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PORQUE ÉS MINHA / Lisa Kleypas
PORQUE ÉS MINHA / Lisa Kleypas

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

PORQUE ÉS MINHA

 

                             Londres, outono de 1833

— Não posso me casar com ele. Não posso fazê-lo. — Ao contemplar lorde Clifton passeando pelo jardim em companhia de seu pai, a Madeline lhe revolveram as tripas.

Até que sua mãe, lady Mathews, respondeu-lhe, não se precaveu de que tinha falado em voz alta.

— Aprenderá a cuidar de lorde Clifton — disse secamente. Como era habitual, seu afiado rosto mostrava uma expressão séria de reprovação. Depois de conduzir sua vida com uma tendência a auto-imolação próxima ao martírio, tinha deixado claro que esperava que suas três filhas fizessem o mesmo. Os frios olhos castanhos, emoldurados em um rosto pálido e elegante, cravaram-se em Madeline. Exceto ela, que se ruborizava com facilidade, todas as mulheres Mathews compartilhavam idêntica brancura de tez.

— Espero que algum dia, quando tiver maturado — continuou Agnes— , agradeça que te tenha consertado tão estupendo enlace.

Madeline esteve a ponto de asfixiar-se devido a uma quebra de onda de ressentimento e sentiu que um rubor delator se instalava em suas bochechas, tingindo-as de um rosa brilhante. Durante anos tinha tentado ser o que seus pais esperavam dela: dócil, discreta, obediente... Mas já não podia conter seus sentimentos por mais tempo.

— Agradecer! — exclamou com amargura. — Por me casar com um homem mais velho que meu pai...

— Só um ou dois anos — a interrompeu Agnes.

—... que não compartilha nenhuma de minhas afeições e que me vê tão somente como a uma égua de cria...

— Madeline! — exclamou Agnes. — Semelhantes palavras não são dignas de ti.

— Mas é a verdade — replicou Madeline, esforçando-se por não elevar a voz. — Lorde Clifton tem duas filhas de seu primeiro matrimônio. Todo mundo sabe que quer ter filhos, e se supõe que eu sou a destinada a dar-lhe. Enterrar-me-á viva no campo ou, ao menos, até que ele morra, e logo serei muito velha para desfrutar de minha liberdade.

— Já está bem — disse sua mãe com rigidez. — Vejo que tenho que lhe recordar algumas circunstâncias, Madeline. É obrigação da mulher compartilhar os interesses de seu marido, não ao reverso. Não pode culpar lorde Clifton de que, casualmente, não se desfrute com atividades tão frívolas como a leitura ou a música. É um homem sério, com uma grande influencia política, e espero que se dirija a ele com o respeito que merece. No referente à sua idade, chegará a dar valor a sua sabedoria e terminará por procurar seu conselho em todos os aspectos da vida. Para uma mulher, não há outro caminho para a felicidade.

Madeline apertou os punhos e observou com tristeza através da janela a volumosa figura de lorde Clifton.

— Se ao menos me tivessem deixado alternar em sociedade um ano, possivelmente me tivesse sido mais fácil aceitar o compromisso. Nunca fui a um baile ou assistido a um jantar ou uma festa. Tive que seguir no colégio, apesar de todas minhas amigas já tivessem ido. Inclusive minhas irmãs foram apresentadas em palácio...

— Não foram tão afortunadas como você — respondeu Agnes com as costas mais rígidas que uma tábua.

— Economizar-te-á todas as preocupações e inconvenientes da temporada, porque já está comprometida com o melhor e mais admirável partido da Inglaterra.

— Essa é sua idéia e dele — replicou Madeline entredentes, ficando tensa, pois nesse momento seu pai e lorde Clifton entravam na habitação, — não a minha.

Igual a qualquer outra garota de dezoito anos, tinha fantasiado casando-se com um galhardo e arrumado jovem que se apaixonasse loucamente dela. Lorde Clifton se achava longe do que se pudesse imaginar daquelas fantasias. Era um cinquentão baixo e fornido, de bochechas bamboleantes, com o rosto sulcado por profundas rugas, a cabeça sem cabelo e lábios grossos e úmidos; todo o qual evocava em Madeline a imagem de uma rã.

Se tão somente tivesse senso de humor, uma natureza amável ou algo que ela pudesse encontrar sequer um pouco atrativo...! Mas Clifton não era mais que um pedante sem imaginação, com uma vida guiada pela rotina: a caça e as carreiras, a administração da fazenda, os ocasionais discursos na Câmara dos Lores... E o que ainda era pior: sentia um injustificado desprezo pela música, a arte, a literatura... Tudo aquilo, enfim, por isso Madeline suspirava.

Ao vê-la no outro extremo da habitação, Clifton se aproximou com um sorriso carnudo e as comissuras da boca brilhantes de umidade. Madeline odiava a forma em que a olhava como quem observa um objeto que deseja comprar.

Por inexperiente que pudesse ser, sabia que a queria por ser jovem saudável e presumivelmente fértil. Igual a sua esposa, viveria em um estado mais ou menos permanente de gravidez até que Clifton se visse satisfeito pelo número de filhos que lhe desse. Nada esperava do coração, a mente ou a alma do Madeline.

— Minha querida senhorita Matthews — disse com voz rouca e profunda, — cada dia está você mais encantadora.

Madeline pensou que inclusive tinha voz de rã e teve que reprimir um sorrisinho histérico. As pegajosas mãos do Clifton se fecharam sobre as dela e as atraiu até seus lábios. Teve que fechar os olhos e armar-se de força para suportar o calafrio de asco que a percorreu ao sentir os inchados lábios roçar o anverso de seu pulso. Clifton, confundindo a reação do Madeline com uma sorte de recato virginal — possivelmente inclusive de excitação, — olhou-a com um sorriso ainda mais amplo.

As desculpas aduzidas ante a petição de que dessem um passeio juntos não demoraram a serem previstas pelo entusiasta beneplácito de seus pais, determinados a ter na família a um homem de tais meios e influência; Lorde Clifton obteria deles quanto desejasse.

Depois de agarrar a contra gosto o braço de seu prometido, Madeline saiu a passear pelo jardim, de uma geométrica e meticulosa disposição de sebes de espinheiro alvo, pulcros atalhos de areia e canteiros de flores.

— Desfruta de suas férias escolares? — perguntou lorde Clifton, enquanto os pequenos, mas pesados pés faziam ranger o cascalho do atalho.

— Sim, obrigado, milord — respondeu Madeline sem deixar de olhar o terreno que se estendia ante eles.

— Sem dúvida tem que estar desejando abandonar o internato, tal e como já têm feito suas companheiras — observou Clifton.

— A meu pedido, seus pais acessaram a mantê-la ali dois anos mais que às outras garotas.

— A pedido seu? — repetiu Madeline, assustada pela influência que parecia ter sobre seus pais.

— Mas por quê?

— Pareceu-me que seria benéfico para você, querida minha — afirmou com sorriso auto-suficiente.

— Tinha que polir-se e disciplinar-se. À fruta perfeita terá que lhe dar tempo para que mature. Agora já não é tão impetuosa como antes, né? Tal e como pretendia se feito mais paciente.

«Não acredito», tivesse querido lhe espetar Madeline, mas algo a obrigou a manter os lábios selados. Aqueles dois anos a mais marcados pelo rígido confinamento no internato para jovenzinhas da senhora Allbright quase a tinham feito louca. Também tinham propiciado que sua natureza rebelde e fantasiosa se convertesse em algo selvagem e ingovernável. Dois anos antes, o acanhamento e a falta de caráter lhe teriam impedido de opor-se ao desejo de seus pais de casá-la com o Clifton. Agora, entretanto, as palavras «paciência» e «obediência» tinham desaparecido de seu vocabulário.

— Trouxe-lhe algo — disse Clifton.

— Um obséquio que, estou seguro, esteve esperando.

Levou a Madeline até um banco de pedra e se sentou com ela, pressionando o flanco da garota com seu corpo fofo. Madeline aguardou sem dizer uma palavra embora, ao final, seu olhar se encontrou com o do velho. Clifton sorriu como se fosse um tio indulgente que conversa com sua travessa sobrinha.

— Tenho-o no bolso — murmurou, indicando o lado direito da jaqueta de lã marrom.

— Por que não o tira você mesma, como inteligente gatinha que é?

Nunca lhe tinha falado assim antes, pois nos anteriores encontros sempre tinham estado convenientemente acompanhados.

— Aprecio sua amabilidade, mas não é necessário que me dê de presente nada, milord — respondeu Madeline, e juntou as mãos com força, entrelaçando os dedos.

— Insisto. — Moveu o bolso da jaqueta para ela.

— Procure seu presente, Madeline.

Com rigidez, colocou a mão no bolso até que deu com um aro diminuto. Quando tirou o objeto e o contemplou, seu coração começou a golpear em seu peito com um ritmo endiabrado. Tratava-se de um pequeno anel de ouro, de desenho truncado e adornado com uma pequena e escura safira. Era o símbolo de sua futura escravidão como esposa do Clifton.

— Pertenceu a minha família durante gerações — explicou lorde Clifton.

— Minha mãe o levou até o dia de sua morte. Gosta?

— Tem encanto — respondeu Madeline com desdém, sentindo uma forte aversão pelo objeto.

Clifton agarrou o anel e o pôs no dedo da sua prometida. Como ficava muito folgado, Madeline teve que fechar o punho para evitar que lhe caísse.

— Agora, céu, já me pode agradecer.

Rodeou-a com seus pesados braços, apertando-a com força contra seu peito fornido. Desprendia um aroma fedido e rançoso, similar ao das peças de caça que, para sua maturação, passam muito tempo penduradas. Sem dúvida, lorde Clifton opinava que a frequência no banho era um prazer desnecessário.

Madeline tomou ar com reprimida amargura.

— Por que se dirige para mim como «céu» ou «gatinha»? — perguntou com voz trêmula e desafiante.

— Eu não gosto que me chamem essas coisas. Sou uma mulher, uma pessoa.

O sorriso de lorde Clifton descobriu uma enorme dentadura amarelada. Uma rajada de seu pestilento fôlego impactou na cara de Madeline, que não pôde reprimir uma careta de desagrado.

Antes de responder, Clifton aumentou a pressão de seu abraço.

— Sabia que antes ou depois tentaria me desafiar... Mas a minha idade, já se sabe todos os truques. Eis aqui a recompensa a sua rabugice, minha indisciplinada gatinha.

Clifton apertou seus fofos lábios contra os de sua prometida, selando com brutalidade a boca da jovem com o primeiro beijo que recebia. Os braços do Clifton, como aros de um tonel, fecharam-se ao redor de Madeline, que se manteve imóvel e silenciosa, estremecida pelo asco, fazendo provisão de toda sua fortaleza para suportar aquele contato sem gritar ou chorar.

— Verá que sou um tipo muito viril — afirmou Clifton entre ofegos, ao mesmo tempo em que mostrava seu orgulho pela conquista.

— Não sou dos que se andam com poesias ou respiram os ridículos desejos das mulheres. Faço o que me agrada, e verá como acabará lhe gostando em sobremaneira.

Com a mão gordinha acariciou a bochecha, pálida e tensa, de sua prometida.

— Bonequinha — murmurou.

— Jamais vi uma cor de olhos como o seu... Igual ao âmbar.

Enroscou os dedos em uma mecha solta do cabelo castanho claro de Madeline e o esfregou repetidamente.

— Como anseio que chegue o dia em que seja minha!

Madeline apertou os dentes para evitar que lhe tremessem as mandíbulas. Queria lhe gritar, lhe dizer que jamais lhe pertenceria, mas o sentido do dever e a responsabilidade que lhe tinham inculcado de berço lhe fizeram calar.

Clifton deve ter notado o involuntário calafrio.

— Estás com frio — disse em um tom que bem poderia ter utilizado para dirigir-se a um menino pequeno.

— Vamos! Entremos antes que se resfrie.

Aliviada, levantou-se com presteza e se dirigiu com ele para o salão.

Assim que lorde e lady Mathews viram o anel no dedo de Madeline prorromperam em risadas e felicitações; eles, que tinham por costume não mostrar qualquer entusiasmo por considerar que se tratava de uma emoção plebéia.

— Que obséquio tão generoso! — exclamou Agnes, cujo rosto, geralmente melancólico, resplandecia agora de prazer.

— E que primor de anel, lorde Clifton!

— Isso sei — respondeu sem modéstia o aludido, a quem a satisfação provocou um tremor na parte pendente de suas bochechas.

Madeline, com um sorriso leve e gélido, contemplou como seu pai fazia passar lorde Clifton à biblioteca para celebrá-lo com uma taça. Logo que se certificou de que não podiam as ouvir, arrancou o anel da mão e o atirou ao tapete.

— Madeline — exclamou Agnes, — recolhe-o imediatamente! Não tolerarei semelhante chilique de menina pequena. De agora em diante, levará sempre o anel... E se sentirá orgulhosa de levá-lo.

— Não me serve — respondeu Madeline com frieza. A mera lembrança da sensação provocada pelo úmido beijo do Clifton lhe levou a esfregar o rosto com a manga do vestido até que os lábios e o queixo avermelharam.

— Não me casarei com ele, mamãe. Antes me suicido.

— Não dramatize Madeline. — Agnes se agachou e recolheu o anel, sustentando-o como se seu valor fora incalculável.

— Espero que o matrimônio com um homem tão sério e prosaico como lorde Clifton acabe com seus grosseiros arrebatamentos.

— Prosaico — murmurou Madeline sorrindo com amargura. Não conseguia acreditar que sua mãe pudesse resumir todas as repulsivas qualidades do Clifton com uma palavra tão corriqueira.

— Justo a virtude que todas as garotas sonham que entesoure o homem que as despose.

Por uma vez se sentiu aliviada de voltar para o internato, aonde, à exceção do professor de baile que ia uma vez por semana, não encontraria homem algum. Madeline percorreu o estreito corredor com uma caixa de chapéus na mão; o resto dos pertences o subiriam mais tarde. Ao chegar à habitação que compartilhava com sua melhor amiga, Eleanor Sinclair, encontrou-se com uma pequena multidão de garotas tombadas nas camas ou recostadas nas cadeiras. Como Madeline era a maior de todas as pupilas do internato da senhora Albright, e Eleanor, com seus dezessete anos, a que a seguia em idade, estavam acostumadas a receber frequentes visitas das mais jovens, que viam nelas um modelo de maturidade e humanidade.

As garotas pareciam compartilhar uma lata de bolachas, enquanto uma gravura colorida, em mãos da Eleanor, arrancava de suas bocas todo tipo de exclamações. Ao advertir a chegada do Madeline, sua amiga lhe dedicou um sorriso de bem-vinda.

— Como está lorde Clifton? — perguntou sabedora desde antes da partida do Madeline do planejado encontro com seu prometido.

— É até pior do que imaginava — replicou Madeline dirigindo-se a sua estreita cama, situada a seguir da de Eleanor. Deixou cair a caixa de chapéus no chão e se sentou no bordo do colchão, desejando que as garotas abandonassem o quarto para poder falar em privado com sua amiga.

«Em seguida», prometeu o olhar amistoso da Eleanor, enquanto as outras garotas permaneciam apinhadas em excitado círculo.

— Mas lhe olhem! — exclamou uma delas.

— Podem imaginar como seria realmente uma entrevista com ele?

— Desmaiaria — confessou alguém, provocando a risada tola das demais.

— É o mais bonito...

— Parece um salteador de caminhos...

— Sim, tem algo no olhar...

Tal inundação de suspiros femininos provocou um reprovador movimento de cabeça no Madeline.

— Pelo amor de Deus! Pode-se saber o que estão olhando? — perguntou, sentindo que seu pesar era substituído por uma crescente curiosidade.

— Deixem que o veja Madeline...

— Mas se eu ainda não o vi bem...

— Toma Madeline. — Eleanor lhe entregou a gravura.

— Deu-me isso minha irmã maior, é a gravura mais procurada de Londres. Todo mundo quer uma cópia.

Madeline observou a imagem. Quanto mais a olhava, mais fascinada se sentia. A cara daquele homem poderia ter pertencido a um rei, a um capitão de navio, a um delinquente... a alguém poderoso... a alguém perigoso. Não se tratava de uma beleza clássica, os rasgos eram muito descarados. Mas uma qualidade leonina se desprendia daquela cara magra, daquele olhar escrutinador e penetrante, da ampla boca que desenhava o esboço de um sorriso irônico. Na gravura, a cor do cabelo era de um castanho impreciso, mas a cabeleira parecia espessa e ligeiramente encrespada.

As demais garotas esperavam que, igual a elas, ruborizasse-se e rompesse a rir como uma idiota, mas Madeline se absteve de mostrar emoção alguma.

— Quem é? — perguntou com calma a Eleanor.

— Logan Scott.

— O ator?

— Sim, o dono do teatro Capital.

Ao voltar a contemplá-lo, um estranho sentimento se apoderou de Madeline. Tinha ouvido falar do Logan Scott, mas nunca antes tinha visto um retrato dele. A seus trinta anos, Scott era um ator de fama internacional, que superava em muito as convencionais atuações do David Garrick e Edmund Kean. Alguns asseguravam, inclusive, que ainda não tinha alcançado o zênite de suas faculdades. Entre suas aptidões destacava a voz, da que se dizia que era capaz de acariciar os ouvidos como o veludo ou de inflamar o ar com sua faiscante intensidade.

Também corriam rumores de que as mulheres lhe perseguiam aonde ia, cativadas não só por suas magníficas interpretações de heróis românticos, mas também, sobre tudo, pelas de vilãos desalmados. Fazendo do Yago ou de Barrabás era insuperável... Era o sedutor, o traidor e o manipulador por excelência, e as mulheres lhe adoravam por isso.

Um homem na flor da vida, atrativo, culto... Tudo o que não era lorde Clifton. Madeline se sentiu rasgada por um veemente e repentino desejo. Logan Scott habitava em um mundo do qual ela nunca participaria. Jamais chegaria a conhecê-lo; nem a ele, nem a ninguém que lhe parecesse... Nunca paqueraria, nem riria, nem dançaria. Nunca seria seduzida pelas ternas palavras de um homem nem pelas carícias de um amante.

Ao olhar fixamente a cara do Logan Scott, uma idéia louca e selvagem brotou em seu pensamento com tal intensidade que lhe tremeram as mãos.

— O que te passa Madeline? — perguntou Eleanor preocupada, enquanto lhe retirava a gravura das mãos.

— Há-te posto branca de repente, e tem uma expressão tão estranha...

— Só é cansaço — disse Madeline com um forçado sorriso. Queria estar sozinha, necessito de tempo para pensar.

— Foi um fim de semana de muita tensão. Possivelmente, se descansasse um momento...

— É obvio. Vamos, garotas... Seguiremos a reunião na habitação de outra. — Considerada, Eleanor fez sair às moças e, antes de fechar a porta, deteve-se.

— Madeline necessita algo?

— Não, obrigado.

— Dou-me conta de que ter visto lorde Clifton este fim de semana foi uma dura prova. Oxalá pudesse te ajudar de algum jeito!

— Já o tem feito, Eleanor.

Madeline se tombou de flanco e encolheu as pernas até o peito, de maneira que as abas de seu singelo uniforme escolar se amassaram ao redor de seu corpo. Os pensamentos se amontoavam em sua mente e apenas se precaveu da silenciosa saída de sua amiga.

Logan Scott... Um homem cujo apetite pelas mulheres era quase tão legendário como seu talento como ator. Quanto mais voltas deu a seu dilema, mais se foi convencendo de que a solução se encontrava no Scott. Utilizá-lo-ia para fazer-se tão indesejável a olhos de lorde Clifton, que a este não ficasse outro remédio que cancelar o compromisso. Tinha decidido que teria uma aventura com o Logan Scott. Sacrificar sua virgindade resolveria todos os problemas. Se o preço a pagar era ter que viver o resto de seus dias com o opróbrio de ser considerado um objeto usado, pois muito bem. Algo era preferível a converter-se na esposa do Clifton.

Começou a meditar de maneira febril. Falsificaria uma nota de sua família, em que solicitaria que voltasse do internato um semestre antes. Durante as próximas semanas, seus pais dariam por certo que estava a salvo na escola, em tanto que a senhora Albright pensaria que tinha voltado para casa. Deste modo, deixar-lhe-iam as mãos livres para levar a cabo seu plano.

Iria ao teatro Capital e se apresentaria ao senhor Scott. Depois lhe informaria de sua boa disposição a deitar-se com ele. Madeline esperava que o problema tivesse uma rápida solução. De todos é conhecido que os homens, por honoráveis que pareçam, desejam seduzir às lindas jovenzinhas. E um homem com a reputação do Scott não teria que mostrar, em matéria de pecado e dissipação, nenhuma sombra de dúvida.

Uma vez perdida sem remédio, voltaria para casa e aceitaria qualquer castigo que seus pais lhe impuserem. O mais provável é que fora desterrada a casa de algum parente no campo. Lorde Clifton a desprezaria e assim se livraria, de uma vez por todas, de seus cuidados. O método escolhido não seria fácil nem prazenteiro, mas não cabia outra possibilidade.

Possivelmente não seria tão mau viver como uma solteirona uma vez culminados seus propósitos. Sobrar-lhe-ia tempo para ler e estudar, e ao cabo de uns poucos anos, mamãe e papai lhe dariam permissão para viajar. Tentaria envolver-se em obras benéficas e fazer algo bom pela gente desfavorecida. Faria o melhor que se pode fazer: «Ao menos — pensou com sombria determinação, — escolheria seu destino antes que este a manejasse a seu gosto.»

 

Madeline, com a mala agarrada pela alça de pele, deteve-se ante a porta traseira do teatro Capital. Atravessar Londres tinha sido uma experiência aterradora, ao mesmo tempo em que excitante. O ruído das carruagens, os cavalos e os vendedores ambulantes tinham assediado seus ouvidos, enquanto os orifícios nasais lhe enchiam de uma confusa mescla de aromas: esterco, animais e imundícies, o aroma a levedura de uma padaria próxima, o da cera quente de um fabricante de velas...

A primeira hora da manhã tinha empenhado o anel que lhe tinha dado lorde Clifton e, agora, o bolso de seu vestido transbordava com o peso das moedas. Por receio dos ladrões de carteira, manteve-se bem amassada em sua singela capa cinza, mas ninguém tinha mostrado a intenção de aproximar-se. Agora, depois de ter chegado ao Capital, sua aventura estava a ponto de começar.

O teatro parecia constar de quatro ou cinco edifícios, que deviam albergar as oficinas e os armazéns. Depois de entrar no edifício principal, onde se localizava o cenário, caminhou através de um labirinto de corredores e quartos de ensaio. Podia ouvir como a gente falava, cantava, tocava instrumentos e discutia; a tentação de espionar pelas portas meio abertas lhe pareceu muito quase irresistível.

Finalmente chegou até uma grande habitação repleta de móveis velhos, que incluíam uma mesa com sanduíches ressecados, um queijo murcho e fruta. Atores e atrizes de diferentes idades vadiavam pela estadia, falando e bebendo chá. Acostumados ao parecer a contínuas idas e vindas, logo não emprestaram atenção a Madeline. Entretanto, um jovem empregado de ar soturno deixou o que estava fazendo e, curioso, ficou olhando-a fixamente de um modo amistoso.

— Deseja algo, senhorita? — perguntou.

Madeline sorriu, tentando encobrir seu nervosismo.

— Procuro o senhor Scott

— Ah! — Olhou-a intrigado e sacudiu a cabeça em direção à porta mais distante.

— Agora está ensaiando. O cenário é por ali.

— Obrigado.

— Não gosta que lhe interrompam — advertiu o rapazola a Madeline quando esta se dirigia já para a porta do cenário.

— Ah, sim? Não lhe incomodarei — replicou com alegria, e sujeitando a mala com uma mão abriu a porta com a que ficava livre. Deslizou-se a empurrões através de cenários móveis e bastidores de lona, até que chegou junto ao bastidor direito do cenário. Depois de deixar a mala no chão, aproximou-se da abertura de uma cortina de veludo verde e contemplou a sala.

Com uma capacidade para mil e quinhentas pessoas sentadas, o teatro Capital era um enorme e espaçoso edifício. Umas fileiras de sólidas colunas douradas com incrustações de cristal esmeralda percorriam os muros. Os camarotes e assentos ordenados conferiam ao auditório um esplendor aveludado, em tanto que os candelabros de cristal arrojavam sua brilhante luz sobre os delicados afrescos que adornavam o teto.

O chão do cenário estava inclinado, de maneira que, fossem quais fossem as localizações dos atores, pudesse-se ver todos por igual. As pesadas vigas mostravam as marcas indeléveis deixadas por botas, sapatos e cenários de milhares de representações. Nesse momento se levava a cabo um ensaio. Dois homens caminhavam pelo cenário com floretes na mão, discutindo a coreografia de uma cena de luta. Um deles, loiro e pálido, tinha a constituição esbelta e ágil de um felino. «Não está seguro do que quer...», estava dizendo com seriedade enquanto golpeava a ponta de borracha do florete contra a lateral do sapato.

Quando o outro homem lhe respondeu, a Madeline pareceu escutar a voz mais peculiar que jamais tinha ouvido: profunda, misteriosa, sofisticada... A voz, em suma, de um anjo cansado.

— O que quero Stephen, é que ponha um pouco de paixão na interpretação. Se não me equivoco, alberga a intenção de matar ao homem que esteve a ponto de seduzir a sua prometida. Entretanto, sujeita esse florete igual uma anciã agarraria uma agulha de fazer ponto.

Fascinada, Madeline ficou olhando de marco em marco. Logan Scott era mais alto do que esperava, mais carismático, mais... tudo. Seu corpo, esbelto e musculoso, estava coberto por uma singela camisa branca desabotoada no pescoço e umas calças negras, através dos quais se adivinhavam umas pernas largas e um estreito quadril. A gravura que tinha visto Madeline nem por indício o fazia justiça: a cor do cabelo, de um castanho escuro com brilhos vermelhos, a curva sardônica da ampla boca, o tom avermelhado da pele...

De algum jeito seu porte refinado se temperava com um pingo de brutalidade, dando a entender que a principesca fachada podia desaparecer em qualquer momento e deixar ao descoberto a um homem capaz de quase tudo. Madeline pestanejou com inquietação. Tinha esperado que Scott fosse uma espécie de elegante libertino, um mulherengo encantador, mas não via nele nenhum rasgo de desenvoltura ou de elegância.

— Senhor Scott, temo que se não me conter durante esta última parte da coreografia, não terá ocasião de parar o golpe... — protestou o ator loiro.

— Não conseguirá superar minha guarda — assegurou Scott com desconcertante auto-suficiência.

— Dê tudo o que tenha Stephen... ou darei o papel a alguém que o faça.

Stephen apertou a boca. Estava claro que o sarcasmo do Scott tinha dado no alvo.

— De acordo, pois.

Levantou o florete e entrou a fundo, esperando pegar a Scott com a guarda baixa.

Acompanhado de uma breve gargalhada, Scott parou o golpe com perícia. Os floretes entrechocaram-se com estrépito quando os dois homens se lançaram a um frenético intercâmbio de golpes.

— Mais, Stephen — dizia Scott, ofegando por causa do exercício.

— Não perdeu alguma vez a uma mulher? Não quis matar a alguém por isso?

— Sim, maldito seja! — Como tinha pretendido Scott, o gênio do outro ator aflorou.

— Então, demonstre-me isso.

Com uma expressão de resolução no rosto velado pelo suor, Stephen explodiu em uma inundação de movimentos. Scott elogiava seus esforços com breves expressões, ora retirando-se, ora atacando com uma fileira de fintas e estocadas. Madeline nunca imaginou que um homem tão grande pudesse mover-se com semelhante graça. A visão do Scott a tinha deixado literalmente sem fôlego. Era poderoso, imponente e com um horripilante autocontrole. Fascinada pelo intenso combate, e querendo ter uma melhor visão, Madeline se adiantou.

Consternada, notou como um dos pés tropeçava com a mala que tinha depositado no chão e provocava sua queda sobre uma pequena mesa em que se empilhavam objetos de acessórios. Um candelabro, um florete de reposição e algumas peças de porcelana, que se fizeram pedacinhos, caíram ao chão com estrépito. A atenção dos atores se dividiu. A cabeça do Logan Scott girou com rapidez para o bastidor direito. Ao mesmo tempo, Stephen, incapaz de deter sua inércia, entrou a fundo com seu florete.

Scott, com um grunhido surdo, ficou sentado no chão sobre seu duro traseiro, a enorme mão apertada contra o ombro contrário. O silêncio que seguiu tão somente se viu turbado pela respiração entrecortada dos atores.

— Que demônios...! — murmurou Stephen, enquanto buscava com o olhar as sombras do bastidor onde Madeline lutava por incorporar-se. Voltou seu olhar para o Scott, que mostrava uma estranha expressão.

— Stephen — disse Scott com um tom de aspereza na voz, — parece que seu florete perdeu a ponteira.

E conforme o dizia, uma efusão escarlate se esparramou entre seus dedos e a camisa.

— Meu Deus! — exclamou Stephen com expressão mudada pelo horror.

— Não sabia... Não foi minha intenção...

— Não passa nada — respondeu Scott.

— Foi um acidente. Sua interpretação foi exatamente tal como eu queria. Faça-o sempre assim.

Stephen lhe dedicou um intenso olhar de incredulidade.

— Senhor Scott — disse com voz tremente, debatendo-se na aparência entre o desespero e a gargalhada, — como pode seguir me dirigindo aí sentado, enquanto sangra sobre o cenário? Às vezes me pergunto se você é humano.

Presa do pânico retirou a vista do jorro de sangue que se estendia pela camisa do Scott.

— Não se mova. Conseguirei ajuda... Mandarei chamar um médico...

— Não há necessidade de nenhum médico — assegurou Scott laconicamente, mas Stephen já tinha abandonado o cenário a toda pressa. Resmungando, tentou ficar em pé, mas voltou a cair ao chão com o rosto lívido.

Madeline tirou a capa e agarrou seu cachecol de lã.

— Aqui — disse, saindo a toda pressa do bastidor e ajoelhando-se junto a ele. Fez uma bola com o cachecol e a apertou com força contra o ombro de Scott.

— Isto ajudará a deter a hemorragia.

A dor da pressão obrigou Scott a inspirar com força.

Seus rostos estavam muito perto, e Madeline se surpreendeu olhando fixamente sob a sombra de umas espessas pestanas negras, os olhos mais azuis que jamais tinha visto. Margeados de uma azul safira, as íris pareciam conter todos os tons dessa cor, desde o das mais escuras profundidades do oceano até o do mais pálido céu invernal.

Madeline notou com estranheza que lhe faltava a respiração.

— Lamento... — deteve-se e, envergonhada, olhou por cima do ombro o montão de peças quebradas de porcelana.

— Tudo isso foi um acidente. Pelo geral não sou tão desajeitada, mas estava contemplando o ensaio do bastidor e tropecei...

— Quem é você? — perguntou Scott com frieza.

— Madeline Ridley — respondeu, utilizando o sobrenome de solteira de sua mãe.

— O que está fazendo aqui, além de interromper meu ensaio?

— Vim porque... — Madeline voltou a encontrar-se com seu olhar e, de repente, pareceu-lhe que não tinha mais remédio que confessar suas intenções de uma maneira franca e descarada. Tinha que captar sua atenção de algum jeito, conseguir distinguir-se das numerosas mulheres que deviam arrojar-se aos seus braços todos os dias —... porque quero ser sua próxima amante.

Nocauteado pela surpresa, Scott ficou olhando de marco em marco como se falasse em um idioma estranho. Pensou sua resposta com atenção.

— Não tenho aventuras com garotas como você.

— É por minha idade?

Nos olhos do Scott havia um brilho de diversão... não amistosa, a não ser zombadora.

— Entre outras coisas.

— Sou mais velha do que aparento — respondeu Madeline com rapidez.

— Senhorita Ridley — sacudiu a cabeça com aparente incredulidade, — tem você uma maneira única de apresentar-se a um homem. Sinto-me adulado por seu interesse, mas, embora a minha vida dependesse disso, não lhe tocaria um cabelo. Agora, se me desculpar...

— Possivelmente necessite mais tempo para pensar em minha proposta — disse Madeline.

— Enquanto isso ficaria muito agradecida se considerasse a possibilidade de me dar um emprego. Tenho aptidões que poderiam ser de grande utilidade no teatro.

— Não o duvido — respondeu Scott com secura, — mas nenhuma que eu necessite.

— Recebi uma esmerada educação em literatura e história, também falo francês com fluidez e desenho e pinto bastante bem. Estaria disposta a varrer, esfregar, tirar o pó... algo que seja necessária.

— Senhorita Ridley, estou enjoado, e não estou seguro se é por causa da perda de sangue ou de puro assombro... Em qualquer caso, pareceu-me muito divertida. — ficou em pé e sua cara recuperou a cor.

— Será você recompensada pela perda do cachecol.

— Mas eu... — começou a discutir.

Em turba, vários membros da companhia teatral, alertados do acidente, irromperam no cenário.

— Não é nada — assegurou Scott, visivelmente zangado pelas expressões de preocupação.

— Não, não necessito ajuda para caminhar, a minhas pernas não passa nada.

E se dirigiu ao camarim rodeado de uma nuvem de carpinteiros, músicos, pintores, bailarinos e atores, todos decididos a lhe ajudar.

Madeline ficou olhando fixamente. Que homem tão impressionante! Parecia um membro da realeza, embora muito provavelmente a maioria dos monarcas e princesas não fosse abençoada com tamanha beleza e uma compleição tão esplêndida. Estava segura de que Scott era o homem adequado para ter uma aventura. Não lhe coube a menor dúvida de que seria algo extraordinário: uma experiência única na vida.

Para falar a verdade, não tinha mostrado muita impaciência por deitar-se com ela..., mas Madeline não tinha terminado ainda. Esgotá-lo-ia com sua insistência, dedicaria cada minuto do dia a conseguir fazer-se imprescindível. Acabaria por lhe oferecer tudo que procurasse em uma mulher.

Sumida em seus pensamentos, Madeline voltou para bastidor onde, junto à mesa caída, jaziam dispersados os restos da porcelana quebrada. Sem dúvida havia um sem-fim de coisas que fazer no teatro Capital, e se perguntou se haveria alguém mais a quem pudesse dirigir-se em busca de trabalho. Depois de levantar a mesa do chão, começou a recolher as partes da louça.

Desde algum lugar próximo, chegou-lhe a voz suave e melodiosa de uma mulher.

— Cuidado, menina, ou te cortará. Já varrerão isso mais tarde.

Madeline colocou a porcelana sobre a mesa e se voltou para contemplar a uma mulher loira, algo maior que ela e de uma beleza surpreendente – o rosto, de porte aristocrático, os olhos azuis, o sorriso cálida... Estava grávida de vários meses.

— Olá — saudou Madeline, aproximando-se com curiosidade.

— É você atriz?

— Fui até recentemente — reconheceu com presteza.

— Entretanto, neste momento, e até que nasça o menino, limito-me a exercer de vice-diretora.

— Ah...!

Os olhos de Madeline se abriram como pratos ao precaver-se de que aquela mulher só podia ser a duquesa do Leeds, a famosa atriz que tinha compartilhado pôster com o senhor Scott em todo tipo de obras, desde comédias atrevidas até tragédias shakespearianas. Embora se dissesse que o duque do Leeds era bastante rico, tudo parecia indicar que tinha optado por não opor-se à paixão pelo teatro e a florescente carreira de sua esposa.

— Excelência, é uma honra conhecê-la. Rogo-lhe, por favor, que me perdoe pelo problema que ocasionei...

— Eu não me preocuparia — a tranquilizou.

— Aqui ocorrem acidentes todos os dias.

Olhou a Madeline intrigada.

— Pareceu-me ouvir que pedia emprego ao senhor Scott.

— Sim, excelência — reconheceu ruborizada Madeline, enquanto se perguntava que mais teria ouvido. Entretanto, a expressão da mulher era neutra e carente de malícia.

— Me acompanhe ao escritório... Como te chama?

— Madeline Ridley.

— Bom, Madeline, não é o tipo de garota que está acostumado a vir ao bairro dos teatros em busca de trabalho. Bem vestida, claramente educada... — Menina, não terá escapado de casa, verdade?

— Oh não — respondeu Madeline. Não era exatamente uma mentira, posto que o tivesse feito da escola, e não de casa, embora não por isso deixou de sentir-se incômoda pelo engano. Esmerou-se em escolher do modo mais adequado as palavras de sua resposta.

— As circunstâncias me obrigaram a procurar trabalho onde for... E esperava que pudesse ser aqui.

— Por que no Capital? — perguntou a duquesa, conduzindo-a entre as decorações até as dependências administrativas.

-— Sempre me interessou o teatro e ouvi e li muito sobre o Capital. Em realidade, nunca assisti a uma representação.

— Nenhuma vez? — À mulher pareceu lhe assombrar a afirmação.

— Só a obras de aficionados no colégio.

— Quer ser atriz?

Madeline negou com a cabeça.

— Estou convencida de que não tenho talento dramático e eu não gostaria de atuar diante de ninguém. Só em pensar me tremem as pernas.

— Que lástima — comentou a duquesa, enquanto entrava em um pequeno escritório presidido por uma brilhante escrivaninha de mogno onde que se empilhavam tramas e críticas. Alinhadas contra as paredes havia toda uma série de caixas repletas de livros e papéis.

— Uma garota com esse rosto seria uma boa atração para o Capital.

O elogio fez pestanejar a uma confundida Madeline. Sempre tinha acreditado que tinha um atrativo moderado, mas nada mais. Havia infinidade de garotas bem dotadas, que superavam a modéstia e magreza de sua figura, garotas com rasgos mais chamativos que uns olhos castanhos e um cabelo cor mel como o seu. Sua mãe, Agnes, sempre havia dito que a bonita da família era sua filha maior, Justine, enquanto que a mais inteligente era Althea. A menor, ou seja, Madeline, não se destacava por nada em particular.

Madeline sempre foi consciente de que deveria ter sido um menino. Devido aos problemas com os partos, na terceira gravidez o doutor havia dito a Agnes que aquele seria o último. Contra seu desejo, de novo foi menina, a terceira, lhe dando o maior desgosto de sua vida. Madeline não tinha deixado nunca de sentir-se culpada por isso. Se tão somente houvesse possuído algum dom extraordinário que tivesse orgulhado a seus pais... Mas até o momento não tinha se destacado em nada.

A duquesa fez um gesto a Madeline para que se sentasse em uma cadeira junto a ela.

— Me diga o que sabe fazer e verei o que posso fazer com o assunto de seu emprego.

Falaram durante uns minutos, dando tempo a que lhes trouxessem da sala de descanso uma bandeja com o chá. A duquesa falava com rapidez, sorria frequentemente e dava mostras de uma contagiosa e ilimitada energia. A uma mulher de sua fama lhe teria resultado muito fácil intimidar a outros; entretanto, era singela e afetuosa. Ao longo de sua acomodada vida, Madeline nunca tinha conhecido a uma mulher como a duquesa do Leeds. Sua mãe, as professoras da escola — com suas leituras sobre o decoro — e suas amigas — que sabiam tão pouco do mundo como isso — compunham todo seu mundo de relações femininas.

— Madeline — disse a duquesa, — como pode deduzir por meu estado, durante os próximos meses verei muito limitadas minhas atividades. Eu gostaria de ter uma ajudante que me trouxesse e me levasse as coisas e que mantivesse o escritório arrumado... Há tantas coisas para fazer que acaba nunca tendo tempo. Suas habilidades como bordadeira podem lhe ser muito úteis à senhora Littleton, encarregada de criar e manter o vestuário. E, embora o senhor Scott o tenha negado categoricamente, levamos anos necessitando que alguém reorganize a biblioteca.

— Posso fazer tudo isso e mais.

Seu entusiasmo arrancou um sorriso à duquesa.

— Muito bem. Considere-te parte da companhia.

O gritinho de prazer de Madeline se viu logo interrompido ao pensar na reação do Scott quando descobrisse que trabalhava ali.

— Não se oporá o senhor Scott?

— Falarei com ele. Tenho todo o direito a contratar a quem queira. Se tiver problemas com ele ou com qualquer outra pessoa, venha a mim.

— Sim, senhora. Quero dizer... Excelência.

Os olhos azuis da duquesa brilharam divertidos.

— Menina, não deixe que o título te impressione. Apesar de minha posição fora do Capital, aqui dentro só sou a diretora anexa e o senhor Scott o rei supremo.

Madeline nunca tinha ouvido falar de uma situação tão pouco corrente: a de uma nobre que trabalhasse de verdade no teatro. Ambos os mundos, o da aristocracia e o do teatro, eram incompatíveis. Perguntou-se como teria conseguido a condessa atravessar a linha.

A condessa sorriu, tinha-lhe lido os pensamentos.

— A maioria de meus iguais acredita que não faço honra a minha classe ao trabalhar aqui. O duque, Deus o abençoe, estaria encantado de que deixasse o teatro, mas entende que não poderia viver se me faltasse.

— Poderia lhe perguntar excelência... quanto tempo faz que trabalha no Capital?

— Fará cinco ou seis anos. — Ao recordá-lo, a expressão da duquesa se adoçou. — Que euforia a minha quando Logan me contratou como membro da companhia! Todos os atores e atrizes de Londres queriam trabalhar a suas ordens. Tinha desenvolvido um estilo de interpretação mais natural que qualquer outro que se praticou antes. Agora o imita todo mundo, mas então era algo extraordinário.

— O senhor Scott tem tanta presença — observou Madeline.

— E ele sabe — replicou a outra mulher com ironia. Verteu chá na xícara de Madeline e a olhou com dúvida.

— Há algo que deveria te advertir sobre o particular. Mais tarde ou mais cedo, a maioria das mulheres que trabalham no Capital acaba imaginando que estão apaixonadas pelo Logan. Meu conselho é que procure não ceder a semelhante tentação.

Madeline sentiu que lhe ardiam as bochechas.

— Bom, suponho que seria algo natural... Um homem com esse porte...

— Não é só seu porte. Há um “não sei que” distante nele que excita às mulheres, cada uma imagina que só ela poderá apaixoná-lo. Entretanto, para o Logan o teatro significa muito mais do que qualquer pessoa real possa chegar a supor para ele. É obvio que sua vida foi um incessante desfile de mulheres, mas nunca teve uma aventura em que se viu comprometido seu coração.

Sem dúvida, tudo aquilo facilitava as coisas. Se o plano de Madeline desse resultado, poderia deitar-se com o senhor Scott e partir sem sofrer complicações sentimentais.

— Já está bom de falar do Logan — disse a duquesa com energia, interrompendo os pensamentos do Madeline.

— Diga-Me, menina, já tem alojamento? Se não, posso te recomendar um lugar.

— O agradeceria, excelência.

— Tenho uma amiga, uma mulher maior que em seus tempos chegou a ser uma atriz muito conhecida. Vive sozinha em uma preciosa casa, no Somerset Street e, de maneira ocasional, admite pupilas. Gosta de ter gente jovem a seu redor e, quando fica a recordar os velhos tempos, é muito divertida. Estou segura de que te alugará uma habitação por uma módica quantidade semanal.

— Parece perfeito — respondeu Madeline com um radiante sorriso.

— Obrigada.

Uma expressão de preocupação cruzou o rosto da mulher.

— Procuro não me colocar nos assuntos alheios, mas é evidente que não é daqui, Madeline.

Aludida ela guardou silêncio, sem saber o que responder. Baixou os olhos para evitar encontrar-se com o agudo olhar da duquesa.

— Não faz bem ao ocultar seus sentimentos — assinalou a mulher.

— Menina, se tiver algum problema... espero que decidas confiar em mim. Poderia te ajudar.

— Não posso entender por que teria que ser tão amável com uma estranha — respondeu Madeline.

— Parece tão sozinha... — murmurou a duquesa.

— No passado, mais de uma vez me senti assim. Seja qual for o problema de que foge a situação não pode ser tão grave como parece.

Madeline assentiu com a cabeça, em que pese a sua decisão de não confiar em ninguém. Depois de agradecer sinceramente à duquesa os cuidados, abandonou o teatro e agarrou um carro de ponto para ir até o Somerset Street.

O cabelo alvo alaranjado da anciã senhora Nell Florence testemunhava o presumível vermelho intenso da juventude. A pálida tez, que o tempo havia envelhecido com delicadeza, assim como as elegantes facções lhe conferiam um ar afetuoso e amável, não isento de um encantador toque de vaidade.

— Assim que te envia minha querida Julia, não? — perguntou a senhora Florence enquanto franqueava a entrada a Madeline.

— Estou segura de que nos levaremos às mil maravilhas. É atriz, suponho? Não? Não posso acreditar nisso, com esse rosto... Se eu tivesse tido a metade de sua formosura quando tinha sua idade... Mas o certo é que me arrumei bastante bem com o que tinha.

Mostro-lhe o interior da casa de dois andares sem deixar de lado um só detalhe; todas as habitações apareciam lotadas com lembranças de sua carreira de atriz.

— Então, toda Londres me aclamava — confessou a senhora Florence.

Seu passado, plasmado em retratos de uns trinta anos, ocupava uma parede ao completo. As pinturas a representavam em diferentes poses ou com diferentes vestidos, alguns incrivelmente indecentes.

Pareceu lhe agradar o rubor de Madeline.

— Ruboriza-te com facilidade, verdade? Que virtude tão reconfortante!

Intrigada pela coleção de lembranças, Madeline bisbilhotou os pôsteres teatrais emoldurados, as gravuras e as ilustrações coloridas de trajes antigos.

— Deve ter sido maravilhoso levar uma vida assim! — exclamou.

— Tive meus altos e baixos — afirmou a senhora Florence, — mas os desfrutei de todos. Nunca te arrependa de nada, este é meu conselho. Vem, mostrar-te-ei seu quarto e logo falaremos longamente. Tem que me contar tudo sobre ti.

Até então, Madeline nunca se precaveu da transparência de seus pensamentos. Parecia que a senhora Florence podia lê-los com a mesma facilidade com que o tinha feito Julia.

— Ah — disse a anciã olhando a cara de Madeline, — já vejo que não quer falar de seu passado. Bom, encontraremos outros temas de conversação.

Madeline agradeceu a compreensão da anciã.

— Obrigada, senhora Florence — disse, acompanhando-a enquanto terminava de lhe mostrar a casa.

Depois de desfazer a exígua bagagem, Madeline colocou um traje de algodão cinza pomba, adornado com umas fitas cor ameixa. Essa noite iria ao teatro a ver atuar ao Logan Scott e decidir por si mesma se tinha tanto talento como assegurava todo mundo. De pé ante o espelho, terminou de ajustar o vestido... e o resultado lhe fez franzir o cenho.

Embora o traje estivesse bem talhado, o estilo não era o adequado, todo recato e sensatez com aquele decote exageradamente alto. Como ia seduzir a um homem, e menos ao senhor Scott, sem um vestuário atraente? Alisou o traje com as mãos deixando-se levar pelo desencanto. Se tão somente tivesse um formoso traje de seda com babados de renda, sapatilhas debruadas de pérolas e flores frescas para o cabelo...

Uma vez escovado a longa cabeleira de cor castanha clara, enrolou-a e sujeitou com pinças no alto de sua cabeça. Desejava ter uns frisadores com os que pudesse fazer uns engenhosos cachos de cabelo que caíssem sobre suas têmporas e bochechas. «Nem sequer uma gota de perfume», protestou, sacudindo a cabeça.

Entretanto, ao cabo de um instante, seu natural bom humor acabou por impor-se. Resolveria esses problemas mais tarde. Essa noite só tinha uma coisa que fazer: ver sua primeira representação teatral em Londres.

A duquesa do Leeds, toda amabilidade, buscou-lhe um lugar entre os bastidores de onde pudesse ver a obra.

— Aqui estará bem — disse.

— Só te assegure de que não intercepte a ninguém. Nas mudanças de cena e vestuário, os atores passarão por aqui a toda pressa; não lhe agradaria que alguém tropeçasse contigo.

Obediente, Madeline se abaixou em uma lateral, comprovando que, embora de um ângulo estranho, podia ver a maior parte do que ocorria no cenário. A obra, titulada Um amante rechaçado, esteve precedida de uma atuação musical e uma farsa de um ato que arrancou quebras de onda de gargalhadas entre a audiência. Caiu o pano de fundo, e os cenários móveis e atores voaram pelo cenário formando um aparente caos. Como por milagre, ao cabo de um minuto tudo estava em seu lugar. Perto de Madeline dois jovens atiraram com perícia cordas e polias e as cortinas voltaram a abrir-se para descobrir o formoso pátio do interior de uma mansão londrina.

A visão do cenário despertou aplausos e exclamações entre um satisfeito público. Então, dois personagens, marido e mulher, começaram a discutir a lista de pretendentes de sua filha casadoura. O desenvolvimento da trama subjugou a Madeline, que se sentiu profundamente identificada com a heroína, uma ingênua jovenzinha a que impedem de casar-se com o amor de sua infância e a que, em troca, a promete em matrimônio com um homem malvado que se nega a entregá-la aos braços de seu autêntico amor. Para surpresa de Madeline, Logan Scott não foi o eleito para interpretar ao verdadeiro amor da garota, mas sim devia encarnar ao vilão da obra. Quando, com ar resolvido, entrou em cena, um estremecimento eletrizante se apoderou do público. Igual ao resto dos espectadores, Madeline ficou fascinada pelo ar ameaçador e o aprumo do personagem. Queria a garota para ele e nem sequer o fato de que ela amasse a outro impediria de alcançar seu propósito.

Cada minuto que passava era uma revelação para Madeline. Permanecia em silencio entre os bastidores, os dedos apertando uma dobra da cortina de veludo, o coração pulsando com tanta fúria que podia sentir as pulsações nas pontas dos pés. Cada vez que o senhor Scott falava, ela quase perdia o fôlego, tal era a simplicidade com que se metia no personagem e transmitia o egoísmo e o veemente desejo do homem. Igual ao resto da audiência, Madeline começou a desejar sem ser consciente que ele pudesse conquistar o inocente amor da garota.

O senhor Scott permaneceu no cenário durante a maior parte do primeiro ato, manipulando, intrigando e abrindo uma brecha entre os dois amantes, até o ponto que pareceu que aquele amor sincero jamais encontraria seu curso.

— O que acontece no final? — Madeline não pôde evitar perguntar em um sussurro a um tramoista que se tinha detido a seu lado.

— Consegue casar o senhor Scott com ela ou a deixa partir com o outro homem?

O empregado sorriu com ironia ao ver a encantada expressão com que Madeline seguia o que acontecia no cenário.

— Não posso dizer-lhe isso — respondeu isso.

— Nem louco te danificaria o final.

Antes que tivesse ocasião de lhe suplicar, terminou o primeiro ato e chegou o intervalo. Madeline se tornou a um lado quando caiu o pano de fundo. Um grupo de bailarinos entrou no cenário para entreter ao público até que começasse a segunda parte da obra.

Invadida pela melancolia, Madeline esperou na penumbra, escondida depois da abertura na cortina de veludo. O momento do reinício lhe fez eterno. Estava ansiosa e sentiu que um formigamento de felicidade percorria seu corpo. Não havia nenhum outro lugar no mundo no que desejasse estar mais que ali, respirando o aroma do suor e a pintura e o acre aroma das luzes de cálcio.

Uma grande forma negra passou a seu lado, era um homem que vinha a grandes pernadas do cenário, rumo aos camarins. Ao chegar a sua altura, os ombros de ambos se roçaram e o homem reduziu o passo. Deteve-se e levantou a mão até o ponto onde se haviam tocado. Lentamente, voltou-se para olhá-la. Os olhos de ambos se encontraram, e Madeline sentiu uma pontada de inquietação na boca do estômago. Era o senhor Scott.

O brilho da transpiração fazia ressaltar cada ângulo do rosto do ator. Embora a cor dos olhos estivesse envolto em sombras, o resplendor de uma crescente fúria resultou inconfundível.

— Você...? — disse.

— Que caralho está fazendo em meu teatro? Jamais ninguém tinha amaldiçoado diante dela. A surpresa fez que respondesse com lentidão.

— Senhor Scott... Pelo que vejo Sua Excelência ainda não lhe falou que mim.

— Disse-lhe que aqui não havia nada para você.

— Sim, senhor, mas a duquesa não estava de acordo. Contratou-me como sua ajudante.

— Está despedida — disse com brutalidade, ao tempo que se inclinava para diante, elevando-se imponente sobre ela.

Madeline podia cheirar o suor da pele e a umidade da camisa de linho do ator, algo que não lhe desagradou absolutamente... E mais, resultou-lhe fascinante. Scott fazia que todos os outros homens que tinha conhecido em sua vida parecessem mornos e insossos.

— Não, senhor — respondeu, sem acreditar que fora capaz de contradizê-lo.

Produziu-se um breve silêncio.

— Não? — repetiu Scott com um fio de voz, como se jamais tivesse escutado semelhante réplica.

— A duquesa me há dito que se tivesse vontade, podia me contratar, e que se você se opusesse fosse até ela.

Da garganta do ator brotou uma desagradável gargalhada.

— Isso há dito? Eu gostaria de saber a quem pertence este maldito teatro. Acompanhe-me.

E a agarrou pelo braço com dureza.

A tropicões, uma ofegante Madeline foi empurrada para o camarim do ator, enquanto seus ouvidos eram assediados pelas apagadas maldições do Scott.

— Senhor... agradecer-lhe-ia que não utilizasse semelhantes palavras em minha presença.

— Entra em meu teatro sem que a convidem, provoca um acidente nos bastidores, persegue-me suplicando um emprego... e agora me dá uma lição de boas maneiras?

A porta se fechou com estrépito e ficaram de pé olhando-se fixamente aos olhos; ele com fúria evidente, ela com calada obstinação. Madeline não ia permitir que a despedisse.

— Nunca teria imaginado que por trás de um homem como você se escondesse semelhante linguagem — disse Madeline com exagerada solenidade.

O senhor Scott abriu a boca para responder, mas se limitou a murmurar algo. Na pequena e bem iluminada habitação todos os detalhes da cara do ator apareciam cheios de vitalidade. A tez brônzea fazia desnecessária a maquiagem, seu olhar era tão penetrante que quase resultava doloroso mantê-lo, e sua ampla mandíbula tinha a consistência do granito.

— Cometeu um engano, senhorita Ridley. Aqui não há lugar para você.

— Senhor Scott, se segue zangado por minha estupidez desta manhã, desculpo-me por isso. De agora em diante serei muito cuidadosa. Não me dará outra oportunidade?

O que enfurecia ao Logan era sua forma de reagir ante ela. A lembrança da moça lhe tinha açoitado todo o dia. O certo é que o simpático bate-papo da garota teria podido derreter uma geleira, mas ao Logan só serviu para reafirmar-se em sua resolução.

— Não tem nada que ver com o desta manhã — disse com brutalidade.

— A única certeza é que aqui não faz falta.

— Mas a duquesa me disse que havia muitas coisas que fazer. Poderia ajudar com... o vestuário, a biblioteca do teatro...

— Julia tem um coração muito mole — a interrompeu, — e você se aproveitou dela. Eu não sou tão fácil de manipular.

— Não manipulei ninguém — protestou Madeline. Nesse momento chegou um criado, levando uma camisa limpa de linho branco e um colete, para ajudar ao Logan a trocar-se para o segundo ato.

— George — saudou Scott de maneira cortante ao tempo que desabotoava a camisa molhada. Faltavam poucos minutos para que começasse o segundo ato.

Até esse momento, Madeline jamais tinha visto despir-se a um homem. À medida que se soltavam os botões, ia surgindo uma brilhante musculatura. Emocionada, aproximou-se da porta.

— Senhor Scott... acredito que deveria ir agora.

— Vai abandonar o Capital? — inquiriu com frieza, enquanto terminava de tirar a camisa amassada.

Madeline baixou o olhar com precipitação, embora a imagem daquele peito amplo e nu ardia em seu cérebro.

— Se a duquesa me autorizar isso, ficarei.

— Então fique se quiser, mas pagará por isso. Vou converter sua vida em um inferno. Entendeu?

— Sim, senhor Scott — sussurrou Madeline, fugindo do camarim a toda pressa justo no momento em que Scott começava a desabotoar as calças.

Quando a porta se fechou, Logan se deteve e desejou com firmeza que se desvanecesse aquela furiosa excitação sexual. Com muito tato, George evitou olhar seu corpo e recolheu a muda suja.

— Necessitará algo mais senhor? — murmurou.

Um balde de água gelada não teria vindo mal, por não falar de um bom gole, mas Logan meneou a cabeça e, dando a volta, continuou despindo-se.

O criado ordenou algumas poucas coisas dentro do camarim e partiu em silêncio.

Com o olhar fixo no espelho, Logan suspirou tentando concentrar-se no trabalho que tinha por diante... Mas sua mente estava totalmente ocupada pela moça: Madeline.

Quem era e por que maldita razão queria trabalhar no Capital? Claramente era uma garota muito distinta para um lugar assim, ela não era para mesclar-se com a complicada gente do teatro. No que tinha pensado Julia ao contratá-la? Ter-lhe-ia encantado poder abordar a sua vice-diretora e lhe arrancar uma explicação, mas não tinha tempo. Tinha que acabar a representação, e nada havia mais importante que dar ao público do Capital exatamente o que queria.

Como pôde, Madeline voltou para seu privilegiado lugar entre bastidores. Colocou suas ardentes bochechas — sem dúvida, tintas de um pertinaz carmesim — entre as mãos. Equivocou-se ao insistir em permanecer no Capital face à desaprovação do senhor Scott? Não lhe coube dúvida alguma de que aquela não era a via adequada para seduzir a um homem.

Por que não gostava dela? Sempre lhe tinha resultado fácil fazer amigos, supôs que não era o tipo de mulher que preferia o senhor Scott. Ser-lhe-ia muito difícil trocar seus sentimentos para ela? E quanto tempo levaria? Preocupada, ficou olhando para as escurecidas decorações, onde os atores esperavam pacientemente entre os cenários móveis.

Elevou-se o pano de fundo, e a história dos jovens e afligidos amantes se iniciou. Prova inegável do talento do senhor Scott foi que, exceto o personagem que interpretava, da mente de Madeline desapareceu tudo.

Depois de uma série de intrincadas voltas nos argumentos, o vilão terminava por dar-se conta de que, mesmo que conseguisse casar-se com a bela moça, jamais conquistaria seu amor. Depois de adotar o papel de benfeitor anônimo, ajudou ao casal a fugir sem deixar que soubessem jamais que tinha sido o único responsável por sua felicidade. O senhor Scott interpretava ao personagem sem um pingo de autocompaixão e sem perder em nenhum momento a máscara de cinismo. Embora, de algum jeito, seu estrito autocontrole fizesse saber ao público que seu coração estava quebrado. O final da obra era convenientemente agridoce.

O teatro estalou em gritos ensurdecedores e aplausos de entusiasmo que duraram até que os atores voltaram para cenário para receber o merecido tributo. A maior parte dos vivas ia dirigida ao Scott, que aceitou com um sorriso e com uma série de reverências apenas perceptíveis. Depois de anunciar o programa da noite seguinte, o pano de fundo caiu pela última vez apesar dos insistentes clamores dos expectadores.

Madeline teve o cuidado de escapulir antes que o senhor Scott a visse de novo. Conseguiu ver sua cabeça morena entre os cenários, no momento em que uma multidão de admiradores o rodeava. Todos queriam estar perto dele. Com um suspiro, Madeline se dirigiu ao escritório da duquesa para recolher seu casaco.

— Desfrutaste da obra, Madeline? Elevou a vista para ver a duquesa do Leeds.

— Ah, foi a melhor experiência de minha vida! — respondeu depois de uma breve luta por encontrar as palavras adequadas.

— Meu Deus! — disse a duquesa, rindo pelo entusiasmo de sua protegida.

— Não é de estranhar que digam que o senhor Scott é uma lenda viva. O... ele — Madeline se deteve sem saber como descrever a atuação do Scott.

— Sim, já sei — respondeu a dama, ainda com um sorriso nos lábios. A euforia de Madeline se desvaneceu de repente.

— Temo que esta noite o senhor Scott me viu entre bastidores. Segue sem me aceitar. Deixou-o muito claro. Julia arqueou as sobrancelhas surpreendida.

— É muito estranho nele. Nunca discordou comigo pelas pessoas que contratei. Não compreendo o motivo... — Deixou de falar e ficou olhando atentamente a Madeline com expressão de perplexidade.

— Não se preocupe querida. Amanhã pela manhã, antes do ensaio, reunir-me-ei com ele e tudo se arrumará.

— Espero que sim, Excelência — disse Madeline. Depois de uma pausa, acrescentou:

— Desejo com toda minha alma trabalhar no Capital.

— Então, fá-lo-á — lhe assegurou a duquesa, — a menos que o senhor Scott possa aduzir uma muito boa razão para o contrário... Algo que, suponho, será bastante improvável.

Logan, de pé na parte traseira da carpintaria do teatro Capital, estudava com atenção as duplas estruturas. Os recém elaborados bastidores, feitos de tecidos esticados sobre umas estruturas riscadas de madeira, não demorariam a ser enviados aos pintores da cenografia.

— Nunca os tínhamos feito tão grandes — comentou aos dois carpinteiros que sustentavam os bastidores colocados dobradiças para sua inspeção.

— Como serão amarrados?

— Pensamos que o melhor é que as braçadeiras estabilizem a parte traseira — respondeu Robbie Cleary, o chefe dos carpinteiros.

— Isso os manteria firmes durante as representações.

Logan esticou a larga mão e agarrou uma das vigas de madeira para comprovar sua solidez.

— Seria melhor que enganchassem o bastidor traseiro a uma tábua de madeira e o atarraxassem ao chão. Não quero correr o risco de que caia sobre alguém. É uma peça tremendamente pesada.

Robbie assentiu e rodeou a armação para estudá-la de perto. Os bastidores foram feitos em dobro para que a peça frontal pudesse escorregar por seu próprio peso e facilitasse uma mudança rápida de cenário, deixando à vista a segunda tramóia situada justo detrás daquele. Tratava-se de um trabalho difícil, que tinha exigido uma adequada combinação de habilidade e precisão para evitar erros.

Apartando-se dos bastidores duplos, Logan empurrou a franja com olhar ausente.

— Vejamos como cai o primeiro — disse.

— Muito bem, senhor Scott — respondeu Robbie com certo receio.

— Embora deva lhe advertir que ainda não provei o mecanismo.

— Agora é tão bom momento como qualquer outro. Jeff, o aprendiz, equilibrou-se para, com seu pouco peso, tentar ajudar aos carpinteiros a sustentar as armações.

— Baixem o dianteiro — ordenou Robbie, e os ajudantes começaram a deixar cair o primeiro cenário.

Pela extremidade do olho, Logan viu entrar alguém na oficina. Tratava-se de uma garota magra, que levava consigo uma vassoura, uma pá e um espanador feito de tiras de trapo. «A garota nova», disse-se Logan com uma pontada de irritação. Madeline não parecia haver-se dado conta da demonstração que estava sendo feita... e se dirigia diretamente para o lugar onde teria que cair o bastidor.

— Cuidado, imbecil! — exclamou Logan com brutalidade. Madeline se deteve e ficou olhando, aturdida, com olhos de corça, enquanto a estrutura de madeira desabava sobre ela.

Imediatamente, Logan se equilibrou para diante, agarrou-a e rodou para protegê-la com seu corpo. O pesado bastidor caiu sobre o ombro ferido do ator, lhe provocando uma dor tão intensa que lhe fez cambalear e blasfemar.

Durante um momento ficou sem respiração; como melhor pôde, conseguiu não perder o equilíbrio. Apenas se deu conta de que Robbie e os outros saíam disparados para levantar e retirar o bastidor, enquanto a garota se separava dele.

— Senhor Scott — perguntou confundida, — está bem? Sinto-o muitíssimo.

Logan sacudiu ligeiramente a cabeça, a cara branca, tentando por todos os meios reprimir uma irrefreável náusea; não tinha a intenção de passar a vergonha de estragar o almoço no meio da carpintaria. Sempre consciente de sua imagem de autoridade, nunca ficava doente nem mostrava debilidade ou indecisão ante seus empregados.

— Meu Deus, seu ombro! — exclamou Madeline sem poder apartar o olhar da camisa do ator, onde começavam a aparecer algumas manchas de sangue por causa da abertura da ferida.

— Posso fazer algo?

— Sim... afaste-se de mim — murmurou Logan uma vez ganha a batalha contra a náusea. Depois de uma profunda e revitalizadora baforada de ar, acrescentou.

— Que demônio faz aqui?

— Devia varrer as aparas e partes de madeira e limpar as ferramentas dos carpinteiros e... há algo que queira que faça, senhor?

— Fora! — vociferou Logan com o cenho franzido e o rosto endurecido.

— Antes que a estrangule!

— Sim, senhor — respondeu submissa, Madeline.

Com toda probabilidade, qualquer outra garota em sua situação teria começado a chorar. Embora a contra gosto Logan não teve mais remédio que reconhecer sua integridade. No Capital, todo mundo temia seus arranques de fúria, e inclusive Julia lhe evitava quando estava de um humor de cães.

Madeline lançou um olhar de desculpa para o Robbie.

— Sinto-o senhor Cleary. Voltarei mais tarde para varrer.

— Não se preocupe moça. — O carpinteiro chefe esperou a que Madeline se fosse antes de voltar-se para o Logan.

— Senhor Scott — disse a modo de recriminação, — estou seguro de que não era necessário falar com a moça dessa forma. Só tentava ajudar.

— É um desastre com patas.

— Mas senhor Scott — atravessou Jeff, o aprendiz, — Maddy só parece ter acidentes quando você está perto. O resto do tempo faz tudo muito bem.

— Não me importa.

Logan mantinha a mão sobre o ombro, que lhe ardia como o fogo. Doía-lhe a cabeça; parecia estar a ponto de estalar.

— A quero fora daqui — murmurou, e abandonou a oficina com passo decidido.

Dirigiu-se ao escritório de Julia com a intenção de dar rédea solta a seu aborrecimento. A culpa de tudo era dela, por ter insistido em contratar a garota. Assim, a responsabilidade de despedi-la recaía sobre a duquesa. Encontrou-a sentada no escritório, repassando concentrada a programação da semana. Julia elevou o olhar para ele e a surpresa a fez empalidecer.

— Logan, o que aconteceu? Parece que acabaste de ser atropelado por seis cavalos.

— Pior ainda. Acabo de ter outro encontro com sua pequena protegida.

— Madeline? — perguntou Julia com o cenho franzido pela preocupação.

— O que ocorreu?

Contou-lhe o acontecido na carpintaria, mas em lugar de reagir com a preocupação e consternação que esperava, Julia pareceu encontrar a história tremendamente divertida.

— Pobre Logan — disse sorrindo.

— Não estranho que esteja de um humor de mil demônios. Bem, não pode culpar a Maddy.

— Não posso? — perguntou Scott com acidez.

— Só é seu primeiro dia e levará algum tempo familiarizar-se com o ambiente.

— Seu primeiro dia — replicou Logan — e o último. Julia quero que ela se vá. Digo a sério.

— Não entendo por que acha Madeline Ridley tão desagradável.

Julia se apoiou na cadeira com uma expressão de curiosidade que enfureceu Logan.

— É uma garota inexperiente, que não sabe nada sobre o teatro.

— Todos fomos inexperientes alguma vez — replicou Julia e lhe dedicou um olhar um tanto zombador.

— Todos, exceto você, claro, que deve ter saído do seio materno sabendo tudo sobre o teatro...

— Não pertence a este mundo — a interrompeu Logan.

— Nem sequer você pode discutir esse detalhe.

— Possivelmente não — admitiu, — mas Madeline é uma jovenzinha doce e inteligente que, sem dúvida alguma, encontra-se em algum tipo de apuro. Quero ajudá-la.

— A única maneira de ajudá-la é devolvê-la ao lugar de onde procede.

— E o que passa se está fugindo de uma situação de perigo? Não se preocupa pelo menos um pouco? Nem sequer acorda sua curiosidade?

— Não.

Julia suspirou com desespero.

— Se não a deixamos trabalhar aqui, quem sabe em que circunstâncias pode chegar a encontrar-se. Se o preferir, pagar-lhe-ei o salário de meu próprio bolso.

— Não dirigimos uma casa de caridade, maldita seja!

— Necessito de uma ajudante — disse Julia, — necessito há bastante tempo e Madeline é justo o que preciso. Por que te enerva tanto?

— Porque ela... — Logan fechou a boca de repente. O problema era que a garota lhe incomodava por razões que não conseguia entender. Possivelmente fosse porque se mostrava ridiculamente franca e desprotegida... A antítese de sua própria natureza. O fazia sentir incomodado porque lhe recordava tudo o que não queria ser, todas aquelas coisas que, não sem esforço, tinha trocado em si mesmo. Entretanto, não era sua intenção divertir a Julia com semelhante informação. À duquesa sempre tinha vexado que dirigisse sua vida e suas emoções com aparente facilidade.

— Logan — disse Julia com impaciência, desistindo de ler seus pensamentos, — tem que poder dar alguma explicação.

— O fato de que seja uma idiota desajeitada deveria ser suficiente. A Julia caiu o queixo pelo assombro.

— Qualquer um pode ter um acidente ocasional! Não é típico de ti ser tão mesquinho!

— Hei dito que se vá e não quero falar mais sobre este assunto.

— Então será você quem a despeça. Estou segura de que me engasgariam as palavras.

— Eu não terei tal problema— assegurou Logan.

— Onde está?

— Enviei-a a ajudar à senhora Littleton com os vestidos — respondeu com brutalidade Julia, lhe dando as costas e ficando a revolver um montão de papéis que havia sobre a mesa.

Logan saiu do escritório decidido a encontrar à garota imediatamente. A alfaiataria estava situada em um edifício que se elevava a pequena distância dos outros, posto que era a parte do teatro que corria mais perigo de sofrer um incêndio. Dessa maneira, havia mais possibilidades de conter o fogo e de sofrê-lo se preservava ao resto das dependências do Capital.

A senhora Littleton, mais que uma mulher, parecia uma alegre montanha coroada por um arbusto de cabelo moreno encaracolado. Suas enormes mãos se moviam com destreza quando criava os vestidos mais delicados que podiam ver-se sobre um cenário. Tinha a seu cargo meia dúzia de garotas, que a ajudavam a costurar e manter a enorme coleção de trajes que enchiam cabides e mais cabides. O aspecto de uma postura em cena do teatro Capital era de uma magnificência excepcional, e atores e público por igual eram conscientes de que não se regulavam gastos para conseguir o efeito desejado.

— O que posso fazer por você, senhor Scott? — disse a coisaira com alegria.

— A camisa que ficou ontem noite ainda ficou apertada nas mangas? Se for necessário, voltarei às alargar.

Logan não estava para bate-papos.

— Há uma garota nova..., a senhorita Ridley. Quero vê-la.

— Ah, essa preciosa menina, não? Mandei-a a parte de trás com umas cestas de vestidos que têm que lavar-se de maneira especial. A seda é muito delicada para secá-la ao ar da cidade, com toda essa fuligem, assim que vão se levar ao campo, onde os trajes se lavarão e secarão...

— Obrigado — a interrompeu Logan, muito pouco interessado nas complexidades da lavanderia.

— Que tenha um bom dia, senhora Littleton.

— Depois de levar as cestas ao carro da lavanderia — acrescentou a coisaira, — tem que levar a seu escritório os esboços dos vestidos para Otelo.

— Obrigado — disse Logan entredentes, sentindo certa irritação, quando não alarme, ante a notícia de que Madeline Ridley iria visitar seu escritório. Com os desastres que pareciam ocorrer sempre que a garota se achava perto, dar-se-ia por satisfeito se, durante o momento que levava ausente, o escritório não tinha ficado reduzido a um montão de escombros.

Entretanto, quando chegou ao pequeno quarto que considerava seu território sagrado, encontrou-o vazio... e muito mais limpo do que tinha estado em anos. Os livros e os montões de papéis tinham sido empilhados com esmero, o pó não cobria já as estantes e os móveis e sua caótica e abarrotada escrivaninha aparecia agora limpa e ordenada. Logan entrou no escritório e olhou por toda parte desconcertado.

— Como demônios vou encontrar algo agora? — murmurou. Uma mancha de cor dentro do quarto captou sua atenção: alguém tinha colocado uma rosa vermelha em um copo de água em cima da mesa.

Surpreso, Logan tocou a aveludada flor de estufa.

— É uma oferta de paz — a voz de Madeline surgiu a suas costas. Scott se voltou e a viu encostada ao marco da porta com um amistoso sorriso.

— Junto com a promessa de não voltar a machucá-lo.

Perplexo e em silêncio, Logan a olhou de marco em marco. As ânsias de despedi-la imediatamente se desvaneceram em seus lábios. Até esse momento, tinha maturado a decisão sem o mínimo pingo de remorso, mas aquele rosto doce e otimista lhe fez sentir-se claramente incômodo. Por outro lado, não podia despedi-la sem ficar a olhos dos integrantes da companhia como um ogro. Assaltou-lhe a dúvida de se a garota era na verdade tão inocente como aparentava ou, se pelo contrário, não era mais que uma ardilosa manipuladora. Seus grandes olhos castanhos não lhe contribuíram com pista alguma.

Pela primeira vez, Logan se deu conta de que Madeline Ridley era bonita — melhor ainda, formosa, — que tinha uns rasgos delicados, uma pele tensa como a porcelana e uma boca tão inocente como sensual. A figura, esbelta e delicada, embora afastada da elegante voluptuosidade que tanto valorizava em uma mulher, não carecia absolutamente de atrativo.

Logan se sentou na cadeira e estudou a garota com atenção.

— De onde tirou isto? — perguntou assinalando a rosa.

— Do mercado de flores do Covent Garden. Fui ali esta manhã cedo. É o lugar mais extraordinário que vi, com todos esses acóbratas e negociantes de aves. E que quantidade de frutas e verduras...

— Não é um lugar seguro para que vá sozinha, senhorita Ridley. Os ladrões e ciganos não teriam nem para começar com uma pombinha como você.

— Não tive nenhum problema, senhor Scott — disse com um reluzente sorriso.

— É muito amável ao preocupar-se comigo.

— Não estou preocupado — replicou com firmeza, enquanto tamborilava com os dedos em cima da mesa.

— É só que fui testemunha de como parece lhe acompanhar os problemas.

— Não é certo — protestou Madeline sem ressentimento.

— Diria que, até agora, nunca tinha causado problemas a ninguém. Levei uma vida muito tranquila.

— Então, me conte por que uma garota aparentemente bem educada como você procura trabalho no teatro Capital.

— Para estar perto de você.

A desavergonhada declaração fez que Logan meneasse a cabeça. Vindo de quem vinha, carecia de sentido, pois a inocência e inexperiência do Madeline não podiam ser mais evidentes. Por que queria ter uma aventura com ele?

— Sua família sabe que está aqui? — perguntou.

— Sim — respondeu com certa precipitação.

Os lábios do Logan se torceram em um gesto de cepticismo.

— Quem é seu pai? A que se dedica?

— É... Um granjeiro — respondeu com cautela.

— Claramente, um rico.

O suspicaz olhar de Logan se deslizou pelo suave tecido de algodão e o corte delicado do vestido da garota.

— Por que não está em casa com sua família, senhorita Ridley?

As respostas de Madeline se foram fazendo cada vez mais hesitantes e Logan percebeu seu repentino desgosto.

— Briguei com eles.

— Por quê? — perguntou o ator, e não lhe passou despercebido o rubor que aflorou às bochechas da garota por causa da mentira.

— Preferiria não dizê-lo...

— Tem que ver com um homem?

A piscada de surpresa nos olhos castanhos de Madeline confirmou a Logan que sua hipótese era acertada. Recostando-se na cadeira, estudou-a com serenidade.

— Deixá-lo-emos aqui, senhorita Ridley. Não preciso saber, ou me preocupar, por seus assuntos pessoais. Não obstante, me deixe lhe advertir de novo que se, por qualquer razão, alberga algum tipo de esperança de que você e eu vamos...

— Entendo — lhe interrompeu com total naturalidade.

— Não quer ter nenhuma aventura comigo. — dirigiu-se à porta e, ao chegar a ela, deteve-se e acrescentou:

— Entretanto, as pessoas podem trocar de opinião.

— Eu não — disse ele, e franziu o cenho quando a garota desapareceu de sua vista. «Por Deus bendito, é que não entende o significado da palavra "não"?

Madeline estava ocupada todo o dia. Quando não remendava rasgos e buracos em montes de vestidos, limpava a desordem dos camarins dos atores; se não estava numerando os tacos de entradas recém impressos, empregava o tempo em copiar a programação da duquesa para o senhor Scott e outros integrantes da companhia.

Era como uma grande família e, como cabia esperar de um grupo tão numeroso, davam-se todo tipo de rixas internas. O mais fascinante era a pitoresca diversidade de atores na lista de nomes. Madeline tinha a impressão de que os comediantes eram muito mais interessantes e extravagantes que a gente normal, e sua forma de falar e brincar, tão franca, impressionava-lhe. Independentemente de qual fora o tema de conversação que mantiveram, sempre parecia incluir alguma referência ao senhor Scott. Resultava evidente que todos o admiravam — inclusive poderia dizer-se que o adoravam — e o utilizavam como padrão para medir ao resto das pessoas.

Enquanto varria o chão da sala de descanso e recolhia pratos e xícaras de chá sujas, Madeline escutou a alguns dos mais famosos atores do Capital discutir a respeito das causas de amor das pessoas.

— Não é o que mostra — dizia Arlyss Barry, uma diminuta atriz cômica de cabelo cacheado, — a não ser o que esconde. O senhor Scott, por exemplo: observa-o em qualquer dos papéis que interpreta e verá que sempre esconde algo. O que faz uma pessoa atraente é seu mistério.

— Estamos falando do teatro ou da vida real? — perguntou Stephen Maitland, o cavalheiro loiro que tinha estocado por acidente ao senhor Scott durante o combate de esgrima.

— E há alguma diferença? — inquiriu com simulado desconcerto Charles Haversley, outro jovem ator contratado, provocando a hilaridade geral.

— Não neste caso — afirmou Arlyss Barry.

— A gente sempre quer o que não tem. O público se apaixona pelo protagonista porque nunca pertencerá a nenhum deles. Na vida real, acontece o mesmo. Não há mulher ou homem vivo que não se apaixonou por alguém que estivesse fora de seu alcance.

Com a vassoura e a pá na mão, Madeline se deteve perto do grupo.

— Não sei se estou de acordo — disse com ar pensativo.

— Não estou muito versada nestes temas, mas... se alguém fosse muito amável com uma pessoa e a fizesse sentir segura e querida... não lhe encontraria atrativo?

— Não sei — respondeu Charles, sorrindo com desenvoltura.

— Possivelmente deveria comprovar sua teoria comigo, Maddy, e veríamos se funciona.

— Acredito que Maddy já a está provando com outra pessoa — atravessou Arlyss com malícia, e riu ao ver que Madeline se ruborizada.

— Perdoe-me, querida... Nós gostamos de tomar o cabelo uns aos outros. Temo que terá que te acostumar a isso.

Madeline recuperou o sorriso.

— É obvio senhorita Barry.

— Em quem está provando sua teoria? — perguntou Charles com vivo interesse.

— Não me dirá que no senhor Scott? — Simulou indignar-se quando viu que o rubor do Maddy se fazia mais intenso.

— Por que com ele e não comigo? De acordo, é rico, bonito e famoso... mas o que tem, além disso?

Sem saber como escapulir da brincadeira, Madeline começou a mover com energia a vassoura, saiu varrendo da habitação e seguiu fazendo-o pelo corredor.

— Pobrezinha — ouviu que dizia Stephen em voz baixa.

— Logan nunca se fixará nela... Em qualquer caso, é muito doce para ele.

Afligida, Madeline deixou de varrer e se recostou contra a porta de entrada da sala de ensaios. Depois de ter ouvido os atores — e todos tinham muito mais vivência que ela, — começava a dar-se conta de que tinha cometido um engano. Aproximou-se do senhor Scott da maneira equivocada, ao proclamar com descaramento suas intenções, mostrando-se completamente disponível e sem guardar um pingo de mistério com o que atraí-lo. Não era de estranhar que mostrasse tão pouco interesse por ela. Mas não era muito tarde para trocar as coisas.

Suspirando profundamente, Madeline desejou que houvesse alguém, alguma mulher sábia e experimentada, de quem poder receber os conselhos que com tanto desespero necessitava. A duquesa, possivelmente... Mas jamais aprovaria seus projetos. De repente, lhe ocorreu uma idéia que fez que sua idéia clareasse. Possivelmente sim haveria alguém a quem recorrer.

Quando Madeline desembarcou do carro de ponto que a tinha transladado até a casa do Somerset, o céu estava cheio de negras nuvens. A senhora Florence, sentada ao fogo na salinha da chaminé, jantava em uma bandeja.

— Querida, voltaste mais tarde que o que esperava. Tão terrivelmente ocupada te têm no teatro? Deve estar faminta. Mandarei que tragam outra bandeja.

Madeline lhe agradeceu com um movimento de cabeça e se sentou a seu lado. Quando o calor do fogo atravessou o traje de algodão sentiu um calafrio. A pedido da anciã, Madeline lhe narrou os acontecimentos do dia olhando fixamente o fogo.

— Senhora Florence, eu gostaria de lhe pedir conselho a respeito de algo, embora acredite que vou escandalizá-la.

— Menina, é impossível que me escandalize, já vivi muito para que algo me surpreenda.

A anciã se inclinou para diante; os olhos lhe brilhavam no rosto brandamente enrugado.

— Bom, picaste minha curiosidade... Não me faça esperar.

— Pensei que com sua experiência... Quero dizer, seus conhecimentos de antigamente... Queria lhe perguntar como... — Madeline se deteve, obrigando-se a falar.

— Quero seduzir a um homem.

A anciã se recostou no assento sem pestanejar.

— Escandalizei-a — disse Madeline.

— «Surpresa» seria mais acertado, querida. Não esperava semelhante pergunta de ti. Está segura de saber o que faz? Eu não gostaria que cometesse um engano do que mais tarde te envergonhasse.

— Senhora Florence — respondeu Madeline com ironia, — em toda minha vida não consegui fazer algo do que realmente pudesse me envergonhar. Os olhos da anciã adquiriram um repentino brilho de regozijo.

— E quer pôr remédio a isso, não?

— Sim! De outro modo, não conseguirei ter caráter ou integridade absolutamente.

— Querida, não estou de acordo. Parece-me que tem bastante mais caráter e integridade que o normal. Não obstante, se está decidida a pôr em prática suas intenções, estarei encantada de te aconselhar. Sei bastante sobre homens, ou, ao menos, sabia. Atrever-me-ia a dizer que não podem haver mudado muito nos dez ou vinte últimos anos. Diga-me, há um homem concreto ao que queira seduzir?

— Para falar a verdade, trata-se do senhor Scott.

— Ah! — A senhora Florence ficou olhando um bom momento com um olhar de uma vez penetrante e distante. Era como se a tivesse assaltado alguma lembrança do passado, algo que parecia estar saboreando.

— Não te posso culpar o mínimo — disse ao cabo.

— Se eu fosse uma jovenzinha bonita como você, também tentaria seduzi-lo.

— Fá-lo-ia? — perguntou Madeline, surpreendida pela confissão.

— Ah, é claro que sim! Parece-me que o senhor Scott é um dos poucos homens da Inglaterra ao que merece a pena seduzir. Eu não me incomodaria por essas criaturas efeminadas e absortas que passam por ser os grandes amantes de hoje em dia. Por desgraça, nunca tive a oportunidade de conhecer senhor Scott, mas lhe vi atuar. A primeira vez faz cinco anos; interpretava ao Yago em Otelo... Jamais vi uma atuação com mais talento: um malvado em estado puro, sedutor, suave como a seda... Como ator, é digno de toda a admiração; como homem temo que é bastante perigoso.

— Perigoso? — perguntou nervosa Madeline.

— Sim, para o coração de uma mulher. Os homens seguros são para casar-se; os perigosos, para o prazer. Com estes, tem que te assegurar de que só os necessita para isso.

Madeline se inclinou para diante.

— Senhora Florence, não contará a ninguém meus planos, verdade?

— É obvio que não. Este é um assunto muito íntimo. Além disso, não há nenhuma garantia de que o vás conseguir. Pelo que sei do Logan Scott — a maioria por coisas que ouvi de Julia, — não é seu tipo. Há homens com certas apetências que só podem satisfazer mulheres muito habilidosas, e você... — deteve-se e observou ao Madeline com olho crítico.

— Algo me diz que seu repertório é muito limitado.

— Nem sequer tenho repertório — sentenciou Madeline com um quede pessimismo.

A senhora Florence apoiou o queixo em uma de suas enrugadas mãos.

— Isto dificulta um tanto as coisas. Por outro lado, possui juventude e beleza, virtudes ambas que não deveriam ser subestimadas.

— O problema é que já cometi um engano. Tinha que me haver comportado de maneira misteriosa e distante... Em seu lugar, tenho exposto minhas intenções com toda claridade.

— Sabe que o deseja? — perguntou a senhora Florence com ar divertido.

— Sim, e deixou claro que não deseja fazer nada comigo.

— Bom, sua franca aproximação não tem, por força, que ser um engano — considerou a senhora Florence.

— Podemos assumir que um homem como Scott esteja acostumado a mulheres que se insinuam de maneira sutil e sofisticada. Ao melhor, inclusive foi verdade que lhe desconcertasse.

— Não só lhe desconcertei — reconheceu uma Madeline envergonhada, — de passagem consegui que o estocassem.

— Você fez o que? — perguntou a senhora Florence sobressaltada, e Madeline lhe relatou o acidente de esgrima. A anciã a olhava entre divertida e incrédula.

— Te direi uma coisa, menina... Isto é todo um desafio para mim, me deixe pensar um instante.

Madeline esperou a que a anciã considerasse o problema.

— É uma lástima que não tenha talento como atriz — disse a senhora Florence.

— O lugar para aproximar-se de um homem como Scott é o cenário, que é onde está mais depravado. Exceto quando atua suspeito que jamais baixa a guarda, e seria só durante esses momentos de vulnerabilidade quando poderia transpassar suas defesas.

— Possivelmente pudesse me oferecer para apontar a algum ator ou atriz quando estiverem aprendendo seu papel — sugeriu Madeline não muito convencida.

— Sim, é uma excelente idéia.

— Mas senhora Florence... e o que faço se consigo pilhar ao senhor Scott em um desses «momentos vulneráveis»? O que teria que lhe dizer?

— Se deixe guiar pela intuição. Se limite a recordar que não deve te comportar como uma apaixonada. Simplesmente deixa claro que está disponível e disposta... Que oferece prazer sem complicações. Nenhum homem no mundo poderia resistir.

Madeline, obediente, assentiu.

— Uma coisa mais — acrescentou a senhora Florence, olhando-a meditabunda.

— Terá que te vestir do modo adequado para o papel. Embora pareça que tem uma figura atrativa, ninguém o diria te vendo vestida de colegial.

Um sorriso de resignação cruzou o rosto de Madeline.

— Temo senhora, que não se pode evitar: não me posso permitir um vestido novo.

— Tê-lo-ei em conta — lhe prometeu a anciã.

— Já pensarei em algo. Madeline sorriu e admirou a viva energia e o entusiasmo da senhora Florence.

— Estou encantada de lhe haver pedido conselho, senhora.

— Eu também, Maddy. Tomar parte em sua conspiração é o mais excitante que me passou em anos. Com minha ajuda, levar-te-á a senhor Scott à cama como quem leva um cordeiro ao matadouro.

— Isso espero — respondeu Madeline, — embora... custa-me imaginá-lo como a um cordeiro.

— Isso terá que descobri-lo por ti mesma. Segundo minha experiência, com frequência os homens se comportam de maneira diferente na cama como o fazem fora dela, e os atores são os amantes mais imprevisíveis de todos. Uma nunca sabe quando estão interpretando um papel.

Tramando algo em seu interior, voltou o plácido semblante para o fogo, enquanto a criada entrava com a bandeja do jantar de Madeline.

— Senhora Florence, há alguma maneira de saber como terei que me comportar? — perguntou Madeline uma vez que partiu a faxineira.

A anciã a olhou inquisitivamente, pois tinha perdido o fio da conversação.

— Refiro-me que tal amante pode ser um homem — lhe esclareceu Madeline.

— Acredito que te fará uma idéia aproximada pela maneira em que te beije.

Algo pareceu distraí-la de novo, e começou a jogar com uma mecha solta de sua alaranjada cabeleira.

— A verdade é que é uma idéia muito boa. Por que não surpreender ao senhor Scott com um beijo? É uma mutreta audaz e elegante, e, sem nenhum gênero de dúvidas, intrigá-lo-á.

— Mas como?... quando?

— Deixá-lo-ei a sua imaginação, Maddy. Encontrará o momento apropriado.

Surpreendê-lo com um beijo. Durante o dia seguinte, a sugestão da senhora Florence não deixou de rondar a cabeça de Madeline. Jamais encontraria o momento apropriado para fazer semelhante coisa. Se ao menos tivesse a beleza de sua irmã maior, Justine, ou a inteligência da Althea... Mas ela era de uma mediocridade espantosa, e o senhor Scott resultava... inalcançável.

Tinha tido ocasião de comprovar o efeito que o ator produzia em outros, naquela multidão de aristocratas que se amontoavam à porta de seu camarim depois de cada representação; nos atores e atrizes, que procuravam seu conselho... Todo mundo queria algo dele. «Inclusive eu», pensou Maddy, sentindo-se envergonhada e inquieta. Queria do Scott o mais pessoal dos serviços e, com um pouco de sorte, o ator não chegaria, a saber, nunca o porquê.

Em um intento por saber algo mais dele, Madeline se aproximou de Arlyss Barry, que estava tomando a sós o chá na sala de descanso. A atriz era uma mina de informação, conhecia a vida e os prodígios de todos os integrantes da companhia e adorava mexericar sobre todos eles.

— Quer dizer que você gostaria de saber mais sobre o senhor Scott? — perguntou Arlyss, enquanto levava uma bolacha glaceada à boca. Embora a senhora Littleton não parasse de resmungar pela excessiva voluptuosidade de Arlyss, esta parecia não poder evitar ser uma gulosa.

— Como a todos nós, Maddy. O senhor Scott é o homem mais fascinante que conheci, e o mais difícil de conhecer; é um fanático de sua intimidade. Jamais convida às pessoas a sua casa e, que eu saiba ninguém da companhia, à exceção da duquesa, visitou-o jamais ali.

Madeline franziu o cenho.

— O senhor Scott e a duquesa foram alguma vez... Arlyss meneou a cabeça com um revôo de cachos castanhos.

— Sempre se pareceram muito, os dois estão tão apaixonados por teatro que nunca houve lugar para ninguém mais. Logo, Julia conheceu o duque e... mas essa é outra história. A resposta a sua pergunta: Julia e o senhor Scott nunca tiveram um idílio. Ela me disse que o senhor Scott acredita que apaixonar-se é o que de pior poderia lhe passar.

— Mas por quê?

Arlyss se encolheu de ombros com desenvoltura.

— É o mistério do senhor Scott. Esse homem é todo segredo.

Baixou a voz e se inclinou sobre a xícara de chá.

— Te direi algo que sabem muito poucos: o senhor Scott é filho de um lavrador, e nem sequer foi à escola. Você imagina isso?

— Não, eu... — Madeline estava surpreendida seriamente.

— Parece tão culto, tão nobre...

— Assim é — reconheceu Arlyss, — mas suas origens fariam que os nossos parecessem nobres. De fato, Julia me insinuou em uma ocasião que o senhor Scott tinha sido maltratado, que seu pai lhe tinha golpeado e quase matado com fome. Essa é a razão de que seus familiares não venham nunca a visitar o teatro ou de que não lhes permita assistir a uma representação. Lhes paga para que se mantenham longe dele.

Madeline refletiu sobre o que acabava de ouvir, enquanto Arlyss seguia pinçando na lata de bolachas. Tentou imaginar ao senhor Scott de menino, sumido na pobreza, sendo maltratado, e lhe resultava impossível reconciliar essa imagem com a do poderoso e seguro de si mesmo proprietário do teatro Capital. Tinha adquirido tais proporções divinas aos olhos do público — e aos do Madeline, — que se fazia difícil acreditar que se livrou de um passado tão humilde como o descrito pelo Arlyss.

«Assim daí procede o talento do senhor Scott», pensou com um pingo de compaixão. Um homem não pode deixar seu passado e inventar uma nova vida se não dispor de uma prodigiosa imaginação... e de igual grau de resolução.

— Me perdoe senhorita Barry — murmurou.

— Tenho trabalho que fazer. Arlyss lhe piscou um olho, abriu o script de uma obra e, vocalizando em silêncio, dispôs-se a memorizar seu papel.

Madeline percorreu o corredor do escritório do senhor Scott, com o coração lhe pulsando cada vez mais depressa à medida que se aproximava da soleira. A porta estava aberta, deixando à vista as costas do ator, que estava sentado atrás de sua descomunal escrivaninha de mogno. A camisa branca de linho, recém engomada, lhe pegava às costas formando dobras. Despojou-se do colete cinza claro e da gravata de seda negra que tinha levado todo o dia.

Depois de havê-lo visto toda a jornada em incessante atividade, resultava um tanto estranho contemplá-lo assim, tão quieto e calado. Quando percorria com grandes pernadas o teatro, como um capitão percorre seu navio, parecia dispor da energia de dez homens. Em um momento estava dirigindo aos atores durante um ensaio, elogiando-os ou lhes apertando as porcas até que ficava satisfeito com as atuações e, ao seguinte, encontrava-se na oficina de pintura, transladando decorados móveis e bastidores, explicando de um modo tão enfático como queria que pintassem, que parecia que iria agarrar uma broxa e fazer ele mesmo o trabalho.

Todos os membros da companhia, fossem homens ou mulheres, sabiam que, cedo ou tarde, seu trabalho seria examinado cuidadosamente pelo senhor Scott, assim que todos trabalhavam em excesso para lhe agradar. Quando recebiam uma ou duas palavras de elogio, transbordavam de satisfação. Madeline estava desejando conseguir que lhe emprestasse idêntica atenção e que deixasse de vê-la só como uma empregada problemática.

Quando Madeline se deteve na porta, o senhor Scott ficou tenso e moveu toda a poderosa musculatura das costas. Embora Madeline não tivesse feito ruído, o homem se voltou na cadeira e seus azuis olhos olharam de forma inquisitiva por cima do ombro.

— Senhor Scott — disse, — pensei que poderia lhe ajudar com sua correspondência. Observei o enorme volume e... acredito que poderia escrever as cartas que me ditasse.

Ao ver a falta de resposta em seu rosto, acrescentou esperançada:

— Tenho muito boa caligrafia.

Logan demorou uma eternidade em responder. Contemplou a pilha de cartas sem responder, amontoadas em uma esquina do escritório, e logo voltou seu olhar para ela. Muito devagar, e depois de retirar uns quantos livros que estavam empilhados em cima, aproximou uma cadeira.

— Por que não? — resmungou.

Madeline se sentou, agarrou pluma e papel e se situou na esquina da mesa para escrever. O senhor Scott extraiu uma folha de notas de cima do montão e a leu em silêncio enquanto se atirava de uma mecha da franja. Madeline nunca tinha visto um homem com um cabelo tão formoso; devia haver muitas mulheres a quem gostaria de acariciar aqueles alvoroçados cachos.

Desfrutando com ar culpado da novidade de estar a sós com ele, Madeline continuou com sua discreta inspeção. A tensão das largas pernas do Logan se fazia patente sob as calças cinza e evidenciava uns músculos largos e em forma. Muitos dos papéis que interpretava exigiam grandes habilidades atléticas; a intensidade das cenas de luta e esgrima que representava noite após noite lhe mantinham em uma condição física extraordinária.

— A carta vai dirigida a monsieur Jaques Daumier, Rue de Beaux Arms, Paris.

Para surpresa do Madeline, Scott começou a lhe ditar em francês, e se deu conta de que a estava provando para ver se realmente dominava o idioma. Crescendo ante a provocação, começou a escrever com agilidade.

A partir do que Scott lhe ditou, Madeline deduziu que Logan estava ajudando a um diretor da Comedie Francaise que pretendia alugar um teatro de Londres durante uma breve temporada para exibir suas produções ante o público inglês.

— Pardon, senhor — lhe interrompeu Madeline em metade de uma oração, — mas acredito que este verbo deveria ir conjugado em pretérito indefinido de subjuntivo...

— Deixe-o assim...

Madeline franziu o cenho.

— Senhor Scott, estou segura de que está à corrente de quão suscetíveis são os franceses com seu idioma...

— Estou seguro de que sei muitíssimas mais coisas a respeito dos franceses que você — replicou com contundência, — e conjugarei o maldito verbo como me agrade.

— Muito bem — Madeline inclinou a cabeça sobre o papel, — mas está equivocado — murmurou.

De repente, Logan sentiu que seu aborrecimento deixava passo a um incontível acesso de risada, e se viu obrigado a realizar um sério esforço para reprimir a gargalhada que aflorava a sua garganta. Ninguém se tinha atrevido a lhe falar assim jamais. Os aristocratas com os que se relacionava habitualmente utilizavam um tom condescendente, exceto quando queriam algo dele; os empregados sempre lhe diziam o que acreditavam que queria ouvir; tão somente Julia lhe falava de igual a igual, algo atribuível à segurança que a outorgavam seu título e linhagem. Mas esta garota... Madeline... não tinha nada, e em que pese a que seu bem-estar dependia por inteiro da boa vontade dele, atrevia-se a lhe corrigir.

— Então, troque-o — disse, e seguiu ditando antes que a garota pudesse reagir. Quando terminou a carta, estava seguro de que a Madeline tinha que lhe doer a mão, mas em nenhum momento lhe tinha pedido que diminuísse a velocidade.

Passaram a seguinte carta, que ia dirigida ao diretor de uma companhia de seguros. Na mesma, Logan comunicava sua intenção de constituir um fundo, tanto para ajudar aos atores aposentados, como para socorrer as suas viúvas e órfãos. O dinheiro se iria reunindo com contribuições anuais procedentes do salário dos atores e as arrecadações de representações benéficas extraordinárias.

— É muito generoso de sua parte — manifestou Madeline ao terminar a carta.

— Temo que a maioria dos diretores de teatro não se preocupa com o bem-estar de seus antigos empregados.

— Não é generosidade — respondeu, — só uma maneira de atrair e reter no Capital aos melhores atores. Quanto mais qualidade tenha minhas produções, mais dinheiro arrecado.

— Então, o único motivo é o benefício?

— Exatamente.

— Não acredito senhor Scott. Você « bom... só que não quer que ninguém pense semelhante coisa.

— Por que pensa isso, senhorita Ridley? — respondeu com um sardônico sorriso.

Madeline olhou aos olhos sem pestanejar.

— Não me despediu, mesmo que estava perfeitamente justificado que o fizesse. Agora, ao parecer está dispondo tudo para cuidar de seus empregados quando forem muito velhos para trabalhar. São ações próprias de um homem bom.

— Senhorita Ridley...

Moveu a cabeça como se fosse incapaz de abranger a imensa ingenuidade do Madeline.

— Jamais fiz algo bom. Meu deus! É incrível que tenha chegado tão longe sem sofrer dano algum. Não sabe nada do que tenho feito no passado, ou do que sou capaz de fazer. Por seu próprio bem, não confie em ninguém... incluindo eu.

— O que poderia temer de você?

Com os punhos fechados, as enormes mãos do Scott posaram sobre a escrivaninha. Ao olhar a Madeline, seus olhos azuis adquiriram uma tonalidade violácea. Um silêncio pesado alagou o escritório, enquanto os batimentos do coração da moça alcançavam um ritmo alarmante.

— Deixaremos que você averigue por si mesma — disse com suavidade.

Com cada palavra que dizia, Logan Scott ia desvanecendo as fantasias infantis de Madeline. Era um homem de carne e osso, cheio de defeitos, e se conseguisse deitar com ele, a experiência poderia trocá-la para sempre, emocional e fisicamente. Ao pensá-lo, uma quebra de onda de inquietação percorreu seu corpo.

Madeline deixou de olhá-lo aos olhos e posou o olhar em seu regaço até ouvir a risada surda, quase desdenhosa, do Logan.

— Isto é tudo por agora — disse o ator.

— Volto amanhã? — perguntou.

Transcorreu um comprido silencio durante o qual Logan, com o cenho franzido, contemplou a abarrotada mesa. A condenada Julia sabia quão desesperadamente necessitava da ajuda de uma secretária. Fazia meses que andava detrás de contratar a alguém para esse trabalho, mas ainda não tinha encontrado tempo para entrevistar as candidatas apropriadas.

Com a ajuda de Madeline poderia limpar a mesa na metade de tempo que empregaria se o fizesse sozinho; possivelmente não seria tão mau tê-la trabalhando no escritório uma hora ou duas ao dia. Só que... deu-se conta, não sem surpresa, que estar sentado tão perto dela o fazia sentir-se... incômodo. Excitado. Franziu o cenho, trocou de posição e a observou atentamente com os olhos entrecerrados. Era impróprio que lhe fizesse sentir assim; a moça era muito jovem e inocente; e não era o tipo de homem aficionado a violar virgens, por mais tentadoras que pudessem resultar.

E em que pese a seus esforços por ignorá-la, Madeline, com essa frescura e calidez desconhecidas para ele até então, era tentadora. Sentiu um comichão nas mãos ao aproximar-se da nuca de Madeline e roçar alguns das sedosas mechas que se soltaram da pinça. Turbado, assinalou a porta com impaciência.

— Sim, volte pela manhã — sussurrou.

— Que você tenha um bom dia, senhor Scott — saudou Madeline com um sorriso.

Logan, sentado na cadeira, ficou olhando a soleira vazia da porta, escutando como os passos do Madeline se apagavam gradualmente. A palpitante e impaciente calidez que sentia na entreperna se foi desvanecendo pouco a pouco, e pensou que tinha passado muito tempo da última vez que esteve com uma mulher. Meses. Suas muitas ocupações lhe tinham impedido de procurar uma substituta para sua última amante, e nenhuma tinha despertado seu interesse... até agora.

Os lábios se curvaram em um sardônico e enigmático sorriso. A idéia de levar a cama a uma virgem ou, ao menos, a uma garota muito inexperiente, nunca lhe tinha atraído.

Entretanto, não pôde ao menos pensar em Madeline Ridley, em como se sentiria a garota entre seus braços, em que aspecto teria nua na cama, no que passaria se ele se deixasse levar por toda aquela impetuosa energia...

— Maldita seja! — disse em voz alta, alarmado pela direção que estavam tomado seus pensamentos e obrigando a concentrar-se no trabalho. Com obstinação, ficou a ler contratos, a revisar programações e a tomar notas sobre seleções musicais e cenografias.

Enquanto o fazia, chegaram até ele os ruídos dos empregados ao abandonar o teatro. Os atores e os músicos já tinham terminado os ensaios, os carpinteiros e os pintores preparavam as oficinas para o dia seguinte.

Ao Logan agradava ver-se rodeado daquela atividade, consciente de que, se não fosse por seu esforço, o Capital não existiria. Tinha-o criado a base de ambição, pouco a pouco, e o tinha feito crescer com supremo cuidado. Não havia lugar ao fracasso, nunca se tinha permitido considerar tal possibilidade, pois teria significado voltar para suas origens como o filho do Paul e Mary Jennings.

Uma voz familiar rompeu o silêncio de improviso.

— Trabalhando até tão tarde, Jimmy? Já que tem feito uma fortuna, por que não a desfruta?

 

Logan se voltou na cadeira e contemplou a cara familiar do Andrew, lorde Drake. Era um homem jovem, alto e bem proporcionado, com uns travessos olhos azuis e o cabelo castanho comprido e alvoroçado. Embora fosse bonito, seu rosto começava a mostrar os primeiros sintomas de uma vida dissipada: bochechas e queixo carnudas, tez corada de bebedor impenitente e olheiras próprias de jogador habitual.

Logan e Andrew tinham sido amigos íntimos a maior parte da infância. Andrew era o único filho e herdeiro do conde do Rochester, e Logan, herdeiro de um agricultor local. Juntos tinham vagado pelas propriedades do nobre, pescando, nadando ou dedicando-se à caça menor. Para o Logan tinha sido como ter um irmão pequeno e, embora Andrew fosse o herdeiro de uma grande fortuna, sempre tinha sentido lástima por ele. Por isso tinha podido observar, o conde não tinha sido melhor pai que Paul Jennings. Rochester era frio e severo, e lhe preocupavam mais as normas e a disciplina que o bem-estar de seu filho.

Sem mover do lugar, Logan esboçou um sorriso.

— Não esperava ver-te de novo tão logo, Andrew. Não, desde que te disse que deixasse de te insinuar a minhas atrizes. Andrew sorriu abertamente.

— Sabe? Não há uma grande diferença entre um teatro e um bordel: as atrizes são iguais as prostitutas, só que mais caras.

Percorreu o escritório com um olhar depreciativo, que terminou por deter-se na abarrotada escrivaninha.

— Com o tempo que passa neste poeirento rincão, surpreende-me que ainda não haja te tornado louco.

— Desfruto trabalhando.

Logan se recostou na cadeira, apoiou os pés na borda da escrivaninha e deixou cair as mãos sobre seu plano ventre.

— «Desfrutar» e «trabalho» não deveriam ir à mesma frase.

Andrew lhe olhou à cara e sorriu ao perceber a piscada nos olhos do Logan.

— Você não gosta que te diga estas coisas, verdade? Asseguro-te que não é minha intenção te insultar. Admiro o que tem feito, que sendo o humilde Jimmy Jennings te tenha convertido no grande Logan Scott. Quando éramos meninos, sempre imaginei que te casaria com alguma leiteira ou dependente do lugar e que, igual a seu pai, acabaria sendo granjeiro; ou, possivelmente, que iria a Londres e trabalharia como empregado de algum comerciante insignificante. Entretanto, te olhe agora, um dos homens mais ricos da Inglaterra por méritos próprios, rodeado de formosas mulheres que abrem as saias para chamar sua atenção, ou recebendo contínuos convites para ir jantar a casa do duque do Wellington. Às vezes tenho a sensação de que sou o único que recorda sua verdadeira identidade.

— Não o é.

Embora tivesse sido capaz de esquecer suas origens humildes, havia muita gente que não teria deixado passar a ocasião de recordar-lhe. Nenhum intruso, por mais talento ou riqueza que tivesse, poderia acessar jamais a aqueles exclusivos círculos. Sem dúvida estava em condições de lhes servir de entretenimento, mas não de mover-se entre eles como um igual. Alguma vez lhe permitiriam que se casasse com uma de suas filhas e que seu sangue vermelho se tingisse de azul. — A que vieste Andrew? — perguntou.

— Para recordar o passado ou quer algo?

A brutalidade do Logan pareceu ofender a seu amigo, que se encolheu de ombros.

— Bem, se insistir em que vá ao grão... Estou metido em uma confusão.

— Estiveste apostando.

— É obvio. O que outra coisa posso fazer com meu maldito tempo?

Andrew, com a cara avermelhada, deu rédea solta a sua frustração.

— Durante as duas últimas semanas fui quase todas as noites ao clube, onde me depenaram até o último penique. Cada vez que pensava que minha sorte ia trocar, piorava. Agora a notícia correu por toda Londres e ninguém me dá crédito. Além disso, dois maus bárbaros do clube me seguem aonde queira que vou. Não parece que possa lhes dar esquecimento e ameaçaram me romperem as pernas a menos que me apresente com o dinheiro que lhes devo. Que Deus me assista, a verdade é que acredito capazes.

— Recorreste a seu pai?

Andrew emitiu um grunhido de indignação.

— O velho bode não me daria nem um penique além da miserável quantidade que denomina minha atribuição. Poderia pagar cem vezes o que devo!

— Acredito que isso é o que ele teme — particularizou com aspereza Logan.

— A quanto ascende a dívida esta vez? Quatro mil? Cinco?

Com ar despreocupado, Andrew tocou a manga de sua jaqueta de lã verde.

— Dez — resmungou.

A quantidade era bastante grande para fazer emudecer a Logan. Dez mil libras era toda uma fortuna, suficiente para manter com folga a dúzias de famílias durante um ano; ou para montar vários espetáculos no Capital. Sabia por que o conde do Rochester não saldaria a dívida de seu filho, por maior que fosse o perigo que ameaçasse a integridade deste. Se Andrew não trocasse de costumes, quando herdasse o título não demoraria em dilapidar a fortuna familiar.

— Necessito o dinheiro — suplicou Andrew.

Pela primeira vez, em sua voz havia um fio de desespero.

— Todo mundo sabe o fodidamente rico que é, pode te permitir o luxo de me emprestar dez mil libras. Sabe que algum dia lhe devolverei isso com rendimento.

— Fá-lo-á? — perguntou Logan com ironia, enquanto rebuscava no escritório. Começou a preencher um talão bancário.

— Andrew, esta é a última vez; não sinto nenhuma inclinação por encher um poço sem fundo.

Lorde Drake lhe olhou por cima do ombro com atenção e deixou escapar um grunhido de agradecimento.

— Sabia que não me falharia. Teria que estar contente, sabendo como reagiria meu pai se soubesse.

Quando terminou de preencher o talão, os lábios do Logan se torceram em um triste sorriso.

— A verdade é que sim.

Aproximou o talão a seu amigo, mas quando este, ansioso, alargou a mão para agarrá-lo, retirou-o.

— Ao mesmo tempo, vou dar um conselho.

— Como bem sabe nunca os aceito.

— Por dez mil libras, o fará. Paga as dívidas, Andrew, e busca uma ocupação menos onerosa. Não tem temperamento para ganhar no jogo, deixa-te levar com muita facilidade pela emoção do momento.

— Então, você deve ser o melhor jogador do mundo — murmurou Andrew.

— Nunca mostra emoção alguma, a menos que a exteriorize no cenário para obter um benefício.

Logan riu e voltou a reclinar-se na cadeira.

— Me diga como está seu pai?

— Igual à sempre, exigente e impossível de agradar. Salvo assassinar, fez de tudo para adquirir uma coleção de esboços do Rubens ou Rembrandt...

— A coleção Harris — disse Logan com um brilho de interesse nos olhos.

— Dez esboços originais do Rembrandt, incluído um, O cavaleiro polonês.

Andrew levantou as mãos, simulando alarmar-se.

— Não me diga que também quer a coleção... Aconselho-te que mantenha a distância, ou haverá derramamento de sangue.

— Está muito longe de minha intenção o me interpor no caminho do conde — lhe respondeu Logan, encolhendo-se de ombros com aparente desinteresse.

— É estranho que você e meu pai compartilhem a mesma paixão pela arte — comentou Andrew.

— Há muita gente que aprecia a arte, Andrew. Inclusive pessoas de classe baixa — replicou Logan com um sorriso zombador.

— Mas quantos filhos de granjeiros podem permitir-se colecioná-lo? Meu pai insiste em que comprou aquele Van Dyck que ele desejava só para lhe incomodar.

— Por que teria que fazer semelhante coisa? — respondeu Logan em voz baixa.

— Acredito que a teoria do conde é que tenta lhe impressionar. Afirma que tudo lhe deve porque cresceu à sombra da mansão da fazenda e quer lhe demonstrar que te soube forjar uma boa posição.

De repente, Logan enfureceu e não se incomodou em ocultá-lo. Aquelas palavras tinham incidido em um ponto de verdade que não estava disposto a admitir. Não sabia por que sentia um desejo tão agudo de rivalizar com o conde do Rochester. Sem dúvida devia ter algo que ver com a maneira desdenhosa e altiva, com que este olhava a ele e a todo mundo. Aquele olhar julgador sempre lhe tinha impulsionado a demonstrar que, exceto no referente ao berço, não era inferior ao conde em nenhum aspecto.

— Aos únicos que quero impressionar são a aqueles que pagam para sentar-se em meu teatro. A opinião de seu pai sempre me importou um nada. Diga-lhe de minha parte.

— Pardiez, pequeno gênio! Troquemos a algum outro tema mais atrativo. Segue mantendo em sua casa de Londres aquela preciosa morenaça?

Logan negou com a cabeça.

— Pedi-lhe que se fosse.

— Mas como se pode cansar um de uma criatura tão deliciosa? Onde está agora? Não sou tão orgulhoso como para não aceitar às que despede.

— Não lhe faria a tarefa de te enviar a sua porta.

Andrew soltou uma gargalhada.

— Estupendo então. Podem-se conseguir muitas outras empregadas preciosas. — dirigiu-se para a porta com ar despreocupado e se guardou o talão no bolso com um sorriso.

— Meu mais sincero obrigado. Sabia que não me daria às costas.

— Te afaste dos problemas — lhe aconselhou Logan com intenção. Andrew lhe dedicou um olhar de absoluta inocência.

— Tentá-lo-ei.

Logan observou a marcha de seu amigo de infância com um que de aflição. Apesar dos defeitos do Andrew, que eram numerosos, havia alguma coisa de bondade em seu interior. Jamais em sua vida tinha tentado fazer mal a ninguém ou a nada de forma deliberada, e grande parte de sua rebeldia procedia do desejo de chamar a atenção de seu pai.

Os pensamentos do Logan se concentraram no conde do Rochester, e seu sorriso se tornou desanimado. Comprar, no ano anterior, aquele Van Dyck ante o nariz do conde lhe tinha reportado um imenso prazer. O ancião sempre se mostrou orgulhoso de seus conhecimentos em arte, e o fato de que o filho de um de seus agricultores era um respeitado cliente da Sociedade de Artistas parecia que lhe tinha irritado em sobremaneira.

Nos últimos anos, Logan tinha estado educando-se com grande esmero, para o qual tinha perguntado a artistas e colecionadores e realizada frequentes viagens ao Continente em companhia de peritos, até conseguir, por fim, desenvolver seu próprio sentido do gosto. Tinha obtido que a pinacoteca de sua mansão campestre fosse considerada uma coleção de importância. Não só se fez amigo da maioria dos principais artistas de Londres, mas também se tinha instituído como padrinho de pintores menos conhecidos, mas muito prometedores.

— Suponho que crê que possuir o Van Dick te converte em um homem culto — lhe havia dito Rochester então, depois de que Logan lhe superou na luta do leilão.

— Não, milord — tinha respondido, sorrindo ante a gélida irritação do conde.

— Só em um afortunado.

Ao Rochester havia custado encontrar uma réplica mordaz.

— Para ser alguém que faz um espetáculo de si mesmo, com o único fim de entreter as massas, soubeste te forjar uma boa posição.

— Lhe chama «atuar». — Logan o havia dito com delicadeza e sem perder o sorriso.

Nada iria empanar o triunfo de ter adquirido a pintura que Rochester desejava com tanto desespero.

— Atores, cantores, artistas circenses... para mim todos são iguais — tinha grunhido o ancião.

— Por que lhe irrita tanto minha profissão? — tinha perguntado Logan.

— Teria preferido que seguisse em suas terras e acabasse convertido em um agricultor como meu pai?

— A agricultura é uma ocupação bastante mais honorável que atuar sobre um cenário como um macaco adestrado.

— Mas nem de longe tão proveitosa — lhe tinha respondido Logan, indo recolher o quadro.

Em sua vida, poucas satisfações se podiam comparar à certeza de saber que, por fim, era uma pedra no sapato para o Rochester. Tinha sido uma larga ascensão, em que, utilizando os lucros obtidos no teatro, tinha realizado certos investimentos arriscados, alguns dos quais se revelaram altamente rentáveis. Como com a arte, Logan era um autodidata em questões financeiras, embora estas últimas lhe tinham resultado prazeres menos interessantes. A busca do dinheiro era algo claramente vulgar, burguês, mas não ficava outra eleição. O tipo de vida a que aspirava exigia bastante dinheiro, e se tinha armado de valor para ignorar o desprezo dos aristocratas, que tinham herdado suas fortunas em lugar de ganhar. Deixava que Rochester se burlasse e lhe chamasse idiota... Mas o fato é que ele era o proprietário do Van Dyck e que poderia ser o de qualquer outra maldita pintura que lhe desejasse muito.

Depois de fazer que seus pensamentos se centrassem de novo no presente, Logan esfregou a nuca e saiu do escritório rumo à oficina de pintura, onde pretendia inspecionar os últimos trabalhos realizados em um jogo de bastidores. O som de umas vozes, que chegavam até o corredor, fez-lhe deter-se. Uma, inconfundível, era do Andrew, enquanto que a outra... A voz feminina provocou que uma quebra de onda de sensações subisse por sua coluna vertebral.

Logan sentiu como seus dedos se crispavam, até que seus punhos se fecharam a ambos os lados de seu corpo. Deveria ter sabido que se Madeline andava perto Andrew repararia nela.

«Não importa», disse-se, tentando tranquilizar-se, mas, de repente, deu-se conta de que estava a ponto de explodir. Depois de seguir o som das vozes até a biblioteca, entrou sem chamar.

Andrew estava apoiado em uma prateleira, falando afavelmente a Madeline, enquanto esta revisava montões de livros situados em cima da mesa. Em comparação com a altura do Andrew, parecia muito baixa. Algumas mechas loiras se soltaram das pinças e lhe caíam sobre o rosto e o pescoço. Naquela estadia sem janelas, de pé ante os gastos livros e as estantes cheias de pó, parecia um raio de luz.

— Senhor Scott — saudou Madeline com um sorriso — decidi começar a inventariar a biblioteca. Logan a ignorou e olhou ao Andrew.

— Pensava que te tinha ido.

— Estava... mas, então, encontrei-me com esta encantadora criatura.

— Andrew se deteve antes de acrescentar:

— Em qualquer caso, não é atriz.

Era uma clara alusão a que a ordem do Logan tinha sido que se mantivesse afastado das atrizes da companhia; não do resto das empregadas.

O ator sentiu um irrefreável desejo de rodear com as mãos o carnudo pescoço do Andrew.

— Deixa que te esclareça algo: não te aproxime de ninguém que trabalhe para mim, qualquer que seja sua ocupação. Entendeste?

— OH, ficou-me muito claro! — Andrew sorriu a Logan com dissimulação. — Perdoem-me, acredito que minha presença está demais.

Ao sair, sussurrou a seu amigo:

— Não é seu tipo, verdade?

Logan não respondeu, só manteve o olhar sobre Madeline. Quando Andrew se foi e se apagaram todos os sons, dirigiu-se à garota com um grunhido surdo.

— Vá para casa, senhorita Ridley.

Madeline estava desconcertada e à defensiva. Parecia que, uma vez mais, e sem intenção, tinha-o aborrecido.

— Senhor Scott, não procurei os cuidados de lorde Drake. Viu-me por acaso ao passar por diante da biblioteca e foi muito cortês. Só tentava me ajudar.

Um brilho frio e brilhante iluminou os olhos azuis do Scott.

— Estava tentando ajudá-la a tirar a roupa e a colocá-la em sua cama. Se for muito ingênua para dar-se conta, deixe que lhe diga algo mais: lorde Drake devora lindas meninas como você com certa regularidade. Quão único obterá dele será um pouco de sexo desenvolto e, com toda probabilidade, uma barriga inchada com o bastardo que lhe faça. Se isso for o que deseja, vá atrás disso com todas suas forças... Mas fora de meu teatro.

— Por que não pode você tentar ser um pouco mais cortês? — replicou Madeline vermelha como o grão.

— Porque uma garota como você não inspira cortesia em um homem... — Logan pronunciou a palavra com uma ênfase penetrante.

Madeline ficou rígida, separou-se da mesa e, ao dirigir-se à porta, roçou-lhe ligeiramente.

— Se o que está dizendo é que me comportei que maneira imprópria... — deteve-se com um grito quando Logan, alargando o braço, agarrou-a. Madeline teve a sensação de que aquelas mãos grandes a queimavam através do tecido da manga.

Atirando dela com brutalidade, o ator a voltou para ele.

— O que digo é que quando um homem a olha, não pode evitar pensar...

Logan emudeceu e ficou olhando de marco em marco durante um comprido momento. Madeline tragou saliva com dificuldade; a piscada do Scott se reduziu a mínima expressão. A garota se perguntou se ele a desejava e o que deveria fazer ela para que se decidisse. Seu coração lhe deu um tombo ao precaver-se de que Logan a estava olhando como se tentasse devorá-la, tal e como tinha acusado a lorde Drake de querer fazer.

Os dedos do Madeline tremeram apressados pela necessidade de tocar o rosto de Scott, de explorar a áspera superfície onde tinha começado a crescer a barba, o enérgico contorno do nariz, os arcos das sobrancelhas, a boca, grande e firme... Queria ter tempo para abrandar esses lábios e apertá-los contra os seus... Queria perder-se em seus braços.

Scott a soltou de maneira tão repentina que quase a fez cair de costas.

— Me perdoe — disse Logan em um tom monocórdio, com o rosto mudado.

— Meu comportamento foi desconjurado.

Madeline, com os joelhos tremendo, sentiu uma pontada na boca do estômago. Foi aproximando pouco a pouco à mesa e se agarrou a borda para não cair.

— Eu... — Tinha os lábios estranhamente secos e os teve que umedecer antes de tentá-lo de novo.

— Não voltarei a falar com lorde Drake, senhor Scott.

— Faça o que deseje — disse ele em tom lento.

— Não tenho nenhum direito a pôr objeções às companhias que escolha.

Desconcertada, Madeline olhou fixamente o perfil de Logan. Em um momento se pôs feito uma fúria e, ao seguinte, mostrava uma completa indiferença. Algo devia ter feito mal; possivelmente tinha perdido alguma oportunidade da que uma mulher mais experimentada teria tirado proveito. Como sedutora era uma verdadeira calamidade.

Esperava que Logan saísse do quarto, mas o ator permanecia quieto e em silêncio, como se tivesse duros todos os músculos de seu corpo. Parecia estar liberando uma espantosa batalha interior.

— Senhor Scott? — perguntou em voz baixa.

— Se não lhe importar... poderia terminar o que ia dizer?

Logan voltou a cabeça e cravou os ardentes olhos azuis nos da garota.

— Disse que quando um homem me olha — lhe animou Madeline — não pode evitar pensar...

A tensão foi aumentando até que o senhor Scott sacudiu a cabeça com uma risada surda.

— Meu deus! — murmurou ao tempo que saía a grandes pernadas da estadia.

— Eu gostaria de saber o que tenho feito para merecer isto.

Durante as duas semanas seguintes, Logan se descobriu objeto da perseguição mais estranha que jamais tivesse sofrido. Cada vez que dobrava uma esquina, ali estava Madeline, solícita até o esgotamento, a ponto de lhe voltar louco com seus cuidados. Quando chegava a seu escritório pela manhã, ela já tinha estado ali para deixar em cima da mesa um guardanapo com pães-doces glaçeados ou um bule fumegante. A garota se apressava a lhe trazer coisas, antes até que ele fosse consciente de que ia necessitá-las... Estudava seus gostos: a quantidade de açúcar que gostava no chá, quão engomadas preferia as camisas...

A entusiasta devoção de Madeline lhe irritava e envergonhava por igual, mas ao mesmo tempo... Não podia recordar-se alguma vez que alguém tinha sido tão rápido na hora de satisfazer suas necessidades. Madeline se assegurava de que, em todo momento, seus trajes estivessem limpos, costurados e engomados; trazia-lhe livros de consulta da biblioteca sempre que os necessitava; e mantinha o escritório e o camarim em perfeita ordem.

Logan estava permanentemente a ponto de lhe dizer que lhe deixasse em paz; entretanto, não podia consegui-lo nunca. Vinha-lhe bem tê-la perto e à mão... Ao mesmo tempo, ver sua pequena e expressiva cara quando tomava nota do que lhe ditava ou ordenando montões de anúncios recém chegados da imprensa, proporcionava-lhe um estranho prazer. Nos estranhos dias em que Madeline estava muito ocupada para ir direto a seu escritório, surpreendia-se olhando o relógio, impaciente pelo atraso.

— Atrasou-se — lhe disse uma manhã quando chegou para ajudá-lo com a correspondência.

— Estive esperando-a.

— Sinto muito, senhor — disse Madeline sem fôlego, — mas a senhora Littleton necessitava que a ajudasse com a prova de uns vestidos...

— Passa muito tempo na alfaiataria. Se a senhora Littleton está sobrecarregada, lhe diga que contrate a outra coisaira. Há correio que preciso responder.

— Sim, senhor — disse obediente Madeline, ao tempo que em seus lábios se desenhava um pequeno sorriso.

Logan franziu o cenho, ao dar-se conta de que se mostrou ciumento e possessivo.

— Minha correspondência é muito mais importante que as ninharias da senhora Littleton, — disse apressado pela necessidade de justificar-se. Madeline sorriu e se sentou a seu lado, no lugar de costume.

Logan a mantinha ocupada no escritório todo o tempo que podia sob a certeza de que era o lugar mais seguro para uma garota como ela tão propensa aos acidentes. Madeline fazia ornamento de uma temeridade que o provocava em sobremaneira. Podia encontrá-la dedicando-se a atividades tão diversas como a de cravar pontas na carpintaria ou a de engatinhar pela galeria de trabalho, que se levantava grande altura por cima do cenário. Este último exemplo transbordou o copo da paciência do Logan. Um dia que passava pelo cenário, descobriu a um pequeno grupo de tramoistas contemplando a Madeline trabalhar a considerável altura por cima de suas cabeças. Sujeitando uma corda com a mão, trabalhava em excesso em introduzi-la através de uma polia cravada ao teto, suspensa a uns três metros por debaixo do teto do teatro. «Bom trabalho, empregada», disse um dos operários, enquanto outro ria com admiração: «Esta garota é ágil como um macaco.»

Logan sentiu que lhe faltava a respiração. Um passo em falso e Madeline cairia em cheio sobre o chão de tablados, situado a uma considerável distancia. Apertou os dentes para não gritar, o qual poderia havê-la assustado e dar pé a um fatal acidente. Suando por todos os poros de sua pele, lançou um juramento surdo e, a grandes pernadas, dirigiu-se até uma escada de caracol construída atrás do palco. Ascendeu a toda pressa, subindo os estreitos degraus de três em três, até chegar à ponte de trabalho, uma passarela do meio metro de largura pendurada de uns estribos de ferro que partiam do ralo e que discorria justo por debaixo da galeria de trabalho.

— Acabei — proclamou Madeline, cambaleando-se ligeiramente ao olhar pela borda da galeria.

— Meu Deus, sim que está alto! — Quando viu o Logan detrás dela, assustou-se.

— Senhor Scott — disse surpreendida, — o que está fazendo aqui?

— E você o que está fazendo? — replicou com gesto grave.

— Além de deixar que todo mundo lhe veja a anágua. Não é de espantar que seja tão popular por aqui.

Madeline, com os lábios apertados, olhou-o irada pela primeira vez.

— Isso não é justo, senhor Scott. Só faço meu trabalho, que consiste em ajudar onde me necessite...

— Não se tiver que arriscar sua vida — lhe espetou.

— Embora neste momento sinta desejos de lhe romper seu precioso pescoço eu mesmo e lhe economizar assim a moléstia. Agora, me dê a mão.

— Posso baixar sozinha...

— De-me a mão! — exclamou.

Madeline obedeceu ao fim e a mão do Logan se fechou sobre o pulso da jovem em um doloroso torniquete, arrastando-a fora da galeria em seus braços. A ponte de trabalho vibrou por causa da violência do movimento.

Madeline uivou de indignação quando Logan a jogou ao ombro como se fosse um saco de farinha.

— Me baixe! — Resmungou ao começar a baixar a escada de caracol.

— Não necessito que me ajude!

Fazendo caso omisso dos protestos, Logan seguiu carregando com ela até chegar ao cenário, onde a depositou sobre as pranchas com violência.

Com um olhar feroz, Logan se dirigiu em voz baixa e ameaçadora aos envergonhados tramoistas, que permaneciam de pé a pouca distância.

— Eu gostaria que alguém me explicasse por que a senhorita Ridley estava realizando um trabalho pelo que pago os meus tramoistas.

— A senhorita Ridley se ofereceu voluntária — disse um dos homens, envergonhado.

— Nos disse que, como é menor e ágil, podia fazê-lo na metade de tempo que nós.

— De agora em diante — lhe interrompeu Logan, — se alguém pedir à senhorita Logan que ponha um só dedo em uma corda, andaime ou cenário móvel, despedi-lo-ei no ato.

Voltou o olhar intimador para Madeline. Esta, vermelha de fúria, esfregava o pulso dolorido com sua mãozinha, ali onde Logan tinha apertado com tanta força.

— E não me vou desculpar por isso — disse cortante.

— Tive a tentação de fazer algo pior, me acredite.

O inexplicável aborrecimento do Scott pareceu durar o resto da manhã, e continuou durante os ensaios de Caçada, a nova produção do Capital. Apesar de ajudar aos atores na leitura de seus papéis, Madeline seguia irritada, e fez o possível por não olhar a seu chefe. Com grande irritação, pensou que o senhor Scott estava acostumado a lhe falar mal com mais frequência que com os outros, algo que já era evidente para todos os membros da companhia. De fato, todo o pessoal, dos tramoistas até os atores, esforçavam-se por lhe mostrar sua solidariedade e simpatia. Quando cruzava com eles, dirigiam-lhe em voz baixa palavras de ânimo e faziam todo o possível por lhe mostrar seu agradecimento por lhes ajudar nos ensaios.

— Maddy sabe meu papel melhor que eu — recalcou Arlyss, de pé em metade do cenário, sem dirigir-se a ninguém em particular.

— É a melhor apontadora que jamais tive.

— Sim que o é — corroborou Stephen Maitland em voz baixa.

— E resulta incrível que tenha tempo para estudar a obra, tendo em conta que sempre está fazendo coisas para todo mundo.

Julia sorriu com indulgência e, quando Madeline se sentou junto a ela na primeira fila de poltronas, deu-lhe um tapinha no ombro.

— Maddy tem a energia de dez pessoas.

Incômoda, Madeline se ruborizou.

— Me perdoem — surgiu a voz cortante do Logan Scott do cenário, — mas tinha a impressão de que estávamos levando a cabo um ensaio.

Sentado em uma poltrona frente a um jogo de bastidores, fazia rodar uma garrafa de uísque entre suas enormes mãos.

— Podemos prosseguir? — perguntou com mordacidade.

— Logo que averigue qual é minha frase — respondeu Arlyss docemente.

— Senhorita Ridley, lhe diga a maldita frase — ordenou Logan, fulminando-a com o olhar.

O desagrado da companhia não passou despercebido para o Logan, que se tomou com certo sarcasmo que todo mundo protegesse à garota e lhe olhasse como se fora um gangster. Ao diabo com todos. Tinha levantado aquele teatro e trataria a seus empregados como considerasse oportuno. Com gesto sério, fez avançar como pôde o trabalho da tarde, dando por terminado o ensaio quase uma hora antes do habitual.

Mais tarde, Julia se aproximou de seu escritório. As sobrancelhas arqueadas revelavam sua inquietação.

— Inteirei-me do que ocorreu entre Maddy e você esta manhã — assinalou.

— Não crê que está sendo muito duro com ela?

— Tem razão — respondeu um Logan sarcástico.

— A próxima vez que se apresente voluntária para pôr em perigo sua vida, não intervirei.

— Não se trata disso — disse Julia.

— Por amor de Deus, Logan, sei quanto protege a seus empregados e entendo por que te zangaste com ela esta manhã. O que não entendo é a severidade com a que o tratas sempre. Está sempre a sua inteira disposição, e o certo é que é mais sua ajudante que a minha. Desde que ela está aqui, o Capital funciona muito melhor. Deveria estar contente com Madeline e, entretanto, sempre que está perto atua como um menino arisco.

— Já é suficiente, Julia — respondeu Logan, olhando-a furioso.

— Lamento-o — respondeu a duquesa, e imediatamente suavizou o tom de sua voz.

— O que acontece é que não é o mesmo de um tempo prá cá. Preocupa-me.

— Em primeiro lugar, se não tivesse contratado à garota agora não haveria nenhuma necessidade de preocupar-se com nada.

Julia ficou olhando com crescente assombro.

— Estou começando a acreditar que Madeline não te desgosta absolutamente. Pergunto-me se o problema não será o contrário. Quase todos os varões do Capital estão convencidos de que estão apaixonados por ela. Não será que tem medo de te apaixonar você também?

Logan dissimulou um repentino brilho de indignação detrás de um olhar de sarcasmo.

— De todas as idéias absurdas que ouvi em minha vida...

— Estou certa — lhe interrompeu Julia, olhando-o com entusiasmo.

— Está lutando contra a atração que sente por ela. Por que não admiti-lo?

— Não tenho tempo para discutir suas descabeladas teorias — murmurou Logan.

— Se não te importa me deixar... Tenho trabalho que fazer. Julia não se moveu.

— Sei que está convencido de que pode controlar as emoções a seu desejo, governar sempre o coração e nunca ao reverso. Mas as emoções são terrivelmente inoportunas, Logan... Nunca se comportam como a gente desejaria.

— Vá ao inferno — replicou Logan e saiu do escritório com grandes pernadas.

Uma vez concluído o ensaio, quando todo mundo se foi do cenário, Madeline ficou a varrer o chão com grande energia, provocando uma nuvem de pó que dançava ao redor de seus joelhos.

— Arrogante... Ingrato... Tirano — ia murmurando, arejando seu aborrecimento a golpe de vassoura. Quando terminou de varrer o cenário, deteve-se perto de um pacote de lona mal envolto, que continha os floretes utilizados durante a manhã.

Inclinou-se, extraiu uma das espadas e a agarrou pelo punho. Era ligeira e bem equilibrada, e quando a agitou no ar, a lâmina assobiou. Encontrando-o divertido, Madeline tentou imitar alguns dos movimentos que tinha visto aquela manhã, entrando a fundo e atirando estocadas com o florete na mão. «Toma esta... e esta...», dizia enquanto atacava a um imaginário senhor Scott.

— Parece como se estivesse matando moscas — disse uma voz zombadora desde algum lugar próximo.

Sobressaltada, Madeline viu surgir ao senhor Scott dos bastidores, e desejou que a tragasse o chão do cenário. Por que tinha que ser ele quem a surpreendesse fazendo o ridículo? Esperou a que fizesse algum comentário que lhe provocasse uma humilhação eterna... mas os olhos azuis do Scott brilhavam divertidos.

— A quem tentava trespassar? — perguntou, e a forma de sorrir revelou que sabia muito bem qual era a identidade do invisível oponente da moça. Como não reagia, surpreendeu-a agarrando seu pulso com delicadeza.

A Maddy pareceu que tinha a mão muito quente.

— Assim, esta é a forma de agarrá-la corretamente. Não aperte tanto. Fazendo pressão com os dedos, ajustou a posição dos de Madeline. Esta tentou relaxar, mas não lhe resultou fácil: aquela proximidade fazia que seu pulso corresse como um cavalo enlouquecido.

— Note a posição de meus pés — continuou Logan — e mantenha os joelhos ligeiramente flexionados.

Madeline se arriscou a olhá-lo. O senhor Scott tinha o cabelo alvoroçado, como se tivesse estado mexendo os cabelos como um louco, e desejou acariciar aquelas espessas mechas.

— Passa a vida dirigindo, não?

— Não é a primeira mulher que me acusa do mesmo — replicou com ironia, e empurrou a espada até situá-la no ângulo adequado.

— Agora entre a fundo com o pé direito, dobre o joelho e lance a espada... sim, justo desta maneira. Poucas vezes vi um movimento tão digno de uma cena.

Estava tão perto que Madeline pôde apreciar a finura de sua pele; a aspereza da barba, negra e incipiente, nas mandíbulas; o brilho castanho das largas pestanas... Com a cara distendida e um sorriso nos lábios, Logan parecia mais jovem, mais acessível.

— Senhor Scott, compreendo as razões que lhe levaram a ser tão duro comigo antes — lhe disse.

— Ah, sim? — Arqueou as sobrancelhas, sarcástico.

— Estava preocupado por minha segurança e isso fez com que perdesse os estribos. Perdôo-lhe.

Antes que pudesse reagir, Madeline apertou a boca contra seu queixo, notando um comichão nos lábios ao roçar a bem raspada e áspera barba.

Logan esticou todo o corpo. Madeline se retirou, e aguardou com temor a reação. A cara do ator era uma máscara branca. Incômoda, inclinou-se para depositar a espada no chão e se ergueu para olhá-lo.

— Foi isto... digno de um cena? — perguntou.

Scott, com uma estranha expressão no rosto, demorou uma eternidade em responder.

— Não o suficiente — disse por fim.

— Por que não?

— Estava dando as costas ao público. Se estivéssemos representando uma obra, teria que haver girado assim.

Começou a mover-se para ela, deteve-se e, por último, agarrou Madeline pelos braços. Com suavidade, quase roçou o ombro da garota com os dedos e, logo, deslizou-os até a garganta e a mandíbula.

— Deve mostrar as emoções com a posição e o ângulo da cabeça... Com supremo cuidado, baixou-lhe um pouco o queixo.

— Se tivesse sentimentos encontrados sobre o beijo, deveria manter a cabeça nesta posição, e poderia colocar as mãos em meus ombros, como se estivesse considerando me rechaçar.

Madeline obedeceu com um ligeiro tremor de mãos ao apoiar as palmas contra a dura superfície daquele corpo que se elevava ante ela. Sendo muito mais alto, os ombros do Scott se erguiam imponentes, por cima de Madeline, tanto que o queixo quase roçava a parte superior de sua cabeça.

— Se quisesse o beijo — prosseguiu — deveria levantar um pouco o queixo... aproximar-se um pouco mais.

Calou quando Madeline deslizou os braços ao redor do seu pescoço, a pequena mão lhe tocando a nuca.

O aroma de roupa engomada, suor e sabão de sândalo do Scott lhe resultou tão desconhecido como desejável, e sentiu o impulso de afundar o rosto contra seu pescoço e aspirar profundamente.

Um véu de suor cobriu a testa do ator.

— Maddy... — disse com evidente dificuldade.

— Não sabe o que me está pedindo.

Madeline crispou os dedos contra o peito do Logan e agarrou sua camisa.

— Sim, sim que o sei.

Tragou saliva com dificuldade e se elevou sobre a ponta dos pés, estirando-se ao máximo para chegar até ele. Perdido o autocontrole, Logan baixou a cabeça e apertou seus lábios contra os da garota.

A boca forte e quente do ator pedia coisas que ela não sabia como lhe dar. Os braços do Scott a rodearam, apertando-a contra seu corpo. Pouco a pouco adoçou a pressão do beijo, esfregando os lábios contra os de Madeline até que conseguiu abri-los. As grandes mãos do Logan se fecharam à nuca da garota. Sujeitando com firmeza a cabeça, iniciou sua mão direita exploração. Nada a tinha preparado para isto. Toda a poesia e o romantismo imaginados arderam e, convertidos em cinzas, foram substituídos pela incontrovertível realidade daquele corpo colado ao dele.

Madeline manuseou o cabelo alvoroçado do ator, notando os sedosos e espessos cachos sob os dedos. Ao lhe fechar a palma sobre a nuca, notou-a tensa como uma tábua. Capturada em um impetuoso abraço, devolvendo beijo por beijo, seu coração pulsava com tal intensidade que temeu perder o conhecimento. A boca do Scott se separou da sua e a sentiu descer por seu pescoço, explorando com avidez a pele fina e vulnerável. As pernas lhe fraquejaram, e se inclinou para ele em busca de apoio.

A mão do Logan tocou a firme curva do peito até que o suave ápice desenhou um ponto sob o tecido do sutiã. Madeline ofegou, impulsionando o corpo para trás, a mão sobre o peito palpitante. Com os olhos bem abertos e a cara avermelhada, esforçou-se por respirar.

Logan enxugou o suor de sua testa com a manga. Rígido o corpo pela excitação, doía-lhe a intensa consciência do outro corpo. Pensou em agarrar Madeline de novo, levá-la até o duro chão do cenário e possuí-la ali mesmo. Era uma loucura, não era possível que pudesse estar tão obcecado por aquela inocente criatura; ele, que tinha obtido prazer com algumas das mulheres mais desejáveis da Europa.

— Já está bem desta estupidez — murmurou.

— Estupidez? — repetiu Madeline com uma dolorosa confusão. Scott começou a dar voltas a seu redor.

— Maddy, tenho trinta anos e jamais me interessaram as garotas de sua idade. Nem sequer quando tinha sua idade.

— Você... Não me acha atraente?

— Meu deus!

A prova de sua inexperiência era que lhe fizesse semelhante pergunta, quando os botões da calça esforçavam-se por conter a evidente excitação. Logan deixou de mover-se e se obrigou a olhá-la.

— Te acho atraente? — disse com brutalidade.

— Demônios! Eu gostaria de fazer certas coisas contigo que... — interrompeu-se e rasgou o ar com a mão.

— Maddy, não é uma boa idéia. Não pode seguir o jogo como eu gosto de jogar. E acabaria por te trocar, por te ferir.

— Entendo — disse Madeline.

— Não, não entende. E essa é a razão de que vou tentar te evitar por todos os meios. Não preciso te ter sobre minha consciência.

— Não me preocupa sua consciência. Tudo o quero é que volte a me beijar.

A descarada afirmação ficou flutuando entre ambos, enchendo o ar. Madeline não saía de seu assombro por haver-se atrevido a dizê-lo. Scott, incrédulo, olhava-a de marco em marco. Então, voltou-se com um grunhido risonho.

— Isso não ocorrerá. Se não por seu bem, ao menos pelo meu.

— Senhor Scott...

— Já não vou necessitar de sua ajuda no escritório. E preferiria que te mantivesses afastada dos ensaios, por mais que possa protestar minha sócia. — deteve-se e acrescentou com secura.

— Faz todo o possível por te manter fora de minha vista.

A crueldade do Logan deixou estupefata a Madeline. A chama da paixão foi apagando, deixando-a fria e vazia. Como tinha desvanecido tudo tão rapidamente? A confusão alagou seus pensamentos. Tinha-a rechaçado, havia-lhe dito que a desejava e, entretanto... Acabava de lhe dizer que se mantivesse afastada dele.

— Senhor Scott...

— Vá! — interrompeu-a, lhe fazendo gestos para que se fosse.

— Vim aqui para examinar os cenários móveis e não quero que me faça companhia.

Se não fosse pela senhora Florence, Madeline se teria afundado na melancolia. Em vez disso, ficou profundamente desconcertada pela interpretação que a anciã fez do episódio.

— A isso eu chamo de progredir — declarou depois de ter escutado os acontecimentos do dia.

— Quase o pescaste. Não deverá transcorrer muito tempo antes que recolha a linha e o tire bem preso ao anzol.

— Possivelmente não me tenha explicado com suficiente clareza — protestou Madeline, olhando-a dúbia.

— Não só não está no anzol, mas também estes momentos nada tão depressa quanto pode em direção oposta. Não quer saber nada de mim.

— Não lhe escutou, Maddy? Disse-te que te afastasse dele porque não pode resistir à tentação que lhe impõe sua presença. Não me ocorre nada mais alentador.

— Suponho — murmurou Madeline.

— Só que pareceu tão categórico...

— Não é momento para hesitações — assegurou a senhora Florence.

— Está fraquejando.

Agarrou um livro e, dentre as páginas, extraiu um papelzinho dobrado.

— Isto é para ti, Maddy. Se puder, amanhã sai cedo do trabalho e vá a este endereço.

— Senhora Bernard — leu em voz alta, e interrogou à senhora Florence com o olhar.

— Uma de minhas mais queridas amigas, tem uma loja no Regent Street. A senhora Bernard não é a melhor coisaira de Londres, mas é muito melhor que as piores. Falei-lhe um pouco de ti e me assegurou que tinha alguns recortes, por não falar de algum mostruário de roupa, que se podiam converter em alguns bonitos vestidos para ti. Não te cobrará um penique; uma das modelistas fará o trabalho como parte de sua formação.

— Ah, senhora Florence! É você tão amável. Oxalá encontrasse as palavras para lhe agradecer...

— Já me sinto bastante reconhecida tendo um novo projeto — afirmou a anciã.

— Ultimamente há poucos entretenimentos que mantenham meu interesse, e te ajudar a conseguir seu objetivo é um passatempo divertidíssimo. — interrompeu-se e, pensativa, olhou a Madeline.

— Não é algo que me incumba menina... mas, paraste-te a pensar no que ocorrerá depois?

— Depois?

— Depois de que consiga seduzir ao senhor Scott. Imagino que passarão uma encantadora temporada juntos... Mas te tem que preparar para quando terminar a aventura.

Madeline moveu a cabeça.

— Minha família me recolherá — respondeu.

— Não estarão muito contentes pelo acontecido... Mas estou preparada para confrontá-los.

— E seduzir ao senhor Scott o compensa?

— Bom... Sim — respondeu Madeline com desconforto. Guardou silêncio um instante.

— Supunha que eu era uma dessas pessoas às que lhes esperava uma vida muito comum. Não tenho nenhum talento especial, nem beleza, nem nada que me distinga de outras centenas de milhares de garotas. Mas não posso passar toda uma vida sem ter, pelo menos, uma noite mágica.

— Não espere nenhuma «magia» — lhe aconselhou a senhora Florence com uma sombra de preocupação na cara enrugada.

— Esse é uma missão muito difícil de satisfazer por parte dos homens, Maddy, inclusive por um como o senhor Scott. Para expô-lo com crueldade: um par de corpos na cama pode ser uma experiência bonita, mas a «magia»... ocorre só uma vez na vida. E isso se ocorrer.

Madeline se aproximou do camarim do senhor Scott conduzindo um montão de trajes recém lavados e engomados que acabavam de ser entregues pelo carro da lavanderia. Pelas manhãs, o camarim sempre estava vazio, mas, para sua surpresa, ouviu vozes no interior. Como a porta estava entreaberta, só teve que empurrá-la brandamente com o cotovelo para abri-la com um chiado surdo. Turvada, viu o senhor Scott, meio incorporado, meio inclinado sobre a mesa de maquiagem, absorto em uma conversação com uma visita feminina. A mulher era magra, elegante, loira e bonita. Vestia um luxuoso vestido de passeio de veludo azul, a jogo com uma saia de intrincado vincado. Claramente uma mulher sofisticada, fria, segura do lugar que ocupava no mundo... Tudo o que Madeline não era.

Embora lhe custasse Deus e ajuda vencer a consternação e o ciúme, Madeline conseguiu compor o semblante quando o casal a olhou.

— Senhor Scott — murmurou, — não esperava encontrá-lo aqui a estas horas do dia.

— Vim em busca de intimidade.

O tom era apagado e desdenhoso.

— Sim, senhor.

Madeline, vermelha como o grão, deixou a pilha de roupa na cadeira da esquina.

— Voltarei mais tarde para guardar isto.

— Deixe que a garota faça seu trabalho — disse a mulher loira com delicadeza, sem emprestar a Madeline mais atenção que a que tivesse dedicado a uma faxineira.

— De todas as maneiras, tenho que ir e não desejo interromper o funcionamento de seu teatro.

Logan sorriu, separou-se da mesa e, com um leve movimento, agarrou à mulher do cotovelo. O gesto foi imperceptível, mas, para o crescente desagrado de Madeline, o mesmo parecia deduzir a existência de uma amizade íntima e próxima.

— Qualquer interrupção que provenha de você, é bem vinda, milady.

A mão enfeitada da mulher acariciou o linho que cobria o antebraço do Logan.

— Então, terá ocasião das sofrer mais frequentemente.

— Isso espero.

Ambos sustentaram o olhar durante uns segundos.

Madeline, ocupada com a roupa, ia metendo no armário, pendurando-a metodicamente. Sentia-se traída, embora não tivesse nenhum direito. Depois de tudo, o senhor Scott era livre de perseguir a quem quisesse. «Mas por que não a mim?», pensou enquanto lhe ferviam as vísceras.

O senhor Scott sussurrou uma pergunta à mulher, esta sorriu e sacudiu a cabeça ao responder.

— Em nome da discrição, será melhor que não me acompanhe.

Olhando-o fixamente aos olhos, pôs as luvas, ajustando com precisão cada dedo. O ator volteou uma capa debruada em pele sobre os estreitos ombros da mulher e se preocupou de ajustar-lhe para protegê-la do vento invernal. A dama atravessou a soleira deixando detrás de si um delicado aroma de flores, que permaneceu suspenso no ar durante um bom momento.

O camarim ficou em silêncio. O senhor Scott ficou olhando a porta com ar pensativo, enquanto Madeline terminava de pendurar os trajes no armário. Quando o fez, fechou a porta com tanto ímpeto que o ator se voltou para ela arqueando as sobrancelhas inquisitivamente.

— Se põe um perfume muito forte — assegurou Madeline, ao tempo que agitava uma mão como se tentasse dissipar um mau aroma.

— Me parece bastante agradável — replicou o senhor Scott, que a seguiu atentamente com o olhar enquanto se movia pelo quarto, ordenando os potes da mesa de maquiagem, aproximando a cadeira à parede ou recolhendo uma pequena moeda do chão.

Embora Madeline tentasse não falar, não pôde evitar lhe fazer uma pergunta que brotou impulsiva de seus lábios.

— É sua amante?

A cara do senhor Scott mostrou uma expressão suave e implacável de uma vez.

— Minha vida privada não está submetida a debate.

— Levava anel de casada.

Por alguma razão, a expressão reprovadora do Madeline pareceu diverti-lo.

— Isso não quer dizer nada — lhe informou com secura.

— Ela e seu marido têm um acerto conhecido por todo mundo.

Madeline refletiu um instante sobre o significado daquelas palavras.

— Está dizendo que não lhe importaria se sua esposa... e você...? Que não se oporia?

— Não, enquanto seja discreta.

— Que estranho!

— Não muito. Muitas esposas de classe alta têm permissão para ter «amizades» fora do matrimônio. Assim se evita que se queixem das infidelidades de seus maridos.

— E a você não incomoda a idéia de fazer amor à mulher de outro homem? — animou-se a perguntar Madeline.

— Prefiro às mulheres casadas — respondeu sem alterar-se.

— Não resultam ser possessivas ou exigentes.

— Se essa mulher não estivesse casada, seguiria querendo ter uma aventura com ela?

— Isso não é de sua conta, senhorita Ridley.

Ante as maneiras displicentes e cortantes do ator, Madeline abandonou o camarim. «Ah, claro que é de minha conta», disse em voz tão baixa que Logan não pôde ouvi-la. Sua decisão de deitar-se com aquele homem era agora mais forte que nunca, e se havia alguma possibilidade humana de distrair o interesse que sentia pela mulher casada e dirigi-lo sobre ela, estava disposta a aproveitá-la.

Nos dias seguintes, quatro empregados do Capital, dois atores e dois carpinteiros, foram vítimas de uma enfermidade. Os sintomas eram febre alta, tosse e congestão e, em um dos casos, delírios que duraram dois dias. A duquesa enviou a vários serventes para interessar-se pelo bem-estar dos empregados.

— A enfermidade tende a propagar-se por toda a companhia antes de desaparecer — comentou Julia a Madeline com o cenho franzido.

— Seria muito esperar que não adoecesse ninguém mais.

— Excelência — disse Madeline, baixando o olhar para a evidente gravidez da duquesa, — em seu estado, deveria tomar cuidado...

— Sim, é obvio — assentiu Julia, e suspirou com impaciência.

— Mas não posso ficar em casa quando há tanto que fazer aqui.

— Sua saúde é mais importante que qualquer obra, excelência.

A duquesa soltou um bufado.

— Não fale disto diante do senhor Scott, não acredita nas enfermidades. Desde que o conheço, sempre há dito que nada, nem sequer a escarlatina, deveria interferir na programação do teatro.

— Mas a gente não pode evitar ficar doente — protestou Madeline, e se perguntou se o senhor Scott era na verdade tão irracional. Julia pôs os olhos em branco.

— Logan é pouco tolerante com a fragilidade humana. Como poderia compreender a debilidade se ele não tiver nenhuma?

Apoiando as mãos no bordo da mesa, ficou em pé e torceu a boca em uma rápida careta.

— Terei que pô-lo à corrente. Suponho que começará a rugir como um urso.

Face à afirmação da duquesa, do escritório do senhor Scott não saiu nenhum rugido audível... Mas durante o resto do dia pareceu flutuar no ambiente uma surda corrente de irritação, e os membros da companhia se mostraram inusitadamente apagados. Madeline pediu permissão para sair antes da duquesa, e esta o concedeu sem vacilação.

Madeline percorreu Regent Street com o pedaço de papel firmemente agarrado na mão. Fazia o possível por mostrar-se segura entre aquela barafunda de pessoas, carruagens e animais que abarrotavam a grandiosa via. As lojas, em interminável sucessão, mostravam móveis, baixelas, comestíveis, chapéus e tecidos. Quando estava a ponto de perder a esperança de encontrar o estabelecimento da senhora Bernard, encontrou-se ante a fachada de uma loja identificada por um pequeno letreiro verde e com um pequeno mostruário de tecidos na cristaleira.

Entrou na loja com acanhamento, provocando o repicar de um sino de latão sujeito a uma corrente. Aproximou-se imediatamente uma garota não maior que ela e muito bem vestida.

— Posso ajudá-la em algo, senhorita?

— Devo ver à senhora Bernard... Meu nome é Madeline Ridley.

Uma mulher de elevada estatura, sentada em uma mesa lotada de moldes e mostruários de tecidos em um canto da loja, levantou-se ao ouvir a conversação. Aparentava uns cinquenta anos, usava um elegante vestido azul e levava o cabelo grisalho recolhido em um coque trançado.

— Senhora Bernard? — murmurou Madeline enquanto a funcionária se encarregava de sua capa e suas luvas.

— Assim que você é a protegida do Nell Florence — observou a senhora Bernard, estudando-a com atenção.

— Me enviou uma carta me falando de ti, em que me contava que queria chamar a atenção de certo cavalheiro, mas que carecia do traje apropriado... Olhou com desdenho o singelo vestido de Madeline.

— Bom, sem dúvida alguma, com isto não conseguirá pescar a nenhum protetor com dinheiro.

Fez um gesto a funcionária para que conduzisse a Madeline até a parte traseira da loja.

— Ruth te ajudará a provar alguns modelos. Eu irei em seguida.

Madeline olhou por cima do ombro enquanto Ruth a fazia passar aos fundos da loja.

— Senhora Bernard, eu gostaria de lhe dizer o muito que agradeço...

— Bem, bem. De todas as maneiras, ia pôr a Ruth a arrumar alguma roupa; precisa praticar. Se Nell te tomou tanta simpatia, é que deve merecer a pena. Devo-lhe vários favores, porque me enviou muitos bons clientes. — interrompeu-se e depois se dirigiu a funcionária.

— Ruth, te lembre de tirar o de veludo marrom e o de seda italiana amarelo. Acredito que irão de pérolas à senhorita Ridley.

Madeline jamais tinha visitado uma coisaira. Sua mãe sempre convocava às costureiras locais na casa de campo, e ali idealizavam e desenhavam cinco ou seis novos vestidos para a seguinte temporada. Frequentemente traziam às revistas de moda feminina mais atuais para ficar em dia em questões de estilo... Mas no caso de Madeline, nunca parecia haver muitas diferenças. A moça morria pelos vestidos elegantes, mas sua mãe os considerava inapropriados.

— Quando te tiver casado com lorde Clifton, poderá escolher seus próprios vestidos — lhe havia dito.

— Embora seja um homem conservador, e estou segura de que não irá querer sua mulher exibindo-se.

— Não desejo me exibir, mamãe — tinha replicado Madeline, exasperada.

— Só quero o tipo de roupa que tem minhas amigas, vestidos de bonitas cores, e acaso com algum cós de enfeite...

— Não necessita semelhantes roupas — tinha assegurado pausadamente a mãe.

— Estão desenhadas com a intenção de atrair a atenção dos homens... E você já está prometida a lorde Clifton.

A lembrança da gélida insistência de sua mãe e seu próprio desespero por estar prometida a um velho a afiançou em sua determinação. Faria o que fosse necessário para fazer que o senhor Scott a visse sob uma nova luz.

Com ajuda da funcionária, Madeline se despojou da roupa e ficou só com a enrugada camiseta de algodão e os calções. Ruth olhou receosa a roupa interior e, enquanto saía, murmurou algo incompreensível. Quando voltou ao cabo de um minuto, acompanhava-a a senhora Bernard. A visão da camiseta do Madeline, que lhe chegava até os joelhos, fez retroceder à coisaira.

— Terrivelmente passada de moda — comentou a senhora Bernard, cruzando os braços e sacudindo a cabeça.

— Não pode levar estas coisas debaixo de meus vestidos, senhorita Ridley; estragariam as linhas.

Madeline a olhou com uma mescla de preocupação e desculpa.

— Senhora, tudo o que tenho é igual.

— Onde estão seus espartilhos? — continuou a coisaira. O desconcerto do Madeline começou a impacientá-la um pouco. Seu corpete, querida. Não leva nenhum? Por amor de Deus, quantos anos tem?

— Dezoito, mas nunca...

— Todas as garotas a sua idade deveriam levar espartilhos. Não só é decente, mas também saudável. Surpreende-me que não lhe tenha curvado as costas, indo assim, sem nada que a sujeite.

Preocupada, Madeline se esforçou por ver as costas no espelho, quase esperando descobrir uma grotesca corcunda.

A senhora Bernard suspirou e se dirigiu a funcionária.

— Ruth, me traga três jogos de objetos íntimos do pedido de lady Barkham; faremos umas novas a toda pressa ao longo da semana. E traz um jogo de espartilhos da caixa da segunda prateleira.

— Senhora — disse Madeline com pesar, — sinto muito, mas não me posso permitir...

— Não importa — a interrompeu.

— Nell me disse que se fossem necessários alguns extras, já se arrumariam entre ambas. Poderia lhe fazer recados em troca de dinheiro para seus gastos. Parece-te bem?

— Sim, acredito...

— Então, comecemos.

Com a amável intimidação da coisaira e a silenciosa eficácia da Ruth, Madeline foi despojada de sua grotesca roupa interior de algodão e provida de um jogo de camisa e calções que nem sequer chegava aos joelhos. Feitas de linho puro, aqueles objetos eram tão delicados que produziam a sensação de não levar nada. Eram inclusive algo transparentes, o que fez ruborizar a Madeline quando se olhou ao espelho. Se sua mãe tivesse tido a mais remota idéia do que estava fazendo, teria lhe dado uma apoplexia.

O seguinte foi o jogo de espartilhos, um objeto de seda canelada que se enganchava na parte dianteira e se atava nas costas, e que reduziu sua cintura em cinco centímetros no mínimo. Sumida em suas reflexões, Madeline mantinha o olhar fixo. Seria isso o que queriam os homens e impressionaria ao senhor Scott? Apenas podia esperar a averiguá-lo.

O primeiro vestido que provou era de suave seda amarela delicadamente bordada. Embora o objeto tivesse sido desenhado para uma mulher mais alta, a simplicidade de seu estilo lhe sentava muito bem. Sem poder conter a excitação, Madeline esperou que Ruth terminasse de grampear os colchetes ocultos das costas.

— Excelente — exclamou a senhora Bernard, enquanto subia com mão perita o tecido restante utilizando uma fileira de alfinetes reluzentes.

— À maioria das mulheres lhes resulta difícil levar este tom amarelo, mas te realça o dourado do cabelo.

O decote, baixo e arredondado, deixava ao ar o pescoço e a clavícula e descobria o começo do peito. As linhas do vestido se ajustavam à rodeada cintura, fazendo-a incrivelmente estreita. As reluzentes dobras amarelas tinham a queda conveniente nos quadris e nas pernas, e acabava, ao mesmo nível chão, em uma cascata de amplas bainhas e um singelo trabalho de festão.

— Pareço tão distinta — disse Madeline sem fôlego.

— Certamente que sim — corroborou a senhora Bernard.

— É uma pena que não te possa permitir algum cós mais no vestido, mas possivelmente seja melhor assim. Um estilo singelo contribui um ar mais sofisticado.

A coisaira fiscalizou a prova de três vestidos mais: um de veludo marrom com mangas largas feitas, do mesmo modo, de veludo, mas debruado e com bordados; outro de sarja de caxemira; e um terceiro cor marfim, com um decote tão baixo que a Madeline assaltou a dúvida de se poderia ficar com ele em público. Ia acompanhado de uma echarpe da mesma cor, bordado em azul claro, destinado a deixá-lo cair ligeiramente sobre os cotovelos.

Ao precaver-se que Madeline não tinha calçado adequado, a senhora Bernard tirou um par de sapatilhas de veludo, que se atavam aos tornozelos com umas fitas estreitas.

— Eram muito pequenas para a cliente que as encomendou — disse, e rechaçou o oferecimento que lhe fez Madeline das pagar.

Depois de assegurar que a tarde tinha sido um êxito, a senhora Bernard prometeu a Madeline que os vestidos estariam preparados em questão de dias, dependendo do tempo que tirasse Ruth para dedicar-se a eles. Madeline, incapaz de acreditar em sua boa sorte, deu as mais efusivas graças a ambas as mulheres.

— A quem deveria agradecer é a Nell Florence — disse a senhora Bernard.

— É uma grande senhora, e você uma garota inteligente por escolhê-la como mentora.

— Não tem nada que ver com a inteligência — esclareceu Madeline, — foi um golpe de sorte. Agora, com um pouquinho mais que tiver...

— Se te referir ao homem que desejas atrair, não a necessita. Quando te vir com seus vestidos novos, fará o que te deseje muito.

— Logo que posso imaginá-lo — disse Madeline com um sorriso, e com a autoritária cara do Logan Scott na cabeça, despediu-se da coisaira.

 

— As melhores fofocas sempre se escutam em casa de coisaira — afirmou a senhora Florence com nostalgia, uma vez que Madeline acabou de lhe relatar a visita à loja da senhora Bernard.

— Parece transbordar de notícias escandalosas e intrigas a todas as horas. É muito provável que se falasse de mim em muitas lojas: as mulheres tinham pavor a que lhes roubasse os maridos ou os amantes.

— E o fez? — perguntou Madeline sem poder conter-se.

— Só uma ou duas vezes.

Maddy sorriu e examinou o salão da anciã. Em meio de uma das paredes pendurava, emoldurado, um breve vestido de gaze com pedras semipreciosas a modo de broches. A ambos os lados do objeto havia uns baús triangulares de madeira lavrada, que encaixavam nas esquinas da parede.

— Que guarda aqui?

— Lembranças de juventude.

A senhora Florence se sentou em uma cadeira estofada em veludo pintado e se serviu de um prato com sanduíches.

— Pode olhar o que há dentro, se quiser.

Sem necessidade de maior estímulo, Madeline se ajoelhou no tapete Aubusson e girou a chave do primeiro baú. Um fresco aroma de lavanda se elevou pelo ar. Com cuidado, extraiu uma pilha de roupa, envolta com esmero em um tecido.

— Isso foi o que levava como Hipólita em Queria e não Queria — explicou a anciã, ao desembrulhar Madeline um traje militar que se completava com umas bombachas e um chapéu emplumado.

— Sempre fui muito boa nos papéis de mulherona, e isso porque tinha um par de bonitas pernas. — cada vez mais interessada e agradada, inclinou-se para diante.

— E este foi o meu traje de Ofélia.

Com um cuidado reverencial, Madeline sustentou em alto um vaporoso vestido alvo e verde adornado com centenas de diminutos casulos de rosa bordados.

— Devia estar deslumbrante.

— Em uma dessas caixas menores encontrará uma peruca a jogo.

Ao abrir uma caixa de pele, Madeline descobriu algumas jóias de minucioso lavrado; luvas de encaixe, seda e pele; sapatos com desenhos florais, aos que a cor começava a abandonar; e uma coleção de leques. A senhora Florence ia ilustrando com comentários a maior parte dos artigos, e contava histórias de seus dias no teatro que Madeline escutava com avidez.

Entretanto, quando a moça chegou a um pequeno estojo laqueado em verde, o sorriso da senhora Florence se esfumou, e em seu lugar apareceu uma expressão de angústia e dor.

— Menina, não abra isso. É privado.

— Ah, sinto muito...

— Não passa nada. Dê-me isso, por favor.

As mãos cheias de rugas recolheram o estojo, que ficou fortemente apanhado entre os dedos esbranquiçados.

Olhando fixamente o objeto, pareceu esquecer-se da presença de Madeline.

— Senhora... guardo as coisas e vou? — perguntou em voz baixa. A anciã se sobressaltou ao ouvir sua voz. Uma pena infinita alagava seu olhar.

— Contém um jogo de miniaturas — explicou, ao tempo que passava os polegares, uma e outra vez, sobre a caixa laqueada, manchando a brilhante superfície. Elevou a caixa com lentidão e a beijou. Olhou então a sua protegida com olhos brilhantes.

— Você gostaria de ver uma?

Madeline assentiu com a cabeça, aproximou-se rastejando e se ajoelhou aos pés da anciã.

Com mão torpe, a senhora Florence tirou uma das diminutas imagens emolduradas em ouro e a entregou ao Madeline.

A pintura era um retrato de uma menina de não mais de cinco ou seis anos, com grandes olhos azuis e cara angélica. Levava coberta a cabeça com um enorme gorrinho de laço, sob a qual penduravam uns largos cachos ruivos.

— Que preciosidade! — exclamou Madeline com sinceridade.

— Quem é?

— Minha filha.

Surpreendida, Madeline continuou olhando a miniatura.

— Não sabia que você...

— Muito poucas pessoas chegaram saber. Era ilegítima. — deteve-se e examinou o rosto de Madeline, esperando acaso surpreender um gesto de surpresa ou condenação. Ao não encontrá-lo, continuou:

— Eu não era muito maior que você quando nasceu minha Elizabeth. Seu pai era um homem maravilhoso, bonito e honorável, embora de origem humilde. Queria que nos casássemos, mas só sob a condição de que deixasse a cena para sempre.

— Não o amava?

— Céus, sim! Se alguma vez senti a magia com alguém foi com ele. Mas não aceitei sua proposição. Não queria sacrificar minha carreira, significava muito para mim. Nunca lhe disse que estava grávida. Ao final se casou com outra e, segundo todos os indícios, levou uma vida feliz. Um amigo de ambos me disse que morreu faz dez anos.

— Arrependeu-se alguma vez de não haver-se casado com ele? — perguntou Madeline.

— Não me permito os arrependimentos.

As duas permaneceram em silêncio e seguiram contemplando o retrato.

— Onde está agora? — continuou perguntando Madeline. A resposta da senhora Florence logo que resultou audível.

— Morreu faz muitos anos.

— OH, senhora Florence...! — disse Madeline, embargada pela compaixão.

— Nunca cheguei a conhecê-la bem — confessou a anciã. Alargou a mão por volta da miniatura e fechou os dedos ao redor dela com força.

— Durante os primeiros anos de sua infância a mantive a meu lado, mas quando teve a idade adequada, enviei-a a um colégio.

— Por quê?

— A vida do mundo teatral não resultava adequada para Elizabeth, exposta a minhas amizades masculinas e todo isso. Queria que estivesse a salvo e que recebesse uma boa educação. Assegurei-me de que tivesse as melhores roupas, livros, bonecas... Tudo que pudesse necessitar. Às vezes, em férias, levava-a de viagem. Jamais discutimos a respeito de minha profissão ou do tipo de vida que levava. Sonhava que algum dia realizasse um bom matrimônio e vivesse em uma grande mansão no campo. Em troca...

A senhora Florence se calou e sacudiu a cabeça.

Madeline considerou mentalmente várias possibilidades, até que o semblante de triste ironia da anciã lhe deu a resposta.

— Elizabeth quis ser como você — disse com comedido convencimento.

— Sim. Deixou o colégio por própria iniciativa e me disse que queria ser atriz. Supliquei-lhe que não fizesse tal coisa, mas não houve forma de fazê-la trocar de opinião. O desejo de atuar sempre parece mais forte naquelas pessoas que sentem a necessidade de satisfazer uma carência considerável. Sem dúvida, Elizabeth nunca viu cobertas muitas de suas necessidades, em especial a de ter um pai e uma família. Fiz quanto pude por ela; mas está claro que deveria ter feito mais.

— O que lhe ocorreu?

— Começou a atuar aos dezesseis anos. Foi recebida com críticas esplêndidas e a sutileza e a força de suas interpretações superavam com acréscimo minhas possibilidades. Acredito que Elizabeth teria sido uma atriz impressionante, maior até que a querida Julia. Em princípio não estive de acordo com a eleição que tinha feito, albergava grandes expectativas a respeito de sua carreira.

Suspirou e voltou a colocar a miniatura no estojo.

— Pouco depois de cumprir os dezessete, conheceu um homem, um aristocrata. Bonito, inteligente e desalmado. Amou-o de maneira doentia, até o ponto de atirar pela amurada sua carreira e tudo o que tinha de valor para converter-se em sua amante. Quando ficou grávida, sua felicidade foi imensa. Jamais soube o que pensava ele a respeito, mas do que não cabe dúvida é que não tinha nenhuma intenção de casar-se com a Elizabeth. Um dia... — deteve-se, e a boca lhe torceu como se tivesse dificuldade para falar — sua senhoria enviou a um lacaio para me informar que minha filha tinha morrido no parto.

— E a criatura? — perguntou Madeline ao cabo de um comprido silencio.

— Disseram-me que tampouco tinha sobrevivido.

— Quem era...?

— Preferiria não falar dele, querida. Aquele homem tirou a vida a minha filha e me causou a maior dor que jamais pude imaginar chegar a sentir. Seu nome jamais sairá de meus lábios.

— Entendo-o — disse Madeline. Alargou a mão e afagou brandamente as da senhora Florence.

— Me sinto muito adulada pelo fato de que tenha compartilhado comigo um pouco de seu passado, senhora.

A anciã lhe dedicou um sorriso e apertou com força o estojo.

— Há mais miniaturas da Elizabeth? — perguntou Madeline.

— Sim... Mas não resistiria as olhar ou lhe mostrar.

— Claro. — Madeline a olhou com curiosidade e sentiu que havia muitos mais segredos relacionados a Elizabeth que a senhora Florence tinha preferido não lhe revelar.

Quando Madeline voltou para Capital à manhã seguinte, descobriu que Arlyss Barry tinha sucumbido à enfermidade que tinha afetado a tantos outros membros da companhia. Seu marido, que também era o chefe dos pintores do cenário, ficou em casa para cuidá-la. A preocupação da duquesa era evidente.

— Necessita-se muito para afastar Arlyss do teatro — disse a Madeline.

— Quero ir visitá-la, mas o duque me proibiu isso. A verdade é que me ameaçou me reter em casa durante as próximas semanas, até que a enfermidade tenha remetido na companhia.

— Parece uma prudente sugestão — afirmou Madeline.

— Possivelmente Sua Excelência devesse considerá-la.

A duquesa suspirou com frustração.

— Há muitas coisas que fazer... E não demorarei a estar encerrada. Tenho que permanecer aqui todo o tempo que possa. Agora, além disso, Arlyss e seu suplente estão doentes. Pergunto-me se poderia representar o papel durante os ensaios até que uma das duas esteja em condições de voltar para trabalho.

— Ah, excelência, não poderia... — Madeline sacudiu a cabeça.

— Jamais poderia atuar, não tenho talento e não desejo absolutamente...

— Não tem que atuar, tão somente ler o papel, e você sabe melhor que a própria Arlyss... E te mover pelo cenário tal e como a viu fazê-lo. Não tem por que ter medo, Maddy, todos entenderiam que ocupa o posto de Arlyss de maneira provisória para facilitar os ensaios à companhia. Pensará isso?

—O senhor Scott não gostará disso — balbuciou Madeline.

— Deixe-me isso. Acima de tudo, Logan quer o melhor para seu teatro.

Madeline não viu o senhor Scott até a manhã seguinte. Para maior desassossego, lhe comunicou que o ensaio se levaria a cabo com o vestuário da obra. Bastante coibida estava por ocupar o posto de Arlyss, por isso ter que vestir o traje da personagem — pouco mais que uns véus verdes e chapeados lhe cobrindo o corpo — não fez a não ser piorar as coisas. Como suas medidas não eram as da senhorita Barry, o amplo decote arredondado lhe escorregava pelo peito e deixava à vista mais do que tivesse desejado.

— Que formosa está! — disse-lhe a senhora Littleton, apartando-se e observando o vestido com orgulho.

— Que pena que a senhorita Barry não tenha uma figura tão bonita como a tua. Contribui-lhe ao vestido um toque etéreo que ela não pode lhe dar.

— Me parece que a senhorita Barry tem um tipo muito bonito — se apressou a responder Madeline.

— Tê-lo-ia se deixasse de comer bolachas glaçadas com o chá todas as tardes — assegurou sombria a coisaira, balançando a descomunal circunferência de seu corpo ao voltar-se por volta da fileira de vestidos que tinham que utilizar aquele dia.

Quando se reuniu com os atores na sala de descanso, Madeline se dirigiu ao canto mais próximo tratando de passar despercebida. Por desgraça, o atrevido vestido a convertia no previsível alvo de uma avalanche de brincadeiras e gracejos. Charles Haversley foi o primeiro em advertir sua presença, e a saudou com vários assobios de admiração.

— Meu deus, que transformação! — gritou, equilibrando-se sobre ela e agarrando suas mãos. O olhar ávido do ator percorreu o corpo de Madeline e terminou detendo um bom momento no peito meio descoberto.

— Querida senhorita Ridley, não tinha nem idéia do que escondia sob seu traje habitual. Tenho que admitir que, nos momentos íntimos, perguntava-me...

— Charles — lhe interrompeu o senhor Burgess, o maior dos atores, que interpretava o papel de um pai viúvo.

— Ninguém, e menos ainda a senhorita Ridley, deseja ouvir falar de seus momentos íntimos.

Madeline liberou as mãos do entusiástico apertão do Charles.

— Senhor Haversley... — começou a dizer em tom de recriminação. Antes que pudesse continuar, lhes uniu Stephen Maitland, cujo olhar também ficou apanhado no busto da garota.

— Senhorita Ridley, acompanhá-la-ei até o cenário. Está escuro e poderia tropeçar no caminho...

As palhaçadas se viram interrompidas por uma tranquila voz procedente do outro extremo da habitação.

— Cavalheiros, já é suficiente.

Madeline olhou para o lugar de que provinha a voz e descobriu ao senhor Scott, de pé no outro lado da sala, com umas folhas de notas na mão. Este jogou uma olhada aos ali pressente, e não pareceu advertir a presença do Madeline.

— Comecemos — disse.

— Tenho que lhes fazer alguns comentários sobre o ensaio de ontem pela manhã. Depois, que todo mundo ocupe seu lugar para a primeira cena.

Leu a lista de comentários e mudanças, enquanto os atores escutavam com atenção. Quando estava a ponto de terminar a breve conversa, olhou diretamente a Madeline pela primeira vez.

— Senhorita Ridley, acredito que todos estão à corrente de que aceitou tomar parte no ensaio por causa da indisposição da senhorita Barry e a suplente. Agradecemos-lhe sua assistência.

Madeline sentiu como o sangue tingia seu rosto e conseguiu responder com um pequeno movimento de cabeça. Logan, evidenciando uma inexplicável severidade, olhou para outro lado imediatamente.

Os atores saíram em fila da sala de descanso a toda pressa, e Madeline os seguiu. Ela — ou, melhor dizendo, o personagem do fantasma da mulher morta— aparecia na primeira cena. Ao passar junto ao senhor Scott, que tinha ficado no vão da porta, deteve-se e elevou o olhar para ele.

— Senhor Scott — disse em voz baixa, procurando que ninguém a ouvisse, — sei que me disse que me mantivesse afastada de você, mas a duquesa me pediu...

— Sei — a interrompeu.

— Está zangado comigo?

— Sua presença não me afetará o mínimo.

— A cara do Logan era uma máscara de indiferença.

— Muito bem — disse, com um vacilante sorriso, e empreendeu a marcha ao cenário. Uma vez o deixou atrás, Madeline se perguntou por que o ator tinha agarrado o beiral da porta com tanta força; os dedos lhe haviam posto brancos. Presa de inquietação pensou que o senhor Scott não lhe havia dito a verdade: estava furioso com ela. Dirigiu-se para os bastidores com um profundo suspiro, subindo a puxões o sutiã do traje.

Por que tinha elegido a um homem tão difícil de seduzir? Também podia conformar-se com o Charles Haversley e acabar assim com o assunto. Mas Haversley não lhe inspirava nenhum dos sentimentos que lhe produzia o senhor Scott: o atordoado nervosismo, o temor e o prazer que se enredavam em seu interior sempre que ele estava perto. Desejava estar entre seus braços e não nos de nenhum outro... Conhecer o proibido prazer de estar com ele...

— Maddy. — A voz da duquesa do Leeds lhe chegou quando entrava entre bastidores. Madeline saiu de detrás das cortinas.

— Sim, excelência?

Julia estava sentada na primeira fila de poltronas e, quando viu Madeline, seu rosto se iluminou com um sorriso.

— Está preciosa com esse vestido, Maddy. Antes de começar, quero te assegurar que ninguém espera que o faça tudo perfeito. Limite-te a estar o mais atenta que possa e desfruta.

Madeline escutou as indicações da Julia. Foram ensaiar o início da obra, no que o fantasma da jovem mulher visitava os que tinha amado em vida: seu «irmão», interpretado pelo Charles Aversley; seus «pais», a senhora Anderson e o senhor Burgess... E, é obvio, seu «marido», encarnado pelo senhor Scott.

—Supõe-se que nenhum te vê ou te ouça — lhe disse Julia, — mas todos têm a certeza de que alguém... ou algo... está aí.

— Entendo — assentiu Madeline, retirando-se aos bastidores de onde Arlyss tinha que fazer sua primeira entrada.

O ensaio transcorreu sem interrupções nem complicações. Ao cabo de um momento, Madeline tinha perdido a vergonha e imitava as atuações precedentes de Arlyss Barry com a maior fidelidade possível, inclusive lhe copiando algum de seus gestos e inflexões de voz.

— Muito bem, Maddy — dizia às vezes Julia, quando Madeline entrava e saía do cenário e falava com seus surdos acompanhantes enquanto descobria o que tinha sido deles desde sua morte.

Tão somente se produziu uma interrupção chamativa, foi quando Charles Haversley olhou por acaso a Madeline e se deteve em metade da frase. De repente, rompeu a rir de maneira incontrolada. Madeline ficou olhando desconcertada, enquanto Julia lhe perguntava resolutamente o que é o que acontecia.

Haversley meneou a cabeça, aparentemente arrependido, apesar de seguir bufando regozijado.

— Não posso evitá-lo, excelência — disse ofegante.

— A senhorita Ridley me olha como se acreditasse em tudo o que digo, e parece tão seria... É algo adorável.

Julia lhe lançou um olhar de reprovação.

— Supõe-se que não a vê, Charles. É um fantasma.

— Não posso evitá-lo — repetiu, sorrindo com picardia para a Julia.

— Se você fosse um homem, entendê-lo-ia.

— Ah, compreendo — respondeu Julia com aspereza.

— Charles, faria a todos um favor se conseguisse comportar-se como um irmão e não como um reprodutor.

— Reprodutor? — perguntou perplexa Madeline, que jamais tinha ouvido semelhante palavra no internato da senhorita Allbright. Por alguma razão, a pergunta provocou outro ataque de hilaridade no Charles. A jovem olhou para bastidores, onde o senhor Scott esperava para fazer sua entrada. Ali, de pé entre as cortinas de veludo, vestido com elegância, a postura entre relaxada e alerta, oferecia uma magnífica figura.

A Madeline assaltou a idéia de que quando passassem cem anos, os livros de história falariam dele, e que as pessoas se perguntariam o que se haveria sentido vendo-o atuar. Nunca palavra alguma poderia descrever aquela voz, aquele timbre vibrante e profundo, nem a notável variabilidade de seu talento. Parecia como se o senhor Scott fosse duas pessoas diferentes de uma vez: um homem disciplinado fora do cenário, e um ator cujas emoções buliam e exploravam durante a representação. A senhora Florence tinha razão: o cenário era o lugar adequado para aproximar-se dele.

Logan contemplava o ensaio desde seu canto, sentindo como o ressentimento se desatava em seu peito. Amaldiçoou a Julia por lhe haver proposto que Madeline ocupasse o lugar do Arlyss... Malditas, também, Arlyss e a suplente por adoecer... Maldito ele, pela fascinação que sentia pela Madeline, algo que lhe levava a recordar com muita dificuldade o que tinha que dizer. Quem podia culpar ao Charles Haversley de sua falta de concentração? Logan duvidava que fosse melhor, com Madeline vestindo aquele tênue traje... Sentia o desejo de prostrar-se de joelhos ante ela e enterrar a cara entre seus seios. Desprendia tanta juventude e viço, sua pele era tão branca e sedosa... A simples beleza não justificava uma atração tão tremenda; sentia o perturbador desejo de ocultá-la, de afastá-la dos outros olhares de admiração... Guardar-la toda para ele.

Fosse como fosse, Madeline se tinha introduzido em sua vida e lhe tinha obrigado a fixar-se nela; e já não havia volta atrás possível. Agora que tinha rechaçado a idéia de levar-lhe à cama, converteu-se no mais prezado objeto de desejo. A qualquer outra mulher em que pensasse parecia lhe faltar algo, e o dar-se conta de que, de maneira inconsciente, procurava que se parecessem com ela, o fazia enlouquecer. Não deixava de pensar no que aconteceria se perdesse dentro da energia juvenil da garota. Tinha-lhe despertado o desejo de jogar, de experimentar algo da infância que não teve... E isso era algo que nenhuma outra amante tinha conseguido provocar nele.

Sentia-se perigoso e irritado, disposto a fazer pedacinhos o cenário. Para ouvir o sinal, agarrou uma garrafa que lhe dava o contra-regra e, sujeitando-a com soltura entre os dedos, entrou em cena. Os outros atores tinham saído, e sobre as pranchas não havia ninguém à exceção dele e Madeline.

Em tanto, o viúvo aflito, supunha-se que estava bêbado. Não era fácil interpretar bem a embriaguez, a maioria dos atores tendiam a sobre atuar ou, até pior, a não pôr a ênfase suficiente. Era um dos poucos aspectos da técnica cênica que exigia uma grande depuração a fim de conseguir a devida naturalidade. Em um esforço de concentração, Logan conseguiu reproduzir o falar dificultoso, os gestos expansivos e o caminhar instável do homem que leva bebendo durante muito tempo.

Sentou-se em uma grande cadeira de carvalho, ante um cenário que simulava uma biblioteca. Depois de liberar sua mente de todo o resto, começou um comprido monólogo que mostrava a amarga ironia e a contido desespero do personagem.

Em algum momento, meio o monólogo, Logan sentiu mais que ver que Madeline se aproximava por detrás e pousava as pequenas mãos no respaldo da cadeira. De acordo com a obra, durante as pausas do ator, ela, inclinada sobre ele, falava-lhe com uma doce voz que descia até seus ouvidos.

Logan não se moveu, febrilmente consciente do corpo de Maddy justo detrás dele, de seu aroma, da respiração da garota roçando sua pele. Começou a suar com profusão. Um dos largos cachos castanhos claros de Madeline lhe caiu sobre o ombro e lhe fez cócegas no pescoço, lhe provocando uma dolorosa pressão na entreperna. Petrificado, todo seu ser se consumia em desejo e luxúria.

Logan não pôde aguentar mais e, igual a Charles, veio-se abaixo a metade de frase... Só que não lhe fez rir.

O teatro ficou em silêncio. Logan tentou recuperar a serenidade, consciente de que todos atores e pessoal, contemplavam-lhe. Possivelmente pensavam que tinha esquecido o que tinha que dizer, embora tal coisa não tivesse ocorrido jamais, e pediu a Deus que ninguém suspeitasse a verdade... Que estava desatado por completo devido a uma ingênua menina. Apertou os dentes e tomou ar profunda e regularmente várias vezes.

— Senhor Scott. — Chegou-lhe a voz dúbia do Madeline atrás dele.

— Se quiser, digo-lhe a frase...

— Sei a miserável frase — disse, esticando as costas. Deus lhe assistisse! Tinha medo do que podia chegar a fazer se a olhasse uma vez mais.

— Algum problema, senhor Scott? — perguntou-lhe Julia dos assentos do público.

Logan lhe respondeu com um olhar assassino, e sentiu o vivo desejo de estrangular a seu vice-diretora por pô-lo em semelhante apuro. Julia, completamente desconcertada, ficou olhando com as sobrancelhas arqueadas. O inquieto desassossego de Logan a fez refletir, enquanto seu olhar saltava do ator ao Madeline, que permanecia justo detrás dele. Então, pareceu entendê-lo. Eram amigos desde muito tempo e lhe conhecia muito bem.

— Que tal se descansarmos uns minutos? — perguntou com brio.

— Não — murmurou Logan.

— Acabaremos a maldita cena.

Deu um golpe na testa e reatou o monólogo, começando mais ou menos pela metade do mesmo. Madeline seguiu adiante, embora com um que de incerteza na voz.

Sem preocupar-se com a técnica, a caracterização ou qualquer outro matiz interpretativo, Logan as arrumou para terminar a cena. Julia deixou que transcorresse a atuação sem fazer comentário algum, em tanto que as reflexões lhe enrugavam o sobrecenho.

Assim que terminou a cena, Julia anunciou um descanso de vinte minutos. A companhia se dispersou imediatamente, dirigindo-se à sala de descanso em busca de um refrigério ou aos camarins. Logan permaneceu na cadeira do cenário, dando as costas a Madeline, até que sentiu que se foi.

Com tranquilidade, Julia se dirigiu até a borda do cenário esfregando a costas.

— Logan — disse em voz baixa, — não queria me intrometer...

— Então não o faça.

Percorreu o cenário até plantar-se a poucos centímetros dela e a olhou de marco em marco.

Antes de continuar, Julia se assegurou que não houvesse ninguém o bastante perto para escutar; escolheu as palavras com evidente cuidado.

— Suspeitava que você e Maddy se sentiam atraídos, mas não é o tipo de garota que te interessou até agora nem com toda segurança, com o que sonhaste alguma vez.

— O que está tratando de dizer, excelência?

Julia pareceu surpreendida por sua brutalidade.

— Dá a casualidade de que eu gosto de Maddy, e espero que não te dela aproveite. Ambos sabemos que jamais se recuperaria de uma aventura contigo. Não está o bastante endurecida.

Logan sentiu que sua cara adquiria uma consistência pétrea.

— O que faça ou deixe de fazer com ela é meu assunto.

— O bem-estar de Maddy também me concerne. Ao parecer me vejo obrigada a te recordar sua inexplicável norma de não te envolver emocionalmente com nenhum membro da companhia.

— É sua empregada, não minha. Não a contratei eu e, portanto, sou livre de fazer o que me dê vontade com ela.

— Logan — lhe recriminou contrariada, observando como se afastava a grandes pernadas.

Madeline perambulava pela sala de descanso, respondendo com um lânguido sorriso aos elogios que, por seus esforços, dirigiam-lhe outros atores.

— O que passa ao senhor Scott? — ouviu dizer alguém de passada.

— De um tempo para cá parte se comporta de uma maneira estranha.

— Quem sabe? — ouviu-se responder.

— Só espero que não seja a maldita febre que corre por aí. O único que falta à companhia é que o senhor Scott a esteja incubando.

Madeline, a caminho dos quartos de ensaio, não captou o resto da conversação. Precisava encontrar um lugar onde pensar. O que tinha ocorrido no cenário? Tinha acreditado que tudo ia bem, inclusive tinha sentido uma espécie de conexão com o senhor Scott, mas a atuação dele se tornou curtida, estranhamente mecânica, como se logo que pudesse suportar sua presença. Estava a ponto de tornar a chorar... e queria esconder-se em alguma parte.

Ouviu uns passos rápidos a suas costas. Alguém a agarrou com força do braço e a fez entrar no quarto de ensaio mais próximo. Madeline deu um pequeno tropeção e, no momento em que a porta se fechava, voltou-se e olhou com os olhos como pratos a seu captor.

— Senhor Scott...

A cara do ator se mantinha na sombra; e o perfil da cabeça, aureolado pelos raios de luz que entravam pela janela. Sua respiração era forte e agitada. Madeline retrocedeu, mas ele a aferrou com extraordinária brutalidade, fechando as mãos ao redor da cabeça da garota. Deu a impressão de tentar dizer algo. Então, com um surdo gemido de impotência, beijou-a.

A boca, incrivelmente quente, quase torpe em sua urgência, explorou-a insatisfeita, como tentando saciar uma fome infinita. Madeline, surpreendida e tremente, respondeu à agressão com uma entrega que só contribuiu a aumentar a excitação.

As mãos crispadas do Logan desceram pelas costas da garota, e a ponto estiveram de rasgar o tecido do vestido. Madeline não pôde evitar que seu desejo crescesse, que se amoldasse ao dele, e separou as pernas ante a inexorável intromissão da coxa do ator. Rodeou-o com seus braços e fechou as mãos sobre os tensos músculos das costas. É o que tinha querido, com o que tinha sonhado, e inclusive resultava mais doce do que tinha imaginado. A boca generosa e erótica do Logan, a pressão que exercia seu corpo, alagaram-lhe com uma deliciosa e vertiginosa debilidade.

Logan separou os lábios e ofegou com violência no ouvido da garota. Agarrando-a do cabelo, empurrou-lhe a cabeça a um lado e apertou os lábios contra seu pescoço. Encontrou um ponto sensível em um lado da nuca, beijou-o e mordeu com suavidade até que Madeline choramingou de prazer. Ela sentiu um desesperado vazio interior; desejava algo... algo...

O ator atirou das mangas de seu vestido, esticando o tecido até que arrebentou as costuras e seu peito nu ficou ao descoberto. A Madeline lhe cortou a respiração quando Logan cavou as mãos sobre o suave volume dos seios, roçando os mamilos com os dedos, atirando com suavidade até que se esticaram com dor. O corpo da moça tremia incontrolavelmente e se apoiou contra ele.

— Carinho — lhe sussurrou Logan, sujeitando-a com firmeza.

— Carinho, não tema.

Reclinou-a em seus braços vigorosos, Madeline sentiu os lábios do ator deslizar-se por seu peito, fechar-se sobre o excitado mamilo e, com movimentos circulares de língua, endurecê-lo ainda mais, demonstrando que sabia muito bem como agradá-la.

De improviso, o senhor Scott retirou a boca do peito e soltou à garota. Atônita pela brusca liberação, Madeline ficou olhando em assombrado silêncio. Elevou as mãos para cobrir sua nudez e se separou dele, colocando o vestido com estupidez. A violência com que lhe tremiam os dedos fazia impossível a tarefa. Lutou com a roupa até que, uma vez mais, sentiu sobre ela as mãos do Logan que, com suavidade, colocavam as mangas e o sutiã em seu lugar.

Assim que a teve arrumado devidamente, retirou-se ao outro extremo da pequena habitação, ajeitou o cabelo e deixou escapar um explosivo suspiro. Não falou até passado um bom momento, mantendo o olhar longe de Maddy.

— Maddy, não era minha intenção... aproximar-me de ti desta maneira. É só que eu... — deteve-se com um sombrio sorriso.

— Parece que não me posso conter.

Madeline entrelaçou as mãos.

— Senhor Scott — respondeu com dificuldade.

— Não lamento que me tenha beijado.

Ao ouvir estas palavras, voltou-se; seus olhos pareciam de fogo azul. Aproximou-se até ela em três pernadas e apanhou seu rosto entre as mãos.

— Maddy — sussurrou. Aproximou-lhe os lábios à curva da bochecha e, com suavidade, retirou-lhe o cabelo do rosto, enredando os dedos nos cachos de seda.

— Oxalá não te desejasse com tanto desespero.

O coração da garota deu um salto de prazer ao ouvir aquilo.

— Senhor Scott...

— Me escute, Maddy.

Soltou-a e retrocedeu.

— Não vou fazer amor contigo, não importa o muito que te deseje. Logo me odiaria e, muito provavelmente, odiar-me-ia também.

— Jamais poderia lhe odiar. Logan sorriu com ironia.

— Não? Nem sequer depois de que te tivesse roubado a inocência? Qualquer relação comigo se trocaria, e não para melhor.

— Estou desejando assumir esse risco.

— Não o entende.

Sua boca se torceu em uma careta de amargura.

— Utilizo às mulheres para obter prazer físico, nada mais. Uma vez que tenho descoberto tudo o que uma amante pode me oferecer, não passa muito tempo antes que comece a me aborrecer e busque outra. Não duraria muito em meu dormitório.

— Não se apaixonou alguma vez? — perguntou Madeline, lhe olhando fixamente.

— Uma vez. E não funcionou.

— Por quê?

— Não é necessário que conheça meu passado, e igual a mim não preciso saber nada do teu.

Madeline não discutiu, consciente de que possivelmente tivesse razão. Quanto mais soubesse dele, mais difícil resultaria deixá-lo chegado o momento. Como tantas outras mulheres, deixou-se apanhar pela poderosa combinação de masculinidade e mistério do Logan. Por sua própria segurança, tinha que manter seu coração a salvo. De improviso, o sábio conselho da senhora Florence veio a sua memória: «Faça o que faça, não atue como uma louca apaixonada. Limite-te a deixar claro que está disponível e disposta... que está oferecendo prazer sem nenhuma responsabilidade.

— Senhor Scott — disse em voz baixa, — se lhe atrair, não vejo por que não deveríamos atuar em consequência. Tudo que desejo é passar uma noite com você.

A expressão do Logan não trocou, mas Maddy captou sua surpresa.

— Por quê? — perguntou o ator com voz fraca.

— Por que uma garota como você... rebaixar-se-ia a semelhante coisa? Como esperava uma resposta, deslizou os dedos sob seu queixo e a obrigou a levantar o rosto. Nos olhos do Logan brilhava um raio palpitante, uma nova atitude defensiva que a intranquilizou. Em um esforço por ocultar seus pensamentos, deixou cair as pálpebras.

— Acredito que eu gostaria disso — afirmou Madeline.

— Não é razão suficiente?

Produziu-se um breve e desconcertante silêncio.

— Me olhe — murmurou o ator.

Ela obedeceu com lentidão. Logan procurou seu olhar e sacudiu a cabeça como se não estivesse disposto a esclarecer um enigma tão pouco divertido.

— Maddy, é uma má atriz. Eu gostaria de saber o que é o que esconde, mas tenho outros problemas mais importantes, em especial o que uma quarta parte da companhia esteja doente. Assim que o Capital recupere a normalidade, quero que abandone o teatro. Conseguir-te-ei outro emprego, um melhor.

— Quero ficar.

— Me acredite, é o melhor para ambos — replicou Logan, aparentemente incomovível.

Madeline tragou saliva enquanto a invadia uma raivosa quebra de onda de decepção. E agora o que? Ofereceu-se e não era aceita. O som da negativa do Logan repicou em seus ouvidos até que a vergonha e o aborrecimento começaram a consumi-la. Suas mãos se aferraram à saia, enrugando a ligeira e vaporosa malha.

Que idiota tinha sido! Tinha desperdiçado tanto tempo fantasiando com ele, com coisas que jamais ocorreriam. Agora o único que tinha era a consciência de saber que sua família não demoraria em descobrir que se ausentou do colégio.

Durante uma fração de segundo considerou a possibilidade de explicar a situação ao senhor Scott e abandonar-se a sua mercê. Não, não conseguiria despertar sua compaixão. «Case-te com o Clifton e te considere rica», quase podia lhe ouvir dizer com cinismo. Para falar a verdade, logo que estivesse em condições de fazer outra coisa.

Apertou os punhos e se dirigiu para a porta com passo firme. Não desperdiçaria o resto de seus dias convertendo-se em uma propriedade de lorde Clifton.

— Muito bem — disse, detendo-se na soleira.

— Deixarei o Capital quando você queira. Não é necessário que se incomode em me buscar outra colocação, sou perfeitamente capaz de encontrar algo por mim mesma.

E saiu sem lhe dar tempo a responder.

Logan se dirigiu com lentidão para a porta e, com as mãos colocadas nos painéis superiores, apoiou a frente sobre a fria madeira e emitiu um surdo gemido.

«Uma noite com você...» Teria dado toda sua fortuna por isso. Jamais tinha conhecido nada tão delicioso como a sensação de tê-la entre os braços, nem como a intrépida vulnerabilidade que o tinha acolhido e atraído até levá-lo a borda do desmoronamento. Mas não podia consenti-lo, não podia deixar que ninguém arrancasse de repente o que tinha no coração. Maddy partiria logo. Confiou em que tal pensamento o aliviasse, mas não foi assim.

Abriu a porta de repente e se dirigiu a seu escritório fazendo caso omisso dos curiosos olhares que, a seu passo, lançava-lhe o pessoal do teatro. Encerrou-se no pequeno quarto e revolveu no escritório até dar com uma garrafa do melhor uísque escocês. Sentou-se, deu um gole diretamente da garrafa, e deixou que o gosto sutil a fumaça e turfa se mantivesse em sua língua. Outro gole e a garganta se viu alagada por uma agradável sensação de bem-estar... Que, não obstante, foi incapaz de derreter o bloco de gelo que aninhava em seu peito.

Logan bebeu com calma, os pés na borda do escritório, contemplando as pontas dos brilhantes sapatos de pelica. Naquele momento de sua vida, farto de êxito, imaginou-se invulnerável. Em realidade, não deixava de ter sua graça que uma mulher tão miúda pudesse semear tamanha confusão em seu interior.

Possivelmente se devesse a que Maddy supunha um caso único em sua experiência. Sem dúvida, estava muito longe daquelas mulheres da alta sociedade que não perdiam oportunidade de lhe mostrar que eram superiores, inclusive quando lhe aconteciam discretas notas lhe convidando para românticos encontros.

E logo estavam aquelas criaturas que detestava por cima de tudo... As nobres filhas da alta sociedade, cujo único objetivo na vida era casar-se e trazer para o mundo mais membros de sua espécie. Não era suficientemente bom para elas, carecia de família ou título e o dinheiro em si não era suficiente.

Se tivesse desejado cortejar a uma daquelas privilegiadas jovenzinhas, a família lhe teria esclarecido que albergavam planos mais atrativos para sua filha. A mera visão de uma daquelas virgens enfastiadas vestidas de branco em um baile bastava para lhe recordar que, com independência de quão grandes tivessem sido seus lucros, sempre haveria coisas que não poderia ter. Jamais seria aceito de todo. Fora do teatro, não pertencia a nenhum lugar.

Madeline Ridley parecia igualmente desconjurada. Era muito afetuosa e natural para ser uma dama da alta sociedade, e muito idealista para ser uma cortesã. Sem dúvida estava destinada a ser a esposa de alguém, mas Logan não podia imaginar-se a um homem digno dela. Maddy necessitava a alguém que a cuidasse sem esmagar seu espírito, que pudesse amá-la com a mesma intensidade com que seria correspondido.

E Logan se via incapaz de tudo isso. Não estava preparado para uma relação assim, tendo aprendido, desde muito jovem, a desprezar as palavras «lar» e «família». Se tinha podido sobreviver, tinha sido graças a ser tão insensível como o homem que o tinha engendrado.

Anos de surras e abusos lhe ensinaram a ser um consumado mentiroso. Seu pai, Paul Jennings, sempre se entregava à violência sumido em furiosas bebedeiras...

Mas mais tarde recusava confrontar as consequências de seus atos, e pretendia que Logan esquecesse e simulasse que no lar dos Jennings tudo era felicidade e bem-estar. A só visão de uma lágrima, um gesto de dor ou um olhar de ressentimento resultava suficiente para fazer-se credor a uma segunda surra que, sempre, era pior que a primeira. Embora de maneira involuntária, seu pai tinha sido um extraordinário professor de arte dramática.

Uma vez, depois de uma surra especialmente brutal, Logan passou três dias com um braço quebrado negando que lhe doesse o mínimo, até que Andrew lhe levou a rastros à mansão e procurou que o entalassem e enfaixassem.

— Como ocorreu, menino? — tinha lhe perguntado o conde, enquanto esquadrinhava com sagacidade a cara maltratada do Logan.

Este tinha fugido a resposta, sabedor de que a só insinuação da verdade houvesse bastado para que Paul Jennings o matasse.

Anos mais tarde, Logan se perguntou por que sua mãe não lhe tinha consolado nem aliviado das feridas com seus beijos maternais. Concluiu que a desesperada determinação da mulher de manter a paz do lar a tinha privado do tempo necessário para lhe emprestar alguma atenção. Fazia muito tempo que tinha deixado de desejar a ternura de uma mulher... e não necessitava nem consolo nem cuidados. As mulheres existiam para desfrutar e logo tirar-lhe de cima, mas nunca para confiar nelas, nunca para necessitá-las.

Agora que por fim se resolveram as coisas com Madeline, tudo o que tinha que fazer era ignorá-la até que Arlyss se recuperasse. Estava seguro de que Julia protestaria pela demissão da garota, mas poderia confrontá-lo. Além disso, a condessa não demoraria a estar ocupada com o nascimento de seu novo filho e terminaria por esquecer-se de Madeline Ridley. Logo seria como se nunca tivesse estado ali.

Logan sentiu os efeitos tonificantes do uísque em seus ossos, um tipo de prazenteiro intumescimento. Com cuidado, voltou a guardar a garrafa e fechou a gaveta.

 

Depois de decidir renunciar a seu bate-papo noturno com a senhora Florence, Madeline se deitou cedo. A dor do rechaço estava muito fresca. Possivelmente pudesse falar disso pela manhã, ou ao dia seguinte, uma vez estivesse em condições de serenar-se.

Enquanto esquadrinhava a escuridão, considerou a possibilidade de não voltar para o Capital. A idéia de encontrar-se de novo com o senhor Scott lhe parecia insuportável. Por desgraça, tinha prometido à duquesa que ajudaria nos ensaios até que a senhorita Barry se recuperasse. Não podia romper sua promessa, mas sentar-se frente ao senhor Scott no cenário e lhe olhar aos olhos... estremeceu sentindo uma horrível vergonha. Não sabia se poderia fazê-lo.

Só seriam um ou dois dias; com toda segurança, a senhorita Barry se teria recuperado para então. Armar-se-ia de valor para não ruborizar ou gaguejar ante o senhor Scott; mostrar-se-ia fria e totalmente serena.

Durante toda a noite não parou de dar voltas e mais voltas entre os lençóis, em um vão intento de escapar a seus pensamentos. Pela manhã despertou esgotada e apreensiva, perguntando-se se alguma vez tinha temido a chegada de um dia como receava agora de que começava. Sem dúvida não era a primeira mulher que fracassava ao seduzir a um homem, mas a quantas lhes exigia que se encarasse a ele ao dia seguinte e aparentasse que nada tinha ocorrido?

Vestiu-se e se penteou, recolhendo o cabelo na nuca com um apertado coque. Conseguiu sair antes que a senhora Florence se levantasse e tomou um carro de aluguel até o teatro.

A companhia parecia inusitadamente vazia. Nas salas de ensaio e as oficinas reinava um silêncio maior que o habitual. Depois de inteirar-se de que o ensaio da manhã foi suspenso, dirigiu-se à alfaiataria, onde a senhora Littleton a recrutou sem perda de tempo.

— Parece que meia companhia está doente — disse sem fôlego a robusta mulher, extraindo brilhos da agulha enquanto alinhavava uma costura.

— Meia dúzia enviou recado de que não virá, mas meu trabalho tem que seguir adiante como de costume, e virtualmente não tenho ajuda.

Madeline trabalhou na alfaiataria a maior parte da manhã, agradecida pelo temporário adiamento do momento que teria que encontrar-se com o senhor Scott. Só quando a senhora Littleton a enviou a recolher os esboços de uns vestidos ao escritório da duquesa, Madeline se aventurou a contra gosto pelo edifício principal do teatro. Já perto do escritório, ouviu uma voz masculina desconhecida, que se mesclava com o timbre claro e ligeiro da duquesa. Madeline se deteve justo na porta, reticente a irromper na estadia.

— Já é suficiente — parecia haver dito o homem.

— Te disse que permanecesse afastada deste maldito teatro.

— Há muito que fazer — lhe respondeu Julia.

—Querido, será só um dia mais; possivelmente, dois. Não posso partir deixando tantas coisas inacabadas...

— Sua saúde me importa mais que qualquer pessoa ou coisa de todo este lugar.

— Prometo-lhe isso, estarei bem.

— Vem para casa, Julia.

— Primeiro tenho que empacotar algumas coisas.

— Enviarei a um criado mais tarde para que recolha tudo o que queira.

— Não está sendo razoável...

Produziu-se um prolongado silêncio, ao que seguiu um ruído surdo que Madeline não foi capaz de decifrar com precisão. Logo, o homem falou em voz baixa.

— Ainda quer discutir comigo, Julia?

— Não.

Madeline nunca tinha apreciado tanta docilidade no tom de voz da duquesa, pelo comum tão firme e autoritário. Com supremo cuidado, olhou às escondidas pela fresta e viu a duquesa de pé, no meio do escritório, enquanto um homem de cabelo negro a beijava apaixonadamente. «O duque do Leeds», pensou Madeline, o qual despertou seu interesse imediatamente. O homem elevou a cabeça, revelando uma cara magra, bela e exótica que olhava a sua esposa com amorosa exasperação. Sentindo sem dúvida que não estavam sozinhos, o duque olhou em direção a Madeline com uns olhos cinza e arregalados. Ruborizada, Madeline se adiantou imediatamente.

— Me perdoem, não queria interromper...

— Não passa nada, Maddy — respondeu Julia com as bochechas rosadas, enquanto escapava do abraço de seu marido.

Ao apresentá-lo, Madeline se prostrou com uma reverência respeitosa.

— É um prazer — murmurou o duque com um brilho amistoso nos olhos.

— Senhorita Ridley, agradecer-lhe-ia que tentasse ajudar à duquesa a reunir todos os livros e documentos necessários, porque parte imediatamente.

— Sim, excelência.

Julia pôs os olhos em branco e suspirou.

— Ao parecer não tenho eleição. Maddy me faça o favor de dizer ao senhor Scott que preciso falar com ele agora mesmo. Levo toda a manhã no escritório tentando recompor o programa para adequá-lo às ausências da companhia.

Embora lhe horrorizasse ter que enfrentar-se ao senhor Scott, Madeline assentiu com resolução. Quando se foi, o duque e a duquesa reataram a conversação, claramente desfrutando da oportunidade de um novo assalto verbal.

Ao chegar à porta do senhor Scott, Madeline duvidou. Antes de chamar escutou em busca de sinais de atividade no interior: reinava um discordante silêncio. Com a esperança de não encontrá-lo ali, golpeou brandamente com os nódulos. De dentro lhe chegou um ameaçador murmúrio.

— Estou trabalhando.

Madeline retorceu as mãos e ficou olhando a porta com atenção. Depois de fazer provisão de coragem, decidiu-se a falar com voz tranquila e controlada:

— Senhor Scott, a duquesa deseja falar com você.

Logan demorou em responder um instante.

— Você! — disse em tom nada amistoso.

— Acredito que a duquesa deseja lhe dizer que se vai senhor. O duque veio para levá-la a casa.

Por resposta, Madeline recebeu outra dose de silêncio.

— Não é prudente que, em seu estado, permaneça no Capital. Estou segura de que você estará de acordo com isso, com toda a gente que sucumbiu à febre...

— Que tenha boa viagem! Agora, te afaste da porta.

Madeline obedeceu com supremo gosto, mas depois de ter dado os primeiros passos, deteve-se. Havia algo estranho na voz do ator, um tom que a tinha impressionado. Parecia cansado. «Não é estranho», pensou. Apesar da ordem de afastar-se e de sua própria dor e vergonha, sentiu-se obrigada a voltar para a porta.

— Senhor Scott, há algo que possa fazer por você? Gostaria de um pouco de chá?

— Só que vá — murmurou.

— Tenho trabalho... Não estou de humor para diversões.

— Sim, senhor. — Mas algo a impedia de partir. Invadia-lhe a certeza crescente de que algo ia mal. Havia tanto silêncio dentro do escritório... E não era normal nele que, a essas horas, tivesse a porta fechada, impedindo o acesso ao resto da companhia. Agarrando o gasto trinco de latão, fechou os olhos e respirou profundamente. Se as suspeitas resultavam infundadas, o mais provável é que Scott lhe arrancasse a cabeça.

Quando Madeline penetrou no quarto, o ator não pareceu advertir sua presença até que esteve a seu lado. Sentado ante a escrivaninha, estava meio soterrado por um montão de papéis amassados e rabiscados. Antes de agarrar a pena, passou a manga pela testa. Tirou a jaqueta e o colete, e os calafrios lhe percorriam as costas cada vez que o frio ambiente do quarto atravessava a magra camisa de linho. Ao tentar reprimir um violento acesso de tosse, lhe caiu a pena e umas gotas de tinta se pulverizaram sobre o escritório.

— Senhor — disse Madeline em voz baixa.

Scott voltou a cabeça para ela, mostrando a cara avermelhada e os olhos frágeis. Dava a sensação de que contemplasse à garota através de uma espessa névoa. Sem refletir, Madeline alargou a mão para lhe tocar as pontas úmidas do cabelo, que acariciou com suavidade. Roçou a testa do Logan com os dedos e descobriu o calor seco de uma febre galopante.

— Me deixe lhe ajudar — disse, no momento no que ele se apartava girando a cabeça e soltava um palavrão apagado.

— Tenho que acabar a nova programação.

Procurou obstinado a pena perdida.

— Tem febre, senhor Scott. Deve ir-se a casa e descansar.

— Não estou doente, nunca hei...

Quando Madeline voltou a lhe tocar a testa sobressaltou-se.

— Tem a mão tão fria — disse com voz rouca, lhe agarrando os dedos

— Meu Deus, me vai estalar a cabeça!

Madeline sentiu que a inquietação lhe rasgava. É que não havia ninguém que o cuidasse, que se preocupasse com sua saúde? Atendida pela indecisão, ficou olhando fixamente ao Logan, enquanto este era presa dos tremores.

— Senhor, deve ir-se a casa — disse com firmeza, e insistiu uma e outra vez ante os protestos do Scott, que acabou por calar-se e abaixar-se contra a escrivaninha.

Com a testa sobre o punho fechado, utilizou a outra mão para agarrar os dedos do Maddy que, muito a seu pesar, conseguiu liberar-se.

— Não se mova — acrescentou, — voltarei em seguida.

Logan não respondeu, limitou-se a ficar languidamente sentado, utilizando a pouca força que ficava para não desabar.

Quis a fortuna que o aprendiz da carpintaria, Jeff, passasse nesse momento por diante do escritório. Madeline o chamou e o menino se deteve imediatamente com um olhar amistoso cheio de curiosidade

— Temo que o senhor Scott esteja doente — lhe informou Madeline, ao tempo que indicava a porta entreaberta detrás de si.

— Deve partir imediatamente. Faria o favor de dizer a alguém que traga sua carruagem?

— O senhor Scott... doente? — repetiu o menino, dando a impressão de ter ouvido outra coisa. Parecia haver ficado estupefato, como se semelhante ocorrência estivesse fora do reino do possível.

— Há algo mais — acrescentou Madeline.

— Te Assegure de que alguém diga à duquesa que se vá agora mesmo. Não deve aproximar-se do senhor Scott; seria perigoso que pegasse a febre.

O menino retrocedeu, lançando um olhar receoso para o escritório.

— E o que passa com você? — perguntou preocupado.

— Não deveria afastar-se também?

— Não acredito que adoeça — respondeu Madeline.

— Do contrário, acredito que a estas alturas já estaria contagiada. Por favor, Jeff, vá depressa. Ficarei com o senhor Scott enquanto manda chamar a carruagem.

— Sim, senhorita Maddy.

Lançou-lhe um olhar de admiração.

— Se não lhe importar que o diga, você é um anjo, senhorita Maddy. A garota mais agradável e doce que jamais conheci.

Madeline sacudiu a cabeça e sorriu envergonhada.

— Obrigado, Jeff.

Ao voltar para escritório, Madeline encontrou a capa do Scott e o envolveu com ela. A grossa lã deveria esquentá-lo, mas seguiu tremendo e tossindo. Quando Logan tentou levantar-se da cadeira, ela se equilibrou para ele.

— Não deve tentá-lo, senhor, não se encontra bem. O lacaio virá a ajudá-lo em seguida.

— Posso ir por meu próprio pé — grunhiu, e apartou as pequenas mãos repressoras da garota.

— Perderá o equilíbrio — insistiu Madeline, — e se cair antes que chegue a carruagem, pode fazer algum dano... E o que diria a gente. Suponho que não irá querer que o vejam em semelhante situação.

Scott se tranquilizou e Madeline se deu conta de que o havia pegado em um ponto débil. Logan não podia tolerar o menor sinal de debilidade em sua pessoa, manteria sua imagem de autoridade ante os empregados a toda custa. Apoiou a cabeça nas mãos e esperou com uma atitude tão apagada que Madeline quase se assustou. Não era, nem por indício, ele mesmo.

Pareceu uma eternidade, mas só passaram uns minutos antes que chegasse um lacaio vestido com libré negra e prata. Embora o servente tentasse simular serenidade, ao ver o Scott os olhos lhe abriram como pratos. Madeline lhe pediu que ajudasse ao Logan a levantar-se, coisa que o criado cumpriu estupefato. Ela se perguntou por que lhe surpreendia ver doente o seu amo. Conforme parecia, ao Scott quadrava tão bem ser uma lenda que, a todos outros incluídos seus serventes, resultava-lhes difícil passar por cima que se tratava tão somente de um homem.

Uma multidão de atores e operários se congregou no exterior do escritório, e à medida que foram apertando-se para jogar uma olhada ao Scott, suas caras refletiam todo tipo de emoções, desde curiosidade até alarme.

— Possivelmente devessem manter-se a distância — disse Madeline.

— Seria catastrófico que adoecesse mais gente.

O grupo seguiu a sugestão imediatamente, e se retirou a uma respeitável distancia.

— O que vamos fazer agora? — perguntou o contra-regra sem dirigir-se a ninguém em particular.

— Com a duquesa fora e o senhor Scott doente quem vai dirigi-lo tudo?

— O perguntarei ao senhor Scott — interveio Madeline, e se escapou dentro do escritório.

O lacaio tinha levantado o Scott com cuidado. O rosto do ator, desaparecido todo rastro de sangue, aparecia agora lívido. Antes de pousá-lo em Madeline, seu olhar percorreu a toda velocidade o quarto.

— Senhor — murmurou, — digo à companhia que, em sua ausência, quer que seja o senhor Bennett quem dirige o teatro?

Bennett era o ajudante do diretor cênico e, pelo geral, encarregava-se de dirigir os ensaios e mediar nas discussões quando a duquesa e Scott estavam ocupados em outras tarefas. Logan a olhou fixamente, com os olhos frágeis pela febre, e quando a jovem se perguntava já se teria entendido a pergunta de tudo, assentiu com um leve movimento de cabeça.

Madeline retornou junto ao grupo que esperava fora do escritório e repetiu as instruções. Scott apareceu agarrado do ombro do lacaio; toda sua atenção se concentrava no ato de caminhar. Que fosse capaz de fazê-lo em semelhante estado dava testemunho de sua resistência física.

Enquanto limpava o caminho para a entrada traseira do teatro, Madeline ia ouvindo a respiração agitada e o passo incerto do Logan, e soube que não poderia resistir muito mais tempo. O lacaio começava a dar amostras evidentes de cansaço, já que o peso que tinha que suportar era cada vez maior.

— Quase chegamos — disse Madeline, confiando desesperadamente em que Logan não desmaiasse.

Chegaram à entrada traseira e saíram. Um vento lacerante atravessou as mangas do vestido de Madeline e intumesceu suas bochechas. Um segundo lacaio abriu a porta de uma carruagem laqueada em negro e bronze. O veículo era arrastado por uma parelha de cavalos zainos completamente iguais, cujas bocas expeliam rajadas de bafo no frio ar. O lacaio baixou um degrau dobradiço e olhou inquisitivo a Madeline.

A jovem duvidou, e observou durante um segundo com desejo o luxuoso veículo. Não tinha direito a partir com o Scott. Mesmo assim, havia uma possibilidade de que pudesse necessitá-la para algo...

Antes que pudesse trocar de parecer, equilibrou-se ao interior da carruagem. Agradecida por livrar-se da gélida temperatura, acomodou-se em um fofo assento de veludo. O lacaio, soprando a causa do esforço, subiu ao Scott e o colocou junto a Maddy. O ator, com a face lívida e as pálpebras fechadas, desabou-se contra uma esquina. A capa lhe tinha caído dos ombros e Madeline atirou do objeto de lã e a rodeou em seu pescoço. Depois de outra profunda inspiração, Logan voltou a tossir com força.

A carruagem ficou em marcha, avançando com suavidade e ligeireza. O luxo do interior superava qualquer outra coisa que tivesse visto Madeline: as madeiras reluzentes, o estofado cor café e o intrincado emblema em ouro do teatro Capital pintado no teto. Inclusive seu pai, que tão orgulhoso se sentia de suas carruagens, teria ficado impressionado...

Voltou o olhar ao Scott que, grande e vulnerável ao mesmo tempo, parecia um leão abatido. Uma sacudida da carruagem lhe arrancou um gemido. Automaticamente Madeline se aproximou e lhe pôs a mão fria na testa.

O contato pareceu lhe outorgar um instante de lucidez. Abriu os olhos arroxeados, nesse momento apenas um par de fendas de um assombroso azul.

— M-Maddy — disse, apertando os dentes para evitar que lhe tocassem castanholas.

— Sim, senhor Scott? — Subiu a mão até a bochecha do Logan e, com suavidade, tocou a pele seca a que a barba incipiente conferia um tato áspero.

— Não deveria... me haver acompanhado

— Sinto muito.

Retirou a mão

— Sei que é muito ciumento de sua intimidade, mas o senhor, não tem do que preocupar-se, não ficarei muito tempo. Só queria me assegurar que está bem.

— N-não é isso o que...

Uma sucessão de calafrios lhe obrigou a apertar os dentes.

— Ficará doente — disse com claridade.

Madeline o olhou surpreendida. Quantas pessoas nesse estado se teriam preocupado por sua saúde? Impressionada pela inesperada galanteria, sorriu.

— Encontro-me muito bem, senhor Scott.

Sem forças para discutir, Scott fechou os olhos e apoiou a cabeça no respaldo do assento. O sorriso de Madeline se esfumou e tentou recordar que fazia sua babá sempre que ela e suas irmãs estavam doentes... Mantinha-as abrigadas, aplicava-lhes cataplasmas de mostarda no peito e lhes colocava uma bolsa quente nos pés. Para comer, caldo de vitela e sopas de leite, e contra a tosse, xarope de limão e amêndoas doces. Além disto, os conhecimentos médicos do Madeline brilhavam tristemente por sua ausência. Sentindo-se farto inútil, suspirou.

A carruagem entrou no tranquilo bairro cortesão do St. James Square depois de passar junto a uma entrada de pedra adornada com grifos de bronze. Madeline jogou uma olhada através da cortina do carro quando o veículo avançou ao longo de uma avenida margeada de árvores para uma mansão com fachada de colunas acanaladas.

Quando a carruagem diminuiu a marcha e se deteve, um dos lacaios saltou da boléia e pôs-se a correr. Depois de alcançar a porta frontal de folha dupla, chamou a aldrava com força. Abriu-se uma das portas e, a partir daí, tudo foi atividade e confusão.

Um moço com jaqueta grossa e boina se aproximou para ajudar ao chofer a baixar a escada; dois lacaios agarraram ao senhor Scott e, meio a rastros, meio em vôos, tiraram-no do veículo. Colocando cada um dos ombros sob os braços do ator, introduziram-no na mansão, e Madeline os seguiu. Ao entrar ali de uma maneira que Scott jamais lhe teria permitido em caso de encontrar-se são, teve a sensação de estar pisando em uma terra proibida.

Alcançaram um magnífico vestíbulo de acesso iluminado por um candelabro de cristais que formava intrincadas espirais. O saguão se abria a uma sala principal, onde uma governanta com aspecto de matrona dava ordens a um exército de criadas. «Tragam panos de linho limpos e água — dizia com voz autoritária. Tilda traz minha maleta dos remédios. Gwyn, o pote das sanguessugas. Pode que o doutor queira as utilizar quando vier.»

Um mordomo de cabelo grisalho estava igualmente ocupado repartindo instruções aos criados, lhes ordenando que trouxessem garrafas de brandy e uísque e que ajudassem ao camareiro a colocar ao Scott na cama. Madeline se fez a um lado, observando impotente como subiam ao Scott por uma escada dupla em forma de ferradura feita de mármore cinza e branco.

A governanta não demorou para advertir a presença de Madeline e se apresentou como a senhora Beecham.

— Tenha a amabilidade de nos desculpar, senhorita...

— Ridley.

— Senhorita Ridley — repetiu a governanta.

— Temo que estamos bastante ocupados neste momento. Trata-se de uma situação inusitada.

— Entendo-o.

O olhar da governanta percorreu a Madeline de cima abaixo. Era evidente que tentava decidir quem era e o grau exato de amizade que a ligava ao senhor Scott, embora se abstivesse de perguntar.

— Foi muito amável de sua parte por acompanhar ao senhor Scott do teatro — observou a mulher.

Madeline olhou na direção para onde o tinham levado.

— Só espero que esteja nas devidas condições.

—Estão lhe acomodando o melhor possível até que chegue o doutor. Gostaria de esperar no salão do andar de baixo?

— Sim, obrigado.

A senhora Beecham a conduziu a uma espaçosa sala decorada em discretos tons ouro e ameixa, com poltronas francesas estofos em seda e veludo e mesas cheias de livros de poesia e gravuras. Um dos muros aparecia cheio com uma tapeçaria de uma paisagem francesa. Entre os dois vitrais, que discorriam do chão ao teto, e ainda por cima de uma larga mesa, desdobravam-se várias figurinhas orientais.

Ao notar o interesse do Madeline por uma pequena estátua japonesa, que representava a um ancião barbado sustentando um cajado de ouro, governanta sorriu com um que irônico.

— O deus da sorte, segundo o senhor Scott. Não poderia nem começar a soletrar seu nome. Tem outros em sua coleção. Todos são coisas de pagãos.

— Eu gosto desta — assegurou Madeline, tocando a barba do homenzinho com a ponta do dedo.

— Só espero que faça honra a sua reputação e traga boa sorte ao senhor Scott.

— Há quem diria que o senhor Scott já desfrutou de mais sorte do que lhe corresponde — observou a senhora Beecham, dirigindo-se para a porta do salão.

Abandonada a seus próprios recursos, Madeline se aproximou até a janela e ficou olhando uma fileira de sebes podados com diferentes formas e uma fonte de mármore que havia no jardim. Era um luminoso dia invernal, e as entorpecidas árvores do pomar se estremeciam pelas rajadas de vento.

Madeline sentiu um ligeiro calafrio e se retirou a uma poltrona, no que se sentou e onde, nervosa, começou a golpear com os pés sobre o chão coberto por uns grossos tapetes. Depois de reparar em uma caixa de madeira que havia em cima da mesa mais próxima a ela, tomou em suas mãos cheia de curiosidade. O interior estava forrado em prata e a tampa tinha uma medalha lavrada com a efígie do Shakespeare. Na base havia a seguinte inscrição: «Presente para o senhor Logan Scott da Stratford Corporation.»

Uma voz interrompeu suas reflexões, e quando levantou a cabeça viu um par de criadas que traziam uma bandeja com o chá.

— A caixa foi esculpida com madeira da amoreira do Shakespeare — lhe informou com orgulho uma das criadas.

— Ao patrão sempre lhe estão dando prêmios e coisas parecidas devido a todas essas funções benéficas e obras de caridade.

Madeline sorriu ao notar que, sem dúvida alguma, parecia que Scott gozava da admiração e o afeto de seus criados.

A criada deixou a bandeja em uma mesa baixa.

— A senhora Beecham há dito que se deseja algo chame uma de nós.

— Obrigada, não necessitarei nada. A saúde do senhor Scott é o único que me importa.

— O doutor Brooke chegará em seguida, e o porá como novo outra vez rapidamente.

— Isso espero — respondeu Madeline.

Tomou uma xícara de porcelana da China vazia e começou a brincar com a delicada asa. Olhou para a porta, perguntando-se quando chegaria o doutor e quanto demoraria para pronunciar um diagnóstico sobre o estado do Scott.

As criadas abandonaram o salão e, logo que atravessaram a soleira, ficaram a cochichar entre si. Sem podê-lo evitar, Madeline escutou um fragmento da conversação.

— Crê que é a última?

— Impossível!

— É bastante bonita

— Sim, mas só é uma cordeirinha... Não é seu tipo absolutamente.

Madeline franziu o cenho e deixou a xícara vazia, levantou-se da cadeira e passeou pela sala. A referência a sua juventude a tinha zangado de verdade. De repente, dando-se conta de uns quantos cachos em desordem que se soltaram das pinças, suspirou. Era seguro que tinha o aspecto de uma menina desarrumada que tivesse estado pulando ao ar livre.

Aproximou-se até as portas douradas que se abriam no extremo oposto do salão, descobrindo que davam acesso a uma sala de música, duas largas galerias e uma sala com o chão de tacos. Havia obras de arte em qualquer parte: retratos e paisagens, estátuas de mármore, peças de cerâmica e porcelana...

Enquanto percorria as elegantes peças, teve a sensação de que Scott tinha escolhido a decoração e as obras de arte por si mesmo. Tudo era um reflexo do que o ator admirava e desejava ser. Estava fascinada. Madeline desejou conhecê-lo, ser confidente de seus pensamentos mais íntimos... Entretanto, tinha-lhe deixado bem claro que não a queria. Com um sentimento de desolação, empreendeu o caminho de volta para o vestíbulo principal. A essas alturas, o doutor devia estar acima examinando ao Scott. Na casa reinava um estranho silêncio, como se o serviço contivesse a respiração de maneira coletiva.

— Necessita algo, senhorita Ridley? — perguntou-lhe o mordomo, levantando-se de uma cadeira próxima à escada.

— Sim.

Madeline se aproximou dos degraus de mármore, meio temerosa de que o criado a impedisse de subir.

— Gostaria de saber onde é o dormitório do senhor Scott.

O rosto inexpressivo do mordomo não impediu que Madeline percebesse a consternação interior do mesmo. Sabia que ele e o resto da servidão tinham dúvidas a respeito de sua relação com o Scott, pois não estavam seguros de se era uma simples empregada como eles ou possivelmente sua última amante.

— O doutor está com ele, senhorita — observou o mordomo com tato.

— Se o salão não for de seu agrado, possivelmente haja outro lugar no que prefira esperar...

— Preferiria ir a seu quarto — replicou Madeline sem alterar-se, imitando o tom seco que tinha ouvido utilizar sempre sua mãe para dirigir-se aos criados.

— Sim, senhorita Ridley — chegou desinteressada a resposta.

O mordomo chamou um lacaio e lhe ordenou que mostrasse à senhorita os aposentos privados do Scott nesta asa.

O corredor estava iluminado por uma larga fileira de janelas que proporcionavam luz a quartos e quartos repletos de estátuas, incluída uma de uma banhista nua que fez que Madeline se ruborizasse. Depois de passar sob um arco de mogno reluzente, entrou em um conjunto de habitações indiscutivelmente masculinas com as paredes cobertas de painéis de mogno, uma coleção de mapas antigos da Alemanha, emoldurados em palissandro esculpido, e tapetes persas.

O lacaio a conduziu até uma porta fechada onde esperava a senhora Beecham. Uma faxineira permanecia perto, preparada para ir procurar a toda pressa algo que fizesse falta.

As sobrancelhas da senhora Beecham se arquearam ao ver Madeline.

— Senhorita Ridley... não encontrou cômodo o salão?

— Queria averiguar se já se sabia algo. A senhora Beecham sacudiu a cabeça.

— O doutor segue com ele. Informá-la-ei tão logo haja alguma notícia. Enquanto isso, a faxineira a acompanhará ao saguão da planta baixa.

Madeline se dispôs a iniciar uma discussão.

— Preferiria...

O estalo do trinco quando se abriu de dentro, interrompeu-a. Em silêncio, esperou a que saísse o doutor.

O doutor Brooke era um homem de uns trinta anos, com entradas no cabelo e um par de óculos redondos que lhe conferiam um ar de intelectual.

Tinha uma cara agradável e olhos solenes e escuros. Olhou primeiro à senhora Beecham, e logo a Madeline.

— Sou a senhorita Ridley — disse Madeline, adiantando-se.

— Vim perguntar pelo estado do senhor Scott. Sou sua... noiva. O doutor lhe agarrou a mão e fez uma cortês reverencia.

— Como vai ele? — perguntou a governanta.

O olhar do doutor Brooke abrangia a ambas as mulheres.

— Nos últimos tempos assisti a muitos casos similares. Lamento dizer que este parece um dos piores, o que não deixa de surpreender em um homem da habitual fortaleza do senhor Scott... Mas ele não faz nada com moderação, não é assim?

— Temo que não — respondeu, compungida, a governanta.

— Voltarei amanhã para visitá-lo e a ver como progride a febre — continuou o doutor.

— Por desgraça, ainda não entrou na pior fase. Esfriem-no com frequentes aplicações de água e gelo. Sugiro que lhe dêem de comer gelatinas, caldo e, acaso, uma colherada de ponche de cal de vez em quando.

— Tenho uma velha receita familiar: folhas de eucalipto maceradas em brandy— comentou a senhora Beecham.

— Poderia lhe dar uma dose cada noite?

— Não vejo inconveniente.

O doutor fez uma pausa, e seu olhar se deteve em Madeline.

— Senhorita Ridley, posso lhe perguntar se sua intenção é ajudar a cuidar de senhor Scott?

— Sim — disse Madeline com firmeza.

— Então, sugiro-lhe que limite suas relações com a gente alheia à casa. A febre é muito contagiosa e não descartaria a possibilidade de que você sucumba a ela.

A senhora Beecham olhou a Madeline com uma expressão de perplexidade.

— Suponho que terei que dispor um quarto para você.

Madeline se fez cargo da relutância da mulher. Nenhum membro do serviço do Scott tinha tido notícias de sua existência até esse momento. Obviamente olhavam pelos interesses de seu patrão e procuravam evitar que, agora que ele não podia impedi-lo por si mesmo, alguém violasse sua intimidade.

— Obrigada, senhora Beecham — disse em voz baixa.

— Lhe asseguro que só pretendo ajudar ao senhor Scott... ao Logan... em tudo o que possa.

A governanta assentiu com a cabeça, ainda aparentemente inquieta, e deu instruções à criada. Enquanto isso, o doutor Brooke se despediu e saiu em companhia do lacaio. Tomando a iniciativa, Madeline se deslizou dentro do dormitório através da porta entreaberta.

Estava mobiliada e decorada com simplicidade; nenhuma obra de arte, à exceção de um afresco de céu e nuvens pintado no teto. O quarto continha uma enorme cama, com colcha de seda cor ameixa e travesseiros de plumas na cabeceira, colocadas em grupos de três. Scott jazia coberto com um lençol e uma manta fina; a colcha aparecia pregada a seus pés. Tinha-lhe vestido com um pijama de duas peças de flanela, cuja parte superior estava desabotoada por debaixo do peito. Dormia como se tivesse sido drogado, com a metade da avermelhada cara enterrada em um travesseiro.

Quando entrou Madeline, o camareiro estava colocando uma jarra de água e uma pilha de panos de linho na mesinha de noite. Colocou uma pequena poltrona perto da cama, mas Madeline preferiu sentar-se na borda do colchão. O ligeiro deslocamento provocado por seu peso fez que Logan se girasse para ela e murmurasse alguma incoerência com os olhos ainda fechados. A respiração arranhava sua garganta.

— Não passa nada — disse Madeline em voz baixa, enquanto empapava em água um dos panos de linho, escorria-o e o colocava sobre a testa quente. O alívio daquele frescor pareceu relaxá-lo, e se afundou ainda mais no travesseiro. Madeline estendeu a mão e se animou a lhe acariciar a formosa cabeleira, como tinha desejado fazer tantas vezes. Era suave e cheia ao tato, uma seda escura com reflexos mogno.

Estudou a cara do Logan: a palidez da pele, que fazia ressaltar a beleza severa de sua estrutura óssea; as pestanas, meias luas de plumas por cima das bochechas; as pálpebras, ligeiramente trementes por causa dos sonhos febris do ator. Um homem tão orgulhoso e solitário, rendido, indefeso ao sonho, os lábios separados, como os de um menino. Se estivesse apaixonada por ele, vê-lo assim lhe romperia o coração.

Sentada, imóvel, tentou desentranhar a surda piedade que se instalou em seu peito. Se estivesse apaixonada por ele, a dor não a abandonaria jamais, as lembranças do Logan a perseguiriam todos os dias de sua vida... porque jamais haveria outro homem como ele.

Apenas se atrasou pensando em seu dilema, não tinha muito tempo para si mesma. Possivelmente fosse já muito tarde, talvez seus pais tivessem descoberto já que escapou do colégio. Se fosse assim, estariam frenéticos e preocupados. Buscariam e, uma vez a encontrassem, intimidar-na-iam e ameaçariam até que se rendesse a seus desejos. Acabaria sendo a esposa de lorde Clifton apesar de todos seus esforços por resistir. A menos que se convertesse em mercadoria danificada.

Partiria dali imediatamente e encontraria alguém com quem ter uma aventura. Sem dúvida haveria homens bastante mais predispostos que Logan Scott.

Jamais teria imaginado que fosse tão difícil seduzi-lo, havida conta de sua reputação. Mas não tinha cansado na conta de sua complexidade nem de seus inesperados escrúpulos. Negou-se a desonrá-la, e seria idiota se pensasse que podia trocar de opinião.

Ali não a necessitava. Scott tinha serventes que o cuidariam, os serviços de um excelente médico e mais amigos e conhecidos dos que podia contar. Recuperar-se-ia sem necessidade de sua ajuda. Com o cenho franzido, Madeline esteve observando longo tempo como dormia. Sentada ao lado da cama, foi trocando o pano de sua testa ou lhe subministrando algumas gotas de tônico quando a tosse piorava.

De vez em quando aparecia um criado para ver se Madeline ordenava algo, recebendo sempre idêntica negativa. Exceto por aquelas breves intromissões, parecia como se o mundo não existisse mais além do dormitório. Os minutos se converteram em horas, até que as luzes da tarde começaram a apagar-se e se aproximaram as sombras da noite.

Justo no momento em que Madeline estava considerando pedir um pouco de caldo, Scott começou a despertar. Revolveu-se e pestanejou. Seus olhos mostravam um brilho febril. Com suavidade, Madeline lhe retirou o pano úmido da testa e voltou a tomar assento no bordo a cama.

— Senhor Scott — disse sorrindo-lhe.

Ele a olhou fixamente, como se fosse a imagem de um sonho, com uma expressão de curiosidade algo distante. Ato seguido esboçou um sorriso a modo de resposta.

— Conforme parece... jamais me liberarei de ti — disse com uma voz rouca salpicada por violentos acessos de tosse.

Madeline verteu água em um copo e lhe ajudou a beber, sujeitando o copo com uma mão e lhe deslizando um braço por detrás da cabeça. Vacilante, Logan se reclinou sobre o braço que o suportava enquanto bebia sem vontade alguns goles. Pesava muito, e o braço do Madeline começou a ressentir-se pelo esforço. Quando terminou de beber, apartou o rosto a um lado e Madeline voltou a recostá-lo no travesseiro com cuidado.

— Gostaria que me fosse? — perguntou em voz baixa.

Fechou os olhos. Demorou tanto tempo em responder que Madeline pensou que possivelmente tinha dormido de novo.

— Fica — disse por fim.

— Deveria avisar a alguém para que lhe cuide? Um amigo ou parente...

— Não. Quero a ti.

Fechou os olhos e a conversação concluiu. Apertou os dedos em torno de uma dobra do vestido do Madeline.

Apesar do preocupada que estava não pôde evitar sorrir. Inclusive prostrado no leito seguia sendo tão autoritário como sempre. Por alguma razão, queria que ficasse. Confiava nela. Não voltou a pensar mais em ir-se. «Logan», murmurou, querendo provar como soava o nome em seus lábios.

Depois de que seu ambicioso plano fracassou, o caso é que ali estava ela de cuidadora no quarto de um doente. Nada respondia a um plano preconcebido e, o mais curioso de tudo, nem sequer lhe preocupavam seus próprios problemas. Tudo o que desejava era ver o Logan reposto.

Dirigiu-se a pequeno escrivaninha situada sob uma das janelas, e ali escreveu uma nota à senhora Florence lhe explicando a situação. Depois de pregá-la com cuidado, selou a carta com uma barra de lacre marrom e chamou uma criada, a que entregou a missiva com o encargo de que se entregasse na residência da senhora Florence no Somerset Street.

— Por favor, que se envie a um lacaio a recolher meus pertences — acrescentou.

Antes de sair, a criada lhe fez uma reverência.

Madeline voltou para junto à cama. Parecia que o estado do Logan piorava por momentos, com aquela febre que aumentava silenciosamente. Estava muito aturdido para discutir quando lhe obrigou a beber pequenos sorvos de caldo. Depois de não poucos esforços, Madeline conseguiu que ingerisse meia xícara do nutritivo líquido. Depois voltou a dormir.

Em algum lugar da casa, um grande relógio deu doze badaladas com um som profundo e sonoro. A seu pesar, Madeline estava cansada e começou a cabecear quase vencida por uma quebra de onda de sonho. Levantou-se e se estirou em um intento de despertar, voltando-se com um pulo quando ouviu que alguém entrava na habitação.

A senhora Beecham e o camareiro se aproximaram da cama.

— Como vai? — perguntou a governanta em um tom mais amistoso que o empregado até então. Parecia haver-se feito à idéia da presença de Madeline, e tinha decidido deixar a um lado as suspeitas.

— A febre piorou.

— É o que o doutor Brooke esperava — respondeu a senhora Beecham em um tom realista.

— O camareiro do senhor Scott, Denis, vai ajudar-me a lhe passar uma esponja com água fria; possivelmente ajude a lhe baixar a febre. Se o desejar, pode descansar umas horas. Pensei que gostaria de ocupar o dormitório pequeno dos aposentos privados do senhor Scott.

— Você é muito amável — respondeu Madeline, — mas quero estar aqui se por acaso o senhor Scott me necessitar...

— Eu lhe cuidarei até que volte — lhe assegurou a governanta.

— Precisará dormir algumas horas, senhorita Ridley, se quer estar forte pela manhã.

A observação era irrefutável. Madeline estava cansada, e teriam que passar muitas largas horas, inclusive dias, antes que a febre remetesse.

— Obrigado — disse, e a governanta a conduziu até um quarto de hóspedes, algumas portas mais à frente.

Seus vestidos e outras roupas tinham sido colocados em um armário de mogno. Um dossel de seda azul, a jogo com a colcha bordada, cobria a cama. Madeline rechaçou o oferecimento de uma criada para ajudá-la a trocar-se, preferiu fazê-lo sozinha.

Depois de vestir uma camisola branca com dobras no pescoço, Madeline se meteu na cama. Tinha a sensação de que nunca tinha estado tão cansada. Reclamada imediatamente pelo sonho, sua mente se viu invadida por uma acolhedora escuridão.

As primeiras luzes da manhã despertaram de repente a uma descansada Madeline. Procurou com impaciência a bata a jogo com a camisola e correu ao dormitório do Logan; os pés descalços não demoraram a esfriar ao contato com o frio ar matutino.

Uma criada estava acendendo a chaminé, enquanto a senhora Beecham juntava um montão de panos úmidos que tinham sido utilizados para refrescar ao Logan durante a noite.

A governanta tinha manchas debaixo dos olhos, e umas visíveis rugas, inexistentes a véspera, sulcavam sua frente.

— Não há mudanças — respondeu a uma inexistente pergunta de Madeline.

Aproximou-se da cama e olhou com atenção ao Logan. Tinha a pele seca e ardente e os lábios ligeiramente rachados. Tinham lhe tirado o pijama de flanela, e um simples lençol lhe cobria da cintura para baixo, deixando à vista a musculatura do torso, a escura sombra do cabelo das axilas e o umbigo. Jamais tinha visto um homem nu. Seu olhar se perdeu para a zona do corpo coberta pelo lençol, para a interminável longitude de suas pernas e a forma íntima do sexo oculta sob o fino linho branco. Um rubor de recato lhe tingiu as bochechas, e se voltou para encontrar-se com o olhar da senhora Beecham, que não lhe tirava olho.

— Você não é sua noiva, tal e como assegurou — disse a governanta com sereno convencimento.

— Seja o que for para ele... não é sua amante.

 

Descoberta por surpresa, Madeline não soube o que responder em princípio. O ritmo do coração se alterou, e tentou pensar sobrepondo-se a seu rápido estrondo.

— Como pode estar tão segura?

A senhora Beecham sorriu.

— Tudo em você o proclama. A camisola, para começar... um objeto pensado só para dormir. As maneiras, a maneira em que o olha... Está claro que não teve relações íntimas com ele. É uma garota bem criada, recém saída do colégio. Há um tipo concreto de mulheres que encaixa no gosto do senhor Scott... As mulheres dessa classe usam roupas de cama de seda, dormem até as duas da tarde e jamais se rebaixariam a um pouco tão doméstico como cuidar de um homem doente. Não é sua amante.

— Trabalho no Capital — admitiu Madeline.

— Não como atriz... só sou uma ajudante. Mas o senhor Scott e eu somos amigos. Ao menos, espero que me considere como tal.

— E está apaixonada por ele — observou a senhora Beecham.

— OH, não — negou Madeline, sentindo que seu rosto empalidecia.

— Como lhe hei dito meus sentimentos para ele são de amizade... e de admiração, claro.

— tomaram-se todas estas moléstias e pôs em perigo sua própria saúde só por amizade?

Encurralada, Madeline lhe cravou o olhar. Sentiu um nó na garganta e a vaga dor da noite anterior voltou a instalar-se em seu peito.

— Bom, não há necessidade de discuti-lo — disse a senhora Beecham, aparentemente comovida por algo que apreciou no rosto de Madeline.

— Suas razões para estar aqui não são de minha incumbência. Pode ficar o tempo que queira... até que o senhor Scott diga outra coisa.

Madeline assentiu com a cabeça e se sentou, embora antes de acomodar-se mediu as bordas da cadeira.

— Leva tempo sem comer — ouviu que comentava a governanta

— Farei que subam umas sopas de leite. Possivelmente, com paciência, consiga que beba algo.

Madeline se inteirou só pela metade da saída da mulher. Ficou olhando o perfil do adormecido. Essa manhã havia uma sombra de barba na cara, que lhe conferia o aspecto curtido de um capitão de navio ou de um salteador de caminhos.

Apertou uma de suas grandes mãos entre as suas e acariciou o dorso suave até chegar aos cabelos do pulso. Logan tinha uma mão forte e bem cuidada; as unhas, curtas e polidas, eram de uma suavidade aveludada. Não havia anéis nos dedos, tão somente as marcas brancas de cortes e cicatrizes. Madeline recordou o tato daquela mão em seu rosto, a respiração do Logan... o suave roçar das pontas dos dedos do ator.

Desejou que voltasse a acariciá-la. Desejava certas coisas dele que não teria jamais. Não foi consciente de ter aproximado a cabeça à mão do Logan até que sentiu sua pele contra os lábios. Pôs então a palma para cima e apertou a boca contra o ligeiro terreno baixo enrugado, sentindo o gosto salgado de suas próprias lágrimas.

Logan jamais a iria querer, tinha-o deixado bastante claro. E ela tinha impossibilitado qualquer tipo de familiaridade entre ambos ao aproximar-se dele com mentiras e um nome fingido, além de lhe haver feito objeto de um sórdido plano. Como poderia lhe perdoar semelhante comportamento um homem tão orgulhoso? Simplesmente, não poderia.

Nunca havia sentido essa classe de pena: persistente, pesada, capaz de esmagar qualquer frágil brilho de felicidade em seu interior. Que ironia ter açoitado seu objetivo com tão fria determinação e acabar com o coração destroçado. Sempre tinha sido consciente dos riscos sociais, e inclusive físicos, que assumia, mas nunca dos emocionais. Não tinha planejado apaixonar-se pelo Logan.

Sussurrou na palma da mão do ator e lhe fechou os lassos dedos como se desejasse com isso que contivessem as apreciadas palavras em seu interior.

Assim que desaparecesse a febre, iria. Assim não o insultaria nem mancharia seus próprios sentimentos utilizando-o para o propósito desejado em um princípio. De repente, sentiu-se imensamente feliz de não ter feito amor com ele, de não havê-lo ferido nem traído. De havê-lo feito, não teria podido viver consigo mesma.

Alguém bateu na porta, e uma criada entrou com uma bandeja que continha chá e sopas de pão com leite. A indicação do Madeline deixou tudo aquilo na mesinha de noite e a ajudou a incorporar ao Logan com algum travesseiro mais. Maddy lhe agradeceu e lhe disse que se fosse. Depois se sentou junto ao Scott, que havia despertado. O doente elevou as pálpebras e ficou olhando-a um bom momento. Em um princípio, não pareceu reconhecê-la; pouco depois, os lábios do ator pronunciaram seu nome.

— Maddy... o Capital... — A voz melíflua e aveludada se converteu em um áspero ruído.

— O senhor Bennett se fez cargo da companhia — respondeu Madeline, duvidando antes de atirar do lençol, enrolado nos quadris do Logan, que não parecia consciente de sua nudez.

— Estou segura de que tem tudo sob controle.

Logan não disse nada, mas Madeline pôde ler a tortura em seus olhos. Duvidava que, com antecedência, tivesse deixado o teatro aos cuidados de outro.

— Quer que lhe peça que envie um relatório diário até que você retorne?

Logan assentiu com a cabeça, apoiou-se contra o montão de travesseiros e fechou os olhos.

— Ainda não deve dormir disse Madeline, e lhe sacudiu levemente o ombro nu. A pele do Logan pareceu lhe queimar a mão.

— Primeiro tem que comer.

— Não. — Começou a voltar-se de lado, ofegando com esforço.

— Então, não lhe darei nenhuma notícia do senhor Bennett — o ameaçou Madeline sem alterar-se.

Logan deixou de mover-se e, com os olhos entrecerrados, dirigiu-lhe um olhar próprio de gato sinistro.

— Só um pouco de chá e um pouco do café da manhã.

— A paciente Madeline reprimiu um repentino acesso de risada. Senão ter estivesse preocupada lhe teria divertido o ter em seu poder. Com cuidado levantou a xícara de chá até os lábios do Logan, lhe animando a sorver o líquido adoçado. Aparentemente reconfortado pelo calor da bebida que se deslizava por sua garganta, o ator obedeceu. Entretanto, a primeira parte de pão torrado com manteiga cozido em leite quente — uma típica comida de doente — lhe fez voltar a cabeça com uma careta de asco.

— Leite! — grunhiu com aversão.

— Tampouco eu gosto dele — reconheceu ela ao tempo que lhe aproximava outra colherada de mingau.

— Entretanto, não está em condições de discutir. Venha, outro pouco mais.

Logan, com a cabeça virada, negou-se resmungando algo incompreensível.

— O relatório do senhor Bennett — lhe recordou ao que o ator respondeu olhando-a com hostilidade.

— Por favor — murmurou Madeline, trocando de tática.

— Lhe prometo que se alguma vez estiver doente poderá aproximar-se aonde queira que me encontre e me alimentar pessoalmente com tigelas transbordantes de sopas de leite.

A idéia pareceu lhe inspirar o suficiente para engasgar-se com algumas colheradas mais.

— Obrigada — disse Madeline enquanto apartava a tigela.

Inclinou-se então para lhe tirar o travesseiro acrescentado e lhe arrumar o cabelo.

— Se recuperará em seguida e poderá escolher sua vingança.

Logan voltou a cara procurando o frescor de sua mão e dormiu imediatamente. Ainda inclinada sobre ele, seguiu a fina curva da orelha do Logan — umas orelhas muito pequenas para um homem tão grande — e lhe beijou ali onde a mandíbula se une ao pescoço. Teve um absurdo e momentâneo arrebatamento de felicidade. Estava perto do homem que amava e era livre para tocá-lo. Faria algo, iria para longe caso ele quisesse. Com entusiasmo chamou um criado e se sentou na escrivaninha para escrever a toda pressa uma missiva ao senhor Bennett.

A senhora Beecham, Denis e outros dois serventes se foram alternando para ajudá-la a cuidar do Logan. O trabalho era árduo. Teria que lavá-lo e refrescá-lo sem cessar, operação em que Madeline terminava com as mangas empapadas até os cotovelos e a parte dianteira do vestido úmida. Em um princípio, a visão da nudez do Scott a tinha sobressaltado e fascinado, mas, por atrativo que fosse contemplar aquele corpo rasgado pela febre não tinha nada de prazenteiro.

Na penumbra do quarto, Madeline trabalhava sem descanso, já lhe introduzindo líquidos entre os lábios à força, já lhe refrescando a pele até que acabava com os ombros e as costas doloridas de tanto dobrar-se sobre o doente. Do pescoço à bainha, seu vestido aparecia cheio de manchas de caldo, água e infusões de ervas. De vez em quando, a senhora Beecham se aproximava para insistir que tomasse um banho ou descansasse, mas Madeline se sentia incapaz de afastar-se do Logan.

Nem os lençóis gelados nem as compressas frias surtiram efeito sobre a febre, que alcançou uma virulência descontrolada. As primeiras horas da tarde, Logan caiu em um delírio do que não houve modo de lhe tirar. Preocupados, os membros da servidão iam aos aposentos privados oferecendo remédios populares e receitas familiares. Alguns inclusive levaram pós e amuletos assegurando que eram efetivos.

Tratando de não ofender o amor próprio dos que se ofereciam, mas com a intenção de desfazer-se delas mais tarde, a senhora Beecham aceitava as oferendas e ia depositando em uma caixa.

— Pó de ossos — disse com um sorriso afligido, e mostrou a Madeline o lenço que lhe tinha entregado um dos lacaios. Estava cheio de uma fina matéria cinza.

— O comprou em uma loja de Londres, Disseram-lhe que era pó de corno de unicórnio e que curaria qualquer doença. Bendito homem, desprende-se de seu «remédio mágico» pelo bem do patrão.

— Sentem um grande afeto por ele, verdade? — perguntou Madeline da cabeceira, sem deixar de olhar a cara do Logan.

— O senhor Scott é um homem único — respondeu a governanta, ao tempo que enchia umas bolsas de linho com gelo picado e as colocava em uma bandeja.

— Se gaba de não deixar-se dominar jamais pelas emoções, mas não pode suportar ouvir o pranto de um menino ou ver alguém assustado ou em apuros. As coisas que tem feito por seus criados... Vá, assombrar-lhe-iam.

Deixou um segundo o que estava fazendo e a olhou pensativa.

— O senhor Scott tem uma maneira de atrair às pessoas, de fazer que dele dependam... E, entretanto, ao mesmo tempo, consegue as manter a distância.

— É porque assim consegue ter um controle absoluto — afirmou Madeline, agarrando as bolsas de gelo e as colocando ao redor da imóvel figura.

— Assim se protege.

A governanta a olhou com certa surpresa.

— Conhece-o bastante bem.

— Em realidade, não. Só sei que preferiria privar-se de algo que quisesse antes que arriscar-se a ser ferido.

— Já vejo. — A cara da senhora Beecham se iluminou com o entendimento e seu olhar mostrou um renovado interesse.

— Você é o «algo» que ele quer, não é assim? Mas a apartou que si.

Possivelmente fora uma mescla de cansaço e preocupação o que fez que Madeline admitisse a verdade.

— Disse que qualquer relação nos feriria ambos — reconheceu, e inclinou o rosto até que algumas mechas de cabelo caíram sobre suas bochechas.

A governanta esfregou as geladas mãos considerando a confidência de Madelin

e.

— Provavelmente tivesse razão, senhorita Ridley. Se estivesse em seu lugar, faria conta.

— E o tenho feito. A única razão de que esteja aqui é que não posso me afastar dele enquanto esteja doente... sem me despedir.

— Senhorita Ridley.

— A governanta lhe falou com doçura. Esperou que Madeline a olhasse com seus brilhantes olhos.

— No mais profundo de seu coração, acredito que ele sabe que você lhe está cuidando sinceramente. Tem-lhe feito um bonito presente.

Enquanto se sentava de novo na cadeira da cabeceira, Madeline apertou os dentes, tentando assim deter o violento piscar provocado pelas lágrimas.

Ao dia seguinte se produziu a inesperada visita de lorde Drake que, informado da enfermidade de seu velho amigo, foi à mansão sem perder tempo. Estava de pé no vestíbulo, falando com a senhora Beecham, quando casualmente viu passar Madeline transportando uma pilha de roupa suja.

— Ah, a mocinha do teatro — exclamou lorde Drake, e fez um gesto com a mão a Madeline para que se aproximasse. Um sorriso zombador, que em nada alterou a preocupação de seu olhar, cruzou o rosto do aristocrata.

— Típico do Jimmy ter uma preciosa enfermeira que lhe atenda!

— Jimmy?

— Não sempre foi Logan Scott, sabe?

A senhora Beecham se fez cargo da roupa que levava Madeline.

— Liberar-lhe-ei disto, senhorita Ridley — murmurou, notando o desarrumado aspecto da jovem.

— Poderia tentar descansar um momento.

— Sim, pode ser que o faça — respondeu Madeline, esfregando as têmporas doloridas.

— Se me desculpar, lorde Drake...

— Espere — disse o aludido, deixando de lado suas maneiras chulas. Quando Madeline lhe olhou à cara, torcida e pálida pelo muito álcool e o pouco sono, pareceu-lhe que sob a fachada de dissipação se ocultava uma preocupação sincera por seu amigo.

— Vim oferecer meus serviços... e perguntar se podia fazer algo pelo Jimmy. É meu mais antigo amigo, e jamais em sua vida tinha estado doente. Sabia que tinha que ser algo grave para mantê-lo afastado de seu maldito teatro. Me diga o que necessita, e o trarei.

— Obrigada — respondeu Madeline, comovida pela sinceridade que se desprendia da voz de lorde Drake, — mas acredito que ninguém pode fazer grande coisa por ele.

Interrompeu-se com um nó na garganta e só pôde olhá-lo com desespero e impotência.

A expressão de seu rosto fez compreender a lorde Drake o crítico de seu estado.

— É tão grave? — perguntou, e blasfemou em voz baixa.

— Quero falar com ele.

Madeline sacudiu a cabeça.

— Delira, lorde Drake.

— Tenho que vê-lo.

— Mas pode contagiar-se...

— Importa-me um nada. Jimmy é como um irmão para mim. Me leve até ele..., por favor.

Depois de duvidar um bom momento, conduziu-o escada acima. A intensidade do abajur do quarto era menor que a do resto da casa. Carente de expressão, a cara do Logan parecia uma máscara. Um irregular fôlego atravessava a secura dos lábios. Com o corpo inerte e indefeso, quase não parecia ele mesmo.

— Meu deus! — ouviu murmurar Madeline a lorde Drake ao aproximar-se da cama. ficou olhando a figura imóvel do Logan e sacudiu a cabeça, aparentemente desconcertado.

— Caralho, Jimmy — murmurou, — não vais morrer!

Sorriu torcendo a boca.

— Para começar, devo-te uma fortuna. Além disso, é minha única esperança.

Suspirou e revolveu os negros e largos cachos do Logan com a mão, em um gesto que a Madeline lhe pareceu muito estranhamente familiar. Tinha visto o Logan atirar do cabelo daquela mesma forma quando estava tenso ou distraído.

— Advirto-lhe isso, velho amigo... procura te recuperar, ou terá que responder ante mim.

Lorde Drake se voltou e se afastou da cama. Deteve-se junto ao Madeline e lhe falou com dificuldade:

— Se estiver segura de que não me necessitam, irei tomar uma boa bebedeira.

— Isso não ajudará a ninguém — repreendeu Madeline.

— Ajudar-me-á , senhorita Ridley, o asseguro. — esfregou-se a testa.

— Não precisa me acompanhar.

O doutor Brooke visitou o doente a noite e, enquanto examinava ao Logan, Madeline esperou fora do quarto em companhia da senhora Beecham. O doutor não demorou para sair.

— Parece que tem feito você um magnífico trabalho de enfermeira — observou, e o tom de sua voz foi mais de consolo que de tranquilidade.

Embora tivesse o rosto sereno e mostrava os mesmos agradáveis maneiras de dias anteriores, Madeline percebeu alguma mudança.

— Acredita que a febre desaparecerá logo? — perguntou.

— Já não pode durar muito mais.

— Não, não pode, senhorita Ridley; não sem que o mate. Seu estado não é bom. Deveriam preparar-se para a contingência de que não se recupere.

A Madeline levou um momento assimilar o que havia dito. Esperou a que a senhora Beecham respondesse, mas a governanta guardou silêncio. Madeline apreciou na cara da mulher a mesma expressão glacial que devia ter a sua.

Voltou a olhar ao médico. Uma poderosa sensação de rechaço emanava em seu interior.

— Lhe receite algo, então. Me diga o que temos que fazer.

— Escapa a minhas possibilidades ou às de qualquer outro médico, senhorita Ridley. Neste ponto, quão único posso lhes sugerir é que rezem.

— Rezar! — exclamou Madeline com amargura, necessitada de algo um pouco mais consistente.

— Voltarei amanhã pela manhã. Continuem lhe subministrando líquidos e lhe refrescando tudo o que possam.

— Isso é tudo? — perguntou-lhe Madeline com incredulidade.

— Disseram que era o melhor médico de Londres... que você lhe curaria! Não pode ir sem fazer algo.

O doutor Brooke suspirou.

— Não faço milagres, senhorita Ridley, e tenho muitos mais casos como este para atender. A maioria sobreviveu, mas em algumas ocasiões a febre não se pode vencer. Poderia tentar lhe fazer uma sangria, mas aqueles pacientes com os que o tentei não experimentaram uma melhoria substancial.

— Mas... estava são faz tão somente três dias! — gritou desconcertada e furiosa, como se o doutor fosse o responsável por que a vida escapasse do corpo do Logan.

O doutor Brooke olhou fixamente a pálida tez de Madeline e procurou a maneira de consolá-la.

— É um homem jovem, com muita vontade de viver. Às vezes, isso faz que tudo troque.

— Vestiu o casaco e fez um gesto com a cabeça ao lacaio que tinha vindo a lhe acompanhar à saída.

— Para que tem que viver? — disse desdenhosa Madeline, entrando em grandes pernadas no quarto do doente com os punhos fechados.

— Para o teatro? Só é um edifício, um lugar onde poderia perder-se. Não tem família, nenhuma amante, ninguém a quem lhe tenha dado seu coração.

Pensou então nas montanhas de flores e obséquios acumulados no saguão, enviados por amigos e conhecidos que tinham querido expressar sua preocupação. Havia inclusive uma cesta de gelatinas da senhora Florence com um vistoso laço azul. Como um homem que conhecia tanta gente, tão admirado e celebrado, podia acabar agonizando sozinho?

Não se deu conta de que tinha expressado seu último pensamento em voz alta até que ouviu a resposta da senhora Beecham.

— Esse foi sempre seu desejo, senhorita Ridley. E não está sozinho. Pediu-lhe que ficasse, não é certo?

— Não quero vê-lo morrer.

— Então, vai partir?

Madeline negou com a cabeça e se aproximou lentamente à cabeceira. Logan se retorcia e murmurava em seu delírio, como se tentasse escapar de um inferno.

— Alguém tem que informar à duquesa do Leeds — disse.

— Irá querer sabê-lo.

Foi até o escritório, extraiu uma folha de papel e molhou a pena na tinta. Enquanto escrevia a direção, sentia os dedos rígidos e duros. “O estado do senhor Scott piorou...” — escreveu.

A sempre cuidada caligrafia, aparecia agora apertada.

“Segundo o doutor, não cabe esperar que o senhor Logan...”

Deixou de escrever e olhou atentamente as letras, que pareciam dançar ante seus olhos.

— Não posso... — disse, e voltou a pôr a pena no tinteiro.

A senhora Beecham foi até o escritório e terminou a tarefa por ela.

— Fá-la-ei chegar imediatamente — comentou, e abandonou a habitação como se não pudesse permanecer ali nem um momento mais.

Perto da meia-noite, chegou um novo doutor, o médico pessoal do duque e a duquesa do Leeds.Tratava-se de um homem amável, maior que o doutor Brooke, cujo competente aspecto fez despertar em Madeline um raio de esperança.

— Com sua permissão, a duquesa me envia para que examine ao paciente — lhe disse.

— Possivelmente possa fazer algo por ele.

— Espero que sim — disse Madeline, fazendo-o passar à habitação. Permaneceu dentro durante a exploração do doutor. Para então estava tão familiarizada com o corpo do Logan que já não sentia vergonha. Conhecia o comprido percurso de cada osso, as curvas possantes dos músculos sob a pele, a força oculta, que o fazia pensar em um leão dormido.

As esperanças de Madeline não demoraram para esfumar-se quando se precaveu de que o médico não podia recomendar nada que não se feito já. Antes de ir-se, o doutor deixou alguns de seus elixires, mas Madeline teve a sensação de que ele mesmo não confiava muito na eficácia dos mesmos.

— Senhorita Ridley — disse a senhora Beecham, aproximando-se.

- Esteve todo o dia com o senhor Scott. Eu lhe cuidarei durante algum tempo e, depois, Denis me substituirá.

Madeline sorriu à governanta que parecia esgotada.

— Não estou cansada — respondeu Madeline, embora estivesse dolorida e exausta. Notava os olhos inchados e ardidos, e tinha os braços em carne viva até o cotovelo pelo contato com o gelo e os cataplasmas.

— Ficarei um pouco mais.

— Está segura? — perguntou a senhora Beecham. Madeline assentiu.

— Quero estar a sós com ele.

— Muito bem. Se necessitar ajuda, nos avise ao Denis ou a mim.

A porta se fechou. Só a chama de um abajur e as brasas da chaminé iluminavam a habitação. O resplendor incidia na cara do Logan com um tom bordô e outorgava a seu perfil uma qualidade vitrificada. Madeline apertou um pano com gelo contra a testa do doente, mas ele o tirou; seus movimentos eram cada vez mais violentos.

— Tranquilo — repetia Madeline, acariciando a pele quente. Perdida a contenção a causa do delírio, Logan recitava de maneira incompreensível parágrafos de obras e falava com gente invisível. Sentada quase na penumbra, Madeline começou a ruborizar-se. Scott empregava palavras desconhecidas para ela, dizia coisas que a emocionavam e excitavam, e que lhe pôs o pêlo dos braços arrepiados. O ator encheu o ar de obscenidades e Madeline decidiu que tinha que fazer algo para detê-lo.

— Por favor — murmurou, lhe colocando um pano frio na testa, — deve tranquilizar-se.

Madeline deu um grito afogado quando ele a agarrou pelo pulso, fechando a mão com tanta força que os frágeis ossos da garota ameaçaram romper-se. Ao som do suave grito, Logan afrouxou a pressão e pareceu confuso. Dizia o nome de uma mulher... Olivia... sua voz adquiriu um tom venenoso. Queria matá-la, dizia, lhe tinha privado de tudo. Logan chorava e amaldiçoava, e era tal seu sofrimento, que Madeline se sentiu rasgada pelo ciúmes.

«Não esteve apaixonado alguma vez?» — tinha-lhe perguntado não fazia muito.

«Uma vez — tinha respondido, — e não funcionou.»

Parecia evidente que a tal Olivia era a mulher que tinha amado e que lhe tinha traído. Madeline lhe acariciou o cabelo, lhe falando em voz baixa e utilizando seu peso para dominá-lo, até que, finalmente, Logan relaxou o corpo sob a pressão.

— Se tivesse uma oportunidade, nunca te abandonaria — sussurrou, o peito apertado contra o do Logan.

— Nunca te faria mal. Amo-te. Beijou a cara quente e os lábios ressecados do Logan com paixão.

— Amo-te — repetiu e, desesperada, desejou poder derramar sua energia dentro dele.

Logan emitiu um incoerente som e ficou imóvel, sumido ainda mais na febre.

Madeline se incorporou e apoiou a mão no peito do ator: sua respiração era só um débil movimento sob as costelas. Teve a sensação de que ao Logan lhe escapava a vitalidade e sentiu terror de ficar dormida. «Vai morrer em meus braços», pensou, e um nó de frio desespero lhe atendeu as vísceras.

Madeline se prostrou de joelhos lentamente. Apesar de ter acudido com regularidade à igreja durante toda sua vida e de ter recebido instrução religiosa semanal, nunca tinha sido pessoa de uma grande fé. Sendo rebelde por natureza, o fato de que sua mãe lhe tivesse assegurado que o matrimônio com lorde Clifton era um «intuito do Senhor», não tinha feito mais que acrescentar seu ressentimento. Parecia que os desejos de Deus consistiam sempre em lhe fazer a vida o mais aborrecida possível. Mas se Ele era realmente misericordioso, aceitaria sua oferta... e nunca mais voltaria a lhe pedir nada.

Juntou as mãos com suavidade e rezou, e pôs a alma em cada palavra. Resultou ser um alívio inesperado tirar fora todo seu medo e sua dor. Pela primeira vez em sua vida rezar não era só um rito inútil, a não ser uma confissão feita a um amigo carinhoso.

— ... e te peço perdão por meus pecados — sussurrou na débil luz do quarto.

— Serei uma filha obediente e cumprirei os desejos de meus pais. Casar-me-ei com lorde Clifton e lhe servirei em tudo sem me queixar... em troca de que faça que se recupere. Nunca mais me preocuparei do que me ocorra, tudo o que quero é que viva. Não merece morrer tão jovem. Deve lhe deixar viver...

Não soube quanto tempo esteve rezando. Quando por fim ficou em pé, tinha os joelhos intumescidos e esmagados e se sentiu um pouco enjoada. Quando voltou junto ao Logan, encheu mais bolsas com gelo e as colocou ao redor do corpo doente.

Seus lábios imploraram muitas mais súplicas no transcurso da noite. Sentiu-se como instalada em um sonho infinito. Trabalhou sem parar de maneira mecânica, ora obrigando ao Logan a beber, ora acalmando seus desvarios delirantes até que, ao fim, sumiu-se em um silêncio absoluto. Madeline apenas se precaveu do momento em que a luz do amanhecer entrava através das portas de cristal que se abriam ao pequeno balcão.

— Senhorita Ridley.

Estirou-se com uma sacudida e se voltou para a voz. A senhora Beecham e o camareiro se aproximaram. O temor conferia a suas caras uma expressão de perplexidade.

— Como está o senhor Scott? — perguntou a governanta, aproximando-se até a cama e olhando a figura imóvel do Logan.

Balançando o corpo, Madeline observou em silêncio, enquanto agarrava com força um trapo molhado.

A governanta pôs a palma da mão na testa do Logan. Transcorrido um bom momento, voltou-se para o Madeline: a serenidade e o alívio se apropriaram de seu rosto.

— Graças a Deus! A febre desapareceu.

Com uma ponta seca do lençol enxugou com suavidade as gotas de suor da pele do Logan.

Madeline olhava sem compreender. O camareiro se aproximou até ela e lhe falou com um ligeiro acento francês.

— Tudo vai bem, mademoiselle. Ficará bom em seguida. Enjoada, Madeline se voltou para ele sem atrever-se a acreditar no que ouvia. Tentou recordar o nome do criado.

— Denis? — perguntou através de seus lábios ressecados, e pareceu que o quarto se inclinava a um lado. Sentiu como os robustos braços do homem se fechavam ao redor de seu corpo e, pela primeira vez em sua vida, desmaiou.

Ao despertar, Logan teve a sensação de que era empurrado pela corrente para cima atravessando pesadas capas de água e escuridão, sentindo o corpo mais e mais ligeiro até que, por fim, emergiu à superfície. Sentia-se entorpecido e débil. Não lhe custaria muito afundar-se de novo na bruma do sonho, mas um pensamento, repicando em seu cérebro, obrigava-lhe a manter-se acordado: Madeline. Abriu os olhos e esperou a que a massa imprecisa que percebia se esclarecesse. Ela não estava ali. Separou os lábios, mas o único que conseguiu foi emitir um grunhido discordante.

— Ah, senhor Scott! — Ao som da voz lhe seguiu a familiar cara da governanta.

— Teve a todos bem preocupados durante os últimos dias — disse com um sorriso.

— Graças ao céu, já se encontra muito melhor. Quer beber algo, verdade?

Levantou-lhe a cabeça e lhe ofereceu uns sorvos de caldo morno. Logan bebeu o líquido, que tinha um ligeiro gosto metálico e salgado.

Pensou em perguntar pelo Capital mas, nesse momento, lhe pareceu muito de uma importância mínima ante a outra pergunta que ocupava sua mente. Recordava a permanente presença de Madeline durante a febre, o contato de suas mãos, seu doce fôlego na cara quando ela o resgatava de sonhos atrozes. «Maddy», pensou, desejando-a, ansiando-a. Mas se tinha ido. Tinha estado ali ou só a tinha imaginado?

Escutou sem interesse o falatório da governanta, entendendo vagamente que o doutor Brooke passaria a visitá-lo mais tarde; a enorme preocupação dos duques do Leeds, que tinham enviado a seu médico particular; que todo o pessoal de serviço celebrava sua recuperação... Seus dedos atiraram dos lençóis recém trocados e se concentrou no retângulo de luz que entrava através das cortinas. Então, a senhora Beecham disse algo que atraiu sua atenção.

— ... possivelmente mais tarde venha a lhe visitar a senhorita Ridley, embora suspeite que há mais possibilidades de que o faça amanhã pela manhã.

— Está aqui? — Lutou por endireitar-se sem lhe tirar os olhos de cima à mulher.

— Senhor Scott, não deveria fazer nenhum esforço...

— Onde? — uivou, conseguindo incorporar-se e amaldiçoando ao descobrir o fraco que se encontrava.

— A senhorita Ridley está dormindo só umas quantas portas mais à frente. E duvido que possa despertá-la, senhor. Insistiu em cuidar de você durante os três últimos dias e suas correspondentes noites, sem parar para descansar ou comer. Finalmente, esta manhã, depois de inteirar-se que lhe tinha passado a febre, o pobre cordeirinho desmaiou.

Ao apreciar o olhar do Scott, a senhora Beecham se interrompeu— . Ah, não tem do que preocupar-se, senhor — disse a toda pressa, — não está doente, só esgotada. Estou segura de que depois de dormir umas quantas horas estará como nova.

Logan sentiu uma sede urgente. Alcançou um copo de água da mesinha de noite e a aproximou da boca com pulso incerto.

— Por que não a obrigou a descansar? — inquiriu com aspereza.

— Não havia necessidade de deixá-la trabalhar até o esgotamento.

— Não houve maneira de impedir-lhe. Insistiu em cuidar de você...

—Me traga a roupa.

— Senhor? — A consternação se desenhou no rosto da senhora Beecham quando se deu conta de que Logan tentava levantar-se da cama.

— Senhor Scott, não pode pretender... porque seria uma loucura...

— Avise ao Denis — disse Logan, sem outra coisa na cabeça que não fosse ver Maddy com seus próprios olhos.

— E chame o doutor.

— Mas senhor, já lhe hei dito que virá mais tarde...

— Quero...

Uma violenta tosse, que arrancava em seu peito, lhe impediu de continuar. Bebeu outro gole de água.

- Quero ver a senhorita Ridley. Agora.

Tinha que assegurar-se de que Maddy estava bem, que tinha sido o esgotamento, e não a etapa inicial da enfermidade, o que lhe tinha ocasionado o desvanecimento.

A senhora Beecham se retirou para a porta.

— Mandarei chamar o médico — disse com resolução— , mas não lhe fará nenhum favor à senhorita Ridley despertando-a, depois de tudo o que passou. E antes que tente levantar-se, sugiro-lhe que coma algo. Direi a uma das criadas que lhe suba umas mingau e torradas.

Quando a mulher desapareceu de sua vista, Logan se deixou cair sobre o travesseiro, embora tivesse sido um ato voluntário. Tremia como um potro, e suas extremidades, escapando a seu controle, pareciam não pertencer-lhe. Para um homem que sempre tinha desfrutado de uma saúde e agilidade inusitadas, aquela debilidade resultava exasperante. Amaldiçoando em voz baixa, recostou-se até que a cabeça deixou de lhe dar voltas.

Apesar da insistência do doutor Brooke em que Madeline não estava afetada pela febre, Logan não se sentiu satisfeito.

— Meu amigo — disse rindo o doutor Brooke, — não tem necessidade de gastar energia preocupando-se com a senhorita Ridley. Asseguro-lhe que goza de uma saúde bastante boa; tão somente se encontra um pouco cansada. Amanhã pela manhã voltará a vê-la em seu estado normal. Em nome de sua própria saúde, preocupe-se com você mesmo. Não deve voltar ainda para sua atividade habitual, ou sua recuperação demorará o dobro do que deveria. Guarde cama ao menos duas semanas e evite qualquer esforço.

Piscou um olho ao tempo que acrescentava:

— Isto inclui qualquer desejo amoroso, embora tenha que admitir que, se estivesse em seu lugar, também sentiria grandes tentações. A senhorita Ridley é um criatura encantadora.

O comentário do doutor zangou ao Logan, que sentiu um estranho arrebatamento de ciúmes. Com o cenho franzido, tamborilou com os dedos sobre a mesinha de chá, mostrando bem às claras que estava impaciente para que o médico partisse.

— Muito bem — murmurou o doutor Brooke, — não há necessidade de que volte, a menos que sofra uma recaída. Siga meu conselho e tente não exigir-se muito.

Logan assentiu com um grunhido e continuou com o tamborilo dos dedos até que o homem partiu. Então estirou o braço para o atirador da campainha e chamou o Denis.

Sem fazer caso de suas objeções, Logan lhe ordenou que lhe ajudasse a ir até o dormitório do Madeline, ficando surpreso pelo tremendo esforço que lhe exigiu. Quando cruzaram, por fim, a soleira da porta, o coração e os pulmões do Logan trabalhavam incansavelmente para adequar-se ao esforço exigido a seu organismo. Depois de soltar do ombro do camareiro, encaminhou-se para a cama do Maddy ele sozinho.

— Vá — disse com brutalidade.

— Se te necessitar, já te chamarei.

— Oui, monsieur — respondeu Denis em um tom que destilava cepticismo.

— Embora me parece que, com vocês dois em semelhante estado, um rendez-vous não é uma boa idéia...

— Fora, Denis.

A porta se fechou depois do camareiro. Logan contemplou a imóvel figura na cama. Madeline jazia de lado, como uma menina, as mãos fechadas sem força, o peito coberto por uma singela camisola branca que lhe chegava até o pescoço. Logan se sentou a seu lado e tocou um dos dourados cachos castanhos que se pulverizavam pelo travesseiro. A jovem se removeu e voltou a acomodar a cabeça; a respiração recuperou o ritmo profundo.

Logan se fixou nas mãos avermelhadas de Madeline, testemunho dos dias que lhe tinha estado cuidando, e sentiu que o rubor lhe enfraquecia o rosto. Não era de vergonha o sentimento que o embargou — em questões de nudez e intimidade física, carecia de pudores, — porém a sensação de que ela tinha adquirido algo dele que já não poderia recuperar... sentia-se preso a ela. Enquanto uma parte de seu ser repudiava tal sentimento, outra o celebrava.

Perguntou-se o que ia fazer com ela. Uma coisa era segura: agora não podia afastá-la de si. Maddy se tinha crescido de importância em sua vida, metendo-se em cada rincão de sua intimidade. E ao parecer não havia mais remédio que aceitá-la. Por que não desfrutar de do prazer que lhe oferecia? Era jovem, bela, intrépida e possuía um irredutível otimismo que o tinha admirado. Percorreu com o olhar a silhueta do corpo de Madeline, recolhido pelos lençóis e as mantas de lã como se fosse uma larva em seu casulo. Tocou-lhe o peito com doçura, os dedos o contornaram até que a suave elevação ocupou quase por completo sua mão. O polegar rodeou o mamilo riscando pequenos círculos até conseguir inchá-lo. Madeline murmurou em sonhos, e a roupa da cama rangeu quando levantou as pernas ligeiramente.

Logan sorriu e acariciou o cabelo sedoso esparso sobre o travesseiro. Durante um momento se permitiu pensar nas coisas que ensinaria a Madeline, nos prazeres que compartilhariam... Até que a excitação começou a dominá-lo. Levantou-se da cama com uma careta irônica: muito cedo para tais pensamentos. Haveria tempo de sobra quando ambos se recuperassem. Então satisfaria todas as fantasias de Madeline... e umas quantas mais de sua própria vontade.

 

Madeline despertou e permaneceu estendida e imóvel durante uns minutos, recordando todos os acontecimentos pouco a pouco. Ao começar a levantar-se da cama, a dor dos músculos crispou seu rosto. A dor mais aguda se centrava nas costas e nos ombros. Estirou-se com prudência e deixou escapar um grito quando a dor lhe alagou os olhos com umas lágrimas urgentes. Uma criada bateu na porta e entrou com um balde de carvão para reavivar o fogo da chaminé.

— Senhorita Ridley — saudou, e pareceu alegrar-se de encontrá-la acordada.

A senhora Beecham diz que todos devemos lhe agradecer o que tem feito pelo patrão.

— Como se encontra o senhor Scott?

— Ah, muito bem, senhorita. Dorme quase todo o tempo. Quando acordado, não pára de chamar a qualquer um pedindo comida, bebidas, livros e coisas assim, mas a senhora Beecham há dito que não as levem.

Madeline sorriu, recordando que não estava na natureza do Logan comportar-se como um bom doente. Sentiu a necessidade de ir vê-lo imediatamente. Insegura, tocou o cabelo sem lavar.

— Preparar-lhe-emos um banho no closet — disse a criada, — e lhe trarei uma bandeja com o café da manhã. A senhora Beecham há dito que não lhe falte nada.

Dirigiu-se ao armário e o abriu, deixando à vista vários trajes.

Os trouxeram para você ontem à noite.

Os novos vestidos... A senhora Florence devia havê-los enviado para o Somerset Street assim que os entregaram. Deu-lhe as graças à criada com um murmúrio, aproximou-se do armário e desprendeu roupão de seda amarela. Em seu rosto se desenhou uma careta a causa da dor do ombro. Advertindo o gesto, a criada não demorou para deduzir a causa.

— Direi que se apressem com o banho, senhorita. Possivelmente a água quente alivie um pouco as dores.

Duas criadas ajudaram a Madeline a se banhar e a lavar o comprido cabelo, que esfregaram com essência de violetas até que ficou reluzente. Envolveram-na em toalhas quentes e lhe escovaram a cabeleira ante o fogo. Trouxeram-lhe uma bandeja com presunto, suflê e fruta e engomaram até a última dobra do vestido.

Pentearam-na um cuidadoso coque trançado no alto da cabeça, deixando cair algumas mechas onduladas a ambos os lados do rosto, e a ajudaram a vestir-se. O traje amarelo estava talhado com uma simplicidade que ia como anel ao dedo, conferia-lhe uma aparência que se afastava por igual da juventude excessiva e da sofisticação extrema. Gostava do frufru que fazia a prega festonada ao contato com seus pés e o ranger do tecido que se estendia até os punhos com prisão fortificada. As criadas lançaram exclamações de admiração, e Madeline sentiu que o rubor lhe subia do decote arredondado.

— Que preciosidade! — assegurou a senhora Beecham com um sorriso de aprovação ao entrar na habitação.

— Se encontra melhor esta manhã, senhorita Ridley?

— Sim, obrigado. Sobre o senhor Scott...

— Pergunta por você cada cinco minutos — a interrompeu a governanta.

— De fato, vinha a lhe dizer que requer sua presença imediatamente.

Madeline sorriu.

— Sonha como se quase voltasse a ser já o de antes.

— Não demorará muito — concluiu a governanta. Madeline a seguiu ao dormitório principal. Ao aproximar-se, ouviram com toda claridade uma enxurrada de queixa.

— ... não quero mais caldo — dizia Logan, exortando a um indefeso criado que lhe tinha subido uma bandeja da cozinha.

— Quero comer: pão, café... Como demônios se supõe que vou viver com caldo e massa? Se me voltarem a trazer algo mais que contenha leite, vou a...

Quando seu olhar se posou em Madeline, interrompeu-se de repente.

— Maddy — disse, ainda com a voz áspera.

Ao igual a ela, acabava de se banhar. Ainda tinha o cabelo úmido e a cara lhe brilhava depois de um meticuloso barbeado. Ia vestido com um pijama de flanela branca abotoado até o pescoço, mas a lembrança do que havia debaixo, de cada polegada de suave pele e de músculos robustos, ficaria impresso na mente do Madeline para sempre. Agora, ao vê-lo tão acordado e imperativo, lhe desejava muito impossível havê-lo contemplado e acariciado de um modo tão íntimo.

A senhora Beecham e o criado saíram com discrição, deixando-os sozinhos.

— Não é um doente muito complacente — disse Madeline aproximando-se da cabeceira.

— Me vou voltar louco — protestou Logan.

— Quero que solicite informação do Bennett sobre o que está ocorrendo em meu teatro e que me traga algo que fazer...

— Supõe-se que tem que descansar — replicou Madeline, desfrutando por igual da impotência forçosa do Logan e dos primeiros indícios de recuperação de seu caráter.

— Estou segura de que o doutor deve lhe haver dito que não faça nenhum esforço.

— Estar aqui sentado e ser tratado como um maldito inválido sim que é um esforço.

Com um sorriso, Madeline se inclinou sobre ele até que seus narizes quase se tocaram. Olhou-o diretamente aos olhos com um brilho desafiante.

— Senhor Scott, é você um inválido.

O olhar do Logan desceu até a boca de Madeline, e o tempo pareceu deter-se durante um instante.

— Não o serei durante muito tempo — respondeu.

Algo novo tinha surgido entre eles, uma corrente de reconhecimento e intimidade que deixou a Madeline sem respiração.

— No momento, tem que seguir na cama.

Logan passeou o olhar pela depressão que se abria no decote de Madeline, pela turgidez logo que contida na seda amarela. Quando voltou para o rosto da garota, uma chama azul lhe ardia nos olhos.

— Me obrigue.

Madeline retrocedeu a toda pressa.

— Trar-lhe-ei alguns livros e documentos e... e lhe lerei o relatório do senhor Bennett.

— É um princípio — disse Logan.

— Também pode me trazer algo decente para comer.

— Não posso, o doutor Brooke não o passaria. Em qualquer caso, vomitá-lo-ia tudo.

— Comida, Maddy — disse imperiosamente, observando-a enquanto abandonava a habitação.

— E volte logo. Jamais em minha vida me tinha aborrecido tanto.

Madeline permaneceu na mansão durante duas semanas, consciente de que sempre consideraria essa etapa como a mais feliz de sua vida. Não houve dia que não pensou em partir, mas ao cabo decidia ficar. Sabia que seu comportamento era irresponsável, mas não lhe importava. A consciência de que o tempo que passaria ao lado do Logan era limitado o fazia ainda mais valioso. Não tinha esquecido a promessa feita a Deus de voltar para casa e casar-se com lorde Clifton. O trato fora feito de boa fé e Deus tinha completado sua parte. A intenção de Madeline era cumprir a sua.

Confinado ainda no leito, Logan parecia viver a um ritmo que dobrava o do resto dos mortais. Até que conseguiu que lhe permitissem dirigir sua empresa durante quatro horas ao dia.

Não deu sossego a Madeline e ao resto do pessoal. Bem da cama, bem de uma cadeira próxima, ditava cartas dirigidas ao senhor Bennett relacionadas com a gestão do Capital; remetia mensagens a administradores e agentes imobiliários para interessar-se por suas propriedades; e, enquanto isso, mantinha correspondência com aristocratas, artistas, personagens públicos... Propunha-lhes projetos, recordava-lhes antigas promessas de mecenato e donativos e aceitava ou declinava convites sociais.

— Deve ser o homem mais ocupado da Grã-Bretanha — exclamou Madeline depois de uma sessão particularmente longa. Deixou a pena e flexionou os doloridos dedos.

— Fui-o durante algum tempo — reconheceu Logan, e colocou as mãos detrás da cabeça, recostando-se contra a cabeceira. Levava posta uma luxuosa bata de seda raiada ocre e bordô. Instalou-se numa estreita mesa dobradiça de cama para que tivesse os livros e demais objetos à mão.

— Ter uma atividade intensa me ajudou a manter a mente afastada de outras coisas.

— Que coisas? — perguntou Madeline sem pensar.

Os lábios do Logan se curvaram em um sorriso que a turvou.

— Em essência, a falta de uma vida privada. Não é fácil encontrar o equilíbrio, sobretudo quando te envolve em uma profissão até o ponto em que o estou eu com a minha.

— Ser-lhe-ia fácil encontrar esposa — disse Madeline, desviando o olhar para a escrivaninha, onde se ocupou de ordenar e alinhar com minúcia o caderno de anotação, o papel e o tinteiro de prata.

— Estou segura de que qualquer mulher lhe cuidaria.

— Mas eu não cuidaria de uma única mulher.

— Claro...

Madeline ficou a jogar com uma folha de papel, dobrando-a repetidamente até convertê-la em um pequeno e grosso quadrado.

— Você deseja uma mulher com experiência, uma pessoa adulta e sofisticada.

— Isso é o que me atraía antes — disse, e esperou a que lhe olhasse. Seus olhos azuis eram os de um libertino quando acrescentou:

— Agora não estou tão seguro.

Incômoda, Madeline se levantou e foi até a porta.

— Falarei com o chefe de cozinha sobre o almoço.

— Pode fazê-lo mais tarde.

— Gostaria de um pouco de sopa, verduras frescas e uma fatia de presunto...?

— Não desejo falar de comida quero saber porque ficaste tanto tempo para me cuidar.

Ela permaneceu junto à porta, mantendo uma distância de segurança entre ambos.

— Não havia ninguém mais para fazê-lo.

— Tenho uma coleção completa de criados que teriam se arrumado bastante bem.

Madeline inspirou com força.

— Sinto muito, se era isso o que teria preferido.

— Com independência do que tivesse preferido você não tinha nenhuma obrigação de me cuidar.

Fez-lhe um gesto com a mão para que se aproximasse.

— Eu gostaria de ouvir suas razões para permanecer aqui. Deus sabe que não lhe resultou fácil.

Madeline dissimulou seu desconforto com um sorriso irônico.

— Não sei como aconteceu tudo isto. Comecei tentando seduzi-lo. Entretanto, esteve a ponto de morrer entre meus braços.

— Então, ficou por compaixão? — perguntou Logan e cravou seu olhar azul nos olhos de Madeline.

— Ou ainda alberga esperanças de me seduzir?

— Não — disse imediatamente, ruborizando-se.

— Não queria... Já não quero fazê-lo.

— Deveria me sentir aliviado, sem dúvida — refletiu Logan em voz alta, embora no tom empregado havia uma inconfundível sombra de lamento. Seu olhar mantinha a Madeline cravada ao chão.

— Jamais compreendi por que estava tão decidida a meter-se na cama comigo.

Madeline se encolheu de ombros e olhou desesperada por cima do ombro.

Sentiu um vivo desejo de voar para a soleira que se abria a suas costas. Sabia-se incapaz de esboçar uma resposta.

Logo conseguiu furtar sua angústia ao olhar do Logan, que a contemplava com atenção enquanto o silêncio os envolvia.

— Houve ocasiões — disse o ator muito devagar — em que as mulheres se aproximaram dessa maneira porque acreditavam que deitar-se com um ator conhecido era uma espécie... de troféu. Uma conquista da que poderiam alardear antes seus amigas.

— Sim — assentiu Madeline, aferrando-se à desculpa, embora nada se afastasse mais da realidade, — essa é a verdadeira razão de que o desejasse.

Logan, perplexo, olhou-a com o cenho franzido. Quando falou, fê-lo com uma suavidade e ternura que Madeline jamais tivesse ouvido alguma vez.

— Pequena... Acaso não sabe que vale muito mais que tudo isso?

Madeline deixou cair a vista, incapaz de olhá-lo nem um instante mais. Se não se ia imediatamente, ficaria a chorar e a gemer e cairia em seus braços de uma maneira muito embaraçosa para ambos.

— Mas não tivemos nenhuma aventura — disse com voz apenas audível, — não há nada do que tenhamos que nos envergonhar. Isso é o que importa.

Antes que pudesse responder, Madeline escapuliu a toda pressa com as mãos apertadas sobre as ardentes bochechas. Sabia que já era tarde para qualquer tipo de intimidade entre eles. Amava-o muito para utilizá-lo daquela maneira.

Quão único ficava por fazer era voltar para sua antiga vida e assumir o fato de ser a honorável Madeline Mathews. «Honorável» refletiu envergonhada, e suspirou. Ao embarcar nessa escapada, tinha deixado de respeitar todo mundo.

E o que ainda era pior: tudo que desejava era permanecer com o Logan para sempre e viver como uma mulher caída em desgraça. Estava convencida de que suas irmãs jamais se teriam entretido com pensamentos tão escandalosos, embora, bem cuidado, com toda probabilidade elas jamais conheceriam um homem como Logan Scott.

Com uma insistência não isenta de intimidação, Logan conseguiu trocar o menu de doente por seu habitual e delicioso regime alimentício. Além disso, tinha insistido em que Madeline jantasse com ele em seus aposentos. Era a primeira noite que se encontrava o bastante bem para seguir seu horário acostumado, em lugar de ficar dormindo cedo, como tinha vindo ocorrendo durante as duas semanas anteriores. Madeline tinha acessado a contra gosto, decidindo que, em algum momento durante o jantar privado, obrigar-se-ia a lhe dizer que pensava abandonar sua casa ao dia seguinte.

Colocou o vestido de caxemira azul. A sarja lhe rodeava ao corpo e conferia a sua cútis uma aparência translúcida. Recolheu o cabelo no cocuruto com simplicidade, deixando que algumas mechas onduladas pendurassem sobre as bochechas e a nuca.

Às oito, Madeline entrou no dormitório do Logan. Ele a aguardava junto a uma mesa repleta de candelabros e faqueiro de prata. Vestido com outra das batas de sua luxuosa coleção e umas calças cor bege, tinha a aparência de um leão descansando em sua toca. O ar estava carregado com uma mescla de aromas: creme de alho-porro e pimenta, salmão cozido em vinho e carne de ave adubada com ervas, trufas e champanha.

Quando Madeline se deteve à luz dos candelabros, o atento olhar do Logan a percorreu de cima abaixo.

— Espero que tenha fome — disse, e a ajudou a sentar-se com maneiras delicadas.

As especialidades francesas preparadas pelo chefe do Logan diferiam notavelmente da insossa dieta britânica a que estava acostumada. Cada vez que o garçom os servia, Madeline desfrutava, uma e outra vez, com os embriagadores sabores. Apesar das advertências que, divertido, ia fazendo Logan, Madeline comeu muito dos dois primeiros pratos, fartando-se das deliciosas criações e impossibilitando-se para algo mais que provar as saladas e sobremesas com que finalizava o jantar.

— Devagar — lhe advertiu, e quando observou como bebia avidamente de uma taça de vinho francês, os olhos lhe cintilaram.

— Um bom hedonista deve saborear cada gota.

— Hedonista? — repetiu Madeline com curiosidade.

— Uma pessoa entregue por inteiro aos caprichos — explicou Logan enquanto voltava a encher sua taça.

— Alguém que considera o prazer como uma forma de vida.

— E isso é o que é você? — perguntou Madeline.

— Intento sê-lo.

— Mas sempre trabalha muito.

— Para mim isso também é um prazer. A testa de Madeline se enrugou.

— Resulta uma idéia estranha, o de que a vida gire ao redor do prazer.

— E o que supõe que é a vida, então?

— Dever, sacrifício... E se formos bons, o prazer chegará logo, quando nos recompensar mais à frente.

— Desfrutarei de minha recompensa agora.

— Isso é um sacrilégio — replicou Madeline, lhe olhando com o cenho franzido.

— Os hedonistas não têm muitas reservas religiosas. O sofrimento, a auto-imolação, a humildade... nenhuma dessas coisas me teria ajudado em minha carreira.

Madeline permaneceu calada e perplexa incapaz de encontrar um ponto débil na lógica do Logan.

— Maddy — disse o ator em voz baixa, sem poder reprimir a risada ao olhá-la.

— É você tão condenadamente jovem.

— Está rindo de mim — replicou.

— Não, não é certo. É só que você representa uma reconfortante mudança em relação à multidão de degenerados com os que estou acostumado a tratar. Mantém intactos todos os ideais.

— Assim, também são os seus.

— Querida, para começar, nunca tive ideais. Jamais acreditei na honradez ou a bondade em estado puro... Nem vi que ninguém as tivesse. Até lhe conhecer.

Uma náusea de culpabilidade fez que Madeline revolvesse o estômago. Não tinha sido honesta em suas relações com ele, e todos os atos de bondade realizados tinham sido fruto das circunstâncias, até o instante em que tinha admitido que estava apaixonada por ele. E até então, teria levado a cabo seus planos iniciais, se não tivesse sido pelo temor a feri-lo ou a convertê-lo em um ser ainda mais cínico do que já era.

— O que ocorre? — perguntou Logan, olhando-a com atenção.

Madeline se precaveu de que lhe resultava fácil ler seu sofrimento.

— Não sou uma pessoa amável, nem boa — disse a jovem em voz baixa.

— Seria um engano de minha parte permitir que pense o contrário.

— Tenho minha própria opinião ao respeito — replicou Logan com um doce olhar.

Chegou a sobremesa: peras esquentadas ao vinho tinto, coroadas com creme. Entre as peras havia umas muito pequenas e rangentes tortas cheias de doce. Madeline bebeu licor de uma diminuta taça. Anestesiada pelo álcool, piscou a olhar a Logan através da luz das velas.

— É tarde — disse Logan.

— Quer retirar-se agora? Madeline negou com a cabeça, guiada pela agridoce consciência de saber que era a última noite que passavam juntos.

— O que é o que gosta, então?

Na voz do Logan havia um que malicioso. Com a luz dourada jogando sobre seu cabelo negro, de que extraía ricos brilhos de fogo, lhe via arrumado e depravado.

— Possivelmente pudesse me ler algo — sugeriu Madeline. Compartilhavam o amor pela literatura e a filosofia e, com antecedência, tinham tido ocasião de discutir sobre temas tão diversos como a superioridade do Keats sobre a Shelley ou as teorias do Platão. Para seu deleite, na biblioteca da mansão tinha descoberto multidão de livros estranhos e únicos, muitos dos quais tinham sido adquiridos em leilões privados ou eram presentes de amigos poderosos.

Logan a ajudou a levantar-se e avisou aos criados para que recolhessem a mesa. Conduziu-a um quarto adjacente, uma zona privada repleta de almofadas cor âmbar, peças de cerâmica da China, pinturas e molduras de bronze nos muros. Sentados ante a chaminé de mármore, a plácida calidez do fogo fez estremecer a Madeline. Logan se ajeitou no chão, a seu lado. Com o cotovelo apoiado em um travesseiro de veludo, leu-lhe Enrique com voz grave e surda. Hipnotizada, Madeline só captava as palavras pela metade.

Tentou ocupar sua mente com os detalhes da cara do Logan: as sombras das pestanas quando olhava o livro que sustentava nas mãos, a elegância de suas bochechas, a forma de sua boca. Às vezes, mais que ler citava de cor, recitando as românticas passagens nas que Enrique corteja a Katharine, a filha do rei francês. Palavras irônicas, ternas, tocadas de um humor sarcástico. De repente, Madeline sentiu que não podia suportar nem um minuto mais; escutar aquelas súplicas fazia que lhe doesse o coração. A cena era muito íntima, as palavras próximas a seus próprios desejos.

— Por favor, não siga — disse sem respiração, justo no momento em que Logan chegava à passagem que diz: «Seus lábios estão enfeitiçados, Kate...»

O ator fechou o livro.

— Por que?

Madeline sacudiu a cabeça e começou a levantar-se das almofadas, mas Logan alargou a mão e a agarrou. Arrastou-a até seu lado e lhe percorreu o corpo tenso com a mão.

— Não vá — murmurou.

Quando Logan a apertou contra si, Madeline deu um grito afogado. Seus sexos ficaram à mesma altura. Scott era tão grande e robusto que seus ombros se elevavam imponentes sobre ela. A garota não podia lhe ver a cara, mas sentiu o roçar de seus lábios ao sussurrar no seu ouvido:

— Maddy, dorme entre meus braços esta noite.

Eram as palavras pelas que se esforçou tanto, as que desejava escutar. Madeline esteve a ponto de asfixiar-se ante uma repentina efusão de lágrimas.

— Não posso — conseguiu dizer.

— A primeira vez que nos vimos, disse-me que era o que queria.

— Era-o... mas nada saiu como pensava.

— Que estranha é — disse Logan, e secou as esquinas úmidas dos olhos de Madeline com os polegares.

— Diga então o que é o que quer.

Era tão doce, tão terno, que em um rapto de desespero pensou em confessar-lhe tudo. Mas se ele soubesse a verdade, odiá-la-ia: por lhe haver mentido, por ter planejado utilizá-lo e por convertê-lo no alvo involuntário de seu ridículo plano. Não tinha mais alternativa que abandoná-lo e confiar em que Scott nunca averiguasse o que tinha tentado fazer.

— Logan — disse, com a voz amortecida pela bata de seda. — Não posso ficar contigo por mais tempo. Amanhã, vou.

Lhe apartando a cabeça de seu peito, ficou olhando com seus penetrantes olhos azuis.

— Por que?

— As duas últimas semanas foram como um sonho. Fui muito feliz aqui... contigo... mas tenho outra vida a que tenho que retornar. É hora de voltar para casa.

Logan deslocou a mão pelas costas de Madeline em uma carícia lenta e repetida.

— Onde está essa casa, Maddy?

— Em outro mundo, longe — respondeu, pensando com tristeza na remota mansão campestre onde passaria o resto de sua vida sendo a esposa de lorde Clifton, parindo aos filhos do nobre e esforçando-se por lhe agradar.

— Há outro homem? — perguntou Logan, como se pudesse lhe ler os pensamentos.

Ante ela surgiu a imagem da petulante cara de lorde Clifton, e fechou os olhos no momento em que as lágrimas se amontoavam atrás de suas pálpebras.

— Sim.

Logan não mostrou surpresa pela resposta, mas Madeline percebeu a poderosa emoção.

Ira? Ciúmes? O que se agitava debaixo aquela quietude.

— Me diga quem é. Ocupar-me-ei de tudo.

Madeline se alarmou pela férrea determinação de sua voz.

— Não, não pode...

— Vais ficar aqui, Maddy. — Retirou as pinças do cabelo de Madeline e acariciou os cachos ondulados que caíram sobre seu braço.

— Necessitei a alguém como você durante muito tempo. Agora que te tenho, ninguém te vai separar de mim.

— Não sou absolutamente o que desejas — respondeu, e esfregou os olhos úmidos com as palmas da mão.

— Somos tão diferentes quanto duas pessoas podem ser.

Logan, irônico, esboçou um sorriso de aprovação.

— Duvido que cumpramos com a idéia que tem a gente de um casal perfeito, mas me importa um pepino. Tinha esquecido o que se sente quando se quer a alguém com desespero. Depois da última vez, jurei que nunca mais passaria pelo mesmo.

— Refere a quando apaixonou-se pela Olivia — disse.

O sorriso do Logan desapareceu e a olhou fixamente com ar malicioso.

— Como sabe seu nome?

— Chamou-a em sonhos durante a febre. Estava furioso... dizia-lhe coisas que eu nunca... — Madeline se interrompeu e ficou como o grão ao recordar as palavras que ele tinha utilizado.

— Sim — disse Logan com ironia.

— A razão foi que Olivia se deitou com o Andrew quando era minha prometida.

— Lorde Drake? Seu amigo...? Mas por que o fez ela?

— Olivia ficou impressionada com seu títulos e posição social, muito por cima daquilo ao que eu possa aspirar alguma vez. Fui um imbecil ao pensar que a amava, mas era formosa e sofisticada, o tipo de mulher que acreditava que nunca teria.

Fez uma pausa, e sua expressão se fez distante.

— Não sei o que terá ouvido sobre meu passado. Não é exatamente glorioso.

Madeline, calada, sentiu curiosidade e esperou a que continuasse.

— Meu pai é um agricultor da fazenda de lorde Rochester. Andrew é o único herdeiro do conde. Crescemos juntos, e durante algum tempo me autorizou a ser educado com ele. Até que me converti em um ser rebelde e Rochester considerou que era uma má influência.

— Não acredito. Logan sorriu com ironia.

— Teria que me haver conhecido então. Era uma trombadinha, um vândalo... Orgulhava-me de ser o valentão do povo.

— Por que?

— Rebeldia juvenil... Ira. Incomodava-me que nunca houvesse suficiente comida, que vivêssemos em um barracão... Sobretudo me enfurecia que, fizesse o que fizesse, minha sorte na vida estivesse jogada.

— Sim — assentiu Maddy em voz baixa.

— Eu também me hei sentido assim. Logan lhe lançou um penetrante olhar.

— Acredito.

— Como te fez ator? — perguntou ela, incômoda ao sentir-se examinada.

— Quando tinha dezesseis anos fui de casa e comecei a trabalhar como aprendiz de um negociante de vinhos em Londres. Não me dava nada mal naquele negócio e poderia ter continuado com ele. Mas a noite que fiz dezoito anos assisti a uma representação no Drury Lane. Aquilo trocou tudo. Uni a um grupo de cômicos da rua. Representando pequenos papéis fui aprendendo os rudimentos do ofício. Dois anos mais tarde, voltei para Londres e abri o Capital. Mais ou menos por aquela época, conheci a Olivia.

Sorriu com amargura.

— Pensei que me casando com ela compensaria tudo aquilo do que tinha sido privado.

— Compreendo.

Sentiu uma pontada de ciúmes e baixou a vista para não delatar-se.

— Enquanto andava ocupado em reunir a companhia dramática — continuou Logan, — cometi o engano de lhe apresentar ao Andrew. Como era de esperar, ela decidiu que o título e a herança de lorde Drake eram preferíveis ao incerto futuro que eu lhe oferecia. Pôs os olhos nele, ignorando que Andrew não tinha intenção de casar-se com ninguém.

— Como averiguou que estavam...? — Madeline se deteve turvada, e tentou encontrar a palavra adequada.

— Surpreendi-os na cama.

— Que malvados! — exclamou, avermelhando de vergonha e indignação.

— Isso pensei eu também — conviu Logan com secura.

— Não entendo como pudeste perdoá-los. Scott se encolheu de ombros.

— Com o passado do tempo, dava-me conta de que Andrew me tinha feito um favor ao me descobrir o tipo de mulher que era Olivia em realidade. E, em última instância, não podia culpar a Olivia por desejar mais do que eu podia lhe oferecer.

— Deveria haver-se sentido orgulhosa e agradecida de ter conquistado seu coração...

— Ela me olhava pelo que era — adicionou cansativamente.

— Consegui minha fortuna através de entreter às pessoas... me exibindo como um macaco amestrado, como diz Rochester. Um ator é o criado de tudo o que paga por lhe ver, já sejam folgados, comerciantes ou nobres. Olivia o entendia assim, e não gostava.

Elevou sua grande mão do cabelo de Madeline e a sustentou frente a ela.

— Não importa quão frequentemente interprete a reis e príncipes no cenário, sempre serei um Jennings. Minhas mãos e pés são os de um jornaleiro; umas costas destinadas a carregar e arar... E, se a isso vamos, inclusive minha cara...

— Não — lhe interrompeu Maddy com rapidez, e colocou os dedos sobre os lábios do Logan, silenciando-os durante um momento.

Ele tomou sua mão e, antes de retirá-la, beijou-lhe a palma com força.

— Merece a alguém melhor que eu, alguém jovem e idealista... que possa experimentar as coisas pela primeira vez junto a ti. Eu nem sempre sou amável, e tenho mais defeitos dos que eu gostaria de assumir. Tudo o que posso prometer é que irei te querer até o último fôlego.

Madeline se deu conta do que estava fazendo o ator: despir sua alma com uma temerária honestidade que lhe rompia o coração. Logan queria que ela entendesse quem era ele, a fim de que Madeline não se fizesse ilusões respeito a sua pessoa. Mas nada disso a preocupava, nem seu passado nem, é obvio, sua profissão. Era um homem extraordinário, que merecia ser amado pelo que era. Tinham sido tão poucas as pessoas com semelhante oportunidade. Pensou com abatimento que afastar-se dele seria a coisa mais dura que teria que fazer jamais.

— Olivia foi uma idiota — soluçou, — mas nem a metade que eu.

Beijou-a com doçura, até lhe secar as lágrimas que corriam por suas bochechas.

— Não me preocupa quem é ou o que tem feito. Só me diga por que quer ir. Está apaixonada por esse homem?

— OH, não — disse a toda pressa, e a só idéia lhe provocou a imperiosa necessidade de rir.

— Não é isso, é que... prometi a Deus que, se te repunha, voltaria para casa.

Apoiado em seu ombro, Madeline notou como sorria.

— Esta não é a idéia que eu tenho de um bom trato, carinho. Além disso, ninguém me consultou.

Levantou a cara, e seu sorriso se desvaneceu ao olhá-la fixamente. A intensidade e avidez de seus olhos fizeram que o corpo de Maddy se oprimisse. A situação escapou finalmente a seu controle. Ele a queria, ansiava estar com ela e, para desespero de Madeline, ela o desejava tanto que todo o resto parecia carecer de importância.

— Maddy, amo-te.

Seus lábios se arrastaram com avidez pelas bochechas da garota.

— Me assusta te dizer isto. Sempre pensei que o amor era sintoma de debilidade, e ainda o penso. Mas não posso estar sem ti e não lhe dizer isso Não posso deixar que vá.

Cavou as mãos sobre o rosto de Madeline e a beijou na boca com intensidade, explorando-a com uma mescla de ternura e brutalidade que a desconcertou.

— Me deixe te amar — seguiu, enrouquecendo de repente, — deixa que cuide de ti.

Esmagou a boca contra a dela com uma necessidade doce e selvagem e a beijou uma e outra vez até que o calor invadiu cada centímetro da pele de Madeline.

Ela não pôde evitar lhe corresponder e rodeou com seus braços as fortes costas do Logan. O coração de Maddy rugia de medo e de amor.

— Não sei o que tenho que fazer — gemeu contra os lábios do ator.

— Não tem que fazer nada. Confia em mim.

Tremendo com violência, sentiu a mão do Logan mover-se na parte traseira de seu vestido, até que a caxemira se afrouxou em seu peito. Sentiu a tensão e a dor nos mamilos até antes que Logan lhe baixasse o sutiã e liberasse os seios da prisão das baleias do espartilho de seda.

Um último alarme disparou em sua mente, mas a ignorou decidindo entregar-se ao momento, essa noite, sem preocupar-se já do que ocorresse depois.

— Me beije — disse com desmaio, desejando sentir de novo a boca quente e lhe narcotizante do Logan.

Em seu lugar, este fechou os lábios sobre o mamilo, arrepiando-o com a língua e os dentes. Maddy se revolveu, com intenção de separar-se de sua boca, mas ele a dominou sem dificuldade. O ator deslizou as mãos pelo corpo da garota, despiu-a, atirando de laços e presilhas, tirando cada tecido que a cobria, até que só ficaram as meias e os calções.

Desde que era adulta, Madeline jamais se despiu diante de ninguém, nem sequer no colégio, onde se obrigava às estudantes a banhar-se com a roupa interior de linho.

— Não — se ouviu sussurrar, o rosto aceso no momento em que Logan, desatando os calções, os fazia descer até seus tornozelos. A paixão esticava a cara do ator.

— Meu doce amor — disse quando Madeline tentou cobrir-se com as mãos.

— Viu cada centímetro de meu corpo... Agora me toque.

Quando lhe retirou as mãos, Madeline experimentou uma sensação de irrealidade. «Não posso ser eu», pensou aturdida, tombada entre uma montanha de almofadas de veludo, enquanto Logan a contemplava e tocava suas partes mais íntimas. O ator deslizou as pontas dos dedos pelo peito, o estômago e as pernas do Maddy, lhe provocando calafrios e espasmos de prazer que percorreram sua pele. Ela sentiu seu olhar escrutinador, como se estivesse aprendendo coisas que precisasse saber, e observou o arrebatamento de paixão que se refletia na cara do Logan.

— Preciosa! — sussurrou.

— É mais formosa do que tinha imaginado. Vou ser o primeiro e o último, Maddy... Sempre.

Incapaz de responder, Madeline tremeu sob seu peso. Logan deslizou a mão pelo ventre rígido, acariciando com os dedos o pêlo encaracolado em busca da tenra divisão das coxas. O coração de Maddy começou a pulsar com força no peito, até que sentiu o eco do martelo por todo seu ser. O esforço por manter-se quieta a fez tremer como um arco esticado.

— Sim, assim — lhe ouviu murmurar e Logan se inclinou para lhe roçar a boca com a sua.

— Deixe-me te tocar... Quero-te...

Logan a explorou com suma delicadeza, enquanto ela gemia e se arqueava com o corpo consumido pelo prazer. Com a ponta do dedo, Scott insinuou a iminente invasão. Logo, empurrando-o, o dedo ficou sumido na umidade.

— É isto o que desejas? — perguntou-lhe ele em voz baixa, repetindo a pergunta ao tempo que acariciava seu interior.

Com um grito afogado, Madeline escapou antes que as sensações fossem muito intensas e rodou de flanco. Então lhe ouviu despir-se: ouviu o sussurro das roupas e a aspereza de sua respiração.

Já nu Scott, voltou-lhe o rosto para ele.

— Me toque — disse Logan, e a beijou, enquanto enredava as mãos na larga cabeleira de Madeline.

Ela duvidou um instante. A excitação tinha trocado o corpo do Logan, tão diferente agora de quando o viu durante a enfermidade. Sua mão tremeu de excitação ao estendê-la para a parte inferior daquele corpo. Fechou-a com acanhamento e um calor sedoso, resistente e abrasador lhe encheu os dedos. Logan emitiu um gemido varonil e fechou as mãos sobre as dela, guiando, as apertando, lhe ensinando aquilo que lhe dava prazer.

Logo a beijou com uma deliciosa violência, sua língua se retorceu e afundou na boca de Maddy, enquanto ela explorava seu corpo com as mãos. Estava ávida da textura daquela pele, tão tensa e suave; das pernas, peludas e ásperas; das costas, onduladas pelos potentes músculos. Esmagou e esfregou o rosto contra o pescoço do Logan e aspirou sua fragrância: fresca e masculina, quase como a canela.

— Ama-me? — ouviu que lhe perguntava Logan e sua voz se quebrou ao lhe responder.

— Sempre.

Lhe separou as coxas e se colocou entre eles. Maddy sentiu a dura pressão do Logan na entrada de seu corpo. Rodeou-a com os braços e empurrou, então o desassossego do Maddy se transformou em dor aguda. Protestando ante aquela invasão, Madeline se contorceu, o corpo ardente a ponto de estalar.

— Por Deus, Maddy, não te mova...

— Dói — gemeu.

— Farei o melhor — disse com voz pastosa.

— Agarre a mim.

A boca do Logan percorreu seus seios, cobrindo, sugando, acariciando com os lábios os erguidos mamilos. O desejo voltou para Madeline entre piscadas e gemidos. Apertou a cabeça para aproximar-se mais dele, e quase esqueceu a dor quando Logan iniciou um suave e rítmico movimento em seu interior, ao princípio quase imperceptível, logo com impulsos mais profundos. Pendurou-se nele, começando a desfrutar da lenta e repetida penetração. Cada movimento era magnífico, deliberado e deliciosamente controlado.

— Maddy — disse, e a respiração lhe raspou na garganta, — é tão forte, tão doce... Nunca hei sentido... — interrompeu-se, o cenho franzido como se sentisse dor, os rasgos velados pelo suor.

Travados no emaranhado crispado de seus corpos, Maddy se sentiu afligida pela necessidade de levantar os quadris para lhe empurrar mais dentro dela. Parecendo entender seus propósitos, Logan elevou as pernas de Maddy para cima e lhe sussurrou que as entrelaçasse ao redor de sua cintura. Quando continuou com a lenta e rítmica penetração, a mente de Maddy se obscureceu, ficando repentinamente suspensa no centro incandescente de um intenso prazer. Quebras de onda de sensações arrasaram seu corpo e, ato seguido, deixaram-na exausta e aturdida.

Logan, sem sair dela, sacudiu-se em um violento tremor e gemeu com os dentes apertados. Durante um momento seu abraço se fez insuportavelmente forte; logo, passada a paixão, relaxou. Respirando com dificuldade, seguiu rodeando com seus braços o magro corpo de Maddy e se deixou cair a um lado para evitar esmagá-la.

Depois da tormenta, chegou a calma, quebrada tão somente pelo crepitar do fogo. Permaneceram abraçados, enquanto Logan lhe acariciava o cabelo e lhe tocava a testa úmida com os lábios. Nunca se havia sentido tão satisfeito. Tinha protegido seu coração tantos anos, com tanto cuidado; possivelmente se estivesse comportando como um idiota ao dar-lhe a Maddy com tanta facilidade. Não lhe importava. Madeline era diferente a todas as demais... Inocente, carinhosa, honesta. Embriagado de amor levantou a cabeça para olhá-la. Os olhos da jovem brilhavam alagados em lágrimas, como se fora vítima de alguma profunda e secreta pena.

— Arrepende-te? — perguntou Logan em voz baixa, e recordou que muitas mulheres se sentem tristes depois de passar do desconhecimento à experiência. Acariciou-lhe a bochecha com as pontas dos dedos, esperando proporcionar ao Maddy a tranquilidade que necessitava.

— Não.

— Doce amor...vou fazer-te feliz, dar-te-ei quanto queira, tudo o que necessite...

— Só há uma coisa que desejo — disse com voz afogada Madeline, e escondeu o rosto no ombro do Logan.

— Me conte — insistiu o ator, mas nada conseguiu fazê-la falar. Por fim, Logan elevou em braços seu corpo nu e a levou até o dormitório, depositando-a sobre os finos lençóis de linho. Quando lhe apertou um pano úmido entre as coxas, Madeline sentiu um calafrio e mordeu o lábio. Ao precaver-se de sua dor, Logan experimentou uma mescla de arrependimento e euforia. Tinha sido virgem... e nunca conheceria outras habilidades masculinas que as suas.

— Gostaria de tomar um banho? — perguntou, voltando a tomá-la em seus braços uma vez mais.

— Uma taça de vinho?

— Minha camisola...

— Esta noite não.

Apoiou a testa sobre a dela.

— Quero sentir o tato de sua pele contra a minha.

Madeline duvidou e logo assentiu com a cabeça, apoiando-a contra o ombro do Logan ao voltar a tender-se juntos.

— Não era minha intenção que isto ocorresse, — disse, e colocou a mão sobre seu ventre.

— Tinha projetado ir amanhã sem que jamais... — deteve-se, e crispou os dedos em um punho pequeno e duro.

— Não passa nada — a tranqüilizou.

— Agora dorme. Abraçou-a e lhe falou em um sussurro até que a respiração de Maddy se fez lenta e regular e seu corpo se relaxou.

Em algum momento em metade da noite, Madeline despertou envolta em uma bruma de culpabilidade e amargura, perguntando-se como podia ter sido tão imprudente... tão débil. Começou a apartar do comprido corpo que descansava junto ao dela. Logan murmurou algo em voz baixa, enquanto sua mão se curvava sobre o quadril de Maddy. Esta logo que podia vê-lo na escuridão, só o perfil da cabeça e os ombros quando se levantou sobre ele. Scott lhe tocou o peito com suavidade e, com traidora antecipação, seu corpo respondeu imediatamente e o mamilo se contraiu. Madeline sentiu a acariciadora respiração sobre a pele, os lábios fechando-se sobre o dolorido ápice... o passo serpenteante da língua.

— É tudo o que um homem pode desejar — murmurou Logan. Deslizou as mãos entre as coxas de Maddy.

— E é minha.

Madeline gemeu fracamente ao sentir como Logan aproximava a boca ao outro peito.

— Necessito-te, Maddy.

Apertou as coxas abertas da garota.

— Farei qualquer coisa por ti.

Quis lhe rogar que não dissesse essas coisas, mas quando lhe fez o amor de novo se esfumaram todos os pensamentos. Só estava Logan... possuindo seu corpo, e o suave gemido ao penetrá-la.

— Quero-te — lhe sussurrou Maddy contra a bochecha, rodeando-o com os braços. Desesperada, desejou que aquele instante não acabasse nunca, que a manhã não chegasse jamais.

 

Logan piscou quando um raio de sol, dançando sobre seus olhos, resgatou-o das profundidades do sonho. Estirou-se e viu que estava sozinho na cama. Relaxado o sorriso abandonou seu rosto por um instante ao perguntar-se se a noite anterior não teria sido um sonho. Não, sobre os lençóis podiam ver-se umas tênues manchas avermelhadas..., traços do sangue de Madeline. Uma quebra de onda de ternura percorreu seu corpo e sentiu uma repentina necessidade de tomá-la em braços, lhe dizer quanto prazer lhe tinha proporcionado, o muito que a queria...

Depois de rodar fora da cama, vestiu uma bata e passou as mãos pelo cabelo emaranhado.

— Maddy? — gritou, percorrendo a grandes pernadas os aposentos.

O vestido que Madeline levava a noite anterior tinha desaparecido da sala privada; inclusive as pinças do cabelo tinham sido recolhidos do tapete. Logan reagiu com um sorriso de estranheza. Possivelmente se havia sentido envergonhada pelas evidências da noite anterior e não tinha querido dar pé a que o serviço mexericasse. Mas não era necessário ser tão recatada... E, além disso, não ia se ocupar da ordem das habitações como se fosse uma criada. Nunca mais moveria um dedo; dali em adiante ia viver como uma rainha.

Logan entrou na habitação que tinha estado utilizando Madeline. Reinavam a nudez e a limpeza, como se ela nunca tivesse estado ali.

Com o cenho franzido, dirigiu-se ao armário e o abriu. Alguns de seus vestidos, assim como os sapatos e o chapéu, tinham desaparecido.

Não gostou da suspeita que começava a forjar-se em sua mente. Saiu a grandes pernadas dos aposentos e se dirigiu descalço para a grande escada. Para seu alívio, divisou a pequena figura de Madeline no vestíbulo. Mantinha uma pequena discussão com a governanta, cuja expressão de inquietação mostrava bem às claras que tentava detê-la.

Maddy ia vestida com uma capa de lã e levava uma bolsa que devia conter seus pertences. Estava tentando abandoná-lo.

Logan baixou as escadas sem fazer ruído e se aproximou de Maddy pelas costas. O olhar inquieto da senhora Beecham voou para ele. Ao sentir sua presença, Maddy se voltou.

— Bom dia — disse o ator, e pousou as mãos sobre os ombros da jovem. Quando a olhou fixamente à cara, advertiu a tensa palidez das bochechas e os escuros círculos que rodeavam seus olhos. Parecia ter passado pelo inferno. Que ele soubesse, nenhuma mulher tinha mostrado uma expressão assim depois de uma noite com ele. Não resultava muito adulador.

Deixando a falsa modéstia à parte, sabia que era um consumado amante, e suas amantes sempre ronronavam de gratidão à manhã seguinte. Era evidente que Maddy tinha desfrutado da relação sexual. Estava muito familiarizado com as amostras de prazer das mulheres como para que lhe expor certas dúvidas. Por que, então, parecia tão atormentada?

Madeline separou os lábios e começou a dizer algo, mas ele a interrompeu e se dirigiu com tranquilidade à governanta.

— Senhora Beecham, encarregue-se de que preparem o café da manhã.

— Sim, senhor. — Captando o desejo de intimidade de seu patrão, foi imediatamente.

— Não ficarei... — Começou a dizer uma entristecida Maddy, mas Logan a silenciou com um beijo prolongado.

Ao princípio resistiu, o corpo rígido entre os braços que a apanhavam e a boca fechada. Ele continuou com amorosa determinação, retorcendo os lábios sobre os dela até que, com um calafrio e um suspiro, Maddy se rendeu. Só quando esteve seguro de que era correspondido, levantou a cabeça. As bochechas de Maddy tinham recuperado a cor, embora seguia mostrando a mesma expressão compungida de antes.

— Maddy — disse com doçura, enquanto que com o polegar seguia o perfil de sua mandíbula, — que demônios ocorre?

— Disse-te que partiria.

Logan ficou olhando comprido momento, enquanto ela olhava ao chão.

— Iria partir às escondidas, sem me dizer uma palavra? Depois do que ocorreu ontem à noite?

Sua voz se voltou áspera.

— Caralho! Já tive bastante disso.

Sem fazer caso a seus protestos, agarrou-a pelo pulso com força e a arrastou ao salão próximo. Depois de fechar a porta atrás deles, sustentou-a contra seu corpo enquanto afundava os dedos nas tranças que se recolhiam na nuca de Madeline.

— Maddy — disse inquieto, — nunca é fácil para uma mulher a primeira vez. Possivelmente deveria ser mais delicado contigo ontem à noite...

— Não — replicou Madeline com os olhos brilhantes.

— Você... foi muito doce...

— A próxima vez farei melhor.

Com suavidade, elevou seu queixo com os nódulos.

— Sobe comigo e te ensinarei quão prazenteiro pode ser. Far-te-ei esquecer todas as penas...

— Deixe-me ir — disse com voz afogada.

— Não até que me diga o que é o que vai mal. Maddy se revolveu para livrar-se dele e retrocedeu para a porta de costas.

— Não posso suportar que me olhe dessa maneira, sabendo que me odiará muito em breve... quase tanto como odiarei a mim mesma. Perplexo, Logan meditou sobre o que acabava de ouvir.

— É que te envergonha a idéia de ser minha amante?

Era a única explicação que tinha sentido. A expressão de auto-desprezo na cara de Maddy, o sofrimento de seus olhos... Possivelmente pensava que entregar-se a um homem fora dos limites do matrimônio era imoral. Transbordando ternura, salvou a distância que os separava e cavou as mãos ao redor de seu rosto.

— Meu doce amor, aliviaria sua consciência se nos casássemos? Sobressaltada, olhou-o com os olhos como pratos.

— Faria isso por mim?

Logan esboçou um sorriso, com o coração lhe pulsando a toda pressa. Odiava arriscar-se, a mera menção da palavra «matrimônio» lhe produziu um calafrio de apreensão que lhe percorreu a coluna vertebral... Mas não era um covarde. Tinha levado muito tempo encontrar uma mulher a que pudesse amar, e não ia retroceder ante nenhum compromisso que lhe exigisse.

— Deus me mate! Disse-te que te daria tudo o que desejasse.

Uma expressão de intensa amargura desfigurou o rosto de Madeline.

— Oxalá... — começou, e se interrompeu como se sua garganta se fechasse de repente.

Antes que algum dos dois pudesse prosseguir bateram na porta do salão.

— Não faça caso — murmurou Logan, baixando a boca para a de Maddy.

Mas o irritante barulho continuou, e a voz da senhora Beecham chegou até eles.

— Senhor Scott...

A cabeça do Logan se elevou e olhou com incredulidade a porta fechada. A governanta sabia que não era conveniente interrompê-lo em um momento assim.

— O que acontece? — disse com brutalidade.

— Há um... problema.

— A menos que a casa esteja ardendo, não me incomode agora com isso.

— Senhor... — insistiu a senhora Beecham, incômoda. Logan soltou Maddy com uma maldição e se dirigiu à porta, abrindo-a de repente.

— Há algo que gostaria de me dizer, senhora Beecham? A governanta quadrou os ombros e fez todo o possível por não olhar para Maddy.

— Há um cavalheiro esperando no vestíbulo de entrada.

— Hoje não tenho nenhuma entrevista.

— Sei, senhor, mas se encontra em um estado de extrema agitação.

— Não me preocupo lhe dá um ataque em minha porta. Lhe diga que volte mais tarde.

A senhora Beecham o olhou com expressão crispada.

— Senhor Scott, o visitante se identificou como lorde Mathews, e afirma que está tentando encontrar a sua filha desaparecida. Acredita que está com você.

— Que eu... — Embora não fosse consciente de seu movimento, voltou-se para olhar a Madeline. Agora o rosto da moça estava em sua linha de visão... Parecia horrorizada e, em silêncio, seus lábios formaram a palavra «não».

A mesma palavra que aflorou à mente do Logan. Não, outra vez não... De novo, temia ter encontrado a felicidade só para vê-la desmoronar-se. Não compreendia o que estava passando nem o significado daquela visita. Tudo o que sabia era que o semblante do rosto de Madeline, tinta de palidez por um repentino rubor de vergonha, ocultava um terrível descobrimento. «Deus, não! — pensou desesperado, — que tudo seja um mal-entendido.»

Com as emoções bulindo em seu interior, teve que fazer provisão de todas suas aptidões para adotar uma expressão de imperturbabilidade. O ápice de racionalidade que ficava em seu cérebro analisou a situação. Se Maddy era a filha de lorde Mathews — quem quer que fosse, — significava então que lhe tinha mentido; não uma, a não ser mil vezes. Quão único subtraía por fazer era averiguar a envergadura do engano e o que o tinha motivado.

— Faça-o passar — disse Logan em voz baixa.

Tal e como se desenvolviam os acontecimentos, teve a sensação de estar representando uma obra bastante ruim. Tinham lhe atribuído o papel do vilão da mesma, e Maddy representava à ingênua indefesa... E lorde Mathews, ao pai ofendido.

Mathews entrou na habitação como se temesse ser visto. Mostrava a expressão de um homem que tivesse entrado no que acreditava era uma respeitável morada só para descobrir que se tratava de uma casa de má reputação. Era um homem de quarenta e poucos anos, com uma cara corrente, curta em excesso no queixo e arredondado nos lados; o cabelo, negro, mostrava umas grandes entradas.

Durante um instante, Logan sentiu uma pontada de alívio, já que a visão do homem lhe fez supor que não era parente de Maddy. Entretanto, tanto o pai como a filha mostraram idênticas expressões de muda acusação e terror quando se olharam fixamente. Não cabia dúvida a respeito da identidade do pai de Maddy.

— Madeline, o que tem feito? — murmurou Matthews. Ela permaneceu rígida como uma estátua, exceto pela ligeira agitação de sua cabeça, como se tentasse negar a presença de seu pai.

— Eu... ia voltar hoje mesmo com você.

— Faz um mês que deveria havê-lo feito — replicou Matthews. Tentando recuperar o controle sobre si mesmo, voltou-se para o Logan.

— Senhor Logan, ao que parece serão necessárias algumas explicações. Não faz idéia de quanto lamento que nos conheçamos nestas circunstâncias.

— Faço uma idéia — murmurou Logan.

— Sou lorde Matthews, do Hampton Bishop. Faz dois dias me comunicaram que minha filha Madeline tinha desaparecido do colégio fazia quase um mês. Eu...

Fez uma pequena pausa. O rosto lhe contraiu quando olhou para Maddy.

— Devia me haver esperado ou algo assim. É a menor de minhas três filhas e, com muito, a mais obstinada. Embora haja sido prometida a lorde Clifton, recusa aceitar minha decisão de que se trata do marido que lhe convém...

— É um velho... — espetou Madeline.

Seu pai se voltou para ela com cara ameaçadora.

— Recusa aceitar minha decisão — prosseguiu Matthews com tom cortante.

— Madeline ideou exatamente o tipo de plano insensato que devia haver imaginado. Uma de suas amigas do colégio, uma tal senhorita Eleanor Sinclair, foi obrigada, sob ameaça de expulsão, a confessar os detalhes do complô.

— Que complô? — perguntou Logan com suavidade.

Quando olhou a sua filha, o asco e a repulsa escureceram o rosto do Matthews.

— Possivelmente a Madeline não importe explicá-lo.

Logan se obrigou a olhar à garota, a poucos metros de distância. Quão inocente tinha conseguido lhe devolver as esperanças e os sonhos aos que tinha renunciado fazia tantos anos. Madeline avermelhou, sentindo-se culpada e abriu os olhos desmesuradamente em sinal de protesto. Fosse o que fosse o que tivesse feito, agora se arrependia; ou possivelmente tão somente lamentava haver-se deitado com ele. Queria a verdade, e queria ouvi-la contar. Enquanto esperava, não lhe tirou a vista de cima.

Finalmente, Madeline conseguiu falar.

— Jamais quis me casar com o Clifton, hei-me oposto ao enlace com desespero, algo que todo mundo, inclusive o próprio Clifton, era consciente. Enquanto estava no colégio, dava-me conta de que salvo o suicídio, só havia uma maneira de impedir que as bodas se celebrasse.

Começou a gaguejar, mas seu olhar suplicava a compreensão do Scott.

— Decidi me jogar a per - perder.

Logan sentiu como lhe revolvia o estômago. Escutou a voz fria e nervosa de lorde Matthews como se chegasse desde muito longe.

— Conforme parece, você, senhor Scott, foi o objetivo escolhido por minha filha. Me diga... há alguma possibilidade... consegui, pela graça de Deus, chegar a tempo?

Logan esperou a que Maddy respondesse. «Diga-lhe maldita seja!» — grunhiu mentalmente, mas Madeline permaneceu em silêncio.

— Chegou muito tarde — respondeu Logan com inapetência. Matthews esfregou a testa e os olhos como se lhe doessem de maneira intolerável.

Assumida a verdade, Logan se sentiu envolto em uma bruma vermelha.

Para ela tinha sido um jogo. Enquanto ele se torturava com o desejo e o amor, ela o tinha estado dirigindo a seu desejo, convertendo-o em uma marionete. A humilhação lhe fez avermelhar, mas aquela era a menor das emoções que lhe corroíam as vísceras. «Outra vez», pensou, sentindo-se doente; de novo, uma mulher o tinha traído. Mas esta vez tinha sido muito pior que a anterior.

Olhou a Madeline e a odiou por seu aspecto pálido e desamparado. Não era mais que uma égua de cria luxuosa, cujo único propósito na vida era parir potros puro-sangue. Sua posição não exigia nada mais. Para as de sua classe, o matrimônio não tinha nada que ver com o amor: era um acordo de melhora social e econômica. E em um ataque de rebeldia, Madeline Matthews lhe tinha utilizado para evitar suas responsabilidades.

— Por que eu? — perguntou-lhe com um fio de voz apenas audível.

Madeline avançou para ele, a pequena mão com a palma para cima em atitude suplicante. Logan retrocedeu de maneira instintiva. Se chegasse a tocá-lo, desmoronar-se-ia.

Madeline se deteve ao dar-se conta de que ele queria manter a distância entre ambos. Nada naquela situação lhe parecia real: nem a presença de seu pai, nem a controlada expressão do Logan, nem seu próprio e doentio sentimento de perda. Se tudo pudesse arrumar-se só com palavras, se tão sequer Logan compreendesse que o que tinha começado como o ato de rebeldia de uma colegial se converteu em amor. Seria capaz de fazer algo para lhe evitar a dor que sabia estava sentindo; o que fizesse falta para lhe economizar um só momento de sofrimento.

— Eleanor me mostrou uma gravura em cor — confessou, olhando o amado rosto do Logan.

— Pensei que fosse... muito arrumado.

Ao precaver-se de quão superficial soava, ruborizou.

— Não, não é a palavra correta. Eu... comecei a me apaixonar por ti inclusive então, e desejava... — deteve-se e sacudiu a cabeça com impaciência. Não havia maneira de expor suas ações sob uma luz favorável.

— Muito adulador — interveio Logan com voz rouca, e soou a algo menos que a complacência.

— Não compreende o que aconteceu.

— Dava igual, dissesse o que dissesse, ele só o consideraria como um insulto acrescentado à ferida. «Amo-te», desejou gritar, mas não tinha direito a dizer-lhe e se o fizesse, desprezá-la-ia ainda mais. Quando seu pai se aproximou do Logan, ela se apartou.

— Senhor Scott, se lhe corresponder alguma, não estou seguro de quanta responsabilidade cabe lhe imputar, posto que, conforme parece, em todo este assunto é você uma vítima involuntária. Suponho que poderia haver-se crédulo em que não houvesse acreditado em Madeline, mas corromper a meninas inocentes não é o menos que esperaria de um homem como você.

Matthews fechou os olhos com cansaço.

— Suponho que lhe pedir uma reparação será muito.

— Que classe de reparação gostaria? — respondeu Logan com frieza.

— Teria gostado que seguisse sendo merecedora de lorde Clifton. Posto que isso é impossível, terei que me conformar com seu silêncio. Minha família e eu levaremos esta desgraça com toda a discrição possível. Velaremos pelo futuro de Madeline, qualquer que seja a forma que adote. Tudo o que lhe peço é que negue os rumores, se é que, em algum momento, tem que enfrentar-se a eles.

— Sem nenhum problema — conviu Logan sem olhar a Maddy. Ela já não existia para ele.

— Logan, por favor — sussurrou Madeline.

— Não posso suportar que as coisas fiquem assim.

— A senhora Beecham lhes acompanhará à porta — disse em um tom monocórdio.

— Que vá bem, senhor Matthews.

Saiu da estadia sem rumo fixo, com a única idéia de partir imediatamente.

Não demorou para achar-se em seus aposentos privados, jogando o fecho com mão torpe, posto que desejava estar sozinho. Teve a sensação de estar se movendo sob a água. Permaneceu de pé no centro da habitação um bom momento, sem atrever-se sequer a pensar. Mas o eco da voz de Madeline retumbava em sua mente dizendo: «Amo-te, Logan... Amo-te...»

Era melhor atriz do que nunca tivesse suspeitado; parecia absolutamente sincera. E ele se permitiu o luxo de acreditar nela.

Doíam-lhe as conchas dos olhos. Ao elevar as mãos para dissipar a irritante bruma que lhe velava a vista, percebeu dois persistentes fios úmidos lhe correndo pelas bochechas. «Deus!» — murmurou, e se odiou com todas suas forças.

Ouviu-se gemer com desespero, e suas mãos perceberam a deliciosa textura de uma vasilha da dinastia Tang, que lançou pelos ares sem direção concreta. O estrépito da incalculável porcelana ao fazer-se pedacinhos lhe feriu os ouvidos. Foi como se aquele som desatasse um demônio interior. Apenas consciente de seus atos, arrancou uma pintura da parede e rasgou o delicado tecido grafite a óleo. Logo seguiu derrubando outros objetos próximos — peças de cristal, madeira e porcelana, — até cair prostrado de joelhos com os punhos ensanguentados sobre os joelhos.

Um tamborilar surdo na porta pôs de relevo o selvagem martelar que sentia na cabeça.

— Senhor Scott! Por favor, por que não responde? Senhor Scott... Uma chave chiou na fechadura e Logan se voltou com expressão furiosa para contemplar as caras angustiadas da senhora Beecham e Denis.

— Fora! — gritou com a voz quebrada.

Emocionados e assustados pelo que viram, retrocederam imediatamente e lhe deixaram a sós com as ruínas de suas amadas obras de arte. Logan deixou cair a cabeça e ficou olhando ao chão. Sentia que algo morria em seu interior. Toda sua capacidade de afeto e ternura, aquela que poderia ter transformado sua vida... Nunca voltaria a ser o mesmo, jamais deixaria que ninguém voltasse a lhe ferir.

 

— Logan! — exclamou Julia agradada, levantando do comprido sofá de veludo. Tinha as bochechas mais cheias, último vestígio da gravidez, mas com sua habitual atividade, os quilogramas de mais não demorariam para desaparecer. Em realidade, o sobrepeso realçava sua beleza, conferindo-lhe um atrativo suave e saudável que não teria deixado indiferente a nenhum homem por debaixo dos noventa anos.

Quando Julia lhe deu a boa-vinda no salão familiar dos Leeds, o rosto da duquesa mostrou um brilho de preocupação que não demorou para enterrar sob um desmesurado sorriso.

Tinham passado dois meses do nascimento de seu filho antes que Logan viajasse de Londres até o luxuoso castelo do duque no Warwickshire. O antigo edifício cor mel tinha sido remodelado para fazê-lo mais cômodo e luminoso. Era o lugar perfeito para exibir uma magnífica coleção de tapeçarias, pinturas e esculturas que Logan admirava em sobremaneira.

Entretanto, os grandes tesouros do duque eram sua esposa e seus dois formosos brotos: Vitória, a filha de cabelos dourados que tinha agora quatro anos, e Christopher, o recém-chegado.

— Tomaste seu tempo para ver ao menino — lhe repreendeu Julia, ao tempo que lhe agarrava suas mãos com firmeza.

— Tive que atender o pequeno problema que supõe dirigir o Capital — replicou Logan, lhe devolvendo o apertão de mãos e soltando-a imediatamente. Aproximou-se com grandes pernadas até um berço de mogno, adornado por montanhas de roupa de cama cor creme e olhou com atenção ao pequeno ocupante. Christopher William, à cópia marquês do Savage e futuro duque do Leeds, jazia dormido com um diminuto polegar metido na boca. Os impressionantes rasgos do pai se repetiam na criatura em réplica quase perfeita.

Depois de sentar-se no sofá de veludo, Julia sorriu com orgulho.

— Foi muito considerado por sua parte enviar tantos obséquios, e especialmente que incluíra um para Vitória. No alvoroço pelo nascimento de um novo filho, a maioria da gente nunca pensa no primogênito.

Alargou a mão para o chão, onde sua filha jogava com o presente que Logan lhe tinha enviado: um teatro de brinquedo, feito por encomenda a imagem e semelhança do Capital, ao que não lhe faltava detalhe, das cortinas de veludo até um minucioso cenário. Havia um jogo de bonequinhos, vestidos como os atores, e também se incluiu uma coleção de cortinas de fundo e cenários móveis.

— Querida — disse Julia à menina, — este é o senhor Scott. Recorda-o, verdade? Tem que lhe dar obrigada pelo precioso presente que te enviou.

Vitória seguiu no chão, perto das saias de sua mãe, meio escondida entre as pesadas dobras de seda, esquadrinhando ao Logan.

Possuidor de uma natural afinidade com os meninos, Logan a olhou com uma cortês curiosidade, mas não fez gesto algum de aproximar-se.

— Olá, Vitória — disse, esboçando um sorriso. Era uma menina preciosa, com um arbusto de cachos loiros e olhos azuis. Nesse momento, suas mãos estavam cheias de bonecos.

— Obrigada por meu brinquedo — disse com acanhamento, e lhe devolveu o sorriso com uma cautela muito particular.

Nesse momento, o duque do Leeds entrou na estadia. Como sempre, Logan teve a sensação de que aquele homem se comportava de maneira completamente diferente em público que em privado. No mundo exterior, Damon apresentava uma aparência distante, enquanto que em casa, com sua família, era afetuoso e risonho, e pulava com sua filha de uma maneira que ninguém acreditaria.

— Papai! — gritou Vitória, e atravessou o quarto para seu pai como uma flecha; Damon a levantou em braços sorrindo com doçura.

— Silêncio, fantasia de diabo, que vais despertar ao menino, e logo, como castigo, terei que te tirar fora e te fazer rodar pela neve.

A idéia provocou uma risada na menina, e lhe rodeou o pescoço com os braços.

— E eu te colocarei uma bola de neve pelo pescoço, papai.

— Certo a que o faria — respondeu compungido Damon, com um sorriso de orelha a orelha ante a recatada ameaça de sua filha.

Voltou-se para o Logan, moderando um tanto a expressão risonha.

— Scott — saudou com cortesia.

Nunca tinham sido amigos e, com toda probabilidade, nunca o seriam. Embora coincidiam em alguns círculos sociais, os dois homens ocupariam mundos muito diferentes. Julia, como esposa do Damon e colega do Logan, era a única ponte entre ambos.

Não era nenhum segredo que ao Damon tivesse encantado que sua esposa não voltasse a pisar em um cenário, mas transigia com sua profissão porque dela dependia a felicidade da Julia. Isto lhe tinha granjeado o respeito do Logan, sabedor de que alguém na posição do duque tinha que ser um homem excepcional para permitir que sua esposa se mesclasse com um mundo de tão duvidosa reputação como o teatral.

— Um menino precioso — disse Logan, movendo a cabeça para o bebê.

— Minhas felicitações.

Antes que Damon pudesse lhe agradecer o completo, Logan se voltou para a Julia.

— Quando voltará para o Capital?

— Assim que possa — respondeu, sorrindo por sua brutalidade.

Logan a olhou com ar pensativo.

— Me parece que tem um aspecto bastante saudável.

— Deixando a um lado o estado de minha esposa — atravessou Damon, — o bebe é ainda muito pequeno para que ela volte para Londres.

Vitória, cheia de preocupação e com curiosidade infantil, perguntou sem rodeios:

— Papai vai brigar com a mamãe?

— Claro que não, Tony — a tranquilizou Damon, adoçando a expressão ao olhar a carinha que tinha pegada ao rosto.

— Venha, vamos aos estábulos a visitar o novo cavalo enquanto mamãe explica ao senhor Scott que seu teatro não é o centro do universo.

— Não esqueça de lhe pôr o casaco — lhe recordou Julia quando saíam, e riu.

Voltou o risonho olhar ao Logan e lhe convidou a sentar-se a seu lado.

— Meu velho amigo — disse, meio a sério, meio em brincadeira, — estava começando a pensar que te tinha esquecido de minha existência.

— Já te hei dito que estive muito ocupado.

Logan se sentou e estirou suas largas pernas, olhando com indiferença as pontas das botas reluzentes.

— Por mais que odeie admiti-lo, não é fácil dirigir o teatro sem ti.

Julia se inclinou para recolher os bonecos dispersados, nenhum deles maior que um de seus dedos.

— Senti muito não poder ir ver-te quando teve a febre...

— Não teria gostado que o fizesse — assegurou com presteza, — e que tivesse posto em perigo ao menino.

— Em qualquer caso, esteve em boas mãos. Ambos guardaram silêncio, enquanto o tema de Madeline flutuava entre eles como um espectador mudo.

— estive lendo o Time — observou Julia.

— Ultimamente as críticas não foram muito aduladoras.

— Que morram os críticos — sentenciou Logan.

— O teatro encheu todas as noites. Isso é o que importa.

Os periódicos tinham começado a queixar-se do que, diziam, era uma sucessão de atuações carentes de alma por parte do Logan; tecnicamente competentes, sim, mas desprovidas de emoção. Por desgraça, Logan nem sequer podia estar em desacordo com as mesmas. O dom que sempre tinha dado por certo — o de saber conectar com os espectadores e lhes fazer ver uma obra como se estivessem metidos no pele do ator, — esfumou-se. Agora parecia incapaz de interessar-se por algo.

Inclusive se tinha evaporado seu entusiasmo pela companhia, substituído por uma azeda atitude que parecia zangar a todo mundo. Os atores estavam ressentidos por sua forma de dirigi-los, por seus desprezos... Por amor de Deus! Inclusive por suas interpretações.

— Lendo seu papel dessa maneira, não posso saber quais são as intenções do personagem — se atreveu finalmente a protestar Arlyss Barry durante o ensaio da véspera.

— Não sei como tem que reagir o meu, pois não posso dizer quais são os supostos sentimentos do dele.

— Preocupe-se de sua própria interpretação — respondeu com brutalidade Logan, — que eu me ocuparei da minha.

— Mas meu personagem...

— Faça-o reagir como gosto. Importa-me um nada.

E Arlyss tinha seguido com o ensaio, lendo seu papel de forma fria e monótona, quase como uma imitação da do Logan. A ponto esteve o diretor de multá-la, mas aquilo podia ter levado a companhia a rebelar-se abertamente.

Possivelmente, uma vez que Julia retornasse e pusesse em jogo suas maneiras diplomáticos e sutil influencia, o teatro recuperaria a atmosfera habitual. Talvez o fato de estar com ela no cenário lhe ajudaria a redescobrir a íntima fonte de emoções da que sempre se valeu para suas atuações.

Impôs-se outro inacabável silêncio, e então Julia se atreveu a abordar a medula da questão.

— Alguma notícia de Madeline?

Logan lhe dirigiu um olhar cauteloso e não respondeu.

— Arlyss me contou o pouco que ela e os outros sabiam — murmurou Julia com expressão compassiva.

— O resto posso imaginar.

A contra gosto, Logan lhe narrou a história em sua versão mais reduzida.

— Parece ser que Madeline decidiu fazê-lo menos atrativa possível a olhos de seu prometido desfazendo-se de sua virgindade — concluiu com secura, — e eu fui o recrutado para cumprir com sua missão.

A inquietação obscureceu os olhos turquesa da Julia. Apartou cuidadosamente a coleção de bonecos.

— E vós dois...

Logan estendeu as mãos em um malicioso gesto de súplica.

— Quem era eu para resistir a tanto encanto? Julia enrugou a frente.

— Você não deveria inteirar-se dos planos de Maddy até depois... — Fraquejou-lhe a voz.

— Ah, Logan — sussurrou.

— Não se tem feito nenhum dano — disse o ator, enrijecendo as costas ante as amostras de compaixão.

— A senhorita Matthews satisfez seu objetivo e eu passei um momento delicioso ajudando-a. Todos contentes.

Julia seguia olhando-o fixamente com seus escrutinadores olhos azuis esverdeados, ficou em pé e começou a perambular pelo quarto como se estivesse enjaulado.

A maioria dos homens teriam sido capazes de livrar do problema sem dificuldade, possivelmente considerando-se inclusive afortunados de ter sido obsequiados com a oferenda da virgindade de uma bela jovenzinha sem contraprestação alguma. Por que, então, seguia lhe dando voltas à questão? Por que a consciência da traição de Madeline seguia lhe doendo igual, se não mais, que o dia em que ela se foi?

Logan podia ocupar as horas do dia com trabalho e compromissos sociais impedindo os pensamentos sobre Maddy logo que entrassem em sua mente. Mas de noite, os sonhos com Madeline lhe privavam do descanso reparador. Tinha-lhe cuidado com tanta ternura quando estava doente, alimentando-o, banhando-o e refrescando-o, lhe fazendo suportável o sofrimento... Nunca antes tinha tido necessidade de que o cuidassem. E isto, mais que qualquer outra coisa, é o que lhe tinha levado a amá-la.

O saber que Maddy fazia tudo aquilo só para satisfazer seus propósitos, quase lhe tinha feito enlouquecer. Nas escuras horas da noite expressava sua fúria em silêncio e se revolvia na cama até que os lençóis se enredavam em suas pernas como se fossem cordas. Pela manhã despertava esgotado e furioso, odiando-se e odiando a todo aquele que tivesse a desgraça de cruzar em seu caminho.

— Não acredito que houvesse malícia alguma nas ações de Maddy— disse Julia em voz baixa, — só o atordoamento próprio de uma menina. Boa prova de sua inocência é que se atrevesse a cruzar o caminho de um homem como você. É impossível que entendesse a magnitude do que estava fazendo.

Logan a fez calar com um gesto da mão.

— Já está bem de falar dela, não tem relação alguma com nada do que temos que tratar.

— Como pode dizer isso quando é evidente que ainda não te recuperaste que o ocorrido?

— Não quero falar dela.

— Logan, jamais estará em paz até que encontre a maneira de perdoar a Maddy.

— Volta a dizer seu nome — disse em voz baixa — e dissolvo nossa sociedade.

A ameaça foi feita com uma seriedade mortal.

De repente, cada centímetro da Julia adquiriu a superioridade de uma duquesa e soprou pelo nariz com altivez.

— Eu não gosto de seu tom.

— Me perdoe sua excelência — replicou Logan com exagerada cortesia em resposta ao gélido olhar da Julia.

Ao cabo de um momento, o gênio da Julia se moderou com a mesma rapidez com que se inflamou.

— Quando tinha sua idade — disse, evitando pronunciar o nome do Madeline, — fugi de minha família por motivos muito similares. Queria escapar dos planos que meu pai tinha feito para mim. Não posso reprovar-lhe e ninguém deveria fazê-lo.

— E não o faço. Culpo-a de ser mentirosa e manipuladora.

— O que vai ser dela agora?

— Não me importa.

— Claro que te importa — replicou Julia, e ficou olhando fixamente o sério perfil do Logan.

— É incapaz de trabalhar como é devido, os atores estão ao bordo da sublevação, e os críticos lhe estão esfolando vivo. Emagreceste, o qual significa que não come, e parece como se estivesse ao final da ressaca de uma semana de bebedeira. É algo mais que orgulho ferido. Conforme parece, sua vida te está desmoronando.

Não havia ressaca. Esta chega quando se deixa de beber, e não era provável que tal coisa fosse ocorrer durante alguma temporada. Logan a olhou com um sorriso glacial desenhado nos lábios.

— Nada se está desmoronando. Todo ator está exposto às más críticas alguma vez em sua carreira. Agora me toca, simples assim. De resto, os atores do Capital se acostumarão ao feito de que já não os olhe. Se tiver perdido peso, é porque estou fazendo algo mais de esgrima para uma futura obra. E me deixe que te esclareça algo: nunca quis a Madeline. Desejava-a, tive-a e, agora, terminei com ela.

A chamada da criada resultou uma oportuna interrupção. Entrou na habitação levando uma bandeja de prata com o chá e, ao passar a seu lado, dedicou ao Logan um tímido sorriso.

— Não tem por que ser franco comigo — disse Julia em voz baixa, lhe cravando os olhos com exasperação, — mas ao menos seja sincero contigo mesmo.

Começava a anoitecer no Somerset Street. Quando desembarcou da carruagem, a Madeline retumbava o coração. Olhou a casa da senhora Florence com uma mescla de esperança e inquietação.

— Digo ao chofer que leve as bolsas para dentro? — perguntou sua criada.

Madeline duvidou antes de responder.

— Não sei se ficaremos, Norma. Por favor, espera no carro uns minutos enquanto passo para ver minha amiga.

— Sim, senhorita.

Madeline lhe dedicou um sorriso de gratidão. Só à amabilidade e à compassiva natureza da criada devia-se o que tivesse podido passar a visitar a senhora Florence. Nesse momento, supunha-se que devia estar chegando a casa de sua irmã Justine para uma estadia de um mês, mas graças a uma nota falsificada enviada a esta última e ao suborno do chofer da família, não a esperaria até o dia seguinte.

— Obrigada, Norma — disse em voz baixa.

— Não sei como te agradecer que mantenha esta secreta visita a senhora Florence. Sei a quanto te arrisca por me ajudar.

— Faz muitos anos que a conheço, senhorita — respondeu Norma.

— É você uma garota boa e amável, a melhor de todos os Matthews, atrever-me-ia a dizer. A todo o pessoal entristeceu muito vê-la tão desconsolada. Se falar com sua amiga lhe fará sentir-se melhor, merece a pena correr o risco.

A criada se introduziu na carruagem e atirou de uma pesada manta forrada de pele, tampando-se até os ombros.

Madeline se aproximou de casa da senhora Florence tomando cuidado ao caminhar entre as grossas partes de gelo. Tinham passado quase dois meses desde que estivera alojada ali, e não tinha nem idéia do tipo de recepção que lhe esperava. Não era provável que a senhora Florence a jogasse, era muito gentil para reagir dessa maneira. De todos os modos, quando bateu na porta dianteira não estava tranquila.

Pouco depois de abandonar Londres, Madeline tinha escrito uma carta à senhora Florence lhe dando explicações e lhe pedindo desculpas, ao tempo que lhe rogava que não respondesse, já que seus pais lhe tinham proibido qualquer contato com o mundo exterior. A todos quantos a conheciam devia lhes dar a impressão de que tinha desaparecido da face da terra.

Seus pais tinham estado considerando diversos planos para ela, desde mandá-la a viver ao estrangeiro até pô-la a trabalhar como dama de companhia de uma parente anciã. Acaso, o que mais lhes tinha enfurecido foi a declaração do Madeline de que qualquer dessas opções lhe parecia mais agradável que sua intenção inicial de casá-la com lorde Clifton.

Lorde e lady Matthews tinham ficado destroçados por uma visita de lorde Clifton, que tinha expressado seu desejo de resolver formalmente o acordo matrimonial e recuperar o anel que tinha entregado a Madeline. Quando o nobre se plantou ante a garota, a bochechuda face tremendo de justa indignação, esta foi incapaz de evitar que aflorasse um pequeno e insensível sorriso a seus lábios. Só a lembrança do Logan e da profunda pena que lhe tinha ocasionado, lhe impediram de sentir-se vitoriosa.

— Empenhei o anel, lorde Clifton — lhe confessou sem nenhum remorso.

O nobre parecia uma rã a ponto de sofrer um ataque de apoplexia.

— O que? Empenhaste o anel de minha família? E empregou o dinheiro para financiar seu diabólico ardil? Sim, milord.

Ultrajado o olhar do Clifton viajou da decidida cara de Madeline até as compungidas de seus pais e, de novo, a dela.

— Bem — soprou furioso, — parece que me livrei de cometer um terrível engano. Lástima não me haver dado conta antes que jamais esteve capacitada para ser minha esposa.

— Lorde Clifton — choramingou Agnes, a mãe do Madeline, — não sou capaz de expressar quanto lamentamos...

— Não, sou eu quem o lamenta... por todos vocês. — Dedicou um olhar de desprezo a Madeline.

— Não é necessário falar do que será de ti agora. Espero que seja consciente do que poderia ter tido, de não ter sido por seu engano e estupidez.

— Sei exatamente ao que renunciei — lhe assegurou Madeline com um sutil pingo de ironia, sorrindo com amargura. Tinha triunfado ao escapar de lorde Clifton... mas o preço a pagar tinha sido muito alto! Não só para ela, mas também para o Logan.

Também o sentia por seus pais, cuja amargura era muito evidente. Sua mãe parecia desfeita.

— Não posso suportar a idéia do que dirá a gente — tinha declarado Agnes com voz tão tirante como o fio de bordar que tinha nas mãos. Os finos dedos sacudiram um fio, enredando o fio de cor.

— Me faz intolerável a desgraça que Madeline trouxe sobre nós. Está claro que deve ir ao estrangeiro. Falaremos com quem ela queira para que continue os estudos no continente.

— Quanto tempo terei que permanecer fora? — perguntou Madeline com as bochechas tintas. Não era fácil ouvir a própria mãe fazer planos para desfazer-se dela.

— Não tenho nem idéia — respondeu Agnes com tensão.

— O povo tem uma memória muito duradoura, e levará anos até que se esqueça o escândalo. Menina tola, não te precaver de quanto mais livre teria sido como esposa de lorde Clifton!

— Vocês sabiam que não lhe queria — respondeu Madeline com tranquilidade, — não me deixaram outra escolha. Estou disposta a assumir as consequências de meus atos.

— Não sente o mínimo arrependimento? — perguntou Agnes, indignada.

— O que fez, além de um pecado, é um ato de grande crueldade.

— Sim, sei — sussurrou Madeline.

— Jamais me perdoarei por ter ferido ao senhor Scott. Mas pelo resto...

— Você não feriu a esse ator libertino, fez mal a ti mesma! Destroçaste toda sua vida e trouxe a vergonha a esta casa.

Depois disto, Madeline tinha guardado silêncio, consciente de que, em efeito, devia haver algo mau nela... Porque o que a atormentava não era a desgraça que tinha levado a sua família, a não ser a pena que tinha causado ao Logan. A lembrança de sua cara a manhã que partiu — tão perplexa, tão controlada — a punha em uma nova agonia cada vez que pensava nisso.

Se tivesse que voltar a fazê-lo de novo, comportar-se-ia de maneira completamente diferente. Teria acreditado o suficiente no Logan para ser sincera e possivelmente este a tivesse escutado. Ansiava consolá-lo, uma idéia ridícula para alguém que lhe tinha causado uma pena tão profunda. Se tão somente pudesse vê-lo uma vez mais para assegurar-se de que estava bem... Mas o sentido comum lhe dizia que semelhante idéia era inútil. Devia deixá-lo tranquilo e salvar o que pudesse de sua própria vida.

Por desgraça, isso estava resultando cada vez mais difícil.

A porta principal se abriu e a criada da senhora Florence, Cathy, esquadrinhou o exterior.

— Sim? — Abriu os olhos como pratos a distinguir a Madeline.

— Ah, senhorita Maddy!

— Olá, Cathy — disse dúbia Madeline.

— Sei que é uma hora estranha para vir de visita, mas tenho feito uma longa viajem. Crê que a senhora Florence me receberá?

— Corro a perguntar-lhe senhorita Maddy. Está acabando de jantar.

De pé, transpassado a soleira, Madeline aspirou o aroma de umidade da casa, um aroma familiar e reconfortante. O ritmo de seu coração, até então marcado pelo pânico, relaxou-se tão logo viu aproximar-se da senhora Florence. Levava o cabelo alvo alaranjado disposto em forma de rosca, os olhos cor avelã suavizavam as rugas de seu rosto. Uma de suas mãos se fechava sobre uma bengala lavrada de mogno e prata que, à medida que a anciã se aproximava de Madeline, ia golpeando com suavidade no tapete.

— Maddy — disse com amabilidade.

— Sofreu um acidente, senhora Florence? — perguntou com preocupação Madeline.

— Não, carinho. É só que, às vezes, o frio se mete nos ossos.

Tomou a fria mão de Maddy e a encerrou na calidez de seus dedos.

— Tornaste a escapar, menina?

A Madeline invadiu uma quebra de onda de gratidão. A cara da senhora Florence era a única amistosa que tinha visto nos dois últimos meses.

— Tinha que vê-la, necessitava alguém em quem confiar. Tive o pressentimento de que não me rechaçaria... ou condenaria pelo que desejo falar com você.

— Não tem uma avó a quem recorrer?

— Só uma, por parte de mãe.

Madeline pensou naquela severa e religiosa senhora e se estremeceu.

— Temo que não seria de grande ajuda.

— Não se alarmará sua família ao ver que desapareceste, Maddy? Madeline negou com a cabeça.

— Disse a meus pais que ia visitar minha irmã Justine. Acredito que estão felizes de me ter fora de casa durante uma temporada. Causei-lhes alguns problemas, e vergonha até dizer basta. — deteve-se, e acrescentou em um tom crispado.

— E aí não acaba tudo, temo.

A senhora Florence a olhou com interesse, os olhos alertas, sem perder detalhe. Aplaudiu as costas rígidas de Madeline.

— Acredito entender os motivos de sua presença, querida. Fez bem em vir; mais do que você pensa. Vem ao salão, menina, enquanto digo ao lacaio que entre com sua bagagem. Pode ficar o tempo que queira.

— Venho com uma criada e o condutor...

— Sim, também os instalaremos.

Voltou-se para a criada, que esperava perto.

— Cathy, vá procurar uma bandeja com o jantar para nossa convidada e leva-a ao salão.

— Não tenho fome — declinou Madeline.

— Emagreceste, Maddy... e isso não é bom para uma garota em apuros. Ambas intercambiaram um olhar de mútua inteligência.

— Como o soube? — perguntou Madeline.

— Como poderia não sabê-lo? — replicou a senhora Florence com um que de irônica tristeza.

— Nenhuma outra coisa poria esse olhar em seus olhos. Deduzo que sua família ainda não sabe nada.

— Não — disse Madeline com a voz forçada.

— E não acredito que tenha força suficiente para dizer-lhes. Sinto-me... muito, muito sozinha, senhora Florence.

— Vamos dentro, querida, e falemos.

 

Gritos e aplausos de entusiasmo seguiram ao Logan entre bastidores. Tinha sido uma representação triunfal, embora se sentisse insatisfeito de sua atuação. Tinha tentado reunir a profundidade emocional que requeria seu papel, mas tudo que tinha conseguido foi uma criação desinteressada.

Com o cenho franzido, ignorou aos atores e operários que tentavam chamar sua atenção. Entrou no camarim, tirou a camisa úmida de pescoço aberto e a atirou ao chão.

Quando se encaminhava ao banho, um brilho no espelho da mesa de maquiagem reclamou sua atenção. Voltou-se com rapidez, sobressaltado ao ver uma anciã sentada em uma esquina.

Olhava-lhe com calma, como se tivesse todo o direito a estar ali. Embora fosse uma mulher miúda, sua presença era imponente, e levava a idade com majestoso orgulho. Uma mão cheia de veias, repleta de anéis com pedras preciosas, fechava-se sobre um artístico anel de prata. Embora o cabelo mostrasse uma ligeira sombra encarnada, era evidente que antigamente tinha sido de um vermelho chamativo. Os olhos cor avelã brilhavam com um vivo interesse enquanto lhe olhavam.

— Disseram-me que podia esperá-lo aqui — disse a anciã.

— Não atendo visitas no camarim.

— Uma representação aceitável — observou, ignorando a brutalidade da afirmação.

— Elegante e com bom ritmo.

Muito a seu pesar, Logan sorriu, perguntando-se quem demônios seria a anciã.

— Não é a primeira vez nos últimos tempos que me castiga com elogios igualmente mornos.

— Bom, fez um Otelo bastante satisfatório — lhe assegurou.

— Qualquer outro ator a teria considerado a atuação de sua vida. Faz vários anos tive o privilégio de vê-lo na mesma obra, no papel do Yago. Devo dizer que fico com sua interpretação desse personagem... Magnífica! Tem um talento singular, quando decide utilizá-lo. Frequentemente pensei que foi uma pena que não tenhamos podido atuar juntos, mas meu momento fazia tempo que havia passado a seu fim quando você começava sua carreira.

Logan a olhou de marco em marco. O cabelo vermelho, aquele rosto vagamente familiar, as alusões ao teatro...

— A senhora Florence? — disse, de maneira inquisitiva.

Ela assentiu com a cabeça, e a testa do Logan se limpou. Não era a primeira vez que um colega desejava conhecê-lo, embora ninguém até então tinha sido tão atrevido como esta singular dama. Tomou as mãos e as levou aos lábios.

— É uma grande honra conhecê-la, senhora.

— Deve você saber, é obvio, que temos uma amiga comum, a duquesa do Leeds. Uma mulher deliciosa, não é certo? Começou no teatro como protegida minha.

— Sim, sei — assentiu Logan, tornando uma bata de brocado raiada sobre o peito nu. Alargou a mão para alcançar um pote de bálsamo e uma toalha e começou a limpar a brilhante pintura castanha com a que tinha adquirido o pertinente moreno do Otelo.

— Senhora Florence, costumo desfrutar de uns minutos de intimidade depois de uma atuação. Se não se importasse me esperar na sala de descanso...

— Ficarei aqui — assegurou a anciã com firmeza.

— Vim falar com você de um assunto pessoal urgente. Não é necessário que se recate por minha causa. Depois de tudo, estive em muitos camarins masculinos antes de agora.

Logan reprimiu uma gargalhada de admiração. Sem dúvida não lhe envergonhava mostrar-se extravagante à anciã, penetrando de repente em seu camarim e exigindo que lhe emprestasse atenção. Meio sentado, meio inclinado contra a pesada penteadeira, disse:

— Muito bem, senhora — disse com secura, seguindo com a limpeza da cara e do pescoço.

— Recite seu papel. Tentarei vencer qualquer arrebatamento de pudor.

A senhora Florence ignorou o sarcasmo e falou com acuidade.

— Senhor Scott, pode que não saiba que, durante seu breve exercício como empregada do teatro Capital, a senhorita Madeline Matthews tinha uma habitação alugada em minha casa.

O nome, pronunciado de forma tão inesperada, permitiu que um raio de dor atravessasse o peito do Logan.

— Se for disso do que veio a falar, sugiro que se vá.

— A senhorita Matthews chegou a minha casa esta noite, procedente da fazenda familiar do Gloucestershire — continuou a senhora Florence.

— Enquanto falamos, ela está dormindo em minha casa. Deveria acrescentar que é absolutamente alheia a minha decisão de visitá-lo...

— É suficiente! — Logan deixou cair a toalha da cara e se dirigiu à porta.

— Quando voltar, quero encontrar o camarim vazio.

— Acredita que é o único que foi ferido? — perguntou a anciã com resolução.

— É você um jovem velhaco e arrogante.

— E você uma velha alcaguete intrometida — respondeu sem alterar-se.

— Boa noite, senhora.

Mais que enfurecê-la, à senhora Florence pareceu lhe divertir o insulto.

— Scott, tenho uma informação de grande transcendência para você. Negue-se a ouvi-la e algum dia o lamentará.

Logan se deteve na porta com ar desdenhoso.

— Correrei o risco.

A senhora Florence juntou ambas as mãos sobre o punho do anel e o olhou piscando.

— Madeline está esperando um filho. Significa algo para você?

Durante o silêncio que seguiu, a anciã o observou escrutinadora, dando a impressão de estar saboreando a perturbação que tinha provocado. O olhar do Logan se cravou na parede e o coração começou a lhe pulsar com uma força antinatural. Tinha que ser mentira, uma invenção mais de Madeline para manipulá-lo. Sacudiu a cabeça como um louco.

— Não. Não significa nada.

— Já vejo. — A anciã o atravessou com o olhar.

— Sabe o que espera a Maddy. Em uma família como a sua, o único recurso é que tenha o menino em segredo e o entregue à mãos estranhas. Ou isso, ou abandonar a seus pais e ganhar o sustento para ela e seu filho pelo mundo o melhor que possa. Me faz impensável que alguma das duas opções possa lhe agradar.

Obrigou-se a encolher de ombros.

— Que faça o que lhe agrade.

A senhora Florence estalou a língua.

— Declina qualquer responsabilidade sobre Maddy e seu bebê?

— Sim.

A senhora Florence adotou uma expressão de desprezo.

— Conforme parece não é você muito diferente a seu pai.

A confusão do Logan deu passo a um arrebatamento de cólera e perplexidade.

— Como demônios conhece você ao Paul Jennings?

Uma das mãos da anciã se separou do anel e lhe fez um gesto.

— Venha aqui, Scott. Desejo lhe mostrar algo.

— Vá-se ao inferno!

A senhora Florence respondeu a obstinação do Logan sacudindo a cabeça. Abriu sua pequena bolsa de malha e extraiu uma caixinha laqueada.

— É um presente... uma parte de seu passado. Asseguro-lhe que não tenho nenhum motivo para enganá-lo. Venha, jogue um olhar. Não sente nem um pouquinho de curiosidade?

— Não tenho nada que ver com meu maldito passado.

— Em troca eu o tenho tudo — respondeu.

— Sabe? Os Jennings não são seus verdadeiros pais. Você foi entregue porque sua mãe morreu no parto e seu pai declinou qualquer responsabilidade sobre você.

Logan ficou olhando como se estivesse louca.

— Não tem necessidade de me olhar assim — afirmou a senhora Florence com um ligeiro sorriso.

— Estou em plena posse de minhas faculdades.

Aproximou-se dela muito devagar, enquanto a inquietação crescia em seu interior.

— Me diga sua maldita bagatela.

A senhora Florence extraiu com cuidado um par de miniaturas emolduradas em ouro e colocou uma na palma da mão do Logan. Nela aparecia retratada uma menina não muito maior que a filha da Julia, Vitória. Tratava-se de uma criatura preciosa, com um gorrinho rosa preso sobre uns largos cachos vermelhos. Logan olhou a diminuta pintura com frieza e a devolveu sem fazer nenhum comentário.

— Não o vê? — perguntou-lhe a anciã, e lhe entregou a seguinte.

— Possivelmente esta se revele mais esclarecedora.

Logan contemplou a uma jovem encantada, de rasgos marcados mas delicadamente proporcionados, cujo cabelo, escurecido por brilhos castanhos avermelhados, estava recolhido no cocuruto em uma massa de cachos. A expressão era segura e insinuante e os intensos olhos azuis pareciam olhar diretamente ao Logan. Ao examinar a miniatura, deu-se conta de que era uma versão feminina de sua própria cara.

— Quer que admita que há um parecido — murmurou Logan.

— Muito bem, admito-o.

— Ela foi sua mãe — disse a senhora Florence com suavidade, recuperando a miniatura.

— Se chamava Elizabeth.

— Minha mãe era, é, Mary Jennings.

— Então me diga qual de seus chamados pais lhe tratou com favoritismo, qual de seus irmãos lhe parece mais. Arrumado a que nenhum. Querido menino, não pertence a essa família, nunca formou parte dela. É o filho ilegítimo de minha filha... meu neto. Possivelmente não queira aceitar a verdade, mas seu coração terá que reconhecê-lo.

Logan reagiu rindo-se com desdém.

— Necessitarei muitas mais prova que um jogo de miniaturas, senhora.

— Me pergunte o que queira — respondeu a anciã com tranquilidade. O ator cruzou os braços sobre o peito e apoiou as costas na porta fechada.

— Bem — disse a senhora Florence olhando-o fixamente, — posso ver que está longe de significar uma época agradável para ti. Em parte, é minha culpa. Nunca devia ter acreditado no Rochester, teria que lhe haver exigido provas de sua morte. Estava muito absorta em minha dor pela morte da Elizabeth para procurar o descendente.

Ao Logan dava voltas a cabeça. Procurou por uma cadeira e se sentou. Ouviu que batiam na porta, assim como a voz de um empregado que tinha vindo a recolher a roupa para lavar e arrumar.

— Estou ocupado — respondeu.

— Volta mais tarde.

— Senhor Scott, vários seus admiradores desejariam lhe conhecer...

— Ao primeiro que entrar por esta porta, o mato. Me deixem em paz.

— Sim, senhor Scott.

O empregado partiu, e o camarim voltou a sumir-se no silêncio.

— Julia tinha razão a respeito de ti — observou a senhora Florence, ao tempo que terminava seu brandy.

— Uma vez me disse que não foi um homem feliz. Esta foi uma das razões pelas que animei a Madeline para que te seduzisse.

Encarou o olhar acusador e assombrado do Logan sem alterar-se.

— Sim, conhecia seu plano, embora ignorasse as razões concretas do mesmo. Pensei que poderia te apaixonar por ela. Não consigo ver como lhe poderia resistir nem o mais endurecido dos homens. Pensei que uma garota como Madeline te faria feliz.

— Maldita seja por intrometer em minha vida! — exclamou Logan de uma maneira selvagem.

Sua fúria não pareceu impressionar à senhora Florence.

— Guarda a paixão para o cenário — lhe aconselhou.

— Pode ser que cometeste um engano, mas por mais que grunhe e chie não trocará nada.

Logan conseguiu recuperar o controle de seu caráter.

— Por que agora? — inquiriu entre dentes.

— Se algo do que há dito é verdade, e não acredito uma palavra, por que veio a mim agora? Lhe dedicou um sorriso que tinha bastante de desafio.

— A história se repete. Resulta irônico que acabe te comportando igual a seu pai e condene a seu filho à mesma vida que teve, sem ninguém que o proteja ou satisfaça suas necessidades. Pensei que, ao menos, devia te pôr a par da verdade de seu passado e te dar a oportunidade de fazer a única coisa honorável para com Maddy.

— E se não o faço? — disse com desprezo, notando como lhe avermelhava a cara pouco a pouco.

— Não há muito que você possa fazer a respeito, verdade?

— Se não te fizer cargo de Maddy, fá-lo-ei eu. Tenho meios para garantir que ela e o menino levem uma vida cômoda. A criatura é meu bisneto, e é óbvio que farei tudo o que esteja em minhas mãos para ajudá-lo... ou ajudá-la.

Logan sacudiu a cabeça e olhou de marco em marco à anciã. Por frágil e pequena que fosse, não havia a menor dúvida de que possuía uma assombrosa força de vontade.

— Não é mais que uma velha galinha flexível — disse com brutalidade.

— Logo que posso acreditar que sejamos parentes.

A senhora Florence parecia estar lendo seus pensamentos. Seus lábios voltaram a curvar-se em um sorriso.

— Querido menino, quando me conhecer um pouco melhor, não te caberá a menor duvida. — levantou-se da cadeira, inclinou-se sobre a bengala, e Logan, sem pensá-lo, equilibrou-se para ajudá-la.

— Agora vou a casa. Vem comigo, Scott... ou ignorará sua contribuição à ofensa?

Soltou-a e franziu o cenho. É obvio, o honorável era casar-se com o Madeline e legitimar ao bebê. Mas ver-se à força nessa situação lhe resultava, se não vergonhoso, sim revoltante. Além disso, ele nunca tinha sido um homem especialmente honorável.

Olhou com veemência para a garrafa de brandy, sentindo a tentação de beber até perder o conhecimento.

— Ficará calvo se não deixar de te pegar esses ataquezinhos — disse, com regozijo, a senhora Florence.

Logan se deu conta de que tinha voltado ao hábito de atirar da franja quando estava distraído. Deixou de fazê-lo resmungando um palavrão.

— Seu orgulho está ferido porque Madeline te enganou — observou a anciã.

— Estou convencida de que te custará muito tempo curar as feridas, mas se for incapaz de olhar além de seus assuntos te dará conta de que há uma garota assustada que necessita que a ajude...

— Sei qual é meu dever — respondeu de modo lacônico.

— O que ignoro é se poderei suportar voltar a vê-la.

A senhora Florence franziu o cenho e, impaciente, tamborilou com a bengala no chão enquanto Logan se dirigia à mesa de maquiagem e tomava um bom gole da garrafa de brandy. Sentia a urgente necessidade de castigar a Madeline, de humilhá-la como tinha humilhado a ele e, entretanto, a perspectiva de ir vê-la agora quase o fazia tremer de antemão.

 

— Acompanhar-me-á? — voltou a perguntar a senhora Florence. Logan deixou a garrafa e, com um leve movimento, assentiu.

— Propor-lhe-á que se case contigo?

— Não saberei até que tenha falado com ela — grunhiu, procurando torpemente uma camisa limpa.

— Agora, se não lhe importar, eu gostaria de trocar de roupa... sem espectadores.

Entraram em casa da senhora Florence no momento em que as badaladas do relógio assinalavam a chegada da meia-noite.

— Onde está?— perguntou Logan.

— Precisa descansar — observou a anciã.

— Direi à criada que conduza a outro quarto até uma hora decente da manhã.

— Onde está? — repetiu com resolução, disposto a ir quarto por quarto até encontrar a Madeline. A senhora Florence suspirou.

— Vamos. A habitação ao fundo do corredor. Mas lhe advirto isso: se a molestas de algum jeito...

— Farei o que me agrade com ela — replicou com frieza.

— E espero que ninguém me interrompa.

Ante o golpe teatral, em lugar de preocupar-se, a anciã pôs os olhos em branco e lhe indicou o caminho com a mão.

Só e a grandes pernadas, Logan percorreu a casa, que parecia estar cheia, de cima a baixo, de um sem-fim de antiguidades e lembranças teatrais. Subiu a escada e encontrou a habitação de Madeline. Quando agarrou o trinco de latão, as expectativas o oprimiam o peito. Sentiu o sangue correr a toda velocidade por suas veias, e a força de sua reação lhe assustou... Teve a tentação de dar a volta e fugir... mas parecia incapaz de soltar o pomo da porta. A mão apertou o brunido metal até esquentá-lo.

Transcorrido um bom momento, Logan entrou na habitação. O único ruído que fez foi o da chave ao girar na fechadura. Distinguiu a silhueta do corpo deitado e o arbusto trançado de cabelo sobre o travesseiro. O peito de Maddy se movia com um ritmo regular e profundo. De repente, assaltou-lhe a vívida lembrança da respiração de Madeline sobre sua pele, do corpo nu da jovem abraçado ao dele.

Sentou-se em um cadeira, junto à cama, incapaz de apartar os olhos dela. Depois de dois meses sumido no atordoamento, parecia que a vida voltava para seu corpo. Pensou em possuí-la nesse mesmo instante: lhe tirar a camisola e, enterrado na delicada carne, penetrá-la antes que estivesse totalmente acordada.

Na escuridão, sentado a seu lado, contemplou seu sonho durante horas. O mínimo movimento de Maddy lhe fascinava: a maneira em que movia ou fechava os dedos, a cabeça, voltando-se sobre o travesseiro... Tinham passado tantas mulheres por sua vida — eróticas, hábeis e apaixonadas — e, entretanto, nenhuma lhe tinha interessado daquela maneira.

Alegrou-se de que o estado de Madeline fizesse necessárias umas bodas rápidas. No que dependesse de sua conveniência, compensaria as brincadeiras que teria que suportar uma vez que todo em Londres se inteirasse de que tinha sido «caçado». Sem dúvida, converter-se-ia no tema para muitos caricaturistas, que o retratariam como um touro amansado, com um aro lhe atravessando os narizes, conduzido por uma pastora grávida... Não, as brincadeiras seriam ainda mais cruéis. Às pessoas adorava mofar-se dos personagens públicos, e ele era um alvo farto visível.

O pensar no que diriam seus amigos, em especial Andrew, fez-lhe emitir um grunhido de inquietação. Andrew, como bom bastardo desumano que era, encontraria a situação tremendamente divertida. Antes que Logan pudesse deter-se no assunto do Andrew, ou do Rochester e a questão de seu parentesco, a pequena figura da cama começou a mover-se. Tinha amanhecido.

Embora Logan seguisse em silêncio, Maddy não demorou para ser consciente de que havia alguém com ela na habitação. Sua respiração se modificou, e se voltou para ele com um sussurro dormitado. O ronrono ressonou no interior do Logan, endurecendo-o e excitando-o e, sobretudo, fazendo aflorar todo seu ressentimento. Tinha renegado do amor que sentia por ela considerando-o uma loucura passageira, mas ao parecer Maddy seguia exercendo o mesmo poder sobre ele. Desejou-a física e, o que até era pior, emocionalmente. Ela tinha feito que perdesse a indiferença natural que sempre lhe tinha mantido a salvo. Nunca mais voltaria a guardar as distâncias nem a sentir-se superior a outros. Madeline lhe tinha ensinado que era muito humano e, portanto, vulnerável. Essa era a verdadeira razão de que queria castigá-la de tantas formas que custava as enumerar.

Madeline abriu os olhos âmbar e, desconcertada, ficou olhando fixamente. Logan esperou até ler em sua cara que o tinha reconhecido, e só então se moveu, inclinando-se sobre ela e imobilizando-a.

Madeline ficou sem respiração ao sentir que Logan retirava os lençóis e deixava à vista seu corpo vestido; a prega da camisola lhe tinha subido até a metade das coxas. O olhar azul e abrasador do Logan percorreu seu corpo encolhido, e isto, junto com o frio da habitação, fez que lhe endurecessem os mamilos. A cabeça lhe dava voltas e, curvada, perguntou-se se não seria tudo um sonho. Como tinha sabido que estava aí? A senhora Florence devia haver-lhe dito.

O olhar do Logan acariciou o peito de Maddy e observou o suave vaivém da respiração. Alargou a mão até um dos suaves montículos, e com as pontas dos dedos atirou brandamente do delicado promontório. A estimulação obrigou a Maddy a reprimir um gemido. Os dedos do Logan se fecharam sobre o peito em um apertão quase doloroso. Muito atônita para falar, Madeline observou como os olhos azuis do Logan se entrecerravam até converter-se em um par de brilhantes frestas.

Depois de lhe soltar o peito, Logan lhe tocou o ventre e pegou a palma da mão à superfície.

— Tão formosa como te recordava — disse com aquela voz grave e sonora que Madeline tampouco tinha esquecido.

— Suponho que é uma espécie de compensação por haver encadeado a ti eternamente.

Os dedos se moveram para a suavidade do terreno baixo que se abria entre as coxas de Madeline, que lhe agarrou a mão tremendo.

— Por favor — disse de maneira entrecortada.

— Aqui não. Logan soltou a mão de um puxão.

— O doutor Brooke te verá hoje — disse sem emoção.

— Se confirmar sua gravidez, enviar-te-ei de volta a casa de seus pais e lhes comunicarei nossa intenção de nos casar. Obterei uma licença especial e farei os acertos necessários. Tudo deverá ficar consumado antes do Ano Novo.

Confundida, Madeline piscou. Ele queria casar-se com ela em tão somente quinze dias. Mas tudo era um engano, pois ficava claro por sua expressão que a idéia o revoltava.

— Não é necessário fazer tal coisa — disse Maddy.

— Não tenho nenhuma intenção de te apanhar no matrimônio.

— De verdade? — disse Logan com calma.

— Então, por que está em Londres?

— Eu... desejava falar com a senhora Florence.

— E nunca imaginou que ela iria para mim — disse com um irritante cepticismo.

— Não, nunca o pensei. Não deveria lhe haver dito nada. A boca do Logan se torceu zombadora e a soltou. Sentado na borda do colchão, contemplou como Maddy se cobria com o lençol.

— Oxalá tivesse concedido a outro a grande fortuna de deitar-se contigo — se mofou.

— Mas posto que me escolheu para tão especial honra, e já que nos encontramos nesta deplorável situação, não tenho outra eleição que me casar contigo. Se chegar um filho, será a única maneira de que possa garantir seu bem-estar.

— Posso consegui-lo eu sozinha. Não terá que preocupar-se nem de mim nem do bebê...

— Carinho, não parece entendê-lo. Importa-me um nada o que te ocorra, mas quero o filho. Prefiro ir ao inferno que abandoná-lo à clemência de sua família.

— Não quero me casar contigo — disse com voz surda.

— Jamais poderia viver com um homem que me odeia.

— Não viveremos juntos, tenho várias residências. Uma vez que nasça o bebê, poderá escolher a que queira. Enquanto isso, passarei a maior parte do tempo no teatro, como sempre.

Madeline tentou imaginar o acerto comercial que lhe estava oferecendo. Ficou gelada ao dar-se conta de que se estava vingando dela pelo dano que lhe tinha inferido. Não haveria ternura, nem intimidade nem alegria compartilhada pelo nascimento do menino. Se ele soubesse que ainda o amava, utilizá-lo-ia contra ela sem clemência alguma.

— A resposta é não — disse.

— Não tem que te casar com alguém a quem não ama só para garantir o bem-estar da criatura. Cuidarei bem dele e jamais te negarei o direito a vê-lo quando...

— Não te estou pedindo nada, Maddy. — mostrava-se geladamente tranqüilo

— Te estou dizendo o que vai acontecer. Vou ter todos os direitos imagináveis sobre ti e o menino... porque vou possuir seu corpo e sua alma.

— Nada me fará trocar de opinião — disse, sabedora de que viver com seu desprezo a destruiria.

— Não pode me obrigar a me converter em sua esposa... — deteve-se com um grito afogado quando, depois de tombá-la contra o colchão, passou-lhe uma coxa por cima e se sentou escarranchado sobre seu corpo indefeso.

— Não posso? — perguntou, erguendo-se imponente sobre ela, deixando-a sentir a dura pressão de sua excitação, enquanto que com os dedos lhe apertava os ombros até fazê-la estremecer de dor.

— Não tem nem idéia do que posso fazer, carinho. Conseguirei o que queira, custe o que custar. Também pode te facilitar as coisas e te render sem opor resistência.

Madeline se revolveu furiosa embaixo dele, mas Logan pesava ao menos o dobro que ela e seus músculos eram duros como o ferro. A cada movimento do corpo, Madeline sentia aumentar a pressão da dura crista do sexo do Logan contra ela. Finalmente retrocedeu em seu empenho com um grito afogado de derrota.

— Além disso tem que saber que vais pagar pelo problema que me ocasionaste — prosseguiu Logan.

— Disporei de seu corpo a vontade. E não espere que seja como antes, nem de longe te resultará prazenteiro.

Madeline guardou silêncio, fazendo todo tipo de planos desesperados. Encontraria a maneira de desaparecer antes que se celebrasse as bodas.

Logan lhe leu os pensamentos sem dificuldade, sua boca se curvou em um fino sorriso.

— Nem te ocorra fugir de mim, porque te encontraria e, quando o fizesse, lamentaria ter nascido.

Madeline baixou as pálpebras para ocultar os olhos. Resultava agônico enfrentar-se ao projeto de um matrimônio que não seria a não ser uma brincadeira do que podiam ter tido.

— Todo mundo saberá que fui obrigada a me casar — disse com a esperança de que trocasse de opinião.

— Sim, não me cabe dúvida de que os fofoqueiros nos esfolarão vivos.

«Também me castigaria por isso — pensou Madeline— . Se havia uma prova de sua determinação, era o fato de que um homem tão preocupado com sua imagem pública estivesse desejando com todas suas forças parecer um idiota com tal de casar-se comigo.»

Logan a tinha presa pelos ombros e lhe fazia dano. Madeline levantou as mãos para afastá-lo e apoiou as palmas contra seu peito.

— Pesas muito — disse, arqueando-se sob seu corpo.

— Por favor..., me solte.

Logan proferiu um grunhido surdo porque o movimento dos quadris de Madeline lhe estava excitando. Deixou-se cair para um lado com a intenção de liberá-la, mas, sem saber como, abraçou o corpo magro da garota e o atraiu para ele. Abaixou uma coxa entre as dela e a superfície palpitante de sua excitação se cravou no ventre de Maddy. Com a boca perto de seu peito, quase podia sentir a obscenidade do seio sobre a bochecha, a ponta aveludada na língua.

Os sentidos de Logan flutuaram imersos em prazer. Agora... agora... o pulso lhe doía como o repicar de um tambor, lhe urgindo a possuí-la. O doce elixir do aroma de Maddy lhe enlouquecia; queria saboreá-la e tocá-la por toda parte. Tremendo, fechou a mão sobre seu peito, tão turgente e firme, e este cedeu deliciosamente sob a pressão dos dedos.

Ouviu o som de protesto de Madeline, que sacudiu o corpo e, de repente, a tentação se fez muito poderosa para resistir. Agarrou o mamilo com os lábios e os dentes, umedecendo-o através do fino tecido da camisola, sorvendo-o com avidez, saboreando a doçura daquela carne. Estendeu os dedos abertos pela lateral do peito e os deslizou para as costelas. Madeline se revolveu e deixou escapar um grito surdo. Tentou primeiro afastar a cabeça, logo fechou os dedos sobre o cabelo do Logan. Ambos os corpos se esticaram com avidez, contornando-se em uma luta selvagem atrás da satisfação.

Logan baixou, arrastou a mão pelo corpo de Maddy, chegou ao ventre e se deteve. Uma vez ali, apoiou a palma da mão onde Madeline levava sua descendência. A idéia de que seu filho crescia dentro dela o esfriou de repente, transportando-o à realidade. Rodou sobre o flanco e se levantou da cama.

— Vista-te — ordenou com expressão ausente.

Dirigiu-se para a porta.

— Mandarei chamar o doutor Brooke.

— Logan.

Que utilizasse o nome de batismo lhe fez esticar as costas.

— Queria te dizer... que lamento o que fiz.

— No futuro, ainda o lamentará mais — disse com suavidade.

— Conta com isso.

Por estranho que pareça, não era o exame do doutor Brooke o que Madeline encontrou humilhante, mas sim a presença na habitação do Logan. De pé em um rincão, observava o que acontecia com atitude impassível, como se esperasse que a afirmação de Madeline de que estava grávida se revelasse falsa. Ela fixou o olhar no teto, e se concentrou no desenho das molduras helênicas. Em seu interior, albergava o desesperado desejo de estar equivocada, de que não existisse tal criatura. Mas a consciência de levar uma vida em seu interior era inegável e sabia qual seria o diagnóstico do doutor Brooke.

Madeline se perguntou se Logan seria um pai solícito, ou se a animosidade contra ela se estenderia também ao menino. Não, não podia imaginar que fosse capaz de fazer responsável a uma criatura inocente de algo que não tinha cometido. Possivelmente o tempo o abrandaria; era sua única esperança.

O doutor se afastou uns passos da cama, e a expressão grave e algo reprovatória com que a olhou fez que lhe caísse a alma aos pés.

— Senhorita Ridley, pelo que revela meu exame e do que me conta sobre o fluxo do último mês, diria que o menino chegará por volta de finais de junho.

Madeline fechou a bata com lentidão. Resistia a lhe explicar a situação, não se tomou a moléstia de lhe corrigir o sobrenome que lhe tinha atribuído. Para sua tranquilidade, Logan também se absteve de mencionar o verdadeiro.

— Possivelmente a paternidade lhe venha bem — disse o doutor ao Logan.

— Dará algo mais no que pensar além desse bendito teatro.

— Sem dúvida — murmurou Logan sem entusiasmo.

— Se desejarem que continue como médico pessoal da senhorita Ridley, eu gostaria de lhe proporcionar uma série de instruções.

— É obvio.

Sentindo uma repentina claustrofobia, Logan saiu da habitação. A notícia da gravidez de Madeline não o fazia feliz. Para ele, o bebê não era real; de fato, nada daquela situação o parecia. Entretanto era estranho que, desde essa manhã, a fúria que tinha sentido durante semanas se desvaneceu de forma considerável. Agora lhe invadia uma sensação de alívio em que não se tomou a moléstia de pensar muito. Esfregou a nuca e baixou as escadas em silêncio enquanto riscava seus planos. Havia muito que fazer durante as duas próximas semanas.

A senhora Florence, que esperava ao pé da escada, ficou olhando espectadora.

— Eram corretas as suspeitas de Madeline?

Antes que pudesse responder, a anciã leu a resposta em seus olhos.

— Ah, que notícia tão maravilhosa!

Sorriu fazendo brilhar de maneira repentina seu rosto.

— No que está pensando, o que te faz adotar essa expressão tão esquiva?

— Oxalá ontem à noite, em lugar de lhe emprestar ouvidos, tivesse-a jogado a patada de meu camarim.

A senhora Florence riu com secura.

— Imagino que Maddy tampouco estará muito agradada com minha intromissão. Consolar-me-ei pensando que, algum dia, ambos me agradecerão isso.

— Se eu fosse você, não me faria ilusões a respeito... avó! — disse, enfatizando a palavra com sarcasmo.

A anciã inclinou a cabeça e o olhou com olhos reluzentes.

— Começaste a acreditar na minha história?

— Não acreditarei uma palavra até que vá à fazenda do Rochester.

— O que desconfiado é — observou.

— Sem dúvida se deve ao sangue do Rochester que corre por suas veias, porque eu sempre fui otimista.

Durante a viagem de um dia ao Gloucestershire, Logan não tocou nenhuma só vez a Madeline. Sentados um frente ao outro, a conversação foi esporádica e infestada de extensos silêncios. A fim de preservar a intimidade, a criada de Madeline, Norma, seguia-lhes em um segundo veículo.

— Como vai o teatro? — perguntou Madeline.

Logan a olhou de uma forma que era defensiva e acusatória ao mesmo tempo, como se temesse que tentasse burlar-se dele.

— Não tem lido o Time! — respondeu, lhe devolvendo a pergunta com ironia.

— Temo que não. Estive encerrada longe do mundo enquanto meus pais tentavam decidir o que fazer comigo.

Enrugou a testa com preocupação.

— Não vai bem a temporada?

— Não — respondeu Logan de maneira cortante.

— Os críticos passaram o maior tempo lhe tirando ponta a suas penas.

— Mas por que...?

— A culpa é minha — murmurou.

— Não o entendo — exclamou Maddy desconcertada.

— Durante os ensaios esteve tão brilhante, que pensava...

Ao dar-se conta de que as duas obras em questão tinham sido estreadas depois de haver-se ido de Londres, sua voz se foi debilitando. Recordou então a estranha e ausente expressão no rosto do Logan a manhã que o tinha deixado e sentiu que o remorso a rasgava. Assim que essa tinha sido outra maneira mais de lhe fazer dano.

— Esteve muito doente, igual à maior parte da companhia — murmurou.

— Estou segura de que você e o Capital recuperarão sua capacidade...

— Não necessito que me busque nenhuma maldita desculpa — disse com secura.

— É obvio. O sinto.

Uma expressão de desdém se instalou no rosto do Logan.

— Odeio ter que ferir sua vaidade, carinho, mas minhas dificuldades profissionais nada têm que ver contigo. Depois de ir, surpreendi-me de como fácil que resultava te apagar de meus pensamentos. Até ontem à noite, quando sua defensora, a senhora Florence, veio a meu camarim.

A bochechas de Madeline ardiam de humilhação, que era o que ele havia pretendido. Sua contemplação produziu no Logan uma pontada de satisfação.

— Oxalá pudesse dizer o mesmo, mas pensei em ti dia e noite, nunca me perdoarei meu comportamento. Se tão somente pudesse te fazer saber como me... — deteve-se de repente, conseguindo deter o fluxo de palavras condenatórias.

Logan apertou os dentes. Madeline se mostrava tão vulnerável que feri-la não lhe divertia. Antes bem, resultava irritante, o fazia sentir culpado e não sabia como arrumar-se com tudo aquilo.

Observou que Madeline fechava os olhos e recostava a cabeça contra o assento, separando os lábios com um suspiro. De repente, contra a tapeçaria de veludo marrom, a pele de Maddy adquiriu a cor do giz.

— O que acontece? — perguntou Logan com brutalidade. Maddy sacudiu a cabeça de maneira imperceptível e respondeu sem abrir os olhos.

— Estou bem — disse através da tensão dos lábios.

— É só que as vezes me sinto um pouco... enjoada.

A carruagem passou dando tombos por cima de um lance desigual da estrada, obrigando-a a apertar os lábios.

Logan a olhou com desconfiança, perguntando-se se não estaria tentando despertar sua compaixão. Não, estava muito pálida para fingir encontrar-se doente. E, agora que pensava nisso, recordou que as náuseas matinais da Julia se prolongaram durante os três ou quatro primeiros meses de gravidez, o que a tinha obrigado a ausentar-se com frequência do teatro.

— Digo ao condutor que detenha o carro? — perguntou.

— Não. Estou bem... De verdade.

Não parecia. Tinha má cara e não deixava de tragar saliva.

Logan franziu o cenho e tamborilou com os dedos sobre sua coxa em tensão. Antes da viagem, tinha estado muito preocupado para assegurar-se de que Maddy tomasse o café da manhã. Que ele soubesse, estava em jejum.

— Chegaremos em seguida a Oxford. Ali nos deteremos em uma estalagem e poderá jantar um pouco.

Madeline sacudiu a cabeça até antes que Logan tivesse tempo de terminar a frase.

— Obrigada, mas só de pensar em comida... — tampou a boca com a mão e respirou até que lhe alargaram as abas do nariz.

— Chegaremos em seguida — disse Logan, e alcançou uma licoreira de cristal cheia de água de um aparador de mogno instalado na carruagem. Umedeceu um lenço e o entregou a Madeline, que murmurou umas palavras de agradecimento e apertou o tecido contra o rosto.

Ao recordar que a senhora Florence lhes tinha preparado uma cesta com comida, Logan passou o braço por detrás do assento para agarrá-la. Em seu interior, encontrou algumas peças de fruta, uma cunha de queijo, fatias de pão negro e um pequeno pudim envolto em um guardanapo úmido.

— Toma — disse, lhe aproximando uma parte de pão, — tenta comer algo. Madeline, sem forças, virou o rosto.

— Não poderia tragar nada.

Logan se sentou a seu lado e levantou o pão.

— Uma dentada, maldita seja. Não quero que vomite na carruagem.

— Não danificarei seu precioso carro — disse ela, baixando o lenço e olhando-o por cima da borda.

De repente, Logan sentiu desejos de sorrir ante a rebeldia de Madeline. Voltou a umedecer o tecido, pegou e colocou Maddy sobre a testa.

— Uma dentada — disse com voz suave, enquanto sustentava o pão frente a seus lábios.

Maddy proferiu um gemido que expressava tanto desdita como acatamento, e mastigou como se tivesse a boca cheia de pó de serra. Por fim, conseguiu tragar o pão e sua cara denotou os esforços por não vomitá-lo. Ao Logan pareceu que começava a recuperar a cor.

— Outro — disse inexorável.

Maddy comeu lentamente. Parecia encontrar-se melhor, até que desistiu de seguir com um profundo suspiro.

— Já estou melhor. Obrigada.

Então se deu conta de que a estava rodeando com o braço, sujeitando-a com firmeza contra seu flanco. Maddy mantinha a cabeça perto da parte interior do ombro do Scott, os peitos de ambos quase se roçavam. A posição era tão natural, tão cômoda, que até esse momento Logan não se deu conta do que estava fazendo. Ela elevou a cabeça e lhe olhou com uns olhos que pareciam de âmbar líquido. Scott recordou os cuidados recebidos durante sua enfermidade. Não importava o que outras coisas tivesse feito Maddy, tinha-lhe ajudado a vencer a febre e lhe tinha alimentado até conseguir que recuperasse a saúde. Fez que se sentisse iludido e que saboreasse um pouco de felicidade. E depois o tinha tirado tudo.

Afligido pela amargura, soltou-a com brutalidade.

— Te cuide um pouco mais de agora em adiante — disse, voltando para lugar.

— Não tenho vocação de babá.

Enquanto a carruagem avançava pelo tortuoso caminho que levava a fazenda familiar, Madeline se sentiu aterrorizada. A propriedade estava situada em metade das suaves colinas do Gloucestershire, rodeada de férteis campos banhados por multidão de arroios ricos em minerais. As terras dos Matthews resultavam bastante mais impressionantes que a casa aristocrática, que parecia inoportunamente encaixotada entre umas chocantes construções de inferior tamanho. Erigiram-se duas diminutas casinhas de uma e duas habitações destinadas a alojar ao prolixo pessoal de serviço que exigiam as necessidades da família, assim como às zonas de cozinha.

Logan contemplou a fazenda através da janela, e não fez nenhum comentário ao aproximar-se da casa.

— A meus pais não agradará a idéia de nossas bodas — disse Madeline estirando a saia. Pôs-se um vestido singelo e infantil.

Ao Logan pareceu que o sutiã lhe apertava muito o peito e se perguntou como era possível que seus pais ainda não tivessem suspeitado que estava grávida.

— Confio em que se sentirão mais felizes em te casar depois de inteirar-se de seu estado — disse.

Madeline lhe respondeu sem olhá-lo.

— A meus pais não gosta da gente relacionada com o teatro. Acredito que prefeririam morrer antes que ver sua filha casada com um ator.

— Não faz falta que me escolhesse — murmurou observando-a com os olhos entrecerrados.

— Desse modo não só podia te desfazer de sua virgindade, também conseguiria pilhar a um homem a quem seus pais encontrariam humilhante.

— Nunca tive a intenção de que ninguém soubesse com quem me tinha deitado — disse.

— Pensava mantê-lo em segredo.

Logan franziu o cenho e se tragou um humilhante comentário, recordando-se a si mesmo que não era o momento de discutir. Só tinha um objetivo, e este consistia em informar aos Matthews do que ia acontecer ao cabo de duas semanas.

A carruagem e as escolta se detiveram ante a mansão. Logan retirou a manta de viagem a Madeline e lhe ajudou a colocar a capa. Depois de atar a suave fita de lã a sua garganta, agarrou-lhe pelo queixo com os dedos. Olhou-a fixamente aos olhos e teve bom cuidado de não apertar tanto como para deixar marca na delicada pele.

— Não desejo nada de ti — murmurou.

— Ninguém tem que saber que vamos ser uns cônjuges mal advindos. Todos os que nos vejam, incluídos seus pais, têm que acreditar que as duas partes desejam este acerto. Um olhar de desdita, o mais leve indício de que vai obrigada ao altar, e te retorço o pescocinho. Falei com claridade?

— Não sou atriz — replicou Madeline ficando tensa.

— Não sei quão convincente posso resultar. Se esperas que entre em casa de meus pais e simule que sou feliz...

— Isso é exatamente o que espero.

O lacaio, preparado para ajudá-los, chamou com suavidade à porta da carruagem, mas Logan ignorou a chamada.

— E parece justamente o contrário — disse, estudando o rosto pálido e tenso de Madeline.

— Sorria. Tenta te relaxar.

— Não posso.

Olhou-o aterrorizada.

Enquanto a contemplava, lhe ocorreu que ela ia pertencer-lhe durante o resto de sua vida. Ambos os sangues se mesclariam nas veias de sua descendência. Além do Logan, para a criatura resultava primitivo que ninguém se desse conta da verdadeira situação entre eles dois. Seu orgulho exigia que Madeline se mostrasse apaixonada, comportasse-se como tal e aceitasse a petição com aparente alegria.

Cavou-lhe as mãos ao redor do rosto e lhe atraiu a boca até a sua. Beijou-a com toda a destreza da que era capaz, deslizando a língua, rastreando e acariciando a brandura de seu interior, até que ela, impotente, correspondeu-lhe. Quando levantou a cabeça, Maddy ofegava com o rosto avermelhado.

Retirando-se, Logan a examinou sem paixão.

— Isso está melhor.

Depois de ajudá-la a descer da carruagem, conduziu-a através do atalho semicircular pavimentado que levava até a porta principal. O lacaio já havia se adiantando à carreira para abrir os painéis cor creme e anunciar sua chegada. Da entrada da casa lhes chegou uma acolhedora rajada de ar quente.

Logan, aparentando solicitude, manteve o braço ao redor dela como forma de garantir-se que os Matthews ficassem impressionados. Embora Madeline sabia que aquele braço de apoio não era mais que uma pantomima, agradeceu-o. Perguntou-se como reagiriam seus pais ante as iminentes notícias. Logan Scott carecia da linhagem aristocrática e da herança familiar necessárias. Além disso, seus pais tinham deixado bem claro que um homem que ganhasse a vida com seu trabalho, embora fosse médico ou advogado, jamais seria adequado para nenhuma de suas filhas. Um ator resultava inconcebível.

Seus pais fizeram ato de presença na entrada com uma expressão de horrorizado assombro. A palidez se deu procuração dos rasgos aristocráticos da mãe e a indignação lhe estreitava ainda mais o nariz.

— Madeline, deveria estar com Justine!

— Houve uma mudança de planos — interveio Logan, dando um passo adiante ao tempo que fazia uma ligeira inclinação.

— É uma honra conhecê-la, lady Matthews.

Quando viu que sua mãe lhe voltava a cara deliberadamente, retrocedendo um passo e lhe negando qualquer gesto de bem-vinda, Madeline se estremeceu.

— Senhor Scott — disse lorde Matthews, olhando ao casal com incredulidade, — melhor seria que entrássemos no salão, onde deveria tentar me explicar esta situação.

— Sim, milord.

Lorde Matthews se voltou para sua filha com um olhar intimidador.

— Madeline, você não. Deve ir a seu quarto. Já falarei contigo mais tarde. Madeline começou a balbuciar um protesto, mas Logan a interrompeu com suavidade.

— Madeline ficará conosco, milord. Sua presença se faz necessária, porque vamos falar de seu futuro.

— Como já lhe disse uma vez, Scott, eu me ocuparei do futuro de minha filha. Faz surpreendente desfaçatez ao vir aqui e intrometer em uma situação com a que já não tem nada que ver.

— Temo que não é tão singelo, milord.

Mantendo o braço ao redor de Madeline, seguiu aos Matthews até o pequeno salão, lotado de móveis ingleses com respaldos retos de mogno incrustados de amarelo e ocre e estofados em tons dourados. A única pintura da peça era uma insípida paisagem inglesa.

Lady Matthews se sentou e indicou aos outros que fizessem o mesmo.

— Madeline, sente-se aí — disse resolvida assinalando uma cadeira um pouco afastada do principal agrupamento de móveis.

Logan sentiu a tensão de Madeline. Segurou sua mão e a levou até um pequeno sofá situado a seu lado. Olhou a lady Matthews, desafiando-a em silêncio a que protestasse. A dama soprou pelo nariz e lhe dirigiu um gélido olhar.

Para alguns, lady Matthews era uma mulher de aparência agradável, embora carecia por completo de calidez e, ao redor de seus olhos e boca, não se detectava nenhuma dessas rugas de relaxação que revistam ser produto da risada. Na testa sim que se distinguiam, embora débeis, duas nítidas rugas horizontais que lhe conferiam uma aparência resolvida e obstinada. Uma vez adotada uma decisão, nada podia fazê-la trocar de opinião.

Não lhe preocupava que Madeline tivesse escapado do colégio, desobedecendo seus intuitos. Tampouco lhe assombrava que tivesse concebido um plano tão ridículo para frustrar a união que tinham acordado para ela. Podia imaginar-se que tipo de homem era lorde Clifton. Velho, como havia dito Madeline e, sem dúvida, muito, muito respeitável.

— Agora, senhor Scott — começou lorde Matthew, acariciando o cocuruto de sua calva cabeça e os cabelos cinzas da nuca— , importar-lhe-ia me explicar... por que veio até aqui com nossa filha? Eu perguntaria a Madeline, mas duvido que seja capaz de me dizer a verdade.

Parcimonioso, Logan acariciou com o polegar a maçã do rosto ardente de Madeline. O ofego de indignação de lady Matthews lhe alagou de prazer.

— Madeline foi para mim para me informar de certa circunstância muito importante. Sentiu-se na obrigação de fazer-me saber antes que a ninguém.

— E a circunstância é...? — perguntou lorde Matthews, que pareceu sufocar-se de improviso.

Logan tocou um cacho solto na têmpora de Madeline.

— Ela... nós... esperamos um filho, senhor. Segundo o doutor, nascerá em junho.

Deteve-se para assimilar suas reações de assombro e continuou com ritmo moderado.

— Como é natural, meu sentido da honra me exige que faça o correto com o Madeline e o bebê. Portanto, vim para lhe pedir sua bênção...

— Seu sentido da honra? — interrompeu-lhe uma escandalizada lady Matthews, realçando cada sílaba. Logan supôs que, se tivesse uma faca à mão, o teria feito em pedaços.

— Depois do que fez a nossa filha, tem a desfaçatez de afirmar que tem sentido da honra?

— Ele não teve culpa — atravessou Madeline com ímpeto. Teria seguido falando, mas Logan lhe pôs a mão na nuca e apertou para que se calasse.

Logan manteve fixo o olhar em lorde Matthews enquanto a hostilidade crescia no salão.

— Milord... acredito que se pode resolver a situação a satisfação de todos. Dou-lhe minha palavra de que sua filha será cuidada com esmero. Se me der sua permissão, arrumá-lo-ei tudo para que as bodas se celebre imediatamente...

— Não é você o homem adequado para casar-se com ela — explorou lady Matthews.

— Passei anos preparando-a para que fosse a esposa de um homem como lorde Clifton, e tudo para que um ator de teatro a tenha estragado. Já não pode cair mais baixo, não é mais que uma...

— Agnes! — interrompeu-a com brutalidade lorde Matthews. Sua esposa fechou com força a boca e olhou ao Logan indignada. Lorde Matthews voltou a centrar-se no Logan.

— Senhor Scott, avaliamos a boa disposição a cumprir com seu dever. Entretanto, tenho que pensar no assunto com atenção. Apesar do desafortunado estado de Madeline, também temos que considerar o mais conveniente para a família. Se minha filha se casar com você, teremos que confrontar uma insuportável má fama durante anos. Estou seguro de que um homem como você não é capaz de entender os efeitos que isto teria sobre os Matthews, mas a boa reputação é a essência de nossas vidas. Acredito que resolveríamos o problema com mais tranquilidade se não estivesse você por meio.

Ao dar-se conta do que estava dizendo Matthews, os lábios do Logan se deformaram em um sorriso de desprezo. Preferiam entregar ao menino e enviar a sua filha ao estrangeiro antes que dá-la em matrimônio a um personagem público como ele. Iria ao inferno antes de deixar que se desfizessem de Madeline e a criatura como se não fossem mais que um sórdido segredo.

— Pode fazer quantas considerações deseje — disse com suavidade, — mas lhe asseguro, lorde Matthews, que o menino nascerá com um sobrenome... o meu.

Levantou-se do sofá, dando a entender que a conversação acabara.

— É tarde — disse com brutalidade.

— Agora vou e, dentro de uns dias, voltarei para lhes informar dos preparativos que tenha feito. Madeline será minha esposa dentro de quinze dias.

O casal se levantou como impulsionados por uma mola, os dois balbuciando ameaças e negativas. Desaparecida qualquer aparência de cortesia, Logan os interrompeu sem alterar-se:

— Uma advertência: enquanto esteja ausente, não lhe dêem nenhum desgosto. Quando voltar, espero encontrá-la bem descansada.

Quando Madeline se levantou a seu lado, baixou os olhos para olhá-la.

— Se tiver dificuldades, mande me dizer — disse.

— Sim... Logan. — Madeline conseguiu esboçar um trêmulo sorriso.

— Muito bem — disse com doçura.

— Senhor Scott — interrompeu lorde Matthews, a redonda cara lhe brilhando com um vermelho escarlate, — tenho que lhe pedir que não volte a pôr um pé em minha fazenda.

— Muito bem — replicou Logan.

— Assim será depois de que tenha vindo a recolher Madeline.

— Pensa me desafiar? — espetou-lhe Matthews, fanfarrão.

— Scott, se me agradar, poderei destroçá-lo. Tenho amigos poderosos e influentes...

— Eu também.

Ambos os homens se encararam em um silencioso enfrentamento. Então, Logan falou em um tom tranquilo, quase conciliatório.

— Não seja idiota, Matthews. Com estas bodas ganha mais que perde. Apesar de minhas origens, acredito que encontrará certas vantagens no fato de me ter como genro.

— Como quais? — inquiriu lady Matthews altiva.

— Entradas grátis para o teatro sempre que quisermos?

Logan sorriu com ironia e seguiu olhando ao pai de Madeline.

— Confio em que quer o melhor para sua filha, milord.

Lorde Matthews assentiu com a cabeça a contra gosto e se voltou para sossegar a sua queixosa cônjuge.

Depois de despedir-se com um formal movimento de cabeça, Logan se encaminhou para a saída. Madeline o seguiu e o alcançou a poucos metros.

— Logan, aonde vai?

Ele se deteve e a olhou com impaciência.

— Irei visitar minha família.

— Vai lhes falar de mim?

— Entre outras coisas.

Ainda não lhe tinha contado nada a respeito das afirmações da senhora Florence relativas a seu parentesco. Não tinha sentido lhe falar disso até que tivesse confirmado a história; algo que esperava fazer essa mesma noite.

Madeline, nervosa, mordeu-se o lábio.

— Voltará?

Um sorriso zombador atravessou a cara do Logan.

— Voando — prometeu, e então se foi.

 

Caminho de Londres, Logan chegou ao Buckinghamshire às dez e meia da noite, embora estava seguro de que Rochester ainda não se teria retirado. O conde nunca necessitava mais que umas poucas horas de sono. Era como uma velha aranha atarefada, tecia suas redes até altas horas da noite com a esperança de apanhar a alguma presa infeliz ao dia seguinte.

Rochester tinha uma inata habilidade para descobrir as debilidades das pessoas e aproveitar-se das mesmas. Como aquela vez que convenceu a uma mulher recém enviuvada de que lhe vendesse a casa e as propriedades por uma ínfima parte de seu verdadeiro valor; ou como aquela outra em que, sentado no leito de morte de um parente, afligiu-o até conseguir que assinasse um novo testamento... com o Rochester como principal beneficiário, claro está. Andrew lhe tinha contado esses e outros muitos casos, e ambos riram, compartilhando de maneira amistosa a repugnância que lhes inspirava a cobiça do velho.

A carruagem atravessou o povoado próximo à fazenda do Rochester e deixou atrás do pátio da igreja, cheio de pétreos monumentos que honravam as façanhas dos Drake ao longo da história. A idéia de ser um deles... Deus, ser filho do Rochester! Imaginá-lo punha doente. Sempre tinha odiado ao conde por ser um bastardo calculista. Não podia ser verdade que o mesmo sangue poluído corresse por suas veias. Resultava ainda mais desagradável que ser filho do Paul Jennings.

Jennings não passava de um animal auto-compassivo, mas Rochester era uma espécie de depredador que utilizava às pessoas para servir a seus interesses e que, uma vez satisfeitos, desfazia-se delas.

A carruagem passou ao lado de uma grande casa de campo rodeada de um muro de pedra esculpida, a moradia que tinha construído para os Jennings fazia vários anos. Mary, Paul e seus três filhos viviam ali com comodidade. Paul seguia atendendo as terras que tinha atribuídas na fazenda do Rochester. Agora, entretanto, contava com a ajuda de um lavrador que atendia as obrigações do Paul, pois este passava a maior parte da manhã completamente bêbado. Logan mantinha a toda a família com a condição de que jamais tentasse visitá-lo em Londres. Não considerava que fosse um preço muito elevado.

Chegaram a grande casa aristocrática, a familiar silhueta logo que resultava visível na escuridão. Os Drake a tinham construído três gerações antes com uma elegante fachada de pedra e quilômetros de painéis de carvalho no interior. Ao igual a seu atual ocupante, Rochester Hall possuía uma elegância grave e uma aparência de inexpugnabilidade absolutamente enigmática. Inclusive as janelas eram pequenas e estreitas, como se pretendessem evitar qualquer intrusão.

Como conhecia a maioria dos criados do Rochester Hall da infância, Logan entrou sem anunciar-se, antecipando-se aos intentos da governanta de lhe comunicar sua chegada ao amo. Dirigiu-se à biblioteca, onde o conde se achava absorto em um livro de gravuras artísticas.

— Scott — disse Rochester, levantando a vista do livro e olhando-o com os olhos entrecerrados.

— É o último ao que teria esperado ver aparecer a estas horas.

Momentaneamente paralisado na soleira, Logan se viu assaltado pelas dúvidas. Na aparência, ele e Rochester não guardavam nenhum parecido, à exceção da estatura e a compleição. Não obstante, havia algo na mandíbula do velho — uma implacável proeminência como esculpida, — na inclinação agressiva do nariz e naqueles resolvidos cortes que eram as sobrancelhas... Meu deus! parecer-se-iam em realidade tão pouco como pensava?

Ignorando um repentino martelar na cabeça, entrou na biblioteca.

— Por isso parece, estes dias estou realizando um montão de visitas inesperadas — respondeu, e se aproximou do livro de gravuras que havia na mesa. Depois de descobrir uma delicada lâmina do gravador de retratos inglês William Faithorne, acariciou o canto do livro.

Com um grunhido, Rochester apartou a peça com brutalidade.

— Vieste choramingar porque me tenho feito com a coleção Hais apesar de sua desmesurada luta?

— Nunca choramingo, milord.

— Pois o fez naquela ridícula representação do Ricardo II a que tive a desgraça de assistir faz alguns anos. Espero não voltar a ver nunca mais uma interpretação tão chorosa e queixosa.

— Interpretei o papel tal e como foi escrito — replicou Logan sem alterar-se.

— Duvido que fossem essas as intenções do Shakespeare ao escrevê-la — apostilou Rochester.

— Vejo que está muito familiarizado com ele, verdade? — perguntou Logan, e o velho o olhou com o cenho franzido.

— Insolente desgraçado. Me diga a que vieste e te largue.

Logan o examinou durante um bom momento, durante o qual sentiu a urgência insuperável de partir sem dizer uma palavra mais.

— E bem? — exigiu Rochester, arqueando uma sobrancelha. Meio sentado na mesa da biblioteca, Logan apartou com indiferença o livro de gravuras para sentar-se.

— Tenho que lhe fazer uma pergunta. Me diga, milord... conheceu em alguma ocasião a uma tal senhora Nell Florence?

Exceto pela maior pressão dos dedos sobre a lupa emoldurada em ouro, Rochester não mostrou reação alguma.

— Nell Florence — repetiu com lentidão.

— O nome não me resulta familiar.

— Em outros tempo foi atriz cômica no Drury Lañe.

— Deveria esperar que estivesse à corrente de um dado tão corriqueiro?

— Olhou ao Logan sem pestanejar, como se não tivesse nada que esconder. Seus olhos mostraram a mesma expressividade que os de uma truta.

Algo se desmoronou no mais íntimo do Logan quando começou a compreender que a senhora Florence lhe havia dito a verdade. Sentiu um doloroso vazio no peito e tomou ar para tranquilizar-se.

— É um consumado velho mentiroso — disse com voz rouca.

— Mas dispôs de anos para aperfeiçoar-se, verdade?

— Possivelmente deveria me contar o que é que provocou fazer um chilique em minha biblioteca. Alguma pequena intriga da senhora Florence, né?

Logan apertou as mãos para evitar destroçar a mesa ou qualquer outra coisa.

— Não quero nada de você, nem um maldito xelim.

— Se for assim como quer que sejam as coisas...

— É o que quis você desde dia de meu nascimento — disse Logan com amargura.

— Estou encantado de satisfazer seus desejos. Só tem um filho. Deus me libere de seus paternais cuidados.

— Levei-me perfeitamente com o Andrew — replicou o velho.

— É você quem tem feito dele o esbanjador bêbado em que se converteu. Logan, atônito, ficou olhando de marco em marco.

— Eu?

— Não creia que ignoro as vezes que lhe deste dinheiro. Com seus insensatos intentos de ajudá-lo pioraste o problema. Enquanto alguém se faça cargo de suas dívidas seguirá bebendo e jogando.

— Preferiria que os tipos aos que deve dinheiro o deixassem aleijado? Mandarão a alguém a que lhe rompa todos os ossos do corpo... Isso se tiver sorte.

— Andrew tem que confrontar as consequências de seus atos. Do contrário, quando eu falte, as dívidas farão que acabe no cárcere. Agradecer-te-ei que não volte a te misturar em sua vida nunca mais.

— Encantado.

Um pouco aturdido, Logan se separou da mesa e se encaminhou para a porta.

— Scott — murmurou o velho.

Logan se deteve sem voltar-se. Esperou a que, em um tom reflexivo, Rochester falasse de novo.

— Sempre me perguntei por que escolheu o teatro. Teria triunfado em qualquer outra coisa, parece-te muito a mim.

— Tem razão — disse Logan com uma voz carregada de desprezo para si mesmo.

Voltou-se para seu pai. Horrorizado, compreendeu que tinha em comum com o Rochester algo mais que um parecido superficial. Egocêntricos e manipuladores ambos, preferiam investir seu tempo na arte e os negócios antes que assumir o risco de cuidar de alguém.

— Se tiver tempo suficiente, é muito provável que me converta em um desumano bastardo como você. E a razão de ter escolhido o teatro é que não tinha outra eleição: levo-o no sangue.

— Como sua mãe. — Rochester o estudou com atenção.

— Tenho que admiti-lo: para minha intranquilidade, sempre te pareceste muito a Elizabeth. Imagino que isso fez que Nell se fixasse em ti.

Como alma que leva o diabo, Logan partiu sem lhe responder.

Sentada em uma esquina da cama com dossel de seu quarto, em meio de montões de roupa impecavelmente dobrada, Madeline inspecionava as montanhas de baús e caixas alinhadas junto à parede. A maior parte de seus pertences estavam já guardados em malas para ser enviadas à casa londrina do Logan antes da cerimônia. As bodas teria lugar no salão da mesma ao cabo de uma semana. Apesar da insistência dos Matthews de que o correto era que a cerimônia se celebrasse na capela de sua herdade, Logan se tinha negado. Madeline sabia que tentava controlar todos os detalhes das bodas e que não permitiria nenhuma intromissão.

— Madeline! — Justine, sua irmã maior, apareceu na soleira com os olhos lhe marcando pela excitação. Tinha voltado para casa para ajudar com os preparativos das bodas, enquanto que Althea, por desgraça impossibilitada para assistir a ela, já que estava com seu marido em Escócia esperando o nascimento de seu primeiro filho de um momento a outro, tinha enviado uma cálida nota de felicitação.

— Está aqui — exclamou Justine.

— Sua carruagem se aproxima pelo caminho.

Madeline sentiu uma pontada de nervos no ventre. Embora Logan tinha mantido correspondência com seus pais durante a última semana, a ela não lhe tinha permitido ler as cartas. Apressada pela incerteza de se Logan não trocaria de idéia em relação à bodas, tinha tido problemas para comer e dormir.

— Deve acabar o jantar — lhe havia dito sua mãe a noite anterior.

— Se emagrecer mais, estou convencida de que seu prometido tentará nos repreender por isso... E, se o fizesse, não duvide de que lhe poria em seu lugar.

Madeline foi até o espelho e estudou seu aspecto, ao tempo que alisava a saia e se atirava do sutiã para colocá-lo em seu lugar. Apesar de ter perdido peso, os seios pugnavam contra o tecido do vestido e esticavam as costuras que os continham.

— Faz algo com o cabelo — lhe aconselhou Justine com impaciência.

— Parece um ninho de pássaros.

Madeline tirou as pinças e, de maneira mecânica, escovou o cabelo e fez uma trança para recolher-lhe em um coque à altura da nuca. Justine se pegou a ela ante o espelho, e lhe acariciou com delicadeza os cachos dourados, deixando uns diminutos cachos de cabelo sobre a testa aos que deu forma com vários toques de saliva. Admirando seu impecável reflexo, sorriu satisfeita.

Já de menina, Justine tinha assombrado às pessoas por aquela beleza branca e dourada de porcelana, assim como por uma notável elegância. Tinha sido o tipo de menina que jamais se comportou mal, rompeu os brinquedos ou sujou os sapatos.

Depois de ser apresentada em sociedade e ser pretendida pelos cavalheiros mais cotizados de Londres, e inclusive por alguns nobres franceses, acabou em braços de lorde Bagworth, um rico visconde. Justine era, e sempre o seria, o orgulho dos Mathews. Em tanto que ela, Madeline, era a vergonha da família.

Apressada por Justine, Madeline cravou a última pinça e beliscou as bochechas para lhes dar um pouco de cor. Quando baixaram as escadas, Logan já se encontrava no salão, onde Agnes lhe recebeu com a imprescindível cordialidade.

Logan ainda estava de pé quando as duas jovens fizeram ato de presença. Ali, na outra ponta do salão, parecia excepcionalmente grande; os ombros, largos sob o casaco negro de corte perfeito; o corpo, inclinado e rígido, embainhado em um colete de brocado cinza e calças chumbo. Levava o cabelo recém talhado e os cachos negros emitiam sutis brilhos cor mogno.

— Senhor Scott — disse Madeline, sem ter claro se aproximava-se ou não.

Logan resolveu o dilema imediatamente alcançando-a em umas poucas pernadas e tomando a mão. Em lugar de lhe beijar o dorso, levantou-lhe a palma e apertou os lábios contra o suave terreno baixo em um gesto de ternura e intimidade. Se o fez, foi para tirar proveito da presença da mãe e a irmã. Mesmo assim, ao sentir a calidez daquela boca contra sua pele fez que o coração do Madeline se sobressaltasse.

Logan se incorporou e contemplou cada detalhe do aspecto de Maddy do alto. O espaço entre as espessas sobrancelhas se contraiu.

— Não comeste muito — murmurou, muito baixo para que pudessem ouvi-lo as outras mulheres.

— Você tampouco — replicou Madeline. Não lhe tinha passado despercebido que o corpo do Logan parecia agora mais estilizado, mostrando uma magreza em que não havia o menor pingo de brandura que dissimulasse sua força selvagem.

Ante tal comentário, Logan sorriu com ironia e se voltou para ser apresentado a Justine. Madeline lhe apresentou também, com diligência, a sua irmã maior, esperando surpreender o olhar de atemorizada admiração que apareceria a bom seguro no rosto do Logan; os homens sempre reagiam assim ante Justine. Entretanto, a incandescente beleza da irmã não pareceu lhe impressionar grande coisa.

— Um prazer — murmurou com indiferença.

Um certo ressentimento brilhou no luminoso olhar de Justine.

— Bem-vindo à família, senhor Scott. Espero que trate bem a minha querida irmãzinha.

— Tentá-lo-ei, lady Bagworth.

Logan olhou a Justine com um movimento zombador da sobrancelha esquerda. Era evidente que aquela moça esperava que ficasse preso nela. Embora atrativa, o certo é que Madeline, com uns rasgos mais refinados e uma calidez e inteligência no olhar das que carecia sua irmã, superava-a em beleza.

Logan passou a interessar-se pela mãe de Madeline, Agnes, que estava sentada no lado oposto da habitação.

— Senhora Mathews, temo que não posso ficar mais tempo. Confiava em que me permitiria ficar a sós com Madeline uns minutos.

A petição pareceu ofender à dama.

— Como bem deve saber, as regras do decoro exigem que falem em presença de um acompanhante.

— Pouco importa isso a estas alturas, não lhe parece?

A resposta, dita com suavidade, provocou o enrijecimento de Madeline e uma risada tola em Justine.

Agnes, ante a falta de vergonha do comentário, franziu o cenho.

— Enquanto estejam sob meu teto, senhor Scott, insisto em que, por mais rigorosas que lhe resultem, se atenha as minhas normas de decência. É obvio que pode falar com Madeline, mas Justine fará de acompanhante.

E, com calma, saiu majestosamente da habitação, não sem antes dirigir um olhar de inteligência a sua filha maior.

Os três ficaram em silêncio. Justine, lhes dedicando uma careta e um compungido olhar, retirou-se ao extremo mais afastado da habitação. Ficou junto à janela e fingiu interessar-se pelo que via fora, enquanto Logan atirava de Madeline para um canto.

— Sinto muito... — começou a dizer com tristeza Madeline, tentando desculpar a frieza de sua mãe, mas Logan colocou um dedo sobre seus lábios. Encantada pela proximidade, calou-se. O perfume do Logan lhe resultava extremamente familiar, uma varonil mescla de linho, lã e pele enfeitada com tabaco.

— Como te encontra? — perguntou-lhe Scott, baixando o olhar até o dissimulado vestido de pescoço alto e subindo depois até o rosto de Maddy.

Madeline se ruborizou.

— Muito bem, obrigada.

— Segue tendo náuseas pelas manhãs?

— Sim.

— Só durarão um ou dois meses mais. Enquanto isso, tenta ter sempre algo no estômago.

— Como é que está tão versado no tema? — atreveu-se a lhe sussurrar. O golpe de insolência arrancou um sorriso no Logan.

— Minha vice-diretora se ausentou frequentemente por causa da mesma enfermidade.

— Então, nunca há... — começou Madeline, incapaz de ocultar a preocupação.

— Não — disse Logan, mostrando uma inusitada doçura na voz.

— É a primeira mulher com a que vou ter um filho.

Meteu a mão no bolso e extraiu um pequeno objeto.

— Me dê a mão.

Madeline sentiu como se deslizava um frio e pesado anel no anular da mão esquerda e fixou o olhar no objeto. Era um brilhante amarelo canário com pelo menos cinco quilates, rodeado de uma série de diamantes redondos e alvos que refulgiam como se fossem de fogo. Assombrada pelo insólito do anel, Madeline olhou ao Logan com os olhos como pratos.

— Santo céu! — A exclamação do Justine lhe chegou da outra ponta da habitação.

— É tão grande como um ovo!

— Obrigada — lhe disse Madeline com a voz tomada.

— Não tinha visto jamais uma coisa tão formosa.

Logan se encolheu de ombros com indiferença.

— Se preferir, trocamo-lo por outro.

— OH, não... é perfeito! — ficou olhando com atenção o reluzente brilhante, tentando encontrar as palavras adequadas para agradecer-lhe mas nenhuma lhe pareceu apropriada.

Incapaz de reprimir a curiosidade, Justine se aproximou a toda pressa.

— Madeline, me deixe vê-lo. Deus bendito, que pedra mais extraordinária! Posso provar isso?

Antes até de que a pergunta terminasse de sair de seus lábios, arrancou o anel do dedo de Madeline e ficou a examiná-lo com admiração.

— Impecável! E que cor tão espetacular!

Dirigiu então um olhar de picardia ao casal:

— Diria que um presente como este merece algo mais que um mesquinho «obrigada», Madeline. Não deveria recompensar ao senhor Scott com um beijo? Depois de tudo, mamãe não está... e eu não vou ficar consternada e incapaz de interpretar sua expressão.

Madeline olhou ao Logan.

— O senhor Scott é muito reservado... — disse, mas Logan a interrompeu com um sorriso malicioso.

— Não tão reservado, carinho.

E lhe deslizando com suavidade as mãos sobre suas bochechas, sujeitou-a enquanto aproximava os lábios aos seus.

O ligeiro roçar de sua boca, a maneira em que a saboreou como se fosse um manjar digno de degustação, fez estremecer a Madeline. Era só uma exibição — se obrigou a recordar— para convencer a Justine de que estavam apaixonados; embora não pudesse evitar que lhe percorresse uma quebra de onda de prazer. Quando Logan se inclinou sobre ela, a desorientação provocada pelo intenso deleite de sentir aquela boca contra a sua fez que lhe tremessem as pernas e se inclinasse sobre ele.

Logan terminou o beijo com um ligeiro empurrão dos lábios. Apartou-se e a olhou com atenção.

— Bem — se ouviu a voz de uma meditabunda Justine, — parece que minha irmã pequena gostou muito, senhor Scott. Mas uma não posso evitar perguntar o que é que vê um homem como você em uma garota como ela.

Uma careta de ironia torceu a boca do Logan. Não havia dúvida de que Justine estava bastante ciumenta.

— Madeline reúne as qualidades que sempre desejei em uma esposa — replicou sem alterar-se.

— É teimosa — observou Justine.

— Só lhe desejo que tenha melhor sorte que meus pais na hora de dominá-la.

— Justine — disse Madeline, e olhou a sua irmã com os olhos entrecerrados, — não é necessário que fale de mim como se fosse um mascote desobediente.

Logan soltou uma repentina gargalhada e, enquanto conduzia a Madeline até o sofá, esta percebeu um olhar de aprovação em seus olhos.

— Deixem as brigas para depois — murmurou.

— Não disponho de muito tempo e eu gostaria de discutir alguns detalhes relacionados com as bodas.

— Ficará para jantar? — perguntou Madeline. Logan o negou imediatamente com a cabeça.

— Não tenho nenhuma intenção de submeter a ninguém, e menos a mim mesmo, à prova de manter um bate-papo corriqueiro na mesa dos Matthews.

— Possivelmente seja o mais prudente — observou Justine com malicioso regozijo.

— Que nossa mãe desaprova a você não é nenhum segredo. É uma lástima, não obstante... Tenho a sensação de que seria um comensal do mais divertido, senhor Scott,

— Isso corresponde dizer sua irmã — respondeu Logan, olhando a Madeline de uma maneira que lhe recordou a última vez que tinham jantado juntos... e a noite de paixão que lhe tinha seguido. Parecia empenhado em divertir-se a custa de seu desassossego.

Daí a conversação se desviou a temas mais mundanos, pois Madeline se via incapaz de concentrar-se nas bodas. A cabeça lhe zumbia de tanto lhe dar voltas às coisas. Ao cabo de uma semana se converteria na esposa do Logan e, se ele desejasse, voltariam a compartilhar cama. Tinha-lhe advertido que já não seria tão prazenteiro como antes. Ela supôs que se referia a que Logan nunca voltaria a preocupar-se de que sentisse prazer; ou, possivelmente, inclusive a que lhe faria mal... Embora não acreditasse que fosse capaz de semelhante coisa. Apesar de seu gênio, Logan não era um homem cruel.

Agnes retornou para participar da conversação sobre os detalhes relativos à bodas. Não opôs objeções aos planos do Logan, exceto quando aconteceu com discutir o traje de sua filha. Não haveria força sobre a Terra — assegurou ao Logan — que a obrigasse a permitir que Madeline vestisse branco.

— Seria um ato de suprema hipocrisia — afirmou com firmeza.

— Madeline perdeu o direito a semelhante privilégio.

Logan a olhou aos olhos sem pestanejar.

— Quando a conheci, Madeline era inocente. Tem direito a vestir branco durante as bodas.

— Quando realizarem os votos ante Deus, Madeline não irá vestida com a cor da pureza. Seria uma blasfêmia. Não me surpreenderia que um raio atravessasse o teto.

Logan torceu a boca em um careta sarcástica.

— Embora não seja um homem religioso, suspeito que o Senhor tem outras coisas das que preocupar-se que não têm nada que ver com a cor do vestido de Maddy.

— Maddy — repetiu Agnes e sacudiu a cabeça em sinal de desagrado pelo diminutivo.

— Lhe agradeceria que não chamasse a minha filha com um nome que parece mais próprio de uma prostituta...

— Mãe — a interrompeu Justine, colocando a mão sobre seus estreitos ombros com ânimo tranquilizador.

Já acalmada, sua expressão era tão sombria como uma tempestade. Madeline fez provisão de valor e tocou o ombro ao Logan com suavidade.

— Por favor — disse em voz baixa.

— Mãe tem razão, não deveria ir vestida de branco.

Embora era evidente que ao Logan teria gostado de discutir, franziu o cenho e não respondeu, deixando que o silêncio servisse de conformidade.

— Obrigado — disse Madeline, sentindo-se alagada por uma quebra de onda de alívio.

— Importa-me um nada se assistir à cerimônia completamente nua — murmurou.

— Eu gostaria de terminar com este maldito assunto para poder continuar com meu trabalho.

Agnes, não podendo evitar ouvir o comentário, ficou rígida e olhou ao Logan, enquanto Justine tentou acalmá-la uma vez mais.

Madeline baixou a vista até seu regaço. Sabedora de que Logan sempre anteporia o Capital a qualquer outra coisa em sua vida, entendeu sua impaciência. Nenhum simples mortal conseguiria elevar-se jamais por cima de seu amado teatro.

Resolvido o problema do traje nupcial, a conversação não demorou para chegar a seu fim e Logan partiu. Depois de sua partida, a mescla de nervos e excitação que a tinham atendido começou a debilitar-se. Um pouco deprimida, voltou para sua habitação para continuar fazendo a bagagem acompanhada por Justine.

— Que homem tão extraordinário! — exclamou Justine tão logo fecharam a porta do dormitório.

— Que atitude... e esses olhos azuis! Entretanto, encontro que o mais estupendo é sua voz; com ela poderia seduzir a qualquer mulher... inclusive unicamente enumerando equações matemáticas.

Ao escutar os comentários de admiração de sua irmã, Madeline foi consciente de um sentimento de orgulho. Justine sempre a tinha tratado com uma mescla de afeto e condescendência, e agora, pela primeira vez, detectava um pingo de inveja em sua voz.

— Miúda descarada resultaste ser — concluiu Justine.

— Nem Althea nem eu poderíamos acreditar quando nos inteiramos de que te tinha escapado do colégio e tinha tido um aventura com o Logan Scott. Parece-me divino. Claro que é uma pena que te case com um homem que está tão por debaixo de ti.

Madeline se esticou.

— Não considero que esteja por debaixo de mim em nenhum aspecto.

— Esse é o espírito correto. Deve aparentar como se nem sequer fosse consciente de seu baixo berço.

Justine se inclinou para diante, os olhos transbordantes de uma viva curiosidade.

— Scott parece um homem muito viril. Suponho que é um autêntico professor, não? Me conte como foi, Madeline!

— Não poderia — protestou a interpelada, sobressaltada pela pergunta.

— É algo íntimo.

— Mas sou sua irmã e pode confiar. Me fale do senhor Scott e, em troca, contar-te-ei algo que você adorará saber a respeito de lorde Bagworth.

Madeline recordou imediatamente ao baixinho e inchado marido de Justine e esboçou um sorriso.

— Justine... me perdoe, mas não supõe um grande estímulo.

— Bom.

Sua irmã maior se recostou e a olhou zangada.

— Pode que lorde Bagworth não seja tão galhardo como o senhor Scott, mas tem contatos na alta sociedade que superam aos de seu marido.

— Estou segura de que assim é — replicou Madeline contendo a risada. Não tivesse esperado semelhante reação de sua irmã. Mostrou sempre tão satisfeita, e inclusive petulante, por haver-se casado com um homem com título, com uma imensa fazenda, uma bonita casa em Londres e uma vintena de serventes que a atendiam... Mas Logan Scott era ainda mais rico. E, tal como tinha admitido Justine, muito arrumado. A Madeline não importava que não tivesse nenhuma gota de sangue azul em suas veias. Logan era o homem mais fascinante e de maior talento que jamais tinha conhecido e não podia pedir um marido melhor. De fato, quão único desejava era chegar a ser digna dele.

Uma semana mais tarde, sobre o brilhante parqué do salão do Logan, e rodeados de colorida profusão de pinturas, contraíram matrimônio. Madeline logo que foi consciente da presença, depois deles, de sua família: os pais, sua irmã Justine e lorde Bagworth.

Os únicos convidados do Logan à cerimônia foram o duque e a duquesa do Leeds e, coisa curiosa, a senhora Florence. Madeline não conseguia entender o interesse que tinha mostrado Logan para que estivesse presente a anciã. O trato entre ambos era tão cortês como receoso, embora Madeline tivesse a sensação de que os dois compartilhavam um segredo que ninguém mais tinha o privilégio de conhecer. Talvez algum dia conseguiria averiguar que entendimento se produziu entre um e outra, e por que ambos pareciam desfrutar de um maior conhecimento da situação que qualquer outro dos assistentes.

Logan respondeu com monossílabos às perguntas do clérigo. A expressão de seu rosto era dura embora serena: o semblante de um ator habituado a mascarar as emoções. Madeline estava segura de que aquela situação revoltava o orgulho do Logan. Nunca devia ter sonhado ser obrigado a casar-se algum dia com uma mulher pela que sentisse tão vivo ressentimento, mas ela, embora de maneira involuntária, tinha-lhe forçado a isso. Embora Madeline tivesse tentado encarar a responsabilidade da gravidez por si só, em alguma parte de seu coração tinha sabido que, uma vez informado, Logan não seria capaz de ignorar a existência do menino. Umas lágrimas não derramadas, fruto do arrependimento e da vergonha, arderam-lhe nos olhos.

Quando o clérigo os exortou a amar-se e honrar-se mutuamente e os animou a proferir as promessas que os atariam por toda vida, Logan olhou Madeline e viu suas lágrimas. Então lhe esticou a mandíbula até que os músculos lhe tremeram. Depois de serem declarados marido e mulher, Logan selou a cerimônia com um frio beijo nos lábios de Madeline.

Continuando, os convidados se sentaram para dar conta de uma comida de oito pratos no espetacular salão, uma peça recoberta de mármore e colunas coríntias douradas. O teto estava pintado com uma cena de tempestade, do Shakespeare, e do teto desciam pelas paredes feixes ornamentais de gesso italiano.

Sentada no extremo oposto da larga mesa, Madeline logo que vislumbrava a seu marido através da cristaleira e os candelabros de ouro dispostos entre ambos.

Claramente, a beleza e o luxo do entorno tinham impressionado a seus parentes. A chegada dos muito caros vinhos servidos em taças de cristal e as bandejas de especialidades francesas aliviaram de forma notável o ambiente.

O marido de Justine, lorde Bagworth, manifestou com entusiasmo a deliciosa seleção das colheitas.

— Scott, tenho que lhe dizer que para um homem que jamais recebe em sua casa, interpreta o papel de anfitrião à perfeição.

Antes que Logan pudesse responder, a mãe de Madeline aproveitou o momento para levantar a vista de seu prato filetado em ouro e comentar com acidez:

— Tão somente fica desejar que o senhor Scott desempenhe o papel de marido responsável com idêntica destreza.

Ao ter sido dito com certa ligeireza, o comentário bem poderia haver-se interpretado como uma brincadeira amistosa; não obstante, a desaprovação de Agnes não podia ter ficado mais patente.

Enquanto esperava a resposta do aludido, Madeline ficou tensa. Para seu consolo, Logan respondeu sem alterar-se.

— Confio em que não terá queixa a respeito, lady Mathews... Nem tampouco minha esposa.

— É obvio que não — respondeu Madeline.

De qualquer maneira que não tinha falado durante a maior parte do dia, seu comentário incitou sobre si o surpreendido olhar de muitos dos comensais. Continuou falando em um tom significativo.

— Estou segura de que minha mãe quis dizer que confia em que as elevadas expectativas que depositou em você ficarão plenamente justificadas, senhor Scott.

— Sei o que quis dizer — assegurou Logan com um brilho de regozijo em seus olhos azuis, o primeiro que Maddy tinha apreciado aquele dia.

A comida tocou a seu fim com um prato de queijo, vinho e fruta e, ato seguido, os cavalheiros passaram a desfrutar do porto e os grossos charutos, enquanto as damas se retiravam para tomar o chá e conversar. A duquesa do Leeds aproveitou que as duas se sentaram em umas cadeiras um pouco separadas do resto para falar com a noiva em privado. Era a primeira vez que se viam desde que Madeline partiu do Capital.

— Parabéns, Maddy — disse Julia.

— Desejo que sejam muito felizes em seu matrimônio.

Madeline respondeu com um lânguido sorriso.

— Se considerarmos o começo, não vejo como vai ser possível.

Julia estalou a língua compadecida.

— O seu não é o primeiro matrimônio que começa sob umas circunstâncias não de todo perfeitas... nem tampouco o último. Acredito que ter uma esposa e um filho beneficiará ao Logan em aspectos que nem sequer suspeita.

— Nunca me perdoará pelo que fiz — disse Madeline.

— E não lhe culpo.

— Tolices. Estou segura de que é consciente de que Logan te segue amando, Maddy. Só tem medo de voltar a confiar em ti. Espero que tenha paciência com ele, o qual, acredito, não será fácil. Sua teimosia esgotaria a paciência de um santo, a verdade.

Sua atitude se fez mais corajosa e alentadora quando acrescentou:

— Não sei se Logan lhe há isso dito já, mas me pediu que te ajude a organizar um baile para antes de um mês.

— Mas para que?

— Para te apresentar a toda Londres, claro.

A Madeline, consternada, lhe retirou o sangue do rosto.

— Mas todo mundo estará olhando para mim e murmurarão...

— Não importa o que digam — lhe assegurou Julia.

— Acredite, durante 11 anos fui objeto de intrigas e rumores, e agora que está casada com um homem tão popular como Logan você também o será. Acostumar-te-á ao cabo de um tempo.

A senhora Florence se aproximou e se sentou para rechaçar o oferecimento da Julia a ajudá-la. O vestido azul escuro debruado com fileiras sobrepostas de encaixes, assim como as fileiras de grosas pérolas ao redor dos pulsos e pescoço, conferiam-lhe um majestoso aspecto. Intercambiaram alguns comentários elogiosos sobre o serviço e a magnificência da propriedade do Logan.

— No referente às questões econômicas, os atores se mostram especialmente incapazes — observou a senhora Florence, enquanto contemplava o luxuoso entorno com um inexplicável brilho de orgulho na olhada.

— Ao que parece seu marido é uma exceção à norma, Maddy. É uma mulher muito afortunada.

— Sou afortunada por muitas razões — respondeu Madeline com um sorriso forçado que não enganou a suas duas acompanhantes.

— Sim, sim que o é — assentiu a senhora Florence em voz baixa, e o afetuoso regozijo de seus olhos acusou os pés de galinha.

Madeline respirou profundamente e relaxou um pouco. Era estranho que aquelas duas mulheres fossem capazes de lhe proporcionar o consolo que sua mãe ou suas irmãs nem sequer haviam tentando lhe proporcionar. Deixando-se levar por seus impulsos, procurou a mão da senhora Florence.

— Senhora, obrigada por assistir a minhas bodas. Sua presença me tem feito o dia mais fácil.

— Devo dizer que por nada do mundo teria perdido suas bodas com o senhor Scott. Tem-me aberto muitas portas, e estou segura de que nem sequer imagina de que natureza.

A senhora Florence parecia agradada pela expressão de estranheza das duas jovens.

— Que portas? — perguntou Julia, e riu ao tempo que sacudia um dedo acusatório para sua amiga.

— Parece o gato que comeu o queijo. E tenho que saber por que.

— Possivelmente algum dia — respondeu, aprazível.

Depois disto, a senhora Florence não voltou a falar, limitou-se a beber de sua taça de chá e a seguir contemplando a estadia com evidente satisfação.

Madeline não se inteirou da marcha dos convidados, que tão somente pareciam haver-se dispersado até não ficar mais que os criados que, eficientes, retiraram qualquer rastro das bodas. E Logan, inquietantemente tranquilo ante a presença de Madeline em sua casa. Sem pressas e estirando as pernas, sentou-se à mesa e terminou de fumar um charuto. Madeline ocupava um sofá próximo, ainda vestida com o traje de bodas, um vestido vermelho claro adornado no pescoço e os pulsos com rosas de um tom mais escuro.

Se não fosse pela tensão nervosa, teria desfrutado de estar ali sentada, com o terroso aroma do charuto flutuando à deriva até ela. Nesse momento, finalizada a dura prova dos bate-papos corriqueiros, um ditoso silêncio envolvia a casa. Entretanto, ainda faltava por chegar outra terrível experiência, cujo momento e realização dependiam por completo do Logan.

Logan olhou a Madeline com distanciamento, da mesma maneira que poderia contemplar uma pintura ou uma escultura. Ela teve a certeza de que a afirmação da Julia de que ainda a amava era do todo falsa. Nenhum homem poderia olhar à mulher amada como se fosse uma mera propriedade, que pudesse agarrar ou rechaçar a vontade. Pensou em cem maneiras de iniciar a conversação e as descartou todas. Que estranho resultava que os silêncios entre eles tivessem sido em outro tempo tão agradáveis, quando agora resultavam tão tensos e forçados.

— Te prepararam uma habitação — disse ao fim Logan sacudindo a ponta do charuto sobre um cinzeiro de bronze.

— Um dos serventes te mostrará o caminho até acima.

— Então, não vamos compartilhar...

— Não. Ocuparemos quartos separados. Como sabe, estou acostumado a entrar e sair a horas pouco convencionais. Se dormirmos em camas separadas, não perturbarei seu descanso.

«E eu não perturbarei sua intimidade», pensou Madeline, mas mordeu a língua.

— É muito considerado por sua parte — murmurou ao levantar-se. Logan fez o mesmo, todo um cortês anfitrião de pés a cabeça.

— É obvio, reservo-me o direito a te visitar de vez em quando — apostilou.

Madeline, guardando a compostura com grande esforço, assentiu.

— E esta noite? — perguntou com um ligeiro tremor na voz. Os olhos azuis do Logan, brilhando através de uma espessa nuvem de fumaça, não mostraram expressão alguma.

— Quando estiver pronta para te deitar, vem a minha habitação.

— Muito bem. — Madeline tragou saliva com dificuldade.

Tão logo teve transpassado a soleira, Logan voltou a sentar-se. Madeline, já fora de sua vista, seguiu sentindo o olhar do Scott, como se o calor do mesmo lhe tivesse deixado uma marca em metade das costas.

A habitação acrescentada aos aposentos privados do Logan aumentou até o dobro de seu tamanho tirando uma parede. Um reluzente brocado em ouro e branco cobria as paredes. Formando artísticos grupos, penduraram-se vários óleos emoldurados em folha de ouro. A imagem representava a uns meninos jogando e alguns mais eram cenas domésticas de mulheres e meninos.

Desfrutando do feminino da decoração, Madeline passeou pela habitação sem que nenhuma das mudanças efetuadas escapasse a sua atenção, incluindo o relógio de ouro do suporte da chaminé, o complicado encaixe da colcha de seda cor creme e a mesa de costura de marchetaria com incrustações de madrepérola.

Embora ainda não tivesse chamado a nenhuma criada, apareceu uma para ajudá-la a tirar o vestido de noiva. Já com a camisola de pescoço alto, Madeline se sentou ante a penteadeira, e enquanto a camareira lhe escovava os largos cachos castanhos, sumiu-se em seus pensamentos.

A criada lhe disse algo, e Madeline levantou o olhar com um sorriso nervoso.

— O que? — perguntou.

— Temo que estava distraída.

— Perguntava-lhe se necessita algo mais, senhora Scott.

— Senhora Scott — repetiu Madeline com um sorriso hesitante.

— É a primeira pessoa que me chama assim.

A criada lhe devolveu o sorriso e fez uma reverência antes de abandonar o quarto.

Madeline ficou olhando com atenção sua tez cinzenta e, imediatamente, aplaudiu-se e beliscou as bochechas para que a cor afluísse a elas. Estava segura de que não havia motivo para temer ao Logan. Dano não lhe ia fazer, embora não fosse mais que porque levava a seu filho nas vísceras. Por outro lado, podia fazer coisas que a desagradassem em sobremaneira. Agora era seu marido, e ela estava completamente a sua mercê. Ninguém ia intervir em seu nome, tanto se Logan escolhia ser cruel como justamente o contrário.

Madeline ficou em pé e examinou a larga fileira de botões que fechavam por diante a bata branca de linho. Elevou o queixo com resolução e saiu da habitação.

O dormitório do Logan, só umas quantas portas mais à frente, estava envolto na luz da chaminé. Scott se encontrava meio convexo na cama, apoiado no travesseiro com as mãos enlaçadas depois da cabeça morena. Nu, o lençol definia com angulosa claridade a excitação do corpo. O brilho do fogo fazia refulgir sua cara como se fosse de metal recém fundido. Depois de aproximar-se da cama, Madeline se deteve escassos metros para ouvir o profundo som da voz do Logan.

— Tire a roupa. Olhou-o confundida.

— Vamos — murmurou, os olhos lhe brilhavam como os de uma fera lhe espreitando.

Madeline entendeu o que queria e tentou agradá-lo, mas tinha os dedos rígidos. Logan, silencioso e atento, aguardou com paciência forçada. A torpe mão de Maddy ia liberando os diminutos botões das casas de seda e, quando terminou, tirou os braços das mangas e deixou cair a bata ao chão. Ficou só com a fina camisola. Ao dar-se conta de que a luz procedente do fogo atravessava o tecido e iluminava cada detalhe do corpo, sentiu que a pele lhe ardia.

— O resto — disse inexorável Logan.

Olhou-o com a cara tensa e levantou os braços para desabotoar os fechamentos da nuca. A sensação de ser uma propriedade, um objeto em exibição, lhe caiu muito insuportável. Se Logan queria humilhá-la, estava-o obtendo. Espremendo o delicado tecido com as mãos, começou a atirar da camisola por cima da cabeça e duvidou... Não podia.

— Vamos — chegou repentinamente a voz espessa de seu marido.

Contendo a respiração, Madeline obedeceu com resolução; levantou por completo a camisola e a deixou cair ao chão. O ar frio pareceu penetrar cada poro de sua pele, lhe pondo arrepiada e lhe encolhendo os mamilos até convertê-los em umas endurecidas pontas. Sentindo a boca seca, permaneceu frente a ele com as mãos apertadas contra os flancos, enquanto Logan a contemplava.

— Tenho frio — sussurrou desesperada, desejando algo, algo, que pudesse utilizar para cobrir-se.

— Já o vejo — replicou Logan sem desviar o olhar do peito de sua esposa. Tirando as mãos de detrás da cabeça, retirou o lençol e lhe fez um gesto para que se metesse na cama.

Madeline não pôde evitar, ao dirigir-se para ele, cruzar um braço sobre o peito, a mão contrária ocultando a sombra do púbis.

O gesto pareceu divertir ao Logan, cuja respiração, cada vez mais agitada, fez audível a Maddy ao chegar à cama.

— Não faz falta que seja recatada, carinho. Antes que termine a noite não ficará nenhum segredo.

Quando engatinhou pelo colchão e se tombou sobre o linho suave e tenso lhe tocavam castanholas os dentes e tinha duros todos os músculos do corpo. A mão grande e quente do Logan, deslizando-se sobre seu quadril, fez que Maddy estremecesse. Contra o que temia, quando a atraiu para ele, foi muito doce, quase impessoal. Com a perícia de um escultor, as pontas dos dedos do Logan seguiram, doces e levianas, cada dobra de sua pele.

Mas na forma de tocá-la havia certo distanciamento, e Madeline se deu conta que o apaixonado amante que recordava tinha sido substituído por um estranho calculista. Ele fazia amor em um sentido puramente físico, guardando as emoções sob chave com decisão. Se ao menos pudesse simular indiferença... Mas quando a boca do Logan encontrou a dolorida ponta de seu peito e deslizou as mãos entre suas coxas, Maddy não pôde reprimir um gemido de prazer. Os dedos do Logan se afundaram no arbusto de cachos sedosos, separaram os tenros lábios e roçaram a crescente umidade.

Madeline se revolveu, sob suas carícias, arqueando o peito ante os persistentes puxões da boca do Logan, sentindo que a paixão crescia mais e mais. As palavras tremeram no bordo de seus lábios, obrigando-a a empregar toda sua vontade para evitar que se vertessem. Quero-te..., quero-te... Mas ele não queria seu amor.

No preciso instante em que o êxtase dilacerador começava a percorrer seu corpo, Logan se retirou. Curvada por uma intolerável dor, Madeline protestou com um gemido e alargou os braços para ele, obtendo como única resposta o ver-se empurrada contra o colchão. Percebeu o perfil da cabeça e os ombros do Logan sobre ela e por um momento temeu que tentasse deixá-la assim, envergonhada e tremente pela necessidade.

— Por favor... — começou, e sua voz lhe soou alheia.

— Silêncio. — Logan lhe tocou os lábios com os dedos, que levavam o aroma íntimo de Maddy.

Madeline mordeu o lábio. Tendida, imóvel, seu tórax subia e baixava com rapidez. Ao sentir a boca quente do Logan justo debaixo do peito, descendo para o ventre, seu corpo se esticou com uma sacudida. Insegura, tocou-lhe a cabeça e enroscou os dedos nos cachos negros e abundantes de seu marido. Logan retirou a mão e continuou percorrendo seu corpo, investigando com lábios, dente e língua... alcançando o sensível terreno baixo do umbigo... a tenra dobra do interior de suas coxas.

— Não — espetou com um grito afogado, retorcendo-se com um estremecimento quando Logan chegou à zona sensível. Madeline jamais tinha imaginado que semelhante coisa pudesse fazer-se.

— Não...

Mas Scott, agarrando-a com força pelos pulsos, sujeitou-a e a imobilizou no lugar.

— Não volte a me dizer essa palavra nunca mais — disse com voz dura como o aço.

— Nem na cama, nem fora dela.

A declaração emocionou a Madeline. Compreendeu que lhe impor sua vontade era a vingança do Logan por havê-lo ferido.

— Não deve... — conseguiu dizer, fazendo força para liberar os pulsos.

— Não quero isso.

Logan riu em tom zombador, e voltou a agachar a cabeça. Os olhos de Maddy arderam com lágrimas de fúria e vergonha quando sentiu a língua do Logan nela, ali onde nunca a tinha imaginado, onde jamais pensou que fosse possível. Embora tentasse apertar as coxas, o corpo traidor a desobedeceu, e os abriu de par em par para recebê-lo. Sentiu os ardentes lábios do Logan, queimando-a, a língua, suave invasora, lhe arrancando gemidos e gritos de prazer mortificante. Deixou de ser ela mesma, reduzida a uma criatura libertina que se arqueava com frenética necessidade, até que o clímax, lhe chegando em uma enorme quebra de onda, enrolou-a, deixando-a ato seguido débil e sem forças.

Antes que se desvanecesse aquela brilhante sensação, Logan se colocou em cima dela. Sentiu como a penetrava e tentou protestar ante a intromissão com débeis empurrões contra o peito de seu marido. Logan se inundou à força nas inflamadas profundidades de Madeline até que esta, rendendo-se com um gemido, abriu-se a ele. O rítmico movimento, um impulso lento e constante, fez que seus afligidos sentidos entrassem de novo em uma espiral descontrolada.

Madeline recostou o rosto sobre a dura curva que formavam o pescoço e o ombro do Logan e, de algum jeito, percebeu que com aquele ato a tinha feito sua de um modo distinto à primeira vez. Logan tinha sido então, um amante, um professor, um amigo; agora era o amo quem a dominava em corpo e alma.

O prazer voltou a invadi-la, como um fogo que se dissolvesse em seu interior, e ofegou contra o pescoço tenso do Logan. Este a penetrou por última vez, afundando-se profundamente, e seu grande corpo se estremeceu com a ejaculação. Selados pela transpiração do Scott mantiveram os braços e as pernas entrelaçados com força. Sentir o ligeiro tremor do Logan, perceber a respiração contra sua pele, os batimentos de seu coração sobre o peito, tranquilizou a Madeline. Não importava o muito que o tentasse, o fato era que não podia permanecer indiferente a ela. Ainda em cima, Logan se relaxou, e ela agradeceu sentir seu peso, até que, com um suspiro, Logan se deixou cair a um lado.

Maddy desejou que a beijasse e a acariciasse, inclusive que tomasse sua mão um instante, mas seu marido se absteve de tocá-la. De repente, o quarto voltou a esfriar-se. Madeline se estirou para cobrir-se com os lençóis até os ombros. Presa do desconcerto, perguntou-se se ele queria que se fosse.

— Vou já? — perguntou.

Ao Logan levou bastante tempo responder.

— Não. Talvez te necessite de novo esta noite.

A boca de Madeline se contraiu ante a arrogância da ordem, mas voltou a apoiar-se nos travesseiros. «Tenha paciência com ele», tinha-lhe aconselhado Julia. Bom, sem dúvida o esforço merecia a pena. Tentaria expiar os enganos do passado; o devia. Voltou-se de lado para contemplar o perfil do Logan à luz do fogo. Tinha os olhos fechados, mas Maddy sentiu que demoraria para dormir e que ela só podia conjeturar a respeito dos pensamentos que ocupavam sua mente.

Na década transcorrida desde que Logan se fizera cargo do teatro Capital — durante a qual tinha reconstruído e remodelado o velho conjunto de edifícios e formado uma companhia de atores, músicos, pintores, carpinteiros, desenhistas de vestuário, tramoistas, contra-regras, diretores de cena e outros profissionais, aos que tinha preparado a seu gosto, — jamais tinha chegado tarde a um ensaio. Até essa manhã.

Pelo geral, não lhe custava despertar, mas aquele dia se sentou aturdido e ofuscado pelo sonho. Quando descobriu a Madeline dormindo a seu lado, não pôde evitar tocá-la. Fez-lhe amor enquanto ela bocejava e ronronava como uma gatinha dormida. Só ao terminar se deu conta do tarde que era.

Com o cenho franzido, vestiu-se a toda pressa entre maldições. À carreira, a carruagem lhe levou ao teatro o mais depressa possível. Contudo, chegou quarenta e cinco minutos atrasado e, quando atravessou a grandes pernadas a porta traseira e se dirigiu para a sala de descanso, a crispação resultava evidente em seu rosto. Sem dúvida, a companhia resmungaria e protestaria por sua tardança, e tinham direito a queixar-se. Jamais tinha duvidado em multar a qualquer pela mesma falta.

Salvo pela presença do Jeff, o ajudante, a sala de descanso se achava vazia.

— Senhor Scott! — exclamou.

— Todos nos perguntávamos se viria hoje...

— Onde está a gente? — interrompeu-lhe Logan, começando a enrugar o sobrecenho.

— No cenário, senhor. Ao ver que não vinha, a duquesa assumiu a direção do ensaio.

Fez um breve gesto de assentimento com a cabeça e cruzou a porta que levava para os bastidores. Quando se aproximava do cenário, chegou até ele uma quebra de onda de murmúrios precipitados e um ruído de correrias. Erguendo os ombros, saiu de entre os bastidores... e se deteve de repente ao ver que toda a companhia lhe esperava formando um semicírculo, sustentando copos e taças nas mãos. Ouviu-se o ruído dos plugues ao desarrolhar-se e todos sorriram como idiotas ao vê-lo.

— Felicidades! — gritou alguém, ao mesmo tempo em que, entre gargalhadas, outra voz lhe acusou:

— Chega tarde!

A situação desembocou em um coro de risadas e aclamações, e quando se serviu o espumoso champanha os copos tilintaram com profusão. Alguém lhe pôs uma taça na mão e sentiu que sua boca se estirava em uma careta.

— Celebramos meu atraso ou minhas bodas? — perguntou.

Julia, com uma expressão de regozijo em seu formoso rosto, adiantou-se para responder.

— Digamos que levávamos esperando ambas as coisas muito tempo. Tome cuidado, senhor Scott, ou todos os aqui reunidos poderíamos começar a pensar que é você um ser humano.

— Acredito que, no referente a isso, estamos todos de acordo — respondeu.

— E quero deixar bem claro que me multarei por ter chegado tarde.

— Ah, perfeito — disse Arlyss Barry com descaramento.

— Utilizaremos a caixa do dinheiro que tem no escritório para pagar o champanha.

O pessoal riu de boa vontade e Logan, ainda sorridente, sacudiu a cabeça.

— Pela companhia do teatro Capital! — gritou alguém com alegria.

— Um rebanho de bêbados ladrões!

Em meio do folguedo geral, Logan elevou seu copo.

— Pela senhora Scott — brindou, e todos vociferaram seu assentimento para beber.

— Isso, isso! Bem dito!

— Deus abençoe à senhora Scott!

— Que o Senhor dela tenha piedade! — acrescentou alguém mais, e todos riram entredentes sem deixar de beber.

 

Possivelmente fosse o champanha, ou o desejo gerado pela notícia das bodas ou, simplesmente, o bom humor forçado do Logan, mas o caso foi que o ambiente no teatro Capital melhorou de forma notável. Logan era incapaz de recordar desde quando não tinha discorrido tão bem um ensaio. Os atores estiveram atentos e receptivos, e os operários realizaram suas tarefas com energia e minúcia. Quanto a ele mesmo... era como se lhe tivesse restituído algum tipo de essência vital.

Saber que Madeline lhe esperava em casa, que era livre para tocá-la, vê-la, lhe fazer o amor quando quisesse... enchia-lhe de uma satisfação difícil de ocultar. Não é que estivesse preparado para admitir algum tipo de amor ou perdão: nem que estava preparado para tal coisa. Mas era absolutamente consciente de que a presença de Madeline em sua vida era necessária para sua própria existência. A última noite, e esse mesmo dia, tinham sido boa prova disso. No lapso de vinte e quatro horas, havia tornado a ser o de sempre, capaz, uma vez mais, de tomar as rédeas do Capital com facilidade.

— Excelente! — havia-lhe dito Julia durante o ensaio; ela, que jamais elogiava suas aptidões porque afirmava que não era necessário inchar mais a opinião que tinha de si mesmo. Estavam ensaiando uma nova obra, titulada A rosa, a história de um velho que rememorava os episódios de sua tumultuosa vida.

— Quase consegue me fazer chorar com o monólogo no que recorda o que se sente na juventude — lhe disse.

— É um papel bem escrito — respondeu Logan dirigindo-se para seu camarim.

— E o interpreta com brilhantismo — disse Julia com os olhos turquesa transbordando de alegria.

Esboçou um ligeiro sorriso.

— Parece que recuperaste o que fosse que tivesse perdido. É pela Maddy, verdade?

Embora a perspicácia da Julia lhe incomodasse, não pôde discutir e respondeu com um áspero grunhido. Julia continuou sem dissimular seu gozo.

— Deve estar ressentido com Madeline por te mostrar que não é invulnerável.

— Nunca afirmei que o fosse — replicou sem alterar-se.

— E se albergar algum sentimento para minha esposa, é por uma razão muito diferente.

— Ah, sim? — Julia o olhou zombadora. Entrou em seu escritório, e aparecendo a cabeça loira pela porta, acrescentou:

— Desfrutarei te observando durante os próximos meses, Logan. Será interessante ver que parte de sua vontade ganha a batalha: a metade que quer ser feliz ou a que deseja escapar de qualquer que ouse te querer.

— Desperdiça seu talento sendo atriz, excelência — lhe informou por cima do ombro enquanto seguia seu caminho.

— Com sua imaginação, deveria ser escritora.

A risada da Julia lhe seguiu pelo corredor. Tão logo chegou ao escritório, viu a familiar cabeça morena que sobressaía do respaldo da cadeira. Andrew, lorde Drake, desfrutava de um gole sentado a sua mesa.

— Jimmy! — gritou, mostrando um sorriso de orelha a orelha.

— Que aspecto de perfeito recém casado tem com essa maneira de franzir o cenho.

— O que quer? — perguntou-lhe Logan estreitando sua mão com força.

Andrew, sem perder o sorriso, assinalou-lhe uma caixa de madeira junto à mesa que continha meia dúzia de garrafas de brandy, todas com um vistoso laço.

— Trouxe-te um obséquio, Jimmy. Admito-o, feriu meus sentimentos ao não me pedir que te apoiasse nas bodas. Mas em vista de nossa velha amizade, decidi deixá-lo passar.

Logan alcançou uma das garrafas e a inspecionou com admiração. Era um delicioso conhaque de trinta anos.

— Obrigado, Andrew.

— Decidi degustar uma garrafa enquanto te esperava — disse Andrew.

— Néctar de deuses. Gostaria de uma taça?

— Trarei uma da sala de descanso.

— Não te incomode, trouxe-te uma. Não se pode beber um conhaque assim em qualquer recipiente, terá que fazê-lo na taça adequada.

— Te teria convidado à bodas — disse Logan com brutalidade, sentando na borda da mesa enquanto Andrew lhe servia, — mas se fez tudo muito depressa.

— Isso ouvi.

Andrew se inclinou sobre seu amigo com um perverso sorriso e um curioso brilho nos olhos azuis.

— Corre a notícia de que sua esposa está esperando a cegonha.

Olhou a seu amigo simulando horror.

— Será possível? Será bento logo o lar dos Scott com a chegada de um pequeno Logan?

O ator aceitou a taça de conhaque e assentiu forçosamente, enquanto esperava que Andrew prosseguisse com as brincadeiras.

— Pois bem feito — lhe espetou lorde Drake, surpreendendo-o.

— Parece uma moça excelente, por não falar de sua beleza. E não poderia ter escolhido nada melhor que a filha de um visconde.

— Nenhum comentário por ter sido apanhado? — perguntou Logan.

— Estava seguro de que teria algo que me dizer a respeito.

Sorveu lentamente o conhaque, deixando que o delicado sabor se deslizasse pela língua.

Andrew sorriu.

— Não foste caçado, Jimmy. Faz muito que te conheço, e sei que não te teria casado se não quisesse.

Tinha razão... O único motivo pelo que se casou com Madeline era que a queria, necessitava-a. A gravidez tinha sido uma conveniente desculpa. Sentiu estranheza que Andrew tivesse sido capaz de dar-se conta com tanta facilidade.

— Entre nós não há segredos, verdade? — perguntou Logan, olhando ao homem que estava a seu lado e dando-se conta de que, é obvio, eram irmãos. Agora sabia por que seguiam sendo amigos depois de tanto tempo: ao longo dos anos, e sem sabê-lo, ambos haviam sentido a chamada do sangue compartilhado.

— Nenhum — conviu Andrew de bom humor.

A necessidade de lhe dizer «Andrew, sou seu irmão» era tão forte, que Logan mordeu o interior do lábio para não soltá-lo. Bebeu um bom gole de conhaque. Não havia nenhuma certeza sobre qual seria a reação do Andrew ante tal revelação. Possivelmente encontrasse agradável a notícia por algum tempo, embora o duvidasse. O mais provável é que se mostrasse suspicaz, cético, amargurado. Revolver-se-ia contra seu pai — e também contra Logan — e resolveria de uma vez com qualquer influência estabilizadora. Não desejava ver seu meio irmão embarcar em uma voragem de jogo e bebida que podia lhe levar a ruína.

— Por que me olha assim? — perguntou Andrew, arqueando de repente o negrume das sobrancelhas.

— Tal e como faz meu pai... Como um cientista a ponto de dissecar um espécime.

— Perdoa.

Logan relaxou o semblante.

— Só estava pensando que parece um pouco preocupado, Andrew. Arriscaste muito nas mesas de jogo ultimamente?

— Uma noite, mais da conta — admitiu com uma risada forçada.

— Mas deixarei minhas confissões para mais tarde. Só vim a te felicitar.

— Se estiver em apuros...

— Sempre o estou.

Andrew apoiou as botas na mesa sem preocupar-se dos livros e papéis que ficaram sob seus sapatos cheios de barro.

— Mas desta maneira a vida nunca resulta aborrecida. Me diga, Jimmy, o que se sente ao estar casado?

— Só tenho casado um dia — respondeu Logan com secura.

— Muito cedo para tirar conclusões.

Andrew fez uma careta.

— Não acredito que eu gostasse de jantar o mesmo todas as noites de minha vida. Mas, é obvio, um homem pode ter um deslize de vez em quando em busca de um pouco de variedade, enquanto seja discreto.

— Suponho — murmurou Logan e contemplou a taça de conhaque de maneira ausente.

Madeline não estava em posição de protestar se Logan se tivesse uma amante. Mas ele não desejava insultá-la dessa forma. E embora pudesse fazê-lo às escondidas, o certo era que nenhuma mulher lhe tinha atraído jamais tanto como sua esposa.

Andrew pareceu lhe ler os pensamentos e soltou uma gargalhada de incredulidade.

— Bom Deus, não me diga que está apaixonado por ela?

— Não — respondeu Logan com rapidez, endurecendo o olhar.

— Que alívio! O amor é veneno, Jimmy. Não tem mais que te lembrar do que ocorreu a última vez que sucumbiu a ele.

— Como poderia esquecê-lo? — disse Logan com a voz cheia pela malícia, e ficou olhando fixamente ao Andrew até que este, incômodo, resmungou algo e terminou o conhaque.

— Tenho que ir, Jimmy. Que tenha boa sorte e tudo isso. A propósito, ouvi que logo dará um baile em honra a sua esposa. De certo, espero um convite.

Despediu-se com um alegre movimento de mão e saiu do escritório, fazendo ressoar seus pés embotados por todo o corredor.

— Não há nenhuma razão para que Logan organize semelhante festa... não em minha honra.

Uma afligida Madeline examinava com atenção os convites escritos à mão, enquanto tentava imaginar o panorama de seiscentos convidados pululando pela elegante mansão londrina do Logan.

— Querida, não o faz por ti — a corrigiu Julia com secura, enquanto repassava a lista de convidados sentada a seu lado.

— Em parte, servirá para saciar seu desmesurado orgulho. Antes de tratar todo o relacionado com suas bodas de maneira discreta, prefere fazer ostentação disso para demonstrar que a situação não poderia ser mais de seu agrado. Sem dúvida o espetáculo sossegará muitas línguas viperinas; em especial as daqueles que estão desejando receber o convite.

Com o cenho franzido, Julia tachou alguns nomes e incluiu outros, esforçando-se por conseguir a combinação perfeita.

— Mas por que aqui? — perguntou Madeline.

— Logan não suportará ter a centenas de pessoas vagando pela casa, contemplando a coleção de arte e farejando cada rincão...

— Claro que não o suportará. Entretanto, sabe que celebrar o baile em sua misteriosa mansão porá frenética às pessoas. Todas as pessoas relevantes levam tempo rezando para receber um convite, e os que suspeitam que não o vão obter já estão planejando desaparecer de Londres a noite do baile.

— Perderá toda sua intimidade — lamentou Madeline, incapaz de compartilhar o entusiasmo da Julia.

— Estou segura de que quando se casou contigo Logan sabia que teria que sacrificar grande parte de sua intimidade. Ele não espera que uma garota de sua idade vá desfrutar com uma vida de reclusão. Irá querer dançar e ir à ópera, viajar, pertencer a algum clube ou associação...

Julia se deteve e esquadrinhou a lista que tinha no regaço.

— Hummm! Deveria acrescentar alguns nomes internacionais...

Enquanto a duquesa trabalhava na lista, Madeline se afundou na cadeira com um gemido surdo. Estava começando a entender o que Logan queria dela, o qual exigiria por sua parte a melhor atuação de sua vida. Não só teria que manter a cabeça bem alta quando a gente tentasse discernir se estava atuando ou não, também deveria mover-se entre a multidão com aprumo e elegância, algo que todo mundo esperava da esposa do Logan Scott. Se fracassasse tanto Logan como ela ficariam desacreditados.

Por que a submetia a semelhante prova tão pouco tempo depois das bodas?

— Não sei se poderei fazê-lo — disse em voz alta, enquanto retorcia com força os dedos sobre o regaço.

Os olhos turquesa da Julia lançaram um brilho de amistosa compaixão.

— Maddy, tudo o que espera de ti é que o tente.

Madeline assentiu. Faria tudo que Logan lhe pedisse porque o amava. Não se arrependeria jamais por haver-se casado com ela. Não importava o tempo que levasse, mas algum dia conseguiria que admitisse que tinha escolhido à mulher adequada para compartilhar sua vida.

— Farei algo mais que tentá-lo — disse.

— O conseguirei.

— Bem por ti — disse Julia, rindo-se com admiração.

— É feita de um material resistente, não?

— Espero que sim.

Enquanto as duas mulheres trabalhavam e conversavam, levaram-lhes uma bandeja com o chá e uns deliciosos sanduíches, mas Madeline foi incapaz de comer nada. As náuseas seguiam sendo um problema. Logan tinha manifestado seu aborrecimento pela falta de apetite de Maddy e a tinha ameaçado avisar ao médico se não melhorasse logo.

— Eu não me preocuparia-— tranquilizou-a Julia.

— O apetite voltará logo, e recuperará o peso perdido e muito mais. Madeline apoiou a mão em seu ventre plano.

— A verdade é que o estou desejando. Agora mesmo ninguém diria que estou esperando um menino.

— Já verá quando começar a mover-se e a dar chutes — respondeu Julia com um sorriso.

— Então não terá dúvidas.

Começava a anoitecer e Julia partiu com a promessa de que voltaria para dia seguinte para que a acompanhasse a fazer umas visitas. Havia algumas jovens casadas a quem devia conhecer.

— Sabe? Nem todos meus amigos pertencem ao mundo do teatro — lhe disse com picardia Julia.

— Por ter me casado com o duque me obriga a me relacionar com gente respeitável de vez em quando.

«A duquesa está sendo extraordinariamente amável», refletiu Madeline uma vez que partiu Julia. Que se esforçasse dessa maneira por ajudar a sua esposa, falava da alta consideração em que tinha ao Logan. Relaxada, sentou-se na esquina do sofá do salão e se entreteve lendo e costurando até que chegou seu marido. Entrou no salão envolto no gélido aroma do exterior, o cabelo negro em desordem e as bochechas ligeiramente avermelhadas pelo frio.

— Maddy — saudou, aproximando-se do sofá.

Madeline jogou a cabeça atrás para olhá-lo, e teve a sensação de ser arrastada ao azul insondável dos olhos do Logan.

— Comeste? — perguntou Logan.

Madeline negou com a cabeça.

— Estava te esperando.

Alargou a mão firme e quente e a ajudou a levantar-se.

— Como foi a tarde com a Julia?

— Fizemos alguns avanços, acredito. Planejar um acontecimento desta magnitude é bastante laborioso.

Seu marido se encolheu de ombros com indiferença.

— É só questão de contratar às pessoas adequadas. Quando se dirigiam para o salão circular, a Madeline entraram desejos de deslizar a mão no braço do Logan, mas o pensou melhor. Até o momento não a tinha animado a realizar nenhum intento de aproximação, e pensou que, se o fizesse, com toda probabilidade a rechaçaria.

Nos poucos dias transcorridos das bodas, sua relação tinha discorrido entre a cortesia e, em certo sentido, a tensão. Falavam de temas irrelevantes e escolhiam as palavras com cuidado. Nada de olhares íntimos nem de beijos ou carícias fortuitas. As inibições só desapareciam de noite, quando Logan ia a sua cama e, sem dizer palavra, tirava-lhe a camisola e fazia amor até que Madeline acreditava adoecer de prazer. Pela manhã Logan partia ao teatro antes que ela despertasse.

— Foi bem o ensaio? — perguntou Maddy quando se sentou à mesa.

Desfrutou com o relato que lhe fez sobre a última luta de Arlyss Barry com outra atriz que estava começando a eclipsá-la, e o descontentamento de alguns dos atores pelo acordo ao que tinha chegado Scott com um teatro da competência.

— O Daly acaba de perder a dois de seus melhores atores, por isso decidi enviar a alguns dos membros de minha companhia para que lhes ajudem com a representação de Como Gostam. Em troca, na Rosa utilizaremos a dois ou três de seus atores como secundários. Por desgraça, os meus protestam pelo traslado, consideram-se muito bons para atuar no Daly.

— Não lhes culpo — comentou Madeline, enquanto observava pela extremidade do olho como dois lacaios traziam as bandejas e os pratos de prata.

— Se fosse atriz, preferiria muito mais trabalhar no Capital.

— Não obstante, farão o que eu diga.

— Mas por que chegar com o Daly a um acordo bastante mais benéfico para ele que para o Capital?

— É bom para a profissão em geral. Não tenho intenção de permitir que meu espírito competitivo prejudique aos cenários de Londres; a nenhum, não só ao meu.

— É todo um estadista — disse Madeline com um repentino sorriso.

— Me posso permitir isso.

Com destreza, os dois lacaios lhes puseram os pratos diante e lhes serviram umas tenras rodelas de frango banhadas em molho de creme de leite e xerez, artísticas figurinhas de verduras mescladas com miolo de pão e manteiga e folheados cheios de trufa e ovo.

Quando Madeline contemplou aquele desdobramento de cozinha francesa, o enjoativo aroma começou a desvanecer qualquer pingo de apetite. Com o estômago revolto, apartou o olhar do prato e alcançou o copo da água. Logan a olhou com o cenho franzido.

— Vais comer — disse.

— Não tenho fome.

Madeline tragou saliva com dificuldade, lutando contra a crescente pressão que sentia na garganta, enquanto o aroma da deliciosa comida alagava seus orifícios nasais. Apartou o prato, fechou os olhos e respirou pela boca.

— Caralho! — ouviu resmungar ao Logan.

— Não come nem sequer o suficiente para te manter sã, quanto menos para alimentar ao bebê.

— Tento-o — replicou ainda com os olhos fechados.

— Mas não deixo de ter náuseas.

Logan chamou um dos lacaios e lhe ordenou que trouxesse mais comida da cozinha: frango sem molho nem condimento e purê de batatas com leite.

— Vomitarei tudo — disse Madeline com obstinação.

— Esta noite não posso comer nada, possivelmente amanhã me encontre melhor.

Seus olhares se cruzaram.

— Comerá algo, embora para isso tenha que lhe empurrar isso garganta abaixo — a ameaçou, sombrio, Logan.

— Já que está neste estado, tem que assumir a responsabilidade da criatura.

O tom acusatório de sua voz a feriu no mais profundo.

— Recebi alguma ajuda nisso — lhe espetou Madeline indo às nuvens.

— Foi mais engano teu que meu!

Apoiou a cabeça entre as mãos, respirando de maneira entrecortada e desejando que as náuseas desaparecessem.

Produziu-se um breve silêncio.

— Tem razão — disse Logan com brutalidade.

— Aquela noite não parei para pensar nas possíveis consequências do que fazia, estava muito ansioso por me deitar contigo.

Quando voltou a falar, fez-se evidente seu desconforto.

— Além disso, nunca me tinha tido que preocupar com esse tipo de coisas. As mulheres que... conheci antes que a ti, estavam acostumadas a tomar medidas preventivas.

Madeline lhe olhou, espionando por entre os dedos. Estava-o imaginando ou parecia quase pesaroso?

— Medidas preventivas? — repetiu Maddy.

— Não sei do que me fala.

Logan sorriu.

— Já falaremos disso mais adiante. Depois de que nasça o menino.

Aproximou sua cadeira a de Madeline e colocou o braço pelas costas. Molhou um guardanapo na água e manteve o tecido frio contra a testa perolada de suor de sua esposa.

— Recorda as sopas de leite com que me alimentou quando estava doente? — murmurou.

— Prometeu que algum dia poderia tomar vingança.

Madeline respondeu com um som a meio caminho entre a risada e o gemido.

— Devia te haver deixado sozinho.

— Salvou-me a vida— disse.

— Não importa que motivos tivesse. Cuidou-me apesar de meu mau humor, meus delírios e a fetidez doentia do dormitório.

O tecido úmido e frio, baixando das bochechas até o pescoço, tranquilizou-a.

— O menos que posso fazer é te devolver o favor.

A pressão da garganta afrouxou, e as náuseas desapareceram um pouco. Madeline abriu os olhos e viu a cara do Logan pegada à sua. A maneira de olhá-la fez que o coração lhe acelerasse. Não era o olhar amoroso que recordava de antigamente... mas ao menos a frieza e o distanciamento tinham desaparecido...

— Pode ter o que quiser — murmurou Logan como se estivesse mimando a uma menina doente.

— Só tem que me pedir isso.

— O que queira? — Madeline riu com moleza.

— Arrisca muito ao me fazer uma oferta como esta.

Logan fixou seus intensos olhos azuis nos de Maddy.

— Nunca digo o que não quero.

Madeline ficou olhando de marco em marco, até que o lacaio retornou trazendo o novo prato de comida e o colocou ante eles.

— Obrigado, George — disse Logan, e se fez com o garfo.

— É tudo por agora.

Seguia com o braço nas costas de Madeline. Recolheu uma diminuta porção de purê de batata com o garfo, sustentou-o ante os lábios de sua esposa.

— Crê que poderia com um pouquinho, carinho?

Resignada, abriu a boca e aceitou o oferecimento apesar da agitação de seu estômago. A branda batata se esmiuçou em sua língua. Mastigou com lentidão, tentando evitar as arcadas.

— Um pouco mais — insistiu persuasivo.

Logan se mostrou inesperadamente paciente enquanto lhe dava de comer, distraía-a lhe falando de trivialidades, ao tempo que sujeitava suas costas com firmeza. Por ser um homem tão grande, podia chegar a ser muito doce. Cada bocado passava com mais facilidade que o anterior, até que Madeline acabou com a metade da comida do prato. Por fim, sacudiu a cabeça e suspirou.

— Não mais.

Logan parecia resistente a retirar o braço.

— Está segura?

Madeline assentiu com a cabeça.

— Agora deveria comer você, te está esfriando o jantar.

— Enquanto Logan dava conta de sua comida, bebeu um pouco de água a sorvos. Estava fascinada pelo movimento das mãos de seu marido, a maneira em que seus largos dedos rasgavam pedaços rangentes de pão, a forma de agarrar o copo... Quando Logan se deu conta de que lhe estava olhando, uma pergunta não formulada pareceu ficar suspensa entre ambos. Ele tinha a expressão ausente, parecia incômodo, como se quisesse algo que não podia ter.

Depois de rechaçar a sobremesa com um brusco gesto, ajudou Madeline a levantar-se da mesa. As últimas noites tinham acontecido uma hora ou duas depois de jantar em um salão privado, lendo e falando junto ao fogo. Essa noite, entretanto, Logan parecia pouco inclinado a ter companhia.

— Possivelmente te veja pela manhã — disse, tocando com indiferença o queixo de Madeline com o índice.

— Tenho trabalho que fazer na biblioteca.

Maddy franziu o cenho e falou sem levantar a voz, procurando não ser ouvida pelo serviço.

— Não... virá para ver-me esta noite?

Logan não trocou a expressão do rosto.

— Não. Esta noite não te incomodarei.

Começou a afastar-se, mas Madeline lhe roçou o pulso e ficou imóvel. Os olhos ambarinos de sua esposa olharam diretamente aos seus.

— Não me importaria — disse.

Era o mais parecido a um convite do que podia chegar.

Entre eles se instalou um silêncio incômodo e denso. Logan lutou contra a tentação, perfeito sabedor de que Maddy se estava oferecendo; e era algo que ele desejava com desespero, por certo. Quis rir de frustração pela maneira obstinada em que Madeline recusava proteger-se. Era sua peculiar força a que lhe permitia encaixar qualquer desprezo e não afastar-se. Quase a invejava, tinha a força que ele não possuía.

Inclinou-se e a beijou na testa, alisando seu cabelo sedoso, o corpo flexível e suave sob a boca e as mãos... Mas depois do casto beijo se apartou.

— Boa noite — disse com brutalidade.

Madeline moveu a cabeça e se obrigou a sorrir com despreocupação, depois do qual se dirigiu sozinha ao dormitório. Conceder-lhe-ia todo o tempo que necessitasse, teria paciência com ele, igual a com uma criatura selvagem que temesse qualquer contato, uma criatura com a que tantas possibilidades tinha que convencê-la para que comesse em sua mão como de que lhe arrancasse isso de uma dentada.

Depois de colocar uma camisola fina de manga larga, se abaixou sob as densas mantas de seda. Pouco a pouco, o calor do corpo se foi acumulando no emaranhamento que formavam os lençóis. Parecia ter os ossos doloridos, sobretudo na parte inferior da coluna, e não cessou de trocar de posição até que, por fim, apoiada sobre um flanco, encontrou uma postura cômoda.

Custou-lhe dormir. Em vão esteve escutando se por acaso ouvia o Logan entrar em seu dormitório. Caiu em um cochilo que não a apaziguou. Ao despertar de um sonho muito vivido, descobriu que tinha as pernas tensas e nodosas, e flexionou as panturrilhas para as relaxar. Imediatamente, uma dor como uma navalhada lhe atendeu a perna direita, lhe deixando o músculo de cãibras e ardente. Não teve consciência de gritar, mas deve tê-lo feito porque, de repente, a voz do Logan irrompeu na escuridão e sentiu o peso do ator ao saltar sobre o colchão para agarrá-la.

— Maddy — disse apressado, e deslizou as mãos sobre ela no momento em que se encolhia sobre si mesma de dor.

— Maddy, o que acontece? Me diga...

— Minha perna — gemeu. Doía-lhe. E a paralisava até o ponto de lhe impedir qualquer movimento.

— Não me toque...

— Me deixe.

— Logan lhe apartou as mãos e procurou massagear a perna de Maddy.

— Tenta te relaxar.

— Não posso.

Mas, sacudindo-se, recostou-se contra ele, ao tempo que a mão de Logan se fechava sobre sua panturrilha. Depois de localizar o músculo duro devido as cãibras, massageou-o até que a agonia começou a remeter. Madeline deixou escapar um suspiro de alívio e se apoiou contra o peito do Logan enquanto este seguia trabalhando a zona dolorida. Quando trocou à outra perna, ela conseguiu dizer em um suave murmúrio: «Essa está bem.» Mas a fez calar e também a massageou.

— O que ocorreu? — perguntou Logan, lhe levantando a camisola até a parte superior das coxas.

— Despertei com a perna com cãibras — respondeu, sentindo-se drogada.

Logan parecia saber com exatidão como tocá-la, com que força percorrer os músculos sem lhe fazer dano.

— Julia me disse que me ocorreria de vez em quando; é frequente entre as grávidas.

— Jamais o tinha ouvido — disse Logan aparentemente contrariado.

— Com que frequência ocorre?

— Não sei. Era a primeira vez que ouvia dizê-lo.

Com recato, baixou-se a camisola das alturas aonde tinha sido retirada.

— Obrigada. Lamento te haver incomodado.

Logan retirou as mãos e Madeline bocejou e se abaixou sobre o flanco. Então lhe ouviu despir-se na escuridão, percebendo o roçar da roupa ao cair ao chão. Madeline abriu os olhos e olhou fixamente a figura que se movia nas sombras.

— Não vai? — perguntou dúbia.

— Não, senhora. — deslizou-se a seu lado.

— Parece que está decidida a me ter em sua cama esta noite.

— Se estiver sugerindo que estava tentando te enganar...

— Está claro que é incapaz de resistir a meus inumeráveis encantos. Entendo-o.

Deslizou o braço ao redor dela e sua boca, ainda sorridente, cobriu a de Maddy.

Ao dar-se conta que lhe estava tirando o sarro, Madeline lhe empurrou o peito.

— Presunçoso...! — exclamou rindo enquanto fechava as mãos ao redor da nuca do Logan.

— Me beije.

Sujeitou-a com firmeza, aproximou a boca a dela e a explorou com doçura, enquanto a ardente respiração queimava as bochechas de Maddy. Seu humor lúdico deu passo a uma concentração intensa, a uma ternura que Maddy havia pensado que nunca mais voltaria a lhe mostrar. As pontas dos dedos do Logan foram acariciando o tênue pêlo de suas costas, os picos de seus peitos, as dobras de detrás dos joelhos... Permaneceu imóvel debaixo dele, flutuando em uma corrente de prazer, tremendo, espectadora, ao notar a boca do Logan mover-se sem rumo por seu peito.

Durante uns largos minutos se deteve nos mamilos, para sugá-los, acariciá-los com a língua, até convertê-los em uns promontórios de extrema dureza. Inquieta, Maddy se arqueou, desejando o corpo do Logan sobre o seu, dentro de si, desejando que a esmagasse com seu peso. Mas ele resistia, riscando atalhos de fogo sobre seu corpo com as suaves almofadas dos dedos.

Madeline perdeu por completo a vergonha e se encontrou ofegando e suplicando, abrindo as pernas para ele, até que, por fim, os dedos do Logan, separando a carne ansiosa de Maddy, deslizaram-se dentro dela.

Madeline baixou a mão para lhe agarrar o pênis quente e rígido, que tocou com tanta paixão como inexperiência. Logan, com uma profunda inspiração e sujeitando-a com força, agarrou-lhe as mãos e lhe murmurou ao ouvido com voz entre áspera e aveludada:

— Maddy, sim... suave... assim...

Grunhindo de prazer, ensinou-lhe o que gostava com uma mescla premente de palavras e beijos que cobriam todo o corpo.

Quando já não pôde aguentar mais, tombou-a sobre um flanco e lhe levantou a perna por cima de seu quadril. O pequeno corpo, tão ágil e receptivo, enroscou-se ao redor dele como se carecesse de ossos, ajustando-se como se estivesse feita a sua medida. Penetrou-a pouco a pouco, saboreando o contato com Maddy, seda e fogo lhe envolvendo com força. Baixo ele, Madeline, o rosto banhado em suor, a suave boca tirante, a garganta emitindo pequenos ruídos... Muito devagar, Logan se balançou contra ela, empurrando-a por dentro até que as sensações, em um incandescente estalo de êxtase, fizeram-na estremecer e gemer. Então, excitado pela doce e acolhedora calidez que o envolvia, Logan se agitou entre suas coxas, deixando que a tensão se soltasse e lhe percorresse o corpo como uma centelha em uma deliciosa liberação.

Logan permaneceu dentro dela, as mãos cavadas sobre o corpo de Maddy, cuja pele era tão delicada e fragrante como as pétalas da dama de noite. Baixou a boca até seu pescoço, saboreou o tênue sabor de sal, e com a língua percebeu o ainda agitado pulso de Madeline. Era um luxo que não estava acostumado a permitir-se, o entreter-se com ela ao terminar. Muito íntimo e perigoso.

O tictac do relógio de ouro do suporte da chaminé parecia burlar-se dele. Sem fazer caso do som, relaxou-se junto a Madeline, as mãos enterradas nas suaves mechas de sua esposa. Depois de tudo, pertencia-lhe, podia fazer quanto quisesse com ela... sempre e quando jamais chegasse a suspeitar que a amava.

Ante a perspectiva de ter que reunir-se essa manhã com um autor teatral cuja nova obra exigia uma revisão a fundo, Logan decidiu consertar a entrevista no café do Banbury. Era frequente que despachasse este tipo de tarefas ali, e também que ocupasse sempre a mesma mesa situada perto de um grande vitral pelo que a luz entrava em torrentes. O ambiente do Banbury era tranquilo e cordial, e talvez servisse para alegrar o humor do autor, um sujeito que tendia a considerar cada palavra escrita por sua mão como algo sagrado.

— Uma cafeteira de extra forte e negro — encarregou o senhor Banbury a sua filha, que ajudava a gerenciar o local.

— Acaba de chegar o senhor Scott.

A caminho de sua mesa, Logan se deteve aqui e ali para intercambiar algumas palavras com amigos e conhecidos. A clientela do Banbury estava acostumada a estar formada por uma multidão de intelectuais: artistas, filósofos e uma horda de jornalistas.

Um dos clientes do café, um tipo que pertencia à Sociedade de Artistas, aproximou-se do Logan quando este deixava sobre a mesa o roteiro da obra, umas folhas limpas e os utensílios de escritura.

— Scott, que sorte lhe encontrar aqui esta manhã! — exclamou o homem, lorde Beauchamp, com efusividade.

— Faz tempo que quero falar com você de certo assunto. Perdão, vejo que está esperando a alguém, mas não me levará muito tempo lhe perguntar...

— Pergunte — disse Logan sem opor-se, ao tempo que lhe assinalava a cadeira.

Lorde Beauchamp se sentou e o olhou com um sorriso decidido.

— Não lhe incomodaria com isto, Scott, se não conhecesse os estreitos laços que lhe unem à comunidade artística e o generoso mecenato que exerceu com tantos artistas...

Logan lhe interrompeu arqueando as sobrancelhas interrogativamente.     — Milord, pode ir ao grão. Estou habituado às adulações.

Lorde Beauchamp riu.

— Acredito que é você o primeiro ator em reconhecer tal coisa. Muito bem, serei direto... Quero que faça um favor a um jovem artista, um cavalheiro chamado James Orsini.

— Ouvi falar dele — afirmou Logan, enquanto lhe dedicava um breve sorriso a quão jovem acabava de lhe colocar diante uma bandeja com o café.

Voltou a concentrar-se no Beauchamp.

— Orsini possui uma técnica maravilhosa, que experimenta com a luz e a textura; algo notável para um homem de vinte anos. A questão é que está procurando um tema que lhe permita conseguir um convite para expor suas pinturas...

Logan lhe interrompeu com uma risada surda, ao tempo que levantava a xícara de café negro e amargo até os lábios. Depois de tomar um reconfortante sorvo, olhou ao Beauchamp com seus brilhantes olhos azuis.

— Sei o que me vai pedir milord. A resposta é não.

— Mas nenhum artista alcança notoriedade até que retrata ao Logan Scott... Segundo minhas contas, você já permitiu que o façam pelo menos vinte artistas.

— Vinte e cinco.

— Asseguro-lhe, Scott, que nunca terá posado para alguém que mereça tanto essa honra como Orsini.

Logan meneou a cabeça.

— Não duvido que tenha razão, entretanto, fui retratado mais vezes que nenhum outro ator...

— Mas isso se deve a seu tremendo êxito — assinalou Beauchamp.

— ... e já tenho o bastante. Pintaram-me ao óleo, à aquarela, sobre metal, mármore e cera... em bustos, medalhões, pinturas, em grupo... Economizemos ao público outro meu retrato.

— Orsini aceitará qualquer condição que você considere oportuno estabelecer. Além disso, na sociedade há um número de membros tão convencidos como eu de que deve dar a este artista a oportunidade de pintá-lo. Meu deus! Obrigará a todos a suplicar.

Logan o olhou simulando uma grande preocupação e deu outro gole ao café. Enquanto Beauchamp esperava em tensão uma resposta, considerou as possibilidades. Ao cabo, esboçou um ligeiro sorriso e disse:

— Tenho uma proposta alternativa. Diga ao Orsini que permitirei que pinte a minha esposa.

— Sua esposa... — balbuciou Beauchamp confundido.

— Muito bem, ouvi que acabou de casar... mas estou seguro de que Orsini preferiria a você como tema...

— Um retrato da senhora Scott seria o eixo perfeito para uma exposição. Se Orsini for capaz de captar o que vejo nela, asseguro-lhe que será generosamente recompensado.

Beauchamp o olhou cheio de dúvidas.

— Bem... A senhora Scott passa por ser uma mulher muito atrativa...

— É muito formosa.

Logan ficou olhando a sedosa superfície negra do café.

— Tem um halo de inocência que não perderá nem que viva cem anos... — obrigou-se a sair da breve devaneio com brutalidade.

— Que eu saiba, nunca foi retratada antes. Orsini é afortunado por ter essa oportunidade.

Beauchamp o olhou cada vez mais divertido.

— Informarei ao senhor Orsini de que é a ela a quem deve pintar. Como todos, estará ansioso por conhecer a mulher da que você está perdidamente apaixonado.

— Eu não hei dito tal coisa — replicou Logan, franzindo o cenho.

— Querido amigo, nem falta faz. Seu olhar ao descrevê-la...

Com uma risada, lorde Beauchamp se levantou, saudou com a cabeça e voltou para sua mesa.

— «Perdidamente apaixonado», é idiota — resmungou Logan enquanto folheava o libreto

— Só porque disse que era formosa.

Orsini aceitou a proposta sem duvidar e remeteu uma carta de agradecimento, que chegou à casa londrina dos Scott à manhã seguinte. Ao ser informada do projetado retrato, Madeline reagiu com consternação.

— Antes que o quadro esteja acabado, minha gravidez terá manifestada — protestou ante Logan na biblioteca, enquanto enrugava e alisava com nervosismo uma folha de papel.

Logan fechou um livro de contabilidade e se voltou na cadeira para olhá-la.

— Um vestido apropriado dissimulará seu estado e Orsini te estilizará o talhe com umas quantas pinceladas. Além disso, assim terá algo que fazer durante sua reclusão.

— Me ocorrem outras muitas coisas que merece a pena fazer.

— Quero teu retrato. Uma vez que Orsini tenha mostrado a obra na exposição, tenho a intenção de comprá-lo.

— Exposição! — exclamou Madeline, ruborizando-se.

— Logan, não tenho nenhum desejo de ser exibida como se fosse um objeto ou um troféu.

— Mas o é — lhe rebateu.

O diabólico brilho de seus olhos provocou um calafrio de temor em Madeline.

— É minha, e farei ostentação de ti onde e quando queira.

Muito confundida para falar, ficou olhando com os olhos como pratos.

— O que é isso? — perguntou Logan, posando o olhar no papel que sustentava Maddy nas mãos.

— É uma lista... Uma estimativa dos gastos do baile. Claramente, terá que eliminar alguma coisa e eu gostaria que me aconselhasse...

— Vem e mostre-me.

Apartou a cadeira do escritório e bateu nos joelhos com uma expressão que inquietou a sua esposa.

Madeline se aproximou com prudência e, temerosa, sentou-se nas coxas do Logan com as costas retas.

— Possivelmente estaria mais cômodo se me sentasse ali...

— Estou muito bem — replicou Logan, e fechou o braço ao redor de Maddy até conseguir recostá-la contra seu peito.

Tirou-lhe o papel da mão e estudou a lista de números. Para assombro de Madeline, não pareceu encontrar nada anormal.

— É mais ou menos o que esperava — disse com calma.

— Vai custar uma fortuna — replicou Madeline.

— Me cansei que dizer à duquesa que não havia necessidade de ser tão esbanjador, mas ela seguiu encarregando o melhor do melhor, dobrando as quantidades de tudo aquilo pelo que lhe perguntava e... por que sorri assim?

— Não tinha nem idéia de que fosse tão contrária a gastar meu dinheiro, carinho.

— Logan apartou a lista e recostou a Maddy contra seu peito.

— A prudência é boa, mas não é a esposa de um dom ninguém.

— Claro que não, mas... do que vamos viver o resto do ano?

Logan brincou com o laço do decote de seu sutiã e atirou com delicadeza do lenço de gaze que lhe cobria o pescoço e a clavícula. Um sorriso apareceu em seus lábios.

— Pode estar tranquila, Maddy. Poderíamos nos permitir amplamente um baile como este cada semana durante o resto de nossas vidas.

Perplexa, ficou olhando de marco em marco com o cenho franzido.

— Você... Nós... Temos tanto dinheiro?

— Quatro fazendas, além de um pavilhão de caça no Wiltshire.

Ao perceber seu interesse, prosseguiu com indiferença:

— Também possuímos um navio, uma fábrica de cerâmica e um armazém de construção e participações em uma companhia mineira colonial. Além disso, comprei ações de uma companhia naval e outra de ferrovias, as quais produzem excelentes dividendos. Logo, é obvio, estão a coleção de arte e o teatro, assim como diferentes imóveis.

A expressão estupefata de Madeline pareceu diverti-lo.

— Pode você abrir contas onde deseje, senhora. Não me cabe dúvida de que conto com os meios para que possa permitir.

A Madeline levou um tempo recuperar-se. Conforme parecia, casou-se com uma fortuna maior que a de seus pais ou qualquer de suas irmãs, e grandemente maior que a de lorde Clifton.

Logan observou sua expressão e soltou uma inopinada gargalhada, como se pudesse lhe ler os pensamentos.

— Senhora, antes que lhe subam as fumaças à cabeça, recorde que não pertenço à nobreza e que nenhum de nossos filhos possuirá título algum.

— Isso não tem nenhuma importância para mim — replicou Madeline, e notou como lhe acelerava o coração ante a insinuação de que teriam mais filhos.

— Mas pode que sim para eles.

— Não necessitarão títulos para distinguir-se. Aprenderão a valer-se de suas aptidões, como você.

— Vá, senhora Scott!

Sua boca se torceu em um sorriso zombador.

— Acredito que está tentando me adular.

Ao movê-la sobre o regaço, Madeline sentiu o duro promontório do sexo do Logan sob seu corpo, e se ruborizou. Embora as insinuações de seu marido não fossem mal recebidas, era um comportamento inadequado para o meio-dia. Poderia entrar algum dos serventes ou vir alguma visita.

— Logan — disse fracamente quando a boca dele se deslizou sobre seu pescoço.

— Te - tenho muitas coisas que fazer...

— Eu também.

E começou a lhe desabotoar a parte dianteira do vestido, lhe retirando as mãos quando Maddy tentou detê-lo.

— E se entrar uma das criadas? — perguntou Madeline, e a mão do Logan, deslizando-se por debaixo do sutiã para lhe acariciar o peito, fê-la tremer.

— Dir-lhe-ei que se vá.

Disse-o ao tempo que colocava a mão sob as saias de Maddy, pinçando com os dedos na roupa interior de linho em busca das partes mais sensíveis do corpo de Maddy. Com os olhos entrecerrados pela excitação, sentou-a escarranchado sobre suas coxas. Quando rasgou o delicado tecido dos calções, Maddy elevou a voz de maneira visível.

— Aqui não... Subamos.

Suplicou, e a angústia a fez avermelhar. Notava o corpo duro e poderoso do Logan entre suas coxas, o relaxamento dos largos músculos quando a colocou em posição de cavalgá-lo.

— Aqui — a contradisse Logan, e se desabotoou as calças. Quando Maddy se retorceu em seu regaço, não pôde evitar uma breve e entrecortada risada.

— Deixa de vigiar a maldita porta.

— Não posso evitá-lo — gemeu ao sentir que a penetrava, uma dura pressão deslizando-se sem dificuldade na profunda umidade.

— Ah, não deveríamos...

— Me abrace — lhe disse com voz gutural.

Enquanto Madeline o montava, baixando e subindo sobre seu cheio membro, Logan a guiava com as mãos e lhe sussurrava instruções.

Os olhos de Madeline se fecharam de prazer, cravou as mãos no colete do Logan e manuseou a provas os robustos ombros de seu marido. Os dois se esticaram e arquearam ao mesmo tempo, enquanto Logan apagava os surdos gemidos de Maddy com a boca. Nunca se teria imaginado capaz de semelhante coisa. Ascensão, licenciosa, em cima dele, cravando-se nele, desprezando todas as convenções que lhe tinham inculcado ao longo de sua vida. Mas Logan a animava, exigia-lhe que abandonasse toda a vergonha em seus braços. Com cada empurrão para baixo, Logan a enchia, a corrente de prazer era cada vez maior e mais rápida, até que Madeline se sacudiu em um espasmo de êxtase. Notou baixo ela a tensão do corpo do Logan, que apertou o fio dos dentes contra seu ombro. Aquele pingo de dor fez que, de algum jeito, aquele arrepiante prazer aumentasse.

Ao terminar, quando se derrubou contra o peito do Logan, este sorriu entre a despenteada cabeleira de Maddy.

— Todas aquelas manhãs no Capital, quando me ajudava com os montões de correspondência... desejava fazer isto contigo.

— Isto? — repetiu elevando a cabeça para olhá-lo meio amodorrada. Estava desorientada, aturdida, como se tivesse bebido.

— Não tinha nem idéia.

— Se tivesse olhado ao lugar adequado, senhora, teria tido uma prova mais que evidente.

— Ah.

Erguendo-se sobre os cotovelos, sorriu-lhe.

— Nesse caso, insisto em que não tenha secretárias.

— É a única mulher que desejo — replicou com brutalidade, lutando com as vontades de abraçá-la como a uma gatinha e de lhe pôr voz às palavras de amor que enchiam sua cabeça.

Endureceu o rosto e se ouviu acrescentar:— Por agora.

Logan, com a expressão perdida, viu apagar olhar de Madeline que, com supremo cuidado, escapou dele e começou a estirar as roupas. Embora lamentou haver dito aquelas dolorosas palavras, valorou sua conveniência. Era melhor arruinar o momento que deixar que pensasse que era importante para ele. Tinha cometido o engano de confiar nela uma vez. Não haveria um segundo equívoco.

 

A noite do baile, Madeline se encontrava de pé ante o espelho de seu closet privado enquanto uma criada lhe grampeava a fileira de botões das costas.

A senhora Beecham, com um elegante vestido negro e um avental alvo como a neve, tinha subido para ajudar nos últimos preparativos.

— Maravilhosa! — exclamou a governanta, apartando-se para contemplá-la.

— Vai ser a mulher mais bonita da noite, senhora Scott. O patrão não poderá deixar de olhá-la.

Madeline sorriu, embora a preocupação fizesse que o coração lhe pulsasse com força.

— Chegaram todas as flores? Comprovou como vai tudo na cozinha?

— Está tudo controlado — lhe assegurou a senhora Beecham.

— A casa está repleta de flores divinas e o cozinheiro parece haver-se superado a si mesmo. Os convidados acreditarão que estão no paraíso. E quando aparecer você para saudá-los, o senhor Scott será o homem mais invejado de Londres.

Madeline, presa dos nervos, fincou a mão no ventre. Em outro tempo plaina superfície tinha adquirido uma ligeira curvatura, mas o vestido de veludo escarlate se desenhou para dissimular sua gravidez. O sutiã, muito apertado, ajustava-se ao esbelto perfil do corpo antes de fluir em uma cascata de dobras sussurrantes. A simplicidade do vestido era assombrosa, com o único adorno de três rubis, a modo de broches, que fechavam o sutiã por diante e sobre os que o alvo e suave peito do Maddy surgia esplendoroso.

O escarlate do vestido a favorecia enormemente, lhe dando à pele uma consistência de porcelana e realçando o âmbar dos olhos. O cabelo castanho claro, recolhido no cocuruto com abundância de cachos de cabelo, deixava o pescoço comprido e esbelto ao descoberto.

Logan entrou na estadia a grandes pernadas e se deteve de repente. Oferecia um magnífico aspecto com o traje de etiqueta branco e negro e o colete cinza azulado de seda ricamente trabalhado. Os olhos, do azul mais surpreendente que jamais tivesse visto Madeline, piscaram com certa emotividade inquietante ao olhá-la. Quando falou sua voz mostrou um timbre mais profundo do habitual.

— Espero que sejam de seu agrado.

Entregou um estojo de joalheria negro.

Agradada e surpreendida pelo inesperado presente, Madeline se adiantou para agarrá-lo.

A sorridente senhora Beecham fez sair à criada do quarto e fechou as portas atrás dela, deixando-os sozinhos.

Madeline soltou um gritinho de assombro ao abrir o estojo e descobrir um colar de ouro e rubis, trespassados em brilhantes espirais, e uns brincos a jogo.

— Que preciosidade! Não esperava...

Levantou o olhar para seu marido.

— É muito generoso. Obrigado, Logan.

Um toque de cor brilhou nas elevadas maçãs do rosto do Logan. Depois de tirar o colar do estojo, colocou-se detrás de Madeline e lhe grampeou o pesado trabalho de joalheria ao redor do pescoço. Imóvel, Maddy contemplou o reflexo do colar no espelho, enquanto os quentes dedos de seu marido lhe roçavam a nuca. Logan investiu bastante tempo em fechar o complicado fecho do colar, enquanto sua respiração se filtrava entre os cachos cuidadosamente dispostos de Maddy.

Madeline colocou os brincos de rubis, desfrutando do brioso vaivém das jóias quando girava a cabeça.

— O que te parece o vestido? — perguntou-lhe lhe olhando à cara.

Para sua decepção, Logan não mostrou admiração nem aprovação.

— Tem um corte muito baixo.

Madeline franziu um tanto o cenho.

— Julia o viu e diz que é perfeito.

— Só se está planejando provocar um distúrbio — murmurou com o olhar cravado no peito de Maddy.

— Se não te parecer bem, posso me pôr outra coisa...

— Não, leva o maldito vestido — disse, tentando um tom de indiferença que só conseguiu soar anti-social.

Madeline mordeu o interior do lábio para reprimir um sorriso. Esperou pacientemente a que Logan terminasse de observá-la.

— Vais sentir frio vestida assim — disse cortante.

— A casa é muito quente — apostilou Madeline.

— Estarei bem.

Nesse momento viu os movimentos dos dedos do Logan nos flancos, como se lutasse para evitar tocá-la.

— Baixamos?

Logan respondeu com um grunhido áspero, ofereceu-lhe o braço e a escoltou até a sala de baile como se assistir ao esplêndido baile fora mais um tedioso dever que um motivo de alegria.

Por fortuna, os convidados pareciam dispostos a desfrutar do acontecimento. Centenas de pessoas pululavam pela casa, conversando com excitação sobre a coleção de arte do Logan. As suntuosas mesas do bufe estavam repletas de soberbos manjares e a música se pulverizava em cadenciosas ondas pela sala de baile. Os enormes acertos florais de orquídeas e lírios tigrados em vasilhas orientais laqueadas alagavam o ar com seu exótico perfume.

Inspirados pelo inevitável romantismo do ambiente, os casais se escapuliam pelos inumeráveis cantos íntimos da mansão para manter encontros fugazes, enquanto que as fofoqueiras se concentravam em rebanhos de animadas hienas. Conforme parecia, Julia fez uma perfeita seleção do mais representativo dos distintos mundos com os que Logan mantinha contato: nobres, ricos plebeus, artistas, escritores e, inclusive, alguns políticos. Todos contribuindo a uma animada mixórdia... Uma noite em que se organizaria suficiente escândalo para encher os periódicos e entreter aos leitores durante semanas. Os cavalheiros desfrutavam dos inacabáveis fornecimentos de deliciosos licores e charutos do anfitrião e, de vez em quando, estalavam em pequenas disputas pelos favores de alguma dama esquiva. Entretanto, nenhuma mulher chamava mais a atenção que Madeline.

Foi uma autêntica revelação: conversando e sorrindo, deu conversação aos que a rodeavam com surpreendente habilidade. Era impossível que pudesse estar tão tranquila como parecia. Por outro lado, Logan refletiu com íntima ironia que era para o que tinha sido treinada toda sua vida: para atuar em sociedade como uma consumada anfitriã. De acordo, sua família não tinha planejado que sua filha se casasse com um homem como ele, mas Madeline não dava amostras de envergonhar-se de ser a esposa de um ator.

Logan sentiu um pingo de orgulho pelo comportamento de Madeline, ao tempo que teve a amarga consciência de que deveria ter sido capaz de lhe oferecer algo melhor. Não importava quão competente fosse Madeline como anfitriã, nunca alcançaria o nível social que teria como esposa de lorde Clifton. Logan não reprovava a seus pais que desejassem um matrimônio brilhante para sua filha. De fato, sentia uma estranha empatia pelos Matthews, em especial quando os viu aquela noite.

Os pais de Madeline tinham ido ao baile com semblante cortês e agradável, mas em seu foro interno deviam estar experimentando uma mescla de orgulho e amargura. Era evidente que Madeline era muito refinada para ser a esposa de um homem com o passado libertino do Logan. Sua árvore genealógica era impecável, e se tinha casado com um plebeu; rico, sem dúvida, mas carente de linhagem.

Chegou o momento de inaugurar o baile. Logan ofereceu o braço a Madeline e a acompanhou até o centro da sala. Nunca a tinha visto tão animada, os olhos âmbar brilhando de excitação, as bochechas cintilantes. Não sem surpresa, Logan se deu conta de que era seu primeiro baile. Nunca tinha sido levada aos bailes de sociedade nos que teria sido apresentada aos bons partidos.

— A verdade é que nunca dancei antes com um homem — disse sem fôlego, jogando a cabeça para trás para olhar ao Logan no momento em que este lhe punha uma mão na cintura e lhe agarrava os dedos com a outra.

— Me ensinaram no colégio. Uma vez por semana vinha um professor de baile e aprendi com outra garota como casal. Cada vez levava uma.

A revelação fez sorrir ao Logan.

— Por que não levo eu? — sugeriu com secura, e fez um gesto aos músicos com a cabeça. Começaram com uma preciosa valsa que, antes que Madeline pudesse dar-se conta do que ocorria, transportou-os por toda a sala. Logan, como tudo o que fazia, também dançava de maravilha. Sabia como tirar o melhor partido de sua esposa, guiando-a para que não houvesse lugar a dúvidas ou tropeções.

Ao princípio, Madeline se deu conta de que estava muito rígida. Concentrou-se e tentou segui-lo sem dar um passo equivocado. Logan rindo-se de sua expressão de concentração, murmurou:

— Te relaxe.

— Não posso... estou muito ocupada dançando.

— Levanta a cabeça e me olhe.

Ao obedecê-lo, Madeline descobriu que todo se fazia mais fácil. Deixou de preocupar-se com onde a levava, para passar a fazê-lo só dos quentes olhos e os poderosos braços de seu marido. A tremenda força do Logan lhe chegava através das coxas, que a roçavam, e na robusta musculatura do ombro sob seus dedos. A habitação se desfez em um torvelinho vertiginoso e se aferrou com força a ele. Em um momento de euforia, todo seu ser se consumiu no desejo de que aquela noite se fizesse eterna.

Outros casais, ansiosos por mostrar suas habilidades, uniram-se à valsa, até que a pista ficou coberta por uma multidão. Quando terminou a peça, e se começou a dançar uma equipe, Logan levou a um lado a Madeline e a olhou com um leve sorriso.

— Minhas felicitações a seu professor, senhora.

— Foi maravilhoso — exclamou, mostrando-se reticente a lhe soltar a mão.

— Por favor, não poderíamos...?

— Você gostaria...? — disse Logan ao mesmo tempo; mas foram interrompidos por um círculo de cavalheiros de idade diversa, impaciente por que Madeline lhes concedesse um baile.

Olhou consternada para o Logan.

— Seria egoísta por minha parte te monopolizar, senhora Scott — disse, dando um passo atrás com um sorriso forçado, enquanto sua esposa era conduzida à pista e introduzida em uma equipe.

Não estava bem visto que um cavalheiro estivesse muito pendente de sua esposa. Além disso, seus deveres como anfitrião lhe obrigavam a dançar com as demais mulheres presentes. Logan tinha desfrutado sempre com a companhia das mulheres, de sua complexidade e intrigante variedade de formas, aromas e movimentos... Mas agora, sem saber por que, todas careciam a seus olhos de qualquer tipo de atrativo. Tudo que queria era a Madeline. O sensual atrativo que tinha sua esposa com aquele maldito vestido escarlate estava fazendo que não se esclarecesse. Jamais tinha provado o sabor do ciúme e, de repente, encontrava-se derrubando-se neles. Se um só amigo mais voltava a lhe felicitar com segundas intenções, assassinaria a alguém. Todos os varões presentes a esperavam. Todos olhavam com lascívia seu rosto, sua figura e, a maior parte, seu peito ao meio cobrir.

Logan recordou com tristeza por que nunca tinha recebido em sua casa antes de agora: não havia nenhuma forma educada de fazer que os convidados se fossem quando o anfitrião o desejasse, como tampouco existia meio ali algum de escapar a sua companhia. Se tivesse sido o baile de outro ao que ele assistisse, a essas alturas já se teria ido. Queria estar a sós com Madeline em algum lugar, que fosse. Então, algumas tórridas ilusões começaram a bulir em sua cabeça. Imaginou que, depois de lhe arrancar a saia de veludo, possuía-a em uma das grandes mesas da estadia; ou que a despia em metade da sala de baile e observava o reflexo de ambos nos enormes espelhos emoldurados por colunas.

Os acidentados pensamentos se viram interrompidos pela aparição de sua vice-diretora.

Julia, que tinha abandonado por um instante a companhia de seu marido, aproximou-se do Logan e lhe aplaudiu no ombro. Parecia tão agradada como uma galinha que observa os progressos de seus pintinhos.

— Felicidades! — disse com alegria.

— Foste afortunado ao conseguir uma mulher como Madeline.

— Já me hão isso dito — grunhiu.

— Umas cem vezes, pelo menos.

Julia, sorrindo, seguiu com o olhar a Maddy, que permanecia a uns metros de distância rodeada por um círculo de admiradores.

— Possui uma qualidade da que você e eu carecemos, Logan: gosta das pessoas. Interessa-se sinceramente por elas, e estas não podem evitar corresponde-la.

— Eu gosto das pessoas — murmurou à defensiva Logan, fazendo que Julia risse.

— Sempre que crê que podem te ser úteis em algo.

A comissura de seus lábios se torceu com um sorriso forçado.

— Por que será que sempre me vê como sou em realidade, Julia?

— Jamais me ocorreria dizer semelhante coisa — lhe rebateu com um brilho de diversão em seus olhos cor turquesa.

— Apesar dos anos que faz que nos conhecemos, ainda consegue me surpreender. Seu comportamento com Madeline, por exemplo: delata uma veia romântica longamente inspiradora. Não o tivesse suspeitado nunca.

— Romântica — se burlou Logan em seu eterno afã de parecer cínico.

— Pode negar o que quiser — insistiu Julia.

— O que admita que Madeline te tem o miolo sorvido é só questão de tempo.

— Sim, uns cem anos ou assim.

Quando Julia partiu, franziu o cenho. Voltou a centrar a atenção em sua distanciada esposa, que seguia estando rodeada de um grupo de admiradores. Começou a dirigir-se para ela a grandes pernadas, quando foi assaltado por alguns dos sócios do fundo de investimentos. Apesar da inquietação que lhe corroia, recebeu os efusivos cumprimentos com um sorriso e intercambiou algum outro comentário sobre temas de exclusivo interesse masculino.

Para seu alívio, o resgate lhe chegou sob a forma do Andrew, lorde Drake, que, depois de lhe aplaudir o ombro em tensão, saudou-o efusivamente e o tirou rastros do grupo sob pretexto de lhe pedir conselho a respeito da compra de uma obra de arte.

— Por amor de Deus! Como aguenta a esses brutos? — perguntou-lhe Andrew em voz baixa.

— Todo esse bate-papo sobre interesses e dividendos é tão excitante como uma visita ao depósito de cadáveres.

— Esses brutos, como você os chama, são alguns dos cérebros financeiros mais brilhantes de Grã-Bretanha — lhe espetou Logan com secura.

— Faria bem em passar algum momento com eles.

Enquanto falava, seu olhar voltou para Madeline.

Detida sob a luz de um candelabro, a palidez de seus ombros se assemelhava ao veludo, e o elevado penteado mostrava todas as tonalidades possíveis entre o dourado e o castanho escuro.

Quando observou a direção que seguia o olhar do Logan, Andrew sorriu com malícia.

— Que vergonha, Jimmy! Acreditava-te por cima do burguês comportamento de desejar à própria esposa... Mas, como está acostumado a dizer-se, de casta lhe vem ao galgo.

Logan o olhou com acidez, procurando algum oculto significado no comentário, mas nos olhos azuis do Andrew não havia malícia.

— Nunca hei dito que fosse outra coisa que um burguês — replicou, — e um simples olhar a minha esposa o explica tudo.

— Não o discuto. Depois desta noite, todos os poetas aficionados de Londres se trabalharão em excesso em lhe dedicar uma ode. A cara angélica, a suspeita do escândalo por umas núpcias tão apressadas... Tem-no tudo para despertar a curiosidade desenfreada da gente.

— E para me voltar louco — murmurou Logan, provocando a risada em seu amigo.

— Lavraste-te uma posição, Jimmy — disse e deu um pequeno gole a sua taça de vinho.

Era evidente que não se tratava da primeira da noite, nem tampouco da última.

— Uma vida do mais invejável: dinheiro, uma formosa casa, uma esposa jovem e atrativa... e começou sem nada. Enquanto que me deram todas as vantagens: nome, fortuna, terras... e esbanjei a maior parte. Nos últimos tempos, minha principal ocupação consiste em esperar que morra o velho e me deixe um título magnificamente dotado. Com a má sorte que tenho, durará tanto que serei muito velho para desfrutá-lo.

Logan arqueou as sobrancelhas surpreso pelo que de amargura no tom do Andrew.

— Qual é o problema, Andrew? — perguntou com a profundidade que estava acostumado a utilizar com seu irmão pequeno.

Andrew duvidou e pôs-se a rir.

— Não se preocupe por mim, te limite a desfrutar de sua maravilhosa vida e dos tesouros ocultos de uma esposa.

Logan ficou olhando com uma mescla de exasperação e preocupação. Claramente, Andrew voltava a encontrar-se em apuros. Quão último desejava essa noite era lhe arrancar uma confissão e acabar com seus problemas de uma vez por todas. Entretanto, era um impulso do que nunca tinha conseguido livrar-se e do que jamais se livraria, e menos agora, que sabia o segredo de seu parentesco.

Depois de jogar um olhar largo e ofegante a Madeline, suspirou profundamente e concentrou toda a atenção no Andrew.

— Estive guardando uma caixa de uns charutos magníficos — disse com indiferença. Parece uma boa ocasião para desfrutá-lo. Você gostaria de fumar um?

O mau humor do Andrew pareceu melhorar.

— Sim, leva-os a sala de bilhar e conversaremos com algum dos convidados.

Logan se encaminhou para a saída da sala de baile, detendo-se várias vezes para conversar com grupos de convidados que lhe faziam gestos para que se aproximasse. Ao chegar à porta se dispôs da presença da irmã de Madeline, Justine, e seu marido, lorde Bagworth. Pareciam estar mantendo uma discussão, pois se tinham retirado a um canto da sala e falavam de maneira tensa. Os olhos de Justine estavam entrecerrados pela fúria.

Saiu da sala de baile reprimindo um sorriso de desdém. Suspeitava que Justine devia estar tentando que Bagworth a tirasse para dançar uma animada peça. Como a beleza mimada da família Matthews que era, Justine parecia insistir em ser sempre o centro de atenção. Os Matthew faziam um fraco serviço a sua filha maior mimando-a e mal criando-a em prejuízo de suas duas outras filhas. Depois de conhecer Madeline, Logan se perguntava como era possível que tivesse sido tão pouco valorada por sua família. Com um sorriso irônico nos lábios e, sacudindo a cabeça, encaminhou-se à biblioteca em busca de sua reserva privada de charutos.

Depois de suplicar que a deixassem descansar de tanto baile, Madeline se escapuliu do círculo de cavalheiros que a rodeava. Viu seu cunhado, lorde Bagworth, detido junto aos grandes vitrais que circundavam a estadia. Não pareceu dar-se conta quando ela lhe aproximou, absorto como estava no cuidado jardim exterior, com a redonda cara escurecida pelas rugas do sobrecenho. Era um cavalheiro amável, de semblante simpático, embora algo baixo e com um físico nada impressionante.

— Senhora Scott.

Saudou-a com um sorriso, ao tempo que se inclinava sobre a mão que previamente lhe tinha pegado.

— Felicidades por magnífica noitada. Devo dizer que nunca a tinha visto tão formosa.

— Obrigado, milord. Espero que você e minha irmã estejam desfrutando.

— É obvio — se apressou a responder, em que pese a conservar a expressão de preocupação.

Depois de um comprido silencio, seus amáveis olhos castanhos a olharam fixamente.

— Devo admitir — disse em voz baixa, — que, muito a contragosto, sua irmã e eu acabamos de ter uma pequena discussão.

Sem conseguir entender o que era o que lhe tinha movido a semelhante confissão, Madeline franziu o cenho.

— Milord... se houver algo que possa fazer...

— Possivelmente sim.

Com certo nervosismo, cavou uma mão sobre a outra as esfregou.

— Temo, senhora Scott, que Justine está algo desgostosa por seu êxito esta noite.

— Por mim? — repetiu com assombro Madeline.

Era inconcebível que Justine tivesse ciúmes dela. Sempre tinha sido a mais formosa, admirada e solicitada das irmãs.

— Não estou segura de entender a causa, milord.

O homem a olhou sem poder dissimular a vergonha.

— Como ambos sabemos, Justine tem uma natureza muito volúvel, parece temer que, em certa medida, o triunfo que teve você esta noite subtraia méritos a suas virtudes.

— Mas isso jamais poderia ocorrer — protestou Madeline.

— Entretanto, em sua desdita temo que possa haver lhe ocorrido fazer algo... drástico.

— Como o que?

Lorde Bagworth observou com preocupação a sala.

— Onde está seu marido, senhora Scott?

Madeline abriu muito os olhos. O que tinha que ver Logan com tudo isto? Era possível que, em um arrebatamento de inveja, Justine tentasse jogar-se nos braços do Logan com a única intenção de convencer-se a si mesma de seus atrativos?

— Está sugerindo que vá em busca de meu marido?

— Acredito que seria uma excelente idéia — respondeu imediatamente lorde Bagworth.

Madeline sacudiu a cabeça ao tempo que soltava uma gargalhada de incredulidade.

— Mas se Justine jamais tentaria... não há motivo para...

— É só uma suspeita — observou em voz baixa lorde Bagworth.

— Que confio não demorará para revelar-se infundada.

— Se Justine está preocupada com ser eclipsada... Não há ninguém capaz de competir com ela, e menos eu.

Lorde Bagworth conseguiu sorrir apesar da preocupação.

— Senhora Scott, no muito tempo transcorrido desde que conheço sua família, observei como sempre se manteve à sombra de suas irmãs maiores. E por direito próprio, merece que a reconheça como uma mulher atrativa e de grande talento.

Madeline sorriu transtornada, com a cabeça posta só no Logan e em onde poderia encontrá-lo.

— Obrigado, milord. Se me desculpar...

— Sim, é obvio. — Fez-lhe uma reverência e permaneceu junto aos vitrais suspirando com profusão.

Logan entrou na biblioteca e rebuscou em um aparador situado perto do escritório. Não foi consciente de que lhe tinham seguido até que ouviu que lhe perguntavam com voz provocadora:

— Que busca, senhor Scott? Ou possivelmente deveria te chamar Logan. Depois de tudo, agora somos família.

Logan se incorporou com a caixa de charutos. Quando Justine, a irmã de Madeline, entrou na habitação e fechou a porta, olhou-a com ironia.

— Posso ajudá-la em algo, lady Bagworth? — perguntou com uma expressão indecifrável.

— Eu gostaria de manter uma conversação privada contigo.

— Não tenho tempo — respondeu com brutalidade.

— Devo atender a meus convidados.

— E suas necessidades são mais importantes que as de sua família?

Logan a olhou com frieza, sabendo à perfeição que classe de jogo se trazia entre mãos Justine. Ao longo de sua vida, e por diferentes motivos, tinha sido açoitado por um sem-fim de mulheres casadas.

— Que deseja? — perguntou de maneira cortante, sem nenhuma intenção de ser cortês.

Entretanto, suas maneiras lacônicas não pareceram incomodá-la. Justine sorriu provocativamente e se aproximou dele com passo lento e sugestivo.

— Quero saber se faz feliz a minha irmã. É um assunto que me preocupa muito.

— Terá que perguntar-lhe a ela, lady Bagworth.

— Não me diria a verdade, temo. Para Madeline, as aparências são tudo.

— Tem algum motivo para suspeitar que minha esposa está descontente?

— Só a razão evidente de que não são iguais. Um homem como você... e minha pequena irmã. Estou segura de que não tem nem idéia de como te dirigir. Mas se deve a ter aterrorizada!

— Ela não me dá essa impressão — replicou Logan, recuperando o tom irônico sem ocultar seu crescente desprezo.

— Diga, lady Bagworth, que tipo de mulher considera adequado como par de um homem como eu?

— Uma mulher formosa... segura... experimentada.

Justine se encolheu de ombros de uma forma prática, deixando que as mangas abalonadas lhe caíssem até os ombros e o decote do vestido de seda azul descesse até que as pontas de seus seios ficaram quase à vista.

Recostou-se contra uma mesa, recolhendo o peito e lhe lançou um olhar enviesado.

A pose era tão descarada que Logan esteve a ponto de rir.

— Um encantador convite — disse com um tom cuja secura sugeria o contrário.

— Entretanto, não me interessa nenhuma mulher que não seja minha esposa.

Os olhos de Justine cintilaram devido ao furioso ciúme.

— Não acredito — disse sem rodeios.

— Não pode preferir a esse camundongo tímido e feioso a mim.

Logan ficou olhando com um sorriso zombador. De todas as palavras que poderia ter utilizado para descrever à rebelde criatura que tinha invadido sua vida com tanto entusiasmo e trocando-o todo, «tímida» e «feiosa» não estavam na lista de possibilidades.

— Sugiro-lhe que suba o vestido, lady Bagworth, e retorne ao baile.

O terminante rechaço pareceu alimentar ainda mais sua decisão.

— Posso fazer que me deseje — disse, e se lançou contra ele.

A dissimulação do Logan se esfumou enquanto tentava apartar-se da mulher que tão inesperadamente se enredou nele. A caixa caiu ao chão, e os charutos de deliciosa mescla rodaram pelo tapete. Logan deixou escapar um sopro que mesclava diversão e incredulidade; era como estar atuando em uma má farsa. No fragor da breve briga, não ouviu como se abria a porta da biblioteca. De repente, ouviu a voz de sua esposa e ficou consternado. «Maldita seja!» — pensou, olhando para Madeline.

— Justine, andava te procurando — anunciou Madeline, olhando mais a sua irmã que ao Logan.

Por uma vez, não resultava possível adivinhar o que estava pensando; mantinha o semblante tranquilo e moderado.

Logan apertou as mandíbulas com força. Com o desalinho do vestido de Justine, a proximidade dos dois corpos... Não lhe escapava o que parecia tudo aquilo. Se havia algo que não podia suportar era ser manipulado por uma mulher.

Lançou um olhar assassino a Justine, separou-a de um empurrão e se voltou para Madeline. Uma parte de seu ser lhe indicava que deveria aproveitar a oportunidade para dar uma lição de humildade a Madeline de uma vez por todas. Mas rechaçou a idéia imediatamente. Pensasse o que pensasse dele, era primitivo que soubesse que não tinha os olhos postos em sua irmã. Não tinha nenhum desejo de lhe ser infiel.

— Maddy... — começou, e se deu conta de que por primeira em sua vida não sabia o que dizer.

Suarento, enfurecido, pensou em uma dúzia de explicações, mas parecia não poder emitir nenhum som.

Justine olhou desafiante a Madeline, a boca curvada em um sorriso triunfal.

— Seu marido parece não poder conter-se — disse.

— Só queria falar com ele, mas...

— Sei perfeitamente o que ocorreu — a interrompeu Madeline com calma, — e te agradeceria que, no futuro, evitasse te jogar em braços de meu marido. É um aporrinho que ele não merece... e eu tampouco.

Justine estirou o vestido e subiu as mangas.

— Conte o que queira — disse ao Logan com voz estridente.

— Seguro que te definirá como vítima inocente... pode que inclusive seja o bastante ingênua para acreditar.

Furiosa, percorreu a habitação e saiu dando uma portada detrás de si.

Logan olhou fixamente a sua mulher, e se sentiu tão violento como quando, de menino, era surpreso em alguma travessura.

— Maddy, eu não a hei convidado...

— Sei — lhe interrompeu com total naturalidade.

— Jamais tentaria seduzir à irmã de sua esposa, nem que se sentisse atraído por ela.

— Não o estou — murmurou Logan e se revolveu o cabelo com as mãos até deixar-lhe como os de um louco.

— Deixa... Não faça isso. — Madeline se aproximou e estendeu a mão enluvada para lhe acariciar os cachos negros.

A doçura do gesto apaziguou ao exasperado Logan.

— Em qualquer caso, Justine não teria seguido adiante. Só queria que alguém se fixasse nela.

— A ponto esteve de conseguir mais do que procurava: quase a mato.

— Lamento que te tenha posto em semelhante situação. Agarrou a mão que o acariciava e a manteve sujeita, olhando fixamente o pequeno rosto de sua esposa.

— Tem todos os motivos para desconfiar, Maddy.

— Não o faço — disse com suavidade, provocando que Logan sacudisse a cabeça com frustração.

— Se a situação tivesse sido ao reverso, teria pensado o pior de ti. Um débil sorriso de ironia apareceu nos lábios de Madeline.

— Não duvido que o teria feito.

As palavras pareceram exacerbá-lo.

— Então, como demônios pode seguir aí e afirmar que confia em mim, quando sabe que eu não teria feito o mesmo contigo?

— Por que não teria que confiar em ti? — perguntou Maddy sem perder a calma.

— Foste honorável e generoso comigo.

— Honorável? — repetiu Logan, olhando-a como se tivesse perdido o juízo.

— Te fiz perder a virgindade, deixei-te grávida sem estar casados...

— Quando comecei a trabalhar no Capital fez tudo que esteve em suas mãos para me evitar, apesar da maneira em que me equilibrei sobre ti. Fez o amor comigo só quando esteve claro que o desejava, e quando fiquei grávida, casou-te comigo apesar de seu ressentimento. Enganei-te e, em troca, foste honesto e justo.

— Já está bem.

O aborrecimento tinha esticado seu rosto.

— Me levei como um bastardo contigo, e não pretendo deixar de fazê-lo de maneira imediata, assim que te aconselho que te economize os elogios e as miradinhas de cerva, porque não vão surtir nenhum efeito. Entendeste?

Até que sentiu a suavidade da pele dos braços de Maddy sob suas mãos, a daquela franja nua entre as curtas mangas do vestido e o bordo superior das luvas, não se deu conta de que a tinha agarrado.

— Compreendo — assentiu Madeline.

Tinha sua suave boca perto do Logan e este desejou com violência beijar aquele esboço de sorriso e afundar as mãos no sutiã. Tudo que desejava dela era prazer físico; nem confiança, nem afeto. Estendeu a mão sobre a parte traseira do vestido de Maddy, encontrou o contorno das nádegas e empurrou com força os quadris de sua mulher contra ele.

— Desejo-te — sussurrou, enquanto olhava fixamente a fenda do decote de Maddy, e acariciou o fragrante terreno baixo da base de seu pescoço com a boca e o nariz.

— Vêem comigo acima.

— Agora? — perguntou Maddy, e quando Logan apertou seu sexo ereto contra o dela, ficou sem respiração.

— Agora.

— Mas os convidados...

— Deixa-os que se cuidem sozinhos.

Madeline riu agitadamente.

— Mais tarde — disse.

— Notarão nossa ausência, e mexericarão...

— Quero que o façam.

Qualquer pensamento racional tinha abandonado a cabeça do Logan. Já não sentia nenhuma preocupação pelos problemas do Andrew, o bem-estar de seus convidados ou as aparências sociais.

— Quero que saibam que estou desfrutando de ti escada acima, enquanto eles estão aqui embaixo... Quero que se inteirem de que é minha.

Apertou a boca contra a de Maddy com avidez, libando seu néctar, enlouquecendo ao cheirá-la, ao tocá-la. Enredou os dedos no cuidado penteado e começou a lhe tirar as pinças dos cachos castanhos. Ela se retirou com um gemido.

— Muito bem — disse vacilante, o rosto rosado e brilhante.

— Me sentirei mais que feliz de... te satisfazer... mas os convidados nos deterão antes inclusive de que cheguemos às escadas.

Logan sorriu e lhe roubou um beijo curto e intenso.

— Pobre do que se cruze em meu caminho — disse e a arrastou até a porta.

 

No transcurso do seguinte mês, a gravidez de Madeline se fez mais evidente, o que a obrigou a restringir suas saídas.

Quando ia às compras ou a passear, pelo parque a pé ou em carro, sempre a acompanhavam ao menos dois serventes, a quem Logan tinha dado ordens concretas. Não estava em condições de esgotar-se, havia dito seu marido, nem de aventurar-se em zonas pouco seguras, e sim de comer com regularidade.

— Não suporto que me trate como a uma menina — havia dito Madeline uma manhã sentada ante a penteadeira.

Não podia evitar sentir-se molesta pela perda de liberdade. Depois de ter experimentado o que era isso de fazer o que gostava ou de ir aonde queria, agora lhe resultava difícil levar a vida protegida que acostumava levar qualquer mulher de sua posição.

— Faça o que faça, sempre há alguém que tenta me ajudar, ou me cuidar... ou me dar de comer alguma coisa.

Em lugar de burlar-se ou fazer de menos, Logan a escutou com aparente seriedade.

— Ninguém te trata como a uma menina — respondeu, — mas sim como a alguém cujo bem-estar valoro por cima de todas as coisas.

— Sinto-me prisioneira — disse ressentidamente.

— Quero ir a algum lugar, fazer algo...

— Como o que?

Madeline suspirou e tomou uma escova com o que penteou com energia seu cabelo comprido e solto.

— Do baile não veio ninguém a casa, não tenho mais amigos que Julia que, como você, sempre está ocupada no teatro, e embora recebamos uma dúzia de convites cada dia jamais aceitamos nenhum.

A testa do Logan se enrugou ao olhar o rosto pequeno e tenso de sua esposa. Reconheceu que isso era mais ou menos o que tinha esperado: os anos de reclusão tão enciumadamentes mantidos tocavam a seu fim. Madeline era jovem, vibrante e necessitava uma vida social ativa, ter amigos e desfrutar das variadas diversões que oferecia Londres.

— Entendo — disse, lhe tirando a escova das mãos e deixando-o a um lado.

Ficou de cócoras a seu lado, de maneira que seus rostos ficaram à mesma altura.

— Carinho, não é minha intenção te ter como a um pássaro em uma jaula de cristal. Verei o que posso fazer para animar um pouco seus dias.

Sua boca se torceu em um sorriso zombador.

— Dou por certo de que não tem queixa das noites.

— Não — respondeu Madeline ruborizando-se.

Recuperado o sorriso, elevou a boca de bom grado para que Logan a beijasse.

Fiel a sua palavra, Logan começou a levar Madeline a exposições de arte, leilões, jantares e noitadas musicais. Quando foram ao teatro ao Drury Lañe ou a Royal Opera House, ocupavam um elegante camarote privado. Para deleite de Madeline, aceitaram convites a festas campestres de fim de semana, nas que teve ocasião de conhecer outras jovens damas com as que tinha muito em comum. Sabia que ao Logan não faziam graça tais celebrações, como tampouco que fora permanente objeto de cuidados, especulações e entusiasmo. O fato de que estivesse disposto a sacrificar sua apreciada intimidade por ela era tão adulador como desconcertante. Madeline era consciente da inveja que despertava entre outras mulheres por ter ao Logan como marido. Era encantador, inteligente, generoso e tinha uma elegância da que outros maridos careciam. Adorava estar casada com ele, desfrutava de sua companhia, de seu senso de humor sempre agudo e, é obvio, de suas habilidades amorosas.

Entretanto, com independência íntima ou cômoda que parecesse sua relação, Madeline sabia que distava muito do que podia ser. Logan já não a olhava como antes, nunca havia ardor e desejo em seus beijos e mantinha uma ligeira e crucial distancia entre ambos. Estava claro que não confiava nela, e procurava por todos os meios evitar qualquer intimidade emocional. Madeline, por sua parte, tentava refrear seus sentimentos, sabedora de que, com independência do muito que Logan a desejasse, só conseguiria que desprezasse qualquer manifestação amorosa.

Tal e como Julia tinha prognosticado, Madeline recuperou o apetite e, com ele, os quilos perdidos, além de uns poucos mais. Qualquer preocupação íntima que tivesse podido albergar sobre se Logan aprovava ou não sua modificada figura, não demorou para ser dissipada.

— Dadas as circunstâncias, de agora em diante deveria dormir aqui — lhe disse Logan uma noite depois de havê-la levado a sua cama e fazer o amor.

Passou rápido uma mão sobre o quadril nu de Madeline e acrescentou com brutalidade:

— É melhor que te buscar cada vez que te deseje ou que ir correndo a seu quarto quando tiverem cãibras as pernas.

Madeline sorriu dormitada, removendo-se entre os braços do Logan.

— Não queria te incomodar, sei o muito que você gosta de dormir sozinho.

— Não ocupa tanto — observou, e subiu a mão até o ventre de sua esposa.

— Ainda.

Madeline se apoiou sobre o flanco.

— Não demorarei para ocupar meia cama, de larga que estarei. Ai, oxalá fosse mais alta! As mulheres de minha estatura não levam bem os meninos... Parecemos patos.

Logan a atraiu para ele e recostou as costas de Madeline contra seu comprido corpo.

— Senhora — disse com uma calidez que fez cócegas o ouvido de Maddy.

— Tenho passado as noites lhe demonstrando quão desejável é. A estas alturas não acredito que tenha motivos para duvidar de seu atrativo.

— Há-te aficionado às mulheres com grandes barrigas? — perguntou cética, e notou seu sorriso na nuca.

— Só a uma em particular.

Logan a pôs de barriga para cima.

— E suponho que agora irá querer que lhe demonstre isso.

Madeline se apartou com fingida resistência.

— Se não for um problema...

— Insisto — murmurou Logan, volteando Madeline uma vez mais e beijando-a na boca.

Era um homem imprevisível, que umas vezes a mimava e tirava o sarro e outras a tratava com uma frieza exasperante. A maioria das noites voltava para casa a toda pressa depois da representação para estar com ela, embora quando atravessava a porta a grandes pernadas não havia o mínimo pingo de impaciência. Era tão aficionado a ocultar os sentimentos, que Madeline se perguntava se realmente a amava ou se considerava-a um mascote divertido. Entretanto, havia ocasiões em que ela encontrava razões para a esperança.

Três tardes por semana Madeline posava para o retrato encarregado pelo Logan. O artista, o senhor Orsini, era um homem aprazível e de grande talento, que em nenhum caso mostrava o temperamento excêntrico que ela tivesse esperado em um artista.

— Sua esposa é a mulher mais formosa que pintei — comunicou ao Logan, o dia que foi presenciar uma sessão.

— Senhor Orsini — protestou Madeline de onde estava posando, — não deveria me envergonhar...

— Possui uma virtude inusitada — prosseguiu Orsini com seriedade, — uma mescla de sensualidade e pureza. Uma menina-mulher cativante.

Pouco acostumada a tal quantidade de elogios, Madeline acabou por fixar o olhar no chão.

— Sim — ouviu dizer ao Logan em voz baixa, — isso é exatamente o que vejo nela.

Quando se encontrava bem, Madeline visitava o Capital pelas tardes, aonde assistia aos ensaios e, inclusive, ajudava na leitura dos papéis.

Ao Logan não parecia lhe incomodar sua presença e, de fato, não teve reparos em admitir que gostava de saber que estava perto dele.

— Economiza-me ter que imaginar os problemas nos que poderia te colocar em qualquer outra parte — lhe disse com secura.

A Madeline adorava estar com a companhia, pois a seus componentes a visão de uma mulher em seu estado, não lhes causava nenhum problema. Acostumados como estavam às atrizes grávidas — que permaneciam em cena até o sexto ou sétimo mês de gestação, — os empregados do Capital a tratavam com atitude distendida que a fazia sentir-se cômoda e aceita.

O melhor de tudo eram aqueles momentos de pulverização que compartilhavam algumas noites depois de jantar. Passavam horas lendo e falando, até que, finalmente, Logan a levava a cama. Parecia que o frágil vínculo que os unia se ia fortalecendo. Madeline começou a pensar que, pouco a pouco, ia ganhando a batalha e recuperando a confiança do Logan... Até o dia em que suas esperanças de felicidade pareceram fazer-se pedacinhos.

A manhã de domingo discorria com normalidade. Depois do copioso almoço e o café, Madeline assistiu sozinha aos ofícios religiosos e logo passou umas horas com o Logan no salão familiar privado. Este estudava um programa com atenção, tomando notas e fazendo correções, enquanto Madeline se esquentava junto à estufa e bordava.

Ante a visão da cabeça morena de seu marido, Madeline foi incapaz de resistir o impulso de aproximar-se. Atirou ao chão o bordado que estava fazendo e, situando-se detrás da cadeira onde estava sentado, apoiou as mãos nos largos ombros do Logan.

— Odeio bordar — disse ao tempo que se inclinava para acariciar com o nariz o quente espaço que se formava detrás da orelha do ator.

— Pois não o faça — respondeu Logan, voltando uma página do programa.

— Não tenho mais remédio. Toda esposa respeitável tem que bordar.

— Quem quer que seja respeitável? — perguntou com voz ausente, tentando concentrar-se em seu trabalho.

— Não fique por cima de meu ombro, carinho, não me posso concentrar.

Sem alterar-se, Madeline lhe deslizou os braços pelo peito.

— Não deveria trabalhar em domingo, é pecado.

Brandamente, beijou-lhe duas ou três vezes ali onde a forte queixada do Logan se unia ao pescoço, e sentiu o batimento do coração de seu marido contra os lábios.

— Estou a ponto de cometer um pior — replicou Logan e, deixando cair o programa, voltou-se para abraçá-la.

Madeline gritou, rindo quando a sentou em seu regaço.

— O que é o que considera uma atividade adequada para no domingo, senhora...? Isto...? Ou possivelmente isto...?

O jogo se viu interrompido por uma chamada à porta. Lutando, Madeline se levantou de seu regaço, alisou o vestido a toda pressa e voltou junto à estufa. Entrou um lacaio, que trazia uma nota sobre uma bandeja de prata. Com um sorriso zombador, provocada pelo intento de Madeline de aparentar serenidade, Logan tomou a nota e perguntou ao criado.

— De quem é? — perguntou, voltando ao lado de Logan enquanto este rompia o lacre.

— Conforme parece de alguém que me apresentou lorde Drake.

Com o cenho franzido, leu em voz alta:

“Me vejo na penosa obrigação de lhe transmitir algumas circunstâncias relacionadas com nosso amigo Lorde Drake. Sabedor da íntima amizade que une a ele, dei por sentado que desejaria ser informado imediatamente...».

A voz do Logan se foi debilitando e deixou escorregar o olhar pela nota com rapidez.

Madeline lhe observou enquanto terminava de lê-la em silêncio, feito o qual se sentou com a rigidez de uma estátua.

— Logan? — perguntou-lhe vacilante.

Não pareceu ouvi-la. Madeline lhe tirou a carta meio enrugada da mão. apartou-se para lê-la e, ao terminar, não pôde reprimir um grito afogado de pena. Conforme parecia, Andrew, lorde Drake, tinha assistido a noite anterior a uma festa fluvial no Tamises.

Em algum momento da farra, lorde Drake se jogou pela amurada, mas ninguém tinha advertido nada até o amanhecer. Embora o navio tinha sido revistado minuciosamente, não se tinha encontrado rastro dele. Ia se proceder a dragar o Tamises, mas era frequente que em casos de afogamento o corpo não fosse achado até o cabo de vários dias.

Madeline acariciou o ombro rígido de seu marido.

— Era... é... um bom nadador? Possivelmente conseguisse chegar à borda...

— Não, não sabia nadar bem — lhe informou com a voz rouca.

— Além disso, estaria bêbado como uma Cuba para tentá-lo sequer. Madeline lhe pôs a mão na nuca.

— Logan, lamento-o...

Ele se separou de um puxão, a respiração lhe assobiando entre os dentes.

— Não o faça.

Suas costas se viram sacudidas por um evidente tremor.

— Quero estar sozinho.

Toda sua natureza a impulsionava a ficar, a lhe consolar, mas Logan não a queria ali, não a deixava entrar em sua dor. Impossível imaginar uma tortura maior que amar a alguém que não quer ser amado. Se lhe assaltava algum impulso afetuoso por ela o reprimia a cada momento. Madeline ficou olhando seu cabelo negro e não pôde evitar tocar-lhe.

— Logan, o que posso fazer? — sussurrou.

— Só ir.

Madeline retirou a mão e abandonou o quarto sem olhar atrás.

Durante o resto do dia e a maior parte do seguinte, Logan se encerrou em seu dormitório e se embebedou. A única vez que se dirigiu a Madeline foi lhe informar de que não iria trabalhar ao Capital. Na seguinte sua representação ocuparia o suplente.

— Quando voltará? — perguntou-lhe Madeline, olhando fixamente a cara inexpressiva e o olhar vitrificado pelo álcool.

A única resposta foi um silêncio sepulcral, depois do qual Logan se voltou a encerrar em seu quarto. Não desejava sua companhia, nem a de ninguém mais. Apesar das súplicas de Madeline e das bandejas com comida que fazia subir, recusou comer.

Preocupada, Madeline perguntou à senhora Beecham se Logan se comportou assim alguma vez antes, ao que a governanta, depois de um momento de dúvida, respondeu:

— Só quando você o deixou, senhora Scott.

Madeline avermelhou de culpa e remorsos.

— E quanto tempo durou?

— Uma semana bebendo até perder o conhecimento e outra antes que começasse a comer com normalidade.

A senhora Beecham sacudiu a cabeça com sincero desconcerto.

— Aquilo pude entender, porque todos sabíamos o que sentia por você... Mas isto... Nunca tivesse imaginado que lorde Drake lhe importasse tanto. Eu não gosto de falar mal dos mortos, mas esse homem era um estouvado. Descanse em paz.

— Será porque cresceram juntos. Por alguma razão, Logan se sentia responsável por ele.

A governanta se encolheu de ombros.

— Seja qual for a causa, o patrão tomou seu falecimento muito a peito.

Seu pormenorizado olhar reparou na tensão do rosto de Maddy.

— Ao final tudo se arrumará, senhora Scott, não se desgoste. Para uma mulher em seu estado não é bom preocupar-se.

Isso, é obvio, era mais fácil dizê-lo que fazê-lo. Como não teria que preocupar-se quando seu marido parecia decidido a beber até matar-se? A última hora da noite do segundo dia, Madeline fez provisão de valor e se encaminhou para a porta do Logan, girou o pesado trinco e descobriu que a porta estava fechada com chave.

— Logan? — perguntou, golpeando brandamente com os nódulos.

Tal e como imaginou, não houve resposta. Chamou um pouco mais forte, e do interior lhe chegou o som de um grunhido surdo.

— Pára de arranhar a maldita porta e me deixe em paz.

A voz do Logan albergava um pesar tão inquietante, que os cabelos da nuca lhe puseram de ponta.

— Abre, por favor — disse Madeline, aparentando integridade, — ou irei procurar a chave da senhora Beecham.

— Se o fizer te retorcerei o cangote como a um peru — espetou como se saboreasse já a circunstância.

— Me vou ficar aqui até que te veja; toda a noite, se for necessário.

Ao não receber resposta, acrescentou em um momento de inspiração:

— E se ocorrer algo ao menino, cairá sobre sua consciência.

Ao ouvir os pesados passos do Logan, Madeline se preparou para o que viria. A porta se abriu de improviso e um violento puxão a introduziu na habitação.

— Não quero que nada caia sobre minha consciência — disse, fechando a porta de uma portada e introduzindo-a com ele no umbroso dormitório.

Ergueu-se sobre ela, enorme e escuro, o cabelo revolto, o fôlego empestado a álcool. Tinha posto umas calças incrivelmente enrugadas. Estava descalço, levava nus o torso e os ombros, deixando à vista sua poderosa musculatura.

Madeline não pôde evitar retroceder, alarmada por seu aspecto: parecia capaz de algo. A boca do Logan se torceu em uma careta de desdém, os olhos, injetados em sangue, tinham um brilho selvagem, desesperado...

— Quer dar uma de esposa consciente de seus deveres — disse com voz pastosa — e aplaudir minhas costas me sussurrando obviedades ao ouvido...? Bem, não quero que me console, não o necessito. Tudo que preciso é isto.

Agarrou-a por sutiã, pinçou com os dedos na fenda do decote e atirou dela para si com violência. A boca quente do Logan, rodeada pela áspera barba, esfregou-se pela pele delicada do pescoço de sua esposa.

Madeline se deu conta de que Logan esperava que protestasse pelo áspero das carícias, mas deslizou os braços ao redor de seu pescoço e ali os deixou relaxados. A doce claudicação pareceu ser a perdição do Logan.

— Imbecil! — grunhiu.

— Não tem a sensatez de me temer?

— Não — disse Maddy com o rosto apertada contra o peito quente e suave do Logan.

Separou-se dela com brutalidade, respirando de maneira entrecortada.

— Logan — disse com suavidade, — está-te comportando como se te culpasse de algum jeito da morte de seu amigo. Não entendo por que.

— Nem falta que te faz.

— Claro que sim, quando parece inclinado a te destruir. Há muitas pessoas que lhe necessitam, e dá a casualidade de que sou uma delas.

A fúria pareceu esfumar-se e, de repente, Logan adquiriu um aspecto cansado, cheio de desprezo por si mesmo.

— Andrew me precisava — murmurou.

— E lhe falhei.

O olhar de Madeline encontrou o devastado rosto de seu marido.

— E essa é a causa de tudo?

— Em parte.

Logan agarrou uma garrafa de brandy meio vazia e se sentou no bordo da cama desfeita. Havia manchas de bebida nos lençóis e no tapete Aubusson, rastros das últimas trinta e seis horas de bebedeira. Levantou a garrafa até os lábios, mas antes que pudesse beber, Madeline se aproximou e a tirou. Tentou apoderar-se da garrafa com um agarrado inseguro, e teve que agarrar-se para não perder o equilíbrio.

Madeline apartou a garrafa e ficou frente a ele.

— Me conte — disse, ansiando lhe tocar.

— Por favor.

Com o aspecto de um menino cansado, fechou os olhos e afundou a cabeça entre os ombros. Com voz afogada, pronunciou alguns nomes... lorde Drake... O conde do Rochester... A senhora Florence... E então, em uma corrente entrecortada de palavras, tomou forma uma história incrível.

Madeline permaneceu de pé, imóvel, tentando entender o que lhe estava dizendo. Logan disse que era o filho ilegítimo do Rochester e a filha da senhora Florence, que Andrew tinha sido seu meio-irmão. Atônita, escutava enquanto Logan se desafogava com a amarga sinceridade de um homem condenado. Era evidente que a pena e a dor que sentia pelo Andrew se mesclavam com uma culpa devastadora.

— Por que não me contou isso antes? — perguntou por fim Madeline quando se calou.

— Não era necessário. Estava melhor sem sabê-lo. Igual a Andrew.

— Mas desejava dizer-lhe não? — murmurou, animando-se a aproximar-se para lhe acariciar o cabelo alvoroçado.

— Te arrepende de não lhe haver dito algo quando teve oportunidade de fazê-lo.

Logan deixou cair a cabeça sobre o peito de Madeline e apoiou a testa na fragrante suavidade de seu peito.

— Não estou seguro. Eu... Deus! Agora já é tarde.

Com um suspiro, cobriu seus olhos com o sutiã de veludo.

— Teria que ter feito mais por ele.

— Fez tudo o que pôde. Pagou suas dívidas e jamais lhe deu as costas. Inclusive lhe perdoou por te tirar a Olivia.

— Deveria lhe haver dado obrigado por fazê-lo — disse com a voz rouca.

— Olivia era uma puta embusteira.

Em seu foro interno, Madeline se envergonhou ao pensar que seu comportamento não tinha sido muito melhor que o da Olivia.

— Irás ver o Rochester? — perguntou-lhe, e sentiu como ficava rígido.

— Não confio em que pudesse evitar matá-lo. Rochester é mais responsável que ninguém da morte do Andrew, por ter feito de sua vida um inferno tal que sua única escapatória foi dar-se à garrafa.

De seus lábios escapou uma risada selvagem.

— As pessoas dos bairros baixos têm uma palavra para referir-se aos bêbados, chama-os os «inflados». Quão mesmo dizem quando encontram a um afogado. Pobre Andrew vai ao cabelo em qualquer dos dois casos, verdade?

Madeline continuou lhe acariciando sem fazer caso da macabra observação.

— Vem minha cama e dorme — disse ao cabo de um instante.

— Deixemos que a servidão limpe e ventile esta habitação.

Logan demorou bastante em responder. Madeline sabia que estava considerando se voltar ou não a seu brandy.

— Não me quer em sua cama — murmurou.

— Estou bêbado, e Deus sabe que necessito um banho.

Madeline esboçou um débil sorriso.

— É bem-vindo em qualquer condição.

Com as pontas dos dedos lhe percorreu o braço duro e nu até as mãos sem força.

— Vem — sussurrou.

— Por favor.

Pensou que se negaria mas, para sua surpresa, levantou-se e a seguiu fora do quarto. A pequena vitória a tranquilizou, embora estava longe de sentir-se totalmente aliviada de preocupações. Começava a compreender a carga que tinha estado suportando Logan, e não era surpreendente que a morte de lorde Drake lhe fizesse sofrer. Que miseravelmente traído devia haver-se sentido ao inteirar-se de que o menino rico que tinha crescido com ele era em realidade seu irmão. Nenhum dos dois tinha tido nunca um autêntico lar ou uma família que os quisessem. Nenhum dos dois tinham conhecido jamais a felicidade.

Sua mão escorregou até o ventre, como querendo proteger a vida diminuta que levava dentro. Seguro que Logan seria capaz de querer a uma criatura inocente. Já que não aceitava seu coração, ao menos poderia lhe dar isso.

Logan dormiu com um sonho profundo, movendo-se espasmodicamente Madeline ou murmurando em sonhos. Quando começava a agitar-se, o acalmava até que voltava a dormir, lhe cuidando durante toda a noite. Pela manhã, saiu nas pontas dos pés da habitação e se assegurou que ninguém interrompesse a continuidade de seu sonho. Banhou-se e colocou um vestido de manhã azul marinho com um cós de encaixe branco. Depois de tomar o café da manhã sozinha, passou uma ou duas horas respondendo correspondência.

— Perdoe, senhora Scott... — A voz do mordomo interrompeu seus pensamentos. Trazia um cartão de visita em uma bandeja de prata.

— Uma visita pessoal do conde do Rochester. Quando lhe hei dito que o senhor Scott não estava em casa, perguntou se você lhe receberia, apesar do inusitado da hora.

Consternada, ficou olhando o cartão sem compreender. Sentiu uma mescla de viva curiosidade e preocupação. O que podia ser o que tinha que lhe dizer o conde? Em silêncio, deu graças a Deus de que Logan seguisse dormindo profundamente, pois era imprevisível sua reação se inteirava de que o conde estava ali.

— Falarei com ele em seguida — disse, voltando a pôr a pena no tinteiro de prata gravada com excessivo cuidado.

— Irei ao vestíbulo da entrada.

— Sim, senhora Scott.

Enquanto se dirigia para ali, o coração lhe pulsava com força. Durante a noite não tinha deixado de perguntar-se que classe de homem era Rochester para ter manipulado e mentido durante anos a seus próprios filhos... Para renegar do Logan e consentir que sofresse os abusos de um brutal agricultor. Até sem conhecê-lo, desprezava-o. E entretanto em alguma parte dela havia um pingo de compaixão: depois de tudo, Andrew tinha sido seu filho reconhecido, e sua morte devia ter causado ao conde não pouca dor.

Reduziu o passo ao divisar ao ancião de cabelo castanho avermelhado que esperava na entrada: a alta figura começava a encurvar-se e a cara angulosa carecia de calidez e alegria. Embora entre ele e Logan não havia um grande parecido, ao Madeline deu a impressão de que bem poderia ser seu pai. Ao igual a seu marido, parecia solitário, irredutível, cheio de força. Mostrava os rastros da dor recente: o tom cinzento da pele e alguma coisa mortiça no olhar.

— Lorde Rochester — saudou Madeline, recusando estender a mão e limitando-se a mover a cabeça com prudência.

Ao conde pareceu lhe divertir a falta de deferência de Madeline.

— Senhora Scott — a voz soava ferrugenta, — é muito amável por me receber.

— Lamento sua perda — murmurou.

O silêncio que seguiu o aproveitaram para estudar-se mutuamente.

— Ouviu falar de mim — disse o conde.

— Posso lê-lo em seu rosto.

Madeline assentiu com a cabeça.

— Sim, ele me contou isso.

O conde arqueou uma sobrancelha com altivez.

— Suponho que me há descrito como um monstro com o coração de pedra.

— Simplesmente me relatou os fatos, milord.

— Tem você mais classe do que teria esperado da esposa do Scott — observou Rochester.

— Uma jovem de evidente bom berço. O que pôde persuadir a sua família para permitir semelhante enlace?

— Sentiram-se agradados ante a perspectiva de ter um cavalheiro tão completo na família — mentiu com frieza.

Rochester descansou o afiado olhar sobre ela. Parecia ter detectado a mentira, mas sorriu com mesquinha admiração.

— Meu filho teve sorte ao escolher esposa.

— Seu filho? — repetiu Madeline.

— Tinha a impressão de que se negou a reconhecê-lo.

— Isso é algo que pretendo falar com ele.

Antes que Madeline pudesse lhe fazer mais pergunta, ouviram aproximar-se alguém e se voltaram em uníssono. Logan, sem mostrar emoção alguma no rosto, deteve-se junto a Madeline, o olhar azul fixo no ancião.

Parecia que as muitas horas de sono lhe tinham sentado bem. Com o cabelo ainda úmido pela ducha recente e o rosto brilhante após haver-se barbeado, ia vestido com uma camisa branca, calças negras e um colete estampado verde e cinza. Apesar do aspecto elegante, podiam-se apreciar umas sombras sob os olhos e certa palidez em sua cútis morena. Dirigiu-se ao Rochester em um tom seco e monocórdio.

— Não alcanço a imaginar o que lhe traz por aqui.

— É tudo o que fica - limitou a dizer Rochester.

A boca do Logan se torceu com um sorriso venenoso.

— Espero que, nem pelo mais remoto, esteja sugerindo que lhe equivalho a medíocre sucessão do Andrew.

O ancião não pôde dissimular seu estremecimento.

— Cometi muitos enganos com o Andrew... Não vou negá-lo. Possivelmente não fui um pai ideal...

— Possivelmente?— repetiu Logan com uma risada selvagem.

— ... mas tinha depositado minhas esperanças no Andrew, tinha planos para ele. Eu...

Rochester tragou saliva com dificuldade e conseguiu terminar com muita dificuldade — lhe queria, não importa o que pense.

— Poderia haver-lhe dito — murmurou Logan.

Rochester sacudiu a cabeça, como se a conversação se tornasse muito dolorosa. Contudo, obrigou-se a prosseguir.

— Tinha grandes expectativas para ele. Sua mãe era uma mulher refinada, de natureza delicada e da mais rançosa ascendência. Escolhi-a para me assegurar de que meu filho tivesse uma linhagem impecável.

— Ao contrário que o primeiro — disse Logan.

— Sim — reconheceu Rochester sem rodeios.

— Não ajustava a meus planos. Convenci-me de que o melhor era deixar de lado e começar de novo. Pretendia que meu filho, o legítimo, tivesse o melhor de tudo. Dava-lhe uma fortuna, os melhores colégios, o acesso aos círculos sociais mais seletos... Não havia motivos para que Andrew não triunfasse. Mas fracassou miseravelmente em tudo o que tentou. Nem disciplina, nem ambição, nem talento, nem interesse por nada que não fosse beber e jogar. Entretanto você...

Uma gargalhada irônica estalou em sua garganta.

— Não te dava nada. Sua estirpe era a própria de um mestiço. Entretanto lhe arrumou isso para amassar uma fortuna e te lavrar uma posição social. Inclusive conseguiste te casar com a classe de mulher que deveria ter tido Andrew.

Logan o olhou com ironia.

— Me diga o que é que quer, Rochester, e logo vá-se.

— Muito bem. Quero que acabe a guerra entre nós.

— Não há guerra — respondeu Logan, terminante.

— Agora que Andrew se foi, importa-me um nada o que lhe passe. Não terá nada que ver comigo, minha esposa ou meus filhos. Por isso, o que a mim respeita, você não existe.

Ao conde não pareceu lhe surpreender a frieza do Logan.

— É obvio, essa é sua decisão. Mas, se me permitisse isso, poderia fazer muito por sua família. Para começar, poderia utilizar minha influência para que lhe nomeassem lorde, em base, sobretudo, às propriedades e terras que amaste. E embora haja algumas restrições em relação ao que posso legar à origem ilegítima, ainda fica um patrimônio generoso que poderia te deixar.

— Não quero nem um xelim de seu dinheiro. Deveria ter sido para o Andrew.

— Então não o aceite para ti. Não obstante, poderia considerá-lo em interesse de seus filhos. Quero nomeá-los meus herdeiros. Negar-lhes-ia seus direitos de nascimento?

— Não aceitarei... — começou a dizer Logan, mas o conde o interrompeu.

— Nunca te pedi nada até agora. Tudo o que desejo é que pense no que te hei dito. Não tem por que me dar uma resposta imediatamente, estes dias não tenho nada que fazer salvo esperar.

— Esperará muito tempo — replicou Logan com gravidade.

Rochester esboçou um amargo sorriso de compreensão.

— É obvio. Sei muito bem quão obstinado é.

Logan, em silêncio, a expressão dura como uma rocha, esperou a que Rochester se despedisse e saísse de sua casa.

Por desgraça, Rochester, ou alguém relacionado com ele, revelou a um terceiro a verdade sobre o parentesco do Logan, e ao cabo de poucos dias a notícia se estendeu por toda Londres. Visitas e cartas alagaram a casa do ator, todos desejando conhecer a verdade, e ao Capital não correu melhor sorte.

As atuações do Logan, sempre objeto de uma grande assistência de público, fizeram-se tão populares que no exterior do teatro se suscitavam selvagens brigas por conseguir uma entrada. A gente parecia fascinada pela idéia romântica do plebeu famoso que descobria que, em realidade, era o bastardo de um rico aristocrata. A nobreza também se viu sacudida e cativada pelos detalhes da escandalosa história.

Logan se converteu no personagem mais renomado de Londres, situação que nem desejava nem lhe agradava. O sofrimento pela morte do Andrew lhe levava a trabalhar até a extenuação durante o dia para, mais tarde, encontrar consolo nos braços de Madeline de noite. Seu comportamento sexual se fez muito diferente ao de antigamente: doce e prolongado, era como se quisesse perder-se e permanecer dentro de Madeline para sempre. Não ficava satisfeito até que conseguia que ambos chegassem a um penetrante êxtase que os deixava exaustos e saciados.

— Nunca imaginei que sentiria algo parecido — lhe sussurrou uma noite Madeline.

— Não sabia que podia encontrar-se tanto prazer no leito conjugal.

Logan riu em silêncio e acariciou o corpo de sua esposa com a mão.

— Tampouco eu. Dada minha inclinação pelas mulheres experimentadas, nunca suspeitei que seria cativado por uma ingênua.

— Não tão ingênua — disse Madeline, a que lhe cortou a respiração quando Logan se instalou entre suas coxas.

— Depois de tudo o que temos feito...

— Ainda há muitas coisas que tem que aprender, carinho — disse, situando-se e penetrando-a com suavidade.

— Não pode ser — protestou, ofegando quando ele a encheu por completo.

— Então, passaremos a seguinte lição — murmurou Logan com um sorriso, lhe fazendo amor até que Madeline se viu consumida pelo fogo da paixão.

Madeline chegou de visita ao teatro uma vez terminado o ensaio diário e encontrou ao Logan, sozinho, no cenário, tomando notas enquanto passeava entre alguns ripados colocados ali com antecedência. Ao princípio, muito absorto no que fazia, não advertiu a presença de sua esposa entre os bastidores, embora não demorou para voltar-se e vê-la. Um sorriso resplandeceu em seus olhos azuis.

— Vem aqui — disse, e Madeline obedeceu de boa vontade.

Logan deixou as notas em um cenário móvel próximo. Deslizou as mãos sobre a volumosa cintura de Maddy, enquanto olhava de cima abaixo o vestido de um suave tom ambarino.

— Parece uma gota de mel — murmurou, insistindo-a a ficar nas pontas dos pés.

— Deixe provar.

Madeline se ruborizou e jogou uma olhada ao cenário vazio, temerosa de que o abraço pudesse ser contemplado por algum que outro empregado avoado.

Logan pôs-se a rir.

— Ninguém vai protestar — se burlou, e agachou a cabeça. Sua boca quente e ansiosa lhe roubou um beijo e logo outro.

Entre sorrisos e ofegos, Madeline se apartou.

— Já quase terminaste aqui, não?

— Sim.

Voltou a atraí-la para si e lhe acariciou os quadris.

— Necessitarei só cinco minutos mais. Por que não me espera no escritório? Manteremos uma reunião privada... a porta fechada.

— Não tenho vontades de trabalhar— disse, provocadora, lhe fazendo sorrir com vontades.

— Não o fará.

Deu-lhe um açoite carinhoso e a empurrou com doçura para os bastidores.

Quando se foi, Logan tomou as notas e voltou a centrar-se nos últimos detalhes da coreografia. Sorriu com tristeza, vendo que não podia recuperar o fio dos pensamentos: só podia pensar em ir ao escritório o mais breve possível e seduzir a sua esposa. Obrigou-se a concentrar-se e riscou umas poucas frases, utilizando o cenário móvel a modo de mesa improvisada.

Enquanto o fazia, percebeu o movimento de uma sombra que se aproximava pouco a pouco ao cenário ao longo das fileiras de assentos laterais.

— Quem anda aí? — perguntou, entrecerrando os olhos sob as luzes do cenário, incapaz de reconhecer ao intruso. A suspeita de que o estranho fosse um curioso que se penetrou no teatro, fez-lhe soltar um breve suspiro.

— O Capital está fechado ao público. Se não lhe importa voltar mais tarde, esta noite haverá representação.

O visitante se aproximou, duvidando se saia ou não de entre as sombras.

Logan se estirou e seguiu estudando o escuro contorno do estranho.

— Quem demônios é você? — perguntou com contundência.

O homem respondeu com uma familiar voz de bêbado que fez que o mundo se cambaleasse sob os pés do Logan.

— Não me diga que já te esqueceste que mim... irmão.

Andrew surgiu das sombras. Tinha a cara inchada e brilhante pelo ódio e as bochechas lhe ardiam com um intenso enrijecimento. Logan o olhou atônito. Não foi consciente de haver-se movido até que sentiu o bordo do cenário móvel lhe pressionando com força a coluna. Deu-se conta então de que tinha retrocedido, cambaleante, dois ou três passos. Seus lábios soletraram o nome do Andrew e, em um momento de obceção, pensou que estava ante um fantasma... até que viu a pistola na mão de lorde Drake.

— Acreditava que estava morto — disse com voz quebrada, tentando pôr as idéias em ordem.

— Deve estar decepcionado — replicou o aludido.

— Totalmente decidido a ocupar meu lugar, verdade?

— Não, eu...

Logan sacudiu a cabeça e tomou várias baforadas de ar para recuperar-se.

— Maldito seja, Andrew, que demônios ocorreu? Todos pensam que te afogou durante a festa fluvial...

— Isso é o que queria que pensassem. Tinha que fazer algo. Os valentões de um casa de jogo clandestino me seguiam os passos, decididos a acabar com minha miserável vida se não pagava o que lhes devia. Necessitava tempo, tinha que lhes enganar até que pudesse conseguir um pouco de dinheiro.

— Tem-me feito acontecer um inferno — lhe espetou Logan, recuperando a serenidade.

— Não te durou muito, verdade? — replicou Andrew com suavidade.

— Te recuperaste o suficiente para anunciar aos quatro ventos que era meu meio-irmão, uma circunstância que ninguém se incomodou em me contar.

— Não soube até recentemente.

Logan baixou o olhar até a pistola, que se agitava na mão do Andrew.

— Está bêbado, aparta esse maldito traste e falaremos.

— Tenho intenção de utilizá-la — foi sua vacilante resposta.

— Sobre ti ou sobre mim... Possivelmente sobre ambos. Minha vida não vale um xelim, e só penso em como se beneficiaria sua carreira: converter-te-ia na lenda maior da história do teatro.

Logan não reagiu, mas o coração pulsava a uma desagradável velocidade. Andrew sempre tinha sido um bêbado imprevisível e era capaz de cumprir sua ameaça.

— Nunca acabei com a vida de alguém antes — murmurou, e tremeu como uma árvore em uma tormenta.

Mas essa agitação não vinha de fora: era interior.

— Mas lhe merece isso, Jimmy.

— Por que?

A boca do Andrew se torceu em um espasmo de amargura.

— Sempre soube o que podia esperar de ti. Mesmo que o resto do mundo não fosse mais que uns mentirosos, podia confiar em ti. Agora resulta que é o pior de todos, te guardando o sujo segredo do Rochester, ocupando meu lugar assim que creste que tinha desaparecido... Bem, não pode ficar com o que é meu. Antes, matar-te-ei.

À medida que falava, foi aproximando, movendo com agitação a pistola. Logan começou a considerar a possibilidade de agarrar a arma e tirar-lhe. Pela extremidade do olho viu Madeline detida no bastidor mais próximo e o coração lhe saltou várias vezes no peito.

«Maldição — pensou aterrorizado de repente. — Vá, Maddy. Fora daqui!» Mas Madeline não se moveu. Era incompreensível que se expusesse a semelhante perigo: podia resultar alcançada por um disparo perdido...

Sem querer, podia provocar no Andrew um acesso de fúria assassina.

Logan, sem atrever-se a olhá-la, começou a suar.

— Não quero nada teu — assegurou, lhe resultando difícil falar.

— Quão único desejo é te ajudar.

Invadiu-lhe a sensação de ter a garganta revestida de metal. Precaveu-se de que Madeline se estava movendo em silêncio por detrás do cenário móvel e os bastidores, só Deus sabia com que intenções. Atendido pelo desespero, temeu que tropeçasse e caísse sobre algo. De um tempo a essa parte, tornou-se muito desajeitada a causa da gravidez.

— Me ajudar? — burlou-se Andrew, cambaleando-se ante ele.

— Que formosa demonstração de interesse fraternal! Quase poderia te acreditar.

— Baixa a arma e fala comigo.

O tom do Logan foi cortante.

— Deus, como te desprezo!

A mão do Andrew se agitou ao mirar o estômago do Logan.

— Jamais me tinha precavido do muito que se parecem meu pai e você: uns bastardos suficientes que compartilham segredos asquerosos e manipulam a quantos os rodeiam...

— Jamais te tratei assim.

Atormentado, Andrew sacudiu a cabeça.

— Jimmy... como foi que não fomos capazes de saber? Todos aqueles anos...

— Andrew, espera — disse Logan.

A palidez se apoderou de seu rosto quando seu meio-irmão martelou a pistola.

— Andrew...

Uma estrondo assombroso seguiu ao desabamento do bastidor mais próximo, as peças se vieram abaixo de golpe, como empurradas por uma mão invisível. Desprovida de ancoragens, a estrutura armada de madeira caiu sobre o Andrew antes que tivesse tempo de reagir. A pistola saiu disparada com uma explosão ensurdecedora e, imediatamente, uma bala perdida se incrustou em um lado do palco.

Madeline, de pé ali onde tinha estado o bastidor, contemplava o resultado de seus esforços.

Durante uns segundos de paralisação, Logan a olhou, enquanto se assegurava que tudo estava bem. Inclinou-se para apartar o bastidor e se ajoelhou para agarrar a seu aturdido meio-irmão pela lapela. Andrew empestava a vinho, genebra e um sem-fim de espirituosos mais. Desconcertado, abriu os olhos para olhar atentamente o rosto do Logan. Tal e como este suspeitava, o bastidor não pesava tanto como para lhe ferir.

— O que ocorreu...? — começou a dizer Andrew.

Logan lhe golpeou o queixo e o deixou sem sentido. Caído sobre o cenário, Andrew começou a roncar.

Madeline se aproximou até eles a toda pressa.

— Encontra-se bem?

Logan ficou em pé com parcimônia. Recorreu à tática de contar até dez, mas nada conseguiu conter o fluxo de cólera e pânico. Teve medo de tocar a Madeline, sentiu pavor ante a idéia de estrangulá-la.

— Pode-se saber em que demônios estava pensando? — ouviu-se lhe perguntar encolerizado.

— Te ocorreu pensar sequer um pouco na segurança de nosso filho?

— Não, eu...

Olhou-o desconcertada.

— Em quão único pude pensar foi em ti.

— Posso cuidar de mim perfeitamente — rugiu, sem poder evitar agarrá-la pelos ombros e sacudi-la.

— Por Deus bendito, senhora, vais conseguir que me volte louco! Vou reviver este último minuto cada dia do que fica de vida até que acabe como uma cabra.

— Não podia ficar aí parada, contemplando como te disparava. Não há por que zangar-se: ninguém resultou ferido e já está tudo solucionado.

Seu olhar se desviou para o adormecido Andrew.

— Em sua maior parte.

— Não está tudo solucionado — lhe espetou Logan com ferocidade, soltando-a.

O coração seguia lhe troando no peito. Uma parte dele queria seguir sacudindo-a até que lhe tocassem castanholas os dentes, enquanto que outra desejava estreitá-la entre seus braços e beijar cada centímetro de sua pele com violência. A só idéia de que podia ter sido ferida, de que inclusive pudesse ter resultado morta, alagou-o de um pânico insuportável. Esforçou-se por interromper aquela maré de emoções, chiando os dentes e apertando os punhos com força.

Com evidente desconcerto, Madeline seguia olhando de marco em marco.

— Não o entendo.

— Então, deixa que lhe explique — replicou isso Logan com uma horrível voz.

— O único que me importa de ti é o filho que leva em suas vísceras, o único que te peço é que dele cuide. E é tão condenadamente impulsiva e insensata como para, inclusive, fazer isto.

Madeline empalideceu, o rosto totalmente branco salvo pela expressão angustiada de seus olhos.

— Eu... — sentiu-se estranhamente sufocada.

— Lamento que me encontre tão inútil.

Interrompeu-os a irrupção no cenário dos membros da companhia, que tinham ouvido o disparo enquanto trabalhavam em outras partes do teatro.

— Senhor Scott...

— O que ocorreu?

— O que acontece? E por que...?

— Um bastardo tentou matar ao senhor Scott!

Logan voltou a agachar-se sobre o Andrew.

— Foi um acidente, ninguém resultou ferido. Recolham a lorde Drake e que o levem na carruagem a minha casa. Tomem cuidado, está doente.

— Um maldito bêbado pestilento, essa é sua enfermidade — murmurou alguém enquanto obedeciam suas ordens.

Logan olhou a Madeline com severidade.

— Ficará na asa dos convidados. Algo que objetar?

Maddy fez um ligeiro movimento de cabeça, ao tempo que um intenso carmesim lhe tingia as bochechas.

— Por que te incomoda em me perguntar? Deixaste muito claro que minha opinião não significa nada para ti.

Ao Logan pareceu que a voz e o semblante de Madeline eram diferentes a quaisquer que tivesse visto com antecedência. Sem pensar, pôs-lhe a mão nas costas para conduzi-la fora do cenário, ante o qual ela se apartou de repente. Era a primeira vez que fugia de seu contato.

— Não necessito sua ajuda — disse friamente.

— Quão único quero de ti é algo que decidiste não dar jamais.

Antes que Logan pudesse responder, partiu, erguida com uma fúria que o desconcertou. Tinha-a visto alguma vez tão zangada? Amaldiçoava-a por lhe fazer sentir que, de um modo ou outro, estava equivocado, quando tinha sido ela a única que se pôs em perigo!

De volta a casa não cruzaram palavra. Uma vez ali, Andrew seguiu dormindo, enquanto Logan, com ajuda dos criados, encarregou-se de que lhe asseasse e instalasse com comodidade nos aposentos destinados aos convidados. Depois de compartilhar uma comida rápida com Madeline, Logan se dispôs a voltar para o Capital para a representação programada para essa noite.

— Estará bem? — perguntou-lhe lacônico.

— Posso mandar a procurar um de seus familiares ou amigas para que te faça companhia enquanto estou fora...

— Estarei bem — respondeu sem olhá-lo.

— Está o serviço se por acaso necessito algo, e não acredito que lorde Drake desperte antes de manhã.

— Se o fizer, não te aproxime.

— Muito bem. Quando pensa informar a lorde Rochester de que seu filho segue vivo?

— Deixarei que seja Andrew quem tome a decisão quando puder.

Ficou olhando com ar escrutinador.

— Deite cedo. Hoje recebeste uma forte impressão e precisa descansar.

— Não tem do que preocupar-se — respondeu com frieza, decidida a combater suas brutalidades com as de sua própria colheita.

— O menino está bem.

Franzindo o cenho, Logan partiu sem dizer nada mais.

Madeline tentou recuperar sua paciência habitual recordando o mal que lhe tinha feito, a promessa de que recuperaria o amor do Logan pouco a pouco... Mas, em seu lugar, sentiu um novo arrebatamento de fúria: parecia que seu amor e sua paciência não lhe tinham levado a nenhum lugar. Se assim era como Logan queria que discorressem as coisas entre eles, pois assim seria! Estava cansada de ser uma mártir, cansada de esperar e confiar. Com os punhos fechados, subiu a dar um banho prolongado com a confiança de que a tensão ficasse na água quente e perfumada.

Antes de deitar-se, Madeline foi até a janela do dormitório e abriu a cortina de veludo para jogar uma olhada ao cuidado jardim e às habitações de convidados situadas na outra ala da casa. Havia luz na janela do quarto de lorde Drake e sinais de movimento no interior.

Lorde Drake estava acordado, conjeturou com o cenho franzido. Sem dúvida estaria atormentado pela culpa, bêbado e causar pena. Madeline decidiu ignorar a luz da janela e deixar que sofresse sozinho. Depois do que tinha feito aquele dia, ameaçar matando a seu marido, não merecia compaixão alguma. Além disso, a ordem do Logan de manter-se afastada dele ainda ressonava em seus ouvidos.

Por outro lado, não era nenhuma menina ou nenhuma criada a que lhe pudesse dar ordens. Era uma pessoa adulta, com todo o direito a seguir os intuitos de sua consciência. Molesta, chamou à criada e se dirigiu ao armário.

A criada apareceu ao cabo de um par de minutos.

— Sim, senhora Scott? — perguntou com ar perplexo ao ver Madeline tirar um vestido de dia do armário.

— Por favor, me ajude a me trocar — disse Madeline.

— Acredito que lorde Drake despertou e, se for assim, eu gostaria de falar com ele.

— Mas senhora Scott, o patrão nos há dito a todos...

— Sim, deixou muito claro seus desejos, mas não há razão para preocupar-se. Estarei completamente a salvo, porque tenho a intenção de que alguém me acompanhe a seus aposentos.

— Sim, senhora Scott — assentiu a criada cheia de dúvidas, — embora não acredito que o patrão fique muito contente quando se inteirar.

Chegado o momento, um lacaio, a senhora Beecham e o mordomo — apesar de que todos manifestaram sua desconformidade com bastante claridade — acompanharam a Madeline até os aposentos dos convidados.

— Não havia necessidade de semelhante multidão — protestou Madeline, mas os acompanhantes estavam decididos a protegê-la de um homem ao que consideravam perigoso.

Quando chegaram, lorde Drake estava pinçando nas vitrines de um aparador de mogno do salão de convidados. Cambaleante, piscando como um menino ao que lhe tivesse despertado muito cedo, ficou olhando aos quatro, o olhar injetado em sangue fixo no pequeno rosto de Madeline.

Esta ficou surpreendida pelo contraste entre seu aspecto habitual e o que apresentava nesse momento. O libertino despreocupado e zombador tinha sido substituído por um estranho com o cabelo condensado e um semblante doentio e cinzento. Vestiu-se com a roupa limpa que lhe tinha proporcionado: umas calças, uma camisa e um colete com as feituras um tanto mais esbeltas do Logan. Os botões e o tecido pugnavam por conter a torcida cintura.

— Se for álcool o que está procurando — disse Madeline com suavidade, — Logan se assegurou que não ficasse nada nas habitações de convidados. Gostaria que encarregasse café?

Lorde Drake a olhou entre causar pena e horrorizado e pareceu deslizar-se envergonhado até um canto da habitação.

— Por favor, vá-se — murmurou.

— Não posso suportar lhe olhar o rosto. O que tenho feito hoje...

— Não era você — respondeu Madeline, trocando a condenação inicial por compaixão.

— Ah, sim que o era — lhe assegurou.

— Sem dúvida que sim, o bastardo covarde e louco de atar que sou.

Quando Madeline ordenou ao lacaio que trouxesse café e algo de comer, lorde Drake sacudiu a cabeça.

— Não envie nada, irei dentro de uma hora.

— Deve ficar lorde Drake. Por meu marido.

Uma careta de diversão apareceu na comissura da boca do Andrew.

— Estou seguro de que não irá querer privar-se do prazer de me golpear até me fazer mingau.

— Você sabe de sobra que não é isso o que deseja — replicou Madeline em voz baixa, sentando-se em um sofá enquanto a senhora Beecham e o mordomo acendiam os abajures e atiçavam o fogo.

— Sente-se e me conte, lorde Drake.

Andrew obedeceu a contra gosto, meio derrubando-se, meio sentando-se em uma cadeira perto do fogo, e apoiou a cabeça despenteada nas mãos. Por fim chegou o café, e lorde Drake bebeu três xícaras da amarga beberagem de um gole, o que lhe fez recuperar uma aparente lucidez. Quando tudo indicava que não cabia esperar nenhum perigo dele, os serventes se retiraram ao quarto contiguo acessando à petição que lhes murmurou Madeline.

Lorde Drake falou antes que a anfitriã pudesse abrir a boca.

— Estive bebendo três dias seguidos antes da festa no rio — balbuciou.

— O medo me tinha enlouquecido, pois sabia que alguns bastardos aos que lhes devia dinheiro tinham posto preço a minha cabeça. Concebi o estúpido plano de simular que me tinha afogado, com a esperança de que me perdessem o rastro durante algum tempo. Depois do êxito de meu estratagema, disfarcei-me para ir a um casa de jogo clandestino. Foi ali onde ouvi as fofocas a respeito do Logan. Todo mundo dizia o mesmo, que era o filho bastardo do Rochester. Voltei-me louco. Nunca hei sentido tanto ódio como naquele momento.

— Por Logan? — perguntou, perplexa, Madeline.

A cabeça morena e despenteada assentiu cansativamente.

— Sim... Embora a maior parte ia dirigida a meu pai. Entre os dois me converteram em um impostor. Logan era o primogênito e eu ocupei seu lugar, me deu a vida que correspondia a ele. E sempre foi fodidamente evidente que era o melhor. Olhe tudo o que conseguiu. Sempre me comparei com ele e saí mal parado, mas ao menos podia me consolar sabendo que o sangue dos Drake corria por minhas veias. Agora parece que também pelas suas.

— Você é o único herdeiro legítimo de lorde Rochester — disse Madeline, — e nada trocará isso.

Lorde Drake apertou a delicada xícara chinesa com tanta força que Madeline temeu que acabasse por rompê-la.

— Mas deveria ser Logan, não o vê? Em troca, ele não recebeu nada; menos que nada. Meu deus, não pode imaginar como viveu, os castigos que recebeu à mãos do Jennings, o frio e a fome que padeceu. Enquanto eu vivia na mansão do lado...

— Você não podia fazer nada para trocar isso — lhe interrompeu Madeline com suavidade.

— Meu pai poderia haver... E sabê-lo é um calvário autêntico. Não posso suportar ser filho dele, e não posso tolerar que Logan seja meu irmão quando não tenho feito outra coisa que lhe tirar o que lhe pertencia desde o dia em que nasci. — levantou-se da cadeira e deixou a xícara a um lado com mão tremente.

— Quão único posso fazer pelo Logan em compensação é me assegurar que nunca volte a ver-me.

— Está você equivocado. — Madeline seguiu sentada, posando nele um olhar imaculado que pareceu cravá-lo ao chão.

Sua voz tremeu, dominada pela convicção.

— Ao menos, tenha o valor de enfrentar-se ao Logan amanhã. Acredito que, no fundo de seu coração, pensa que tudo o que lhe importa termina por abandoná-lo cedo ou tarde. Se albergar algum sentimento fraternal pelo Logan, fique e encontre a maneira de ajudá-lo a reconciliar-se com o passado. Se não o fizer, jamais encontrará a paz. Você é seu único vínculo com lorde Rochester. Não acredito que chegue a querê-lo jamais, nem sequer que chegue a lhe gostar, mas tem que aprender a aceitar que é seu pai.

— E acredita que posso fazer algo por ele? — perguntou lorde Drake com uma gargalhada sarcástica que soou assombrosamente igual às do Logan.

— Por amor de Deus, se nem sequer posso fazê-lo por mim.

— Então, terão que ajudar um ao outro — replicou teimosa Madeline.

Lorde Drake voltou a sentar-se, rindo-se entre dentes sem nenhuma segurança.

— É mais complicada do que parece, não é assim? É você uma jovenzinha tenaz. Mas suponho que não poderia ser de outra maneira, havendo-se casado com meu irmão.

Sem falar, olharam-se divertidos, até que se precaveram da presença de uma figura larga e imprecisa na soleira da porta. Logan... Tinha o rosto contraído e se dirigiu a Madeline com voz rouca.

— Fora daqui.

Madeline piscou confundida.

— Só estava falando com lorde Drake...

— Disse-te que não te aproximasse dele. É muito pedir que obedeça a mais elementar das ordens?

— Escuta um momento! — A voz de lorde Drake soou lenta e amargamente divertida.

— Não ocorreu nada ilícito, Jimmy. Não culpe a sua esposa por algo que ocorreu muito antes de conhecê-la.

Logan lhe ignorou e olhou com frieza a Madeline.

— No futuro, senhora, não interferirá nos assuntos que não são de sua incumbência.

Algo dentro de Madeline pareceu murchar-se. Durante meses se mostrou vulnerável ante ele de maneira deliberada, com o só propósito de ganhar seu carinho, lhe oferecendo o melhor dela, e não tinha sido suficiente. Estava cansada de tentá-lo e fracassar, perdendo e ganhando, uma e outra vez, o mesmo terreno. Levantou-se e respondeu sem nenhuma emoção:

— Muito bem. Não voltarei a ser uma carga para ti. De agora em diante, pode ficar com sua intimidade... tanto como deseje.

E saiu da habitação sem lhe dedicar um olhar.

Logan passou de observar a soleira da porta a dirigir ao Andrew um olhar cheio de ódio.

— Se lhe puser um maldito dedo em cima...

— Meu deus! — exclamou Andrew, sacudindo a cabeça.

— Não é possível que creia que sou capaz de seduzir a sua esposa... ou a nenhuma outra mulher, em realidade, neste estado. Tenho problemas mais urgentes dos que me preocupar. Além disso, ela jamais permitiria que me insinuasse, não é como Olivia.

— Se voltar a te encontrar a sós com ela, te mato.

— É ainda mais imbecil que eu — observou Andrew, se sentando e esfregando a dolorida cabeça.

— Pensei que não era possível, mas o é. Encontraste uma mulher que te ama de verdade, embora não me alcança como nem por que, e não tem nem idéia de como reagir.

Logan o olhou com frieza.

— Está bêbado, Andrew.

— Claro que o estou, é o único momento no que posso dizer a verdade.

— Estaria louco se falasse contigo de minha mulher!

— Em qualquer caso, está maldito, irmão... É um Drake. Ao final, conseguirá afugentar a todos os que se preocupam com ti. Os Drake são criaturas solitárias: destruímos a tudo o que lhes aproximar-se muito, desprezamos aos pobres idiotas que tentam nos amar. Ocorreu a sua mãe, e lhe ocorre agora a sua esposa.

Em silêncio, Logan olhou atônito a seu meio-irmão. Em seu foro interno bulia uma negativa.

— Não sou como ele — sussurrou com crueldade.

— A quanta gente sacrificaste por sua ambição? A quantos obrigaste a afastar-se por não permitir que se aproximassem? Convenceste-te que está mais cômodo sozinho. É mais prático e seguro viver assim, verdade? Está afligido de uma incrível autonomia, Jimmy... igual a Rochester e eu.

O que viu os olhos do Logan lhe obrigou a sorrir sobriamente.

— Quer ouvir algo estranho? Sua mulher me pediu que te ajudasse.

— Me ajudar? — ouviu-se dizer incrédulo Logan.

— Não sou eu o que necessita ajuda.

— Esse é um aspecto a discutir — se burlou Andrew, esforçando-se em sorrir.

— Falemos pela manhã, irmão... Estou terrivelmente cansado e bêbado. E, enquanto isso deveria considerar te aproximar de sua esposa e lhe suplicar que não te abandone.

 

Aturdido, Logan se dirigiu sem pressa a seus aposentos com o sentimento de que seu mundo seguro e confortável se estava derrubando. Nos últimos tempos as surpresas se foram acumulando. A notícia de sua iminente paternidade, o descobrimento de ser um bastardo do Rochester, a morte do Andrew e o subsequente reaparecimento do mesmo... Só uma avalanche assim poderia ter quebrado suas defesas. Em meio de tudo isso, só uma coisa tinha permanecido constante e imutável: Madeline. Generosa, carinhosa, forte, lhe mostrando de todas as maneiras possíveis que lhe amava.

Necessitava-a, mas não suportava admiti-lo, nem sequer para si mesmo. Madeline teria que contentar-se com o que lhe desse e não pedir mais. Fazendo provisão de suas esgotadas reservas de determinação, entrou no dormitório. Encontrou a sua esposa sentada na borda da cama, levando a pequena mão ao ventre. A estranha expressão no rosto de sua esposa fez que o coração do Logan saltasse em seu peito presa do pânico.

— O que acontece? — perguntou, aproximando-se dela a toda pressa.

— Noto que o menino se move — disse assombrada.

Assustado, Logan só foi capaz de ficar quieto, observando-a. Moveu os dedos nos flancos com nervosismo e, de repente, sentiu a imperiosa necessidade de tocá-la, de sentir as ínfimas vibrações dos movimentos de seu filho dentro dela. O esforço por conter-lhe provocou um tremor, um estremecimento apenas perceptível, que percorreu todo seu corpo.

Madeline esticou o rosto e se levantou da cama. Ao dirigir-se ao armário foi quando Logan viu a mala que tinha tirado da prateleira inferior.

— Para que é isso? — perguntou-lhe com dureza.

A voz de Maddy soou tensa e débil.

— Decidi que não quero seguir vivendo aqui. Uma ira tinta de incredulidade se apoderou do Logan, que replicou com uma suavidade zombadora.

— Não tem eleição, senhora.

— Sim, sim que a tenho. A menos que use a força, não tem maneira de me reter aqui.

— Não tinha nem idéia de que isto te resultasse tão desagradável — disse Logan, ao tempo que assinalava o luxuoso entorno.

— Se não tem sido feliz, dissimulaste-o que forma bastante convincente.

— Pelo visto tem a habilidade de me fazer sentir feliz e miserável ao mesmo tempo.

Madeline tirou um par de luvas, vários objetos de linho e um cachecol bordado, e colocou tudo na mala.

— É evidente que não fui mais que uma espantosa moléstia para ti. Entretanto, quando conseguir deixar de te querer, tudo será mais fácil para ambos.

Logan se aproximou de grandes pernadas e se deteve ante o armário.

— Maddy — disse com brutalidade, — não devia te haver falado mal antes. Sinto muito. Agora, deixa isso e te deite.

Madeline sacudiu a cabeça, os olhos ardidos ante a urgência das lágrimas.

— Rendo-me, Logan, definitivamente. Não deixaste de me castigar por te haver ferido, esperaste qualquer oportunidade para me demonstrar que pode te desentender sem sequer voltar a vista a atrás. E há dito o que pensava bastante frequentemente. Admito que fui uma idiota por esperar que pudesse trocar. Agora, tudo o que quero é me afastar de ti e encontrar um pouco de paz.

A tranquila tenacidade de Madeline o enfureceu.

— Maldita seja, não vai a nenhuma parte! — Agarrou-a pelos ombros e, quando sentiu a rápida bicada da mão de sua esposa na bochecha, ficou horrorizado. Tinha-lhe esbofeteado.

— Me solte — disse Madeline, ofegando e olhando-o furiosa.

Tinha sido tão inesperado como a picada de uma mariposa. Perplexo e indignado, inclinou a cabeça para beijá-la, tentando abrandá-la da única maneira que sabia. Em lugar de responder com a doçura habitual, Madeline se esticou sob o abraço e recebeu com frieza os beijos que Logan lhe dava na boca. Pela primeira vez, este percebeu uma nervura acerada jamais revelada até então pela Madeline. Olhando de marco em marco à pequena e implacável estranha que tinha diante, deixou cair as mãos.

— Que demônios quer de mim? — perguntou com aspereza.

— Eu gostaria que respondesse a algumas perguntas.

Os olhos âmbar do Maddy procuraram os de seu marido.

— É certo o que disse esta tarde, que o único que te importava de mim era a criatura que levo dentro?

Logan sentiu que lhe obscurecia o rosto pelo rubor.

— Estava furioso porque te pôs em perigo.

— Casou-te comigo só pelo menino? — insistiu Madeline.

Logan teve a sensação de que pretendia miná-lo de maneira sistemática, lhe debilitando os alicerces com a intenção de que se desmoronasse.

— Sim, eu... não. Ainda te queria.

— Ainda me queria? — disse quase em um sussurro Maddy.

Logan esfregou as mãos pelos cabelos, deixando-os em um selvagem desalinho.

— Deus bendito, não discutirei sobre isso!

— Muito bem.

Maddy se afastou com calma e voltou a centrar-se na bagagem.

Logan emitiu um furioso ruído e a agarrou por atrás sem fazer caso da rigidez que esticava o corpo de sua esposa. Aspirou seu perfume e lhe acariciou a nuca com a boca. A larga juba de Maddy amorteceu a aspereza de sua voz quando falou:

— Não quero te perder, Maddy.

Madeline lutou por largar-se.

— Mas tampouco deseja me amar.

Logan a soltou com brutalidade e começou a passear pelo quarto como uma fera enjaulada.

— Disse-me isso uma vez — explorou, furiosa, Madeline.

— Por que te resulta tão difícil fazê-lo agora? De verdade é tão frio e implacável?

Deteve-se, retirou o olhar dela e respondeu com voz torturada:

— Perdoei-te faz muito tempo. Entendi o que fez e por que o fez, e inclusive uma parte de mim te admirou por isso.

— Então por que segue levantando muralhas entre nós? — perguntou-lhe com desespero, sem acabar de lhe acreditar.

Um calafrio agitou os ombros do Logan. Madeline mordeu o lábio, esperando, sentindo que se não falasse poderia chegar para ouvir as palavras que a fariam compreender.

— Sabe que te amo — confessou Logan com a voz rasgada.

— Todo mundo sabe. Não importa o que faça, não posso evitá-lo.

Foi até a janela e apoiou as palmas das mãos nos frios cristais, olhando com fúria o jardim invernal do exterior.

— Mas não posso deixar que volte a ocorrer. Não ficará nada de mim se te perder agora.

— Mas não me perderá — disse transida de dor e confusão.

— Logan, deve acreditá-lo!

Scott moveu a cabeça com violência.

— Rochester me disse... — deteve-se e tragou saliva convulsivamente.

— Minha mãe morreu ao dar a luz. Eu era muito grande... Morreu por minha culpa. Madeline emitiu um gemido de protesto.

— Meu deus! Como pode acreditar isso?

— É um fato — disse com obstinação.

— É minha culpa, e não posso sentir nenhuma sorte por nosso filho quando penso no que poderia...

Não foi capaz de terminar a frase. Não era necessário.

— Tem medo de que não sobreviva ao parto — disse Madeline, e a estupefação apagou qualquer outra expressão de seu rosto.

— É isso o que tenta dizer?

— Meu filho por força tem que ser grande... e você...

— Não sou tão fraca como para isso — assegurou e elevou a cabeça para a sombria cara de seu marido.

— Logan, me olhe! Prometo-te que nada nos ocorrerá nem a mim nem ao bebê.

— Não pode prometer semelhante coisa — replicou com brutalidade.

Madeline abriu a boca para lhe rebater, mas de repente recordou que sua própria mãe tinha tido muitos problemas nos partos. Logan tinha razão: não podia garantir que não fosse ocorrer nada.

— O que acontecerá se seus temores resultam fundados e ocorre o pior? — perguntou.

— Te resultará mais fácil se te separar de mim?

Então voltou-se para olhá-la, a cara atormentada, os olhos azuis brilhando pela umidade.

— Maldita seja, não sei.

— Não te cansa de manter sempre as distâncias com o mundo? — murmurou, lhe olhando com amor e lástima.

— Vem comigo. Temo-nos o um ao outro, não há necessidade de estar sozinho.

As palavras de Madeline foram a perdição do Logan. Com a mandíbula tensa e tremente, aproximou-se dela em umas poucas pernadas e a rodeou com um abraço forte e doloroso.

— Não posso viver sem ti — disse com voz apagada.

— Não terá que fazê-lo.

Enredou os dedos no cabelo do Logan, beijou-lhe as bochechas úmidas, e o corpo lhe afrouxou em um alívio incontido.

Logan se estremeceu, e sua dura boca encontrou a de Maddy em um doloroso beijo que pareceu fazer-se eterno.

— Ficará? — perguntou.

— Sim, sim... — Seus lábios procuraram os do Logan, aos que se pegaram com doçura.

Então foi ele o que gemeu com um ansioso desejo.

Arriscou-se a fazer o amor a Maddy, embora, dito seja de passagem, não teve eleição. Levou-a até a cama, tirou-se a roupa e a tirou a ela e lhe fez o amor com uma ternura selvagem, que lhe fez tremer em seu esforço por ser terno.

Ao terminar, Madeline, farta, ficou tendida nos braços do Logan, muito cansada para mover-se quando sentiu que este se apoiava no cotovelo para olhá-la. Inclinando-se, apertou a boca contra o ventre de Maddy, um gesto de esperança ganho em pulso, o que provocou que uma dilaceradora alegria avermelhasse os olhos de sua esposa.

— Tudo irá bem — murmurou Madeline, lhe pondo a cabeça junto à sua.

— Confia em mim.

E lhe beijou com o coração transbordante de amor.

 

Fazia dez horas que durava o parto. Depois de ser banido do dormitório onde Madeline estava dando a luz a seu filho, Logan se sentou no próximo salão privado da família e, a cada vago som procedente de dentro da porta, apertava-se com mais força o crânio. Consolava-lhe um tanto que Julia estivesse com Madeline, lhe infundindo ânimos e lhe brindando sua amizade, além de estar disponível para ajudar ao médico e a parteira chegado o caso. Mas nada conseguia transpassar a bruma de preocupação que lhe envolvia.

Tinha permanecido com Madeline as primeiras horas, mas a visão da dor de sua esposa lhe pôs tão nervoso que o doutor Brooke lhe ordenou que saísse da habitação.

— Sugiro-lhe que se faça com uma garrafa de brandy — lhe aconselhou o médico com um sorriso tranquilizador.

— Isto ainda pode durar várias horas.

Já tinha bebido meia garrafa sem encontrar consolo para a dor que corroia suas vísceras. Não podia suportar a imagem do sofrimento de sua esposa, de como se agarrava a um trapo cheio de nós a cada contração, da maneira em que mordia os lábios até arroxeá-los...

— Deus, Jimmy! — Andrew entrou no salão e se sentou a seu lado com um sorriso malicioso.

— Não o leva muito bem, não? Logan lhe lançou um olhar de desdita.

— É estranho — observou Andrew com ligeireza, — para uma vez que estou sóbrio, você está meio bêbado.

Durante os últimos meses, Andrew tinha limitado a bebida a um ocasional copo de vinho. O rubor de bêbado tinha desaparecido das bochechas, tinha emagrecido bastante e, pela primeira vez desde que era um adolescente, estava magro e em forma. Também tinha deixado de jogar e chegado a um acordo para o pagamento, com interesses, das dívidas contraídas. Inclusive parecia ter conseguido estabelecer uma relação nova e mais íntima com o Rochester, um pouco mais brando do susto passado pela «morte» de seu filho.

— Ainda não estou o bastante bêbado — murmurou Logan, estremecendo-se para ouvir um grito amortecido procedente da habitação. Olhou com inquietação para a porta.

— Está-te enrolando os miolos — disse.

— Acima esse ânimo, Jimmy! As mulheres sobrevivem a este tipo de coisas todos os dias. Por que não me acompanha abaixo? Não tenho reparo em te dizer que estou farto de tentar conversar de amenidades com essas almas respeitáveis que são sua família postiça. Deveria te distrair jogando de anfitrião um momento.

— Preferiria me arrastar através de um campo semeado de cristais quebrados.

Um sorriso de surpresa e ironia cruzou o rosto do Andrew.

— O grande Logan Scott abrindo seu coração, um espetáculo ao que jamais tivesse esperado assistir.

Logan se sentia muito abatido para responder. Levantou o olhar para o retrato da parede, a Madeline que tinha pintado Orsini e que ganhou a admiração e as resenhas calorosas dos críticos mais destacados de Londres. O artista a tinha retratado sentada ante uma janela, o cotovelo apoiado em uma mesa de nogueira, enquanto o olhar sonhador da retratada se perdia no infinito. Tinha posto um vestido muito discreto, exceto por uma manga que, caindo com acanhamento, deixava à vista a palidez da curva do ombro.

Ao pintá-la de perfil, Orsini tinha revelado a delicada pureza de seus rasgos, além de ter dotado às nuas extensões de pescoço, braços e ombro de um viço que permitia ao observador apreciar a textura aveludada da pele. O retrato era um estudo perturbador de contrastes: inocente e mesmo assim sensual, o rosto sereno e os olhos com um malicioso brilho... Madeline como o Anjo Cansado.

— Encantadora — observou Andrew, que tinha seguido o olhar do Logan.

— Ao contemplar esta pintura, ninguém suspeitaria que pode ser mais teimosa que uma mula.

Sorriu em direção ao Logan.

— Sairá desta ilesa, Jimmy. Se ainda fosse jogador, apostaria todas minhas fichas a que sim.

Logan assentiu em silêncio, o olhar fixo no quadro. Os últimos meses tinham estado presididos pela felicidade mais intensa que jamais tinha conhecido. Madeline tinha chegado a sê-lo tudo para ele, enchendo cada espaço vazio de sua vida, desterrando toda a amargura e a dor e substituindo-os por alegria. Por mais que a tivesse amado antes, não era nada comparado com seu renovado amor. Logan teria baixado ao inferno com tal de lhe economizar um momento de sofrimento. A idéia de que tivesse que suportar a agonia do parto sozinha, de que ele não pudesse fazer nada, estava-o voltando louco.

De repente ouviu o pranto de um menino, e o agudo som fez que ficasse de pé. Branco como o giz, esperou durante o que pareceu uma hora, embora em realidade não chegou a um minuto.

A porta se abriu, e apareceu Julia com uma expressão mescla de cansaço e alegria.

— Tanto a mãe como a criatura estão de maravilha. Venha, papai, lhe jogue uma olhada a sua preciosa filha. Logan a olhou com estupor.

— Maddy está... — deteve-se e tentou umedecer os lábios; tinha a boca muito seca.

Julia sorriu e lhe acariciou a bochecha.

— Tem-no feito muito bem, Logan. Está magnífica.

— Felicidades, irmão — disse Andrew e agarrou a garrafa de brandy da mão do Logan, que a sujeitava sem força.

— Me dê isto, já não o necessita mais.

Apenas consciente do que estava acontecendo, Logan entrou na habitação a grandes pernadas.

Andrew ficou olhando com nostalgia a meia garrafa de brandy que sujeitava e a deu a Julia.

— Tome — sussurrou.

— Não confio em mim com isto nas mãos. A Deus obrigado, ainda posso me permitir muitos outros vícios.

Não de todo consciente das felicitações cordiais do médico e a parteira, Logan se aproximou da cama e se sentou junto a Madeline. Tinha os olhos meio fechados e sorriu a seu marido.

— Maddy — disse Logan com a voz quebrada. Tomou a mão livre e a levou a boca, que apertou com ardor contra a palma.

Lendo o alívio angustiado da cara de seu marido, Madeline murmurou quedamente e o atraiu para ela. Logan afundou a cara em seu peito com um som gutural.

— Estou bem — murmurou Maddy, ao tempo que lhe acariciava o cabelo.

— Não foi tão mau como pensava.

Logan procurou a boca de sua esposa com a sua, e quando saboreou a doce e familiar calidez, o pânico se desvaneceu.

— Passei um inferno — disse quando separou os lábios.

— Não quero voltar a passar por isso jamais.

— Temo que terá que fazê-lo, querido. Algum dia irá querer lhe dar um irmãozinho.

Logan observou com atenção a diminuta figura que repousava na parte interior do cotovelo de Madeline. Estava envolta em linho e algodão, e a pequena cara rosácea mostrava uns perplexos olhinhos. Na cabeça luzia uma mecha de um sedoso cabelo castanho. Logan, maravilhado, roçou aqueles fios aveludados.

— Olá — sussurrou, roçando com os lábios a testa do bebê.

— É preciosa, verdade? — perguntou Madeline.

— Deliciosa — respondeu Logan, contemplando a maravilhosa criação. Voltou a olhar a Madeline.

— Mas não eclipsa a sua mãe.

Apesar do desconforto e esgotamento, Madeline riu entredentes.

— Não seja tolo. Nenhuma mulher está bonita ao dar a luz.

— Poderia ficar te olhando durante horas..., semanas..., meses... e nunca me cansaria.

— Terá que fazê-lo enquanto durmo — disse com um bocejo, e piscou como um pequeno mocho.

— A descansar — disse. — As duas.

Acariciou com o olhar a sua esposa e a sua filha.

— Eu cuidarei de vocês.

— Quer-me? — perguntou ela com um débil sorriso, voltando a bocejar.

— Antes era amor.

Acariciou as pálpebras fechadas de Madeline com os lábios.

— Agora não há palavras para defini-lo.

— Uma vez me disse que pensava que o amor era uma debilidade.

— Estava equivocado — sussurrou, e lhe beijou a comissura da boca.

— Tenho descoberto o que é o que me dá força.

Madeline ficou dormida com um sorriso nos lábios, a mão repousando na do Logan.

Ouviu-se uma batidinha na porta. Logan foi abrir e encontrou à senhora Florence na soleira. Nos últimos tempos se converteu em uma assídua visitante, em teoria para ver Madeline, mas ela e Logan tinham descoberto um inesperado prazer na mútua companhia. Depois de tudo, tinham bastante em comum. Tinham mantido largas e entretidas conversações sobre teatro e, às vezes, tinham falado da mãe do Logan, Elizabeth. Havia muitas coisas sobre ela que Logan desejava conhecer, assim como do homem que a tinha feito mãe. Pouco a pouco, a senhora Florence lhe tinha ido proporcionando a verdade sobre seu passado, lhe dando uma sensação de plenitude que nunca tivesse imaginado encontrar.

Sua avó se vestiu para a grande ocasião: pescoço e pulsos cheios de pérolas e o cabelo vermelho esvaído penteado com elegância.

— Estão dormindo — assinalou Logan, protetor do necessário descanso de mãe e filha.

A senhora Floresce lhe apontou autoritária com a bengala de prata.

— Nem te ocorra acreditar que vou me dar meia volta depois de subir essas condenadas escadas. Só estarei um momento... Tenho que ver minha bisneta.

— Muito bem — murmurou Logan, lhe franqueando o passo.

— Conforme parece, nada a deterá.

Quando a senhora Florence se aproximou do bordo da cama, pareceu encantada ante a visão do bebê que descansava em braços de Madeline.

— Minha bisneta — observou com voz fraca e voltou o olhar ao Logan.

— Que criatura tão divina; não menos do que me esperava. Decidistes como vai se chamar?

— Elizabeth — respondeu Logan.

A anciã o olhou com uns olhos nos que a umidade tinha aumentado de maneira suspeita. Fez um gesto para que se inclinasse sobre ela e lhe beijou na bochecha.

— A sua mãe teria gostado disso, querido menino. Lhe teria gostado muitíssimo.

 

                                                                                Lisa Kleypas  

 

                      

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