seu olhar cinza encontrou o meu muito mais gélido, mas não vi nada nos olhos dele, exceto a clareza calma e fria. Silvio já havia aceitado a própria morte, fosse aqui, pela minha mão, ou mais tarde com o chefe dele.

— Benson te matará por isso — eu disse, tentando sacudi-lo, tentando ver se ele realmente falava sério. — Você sabe que ele vai.

Silvio acenou com a cabeça, tanto quanto a minha mão endurecida com Pedra o deixava. — Eu estou... Bem ciente disso.

Olhei em seus olhos, mas sua expressão calma não piscou, nem vacilou, nem por um segundo. Ele era sincero em seu desejo de me ajudar, ou era um dos melhores atores que eu já vi. De qualquer maneira, eu tomei minha decisão. Nenhuma escolha, na verdade. Por mais que eu odiasse admitir isso, eu não sairia daqui sozinha. Não quando eu estava fraca, ainda parcialmente drogada, com pouca magia, e tinha minha bunda nua pendurada na parte de trás de um roupão de hospital.

— Tudo bem, então — eu disse, liberando o controle da minha magia de Pedra e a garganta de Silvio. — Se você está determinado a trair seu chefe, então me ajude. E encontre algumas malditas roupas para mim.


Capítulo 21

 

 

Silvio me tirou de cima dele. Ele agarrou o jaleco branco de Benson e jogou-o para mim antes de ir para um grande cofre de metal no canto de trás da sala.

Ainda deitada no chão, eu estendi minha mão, enfiei os dedos no tecido e puxei a jaqueta para mim. Mesmo aquele pequeno esforço fez o suor escorrer pelas minhas costas expostas, e sentar-se contra o lado da cadeira de tortura me fez ofegar.

Sílvio ignorou meu progresso lento, girou o mostrador na frente do cofre e abriu a porta. Ele retirou um livro preto encadernado em couro das profundezas escuras do cofre antes de fechá-lo e fechá-lo novamente. Ele voltou para mim. O vampiro suspirou, balançou a cabeça e me levantou. Tudo que eu podia fazer era ficar de pé enquanto ele puxava meus braços e corpo para um lado e para o outro, manobrando-me como uma boneca que ele estava vestindo.

Cerrei os dentes para conter meus grunhidos frustrados. Eu odiava estar tão fraca, tão dependente, tão malditamente desamparada, mas o tempo era a coisa mais importante agora, e se eu tivesse que ser humilhada para escapar, bem, que assim seja.

Qualquer coisa seria melhor do que ficar presa naquela porra de cadeira novamente.

Silvio abotoou o casaco sobre o meu peito. Então pegou o saco de lixo de plástico da mesa cheio das minhas facas e me entregou uma das armas, antes de deslizar o livro do cofre dentro do plástico e amarrar o saco em volta do meu pulso.

— O que é? — perguntei. — Aquele livro.

— Seguro.

Antes que eu pudesse perguntar o que ele queria dizer, Silvio estendeu a mão, pegou-me em seus braços e se dirigiu para a porta. A bolsa de facas pendurada no meu pulso bateu contra o seu quadril, mas ele não pareceu notar.

— Vire a maçaneta para mim, então relaxe, como se você ainda estivesse chapada por causa da droga — disse ele. — Nós vamos sair muito mais rápido assim.

Coloquei a faca da minha mão na manga do casaco, então fiz o que ele pediu e fiquei frouxa nos braços dele. Silvio encostou as costas na porta, abriu-a e saiu do laboratório.

Ele deu um passo para o covil dos drogados. Alguns dos viciados se animaram quando Silvio passou por eles, mas quando perceberam que ele não era Benson com uma nova dose para eles, eles afundaram de volta em seus travesseiros e se aprofundaram em seu desespero. Dois guardas foram colocados no final da escada, e franziram a testa quando Silvio parou na frente deles.

— Aonde você vai com ela? — perguntou um dos vampiros.

— Lá em cima, para limpá-la. Ela vomitou em todo o laboratório — disse Silvio, em um tom suave. — Ordem do chefe. Ele tem planos especiais para esta aqui.

Ambos os homens estremeceram com as palavras planos especiais, mas se afastaram para que pudéssemos passar. Silvio subiu as escadas, ainda me segurando nos braços.

— Espero que você tenha tomado um bom copo de sangue no café da manhã — eu disse. — Você precisará da energia com todas essas mentiras e traição que você está fazendo.

— Tomei sangue de gigante, na verdade — respondeu ele. — Dois copos grandes. Eu gosto de planejar com antecedência. Pensei que eu poderia precisar de um pouco de força extra hoje.

— Você está dizendo que minha bunda é pesada? — eu disse lentamente. — Por que, Silvio, eu acho que estou ofendida.

Ele bufou, embora soasse suspeitosamente como uma risada.

Sílvio chegou ao topo da escada, virou à direita e começou a descer um longo corredor. Nós passamos cômodo após cômodo, todos eles equipados com sofás brancos, lâmpadas cromadas e mesas de vidro. Tudo era elegante, chique e polido para um alto brilho, mas sem fotos, livros, revistas ou enfeites de qualquer tipo adornando os móveis. Eu estava muito drogada mais cedo para prestar muita atenção ao ambiente, mas o interior da mansão de Benson era mais um reflexo de seu laboratório e de sua própria personalidade – frio, clínico, estéril.

A cova de drogas e o laboratório ficavam no centro da mansão, e sombras encobriam o interior como demônios prestes a se libertarem das paredes. Ou talvez fossem apenas mais alucinações provocadas pelo Burn.

Mas os guardas eram muito reais.

Vampiros estavam parados no final de cada corredor, todos armados com armas e telefones celulares. Alguns deles detiveram Silvio por tempo suficiente para perguntar para onde ele estava me levando, mas ele deu a resposta simples de antes, e nos deixaram passar. Mas, quanto mais longe Silvio caminhava e quanto mais guardas hesitavam, mais rápidos seus passos se tornavam, até que seus sapatos batiam como um tambor no chão.

— Devagar — murmurei. — Você está praticamente correndo, e correr faz as pessoas suspeitarem.

— Estamos com um tempo apertado, Srta. Blanco — retrucou Silvio. — Caso você não tenha adivinhado.

Nós olhamos um para o outro, mas ele diminuiu seus passos o suficiente para me impedir de reclamar com ele.

Silvio virou em outro corredor, e eu vi um conjunto de portas para o pátio na extremidade que não estava sendo guardado. Através do vidro, eu podia ver a extensão verde do gramado lá fora. Meu coração acelerou. Sílvio soltou um suspiro aliviado.

— Quase lá...

— Ei, Silvio! — Uma voz feminina alta chamou atrás de nós. — Espere!

Seus passos vacilaram. Sua boca se apertou em frustração, mesmo quando seus olhos se concentraram nas portas, e ele debateu se deveria correr até elas. Mas ele sabia tão bem quanto eu que isso enviaria todos os guardas correndo em nossa direção, então ele parou e virou.

Uma vampira veio correndo pelo corredor até nós.

— Sim, Joan? — perguntou Silvio.

Joan parou e acenou com o telefone no ar. — Acabei de receber uma mensagem de texto do chefe perguntando onde ela está. — Ela virou a cabeça para mim. — Benson quer saber por que vocês não estão no laboratório. O que você está fazendo aqui?

Silvio endureceu. — Beau queria que eu a limpasse.

— Sim, mas por que você não a deixou em uma das banheiras no banheiro perto do laboratório como de costume? — Joan franziu o cenho. — O que você está fazendo, Silvio? Você não está... Na realidade... Ajudando ela...

Antes que ela pudesse terminar seu pensamento, eu espalmei a faca escondida na manga do meu casaco de laboratório roubado e atirei nela. Eu esperava pegar a vampira na garganta, mas ela viu o brilho da arma e recuou no último segundo. Minha faca apenas cortou seu esterno, mas isso foi mais do que suficiente para fazê-la parar de fazer perguntas.

Joan gritou e cambaleou para trás, segurando a ferida que eu abri em seu peito. Ela bateu com a cabeça contra a parede e caiu no chão, inconsciente.

— Agora você conseguiu — murmurou Silvio.

— O quê? — retruquei. — Ela estava a um segundo de descobrir, de qualquer maneira...

Thump-thump-thump-thump.

Thump-thump-thump-thump.

O grito de Joan deve ter sido mais alto do que eu pensava, ou os vampiros tinham audição melhorada, porque os passos começaram a bater na nossa direção. Silvio amaldiçoou, virou e correu em direção às portas.

Mas ele não foi rápido o bastante.

Um vampiro saiu de um dos cômodos no final do corredor, sua arma já levantada. Quando viu o que Silvio estava fazendo, ele ergueu a arma e mirou. Eu alcancei minha magia de Pedra, embora não tivesse o suficiente para endurecer meu corpo, muito menos para proteger Silvio e eu das balas que começariam a voar em nossa direção...

Pfft. Pfft.

O vampiro caiu no chão, com sangue vazando dos dois orifícios na parte de trás de seu crânio. Silvio derrapou até parar.

Lá fora, no pátio, uma mão quebrou o resto do vidro da porta, depois a alcançou, destrancou e abriu. Um segundo depois, uma figura familiar apareceu – uma que quase se parecia... Comigo.

Eu pisquei, mas não era outra alucinação.

Ela estava vestida toda de preto, das botas, a calça jeans até a camiseta de mangas compridas que ela usava debaixo do colete. Até a arma dela era preta. O mesmo aconteceu com o silenciador preso ao cano. Ela não exibia o distintivo de detetive, e a única cor nela era a runa de prímula prateada cintilando na cavidade de sua garganta.

Bria abaixou a arma e sorriu para mim. — Ei, irmã mais velha.

Por um momento, fiquei atordoada em silêncio. Então encontrei minha voz novamente. — Bria? O que você está fazendo aqui?

Seu sorriso escureceu. — Salvando você. Se já não for tarde demais...

Crack! Crack!

Um vampiro apareceu no lado oposto do corredor. Silvio se agachou, mas as balas ficaram selvagens.

Bria se adiantou e ergueu a própria arma.

Pfft. Pfft.

Ela derrubou o vampiro com dois tiros no peito, no entanto mais gritos se ergueram das profundezas da mansão, ficando cada vez mais altos à medida que mais e mais guardas se dirigiam em nossa direção.

Bria olhou para Silvio. — Ela pode andar?

— Ela terá que conseguir — disse ele.

Ele me colocou no chão e me passou para Bria, que agarrou minha cintura com a mão esquerda. Eu caí contra ela, mas consegui ficar de pé, embora a sacola de facas ainda pendurada no meu pulso balançasse e sacudisse de todas as maneiras, tornando difícil manter o equilíbrio. Bria começou a me arrastar para as portas, mas Silvio não se mexeu para nos seguir.

— O que você está fazendo? — perguntei. — Você tem que vir com a gente... Ou você morrerá.

Ele balançou a cabeça. — Há muitos guardas. Você precisa de alguém para distraí-los se quiser alguma chance de escapar.

Sua boca se apertou, seus ombros caíram e a tristeza brilhou em seus olhos cinzentos. — Cuide de Catalina para mim, ok?

— Silvio! — assobiei. — Silvio!

Mas ele já havia começado a correr na direção oposta, de volta ao coração da mansão, em direção a Benson e ao resto de seus homens.

— Vamos lá, Gin — disse Bria. — Ele fez a escolha dele. Vamos garantir que isso valha a pena.

Eu assenti e nos dirigimos para a porta do pátio aberto. Eu consegui ficar de pé, mas minhas pernas estavam fracas, meus passos lentos e desajeitados, então Bria acabou fazendo a maior parte do trabalho. Ela manobrou para fora através da abertura, mas meu pé descalço pegou a perna do vampiro morto, e cambaleei pela porta, indo para a sacada. Meu crânio bateu contra o chão com força suficiente para fazer as estrelas brancas piscarem diante dos meus olhos enquanto as facas em minha bolsa batiam de leve, soando como gongos para meu cérebro dolorido. Tudo o que eu queria fazer era ficar lá e beijar as pedras frias e suaves sob o meu rosto, mas Bria não estava prestes a me deixar desistir.

— Mova-se! — ordenou minha irmã, estendendo a mão e levantando-me novamente.

Crack! Crack!

Tiros zumbiram do lado de fora atrás de nós, quebrando o vidro na outra porta. Cambaleei para a esquerda, fora da vista do corredor, e agarrei uma coluna de pedra em busca de apoio. Bria se jogou para baixo, rolou de costas, mirou a arma e... Apenas esperou.

Alguns segundos depois, dois vampiros atravessaram as portas. Bria atirou nos dois no peito e eles caíram aos gritos. Ela ficou de pé, agarrou meu braço e me puxou em direção aos degraus da varanda.

— Mova-se! — ordenou ela novamente. — Vamos lá, Gin! Você não quer morrer aqui, não é? Você sabe que quer voltar depois e matar cada um desses bastardos!

Eu sorri, apesar da minha cabeça ainda girar por causa da minha queda e minhas pernas ameaçarem escorregar com cada passo que eu dava. Ela sabia exatamente o que dizer para me motivar.

Deixei Bria liderar enquanto me concentrava em segurar a mão dela e apenas colocar um pé na frente do outro sem tropeçar. Se eu caísse de novo, os vampiros nos alcançariam e se aglomerariam em cima de nós.

Bria me puxou escada abaixo, atravessou outro pátio e saiu para o gramado. Atrás de nós, mais e mais gritos se levantaram, conforme guardas saíam da mansão e nos perseguiam. Tiros dividiram o ar, levantando terra e grama ao nosso redor, mas Bria não hesitou, e tudo que eu podia fazer era acompanhá-la. Um ponto latejava na minha lateral, o suor escorria pelo meu rosto, minha perna bambeava como de um bezerro recém-nascido, e minha sacola de facas batia contra meu corpo, mas eu me obriguei a tropeçar para frente. Se eu parasse, nós seríamos mortas, e eu seria amaldiçoada se fosse a causa da morte de Bria. Não quando ela se arriscou para me resgatar. Então chupei tanto ar quanto eu podia, ignorei todas as minhas dores e sofrimento, e cambaleei em frente.

Um vampiro saiu de um aglomerado de árvores na nossa frente. Ele ergueu a arma e mirou, mas em vez de parar e fazer o mesmo, Bria apertou mais a minha mão e continuou correndo direto por ele. Os dedos do vampiro se enrolaram ao redor do gatilho de sua arma...

CRACK!

Este tiro foi mais alto e mais agudo do que todo o resto, e o vampiro caiu sem um som, dada a bala que acabara de rasgar seu pescoço. Eu sorri abertamente. Finn estava trabalhando seu próprio tipo de magia com seu rifle sniper.

Mais daqueles tiros barulhentos e estrondosos soaram, e os guardas perceberam que alguém, além de Bria, estava atirando neles. Eles mergulharam atrás dos bancos, arbustos e árvores que pontilhavam o gramado, tentando ver de onde vinham os disparos, mas não encontraram a fonte da comoção. Finnegan Lane era um dos melhores franco-atiradores por aqui, e ele teria escolhido um poleiro perfeito, em algum lugar onde os guardas de Benson não tinham chance de disparar contra ele.

Enquanto Finn derrubava o maior número de guardas que podia, Bria continuou correndo, me puxando atrás dela como uma mãe com um filho rebelde. Tudo que eu pude fazer era seguir onde ela me levava. Mas eu não me importava para onde estávamos indo, contanto que fosse longe de Benson e todos os horrores induzidos por drogas dentro de sua mansão – horrores que me faziam estremecer mesmo agora, apesar do fato de que estávamos correndo por nossas vidas.

Continuamos em movimento e percebi que não estávamos nos dirigindo para a rua que dava para a mansão ou para qualquer tipo de veículo em espera. Em vez disso, Bria me arrastava para a parte de trás da propriedade de Benson, que dava para o rio Aneirin. Mas eu não tinha fôlego nem energia para perguntar onde estávamos indo.

Finalmente, chegamos ao rio e à simples ponte de pedra que se erguia sobre ele. Bria me puxou até o meio da ponte, então parou abruptamente. Eu fiquei lá, balançando de um lado para o outro como uma árvore prestes a cair, enquanto Bria guardava nossas costas, tomando o tempo para recarregar sua arma. Acima dos fracos cliques dela, eu ouvi outra coisa. Algo baixo, constante, e se aproximando rapidamente. Eu fiz uma careta, me perguntando sobre o som estrondoso.

Isso era... Um barco?

Bria terminou com a sua arma, depois se virou para mim. — Aqui! Você precisa escalar o lado!

Ela me ajudou a içar uma das minhas pernas sobre o corrimão, depois a outra. Ela pulou também, de modo que ambas estávamos de pé na borda. Com uma mão, Bria segurou a lateral da ponte, e com a outra, ela segurou sua arma. Ao longe, mais guardas apareceram no gramado, todos com armas, todos vindo nessa direção.

Crack! Crack! Crack! Crack!

Finn eliminou o maior número possível de vampiros com seu rifle sniper, mas a essa altura, havia mais deles do que ele poderia atirar. Alguns dos guardas se separaram e se afastaram da mansão, sem dúvida para tentar encontrar o ninho do atirador. Mas eu não estava preocupada. Finn teria embalado e ido embora antes que eles encontrassem sua localização. Então, concentrei minha atenção em ficar de pé e na lateral da ponte com minhas mãos fracas, suadas e trêmulas.

— Prepare-se! — gritou Bria para mim, sorrindo um pouco. — Nossa carona está quase aqui!

Eu assenti, mas ela não me viu, já que estava virando e disparando contra os guardas que corriam em direção a nossa posição.

Esse baixo estrondo ficou mais e mais alto. Arrisquei um olhar por cima do meu ombro, procurando pela fonte do som. Estreitei os olhos e alguma coisa apareceu à distância, do outro lado da ponte, subindo o rio, mas se aproximando rápido.

Uma lancha branca com listras azuis e vermelhas de corrida.

Pisquei, mas a imagem não se derreteu ou desapareceu no ar, então eu sabia que era real. A lancha percorreu o rio com toda a facilidade, e percebi que esse devia ser o plano de fuga de Bria. Em vez de ficar presa em uma Rua de Southtown por Benson e seus homens, ela escolheu uma rota de fuga menos óbvia, mas, mais rápida. Eu assenti em aprovação, mesmo que o movimento quase me fez cair da ponte e na água.

Bria ouviu o barco também, e guardando sua arma, ela pegou minha mão. Mais gritos surgiram dos guardas correndo em nossa direção. E com o sangue que bebiam e a velocidade extra que isso lhes dava, os vampiros se aproximavam rapidamente. Mais trinta segundos e estariam no final da ponte. Eles poderiam facilmente atirar e nos matar de lá.

— Aqui vamos nós — disse Bria, sua voz perdida nos sons contínuos de tiros enquanto ela olhava para a água ondulante abaixo de nós. — Um... Dois... Três!

Ela me puxou da ponte com ela.


Capítulo 22

 

 

Por um momento, a sensação foi a mesma que a droga Burn — aquela sensação de estar voando, voando alto. Eu ri de como era bom se sentir apenas... Livre. Minha cabeça inclinou, e tudo que pude ver foi o céu azul, pontilhado aqui e ali com nuvens de marshmallow, assim como nas minhas alucinações.

Mas então a gravidade assumiu, do jeito que sempre fazia, me sugando de volta à terra e realidade. Minha cabeça caiu, junto com meu corpo, e a corrente de ar arrancou o resto da minha louca gargalhada. Em vez de um poço de fogo imaginário, a superfície escura e muito real do rio Aneirin, a uns trinta metros de profundidade, se aproximou de mim, a água pronta para se fechar sobre mim em seu abraço frio e mortal.

E então o barco apareceu.

Era a mesma lancha que eu vi antes, e diminuiu para que estivesse em sincronia com Bria, eu, e nossa queda. Desta vez, eu não precisava me preocupar em cair, porque alguém estava lá para me pegar – Owen.

Ele estava de pé na parte de trás do barco, junto com Xavier. Os pés de Bria atingiram a borda na parte de trás do convés, seus braços se movendo enquanto ela tentava encontrar o equilíbrio, mas Xavier estendeu a mão e agarrou-a antes que ela caísse de costas na água. Eu realmente aterrissei no centro do barco, quase em cima de Owen, que estendeu a mão e segurou-me, impedindo que eu caísse de cara em um dos assentos de couro. O impacto me abalou dos meus pés descalços até os joelhos, antes de subir por minhas pernas e os meus quadris e costas. Torci meu tornozelo direito, fazendo-me gritar, e a sacola de facas pendurada no meu pulso bateu no meu lado com força o suficiente para machucar minhas costelas.

— Nós as temos! — gritou Xavier. — Vá! Vá! Vá! Vá!

O motor rugiu e o barco começou a acelerar, se afastando da ponte. Mas os vampiros que perseguiam Bria e eu não estavam prontos para desistir. Eles deslizaram até parar no meio do caminho, miraram suas armas e começaram a atirar contra nós. As balas caíram na água ao nosso redor. Xavier puxou a arma do coldre no cinto e devolveu o fogo. O mesmo aconteceu com Bria.

Mas um vampiro foi um pouco mais rápido e corajoso do que todos os outros. Ele pulou da ponte, tentando se lançar longe o suficiente para aterrissar no barco com o resto de nós. Suas pernas bombearam, como se estivesse andando de bicicleta no ar, e ele estendeu a mão...

E ele aterrissou no rio, três metros atrás de nós.

O respingo resultante nos pulverizou com água. Eu ri de novo quando as gotas frescas e molhadas escorreram pelo meu rosto.

— Tire-nos daqui! — gritou Owen. — Agora!

O motor gemeu, mais alto e mais forte desta vez, e o barco pegou mais e mais velocidade enquanto se afastava da ponte.

Os sons de tiroteio sumiram, abafados pelo motor potente, e eu sabia que nós estávamos finalmente seguros. Também ri disso.

Owen me ajudou a sentar ao lado do barco, suas mãos afastando meu cabelo suado e emaranhado do meu rosto. Preocupação escureceu seu olhar violeta. — Gin! Você está bem?

Finalmente consegui controlar minhas risadas malucas o suficiente para sorrir para ele, embora a expressão fosse mais uma careta, dada a dor no meu tornozelo. — Nunca estive melhor.

Owen sorriu para mim, mas a expressão aliviada rapidamente se desfez em uma expressão preocupada. — O que aconteceu? O que Benson fez com você?

E assim, o resto da minha risada secou, e lágrimas picaram meus olhos em vez disso. Eu disse a mim mesma que era por causa do meu tornozelo torcido. Nada mais.

— Gin? — perguntou ele de novo.

Balancei a cabeça. Eu não podia falar sobre isso. Não agora, ainda não. Talvez nunca. Porque eu ainda podia lembrar claramente os terríveis pensamentos que eu tive sobre Owen, Finn, e especialmente Bria enquanto eu estava chapada de Burn. Como pensei que era melhor que eles. Como eu não precisava deles. Como eles eram fracos. Como Bria era um fardo.

Culpa e vergonha me inundaram, queimando ainda pior do que a droga.

Owen abriu a boca para fazer outra pergunta, mas eu me inclinei para o lado, olhando para a pessoa dirigindo a lancha – uma pessoa alta e musculosa. Um homem de olhos azuis e cabelos dourados puxados para trás em um rabo de cavalo.

— E eu que pensei que você só tinha um barco realmente grande — eu disse, tentando fazer a minha voz leve e provocante, apesar da dor marcando minhas palavras.

Phillip Kincaid olhou por cima do ombro e sorriu para mim, alguns fios de cabelo voando em torno de seu rosto. — O que posso dizer? Eu gosto de diversificar.

Eu ri de novo, mesmo quando o resto da minha força evaporou e meu corpo caiu contra a lateral do barco. Meus braços e pernas pareciam frios, entorpecidos e sem força, exceto pela dor latejante no meu tornozelo.

— Chame Jo-Jo — disse Bria, em algum lugar longe da minha cabeça. — Benson realmente fez um estrago nela.

Medo e pânico pulsaram através do meu corpo, mais afiado e mais doloroso do que todos os meus ferimentos. Jo-Jo não podia me curar. Eu estava pendurada na minha sanidade por um fio. A sensação de qualquer magia a mais agora seria capaz de arrebentar aquele fio fino.

Agarrei Owen, ofegante. — Nenhuma cura. Sem magia. Demais... Disso... Em Burn.

Ele franziu a testa. — Burn tem magia?

Assenti, tentando não hiperventilar.

— Tudo bem, Gin — disse Owen, gentilmente me embalando em seus braços. — Acalme-se. Apenas respire. Você está segura.

Virei minha cabeça para que meu rosto ficasse enterrado em seu pescoço e fiz o que ele disse, atraindo seu rico aroma metalizado para os meus pulmões, tentando limpar o cheiro de limão do laboratório da minha boca e garganta, se não da minha mente e coração.

— Segura — respondi, embora minha voz fosse tão suave que duvidei que ele me ouvisse.

Então meus olhos se fecharam e deixei a escuridão me levar.

 

* * *

 

O riso de Coral ecoou em meus ouvidos enquanto eu a seguia para o prédio de apartamentos em Southtown. A porta se fechou atrás de mim, fazendo-me pular e gritar.

Coral riu novamente, sua voz maliciosa com diversão. — Relaxe. É só uma porta. Não vai te morder. Por aqui, garota.

Seus saltos bateram no chão à minha frente e corri para seguir o barulho. O interior do prédio estava quase escuro, e corri minha mão ao longo da parede para não esbarrar em nada. O cheiro de pipoca queimada, café queimado e comida chinesa encheu meu nariz, enquanto meus sapatos se arrastavam por velhos jornais, latas vazias e manchas úmidas e molhadas no chão – algumas das quais rangiam e deslizavam pelo meu toque. Muito provavelmente lixo, vômito e ratos, os quais eu preferia não ver. Estremeci e continuei andando.

Coral passou por uma porta no final do corredor e saímos para um grande pátio quadrado rodeado de edifícios por todos os lados. Pisquei contra o brilho repentino. Os prédios tinham quatro andares de altura, cada um com um conjunto de escadas subindo de um nível para outro. Portas alinhadas em todos os níveis, do térreo ao topo. Ninguém estava nas varandas ou se empoleirava nas escadas, mas a música saía de trás de algumas das portas, junto com o barulho das TVs.

— Este pátio conecta todos esses prédios — disse Coral. — Aqui, eu vou te mostrar.

Meu estômago roncou novamente, e eu me perguntei quando íamos chegar à comida que ela me prometeu, mas fiquei quieta enquanto ela passeava pelo pátio, abrindo algumas das portas dos outros prédios, me arrastando pelos corredores e saindo novamente. Vários minutos depois, nós acabamos de volta onde havíamos começado no centro do pátio.

— Hum, por que você está me mostrando tudo isso?

— Porque é sempre bom ter uma rota de fuga — disse Coral, em uma voz sábia e conhecedora. — Confie em mim.

Suspirei e meu estômago gorgolejou, o barulho de moagem subindo para um lamento queixoso.

Ela riu de novo, então me deu um sorriso deslumbrante. — Mas chega com o grande tour. Vamos lá. Vamos para o meu apartamento.

Ela enlaçou o braço no meu e me levou até um lance de escadas no primeiro prédio em que havíamos entrado. Subimos todo o caminho até o quarto andar e fomos até uma porta no canto.

— Lar, doce lar — disse Coral, abrindo a porta e entrando.

Eu a segui, e ela fechou a porta, jogando uma série de fechaduras.

Clique. Clique. Clique.

Os sons pareciam ainda mais altos do que a porta batendo no andar de baixo mais cedo, e tive que enrolar minhas mãos em punhos para evitar saltar de surpresa novamente. Para tirar a minha atenção do fato de que eu estava trancada em um apartamento com uma completa estranha, concentrei-me na cena diante de mim.

O apartamento era pequeno, com a área principal de apenas cerca de três metros quadrados. Uma porta à direita levava a um pequeno quarto, com um banheiro ainda menor anexo a ele. Um fogão respingado de manchas de gordura ficava em uma parede, ao lado de uma velha geladeira verde-ervilha com amassados enferrujados nas laterais. Uma mesa de plástico laranja com duas cadeiras de jardim desencontradas foi espremida entre a geladeira e um sofá xadrez azul coberto com cobertores puídos e travesseiros.

— Então, o que você acha? — perguntou Coral.

— É legal.

Ela bufou. — É um lixo, é o que é. Mas, na maior parte, é meu, e isso é tudo o que importa, certo?

— Por que só na maior parte?

Ela acenou com a mão. — Eu tenho um... Senhorio que vem às vezes. Mas posso lidar com ele.

Eu sabia que, na verdade, ela falava do seu cafetão, mas não disse nada.

Coral bateu sua perna magra na mesa de café bamba, sacudindo vários frascos de pílula abertos e vazios lá e fazendo um pouco de pó branco cair na superfície de madeira. Ela me viu olhando para os frascos, e deu um passo em minha direção, estreitando os olhos, os lábios se contorcendo em um grunhido furioso, as mãos cerradas em punhos. Quase parecia que ela pensava que eu tentaria roubar algo da mesa, mesmo que fosse apenas lixo.

— O que há com todos os frascos? — perguntei, tentando não me afastar com medo. — Você esteve doente?

— Algo assim. — Ela recuou, com o rosto suavizado e os punhos afrouxados. — Já chega de mim. Vamos falar de você.

Coral me circulou. Tentei não ficar nervosa quando seus olhos cor de avelã passaram pelo meu corpo da cabeça aos pés.

— Você está em boa forma, considerando todas as coisas. — Ela franziu o nariz. — Bem, exceto como você cheira. Então, o que você quer primeiro, garota? Comida ou um banho quente?

A escolha foi fácil. — Comida.

— Garota esperta.

Ela foi até a geladeira, abriu a porta e tirou um saco de papel branco. O topo da sacola estava para baixo, mas uma figura rosa estava impressa na lateral. Eu apertei os olhos. Aquilo era um... Porco?

— Você gosta de churrasco? — perguntou Coral. — São sobras de comida de um dia, mas eles esquentam bem.

Meu estômago roncou de novo, respondendo a ela.

Coral desembrulhou metade de um sanduíche de carne assada, colocou-o em um prato de papel e pôs tudo no micro-ondas que ficava precariamente no topo da geladeira. Um minuto depois, ela colocou o sanduíche na minha frente na mesa.

— Aproveite.

Ela não precisou me dizer duas vezes. Peguei o sanduíche e comecei a mordê-lo, mastigando e engolindo o mais rápido que pude, caso ela mudasse de ideia e tentasse tirá-lo de mim. O sanduíche estava quente, muito quente para comer, realmente, mas o molho doce e picante e o sabor esfumaçado da carne eram tão bons que eu não me importava que isso queimasse minha língua. Eu comi aquele sanduíche, então usei meus dedos para pegar pedaços de carne e molho que caíram no prato de papel e os chupei também.

Quando terminei, olhei para Coral, uma pergunta silenciosa em meus olhos.

— Não se preocupe — disse ela. — Eu tenho outro sanduíche que você pode comer mais tarde. Primeiro, vamos limpar você.

Fiz um barulho de protesto, querendo a comida agora, já que eu ainda estava com tanta fome, mas Coral agarrou minha mão e me puxou para o quarto. Ela abriu o armário e começou a vasculhar as roupas lá dentro.

— Aqui — disse ela. — Você pode colocar isso quando terminar.

Ela levantou uma camiseta e um par de shorts curtos, ambos de cetim preto. Eu não queria usar as roupas, já que eu iria congelar nelas, mas elas estavam limpas, e ela foi tão legal comigo até agora, então eu apenas assenti e as peguei.

Coral sacudiu o polegar por cima do ombro. — O banheiro está bem ali. Tente não usar toda a água quente, ok?

— Obrigada — sussurrei, segurando as roupas pequenas no meu peito. — Por tudo.

Lágrimas picaram meus olhos, mas pisquei de volta. Coral franziu a testa e uma sombra passou por seu rosto, mas a expressão sombria rapidamente se transformou em seu sorriso feliz habitual.

— Sem problema, garota.

Ela piscou para mim novamente e voltou para a sala principal, fechando a porta do quarto.

Entrei no banheiro, tirei minhas roupas imundas e entrei no chuveiro. Eu gemi com a sensação da água quente em cascata sobre a minha pele, e usei a maior parte de uma barra de sabão esfregando-me dos pés à cabeça, junto com meia garrafa de xampu lavando o ninho de ratos desagradável no meu cabelo.

Quando terminei, eu me senti mais como eu era, bem, desde a noite em que minha família foi morta. Claro, este apartamento não era grande, nem tão chique quanto o meu quarto, mas o pensamento de deixá-lo e voltar para as ruas me encheu de pavor. Talvez Coral fosse boa o suficiente para me deixar ficar com ela por alguns dias. Eu poderia ajudá-la. Cozinhar, limpar e fazer o que ela quisesse.

Eu faria qualquer coisa para não sentir frio, fome, cansaço e medo de novo.

Enrolei uma toalha em volta do meu corpo e peguei a blusa de cetim preta e shorts curtos de onde os coloquei na tampa do vaso fechado. Mas em vez de colocá-los, hesitei. Talvez Coral me deixasse ficar se eu não usasse tantas coisas dela, incluindo suas roupas. Não poderia doer perguntar, certo?

Então religuei a água no chuveiro e enchi a banheira para que eu pudesse lavar minhas roupas antes de sair do banheiro e voltar ao quarto. A porta se abriu uma fresta, deixando-me ver a parte principal do apartamento. Coral andava de um lado ao outro na frente do sofá, segurando um telefone no ouvido. Eu fiquei no quarto, não querendo incomodá-la.

— Sim, diga a Reggie que eu tenho uma esperta para ele — disse ela. — Uma nova garota. Eu não a vi por aí antes, mas ela não pode ter mais do que treze, quatorze no máximo. Ela não parece estar trabalhando, então estamos falando de um território novo e fresco por aqui. Se você sabe o que quero dizer?

Ela riu, mas sua risada alegre me congelou até os ossos. Minha respiração ficou presa na garganta em surpresa, e meus dedos úmidos cravaram no tecido liso em minhas mãos.

— Então, quanto ele me dará por ela? — disse Coral, sua voz tão dura e frágil quanto seu rosto. — Também quero algumas pílulas. O dobro do que ele me deu pela última garota. O suficiente para durar pelo menos um mês desta vez.

Medo passou por mim, varrendo o calor persistente do chuveiro. Ela estava... Ela queria... Ela ia me vender para seu cafetão.

A pessoa do outro lado disse alguma coisa, e Coral sorriu.

— Bom. Ela está tomando banho agora, então diga a ele para vir buscá-la. — Ela fez uma pausa, ouvindo a outra pessoa novamente. — Ele pode estar aqui em cinco minutos? Perfeito. Estarei esperando.

Suspirei. O cafetão dela já estava a caminho, e se me encontrasse aqui, ele me bateria, me estupraria, depois me drogaria e me faria trabalhar para ele.

Eu precisava sair daqui... Agora.

Voltei correndo para o banheiro e comecei a vestir minhas roupas o mais rápido que pude com minhas mãos trêmulas. Foi difícil empurrar as camadas sujas de pano sobre a minha pele úmida, mas consegui.

Eu não queria pensar no que aconteceria se eu não o fizesse.

Deixei a água no banheiro correndo, para que Coral pensasse que eu ainda estava no banho. Eu não podia sair pela frente do apartamento, não com ela esperando por mim lá fora, então contornei a cama e corri para a janela.

Papelão preso com fita adesiva cobria o espaço, mas tirei a fita com minhas unhas, arrancando-a junto com a grossa folha de papel da moldura e jogando-a no chão. Coloquei a cabeça para fora através do espaço aberto, meu coração se elevando ao ver a enferrujada escada de incêndio que se agarrava ao lado do prédio.

A porta na frente do apartamento se abriu e o murmúrio de vozes soou – o de Coral, junto com um tom muito mais baixo e profundo. O cafetão dela já estava aqui.

Mais pânico se espalhou por mim, e levantei minha perna pela janela, pronta para sair pela escada de incêndio. Olhei para baixo e vi um homem passeando pela lateral do prédio, fumando um cigarro. Eu congelei, meio dentro e meio fora da janela. Eu não sabia se o cara trabalhava para o cafetão de Coral, mas não podia me arriscar a deixá-lo me ver.

Eu estava sem tempo e sem outras opções, então voltei ao apartamento, corri para o armário no canto, abri a porta e me enfiei dentro. A porta não fechava completamente, não com todas as roupas e sapatos enfiados dentro, então segurei a maçaneta, espiei pela abertura e me concentrei em ficar o mais quieta possível.

— Ei, garota — disse Coral entrando no quarto. — Tenho alguém que eu quero que você conheça...

Silêncio.

— Droga! — rosnou ela.

Passos estalou contra o chão, e tive um flash dela correndo pelo pequeno quarto antes de sair da minha linha de visão.

— Maldição! — rosnou Coral novamente. — Ela deve ter saído pela janela. Aquela cadela maliciosa. Comendo minha comida sem pagar por isso.

Silêncio. Então outra voz falou, o mesmo murmúrio baixo e profundo que eu havia ouvido mais cedo.

— Então você está dizendo que me chamou aqui para nada? — Presumi que a voz pertencia a Reggie, seu cafetão. Seu tom era frio como pedra. Ele não estava feliz com Coral – de jeito nenhum.

— Tenho certeza que posso encontrá-la novamente — disse Coral. — Uma garota assim? Ela nunca conseguirá sobreviver nas ruas. Provavelmente voltará daqui a alguns dias, implorando para que eu a aceite.

Ela riu de novo, mas o som estava tingido de desespero.

— Eu lhe disse antes que esta era sua última chance, Coral — roncou Reggie. — Você prometeu encontrar uma garota para cobrir suas dívidas por todas aquelas pílulas que eu te dei.

— Não é minha culpa que ela tenha fugido.

— Não importa. Ela se foi. — Reggie fez uma pausa. — Mas você ainda está aqui, e estou cansado de suas desculpas.

— Reggie, espere. Por favor, cara! Eu sou boa para o dinheiro! Só preciso de mais alguns dias...

Coral respirou fundo, como se fosse gritar. Um barulho alto soou. Coral soltou um gemido baixo, depois um grito estrangulado, antes que eu ouvisse outro som...

Thwack. Thwack. Thwack.

Reggie estava batendo nela de novo e de novo, e eu sabia que ele não pararia até que a matasse. Eu estava no armário escuro, congelada de medo, imaginando o que fazer. Deveria tentar ajudar Coral e arriscar que Reggie volte sua raiva para mim? Deveria tentar sair do apartamento enquanto ele batia nela? Ou deveria ficar quieta e escondida e esperar até que acabasse?

Não, eu pensei. Isso não me faria melhor que Coral. Eu precisava tentar ajudá-la, apesar do que ela queria fazer comigo. Se nada mais, talvez Reggie a deixasse sozinha por tempo suficiente para me perseguir quando eu saísse do apartamento. Então endireitei meus ombros e respirei fundo, esperando pegar o cafetão de surpresa e depois fugir dele...

Mas já era tarde demais.

Algo bateu contra a porta do armário, então caiu no chão em frente a ele. Através da fenda, pude ver o rosto de Coral, seus olhos cor de avelã abertos em dor, terror e medo. Sangue se acumulava no chão debaixo de sua cabeça e começou a escorrer para dentro do armário, manchando ainda mais meus sapatos roubados. Coloquei minha mão sobre a boca para não gritar.

Morta – ela estava morta.

E eu também estaria se não ficasse quieta.

Então engoli meus gritos, obrigando-me a ficar absolutamente imóvel dentro do armário, apesar das roupas de cetim empurrando minhas costas, querendo me empurrar para frente.

Por um momento, o único som foi uma respiração rouca, embora eu não pudesse dizer se era minha ou de Reggie.

Então uma tábua do assoalho rangeu.

— Cadela estúpida — retumbou Reggie. — Você deveria ter apenas me pagado quando teve a chance.

Os olhos de Coral olhavam para frente, enquanto mais e mais de seu sangue penetrava no armário.

Silêncio. Então passos se afastando. Alguns segundos depois, a porta da frente se abriu, depois bateu.

Eu estava no armário, olhando para o sangue crescente no chão, e contei os segundos em minha cabeça... Vinte... Trinta... Quarenta e cinco... Sessenta...

Quando três minutos se passaram, me senti segura o suficiente para sair do armário. A primeira coisa que fiz foi correr até a sala principal e trancar a porta. Então voltei para o quarto.

Coral jazia esparramada no chão, a cabeça virada para o armário enquanto o resto dela estava torcido para o outro lado.

Contusões escureciam seu rosto conforme seu sangue já encharcava seu cabelo, transformando o brilho carmim em uma cor enferrujada e sem graça.

Eu me agachei e olhei para o corpo sem vida de Coral. Ela tentou me transformar nela, tentou me vender para o cafetão dela, tentou me usar do jeito que muitas outras pessoas a usaram. Mas era assim que as coisas eram nas ruas, especialmente em Southtown, e não pude deixar de sentir pena dela mesmo assim – e culpada por não ter feito algo para tentar salvá-la.

Então meu estômago roncou novamente, e pensei no outro sanduíche que Coral dissera que estava na geladeira. Fechei os olhos, me odiando pelo que estava prestes a fazer, mas ainda estava com tanta fome. Então contornei o corpo de Coral e fui para a cozinha, tentando chegar a algum tipo de plano sobre o que fazer a seguir. Quando terminasse de comer, eu pegaria qualquer comida que tivesse sobrado, depois passaria por suas roupas para ver se havia um casaco quente que eu pudesse roubar para afastar o frio das noites, se não a frieza crescente no meu coração...

O balanço me acordou.

Era um movimento gentil, constante e reconfortante, quase como se eu estivesse em um balanço que alguém estava empurrando, mesmo que eu estivesse deitada em uma cama.

Um forte estalo soou antes de dar lugar a um som ritmado de água batendo, e eu me senti escorregando de volta para a escuridão...

Espere um segundo. Por que houve um respingo? Por que havia água aqui? Eu não estava na casa da Jo-Jo? E se não... Onde eu estava?

Abri meus olhos, mas em vez de um afresco de um céu coberto de nuvens como eu teria visto na casa da Jo-Jo, o teto era baixo e feito de madeira dourada. Preocupação torceu meu estômago, e me apoiando nos cotovelos, eu olhei em volta. Eu estava em algum tipo de quarto de hóspedes. Bem, na verdade, era mais como uma cabine espaçosa. A cama em que eu estava deitada ocupava um dos cantos da área, os lençóis de seda azul claro que cobriam meu corpo proporcionavam um contraste agradável com a madeira dourada e lustrosa da moldura. A outra mobília era feita da mesma madeira, toda ela enfeitada com detalhes de latão polido. Uma sala de estar ocupava a metade da frente do camarote, com dois sofás azuis que se encaravam e uma TV de tela plana na parede entre eles. Uma porta a minha esquerda levava a um grande banheiro decorado com azulejos azuis.

Era definitivamente um quarto que eu nunca tinha estado antes, e minha cabeça virou para as janelas enquanto me perguntava o que eu poderia ver através delas. Mas as vidraças eram redondas em vez de quadradas, e as cortinas de renda branca foram puxadas para trás, revelando uma vista inesperada: o sol se pondo sobre o rio.

Entendimento passou por mim. Eu não estava em nenhum tipo de casa. Ah, não.

Eu estava em um barco.


Capítulo 23

 

 

Em vez de sair da cama, coloquei um par de travesseiros entre as costas e a cabeceira e me apoiei nas almofadas macias. A visão do estranho quarto não me incomodava mais, porque eu tinha uma suspeita de onde eu estava exatamente.

A bordo do Delta Queen, o cassino fluvial de Phillip Kincaid.

Eu me perguntei por que Owen e os outros me trariam aqui em vez de me levar ao salão de Jo-Jo. Talvez eles achassem que isso seria mais seguro, já que Jo-Jo seria um lugar que Benson e seus homens certamente me procurariam.

Sentei-me um pouco mais alto na cama. O movimento fez uma dor surda rugir para a vida na parte de trás do meu crânio, que rapidamente se intensificou e se espalhou pelo resto do meu corpo. Eu ainda usava o vestido de hospital branco que os homens de Benson colocaram em mim. Cortes e arranhões pontuavam minhas mãos e braços, e o lado do meu rosto latejava de onde eu caí na varanda de pedra. Mas o pior de tudo era o meu tornozelo, que enviava disparos de dor a cada batida do meu coração.

Jo-Jo deveria estar esperando que a última gota da pílula de Burn deixasse meu sistema para que ela pudesse me curar. Sem dúvida, Owen havia dito a ela sobre a magia elemental da droga, e Jo-Jo não teria desejado correr o risco de usar seu poder de Ar em mim e piorar as coisas. Mas as dores e machucados que inundavam meu corpo era um pequeno preço a pagar por escapar de Benson. Então eu seria paciente e suportaria o desconforto enquanto esperava que Jo-Jo viesse me curar.

E quando isso fosse feito e eu estivesse bem, eu continuaria com o trabalho de matar Beauregard Benson.

Eu deveria ter começado a planejar o ataque naquela primeira noite, depois que ele matou Troy e Xavier me contou quão obcecada Bria estava em prender Benson. Deveria ter aberto a garganta dele com minhas facas no segundo em que o vi na Northern Aggression. Deveria ter encontrado uma maneira de matá-lo na ponte, quando seus homens estavam atirando em Bria e Catalina. Mas eu estava cansada, perturbada e muito debilitada, e Benson havia me capturado e quase me matado como resultado, tudo em nome de seu fodido império de drogas e seus chamados experimentos científicos.

Ele não se safaria com aquilo. Ele não fugiria com nada disso.

Nenhuma coisa maldita.

A porta do camarote se abriu e Bria apareceu, como se estivesse do lado de fora, esperando que eu acordasse. Talvez estivesse.

Um pouco da tensão em seu rosto diminuiu quando percebeu que eu estava acordada, e ela se aproximou e se sentou em uma cadeira ao lado da cama. Ela ainda usava as mesmas roupas pretas de quando me resgatou, embora tivesse tirado o colete e o coldre preso ao cinto. Ela uniu suas mãos, olhando para os dedos entrelaçados em vez de para mim. Manchas de sangue marcavam a pele clara de suas mãos. Mais havia respingado em seu rosto e pescoço, com algumas gotas manchando sua runa de prímula em um carmesim feio.

De uma maneira estranha, ela parecia comigo depois de um longo dia de matança. Então, novamente, é o que isso foi para Bria, primeiro na ponte atirando nos homens de Benson, então na mansão atirando em todos que se aproximavam de nós para que ela pudesse me resgatar. Era um pouco estranho a inversão de papéis, e não estava certa de como eu me sentia sobre isso – ou como isso afetaria Bria.

— Catalina? — perguntei.

— Ela está bem — disse Bria. — Ela está aqui no barco também. Nós conseguimos atravessar o pátio e os edifícios e nos encontrar com Xavier, como você disse. Ele nos trouxe até aqui. Xavier pensou que o barco seria um bom lugar para se esconder. Há espaço suficiente para todos nós, e será uma boa posição para se defender caso Benson decida atacar.

Eu assenti. Isso foi inteligente da parte de Xavier, e ele estava certo. Dessa forma, pelo menos poderíamos ver Benson e seus homens chegando. E eles chegariam. O vampiro ainda precisava de Catalina morta, e se vingaria de Bria por me resgatar.

Quanto a mim, sem dúvida, o vampiro iria querer me arrastar de volta para seu laboratório para realizar mais experimentos em mim, já que eu era uma cobaia tão fascinante. Não pude conter o arrepio frio de medo que me varreu. Fui torturada antes, mais vezes do que eu me lembrava, na verdade, por algumas pessoas seriamente desagradáveis. Mas estar amarrada àquela cadeira no laboratório de Benson, sabendo que ele poderia fazer comigo qualquer coisa que quisesse, sabendo o quão absolutamente impotente eu estava para impedi-lo... Eu demoraria um pouco para superar isso.

Se eu realmente pudesse.

Bria respirou fundo, endireitou os ombros e finalmente olhou nos meus olhos. — Sinto muito — disse ela, em uma voz suave. — Por tudo isso. Eu deveria ter feito as coisas de forma diferente. Deveria ter falado para você o que estava acontecendo desde o começo, quando Benson matou Max. Eu não deveria ter empurrado Catalina para testemunhar, e não deveria ter dito todas aquelas coisas terríveis para você e todos os outros na Northern Aggression.

— Você fez o que achava certo.

Culpa franziu seus lábios. — Mas você é minha irmã e sabe tanto sobre esse mundo quanto eu. Mais na verdade, porque você viveu mais tempo nele. Eu deveria ter te escutado. Eu queria ouvir você. Espero que você saiba disso. É só que toda vez que eu pensava em Max e o que Benson fez com ele... — Ela parou. — Eu não podia deixar passar. Não podia deixá-lo escapar disso. Não quando eu prometi a Max que o protegeria, que eu o manteria seguro, e ele morreu porque não mantive minha palavra.

— Max não morreu porque você não manteve sua palavra. Ele morreu porque ele foi longe demais.

Ela balançou a cabeça, o cabelo loiro voando sobre os ombros. — Não é assim que me parece.

Eu não disse nada. Nada que eu pudesse dizer diminuiria sua culpa. Não sobre isso. Não agora, talvez nunca.

Ela soltou uma risada amarga. — E sabe qual é a pior parte? Quase fiz exatamente o mesmo com Catalina. Eu disse a ela que eu poderia protegê-la também e veja o que aconteceu. Benson e seus homens quase nos mataram naquela ponte. Eles teriam nos matado se não fosse por você.

Bria olhou para as mãos novamente, que estavam tão juntas que seus dedos ficaram brancos pela tensão. A tensão fez as gotas de sangue em sua pele se destacar muito mais. — E então eu teria o sangue de uma menina inocente em minhas mãos, assim como o de Max.

Eu me inclinei e peguei suas mãos. — Você é uma policial, Bria. Você estava apenas fazendo o seu trabalho. Você tentava levar um bandido à justiça. Não há nada de errado com isso.

Seus lábios se torceram em uma careta. — Há quando você perde o foco, quando perde o controle. E foi exatamente isso que fiz com Benson. Xavier estava certo. Eu estava tão desesperada para prender Benson que perdi todo o resto, e isso me custou muito. Roslyn foi mantida como refém e eu afastei Finn. Xavier e eu estamos em terreno instável, Catalina ainda está em choque, e você... — A voz de Bria caiu para um sussurro embargado. — Nem quero pensar no que Benson fez com você.

— Não foi tão ruim assim — brinquei. — Pelo menos a cadeira era confortável.

Uma risada escapou de seus lábios antes que ela pudesse pará-la. Mas a risada fraca não impediu que duas lágrimas de escorressem por seu rosto.

— Eu quase te matei. Nunca vou me perdoar por isso, Gin. Ou pelas coisas que lhe disse na Northern Aggression. E eu sei que você também não vai.

Lembrei-me de todos os pensamentos terríveis que eu tive sobre ela enquanto voava alto em Burn. Mais culpa e vergonha me percorria. Bria não era a única que nunca se perdoaria. Mas, por mais que eu admitisse, ser alimentada à força com aquela droga me dera uma melhor compreensão da minha irmã. Ela ficou magoada e indefesa com o assassinato de Max, e perdeu o controle e atacou como resultado – exatamente como eu havia feito quando estava sob o efeito do Burn.

— Gin? — perguntou Bria.

Balancei a cabeça. — Tivemos uma briga. É o que as irmãs fazem. É uma droga, e nós duas nos machucamos, mas vamos passar juntas por isso. O importante é não deixar que continue, não deixar que apodreça. Se eu estivesse em sua posição e Benson tivesse matado um dos meus informantes, eu teria reagido da mesma maneira. Na verdade, eu teria sido pior. Provavelmente teria ido até a mansão dele, batido na porta da frente e enterrado minha faca em seu coração no segundo que ele dissesse olá.

Bria riu novamente. — E isso é exatamente o que te faz você. Não importa o que, você sempre protege as pessoas que ama. E eu não fiz isso. Não hoje . Já há muito tempo.

Mais lágrimas escorreram por suas bochechas. As gotas salgadas escorreram de seu queixo e respingaram sobre sua runa de prímula, espalhando as manchas de sangue no silverstone.

Olhei para sua runa, o símbolo da beleza. — Sabe, um velho sábio me disse uma vez que todo mundo comete erros de vez em quando.

— Fletcher?

Assenti. — E ele estava certo. Você cometeu alguns erros. Todos nós cometemos, não ouvindo um ao outro. Mas você tem sorte – nós somos sortudos – pois você ainda tem a chance de consertá-los.

Ela me deu um sorriso irônico. — E como eu faço isso?

— Você encontra uma maneira de derrubar Benson e manter Catalina segura. Com alguma ajuda minha, é claro.

Bria juntou os dedos aos meus. — Eu não faria de outra maneira.

Apertei a mão dela com força. — E eu também não.


Capítulo 24

 

 

Bria e eu ainda estávamos de mãos dadas, desfrutando do silêncio tranquilo entre nós, quando outra pessoa abriu a porta e entrou na cabine – uma anã usando um colar de pérolas e um vestido pink com estampas de grandes rosas brancas.

Jolene Jo-Jo Deveraux caminhou até a cama, colocou as mãos nos quadris e olhou para mim com um olhar crítico, os olhos claros quase incolores, exceto por suas pupilas negras. Ela estalou a língua para o meu estado deplorável e balançou a cabeça, embora o movimento não balançasse um único de seus perfeitos cachos loiro branco.

— Desculpe não ter aparecido para ver você antes, querida — disse ela. — Mas precisei esperar até que essa droga desagradável estivesse completamente fora do seu sistema.

— Não se preocupe. Só dói quando eu respiro.

Jo-Jo soltou uma risada calorosa, depois foi para o banheiro lavar as mãos. Bria se levantou e Jo-Jo voltou e sentou ao lado da cama, aproximando ainda mais a cadeira de mim. Os olhos da anã começaram a brilhar com um banco pálido leitoso, assim como a palma da sua mão, enquanto ela carregava sua magia do Ar. Ela se inclinou, e uma série de alfinetes e agulhas invisíveis começou a penetrar em meu corpo. Elementais do Ar como Jo-Jo usavam oxigênio e todos os outros gases naturais no ar para limpar feridas infectadas, consertar ossos quebrados e costurar pele machucada.

Sentir-me sendo curada não era agradável, especialmente desde que a magia do Ar de Jo-Jo era o oposto do meu próprio poder de Gelo e Pedra. A anã usando sua magia em mim de qualquer maneira nunca pareceria certo, assim como estar perto do meu poder quando eu estava o usando ativamente nunca seria bom para ela.

Mas o que tornou a coisa pior hoje foi o quanto isso me lembrou de Benson.

A sensação de alfinete e agulhas me fez pensar na lixa fantasma que notei quando Benson matou Troy e, novamente, quando ele estava buscando, tentando sentir minhas emoções na Northern Aggression e em seu laboratório. Mesmo que Jo-Jo nunca usasse sua magia desse jeito, nunca, jamais para me machucar, um baixo rosnado de advertência saiu da minha garganta.

— Gin? — perguntou Bria. — Você está bem?

— Eu ficarei bem — eu disse com os dentes cerrados, meus dedos torcendo os lençóis de seda. — Faça-me um favor e me distraia. Fale sobre Silvio. Como ele ajudou você?

— Foi tudo ideia dele — disse ela. — Após Catalina e eu chegarmos ao carro de Xavier, eu não queria deixar você para trás, mas alguns vampiros seguiram em um SUV, e Xavier teve que correr para se afastar deles. Xavier e eu havíamos acabado de chegar ao barco com Catalina quando Silvio me mandou uma mensagem. Eu não tinha ideia de como ele tinha o meu número, mas ele me disse que Benson havia capturado você e que ele tinha um plano para ajudá-la a escapar. Não acreditei nele, mas Catalina me disse que ele era tio dela e que ele estava dizendo a verdade. Silvio me disse como passar pelos guardas para chegar ao pátio e que ele estaria lá esperando com você. Ele disse que pular da ponte em um barco seria a maneira mais rápida de afastar você de Benson, e ele estava certo.

Ela suspirou. — Eu gostaria que ele tivesse vindo com a gente. Benson provavelmente o matou por esta altura.

Eu tinha minhas dúvidas sobre isso, mas outra onda desconfortável de magia de Jo-Jo varrendo meu corpo me impediu de responder. A anã precisou de mais cinco minutos para se recostar e soltar sua magia. O brilho branco desapareceu de sua mão e seus olhos.

— Pronto, querida — disse Jo-Jo. — Boa como nova.

Eu me joguei contra os travesseiros, ofegante, suor escorrendo pelo meu rosto. Mas, lentamente, a memória da magia de Jo-Jo desapareceu e movi meus braços e pernas. Assim como ela disse, tudo estava novinho em folha, inclusive meu tornozelo anteriormente quebrado.

Eu poderia ter ficado ali e adormecido, mas me obriguei a sentar direito. — Preciso daquela sacola que estava amarrada no meu braço quando você me resgatou.

Bria franziu a testa, mas ela foi até lá, pegou a sacola de onde estava em cima de uma mesa de café e a trouxe para mim. Eu rasguei o plástico. Minhas facas estavam dentro, junto com meu anel de aranha, mas eu estava mais preocupada com o que estava no fundo da sacola: o livro de capa de couro preto que Silvio havia colocado lá dentro.

Peguei o livro e comecei a folhear. E percebi que não era tanto um livro, mas um livro-razão, que narrava toda a operação de drogas de Benson.

A primeira metade do livro de registro era de coisas sem sentido, pelo menos para mim. Compostos químicos, fórmulas e equações para os coquetéis de drogas de Benson. Passei rapidamente por aquelas seções.

A outra metade do livro era muito mais interessante, com fileiras de colunas, números e, o mais importante de tudo, nomes – nomes de todos que compravam ou vendiam drogas para Benson. Eles eram até classificados em termos de quanto dinheiro eles fizeram ou custaram ao vampiro.

Reconheci muitos dos nomes, incluindo alguns dos outros chefões do submundo, como Lorelei Parker e Ron Donaldson. O livro-razão era praticamente quem eram as pessoas más em Ashland. Folheei as entradas mais recentes. Examinei as fileiras de nomes dos fornecedores de medicamentos de Benson até encontrar o que estava procurando.

— O que é isso? — perguntou Jo-Jo.

— Seguro. — Repeti o que Silvio me disse no laboratório, e finalmente percebi por que ele me deu o livro. — Benson não vai matar Silvio. Ainda não. Nesta altura, ele terá percebido que Silvio me entregou isto. Ele vai querer saber o que eu pretendo fazer com o seu livrinho preto antes de matar Silvio.

Fechei o livro, então olhei para Bria. — O que você acha de montar outra missão de resgate? Você e eu, juntas desta vez.

Seu sorriso combinou com o meu.

 

* * *

 

Nós elaboramos os esboços do nosso plano, embora Bria insistisse que esperássemos até a manhã seguinte para implementá-lo. Eu não queria que Silvio fosse torturado como eu, mas já era tarde demais para isso. Eu só precisava esperar que ele pudesse aguentar até que pudéssemos salvá-lo. Além disso, eu queria estar em plena força quando enfrentasse Benson novamente, e meu corpo ainda precisava de tempo para se recuperar de todo o trauma que tinha sofrido hoje.

Minha mente e coração também.

Jo-Jo e Bria saíram para que eu pudesse relaxar, mas eu estava muito inquieta para adormecer, então afastei o lençol, entrei no banheiro e tomei um longo banho quente para lavar o fedor de limão de Benson de mim, se não as lembranças da minha mente.

Infelizmente, aquelas demorariam muito, muito tempo para ir.

Enrolei uma toalha em volta do meu corpo e voltei para o camarote para encontrar Owen esparramado em um dos sofás, olhando para um jogo de futebol na televisão. Ele se endireitou e desligou a TV.

— Ei — disse ele. — Jo-Jo me mandou entrar. Estive esperando aqui fora. Eu não queria incomodá-la.

Ele estava me dando um pouco de tempo para mim mesma, tempo para processar todas as coisas horríveis que aconteceram e enterrá-las profundamente onde ninguém jamais as veria. Meu coração se encheu de amor por ele. Owen era tão bom ao me dar o espaço que eu precisava. Mas eu estava cansada de estar magoada, triste e revivendo os horrores que Benson fizera comigo. Agora eu queria – eu precisava – sentir algo bom, algo forte, algo real e mais poderoso do que qualquer coisa que Benson pudesse fazer comigo.

Owen.

— Gin? — perguntou ele, ficando de pé. — Você está bem? Quer que eu chame Jo-Jo?

Em vez de responder, eu fui até a porta e a tranquei. Eu não queria que ninguém interrompesse. Voltei para Owen, parando na frente dele. Mantive meu olhar cinzento em seu violeta conforme soltava a toalha e a deixava cair no chão.

Apreciação e desejo surgiram em seus olhos, mas Owen hesitou. — Você tem certeza?

— Tenho certeza — respondi em um sussurro rouco. — Não quero pensar em Benson ou qualquer outra coisa além de você pelo resto da noite.

Owen estendeu a mão para mim, mas coloquei minha mão em seu peito e o empurrei para a cama. Ele estendeu a mão novamente, mas eu o mantive à distância enquanto desabotoava sua camisa e abria o zíper da calça. Ele recuou por tempo suficiente para tirar suas roupas e pegar um preservativo da carteira. Eu tomava anticoncepcional, mas sempre usávamos proteção extra. Ele estendeu a mão pela terceira vez, e eu finalmente deixei seus braços me envolverem.

Por um segundo, nós apenas ficamos ali, nossas testas se tocando, nossa respiração se misturando, minhas mãos descansando em seus ombros largos enquanto seus dedos acariciavam minhas costas em padrões sem sentido. Então dei um passo à frente, e nós dois caímos na cama juntos.

Sentindo minha necessidade de controle, Owen se deitou e me deixou explorar seu corpo. Eu o beijei gentilmente, provocando minha língua contra a dele, alimentando o fogo que sempre queimava entre nós. Por um longo tempo, isso foi tudo que fiz. Mas então meus beijos ficaram mais ousados, intensos e longos, e minhas mãos começaram a vagar. Afastei meus lábios dos de Owen e beijei seu corpo, começando com a inclinação do nariz antes de passar para a cicatriz que cortava seu queixo e depois para seu peito musculoso. Por fim, meus lábios, língua e mãos deslizaram ainda mais para baixo, explorando seu comprimento duro.

Owen gemeu. — Você me deixa louco.

Eu sorri e levei-o na minha boca.

Ele gemeu novamente, seus músculos relaxando e contraindo com cada movimento quente da minha língua e o gentil arranhar dos meus dentes. Pouco antes de ele ultrapassar a borda, recuei e beijei meu caminho até sua boca.

Nós nos separamos e ele acariciou meu cabelo. — Gin?

Eu sabia o que ele estava realmente perguntando. Eu assenti, deitei e finalmente deixei que ele me tocasse, realmente me tocasse, suas mãos explorando meu corpo assim como as minhas exploraram o dele, da curva sensível do meu pescoço até meus seios e depois até o emaranhado de cachos entre minhas pernas. Owen deslizou um dedo dentro de mim enquanto sua língua dançava ao redor de um dos meus mamilos, em seguida, o outro. O fogo baixo e lânguido cintilando dentro de mim explodiu em algo muito mais quente e intenso.

De repente, tudo era demais e não era o suficiente ao mesmo tempo.

— Preservativo — eu disse asperamente. — Agora.

Owen abriu o pacote e se cobriu com ele. No segundo em que ele terminou, eu me joguei em cima dele, beijando-o forte e profundamente, minhas mãos tocando cada parte dele. Então, levantei e escorreguei para o seu comprimento duro, fazendo-nos gemer.

Owen colocou as mãos nos meus quadris, me firmando, me movendo, me ancorando, conforme eu o cavalgava quente, forte e rápido. O prazer e a pressão entre nós foram se acumulando e acumulando, até que nós dois explodimos, encontrando nossa liberação juntos.

Então, quando acabou, eu caí sobre o corpo dele. Os braços de Owen foram ao meu redor, e ele me aproximou ainda mais, me embalando contra seu peito e murmurando o quanto ele me amava de novo e de novo. Enterrei meu rosto em seu pescoço.

E foi só então que realmente me soltei e me afoguei em todas as horríveis emoções e lembranças do dia.

Meu sentimento de frenesi lentamente se dissipou e soltei uma respiração trêmula, ficando mole e relaxada no calor do abraço sólido de Owen. Seus murmúrios se desvaneceram lentamente, mas ele continuou acariciando meu cabelo, braços e costas, como se tentasse me tranquilizar com cada deslize suave de seus dedos de que isso era real, que ele estava aqui e que nenhum de nós iria a lugar nenhum.

Talvez ele também tentasse provar isso para si mesmo.

Pela primeira vez desde que Benson enfiou a pílula de Burn em minha boca, me senti realmente segura, como se o vampiro nunca fosse capaz de me ferir novamente. Claro, isso não era verdade, e não seria verdade até que eu o matasse. Mas enquanto ouvia o coração de Owen tamborilando no seu peito, me permiti ter a ilusão de segurança, pelo menos pelo resto da noite.

Porque o amanhã seria ainda mais perigoso do que hoje. Amanhã eu enfrentaria o meu inimigo – e apenas um de nós sobreviveria ao confronto.


Capítulo 25

 

 

Eu adormeci e acordei um pouco antes do amanhecer. Owen ainda estava me segurando perto com um braço, enquanto o outro estava jogado sobre sua cabeça. Ele deve ter pegado os lençóis em algum momento durante a noite e colocado em cima de nós, porque estávamos encapsulados em uma teia quente de seda. Não querendo perturbá-lo, escorreguei do seu abraço e da cama.

Entrei no banheiro, fui até o chuveiro e liguei o mais quente que consegui, deixando a água bater no meu corpo. Jo-Jo havia curado meus ferimentos na noite passada, mas meus músculos ainda pareciam duros e doloridos de todas as lutas de ontem, então fiquei sob o spray escaldante até que tudo se sentiu livre e quente. Um robe branco e fofo estava pendurado na parte de trás da porta, então eu peguei e coloquei antes de voltar à cabine.

Owen ainda dormia, roncos suaves retumbavam em sua boca, mas eu estava muito inquieta para me deitar, então destranquei a porta e saí para o corredor. O único som era a água suave e constante batendo contra o barco. Jo-Jo dissera que Phillip mandou todos embora, com exceção de alguns de seus trabalhadores de confiança, quando Owen e os outros me trouxeram a bordo. Subi um lance de escadas, que me levaram ao terceiro nível, depois abri uma porta e saí para o convés principal.

Era uma linda manhã de setembro, calma e fresca, e estremeci com um frio delicioso quando uma leve brisa atingiu o meu rosto e soprou meu cabelo molhado. O sol estava apenas se erguendo sobre os cumes das montanhas ao leste, estriando o céu com camadas de vermelho, laranja e amarelo. As cores quentes e vibrantes me lembravam daquelas no sinal de coração e flecha do lado de fora da Northern Aggression.

Apesar da hora adiantada, eu não era a única do lado de fora. Sophia também estava aqui, sentada em uma espreguiçadeira ao lado da prancha que levava ao chão e assistindo a um filme em seu tablet. Provavelmente um daqueles velhos faroestes que ela tanto amava, a julgar pelo tênue som de apito de um trem e de tiroteios que saíam do dispositivo. Uma garrafa térmica de metal estava no convés ao lado de sua cadeira, as ondas de vapor enrolando-se para fora da garrafa trazendo o rico aroma de café quente junto com elas. Uma espingarda estava ao lado da garrafa térmica no convés, e uma segunda arma parecida estava encostada no corrimão.

Julgando pelo cobertor que estava sobre seus ombros como um poncho, Sophia estivera aqui a noite toda, assistindo filmes, bebendo café, e vigiando, no caso de Benson e seus homens nos encontrarem e decidirem atacar. Sua devoção me tocou, e mais lágrimas picaram meus olhos. Eu disse a mim mesma que elas estavam lá apenas porque o sol já estava muito brilhante.

Sophia ergueu o olhar quando ouviu a porta se abrindo, então sorriu e acenou para mim. Eu acenei de volta. Mas ela não se levantou da cadeira e se aproximou de mim, e eu não andei e falei com ela. Eu ainda precisava de um pouco mais de tempo para pensar nas coisas, e Sophia respeitava isso. Fui até o lado de fora do convés, apoiei meus antebraços no corrimão e vi o último pedaço da noite desistir de seu fantasma ao amanhecer.

Eu não estivera no parapeito por muito tempo, talvez dez minutos, quando uma das portas se abriu e passos suaves soaram. Eu olhei por cima do meu ombro. Catalina estava no meio do convés, envolta em um manto branco, uma expressão hesitante no rosto, como se não tivesse certeza se seria bem-vinda. Acenei para ela e ela se juntou a mim. Ela imitou minha pose, e ficamos ali olhando para a superfície ondulante do rio.

— É tão bonito — disse ela, passando a mão pela grade de bronze. — Tudo aqui é. Eu passo pelo Delta Queen todos os dias no meu caminho para o trabalho no Pork Pit, mas nunca pensei que teria a chance de entrar a bordo, muito menos ver o interior. É legal.

Eu assenti, apesar de legal ser um pouco de eufemismo, já que o Delta Queen tinha seis níveis de reluzente madeira branqueada adornada com tinta azul e vermelha. Uma roda de pás bem atrás se projetava sobre o resto do barco, lançando uma grande sombra que cobria Catalina e eu, apesar da primeira hora do dia.

— Eu queria te agradecer — disse ela. — Por ajudar Bria e eu. Por nos salvar. O que você fez... Como você conseguiu nos tirar daquela ponte e nos afastar de Benson e seus homens... Foi fantástico. Foi tudo que eu já ouvi sobre você e muito mais.

Dei-lhe um olhar interrogativo, e um pouco de rubor manchou suas bochechas douradas.

— Eu ouvi todos os rumores sobre você ser uma assassina, sobre você ser a Aranha.

— Mas?

Catalina respirou fundo. — Mas... Nunca pensei que eles fossem verdadeiros. Pelo menos, não até eu ver você lidando com Troy e aqueles dois vampiros na faculdade. Você parecia tão legal, tão... Normal. Pensei que era apenas uma história maluca que as pessoas estavam inventando. Uma lenda urbana ou algo assim.

— Mas nunca ficou curiosa antes disso? — perguntei, encarando-a. — Sobre tudo o que acontece no restaurante? Especialmente sobre mim e porque estou sempre assim... Desgrenhada?

Essa era uma boa maneira de dizer machucada, espancada e ensanguentada.

Ela encolheu os ombros. — Eu estava, mas você sempre foi tão legal comigo que percebi que não havia como você fazer o que as pessoas diziam que você fazia, que poderia ser o que todos diziam que você era. Além disso, mesmo que percebesse que todos os rumores eram verdadeiros, eu não teria me importado, de qualquer maneira.

— Por que não? Trabalhar para uma assassina não é o tipo de coisa que a maioria das pessoas possa ignorar.

Ela encolheu os ombros novamente. — Com o jeito que minha vida foi no ano passado, ir ao Pork Pit, trabalhar lá, servir mesas, foi como um alívio, sabe? Porque não importava o quanto eu estivesse zangada com a morte da minha mãe, não importava o quanto sentisse falta dela, sabia que poderia ir ao restaurante e esquecer tudo, pelo menos por um tempo. Durante meus turnos, eu poderia simplesmente sair, fazer meu trabalho e fingir que não estava desmoronando por dentro.

— Mas você não precisa trabalhar no restaurante. Não com esse fundo fiduciário que Silvio criou para você.

Ela assentiu. — Eu sei, pensei em me demitir. Mas trabalhar no restaurante foi... Um escape para mim, sabe? Um lugar onde eu poderia sentir que era normal. Apenas uma garota, apenas uma garçonete, apenas uma estudante universitária. Em vez de alguém com uma mãe morta, um tio que trabalha para o maior traficante de drogas da cidade, e um fundo fiduciário cheio de dinheiro feito da miséria de outras pessoas.

Ela fechou os olhos e apertou as mãos ao redor do corrimão, como se estivesse se preparando para algo. Depois de um momento, ela abriu os olhos e olhou para mim novamente.

— Sinto muito sobre o que aconteceu ontem — disse ela, sua voz caindo para um sussurro baixo, rouco e culpado. — Sobre o que Benson... Fez com você. Eu ouvi Bria e os outros falando sobre isso. É horrível, e é tudo culpa minha. Você estava certa. Eu nunca deveria ter concordado em testemunhar. Eu quase fiz que você e Bria fossem mortas.

Balancei a cabeça. — Não, você estava certa e eu estava errada. Você estava apenas tentando obter justiça para Troy, da melhor maneira que você podia. Nunca se desculpe por isso. Não para mim, nem para ninguém. O que aconteceu, o que Benson fez comigo, não é culpa sua. Eu sabia que você e Bria estavam em apuros, e fiz a escolha de ajudá-las, não importando as consequências. Eu faria a mesma escolha repetidamente.

Ela assentiu, depois olhou para longe, mordendo o lábio, preocupada. — E quanto a Silvio? Bria me disse que ele ajudou a resgatar você, e que voltou para a mansão a fim de distrair os guardas. Você acha que ele ainda está... Vivo?

— Não sei, mas vou descobrir. Eu te prometo isto: se ele ainda estiver vivo, então eu farei de tudo em meu poder para salvá-lo, o mesmo que ele fez para mim. Isso funciona para você?

Catalina assentiu e parte da tensão se esvaiu de seu corpo. — Então, o que acontece agora?

— Você vai ficar aqui e ficar segura — eu disse. — Não se preocupe. Eu cuidarei do resto.

 

* * *

Catalina e eu voltamos para as cabines para tentar dormir mais um pouco. Eu deitei na cama ao lado de Owen, aconchegando-me contra seu corpo quente e musculoso, e adormeci sem problemas.

Então, novamente, eu nunca ficava particularmente perturbada quando decidia matar alguém.

Dormi por mais duas horas e acordei me sentindo revigorada e pronta para continuar com meu inevitável confronto com Benson. Owen havia saído da cama enquanto eu dormia, embora tivesse deixado uma nota apoiada na mesa de cabeceira.

Buffet. Plataforma principal. Deleite de Phillip.

Bem, isso soou promissor. Então coloquei algumas roupas que Jo-Jo trouxera para o barco e fui procurar os outros.

Ao amanhecer, o convés principal estava vazio, exceto por Sophia e suas espingardas, mas agora duas mesas foram instaladas no lugar, cada uma coberta com uma impressionante quantidade de comida. Bacon, ovos mexidos, pão com molho de salsicha, presunto frito, pilhas de torradas com diferentes tipos de compotas de frutas. Meu estômago roncou e percebi quanto tempo fazia desde que eu havia comido. Arrumei um prato de comida, peguei um copo de suco de laranja e levei tudo para uma terceira mesa posicionada na proa do barco, perto do corrimão, para que as pessoas tivessem uma visão do rio.

Phillip estava sentado à mesa, com o prato já limpo, uma mimosa na mão e um jarro cheio da mesma bebida estava empoleirado perto do seu cotovelo. Owen também estava lá, falando baixinho com seu melhor amigo. Assim como Finn, que não tinha nem um, nem dois, mas três pratos de comida na frente dele, os quais ele estava comendo ao mesmo tempo, dando primeiro uma mordida nos ovos mexidos e depois uma no pão com molho e seguindo isso com um crocante bacon e torradas salpicadas com conservas de morango.

Sentei-me ao lado de Finn, não muito gentilmente empurrando sua pilha de pratos para fora do meu caminho. — Onde estão os outros?

— Sophia, Jo-Jo e Catalina ainda estão dormindo embaixo do convés — disse Owen, estendendo a mão por cima da mesa e apertando minha mão. — Xavier foi checar Roslyn. Ela ainda teve que comandar as coisas no Northern Aggression na noite passada, então ela ficou em um quarto de hotel com um nome diferente em vez de dirigir até aqui. Bria foi com ele.

— E como vai isso? — perguntei. — Xavier e Bria?

Owen deu de ombros. — Bem, na medida do possível.

Apertei a mão dele, então me inclinei e o beijei.

Finn fez um barulho de engasgo. — Por favor. Alguns de nós estão comendo.

— Tenho que concordar com Lane — disse Phillip, inclinando a taça de champanhe para mim. — É muito cedo para esse tipo de coisa.

Dei outro beijo em Owen, apenas para irritá-los, depois encostei na cadeira e comecei a comer. Os pães eram leves, fofos e assados até a perfeição dourada, enquanto o molho de salsicha era grosso e cremoso, com um sabor apimentado. Cortei minha pilha de torradas em triângulos, provando as geleias de morango, amora e damasco, por sua vez apreciando a explosão de fruta doce e pegajosa fazendo cócegas na minha língua.

Tudo estava bem, e não me importei de comer a comida de outra pessoa, mas havia se tornado uma tradição para mim, fazer a refeição pós-batalha, e eu estava um pouco desconcertada por não ter conseguido fazer isso. Talvez fosse mesquinho de minha parte, mas eu queria que todo mundo estivesse exultando e saboreando a refeição que eu havia feto. Não de alguns estranhos.

— Então, qual é o veredicto sobre o bufê? — perguntou Owen, seus olhos violeta brilhando um pouco, sabendo exatamente o que eu ia dizer.

— Aproveitável — bufei. — Mas eu poderia fazer melhor.

Phillip revirou os olhos. — Certamente darei os seus cumprimentos ao meu chef, com todos os seus muitos anos de escola e tempo trabalhando em alguns dos melhores restaurantes da Costa Leste.

— Melhor ter cuidado, Gin — disse Owen, provocando Phillip e eu. — Gustav não leva insultos à sua comida gentilmente, e ele é quase tão bom com facas quanto você.

— Oh — eu disse lentamente. — Eu duvido disso.

Owen deu uma risadinha, mas Phillip revirou os olhos novamente e drenou o resto de sua mimosa com um movimento exagerado.

Peguei dois pratos de comida. Assim como Owen, e Finn ainda estava firme e forte em seu quarto prato. Enquanto ele terminava de comer, ficamos sentados em um silêncio sociável, ouvindo a agitação do rio. Uma leve brisa agitou meu cabelo, trazendo um rico cheiro de terra junto com ele. Respirei profundamente, deixando-a entrar pela minha boca e rolar sobre a minha língua antes de escorrer pela garganta e pelos pulmões. Talvez fosse minha imaginação, mas o ar parecia mais picante do que nunca, com um gosto quase metálico e acobreado.

Ou talvez fosse a minha expectativa de fazer com que Beauregard Benson sangrasse mais tarde hoje.

— Então, qual é o plano? — perguntou Finn, empurrando outra tira de bacon na boca.

Dei de ombros. — Achei que teríamos uma manhã tranquila e agradável aqui no barco, e então eu me vestiria, iria até Southtown, bateria na porta da frente de Benson e o mataria quando ele atendesse. Com vocês me apoiando, é claro. Depois disso, quem sabe? Drinks no Northern Aggression?

Os três rapazes olharam um para o outro, depois para mim.

— Você não será um pouco mais... Discreta sobre as coisas? — perguntou Phillip. — Você sabe, entrar na mansão tarde da noite, matá-lo sob a cobertura da escuridão, e deixar seu corpo ensanguentado para seus homens encontrarem na manhã seguinte?

Em vez de responder, eu olhei para o céu. Um pouco de cobertura de nuvens se formou, fazendo parecer que raios estivessem fluindo do sol. Os raios avermelhados me lembraram do cabelo de Coral. Graças a meus sonhos, eu estava pensando muito no meu tempo com ela, especialmente como eu havia me escondido no armário enquanto seu cafetão a espancava até a morte. E percebi que estava fazendo exatamente a mesma coisa nesses últimos meses, me escondendo no Pork Pit e esperando os chefes do submundo tentarem me matar, quando eu deveria ter sido a pessoa na ofensiva, no ataque em vez disso.

Era hora de fazer algo sobre isso, tudo isso, começando com Benson.

— Gin? — perguntou Owen.

— Não. — Eu falei, respondendo-os. — Nenhum ataque furtivo. Hoje não. Estou cansada de me esconder nas sombras, e não há sentido nisso. Não mais quando todos no submundo sabem quem eu sou. Eles estão brincando comigo há meses. Bem, eu acho que finalmente chegou a hora de mostrar a eles exatamente com quem estão lidando, começando com Benson.

Owen, Finn e Phillip trocaram olhares pela violência fria ecoando através das minhas palavras, mas não tentaram me convencer a mudar o meu plano.

— Além disso — eu disse em uma voz mais normal —, Benson deve perceber que eu irei por Silvio, se nada mais.

— E? — perguntou Owen.

Soltei um suspiro. — E é pessoal também. Não negarei isso. Aquele bastardo me amarrou em uma cadeira, me encheu de drogas, sentou-se e tomou notas como se eu fosse seu rato de laboratório particular. Não posso deixar isso de lado. Não como Gin, e definitivamente não como a Aranha. Eu já posso imaginar o que as pessoas estão dizendo sobre mim.

Finn estremeceu. — Nada bom. Os rumores já estão voando por aí. Basicamente, a maioria deles se resume a Benson fazendo você gritar como uma menina.

Apontei meu dedo para ele. — Exatamente. Todo mundo sabe que ele tinha a vantagem sobre mim e que vocês tiveram que ir e me tirar da mansão dele. Se eu não cuidar dele agora, isso só vai piorar. Isso renovará o interesse de todos em me matar.

— Isso realmente diminuiu? — perguntou Phillip, com uma voz sarcástica.

Atirei-lhe um olhar feio, mas ele apenas arqueou uma sobrancelha dourada antes de se servir de outra mimosa do jarro.

— Como eu dizia, Benson provavelmente está cantando por toda a cidade sobre como ele me humilhou completamente — eu disse. — Bem, eu pretendo devolver o favor. Benson acha que ele é o rei de Southtown, e ele coloca todos os seus rivais no chão há anos. Eu digo que é hora de tirar o rei do trono.

Finn suspirou, pegou uma última tira de bacon do prato e mastigou. — Por que eu tenho a impressão de que isso será uma grande operação que provavelmente me envolverá em algum telhado nojento e sujando minha roupa novamente?

Eu sorri. — Engraçado você mencionar isso. Já trabalhei alguns detalhes com Bria. Aqui está o que vamos fazer.


Capítulo 26

 

 

Pouco antes do meio dia, andei pela rua que levava até a mansão de Beauregard Benson.

Esqueça as calçadas. Caminhei pelo centro da rua entre as duas linhas desbotadas de tom amarelo, como eu vinha fazendo nos últimos quarteirões.

Comecei minha jornada na faculdade comunitária, onde a coisa toda começara alguns dias antes. Parecia irônico e bastante apropriado. Parei meu carro no estacionamento, saí e fui para Southtown a pé. Eu estava andando desde então.

No começo, tudo estava normal. As pessoas andavam pelas ruas, entrando e saindo de restaurantes, mercearias e outros negócios. Conversas flutuavam pelo ar, junto com o barulho de carros e os cheiros de escapamento e frituras. Mas quanto mais eu me dirigia para Southtown, mais lojas estavam fechadas, mais grafites rúnicos cobriam os prédios, e mais as pessoas abaixavam a cabeça e se afastavam umas das outras o mais rápido que podiam.

Não era um caminho tão longo da faculdade até a mansão de Benson, talvez dez quarteirões, mas os olhos estiveram em mim o tempo todo.

Gangues já haviam se reunido nas esquinas, fumando, bebendo e vendendo sua cota diária de ervas, comprimidos e outras drogas. Algumas prostitutas vampiras já tinham começado a correr atrás de clientes, andando lentamente pelas calçadas enquanto seus cafetões cochilavam nos degraus ou em seus carros, sabendo que a ação real não começaria até o pôr do sol. Os vagabundos tinham começado a sua rotina diária de lixeiras, cavando as lixeiras pelo que pudessem salvar enquanto a classe trabalhadora corria pelas calçadas ou passava em seus carros. Mas todos olharam para mim, imaginando o que a garota maluca estava fazendo e quantos mais quarteirões eu andaria antes que alguém começasse a me incomodar.

Bom. Pela primeira vez, eu queria que todos me notassem. Queria que todos vissem a Aranha e exatamente do que ela era capaz.

Isso não queria dizer que não havia alguns problemas com a minha caminhada. Ainda havia tráfego na rua, e os motoristas buzinavam conforme se aproximavam, imaginando o que eu fazia andando pela rua como se eu fosse a dona.

Eu usava meu habitual conjunto de jeans escuros, botas pretas, uma camiseta preta de mangas compridas e colete de silverstone. Com o cabelo preso em um rabo de cavalo, eu parecia uma estudante universitária que tinha se perdido na parte ruim da cidade. Eu não parecia particularmente ameaçadora, mas um olhar para o meu rosto severo e olhos frios fazia a maioria dos motoristas colocar os pés no acelerador e se afastar de mim o mais rápido que podiam. Alguns membros das gangues assobiaram e chamaram a minha direção, mas dei a eles os mesmos olhares fixos que dei aos motoristas, e suas zombarias e risadas logo se acalmaram. Dado o estado de espírito em que eu estava, mataria qualquer um que se interpusesse entre Benson e eu, passando por cima de seus corpos e caminhando. As pessoas na rua não tinham sua magia de Ar e a premonição que a acompanhava, mas era fácil dizer que eu não faria nada bom.

Conforme caminhava, eu assobiava uma melodia alegre. Estava realmente ansiosa para o que estava por vir. Por meses, minha raiva e frustração sobre todos os que me atacavam se construiu lentamente. Tudo o que eu queria era ficar sozinha, mas os chefes do submundo não receberam a mensagem. Bem, Benson seria a saída perfeita para toda a minha raiva, e ele me ajudaria a direcionar meu ponto de vista – logo antes de eu enfiar minha faca no coração dele até sair do outro lado.

Mas algo curioso e inesperado aconteceu: quanto mais eu andava, mais pessoas apareciam nas calçadas. As gangues, as prostitutas, os cafetões, até mesmo alguns vagabundos desabrigados começaram a me seguir. Alguém deve ter me reconhecido, porque não demorou muito para que os sussurros começassem.

— Ei, não é a Aranha?

— Você fala da garota assassina?

— Eu pensei que ela estava morta, que Benson a matou.

— Aparentemente não. Parece que ela está aqui para vingança.

Eu sorri. E depois mais.

Os sussurros continuaram, e a multidão seguiu-me quarteirão após quarteirão, até que finalmente cheguei ao meu destino.

A rua em que eu estava levava direto para a que dava para a propriedade de Benson, que se estendia diante de mim como o palácio de um rei. Eu estava muito tonta pelo sedativo ontem para realmente apreciar a beleza da mansão de pedra cinza pré-guerra, com sua elegante ameia e colunas altas. Costumava ser um prédio de apartamentos, a partir das informações que Silvio me dera, antes de Benson convertê-lo em sua residência particular e fábrica de drogas. A mansão ficava de frente para a rua, e vi os jardins verdejantes e o rio além dela como eu vi ontem, quando Bria me resgatou.

À minha esquerda, um sedã familiar passou pela rua e parou na esquina. Bria e Xavier saíram do carro, junto com Owen. Os três ficaram ao lado do sedan e sacaram suas armas, assim como planejamos.

Caminhei até o muro baixo que cercava a mansão, levei meus dedos aos lábios e soltei um assobio alto e ensurdecedor, como Sophia havia me ensinado anos atrás. O assobio chamou a atenção dos guardas que patrulhavam o gramado entre o muro e a mansão, e suas cabeças se viraram em minha direção. Um deles tirou o celular do bolso do paletó e começou a mandar mensagens freneticamente, sem dúvida alertando o chefe de que eu estava aqui, ao ar livre para todo mundo ver.

Quando estava certa que tinha a atenção dos guardas, me virei para encarar as pessoas que se reuniram nas calçadas atrás de mim. Alguns deles se abaixaram atrás de caixas de correio ou pressionaram as costas contra as laterais dos prédios. Ninguém gostou do sorriso enorme e louco no meu rosto, a não ser eu.

— Fico feliz que todos puderam vir — falei em voz alta e retumbante. — Porque o show está prestes a começar.

Levantei minha mão para o lado e cumprimentei a todos com uma inclinação baixa e galante, algo que eu vi Finn fazer mais de uma vez. Então me endireitei e foquei no meu primeiro alvo: o Bentley azul-bebê de Benson.

Estava estacionado sozinho na rua, no lugar de sempre, à direita do portão aberto que levava à mansão. A tinta azul clara brilhava sob o sol do meio-dia, os detalhes prateados brilhavam, e o vidro no para-brisa era tão claro e perfeito que parecia que nem estava ali. Realmente era uma bela máquina, uma obra de arte em seu próprio direito mecânico. Parei por um momento, admirando as linhas suaves, o vidro reluzente e a tinta impecável.

Depois sorri e caminhei até o carro.

Enquanto caminhava, casualmente balancei a ferramenta em minha mão direita para frente e para trás, como o pêndulo da desgraça que era. Vim para Southtown com o meu sortimento habitual de facas, mas também trouxe mais uma arma para esse propósito específico: um dos martelos de ferreiro de Owen. Um instrumento longo e duro de silverstone escurecido pelas incontáveis horas que ele o usou em sua forja. A arma perfeita para quebrar muitas coisas. Crânios de gigantes, rótulas de anãs, costelas de elementares.

Carros elegantes.

Eu me aproximei do Bentley e comecei a girar o martelo de um lado ao outro, movendo-o de uma mão para a outra e de volta, subindo pelos ombros, do jeito que eu vi Owen fazer em uma luta. Eu gostava do peso sólido e substancial do martelo em minhas mãos, embora eu sempre preferisse as bainhas afiadas e finas das minhas facas.

A multidão atrás de mim avançou um pouco, andando nas pontas dos pés até as bordas das calçadas, embora todos se certificassem de ficar no lado oposto da rua, bem longe de mim e da minha insanidade. Todos respiraram coletivamente enquanto eu andava ao redor do carro, procurando o melhor lugar para fazer meu primeiro ataque.

— Não faça isso, senhora — gritou alguém na multidão.

— Ela não sabe de quem é o carro?

— Cadela assassina e louca, deve ter um desejo de morrer.

Sorri pelo último comentário murmurado. Se eles soubessem.

Parei ao lado da porta do motorista, erguendo o martelo para cima do ombro. Todo mundo atrás de mim sugou outra respiração. Então, abaixei a arma o mais forte que pude sobre o para-brisa dianteiro.

O martelo bateu no vidro com um estalo alto e satisfatório, as estrias irregulares ziguezaguearam como fios de seda de uma teia de aranha – minha teia de destruição.

Aquele primeiro ataque me pegou, e esmaguei o martelo no carro repetidas vezes. Cada rachadura de vidro e trituração de metal satisfazia a necessidade primordial que eu tinha lá no fundo de machucar Benson tão facilmente quanto ele me feriu, de tirar algo dele como ele tirara de mim, de destruir uma parte dele do jeito que ele fizera comigo.

Ah, sim. Toda a raiva, toda a frustração, todo o medo e desamparo que senti quando Benson me drogou. Descontei tudo no carro dele. Bati o martelo em todas as janelas, no teto, nas laterais. Eu até peguei uma das minhas facas e cortei os quatro pneus. Deixei tudo sair, usando o carro como substituto para Benson. Porque eu precisaria manter minhas emoções sob controle quando encarasse o vampiro, para que ele não tentasse se alimentar dos meus sentimentos, e eu estava trabalhando toda a raiva do meu sistema agora, não deixando nada para trás, além da fria determinação de acabar com ele.

Bria, Xavier e Owen mantiveram seus olhos e armas nos guardas, mas nenhum deles fez um movimento até mim. Nem ninguém na multidão. Eles estavam muito chocados com minhas ações.

Finalmente, depois de cerca de três minutos de ataque ao carro, eu abaixei o martelo e dei um passo atrás, respirando com dificuldade, embora eu me sentisse muito mais calma, minha tensão anterior apagada pelo esforço energizante.

— Oh, cara — gemeu Finn através do receptor escondido no meu ouvido. — Sério, Gin, você precisava destruir o carro? Estou começando a pensar que é algum tipo de fetiche seu.

— Talvez — concordei em uma voz alegre. — Eu gostei muito disso.

Girei o martelo novamente e bati no capô, acrescentando mais um entalhe para a dúzia que já estava lá.

— Ótimo — murmurou alguém na multidão. — A cadela assassina louca está falando sozinha agora.

— É minha imaginação, ou seus admiradores estão fazendo comentários sarcásticos sobre sua sanidade? — Desta vez, a voz de Phillip soou em meu ouvido.

Eu não podia vê-lo, mas Phillip estava escondido com Finn no telhado mais próximo da mansão de Benson. Ele, Finn, Bria, Xavier, Owen e eu estávamos usando fones de ouvido para que pudéssemos nos comunicar uns com os outros.

— Aparentemente, você concorda com eles — murmurei.

— Se o martelo se encaixa... — respondeu Phillip.

— Diz o homem que gosta de jogar as pessoas de seu barco — cortou Owen.

— Você está guardando segredos, Philly — falei novamente, usando o apelido de Eva para ele. — Isso parece divertido.

— Viu? — disse Phillip com uma voz presunçosa. — Sua mulher louca concorda comigo, Owen.

— Que seja — resmungou Owen.

— Chega de conversa — interrompeu Bria.

— Sim. — Xavier se juntou à conversa. — Você finalmente conseguiu atrair alguns guardas, Gin... Muitos deles.

Eu olhei para a mansão. Com certeza, cerca de uma dúzia de vampiros marchavam em minha direção, todos eles segurando armas. Vários estavam murmurando em seus telefones, tentando coordenar-se um com outro, mas apenas olhei para eles. Esperando – só esperando o rei em pessoa aparecer.

Poucos segundos depois, as portas da frente se abriram e Beauregard Benson saiu da mansão, usando a calça e o tênis brancos de sempre, junto com uma gravata azul-bebê e uma camisa combinando, completa com seu protetor de bolso cheio de canetas. E ele não estava sozinho. Silvio se arrastava atrás de seu antigo chefe, dois vampiros segurando os braços dele.

O último nó de tensão no meu peito se soltou. Fiquei feliz em ver que Benson não tinha matado Silvio por sua traição. Enquanto ele ainda estivesse respirando, Jo-Jo podia curar o dano causado a ele – pelo menos, no exterior. Quanto ao interior, bem, Silvio teria que lidar com isso do jeito dele e no seu próprio tempo, assim como o resto de nós.

— Tudo bem, pessoal — murmurei. — É hora de ir. Apenas mantenham os guardas longe das minhas costas, e eu lidarei com Benson.

— Você tem certeza? — perguntou Finn. — Eu ficaria feliz em colocar um par de balas no crânio dele.

— E ele poderia mandá-las girando para longe na multidão com sua magia de Ar — respondi. — Não, Benson é meu.

Ninguém disse nada. Todos sabiam por que isso era tão importante para mim.

Benson ainda estava a cerca de sessenta metros de distância de mim, assim eu me inclinei e apoiei o martelo de Owen contra a lateral do Bentley destruído. Então olhei por cima do meu ombro para a multidão amontoada atrás de mim.

— Qualquer um que roubar o martelo terá que responder para mim — falei.

Murmúrios ondularam pela multidão, e todo mundo deu alguns passos para trás.

— De jeito nenhum cara.

— Não eu.

— Uh-uh. Eu não estou tocando naquele martelo estúpido.

Afastei-me do martelo e do carro e avancei para que eu estivesse no meio da rua, logo acima das linhas centrais. Através do meu fone de ouvido, eu podia ouvir os outros murmurando enquanto checavam tudo pela última vez. Finn e Phillip prepararam seus rifles, mirando nos guardas, enquanto Bria, Xavier e Owen permaneciam em torno do sedan, com as armas na mão, prontos para me apoiar como pudessem. Não previ precisar deles para me ajudar a matar Benson, no entanto. Eu queria fazer isso sozinha.

Eu precisava fazer isso sozinha.

Benson empurrou seus guardas, rosnando para eles saírem do caminho, antes de atravessar o portão aberto, passar pela calçada e sair para a rua na minha frente. Seu frio olhar azul passou pelo seu carro esmagado, e uma faísca de raiva brilhou em seus olhos antes que ele fosse capaz de escondê-la. Parecia que eu finalmente entrara em sua pele. O vampiro podia se alimentar das emoções de outras pessoas, mas ele também tinha algumas, misturadas com a crueldade que bombeava sob suas veias. Ainda assim, ele manteve suas feições calmas quando me encarou.

— Gin — disse ele. — Que surpresa agradável. Eu não esperava vê-la novamente tão cedo. E parecendo tão também. Ora, a sua recuperação é bastante notável, considerando o quanto você estava gritando ontem.

Risadas falsas ondularam das fileiras dos guardas, mas desliguei o som da zombaria deles. Benson estava tentando me deixar com raiva para que pudesse facilmente se alimentar das minhas emoções e ficar mais forte. Bem, isso não ia acontecer. Passei a maior parte da minha vida afastando meus sentimentos, endurecendo minhas emoções, e deixando o gelo correr em minhas veias em vez de qualquer outra coisa, e não vi razão para parar agora.

Não até depois que eu o detido – para sempre.

— Estou me sentindo muito mais como eu hoje — eu disse para ele. — É uma maravilha o que uma boa noite de sono pode fazer por você. Bem, isso e não ser amarrada a uma cadeira e forçada a engolir suas drogas desagradáveis. Meio covarde da sua parte, Beau. Encher-me de sedativos e aquela pílula Burn em vez de me atacar de frente, vilão contra vilão. Mab Monroe certamente nunca teria feito algo assim. Diga o que quiser dela, Mab tinha estilo e poder de sobra. Você? Tudo que você tem são seus experimentos e as emoções que você arranca de outras pessoas.

Murmúrios varreram a multidão atrás de mim, e até mesmo alguns dos próprios guardas de Benson acenaram em concordância. O sorriso do chefão vampiro se apertou, como se ele estivesse rangendo os dentes para manter a expressão no lugar.

— Sim, bem, Mab tinha o seu jeito de fazer as coisas, e eu tenho o meu — disse ele, endireitando um pouco os óculos prateados. — Eu diria que tem funcionado muito bem para mim até agora. Desde que eu tenho tudo isso.

Ele varreu a mão para fora, como se para abranger sua mansão, seus homens e toda Southtown.

— Você está certo. Empurrar seu veneno contra as pessoas funcionou muito bem para você, só não para seu carro.

Desta vez, o riso estava do meu lado da rua, quando uma pessoa e depois outra no meio da multidão bufaram em concordância. Os lábios de Benson se enrugaram em desagrado. Aquela faísca de raiva brilhou novamente em seu olhar, e um músculo pulsou em sua mandíbula antes que ele fosse capaz de suavizar suas feições.

— Por que você está aqui, Gin? — perguntou ele, em uma voz tão zombeteira quanto a minha. — Já está desesperada por outra dose de Burn?

— Desculpe desapontar, mas uma vez foi mais do que suficiente para mim.

— Pena — ronronou ele. — Sua reação à droga foi muito... Interessante.

Benson olhou para mim através dos óculos, mas mantive meu olhar firme e nivelado com o dele. O vampiro enrugou a boca novamente, desapontado por não ter uma reação de mim.

— Bem, então, deixe-me adivinhar — disse ele. — Você está aqui para resgatar o traidor.

Ele estalou os dedos e os guardas segurando Silvio o arrastaram para frente, parando na calçada atrás de Benson.

Silvio não era uma visão bonita. Ele usava o mesmo terno cinza que usara no dia anterior, mas agora estava enrugado, rasgado, sujo e ensanguentado, com as pontas da camisa branca imunda pendendo como dois dentes quebrados e pontiagudos. O sangue pontilhava as mangas do paletó, com manchas carmesins maiores e respingos manchando as pernas da calça. Sua cabeça estava curvada, deixando-me ver manchas que estragavam seus cachos normalmente lisos e grisalhos.

Benson estalou os dedos novamente, e um dos guardas enfiou as mãos no cabelo de Silvio, levantando-o rapidamente.

E eu finalmente vi a extensão de quanto Benson o torturou.

O rosto de Silvio era uma concha esmagada. Seu nariz foi quebrado repetidamente, a julgar por todos os pedaços estranhos de osso se projetando contra sua pele. Contusões escureciam o resto de suas feições, e marcas de punção marcavam seu pescoço, vários conjuntos delas, vermelhas e irritadas como picadas de vespa. Alguém esteve se alimentando de Silvio. Benson, provavelmente.

Mas quanto mais eu olhava para Silvio, mais eu percebia que os ferimentos físicos não eram nada comparados aos outros traumas que ele experimentara.

Bochechas encovadas, pele seca, olhos cinzentos sem brilho. Silvio parecia pálido e extremamente, lamentavelmente, dolorosamente magro, como se o seu corpo naturalmente magro tivesse sido reduzido ao ponto de inanição de um dia para o outro. Eu me perguntei se Benson havia lhe dado algumas pílulas de Burn ou se ele usara sua magia de Ar para sugar as emoções de Silvio e a maior parte de sua vida junto com elas. De qualquer forma, o vampiro era uma casca espancada, quebradiça e doente de um homem. Nunca vi alguém parecer tão perto da morte e ainda estar de pé, embora os dois guardas ajudassem Silvio com isso.

Eu era má, era uma assassina e matei pessoas, mas pelo menos eu não as torturava antes de matá-las.

Eu poderia fazer uma exceção para Benson, apesar de tudo.

Através do meu fone de ouvido, ouvi Xavier soltar um assobio baixo. — Eles trabalharam nele bem, não é?

Não dei nenhuma indicação de que eu o ouvi. Em vez disso, concentrei minha atenção em Benson novamente.

— Na verdade, você está certo — eu disse, finalmente respondendo a pergunta dele. — Estou aqui para pegar Silvio. Então, se você tiver a gentileza de mandá-lo para meus amigos.

Apontei para os dois guardas segurando Silvio, depois para Bria, Xavier e Owen. Os homens se moveram em seus pés, seus olhos passando rapidamente entre mim e seu chefe. Eles não queriam desobedecer a Benson, mas também não queriam se envolver comigo.

Quando ficou claro que eles não iriam libertar Silvio, eu sorri para eles. — Ou eu sempre posso ir buscá-lo pessoalmente — eu disse, flexionando minhas mãos em punhos. — Ainda não matei ninguém hoje, e é quase meio-dia. Hora de corrigir isso, você não acha?

Benson riu. — Oh, eu não te darei Silvio. Ele morrerá por me trair. Mas vou lhe oferecer um acordo.

— E qual seria?

— Silvio já admitiu ter lhe dado uma coisa minha. Um livro. Devolva-o para mim, e farei com que a morte dele seja rápida e indolor. Eu também deixarei você e seus amigos saírem vivos daqui.

— Oh? — eu disse. — Você fala daquele livro?

Apontei para Bria, que estendeu a mão através da janela aberta de seu sedan e puxou o livro encadernado em couro.

Benson piscou como uma coruja, mas não disse nada.

— Coisas fascinantes que você tem naquele seu livrinho de fórmulas — eu disse. — Embora eu tenha que admitir que passei por cima de todas as fórmulas das drogas. A ciência não é realmente minha coisa. O que eu achei mais interessante foram os nomes de todos os seus distribuidores, fornecedores e clientes de primeira linha. Meio desleixado de sua parte escrever tudo aquilo em um só lugar. Imagino que seus clientes ficariam muito chateados se todos aqueles detalhes condenatórios fossem descobertos.

— O que você está propondo? — retrucou Benson, uma ponta afiada em sua voz que não esteve lá antes.

— É simples. Você se entrega para minha irmã, a detetive Coolidge. Tenho certeza de que você se lembra dela.

Bria deu a Benson um sorriso cheio de dentes, depois jogou o livro de volta pela janela aberta e entrou no sedan.

— Você vai junto com Bria pacificamente, já que ela tem evidências mais do que suficientes para prendê-lo agora. E quando ela arrastar sua bunda miserável até a delegacia, você admite tudo... E falo de tudo, envolvendo seu império das drogas, incluindo o assassinato de Troy. Max também.

Ele arqueou as sobrancelhas negras. — Você realmente não espera que isso aconteça, não é?

Soltei uma risada satisfeita. — Claro que não. Mas eu precisava te dar uma chance, o que é mais do que você deu a Catalina.

Benson levantou a mão novamente. — E por que eu concordaria com qualquer negócio desse tipo quando posso ordenar a meus homens que te matem onde você está e pegar o que eu quiser?

Os vampiros levantaram suas armas. Metade deles apontou suas armas para mim, enquanto a outra metade visava Bria, Xavier e Owen, ainda junto ao sedã. Em vez de me proteger, ergui minha mão e estalei meus dedos.

Crack!

Uma bala atravessou o para-brisa dianteiro do Bentley e mandou o espelho retrovisor para o céu. Benson estremeceu antes que pudesse se conter, enquanto seus guardas e a multidão se abaixavam e gritavam.

— Exibido — murmurei.

Finn riu em meu ouvido.

— Eu não sugeriria um tiroteio, a menos que você queira seus cérebros espalhados pela rua — eu disse, em um tom agradável. — Tenho dois atiradores muito bons, ansiosos para matar tantos homens quanto puderem. Antes de colocarem uma bala no seu crânio também.

Todos os guardas pegaram suas armas e examinaram os telhados ao redor, mas eu sabia que eles não localizariam Finn ou Phillip em seus ninhos de atiradores.

Após alguns segundos, Benson fez outro movimento de varredura com a mão, e seus homens lentamente abaixaram suas armas.

— Qual é a sua proposta? — perguntou ele finalmente.

— Por que, Beau, não é óbvio? A morte chegou batendo à sua porta, e estou aqui para ter certeza de que ela não vai embora desapontada.


Capítulo 27

 

 

Benson olhou para mim, e eu quase podia ver as rodas girando em sua mente sobre como ele poderia se livrar disso. Ele estava mais do que feliz em me amarrar em uma cadeira e me encher de drogas, mas lutar contra mim era outra coisa – algo que todos os seus cálculos, observações e experiências não o prepararam. Mudei as regras do jogo vindo aqui, desafiando-o abertamente, e ele não gostou – nem um pouquinho.

Que pena.

Depois de mais alguns segundos de contemplação silenciosa, Benson jogou a cabeça para trás e riu, como se o meu desafio fosse uma ótima piada. Suas sombrias e malvadas risadas soaram pela rua, e murmúrios de agitação ondularam no meio da multidão. Eles sabiam do que Benson era capaz, e não queriam nada disso. Não podia culpá-los por isso.

Mas eu estava pronta para acabar com isso – e com ele.

— Ah, vamos lá, Beau — eu disse, quando sua risada finalmente morreu. — Estou aqui, você está aqui. Nós temos até mesmo uma multidão para ver a nossa luta pelo título dos pesos pesados. Não me diga que você será muito medroso para aceitar minha oferta.

Em vez de esperar que ele risse de mim novamente, me virei para as pessoas atrás de mim. Mais se reuniram enquanto eu conversava com Benson, com outros andando por este caminho e mais carros viajando nessa direção.

Joguei minhas mãos para fora. — Vamos — chamei. — Vocês não querem ver um show?

Assobios, palmas e gritos de aprovação soaram de volta. Eu encarei Benson novamente, meu sorriso ainda mais amplo e predatório do que antes.

— Você não gostaria de roubar de todas essas pessoas um pouco de esporte sangrento, agora, não é? — eu disse. — Seria uma pena se eles e eu andássemos até aqui para nada. Por outro lado, isso provaria que você realmente é o covarde que é.

— Eu não sou um covarde — rosnou ele. — Eu sou um cientista.

Estalei minha língua para ele. — Poderia ter me enganado. Aqui estou eu, oferecendo-lhe o maior e pior prêmio de toda Ashland. Eu, a assassina, a Aranha. Então, por que você está hesitando, Beau? A menos que você pense que não está à altura da tarefa de me matar.

Todos sugaram uma respiração coletiva por eu tão abertamente, tão ousadamente, me identificar como a Aranha.

Silêncio.

E então a multidão rugiu.

Era tão alto que por um momento não pude ouvir nada, nem mesmo Finn, Owen e os outros murmurando um para o outro através do fone de ouvido. Mas a explosão de emoção rapidamente se reduziu a uma série de zombarias insultantes, gritos ásperos e acusadores surgindo da multidão, incitando-me. Alguns dos guardas de Benson começaram a olhar para ele de lado, perguntando-se por que o chefe deles não estava salivando com a ideia de me matar. Mas Benson estava muito ocupado olhando para as pessoas atrás de mim para prestar atenção aos seus próprios homens. Seus olhos brilhavam em um azul claro enquanto ele atraía sua magia vampírica de Ar e a usava para sentir todas as emoções surgindo da multidão – a mesma mistura de excitação, antecipação e escárnio que eu podia ouvir em suas vaias, gritos e zombarias.

Benson franziu o cenho, percebendo a mesma coisa que eu: que as pessoas na rua, aquelas que ele comandou por tanto tempo, estavam muito perto de zombar abertamente dele. E se ele não fizesse algo logo, a multidão se voltaria contra ele completamente, pensando que ele era fraco. E seus homens também.

— Vamos, Beau — chamei, zombando dele uma última vez. — Estou aqui e pronta para começar. Então, por que você não ganha coragem e me enfrenta? O vencedor leva tudo.

Benson olhou para mim com o rosto calmo, mas, mais e mais daquela raiva chiava em seus olhos, ainda mais quente do que a queimadura azul de sua magia. Ele não gostava de ser tão abertamente e diretamente desafiado, especialmente em seu território.

— Oh, muito bem — bufou ele, como se eu fosse uma mera mosca que estava irritando-o. — Se você insiste.

— Oh, mas eu insisto.

Benson estalou os dedos.

Nada aconteceu.

Ele estalou-os novamente.

E ainda, nada aconteceu.

Depois de alguns segundos, quando percebeu que ninguém obedecia seu comando, provavelmente para trazer um jaleco branco, Benson virou a cabeça e olhou para os guardas. Eles engoliram em seco, mas nenhum deles correu para frente.

Benson lançou outro olhar frio para eles, depois começou a desabotoar as mangas da camisa. Ele enrolou o tecido, revelando seus antebraços pálidos e magros. Seus movimentos eram lentos, deliberados e pretendiam me intimidar. Não funcionou. Nunca faziam.

Olhei para Bria e revirei os olhos. Ela sorriu para mim.

Finalmente, quando ele se considerou apropriadamente pronto para a luta, Benson olhou por cima do seu ombro para seus homens agrupados atrás dele. — Se alguém interferir antes de eu matá-la, atire neles.

Sussurros preocupados atravessaram a multidão com a ideia de um tiroteio, mas a maioria das pessoas se aproximou ainda mais, querendo ter a melhor visão possível.

Benson deu um passo à frente, ficando cerca de três metros de mim, diretamente no outro lado das linhas centrais. Ele soltou um suspiro alto e começou a balançar os braços para trás e para frente, soltando-se para a luta. Ele flexionou os dedos, revirou os ombros e até inclinou o pescoço algumas vezes, o estalo seco quase tão alto quanto tiros no estranho silêncio absoluto que pairara sobre a rua.

Eu arqueei uma sobrancelha, mais do que um pouco entediada pelo seu show, mas mantive meu olhar sobre ele durante todo o tempo. Porque eu não descartava ele tentar me atacar durante sua exagerada rotina de alongamento.

Como se ele pudesse ouvir meus pensamentos, Benson sorriu, uma luz maligna flamejando em seus olhos, então deu um passo à frente e se lançou no ar para mim.

 

* * *

 

Eu esperava algum tipo de ataque furtivo, e imediatamente alcancei minha magia de Pedra e usei para endurecer meu corpo.

Ainda assim, por uma fração de segundo, tudo diminuiu de velocidade, mas foi ampliado de alguma forma ao mesmo tempo, quase como se eu tivesse os sentidos aprimorados como tantos vampiros.

O brilho branco-pérola das presas de Benson em sua boca. O cheiro do escapamento do carro misturou-se com aquele cheiro metálico do outono e o próprio cheiro de limão do vampiro. A corrente de ar fluindo sobre o meu rosto quando ele pulou sobre mim. Sua sombra imponente apagando o sol e o céu.

Foi essa última pequena sensação, aquele toque frio de escuridão no meu rosto que me trouxe de volta ao lugar e agora. Eu girei ao redor, saindo do caminho do primeiro ataque de Benson.

Eu não sabia que sangue e emoções de outras pessoas que Benson esteve comendo além de Sílvio, mas deram a ele força suficiente para saltar os três metros que nos separavam. E isso o deixou rápido também, tão rápido que ele foi capaz de girar de volta na minha direção e bater a palma da mão aberta no centro do meu peito como se ele fosse algum tipo de mestre de kung-fu.

A força do golpe me derrubou a três metros e me mandou chiando na rua como uma bola de capim. Eu rolei até parar virada para baixo na calçada, tentando me livrar do impacto dissonante. Benson não estava brincando, e ele teria quebrado minhas costelas com aquele golpe esmagador se eu não estivesse usando minha magia de Pedra para me proteger. Meu poder também me salvou de dividir meu crânio por todo o asfalto, mas eu ainda sentia o forte impacto da aterrissagem, e levei alguns segundos para evitar que meus olhos revirassem.

— Cara, ela já está caída?

— Afaste-se!

— Cuidado!

A conversa animada da multidão foi toda a advertência que tive, e rolei meu corpo para o lado apenas a tempo de evitar que seus pés pousassem onde minha cabeça estivera há pouco tempo. Eu sacudi o resto do meu torpor e voltei para a luta.

Antes de Benson poder pular em mim pela terceira vez, eu rastejei de joelhos e ataquei com meu pé, chutando-o no lado de seu joelho esquerdo. Benson cambaleou para frente e, para minha surpresa, alguns aplausos entusiasmados surgiram da multidão.

— É isso aí!

— Pegue aquele bastardo!

— Mate-o!

Aparentemente, a vantagem de jogar em casa não era tudo que se esperava, e Benson não era tão amado em seu pequeno reino quanto achava que era. Sorri abertamente. Eu estava começando a gostar dessas pessoas me aplaudindo.

Espalmei uma faca e me joguei na direção de Benson, esperando acertar a arma nas costas dele e terminar com isso, mas ele usou sua velocidade aumentada para se levantar e deslizar para fora do alcance. Eu estava muito comprometida com o golpe para parar, então eu cambaleei passando por ele, embora tenha conseguido me endireitar e recuperar meu equilíbrio. Com a faca na mão, eu me virei. Benson fez o mesmo, e nos encaramos no meio da rua.

Com as mãos cerradas em punhos, ele estalou os nós dos dedos algumas vezes, ansiando me bater de novo. Eu girei minha faca na mão, na esperança de fazer o mesmo com ele. Eu faria a mesma coisa com ele.

Ou morreria tentando.

As pessoas avançaram, formando um círculo solto ao nosso redor, gritando, rindo e aplaudindo a plenos pulmões. Bria, Xavier e Owen mantiveram sua posição junto ao sedã, alternando entre manter um olho nos guardas de Benson e atirar olhares preocupados para mim. Através do meu fone de ouvido, eu pude ouvir Owen murmurando. Não me concentrei nas palavras dele, mas o som de sua voz era mais do que incentivo suficiente para mim.

Enquanto isso, os guardas de Benson formaram uma fila na calçada em frente à mansão com as armas nas mãos, mas abaixadas ao seu lado – por enquanto. Eles ainda pensavam que o chefe deles me mataria, então eles não interfeririam. Eles não poderiam, não se Benson quisesse continuar sendo o rei que ele havia interpretado por tanto tempo.

Benson poderia ser um vilão, mas eu também era um, e estava ansiosa para mostrar a ele que eu poderia ser mais cruel do que ele jamais sonhou em ser.

— Você deveria desistir agora, Gin — falou Benson enquanto nos circulávamos. — Quem sabe? Em vez de matar você, eu poderia levá-la de volta ao meu laboratório por um tempo. Testar algumas das minhas novas drogas em você. Eu gostaria de ver suas reações a elas. Eu sei que você também amaria. Mais rápido do que você pensa. Todo mundo gosta.

Minha mão apertou minha faca com tanta força que eu podia sentir a runa de aranha no punho pressionando a cicatriz maior e combinando que marcava a palma da minha mão. — Prefiro estripar-me como um peixe do que ser seu experimento científico de novo.

Benson sorriu, mostrando suas presas, as pontas de seus dentes tão afiadas quanto a faca na minha mão. — Bem, então, acho que é bom não ter problema com esse cenário também. Só receio ser aquele a fazer a evisceração, não você.

Ele soltou um rugido alto e investiu contra mim. Deixei-o vir.

Benson se virou para mim, desta vez usando sua força aumentada de vampiro para colocar ainda mais força por trás de seus golpes. Mas eu ainda tinha a minha magia de Pedra, então a usei para endurecer minha pele, cabeça, cabelo e olhos em uma concha impenetrável. Oh, os socos de Benson ainda doeram, cada um tão forte e brutal quanto eu batendo o martelo de Owen no carro do vampiro, e os golpes me atiraram de um lado para o outro, como se eu fosse um cascalho voando pela estrada depois que um trator passou. Mas os ataques brutais não quebraram minhas costelas e todos os ossos do meu rosto do jeito que ele queria.

Enquanto Benson se concentrava em me espancar, eu o ataquei com a minha faca.

Punch.

Slash-slash.

Punch.

Slash.

Punch-punch-punch.

Trocamos golpe após golpe, seus punhos batendo no meu peito e rosto repetidas vezes. Dei alguns golpes com a faca, mas toda vez que a lâmina começava a afundar o suficiente no corpo de Benson para fazer algum dano real, ele usava sua velocidade aumentada para sair do alcance da borda da lâmina. Era um movimento pequeno e sutil, mas extremamente difícil de fazer, e me vi impressionada com sua técnica. Nós estávamos jogando um jogo de polegadas, e ele estava ganhando.

— Você vai perder. — Benson me provocou quando nos separamos após outra troca furiosa. — Encare isso, Gin. Você ficará sem magia muito antes de eu ficar sem força.

— Oh, não sei — retruquei. — Considerando que você já começou a sugar ar, estou disposta a acreditar na minha magia – em mim.

Benson franziu a testa ao perceber como minhas palavras eram verdadeiras. Sua respiração vinha em suspiros agudos, suor escorrendo por sua testa, e os aros de seus óculos embaçaram com seus esforços.

Ele rosnou, deu um passo à frente e empurrou meu peito com as duas mãos. Sua força me fez voar de novo, desta vez direto para a lateral de seu Bentley destruído. Minhas costas bateram na porta do motorista, adicionando outra marca lá, enquanto minhas pernas deslizavam e minha bunda batia no chão. Levantei minha faca, esperando que Benson fizesse outro de seus saltos em cima de mim, mas, em vez disso, ele estalou os dedos. Um dos guardas correu para o lado do patrão e levantou a arma, apontando para a minha cabeça. Fiquei tensa, imaginando se Finn poderia atirar antes que ele puxasse o gatilho.

Mas Benson tinha outra coisa em mente.

Enquanto o homem dele se virava para mim, Benson veio por trás dele. Então, casualmente estendeu a mão, puxou o outro homem contra o seu corpo e mergulhou suas presas no pescoço de seu próprio guarda. Benson tomou vários longos goles de sangue do vampiro, que gritou e se debateu contra o corpo de seu chefe, enquanto sua arma escorregava de seus dedos e caía na calçada. Mas Benson não se contentou em apenas pegar o sangue do homem e sua força junto com ele.

Oh, não.

Enquanto os gritos do guarda ficavam mais altos e sua luta se enfraquecia, Benson apertou a mão sobre a cabeça do homem, um brilho azul pulsando entre os dedos como a chama brilhante de uma estrela. O bastardo estava sugando o medo, a dor e o terror de seu próprio homem só para se fortalecer – só para me derrotar.

Isso me repugnava, como casualmente Benson desconsiderava a lealdade de seu próprio homem, como o trairia da maneira mais definitiva e íntima diante de todos, mas isso não me surpreendeu.

Porque esse era exatamente o tipo de escória que ele era.

Bem, não por muito mais tempo, não se eu pudesse evitar.

Eu me levantei e comecei a avançar. Mas já era tarde demais para o guarda. Benson tirou as presas do pescoço do outro homem, soltou a mão da cabeça e deixou-o cair. O guarda caiu no chão, morto.

Benson soltou um suspiro alto e satisfeito que fez a multidão gritar, abaixando-se e se apressando para colocar a maior distância possível entre eles e o vampiro e ainda ser capaz de ver nosso jogo mortal.

Benson se virou para mim. Eu nunca o vi parecer nada, além de frio, clínico e distante, mas agora, ele era uma bagunça. Suas roupas estavam rasgadas, enrugadas e sujas de nossa briga, seus cabelos negros caíam da cabeça em ângulos estranhos e espetados, e manchas de suor escureciam sua camisa azul-bebê. Até mesmo seu corpo inchou, seus músculos se esticaram e se encheram de toda a vida, sangue e emoções que ele tinha acabado de sugar do seu guarda.

Mas era o rosto dele que estava verdadeiramente horripilante.

O sangue do guarda morto estava espalhado por toda a boca de Benson, o tipo mais vistoso de batom imaginável, enquanto mais sangue escorria pelo queixo e respingava por sua camisa. Manchas carmesins pontilhavam até as lentes de seus óculos como insetos mortos espalhados por todo para-brisa de um carro.

Mas eram seus olhos que mais me preocupavam. Eles pulsavam de um azul brilhante pelas emoções aterrorizadas que ele havia sugado de seu guarda agonizante, queimando mais quente do que o sol do meio-dia acima. Benson estava mais forte do que nunca.

E eu não estava.

Eu já havia usado uma boa parte da minha magia apenas impedindo-o de quebrar todos os ossos do meu corpo. Eu precisava terminar com isso, precisava matá-lo, antes que minha própria magia acabasse completamente, exatamente como ele disse. Ou seria eu a morrer na rua hoje.

Benson sorriu, mostrando suas presas manchadas de sangue. — O que você estava dizendo sobre meu enfraquecimento? Posso fazer isso o dia todo, Gin. Mas você não pode.

Aumentei meu aperto na faca. — Não tenho que fazer isso o dia todo. Não deve me levar mais do que um minuto, dois no máximo, para acabar com você.

Benson rosnou e se lançou para mim novamente. Mas eu esperava o ataque, então fui capaz de desviar no último segundo possível, e ele bateu em seu próprio carro em vez de mim, colocando uma marca no metal maior com a força de seu corpo do que eu com o martelo de Owen.

Mas isso não o atrasou por um instante. Benson soltou um grunhido alto e gutural, estendeu a mão, enfiou as mãos no fundo do carro e virou-o de lado, fazendo as pessoas reunidas nas calçadas gritarem de surpresa e terror. Benson sorriu, girou e deu um passo à frente, como se fosse mergulhar na multidão e fazer com eles o que fizera com o seu próprio guarda. Ele também o faria, no segundo em que sentisse que precisava de mais um golpe de poder.

À sua própria maneira, Benson era tão viciado quanto todas as pessoas com as quais se envolvera durante os anos.

Ele riu do medo da multidão, seus olhos brilhando mais do que nunca. Ele poderia não ser capaz de sentir suas emoções sem tocá-las, mas podia sentir o medo delas, e isso aumentava sua intensidade. Eu precisava distrair Benson da multidão antes que ele atacasse outra pessoa e se tornasse forte demais para eu matá-lo, então me lancei, peguei o martelo de Owen de onde o havia pousado e balancei-o na direção dele.

Mas Benson estava realmente cheio de adrenalina, emoção e sangue agora, e ele girou quase rápido demais para eu seguir. Um segundo, ele dava a sua melhor impressão de bicho-papão com a multidão. No seguinte, ele pegava o martelo de Owen no ar. Ele soltou uma risada divertida, virou e lançou a arma o mais forte que pôde. Ela voou tão livre e fácil quanto uma pipa, como se Benson tivesse a força de algum deus olímpico, e não parou até se chocar contra a lateral de sua mansão, derrubando um pedaço de pedra da lateral antes de cair no chão.

Benson sorriu para mim novamente, suas presas parecendo ainda mais ensanguentadas do que antes. — E agora, Gin, eu acho que é hora de você morrer.

Antes que eu pudesse me mexer, antes que pudesse reagir, antes que pudesse pensar em me esquivar, Benson estava lá. Eu ataquei com a minha faca, mas ele soltou uma risada zombeteira e tirou a arma da minha mão. Espalmei outra faca, mas Benson também a esbofeteou, lançando-a pelo ar. Parou bem ao lado da minha primeira faca. Eu comecei a pegar a terceira faca nas minhas costas, mas Benson avançou, agarrou meus ombros e bateu sua cabeça na minha.

Com todo aquele sangue fresco e emoção bombeando em suas veias, este golpe foi mais forte e mais duro do que todos os outros que ele havia dado até agora. Eu senti como se meu crânio tivesse sido atropelado por um caminhão Mack{6}, e perdi o controle da minha magia de Pedra.

Benson usou a abertura para me dar outra cabeçada.

Eu consegui trazer o suficiente da minha magia de volta para impedir que o golpe me matasse de imediato, mas meu cérebro sacudiu ao redor do meu crânio como uma moeda caindo em uma máquina de caça-níqueis. Estrelas brancas, cinzas e negras piscavam na minha visão, e eu estava deitada de costas na calçada antes de perceber o que estava acontecendo.

Eu fiquei lá, piscando e tentando fazer desaparecer os pontos perigosos e pensar em alguma coisa, algum tipo de plano que me deixaria matar Benson sem me matar. Em meu fone de ouvido, pude ouvir Bria, Xavier, Owen, Finn e Phillip gritando para eu me levantar, mas os cérebros mexidos não são bons para compreensão ou ação.

Pisquei novamente, e Benson estava ajoelhado no chão ao meu lado, a mão dele em torno da minha garganta. Ele facilmente me levantou do chão e no ar, de modo que meus pés chutavam a brisa e meu olhar estava nivelado com o dele.

Com o canto do meu olho, pude ver que Bria, Owen e Xavier começarem a avançar, parando apenas quando os homens de Benson se moveram na frente deles, me isolando.

— Não tenho o ângulo — gritou Finn no meu ouvido. — Não tenho um tiro!

— Nem eu! — gritou Phillip.

As coisas não saíram do meu jeito, e meus amigos ainda estavam tentando me salvar. Mas eles chegariam tarde demais.

Então eu teria que me salvar.

Afastei todo o barulho. Finn e Phillip ainda gritando no meu ouvido. Bria, Xavier e Owen gritando atrás dos guardas. Os sussurros excitados da multidão. Ignorei tudo e me concentrei em Benson. O calor suado de sua mão envolvendo minha garganta. A força de seu braço enquanto ele me segurava. O intenso brilho azul da magia em seus olhos. As manchas de sangue pintando seus óculos. O cheiro de limão saindo de seu corpo.

Foi esse o último, o cheiro dele, que me fez voltar ao meu tempo em seu laboratório. Dia diferente, mesma situação. Porque agora, eu estava tão impotente quanto estava em sua cadeira, quando Benson empurrou o comprimido pela minha garganta e depois me fez engolir...

Compreensão malévola queimou através de mim como ácido, fazendo-me sorrir. Porque eu não estava indefesa. Não aqui, nem agora, nem nunca.

E eu sabia como poderia vencer Benson: exatamente da mesma maneira que ele me derrotou.

Ao nossa volta, a multidão engasgou, pressionando para frente na expectativa do fim. Eles sabiam que este era o momento em que o vampiro poderia estalar meu pescoço com um pensamento, se ele assim quisesse.

Benson também sabia disso, porque começou a rir. Ele se virou de um lado para o outro, levantando-me no ar para a multidão e sua própria inspeção e diversão, como se eu fosse algum tipo de troféu que ele havia ganhado e estivesse elevando para o alto.

Mas o que o bastardo não sabia era que ele não havia vencido – ainda não – e que eu não o deixaria ser o meu fim.

Finalmente, Benson parou de acenar meu corpo pelo ar e me trouxe de volta para baixo para que meus olhos ficassem no mesmo nível dele novamente. Ele olhou para mim, seu rosto feliz vincando em uma careta pensativa. Mais uma vez, ele fez aquela coisa estranha, inclinando a cabeça, olhando para mim como um pássaro prestes a engolir uma minhoca, como se estivesse surpreso por algo que eu disse, ainda que ele tivesse um aperto tão forte na minha garganta que eu mal conseguia dizer mais do que umas poucas palavras, embora eu quisesse cantar vitória sobre como ia matá-lo.

— Fascinante — disse ele. — Realmente fascinante.

Benson afrouxou seu aperto no meu pescoço e acenou com a mão livre na frente do meu rosto. A sensação áspera de lixa de sua magia do Ar se espalhou contra o meu corpo, tentando identificar as emoções sob a superfície da minha pele e arrancá-las de mim. Mas não deixei. Em vez disso, eu peguei minha magia de Gelo e deixei o poder frio me dominar do jeito que havia feito tantas vezes no passado.

Benson me deu uma pequena sacudida, como se tentasse sacudir as emoções de dentro de mim, como moedas de um centavo em um frasco de vidro. Cerrei meus dentes enquanto meu cérebro agitava em volta do meu crânio novamente, mas não lhe dei a satisfação de sibilar de dor. Em vez disso, concentrei-me na minha magia, deixando-a tornar-me tão fria como gelo – literalmente – de dentro para fora.

Mas minha falta de resposta, minha falta de emoção, minha falta de medo fez com que ele passasse de curioso para enfurecido em um piscar de olhos.

— Como você pode estar tão calma? — assobiou ele. — Você não sabe que estou a segundos de matá-la? Onde está seu medo? Seu pânico? Eu quero o seu terror, Gin. Dê-me isto. Me dê agora.

Soltei uma risada baixa. — Oh, docinho, você realmente acha que você é a única coisa desagradável que já teve a mão em volta da minha garganta? Por favor. Esta não é a minha primeira luta intensa, mas será a sua última.

Ele me sacudiu novamente, depois aproximou seu rosto do meu, tão perto que pude sentir o cheiro de sangue em seu hálito misturado com seu cheiro de limão, tão amargo e sujo quanto qualquer veneno. — Você deveria estar com medo, sua idiota estúpida.

— Não — respondi —, você deveria estar com medo. Você gosta de fazer com que as pessoas se viciem em suas drogas porque torna muito mais fácil para você se alimentar de suas emoções. Você está tão orgulhoso de seu poder, de suas fórmulas e experimentos, e acha que eles o tornam tão inteligente, tão superior aos outros. Mas você é tão viciado quanto todas as pobres pessoas no seu porão. Você tem sido o rei indiscutível de Southtown por tanto tempo que esqueceu uma coisa importante... A única coisa que importa agora. Meio triste, desde que você tão dolorosamente me lembrou disso ontem em seu laboratório.

— E o que seria isso? — sussurrou ele novamente.

Eu sorri, minhas feições ainda mais predatórias do que as dele. — Que não importa quem você é... Viciado, assassino ou vampiro, todo mundo precisa de ar para respirar, até mesmo você.

Estendi minha mão para que eu estivesse tocando sua bochecha direita, colocando-a quase do jeito que um amante poderia.

Então soltei minha magia de Gelo no bastardo.

Uma luz prateada brilhou entre nós, vazando da cicatriz de runa de aranha marcada no centro da minha palma. Por um momento, a luz foi tão intensa que eu não conseguia nem ver Benson em pé na minha frente. Mas eu não precisava vê-lo, porque podia sentir minha magia, e a dirigi para ele com toda a força de uma nevasca ártica.

Em um instante, sua pele estava gravemente congelada, e até mais azul do que seus olhos. Ele respirou fundo, e o ar se cristalizou e congelou profundamente em seus pulmões, matando todo aquele tecido precioso. E então, para o golpe final, eu cobri todo o seu rosto com três polegadas de Gelo elemental, um truque que aprendi com Bria.

Quando deixei minha mão cair, Benson parecia estar usando uma bolha de vidro azulado sobre seu rosto. Sua mão escorregou da minha garganta e ele cambaleou para trás, batendo e arranhando o Gelo elemental em seu rosto. Eu caí no chão, ofegante, mas eu já estava empurrando a dor e levantando. Ataquei com meu pé, chutando o joelho de Benson, e então enviei uma explosão de magia de Pedra, quebrando o pavimento sob seus pés.

Dessa vez, foi ele quem caiu de costas. Usando sua força aprimorada, Benson finalmente atravessou o gelo em seu rosto e começou a sugar o tão necessário oxigênio, sua respiração dolorosa dado o quanto de seus pulmões eu acabara de destruir. Enquanto ele estava ocupado chiando, estendi minhas mãos contra o asfalto e alcancei meu poder.

Eu não tinha uma cadeira chique para me ajudar a subjugar o vampiro, mas eu não precisava de uma. Benson poderia ser o rei de Southtown, mas o alicerce de tudo ao nosso redor era feito de pedra – meu elemento, aquele do qual eu era a rainha.

Como a rua em que ele estava deitado.

Então pressionei as palmas das minhas mãos no asfalto e mandei minha magia de Pedra para ele, fazendo com que mais e mais do asfalto se quebrasse, rachasse. E então coloquei ainda mais do meu poder no pavimento, fazendo com que todos aqueles pedaços de pedra se levantassem e se juntassem novamente, até formarem cinco formas específicas.

Grilhões.

Usando minha magia, eu prendi um grilhão de Pedra em torno de cada braço e perna de Benson, assim como do seu pescoço, depois os afundei no asfalto, como se estivessem prestes a puxá-lo para o centro da terra junto com eles. Para uma segurança extra, eu cobri cada algema com três polegadas de Gelo elemental, de modo que mesmo que se Benson pudesse usar sua força para romper as restrições, ele ainda teria que gastar ainda mais energia para atravessar o Gelo também.

Ele já deveria ter usado boa parte do sangue e das emoções do guarda morto, porque ele se agitava, empurrava e debatia contra minhas restrições improvisadas, mas não conseguia se libertar delas.

Assim como não consegui me libertar daquelas em seu laboratório.

Desesperado, Benson olhou para mim, seus dedos rastejando pela pedra quebrada, tentando me tocar, então poderia sugar o suficiente das minhas emoções para escapar. Bem, ele finalmente ia conseguir o que queria, já que eu estava mais do que pronta para me abrir sobre os meus sentimentos.

Eu me ajoelhei ao lado do vampiro, olhando para ele tão desapaixonadamente quanto ele olhara para mim em seu laboratório. Então, lentamente, puxei a faca das minhas costas e bati a ponta na minha bochecha, como se estivesse considerando todos os segredos do universo.

— Diga-me, Beau — eu disse. — Como é se sentir completamente desamparado? Que tipo de emoções você está sentindo agora? Hmm? Por que eu acho que seria um estudo científico fascinante, não é?

Ele abriu a boca para gritar ou talvez falar para seus homens atirarem em mim, mas antes que pudesse, eu levantei minha faca e bati em seu coração.

— Por que eu acredito que você está experimentando um desconforto agonizante — murmurei. — Cada nervo do seu corpo provavelmente parece estar em chamas agora. Mais ou menos como me senti quando você bombeou Burn em mim.

Benson gritou, mas apertei minha mão sobre sua boca ensanguentada, cortando o som.

— Agora, o que foi que você disse a Troy na noite em que o assassinou? Oh sim. Não tenha medo. Só doerá por um minuto. Bem, você está certo sobre isso. Porque não sou como você. Não torturo as pessoas. Eu já te matei com esse golpe.

Inclinei-me para que ele pudesse ver meus olhos – olhos que eram muito mais frios do que o Gelo elemental com o qual eu o envolvi. O olhar azul em pânico de Benson trancou com o meu cinza e calmo.

— Você queria que eu compartilhasse minhas emoções com você. Bem, você sabe o que estou sentindo agora? — ronronei — Tenho certeza que você pode sentir isso com sua magia. Há apenas uma palavra para isso, na verdade: satisfação.

Removi minha mão da sua boca e arranquei a faca de seu peito. O vampiro arqueou as costas, mas não conseguiu se libertar dos meus grilhões de Gelo e Pedra, e sequer tinha energia para gritar. Em vez disso, ele gaguejou e cuspiu, como se não pudesse acreditar que a mesma coisa estava sendo feita a ele, aquilo que ele havia feito comigo e incontáveis outros.

Lentamente, seu corpo ficou imóvel, e sua respiração veio em suspiros irregulares, manchas de sangue espumoso jorrando de seus lábios e cobrindo seus óculos.

— E agora seu corpo está se desligando do enorme trauma que acabei de infligir nele... E a você. E esse frio que você está sentindo? Isso não é a minha magia de Gelo. São as minhas emoções e a sua própria morte tomando conta de você, respiração por respiração.

Benson quase pareceu balançar a cabeça em concordância. Então seu corpo relaxou, a cabeça pendeu para o lado e o olhar fixo em algo que só ele podia ver.

O bastardo estava morto.

Já vai tarde.


Capítulo 28

 

 

Observei o sangue pingar do peito de Benson e começar a acumular nas rachaduras do asfalto. Ao meu redor, a pedra da rua, calçadas e edifícios tagarelavam com a violência que o vampiro e eu acabamos de dar um ao outro. Mas não me importei com os sons chocados. Eles disseram-me que eu havia conseguido passar por outra batalha e matado outro inimigo que ameaçara meus amigos e eu.

Mas quando eu me levantei e me virei, me perguntei quantos mais problemas eu tinha acabado de causar para mim.

Porque as pessoas que estavam nas calçadas e em outros lugares, todas olhavam para mim – os curiosos, os guardas de Benson, Silvio, meus amigos.

O silêncio aumentou e aumentou, e meu olhar varreu de um rosto na multidão para outro. As pessoas sussurravam uma para a outra, seu murmúrio baixo soava muito parecido com o da pedra manchada de sangue sob meus pés.

— Hum, Gin? — disse Finn, em meu ouvido. — Este pode ser um bom momento para você dizer alguma coisa.

— Você acha? — murmurei.

Dei um passo para frente. Várias pessoas no meio da multidão ofegaram e se afastaram de mim, provavelmente pensando que eu ia fazer o mesmo com a faca que fizera a Benson. Alguns deles provavelmente mereciam isso. Os cafetões que batiam em suas prostitutas só porque achavam que podiam. Os traficantes que vendiam drogas para as crianças apenas para ganhar alguns dólares extras. As gangues que machucavam pessoas inocentes somente porque tiveram a infelicidade de atrapalhar suas guerras territoriais. Não eram pessoas legais que se reuniram à minha volta.

Então, novamente, eu também não era muito legal.

Ainda assim, na maioria das vezes, eu tinha uma política de viva e deixe viver. Contanto que você não viesse atrás de mim, eu não iria atrás de você. Então decidi deixar isso claro para todos ali.

Apontei minha faca ensanguentada na direção do corpo de Benson. — O chamado rei de Southtown está morto.

— Viva a rainha! — gritou alguém em uma voz que soava suspeitamente como a de Finn.

— Eu não sou a maldita rainha de nada — rosnei.

Meu olhar furioso foi o suficiente para fazer a multidão calar a boca novamente, então eu continuei com o meu discurso improvisado.

— Benson aterrorizou todos que entraram em contato com ele. Não porque ele precisava, mas porque queria. Porque ele gostava.

Várias pessoas concordaram, incluindo muitos dos guardas de Benson.

— Mas eu não sou Benson. Eu sou a Aranha.

Mais uma vez, a multidão engasgou.

— Eu sou a Aranha — repeti. — E apesar dos rumores que vocês podem ter ouvido, eu não trato as pessoas como merda só porque eu posso. Não os machuco, torturo ou mato só porque me diverte.

— Então, o que você está dizendo, senhora? — gritou outra voz.

— Estou dizendo que vocês estão livres para fazer o que quiserem depois que eu for embora. — Apontei meu dedo na mansão de Benson. — Vou para lá, mas quando eu voltar, é de vocês. Saqueiem. Cubram com grafite. Queimem até o chão, por tudo que eu me importo.

Algumas pessoas no meio da multidão começaram a se cumprimentar, já pensando em todas as coisas de valor que poderiam tirar da mansão.

— Não quero a mansão de Benson, e com certeza não quero tomar o lugar dele.

— Você nos deixará em paz? — gritou alguém. — Realmente?

Dei de ombros. — Claro.

Comecei a me afastar, mas depois olhei por cima do ombro, fazendo a multidão ficar tensa novamente. Eles estavam tão acostumados a traições quanto eu.

Apontei minha faca ensanguentada na direção deles. — Uma palavra de aviso. Vocês atravessam meu caminho ou me perturbam de qualquer maneira, e vocês ficarão como Benson ali. Vocês não saberão o que os atingiu até estarem sangrando na calçada. Estamos entendidos?

Silêncio.

— Estamos entendidos?

Enviei uma pequena onda de magia de Pedra na calçada aos meus pés, fazendo o asfalto ondular, quebrar e estilhaçar em vários lugares.

— Sim!

— Alto e claro, senhora!

— Bom — eu disse. — Não faça essa louca cadela assassina voltar aqui e dizer de novo.

Então eu me virei e fui embora, deixando o corpo ensanguentado de Benson acorrentado no meio da rua para todos verem.

 

* * *

 

Peguei as facas que eu largara antes, depois caminhei até os dois guardas que ainda tinham Silvio apoiado entre eles. Os guardas olharam para mim, depois um para o outro, como se estivessem pensando em soltar Silvio para me atacar.

— Realmente? — perguntei. — Vocês não acabaram de ver o que eu fiz com o chefe de vocês?

Eles estremeceram, sabendo que eu tinha um excelente ponto.

— Deitem Silvio suavemente, então saiam. Digam ao resto dos homens que façam o mesmo, se quiserem viver.

Desta vez, os dois homens não hesitaram. Eles colocaram Silvio no chão, apoiando-o contra o muro de pedra que marcava a borda da propriedade de Benson, então correram o mais rápido que puderam para entregar minha mensagem. Eu olhei para os outros guardas, mas um por um, todos eles colocaram suas armas sob suas jaquetas, passaram por mim na ponta dos pés e desapareceram na multidão ainda ao redor.

Bria, Xavier e Owen correram até mim, cada um me abraçando. Um minuto depois, Finn e Phillip apareceram no final do quarteirão e seguiram em nossa direção.

— Ah, cara — disse Finn, se aproximando de mim com uma mochila preta pendurada na mão. — Eu sequer consegui atirar em alguém.

— Bem, olhe o lado bom — eu disse lentamente. — Suas roupas não foram arruinadas. Nem o seu cabelo.

Finn se animou com o meu raciocínio.

Eu me agachei ao lado de Silvio, que ainda estava caído contra a parede. Seus olhos cinzentos e sem vida se fixaram em mim.

— Catalina? — resmungou ele.

— Ela está bem — eu disse. — E você também ficará. Há um curador Elementar do Ar que conhecemos. Nós vamos te levar até ela. Mas preciso te perguntar algo primeiro.

— Qualquer coisa.

— Onde Benson guardou as anotações dele? Aquelas de seus experimentos?

— A maior parte foi no livro-caixa que lhe dei — disse Silvio asperamente. — Mas há mais. No cofre. No laboratório.

Fiz uma careta, mas ouvi quando ele me disse a combinação para o cofre. Eu fiquei de pé e dei um passo atrás enquanto Xavier se abaixava e gentilmente pegava Silvio, embalando o vampiro em seus braços maciços como se ele não pesasse mais do que uma criança. Ele provavelmente não pesava, dado todo o sangue e as emoções que Benson tirara do seu corpo.

Owen tocou meu braço. — Nós voltaremos logo.

— Ok.

Ele me abraçou novamente, pressionando um beijo suave na minha testa, e então ele, Xavier e Phillip entraram no sedã e saíram com Silvio.

Finn esfregou as mãos em alegria desenfreada. — Oh cara. Vamos saquear.

Revirei os olhos. — Vá em frente se quiser. Vá ver o que mais Benson tinha em seu cofre.

Finn inclinou a cabeça para Bria, que estava em pé sobre o corpo do vampiro. — E vocês?

— Nós estaremos lá em um minuto.

Finn assentiu, pulou por cima do muro, e atravessou o gramado, indo para a mansão. Eu fui até Bria.

Minha irmã olhou para Benson, seu olhar se movendo de seu rosto congelado para as algemas grosseiras em seus braços e pernas e ao sangue que preenchia todas as rachaduras ao seu redor. Suas feições estavam em branco, mas ela continuou esfregando os dedos sobre o distintivo de detetive dourado em seu cinto.

— Você está arrependida de que isso aconteceu desse jeito? — perguntei. — Que você não foi capaz de prendê-lo?

Ela mordeu o lábio por um momento. — Sim e não. Parte de mim queria prendê-lo para fazer as coisas da minha maneira.

— Mas?

— Mas depois de ver o que ele fez com você, sabendo como ele a torturou... —Ela suspirou. — Parte de mim só queria que ele morresse. E agora ele está morto, graças a você.

Bria me encarou. — Mas acima de tudo, fico feliz que você esteja bem, Gin. Espero que você possa me perdoar por arrastar você para a minha guerra com Benson.

— Não há nada para perdoar. Era a minha guerra também. Já faz meses, desde que os chefes do submundo começaram a tentar me matar. Eu finalmente decidi fazer algo sobre isso.

Ela assentiu, em seguida, estendeu a mão e me abraçou, com tanta força que senti a runa de prímula em torno de sua garganta pressionar minha clavícula. Eu a abracei ainda mais forte, dizendo a mim mesma que o toque frio e duro do símbolo silverstone contra a minha pele era o que estava me fazendo piscar para conter as lágrimas. Sim. Certo.

— Vamos — eu disse, me afastando. — Vamos ver o que está no cofre antes de Finn roubar tudo para ele.

Bria assentiu e ligou o braço dela com o meu. Juntas, nos viramos e nos afastamos, deixando Beauregard Benson para trás de uma vez por todas.

 

* * *

 

Bria e eu entramos na mansão, que estava estranhamente silenciosa, e seguimos para o porão. A cova de drogas estava sem os viciados que eu vi antes, embora aqueles pedaços grossos de incenso ainda ardessem ao redor da sala. Eu não sabia para onde foram todas as pessoas, se Benson se livrou delas ou se elas saíram sozinhas. Mas onde eles estivessem, eu esperava que recebessem alguma ajuda.

Bria e eu atravessamos o porão e entramos no laboratório. Tudo parecia como eu me lembrava – os congeladores na parte de trás, a mesa de metal com seus frascos de pó e instrumentos científicos, a cadeira no meio de tudo como uma gigantesca aranha branca.

Suor escorria da minha testa enquanto eu olhava para a cadeira com suas algemas, e eu poderia jurar que podia ouvir meus próprios gritos ecoando pela sala. Mas eram apenas minhas memórias. Eu sobrevivi à cadeira, sobrevivi a Benson, e sobrevivi às minhas lembranças, junto com os pesadelos que certamente viriam.

Mas eu necessitava seguir em frente, porque as coisas não acabaram ainda – não entre eu e a pessoa que havia fornecido as pílulas Burn para Benson.

Então passei pela cadeira e fui até Finn e Bria, que estavam em frente ao cofre. Finn passou as mãos sobre o metal e soltou um assobio de apreciação.

— Benson não estava brincando quando conseguiu isso — disse ele. — Fico feliz que você conseguiu a combinação com Silvio, ou nós ficaríamos aqui o resto da tarde tentando quebrar esta coisa.

Falei os números e Finn apertou no mostrador, abrindo o cofre. A primeira coisa que ele tirou foi um bolo de dinheiro. Ele soltou outro assobio, mais alegre do que antes.

— Bom — ronronou Finn, e jogou o dinheiro em sua mochila aberta no chão.

Olhei para Bria. — Viu o que eu queria dizer?

Ela riu.

Dinheiro, armas, drogas. Encontramos tudo isso e muito mais no cofre, junto com dezenas de cadernos. Esses não continham apenas as fórmulas de Benson, os nomes de seus clientes ou o dinheiro que ele recebia e gastava. Eram registros de todos os seus experimentos distorcidos em pessoas, incluindo Elementais como eu.

Finn soltou outro assobio baixo, depois me mostrou a entrada que Benson fizera em seu bloco de notas ontem, depois de ter forçado a pílula Burn a descer pela minha garganta.

Apresenta reação violenta à droga. Indicativo de que a cobaia possui um poder Elemental extremo, Benson escreveu em um roteiro elegante. Cobaia experimenta os efeitos da droga numa sucessão rápida e acelerada. Mais testes são definitivamente necessários para testar os limites da tolerância e resistência da cobaia a esta e outras fórmulas.

O meu estômago revirou enquanto pensava em toda a dor que eu sentira por causa da droga. Mais uma vez, meus gritos ecoaram em meus ouvidos, mas afastei os sons fantasmas. Essa foi a razão pela qual eu perguntei a Silvio onde estavam as anotações de Benson. Eu não queria que ninguém encontrasse as observações do vampiro sobre mim. Não queria que ninguém conhecesse minhas fraquezas.

E, especialmente, não meus medos.

Então arranquei as páginas do bloco de notas e devolvi a Finn. Ele pegou sem dizer uma palavra e colocou com os outros que havia coletado.

Nós terminamos de limpar o cofre, colocando todo o conteúdo na mochila do Finn. Então fomos até Bria, que tinha aberto todos os congeladores no fundo do laboratório. Minha irmã tinha suas mãos nos quadris e um olhar pensativo no rosto enquanto olhava para as prateleiras cheias de pílulas, pós e outras substâncias ilegais.

— Sabe, há milhões de dólares em drogas nelas agora — eu disse. — Seria uma grande vitória para você, Bria, entregar todas essas coisas para a polícia.

— Oh, sim — disse Finn. — Você realmente conseguirá uma promoção com isso. Talvez duas.

Bria sorriu com os esforços dele para animá-la, mas a expressão rapidamente escorregou de seu rosto.

— Benson se importava mais com tudo isso do que com qualquer outra coisa — murmurou ela, estendendo a mão e pegando um saco plástico com pílulas vermelhas de Burn de dentro de um dos congeladores. — Ele assassinou Max e Troy, e estava disposto a fazer o que fosse necessário para matar Catalina. E para quê? Isto?

Ela sacudiu o saco, fazendo as pílulas tremerem dentro, antes de jogá-la de volta no congelador. — Não importa quanto tempo eu seja uma policial, e todas as coisas ruins que eu vejo, às vezes eu acho que nunca vou realmente entender as pessoas.

Dei de ombros. — Benson era um monstro. Ninguém está discutindo isso.

Bria olhou para mim, seus olhos escuros e assombrados. — Mas eu também fui um monstro. Porque estava disposta a usar Catalina para chegar a tudo isso. Não importava quão perigoso fosse para ela ou para qualquer outra pessoa. E arrisquei você e quase te perdi. Não cometerei esse erro novamente, Gin. Eu te prometo isso.

Ela estendeu a mão, e eu peguei e apertei.

— Eu sei — eu disse, com minha voz rouca de emoção.

Finn limpou a garganta. — Odeio interromper o momento de união de irmãs, mas precisamos fazer algo com tudo isso. Se não o fizermos, este local será saqueado e destruído. Não que eu culpe as pessoas do lado de fora. Eu estaria ansioso para vir aqui e receber meu quinhão de recompensas também depois de Benson ter me intimidado por tantos anos. Então, o que você quer fazer com isso?

— Vamos queimar tudo — disse Bria. — Eu sei que isso vai contra o procedimento, mas essas drogas são perigosas, e eu as quero destruídas, aqui e agora. Não trancadas como evidência onde alguns policiais corruptos podem e provavelmente colocarão suas mãos nelas e os colocarão de volta nas ruas. O que você diz, Gin?

— Queimar está bem para mim. — Apontei para a cadeira no meio do laboratório. — Desde que comecemos com isso.


Capítulo 29

 

 

Após levar Silvio até o barco para que ele pudesse se reunir com Catalina e ser curado por Jo-Jo, Xavier, Phillip e Owen voltaram para a mansão. Eles apareceram bem a tempo de ajudar Finn, Bria e eu a levar o estoque de drogas de Benson para o lado de fora e jogá-los no gramado da frente.

A maioria da multidão de mais cedo havia se afastado, embora algumas pessoas estivessem pelas esquinas, verificando seus telefones e esperando que saíssemos para que pudessem entrar na mansão de Benson. Uma luta brutal, uma morte sangrenta e uma tarde de saques e furtos. Só mais um dia em Southtown.

Larguei as últimas sacolas de comprimidos de Burn de uma caixa de papelão que peguei no laboratório, depois dei um passo atrás para admirar nossa obra.

A cadeira de tortura estava no meio da pilha, embora você mal pudesse ver as almofadas brancas agora com todos os sacos de plástico que empilhamos em cima dela. Phillip havia fuçado na mansão e encontrado uma lata de gasolina, que ele espirrou em tudo. Eu peguei uma caixa de fósforos dos suprimentos na mochila de Finn e entreguei para Bria.

— Por que você não faz as honras?

— Com prazer — murmurou ela.

Bria arrancou um fósforo da caixa e riscou na lateral. Ela olhou fixamente para o fogo bruxuleante por um momento.

— Por Max — sussurrou ela, então lançou o fósforo no centro da pilha.

WHOOSH!

E assim, o que restou do império de Beauregard Benson pegou fogo.

 

* * *

 

Os caras voltaram para a mansão para verificar e se certificar de que encontramos todas as drogas, mas Bria e eu ficamos no gramado. Estávamos vendo as drogas queimarem por cerca de dez minutos quando notei o veículo – um Audi preto com vidros escurecidos.

Eu estava realmente começando a odiar a visão daquele carro.

Estava estacionado na rua a cerca de quinze metros da entrada da mansão, dando aos ocupantes uma visão clara de mim, Bria e nossa fogueira de drogas. Eu sabia exatamente quem estava dentro. Eu sabia desde que vi o nome do fornecedor de Burn na contabilidade de Benson na noite passada no barco.

Eu também sabia que meu inimigo viria me encontrar em breve. Ela ficaria muito curiosa para não fazer isso.

Então eu fiquei ao lado de Bria e fiquei de olho no carro até que os ocupantes se entediaram e partiram. Esperei alguns minutos, mas eles não voltaram, e percebi que meus amigos e familiares estavam seguros.

Pelo menos por hoje.

 

* * *

 

Mas meu alívio durou pouco. Cerca de cinco minutos depois da saída do Audi, as sirenes começaram a gemer à distância. Eu olhei para o rio e avistei alguns carros de polícia vindo nessa direção, suas luzes azuis e brancas piscando enquanto eles cruzavam a ponte mais próxima.

Os outros ouviram o barulho também, e todos nos reunimos em volta da fogueira, que ainda estava forte.

Finn pegou sua mochila e pendurou-a no ombro. — Bem, eu diria que é a nossa sugestão oficial para sair. Eu vou pegar o carro. Caras?

Owen e Phillip saíram com ele. Isso me deixou com Bria e Xavier.

— Como você explicará as coisas desta vez? — perguntei.

Bria e Xavier trocaram um olhar, e então minha irmã deu de ombros.

— Provavelmente, nós recebemos uma dica sobre uma guerra de drogas dando errado entre Benson e alguns desconhecidos. Nós fomos os primeiros em cena e encontramos Benson morto na rua e todas as suas mercadorias pegando fogo.

— Você acha que isso funcionará? Você não acha que alguém no meio da multidão vai me denunciar?

Bria e Xavier trocaram outro olhar. — Ninguém fala em Southtown — disseram em uníssono.

Ambos riram um pouco, e então minha irmã se virou para mim.

— Ninguém testemunhará contra você, Gin — disse ela. — Não depois do que viram você fazer com Benson.

Fiz uma careta, mas ela estava certa. E percebi que, de certa forma, eu me tornara como o chefão das drogas. Eu não sabia como me sentia sobre isso – ou quais seriam as consequências das minhas ações aqui.

Finn puxou seu Aston Martin até a entrada e buzinou. O gemido das sirenes aumentou enquanto os carros da polícia atravessavam a ponte.

— Vá — falou Xavier. — Nós temos suas costas.

— Sempre — acrescentou Bria.

Dei a ambos um sorriso agradecido, então corri até Finn, Phillip, Owen e nosso carro de fuga.

 

* * *

 

As notícias da morte de Beauregard Benson consumiram os jornais e rádios nos próximos dias. História após história foi relatada sobre a morte do vampiro e a destruição de sua mansão, que foi saqueada e queimada até o chão na noite em que o matei.

A polícia a descreveu como uma guerra de drogas que deu errado, mas Bria estava certa. Ninguém que testemunhou minha luta até a morte com Benson se adiantou para contradizer a teoria aos policiais, embora Finn me dissesse que a notícia do que eu fizera com o vampiro já havia se espalhado como fogo pelo submundo. Aparentemente, todos os outros chefes do crime estavam em alerta máximo, pensando que eu iria atrás deles. O que significava que eles sem dúvida mandariam mais e mais pessoas para tentar me matar primeiro. Então, eu resolvi um problema e criei cerca de uma dúzia a mais para mim, do jeito que eu sempre fazia.

Mas eu não estava tão preocupada com os criminosos quanto estava curiosa sobre como o fornecedor de Burn para Benson estava lidando com a notícia de sua morte. Imaginei que ela estava bastante satisfeita com isso. Não que eu normalmente fizesse qualquer coisa que pudesse agradá-la, mas Benson não tinha me dado uma escolha. Ainda assim, eu não consegui evitar de sentir que minhas cordas foram puxadas e que eu teria sido forçada a entrar em algum tipo de confronto com o vampiro, mais cedo ou mais tarde, mesmo que Catalina não tivesse testemunhado o assassinato de Troy. Mas tudo o que eu podia fazer era esperar e ver se minha teoria se tornaria correta.

Então a vida lentamente voltou ao normal, e voltei aos meus deveres regulares no Pork Pit.

Três dias depois de ter matado Benson, eu estava limpando o balcão ao lado da caixa registradora quando a campainha da porta da frente soou, e uma figura familiar entrou: Silvio.

Eu não vi ou conversei com ele desde que Xavier, Owen e Phillip o levaram até o Delta Queen para ser curado por Jo-Jo, apesar de ouvir de Phillip que Silvio permanecera a bordo do barco durante os últimos dias, recuperando suas forças. Mas ele parecia tão frio e calmo como sempre, em um elegante terno cinza e camisa e gravata combinando. Seu cabelo estava penteado para trás em seu estilo habitual, e seu rosto e corpo se encheram novamente, graças a toda a comida que eu estava enviando para o barco, muito para consternação do chef de Phillip, Gustav.

Silvio olhou ao redor do restaurante, olhando os outros clientes, antes de alisar o cabelo e ir até mim. Ele gesticulou para o banco mais próximo da caixa registradora.

— Posso? — perguntou ele.

— Claro — respondi. — Fique à vontade.

Ele se sentou. Catalina empurrou as portas duplas, saindo da parte de trás do restaurante, depois de fazer uma pausa. Este foi seu primeiro dia de volta ao trabalho em seu turno regular. Quando ela chegou ao meio-dia, eu disse a ela que poderia tirar o tempo que precisasse, mas Catalina insistira em ficar. Ela disse que retornar à sua rotina a ajudaria a lidar com as coisas. Não pude discutir com isso, já que eu estava fazendo a mesma coisa. Tentando me perder nos ritmos de cozinhar e dirigir o restaurante em vez de pensar no que Benson havia feito comigo.

Eu só esperava que a recuperação de Catalina não fosse tão lenta quanto a minha.

O rosto de Catalina se iluminou com a visão de seu tio. Ela deu a volta no balcão e beijou a bochecha dele. Sílvio lhe deu um tapinha leve e carinhoso no ombro. Catalina sorriu para ele antes de se deslocar pelo restaurante, atendendo às necessidades dos outros clientes. Silvio observou-a sentar um casal e distribuir um par de cardápios antes de se virar para mim. Seu olhar cinzento me varreu, demorando no meu avental de trabalho azul e no boton de porco brilhante que eu tinha prendido nele.

— Você parece muito bem, Gin — disse ele. — Considerando todas as coisas.

— Assim como você, Silvio.

Ele alisou a gravata novamente, que não tinha mais a runa de Benson pregada no meio dela.

— Sim, bem, sua amiga, a Sra. Deveraux, cuidou muito bem de mim.

Eu assenti. — Ela sempre faz isso.

— Eu quero que você saiba que ofereci compensá-la por seus serviços, mas ela não aceitou meu dinheiro — disse ele, franzindo um pouco a testa, como se o pensamento o afligisse.

Jo-Jo me contou tudo sobre as repetidas tentativas de Silvio de pagá-la por curá-lo. Mesmo eu fiquei impressionada com a quantia em dólares que ele indicou. Parecia que Silvio estava economizando para um dia chuvoso para ter esse tipo de dinheiro escondido. Então, novamente, ele trabalhou para Benson. Eu teria economizado por muito tempo também.

Acenei com a mão. — Não se preocupe com Jo-Jo. Ela realmente gosta de curar as pessoas. Além disso, ela está na minha folha de pagamento. Tudo foi resolvido.

Ele assentiu. — Eu agradeço muito.

Catalina voltou, e Silvio a parou e pediu um pouco de comida. Pensei que talvez ele simplesmente tinha vindo checar sua sobrinha, mas parecia que ele ia mesmo comer. Ou talvez estivesse apenas ganhando tempo e se preparando para o que ele realmente queria falar comigo. De qualquer forma, decidi deixá-lo ficar. Ele ainda precisava de mais alguns quilos em sua figura magra, e um milk-shake triplo de chocolate do Pork Pit era uma ótima maneira de começar.

Sophia preparou a comida de Silvio e Catalina colocou os pratos na frente dele, os quais incluíam queijo grelhado e anéis de cebola, salada de batata e tomates verdes fritos. Ele comeu tudo com o milk-shake que eu fiz para ele, e então lhe dei um pedaço de torta de cereja coberta com sorvete de baunilha para a sobremesa, mas ele simplesmente mordiscou, alegando que estava cheio.

Entre a espera dos outros clientes, Catalina conversou com o tio, rindo e brincando com ele e eu também. Com Benson não sendo mais uma ameaça, ela parecia ter voltado ao seu habitual eu alegre, embora a escuridão em seus olhos me dissesse que ela ainda estava assombrada pelo que aconteceu com Troy.

Assim como eu estava assombrada pelo que aconteceu com Coral todos esses anos atrás. Mas aprendi a viver com a minha dor, memórias e arrependimentos, e esperava que Catalina também aprendesse.

Eventualmente, porém, o turno de Catalina terminou, e ela arrumou suas coisas para ir para a aula. Ela beijou a bochecha de Sílvio, acenou um tchau para mim e saiu do restaurante, fazendo o sino na porta da frente tocar enquanto saía.

— Ela sempre me disse o quanto gostava de trabalhar aqui — murmurou Silvio. — Mas eu nunca realmente acreditei nela.

— Por que não?

Ele encolheu os ombros. — Eu queria coisas melhores para ela do que trabalhar em algum restaurante gorduroso.

Arqueei minhas sobrancelhas. — Não me senti ofendida.

— Eu não quis ofender.

— E agora?

Ele encolheu os ombros novamente. — Eu posso ver o encanto do seu estabelecimento.

— Obrigada — arrastei. — Mas não exagere com os elogios. Eles podem me subir à cabeça ou algo assim.

Silvio arqueou uma sobrancelha para mim, então cuidadosamente, educadamente, refletidamente, ele colocou seus pratos sujos em cima um do outro e os moveu para o lado no balcão.

Ele trouxe uma pasta de silverstone para o restaurante, que ele tinha colocado no banquinho ao lado dele. Ele a abriu e tirou um tablet eletrônico.

— Então — disse ele, olhando para mim com expectativa, seu dedo equilibrado sobre a tela. — Onde devemos começar a organizar seu horário?

Eu pisquei. — Meu horário? Que horário?

Ele bateu em algo no tablet, então virou onde eu podia ver. A imagem na tela parecia suspeitosamente... Um calendário. O tipo que um homem de negócios pode usar para acompanhar as reuniões, almoços e tudo mais.

Olhei para o terno dele, depois para a pasta dele, depois para o tablet que ele ainda estava segurando. E finalmente tive uma noção do motivo pelo qual Silvio estava realmente aqui.

Eu ri. — Desculpe, Silvio, mas não sou do tipo que precisa ou quer um assistente.

Ele acenou com a mão, descartando minhas objeções. — Uma empresária como você, para não mencionar uma Elemental proeminente, precisa de um assistente profissional. Confie em mim sobre isso.

Balancei a cabeça. — Eu sinto muito, mas realmente não preciso. Além disso, você trabalhou para Benson por anos. Você não quer dar um tempo? Descansar, relaxar e tudo isso?

O dedo indicador de Silvio bateu com o toque no tablet, fazendo com que imagem após imagem aparecesse na tela. — O que você acha que eu tenho feito? Estive sentado naquele barco nos últimos dias e já estou entediado. Sou uma daquelas pessoas que precisam continuar trabalhando, Gin.

— E você decidiu que quer trabalhar para mim? — balancei a cabeça novamente. — Algumas pessoas diriam que você tem um desejo de morte, Silvio. Caso não tenha percebido, não sou exatamente a pessoa mais segura com quem trabalhar. E isso só vai piorar, considerando o que eu fiz com Benson. Sem dúvida, os outros chefes do submundo verão isso como o primeiro sinal de abertura de algum tipo de guerra contra eles.

Ele assentiu. — É claro que eles verão dessa maneira.

— E eu aqui pensando que estava apenas fazendo um pouco de extermínio de pragas.

Silvio me deu um olhar condescendente, aparentemente não entendendo minha piada. É verdade que ela foi um pouco idiota.

— Ao matar Benson da maneira que você matou, você se declarou um grande jogador de poder em Ashland e digno de ser a sucessora de Mab Monroe. Você jogou seu chapéu no ringue, Gin. Não há como voltar atrás agora.

Suspirei. — Eu sei. Mas isso precisava ser feito. Eu não podia deixar as coisas continuarem do jeito que estavam.

Ele assentiu. — E acredito que foi precisamente a ação correta a ser tomada. O que quer que você pense de Beau, todos sabiam que ele era forte e não alguém com quem brincar. Agora eles pensarão o mesmo de você. Confie em mim. As pessoas não virão mais aqui para te matar. Elas vão querer fazer negócios com você. Talvez até te contratar como a Aranha. Tudo isso significa reuniões, um calendário e um cronograma para manter.

Eu gemi.

— E é por isso que você precisa de mim — continuou Silvio. — Para manter tudo organizado, mas principalmente, para ser seus olhos e ouvidos e mantê-la informada de quaisquer ameaças.

— Você quer espionar os outros chefes do submundo para mim?

— Eu não chamaria isso de espionagem. Não exatamente. Mas você ficaria surpresa com o quanto pode aprender apenas sendo o assistente de alguém, ficando do lado de fora das reuniões, conversando com outros assistentes, e coisas do tipo.

A verdade é que eu poderia precisar de uma espécie de intermediário, mesmo que apenas para tentar avisar aos pretensos assassinos a ficarem longe de mim e do restaurante. Mas eu não estava prestes a me aproveitar de Silvio dessa maneira. Isso não me faria melhor do que Benson, sempre esperando que ele trouxesse meu casaco para mim.

Balancei a cabeça novamente. — Eu agradeço a oferta, Silvio. Realmente. Mas não preciso de um assistente. Então tire esse tempo para você. Faça as coisas que você sempre quis fazer. Você não me deve nada por te salvar, se é disso que se trata.

Silvio se endireitou, com o rosto indignado e insultado, como se eu tivesse batido nele com uma luva preta. — É claro que não te devo nada. Francamente, eu não esperava que você voltasse por mim. Foi um tanto estúpido de sua parte fazer isso, especialmente por mim, um completo estranho. E você deveria ter deixado o Sr. Lane colocar duas balas na cabeça de Beau, em vez de enfrentá-lo. No futuro, espero que você se abstenha de correr riscos tão tolos. Eu odiaria ter que procurar outro empregador.

A nota de censura em sua voz me lembrou de Fletcher. Levantei minhas sobrancelhas para ele, e Silvio se acalmou.

— Mas eu devo a você por Catalina — disse ele. — Eu disse a Laura que cuidaria dela, e não fiz exatamente um ótimo trabalho. Mas você salvou Catalina de Benson, protegeu-a quando não pude, e sou mais grato por isso do que você jamais perceberá. Eu sempre pago minhas dívidas, Gin. Você deveria saber isso sobre mim.

— Eu teria ajudado Catalina independentemente de você ou qualquer outra coisa.

Ele sorriu um pouco. — Eu também sei disso. É por isso que vou trabalhar para você em vez de apenas pagar você.

— Sorte a minha — murmurei.

Mas Silvio não estava prestes a ser negado. Ele gesticulou para o tablet novamente. — Agora que tudo está resolvido, por que não começamos?


Capítulo 30

 

 

Eu protestei novamente que não precisava de um assistente, ou o que quer que Silvio fosse, mas ele permaneceu teimosamente firme em sua insistência de que eu precisava de um. Felizmente, alguns novos clientes entraram no restaurante para me levarem para longe dele. Pensei que seria o fim das coisas, mas ele não foi embora. Em vez disso, arrumou suas coisas e se acomodou em uma cabine afastada ao lado dos banheiros, alternando a mensagens de texto em seu telefone e digitando em seu tablet.

Eu não fazia ideia do que ele estava digitando tão furiosamente, mas não tinha coragem de mandá-lo embora. Se estivesse tentando organizar minha agenda, provavelmente seria mais ou menos assim.

Comer o café da manhã. Ir trabalhar. Verificar se há armadilhas. Abrir o restaurante. Pedir a Sophia para descartar os últimos corpos no congelador. Matar pretensos assassinos durante a retirada do lixo da tarde.

E assim por diante.

Mas Silvio parecia feliz o suficiente fazendo o que quer que estivesse fazendo, então o deixei sozinho. Além disso, eu tinha outras coisas com que me preocupar – como o Audi preto.

Eu estava de olho nisso, imaginando quando os ocupantes apareceriam no Pork Pit. E quando parou no meio-fio e ficou parado, parecendo que seus ocupantes estavam debatendo se realmente queriam entrar. Oh, ela queria entrar, tudo bem. E eu queria que ela entrasse.

Eu queria enfrentar minha nova inimiga e meu problema mais antigo cara a cara.

Fiquei levemente surpresa por ter demorado tanto para ela aparecer, mas fiquei grata pelos últimos dias de solidão. Terminei de limpar a mesa em que eu estava trabalhando, então fui até o balcão onde Sophia estava cortando algumas cebolas.

— Duas mulheres vão entrar no restaurante — eu disse. — Uma Elemental e uma gigante. Apenas continue cozinhando. Não preste atenção a elas, não importa o que aconteça.

— Quem são elas? — perguntou Sophia.

— Elas estão conectadas a toda essa bagunça de Benson. Eu posso lidar com elas. Ninguém precisa se preocupar hoje. Ok?

Ela assentiu e continuou cortando cebolas.

Como se fosse uma sugestão, o sino da porta da frente soou e duas mulheres entraram no restaurante: a mulher gigante e a de cabelos ruivos.

Uma das garçonetes se aproximou para sentá-las e anotar seu pedido. A garçonete entregou-me o pedido para os hambúrgueres, saladas de batata, anéis de cebola e chás gelados, e passei os minutos seguintes fazendo a comida. Mais uma vez, a gigante olhou ao redor do restaurante, seus olhos frios e planos avaliando a todos no interior. Seu olhar permaneceu em Silvio, que estava sentado a três cabines de distância, mas ele continuava mexendo com seu tablet como se estivesse totalmente absorto nele, e seus olhos passaram por ele.

A mulher de cabelo ruivo continuava olhando para mim, não sendo tão sutil como ela foi da primeira vez que havia comido no meu restaurante, mas não dei atenção a ela, como se não tivesse notado seus olhares. Quando acabei com a comida, entreguei os pratos para a garçonete, que os serviu. Então me sentei no banquinho atrás da caixa registradora, lendo o final do meu livro de You Only Live Twice, como se elas fossem apenas mais um par de clientes.

Elas não eram, é claro, especialmente desde que eu estava certa que ambas as mulheres me queriam morta. Bem, o sentimento era definitivamente mútuo. Mas esse era o jogo de xadrez delas, e eu participaria – por enquanto.

Fiquei na caixa registradora e li meu livro enquanto as duas mulheres comiam. Eventualmente, elas começaram a conversar entre elas em voz baixa. Silvio começou a digitar e a tocar ainda mais furiosamente em seu tablet. Eu não tinha ideia do que ele estava fazendo, e estava preocupada demais com essa nova ameaça para descobrir.

As mulheres terminaram a comida, mas permaneceram com seus pratos sujos, conversando como se estivessem tendo o melhor momento do mundo. Talvez elas estivessem. Ou talvez apenas esperassem que eu as notassem. Bem, elas esperaram o tempo suficiente.

Eu estava prestes a sair do banquinho, me aproximar e me apresentar formalmente quando a gigante saiu da cabine e foi até a caixa registradora, a comanda na mão. Ela me deu algumas notas, me dizendo para ficar com o troco. Eu pensei que ela iria embora, mas em vez disso, ela apontou seu polegar sobre o ombro.

— Ela gostaria de ter uma palavra com você — disse a gigante.

— Eu aposto que ela quer.

A gigante piscou, aparentemente surpresa com o meu tom sarcástico, mas decidi agradá-la. A gigante ficou perto da caixa registradora, então eu contornei o balcão, fui até lá e deslizei na cabine em frente à mulher de cabelos ruivos. Ela olhou para mim e eu olhei para ela.

Silêncio.

Ao nosso redor os outros clientes continuaram comendo, conversando e rindo, mas a mulher de cabelos ruivos e eu sentamo-nos em silenciosa contemplação, estudando-nos como inimigas.

Boca em forma de coração. Maçãs do rosto perfeitas. Olhos verdes vívidos com grandes pupilas negras. Apenas a quantidade certa de maquiagem discreta para realçar sua pele clara e leitosa.

De perto, ela era ainda mais impressionante do que eu me lembrava, facilmente uma das mulheres mais bonitas que eu já vi, bem ao lado de Roslyn. Ela estava vestida com um terno branco caro que mostrava as linhas suaves e elegantes de seu corpo, mas meu olhar se fixou em sua característica mais importante.

Seu colar de runa.

Ela não o usava na primeira vez que esteve aqui, mas agora uma corrente de Silverstone rodeava seu pescoço, com um grande pingente aninhado no oco de sua garganta, uma coroa com uma chama no centro dela. A runa do poder cru e destrutivo, o mesmo símbolo estampado nas pílulas de Burn. A coroa também era feita de silverstone, mas era a chama no centro do desenho que chamou minha atenção, já que era feita de uma única grande esmeralda.

Mas quanto mais eu olhava para a runa, mais eu olhava para ela, mais via outra runa, outra face, outra mulher. Alguém que era muito familiar para mim. Imaginei que essa nova versão seria tão problemática para mim quanto a última – talvez até mais.

— É tão bom finalmente conhecê-la pessoalmente, Srta. Blanco — ronronou a mulher, sua voz baixa. Suave e sedosa, assim como era a de sua mãe. — Ouvi muito sobre você e seu restaurante. Fiquei encantada ao descobrir que a comida era tão boa quanto as pessoas afirmaram que era.

Era um elogio indireto, se tanto, o tipo de coisa que as pessoas da alta sociedade entregam com pompa e brio, como se a vida fosse um jogo que elas podem ganhar colocando as pessoas para baixo para conseguir o maior número de pontos.

Então ela sorriu, como se tivesse pensado naquele insulto meio-fodido especialmente para mim, e relembrei da última vez e do lugar que eu vi aquela expressão mansa e suave em seus lábios carmesins: o funeral de Mab Monroe.

Naquela época, ela usava um véu negro para obscurecer parcialmente seu rosto, e eu não tinha uma pista da identidade, mas eu sabia exatamente quem ela era agora. Tive minhas suspeitas no segundo em que a vi na primeira vez que ela entrou no Pork Pit, embora ler o livro-razão de Benson confirmara muitas das minhas teorias, além de finalmente me dar seu nome completo.

— Tenho certeza que você está se perguntando quem eu sou e porque eu queria falar com você — disse ela.

— Não particularmente. Muita gente gosta de entrar e bater papo comigo sobre todos os tipos de coisas. O clima, esportes, livros que estou lendo, todos os seus melhores planos para me matar. Alguns deles são mais divertidos do que outros. Você realmente não me impressionou até agora, seja com a sua inteligência ou com a péssima gorjeta que você disse para a sua guarda-costas deixar.

Seu sorriso diminuiu um pouco com meu tom sarcástico, mas ela rapidamente o recuperou. Este era o seu momento, seu tempo de brilhar, sua grande entrada, e ela não me deixaria arruinar isso.

Ela realmente deveria ter saber melhor... Assim como sua mãe antes dela.

Ela respirou fundo. — Eu sou...

— Não há necessidade de apresentações. Eu sei exatamente quem você é — eu disse, cortando-a.

Seu rosto enrugou um pouco em desgosto. Eu estava arruinando a sua revelação chocante. — Você sabe?

— Oh, sim — eu disse lentamente. — Não é todo dia que você conhece alguém com as mesmas três iniciais. M.M.M. Bastante distinto.

Seus olhos brilharam. — Sim, mas você sabe o que significam essas iniciais?

— Claro — respondi. — Estava escrito no livrinho preto de Beauregard Benson, por assim dizer. Ele poderia ter sido um filho da puta doente, mas era um excelente guardião dos registros, especialmente quando dizia respeito ao seu império de drogas e a todos os seus compradores e fornecedores. Você era o foco de suas mais recentes entradas. Benson encheu várias páginas de anotações, especulando sobre como você aperfeiçoara sua fórmula Burn e imaginando se você alguma vez a testara em si mesmo ou em sua amiga gigante ali. Eu tenho que admitir que estou um pouco curiosa sobre isso também.

Ela não respondeu, e então lhe dei um sorriso vencedor, estendendo a mão para ela apertar.

— Mas você está certa. É muito bom finalmente conhecê-la pessoalmente — eu disse. — Madeline Magda Monroe.


Capítulo 31

 

 

M. M. Monroe não gostou de ter sua revelação roubada, mas ela se recuperou rapidamente. Ela se inclinou, cruzou os braços sobre o peito e me deu um olhar frio e avaliador.

— Tenho certeza que você sabe o meu nome também — eu disse, largando a mão na mesa e imitando sua postura. — É Gin, como a bebida. Acho que não devemos ficar na formalidade, não é? Não depois de tudo que as nossas famílias passaram juntas ao longo dos anos.

Ela sorriu de novo. — Como o fato de você ter matado minha mãe?

Mab era o rosto que eu vi quando olhei para Madeline. Ela tinha as mesmas maçãs do rosto, o mesmo nariz e a mesma curva nos lábios, como a Elemental de Fogo, se não o cabelo vermelho acobreado de Mab e os olhos negros absolutos. Finn e eu pensamos que o M. M. Monroe deveria ser algum tipo de parente de Mab, mesmo que apenas no sobrenome, e nós consideramos a possibilidade de que Mab pudesse ter tido um filho, mesmo que Finn não tenha encontrado nenhum registro de nascimento. Mas foi fácil para eu dizer que Madeline era filha de Mab, uma que parecia ter mais ou menos a minha idade, talvez um ou dois anos mais velha.

Dei de ombros. — Não era menos do que ela merecia, já que matou minha mãe e minha irmã mais velha e quase conseguiu fazer o mesmo comigo e com minha irmãzinha quando éramos crianças. Além disso, você não parecia muito arrasada pela morte da sua mãe no funeral dela. Pelo que eu me lembro, você não estava chorando e lamentando. Não posso ter certeza por causa daquele véu que você usava, mas eu meio que imagino que você estava sorrindo o tempo todo.

Desta vez, Madeline deu de ombros. — Minha mãe e eu não nos víamos muito. As coisas teriam ficado... Difíceis entre nós, se você não a tivesse matado quando você fez.

Em outras palavras, as duas teriam se enfrentado e provavelmente se engajariam em um duelo Elemental para ver quem manteria o controle do império de Mab. Sim, eu pude ver isso acontecendo. E tive que me perguntar quem teria ficado de pé no final. Mab era extremamente poderosa, mas Madeline parecia ter bastante poder elemental por si só.

— De qualquer forma, dificilmente importa agora, não é? — disse Madeline, acenando com a mão e fazendo seu anel de silverstone e esmeralda brilhar em sua direita mão. Ele também tinha a forma de sua runa de coroa e chama. — Minha mãe está morta.

— E você finalmente chegou a Ashland para reivindicar sua herança.

Ela sorriu de novo, inclinou-se e juntou as mãos na mesa. — Algo que eu tenho que te agradecer, Gin. Minha herança poderia ter sido amarrada nos tribunais por anos se você não tivesse descoberto o testamento da minha mãe durante toda aquela situação desagradável no museu Briartop. Por isso, você tem o meu agradecimento.

Eu não queria o seu maldito agradecimento. Não queria nada dela. Mas essa era outra parte do jogo de xadrez entre nós, então decidi combinar o movimento dela com o meu.

— O que eu posso dizer? — falei — Eu sou a favor que a verdade venha a tona.

Seu sorriso se alargou, revelando uma sugestão de dentes que eram tão brancos quanto seu terno.

— Bem, agora que nos conhecemos, por que você não me apresenta a sua amiga?

Gesticulei para a gigante encostada ao balcão perto da caixa registradora e que mantinha um olho em Sophia. Aparentemente, ela sabia quão perigosa a anã gótica poderia ser, embora Sophia estivesse ignorando-a completamente e ainda cortando cebolas.

Madeline gesticulou para a gigante, que caminhou em nossa direção. — Como você observou antes, esta é minha guarda-costas pessoal, Emery Slater.

Surpresa surgiu em mim. Slater? Isso continuava ficando melhor e melhor.

— Como em Elliot Slater, eu presumo — murmurei.

Os olhos da gigante estavam frios e vazios enquanto ela me encarrava. — Ele era meu tio.

— E Gin também o matou — disse Madeline, apertando as mãos novamente. — Não é engraçada a história de família que existe entre nós três?

— Oh, é simplesmente hilariante — respondi.

Madeline e Emery me encararam, mas eu me concentrei em Madeline. Ela era a verdadeira ameaça.

— Bem, espero que você tenha aproveitado seu tempo em Ashland até agora. Dei a você um tour pela cidade nos últimos dias, com vocês me seguindo no seu carro.

Madeline piscou. Aparentemente, ela não achava que eu as havia conectado com o Audi preto.

— Há quanto tempo você está na cidade? Eu sei que você fornecia a Benson seus comprimidos Burn há várias semanas. Ele estava tentando fazer engenharia reversa da sua fórmula, sabe. Mas não conseguia descobrir qual é o seu ingrediente secreto.

Ela soltou uma gargalhada satisfeita. — Parece que você está me investigando, Gin.

— Nada tão intenso assim. Você me dá muito crédito.

— Oh, não. Não lhe dei crédito suficiente. Veja, eu tinha esperanças que você mataria Beauregard, mas eu admito que duvidei que você realmente pudesse fazer isso.

Então eu estava certa sobre minhas cordas sendo puxadas e existindo outro jogador neste jogo entre Benson e eu. Pensei na noite em que Troy foi assassinado e como eu vi o Audi do lado de fora do estacionamento. E percebi exatamente quem Madeline e Emery estavam seguindo então.

Meus olhos se estreitaram. — Você sabia que Bria estava de olho em Benson. É por isso que você a seguiu na noite em que a vi do lado de fora do estacionamento. Você queria ver o que ela estava fazendo em relação a Benson.

Madeline sorriu para mim. — Inteligente também. As pessoas realmente te subestimam, Gin. Mas sim, você está certa. Sua irmã é formidável. Benson estava bastante preocupado com ela e com o que ela poderia desenterrar. Ele expressou suas preocupações para mim mais de uma vez, então eu sugeri que ele fosse mais... Proativo sobre a situação. Realmente mandar uma mensagem para sua irmã.

Meu estômago torceu. — Foi você quem disse a ele para matar o informante dela, Max.

Madeline deu um delicado encolher de ombros. — Eu simplesmente sugeri que ele agisse. Nada mais, nada menos.

Um sentimento doentio encheu meu estômago com o pensamento de que eu fui indiretamente responsável pelo horrível assassinato de Max. Que Madeline o usou – e Bria – como uma maneira de chegar até mim.

— Claro, dado o número de homens que Benson enviou atrás de você nesses últimos meses, eu esperava que você tomasse a iniciativa e o matasse, resolvendo assim ambos os nossos problemas. Mas isso não parecia acontecer. Então eu decidi... Acelerar as coisas. — Madeline me deu um sorriso curto.

— Fazendo Benson matar um informante de baixo nível? O que você achou que conseguiria com isso?

— Porque isso faria com que sua irmã, a boa detetive, ficasse ainda mais determinada a derrubá-lo — respondeu ela, como se a resposta fosse óbvia. — Eu sabia que Benson nunca se permitiria ser preso e que sua irmã também não desistiria até que ela o pegasse. Algo teria que intervir, e eu sabia que esse algo seria você, Gin. Que você se envolveria em algum momento. Embora eu tenha que admitir que ter sua garçonete testemunhando uma das execuções de Benson foi apenas a cereja no topo do bolo.

Não respondi, minha mente girando em suas maquinações sutis e habilidosas – e quão efetivas elas foram.

Madeline se inclinou, seu olhar verde fixo no meu cinza, como se fôssemos duas conspiradores discutindo nossos planos secretos e silenciosos. — Veja, Gin, eu tenho estudado você nestes últimos meses, desde que a vi no funeral de minha mãe. Você realmente é uma assassina relutante, não é? Você nunca mata pessoas, a menos que elas venham atrás de você primeiro... Ou vão atrás de sua família.

Precisei trabalhar muito duro para não demonstrar nenhum tipo de emoção. Esta cadela havia envolvido Max, e até Bria, apenas para que eu me envolvesse e cuidasse de Benson para ela. Pensei que estava jogando xadrez com ela, mas Madeline estava realmente brincando comigo todo esse fodido tempo.

Sempre pensei que Mab era a pessoa mais perigosa que já conheci, mas eu começava a perceber que Madeline era igualmente mortal, porque ela era ainda mais ardilosa do que sua mãe. Mab tomou o controle de Ashland e o manteve governando com um punho flamejante de ferro. Todos sabiam que cruzar com Mab levaria a uma morte rápida, dolorosa e cheia de Fogo.

Mas Madeline... Ah, ela mataria as pessoas de imediato, assim como sua mãe, mas eu tenho a impressão de que ela, na verdade, gostava de jogar jogos– sussurrando algumas palavras nos ouvidos das pessoas erradas na hora certa e depois ficando atrás e vendo como a promessa venenosa de sua teia tomava forma, prendendo todos em seus fios mortais.

Eu não havia sequer percebido que estava presa até este momento.

Mas não pude deixar de fazer algumas das muitas perguntas em minha mente. — E em que eu matar Benson te ajuda? Como você se beneficia?

Ela deu outro delicado encolher de ombros. — Não ter que passar por um intermediário, para começar. Benson me deu muito menos do que minhas drogas valiam, e eu sabia que ele estava tentando engenharia reversa na minha fórmula para Burn, chegando até mesmo a insistir para que eu compartilhasse minha lista de ingredientes com ele. Estava ficando muito chato. Então decidi cortá-lo e assumir o controle do tráfico de drogas em Ashland. E você tornou tudo isso possível.

Meu estômago revirou novamente com a facilidade com que ela brincava comigo, mas tudo que eu podia fazer agora era descobrir qual era o seu jogo afinal e como evitar que ela usasse ou machucasse alguém com quem eu me importasse.

— Benson me forçou a tomar uma das suas pílulas de Burn, sabe — eu disse, tentando outra tática. — Como um dos seus chamados experimentos. Ele queria registrar o efeito dela em mim. Fiquei bastante surpresa ao sentir magia correndo em minhas veias, junto com os produtos químicos que estão na droga.

— Oh, isso é graças a mim — disse Madeline, em um tom gracioso. — Coloquei algumas gotas do meu próprio sangue em cada lote da droga. Eu sabia que era o ingrediente que Benson não conseguia descobrir e o que ele nunca poderia replicar. Minha magia é o que dá à droga sua especialidade... O arranque.

— Sua magia ácida — eu disse em um tom brusco.

Levou um tempo para descobrir exatamente que tipo de magia que ela tinha, mas ácido era um desdobramento da magia de Fogo, o poder de Mab, então fazia sentido que a filha de Mab poderia ser dotada de magia ácida. E isso certamente explicaria a sensação de queimação interminável que eu senti quando Benson me forçou a engolir aquela pílula de Burn. Nunca conheci ninguém com magia ácida antes, no entanto. Era uma habilidade rara, tão rara quanto eu ter duas magias elementais.

Madeline sorriu ainda mais. — Muito inteligente de sua parte descobrir isso, Gin. Você gostaria de uma demonstração também? Aqui. Deixe-me te mostrar.

Eu fiquei tensa, mas Madeline apenas pegou a xícara em que estava tomando seu café, arrastando-a para mais perto. Era uma xícara robusta, feita de cerâmica sólida que sobreviveria a ser jogada no chão. Madeline levantou o dedo sobre ela. Seus olhos brilhavam em um verde brilhante e perverso, e senti uma rajada de magia saindo dela, a mesma sensação poderosa e ardente que cobria seu garfo no primeiro dia em que ela entrou no restaurante.

Gotas verdes claras saíram do dedo indicador de Madeline, pingando sobre a superfície da xícara. Uma gota foi o suficiente para fazer com que fumaça verde acre subisse da superfície da cerâmica branca. Duas gotas a fizeram começar a borbulhar, e três gotas começaram a derreter. Um minuto depois, a alça da xícara desmoronou no resto da poça de cerâmica, e o ácido dela também começava a comer a superfície da mesa.

— De qualquer forma, estou tão feliz que pudemos ter essa pequena conversa e limpar o ar — ronronou Madeline. — Mas eu temo que realmente deva ir. Estou finalmente me mudando para a mansão da família Monroe, e quero estar lá para supervisionar tudo. Além disso, parece sempre haver algum tipo de papelada para assinar para o meu novo advogado.

Um pensamento horrível me ocorreu. — Seu novo advogado?

— Bem, eu suponho que isso não seja certo, já que ele é alguém com quem todos nós estamos bastante familiarizados.

Madeline acenou com a mão para a janela. Eu olhei através do vidro. Uma das portas traseiras do Audi se abriu e um homem saiu do carro. Ele usava um terno e segurava uma pasta de silverstone, provavelmente outro empresário de sessenta e poucos anos. Mas sua característica mais marcante era a elegante juba de cabelos prateados em sua cabeça, parecendo em desacordo com seu rosto liso e sem rugas.

Jonah McAllister, o velho advogado de Mab e meu inimigo pessoal.

McAllister me viu olhando para ele e fez uma saudação simulada para mim antes de se curvar. Malícia brilhava em seus frios olhos castanhos, e eu sabia que ele estava aproveitando meu choque absoluto e surpresa com a pequena bomba que Madeline havia acabado de jogar no meu colo.

— Tenho grandes planos para Jonah — disse Madeline. — Ninguém sabe mais sobre os negócios da minha mãe do que ele. Ele tem me ajudado a acelerar todos os tipos de coisas em Ashland.

Não respondi. Eu não pude. Não naquele momento. Em vez disso, olhei para os três, por sua vez.

Madeline Monroe. Emery Slater. Jonah McAllister.

Meu pior pesadelo voltou à vida.

Fiquei enraizada no meu lugar, mas Madeline graciosamente deslizou para fora da cabine e ficou de pé.

— Como eu disse antes, foi muito agradável conhecer você pessoalmente, Gin. Tenho certeza que nos veremos muito em breve.

Ela me deu mais um sorriso, depois se dirigiu para a porta, que Emery já abria para ela. Minhas duas novas inimigas saíram para a noite de outono para cumprimentar o meu mais antigo inimigo. Quando a porta se fechou, a campainha ligada a ela soou alegremente, como se anunciasse o início de uma nova rodada de boxe.

Ding-ding-ding.

Madeline com certeza havia conseguido o primeiro soco. Tudo o que pude fazer foi torcer para que pudesse resistir ao término da luta – e ao golpe final que chegaria mais cedo ou mais tarde.


Capítulo 32

 

 

Seus negócios concluídos, Madeline, Emery e Jonah entraram no Audi e foram embora.

Permaneci na cabine por vários minutos depois que eles saíram, pensando na minha conversa com Madeline e em todas as ameaças não tão veladas dos dois lados. Silvio pigarreou, depois levantou, se aproximou e encostou-se ao lado oposto da cabine. Ele viu o que sobrou da caneca de cerâmica continuar a borbulhar enquanto o ácido verde queimava através dele e da mesa.

— Não pude evitar de ouvir sua conversa com a Srta. Monroe — murmurou ele. — Assim como a dela antes com a Srta. Slater.

— Você não pode evitar?

Ele encolheu os ombros. — A audição vampírica tem seus usos.

Não respondi. Silvio limpou a garganta novamente.

— Obviamente, ela quer matar você — disse ele. — Mas ela também quer acabar com todo mundo e tudo que você gosta para mandar uma mensagem para todo mundo em Ashland. Ela quer machucá-la da pior maneira possível. O mesmo acontece com a gigante. Elas falavam sobre os planos delas para você durante o jantar. Monroe quer fazer de você um exemplo para todo o submundo, para que ela possa facilmente assumir o controle das coisas. Ela não te matará imediatamente. Ela quer fazer você sofrer primeiro. Ela quer comê-la um pouquinho de cada vez, muito parecido com o ácido daquele copo, até não sobrar nada além de uma concha frágil que ela pode facilmente esmagar e destruir a seu tempo.

— Eu não esperaria nada menos da filha de Mab Monroe.

Silvio se mexeu em seu assento. — Não apenas Mab Monroe.

Meus olhos se estreitaram. — O que você quer dizer com isso?

Ele olhou em volta do restaurante, certificando-se de que ninguém estava nos ouvindo, então se inclinou para frente. Eu fiz o mesmo.

— Eu a ouvi conversando com Beau na primeira vez que ela foi à mansão para fazer negócios com ele — disse Silvio, em voz baixa. — Ele sabia que ela era filha de Mab, mas ela estava realmente tentando impressioná-lo, então ela contou a ele sobre seu pai: Elliot Slater.

Não consegui impedir minha boca de se abrir com a revelação. — Elliot Slater era o pai de Madeline?

Silvio encolheu os ombros novamente. — Bem, eu entendi que era apenas material genético. Aparentemente, ele e Mab tiveram uma celebração de vitória uma noite quando ele estava bêbado, e ela estava pensando sobre que tipo de homem poderia dar a ela um herdeiro forte e digno do nome da família Monroe. Então ela decidiu por ele. Essa é a história que Madeline contou a Beau. Ela fez soar como se fosse um impulso do momento da parte de Mab. Mas aqui está Madeline, tudo a mesma coisa.

Então, Madeline não só tinha magia, mas também tinha sangue gigante correndo em suas veias, o que significava que ela era ainda mais forte do que eu temia.

Sílvio não disse mais nada, embora mantivesse seu olhar cinzento focado em mim. Ele sabia o que Madeline vir para a cidade significava para mim. Sem dúvida, ele sabia algumas outras coisinhas sobre o ácido elemental também, desde que ele assistiu Benson lidar com ela nas últimas semanas. Talvez Silvio estivesse certo. Talvez eu precisasse de um assistente afinal de contas.

Eu me despertei das minhas meditações perturbadas e olhei para ele. — Aquele arquivo de informação que você me deu de Benson. Isso é algo que você gostaria de fazer de novo?

— O que você quer dizer?

— Quero dizer que eu quero saber tudo o que há para saber sobre Madeline Magda fodida Monroe — rosnei.

Não adicionei que eu precisaria da informação se tivesse alguma esperança de descobrir qual era o seu próximo passo – e como eu poderia matar a cadela.

Sílvio assentiu. — Eu fiz algo parecido para o Beau. Ele insistiu em minha compilação de muitos dossiês sobre todos os seus inimigos. Ele queria saber tanto sobre eles quanto suas drogas e experiências. Na verdade, foi uma das poucas partes do meu trabalho que eu gostei. Sempre gostei de pesquisar. Em outra vida, eu poderia ter me tornado bibliotecário, se você pode imaginar isso, talvez até tenha trabalhado na Cypress Mountain ou em algum lugar assim.

Oh, eu poderia mais do que imaginar. Silvio tinha o tipo de mente afiada, ordenada e analítica que eu associaria a um bibliotecário ou a um pesquisador. Bem, eu usaria esse grande cérebro dele.

— Você ainda quer um emprego comigo?

Ele assentiu.

— Bem, você tem um — eu disse. — Comece a cavar. Quero saber tudo sobre ela, Emery Slater, McAllister e todos que trabalham para eles ou com eles. Coordene com Finn. Ele ajudará você. Quero um relatório preliminar até o final da semana. Eu pagarei a você, é claro, e reembolsarei você por quaisquer subornos ou outras despesas que você tenha.

Citei um valor que fez Silvio piscar de surpresa. Aparentemente, Benson nunca lhe pagara tanto, mas eu sabia que qualquer informação que ele pudesse encontrar para mim sobre Madeline, Emery, Jonah e o que eles planejavam valeria mais do que uma pasta cheia de diamantes.

Silvio assentiu, anotando algumas coisas em seu tablet. — Será o meu prazer.

Soltei uma risada amarga. — Oh, duvido que haja algo prazeroso nisso quando tudo estiver terminado.

 

* * *

 

Silvio saiu com a promessa de voltar quando eu abrisse de manhã. Ele parecia quase tonto com a perspectiva de trabalhar para mim. Bem, o que parecia ser tonto para ele, que foi um suave sorriso e um pouco de determinação em seu passo. Supus que o entusiasmo dele era bom, já que eu não conseguia reunir um único vestígio disso agora.

Meus outros clientes terminavam suas refeições, pagaram e saíram, então eu mandei Sophia e o garçom para casa e fechei o Pork Pit por esta noite.

Eu não deveria estar na casa de Owen para jantar por mais uma hora, então passei esse tempo dirigindo sem propósito, minha mente ainda na minha perturbadora conversa com Madeline Magda Monroe.

Silvio estava certo. Ela queria me matar, e Emery Slater também. De certa forma, eu não podia culpá-las por isso. Eu matei membros de ambas as famílias, afinal, mesmo que Mab tenha começado as coisas ao assassinar minha mãe e minha irmã mais velha todos aqueles anos atrás.

Quanto a Jonah McAllister, bem, se unir a elas seria uma chance de salvar seu próprio rabo miserável dos chefes do submundo que o queriam morto, e isso lhe daria outra chance de me derrubar. Vencer e vencer para o advogado viscoso.

Mas quanto mais eu pensava nos três, mais uma sensação de déjà vu se apoderava de mim. Nessa época no ano passado, eu estava lentamente sendo arrastada para uma batalha com Elliot e Mab. Eu os eliminei, embora mal tenha conseguido sobreviver aos confrontos mortais. E agora a geração seguinte de Monroes e Slaters avançava para tomar o lugar deles e continuar a briga de sangue com a família Snow. Eu teria que estar em guarda agora mais do que nunca. Assim como o resto dos meus amigos e familiares.

Mas, ficar especulando sobre o que Madeline poderia fazer não me faria bem, e era hora de aparecer na casa de Owen, então deixei de lado minhas preocupações o melhor que pude e dirigi.

Era quase nove quando parei meu carro na frente da mansão de Owen. A casa estava escura, exceto por uma luz acesa na cozinha. Owen havia dito que Eva passaria a noite na casa de Violet, o que significava que teríamos o lugar só para nós. Provavelmente ele estava na cozinha, preparando um jantar tardio para nós.

Entrei na casa e fui para a cozinha, mas a área estava vazia, com apenas a pequena lâmpada sobre o fogão ligada.

— Owen? — gritei.

Nenhuma resposta.

Ele deve estar no quarto esperando por mim, lendo um livro, assistindo TV, ou talvez tomando um banho. Então segui pelo corredor naquela direção, meus pensamentos voltando para Madeline e sua magia...

Ao passar pela sala de estar do andar de baixo, as luzes de repente se acenderam, me fazendo congelar em meu caminho. O que aconteceu a seguir também me pegou de surpresa, embora realmente não devesse, considerando que eu estava esperando há dias.

— Feliz aniversário, Gin!

Meus amigos e familiares gritaram as palavras, soprando buzinas para pontuar sua alegria enquanto saíam de seus esconderijos atrás dos sofás e cadeiras. Um grande estandarte com as palavras que eles haviam acabado de gritar estava estendido sobre a TV, enquanto aglomerados de balões coloridos foram amarrados nos candeeiros das mesas.

Tudo o que eu podia fazer era ficar parada ali na porta, piscando para todos eles com a minha boca aberta, como a idiota surpresa e sem noção que eu era.

Owen, Finn, Bria, Xavier, Roslyn, Phillip, Eva, Sophia, Jo-Jo e seu pretendente, Cooper Stills, Violet e seu avô, Warren T. Fox. Estavam todos lá, junto com Catalina e Silvio, todos usando chapéus de aniversário e me dando sorrisos felizes. Bem, todos, exceto Silvio. Ele parecia um pouco envergonhado com o chapéu de bolinhas vermelho e branco empoleirado em sua cabeça e a corneta correspondente em sua mão. Sim. Eu também estaria

Owen pegou minha mão e me puxou para a sala de estar. Um por um, meus amigos vieram me abraçar e desejar um feliz aniversário. Sorri, gargalhei e fiz os barulhos e ruídos apropriados na pilha de presentes na mesa de café em frente à TV e nas fileiras de cupcakes de chocolate em outra mesa.

Finn me deu um sorriso orgulhoso e satisfeito. — Nós te surpreendemos? Vamos lá. Você pode admitir isso. Você não achava que eu faria a festa no dia de seu aniversário, não é?

Eu pisquei. Não percebi que hoje era realmente o dia até agora, mas aumentei a potência do meu sorriso forçado para que ele não visse que eu havia esquecido o meu próprio aniversário.

— Sim, você me pegou de jeito este ano.

Owen se aproximou e colocou o braço em volta do meu ombro, me puxando para perto. — Pensei que você descobriria assim que eu liguei para você esta manhã e pedi para você vir hoje à noite. Mas Finn estava certo. Você parecia totalmente surpresa.

— Eu estava — admiti, deslizando meu braço ao redor de sua cintura. — Eu te disse que Finn sempre me surpreende. E ele não é o único nos dias de hoje.

Owen me lançou um olhar confuso, imaginando a quem mais eu me referia, mas eu não estava com vontade de conversar sobre Madeline esta noite, então fiquei na ponta dos pés e beijei sua bochecha. Owen sorriu para mim, e então fomos pegos em uma conversa com Bria, Roslyn, Xavier e Phillip. Então, com Jo-Jo e Cooper. E assim por diante.

Finalmente, meus amigos me fizeram sentar no sofá em frente à mesa cheia de presentes.

— Aqui — disse Owen. — Abra o meu primeiro.

Ele me entregou uma caixa quadrada e branca. Desatei a fita violeta e puxei a tampa para encontrar uma caixa de veludo preto aninhada dentro da primeira. Abri a caixa esperando algum tipo de joia, dada a forma. Era uma joia, de fato.

Um colar – um colar de runa de aranha.

Minha respiração ficou presa na garganta ao ver o pingente de silverstone no topo do veludo negro. De alguma forma, Owen fizera uma réplica perfeita do pingente de runa de aranha que eu usava quando era criança, aquela que Mab derreteu em minhas mãos todos aqueles anos atrás. Não apenas isso, mas cada um dos minúsculos elos da delicada corrente de silverstone também tinha a forma da minha runa de aranha, embora fossem muito, muito menores do que o pingente principal.

— Bem? — perguntou Owen com uma nota hesitante em sua voz. — Você gostou? Tenho trabalhado nisso por algum tempo, e pensei que hoje à noite seria o momento certo para finalmente dar a você.

— É perfeito — sussurrei, acariciando minha mão sobre a runa, meus dedos tremendo um pouco. — Absolutamente perfeito.

Owen gentilmente pegou a caixa de mim. — Aqui. Vamos colocá-lo e ver como fica.

Meu cabelo foi puxado para trás em um rabo de cavalo, então ele foi capaz de facilmente colocar o colar em volta da garganta e fechá-lo. Um momento depois, a runa da aranha deslizou para dentro do oco da minha garganta, o peso leve se sentindo estranho depois de tantos anos sem usá-la. Eu levantei e fui para o espelho em uma das paredes.

O silverstone brilhava contra a minha pele, a runa de aranha piscando para mim como um velho amigo. Foi um pouco desconcertante ver a minha runa como um objeto real depois de tantos anos de vê-la marcada em minhas mãos. Mas também foi um sentimento bem-vindo.

— O que você acha? — perguntou Owen.

— É perfeito — repeti com uma voz muito mais forte. Absolutamente perfeito.

Eu amei o colar, realmente, e foi um dos presentes mais atenciosos que alguém já havia me dado. Sem dúvida, Owen pensava que estava me dando um pedaço estimado do meu passado fabricando o colar. Ele tinha, mas ele também me deu algo ainda mais importante para o meu futuro: uma arma para usar contra Madeline Monroe.

Porque todo o colar era feito de silverstone, o que significava que absorveria minha magia, como meu anel de aranha, e planejei encher o metal com o máximo de energia que ele absorvesse. Eu tinha a sensação de que precisaria do reservatório extra de magia nos próximos dias.

Atrás de mim, Finn soltou um longo suspiro alto. — Maneira de superar, Grayson — murmurou ele. — Você arruinou totalmente a torradeira nova que eu tenho para ela.

Eu ri, em seguida, virei, envolvi meus braços em volta do pescoço de Owen, e o beijei apaixonadamente.

— Chega disso — gritou Phillip. — Você pode agradecer a ele em particular mais tarde.

Owen e eu nos separamos, rindo.

Meus amigos se reuniram em torno de mim, ooh e aah sobre o colar. O único que não participou da folia foi Silvio. Ele bebericava um copo de refrigerante e ficou no canto, calmo e estoico como sempre. De vez em quando, ele me dava um olhar avaliador. Ele sabia o que estava vindo tão bem quanto eu: Madeline Magda Monroe querendo queimar meu mundo antes de me matar. Mas por esta noite, ele estava disposto a ignorar isso.

E eu também.

Ri, sorri, comi cupcakes de aniversário, e abri os presentes de aniversário que todos me deram, incluindo o Finn, que de alguma forma encontrara uma torradeira que exibia uma gigante aranha preta em uma teia no seu lado. Prometi a ele que eu a usaria no Pork Pit. Empurrei todos os pensamentos de Madeline de minha mente e saboreei esse tempo com meus amigos e familiares.

Porque eu tinha a sensação de que este seria o último aniversário que eu celebraria com eles.

Mas haveria tempo suficiente para se preocupar com Madeline, Emery, Jonah e seus planos amanhã. Hoje à noite, eu gostaria de aproveitar meu aniversário e lembrar que isso era importante – meus amigos, minha família e as lembranças que fazíamos juntos.

Eles eram o que importavam, eram os que eu estava determinada a proteger, e era por eles que eu lutaria nos próximos dias e semanas por vir.

Feliz aniversário para mim.

 

 

 


{1} Incendiar
{2} Olhas assustado. Em estado de choque
{3} Padrão consistindo em blocos em forma de diamantes ou losangos.
{4} Na mitologia grega, Sísifo era filho do rei Éolo e de Enarete. Ele foi condenado a rolar uma pedra de mármore com suas mãos até o cume de uma montanha por toda eternidade, sendo que toda vez que ele estava quase alcançando o topo, a pedra rolava novamente montanha abaixo até o ponto de partida por meio de uma força irresistível.
{5} Sanduiches com carne moída, cebola, molho de tomate e ketchup, entre outros, servido em pão de hambúrguer.

 

 

                                                    Jennifer Estep         

 

 

 

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