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Se alguém lhe perguntasse como era o tipo de homem que ela mais detestava, Kate não hesitaria em descrever exatamente a figura de Reno Van der Bill, o administrador da fazenda de seu pai. E agora, por ironia do destino, Kate se via obrigada a casar com Reno, passar pelo menos um ano a seu lado, mesmo que essa idéia repugnasse a ambos. Logo que soube da obrigação do casamento, Kate se descontrolou e brigou com Reno, acusando-o de tudo que lhe passou pela cabeça. Depois, mais conformada, pensou que um ano até que era pouco tempo. Doce engano! Em um ano, muitas coisas poderiam acontecer. O ódio de Kate poderia se transformar em amor e o de Reno... Bem, ele era mesmo um homem imprevisível.
CAPÍTULO I
Debaixo do sol escaldante, as parreiras estavam carregadas de cachos, as uvas maduras prontas para serem colhidas. Mas, naquele dia, o velho sino não havia tocado
para anunciar o início da colheita, como sempre fazia. Ao contrário, permanecia silencioso sob a sombra dos grandes carvalhos, e os trabalhadores, em vez de dirigirem-se para a plantação com sua habitual
alegria, caminhavam cabisbaixos e silenciosos, vestindo roupas domingueiras, para o pequeno cemitério da fazenda.
Kate Duval estava de pé entre a tia, Edwina Duval, e o advogado da família, Hubert Walton. Ela era alta, esguia e tinha longos cabelos loiros, caídos sobre os ombros. Estava muito pálida e sua pele parecia
ainda mais branca em contraste com o sóbrio vestido preto que usava. Como único enfeite, levava uma fina correntinha à volta do pescoço, da qual pendia uma pérola solitária, como se fosse uma lágrima.
Seus olhos, muito azuis, haviam perdido a costumeira vivacidade e estavam fixos no caixão que baixava à sepultura recém-aberta.
- Das cinzas voltarás às cinzas e do pó voltarás ao pó - o pastor terminou sua oração.
Kate mordeu os lábios para evitar que continuassem tremendo. O vento balançava os galhos dos ciprestes, assobiando entre as folhagens mais altas, enquanto ela jogava pétalas de rosa, num tributo final,
sobre o caixão que continha os restos mortais de seu pai, Jacques Duval.
As vozes solenes e melodiosas dos trabalhadores entoaram um tradi-
cional cântico religioso até que as últimas notas se confundissem com o barulho das folhas.
Em silenciosa procissão, voltaram então para a sede da fazenda. Antes do enterro, havia sido realizada uma cerimónia fúnebre em Stellenbosch, a cidade perto da fazenda. Ali tinham comparecido os amigos,
conhecidos, autoridades. Mas agora, no pequeno cemitério da Fazenda Solitaire, só estavam os parentes mais próximos e os que viviam naquelas terras. Apenas três pessoas, fora a família, acompanhavam Kate:
Hubert Walton, um homem de seus cinquenta anos, muito alto e magro, advogado e amigo de seu pai; Reno van der Bill, o administrador da fazenda; e a mãe, uma mulher bonita cujos cabelos grisalhos a faziam
ainda mais atraente.
Kate, de braço dado com tia Edwina, conduziu o grupo para dentro do espaçoso casarão, cujas salas amplas e bem ventiladas ainda guardavam traços marcantes da presença do velho Jacques Duval.
O almoço foi posto na sala principal, acompanhado do vinho fabricado na própria fazenda, servido em delicados copos de cristal. Pouco se falou durante a refeição e os empregados entravam e saíam da sala
mantendo um respeitoso silêncio. O ambiente estava bastante tenso e percebia-se uma certa expectativa no ar. É que Jacques Duval tinha fama de ser um homem generoso e todos se mostravam ansiosos por ouvir
a leitura do testamento, que seria logo após o almoço. Só Kate não pensava nisso. Estava mais preocupada em controlar as lágrimas que teimavam em vir-lhe incessantemente aos olhos.
A Fazenda Solitaire, dedicada à produção de vinhos, era próspera, e o importante casarão que lhe servia de sede era uma construção histórica, datada de 1694. O primeiro proprietário fora um homem importante
e, segundo a lenda, tinha se ligado aos movimentos revolucionários que haviam abalado a região, trazendo grandes perdas e a ruína financeira para muitos fazendeiros. Depois dele, Solitaire teve outros
donos, até chegar às mãos de Pierre Duval, há um século. Mas foi só seu bisneto, Jacques Duval, o pai de Kate, que conseguiu transformá-la, durante os trinta anos em que foi seu proprietário, numa das
mais lucrativas fazendas produtoras de vinho de toda a região de Stellenbosch.
Quando percebeu que todos haviam terminado o almoço, Edwina fez um leve aceno de cabeça, mandando que os criados entrassem. Eles vieram em silêncio, alinhando-se contra a parede, e Hubert Waltoiv tirou
de uma pasta preta o importante documento. Os olhares
dos presentes fixaram-se no papel que ele desdobrava, menos o de Kate. Envolta em seus pensamentos, ela observava, uma a uma, as feições das pessoas sentadas à mesa.
Ali estava François, o irmão mais novo de seu pai, acompanhado da esposa, Dixie, e dos dois filhos, Peter e Cedric. Nas únicas vezes que eles haviam visitado a fazenda se encontravam em situação financeira
difícil. Então Jacques lhes dava um bom cheque que os tirava temporariamente da miséria. Kate lembrava-se que isso havia ocorrido em três ocasiões diferentes, durante seus vinte e dois anos de vida.
Sentados ao lado de François, estavam Wendy e Richard Brandt, filhos da irmã mais nova de seu pai. Ela chamava-se Nancy e havia morrido há alguns anos. Fora casada com Ivan Brandt, um homem que bebia muito
e que maltratava a família constantemente. Kate também se lembrava das visitas de Nancy à fazenda, sempre nas mesmas circunstâncias. Ela aparecia trazendo os filhos, quando o marido era internado, e ficava
por muitos dias até que ele se recuperasse da crise e pudesse trabalhar de novo para sustentar a família. Como sempre, nessas ocasiões era Jacques quem assumia a responsabilidade, cuidando da irmã e dos
sobrinhos. Kate gostava dos primos mas, por causa da infância cheia de sobressaltos, eles haviam se transformado em adultos antipáticos e exigentes. Quando eram adolescentes, o pai morreu bêbado sob as
rodas de um caminhão. Menos de um ano depois, a mãe também morreu, acabada pelo desgosto. A partir daí, os primos passaram a vir com maior frequência à Fazenda Solitaire, sempre exigindo dinheiro e normalmente
conseguindo o que queriam.
O olhar de Kate desviou-se daqueles dois rostos, continuando a percorrer a sala. Seus olhos se cruzaram com os de Reno van der Bill, captando em seu brilho o atrevimento com que ele a encarava. Ela antipatizava
com aquele homem maduro, de cabelos pretos cortados rentes. Há mais de um ano e meio sua presença a incomodava. Durante esse tempo, raramente o vira sorrir. Ao contrário, seu rosto de feições aristocráticas
normalmente guardava uma expressão de rancor. Suas roupas, apesar de finas, pareciam severas e lhe davam uma aparência de velho. Ninguém diria que aquele homem alto e imponente tinha apenas trinta anos.
Ele era muito importante para o bom andamento da fazenda, por causa de sua longa experiência na fabricação de vinhos. Mas Kate não gostava dele, principalmente pelo fato de ter vindo ocupar o lugar que,
desde a infância, havia sido destinado a ela.
A mãe, Naomi van der Bill, estava sentada perto dele. Parecia pouco à vontade, fora de seu ambiente. De fato, Kate a vira apenas uma vez ali na fazenda. Mas, apesar de mal conhecê-la, sabia muito sobre
ela. Naomi havia herdado a Fazenda La Reine, vizinha da Solitaire, e que pertenceu à família Du Pré durante muitas gerações. Mas Naomi cometeu o erro de casar-se com William Van der Bill, um homem de mau
caráter que, depois de esbanjar toda sua fortuna, a abandonou com o filho ainda pequeno. Durante alguns anos, ela se esforçou inutilmente para recuperar a fazenda, tentando movimentar os negócios que o
marido arruinou e procurando devolver La Reine a seu antigo esplendor. Mas foi tudo em vão; a má administração de William deixou marcas irrecuperáveis e, finalmente, Naomi viu-se forçada a vender a propriedade
que tanto amava.
Foi Jacques Duval quem a comprou, anexando suas terras às da Fazenda Solitaire. com paciência, ele recuperou os ricos vinhedos de La Reine e tornou-a famosa por seus vinhos tintos, ao mesmo tempo que Solitaire
continuava a produzir o melhor vinho branco da região.
Durante alguns segundos estas lembranças ocuparam os pensamentos de Kate, até que ouviu Hubert Walton pigarrear, limpando a garganta para começar a ler o testamento de seu pai.
Procurou, então, prestar atenção nas palavras dele que, devido à linguagem formal utilizada no documento, lhe soavam confusas e difíceis de entender. Se, por um lado, mal conseguia compreender o que estava
sendo dito, por outro percebia claramente a expressão de desagrado que tomava conta de seus parentes. É que Jacques Duval havia excluído do testamento tanto o irmão, François, quanto os filhos de Nancy.
"Eles já receberam em vida parcela mais do que justa da fortuna gerada pela Fazenda Solitaire." Estas eram as palavras textuais escritas no documento pelo velho e sábio Jacques.
A reação foi violenta. Convencidos de que não haviam herdado nada, os parentes levantaram-se irados, vociferando acusações para Kate e o advogado. Batendo as portas, retiraram-se ofendidos, jurando nunca
mais pôr os pés nos domínios da Fazenda Solitaire.
Hubert Walton sorriu, irónico.
- Acho que era exatamente isso que seu pai queria, Kate. Livrar você desse bando de parasitas.
Surpresa e confusa demais para articular qualquer palavra, ela não conseguiu responder e o advogado deu prosseguimento à leitura do
testamento.
lacques Duval havia deixado uma considerável soma de dinheiro oara cada um de seus criados mais fiéis e estes, comovidos, choraram ao tomar conhecimento do legado. Kate sentiu as lágrimas voltarem ao ouvir
o choro abafado e fez um esforço enorme para engolir o nó que lhe subia à garganta. Aos poucos os criados foram se retirando e apenas Reno, Naomi, Kate e Edwina ficaram na sala para ouvir o resto da leitura.
"Para minha querida irmã Edwina" - continuou lendo Walton
"deixo a quantia anual de quinze mil rands e o desejo expresso
de que Solitaire continue sendo seu lar, enquanto ela viver."
Enquanto Edwina procurava um lenço para enxugar as lágrimas, o advogado Walton olhou Naomi e continuou em voz grave e pausada.
- "Finalmente deixo a soma de trinta mil rands a Naomi van der Bill, Du Pré, em solteira, que sempre gozou de meu mais profundo respeito e admiração."
- Não é possível! Eu nunca fiz nada para merecer essa fortuna
- protestou Naomi, num misto de surpresa e indignação. - Sinceramente não posso aceitar. Não seria correto, nem justo.
- A senhora deve compreender que essa era a vontade de Jacques e que ela deve ser respeitada - retrucou o advogado.
Diante disso, Naomi fez um gesto de resignação que não conseguia esconder um toque de falsidade e calou-se. Mas, se ela estava disposta a permanecer em silêncio, o mesmo não acontecia com seu filho Reno.
- Bem, acredito que deve haver mais coisas nesse testamento disse, ansioso.
- Claro, claro - respondeu o advogado, como quem pede desculpas pela pausa. - Por favor, dona Naomi, se a senhora nos der licença... o resto do testamento só diz respeito a Kate, a dona Edwina e a seu
filho - continuou, insinuando com isso que ela saísse.
- Pois não, vou esperar lá na sala de estar. - Ela se levantou enquanto os demais trocavam olhares indagadores.
Hubert pigarreou mais uma vez e suas mãos tremeram um pouco segurando o papel, apesar de sua voz continuar firme e decidida.
- "A fazenda, tal como se encontra, com todos os benefícios e os bens móveis e imóveis, fica para minha filha, Katherine Duval, e para meu administrador, Reno van der Bill, sob a condição de que eles se
casem num prazo de trinta dias, após minha morte. Se, depois de um ano, o casamento vier a fracassar, Reno van der Bill ficará com o que de direito lhe pertence, isto é, a área da Fazenda La Reine, e minha
filha Katherine tomará posse da Fazenda Solitaire."
Reno deu um pulo na cadeira, assim que o advogado terminou a frase. Sua voz áspera cortou o ar, fazendo Kate estremecer.
- Espere um pouco! O senhor não vai querer que nenhum de nós dois aceite ou até mesmo acredite no que acabou de ler, não é?
- Pois está tudo aqui no papel, sr. Reno. Preto no branco.
- Mas é uma afronta! - Kate levantou-se com um gesto brusco.
- Eu me recuso a. . . a casar com este homem só para herdar o que de direito é meu!
O advogado examinou detidamente os papéis que tinha à frente e depois dirigiu-se a Kate com voz firme.
- Sinto muito, mas se quer mesmo continuar de posse da Fazenda Solitaire, não tem outra escolha.
- Explique-se melhor, sr. Walton. - Reno pediu rispidamente.
- Isso quer dizer, Reno, que se você e Kate se recusarem a casar, a Fazenda Solitaire ficará para dona Edwina e, após a sua morte, será vendida e o dinheiro destinado
a diversas instituições de caridade que estão aqui enumeradas, neste documento.
- Não é possível! E La Reine?
- La Reine será vendida de imediato e o valor da venda irá também para outras tantas entidades, como Jacques deixa bem claro em outra cláusula do testamento.
Apesar de sua pele bronzeada, via-se claramente que Reno havia empalidecido de repente. Sua boca sensual apertou-se formando uma linha rígida. Olhou para Kate transmitindo-lhe um sentimento bem próximo
ao ódio. Nervosa, ela procurou sentar-se novamente e, virando para a tia, perguntou:
- A senhora já sabia dessa exigência, tia Edwina?
- Bem, eu... - começou a velha senhora.
- Eu contei tudo a ela, hoje de manhã, para que não sofresse um choque - Hubert Walton disse, com toda a calma.
Kate sentiu vontade de gritar. Como ele podia falar com tamanha tranquilidade de uma coisa que vinha alterar tanto a sua vida? Como podia ficar assim, impávido, vendo o mundo dela desmoronar de repente?
- Pois saibam que estou disposta até a comprar Solitaire, se essa
IO
é a única forma de manter minha propriedade sem embarcar num casamento que me desagrada!
Comprar? Mas como faria isso com uma herança de apenas
cinco mil rands por ano? - perguntou o advogado com cara de pena.
Como? Então é só essa quantia que vou receber?
Exatamente. Se não seguir a vontade de seu pai, só terá direito
a cinco mil rands por ano - ele confirmou.
- Meu Deus! Não é possível!
Kate escondeu o rosto entre as mãos, desesperada, achando que seria incapaz de suportar tudo aquilo. Ouviu-se o barulho de uma cadeira, arrastando no chão. Era Reno que se levantava e, imponente, encarava
o advogado.
- O senhor tem mais alguma coisa para nos dizer? - perguntou.
- Por enquanto não.
- Então, com licença.. .
Ele se retirou sem terminar a frase, fechando cuidadosamente a porta. Ao vê-lo sair, Kate sentiu um frio descer pela espinha. Seus olhos exaustos e sem vida percorreram novamente a mesa, parando na cabeceira,
o lugar que seu pai costumava ocupar. Nunca mais ele estaria sentado ali mas, mesmo agora, depois de morto, continuava a dirigir sua vida com a mesma rigidez com que comandou a fazenda durante todos aqueles
anos. Havia sido um bom pai. Cuidou dela com muito amor e carinho, principalmente depois da morte da mãe, quando ela tinha apenas dois anos. Mas sempre foi um homem firme. E, em se tratando de Reno van
der Bill, era mesmo irredutível.
Kate se lembrava bem do dia em que Reno chegou à fazenda para substituir o antigo administrador que deixou o cargo. Kate havia implorado ao pai para que lhe desse
essa função. Mas ele negou o pedido e, dias depois, Reno entrava em Solitaire para tomar conta de tudo. Isso havia acontecido há um ano e meio e, desde então, os dois nunca conseguiram se dar bem. Discordavam
em quase tudo e cada vez que Reno fazia algo que Kate considerava errado, ela ia queixar-se ao pai. Mas este jamais lhe deu razão. A contrário, insistia em dizer que Reno sabia o que devia ser feito.
E assim Reno van der Bill permaneceu no cargo de administrador durante todo aquele tempo. Havia se instalado confortavelmente na casa-sede de La Reine, onde passou
os dez primeiros anos de sua vida. Quando Kate e Reno eram crianças, não haviam chegado a se conhecer, pois Naomi havia
se mudado para Stellenbosch com o filho quando Kate tinha apenas dois anos. Isso não fazia qualquer diferença agora. Kate achava que era impossível deixar de antipatizar com Reno, mesmo que o tivesse conhecido
desde pequeno.
- Meu pai devia estar fora de si quando fez esse testamento! gritou descontrolada, rompendo o silêncio que pairava na sala desde a saída de Reno. Seus olhos azuis fitavam Hubert, deixando transparecer
todo o seu desespero.
- Seu pai estava em perfeito estado mental, Kate e você sabe disso tão bem quanto eu - respondeu ele.
- E a senhora, tia Edwina, me ajude, por favor. . .
Kate segurou a mão daquela mulher que havia tomado o lugar de sua mãe, há tanto tempo. Mas não sentiu nela nenhum apoio ou sinal de conforto..
- Meu desejo não é ficar com a fazenda para mim, querida disse-lhe a tia. - Mas acho que seria melhor você não tentar resolver nada agora. Dê tempo ao tempo. Afinal, tem um mês para pensar no assunto.
Quem sabe depois desse prazo consiga aceitar melhor a idéia.
- Impossível. Eu seria incapaz de casar com um homem que detesto. E, além do mais, existe Gary. . . - Agitada, Kate afastou-se da tia.
Gary Page havia entrado em sua vida há três meses. Quando o conheceu, passou a sentir por ele uma forte afeição.
- É verdade. . . Gary - comentou a velha senhora. - Mas afinal, por onde ele anda? Por que não está aqui a seu lado, num dia como hoje, quando precisa tanto de apoio?
- Ele teve que ir à Cidade do Cabo, tratar de negócios. Amanhã estará de volta.
Kate saía em defesa do homem que ela admirava enquanto Hubert, meio sem graça, procurava mudar de assunto.
- Que tal se fôssemos para a sala de estar? - ele propôs.
Os três saíram, seus passos ecoando nas tábuas largas do assoalho. Naomi van der Bill aguardava-os sentada numa das poltronas da ampla sala, cuja mobília era uma mistura de peças antigas com outras mais
modernas. Reno estava de costas, olhando para fora pela janela. Kate examinou sua figura de cima abaixo. Apesar de magro, seus músculos sobressaíam sob o tecido cinza do terno. E Kate conhecia como ninguém
a
força daqueles músculos. Ela o havia visto muitas vezes trabalhar nos vinhedos,
quando faltava algum empregado, e tinha observado o vigor e a energia com que os usava. Além disso
tora Reno que, sozinho, carregou seu pai para casa quando ele teve a parada cardíaca em meio aos tonéis do depósito.
Imagino que Reno já tenha lhe contado tudo - disse Kate a
Naomi, percebendo seu ar de preocupação.
- Sim, e eu. . .
- Mamãe! - Reno interrompeu de forma brusca - acho que quanto menos se falar nesse assunto agora, melhor será para todos.
Talvez você tenha razão - respondeu Naomi constrangida,
apertando a bolsa entre as mãos nervosas.
O ambiente estava tenso e a atitude ríspida de Reno só contribuía para agravar a situação. com sua costumeira habilidade, Edwina procurou aliviar os ânimos.
- Que tal se ficasse para tomar o lanche conosco, Naomi?
- Não, obrigada, preciso ir para casa.
- Acompanho a senhora até o carro, mamãe. Depois vou providenciar algumas coisas que devem ser vistas antes do fim da tarde.
Era evidente que Reno queria encerrar a conversa o mais rápido possível. Ambos se despediram e, pouco depois, Hubert Walton também se foi.
- Não vou me casar com esse homem! Não posso! - Kate gritou, assim que se viu a sós com a tia.
- É provável que ele esteja sentindo a mesma coisa em relação a você, Kate. Afinal, nenhum homem gosta de ser forçado a casar com alguém.
- Meu Deus! O que passou pela cabeça de papai quando fez esse testamento ridículo? Ele estava farto de saber que eu não gostava de Reno. Será que um ano e meio
de brigas não foram suficientes para ele se dar conta disso?
- Seu pai, minha querida, era um homem muito esperto e inteligente. Mas era também bastante imprevisível. Só Deus sabe o que pode tê-lo levado a agir assim. Certamente
houve algum motivo que nós não estamos conseguindo perceber.
- Pode ser, tia Edwina. Mas uma coisa vou lhe dizer. Eu amo Solitaire. Adoro cada palmo de terra existentes nesta fazenda e não vou desistir dela por nada neste mundo!
- Quer dizer então que resolveu casar com Reno?
- Claro que não! Jamais me casarei com ele, mas vou ficar com Solitaire, custe o que custar.
Quando sol se pôs no horizonte, anunciando o começo de mais uma noite quente de verão, o impacto inicial causado pelo testamento de Jacques Duval começou a ceder. Em seu lugar, uma forte sensação de tristeza
e desolação tomou conta do ambiente. O casarão estava silencioso e lúgubre quando tia Edwina e Kate sentaram para jantar. O lugar de Jacques estava vazio mas Kate podia ainda sentir sua presença ali, quase
que perceber o cheiro acre de vinho que sempre se desprendia das roupas do pai. Uma saudade enorme a invadiu e seus olhos encheram-se de lágrimas. Como sentia falta dele! E, ao mesmo tempo, como tinha
ficado perturbada, surpresa e indignada com suas exigências. Se ao menos conseguisse entender as razões que o haviam levado a fazer um testamento tão absurdo. ..
- Você não está comendo nada, Kate - observou tia Edwina. - Não tenho apetite,
- Mas precisa comer alguma coisa. Está magra demais. Além disso, passar fome não vai ajudá-la a resolver nenhum de seus problemas.
Kate levantou os olhos cheios de lágrimas e encarou a mulher grisalha, sentada à sua frente.
- Como será que vou resolvê-los, tia?
- Bem, podia entrar num acordo com Reno.
- Nunca!
- Pense que ele tem tanto a perder quanto você. A Fazenda La Reine também já foi de sua família e é natural que ele prefira ficar com ela do que passá-la para as mãos de estranhos.
- O problema é dele! A minha preocupação é com Solitaire. Recuso a aceitar a imposição de um casamento, só para tomar posse dela.
- Então como pretende ficar com Solitaire, sem se casar com Reno?
- Ainda não sei, tia. . . mas vou achar um jeito. Ah, isso vou.
Kate não dormiu naquela noite. Revirou-se na cama pensando, fazendo planos, traçando projetos que depois desfazia e tornava a montar. Mas o problema central permanecia o mesmo. Se quisesse ficar com a
Fazenda Solitaire, teria que se casar com Reno. Mas, e se ele não aceitasse? A idéia ocorreu-lhe pela primeira vez. Espantada, sentou na cama. Estava tão decidida a não compactuar com aquele casamento
que nem tinha pensado na possibilidade de Reno não querer casar com ela. Como íaria então? Se chegasse à conclusão que casar era a única saída, assim mesmo devia estar preparada para enfrentar uma provável
negativa
de Reno. Afinal, ele também a detestava. O sentimento de repulsa era recíproco.
Seu corpo tremeu por inteiro, apesar da noite quente, e Kate procurou cobrir-se melhor, puxando o lençol até o pescoço. Não havia qualquer motivo que levasse Reno a querer casar com ela, a não ser que
ele estivesse tão interessado em reaver La Reine quanto ela em manter Solitaire. Mesmo assim era pouco provável que os dois conseguissem conviver com um mínimo de tranquilidade, durante um ano, até alcançar
seus objetivos.
Vasculhou seus sentimentos tentando descobrir o que a fazia sentir tamanha aversão por aquele homem. Mas a resposta não era fácil de encontrar. Tinha de admitir que, em determinadas ocasiões, havia sentido
um certo fascínio por Reno. Isso no início, antes de começarem as desavenças entre os dois. Às vezes ficava observando-o de longe, sem que ele a percebesse. Achava-o másculo e, de alguma forma, atraente.
Mas depois vieram as brigas, as divergências sobre como resolver os problemas da fazenda, os constantes desacordos. E o sentimento de antipatia foi crescendo, transformando-se em ódio aberto e declarado.
Seu pai tinha uma grande admiração por Reno, chegando às vezes a tratá-lo como um filho. Isso intrigava Kate, mas nunca chegou a falar sobre isso. E não teria mesmo adiantado pois, se havia algo que o
velho Jacques Duval se negava a fazer terminantemente, era dar explicações sobre suas atitudes. Agora Jacques não estava mais ali. Jazia ao lado de sua mãe, sob as frondosas copas dos ciprestes. Nunca
mais poderia lhe fazer todas essas perguntas.
No dia seguinte, bem cedo, o velho sino ecoou anunciando a colheita. O dia estava nublado, a temperatura amena, ideal para o trabalho de colher os frutos. As vinhas estavam pesadas, carregadas de cachos,
e a vida tinha que continuar. O fato de facques Duval não estar mais ali para presenciar aquela atividade não justificava que se interrompesse a produção dos vinhos da Fazenda Solitaire. De agora até o
fim do verão quase todos os homens, mulheres e crianças que habitavam a propriedade estariam ocupados, percorrendo os vinhedos e enchendo seus cestos de uvas. Cada cesto cheio significava mais dinheiro
em seu bolso e cada novo carregamento que chegava à prensa de vinhos, um volume acrescido na produção da Fazenda Solitaire.
Steen. . . Riesling. . . Colombard. . . Kate conhecia de cor cada uma dessas qualidades. Sabia todos os segredos da produção, todos os detalhes do cultivo das uvas e das combinações que deviam ser feitas
para se chegar ao sabor desejado. Fora uma aprendiz atenta, durante longos anos, na certeza de que a Fazenda Solitaire um dia seria sua. Mas agora seu sonho se havia estilhaçado, rompendo-se subitamente
em milhões de pequenos fragmentos. A não ser que se casasse com Reno, perderia para sempre a propriedade! Enquanto tia Edwina fosse viva, certamente as coisas permaneceriam como agora. Mas e quando ela
morresse? Que aconteceria, então? Mãos estranhas viriam cultivar aquelas terras, tomar conta dos vinhedos que Kate amava tanto. E essas mãos jamais seriam capazes de dedicar o mesmo carinho que a família
Duval havia dado a Solitaire. Esse era o pensamento que mais a torturava e que a fez dirigir seu carro, no dia seguinte após o almoço, até a cidade de Stellenbosch, à procura de Hubert Walton. Queria que
ele lesse novamente aquela cláusula do testamento. Queria ouvir outra vez, agora um pouco mais calma, palavra por palavra do que estava escrito lá para captar melhor seu significado. Só então decidiria
o que fazer de seu futuro.
Quando entrou no escritório de Walton, a primeira coisa que viu foi a figura de Reno, esticado sobre uma poltrona, seu velho cachimbo preso entre os dentes, soltando baforadas de fumaça cujo cheiro adocicado
inundava a sala.
- Se veio procurar alguma saída para as malditas imposições dei seu pai, está perdendo tempo - informou ele, antes mesmo que Hubert Walton conseguisse cumprimentá-la.
- O sr. Walton e eul já passamos mais de uma hora revendo todo o testamento cuidadosamente e chegamos à conclusão de que não existe forma possível de alterá-lo.
- Se não se importa, prefiro tomar minhas próprias decisões - Kate respondeu, ríspida.
- Faça como quiser. - Reno levantou-se e guardou o cachimbo no bolso. Depois, parou diante dela, sua estatura imponente dominando a sala, e continuou: - E quando chegar por seus próprios meios à mesma
conclusão que nós, isto é, à conclusão de que náo há nada a fazer, então quem sabe possamos ter uma conversa mais séria sobre esta ridícula situação.
Saiu sem dizer mais nada, apenas cumprimentando Walton com um leve aceno de cabeça.
- Tio Hubert, não seria melhor abrir um pouco a janela? Não suporto esse asqueroso cheiro de cachimbo - Kate disse, assim que Reno fechou a porta.
Walton fitou-a com ar de espanto, admirado com sua impaciência. Ergueu-se da escrivaninha e empurrou um pouco o vidro da janela.
- Que tal, Kate? Está melhor assim?
- Graças a Deus. Melhorou bastante.
Por mais que se esforçasse, não conseguia disfarçar sua irritação pelo fato de Reno ter ido ao escritório de Walton antes dela.
- Bem, Kate, já que você não acredita em Reno, peço que acredite em mim. O testamento de seu pai foi feito com todo o cuidado para que não houvesse forma de desrespeitar sua vontade. Não há, realmente,
qualquer possibilidade de modificação.
- Você está querendo dizer que para ficar com a fazenda terei que casar com Reno ou então comprá-la depois que tia Edwina morrer?
- Exatamente. Só que devo adverti-la de outra coisa. Se Solitaire fosse posta à venda, algum dia, nenhum banco lhe daria o empréstimo necessário para comprá-la. Seu preço estaria totalmente fora de alcance
para você, Kate. Só o sinal de compra já seria exorbitante.
- Bem. . . mas com certeza vou ter uma participação nos lucros da fazenda, enquanto ela for propriedade de tia Edwina. Nada impede que eu vá juntando esse dinheiro aos poucos para futuramente poder comprar...
- A parte financeira vai ficar aos meus cuidados, como seu pai pediu. Tomei todas as providências para que você e sua tia continuem tendo o conforto a que estão acostumadas. Mas quanto aos lucros, eles
não poderão ser retirados. Irão para um fundo comum, que será juntado ao dinheiro da venda da fazenda, quando isto ocorrer. Foi isso que Jacques determinou.
Walton havia interrompido Kate com voz firme, tentando mostrar-lhe toda a realidade dos fatos. Enquanto o ouvia falar, ela ia ficando lívida.
- Mas você não nos disse nada disso, ontem a noite - desabafou quase num grito.
- Não, não disse, por um motivo muito simples: eu tinha a esperança de que você e Reno chegassem a um acordo favorável,
- Não venha me dizer que espera que eu case com ele!
O nervosismo de Kate fez com que esboçasse um sorriso de descrédito. Sentada na poltrona que Reno tinha ocupado minutos antes, olhou para o advogado como se ele houvesse enlouquecido.
- O que eu espero - disse Walton pausadamente - é que você encare esta situação com o máximo de lucidez possível e que seu amor por Solitaire seja suficiente para que faça tudo para conservá-la em seu
poder.
A campainha do interfone tocou e assim que Walton apertou o botão de contato ouviu-se a voz da secretária:
- Dr. Walton, o sr. Baxter está aqui para vê-lo.
- Peça-lhe que espere um minuto.
Hubert desligou o aparelho e fez um gesto de quem pede desculpas pela interrupção, Mas Kate já estava de pé, segurando a bolsa, pronta para ir embora.
- Obrigada por ter me recebido assim, sem hora marcada. Agora tenho que ir andando.
Sua expressão era de preocupação e desapontamento. Saiu do escritório atravessando o longo corredor e tomou o elevador para o térreo. Bonita e elegante, provocava olhares de admiração ao cruzar a rua em
direção ao carro esporte ali estacionado. Ele havia sido presente de seu pai, no
último aniversário. Sua cabeça estava atordoada, inquieta demais para perceber qualquer coisa do que acontecia à sua volta.
- Kate! - A mão forte segurou-a pelo braço e, surpresa, ela se viu diante de Reno, que a fitava com seus olhos penetrantes. - Nós temos que conversar.
- Não há mais nada a dizer. Por favor, deixe-me ir embora.
- Há sim, e quanto mais cedo resolvermos este assunto melhor.
- A mão de Reno continuou segurando seu braço com firmeza, puxando-a para o outro lado da calçada. Vamos sentar ali, naquele banco.
Era muito atrevimento de Reno colocar-se dessa maneira no comando da situação e Kate ficou furiosa. Mas a rua estava cheia de gente e não era lugar para fazer uma cena. Por isso concordou, embora deixando
bem evidente a sua contrariedade.
CAPÍTULO II
- Por favor, largue meu braço - Kate disse em voz baixa, assim que sentaram.
Mesmo após soltá-la, Reno continuou comandando a situação e dirigindo a conversa. Parecia disposto a colocar as coisas às claras, de uma vez por todas.
- Escute aqui, Kate. Acho que apesar de nossas brigas, durante todo este tempo, sempre fomos capazes de manter um certo grau de respeito um pelo outro e...
- Diga logo o que quer! - ela interrompeu com raiva.
- Calma. Pare de me tratar como se eu fosse o responsável pelo que está acontecendo. Quem nos colocou nesta situação foi seu pai e não eu. Agora estamos no mesmo barco e vamos ter que achar juntos a solução.
Temos ainda algum tempo para pensar, mas há coisas que precisam ser resolvidas logo.
- Que coisas?
- Refiro-me à situação da fazenda. Estamos no meio da colheita e não podemos deixar que estes acontecimentos atrasem ainda mais o trabalho. com a morte de seu pai, todo o setor que ele cuidava ficou sem
um chefe, sem comando. Eu não estou conseguindo dar conta de tudo sozinho e não podemos diminuir a produção.
Kate sorriu com cinismo, seus lábios carnudos curvaram-se incrédulcs.
Não me diga que está pedindo minha ajuda! Há alguma coisa errada nisso?
- Depois de ter criticado tanto meu trabalho, fica um pouco esquisito. . .
- Acho seus métodos de trabalho bastante antiquados mas tenho consciência de que você tem um grande eonhecímento de vinicultura. Sua ajuda agora seria de grande utilidade.
- É? Não me diga!
- Sabe, Kate, sarcasmo não lhe cai bem. Por
que nã pára de ser cínica e fala um pouco a sério? Você vai me ajudar?
- Está bem - ela respondeu relutante. - Mas não sei por que estou fazendo isso. Afinal, há mais de um ano você e papai fazem de tudo para me afastar da direção da fazenda, deixando a meu cargo só os servicinhos
rotineiros do escritório. E agora, sem mais nem menos, você descobre de repente que eu tenho qualidades suficientes para substituir meu pai. Estranho, não?
- Vamos encarar os fatos. Enquanto não se chegar a uma decisão, a Fazenda Solitaire é propriedade sua. E seria muita irresponsabilidade prejudicar os negócios só por causa de um capricho, de um orgulhosinho
ferido de garota mimada.
- Está sendo grosseiro!
- Alguém precisa fazê-la raciocinar. Não demais para continuar assim, com todo mundo morrendo de pena de você.
- Pena de mim? - Kate engasgou nas palavras. Reno a tratava como se ela fosse uma criança e não estava disposta a tolerar isso.
- Como você se atreve a falar assim?
- Sinto muito, Kate, mas essa é a pura verdade, doa a quem doer. Sua tia Edwina e Hubert Walton sentem tanta pena de você que não conseguem fazê-la reagir. Precisa enfrentar o futuro e só vai conseguir
isso se deixar de lado todas essas bobagens. Quando se deseja alguma coisa, é preciso lutar por ela. Se quer mesmo a fazenda, precisa merecê-la.
A calma e a decisão de Reno davam força às suas palavras. Kate nunca o viu falar com tanta convicção. Isso a deixava nervosa e ainda mais irritada com ele.
- É muito fácil falar dos outros - disse, com um olhar fuzilante.
- E você, como pretende lutar para conseguir La Reine?
- com todas as armas e todo meu esforço. Até casando com você, se isso for preciso.
- Nunca! Você jamais conseguirá La Reine dessa maneira, entendeu? Jamais!
- Está bem, está bem. Mas não é o momento de discutirmos isso, agora. É melhor voltarmos para a fazenda porque há muita coisa a fazer ainda esta tarde, antes que escureça.
Reno acompanhou-a até o carro. A tensão existente entre os dois era enorme, o ódio e a revolta de Kate pairando no ar. Ela não disse uma palavra. Apenas entrou no carro e deu a partida furiosa, saindo
a toda velocidade e deixando-o ali, plantado, olhando-a da calçada. Já estava há algum tempo na estrada quando percebeu, pelo espelho, que a camionete da fazenda vinha logo atrás dela. Era Reno voltando,
seguindo-a como se temesse que não fosse direto para casa.
Quando chegou a Solitaire, Kate havia tomado algumas decisões. Não ia deixar que a fazenda entrasse em decadência. Ia mostrar a Reno o quanto era competente. Queria ver por quanto tempo ele conseguiria
manter aquele ar de superioridade.
Foi direto para o quarto trocar de roupa. Vestiu um velho jeans, uma blusa de algodão estampado e sapatos confortáveis. Depois dirigiu-se ao prédio dos depósitos e da adega. O lugar fervilhava de atividade,
as prensas trabalhando a todo vapor processando as uvas que eram trazidas em carroças sobrecarregadas. As uvas brancas eram das plantações de Solitaire e as escuras provinham do cultivo em La Reine. Todas
eram de ótima qualidade e resultariam num vinho saboroso e requintado, após o longo processo de maturação.
Kate assumiu as funções do pai imediatamente, sem que Reno precisasse dar-lhe qualquer instrução. Substituindo o velho Jacques, ela faria a supervisão da produção, enquanto Reno se encarregaria de dirigir
a colheita em La Reine. Sem vacilar, ela foi caminhando entre as prensas, inspecionando as máquinas e observando os trabalhos.
Deu algumas ordens, mandou trocar uma correia que estava danificada e depois apanhou o jipe empoeirado da fazenda para dar uma olhada nas plantações.
Os peões continuavam o seu árduo trabalho, mas sem os risos e as conversas alegres de sempre. Era o dia seguinte à morte de Jacques Duval e nada conseguia fazê-los esquecer disso. Suas vozes entoavam baixinho
um triste cântico tradicional da época da colheita que se unia a um murmúrio, lembrando um lamento. Kate observou-os com o coração apertado e, ao mesmo tempo, maravilhada com a destreza com que suas mãos
apanhavam os cachos das videiras e os colocavam nos cestos. Mal saía uma carroça abarrotada, puxada pelo trator, chegava outra para ocupar seu lugar. Os peões conheciam bem o trabalho e o executavam com
a mesma habilidade, ano após ano, há muito tempo.
- A colheita vai ser boa este ano, dona Kate. Muito boa mesmo
- asseguravam eles.
Depois de ficar um tempo nos campos, Kate voltou à adega, onde sua presença era mais necessária. E ali permaneceu o resto do dia, orientando os trabalhos, tomando decisões e controlando a produção, até
que chegou a última carroça e seu carregamento de uvas foi despejado na prensa. O sol já estava sumindo no horizonte, dando fim à jornada que só recomeçaria com o raiar do dia.
- Foi um bom começo - comentou Reno, quando passou pela adega. - Acho que seu pai teria ficado satisfeito.
Kate sacudiu a cabeça, sem saber se devia tomar as palavras como um elogio ou uma ironia. De qualquer forma, a referência ao pai deixou-a comovida. Deu uma última olhada em redor e saiu para respirar ar
puro, longe do cheiro adocicado das uvas e do olhar de Reno, que a observava com muita atenção.
 noite, Gary Page apareceu na fazenda. Assim que o viu chegar, Edwina retirou-se para outro lugar da casa. Ela não gostava das intimidades de Kate com o rapaz e
não fazia segredo nenhum disso. Kate havia percebido também que seu pai concordava com a opinião da irmã, fato que não a havia impedido de continuar o relacionamento.
Queria chegar às suas próprias conclusões com respeito à Gary, sem a interferência de ninguém.
- Sinto muito não ter podido estar aqui ontem - disse Gary, quando entraram na sala de estar.
- Não se preocupe - Kate respondeu, sem conseguir disfarçar uma certa decepção. - Não havia nada que você pudesse fazer.
Gary era pouca coisa mais alto que Kate. Seu cabelo era escuro, o rosto anguloso e os olhos azuis transmitiam alegria. Mas eles estavam muito sérios hoje, fitando Kate com preocupação.
- Você está bem?
- Estou, sim. Agora estou bem melhor.
- Senti muitas saudades suas.
-. Oh, Gary! - Kate atirou-se em seus braços, numa atitude desconsolada, agarrando-se a ele em desespero. - Por favor, me abrace bem apertado. Diga que tudo isto não passa de um terrível pesadelo.
- Querida, que está havendo? Não fique assim. . .
Gary a segurou nos braços, procurando consolá-la, até que ela conseguiu se acalmar. Finalmente, Kate se afastou e conseguiu falar.
- Desculpe - disse, enxugando as lágrimas. - Reno tem razão, preciso aprender a me controlar.
- Reno? Esse homem está lhe causando problemas?
- Não, ele não. Quem está me causando problemas é meu pai.
- Como assim? Não estou entendendo.. .
- Ah, vamos esquecer isso. Não tem a menor importância e eu não estou com vontade de falar nesse assunto.
- O que você está precisando, querida, é de alguém que cuide de você.
Um sorriso esboçou-se no rosto de Kate, ainda molhado pelas lágrimas.
- Será que você está me pedindo em casamento?
- E por que não? Nós dois juntos poderíamos transformar Solitaire na maior produtora de vinhos do país, não apenas da região.
- Solitaire... - Kate murmurou, ficando subitamente séria. Ultimamente parece que toda a minha vida gira em torno de Solitaire! Não aguento mais...
- Kate, que há com você?
- Você sabe o que significa Solitaire, Gary? Sabe o que quer dizer essa palavra? Quer dizer solitária, só, sozinha. É assim que estou me sentindo.
- Não diga isso, meu bem. Eu estou aqui a seu lado.
- Oh, desculpe, Gary. .. acho que não estou sendo uma companhia muito agradável hoje.
Os braços de Gary a apertaram com força, enquanto sua mão carinhosa lhe acariciava os cabelos.
- Talvez este não seja o momento mais oportuno para perguntar isto, Kate, mas... você quer se casar comigo?
Kate teria dado tudo para responder que sim. Mas sabia que isso era impossível, pelo menos enquanto não resolvesse a situação referente ao testamento. Casar agora com Gary significava perder Solitaire
e havia algo lá dentro que perguntava se ele valeria esse sacrifício.
- Não vamos falar em casamento por enquanto, Gary. Vamos continuar como estamos, sendo simples namorados por mais algum tempo, está bem?
O rapaz não pareceu satisfeito mas fez um gesto positivo com a
cabeça, mostrando que estava de acordo. Depois afastou-se de Kate e acendeu um cigarro.
- Que tal se almoçássemos juntos amanhã, na cidade?
- Acho que não poderei. Temos muito trabalho aqui na fazenda, por causa da colheita e vou estar ocupada o dia inteiro.
- Não sei por que você precisa ocupar-se com isso, se tem um administrador para fazê-lo.
- Não se esqueça que além de Solitaire há também a fazenda La Reine e controlar as duas durante a colheita é trabalho demais para uma só pessoa.
- Por que não contrata mais alguém para fazer esse serviço?
- Isso está fora de cogitação, pelo menos por enquanto.
- Mas. ..
- Por favor, Gary - Kate interrompeu com voz cansada.
- Vamos falar de outra coisa.
Mais uma vez Gary pareceu ficar um pouco decepcionado. Mas não estava disposto a criar problemas e sorriu, resignado.
- Está bem. Mas já que você não pode me encontrar na hora do almoço, que tal se jantássemos juntos?
- Será um prazer.
Gary inclinou-se e beijou os lábios de Kate. Depois conversaram longamente. Kate não queria que a conversa voltasse a recair sobre ela, sobre seus problemas ou sobre
Solitaire. Por isso falou de outras coisas e pediu a Gary que contasse sobre seu - trabalho na casa de vinhos de Stellenbosch. Era um assunto que o agradava e sobre o qual ela também tinha interesse. As
horas passaram depressa, num animado diálogo que ajudou Kate a esquecer um pouco suas preocupações.
Mas quando Gary se foi, todo o peso das dificuldades tornou a recair sobre ela, deixando-a deprimida. O futuro apresentava-se como uma imensa floresta escura, da qual havia apenas uma saída. Mas Kate havia
decidido não usar essa saída e, teimosa como o pai, agarrava-se com unhas e dentes à sua decisão.
Levantou-se bem cedo na manhã seguinte e já estava tomando seu café, quando Reno chegou. Ele não a viu, pois ficou conversando
com Edwina no hall de entrada. Kate pôde, então, escapar pela porta dos fundos; evitando enfrentá-lo.
Não encontrou o jipe estacionado onde deixara na véspera. Estava olhando em volta, à sua procura, quando viu Reno vindo em sua direção.
- bom dia - disse, olhando-a como se soubesse que ela havia tentado escapar do encontro. - Quer uma carona até as adegas?
- Não será preciso. O jipe deve estar por aqui.
- O jipe está em La Reine. Precisaram dele e eu mandei buscar logo cedo.
- com que direito fez isso sem nem ao menos me consultar?
- O jipe não é seu, é da fazenda, para ser usado onde for mais necessário.
Kate era forçada a admitir que Reno tinha razão. Sempre dava um jeito de ter a última palavra. Seus dedos firmes seguraram o braço de Kate, conduzindo-a sem qualquer cerimónia para o caminhão que estava
por perto.
- Entre aí que eu a levo.
Não restava outra alternativa a não ser concordar. Enquanto o caminhão andava, Kate observou o rosto firme de Reno que, sentado na direção, olhava fixamente para a frente. Suas feições pareciam esculpidas
em pedra. Dava a impressão de uma pessoa incapaz de ter um gesto de ternura ou carinho. Uma esfinge que nunca saberia dar amor a uma mulher. No entanto, andava sempre com Bárbara Owen, dona de uma butique
de Stellenbosch. Que grau de amizade teria por essa mulher? Talvez fossem amantes. . . Kate sentiu vergonha de fazer essas conjeturas. Afinal, nada disso era da sua conta e não tinha nada a ver
com a vida de Reno.
- Ao meio-dia passo para apanhá-la - disse ele, quando o caminhão parou com um solavanco diante da adega.
Antes que ela pudesse responder qualquer coisa, Reno já partia, o caminhão deixando um grosso rastro de poeira atrás de si.
Logo a seguir, chegou a primeira carroça com seu carregamento de uvas e Kate fez um sinal para que Lenny ligasse as máquinas. O rosto moreno do homem demonstrava
bem a animação que todos sentiam naquela época do ano. Lenny estava em Solitaire há muito tempo e sempre dizia a Kate que cada verão era uma experiência nova. Quando
a colheita terminava e as prensas silenciavam até o ano seguinte, uma expectativa sempre ficava no ar. Qual seria o resultado final de todo aquele trabalho? Como seria o vinho daquela safra?
Todos queriam que os vinhos de Solitaire continuassem a receber
as medalhas e os prémios que até então tinham conseguido por sua boa qualidade. Por isso tomavam um cuidado todo especial em cada etapa do trabalho e quando ao final do ano, depois de tanto esforço, conseguiam
êxito, sua felicidade era imensa. Lenny dizia que o entusiasmo pelo trabalho de vinicultura era algo que nascia com a pessoa, que corria no sangue e Kate concordava com ele. Quando estava ali nas adegas,
em meio às máquinas e aos tonéis, conseguia esquecer morhentaneamente todos os problemas.
Ao meio-dia, Reno veio buscá-la como havia prometido. Sempre mantendo aquela atitude distante e superior, levou-a para casa. Kate almoçou com a tia na copa, ao lado da cozinha. Fez uma refeição rápida,
pois tinha que voltar ao trabalho logo em seguida.
- Convidei Reno para jantar conosco esta noite - Edwina disse calmamente, enquanto colocava açúcar em seu cafezinho.
- Então a senhora terá que jantar sozinha com ele. Eu vou sair com Gary hoje à noite.
- Por que não me avisou antes? - reclamou a tia.
- Acho que me esqueci. Desculpe.
- Bem, agora é tarde demais para retirar o convite. Só espero que Reno não se incomode de jantar na companhia de uma velha.
- Imagine. Estou certa que vocês dois terão muito o que conversar.
- O que você quer dizer com isso?
- Bem, a senhora sempre gostou muito dele, não é?
- Eu gostava demais quando ele era criança e agora o acho um rapaz muito atraente.
- Atraente?! - Kate quase engasgou com a água gelada que estava bebendo. - Não há nada de atraente em Reno van der Bill! Ele é um homem arrogante, convencido e tão desagradável quanto aquele vinho barato
que os peões gostam de beber.
- Kate! Tenha modos.
- Deixe. Às vezes vale a pena saber o que os outros pensam da gente - disse uma voz grave. Era Reno que entrara na copa, ficando bem atrás da cadeira de Kate.
Ela se virou, num sobressalto, mas sem perder a arrogância.
- Quem mandou você ficar aí, ouvindo a conversa dos outros?
- Não era bem essa a minha intenção. Vim buscá-la para voltarmos ao trabalho - Reno respondeu, olhando-a com desdém. - Mas talvez não esteja mais disposta a sujar suas delicadas mãozinhas de seda.
- Não seja grosseiro! com quem pensa que está falando?
- Estou falando com você, Kate Duval. Agora levante-se dessa cadeira e vamos trabalhar!
A reação dela foi instintiva. Os dedos apertaram mais o copo de água gelada que estava bebendo e, num segundo, o líquido que ele continha escorria pelo rosto bronzeado de Reno, pingando em sua camisa.
- Kate! O que foi que deu em você? - Tia Edwina não cabia em si de espanto.
- Por favor, a senhora podia me passar esse guardanapo que está aí na mesa? - Reno pediu à Edwina, sem tirar os olhos de Kate que o fitava com uma mistura de desafio e horror.
Constrangida, a tia entregou-lhe o guardanapo. Ele estendeu-o para Kate e ordenou:
- Enxugue meu rosto, mocinha. - Enxugue você mesmo!
Reno segurou com força o pulso de Kate, forçando-a a ficar de pé. Estavam tão próximos que ela sentia o calor do corpo dele e sua respiração entrecortada.
- Ou você enxuga meu rosto, ou vou lhe dar as palmadas que está merecendo.
- Experimente, se for capaz .
- Kate, não me provoque - ele avisou baixinho.
A atitude de Reno não deixava qualquer margem de dúvida. Parecia disposto a levar sua ameaça adiante e Kate achou melhor não continuar com aquela cena deplorável.
- Está bem. . . dê isso aqui.
Ela puxou o guardanapo e começou a enxugar-lhe o rosto. Reno a olhava vitorioso, com cara de quem conseguiu domar um animal. Quando terminou, Kate atirou o guardanapo sobre a mesa, com raiva.
- Pronto. Está satisfeito?
- Por enquanto sim. Agora vamos voltar ao trabalho.
Louca da vida, Kate o acompanhou até o caminhão e os dois saíram em direção aos depósitos. Havia muito o que fazer e as horas passavam depressa.
À tardinha, Kate voltou para casa, tomou um bom banho e lavou os cabelos para tirar a poeira que se havia acumulado neles durante o dia. Depois arrumou-se com capricho, colocando um leve vestido
de seda cor-de-rosa que lhe caía muito bem e ressaltava a suavidade de suas feições.
Poucou tempo depois, estava sentada à mesa de um restaurante, na companhia de Gary, cujos profundos olhos azuis a fitavam com admiração, atrás da luz das velas do castiçal.
- Você está linda hoje, Kate.
- Obrigada. Me faz bem ouvir isso. Estou precisando de um pouco de ânimo depois de um dia como hoje.
- Mas eu não disse isso para dar-lhe ânimo. Disse porque acho sinceramente que você está linda. Só sinto que ainda não esteja usando minha aliança.
- Gary, por favor. .. não vamos falar de coisas sérias, está bem?
- Mas eu quero me casar com você, Kate - Gary respondeu, segurando suavemente sua mão. - Nós já nos conhecemos bastante e agora precisa de um homem a seu lado para ajudá-la a tomar conta de Solitaire.
- Reno está lá para isso.. .
- Mas Kate, ele não passa de um simples administrador. Você é a dona da fazenda, a responsável por tudo. E eu não acredito que Reno van der Bill esteja disposto a atacar as ordens de uma mulher.
- Gary. . . eu não sou dona de Solitaire. Pelo menos por enquanto, Ele fez um gesto de impaciência, quase de irritação. Depois controlou-se e com um sorriso disse:
- Bem, sei que ainda precisa correr toda a papelada legal da herança. Mas daqui a alguns meses a fazenda será sua. Afinal, é a única herdeira de seu pai. Precisa ir pensando como proprietária de Solitaire,
preparar-se para assumir a responsabilidade.
- Gary, as coisas não são bem assim. Vai demorar muito tempo para que a fazenda seja minha. . . Ou então só um mês, quem sabe?
- Francamente, não estou entendendo nada - Gary a olhou com curiosidade.
- Bem, isso não vem ao caso. Posso tomar mais um pouquinho de vinho? - Kate perguntou, procurando desviar a conversa para não ter que dar maiores explicações.
Gary soltou-lhe a mão para servir a bebida, olhando-a fixamente e procurando descobrir o que estava por trás da tristeza patente nos olhos dela.
- Claro. Mas o que há, Kate? O que está preocupando você?
- É que estou querendo esquecer a fazenda e todos os problemas
que meu pai me deixou. Por favor, Gary, não insista mais nesse assunto, está bem?
. Mas meu bem, se você está com problemas, o que desejo é
ajudá-la.
Agradeço, Gary, mas infelizmente não há nada que você possa
fazer. vou ter que achar sozinha uma solução para toda a confusão em que me encontro agora.
- Está bem, querida. Mas se de alguma forma eu puder ser útil, por favor me avise. Sabe que eu me interesso muito por você e, consequentemente, por Solitaire.
Kate balançou a cabeça em aprovação, demonstrando que entendia o gesto solidário do rapaz.
- Obrigada, Gary. Não me esquecerei de seu oferecimento.
- Vamos pedir o jantar?
- Vamos sim. Estou com muita fome.
Gary não falou mais em casamento nem tocou no assunto de Solitaire. Parecia haver percebido definitivamente o quanto esses temas a desagradavam. Em vez disso, preferiu conversar sobre seu trabalho, contar-lhe
seus projetos. Ele pretendia montar uma firma de computadores e estava à procura de um sócio. Disse que o negócio de computadores havia se tornado muito rendoso. Ele parecia muito entusiasmado com a idéia.
Kate também chegou a entusiasmar-se pelo projeto e, não fosse o fato de poder contar
apenas com uma reduzida mesada, teria proposto a Gary uma sociedade. Mas percebeu que não era o momento de pensar em novas coisas ou fazer muitos planos para seu
futuro ainda tão incerto. Por isso, manteve-se calada, apenas ouvindo os comentários de Gary.
Os dias se seguiram mais tranquilos dentro da nova rotina que se havia estabelecido em Solitaire. Kate continuava trabalhando muito e saindo com Gary, à noite. Jantavam
fora, viam algum filme ou então iam ao teatro. Sentiam-se bem na companhia um do outro e até os fins de semana passavam juntos. Gostavam de fazer longos passeios
a pé ou então organizar piqueniques. Às vezes ficavam na própria fazenda, aproveitando para nadar e jogar ténis. Mas Kate preferia não fazer isso com muita frequência.
É que ficar em Solitaire representava uma possibilidade maior de encontrar Reno e ela não estava disposta a enfrentar novos problemas.
Edwina deixava bem evidente que não apoiava o comportamento
de Kate. Mas, pela primeira vez na vida, Kate fez questão de não se deixar influenciar pelas opiniões da tia. Gary era um ótimo companheiro e, ao seu lado, ela conseguia
esquecer todas as preocupações.
Certa noite, depois de terem ido a uma peça de teatro, Gary veio trazê-la para casa. Estacionou o carro à porta do casarão da fazenda como quem se dispõe a entrar para as últimas despedidas. Mas Kate estava
muito cansada e polidamente disse:
- Hoje não vou convidá-lo para entrar, Gary. Me desculpe, mas é muito tarde.
- Está bem, querida. Então nos vemos amanhã.
Gary tomou-a nos braços carinhosamente e deu-lhe um beijo apaixonado. Desta vez, ao contrário das anteriores, ela correspondeu com maior intensidade, entregando-se às suas carícias. Então ele a segurou
com mais força, ardendo de desejo. Os beijos se seguiram, apaixonados e afoitos, até que Kate sentiu a mão de Gary, que lhe acariciava os ombros, aproximar-se de seus seios. Rapidamente afastou-se dele,
procurando no escuro a maçaneta da porta e murmurando um constrangido "boa noite". Gary não fez menção de detê-la e, assim que ela subiu os degraus da entrada, partiu em velocidade.
Os telhados góticos do casarão de Solitaire apontavam para o céu estrelado. Não havia nenhuma luz acesa dentro de casa e o perfume adocicado dos jasmins misturava-se ao das rosas e gardênias, numa suave
fragância que tomava todo o jardim. Kate colocou a chave na fechadura da pesada porta de madeira que dava acesso ao hall de entrada. Quando ia abri-la, sentiu um forte cheiro de cachimbo sobressaindo entre
os perfumes da noite. Não foi preciso adivinhar de quem era aquele vulto que surgia entre os arbustos.
- O que está fazendo aqui? - perguntou com voz firme, esforçando-se para conseguir ver mais claramente a figura de Reno.
- É que hoje vim jantar com sua tia - ele respondeu, aproximando-se. - Depois que ela foi dormir, resolvi ficar por aqui, esperando você.
- O que foi que aconteceu? Virou cão de guarda, por acaso?
- Não seja boba. Você não acha pouco recomendável ficar acordada até esta hora, quando sabe que vai ter um dia tão atarefado pela frente?
- Eu sempre acordo cedo, mesmo quando deito tarde, entendeu?
- Pode ser. Mas até agora não tinha que enfrentar tanto trabalho,
tanta responsabilidade. Será que vai conseguir-fazer isso depois de uma noite tão. . . cheia?
- Escute aqui, Reno, não quero ouvir suas insinuações. Pode ficar tranquilo que nada vai prejudicar o meu trabalho.
- Não é só o seu trabalho que me preocupa, é também sua saúde. Você está exagerando, Kate. Vai acabar doente.
- Pode deixar que eu sei muito bem o que faço.
- Será que sabe mesmo? - ele perguntou com um sorriso irónico, que deixou Kate mais furiosa.
- Eu não me meto na sua vida, Reno van der Bill, por isso faça o favor de não se meter na minha!
Pela primeira vez parecia que Kate havia conseguido dizer a última palavra. Virou-se para abrir a porta, certa de que tinha acabado com a discussão. Mas não foi o que aconteceu. Reno ainda queria falar.
- O tempo está passando depressa, Kate, e nós ainda não tomamos uma decisão. Precisamos chegar logo a um acordo sobre nosso futuro
- disse, agarrando-a pelo braço.
- Não quero saber do futuro! Não quero saber de nada!
- Não adianta ficar enganando a si mesma. Você ama Solitaire. Não gostaria de perdê-la por nada deste mundo!
- Tire as mãos de mim!
A voz de Kate saiu rouca e descontrolada. Vendo-a assim, Reno soltou-lhe o braço mas continuou parado no mesmo lugar, olhando-a com firmeza. Estava decidido a fazê-la enfrentar a situação.
- Amanhã à noite virei aqui de novo. Espero que fique em casa para que possamos conversar e resolver o que vamos fazer.
- Sinto muito mas eu vou sair amanhã à noite. E depois de amanhã e sempre que quiser. Também não vou estar aqui no fim de semana. vou à Cidade do Cabo com Gary, passar uns dias com amigos dele.
- Você não está sendo justa, Kate. Está prejudicando a mim, à sua tia e, sobretudo, Solitaire.
- Solitaire! - Kate repetiu com cinismo, as mãos apertando a bolsa com tanta força que seus dedos doeram. - Como se você estivesse muito preocupado com Solitaire. . . O que quer mesmo é ficar com La Reine
e está contando as horas, os minutos que faltam para pôr suas mãos ambiciosas em cima dela! Só que para fazer isso, queridinho, depende de mim e pode ficar bem certo que eu não vou ser usada para esse
fim, entendeu?
Durante alguns minutos Reno ficou sem, dizer nada, apenas olhando-a com desprezo. Frio e calculista, ele jamais perdia a calma. Mas seu rosto transmitia tensão e nervosismo e as últimas palavras saíram
cortantes.
- Vamos falar sobre isso mais tarde, quando você tiver voltado a si, Kate.
- Isso é o que veremos! - desafiou ela.
Mas Reno já lhe dera as costas, sumindo na escuridão. Pouco depois, deitada sozinha em seu quarto, Kate conseguiu refletir sobre o que havia acontecido. No fundo sentia uma ponta de vergonha por sua atitude
irreverente e infantil diante de um problema tão sério. Restava-lhe apenas uma semana para decidir e não tinha mais como continuar fugindo da realidade. Aquelas semanas de trabalho na fazenda haviam lhe
dado uma certeza: gostava demais de Solitaire para sequer cogitar em perdê-la.
A situação toda era absurdamente ridícula, como uma daquelas brincadeiras de criança onde se tem que pagar por uma prenda. No caso, a prenda era casar com Reno e o prémio final da brincadeira, a Fazenda
Solitaire.
Se casasse com Reno, teria finalmente a terra que amava desde os dias em que, pequenina, o pai a carregava nos ombros pelos vinhedos, mostrando-lhe as plantações e explicando-lhe todas as técnicas da fabricação
do vinho, embora fosse muito nova ainda para entender.
Não, ela não podia perder Solitaire. Mas também não podia ceder à exigência atroz de seu pai, sem lutar até o último instante.
CAPÍTULO III
O relógio bateu sete e meia. Gary está atrasado, Kate pensou, observando o brilho das agulhas de tricô de sua tia, que se moviam com agilidade, sob a luz do abajur.
Se ele não chegasse logo, perderiam parte do filme que tanto queriam ver. Ela detestava entrar no cinema atrasada e ter que procurar no escuro um lugar para se sentar.
O barulho do motor de um carro chegou até elas. Mas, pelo ruído, Kate logo percebeu que se tratava da velha caminhoneta de Reno e não do vistoso automóvel de Gary. Olhou pela janela, apreensiva.
- O que será que Reno quer a esta hora?
Edwina fingiu não ouvir e continuou tricotando em silêncio. Ouviu-se a porta do
carro bater e, em seguida, Reno entrou no casarão.
- Boa noite...
Por alguma razão desconhecida, Kate sentiu o pulso acelerar cliante de sua figura magra e musculosa. Edwina murmurou qualquer coisa que Kate não conseguiu entender,
apanhou o tricô e saiu da sala.
Reno vestia uma camisa branca justa, que ressaltava seus ombros largos. Um cinto de couro claro, em torno da cintura esguia, prendia as calças marrons. Mas o olhar de Kate sentiu-se preso, inexoravelmente,
àqueles olhos penetrantes realçados pelas sobrancelhas retas e escuras.
- Se veio para conversar comigo, está perdendo seu tempo. Estou esperando Gary que deve chegar a qualquer momento - Kate disse rompendo o longo silêncio que se havia formado entre os dois.
- Gary não vem - Reno informou, tirando um maço de cigarros do bolso da camisa. - Eu tomei a liberdade de avisá-lo que você não vai sair com ele.
Quase sufocada, ela se levantou da cadeira derrubando o xale que trazia sobre os ombros.
- Você o quê?! Como se atreveu a isso, seu. . .
- Não adianta me ofender, Kate. Não vai resolver nada.
Ele deu uma tragada no cigarro, soltando calmamente a fumaça e fitando-a com os olhos semicerrados.
- Eu odeio você. . . Odeio!
- Isso eu já sabia - ele replicou com uma calma enervante e se abaixou para apanhar o xale. Mas está mais do que na hora de encarar os fatos. Você tem uma grande responsabilidade em relação a tudo que
seu pai construiu aqui em Solitaire e terá que enfrentá-la, apesar do ódio que sente por mim.
- Você está mesmo desesperado para pôr as mãos em La Reine, não é? Passou mais de um ano bajulando meu pai e conseguiu o que queria! Só que não contava com aquela cláusula do testamento e agora está desesperado
para cumprir a ridícula exigência.
- Tudo que eu sempre quis foi poder trabalhar no lugar onde nasci. Mas herdar La Reine não fazia absolutamente parte de meus planos. Só que agora a oportunidade surgiu e eu não vou desperdiçá-la, entendeu?
- Reno continuava olhando-a fixamente e falando com firmeza. - Caso isso a deixe mais calma, devo dizer que pretendo pagar tostão por tostão todo o valor daquela terra, assim que tiver condições de fazê-lo.
A revelação deixou Kate constrangida, envergonhada com a própria desconfiança, aborrecida consigo mesma.
- Eu não quero me casar com você - disse, de costas para ele.
- E você pensa que eu acho agradável ser forçado a este casamento?
- Não, não acho.
- Bem, pelo menos nesse ponto estamos de acordo.
- Toda a situação é tão injusta, tão desnecessária. .. - ela reclamou, andando de um lado para outro com as mãos cruzadas atrás.
Reno a observou por alguns momentos, fumando seu cigarro com uma expressão pensativa. Depois um sorriso esboçou-se em seus lábios e ele falou em tom de brincadeira.
- Acho que você não vai conseguir resolver nada, gastando o tapete desse jeito.
- Muito bem, já que é tão esperto, vamos ver quais são as suas sugestões.
- Antes de sugerir qualquer coisa, quero deixar bem claras algumas coisas. Quando você perguntou até que ponto eu queria La Reine, fui franco e respondi. Agora sinto-me no direito de devolver a pergunta.
Até que ponto você quer Solitaire?
- A ponto de preferir morrer do que deixá-la nas mãos de estranhos.
- Otimo. Então agora estamos em pé de igualdade. Você quer a sua fazenda e eu quero a minha.
- Brilhante! Só que a únia saída continua sendo o casamento.
- Substitua a palavra "casamento" por "contrato comercial" e verá que a idéia não é tão indigesta assim.
As mãos de Kate se crisparam no espaldar da cadeira.
- Contrato comercial?
- Isso mesmo. Um simples acordo legal que nos une por um ano. No fim desse prazo, declaramos o contrato nulo e cada um vai para seu lado. Só que então você terá sua fazenda e eu terei a minha.
- Dito desse jeito, tudo parece muito simples, não?
- E é muito simples.
- Por mais que tente dourar a pílula, o fato é que se trata de casamento, de passarmos um ano juntos morando na mesma casa.
- Você não acha que Solitaire vale o sacrifício?
- Sim... Claro que vale... Lógico. Mas eu preciso de mais algum tempo para pensar.
- Não há mais tempo, Kate. Falta menos de uma semana para vencer o prazo.
- Bem, então, darei minha resposta depois do fim de semana.
- Sinto muito, mas isso é impossível.
- O que você quer dizer?
- Que chega de brincadeira, Kate! Já lhe dei muitas oportunidades e você continuou teimosa e indiferente, quando sabe muito bem que só há uma saída para esta situação.
De nada vai adiantar ficar, esperando até o último segundo.
- Até parece que você já fez muita coisa. ..
- Pois se quer saber, fiz mesmo. Já providenciei tudo. Como
estamos com muito trabalho durante a semana arranjei as coisas para nos casarmos no sábado.
- Como? Você fez isso sem me avisar? Pois trate de cancelar tudo. Eu simplesmente não vou assinar os papéis.
- Não vou cancelar e chega de caprichos! - Reno gritou, enfurecido. - Ou você se casa comigo sábado ou perde a fazenda e ponto final!
- Não se esqueça de que nesse caso você também perde La Reine.
- Não importa. Prefiro perder La Reine do que ser dominado pelo capricho de uma mulher mimada!
Kate sentiu um calafrio descer pela espinha. Seu corpo todo tremia de raiva, desgosto e temor. Ela conhecia Reno o suficiente para saber que ele cumpriria a ameaça.
Estava desesperada mas não podia deixar que Reno percebesse isso. Ficou por alguns instantes eim silêncio até que, com voz sumida, conseguiu dizer:
- Bem, parece que não tenho muita escolha. . .
- Nem você nem eu nunca tivemos escolha. - A voz de Reno era amarga e desconsolada. Kate chegou quase a sentir pena dele, teve vontade de estender-lhe a mão e procurar ajudá-lo. - Em parte seu pai tinha
razão quando redigiu o testamento. Ele sabia muito bem o quanto as duas fazendas significavam para nós. Mas só Deus sabe porque resolveu colocar aquela cláusula, fazer uma exigência tão descabida...
- Será que ele pensou que, passado um ano, iríamos continuar casados? Você acha possível que tenha pensado assim?
- Talvez...
- Pois estava redondamente enganado! Eu não pretendo ficar casada com você nem mais um dia além do que o essencialmente necessário.
- É exatamente isso que eu também penso.
A voz fria e cortante de Reno, ao fazer esta observação, deixava bem claro seu sentimento de desagrado. Sem saber o que dizer, Kate comentou com voz baixa.
- Então acho que vamos nos entender perfeitamente.
- Perfeitamente - repetiu Reno como um eco.
Kate respirou profundamente, ansiosa por terminar a conversa.
- Você tem mais alguma coisa a me dizer, Reno?
- Só mais uma pergunta. O que foi que você contou a seu namorado?
- Eu não contei nada a Gary - ela se defendeu constrangida.
- Então amanhã à noite, quando se encontrar com ele, diga só que vai se casar comigo. Mais nada.
- Ah, quer dizer então que tenho sua licença para encontrar-me com Gary?
- Tem. Mas essa será a última vez. Faço questão que nosso casamento dê a impressão de ser verdadeiro, a não ser para aqueles poucos que saberão da realidade como Hubert Walton, minha mãe e sua tia. Está
bem?
- Não espera que eu saia por aí de mãos dadas com você, como se fôssemos dois pombinhos e. . .
- Não, Kate. Não espero que se finja de apaixonada. Só quero que se comporte de maneira a dar a impressão de sermos um casal normal.
- Mais alguma coisa?
- Sim. Quando se encontrar com Gary amanhã, diga logo o que tem a dizer e peça que ele a traga cedo para casa.
Furiosa com o autoritarismo de Reno, Kate gritou:
- Saia já daqui, Reno, antes que eu atire qualquer coisa em você!
- Boa noite e durma bem, Kate.
com esta despedida cínica, ele se retirou. Kate se viu então sozinha, naquela enorme sala de estar, onde durante tantos anos passara horas conversando com seu pai. Como gostaria que ele estivesse ali naquele
momento. Como gostaria de poder perguntar-lhe tudo, de saber por que tinha feito aquela exigência amarrando-a a um casamento descabido.
- Kate?
Era Edwina que entrava mansamente na sala.
- Vamos nos casar no sábado - Kate anunciou, respondendo à pergunta que, com certeza, sua tia iria fazer.
O nervosismo tomava conta de Kate diante da expectativa de encontrar-se com Gary e ter que lhe contar sobre seu casamento com Reno. Tinha passado o dia todo preocupada, sem conseguir pensar em outra coisa,
nem fazer o trabalho direito. Por sorte, mal vira Reno desde a conversa na noite anterior. Era evidente que estar próxima dele a teria deixado ainda mais tensa.
À noite, sentada diante de Gary no restaurante que frequentavam, não conseguia reunir a coragem necessária para dar a notícia. É que Gary estava muito entusiasmado, fazendo planos sobre o fim de
semana que passariam na Cidade do Cabo. Ela não queria interrompê-lo, ainda mais para lhe causar tamanho desapontamento.
As horas se passaram sem que Kate achasse uma oportunidade de tocar no assunto. A certa altura, olhou de relance no relógio e percebeu espantada que já passava das onze. Não havia mais como adiar o inevitável.
- Gary, eu... - subitamente esqueceu as palavras que havia preparado com tanto cuidado. - Eu não posso viajar com você neste fim de semana.
Gary olhou-a, espantado e aborrecido.
- Como não? Já está tudo combinado com meus amigos. Eles estão nos esperando.
- Sinto muito... - Ela desviou o olhar e com um resto de coragem terminou: - Eu e Reno vamos nos casar amanhã.
Gary a olhou por um instante, chocado e incrédulo e depois soltou uma risada sonora.
- Ora, Kate, deixe de bobagem!
- É verdade. Nós vamos nos casar amanhã de manhã.
Ele apoiou os cotovelos na mesa e, ainda com um sorriso nos lábios, disse:
- Se eu não soubesse o quanto você detesta esse homem, seria capaz de jurar que está falando sério.
- Mas eu estou falando sério! Sei que devia ter dito isso antes, que fui injusta com você, más minha decisão é definitiva.
- Kate. . . você. . . quer dizer que durante todo este tempo esteve me enganando? Deixando-me acreditar que se casaria comigo algum dia quando, na verdade, fazia planos para se casar com aquele sujeito?
O sorriso havia sumido dos lábios de Gary, dando lugar a uma atitude de decepção, surpresa e desgosto. Seu rosto estava lívido.
- As coisas não foram exatamente assim. Veja se consegue acreditar no que vou lhe dizer, Gary. Por mais estranho que pareça, saiba que a última coisa que eu queria no mundo era magoá-lo desta maneira.
Gosto muito de você, Gary, acredite.
- Mas ama Reno van der Bill, é isso?
O rosto de Gary estava transfigurado. Ele parecia outra pessoa e Kate sabia que ela havia sido a causa dessa transformação. Envergonhada, abaixou os olhos e murmurou:
- Talvez fosse melhor você me levar de volta para casa.
- Seu futuro marido sabe que saiu comigo esta noite?
- Sabe.
- E sabe também que tem saído todas as noites e que passou todos os fins de semana comigo desde que seu pai morreu?
- Sabe.
- E ele nunca fez nenhuma objeção?
- Nunca.
- É muito estranho. . . Se eu fosse Reno van der Bill, com certeza não permitiria que você passasse tanto tempo na companhia de outro homem.
- Reno não é do tipo possessivo - Kate mentiu, tentando achar
uma saída.
- Ah, não? - Gary riu baixinho, um riso nervoso e descontrolado. - Então por que será que ele está vindo para nossa mesa com cara de quem vai arrebentar tudo?
com um sobressalto Kate se virou, sentindo a presença de Reno, ali a seu lado.
- Já é tarde - disse ele em tom seco.
- É sim, mas eu...
- Você já contou a ele?
- Contei, mas. . .
- Então está na hora de ir para casa - Reno acrescentou, interrompendo Kate pela segunda vez. Depois dirigiu um olhar duro para Gary e disse friamente: - Não quero que amanhã minha noiva esteja cansada.
- Reno, por favor.
Não teve tempo de dizer mais nada. com firmeza, Reno segurou seu braço, fazendo-a levantar e advertindo-a de que não devia falar mais. Depois se virou para Gary e com ar de superioridade disse:
- Você vai nos desculpar, mas precisamos ir embora.
Kate não conseguiu reagir. Os olhares curiosos dos frequentadores do restaurante acompanharam a saída dos dois, enquanto Gary permanecia sentado. Ela fervia de raiva, como um vulcão prestes a entrar em
erupção, e tão logo entrou no carro de Reno explodiu com fúria.
- A troco de que fez isso? Posso saber por que provocou essa cena?
- São onze e meia e você estava com ele desde as oito - Reno respondeu, pondo o carro em movimento.
- E daí?
- Teve tempo suficiente para contar a ele um milhão de vezes que ia se casar comigo, não teve?
- Não foi tão fácil assim - ela retrucou, enquanto o carro passava pelas ruas já desertas da cidade. - Tive que esperar o momento certo para não magoá-lo demais.
- Desde quando você se importa com o sentimento dos outros?
- E desde quando você tem o direito de me pedir satisfações?
- Não me venha com esse ar de superioridade, Kate Duval. Você precisa de mim mais do que ninguém agora, lembra-se? Se não se comportar, poderei mudar de idéia e não me casar com você.
- Então você estaria perdendo La Reine.
- Eu não posso perder o que nunca tive. Pense bem nisso e veja se aprende a lição.
- Você se acha muito importante, não é? Acha que tem tudo na mão.
- Acho não, Kate, eu tenho certeza - ele respondeu, sem se abalar. - É bom você ter isso sempre em mente daqui para frente e se comportar bem.
Ela segurava o trinco da porta para sair mas, quando percebeu que Reno não diminuía a velocidade, perdeu a cabeça. Estalou-lhe um sonoro tapa no rosto, tomou a direção e virou-a sem saber exatamente o
que fazia.
O carro perdeu o rumo, rodopiou diversas vezes acabando por parar a apenas alguns centímetros de uma vala profunda. A única coisa que Kate queria era ficar livre de Reno mas, antes que conseguisse abrir
a porta e pular fora, ele desligou o motor e agarrou-a pelos cabelos, sacudindo-a com força.
- Nunca mais faça isso! - gritou, com o rosto ameaçador colado no dela. - Você poderia ter nos matado com essa idiotice!
- Pois eu preferia estar morta do que ter que me casar com você!
- Pode se matar, se quiser, mas eu faço questão de continuar bem vivo. Tenho muita coisa a fazer. Quero trabalhar, encontrar uma mulher que me ame e respeite e ter filhos que levem meu nome. Pouco me importa
se eles vão ser criados em La Reine ou não. E não pense que vou deixar uma desmiolada como você pôr um ponto final nos meus projetos.
Ele a empurrou com força contra o banco e ligou o motor. Kate estava com o corpo todo dolorido por causa da brutalidade com que ele a sacudira. Ficou em silêncio, remoendo toda a dor que sentia
não só no corpo como também na alma. No fundo sabia que havia agido mal e que ambos poderiam estar mortos agora por sua causa. Nunca pensou que fosse capaz de agir assim, impulsivamente, sem raciocinar.
Espantou-se consigo própria.
- Sugiro que vá direto para a cama - Reno ordenou, quando chegaram a Solitaire. Passo aqui amanhã às dez horas para irmos à cidade. Depois do casamento temos hora marcada com o dr. Walton.
Kate desceu do carro mas Reno não fez menção de acompanhá-la até a porta da casa. Era evidente que ele queria vê-la longe dali o quanto antes.
Kate quase não dormiu naquela noite. Os pensamentos iam e vinham em sua mente, mantendo-a acordada. As horas passavam inexoravelmente, tornando cada vez mais próximo o momento em que se uniria ao homem
que odiava. É bem verdade que tudo não ia passar de um contrato de negócios, de um acordo legal. Mas depois que estivesse usando a aliança, Reno teria certos direitos sobre ela. Tudo indicava que ele não
pretendia tocá-la. Mas só de pensar que teria esse direito, se assim o quisesse, era suficiente para apavorá-la.
O sol despontou por trás das montanhas da serra de Jonkershoeck, O céu estava claro e sem nuvens. Ia ser um belo dia. Edwina rondava Kate, resmungando porque a sobrinha não tinha comprado um vestido novo
para o casamento. Mas Kate não lhe deu atenção. Tirou do guarda-roupa um conjunto de verão que havia usado apenas uma vez, quando foi almoçar com o pai na casa de vinhos de Stellenbosch. Tia Edwina não
gostava do conjunto mas Kate decidiu que era aquele mesmo que ia usar.
- vou me aprontar - anunciou Edwina, desistindo de fazê-la mudar de idéia. - Naomi disse que vinha me buscar e já deve estar chegando.
Quando a tia saiu do quarto, Kate sentou-se na cama e escondeu o rosto entre as mãos. Como faria para sobreviver àquele dia tenebroso que era o primeiro de um ano mais tenebroso ainda? E tudo por causa
de Solitaire! Ia se casar com Reno e teria que suportar um ano de sofrimentos por amor àquele pedaço de terra.
Vestiu-se automaticamente, sem dar maior atenção ao que estava fazendo. Não era assim que havia sonhado com o dia de seu casamento. Na sua imaginação, ele seria cheio de alegrias e carinho, ao lado de
um homem muito diferente de Reno. Ele havia dito que
queria casar com alguém que o amasse e respeitasse, mas Kate duvidava muito que Reno fosse capaz de despertar tais sentimentos. O coração dele não passava de um músculo a mais no corpo - um músculo que
lhe garantia a circulação do sangue, mas que jamais seria fonte de amor e carinho.
Passou mais uma fina camada de pó no rosto. O leve toque de vermelho do batom era o único traço de cor em seu rosto pálido. Os olhos estavam esmaecidos, nublados e tristes.
Alguém bateu à porta e, pensando que fosse tia Edwina, Kate disse um tanto irritada:
- Entre!
Naomi van der Bill entrou no quarto. Estava muito elegante num vestido azul escuro e, puxando uma cadeira, sentou-se frente a Kate.
- Temos alguns minutos para conversar, antes que Reno chegue. Eu preciso contar uma coisa muito importante para você.
Kate a interrompeu.
- Meu casamento com seu filho é apenas um contrato de negócios. A senhora já sabe disso,- não?
- Sei, sim - confirmou Naomi, com uma ponta de tristeza.
- Então não entendo por que deseja conversar comigo,
- É que há algo que você precisa saber. . . Quando eu era uma jovem de vinte anos, seu pai me pediu em casamento. - Naomi fez uma pausa diante do olhar de espanto de Kate, para depois continuar.
- Pedi-lhe algum tempo para pensar e, nesse período, acabei conhecendo meu marido. William £ra divertido, vivo, romântico, enfim tudo que seu pai não era, apesar de eu gostar muito dele. Mas William me
conquistou e eu casei com ele. Foi um erro do qual me arrependi muito e que acabou me custando a perda de La Reine, o lugar onde nasci e que era meu por herança. Meu único consolo, durante todos estes
anos, foi saber que a fazenda estava nas mãos de seu pai, não de um estranho qualquer.
- Mas o que tudo isso tem a ver comigo?
- Sei que não está contente em se casar com Reno. . .
- Claro que não! Fui forçada a isso por causa daquela maldita exigência do testamento, mas tenho certeza que cada minuto desse ano, em que vou estar casada, será uma verdadeira tortura - Kate disse sem
qualquer consideração pela
mãee de Reno ou por seus sentimentos.
- Fique certa que no fim você vai achar que o sacrifício valeu
a pena. Kate. . . acredite. - Naomi se inclinou segurando a mão de Kate como querendo dar-lhe alento. - Você ficará com Solitaire e isso é o que importa.
- É! E Reno ganhará La Reine - acrescentou Kate com cinismo.
- Confesse que foi por isso que veio falar comigo.
- vou ser muito franca com você. É claro que quero o melhor para meu filho, mas precisa saber que eu estou também muito interessada na sua felicidade, Kate.
- Por que esse interesse, dona Naomi? O fato de seu filho reaver a fazenda não é suficiente para deixá-la satisfeita?
Naomi tinha os olhos marejados de lágrimas e sacudiu a cabeça lentamente, dizendo:
- Eu não posso ficar satisfeita com algo que está lhe causando tanta infelicidade.
Kate percebeu que havia sido injusta, que a mãe de Reno realmente parecia querê-la bem. Suas desconfianças sumiram como que por encanto e ela procurou se desculpar:
- Está bem. . . eu acredito na senhora. Desculpe.
Uma lágrima escapou e rolou pela face daquela mulher grisalha e sofrida:
- Kate, eu amava La Reine tanto quanto você ama Solitaire e sei muito bem o que significa perder uma coisa tão preciosa. Não gostaria de vê-la sofrer tudo o que sofri. - Ela enxugou o rosto com o lenço
e procurou sorrir. - Considere seu casamento com meu filho apenas como um obstáculo a ser vencido. Lembre-se sempre que, ao final de tudo, Solitaire estará a salvo, em suas mãos.
- Compreendo agora por que veio me ver, dona Naomi, e agradeço sua intenção. Acho que conseguirei enxergar as coisas sob um novo enfoque, com maior lucidez, depois
de suas palavras.
- Você é uma pessoa inteligente e sensível, Kate. Tenho certeza que conseguirá. Mas acho que sou em parte responsável pelo que está acontecendo e gostaria de reparar meu erro.
- Que culpa pode ter a senhora em toda esta situação?
- Bem, é que.. . cinco anos depois de me abandonar, eu soube que meu marido havia morrido. Nessa ocasião, seu pai me pediu de novo em casamento, mas eu não aceitei.
- Não diga! Nem desconfiava que isso tivesse acontecido. Aliás, eu nem sabia que meu pai a conhecia tanto.
- Ele era uma pessoa muito reservada. Não comentaria nosso relacionamento abertamente com ninguém.
Kate tinha que admitir que estava surpresa e curiosa por saber mais sobre o assunto.
- Por que a senhora não quis casar com ele?
- Tive medo que ele pensasse que eu aceitava o seu pedido só para salvar La Reine.
- Essa é outra coisa que não entendo. Afinal, por que á senhora vendeu La Reine?
Naomi abaixou os olhos e suspirou fundo.
- Minha filha, eu estava enterrada em dívidas e seu pai me fez uma oferta tão boa que não pude recusar. Ele sempre sonhou em juntar as duas fazendas.
- Pode ser, mas no seu testamento fez questão de separá-las de novo. Estranho, não?
- Não sei por que Jacques fez isso, mas desconfio que ele pensava em contribuir para mante-las unidas, quando escreveu aquela cláusula sobre o casamento.
Kate fingiu não entender a insinuação que a última parte da frase continha. Tratou de desviar logo a conversa.
- Meu pai nunca mais a pediu em casamento?
- Não. Ele era orgulhoso demais para correr o risco de receber uma terceira recusa.
- Por quê? A senhora pretendia recusar de novo?
- Bem. . . honestamente acho que não teria recusado.
Kate caiu num silêncio pensativo. Quantas coisas havia ocorrido no passado sem que ela soubesse! Quantos sentimentos feridos e quantas dificuldades! Seu pai tinha tido uma vida bem mais dura do que ela
imaginava.
A senhora acha que ele planejou uma vingança ao fazer um
testamento tão complicado?
- Não tenho certeza. Só ele próprio poderia dizer o que lhe passou pela cabeça para agir assim.
Uma batida à porta interrompeu a conversa e, sem esperar a resposta, Edwina entrou no quarto.
- Kate, Reno já chegou.
Não havia mais nada a fazer. O "contrato de negócios" ia ser consumado e, durante o prazo de um ano, ela teria que aguentar suas consequências.
CAPÍTULO IV
O silêncio no carro era constrangedor e foi Kate quem o interrompeu:
- Acho que deveria ter perguntado antes, mas francamente esqueci. E a resposta de Bárbara Owen?
A expressão de Reno não mudou. Continuava severa e impenetrável. Como sempre, ele estava vestido com muita sobriedade, com um terno bem cortado e uma gravata cinza.
- O que tem Bárbara?
- Ela sabe a respeito. . . a respeito de nós? - Kate indagou, constrangida.
- Sabe só que nós vamos nos casar hoje - ele respondeu, lacónico.
- Naturalmente você contou a ela que nosso casamento é simplesmente uma questão de negócios.
Seus olhos escuros fitaram-na rapidamente, antes de se concentrar de novo na estrada:
- Eu não esclareci nada a ela.
- Então ela pensa que. . . que. . .
- Ela pensa, como Gary Page, que de repente nós descobrimos que estamos loucamente apaixonados - Reno completou, com uma expressão de desprezo.
- Deve ter ficado muito sentida - Kate comentou, fazendo um esforço para controlar o nervosismo.
- Isso a preocupa?
A pergunta dele insinuava que Kate era uma pessoa má e insensível.
Mas ela não queria mostrar que se sentia magoada, por isso respondeu com frieza:
- Já que não preocupa você, por que haveria de me preocupar? Ficaram de novo em silêncio até chegarem ao cartório em Stellen-
bosch, onde Edwina e Naomi os esperavam. As pernas de Kate tremiam quando entrou no prédio.
.A cerimónia foi impessoal e comum; a voz do juiz era fria e sem emoção. Mas a mão de Kate tremeu quando Reno lhe colocou a aliança de ouro, que se ajustou perfeitamente a seu dedo. Pela última vez assinou
seu nome de solteira, Katherine Duval. Minutos depois saíam para a rua. Edwina e Naomi beijaram Kate e logo depois ela se viu sentada no carro, ao lado de Reno, indo para o escritório de Hubert Walton.
O advogado não pôde atendê-los logo e Kate aproveitou a ocasião para pôr seus pensamentos em ordem. Reno sentou-se a seu lado com os braços cruzados no peito largo
e o olhar inexpressivo fixo no desenho do tapete. No que estaria pensando? Será que se sentia tão alheio a tudo aquilo com ela? No bolso do paletó, trazia o documento que provava que ela era, sem dúvida,
sua esposa. Mas ele continuava tão livre como antes e ela, bem no fundo de seu ser, continuava sendo Kate Duval.
Reno levantou os olhos de repente e, por uma fração de segundos, se fitaram antes que ele perguntasse, com cinismo:
- Você esperava sentir alguma coisa diferente?
Esse hábito desconcertante de ler seus pensamentos não era novidade, mas nunca a desconcertara tanto quanto agora. Tentou dizer alguma coisa só que não conseguiu. Felizmente a secretária avisou de que
Hubert os esperava no escritório.
Hubert Walton os observou em silêncio quando entraram na sala e se sentaram em frente à escrivaninha dele:
- É uma situação constrangedora. Eu realmente não sei se nesta circunstância deveria lhes dar parabéns ou pêsames.
- Nem uma coisa nem outra. - A voz profunda de Reno soou abrupta, antes que Kate pudesse abrir a boca para dizer alguma coisa.
- Vamos direto à questão. É melhor resolver tudo o mais rápido possível.
- Muito bem. . . - Hubert limpou a garganta e olhou para os papéis em cima da mesa. - Resta muito pouco para lhes informar, mas de qualquer maneira é importante. Reno, você tem que se mudar para Solitaire
para morar com Kate. Vocês dois receberão uma mesada adequada nos próximos doze meses e todas as despesas e lucros da fazenda serão contabilizados por meu escritório. Alguma pergunta?
- O que acontecerá daqui a um ano? - Reno quis saber.
- vou lhes fazer a última pergunta antes de encerrar o inventário de Jacques Duval.
- Eu sei qual será essa pergunta e já posso dar minha resposta agora. - As palavras jorraram da boca de Kate e o ressentimento tornou a lhe inflamar os olhos. - Não, nós não queremos continuar casados.
- Não seja precipitada, Kate - Hubert aconselhou. - Vocês podem pensar de maneira diferente daqui a um ano.
- Não aposte nisso, dr. Walton - interrompeu Reno ríspido. Hubert olhou para os dois com ar enigmático e concluiu:
- Bem, isso é tudo que tenho a dizer exceto desejar a ambos muita sorte nessa aventura.
Os dois voltaram em silêncio para Solitaire, dois estranhos que
não tinham nada em comum a não ser uma herança. Kate sentia vontade de arrancar a aliança e atirá-la pela janela mas com isso não conseguiria nada. Eles estavam legalmente casados e não fazia diferença
se usasse ou não aliança.
Novamente Naomi e Edwina estavam esperando por eles. Reno abriu uma garrafa do vinho branco frisante de Solitaire, antes de sentarem-se à mesa. A conversa absolutamente não fluía e o silêncio foi ficando
cada vez mais pesado. O prato de Kate voltou intacto para a cozinha e quando terminaram o chá, Naomi desculpou-se dizendo que precisava ir embora. Reno acompanhou a mãe até o carro, mas Kate continuou
sentada, com ar de infelicidade. Quando ele voltou à sala, ela se desculpou:
- Eu vou para meu quarto.
Antes que saísse, ouviu a voz da tia que a chamava:
- Kate, eu mudei suas coisas para a suite. A fúria estampou-se em seus olhos:
- Quem lhe deu permissão para fazer isso sem me consultar?
- Não houve tempo para consultar você, mas tenho certeza que concorda comigo. Embora nós saibamos a verdade sobre seu casamento, é melhor não deixar que os empregados desconfiem de nada.
- Sua tia tem razão - interferiu Reno e ela lhe lançou um olhar rápido e frio.
- Por favor, não se meta nisso.
Reno apertou os lábios e suas narinas tremeram:
- Isso diz respeito tanto a você quanto a mim. Se é tão teimosa que não quer reconhecer que sua tia tem razão, meta na cabeça que é melhor que os empregados não tenham motivos para dar com a língua nos
dentes.
- Pouco me importa o que eles espalhem por aí.
- E com isso eles vão deixar de respeitar você.
- Você é um sabe-tudo, não é?
- Kate. . . - tia Edwina interveio com voz suave, mas Kate virou-se para ela furiosa.
- Me deixem em paz, vocês dois! - gritou, numa voz engasgada, e saiu correndo da casa sem saber para onde ia. Só queria se ver livre daquela sensação horrível de que fora apanhada numa armadilha da qual
não conseguia escapar.
Quando chegou à grande árvore no fim do jardim, parou para tomar fôlego e depois começou a andar entre as vinhas, enterrando os saltos dos sapatos finos na terra macia. O sol saiu por detrás de uma nuvem
queimando-lhe o rosto e os braços. Sem se importar com isso, Kate continuou caminhando até chegar a um espaço aberto à sua frente. À direita ficava a velha e nodosa acácia e ela foi até lá procurando a
sombra refrescante. Ficou ali algum tempo acalmando-se na paz do cenário.
Ao longe, as montanhas com seus picos rochosos erguiam-se contra o céu azul. Kate foi até a casinha de pedra onde costumava brincar quando era criança. Suspirou alto. Lembrou aqueles dias tão distantes
quando sua única preocupação era entrar em casa sem que tia Edwina visse sua roupa toda suja de barro ou o vestido novo rasgado! Pareciam problemas insuperáveis mas ela sempre conseguia que alguém em casa
lavasse a roupa ou consertasse o vestido. Agora, a confusão que a afligia não podia ser lavada ou remendada, achava-se presa por aquele elo de ouro em seu dedo. E o que doía mais do que tudo era saber
que seu pai é quem havia provocado tudo
aquilo.
Sentou-se no velho tronco e deixou que as lágrimas descessem por seu rosto. Ela se desprezava por ser tão fraca, mas não podia parar de chorar. Ficou ali longo tempo,
até que conseguiu se controlar um pouco. Tinha saudades da época em que podia chorar nos ombros de tia Edwina, mas esses dias jamais voltariam, A tia, como todo mundo, estava contra ela, pensou com amargura.
De repente percebeu que de nada adiantava ficar com pena de si própria. Reagiu e com firmeza enxugou o rosto.
Ao fazer isso, a aliança que Reno lhe pusera no dedo de manhã brilhou ao sol e Kate olhou-a fixamente. Quando ele havia feito isso, sua mão pequena quase desapareceu dentro da dele. Na ocasião ela levantou
os olhos, percebendo que ele a observava com alguma coisa estranha no olhar. Era um olhar esquisito e penetrante, que a fez tremer e se sentir perturbada.
Teve um sobressalto quando viu o carro branco de Reno parar, de repente, a poucos metros dela. Notou que ele havia trocado de roupa. Usava agora calças bege e uma camisa esporte verde. Quando se aproximou,
naquele passo leve e firme de um tigre, Kate teve consciência da masculinidade que emanava daquele corpo magro e forte.
- Você está muito longe de casa - comentou Reno com ar natural, quando ficou em frente a ela. Tinha os pés afastados um do outro e os polegares das mãos nas presilhas do cinto.
- E daí? - perguntou, num tom de desafio.
- Kate, não culpe sua tia por ter feito o que ela achou que fosse melhor.
- Melhor para quem, se me permite?
- Para todos nós.
Kate desviou o olhar dele para umas nuvens que deslizavam pelo céu, a boca apertada com teimosia:
- Eu me recuso a compartilhar a suíte com você, e se você ou minha tia pensam que vou levar essa farsa até esse ponto, estão muitíssimo enganados.
- Olhe, há uma cama muito confortável no quarto de vestir e alguém já a arrumou.
Podia ver nos olhos dele que estava se divertindo às suas custas. A raiva impotente fez com que comentasse com sarcasmo:
- Ah! Mas que bom!
- Do que você está com medo, Kate? Que eu morra de desejo e exija meus direitos conjugais?
- Não seja ridículo!
- Você é que está sendo ridícula.
- Vá embora e me deixe em paz! - ela gritou, levantando-se depressa e fugindo dele.
Num segundo ele a alcançou e com as mãos firmes segurou-a com força, pelos ombros.
- Pare de se comportar como uma criança mimada e se compenetre de que é dessa maneira que vamos ter que viver por um ano. Lembre-se que nós fizemos um acordo de negócios, pare com essa infantilidade e
cumpra sua parte comportando-se como uma adulta sensata.
- E você pare de me pregar sermões, Reno van der Bill.
- Kate.. .
- E tire suas mãos de mim!
Ele a largou tão depressa que ela cambaleou, com o rosto tenso de raiva. Reno disse numa voz muito controlada:
- Entre no carro. Sua tia está nos esperando para o chá.
- Muito obrigada, eu vou a pé.
- Se você teima em se comportar feito uma criança, vou ter que tratá-la como tal. - E antes que ela pudesse impedir, ele a carregava para o carro.
- Me largue, seu selvagem! - ela gritava, batendo-lhe com os punhos cerrados nos ombros e no peito. Mas ele simplesmente ria deixando-a mais furiosa ainda.
Chegando ao carro, Reno colocou-a no chão para abrir a porta, mas conservou um braço à volta da cintura dela, segurando-a com firmeza, enquanto Kate se debatia à toa. Êmpurrou-a para dentro sem a menor
cerimónia e bateu a porta com força, sem prestar atenção a seus protestos.
Mas Kate não se tinha dado por vencida. Quando Reno deu a volta para entrar no carro pelo outro lado, abriu a porta e saiu correndo para ficar longe dele e do sentimento estranho que havia se apossado
dela, quando ele a carregou. Nos seus tempos de ginásio, havia sido uma boa atleta, mas nunca correra de salto alto. Não foi muito longe antes que Reno a alcançasse e desta vez ele, literalmente, a arrastou
para o carro.
Sem pronunciar uma palavra, ele a pôs sobre o capo e virou-lhe os braços para trás com tanta força que ela pensou que fosse arrancá-los. com uma das mãos, Reno segurou-lhe os braços naquela posição e com
a outra tirou o cinto. Para horror de Kate, amarrou suas mãos com firmeza nas costas. Seus olhos se encheram de lágrimas, mas ela fez um esforço para não chorar. Sobre o ombro, olhou para ele e gritou:
- Você é um bruto e eu o odeio!
- Pode me odiar o quanto quiser, mas vou levá-la para casa e, quando chegarmos lá, você vai pedir desculpas à sua tia pela insolência de seu comportamento depois do almoço.
- Eu não vou fazer nada disso!
- Isso é o que vamos ver - ele replicou, dando um último puxão no cinto, o que a fez morder os lábios para não gritar de dor. Pela segunda vez Kate foi empurrada para dentro do carro e viu a porta bater
em seu rosto. Furiosa, olhou para Reno com ar de quem o estrangularia na primeira oportunidade.
- Você não pode me tratar dessa maneira. Se pensa que tudo vai ficar assim, está muito enganado.
- Você provocou, Kate.
- Você vai me pagar por isso, nem que seja a última coisa na vida!
Seguiram para casa. Quando ele abriu a porta do carro, ela disse, altiva:
- Desamarre minhas mãos.
- Você vai obedecer?
- Vá para o inferno!
- Muito bem, então.
- Não! - ela gritou desesperada, quando ele a segurou pelos braços com a intenção de tirá-la amarrada do carro.
- Você mudou de idéia?
Os olhos dele a desafiaram, e ela nunca sentiu tanto ódio por Reno como naquele instante.
- Você é um desgraçado, e vai me pagar por isso.
- Esse não é o jeito de falar se não quer que a arraste para casa amarrada como uma criança malcriada.
- Faça isso, Reno, e eu nunca o perdoarei.
- Você não me mete medo, mas se me der sua palavra que vai se comportar e fazer o que eu mandei, solto você. - Ele riu.
Ser levada para dentro de casa daquele jeito, feito uma criminosa, era demais e Kate não viu outra saída senão submeter-se à vontade dele. com relutância, prometeu:
- Eu dou minha palavra.
Reno desamarrou-lhe as mãos e, por uns instantes, ela ficou sentada
no carro, massageando os pulsos doloridos. Sentiu então a mão forte segurando-a por um dos braços, acima do cotovelo, e praticamente se viu levantada do assento. Sua aparência era calma, ao ser levada
para dentro. Mas por dentro Kate explodia de raiva. Quando chegou à sala de estar, resmungou uma desculpa para tia Edwina, que os esperava para o chá.
Se a tia ficou surpresa com o comportamento dela, não o demonstrou. Nunca na vida Kate sentira uma vontade tão grande de ferir fisicamente alguém como naquele momento, quando viu o olhar de triunfo no
rosto de Reno.
Meu Deus! Como eu odeio este homem!, ela pensou.
Kate não tomou parte na conversa durante o chá e retirou-se logo depois de Reno sair para verificar os tanques de fermentação. Ela havia percebido tia Edwina olhando para as marcas em seus pulsos, mas
não teve vontade de explicar o que havia acontecido.
Kate precisava trocar de roupa e foi para seu novo quarto. Assim que entrou, fechou a porta, encostou-se nela e ficou, por vários minutos, observando o ambiente espaçoso e arejado. Pelo que podia se lembrar,
esse quarto só tinha sido usado recentemente, por hóspedes. Ela era muito novinha quando seus pais dormiam ali.
Olhou para a enorme cama de casal com uma colcha da mesma fazenda das cortinas e se sentiu enjoada. Ela sonhava um dia partilhar aquele quarto e aquela cama com um homem que amasse. Ao invés disso, por
um ano, ficaria sozinha ali. Não seria certo pôr toda a culpa na sua má sorte, pois seu pai tinha contribuído muitíssimo para essa situação. Ali estava ela, casada com um tipo como Reno van der Bill, sabendo
de antemão que iria odiá-lo cada minuto que durasse seu casamento.
Foi até o quarto de vestir e verificou que, como Reno disse, alguém havia arrumado a cama. Olhou à volta, meio hesitante, e depois suspirou, aliviada. Ela havia esquecido uma porta do quarto de vestir
que dava para o corredor e, dessa maneira, Reno não precisaria passar por seu quarto. Essa porta era também muito conveniente,
porque permitiria a Reno usar o banheiro em frente, do outro lado do corredor. Assim ambos gozariam de sua privacidade. O único problema eram suas roupas, mas Kate deu uma olhadela no guarda-roupa e viu
aliviada que ali estavam só as roupas dele. Na cómoda, sob o espelho, estavam a escova de cabelos e alguns outros objetos de uso pessoal de Reno. Não havia nada mais que pudesse dar a Kate uma idéia do
caráter do homem que em tão pouco tempo deixara de ser o administrador da fazenda para tornar-se seu marido.
Marido! Kate ficou enjoada ao pensar naquela palavra. Ele não passava do homem com quem havia se casado, simplesmente para satisfazer as exigências do testamento do pai.
Voltou para seu quarto e abriu o enorme guarda-roupa que ocupava a parede em frente à janela. Que alívio, suas roupas estavam todas ali, dobradas com cuidado nas gavetas ou penduradas nos cabides. As coisas
de uso pessoal estavam em cima da mesa de toalete.
Kate trocou de roupa. Vestiu uma saia estampada bem colorida e uma blusa branca. Enquanto se maquilava e escovava o cabelo, olhou-se por alguns instantes no espelho, lembrando da cerimónia rápida daquela
manhã. Se não fosse pela aliança em seu dedo, juraria que tinha sido um pesadelo. Mas não, havia acontecido e por um ano ela seria a sra. Reno van der Bill.
Sentindo-se sufocada, Kate atirou longe a escova, saiu do quarto e da casa à procura de ar fresco.
Naquela noite, Kate e Reno sentaram-se frente a frente nas duas extremidades da mesa de jantar. Tia Edwina ficou no meio, entre os dois. Kate já ia abrir a boca para perguntar quem tinha dado a Reno o
direito de ocupar o lugar de seu pai, quando tia Edwina, pressentindo alguma coisa no ar, adiantou-se:
- Reno, espero que você não se incomode em ocupar o lugar de Jacques à mesa. É muito bom ter novamente um homem à cabeceira.
Kate guardou, a raiva para si e não disse nada. Mas durante todo o jantar, as palavras da tia martelavam sua cabeça.
Ele que aproveite bem todos esse privilégios inesperados, porque daqui a um ano vou atirá-lo no olho da rua, pensou, com cinismo.
Tomaram o café na sala de estar; depois Kate pediu licença e foi andar um pouco. Estava terrivelmente tensa para dormir e aborrecidíssima com o fato de sua tia aceitar tudo aquilo com tanta calma.
O ar ligeiramente frio lhe lembrou que o verão estava quase no fim. A colheita ainda continuaria por mais umas duas semanas e logo os vinhos novos exigiriam maiores cuidados para se transformar nos famosos
vinhos que tanta glória haviam trazido a Solitaire.
Kate sentou-se no banco de madeira, embaixo do velho carvalho, e suspirou profundamente. Daria tudo para estar na Cidade do Cabo, com Gary. Eles estariam rindo por qualquer bobagem e se divertindo
muito. Mas ao invés disso, ali estava ela, sozinha, sem ninguém que a entendesse.
Alguma coisa chamou sua atenção. Levantou os olhos e viu Reno que saía da casa e andava em direção ao caminhão da fazenda. Ele ia verificar os tanques de fermentação. Kate pensou que deveria ser grata
por ter alguém em Solitaire tão interessado e eficiente como Reno, mas isso não lhe serviu de consolo.
Mais tarde, quando escovava o cabelo em frente à mesinha de toalete, ouviu os passos de Reno no corredor. Ficou tensa imediatamente. Pôs a escova na mesinha e, num gesto automático, apertou o cinto à volta
do penhoar de seda. Seu coração teve um sobressalto quando ele parou à porta do quarto, mas respirou aliviada percebendo que continuava a andar e entrava no quarto de vestir.
Por uma razão inexplicável, Kate ficou ali sentada, prestando atenção aos movimentos de Reno. Percebeu quando ele abriu e depois fechou a porta do quarto. Ouviu
claramente o barulho do chuveiro no banheiro do corredor. Acalmou-se um pouco e continuou escovando os cabelos.
Finalmente levantou-se e começou a andar de um lado para outro. Ouviu Reno voltar para o quarto de vestir e o barulho de abrir e fechar das portas do guarda-roupa. Sentia-se mal ao pensar que uma simples
porta de madeira a separava do homem com quem havia se casado àquela manhã e que não significava nada ou jamais significaria alguma coisa para ela.
Uma rápida batida na porta do quarto de vestir pôs-lhe os nervos à flor da pele. Sua voz a traiu quando perguntou, tensa:
- O que você quer?
- Eu tenho uma coisa para você - Reno respondeu, com a voz abafada pela porta fechada.
- O que é?
- - Uma coisa que vai ajudá-la a dormir melhor.
- Eu vou domir muito bem sem... - A porta abriu de repente e o resto da frase morreu em seus lábios. Olhou então para Reno, que vestia um roupão preto amarrado na cintura, e para os cabelos ainda molhados
do banho. Seus olhos se fixaram, hipnotizados, onde o roupão se abria e mostrava o peito forte e cabeludo. Sentiu um enorme ressentimento. Nenhum homem tinha o direito de mostrar uma aparência tão vital,
tão viril, pensou Kate desesperada, percebendo que seus sentidos reagiam por conta própria. Fez um grande esforço e encarou aqueles olhos escuros e atrevidos.
- Quem lhe deu licença para entrar aqui?
- Você não acha que é muito incómodo conversar através de uma porta fechada?
Ele sorriu levemente, enfiou as mãos nos bolsos do roupão e caminhou em direção a ela.
- Diga logo o que quer e saia.
Ele parou ao lado da mesinha e seus olhos atrevidos e perscrutadores percorreram-lhe o corpo demorando-se nas curvas bem feitas que se percebiam sob o penhoar de seda.
- Você é mesmo uma selvagem e, se eu não tivesse nada mais interessante para fazer, até que me divertiria tentando domá-la.
Ela sentiu um frio no estômago e seus olhos brilharam de indignação.
- Como você é arrogante!
- Não há a menor dúvida que umas palmadas bem dadas, de vez em quando, lhe ensinariam um pouco de boas maneiras.
- Eu não tenho a menor dúvida de que você é a criatura mais antipática e convencida que Deus botou no mundo. Eu odeio você.
- Uma pessoa que odeia com tanta força, Kate, ama com a mesma paixão. - Ele a observou com os olhos perigosamente brilhantes e sensuais e percebeu a pulsação rápida nas veias do pescoço que ela desesperadamente
tentava controlar.
- É uma pena, mas acho que você nunca vai saber se isso é mesmo verdade - ela replicou, atrevida, e imediatamente percebeu que havia cometido um erro.
Semicerrando os olhos, Reno se aproximou com os movimentos vagarosos de um animal na selva:
- Você está me desafiando, Kate?
Ela começou a recuar até se encostar nas cortinas e, involuntariamente, segurou o cinto do penhoar.
- Se você se aproximar de mim mais um passo, eu grito. Ele sorriu irónico e parou a um passo dela.
- Está com medo que eu descubra que tenho razão?
- Eu não estou com medo de nada - ela protestou, sentindo que o cheiro de perfume dele lhe entrava pelas narinas provocando seus instintos. - A única coisa que sou capaz de sentir por você é repulsa!
Houve um silêncio curto e carregado entre eles. Depois o rosto de Reno escureceu de raiva.
- Foi você quem provocou, Kate.
Ela poderia ter previsto o que ia acontecer. Num segundo, se viu presa num abraço que a imobilizou. Sentiu as coxas dele contra as suas e os seios roçando contra aquele peito forte. Mas o pior foi o toque
da boca, que forçava sua cabeça para trás.
A surpresa de Kate era tão grande, que nem conseguiu reagir de início. Quando finalmente tentou lutar, percebeu que seus esforços só faziam com que tivesse mais consciência da masculinidade daquele corpo
forte contra a maciez de suas curvas. Seu pulso começou a bater num ritmo estranho e ela sentiu uma fraqueza enorme invadi-la. Reno forçou para que abrisse os lábios e a invasão de sua boca causou em Kate
uma sensação que lhe percorreu todo o
corpo. Sabia que devia reagir, mas, ao invés disso, se viu correspondendo intensamente ao beijo dele.
Reno a largou de repente e Kate teve que se segurar na cortina para não cair. Estava terrivelmente espantada. Ele, ao contrário, tinha a expressão calma e composta.
Ela o odiava por isso mas ao mesmo tempo sentia inveja daquela calma.
A voz dura de Reno soou com uma bofetada:
- Aqui está a chave da porta do quarto de vestir - e atirou alguma coisa sobre a mesinha de toalete. -
mas não se preocupe e nem fique com medo, eu não tenho tempo
a perder com alguém que não consegue fazer outra coisa senão me aborrecer e irritar.
Kate ficou imóvel como uma estátua, até que ele desapareceu atrás da porta e a fechou. Só então ela conseguiu ir para a cama cambaleando, e se atirar nela. Uma coisa
dessas jamais tinha lhe acontecido antes. Kate pressentia que se quisesse sair ilesa do contrato que havia feito com Reno, teria que evitar, a qualquer custo, que a cena dessa noite se repetisse.
CAPITULO V
Kate segurou nas mãos a chave do quarto. Aquele objeto era frio e sem vida como a expressão do rosto de Reno quando lhe disse, na noite anterior, que ela só lhe trazia aborrecimentos. Lembrou-se que havia
esquecido de trancar a porta do quarto depois de ele ter saído. Bem, mas isso não tinha mais importância. A discussão da noite anterior criara uma barreira impenetrável entre os dois, muito mais impenetrável
do que uma simples porta fechada a chave.
O domingo amanheceu sombrio, depois de Kate ter passado uma noite péssima, cheia de pensamentos controvertidos povoando-lhe a cabeça. Por que havia reagido daquela forma estranha ao beijo de Reno? Por
que em vez de acordar com ódio dele, como era de se esperar, sentia uma vaga sensação de remorso e mal-estar?
Desceu para tomar o café na sala, com Reno e tia Edwina. O ambiente era de distância e frieza entre eles. Esse mesmo clima iria perdurar durante muitas semanas enquanto prosseguia o trabalho da colheita.
Kate e Reno trocavam apenas as palavras indispensáveis na hora do trabalho e, quando chegavam em casa, a tensão entre eles continuava por mais que Edwina se esforçasse para tornar as coisas mais amenas.
Um dia ela falou com Kate:
- Desde que você se casou com Reno, o ambiente desta casa está insuportável. Antes, vocês ao menos conversavam, nem que fosse para discutir. Mas agora ficam quase mudos o tempo todo. Eu não suporto mais
continuar falando para as paredes.
- Sinto muito, tia, mas não há nada que eu possa fazer.
- É preciso que você tome alguma providência. Não é possível que esta situação continue indefinidamente.
- Sabe, tia, no dia em que casamos dissemos coisas horríveis um ao outro e não creio que isso possa mais ter conserto.
- Por que não falam às claras, não pedem desculpas e pronto?
- Ah! As coisas não são tão fáceis assim. . .
- Conhecendo essa sua cabecinha maluca, como eu conheço, aposto que falou demais, que disse uma porção de coisas que não devia dizer, não foi ?
Kate olhou para aquela mulher que durante tanto tempo fora uma espécie de mãe e seu rosto se abriu num sorriso afetuoso.
- Acho que a senhora tem razão.
- Então faça algo, sua bobinha. Você não vai querer que as coisas continuem como estão, vai?
- Onde está Reno? - Kate perguntou meio aérea, sem saber direito o que iria fazer.
- Disse qualquer coisa sobre ir fiscalizar os tanques de fermentação quando saiu depois do jantar. com certeza ficará lá até o dia amanhecer, como fazia seu pai. Por que não vai levar-lhe uma garrafa de
café?
Kate vacilou um pouco mas logo se levantou decidida, beijando a testa da tia.
- Está bem, farei o que a senhora sugeriu. Mas fique sabendo que se ele me maltratar de novo, nunca mais vou me humilhar desta maneira, ouviu?
Uns vinte minutos mais tarde, Kate estacionou o jipe na entrada do prédio onde ficavam os enormes tonéis de madeira e os tanques de aço para fermentação. Havia
luz na pequena sala que servia de escritório. Ela apanhou a sacola que estava no assento do carro a seu lado e entrou na adega em silêncio, indo até o escritório.
Reno estava sentado atrás da escrivaninha, com um de seus velhos cachimbos entre os dentes. Levantou os olhos dos papéis que lia e a observou com olhos frios.
- Por que você não está em casa, dormindo, como deveria?
- Imaginei que talvez quisesse um pouco de café e uma mão no trabalho - Kate respondeu, constrangida.
- É muita bondade de sua parte.
Era difícil definir se essa observação era de cinismo ou de
agradecimento.
Kate também não sabia dizer se havia feito bem em procurá-lo, mas, em todo caso, serviu o café quente em duas canecas. o entregar a dele, percebeu que
sua mão tremia e que ele demonstrava sinais evidentes de cansaço.
- Por que não vai para casa e descansa um pouco? Eu fico aqui tomando conta disso para você, não quer?
- Agradeço mas não é possível deixá-la aqui sozinha tomando conta do serviço.
Reno havia escolhido as palavras erradas e elas foram suficientes para que se quebrasse o gelo e, imediatamente, voltassem os velhos ressentimentos que havia entre os dois.
- Não vejo por quê! Durante anos fiz esse trabalho e meu pai nunca duvidou da minha capacidade - Kate rebateu agressiva.
- Calma, calma. O que eu quis dizer é que não posso deixá-la sozinha porque, afinal, você é uma mulher e não seria seguro ficar aqui à noite.
A raiva de Kate desapareceu com a mesma rapidez com que havia surgido. Suas palavras saíram em tom de caçoada.
- Não me diga que você está com medo de que haja alguém escondido atrás dos tonéis, pronto para me agarrar!
- Bem, nunca se sabe...
Desta vez Kate não conseguiu evitar uma sonora gargalhada.
- Não seja bobo! Os peões são supersticiosos demais para entrar aqui à noite.
- Por quê?
- Eles acreditam que nas velhas adegas há almas do outro mundo, você não sabia?
- Não. . . mas que coisa ridícula! Este prédio foi construído na época de seu pai, não?
- Esta parte sim, mas a outra, onde ficam os tonéis, tem mais de duzentos anos. E os camponeses acham que num prédio tão antigo fatalmente devem haver fantasmas.
- Pois eis então mais uma razão para eu não deixar você sozinha
- brincou Reno.
- Não se preocupe, eu não acredito em fantasmas.
- Valentona. .. Mas eu tenho uma proposta melhor. Que tal se você ficasse aqui comigo, me fazendo companhia? Tenho uma longa noite pela frente e as horas custam a passar quando a gente não tem com quem
conversar.
Seus olhares se cruzaram. Reno parecia ter percebido que Kate viera numa tentativa de fazer as pazes, de tornar o clima entre os dois um pouco mais ameno. E, à sua maneira, estava disposto a colaborar.
com um certo alívio, Kate respondeu:
- Está bem, eu fico, se é isso que você quer.
Depois disso se fez um longo silêncio, durante o qual nenhum dos dois sabia bem o que dizer. Finalmente Reno tomou a iniciativa:
- Seu café é muito gostoso.
- Obrigada.
Outro silêncio prolongado e constrangedor. Depois foi Kate quem falou.
- A noite está úmida. Acho que vai chover.
- É possível.
Era realmente muito difícil conseguir entabular uma conversa naquelas condições.
- Puxa, nós não temos muito assunto, não é? - Reno perguntou com uma risada, descontraindo o ambiente.
- Pois é, parece que não temos mesmo - Kate suspirou e colocou sua caneca vazia sobre a mesa.
- Se você vai me fazer companhia a noite inteira, acho melhor arranjarmos um assunto para conversar.
O sorriso de Reno havia desaparecido e suas palavras soavam quase como uma ordem, um comando a ser obedecido.
- Fale-me sobre você - disse ela, agarrando a primeira idéia que lhe veio à cabeça. Por que foi estudar na Cidade do Cabo em vez de ficar em Stellenbosch?
- Quem foi que lhe contou isso?
- Meu pai.
- Eu comecei a estudar em Stellenbosch mas, quando minha mãe teve que vender a fazenda, me mandou para a Cidade do Cabo. Lá frequentei uma escola particular, apesar das dificuldades financeiras que minha
mãe enfrentava. Parece que uma pessoa muito amiga dela fez questão de ajudar, pagando meus estudos.
A curiosidade de Kate havia sido atiçada. Depois que soube do relacionamento de Naomi com seu pai, desconfiava que talvez ele tivesse sido o benfeitor a que Reno se referia.
- Você sabe quem é essa pessoa amiga?
- Não.
- E nunca tentou descobrir?
- Tentei, mas não consegui nada. Minha mãe recusa-se a contar
- respondeu Reno, cruzando as mãos atrás da cabeça.
Esse gesto fez com que sua camisa se esticasse, evidenciando os músculos rijos de seu peito.
Kate desviou o olhar, procurando afastar a lembrança da estranha sensação que sentiu quando seus seios encostaram naquele peito musculoso.
- Por que você resolveu se dedicar à vinicultura?
- Eu estudei para isso. Interesso-me pela fabricação de vinhos e, além do mais, sempre tive a esperança de poder trabalhar numa fazenda da importância de La Reine.
- Quer dizer então que quando meu pai colocou aquele anúncio no jornal, procurando um administrador, você pulou de alegria.
Reno percebeu o cinismo escondido por trás daquelas palavras e respondeu em tom seco:
- Não foi bem assim. Na época eu tinha um bom emprego e um futuro garantido enquanto que aqui não havia qualquer futuro. A única vantagem seria o prazer de trabalhar num lugar do qual eu gostava tanto,
quando criança.
- Por isso acabou aceitando?
- Respondi ao anúncio e vim fazer a entrevista. E fiquei muito impressionado com os conhecimentos de seu pai sobre vinicultura.
- E obviamente muito interessado em ficar próximo a La Reine, não é?
Ele ficou mudo por alguns instantes e depois inclinou-se sobre a mesa, ficando bem perto de Kate.
- Você guarda muito ressentimento de mim, não?
Kate não conseguiu olhá-lo nos olhos. Segurou com força a beirada da mesa, analisando seus sentimentos para responder com o máximo de sinceridade.
- Neste momento exato, não tenho tanta raiva de você. Reconheço que está sendo muito útil e dedicado para com a fazenda, depois da morte de papai. Mas continuo sentindo uma enorme revolta por ter sido
obrigada a casar com você para receber uma herança que era minha de direito.
- Quando você fala em
herança, inclui nisso La Reine? Acha que estão lhe roubando La Reine, Kate?
- De jeito nenhum! O que me preocupa é Solitaire. Quanto a La Reine, eu jamais tive qualquer intenção de ficar com ela. Meu pai sempre disse que não a deixaria para mim.
- Você acha que ele tinha a intenção de vender La Reine?
- Não sei. . . talvez. Mas se pretendia fazê-lo, acabou mudando de idéia quando você apareceu por aqui.
- É, parece que eu sou mesmo o vilão da história. ..
Kate o encarou por alguns segundos, sem confirmar ou desmentir suas palavras. Quando falou, foi para mudar de assunto.
- Não está na hora de você verificar os tanques?
- Faltam alguns minutos. Quer vir comigo?
- Vamos.
Kate passou a noite ali na adega com Reno, repetindo essa operação de controle a cada quatro horas. O resto do tempo conversavam, tomavam café e se revezavam para tirar um cochilo no velho sofá encostado
num canto da pequena sala. De manhã estavam cansados e um pouco abatidos. Mas ambos sabiam que, no final, o sacrifício seria recompensado pela boa qualidade do produto.
O relacionamento entre os dois parecia ter melhorado um pouco, pelo menos diante desse único interesse em comum. Mas os velhos ressentimentos persistiam e, ao que tudo indicava, jamais seriamultrapassados.
- Até que enfim vocês estão conversando um pouco - disse Edwina uma manhã, quando tomavam chá no terraço. - Eu não suportava mais vê-los mudos daquele jeito.
Era impossível explicar a tia Edwina a confusão de sentimentos que tomava conta de Kate. Ela própria era incapaz de compreendê-la. Se, por um lado, sentia repulsa por aquele homem que legalmente era seu
marido, por outro não conseguia deixar de se ver de alguma forma atraída por ele.
Já estava casada há mais de um mês quando um dia, por acaso, encontrou-se com Gary na cidade ao fazer compras. Teria preferido evitá-lo, mas deu de cara com ele na rua e não havia possibilidade de fingir
que não o vira. Constrangida, cumprimentou-o. Os olhos sorridentes dele, sem qualquer sinal de rancor, encarregaram-se de retribuir e de deixá-la bem menos tensa.
- Aceita tomar um cafezinho comigo? - o rapaz convidou, apontando para a lanchonete em frente.
- Claro - concordou ela.
Atravessaram a rua e, enquanto eram servidos, Gary comentou:
- Há várias semanas que não vejo você.
- É que temos estado muito ocupados, lá na fazenda. Continuaram tomando o café lentamente, sem dizer mais nada,
até que Gary, olhando para a aliança que brilhava no dedo de Kate, disse com suavidade:
- Não posso dizer que tenha ficado satisfeito com seu casamento, Kate. Mas gostaria que continuássemos amigos.
- Eu também! - ela sorriu, pensando como seria bom se Gary estivesse disposto a esperá-la até que o prazo do "contrato de negócios" com Reno chegasse ao fim.
- Você se sente feliz, Kate?
- Por que me pergunta isso?
- Apenas curiosidade. Mas responda: você é feliz?
- Bastante... O quanto se pode ser feliz numa circunstância como esta - respondeu, evasiva.
Ele a olhou intensamente.
- Seu casamento não está sendo exatamente o que se pode chamar de um sucesso, não é verdade?
- Eu não disse isso.
- Não tente me enganar, Kate.
- Gary, você não entendeu bem. O que eu quis dizer é que. . .
- Está bem, não se fala mais nisso - interrompeu o rapaz, diante do ar atrapalhado de Kate. - Só quero que saiba que eu ainda estou por aqui e que pode contar comigo para o que der e vier.
- Você fala como se desejasse que meu casamento fosse um fracasso.
- Não é bem isso. Mas, se por acaso as coisas não derem certo, estarei à sua disposição.
- Meu Deus! Quanta tragédia - Kate riu, aliviando a tensão.
- Quando é que vejo você de novo? - ele perguntou, ao pagar a conta.
- Qualquer dia desses. Por que não aparece lá em casa?
Era uma frase corriqueira, não um convite formal, e Kate a usava quase por hábito, sem pensar muito no que estava dizendo. Mas Gary a tomou ao pé da letra, apressando-se em confirmar a sugestão.
- Ótimo, vou mesmo. Que tal sexta-feira? Não me convida para jantar?
- Bem. . . sim. . . claro. Apareça para o jantar na sexta. Ficaremos muito contentes com sua companhia.
- Obrigado. Apareço lá pelas seis e meia, está bem?
- Combinado, Gary. Obrigada pelo café.
- Até logo.
Voltando para Solitaire, Kate sentia-se um pouco arrependida e confusa. Teria agido certo combinando aquele jantar? Como Reno iria reagir quando soubesse? Mas estes pensamentos não a preocuparam por mais
tempo. Não ia reger todas as ações de sua vida em função do que agradava ou não a
Reno. À noite, depois do jantar, resolveu abrir o jogo.
- Hoje à tarde encontrei Gary, na cidade, e convidei-o para jantar conosco na sexta-feira.
Tia Edwina abriu a boca, preparando-se para dizer qualquer coisa, porém Reno foi mais rápido.
- Você anda se encontrando com ele?
- Foi um acaso. Eu estava fazendo compras quando nos encontramos na rua. Aí ele me convidou para tomar um café - ela explicou, enfrentando o olhar de reprovação de Reno sem se atemorizar.
- E você acha que agiu certo?
- Agi certo no quê? Em convidá-lo para jantar ou em ter ido com ele tomar café?
- Nas duas coisas.
- Sabe, Reno, o fato de eu estar casada com você não quer dizer que deva esquecer meus amigos.
- Claro que não, nem é isso que eu pretendo.
- Então qual é o problema?
- Nenhum. Acho ótimo reunirmos os amigos. Creio que vou convidar Bárbara Owen para vir aqui também na sexta. Não é uma boa idéia?
Era a última coisa que Kate esperava ouvir, mas não podia, de forma alguma, deixar transparecer sua surpresa.
- Claro!
- Então está decidido. vou ligar para ela e fazer o convite. com isso Reno levantou-se e saiu da sala, fechando a porta. Kate
e tia Edwina ficaram em silêncio por algum tempo, até que a velha senhora resolveu falar, num tom de reprovação.
- Espero que você tenha percebido que sua atitude só vai lhe trazer problemas.
- O que há de tão errado em convidar um amigo para jantar, tia Edwina?
Se se tratasse de um amigo comum, não haveria nada demais.
Mas você sabe tão bem quanto eu que Gary não é um simples amigo e muito menos, Bárbara Owen. Ela e Reno eram. . .
- O que tia Edwiria? Amantes?
Ao ouvir a palavra, tia Edwina mostrou-se muito constrangida.
- Bem, se eram. . . eu não sei. O que sei é que se encontravam com muita frequência.
- Não se preocupe à toa, tia. Tenho certeza que o jantar será muito divertido.
À noite, deitada em seu quarto, Kate rolava na cama, perturbada, sem conseguir pegar no sono. Não sabia bem por que, mas o fato é que a possível vinda de Bárbara Owen àquela casa lhe tirava a tranquilidade.
Já era bem tarde quando viu a fresta de luz por baixo da porta que indicava que Reno havia entrado em seu quarto. Como de costume, ela ouviu seus passos, de cá para lá, enquanto ele se preparava para dormir.
Só que esta noite Reno parecia demorar bem mais. Será que, como ela, estava tendo dificuldade em pegar no sono?
Pensou em Reno e Bárbara juntos. Como seria o relacionamento dos dois? De uma coisa ela tinha certeza: estava bem longe de ser uma simples amizade. Bárbara era uma mulher atraente e sensual e a virilidade
de Reno era mais do que patente. Lembrava-se muito bem da sensação que havia sentido quando ele a tocou, naquela primeira noite, e de seus lábios ardentes, procurando os dela. Se, mesmo naquelas circunstâncias,
Reno conseguiu despertar seus instintos, imagine do que seria capaz se, por alguma razão pouco provável, viesse um dia a acariciá-la realmente.
A noite de sexta-feira chegou, encontrando Kate um pouco nervosa, mas bem arrumada para o jantar.
- Você não pode imaginar como fiquei contente com o convite de Reno - disse Bárbara a Kate, assim que chegou. - Já ouvi falar muito de Solitaire e de seus vinhos, mas nunca tive a oportunidade de conhecer
um lugar histórico como este.
A voz de Bárbara era suave e agradável. Para sua própria surpresa, Kate percebeu que simpatizava com ela. Era alta, linda e sofisticada, com cabelos escuros e olhos verdes. Irradiava entusiasmo e simpatia,
ao contrário do que Kate havia imaginado.
- Você gosta de antiguidades e .de coisas históricas? - perguntou
Gary, aproximando-se. Para ele esse tipo de coisa não tinha o mínimo interesse.
- Adoro. As coisas antigas me fascinam. Parece que transmitem nobreza, refinamento.
- Se pensa assim, tenho certeza que minha sobrinha sentirá prazer em mostrar-lhe a casa toda - interveio tia Edwina.
- É mesmo, Kate? - Bárbara virou-se, contente.
- Naturalmente - respondeu ela com delicadeza.
Kate levou Bárbara através dos vários cómodos do casarão, explicando os detalhes da arquitetura e mostrando os melhoramentos e as modificações que haviam sido feitas. Bárbara mostrava-se muito interessada,
fazendo perguntas inteligentes, e Kate percebeu que começava a gostar dela, apesar de toda a prevenção que sentira antes. Antigamente a cozinha era aqui, mas foi destruída num incêndio, em 1785. Os quartos
dos criados também foram atingidos e dizem que três deles morreram queimados - disse Kate, mostrando um amplo pátio descoberto.
- Que horror! - espantou-se Bárbara.
- Não deixe Kate amedrontá-la com essas histórias de fantasmas
- interveio Reno aparecendo de repente atrás delas e dirigindo a Kate um olhar de reprovação.
- Eu não estava querendo amedrontá-la. Só repetia as histórias que sempre ouvi meu pai contar.
- Então vamos jantar que estão nos esperando - Reno falou e tomou o braço de Bárbara com familiaridade. - Espero que Kate não tenha tirado seu apetite com essas histórias de terror.
- Já disse que eu estava apenas. . .
- Não ligue para Reno, Kate - interrompeu Bárbara com um sorriso. - Achei ótimo você ter tido a gentileza de me contar todas aquelas coisas, inclusive a história do incêndio. Obrigada.
Se Bárbara estava satisfeita, Reno, por sua vez, parecia contrariado. Manteve o rosto fechado até chegarem à sala.
O jantar foi servido e a reunião acabou transformando-se num pesadelo para Kate. Cada vez que seu olhar se fixava em Reno e Bárbara, que conversavam animadamente, sentia um incrível malestar que não conseguia
definir bem. Talvez por isso, dedicou uma atenção toda especial a Gary, quase como se estivesse flertando com ele.
Depois de terminado o jantar, regado a vinho de Solitaire, todos
foram para a sala. Lá, enquanto Bárbara ouvia atentamente as histórias contadas por tia Edwina e os comentários de Reno, Kate afastou-se indo até o terraço para tomar um pouco de ar. Não sabia mais o que
fazer para livrar-se daquela mulher que, apesar de simpática, ia se tornando irritante pela forma como monopolizava as atenções. Percebeu passos atrás de si e viu que Gary a seguia.
- Bárbara está perturbando você, não é, Kate? - perguntou ele segurando-lhe a mão, assim que se viram a sós.
- Não é isso. . . só estou com vontade de tomar um pouco de ar.
- Acho uma ótima idéia. Assim podemos ficar um pouco sozinhos e conversarmos mais à vontade. - Ainda segurando sua mão, ele afastou-se um pouco dela e a olhou de cima a baixo. - Você está linda...
- Está mesmo! - A voz grave de Reno fez com que se separassem rapidamente. - Não acha que o casamento lhe fez bem?
Ao terminar a frase, ele se aproximou de Kate, passando o braço forte em torno da cintura dela. Esforçava-se por parecer amável, mas era evidente que estava muito contrariado.
- Parece que fez sim - Gary concordou, sem outra saída. Ficaram os três em silêncio, apenas trocando olhares significativos.
Kate sentia-se estranha, abraçada assim por Reno, mas não ousava afastar-se dele. Diante da situação constrangedora, Gary procurou uma forma de sair dali.
- Bem, acho que vou lá dentro pegar mais um copo desse delicioso vinho que vocês têm aqui. com licença.. .
Assim que ele se foi, Reno puxou Kate pelo braço até um canto escuro do terraço, de onde não podiam ser vistos. Segurou-a com força, apertando-a contra seu corpo, os olhos brilhantes de raiva.
- Escute aqui. Foi sua a idéia de começar este jogo. Agora estou lhe avisando: tome muito cuidado senão ele pode ficar perigoso.
- O que está querendo dizer?
- Que detesto fazer papel de bobo.
- Você está me ameaçando?
- Estou, sim senhora!
Kate sentia o corpo firme de Reno contra o dela e as mãos fortes apertando-lhe os ombros. Por um instante esqueceu a dor que isso lhe causava e desejou loucamente que ele a beijasse. Fechou os olhos e
entregou-se à proximidade daquele homem. Mas em vez de beijá-la, ele a empurrou para longe, num gesto brusco e decidido, e voltou para dentro de casa.
Ela sentia-se terrivelmente humilhada ao voltar para a sala onde todos estavam reunidos. Bárbara e Gary foram embora logo, quase ao mesmo tempo e, quando Kate se retirou para o quarto, se deu conta de
que a noite havia sido um fracasso total.
Fez um retrospecto de tudo que havia acontecido. Contrariando suas expectativas, Bárbara Owen demonstrou ser uma mulher muito mais interessante e agradável do que ela imaginava. Era alegre e linda. Vendo-a
ao lado de Reno, não se podia negar que formavam um par ideal. Certamente se fosse com ela, e não com Kate que ele tivesse se encontrado no terraço, a atitude de Reno teria sido bem diferente.
O aperto voltou ao seu coração. Havia algo que ela não podia mais esconder de si mesma: na verdade, estava com ciúmes. Meu Deus! Estava dom ciúmes de Reno!
CAPÍTULO VI
A vida em Solitaire foi aos poucos caindo na rotina. Durante a semana Kate ajudava no que era preciso, na contabilidade ou despachando vinho. Nos fins de semana, convidava Gary, Bárbara e Naomi van der
Bill para irem a Solitaire. Eles se distraíam jogando ténis, passeando pela fazenda ou simplesmente se sentavam no jardim para aproveitar o calor do sol de outono. Essa era uma boa maneira de continuar
a amizade com Gary e também de descobrir o que realmente havia entre Bárbara e Reno. Bárbara tinha um jeitinho todo especial de conseguir um daqueles raros sorrisos de Reno, que transformavam sua expressão
de pedra de tal forma, que o coração de Kate batia mais rápido.
Kate suspirou e fechou a revista que tentava ler. Para que fingir interesse se não conseguia entender mais que meia dúzia de palavras? Ficou sentada observando os dedos ágeis de tia Edwina que tricotava.
Por vinte anos aquela mulher tinha sido sua tia e sua mãe ao mesmo tempo, mas.pela primeira vez na vida, Kate se viu estudando-a sob um ângulo completamente diferente.
- Por que você nunca se casou e teve filhos, tia Edwina? perguntou de repente. Edwina largou o tricô para olhar a sobrinha com espanto.
- Você nunca me perguntou isso antes.
- Talvez por egoísmo nurtca me ocorreu que você tivesse o direito, como qualquer pessoa, de ter sua própria vida e ser feliz. Você se dedicou a mim e nunca me passou pela cabeça que deveria ser de outra
forma. - O olhar de Kate tornou-se mais penetrante. Você abriu mão de sua felicidade para tomar conta de meu pai e de mim?
- Não, Kate, eu não fiz isso. - Edwina sacudiu a cabeça sorrindo. - Houve um homem em minha vida, mas no fim ele se casou com outra moça, e, embora eu fosse livre para me casar com quem quisesse, nunca
mais me interessei por ninguém. - Seus olhos cinzentos brilharam, alegres. - Minha resposta a satisfez?
- Satisfez, sim - Kate sorriu aliviada, não sabendo bem por quê. Derrubou a revista no chão e foi abraçar a tia com carinho e espontaneidade. Sentiu um aperto na garganta e os olhos marejados de lágrimas,
beijou a tia no rosto e murmurou:
- vou dar uma volta lá fora.
A noite estava escura e o ar já prenunciava o frio de inverno. Kate pôs as mãos nos bolsos da jaqueta de couro e andou a esmo, até que viu luz nas adegas. O que será que Reno estava fazendo lá àquela hora
da noite? Movida pela curiosidade, apressou o passo e tomou um atalho que cortava o caminho.
Descobriu Reno na adega subterrânea, perto de um dos tonéis, segurando na mão um copo que estudava contra a luz. Kate tirou o cabelo dos olhos e o que viu no copo fez sua pressão subir.
Reno virou-se quando ouviu o barulho dos passos dela. O ar exalava o odor forte de uva fermentada e de vinha em estado de maturação.
- Desde quando produzimos vinho rose? - ela ingadou com frieza.
- Só teremos no ano que vem, quando estiver engarrafado e pronto para ser introduzido no mercado - Reno respondeu com uma calma irritante, cheirando o buque do vinho. - Já é jtempo de Solitaire acrescentar
vinho rose à sua produção.
- Essa é a sua opinião, não resta dúvida.
- Foi idéia de seu pai, mas concordei e ele permitiu que eu fizesse a mescla de vinhos.
Kate ferveu de raiva:
- Por que ninguém me contou nada?
- Você mostrou muito pouco interesse pelos vinhos nos meus primeiros dezoito meses aqui na fazenda - Reno acusou com rispidez. - Provavelmente foi por isso que seu pai não lhe disse nada.
- Você podia ter me contado.
- E quando foi, Kate, que me deu oportunidade ou me incentivou a lhe contar alguma coisa?
- Imagino que se não tivesse entrado aqui por acaso esta noite, nunca descobriria o que você estava preparando.
- Pare de arranjar uma desculpa para poder brigar, Kate, e me dê sua opinião - disse ele, suspirando e forçando-a a pegar o copo,
- Vejam só! O sabichão Reno van der Bill está pedindo minha opinião!
- Pare com isso! Eu nunca tive a pretensão de bancar o que não era.
Ele podia ser muita coisa, mas certamente não era pretensioso e jamais exibia sua competência ou conhecimento de vinicultura. Por isso, ela abaixou os olhos e murmurou:
- Desculpe.
Reno fez um gesto impaciente depois da desculpa dela e ordenou:
- Prove o vinho e me diga o que acha. Kate cheirou o copo.
- O buque é bem delicado - admitiu com certa relutância e depois tomou um pequeno gole. Revolveu-o na boca antes de -engoli-lo e não pôde esconder a sua opinião - Hum... É limpo, bem balanceado e encorpado.
Eu acho que promete.
Ele tomou o copo da mão dela e o observou de novo contra a luz:
- Eu o inscrevi no festival do mês que vem.
- Você está louco!
- Só porque acredito que este vinho tem potencial?
- Por que está perdendo seu tempo? Ou será que está se preparando para a hora de receber La Reine? Aí vai produzir seus vinhos independentemente de Solitaire, não é? Vai comercializá-lo com seu próprio
rótulo?
- Há vinte anos que os vinhos de La Reine estão no mercado com rótulos de Solitaire e não vejo razão para mudar isso. A não ser que você decida, quando nosso casamento acabar, que não quer mais os vinhos
de La Reine na adega de Solitaire.
Kate conseguiu enfrentar os olhos atrevidos e desafiadores de Reno e sorriu levemente:
- Não ponha idéias na minha cabeça.
- Kate... - Ele tirou as mãos dos bolsos e por um momento angustiante ela pensou que ia torná-la em seus braços. Mas Reno só fez um gesto vago com as mãos e perguntou com uma ponta de irritação na voz:
- Será que você tem que convidar Gary Page sempre para vir aqui?
O profundo desapontamento que Kate sentiu despertou nela o antagonismo adormecido e sua voz estava ligeiramente sarcástica quando respondeu, com outra pergunta:
- Você ainda não notou que eu faço questão de convidar Bárbara Owen todas as vezes que convido Gary Page?
- Notei, sim. - E seus olhos duros e brilhantes a encararam com firmeza. - Notei também que você tem se esforçado ao máximo para encher a casa de gente nos fins de semana como se tivesse medo de ficar
sozinha comigo.
- Não seja bobo. Eu gosto da companhia de Gary e tenho certeza que você sente a mesma coisa em relação a Bárbara.
- Eu não nego que aprecio muito a companhia de Bárbara. Ela é uma mulher inteligente, de natureza meiga e apaixonada. Conseguimos conversar por longo tempo sem que ela fique irritada comigo por motivos
tolos,
- Tanto melhor para você, pelo menos terá esse calor apaixonado para ajudá-lo a aguentar os meses que ainda temos pela frente. Quando eu ficar irritada com você, terá a quem recorrer.
- Não seja insuportável, Kate! - Numa fração de segundo ele estava junto dela apertando com força seus ombros. - Está se comportando como uma criança mal-educada e petulante, e nunca a vontade de pôr você
no meu colo e dar umas palmadas foi tão grande.
Os olhos azuis de Kate soltavam chispas de raiva, mas seus sentidos estavam alertas com a proximidade dele:
- Faça isso Reno e eu vou odiar você pelo resto da minha vida.
- Vai mesmo, Kate?
Havia um brilho perigoso nos olhos dele, Kate tentou empurrá-lo, mas ele segurou seus pulsos e prendeu seus dois braços com uma das mãos. A sensação daquele corpo forte contra o seu provocou-lhe vibrações
intensas, muito antes que ele enfiasse a mão livre por baixo da blusa que ela havia deixado fora da calça.
- Me largue - ordenou numa voz que deveria ser fria e calma, mas que soou extremamente insegura.
- Você deve aprender uma lição e pelo jeito sou eu quem vai ensiná-la. - Reno sorriu enquanto seus dedos acariciavam as costas de Kate, acelerando o sangue em suas veias.
Kate jamais havia se encontrado numa situação como aquela, desejando o carinho de um homem e ao mesmo tempo sabendo que não deveria permitir que ele a acariciasse. Embora sua mente a avisasse, seu corpo
reagia como um instrumento nas mãos de um mestre. Uma grande fraqueza a invadiu.
- Não faça isso! - suplicou desesperada. Mas seus esforços de se libertar só fizeram com que sentisse mais agudamente as coxas musculosas contra as suas e os lábios que pareciam devorar os seus.
- É de medo que seu coração está batendo tão depressa ou é por alguma outra razão? - perguntou Reno com suavidade, olhando a veia que pulsava descontrolada na base do pescoço dela. O rosto de Kate ficou
vermelho de raiva.
- Me largue, seu atrevido!
- Daqui a pouco - prometeu ele, abaixando a cabeça, fazendo-a sentir no rosto sua respiração. - Só depois que eu fizer uma experiência.
Kate abriu a boca para responder, mas Reno aproveitou e beijou-a intensamente. A intimidade com que ele invadiu sua boca provocou ondas de emoção que ela daria tudo para abafar. Mas isso não foi nada em
comparação ao que veio depois: com habilidade, Reno desabotoou o sutiã de Kate e com a mão enorme tocou suavemente seus seios. Ela não conseguiu mais manter a clareza de sua mente. Embriagou-se com os
beijos e as carícias dele.
Sentia-se dominada por uma loucura intensa, como alguém que tivesse bebido muito vinho. Os lábios de Reno a devoravam com tal paixão que ondas de fogo percorriam seu corpo, aumentadas ainda mais pelas
carícias sensuais e enlouquecedoras que ele fazia tão bem. Seus seios ficaram tensos sob as mãos firmes que os tocavam e, por um momento, Kate se entregou completamente a ele, sem se importar com nada.
De repente, a lucidez voltou à sua mente e com uma clareza incrível a imagem de Bárbara Owen passou por seu pensamento, causando-lhe angústia, revolta e vergonha.
- Pelo amor de Deus, Reno! Pare com isso! - gritou numa voz rouca que ela própria desconhecia. com força empurrou-o para trás. Como não esperava por aquilo, Reno largou-a e, a não ser por um brilho estranho
em seus olhos, ele dava a impressão de não ter sentido a mínima emoção. Kate, por sua vez, sentiu um ódio redobrado enquanto tentava readquirir a compostura que tinha perdido completamente.
- Sugiro que você guarde essas demonstrações de paixão para Bárbara. Tenho certeza que ela, ao contrário de mim, as apreciará.
Percebeu que ele apertava as mãos com raiva e os músculos de seu rosto ficavam tensos:
- Você é uma fogueira acesa, Kate, e vai ser preciso alguém bem mais forte do que Gary para controlar isso.
- Alguém como você?
- Sim senhora, alguém como eu, só que eu não quero essa ocupação, sua gata selvagem.
com os olhos escuros semicerrados, ele a observou de forma insolente, notando o rubor das faces, os lábios trémulos e inchados pelos beijos e a blusa entreaberta no decote, revelando o sulco excitante
entre os dois seios. Automaticamente Kate ergueu as mãos para abotoar a blusa. Isso só serviu para aumentar o desdém e a irritação de Reno:
- Você não tem nenhuma das qualidades que eu admiro numa mulher, e duvido que algum dia as tenha.
Kate sentiu como se queimasse da cabeça aos pés, mas depois foi invadida por uma onda gelada, terrível, e saiu correndo da adega.
Já era muito tarde quando Reno voltou para casa e mais tarde ainda quando Kate viu desaparecer a réstia de luz sob a porta do quarto de vestir. Ela havia parado de chorar há muito tempo, mas a confusão
em sua mente era tão grande que não conseguia pegar no sono. Não era próprio dela ter crises de choro irracional, mas também não era de seu feitio permitir que um homem a tocasse da maneira como Reno fez
naquela noite. Ela já fora beijada antes, mas sempre se orgulhou de ser dona da situação. Na adega, contudo, havia acontecido o contrário: Reno é que controlara tudo, deixando-a física e mentalmente incapaz
de resistir. Ela sabia muito bem a opinião que ele fazia dela.
Kate enterrou o rosto no travesseiro para abafar um soluço. Sentia-se vulgar e tinha certeza que era assim que Reno a considerava, pois a havia rejeitado cruelmente. Estava confusa e sua mente não queria
aceitar a razão óbvia de sua infelicidade. Finalmente exausta, não conseguiu mais manter as barreiras que havia erguido com tanto cuidado. Viu-se face à face com a verdade: estava apaixonada por Reno.
Na realidade, ela se sentiu atraída por ele desde o primeiro instante em que fitou aqueles olhos escuros e altivos. Tinha percebido o desafio que eles representavam. Havia, é certo, lutado contra aquela
atração fatal. Havia agredido,
desprezado e muitas vezes humilhado Reno, mas ele se conservou firme e imperturbável. Suas discussões com ele terminavam sempre com a derrota dela. E agora que seu coração se via envolvido na disputa,
tinha sido derrotada outra vez. Ela amava um homem que a desprezava tanto quanto ela demonstrava desprezá-lo antes. Pela primeira vez, desejou que aquele ano de casamento se prolongasse pela eternidade,
mas sabia que o tempo correria inexoravelmente e que seria Bárbara Owen quem ele escolheria quando houvesse cumprido as exigências do testamento.
A festa do vinho em Stellenbosch ia muito bem. Kate compareceu com Reno e estavam no salão de banquete da grande adega, quando os resultados dos prémios foram anunciados. Solitaire havia ganho sete medalhas
de ouro e quatro menções honrosas e o vinho rose de Reno foi considerado a melhor novidade do ano, com grandes perspectivas para o futuro. Naturalmente era uma ocasião que exigia uma boa comemoração, mas
Kate não sentia a mínima disposição para isso. Enquanto Reno recebia os parabéns, ela se manteve quieta e meio afastada. Só quando chegaram à Solitaire, ela se virou para ele na sala de estar e disse sincera,
sem rancor:
- Muito obrigada, Reno.
- Obrigada? - repetiu ele, passando-lhe um copo de vinho antes de se servir e de sentar perto da lareira.
- Obrigada por ter mantido a boa qualidade dos vinhos de Solitaire.
- Minha querida Kate - começou ele, com uma ponta de tolerância na voz. - A maior parte do êxito que tivemos devemos a seu pai.
- A maior parte sim, mas não tudo. Seu rose está na reta final para a conquista de uma medalha de ouro.
-.É muita generosidade sua.
A ironia que sentiu no tom de voz dele fez com que ela o olhasse, arriscando um sorriso:
- Estou me sentindo generosa hoje.
- Está, é?
- Não faça essa cara de incrédulo. Até mesmo uma megera pode ser generosa às vezes.
- Você está flertando comigo, Kate? - perguntou ele, olhando-a intensamente com uma expressão irónica, que imediatamente fez com que ela ficasse séria.
- Flertar com o diabo é procurar encrenca - replicou. - Eu estava simplesmente tentando ser cordial, mas suponho que você não tenha percebido.
- Acha que pareço com o diabo?
- Às vezes - admitiu, sentindo um grande desânimo no peito. Mudou de assunto abruptamente. - Esta noite estou com muita saudades de meu pai. Ele estaria sentado aqui nesta cadeira e se sentiria orgulhoso
de si mesmo... e de você.
- Não se sinta excluída, Kate.
- O que disse umas semanas atrás é verdade. Na verdade, eu me afastei mesmo de toda atividade da fazenda depois que você chegou aqui.
- Isso não deveria impedi-la de se sentir orgulhosa e satisfeita com os resultados de hoje à noite.
- com toda a honestidade, acho que não mereço esse privilégio.
- Durante este último verão você compensou sua negligência anterior.
Kate estudou Reno atentamente, mas a expressão dele não revelava nada: continuava impenetrável.
- Acho que você está dizendo isso só para me consolar.
- E acha isso estranho?
- Tão estranho quanto você deve achar o fato de eu querer que sejamos amigos - ela sorriu, hesitante.
- Nós jamais vamos poder ser amigos, Kate.
- Ê, acho que não - ela concordou, o sorriso morrendo nos lábios. Pôs o copo na mesinha ao lado, levantou-se, colocou o casaco nos ombros e saiu de perto do fogo. Na porta virou-se para olhar Reno que
continuava sentado, com as longas pernas esticadas confortavelmente. Seus olhares se cruzaram e ele a admirou de alto a baixo. Kate sentiu um arrepio como se Reno a acariciasse fisicamente. Morrendo de
medo de ser exposta novamente ao ridículo, ela se virou e disse: - Boa noite.
Não conseguiu dormir outra vez. Sentia-se tensa como uma corda esticada; virava-se e revirava-se na cama, com o pensamento vagando. Reno tinha pensado que ela estava flertando com ele. Será que havia feito
isso inconscientemente? Nunca, jamais! Se o pai ainda fosse vivo, nada disso estaria acontecendo. Como gostaria de conseguir dormir!
Finalmente levantou-se, vestiu um penhoar e atravessou a casa no escuro rumo à cozinha. Acendeu a luz, pôs um pouco de leite numa panelinha e colocou-a no fogo para esquentar. Olhou o relógio na parede.
Era meia-noite e meia.
- Você não consegue dormir?
Virou-se rápida, os olhos arregalados e sombrios no rosto pálido. Deu com Reno encostado na porta, com as mãos nos bolsos do roupão preto e o cabelo escuro em desalinho, caindo na testa.
- Não, eu... eu acho que a emoção dos prémios foi muito grande - conseguiu dizer, agarrando-se à primeira desculpa que lhe apareceu na cabeça e desviando o olhar do magnetismo que Reno exercia sobre ela.
- Aceita uma xícara de chocolate quente?
- Se não for muito trabalho.
Por alguma razão inexplicável, Kate estava ultra-sensível e imaginou que havia uma ponta de sarcasmo na voz dele. Sua raiva voltou:
- Eu não teria oferecido se... - Parou de repente, mordendo os lábios e suspirando. - Por que estamos sempre provocando um ao outro?
- Foi você quem começou.
- Só porque você foi sarcástico - defendeu-se.
Reno levantou as sobrancelhas com jeito divertido e gozador:
- Sarcástico? Quem? Eu?
- Sabe muito bem que sim. Não tente negar - Kate acusou, sentindo a raiva crescer de novo com a mesma rapidez com que havia desaparecido antes.
- Minha querida Kate...
- E não fale comigo nesse tom de amo e senhor! - interrompeu ela, ríspida.
Os dois se encararam em silêncio por segundos que pareceram séculos. Depois Reno desencostou da porta e chegou perto de Kate, com uma expressão indefinível.
- Talvez você prefira que eu não diga nada - ele murmurou parando bem em frente dela e tornando-a bem consciente da virilidade que emanava de seu corpo másculo. - Talvez haja uma maneira mais agradável
de nos comunicarmos.
- O que você quer dizer? - Kate perguntou, sentindo o coração disparar dentro do peito.
- Será que preciso me explicar melhor? - ele sorriu. Tarde demais ela percebeu o perigo dançando naqueles olhos.
- Não, Reno! - gaguejou, protestando. Mas ele a enlaçava com um braço, puxando-a com força contra seu corpo. com a outra mão, segurava o cabelo sedoso na altura da nuca, para impedir que ela desviasse
seus lábios dos dele.
Kate ficou quieta, sentindo a força de Reno. Mas a pressão sensual daquela boca contra a sua acabou com sua resistência, fazendo com que entreabrisse os lábios em resposta ao apelo dos dele, antes que
pudesse se controlar. Reno a mantinha nos braços sem fazer o menor esforço, beijando-a na orelha, no pescoço e no colo. Kate sentia a boca e as mãos dele como fogo através da seda de sua roupa. Cada nervo
e cada artéria sua pulsavam, provocando nela sensações deliciosas.
De repente, Reno a largou. Viu que ele inclinava a cabeça, como se estivesse ouvindo alguma coisa. Só aí ela se deu conta do barulho de passos que se aproximavam da cozinha. Sabendo que não só sentia,
como também aparentava confusão emocional, vírou-se para o fogão, acendeu o logo e fingiu estar concentrada no chocolate que preparava.
- O que está acontecendo por aqui? - perguntou tia Edwina.
- À uma hora da manhã vocês dois deveriam estar dormindo em vez de andarem pela casa, abrindo e fechando armários. Por que estão aqui na cozinha? - Parou à espera de uma explicação, mas como nenhum dos
dois abria a boca, continuou resmungando: Como é que eu posso dormir sossegada com essa bagunça?
- Desculpe-nos, tia Edwina, mas é culpa da emoção da festa do vinho. - E em poucas palavras Reno explicou a respeito das medalhas e dos prémios recebidos.
- Então temos razão para comemorar - disse tia Edwina, sentando-se à mesa. - Se você está fazendo chocolate quente, Kate, eu também quero uma xícara.
- Pois não, tia Edwina.
- Conte tudo como foi, Reno - a senhora pediu, sentando-se perto dele.
Enquanto eles conversavam, Kate preparou o chocolate e tentou desesperadamente esconder seu constrangimento pelo que havia se passado entre ela e Reno, segundos
antes da tia entrar na cozinha. Cada vez que Reno a beijava, era uma experiência nova que deixava suas emoções desordenadas. Reno pelo contrário, parecia imperturbável.
Kate o estudava, olhando por sobre a xícara, enquanto ele conversava com tia Edwina. Suas feições esculturais não aparentavam nenhuma fraqueza. Seu queixo
anguloso mostrava uma determinação interior que ela havia admirado desde o instante em que o conheceu.
A boca era severa, apesar da sensualidade do lábio inferior, e Kate tremia ao lembrar de seus beijos quentes.
Percebendo que estava sendo observado, Reno virou-se para Kate. Seus olhares se cruzaram e ela ficou vermelha. Desviou os olhos rapidamente, aborrecida por ter sido
apanhada em flagrante. Mas Reno continuou conversando como se nada tivesse acontecido.
- Jacques estaria tão orgulhoso - comentou a tia, quando ele parou de falar. Depois, lembrando de repente: - Ah, Reno, Bárbara telefonou e pediu que você ligasse para ela amanhã cedinho.
- Obrigado, vou telefonar.
Ah! Era assim! Kate pensou, sem saber se o que sentia era raiva ou ciúme inflamando-lhe as veias. Era só Bárbara chamar e Reno ia correndo! Isso era nojento, degradante e. .. Será possível que Reno não
podia olhar para Kate, pelo menos uma vez, como se gostasse dela?
- Bem, vou voltar para a cama - disse tia Edwina, levantando-se. Depois da tia ter saído, Kate apanhou as xícaras, passou uma água
nelas e deixou na pia. Sentia-se nervosa e irritada, percebendo que Reno observava cada movimento seu. O coração quase parou quando ela finalmente se virou e viu que ele ocupava o espaço da porta com seu
corpo grande e forte. O olhar dele mostrava claramente que pretendia recomeçar no ponto em que parou quando tia Edwina entrou na cozinha. Mas Kate não tinha a mínima intenção de cair na armadilha de novo.
Não enquanto ele continuasse à disposição dos mandos e desmandos de Bárbara Owen.
- Não me toque! - disse ríspida, colocando-se fora de seu alcance. - Não importa o que você pensa de mim, mas me recuso terminantemente a ser um brinquedo em suas mãos.
- O que deu em você agora? - ele falou, espantado.
- Simplesmente não quero ser mais massacrada por você. Kate não esperou para ver o efeito de suas palavras. Dando a
volta pelo outro lado da mesa, saiu correndo da cozinha.
CAPÍTULO VII
Na manhã seguinte, Kate estava sentada à escrivaninha de seu pai, no escritório, lendo alguns papéis, quando Reno entrou.
- Vim avisá-la que vou viajar por alguns dias. Quero saber se você pode tomar conta das coisas sozinha.
- Claro que posso! Não sou nenhuma burra ou incompetente!
- Por favor, Kate. Eu jamais disse que você era burra ou incompetente. Apenas perguntei se pode tomar conta de tudo sozinha por uns dias, só isso.
- Não se preocupe que eu me arranjo muito bem. Quantos dias vai ficar fora?
- Não tenho bem certeza, mas penso que uns dois ou três.
- Imagino que sua viagem tenha algo a ver com Bárbara - ela falou impensadamente, desejando ter mordido a língua antes de fazer o comentário.
- Exatamente. É um assunto particular com o qual você não tem nada a ver.
- Lógico. Nem faço questão que você me preste esclarecimentos sobre seus assuntos com Bárbara.
- Ainda bem. É muito sensato de sua parte. Até logo.
- Reno! - Kate chamou, antes de ele atravessar a porta. - Só espero que você seja. . . discreto.
Ele deu meia volta, aproximou-se da escrivaninha e colocou suas mãos sobre ela, olhando Kate bem de perto.
- Sabe, Kate, qualquer dia desses vou acabar me cansando das
suas insinuações.
- Está me ameaçando de novo?
- Não, não estou ameaçando. Apenas avisando que minha paciência está chegando ao fim.
- Então esperemos que esses dias com Bárbara contribuam para melhorar seu humor.
- Disso pode estar certa. Ninguém melhor do que ela para acalmar e distrair alguém.
Kate se encolheu toda ao ouvir a batida da porta que Reno fechou, com muita força, ao sair. Por mais que se esforçasse, não conseguia voltar e fixar sua atenção nos papéis que tinha para ler. A idéia de
que ele ia passar alguns dias com Bárbara martelava-lhe a cabeça. Pouco depois, ouviu a partida do carro. Reno havia mesmo ido embora; não o veria por alguns dias.
Depois do almoço, apanhou a lista de compras que tia Edwina havia preparado, satisfeita por ter que ir até a cidade onde se distrairia um pouco. Pensou em aproveitar
a saída para fazer uma visita à mãe de Reno. Naomi era uma pessoa muito agradável e carinhosa, e sabia ser compreensiva como ninguém.
Mal havia chegado a Stellenbosch e terminado as primeiras compras, viu, surpresa, um vulto conhecido vindo em sua direção. Era Gary, que, solícito, pegou alguns pacotes ajudando-a a levá-los até o carro.
Como era bom estar de novo ao lado de uma pessoa amiga!
- Vi você ontem, de longe, na festa do vinho - comentou ele, fechando o porta-malas. - Escute, tem tempo de tomar um lanche comigo?
- É que eu ia visitar a mãe de Reno.
- Ela está à sua espera? - Vendo que Kate balançava a cabeça negativamente, ele continuou: - Então esqueça a visita e vamos tomar um lanche.
Gary era o tipo de companhia que Kate estava precisando naquela tarde e ela acabou aceitando o convite.
- Há muito tempo que eu espero uma oportunidade de ter uma conversa séria com você, Kate - disse Gary, na lanchonete. -
vou lhe fazer uma pergunta que gostaria
de ver respondida com o máximo de sinceridade. Você promete?
- Bem, isso depende da pergunta. - Não brinque. É coisa séria - ele insistiu, aproximando seu rosto do dela e olhando-a longamente. - Alguma coisa no testamento do seu pai forçou-a a casar com Reno?
Kate ficou perplexa, sem saber o que dizer. A última coisa que esperava ouvir era essa pergunta feita por Gary. Vendo sua hesitação ele insistiu.
- Sou seu amigo, Kate, pode confiar em mim.
- Bem. . . é verdade. Havia algumas instruções a esse respeito.
Era um. alívio poder falar claramente com Gary sem ter que continuar mentindo. Só não conseguia entender como ele tinha obtido essa informação.
- Pode me explicar isso melhor?
- O testamento dizia que se eu quisesse receber Solitaire como herança, devia me casar com Reno e ficar casada com ele pelo prazo de um ano.
Gary ficou em silêncio, dirigindo-lhe um olhar penetrante. Depois segurou a mão dela e num tom suave mas decidido, perguntou:
- Kate, você quer se casar comigo depois que terminar esse prazo? Se fosse há algum tempo, Kate teria uma resposta imediata. Meses
antes, ela pensava em se casar com Gary algum dia. Mas agora a situação era completamente diferente.
- Não posso responder isso assim, agora - disse, vacilante.
- Então me prometa só uma coisa: vai se lembrar do meu pedido, quando chegar a ocasião oportuna.
Angustiada, Kate sentia vontade de contar toda a verdade, de dizer que isso era impossível, que ela jamais se casaria com ele. Mas não teve coragem de desapontá-lo e limitou-se a murmurar:
- Sim, Gary, eu vou me lembrar.
Ele apertou sua mão com mais força, comovido.
- Eu amo você, Kate - e fez menção de beijá-la, aproximando seus lábios do rosto dela.
- Por favor, Gary. . . não! Já estou com muitos problemas, não crie mais um.
- Está bem, desculpe. Mas me responda só mais uma coisa. O seu casamento com Reno é para valer, isto é. . . bem, você sabe a que estou me referindo.
Kate havia prometido a Reno jamais revelar detalhes sobre a verdadeira situação daquele casamento a ninguém. Mas Gary já sabia tantas coisas, que ela não via mal nenhum em contar-lhe a verdade.
- Nosso casamento é apenas um contrato, um simples acordo de negócios.
- Sei, sei - Gary concordou meio pensativo, despertando com isso as suspeitas de Kate.
- Você não vai contar nada a ninguém, vai? Prometa-me que manterá isso tudo em segredo.
- Claro que sim, Kate. Pode confiar em mim.
Ela suspirou aliviada, porém, mais tarde, quando voltava para Solitaire, ocorreu-lhe que talvez tivesse agido mal em contar tudo tão abertamente a Gary. Estava certa de que ele jamais iria traí-la repetindo
sua confidência a outros mas, mesmo assim, preocupava-se com a possibilidade de Reno vir a descobrir que ela dera com a língua nos dentes. Não queria nem pensar no que ele faria.
- Quando é que Reno volta? - perguntou tia Edwina distraída, naquela noite.
- Não sei ao certo, por quê?
- É que eu gostaria de passar algumas semanas na Cidade do Cabo, com uns amigos. Nesta época do ano é bem mais quente lá e o calor me faz bem.
Edwina sempre passava alguns dias na Cidade do Cabo quando chegava o inverno mas, desta vez, estava preocupada em deixar a sobrinha sozinha, tomando conta da casa
e da fazenda. Achava que ia ser pesado demais para Kate.
- Não se preocupe comigo, tia, nem altere seus planos. Reno estará de volta logo. Não vou ficar sozinha.
Depois de várias tentativas, Kate conseguiu convencer a tia de que podia viajar sossegada e naquela noite mesmo telefonaram reservando a passagem de trem.
Mal havia chegado em casa no dia seguinte, depois de despedir-se de tia Edwina na estação, Kate ouviu o telefone tocar. Correu para atender pensando que fosse Reno. Mas não, era Gary.
- Como vai, Kate? Foi você que vi agora há pouco na estação?
- Foi sim, Gary - ela respondeu e, sem saber por que, foi explicando que tia Edwina tinha viajado para a Cidade do Cabo e que estava sozinha em Solitaire até Reno voltar.
Na mesma hora arrependeu-se de ter dado todas essas explicações. Gary não tinha necessidade de saber tão detalhadamente o que se
passava em sua vida. Aliás, era até melhor que não soubesse nada. Mas já era tarde.
- Ah, então se você está sozinha, vamos jantar juntos hoje.
- Não sei, Gary, eu. . .
- Que é isso. Kate? Não me diga que prefere jantar sozinha.
- Não, claro que não. Mas é que-. . .
- Está esperando Reno? Ele volta hoje?
- Olhe, para ser franca, eu não sei quando Reno pretende voltar.
- Então eu passo para apanhar você as sete, está bem?
Diante de tanta insistência, não havia mais como argumentar e Kate acabou concordando com o convite. Afinal, se Reno estava em algum lugar divertindo-se com Bárbara, por que ela não podia sair e se distrair
um pouco com Gary?
O encontro com Gary não foi de todo agradável e aceitar o convite dele revelou-se um erro que Kate iria lamentar profundamente. Durante o jantar, com sua animação característica, ele falou sem parar da
sua vida, descrevendo o projeto da futura firma de computadores e contando fatos de seu trabalho atual. Mas Kate estava distante, mal prestando atenção no que ele dizia. O jantar já ia acabando quando
ele deu o primeiro sinal de ter percebido a falta de interesse dela.
- Que foi, meu bem? Você parece preocupada.
- É que estou um pouco cansada - ela mentiu. - Se não se incomoda, gostaria que me levasse para casa.
- Mas são só dez horas!
- Eu sei Gary, mas mesmo assim. . .
- Está bem, se é isso que você quer, vamos - ele concordou levantando-se e ajudando Kate a vestir o casaco.
- Não fique bravo comigo. - Ela desculpou-se mais tarde no carro, quando Gary dirigia em silêncio, de volta a Solitaire.
- Eu não estou bravo, meu amor.
Havia algo de estranho no comportamento de Gary que ela não conseguia identificar. As expressões de carinho que de repente ele havia começado a utilizar com tanta facilidade a estavam irritando. Durante
toda a noite ele a havia tratado de "meu bem", de "querida" e assim por diante. Era uma intimidade súbita e excessiva.
- Parece que está tudo em ordem - Gary disse ao estacionar o carro frente ao casarão de Solitaire. - Quer que entre com você para ter certeza de que tudo está bem?
Como sempre, ele demonstrava ser uma pessoa extremamente gentil.
Kate sentiu-se culpada por tê-lo tratado de maneira tão distante naquela noite. Procurando consertar as coisas, ela ofereceu:
- Quero que entre para tomar um café, não para me servir de guarda-costas. - Ela deu-lhe um sorriso carinhoso.
- Ótimo, então vamos lá.
A casa estava quieta e vazia. As únicas luzes acesas eram as que ela havia deixado ligadas antes de sair. Tudo parecia na mais perfeita ordem. Aliviada, ela abriu a porta, dirigindo-se com Gary para a
sala de estar. Sentaram-se no sofá e, depois de conversar mais um pouco, Kate se levantou para ir preparar o café. Mas a mão firme de Gary segurou-a pelo pulso, impedindo que completasse o trajeto até
a cozinha.
- Kate. . . espere um pouco.
Espantada, ela o olhou em silêncio, sem procurar reagir. Não gostou nem um pouco da expressão que havia em seu rosto e de repente percebeu que Gary podia estar se transformando numa ameaça. Tinha sido
um grande erro confiar nele e contar-lhe tantos detalhes sobre sua vida. Agora ele sabia demais e parecia disposto a fazer valer
essa arma.
- Acho que ainda não lhe disse o quanto você é bonita... ou o quanto a amo - Gary continuou, percorrendo-lhe todas as curvas do corpo com um olhar insolente.
- Gary, por favor, não...
Kate não conseguiu terminar. Tomando-a subitamente em seus braços, Gary silenciou-lhe os lábios com um beijo. A surpresa impediu-a de reagir. Ele continuou abraçando-a e beijando-a com ardor enquanto Kate,
estática, não conseguia esboçar qualquer gesto para se livrar dele. Suas carícias foram ficando cada vez mais ousadas até que, num esforço supremo, ela deu um empurrão desyencilhando-se dele. Foi então
que um choque a atingiu como se fosse um raio. Parado ali, frente a eles, na porta da sala, estava a figura de um homem.
- Reno! - O grito escapou de seus lábios.
- Lamento ter que interromper esta linda cena de amor - disse ele, imperturbável. - Gostaria de avisar-lhe, Gary, que você está invadindo minha propriedade.
Olhava-os com tanta superioridade que Kate desejou que a terra a engolisse naquele instante. Quanto a Gary, esforçava-se para não se mostrar perturbado, mas sua voz estava trémula. Procurou defender-se,
contra-atacando.
- Kate não é propriedade de ninguém, entendeu? Nem minha e muito menos sua!
- Cale a boca, Gary - Kate advertiu baixinho, desesperada.
- Deixe, Kate - Reno interferiu, autoritário. - Gostaria muito que Gary explicasse melhor essa afirmação.
- Não tenho nada a explicar. Quem você pensa que é para falar comigo nesse tom?
- Sou o marido de Kate e você vai me explicar direitinho o que tudo isso significa!
Era demais para Gary. Reno estava tão seguro de si que o tratava como um ser inferior. Ele não ia tolerar isso. Então, perdendo inteiramente o controle e, sem se importar em trair o segredo de Kate, respondeu:
- Marido de Kate só no papel, pensa que não sei? - Seu rosto estava desfigurado e vermelho até a raiz dos cabelos. - E se você não mudar sua atitude em relação a mim, vou providenciar para que todo mundo
fique sabendo da verdade!
Branca como cera, desejando estar bem longe dali, Kate viu quando o punho forte de Reno atingiu o queixo de Gary. O soco o derrubou ao chão, o sangue jorrando pelo
canto da boca. Esquecendo seu próprio medo, ela gritou:
- Pelo amor de Deus, Reno, você vai matá-lo!
- Levante-se já, Gary - Reno ordenou, sem dar atenção a ela.
- A coisa não vai ficar assim. Você vai me pagar, Reno van der Bill, juro que vai! - Gary balbuciou levantando-se com dificuldade e enxugando o rosto com um lenço que rapidamente se ensopou de sangue.
- Disso eu tenho minhas dúvidas - contradisse o outro friamente, - Já ouviu falar de George Princeton?
Gary pareceu muito surpreso. Ficou primeiro vermelho e depois muito pálido. Atrapalhado, gaguejou.
- Ridículo! Não conheço ninguém com esse nome.
- Ah, não? E o nome Guy Parkes, lhe diz alguma coisa? - O sorriso de Reno era selvagem e perturbador.
- Do que está falando? Claro que não conheço essa pessoa.
- É estranho. . . - Reno fez uma pausa enervante. - Ontem, por acaso, estive no escritório de um amigo meu na Cidade do Cabo.
86
Ele é da polícia e investiga casos de estelionato e roubo. Sabe, Gary, na mesa dele havia uma ficha muito interessante.
O ambiente ficou tremendamente tenso. Kate olhava ora para o rosto pálido de Gary, ora para o físico ameaçador de Reno, sem conseguir entender nada. Que significava todo aquele interrogatório?
- Reno, o que está acontecendo?
- Explique tudo você mesmo, Gary. Será mais fácil - Reno continuava a sorrir.
- Eu não sei do que está falando. . . parece que quer me comprometer com alguma coisa - gaguejou ele.
- Não preciso comprometer você. Sua ficha, na delegacia, já é bastante comprometedora.
- Que delegacia? Você está louco, Reno? - Kate perguntou quase em estado de histeria.
- Não se meta, Kate! - A voz furiosa de Reno soou mais forte. Ele guardou o cachimbo no bolso e dirigiu sua atenção novamente para o homem que estava à sua frente. - George Princeton, Guy Parkes ou Gary
Page. .. Ainda não sei qual é seu nome verdadeiro. O que sei é que você conseguiu juntar uma boa fortuna em poucos anos, enganando mulheres jovens e ricas com o papo furado de querer começar seu próprio
negócio. Depois de tirar-lhes todo o dinheiro, você as abandonava, não é? - Reno agarrou Gary pelo paletó com tanta força, que quase o levantou do chão. Depois gritou no seu rosto:
- Quanto dinheiro tirou de Kate? Quanto?
- Não tirei nada, eu juro - gaguejou Gary, traindo-se.
- Então é verdade? - Kate murmurou, perplexa. - Gary, isso tudo é verdade?
- Responda a pergunta dela, desgraçado! - Reno, sacudia o rapaz como um cão sacode o gato, quando consegue apanhá-lo.
- Sim. .. sim, é verdade - Gary confessou, depois de hesitar um pouco. O sangue pingava incessantemente em sua camisa branca, já toda manchada de vermelho.
- E você pretendia fazer a mesma coisa comigo? - perguntou Kate, sem acreditar que uma pessoa em quem ela confiava tanto fosse capaz de planejar uma coisa dessas, - Era por isso que vivia falando na sua
firma de computadores?
- Pode ter certeza que ele ia achar uma forma de esvaziar sua conta bancária, Kate. Só que nosso casamento o atrapalhou e ele teve que adiar seus planos. Não é verdade, Gary?
- É... - ele confessou, atordoado, e sem ter outra saída, Reno o empurrou com toda a força, fazendo-o cambalear. Tinha
uma expressão de nojo e profundo desprezo no rosto e, sem hesitar, ordenou:
- Suma já daqui. Aliás, se eu fosse você, trataria de sumir também da cidade, antes que meu amigo da polícia comece a desconfiar de qualquer coisa.
Gary ajeitou o paletó como pôde e dirigiu-se à porta. Mas, antes de sair, ainda procurou dizer alguma coisa.
- Kate, eu. . .
- Saia! Antes que eu o atire no olho da rua! - gritou Reno. Kate estava perdida, a cabeça girando, uma sensação de náusea
invadindo-a por inteiro. Ouviu o carro partir e a única coisa que desejou foi ficar sozinha em seu quarto, em silêncio. Retirou-se sem dizer nada e foi direto para lá.
Mal havia entrado quando a porta escancarou-se atrás dela, dando passagem a Reno.
- O que você quer agora? - ela perguntou com voz cansada.
- Apenas dizer-lhe mais uma coisinha. Nós fizemos um trato de que Hubert, Edwina e minha mãe saberiam da verdade sobre nosso casamento. Pois bem, você rompeu esse trato contando tudo a Gary Page.
- Está bem, foi um erro. . . pensei que Gary fosse outro tipo de pessoa. Mas, e daí?
- Daí que agora eu tenho o direito de resolver esta questão como bem entender - Reno falou, impassível.
- E o que pretende fazer? Me humilhar de novo?
- Não exatamente. Mas Gary não terá mais o que falar sobre nós. Desta noite em diante, querida Kate, você não poderá mais dizer que nosso casamento é de mentirinha. ..
Kate olhou para ele, aterrorizada. Não era possível que tivesse ouvido aquilo. Certamente não havia entendido bem.
- Você não pode estar falando sério!
- Muito mais sério do que você pensa - Reno sorriu e aproximou-se dela.
- Não me toque senão eu grito!
- Pode gritar à vontade. Não há ninguém em casa para ouvir. Kate encostou-se na parede, apavorada, tentando descobrir no rosto
de Reno alguma indicação de que ele só estava querendo intimidá-la.
Mas as feições dele eram firmes e decididas, como se fossem esculpidas em pedra, e a proximidade dele era cada vez mais ameaçadora. Uma onda de emoção começou
a invadi-la ao sentir o corpo másculo junto ao seu. Sabia que não teria a mínima defesa contra um ataque desse tipo.
Reno a segurou nos braços e apertou-a contra o peito forte. Por mais que ela tentasse escapar, não conseguia. Ele sorriu, com um ar diabólico, de seus esforços inúteis e a segurou com mais força ainda,
fazendo seu rosto ficar de frente para o dele. com a pressão dos lábios, abafou o grito de protesto que ameaçava sair da boca de Kate.
Habilmente desabotoou-lhe o vestido, que caiu como um pequeno vulto de seda a seus pés. Então passou a beijar-lhe não só a boca mas também os ombros nus, de onde havia afastado as alças do sutiã. Mesmo
percebendo que se rendia, Kate procurou num último e desesperado esforço resistir.
- Lute quanto quiser, sua gatinha selvagem - ele disse, rouco, em seu ouvido. - Mas hoje você vai ser domada, custe o que custar.
- Não pode fazer isso comigo - Kate gemeu, enquanto ele a levantava nos braços, colocando-a sobre a cama.
com incrível agilidade, Reno acabou de tirar-lhe as últimas peças de roupa. Depois atirou-se sobre ela, impedindo sua tentativa de fugir. Presa ali, sob aquele corpo rijo, Kate chorava e suplicava mas
Reno parecia incapaz de ouvi-la, movido unicamente pelo desejo e pela sede de vingança.
Quando ele tirou o roupão, Kate atacou com veemência arranhando-lhe as costas e batendo contra os músculos possantes. Mas de nada adiantou. Aos poucos percebeu que todos seus sentidos se rendiam, que sem
conseguir dominar-se, se entregava por inteiro ao deleite que aquela sensação enlouquecedora lhe causava. E foi assim até que o derradeiro grito de dor e prazer escapou de seus lábios intumecidos.
Depois, deitada ali no escuro, ao lado de Reno que havia adormecido, Kate sentiu-se vazia por dentro. O que havia ocorrido entre eles não podia ser chamado de um ato de amor. Para fazer amor é preciso
uma comunhão de mente, corpo e alma entre duas pessoas. E no seu caso, a mente fora conquistada, seu corpo invadido, mas
sua alma continuava intocada.
Derrotada e humilhada, conseguiu finalmente pegar no sono. Mas este foi interrompido durante a noite, com a carícia suave e mansa da mão de Reno afagando-lhe o ventre. Conservou-se imóvel na
escuridão, com medo de mostrar que sabia o que ia acontecer. Mas deixou escapar um gemido de prazer quando Reno lhe beijou os seios e, sem perceber, abraçou-se a ele ternamente.
Desta vez as coisas se passaram de outra forma. Ao fazer amor, Reno conseguiu transportá-la para um reino desconhecido onde não existia nada além da sensualidade. Kate jurava que ouvia música das galáxias
à medida que as sensações se tornavam mais intensas até que, finalmente, foi transportada, como numa onda de espuma, para um mundo encantado onde conheceu o prazer de se realizar inteiramente.
Durante um longo tempo, aqueles dois corpos permaneceram ali, entrelaçados. Agora ela sabia o que era ser mulher ,no verdadeiro significado da palavra. No silêncio da escuridão, Reno procurou seus lábios
e ela, sem vacilar, retribuiu seus beijos com um ardor até então desconhecido.
CAPITULO VIII
Quando acordou, de manhã, Kate viu que Reno já não estava mais a seu lado. Concluiu que provavelmente ele fora para os vinhedos, onde o trabalho começava muito cedo.
Depois do que havia acontecido entre os dois, ia ser embaraçoso encontrar-se com ele. O corpo dela estava cheio de arranhões, resultado da luta que travou com Reno. Mas esses machucados tinham pouca importância,
comparados às marcas que todos aqueles acontecimentos deixaram em sua alma.
Tomou um banho frio para reanimar-se e depois um rápido café. Em seguida trancou-se no escritório para cuidar da papelada, que se acumulava sobre a escrivaninha. Era bom poder passar algumas horas sozinha,
colocar seus pensamentos em ordem e preparar-se para o encontro com Reno que, mais cedo ou mais tarde, teria que acontecer.
E ele ocorreu na hora do almoço, quando foi até a copa fazer sua refeição. Reno já estava lá, à sua espera, vestindo uma calça de brim e um suéter de lã grossa, que acentuava seus ombros largos. A presença
dele a constrangia, trazendo-lhe lembranças da noite anterior. Ele havia conseguido despertar toda a sua feminilidade, fazendo-a descobrir desejos que ela nem sabia existirem dentro de si. Não tinha certeza
se devia sentir gratidão ou ódio por ele ter feito isso, mas naquele exato momento estava mais propensa a experimentar esta última emoção. Sentou e comeu em silêncio, sem sequer olhá-lo.
- Será que você nunca mais vai falar comigo? - disse Reno, com ironia, um sorriso estampado no rosto.
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- O que eu mais desejaria no mundo era não ter que olhar mais para
você.
- Ah, diga a verdade. . . até que não foi tão mau assim. Principalmente da segunda vez.
Essa referência à intimidade dos dois fez Kate ficar vermelha Abaixando os olhos, murmurou:
- Eu não quero falar sobre isso.
- Pois eu tive a impressão de que você gostou tanto quanto eu.
- Cale a boca!
- Você nega?
- Não, não nego - ela respondeu, decidida a enfrentá-lo. -. Percebe-se que você é um especialista no assunto e, além do mais, tem treinado bastante ultimamente, não é?
- Se isso é uma insinuação, peço-lhe que não meta Bárbara nessa história - Reno falou, perdendo por completo o sorriso que tinha no rosto até então.
- De jeito nenhum. Só gostaria de saber o que ela pensará quando souber que você vai para a cama comigo também.
- Bárbara pensa que somos casados, Kate. Ao contrário do que você fez com Gary, eu nunca falei a ela sobre a realidade do nosso casamento, entendeu?
- Não diga! Quer dizer então que ela se contenta em ser sua amante? - ironizou Kate. - Mesmo sabendo que você dorme com sua esposa?
- Já lhe disse para não meter Bárbara nessa história! Meu relacionamento com ela é algo que sua mente maldosa seria incapaz de entender. - O rosto de Reno estava
sério e carrancudo.
- A única pessoa que tem mente maldosa por aqui é você, Reno. E por falar em maldade, como foi que descobriu tudo aquilo sobre Gary?
- Foi Bárbara quem desconfiou. Achou que ele era o mesmo sujeito que havia se aproveitado de uma amiga dela, há algum tempo. Aí eu resolvi investigar mais a vida dele.
- Foi por isso que você viajou à Cidade do Cabo?
- Em parte sim.
- E também por causa de Bárbara, certo?
- Certo. É um assunto que não lhe diz respeito. E agora, que tal se encerrássemos essa conversa boba e fôssemos trabalhar? Levo você até a adega, venha - ele disse levantando-se, pronto para sair.
Pode deixar que eu vou a pé mesmo.
Kate precisava andar um pouco para aliviar a tensão que a sufocava
e para colocar seus pensamentos em ordem. Sentiu o agradável calor do sol no rosto e o vento soprando em seus cabelos. Os vinhedos ficavam tristes no inverno. Havia
perdido suas folhas e os trpncos ressecados estavam expostos. Mãos habilidosas os podariam para que, na próxima estação, voltassem a apresentar sua costumeira vitalidade. O ciclo era interminável. Enquanto
o vinho novo continuava maturando nos tonéis e nos tanques de fermentação, era necessário preparar os vinhedos e o solo para a próxima colheita. E depois que o vinho estivesse pronto, havia ainda todo
o trabalho de comercialização, através do depósito em Stellenbosch.
Kate estava exausta quando chegou em casa, no fim daquele dia. Deitou-se cedo e logo adormeceu. Já dormia profundamente quando foi acordada por um barulho na porta do quarto. Percebeu então que Reno se
aproximava de sua cama.
- O que está fazendo? - perguntou-lhe espantada e sonolenta, ao ver que ele tirava o roupão.
- vou me deitar, ora.
Exibia toda a sua virilidade sem qualquer constrangimento, deixando Kate aturdida ao sentir seu peso sobre a cama.
- Pelo amor de Deus, Reno! Já paguei pelo meu erro. Será que você precisa prolongar mais isso?
- Você tem ainda muitas outras ofensas a pagar, entendeu? E isso só vai terminar quando fizermos o divórcio.
Quando sentiu o calor das coxas de Reno por baixo do lençol, o corpo de Kate enrijeceu-se, com o enorme esforço que fazia para controlar seus impulsos. Mesmo assim conseguiu dizer, furiosa:
- Você é um animal! Eu o odeio!
- Peça desculpas, Kate - ordenou Reno, continuando com suas carícias, cada vez mais ardentes.
- Nunca! Jamais pedirei desculpas a você.
- É o que veremos.. .
Reno sorriu e, como se quisesse provar sua superioridade, afastou a alça da camisola, descobrindo os seios de Kate e começando a acariciá-los. Seus dedos carinhosos e tentadores provocaram nela uma nova
onda de emoção e um gemido escapou de seus lábios. Então ele a beijou prolongadamente, destruindo todo e qualquer sinal de resistência.
Rápido, tirou-lhe a camisola, a única barreira que ainda restava entre os dois, e suas mãos quentes percorreram toda a extensão de sua pele macia. Kate tremia de desejo, sentindo o coração de Reno batendo
contra seu peito, quase que no mesmo compasso. Era uma fúria avassaladora que tomava conta de todo seu ser, enlouquecendo-a de desejo.
- Por favor. . . por favor. . . não suporto mais - ela gemeu, enquanto a boca de Reno continuava a explorar ansiosamente todo o contorno do bico de seus seios.
- Você está pedindo para fazer amor? - Reno perguntou, interrompendo por um instante aquela volúpia.
- Sim. . . Reno.. . quero que você me possua.
Por um pequeno momento ek continuou abraçando-a. Depois, com resolução, desprendeu-se das mãos dela que estavam em volta de seu pescoço e se afastou. Levantou-se, vestiu o roupão e disse:
- Desta vez não.
Branca de espanto, Kate sentou-se na cama, sem se importar com a nudez de seus seios bem formados, onde se via claramente a marca que o biquini havia deixado.
- Onde você vai? Onde...
- vou dormir no quarto de vestir - ele respondeu, decidido.
- Não pode me deixar assim. . . aqui.
- Claro que posso. E da próxima vez pense duas vezes antes de ficar insultando alguém de quem você depende tanto.
Kate sentiu um gemido subir-lhe à garganta mas conseguiu abafá-lo, deixando que o ódio viesse em seu auxílio. Apertando os lençóis com força para resistir à tentação de agredir Reno, ela revidou:
-.Você é um demónio, um. . .
- Cuidado Kate - ele avisou com cinismo, fechando a porta de vestir atrás de si.
Ela estava descontrolada, o corpo tremendo de excitação, exigindo ser satisfeita. Mas sabia que o prazer não viria e então conheceu o pior inferno que jamais sonhara existir. Por quê? Perguntava-se, desolada.
Por que ele havia feito isso com ela? Que prazer podia sentir em castigá-la daquela maneira? Reno não era um homem, era uma rocha. No lugar do coração tinha um bloco de pedra.
Kate demorou muito a dormir naquela noite e, quando acordou, percebeu que havia um bilhete na penteadeira, sob um vidro de
perfume. Pulou da cama e desdobrou o pedaço de papel, onde se via a letra firme de Reno.
"Tive que ir à Cidade do Cabo, a negócios, e devo voltar bem tarde esta noite. Espero que tenha dormido bem. Reno"
Se a primeira parte do bilhete era até delicada, a segunda só podia ser tomada como uma provocação. Maldito, pensou Kate amassando o bilhete e jogando-o na cestinha de lixo. Como é que ela podia ter dormido
bem depois da tortura a que ele a submeteu? Lágrimas de ódio apareceram em seus olhos e ela entrou debaixo do chuveiro para ver se um bom banho era capaz de acalmá-la.
Depois do café, tentou esquecer o bilhete, envolvendo-se no trabalho do escritório. Mas era impossível; não conseguia pensar em outra coisa. Havia muitas sutilezas implícitas na mensagem de Reno que a
intrigavam. Que tipo de negócio o fazia ir à Cidade do Cabo? E onde estaria Bárbara naquele momento? Teria ido com ele?
Antes de dar-se conta do que estava fazendo, percebeu que automaticamente havia pego o telefone e discado para a butique de Bárbara. Uma voz feminina diferente da de Bárbara atendeu e as suspeitas de Kate
aumentaram.
- Posso falar com Bárbara? - perguntou, nervosa.
- Ela não veio hoje. Foi cedo para a Cidade do Cabo e só deve voltar amanhã. A senhora quer deixar recado?
- Não, muito obrigada, não será preciso.
- Mas. . .
- Eu telefono outro dia.
O resto da manhã foi um pesadelo para Kate. Depois do almoço, deu instruções a Lenny, o empregado em quem mais confiava para que ele tomasse conta de tudo, e no
seu carro veloz dirigiu-se a Stellenbosch. Seu único desejo era encontrar-se com Naomi van der Bill e descobrir o que realmente existia entre Reno e Bárbara.
Embora fosse inverno, o dia estava excepcionalmente quente e quando Kate chegou à casa de Naomi encontrou-a no jardim, com um chapéu de abas largas, tratando das plantas.
- Kate! Que surpresa - Naomi disse sorridente, quando ouviu o barulho do portão. Tirou as grossas luvas que usava para remexer a terra e veio ao seu encontro. - É tão bom ver você!
Deu o braço a Kate e levou-a para dentro de casa.
- Espero que a senhora não se incomode de eu ter vindo sem
avisar - desculpou-se Kate, quando já se encontravam sentadas na pequena mas muito bem decorada sala de visitas.
- Que bobagem, menina - Naomi riu alegre, atirando o chapéu numa cadeira. - Você não precisa de convite para vir aqui.
- É aqui que a senhora mora desde que. . .
- Desde que vendi La Reine? É sim, esta é a minha casa há uns vinte anos.
- É um lugar muito agradável.
Os olhos escuros, iguais aos de Reno, sorriram com simpatia.
- Aceita uma xícara de chá?
- Ah, isso seria ótimo.
- Então fique à vontade, querida. Eu não demoro.
Quando se viu sozinha na sala, Kate começou a olhar com atenção todos os detalhes até deparar com uma fotografia colocada sobre um móvel baixo, numa moldura de prata. Levantou-se e atravessou a sala para
vê-la melhor. As feições bem-feitas eram menos severas, a boca sorridente e os olhos escuros, muito vivos, parecendo que olhavam dentro dos seus. Sem dúvida era Reno, mas um Reno mais jovem cujos traços
ainda não tinham as linhas amargas de agora. Kate sentiu que a emoção lhe apertava a garganta e desejou ter podido conhecê-lo então, antes que a vida o transformasse no homem frio e distante de agora.
Ela se virou ao ouvir, atrás de si, os passos leves de Naomi.
- Essa fotografia foi tirada quando Reno estava no segundo ano da faculdade.
Sentaram-se uma frente a outra para tomar o chá.
- Ele foi sempre assim, tão sério?
- Sempre foi um rapaz muito esforçado e de grande determinação
- Naomi disse sem conseguir esconder seu orgulho. - Aliás, ainda é. E também sabe ser muito leal com as pessoas de quem gosta e que são suas amigas.
- E ele sempre alimentou a ilusão de um dia recuperar La Reine?
- Kate deixava escapar um toque de cinismo ao fazer a pergunta.
- Não, pelo contrário. Reno sempre jurou que nunca mais poria os pés lá. Aliás sempre dizia que o que se perdeu, perdido está e que é impossível tentar reviver o passado.
- Pelo visto então acabou mudando de idéia - Kate continuava irónica, apesar de procurar controlar-se.
Naomi pareceu não ligar para essa atitude. Olhava fixamente a
figura esgufa de Kate, sentada à sua frente, notando que seus olhos estavam rodeados de profundas olheiras e que sua mão tremia ao segurar a xícara de chá.
- O que há, Kate? O que está preocupando você? - disse-lhe com bondade, em tom maternal.
- Bárbara Owen - limitou-se a responder Kate.
- Ora, ela e Reno se conhecem há muitos anos. Foram colegas de faculdade.
- Eu não sabia que Bárbara tinha feito a faculdade.
- Fez sim. Mas só até o segundo ano. Depois largou.
- Por quê?
- Sinto muito, mas não posso dizer.
- A senhora não pode ou não quer?
- Eu não posso, Kate. É que. . . bem, Reno e Bárbara me fizeram sua confidente há alguns anos e eu não posso absolutamente contar o que você deseja saber.
- Entendo... - Kaíe murmurou, arquitetando imediatamente um plano para obter a informação que desejava.
Terminou o chá, colocou a xícara sobre a bandeja e despediu-se de Naomi.
- Muito obrigada pelo chá. Agora preciso ir andando, tenho muitas coisas para fazer antes de voltar para casa.
- Kate, . . - Naomi tocou levemente no braço dela e seu olhar era sincero. - Eu, sinto muito. . .
- Eu também - ela respondeu, muito séria.
Logo depois da visita, quando guiava seu carro pelas ruas da cidade, Kate tinha estampada no rosto a mais firme determinação. Fora procurar Naomi van der Bill na esperança de encontrar uma solução para
seus problemas. Mas já que ela, assim como Reno, se recusava a dar-lhe a informação que precisava, estava decidida a buscar
em outro lugar a resposta pela qual tanto ansiava.
- Ora, vejam só quem está aqui - exclamou Hubert Walton, meia hora depois, ao vê-la entrar em seu escritório. - Faz meses que não nos vemos, querida Kate.
- Pois é, tio Hubert. Não me diga que está esperando um convite formal para ir a Solitaire.
- Confesso que a culpa é minha. Se você soubesse como tenho andado atarefado, ultimamente. . . Mas, diga lá, o que você manda?
- Conhece alguém na Cidade do Cabo que possa conseguir algumas informações a seu pedido? - Kate foi direto ao assunto.
- Que tipo de informação?
Por um instante o silêncio pairou, interrompido apenas pelo barulho do tráfego da rua, lá em baixo.
- Bárbara Owen frequentou a faculdade na mesma época de Reno. Deve haver alguém, algum de seus conhecidos, que pudesse nos fornecer informações mais detalhadas a respeito dela.
- Kate, eu repito, que tipo de informação?
- Parece que ela abandonou os estudos, depois do segundo ano, e eu quero saber por quê.
- E porque você não pergunta a Reno? Ele deve saber.
- Ele se recusa a conversar a respeito de Bárbara comigo.
- E por que isso é tão importante para você?
- Ainda não sei ao certo. Só vou ter certeza depois que conseguir a informação.
Hubert continuou estudando Kate, com uma expressão de seriedade no rosto marcado de rugas. E ela suspeitou que, como os outros, ele também iria negar-lhe ajuda. Mas foi exatamente o contrário que aconteceu.
- vou fazer o possível por você, Kate. Mas não posso prometer nada.
- Otimo. . . mas ainda há uma coisa. Eu não quero que Reno fique sabendo de nada.
- Muito bem, se é assim que você deseja.
- Obrigada, tio Hubert. - Ela sorriu aliviada e, num impulso, deu um beijo no rosto do advogado, saindo do escritório.
Naquela noite Kate jantou sozinha e foi cedo para a cama. A alegria que havia sentido ao receber o apoio de Hubert aos poucos fora cedendo lugar a um sentimento de apreensão. O que iria descobrir? O que
existiria de tão confidencial entre Bárbara e Reno, a ponto de Naomi ter jurado guardar segredo? Seus ouvidos estavam atentos, aguardando qualquer ruído que lhe indicasse que Reno tinha chegado. Finalmente,
depois de várias horas, percebeu o som de um carro se aproximando e logo após os passos de Reno andando pela casa. Seu coração bateu mais depressa quando viu a fresta de luz que passava por baixo da porta,
indicando que ele estava em seu quarto.
Ela virou-se de costas para a porta, procurando dar a impressão
de que dormia, caso ele entrasse ali. Seu corpo estava tenso e cada um de seus músculos tremia de expectativa. .A lembrança da noite anterior continuava bem clara mas, mesmo assim, ansiava pela vinda dele.
Agia assim contra sua vontade e desprezando-se por isso. Mas, quando a porta que unia os dois quartos se abriu bem devagarinho, seus sentidos se aguçaram, denunciando a proximidade de Reno. Kate tentou
desesperadamente controlar a respiração para que ele não percebesse que estava acordada, mas seu coração batia tão forte que Reno poderia ouvi-lo. Sentiu a cama ceder quando ele se deitou a seu lado e,
no mesmo instante, percebeu a mão dele acariciando-lhe os quadris, sob a camisola.
- Kate...
Ela não respondeu, mas seu corpo trémulo indicava a Reno que estava acordada e consciente de sua presença a seu lado. Então ele abraçou-a com ternura e fez com que ela se virasse.
- Reno, deixe-me em paz - gemeu, sabendo que era inútil tentar evitar os lábios dele que beijavam seus ombros.
- Diga a verdade, você não quer que a deixe sozinha aqui, quer?
- Quero sim - Kate mentiu, tentando empurrá-lo para longe dela.
- Por quê?
- Será que eu preciso explicar? - perguntou, brava. - Não basta ter passado o dia com Bárbara?
- E daí?
- Ora, Reno. Será que isso não foi o suficiente? Que ainda não lhe basta?
- Pelo que estou entendendo, você está querendo insinuar que eu sou um maníaco sexual, é isso?
Reno se divertia às suas custas e, além do mais, ela ainda não havia conseguido esquecer, por um único minuto o que tinha acontecido na noite anterior. Não podia mais suportar aquilo. Não podia mais continuar
deixando-se humilhar daquela forma.
- Não me interesso nem um pingo por seus problemas sexuais, Reno! E nem estou disposta a me deixar usar para seu prazer como se eu não passasse de um objeto! Por isso me deixe sozinha!
- Kate, a megera! - ele brincou, apertando os braços em volta de seu corpo esguio. - Vai ser um prazer domá-la. E, quando eu conseguir, você verá que quem dá as cartas aqui sou eu.
- Nunca! Nunca vai me dominar, Reno!
Kate lutou como uma gata selvagem, temendo que se repetisse o que havia acontecido na véspera. Mas novamente acabou vencida e sentiu um grande desprezo por ter se entregado à volúpia. Havia cedido às carícias
dele até que em sua mente não houvesse lugar para mais nada a não ser para aquele mundo extraordinário de sensações.
Naquela noite Reno não a deixou. Seus desejos se juntaram e se fundiram num só, através da paixão ardente que os envolveu. Kate percebeu então, com maior clareza, que o amava e que precisava dele como
do ar que respirava. Mas jamais confessaria seu amor. Preferia morrer do que entregar mais essa arma nas mãos dele. Se a tivesse, ele fatalmente a usaria, com todas as demais, para tentar destruí-la.
CAPÍTULO IX
Três semanas depois de sua ida ao escritório de Hubert Walton, Kate recebeu um recado dele dizendo que gostaria de vê-la, assim que pudesse. Marcou uma hora para aquele dia mesmo. Ao chegar ao escritório,
estava apreensiva e sua tensão ficou maior ao perceber que ele não se decidia a ir direto ao assunto. Finalmente o advogado não pôde mais prolongar a situação e, remexendo alguns papéis em cima da mesa,
avisou Kate de que as informações que tinha provavelmente não iam agradá-la.
- Você tinha razão quando disse que Reno e Barbar foram colegas de faculdade. De acordo com as informações que recebi, era fato sabido que os dois eram namorados.
- É só isso? - Kate perguntou, após uns segundos de silêncio.
- Reno estava no último ano da faculdade e Bárbara no segundo quando ela ficou grávida e teve que deixar os estudos.
O choque quase a sufocou e inconscientemente Kate apertou os braços da cadeira:
- Reno é o pai da criança?
- É o que se acredita por lá.
- Por que ele não se casou com ela?
- Infelizmente não posso responder essa pergunta.
- E que fim levou a criança?
- Mora com os pais de Bárbara na Cidade do Cabo.
- Você tem o endereço?
- Tenho sim, é em Rondebosch, se não me engano. - O advogado remexeu nuns papéis e achou o endereço, rabiscando-o numa folha que entregou a Kate.
- Você não está pensando em ir lá, está?
- Não, mas. . . - Hesitou, sem saber ainda para que queria o endereço, que dobrou com as mãos trémulas e guardou na bolsa. Talvez um dia eu precise desse endereço, quem sabe.
Hubert Walton se sentia pouco à vontade e verdadeiramente aborrecido. Ele conhecia Kate desde o dia de seu nascimento e estava triste de lhe passar aquela informação. Ela parecia muito pálida, mas composta,
e ele não podia deixar de admirá-la:
- Kate, eu...
- Há mais alguma coisa? - Kate o interrompeu, percebendo o embaraço dele.
- Não - respondeu, sacudindo a cabeça.
- Muito obrigada por sua ajuda. - E levantando-se meio titubeante, ela estendeu-lhe a mão.
Kate já stava há alguns quilómetros da cidade quando parou o carro no acostamento e permitiu que as lágrimas corressem livremente. Será que era verdade?
A dúvida que mais lhe martelava a cabeça era por que razão Reno não se casara com Bárbara, se realmente era o pai da criança. Suas idéias estavam confusas demais para poder raciocinar com clareza.
Suspirou e ligou o motor, tomando o caminho para casa. Talvez na manhã seguinte, quando a dor tivesse amainado um pouco, pudesse ver as coisas sob outro ângulo, mas agora era impossível.
Durante o jantar, ela se apanhou várias vezes estudando Reno, quando achava que ele não estava olhando para ela. E de repente seu instinto lhe disse que ele jamais poderia ser o pai da criança de Bárbara.
Não conseguia explicar a si própria porque sentia isso tão fortemente, mas tinha certeza. Depois de chegar a essa conclusão, a dor já não era tão intensa. Mas ela teve consciência de que conhecia muito
pouco o homem com quem havia casado em circunstâncias tão estranhas. Tomou a resolução de corrigir essa falha, o mais depressa possível.
Mais tarde, naquela noite, quando Reno se deitava a seu lado, ele a surpreendeu observando:
- Você passou o tempo todo, durante o jantar, me olhando como se nunca tivesse me visto antes.
- Talvez eu o esteja vendo pela primeira vez como realmente é. Reno a encarou severo e quando ela tentou virar o rosto, ele
segurou com firmeza seu queixo, forçando-a a olhar para ele:
- O que você quer dizer exatamente com isso?
- Na verdade eu não o conheço bem, não é? Nós nos casamos a fim de recebermos uma herança. Já faz algumas semanas que você compartilha a minha cama e eu continuo conhecendo-o muito pouco.
- Você sabe tudo que é importante, o resto não é de sua conta
- ele respondeu, ríspido.
- Bárbara tem algum direito sobre você? - arriscou-se a perguntar.
- Nenhuma mulher jamais terá algum direito sobre mim. Nem mesmo você, Kate.
Reno silenciou Kate com seus beijos e então ela se viu incapaz de qualquer reação. Há algum tempo havia percebido que era bobagem lutar contra o prazer que ele podia lhe dar e de novo, naquele momento,
se entregou sem reservas àquele corpo exigente e embriagante.
Alguns dias depois, Kate foi até La Reine. Não sabia direito o que esperava encontrar lá. Estacionou o carro perto de uma cerca de plantas e, meio hesitante, caminhou em direção à casa. Só então lhe passou
pela cabeça que não tinha uma chave para abrir a porta e, com toda a certeza, Reno a mantinha trancada.
Mas qual não foi a sua surpresa quando forçou a maçaneta pesada de latão e viu que a porta se abria. Admirada e com um pouco de medo entrou no vestíbulo, onde os vidros coloridos dos vitrôs refletiam desenhos
no chão amarelado, de madeira. Kate vagou pelos cómodos procurando inconscientemente alguma coisa que pertencesse a Reno, alguma coisa que lhe desse uma idéia do tipo de homem que ele era. Havia alguns
livros velhos alinhados numa estante, atrás da escrivaninha, e um deles chamou sua atenção. Era de poesias e Kate o pegou com cuidado, assoprando a poeira que se acumulava nele. Começou a folheá-lo devagar,
reconhecendo algumas de suas poesias prediletas, e por algum tempo ficou ali, alheia ao tempo e ao espaço, até que uma fotografia escorregou de dentro do livro. Era um retrato de Bárbara, bem mais nova,
entre Reno e um outro rapaz loiro e bonitão. com as mãos tremendo, Kate guardou de novo a fotografia entre as páginas do livro e eutão percebeu duas linhas de um poema sublinhadas fortemente:
"Duro é seu coração, como um seixo E ela ri quando me vê desesperado".
Será que essas palavras se referiam a Bárbara? com toda certeza não. Bárbara não era esse tipo de pessoa. Mas então, quem seria? Os versos refletiam o amor de um homem apaixonado e Kate sentiu a agulhada
feroz e dolorida do ciúme.
- Você está procurando alguma coisa? - Kate fechou o livro com uma rapidez incrível e teve a sensação de que o coração ia sair pela boca quando se virou e deu de cara com Reno. - O que você esperava encontrar
aqui, Kate?
- Nada, eu. . . - engoliu seco e desviou o olhar. - Só estive aqui uma vez e estava. . . estava curiosa.
- Já satisfez sua curiosidade? - Reno tirou o livro de suas mãos e colocou-o, com raiva, na estante.
- Por que você está me tratando como se eu fosse uma invasora?
- Você está invadindo, Kate - ele confirmou, grosseiro, e se virou a tempo de testemunhar o rubor de humilhação que cobria o rosto de Kate.
- E você não acha que está fazendo a mesma coisa em Solitaire?
- ela atacou por sua vez.
- Eu simplesmente estou seguindo, ao pé da letra, as determinações do testamento de seu pai.
Desta vez a voz de Kate soava com uma ponta de raiva:
- Eu não me lembro de ter lido nada no testamento de meu pai que desse a você direitos sobre o meu corpo.
- Você provocou isso quando desrespeitou nosso acordo. - Os olhos de Reno caçoavam dela sem piedade. - E, além do mais, tem que admitir que é uma maneira deliciosa de passar o tempo.
- Seu cretino! - Kate cuspiu as palavras furiosa, mas para se arrepender em seguida quando viu que ele se aproximava dela ameaçador.
- Quer que eu prove aqui e agora o quanto você tem gostado destas últimas semanas?
- Não ouse me tocar agora! - disse rouca, fugindo dele e correndo para fora da casa.
Nos dias que se seguiram, Kate não pôde tirar de seu pensamento aqueles versos: "Duro é seu coração como um seixo E ela ri quando me vê desesperado". O que será
que queriam dizer? E por que a página do livro estava marcada com a fotografia de Bárbara? Havia tantas dúvidas e tantos enigmas e nem de longe ela conseguia chegar
a uma conclusão.
Uma manhã, quando ia para a copa tomar café, ouviu o telefone tocar. Era Bárbara:
- Desculpe, Kate, por estar telefonando numa hora tão imprópria, mas preciso falar com Reno urgentemente.
- vou chamá-lo - Kate disse, ríspida. Pôs o fone na mesinha e foi até o quarto deles. Reno saía do banheiro já vestido e ela dirigiu-lhe um olhar faiscante: - Bárbara está no telefone e diz que precisa
falar com você urgentemente.
Ela o seguiu até o vestíbulo, mas foi para a copa esperar por ele. Podia ouvir sua voz mas não distinguia as palavras.
Quando Reno voltou sentou-se à mesa e começou calmamente a tomar seu café. Percebendo a curiosidade dela, informou simplesmente:
- Assim que acabar o café vou à Cidade do Cabo.
- Foi de lá que Bárbara telefonou?
- Foi, sim.
Sem perceber, Kate torcia o guardanapo, nervosa:
- Imagino que você não possa me contar a razão que o faz sair correndo ao menor sinal dela.
- Eu já lhe disse que você não entenderia.
- Por que não experimenta?
- Não tenho tempo nem vontade, Kate - ele falou com impaciência. Acabou rapidamente de tomar seu café e saiu em seguida.
Durante o inverno, Kate geralmente passava as manhãs no escritório, mantendo em dia a papelada da fazenda. Mas naquela manhã viu que era impossível se concentrar no trabalho. Seu pensamento estava em outro
lugar... em Rondebosch... e após uma hora de indecisão resolveu, num impulso, o que ia fazer. Correr até seu quarto em busca do endereço que Hubert lhe deu. Já era mais do que tempo para essa situação
se aclarar de uma vez e não havia outra maneira de fazer com que isso acontecesse. Não importava o quanto seria magoada com a descoberta da verdade, mas tinha que saber, custasse o que custasse, o que
se escondia atrás daqueles encontros misteriosos.
Meia hora após ter tomado essa decisão, Kate guiava seu carro a caminho da Cidade do Cabo. Não tinha a mínima idéia do que ia dizer ou fazer. Só sabia de uma coisa: precisava descobrir a verdade.
Já era meio-dia quando chegou e teve um pouco de trabalho para localizar a residência da família Owen, em Rondebosch. Quando finalmente estacionou o carro em frente a uma casa espaçosa, seus nervos estavam
tensos. Os carros de Reno e de Bárbara estavam estacionados um perto do outro. No gramado, sob as sombras de árvores copadas, uma menininha de uns seis ou sete anos brincava com bonecas. Ela levantou os
olhos curiosos quando ouviu Kate abrir e depois fechar cuidadosamente o portãozinho.
- Oi! - disse Kate, sorrindo. - Como você se chama?
- Stephanie - respondeu a criança sem timidez, aproximando-se para poder observar Kate mais de perto.
- Mamãe está em casa?
A menininha apontou um dedo gordinho.
- Ela está lá.
Kate agradeceu e caminhou em direção à porta. Seus movimentos eram bruscos e seu coração batia tão agitado que quase a sufocava. E se ela estivesse cometendo um grande erro? E se a sua vinda piorasse as
coisas?
A porta estava aberta e chegava até ela o barulho de vozes conversando lá dentro. Estendeu a mão para tocar a campainha, mas mudou de idéia. Talvez se causasse uma surpresa obteria melhor resultado. Entrou,
atravessou o vestíbulo em direção ao que parecia ser a sala de estar, os passos abafados pelo tapete grosso.
Parou no limiar da porta e a cena que presenciou deixou-a mais nervosa ainda. Reno estava no centro da sala de costas para a porta. Bárbara estava em seus braços, com a cabeça reclinada em seu ombro. Ela
murmurava alguma coisa com a qual ele parecia concordar. Então Bárbara levantou a cabeça e Kate teve a satisfação de vê-la ficar muito pálida, quando seus olhares se cruzaram por sobre o ombro de Reno.
- Kate! - exclamou, e seu tom de voz estava um pouquinho mais alto do que o normal. Reno a soltou rápido e se virou para a porta. Fez-se um silêncio constrangedor
que deu a impressão de durar um século. Finalmente Bárbara disse, titubeante: - Nós não esperávamos você.
- Eu sei - Kate falou, com uma calma estranha embora por dentro sentisse uma dor imensa.
Bárbara olhou rapidamente para Reno antes de olhar de novo para Kate:
- Eu imagino o que você deva estar pensando, mas. . .
- Não estou pensando em nada a não ser que nós três devemos nos sentar e ter uma conversa muito séria - interrompeu Kate.
- Essa conversa pode esperar - Reno falou pela primeira vez e sua voz soou ríspida quando acrescentou: - Bárbara já está com problemas demais no momento para que você acrescente mais um.
Kate encolheu-se por dentro sentindo a obstinação dele em impedir que ela falasse, mas Bárbara interferiu:
- Kate tem razão. Já está mais do que na hora de esclarecer esta situação.
Reno dirigiu-se a Kate:
- Você sabia a respeito de Stephanie?
- Há mais de uma semana - respondeu com uma calma aparente, que escondia a confusão que se passava em seu coração.
- E naturalmente tirou suas próprias conclusões.
Kate o encarou por um instante, ciente de que Bárbara a observava também com intensidade. Sentiu-se profundamente triste quando admitiu:
- Tirei, sim.
Houve um silêncio em que só se ouvia o tique-taque do relógio na parede e o coração de Kate que batia forte e descompassado. Então Bárbara se adiantou e tomou nas suas as mãos de Kate:
- Kate. . . Reno não é o pai de minha filha.
- Eu sei - Kate se atreveu a lançar um olhar em direção a Reno só para testemunhar a desaprovação dele. - Ele pode ter muitos defeitos, mas sei que nunca fugiria de uma responsabilidade dessas.
Bárbara foi a primeira a se recuperar da surpresa. Apertou a mão de Kate e com ar triunfante declarou a Reno:
- Eu não disse a você que ela entenderia? Por favor, Kate, sente-se. Gostaria de explicar porque tinha tanta urgência em consultar Reno. - Fez uma pausa e continuou. - Até agora foram meus pais que tomaram
conta de Stephanie, mas eles já não são jovens e estão tendo cada vez mais dificuldades para se responsabilizar por uma criança pequena. Eu nunca soube muito bem tomar decisões
sozinha e sempre me escorei na opinião de Reno. - Seu sorriso era de quem se sentia culpada. - É por isso que ele está aqui hoje.
O alívio foi tão grande que fez com que Kate acabasse achando tudo extraordinariamente simples. Quando se lembrou da criança adorável que brincava no jardim, sentiu necessidade de perguntar com ar de reprovação:
- Você não está pensando em colocar Stephanie numa creche, está?
Bárbara abaixou os olhos, embaraçada:
- Você pode imaginar o que as pessoas vão dizer em Stellenbosch quando descobrirem que sou mãe solteira?
- Por uns tempos eles vão dar com a língua nos dentes, mas depois encontrarão outra coisa com que se preocupar. Se quer mesmo que Stephanie more com você, não deve deixar que nada a impeça de levá-la para
Stellenbosch. A coisa mais importante é a sua felicidade e a da criança.
- É isso que Reno estava me dizendo, mas. . .
- Então por que não segue o conselho dele? Nós daremos todo o apoio de que precisar - Kate concluiu, olhando para Reno do outro lado da sala.
- Ah, Kate, você é maravilhosa! - Bárbara parecia rir e chorar ao mesmo tempo. - Eu me sinto tão melhor agora que está a par de tudo! vou seguir seu conselho, que vá para o inferno tudo que as pessoas
queiram falar a meu respeito! Daqui por diante eu é que vou tomar conta de minha filha.
Os pais de Bárbara chegaram no momento em que Kate se preparava para ir embora. Eles insistiram tanto para que ficasse para o almoço, que ela se viu forçada a aceitar o convite. A presença dos dois desanuviou
completamente o ambiente e Kate foi tratada com todo carinho e consideração, naturalmente por causa da velha amizade que eles tinham por Reno.
Durante o almoço, Kate não pôde deixar de perceber uma mudança radical em Reno. Ele parecia muito à vontade na companhia de Bárbara e dos pais dela, e seus raros sorrisos eram frequentes agora. Kate ansiava
para que ele sorrisse pelo menos uma vez para ela, mas cada vez que seus olhares se cruzavam, o dele se tornava frio e indiferente. Kate havia interferido em um assunto no qual Reno não queria a participação
dela. E ele deixava isso bem claro. Ela era uma estranha, uma planta vulgar num canteiro de papoulas sedosas, e quanto mais depressa se fosse, melhor.
Logo depois do almoço, ela se despediu de todos e partiu. Bárbara tinha insistido para que ficasse, mas Kate não quis e Reno a acompanhou até o carro, para sua surpresa.
Na volta para Solitaire, Kate repassava na mente sua atitude daquele dia. Talvez tivesse sido um erro aparecer de surpresa, como fizera, mas paciência pelo menos
já sabia a verdade... ou a maior parte dela. Havia ainda muitas perguntas em sua cabeça mas elas teriam que continuar sem resposta. Ela já tinha se intrometido o
suficiente e não se atreveria a interferir mais, até que estivesse certa do chão onde pisava.
O tempo mudou bruscamente. Quando Kate chegou a Solitaire estava fazendo muito frio e o céu prenunciava chuva. Ela trocou de roupa depressa, pôs um jeans e um suéter bem quente e calçou sapatos confortáveis.
Já estava a caminho da adega quando Reno chegou na alameda em frente da casa.
Kate não pretendia esperá-lo, mas ele a chamou de longe e ela ficou parada. As palavras dele a surpreenderam:
- Muito obrigado por ter sido tão compreensiva.
- Você se surpreendeu ao ver que minha mente não é tão maldosa como imaginava? - ela o desafiou. - Há ainda uma pergunta que eu gostaria de fazer e se você não quiser responder, não tem importância - prosseguiu
corajosa, já que sua autoconfiança havia sido restaurada. - O que aconteceu com o pai da filha de Bárbara? Por que ele não se casou com ela?
- Já era casado - respondeu Reno, depois de certa hesitação. Era meu amigo, mas nem eu sabia que ele era casado e isso só veio à luz quando Bárbara lhe contou que estava grávida.
- Sei. E você não se importou que todos pensassem que era o pai da criança?
- Para mim não tinha a menor importância o que as pessoas pensavam. De certa forma eu me sentia responsável pela situação de Bárbara.
- Por quê?
- Fui eu que apresentei os dois.
- E isso o fez se sentir culpado?
- Você se surpreende com isso?
- De fato, nunca imaginei que fosse capaz de tanta sensibilidade.
109
- Há mais uma coisa que você precisa saber - ele disse, segurando-a pelo pulso. - Naquela época eu pedi Bárbara em casamento, mas ela não aceitou.
Kate ficou espantada demais para responder imediatamente. Levou alguns segundos para se controlar e conseguir dizer:
- Eu acho que teria feito o mesmo. - Soltou o pulso dos dedos dele e terminou: - Nenhuma mulher que se preze se casaria por outra razão que não fosse amor.
Reno poderia ter-lhe refrescado a memória lembrando que o casamento dos dois tinha sido feito por outra razão que não o amor, mas não disse nada. Simplesmente enfiou as mãos nos bolsos e olhou distraído
os vinhedos:
- Se ela tivesse se casado comigo, teria evitado muitos e grandes problemas.
- E teria transformado vocês em duas criaturas muito infelizes. - Duvido. - Voltou a olhar para ela, mas Kate teve a nítida
impressão de que ele não a enxergava e isso a magoava mais do que qualquer coisa. - Bem, tenho que ver se consigo pôr em dia o trabalho atrasado.
- Eu também - disse ela, e ambos se separaram indo em direções opostas. Estavam sempre indo em direções opostas em tudo, pensou Kate, tentando segurar inutilmente as lágrimas que lhe vinham aos olhos.
CAPÍTULO X
A vida de Kate passou por uma drástica mudança, nas duas semanas seguintes. Bárbara veio com sua filha para Stellenbosch e, surpreendentemente, a presença de Stephanie
não chegou a provocar maior alvoroço na comunidade. Edwina também voltou de sua viagem à Cidade do Cabo, chegando com energia redobrada. Era muito agradável tê-la de volta em casa. Sua presença era alegre,
sempre tornava o ambiente mais ameno e acolhedor. O relacionamento com Reno continuava tenso, porém Kate não podia negar que tinha melhorado consideravelmente.
- Você não comeu nada, menina - reclamou tia Edwina certa manhã, na hora do café.
- Não estou com fome.
- Está sempre dizendo isso. Precisa ir ao médico.
- Pelo amor de Deus, tia Edwina, não estou doente. Simplesmente não tenho fome.
- É, mas ir ao médico, de vez em quando, não faz mal a ninguém. Uma suspeita horrível, que ela já tivera outras vezes, veio-lhe
novamente à cabeça. Mas de nada adiantava remoê-la. No momento, o importante era acalmar tia Edwina.
- Está bem, então eu vou, se é isso que a senhora quer.
- Por que não telefona agora para marcar hora?
- Não é tão urgente assim. Qualquer dia desses eu vou, está bem?
- Kate! - chamou a tia com aquele tom característico que
usava desde que ela era criança. Só faltou que completasse com o "obedeça", que sempre empregava nessas ocasiões.
- Está bem!
Kate levantou-se de má vontade e foi até o telefone para marcar a consulta. Naquela mesma tarde, já estava na sala de espera do médico, aguardando ser atendida.
Folheava distraidamente uma revista mas seu pensamento vagava, imaginando o que o médico iria lhe dizer. com certeza seria algum pequeno problema digestivo, sem qualquer importância. Meia hora mais tarde,
ao sair do consultório, ela já tinha resposta. Seus piores pressentimentos haviam sido confirmados.
Já devia ter desconfiado mas como tinha andado preocupada com tantas coisas importantes acontecendo ultimamente, havia ignorado os sinais evidentes. Agora não podia mais fugir da verdade: ela ia ter um
filho de Reno.
Ficou sentada no carro, sem saber se ria ou chorava. Depois deu a partida e foi direto ao escritório de Hubert Walton. Ele era a única pessoa a quem tinha coragem de confiar o seu problema. Só esperava
que, desta vez, se mostrasse tão compreensivo quanto fora anteriormente.
- Olá, Kate. Por favor, sente-se - disse ele sorridente e carinhoso. Depois olhou detidamente para ela e completou: - Você não parece muito bem hoje, o que há?
- Impressão sua, tio Hubert. Eu estou bem -: mentiu Kate.
- Então vamos lá, qual é ó assunto que a trouxe aqui desta vez?
- É que eu. . . bem, gostaria de saber se por acaso eu desejasse viajar nestes últimos meses de meu casamento, haveria alguma complicação em relação à herança.
- Como, viajar?
- Bem, se eu resolvesse passar uns tempos longe daqui, por exemplo, haveria alguma complicação?
- Ah, nesse caso creio que haveria - respondeu Walton franzindo a testa. - Mas por que pergunta isso?
- É que preciso tomar uma decisão meio importante, só isso tentou disfarçar Kate.
- Mas por quê? Se você me explicar as razões, talvez eu consiga ajudá-la de alguma forma.
Ansiosa, Kate levantou-se e foi até à janela, ficando de costas para Hubert Walton. Aquele homem era como um membro da família,
a conhecia desde pequena. Mas, mesmo assim, ela não tinha coragem de encará-lo naquele momento. Então, virada de costas, ela lhe disse:
- Estou grávida.
O espanto dele era evidente pelo silêncio que se formou na sala. Depois de algum tempo, com voz hesitante, Hubert falou:
- Quer dizer que seu casamento. . .
- Foi consumado - ela completou a frase, desta vez olhando-o de frente. Seus olhos estavam muito abertos, enormes e suplicantes no rosto pálido. Então ela implorou: - Você tem que me ajudar, tio Hubert,
pelo amor de Deus, tem que me ajudar!
- Claro que vou ajudá-la, querida - disse ele, tentando acalmá-la.
- Só que não estou entendendo o que você quer. Acho melhor sentar-se de novo e procurar me explicar por que é tão importante para você sair daqui.
- Eu não quero que Reno saiba que vou ter um filho dele!
- Mas por quê? Por que, meu Deus do céu?
- Porque eu não quero que ele se sinta obrigado a continuar casado comigo depois de vencido o prazo estipulado, entendeu?
- Querida, pense bem, se seu casamento já chegou a esse ponto é porque Reno. . .
- Ele não me ama - interrompeu Kate, soluçando.
- Você tem certeza disso?
- Certeza absoluta.
O advogado ficou pensativo. Parecia atordoado com tudo que estava ouvindo.
- E você, Kate, o que sente em relação a ele?
Kate não conseguiu responder de imediato. Não sabia como colocar em palavras o sentimento que tinha por Reno. Quando finalmente controlou os soluços, só conseguiu balbuciar:
- Acho que, neste caso, meus sentimentos não devem ser levados em consideração.
Hubert levantou-se, puxou uma cadeira e veio sentar-se ao lado de Kate. Tomou-lhe as mãos e carinhosamente acariciou seus dedos.
- Escute, meu bem. Eu não posso alterar as palavras de seu pai no testamento. O que posso fazer apenas é aconselhar vocês dois a conversarem com calma sobre o assunto e resolverem o problema de comum acordo.
- Mas eu não posso, tio. Não posso contar a ele que vou ter um filho. Se fizer isso, Reno vai insistir em prolongar esse casamento.
E eu não posso permitir que fique comigo só por essa razão. Preferiria morrer.
- Sinto muito, Kate, mas francamente não sei como ajudá-la. Ninguém pode resolver esse problema a não ser você mesma.
Ela estava sozinha diante da realidade. Seu bom senso já a havia advertido de que não poderia ser de outra maneira. Desolada, levantou-se e dirigiu-se àquele homem que queria como um pai:
- Eu sei... De qualquer forma, obrigada por ter me dado atenção. Foi difícil voltar a Solitaire e enfrentar as perguntas ansiosas de
tia Edwina sobre o resultado da consulta. Depois de algumas explicações e muitas evasivas, Kate conseguiu convencê-la de que não tinha nada de sério, apenas um probleminha digestivo.
Nos dias que se seguiram, Kate passou a agir como um robô. Sozinha com seus problemas, passava o dia trabalhando, sem falar com ninguém, limitando-se a responder o indispensável quando alguém lhe dirigia
a palavra. Não sabia por quanto tempo seria capaz de sustentar essa situação, de continuar escondendo que estava grávida.
Tinha pavor das manhãs, quando geralmente era atacada por crises de enjoo, que procurava esconder de Reno e de tia Edwina. Mas certo dia, quando subitamente saiu da mesa do café, dirigindo-se ao banheiro,
Reno a seguiu.
- O que está havendo, Kate? Você está doente?
- Deve ter sido algo que comi e não me caiu bem, só isso. Por favor, vá embora. Deixe-me sozinha.
- Kate, só estou querendo ajudar você.
- Não preciso de ajuda, eu...
Não conseguiu terminar o que ia dizer. Reno a interrompeu de repente e perguntou abrupto:
- Você não está grávida, está?
- Não! - Kate quase gritou, desesperada, tentando esconder a verdade. - Eu já lhe disse que deve ter sido alguma coisa que comi.
- Você está mentindo!
- Vá embora. Me deixe sozinha, já disse!
- Kate. ..
Reno inclinou-se e a olhou com o rosto bem perto. Depois envolveu-a em seus braços fortes e a carregou no colo, como se carrega uma criança, até o quarto. Era inútil querer lutar. Ele era forte demais.
Mas mentalmente Kate podia enfrentá-lo e estava decidida a ir até o fim. Reno a deitou na cama e a prendeu ali com o peso de seu corpo.
- Muito bem, Kate, agora vamos conversar. Eu não sou nenhum bobo. Sei muito bem que não fizemos nada para evitar que você ficasse grávida. E se for verdade, eu tenho
todo o direito de saber.
- Que direito, Reno? Que direito pode ter um homem que força uma mulher a aceitá-lo em sua cama, mesmo contra sua vontade?
Responder dessa maneira era como confirmar, indiretamente, a suspeita que ele havia levantado. Agora era quase impossível negar.
- Quer dizer então que você está grávida?
- Bem, eu. . . Estou sim, e a culpa é sua!
- Oh, Kate. . . - murmurou ele, olhando-a ternamente.
- Jamais vou perdoá-lo, Reno. A última coisa que eu queria era ter um filho seu.
- O que quer dizer com isso?
- Exatamente o que você ouviu. Eu não quero seu filho.
Reno empalideceu de repente, os olhos transmitindo uma imensa magia que o tomou por inteiro.
- Você não sabe o que está dizendo.
- Ah, eu sei muito bem. Estou grávida e preciso ter esse filho. Mas nem ele nem nada neste mundo irá me obrigar a continuar casada com você depois que o prazo vencer, entendeu?
Os olhos escuros de Reno a fitaram longamente, desarvorados.
- Você está me magoando, Kate. .. Parece que sente um prazer todo especial em me ferir.
- E eu? Não acha que eu também fui muito magoada? Ou pensa que acho agradável estar casada com um homem que só me despreza, que não tem qualquer consideração por
mim?
- Olhe para mim, Kate. Nós dissemos coisas horríveis um ao outro, nos momentos de raiva. Nos ferimos sem piedade, mas... eu amo você, Kate.
As palavras de Reno custaram a penetrar em sua mente. Kate demorou alguns instantes para conseguir captar o seu significado. Então encheu-se de amargura, vendo que ele agia como ela havia imaginado. Ele
dizia aquilo agora só por causa do bebé.
- Não minta! Você não me ama!
- Engano seu - afirmou ele, com voz suave. - Eu amo você desde a primeira vez que a vi, apesar de todo o rancor que havia em seus olhos lindos. Naquele instante eu soube que um dia você seria minha, mas
Deus é testemunha de que jamais quis que fosse da maneira que seu pai estipulou: usando Solitaire e La Reine para nos induzir a um casamento forçado.
- No entanto, foi o primeiro a aceitar as condições do testamento...
- Eu não podia permitir que você perdesse Solitaire, Kate. Para mim, perder La Reine não era tão importante. A fazenda já não era minha mesmo. Mas não podia deixar que você perdesse Solitaire. Minha mãe
e eu passamos por isso e eu não queria que você sofresse a mesma coisa.
- Imagino que eu deveria ajoelhar-me a seus pés para agradecer tamanha bondade.
- Será que seu coração é mesmo tão duro assim? Tão duro quanto uma pedra?
Imediatamente as palavras dele fizeram Kate se lembrar dos versos sublinhados na página amarelecida do livro que havia achado em La Reine. "Duro é seu coração, como um seixo E ela ri quando me vê desesperado."
Devia ser mais um dos planos de Reno. com certeza sabia que ela tinha visto os versos e agora procurava comovê-la. Mas Kate não acreditava que aqueles versos se referissem a ela.
- Será que você nunca vai ser capaz de me olhar sem rancor nos olhos, Kate? - ele continuava.
- Eu não sinto mais rancor por você, Reno. Aliás, agora não sinto mais nada a não ser uma enorme necessidade de ficar sozinha.
Sem dizer mais nada, Reno levantou-se lentamente e com passos vagarosos saiu do quarto. Ela ficou ali deitada durante um longo tempo, sentindo sua mente embrulhada e confusa. Até que ponto Reno estava
sendo sincero? Suas palavras traduziam o que ele realmente sentia ou seriam apenas fruto do senso de dever em relação à mulher que ia ser mãe de seu filho?
Reno não apareceu para almoçar e nem veio à tarde, na hora do lanche. Kate sentia a falta dele pesando como chumbo no coração e lutava para afastar as lágrimas que teimavam em aparecer.
- Por quanto tempo mais pretende continuar me escondendo as coisas, Kate? - perguntou tia Edwina, interrompendo-lhe os pensamentos.
- Ah... do que está falando? - Kate acordou de suas divagações.
- Ora, minha filha, eu sou uma velha muito esperta, sabe? Pensa
que não percebi que havia se passado algo entre você e Reno, na minha ausência?
- Bem, tia eu preferia não falar nisso. Não estou me sentindo muito bem.
- O que está havendo, Kate? Você por acaso está. .. grávida?
- Estou sim, tia. - Não adiantava adiar mais a confissão. A tia teria que saber da verdade, agora ou depois.
- E você já contou isso a Reno?
- Já. Mas isso não vai alterar em nada os planos. Quando vencer o prazo combinado, vamos nos divorciar.
- Não pode ser! E a criança? Você vai criá-la sem o pai?
- Eu não quero pensar nisso agora.
- Mas precisa enfrentar a realidade, Kate. Você não é mais uma criança. Por que está fugindo dessa maneira? Será que você... acabou se apaixonando por Reno?
- Não! - Kate gritou, desviando o olhar.
- Kate, pode confiar em mim. Você está apaixonada por ele? Desarmada, Kate não conseguiu mais negar. Cobriu o rosto com as
mãos e, soluçando, desabafou:
- Ah, tia Edwina... eu nunca fui tão infeliz em toda a minha vida.
Edwina abraçou-a carinhosamente enquanto as lágrimas de Kate rolavam, fortes.
- Ah, meu bem, minha menina. Não fique assim. Chorar de nada vai adiantar. Você tem é que conversar com ele, procurar resolver este assunto da melhor maneira possível.
Naquela noite, Reno também não apareceu para jantar. Deitada em sua cama, já tarde da noite, Kate ouvia os movimentos pela casa. Estava decidida a falar com Reno, a descobrir se ele havia sido sincero
quando disse que a amava. Mas ainda não sabia como iria fazer, como conseguiria entrar no assunto. Por isso ficou ali deitada por mais algum tempo, mesmo depois de ter ouvido os passos dele no corredor
e visto a réstia de luz por baixo da porta.
De repente, ouviu com nitidez o barulho do fecho de uma mala vindo do quarto de Reno. Pulou na cama, vestiu às pressas seu penhoar e escancarou a porta que comunicava os dois quartos.
- O que está fazendo?
- Estou voltando para La Reine.
vou ficar morando lá mas ninguém, exceto nós dois, precisa saber disso.
- Mas por quê? Por que está fazendo isso?
- Ora, Kate, não se faça de desentendida. Foi você mesma que disse, hoje de manhã, que queria ficar sozinha.
- Mas você também me disse, hoje de manhã, que. .. que me amava.
- Ah, eu disse isso? Acho que não estava regulando muito bem.
- Quer dizer então que não era verdade? Que você não estava sendo sincero?
- Se você espera que eu rasteje a seus pés, Kate, pode desistir. vou voltar para La Reine e ficar lá até que esse nosso casamento ridículo termine, entendeu?
Ficaram os dois ali parados, olhando-se fixamente. As idéias de Kate estavam confusas, mas ela tinha uma certeza: não poderia deixar de forma nenhuma que ele fosse embora. Não importava mais se Reno havia
sido sincero ou não. O que importava é que agora ela estava certa de amá-lo. Se o deixasse sair de Solitaire, ele estaria a um passo de sair também de sua vida definitivamente.
- Reno. . . - Sua voz era um leve murmúrio e seus lábios tremiam num gesto de súplica, enquanto segurava as mãos dele. - Não vá... Por favor, não vá.
Reno lentamente retirou suas mãos das dela e olhou-a com frieza.
- Não há nenhum motivo para eu ficar, Kate. Agora não há mais razão para levar adiante esta farsa.
- Pois eu vou lhe dizer qual é o motivo. Eu menti para você quando disse que não queria seu filho. Eu quero sim. E muito. Só disse aquilo por que estava amedrontada. Ter um filho seu é o que mais quero
no mundo porque. . . eu. .. eu amo você, Reno.
A confissão de Kate saiu como um desabafo. Sua voz era rouca e entrecortada. Mas mesmo diante dessas palavras, Reno pareceu não
se comover.
- Como vou saber se não está dizendo isso porque percebeu as dificuldades que iria enfrentar para criar um filho sozinha?
- Não tenho como provar, Reno. ..
- Aí é que está. Como é que vamos provar que o que sentimos um pelo outro não tem nada a ver com a criança? Ou com La Reine? Ou com Solitaire?
- Reno. . . - Kate murmurou quase sem ar, o coração disparando,
ameaçando sufocá-la enquanto ela erguia os olhos até encontrar os dele.
- Não podemos provar nada, Kate. A única coisa que podemos fazer é confiar um no outro, só isso, - Falava tão próximo dela, que Kate podia sentir o calor perturbador do seu corpo. Então ele tomou seu rosto
delicadamente entre as mãos e perguntou: - Você confia em mim?
Kate agora tremia de emoção e alegria e seus olhos se encheram de lágrimas ao ver no rosto de Reno aquele sorriso meigo que tanto havia esperado receber.
- Como fui tola - murmurou, enterrando o rosto no peito dele. Era resposta suficiente para Reno e ele a aconchegou ternamente
nos braços, apertando-a contra seu corpo forte.
- Nós fomos dois bobos.
- Você me perdoa?
- Não há o que perdoar.
- Muitas vezes eu lhe disse coisas horríveis, fiz acusações injustas
e eu...
Com um beijo ele a silenciou. Kate abandonou-se completamente ao redor daquele beijo, enlaçando seus braços em volta da cintura de Reno. No calor daqueles dois corpos unidos e ofegantes, o amor finalmente
florescia, como o fruto maduro de uma colheita tardia.
- Eu amo você, Kate. Jamais duvide disso - sussurrou ele, tomando-a em seus braços e caminhando em direção ao quarto.
Naquela noite amaram-se apaixonadamente, sem restrições ou obstáculos, livres finalmente de qualquer constrangimento.
Mais tarde, deitada plácida e confortada ao lado de Reno, ela não pôde deixar de fazer uma observação:
- Afinal, parece que meu pai foi bem mais sensato do que nós.
Seis meses depois, quando o casamento de Kate e Reno completava um ano, Hubert Walton apareceu em Solitaire para dar as últimas instruções do testamento de Jacques Duval. Olhou rapidamente para Edwina,
Naomi e Reno, que já haviam sido avisados para aguardá-lo na fazenda, fixando o olhar, com grande afeição, no corpo arredondado de Kate sob o vestido de gestante.
- Por favor, tio Hubert, não faça mais suspense - pediu ela com voz ansiosa. - O senhor já sabe que não vamos mais nos divorciar, por isso, não vejo em que mais o testamento pode nos afetar.
- Seu pai escreveu duas cartas antes de morrer. Dependendo do resultado deste casamento, uma das duas deveria ser entregue hoje. Dizendo isso, abriu a pasta e tirou
dela um envelope.
- Muito bem, vou ler. "Meus queridos filhos. Tenho certeza de que esta vai ser a carta destinada a vocês dois neste dia, e isso é o que mais desejo. Sempre sonhei em unir La Reine e, Solitaire mas, muito
mais do que isso, sempre quis unir minha filha ao filho da mulher que mais amei em minha mocidade. Agora não é momento para sentimentalismos. É momento de desejar-lhes muita felicidade pela data de hoje
e de dizer-lhes que este é só o começo de uma longa vida de amor. Há ainda um ponto que quero esclarecer. E ele diz respeito a você, Reno. Quando seu pai abandonou sua mãe, deixando-a sem nada, eu quis
dar-lhe meu apoio. Depois, quando seu pai morreu, pedi-a em casamento pois ainda a amava. Mas Naomi, com sua nobreza inabalável, considerou que seria injusto aceitar o meu auxílio. Por isso, a única coisa
que me foi possível fazer foi comprar La Reine, preservando-a para você e, em segredo, financiar seus estudos a fim de preparará-lo para dirigi-la um dia."
- Não é possível! - Reno exclamou, perplexo, interrompendo a leitura. Levantou-se e foi até Naomi. - Você sabia disso, mamãe?
- Eu desconfiava que era ele quem pagava a escola. . . mas nunca tive certeza.
- Como permitiu uma coisa dessas!
- Você sabe muito bem o tipo de homem que era Jacques, meu filho. Seria impossível perguntar se era ele quem pagava seus estudos. E, caso ele confirmasse, seria ainda mais difícil convencê-lo a parar.
Reno continuou com os olhos arregalados, uma expressão de contrariedade no rosto. Kate estava apreensiva. Sabia que seu marido era extremamente orgulhoso e que ia ser difícil aceitar tudo aquilo passivamente.
- Será que posso continuar? - perguntou Hubert, quebrando o silêncio constrangedor que tomava conta da sala.
- Ainda tem mais? - Reno falou, irritado.
- Tem sim - respondeu o advogado, dando prosseguimento à leitura. "Conhecendo bem você, Reno, sei que deve
estar com o orgulho ferido e talvez até furioso. Mas procure
entender o meu ponto de vista. Pelo fato de ter sempre sentido um enorme afeto por sua mãe, você acabou sendo como um filho para mim. Se Naomi tivesse se casado comigo, eu poderia ter pago seus estudos
abertamente, sem fazer segredo. Mas as circunstâncias
eram diferentes e só me restou a possibilidade de fazê-lo clandestinamente. Acompanhei seus estudos com muito interesse, satisfeito por vê-lo progredir tanto. Mais tarde, quando você era um homem feito,
consegui meu intento de trazê-lo definitivamente de volta a La Reine. Você sempre dizia que eu era um velho esperto. Pois saiba que tinha toda a razão. Eu descobri que me restava
pouco tempo de vida e achei que a única forma plausível de induzi-lo a aceitar La Reine depois que eu morresse, seria colocar uma exigência no meu testamento.
Eu adivinhava os seus sentimentos por Kate e procurei, com essa exigência, forçá-lo a casar-se com ela. Agora tudo está como eu queria. Kate é dona de Solitaire, que sempre foi sua por direito, e você
possui La Reine, a fazenda que nunca deveria ter saído de suas mãos. E as duas terras e os dois corações estão unidos para sempre, meus queridos filhos. Peço que me perdoe, Kate, por tê-la usado para concretizar
meus planos. Mas saiba que só fiz isso porque tinha certeza absoluta de que você estaria segura ao lado de Reno. Agora não tenho mais nada a dizer ou a explicar, a não ser pedir a ambos que não me julguem
com muita severidade." Terminada a leitura da carta, fez-se um silêncio prolongado na sala, emoções desencontradas tomando conta de todas as pessoas. Os olhares se cruzavam, comovidos.
- Na verdade tudo que sou, devo à generosidade de seu pai Reno murmurou, abraçando-se a Kate.
- Não, meu amor. A generosidade dele já foi fartamente recompensada por tudo que você tem feito em benefício destas terras. Você conquistou palmo a palmo tudo o que hoje lhe pertence, inclusive eu e este
pequeno ser que pulsa em meu ventre.
Então as lágrimas deslizaram suavemente pelo rosto daqueles dois seres apaixonados, prenunciando a enorme felicidade que viria a seguir. Juntos, eles estavam começando uma nova vida.- 2 -
Yvonne Whittal
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